Download PDF
ads:
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Tatiana Machado Boulhosa
De Santos e Viagens
A construção comparada do conceito de santidade nas biografias de
São Columba e São Columbanus
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO (CRE)
SÃO PAULO
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Tatiana Machado Boulhosa
De Santos e Viagens
A construção comparada do conceito de santidade nas biografias de
São Columba e São Columbanus
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO (CRE)
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora como exigência parcial para
obtenção do título de MESTRE em
Ciências da Religião pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-
SP), sob orientação do Prof. Dr. Silas
Guerriero
SÃO PAULO
2009
ads:
Banca Examinadora
___________________________________
___________________________________
___________________________________
Dedico este e todos os meus futuros
trabalhos ao meu avô, Dr. Reynaldo
Augusto Machado, cujo apoio, paciência e
infinito amor me possibilitaram ser quem
hoje sou. Dedico esta dissertação também a
minha avó, D. Maria de Lourdes de Castro
Machado, uma mulher exemplar com quem
sempre pude contar.
AGRADECIMENTOS
Nos últimos dois anos, confesso, pensei sobre esses agradecimentos por diversas
vezes. Sempre parecia me lembrar de alguém ou chegar a alguma solução perfeita para
as palavras que iria escolher. E todas as vezes mudei de idéia. Espero que dessa vez seja
diferente.
Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Silas Guerriero, cuja compreensão e
paciência foram fundamentais para a realização dessa dissertação. À Profa. Dra. Ana
Paula Tavares Magalhães por ter aceitado participar dessa banca. Ao Prof. Dr. Fernando
Torres Londoño, não só por ter aceitado o convite, mas também por todas as longas
horas de conversa sobre esse trabalho e tantos outros meandros da vida acadêmica.
Agradeço também à CAPES, por ter acreditado, apoiado e subsidiado esse projeto.
Agradeço à minha mãe e melhor professora, D. Lucia de Castro Machado
Boulhosa, para quem nem todas as variações do adjetivo “fantástica” seriam suficientes.
Em seguida, agradeço ao meu pai e companheiro, Dr. Claudio Joaquim Leite Boulhosa,
que sempre me incentivou a melhorar. À minha irmã, Talita Machado Boulhosa, por ser
minha irmã. Às vezes, isso é mais difícil do que se pode imaginar... Ao meu cunhado,
Cyro de Campos Aranha Pereira Neto, pela paciência comigo e com meu nervosismo
nas últimas semanas de confecção do texto. À minha sobrinha Letícia Boulhosa Aranha
Pereira, por ser a criança mais linda que já vi.
Agradeço também a todos os meus outros familiares, que sempre, de um jeito ou
de outro, souberam quando me incentivar: meus tios Dr. Antonio Machado Netto e
Valquíria Souza Porto; Dr. Reynaldo Augusto Machado Jr. e Suzana Doce Machado;
André Gomes de Castro Neto; Edson Bueno Black e Vera Lúcia Boulhosa Black; Itiso
Ynone e Maria Helena Boulhosa Ynone e minhas primas, Patrícia Boulhosa Black, Ana
Carolina Boulhosa Ynone, Ana Cláudia Boulhosa Ynone, Gabriela Gentile Machado,
Amanda Doce Machado, Catarina Doce Machado, Victória Gomes de Castro e Helena
Gomes de Castro. Em especial, agradeço ao meu avô, Dr. Reynaldo Augusto Machado,
que – literalmente – possibilitou que eu me dedicasse a essa dissertação; à minha avó,
D. Maria de Lourdes de Castro Machado, a outra metade de um par inigualável; à minha
avó, D. Neuracy Leite Boulhosa e à minha tia, madrinha e sempre companheira, Dra.
Nilze de Castro Machado, cujas conversas preciosas me ajudaram a desenvolver meus
argumentos.
Agradeço às amigas Tatiana Bina e Camila Martins, pelo apoio em qualquer
hora do dia. Aos amigos Patrick O’Sullivan, pelas mensagens de texto sempre
incentivadoras; Ciáran Coughlan por não permitir que eu descansasse a mente nem
quanto queria; Eoin Coughlan, pelas aulas de gaélico e ao Prof. Dr. Pedro Lima
Vasconcellos, cujas aulas e amizade me ensinaram o verdadeiro sentido do ser mestre.
Às famílias Carneiro Ravagnani, Piovezzani e Sales Carneiro, por tudo; nem outra
dissertação seria capaz de exprimir o quanto a amizade de todos vocês foi importante
para chegar ao fim desta. Ao colega Jefferson Betarello por ter funcionado como “pai
postiço” e proporcionado inúmeras conversas sem as quais muito do projeto nem sequer
teria existido. À amiga Cristina Melchior pelas quintas-feiras de discussão e por ter me
mostrado que nem só de cristandade vive o mundo. À amiga Bianca Zanirato Voloshyn
por mais de uma década de paciência e cumplicidade. Aos amigos Paulo Roberto dos
Santos e Daniel Corrêa pela compreensão nos momentos de tristeza profunda pela morte
de personagens históricas há muito falecidas e pelas risadas intermináveis ao redor de
nossas próprias desgraças...
Por último, mas certamente não menos importante, agradeço ao meu trio de
apoio. À Ana Cristina C. Ravagnani e à Maria Clara Sales Carneiro Sampaio, por terem
sido amigas e pares acadêmicos, sempre prontas a ler, revisar e criticar o texto,
apontando fraquezas e fortalezas e ajudando de todas as maneiras possíveis. À Cátia
Boulhosa Black, minha prima e melhor amiga, não só pelas intermináveis leituras, mas
também pela inesgotável paciência para com minhas intermináveis exposições sobre o
tema e pela certeza silenciosa de que eu conseguiria ir até o fim.
RESUMO
O objetivo dessa dissertação é discutir, de forma comparada, a construção do
conceito de santidade baseado em duas obras distintas: The Life of St Columba, escrita
por Adomnán, abade de Iona, nas últimas décadas do século VII e The Life of St
Columban, escrita por Jonas de Bobbio, em meados do século VII. Em ambos os casos,
é a busca da imagem de santidade que dá às narrativas seu sentido primário; portanto,
elas podem – e, de fato, devem – ser chamadas de hagiografias. Entretanto, sua história
não pode ser completamente entendida se o contexto mais amplo não for também
compreendido. Desta forma, essa dissertação se inicia com um apanhado dos eventos ao
redor desses santos que tornaram as narrativas possíveis; a saber, o Cristianismo Celta.
Também objetivamos apontar as várias interpretações ao redor do fenômeno e suas
implicações na forma final de um modelo teórico de santos monásticos medievais:
homens iluminados, retirados da sociedade, capazes de articular sob seu domínio um
grande número de seguidores, cujo poder advém de seu exemplo e sua ilustração. Tais
pessoas representam parte do imaginário medieval, articuladores de sua mentalidade,
tradutores – em feito e em palavras – das formas pelas quais a sociedade medieval vê o
mundo: uma eterna luta pelo direito ao amor Divino. Imbricado entre a História e a
Sociologia, tal modelo se torna parte das Ciências da Religião e termina por guiar a
leitura das ditas hagiografias, ajudando a entender o papel que esses monges
desempenharam durante os primeiros séculos do Cristianismo, não apenas como líderes
espirituais, mas também políticos.
Palavras-chave: Monasticismo; Cristianismo Celta; Santidade; Modelos
Compreensivos; História do Cristianismo.
ABSTRACT
The aim of this dissertation is to discuss comparatively the construction of the
concept of sainthood based on two distinct works: The Life of St Columba, written by
Adomnán, abbot of Iona, in the last decades of the 7
th
century and The Life of St
Columban, written by Jonas of Bobbio, in the mid-7
th
century. In both cases it is the
pursuit of the image of sainthood that gives the narrative its primary sense; therefore
they can – and in fact are – referred to as hagiographies. However, their history cannot
be fully understood if the wider context is not first comprehended. Therefore, this
dissertation opens up with a sketch of the surrounding events that made them possible,
that is to say, Celtic Christianity. We also aim to point out the various interpretations
surrounding the phenomenon and its implications in the final shaping of a theoretical
model of Medieval monastic Saints: illuminated men, withdrawn from society, capable
of articulating under their wings a great number of followers, whose power flowed from
their example and illustration. Such people represent part of the Medieval Imaginary,
articulators of its mentality, translators – in deeds as well as in words – of the ways in
which Medieval Society saw the world: an eternal struggle to be worthy of God´s love.
Entwined both with History and Sociology, such model becomes part of the Religious
Studies and ends up guiding the reading of the mentioned hagiographies, helping us
understand the role these monks played during the first centuries of Christianity, not
only as spiritual but also as political leaders.
Key-words: Monasticism; Celtic Christianity; Sainthood; Comprehensive Models;
History of Christianity.
SUMÁRIO
PÁGINA
INTRODUÇÃO ............................................................................................ 12
A gestão do trabalho ................................................................................. 12
A condução do trabalho ............................................................................ 15
A solução em capítulos ............................................................................. 16
As particularidades da documentação ...................................................... 18
CAPÍTULO I: DE CONTEXTOS .............................................................. 21
1.1. Um mundo em transformação ........................................................... 21
1.2. À margem da civitas .......................................................................... 25
1.3. Patricius e os primeiros monastérios ................................................. 27
1.4. A Escócia antes de Iona ..................................................................... 32
1.5. Columba ............................................................................................ 37
1.6. O concílio de Whitby ........................................................................ 43
1.7. A França antes de Columbanus ......................................................... 51
1.8. Columbanus ....................................................................................... 55
1.9. O fim de uma experiência ................................................................. 59
CAPÍTULO II: DE CONCEITOS .............................................................. 62
2.1. Introdução: as obras que sustentam o capítulo .................................. 62
2.2. O debate entre campos de conhecimento e o nascimento de
conceitos interdisciplinares ..............................................................
64
2.3. Mentalidade e Imaginário .................................................................. 66
2.4. Uma nota conceitual .......................................................................... 70
2.5. Considerações teóricas a partir da ética protestante e do “espírito”
do capitalismo ..................................................................................
71
2.6. Uma História das cidades: dos monastérios aos burgos .................... 73
2.7. A centralidade da religião no Imaginário Ocidental .......................... 81
2.8. O conceito de longa duração ............................................................. 84
2.9. Longa duração, Mentalidade, Imaginário e Santos Viajantes ........... 85
CAPÍTULO II: DE SANTOS ...................................................................... 87
3.1. Introdução: modelos & conversões ................................................... 87
3.2. Os autores das biografias: motivações específicas para suas obras .. 89
3.3. A estrutura da obra: questões de forma em The Life of St Columba
e outros comentários pertinentes ......................................................
92
3.4. A estrutura da obra: questões de forma em The Life of St Columban
e outros comentários pertinentes ......................................................
96
3.5. A dimensão pública da santidade: onde acontecem os milagres em
The Life of St Columba ....................................................................
99
3.6. A dimensão pública da santidade: onde acontecem os milagres em
The Life of St Columban ..................................................................
119
3.7. O significado dos milagres: a construção comparada do conceito de
santidade ..........................................................................................
128
3.8. As implicações das diferentes imagens de santidade ........................ 135
CONCLUSÃO .............................................................................................. 145
BIBLIOGRAFIA ......................................................................................... 148
ANEXO I: DE CAPÍTULOS ...................................................................... 156
The Life of St Columba; Livro I ………………………………………… 156
The Life of St Columba; Livro II ……………………………………….. 164
The Life of St Columba; Livro III ………………………………………. 173
The Life of St Columban; Primeira parte: Irlanda …….………………… 178
The Life of St Columban; Segunda parte: Burgundia …………………... 178
The Life of St Columban; Terceira parte: Da Gália à Itália ...................... 182
LISTA DE MAPAS
MAPA 01: A configuração política da Europa depois da queda do
Império Romano do Ocidente (c. 476) ...................................
25
MAPA 02: A divisão política da Irlanda Medieval .................................. 26
MAPA 03: Monastérios celtas na Irlanda no século VI d.C. ................... 30
MAPA 04: As Ilhas Britânicas – divisão política (c. 600) ....................... 34
MAPA 05: A localização geográfica da Ilha de Iona ............................... 42
MAPA 06: A disposição geográfica das construções da Abadia de Iona
nos tempos de Columba .........................................................
42
MAPA 07: A geografia do Sínodo de Whitby ......................................... 45
MAPA 08: A Gália Merovíngia ............................................................... 52
MAPA 09: O Império de Carlos Magno .................................................. 54
MAPA 10: Os principais monastérios de Columbanus ............................ 56
MAPA 11: Monastérios associados a Columbanus e Gall ....................... 60
MAPA 12: Monastérios fundados por irlandeses na Europa; séculos
VIII – XI ................................................................................
60
MAPA 13: Principais monastérios na Irlanda; séculos VI – VII ............. 89
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01: Cruz em pedra – entalhe em relevo – Iona; século VI ou
VII .......................................................................................
36
FIGURA 02: O ato da prece – entalhe em relevo – Iona; século VI ou
VII .......................................................................................
37
FIGURA 03: O Cathach de Columba ...................................................... 38
FIGURA 04: A atual Abadia de Iona ....................................................... 43
FIGURA 05: A atual Abadia de Whitby .................................................. 44
FIGURA 06: O Sínodo de Whitby ........................................................... 48
FIGURA 07: A atual Abadia de Lindsfarne ............................................. 49
FIGURA 08: A planta do Monastério de St Gall ..................................... 58
FIGURA 09: Edifício principal dos primeiros monastérios irlandeses .... 75
FIGURA 10: Os primeiros monastérios – edifício principal, torre de
observação e as beehives, cabanas-colméias onde os
monges dormiam ................................................................
76
FIGURA 11: O cemitério do Monastério de Glendalough ...................... 77
FIGURA 12: O edifício principal do Monastério de Glendalough .......... 77
FIGURA 13: A torre de observação do Monastério de Glendalough ...... 78
FIGURA 14: O Evangelho de Lindisfarne ............................................... 79
FIGURA 15: O livro de Kells .................................................................. 79
LISTA DE TABELAS
TABELA 01: Os milagres de Columba, suas formas e testemunhas ....... 100
TABELA 02: Os milagres de Columbanus, suas formas e testemunhas . 119
TABELA 03: Columba & Columbanus – localização, exemplo e
ilustração ...........................................................................
129
INTRODUÇÃO
O cristianismo é a religião dos historiadores. (...) Como livros sagrados, os
cristãos têm livros de história e suas liturgias comemoram, junto com episódios
da vida terrestre de seu Deus, os anais da igreja e as vidas dos santos.
March Bloch (Tradução nossa)
1
A gestação do trabalho
Durante a graduação, no curso de História, as aulas que mais me despertaram
interesse foram aquelas sobre a medievalidade. Não apenas me pareciam anos
fundamentais na criação do imaginário ocidental, mas também extremamente sedutores,
graças aos grandes vazios documentais que obrigam os pesquisadores a trabalhos
hercúleos, porém extremamente gratificantes enquanto preenchem tais lacunas. Ávida
por tudo que fosse medieval, aproveitei oportunidades de visitas à Irlanda para conhecer
o que os ditos “anos das trevas” nos deixaram.
Ruínas de igrejas e abadias tornaram palpáveis realidades que antes tinham
apenas os contornos da imaginação alimentada pelas palavras em livros e desenhos
chapados, cuja bidimensionalidade não dava conta da riqueza dos detalhes.
Impulsionada pelos sítios, entrei em contato com um best seller nacional, com o
provocativo título de How the Irish Saved Civilization, escrito por Thomas Cahill.
Como sói acontecer, a leitura levou a mais perguntas do que respostas. E, mais
especificamente, decidi estudar os “santos viajantes”, isto é, monges irlandeses que
deixaram sua pátria para fundar monastério em outros lugares da Europa. Depois de
alguns rascunhos, nasceu um projeto, partindo da comparação de dois protótipos: São
Columba e São Columbanus.
A dissertação que dele decorre pretende compreender a lógica geográfica desse
período de transição e traçar a interação entre personagens que percorreram amplos
caminhos até se tornarem mais do que simples nomes perdidos no tempo, a partir da
análise comparada das fontes. Claro, não somos os primeiros a contemplar o assunto.
Antes de nós, outros perceberam que os séculos V, VI e VII, foram momentos de
profunda transformação, especialmente no seio da sociedade irlandesa e que essa
transformação, tão local quanto inesperada, teve seus desdobramentos em todas as ilhas
britânicas e no continente europeu. Thomas Cahill, por exemplo, diz:
1
“Christianity is a religion of historians. (…) For sacred books, the Christians have books of history, and
their liturgies commemorate, together with episodes from the terrestrial life of a God, the annals of the
church and the lives of the saints”.
12
Logo a Irlanda rural alterou, sem necessariamente ter a intenção de fazê-lo, a
estrutura política do cristianismo, que tinha até então se baseado em bispados,
imitando as unidades administrativas da Roma urbana, chamada dioceses. Sem
ter cidades, a Irlanda não entendeu a necessidade de se ter bispos e,
gradualmente, esses foram substituídos em importância por abadas e – em um
desenvolvimento que faria o sangue de qualquer cidadão romano de respeito
gelar – abadessas (CAHILL, 1995: 172. Tradução nossa)
2
.
Pretende-se também, através de uma leitura histórico-crítica das biografias de
São Columba e São Columbanus, buscar indicadores das formas que embasaram a
construção do conceito de santidade nas hagiografias e qual o papel desse traço
carismático na consolidação da missão apostólica de um santo viajante irlandês ideal
típico enquanto componente do imaginário medieval sobre o tema.
E como esta não é tarefa simples nem que se realize sobre uma única linha,
consideramos que estudar o movimento de monastérios durante a Alta Idade Média no
continente europeu, pressuponha, antes de tudo, perceber que o tema tem mais de uma
dimensão e que, portanto, não pode se limitar às fundações de origem irlandesa. Deve-
se notar que há, nessa época, instituições de diversas ordens e origens e que a Irlanda é
apenas uma delas. Entretanto, uma que merece maior destaque do que lhe é dado pela
academia brasileira.
Fora de nosso país, porém, muitos pesquisadores se dedicam ao tema e, por isso,
interpretações são já bastante vastas, e de maneira geral se alinham a três correntes: 1)
surgimento de um cristianismo irlandês; 2) resultado de contingências históricas ou 3)
exercício teológico natural em qualquer comunidade cristã (Cf. O'LOUGHLIN, 2000).
Nem sempre as obras específicas são claras em relação ao viés da análise e, não raras
são as vezes em que as duas primeiras correntes se confundem nos textos bibliográficos.
Quando isso acontece, a tendência do autor é justificar seu posicionamento pelo
uso da cronologia política. As narrativas tendem a começar pelo final do Império
Romano e o início dos ditos reinos bárbaros, a situação na Irlanda durante os mesmos
anos e, por fim, a intersecção das duas realidades: a conversão da ilha, o sucesso da
cristianização e a inversão dos papéis - os irlandeses se tornam catequizadores dos
europeus barbarizados. Quando a obra se alinha à leitura da terceira corrente acima
2
“Soon enough, cityless Ireland altered, without quite meaning to, the political structure of Christianity,
which had been based on bishoprics that had mimicked Roman urban administrative units, called
dioceses. Lacking cities, Ireland didn’t quite see the point of bishops, and gradually these were replaced
in importance by abbots and – in a development that would make any self-respecting Roman’s blood run
cold – abbesses”.
13
citada, os autores tendem, por sua vez, a defender que os maneirismos do cristianismo
na Irlanda teriam sido apenas e tão somente o resultado de um exercício teológico.
Contudo, independentemente da corrente teórica a que se alinhem, todos os
autores que se dedicam ao tema devotam espaço considerável em suas obras à ação dos
monges e / ou missionários. O presente trabalho, nesse sentido, não é uma exceção.
Desta forma, o eixo de discussão proposto aqui são as hagiografias escritas por
Adomnán de Iona e Jonas de Bobbio sobre, respectivamente São Columba e São
Columbanus, dois representantes desse extenso grupo de monges e/ ou missionários.
Tratam-se, de fato, de fontes que suscitam muitas questões. Como ler uma
hagiografia do século VII? Qual o conceito de santidade que se quer construir e provar
na hagiografia em questão? A santidade é o sentido do texto? Quais são as
especificidades que esse sentido traz? Elas denotam traços típicos da sociedade
irlandesa e do cristianismo não romanizado que ela produziu nos primeiros séculos da
Idade Média?
Uma vez contempladas essas questões, destaca-se a importância da compreensão
do movimento monástico celta irlandês: tratar-se-ia de um cristianismo celta quase
cismático de tão específico ou de um exercício erudito de teologia absolutamente
circunscrito ao catolicismo romano? É importante ressaltar que para alguns autores o
cisma não aconteceu simplesmente porque não havia romanos suficientemente versados
nas tradições originais do cristianismo quando do surgimento do movimento celta, já
que no século VI eram os descendentes dos bárbaros invasores que dominavam o
espaço que antes havia sido do Império Romano (Cf CAHILL, 1995: 179 e ss.). Essa
explicação, entretanto, parece entrecortada por juízos de valor e, portanto, dificilmente
pode ser aceita de maneira universal; afinal, parece simplista pensar que os irlandeses
criaram sua interpretação da vivência cristã desta forma, apenas porque lhes faltavam
modelos de ortodoxia de qualidade (CAHILL, 1995: 180). Da mesma maneira, o
segundo pólo – um exercício teológico puro – também não parece dar conta do
complicado quadro sugerido pelas fontes.
Assim, é possível enxergar uma outra via interpretativa: resposta adaptativa
pragmática à realidade histórico-social do fim do Império Romano possibilitada pela
ação de figuras de carisma que ofereciam uma resposta aos anseios da comunidade local
dentro de seus próprios termos e justificada pelas marcas de santidade que
transpareciam em suas vidas. Por isso, as biografias de São Columba e São Columbanus
oferecem ferramenta ímpar para o pesquisador interessado em adentrar por questões de
14
reorganização da estrutura da Igreja Católica medieval, configurando um campo
inovador de estudo da solidificação de sua influência, até hoje relevante.
A progressiva transformação da Igreja Católica Romana da clandestinidade para
a oficialidade dentro do Império Romano, talvez tenha configurado um desafio menor
(enquanto vitorioso) do que superar sua gênese urbana e assentamento citadino para
tornar-se presente num espaço místico como o campo europeu medieval. A nova
adaptação precisava ocorrer em uma nova realidade: o cristianismo tornara-se oficial,
caminho para a cidadania e hegemônico. E, num país onde a maioria das pessoas se
considera perfilada à determinada denominação (como acontece com os brasileiros e o
catolicismo), procurar as origens por trás da dinâmica de suas respostas, enquanto
agente ativo do cotidiano é tarefa do pesquisador engajado.
A condução do trabalho
A feitura deste trabalho esteve diretamente ligada à disponibilidade das fontes e
acesso a elas. Por conta disso, o primeiro passo foi o levantamento de documentos, a
partir de catálogos virtuais. A partir daí, fez-se um inventário dos arquivos onde se
encontram estes documentos e se traçou um plano de viagem: visitas à Inglaterra,
Escócia, Irlanda e França, realizadas com o intuito de coletar dados. Além das fontes
pré-selecionadas, essas visitas permitiram buscar outras que porventura não tivessem
sido elencadas na relação anterior. Uma vez instrumentalizadas essas fontes, coube
fazer a revisão bibliográfica: coleta de textos, seleção, leitura e fichamento, análise,
crítica, interpretação, relação, comentários e organização à luz do aparato teórico já
mencionado para posterior composição dos capítulos.
Essas viagens foram prolíferas, vez que possibilitaram a aquisição de duas fontes
indisponíveis no Brasil: The history of the Franks, de Gregório de Tours (2005) e Life of
St Columba, de Adomnán de Iona. Além disso, foi possível comprar também extensa
bibliografia, igualmente não disponível no Brasil. Dentre os títulos adquiridos, citamos
aos interessados: A short history of Scotland, de Richard Killeen (2006); Saints, Erika
Langmur (2006); Celtic Saints, de Martin Wallace (2007); Early Celtic Christianity, de
Brendan Lehane (2005)
3
. Além disso, realizaram-se visitas aos monastérios de Iona, de
Lindisfarne, de Whitby e de Glendalough, de onde muitas das figuras desse trabalho.
3
A primeira obra é um manual de história escocesa que oferece excelente desenho estrutural da situação
da ilha antes da chegada do Cristianismo Celta e que vale também pela bibliografia que indica futuras
leituras. A segunda e a terceira obras oferecem uma excelente fonte para tentar compreender como tem
15
A solução em capítulos
Com todas as ferramentas em mãos, iniciou-se o processo de organização do
trabalho. Nesse ponto, notamos que as hagiografias ainda não tinham se tornado forma
de literatura comum na Europa no século VII, embora seja essa a provável data em que
Adomnán de Iona escreveu seu relato de vida de Columba. Jonas de Bobbio, por sua
vez, registrou a trajetória de Columbanus ainda no mesmo século e também não contava
com modelos estabelecidos. No entanto, a baliza cronológica não necessariamente anula
a intencionalidade das obras: demonstrar a santidade destes monges e legitimar assim,
no imaginário dos leitores contemporâneos a ela, as formas dos monastérios fundados
por ele e seus seguidores como pertencentes a uma instituição eclesiástica maior e mais
universal. Para tanto, dividiu-se o texto em três capítulos, focando-se sempre os dois
grandes objetivos da pesquisa: entender como a imagem de santidade de Columba e
Columbanus foi construída e como isso sem encaixa no quadro de especificidades do
cristianismo celta irlandês.
O Capítulo I - “De contextos” - traz um pequeno apanhado bibliográfico que
nos permite entender a situação que cerca o surgimento do movimento monástico
irlandês, a atuação de Patricius na conversão da ilha, a aceitação do cristianismo numa
sociedade não marcada pela lógica romana e a atuação de nossas personagens
principais, bem como um pequeno panorama das localidades geográficas em que cada
uma delas atuou. Aqui surge a necessidade de instrumentalizar um modelo comum a
essas duas personagens, de forma que elas se tornem instrumentalizáveis mais adiante.
Por isso, nosso Capítulo II - “De conceitos” - pretende a construção de um
modelo de monge. Para tal, lançamos mão da leitura de obras de base como Memória e
História (GOFF, 1994), A nova história (GOFF, s/d) e A escrita da história (BURKE,
1992). Sua compreensão e contextualização, entretanto, significou a ampliação do
quadro teórico, e a aceitação de certos conceitos que se tornaram hegemônicos na
produção historiográfica recente. Dentre esses conceitos, merecem destaque
“mentalidade” e “imaginário”. Nesse caso, recorre-se a obras como A Idade Média
(FRANCO JÚNIOR, 2005), Para um novo conceito de Idade Média (GOFF, 1993), A
história do imaginário (PATLAGEAN, 2001), Idéologies et Mentalités (VOVELLE,
1982) e A ética protestante e o espírito do capitalismo (WEBER, 2001).
sido interpretado o papel dos monges missionários irlandeses que deixaram sua ilha com a intenção de
levar sua forma de vivência da religião para outras regiões da Europa. A quarta obra oferece bons
contornos acerca do fenômeno, ainda que esteja diretamente filiada a uma leitura teológica.
16
O Capítulo III – “De santos e viagens” – propõe uma leitura crítica das
biografias dos dois homens em questão, sempre mantendo o foco no eixo previamente
identificado – um modelo idealtípico de monge que se constrói no imaginário social.
Aqui, tem-se primeiro uma pequena introdução acerca dos autores das duas obras,
seguida pela análise da forma de cada uma delas e pela exposição dos milagres
relatados, para que, em seguida, se proceda com a comparação efetiva.
Sobre este capítulo cabe ainda uma pequena consideração preliminar sobre
alguns conceitos que o permeiam, a saber, os de revelação profética (futuro), revelação
profética (presente), revelação profética (passado), prece, palavra, milagres por
procuração e milagres por contato. Na verdade, os termos “milagre por procuração” e
“milagre por contato” foram cunhados para essa análise. Já os termos “revelação
profética”, “prece” e “palavra” se encontram nas duas obras e foram utilizados numa
escala possivelmente mais ampla do que aquela definida por teólogos. Quando
pensamos em revelação profética, estamos nos referindo à idéia apresentada pelo
próprio Columba, de acordo com Adomnán:
Há algumas pessoas – poucas, de fato – para quem a graça Divina deu o poder
de ver de forma lúcida e bastante clara com uma compreensão mental
miraculosamente aumentada, no momento preciso, como se o fosse iluminado
por um raio de sol, até mesmo toda a órbita de toda a terra e o céu e o mar ao
seu redor (ADOMNÁN DE IONA, 1995: 146. Tradução nossa)
4
.
Trata-se, portanto, de uma tomada de consciência de fatos que não
necessariamente se encontram no mesmo espaço e / ou tempo em que a pessoa que o
conhece. Assim “revelações proféticas” estão no futuro quando dizem respeito a coisas
que ainda não aconteceram (diferem em espaço e / ou tempo); no presente quando
dizem respeito a coisas que acontecem longe da presença (diferem em espaço) e no
passado quando dizem respeito a coisas que já aconteceram (diferem em espaço e / ou
tempo).
Quanto ao termo “prece” ele é utilizado durante o terceiro capítulo para indicar a
comunicação do monge com Deus, independente da forma que assuma – suspiros,
clamores em nome do Senhor, prostrações e bênçãos foram, destarte, aqui agrupados.
“Palavra” foi a categoria que encontramos para acomodar os diversos tipos de ordens
dadas pelos monges, da forma como nos narram os autores de suas biografias. “Milagre
4
“There are some people – few indeed – to whom the grace of God has given the power to see brightly
and most clearly, with a mental grasp miraculously enlarged, at one and the same time as if lit by a single
sunbeam, even the entire orbit of the whole earth and the sea and sky around it”.
17
por procuração” são milagres realizados através de outras pessoas - ou que outros
realizaram em seu nome. “Milagres por contato” são milagres quase que involuntários,
que aconteceram por conta do contato da santidade com algum objeto que, por conta
disso, adquiriu poderes especiais.
Com essas definições em mentes desde já, esperamos que o caminho traçado
para nossa instrumentalização das fontes se torne mais compreensível ao leitor e possa
levá-lo a acompanhar a análise de maneira mais clara e direta. Sem dúvida, trata-se de
categorias escolhidas e, portanto, sujeitas a críticas e alterações. Entretanto, devemos
considerar o fato de que foram essas as que melhor responderam às necessidades
colocadas pelas próprias fontes e, justamente por isso, as que chegaram à versão final
deste texto.
As particularidades da documentação
Antes de iniciarmos nosso trabalho propriamente dito, cabe explicitar algumas
especificidades da documentação utilizada. A primeira questão a ser abordada é a dos
nomes. Para essa análise, escolhemos, quando possível, a forma latinizada das grafias.
Assim, Páidraic, Patrick ou Patrício se tornaram Patricius em todas as referências ao
monge. A mesma coisa aconteceu com Columb ou Colum Cille, a quem chamamos de
Columba. Cólman tornou-se Columbanus, quando nos referimos ao monge que deixou a
ilha da Irlanda em direção ao continente e constitui parte de nosso objeto de análise e,
para facilitar a diferenciação, permaneceu Cólman quando se referindo a outras
personagens. Sobre isso, Richard Sharpe explica em uma de suas notas ao texto de
Adomnán:
O nome Columba é latino e significa ‘pomba’, mas é usado convencionalmente
para expressar o nome irlandês Columb; similarmente um nome comum,
irlandês, Colmán, um diminutivo, é latinizado como Columbanus. (...) O
próprio Columbanus preferia usar a forma Columba; seu biógrafo, que como
monge tomou o nome de Jonas, usa ambos indiscriminadamente. Adomnán usa
a forma Columbanus para Colmán em várias ocasiões (SHARPE, 1995: 242 &
243. Tradução nossa)
5
.
5
“The name Columba is Latin and means ‘dove’, but it is used conventionally to express the Irish name
Columb; similarly the common Irish name Colmán, a diminutive, is Latinized as Columbanus. (…)
Columbanus himself preferred to use the form Columba; his biographer, who as a monk took the name
Jonah, uses both indifferently. Adomnán uses the form Columbanus for Colmán on a number of
occasions”. A única exceção são as menções diretas ao trabalho de Jonas de Bobbio, no qual seguimos a
tradução proposta por Munro, a saber: The Life of St Columban.
18
Já discutimos os problemas de acesso às biografias de Columba e Columbanus,
mas o que ainda não mencionamos são as questões concernentes às suas formas, afinal,
tratam-se de caminhos bastante distintos. Talvez a única coisa que possamos encontrar
em comum é o fato de que nenhuma delas está disponível em português, embora contem
com traduções para o inglês.
The Life of St Columba foi originalmente escrita em irlandês por Adomnán de
Iona (c.624-704). A primeira tradução da obra é de 1961 e foi feita por Alan Orr
Anderson e Marjorie Ogilvie Anderson, do irlandês para o latim. A versão que usamos
para essa dissertação, entretanto, é a tradução do Professor Richard Sharpe, cuja
primeira edição data de 1995. Ele baseou sua versão, em inglês, na citada obra de
Anderson e Anderson (1961), e, como o próprio nos informa em seu prefácio, “esteve
mais preocupado em expressar seu significado [da obra de Adomnán] em inglês do que
em reproduzir suas palavras ou, em alguns casos, seu estilo truncado” (SHARPE, 1995:
preface. Trradução nossa)
6
. O texto divide-se em três partes claramente distintas: a
introdução, a tradução do manuscrito e as notas. Nesse trabalho, escolhemos distingui-
las a partir da própria definição de fontes primárias e secundárias. Nas instâncias em
que nos referirmos à introdução ou às notas de Sharpe, seu tratamento será considerado
como de revisão bibliográfica; da mesma maneira, quando a referência for à escrita de
Adomnán, tratá-la-emos como a uma fonte primária e, portanto, a análise será de
documento.
The Life of St Columban, por outro lado, merece considerações completamente
distintas. Ela foi escrita por Jonas, monge de Bobbio – último dos monastérios fundados
por Columbanus, na Itália – e sua língua original é o latim. Não há tradução impressa
para o inglês que possa ser adquirida de outra forma que não virtual. No site da
Fordham Univeristy (Universidade Jesuíta de Nova York), há uma grande quantidade
de livros digitalizados – um projeto coordenado pelo professor Paul Halsall, chamado
de Medieval Sourcebook (www.fordham.edu/halsall/sbook.html). A tradução do
manuscrito de Jonas foi organizada por Dana Munro, e realizada a partir da obra latina
de compilação de biografias de santos, Acta Santorum Ordinis S. Benedicti, produzida
por Mabillon, em Veneza, 1733. (MUNRO, 1897?-1907?). Sobre essa tradução, Munro
diz:
6
“I have been more concerned to express his [Adomnán’s] meaning in English than to replicate his words
or his sometimes contrived style”.
19
A linguagem de Jonas é um tanto bombástica e difícil de ser transportada para o
inglês. Em alguns casos, o tradutor foi incapaz de determinar a conexão exata
entre certos períodos e o contexto. Nessas sentenças, ele traduziu literalmente,
esperando que outros possam encontrar a conexão que lhe escapou. No geral,
onde ele suspeitou de erros, ele seguiu o latim de perto (
MUNRO, 1897?-
1907? Tradução nossa)
7
.
Infelizmente não temos espaço nesse trabalho para refletir sobre os problemas
que tal afirmação nos traz. Nem podemos gastar muito tempo levantado hipóteses
acerca de outros problemas que a compilação de Mabillon, feita já em tempos tão
distintos daqueles que geraram a produção original de Jonas, possam colocar para o
conteúdo da obra em si, mas seria temeroso concluir essa breve introdução sobre nossas
fontes sem sequer mencionar a questão, retomada no Capítulo III.
7
“The language of Jonas is somewhat bombastic and difficult to put into English. In some cases, the
translator has been unable to determine the exact connection of certain clauses with the context. In such
sentences he has translated literally hoping that others might see a connection which he missed. In
general, where he suspected any mistake, he has followed the Latin closely”.
20
CAPÍTULO I
DE CONTEXTOS
1.1. Um mundo em transformação
Um trabalho que visa entender a construção do conceito de santidade na
biografia de dois santos irlandeses cujas vidas se desenvolveram entre os séculos VI e
VII não deve principiar de outra forma que não introduzindo o leitor ao contexto no
qual tais santos se inseriam. Assim, este primeiro capítulo pretende dar conta – ainda
que de forma panorâmica – da bibliografia acerca das mudanças pelas quais a
civilização ocidental passou durante este período, focando-se especificamente a questão
religiosa, numa tentativa de compreender os movimentos e instituições que
contribuíram para a consolidação da Igreja Católica Apostólica Romana, não apenas em
termos teológicos, mas também (e principalmente) políticos, geográficos e históricos,
respeitando assim, a lógica interdisciplinar típica do campo das Ciências da Religião.
Desta forma, a primeira constatação a ser feita é a de que estudar o movimento
de monastérios durante a Alta Idade Média no continente europeu, pressupõe perceber
que o tema tem mais de uma dimensão. Há instituições de diversas ordens e origens,
sendo que a historiografia tradicional tendeu a focar seus esforços na lógica estabelecida
entre os séculos VIII e IX pelos beneditinos sob Carlos Magno e seu Império
Carolíngio. Entretanto, outras possibilidades se colocavam naqueles tempos. Uma delas
foi a corrente irlandesa, sobre a qual pouco – ou quase nada – se produziu em língua
portuguesa, mas que, nem por isso, deve ser considerada menos importante.
As produções de língua inglesa, não obstante, são bastante profícuas e quando
tomadas como conjunto de análise apontam interpretações já bastante vastas, e, de
maneira geral, alinhadas a três correntes: 1) surgimento de um cristianismo irlandês –
nascimento de uma religião completamente nova, ainda que inspirada pelo cristianismo
continental-; 2) resultado de contingências históricas – emergência de diferenças
motivadas pelo isolamento geográfico - ou 3) exercício teológico natural em qualquer
comunidade cristã – tentativa de adaptação da realidade social às demandas da nova
religião, sem perder de vista especificidades culturais anteriores (Cf O'LOUGHLIN,
2000). Nem sempre as obras específicas são claras em relação ao viés da análise e não
raras são as vezes em que as duas primeiras correntes acima mencionadas se confundem
nos textos bibliográficos. Quando isso acontece, a tendência dos autores é justificar seu
posicionamento costurando seu argumento ao redor da cronologia política. As narrativas
21
costumam começar pelo final do Império Romano (por volta dos séculos III e IV) e o
início dos ditos Reinos Bárbaros (entre os séculos IV e V); a situação na Irlanda durante
os mesmos anos e, por fim, a intersecção das duas realidades: a conversão da ilha
(século V), o sucesso da cristianização e a inversão dos papéis - os irlandeses se tornam
catequizadores dos europeus barbarizados (século VI).
Um dos mais conhecidos autores a percorrer exatamente este caminho é Thomas
Cahill, em seu livro How the Irish Saved Civilization (1995). As ressalvas ao resultado
são inúmeras e aparecem já com a leitura da introdução: criticando a intenção
presentista da historiografia, por exemplo, o autor – cuja formação não é de historiador
– incorre justamente nesse tipo de análise, esbarrando em constantes anacronismos. No
entanto, sobram boas indicações - cujas origens, infelizmente nem sempre são fáceis de
se identificar, dada a imprecisão da bibliografia. “The end of the world: how Rome fell
and why”, o primeiro capítulo do livro, nos leva diretamente às fronteiras do Império
Romano em uma narrativa estilizada e quase literária que se propõe a traçar as causas
do fim do mundo como ele era conhecido.
Primeiro com os críticos pagãos da cristandade, depois com Agostinho,
Petrarca, Maquiavel e Gibbon, definiram-se os limites de todas as interpretações
posteriores: Roma caiu por conta de fraqueza interna, ou social ou espiritual; ou
Roma caiu por conta da pressão externa – as hordas bárbaras. O que nós
podemos dizer com confiança é que Roma caiu gradualmente e que os romanos,
por muitas décadas, sequer notaram o que estava acontecendo (CAHILL, 1995:
14. Tradução nossa)
8
.
Adotando uma postura que ora parece tender ao primeiro grupo interpretativo,
ora ao segundo - ou seja, entre a defesa de um cristianismo irlandês e de um resultado
lógico das contingências históricas e geográficas - Cahill passa a delinear a diferença
comportamental entre romanos e bárbaros, sempre insistindo em imagens opostas. Esta
oposição se estende dos germanos aos celtas, particularmente em seu terceiro capítulo,
“Unhole Ireland”, repleto de imagens brutais de celtas sedentos de sangue e vivendo em
uma sociedade em constante guerra, com pouca ou nenhuma cultura efetiva, assim
como os germanos deste primeiro capítulo (“The end of the world: how Rome fell and
why”), que têm até sua higiene questionada (Cf CAHILL, 1995: 9-32). Para reforçar
essas construções imagéticas, o autor desenvolve esta parte de sua narrativa ao redor de
8
“First the pagan critics of Christianity, then Augustine, Petrarch, Machiavelli, and Gibbon have defined
the limits of all later interpretation: Rome fell because of inner weakness, either social or spiritual; or
Rome fell because of outer pressure – the barbarian hordes. What we can say with confidence is that
Rome fell gradually and that Romans for many decades scarcely noticed what was happening”.
22
um embate militar. Entretanto, defende também a teoria de que “a migração bárbara não
foi percebida como uma ameaça pelos romanos simplesmente porque era uma migração
(...) e não um ataque organizado e armado” (CAHILL, 1995: 16. Tradução nossa)
9
, e
que situações como as de sua própria narrativa, teriam, na verdade, sido menos comuns
do que se pode imaginar. Além disso, Cahill mostra que esses novos grupos – migrando
ou forçando sua entrada no Império Romano – não impediram que o cristianismo
continuasse a crescer, embora ressalve que em muitos círculos, pareça ter sido abraçado
apenas como ferramenta de ascensão social do participante.
Sua interpretação dos motivos do crescimento do cristianismo difere claramente
da posição de outros autores. Trata-se de uma lógica bastante distante, por exemplo, da
que aparece no texto de Rodney Stark, O Crescimento do Cristianismo (2006), em que
o número de convertidos é ligado a outros tantos fatores, tais como um caráter
agregador da nova religião, que trazia, finalmente, homogeneidade ao “caos cultural”
que Roma deixara atrás de si ao conseguir sua unidade política
10
. Para Stark o Império
Romano da época oferecia uma “oportunidade do surgimento de um novo culto
importante nesse local e nesse momento específico” (STARK, 2006: 213) porque sofria
de um cenário religioso excessivamente plural (Cf STARK, 2006: 219), estava imerso
numa lógica religiosa que perdia sua capacidade de captação de recursos e era presa de
uma economia religiosa volátil.
O cristianismo (...) cresceu porque os cristãos constituíam uma intensa
comunidade capaz de gerar a ‘invencível obstinação’ (...) que resultou em
imensas recompensas religiosas. E os meios fundamentais de seu crescimento
foram os esforços conjuntos e motivados do crescente número de fiéis cristãos,
que convidavam seus amigos, parentes e vizinhos para compartilhar a ‘boa
nova’ (STARK, 2006: 231).
Stark ao descrever o Império Romano, traduz declínio; Cahill, embora fale em
caos para explicar o século V romano, traduz nostalgia. O tom que o autor utiliza para
tentar mostrar a complexidade daquilo que fora perdido é quase melancólico: o
imperador via sua autoridade decrescer gradativamente; os edifícios públicos eram
saqueados e bandos tornavam as estradas lugares de assaltos e seqüestros. As fronteiras
encolhiam constantemente e as incursões de escravização eram cotidianas, da parte de
romanos e bárbaros. De acordo com Cahill, o medo era tão grande que não havia tempo
9
“The barbarian migration was not perceived as a threat by Romans, simply because it was a migration
(...) and not an organized armed assault”.
10
Para ele, seria interessante que outros pesquisassem o assunto estatisticamente, usando outras variáveis,
já que ele lançou mão de apenas algumas (STARK, 2006: 226 e ss).
23
para as coisas do intelecto. Daqui decorre sua afirmação mais polêmica e categórica:
para ele, o que teríamos perdido com o final do mundo clássico seria o cotidiano
literário
11
. Assim, segundo o autor, possivelmente nada teria chegado daquilo que fora
escrito por gregos e romanos, não fosse a ação dos irlandeses. Tal afirmação parece
pouco plausível, e o próprio autor a contradiz quando aponta como um continuum desse
período a lei romana, que perdurara, emulada pelos povos bárbaros, motivados por
questões organizacionais. Ora, leis são expressões do cotidiano literário, não apenas
porque – como no caso de Roma – precisam ser escritas, mas também porque seu
manejo e aplicação pressupõem certa educação específica. Mais ainda, o autor
novamente contradiz sua afirmação anterior de que nada nos teria chegado do cotidiano
literário se não fosse pelos irlandeses, ao dizer que não apenas a lei romana continuou a
existir, mas também certagica administrativa; para a qual as mesmas ressalvas
apontadas para a lei romana podem ser aplicadas. Em suas palavras: “houve, além de
tudo, um cargo que sobreviveu intacto da polis clássica para a medieval, o cargo de
bispo católico“ (CAHILL, 1995: 61. Tradução nossa)
12
.
O bispo era um sinônimo de uma unidade comunitária urbana, um dos poucos a
persistir nas cidades, mesmo invadidas. Na nova realidade, ele se tornava também,
muitas vezes, um dos poucos letrados, e, portanto, responsável por orientar os reis na
aplicação das leis. É interessante notar que a importância da permanência dos bispos
está não apenas nas cidades do Império Romano Ocidental, mas também entre as
comunidades das terras do Oriente: “As instituições politicamente autônomas das
cidades gregas haviam desaparecido com a expansão da burocracia imperial, mas os
bispos proporcionavam liderança local” (HOURANI, 2006: 24).
11
Neste ponto, Cahill ignora abertamente o trabalho dos árabes, sobre os quais Albert Hourani (2006),
por exemplo, discorreu com enorme erudição em seu livro Uma História dos Povos Árabes: “Da última
parte do século II até o IV islâmicos (mais ou menos do século VIII até o X d.C.), (...) o trabalho de
tradução foi executado intensivamente (...). Em sua maior parte, o trabalho foi feito por cristãos cuja
primeira língua cultural era o siríaco, e que traduziam do siríaco para o árabe, mas algumas obras foram
traduzidas diretamente do grego para o árabe. (...) Parte importante nisso foi desempenhada pelo maior
dos tradutores, Hunayn ibn Ishaq (808-73). Praticamente toda a cultura grega da época, preservada nas
escolas, foi assimilada nessa linguagem ampliada. (...) Os estudos habituais incluíam filosofia (a maior
parte Aristóteles, alguns diálogos de Platão, algumas obras neoplatônicas); medicina; as ciências exatas,
matemática e astronomia” (HOURANI, 2006: 112).
12
“There was, moreover, one office that survived intact from the classical to the medieval polis: the office
of Catholic bishop”.
24
MAPA 01: A configuração política da Europa depois da queda do Império Romano do Ocidente (c. 476)
(OUTLINE MAPS, 2008)
1.2. À margem da civitas
Dentro das fronteiras do Império Romano havia – como em tantas outras
civilizações anteriores e posteriores a ele – formas de distinguir socialmente os homens
de suas cidades e de seus campos. A forma historicamente mais importante deste
contexto, talvez tenha sido, porém, a concessão do status de cidadão; a civitas (Cf
ANDERSON, 2000). Os benefícios associados à civitas se modificaram
consideravelmente durante os séculos, assumindo contornos distintos na República e no
Império. Entretanto, algumas características se mantiveram – ao menos formalmente –
quase que intactas. Dentre elas destacamos a máxima da manutenção do bem da
comunidade, também chamada de res publica ou “coisa pública”, acima do bem
individual e a regulação da vida cotidiana dos cidadãos em relação ao Estado a partir da
instituição do direito público – oposta à instituição do direito privado, que regulava as
relações ente os cidadãos, famílias, etc. Com o passar dos anos, muitas das leis se
tornaram obsoletas, outras tantas precisaram ser criadas e o direito de cidadania se
estendeu não apenas a muitas das áreas conquistadas, como também a membros da
25
“aristocracia” de alguns dos povos ditos bárbaros que cruzaram as fronteiras do Império
(Cf COLLINS, 1999).
Na Irlanda, a dialética da história não podia ser mais diferente. Além de Cahill,
Brendan Ó hEiíhir, em A Pocket History of Ireland (2000), desenha um panorama sobre
esses anos, começando com a chegada dos primeiros habitantes da ilha há cerca de oito
mil anos, passando pelas diversas invasões e o surgimento de um conjunto de lendas
que explicavam o passado desconhecido
13
. Além do material que essas lendas nos
fornecem sobre a vida na Irlanda durante o que se convencionou chamar de Pré-História
e Idade Antiga, alguns achados arqueológicos permitem que saibamos algumas coisas
sobre essa remota porção de terra, protegida dos avanços romanos pelo frio e pouca
acessibilidade.
MAPA 02: A divisão política da Irlanda Medieval (CAHILL, 1995: 87)
13
Entre elas encontra–se Táin Bó Cuailgne, uma complexa e conhecida saga mitológica (a mais antiga em
língua vernacular européia a ter sobrevivido), que conta com várias traduções para o inglês.
26
Como vemos na figura acima, a Irlanda celta era dividida em cerca de 150
pequenos reinos, agrupados em cinco províncias, quatro das quais ainda existem como
unidades administrativas: Ulster, ao norte; Munster, ao sul; Connacht, a oeste e
Leinster, a leste. Meath, a região central, hoje se tornou um condado, embora seus
contornos sejam diferentes dos originais. Havia um rei em Tara, o High King, cujo
cargo era parcialmente hereditário e parcialmente eletivo. Cumpria funções de caráter
religioso e funcionava como um árbitro nas disputas entre os reis menores, mas nunca
exerceu poder político efetivo sobre as províncias. Não era, portanto, a administração
que fazia dos irlandeses um povo unido, mas sim leis e língua comuns. A chegada de
Patricius, que viria a ser São Patrício, não só marcou um período de muitas fontes
históricas como também a introdução de um terceiro fator de identidade na ilha: o
cristianismo.
1.3. Patricius e os primeiros monastérios
Embora a tradição atribua a conversão dos irlandeses a São Patrício, ficou
claramente provado que alguns missionários estavam trabalhando antes dele e
que ele limitou sua atividade evangelizadora ao norte e centro da Irlanda.
Entretanto, a importância de São Patrício é inegável (LOYN, 1997: 201).
Patricius
14
era filho de uma família britânica que vivia dentro da civitas romana,
relativamente abastada: seu pai teria sido um decurião (ou chefe de pessoal do palácio)
britânico (Cf LOYN, 1997: 291), um cargo hereditário dado apenas a cidadãos romanos.
Entretanto, aos 16 anos, foi seqüestrado
15
e levado à Irlanda onde se tornou escravo de
um dos muitos reis daquela ilha. Seu nome era Miliucc, e dele pouco se sabe. A vida na
Irlanda então, à parte da chamada civilização, era absolutamente diferente daquela com
a qual Patricius estava acostumado: substituíram–se os manuscritos, livros e códigos
que ele estudara por um dia a dia como pastor escravo. Seu trabalho lhe proporcionava
uma vida de isolamento; contatos com outros seres humanos eram raros, e por isso,
supõe–se que deva ter levado um tempo relativamente longo para que ele dominasse a
língua e os costumes locais (Cf CAHILL, 1995).
14
Para detalhes da vida e missão de Patricius, recorremos novamente à narração de Cahill, especialmente
em seu Capítulo IV, “Good news from far off: the first missionary” (CAHILL, 1995: 99-120) e à
Confissão de Patricius, editada recentemente por Skinner (1998). Como não há necessariamente acordo
sobre as datas precisas dos eventos acerca da vida do monge, optamos aqui por suprimir anos, a não ser
quando há concordância, pelo menos, nesses dois textos.
15
Provavelmente por piratas celtas, cujas incursões às praias britânicas para captura de escravos eram
famosas.
27
Durante seis anos serviu a Miliucc, até decidir-se pela fuga, orientada, segundo
ele, por uma voz divina. Calcula-se que Patricius teve de caminhar cerca de 260
quilômetros para chegar próximo ao mar, já que as terras de seu senhor eram no meio da
ilha. No porto, encontrou um navio pronto para partir. Depois de uma viagem
atribulada, conseguiu chegar à Inglaterra e voltar para sua família. No entanto, depois de
tanto tempo cativo e transformado por suas experiências místicas, foi incapaz de se
adaptar. Abrindo mão de seus direitos como herdeiro de uma família romanizada, partiu
para a Gália, onde foi ordenado, apesar das dificuldades que encontrou por ter passado
anos sem se dedicar ao estudo do latim (Cf CAHILL, 1995).
Na condição de bispo e missionário, voltou à Irlanda “para suceder ao bispo
Paládio por volta de 434” (LOYN, 1997: 291). Como lá não havia cidades, seu título
tornou-se decorativo. Passou a viver no campo, convertendo e pregando. De acordo com
a tradição, ele teria estabelecido bispados ao norte, centro e leste da Irlanda. Também
esses bispados não podiam ser comparados aos do continente. Os fiéis de quem
cuidavam os prelados apontados por Patricius espalhavam-se em pequenas aldeias e
aglomerações. Mesmo assim, seu sucesso com os irlandeses e seus reis pode ser visto
como considerável, na medida em que, durante sua vida e logo após sua morte, o
comércio de escravos caiu pela metade e outras formas de violência como assassinatos e
guerras entre tribos, diminuíram
16
. Fundou monastérios e conventos, cujos habitantes
lembravam aos irlandeses (famosos então pela liberdade das morais sexuais) os
benefícios de uma vida cheia de virtudes, coragem e generosidade (Cf CAHILL, 1995).
E os convertidos se agarraram a sua nova fé, permitindo que ela continuasse a
crescer e se tornasse hegemônica, embora assumindo características muito peculiares.
Em primeiro lugar, devemos dizer que houve uma preferência pela formação de
pequenos monastérios, “freqüentemente com patrocínio real” (LOYN, 1997: 201).
Depois, com o tempo, esses monastérios se tornaram centros irradiadores da cultura e
formadores de opinião. Além disso, os monges se tornaram figuras centrais na
sociedade. Eram, entre outras coisas, os responsáveis pelas formidáveis cópias de livros,
dos quais o mais conhecido é o Livro de Kells, atualmente em exposição na Trinity
University de Dublin (Cf hEIÍHIR, 2000). Detentores da cultura letrada, os abades
16
Entretanto, não devemos tomar essa diminuição como fim absoluto. Em The Life of St Columba
(ADOMNÁN DE IONA, 1995), por exemplo, encontramos diversas menções a representantes de
diversos clãs e grupos impondo vingança de sangue sobre seus inimigos; mortes violentas figuram
comumente nas previsões do monge e há mesmo um capítulo que lida especificamente com a questão da
escravidão (ver Anexo I; The Life of St Columba, Segundo livro, Capítulo 33).
28
(chefe dos monges numa abadia) da Irlanda, subverteram a lógica continental e
tornaram mais poderosos que os bispos aos quais estavam, teoricamente, submetidos.
Assim, esses monastérios converteram-se também em cobiçados espaços do
poder político e contribuíram para a manutenção da organização da sociedade irlandesa
em pequenos reinos. Para se ter uma idéia, Henry Loyn, nos conta que “no final do
século VIII e durante o século IX, seu envolvimento [dos monastérios] na política era
tal que abades entraram em guerra, enquanto suas ligações com famílias aristocráticas
eram tão estreitas que reis, por vezes, exerciam funções tanto clericais quanto seculares”
(LOYN, 1997: 201). Daqui, podemos depreender que a fragmentação política era
também religiosa, já que os monastérios irlandeses nunca se organizaram enquanto um
movimento único, hierarquizado e / ou centralizado;
não havia (...) uma Igreja céltica dotada de organização unitária e prática
comum em todas as áreas celtas. A prática e as instituições eram extremamente
diversas nas diferentes regiões; os clérigos celtas nunca se reuniram como um
grupo nem reconheceram uma figura que lhes presidisse. Compartilhavam,
porém, características comuns (LOYN, 1997: 86).
Uma dessas características são seus santos missionários: peregrinos que
deixaram ilha em direção à vizinha Escócia (de onde partiram para a Inglaterra e o País
de Gales) e ao continente, levando consigo a tradição monástica. Thomas Cahill explica
o surgimento dessa tendência com o conceito de martírio branco
17
. Para ele, os
primeiros mártires do cristianismo, aqueles que morreram em Roma durante os anos em
que a religião era praticada na ilegalidade, podem ser chamados de mártires vermelhos.
Como a conversão da Irlanda, como relatada no livro de Patricius, aconteceu de forma
relativamente tranqüila e contou com a adesão de reis e nobres, bem como da
população, não houve espaço na sociedade irlandesa da época para tais demonstrações
de fé. No entanto, os celtas tinham sido guerreiros durante séculos. Para eles, a morte
em batalha era considerada altamente gloriosa. Cahill afirma que a decepção por não ter
de guerrear pela fé (seja de forma ativa ou resistente) teria pesado sobre a sociedade
irlandesa.
Além disso, a teologia cristã é basicamente pacífica. O autor insiste em dizer que
Patricius esforçou-se ao máximo para fazer ver aos seus seguidores que sua religião não
17
É interessante notar que referências a este conceito são bastante escassas, mas existem: ele pode ser
encontrado, por exemplo, no livro de Brian Lacey, O’Brien Pocket History of Irish Saints (2003) e no
Dicionário da Idade Média, de Henry Lyon (1997), embora nesse apareça mais como descrição de um
sentimento do que como um conceito.
29
pregava o derramamento de sangue, pois Cristo já havia morrido pelos pecados do
mundo. Seguindo essa linha de raciocínio, Cahill mostra que em retirar a opção da
morte em batalha, Patricius colocou os irlandeses frente a uma busca por novo sentido
para a morte, cuja solução foi encontrada na prática dos monges eremitas do Egito.
Como, ao contrário da paisagem do norte da África, a Irlanda é cheia de pastagens
verdejantes, ao se retirar das aldeias e se dedicar ao isolamento estudando a palavra
divina, os monges irlandeses deram início ao martírio verde
18
.
MAPA 03: Monastérios celtas na Irlanda no século VI d.C. (JOHNSTON, 2008)
18
Em verdade, uma das menções mais importantes que temos desses “mártires verdes” se encontra na
obra de Jonas de Bobbio, The Life of St Columban (ver Capítulo III: De Santos), na forma de uma devota
a quem Columbanus procura quando tentado pela carne. Ela categoricamente lhe afirma que “doze anos
se passaram desde que eu estou longe de casa e procurei esse lugar de peregrinação. Com a ajuda de
Cristo, nunca desde então me envolvi com assuntos seculares; depois de colocar minha mão no arado, eu
nunca mais voltei atrás”. (JONAS DE BOBBIO, 18987? – 1907?: Capítulo 8. Tradução nossa).
“Twelve years have passed by, since I have been far from my home and have sought out this place of
pilgrimage. With the aid of Christ, never since then have I engaged in secular matters; after putting my
hand to the plough, I have not turned backward”.
30
Não obstante, esse isolamento auto-imposto como forma de martírio, parece ter
durado pouco tempo. Em breve as moradias desses homens santos se tornaram centro de
comunidades religiosas, formadas por leigos e sacerdotes, com uma lógica social e
econômica própria
19
. Por outro lado, se o princípio é frustrado, a conseqüência parece
benéfica à propagação da fé, como fica claro no mapa acima em que observamos a
grande quantidade de monastérios presentes na ilha ao redor do ano de 650. Quando no
centro desses grupos, os monges se vêem na posição de líderes e, portanto, capazes de
lutar pela expurgação daquilo que ainda permanecia de pagão nas práticas cotidianas.
Desse movimento surge a veia catequizadora dos monastérios celtas. Imbuídos de tal
espírito, muitos monges se entregam, com o tempo, ao sacrifício maior, o martírio
branco: deixam a pátria, com a intenção de viajar “(...) para o branco céu da manhã,
para o desconhecido, para nunca mais voltar” (CAHILL, 1995:184. Tradução nossa)
20
.
Trata-se, em essência, da mesma chave de leitura apresentada por Henry Lyon,
no verbete dedicado à “missão céltica para o continente”, em seu livro Dicionário da
Idade Média (1997). Para ele, o que havia era um sentimento de busca por uma “plena
realização espiritual” (LOYN, 1997: 86) que só poderia acontecer a partir de “uma
peregrinação para longe de seu lar e país, cortando todo o contato com fontes
conhecidas de apoio e alcançando a superação do próprio eu através da luta espiritual”
(idem). Esta também é a linha que Richard Sharpe adota em seus comentários sobre a
obra de Adomnán, The Life of St. Columba: “peregrinação ou exílio religioso para fora
da Irlanda era, nesse período, considerado uma forma maior de auto-abnegação do que
entrar para a vida religiosa em seu próprio distrito ou em outro lugar da Irlanda”
(SHARPE, 1995: 283. Tradução nossa)
21
.
É o martírio branco o denominador comum entre os chamados 12 Apóstolos da
Irlanda. Na verdade, trata-se de um grupo de 12 monges, todos alunos de Finnian de
Clonard (470-549) que, depois de seu tempo de estudo, deixaram o monastério e se
aventuraram por outras partes da ilha, fundando novas comunidade e disseminando a
nova fé. São eles: Ciaran of Saighir e Ciaran de Clonmacnois; Brendan de Birr e
Brendan de Clonfert; Columba de Terryglass e Columba de Iona; Mobhí de Glasnevin;
Ruadhan de Lorrha; Senan de Iniscathay; Ninnidh de Loch Ere; Lasserian mac
19
Para maiores detalhes sobre o cotidiano dessas comunidades, ver Capítulo II: De Conceitos; 2.5. Uma
história das cidades: dos burgos aos monastérios propriamente ditos
20
“(...) into the white sky of morning, into the unknown, never to return”.
21
“Pilgrimage or religious exile outside Ireland was in this period considered a greater form of self-
abnegation than taking to the religious life in one’s own district or elsewhere in Ireland”.
31
Nadfraech e Canice de Aghaboe (Cf GRATTAN-FLOOD, 1907). Destes, destacamos
Columba de Iona, que levou os ensinamentos de seu mestre para além a ilha da Irlanda,
chegando à Escócia.
1.4. A Escócia antes de Iona
A Escócia antes dos celtas estava culturalmente inserida na lógica de todo o
continente europeu da Pré-História. Não havia uma identidade única que a diferenciasse
dos outros atuais países que compõe hoje o Reino Unido (Cf KILLEN, 2006: 08). Seus
primeiros habitantes conhecidos chegaram por volta de 7.000 a.C., com o fim da Era
Glacial. Eram caçadores nômades que foram superados por uma nova onda de
invasores, por volta de 3.000 a.C., quando uma cultura neolítica se estabeleceu na ilha.
Agricultores e pastores, esses homens produziam – assim como os outros grupos das
Ilhas Britânicas – artefatos de bronze considerados artigos de luxo.
A Idade do Bronze cedeu espaço à Idade do Ferro, trazida para as Ilhas
Britânicas por novas ondas de povoadores vindos da Europa Central, os celtas.
É bastante possível que os habitantes da Escócia à época fossem celtas, mas
suas origens são incertas. A nova onda de celtas da Idade do Ferro passou por
cima de todos antes deles, usando sua tecnologia superior – especialmente
bélica – que o ferro fundido proporcionava (KILLEN, 2006: 09. Tradução
nossa)
22
.
Já desde a época anterior aos celtas a Escócia, por conta de sua geografia, se
dividira claramente em duas partes: as terras altas, ou highlands, formadas por
montanhas que dificultavam ou impediam o transporte dentro do território e as terras
baixas, ou lowlands. Em ambas as regiões, porém, havia “uma sociedade local e tribal
baseada em relações sociais estáveis e em pequena escala” (KILLEN, 2006: 11.
Tradução nossa)
23
.
Esse arranjo permaneceu intacto até o ano de 43 a.C., quando chegou ao sul da
Bretanha o general romano Cláudio, que mais tarde viria a se tornar imperador. “No
final dos anos 70 os romanos haviam conquistado todo o território da moderna
Inglaterra e Gales até a linha dos Montes Cheviot. Então um novo governador romano
22
“The Bronze Age yielded to the Iron Age, brought to the British Isles by new waves of settlers from
central Europe, the Celts. It is quite possible that the existing inhabitants of Scotland were themselves
Celtic, but their origins are uncertain. The new wave of Iron Age Celts swept all before them, using the
superior technology – especially in arms – which iron smelting afforded”.
23
“A local, tribal society based on stable and small-scale social relationships”.
32
foi apontado e ele fixou seu olhar nas terras mais ao norte. Seu nome era Gnaeus Julius
Agrícola” (KILLEN, 2006: 11. Tradução nossa)
24
.
Agricola servira na Bretanha quando jovem, por isso tinha conhecimento da ilha
quando assumiu seu comando. Seu avanço através dos Cheviots foi possibilitado pela
preferência que os celtas exibiam, tanto na Bretanha quanto na Irlanda, pela autonomia
local. Eles escolheram não se unir contra os invasores, e assim, muitas sociedades locais
caíram, uma a uma, frente às organizadas e centralizadas legiões romanas (Cf KILLEN,
2006: 12).
No entanto, Agricola foi chamado em seguida de volta a Roma, e suas
fortificações entraram em declínio, garantindo aos habitantes das terras altas, os
highlanders, sua independência de Roma. “A presença romana no sul da Escócia foi
gradualmente recuada até que o Imperador Adriano, em sua visita à Bretanha em 122
ordenou a construção da grande muralha que recebeu seu nome (...) a fronteira norte do
Império” (KILLEN, 2006: 13. Tradução nossa)
25
.
Mais tarde, na segunda metade do século II, Antonino Pio ordenou a construção
de outra muralha, diminuindo a extensão do domínio romano na Escócia. No século II,
foi feita uma última tentativa de conquista, mas sem sucesso. A Escócia continuaria
celta por mais alguns séculos, especialmente com a retirada completa dos romanos da
ilha da Bretanha, em 410. No entanto, os escoceses devem a seus invasores latinos
quatro grandes legados: a idéia de uma identidade separada (por conta das muralhas), a
consciência destacada da divisão entre as terras altas e as terras baixas, o nome
Caledonia para sua região ao norte do Rio Forth e,
finalmente, a palavra pictos, uma das palavras mais provocativas da História
Escocesa. É uma palavra romana, que vem do latim picti, povo pintado, e pode
se referir à prática de pintar o rosto antes da batalha. De qualquer forma, os
romanos a usaram para descrever as tribos da Caledonia. (KILLEN, 2006: 13.
Tradução nossa)
26
.
24
“By the late 70s the Romans had conquered all of modern England and Wales up to the line of the
Cheviot Hills. Then a new Roman governor was appointed, and he fixed his eye on the land further north.
His name was Gnaeus Julius Agricola”.
25
“The Roman presence in southern Scotland was gradually pulled back farther and farther until the
Emperor Hadrian, on his visit to Britain in 122, ordered the building of the great wall that was named for
him (…) the northern boundary of the empire”.
26
“Finally, the word Picts, one of the most teasing words in Scottish history. It is a Roman word, from the
Latin picti, painted people, and may refer to the practice of face-painting before a battle. At any rate, the
Romans used it describe (sic) the tribes of Caledonia”.
33
MAPA 04: As Ilhas Britânicas – divisão política (c. 600) (SHEPERD, 2009)
Os pictos passaram a dominar o imaginário coletivo acerca da Escócia, mas a
verdade é que com a saída dos romanos da Bretanha, sua presença só se fez marcante
nas terras altas, e deixa de ser registrada no século IX, substituída pela presença celta.
Nas ilhas e no resto do país - enquanto que na maior parte de sua vizinha Inglaterra
chegavam os invasores Anglo-Saxões - permaneceram os celtas. Só que esses celtas
eram irlandeses.
Saqueadores do reino de Dalriada
27
na região nordeste da Irlanda estabeleceram
um reino irmão em Argyll (do gaélico Oirear Gael, praia dos gaélicos) a que
27
Dalriada ou Dál Riata: “Alguns termos são intermediários entre nomes dinásticos e designações mais
amplas, o dál em Dál Riata [e nomes similares] significa ‘divisão, parte’; os Dál Riatas eram um povo
34
eles também chamaram de Dalriada (...). Os romanos, que conheciam a Irlanda
ainda que nunca a tivessem invadido, chamavam-nos de Scotti (escotos), de
onde vem a palavra inglesa para escoceses e Escócia. Os habitantes da Dalriada
(...) também trouxeram o cristianismo (KILLEN, 2006: 14. Tradução nossa)
28
.
“O primeiro missionário cristão conhecido na Escócia, St. Ninian, se estabeleceu
em Galloway no início do século V” (KILLEN, 2006: 16. Tradução nossa)
29
. Pouco se
sabe sobre esse santo que, aparentemente, teria saído em missão ao redor do ano 400
(LEHANE, 2005:123), e seu legado é considerado de curta duração. “Evidências
arqueológicas assim o sugerem, negativamente, por conta da falta de resquícios
culturais” (LEHANE, 2005: 124. Tradução nossa)
30
. Entretanto, ele é considerado por
Bede o apóstolo dos pictos. A importância de Bede (ou Beda) está em sua obra mais
famosa, Ecclesiastical History of the English People, completada em 731 e considerada
“o primeiro relato escrito da Inglaterra Anglo-Saxã” (FARMER, 1990: 19. Tradução
nossa)
31
. É nessa obra que percebemos o quanto Ninian recebeu seu destaque
postumamente.
Dizem que os pictos do sul, que vivem deste lado das montanhas, abandonaram
seus erros de idolatria (...) e aceitaram a verdadeira Fé através da pregação do
Bispo Ninian, um homem muito reverenciado e santo da raça britânica, que
tinha sido instruído de forma regular nos mistérios da fé cristã em Roma. O
centro episcopal de Ninian, chamado de Saint Martin é famoso por sua igreja
portentosa, agora governado pelos ingleses e local de enterramento de seu corpo
e de muitos outros santos. O lugar pertence à província da Bernicia e é
comumente chamado de Candida Casa, a Casa Branca [atual Withorn], porque
ele construiu a igreja de pedra, o que era incomum entre os bretões (BEDE in
FARMER, 1990: 148. Tradução nossa)
32
.
que tomavam seu nome e identidade de Riata, e aqueles que dele descendiam” (SHARPE, 1995: 239.
Tradução nossa).
“Some terms are intermediate between dynastic names and wider designations; the dál in Dál Riata [and
similar names] means ‘division, share’; the Dál Riata were the people who took their name and identity
from Riata rather than those who descended from him”.
28
“Raiders from the kingdom in Dalriada in north-east Ireland established a sister kingdom in Argyll
(from the Gaelic Oirear Gael, shore of the Gaels) which they also named Dalriada (…). The Romans,
who knew Ireland although they never invaded it, called these people Scotti, hence the English words
Scots and Scotland. The Dalriadans (…) also brought Christianity”.
29
“The first known Christian missionary to Scotland, St Ninian, established himself in Galloway early in
the 5
th
century”.
30
“Archaeological evidence shows as much, negatively, by a gap of cultural remains”.
31
“The first account of Anglo-Saxon England ever written”.
32
“The southern Picts, who live on this side of the mountains, are said to have abandoned the error of
idolatry (…) and accepted the true Faith through the preaching of Bishop Ninian, a most reverend and
holy man of British race, who had been regularly instructed in the mysteries of the Christian Faith in
Rome. Ninian’s own Episcopal see, named after Saint Martin and famous for its stately church, is now
held by the English, and it is here that his body and those of many saints lie at rest. The place belongs to
the province of Bernicia and is commonly known as Candida Casa, the White House, because he built the
church of stone, which was unusual among the Britons”.
35
Anos depois de sua morte, Withorn se tornou um importante centro religioso e
peregrinos começaram a visitar o relicário do santo. Além de fixar a presença cristã na
região, Withorn também contribuiu para o surgimento de um estilo distinto na arte
sacra. Suas cruzes, assim como as encontradas em Galloway (ver figura abaixo) eram
simples, porém cravadas com excepcional habilidade. Tal afirmação se torna palpável
em alguns objetos hoje expostos no Museum of Scotland. Lá, é possível encontrar, junto
a esses objetos – pedras entalhadas, sinos, torques e outros – uma pequena placa com os
seguintes dizeres:
Os primeiros missionários trabalharam para converter povos ao cristianismo. A
religião arraigou-se nas crenças das pessoas - mesmo objetos diários tais como
moedores podiam ter neles cruzes entalhadas. Estes missionários viajaram por
todo o país – como mostra a presença de sinos que os monges carregavam
consigo por toda costa ocidental da Escócia. Os sinos eram usados durante as
cerimônias religiosas. Chamavam também o fiel para a reza em certas horas do
dia. Alguns destes primeiros missionários foram canonizados após suas mortes,
e os lugares com eles associados transformaram-se em centros de peregrinação
(MUSEUM OF SCOTLAND, 2008. Tradução nossa)
33
.
FIGURA 01: Cruz em pedra – entalhe em relevo – Iona; século VI ou VII (ACERVO PESSOAL, 2008)
33
“Early missionaries worked to convert people to Christianity. The religion took root in the people’s
belief – even everyday objects such as querns might have crosses carved on them. These missionaries
traveled throughout the country – as the spread of bells carried by the missionaries from the west coast
shows. Bells were used during religious ceremonies. They also called the faithful to prayer at particular
times of the day. Some of these early missionaries were honored as saints after their deaths, and places
associated with them became centers of pilgrimage”.
36
FIGURA 02: O ato da prece – entalhe em relevo Iona; século VI ou VII (ACERVO PESSOAL, 2008)
1.5. Columba
Entre os sucessores de Ninian, está Columba, considerado o primeiro
missionário cristão de peso entre os escoceses e um dos chamados “doze apóstolos da
Irlanda” (WALLACE, 2007: 60. Tradução nossa)
34
. Columba - Columcille ou Colum
Cille - partiu em direção à Escócia, onde a fundou comunidade de Iona (563)
35
.
34
“twelve apostles of Ireland”.
35
Por lá passaram grandes nomes da História Eclesiástica insular. Um deles foi S. Aidan (c.600-651), que
levou a cabo a catequização dos reinos dos saxões - a Inglaterra -, iniciada, segundo a tradição, por Santo
Agostinho (c. 604), Arcebispo de Cantebury (Cf HUDDLESTON, 1912 & LOYN, 1997). S. Aidan
fundou o monastério de Lindisfarne e se tornou seu primeiro bispo em 635. Sua importância fica clara nas
terras da Northumbria (ver adiante).
37
São Columba (521-97) Natural de Gartran, em Donegal (Irlanda), Columba
recebeu formação monástica sob a orientação de Finnian de Moville e de
Finnian de Clonard, antes de fundar seus próprios mosteiros em Derry, em 546,
e em Durrow, dez anos depois. Em 563 deixou a Irlanda e estabeleceu um
mosteiro em Iona. Embora Iona se tornasse mais tarde um centro influente para
a disseminação do monasticismo céltico por toda a Escócia e norte da
Inglaterra, o trabalho missionário o próprio Columba foi sobretudo o de fazer
conversões ao cristianismo naquelas regiões da Escócia onde a influência
irlandesa era particularmente forte e, em especial, nas ilhas ocidentais. Foi
também o copista do saltério do final do século VI, o Cathach de Columba, o
mais antigo exemplo ainda existente da escrita maiúscula irlandesa (LYON,
1997: 99).
FIGURA 03: O Cathach de Columba (LACEY, 2003: s/p)
Além de evangelizador, Columba é mencionado extensamente nas obras de
Cahill (How the Irish Saved Civilization) e Ó hEiíhir (A pocket history of Ireland) por
ter tido um papel na conversão dos escoceses análogo ao papel de Patricius na
conversão dos irlandeses; afirmativa com a qual Martin Wallace, em seu livro Celtic
Saints (2007) discorda, acreditando que “a extensão do trabalho missionário de
Columba foi provavelmente exagerado por seus primeiros biógrafos” (WALLACE,
2007: 63. Tradução nossa)
36
. Talvez por isso sua história tenha diversas discrepâncias –
36
“The extent of Columba’s missionary work has probably been exaggerated by his early biographers”.
38
especialmente em relação às datas – quando confrontamos os diversos trabalhos
produzidos.
Entre eles, dois merecem destaque. Um é Celtic Saints, de Martin Wallace
(2007), menos por sua importância dentro da academia e mais por sua vendagem e pelo
fato de que traz, de forma sucinta, a narrativa mais conhecida da vida deste monge; o
outro é O’Brien Pocket History of Irish Saints, de Brian Lacey (2003) - que embora não
se pretenda profundo sobre o assunto, não dispensa o rigor acadêmico, a despeito de seu
tom introdutório.
Lacey aponta alguns trabalhos – cuja fonte principal é a biografia de Columba
escrita por Adomnán – que chegaram a conclusões outras. Em princípio, a data e o local
de nascimento de Columba são questionados. Ele afirma que hoje, dá-se como certo o
ano de 520 como o de nascimento do santo, e diz que embora a tradição de fato fale em
Gartan
37
, há também um outro lugar, a poucas milhas deste, Churchtown, no atual
condado de Donegal, para onde afluem anualmente centenas de peregrinos. Ele lembra
que nesta pequena cidade, “durante o ano, o pequeno altar no local fica amontoado com
oferendas daqueles que vêem procurar auxílio do santo para com seus pedidos
mundanos” (LACEY, 2003: 65. Tradução nossa)
38
.
Lacey também menciona que Columba, significaria, em latim, pomba, e que
dessa forma, Columcille ou Colum Cille, como ele grafa, seria a “Pomba da Igreja”, em
referência ao papel apostólico do Espírito Santo, representado pelo pássaro. Para
embasar sua teoria, ele lembra da devoção da mãe de Columba, Eithne, que também
mais tarde foi venerada como santa – bem como outros membros de sua família. Em
relação aos monastérios que ele teria fundado, ao contrário da maioria que apresenta
uma lista infindável, o autor é categórico em afirmar que “o único monastério que
podemos ter certeza ter sido fundado na Irlanda por Colum Cille foi Durrow, (...)
provavelmente durante os anos de 580, em uma de suas viagens de volta de Iona”
(LACEY, 2003: 67. Tradução nossa)
39
(ver MAPA 03). Quanto ao monastério de
Derry, ele aponta que a data de 546 é muito afastada cronologicamente do momento
missionário de Columba para que possa ser considerado fundação sua. Ele lembra que
37
Onde está a pedra conhecida como “pedra da solidão” e que era tradicionalmente o lugar de pernoite
dos imigrantes de Donegal para os Estados Unidos durante os anos de miséria da ilha. Diz a tradição que
eles lá se deitavam, rogando forças a Columba, já que o próprio santo era um imigrante, para que
pudessem lidar com a saudades de terra natal. (Cf LACEY, 2003: 65).
38
“Throughout the year, the little altar at the site is heaped with the trifle offerings of those who come to
seek the assistance of the saint for their earthly requests”.
39
“The one monastery that we can be certain that Colum Cille did found in Ireland was Durrow (…),
probably in the 580s on one of his return trips from Iona”.
39
os Anais do Ulster, documento histórico ao qual se referem os pesquisadores que
buscam respostas sobre os acontecimentos da região, registram o monastério como
tendo sido fundado pelo monge, mas contêm também uma observação, provavelmente
adicionada posteriormente, fornecendo o nome de outro fundador.
No entanto, talvez o aspecto mais interessante deste capítulo seja o lembrete de
que os escritos de Adómnan ligam apenas vagamente Columba com a batalha de
Cuildreimhne (ou Cúl Dreimne), enquanto que, na maioria das vezes esse é um dos
episódios mais destacados por parte dos historiadores. Martin Wallace, por exemplo,
diz:
Segundo a lenda, o exílio de Columba foi um ato de penitência, e ele
deliberadamente escolheu uma ilha longe do alcance da vista de sua amada
Irlanda. Durante sua visita a Moville, dizem que Columba secretamente copiou
um livro de salmos. Quando Finnian descobriu, ele insistiu em ficar com a
cópia. Columba se recusou a entregá-la e o caso foi levado ao High King,
Diarmuid, que decidiu: “A cada vaca seu novilho e a cada livro sua cópia”
40
.
Columba já se ressentia de Diarmuid por ele ter matado um jovem a quem o
santo tinha dado santuário e persuadiu seus parentes a declararem guerra.
Diarmuid foi derrotado (...) e Columba foi culpado pelas centenas de mortes.
Quando um sínodo
41
clamou para que ele consertasse seu erro convertendo um
número igual de pagãos, ele optou por trabalhar entre os pictos da Escócia
(WALLACE, 2007: 61-62. Tradução nossa)
42
.
Brian Lacey lembra, porém, que não há necessariamente prova histórica de que
ele tenha sido diretamente responsável pela batalha, como faz crer a lenda contada por
Wallace, vez que provavelmente se tratava de uma altercação típica do sistema
fragmentado de poder da Irlanda da época. Não obstante, ele faz uma ressalva
interessante: Columba teria rezado pela vitória de seus parentes sobre seus inimigos,
40
No original, irlandês: “Le gach boin a boinin, le gach leabhar a leabhrán” (LACEY, 2003: 68). Embora
hEiíhir (2000: 23), afirme que foi o “primeiro caso de direitos autorais registrado na História Legal
Irlandesa” (Tradução nossa) - “(...) the first recorded copyright case in Irish legal history” (hEIÍHIR,
2000: 23) -, Lacey discorda, dizendo que “infelizmente, nós agora sabemos que essa história pertence a
uma data bem posterior ao século VI” (LACEY, 2003: 68. Tradução nossa) – “... unfortunately, we now
know that the story belongs to a much later date than the sixth century”.
41
“Nos primórdios da História da Igreja, as palavras ‘sínodo’ e ‘concílio’ foram freqüentemente
intercambiáveis. Entretanto, no início do século IV, as grandes reuniões ecumênicas como Nicéia (325)
passaram a ser denominadas concílios, e uma assembléia de bispos de uma província ou região, bem
como a do bispo e do clero de uma diocese, eram usualmente referidas como sínodos” (LOYN, 1997:
338).
42
“Legend has it that Columba’s exile was an act of penance, and that he deliberately chose an island out
of sight of his beloved Ireland. During a visit to Moville, Columba is said to have secretly copied a book
of psalms. When Finnian discovered this he insisted on having the copy. Columba refused to hand it over,
and their dispute was referred to the high king, Diarmuid, who ruled: “To every cow her calf, and to every
book its copy”. Columba already resented Diarmuid for slaying a youth to whom the Saint had given
sanctuary and he persuaded his kinsmen to wage war. Diarmuid was defeated (…) and Columba was
blamed for the hundreds of dead. When a synod called on him to make amends by converting an equal
number of pagans, he opted to work among the Picts of Scotland”.
40
que estariam imbuídos do poder “de uma arma exótica, uma ‘cerca druídica’” (LACEY,
2003: 68. Tradução nossa)
43
. Talvez por conta disso, aponta o autor: “essa batalha foi
lembrada como uma espécie de disputa entre as forças do cristianismo de um lado e
aquelas do Druidismo pagão do outro” (LACEY, 2003: 68. Tradução nossa)
44
.
Quanto à quantidade de narrativas romanceadas que surgiram ao redor de
Columba, Lacey parece concordar com Wallace e até oferece algumas anedotas que
suportam sua afirmação, especialmente em relação ao verdadeiro papel do santo na
conferência de Drum Cett
45
. Lacey aponta que não há evidência histórica de que
Columba tenha de fato defendido a independência das colônias escocesas, nem de que
tenha advogado em favor dos bardos irlandeses, mas admite que a segunda atitude
parece provável, já que o santo era também um poeta.
Sua última discordância vem em relação à data da morte do santo: “costumava-
se acreditar que Colum Cille teria morrido em 597, no dia 9 de junho (seu dia santo),
mas pesquisas recentes apontam para o ano de 593” (LACEY, 2003: 71. Tradução
nossa)
46
. As últimas páginas de seu apanhado – seguido de um breve resumo biográfico
sobre a vida dos homens que o sucederam - concordam, entretanto, com a descrição de
Wallace sobre a inegável posição de destaque da comunidade fundada por Columba em
Iona.
Então o plano básico do monastério de Iona foi rapidamente executado: uma
pequena cabana para cada monge; uma cabana para o abade, um pouco maior e
em um terreno um pouco mais alto; um refeitório e uma cozinha; um
scriptorium e biblioteca; uma forja, uma fornalha, um moinho e um par de
estábulos; uma modesta igreja – e eles estavam na ativa. Logo eles descobriram
que precisavam de uma adição surpreendente, uma casa de hóspedes, por conta
da inesgotável corrente de visitantes que havia se iniciado – escotos, pictos,
irlandeses, bretões, até mesmo anglo-saxões – atraídos pela reputação do
lendário abade de Iona (CAHILL, 1995: 184. Tradução nossa)
47
.
43
“... exotic weapon – a ‘druidic fence’”.
44
“... this battle was remembered as a sort of contest between the forces of Christianity on the one side
and those of pagan druidism on the other”.
45
Ver Capítulo III: De santos; 3.5. A dimensão pública da santidade: onde acontecem os milagres em The
Life of St Columba & Anexo I.
46
“It used to be believed that Colum Cille had died in 597, on 9 June (his feast day), but recent research
points to the year 593”.
47
“So the basic plan of the Iona monastery was quickly executed: a little hut for each monk; an abbot’s
hut, somewhat larger and on higher ground; a refectory and kitchen; a scriptorium and library; a smithy, a
kiln, a mill, and a couple of barns; a modest church – and they were in business. Soon they found they
needed one more building, the surprising addition of a guesthouse, for the never-ending stream of visitors
had begun – Scots, Picts, Irish, Britons even Anglo-Saxons – attracted by the reputation of the larger-
than-life abbot of Iona”.
41
MAPA 05: A localização geográfica da Ilha de Iona
(CRAIGNUREINN, 2008; ONLINEHOLIDAYS, 2008)
MAPA 06: A disposição geográfica das construções da Abadia de Iona nos tempos de Columba
(SHARPE, 1995: s/p)
42
FIGURA 04: A atual Abadia de Iona (ACERVO PESSOAL, 2008)
Sua importância também fica bastante clara quando pensamos, por exemplo, na
região da Northumbria (área ao norte do rio Humber). Trata-se, na verdade, de um reino
bastante importante geográfica e politicamente para a construção da identidade nacional
inglesa. A Northumbria estava entre a Dalriada Irlandesa e “o campo de conversão da
missão romana, chefiada por Agostinho em Cantebury” (LOYN, 1997: 318). Ela era,
destarte, cobiçada por ambas as vertentes do cristianismo presentes na ilha.
1.6. O Concílio de Whitby
No começo do século VII, o rei da região, Oswy, optara pela versão columbana
do cristianismo, pois estivera exilado na ilha de Iona durante o reinado de seu
predecessor, o rei pagão Eduíno (616-32)
48
. Entretanto, seu filho, Alhfrith, herdeiro do
trono, seguia as diretrizes romanas. Por algum tempo a convivência foi pacífica, mas
quando Alhfrith começou a planejar a tomada do poder, as diferenças se tornaram
motivos para uma possível guerra política. Decidido a manter seu trono e a unidade de
seu reino, Oswy convocou um sínodo, realizado em 664 na abadia de Whitby.
48
Além disso, a primeira esposa de Oswy era uma das filhas do clã que governava a região escocesa da
Dalríada, descendente de irlandeses, seguidores do cristianismo irlandês e parentes distantes de Columba.
43
Um monastério beneditino ao norte de Yorkshire, Inglaterra, fundado ao redor
de 657 como uma casa mista
49
, por Oswy, rei da Northumbria. A primeira
abadessa foi S. Hilda, sob quem a comunidade parece ter atingido um tamanho
considerável (...). Com a morte de S. Hilda, c. 680, Aelfleda, filha do rei Oswy,
a sucedeu como abadessa, e o monastério continuou a florescer até mais ou
menos 687, quando foi completamente destruído pelos dinamarqueses
(HUDDLESTON, 1912. Tradução nossa)
50
.
FIGURA 05: A atual Abadia de Whitby (ACERVO PESSOAL, 2008)
49
“Casas religiosas que abrangiam comunidades de homens e mulheres, vivendo em estabelecimentos
contíguos, unidos sob o comando de um único superior e usando uma igreja comum para seus cultos
litúrgicos (...) Na Inglaterra, a maioria das fundações primitivas eram duplas; isso foi erroneamente
atribuído por muitos autores ao fato de que muitas das freiras anglo-saxãs eram educadas na Gália, onde o
sistema estava então na moda, mas parece mais correto atribuir o fato à influência religiosa dos
missionários de Iona, já que o primeiro monastério duplo foi aquele de S. Hilda, em Whitby, estabelecido
sob a orientação de S. Aidan, e não há evidências que mostrem que S. Aidan ou S. Hilda tivessem
familiaridade com a organização dupla em uso em outros lugares (ALSTON, 1911. Tradução nossa)”.
“Religious houses comprising communities of both men and
women, dwelling in contiguous
establishments, united under the rule of one superior, and using one church in common for their
liturgical
offices. In
England most of the early foundations were double; this has been wrongly attributed by some
writers to the fact that many of the Anglo-Saxon
nuns were educated in Gaul, where the system was then
in vogue, but it seems more correct to ascribe it to the religious influence of the missionaries from
Iona,
since the first double monastery in
England was that of St Hilda at Whitby, established under the
guidance of
St Aidan, and there is no evidence to show that either St Aidan or St Hilda was acquainted
with the double organization in use elsewhere”.
50
“A Benedictine monastery in the North Riding of Yorkshire, England, was founded about 657, as a
double monastery, by Oswy, King of Northumberland. The first abbess was St Hilda, under whom the
community seems to have reached a considerable size (…). On
St Hilda's death, about 680, Aelfleda,
daughter of King Oswy, succeeded as
abbess, and the Monastery continued to flourish until about 687,
when it was entirely destroyed by the
Danes”.
44
MAPA 07: A geografia do Sínodo de Whitby (MAYO ABBEY, 2009)
O debate entre advogados de ambas as facções tinha como objetivo decidir a
qual dos dois lados a Northumbria se perfilaria. Dois bispos de nome Colmán e Chad
falaram pelos celtas (que, mesmo não estando formalmente unidos, encontraram para
esse concílio traços suficientemente próximos para serem passados como pauta
comum), invocando a autoridade de São João. Os bispos Wilfrid de York e Agilbert
falaram por Roma, investidos da autoridade de São Pedro. Bem ao tom medieval, o
princípio da autoridade, segundo o qual a palavra de certas pessoas - os grandes doutos
da Igreja - seria absolutamente inquestionável enquanto provenientes de fontes de
importância e sapiência.
A maior parte das discordâncias estava no campo das práticas: os celtas
preferiam o grego para celebrar a missa, enquanto os romanos insistiam no latim;
discordavam quanto aos dedos a serem erguidos quando da bênção para se retratar a
Santíssima Trindade, não chegavam a conclusões quanto à forma correta da tonsura dos
monges nem quanto aos procedimentos no batismo (LOYN, 1997: 367). Mais ainda,
defendiam datas diferentes para a celebração da Páscoa,
O Concílio de Nicéia (325) fixou a Páscoa no domingo seguinte à primeira lua
cheia depois do equinócio de primavera, e aprovou o método alexandrino de
cálculo para essa ocorrência. Os alexandrinos adotaram 21 de março como o dia
45
do equinócio vernal, e usaram um “ciclo pascal” de 19 anos para lidar com o
fato conhecido de que o ano solar consistia em 365 dias e uma fração
indeterminada. Do século V em diante, esse sistema foi cada vez mais adotado
no Ocidente (LOYN, 1997: 291).
De acordo com Bede, os irlandeses, por sua vez, guardavam-na “entre o décimo
quarto e o vigésimo dia da lua – um cálculo dependente de um ciclo de oitenta e quatro
anos” (BEDE in FARMER, 1990: 104. Tradução nossa)
51
. Tal cômputo, não era,
porém, único. Em Iona, por exemplo, guardava-se a Páscoa
não, como supuseram alguns, no décimo quarto dia da lua, como os judeus, mas
no Domingo da semana errada. Pois, como cristãos, eles sabiam bem que a
Ressurreição de nosso Senhor aconteceu no primeiro dia depois do Sabbath e
devia sempre ser mantida neste dia. Entretanto, sendo bárbaros e simplórios,
eles não aprenderam quando este primeiro dia depois do Sabbath, que hoje é
chamado de dia do Senhor, deveria acontecer (BEDE in FARMER, 1990: 149.
Tradução nossa)
52
.
Os irlandeses também tinham uma outra concepção do papel e da forma da
confissão
53
. Enquanto que entre os romanos da Antiguidade os pecados eram
confessados sempre frente à comunidade, já que eram vistos como um crime contra a
mesma, entre os irlandeses, tratava-se de um erro particular, e, portanto, deveria tomar a
forma de uma conversa privada, entre penitente e confessor. Mais ainda, se no
continente o perdão era concedido uma única vez, na ilha, imbuídos da certeza de que
todos pecavam basicamente o tempo todo” (CAHILL, 1995: 177. Grifo do autor.
Tradução nossa)
54
, a repetição da confissão e da penitência era não apenas aceita, como
incentivada
55
.
Para ouvir a confissão, os irlandeses escolhiam a um “amigo espiritual” (soul-
friend ou anmchara). Essa pessoa não era necessariamente um padre. Ouvir uma
51
“Between the fourteenth and the twentieth days of the moon – a calculation depending on a cycle of
eight-four years”.
52
“Not, as some supposed, on the fourteenth day of the moon, as do the Jews, but on the Sunday of the
wrong week. For as Christians they knew well that the resurrection of our Lord took place on the first day
after the Sabbath and should always be kept on that day. But being barbarous and simple, they had not
learned when this first day after the Sabbath, which is now called the Lord’s Day, should occur”.
53
Note-se que não se trata da confissão enquanto sacramento, já que tal só se oficializou com o IV
Concílio de Latrão, realizado em 738. Fala-se aqui, na verdade, do ato de se reconhecer um erro e sentir-
se o arrependimento e a necessidade de confessá-lo como instrumento psicológico de perdão. Não se
pode, todavia, ignorar o papel da vivência irlandesa dessa prática confessional na instituição do
sacramento no século VIII.
54
Everyone pretty much sinned just about all the time”.
55
Cabe anotar, porém, que, em The Life of St Columba (ADOMNÁN DE IONA, 1995), quando
Adomnán menciona confissões, ele as menciona como sendo tanto públicas (por exemplo, como descrito
no, Capítulo I 40 [Cf ADOMNÁN DE IONA, 1995: 142 & 143]) quanto privadas (por exemplo, como
descrito Capítulo I 17 [idem: 124]). Em relação à constância do ato, nada nos diz. Para um apanhado dos
capítulos de The Life of St Columba e The Life of St Columban, ver Anexo I.
46
confissão era uma tarefa que pressupunha uma enorme confiança por parte do penitente
para com seu confessor. O próprio Deus garantia que essa conversa fosse para sempre
mantida entre as duas únicas partes envolvidas e quebrar esse sigilo – e, portanto, essa
confiança e essa sacralidade – significava “colocar em perigo a salvação de alguém: era
praticamente o único pecado que os irlandeses consideravam imperdoável” (CAHILL,
1995: 177. Tradução nossa)
56
.
Também o papel do Papa era algo pouco sólido para os irlandeses, talvez porque
o entendessem como análogo – na Igreja – ao High King – na administração da própria
ilha. Assim, o bispo de Roma era uma “figura distante cujos desejos eram pouco
conhecidos e ainda menos considerados” (CAHILL, 1995 181. Tradução nossa)
57
. Essa
importância secundária ao Sumo Pontífice, fica também clara em seus costumes quando
do leito de morte. Sobre isso, diz Richard Sharpe:
Na lei hebraica um sacerdote se contaminava se estivesse presente no momento
da morte (Lev 21:10-11). A igreja cristã como um todo tomou uma visão
diferente, mas parece que os irlandeses, que tiravam muito de suas leis
canônicas do Velho Testamento e não de concílios e decretos papais, podem ter
observado os costumes de Moisés nesta época (SHARPE, 1995: 360. Tradução
nossa)
58
.
Além disso, discordavam em relação ao papel das mulheres na organização
religiosa (Cf EDMONDS, 1908)
59
. Cahill, por exemplo, defende veementemente que
havia uma igualdade de poder entre os sexos, especialmente em seu terceiro capítulo,
“A Shifting World of Darkness” (CAHILL, 1995: 80-97). A conversão e a entrada para
a vida monástica não teria mudado o status das religiosas que, muitas vezes, tinham
tanta educação quanto os homens e podiam participar de toda a vida da abadia;
inclusive, provavelmente, administrando sacramentos (Cf CAHILL, 1995: 175) De
acordo com Alston (1911), que pensa especificamente a questão dos monastérios
duplos,
56
“To imperil one’s salvation: it was practically the only sin the Irish considered unforgivable”.
57
“A distant figure whose wishes were little known and less considered”.
58
“In Hebrew Law a priest was contaminated if he was present at the time of death (Lev. 21: 10-11). The
Christian church as a whole took a different view, but it appears that the Irish, who drew much of their
canon law from the Old Testament rather than from councils or papal decrees, may have observed the
Mosaic custom at this date”.
59
The life of St Columban (JONAS DE BOBBIO, c.620) não traz detalhes sobre esse aspecto da
divergência, que são apenas apontadas no artigo sobre o santo encontrado na Catholic Encyclopedia
(EDMONDS, 1908). The life o St Columba (ADOMNÁN DE IONA, 1995) também se cala sobre esse
assunto. Entretanto, releituras que podemos chamar de neo-pagãs, como a de Cláudio Crow Quintino
(QUINTINO, 2002) e Andy Baggott (BAGGOTT, 2002) – para citar dois exemplos - tendem a essa
visão, bem como trabalhos específicos sobre a cultura celta antes da chegada do cristianismo, como e o de
Aedeen Cremin (CREMIN, 1998).
47
...a posição anômala de uma mulher agindo como superior de uma comunidade
de homens tem suas origens normalmente atribuídas às palavras de Cristo na
cruz: “Mulher, aqui está seu filho; Filho, aqui está sua mãe”, e é ainda instigada
pelo fato de que a maternidade é uma autoridade derivada da natureza, enquanto
que a paternidade é meramente legal. Mas, qualquer que seja sua origem, o
comando superior de uma abadessa sob tanto homens quanto mulheres foi
deliberadamente revivido e sancionado pela Igreja em duas das três ordens
medievais que consistiam de monastérios duplos (ALSTON, 1911. Tradução
nossa)
60
.
FIGURA 06: O Sínodo de Whitby (MacMICHAEL, 2009)
Embora não haja fontes que comentem a posição de Oswy frente ao papel das
mulheres na Igreja de Columba, às conhospitae – forma latina de casas mistas – ou
qualquer outra prerrogativa do partido celta, foram os argumentos romanos que o
convenceram. No fim, ele declarou abandonadas as práticas escocesas e preferiu adotar
60
“... the anomalous position of a woman acting as the superior of a community of men is usually held to
originate from
Christ's words from the Cross, "Woman, behold thy son; Son, behold thy mother"; and it is
still further urged that maternity is a form of authority derived from
nature, whilst that which is paternal is
merely legal. But, whatever may be its origin, the supreme rule of an
abbess over both men and women
was deliberately revived, and
sanctioned by the Church, in two of the three medieval orders that consisted
of double monasteries”.
48
as diretrizes do papado. De fato, não se tratou apenas de uma decisão pró-forma.
Grandes centros monásticos de origem celta bandearam-se para os lados romanos. São
Cuteberto (634-87), por exemplo, embora fosse, em princípio, “monge de observância
céltica em Melrose desde 651” (LYON, 1997: 113), acatou as decisões do Sínodo em
641, ganhando, assim, a nomeação para prior do monastério de Lindisfarne. Embora,
como dito anteriormente, tenha sido fundado por ninguém menos que S. Aidan,
discípulo de Columba, Lindisfarne, sob a direção de São Cuteberto e seus sucessores,
tornou-se um mosteiro observador das diretrizes papais.
FIGURA 07: A atual Abadia de Lindsfarne (ACERVO PESSOAL, 2009)
De acordo com Bede, as palavras finais de Wilfrid significaram a decisão de
Oswy e garantiram a vitória de Pedro sobre João, assentada sobre a pedra de Mateus.
Dirigindo-se a Colmán, ele pergunta:
Embora seus padres fossem homens santos, você imagina que eles, alguns
poucos homens em um canto de uma ilha remota, devem ser preferidos perante
uma Igreja de Cristo universal, ao redor do mundo? E mesmo que seu Columba
– ou, possa eu dizer, nosso também se ele era o servo de Cristo – tenha sido um
santo profícuo em milagres, pode ele ter precedência sobre o mais abençoado
Príncipe dos Apóstolos, para quem Nosso Senhor disse: “És Pedro, e sobre esta
pedra eu construirei minha Igreja, e os portões do inferno não deverão
49
prevalecer contra ela, e eu lhe darei as chaves para o reino do céu”? (BEDE in
FARMER, 1990: 192. Grifo do autor. Tradução nossa)
61
.
Embora Bede entenda a escolha como vitória da mais verdadeira fé (Cf BEDE in
FARMER, 1990: 188), a percepção das múltiplas implicações da palavra final de Oswy,
nos coloca frente à necessidade de outras explicações. Dentre os autores que se dedicam
ao tema, Henry Loyn, nos oferece boa alternativa: “o monasticismo e a pregação
ascéticos irlandeses eram ideais nessa fase [de consolidação do poder do rei], mas a
unidade eclesiástica e uma estrutura diocesana formal eram necessárias para assegurar a
solidez e eficácia” (LOYN, 1997: 291). Não há registros, entretanto, de que Oswy tenha
efetivamente proibido os monges irlandeses e escoceses de pregaram em suas terras.
Dessa suposta tolerância, nasceu, na verdade, o desejo por parte dos que permaneceram
de fundir as duas tradições; desejo esse traduzido na chamada Renascença
Northumbriana, movimento fundante de uma cultura especificamente britânica (Cf
LOYN, 1997: 291-292).
São situações como o Sínodo de Whitby que sustentam o argumento de Thomas
O’Loughlin, em Celtic Theology (O’LOUGHLIN, 2000). Representante de outra forma
de perceber esse movimento, critica aberta e nominalmente a tentativa de Cahill. Para
ele, os maneirismos do cristianismo na Irlanda foram exercício teológico. Assume: não
houve um cristianismo celta, per se; apenas um colorido especial à religião católica,
possibilitado pelo caminho indireto que a nova fé precisou percorrer para chegar à ilha.
Prova de que se trata apenas de uma busca coletiva por um mundo ideal que pudesse ser
traduzido das teorias dos intelectuais para as práticas de um povo iletrado (Cf
O'LOUGHLIN, 2000: 8) está na ação do já mencionado Adomnán (ou Euan), um
monge educado em Iona, que teria vivido entre os anos de 624 e 704.
O autor dedica um capítulo com o subtítulo de “Theologian at work”
(O'LOUGHLIN, 2000: 68-86), deixando pouco à imaginação quanto à sua filiação
interpretativa. Nesse momento, mostra que desde que Adomnán se tornara abade de
Iona em 679, atuara exclusivamente com intuito de esclarecer a verdade das crenças e
práticas católicas: “engajou-se uma vasta gama de projetos – exegese, lei e hagiografia”
61
“Although your Fathers were holy men, do you imagine that they, a few men in a corner of a remote
island, are to be preferred before the universal Church of Christ throughout the world? And even if your
Columba – or, may I say, ours also if he was the servant of Christ – was a Saint potent in miracles, can he
take precedence before the most blessed Prince of the Apostles, to whom our Lord said: “Thou art Peter,
and upon this rock I will build my Church, and the gates of hell shall not prevail against it, and I will give
unto thee the keys of the kingdom of heaven”?”
50
(O'LOUGHLIN, 2000: 69. Tradução nossa)
62
. O que faz desse santo uma figura
importante para a hipótese do autor é o fato de que, ao lado de Columbanus e Erígena
63
,
suas obras não só chegaram até nós como também ganharam traduções para línguas
modernas, como o inglês. O santo é retratado a partir de seus escritos (que inclui um
cânone, a já citada biografia de Columba e um tratado sobre leis
64
) como um homem
“de dedicação e desejo de estar a serviço daqueles que mais precisavam de proteção e
que nos desperta o sentimento aconchegante reservado tipicamente para aqueles
humanistas que trabalham para limitar a injustiça” (O'LOUGHLIN, 2000: 70. Tradução
nossa)
65
.
1.7. A França antes de Columbanus
A França de Columbanus estava imersa na decadência da dinastia surgida entre
os francos sálicos – um dos muitos grupos que adentraram as fronteiras do Império
Romano durante seus últimos anos -, conhecida como Dinastia Merovíngia.
Estabeleceram “sua autoridade sobre a maior parte da Gália durante o reinado de Clóvis
(480-511)” (LOYN, 1997: 256)
66
. Boa parte de sua autoridade derivou-se de sua
conversão ao cristianismo e subseqüente apoio dos bispos da região quando de suas
conquistas sobre outros povos bárbaros ainda pagãos ou que tinham adotado o
arianismo, heresia surgida a partir das posições do sacerdote alexandrino Ario (256-336)
e condenada pelo Concílio de Nicéia em 325.
Em face da dificuldade teológica de combinar a divindade de Cristo com a
unidade de deus na Trindade, Ario propôs a noção segundo a qual o Filho não
era co-eterno com o Pai. No Concílio de Nicéia (325), o debate gravitou em
torno da questão de saber se o Filho era ‘da mesma substância’ que o Pai.
Atanásio liderou os adeptos do ponto de vista que se tornou ortodoxo: o Pai e o
Filho eram efetivamente ‘da mesma substância’, o que levou à condenação do
Arianismo. Ario foi banido para a Ilíria e morreu às vésperas de sua
62
“(...) engaged in a range of pursuits – exegesis, law, hagiography”.
63
“João Escoto Erígena (c. 810-77) O mais original dos pensadores que viveram na corte de Carlos, o
Calvo, na Francônia. Escoto Erígena inseriu em sua filosofia um raro conhecimento do pensamento grego
e neoplatônico. (...) Devia algo à obra de São Dionísio, o Areopagita, embora muitos dos elementos
místicos sejam sua contribuição pessoal. Irlandês de nascimento, parece ter regressado à Grã-Bretanha no
final da vida e algumas tradições associam-no ao ressurgimento intelectual na corte do rei Alfredo”
(LYON, 1997: 222-223).
64
Canones; Vita Columbae e Cáin Adomnán: an old-Irish Treatise on the Law of Adamnan são os títulos
das obras mencionadas, respectivamente (Cf O'LOUGHLIN, 2000).
65
“… of dedication and desire to be at the service of those who most needed protection and gives us that
warm feeling for the man that we have for humanitarians who work to limit injustice”.
66
Clóvis era neto de Meroveu, de onde o nome da dinastia (Cf COLLINS, 1999: 150). Não confundir
com o rei de mesmo nome (Clóvis) que encontraremos em The Life of St Columba (ver Capítulo III: De
Santos).
51
reconciliação com a Igreja. Seus ensinamentos, porém, continuaram sendo
muito influentes quase, segundo parece, por acidente histórico. Muitas das
tribos germânicas situadas além da fronteira do Império Romano foram
convertidas por missionários liderados por Wulfila, um bispo ariano e, assim, o
cristianismo ariano tornou-se a característica predominante de certo número de
ostrogodos na Itália (até meados do século VI), de visigodos na Espanha (até
fins do século VI) e dos vândalos no norte da África (LOYN, 1997: 26).
MAPA 08: A Gália Merovíngia (ERHARD, 2009)
A dinastia Merovíngia teve uma série de reis que aos poucos foram perdendo o
poder, principalmente em decorrência da selvageria típica das guerras civis perpetradas
quando do momento da sucessão (Cf LOYN, 1997: 256). Um grupo de reis francos,
chamado de reis cabeludos porque adotaram o costume de deixar os cabelos crescer e
usar longas tranças como símbolo de dignidade real, foi obrigado, com o passar do
século a ceder parte de suas terras (as quais Clovis tinha recebido dos romanos) a nobres
que os protegiam.
Nessa época, descentralizou-se a cunhagem de moedas, e expandiu-se a garantia
de imunidade a grandes proprietários de terras (laicos e episcopais), o que, na prática,
significou a proibição da entrada de funcionários reais nessas propriedades e, portanto, a
impossibilidade de cobrança direta de impostos, efetividade de prisões e julgamentos.
52
Todas essas concessões tiveram seu anteverso: a legitimidade da dinastia ficou
garantida, vez que, ao receber privilégios do rei, os nobres lhe juraram fidelidade. Além
disso, estabeleceu–se aqui uma das principais características desse mundo franco: a
transformação do proprietário privado em uma figura pública; seus direitos vinham com
obrigações (Cf COLLINS, 1999: 150 e ss).
“No século VII, (...) a verdadeira autoridade passou para as mãos dos prefeitos
do palácio, ancestrais dos carolíngios” (LOYN, 1997: 256). Tais prefeitos, ou
mordomos (major domus), passaram a exercer o governo de fato. Dentre eles, destacou-
se Pepino de Heristal, bem como seu filho e sucessor, Carlos Martel (688-741), que deu
continuidade à consolidação do poder político franco, estendendo sua autoridade sobre
toda a Austrásia, Nêustria e Borgonha. “[Carlos Martel] é principalmente lembrado por
sua grande vitória sobre uma incursão muçulmana maciça em território franco, obtida
em 732 em Poitiers, a qual é hoje reconhecida não só como símbolo da resistência e do
ressurgimento cristão, mas também como grande façanha militar” (LOYN, 1997: 75).
Carlos Martel foi sucedido por seus filhos Carlomano e Pepino, o Breve, mas
quando Carlomano se retirou para um mosteiro, Pepino se tornou único major domus de
seu tempo. Em 743, foi coroado o último rei Merovíngio, Childerico III, encerrado num
mosteiro por Pepino, com a aprovação do Papa Zacarias (Cf COLLINS, 1999). Pepino
tornou-se rei dos francos, assumindo o governo de direito e de fato. Foi ungido em
Soissons, em 751, dando início à Dinastia Carolíngia, cujo ápice viria com o governo de
Carlos Magno (768-814).
53
MAPA 09: O Império de Carlos Magno (ACERVO PESSOAL, 2009)
Durante seu governo, embora a cultura de monastérios tenha florescido como
nunca antes na Europa (a chamada Renascença Carolíngia), a importância da Igreja
Celta diminuiu consideravelmente. Intelectuais importantes advindos das ilhas
britânicas encontraram seu lugar nas bibliotecas desse reino, mas a aproximação de
Carlos Magno com Roma (ele fora efetivamente coroado Imperador pelo Papa Leão III
em 800 [Cf LOYN, 197:73]), fora fator decisivo na adoção cada vez menos constante,
por parte das comunidades eclesiásticas, da Regra Columbana, marcada como era pelas
especificidades insulares do cristianismo celta (ver adiante).
54
1.8. Columbanus
Nesse ponto, podemos retomar a perspectiva geográfica de nossa narrativa
acerca dos apóstolos irlandeses: encontramos Columbanus e a chegada dos missionários
celtas ao continente. O que sabemos dele está diretamente associado à biografia escrita
por um de seus seguidores, Jonas de Bobbio (JONAS DE BOBBIO, c.620). The Life of
St Columban nos conta que ele teria nascido em 543, na província do Leinster, filho de
uma influente família local e recebido boa educação mesmo antes de entrar para a vida
religiosa, no monastério de Cluannis. Pouco tempo depois foi para o monastério de
Bangor, um importante centro intelectual. De lá partiu em missão evangelizadora para o
exílio, chegando à região da atual França em 583, depois de uma passagem pela
Inglaterra.
É interessante notar que, assim como Columba, Columbanus também deixou a
Irlanda acompanhado de 12 discípulos
67
. O motivo para isso, diz Cahill, era que “os
irlandeses, que sempre tiveram fascínio pelos números e suas propriedades mágicas,
achavam que doze, o número bíblico que significa completude, era o melhor número
para uma comunidade religiosa, imitando, desta forma, o arranjo de Cristo e seus Doze
Apóstolos” (CAHILL, 1995: 153. Tradução nossa)
68
.
Assim, com seus treze membros, foi fundada na Burgundia, a primeira abadia de
Columbanus, nas ruínas da fortaleza romana de Annergray. Em pouco tempo, as
premissas da vida monástica atraíram mais seguidores e suas fileiras incharam para
além do que a pequena abadia podia acomodar. O rei Sigisberto, cujo apoio foi crucial
para o sucesso dessa primeira missão de Columbanus, fez com que o monge recebesse o
castelo galo romano de Luxeuil, onde surgiu uma nova abadia. Mais uma vez o lugar se
67
Não há, aparentemente, registro do nome dos doze monges que acompanharam Columbanus. Sobre os
acompanhantes de Columba, porém, Richard Sharpe nos fala de uma lista presente em um dos
manuscritos de The Life of St Columba. “Esses são os nomes dos doze homens que velejaram com S.
Columba quando ele primeiro veio para a Bretanha da Irlanda: dois filhos de Brendan, [1] Baithéne
(também chamado Conin), que sucedeu S. Columba, e seu irmão [2] Cobthach; [3] Ernán, tio de S.
Columba; [4] Diarmait, seu servente; [5] Rus e [6] Fiachnae, dois filhos de Ruadán; [7] Scandal mac
Bresnail maic Énda maic Neill; [8] Lugaid moccu Temnae; [9] Eochaid; [10] Tochannu moccu Fir Chete;
[11] Carnán mac Brandib maic Meilgi; [12] Grillán” (SHARPE, 1995: 354. Tradução nossa).
“These are the names of the twelve men who sailed with St Columba when he first came to Britain from
Ireland: two sons of Brendan, [1] Baithéne (also called Conin), who succeeded St Columba, and his
brother [2] Cobthach; [3] Ernán, uncle of St Columba; [4] Diarmait, his servant; [5] Rus e [6] Fiachnae,
two sons of Ruadán; [7] Scandal mac Bresnail maic Énda maic Neill; [8] Lugaid moccu Temnae; [9]
Eochaid; [10] Tochannu moccu Fir Chete; [11] Carnán mac Brandib maic Meilgi; [12] Grillán”.
68
“The Irish, who had always been fascinated by numbers and their magical properties, thought twelve,
the biblical number that signifies completeness, to be the right count for a religious community, so
imitating the arrangement of Christ and his Twelve Apostles”.
55
mostrou insuficientemente grande para acomodar o número de pessoas que ali
chegavam. Columbanus deixou o local em direção a Fontaine, onde mais tarde
foi sucedido enquanto abade por S. Eustace quem ele tinha colocado no
comando das escolas de Luxeuil. Durante a liderança de S. Eustace e o de seu
sucessor S. Waldebert, essas escolas ganharam enorme fama (...). Em 731 os
Vândalos, em sua carreira de conquista destrutiva na Gália ocidental, se
apoderaram de Luxeuil e massacraram a maior parte da comunidade.
(BUTLER, 1910. Tradução nossa)
69
MAPA 10: Os principais monastérios de Columbanus (IOL, 2008)
Assim como em Annergray e Luxeuil, também em Fontaines, seguiam-se as
diretrizes de Columba. Uma das especificidades dessas regras era a forma como se
encarava a figura do abade: para os irlandeses, ele não era apenas um conselheiro
espiritual, uma vez que tinha também um papel social, agindo como bispo dentro de
uma cultura rural (ver 1.3. Patricius e os primeiros monastérios). Como já acontecera na
Inglaterra, na Gália também as posições irlandesas começaram a causar desconforto e
irritabilidade entre os romanos. Entretanto, foi especificamente a importância da figura
69
“…was succeeded as abbot by St Eustace whom he had placed over the schools of Luxeuil. During the
abbacy of
St Eustace and that of his successor St Waldebert, these schools grew to great fame. (…). In
731 the
Vandals in their destructive career of conquest through western Gaul, took possession of Luxeuil
and massacred most of the community”.
56
de Columbanus enquanto abade de Fontaines que desagradou aos bispos da Gália, que,
segundo a tradição (e a amplamente aceita Regra de São Martinho da Gália
70
) deveriam
ser os responsáveis (ainda que de forma indireta) por todas as formas de religiosidade da
região. “Ainda empregando o antigo padrão romano episcopal de vida urbana nas
cidades mais importantes e mantendo relacionamento próximo com aqueles que usavam
coroas, os bispos cuidavam de seu rebanho local de oficiais letrados e semi-letrados,
remanescentes fantasmagóricos de uma sociedade perdida” (CAHILL, 1995: 188.
Tradução nossa)
71
.
Ainda que a narrativa de Cahill pareça bastante literária e permeada por juízos
de valor, não há nada na documentação (sejam fontes primárias ou secundárias) que nos
diga que essa não tenha sido a leitura feita por Columbanus e por outros monges que o
seguiram. De qualquer forma, cabe ainda lembrar que a tensão entre o abade e os bispos
locais atingiu seu pico quando o abade se recusou a comparecer ao Sínodo de Chalon-
sur-Saône, ao qual fora convocado pelos bispos em 603 (CAHILL, 1995: 188). Mais
ainda, para além da antipatia episcopal, Columbanus ganhou também a inimizade da
casa real. Sigisberto
72
morrera e deixara o trono para o irmão, Chilperico, que o legara
ao filho Childeberto. Este o dividira entre seus filhos. A região da Burgundia coube a
Teodorico II, profundamente influenciado por sua avó, a rainha Brunhilda, que nutria
especial desafeto pelo monge. Wallace (2007) conta:
Agora Teodorico II estava no trono da Burgundia, e Columbanus o desagradou
quando se recusou a abençoar os quatro filhos ilegítimos do rei e o pressionou a
casar-se. A avó de Teodorico, a Rainha Brunhilda, temeu perder sua influência
para uma nova rainha e se mostrou uma inimiga implacável. Em 610, Teodorico
ordenou a expulsão de Columbanus e todos os outros monges irlandeses. Eles
foram levados sob escolta armada para o porto de Nantes, cerca de 600 milhas
dali, para serem colocados em um navio de volta para a Irlanda. No entanto, o
navio imediatamente encalhou, coisa que o capitão tomou como um sinal de que
os monges deveriam desembarcar. Depois de mais viagens, Columbanus chegou
a Metz, onde o rei Teodeberto II lhe ofereceu proteção e encorajou o santo a
trabalhar entre as tribos pagãs ao redor dos lagos suíços (WALLACE, 2007: 74.
Tradução nossa)
73
.
70
São Martinho (c. 316-97) foi fundador do primeiro monastério na região da atual França, próximo à
Poitier. Mais tarde aceitou o bispado de Tours (c. 372), época em que estabeleceu suas regras (Cf LOYN,
1997: 253). Para a visita de Columbanus ao túmulo de S. Martinho, ver Anexo I.
71
“Still employing the old Roman Episcopal pattern of living urbanely in capital cities and keeping close
ties with those who wear crowns, the bishops tend their local flocks of literate and semiliterate officials,
the ghostly remnants of the lost society”.
72
Para a casa real francesa, adotamos nesse trabalho, a grafia dos nomes como aparecem nas obras em
português.
73
“By now Theuderich II was on the throne of Burgundy, and Columbanus incurred his displeasure by
refusing to bless the king’s four illegitimate sons and pressing him to marry. Theuderich’s grandmother,
Queen Brunhilde, feared losing her influence to a new queen and became an implacable foe. In 610
57
Lá, à beira do lago Constance, fundou nova abadia. Quando partiu, deixou um de
seus discípulos, Gall, como chefe não só dos monges, mas também como responsável
pelos leigos que se organizavam no entorno. Gall (550-645), porém, recusou o cargo e
preferiu a vida de eremita, iniciada nas proximidades. Entretanto, cabe lembrar que,
neste local,
um século após sua morte, era eregido o famoso mosteiro beneditino de Saint
Gall (Sankt Gallen em alemão) (...). O scriptorium e a coleção de manuscritos
desse mosteiro estiveram por muito tempo entre os mais célebres da Europa.
Uma planta arquitetural do século IX de Saint Gall, um dos primeiros desenhos
deste tipo da Idade Média, mostra o layout de um mosteiro beneditino ideal,
com as edificações para a residência e trabalho agrupadas em torno da igreja
(LOYN, 1997: 162).
FIGURA 08: A planta do Monastério de St Gall (LOYN, 1997: 163)
Quanto a Columbanus, sem efetivamente saber que suas ordens não seriam
seguidas, continuou seu caminho. Depois de cruzar os Alpes, chegou à Itália,
intencionando combater o arianismo: mesmo que representante de uma posição
Theuderich ordered the expulsion of Columbanus and all other Irish monks. They were taken under
armed guard to the port of Nantes, some 600 miles away to be shipped back to Ireland. However, their
ship immediately ran aground, and the captain took this as a sign that the monks should be disembarked.
After further travels, Columbanus reached Metz, where King Theudebert II offered his protection and
encouraged the saint to work among the pagan tribes around the Swiss lakes”.
58
destoante da do papado, julgava-se protetor da ortodoxia. E com esta crença, em 612 foi
recebido em Milão, na corte do rei Agiluf e da rainha Teolinda. Sua estadia, entretanto,
não foi longa.
Em 614, partiu para o interior, onde fundou sua mais importante abadia, Bobbio,
onde sua visão de comportamento religioso se solidificou, implantando rigorosamente
as regras que perfilou em sua Vida Monástica (COLUMBANUS, 1638). De forma
geral, exigia “obediência ao abade e à vida de pobreza e mortificação através de
constante jejum. Grande ênfase foi colocada na confissão dos pecados seguida por
penitências, com desobediências à disciplina sendo punidas por surras com uma faixa de
couro” (WALLACE, 2007: 73. Tradução nossa)
74
. Columbanus morreu em Bobbio, em
615.
1.9. O fim de uma experiência
O que é certo é que os Mártires Brancos, vestidos como druidas em distintas
túnicas de lã branca, espalharam-se alegremente pela Europa, fundando
monastérios que se tornariam, com o tempo, as cidades de Lumièges, Auxerre,
Laon, Luxeuil, Liège, Trier, Würzburg, Regesburg, Rheinau, Reichnau,
Salburg, Vienna, Saint Gall, Bobbio, Fiesole e Lucca, para dizer apenas
algumas (CAHILL, 1995: 194. Tradução nossa)
75
.
Durante o século VII, “mais de 100 monastérios foram estabelecidos sob essas
regras” (WALLACE, 2007: 73. Tradução nossa)
76
. No século VIII a influência das
práticas tipicamente irlandesas já diminuíra, mas não desapareceu até o século XII. O
exemplo de Columbanus foi seguido por centenas de outros irlandeses, parcialmente
graças aos escritos de Jonas, que assegurou a legitimidade das premissas do monge ao
construir sua vida como designada por Deus e pautada por manifestações de santidade.
74
“... obedience to the abbot and a life of poverty and mortification through constant fasting. Great
emphasis was laid on confession of sins followed by penances, with breaches of discipline punished by
beatings with a leather strap”.
Jejuns e mortificações são temas comuns em The Life of St Columban; ver Capítulo III: De Santos;
especialmente 3.7. O significado dos milagres: a construção comparada do conceito de santidade &
Anexo I.
75
“But what is certain is that the White Martyrs, clothed like druids in distinctive white wool robes,
fanned out cheerfully across Europe, founding monasteries that would become in time the cities of
Lumièges, Auxerre, Laon, Luxeuil, Liège, Trier, Würzburg, Regensburg, Rheinau, Reichnau, Salzburg,
Vienna, Saint Gall, Bobbio, Fiesole and Lucca, to name but a few”.
76
“ ... more than 100 monasteries were established under these rules”.
59
MAPA 11: Monastérios associados a Columbanus e Gall (Ó RÍORDÁIN, 2007: 80)
MAPA 12: Monastérios fundados por irlandeses na Europa; séculos VIII – XI (CAHILL, 1995: 194)
60
Encarado dessa forma, o monasticismo irlandês ganha outra interpretação, da
qual Bobbio, que resistiu à morte de seu fundador, se tornou símbolo: em seu papel
legitimado pela santidade de seu fundador, ganhou o epíteto de “fortaleza espiritual” da
ortodoxia – frente às heresias que borbulhavam no período. Talvez por conta dessa fama
e por sua localização geográfica, O’hEiíhir acredite que Bobbio tenha sido inspiração
para a abadia que serve de cenário para o desenrolar do romance O nome da Rosa, de
Umberto Eco (1983). Entretanto, embora tenha sido a construção mais bem sucedida,
não foi a única que sobreviveu a Columbanus. Luxeuil também continuou suas
atividades sob outros abades e se tornou um centro irradiador de missionários e
conhecimento. Sua situação foi tão excepcional que mereceu menções na Monumenta
Germaniae Historica (http://www.dmgh.de/) e nos trabalhos de Gregório de Tours,
Historia Francorum (TOURS, 1974), base da construção de identidade do Império de
Carlos Magno. Nas palavras de Henry Loyn (1997):
Os centros estabelecidos pelos irlandeses, ou através de influência irlandesa,
não foram importantes meramente por razões espirituais, pois contribuíram para
o progresso do saber e da educação; lugares como Luxeuil, sua filial Corbie, e
Bobbio, revestiram-se de significado especial na produção e cópia de
manuscritos – obras clássicas, patrísticas e jurídicas. O principal movimento
monástico pode ter terminado em fins do século VIII, mas o movimento de
indivíduos irlandeses prosseguiu, e as cortes francesas continuaram atraindo
homens de saber irlandeses durante todo o século IX (...) estrangeiros que
deram valiosas contribuições para o renascimento intelectual carolíngio
(LOYN, 1997: 86).
Também na Irlanda o século XII trouxe mudanças importantes que significaram
o fim dessa experiência celta. Em 1152, o Sínodo de Kildare dividiu a ilha em 4
arcebispados e 36 bispados, cujos representantes eram apontados exclusivamente por
Roma. Entre 1169 e 1172, veio a conquista anglo-normanda que colocou sob o domínio
Plantageneta não apenas a política e a economia da ilha, mas também a religião – em
sua teoria e prática. Desta forma, a “Igreja Irlandesa”, encontrou-se, a partir de então,
inserida “de um modo ainda mais direto, na corrente principal da cristandade Ocidental”
(LOYN, 1997: 202).
Com tudo isso em mente, passemos agora à uma análise metodológica dos
problemas colocados pelo contexto. Um panorama teórico deve nos ajudar a construir
um modelo para esses dois monges apresentados em maiores detalhes nesse primeiro
capítulo para que, adiante, possamos confrontá-lo com a documentação selecionada e já
mencionada: The Life of St Columba e The Life of St Columban.
61
CAPÍTULO II
DE CONCEITOS
2.1. Introdução: as obras que sustentam o capítulo
Entre os séculos VI e XII, os irlandeses e seus santos missionários estiveram, em
maior ou menor grau, presentes no cotidiano do medievo europeu e contribuíram para a
estruturação da Igreja Católica Apostólica Romana, a instituição mais importante da
época. Tal fenômeno - enquanto objeto histórico e social - costuma ser abordado a partir
de três chaves de leituras: 1) surgimento de um cristianismo tipicamente irlandês; 2)
resultado de contingências históricas ou 3) exercício teológico natural em qualquer
comunidade cristã (Cf O’LOUGHLIN, 2000)
77
. Entretanto, uma leitura cuidadosa do
contexto, quando amarrada a questões que escapam à História e se perfazem como
típicas das Ciências da Religião, possibilita uma quarta interpretação: a manutenção (e
eventual absorção) desse movimento de monastérios irlandeses, por menos ortodoxo
que ele possa parecer, por conta de sua legitimidade institucional garantida pela
santidade aceita e sancionada de seus primeiros expoentes.
Esta hipótese – que se pretende desenvolver no Capítulo III: De Santos –
precisa, porém, de certo aporte teórico que não pode ser encontrado apenas na
contextualização ou discussão bibliográfica. Assim, o passo seguinte deve ser voltado
para a questão teórica e metodológica, que começamos a abordar lembrando que
embora existam diversas “escolas” historiográficas com as quais a História das
Religiões trabalha, para esta dissertação, destacaremos apenas a chamada Nova
História. Entretanto, limitarmo-nos ao arsenal de conceitos dessa escola sem questionar
sua constituição pode ser aposta perigosa, vez que, como expusemos na introdução, a
intenção primordial desse capítulo é a construção de um modelo hagiográfico com o
qual possamos dialogar em seguida. Assim, numa tentativa de complementar nosso
trabalho, buscamos inspiração em outras praias; a saber, a obra de Max Weber.
A natureza aparentemente excludente entre determinados conceitos weberianos e
o modo da Nova História gera um empobrecimento mútuo da zona de contato potencial
entre a História e a Sociologia. À História, veta o acesso a algumas ferramentas
conceituais - afinal, como nos lembra Eric Hobsbawn, toda história é contemporânea
(Cf HOBSBAWN, 1997: 37-48). À sociologia, veta o acesso à preciosidade da
77
Para maiores detalhes sobre o debate historiográfico acerca do tema, ver Capítulo I: De Contextos;
especialmente 1.1. Um mundo em transformação.
62
“duração”, contribuição essencial que a História lhe poderia prover (Cf BRAUDEL,
1989: 7-39). Desta forma, a fim de procurar sanar as deficiências geradas pela
segregação do conhecimento em campos específicos, talvez o melhor caminho seja
buscar certa mescla de autores quando da elaboração da lista de obras de base para uma
análise documental e caminhar na lógica interdisciplinar das Ciências da Religião.
Tal empreitada – a análise documental - lança mão de leituras como História e
Memória (GOFF, 1994), A nova história (GOFF, s/d) e A escrita da história (BURKE,
1992). Sua compreensão e contextualização, entretanto, requerem a ampliação do
quadro teórico, e a aceitação de certos conceitos que se tornaram hegemônicos na
produção historiográfica recente. Dentre esses conceitos, merecem destaque
“mentalidade” e “imaginário”. Nesse caso, recorre-se a obras como A Idade Média
(FRANCO JÚNIOR, 2005), Para um novo conceito de Idade Média (GOFF, 1993), A
história do imaginário (PATLAGEAN, 2001), Idéologies et Mentalités (VOVELLE,
1982) e A ética protestante e o espírito do capitalismo (WEBER, 2001)
78
.
A partir dessa lista, torna-se mais fácil delinear o caminho que se pretende
seguir: o de investigação de um tema da História das Mentalidades que, por sua própria
natureza, depende da sensibilidade sociológica para ser construído e, portanto, objeto da
História das Religiões. Para desenvolver o que aqui se propôs, pretende-se, em efeito,
perseguir, a partir da leitura de Max Weber imbricada ao trabalho dos outros autores
mencionados, uma série de conceitos que serão aplicados na estrutura de um modelo de
monges medievais santos. A saber: o questionamento das cadeias causais; a história
como saber rigoroso para produzir afirmações de possível validade e conceitos
universais; a multicausalidade da explicação sócio-histórica; a dimensão histórica da
cultura, das mentalidades e dos imaginários delas decorrentes; o relacionamento entre a
religião e dinâmica de mudanças da sociedade e os sinais exteriores de predestinação.
Para tanto, o primeiro passo deve ser o de superar o legado positivista da
ditadura das fontes e aceitar a contribuição dos fundadores da Revue des Annales
(1929), Marc Bloch e Lucien Febvre: a democracia dos problemas. Destarte, o que
move a investigação histórica é a indagação, o questionamento, a problematização, seja
documental ou historiográfica: busca pelo “complexo de significado subjetivo”
(BERGER e LUCKMANN, 2002: 33) que justifica a ação. Em nosso caso particular,
significa construir um inquérito em diversas frentes a fim de se entender quais eram as
78
Este último, embora tematicamente discrepante, não pode ser ignorado, principalmente porque será
utilizado amplamente na delimitação de nossa metodologia.
63
características desses monges viajantes irlandeses que fizeram deles figuras tão
especiais durante os primeiros séculos da medievalidade a ponto de terem se tornado
símbolos – modelos, de fato – de preferência e reconhecimento Divinos, o que
contribuiu, em última instância, para que o movimento que representam não fosse
excluído dos quadros da Igreja, mas sim a eles incorporado.
2.2. O debate entre campos do conhecimento e o nascimento de conceitos
interdisciplinares
O ensaio de Max Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo,
significou uma revolução epistemológica na interpretação da gênese histórica do
capitalismo no Ocidente dentro do universo da produção intelectual de matriz
compreensiva das Ciências Humanas. Isso porque fundou um paradigma de análise
marcado pela premissa metodológica da multicausalidade histórica: diretriz
metodológica da Nova História, antecipada por Weber - o questionamento das cadeias
causais. E é esse o traço que para esse trabalho se procura sublinhar na obra de Weber.
Trata-se, na verdade de uma tentativa de respeitar o ensejo do autor, que em sua
obra, sugere que um objeto – no caso de Weber a construção histórica do “espírito” do
capitalismo e, no nosso, a santidade durante os primeiros séculos da Idade Média - deve
ser investigado sob o aspecto precisamente histórico-cultural. Como o próprio diz, ao
princípio de seu prefácio:
Problemas de História Universal serão tratados pelo filho do moderno mundo da
cultura europeu, de forma irrefragável e legítima, sob a égide deste
questionamento: qual encadeamento de circunstâncias conduziu a que, no solo
do Ocidente, e apenas aqui, acontecimentos culturais entraram em cena, os
quais – ao menos assim gostamos de imaginar – repousam em uma direção de
desenvolvimento de significado e validez universais? (WEBER, 2005: 07.
Tradução nossa)
79
.
Encontra-se permeando de forma singular a civilização Ocidental, portanto, um
conceito de História como saber rigoroso para produzir afirmações de possível validade
e sentido universais. Entretanto, uma investigação intelectual de uma questão de
História (seja ela o surgimento do capitalismo ou de figuras de santidade), não pode
prescindir da contribuição teórica da Sociologia: “será necessariamente uma das
79
„Universalgeschichtliche Probleme wird der Sohn der modernen europäischen Kulturwelt
unvermeidlicher – und berechtigerweise unter der Fragestellung behandeln: Welche Verkettung von
Umständen hat dazu geführt, daβ gerade auf dem Boden des Okzidents, und nur hier,
Kulturerscheinungen auftraten, welche doch – wie wenigstens wir uns gerne vorstellen – in einer
Entwicklungsrichtung von universeller Bedeutung und Gültigkeit lagen?“
64
atividades do trabalho sociológico e histórico, descobrir, possivelmente, aquelas
influências e cadeias causais, que através de reações aos destinos e ao entorno, tornam-
se satisfatoriamente claras” (WEBER, 2005: 24. Tradução nossa.)
80
.
A contribuição de Max Weber para as Ciências Humanas como um todo se dá
em ramos plurais. Sua proposta de multicausalidade da explicação sócio-histórica
destaca a máxima de que a força propulsora das sociedades se dá na esfera dos
interesses, os quais compreendem não apenas aspectos materiais, mas também de cunho
ideal. Simplesmente não se pode abrir mão tão facilmente da força das idéias. De forma
grosseira, seria o mesmo que dizer que não podemos afirmar que o capitalismo
aconteceu simplesmente porque o feudalismo se esgotou, nem que homens como
Columba ou Columbanus tornaram-se santos simplesmente porque a eles lhe foram
atribuídos milagres. Para que qualquer uma dessas interpretações tenha validade, é
preciso procurar outras forças que ajudem a explicar essas transformações – novas
formas de organização social, novas leituras de mundo, novo ímpeto na circulação de
novas idéias, velhas idéias formuladas de maneira nova etc.
Talvez a expressão que melhor sintetize o pioneirismo desse autor seja o
“paradoxo das conseqüências” (WEBER, 2004: 82), que relega aos futuros pensadores a
possibilidade de perceberem que há eventos e ações “simplesmente históricas” (Rein
historisch) e que trás à tona uma lacuna de que parte dos elementos da combinação que
compõe os processos sócio-históricos é irracional. Talvez isso seja pouco perceptível na
dura realidade do surgimento do capitalismo, mas certamente se torna mais claro
quando pensamos nas razões que fazem com que não apenas a comunidade ao redor de
um sacerdote o considere santo, mas também a hierarquia da Igreja e um sem números
de fiéis. Posto que tudo começa com a ação humana, Weber insere essa trama de
irracionalidade nas mudanças do curso da História. Desta forma, até os seus “tipos
ideais” ou idealtipos (talvez o ponto mais perceptível de sua metodologia) respeitam a
falibilidade da inventividade social humana.
O tipo ideal de Max Weber corresponde ao que Florestan Fernandes definiu
como conceitos sociológicos construídos interpretativamente enquanto
instrumentos de ordenação da realidade. O conceito, ou tipo ideal, é
previamente construído e testado, depois aplicado a diferentes situações em que
dado fenômeno possa ter ocorrido. À medida que o fenômeno se aproxima ou se
80
„Es wird gerade eine der Aufgaben soziologischer und historicher Arbeit sein müssen, zunächst
möglichst alle jene Einflüsse und Kausalketten aufzudecken, welche durch Reaktionen auf Schicksale und
Umwelt befriedigend erklärbar sind“.
65
afasta de sua manifestação típica, o sociólogo pode identificar e selecionar
aspectos que tenham interessa à explicação (COSTA, 2005: 100).
Essa inventividade metodológica engendra uma série de questionamentos que o
autor encadeia de forma historicamente detalhada, partindo da realidade que o circunda.
O que não necessariamente combina com a classificação que Michael Löwy dá ao autor
de historicista (LÖWY, 2007), embora se reconheça sua percepção de tempo histórico
como fator crucial na formação de um fenômeno – sem os anos profícuos em santos dos
viajantes irlandeses (ou mesmo dos mártires continentais), não teria havido Igreja a ser
questionada pela Reforma; sem o passado, o há possibilidade de se entender as
circunstâncias do presente que possibilitam determinada ação, o que não quer dizer que
as temporalidades sejam, necessariamente, xifópagas. Desta forma, talvez seja mais
justo – ao menos como argumento para o ponto que se pretende perseguir nesse trabalho
– considerá-lo como um precursor da interdisciplinaridade do que como historicista.
2.3. Mentalidade e Imaginário
Ao enveredar pela promissora interface entre a História e a Sociologia, Weber
antecipa o programa teórico e metodológico proposto pelas três gerações da Escola dos
Annales, matriz fundante da Nova História. Representante máximo da terceira dessas
gerações, Jacques Le Goff, propõe um diálogo da História com as demais Ciências
Sociais, de forma a expandir a própria concepção dos objetos e problemas pertinentes ao
trabalho historiográfico. (Cf. GOFF, s/d: passim). Assim, para proceder com esta
análise, tracemos os pressupostos teóricos e metodológicos de um historiador das
mentalidades e de seu objeto de problematização e o conceito de imaginário, uma das
muitas constribuições dos Annales, cujo advento Peter Burke caracterizou como
autêntica Revolução Francesa na historiografia (Cf BUKE, 1997).
Com efeito, a expressão nada ostenta de despropositado: trata-se de uma das
maiores rupturas conceituais registradas no seio das Ciências Sociais e sua metodologia,
e que tem na mentalidade uma de suas principais chaves epistemológicas. Além do que,
é pertinente a expressão, pois se trata de um movimento tipicamente francês. Não
significa que tenha se tornado única forma de se fazer História
81
, mas é a posição
81
Cabe lembrar que especificamente dentro da área da História das Religiões, merecem destaque também
a Escola Vienense, a Escola Alemã – mãe de fenomenologia de Mircea Eliade – e a Escola Italiana – cujo
destaque fica por conta de sua enorme produção teórico-metodológica, contando com nomes como
Rafaelle Pettazoni e Ernesto De Martino (Cf FILORAMO, 1999).
66
hegemônica também no Brasil (Cf ALBUQUERQUE, 2007: 46-50), e por isso a
escolhida como sustentáculo dessa investigação.
A História das Mentalidades nasceu após a I Guerra Mundial, no seio de grupos
de historiadores como os franceses Lucien Febvre e Marc Bloch e o belga Henri
Pirenne; geógrafos como Demangeon e sociólogos como Lévy-Bruhl e Maurice
Halbwachs. Os mesmos inspiraram os famosos Annales d’histoire économique et
sociale, ou Revue des Annales, a partir de 1929 (Cf ALBUQUERQUE, 2007: 30). Este
grupo foi o mais articulado e combativo, porém não o único a aparecer também nesta
época. Alguns trabalhos individuais, também adentram a História das Mentalidades,
como, por exemplo, The Autumm of the Middle Ages, de Johannes Huizinga (1997).
De modo geral, podemos dizer que esses autores atribuíram à História um
domínio diverso, mais amplo que as tradicionais análises de atividades racionais,
voluntárias, orientadas para a decisão política e propagação de idéias. Ariès (2001)
menciona que a História tradicional se interessou quase exclusivamente por indivíduos,
pelas camadas superiores da sociedade e pelos acontecimentos protagonizados por elas.
A História Social, ao contrário, passou a atentar para a massa da sociedade, distante dos
focos de poder. Esta nova vertente suscitou interesse pelos dominados, pelo anônimo e
coletivo, espaços em que se reconheciam as forças reais da sociedade. Mesmo assim,
alguns autores, como Eduardo Bastos de Albuquerque (2007), consideram – talvez mais
por legado do que por premissa – o próprio conceito de mentalidade como contribuição
master da Nova História, principalmente para o campo da História das Religiões:
Tal história interessa-se pelos fenômenos na longuíssima duração plurissecular,
como religião popular, heranças animistas pré-cristãs impregnando
profundamente a religiosidade, da Idade Média à era moderna, como formas de
religião popular cristianizada que se impõe, dos séculos XII e XIII até o triunfo
da reconquista católica na Idade Clássica (ALBUQUERQUE, 2007: 42-43)
82
.
A verdade, porém, é que tal afirmação só se sustenta se lembrarmos que a
História das Mentalidades, per se, só subverteu a historiografia francesa na década de
60, marcando o declínio dos temas socioeconômicos e demográficos na década de 70,
com a re-apropriação de temas raros ou desconhecidos. Quanto à religião, a
82
Tal afirmação nos é particularmente útil, vez que permite e legitima algumas afirmações feitas no
Capítulo I: De Contextos, acerca da normalidade da ação não só de Columba e Columbanus (que se
apropriaram de lugares considerados sagrados para pictos e romanos, respectivamente), mas também, por
exemplo, de Agostinho de Cantebury, representante de Roma e da forma mais tradicional do Cristianismo
(ver Capítulo I: De Contextos; especialmente 1.5. Columba; 1.6. O Concílio de Whitby & 1.8.
Columbanus).
67
instrumentalização do conceito significou a possibilidade de abordagem de novos
temas, como magia, morte (Cf ALBUQUERQUE, 2007: 38-43) e – por que não? –
aceitação coletiva de demonstrações de santidade.
Diz a teoria da História das Mentalidades que suas alterações só podem ser
percebidas no tempo longo. Os historiadores mais jovens tendem a não aceitar uma
brusca desigualdade de estruturas mentais entre duas épocas
83
, substituindo macro-
alterações por um complexo de micro-alterações contraditórias, estendidas no tempo.
Para a questão que por hora nos importa enfocar, evidencia-se, no esteio teórico de
Ariès, que a diferença entre duas mentalidades estabelece-se entre uma, que se supõe
conhecida, atuando como testemunha ou ponto de referência do historiador, e outra,
enigmática, que o historiador se propõe descobrir
84
. Esta descoberta implica um ato
primário de percepção de uma diferença. A mesma pode nascer do reconhecimento de
similaridades entre as duas (as permanências históricas) ou da constatação de
divergências irredutíveis, condições de particularidade que separam ambas as culturas e
lhes afiança originalidade. (Cf ARIÈS, 2001). A essa dimensão se somam as questões
do imaginário, de onde surge a necessidade de buscar esta conceituação.
Evelyne Patlagean (2001), por exemplo, discorre acerca deste conceito: conjunto
das representações que extrapolam os limites das constatações empíricas e dos
encadeamentos dedutivos autorizados pela experiência. Cada cultura, cada formação
social, ou mesmo cada segmento interno a uma sociedade complexa, nutrem um
imaginário próprio. Nesta perspectiva, a barreira entre o real e o imaginário é volátil,
assim como o território perpassado por tal fronteira permanece de forma idêntica, já que
abrange todas as esferas da experiência humana. Se o intuito do historiador for o
conhecimento do imaginário de uma sociedade pretérita, afastada no espaço e no tempo,
a divisa entre real e imaginário será traçada de forma coincidente com a posição deste
limite para o cotidiano do próprio historiador, para sua formação social e cultural (Cf.
PATLAGEAN, 2001: passim).
Em ensaio acerca do imaginário urbano em tempo de globalização, o historiador
Ulpiano T. B. de Meneses (1997) confere ao tema do imaginário uma noção de
contornos mais definidos, articulando elementos e variáveis que se agregam em sua
83
Um “intervalo psicológico entre as gerações” (BLOCH, March. apud ALBUQUERQUE, 2007: 31) é a
própria definição do que é mentalidade para March Bloch.
84
Para nós, a dos discípulos de Columba e Columbanus – respectivamente, Adómnan e Jonas – e a de
seus possíveis leitores, o que talvez, explique a aceitação das afirmações registradas como verdadeiras e a
confirmação da santidade dos mestres.
68
produção cultural e histórica. Deste modo, define a imagem como suporte para as
representações, sejam elas ópticas, gráficas, perceptivas, mentais ou verbais. A partir
desta idéia primária, pode-se ensaiar a conceituação do imaginário como sistema de
imagens articuladas, com estrutura e dinâmica próprias. Por fim, opera-se com a
categoria da imaginação enquanto capacidade de criar imagens, como instituição
refletida do real.
À História compete procurar compreender o imaginário como dimensão
produtora de realidade, sem, entretanto, mitificá-lo como epifenômeno: é um
fenômeno complexo, policêntrico, comportando bases e flutuações, ordenando-
se por múltiplas articulações. Imagem, imaginário e imaginação reportam-se,
em comum, ao problema do sentido e da significação. Neste circuito envolvem-
se fenômenos de produção, armazenamento, circulação, consumo, reciclagem e
descarte de sentido: são operações fundamentais de formulação e hierarquização
de valores gerados por uma sociedade e imprescindíveis a sua organização
(MENESES, 1997: 12).
Pode-se mencionar, a título de síntese integradora, a conceituação de imaginário
para Hilário Franco Júnior:
Conjunto de imagens, verbais e visuais, que uma sociedade ou segmento social
constrói com o material cultural disponível para expressar sua psicologia
coletiva. Logo, todo imaginário é histórico, coletivo, plural, simbólico e
catártico. Não pode ser confundido com imaginação, atividade psíquica pessoal
que ocorre, ela própria, de acordo com as possibilidades oferecidas pelo
imaginário (FRANCO JÚNIOR, 2001: 183)
85
.
Ainda no rastro de Patlagean, observa-se que a apropriação do imaginário
passado das sociedades européias enquanto objeto de conhecimento histórico é
fenômeno intelectual recente, já que os medievais e os modernos vislumbravam o
passado como prolongamento de sua própria cultura. O distanciamento histórico e
analítico esboçou-se a partir do século XVIII, principiando com o Iluminismo e
prosseguindo com o Romantismo (que se apropria da herança medieval por apreço
estético e nacionalista) e mesmo com a afirmação de uma ciência positivista na
transição do século XIX para o XX, fundada na ideologia de uma hierarquia entre as
culturas, mediada pela noção de progresso.
No período entre as duas grandes guerras mundiais, iniciou-se o modelo de
pesquisa hoje hegemônica. O imaginário encontrou seu locus ideal na então recente
85
Note-se que estes dois conceitos não são desvinculados um do outro. Albuquerque, por exemplo, nos
lembra que, embora a mentalidade de um tempo se traduza simbolicamente em seu imaginário, este,
inversamente, não permanece imutável e influencia, por sua vez, a construção daquele (Cf
ALBUQUERQUE, 2007: 33-37).
69
História das Mentalidades. Outrossim, analise-se a noção contemporânea de
mentalidade: “Plano mais profundo da psicologia coletiva, no qual estão os anseios,
esperanças, medos, angústias e desejos assimilados e transmitidos inconscientemente,
exteriorizados de forma automática e espontânea pela linguagem cultural de cada
momento histórico” (FRANCO JÚNIOR, 2001: 184).
De modo complementar, o historiador esclarece que a expressão psicologia
coletiva: designa, propriamente, o complexo de sentimentos, motivações e valores do
conjunto de uma determinada formação societária. Revela-se mais abrangente que a
noção sociológica de consciência coletiva (Cf FRANCO JÚNIOR, 2001: 182), já que
opera igualmente com elementos inconscientes da cultura. O inconsciente coletivo
observa-se beneficiado pelas culturas orais e reprimido pelas escritas. É coletivo por ser
comum a toda uma sociedade em determinado momento, sendo inconsciente porque
despercebido ou mal percebido por seus contemporâneos, já que faz parte de dados
naturais tidos imutáveis, idéias recebidas ou idéias no ar, lugares comuns, códigos de
conveniência ou moral, conformidades, proibições, expressões admitidas e excluídas,
sentimentos e fantasmas. Os historiadores o denominam estrutura mental ou visão do
mundo, designando os caracteres coerentes e rigorosos de uma totalidade psíquica
imposta aos contemporâneos, sem que estejam conscientes do processo (Cf ÁRIES,
2001).
2.4. Uma nota conceitual
A noção de mentalidade implica a aceitação do sentido positivo de ideologia,
como trabalhado por Antonio Gramsci. Para o filósofo político italiano, antes de
representar um falseamento proposital e alienante da realidade de dominação de classes
em determinada sociedade, como pretende a tese marxista clássica, a ideologia pode
encerrar um sistema de signos, valores, anseios e representações que fundam uma visão
do mundo e uma cultura e formam um tecido social no seio de um universo simbólico
(Cf. BOBBIO, 2002). De forma adicional, Hilário Franco Júnior define a ideologia
como:
Elaboração consciente e segmentada socialmente, que expressa certas
necessidades e expectativas daqueles que a criam, adotam e propagam. É um
sistema de representações que constrói uma imagem da sociedade em cores
carregadas, negativas e positivas, sob certos aspectos e períodos da mesma.
Apresenta forte conteúdo de crítica enquanto sua visão da sociedade não é
70
hegemônica, e torna-se estabilizadora quando aquilo ocorre (FRANCO
JÚNIOR, 2001: 183).
Observe-se que os conceitos acima – mentalidade, imaginário e ideologia -
coexistem em um campo conceitual único, porém, em senso restritivo, é a ideologia que
se insere na esfera das mentalidades; representando uma fração do pensamento em uma
conformação muito maior. Por tal razão, a aproximação possível entre ideologia e
mentalidades somente pode manifestar-se a partir da aceitação da concepção gramsciana
deste fenômeno (Cf VOLVELLE, 1982: 11-19), como acontecesse nesse texto.
2.5. Considerações teóricas a partir da ética protestante e do espírito do
capitalismo
A luta pelo estabelecimento de uma forma de dominação legítima – isto é, de
definições de conteúdos considerados válidos pelos participantes das relações
sociais – marca a evolução de cada uma das esferas da vida coletiva em
particular e define o conteúdo das relações sociais no seu interior (BARBOSA e
QUINTANEIRO, 2007: 130).
Os resultados provenientes da equação entre ética protestante e “espírito” do
capitalismo começam a ser contabilizados com a constatação (real) de que há uma clara
predominância de protestantes nas classes proprietárias do capital. Tal incidência se
encontrava presente não apenas na Alemanha, mas em todo lugar onde a expansão do
capitalismo moderno teve sucesso na reorganização social a seu favor (Cf WEBER,
2004: 29-32). Weber então se decidiu por partir da hipótese de que a Reforma
Protestante encontrara solo mais fértil justamente nas regiões que economicamente
vinham se desenvolvendo mais habilmente. Destarte, pôs-se a questão: por que a
“tirania puritana”, que trouxe um controle religioso absoluto de todos os aspectos da
vida cotidiana, veio substituir o vácuo da dominação religiosa católica (que se dava
geralmente no plano formal) de maneira socialmente tão setorizada (Cf WEBER, 2004:
31)?
De forma análoga, podemos dizer que nossas indagações partiram da observação
de que o movimento de monastérios celtas iniciado na Irlanda e lançado às outras ilhas
da atual Grã-Bretanha por Columba e ao continente europeu por Columbanus tornou-se
alternativa viável para uma sociedade também em transformação (ainda que contrária, já
que diferentemente da época analisada por Weber, aqui o mundo urbano se ruralizava).
Constata-se, mais ainda, que não apenas no campo, mas também nas cidades, ele foi
relativamente triunfante, visto que terminou sendo tolerado, seduzido e absorvido no
71
seio da Igreja e não expurgado como heresia ou segregado e levado ao cisma. Podemos
também dizer que nossa hipótese – a de que a aceitação da leitura irlandesa do
cristianismo aconteceu por conta da santidade cotidiana e sancionada de seus primeiros
homens – pôs também (como séculos depois o faria a Reforma) em destaque a
setorização e a especialização do clero romano, que reclamava para si o direito
exclusivo de interpretação dos desígnios de Deus.
A inserção do fator religioso na estruturação do capitalismo não configura causa,
mas conseqüência do status quo observado por Weber; o mesmo acontece conosco; a
inserção do fator religioso na estruturação política tanto da Igreja Católica quanto de
seus conceitos teológicos não configura causa, mas conseqüência do status quo por nós
observado.
Assim, para Weber, a predominância de protestantes no controle do capital se
deve a uma combinação de dois fatores básicos. O primeiro é a antiga acumulação de
capital por parte das famílias convertidas ao protestantismo, o que os coloca
naturalmente na frente da lógica sistêmica de acumulação. O segundo é a tendência a
uma educação prática, ou a peculiaridade espiritual inculcada pela educação, que assim
como a possibilidade de investimentos financeiros na formação acadêmica, determina a
escolha da profissão e contribui para a solidificação de uma mentalidade bastante
específica.
Para nós, a preponderância dos irlandeses entre as correntes que discordaram de
Roma, por sua vez, tem três pilares básicos: a realidade social da Irlanda quando de sua
conversão – totalmente rural -; a capacidade de Patricius e seus seguidores imediatos de
adaptar a fé cristã às tradições anteriores de forma tal que possíveis infiltrações pagãs
passassem quase que despercebidas e a típica informalidade irlandesa que fazia de seus
monges pregadores ao mesmo tempo eloqüentes e carismáticos, principalmente para
com a massa iletrada de seus ouvintes. Tais características sustentam a formação de
imagens próprias que se traduzem em uma mentalidade de comunidade muito mais
palpável do que aquela de Roma – com sua hierarquia que começara a se enrijecer – e,
portanto, muito mais pré-disposta a aceitar (coletivamente) como santos seus líderes.
Em outras palavras: assim como devem ser levadas em conta as características básicas
da confissão protestante para respondermos à pergunta chave feita por Weber de porque
eles se encontraram a frente do capitalismo, também devemos considerar as
72
características básicas da personalidade social irlandesa para entendermos porque eles
foram incorporados e não segregados por Roma
86
.
Portanto, uma análise que se resuma apenas aos fatores políticos e econômicos
se mostra insuficiente frente ao fato que as situações das minorias e maiorias religiosas
não indicam obrigatoriamente a conversão de qualquer minoria - dominada
legitimamente (Cf WEBER, 1999) –, haja vista que os católicos alemães que vivem em
regiões majoritariamente protestantes não se inclinaram a esse específico racionalismo
econômico (Cf WEBER, 2004: 33) e nem os irlandeses que permaneceram em sua ilha
se voltaram para Roma de forma automática, retomando determinadas posições nos
séculos vindouros até como forma de resistência e manutenção de identidade (Cf
BARTLETT & KINSELLA, 2006: 96 e ss.).
Entretanto, essas minorias devem conviver com o ethos majoritário, cujas raízes
são, segundo Weber, religiosas e que se traduz como sua “individualidade histórica”
(WEBER, 2004: 41). Logo, podemos, a partir desse raciocínio, dizer que a santidade
não retirada da sociedade (ver adiante), mas vivida em meio à comunidade (ou mesmo
motivando-a
87
), articulando-a, permeando-a e servindo de exemplo é, para nosso objeto,
a “individualidade histórica” do monasticismo celta irlandês. Sua vivência só é
compreendida a partir da aceitação do ethos da comunhão: a mentalidade isolada do
Império Romano que possibilitara aos anacoretas do deserto sua vivência mística ermitã
não encontrara solo fértil na mentalidade de aldeamente dos irlandeses que, ao
contrário, preferiram seguir o exemplo de seus mártires verdes e terminaram, assim, por
criar ao redor deles novos grupos
88
.
2.6. Uma História das Cidades: dos monastérios aos burgos
Os membros de grupos de status estão de acordo com a manutenção desse
caráter de fechamento aos demais (os não-membros), isto é, de garantia de
exclusividade, de privilégios, ou monopólios, sempre baseados em algum
critério socialmente legítimo de exclusão. Participar de um estamento quer
86
Para maiores detalhes sobre as características sociais irlandesas a que aqui se faz alusão, ver Capítulo I:
De Contextos; principalmente 1.2. À margem da civitas.
87
Ver Capítulo I: De Contextos; 1.2. À margem da civitas.
88
O que não significa dizer que não tenham havido monges irlandeses que preferiram viver isolados da
sociedade. Na verdade, em ambas as fontes primárias de nosso trabalho – The Life of St Columba, de
Adomnán de Iona e The Life of St Columban, de Jonas de Bobbio – encontramos menções a homens e
mulheres que se retiraram da sociedade para viver sua religiosidade (ver Capítulo III: De Santos; 3.3. A
estrutura da obra: questões de forma em The Life of St Columba e outros comentários pertinentes; 3.4. A
estrutura da obra: questões de forma em The Life of St Columban e outros comentários pertinentes &
Anexo I). Além disso, não era incomum que aqueles que se arrependiam de seus pecados – fossem
religiosos ou leigos – se entregassem à penitência isolando-se do convívio social. O próprio Columba
escreveu, para essas pessoas, uma lista de regras a serem seguidas (ver Ó MAIDIN, 1996: 37-42).
73
dizer, então, viver de acordo com determinadas regras que diferenciam os
componentes desse grupo de outros (BARBOSA e QUINTANEIRO, 2007:
126).
O monastério surgiu como um lugar específico de vivência religiosa na transição
da Antiguidade para a Idade Média. Seus primórdios remontam às experiências de vida
ascética originadas no Egito no começo do século IV, manifestando-se em dois
contornos distintos: a vida eremítica – do grego eremos, “deserto” (Cf LOYN, 1997:
260) – e a vida cenobítica – do grego koinon, “comum” (idem). Na Europa Ocidental –
e em particular na Irlanda, centro irradiador de nosso objeto – foi a vida cenobítica a
que mais sucesso obteve. A vida desses monges seguia “um regime comum em
comunidades organizadas, que se diz ter sido iniciada por São Pacômio (c. 292-346), ao
estabelecer comunidades de homens e mulheres na região da Tebas egípcia por volta de
320” (LOYN, 2007: 260).
As regras da vida em comunidades monásticas seguiam diretrizes estabelecidas
por seus fundadores. Como veremos adiante, Columbanus, por exemplo, elencou todos
os comportamentos aceitáveis e / ou desejáveis para os membros de sua ordem.
Entretanto, com o passar dos séculos, foi a Regra composta por Bento de Núrsia (c.
480-550) a única que conseguiu “aceitação geral com exclusão das demais” (LOYN,
2007: 260). Dessa forma, grande parte das informações que temos hoje em relação à
estrutura física e distribuição cotidiana de tarefas, diz respeito ao que era costume nas
abadias beneditinas
89
.
Entretanto, algumas obras procuram recuperar a lógica própria dos grupos outros
que parecem ter caído no esquecimento com sua absorção por parte dos beneditinos.
Dentre essas outras possibilidades, é o monasticismo celta o que mais estudo tem tido.
Algumas das obras já mencionadas
90
, como How the Irish Saved Civilization, de
Thomas Cahill (1995), Early Celtic Christianity, de Brendan Lehane (2005) e Early
89
Muitos autores argumentam que a regra proposta por Columbanus fosse demasiadamente rigorosa para
ser aceita. Não é objeto dessa dissertação a dita regra, mas para que se tenha uma idéia da lógica cotidiana
que ela exigia de seus seguidores, podemos recorrer às experiências do próprio monge quando estava
ainda no monastério de Bangor, onde se ordenou, sob a tutela do abade Congall. Nas palavras de seu
discípulo e biógrafo, Jonas de Bobbio: “Columbanus se deu inteiramente ao jejum e à prece, a carregar o
simples jugo de Cristo, a mortificar a carne, a tomar para si cruz e seguir Cristo, para que ele que seria um
professor para outros pudesse mostrar o aprendizado que ele pregava de forma mais frutífera através de
seu exemplo de mortificação de seu próprio corpo; e que ele que instruiria a outros pudesse antes instruir
a si mesmo” (JONAS DE BOBBIO, c.620 Tradução nossa).
“Columban gave himself entirely to fasting and prayer, to bearing the easy yoke of Christ, to mortifying
the flesh, to taking the cross upon himself and following Christ, in order that he who was to be a teacher
of others might show the learning which he taught more fruitfully by his own example in mortifying his
own body; and that he who was to instruct others might first instruct himself”.
90
Para as obras que discutem o tema do monasticismo celta, ver Capítulo I: De Contextos.
74
Medieval Ireland, de Dáibhi Ó Cróinín (1995) trazem algumas indicações que podem
nos fornecer um quadro um pouco mais claro e específico. Através delas, sabemos, por
exemplo, que as primeiras comunidades eram formadas por um abade e doze monges
que viviam em pequenas cabanas circulares, feitas de pedra, em formato de colméia.
Essas cabanas estavam espalhadas ao redor de uma igreja comum. Tinham também uma
construção sem função definida que funcionava como um espaço de convivência,
cuidado e estudo. Escolhiam locais próximos a rios onde pescavam, buscavam água e
realizavam batismos. Prezavam o bom solo e um bosque nas proximidades, pois
complementavam sua alimentação com agricultura e caça (Cf CAHILL, 1995: 152-55).
FIGURA 09: Edifício principal dos primeiros monastérios irlandeses (GUTEMBERG, 2008)
75
FIGURA 10: Os primeiros monastérios – edifício principal, torre de observação e as beehives, cabanas-
colméias onde os monges dormiam (COSTA, 2008)
Um bom exemplo disso é Glendalough
91
, uma pequena comunidade surgida ao
redor da figura de um excêntrico monge chamado Kevin (m. 617), de quem se diz, vivia
em uma toca nas montanhas e durante o inverno passava horas em penitência dentro das
gélidas águas de um dos lagos do vale, enquanto que durante o verão, deitava-se para
meditar sobre arbustos de urtiga (Cf LACEY, 2003: 86-91). Seu monastério, sabemos,
foi, na verdade, uma pequena comunidade em que os monges vivam também em solidão
– cada monge tinha sua cabana, fosse de pedra ou de outros materiais -, mas que se
reuniam para cantar os salmos nas horas monásticas, inclusive duas vezes durante a
noite (Cf CAHILL, 1995: 157). Não há indícios de que a lógica das rezas cotidianas
diferisse grandemente nas outras comunidades.
91
“Um glen em irlandês é um vale criado por paredões ou encostas montanhosas. Glendalough é o Glen
dos Dois Loughs (ou Lagos)” (CAHILL, 1995: 156. Tradução nossa).
“A glen in Irish is a valley created by cliffs or rocky hillsides. Glendalough is the Glen of the Two
Loughs (or Lakes)”.
76
FIGURA 11: O cemitério do Monastério de Glendalough (ACERVO PESSOAL, 2008)
FIGURA 12: O edifício principal do Monastério de Glendalough (ACERVO PESSOAL, 2008)
77
FIGURA 13: A torre de observação do Monastério de Glendalough (ACERVO PESSOAL, 2008)
Com o tempo, outros espaços foram surgindo nesses agrupamentos. Assim como
em Glendalough, muitos outros monastérios viram suas cabanas se multiplicarem com a
chegada de muitos estudantes. A “virtude da hospitalidade heróica” (CAHILL, 1995:
157. Tradução nossa)
92
, significou um aumento considerável no número de habitantes
desses aglomerados e sua paulatina transformação em algo parecido com o que viriam
as ser as cidades universitárias do continente séculos depois
93
. Nesses centros de
convivência e oração, alguns passaram a se dedicar também à cópia e ilustração de
manuscritos, os quais chegavam de todas as partes da ilha.
Condições especiais na Irlanda e Northumbria produziram escolas que só muito
raramente terão sido superadas, se é que alguma vez o foram, demonstrando
assim uma extraordinária habilidade na arte de entrelaçar e contrastar padrões
geométricos e animais, com sutis variações de delicada cor; os Evangelhos de
92
“Virtue of heroic hospitality”.
93
Lembremos que, embora a maioria desses primeiros monastérios irlandeses pareça ter se desenvolvido
com uma construção central funcionando como igreja, uma torre circular que servia de celeiro e
observatório, (rotundum monasterium) e diversas pequenas cabanas que os monges habitavam
individualmente, nem sempre essa imagem se comprova nas escavações arqueológicas. Richard Sharpe,
ao falar sobre Iona no tempo de Columba, aponta para a probabilidade de que ao menos em relação à
habitação dos monges, a disposição arquitetônica fosse diferente: haveria um grande prédio dividido em
cubicula, ou seja, celas individuais (Cf SHARPE, 1995: 365 & 365).
78
Lindisfarne e o Livro de Kells permanecem como exemplos notáveis (LOYN,
1997: 248).
FIGURA 14: O Evangelho de Lindisfarne (BRITISH LIBRARY, 2009)
FIGURA 15: O livro de Kells (CARPENTER, 2009)
79
Na maior parte das vezes, os filhos e filhas de nobres, traziam consigo os livros,
de todos os gêneros (mesmo que não ortodoxos) como doação ao mosteiro quando se
juntavam a uma comunidade. Diz-se dos irlandeses que, “uma vez que eles tinham
aprendido a ler os Evangelhos e os outros livros da Bíblia Sagrada, as vidas dos mártires
e ascetas, e os sermões e comentários dos pais da igreja, eles começavam a devorar toda
a antiga literatura pagã grega e latina que aparecia em sua frente” (CAHILL, 1995: 159.
Tradução nossa)
94
. Imagens poéticas à parte, é fato que, num primeiro momento, esses
copistas se dedicavam à sua atividade ao ar livre, mas que, em pouco tempo surgiu o
scriptorium – prédio em que ficavam não apenas as mesas dos copistas, mas também as
bibliotecas - pelas quais os irlandeses se tornaram renomados
95
.
Por outro lado, as religiões tradicionalmente com vocação universal
96
são
sempre urbanas (Cf WEBER, 1999). A constituição das camadas urbanas desde a cidade
antiga, se comunica com o aspecto religioso. A religião – antiga, ocidental, romana – se
detinha em sua maior porção de significação na esfera privada; entretanto, com o
advento do cristianismo, começou a se transformar em algo que envolvia a cidade
inteira (Cf WEBER, 2004: 446 e ss.). Com os imperadores romanos convertidos, a
religiosidade ficou cada vez mais abrangente, de forma que o culto religioso pôde
ensaiar um tímido divórcio das obrigações e atividades cívicas
97
. Na argumentação de
Weber fica claro que essa tendência à universalização do cristianismo encontra o
marcante exemplo romano de que os únicos que estavam excluídos dos banquetes
públicos eram os judeus. Portanto todos os grupos se incluíam... É quase como se os
indivíduos se incluíssem. Para tudo isso que atribuímos o nome “modernidade”, já há
protoestruturas ou estruturas de longa duração (Cf BRAUDEL, 1989) em gestação na
cidade antiga. Seguindo esse raciocínio, na cidade medieval, podemos dizer que o
94
“Once they had learned to read the gospels and the other books of the Holy Bible, the lives of the
martyrs and ascetics, and the sermons and commentaries of the fathers of the church, they began to
devour all of the old Greek and Latin pagan literature that came their way”.
95
O scriptorium, porém, pouco podia ser encontrado nos primeiros monastérios irlandeses. Seu uso
tornou-se mais comum no continente e, mesmo assim, parece ter sido mais próprio das construções que
aconteceram na segunda geração de monges imigrantes. Como veremos no Capítulo III: De Santos, tanto
Columba quanto Columbanus estão constantemente ligados à leitura, mas em nenhuma das menções nas
obras que procuramos analisar nesse trabalho, há refencia a um espaço especial para a atividade da
leitura e /ou da cópia de manuscritos. Entretanto, não podemos esquecer que importância dos irlandeses
para esta atividade é tamanha que uma das grafias por eles inventadas – a minúscula irlandesa – tornou-se
a forma comum de escrita por todo continente com o passar dos séculos, principalmente por ser de
execução relativamente fácil e por alto grau de legibilidade (Cf CAHILL, 1995: 166).
96
“A classificação funcional das religiões apresenta utilidade para explicar o crescimento de formas
religiosas. Nesse sentido, distinguem-se as seguintes: 1) as que preservam determinado patrimônio étnico-
cultural, favorecendo a auto-identificação de um grupo social; 2) as de caráter universal, abertas para a
conversão de todas as pessoas” (Candido Procópio F. de Camargo apud PIERUCCI, 2006: 114).
97
Para o relacionamento do cristianismo com o cotidiano religioso romano pagão, ver STARK, 2006.
80
processo de individualização se intensificou, afinal o espaço urbano é relativamente
livre. Com isso, abriu-se caminho para que indivíduos se reconhecessem como similares
e diferentes e se associassem de acordo com essas semelhanças e dessemelhanças.
No mundo cristão, a comunidade dos fiéis é um grupo de indivíduos, uma
congregação. O cristianismo de Paulo, em contraposição ao de Pedro, passou por cima
de todas as barreiras étnicas para tornar o cristianismo universal: deu o estopim para um
processo de racionalização e intelectualização que embasou consistentemente o
cristianismo como religião (Cf STARK, 2006). Nas cidades medievais de formação
mais recente, o cristianismo desvalorizou a religião de clã, dissolvendo seu monopólio
tão comum durante o predomínio do paganismo. Existem religiões que são corrosivas
de laços familiares e clânicos; e que tem possibilidade de se expandir universalmente
como é o caso do cristianismo primitivo ou do protestantismo, já que ambos têm em si
tal pré-figuração, ou gérmen, como encontramos em Weber (Cf PIERUCCI, 2006).
Embora se possa aproximar esse conceito com o que Dürkheim chamou de “formas
elementares” (Cf DURKHEIM, 2000), talvez seja mais apropriado ligá-lo à idéia
braudeliana de estrutura de longa duração (Cf BURKE, 1992), o que corrobora o intuito
deste texto: colocar Weber como parte de uma historiografia que tem como marca
principal a interdisciplinaridade e, desta maneira, ferramenta apropriada para a
discussão de temas históricos
98
.
2.7. A centralidade da religião no imaginário ocidental
Como muito bem observa Jacques Le Goff em O Homem Medieval, apenas por
meio de um exercício de abstração conceitual seria possível pensar no tipo ideal de um
homem medieval que abarcasse a pluralidade de expressões humanas que o medievo
testemunhou, seja em senso de seus estratos sociais e suas ramificações internas, seja
em função da incomensurável pluralidade de possibilidades de existir que a
autoconstrução do humano engendra, qualquer que seja sua circunscrição espaço-
temporal (Cf GOFF, 1989: 9 e 10). Defendendo-se de críticas de que é necessário o
palpável para se criar um modelo, Le Goff pondera que poucas temporalidades podem
98
Neste ponto, percebe-se uma oposição à realidade de mentalidades e práticas sociais do Oriente. No
que toca a formação do mundo árabe, nota-se que, por exemplo, ainda que o islamismo seja uma religião
com tendências universais, (na igualdade ritual, por exemplo) a ascese primária é terrena. Somado a este
fator, a organização social a partir da conquista militar, privilegiou a manutenção desses clãs (HOURANI,
2006). Enquanto a cristandade conquistava as almas, o Islã conquistava territórios: “bem que o islã
gostaria de ver o mundo inteiro submetendo-se a Alá, o Deus único, só que isso tem criado tensões com
demandas exclusivistas recorrentes, que o querem identificado com um povo em particular, o árabe, tal
como o judaísmo o é com o povo judeu” (PIERUCCI, 2006: 120).
81
ofertar material de estudo com a mesma nitidez da Idade Média (embora tome forma
final apenas entre os séculos XI e XV), pois os homens concretos desse período estavam
convictos da existência universal e eterna de um modelo humano, de bases bíblicas.
Com efeito, se for possível aludir a uma antropologia medieval cristã, a mesma
caracterizaria a natureza, a história e o destino do ser humano a partir da Bíblia -
notadamente do Livro de Gênesis, que narra a criação do homem ao sexto dia.
Entretanto, com o advento do pecado original, o homem converteu-se em indigno do
Paraíso terrestre, traduzindo, a partir de então, a coexistência tensa de dois seres:
portador de imagem e similaridade a Deus e pecador. A ênfase medieval oscilou entre
as duas imagens, o que reiterou uma cosmovisão tendente ao pessimismo existencial, já
que o homem, mesmo vocacionado a reencontrar o paraíso, cederia sempre às tentações
(Cf GOFF, 1989: 11).
Na denominada Alta Idade, especificamente, Jó pareceu encarnar, em estágio
mais desenvolvido, o exemplo mais bem acabado a ser seguido pelo homem medieval.
Jó foi aquele que se submeteu à vontade de Deus sem nada questionar, atribuindo os
eventos em sua vida ao inescrutável arbítrio divino, o que o tornava menos pecador que
os demais homens. Dilacerado pelas provações de Javé, resignou-se a reconhecer que ao
homem cumpriria consumir sem esperanças seus dias, no contexto de uma vida que se
reduz a vento (Cf GOFF, 1989: 11).
Entretanto, os teólogos medievais precisaram debater–se com a questão de Deus
mesmo amar este farrapo humano, que as iluminuras medievais associam ao
leproso, de tal sorte a assumir a forma e a vida humanas em Jesus Cristo. Deus
mesmo consagra ao pecador um estatuto divino, convertendo a si próprio na
excepcional égide do homem humilhado, que padece pelos pecados de todo o
gênero humano e os proscreve do mundo por intermédio do Mistério da
Redenção. O homem traduzido por esta mitologia cristã medieval encontra-se
envolto na pugna entre as hostes de Cristo e as forças do Anticristo. Apesar da
refutação doutrinária às teses maniqueístas, a teologia medieval erigiu uma
figura para encarnar o Inimigo de Deus, Satanás, líder dos anjos rebeldes,
derrotado por Deus em sua insurreição e por Ele precipitado no inferno, porém
ainda detentor de poderes de tentação sobre os homens. Aceitar ou renunciar à
Graça de Deus ou à salvação, optando por sua condenação, competia ao livre
arbítrio humano. O locus da guerra entre anjos e demônios é a alma humana,
que alguns autores medievais comparam a um jogo. Não é exótico, então, que a
imagem desse homem medieval também se encontre representada sob a forma
de um homem de proporções diminutas, pesado na balança de São Miguel
Arcanjo, sob o olhar atento de Satanás, sempre procurando forçar o equilíbrio a
pender para o lado desfavorável, ao passo que São Pedro tenta incliná-lo a seu
favor. Decorre dessa figuração a noção de um homo viator, que peregrina rumo
à vida eterna ou à condenação perpétua, consoante seu arbítrio. (BACCEGA,
s/d).
82
É interessante perceber que o tipo ideal do monge traduz, precisamente, o
homem vocacionado para a clausura, porém eterno caminhante pelas estradas, como
denotavam as ordens mendicantes do século XIII, sobretudo franciscanos, dominicanos
e carmelitas (Cf GOFF, 1989). A respeito desta construção de uma antropologia
medieval, Le Goff diz:
Esse homem, que o dogma e a prática do Cristianismo medieval tendem a
transformar em tipo universal, reconhecível seja qual for a sua condição, é um
ser complexo. Em primeiro lugar, é constituído pela união contrastante entre a
alma e o corpo. Qualquer que tenha sido o despreza que o cristianismo medieval
nutrisse pelo corpo, “esse abominável revestimento da alma”, segundo Gregório
Magno, o homem medieval vê-se obrigado – e não apenas pela sua própria
experiência de vida, mas também pelos ensinamentos da Igreja – a viver na
dualidade corpo/alma (GOFF, 1989: 13).
A partir da consagração do dogma da ressurreição da carne para a vida eterna, o
imaginário medieval passou a contemplar cada parcela do corpo ou cada sintoma do
mesmo como motivado pela realidade espiritual. Afinal, ele seria a senha para a
absolvição ou condenação, o que justificou as célebres práticas de flagelação. Todavia,
esse homem só se plenificaria a partir do coração, insinuado entre a alma e o espírito, e
que, ao longo da evolução do imaginário medieval, se apoderou da interioridade dos
sentimentos, opondo-se ao intelecto e vencendo-o.
A sociedade medieval representou um tempo de agudos paradoxos sociais,
praticando muitas vezes um maniqueísmo, que embora jamais ratificado pela teologia,
opunha os homens virtuosos aos pérfidos. À medida que a sociedade medieval se tornou
mais complexa, seus próprios pensadores passaram a concebê-la por intermédio de
sistemas de representação articulados que superavam as oposições binárias, permitindo
que se cogitasse, pela primeira vez, a existência de um estrato social intermédio (Cf
BACCEGA, s/d). Foi essa formulação inédita que possibilitou a inserção explicativa da
camada burguesa urbana que, desde a transição do século XI para o XII, assumia tal
posição intermédia, porque já se desvinculara de seu passado camponês e servil, o que
também pode ajudar a explicar o declínio da popularidade dos monastérios e, no caso do
movimento de origem celta, os motivos de seu fim.
Como a percepção das rupturas entre uma antropologia medieval e um perfil de
homem moderno radicalmente distinto depende de uma análise comparada entre ambas
as tipologias, não se pode omitir uma apreciação sobre a função social do monge,
reputado herdeiro espiritual legítimo da igreja primitiva, ocupando o topo de uma
83
hierarquia de mérito e moralidade. Encarnava os ideais de pobreza, castidade e
obediência, procurando a Deus sempre na oração e na solidão, por meio da
contemplação mística extática. Em sua busca por tranqüilidade e paz, responsabilizava-
se por orar pela salvação alheia, apesar de privilegiar a perfeição e a salvação pessoal.
Insulado nos monastérios, uma complexa simbiose entre refúgio e cidade santa,
o clérigo regular era um especialista em necrologia, um conselheiro espiritual e um
conhecedor e conservador da cultura erudita legada pela Antigüidade Clássica -
sobretudo por suas habilidades de copista e leitor. O mosteiro se converteu, portanto,
em uma espécie de “antecâmara” do Paraíso, e o monge na pessoa mais inclinada a ser
beatificada. Reunindo vigor intelectual e sensibilidade emotiva, o clérigo exibia, “uma
sabedoria da escrita que sabe exprimir e matizar sensações, desvios, sutis atenções e
segredos” (GOFF, 1989: 16).
Essa construção nos levará à discussão posterior com a figura do monge irlandês
(ver Capítulo III: De Santos). Lembremos ainda que foi o próprio Weber quem
defendeu que um modelo explicativo não precisaria ser real, mas, plausível (WEBER,
1999: passim). Assim, compreendemos porque esse tipo permeava o imaginário
medieval que, em última instância, suscitava nos homens concretos deste tempo
histórico a vivência de um saber indiciário, constitutivo de uma mentalidade
essencialmente simbólica.
2.8. O conceito de longa duração
Nenhuma das conclusões acima relatadas seria possível sem que Weber
compreendesse, de forma quase inconsciente, o que Fernand Braudel chamou de
“duração”, fenômeno a que já nos referimos nesse capítulo, mas que agora definimos de
forma mais explícita, apontando para o fato de que ele deve ser entendido a partir do
momento em que engloba tempos sociais diferentes e infinitos, os quais podem ser
observados entre o “instante” e o “tempo lento”. E essa sim, deve ser a base para a
metodologia das ciências humanas como um conjunto mais coeso (BRAUDEL, 1987:
8), essa é a contribuição que deve dar o “historiador” ao “mercado comum” de
conceitos que deveria existir para comunicar as humanidades. Esse papel foi cumprido
por Weber, embora ele nem sequer faça parte da bibliografia citada na obra referida de
Fernand Braudel.
Para o brilhante desenvolvimento do que vem a ser a duração, a longa duração,
na perspectiva braudeliana, dois fatores se combinam: uma tendência secular de cunho
84
econômico e uma estrutura de “densidade” social. Ou seja; a tendência secular envolve
ciclos e interciclos de atividade econômicas de cunho conjuntural, que respeitam uma
lógica interna mais dura (uma espécie de núcleo duro, um hardcore) que revisita suas
raízes na coerência interna das relações suficientemente “fixas” entre realidades e
massas sociais; estruturas (BRAUDEL, 1987: 14). E há aquelas estruturas que são
dotadas de vida tão longa que geram elementos muito estáveis, transpassando os gaps
de geração e cujo tempo é quase “ahistórico”, enquanto outras têm vida mais curta: o
que é comum é seu produto, que são concomitantemente “apoios” e “obstáculos” de que
a experiência humana não consegue se emancipar, são “prisões”, permanências que
talvez possamos encontrar nas análises culturais de Weber.
O paradoxo é que a “longa duração” é cunhada num contexto de revolução
interna da ciência histórica e nasce justamente do campo econômico, do prisma quase
oposto ao de Weber. “Quase” porque Weber já parte da premissa de que sua perspectiva
é enviesada, mas não sua metodologia. Portanto, a percepção do prisma contrário é
possível nos termos weberianos, o que o coloca como um reflexo do espaço. Ora, já
dizia Bourdieu, pensar as estruturas sociais como espaços é fruto de um esforço
intelectual que relega posições necessariamente superiores e inferiores (BOURDIEU,
1992). Mas tal é apenas uma das formas de organização do pensamento, o que faz da
pluralidade de fatores da explicação sócio-histórica, e principalmente a pluralidade de
prismas possíveis que transitam na gelatinosa metodologia weberiana espaço de
encerramento da duração, como uma noção de estrutura próxima a de Braudel, só que
espelhada. Como Weber não usa categorias fechadas, mas instrumentaliza
necessariamente o tempo (social e histórico) como variável, pode-se dizer que ele
percebe que algumas formas antigas permanecem nas sociedades convivendo com
formas modernas, percepção próxima a outro conceito caro à Nova História, o de
permanência.
2.9. Longa duração, Mentalidade, Imaginário e santos viajantes
Com tudo isso, anotado o centro do pensamento de Max Weber, caminhando
pelas dualidades isolamento/participação; liderança/obediência; corpo/alma e
campo/cidade, torna-se possível reconhecer seu lugar como um inaugural e
paradigmático historiador das mentalidades no século XX; ou, ao menos, inspiração
profunda, ainda que em grande medida inconsciente, para a primeira geração da Escola
dos Annales (Marc Bloch e Lucien Febvre) e a Nova História. Isso corresponde, em
85
última instância, a ensaiar um retorno qualificado a uma objetividade racional para as
Ciências Sociais. Acrescentar a contribuição de Max Weber ao debate da História
implica pensar com conceitos, compreender os processos históricos mediante
causalidades múltiplas e abdicar da simplicidade confortável das antíteses rígidas. Mais
ainda, implica em aprender, no ofício de cientista social, a condição do conceito como
tipo ideal a que o histórico sempre escapa, mas sem o qual a História não pode ser
pensada. Muito menos compreendida.
Por outro lado, feitas as devidas considerações, podemos em seguida, tentar
dialogar com o monge e o campo idealtípico aqui delineados, em busca de pistas que
nos digam como se deu a solidificação de uma realidade tão específica quanto cheia de
desdobramentos. Passemos a seguir, à leitura de nossas biografias, procurando nelas,
reflexos – positivos ou negativos - desse ser que superou a dualidade corpo/alma,
isolando-se da sociedade, obedecendo à Deus e imbuindo-se, no campo, de toda a
sabedoria e especialização que seu tempo podia oferecer. Procuraremos, além disso, em
nossos documentos, tentar identificar o lugar de realização (ou do fracasso) desse
modelo, bem como, amarrando as pontas até aqui deixadas soltas, os motivos por trás
disso.
86
CAPÍTULO III
DE SANTOS
3.1. Introdução: modelos & conversões
O termo santo deriva do latim sanctus e significa sagrado, dedicado ao serviço
de Deus (Cf LACEY, 2003: 7). O conceito começou a ser concebido nos primórdios do
cristianismo e já nos primeiros duzentos anos d.C., passou a ser usado como uma forma
de marcar a particularidade de certos indivíduos. Brian Lacey, em seu livro O’Brian
Pocket History of Irish Saints (2003), diz que foi também nessa época em que surgiram
as primeiras práticas e ritos comemorativos ao redor da idéia das relíquias – do latim
reliquiae, “deixar para trás”. Contemporâneo a esse processo é o de comemoração dos
aniversários de morte dos santos como dias festivos; “os dies natalis (literalmente ‘dia
do nascimento’), o dia em que se acreditava ter o santo renascido na próxima vida”
(LEHANE, 2007: 8. Tradução nossa)
99
.
Lacey continua sua introdução à essa história do conceito de santidade
afirmando que com a conversão de Constantino e transformação do cristianismo na
religião oficial do Império Romano (início do século IV), houve uma mudança na
compreensão da figura do santo. Isso porque encerrava-se, então, a era dos mártires e
perseguidos, até aquele momento candidatos naturais ao título. Logo, o adjetivo passou
a ser mais amplamente empregado. Lacey nos lembra também que “junto com o
desenvolvimento da idéia de santo veio a produção da hagiografia (do grego, hagios,
‘santo’ e graphein, ‘escrever) – a escrita das ‘Vidas’ dos santos. (...) Elas serviam não
para dar os fatos biográficos da vida do santo, mas, nas palavras do acadêmico irlandês
Ailbhe Mac Shamhráin, para alargar ‘a reputação do sujeito’” (LACEY, 2003: 9.
Tradução nossa)
100
.
Lacey prossegue seu texto explicando que quando o cristianismo chegou à
Irlanda, a idéia do santo cristão já estava completamente construída e bem acabada.
Além disso, aponta para o fato de que, por um motivo ou outro, a imagem do santo
parece ter sido especialmente cara aos irlandeses, “tanto que na Idade Média o título
99
“The dies natalis (literally ‘birthday’), the day the Saint was believed to have been reborn into the next
life”.
100
“Along with the development of the idea of the Saint came the production of hagiography (from Greek
hagios, ‘holy’, and graphein, ‘to write’) – the writing of ‘Lives’ of the saints. (...) They were designed not
to give the biographical facts of a saint’s life but, in the words of Irish scholar Ailbhe Mac Shamhráin, to
enlarge ‘the reputation of the subject’”.
87
Insula Sanctorum, a ‘Ilha dos Santos’, passou a ser usado como um nome poético para a
Irlanda” (LACEY, 2003: 10. Tradução nossa)
101
.
Mais ainda, essa noção na ‘Ilha dos Santos’ se imbricou profundamente com a
compreensão de vida monástica que se estabeleceu no país como forma primeira da
vivência da nova religião
102
. Por isso, para que possamos discutir a maneira como dois
autores diferentes construíram a imagem de seus sujeitos – Columba e Columbanus –
precisamos levar em conta não apenas a história de sua adjetivação, mas também a
maneira pela qual se entendia, na sociedade de seu tempo, como deveria se comportar
um monge que pretendesse ao título.
Logo, devemos retomar o ideal tipo do monge medieval que buscamos construir
no capítulo anterior, o homem iluminado, retirado da sociedade, capaz de articular sob
seu domínio um grande número de seguidores e que deriva seu poder de seu exemplo e
de sua ilustração. Essa é a figura de religioso que representa, para nós, parte do
imaginário medieval; o monge que deve se penitenciar constantemente em sua busca
pela salvação. Articulador da mentalidade, traduz em seus atos a maneira como a
sociedade medieval enxerga o mundo: uma eterna luta pelo direito ao amor Divino.
Compreendido pela longa duração, constrói-se sua imagem a partir de desdobramentos
de momentos futuros da história analisada. Imbricado entre a História e a Sociologia,
aparece como modelo com o qual se pretende discutir as fontes.
101
“So much so that in the middle ages the Insula Sanctorum, the ‘Island of Saints’, came to be used as a
poetic name for Ireland”.
102
Ver Capítulo I: De Contextos.
88
MAPA 13: Principais monastérios na Irlanda; séculos VI – VII (Ó RÍORDÁIN, 2007: 14)
3.2. Os autores das biografias: motivações específicas para suas obras
Adomnán nasceu no atual condado de Donegal, Irlanda
103
, por volta de 624 (Cf
SHARPE, 1995: 1). Ao redor de 650, tornou-se noviço no monastério de Iona e em 679,
seu abade. Adomnán (a partir de então conhecido como Adomnán de Iona) era membro
do clã de Columba, o que nos ajuda a entender seu abadado. Na lógica irlandesa da
época, esperava-se que os monges indicados para a posição fossem descendentes do
membro fundador do monastério em questão.
A escolha respeitava, porém, o intricado sistema de sucessão dos reinos
temporais da ilha: no caso dos reis, escolhiam seus parentes aquele que consideravam
entre eles o mais capaz para ocupar a posição. Assim, embora muitas vezes fosse o
primogênito a assumir o lugar do pai, essa não era regra. No caso das abadias, como não
se esperava que o abade ou a abadessa tivessem filhos, ampliava-se o escopo da busca
por um sucessor. Mantinha-se, entretanto, a lógica clânica
104
.
103
Para a localização dos monastérios citados nesse capítulo, referimos o leitor à imagem acima (Mapa
13)
104
Nora Chadwick, em The Age of Saints (1961), explica bastante bem esse processo de “eleição
hereditária” que marcava a sucessão tanto temporal quando espiritual na Irlanda dessa época. Sobre o
cargo de abade ou abadessa ela lembra que embora o celibato entre clérigos não tivesse ainda sido
89
Essa pertença nos ajuda a entender as motivações de Adomnán não apenas
quando da escolha de seu objeto de estudo, mas também de sua abordagem ao mesmo.
Talvez, a título de reforço de nossa argumentação, valha a pena mencionar que o
trabalho desse monge, embora seja o único a ter sobrevivido sobre a vida de Columba,
não foi, entretanto, o primeiro. Outro abade antes dele – Cumméne – registrara, em
algum momento entre as décadas de 30 e 40 do século VII, as manifestações da
inspiração divina em seu antecessor e antepassado (Cumméne também pertencia ao clã
de Columba, incidentalmente, Ui Neill).
Adomnán visitou – ainda enquanto abade de Iona – sua terra natal por três vezes.
Em cada uma de suas viagens, permaneceu em terra por um tempo considerável. Lá, ele
não apenas aproveitou para continuar seus estudos, como também atuou politicamente
em direção à união das práticas celtas com as práticas romanas
105
. Como nos conta
Grattan-Flood em seu artigo de1907 da Catholic Encyclopedia, foi seu destaque como
presidente-geral de todas as casas Columbanas na Irlanda que lhe possibilitaram
introduzir na ilha a observância Romana Pascal (GRATTAN-FLOOD, 1907)
106
.
Adomnán escreveu também outras obras, dentre as quais De Locis Santis, um
tratado sobre santidade e seu lugar na vida religiosa, o qual mereceu elogios de Bede em
sua Ecclesiastical History of the English People (1990). Morreu em Iona,
provavelmente em 704, embora o local seja discutível. Uma obra intitulada Life of St.
Gerald (biografia de um dos muitos bispos do Condado de Mayo, Irlanda), escrita por
volta da década de 50 do século VIII, afirma que nesta época, Adomnán estava, na
verdade, na abadia de Mayo, de onde se tornara abade em 697.
imposto como obrigação, já nessa época surgiam defensores de sua prática. Na Irlanda, apareceram em
menor número, mas conseguiram, de alguma forma, deixar sua marca. Abades e abadessas deveriam se
dedicar exclusivamente à comunidade, portanto, deles se esperava o celibato. Aqueles que quisessem se
casar e ter filhos, ainda que não fossem impedidos, deveriam renunciar ao cargo (CHADWICK, 1961:
150 e ss).
105
Para a discussão sobre as diferenças entre as práticas irlandesas e as práticas romanas, ver Capítulo
I: De Contextos; 1.6. O concílio de Whitby.
106
Na verdade, a tendência romana de Adomnán fica clara em diversas passagens de sua obra sobre
Columba. Entretanto, dentre as muitas análises que podem ser feitas nas entrelinhas, chamamos atenção
para o Capítulo II 41, no qual Columba efetivamente defende uma visão de casamento que em nada se
relaciona com as leis às quais o casamento estava sujeito na Irlanda, mas sim às falas romanas (para uma
breve descrição desse capítulo, ver Anexo I): o monge efetivamente desencoraja a esposa de um homem
chamado Luigne, por quem ela sentia verdadeira aversão, quando ela fala em aceitar qualquer penitência
que Columba lhe imputasse, mesmo juntar-se a um monastério feminino, desde que ele não lhe pedisse
que voltasse a dormir com seu marido. Mais ainda, Columba diz: “Não pode ser correto fazer o que você
diz. Enquanto seu marido estiver vivo, você está sujeita à lei de seu marido. É ilegal separar aqueles a
quem Deus uniu” (ADOMNÁN DE IONA, 1995: 195. Tradução nossa). Nada mais distante da lógica
contratual que regia os casamentos irlandeses, ainda àquela época.
“It cannot be right to do what you say. For as long as your husband is alive, you are subject to the law of
your husband. It is unlawful to put apart those whom God has joined together”.
90
Quanto a Jonas (?-c.659), infelizmente temos menos informações. Sabemos,
porém, que ele não era membro do clã de Columbanus. Essa informação, embora possa
parecer pouco importante, na verdade, nos revela uma mudança na organização
monasterial ocorrida dentro do próprio movimento de monastérios celtas irlandeses
quando este chegou ao continente. É verdade que Jonas nunca foi abade de Bobbio,
embora tenha se tornado monge naquela comunidade, à qual se juntou em 618
(WEBER, 1910). Foi, entretanto, secretário de dois abades locais (Attala e Bertulf),
ambos escolhidos entre os membros da comunidade, obedecendo a uma lógica que se
tornaria comum com a adoção geral da regra de São Bento, tempos depois
107
.
Jonas acompanhou Bertulf em viagem à Roma (628) e, ao retornar, tornou-se
abade na Gália. Entretanto, não parece ter permanecido em comunidade alguma por
muito tempo, pois sua biografia fala em viagens missionárias ao que hoje é a Bélgica e
o norte da França. Voltou a Bobbio, desta vez como visitante, em 639. Provavelmente
dessa visita nasceu sua biografia de Columbanus, a qual vinha, originalmente,
acompanhada das vidas de Atalla (um dos doze companheiros originais de Columbanus
e, provavelmente, abade apontado pelo próprio como seu sucessor) e Bertulf de Bobbio;
Eustace, abade de Luxueil e Burgundofara, abadesa de Evoriac (Cf WEBER, 1910).
Outro ponto bastante importante para nossa análise é o tempo de escrita de
Jonas. Se Adomnán era nono abade de Iona e recolhera suas informações sobre
Columba de histórias contadas por pessoas que conheciam pessoas que haviam
convivido com o santo, bem como de registros anteriores (Cf SHARPE, 1995)
108
, Jonas
– que chegara a Bobbio apenas três anos depois da morte de seu fundador – recolheu
testemunhos de pessoas que haviam efetivamente convivido com seu objeto (Cf
WEBER, 1910). É importante salientar que isso não significa que o texto de Jonas seja,
de alguma forma, mais fidedigno que o de Adomnán, mas, como veremos adiante, tal
constatação implica em motivações e intenções específicas.
107
Ver Capítulo I: De Contextos; 1.9. O fim de uma experiência.
108
De suas fontes, Adomnán diz: “Fique entendido que eu conto apenas aquilo que eu aprendi do relato
contado por nossos anciãos, homens tanto confiáveis quanto informados, e que eu escreverei sem
equívoco o que eu aprendi através de diligente inquérito seja do que eu pude encontrar já por escrito, seja
do que eu ouvi recontado sem sombra de dúvida por velhos informados e confiáveis” (SHARPE, 1995:
105. Tradução nossa).
“Let it be understood that I shall tell only what I learnt from the account handed down by our elders, men
both reliable and informed, and that I shall write without equivocation what I have learnt by diligent
inquiry either from what I could find already in writing or from what I heard recounted without a trace of
doubt by informed and reliable old men”.
91
De qualquer forma, sua proximidade temporal não apenas com seu objeto de
escrita, mas também com pessoas que com ele haviam convivido, apenas serve para
reforçar nossa hipótese de que a santidade é o sentido desses textos. Aliás, esta também
é a direção adotada por Richard Sharpe em sua introdução à tradução de Adómnan:
mesmo durante a vida dos monges, construía-se, socialmente, o padrão estabelecido por
aqueles que os precederam para que suas mortes apenas viessem a coroar suas
santidades (Cf SHARPE, 1995: 2).
Para que possamos proceder com nossa análise dos dois documentos
mencionados, faz-se necessário uma pequena descrição de suas respectivas formas. Já
apontamos anteriormente
109
, para o fato de que enquanto The Life of St Columba é um
texto impresso, The Life of St Columban é, na verdade, uma digitalização. Além disso, a
obra de Adomnán é completa em si mesma, enquanto que a obra de Jonas vinha
originalmente (e também na compilação do século XVIII da qual a tradução para o
inglês se serviu) acompanhada de outros textos. Cabem agora, portanto, considerações
mais específicas.
3.3. A estrutura da obra: questões de forma em The Life of St Columba e outros
comentários pertinentes
The Life of St Columba divide-se, como pretendia o autor, em três livros,
antecedidos por dois prefácios. O costume de se adicionar dois prefácios ao invés de um
único era parte da tradição literária da época e devia sua existência a Evagirus, monge
latino que traduziu a vida de Santo Antônio do grego para o latim, adicionando ao
prefácio do autor seu próprio prefácio como tradutor. Imitando Evagirus, Sulpicius
Severus usou em sua obra sobre São Martinho a mesma estrutura do duplo prefácio.
Entretanto, como era autor da obra, os motivos para cada um de seus textos eram
diferentes. O primeiro prefácio justificava o estilo que escolhera para apresentar a vida
de São Martinho; o segundo, explicava a organização que ele escolhera dar para sua
obra (Cf SHARPE, 1995: 242). Adomnán adotou em sua obra um modelo bem mais
próximo do de Sulpicius Severus
110
.
O segundo prefácio é particularmente interessante porque menos formal. Nele,
Adomnán conta sobre o anúncio feito por certo peregrino originário da Bretanha, de
109
Ver Introdução; As particularidades da documentação.
110
Embora Sharpe nos informe em suas notas que o autor cita ambos seus predecessores em seu primeiro
prefácio (Cf SHARPE, 1995: 240-242), o que não apenas confirma a erudição do monge, mas também
sua intenção ao escolher este modelo.
92
nome Mochta, sobre a vinda de Columba e menciona brevemente sua vida antes da
saída da Irlanda. Em verdade, tratam-se de apenas dois parágrafos; o primeiro sobre sua
linhagem – “São Columba nasceu de uma linhagem nobre. Seu pai era Fedelmid mac
Ferguso, sua mãe se chamava Eithne e o pai dela Mc Naue, que significa ‘filho de um
navio’” (SHARPE, 1995: 105. Tradução nossa)
111
– e sua saída da Irlanda; o segundo,
sobre sua educação e seu comportamento – “desde a infância ele se devotou ao
treinamento na vida cristã e ao estudo da sabedoria; com a ajuda de Deus, ele manteve
seu corpo casto e sua mente pura e se mostrou, ainda em terra, digno da vida no céu”
(idem. Tradução nossa)
112
.
Em seguida, iniciam-se os livros propriamente ditos. Sobre eles, de forma
esquemática, podemos dizer que:
Livro I (“O texto do Livro Um se inicia, a respeito de revelações proféticas”
[ADOMNÁN DE IONA, 1995: 109. Tradução nossa
113
]): trata especificamente
das revelações proféticas de Columba, divididas em 50 capítulos.
Livro II (“Agora se inicia o segundo livro, que lida com milagres de poder que
muitas vezes também são profeticamente previstos” [ADOMNÁN DE IONA,
1995: 154. Tradução nossa
114
]): embora mantenha o tom profético, é dedicado à
ação de Columba, destacando seus milagres como forma de demonstração de seu
poder (concedido a ele pelo próprio Deus). Esta parte da obra está dividida em
46 capítulos e termina com o autor afirmando que este fim é uma necessidade e
que seu trabalho, nessa parte, havia sido também o de um editor: “Aqui nós
devemos terminar o segundo livro sobre os milagres de poder de São Columba.
Os leitores devem atentar para o fato de que eu omiti muitos exemplos
comprovados para que eles não se cansassem” (ADOMNÁN DE IONA, 1995:
204. Tradução nossa)
115
.
111
“Saint Columba was born of noble lineage. His father was Fedelmid mac Ferguso, his mother was
called Eithne and her father Mac Naue which means ‘son of a ship’”.
112
“Since boyhood he had devoted himself to training in the Christian life, and to the study of wisdom;
with God’s help, he had kept his body chaste and his mind pure and shown himself, though placed on
earth, fit for the life of heaven”.
113
“The text of Book One begins, concerning prophetic revelations”.
114
“Now begins the second book, dealing with miracles of power which are often also prophetically
foreknown”.
115
“Here we must end the second book concerning St Columba’s miracles of power. Readers should take
notice that I have omitted many well attested examples so that they should not become weary”.
93
Livro III (“Aqui começa o Livro Três, a respeito de visões de anjos”
[ADOMNÁN DE IONA, 1995: 205. Tradução nossa
116
]): começa com um
pequeno resumo da intenção dos dois primeiros livros e explica que esta parte da
obra trata de “aparições angelicais reveladas a outros sobre o santo, e a ele sobre
outros, e também daquelas visíveis a ambos, ainda que em medida diferente”
(ADOMNÁN DE IONA, 1995: 205. Tradução nossa)
117
. Mais curto que os
livros anteriores, está dividido em 23 capítulos e termina com um pedido
bastante curioso do santo, que parece antecipar aquilo que críticos literários
viriam a fazer séculos depois:
Eu rogo a quem quer que queira copiar estes livros, não, eu clamo a eles em
nome de Cristo, o juiz dos tempos, que quando a cópia tenha sido completada
com cuidado, comparem diligentemente o que eles escreveram com este
exemplar e corrijam suas cópias, adicionando ao final do que eles tiverem
escrito esta mesma ordem (ADOMNÁN DE IONA, 1995: 233-234. Tradução
nossa)
118
.
Sobre o manuscrito, em si, lê-se abaixo a opinião de Richard Sharpe (autor da
introdução e comentários feitos à obra que estamos utilizando para essa análise) sobre
sua trajetória:
Textos do século VII muito raramente sobrevivem em cópias contemporâneas e
normalmente tem de ser reconstruídos a partir de comparações entre diversas
cópias feitas em datas posteriores, muitas das quais são, provavelmente, cópias
das cópias, bastante removidas do original. The Life of St Columba, escrita por
Adomnán é um dos casos raros (SHARPE, 1995: 235. Tradução nossa)
119
.
Em seguida o autor emenda: do texto de Adomnán, serviu-se Dorbbéne, um
monge que estivera em Iona ainda na virada do século VII para o século VIII. Um de
seus seguidores, partindo em direção ao continente deve ter levado consigo o
manuscrito que terminou na biblioteca do mosteiro de Reichenau, na Alemanha, onde
foi descoberto no século XVII e copiado por um jesuíta irlandês chamado Stephen
White. A cópia de White desapareceu, mas o original, de Dorbbéne, reapareceu um
116
“Here begins Book Three, concerning visions of angels”
117
“Angelic apparitions that were revealed to others about the Saint, and to him about others, and also
those that were visible to both though in different measure”.
118
“I beseech any who wish to copy these books, nay rather I call on them on the name of Christ, the
judge of the ages, that when the copying has been done with care, they should then diligently compare
what they have written with the exemplar and correct it, and they should add this injunction here at the
end of what they have written”.
119
“Texts from the seventh century very rarely survive in contemporary copies and have usually to be
reconstructed by comparing several copies made at later dates, many of them probably copies of copies,
several stages removed from the original. The Life of St Columba is one of the rare cases”.
94
século depois na biblioteca de Shaffhausen, cidade próxima ao mosteiro de Reichenau,
onde se encontra até hoje. Além dessa cópia há outra, em Londres (Biblioteca Britânica)
com algumas sentenças adicionais. Sharpe acredita que essas adições tenham sido feitas
pelo próprio Adomnán, pois ele teria “permitiu que fossem feitas cópias de seu trabalho
tanto antes quanto depois de algumas revisões finais” (SHARPE, 1995: 237. Tradução
nossa)
120
.
Desta forma, embora dificilmente possamos atribuir a Adomnán sapiência em
primeira mão dos fatos que escolheu narrar em sua obra, podemos, ao menos, ter
relativa certeza de que o texto que hoje lemos se pareceu em grande escala com aquele
produzido pelo autor primeiro. Entretanto, adaptações foram efetivamente feitas, ao
menos por Sharpe. Dentre elas, a que mais chama atenção – e que nesse texto não só
seguimos como também, em certa medida aprofundamos – é a da utilização das formas
mais comuns dos nomes irlandeses que Adomnán teria grafado da forma gaélica. Esta
escolha dificilmente interfere no desenrolar do texto, mas certamente precisa ser
anotada antes que se comece uma análise do mesmo. Isso porque, como nos lembra
Sharpe:
Quando Adomnán nomeia um homem irlandês em Life, é seu costume também
dar o nome do pai do homem (introduzido por mac) e alguma indicação, seja da
dinastia a que ele pertencia ou de seu grupo tribal. Esses fatos serviram para
diferenciar indivíduos de mesmo nome e contaram para os leitores de onde a
pessoa vinha e (em muitos casos), onde ela estava na hierarquia social
(SHARPE, 1995: 238. Tradução nossa)
121
.
Cabe ainda notar que Adomnán não segue necessariamente a ordem cronológica
em sua obra (com exceção de seu Livro III). Assim, embora seu Segundo Prefácio trate
da vida de Columba antes de se tornar monge, as profecias, milagres e visitações
angelicais descritas nos dois livros que a ele se seguem, não têm, de forma alguma, a
preocupação de reconstruírem a vida do monge do ponto de vista da passagem do
tempo. Assim, diferentemente do acontece com The Life of St Columban, como veremos
a seguir, também as imagens que Adomnán constrói de Columba não podem ser
pensadas a partir dessa lógica. A importância disso está fundamentalmente no fato de
que essa preocupação temática – oposta à preocupação cronológica – se constitui numa
120
“[He] allowed copies to be made from his own working copy both before and after some final
revisions”.
121
“When Adómnan names an Irish man in the Life, it is his practice to give also the man’s father’s name
(introduced by mac) and some indication either of the dynasty to which he belonged or of his tribal group.
These facts served to differentiate individuals of the same name and they told the audience where the
person came from and (in many cases) where he stood in the social hierarchy”.
95
das principais diferenças entre as duas obras e, destarte, implica em considerações
distintas quando da formulação de um conceito comparado de santidade (ver adiante,
3.7. O significado dos milagres: a construção comparada do conceito de santidade).
Com isso em mente, passemos à análise da estrutura da obra de Jonas de Bobbio, The
Life of St Columban.
3.4. A estrutura da obra: questões de forma em The Life of St Columban e outros
comentários pertinentes
Como dissemos anteriormente, The Life of St Columban apresenta problemáticas
completamente diferentes. Para esta fonte seguimos menos as instruções do autor e mais
nossa própria interpretação. Antes de tudo, faz-se necessária uma pequena anotação
sobre o material em si: na versão disponível on-line (à qual tivemos acesso), há uma
pequena introdução feita pela organizadora da obra que compilou a tradução de uma
série de textos do período. Já mencionamos em nossa introdução
122
, a preocupação
dessa estudiosa com as questões referentes à tradução do texto. Além disso, sua
introdução se preocupa também em nos informar sucintamente sobre o contexto do que
aqui chamamos de movimento de monastérios celtas
123
e sobre a vida do próprio Jonas.
Em seguida, se inicia o texto, já no capítulo 6 da obra. De forma contínua (com
apenas algumas notas produzidas pelo tradutor no próprio corpo do texto), seguem-se os
próximos 55 capítulos. O último capítulo (61) parece ser efetivamente o capítulo final,
pois termina com a data da morte do santo e uma exortação à Deus pelas virtudes de
Columbanus. Assim, não há divisão clara, nem sequer apontamentos deixados pelo
autor que possam nos indicar suas intenções para o sentido de sua obra. Entretanto, uma
leitura cuidadosa pode nos sugerir algumas formas de instrumentalização da escrita, de
modo que ela não seja necessariamente vista como um bloco único. A divisão que se
segue é, porém, salientamos, arbitrária, já que proposta por nós e, portanto, sujeita a
discordâncias. Escolhemo-na, entretanto, baseada no princípio da temática:
Primeira parte: Irlanda. Conta a história de Columbanus desde a visão que sua
mãe teve de sua grandeza quando ele ainda estava em seu ventre até sua saída da
Irlanda. Dividida em apenas 4 capítulos (6 ~ 10).
122
Ver Introdução; As particularidades da documentação.
123
Ver Capítulo I: De contextos.
96
Segunda parte: Burgundia. Dividida em 26 capítulos (11 ~ 37), pode ser pensada
em dois grandes blocos. Um primeiro, maior, do capítulo 11 ao capítulo 30, que
abrange basicamente a fundação das três grandes abadias columbanas na
Burgundia: Annergray, Luxeuil e Besançon. É também o momento que
corresponde ao reinado de Sigisberto, marcado por um bom relacionamento do
monge com a casa real. Os capítulos de 31 à 37, por sua vez, contam uma
história bastante diferente. Sigisberto morrera e seu irmão Chilperico o sucedera.
Chilperico casou-se com uma mulher de nome Brunhilda e com ela teve um
filho chamado de Childeberto, que subiu ao trono como Childeberto II. Com a
morte de Childeberto II, seus dois filhos, Teudeberto e Teodorico o sucederam.
Teudeberto ficou com a Austrasia e Teodorico, com a Burgundia. Brunhilda, sua
avó, em muito lhe influenciava e, quando ela demonstrou grande aversão a
Columbanus, a casa real rompeu seu relacionamento amistoso com o monge e
passou a persegui-lo, até que ele se viu obrigado a deixar a região.
Terceira parte: Da Gália à Itália. Dividida em 23 capítulos (38 ~ 61), essa
terceira parte se inicia quando Columbanus sai da região de Luxeuil e Fontaines,
em direção à Itália, em um exílio imposto pelo rei Teodorico e sua avó
Brunhilda. Passa por uma vila chamada Chora, por Auxerre, Nevres, Órleans e
Tours até chegar a Nantes. De lá vai para a Neustria, onde reina Clotário. Depois
vai à região da Germânia, onde reina Teodeberto: passa por Paris, Meaux, Eussy
e Mainz até chegar em Bregnenz, onde funda outro monastério. Teodorico e
Teudeberto lutam pelo poder, mas ambos acabam morrendo e Clotário assume o
trono. Nessa época, Columbanus vai para a Itália. É recebido na corte do rei dos
Lombardos, Agiluf, em Milão. De lá parte para Bobbio, onde funda seu último
monastério.
A narrativa de Jonas segue cronologicamente a vida de Columbanus e,
acompanhando seus passos pelas palavras de seu discípulo, podemos enxergar como as
imagens ao redor do monge se alteram com o tempo. Na primeira parte, vemos o jovem
soldado, belíssimo e que desperta o interesse das mulheres e mantém “em sua mão
esquerda o escudo do Evangelho e empunha em sua mão direita a espada de dois
gumes” (JONAS DE BOBBIO, c.620: Capítulo 7 Tradução nossa)
124
, combatendo
assim às tentações da carne. Na segunda parte, aparece o homem santo, servente de
124
“In his left hand the shield of the Gospel and bearing in his right hand the two-edged sword”.
97
Deus, venerável, pai da comunidade: rígido e dado à mortificação da carne, ao jejum e
ao trabalho, porém justo e capaz de perdoar. É o momento da maturidade de
Columbanus.
Por fim, na terceira parte, concretiza-se a imagem do homem de Deus, santo,
abençoado e pai da comunidade
125
que envelhece e se envolve cada vez mais na política
dos reinos, profetizando com mais freqüência sobre o futuro político da Gália. Nessa
parte do texto de Jonas, tão certo de seu lugar perto de Deus que está, Columbanus
chega mesmo a incorrer na arrogância, embora esse comportamento seja apenas
sugerido. A respeito disso, vejamos as duas passagens abaixo, a primeira quando o
monge está em Tours e descobre que os pertences de seus seguidores foram roubados e
a segunda quando está em Bregnenz e, de acordo com Jonas, Deus envia pássaros para
alimentar aos irmãos famintos.
Tendo ouvido isso [que os pertences foram roubados], ele retornou ao túmulo
do santo confessor [São Martinho] e reclamou que ele não havia mantido vigília
junto às relíquias do santo para que este permitisse que ele e seus seguidores
sofressem perdas (JONAS DE BOBBIO, 1897? – 1907: Capítulo 44. Tradução
nossa. Grifo nosso)
126
.
Depois que seus corpos estavam exaustos por três dias de jejum, eles
encontraram uma grande abundância de pássaros (...). O homem de Deus sabia
que essa comida tinha sido espalhada pelo chão para sua própria segurança e a
de seus irmãos, e que os pássaros tinham vindo apenas porque ele estava lá
(JONAS DE BOBBIO, 1897? – 1907?: Capítulo 54. Tradução nossa. Grifo
nosso)
127
.
Por último, em relação à forma da narrativa de Jonas, destacamos algumas
passagens de tom particularmente pedagógico que, provavelmente, buscam imputar no
leitor um senso de que a santidade do objeto do texto, embora dificilmente alcançada
por homens comuns, pode ser parcialmente emulada. No geral, são passagens que se
encontram no final de alguns capítulos e que explicam os motivos pelos quais os
milagres acontecem, o que é o mesmo que dizer, usando os termos de Jonas, os motivos
pelos quais Deus favorece alguém.
125
Na verdade, “soldado”, “homem santo”, “homem excelente”, “excelente homem de Deus”, “servo de
Deus”, “pai”, “homem de Deus”, “servo de Cristo”, “homem venerável” e “homem abençoado” são
formas pelas quais Jonas se refere a Columbanus. Para a discussão sobre esses termos, ver 3.6. A
dimensão pública da santidade: onde e como acontecem os milagres em The Life of St Columban.
126
“Having heard this, he returned to the grave of the holy confessor and complained that he had not
watched by the relics of the saint in order that the latter should allow him and his followers to suffer loss”.
127
“After their bodies had been exhausted by three days of fasting, they found so great an abundance of
birds (...). The man of God knew that this food had been scattered on the ground for his own safety and
that of his brethren, and that the birds had come only because he was there”.
98
E não de forma desmerecedora o Senhor misericordioso ouviu às preces de Seus
santos, que, por conta de Suas ordens crucificaram suas próprias vontades e que
têm tanta fé que não duvidam que irão obter o que eles pedem de Sua
misericórdia (JONAS DE BOBBIO, c.620: Capítulo 16. Tradução nossa)
128
Oh, maravilhoso poder do Juiz eterno que garante poder a Seus servos de forma
que eles sejam glorificados tanto pelas honras dos homens quanto pela
obediência dos pássaros! (JONAS DE BOBBIO, c.620: Capítulo 25. Tradução
nossa)
129
.
Maravilhosa compaixão do Criador! Ele nos permite passar necessidade, para
que Ele possa mostrar Sua misericórdia dando aos necessitados. Ele nos permite
ser tentados, para que nos ajudando em nossas tentações Ele possa voltar os
corações de Seus servos mais completamente para Si. Ele permite que Seus
seguidores sejam cruelmente torturados para que eles possam regozijar mais
completamente na saúde restaurada (JONAS DE BOBBIO, c.620: Capítulo 45.
Tradução nossa)
130
.
Nem lhe faltou defesa, porque em todas as coisas ele tinha a ajuda do Criador e
Aquele que mantém Israel sob a sombra de Suas asas nunca dorme. Destarte,
verdadeiramente Ele mostra ao dar todas as coisas a todos os homens, que Ele
deseja ser glorificado por todos em proporção à grandeza de seus presentes
(JONAS DE BOBBIO, c.620: Capítulo 47. Tradução nossa)
131
.
3.5. A dimensão pública da santidade: onde acontecem os milagres em The Life of
St Columba
132
A tabela abaixo (TABELA 01) enuncia, de forma esquemática os milagres de
Columba, como narrados por Adomnán de Iona. Nela, encontramos indicados os
capítulos em que cada um desses milagres é descrito, um resumo do milagre em si, a
forma através da qual se processou e sua(s) testemunha(s).
128
“And not undeservedly has the merciful Lord granted the prayers of His saints, who on account of His
commands have crucified their own wills, and who have so great faith that they do not doubt that they
will obtain what they demand from His mercy”.
129
“Oh, wonderful power of the eternal Judge who grants such power to His servants that they are
glorified both by honors from men and by the obedience of birds!”
130
“Wonderful compassion of the Creator! He permits us to be in need, that He may show His mercy by
giving to the needy. He permits us to be tempted, that by aiding us in our temptations He may turn the
hearts of His servants more fully to Himself. He permits His followers to be cruelly tortured that they may
delight more fully in restored health”.
131
“Nor did he lack defense, because in all things he had the aid of the Creator, and He who keeps Israel
under the shadow of His wings never slumbers. Thus truly He shows by granting all things to all men,
that He wishes to be glorified by all in proportion to the greatness of his gifts”.
132
Para lista completa dos milagres de Columba, bem como um resumo capítulo por capítulo da obra de
Adómnan, ver Anexo I.
99
TABELA 01: Os milagres de Columba, suas formas e testemunhas
Capítulo Milagre Forma Testemunha
I 1
Visita em sonho ao rei Oswald
da Northumbria
Visita em sonho Rei Oswald
I 2
Previu que depois de sua morte
um homem iria à Iona para ficar
Revelação profética
(futuro)
Baithéne
133
I 2
Previu que esse homem deveria
ser recusado
Revelação profética
(futuro)
Baithéne
I 3
Encontrou o lugar para fundar o
monastério de Durrow
Revelação profética
(futuro)
Sem testemunhas
I 3
Soube da aproximação de um
garoto atrás de si
Revelação profética
(presente)
Clonmacnoise
134,
135
I 3
Previu que o garoto seria grande
pregador
Revelação profética
(futuro)
Clonmacnoise
I 3
Previu as disputas sobre a data
da Páscoa
Revelação profética
(futuro)
Clonmacnoise
I 3
Soube que anjos visitavam partes
do monastério
Visão angelical Clonmacnoise
I 4
Previu a chegada de Cainnech
136
no meio de uma tempestade
Revelação profética
(futuro)
Iona
137
I 5
Previu a tempestade que um
monge enfrentava
138
Revelação profética
(futuro)
Iona
I 6
Previu que um monge falharia
em achar um lugar para seu
refúgio
Revelação profética
(presente)
Iona
I 7
Descreveu em detalhes uma
batalha
Revelação profética
(presente)
Rei Conall mac
Comgaill
139
I 8
Soube que se iniciava uma
batalha entre escotos e pictos
Revelação profética
(presente)
Diarmait
140
I 9
Previu que três dos filhos de
Áedán
141
morreriam antes dele
Revelação profética
(futuro)
Rei Áedán
I 9
Previu que Eochaid Buide (filho
mais moço de Áedán) seria rei
Revelação profética
(futuro)
Rei Áedán & Eochaid
Buide
I 10
Previu vida longa para um garoto
chamado Cormac mac Aédo
Revelação profética
(futuro)
Cormac
142
& pais
“adotivos”
133
Um dos doze companheiros de Columba em sua viagem desde a Irlanda (ver Capítulo I: De Contextos;
1.5. Columba), Baithéne (536 – 601?) foi também filho “adotivo” (para o sistema de “adoção”, fostering,
na Irlanda da época, ver adiante, 3.8. As implicações das diferentes imagens de santidade). Foi prior de
dois dos monastérios fundados por Columba nas ilhas vizinhas de Iona: Mag Luigne, em Tiree e o
Monastério da Ilha de Hinba. Primo em primeiro grau de Columba, foi também seu braço direito e
sucessor como abade de Iona (Cf SHARPE, 1995: 256-257). Aparecerá novamente nos capítulos I 9, I 22,
I 23, I 30, I 41, II 15, II 45, III 8, III 18, III 23.
134
Por “Clonmacnoise”, entenda-se “membros da comunidade de Clonmacnoise”.
135
Monastério fundado por outro santo irlandês, Ciarán (c. 548), um dos 12 apóstolos da Irlanda (ver
Capítulo I: De Contextos; 1.3. Patricius e os primeiros monastérios).
136
(? – c. 600) Outro santo irlandês, fundador de monastérios na região sul da Irlanda da época (Munster).
137
Por “Iona”, entenda-se “membros da comunidade de Iona”.
138
Colmán Elo mac Beognai moccu Sailni. Aparecerá novamente em II 15.
139
Rei da Dalriada escocesa (ver Capítulo I; 1.4. A Escócia antes de Columba).
140
Diarmait, servo de Columba, foi um de seus 12 companheiros de viagem. Aparece constantemente na
narrativa de Adomnán (I 12, I 22, I 25, I 29-30, I 34, II 29-30, III 11 & III 23), o que nos leva a crer
tratar-se de uma pessoa próxima do monge e um dos responsáveis pela transmissão das histórias que o
autor de The Life of St Columba reproduziu em sua obra (Cf SHARPE, 1995: 274).
141
Rei da Dalriada escocesa.
100
I 10
Previu um reinado afamado para
Cormac
Revelação profética
(futuro)
Cormac & pais
“adotivos”
I 11
Previu vida longa para Scandlán
mac Colmáin
143
Revelação profética
(futuro)
Scandlán
I 12
Soube da morte de dois reis nas
mãos de inimigos
Revelação profética
(presente)
Lasrén mac
Feraidaig
144
&
Diarmait
I 12
Previu a chegada da notícia da
morte dos dois reis
Revelação profética
(futuro)
Lasrén & Diarmait
I 13
Previu a chegada de um homem
chamado Óengus mac Áedo
Conmain
Revelação profética
(futuro)
Óengus
I 13 Previu que Óengus seria rei
Revelação profética
(futuro)
Óengus
I 13 Previu vida longa para Óengus
Revelação profética
(futuro)
Óengus
I 14
Previu que Áed Sláine
145
se
tornaria High King se não
assassinasse um parente
Revelação profética
(futuro)
Áed Sláine
I 14
Previu que se Áed Sláine
cometesse o assassinato, seria
apenas rei de seu povo e por
pouco tempo
Revelação profética
(futuro)
Áed Sláine
I 15
Previu que Rhydderch ap
Tudwal
146
morreria em sua cama
Revelação profética
(futuro)
Luigbe moccu Min
147
I 16
Previu que o filho de um homem
chamado Meldán morreria em
uma semana
Revelação profética
(futuro)
Meldán e o filho &
Glasder e o filho,
Ernán
I 16
Previu vida longa para Érnan,
filho de um homem chamado
Glasder
Revelação profética
(futuro)
Meldán e o filho &
Glasder e Ernán
I 16
Previu que o filho de Meldán e
Érnan seriam enterrados em Iona
Revelação profética
(futuro)
Meldán e o filho &
Glasder e Ernán
I 17
Soube de um pecado da mãe de
Colgu mac Áedo Draigniche
148
Revelação profética
(passado)
Colgu
I 17
Previu que Colgu seria um chefe
da igreja
Revelação profética
(futuro)
Colgu
I 17
Previu os sinais da morte de
Colgu
Revelação profética
(futuro)
Colgu
142
Sempre que determinada personagem aparecer mais de uma vez, logo em seguida da primeira citação,
estará registrada apenas pelo primeiro nome, por questões de espaço.
143
Scandlán mac Colmáin era filho de um dos muitos pequenos reis da Irlanda e quando garoto – na
época em que se encontrou com Columba – foi mantido como refém por outro rei, contra o qual seu pai se
rebelara e por quem fora vencido. A captura dos filhos dos inimigos vencidos era uma forma que o
vencedores tinham de garantir a manutenção da paz (Cf SHARPE, 1995: 272).
144
Lasrén mac Feradaig era primo em segundo grau de Columba e sucedeu a Baithéne como abade de
Iona. Durante o abadado de Columba, sabemos que ele teve alguns ofícios importantes, como o priorado
do Monastério de Durrow (Cf SHARPE, 1995: 273 & 274). Aparecerá novamente no Capítulo I 29.
145
Um dos muitos pequenos reis da Irlanda.
146
Rei de Gales, que à época era um reino independente.
147
Um monge de Iona que aparecerá em duas outras ocasiões (I 24 & I 28). Desta vez, sabemos que
Luigbe moccu Min tinha sido enviado a Rhydderch ap Tudwal em alguma missão não especificada e
voltara para interrogar Columba sobre o futuro do rei a seu pedido.
148
Um dos monges da comunidade de Iona.
101
I 18
Abençoou uma viagem à Irlanda
de Trénán moccu Runtir
149
Prece Trénán
I 18
Previu que um homem esperaria
o barco na praia
Revelação profética
(futuro)
Trénán
I 19
Previu que Berach
150
encontraria
uma baleia da qual mal escaparia
Revelação profética
(futuro)
Berach
I 19
Previu que Baithéne encontraria
a mesma baleia sem problemas
Revelação profética
(futuro)
Baithéne
I 20
Previu que Báetán ua Niath
Taloirc
151
não acharia seu retiro
Revelação profética
(futuro)
Báetán
I 20
Previu o lugar onde Báetán seria
enterrado
Revelação profética
(futuro)
Báetán
I 21
Previu que Neman mac Cathir
152
seria preso como ladrão
Revelação profética
(futuro)
Baithéne & Hinba
153
I 22
Previu a chegada de um
monge
154
com um homem
maldito
Revelação profética
(futuro)
Diarmait, Báithene &
Iona
I 22
Sabia que o homem matara o
irmão e fornicara com a mãe
Revelação profética
(passado)
Diarmait, Báithene &
Iona
I 22
Sabia que o homem não
cumprira a penitência
155
Revelação profética
(futuro)
Diarmait, Báithene &
Iona
I 22
Previu que o homem voltaria à
Irlanda e morreria
Revelação profética
(futuro)
Diarmait, Báithene &
Iona
I 23
Previu que o erro do manuscrito
de Báithene seria a falta de um I
Revelação profética
(presente)
Báithene
I 24
Previu que o livro que Luigbe
moccu Min lia cairia na água
Revelação profética
(futuro)
Luigbe
I 25
Previu que um homem que
chegava derrubaria seu tinteiro
Revelação profética
(futuro)
Diarmait
I 26
Previu a chegada de um visitante
que lhes relaxaria o jejum
156
Revelação profética
(futuro)
Iona
I 27
Previu que o homem que
chegava buscava remédios
Revelação profética
(futuro)
Iona
I 27
Previu que o tal homem morreria
em sete dias
Revelação profética
(futuro)
Iona
I 28
Soube de uma cidade italiana
consumida pelo “fogo sulfuroso”
Revelação profética
(presente)
Luigbe moccu Min
I 28 Previu a chegada da notícia
Revelação profética
(futuro)
Luigbe
I 29
Soube que os monges de Durrow
trabalhavam em um dia frio
Revelação profética
(presente)
Diarmait
149
Um dos monges da comunidade de Iona.
150
Um dos monges da comunidade de Iona.
151
Um monge que, aparentemente, não pertencia à comunidade de Iona.
152
Um homem que fazia penitência na Ilha de Hinba e que se recusou a quebrar o jejum, mesmo quando
Columba e Baithéne lhe permitiram que assim o fizesse.
153
Por “Hinba”, entenda-se “membros da comunidade de Hinba”.
154
Nesse capítulo ele chama o monge de Lugaid. Mais tarde, em outras passagens, encontraremos dois
monges com esse nome: Lugaid Látair (II 5 & II 38) e Lugaid mac Tailchain (III 23). Não há indicações
se Lugaid mencionado nesse capítulo seria um dos outros dois homônimos ou outra pessoa.
155
Columba parece ter escrito não apenas uma regra para a vida monástica, mas também uma regra para
penitentes. Dessas, apenas a segunda sobrevive e pode ser encontrada, traduzida para o inglês, no livro de
Uínseann Ó Maidín, The Celtic Monk: Rules and Writings of Early Irish Monks (1996).
156
Tratava-se de S. Brendan moccu Altae, o navegador, que aparecerá também em III 17.
102
I 29
Soube que o abade suspendera os
trabalhos
Revelação profética
(presente)
Iona
I 30
Previu a chegada de um sábio
que pecara e se arrependera
Revelação profética
(futuro)
Diarmait
I 31
Previu a morte de um monge
amigo seu
Revelação profética
(presente)
Dois monges
(Iona)
157
I 32
Previu que dois peregrinos
morreriam em menos de um mês
Revelação profética
(presente)
Iona
I 33
Previu onde um pagão seria
batizado e morreria
Revelação profética
(futuro)
Skye
158
& tripulação
de Artbranan
159
I 34
Previu que a casa a que atracara
seu barco seria queimada
Revelação profética
(futuro)
Diarmait & monges
(Iona)
I 35
Soube que demônios levavam
um líder do distrito de Colgu
mac Cellaig
Revelação profética
(presente)
Colgu
I 36
Previu que a mão de Findchán
160
“morreria” antes dele
Revelação profética
(futuro)
Iona
I 36
Previu que Aéd Dub
161
voltaria à
Irlanda e à política
Revelação profética
(futuro)
Iona
I 36
Previu uma morte violenta para
Aéd Dub
Revelação profética
(futuro)
Iona
I 37
Confortou monges que voltavam
exaustos do trabalho
Visita em espírito
Baithéne & outros
monges (Iona)
I 37
Sua voz foi ouvida claramente na
igreja e em outras partes de Iona
Visita em espírito Iona
I 37
Sua voz foi ouvida por todo o
acampamento do Rei Bridei
162
Visita em espírito
Monges (Iona),
magos & soldados de
Bridei
I 38
Previu a ruína monetária de um
homem chamado Lugaid, o Coxo
Revelação profética
(futuro)
Amigos de Lugaid
I 38
Previu a maneira da morte de
Lugaid, o Coxo
Revelação profética
(futuro)
Amigos de Lugaid
I 30
Previu a maneira da morte de
Neman mac Gruthriche
163
Revelação profética
(futuro)
Neman
I 40
Soube que um padre do
Monastério de Trevet escondia
um pecado
Revelação profética
(passado)
Trevet
164
157
Nas ocasiões em que as testemunhas são mencionadas em número, mas não em nome, optamos por
registrá-las apenas por sua ocupação. No caso de membros de uma casa religiosa, optamos por indicá-la
entre parênteses. Na ausência da informação, entenda-se que não há menção na fonte ou que ela não seria
pertinente.
158
Por “Skye”, entenda-se “membros da comunidade de Skye”.
159
O homem de quem Columba falara.
160
“Findchán mencionado aqui não pode ser identificado com nenhum dos santos desse nome nas
martiriologias irlandesas; ele pode, porém, ter sido o padroeiro da Igreja de Kilfinichen, na Ilha de Mull.
Não se sabe nada sobre ele além dessa história” (SHARPE, 1995: 296. Tradução nossa).
“Findchán mentioned here cannot be identified with any of the saints of that name in the Irish
martyrologies; he may, however, have been the patron of the church of Kilfinichen on the Isle of Mull.
Nothing is known of him beyond this story”.
161
Aéd Dub era um dos muitos reis da Irlanda. Ele assassinara ao High King e, para fugir da punição,
partira em suposta peregrinação à comunidade de Findchán, que o ordenara mesmo contra a vontade do
bispo. Por isso Columba previra a “morte” da mão de Findchán.
162
Bridei f. Meilochon, rei picto. Aparecerá novamente nos capítulos II 33, II 35 & II 42.
163
Um homem a quem Columba repreendera por sua atitude e que fizera pouco caso do santo.
164
Por “Trevet”, entenda-se “membros da comunidade de Trevet”.
103
I 41
Soube que um homem se
escondia na Ilha de Mull
Revelação profética
(presente)
Dois monges (Iona)
Luigbe
165
& Silnán
mac Nemaidon
166
I 41
Soube que este homem pretendia
caçar focas pertencentes à Iona
Revelação profética
(presente)
Dois monges (Iona),
Luigbe & Silnán
I 41
Soube depois que o tal homem
estava à beira da morte
Revelação profética
(presente)
Baithéne
I 42
Soube que o poeta Crónán tinha
sido assassinado
Revelação profética
(presente)
Monges
I 43
Soube que dois nobres irlandeses
haviam matado um ao outro
Revelação profética
(presente)
Luigbe moccu Blai
I 43 Previu que a notícia chegaria
Revelação profética
(futuro)
Luigbe
I 44
Soube que o peregrino que
chegara era um bispo
Revelação profética
(presente)
Bispo & Iona
I 45
Previu que não voltaria a ver
Ernán vivo
167
Revelação profética
(futuro)
Iona
I 46
Soube que certo distrito estava
sendo saqueado
Revelação profética
(presente)
Um leigo
I 46
Soube que certa família desse
distrito estava a salvo
Revelação profética
(presente)
Um leigo
I 47
Previu que a maneira da morte
de Guaire mac Áedáin
168
Revelação profética
(futuro)
Guaire
I 48
Previu a chegada de uma grua da
Irlanda
Revelação profética
(futuro)
Um monge (Iona)
I 48
Previu que a grua passaria 3 dias
em Iona e voltaria à Irlanda
Revelação profética
(futuro)
Um monge (Iona)
I 49
Previu que certa fonte tornar-se-
ia imprópria para consumo
Revelação profética
(futuro)
Monges
I 50
Diferenciou entre um ofertor
avaro e um generoso
Revelação profética
(presente)
Ofertores
II 1 Transformou água em vinho Prece Sem testemunhas
II 2
Transformou os frutos de uma
árvore de amargos em doces
Prece
Habitantes da região
de Durrow
II 3
Garantiu uma boa colheita a um
leigo chamado Findchán
Revelação profética
(futuro)
Findchán, a esposa &
monges (Iona)
II 4
Previu que certa nuvem traria
doença e morte
Revelação profética
(futuro)
Silnán mac Nemaidon
II 4
Previu as condições da viagem
de Silnán
Revelação profética
(futuro)
Silnán
II 4 Curou doentes Por procuração
169
Silnán
II 5
Soube que uma mulher chamada
Mogain fraturara o quadril
Revelação profética
(presente)
Lugaid Látair
170
II 5 Curou o quadril fraturado Por procuração
171
Lugaid & Mogain
165
Um dos monges da comunidade de Iona: possivelmente Luigbe moccu Min (I 15; I 24 ou I 28) ou
Luigbe moccu Blai (I 43).
166
Um dos monges da comunidade de Iona. Aparecerá novamente em II 4.
167
Ernán era tio de Columba e membro da comunidade de Iona.
168
Um homem que o consultara com o propósito de saber sobre seu futuro.
169
Columba abençoou pães e os deu a Silnán mac Nemaidon. Instrui-lhe que os molhasse e com a água
benzesse os doentes quando os encontrasse.
170
Um dos monges de Iona. Aparecerá novamente em II 38.
171
Entregou uma caixa de madeira que abençoara a Lugaid Látair e disse-lhe para jogá-la dentro de um
recipiente de água. A água deveria, então, ser usada para benzer (e assim curar) Mogain.
104
II 5
Previu que Mogain viveria 23
anos depois de curada
Revelação profética
(futuro)
Lugaid & Mogain
II 6 Curou enfermidades de inválidos Prece Doentes
II 7
Curou a irmã de Colgu mac
Cellaig
Por procuração
172
Colgu & a irmã
II 7
Um fogo destruiu a casa da irmã
de Colgu, mas não o bloco de sal
que Columba abençoara
Por contato
Irmã de Colgu &
habitantes da vila
II 8
173
A água não danificou uma folha
em que Columba escrevera
Por contato
Habitantes da região
do rio Boyne
II 9
174
A água não danificou um
manuscrito copiado por Columba
Por contato
Éogenán, dono do
manuscrito
II 10
Batizou um menino (Ligu
Cenncald) com água que fez
jorrar da pedra
Prece Ligu & pais
II 10 Previu que Ligu teria vida longa
Revelação profética
(futuro)
Ligu & pais
II 10
Previu que Ligu se tornaria
monge quando homem
Revelação profética
(futuro)
Ligu & pais
II 11
Transformou um poço pagão em
fonte de cura
Prece
Monges, magos
pictos & habitantes
locais
II 13
Previu que Cainnech saberia de
sua necessidade
Revelação profética
(futuro)
Tripulação
II 13
Soube que Cainnech correra para
rezar em seu favor
Revelação profética
(presente)
Tripulação
II 14
Enviou o cajado de Cainnech,
esquecido em Iona, ao monge
Prece Cainnech
II 15
Previu que Baithéne teria vento
favorável em sua viagem
Revelação profética
(futuro)
Baithéne e Colmán
Elo mac Beognai
moccu Sailni
II 15
Soube que Baithéne tinha
chegado em segurança
Revelação profética
(presente)
Baithéne e Colmán
II 15
Mudou a direção do vento para
Colmán
Palavra Baithéne e Colmán
II 15
Previu que Colmán não voltaria
a vê-lo vivo
Revelação profética
(futuro)
Iona
II 16
Expulsou um demônio de um
balde de leite
Prece Colmán Ua Briúin
175
II 16
Encheu novamente o balde que
se esvaziara
Prece Colmán
II 17
Previu a chegada de dois homens
com uma contenda entre si
Revelação profética
(futuro)
Foirtgern
176
II 17
Revelou que o leite que Silnán
177
tirara do touro era sangue
Prece Foirtgern & Silnán
II 17 Salvou o dito touro da morte Prece Foirtgern
172
Enviou um bloco de sal abençoado para a irmã de Colgu através dele.
173
Milagre póstumo.
174
Milagre póstumo.
175
Um dos monges da comunidade de Iona.
176
Um leigo, dono da casa em que Columba se hospedava nessa ocasião.
177
Não confundir com Silnán mac Nemaidon, um dos monges da comunidade de Iona (I 41 & II 4).
Trata-se de um mago picto.
105
II 18
Curou o sangramento do nariz de
Luigne moccu Min
178
Prece Luigne moccu Min
II 19
Previu que seus companheiros
pescariam um grande peixe
Revelação profética
(futuro)
Monges
II 19
Previu quando os companheiros
encontrariam peixe
Revelação profética
(futuro)
Monges
II 20 Abençoou o gado de Nesán
179
Prece
Nésan, sua família &
monges (Iona)
II 20
Previu continuidade e
prosperidade da família de Nesán
Revelação profética
(futuro)
Nésan, sua família &
monges (Iona)
II 20
Previu a ruína financeira
Vigen
180
Revelação profética
(futuro)
Vigen & monges
(Iona)
II 21
Abençoou o gado de um homem
chamado Colmán
Prece Colmán & sua família
II 21
Previu continuidade e
abundância da família de
Colmán
Revelação profética
(futuro)
Colmán & sua família
II 22
Previu que Ioan mac Conaill
maic Domnaill
181
, perseguidor
de cristãos, não voltaria
Revelação profética
(futuro)
Monges (Iona)
II 22
Previu a maneira da morte de
Ioan
Revelação profética
(futuro)
Monges (Iona)
II 23
Previu a maneira da morte de um
homem chamado Feradach
Revelação profética
(futuro)
Iona
II 24
Sua roupa salvou Findlugán
182
da morte
Por contato
Findlugán, monges
(Iona) & Hinba
II 24
Soube da morte de Lám Dess
(autor do atentado)
Revelação profética
(presente)
Exército de Lám Dess
& exército rival
II 25
Previu a morte imediata de um
assassino
Revelação profética
(presente)
Gemmán
183
II 26 Ordenou que um javali morresse Palavra Sem testemunhas
II 27
Afugentou o Monstro do Loch
Ness
Palavra
Luigbe moccu Min,
monges (Iona) &
habitantes locais
II 28
Previu que não mais veria certa
parte da Ilha de Iona
Revelação profética
(futuro)
Iona
II 28
Afugentou as cobras da Ilha de
Iona
184
Prece Iona
II 29
Impediu que uma faca
funcionasse
Palavra Diarmait
II 30 Salvou a vida de Diarmait Prece Diarmait
II 30
Previu que Diarmait sobreviveria
a ele
Revelação profética
(futuro)
Diarmait
II 31
Salvou a vida de Fintan mac
Áedo
185
Prece
Fintan & monges
(Iona)
178
Um dos monges da comunidade de Iona. Aparecerá novamente em II 27.
179
Um leigo, muito pobre, mas que hospedava Columba quando este visitava sua região.
180
Um leigo, bastante rico, mas que se recusara a hospedar Columba quando este visitava sua região.
181
Aparecerá novamente em II 24.
182
Um dos membros da comunidade de Iona.
183
Um dos mestres de Columba quando este ainda estava na Irlanda.
184
O paralelo mais claro entre os milagres de Columba e os milagres de Patricius – que teria afugentado
as cobras da Irlanda.
185
Um dos monges da comunidade de Iona.
106
II 31 Previu vida longa para Fintan
Revelação profética
(futuro)
Fintan & monges
(Iona)
II 32 Ressuscitou um garoto picto Prece Sem testemunhas
II 33
Previu que Broichan
186
morreria
se não libertasse sua escrava
Revelação profética
(futuro)
Rei Bridei, Broichan
& convidados
II 33
Soube que Broichan havia se
engasgado
Revelação profética
(presente)
Monges (Iona)
II 33 Salvou a vida de Broichan Por procuração
187
Rei Bridei, Broichan,
convidados &
monges (Iona)
II 34 Mudou a direção do vento Prece
Monges (Iona) &
habitantes da região
II 35
Destrancou os portões da
fortaleza de Bridei sem neles
tocar
Prece
Rei Bridei &
conselho
II 36
Destrancou as portas de
Terryglass sem tocá-las
Palavra Terryglass
188
II 37
Abençoou uma armadilha de
caça para um mendigo
Prece
Mendigo & sua
família
II 38
Previu que uma sacola seria
levada pela maré
Revelação profética
(futuro)
Lugaid Láitir
II 38
Previu que a sacola seria trazida
de volta pela maré
Revelação profética
(futuro)
Lugaid
II 38
Soube quando a sacola voltou
para a praia
Revelação profética
(presente)
Iona
II 39
Previu que Librán
189
sobreviveria aos 7 anos de
penitência
Revelação profética
(futuro)
Librán
II 39 Previu a liberdade de Librán
Revelação profética
(futuro)
Librán
II 39
Previu que os irmãos de Librán
exigiram seu dever filial (pai)
Revelação profética
(futuro)
Librán
II 39
Previu que o pai de Librán
morreria em uma semana
Revelação profética
(futuro)
Librán
II 39
Previu que os irmãos de Librán
exigiram seu dever filial (mãe)
Revelação profética
(futuro)
Librán
II 39
Previu que o irmão mais moço
de Librán cuidaria da mãe
Revelação profética
(futuro)
Librán
II 39 Mudou a direção dos ventos Visita em espírito Librán & tripulação
II 39
Mudou novamente a direção dos
ventos
Por procuração
190
Librán & tripulação
II 39
Soube o que acontecera com
Librán na Irlanda
Revelação profética
(passado)
Librán
II 39
Previu que Librán teria vida
longa
Revelação profética
(futuro)
Librán
II 39
Previu o local da morte de
Librán
Revelação profética
(futuro)
Librán
II 40 Soube que uma jovem pedia sua Revelação profética Sem testemunhas
186
Um dos magos pictos da corte do Rei Bridei f. Meilochon.
187
Abençoou um seixo e ordenou que dois monges a jogassem na água. A água salvaria a Broichan.
188
Por “Terryglass”, entenda-se “membros da comunidade de Terryglass”.
189
Um dos monges da comunidade de Iona.
190
Librán invocou o poder de Columba para alterar a direção dos ventos em seu nome.
107
ajuda para o parto (presente)
II 40 Ajudou a jovem no parto Prece Iona
II 40
Soube que tudo transcorrera bem
durante o parto
Revelação profética
(presente)
Iona
II 41
Fez uma esposa se apaixonar
pelo marido
Prece O casal
II 42
Previu que Cormac Ua Liatháin
chegaria às Ilhas Orkneys
Revelação profética
(futuro)
Bridei, rei das Ilhas
Orkneys & corte do
rei Bridei
II 42
Previu a chegada de Cormac Ua
Liatháin a Iona
Revelação profética
(futuro)
Dois monges (Iona)
II 42
Soube que Cormac enfrentava
perigos no mar
Revelação profética
(presente)
Iona
II 42 Alterou os ventos para Cormac Prece Iona
II 43
Andou em uma carruagem sem
pregos
Prece
Cólman mac
Echdach
191
II 44
192
Fez chover após meses de seca Por contato
193
Adomnán & Iona
II 45
194
Alterou por três vezes curso dos
ventos
Por contato
195
Adomnán & Iona
II 46
196
Protegeu pictos e irlandeses da
peste
Por contato
197
Adomnán & Iona
III 2
Visitado ainda garoto pelo
Espírito Santo
Manifestação de luzes
celestiais
Cruithnechán
198
III 3 Foi visto acompanhado por anjos Visão angelical S. Brendan
199
III 4 Foi visto acompanhado por anjos Visão angelical S. Uinniau
200
III 5
Um anjo lhe mandou ordenar a
Áedán rei da Dalriada escocesa
Visão angelical Sem testemunhas
III 5
Previu que o reino de Áedán
seria independente até que se
rebelasse
Revelação profética
(futuro)
Áedán & Iona
III 6
Viu a alma de um de seus
monges levada por anjos
Visão angelical Áedán mac Libir
201
III 7
Soube que a alma de um monge
estava sendo levado por anjos
Revelação profética
(presente)
Um peregrino em
Iona
III 8
Com a ajuda de anjos, venceu
um exército de demônios
Visão angelical Sem testemunhas
III 8
Previu que os demônios iriam
para Tiree
Revelação profética
(futuro)
Iona
III 8
Previu que os demônios levariam
pestes mortais para Tiree
Revelação profética
(futuro)
Iona
III 8 Soube que em Mag Luinge Revelação profética Iona
191
Amigo de Columba que fundou o Monastério de Slane.
192
Milagre póstumo.
193
A túnica de Columba e os livros que ele copiara trouxeram a chuva.
194
Milagre póstumo.
195
A túnica de Columba e os livros que ele copiara foram levados à igreja pelos monges de Iona.
196
Milagre póstumo.
197
“Já que ele fundara entre ambos os povos os monastérios onde hoje ele ainda é honrado em ambos os
lados” (ADOMNÁN DE IONA, 1995: 203. Tradução nossa).
“For he founded among both peoples the monasteries where today he is still honoured on both sides”.
198
Pai “adotivo” de Columba; também religioso.
199
(? – 565 ou 572) Historicamente obscuro, sabemos que foi fundador do monastério de Birr.
200
Um dos mestres de Columba.
201
Um dos monges da comunidade de Iona.
108
apenas um monge morrera (futuro)
III 8
Previu que em Mag Luinge
ninguém mais morreria nesse
episódio
Revelação profética
(futuro)
Iona
III 9
Soube que a alma de um ferreiro
fora levada por anjos
Revelação profética
(presente)
Monges (Iona)
III 10
Soube que a alma de uma mulher
estava sendo levada por anjos
Revelação profética
(presente)
Genereus, o inglês
202
III 10
Soube que a alma dessa mulher
lutava pela alma do marido
Revelação profética
(presente)
Genereus
III 10
Soube que a alma da mulher
ganhara a alma do marido
Revelação profética
(presente)
Genereus
III 11 Soube da morte de S. Brendan
Revelação profética
(presente)
Diarmait
III 12
Soube da morte de Colmán
moccu Loígse
203
Revelação profética
(presente)
Iona
III 13
Soube que alguns monges se
afogaram
Revelação profética
(presente)
Iona
III 13
Viu anjos e demônios disputando
as almas dos monges afogados
Revelação profética
(presente)
Iona
III 13
Soube que os anjos haviam
vencido
Revelação profética
(presente)
Iona
III 14
Soube de um homem (Emchatch)
à beira da morte
Revelação profética
(futuro)
Monges (Iona)
III 14
Viu a alma de Emchatch ser
levada por anjos
Visita angelical Monges (Iona)
III 15
Soube da queda de um monge de
uma torre
Revelação profética
(presente)
Colgu mac Cellaig &
Luigne moccu Blai
204
III 15
Viu um anjo entre os dois
monges
Visão angelical Colgu & Luigne
III 15
Soube que o anjo salvara o
monge que caíra da torre
Revelação profética
(presente)
Colgu & Luigne
III 16 Conversou com anjos Visão angelical Um monge (Iona)
III 16
Soube que um monge o
desobedecera
Revelação profética
(presente)
Iona
III 17
S. Brendan moccu Altae viu uma
bola de fogo acima da cabeça de
Columba
Manifestação de luzes
celestiais
S. Brendan
III 18
Luzes celestiais foram vistas na
cabana de Columba
Manifestação de luzes
celestiais
Hinba
III 19
Luzes celestiais acompanharam
Columba
Manifestação de luzes
celestiais
Fergnae
205
III 19
Columba soube que Fergnae vira
a manifestação
Revelação profética
(presente)
Fergnae
III 19
Columba soube que Fergnae não
conseguira olhar diretamente
para a manifestação
Revelação profética
(presente)
Fergnae
III 20 Colgu mac Áedo Draigniche viu Manifestação de luzes Colgu
202
Um dos monges da comunidade de Iona.
203
Bispo de Leinster, na Irlanda.
204
Um dos monges da comunidade de Iona. Aparecerá também em III 22.
205
Um dos monges da comunidade de Iona. Tornou-se o quarto abade de Iona (605), embora pareça não
ter tido nenhuma relação com o clã de Columba. Morreu em 623 (Cf SHARPE, 1995: 370).
109
luzes na igreja de Iona celestiais
III 20
Soube que Colgu tentou ver a luz
mais de perto
Revelação profética
(presente)
Colgu
III 21
Previu que receberia a visita do
Espírito Santo certa noite
Revelação profética
(futuro)
Berchán Mes loen
206
III 21
Sua cabana foi tomada pela luz
divina
Manifestação de luzes
celestiais
Berchán Mes loen
III 21
Soube que Berchán tentara ver
dentro de sua cabana
Revelação profética
(presente)
Berchán Mes loen
III 21 Impediu a morte de Berchán Prece Berchán Mes loen
III 21
Previu que Brechán sofreria
muito na Irlanda
Revelação profética
(futuro)
Berchán Mes loen
III 21
Previu o arrependimento de
Berchán
Revelação profética
(futuro)
Berchán Mes loen
III 22 Viu os anjos que pedira a Deus Visão angelical
Luigne moccu Blai &
Pilu, o inglês
207
III 22 Previu que viveria mais 4 anos
Revelação profética
(futuro)
Luigne & Pilu
III 23 Atrasou a data de sua morte Prece Iona
III 23
Viu um anjo na igreja durante a
missa
Visão angelical Sem testemunhas
III 23
Soube que o anjo viria buscá-lo
em breve
Revelação profética
(futuro)
Sem testemunhas
III 23
Previu que morreria no meio de
certa noite
Revelação profética
(futuro)
Diarmait
III 23
Consolou seu cavalo que
pressentia a morte do dono
Prece Diarmait
III 23
Garantiu um futuro próspero
para Iona
Prece Sem testemunhas
III 23
Uma luz encheu a capela em que
ele morreu
Manifestação de luzes
celestiais
Diarmait & monges
(Iona)
III 23
Viu os anjos chegando para lhe
buscar
Visão angelical Iona
The Life of St Columba relata precisamente 222 milagres, entre manifestações de
luzes celestiais, milagres realizados pela palavra, por prece, por contato, por procuração,
por visitas em espírito e por visitas em sonho. Além disso, aparecem em abundância
também as revelações proféticas sobre o passado, o presente e o futuro. Estas
manifestações foram incluídas na lista de milagres por diversas razões, a principal sendo
que, em diversos capítulos, o próprio autor nos indica o fato de que nas histórias de
Columba essas duas instâncias – milagres e previsões – não se podiam separar. Entre
diversos exemplos que poderíamos apontar, vejamos o que nos diz Adomnán sobre os
Capítulos II 18 e II 19: “nessas duas histórias sobre pescaria, o poder de um milagre é
manifesto e acompanhado por clarividência profética” (ADOMNÁN DE IONA, 1995:
206
Um dos monges da comunidade de Iona, chamado de filho “adotivo” de Columba.
207
Um dos monges da comunidade de Iona.
110
169)
208
. Assim, na lógica do autor – a que seguimos em nossa análise – não há como
separar essas duas categorias de manifestações sem que se perca a complexidade das
ações de Columba.
Adomnán relata sete milagres de manifestação de luzes celestiais, todos em seu
Livro III (Capítulos III 2, III 18-21 & III 23), que, como mencionado, pretende dar
conta dessa categoria de milagre e das visões angelicais. Esse, não é, entretanto o caso
absoluto. De fato, das doze visões angelicais relatadas, onze acontecem no Livro III,
mas há uma exceção: em I 3, Columba vê anjos visitando partes do Monastério de
Clonmacnoise, onde se hospedava durante uma de suas visitas à Irlanda. O que nos
chama atenção nessa exceção, aparentemente pouco importante é que se trata, na
verdade, da única vez em que esse tipo de milagre acontece fora da Ilha de Iona. Na
verdade, mesmo as visões angelicais concedidas a outros grandes nomes da história
eclesiástica irlandesa (relacionada à morte de Columba) e que Adomnán relata em seu
último capítulo (III 23) parecem estar relacionadas à ilha, quase como se a própria fosse
uma morada dos anjos, ou então, uma espécie de espaço intermediário entre o céu e a
terra.
Essa afirmação se sustenta também na análise das manifestações de luzes
celestiais, embora em menor proporção, já que em duas das sete ocasiões em que este
tipo de milagre é mencionado, Columba não estava em Iona. Na verdade, na primeira
ocasião, em III 2, ele ainda era apenas um garoto e a menção aqui se relaciona mais com
a questão da predestinação – que amarra a lógica das revelações proféticas, à qual nos
referiremos em breve – do que com a lógica espacial. Na segunda dessas ocasiões,
Columba está em Hinba, um dos monastérios considerados como casas filhas de Iona –
monastérios fundados pelo monge e que se mantinham sob sua autoridade. Entretanto,
nesse momento, a presença da luz celestial pode apenas ser indicativo de uma tendência
dos autores irlandeses da época: “Há muitas outras histórias, mais ou menos
improváveis, de um tipo similar em que grupos de santos são colocados juntos
corroborando a santidade um do outro” (SHARPE, 1995: 368. Tradução nossa)
209
. Na
ocasião descrita pelo capítulo, afinal, estavam presentes na ilha outros quatro religiosos
que viriam a ser canonizados e foi um deles, S. Brendan, o navegador, quem
testemunhou sobre a bola de fogo que se colocara acima da cabeça de Columba.
208
“In these two stories about fishing the power of a miracle is manifest and is accompanied by prophetic
foreknowledge”.
209
“There are many other stories, more or less improbable, of a similar kind in which groups of saints are
assembled together corroborating one another’s holiness”.
111
Quanto aos milagres realizados por palavra – por ordem do monge – são apenas
cinco dos duzentos e vinte e dois. O primeiro deles (II 15) é, na verdade, uma variação
de um tema recorrente: a capacidade de Columba de intervir nos fenômenos da
natureza, principalmente na direção dos ventos. O segundo (II 26) é curioso porque
envolve um javali que morre apenas pela ordem do monge e se configura num dos
poucos momentos em que não há testemunhas para observar o fato. O terceiro (II 27) é,
provavelmente, o milagre mais conhecido desse santo: trata-se, de fato, de seu confronto
com o Monstro do Loch Ness. A respeito do encontro de Columba com essa criatura
mitológica, Sharpe diz:
Essa é a história mais antiga do Monstro do Loch Ness. Os crentes nessa
criatura apontam para esse conto como prova de que Nessie ou sua espécie
viveriam no loch por mais de mil anos. Os não-crentes dizem que aqui está uma
típica história do início da medievalidade sobre monstros aquáticos (um tipo de
conto folclórico para o qual há diversos paralelos), às quais os contadores de
história do início do século XX se agarraram como um ponto de partida para
uma seqüência moderna, supostamente justificando sua afirmação de que uma
besta existe. Certamente outras histórias de monstros aquáticos nas Vidas dos
santos irlandeses não levaram a supostas visões (SHARPE, 1995: 330. Tradução
nossa)
210
.
O quarto milagre desse tipo (II 29) é quase que uma correção a um milagre
anterior. Neste capítulo, Columba está sentado em sua cabana, absorvido na leitura de
um manuscrito quando um monge chega e lhe pede que abençoe um instrumento, o que
Columba faz sem levantar os olhos do manuscrito Só depois que o monge deixou a
cabana, Columba se lembrou de perguntar a Diarmait, o fiel servo, o que exatamente
abençoara. Quando Diarmait lhe disse que se tratava de uma faca, o monge então
resolveu reverter a bênção dizendo que a faca não funcionaria. Efetivamente, os
ferreiros de Iona têm de derreter a faca e espalhar o metal por outros implementos. Já o
quinto (II 36), é um milagre quase que acidental. Os monges do Monastério de
Terryglass haviam perdido a chave que abria a porta da igreja. Columba, dessa vez, não
tivera revelação profética que lhe informasse do acontecido, ele simplesmente disse para
a porta que ela se abrisse.
210
“This is the oldest story of the Loch Ness Monster. Believers in that creature point to this tale to prove
that Nessie or her kind have lived in the loch for over a thousand years. Unbelievers say that here is a
typical early medieval water-beast story (a type of folk-tale for which there are scores of parallels) which
twentieth-century story-mongers have latched on to as the starting point of a modern sequel, supposedly
justifying their claim that a beast exists. Certainly, other water-beast stories in the Lives of Irish saints
have not led to claimed sighting”.
112
Na verdade, um olhar mais cuidadoso sobre esses milagres de palavra, nos
revela o quanto eles parecem fora de lugar em comparação com as outras manifestações
das quais Columba é o veículo ou o receptáculo. Não apenas acontecem pouco, mas
partem do pressuposto de que a prece (forma que mais vezes se repete nos milagres
descritos por Adomnán, com exceção das revelações proféticas) não parecia, ao monge,
necessária, ou poderia ser ineficiente. Podemos repetir a inferência quando analisamos o
único milagre descrito por visita em sonho e os quatro milagres por visita em espírito:
eles parecem fora de lugar.
Sobre seu milagre por visita em sonho, descrito no capítulo inicial (I 1), vale a
pena nos demorarmos um pouco. Isso porque, ao contrário de todos os outros eventos
deste capítulo – que se propõe a ser um resumo do que será exposto no corpo da obra –
esta visita de Columba, em sonho, ao Rei Oswald da Northumbria só está descrito nessa
passagem. Na verdade, como vimos no Capítulo I: De Contextos (1.4. A Escócia antes
de Columba & 1.6. O Concílio de Whitby), a Inglaterra dessa época estava dividida em
sete reinos, dos quais a Northumbria se tornava o mais importante. Entretanto, o
relacionamento daquela casa real com a comunidade de Iona não parece ter sido
particularmente significativo durante a vida deste rei, tendo se fortalecido na geração
seguinte. Assim, cabe a pergunta acerca dos motivos da inclusão dessa anedota na obra
de Adomnán – cuja escrita se realiza numa época de intensa troca entre os
northumbrianos e os habitantes de Iona.
Richard Sharpe oferece quatro motivos: 1) segundo ele, Adomnán tinha como
uma das intenções de sua escrita provar que Columba teria privilégios especiais em
relação aos reis; 2) tratar-se-ia de uma forma que o autor encontrou para declarar
sutilmente suas concepções políticas, vez que ele preferiria a lógica que em seu tempo
se estabelecera na Northumbria, em detrimento das complicadas relações irlandesas de
poder; 3) como a vitória de Oswald foi o ponto de partida para a introdução do
cristianismo na região, ligá-la à Columba legitimaria a ação dos monges de Iona que a
efetivaram e 4) Oswald fora morto numa batalha contra o rei pagão da Mercia (outro
dos sete reinos bretões), o que gerou uma série de histórias quase martiriológicas acerca
de sua figura; assim, pode ser que a sua inclusão em The Life of St Columba, tenha sido
apenas uma forma que Adomnán encontrou para fazer eco ao interesse que seus leitores
pareciam ter (Cf SHARPE, 1995: 250 e 251)
211
. Qualquer uma dessas explicações é
211
A história da vitória de Oswald também está em Ecclsiastical History of the English People (BEDE in
FARMER, 1990: 143-145). Entretanto, nesse caso, aparece contada de forma bastante diversa: Oswald já
113
interessante e, provavelmente, uma conjugação entre elas sirva como forma de elucidar
os motivos do autor.
Quanto aos milagres por visita em espírito, eles aparecem em apenas dois
capítulos, I 37 e II 39. I 37 é um capítulo em que Adomnán discorre sobre diversas
manifestações milagrosas. Na primeira delas, Columba conforta em espírito os monges
que voltavam exaustos do trabalho. Na segunda, Adomnán narra como a voz do monge
teria sido ouvida por várias pessoas, diversas vezes, tanto na igreja quanto em partes
distantes da ilha, sem que aos que estavam próximos dele, a voz parecesse
sobrenaturalmente aumentada. É também sua voz o eixo da terceira dessas
manifestações. Dessa vez ela se faz ouvir por todos os lados do acampamento de Bridei,
um rei picto pagão. É interessante notar que neste caso, temos também o embate entre
as forças de Columba e as forças dos magos pictos, que procuravam, de todas as formas,
evitar que as preces do monge chegassem aos ouvidos dos soldados de seu rei.
A respeito dos milagres por contato, podemos dizer que pelo menos um deles,
aconteceu de forma involuntária. Trata-se do incidente descrito no Capítulo II 24. Nessa
ocasião, Columba foi vítima de um atentado, mas não morreu, pois um de seus monges,
chamado Findlugán, colocou-se entre ele e a lança. Entretanto, como usava um dos
trajes de Columba, a lança não foi capaz de penetrar-lhe a pele. Columba não estava
particularmente ciente do poder de seu manto e nada na narrativa de Adomnán nos leva
a crer que ele tivesse intenção de abençoá-lo. Na verdade, foi apenas o contato com sua
pessoa que o tornara especial.
Talvez essa história tenha sido incluída em The Life of St Columba como uma
forma de se preparar o terreno para a construção da idéia de relíquias, que fica bastante
clara no Capítulo II 44, no qual Adomnán descreve em detalhes os procedimentos dos
monges para tentar obter chuvas quando de uma seca que durava já dois meses. Na
época, Columba já estava morto, mas em Iona, sua presença ainda era real no
imaginário da comunidade, portanto, não parece espantoso que os irmãos tenham
guardado a túnica que o monge usava quando morreu e a levassem para o campo, como
forma de abençoá-lo, ao mesmo tempo em que liam passagens de um manuscrito que
ele copiara.
se convertera antes dessa batalha, tanto que enquanto esperava o início do combate, mandara erguer uma
cruz de madeira e rezara para o Deus cristão. As motivações de Bede, entretanto, são completamente
diferentes das de Adomnán, o que nos ajuda a entender as discrepâncias.
114
Aliás, o poder das páginas escritas por Columba também já fora antes
estabelecido, em II 8 e II 9. Em II 8, um jovem que carrega uma série de livros em sua
sacola de viagem se afoga no Rio Boyne e seu corpo só é recuperado vinte dias depois.
Ao abrirem a sacola, os habitantes da região constataram que o conteúdo estava
inutilizado, pois os livros apodreceram em contato com a água. A exceção era uma folha
que havia sido escrita por Columba. Em II 9, a situação é semelhante, porém mais
extrema: a sacola com livro ficou submersa do Natal à Páscoa (cerca de quatro meses).
Quando recuperada, constatou-se que o próprio recipiente apodrecera, mas um dos
livros que ele continha e que fora escrito por Columba, estava intacto.
A não intencionalidade de Columba em tornar objetos que tocava ou abençoava
em relíquias se confirma ainda em outra passagem; II 7. A irmã de um de seus monges,
Colgu mac Cellaig estava muito doente e o religioso pediu ao abade que lhe ajudasse.
Columba então benzeu um bloco de sal e o entregou a Colgu, dizendo-lhe que o
molhasse e usasse a água para abençoar à sua irmã. O discípulo seguiu as ordens do
mestre e a irmã se curou. Em seguida, ela pendurou o dito bloco de sal num prego acima
de sua cama. Pouco tempo depois, a casa foi consumida pelo fogo e dela nada restou,
apenas a parede em que se localizava o bloco, que permanecera intocado
212
.
Neste capítulo (II 7), encontramos também o que chamamos nessa análise de
milagres por procuração. Columba nem sempre podia ir até onde havia necessidade de
sua ajuda. Assim, procurou abençoar objetos que deveriam ser colocados na água. A
água deveria então ser usada para abençoar a pessoa em necessidade. Na verdade, em
quatro das cinco ocasiões em que Columba realizou um desses milagres por procuração,
a intenção era a mesma: a cura. Em II 4 curou muitos doentes atingidos pelas águas de
uma nuvem particularmente pestilenta que ele previra se dirigir para determinada região
da Irlanda; em II 5, o quadril faturado de uma “santa virgem” (ADOMNÁN DE IONA,
1995: 158. Tradução nossa)
213
; em II 7, como dito, a irmã de Colgu e em II 33, salvou a
vida de um mago picto.
Por último, na categoria que poderíamos chamar de milagres propriamente ditos,
ou milagres tal como o termo é geralmente compreendido - e não revelações proféticas -
; temos os milagres realizados por prece. São vinte e nove dos duzentos e vinte e dois
212
Novamente, percebemos que se trata de uma forma de deixar claro que a afirmação da santidade de
Columba se baseia largamente em sua capacidade de manipular fenômenos naturais. Nem a água, nem
seu elemento oposto, o fogo ou o ar – lembremos que Columba teria alterado a direção dos ventos
inúmeras vezes – poderiam deixar de obedecer às ordens do monge.
213
“Holy virgin”.
115
milagres descritos por Adomnán e se espalham pelos três livros, embora apenas um
deles esteja no Livro I. A maioria está associada à bênção e a proferência de algumas
palavras em nome de Deus; por isso, escolhemos colocá-los todos sob o título de prece.
Alguns, porém, falam literalmente em prece, inclusive o maior de todos eles, descrito
em II 32 – Columba teria ressuscitado um garoto picto, filho de uma família recém
convertida. Esse episódio é significativo, primeiro porque, com a notícia da morte do
garoto, magos da região acorreram em direção à casa, acusando a conversão de ser a
culpada pelo episódio. Novamente, quando o embate com as tradições pagãs vêm à
tona, como é de esperar de um autor cristão, os magos saem piores da situação.
Segundo, a relevância desse episódio está no número reduzido de santos a quem se
atribuiu a capacidade de ressuscitar os mortos, aspecto para o qual o próprio Adomnán
chama atenção, quando, numa de suas passagens mais pedagógicas, pede ao leitor que
reflita sobre o acontecimento e suas implicações:
Deve-se reconhecer que nesse milagre de poder, nosso S. Columba divide com
os profetas Elias e Elisha e com os apóstolos Pedro e Paulo e João a rara
distinção de trazer os mortos à vida. Ele tem um lugar de glória eterna na terra
celestial como apóstolo e profeta, em companhia de profetas e apóstolos, com
Cristo que, junto com o Pai e o Espírito Santo, reina para todo o sempre
(ADOMNÁN DE IONA, 1995: 180. Tradução nossa)
214
.
Historicamente, essa afirmação de Adomnán tem um significado bastante
compreensivo: quando escreveu sua obra, a compreensão irlandesa do cristianismo já
era colocada em debate nas ilhas britânicas
215
. O próprio autor terminou por escolher as
regras romanas e sabemos que, ao menos em relação à adoção da data da Páscoa, tal e
qual estabelecida pelo Papa, na Irlanda, ele teve importante papel (ver 3.2. Os autores
das biografias: motivações específicas para suas obras). Destarte, não nos parece
despropositado supor que ao colocar Columba junto de profetas e apóstolos, ele esteja
buscando assentar em bases sólidas a lógica irlandesa, mesmo que julgue que ela precise
de reparações. Talvez, mais ainda, essa passagem ilustre certo temor de que todo o
movimento do qual ele próprio fazia parte pudesse vir a ser considerado herético e,
desta forma, excluído do processo de cristianização. Entretanto, com um de seus
214
“One must recognize that in this miracle of power our St Columba is seen to share with the prophets
Elijah and Elisha and with the apostles Peter and Paul and John the rare distinction of raising the dead to
life. He has a seat of everlasting glory in the heavenly homeland as himself a prophet and apostle among
the companies of the prophets and the apostles, which Christ who with the Father and the Holy Ghost
reigns for ever and ever”.
215
Ver Capítulo I: De Contextos; 1.6. O Concílio de Whitby.
116
principais nomes sendo não apenas um santo, mas também um profeta e um apóstolo,
seria impossível que isso acontecesse.
Antes de passarmos à análise da obra de Jonas sobre a vida de Columbanus, cabe
ainda anotar algumas inferências que podem ser feitas a partir da análise da obra de
Adomnán. O viés público dos milagres é claramente importante para sua argumentação.
Entretanto, como sua escrita se dá já posteriormente à canonização de Columba, ele
pode se dar ao luxo de declarar várias vezes que o monge pedira expressamente para
que suas demonstrações de taumaturgia, exorcismo e proximidade com entidades
celestiais fossem mantidas em segredo. Não se trata necessariamente de sublinhar a
humildade de Columba, embora, à primeira vista, essa pareça a intenção. Trata-se, mais,
de destacar sua grandiosidade como lhe escapando ao controle: mesmo que ele queria
manter em segredo sua excepcionalidade, circunstâncias alheias a sua vontade não lhe
permitem assim fazê-lo. Por isso, mesmo quando, por exemplo, sabe que será visitado
por anjos ou pelo Espírito Santo e por isso proíbe seus monges de segui-lo, sempre há
alguém que o desobedece e termina por presenciar o encontro. É o que vemos acontecer,
por exemplo, nos Capítulos III 16 e III 21.
Além disso, há os termos que Adomnán usa para se referir a Columba ou, como
lhe convém, São Columba. Assim ele é claramente descrito em termos que separam sua
ação enquanto monge e abade e sua ação enquanto santo. Ao primeiro grupo, pertencem
as expressões “nosso reverendo abade” (our reverend abbot)
216
,; “nosso santo
predecessor” (our holy predecessor)
217
; um “ancião” (Elder)
218
; “o homem santo” (the
holy man)
219
; “o homem de Deus” (the man of God)
220
; “o homem venerável” (the
venerable man)
221
; “o homem abençoado” (the blessed man)
222
; “o homem digno de
elogios” (the praiseworthy man)
223
; “o homem de memória abençoada” (the man of
blessed memory)
224
; “um homem de vida venerável” (a man of venerable life)
225
; “o
homem de vida digna de elogios” (the man of praiseworthy life)
226
; “o homem
216
Capítulo III 23
217
Capítulo III 23
218
Capítulo I 37
219
Capítulos I 1, I 7, I 37, I 43, II 3, II 23, II 27, II 35, II 39, III 5, III 6, III 7, III 8, III 11 & III 16
220
Segundo Prefácio e Capítulos II 35 & III 3
221
Capítulos I 1, I 37, I 50, II 34, II 25 & III 23
222
Primeiro Prefácio e Capítulos I 1, I 14, I 15, I 18, I 19, I 24, I 29, I 36, I 37, I 49, II 7, II 9, II 27, II 35,
II 39, III 19, III 22 & III 23
223
Capítulos II 19, II 27, II 43 & III 5
224
Primeiro e Segundo Prefácio & Capítulo III 23
225
Segundo Prefácio
226
Capítulo II 6
117
reverendo” (the reverend man)
227
; “o pai” (the father)
228
; “santo pai” (holy father)
229
;
“o pai venerável” (the venerable father)
230
e “o pai e fundador de monastérios” (the
father and founder of monasteries)
231
. Ao segundo grupo, “escolhido” (chosen one)
232
,
“o vidente da verdade” (the foreteler of the truth)
233
, “profeta verdadeiro” (true
prophet)
234
, “profeta sagrado” (holy prophet)
235
; “nosso padroeiro venerável” (our
venerable patron)
236
; “nosso padroeiro digno de elogios” (our praiseworthy patron)
237
;
“nosso abençoado padroeiro” (our blessed patron)
238
; “nosso santo padroeiro” (our holy
patron)
239
; “padroeiro” (patron)
240
; “o famoso santo” (the famous saint)
241
; “o santo
digno de elogios” (the praiseworthy Saint)
242
e, finalmente, com o maior número de
ocorrências, simplesmente “o santo” (the Saint)
243
.
Ao acompanharmos esses termos percebemos que a porcentagem de suas
ocorrências em cada um dos três livros não se altera de forma considerável. Assim,
podemos dizer que Adomnán não apenas consegue nos mostrar que existem duas
dimensões para a personagem de Columba – a do monge e a do santo – mas também
que essas duas personagens conviviam e permearam todos os momentos de sua vida
244
.
As mudanças de contorno que a imagem do monge sofrem estão, portanto, em outro
plano que não o dos nomes de que o autor se utiliza para compor a narrativa. Por fim,
para completarmos essa pequena análise da obra de Adomnán e da dimensão pública de
seus milagres, arriscamo-nos a dizer que as grandes mudanças acontecem do plano dos
comportamentos e, portanto, do que é visível aos outros.
227
Capítulo I 45
228
Capítulo III 23
229
Capítulo I 2
230
Capítulo III 23
231
Segundo prefácio
232
Capítulo III 3
233
Capítulo III 23
234
Capítulo I 49
235
Capítulo II 23
236
Capítulo III 23
237
Capítulo III 23
238
Primeiro Prefácio & Capítulo III 23
239
Capítulo II 46 & Capítulo III 23
240
Capítulo I 2
241
Capítulo II 15
242
Capítulo II 12
243
Capítulos I 3; I 4; I 7–23; I 25–48; I 50; II 1-7; II 10-13; II 15-17; II 20-22; II 24; II 26-27; II 29–34; II
36–39; II 42; II 44-45; III 3; III 5-7; III 16; III 21 - 23
244
Em passagens como os Capítulos II 18; II 28; II 30; II 39; II 44 & II 45, vemos que Columba continua
extremamente ligado à vida que supostamente deixara para trás – a Irlanda -, mas nem por isso se
descuida de suas obrigações como chefe de uma comunidade religiosa.
118
Na primeira parte, Columba aparece como um homem extremamente emotivo e
com imensa capacidade de perdoar confissões públicas de pecados arrependidos (como
vemos em I 30 & I 43) e que, embora exija obediência de seus monges, também
simpatiza com seus esforços (I 37). Já na segunda parte, seu lado emotivo se exacerba,
porém, não mais se faz ver pela capacidade de perdoar, mas sim pela capacidade de se
vingar daqueles que não seguem seus comandos ou não levam a sério suas repreensões
(II 20-25); e, na terceira e última parte, aparece com essa faceta já bastante suavizada -
especialmente durante o último capítulo (III 23) em que vemos a calma com que
Columba parece ter passado seus últimos dias de vida.
3.6. A dimensão pública da santidade: onde e como acontecem os milagres em The
Life of St Columban
245
A tabela abaixo (TABELA 02) enuncia de forma esquemática os milagres de
Columbanus, como narrados por Jonas de Bobbio. Nela, encontramos indicados os
capítulos em que cada um desses milagres é descrito, um resumo do milagre em si, a
forma através da qual se processou e sua(s) testemunha(s) desse milagre.
TABELA 02: os milagres de Columbanus, suas formas e testemunhas
Capítulo Milagre Forma Testemunha(s)
13
Providenciou comida a um monge
doente
Prece Annergray
246
13
Recebeu comida de um homem
divinamente guiado
Graça Divina
Annergray &
benfeitor
13 Curou a esposa de seu benfeitor Prece Benfeitor & esposa
14
Caramtoc
247
soube da necessidade
de Columbanus
Graça Divina Caramtoc
14
Marculf
248
foi a Annergray sem
saber o caminho
Graça Divina Marculf
14 Curou multidões Prece Annergray
15 Escapou de 12 lobos Prece Sem testemunhas
15 Escapou de um ataque de suevos Prece Sem testemunhas
15
Escapou de um urso em sua
caverna
Palavra Sem testemunhas
16
Ordenou que seu servente batesse
em uma pedra para conseguir água
Prece Domoalis
249
18
Previu onde seus irmãos
encontrariam comida
Revelação profética
(futuro)
Autierin &
Somarius
250
245
Para lista completa dos milagres de Columbanus, bem como um resumo capítulo por capítulo da obra
de Jonas, ver Anexo I.
246
Por “Annergray”, entenda-se “membros da comunidade de Annergray”.
247
Caramtoc era abade de um monastério próximo a Annergray, chamado Salicis.
248
Guardador dos celeiros de Salicis, partiu em direção a Annergray por odem de Caramtoc.
249
Servente de Columbanus enquanto ele esteve na Gália, aparecerá novamente no Capítulo 34.
119
19
Previu onde um de seus irmãos
encontraria comida
Revelação profética
(futuro)
Gall
20 Curou irmãos doentes Palavra Luxeuil
251
21
Fez brilhar o sol no meio de uma
tempestade
Prece Fontaines
252
22
Rezou para que o duque da região
e sua esposa pudessem ter um filho
Prece Fontaines
23
Restaurou o dedo quase decepado
de um de seus seguidores
Saliva Theudegisil
24 Estancou um sangramento Saliva Winnoc
253
25
Ordenou a um corvo que voltasse
com a luva que roubara
Palavra Luxeuil
27
Proibiu um urso e aves de rapina
de atacarem uma carcaça
Palavra Luxeuil
28 Reabasteceu os celeiros de Luxeuil Prece
Guardador do celeiro
& Winnoc
28 Multiplicou pão e cerveja Prece Fontaines
29
Impediu que um companheiro
morresse
Prece Theudegisil
32
Quebrou pratos e copos sem tocá-
los
Prece Corte de Brunhilda
33 Previu o fim da casa real
Revelação profética
(futuro)
Luxeuil & Teodorico
34
Ordenou que seu servente
quebrasse a corrente que
agrilhoava presos
Prece
Domoalis & presos
de Besançon
34
Abriu e trancou portas de uma
igreja sem tocá-las
Graça Divina
Domoalis, presos de
Besançon & guardas
35
Tornou-se “invisível” aos olhos de
soldados
Graça Divina
Luxeuil & capitão da
guarda
38
Escapou ileso de uma tentativa de
assassinato
Graça Divina
Seguidores
254
,
guardas & mestre dos
cavalos
39 Curou doze possessos Sem menção
Seguidores &
Teudemanda
255
39 Curou cinco loucos Sem menção
Seguidores &
habitantes de Chora
39
Previu a ascensão de Clotário ao
trono da Gália
Revelação profética
(futuro)
Ragamund
256
40 Curou um possesso Prece Seguidores & guardas
40 Previu a morte de um soldado
Revelação profética
(futuro)
Guardas
41 Restituiu a visão a um cego Prece Seguidores
42
Fez um barco parar no meio do rio,
como se tivesse ancorado
Graça Divina
Seguidores &
administradores
250
Ambos seguidores de Columbanus, provavelmente membros da comunidade de Luxeuil.
251
Por “Luxeuil”, entenda-se “membros da comunidade de Luxeuil”.
252
Por “Fontaines”, entenda-se “membros da comunidade de Fontaines”.
253
Um padre de uma igreja próxima ao mosteiro. Aparecerá novamente no Capítulo 28.
254
A partir do Capítulo 38, Columbanus inicia seu exílio da Gália. Com ele seguem outros monges
irlandeses. A esses monges, referimo-nos, a partir daqui como “seguidores”.
255
Habitante da região do rio Chora, parece ter sido uma rica mulher que hospedou Columbanus e seus
seguidores.
256
Um dos seguidores de Columbanus.
120
43
Previu a morte de Teodorico e seus
filhos e a extinção de sua família
Revelação profética
(futuro)
Leoparius
de Tours &
convidados
44
Pelo poder das relíquias de S.
Martinho, ladrões confessaram
Graça Divina Seguidores
45
Recebeu comida de uma mulher
divinamente advertida
Graça Divina Seguidores
46
Curou uma mulher possessa e sua
filha gravemente doente
Prece Seguidores
47
A embarcação com os pertences do
monge não conseguiu navegar
Graça Divina
Seguidores,
tripulação & oficiais
em terra
48
Previu a ascensão de Clotário ao
trono da Gália
Revelação profética
(futuro)
Clotário
49
Expulsou o demônio do corpo de
um homem
Prece Seguidores & guardas
52
Recebeu comida de um bispo,
divinamente guiado
Graça Divina Bispo de Mainz
53
Quebrou um caldeirão que serviria
para uma oferenda pagã
Sopro Suábios pagãos
54
Recebeu pássaros para que os
irmãos pudessem se alimentar
Graça Divina Bregenz
257
54 Pássaros se deixam ser capturados Palavra Bregenz
54
Recebeu comida de um padre
divinamente guiado
Graça Divina Bregenz
55
Fez um urso alimentar-se apenas
das maçãs de árvores que escolhera
Palavra Chagnoald
258
56
Um anjo lhe convenceu a não ir
aos eslavos pregar o Evangelho
Visão angelical Sem testemunhas
57
Previu que Teodeberto se tornaria
monge mesmo que a força
Revelação profética
(futuro)
Teodeberto, corte &
Chagnoald
57
Sonhou com a batalha entre
Teoderico e Teodeberto, enquanto
ela acontecia
Revelação profética
(futuro)
Chagnoald
60
Demonstrou força sobre humana
para carregar pedaços de madeira
Graça Divina Bobbio
259
Antes de tudo, é interessante notar que apenas quatro dos cinqüenta e dois
milagres efetivamente narrados por Jonas aconteceram sem testemunho. Três deles
estão no Capítulo 15 e se passam durante uma das muitas vezes em que Columbanus
deixa sua comunidade, se isolando para meditar e rezar. A outra ocasião em que isso
acontece é o Capítulo 54, quando o monge recebe a visita de um anjo que lhe dissuade
de pregar aos eslavos e lhe compele a permanecer em Bregenz até o momento propício
de ir para a Itália.
Quanto aos milagres narrados no Capítulo 15, não há nenhum tipo de problema,
na mente do leitor contemporâneo a Jonas, na ausência de testemunhas. Essa afirmação,
257
Por “Bregenz”, entenda-se “membros da comunidade de Bregenz”.
258
Servente de Columbanus enquanto em Bregnenz. Aparecerá novamente no Capítulo 57.
259
Por “Bobbio”, entenda-se “membros da comunidade de Bobbio”.
121
que em princípio pode parecer relativamente temerosa, se justifica em uma análise um
pouco mais cuidadosa da própria tabela acima. A verdade é que Columbanus teria
domado outros ursos, desta vez na presença de outras pessoas, como, por exemplo, nos
capítulos 27 e 55. Essa influência que sua palavra tem sobre animais selvagens,
possivelmente é o traço que também torna plausível a história sobre a matilha que o
cerca no Capítulo 15 e para a qual não há testemunhas. Quanto ao ataque de inimigos
Suevos, o próprio Jonas cria as condições para que não se possa duvidar do acontecido
por conta da falta de testemunhas: “Mas ele [Columbanus] não sabia claramente se isso
era de fato alguma armadilha do demônio ou se de fato acontecera” (JONAS DE
BOBBIO, c.620: Capítulo 15. Tradução nossa)
260
.
No Capítulo 54, a lógica por trás da aceitação de um milagre sem testemunhas
parece diferente do que acabamos de descrever. Aqui, o viés perfomático da atuação de
Columbanus já está bastante bem estabelecido na narrativa: o monge já realizara
milagres e recebera auxílio divino frente a diversos membros de sua comunidade e
outros tantos de fora dela. Assim, quando se relata que ele teria tido uma visão, não há
motivos para que se desconfie da veracidade da história. Talvez se esta visita de um
anjo aparecesse em capítulos mais iniciais ela causasse certo incômodo, mas, uma vez
que está em um dos últimos capítulos, parece natural, até porque se insere num
crescendo – que Jonas constrói bastante bem – de misticismo. Entidades sobrenaturais
aparecem cada vez mais, proporcionais ao aumento do número de revelações proféticas
(futuro) feitas pelo santo que está, afinal, cada vez mais perto de sua morte.
Sobre as ditas revelações proféticas, vale também a pena fazermos algumas
observações. Tratam-se de nove revelações proféticas (futuro). Duas delas – as duas
primeiras – ligam-se a momentos em que Columbanus está retirado de sua comunidade,
em sua caverna, jejuando com seus companheiros e precisa encontrar alimentos. Na
primeira ocasião, no Capítulo 18, ele está acompanhado por dois outros monges,
Autierin e Somarius. O último, segundo Jonas, “ainda está vivo” (JONAS DE BOBBIO,
c.620: capítulo 18. Tradução nossa)
261
, o que indica que se trata de uma das fontes do
autor. Na segunda ocasião , no Capítulo 19, ele está acompanhado de Gall que foi um de
seus seguidores de maior importância – ao menos no que tange o desenvolvimento dos
monastérios no continente europeu, já que o monastério do qual se tornou abade
260
“But he [Columbanus] did not know clearly whether this was some of the devil’s deceit or whether it
had actually happened”.
261
“[who] Is still alive”.
122
(Monastério de Gall, na Suíça), tornou-se um dos mais importantes centros religiosos da
época. Vez que o próprio Gall foi mais tarde considerado santo, sua presença ao lado de
Columbanus quando ele profetiza parece servir como forma de pavimentar o caminho
para as próximas previsões, muito mais importantes e de implicações públicas muito
maiores.
Estas são acerca do fim de Teodorico e Teodeberto e suas famílias e a ascensão
de Clotário, filho de um dos tios de ambos os reis, ao trono da Gália. Revelações
proféticas sobre esse tema encontram-se nos capítulos 33, 39, 43, 48 & 57
262
. Quanto a
essas previsões, é interessante notar que quase todas falam em tempo fixo – apenas três
anos. A precisão das datas fornecidas por Columbanus se explica facilmente pelo fato
de que quando Jonas escreve sua obra, o fato já fora consumado e já se tornara,
inclusive, parte da história. Assim, mesmo que aceitemos que Columbanus tenha de fato
falado sobre o fim da casa real, a data provavelmente foi uma adição ou do autor ou de
suas próprias fontes. Cabe lembrar que se este for o caso, isso não significa, de forma
alguma, que as ditas fontes estivessem propositadamente distorcendo as palavras do
monge a quem consideravam santo
263
.
Talvez essas mesmas considerações nos ajudem a entender os motivos pelos
quais as formas dos milagres de Columbanus são sempre aquelas que se espera de um
santo – em franco debate com o modelo que traçamos no Capítulo II: De Conceitos, e
que retomamos na introdução desse capítulo. Ele reza constantemente e suas palavras
têm verdadeiro poder. Na verdade prece e palavra são os dois grandes termos que
agrupam as formas de realização de milagres de Columbanus. Quanto à prece, ela
aparece ligada a uma série de ocasiões - através dela providencia água e comida
(Capítulos 13, 16 e 28), realiza curas espirituais e físicas (Capítulos 40, 49 e 46 e
Capítulos 13, 14 e 46; respectivamente) e interfere com as leis naturais (Capítulos 21,
22, 29, 32 & 34) – e sua efetividade é comprovada por diversos de seus monges (entre
eles Domoalis e Theudegisil), por completos estranhos (a esposa do homem que levara
comida ao monge e a seus companheiros e os presos de Besançon, por exemplo), pelos
empregados da corte de Brunhilda e pelos guardas reais que o escoltam em seu exílio.
Ao analisarmos as testemunhas que Jonas elenca para os milagres de
Columbanus resultantes de suas preces, percebemos uma de suas maiores tendências:
262
São, na verdade, seis profecias diferentes, já que no Capítulo 57 ela é repetida. Entre essas 6 profecias
há uma outra (Capítulo 40), sobre a morte de um soldado que agredira fisicamente um dos seguidores de
Columbanus.
263
Sobre as questões acerca do relacionamento entre a história e a memória, ver GOFF, 1994.
123
mesclar as lógicas de proveniência das mesmas. Talvez fosse complicado para os
leitores da época aceitar apenas as palavras dos seguidores, já que não devemos nos
esquecer de eles também teriam interesses respondidos pela aceitação da santidade de
seu predecessor. Entretanto, a partir do momento em que o autor mescla com as
afirmações desses homens – aos quais nomeia e afirma terem sido fontes suas – a
presença de guardas e membros da corte de Brunhilda, aumenta a plausibilidade de sua
hipótese.
Essa mesma lógica se verifica em relação aos milagres que Columbanus teria
realizado pela força de sua palavra, que se manifesta em cinco dos cinqüenta e dois
milagres. Um deles, narrado no Capítulo 20, se relaciona com a cura de monges
doentes. Os outros quatro (Capítulos 25, 27,54 e 55) tem a ver com sua influência sobre
animais: ele doma ursos e os faz seguir sua vontade, bem como a aves (inclusive as de
rapina). Desses cinco milagres, quatro acontecem perante a comunidade – três vezes em
Luxeuil e uma em Bregenz – e apenas um acontece perante uma única testemunha, um
de seus monges (Chagnoald) que o acompanhava em mais uma de suas muitas saídas do
convívio de seus irmãos para meditar e rezar.
Além de suas preces e de sua palavra, Columbanus também realizou milagres
por meio de seu corpo. Sua saliva parece ter tido poderes curativos – ele restaurou o
dedo que um de seus monges havia quase que decepado (Capítulo 23) e estancou um
sangramento (Capítulo 24) servindo-se dela – e seu sopro se assemelha com o sopro
divino quando, no Capítulo 53, destrói, por meio dele, um caldeirão cheio de cerveja
que serviria para a realização de uma oferenda pagã:
Certo dia quando andava por essa região [Bregenz], ele descobriu que os
nativos fariam uma oferenda pagã. Eles tinham um grande caldeirão a que eles
chamavam de cupa e que podia conter cerca de vinte e seis medidas, cheio de
cerveja e colocado no meio deles. Quando Columbanus perguntou o que eles
pretendiam fazer com ele, responderam que iram fazer uma oferenda a seu Deus
Odin (a quem outros chamam de Mercúrio). Quando ele ouviu essa
abominação, ele assoprou o caldeirão e eis! Ele se quebrou com barulho e caiu
em pedaços, de forma que a cerveja se esvaiu. Então, tornou-se claro que o
demônio tinha estado escondido naquele caldeirão e que através da bebida
terrena ele havia se proposto a criar uma armadilha para as almas dos
participantes (JONAS DE BOBBIO, c.620: Capítulo 53. Tradução nossa)
264
.
264
“Once as he was going through this country [Bregenz], he discovered that the natives were going to
make a heathen offering. They had a large cask that they called a cupa, and that held about twenty-six
measures, filled with beer and set in their midst. On Columban’s asking what they intended to do with it,
they answered that they were making an offering to their God Wodan (who others call Mercury). When
he heard of this abomination, he breathed on the cask, and lo! It broke with a crash and fell in pieces so
124
Essa grande demonstração de poder de Columbanus – altamente perfomática –
se justifica pela imediata conversão de diversos dos homens que estavam então reunidos
para esse ritual pagão. Cabe notar aqui que Jonas nos deixa entrever o fato de que,
mesmo que, no fim das contas o cristianismo tenha saído vitorioso do embate com o
paganismo – como essa anedota deixa claro – essa vitória não era exatamente imediata:
Jonas é categórico em afirmar que alguns dos homens que se convenceram pela ação de
Columbanus, já tinham, de fato, sido batizados, mas continuavam a viver em suas
crenças anteriores.
Ainda acerca das considerações sobre os locais e as formas dos milagres de
Columbanus como narrados por Jonas de Bobbio, devemos notar que quatorze das
cinqüenta e duas manifestações escolhidas pelo autor não são, na verdade, milagres,
mas sim “graças divinas” recebidas pelo monge: tratam-se de manifestações de um
poder superior em prol do homem e não de uma ação cujo autor seja humano, ainda que
o resultado desta seja sobre-humano; ou seja, quando Columbanus recebe uma “graça
divina”, ele é o sujeito passivo, objeto de demonstração da preferência de Deus, quando
ele realiza um milagre, ele é o sujeito ativo desta mesma demonstração. Os motivos que
fazem de Columbanus digno de receber essas graças já foram discutidos acima (ver 3.4.
A estrutura da obra: questões de forma em The Life of St Columban e outros
comentários pertinentes), mas de forma geral, podemos dizer que se relacionam com a
grandeza de sua fé e com o reconhecimento de sua santidade em vida. Mais ainda,
ligam-se, para Jonas, estreitamente ao próprio papel que o monge deveria exercer numa
sociedade:
Então o corpo da Igreja, enriquecido pelo esplendor de seu Fundador, é
engrandecido pelas hordas de santos e se torna resplandecente na religião e no
aprendizado, de forma que aqueles que vêm depois podem tirar proveito do
caminho dos sábios. E da mesma forma que o sol ou a lua e todas as estrelas
enobrecem o dia e a noite com sua resplandecência, também os méritos dos
santos padres aumenta a glória da Igreja (JONAS DE BOBBIO, c.620: Capítulo
6. Tradução nossa)
265
.
Dessas quatorze graças divinas recebidas por Columbanus, sete se relacionam a
provisões (Capítulos 13, 14, 45, 52 e 54). Homens humildes, mulheres nobres, abades,
that all the beer ran out. Then it was clear that the devil had been concealed in the cask and that through
the earthly drink he had proposed to ensnare the souls of the participants”.
265
“So the body of the Church, enriched by the splendor of its Founder, is augmented by the hosts of
saints and is made resplendent by religion and learning, so that those who come after draw profit from the
concourse of the learned. And just as the sun or moon and all the stars ennoble the day and night by their
refulgence, so the merits of the holy priests increase the glory of the Church”.
125
padres e bispos são guiados divinamente a levar suprimentos para Columbanus e seus
seguidores em momentos nos quais estes se encontram em jejum forçado. As outras sete
graças acontecem todas em situações bastante diversas
266
, mas, em todas as ocasiões, as
testemunhas são múltiplas. Não apenas seus seguidores o vêem receber essas graças,
mas também oficiais da casa real, administradores da cidade de Tours e tripulações
diferentes em embarcações diferentes. Novamente, a multiplicidade de testemunhas
parecer ser a chave para a compreensão da efetividade das declarações de Jonas. Claro
está que essa afirmação é bastante forte, mas não há porque imaginar que não tenha
também sua razão de ser. Afinal, a própria idéia por trás da palavra “milagre” implica
em seu caráter público. Destarte, não há porque supor que neste caso ele seja outra coisa
que não justamente aquilo que se propõe a ser.
Por último, encerramos essa breve análise do texto de Jonas, retomando algumas
das anotações que fizemos acerca da obra de Adomnán e propondo suas próprias
interpretações. Dissemos, ao cabo de 3.5. A dimensão pública da santidade: onde
acontecem os milagres em The Life of St Columba, que Adomnán constrói uma imagem
de Columba como tendo seus milagres quase sempre testemunhados – mesmo contra
sua vontade – e que viveu seu papel em duas frentes praticamente durante toda a vida,
sendo monge e santo ao mesmo tempo, deixando sempre que seus sentimentos
transparecessem e motivassem sua ação, fosse pelo perdão, pela vingança ou pela
resignação. Sobre Columbanus, algumas dessas observações também são válidas, porém
precisam ser melhor contextualizadas.
De fato, também com ele, a maior parte dos milagres é testemunhada. Não há,
entretanto, nenhuma indicação na obra de Jonas que sugira que ele não pretendesse que
as coisas assim fossem, como indicamos anteriormente. Até porque, Jonas,
diferentemente de Adomnán com Columba, é o primeiro a escrever a trajetória de
Columbanus, estando temporalmente próximo dele e lidando, portanto, com uma
santidade que parece aceita, mas não reconhecida oficialmente. Assim, claro está que
sua abordagem precisa ser diferente. Primeiro, apontamos para o fato de que, embora
ele construa sua narrativa ao redor do eixo do poder miraculoso de Columbanus, ele
266
No Capítulo 34 abre e tranca portas de uma Igreja sem nelas tocar; no Capítulo 35, torna-se “invisível”
aos olhos dos soldados que o foram prender; no Capítulo 38, escapa ileso de uma tentativa de assassinato;
no Capítulo 42, faz um barco parar no meio do rio, como se estivesse ancorado; no Capítulo 44, obriga as
relíquias de S. Martinho a fazerem ladrões confessarem seu furto; no Capítulo 47, a embarcação com seus
pertences não consegue navegar, impedindo sua volta à Irlanda e no Capítulo 60, demonstra força sobre-
humana para carregar pedaços de madeira que utilizou na construção do monastério de Bobbio.
126
toma o cuidado de nunca chamá-lo de “São Columbanus” ou utilizar expressões em que
a palavra “santo” (Saint) apareça.
Para Jonas, Columbanus é “o homem santo” (the holy man)
267
; “o homem de
Deus” (the man of God)
268
; “o homem venerável” (the venerable man)
269
; “o homem
abençoado” (the blessed man)
270
; “o homem excelente” (the excellent man)
271
; “o
excelente homem de Deus” (the excellent man of God)
272
; “o pai” (the father)
273
; “o
excelente soldado” (the excellent soldier)
274
; “o servo de Deus” (the servant of God)
275
e “o servo de Cristo” (the servant of Christ)
276
. E a freqüência com que ele utiliza
determinados nomes para se referir ao monge muda conforme as intenções de seu livro.
Desta forma, se, na primeira parte, Columbanus é o “excelente soldado”, posto que
jovem e enfrentando ainda as indecisões típicas da idade, na segunda parte é o “pai”,
posto que sua principal função é gerir seus monastérios e reforçar a presença do
cristianismo na Gália. E, na terceira parte, já mais idoso e próximo da morte, é
principalmente “o servo” e “o homem abençoado”, pois recebera diversas vezes provas
de que Deus existia e lhe conferia especial destaque entre os seus pares.
Por fim, lembramos que ainda que Columbanus tenha feito algumas profecias,
sua porcentagem em relação aos outros milagres que realizou, nem de longe lembram as
de Columba. Desta forma, concluímos que Jonas não intencionava fazer de seu objeto
de estudo um profeta, talvez porque no continente a situação das práticas religiosas
irlandesas fosse ligeiramente diferente daquela que Adomnán enfrentou nas ilhas
britânicas; logo, para o monge italiano, talvez não houvesse, de fato, a necessidade de
encontrar para Columbanus um lugar de destaque tão exacerbado como o de Columba,
bastava-lhe justificar sua santidade para legitimar suas fundações e sua regra.
267
Capítulos 12; 15; 16; 22; 25; 30; 33; 36; 38; 41; 42; 57 & 61
268
Capítulos 13; 14; 20; 22-30; 32; 35-36; 40-45; 4752; 54-55; 57 & 60-61
269
Capítulo 31
270
Capítulos 50 & 52
271
Capítulo 17
272
Capítulo 23
273
Capítulos 16; 18-20; 26; 28-29; 37; 45; 54; 55 & 57
274
Capítulo 7
275
Capítulos 14; 22; 33 & 54
276
Capítulo 41
127
3.7. O significado dos milagres: a construção comparada do conceito de santidade
Em 3.3. A estrutura da obra: questões de forma em The Life of St Columba e
outros comentários pertinentes e em 3.4. A estrutura da obra: questões de forma em The
Life of St Columban e outros comentários pertinentes, indicamos ligeiramente algumas
diferenças que podem ser indicativas da maneira como o conceito de santidade ao redor
dessas duas figuras foi construída. Primeiro, há a questão da forma das obras, que não é,
de maneira alguma, irrelevante, pois as distintas especificidades apontam para a não
existência de um modelo formal.
A nós, o que isso indica é que, embora não se tivesse uma estrutura na qual se
pudesse basear a narrativa acerca da vida de um santo, havia algum tipo de
compreensão subjacente dos conceitos necessários para a adjetivação das personagens
acerca das quais as obras tratariam. O que queremos dizer com isso é que,
provavelmente, os leitores a quem esses textos originalmente se destinavam, embora
não tivessem uma forma com a qual comparar a obra que tinham em mãos, tinham um
modelo mental que poderia ser preenchido ao final da leitura (como descrito no
Capítulo II: De Conceitos).
Destarte, uma vez que tenhamos anotado as especificidades das manifestações
milagrosas de Columba e de Columbanus, devemos em seguida procurar estabelecer
paralelos entre elas. Alguns já se tornaram claros nesse ponto do texto, visto que
parecem se repetir em uma e outra análise. Outros, entretanto, parecem menos imediatos
e só aparecem se tivermos em mente um modelo com o qual comparar nossas duas
personagens. Por isso, retomamos aqui nominalmente, a descrição do monge medieval
com a qual encerramos o Capítulo II: De Conceitos e abrimos este capítulo. Trata-se do
homem iluminado, retirado da sociedade e capaz de articular sob seu domínio um
grande número de seguidores, cujo poder advém do exemplo e da ilustração.
Sobre a iluminação de Columba e Columbanus, respondemos referindo o leitor
aos itens 3.5. e 3.6. e as já desenvolvidas discussões acerca das graças divinas
concedidas a ambos. Também a capacidade dessas duas figuras de articular em torno de
si um grande número de seguidores, parece já estar bem atestada até aqui, afinal de
contas, discutimos tanto no Capítulo II: De Conceitos, quanto no decorrer deste mesmo
capítulo sobre os diversos monastérios fundados por ambos – ou fundações a eles
atribuídas. Desta feita, concentremo-nos nos outros itens de nossa construção ideal
típica: a localização aparte da sociedade, o exemplo e a ilustração. Na tabela abaixo
128
(TABELA 03) estão transcritas passagens das duas obras em que encontramos
elementos pertinentes a essas três categorias.
TABELA 03: Columba & Columbanus – localização, exemplo e ilustração.
COLUMBA COLUMBANUS
RETIRA-SE DO CONVÍVIO DA COMUNIDADE
“Uma vez o santo estava sentado no topo da
colina que dá vista para nosso monastério um
pouco longe” (ADOMNÁN DE IONA, 1995:
133. Tradução nossa)
277
.
“Enquanto o homem santo estava andando nas
florestas escuras e estava carregado em seus
ombros um livro da Escritura Sagrada, ele
estava meditando. (...) O lugar estava a mais
ou menos sete milhas de Anergray” (JONAS
DE BOBBIO, c.620: Capítulo 15)
278
.
“Uma vez, quando S. Columba estava por
alguns dias em Skye, ele se retirou sozinho,
com bastante distância dos irmãos que o
acompanhavam para rezar” (ADOMNÁN DE
IONA, 1995: 175. Tradução nossa)
279
.
“Certa vez ele estava deitado sozinho naquela
rocha oca, separado da sociedade de outros e,
como era seu costume, residindo em lugares
escondidos ou mais remotamente no ermo”
(JONAS DE BOBBIO, c.620: Capítulo 16)
280
.
“Um dia, quando S. Columba vivia em Iona,
ele foi para as partes mais selvagens da ilha a
fim de encontrar um lugar isolado das outras
pessoas onde ele poderia rezar sozinho”
(ADOMNÁN DE IONA, 1995: 211. Tradução
nossa)
281
.
“Uma outra vez ele estava na caverna acima
mencionada, da qual ele havia expulsado o
urso e, por um bom tempo, ele mortificava a
carne com preces e jejum” (JONAS DE
BOBBIO, c.620: Capítulo 20)
282
.
“Do mesmo modo, em outra ocasião, quando
S. Columba estava morando em Iona, ele se
dirigiu aos irmãos reunidos, enfatizando o
seguinte ponto: ‘Hoje devo ir para o machair
na costa oeste da ilha, e eu gostaria de ir
sozinho. Assim ninguém deve me seguir’”
(ADOMNÁN DE IONA, 1995: 217. Tradução
nossa)
283
.
“Ele freqüentemente viu Columbanus
passeando na mata jejuando e rezando e
chamando as bestas selvagens e os pássaros”
(JONAS DE BOBBIO, c.620: Capítulo 30)
284
.
“Pois geralmente eles [anjos] apareciam para
ele quando ele permanecia acordado nas noites
de inverno ou quando rezava em lugares
isolados enquanto outros descansavam”
“Então Columbanus estava enfraquecendo seu
corpo através de jejum embaixo de uma colina
no ermo, e ele não tinha comida, exceto as
maçãs da terra” (JONAS DE BOBBIO, c.620:
277
“Once the Saint was sitting at the top of the hill that overlooks our monastery from a little distance”.
278
“While the holy man was wandering through the dark woods and was carrying on his shoulder a book
of the Holy Scripture, he happened to be meditating. (…) The place was distant from Annergray seven
miles more or less”.
279
“Once, when St Columba was staying for a few days at Skye, he took himself off on his own, no little
distance from the brethren with him, in order to pray”.
280
“At one time he was living alone in that hollow rock, separated from the society of others and, as was
his custom, dwelling in hidden places or more remotely in the wilderness”
281
“One day, when St Columba was living on Iona, he set off into the wilder parts of the island to find a
place secluded from other people where he could pray alone”.
282
“At another time he was staying in the hollow of the rock mentioned above from which he had
expelled the bear, and for a long time he had been mortifying the flesh with prayer and fasting”.
283
“Likewise, on another occasion, when St Columba was living in Iona, he addressed the assembled
brethren, making his point with great emphasis, saying: ‘Today I shall go to the machair on the west coast
of our island, and I wish to go alone. No one is to follow me therefore’”.
284
“He has often seen Columban wandering about in wilderness fasting and praying and calling the wild
beasts and birds”.
129
(ADOMNÁN DE IONA, 1995: 128. Tradução
nossa)
285
.
Capítulo 54)
286
.
EXEMPLO (JEJUNS & MORTIFICAÇÕES)
“Ele concedeu um relaxamento das regras
sobre dieta até para aqueles vivendo em
penitência” (ADOMNÁN DE IONA, 1995:
127. Tradução nossa)
287
.
“Já que eles não tinham nenhum alimento a
não ser o que as cascas das árvores e as ervas
forneciam, ele começaram, de comum acordo,
a desejar que todos deveriam se entregar às
preces e ao jejum pelo bem de seu irmão
doente” (JONAS DE BOBBIO, c.620:
Capítulo 13)
288
.
“Amanhã é uma quarta-feira, quando nós
normalmente jejuamos. No entanto, nós
seremos perturbados por um visitante e nosso
jejum será relaxado” (ADOMNÁN DE IONA,
1995: 131. Tradução nossa)
289
.
“Ele estava tão desgastado pelo jejum que ele
mal parecia vivo – nem ele comeu nada a não
ser uma pequena medida das ervas do campo,
ou as pequenas maçãs que o deserto produz e
que são comumente conhecidas como bolluca.
Sua bebida era água” (JONAS DE BOBBIO,
c.620: Capítulo 16)
290
“Tanto o marido quanto a esposa consentiram
em jejuar naquele dia com S. Columba.
Naquela noite, enquanto o casal dormia, S.
Columba rezou por eles” (ADOMNÁN DE
IONA, 1995: 195. Tradução nossa)
291
.
“Eles foram para o lugar do deserto que havia
sido fixado, levando consigo apenas um filão
de pão. Quando haviam se passado doze dias e
nada restava dos fragmentos do pão, e o
momento de quebrar seu jejum estava se
aproximando, o pai lhes ordenou que fossem
pelos penhascos de pedra e descessem ao
fundo do vale e trouxessem de volta o que
quer que encontrassem e que fosse apropriado
para comer” (JONAS DE BOBBIO, c.620:
Capítulo 18).
292
“Em outra ocasião enquanto S. Columba
estava vivendo em Hinba, a graça do Espírito
Santo foi lançada sobre ele com incomparável
abundância e milagrosamente permaneceu
sobre ele por mais de três dias. Durante aquele
tempo ele permaneceu trancado em sua casa,
que estava preenchida por uma luz celestial.
Ninguém tinha permissão de ficar perto dele, e
“Pois soubemos por Chamnoald, capelão real
em Laon, que era seu criado e discípulo, que
ele havia freqüentemente visto Columbanus
caminhando pelo deserto em jejum e rezando e
chamando pelas bestas selvagens e os
pássaros” (JONAS DE BOBBIO, c.620:
Capítulo 30).
294
285
“For generally they [angels] came to him as he remained awake on winter nights or as he prayed in
isolated places while other rested”.
286
“Then Columban was weakening his body by fasting under a cliff in the wilderness, and he had no
food except the apples of the country”.
287
“He granted a relaxation of the rules about diet even for those living in penance”.
288
“Since they had no food except such as the barks and herbs furnished, they began with one mind to
desire that all should give themselves up to prayer and fasting for the sake of the welfare of their sick
brother”.
289
“Tomorrow is a Wednesday, when we usually keep a fast. However, we shall be disturbed by a visitor
and our normal fast will be relaxed”.
290
“He was so attenuated by fasting that he scarcely seemed alive – nor did he eat anything except a small
measure of the herbs of the field, or the little apples which that wilderness produces and which are
commonly called bolluca. His drink was water”.
291
“Both husband and wife consented to fast that day with St Columba. That night, while the couple slept,
St Columba prayed for them”.
292
“They went to the place in the wilderness that had been fixed upon, taking with them only a single
loaf. When twelve days had passed, and nothing remained from the fragments of the bread, and the time
for breaking their fast was approaching, they were commanded by the father to go through the rocky cliffs
and down to the bottom of the valleys and to bring back whatever they found that was suitable for food”.
130
ele não comeu nem bebeu” (ADOMNÁN DE
IONA, 1995: 220. Tradução nossa)
293
.
“Ele fazia jejuns e vigílias noite e dia com
labor incansável e perene, em tal grau que o
fardo de apenas um parecia além da resistência
humana” (ADOMNÁN DE IONA, 1995: 106.
Tradução nossa)
295
.
“Então Columbanus estava enfraquecendo seu
corpo pelo jejum, sob um penhasco no deserto,
e ele não tinha comida alguma exceto as
maçãs da terra” (JONAS DE BOBBIO, c.620:
Capítulo 55).
296
ASSOCIAÇÃO COM AS LETRAS
“Ele era (…) brilhante no intelecto e ótimo no
conselho”
297
(ADOMNÁN DE IONA, 1995:
106. Tradução nossa).
“Então a infância de Columbanus acabou e ele
envelheceu, e ele começou a se devotar
entusiasticamente à atividade da gramática e
das ciências, e estudou com zelo frutífero
durante toda sua meninice e juventude, até que
ele se tornou um homem” (JONAS DE
BOBBIO, c.620: Capítulo 7).
298
“Ele passou trinta e quatro anos como um
soldado da ilha e não podia deixar passar nem
uma hora sem rezar ou ler ou fazer alguma
outra tarefa” (ADOMNÁN DE IONA, 1995:
106. Tradução nossa)
299
.
“Dessa forma Columbanus colecionou tantos
tesouros de sabedoria sagrada em seu coração
que ele podia, mesmo quando jovem, expor o
Livro dos Salmos na linguagem apropriada e
produzir muitos outros trechos que valiam a
pena ser cantados e instrutivos para ler”
(JONAS DE BOBBIO, c.620: Capítulo 9).
300
“A respeito de uma folha de um livro, escrito
por S. Columba, que a água não podia
danificar” – “todos os livros foram
encontrados arruinados e podres, exceto uma
página, a qual S. Columba tinha escrito com
sua própria mão” (ADOMNÁN DE IONA,
1995: 160. Tradução nossa)
301
.
“Quando o santo homem com seus
companheiros compareceu perante o rei, a
grandeza de sua sabedoria fez com que ele
ganhasse as graças do rei e da corte” (JONAS
DE BOBBIO, c.620: Capítulo 12).
302
“Uma vez um livro dos hinos da semana
escritos por S. Columba com suas próprias
“Enquanto o santo homem vagava pelo bosque
escuro e carregava em seu ombro um livro das
293
“On another occasion when St Columba was living in Hinba, the grace of the Holy Spirit was poured
upon him in incomparable abundance and miraculously remained over him for three days. During that
time he remained locked in his house, which was filled with heavenly light. No one was allowed near
him, and he neither ate nor drank”.
294
“For we have learned from Chamnoald, royal chaplain at Laon, who was his attendant and disciple,
that he has often seen Columban wandering about in the wilderness fasting and praying and calling the
wilds beasts and birds”.
295
“Fasts and vigils he performed day and night with tireless labour and no rest, to such a degree that the
burden of even one seemed beyond human endurance”.
296
“Then Columban was weakening his body by fasting, under a cliff in the wilderness, and he had no
food except the apples of the country”.
297
“He was (…) brilliant in intellect and great in counsel”
298
“Then Columban’s childhood was over and he became older, he began to devote himself
enthusiastically to the pursuit of grammar and sciences, and studied with fruitful zeal all through his
boyhood and youth, until he became a man”.
299
“He spent thirty-four years as an island soldier, and could not let even an hour pass without giving
himself to praying or reading or writing or some other task”.
300
“Thus Columban collected such treasures of holy wisdom in his breast that he could, even as a youth,
expound the Psalter in fitting language and could make many other extracts worthy to be sung, and
instructive to read”.
301
“Concerning one leaf of a book, written by St Columba, which water could not damage” – “all the
books were found to be ruined and rotten, except one page, which St Columba had written out with his
own hand”.
302
“When the holy man with his companions appeared before the king, the greatness of his learning
caused him to stand high in the favor of the king and court”.
131
mãos caiu na água” (ADOMNÁN DE IONA,
1995: 160. Tradução nossa)
303
.
Sagradas Escrituras, ele, por acaso, meditava”
(JONAS DE BOBBIO, c.620: Capítulo 15)
304
.
“Nós ouvimos muitas outras histórias sobre
livros escritos por S. Columba, relatadas em
vários lugares por pessoas que conheciam os
fatos e não duvidavam deles. Tais livros nunca
foram estragados por terem sido submergidos
em água” (ADOMNÁN DE IONA, 1995: 161.
Tradução nossa)
305
.
“Como deveria ser, os soldados foram com seu
capitão e vagaram pelos recintos do
monastério procurando pelo homem de Deus.
Ele estava, nesse momento, no vestíbulo da
igreja, lendo um livro” (JONAS DE BOBBIO,
c.620: Capítulo 35).
306
“Quando ele desceu da colina e retornou ao
monastério, ele sentou em sua cabana fazendo
uma cópia dos salmos” (ADOMNÁN DE
IONA, 1995: 228. Tradução nossa)
307
.
“Quando a batalha próxima a Zülpich
começou, Columbanus estava sentado no
tronco de uma árvore apodrecida, lendo um
livro” (JONAS DE BOBBIO, c.620: Capítulo
57).
308
O que a tabela acima nos mostra, além de uma profusão de exemplos que
sustentam nossas afirmações anteriores, é que há, de certa maneira, diferenças nas
similaridades. Assim, tanto Columba quanto Columbanus, de fato se afastam de sua
comunidade, com o intuito de meditar, mas os motivos podem não ser os mesmos.
Quanto a Columba, muitas das vezes em que ele escolheu se separar de seus monges, o
fez porque sabia que seria visitado por anjos. É o que depreendemos de passagens como
“pois geralmente eles [anjos] apareciam para ele quando ele permanecia acordado nas
noites de inverno ou quando ele rezava em lugares isolados enquanto outros
descansavam” (ADOMNÁN DE IONA, 1995: 128. Tradução nossa)
309
.
Esse relacionamento íntimo com seres celestiais não aparece na biografia de
Columbanus. Novamente, retomamos a idéia dos diferentes momentos de escrita das
obras. Como Adomnán já tinha a santidade de Columba assertivamente definida quando
se propôs a relatar sua vida e já se servia de outras fontes (tanto escritas quanto
depoimentos de irmãos que haviam obtido relatos de homens que conviveram com
Columba) ele podia, provavelmente, elaborar a imagem de seu objeto de estudo.
Jonas andava em terrenos menos certos, vez que sua escrita é pouco posterior à própria
303
“Once a book of the week’s hymns written out by St Columba with his own hand fell into the water”.
304
“While the holy man was wandering through the dark woods and was carrying on his shoulder a book
of the Holy Scripture, he happened to be meditating”.
305
“We have heard many other accounts about books written out by St Columba, reported in various
places by people who knew the facts and did not doubt them. Such books were never spoilt by being
submerged in water”.
306
“Accordingly the soldiers went with their captain and wandered through the precincts of the monastery
seeking the man of God. He was then in the vestibule of the church reading a book”.
307
“When he had come down from the hill and returned to the monastery, he sat in his hut writing out a
copy of the psalms”.
308
“At the hour when the battle near Zülpich began, Columban was sitting on the trunk of a rotten oak,
reading a book”.
309
“For generally they [angels] came to him as he remained awake on winter nights or as he prayed in
isolated places while other rested”.
132
morte de Columbanus e contemporânea a muitos de seus seguidores, devendo, portanto,
ater-se a questões mais palpáveis e menos celestiais. O que não significa dizer que um
ou outro tenham necessariamente inventado suas narrativas. Ao contrário, ambos
serviram-se de relatos e memórias. Na verdade, o que se pretende aqui afirmar é que
havia, dentro de fronteiras não tão claramente definidas de um modelo presente no
imaginário, possibilidades e combinações múltiplas que resultavam numa mesma
compreensão – a santidade – em diferentes formas.
Mais ainda, trata-se de um fenômeno que se encaixa na lógica de longa
duração
310
e que, como tal, adquire colorações ligeiramente distintas em estruturas
ligeiramente parecidas. Não que haja nessa categoria de processos uma absoluta
continuidade – até porque isso seria afirmar a imutabilidade da história -, mas as
rupturas parecem acontecer de forma suficientemente sutil para que não sejam
percebidas a não ser quando compreendida pela longa duração.
Assim, vemos claramente a permanência do costume do jejum e das
mortificações, por exemplo, nas biografias de Columba e de Columbanus, mas notamos
– baseados ainda na Tabela 3 – que suas formas e funções parecem ser diferentes. Nos
trechos acima citados do trabalho de Adomnán, o jejum aparece, no mais das vezes, ou
como decorrente do hábito (logo, no campo das práticas rituais) como uma
manifestação da especificidade da natureza do santo. É o que acontece, por exemplo, em
“ele fazia jejuns e vigílias noite e dia com labor incansável e perene, em tal grau que o
fardo de apenas um parecia além da resistência humana” (ADOMNÁN DE IONA,
1995: 106. Tradução nossa)
311
. Ou ainda:
Em outra ocasião enquanto S. Columba estava em Hinba, a graça do Espírito
Santo foi lançada sobre ele com incomparável abundância e milagrosamente
permaneceu sobre ele por mais de três dias. Durante aquele tempo ele
permaneceu trancado em sua casa, que estava preenchida por uma luz celestial.
Ninguém tinha permissão de ficar perto dele, e ele não comeu nem bebeu
(ADOMNÁN DE IONA, 1995: 220. Tradução nossa)
312
.
Columba não precisa se alimentar como os outros homens, posto que sua
especialidade aos olhos de Deus lhe garantem nutrição pela fé e pelas visitas celestiais.
310
Ver Capítulo II: De Conceitos; 2.8. O conceito de longa duração.
311
“Fasts and vigils he performed day and night with tireless labour and no rest, to such a degree that the
burden of even one seemed beyond human endurance”.
312
“On another occasion when St Columba was living in Hinba, the grace of the Holy Spirit was poured
upon him in incomparable abundance and miraculously remained over him for three days. During that
time he remained locked in his house, which was filled with heavenly light. No one was allowed near
him, and he neither ate nor drank”.
133
Columbanus, por outro lado, bem mais próximo de seus irmãos em termos de natureza,
jejua, no mais das vezes, para mortificar seu corpo e, assim, buscar se aproximar desse
lugar em que Columba já parece estar. É o que depreendemos de passagens como “pois
soubemos por Chamnoald, capelão real em Laon, que era seu criado e discípulo, que ele
havia freqüentemente visto Columbanus caminhando pelo deserto em jejum e rezando e
chamando pelas bestas selvagens e os pássaros” (JONAS DE BOBBIO, c.620: Capítulo
30)
313
ou “então Columbanus estava enfraquecendo seu corpo pelo jejum, sob um
penhasco no deserto, e ele não tinha comida alguma exceto as maçãs da terra” (JONAS
DE BOBBIO, c.620: Capítulo 55).
314
Por fim, a questão das letras. Parece bastante claro o destaque que a leitura e a
escrita tiveram no sucesso do cristianismo na Irlanda
315
, e na leitura das obras de
Adomnán e Bobbio, parece claro o destaque que ambas suas personagens centrais dão a
essa questão em suas vidas. Tanto Columba quanto Columbanus parecem ter feito da
leitura não só um hábito, mas quase que um hobby. Entretanto, mesmo aqui há
diferenças que sustentam nosso argumento de que nos textos encontramos um mesmo
modelo de camadas diferentes. Columba é o copista, por excelência. Diversas vezes,
quando seus monges dele se aproximam, ele está escrevendo ou copiando manuscritos.
Não que isso deva nos surpreender, pois, como vimos no Capítulo I: De Conceitos (1.5.
Columba), Iona tornou-se, com o tempo, um dos centros de estudo mais importantes da
ilhas britânicas, mas é interessante notar o desdobramento dessa observação na
composição da imagem do monge: ele não apenas é construído para ser santo, mas
também sábio.
Já Columbanus não cabe dentro da idéia de sábio. Não há nenhuma passagem
em sua biografia que indique que ele tenha, pessoalmente, se dedicado à atividade de
produção ou cópia de manuscritos. Em verdade, não temos menções diretas sequer à
capacidade de Columbanus de escrever. Nem mesmo quando lemos que ele deixou para
os monges de Luxeuil as regras que deveriam seguir ou que ele as implantou em
Bobbio, Jonas diz que ele as registrou por escrito, muito menos de próprio punho. Não
há nenhum indício tampouco de que ele não teria aprendido a escrever durante sua
educação ainda na Irlanda. Lembramos, novamente, que em verdade tratava-se de um
313
“For we have learned from Chamnoald, royal chaplain at Laon, who was his attendant and disciple,
that he has often seen Columban wandering about in the wilderness fasting and praying and calling the
wilds beasts and birds”.
314
“Then Columban was weakening his body by fasting, under a cliff in the wilderness, and he had no
food except the apples of the country”.
315
Ver Capítulo II: De Conceitos; 2.6. Uma História das Cidades: dos monastérios aos burgos.
134
costume relativamente comum nos monastérios da ilha ensinar seus monges a ler e
escrever (Cf LEHANE, 2003) e que Columbanus deixou-nos sermões e epístolas, mas é
significativo que Jonas não tenha sequer mencionado nenhum momento da vida do
monge em que ele se dedicava ao exercício da escrita
316
.
Destarte, depois de algumas considerações sobre um e outro monge, chegamos,
ao final de nossa análise, retomando nossa hipótese inicial, a de que haveria um modelo
de santidade presente na mentalidade contemporânea à produção de The Life of St
Columba e The Life of St Columban e que este modelo poderia ser encontrado em
ambas as obras. De fato, o que nossas observações nos levam a crer é que podemos
identificar o dito modelo, mas não podemos afirmar que se trata de uma simples
reprodução, vez que as diferenças são notáveis e indicam, cada uma a sua maneira,
questões específicas, sejam do contexto de atuação dos monges, seja de produção de
suas biografias.
3.8. As implicações das diferentes imagens de santidade
The Life of St Columba, escrita por Adomnán de Iona e The Life of St Columban,
de Jonas de Bobbio, são duas fontes de múltiplas camadas. O valor religioso de ambas é
inegável, uma vez que, para os crentes, elas relatam a história de dois dos santos mais
prolíferos em termos de milagres enquanto ainda viviam e, por conta do tom quase que
pedagógico – mais claro em Jonas do que em Adomnán –, por se configurarem como
guias comportamentais que podem ser fundamentalmente importantes para a vida cristã.
Entretanto, há nesses relatos, muitos outros valores que não necessariamente anulam sua
força para quem crê, mas que certamente enriquecem a leitura pretendida não engajada.
Quanto a Adomnán, podemos, por exemplo, destacar a forma como ele nos deixa
conhecer alguma coisa da complexidade política e social da Irlanda pré-cristã e que se
mantivera com a conversão da ilha. Um desses momentos é, sem dúvidas, o pequeno
Capítulo I 10 – “Sobre Domnall mac Áedo” (ADOMNÁN DE IONA, 1995: 120.
Tradução nossa)
317
.
Nessa passagem do texto, Adomnán menciona a presença de Columba na Druim
Cett, uma reunião entre o rei da Dalriada irlandesa e escocesa e o chefe do Ui Neill (c
que controlava a região norte da Irlanda à época e do qual Columba fazia parte). Deste
316
De fato, sabemos mesmo que ele se sentiu no direito de escrever diretamente para o Papa Gregório
Magno, como atesta o fragmento de uma dessas cartas reproduzidas por Brian Lehane (LEHANE, 2007:
101).
317
“Of Dommall mac Áedo”
135
encontro nasceram os termos do relacionamento entre os dois poderes. Adomnán
menciona também que, durante a reunião, os pais adotivos de Domnall Mac Áedo, um
membro do clã do monge, o levaram para ser abençoado por ele.
A menção à Druim Cett é interessante menos por seu desenrolar e seu resultado
– por demais complicados para serem expostos nessa conclusão – e mais pelo fato de
que sua importância parece inegável mesmo que sobre ela pouco se escreva
318
. Assim, a
presença de Columbanus nesse encontro parece, por si só, digna de nota
319
. A intrincada
lógica política irlandesa, parcialmente clânica e parcialmente territorial, era – como
discutimos no Capítulo I (ver 1.2. À margem da civitas) – absolutamente fragmentada e
contribuinte direta para a aceitação do amplo poder dos abades, dentro e fora de seus
monastérios, como parece nos indicar aqui Adomnán
320
.
A menção à benção do monge a Domnall Mac Áedo é interessante porque se
inicia com a informação de sua criação por pais adotivos. Na verdade, o termo original,
em inglês é foster parents (ADOMNÁN DE IONA, 1995: 120). A instituição do
fostering não tem paralelo na História do Brasil. Nessa época, na ilha, filhos de famílias
nobres eram enviados por seus pais para serem educados por casais cuja aliança política
almejavam. Esse casal se tornava assim os foster parents da criança – pais adotivos
temporários. Essa sutileza pode parecer apenas fonte para informações acerca da
sociedade sobre a qual Adomnán escreve, mas é também uma forma que o autor tem de
introduzir o lugar hierárquico da personagem. Na verdade, outros aspectos das Leis da
Irlanda também apareceram de forma clara no texto de Adomnán, embora não tenha
havido espaço suficiente para discorrer a esse respeito e, portanto, deixamos apenas
como indicações que podem, certamente, trazer compreensão maior a respeito do tema:
o jejum como forma de obrigar uma das partes envolvidas em uma contenta a tomar
parte da discussão (Capítulo I 21), as compensações pagas pela parentela de um acusado
e as formas de escravidão (Capítulo II 39)
321
.
318
Adomnán volta a falar sobre a Druim Cett, ainda que de forma bastante superficial, no Capítulo I 49 e
no Capítulo I 50 (ADOMNÁN DE IONA, 1995: 151-153).
319
Aliás, a presença de Columba entre reis é bastante comum, fato que se deve, parcialmente, por sua
pertença clânica, como exposto em 3.2. Os autores das biografias: motivações específicas para suas obras.
320
Outras referências a essa lógica fragmentada podem ser encontradas durante o texto. Para que não
pareça estranho ao leitor a manutenção da mesma, chamamos atenção, ao Capítulo I 12 da obra de
Adomnán, no qual somos apresentados a um garoto de nome Scandlán mac Colmáin, agrilhoado.
Scandlán é filho de um rei a quem seu captor (Áed) subjugara e mantinha sob seu domínio, em paz, tendo
seu filho como refém (Cf SHARPE, 1995: 272-273).
321
Há outras referências menores ao sistema de fostering, tão caro aos irlandeses da época. Talvez entre
estas a mais importante esteja no Capítulo III 18: o próprio Columba – que fora “adotado” quando mais
136
Também podemos perceber pelo texto de Adomnán que Columba parece ter sido
visto quase como um vidente. Sua capacidade de prever o futuro em muito se assemelha
com aquela dos antigos sacerdotes celtas que o precederam na ilha antes de sua
cristianização – os druidas. Tal tendência fica clara, por exemplo, no Capítulo I 15, em
que um dos reis galeses, Rhydderch ap Tudwal, manda um de seus homens, Luigbe
moccu Min, consultar o monge sobre as circunstâncias de sua morte. Essa forma de
previsão / profecia – sob consulta – reaparece também, por exemplo, no capítulo
seguinte. Dessa vez são dois leigos que vão até Iona consultar o santo acerca do futuro
(Cf ADOMNÁN DE IONA, 1995: 123-124), situação que se repete no Capítulo I 47,
quando um homem chamado Guaire mac Áedáin – “naquela época o homem mais forte
de toda a Dalriada (ADOMNÁN DE IONA, 1995: 149. Tradução nossa)
322
– lhe
questiona sobre a forma de sua morte. Mais ainda, o próprio monge parecia ter
consciência da possibilidade de que seu dom se tornasse motivo para a constituição de
um relacionamento próximo ao que hoje entendemos como típico de videntes
profissionais e seus clientes. Adomnán nos diz:
Eu menciono aqui algo que não deve ser ignorado. Deus revelou para esse santo
homem muitos mistérios sagrados que se escondem de outros, mas S. Columba
não permitia que eles se tornassem públicos. Isso por duas razões, como ele fez
saber certa vez a alguns de seus irmãos. Primeiro, ele queria evitar gabar-se, e,
segundo, para que relatos que se espalhassem dessas revelações não atraíssem
incontroláveis multidões de pessoas, querendo colocar-lhe suas questões
(ADOMNÁN DE IONA, 1995: 211. Tradução nossa. Grifo nosso)
323
.
Outro bom exemplo que temos disso está ligado ao peso que Adomnán deu para
as coisas da política em sua obra. No Capítulo I 36, ele menciona Diarmait mac
Cerbaill, como tendo sido “ordenado pela vontade de Deus como rei de toda a Irlanda”
(ADOMNÁN DE IONA, 1995: 138. Tradução nossa)
324
. Na verdade, Diarmait fora
High King, escolhido por uma lógica própria da Irlanda pré-cristã e entronado numa
cerimônia que pouco tinha da nova fé, já que suas bases estavam firmemente imbricadas
no paganismo que a precedera (Cf SHARPE, 1995: 296-297). Entretanto, ao autor,
novo por um padre (como vemos no Capítulo III 2) – “adotara” um filho: Baithéne, o que talvez ajude a
explicar a constante presença desse seu primo nas narrativas de Adomnán.
322
“At that period the strongest man in the whole of Dalriada”.
323
“I mention here something that should not be overlooked. God revealed to this holy man many sacred
mysteries that are hidden from others, but St Columba would not allow them to come to public notice.
This was for two reasons, as he disclosed one time to a few of the brethren. First, he wanted to avoid
boasting, and, second, so that widespread reports of these revelations should not attract unmanageable
crowds of people, wanting to put their questions to him”.
324
“Ordained by God’s will as king of all Ireland”.
137
parece ter interessado não registrar esse fato – que, dificilmente podemos supor, por sua
erudição e história pessoal, ele desconhecesse –, esforçando-se, ao contrário, para ligar a
imagem desses “reis da Irlanda” às imagens dos reis ungidos por Deus do Antigo
Testamento.
Essa continuidade entre o antes e o depois, devidamente re-arranjada, parece ter
sido – como procuramos demonstrar – uma das características mais importantes e um
dos fatores de destaque no sucesso do movimento de monastérios celta-irlandeses, do
qual Columba e Columbanus foram apenas dois nomes. Essa continuidade é suavizada
no texto de Jonas, e os atritos aparecem com mais freqüência dos que as permanências,
mas não podemos dizer que elas não existem. Aparece, por exemplo, no Capítulo 17,
que trata da fundação do Monastério de Luxeuil:
Como o número de monges aumentasse grandemente, ele [Columbanus] buscou
no mesmo ermo um lugar melhor para um convento. Ele encontrou um lugar
que fora fortificado, que se situava a cerca de oito milhas da primeira abadia
[Annergray], e que tinha sido conhecido como Luxovium. Aqui estavam banhos
construídos com habilidade pouco comum. Um grande número de ídolos de
pedra, que eram adorados nos antigos tempos pagãos com ritos horríveis, se
encontrava na floresta vizinha (JONAS DE BOBBIO, 1897?-1907: Capítulo 17.
Tradução nossa)
325
.
Além disso, Jonas, em seu estilo ligeiramente rebuscado, nos deixa entrever uma
série de detalhes da vida cotidiana dos habitantes da Gália. Quando Columbanus,
guiado por Deus escapa de Suevos inimigos (Cf JONAS DE BOBBIO, c.620: Capítulo
15), aprendemos que essas incursões não eram ocasionais e que, portanto, o dia-a-dia
dos habitantes da região não poderia ser sem o perigo de pilhagens a seus bens – fossem
eles escassos ou não.
Outro flash dos hábitos da região se nos aparece em termos de costumes
alimentares. O peixe, aparentemente era alimento importante para os gauleses e a pesca
uma atividade comercial de fundamental importância (Cf JONAS DE BOBBIO, c.620:
Capítulo 18). Uma boa colheita poderia significar sobrevivência ao inverno e o trabalho
nos campos é retratado com bastante freqüência. O peixe e o pão eram consumidos com
cerveja. Jonas nos diz que esta era “fervida a partir do suco do milho ou da cevada e
[que é] usada em preferência a outras bebidas por todas as nações do mundo – exceto os
325
“As the number of monks increased greatly, he [Columbanus] sought in the same wilderness a better
location for a convent. He found a place formerly strongly fortified, which was situated about eight miles
from the first abode, and which had formerly been called Luxovium. Here were baths constructed with
unusual skill. A great number of stone idols, which in the old heathen times had been worshipped with
horrible rites, stood in the forest near at hand”.
138
Escoceses e as nações bárbaras que habitam o oceano – a saber, na Gália, na Bretanha,
na Irlanda e na Alemanha” (JONAS DE BOBBIO, c.620: Capítulo 26. Tradução
nossa)
326
. Essa observação nos leva também a lembrar dos primórdios das ameaças dos
vikings, “povos bárbaros que habitam o oceano” e que, nos séculos seguintes se
tornariam senhores das águas do norte da Europa e iniciaram uma complexa rede de
trocas comerciais com boa parte do mundo conhecido.
Da casa real franca, inúmeras informações aparecem nos capítulos finais da
segunda parte do relato do monge italiano. A sucessão real, marcada pelo assassinato de
Sigisberto e a suspeita da participação de seu irmão na mesma é traço constitutivo da
violência cotidiana das cortes dos reinos chamados bárbaros, bem como a guerra que se
instala entre Teodeberto e Teodorico pelas fronteiras de seus reinos e que termina por
garantir a Columbanus a proteção do primeiro quando o segundo lhe havia expulsado do
território (Cf JONAS DE BOBBIO, 1897? -1907?: Capítulo 51). Gregório de Tours, em
seu History of the Franks (1992) narra não apenas essas, mas diversas outras passagens
que serviriam para apoiar esse nosso apontamento.
Desta mesma raiz saem dois outros caminhos: a questão da divisão dos reinos e
as pistas que os estudiosos do gênero encontram sobre as personagens femininas da
história. Em ambos os casos, apontamos aqui apenas constatações superficiais que, em
si só poderiam engendrar outros tantos textos e outras tantas pesquisas. Em relação à
primeira instância, tomemos a afirmação de Jonas – corroborada novamente por
Gregório de Tours – de que o reino de Sigisberto, Chilperico e Childeberto II fora
dividido entre os dois filhos desse último, Teodeberto e Teodorico. Essa fragmentação
do território, tão contrária à lógica imperial romana que até então estruturara a Europa,
aponta para o passo seguinte do processo histórico pelo qual passou o continente e que
veio desembocar, em sua forma francesa mais acabada e ideal, no feudalismo medieval.
Em relação à segunda instância, chama atenção, entre as poucas figuras
femininas nominalmente citadas, a da Rainha Brunhilda. Trata-se de uma personagem
bastante forte, de enorme influência política
327
. De acordo com Jonas, foi por sua
influência que o filho, Childeberto, tornou-se rei no lugar do pai quando de sua morte
(Cf JONAS DE BOBBIO, c.620: Capítulo 31). Foi também porque ela não desejava
326
“[Beer] is boiled down from the juice of corn or barley, and [which is] used in preference to other
beverages by all the nations in the world – except the Scotch and barbarous nations who inhabit the ocean
– that is, in Gaul, Britain Ireland and Germany”.
327
Para mais detalhes sobre Brunhilda e o papel que ela desempenhou na política franca, ver TOURS,
1992.
139
perder o prestígio que mantinha na corte que se indispôs contra o monge. Columbanus
exortara o neto de Brunhilda, o rei Teodorico a casar-se, abrindo mão de suas
concubinas. Brunhilda preferia manter o neto solteiro, pois uma esposa significaria
outra rainha na corte, e, possivelmente, uma rival pelas alianças políticas (Cf JONAS
DE BOBBIO, c.620: Capítulo 31 e ss.). Mais ainda, Brunhilda é, sobretudo,
determinada. Nem quando o monge demonstra seu poder, ela recua: “quando [depois
disso] Columbanus deixou a corte, um barulho muito alto de algo se rompendo foi
ouvido, a casa toda tremeu e todo mundo estremeu de medo. Entretanto, isso não fez
nada para apaziguar a ira da pérfida mulher” (JONAS DE BOBBIO, c.620: Capítulo 32.
Tradução nossa)
328
.
Sobre as figuras femininas apresentadas na obra de Adomnán, as considerações
são absolutamente diferentes, mas seguem a mesma lógica de uma construção a partir
de modelos que nos parecem bastante androcêntricos. Adomnám menciona, em
verdade, três categorias de mulheres: as virgens, as esposas e mães e as prostitutas.
Sobre a primeira categoria, seu exemplo maior está no Capítulo II 5, na forma de
Mogain. Sua fé lhe fez digna de receber a intervenção de Columba no momento de dor
causado pela fratura da bacia, bem como a previsão de que viveria ainda por vinte e três
anos depois de sua cura. A segunda categoria é a mais trabalhada e apresenta diferentes
personagens. Entre as esposas existem aquelas que dão bons conselhos aos maridos e,
portanto, funcionam como boa influência e aquelas que agem de forma contrária, e,
portanto, merecem a comparação com Eva.
A primeira vez em que encontramos um exemplo desse primeiro tipo de esposa é
no Capítulo II 3, a mulher do leigo Findchán – a quem Columba enviara cevada para ser
plantada fora da hora – que, convencida do poder do monge, incitou o marido a fazer
como ele ordenava, Também no Capítulo II 39, encontramos outro desses exemplos, a
esposa do dono de Librán, um penitente que viera a Iona ainda preso pela escravidão,
mas verdadeiramente arrependido de seus pecados. A mulher deste capítulo conta “com
muitas virtudes” e “conselhos sábios” (ADOMNÁN DE IONA, 1995: 190. Tradução
nossa)
329
que o marido seguiria. De fato, Adomnán nos conta que, quando Librán
ofereceu uma espada que Columba lhe dera para comprar sua liberdade, ela instigou o
marido a recusar a oferta, dizendo: “Como podemos aceitar esse precioso presente que
328
“When [after this] Columban left the court, a loud cracking noise was heard, the whole house trembled
and everyone shook with fear. But that did not avail to check the wrath of the wretched woman”.
329
“With many virtues”;“sound advices”.
140
S. Columba enviou? Nós não somos dignos disso. Deixe esse servo fiel retornar para
junto do santo sem pagamento. A bênção do homem santo nos trará mais benefícios do
que esse presente que ele nos ofereceu” (ADOMNÁN DE IONA, 1995: 191. Tradução
nossa)
330
. Entretanto, talvez a passagem mais significativa sobre esse tipo de mulher
esteja no Capítulo III 10: não só Columba vê a alma de uma mulher ser levada aos céus
por anjos por conta de suas virtudes, mas também, um ano depois, a vê, em espírito,
lutando ao lado de anjos para impedir que o marido seja levado por demônios (Cf
ADOMNÁN DE IONA, 1995: 213).
Já no Capítulo II 37, encontramos a esposa do mendigo enriquecido pela
armadilha que Columba abençoara e que, como Eva a Adão, tentou-o contra os
desígnios de Deus quando o convenceu a se livrar do presente e assim condenou a
família a voltar à mendicância. Este é o melhor exemplo do segundo tipo dessa
categoria.
Em relação às mães
331
, também encontramos as duas imagens, do bem e do mal.
As mães de imagem positiva podem ser resumidas na mãe de Colgu mac Áedo
Draigniche - descrita no Capítulo I 17 como “uma mulher de boa vida e boa reputação”,
mas que cometera “um pecado secreto de uma natureza muito séria” (ADOMNÁN DE
IONA, 1995: 124. Tradução nossa)
332
– que reconhece o valor da penitência e na irmã e
mãe “adotiva” de Colgu mac Cellaig, a quem ele curou – no Capítulo II 7 - com um
bloco de sal abençoado por Columba. As mães de imagem negativa podem ser
resumidas na mãe que dormira com o próprio filho (Capítulo I 22).
A terceira categoria, a das prostitutas é, sem dúvida, bastante interessante. Sobre
isso, diz Richard Sharpe: “A palavra ‘prostituta’, (…), no latim, meretrix, reflete a
atitude de Adomnán para com as frouxas ligações de uma sociedade poligâmica (e,
algumas vezes, promíscua); ela não sugere uma relação comercial” (SHARPE, 1995:
300. Tradução nossa)
333
. Como a referência aparece mais de uma vez (Capítulo II 38 &
Capítulo II 39), podemos supor que se trata, na verdade, de mais uma menção às
permanências da sociedade pagã nesse novo modelo – em construção – de sociedade
cristã.
330
“How can we accept this precious gift which St Columba has sent? We are not worthy of this. Let this
dutiful servant be delivered to the Saint without payment. For the holy man’s blessing will bring us more
benefit than this gift which is offered”.
331
Por mães entendemos não apenas as progenitoras biológicas, mas também as “adotivas”, como bem
era comum à Irlanda da época por conta do já mencionado sistema de fostering.
332
“A woman of good life and good repute” (…) “a secret sin of very serious nature”.
333
“The word ‘whore’, (…) Latin meretrix reflects Adomnán’s attitude to loose liaisons in a polygamous
(and sometimes promiscuous) society; it does not suggest a commercial relationship”.
141
Particularmente, sobre o tema das mulheres, podemos ainda retomar o que foi
dito no Capítulo I: De Contextos. Em seu artigo sobre as conhospitae, na Catholic
Encyclopedia, Alston (1911) afirma que o sistema, que teria chegado ao ocidente pela
Gália “foi amplamente difundido por S. Columbanus e seus seguidores” (Tradução
nossa)
334
. Entretanto, a leitura da obra de Jonas, nos força a desconfiar do papel do
monge nesse processo. Não que o autor afirme categoricamente que Columbanus não
tenha fundado casas mistas, e a possibilidade é real, porém, pouco provável. Isso
porque, em toda a biografia de Columbanus encontramo-no bastante preocupado com as
questões da carne e praticante de um celibato absoluto, que também parece ter exigido
de seus seguidores, o que não se coaduna com a vida em um conhospitae. Para que se
tenha uma idéia, foi a própria idéia da tentação que as mulheres lhe causavam que o
levou ao monastério.
E ele levantou contra ele a luxúria de diversas donzelas lascivas, especialmente
aquelas cujas belas figuras e beleza superficial costumam gerar loucos desejos
nas mentes dos homens pérfidos. Entretanto, quando o excelente soldado viu
que estava cercado por todos lados por armas tão letais, e percebeu a destreza e
a pequenez do inimigo que lutava contra ele, e que por um ato de fragilidade
humana poderia rapidamente cair de um precipício e ser destruído – (...) –
segurando em sua mão esquerda o escudo do Evangelho e carregando em sua
mão direita a espada de dois gumes, preparou para avançar e atacar as linhas
hostis que o ameaçavam. Ele temia que, seduzido pelas luxúrias do mundo,
pudesse em vão gastar tanto labor em gramática, retórica, geometria e nas
Escrituras Sagradas (JONAS DE BOBBIO, c.620: Capítulo 7. Tradução
nossa)
335
.
Essa tendência a desprezar as questões da carne e se dedicar ao celibato
reaparecem durante o relato de Jonas diversas vezes. Numa das descrições mais gráficas
que ele faz das mortificações a que Columbanus e seus seguidores se dedicavam para
erradicar as tentações, podemos ver, nas entrelinhas, que dificilmente este era um
homem que aceitaria o convívio de religiosas com seus seguidores.
Desta forma, depois de um curto espaço de tempo no qual eles piedosamente
decidiram propiciar a Cristo e para compensar seus pensamentos maus, através
334
“…was propagated widely by St. Columbanus and his followers”.
335
“And he aroused against him the lust of lascivious maidens, especially of those whose fine figure and
superficial beauty are wont to enkindle mad desires in the minds of wretched men. But when the excellent
soldier saw that he was surrounded on all sides by so deadly weapons, and perceived the cunning and
shrewdness of the enemy who was fighting against him, and that by an act of human frailty he might
quickly fall over a precipice and be destroyed – (…) – holding in his left hand the shield of the Gospel
and bearing in his right hand the two-edged sword, he prepared to advance and attack the hostile lines
threatening him. He feared lest, ensnared by the lusts of the world, he should in vain have spent so much
labor on grammar, rhetoric, geometry and the Holy Scriptures”.
142
da mortificação da carne e jejum extremo, eles mortificaram seus membros para
a glória de Deus, e desejaram [assim] preservar o estado inviolado de sua
religião. Por suas severidades extremas, toda a luxúria da carne foi expulsa, de
forma que os pilhadores e assaltantes de todas as virtudes fugiram (JONAS DE
BOBBIO, c.620: Capítulo 14. Tradução nossa)
336
.
Também Columba parece ter sido celibatário, o que, embora aparentemente
contrário às discussões sobre as diferenças entre as formas de vivência do cristianismo
apresentadas no Capítulo I: De Contextos, está, na verdade, de acordo com a lógica do
modelo de santidade proposto no Capítulo II: De Conceitos e aqui retomado. Afinal,
como dissemos antes, o monge medieval é, acima de tudo, o oposto do flagelo humano,
forma mais comum de entender a natureza humana da época. Desta forma, não deve
parecer contraditória, nem chocante, a fala de Adomnán: “Desde a infância ele se
devotou ao treinamento na vida cristã, e ao estudo da sabedoria; com a ajuda de Deus,
ele manteve seu corpo casto e sua mente pura e mostrou-se, ainda que na terra, digno da
vida no céu” (ADOMNÁN DE IONA, 1995: 105. Tradução nossa. Grifo nosso)
337
. No
tocante ao relacionamento entre os sexos, cabe ainda mencionar que, embora os
monastérios fundados por monges irlandeses seguidores do santo tenham sido
sabidamente casas mistas (como é o caso de Whitby – ver Capítulo I: De Contextos;
1.6. O Concílio de Whitby), não há indicação nenhuma na obra de Adomnán de que
esse tenha sido o caso de Iona e de suas casas-filhas, Mag Luigne em Tiree ou o
Monastério de Hinba, por exemplo.
Tendo em mente ainda as considerações propostas no Capítulo I: De Contextos,
cabe aqui discutir – ainda que brevemente – a questão do relacionamento de
Columbanus com os bispos da Gália. De fato, a obra de Jonas de Bobbio nos deixa claro
que se trata de uma troca conturbada. No Capítulo 32, a rainha Brunhilda os convoca a
falar contra o monge e a regra que ele estabelecera em seus monastérios e eles
imediatamente parecem lhe assentir. No Capítulo 46, depois que Columbanus
finalmente termina sua viagem pelo território Gaulês, chegando a Nantes – de onde
deveria voltar para a Irlanda – essa impressão de antagonismo uniformemente declarado
parece se confirmar, já que Jonas nos conta que o bispo da cidade, Suffronius, recusara
336
“Therefore, after a brief space of time in which they piously endeavoured to propitiate Christ and to
atone for their evil thoughts, through mortification of the flesh and extreme fasting, they mortified their
members to the glory of God, and desired to preserve the inviolate state of their religion. By their extreme
severities every lust of the flesh was expelled, so that the plunderer and robber of all virtues fled”.
337
“Since boyhood he had devoted himself to training in the Christian life, and to the study of wisdom;
with God’s help, he had kept his body chaste and his mind pure and shown himself, though placed on
earth, fit for the life of heaven”.
143
a Columbanus e seus seguidores, dar-lhes ou vender-lhes alimentos (Cf JONAS DE
BOBBIO, c.620: Capítulo 46).
Entretanto, no Capítulo 42, essa discordância parece ser relativamente atenuada.
Quando Columbanus e seus seguidores chegam a Tours, visitam o túmulo de S.
Martinho e, em seguida, são convidados para tomar o desjejum na casa do bispo da
cidade, Leoparius. Não apenas Columbanus aceita o convite como é o próprio bispo
quem se despede do monge e de seus seguidores, depois de prover-lhes bastante bem
(Cf JONAS DE BOBBIO, 1897?-1907: Capítulo 42).
O que essas considerações nos levam a crer não é que a construção de um ou
outro estudioso do tema esteja particularmente errada, nem que Jonas, enquanto fonte
primária, deva ser absolutamente seguido em suas declarações
338
. Na verdade, trata-se
apenas de uma tentativa de colocar em questão afirmações da historiografia sob a ótica
das fontes primárias e, desta forma, dar voz ao sujeito religioso e transformá-lo de
expectador em agente de sua própria história.
338
Aliás, esse seria um caminho um tanto quanto temerário, como bem notamos pelas profecias que ele
registra de Columbanus, principalmente aquelas sobre a queda do rei Teodorico e a ascensão de Clotário
(JONAS DE BOBBIO, c.620: Capítulo 31; Capítulo 38; Capítulo 43, Capítulo 48, Capítulo 57 & 58), que
se parecem mais com atribuições póstumas do que com as profecias com as quais estamos acostumados,
desde as páginas do Velho Testamento.
144
CONCLUSÃO
Os cristãos celtas deram uma contribuição especial para a cena européia em dois
aspectos: pela inspiração e reputação de seus santos, e por sua atividade
missionária direta no continente.
Henry Loyn (1997: 86)
Iniciamos esse trabalho colocando seis perguntas básicas - como ler uma
hagiografia do século VII?; qual o conceito de santidade que se quer construir e provar
na hagiografia em questão?; a santidade é o sentido do texto?; quais são as
especificidades que esse sentido traz?; elas denotam traços típicos da sociedade
irlandesa e do cristianismo não romanizado que ela produziu nos primeiros séculos da
Idade Média? – e procuramos, durante seu desenvolvimento apresentar, ainda que não
necessariamente nessa ordem, possíveis respostas para cada uma delas.
No Capítulo I: De Contextos, procuramos mostrar não apenas a lógica histórica
ao redor das figuras examinadas nessa dissertação, mas também as engrenagens
dialéticas da história que tornaram possíveis suas experiências. São essas engrenagens
que trazem em si as especificidades de uma hagiografia do século VII. Independente de
um modelo formal, ela busca, não obstante, a construção de um modelo ideal que possa
levar o leitor a enxergar ainda durante a vida do monge em questão sinais, traços e
características que subsidiem sua adjetivação como santo.
No Capítulo II: De Conceitos, procuramos desenhar os contornos desse modelo
ideal: homens iluminados, retirados da sociedade, capazes de articular sob seu domínio
um grande número de seguidores, cujo poder advém de seu exemplo e sua ilustração.
Tais pessoas representam parte do imaginário medieval, articuladores de sua
mentalidade, tradutores – em feito e em palavras – das formas pelas quais a sociedade
medieval vê o mundo: uma eterna luta pelo direito ao amor Divino.
É importante ressaltar que este capítulo tem, porém, certas limitações impostas
pelo objetivo do trabalho. Não apenas em relação à imagem de santidade podemos
pensar em modelos. Em relação ao papel dos monges enquanto lideranças políticas,
outros contornos para essa ferramenta compreensiva poderiam ter sido lançados. Nesse
sentido, trabalhos futuros seriam bastante bem vindos e poderiam em última instância
contribuir para a busca de um quadro mais claro das muitas facetas do jogo de forças
por trás da construção da Igreja Romana enquanto instituição milenar e, destarte, objeto
digno de reflexão da academia. Pesquisador esse, que o mesmo Capítulo II: De
Conceitos aponta, precisa estar aberto às contribuições teóricas de diversas ciências.
145
Não apenas a História, mas também a Sociologia, a Antropologia e a Lingüística
precisam ser levadas em consideração. Nesse sentido, foi intuito também desse texto
demonstrar que um objeto complexo como as figuras santas medievais são melhores
compreendidas quando pensadas a partir da interdisciplinaridade e, portanto, do prisma
das Ciências da Religião, cujas ferramentas se demonstram – justamente pela quase que
inesgotável possibilidade de discussão entre as diversas áreas que compõe o campo – as
mais adaptadas para esse tipo de análise.
Consciente dessa necessidade, o Capítulo III: De Santos, procura mostrar como
o modelo de santidade previamente construído - e que procuramos demonstrar ser a
marca dessas hagiografias - se reflete, efetivamente tanto em The Life of St. Columba
quanto em The Life of St. Columban. Tanto na Escócia quanto na Gália o viés
milagroso, já testado e aprovado na Irlanda por Patricius (Cf SKINNER, 1998), foi
fundamental para que o movimento tivesse sucesso. Afinal, no milagre se conjugam as
crenças cristãs e as práticas mágicas pagãs locais que os monges procuraram paralela e
paradoxalmente extirpar e utilizar, como fica claro em diversas passagens da leitura de
The Life of St Columba e The Life of St Columban. Não que essa seja a única explicação
possível para o crescimento do cristianismo, mas deve contribuir para a construção
desse complexo quadro. Por exemplo, questões políticas e cotidianas que, por fugirem
do escopo dessa dissertação, puderam apenas ser mencionadas. As possibilidades são,
porém, inúmeras: o relacionamento dessas figuras centrais dentro do movimento de
monastérios com os poderes reais de cada local, sua capacidade de adaptar seu dia-a-dia
às especificidades de cada região em que se estabeleciam, as raízes dessa maleabilidade
etc.
Cabe também apontar para o fato de que nem todo o cristianismo desses monges
parece ter conseguido imediata e efetivamente fazer sumir a velha religião local.
Manifestações de costumes que podemos chamar de pagãos – em, entretanto, imputar ao
termo qualquer juízo de valor – podem ser vistas em diversas passagens das obras de
Adomnán e de Jonas. Em The Life of St Columba, por exemplo, vemos como o monge
se coloca diretamente contra magos pictos. Trata-se, como dito, na verdade, de ecos de
uma sociedade praticante da poligamia. Em The Life of St Columban, Jonas nos conta
como logo que Columbanus chegou à Gália, viu que embora os habitantes houvessem
sido convertido à fé cristã, em larga escala, continuavam a praticar a velha religião.
Tanto que se aproveitou de seus espaços para construir seus monastérios, como foi o
caso de Annergray, onde havia ainda ídolos de pedra de tempos passados nas florestas
146
em que o monge caminhava. Mais ainda, Columbanus precisou destruir uma oferenda
pagã em Bregenz, ao redor da qual estavam não apenas gentios, mas também homens
que haviam se convertido, mas nem por isso deixavam de honar Wodan.
Nessa lógica, podemos dizer que tanto The Life of St Columba quanto The Life of
St Columban não são apenas hagiografias, embora seu sentido primeiro seja esse e
assim tenham sido entendidas por seus leitores contemporâneos. São, na verdade, fontes
riquíssima para o conhecimento de toda uma época, tanto em sua lógica religiosa
quando nas esferas que com ela dialogam. A religião cristã, desde seus primórdios,
nunca se viu – e nem deve ser assim vista – separada da sociedade que a engendrou.
Quando se expandiu, encontrou culturas, economias, sociedades e políticas distintas
pela frente e com elas precisou se entender, dando origem a diálogos e embates que,
embora possam seguir via de regra algumas características gerais, assumiram traços
específicos em cada um de seus momentos.
Sem a capacidade de entender a atmosfera local, abarcá-la e alterá-la em seu
proveito, dificilmente a nova religião teria sido bem sucedida. Por outro lado, ao
oferecer uma lógica aglutinadora e fisicamente protetora (como as abadias) e concentrar
seu discurso numa figura carismática aparentemente dotada da capacidade de negociar
diretamente com Deus, o monasticismo celta irlandês forneceu uma ferramenta precisa
para que essa capacidade se desenvolvesse. E, talvez por isso, deva ser elencado como
base para a construção da medievalidade cristã e mereça, assim, maiores estudos.
147
BIBLIOGRAFIA
ADOMNÁN DE IONA. In: SHARPE, Richard (trad.) Life of St Columba.
London: Penguin, 1995.
ALBUQUERQUE, Eduardo Bastos de. A história das religiões. In: UZARSKI,
Frank. O espectro disciplinar da Ciência da Religião. São Paulo: Paulinas,
2007.
ALSTON, Cyprian. Double Monasteries (1911). Disponível em:
www.newadvwent.org/cathen/10452a.htm. Acesso em 27 de agosto de 2007.
AMORIM, Maria Stella de. Sociologia politica, II. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1970.
ANDERSON, Alan Orr & ANDERSON, Marjorie Ogilvie. Adomnan’s Life of
Columba. Edinburgh: Clarendon Press, 1961.
ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguidade ao Feudalismo. 5ª. ed. São
Paulo: Brasiliense, 2000.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires.
Filosofando, introdução à Filosofia. São Paulo: Editora Moderna, 1993.
ARIÈS, Philippe; DUBY, George (col). História da Vida Privada: do Império
Romano ao ano mil. São Paulo: Cia. das Letras, 2004. v.1.
BACCEGA, Marcos. Entre o “Outono da Idade Média” e o “Espírito do
Capitalismo”. São Paulo: Universidade de São Paulo, s.d. (Mimeo).
BAGGOTT, Andy. Rituais Celtas. São Paulo: Madras, 2002.
BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira & QUINTANEIRO, Tania. Max Weber.
In: BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira et al. Um Toque de Clássicos: Marx,
Durkheim, Weber. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.
BARTLETT, John R. & KINSELLA, Stuart. Two Thousand Years of
Christianity and Ireland: Lectures Delivered in Christ Church Cathedral,
Dublin, 2001-2002. Dublin: Columba Press, 2006.
BEDE In: FARMER, D.H. Ecclesiastical History of the English People.
London: Penguin Books, 1990.
BERGER, Peter e LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade.
Petrópolis: Vozes, 2002.
BLAIR, JOHN. The Church in Anglo-Saxon Society. New York: Oxford
University Press, 2005.
BLOCH, Marc. Apologia da História (ou o ofício do historiador). Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
BLOCH, Marc. Apologie pour l’histoire ou métier d’historien, Paris: Armand
Colin, 2004.
BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de Política, Brasília: Editora da UnB,
2002.
148
BRAUDEL, Fernand. História e Ciências Sociais. 5
a
edição. Lisboa: Editorial
Presença, 1989.
__________________. Civilização Material, Economia e Capitalismo: Séculos
XV-XVIII - As Estruturas do Cotidiano. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
BRITISH LIBRARY. Lindisfarne. In: British Library Learning. Disponível em:
http://www.bl.uk/learning/images/Sacred/Lindisfarne.jpg. Acesso em: 14 de
fevereiro de 2009.
BURKE, Peter. A Escola dos Annales, 1929 – 1989: a Revolução Francesa da
Historiografia, São Paulo: Editora Unesp, 1997.
__________________. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo:
Editora UNESP, 1992.
BULTER, Urban. Abbey of Luxeuil (1910). Disponível em:
www.newadvent.org/cathen/09467a.htm. Acesso em 27 de agosto de 2007.
CAHILL, Thomas. How the Irish Saved Civilization: The Untold Story of
Ireland's Heroic Role from the Fall of Rome to the Rise of Medieval Europe.
New York: Nan A. Talese, Doubleday, 1995.
CARPENTER, Janet. Chi Rho Iota Page. In: City College San Francisco.
Disponível em: http://fog.ccsf.cc.ca.us/~jcarpent/. Acesso em: 18 de junho de
2009.
CATHOLIC ENCYCLOPEDIA. Disponível em: www.newadvent.org
CHADWICK, Nora K. The Age of the Saints in the Early Celtic Church.
London: Oxford University Press, 1961.
__________________. The Celts. 2
nd
edition. London: Penguin, 1997.
CHARLES-EDWARDS, Thomas M. Early Christian Ireland. 3
rd
editon.
Cambridge: Cambridge University, 2007.
COLLINS, Roger. Early Medieval Europe, 300 – 1000. 2
nd
edition. Houndmills:
Palgrave, 1999.
COLUMBANUS. Epistolae. Disponível em:
www.documentacatholicaomnia.eu/04z/z_0543-
0615_Columbanus_Hbernus_Epistolae_LT.doc.html. Acesso em 30 de setembro
e 2007.
__________________. Regula Monasteriorum. Disponível em:
www.documentacatholicaomnia.eu/04z/z_0534-
0615_Columbanus_Hibernus_Regula_Monsteriorum_LT.doc.html Acesso em
30 de setembro de 2007.
__________________. Sermones. Disponível em:
www.documentacatholicaomnia.eu/04z/z_0534-
0615_Columbanus_Hibernus_Sermones_LT.doc.html. Acesso em 30 de
setembro de 2007.
COSTA, Cristina. Sociologia: Introdução à ciência da sociedade. 3ª edição
revisada e ampliada. São Paulo: Moderna, 2005.
149
COSTA, Ricardo da e OLIVEIRA, Bruno de. Visões do apocalipse anglo-saxão
na Destruição Britânica e sua Conquista (c. 540-546), de São Gildas. In:
Brathair, 1(2), 2001: p. 19-41. Disponível em:
http://www.ricardocosta.com/pub/images/apocalipse_arquivos/mosteiro.jpg.
Acesso em: 03 de agosto de 2008.
CRAIGNUREINN. Mapisland. Disponível em: http://www.craignure-
inn.co.uk/contact.html. Acesso em: 03 de agosto de 2008.
CREMIN, Aedeen. The Celts. New York: Rizzoli, 1998.
CUNLIFFE, Barry. The Celts. A Very Short Introduction. Oxford: Oxford
University, 2003.
DUBY, Georges. A História Continua. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
DUKE, John A. The Columban Church. New York: Oxford University Press,
1932
ECO, Umberto. The Name of the Rose. San Diego: Harcourt Brace Jovanovich,
1983.
EDMONDS. St. Columbanus (1908). Disponível em
www.newadvent.org/cathen/04137a.htm. Acesso em 27 de setembro de 2007.
ERHARD. “Gaule pendant l’Époche Mérovingienne”. In: DELAMARCHE,
Alexandre e GROSSELIN, Félix. Atlas de géographie physique, politique et
historique: adopté par l'université a l'usage des lycées et des maisons d'éducation
pour suivre les cours de géographie et d'histoire. Paris: Librarie Géographique,
1877. p. 23-24. Disponível em:
http://www.antiqueprints.com/images/europe_maps/D4430.JPG. Acesso em: 05
de março de 2009.
FARMER, D.H. Introduction & notes. In: Ecclesiastical History of the English
People. London: Penguin Books, 1990.
FILORAMO, Giovanni e PRANDI, Carlo. As escolas histórico-religiosas. In: As
ciências das religiões. São Paulo: Paulus, 1999.
FOSTER, R. F. The Oxford Illustrated History of Ireland. Oxford: Oxford
University Press, 1989.
FRANCO JÚNIOR, Hilário. (org.) Legenda Áurea: Vidas de Santos. São Paulo:
Cia. das Letras, 2003.
FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade Média: nascimento do Ocidente. São
Paulo: Brasiliense, 2005.
FULTON, Helen (ed.). Medieval Celtic Literature and Society. Dublin: Four
Press, 2005.
GILLINGHAM, John & GRIFFITHS, Ralph. Medieval Britain. A Very Short
Introduction. Oxford: Oxford University, 2000.
GOFF, Jacques Le (org.). Memória e História. Campinas: Ed. da Unicamp,
1994.
GOFF, Jacques Le et al. A Nova História, Lisboa: Edições 70, s.d.
150
GOFF, Jacques Le. O Homem Medieval, Lisboa: Editorial Presença, 1989.
__________________. Para um novo conceito de Idade Média. Lisboa:
Estampa, 1993.
__________________. Uma Vida Para a História: Conversações com Marc
Heurgon. São Paulo: UNESP, 1998.
__________________. Uma história do corpo na Idade Média. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2006.
__________________. Em busca da Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2006a.
__________________. O Deus da Idade Média: conversas com Jean-Luc
Pouthier. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
GOYAU, Georges. Bensaçon (1907). Disponível em:
www.newadventure.org/cathen/02525b.htm. Acesso em 28 de setembro de
2007.
GRATTAN-FLOOD, W. St. Adamnan (1907). Disponível em:
www.newadvent.org/cathen/01135c.htm. Acesso em: 10 de abril de 2009.
_______________________. The Twelve Apostles of Erin (1907). Disponível
em: www.newadvent.org/cathen/01632a.htm. Acesso em: 10 de abril de 2009.
GREGORY, St. Registrum Epistularum. Disponível em:
www.documentacatholicaomnia.eu/01_0590-0604-
_Gregorius_I,_Magnus,_Sanctus.html. Acesso em 02 de outubro de 2007.
GUTENBERG. The first Irish Monasteries. Disponível em:
http://www.gutenberg.org/files/11917/11917-h/Images/Illus0466.jpg. Acesso
em: 03 de agosto de 2008.
HOBSBAWN, Eric. Sobre a História. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
HOLMES, Georges. The Oxford History of Medieval Europe. 2
nd
edition.
Oxford: Oxford University Press, 2001.
HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. 1ª reimpressão. São Paulo:
Companhia de Bolso, 2006.
HUDDLESTON, Roger G. (1912). Whitby, abbey of. Disponível em:
www.newadvent.org/cathen/15609c.htm. Acesso em 13 de outubro de 2007.
HUIZINGA, Johan. The Autumm of the Middle Ages. Chicago: Chicago
University Press, 1997.
IOL. Picture of a monastic trip through Europe. In: In the steps of St. Gall.
Disponível em: http://www.iol.ie/~pemsch/tyweb/map4.jpg. Acesso em: 03 de
agosto de 2008.
JEWELL, Helen M. Women in Dark Age and Early Medieval Europe c. 500-
1200. Houndmills: Palgrave, 2007.
JOHNSTON, Wesley. Ireland, 650 A.D. In: The Ireland History. Disponível em:
http://www.wesleyjohnston.com/users/ireland/maps/historical/map650.gif.
Acesso em: 03 de agosto de 2008.
151
JONAS DE BOBBIO. The life of St. Columban. (c.620). In: MUNRO, Dana C.
Translations and Reprints from the Original Sources of European history.
Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1897? – 1907?. Vol II. No. 7.
Disponível em: INTERNET MEDIEVAL SOURCEBOOK.
www.fordham.edu/halsall/basis/columban.html. Acesso em 15 de maio de 2004.
JOYCE, Timothy. Celtic Christianity: a scared tradition, a vision of hope. New
York: Orbis Books, 1998.
KIECKHEFER, Richard. Magic in the Middle Ages. New York: Cambridge
University Press, 1995.
KILLEEN, Richard. A Short History of Scotland. 3
rd
edition. Dublin: Gill &
Macmillan, 2006.
LACEY, Brian. O’Brian Pocket History of Irish Saints. Dublin: O'Brien Press,
2003.
LANGMUIR, Erika. Saints. 3
rd
edition. London: National Gallery Company
Ltd, 2006.
LEHANE, Brendan. Early Celtic Christianity. London: Continuun, 2005.
LINTON, Ralph. O homen: uma introdução à antropologia. Biblioteca de
ciências sociais, v. 1. São Paulo: Livraria Martins, 1943.
LÖWY, Michael. A ética católica e o espírito do capitalismo: o capítulo da
sociologia da religião de Max Weber que não foi escrito. In: A guerra dos
deuses. Petrópolis: Editora Vozes, 2000.
__________________. As aventuras de Karl Marx contra o barão de
Münchhausen. São Paulo: Cortez, 2007.
LOYN, Henry R. Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1997.
LUHMANN, Niklas. Soziale Systeme, Frankfurt : Suhrkamp, 1991.
LUZ, Ulrich. Matthew in History: Interpretation, Influence and Effects.
Minneapolis: Fort Press, 1994.
MacMICHAEL, Juliet. Synod of Whitby Mural. In: The Synod of Whitby 664.
Disponível em:
http://www.wilfrid.com/Wilfrid_pilgrimage/Whitby_synod.htm.
Acesso em: 15 de fevereiro de 2009.
MacSHAMHRÁIN, Ailbhe (ed.). The Island of St. Patrick. Church and ruling
dynasties in Fingal and Meath, 400-1148. Dublin: Four Courts, 2005.
MARTING, George R.R. A Storm of Swords. New York: Bantam Books, 2002.
MARTNELL, William. Light from the West: The Irish mission and the
emergence of Modern Europe. New York: Crossword, 1978.
MAYO ABBEY. 7
th
Century Ireland & Britain. In: A history of Mayo Abbey.
Disponível em: http://www.museumsofmayo.com/mayoabbey1.htm. Acesso em:
15 de fevereiro de 2009.
McCALL, Andrew. The Medieval Underworld. 3
rd
edition. Thupp: Sutton
Publishing, 2006.
152
McKITTERICK, Rosamond (ed.). The Early Middle Ages. Oxford: Oxford
University, 2001.
MEEK, Donald E. The Quest for Celtic Christianity. Edinburgh: Handsel Press,
2000.
MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. A problemática do imaginário urbano:
reflexões para um tempo de globalização. In: Revista da Biblioteca Mário de
Andrade, São Paulo, V. 55, janeiro/dezembro de 1997.
MILIS, Ludo. Les moines et le peuple dans l’Europe du Moyen Âge. Paris:
Belin, 2002.
MONUMENTA GERMANIAE HISTORICA. Disponível em: www.dmgh.de.
Acesso em 02 de outubro de 2007.
MUNRO, Dana C. Introduction to The Life of St. Columban by the monk Jonas.
In: Translations and Reprints from the Original Sources of European history.
Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1897? – 1907?. Vol II. No. 7.
Disponível em: INTERNET MEDIEVAL SOURCEBOOK.
www.fordham.edu/halsall/basis/columban.html. Acesso em 15 de maio de 2004.
NORMAN, Edward. The Roman Catholic Church: An Illustrated History.
London: Thames & Hudson, 2007.
Ó CRÓINÍN, Dáibhi. Early Medieval Ireland, 400 – 1200. Edinburgh: Pearson
Education, 1995.
Ó FLOINN, Raghnall. Irish Shrines & Reliquaries of the Middle Ages. Dublin:
Country House, 1994.
Ó HEIÍHIR, Breandán. O'Brien Pocket History of Ireland. Dublin: O'Brien
Press, 2003.
Ó RÍORDÁIN, John J. Early Irish Saints. 2
nd
edition. Dublin: The Columba
Press, 2007.
O’DONOHUE, John. Anam Ċara: Spirtiual Wisdom from the Celtic World. 2
nd
edition. London: Bantam Books, 1999.
OLIVEIRA, Paulo de Salles (Org.). Metodologia das Ciências Humanas. 2
a
ed.
São Paulo: Hucitec/Unesp, 2001.
O'LOUGHLIN, Thomas. Celtic Theology: Humanity, World, and God in Early
Irish Writings. London: Continuum, 2000.
Ó MAIDÍN, Uinseann. The Celtic Monk: Rules and Writings of Early Irish
Monks. Kalamazoo: Cistercian Publication, 1996.
ONLINEHOLIDAYS. Schotlland Karte. In: Onlineholidays Reisen, Kultur und
Urlaub Bus. Disponível em:
http://www.onlineholidays.de/pages/karte/map_scotland.html. Acesso em: 03 de
agosto de 2008.
O'SULLIVAN, Catherine. Hospitality in Medieval Ireland, 900-1500. Dublin:
Four Courts, 2003.
153
OUTLINE MAPS. Europe c. 476. In: Education Place. Disponível em:
http://mahan.wonkwang.ac.kr/maps/medmap/476eur.jpg. Acesso em: 03 de
agosto de 2008.
PARSONS, Talcott. A sociologia americana: perspectivas, problemas, métodos.
São Paulo: Editora Cultrix, 1970.
PATLAGEAN, Evelyne. A história do imaginário. In: LE GOFF, Jacques. A
História Nova, São Paulo: Martins Fontes, 2001.
PIERUCCI, Antônio Flávio. O Desencantamento do Mundo: Todos os passos do
conceito em Max Weber. São Paulo: Editora 34, 2003.
__________________. Religião como solvente: uma aula. Novos Estudos.
CEBRAP, v. 75, p.111-127. 2006.
QUINTINO, Cláudio Crow. O livro da mitologia celta: vivenciando os deuses e
deusas ancestrais. São Paulo: Hi-Brasil, 2002.
RIBEIRO, Maria Eurydice de Barros (org). A vida na Idade Média. Brasília:
UNB, 1997.
RICHTER, Michael. Medieval Ireland. The Enduring Tradition. Revised
edition. Dublin: Gill & Macmillan Ltd, 2005.
ROUX, Françoise Le; GUIONVARC’H, Christian-Jacques. A Civilização Celta.
2ª. ed. Mem Martins: Publicações Europa América, 1993.
RYAN, John. Irish Monasticism: Origins and Early Development. Ithaca:
Cornell University Press, 1972.
SAMPAIO, Maria Clara S. Carneiro e BOULHOSA, Tatiana Machado.
Interfaces Weberianas em uma “História das Cidades”. São Paulo:
Universidade de São Paulo, s.d. (Mimeo).
SHARPE, Richard (trad.). Introduction & Notes. In: Life of St Columba.
London: Penguin, 1995.
SHEPERD, William R. Britain about 600. In: The Historical Atlas, 1926.
Diponível em:
http://www.valeriodistefano.com/00/inglese/1/7/0/3/17037/17037-h/images/v1-
map-2.jpg. Acesso em: 05 de março de 2009.
SISTER FIDELMA SOCIETY. Disponível em:
www.sisterfidelma.com
SKINNER, John. The Confession of St. Patrick and Letter to Coroticus. New
York: Image, 1998.
STARK, Rodney. O crescimento do cristianismo. São Paulo: Paulinas, 2006.
STOKES, Margaret. Six Months in the Apennines. London: Bell, 1982.
__________________. Three Months in the Forests of France. London: Bell,
1985.
THRUSTON, Herbert (1912). Synod of Whitby. Disponível em:
www.newadvent.org/cathen/15610a.htm. Acesso em 13 de outubro de 2007.
TOURS, Gregory of. The History of the Franks. The Penguin classics.
Harmondsworth: Penguin, 1974.
154
TOWNSHEND, Charles. Ireland: The 20th Century. London: Arnold, 1999.
VOVELLE, Michel. Idéologies et Mentalités, Paris: Gallimard, 1982.
WALLACE, Martin. Celtic Saints. 2
nd
edition. Belfast: Appletree, 2007.
WATT, John. The Church in Medieval Ireland. 2
nd
edition. Dublin: University
College Dublin, 1998.
WEBER, Max. Rejeições religiosas do mundo e suas direções. In: Ensaios de
Sociologia. 5ª. ed. São Paulo: LTC, 1982.
__________________. Economia e Sociedade. Brasília: UNB, 1999. v.1.
__________________. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Lisboa:
Presença, 2001.
__________________. Ensaios de Sociologia. 5
a
ed. Rio de Janeiro: LTC, 2002.
__________________. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São
Paulo: Companhia das Letras, 2004.
__________________. Die protestantische Ethik und der Geist des
Kapitalismus. Hamburg: Area Verlag, 2005.
WEBER, N. Jonas of Bobbio. (1910). Disponível em:
www.newadvent.org/cathen/08498a.htm. Acesso em: 10 de abril de 2009.
WILLIAMS, Rowan. Why Study the Past? The Quest for the Historical Church.
London: Darton, Longman and Todd, 2005.
WOODHEAD, Linds. Christianity. A Very Short Introduction. Oxford: Oxford
University, 2004.
YORKE, Barbara. The Conversion of Britain: Religion, Politics and Society in
Britain C.600-800. Harlow: Pearson/Longman, 2006
155
ANEXO I
DE CAPÍTULOS
THE LIFE OF ST COLUMBA
Livro I
1. “Resumos dos milagres de poder” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 109.
Tradução nossa)
1
: Adomnán resume os poderes de Columba e seus milagres,
como um “aperitivo” ao leitor. Retoma, em verdade, cada um dos milagres,
aparições e previsões / profecias no corpo do texto, com exceção de sua visita
(em sonho) ao rei Oswald da Northumbria, antes de sua batalha contra um de
seus rivais, o Rei Caldwallon.
2. “Do abade S. Fintan mac Thulchaín” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 112.
Tradução nossa)
2
: Columba profetizara a Baithéne (que seria seu sucessor como
abade de Iona) que, depois de sua morte, Fintain mac Tulcáin viria a ilha
pedindo para ficar; deveria ser recusado e impelido a voltar para Leinster para
fundar seu monastério.
3. “A profecia de S. Columba sobre Ernéne macCraséni” (ADOMNÁN in
SHARPE, 1995: 115. Tradução nossa)
3
: Ernéne era apenas um garoto no
monastério de Clonmacnoise, fundado por St Ciarán (um dos “doze apóstolos da
Irlanda”) e tentara tocar o manto de Columba sem que ele percebesse. O monge,
não só viu a tentativa como também abençoou sua língua e previu que ele teria
grande eloqüência e converteria muitos à fé cristã.
4. “Da chegada de S. Cainnech, o abade, que S. Columba tinha profeticamente
anunciado” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 117. Tradução nossa)
4
: Columba
previu a chegada do santo, mesmo no meio de uma tempestade.
5. “Do perigo enfrentado pelo Santo Bispo Colmán moccu
5
Salni no mar perto da
Ilha de Rathlin” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 118. Tradução nossa)
6
:
1
“Summary of the miracles of power”
2
“Of the abbot St Fintan mac Tulcháin”
3
“ St Columba’s prophecy concerning Ernéne mac Craséni”
4
“Of the arrival of the St Cainmech the abbot, which St Columba had prophetically announced”
5
“Para a grande maioria das pessoas mencionadas, o nome de seu grupo tribal ou povo é uma frase
iniciada pela palavra moccu (...). Grupos populacionais com nomes iniciados por moccu parecem ter sido
bastante pequenos, associados com uma área particular e possível, mas não necessariamente,
relacionados. Nenhum outro autor depois de Adomnán usa tantas vezes os nomes moccu, de forma que
parece que essa maneira de identificar as pessoas se tornou obsoleta durante o século VIII. Autores
tardios interpretaram erroneamente moccu como a contração de duas palavras distintas – mac, ‘filho’ e
ua, ‘neto’” (SHARPE, 1995: 238-239. Tradução nossa).
“For the great majority of people mentioned, the name of their tribal group or people is a phrase
beginning with the word moccu (…). Population groups with names in moccu seem to have been quite
small, associated with particular area and possibly, but not necessarily, related. No author later than
Adomnán uses so large a number of moccu names, so that it appears that this way of identifying people
became obsolete during the eight century. Later writers mistakenly thought moccu was made up of two
distinct wordsmac, ‘son’ and ua, ‘grandson’”.
6
“Of the peril of the holy bishop Colmán moccu Sailni in the sea near Rathlin Island”
156
Columba viu as dificuldades em que o bispo se encontrava em sua embarcação,
por conta de uma tempestade, na viagem que fazia em direção à Iona.
6. “De Cormac” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 118. Tradução nossa)
7
.
Columba previu que o dito monge falharia em sua quarta tentativa de encontrar
um lugar apropriado para seu retiro.
7. “Uma profecia do santo sobre o início de batalhas distantes” (ADOMNÁN in
SHARPE, 1995: 119. Tradução nossa)
8
: Columba descreveu a batalha de Moin
Daire Lothair em detalhes para o rei Conall Mac Comgaill enquanto ela
acontecia, em um lugar bastante distante daquele em que o santo se encontrava.
8. “Sobre a batalha com os Miathi” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 109.
Tradução nossa)
9
: Columba pressentiu o início da batalha entre Áedán, rei da
Dalriada e os Miathi (provavelmente um povo picto), bem como a vitória e a
morte de 303 dos soldados do rei.
9. “A profecia de S. Columba sobre os filhos do Rei Áedán” (ADOMNÁN in
SHARPE, 1995: 119. Tradução nossa)
10
: Columba previu que os três filhos mais
velhos de Áedán – Artuir, Eochaid Find e Domangart - morreriam antes dele e
pediu que o rei lhe apresentasse seus outros filhos. Dentre eles, Eochaid Buide,
correu em direção ao monge, que o abençoou e o previu como futuro rei. “Mais
tarde, todas essas coisas se cumpriram por completo. Artuir e Eochaid Find
foram mortos logo depois na batalha com os Miathi que nós mencionamos.
Domangart foi assassinado em batalha na Inglaterra. Eochaid Buide, porém,
sucedeu a seu pai como rei” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 120. Tradução
nossa)
11
.
10. “Sobre Domnall mac Áedo” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 120. Tradução
nossa)
12
, a quem Columba encontrou, quando estava na Irlanda, na companhia
dos pais adotivos e abençoara, prevendo um grande futuro como rei e vida
longa.
11. “Sobre Scandlán mac Colmáin” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 121.
Tradução nossa)
13
, filho de um dos muitos pequenos reis da Irlanda, mantido
prisioneiro por outro desses reis, Áed, a quem Columbanus visitou, abençoou e
para quem predisse uma vida longa e reinado próspero.
12. “Sobre dois outros reis, descendentes de Muiredach, a saber, Báetán Maic Ercae
e Eochaid mac Domnaill” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 121. Tradução
7
“Of Cormac”
8
“A prophecy of the Saint about the crash of battles far away”
9
“Of the battle with the Miathi”
10
“St Columba’s prophecy about King Áedán’s sons”
11
“Afterwards, all these things were wholly fulfilled. Artuir and Eochaid Find were killed soon
afterwards in the battle with the Miathi we have mentioned. Domangart fell slaughtered in battle in
England. But Eochaid Buide succeeded his father as king”.
12
“Of Dommall mac Áedo”
13
“Of Scandlán mac Colmáin”
157
nossa)
14
: Columba ouviu um de seus companheiros – Lasrén mac Feradig – e
seu servente pessoal, Diarmait, falando sobre os dois reis e os repreendeu,
dizendo que ambos tinham sido mortos por inimigos. Previu também a chegada
de marinheiros com a notícia.
13. “A profecia do santo sobre Óengus mac Áedo Commain” (ADOMNÁN in
SHARPE, 1995: 122. Tradução nossa)
15
. Óengs mac Áedo Commain era um
jovem que fora expulso de seu país com dois de seus irmãos e, em peregrinação,
foi até Columba. O monge o abençoou, previu que sobreviveria aos irmãos,
tornar-se-ia rei e teria vida longa.
14. “A profecia do homem abençoado sobre o filho do Rei Diarmait, chamado em
irlandês de Áed Sláine” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 122. Tradução
nossa)
16
. Trata-se da primeira profecia condicional de Columba que disse a
Áed que se ele cometesse “o pecado de um assassinato em família”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 122. Tradução nossa)
17
, seria rei apenas sobre
seu povo e por pouco tempo, e se ele não o cometesse, tornar-se-ia High King.
15. “A profecia do homem abençoado sobre Rhydderch ap Tudwal, Rei de
Dumbarton” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 123. Tradução nossa)
18
. O rei
enviou Luigbe moccu Min ao monge para saber se morreria nas mãos de algum
inimigo. Columba previu que a morte de Rhydderch Ap Tudwal aconteceria em
sua cama.
16. “A profecia do santo sobre dois garotos, um dos quais morreu uma semana mais
tarde, como o santo predisse” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 123. Tradução
nossa)
19
. Trata-se do filho de um leigo de nome Meldán que visitou o santo na
Ilha de Iona com o intuito de saber sobre seu futuro [do filho]. Com eles
estavam também Glasderc e seu filho, Ernán. Glasderc perguntou ao monge
sobre o futuro do filho. Columba previu que ele teria vida longa, mas que assim
como o filho de Meldán seria enterrado em Iona.
17. “A profecia do santo sobre Colgu mac Áedo Draigniche, de Uí Fiachrach, e
sobre um pecado escondido de sua mãe” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 124.
Tradução nossa)
20
. Quando Colgu estava com Columba em Iona, o santo lhe
ordenou que fosse visitar sua mãe, fizesse com que ela confesse seu pecado e lhe
prescrevesse penitência. Na volta, Colgu perguntou ao santo sobre seu próprio
futuro e ficou sabendo sobre as circunstâncias que o avisariam de sua morte.
18. “Sobre Lasrén, um jardineiro e homem santo” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995:
125. Tradução nossa)
21
, Columba previu que seria o homem a esperar o monge
14
“Of two other kings, descendants of Muiredach, namely Báetán mac Maic Ercae and Eochaid mac
Dommaill”
15
“The Saint’s prophecy about Óengus mac Áedo Commain”
16
“The blessed man’s prophecy about King Diarmait’s son, called in Irish Áed Sláine”
17
“The sin of a family murder”.
18
“The blessed man’s prophecy about Rhydderch ap Tudwal, King of Dumbarton”
19
“The Saint’s prophecy about two boys, one of whom died a week later, as the Saint foretold”
20
“The Saint’s prophecy about Colgu mac Áedo Draigniche, from Uí Fiachrach, and about a hidden sin
of his mother”
21
“Of Lasrén, a gardener and a holy man”
158
Trénán na praia da Irlanda quando esse lá chegasse e que voltaria com a
embarcação para Iona.
19. “Como o santo falou com previdência sobre uma grande baleia” (ADOMNÁN
in SHARPE, 1995: 125. Tradução nossa)
22
que cruzaria o caminho de dois
monges – Berach e Bhaiténe – quando esses saíssem em viagem: Columba disse
que o primeiro deveria evitá-la, pois se a confrontasse, quase não escaparia; o
segundo, porém, escaparia ileso.
20. “A profecia do santo sobre um homem chamado Báetán, que com outros havia
partido em viagem em busca de um lugar de retiro no meio do mar”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 127. Tradução nossa)
23
: Columba previu que
Báetán não haveria de encontrar seu retiro no meio do mar, mas sim em um
lugar por onde uma mulher passaria com seu rebanho.
21. “A profecia do santo sobre Neman, que fingiu fazer penitência” (ADOMNÁN in
SHARPE, 1995: 127. Tradução nossa)
24
. Tratava-se, na verdade, de um leigo,
em suposta penitência no monastério de Hinba. A penitência implicava em
jejum severo. Quando Columba visitou a ilha, aliviou a proibição de alimentos,
mas Neman se recusou a comer. Columba previu que um dia ele seria condenado
justamente pelo ato a que se recusava – seria pego com um bando de ladrões,
comendo carne roubada.
22. “Sobre um homem que nascera sob uma má estrela e que dormira com a própria
mãe” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 128. Tradução nossa)
25
. Columba previu
a chegada de um de seus monges, Lugaid, na companhia do dito homem (que
também assassinara ao irmão) e pediu que Diarmaid proibisse-o de pisar na ilha.
O homem pediu que Columba lhe impusesse uma penitência, ao que o santo
respondeu: “se você passar doze anos entre os bretões, se arrependendo com
lágrimas de remorso, e nunca retornar à Irlanda enquanto viver, Deus talvez
perdoe seu pecado” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 129. Tradução nossa)
26
.
Quando o homem partiu, Columba previu que ele não cumpriria a penitência,
voltaria à Irlanda e morreria.
23. “Da letra I” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 129. Tradução nossa)
27
, cuja
ausência seria o único erro (como previra Columba) no manuscrito que um de
seus monges, Baithéne, copiara.
24. “Sobre um livro que caiu no poço como o santo havia previsto” (ADOMNÁN in
SHARPE, 1995: 130. Tradução nossa)
28
quando vira um monge de nome
Luigbe moccu Min lendo no monastério.
22
“How the Saint spoke with foresight about a great whale”
23
“The Saint’s prophecy about a man named Báetán, who with others had set sail in search of a place of
retreat out at sea”
24
“The Saint’s prophecy about Neman, who pretended to do penance”
25
“About an ill-starred man who slept with his own mother”
26
“If you spend twelve years among the British, repenting with tears of remorse, and never return to
Ireland as long as you live, God may perhaps pardon your sin”.
27
“Of the letter I”
28
“About a book which fell into a water-butt as the Saint had foretold”
159
25. “Sobre um pequeno tinteiro tontamente derramado” (ADOMNÁN in SHARPE,
1995: 130. Tradução nossa)
29
: Columba previu que um visitante – que ouvia
chamando do outro lado do Estreito de Iona
30
– derrubaria seu tinteiro.
26. “Como o santo previu a chegada de outro visitante” (ADOMNÁN in SHARPE,
1995: 131. Tradução nossa)
31
. Desta vez, um dos seguidores de outro santo
irlandês, S. Brendan, o navegante. Columba previu que a chegada desse homem
significaria o relaxamento do jejum habitual.
27. “Sobre um homem digno de pena que gritava do outro lado do Estreito”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 131. Tradução nossa)
32
, Columba previu o
motivo de sua viagem – buscar remédios – e a inutilidade da mesma – o homem
morreria em sete dias.
28. “A profecia do santo sobre uma cidade italiana consumida por um fogo
sulfuroso enviado do céu” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 132. Tradução
nossa)
33
. Também informou o número de mortos - “três mil homens pereceram,
sem mencionar mulheres e crianças” (idem. Tradução nossa)
34
- e previu que a
notícia chegaria através de mercadores gauleses.
29. “A visão do homem abençoado de Lasrén mac Feradaig” (ADOMNÁN in
SHARPE, 1995: 133. Tradução nossa)
35
. Columba chorou ao pressentir que o
abade de Durrow, Lasrén mac Feradaig, pressionava os monges a trabalharem
num dia muito frio. O sofrimento do monge tocou em espírito a Lasrén que
decidiu suspender os trabalhos. Columba também isso pressentiu, alegrando-se.
30. “Como o sábio Fiachnael chegou como penitente a S. Columba, que previu sua
chegada” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 133. Tradução nossa)
36
. Columba
previu a chegada de um navio vindo da Irlanda trazendo um homem sábio que
pecara, se arrependera de seus pecados e partira em penitência. Em seguida,
chegou o barco com Fiachnael, que confessou publicamente seus pecados, aos
prantos. O monge considerou-o perdoado, por julgar verdadeiro seu
arrependimento e “alguns dias mais tarde, ele foi enviado a Baithéne, que estava,
na época, residindo como prior da igreja em Mag Luinge
37
[Tiree]”
(ADOMNÁN in SHARPE: 1995: 134. Tradução nossa)
38
.
29
“About a little ink-horn foolishly tipped over”
30
O Estreito de Iona é uma pequena faixa de mar (aproximadamente 1,5km) que separa a Ilha de Iona da
vizinha Ilha de Mull.
31
“How the Saint foretold the arrival of another visitor”
32
“About a pitiable man who shouted across the Sound”
33
“The Saint’s prophecy about an Italian city consumed by sulphurous (sic) fire from heaven”
34
“Three thousand men have perished, not to mention women and children”.
35
“The blessed man’s vision of Lasrén mac Feradaig”
36
“How the scholar Fiachnae came as a penitent to St Columba, who foretold his arrival”
37
Assim como Hinba, Mag Luinge era uma “casa filha de Iona na Dalriada, estabelecida sob supervisão
próxima de S. Columba” (SHARPE, 1995: 293. Tradução nossa).
“[A] daughter-house of Iona in Dalriada, established under close supervision from St Columba”.
38
“Some days later he was sent to Baithéne, who was at the time residing as prior of the church in Mag
Luinge [Tiree]”.
160
31. “A profecia do santo sobre seu monge Cailtan” (ADOMNÁN in SHARPE,
1995: 134. Tradução nossa)
39
. Columba previu que seu amigo e prior de Diún
40
,
o monge Cailtan, morreria em breve. Mandou então dois de seus monges chamá-
lo de volta a Iona, para que pudesse estar perto dele.
32. “A visão profética do santo sobre dois irmãos peregrinos” (ADOMNÁN in
SHARPE, 1995: 135. Tradução nossa)
41
. Dois irmãos chegam à Iona com
intuito de passar um ano como penitentes na ilha. Columba permitiu que eles
ficassem, mas exortou-lhes a tomar os votos de monge, ao que acataram
imediatamente. Depois de ordenados, Columba revelou sua previsão de morte
para os dois peregrinos.
33. “A profecia do santo sobre alguém chamado Artbranan” (ADOMNÁN in
SHARPE, 1995: 136. Tradução nossa)
42
, um pagão, sobre quem Columba
Columba previra – sem saber o nome – que chegaria a determinado ponto na
Ilha de Skye (onde o monge se encontrava) e lá seria batizado, morreria e seria
enterrado.
34. “Como o santo ordenou que o barco fosse movido à noite” (ADOMNÁN in
SHARPE, 1995: 137. Tradução nossa)
43
. Certa noite, quando estava com alguns
de seus seguidores “do outro lado de Druim Alban” (idem. Tradução nossa)
44
,
Columba previu que a casa onde atracara seu barco seria queimada e ordenou
que seus irmãos movessem o barco para outro lugar.
35. “Sobre Gallán mac Fachtnai, que estava no distrito de onde Colgu mac Cellaig
veio” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 138. Tradução nossa)
45
, Columba
pressentiu a morte: “nesse exato momento, demônios estão arrastando para o
inferno um importante líder entre os chefes de seu distrito” (idem. Tradução
nossa)
46
.
36. “A profecia do homem santo sobre Findchán, fundador do monastério chamado,
em irlandês, Artchain, na ilha de Tiree
47
” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 138.
Tradução nossa)
48
. Findchán, motivado por um amor carnal, ordenou ao
assassino do High King Diarmait mac Cerbaill, Áed Dub, mesmo quando o
bispo recusou-se a fazê-lo. Columba, desaprovando a atitude, previu que a mão
de Findchán, com a qual ele abençoara Áed, morreria muitos anos antes dele.
39
“The Saint’s prophecy about his monk Cailtan”
40
Outra das casas filhas de Iona, como Hinba e Mag Luinge em Tiree.
41
“The Saint’s prophetic vision of two pilgrim brothers”
42
“The Saint’s prophecy about someone called Artbranan”
43
“How the Saint ordered the boat to be moved at night”
44
“On the other side of Druim Alban”. Richard Sharpe diz que Druim Alban é uma cadeia montanhosa na
Escócia a que Adomnán percebia como uma fronteira natural entre as terras dos escotos (Dalriada) e as
terras pictas (Cf SHARPE, 1995: 332-333). Assim, o outro lado de Druim Alban é território picto.
45
“About Gallán mac Fachtnai, who was in the district Colgu mac Cellaig came from”
46
“At this moment devils are dragging off to hell one grasping leader from among the chief men of your
district”.
47
Não confundir com o monastério (na mesma ilha), fundado por Columba que funcionava como casa
irmã de Iona.
48
“The blessed man’s prophecy about Findchán, founder of the monastery called in Irish Artchain on the
island of Tiree
161
Previu também que Áed voltaria à Irlanda, onde – mesmo ordenado – incorreria
em seus antigos modos violentos e pela violência morreria.
37. “Como o espírito do homem santo trouxe conforto aos monges trabalhadores
quando estavam na estrada” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 139. Tradução
nossa)
49
: todos os dias, os monges de Iona que trabalhavam nos campos,
sentiam-se confortados ao chegarem ao meio de caminho quando voltavam para
o monastério. Certo dia, Baithéne pediu que falassem sobre isso e lhes explicou
que se tratava do espírito de Columba, preocupado com seus irmãos. Também a
voz de Columba encontrou seus monges em outros lugares da ilha quando
cantava os salmos na igreja do monastério. Além disso, sua voz encontrou
também a um dos reis pictos, chamado Bridei, quando este se achava acampado
com seu exército e cercado por seus magos.
38. “Sobre um homem rico chamado Lugaid, o Coxo” (ADOMNÁN in SHARPE,
1995: 141. Tradução nossa)
50
, que mantinha o antigo costume irlandês da
poligamia, a quem o santo viu em uma de suas visitas à Irlanda e profetizou que
morreria sendo dono de apenas três cabeças de gado, engasgado na carne de uma
delas.
39. “A profecia do santo sobre Neman mac Gruthriche” (ADOMNÁN in SHARPE,
1995: 142. Tradução nossa)
51
relacionava-se com as circunstâncias de sua morte
e foi feita depois que o homem rira de Columba que lhe reprovava o
comportamento.
40. “A profecia do santo sobre um padre” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 142.
Tradução nossa)
52
. Na verdade, menos uma profecia e mais uma visão dos
segredos de um padre que fora escolhido por seus irmãos no mosteiro de Trevet
para celebrar a missa: ele não seria, como criam os outros, piedoso, pois
escondia um grande pecado.
41. “A profecia do santo sobre Erc moccu Druidi, um ladrão que vivia na Ilha de
Coll” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 143. Tradução nossa)
53
, consistiu-se
menos em profecia e mais em visões. Primeiro viu o homem quando esse se
escondia em Mull, esperando o melhor momento para caçar focas que
pertenciam à Iona. Tempos depois, viu que o mesmo homem estava à beira da
morte, de volta à Ilha de Coll e mandou que Baithéne lhe mandasse de presente
carne e grãos, os quais foram usados em seu velório.
42. “A profecia do santo sobre Crónán, o poeta” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995:
144. Tradução nossa)
54
. Crónán era, na verdade, mais do que um poeta. Era o
que os irlandeses chamavam de fili. Assim como seus companheiros, “ocupava
uma posição de grande privilégio na sociedade irlandesa, como parte de uma
classe profissional estudada, guardiães da lei, genealogia e outros ensinamentos
49
“How the holy man’s spirit brought comfort to working monks on the road
50
“About a rich man called Lugaid the Lame”
51
“The Saint’s prophecy about Neman mac Gruthriche”
52
“The Saint’s prophecy about a priest”
53
“The Saint’s prophecy about Erc moccu Druidi, a thief who lived in the isle of Coll”
54
“The Saint’s prophecy about Crónán the poet”
162
tradicionalmente importantes” (SHARPE, 1995: 304. Tradução nossa)
55
. Por
isso os monges que estavam com Columba se espantaram ao vê-lo deixar ir
embora sem antes cantar uma de suas composições. Columba previu, porém, que
de nada adiantaria o homem alegrar aos monges, porque não encontraria alegria
ele próprio, já que, naquela mesma hora, já estava morto.
43. “A profecia do santo sobre dois governantes que mataram um ao outro”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 145. Tradução nossa)
56
: quando Columba, em
Iona, pressentiu que o duplo assassinato acontecera na Irlanda e previu a
chegada de um barco com a notícia. Neste capítulo ele conversa com Luigbe
moccu Blai sobre os motivos e as formas de suas revelações proféticas.
44. “Sobre o Bispo Crónán” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 147. Tradução
nossa)
57
. Columba soube ao olhar no rosto de Crónán que ele não era apenas um
peregrino, como declarara, “por humildade” (idem. Tradução nossa)
58
, mas sim
um bispo e que merecia, portanto, honras como tal.
45. “A profecia do santo sobre o padre Ernán” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995:
147. Tradução nossa)
59
, que era seu tio: quando o enviou para ser prior do
monastério de Hinba, previu que não mais o veria vivo. O monge adoeceu pouco
tempo depois e pediu para voltar à Iona para ver seu sobrinho e abade. Chegou a
desembarcar na ilha, mas morreu de repente, ainda na praia, sem que tivesse se
encontrado com Columba.
46. “A profecia do santo sobre a família de um leigo” (ADOMNÁN in SHARPE,
1995: 148. Tradução nossa)
60
: Columba – ao ver esse leigo se aproximar –
soube que o distrito em que ele morava estava sendo saqueado, mas que sua
família estava a salvo, ainda que o homem tivesse perdido seu gado e mobiliário.
47. “A profecia do santo sobre um leigo chamado Guaire mac ‘Aedáin”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 149. Tradução nossa)
61
, que lhe perguntara
sobre como morreria: “Você não morrerá em batalha nem no mar. Mas um
companheiro de jornada, de quem você não suspeita nada, será a causa de sua
morte” (idem. Tradução nossa)
62
. Guaire foi morto pela própria faca.
48. “Sobre outro assunto sobre o qual, ainda que pequeno, eu acho que não deveria
me silenciar [vez que fala de] o fortuito conhecimento prévio e profecia do
santo” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 150. Tradução nossa)
63
. Columba
previu a chegada de um pássaro (uma grua), vindo da Irlanda. Disse que ele
55
“[The poet] occupied a position of high privilege in Irish society as part of a professional learned class,
custodians of law, genealogy and other traditionally important learning”.
56
“The Saint’s prophecy about two rulers who killed one another”
57
“About Bishop Crónán”
58
“Out of humility”.
59
“The Saint’s prophecy about the priest Ernán”
60
“The Saint’s prophecy about a layman’s family”
61
“The Saint’s prophecy about a layman called Guaire mac Áedáin”
62
“You will not die in battle nor at sea. But a companion of your journey, from whom you suspect
nothing, will be the cause of your death”.
63
“About another subject, though a little one, I think I should not pass over in silence the Saint’s happy
foreknowledge and prophecy”
163
estaria cansado e precisaria de cuidados. Depois de três dias, porém, estaria
melhor e não haveria de ficar em Iona, mas voltaria para a Irlanda.
49. “O conhecimento prévio do homem abençoado sobre a batalha travada, muitos
anos depois, no forte de Dún Cethirn, e sobre uma pequena fonte próxima ao
terreno daquele forte” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 151. Tradução nossa)
64
.
Caminhando com o abade Comgall, Columba observou que a água da fonte
próxima da qual se encontrava se tornaria, no futuro, imprópria para consumo,
por conta do sangue derramado pela batalha que haveria de acontecer próximo
dali, no forte de Dún Cethirn.
50. “Sobre a distinção entre diferentes oferendas como revelada pelo santo pela
graça de Deus” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 152. Tradução nossa)
65
. Ainda
na Druim Cett, Columba recebou diversas oferendas para abençoar. Apenas
olhando-as conseguiu saber qual viera de um homem avaro (Columb mac Áedo
– que pediu perdão ao santo e prometeu mudar seu comportamento) e qual viera
de um homem verdadeiramente generoso (chamado Brendan).
Livro II
1. “Do vinho feito da água” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 154. Tradução
nossa)
66
. Columba transformou a água que havia buscado no poço em vinho
para a missa, quando não se podia encontrar vinho, mas não aceitou que o
milagre fosse creditado a ele. Disse ter sido seu mestre, Bispo Uinniau.
2. “Como o fruto amargo de uma árvore se transformou em doçura pela bênção
do santo” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 155. Tradução nossa)
67
.
Tratava-se de uma árvore que dava muitos frutos, que todos achavam ser
amargos demais. Columba abençoou os frutos e invocou o nome do senhor,
transformando-os em frutos doces.
3. “Como, quando S. Columba vivia em Iona, uma colheita foi plantada depois
do meio do verão e colhida no começo de agosto, por conta da prece do
santo” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 155. Tradução nossa)
68
. Columba
ordenou que seus monges trocassem o vime de um leigo que vivia próximo
de Iona por cevada que ele deveria plantar imediatamente, pois, mesmo
tendo passado o tempo do plantio, a colheita seria boa.
4. “De uma nuvem tomada pela doença e da cura de muitas pessoas”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 156. Tradução nossa)
69
. Columba viu uma
nuvem surgir no horizonte e previu que ela levaria uma doença horrorosa
para os homens e o gado de certa parte da Irlanda. Abençoou então diversos
pães e os deu a um de seus monges, Silnán mac Nemaidon moccu Sogin,
64
“The blessed man’s foreknowledge about a battle fought, many years later, at the fort of Dún Cethirn,
and about a little spring near the land of that fort”
65
“Concerning the distinction between different offerings as revealed to the saint by the grace of God”
66
“Of wine made from water”
67
“How the bitter fruit of a tree was turned to sweetness by the saint’s blessing”
68
“How, when St Columba was living in Iona, a crop was sown after midsummer and was harvested at
the beginning of August, at the Saint’s prayer”
69
“Of a disease-laden cloud and the healing of very many people”
164
ordenando-o a ir à Irlanda. Ele deveria molhar os pães na água e salpicar as
pessoas com ela, para curá-las.
5. “A respeito da santa virgem Mogain, filha de Daiméne, que vivia em
Clochar Macc nDaiméni” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 158. Tradução
nossa)
70
, cuja bacia fraturada Columba curou, tendo sabido de sua aflição
enquanto estava em Iona. Ordenou que um de seus monges, Lugaid, levasse
uma caixa de madeira abençoada, jogasse-a na água e benzesse a Mogain
que se curaria e viveria ainda 23 anos.
6. “Sobre a cura de várias enfermidades em Druim Cett” (ADOMNÁN in
SHARPE, 1995: 159. Tradução nossa)
71
, é interessante transcrever a última
frase: “Muitas pessoas doentes colocavam sua confiança nele e recebiam a
cura completa, alguns de suas mãos estendidas, alguns ao serem salpicados
com água que ele abençoara, outros pelo mero toque na barra de seu manto,
ou por alguma coisa como sal ou pão abençoado pelo santo e mergulhado a
água” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 159. Tradução nossa)
72
.
7. “Sobre um bloco de sal abençoado pelo santo que o fogo não conseguiu
destruir” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 159. Tradução nossa)
73
,
Admnán, nos conta nesse capítulo que ele também já curara à irmã (e “mãe
adotiva”) de um dos monges de Columba – Colgu mac Cellaig, que levara o
bloco em nome do santo e pendurara-o sob a cama da enferma. Tempos
depois, quando a casa pegou fogo, tudo foi destruído, menos a parede a que
estava pregado o bloco de sal.
8. “A respeito da folha de um livro, escrito por S. Columba, que a água não
conseguiu danificar” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 160. Tradução
nossa)
74
. Trata-se, na verdade, de um “milagre póstumo”. Quando o corpo
de um rapaz foi recuperado depois de vinte dias nas águas do Rio Boyne, na
Irlanda, sua sacola foi aberta e verificou-se que todos os livros que nela
estavam haviam sido destruídos, com exceção de uma folha, escrita por
Columba.
9. “Outro milagre do mesmo tipo” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 160.
Tradução nossa)
75
: um livro escrito por Columba que pertencia a um padre
chamado Éogenán ficou submerso na água desde o Natal até a Páscoa.
Quando foi recuperado, a bolsa em que estava havia apodrecido, mas o livro
permanecia intacto.
10. “Como as preces do santo fizeram brotar água de uma rocha” (ADOMNÁN
in SHARPE, 1995: 161. Tradução nossa)
76
, por ocasião do batizado de um
70
“Concerning the holy virgin Mogain, daughter of Daiméne, who lived in Cloachar Macc nDaiméni”
71
“On the healing of various ailments at Druim Cett”
72
“Many sick people put their trust in him and received full healing, some from his outstretched hand,
some from being sprinkled with water he had blessed, others by the mere touching of the edge of his
cloak, or from something such as salt or bread blessed by the Saint and dipped in water”.
73
“About a block of salt blessed by the Saint which fire could not destroy”
74
“Concerning one leaf of a book, written by St Columba, which water could not damage”
75
“Another miracle of the same type”
76
“How the prayers of the Saint drew water from hard rock
165
menino chamado Ligu Cenncald, sobre quem o monge também profetizou.
Previu que ele teria vida longa e tornar-se-ia monge quando fosse homem.
11. “Sobre outro poço com propriedades maléficas que S. Columba abençoou na
terra dos Pictos” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 162. Tradução nossa)
77
.
Havia um poço na terra dos pictos que era considerado morada de um Deus
bastante cruel, pois quem bebia dessa água ou nela molhava as mãos ou os
pés, adoecia. Columba benzeu o poço e bebeu, junto com seus companheiros
de sua água. Nada lhes aconteceu. Na verdade, “depois que o santo havia-o
abençoado e nele se lavado, muitas enfermidades entre os habitantes locais
foram curadas por aquele poço” (ADOMNÁN in SHARPE, 195: 163.
Tradução nossa)
78
.
12. “Como S. Columba estava em perigo no mar e como ele acalmou a
tempestade com sua prece” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 163. Tradução
nossa)
79
. Tão logo quanto “o santo ficou de pé na proa e levantou suas mãos
para o céu em prece a Deus todo poderoso” (ADOMNÁN in SHARPE,
1995: 163. Tradução nossa)
80
, a tempestade que ameaçava o barco acalmou-
se.
13. “De um outro perigo similar no mar” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 163.
Tradução nossa)
81
. Quando outra tempestade ameaçava a embarcação de
Columba, previu que sua situação periclitante levaria o Abade Cainnech
(monastério de Aghaboe, Irlanda) a rezar por uma calmaria. Quando ela
veio, soube que o Abade correra para a igreja no momento em que soube da
necessidade de Columba.
14. “A respeito do cajado que S. Cainnech deixara no porto” (ADOMNÁN in
SHARPE, 1995: 164. Tradução nossa)
82
. Columba levou-o consigo para a
igreja e rezou. Quando Cainnech chegou em terra firme (ainda na Escócia),
percebeu-se de seu esquecimento e rezou. De repente, achou seu cajado a sua
frente.
15. “Como Baithéne e Colmán mac Beognai, ambos santos padres, pediram que
S. Columba clamasse a Deus para que ele desse a cada um deles um bom
vento, ainda que estivessem velejando em direções diferentes no mesmo dia”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 165. Tradução nossa)
83
. Columba previu
que Baithéne teria vento favorável no início da manhã. Soube quando o
monge chegou em segurança em Tiree e então ordenou que o vento alterasse
77
“About another well with evil properties which St Columba blessed n Pictland”
78
“After the Saint had blessed it and washed in it, many ailments among the local people were cured by
that well”.
79
“How St Columba was in peril on the sea and how he stilled the storm by his prayer”
80
“The Saint stood up in the prow and raised his hands to heaven in prayer to the almighty God”. Típica
atitude de prece dos cristãos da época (ver Capítulo I: De Contextos; 1.4. A Escócia antes de Columba;
Figura 02).
81
“Of another similar danger at sea”
82
“Concerning St Cainnech’s staff left behind at the harbour”
83
“How Baithéne and Colmán mac Beognai, both holy priests, asked St Columba to call on God to give
them each a fair wind though they were sailing in different directions on the same day”
166
seu curso para que Colmán pudesse navegar para a Irlanda. Quando o monge
partiu, previu que não voltariam a se ver nessa vida.
16. “Como S. Columba espantou um demônio escondido no fundo de um balde
de leite” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 166. Tradução nossa)
84
: ele
abençoou o balde e rezou em nome de Deus. O balde tremeu e o leite
derramou. Colmán Ua Briúin, o monge que o trouxera, caiu de joelhos e
Columba o repreendeu por ter sido negligente em seu serviço, mas abençoou
o balde para que ele se enchesse novamente de leite.
17. “Sobre um balde que um feiticeiro chamado Silnán encheu com leite de um
touro” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 167. Tradução nossa)
85
. Columba
primeiro previu a chegada de Silnán e outro homem com quem este tinha
uma contenda. Solucionou-a e ordenou que Silnán fosse tirar o leite de um
touro. Quando o balde lhe foi entregue, revelou que aquele leite, era, na
verdade, sangue. Abençoou o balde e o leite tornou-se vermelho. Em
seguida, o touro adoeceu e ficou à beira da morte, mas Columba o salvou.
18. “Sobre Luigne moccu Min” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 168. Tradução
nossa)
86
. O monge reclamara a Columba de um sangramento no nariz que o
acompanhava há algum tempo. Columba “apertou suas narinas entre o dedão
e o indicador de sua mão direita, e o abençoou” (ADOMNÁN in SHARPE,
1995. Tradução nossa)
87
, curando-o.
19. “Como Deus especialmente providenciou peixes para S. Columba”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 168. Tradução nossa)
88
. O capítulo conta
duas situações parecidas. Na primeira, no rio Shiel, Columba previu que os
companheiros deveriam jogar a rede novamente, pois pegariam um grande
peixe. Na segunda, e Lough Key, previu que durante dois dias nada
pescariam, mas no terceiro haveriam de encontrar dois grandes peixes.
20. “Sobre Nesán, o Torto, que vivia no distrito de Lochaber” (ADOMNÁN in
SHARPE, 1995: 169. Tradução nossa)
89
. Era um homem pobre, mas recebeu
Columba em sua casa tão bem quanto pôde. O santo abençoou seu gado,
para que ele se multiplicasse e previu a continuidade e prosperidade da
família. Em oposição, há uma segunda anedota, sobre um rico homem
chamado Vigen que recusou hospitalidade a Columba. Ele então previu a
ruína financeira, a morte do homem e o fim de seu nome.
21. “Uma história similar sobre um homem chamado Colmán, cujo gado era
pouco em número, mas que S. Columba abençoou e, desde então, aumentou
em cem cabeças” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 170. Tradução nossa)
90
.
Columba se hospedou na casa de um leigo chamado Colmán e, por sua
84
“How St Columba drove out a devil hiding at the bottom of a milk-pail”
85
“About a pail that a sorcerer called Silnán filled with milk from a bull”
86
“About Luigne moccu Min”
87
“[Columba] squeezed his nostrils between the thumb and forefinger of his right hand, and blessed him”.
88
“How God specially provided fish for St Columba”
89
“About Nesán the Crooked who lived in the district of Lochaber”
90
“A similar story about a layman called Colmán, whose cattle were few in number, but St Columba
blessed them and thereafter they increased by one hundred”
167
hospitalidade, abençoou as cinco cabeças de gado para que se tornassem 105
e previu a continuidade e abundância da família.
22. “Como homens cruéis que tinham caçoado de S. Columba foram destruídos”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 171. Tradução nossa)
91
. Havia um homem
chamado Ioan mac Connail maic Domnaill que roubara três vezes a casa de
Colmán, o homem a quem Columba abençoara. Columba o repreendeu e ele
caçoou do monge. Columba então entrou no mar e rezou. Em seguido previu
que os ladrões não voltariam, pois uma violenta tempestade os mataria em
alto mar.
23. “Sobre alguém chamado Feradach levado por uma morte súbita”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 172. Tradução nossa)
92
. Columba pedira a
Feradach, um homem rico, que acolhesse a um membro da casa real picta,
chamado Taran. Feradach assim o fez, mas depois de algum tempo, ordenou
o assassinato de Taran. Columba então previu que como castigo por seu ato,
Feradach morreria. Previu também as circunstâncias da morte de Feradach.
24. “A respeito de um outro homem ímpio, um saqueador de igrejas, cujo nome
significa ‘Mão Direita’” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 173. Tradução
nossa)
93
, a quem Columba excomungara e que, em retaliação, tentara matá-
lo: o monge soube de sua morte, que aconteceu exatamente um ano depois
do atentado.
25. “Novamente sobre outro perseguidor de inocentes” (ADOMNÁN in
SHARPE, 1995: 174. Tradução nossa)
94
. Columba estava ainda no Leinster,
estudando com seu mestre, chamado Gemmán quando viram uma garota que
fugia de um perseguidor e tentou salvar-se segurando o manto dos monges.
Mesmo assim foi morta. Columba então previu que o homem morreria
naquele mesmo instante.
26. SEM TÍTULO pelo autor. Trata-se de um capítulo que fala sobre o costume
de Columba de se afastar dos irmãos para rezar. Quando entrou em uma
floresta, encontrou um javali. Rezou e ordenou que o javali morresse. Assim
aconteceu.
27. “Como uma besta aquática foi expulsa pelo poder da prece do homem
abençoado” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 175. Tradução nossa)
95
. Este
capítulo trata, na verdade, do famoso “Monstro do Loch Ness”. Columba
ordenou que um de seus monges mergulhasse no lago onde a besta acabara
de atacar a um homem. Luigbe moccu Min obedeceu imediatamente.
Quando “Nessie”, como o monstro é hoje conhecido apareceu, Columba
ordenou-o que fosse embora.
91
“How men of evil who had scorned St Columba were destroyed”
92
“About someone called Feradach carried off by sudden death”
93
“Concerning another impious man, an attacker of churches, whose name means ‘Right Hand’”
94
“Again concerning another persecutor of innocents”
95
“How a water beast was driven off by the power of the blessed man’s prayer”
168
28. “Como S. Columba abençoou a terra dessa ilha de forma que desde então o
veneno das cobras não pudesse mais machucar a ninguém aqui”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 177. Tradução nossa)
96
. Pouco antes de
morrer visitou alguns irmãos que trabalhavam, previu que não voltaria a vê-
los, pois morreria logo e expulsou as cobras da Ilha de Iona.
29. “Da faca que S. Columba abençoou com o sinal da cruz do Senhor”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 177. Tradução nossa)
97
. Na verdade,
abençoou a faca sem saber o que abençoara. Quando seu servente, Diarmait,
respondeu que se tratava de uma faca para matar o gado, Columba disse que
a faca seria ineficiente.
30. “Como a doença de Diarmait foi curada” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995:
178. Tradução nossa)
98
: pela prece de Columba que também previu que ele
sobreviveria a si próprio.
31. “Como Fintan mac Áedo foi curado embora estivesse à beira da morte”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 179. Tradução nossa)
99
. Finta era um
monge companheiro de Columba que adoeceu quando eles estavam na terra
dos pictos. O santo rezou por ele, curou-o e previu vida longa.
32. “Como S. Columba, em nome do Senhor, ressuscitou um garoto”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 179. Tradução nossa)
100
. Numa visita à
Terra dos Pictos, Columba convertera uma família inteira – e seus serventes.
Pouco depois, o menino morreu e Columba temendo que os magos
dissessem que a morte era um castigo dos verdadeiros deuses sobre o fraco
Deus Cristão, foi à casa do garoto, rezou e ressucitou-o.
33. “Como Broichan, um mago, foi atingido pela doença quando ele se recusou
a libertar a escrava, mas se curou quando a libertou” (ADOMNÁN in
SHARPE, 1995: 181. Tradução nossa)
101
. Columba estava na casa de um rei
picto, chamado Bridei, num jantar ao qual também estava presente o mago
Broichan. Columba pediu ao mago que libertasse sua escrava. Ele se recusou
e Columba previu que ele cairia gravemente doente e só se salvaria se
libertasse a escrava. Quando engasgou, foi curado por um seixo que
Columba abençoara, depois de prometer libertar a escrava.
34. “Da resistência de S. Columba a Broichan, o mago, e de um vento contrário”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 182. Tradução nossa)
102
. Depois de liberta
a escrava, Broichan continuou a se opor a Columba e ao Deus cristão e
prometeu ao monge que ele não conseguiria voltar para Iona quando
pretendia, pois seus Deuses mandariam um vento contrário. De fato, no dia
96
“How St Columba blessed the ground in this island so that thereafter the poison of snakes should not
harm anyone here”
97
“Of a knife which St Columba blessed with the sign of the Lord’s cross”
98
“How Diarmait’s sickness was healed”
99
“How Fintan mac Áedo was healed though on the point of death”
100
“How St Columba in the Lord’s name raised a boy from the dead”
101
“How Broichan, a wizard, was stricken with sickness when he refused to release a female slave, but
was healed when he released her”
102
“Of St Columba’s resistance to Broichan the wizard, and of a contrary wind”
169
da partida, havia neblina sobre o lago e o vento era contrário. Entretanto,
Columba fez com que seus marinheiros e companheiros partissem, de
qualquer forma e, rezando, conseguiu fazer com que o vento mudasse de
direção.
35. “Como os portões da fortaleza real se abriram de repente por si próprios”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 184. Tradução nossa)
103
: “Primeiro ele
[Columba] os traçou [aos portões da fortaleza real] com o sinal da cruz do
Senhor e apenas então ele levou sua mão à porta para bater. Imediatamente,
as travas se moveram e as portas se abriram com toda velocidade”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 184. Tradução nossa)
104
. A partir deste
dia, o rei Bridei e seus nobres, embora não tivessem se convertido, passaram
a tratar Columba com todas as honras possíveis.
36. “Sobre uma abertura similar das portas da igreja em Terryglass”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 184. Tradução nossa)
105
. Columba visitava
o monastério de Terryglass, na Irlanda. Quando lá chegou, os monges não
conseguiam encontrar as chaves que trancavam a porta da frente da igreja.
Columba então disse que o Senhor poderia abri-las mesmo sem as chaves
(Cf ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 185) e imediatamente as portas se
abriram.
37. “De certo leigo, um pedinte, para quem S. Columba fez uma armadilha que
abençoou para caçar animais selvagens” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995:
185. Tradução nossa)
106
. O capítulo conta também como o mendigo
prosperou e tornou-se relativamente rico e como foi tentado, pela mulher, a
livrar-se do presente que o monge lhe dera, pois ela temia que algum de seus
filhos se machucasse. Quando ele lhe deu ouvidos, voltaram à mendicância.
38. “Como um saco com leite foi carregado na maré baixa e trazido de volta ao
mesmo lugar na próxima maré alta” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 187.
Tradução nossa)
107
.
39. “A profecia de S. Columba sobre Librán do leito de junco” (ADOMNÁN in
SHARPE, 1995: 188. Tradução nossa)
108
. Trata-se, na verdade, de um
capítulo bastante longo que conta praticamente toda a vida de um monge
chamado Librán, que passa a ser conhecido como “Librán do leito de junco”
por conta de seu trabalho, juntando junco. Librán chegou a Iona como
penitente e confessou a Columba que ele havia matado um homem na
Irlanda e fora salvo da morte por um primo seu que pagara sua liberdade;
mesmo assim ele fugira, porque preferia servir a Deus do que a um homem.
Columba mandou-lhe por sete anos em penitência a Tiree. Depois, quando
ele voltou a Iona, mandou-lhe voltar a Irlanda para conseguir sua liberdade e
103
“How gates of the royal fortress suddenly opened on their own”
104
“First he signed them with the sign of the Lord’s cross and only then did he put his hand to the door to
knock. At once the bars were thrust back and the doors opened of themselves with all speed”.
105
“About a similar opening of the church-door at Terryglass”
106
“Of a certain layman, a beggar, for whom St Columba made a stake and blessed it for hunting wild
animals”
107
“How a milk-skin was carried away on the ebb and brought back to the same place on the next tide”
108
“St Columba’s prophecy about Librán of the reed-bed”
170
pagar seu dever filial ao pai. Só então ele retornou à Iona, de onde Columba
o enviou de volta para Tiree, agora ordenado, e previu as circunstâncias e o
local de sua morte.
40. “A respeito de certa jovem que, como uma filha de Eva, sofreu grandes
dores durante um parto difícil”. (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 194.
Tradução nossa)
109
. Tratava-se, na verdade de uma parenta distante de
Columba que, durante um parto particularmente difícil chamou pelo monge
para que ele intercedesse por ela junto a Deus. Embora ela estivesse na
Irlanda e ele em Iona, o monge soube de sua agonia, rezou por ela e soube
que o parto correra bem.
41. “A respeito de um homem chamado Luigne ‘o pequeno martelo’, um
remador, que vivia em Rathlin, cuja esposa o odiava por sua feiúra”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 194. Tradução nossa)
110
. Nesse capítulo
ficamos sabendo sobre Luigne e sua esposa, que o recusava em sua cama.
Columba conversa com a esposa e tenta convencê-la dos sagrados deveres
do casamento. O casal e o monge jejuaram e Columba rezou pelos dois
durante a noite. No dia seguinte, ela confessou que “durante a última noite,
eu não sei como, meu coração mudou dentro de mim de abominação para
amor” (idem. Tradução nossa)
111
.
42. “A profecia de S. Columba a respeito da viagem de Cormac Ua Liatháin”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 196. Tradução nossa)
112
. Cormac Ua
Liatháin já partira uma vez em busca de um retiro no mar (Capítulo I 6).
Esse capítulo conta sobre suas outras duas viagens em busca desse mesmo
lugar. Sobre a segunda viagem, Columba previu que ele chegaria às Ilhas
Orkney e por isso, certa feita, enquanto visitava o rei Bridei, recomendou a
ele e a seu refém, o sub-rei das ditas ilhas, que tratassem bem a Cormac,
como de fato fizeram. Sobre a terceira viagem, Columba soube, enquanto ela
acontecia, que eles haviam passado do espaço já viajado pelo homem e
estavam em grandes dificuldades. Assim, rezou com sua comunidade em
Iona e, desta forma, mudou a direção dos ventos para que a embarcação em
que Cormac se encontrava pudesse voltar para a segurança de águas
(relativamente) conhecidas.
43. “Como S. Columba andou em uma carruagem
113
sem a proteção necessária
dos pregos” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 199. Tradução nossa)
114
.
Estes “pregos” eram responsáveis por manter as rodas presas ao resto do
veículo. Columba e outro monge, chamado Colmán mac Echdach, andaram
109
“Concerning a certain young woman who as a daughter of Eve suffered great pains during a difficult
childbirth”
110
“Concerning a man called Luigne ‘the little hammer’, a steersman, who lived in Rathlin, whose wife
hated him for his ugliness”
111
“During last night, I know not how, my heart was changed within me from loathing to love”.
112
“St Columba’s prophecy concerning the voyage of Cormac Ua Liatháin”
113
A carruagem irlandesa era um veículo de duas rodas, puxado por dois cavalos. Era bastante rápida e
dependia de um bom sistema de estradas e caminhos construídos com toras de madeira nas áreas
pantanosas. Tanto clérigos quanto guerreiros parecem ter se servido desse meio de transporte (Cf
SHARPE, 1995: 299).
114
“How St Columba rode in a chariot without the necessary protection of linchpins”
171
o dia todo nessa carruagem, sem que as rodas se soltassem, pois o monge a
havia abençoado.
44. “Como, em honra de S. Columba, o Senhor trouxe chuva para um solo
quebradiço por meses de seca” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 199.
Tradução nossa)
115
. Trata-se de outro milagre póstumo – o primeiro fora
relatado em II 8. Nesta ocasião o próprio Adomnán estava presente e viu a
terra de Iona secar com dois meses sem chuva. Os irmãos então resolveram
andar pelos campos com a túnica que Columba usava no dia em que morreu
e alguns dos livros que o próprio copiara, lendo em voz alta algumas
passagens. No mesmo dia a chuva veio e salvou a colheita.
45. “Como a intervenção de S. Columba transformou ventos contrários em
ventos favoráveis” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 200. Tradução
nossa)
116
. Este capítulo narra três ocasiões diferentes, nas quais Adomnán
esteve presente e, por intervenção dos pertences ou do nome de Columba, os
ventos mudaram de direção. A primeira história conta sobre a comunidade
de Iona esperando a chegada de um carregamento de madeira, que não podia
velejar por conta do vento. Os monges levaram a túnica e os livros de
Columba para a igreja, jejuaram e rezaram e os ventos mudaram de direção.
A segunda história tem o mesmo tema, e a mudança dos ventos foi
ocasionada por Adomnán perguntar ao espírito (ou nome do santo) em voz
alta se ele intencionava que a madeira não chegasse a Iona. A terceira
história narra a viagem de Adomnán e alguns companheiros de volta da
Irlanda (onde assistiram a um Sínodo). Por conta da falta de vento, ainda se
encontram nas terras da Dalriada Escocesa na véspera do dia da festa solene
em honra a Columba e Baithéne. Novamente Adomnán pergunta ao espírito
do santo se essa é sua vontade. No dia seguinte, um vento favorável e
extremamente eficiente leva a embarcação dos monges para Iona, a tempo
das celebrações.
46. “Sobre a praga” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 203. Tradução nossa)
117
,
Adomnán afirma que embora tenha sido terrivelmente cruel por duas vezes
durante sua vida na Bretanha e na Irlanda, por intervenção do santo, poupara
a população da Terra dos Pictos e os Irlandeses que viviam na Bretanha”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 203. Tradução nossa)
118
.
115
“How in honour of St Columba the Lord brought rain to ground parched by months of drought”
116
“How the intercession of St Columba changed contrary winds into favourable winds”
117
“About the plague”
118
“The population of Pictland and the Irish who lived in Britain”.
172
Livro III
1. SEM TÍTULO pelo autor, trata-se da visita de um anjo de Senhor à mãe de
Columba. “Mulher, não se preocupe, pois você dará ao homem a quem você foi
unida em casamento, um filho de tal flor que ele será reconhecido como um dos
profetas. Ele está destinado por Deus para guiar inúmeras almas ao reino
celeste” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 206. Tradução nossa)
119
.
2. “De um raio de luz visto sobre a face do garoto adormecido” (ADOMNÁN in
SHARPE, 1995: 206. Tradução nossa)
120
. O pai “adotivo” de Columba, um
padre chamado Cruithnechán viu, ao chegar em casa, Columba, ainda garoto,
adormecido e sobre ele uma luz celestial.
3. “Como S. Brendan viu uma aparição de anjos santos andando com S. Columba
na planície” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 207. Tradução nossa)
121
. Esse
capítulo conta como uma errônea excomunhão imposta a Columba durante um
Sínodo em Teltwon, Co. Meath foi revertida: S. Brendan, fundador do
Monastério de Birr, contou como vira o monge se aproximar do local de reunião,
precedido por uma coluna de luz que eram, na verdade, anjos que o
acompanhavam.
4. “Como S. Uinniau viu que o acompanhante de viagem do santo era um anjo do
Senhor” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 208. Tradução nossa)
122
. S. Uinniau
era o mestre de Columba e viu seu discípulo se aproximar, acompanhado de
anjos.
5. “Do anjo do Senhor que foi enviado para S. Columba para pedir a ele que
consagrasse Áedán como rei, e que apareceu para ele em uma visão enquanto ele
estava na ilha de Hinba” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 208. Tradução
nossa)
123
. Columba foi visitado por um anjo que lhe disse que ordenasse Áedán
como rei da Dalriada. Columba primeiro se recusou, pois preferia o irmão mais
novo de Áedán, Éoganán para o cargo. O anjo então “atingiu o santo com um
chicote, a cicatriz de tal permaneceu com ele pelo resto de sua vida”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 208. Tradução nossa)
124
. Por três noites o anjo
visitou Columba e lhe deu a mesma ordem. Columba então voltou para Iona,
onde encontrou Áedán e lhe ordenou rei, prevendo ainda que seu reinado
independente duraria apenas enquanto nem ele nem seus sucessores se
voltassem contra o monge, seus sucessores ou seus parentes na Irlanda.
119
“Woman, do not be distressed, for you shall bear to the man to who you are joined in marriage a son of
such flower that he shall be reckoned as one of the prophets. He is destined by God to lead innumerable
souls to the heavenly kingdom”.
120
“On a ray of light seen over the face of the sleeping boy”
121
“How St Brendan saw an apparition of holy angels walking with St Columba over the plain”
122
“How St Uinniau saw that the saint’s traveling companion was an angel of the Lord”
123
“Of the angel of the Lord who was sent to St Columba to bid him ordain Áedán as king, and who
appeared to him in a vision while he was living in the island of Hinba”
124
“[The angel] struck the saint with a whip, the scar from which remained with him for the rest of his
life”.
173
6. “Como anjos foram vistos carregando a alma de um santo bretão para o céu”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 210. Tradução nossa)
125
. Segundo Adomnán,
o primeiro homem a morrer na ilha teria sido um monge bretão
126
. Columba não
estava presente na hora da morte, mas viu a alma de seu irmão sendo levada ao
céu por anjos. Outro monge, chamado Áedán mac Libir, estava com Columba,
mas não viu os anjos.
7. “A respeito de uma visão revelada a S. Columba na qual anjos levavam a alma
de um homem chamado Diarmait ao céu” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 210.
Tradução nossa)
127
. Columba estava em Iona acompanhado de um peregrino
irlandês quando soube que, naquele instante, a alma de um homem do mesmo
distrito do peregrino estava sendo levado para o céu por anjos. O peregrino
então perguntou se se trataria de Diarmait, um monge que construíra um
monastério em Airthir, ao que Columba respondeu que sim.
8. “De uma terrível luta com demônios contra os quais S. Columba recebeu ajuda
oportuna de anjos” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 211. Tradução nossa)
128
.
Certa feita, quando se retirara de sua comunidade para rezar, Columba encontrou
um exército de demônios que pretendiam atacar o monastério. Ele se colocou na
frente desses soldados e lutou contra eles durante um bom tempo, sem resultado
para nenhum dos dois lados. Então, anjos apareceram e expulsaram os
demônios. Columba voltou para junto de sua comunidade, contou o que
acontecera e previu que os demônios haviam partido para a Ilha de Tiree e que
para lá levariam a morte. Poucos dias depois soube que a casa de Mag Luinge,
onde Baithéne era prior, escapara do ataque com apenas uma vítima.
9. “Como anjos apareceram para S. Columba carregando para o céu a alma de um
ferreiro chamado Columb Cóilrigin” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 212.
Tradução nossa)
129
. Columba soube que a alma de um ferreiro chamado Columb
Cóilrigin, que vivia em Meath, na Irlanda, estava sendo levada para o céu por
anjos.
10. “De uma visão similar, na qual S. Columba contemplou anjos carregando para
os céus a alma de uma mulher virtuosa” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 213.
Tradução nossa)
130
. Columba vê a alma de uma mulher ser levada para os céus
por anjos. Um ano depois, reencontra a alma da mesma, entre anjos, lutando pela
alma do marido, para que ela não caia nas mãos dos demônios.
125
“How angels were seen carrying the soul of a saintly Briton to heaven”
126
Outros autores discordam, pois parece bastante certo que o primeiro homem a morrer na Ilha de Iona
quando da chegada de Columba e seus companheiros teria sido Odran, mais tarde canonizado. As versões
sobre a morte de Odran são bastante variadas. Richard Sharpe, em suas notas sobre The Life of St
Columba (1995), oferece algumas delas. Em comum, as narrativas têm o fato de que Odran teria morrido
para consagrar o solo da ilha, o que, de fato, nos leva a pensar sobre a permanência do poder da imagem
do sacrifício humano que o cristianismo invocara nos celtas convertidos. Para detalhes sobre as narrativas
acerca da morte de Odran, ver SHARPE, 1995: 360-362.
127
“Concerning a vision revealed to St Columba in which angels led the soul of a man called Diarmait to
heaven”
128
“Of a fierce fight with demons in which St Columba received timely help from the angels”
129
“How angels appeared to St Columba carrying to heaven the soul of a blacksmith called Columb
Cóilrigin”
130
“Of a similar vision, in which St Columba beheld angels bearing to heaven the soul of a virtuous
woman”
174
11. “Como S. Columba viu anjos sagrados que vieram encontrar a alma de S.
Brendan, o fundador de Birr, na época de sua morte” (ADOMNÁN in SHARPE,
1995: 214. Tradução nossa)
131
. Columba ordenou a Diarmait que preparasse
tudo para a celebração da Eucaristia para o Dia de S. Brendan, pois soube que o
santo morrera durante a noite e sua alma fora levada por anjos para o céu,
embora nenhuma notícia tivesse ainda chegado a Iona.
12. “De uma visão na qual anjos sagrados carregaram ao céu a alma do Santo Bispo
Colmán moccu Loígse” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 214. Tradução
nossa)
132
. O Bispo Colmán moccu Loígse, do Leinster, era amigo de Columba.
Certa manhã, enquanto os irmãos se preparavam para suas atividades cotidianas,
Columba os impediu de continuar, ordenando que preparassem o que fosse
necessário para a celebração da Eucaristia e uma refeição especial. Durante a
celebração, pediu que adicionasse ao nome S. Martinho de Tours, o nome de
Colmán, pois ele morrera durante a noite e sua alma fora levada por anjos para o
céu.
13. “Como anjos apareceram vindo ao encontro das almas de alguns dos monges de
S. Comgall” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 215. Tradução nossa)
133
.
Columba soube que alguns dos monges de S. Comgall haviam se afogado no
Lough Belfast ; viu anjos e demônios lutando por suas almas e soube quando os
anjos venceram os demônios.
14. “Como anjos apareceram para encontrar a alma de Emchath” (ADOMNÁN in
SHARPE, 1995: 216. Tradução nossa)
134
. Emchath era “um homem pagão, que
passara sua vida inteira em bondade natural e estava agora muito velho”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 216. Tradução nossa)
135
. Certo dia, quando
Columba estava com seus seguidores próximos do Loch Ness, soube que a alma
de Emchath em breve seria levada por anjos, por isso dirigiu-se para a casa
deste, o mais rápido possível, a fim de batizá-lo.
15. “Como um anjo do Senhor trouxe ajuda precisa e oportuna a um monge que caiu
do topo de uma torre em um monastério em Durrow” (ADOMNÁN in
SHARPE, 1995: 216. Tradução nossa)
136
. Columba soube que um monge caía
da torre do monastério de Durrow. Viu um anjo em sua cabana e imediatamente
pediu que ele fosse salvar o monge. Soube, então, que o monge estava salvo.
16. “Como um grande número de anjos sagrados foi visto, vindo do céu para
conferir com S. Columba” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 217. Tradução
nossa)
137
. Columba decidiu isolar-se da comunidade e ordenou que não fosse
seguido. Um dos monges, porém, desobedeceu-o e viu Columba rezando em um
131
“How St Columba saw the holy angels who came to meet the soul of St Brendan, the founder of Birr,
at the time of his passing away”
132
“Of a vision in which holy angels carried to heaven the soul of the holy bishop Colmán moccu Loígse”
133
“How angels appeared coming down to meet the souls of some of St Comgall’s monks”
134
“How angels appeared to meet the soul of Emchath”
135
“A heathen man, who has spent his whole life in natural goodness and is now very old”.
136
“How an angel of the Lord brought swift and timely help to a monk who fell from the top of the round
house in the monastery of Durrow”
137
“How a great number of holy angels were seen, coming down from heaven to confer with St
Columba”
175
montículo em Iona. Viu também como anjos desceram do céu e conversaram
com o abade. Columba retornou à comunidade e perguntou quem lhe havia
desobedecido. Ele repreendeu ao monge e proibiu-lhe de falar sobre o que tinha
visto enquanto ele [Columba] vivesse.
17. “Como uma coluna de luz pareceu brilhar da cabeça de S. Columba”
(ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 219. Tradução nossa)
138
. Certa feita, quatro
santos – Comgall moccu Araidi, Cainnech moccu Dalan, Brendan moccu Altae e
Cormac Ua Liatháin – visitaram a Columba em Hinba. Durante a celebração da
Eucaristia, “S. Brendan viu uma radiante bola de fogo brilhando muito forte
acima da cabeça de S. Colmba quando ele estava em frente ao altar e consagrava
a oblação sagrada” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 219. Tradução nossa)
139
.
18. “Como o Espírito Santo desceu para visitar S. Columba na mesma ilha, e
permaneceu sobre ele durante três dias e três noites” (ADOMNÁN in SHARPE,
1995: 219. Tradução nossa)
140
. Columba estava em Hinba quando desta visita.
Trancou-se em sua cabana por três dias e três noites sem nada comer nem beber,
mas toda a comunidade pôde ver luzes celestiais saindo pelas frestas da
construção.
19. “Como o brilho da luz angélica foi visto sobre S. Columba na igreja, durante
uma noite de inverno, enquanto os irmãos estavam dormindo em suas celas, por
Fergnae, um jovem de bondade natural, que, pela vontade de Deus, foi, mais
tarde, também chefe da igreja em que eu também, ainda que não merecedor,
sirvo” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 220. Tradução nossa)
141
. Adomnán
ouviu essa história de Commán, sobrinho de Fergnae. O monge, certa noite,
tomado pelo amor divino, levantou-se e foi rezar numa das capelas laterais da
igreja de Iona. Pouco depois entrou Columba e com ele uma incrível luz
celestial para qual Fergnae não pôde olhar diretamente. No dia seguinte,
Columba chamou a Fernae e disse-lhe que ele agira certo ao não olhar
diretamente para a luz e pediu-lhe que não contasse o que viu enquanto ele
[Columba] vivesse.
20. “Uma visão similar da luz do céu” (ADOMNÁN in SHARPE, 1995: 221.
Tradução nossa)
142
. Um monge chamado Colgu mac Áedo Draigniche foi à
igreja de Iona rezar durante a noite e encontrou-a fechada, porém tomada por
luzes celestiais. Sem saber que Columba estava lá dentro, tentou entrar para ver
a luz mais de perto, mas foi tomado por um grande medo e recuou. No dia
seguinte, Columba o repreendeu por ter tentado chegar perto de uma luz divina
que não lhe era destinada e lhe proibiu de falar sobre o que vira enquanto ele
[Columba] vivesse.
138
“How a column of light seemed to shine from St Columba’s head”
139
“St Brendan moccu Altae saw a radiant ball of fire shining very brightly from St Columba’s head as he
stood in front of the altar and consecrated the sacred oblation”.
140
“How the Holy Spirit descended to visit St Columba in the same island, and remained over him for
three days and nights”
141
“How the brightness of angelic light was seen shining down on St Columba in church, one winter
night, while the brethren were sleeping in their chambers, by Fergnae, a young man of natural goodness,
who by the will of God later was the head of this church that I too, though unworthy, serve”
142
“A very similar vision of light from above”
176
21. “A respeito de outra aparição similar da luz divina” (ADOMNÁN in SHARPE,
1995: 222. Tradução nossa)
143
. Columba ordenou a um de seus pupilos, Berchán
Mes loen, que ele não fosse a sua cabana certa noite. Berchán desobedeceu-o e,
mesmo vendo a cabana cheia de manifestações de luzes celestiais, tentou espiar
pelo buraco da fechadura o que acontecia. Foi então tomado por um terrível
medo e fugiu. Columba o repreendeu no dia seguinte e previu que ele haveria,
como punição por seu pecado, de voltar para a Irlanda, onde sofreria muito, mas
que Deus ainda lhe permitiria que fizesse penitência e fosse perdoado antes de
morrer.
22. “Como S. Columba teve uma visão de anjos que se encaminhavam pra encontrar
sua alma sagrada como se ela fosse logo deixar seu corpo” (ADOMNÁN in
SHARPE, 1995: 223. Tradução nossa)
144
. Columba estava em sua cabana com
dois monges, Luigne moccu Blai e Pilu, o inglês, quando viu os anjos que pedira
a Deus que lhe enviasse para buscar-lhe quando completassem trinta anos do
início de sua peregrinação. Viu também os anjos se detendo e previu que eles só
poderiam chegar dentro de quatro anos, pois Deus atendera ao pedido de muitos
suplicantes que não queriam que Columba partisse imediatamente.
23. “Como nosso padroeiro, S. Columba, passou para o Senhor” (ADOMNÁN in
SHARPE, 1995: 225. Tradução nossa)
145
. Trata-se de um capítulo bastante
longo e emotivo, com grande poder poético que descreve os últimos dias da vida
de Columba, demorando-se mais longamente no último desses dias. Diarmait, o
fiel servente, aparece aqui inconsolável quando o monge lhe diz que certo dia
seria o último de sua vida. É ele quem segura o corpo do monge quando sua hora
finalmente chega. Adomnán então conta sobre visões que outros homens que
chama de santos tiveram da morte de Columba – sempre falando em luzes
celestiais e anjos cantando – e sobre as circunstâncias ao redor de seu funeral.
Por último, termina enumerando as virtudes de Columba e rogando para que
quem quer que venha a copiar o manuscrito, faça-o com escrúpulos.
143
“Concerning another similar apparition of divine light”
144
“How St Columba had a vision of angels setting out to meet his holy soul as though it were soon to
leave his body”
145
“How our patron St Columba passed to the Lord”
177
THE LIFE OF ST COLUMBAN
Primeira parte: Irlanda
6. Narra o nascimento de Columbanus e os sinais de santidade que sua mãe
recebeu enquanto ele ainda estava em seu ventre.
7. Columbanus se tornou um jovem estudioso de beleza incrível e passou a ser
tentado pela beleza das mulheres, mas Deus o protegeu da tentação.
8. Atormentado pela tentação, Columbanus encontrou uma mulher da fé (que se
isolara da sociedade) e ouviu dela reprovações e admoestações. Rebelou-se
contra a mãe e decidiu se juntar aos monges.
9. A educação religiosa de Columbanus na Irlanda.
10. Columbanus decidiu partir em missão e escolheu a Gália como seu destino.
Segunda parte: Burgundia
11. Columbanus chegou à Gália e encontrou a fé cristã permeada por práticas pagãs;
entretanto, sua ação se fez sentir e muitos se re-converteram.
12. Columbanus se encontrou com Sigisberto, rei dos reinos francos da Austrasia e
da Burgundia. O rei, tocado com a piedade do monge lhe concedeu as ruínas de
Annergray (Anagrates) para que lá ele pudesse fundar seu monastério;
13. Um dos monges de Columbanus adoeceu. Rezando e jejuando (com seus
discípulos), Columbanus conseguiu prover sua comunidade, pois um homem
simples decidiu por um “impulso repentino de seu coração a levar ajuda de seu
próprio sustento para aqueles que estavam, pelo bem de Cristo, padecendo em
grande pobreza” (BOBBION in MUNRO, 1897? -1907?: Capítulo 13. Tradução
nossa)
146
. O mesmo agricultor pediu ao santo que rezasse por sua esposa que
estava muito doente. Columbanus convocou seus irmãos e “invocou a
misericórdia de Deus em favor daquela mulher” (BOBBION in MUNRO, 1897?
-1907?: capítulo 13. Tradução nossa)
147
. Quando o benfeitor retornou a sua casa,
a esposa estava curada.
14. Em outro momento de dificuldade por conta da falta de comida, o senhor
abençoou o abade de uma comunidade próxima com uma visão. O abade
ordenou a um de seus monges que fosse até Columbanus com provisões. Mesmo
sem saber o caminho, o monge conseguiu chegar a Annergray durante a noite.
Quando ele voltou a sua abadia de origem, contou o que acontecera e a partir de
então apareceram “multidões de pessoas e hordas de enfermos [que] começaram
a se juntar ao redor de São Columbanus para recuperar sua saúde e para procurar
146
“By a sudden impulse of his heart to bear aid from his own substance to those who were, for Christ’s
sake, suffering from so great poverty”.
147
“Invoked the mercy of God in behalf of that woman”.
178
ajuda para todas as suas enfermidades” (BOBBION in MUNRO, 1897?-1907?
Tradução nossa)
148
.
15. Andanças pela floresta: escapou de uma matilha de lobos (12 lobos), de um
ataque de Suevos e de um urso, cuja toca encontrara por acidente;
16. Por seu comando seu servo – um garoto chamado Domoalis – produziu uma
fonte de água da rocha da caverna em que ele se encontrava meditando;
17. Da fundação de Luxeuil, a partir de ruínas pagãs fortificadas, do rápido número
do aumento de seus seguidores e a conseguinte fundação da abadia de Fontanas
(Fonataines) e do estabelecimento da regras que ambos os conventos deveriam
seguir;
18. Previu onde seus irmãos encontrariam comida – “O pai mandou que eles
[Autierin e Somarius] passassem os penhascos rochosos e descessem ao fundo
dos vales para trazer o que quer que encontrassem que fosse próprio para ser
comido” (BOBBION in MUNRO, 1897? -1907?: Capítulo 18. Tradução
nossa)
149
.
19. Columbanus previu o local onde seu discípulo Gall poderia encher sua rede de
peixes. Quando Gall não o obedeceu, trabalhou em vão, quando o obedeceu, os
peixes se dirigiram para sua rede em grande número;
20. A Columbanus foi revelado que os monges estavam doentes em Luxueil; voltou
para o monastério e curou os monges quando estes o obedeceram e amaldiçoou
os que o desobedeceram com longa convalescença;
21. Columbanus levou seus irmãos para colherem o trigo no meio da tempestade e
pela força de sua fé e de quatro de seus seguidores, afastou a chuva do campo
enquanto colhiam e fez brilhar o sol sobre eles;
22. O duque da região entre os Alpes e a Jura, Waldelen e sua esposa Flávia
procuraram o religioso para que ele rezasse para que finalmente ela pudesse
conceber um filho. Columbanus aceitou rezar em seu favor, mas pediu para que
ela, em troca, se comprometesse a dedicar o primeiro filho à fé. Waldelen e
Flávia assim o fizeram. Donatus, o primeiro filho se tornou bispo de Besançon e
“por amor a S. Columbanus, [ele] fundou um monastério sob a regra de
Columbanus a partir de uma antiga estrutura, chamado Palatium” (BOBBIO in
MUNRO, 1897? -1907?: Capítulo 22. Tradução nossa)
150
. Além de Donatus
tiveram também Ramelen, que sucedeu ao pai e duas filhas.
23. Durante a colheita em Fontaines, um monge de nome Theudegisil cortou o dedo
com uma foice e só não o perdeu por conta de uma faixa de pele. Columbanus
148
“Then crowds of people and throngs of the infirm began to crowd about St Columban in order that
they might recover their health and in order to seek aid in all their infirmities”.
149
“They [Autierin and Somarius] were commanded by the father to go through the rocky cliffs and down
to the bottom of the valleys and to bring back whatever they found that was suitable for food”.
150
“Out of love for St Columban [he] founded a monastery under Columban’s rule from an ancient
structure named Palatium”.
179
lhe restaurou o dedo usando a própria saliva. Motivado pelo milagre,
Theudegisil passou a se dedicar com extremo afinco ao trabalho.
24. Estancou o sangue de um ferimento na testa de um padre que lhe fora visitar
quando ele e seus irmãos estavam na floresta cortando árvores. “Columbanus, o
homem de Deus, vendo o sangue fluir e o osso exposto, imediatamente caiu em
terra em prece, então se levantou e curou o ferimento com sua saliva”
(BOBBION in MUNRO, 1897? -1907?: Capítulo 24. Tradução nossa)
151
.
25. Do roubo de uma de suas luvas em Luxeuil por um corvo que, temendo a ira do
monge, devolveu a luva e esperou a punição, que não veio.
26. Quando o monge responsável pelo celeiro obedeceu imediatamente ao chamado
de Columbanus e deixou aberto o barril de cerveja, esse não derramou, pois
Deus recompensou sua obediência.
27. Columbanus encontrou a carcaça de um veado que uma matilha de lobos matara
e um lobo prestes a devorar o que sobrara. Ele ordenou ao urso que deixasse a
carcaça em paz porque precisava do couro para fazer sapatos. O urso foi embora.
Quando os irmãos foram buscar o animal, viram que aves de rapina vinham,
atraídas pelo cheiro, mas se mantinham afastadas, pela interdição do santo.
28. Milagres de comida: Columbanus reabasteceu pela fé os celeiros de Luxeuil,
multiplicou cerveja e pães para os irmãos de Fontaines, a quem encontrou
trabalhando arduamente: “Columbanus, levantando seus olhos para os céus,
disse, ‘Jesus Cristo, única esperança do mundo, Vós que de cinco pães
satisfizesse cinco mil homens no deserto, multiplique esses pães e essa bebida’”
(BOBBION in MUNRO, 1897? -1907?: Capítulo 28. Tradução nossa)
152
..
29. Um dos companheiros de viagem de Columbanus, também chamado
Columbanus, estava com febre e pronto para morrer. Entretanto, uma aparição
lhe disse que não poderia levá-lo por conta da força das preces de Columbanus.
O moribundo chamou a seu superior e pediu que ele lhe deixasse ir, ao que o
monge assentiu.
30. Chanmoald, capelão real em Laon, que fora discípulo e ajudante de Columbanus
contou sobre seus passeios na floresta, quando bestas selvagens, pássaros e
esquilos vinham lhe fazer companhia a seu pedido;
31. Interlúdio entre as duas sub-partes desta parte: Jonas primeiro traça um rápido
panorama da sucessão da casa dos Francos. Sigisberto fora rei quando
Columbanus chegara à Gália, mas fora assassinado pelo irmão (ou por sua
incitação) Chilperico, que se casara com uma mulher de nome Brunhilda. Seu
filho, Childeberto subiu ao trono com a morte do pai, com o nome de
Childeberto II. Este, entretanto, morreu relativamente jovem e deixou o reino,
dividido para seus dois filhos: a Teudeberto coube a Austrásia e a Teodorico a
151
“Columban, the man of God, seeing the blood flowing, and the bone uncovered, immediately fell on
the ground in prayer, then rising healed the wound with his saliva”.
152
“Columban, raising his eyes to heaven, said, ‘Christ Jesus, only hope of the world, do Thou, who from
five loaves satisfied five thousand men in the wilderness, multiply these loaves and this drink’”.
180
Burgundia. Jonas conta como Teodorico visitava frequentemente a Columbanus
e ouviu do monge reprovações sobre seu costume de manter concubinas.
Decidiu-se a casar. Sua avó, Brunhilda, temendo que uma rainha pudesse
diminuir seu poder e honra na corte, imediatamente indispõe-se contra o monge.
32. Columbanus foi de encontro a Brunhilda e recusou-se a abençoar os bisnetos
bastardos. Brunhilda proibiu os monges de saírem de seus monastérios.
Columbanus foi até Teodorico reclamar o direito de seus monges de ir e vir.
Quando chegou ao rei, lhe foi servido um grande banquete que ele negou. Por
conta de sua ira, os pratos e os copos todos se quebraram sem que ele neles
tocasse. Brunhilda e Teodorico pediram perdão, mas em seguida voltaram uma a
perseguir os monges e o outro a incorrer em seu pecado do concubinato.
33. Brunhilda incitou o rei, os nobres e os bispos da Gália contra o monge. Os
bispos começaram a pregar contra a regra columbana. Teodorico acusou
Columbanus de “violar os costumes da terra e não permitir a todos os cristãos
entrada no interior do monastério” (BOBBIO in MUNRO, 1897?-1907?:
capítulo 33. Tradução nossa)
153
. Columbanus reprovou o rei que, então, lhe
negou o martírio, mas o condenou a voltar para a Irlanda. Columbanus se
recusou a deixar seu monastério, e desafiou o rei a tirá-lo de lá à força.
Columbanus então previu o fim da casa real - “Se você ousar violar a regra
monástica em qualquer particular, eu não aceitarei nenhum presente ou ajuda sua
no futuro. Porém, se você vier aqui para destruir os monastérios do servo de
Deus e para enfraquecer sua disciplina e regulamentações, eu te digo que seu
reino será destruído junto com você e sua família real” (BOBBIO in MUNRO,
1897?-1907?: capítulo 33. Tradução nossa)
154
.
34. Teodorico cercou o monastério e deu o comando da operação a Baudulf que
terminou por levar Columbanus a Besançon como prisioneiro. Domoalis,
servente de Columbanus, libertou por suas ordens os presos de Besançon,
condenados à morte que haviam se arrependido de seus erros frente à pregação
de Columbanus. O monge lavou os pés dos condenados libertos e enxugou-os
com uma toalha de linho. Os fugitivos encontraram a porta da igreja – para onde
deveriam ir em penitência – trancada. As portas se abriram pela força da prece
de Columbanus e se trancaram atrás dos fugitivos. Nem Columbanus, nem seus
seguidores ou perseguidores conseguiram entrar e os homens foram deixados em
paz.
35. Columbanus percebeu que ninguém mais tentaria detê-lo por medo de ser
punido por Deus e assim, escapou e voltou para seu monastério. Brunhilda e
Teodorico, enfurecidos, mandaram soldados atrás dele. Quando os soldados
chegaram, passam por ele diversas vezes, lendo no vestíbulo da igreja, mas não
o viram.
153
“Of violating the customs of the country and of not allowing all Christians to enter the interior of the
monastery”.
154
“If you dare to violate the monastic rule in any particular, I will not accept any gift or aid from you in
the future. But if you come here to destroy the monasteries of the servant of God and to undermine their
discipline and regulations, I tell you that your kingdom will be destroyed together with all your royal
family”.
181
36. Teodorico enviou os Condes Bertarius e Baudulf ao monastério para prenderem
Columbanus; embora não tenham feito, deixam para trás homens de “disposição
e caráter rude” (BOBBIO in MUNRO, 1897?-1907?: capítulo 36. Tradução
nossa)
155
. Esses homens se agarraram ao hábito do monge implorando que ele
lhes absolvesse da culpa de sua ação.
37. Columbanus decidiu se entregar para não colocar outros em risco. Todos os
monges decidiram segui-lo, mas por ordem do rei só puderam fazê-lo seus
patrícios e os que haviam chegado à Gália com ele. Assim, muitos tiveram de
ficar. Entre eles Eustácio, mais tarde abade de Luxeuil.
Terceira parte: da Gália à Itália
38. Iniciou sua viagem de Luxeuil até Nantes. Primeira parada foi numa fortaleza,
próxima de Besançon, chamada Cavalo. Lá, “o chefe dos cavalos do rei quis
matá-lo [a Columbanus] com uma lança. Entretanto, a mão de Deus o impediu e
feriu a mão aramada, de forma que a lança caiu no chão a seus pés e ele próprio,
tomado por um poder sobrenatural prostrou-se aos pés de Columbanus. Este,
entretanto, cuidou dele até a manhã seguinte e o mandou para casa curado”
(BOBBIO in MUNRO, 1897?-1907?: capítulo 38. Tradução nossa)
156
.
39. Continuou sua viagem: de Cavalo chega ao rio Chora, hospedou-se na casa de
Teodemanda, onde foram lhe procurar 12 possessos [endemonhiados], que
curou; na vila Chora, curou cinco loucos; em Auxerre, previu a ascensão de
Clotário ao trono - “Saiba que dentro de três anos Clotário, a quem você
[Ragamund] despreza, será seu senhor” (BOBBIO in MUNRO, 1897?-1907?:
capítulo 39. Tradução nossa)
157
.
40. Saiu de Auxerre; curou um possesso no caminho. Chegou à cidade de Nevers
onde embarcou no Loire em direção à Bretanha. Ao ver um de seus seguidores
feridos, previu a morte do agressor - “Lembre-se de que você será punido por
Deus nesse lugar, onde em sua raiva você atingiu a um membro de Cristo”
(BOBBIO in MUNRO, 1897?-1907?: capítulo 40. Tradução nossa)
158
- que
morreu afogado logo que o barco parte.
41. De Auxerre para Orleans. Mandou Potentius e outro homem para buscar
provisões. Encontram ajuda apenas de uma mulher da Síria cujo marido era
cego. Urgiram-na a levá-lo ao santo para que ele fosse curado. Columbanus
devolveu a visão ao homem - “Depois de deitar-se por um longo tempo,
prostrado no chão, ele se levantou, tocou os olhos do homem com sua mão e fez
155
“Rough disposition and character”.
156
“The king’s master of horse wanted to kill him with a lance. But the hand of God hindered it and
lamed the mail’s hand, so that the lance fell on the ground at his feet and he himself seized by a
supernatural power fell prone before Columban. The later, however, cared for him till the next morning
and then sent him home healed”.
157
“Know that within three years Clothar, whom you now despise, will be your lord”.
158
“Remember that you will be punished by God in this place, where in your rage you have struck a
member of Christ”.
182
o sinal da cruz” (BOBBION in MUNRO, 1897? -1907?: Capítulo 41. Tradução
nossa)
159
.
42. Seguindo pelo Loire, chegou a Tours onde desejou ver o túmulo de S. Martinho.
Quando as autoridades porteiras o proibiram, fez o barco parar no meio do rio
como se tivesse ancorado. Depois de visitar o túmulo, tomou o desjejum com o
bispo local, chamado Leoparius e lhe contou que estava voltando para Irlanda
porque “aquele cão Teodorico me afastou dos irmãos” (BOBBION in MUNRO,
1897? -1907?: Capítulo 42. Tradução nossa)
160
;
43. Ainda em companhia de Leoparius, disse a um seguidor de Teodorico: “ele e
seus filhos morrerão dentro de três anos, e sua família inteira será exterminada
pelo Senhor” (BOBBION in MUNRO, 1897? -1907?: Capítulo 43. Tradução
nossa)
161
;
44. Quando Columbanus descobriu que os bens que tinha separado para doar aos
pobres e que estavam em seu barco haviam sido roubados, pede às relíquias de
S. Martinho que o ajude. Os ladrões se sentem extremamente culpados e
atormentados e confessam. “Depois de lhe suprir com comida, Leoparius se
despediu de S. Columbanus” (BOBBION in MUNRO, 1897? -1907?: Capítulo
44. Tradução nossa)
162
;
45. Acampados em Nantes, Columbanus e seus seguidores jejuaram até que uma
mulher de nome Procula, recebendo uma visão divina, lhes mandou amplas
provisões: “Ela tinha sido divinamente advertida para mandar comida ao homem
de deus, Columbanus, e para seus companheiros, os quais estavam perto da
cidade de Nantes” (BOBBIO in MUNRO, 1897? -1907?: Capítulo 45. Tradução
nossa)
163
.
46. Ainda em Nantes recebeu provisões de outra mulher, chamada Doda. Curou uma
mulher possessa [endemonhiada] e sua filha gravemente doente.
47. Suffronius, bispo de Nantes e o conde local, Teodebaldo, encontraram um barco
que deveria levar Columbanus e seus companheiros de volta para a Irlanda.
“Quando com um vento favorável os remadores remaram a embarcação para o
oceano, uma onde enorme veio e levou a embarcação para a costa. Ela se atracou
à terra e a maré baixou, permanecendo parada no canal” (BOBBIO in MUNRO,
1897?-1907?: Capítulo 47. Tradução nossa)
164
. Depois de três dias o capitão
resolveu retirar da embarcação os pertences de Columbanus e “imediatamente
159
“After lying for a long time prone on the ground, he rose, touched the man’s eyes with his hand and
made the sign of the cross”.
160
“That dog Theuderich has driven me away from the brethren”.
161
“He and his children will die within three years, and his entire family will be exterminated by the
Lord”.
162
“After supplying him with food Leoparius said farewell to St Columbanus”.
163
“She had been divinely warned to send food to the man of God, Columban, and to his companions,
who were staying near the city of Nantes”.
164
“When with a favorable wind the oarsmen were now rowing the vessel down to the ocean, a huge
wave came and drove the vessel on shore. It stuck fast on the land, and the water receding, remained
quietly in the channel”.
183
uma onda veio e levou a embarcação para o oceano” (idem. Tradução nossa)
165
.
Columbanus então voltou para a cidade de Nantes, sem qualquer oposição.
48. Columbanus chegou à Neustria, onde reinava Clotário, filho de Chilperico.
Deteve-se por um curto período de tempo. Aconselhou o rei sobre como se
portar frente a alguns abusos que encontrou em sua corte e a não tomar parte na
disputa que surgira entre Teodeberto e Teodorico sobre as fronteiras de seus
reinos, pois lhe fora revelado por Deus que eventualmente ambos os territórios
lhe pertenceriam [a Clotário];
49. Columbanus decidiu cruzar os Alpes e se dirigir para a Itália. Inicioua sua
viagem e fez a primeira parada em Paris. Lá expulsou o demônio do corpo de
um homem que o fora confrontar nos portões da cidade. “Mas quando o
demônio resistiu por um longo tempo com uma força selvagem e cruel, o
homem de Deus, colocou sua mão na orelha do homem e segurou a língua do
homem e pelo poder de Deus ordenou que o demônio fosse embora. Então o
homem foi tomado por uma cruel violência, de forma que amarras mal puderam
contê-lo, e o demônio saiu entre grandes purgações e vômitos que tinham um
cheiro tão ruim que aqueles que estavam por perto acreditaram que poderiam
suportar os vapores do enxofre com maior facilidade” (BOBBIO in MUNRO,
1897? -1907?: Capítulo 49. Tradução nossa)
166
.
50. Columbanus chegou à cidade de Meaux. Lá encontrou um nobre de nome
Hagneric, conselheiro de Teodeberto. Dispensou a guarda de Clotário e ficou
sob a tutela dos guardas de Hagneric. Consagrou a filha de Hagneric –
Burgundofara – à fé. Partiu depois para a cidade de Eussy. Lá foi recebido por
Autharius e sua esposa Aiga. Consagrou os três filhos do casal. Deles, Jonas diz:
“Eles mais tarde, quando cresceram, eram tidos em alta estima tanto pelo rei
Clotário quanto, depois, por Dagoberto. Depois que eles obtiveram grande glória
no mundo, eles se apressaram, para que na glória desse mundo não perdessem [a
glória] do eterno. O mais velho, Aledo, se retirou da sociedade por vontade
própria e fundou, sob a regra de S. Columbanus, um monastério perto de Mt.
Jura. O mais novo, Dado, fundou sob a regra do homem abençoado, um
monastério perto de Brieg” (BOBBIO in MUNRO, 1897? -1907?: Capítulo 50.
Tradução nossa)
167
.
51. Columbanus chegou a Teodeberto que lhe acolheu como havia acolhido a outros
monges vindos de Luxeuil. Disse a Columbanus que escolhesse o lugar que
quiser para fundar um monastério e pregar. “Ele decidiu por uma cidade a muito
em ruínas que estava na terra dos Germanos, não longe do rio Reno e que se
165
“Immediately a wave came and bore the vessel out to the ocean”.
166
“But when the devil resisted for a long time with savage and cruel strength, the man of God placed his
hand on the man’s ear and struck the man’s tongue and by the power of God commanded the devil to
depart. Then rending the man with cruel violence so that bounds could scarcely restrain him, the devil,
issuing forth amid great purging and vomiting made such a stench that those who stood by believed that
they could endure the fumes of sulphur (sic) more easily”.
167
“They later, when they grew up, were held in high esteem, first by king Clothar, afterwards by
Dabogert. After they had obtained great glory in the world, they made haste, lest in the glory of this world
they should lose the eternal. The elder, Aledo, withdrew of his own accord and founded, under the rule of
St Columban, a monastery near Mt. Jura. The younger, Dado, founded, under the rule of the blessed man,
a monastery near Brieg”.
184
chamava Brgantia [Bregnenz]” (BOBBIO in MUNRO, 1897? -1907?: Capítulo
51. Tradução nossa)
168
.
52. Columbanus chegou a Mainz. Lá, sem ter provisões prostra-se em prece na
Igreja. O bispo da cidade, admoestado por Deus por conta da fé de Columbanus
foi levado até o monge e lhe ofereceu comida. “E para que não pareça a ninguém
mero acaso, aquele bispo estava costumava dizer que ele nunca antes tinha dado
comida pensando tão pouco a respeito. E ele testemunhou que ele foi à igreja
naquele dia por admoestação divina, por conta do mérito do abençoado
Columbanus” (BOBBIO in MUNRO, 1897? -1907?: Capítulo 52. Tradução
nossa)
169
.
53. Columbanus chegou em Bregnenz, terra dos Suábios. Encontrou-os uma noite
reunidos em torno de um caldeirão cheio de cerveja que pretendiam usar para
fazer uma oferenda para Wodan. “Ele assoprou o caldeirão e eis! Ele se quebrou
com um barulho e caiu em pedaços e toda a cerveja se esvaiu” (BOBBIO in
MUNRO, 1897? -1907?: Capítulo 53. Tradução nossa)
170
. Desta demonstração
de poder e de suas palavras, muitos se converteram e os que já haviam sido
batizados passaram efetivamente a seguir a fé de Cristo.
54. Em Bregenz Columbanus e seus discípulos passaram fome até que Deus lhes
mandou uma quantidade infindável de pássaros. Columbanus ordenou aos
irmãos que os pegassem. Poucos dias depois chegou um monge de uma cidade
adjacente, que fora “avisado por inspiração divina” (BOBBIO in MUNRO,
1897?-1907?: Capítulo 54. Tradução nossa)
171
com alimentos para todos.
55. Columbanus meditou e jejuou, alimentando-se apenas de maçãs que foram
roubadas em determinado momento por um urso. Columbanus ordenou que seu
servo, Chagnoald fosse até onde estão as árvores de maçã e separasse algumas
para o urso e outras para ele. Cagnoald dividiu as árvores com uma risca e o urso
passoou a se alimentar apenas das árvores permitidas.
56. O monge decidiu partir em direção à terra dos eslavos para pregar o Evangelho,
mas o anjo do Senhor lhe apareceu em uma visão e ele mudou de idéia. “Desta
forma, Columbanus permaneceu onde ele estava, até que o caminho para a Itália
se abriu à sua frente” (BOBBIO in MUNRO, 1897?-1907?: Capítulo 55.
Tradução nossa)
172
.
57. Conta a batalha de Zülpich entre Teoderico e Teodeberto, da qual Columbanus
primeiro prevê o resultado e com cujo desenrolar sonha enquanto está
acontecendo. No fim “Teoderico perseguiu Teodeberto e este foi capturado por
traição de seus seguidores e foi até sua avó Brunhilda. Ela, em sua fúria, porque
estava do lado de Teoderico, o encarcerou num monastério, mas depois de
168
“He decided upon a long-ruined city, which was in the German land not far from the Rhine, and which
was called Brigantia [Bregnenz]”.
169
“But lest this should seem to anyone mere chance, that bishop was accustomed to protest that he had
never before given food with so little thought. And he testified that he went to the church that day by
divine admonition, on account of the merit of the blessed Columban”.
170
“He breathed on the cask, and lo! It broke with a crash and fell in pieces so that all the beer ran out!”
171
“Warned by divine inspiration”.
172
“Therefore Columban remained where he was, until the way to Italy opened before him”.
185
alguns dias mandou assassiná-lo sem piedade” (BOBBIO in MUNRO, 1897?-
1907?: Capítulo 57. Tradução nossa)
173
.
58. “Não muito tempo depois Teodorico, atingido pela mão do Senhor, pereceu
numa conflagração na cidade de Metz. Brunhilda então colocou a coroa na
cabeça de seu filho Sigiberto. Mas Clotário lembrou da profecia de Columbanus
e juntou um exército para reconquistar a terra que pertencia a ele. Sigiberto com
suas tropas avançou em ataque, mas foi capturado, junto com seus cinco irmãos
e a bisavó Brunhilda, por Clotário. Ele mandou matar os meninos, um a um, mas
Brunhilda ele primeiro colocou em um camelo em zombaria e a exibiu para
todos os seus inimigos. Depois ela foi amarrada aos rabos de cavalos selvagens e
assim pereceu perfidamente” (BOBBIO in MUNRO, 1897?-1907?: Capítulo 58.
Tradução nossa)
174
.
59. Com a morte de Teudeberto, finalmente deixou a Germânia e foi para a Itália.
Chegou à corte do rei dos Lombardos, Agiluf. Em Milão decidiu combater os
seguidores do arianismo. “E ele compôs uma excelente e estudada obra contra
eles” (BOBBIO in MUNRO, 1897?-1907?: Capítulo 59. Tradução nossa)
175
.
60. Da escolha de Bobbio - “uma igreja do santo Apóstolo Pedro, em um recluso
lugar nos Apeninos; o lugar tinha muitas vantagens, era incomumente fértil, a
água era cheia de peixes” (BOBBIO in MUNRO, 1897?-1907?: Capítulo 60.
Tradução nossa)
176
– e da força sobre humana garantida a Columbanus e seus
seguidores por Deus para reconstruírem as ruínas que ali encontraram e
transformassem-na em um monastério.
61. Clotário pediu a Eustácio, então abade de Luxeuil que fosse a Bobbio chamar
Columbanus de volta à Gália. Columbanus recusou, pois já não tinha mais como
fazer a viagem. Antes de morrer, porém, escreveu a Clotário – a quem tinha em
conta de amigo – e pediu que ele protegesse Luxeuil. A Eustácio, “manteve
consigo por algum tempo, o avisou para não esquecer seus labores e trabalhos,
para manter o bando de irmãos educados e obedientes e para aumentar seu
número e educa-los de acordo com suas próprias instruções” (BOBBIO in
MUNRO, 1897?-1907?: Capítulo 61. Tradução nossa)
177
.
173
“Theuderich pursued Theudebert, and the latter was captured by the treachery of his followers and
went to his grandmother, Brunhilda. She, in her fury, because she was on Theuderich’s side, shut him up
in a monastery, but after a few days she mercilessly had him murdered”.
174
“Not long after this Theuderich, struck by the hand of the Lord, perished in a conflagration in the city
of Metz. Brunhilda then placed the crown on the head of his son Sigibert. But Clothar thought of
Columban’s prophecy and gathered together an army to reconquer (sic) the land which belonged to him.
Sibigert with his troops advanced to attack him, but was captured, together with his five brothers and
great-grandmother Brunhilda, by Clothar. The latter had the boys killed, one by one, but Brunhilda he had
placed first on a camel in mockery and so exhibited to all her enemies. Around then she was bound to the
tails of wild horses and thus perished wretchedly”.
175
“And he composed an excellent and learned work against them”. Desta obra não há cópias
sobreviventes nem comentários em outras fontes conhecidas.
176
“A church of the holy Apostle Peter, in a lonely spot in the Apennines; the place had many advantages,
it was unusually fertile, the water was full of fishes”.
177
“He kept with himself for some time, warned him not to forget his own labors and work, to keep the
band of brethren learned and obedient, to increase their numbers and educate them according to his own
instructions”.
186
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo