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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO RURAL
SANDRA APARECIDA KITAKAWA LIMA
Agricultura familiar, sustentabilidade e desenvolvimento:
um estudo sobre os avanços, dilemas e perspectivas da UNAIC – União das
Associações Comunitárias do Interior de Canguçu (RS)
Porto Alegre
2009
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SANDRA APARECIDA KITAKAWA LIMA
Agricultura familiar, sustentabilidade e desenvolvimento:
um estudo sobre os avanços, dilemas e perspectivas da UNAIC – União das
Associações Comunitárias do Interior de Canguçu (RS)
Orientação: Professor Doutor Eduardo Ernesto Filippi
Porto Alegre
2009
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Rural da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Desenvolvimento Rural.
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SANDRA APARECIDA KITAKAWA LIMA
Agricultura familiar, sustentabilidade e desenvolvimento
:
um estudo sobre os avanços, dilemas e perspectivas da UNAIC – União das
Associações do Interior de Canguçu (RS)
Aprovada em: Porto Alegre, 31 de julho de 2009.
Professor Orientador Doutor Eduardo Ernesto Filippi
UFRGS
Professor Doutor Marcelo Antonio Conterato
UFPel
Professor Doutor Carlos Schmidt
UFRGS
Professor Doutor Roberto Verdum
UFRGS
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Rural da
Faculdade de Ciências Econômicas
da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul como requisito
parcial para obtenção do título de
Mestre em Desenvolvimento Rural.
4
Dedico este trabalho aos meus queridos pais, Myuki e
Dorival, que sempre apoiaram minhas escolhas e decisões
com muito amor.
5
AGRADECIMENTOS
Esta dissertação foi possível pelo apoio e incentivo de minha família e muitos amigos, que
sempre estiveram ao meu lado em todos os momentos.
Ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural, à todos seus professores e
funcionários, pelo apoio e pela dedicação constante.
À Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pela oportunidade de completar um curso de
mestrado em uma universidade pública e de qualidade. À CAPES, pela bolsa de estudos que
possibilitou o desenvolvimento desta dissertação.
Ao professor Eduardo Ernesto Filippi que aceitou o convite para orienta-me neste trabalho,
possibilitou participar do PLAGEDER e partilhou seu conhecimento, livros e amizade.
Expresso minha imensa gratidão e estima.
À Eliane Sanguiné pela atenção e carinho para ouvir e sempre ajudar.
Aos integrantes do PROINTER, que aportaram muitas reflexões deste trabalho.
Aos professores Carlos Schmidt, Marcelo Antonio Conterato e Roberto Verdum, que
gentilmente aceitaram compor a banca de avaliação desta dissertação.
Aos meus amigos de mestrado e doutorado por compartilhar conhecimentos e momentos
inesquecíveis. Sempre me senti acolhida e enaltecida por tê-los como minha turma. Vocês
fizeram toda a diferença e guardo cada um em meu coração.
As gurias e aos guris mais admiráveis: Estelucha, Josi, Stellinha, Pati, Adilson, Camilito e
Marcio. Agradeço por todas as risadas, debates, abraços, chimarrões, viagens e churras, por
partilharem a imensidão de suas amizades. Vocês encheram minha vida de alegria, carinho,
parceria e muito conhecimento. O que teria sido de mim sem vocês!
Ao Dilvan, ao Armando e à Anelise pelas longas conversas sobre meu projeto e minha
dissertação.
Ao meu irmão e minha cunhada, por toda paciência, confiança, apoio constante e pelos
inúmeros artigos.
6
Aos meus grandes amigos Xande e Oswaldo, que mesmo longe, sempre estiveram presentes e
dispostos a me ajudar.
Ao meu estimado Renato, que compartilhou seu mundo e seu conhecimento comigo.
Agradeço sua disposição e sua paciência ao ler minhas primeiras páginas. Seu carinho, apoio
e compreensão sempre foram meu “porto seguro”, sem você tudo seria muito mais difícil e
sem graça.
Ao meu querido Vili, pelo companheirismo, alegria e carinho nos momentos decisivos da
dissertação. Sua serenidade permeou meu trabalho e minha vida nesses últimos meses.
À Márcia e à Anelise, por terem se disposto a ler as primeiras versões da dissertação e terem
feito importantes e fundamentais considerações. Vocês foram mesmo minhas irmãs! A
Alejandra, pela tradução do resumo para o espanhol. À Josi e a Ju, por me ensinarem a lidar
com os meios eletrônicos, fundamentais para o fechamento da dissertação. À D. Marilena,
pela revisão nos últimos momentos.
Agradeço imensamente à direção e aos funcionários da UNAIC que me acolheram e
compartilharam momentos, informações e conhecimentos para a realização da pesquisa.
Também não poderia deixar de expressar meu respeito e admiração, não somente, ao trabalho
desenvolvido pela UNAIC, mas também a cada agricultor que contribuiu e contribui para a
construção da sua história.
À EMATER de Canguçu e FETAG/RS que colaboraram com informações, apoio e atenção.
Às agricultoras e aos agricultores de Canguçu, que me ajudaram, acolheram e partilharam
momentos para contribuir com este trabalho. Também, pelos muitos ensinamentos, conversas
e reflexões que me proporcionaram.
Aos agricultores assentados do MST, que me ensinaram a ver, conhecer e admirar o “mundo
rural”.
7
Escrever tem sentido? A pergunta me pesa na mão. Se
organizam alfândegas de palavras. Para que nos
resignemos a viver uma vida que não é a nossa, nos
obrigam a aceitar como própria uma memória alheia.
Realidade mascarada, estória contada pelos vencedores:
talvez escrever não seja mais que uma tentativa de pôr a
salvo, em tempos de infâmia, as vozes que darão
testemunho de que aqui estivemos e assim fomos. Um
modo de guardar para os que ainda não conhecemos, como
queria o poeta catalão Salvador Espríu, o nome de cada
coisa”. Quem não sabe de onde vem como pode averiguar
aonde vai? (GALEANO, 2002. p.203)
8
RESUMO
Este estudo visa identificar e analisar as ações e os valores defendidos pela União das
Associações Comunitárias do Interior de Canguçu (UNAIC) para o fortalecimento e o
desenvolvimento da agricultura familiar no município de Canguçu no estado do Rio Grande
do Sul. A UNAIC congrega 38 associações de agricultores familiares abrangendo em torno de
720 famílias. Fundada, em 1988, e gerida pelos próprios agricultores familiares, atua em
diversas áreas tais como: o beneficiamento e a comercialização de grãos, sementes crioulas e
oleaginosas para a produção de biodiesel; a representação da categoria em diferentes espaços
de participação; a execução de projetos em parcerias com instituições e organizações para o
desenvolvimento da agricultura familiar; entre outras. Sob a égide da agricultura sustentável,
atualmente, a UNAIC defende maior autonomia e alternativa para os agricultores familiares
em relação ao modelo de agricultura vigente. A partir do trabalho de campo, baseado na
coleta de dados obtidos por meio de entrevistas semi-estruturadas, observação direta e
análises de documentos e registros com enfoque qualitativo, conduzimos uma triangulação
dessas informações, que foram analisadas a partir da abordagem de desenvolvimento
endógeno de Ploeg e Saccomandi. Identificamos que a UNAIC possibilita menor
subordinação e dependência dos produtores aos mercados por meio da sua produção de
sementes crioulas. Também o apoio à diversificação da produção agrícola e das atividades nas
propriedades e à produção orgânica ou agroecológica de alguns associados são incentivos
ainda incipientes, mas que permeiam de alguma forma a construção de ações coletivas mais
amplas. Por outro lado, suas novas iniciativas e projetos, sobretudo, a representação e a
coordenação dos agricultores familiares da região no Programa Nacional de Produção e Uso
de Biodiesel (PNPB), demonstram um descompasso em relação a seus valores de autonomia e
alternativa, uma vez que a UNAIC somente executa as diretrizes do Programa já previamente
estabelecidas, e o modelo da modernização conservadora da agricultura está enraizado na
estrutura e nos resultados do PNPB. Além do mais, observamos que o predomínio de relações
de intercâmbio, que abrangem exclusivamente valores materiais, contribui para o
enfraquecimento da reciprocidade entre os agricultores e a UNAIC, o que pode conduzir a sua
própria fragilização e a desagregação das associações. Portanto, o fortalecimento e o
desenvolvimento da agricultura familiar implicam, não somente, na valorização de elementos
endógenos da propriedade e do local, mas também na construção constante das relações de
reciprocidade que devem perpassar a realidade, as práticas e os valores dos próprios
agricultores familiares.
Palavras-chave: Agricultura familiar, Desenvolvimento endógeno, Agricultura sustentável,
UNAIC.
9
RESUMEN
Este estudio tiene por objetivo identificar y analizar las acciones y los valores defendidos por
la União das Associações Comunitárias do Interior de Canguçu (UNAIC) para el
fortalecimiento y el desarrollo de la agricultura familiar en el municipio de Canguçu en el
estado de Rio Grande do Sul. La UNAIC reúne 38 asociaciones de agricultores familiares
agrupando en torno de 720 familias. Fundada en 1988 y dirigida por los propios agricultores
familiares, actúa en diversas áreas tales como: el beneficiamiento y comercialización de
granos, semillas criollas e oleaginosas para la producción de biodiesel; la representación de la
categoría en diferentes espacios de participación; la ejecución de proyectos en conjunto con
instituciones y organizaciones para el desarrollo de la agricultura familiar; entre otras.
Actualmente, bajo la bandera de la agricultura sustentable, la UNAIC defiende mayor
autonomía y alternativa para los agricultores familiares en relación al modelo de agricultura
vigente. A partir del trabajo de campo, basado en la recolección de los datos obtenidos a
través de entrevistas semiestructuradas, observación directa y análisis de documentos y
registros con enfoque cualitativo, se realizó una triangulación de estas informaciones que
fueron interpretadas a partir de la perspectiva de desarrollo endógeno de Ploeg y Saccomandi.
Identificamos que la UNAIC posibilita menos subordinación y dependencia de los
productores a los mercados por medio de su producción de semillas criollas. También se
encontró que el apoyo a la diversificación de la producción agrícola y de las actividades en las
propiedades y a la producción orgánica o agroecológica de algunos asociados son incentivos
aun incipientes, pero que de alguna forma permean la construcción de acciones colectivas mas
amplias. Por otro lado, sus nuevas iniciativas y proyectos, sobretodo, la representación y
coordinación de los agricultores familiares de la región en el Programa Nacional de
Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), demuestran una divergencia en relación a sus valores
de autonomía y alternativa ya que la UNAIC solamente ejecuta las directrices del Programa
ya previamente establecidas, y el modelo de la modernización conservadora de la agricultura
esta enraizado en la estructura y en los resultados del PNPB. Además, observamos que el
predomino de las relaciones de intercambio, que comprenden exclusivamente valores
materiales, contribuye para el debilitamiento de la reciprocidad entre los agricultores y la
UNAIC, podría fragilizar a la organización y generar la desagregación de las asociaciones que
la conforman. Por lo tanto, el fortalecimiento y el desarrollo de la agricultura familiar
implican, no solamente, la valorización de los elementos endógenos de la propiedad y de lo
local, sino también la construcción constante de las relaciones de reciprocidad que deben
pasar por la realidad, las prácticas y los valores de los propios agricultores familiares.
Palabras clave: agricultura familiar, desarrollo endógeno, agricultura sustentable, UNAIC
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1: Mapa de localização do município de Canguçu no Rio Grande do Sul- Brasil. ..39
FIGURA 2: Vista parcial da sede do município de Canguçu. (Fotografia da autora. Julho de
2008).........................................................................................................................................40
FIGURA 3: Vista da área rural no distrito de Canguçu. (Fotografia da autora. Junho de
2008).........................................................................................................................................40
FIGURA 4: Sede da UNAIC em 2000.....................................................................................57
FIGURA 5: Sede atual após reformas......................................................................................57
FIGURA 6: Sementes crioulas.................................................................................................59
FIGURA 7: Organograma da UNAIC......................................................................................61
FIGURA 8: Mudança na logomarca da UNAIC com a inclusão do termo agricultura
sustentável ................................................................................................................................71
FIGURA 9: Reunião da direção da UNAIC na Associação 12 de julho. (Fotografia da autora.
Abril de 2008)...........................................................................................................................74
FIGURA 10: Cenário recorrente das propriedades familiares em Canguçu: produção de milho
e estufa para secagem do fumo (à direita). (Fotografia da autora. Junho de 2008)..................78
FIGURA 11: Evolução e cenários das emissões de CO
2
no mundo, países membros da OECD
e não membros entre 1990 a 2030............................................................................................95
FIGURA 12: Composição e expansão da matriz energética do Brasil e do mundo.................97
FIGURA 13: Produção de biodiesel na Alemanha, França, Itália, outros países e toda Europa
entre 1998 – 2007...................................................................................................................100
FIGURA 14: Cadeia de produção de biodiesel......................................................................104
FIGURA 15: Dia de campo no município de Pelotas –RS com a participação dos
representantes do sindicato, Brasil Ecodiesel, UNAIC e MDA.............................................108
FIGURA 16: Visita técnica a plantação de mamona acompanhada pela UNAIC .................110
FIGURA 17: Plantação de Girassol na propriedade familiar acompanhada pela UNAIC.....110
GRÁFICO 1: Produção nacional de biodiesel puro (B100) – 2005/2008..............................103
GRÁFICO 2: Produção estadual de biodiesel entre 2005- 2008............................................106
11
LISTAS DE TABELAS
TABELA 1 - Dados gerais sobre os municípios de interesse...................................................24
TABELA 2 - População rural e urbana de Canguçu entre 1970 e 2000 ..................................49
TABELA 3 - Porcentagem da população de Canguçu entre 1970 e 2000 ...............................50
TABELA 4 - Indicadores de Desenvolvimento Humano de Canguçu 1991/2000...................52
TABELA 5 - Indicadores sociais de Canguçu e do Rio Grande do Sul - 2000........................53
TABELA 6 - Matriz Energética do Transporte Rodoviário.....................................................98
TABELA 7 - Porcentagem mínima de compra de matéria prima da agricultura familiar ....102
TABELA 8 - Alíquotas de PIS/PASEP e de COFINS aplicadas as biodiesel ......................105
12
LISTA DE SIGLAS
ANA – Articulação Nacional de Agroecologia
ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustível
ARPASUL – Cooperativa dos Pequenos Agricultores Agroecologistas da Região Sul
BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CAPA – Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor
CEB – Comunidades Eclesiais de Base
CEIB – Comissão Executiva Interministerial
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CER – Certificados de Emissões Reduzidas
CNPE – Conselho Nacional de Política Energética
COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento
CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
COOPERBIO Cooperativa Mista de Produção, Industrialização e Comercialização de
Biocombustíveis
COP – Conferências das Partes
CRESOL Central – Cooperativa Central de Crédito Rural com Interação Solidária
CUT - Central Única dos Trabalhadores
DAP - Declaração de Aptidão ao PRONAF
ECO – Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
FAO - Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação
FEE – Fundação de Economia e Estatística
FETAG – Federação dos Trabalhadores na Agricultura
FETRAF SUL – Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviço
IEA – International Energy Agency
INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
13
IDESE – Índice de Desenvolvimento Sócio-econômico
MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário
MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
MERCOSUL - Mercado Comum do Sul
MME – Ministério de Minas e Energia
MP – Medida Provisória
MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores
MST- Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ONG – Organizações Não-Governamentais
OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo
PAA – Programa de Aquisição de Alimentos
PASEP – Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público
PGDR- Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural
PIS – Programa de Integração Social
PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar
PNPB – Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PROAGRO – Programa de Garantia da Atividade Agropecuária
PROALCOOL – Programa Nacional de Álcool
PROINTER – Programa de Pesquisa Interdisciplinar
PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PROVAP - Programa de Valorização da Pequena Produção Rural
SAA – Secretaria de Agricultura e Abastecimento
RS - Rio Grande do Sul
SICREDI – Sistema de Crédito Cooperativo
UBS – Unidade de Beneficiamento de Sementes
UFRGS- Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UNAIC – União de Associações Comunitárias do Interior de Canguçu
14
CONVENÇÕES
Os trechos em itálico representam falas, palavras e expressões dos entrevistados da
pesquisa ou algum termo em idioma estrangeiro. As aspas foram empregadas para apresentar
conceitos trazidos a partir da bibliografia consultada ou para destacar termos.
15
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................17
2 PERCURSO METODÓLOGICO .....................................................................................22
2.1
A
CONSTRUÇÃO
DA
PESQUISA...................................................................................22
2.2
ESTUDO
DE
CASO...........................................................................................................26
2.3
ENTRANDO
NO
CAMPO.................................................................................................28
2.4
FONTES
DOS
DADOS......................................................................................................30
2.4.1 Análises de documentos e registros em arquivo .........................................................30
2.4.2 Observação direta..........................................................................................................31
2.4.3 As entrevistas: uma partilha de conhecimentos..........................................................33
2.5
DELIMITAÇÃO
DA
POPULAÇÃO
EM
ESTUDO..........................................................35
2.6
PROCESSO
DE
ANÁLISE
E
REDAÇÃO
DO
TEXTO ....................................................37
3 CANGUÇU: CARACTERIZAÇÃO DA CAPITAL NACIONAL DA AGRICULTURA
FAMILIAR .............................................................................................................................38
3.1
CARACTERIZAÇÃO
DO
MUNICÍPIO
DE
CANGUÇU.................................................38
3.2
O
PASSADO
DE
CANGUÇU:
DO
SÉCULO
XVIII
À
DECADA
DE
1980.....................41
3.3
A
EVOLUÇÃO
SÓCIO-ECONÔMICA
CONTEMPORÂNEA........................................49
3.4
UNIÃO
DAS
ASSOCIAÇÕES
COMUNITÁRIAS
DO
INTERIOR
DE
CANGUÇU ......54
4 AÇÕES E VALORES DA UNAIC: UMA PERSPECTIVA ENDÓGENA?.................62
4.1
AGRICULTURA
FAMILIAR:
CONSTRUÇÃO
DE
UMA
CATEGORIA
POLÍTICA
-
INSTITUCIONAL ...................................................................................................................64
4.2
DESENVOLVIMENTO
E
MEIO-AMBIENTE.................................................................68
4.3
CONTRIBUIÇÃO
DA
ABORDAGEM
DE
DESENVOLVIMENTO
ENDÓGENO
PARA
O
FORTALECIMENTO
DA
AGRICULTURA
FAMILIAR..................................................74
4.3.1 Diversificação da produção e das atividades dos associados da UNAIC..................76
4.3.2 Valorização dos recursos internos na propriedade para o fortalecimento dos
associados da UNAIC.............................................................................................................81
4.3.3 Ajuda mútua para superação das limitações dos agricultores familiares................85
4.4
ASSOCIAÇÕES:
ALÉM
DAS
PRÁTICAS
DE
INTERCÂMBIO ....................................89
16
5 DILEMAS E OPORTUNIDADES DO PROGRAMA NACIONAL PRODUÇÃO E
USO DE BIODIESEL PARA A UNAIC ..............................................................................93
5.1
AQUECIMENTO
GLOBAL:
PRETEXTO
FUNDAMENTAL ........................................93
5.2
DIVERSIFICAÇÃO
DA
MATRIZ
ENERGÉTICA ..........................................................96
5.3
PROGRAMA
NACIONAL
DE
PRODUÇÃO
E
USO
DE
BIODIESEL
(PNPB)..............99
5.3.1 PNPB em Canguçu ......................................................................................................107
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................117
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................122
APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA OS AGRICULTORES
FAMILIARES.......................................................................................................................133
APÊNDICE B - ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA A DIREÇÃO E EX-
DIRIGENTES DA UNAIC..................................................................................................135
ANEXO A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO....................137
ANEXO B- PRODUÇÃO DE FUMO NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
ENTRE OS PERÍODOS DE 1998-2000 E 2004-2006 .......................................................138
ANEXO C- PRIMEIRA PÁGINA DO ESTATUTO DA UNAIC ...................................139
17
1 INTRODUÇÃO
A partir do final da Segunda Guerra Mundial, pesquisas e debates foram realizados
para analisar o predomínio das unidades agrícolas baseadas no trabalho familiar na estrutura
agrária nos países desenvolvidos. No Brasil, essa discussão é ainda mais recente e estudos
publicados, no início da década de 1990, demonstraram que a “agricultura familiar é uma
forma social reconhecida e legitimada na maioria dos países desenvolvidos, nos quais a
estrutura agrária é majoritariamente composta por explorações nas quais o trabalho da família
assume uma importância decisiva” (SCHNEIDER, 2003, p. 29).
Isso significa que a estrutura produtiva, onde a família é proprietária dos meios de
produção e responsável pelo trabalho no estabelecimento, implica em conseqüências
fundamentais na sua forma de agir econômica e socialmente. Assim, a categoria agricultura
familiar passa a incorporar uma diversidade de situações específicas e particulares, além de
abranger múltiplos atores no campo, criando uma nova identidade política (WANDERLEY,
1999).
Além dos estudos realizados, a consolidação da categoria também foi reflexo da
mobilização e da organização desses agricultores por meio dos seus sindicatos, movimentos
sociais e associações, para a discussão de seu papel e a reivindicação de apoio institucional
para a construção de condições e de reconhecimento político, econômico e cultural - que
permitissem sua reprodução social.
Portanto, a agricultura familiar, no decorrer desse período, adquiriu visibilidade e
ocupou espaços e funções que extrapolaram o papel associado à pequena produção ou à
subsistência, ou seja, foi alavancada para uma função contemporânea em setores estratégicos
como o energético e o ambiental. Para isso, o Estado vem convocando e incentivando as
organizações formais dos agricultores familiares para participar na elaboração, na gestão e na
execução de projetos e programas para essas e outras finalidades.
O meu interesse por essa relação entre organizações da agricultura familiar, meio
ambiente e setor energético iniciou, em 2006, quando trabalhava como Engenheira de
Alimentos nas agroindústrias familiares dos assentamentos do Movimento dos Trabalhadores
Sem-Terra (MST) e convidaram-me a integrar o grupo de trabalho sobre biocombustíveis.
Além do tema contemporâneo, naquele momento, devido à criação recente pelo
Governo Federal do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), que visava
abarcar três dimensões, a econômica (pela menor dependência da importação de derivados do
petróleo), a ambiental (por ser considerado um combustível “ambientalmente correto” com
18
menores emissões de gases do efeito estufa) e a social (a geração de renda e emprego no
campo com a inclusão da agricultura familiar), outros fatores me influenciaram na escolha do
tema. Naquele ano, cursei duas disciplinas como aluna especial no Programa de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS), onde buscava elementos para a
compreensão da dinâmica, não somente, dos movimentos sociais e sim, do rural, que
representava um “mundo novo” de deslumbramentos e de dilemas. No decorrer daquelas
disciplinas, muitos questionamentos e análises emergiram sobre os objetivos e a estrutura do
PNPB, o que resultou no pré-projeto para o processo de seleção para o PGDR.
Após a seleção, muitas mudanças ocorreram no pré-projeto ao projeto final, que
serão descritas no Capítulo 2. As disciplinas, as leituras e os debates promovidos com
professores e colegas contribuíram para que outro olhar pudesse se materializar, não sobre a
política pública em si, mas sobre uma organização formada e coordenada por agricultores
familiares, a União de Associações Comunitárias do Interior de Canguçu (UNAIC).
Fundada em 1988, no município de Canguçu no estado do Rio Grande do Sul, a
UNAIC reúne 38 associações de agricultores familiares que abrange em torno de 720
famílias. Ainda outras associações e grupos informais de outros municípios, que
participam de alguns programas desenvolvidos pela UNAIC, mas ainda não estão
oficialmente filiadas devido à necessidade de alterações no estatuto da entidade.
As principais atividades da UNAIC são a comercialização e o beneficiamento de
grãos (feijão, arroz e farinha de milho) e de sementes varietais e crioulas
1
(grãos e
forrageiras). Além disso, compõem as atividades da UNAIC a representação das associações
em vários espaços de participação como nos Conselhos Municipais, na Rede Regional da
Agroindústria Familiar, nos fóruns e nos seminários da região sobre a agricultura familiar.
Também desenvolve programas para formação de novas lideranças nas comunidades rurais e
estabelece parcerias com instituições governamentais e religiosas, movimentos sociais e
Organizações Não-Governamentais (ONG’s) tais como a Sul Ecológica, a Centro de Apoio ao
Pequeno Agricultor (CAPA), Cooperativa dos Pequenos Agricultores Agroecologistas da
Região Sul (ARPASUL), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA),
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Companhia Nacional de Abastecimento
(CONAB), entre outras, para a comercialização de produtos e a elaboração de projetos
sociais.
1
De acordo com a UNAIC, sementes varietais são aquelas “melhoradas por instituições públicas ou privadas,
sendo resultado de cruzamentos de linhagens, porém diferente da realizada em híbridos”. Já as sementes crioulas
são aquelas “que receberam somente a seleção dos agricultores e adaptações do ambiente não tendo influencia
dos centros de pesquisa” (UNAIC, 2007?)
19
Ao mesmo tempo, a UNAIC adotou a defesa por uma agricultura sustentável com
manejo e utilização de insumos com menores impactos ao ambiente; a busca por alternativas
para a agricultura familiar com a valorização de tecnologias populares; o resgate e a
conservação de sementes crioulas, que se tornaram o símbolo dos princípios norteadores
enfatizados pela entidade como autonomia e alternativa.
A partir de 2005, a UNAIC se tornou a responsável pela representação e coordenação
dos agricultores familiares do PNPB na região, envolvendo 27 municípios. Sua função era
organizar, acompanhar e comprar matéria-prima da agricultura familiar para comercializá-la
com as empresas produtoras de biodiesel, ou seja, os contratos eram estabelecidos diretamente
com a UNAIC e não individualmente com os produtores, o que possibilitava maior segurança
e poder de negociação para os agricultores familiares.
Frente ao mencionado, nos questionamos como a UNAIC, que se denomina como
uma organização autônoma a qual defende uma agricultura sustentável poderia ter aderido ao
PNPB e assumido a função acima descrita, uma vez que a estrutura e os primeiros resultados
do Programa indicavam que o modelo da modernização conservadora da agricultura e seus
impactos ambientais não estavam sendo contestados. Ademais, o predomínio do cultivo de
soja como a principal matéria-prima para a produção de biodiesel a nível nacional já
demonstrava que os agricultores familiares menos favorecidos não estavam sendo atendidos.
Por mais que ponderamos, como Long (2007), que a adoção, o comprometimento ou
o distanciamento de situações, significados e normas, muitas vezes, ambíguas ou
contraditórias, fazem parte da ação humana para a construção do mundo social e do
desenvolvimento, o cenário descrito acima, nos instigou a redirecionar a pesquisa e definir a
UNAIC como unidade de análise e reformular as questões norteadoras desta dissertação:
como a UNAIC contribui para o fortalecimento e o desenvolvimento da agricultura familiar
no município de Canguçu - RS? De que forma suas ações e seus princípios norteadores
permeiam os agricultores familiares?
Além disso, é importante ressaltarmos que o município de Canguçu possui índices
sócio-econômicos abaixo da média do estado; apresenta um uso exaustivo da terra devido à
predominância dos pequenos lotes (minifúndios) e ao manejo inadequado; e prevalece o
cultivo do fumo nas propriedades familiares, o que implica na dependência e na subordinação
às empresas fumageiras, além do grande volume de agrotóxicos utilizados.
Portanto, o objetivo da pesquisa é analisar as ações e os valores defendidos pela
UNAIC que visam fortalecer e desenvolver os agricultores familiares, tendo em vista as
condições limitantes, não somente, do município, mas a própria supressão e ausência de
20
perspectivas intrínsecas da modernização conversadora da agricultura. Para cumprir o
objetivo indicado, estabelecemos como objetivos específicos: a) identificar e apresentar a
trajetória, a estrutura, os valores e as mudanças da UNAIC no decorrer dos seus vinte anos; b)
identificar e analisar as diferentes atividades, iniciativas e direcionamentos da UNAIC para
promover o desenvolvimento da agricultura familiar; c) apresentar e analisar o processo de
implantação do PNPB e seus reflexos para a UNAIC.
Para atender aos objetivos propostos e basear nossa compreensão, buscamos um
referencial teórico-metodológico para analisarmos as ações a as linhas norteadoras da
UNAIC, que enfatizava não somente o resgate e a valorização das sementes crioulas, mas
também o próprio conhecimento
2
dos produtores e a mudança para outro modelo de
agricultura. Assim, aproximamo-nos da abordagem de desenvolvimento endógeno de Ploeg e
Saccomandi (1995), pois os autores consideram que a valorização e a predominância de
elementos endógenos da propriedade ou do local
3
permitem maior independência e menor
vulnerabilidade para os agricultores sem estabelecer uma acepção dicotômica entre endógeno
e exógeno, pois o desenvolvimento requer a articulação de ambos.
Essa perspectiva contribuiu para identificarmos e analisarmos as atividades da
UNAIC que valorizavam elementos internos das propriedades, como se refletiam nos
associados e os descolamentos das suas propostas e iniciativas entre a entidade e os
agricultores. Para operacionalizar essa análise, selecionamos alguns parâmetros enfatizados
por Ploeg e Saccomandi (1995) e Ploeg (2008), que são a diversificação da produção e das
atividades, a valorização de recursos da propriedade e a ajuda mútua para diminuir o
atrelamento aos mercados.
A redução da mobilização por meio da estrutura de mercado, principalmente, a mão-
de-obra, pode ser impulsionada por relações de reciprocidade como explica Ploeg (2008).
Compreendemos por reciprocidade, as ações e as prestações sem probabilidade de retorno
para criar, conservar ou reproduzir a sociabilidade dos envolvidos, o que permite uma
dimensão de gratuidade. Portanto, partimos de Sabourin (2004; 2006) para identificar e
apreender como a reciprocidade poderia contribuir para aquele objetivo e para reforçar as
organizações formais dos agricultores familiares e consequentemente, a UNAIC.
2
Podemos considerar que o conhecimento do agricultor é entendido como sua capacidade para coordenar e
remodelar diversos fatores cio-técnicos de crescimento dentro de localidades e redes específicas para alcançar
resultados desejados (STUIVER, LEEUWIS; PLOEG, 2004).
3
O local não é empregado aqui como uma noção geográfica, e sim como um espaço social específico, ou seja, o
contexto no qual a ação social adquire e reforça sua especificidade (MARSDEN; LOWE; WHATMORE, 1992).
21
Consideramos, para a escolha do método de pesquisa, os questionamentos, os
objetivos e o referencial teórico, o que nos conduziu a pesquisa qualitativa, que visa, entre
outros fins, compreender as relações no âmbito das organizações e avaliar a formulação, a
execução de políticas públicas e sociais, como dos usuários a quem se destinam (MINAYO,
1998). Ainda, os indicadores qualitativos permitem mapear com mais profundidade a natureza
das modificações ocorridas e em processo, pois não se propõe a dimensionar
quantitativamente as variações ocorridas (MINAYO; ASSIS; SOUZA, 2005). Para isso,
empregamos análise de documentos e registros em arquivo, observação direta e entrevistas
semi-estruturadas, além dos registros fotográficos e do diário de campo.
Ressaltamos também que o delineamento da pesquisa se deu pelo estudo de caso, que
pode desvelar, segundo Becker (1997), a discrepância entre a realidade operacional da
organização ou comunidade estudada e a imagem externa ou repercutida para seus próprios
membros. Portanto, é fundamental enfatizarmos que todo grupo preserva suas narrativas sobre
si mesmo, que podem representar a sua existência e ser expressos de diferentes formas. Sendo
assim, não buscamos estabelecer se relações, ações ou discursos são bons ou ruins, nem tomar
algum lado como positivo ou negativo, ou fazer juízo de valores em relação a qualquer fato
apresentado.
Após essa introdução, o capítulo dois explicita a apresentação e descrição da
construção da pesquisa e da metodologia com detalhes sobre as fontes de dados, a delimitação
da população e a análise de dados.
No capítulo três, delineamos o processo de povoamento, o desenvolvimento e o
perfil sócio-econômico atual do município de Canguçu para configurarmos a população rural,
e consequentemente, os próprios associados da UNAIC. Descremos ainda a constituição, a
trajetória e as atividades da UNAIC.
No capítulo quatro, contextualizamos a construção das linhas norteadoras da
UNAIC, ou seja, agricultura familiar e sustentabilidade. Tendo isso em vista, analisamos as
ações promovidas pela UNAIC para desenvolver e fortalecer a agricultura familiar.
No quinto capítulo, expomos os elementos responsáveis pela emergência da
discussão sobre biocombustíveis, que se tornou a mais recente atividade da UNAIC e o
processo de implementação do PNPB em Canguçu. A partir disso, discutimos os reflexos do
Programa para a UNAIC e os agricultores familiares até o momento.
Nas considerações finais, resgatamos as principais idéias para sintetizar o que foi
abordado durante todo o trabalho e apontamos algumas limitações da pesquisa desenvolvida.
22
2 PERCURSO METODOLÓGICO
Uma pesquisa é sempre, de alguma forma, um relato de longa viagem
empreendida por um sujeito cujo olhar vasculha lugares muitas vezes visitados.
Nada de absolutamente original, portanto, mais um modo diferente de olhar e pensar
determinada realidade a partir de uma experiência e de uma apropriação do
conhecimento que são, aí sim, bastante pessoais (DUARTE, 2002, p. 139).
O processo de definição do objeto e da opção metodológica são fundamentais na
investigação social, uma vez que o material ou os dados não estão separados e prontos no
empírico para serem coletados e decodificados. Ou seja, as argumentações e as conclusões são
possíveis devido à construção do objeto, às escolhas dos instrumentos e à interpretação dos
resultados, que são muito próprias do pesquisador (DUARTE, 2002).
Portanto, esse capítulo abarcará, sucintamente, o relato desses procedimentos, desde
a construção do projeto, até a análise dos dados da pesquisa. Isso proporcionará a
reconstituição da trajetória para que os leitores possam apreender e melhor avaliar as
considerações realizadas.
2.1 A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA
Após a revisão da literatura sobre o tema da pesquisa, iniciamos a delimitação do
objeto, por meio de um “sistema de rede
4
”, isto é, uma busca por informantes que dispunham
de elementos sobre o universo em estudo para mapear o campo de investigação, compreender
a estrutura e indicar sucessivamente outras pessoas importantes (DUARTE, 2002). Assim, no
segundo semestre de 2007, começamos a pesquisa exploratória por meio de entrevistas
formais e informais
5
com as principais organizações dos agricultores familiares, no Rio
Grande do Sul - Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAG), Federação dos
Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul (FETRAF SUL), Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST) e Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e com um
representante do MDA. Isso possibilitou o mapeamento das posições dessas entidades, o
andamento do PNPB no estado e, as regiões ou as localidades que se destacavam para que a
4
Duarte (2002, p. 142) ancora sua acepção de rede em Bott (1976), ou seja, “a rede é definida como todas ou
algumas unidades sociais (indivíduos ou grupos) com as quais um indivíduo particular ou um grupo está em
contato”.
5
A entrevista informal é a menos estruturada possível, mas difere do simples diálogo devido ao seu objetivo
básico de coleta de dados. Maiores detalhes, consultar Gil (2008).
23
pesquisa sobre um tema amplo, complexo e recente fosse estruturada (KAWAMURA;
DINIZ; FAVARETO, 2008).
Portanto, nesse primeiro momento, constatamos que o MST, o MPA e a FETRAF
contestavam o modelo de integração entre os agricultores familiares e as empresas privadas.
Essas entidades acreditavam que o Governo deveria garantir condições aos agricultores
familiares para o desenvolvimento da produção própria do óleo vegetal
6
ou do biodiesel, ou
seja, eles não deveriam ser apenas produtores de matéria-prima para que pudessem obter
maior valor agregado na sua produção e também participar de toda cadeia produtiva. O que
verificamos em uma entrevista informal realizada, em novembro de 2007, com um
representante da FETRAF:
Se comparada com outras cadeias produtivas até o momento não
visualizamos diferenças significativas, pois o que estamos vendo é repetir-se a
história onde o agricultor familiar é um simples produtor de matéria prima, sem
poder de influenciar a cadeia como um todo ou parte dela. O desenho produtivo
apresentado é o de integração vertical, a exemplo da produção de tabaco, carnes,
leite e outras.
Contudo, essas três entidades ainda estavam na fase de estruturação de seus projetos
alternativos
7
ou apenas acompanhando alguns contratos pontuais entre as empresas
produtoras de biodiesel e as cooperativas de agricultores familiares, que comercializavam
soja. Portanto, a principal organização estadual, que mais estava engajada na representação
dos agricultores familiares dentro da estrutura do PNPB era a FETAG, de acordo com a
declaração da sua própria assessoria, como segue:
A gente começa com um projeto que o governo federal desenhou. No
momento em que ele incluiu a agricultura familiar como um dos pontos principais
no desenvolvimento do projeto, automaticamente algumas representações sindicais
se envolveram, não são todas. A CONTAG está envolvida de cabeça. As FETAGs
estão participando, o MPA, outros movimentos estão um pouquinho mais retraídos,
estão acreditando um pouco mais, digamos assim, no álcool também bioenergia, mas
mais no álcool, do que no próprio biodiesel.
Então, o que a gente pretende fazer. Temos um governo que está
apostando na agricultura familiar como produtora de alimentos e produtora de
energia, a gente então vai colaborar na organização da produção desses agricultores,
no planejamento das lavouras e também no planejamento de safras.
6
A principal matéria-prima para a produção do biodiesel é o óleo vegetal seguido pelo sebo animal e resíduos
de óleos e gorduras dos restaurantes e das indústrias.
7
Essas organizações acreditavam que as unidades de produção de biodiesel deviam ser descentralizadas e
administradas pelas cooperativas dos próprios agricultores familiares. Um exemplo é a COOPERBIO –
Cooperativa Mista de Produção, Industrialização e Comercialização de Biocombustíveis – localizada em
Palmeiras das Missões –RS.
24
Assim, um levantamento foi realizado junto a FETAG sobre as empresas instaladas e
as regiões no Rio Grande do Sul onde ocorriam maior organização e produção de oleaginosas
pelos agricultores familiares. Após duas entrevistas com a “Assessoria de Bioenergia” da
FETAG e uma breve entrevista com um representante da Brasil Ecodiesel empresa
produtora de biodiesel com maior número de contratos com agricultores familiares no estado
e que priorizava a compra de mamona e girassol três municípios foram destacados:
Caçapava do Sul, Canguçu e São Luiz Gonzaga.
Neste momento, alguns dados secundários como população, taxa de urbanização, estrutura
fundiária, produção agropecuária, entre outros, foram coletados por meio eletrônico nos sítios
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Fundação de Economia e Estatística
(FEE) e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) com a finalidade de
identificar as características desses locais. Seguem abaixo alguns elementos que consideramos
os mais relevantes:
TABELA 1
Dados gerais sobre os municípios de interesse
Dados dos municípios Caçapava do Sul Canguçu São Luiz Gonzaga
Posição no IDESE (1) 152 329 53
População Total 33.283 52.990 35.321
Taxa de urbanização (%) 57,6 34,9 87,9
Estabelecimentos da agricultura familiar 2.226 8.831 1.903
Fonte: FEE (2005); INCRA (1996)
Nota: (1) O Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (IDESE) é um índice sintético, que contempla quatro
dimensões: Condições de Domicílio e Saneamento; Renda; Educação e Saúde, elaborado pela Fundação
de Economia e Estatística (FEE) para avaliar o grau de desenvolvimento dos Municípios do Rio Grande
do Sul. A menor posição do município no IDESE indica melhores condições das dimensões analisadas, ou
seja, maior grau de desenvolvimento.
Além disso, realizamos, em 2007, contatos telefônicos com o sindicato dos
trabalhadores rurais ou a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER),
nesses municípios, para maiores informações sobre a produção de oleaginosas. Isso
possibilitou a elucidação e a interseção dos dados para que pudéssemos definir o empírico.
Desta forma, descobrimos que a produção de mamona, naquele período, limitava-se a um
pequeno número de famílias no município de Caçapava do Sul. em São Luiz Gonzaga,
onde se localizava a esmagadora da empresa Brasil Ecodiesel, a produção concentrava-se,
25
predominantemente, na soja. E em Canguçu, a mamona e o girassol eram os principais
cultivos para essa finalidade e mais de 300 agricultores familiares estavam organizados por
uma entidade denominada UNAIC.
Ao mesmo tempo, os dados secundários despertaram o interesse por Canguçu devido
à alta porcentagem da população rural, em relação à população total, ao elevado número de
agricultores familiares e ao menor desempenho no IDESE em relação aos outros dois
municípios. Essa última informação foi relevante uma vez que o PNPB prioriza a inclusão
social por meio do fortalecimento e da geração de emprego e de renda no campo.
Esses procedimentos na construção do objeto foram seguidos, conforme indicam
Bauer e Aarts (2005), ou seja, selecionar preliminarmente, analisar a diversidade e novamente
selecionar. Após a escolha do município, realizamos as visitas exploratórias, que ocorreram
em novembro de 2007 e janeiro de 2008 para conhecer e estabelecer os primeiros contatos em
Canguçu. Nesta oportunidade, pudemos conversar com representantes do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais, da EMATER e da UNAIC. Constatamos que o sindicato não era a
principal entidade representativa e organizacional dos agricultores familiares do Programa,
em Canguçu, o que diferenciava em relação à estrutura do modelo nacional, e a EMATER
estava à margem do arranjo, como seus próprios representantes informaram:
Nós fizemos um convênio com a UNAIC e ela que coordenou esse plantio da
mamona. [...] eu não tenho esses dados, teria que ver com a UNAIC, porque foram
eles que coordenaram. [...] ela tem gente mais capacitada para fazer isso do que o
próprio sindicato. Então, nós deixamos tudo para a UNAIC fazer. Apenas nós
assinamos como testemunhas e gestores do cultivo da mamona. [...] [nós
acompanhamos] a parte mais política, agora a parte de realmente agarrar e fazer,
UNAIC (Representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Canguçu).
[...] a UNAIC está com um corpo técnico dirigido as propriedades, em que nós
trabalhamos juntos, mas eles não nos procuram assim, para dizer a EMATER vai
atender, não houve esse acordo, a gente trabalha junto, mas não esse atendimento
dos produtores de mamona (Representante da EMATER).
Portanto, essas informações corroboraram com as indicações realizadas pela FETAG
e pela Brasil Ecodiesel. Como Alvez-Mazzotti e Gewandsznajder (1998) explicam, a
identificação de alguns informantes ocorre por meio da sugestão dos primeiros entrevistados
onde existem dificuldades de obter informações prévias, até atingir o ponto de confirmação
desejada.
Assim, confirmamos, após entrevistas informais com os dirigentes da UNAIC, que
todos os dados e os elementos, que poderiam contribuir para compreendermos, inicialmente, o
arranjo e a dinâmica local do PNPB, estavam concentrados nesta entidade. Ademais,
26
coletamos informações sobre a própria organização e, o mais importante, recebemos o
acolhimento e a disponibilidade da UNAIC para a realização da pesquisa.
É fundamental destacar que nos deparamos com diversas limitações, incluindo o
tema incipiente, visto que os arranjos produtivos eram muito recentes, ainda em fase de
diversas adequações para todos os envolvidos. Portanto, esses fatores também contribuíram
para a escolha do delineamento da pesquisa: o estudo de caso.
2.2 ESTUDO DE CASO
As condições para a seleção do estudo de caso como estratégia, conforme Yin
(2005), consistem nas perguntas do problema de pesquisa, que devem ser do tipo “como” e
“por que” e, nos estudos contemporâneos, em que existe pouco controle sobre os
acontecimentos de parte do investigador. Ou seja, o estudo de caso “permite responder como
e por que aquelas características específicas que observamos são possíveis, em um quadro
teórico mais amplo, como as grandes tendências se manifestam, ou não, em realidades sociais
concretas” (ROESE, 1998, p. 193).
Partindo dessa acepção, os objetivos do estudo se alinharam com esses parâmetros
que os autores apresentam. Os questionamentos condutores do trabalho visam a compreender
“como” ou “de que forma” ocorre o fenômeno naquela realidade, o tema abordado é uma
discussão contemporânea e, os fatos não foram controlados, como detalharemos no decorrer
do capítulo.
Concomitantemente, recorremos à abordagem qualitativa que enriquece com detalhes
o conhecimento da realidade (ROESE, 1998). Como enfatizam Minayo (2002) e Haguette
(1997), a pesquisa qualitativa permite uma compreensão profunda dos significados das
relações humanas, das ões e dos fenômenos sociais, dentro do universo estudado, visto que
essa metodologia considera motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, que não podem
ser reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 2002).
Portanto, pudemos nos debruçar sobre as diferenças internas e os comportamentos
desviantes revelados entre os agricultores familiares, supostamente homogêneos e
congregados pela UNAIC e ao mesmo tempo, resguardar as características específicas e
holísticas do empírico proporcionadas pelo estudo de caso (GOLDENBERG, 1997). Isso não
significa “supor que se pode ver, descrever e descobrir a relevância teórica de tudo
(BECKER, 1997, p. 119), pois concentramos em cingir o problema de pesquisa que nos
propusemos a estudar. Contudo, o autor afirma que essa abrangência do estudo de caso
27
permite que o investigador possa lidar com descobertas inesperadas e reorientar seu trabalho
com imprevistos.
Isso pôde ser realmente verificado, quando iniciamos o trabalho de campo, em abril
de 2008. Embora os contatos estabelecidos e as informações coletadas no local,
anteriormente, para a elaboração do projeto, deparamo-nos com modificações na dinâmica e
na estrutura do PNPB, no município. A empresa produtora de biodiesel e a UNAIC não
formalizaram os acordos para a compra de oleaginosas daquela safra. Contudo, a UNAIC
havia se comprometido com a compra da soja produzida pelos agricultores familiares, pois a
produção de mamona e girassol enfrentava diversos problemas na região, e a empresa de
biodiesel não pretendia negociar mais a soja com a UNAIC, somente as outras oleaginosas.
Naquele momento, os dirigentes da UNAIC o sabiam se iriam comercializar a
mamona e o girassol com a empresa, visto que não houve a assinatura do contrato e a empresa
não se propunha a comprar a soja. Assim, o arranjo do PNPB foi desestruturado, juntamente
com o objeto da pesquisa. Portanto, não podíamos aguardar os desdobramentos daquele
processo devido ao fator tempo e às incertezas do desfecho.
Em vista disso, permanecemos no local durante mais dez dias para que pudéssemos
apreender outros elementos para reconstruir e aprimorar algumas diretrizes da pesquisa à nova
situação. O delineamento da pesquisa contribuiu especialmente para essa reformulação, pois o
estudo de caso, segundo Becker (1997), permite uma análise das múltiplas inter-relações do
empírico. Assim, elaboramos outro escopo do projeto, quando a UNAIC tornou-se a unidade
de análise.
Apesar dessas prerrogativas, Yin (2005, p.29) destaca que existem preconceitos em
relação ao estudo de caso como a dificuldade na generalização e a falta de rigor
metodológico. Em relação à primeira crítica, o autor explica que os estudos de caso “são
generalizáveis a proposições teóricas, e não a populações ou universo”. Ou seja, seu propósito
é expandir e generalizar teorias e não representar uma amostragem e nem enumerar
frequências. Entretanto Beck (1997, p.129) complementa que isso não é um problema se
tivermos
[...] uma visão de longo prazo do desenvolvimento da teoria. Cada estudo pode
revelar o papel de um diferente conjunto de condições ou variáveis, à medida que se
descobre que elas variam em cada ambiente em estudo. No decorrer de uma série de
estudos, a comparação de variações nas condições e conseqüências pode fornecer
uma teoria altamente diferencial do fenômeno em estudo.
28
a preocupação sobre a possibilidade de negligência na metodologia, Yin (2005, p.
29) pondera que o pesquisador deve intensificar sua cautela na coleta e na análise de dados
devido aos procedimentos menos rígidos nos estudos de casos. Contudo, evidências
tendenciosas e equivocadas podem ocorrer, também, em outras estratégias de pesquisa. Dessa
forma, o pesquisador “deve trabalhar com afinco para expor todas as evidências de forma
justa”.
Além disso, a base de dados, conforme Minayo et al. (2005), deve ser construída no
decorrer da pesquisa para constituir um conjunto de evidências relevantes, que contribua para
o rigor metodológico e evite possíveis vieses. Também optamos por diversas fontes de
informações para elucidar os significados e as interpretações por meio da identificação de
diferentes ângulos pelos quais o fenômeno pode ser observado (STAKE, 2000), tanto na fase
de exploração da pesquisa, como no trabalho de campo.
2.3 ENTRANDO NO CAMPO
A pesquisa social trabalha com gente, com atores sociais em relação, com
grupos específicos. Esses sujeitos de investigação, primeiramente, são construídos
teoricamente enquanto componentes do objeto de estudo. No campo, fazem parte de
uma relação de intersubjetividade, de interação social com o pesquisador, daí
resultando um produto novo e confrontante tanto com a realidade concreta como
com as hipóteses e pressupostos teóricos, num processo mais amplo de construção
de conhecimentos (MINAYO, 1998, p. 105, grifos da autora)
Reconhecemos que não houve uma delimitação precisa da fase exploratória e de
campo (MINAYO, 1998), pois elas se interpenetraram quando nos deparamos, em abril de
2008, com os imprevistos detalhados. Naquele momento, analisamos alguns registros e
documentos internos e acompanhamos algumas atividades realizadas pela UNAIC, como
assembléia, reuniões e visitas técnicas nas comunidades e associações. Isso permitiu a
reconstrução do projeto e, ao mesmo tempo, a observação inicial da participação, da interação
e das manifestações entre os agricultores com os dirigentes e os técnicos da UNAIC. A partir
disso, percebemos que as entrevistas com os agricultores deveriam ser realizadas em
momentos específicos e isolados devido à grande preocupação de alguns técnicos com o
conteúdo do relatório
8
.
Ademais, entrevistamos alguns fundadores da UNAIC e o Secretário da Agricultura
de Canguçu e restabelecemos contato com a EMATER, que nos convidou para participar de
uma reunião com os agricultores, em sua sede. Esse evento, juntamente com conversas com
8
Os técnicos da UNAIC referiam a elaboração da dissertação (escrita) como relatório.
29
os produtores presentes, proporcionou-nos uma visão inicial e geral das especificidades,
demandas e interesses dos agricultores familiares no município.
Retornamos e permanecemos em Canguçu entre os dias e 10 de junho e 23 de
junho a 8 de julho de 2008 com as modificações do projeto inicial. Na primeira ocasião,
acompanhamos, novamente, algumas atividades externas e permanecemos outra parte do
tempo na sede da UNAIC, quando conseguimos ter acesso ao banco de dados dos produtores
de oleaginosas e sementes e aos poucos controles da compra de milho e/ou feijão dos
agricultores familiares, pela UNAIC. Com essas informações foi possível mapear, delimitar e
selecionar a população de estudo.
Contudo, o ajustamento entre nossas solicitações e as rotinas administrativas, como
destaca Flick (2004, p. 71) foi um “trabalho de consentimento”, uma vez que existia um
problema operacional para ambos os lados. Deste modo, a coleta e a sistematização dos dados
disponíveis ocorreram por um período de tempo maior do que o planejado.
Entretanto, consideramos que o convívio no cotidiano da entidade foi uma fase
essencial, não somente para coletar os dados e, sim, para a produção de um conhecimento
profundo de pesquisa, pois a intensidade e a confrontação direta com o objeto de estudo
possibilitaram um olhar mais acurado das relações, práticas e estruturas do empírico
(MINAYO, 1998).
no segundo período, intensificamos as entrevistas, principalmente com os
agricultores. Acreditamos que esse momento foi o mais complexo em relação ao
deslocamento e à operacionalização, devido à grande extensão do município e aos horários
incompatíveis do transporte coletivo para a realização da pesquisa. Desta forma, uma
alternativa foi acompanhar os técnicos da EMATER, que estavam percorrendo o município
para a realização do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (PROAGRO).
Tentamos estabelecer um cruzamento entre a localidade ou o distrito com os produtores
selecionados, contudo não obtivemos sucesso, devido ao pouco tempo e ao momento
inadequado para a entrevista. Deste modo, locamos um automóvel para chegar às
propriedades.
Isso agilizou o processo, entretanto não facilitou o acesso. As estradas encontravam-
se em péssimas condições, por causa de chuvas intensas. O relevo íngreme e a distância
9
de
alguns distritos até a sede do município contribuíram para o tempo despendido. No entanto, os
9
A propriedade de um entrevistado localizava-se, aproximadamente, a 70 km da sede do município. A distância
percorrida, somente nesse segundo período, foi de 800 km.
30
momentos de convívio e da entrevista com os agricultores fluíram tranquilamente. Como
agendamos as entrevistas por telefone os produtores e suas famílias já nos aguardavam.
Alguns demonstraram estranheza e curiosidade inicial, pois tinham receio que fosse
um “golpe” para enganá-los ou furtá-los. Outros apresentaram maior familiaridade, que
tinham participado de pesquisas. Contudo, todos nos receberam muito bem. No final, a
maioria das pessoas nos oferecia café, almoço, frutas ou doces e, menos apreensivos, se
dispuseram a colaborar com o trabalho, se necessário, em outros momentos, como na fala
abaixo.
Nós estamos de portas abertas, a hora que quiser vir aí, pode vir, não tem
problema nenhum. Pode ligar, porque a gente aqui na campanha, a gente trabalha,
mas não é como empregado, a gente está trabalhando ali e se tiver que parar uma
hora, parar duas não faz diferença nenhuma. Então, não tem problema, pode vir e se
quiser fazer pesquisa de outras coisas, pode vir (EA- 2).
Portanto, o período de trabalho de campo possibilitou refletir, não somente, sobre as
escolhas feitas, as dificuldades descobertas e enfrentadas, mas ainda pudemos confrontar a
realidade com o arcabouço teórico, como aborda a citação inicial de Minayo (1998) e
construir um conhecimento mais amplo do universo investigado. Para isso, a triangulação das
fontes de dados também foi fundamental para o cumprimento do rigor da investigação.
2.4 FONTES DOS DADOS
Uma característica fundamental nos estudos de casos, conforme Yin (2005), é a
utilização de múltiplas fontes de dados, que podem proceder de seis fontes distintas: a)
documentos; b) registros em arquivos; c) entrevistas; d) observação direta; e) observação
participante; f) artefatos físicos. Isso possibilita a triangulação dos dados para a confirmação
ou não das evidências, com o desenvolvimento de linhas convergentes da pesquisa, ou seja,
objetiva o emprego de diferentes formas para investigar o mesmo ponto. Portanto, recorremos
à triangulação de fontes com as análises de documentos e registros em arquivos, a observação
direta e a realização de entrevistas.
2.4.1 Análises de documentos e registros em arquivo
Os documentos e os registros são importantes para a pesquisa qualitativa visto que
podem fornecer detalhes para corroborar e valorizar dados de fontes distintas, apresentar
31
indícios para outros questionamentos e elementos, averiguar a veracidade de informações
fornecidas verbalmente e possibilitar uma visão histórica dos fatos ou da instituição abordada
(HODDER, 2000; YIN, 2005).
Entretanto, existe uma distinção entre essas duas fontes que está baseada na
finalidade do texto, isto é, razões formais (registros) ou pessoais (documentos). Assim, os
documentos, que se aproximam do discurso, requerem uma interpretação mais
contextualizada, enquanto os registros podem conter outros significados locais, distintos dos
sancionados oficialmente. Por isso, esses materiais devem ser compreendidos dentro das
condições produzidas (HODDER, 2000).
Deste modo, partimos de pesquisas bibliográficas sobre o tema da pesquisa e
registros primários coletados no IBGE, FEE, INCRA e MDA, como descrevemos
anteriormente. Outras informações e análises imprescindíveis sobre o município e a região,
que possibilitaram uma visão holística do empírico foram disponibilizadas pelo Programa de
Pesquisa Interdisciplinar “Evolução e diferenciação da agricultura, transformação do meio
rural e desenvolvimento sustentável em municípios da planície costeira e do planalto sul do
Rio Grande do Sul: uma abordagem interdisciplinar” - PROINTER
10
.
Ademais, documentos impressos como jornais, folders e cartilhas, arquivos internos
da UNAIC e registros (estatuto e atas das assembléias) foram coletados ou consultados para
enriquecer a pesquisa. Contudo, encontramos dificuldades em relação à sistematização dos
documentos da UNAIC para estabelecer uma evolução e uma visão histórica em termos
produtivos e econômicos, devido à própria inexistência desses e ao furto de seus
computadores ocorrido em período recente. Apesar dessas restrições, a consulta a todo o
material disponível propiciou uma análise geral das condições de ação da entidade e a
confirmação das informações relatadas nas entrevistas pelos dirigentes atuais e antigos.
2.4.2 Observação direta
A observação foi um elemento fundamental no processo de pesquisa e não se limitou
somente às percepções visuais; ao contrário, todos os outros sentidos foram direcionados para
captar comportamentos ou condições ambientais relevantes (FLICK, 2004). Desta forma, foi
possível apreender as nuances da linguagem, isto é, significados especiais relacionadas a
palavras ou termos comuns, que podem demonstrar interpretações diferenciadas e/ou
10
Maiores informações, consultar Almeida et al. (2004).
32
situações problemáticas do grupo em estudo (BECK, 1997) ou simplesmente, adentrar e
compreender as expressões culturais peculiares e seus sentidos para a população do local.
Isso foi observado, por exemplo, nos momentos das entrevistas e conversas
informais, quando averiguamos que as pessoas relacionavam e identificavam as palavras
cidade, município ou mesmo Canguçu somente com a área urbana, visto que a área rural,
onde residiam e exerciam a maioria de suas atividades, eram denominadas aqui fora ou no
interior. Essas expressões podem ser relacionadas com sentimentos de exclusão e
desvalorização como Fialho (2005) explica, porém, em outros momentos, notamos que essa
distinção indica sentimentos de identidade com a sua comunidade, seu modo de vida e suas
atividades, expressos em algumas entrevistas:
A gente fica longe de Canguçu, mas por enquanto ainda tem
tranqüilidade, a paz que a gente tem é uma grande coisa, a vizinhança é tudo boa,
bem unida uns com os outros, se dão bem, um lugar bom. A amizade, graças a Deus,
é bastante (EA- 1).
Sempre gostei daqui, não gosto, não interesso em estar na cidade, morar
na cidade. [...] Eu tenho quase certeza que é o que mais gosto de fazer, de trabalhar
com a terra, com os animais. Acho que mesmo que se eu tivesse estudado, se tivesse
vontade de estudar, ia estudar alguma coisa que fosse ligado a isso também, porque
eu gosto mesmo, sinto gosto de fazer aquilo. Não ia nem saber fazer outra coisa
(EA- 10).
Além disso, a observação direta ou não-participante diminui as possibilidades de
exercermos influência nas ações e nas interações da organização nas assembléias, no convívio
dentro da sede da UNAIC, nas reuniões e nas visitas às comunidades junto aos dirigentes ou
aos técnicos para que as atividades e os eventos prosseguissem independentemente da nossa
presença. Assim, essa técnica proporcionou o acompanhamento de diversas situações
específicas e duradouras (GOLDENBERG, 1997), que foram registradas e sistematizadas no
diário de campo ou nas fotografias.
Contudo, como ressalta Flick (2004, p. 151) o ato da observação influencia os
observados” podendo modificar os comportamentos e a espontaneidade dos mesmos. Por isso,
a observação direta, segundo Goldenberg (1997), deve ser complementada com outras
técnicas como a entrevista em profundidade, por exemplo, para que os significados latentes
possam emergir e revelar evidências, que são restringidas em um questionário padronizado.
33
2.4.3 As entrevistas: uma partilha de conhecimentos
A escolha da entrevista como outro instrumento para o levantamento de dados
possibilitou obter informações, que somente poderiam advir dos atores envolvidos
(MINAYO, 1998), para descrever e compreender a cosmovisão daquelas pessoas e examinar
os modos como cada agricultor entrevistado percebe e significa sua realidade. Ou seja, a
entrevista contribui para o mapeamento das práticas, das crenças e dos valores em contextos
sociais específicos, mais ou menos delimitados, onde os conflitos e contradições não estão
abertamente explicitados (DUARTE, 2004).
Ao mesmo tempo, o enriquecimento da investigação foi complementado pela opção
das entrevistas individuais, as quais permitiram diversas perspectivas para que o entrevistado
tivesse tempo para refletir e alcançar a liberdade e a espontaneidade para se expressar com
suas próprias palavras (TRIVIÑOS, 1987). Isso possibilitou o esclarecimento e o acréscimo
de pontos importantes com sondagens e questionamentos específicos no decorrer da entrevista
como ressalta Gaskell (2005). Ademais, a entrevista é
[...] um processo social, uma interação ou um empreendimento cooperativo, em que
as palavras são o meio principal de troca. Não é apenas um processo de informação
de mão única passando de um (o entrevistado) para outro (o entrevistador). Ao
contrário, ela é uma interação, uma troca de idéias e de significados, em que várias
realidades e percepções são exploradas e desenvolvidas (GASKELL, 2005, p. 73).
Desta forma, também contribuímos para que aquela pessoa pudesse analisar seu meio
social, refletir sobre si mesmo e a sua própria situação por outro ângulo, que talvez não se
detivesse em outras circunstâncias, como complementa Duarte (2004) e é confirmada pelo EA
-10, “espero que tenha alguma utilidade. Pra gente também é importante para até analisar toda
essa situação, tudo isso, refletir. Acho que precisa isso mais”.
Duarte (2004, p. 220) ainda explica que ao “refazer seu percurso biográfico, pensar
sobre sua cultura, seus valores, a história e as marcas que constituem o grupo social ao qual
pertence, as tradições de sua comunidade e de seu povo”, o entrevistado pode avigorar sua
auto-afirmação diante da comunidade e da sociedade com mudanças em sua própria vida.
Não obstante, como ressalta Gaskell (2004), reportando-se a Becker e Geer (1997)
11
,
a entrevista apresenta limitações, pois se apóia em subsídios fornecidos pelo entrevistado, o
qual pode omitir detalhes fundamentais ou apresentar versões impossíveis de serem
11
BECKER, H. S.; GEER, B. Participant Observation and Interviewing: a comparison. Human Organization,
[S.l], v.16, n. 3, p. 28-32, 1997.
34
confirmadas. Para que pudéssemos cercear essas limitações e reduzir falsas inferências das
situações e dos comportamentos, a triangulação de fontes para a construção dos dados foi
imprescindível, como tratamos anteriormente.
Os autores também enfatizam que o investigador não se deve satisfazer com a
primeira resposta do entrevistado e sim, sondar os detalhes para aprofundar e averiguar a
informação. Além disso, a compreensão da cosmovisão do grupo abordado será constituída
após o acúmulo de elementos obtidos, a partir de um conjunto de entrevistas realizadas. Para
isso, optamos por roteiros semi-estruturados
12
, os quais possibilitaram abarcar a intensidade e
as diferenciações de significados dos fatos, das relações e das representações do empírico
(SOUZA et al., 2005).
A entrevista semi-estruturada
[...] favorece não a descrição dos fenômenos sociais, mas também sua explicação
e a compreensão de sua totalidade, tanto dentro de sua situação específica como de
situações de dimensões maiores. [...] é necessário lembrar que os instrumentos de
coleta de dados não são outra coisa que a “teoria em ação”, que apóia a visão do
pesquisador (TRIVIÑOS, 1987, p. 152).
Portanto, os guias das entrevistas foram fundamentados na combinação entre a
literatura científica, o reconhecimento preliminar do campo e as discussões com outros
colegas pesquisadores (GASKELL, 2005). Ao mesmo tempo, organizamos os roteiros por
tópicos temáticos como sugere Souza et al. (2005). Esses tópicos orientaram o percurso da
interlocução e permitiram flexibilidade e assimilação de novos temas e questões pertinentes
trazidas pelo entrevistado. E para conservarmos esses detalhes do material, a gravação digital
foi um recurso essencial, visto que proporcionou o registro e a transcrição integral dos
elementos.
A gravação foi permitida pelos agricultores familiares, que receberam e assinaram o
termo de consentimento (ANEXO A), com exceção de um produtor, o qual solicitou que a
entrevista não fosse gravada, contudo autorizou as anotações. Em todos os casos, lemos o
termo e esclarecemos a preservação do anonimato, para que não fossem identificados e não
ocorressem constrangimentos pelas informações cedidas.
Deste modo, construímos dois roteiros de entrevista: o primeiro (APÊNDICE A)
destinou-se aos agricultores familiares vinculados à UNAIC, os quais serão identificados pelo
12
De acordo com Minayo et al. (2005), as entrevista semi-estruturadas combinam perguntas fechadas e abertas,
que possibilitam ao entrevistado discorrer sobre o tema abordado sem se limitar à indagação formulada.
35
código EA
13
seguido pelo número correspondente de cada entrevista. Estes agricultores não se
restringiram somente aos associados realmente ativos. Alguns não participavam mais da
associação na sua comunidade ou a própria associação encontrava-se praticamente desativada.
Contudo, eles apresentam alguma relação pontual com a UNAIC por meio da venda da sua
produção de feijão, milho ou oleaginosas e, por isso, permaneciam nos arquivos da entidade.
Já o segundo roteiro (APÊNDICE B) foi orientado para a direção e os antigos
dirigentes da UNAIC, que serão denominados pelo código ED
14
seguido por um número
correspondente de cada entrevista. Ademais, o convívio com os funcionários no período de
campo também possibilitou a obtenção de informações e esclarecimentos, apesar de não
termos realizado entrevistas formais, com roteiros definidos.
Esses roteiros sofreram algumas mudanças, basicamente na fase exploratória e no
início do trabalho de campo, quando realizamos um pré-teste. Logo, suprimimos algumas
questões, que foram contempladas nas respostas, em tópicos anteriores, e tornaram-se
redundantes. Isso não nos causou preocupação, uma vez que o roteiro de uma pesquisa
qualitativa, conforme Minayo, Assis e Souza (2005), pode ser modificado, no decorrer do
trabalho de campo, quando o investigador percebe que o entrevistado aborda alguns temas
inesperados e relevantes ou outros tópicos planejados provocam dúvidas ou se tornam
desinteressantes, devido ao pouco conhecimento sobre o assunto por parte do entrevistado.
Estes autores explicam ainda que essas alterações permeiam o processo na
abordagem qualitativa, que objetiva o ponto de vista dos entrevistados sobre os temas
inquiridos, o que possibilita a construção e a avaliação dos significados veiculados dentro do
grupo ou comunidade em estudo (MINAYO, ASSIS, SOUZA, 2005). Para isso, a seleção dos
entrevistados deve refletir a totalidade das múltiplas dimensões do empírico.
2.5 DELIMITAÇÃO DA POPULAÇÃO EM ESTUDO
Na pesquisa de abordagem qualitativa, o número dos entrevistados não pode ser
definido a priori, como destaca Duarte (2002), visto que dependerá da profundidade, da
recorrência e das divergências das informações obtidas. Ou seja, “a finalidade da pesquisa
qualitativa não é contar opiniões ou pessoas, mas ao contrário, explorar o espectro de
opiniões, as diferentes representações sobre o assunto em questão” (GASKELL, 2005, p. 68).
13
O código EA significa entrevistado - agricultor.
14
O código ED significa entrevistado - direção.
36
Assim, a diversificação das pessoas com conhecimento, direto ou indireto, sobre o
campo é fundamental para analisar a totalidade dos temas, acontecimentos, estratégias e
trajetória do grupo social investigado (MARRE, 1991). Ao mesmo tempo, Gaskell (2005)
complementa que existe uma abrangência relativamente limitada das posições, das
interpelações ou dos pontos de vistas sobre um tema, dentro de um grupo específico, pois as
representações das experiências individuais são resultados, principalmente, de processos
sociais. Por isso, as representações de um tema comum em um meio social específico são
compartilhadas e emergem, progressivamente, no decorrer das entrevistas até o momento de
saturação, onde não aparecerem novas informações e as entrevistas podem ser interrompidas,
pois as posteriores tendem a repetir as anteriores e não acrescentam mais elementos
significativos (MARRE, 1991).
Portanto, a seleção dos entrevistados na nossa pesquisa seguiu esses dois critérios
qualitativos: a diversificação e a saturação. Para atender o primeiro critério, focalizamos,
inicialmente, nas principais atividades de produção da UNAIC: a) sementes crioulas; b)
oleaginosas para a produção de biodiesel e c) milho e feijão. Optamos por essa linha de
atuação por ser o núcleo base da UNAIC, onde congrega e organiza a maioria das outras
atividades e por apresentar algumas informações e contatos dos agricultores familiares.
Assim, esses parâmetros possibilitaram organizar a relação de produtores de
sementes, o controle de agricultores familiares que comercializaram sua produção de milho e
feijão com a UNAIC e, o banco de dados dos produtores de oleaginosas. Isso não significou
que essa divisão foi estanque, pois alguns eram produtores de sementes e oleaginosas, por
exemplo. Portanto, sistematizamos e realizamos um mapeamento da diversidade de situações.
Deste modo, finalizamos as entrevistas, no momento em que não surgiram mais
novas perspectivas, apenas recorrências. Assim, foi possível identificar padrões simbólicos,
práticas, categorias de análise e visões de mundo do universo em questão. Nesse ponto,
tínhamos realizado 20 entrevistas com os agricultores, cujos relatos se encontram diluídos nos
capítulos posteriores.
Em relação às entrevistas com os antigos e atuais dirigentes da UNAIC,
selecionamos pessoas, que foram fundadoras, outras que não participavam mais da direção e,
alguns dirigentes atuais. Contudo, ressaltamos novamente que as outras fontes de informações
como os documentos, registros e observação foram extremamente ricas para a compreensão
da história, evolução, idéias e arranjo da entidade.
Com a finalização das entrevistas e do trabalho de campo, pudemos nos debruçar,
exclusivamente, sobre a fase de análise de dados da pesquisa.
37
2.6 PROCESSO DE ANÁLISE E REDAÇÃO DO TEXTO
Consideramos que a análise de dados, como destaca Gomes (2002, p. 68), abarcou a
análise em si e a interpretação, uma vez que consistiram no mesmo processo de “olhar
atentamente para os dados da pesquisa”. Ademais, Minayo (1998) complementa que as três
finalidades dessa etapa são: a) compreender os dados da pesquisa; b) comprovar ou rechaçar
as hipóteses provisórias ou responder ao problema de pesquisa proposto; c) ultrapassar a
análise imediata para apreender os fenômenos de forma mais ampla.
Para atender a essas finalidades em nossa pesquisa, seguimos a técnica de análise de
conteúdo, visto que possui a propriedade de verificar hipóteses e/ou questões e descobrir o
“que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências do que está sendo
comunicado” (GOMES, 2002, p. 74). Essa técnica pode se desdobrar nas seguintes fases
propostas por Minayo (1998): pré-análise, exploração do material e tratamentos dos
resultados e interpretação.
A fase de pré-análise consistiu na organização de todo material analisado, ou seja, na
transcrição das entrevistas, na releitura dos registros, dos documentos coletados e das
anotações de campo para que pudéssemos estruturar e orientar os dados para a análise.
(MINAYO, 1998).
A etapa seguinte objetivou a transformação dos dados brutos em núcleos de sentido
por meio da codificação. Isso foi possível ao recortarmos o texto para a construção de
categorias (temas), que abrangeram elementos ou aspectos com características comuns ou que
se inter-relacionaram, para agrupamos idéias, valores de referência e modelos de
comportamento em torno de um conceito abrangente (GOMES, 2002; MINAYO, 1998).
na fase final, o material empírico foi analisado à luz do referencial teórico para
responder às nossas perguntas norteadoras e atingir nossos objetivos gerais e específicos
(MINAYO, 1998). Além disso, essa articulação, conforme Duarte (2004, p. 222), promoveu a
construção deste trabalho, que poderá ajudar a “compreender a natureza e a lógica das
relações estabelecidas naquele contexto e o modo como os diferentes interlocutores percebem
o problema com o qual ele está lidando”, visto que aproximou e confrontou respostas
análogas, complementares ou divergentes para identificar recorrências, concordâncias e
contradições das informações.
38
3 CANGUÇU: CARACTERIZAÇÃO DA CAPITAL NACIONAL DA AGRICULTURA
FAMILIAR
Nas primeiras incursões ao município, alguns aspectos chamaram a atenção: a grande
circulação de veículos de transporte coletivo entre Pelotas e Canguçu, ou do interior à cidade
com elevado número de pessoas em trânsito, principalmente, no período da manhã. Isso se
refletia na sede de Canguçu, onde havia um movimento intenso nas ruas, no comércio e nos
bancos. Essa agitação diminuía a partir das 15 horas, quando os ônibus começavam a
regressar para as localidades, e a cidade se tornava calma e vazia. Em um segundo momento,
nas estradas de terra do interior, observamos a grande circulação de carros das empresas
fumageiras e caminhões carregados de toras de madeira.
A fim de conhecer aquela realidade, complementar e compreender melhor os dados
da pesquisa, além de proporcionar uma aproximação com o objeto deste estudo, verificamos
que era fundamental aprofundar e detalhar as informações e os dados sobre o município, onde
se localiza a UNAIC. Para isso, recorremos à caracterização sucinta de Canguçu, à
apresentação do processo de formação e desenvolvimento com ênfase na sua estrutura agrária
e à evolução do seu perfil sócio-econômico nas últimas décadas.
3.1 CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE CANGUÇU
Inserido na região da Serra do Sudeste no estado do Rio Grande do Sul, mais
especificamente sobre a Serra de Tapes, Canguçu (FIG. 1 e 2) localiza-se a 274 km da capital,
Porto Alegre, e se limita com oito municípios: ao norte, Encruzilhada do Sul, Amaral
Ferrador e Cristal; ao sul, Cerrito; a oeste, Piratini e a leste, Morro Redondo, Pelotas e São
Lourenço. Suas principais vias de acesso são a BR-392, que liga o município a Pelotas, a Rio
Grande e ao centro do estado, e duas rodovias estaduais: a RS-265 para São Lourenço, e a RS-
471, que está sendo finalizada e permitirá acesso com o Vale do Rio Pardo até a região de
Passo Fundo e uma alternativa para a Região Metropolitana de Porto Alegre (CANGUÇU,
2008).
39
FIGURA 1: Mapa de localização do município de Canguçu no Rio Grande do Sul- Brasil.15
Fonte: Mapa elaborado sob base cartográfica da Diretoria do Serviço Geográfico do Exército (DSG) – IBGE
Com uma área de 3525 km
2
dividida em cinco distritos, Canguçu possui solos
formados por rochas graníticas e dois compartimentos distintos de paisagem: campo e
floresta. O campo encontra-se na parte norte - oeste e abrange 40% da área total com relevo
suave a médio ondulado até morros e escarpas com altitudes próximas a 500 metros na divisa
com Encruzilhada do Sul. Com uma vegetação formada por gramíneas e leguminosas
forrageiras, encontramos a predominância da criação de gado de corte e do cultivo de milho, e
o avanço das áreas de reflorestamento de eucalipto e acácia negra (COTRIM, 2003).
a área denominada de floresta localiza-se ao sudeste do município (FIG. 3) e
apresenta relevo acentuado com altitudes entre 100 e 200 metros no extremo sul e ondulações
suaves no limite com São Lourenço do Sul. Originalmente, possuía florestas subtropicais
arbustivas, que foram substituídas pelos cultivos de feijão, milho, fumo e pomares de pêssego
durante sua ocupação. Também observamos plantações de eucalipto e acácia negra em
menores áreas, pois são utilizadas para a secagem do fumo pelos agricultores familiares.
Tanto as áreas de campo como de floresta são abastecidas por arroios, sangas ou
poços artesianos, visto que não há nenhum rio que atravessa o município. Somente a 60 km da
sede, na divisa com Encruzilhada do Sul, encontra-se o Rio Camaquã, que não contribui para
o fornecimento da água de Canguçu (COTRIM, 2003). Assim, o abastecimento se agrava,
especialmente, nas propriedades rurais nos períodos de estiagem, pois o potencial hidrográfico
é importante não somente para consumo humano e industrial, mas também como fonte de
15
Para a confecção do mapa foi utilizado o software Spring 5.0 (Sistema de Processamento de Informações
Georreferenciadas) que é um SIG (Sistema de Informações Geográficas); e o produto final foi trabalhado através
do CorelDRAW 13.
40
água para irrigação (ALONSO, 1994). Além disso, Canguçu apresenta um clima subtropical
com temperaturas médias entre 18°C a 23°C, entretanto o inverno rigoroso propicia a
formação de geadas, que prejudica muitos cultivos nesse período.
Dessa forma, partimos das indicações da localização e das características gerais,
envolvendo solo, clima, relevo e vegetação para trazer elementos que permitam um
entendimento mais adequado da influência desses fatores no processo de povoamento e no
desenvolvimento do município.
FIGURA 2: Vista parcial da sede do município de Canguçu. (Fotografia da autora. Julho de 2008).
FIGURA 3: Vista da área rural no 4° distrito de Canguçu. (Fotografia da autora. Junho de 2008).
41
3.2 O PASSADO DE CANGUÇU: DO SÉCULO XVIII À DECADA DE 1980
Os primeiros habitantes de Canguçu foram os índios Tapes, que deram origem ao
nome da Serra, onde se localiza o município. Sob orientação dos jesuítas, eles guardavam
essas terras para impedir o avanço dos portugueses para as onze estâncias jesuíticas, que
abasteciam de gado os Sete Povos das Missões (BENTO, 1983). Os Tapes criavam gado na
zona de campo e plantavam mandioca e milho na região de floresta para sua subsistência
(COTRIM, 2003).
Com a fundação de Rio Grande, marco do povoamento português do Rio Grande do
Sul, em 1733, e as incursões portuguesas para o interior do estado, os Tapes foram sendo
expulsos pelos militares portugueses, visto que as terras de Canguçu se localizam entre as
primeiras bases da época: o Forte de Rio Grande e o Forte Jesus, Maria e José, na margem
esquerda do Rio Jacuí.
com a construção do Forte de São Gonçalo, na margem direita do Rio Piratini, em
1755, aumentaram as condições de segurança para a exploração das terras dos atuais
municípios de Pelotas e Canguçu. Essa ocupação ocorreu com a doação de terras
(sesmarias
16
) na área de campo, onde havia rebanho de gado “xucro”, para militares
portugueses, formando as primeiras estâncias. Além deles, imigrantes provenientes das Ilhas
dos Açores, que entraram no estado entre 1747 e 1750, também aproveitaram as condições de
comércio e segurança entre os dois primeiros fortes para se estabelecerem em áreas de 272
hectares próximas à floresta (BERNARDES, 1997; BENTO, 2007).
Devido à invasão do Rio Grande pelos espanhóis em 1762, e aos constantes conflitos
nesse espaço, muitos açorianos fugiram da região entre Pelotas e Rio Grande para a Serra de
Tapes, a qual foi base de resistência portuguesa devido à sua posição estratégica
17
e seu relevo
acidentado. Ademais, o local recebeu novo contingente de população procedente da Colônia
de Sacramento, que foi conquistada pelos espanhóis em 1777 (BENTO, 2007). Com a paz
estabelecida pelo Tratado de Santo Ildefonso, grande parte dos soldados e oficiais se fixou na
região e se tornou estancieira (ZARTH, 2002).
Após esse período de guerra, os ocupantes das terras dedicaram-se ao cultivo de trigo
até 1780, quando a pecuária extensiva foi impulsionada para o abastecimento das
16
De acordo com Bernardes (1997), as sesmarias concedidas possuíam três léguas de campo (13.068 hectares),
contudo muitos proprietários possuíam 16 até 20 léguas (263.360 hectares).
17
Conforme Fialho (2005), as terras de Canguçu eram estratégicas pela proximidade com a Lagoa dos Patos
dando acesso ao Oceano Atlântico. Já Bento (1983) complementa que o local é um orográfico e, nas suas
proximidades, nascem os afluentes dos rios Piratini e Camaquã.
42
charqueadas, que estavam em ascensão em Pelotas. Além disso, o trigo nacional sofreu
grande concorrência em relação ao produto norte-americano com a abertura dos portos em
1808 e os açorianos preferiram se dedicar ao pastoreio.
Como destaca Bento (1983), as charqueadas em Pelotas tiveram grande influência
em Canguçu, que era o local para a criação e a passagem das tropas de gado em direção a
Pelotas e para a produção de alimentos visando ao abastecimento da população envolvida na
atividade charqueadora. As famílias com maiores recursos procuraram outras áreas mais
adequadas para a criação de gado devido ao relevo acidentado de Canguçu (BENTO, s.d apud
FIALHO, 2005). Desse modo, Alonso e Bandeira (1990) afirmam que a pecuária tornou-se a
principal fonte de acumulação de capital e a responsável pelo dinamismo e articulação da
região com a economia no centro do país até o final do século XIX.
Ademais, a criação de gado foi responsável pela delimitação das propriedades e
contribuiu para a ocupação e a apropriação de toda a área de campo no início do século
XIX, ou seja, o latifúndio pastoril estava consolidado, assim como estava consolidada uma
classe militar e política fortemente instalada no poder” (ZARTH, 2002, p. 63). Ao mesmo
tempo, o estabelecimento desses limites gerou desavenças entre os estancieiros no município.
A própria fundação de Canguçu foi o resultado de uma disputa de terras, a qual foi resolvida
com a doação dessa área para a construção da Capela Curada de Nossa Senhora da Conceição
de Canguçu e base para o povoado em 1800 (BENTO, 1983). Como o autor afirma, a
necessidade de impedir possíveis avanços espanhóis sobre o domínio português também
contribuiu para esse povoamento.
Portanto, Canguçu, em 1814, apresentava a maior densidade rural em relação às
outras localidades adjacentes, com uma população de 3808 pessoas, que ocupavam pequenas
extensões de terra para o cultivo de trigo e para a subsistência ou grandes campos com a
pecuária extensiva. Além dos proprietários, havia os peões, capatazes e os escravos, que
trabalhavam, sobretudo, nas estâncias (BERNARDES, 1997; BENTO, 1983).
A dinâmica demográfica canguçuense foi sendo modificada pelos inúmeros conflitos
ocorridos na Campanha rio-grandense e pela chegada dos imigrantes alemães em 1824,
formando a colônia de São Leopoldo nas margens do Rio dos Sinos. Muitos desses alemães,
conforme Fialho (2005), compuseram as tropas brasileiras na Guerra Cisplatina (1825-1828),
visto que o governo ofereceu recompensas como concessão de terras, animais, entre outras
vantagens. Com o final dos combates e a desmobilização do exército, “muitos de seus
integrantes se radicam nas freguesias de Piratini, Canguçu e São Francisco de Paula”
(BENTO, 1983, p. 63).
43
A colonização alemã se intensificou na região, somente um ano após a criação do
município de Canguçu, com a fundação da colônia em São Lourenço do Sul em 1858. Essa
colônia representou os projetos de empreendimentos particulares no estado, diferente dos
primeiros núcleos, onde o governo imperial cedeu propriedades de, aproximadamente, 77
hectares (BERNARDES, 1997).
Dessa forma, esses projetos privados visavam à divisão das terras da área de floresta
em lotes menores para os colonos, pois era a forma mais rentável e oportuna para explorar as
matas. Rheingantz
18
(1907, apud ZARTH, 2002, p. 97) ilustra esse processo em São Lourenço
do Sul:
O empresário Jacob Rheingantz comprou do governo 8 léguas quadradas de terra ao
preço de ½ real a braça quadrada, totalizando 36:000$000 réis. Por outro lado,
recebeu do mesmo governo um subsídio de 30$000 réis por colono entre 10 e 45
anos, e de 20$000 réis por criança entre 5 e 10 anos. O contrato previa a imigração
de 1440 colonos alemães, totalizando um subsídio de 36:000$000 réis. Ou seja, as
terras forma adquiridas gratuitamente, correndo as despesas de imigração por conta
do empresário.
As terras foram divididas em lotes de 48,4 hectares e vendidos ao preço mínimo de
300$000 réis em 1858, alcançando até 600$000 em 1877. Se considerarmos o preço
mínimo, 300$000, as terras foram revendidas ao preço de 3 reais a braça quadrada,
isto é, 6 vezes o preço de compra (1/2 real a braça quadrada). No total, isso
representa uma soma de 216:000$000, 180:000$000 a mais, no mínimo, do que foi
pago ao governo. Os lotes eram vendidos para pagamento em dois anos sem juros, e
depois desse prazo, com juros de 6% ao ano.
Essa iniciativa foi o exemplo para que os próprios estancieiros da região iniciassem
outros vinte projetos de colonização na Serra dos Tapes. Esse processo de mercantilização da
terra expropriou os agricultores pobres ocupantes das áreas devolutas, pois não possuíam os
títulos legais por se basearem em práticas costumeiras do uso da terra na época. Ao mesmo
tempo, o surgimento de uma “verdadeira indústria de fraudes e de especulação imobiliária”
contribuiu para esse processo (ZARTH, 2002, p. 100).
Ademais, a abolição da escravatura colaborou para o aumento do contingente de
pessoas excluídas ao acesso à terra ratificado pela Lei de Terras em 1850. Conforme Bento
(1983), Canguçu era a segunda província no estado com o maior número de escravos em
1887.
Essa população pobre e livre, segundo Zarth (2002), vivia em condições precárias
com dificuldades para se estabelecer e trabalhar em um local devido aos fatores citados, além
dos preconceitos referentes às suas origens e ao incipiente mercado de trabalho, uma vez que
18
RHEINGANTZ, C. G. Colônia de São Lourenço. Breve histórico de sua fundação por Jacob Rheingantz. Rio
Grande: Livraria Americana, 1907.
44
não havia grandes demandas de trabalho nas estâncias pastoris com a crise do charque e nem
nas colônias, pois os imigrantes europeus ocuparam as terras como agricultores independentes
com uma produção de subsistência dentro de um espaço relativamente pequeno que não
permitia a contratação de mão-de-obra.
Ainda para agravar esse quadro, outro conflito ocorreu no Rio Grande do Sul entre
1893 e 1895: a Revolução Federalista. Apesar de Canguçu não ter sido palco de combates,
segundo Bento (1983, p. 106), uma profunda recessão econômica assolou o município com a
“migração para outras localidades com seus patrimônios, de tradicionais famílias
canguçuenses do tempo do Império, deixando suas residências ao abandono”. Mesmo com o
final da Revolução, Bento (1983, p. 109) cita trechos da obra “Vila de Canguçu Descrição
Geográfica”, de Eduardo Wilhelmy, para ilustrar a situação de desalento que permaneceu
após dez anos:
[em 1869] achei que Canguçu era a Vila mais animada dentro todas [com exceção
de Bagé e Jaguarão]. Uma alegre e laboriosa população a habitava e todos os seus
moradores se achavam satisfeitos com sua situação, ganhando o suficiente para uma
vida cômoda... Nessa época todos os estancieiros de importância tinham casas na
vila que habitavam, senão sempre, pelo menos o maior tempo do ano. E hoje? De
todas estas famílias muito poucas restam morando aqui. Vários chefes já morreram e
outros se mudaram para o Uruguai e Pelotas, etc... Suas casas se vão desmoronando
desde o tempo da Revolução de 93. Outros venderam suas casas por menos de terça
parte do custo.
Na realidade, Fialho (2005) complementa que a crise do setor agropecuário no final
do século XIX e início do século XX foi a principal responsável por essa conjuntura, pois
Canguçu era extremamente dependente da economia charqueadora de Pelotas. Somente com o
início da Primeira Guerra Mundial em 1914, a pecuária gaúcha se recuperou com o aumento
da demanda e dos preços dos alimentos para o abastecimento das tropas e da população civil
dos países beligerantes (PESAVENTO, 1985).
De acordo com a autora, os estancieiros com o apoio do governo gaúcho estavam
mais organizados desde 1912, com a fundação da União dos Criadores, que visava à
modernização do setor e a criação do Frigorífico Nacional em Pelotas. Desse modo, com a
eclosão da Primeira Guerra, houve maiores incentivos estatais para a renovação tecnológica e
a entrada de empresas frigoríficas estrangeira, tal como a Swift em Rio Grande no ano de
1917. Esses fatores proporcionaram oportunidades para os criadores e os charqueadores, os
quais podiam fornecer o charque para o mercado interno já que a produção concorrente dos
países platinos estava direcionada para os frigoríficos.
45
Além da pecuária, a produção de subsistência e de manufaturas também se
desenvolveu, pois a importação de produtos estava impossibilitada por causa da guerra.
Outros fatores, como a desvalorização da moeda nacional e a disponibilidade de crédito
bancário, também contribuíram para alavancar e diversificar as indústrias, que se
concentravam em Porto Alegre, Rio Grande, Pelotas, Caxias do Sul e Vale dos Sinos. Assim,
Pesavento (1985, p. 77) afirma que o período da “Primeira Guerra Mundial veio criar no
estado uma conjuntura ótima de mercado e uma perspectiva de euforia, atenuando tensões,
marcando crises e fomentando ilusões ao celeiro do país”.
Contudo, a recessão econômica retornou no pós-guerra. A reestruturação industrial
européia e o recuo do consumo mundial de produtos agropecuários influíram diretamente na
economia gaúcha. Segundo Heidrich (2002), esse quadro se agravou em 1921 com a falência
de diversos criadores e frigoríficos, como as empresas Swift e Armour, que não possuíam
condições de competir com a produção platina devido ao alto custo do transporte. Ao mesmo
tempo, acirrava a concorrência com os estados de São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso
para o abastecimento interno.
Pesavento (1985) complementa que a agricultura das colônias enfrentava outros
problemas como o esgotamento dos solos e o parcelamento das terras. Os imigrantes dividiam
seus lotes para transmitir o patrimônio aos seus filhos até o momento em que era impossível
continuar o fracionamento. Esse processo também ocorreu nas famílias descendentes de
portugueses, espanhóis, indígenas e negros, provocando um colapso na sua estrutura
produtiva, pois estavam acostumados com o modelo da época colonial e o crescimento natural
dos rebanhos sem a preocupação com o melhoramento genético e o manejo (FIALHO, 2005).
Isso impulsionou a migração dos descendentes para outras áreas com a expansão da
fronteira agrícola gaúcha e o aumento do número de minifúndios, o que verificamos em
Canguçu até os dias atuais.
Em 1928, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder estadual houve uma orientação
para amparar a pecuária através da concessão de créditos e subsídios para transportes, por
exemplo. Esse apoio prosseguiu na Era Vargas, no período de 1930 a 1937, com a
manutenção da estrutura agropecuária rio-grandense, pois correspondia com os interesses do
governo central, que pretendia integrar e articular as economias regionais ao mercado e
diversificar a estrutura produtiva do país. Paralelamente, difundia-se a idéia de que a
agricultura era mais rentável do que a pecuária no estado. Assim, as culturas de arroz, trigo,
cebola, frutas e milho se desenvolveram, embora o charque continuasse sendo o principal
produto de exportação (PESAVENTO, 1985).
46
Apesar desse apoio para a pecuária, verificamos um crescimento do rebanho ovino,
em Canguçu, que triplicou entre 1908 1938, segundo dados apresentados por Bento (1983),
uma vez que a ovelha se adapta melhor em pequenas propriedades com relevo acidentado
(FIALHO, 2005). Além da criação de bovinos, ovinos, eqüinos e suínos, o município possuía
uma produção muito diversificada com destaque para batata, trigo, milho, feijão, fumo e
unidades processadoras de café, manteiga, conservas, fumo, moinhos de grãos, além de
olarias, ferrarias e diversas casas de comércio em 1938, uma vez que 95% da sua população
total de 60.000 habitantes concentravam em 8.000 estabelecimentos agrícolas (BENTO,
1983).
Na realidade, a base da economia canguçuense era reflexo da importância que o setor
primário ocupava no estado, o qual contribuía com duas vezes mais para o PIB interno do que
o setor industrial, tanto que o Rio Grande do Sul ocupou a posição de fornecedor de alimentos
baratos para o trabalhador nacional (HEIDRICH, 2002). Contudo, conservou sua estrutura
econômica durante o período do Estado Novo (1937-1945) com o predomínio da criação
extensiva de gado em campo nativo e a introdução de técnicas mais modernas ao longo do
tempo, como “o cercamento dos campos e a maior subdivisão das áreas de pastoreio, além do
crescente uso de bretes e troncos para a contenção dos animais, contribuíram para facilitar o
manejo dos rebanhos”. Essas práticas repercutiram na redução da mão-de-obra necessária
para a manutenção das estâncias com a saída dos trabalhadores rurais (BANDEIRA, 1994, p.
15).
Esse processo de êxodo também se intensificou nas colônias em direção a outros
estados e regiões emergentes Santa Catarina, Paraná e Centro–Oeste, onde havia
disponibilidade de terras, melhor localização e maiores índices de produtividade - ou aos
centros urbanos em busca de oportunidades de trabalho devido à ascensão da produção
industrial, que acentuou seu caráter regional e reduziu a concentração das grandes empresas
até os anos 1950 (PESAVENTO, 1985).
No entanto, Schmidt e Herrlein Junior (2002, p. 262) explicam que
[...] a restrita integração do mercado nacional para a produção industrial e a escassez
de oferta de bens industriais permitiram que a indústria gaúcha se expandisse no
período com escalas de produção antieconômicas e elevados custos de produção,
que se revelariam insustentáveis quando a integração do mercado interno brasileiro
impôs condições concorrenciais mais severas aos produtores gaúchos.
Assim, esse modelo regional deparou-se com limitações para inserir seus produtos no
mercado diante o centro dinâmico brasileiro, quando o espaço econômico nacional foi
47
rearticulado o que pode ser visualizado nos dados apresentados por Singer
19
(1968 apud
PESAVENTO, 1985). Em 1920, o estado contribuía com 11% da produção nacional,
reduzindo para 10,7% em 1938 e 8,1% em 1958.
Se a indústria gaúcha apresentava dificuldades, a situação era agravante na região de
Pelotas, visto que sempre atendeu a uma demanda externa com o processamento de produtos
agropecuários e não desenvolveu o segmento de bens manufaturados para o mercado regional.
Quando as empresas perderam competitividade nos mercados externos, não desfrutavam de
uma estabilidade local para sobreviver à crise. Essa ausência de mercado consumidor
decorria da concentração de renda, do baixo poder aquisitivo da população urbana formada
por descendentes de escravos ou por antigos peões das estâncias e da preferência por
mercadorias importadas pela pequena parcela da população com renda elevada (BANDEIRA,
1994).
Entre 1960 e 1985, a economia rio-grandense se recuperou, conforme Accurso
20
(1993 apud SCHMIDT; HERRLEIN JUNIOR, 2002), e obteve taxas superiores à média
nacional nos anos 1970, o que permitiu recuperar a defasagem ocorrida na década de 1950.
Com mudanças estruturais e aumento da produtividade, apresentou condições para competir
em mercados maiores e possibilitou um grande volume de transações comerciais dos produtos
industrializados com outros estados e países.
Isso foi possível também, segundo Schmidt e Herrlein Junior (2002, p. 269), como
resultado do crescimento econômico do país na década de 1960, e o papel da economia rio-
grandense como “poupadora ou fornecedora de divisas para a expansão da economia
nacional”. Os autores complementam que a produção da soja e do trigo em grande escala
ocupou as áreas, principalmente, dos latifúndios através do arrendamento das terras e
absorveu parte do excedente da mão-de-obra das lavouras coloniais. Dessa forma, os
assalariados rurais juntamente com os produtores agrícolas cooperativados ganharam
relevância nesse novo contexto.
Ao mesmo tempo, a modernização conservadora da agricultura intensificou a
crescente migração da população rural da região norte e sul do estado em direção a novas
áreas de povoamento no país ou para o eixo Porto Alegre e Caxias do Sul, uma vez que esse
espaço concentrava grande parte do parque industrial gaúcho desde os anos 40 (WAQUIL;
FILIPPI, 2008).
19
SINGER, P. Desenvolvimento econômico e evolução urbana. São Paulo: Nacional, 1968.
20
ACCURSO, C. Relações macroeconômicas da economia gaúcha 1960-85. Indicadores econômicos FEE,
Porto Alegre, v. 21, n.3, 1993.
48
a região de Pelotas, com exceção das indústrias de conservas, não acompanhou a
reestruturação do setor industrial do estado. Segundo Alonso e Bandeira (1990), a
participação da região no produto interno líquido industrial gaúcho reduziu de 5,69% para
3,59% entre 1960 e 1980, com uma pequena recuperação na segunda metade dos anos 1970.
Esse restabelecimento pode ser relacionado com os dados do trabalho de Scherer e Silveira
(1998, p. 99), onde demonstraram que houve um aumento na produtividade do setor de
conservas em decorrência das políticas de incentivos e a modernização da agricultura, além da
concentração das empresas.
Na realidade, a indústria de conservas, principalmente do pêssego, teve seu auge nos
anos 1970. Esse crescimento estabeleceu uma articulação regional entre a indústria, os setores
montante e jusante da cadeia com reflexos na demanda de matéria-prima. Assim, os
agricultores da região, inclusive os de Canguçu, foram estimulados a cultivar frutas e legumes
visando esse abastecimento. Esse fato gerou muitos empregos, não somente nos períodos de
safras, mas também ocupações efetivas (SCHERER; SILVEIRA, 1998).
Essas indústrias, segundo os autores, passaram a diversificar a produção para
enfrentar a sazonalidade do pêssego e investir em pomares “empresariais”, consequentemente,
reduziram a demanda e a compra de matéria-prima da pequena propriedade. Assim, produtos
da região (batata, morango, cenoura e pepino) foram incorporados na linha de processamento.
Esse processo foi exposto por um entrevistado da pesquisa:
Acho que a agricultura passou por várias mudanças até em cultura e, até uma coisa
que a gente tinha também, as miudezas, como se diz, a ervilha, que na época era
produzida pra vender em natura para as fábricas, que era comercializada nas fábricas
[...]. que depois, não sei qual a razão, as próprias indústrias pararam de
industrializar e comprar o produto em pequenas porções, que era o nosso caso, então
eles pegavam em quantias maiores, então foi ficando de lado. [...] o milho doce, que
se plantava para a conserva e para nós era uma coisa bem rentável, porque ele não te
muito trabalho para tu cultivar, era uma fonte de renda nossa como pequenos
agricultores (EA- 17).
Entretanto, essa diversificação não foi suficiente para o setor enfrentar a crise dos
anos 1980 e, depois a abertura comercial e o Plano Real
21
, nos anos 1990, o que acarretaram o
fechamento de muitas indústrias. Portanto, a realidade apresentada refletiu diretamente no
município de Canguçu, que dispunha de uma grande produção de pêssegos e outras matérias-
primas para abastecer as empresas de Pelotas até hoje.
21
Conforme Scherer e Silveira (1998, p. 102), a sobrevalorização da taxa cambial imposto pelo Plano Real
“afetou alguns setores da indústria brasileira, que tiveram sua posição ameaçada no mercado interno e/ou
perderam espaços já conquistados no mercado internacional”.
49
Assim, observamos que a concentração da estrutura fundiária no passado e o
atrelamento à economia de Pelotas refletiram no processo de exclusão ao acesso à terra, na
intensificação da migração, no parcelamento dos lotes e na subordinação econômica em
poucos produtos primários. Isso confluiu para o aumento do cultivo do fumo nas pequenas
propriedades e no peso da economia local, e consequentemente, ampliou a dependência nas
empresas de tabaco localizadas nos municípios de Santa Cruz do Sul e Vera Cruz nos últimos
anos.
3.3 A EVOLUÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA CONTEMPORÂNEA
De acordo com o último Censo Demográfico do IBGE (2000), Canguçu possui uma
população de 51447 habitantes, dos quais 65,61% residem na área rural, ou seja, 33742
pessoas. Apesar desta maior concentração da população na área rural, podemos observar na
TAB. 2, o esvaziamento no campo nas últimas décadas. Apenas nos anos 1990, houve o
arrefecimento do êxodo em relação à população absoluta, o que acompanhou a própria
tendência das regiões Sudeste e Sul no período.
TABELA 2
População rural e urbana de Canguçu entre 1970 e 2000
Período
População
total
(habitantes)
População
rural
%
População
urbana
%
1970 62.451 57.297 91,75 5.154 8,25
1980 55.822 46.967 84,14 8.855 15,86
1991 50.367 36.556 72,58 13.811 27,42
2000 51.447 33.752 65,61 17.695 34,39
Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1970, 1980, 1991 e 2000.
Esta redução da população ocorreu, não somente pela queda da taxa de fecundidade
nas áreas rurais brasileiras, mas também pelo deslocamento da população rural de Canguçu,
desde a década de 1970, para a área urbana e para outros municípios, o que representou um
declínio de 17,6% do número total de habitantes nos últimos 30 anos. Esse deslocamento foi,
predominantemente feminino (TAB. 3) devido ao estímulo da família, à continuidade da sua
formação educacional e à oferta de trabalho principalmente no setor de serviços
(CAMARANO; ABRAMOVAY, 1999).
50
TABELA 3
Porcentagem da população de Canguçu entre 1970 e 2000
Participação da população rural no
total da população
Participação da população urbana no
total da população
Período
Mulheres (%) Homens (%) Mulheres (%) Homens (%)
1970 44,42 47,33 4,44 3,81
1980 40,17 43,97 8,35 7,51
1990 34,43 38,15 14,40 13,02
2000 30,91 34,69 18,15 16,25
Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1970, 1980, 1991 e 2000.
Deste modo, observamos o crescimento da população urbana com o predomínio de
mulheres e, ao mesmo tempo, o esvaziamento e a masculinização no campo, o que não é um
fenômeno localizado, uma vez que Camarano e Abramovay (1999) indicam esse processo nas
outras regiões brasileiras e em diversos países.
No caso de Canguçu, esses dados podem indicar pouco dinamismo da área rural
como do próprio município. O Censo Agropecuário de 2006 (com dados ainda preliminares)
revela que, das pessoas residentes na área rural, 24674 estão ocupadas nas atividades
agropecuárias com algum laço de parentesco com o produtor diante dos outros 2100 sem
vínculos familiares. Em uma área total de 267265 hectares em 9947 estabelecimentos
22
, os
agricultores familiares se dedicam à produção de milho, feijão, soja, fumo, pêssego, batata-
inglesa, cebola, mandioca, além da criação de ovinos, suínos, aves, gado de corte e de leite
(IBGE, 2006).
Observamos uma diversidade de cultivos, quintas e hortas em todas as propriedades,
onde realizamos as entrevistas, sempre visando, em primeiro lugar, à subsistência da família,
porém o fumo vem crescendo e predominando como o principal cultivo gerador de renda para
a região e para os agricultores nos últimos anos (ANEXO B). Segundo dados da própria
Prefeitura Municipal (CANGUÇU, 2008), na safra 2005/2006, Canguçu foi o segundo maior
produtor de fumo no país com uma produção de 28 mil toneladas, o que representou 51% do
retorno do ICMS para o município.
Apesar do crédito do PRONAF não ser concedido para atividades relacionadas com a
produção do fumo, houve também um expressivo aumento do volume de recursos do
PRONAF custeio e investimento nos últimos anos. O município foi o primeiro na listagem
22
No Censo Agropecuário de 1995/1996, Canguçu apresentava 9215 propriedades em uma área de 314.849
hectares, onde 95% eram categorizadas como agricultura familiar e 61,4% possuíam até 20 hectares.
51
dos cem maiores tomadores de crédito do PRONAF, entre 2001 e 2004, o que correspondeu a
38.330 contratos e um montante superior a 73 milhões de reais. Nos anos seguintes (2005-
2008), houve uma queda dos contratos para 36161, porém o valor total foi de R$
115.500.983,63 (MATTEI, 2005; BRASIL, 2009a).
Deste modo, o setor agropecuário continua com uma grande importância na
economia local, onde contribuiu com 30% do PIB municipal de 382 milhões de reais em
2006. Ao mesmo tempo, estrutura e dinamiza o setor de serviços responsável por 62% do
PIB, que é também impulsionado pelos 14668 beneficiados
23
da previdência social (IBGE,
2007; BRASIL, 2009b). Em várias propriedades visitadas, havia pais ou algum parente
aposentado, que asseguravam a renda mensal. Tal renda tornou-se particularmente importante
com as secas ocorridas nos últimos anos.
Apesar de uma área destinada para o distrito industrial, poucas indústrias no
município. No período de trabalho de campo, havia um entusiasmo em relação ao projeto de
instalação de uma filial da empresa COSULATI para processamento de frutas com a geração
de aproximadamente oitenta empregos. No entanto, fomos informados de que os
investimentos da empresa foram suspensos neste ano e o projeto adiado devido à recessão
econômica atual. Assim, a dificuldade no abastecimento de água e energia elétrica que
acompanha o município e a caracterização na produção de matérias-primas para serem
transformadas em outras localidades contribuem também para arrefecer a dinâmica do setor
industrial no município.
Essa conjuntura descrita pode ser averiguada na fala de um entrevistado:
[...] eu acho que alguma fábrica que se instalasse na cidade também ajudaria a dar
mais emprego. Eu acho que a cidade, em Canguçu, eu não sei de cor quanto que tem
de aposentados. Aqui ao dia 15, todo comércio vende, mercado vende, veterinária
vende, tudo vende até o dia 15, quando tem acesso aos aposentados. Quando a
produção de fumo é grande, a cidade vende e emprega muita gente pra fora. [...] se
tu pegasse hoje e fizesse uma pesquisa de quem é que depende do interior, chegasse,
por exemplo, você é funcionário do banco, você é funcionário de uma loja, você é
dono de uma loja, chega pro dono da loja e pergunta: você depende do interior?
Dependo. Eu dependo do interior pra mim vender. aqui dentro da cidade, eu
vendo muito pouco. [...] eu já vi uns amigos meus que tem loja, que eles acham que
na cidade vendem quando muito vendem 30, 40%. Eles acham que vendem mais de
50% pro interior, principalmente, veterinária, ferragem, essas coisas vendem um
horror, pra fora. Porque ninguém usa nada dessas ferragens, vende tudo que tipo
de coisa pra agricultura. Ferramentas, máquinas de pulverizar, tudo que é coisas,
esses fertilizantes, coisas assim. Então, isso tudo depende da agricultura (EA- 2).
23
Em 2008, o número de benefícios correspondeu a 15130, dos quais 77% estão na área rural, gerando um
montante de 58 milhões de reais segundo o Ministério da Previdência Social.
52
Também constatamos avanços em relação a seus indicadores sociais nas últimas
décadas como evidenciam os dados do IDH municipal
24
abaixo:
TABELA 4
Indicadores de Desenvolvimento Humano de Canguçu 1991/2000
Indicadores 1991 2000
IDHM 0,663 0,743
IDHM Renda 0,586 0,638
IDHM Educação 0,709 0,813
IDHM Longevidade 0,693 0,777
Fonte: PNUD
Apesar desses avanços, dificuldade de acesso aos serviços de educação e saúde
pela população rural principalmente aquela que reside em comunidades muito distantes da
sede. Os estudantes se deslocam todos os dias para a cidade para prosseguirem com sua
formação educacional, pois não nenhuma escola de ensino médio no campo. A maioria
auxilia nas atividades diárias e, com a redução do número de filhos nas famílias, os
agricultores declaram que existe uma carência de mão-de-obra familiar para a
complementação do serviço. Isso pode indicar e relacionar com outros problemas locais, que
capturamos durante as entrevistas, ou seja, os pais se indagam sobre a relevância do estudo no
futuro dos filhos que irão permanecer na lavoura:
[...] meu guri está comigo na lavoura, tanto que a gente ouve gente que estudou,
estudou, que são da roça, da lavoura mesmo, por falta de opção, não arrumam
emprego, mesmo aqueles estudados tem que ficar na agricultura com os pais
trabalhando então eles perdem o entusiasmo para estudar, acabam ficando com
o ensino fundamental completo (EA-3).
[...] essa mesma já estuda, passou o que podia estudar aqui, não tem mais onde
estudar, quer seguir estudando até trabalhar. Ela sim, não quer ficar muito aqui. E
não é por não querer, mas não tem muita opção para quem quer alguma coisa
diferente, nesse sentido. Ou quem estuda, não tem onde ter um emprego aqui, muita
opção. Aí, vai mudando e é uma dificuldade para conseguir até na cidade, onde
ficar, onde trabalhar, onde estudar, é muito difícil. Enquanto a família está todo
mundo aqui, vai estudando, segue normal, mas quando muda. Aí, é uma dificuldade
para conseguir, seguir, se estabelecer (EA- 10).
24
As dimensões do IDH municipal “são as mesmas – educação, longevidade e renda -, mas alguns dos
indicadores usados são diferentes. Embora meçam os mesmos fenômenos, os indicadores levados em conta no
IDH municipal (IDHM) são mais adequados para avaliar as condições de núcleos sociais menores” (PNUD,
2003).
53
Dessa forma, Canguçu enquadra-se na situação analisada por Camarano e
Abramovay (1999, p. 14) a partir dos dados da CEPAL (1996)
25
sobre a precariedade
educacional nas áreas rurais dos países latino-americanos, com ênfase para o Brasil. Assim, a
ausência de perspectivas e diversificação das atividades agropecuárias, junto a outros fatores
como a carência de mão-de-obra familiar devido ao êxodo e aos próprios empecilhos locais
para acessar serviços promotores da emancipação social, reforçam a idéia conservadora sobre
as pessoas remanescentes no campo, ou seja, são aquelas que “la cabeza no le dá para más”.
Apesar do avanço do IDH, Canguçu ainda apresenta índices inferiores à média
gaúcha como averiguamos na TAB. 5:
TABELA 5
Indicadores sociais de Canguçu e do Rio Grande do Sul - 2000
Canguçu Rio Grande do Sul
Taxa de analfabetismo (%) 13 6,7
Coeficiente de mortalidade infantil/ mil nascidos
17,3 15,1
Expectativa de vida (anos) 69,91 72,05
Fonte: IBGE, 2000; RIO GRANDE DO SUL, 2008.
Além desses indicadores demonstrarem a persistência das desigualdades dentro do
próprio estado, o coeficiente de mortalidade infantil e a expectativa de vida abaixo da média
estadual se relacionam diretamente à dificuldade no acesso aos serviços de saúde disponíveis
para a população. Ainda dos 14.953 domicílios particulares permanentes, em 2000, somente
36% possuíam acesso à rede geral de abastecimento de água e 34,1% possuíam fossa séptica
ou estavam ligadas à rede geral de esgoto (IBGE, 2000).
Acompanhando a deficiência dessas diversas áreas, impactos ambientais causados
pelo uso exaustivo da terra em decorrência dos pequenos lotes e manejos inadequados; o
grande volume de agrotóxicos utilizado, principalmente no cultivo do fumo, com a
contaminação dos solos e da água e; o próprio desmatamento para aumentar as áreas de
cultivo (DESCHAMP et al., 2002).
Portanto, os elementos apresentados sobre o município contribuem para
complementar os dados e as informações coletadas na pesquisa, pois contextualiza o cenário
da formação, das estratégias e das ações da UNAIC no espaço pesquisado. Essa
25
CEPAL. Juventud rural: modernidad y democracia en América Latina. Santiago do Chile, 1996.
54
contextualização também nos permitirá compreender a constituição e desenvolvimento da sua
proposta associativista que visa a impulsionar a agricultura familiar da região.
3.4 UNIÃO DAS ASSOCIAÇÕES COMUNITÁRIAS DO INTERIOR DE CANGUÇU
A partir do final da década de 1970, diversos fatores apontados por Navarro (1996),
como a retomada da liberdade política após o fim da ditadura militar, o agravamento das
condições de vida e trabalho no campo devido às mudanças estruturais decorrentes da
modernização agrícola e a ação catalisadora dos setores progressistas e, sobretudo da Igreja
Católica para a formação das Comunidades Eclesiais de Base (CEB), convergiram e
influenciaram a mobilização e a organização das populações rurais principalmente no sul do
Brasil.
Dentro das várias experiências de organização desse período, o associativismo
caracterizou-se por demandas mais cotidianas e específicas das comunidades rurais como a
obtenção de crédito agrícola e melhores condições para produzir e comercializar junto a novas
formas de participação, ou seja, os envolvidos deveriam ser responsáveis em identificar suas
prioridades e deliberar os rumos da intervenção no local e não se adaptarem a esquemas pré-
definidos de programas governamentais, por exemplo (PINHEIRO, 2001).
Esses elementos construíram a própria trajetória das associações rurais no início da
década de 1980 em Canguçu, onde as próprias comunidades fundaram suas associações com
apoio das pastorais das igrejas anglicana, presbiteriana e católica ou foram incentivadas e
articuladas pela prefeitura, sindicato e EMATER. Verificamos, porém, que houve conflitos
entre as lideranças dos agricultores familiares alinhadas aos grupos religiosos e o poder
público local em relação à intervenção nas comunidades e a execução de projetos para a
entrega e o uso comum de implementos agrícolas nas associações. Segundo os fundadores da
UNAIC, esses projetos acarretavam a formação de redutos eleitorais, além da geração de
conflitos nas comunidades devido à dificuldade em administrar esses equipamentos
coletivamente, conforme relata abaixo:
As pastorais, a igreja, a associação que eu pertencia contrapôs a essa política. Nós
dizíamos que o associativismo tinha que estar a serviço do desenvolvimento da
comunidade, da qualidade de vida, do bem estar da comunidade, nós dizíamos isso,
que o associativismo era pra isso, o associativismo tinha esse papel. Que aquele jeito
que eles estavam utilizando, estava criando uma divisão na comunidade, as pessoas
não estavam preparadas pra administrar um bem de forma coletiva, a gente tem uma
cultura individualista, a gente não é acostumado a partilhar as coisas e de repente
caía uma patrulha pra ser administrada de forma coletiva e então estava causando
55
divisão nas comunidades. Então, a gente propunha que essa aquisição de bens
coletivos tinha que ser resultado de uma construção feita pela da comunidade, a
comunidade que tinha que construir isso e também decidir se aquilo era mais
importante (ED-7).
Apesar dessas divergências, os agricultores e as lideranças das comunidades
concordavam que era necessária uma organização maior:
[...] com a idéia que teríamos mais força do que cada um sozinho, nos juntar para
sermos uma força mais visível no município [...] e também no sentido da
comercialização, porque todo esse movimento tinha em relação a idéia
cooperativista uma rejeição. Formar uma cooperativa era vista com uma visão
bastante negativa [...] cooperativa era um negócio do sistema, o negócio aqui era
uma alternativa (ED-4).
Contudo, a organização das associações do município em uma única organização
esbarrava no jogo de interesse e poder. Basicamente, os conflitos ocorriam entre aqueles dois
grupos: o religioso e o poder público local. A prefeitura vislumbrava que a União das
Associações deveria estar atrelada à Secretaria Municipal da Agricultura, enquanto o outro
grupo almejava autonomia em relação a administração municipal, que “muda seus planos a
cada quatro anos e a União das Associações não podia ficar submissa a isso, cada dia servindo
a interesses de grupos políticos” (ED -7).
Assim, a fundação da União das Associações somente foi possível após uma
assembléia pública com a presença das associações do município e a composição de duas
chapas para pleitear a diretoria por um ano. O “grupo dos religiosos” venceu as eleições,
todavia o estatuto estabelecia que os cargos de vice fossem ocupados pela chapa com segundo
maior número de votos. Desse modo, a União das Associações Comunitárias do Interior de
Canguçu foi criada em 1988 e abarcou cinquenta associações.
Após três anos, com a contínua vitória nas eleições do “grupo dos religiosos”, o
estatuto foi reformulado com a remoção da cláusula, que consentia naquela composição mista
da diretoria e “se estabeleceu um pouco mais de paz dentro da UNAIC” (ED-7) e as disputas
amenizaram. Ao mesmo tempo, conforme um dos fundadores,
[...] a gente não tinha muita clareza (no primeiro momento) do que queríamos com a
UNAIC, para que servia a UNAIC. Qual era o negócio de conseguir derrubar a
proposta da Prefeitura e da EMATER na eleição da fundação e nos primeiros
mandatos? Eu acho que a gente achou que tinha mais poder do que a gente tinha e
desafiou a derrotar o sindicato e fazer oposição sindical e fizemos. Antes da UNAIC
tinha acontecido uma oposição sindical, mas não conseguiu, saiu muito mal, não
conseguiu vencer e nós fizemos mais duas oposições sindicais com a UNAIC [...]
mas começamos a entender que tínhamos um papel diferente. [...] nós entendemos a
56
demanda dos agricultores e dos associados, a gente foi atendendo a serviços que os
agricultores careciam.
Assim, foi criado o departamento de “Saúde Alternativa” em 1992, para desenvolver
“um trabalho das farmácias caseiras, com chás, com homeopatia” (ED-1). No ano seguinte,
estruturou-se o setor de comercialização para os produtos agrícolas dos associados,
principalmente o feijão e o milho
26
, com o objetivo de conseguir melhores preços para as
safras, evitando a venda aos atravessadores.
Primeiro, a UNAIC não tinha sede, não tinha prédio, vivia de aluguel a 1999,
longo esse período. A gente vivia de aluguel e a comercialização era feita em saca
de 60 quilos, só reunia do produtor e repassava. E conseguia já fazer alguma
diferença, mas um milagre. Conseguia, só porque explorava menos do que o
comerciante sem compromisso social. A gente começou a ver as possibilidades de
agregar valor na produção. Assim foi o empacotamento de grão, isso no final de
1998, era bem artesanal, começamos empacotando feijão. Em 2004, foi a farinha, e
2005, o arroz também (ED-7).
A comercialização desses produtos tornou-se sua principal atividade econômica, a
qual foi ampliada após a participação em programas governamentais. Em 2000, a UNAIC
estava estabilizada em uma sede cedida (FIG. 4 e 5), em sistema de comodato, pelo governo
estadual, e iniciou a entrega para a alimentação escolar no município através da experiência
piloto de merenda ecológica desenvolvida pelo governo do estado até o final da gestão em
2002. Esse fornecimento institucional é retomado a partir de 2005, com a sua inserção no
Programa de Aquisição de Alimentos
27
(PAA) do governo federal. Deste modo, a UNAIC
compra a produção da agricultura familiar e repassa para escolas, creches e hospitais públicos,
por exemplo, ou adquire a safra vigente para a formação de estoque para posterior
comercialização com a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) ou com o mercado.
Em 2006, a UNAIC beneficiou cerca de 1000 toneladas de feijão e arroz, 700
toneladas de milho e 500 toneladas de farinha de milho, além da sua produção de sementes,
que iniciou em 1994, com o apoio técnico do Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor
(CAPA) e da Pastoral Rural, com o objetivo de resgatar e conservar variedades crioulas de
milho e feijão.
26
Como vimos no subitem 3.2, o milho e o feijão sempre estiveram presentes entre os principais cultivos do
município, pois são produtos básicos para a subsistência da família e para a criação de animais.
27
Para maiores detalhes, consultar: http:// www.mds.gov.br/programas/seguranca-alimentar-e-nutricional-
san/programa-de-aquisicao-de-alimentos-paa
57
FIGURA 4: Sede da UNAIC em 2000
Fonte: UNAIC (2000)
FIGURA 5: Sede atual após reformas
Fonte: UNAIC (2006)
58
Em 1997, criou-se o Banco Comunitário de Produção de Sementes e começou-se sua
produção comercial em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA) para o fornecimento de sementes registradas de milho varietal e feijão. Após
dois anos, registrou-se na Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Rio Grande do Sul
(SAA-RS) como produtora de sementes e firmou convênio com a Universidade Federal de
Pelotas para a utilização da UBS - Unidade de Beneficiamento de Sementes (SANTOS;
EICHOLZ; NEVES, 2006).
De acordo com Burg e Eicholz (2007), a produção de sementes alcançou 50
toneladas de milho, seguida por 30 toneladas de feijão e 10 toneladas de teosinto, em 2001,
para a comercialização estadual através do Programa “troca-troca” da SAA- RS. Nesse
mesmo ano, outra parceria foi firmada entre o poder estadual, UNAIC, CAPA e EMBRAPA
para desenvolver um projeto de pesquisa com o objetivo de promover tecnologias com
menores impactos ambientais nas propriedades rurais.
Como resultado desse processo, a UNAIC realizou sua 1ª Feira Estadual de Sementes
Crioulas e Tecnologias Populares em 2002, quando inaugurou sua própria UBS:
Com a primeira Feira Estadual, a UNAIC pequena, sei lá, se pensou bastante grande,
não [uma Feira] municipal, nem regional, mas estadual. Em quatro meses, a gente
construiu e saiu muito boa até. Então, uma feira de sementes, artesanatos, inventos,
apareceu muita coisa assim. A UNAIC buscou patrocínios, conseguiu [...] ficou
conhecida e reconhecida (ED – 2).
A segunda e terceira feiras foram organizadas nos anos de 2004 e 2006, com a
participação de 13.000 e 20.000 pessoas, respectivamente, enquanto a Feira está prevista
para novembro de 2009. A partir do material de divulgação do último evento, verificamos que
houve conjuntamente outras atividades como: apresentações culturais, palestras e o “1°
Seminário Nacional de Sustentabilidade”.
Esse trabalho com sementes crioulas (FIG. 6) foi potencializado pelo projeto “A
sustentabilidade da agricultura familiar começa pelas sementes crioulas” com apoio da
CONAB e do MDA, em 2004, abarcando 160 famílias de agricultores familiares nos
municípios de Amaral Ferrador, Canguçu, Cerrito e Santana da Boa Vista. Esse projeto visou
à recuperação das variedades crioulas mais adaptadas ao clima e solo regional, ao maior
aproveitamento dos recursos da propriedade considerando a dimensão ambiental, ao manejo
adequado do solo e ao incentivo ao trabalho em grupo (SANTOS; EICHOLZ; NEVES, 2006).
Isso também permitiu a produção e a valorização de cultivos para a subsistência, conforme
declara um dirigentes entrevistados:
59
[...] ninguém tinha uma horta e num ano de trabalho a gente conseguiu mostrar pra
eles a riqueza e a fartura que eles tinham na mesa. A gente tirou fotos da mesa deles,
quando começou o projeto, enquanto foi feito o diagnóstico inicial e um ano depois,
nós fizemos fotos da mesa, a partir do trabalho com o projeto. A gente começou com
as coisas básicas assim, qual é a primeira coisa, é melhorar a comida, produzindo
essa comida aqui na propriedade e com uma horta, isso já é possível ser modificado
[...] as pessoas diminuem o custo de consumo, de sobrevivência, o custo de vida e ao
mesmo tempo aumenta a qualidade de vida que eles têm (ED- 7).
Apesar dos quinze cultivares de milho e dos doze de feijão representarem as
principais sementes produzidas pelos trinta e oito produtores e comercializadas pela UNAIC,
atualmente, outras foram conservadas ou recuperadas como: milho pipoca, teosinto, batata
doce, amendoim, ervilhaca, feijão miúdo, abóbora, ervilha, fava, alface e batata inglesa.
(a) Cultivo (b) Beneficiamento
(c)Embalagem (d) 3° Feira de Sementes Crioulas
FIGURA 6: Sementes crioulas
Fonte: UNAIC (a;c;d) e foto da autora (b)
60
a partir de 2005, a UNAIC foi a responsável regional pela representação e
coordenação dos agricultores familiares no Programa Nacional de Produção e Uso de
Biodiesel (PNPB) do Governo Federal. Assim, expandiu sua área de atuação para 27
municípios
28
com a participação de aproximadamente 1000 agricultores familiares na
produção de mamona e girassol para a safra 2006/2007. Contudo, as associações e os grupos
comunitários rurais dos municípios vizinhos ainda não estavam oficialmente filiados à
UNAIC devido à necessidade de alterações no estatuto.
Desta forma, a sua estrutura organizacional (FIG. 7), atualmente, abrange 38
associações de agricultores familiares, assentados da reforma agrária e de quilombolas,
agregando um total de 720 famílias, as quais possuem uma produção agrícola muito distinta,
ou seja, algumas cultivam hortifrutigranjeiros orgânicos, outras produziam pêssego, milho ou
feijão e grande parte, fumo. Entretanto, a produção de milho e feijão está presente na maioria
das propriedades para a subsistência da família e, quando uma boa produtividade,
comercializam o excedente, o que não está ocorrendo nos últimos anos devido às secas, que
afetaram a região.
Os representantes das associações aderidas à UNAIC devem participar das
assembléias ordinárias e extraordinárias com direito a voto. Essa é a principal exigência para a
associação aderir a UNAIC, pois não existe o pagamento de cota ou taxa. Os 38
representantes das associações compõem a Assembléia Geral, que é responsável pela eleição,
a cada dois anos, dos doze integrantes da diretoria (executiva e conselho fiscal) composta,
exclusivamente, por agricultores familiares, e pela aprovação do orçamento, do plano de
ações anuais e qualquer projeto ou negócio acima de 300 salários mínimos. Valores abaixo
desse limite são aprovados diretamente pela diretoria executiva, que coordena os
departamentos: Comercial, Formação, Trabalho de base e Bioenergia.
Os principais programas do departamento comercial são a produção de sementes
crioulas e varietais, o beneficiamento e a comercialização de milho, feijão, arroz e farinha de
milho e, agroecologia. Já o setor de formação é encarregado de elaborar, encaminhar e
executar projetos e desenvolve atividades com jovens para fomentar novas lideranças,
enquanto o trabalho de base realiza visitas às associações para reuniões e atividades de
campo. O mais novo departamento é o de bioenergia, que responde pela coordenação,
organização e assistência técnica da produção de oleaginosas dos agricultores familiares,
28
Os municípios são: Amaral Ferrador, Arroio Grande, Arroio do Padre, Caçapava do Sul, Camaquã, Candiota,
Capão do Leão, Cerrito, Cerro Grande do Sul, Chuí, Chuvisca, Cristal, Dom Feliciano, Encruzilhada do Sul,
Herval, Jaguarão, Morro Redondo, Pedras Altas, Pedro Osório, Pelotas, Pinheiro Machado, Piratini, Rio Grande,
Santa Vitória do Palmares, Santana da Boa Vista, São José do Norte e Turuçu.
61
FIGURA 7: Organograma da UNAIC
Fonte: UNAIC. Elaborado pela autora
UNIÃO DE 38 ASSOCIAÇÕES DE AGRICULTORES FAMILIARES COM APROXIMADAMENTE 720 FAMÍLIAS
ASSEMBLÉIA GERAL COM 38 REPRESENTANTES – 1 REPRESENTANTE POR ASSOCIAÇÃO COM DIREITO A VOTO
DIRETORIA DA UNAIC CONSTITUÍDA POR 12 REPRESENTANTES DA ASSEMBLÉIA GERAL
DIRETORIA EXECUTIVA CONSELHO FISCAL
Trabalho de Base
Formação
Comercial
Bioenergia
Representação
62
estabelece e negocia os contratos com as empresas de biodiesel, além de representar os
agricultores familiares da região frente às instituições públicas responsáveis pelo arranjo e
desenvolvimento do PNPB.
Ademais, a UNAIC é a representação das associações em vários espaços de
participação como nos Conselhos Municipais, na Rede Regional da Agroindústria Familiar e
nos fóruns e seminários da região sobre a agricultura familiar. Ainda é membro da Rede de
Agroecologia EcoVida e da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e, possui parcerias
com outras instituições e organizações como a Cooperativa Sul Ecológica, Cooperativa dos
Pequenos Agricultores Agroecologistas da Região Sul (ARPASUL), CAPA, MST, EMATER
e prefeituras para a produção e comercialização de seus produtos.
Portanto, observamos que a constituição da UNAIC objetivou criar oportunidades e
reduzir os custos da produção agrícola e promover melhores condições de vida aos
agricultores. Atualmente, outros aspectos perfazem os objetivos da entidade como estabelece
seu estatuto (ANEXO C), visto que a própria consolidação da agricultura familiar no Brasil e
os papéis instituídos para a categoria, como colaborar na redução dos impactos ambientais e
na produção de energia, permearam a UNAIC nos últimos anos.
63
4 AÇÕES E VALORES DA UNAIC: UMA PERSPECTIVA ENDÓGENA?
Durante a década de 1990, os estudos rurais foram retomados e ultrapassaram as
questões relacionadas ao progresso tecnológico, às migrações ou à reforma agrária. Outras
proposições como a agricultura familiar, o meio ambiente, a sustentabilidade e suas inter-
relações ampliaram o debate (SCHNEIDER, 2006). Nesse contexto, a UNAIC também
remodelou suas práticas e estratégias no decorrer dos seus vinte anos, e se posicionou pela
defesa de uma agricultura familiar sustentável através do uso de sementes crioulas e de
tecnologias populares; do manejo do solo e a utilização de insumos que causem menos
impactos ao meio ambiente; do acesso à formação e educação para os produtores e suas
famílias; e da elaboração de políticas públicas específicas para a categoria (SANTOS,
EICHOLZ, NEVES, 2006).
Suas propostas e práticas visam à valorização e à geração de conhecimentos,
habilidades e recursos dos próprios agricultores que podem indicar menor grau de
dependência aos mercados na mobilização de mão-de-obra, recursos e produtos finais, o que
representaria maior espaço de manobra para melhorar as condições de vida e desenvolver
estratégias inovadoras para a agricultura familiar (PLOEG, 2008). Diante desse cenário, a
ajuda mútua é um elemento chave não somente para suprir a ausência dos membros da família
nas atividades agrícolas, mas também para a constituição de vínculos sociais, os quais
envolvam e empenhem os agricultores familiares a enfrentar situações limitantes
impulsionadas pela modernização conservadora da agricultura.
Assim, neste capítulo, contextualizamos a construção da categoria agricultura
familiar e a emergência da dimensão ambiental dentro dos debates sobre o desenvolvimento,
especialmente para os espaços rurais, visto que as linhas norteadoras da UNAIC enfatizam um
modelo de agricultura menos excludente e com menores impactos sobre o ambiente.
A partir desses princípios norteadores (fortalecimento da agricultura familiar e
sustentabilidade) da UNAIC, analisamos as ações e os valores de referência da entidade e dos
seus associados, que promovam o desenvolvimento a partir da valorização e da
predominância de fatores internos da propriedade, os quais se distanciem do paradigma da
agricultura vigente.
64
4.1 AGRICULTURA FAMILIAR: CONSTRUÇÃO DE UMA CATEGORIA POLÍTICA -
INSTITUCIONAL
Antes de 1990, verificamos uma diversidade de termos para designar a produção
familiar na agricultura brasileira na literatura acadêmica como agricultores de subsistência ou
baixa renda, camponeses, sitiantes, pequenos produtores, que foram catalogados e
sistematizados pelo trabalho de Bergamasco e Antuniasi (1986). As autoras evidenciaram que
a relação e a denominação recaíam sobre os modos de apropriação da terra e da força de
trabalho, a presença de relações específicas, a vinculação ao mercado e à indústria, a renda e a
produtos específicos caracterizados como de pequena produção.
Também os estudos elaborados por Veiga (1991), Abramovay (1992) e Lamarche
(1993) impulsionaram as pesquisas científicas e os debates brasileiros sobre a agricultura
familiar, que já era uma forma social identificada nos países desenvolvidos, visto que, desde o
final da Segunda Guerra Mundial, havia o predomínio e a persistência das unidades agrícolas
baseadas no trabalho familiar na estrutura agrária destas nações (SCHNEIDER, 2003).
Outro elemento para a construção da categoria foi a efervescência da mobilização
política no final da década de 1980. Nos anos anteriores, era latente a crise da pequena
produção agrícola, quando os subsídios distribuídos pelo governo não atingiram o conjunto de
produtores rurais de forma homogênea. Ao contrário, foram direcionados para os grandes
proprietários e para as empresas rurais, que tinham acesso a crédito e empregavam modernas
tecnologias. Como decorrência, houve o agravamento das condições de reprodução social dos
pequenos agricultores, principalmente nas regiões Sul e Nordeste, que foram alijados das
vantagens e discriminados dentro da política (GONÇALVES NETO, 1997).
Conforme Schneider (2003), isso acarretou a intensificação das reivindicações,
sobretudo, por parte dos sindicatos rurais ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT),
que se ancoraram na Constituição de 1988, nas “Jornadas Nacionais de Luta” e depois no
“Grito da Terra” para colocar em pauta o papel dos pequenos agricultores no processo de
integração comercial e econômica no Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). Uma vez que
esses agricultores não estavam sendo considerados politicamente, apesar de serem afetados
diretamente pela abertura comercial devido à diferença na competitividade dos seus produtos
(SCHNEIDER; CAZELLA; MATTEI, 2004).
A unificação de interesses e discursos dessas representações contribuiu também para
a formação de uma categoria que pudesse obter serviços e recursos públicos (NEVES, 2007).
Apesar das ações, naquele momento, terem sido fragmentadas e com pouca influência
65
política, essa mobilização e essa nova conformação possibilitaram um aumento quantitativo
na base social das organizações representativas que permitiu a sua afirmação e a ampliação de
sua legitimidade. Assim, pequenos proprietários rurais, assentados da reforma agrária,
arrendatários, parceiros, agricultores integrados às agroindústrias foram agrupados em uma
única categoria política e social: agricultura familiar (SCHNEIDER, 2003).
Dentro desse contexto, também foram realizados estudos pela Organização das
Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) e pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em 1994 e 1996. Os principais objetivos desses
trabalhos consistiam em aprofundar e apreender esse caráter familiar dos estabelecimentos
agrícolas e suas formas de funcionamento, e estabelecer diretrizes para as ações
governamentais, que aportariam a formulação de políticas públicas direcionadas para a
agricultura familiar (SCHNEIDER; CAZELLA; MATTEI, 2004).
A partir do relatório da FAO/INCRA (1994), uma nova classificação foi constituída
para delimitar o público alvo para as políticas agrícolas e agroindustriais diferenciadas. Como
resultado, os estabelecimentos agropecuários brasileiros foram caracterizados de um lado em
patronal e, de outro, em familiar.
Definiu-se a agricultura patronal como sendo aquela onde existe uma completa
separação entre a gestão e o trabalho, além de uma organização centralizada com ênfase na
especialização e nas práticas agrícolas padronizáveis. Também se caracteriza pela
predominância do trabalho assalariado e pela eliminação das decisões de “terrenos” e “de
momento”. Dessa forma, este modelo “engendra forte concentração de renda e a exclusão
social” (FAO/INCRA, 1994, p. 3).
a agricultura familiar apresenta uma relação íntima entre trabalho e gestão, sendo
que a direção da produção é conduzida pelos proprietários com a possibilidade da presença de
trabalho assalariado complementar. Portanto, suas vantagens são maiores devido à
estabilidade e à capacidade de adaptação, pois sua ênfase está na diversificação e na maior
maleabilidade de seu processo decisório (FAO/INCRA, 1994).
Esses estudos, principalmente o documento da FAO/INCRA (1994), juntamente com
a pressão do movimento sindical, subsidiaram o Estado na criação das primeiras formulações
de uma política pública com o objetivo de fornecer crédito agrícola e apoio institucional aos
agricultores familiares. Em 1994, temos a criação do Programa de Valorização da Pequena
Produção Rural (PROVAP), que atuava com recursos do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDE) e alcançou resultados pouco expressivos. Entretanto, a
66
sua importância foi o direcionamento na formulação da política diferenciada para os
agricultores familiares (SCHNEIDER; CAZELLA; MATTEI, 2004).
Em 1995, a concepção e o alcance do programa são reformulados com a criação do
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), que abarcou linhas
de infra-estrutura, capacitação e pesquisa, além do custeio, com maior abrangência territorial.
Nos últimos anos, o PRONAF apresentou diversas reformulações e se consolidou como a
principal política pública de apoio aos agricultores familiares pelo Governo Federal e
“destina-se ao apoio financeiro das atividades agropecuárias e não-agropecuárias
29
exploradas
mediante emprego direto da força de trabalho da família produtora rural” (BRASIL, 2008a, p.
352).
Independentemente da ênfase no aspecto econômico-produtivo, Conterato (2004)
apontou que outras demandas foram evidenciadas com essa institucionalização, como as
questões de gênero, organização política, diversidade cultural, entre outras. Assim, o debate e
a constituição do termo agricultura familiar se fundamentaram, não somente no
reconhecimento social e no enquadramento institucional, mas na visibilidade e na valorização
das formas familiares de trabalho no campo (NEVES, 2007).
Ao mesmo tempo, encontramos uma ampla discussão sobre essa caracterização ou
interpretação estabelecida sobre agricultura familiar. Lamarche (1993) demonstrou que
elementos mais abstratos e complexos como a transmissão e a reprodução da exploração
familiar, onde a propriedade e o trabalho estão intimamente ligados à família. Já Neves (1995;
2007) analisou a simplificação dicotômica e restritiva (patronal e familiar) da diversidade de
situações particulares e específicas das formas de organização da produção agrícola. Também
Schneider (2003) ressaltou outros fatores endógenos para entender o funcionamento e a
reprodução da agricultura familiar, como as relações de parentesco.
Ainda que reconheçamos que as unidades familiares abarcam um conjunto de bens
simbólicos e materiais, consideramos a agricultura familiar para este trabalho como uma
categoria institucional baseada na acepção proposta por Wanderley (1999, p. 25), ou seja, é
[...] aquela em que a família, ao mesmo tempo em que é proprietária dos meios de
produção, assume o trabalho no estabelecimento produtivo. É importante insistir que
este caráter familiar não é um mero detalhe superficial e descritivo: o fato de uma
estrutura produtiva associar família-produção-trabalho tem conseqüências
fundamentais para a forma como ela age econômica e socialmente.
29
Atividades não-agropecuárias são compreendidas como os serviços relacionados com turismo rural, produção
artesanal, agronegócio familiar e outras prestações de serviços no meio rural, que sejam compatíveis com a
natureza da exploração rural e com o melhor emprego da mão-de-obra familiar (BRASIL, 2008a).
67
Todavia, a produção e o trabalho, atualmente, não se limitam somente à agricultura e
ao cultivo da terra. uma emergência de atividades não-agrícolas desempenhadas pelos
indivíduos da família com domicílio na área rural, que passaram a dedicar-se a outras
atividades econômicas e produtivas fora da unidade de produção (SCHNEIDER, 2003).
Contudo, é o núcleo da família, que responde pela organização cnica da produção e pela
execução das atividades e, inclusive, o destino dos seus resultados (CARNEIRO, 2000).
A agricultura familiar continua sendo reconhecida e desempenhando seu papel de
produtora de alimentos
30
para o mercado interno como demonstram os dados do MDA, em
que a agricultura familiar é responsável por 60% da produção de alimentos no Brasil e
também
[...] por cerca de 40% do Valor Bruto da produção agropecuária, 30% da área total,
pela produção dos principais alimentos que compõe a dieta da população
mandioca, feijão, leite, milho, aves e ovos. Além disso, tem uma participação
fundamental na produção de 12 dos 15 produtos que impulsionaram o crescimento
da produção agrícola nos últimos anos (BRASIL, 2006a, p. 26).
A diversificação na produção e nas atividades da agricultura familiar, como destaca
Ploeg (2008), tornou-se fundamental para o constranger a categoria a um único mercado,
para aumentar o valor agregado por unidade produzida e para obter maior grau de autonomia
relativa com a geração de recursos para investir na propriedade e possibilitar a construção de
projetos próprios. O próprio Estado também direciona outras demandas e novos papéis à
agricultura familiar dentro da conjuntura atual e cenários futuros como portadora de um
modelo de agricultura com menores impactos ambientais
31
. Essa premissa parte da
possibilidade de maior diversificação da produção agrícola; da adesão menos intensiva, em
geral, das tecnologias da “Revolução Verde”; da valorização de outros planos além da
racionalidade estritamente econômica (ASSIS, 2006; FINATTO; SALAMONI, 2008).
Na realidade, a temática ambiental adentrou não somente nos debates sobre a
agricultura familiar e a área rural nas últimas décadas, mas também no próprio modelo de
desenvolvimento das nações, onde os modos de produção, consumo e comportamento foram
30
De acordo com Adoniram Peraci, Secretário da Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento
Agrário, o Governo Federal aposta que “a grande virtude da agricultura familiar é a produção de alimentos”
(PERACI, 2007).
31
Segundo o Secretário da Agricultura Familiar, Adoniram Peraci, um dos eixos que norteiam as políticas de
fortalecimento da agricultura familiar é o ““esverdeamento” dos sistemas de produção”, onde a agricultura
familiar apresenta condições necessárias para responder à crise ambiental instalada no rural brasileiro” (SAF,
2005).
68
questionados devido à abrangência e à gravidade dos impactos negativos gerados sobre a
população mundial.
4.2 DESENVOLVIMENTO E MEIO-AMBIENTE
A noção de desenvolvimento, até a década de 1930, remetia à idéia de evolução e
crescimento, que almejava melhores condições de vida com a ampliação das liberdades
políticas e do bem estar econômico. Esse modelo entra em crise, no final da década de 1970,
nos países industrializados
32
, devido à incapacidade de abranger as transformações estruturais
dos sistemas sócio-econômicos, uma vez que considerava apenas a produção sob o aspecto
quantitativo (ALMEIDA, 1997).
Desse modo, outros parâmetros de análise como o social e o cultural foram
evidenciados. Além disso, a dimensão ambiental começou a ser incorporada, na década de
1970, primeiramente, aos debates sobre desenvolvimento devido a algumas publicações
anteriores como “Silent Spring” de Rachel Carson em 1962, depois aos estudos oficiais de
organismos internacionais sobre a deterioração e ao esgotamento dos recursos naturais
causados pelo modelo de produção e à pressão dos movimentos ambientalistas. Visto que o
meio ambiente era considerado apenas como uma fonte inesgotável de matérias-primas e o
previam a necessidade de recuperação e/ou preservação dos ecossistemas.
Assim, em 1972, ocorreu a Conferência sobre Meio Ambiente Humano em
Estocolmo, organizada pelas Nações Unidas, que teve como “principal propósito encorajar a
ação governamental e de organismos internacionais, bem como oferecer diretrizes para a
proteção e aprimoramento do meio ambiente humano, mediante a cooperação internacional”
(BRASIL, 1991, p.180). Em suma, foi o primeiro aviso sobre os danos ambientais
relacionados com a industrialização, explosão demográfica e crescimento urbano
(TOMMASINO; RODRIGUES; FOLADORI, 2003).
Os trabalhos do Clube de Roma
33
, que seguiram a essa Conferência, passaram a
mostrar a gravidade dos problemas com os primeiros estudos oficiais sobre essa deterioração.
32
Almeida (1997, p.35) considera que “nos países pouco desenvolvidos industrialmente este é um conceito que
nunca pode ser verdadeiramente considerado, na medida em que o avanço indefinido dos melhoramentos
técnico-científicos não aconteceu e que não houve um recuo progressivo e definitivo da miséria”.
33
O Clube de Roma é um grupo de 30 indivíduos, que inclui cientistas, pedagogos, economistas, humanistas,
industriais, funcionários públicos nacionais e internacionais, procedentes de dez países. Reuniram-se, pela
primeira vez, em 1968 em Roma, para debater um assunto de enorme abrangência a crise atual e futura da
humanidade. Desde essa época, este grupo patrocinou uma série de relatórios. O primeiro foi: “The Limits to
Growth” em 1972; seguido por: “Mankind at the Turning Point” , “The Rio: Reshaping the International Order”,
69
Além disso, indicaram que é impossível um crescimento infinito com reservas de recursos
finitos e depósitos limitados para absorver seus rejeitos gerados pelo crescimento da produção
(ALMEIDA, 1997; LEFF, 2001).
Outras publicações e eventos relevantes se sucederam durante essa década como a
Primeira Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos em 1976 e as duas
crises do petróleo, em 1973 e 1976, que induziram à reconsideração dos padrões de vida e do
comportamento predatório da civilização industrial. Contudo, a queda do preço do petróleo e
das matérias-primas, nos anos de 1980, estimulou os países ricos a prosseguirem com o
aumento da produção e do consumo. Por outro lado,
[...] os países do Terceiro Mundo, e da América Latina em particular, viram-se
atravancados na crise da dívida, caindo em graves processos de inflação e recessão.
A recuperação econômica surgiu então como uma prioridade e razão de força maior
das políticas governamentais. Neste processo foram configuradas os programas
neoliberais de diversos países, ao mesmo tempo que avançavam e se
complexificavam os problemas ambientais do orbe (LEFF, 2001, p.18).
Embora o meio ambiente permaneceu submetido aos ditames da globalização
econômica, as evidências científicas relacionadas com o efeito estufa começaram a despertar a
preocupação pública. Em 1984, foi criada pela Assembléia Geral das Nações Unidas a
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento para avaliar os avanços da
degradação ambiental e a eficácia das políticas para enfrentá-los. Essa comissão emitiu o
informe “Nosso Futuro Comum”, também conhecido como Relatório Brundtland, em 1987,
estabelecendo o termo oficial de desenvolvimento sustentável
34
(ALMEIDA, 1997;
TOMMASINO; RODRIGUES; FOLADORI, 2003).
[...] o relatório [Brundtland] enfatiza que os problemas de meio ambiente e as
possibilidades de que se materialize um estilo de desenvolvimento sustentável se
encontra diretamente relacionados com os problemas da pobreza, da satisfação das
necessidades básicas de alimentação, saúde e habitação, de uma nova matriz
energética que privilegie as fontes renováveis e do processo de inovação tecnológica
(BRASIL, 1991, p.19).
Assim, foram examinados os problemas mais críticos em relação ao desenvolvimento
e ao meio ambiente e indicadas propostas de solução no Relatório. Todavia, a noção
entre outros, que irão enfocar os dilemas globais como: lixo, energia, organização da sociedade, riqueza, bem-
estar, educação (ODUM, 1988).
34
Nesse relatório, o termo desenvolvimento sustentável foi definido como um processo que permite satisfazer as
necessidades da população atual sem comprometer a capacidade de atender as gerações futuras.
70
desenvolvimento sustentável abarca uma diversidade de concepções e visões de mundo com
muitas controvérsias e discussões
35
, tal como destaca Almeida (1997).
Entretanto, os impactos ambientais restringiam-se a locais ou países específicos
como a contaminação dos rios, o desmatamento, a poluição urbana, a depredação de espécies
animais e vegetais, os efeitos de produtos químicos sobre a saúde. Agora, “a mudança
climática tornou-se o denominador comum de toda a problemática ambiental, e o aquecimento
global, o réu principal. Tudo está ligado ao clima, e a redução do aquecimento global passou a
ser o objetivo da política ambiental internacional” (FOLADORI; TAKS, 2004, p. 331).
Dessa forma, nos anos 1990, a Assembléia Geral das Nações Unidas estabeleceu o
Comitê Intergovernamental de Negociação para a Convenção-Quadro sobre Mudanças
Climáticas, que determinou estratégias de combate ao efeito estufa e à destruição da camada
de ozônio e foi aberta a assinatura na Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(ECO–92), no Rio de Janeiro, em 1992, e ratificada por 154 países, entrando em vigor em
1994. Com a ECO–92, a crise ecológica ganha visibilidade, no Brasil, quando o Governo
Federal apresentou um relatório intitulado “Desafios do Desenvolvimento Sustentável” que
realizou “uma avaliação crítica da nossa experiência” e revela “elementos para uma estratégia
de desenvolvimento sustentável” (BRASIL, 1991, p.11).
Ao mesmo tempo, o qualificativo sustentável extrapolou em direção as pesquisas
sobre agricultura mundial no final da década de 1980, e também abarcou uma série de
acepções, parâmetros e contradições como Almeida (1997) e Tommasino, Rodrigues e
Foladori (2003) demonstraram. A agricultura sustentável representou uma resposta à busca
por um novo paradigma de produção perante a modernização conservadora da agricultura, que
objetivou o aumento da especialização e da produtividade com o emprego intensivo de
insumos químicos, de sementes e variedades melhoradas geneticamente, da irrigação e da
mecanização, com impactos ambientais e sociais negativos.
Assad e Almeida (2004, p. 9) advertem que a noção de agricultura sustentável,
apesar da ênfase na reorientação das tecnologias, dos processos e dos métodos de produção,
pode englobar elementos sobre a sociedade e a produção agrícola, que extrapolam a
agricultura em si. Como resultado, há uma abrangência de concepções desde o aspecto
“técnico-produtivo à construção de novas relações sociais entre os homens”, o que
verificamos no caso da UNAIC, ou seja, para a direção da entidade, a agricultura
35
Sobre essas discussões, consultar Assad e Almeida (2004); Tommasino, Rodrigues e Foladori (2003); Leff
(2001).
71
[...] tem que ser sustentável do ponto de vista ambiental, social e econômico.
Sustentabilidade tem que englobar pelo menos esses itens. Tem que produzir para o
consumo, tem que estar ambientalmente adequado, correto, respeitando o meio
ambiente e economicamente viável [...]. A gente não trabalha na comercialização
com insumos químicos, a gente não vende nada químico, veneno, nada disso, já em
função de nosso princípio, de defender a agricultura sustentável. E a gente é
convencido de que é muito possível fazer a agricultura sustentável, viver em
harmonia, e não precisa prejudicar o meio ambiente (ED- 7).
Concomitantemente, deparamo-nos com elementos subjetivos entre os objetivos
definidos no estatuto da UNAIC (ANEXO C), como: “Contribuir na construção de uma
sociedade fraterna e solidária”, que ultrapassam suas preocupações ambientais mencionadas e
indicam outros valores almejados, que podem estar abarcados pelo termo agricultura
sustentável acrescentado na sua nova logomarca (FIG. 8).
FIGURA 8: Mudança na logomarca da UNAIC com a inclusão do termo agricultura sustentável
Fonte: UNAIC, 2008
A alteração e a adoção da nova logomarca, em 2008, expressa as próprias mudanças
da UNAIC no decorrer do tempo ao estabelecer parcerias com entidades para viabilizar a
produção de alguns associados agroecológicos, ministrar cursos e desenvolver projetos
sustentáveis; ao extinguir quase totalmente a venda de insumos químicos e; ao gratificar
produtores de feijão orgânico com um acréscimo no valor de compra na safra 2007, por
exemplo. Isso também demonstra a influência da abertura de nichos de mercado e
institucional para produtos agroecológicos e/ou orgânicos gerada pelos debates
contemporâneos sobre a degradação ambiental.
Isso não significa que suas propostas e iniciativas estavam arraigadas “numa ação
social organizada contra a hegemonia do modo de desenvolvimento agrícola atual” (ASSAD;
ALMEIDA, 2004, p. 11). Tal afirmação pode ser feita na medida em que consideramos que a
maioria dos associados da UNAIC estava atrelada ao modelo da modernização conservadora
72
da agricultura e não questionava as próprias bases de sua produção, apesar das dificuldades e
das apreensões para se manterem no setor devido ao aumento dos preços dos fertilizantes
naquele período:
É que essa palavra agricultura sustentável é muito usada, mas em prática acho que
não existe, porque, hoje se a agricultura para ser sustentável, por exemplo, o diesel
tinha que ser pela metade do preço, o adubo menos da metade do preço, os
herbicidas pela metade do preço, porque a gente se sustentar na agricultura tu tens
que ter condições de trabalhar. Porque há 15 anos atrás, eu vendia um litro de leite e
comprava um litro de diesel, hoje eu preciso vender cinco litros de leite para
comprar um litro de diesel. Então, nessa parte de agricultura sustentável acho que
não tem (EA- 9).
Desse modo, a propagação e a inclusão do adjetivo sustentável não condiziam com a
emergência de uma “nova visão de desenvolvimento” da sua base, que engendravam outros
significados e necessidades como “sustentar a família, se manter no local onde está, não
precisar ir embora, tentar diminuir as dificuldades” (EA 10) ou “uma agricultura que venha
trazer mais resultado para o bolso do agricultor” (EA- 5). Contudo, a generalização de
propostas e intervenções para uma agricultura sustentável, mesmo incipientes e ínfimas em
certos contextos sociais da produção agrícola, permeiam a construção de uma ação coletiva
mais ampla (ASSAD; ALMEIDA, 2004).
Além do mais, os associados não ignoravam os impactos ambientais principalmente
diante de atividades externas como o aumento do plantio de árvores exóticas das espécies do
gênero Eucalyptus no município e na região. Ao contrário, evidenciaram uma apreensão
recorrente, expressa na fala abaixo:
E o governo está achando que vai dar muito futuro esses reflorestamentos de
eucalipto, isso vai terminar com o país. Porque aqui tem exemplos de canteirinhos
de eucalipto aqui onde tem um comércio forte, eles tem uma cacimba assim no meio
das casas, sempre tinha água, plantaram, acho que não dá um quarto de hectare
nos fundos e terminou com a água da cacimba deles. [...] Você planta milho, mil
hectares de terra não acontece isso, porque diz que um eucalipto por dia é 30 litros
de água, mil eucaliptos são trinta mil. Esses arroiozinhos, essas sanguinhas que tem,
se encher de eucaliptos, termina tudo. que ali vem grana grossa, um deputado se
vende, mais um se vende, e acabam liberando. E outra coisa, onde for mato de
eucalipto, aquela terra nunca mais presta para plantar. Ainda acácia renova a terra,
mas de eucalipto. Claro que acho que o pessoal tem que plantar, s aqui tem que
plantar alguma coisa, mas o podemos exagerar, pro gasto e alguma coisa para
vender, mas não assim tapar tudo com mato, com eucalipto. [...] Aqui um tempo que
era zona que produzia muito, em seguida passava cinco até dez caminhão
puxando gado, hoje não tem mais, acácia e eucalipto. Aqui passa todos os dias na
base de seis, sete, oito picaretas puxando lenha, desce aqui e sai nos Grilos,
embaixo. E já estão derrubando, e plantando de novo. Eu tenho uns amigos no lado
do Alto da Cruz, que eles tem trator e sempre plantava assim 40,50,100 hectares
para fora. Hoje não estão conseguindo mais terra para arrendar e essas coisas.
Então no fim da conta vai faltar comida por causa disso também, porque se um tem
73
aí 500, 1000 hectares de terra, eu de repente podia me arrendar ai, 50 ou 100
hectares, mas se está plantado eucalipto, eu não consigo mais nada e assim, está
acontecendo aqui (EA-9).
Como Buckup (2006) e Chomenko (2007) tratam, as atividades de silvicultura em
extensas áreas causam importantes impactos sobre o ambiente, como a diminuição da
fertilidade do solo, o aumento da sua acidez e a intensificação da erosão devido às mudanças
na estrutura do solo e na redução de permeabilidade da água, que tendem a ser irreversíveis,
além da perda da biodiversidade biológica. Ainda, Chomenko (2007) destaca que esses
monocultivos podem conduzir a graves disputas para o uso dos recursos escassos, a posse da
terra ou a perda da identidade cultural, ou seja, essa atividade começa a constranger os
sistemas locais e impõe seu padrão de desenvolvimento
36
frente ao meio ambiente e aos
produtores com resultados negativos para a economia local (PLOEG, 2008).
Estes fatos não são ignorados pela UNAIC, o que observamos através de conversas
informais, no acompanhamento das atividades e no convívio do dia-a-dia. Entretanto, não nos
deparamos com nenhuma ação mais concreta, tais como um artigo sobre o assunto nas edições
disponíveis do seu jornal “Terra & Campo”, ou mesmo nos debates nas visitas e comunidades
(FIG. 9), onde as pautas já estavam pré-estabelecidas. No entanto, o assunto sobre o plantio de
árvores exóticas foi recorrente entre os seus associados durante as entrevistas, apesar da
crescente preocupação dos produtores poder ser resultado de alguma intervenção pontual da
entidade.
Portanto, notamos uma coesão deficiente entre os associados e a UNAIC sobre
alguns pontos emergentes e díspares de ambos os lados. Isso nos permite ponderar que,
acoplado ao debate sobre o ambiente, devem-se estabelecer novas relações sociais baseadas
em uma gestão democrática e participativa a fim dos agricultores familiares constituírem
ativamente suas condições e seus projetos de vida (LEFF, 2001). Nessa construção, a
identidade de empreendedor rural estabelecida, no período da modernização, como aquele que
deveria se especializar e intensificar a produção, também pode ser redefinida. Esta redefinição
decorre do questionamento da racionalidade estritamente econômica herdada e das próprias
bases de produção vinculadas à lógica do mercado, que causam impactos ambientais
negativos (PLOEG et al., 2000).
36
Segundo a Carta Aberta a Sociedade Rio-grandense elabora pela Sociedade Brasileira da Silvicultura, em
2007, os investimentos no setor transformarão o estado “no maior case florestal do mundo, gerando riquezas,
empregos e principalmente, respeitando o meio-ambiente” (SBS, 2007).
74
FIGURA 9: Reunião da direção da UNAIC na Associação 12 de julho. (Fotografia da autora. Abril de 2008)
Ademais, o maior atrelamento ao mercado, conforme os autores, contribui para a
vulnerabilidade dos produtores, que possuem baixa flexibilização até na geração da renda,
uma vez que apresentam maior dificuldade para ajustar as mudanças no contexto econômico-
político, onde estão inseridos. Assim, uma saída para as limitações e a ausência de
perspectivas intrínsecas da modernização conservadora da agricultura, como Ploeg (2008)
aponta, é a redução na mobilização da força de trabalho, dos recursos e dos produtos finais
através dos mercados, pois a menor subordinação e dependência representariam melhores
condições de vida para os agricultores familiares.
4.3 CONTRIBUIÇÃO DA ABORDAGEM DE DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO
PARA O FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR
A modernização conservadora da agricultura, segundo Ploeg e Saccomandi (1995),
criou um importante espaço de desconexão entre a agricultura e os recursos locais, além de
ser empregada como parâmetro para julgar, hierarquizar e organizar a heterogeneidade da
agricultura. O ecossistema local perde continuamente o seu valor como base para as
atividades agrícolas, assim como o conhecimento da conversão dos recursos em produtos
75
finais e das técnicas desenvolvidas no local em função da especialização produtiva dos
agricultores. Isto, por sua vez, pode ser observado na realidade analisada, uma vez que se foca
no aumento da escala e na intensificação da produção, o que ocorreu sucessivamente nas
propriedades familiares em Canguçu, como atenta a direção da UNAIC a seguir:
[...] em função da “Revolução Verde”, os agricultores se deslumbraram não com
as sementes, mas com as máquinas, com os equipamentos, com as facilidades e
perderam o hábito de desenvolver as tecnologias adaptadas às condições da
propriedade. Os agricultores antes faziam muito isso, desenvolver tecnologias
adaptadas às condições da propriedade como o relevo, com o tipo de solo, com o
micro-clima, porque tudo tem relação. que se perdeu isso tudo, as coisas foram
tratadas muito de forma ampla e grande. A agricultura o ficou mais uma coisa
pequena, ficou grande e passou a ser negócio, algumas culturas entraram para as
commodities internacionais, então foi tendo uma outra dimensão, então, se perdeu.
Hoje as gerações atuais não conhecem mais esse negócio de desenvolver
equipamentos adaptados ás condições da propriedade.
Na realidade, os impactos da modernização conservadora da agricultura não se
restringiram somente na perda do saber–fazer dos agricultores familiares, mas na sua
marginalização dentro do setor, visto que as pesquisas em novas tecnologias não almejam
adaptá-las para situações específicas, pois entram no mercado como mercadorias, ou seja, sua
transferência não se caracteriza pelo remodelamento às condições locais. As tecnologias
desenvolvidas são específicas para se adequarem à organização do trabalho e aos processos de
produção prescritos, sancionados e designados pelo modelo de agricultura vigente
(PLOEG, 1994; PLOEG et al, 2000).
Dessa maneira, o desenvolvimento de tecnologias e mecanismos próprios poderia
valorizar os conhecimentos locais, adequar-se às suas demandas e aumentar a margem do
produto final devido à maior mobilização dos recursos dentro da propriedade e à menor
dependência no mercado. A diminuição dos custos de produção seria o diferencial, ainda mais
com as oscilações dos preços dos produtos agrícolas (PLOEG, 2008).
É importante esclarecemos que o distanciamento ou a integração aos mercados e às
tecnologias estabelecidas é uma questão delicada que está enraizada na história local, no
ambiente e nas relações político-econômicas. Compreendemos, como Ploeg (1994), que
mercados e tecnologias não determinam obrigatoriamente como a agricultura será realizada.
Ao contrário, constituem um espaço de manobra para diferentes possibilidades, uma vez que
os agricultores são capazes de definir e criar suas posições e estratégias, além de
frequentemente desconstruírem e recombinarem a tecnologia original com a existente, por
exemplo.
76
Portanto, o ponto básico do desenvolvimento, conforme Ploeg e Saccomandi (1995),
requer a articulação de elementos endógenos e exógenos desde que o ponto de partida para
interpretar, avaliar e selecionar os elementos externos seja para realçar, consolidar e fortalecer
o conjunto interno. Assim, a idéia dicotômica de desenvolvimento endógeno e exógeno como
tipos ideais em oposição é equivocada, pois a potencialidade da localidade está vinculada a
diversos fatores globais tais como os próprios mercados e políticas públicas, por exemplo.
Desse modo, a valorização e a predominância de elementos endógenos podem
revitalizar e fornecer uma nova dinâmica com a construção de práticas e estratégias para a
reconfiguração da agricultura e do rural, o que concilia com os objetivos, respectivamente, da
UNAIC e da sua Feira de Sementes:
Congregar, organizar e representar as associações comunitárias e buscar tecnologias
sustentáveis para os agricultores integrando-os com as políticas e com a proposta de
desenvolvimento regional sustentável, buscando respeito e credibilidade para a
agricultura familiar organizada são objetivos da UNAIC (UNAIC, 2008).
[...] Possibilitar a conservação da biodiversidade, da sustentabilidade, da produção e
do meio ambiente, garantindo independência aos agricultores frente aos modelos de
agricultura impostos pela globalização econômica, com base nos princípios da
agroecologia. Preservar os valores culturais, políticos e sociais desse segmento da
população, potencializando o seu desenvolvimento autônomo (UNAIC, 2006).
Portanto, a UNAIC propõe uma articulação que visa a reorientar as práticas dos
agricultores e minimizar os efeitos de privilégios no controle de recursos econômicos, porém
solidificada no saber-fazer dos agricultores e “na troca de conhecimentos com instituições
encarregadas da produção especializada de saberes técnicos ou científicos”. (NEVES, 1998,
p.148). Ademais, enfatiza a busca por maior independência e autonomia para a entidade como
para seus associados para fortalecer e impulsionar a categoria. Para isso, consideramos que a
orientação da produção, dos recursos e da mão-de-obra familiar são fatores, que devem ser
analisados para compreendermos de que forma a UNAIC contribui para o desenvolvimento da
agricultura familiar a partir desses parâmetros.
4.3.1 Diversificação da produção e das atividades dos associados da UNAIC
A comercialização e o beneficiamento de feijão e de milho pela UNAIC
possibilitaram uma opção para que o agricultor não se sujeitasse a um único mercado e
aumentasse o valor agregado dos seus cultivos. Visto que, segundo Ploeg et al (2000), a forte
dependência em poucos mercados, frequentemente, está relacionada a altos níveis de
77
endividamento dos produtores, o que impossibilita ajustes para mudanças fundamentais
dentro dos contextos sócio-políticos. Ainda, ao participar do Programa de Aquisição de
Alimentos
37
(PAA), a UNAIC consegue escoar a produção para mercados institucionais, que
eram inacessíveis a grande parte dos agricultores como averiguamos abaixo:
[...] muitas vezes não tem onde vender feijão aqui fora, que é muito barato, eles
[UNAIC] fazem negócio, eles mesmo compram e passam para o Fome Zero. Eu
estava até parando de plantar feijão, que não valia ter. No ano passado, eu plantei
dez quilos para o gasto da casa e aque ele produziu bem, agora esse ano vou
plantar mais um pouco, vamos ver (EA- 9).
Nessa fala, observamos que o agricultor projeta uma nova perspectiva para vender e
obter renda, no caso, do feijão, que se limitava à subsistência da família, que as secas na
região e o avanço do cultivo do fumo (FIG. 10) influenciaram na redução ou na substituição
das áreas colhidas
38
desses produtos. No entanto, o maior grau de autonomia relativa,
conforme Ploeg et al (2000), implica na criação de produtos e serviços, que reflitam novas
necessidades da sociedade e não somente o acesso a mercados desconectados dos agricultores.
Assim, o apoio e a parceria da UNAIC com os produtores agroecológicos por meio
dos vínculos com outras instituições, da ajuda pontual no escoamento das mercadorias e do
repasse de informações podem representar a viabilização de “novos” produtos com qualidades
intrínsecas e maior grau de informação sobre a origem, fatores cada vez mais buscados pelos
consumidores. Desse modo, a construção de relações que envolvam diferentes atores e
instituições deve abarcar novas demandas e ampliar os horizontes dos seus associados através
de modelos descentralizados baseados nos arranjos locais, pois a pequena produção pode
satisfazer melhor uma mudança ou uma diversificação na demanda do que uma produção do
tipo “Fordista” (REQUIER-DESJARDINS; BOUCHER; CERDAN, 2003).
37
“O Programa de Aquisição de Alimentos é uma das ações do Fome Zero, cujo objetivo é garantir o acesso aos
alimentos em quantidade, qualidade e regularidade necessárias às populações em situação de insegurança
alimentar e nutricional e promover a inclusão social no campo por meio do fortalecimento da agricultura
familiar” (BRASIL, 2006b). Maiores informações, consultar: <http://www.fomezero.gov.br>.
38
De acordo com os dados do Ipeadata (2006), em 2000, as áreas colhidas de feijão e milho representavam,
respectivamente, 7.200 e 50.000 hectares. em 2004, reduziram para 6.000 e 45.000 hectares; e no ano de
2007, foram 5.750 e 35.000 hectares. Outros dados anuais podem ser visualizados no sítio:
<http://www.ipeadata.gov.br>.
78
FIGURA 10: Cenário recorrente das propriedades familiares em Canguçu: produção de milho e estufa para
secagem do fumo (à direita). (Fotografia da autora. Junho de 2008)
Além disso, a UNAIC incentivava os agricultores familiares a comercializar sua
produção através de feiras, vendas informais e/ou institucionais. Essas opções de escoamento
permitem a mobilização dos produtos finais em diversos mercados fugindo da tendência a
especialização e/ou do controle direto do capital, como averiguamos nas falas dos
entrevistados:
[...] eu produzo semente de feijão e milho. Além disso, o que produzo aqui, a gente
planta ecológico, nós temos uma entrega no Fome Zero [pela ARPASUL], a gente
planta de tudo um pouco, desde de repolho, beterraba, cenoura, abóbora. [...] outra
parte vendo no comércio comum (EA – 4).
Eu acho super importante, porque tem que ter outras culturas, por causa de que o
povo aqui nesse local, desde que viemos, é milho. Ninguém muda de cultura,
raramente [...]. Você caminha uns dez quilômetros para achar um que plante outra
cultura. Então, acho que o povo está muito situado aqui numa cultura só. Pode ter
outras coisas que podem dar muito mais que o milho. [...] Eu penso no futuro em
dividir, dividir mais as coisas, criar gado pra corte, trabalhar com pastagens para
vaca de leite e engorda, [...] vender pra frigorífico (EA-2).
[...] no caso foi surgindo outras alternativas, no caso da agroindústria, essas cosias
assim a gente está trabalhando, o milho e o feijão já estou plantando por causa da
semente, não é para dizer que vou sobreviver daquilo ali. Estou produzindo um novo
79
tipo de produto no caso de suco a gente produz, tem bergamota, tem laranja por aí,
está cheio de bergamota, laranja em volta da casa, então a gente está produzindo
suco de bergamota, da laranja e de pêssego também. [...] mas a maior parte da renda
vem da agroindústria e a gente trata de vender leite também [...] a gente cria uns
animaizinhos que vai engordando e vendendo e vai tirando para o consumo da casa
(EA-5).
Observamos uma dinâmica e/ou valorização de elementos internos nesses
agricultores familiares ao estabelecerem suas estratégias com maiores perspectivas e planos
futuros, apesar das dificuldades enfrentadas para estabelecerem negociações com os diversos
mercados. Ademais, a orientação da sua produção visa ao mercado e também à reprodução da
unidade agrícola como um todo. Como mostra Gazolla (2006), o deslocamento das atividades
produtivas (lavouras e criações de animais) de auto-consumo para atividades produtivas
mercantis e rentáveis, como o cultivo de grãos e commodities agrícolas, pode representar
maior vulnerabilidade para o agricultor familiar em relação à segurança alimentar, à
reprodução social e à redução de sua autonomia.
Evidentemente que a participação do PAA e a aprovação da Medida Provisória
455/09
39
permitem impulsionar a diversificação de produtos e a valorização dos circuitos
curtos, como denomina Ploeg (2008). Desta forma, incluem-se no processo, os agricultores
familiares que permaneciam à margem do processo de fornecimento da alimentação para
creches, asilos e escolas municipais com produtos locais, os quais remetem à identidade ou ao
pertencimento da comunidade, o que não ocorria anteriormente:
Então, ele [projeto de merenda escolar ecológica] nasce enquanto uma política
também do município de distribuição de alimentos, de associar essa coisa de
distribuição do alimento, porque toda prefeitura tem que ter e aqui, nós tínhamos
uma realidade muito engraçada, as cestas, que Canguçu recebeu por um bom
período as cestas de alimentos. Aí chegava assim, a cesta que vinha para era a
mesma cesta que era comprada no Nordeste. Então, chegava quilos e quilos de
farinha de mandioca, apesar que se come muita mandioca, mas aqui na nossa região,
farinha de milho e mandioca, isso não é muito comum. s não somos muito de
comer milho, principalmente, farinha de milho, naquela quantidade. Feijão, não vem
feijão preto, vem feijão carioca, aqui não se come, se come feijão preto (Funcionário
da UNAIC).
Notamos, através da fala acima, o descolamento entre a produção e o consumo de
alimentos e, ao mesmo tempo, da agricultura e da sociedade, uma vez que a qualidade
40
39
A Medida Provisória (MP) 455/09 estabelece que “30% dos recursos financeiros repassados pelo Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)
devem ser utilizados para compra de produtos dos agricultores familiares”. A MP foi já aprovada pelo Senado
Federal e aguarda a sanção do Presidente da República (BRASIL, 2009c).
40
De acordo com Sonnino e Marsden (2006), o conceito de qualidade é negociável e contestado, sempre aberto a
interpretações e apropriações. Há uma disputa, que não é meramente semântica, de diferentes interesses, agendas
80
ultrapassa as propriedades inerentes do alimento e deve agregar outros aspectos como as
práticas culturais locais; o respeito à natureza e aos recursos; o valor culinário e estético; e
outras questões como externalidades sociais e ambientais positivas. Visto que a qualidade não
é um conceito monolítico, ou seja, ela pode envolver diferentes noções e dimensões que a
padronização do sistema alimentar não abrange (SONNINO; MARSDEN, 2006).
Apesar da crescente valorização destes fatores e da abertura de novas possibilidades
para a agricultura familiar, os impactos ainda são incipientes para os produtores,
principalmente de fumo, os quais não visualizam outros caminhos para a geração de renda da
família:
[...] porque a maioria aqui está plantando fumo, que é onde as pessoas estão fazendo
algum dinheiro através do fumo, porque as outras coisas, nada dá. Mas também
estão se envenenando também, aqueles venenos, aquelas coisas, cheiro horrível,
né? Fumo não é comida. As pessoas se obrigam porque é a única coisa que dá para ir
sobrevivendo, porque as lavouras, as pessoas plantam outras coisas, não ganham
para comer (EA-1).
Uma das coisas que nos defende melhor é o fumo, mas não podia ser o fumo de
certo, porque tinha que ser alimentício, tinha que defender melhor. Porque o fumo
não mata a fome de ninguém, mas é a única coisa que dá renda (EA-16).
Além disso, essas falas podem indicar uma explicação implícita de alguns produtores
de fumo para a escolha e a manutenção do monocultivo que, naquele momento, ocorria um
alarme mundial em relação à escassez e o aumento dos preços dos alimentos. Entretanto, eles
percebiam a perda da diversidade nas propriedades e na região com o avanço do fumo:
[...] a gente olhando para trás, a agricultura que tinha aqui na volta, nos vizinhos, 20,
25, 30 anos atrás como tinha diversidade e olhando hoje assim, regrediu
assustadoramente a produção de comida e de coisas. Até que os colonos tem, hoje
em dia, muito trator novo, que naquela época não tinha, muito carro novo, naquela
época não tinha, mas se vai olhar a propriedade do colono, a diversidade que tinha, a
possibilidade dele sobreviver dali. Hoje praticamente nesse ponto pode dizer que
não existe mais colono que tinha de tudo na propriedade [...]. Não dá pra dizer
direito se o fumo foi meio que uma saída, que o pessoal achou para conseguir
sobreviver ou se o próprio fumo fez que as outras coisas ficassem de lado (EA-11).
Apesar da falta de perspectivas ou planos futuros de alguns entrevistados, eles não
denotavam passividade e/ou conformidade com a situação em que se encontravam, isto é, os
agricultores constroem diversas estratégias e ações para melhorar as condições sócio-
e valores para definir quem é a autoridade para estabelecer os critérios sobre o que é “qualidade”. Existem atores
poderosos dentro da cadeia de suprimentos de alimentos para manipular os significados, criando dificuldades
para os pequenos produtores, que desejam diferenciar seus produtos e estabelecer valores agregados.
81
econômicas da família e da propriedade. Independentemente do fumo representar o principal
produto em relação à renda e à área ocupada, alguns produtores lavravam pequenas áreas com
outros cultivos como trigo, soja, arroz ou mesmo oleaginosas, aguardando resultados
positivos que pudessem indicar outras opções.
Outros justificavam que não possuíam recursos para, ao menos, realizarem
tentativas, pois estavam extremamente constrangidos pela dependência de recursos externos,
pois “qualquer lavourinha que se faz, a despesa é grande” (EA – 9) ou pelo pequeno tamanho
das propriedades: “cada um com um torrãozinho de terra, oito hectares, cinco hectares, a
maioria tem pouca terra [...] o pessoal fica ali e não tem como produzir mesmo” (EA-1).
Assim, insumos, tecnologias, terra, recursos financeiros também permitem o
fortalecimento ou a fragilidade dos agricultores, uma vez que a predominância de recursos
endógenos poderia desvincular a agricultura do capital financeiro e industrial.
4.3.2 Valorização dos recursos internos na propriedade para o fortalecimento dos
associados da UNAIC
A produção de sementes crioulas tornou-se o principal produto de valor simbólico da
UNAIC relacionado à adoção e à defesa de um novo modelo especialmente para a agricultura
familiar. Tal iniciativa recebeu o Prêmio Valores do Brasil
41
, que visa a reconhecer,
incentivar e difundir iniciativas promotoras para o desenvolvimento em seus diversos
aspectos, na categoria Bioma Pampa promovido pelo Banco do Brasil, em 2008. Embora, o
objetivo inicial da produção de sementes, conforme um dos dirigentes, tivesse sido:
[...] preservar a própria semente para o ano seguinte para a sobrevivência da família
[...] quem não tem acesso a uma alta tecnologia, a muitos insumos, porque o híbrido
produz bem junto com o pacote, se eu botar toda adubação que ele exige, se eu der
todo o pacote tratamento químico que ele precisa. Nas condições que os agricultores
plantam, o milho crioulo produz tanto quanto ou mais, porque, primeiro, ele é
adaptado as condições e segundo, não é exigente de alta tecnologia, por isso a gente
levou as sementes crioulas (ED– 7).
Na realidade, a redução de custos e a menor dependência em relação às empresas
produtoras de sementes ainda eram consideradas os principais fatores para os agricultores
valorizarem as sementes crioulas como expõe a fala do entrevistado abaixo:
41
Maiores detalhes, acessar o sítio Prêmio Valores do Brasil do Banco do Brasil: <http://
www.bb.com.br/premiovaloresdobrasil>.
82
A gente cultiva ele [milho híbrido] também, mas no segundo ano, ela não produz
mais a mesma coisa, já tem uma dificuldade de germinar, de produzir também, então
nós ficamos muito dependente destas firmas [...] quando eu morava com meus pais
se produzia os milhos crioulos. Então, o pai quando tratava os porcos, se
descascava o milho e separava: “Olha, essas espigas bonitas, temos que separar
para produzir a nossa própria semente”. Se naquela época se plantava um saco de
milho, 60 quilos, era 60 quilos que tu estavas investindo. Hoje se tu vais comprar o
grão, se plantar 60 quilos de milho comprado, muitas vezes você tem para vender
10, 12, 15 sacos para pagar aqueles 60 quilos, é muito caro a semente (EA-17).
Entretanto, as sementes também apresentam outros significados intrínsecos para os
agricultores, que ultrapassavam a dimensão produtivo-econômica, como a valorização do
saber-fazer, a biodiversidade, o compartilhamento na troca com vizinhos e a resistência ou
outra opção ao modelo de agricultura vigente. Conforme Ploeg (2008), essa valorização pode
representar uma re-fundamentação da agricultura com o ambiente, que foram desconectadas
nas últimas décadas, e permitir uma maior sinergia entre a produção agrícola, os ecossistemas
e as comunidades locais.
Além disso, o apoio e a divulgação pela UNAIC ao desenvolvimento de tecnologias
populares, tal como a entidade as denomina, possibilitam a criação de novos conhecimentos,
funções e práticas com menores impactos para o ambiente e para sua saúde dos produtores,
como denota a seguinte fala:
Eu tenho aqui prontinho, eu esqueci de mostrar para o [técnico] ontem, os produtos
que eu aplico aqui, a laranja fica bonita, fica lisinha, poucos dias de carência, é cal,
esse cal de construção e cobre, que a gente compra assim em natura. E a gente faz
em casa, faz uma calda e aplica com sucesso na planta, por um preço que fica talvez
vinte vezes menor do preço do veneno no mercado, que querem vender e empurrar
na marra. (ED- 2).
A substituição de insumos externos por produtos “domésticos”, neste trecho, não
significa um retorno ao passado ou uma mera repetição de antigas soluções, uma vez que
recursos de baixo custo podem ser reconstituídos e combinados com muitas inovações e
técnicas criativas, o que fortaleceria o fluxo interno dentro da propriedade. Ainda, de acordo
Ploeg e Saccomandi (1995), isso possibilita o mesmo dinamismo
42
do modelo de
desenvolvimento exógeno, devido aos menores custos de produção e de transação envolvidos
nos processos, apesar do maior custo de organização
43
, e ainda possui a agregação de outros
elementos positivos como já abordamos.
42
Os autores enfatizam que outros fatores influem diretamente nesse balanço como políticas públicas e
instituições do setor agropecuário.
43
De acordo com a definição empregada por Ploeg e Saccomandi (1995), custos de produção são os custos
relacionados à conversão ou à transformação dos fatores de produção em mercadorias e serviços. Enquanto, os
custos de transação são os custos para acessar e adquirir instrumentos ou capacidades específicas para efetuar
83
No entanto, a mobilização dos recursos através dos mercados não se limita ao
gerenciamento dos insumos e das tecnologias agrícolas, pois envolve outros fatores como a
constituição e a circulação de recursos financeiros através do crédito bancário ou o
endividamento antecipado com as agroindústrias integradoras.
No período da coleta de dados, a UNAIC estava estabelecendo uma parceria com a
CRESOL Central SC/RS (Cooperativa Central de Crédito Rural com Interação Solidária) para
instalar um novo posto de atendimento em Canguçu com o intuito de facilitar, agilizar e
possibilitar uma alternativa para os agricultores familiares obterem crédito. Embora a
CRESOL Central se apresente como uma cooperativa de crédito com uma proposta
“diferenciada em relação ao sistema financeiro tradicional” por ser gerida pelos próprios
agricultores familiares associados, descentralizar as informações e ações através da
participação dos cooperados, entre outras iniciativas, verificamos que as dificuldades expostas
não eram o acesso ao crédito
44,
como afirmavam os agricultores entrevistados:
[...] financiamento tem, também não é dizer que é a solução para tudo. Subsídios
talvez, principalmente, no adubo. Não sei porque tem que subir tanto. Tinha que ter
um investimento da prefeitura ou do município para poder ter um financiamento a
mais sobre isso, para fazer açude, trazer adubo. A prefeitura, o governo, essas
instituições podiam ajudar nesse sentido o agricultor (EA- 10).
[...] hoje, porque o preço que está, não adianta vir dinheiro, que o dinheiro por
causa da agricultura não tem faltado. O problema é que é difícil de pagar. Os custos
do que a gente produz sempre são mais altos do que a gente investe (EA – 5).
Assim, destacamos dois pontos a partir desses dados. Primeiro, o agricultor
aguardava investimentos públicos em infra-estrutura e custeio, que não representassem um
endividamento a mais para si e, ao mesmo tempo proporcionassem melhores condições de
vida e de produção. Segundo, a estagnação dos preços dos produtos agrícolas e o aumento dos
custos o vinculavam aos circuitos bancários ou a prestamistas “tradicionais ou diferenciados”
para custear as lavouras e investir na propriedade por não conseguir formar fundos próprios.
Desse modo, dependia dos resultados da sua próxima produção e da configuração futura dos
mercados para saldar seus débitos, ou seja, estava dependente dos mercados para mobilizar os
recursos e os produtos finais (PLOEG, 1992; 2008).
trocas no mercado. custos de organização são os custos adicionais relacionados com a gestão do processo de
produção.
44
Todos entrevistados acessavam o PRONAF com exceção de um, que não obteve nos últimos cinco anos, pois
prefere “trabalhar mais livre, se colher é meu, se não colher não tem nada” (EA- 12).
84
Uma das alternativas apresentadas por Ploeg (2008, p. 49) para a formação de
poupança pelo produtor seria através da pluriatividade
45,
o que permitiria a geração de
recursos para investir na propriedade e possibilitar a construção de projetos próprios. O autor
explica que isso não representa outra forma de dependência, pois os insumos “entram no
processo de produção da unidade agrícola como valores de uso. Eles não devem ser mais
valorizados em termos de valor de troca”. Assim, ao pagar os custos da sua produção com
recursos de outras fontes, o agricultor possui maior espaço de manobra que seus insumos
não foram adquiridos a crédito e, portanto, não depende da sua futura safra para quitar os
empréstimos.
Contudo, os agricultores pluriativos entrevistados exerciam outras atividades para a
complementação da renda com o objetivo de pagar suas dívidas:
Eu faço uns serviços de trator, alguma coisa para fora, umas horas. Porque o trator é
financiado e os juros muito caros. A gente está bem enredado e trabalho para fora
para ter um ganho, um pouco mais. O que mais me atrasou mesmo foi a conta do
trator que eu tinha financiado através do SICREDI, essa cooperativa, mas os juros
são muito altos. Para ver, quando eu comprei o trator foi em 2004, eu tirei R$
20.000,00 financiado e, depois tirei mais uma roçadeira financiada mais R$
3.500,00, hoje não dobrou bem de preço, mas quase dobrou (EA- 16).
O entrevistado presta serviço com o equipamento adquirido não para constituir
fundos para diminuir sua dependência, mas para pagar os recursos financeiros já mobilizados
através de uma cooperativa de crédito. Visto que ele está enredado com os empréstimos que
contraiu para investir na sua propriedade por não conseguir constituir uma poupança a partir
da sua atividade agrícola e, por isso, se submete às condições estabelecidas pelo sistema
financeiro.
Também deparamo-nos com alguns agricultores pluriativos, os quais buscam outras
atividades para suplementar sua renda quando existe um excedente de mão-de-obra devido à
diminuta área da propriedade, dado que aumentou a dificuldade para arrendar ou comprar
uma parcela de terras no município, apesar de todos entrevistados serem proprietários:
Então a gente tem muito pouca terra e a gente planta umas coisinhas e quando
não tem mais terra. [...] E fica difícil por que tu vai plantar para fora não dá,
porque agora o arrendamento é caro e a porcentagem os caras querem 20%. [...] para
ti ter uma idéia, essas terras aqui eu tinha uns 18 anos, isso era um campo, era 10
hectares e o cara vendia, que era uma herança. [...] o dinheiro que nós juntamos para
comprar essas terras era 700 cruzeiros. O resto pedíamos emprestados na colônia
45
Consideramos como pluriatividade, a emergência de situações sociais, onde os membros da família com
domicílio rural exercem outras atividades econômicas e produtivas, não necessariamente, ligadas ao setor
agropecuário, e desempenhadas, cada vez menos, dentro da unidade de produção (SCHNEIDER, 2003).
85
aqui a juros, nós plantemos cebola e batata, sempre plantávamos bastante, com uma
safra de cebola e batata nós conseguimos comprar 10 hectares de terra. Se você
comprar 10 hectares hoje aqui na beira da estrada, tu vai juntar da lavoura, nem do
fumo tira para pagar. Então, ficou uma coisa diferente (EA-9).
Isso aqui quem conheceu 20 anos atrás, a gente ia no pesqueiro, numas grotas
brabas, podia descer de lá, fazer toda essa volta, tudo era agricultura. E isso tramava
de caminhão comprando milho, comprando tudo que era produto aqui. [...] Quem
plantava era arrendatário, e os grandes fazendeiros foram, como o finado [João
46
]
aqui mesmo, morreu, o genro tomou conta, não aceitou mais ninguém plantar [...]
Aqui nessas várzeas, era cheio, tudo era plantado. Hoje, nem gado, nem planta.
Essas madeiras só empregam gente quando plantam (EA- 12).
Tal quadro se agravava devido à descapitalização dos agricultores, ao fracionamento
dos lotes, à exclusão histórica dos trabalhadores rurais e, recentemente, ao aumento do valor
da terra e ao avanço do plantio de árvores exóticas. Além disso, notamos nessas falas, não
somente a dificuldade ao acesso à terra (embora Canguçu não apresente alta concentração
fundiária como tratamos no Capítulo 3), mas também a visão de desenvolvimento agrícola
atrelada ao aumento de dimensão e escala, ou seja, o arrendamento possibilitaria expandir a
produção. Em nenhum momento, os entrevistados enfatizaram que poderiam alocar ou
combinar melhor o trabalho ou os recursos disponíveis e auto-controlado para melhorar as
condições e elevar o rendimento da produção. Os agricultores orientados pela lógica de
mercado não percebiam que o aumento em escala contribuiria para sua maior fragilidade sob
as condições do paradigma da modernização (PLOEG, 2008).
A UNAIC proporcionava algumas opções para que seus associados valorizassem os
recursos da propriedade ou da comunidade com a menor vinculação ao mercado, todavia
observamos grande preleção e ações tangenciais que promoviam, realmente, maior
autonomia.
Além disso, outros fatores contribuem para nossa análise como a disponibilidade de
mão-de-obra qualificada e formas de cooperação, que são fundamentais para pequenas
mudanças com a ampliação da eficiência técnica e da maleabilidade no processo produtivo,
especialmente, em ambientes de privações.
4.3.3 Ajuda mútua para superação das limitações dos agricultores familiares
Como tratamos no capítulo 3, vários fatores contribuíram para a redução e o êxodo
da população rural de Canguçu nos últimos trinta anos. No decorrer da coleta de dados,
46
O nome da pessoa foi substituído para preservar o anonimato do entrevistado que concedeu as informações.
86
encontramos propriedades onde somente o casal de agricultores residia ou com a presença de
um filho ou uma filha, normalmente jovem e solteiro (a), pois os outros se deslocaram para a
cidade ou formaram seu próprio núcleo familiar em outro local. Também nos deparamos
com pais e/ou parentes aposentados que conviviam no mesmo lote ou na mesma casa.
Não nos defrontamos com famílias numerosas como no passado que também
representavam um mecanismo de proteção aos pais idosos. Ao contrário, a renda da
previdência social tornou-se uma “espécie de salvaguarda de subsistência familiar, invertendo
o papel social de assistidos para assistentes” (DELGADO; CARDOSO JÚNIOR, 1999, p. 2).
Mesmo assim, sua contribuição direta nas atividades agrícolas, na maioria dos casos, era
limitada, principalmente, pela fragilidade do estado de saúde.
Assim, foi recorrente produtores, sobretudo, de fumo contratarem peões
(trabalhadores temporários) no período de safras ou na complementação do serviço para
suprir a demanda de trabalho, todavia
[...] hoje está muito difícil, por causa que o peão a 25, 30 reais, a gente acaba
fazendo solito, porque ele sai muito caro. Porque esse ano a gente vendeu um pouco
melhor o fumo, mas no ano passado, a gente vendia o rolo de fumo na média de 60
reais, então, dois dias que ele trabalha dá dois rolos de fumo, sem despesa nenhuma
(EA- 9).
Desse modo, a fala do entrevistado expõe a situação enfrentada perante a falta de
mão-de-obra familiar, o que o obrigava a recorrer ao mercado de trabalho, mesmo informal.
Isso significava o aumento nos seus custos de produção. Por outro lado, os peões também não
visualizavam perspectivas em vender sua força de trabalho nessas condições, ainda mais
quando a família possuía uma pequena propriedade e, por isso, não era possível manter outro
núcleo familiar naquela área por meio da atividade agrícola:
Faz uns 3 meses que o guri foi embora. Ele disse que para ele não dava, que ele
casou. Ele disse: “Pai, para mim não dá. Acho melhor em Pelotas, [do que] trabalhar
de peão, de empregado, então trabalha com carteira assinada, né?” Porque aqui na
lavoura, eu vou trabalhar, vou ganhar 20 reais, é 20 reais, não tem carteira, não tem
nada. O que eu ia dizer? Então, você que sabe, se é bom para ele, pra mim também
está. E ele pegou um emprego bom. Bom não, mas [para] ele que foi criado na
lavoura. Não sei se a senhora conhece [...] tem um caminhão que ajunta os lixos e
ele vai atrás. (EA-13).
A manutenção dos vínculos dos membros produtivos da família poderia ocorrer com
a coordenação, a alocação e a combinação do trabalho da família entre as atividades agrícolas
e não-agrícolas, que poderiam influir positivamente com benefícios ao romper, pelo menos,
87
parcialmente com o mercado (PLOEG et al, 2000). Ademais, ao se adaptarem aos processos
de produção externamente decididos, como é o caso do cultivo do fumo, os agricultores
comprometem a sua autonomia relativa, que o ponto central de referência para a definição
de direção, tempo e ritmos do processo da agricultura como o direcionamento da mão-de-
obra, a seleção de mecanismos e calendário não estavam mais sobre o controle familiar
(PLOEG, 1992b).
Em outras circunstâncias, notamos que a não-contratação também não representava
um impacto positivo direto, pois alguns agricultores explicavam que
[...] o fumo mesmo muito serviço. Nós somos em duas pessoas só, a guria a
ajuda um pouquinho, mas tem o negócio que ela estuda já não pode ajudar muito. A
gente trabalha até o meio da noite, muito serviço mesmo. E durante a noite, tu
trabalhas a noite, tem que secar o fumo, é difícil (EA- 16).
Nessa fala, a família não contratava força de trabalho na propriedade, visto que havia
uma intensificação da sua própria mão-de-obra, porém demonstravam exaustão para cumprir
as tarefas. Observamos que os produtores de fumo eram os casos mais emblemáticos desta
limitação devido ao próprio cultivo, que demandava grande quantidade de mão-de-obra em
todas as etapas, no entanto não eram exclusivos.
Ao mesmo tempo, averiguamos que os agricultores pouco mobilizavam relações não-
mercantis, ou seja, formas diversas de ajuda mútua ou mutirão
47
, dentro da comunidade para
suprir essa escassez. Eles apontavam que essas práticas não eram mais sistemáticas, apesar de
alguns as manterem com vizinhos e parentes:
Não agora quase não faz mais, antigamente, a gente fazia. A gente se ajudava,
trocava um com os outros, hoje não. Quase a maioria trabalha para si. O que pode
mais é o que vai, porque todo mundo está naquela preocupação do para si. Do jeito
que está a dificuldade, estão atracados nos bancos, devendo. Uns plantam umas
coisas, outros outras (EA- 1).
Hoje em dia não tem se usado mais, antes se usava, mas parou. É que todos plantam
fumo, né? E todos, é na mesma época de colheita. Quanto um colhe outro também
tem que colher. Cada um tem que colher o seu, não te como (EA- 7).
47
O mutirão pode corresponder a dois tipos de práticas e ações de ajuda mútua: a) aquelas que envolvam bens
comuns e coletivos como a construção de cisternas, escolas e estradas ou b) que direcionem para o beneficio de
uma família, geralmente, para trabalhos pesados como construir uma casa, fazer uma cerca, por exemplo. É
importante enfatizarmos que a ajuda mútua não significa que haverá a devolução igualitária ou a simetria das
prestações, pois a ajuda mútua não é uma relação de intercâmbio e sim, uma “obrigação social” (SABOURIN,
2004, p. 87).
88
Isso demonstra que essas relações existiam, mas se perderam no decorrer do tempo.
Os agricultores entrevistados eram habitantes rurais por tradição familiar e sempre residiram
em Canguçu, ou seja, todos
48
nasceram no município, seus avós e seus pais eram agricultores
ou trabalhadores rurais e muitos continuavam na mesma propriedade pertencente
anteriormente aos seus antecessores. Deste modo, o convívio com a comunidade não era
recente, o que poderia contribuir para o fortalecimento de laços ou formas de ajuda mútua.
Na realidade, Ploeg (2008, p. 147) explica que
[...] o aumento desproporcionado em escala [...] ultrapassou consideravelmente o
potencial de crescimento endógeno das unidades e do próprio setor. Por conseguinte,
os agricultores foram obrigados a envolver-se em relações de dependência para
poder financiar a expansão e as mudanças propostas.
Isso refletiu dentro da própria comunidade com o deslocamento de ações e
prestações baseadas na dádiva
49
como forma de reconhecimento do outro pela permutação
monetária ou material, ou seja, as relações de reciprocidade foram substituídas por
intercâmbios, os quais foram naturalizados como “relações de troca, por conta do peso da
racionalidade do intercâmbio capitalista” (SABOURIN, 2006, p. 224). O autor infere que as
relações de reciprocidade tornam-se cada vez mais sobrepostas, ocultas e paralisadas pelas
práticas de intercâmbio, as quais abarcam, principalmente, valores materiais, de uso e poucos
valores humanos
50
, o que acarreta disputas na acumulação privada de valores materiais e
explorações entre as próprias pessoas. Como conseqüência, temos maior exclusão e destruição
do vínculo social (SABOURIN, 2004).
Nosso propósito não é negar a importância da economia de intercâmbio ou
reivindicar a exclusividade de um ou de outro, mas atentarmos para seus limites e
evidenciarmos as relações de reciprocidade. A reciprocidade abrange valores materiais, mas
também humanos tais como a constituição de laços entre famílias e grupos, o respeito e a
preocupação entre as gerações e o meio ambiente (TEMPLE, 1997
51
apud SABOURIN,
2006). Dessa forma, a reciprocidade não privilegia somente estratégias produtivas e
prestações mercantis, uma vez que engaja e compromete as pessoas na sua totalidade, tanto na
48
Com exceção de dois entrevistados que as famílias eram provenientes dos municípios de Ijuí e de Cruz Alta do
Rio Grande do Sul.
49
Segundo Caille (1998 apud Sabourin 2004, p. 76) a dádiva é a ação ou a prestação “sem expectativa imediata
ou sem certeza de retorno, com vista a criar, manter ou reproduzir a sociabilidade e comportando, portanto, uma
dimensão de gratuidade”.
50
Valores humanos para Sabourin (2006, p. 215) são “valores fundamentais e universais, reconhecidos em todas
as sociedades e civilizações, embora de maneira diversa: confiança, responsabilidade, justiça, reputação,
amizade, etc”.
51
TEMPLE, D. L’économie humaine. La revue du MAUSS, v. 1, n. 10, p. 103-109, 1997.
89
dimensão social como econômica. Por sua vez, as sociedades rurais, conforme Sabourin
(2004), apresentam situações mistas entre as dinâmicas do intercâmbio e da reciprocidade,
que se diferenciam no decorrer do tempo.
Assim, o fundamental é considerar quais os valores enraizados e privilegiados pela
comunidade ou sociedade em questão, visto que os agricultores precisam estar ativamente
envolvidos. Os valores humanos não surgem casualmente, ao contrário, são construídos e
desenvolvidos pelas relações humanas, que se tornam fundamentais em situações ou
ambientes hostis para fortalecer as formas de cooperação local e para distanciar da estrutura
de mercado (SABOURIN, 2004; 2006).
Portanto, alguns projetos desenvolvidos pela UNAIC, como “A sustentabilidade da
agricultura familiar começa pelas sementes crioulas”, são iniciativas importantes para
fomentar formas de ajuda mútua entre os agricultores familiares, contudo são pontuais, uma
vez que os primeiros objetivos estabelecidos no seu estatuto são:
I Promover o bem-estar, a qualidade de vida das famílias do meio rural, através da
organização e integração comunitária associativa;
II – Promover uma melhor integração entre as associações do município;
III Incentivar, apoiar e criar formas cooperativas, que ajudem na produção,
beneficiamento e comercialização dos produtos agrícolas e de consumo; [...]
(ESTATUTO DA UNAIC).
Dessa forma, o cerne de suas ações, práticas e estratégias poderia priorizar a
construção de vínculos sociais e de alternativas mais humanas, que o declínio da ajuda
mútua entre os entrevistados, mesmo em condições adversas, pode indicar a fragilidade das
relações de reciprocidade. De acordo com Sabourin (2006) esse arrefecimento pode conduzir
a uma desagregação das estruturas sociais e econômicas que influem nas organizações
formais dos agricultores, o que averiguamos nas associações que são a base da estrutura da
UNAIC.
4.4 ASSOCIAÇÕES: ALÉM DAS PRÁTICAS DE INTERCÂMBIO
De acordo com a direção da Unaic de modo geral as associações estão passando por
uma grande crise, pois poucas conseguem se reunirem sistematicamente com a
presença da maioria dos membros. As lideranças estão concentradas em uma única
pessoa por associação e em grande parte das mesmas, esta liderança vem ocupando
o cargo muitas gestões por falta de substituto. A presença de jovens também vem
diminuindo [...] esta é a conseqüência de um modelo de associativismo criado em
Canguçu a partir da década de 80, onde os agricultores se organizaram em
associações para receber patrulhas agrícolas do poder público local e nacional
(TERRA & CAMPO, 2008, p. 3).
90
No último período (junho/ julho de 2008) em que estávamos em trabalho de campo,
o artigo intitulado “UNAIC avalia o associativismo em Canguçu” foi publicado na edição do
mês no jornal TERRA & CAMPO. O conteúdo expressava o que encontramos, no primeiro
momento, nas associações visitadas e nas próprias explicações fornecidas pelos dirigentes da
UNAIC. Ou seja, a baixa participação nas reuniões e nas assembléias e a desativação de
muitas associações, que mantinham somente a estrutura física e não realizavam atividades
entre os associados eram decorrentes do “modelo de associativismo” implantado no
município, nos anos 1980, que se refletia no arrefecimento contemporâneo das associações.
Realmente, encontramos ainda presente em alguns associados a noção estritamente
utilitarista do papel da associação, como um receptáculo de “benefícios do governo, alguma
coisa, alguma ajuda” (EA 16). Sabourin (2006) explica que o problema pode ser a forma
diferenciada como os atores compartilham os recursos subsidiados ou dados pelo Estado ou
por terceiros, daqueles que são resultado de um trabalho em conjunto, onde se cria um
sentimento de pertencimento ao grupo, o que contribui para a construção de relações sociais
de proximidade e de reciprocidade.
Entetanto, a constituição das associações e da própria UNAIC surge em um momento
de grande efervescência política e de organização popular no Brasil, quando o associativismo
rural era um dos movimentos que mais discutia a organização e a participação política
descentralizada (PINHEIRO, 2001). Ainda as organizações formais dos agricultores
representaram (e representam) uma estrutura reconhecida politicamente pela sociedade e pelo
Estado, uma interface entre o “mundo doméstico local” e a “sociedade externa” (SABOURIN,
2004, p. 90), além do acesso a serviços sociais emancipatórios, como se evidencia no trecho
abaixo:
Essa vivência entre as pessoas melhorou, fora de casa. Como mulher, agricultora,
elas não tinham essa liberdade, esse espaço de poder sair de casa, de participar, de
ter os direitos dela como documentos. Muitas vezes, elas não tinham carteira de
identidade, não tinham direito de aposentar, elas não tinham auxílio maternidade,
auxílio doença. Então, através das associações, através dos encontros, a gente foi
descobrindo também o que a gente poderia até buscar, onde ir. Muitas vezes, até te
indicavam onde tu podias ir para cobrar teus direitos, porque nem isso a gente não
era, porque não tinha ônibus para tu ir a cidade. De primeiro tu ia só quando teus
pais iam de carroça. Então, hoje, meus netos, imagine, desde criança pequena tem
acesso a cidade, mas eu nunca conheci cidade talvez com 18 anos, ia pra cidade.
Então, através da associação a gente também descobriu um mundo fora de casa (EA-
17).
91
Isso demonstra que podemos relativizar a idéia sobre as intervenções externas na
formação das associações, na década de 1980, como responsáveis pelo declínio das
associações nos dias atuais. Ao contrário, muitas associações constituíam um mecanismo
ainda de socialização e de reprodução das relações sociais da comunidade:
Ela [associação] é importante porque ela tem divertimento para nós, temos um salão
ali, fazemos uma festa. Tem um campo de futebol que s fizemos, nós mesmos.
Bocha também. A gente não tem para onde ir, no sábado de tarde, quer se entreter,
vai ali que não tem problema nenhum (EA- 13).
[...] porque, às vezes, tomando um chimarrão e até conversando saber o que a outra
pessoa precisa, porque às vezes ela está precisando de uma coisa, a outra não sabe.
Às vezes, somos vizinhos e passa um mês que a gente não se enxerga. Porque hoje
em dia não é igual antigamente, os vizinhos se procuravam mais, hoje assim não é
igual aquele tempo que as pessoas, se procuram (EA- 1).
Esse sentimento de pertencimento ao grupo contribui para a construção de relações
de reciprocidade, que são fundamentais para fortalecer valores humanos e consequentemente,
valores materiais:
É porque quando precisa de uma coisa, tu vai lá, se a gente for solito não consegue
nada na prefeitura, no banco, sei onde for. E com a associação, todos englobados,
a gente vai lá e consegue muita coisa com eles. Ir individual não adianta pedir coisas
lá, que não vem, nem estrada, nem nada. Precisa arrumar uma estrada, um bueiro,
tem que entrar com a associação (EA-12).
Desse modo, os agricultores familiares através de suas organizações formais podem
garantir funções e serviços de interesse geral ou blico, “melhorar os recursos disponíveis
provocando pequenas adaptações que, no seu conjunto, contribuem para a criação de um bem-
estar aumentado, de uma renda mais elevada e de melhores perspectivas de futuro” (PLOEG,
2008, p. 43). Ao mesmo tempo, as relações de reciprocidade, a ajuda mútua e os valores das
próprias associações precisam ser constantemente reconstruídos, pois evoluções e adequações
são fundamentais para essas organizações prosseguirem com suas funções como Sabourin
(2004) esclarece. Por sua vez novos problemas surgem para as associações na medida em que
ignoram ou desrespeitam as regras da reciprocidade e somente abarcam os princípios do
intercâmbio, onde somente privilegiam estratégias produtivas e prestações mercantis.
É tinham aquela idéia de que se eu faço alguma coisa, eu tenho que ter retorno, tem
que me dar algum lucro, que vantagem eu vou ter, eles pensam. É uma coisa que em
cooperativismo, a UNAIC o tem o nome de cooperativa, mas as pessoas acham
que se eu fizer alguma coisa para de repente dar vantagem para outro, vai me cair
um pedaço, tem muita gente que pensa assim (EA-10).
92
[...] faz uns quantos anos a gente custou a organizar o pessoal. O pessoal entendia
que uma associação tinha que ser, buscar lucros e à associação ela se incha vai
trabalhar nela e o pessoal quer ganhar, ganhar. Não entende que tem que lutar, as
coisas não vem assim, não são de graça. E tu pega, ela se pega a se esvaziar de
novo, porque às vezes a gente não consegue atingir um objetivo, então essa é a
dificuldade que a gente enfrenta (EA- 4).
Observamos que o predomínio apenas de relações e práticas de intercâmbio para o
lucro individual em algumas associações pode acarretar o declínio de valores humanos como
a partilha e a solidariedade como abordamos anteriormente. Consequentemente, isso
permeará também as relações entre associações e agricultores com a própria UNAIC.
Os agricultores compravam ou vendiam seus produtos agrícolas para a entidade
quando oferecia um valor acima do mercado convencional, o que ocorreu com a compra do
feijão para o PAA, por exemplo, ou seja, não comercializavam visando ao fortalecimento ou à
dinâmica da entidade. Isso não significa que os associados não a valorizavam ou as suas
atividades, principalmente, a Feira e a produção de sementes crioulas, a qual foi muito
destacada e enaltecida, mas notamos a fragilidade das relações de reciprocidade, que poderia
envolver e contribuir para o fortalecimento das associações e dos próprios agricultores.
Por outro lado, algumas propostas da entidade como lançar um cartão (UNAIC CAR)
para obter descontos em estabelecimentos comerciais locais para os associados pode indicar
que as dinâmicas de intercâmbio estão sendo empregadas para aproximar os agricultores, o
que irá colaborar na construção e na atualização de um cadastro interno, mas não implicará
diretamente no envolvimento dos associados. É importante que a construção de laços sociais
perpasse a realidade, as práticas e os valores, que sejam coerentes e façam sentido para os
agricultores, para que, realmente, os anseios e os interesses individuais possam ser atingidos
por meio da cooperação (SABOURIN, 2004).
Além dessa complexa simetria, o Estado vem demandando das organizações dos
agricultores familiares (associações e cooperativas) que assumam funções de interesse gerais
antes desempenhadas por ele próprio, além de requerer à participação na elaboração e na
gestão de projetos e programas de desenvolvimento local. Nesse contexto, a UNAIC assumiu
o papel de representação e coordenação regional do Programa Nacional de Produção e Uso de
Biodiesel do Governo Federal, em 2004. Dessa forma, ela foi a responsável pela organização,
acompanhamento e compra da matéria-prima dos agricultores familiares pelas empresas
produtoras de biodiesel para possibilitar maior segurança e poder de negociação para a
categoria.
93
5 DILEMAS E OPORTUNIDADES DO PROGRAMA NACIONAL DE PRODUÇÃO E
USO DE BIODIESEL PARA A UNAIC
Nos últimos anos, um esforço mundial vem sendo realizado para diminuir a
dependência de derivados de petróleo em função das oscilações do preço do barril no mercado
mundial, da instabilidade política nos países produtores e da iminente finitude dessa fonte. Ao
mesmo tempo, os problemas ambientais, especialmente o aquecimento global, ocupam cada
vez mais espaço nas pesquisas, nos programas de governo e na mídia por causa de sua
abrangência e gravidade (SACHS, 2005; 2007).
Nesse contexto, a produção de combustíveis considerados renováveis, como o etanol
e o biodiesel, ganha destaque devido à busca pela diversificação da matriz energética e pela
redução dos impactos ambientais. Assim, o Governo Federal lançou Programa Nacional de
Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), em 2004, que procurava abarcar três dimensões:
ambiental, econômica e social. Para alcançar esta última, estabeleceu medidas para incluir a
agricultura familiar na cadeia de produção com o objetivo de gerar renda e emprego no
campo. Para o monitoramento e a execução dessas diretrizes, as organizações representativas
dos agricultores familiares foram chamadas para intermediar as transações comerciais, o que
foi assumido pela UNAIC na região de Canguçu.
Após os primeiros anos de execução do Programa no município, as perspectivas
iniciais não foram atingidas. No entanto, grupos locais constroem e perseguem seus próprios
projetos de desenvolvimento, mesmo que adotem posições ambíguas ou contraditórias, e
alcancem outros resultados não aguardados ou não priorizados anteriormente (LONG, 2007).
Este capítulo possui como objetivo, inicialmente, expor as razões que levam a
constituição do PNPB, a estrutura institucional e o processo de implementação em Canguçu.
Apesar da restrição em relação ao curto período do Programa, buscamos analisar os caminhos,
as oportunidades e as limitações proporcionadas para a UNAIC e os agricultores familiares
até o momento.
5.1 AQUECIMENTO GLOBAL: PRETEXTO FUNDAMENTAL
Após a ECO-92 no Brasil, várias Conferências das Partes (COP) - órgão supremo da
Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas– ocorreram. Entre elas, a COP 3 realizada
em Kyoto no Japão, em 1997, onde foi discutido e negociado o Protocolo de Kyoto, um
compromisso global de redução das emissões de gases com representantes de 166 países.
94
Oficialmente, esse Protocolo entrou em vigor em fevereiro de 2005, após a ratificação da
Rússia (ROCHA, 2003).
A meta estabelecida foi o compromisso dos países desenvolvidos reduzirem, em
média, 5,2 % das suas emissões antrópicas dos gases de efeito estufa (expressas em dióxido
de carbono equivalente) em relação à taxa que vigorava em 1990 até o ano de 2012. Essa
meta muda de um signatário para outro, no caso do Brasil, país considerado em
desenvolvimento, não possui compromisso em diminuir as emissões dos gases
(PROTOCOLO DE QUIOTO
52
, 1997).
De acordo com Rocha (2003), as ações propostas nas COP enfatizaram os
mecanismos de mercado, os quais foram considerados as formas mais adequadas para mitigar
os custos do efeito estufa e para fomentar o desenvolvimento sustentável em países em
desenvolvimento. Assim, três mecanismos de flexibilização foram estabelecidos para a
redução das emissões dos gases formadores do efeito estufa na atmosfera: o Comércio de
Emissões, a Implementação Conjunta e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Os
dois primeiros não podem ser empreendidos pelo Brasil, pois são válidos, basicamente, para
os países desenvolvidos.
Em face disso, o MDL é o mecanismo que estimula os projetos e as ações para o
desenvolvimento sustentável em países em desenvolvimento, os quais empreguem fontes
renováveis e alternativas de energia, apresentem eficiência/conservação de energia ou
estabeleçam novas florestas ou de reflorestamento. Ou seja, a geração de energia limpa e a
remoção do carbono na atmosfera podem ser financiadas pelos países desenvolvidos
(PROTOCOLO DE QUIOTO, 1997).
Isso significa que um país considerado em desenvolvimento, que retira ou deixa de
emitir gás carbônico na atmosfera, pode negociar cada tonelada no mercado mundial como
Certificados de Emissões Reduzidas (CER). Esses certificados são emitidos por entidades
operacionais designados pela Conferência das Partes no Protocolo de Kyoto. Assim, as
principais empresas poluidoras localizadas em países desenvolvidos que ultrapassarem os
limites de emissão estabelecidos em seu território
53
, podem comprar CER de outros países,
para cumprir suas obrigações (ROCHA, 2003).
Na realidade, isso constitui uma forma de flexibilização para que os países
poluidores continuem com sua alta taxa de emissões de gases, não comprometendo o
52
Reproduzimos a grafia “Quioto” para não alterar a referência consultada.
53
O Protocolo de Kyoto aponta que a aquisição de CER deve ser suplementar as ações internas nos países do
Anexo I para o cumprimento dos compromissos.
95
crescimento de sua economia. Verificamos na FIG. 11, a projeção estável das emissões de
CO
2
dos trinta países membros da OCDE
54
para os próximos vinte anos, acompanhado pelo
aumento da produção de gases dos países não membros.
FIGURA 11: Evolução e cenários das emissões de CO
2
no mundo, países membros da OECD e não membros
entre 1990 a 2030.
Fonte: BEN, 2008, p.142
Portanto, os mecanismos de mercado se convertem no meio mais eficaz (para a
economia ambiental ortodoxa) para internalizar as condições ecológicas e os valores
ambientais ao considerá-las como externalidades
55
do processo de crescimento econômico.
Nessa perspectiva, os problemas ecológicos não se tornam conseqüências do modelo de
produção atual. Uma vez que os impactos são internalizados e contabilizados, entra-se na
lógica do mercado, como se fosse possível medir bens imensuráveis, além de tratar a natureza
como algo externo, onde a sociedade se adapta (LEFF, 2001; FOLADORI; TAKS, 2004).
Desse modo,
[…] la idea ambigua y contradictoria del “desarrollo sostenible” se empezó a
invocar a modo de mantra o jaculatoria repetida, una y otra vez, en todos los
informes y declaraciones. Pero esta repetición no servió ni siquiera para modificar
en los países ricos las tendencias al aumento en el no requerimiento total de recursos
y residuos per capita [...] la contínua invocación al “desarrollo sostenible” ha sido
para sostener el mito puro y duro del crecimiento económico [...] y para tranquilizar
a la población, dando a tender que sus reivindicaciones ecológico-ambientales
estaban siendo tenidas en cuenta (NAREDO, 2001, p.14).
54
Os países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico são: Austrália, Áustria,
Alemanha, Bélgica, Canadá, Coréia do Sul, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grã-
Bretanha, Grécia, Holanda, Hungria, Islândia, Irlanda, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Nova Zelândia,
Noruega, Polônia, Portugal, República Tcheca, República Eslovaca, Suécia, Suíça e Turquia.
55
O conceito de externalidades foi empregado para a questão ambiental pela teoria econômica neoclássica, no
final dos anos de 1960, considerando que as “externalidades surgem quando o consumo ou a produção de um
bem gera efeitos adversos (ou benefícios) a outros consumidores e/ou firmas, e estes não são compensados
efetivamente no mercado via o sistema de preços” (MOTTA, 1990 apud ALMEIDA, 1998, p. 27).
96
Apesar disso, a redução do aquecimento global tornou-se o objetivo principal das
políticas ambientais internacionais. Segundo Foladori e Taks (2004), a mudança climática
reflete a confluência de diversos impactos sobre a biodiversidade, as atividades produtivas e
na saúde humana, ou seja, afeta a todos. Dessa forma, a procura por alternativas energéticas
tem sido impulsionada, nos últimos anos, uma vez que os combustíveis fósseis são um dos
principais causadores do efeito estufa. No entanto, Sachs (2007) aponta que os reais
precursores, que aportam às alternativas energéticas, são a futura inviabilidade econômica
para extração do petróleo e os fatores geopolíticos, embora considere os impactos ambientais
como um pretexto importante.
5.2 DIVERSIFICAÇÃO DA MATRIZ ENERGÉTICA
Os cenários da área energética apontam para uma crescente demanda de energia
fóssil e, ao mesmo tempo, uma redução das reservas internacionais de petróleo. De acordo
com a Agência Internacional de Energia, haverá um aumento de 1,6% ao ano entre 2006 e
2030. Isso significa que o consumo mundial passará de 11.730 milhões de toneladas
equivalentes de petróleo (tep) para mais de 17.010 milhões, isto é, um acréscimo de 45%. Os
países que contribuirão para esse quadro serão, principalmente, a China, a Índia e os países do
Oriente Médio (IEA, 2008).
Contudo, as reservas comprovadas de petróleo somam 1,137 trilhões de barris, sendo
que 78% desse total estão localizadas nos subsolos dos países sócios da OPEP (Organização
dos Países Exportadores de Petróleo). Considerando o atual consumo, esse volume será
suficiente para suprir a demanda de petróleo por quarenta e um anos e a de gás natural por
sessenta e sete anos. No caso brasileiro, suas reservas de petróleo durariam aproximadamente
dezoito anos (PLANO NACIONAL DE AGROENERGIA, 2005). Como adverte Sachs
(2007), esses dados não apontam para o desaparecimento do petróleo e sim, que a extração
das novas reservas será inviável economicamente, uma vez que as grandes revoluções
energéticas no passado ocorreram devido a alternativas mais eficientes e com menor custo.
Além disso, a volatilidade e as oscilações dos preços do barril de petróleo nos
cenários traçados pela International Energy Agency (IEA, 2008) e a tendência dos
combustíveis fósseis ainda constituírem 80% da energia primária no mundo, em 2030,
demonstram a encruzilhada que o sistema de energia global se encontra devido à alta
dependência e à relevância desses produtos nas economias mundiais como observamos na
FIG. 12.
97
FIGURA 12: Composição e expansão da matriz energética do Brasil e do mundo
Fonte: Adaptado de BRASIL (2008d)
No caso do Brasil, notamos que as fontes consideradas renováveis
56
compuseram
45,9% (mais que o triplo da média mundial) da matriz energética, em 2007, devido ao uso de
biomassa. Ao mesmo tempo, demonstrou um quadro de dependência dos derivados de
petróleo que representou 37,4%. O que contribuiu para essa situação foi o setor de transportes,
principalmente, o rodoviário.
Segundo o Ministério de Minas e Energia (BRASIL, 2008d), o setor de transporte foi
o responsável por 66% do consumo final de derivados de petróleo, seguido pelo setor
industrial (18%); residencial, comercial e agropecuária (8%); e energético (7%). Nos últimos
trinta anos, o transporte rodoviário demonstrou sua hegemonia em relação aos outros meios,
inclusive, na demanda de energia. Em 2007, o transporte rodoviário consumiu 52.892 milhões
tep, isto é, 91,8% da energia do setor e o óleo diesel foi o principal combustível conforme
demonstramos na TAB.6.
56
As fontes renováveis incluem as hidrelétricas, a energia eólica, geotérmica, solar e a energia dos oceanos.
100%
37,4
28,0
34,4
31,5
9,3
15,5
20,5
22,3
6,0
6,9
26,0 28,2
3,0
6,2
4,8
14,9
13,5
2,2
2,4
31,1
33,1
10,7 10,8
1,4
0%
20%
40%
60%
80%
BR 2007 BR 2030 MUNDO 2006 MUNDO 2030
BIOMASSA
HIDRÁULICA
URÂNIO
CARVÃO
GÁS
PETRÓLEO
239 11.741557 17.721
milhões tep
3,7% 1,8%% ao ano
98
TABELA 6
Matriz Energética do Transporte Rodoviário
Milhões de tonelada equivalente de petróleo (tep)
Especificação
1973 2007
Diesel
5.770 27.741
Gasolina
10.541 14.287
Álcool
165 8.612
Gás Natural
0 2.252
Total
16.476 52.892
Fonte: Adaptado pela autora a partir de BRASIL (2008d)
o uso de biomassa representou 31,1% da energia brasileira sendo que os produtos
oriundos de cana-de-açúcar, lenha, carvão vegetal e outras fontes constituíram,
respectivamente, 15,9%, 12% e 3,2% da oferta interna (BRASIL, 2008d). De acordo com o
Plano Nacional de Agroenergia (2005), a biomassa abriga três vertentes que dominarão o
mercado da agricultura de energia: a) os derivados de madeira e outras formas de biomassa
como briquetes ou carvão vegetal; b) os derivados de carboidratos ou amiláceos, como o
etanol; c) os derivados de lipídios, como o biodiesel.
Desse modo, o Governo Federal lançou as Diretrizes de Política de Agroenergia
(2005, p. 8), onde reconheceu que as políticas públicas eram decisivas para direcionar
procedimentos e ações para o aproveitamento da biomassa energética, pois a “oferta estável
de energia é uma questão estratégica para o país”, ou seja, deve ser acompanhada pelo Estado.
Em países em desenvolvimento, as fontes renováveis contribuem para a
diversificação da matriz energética e auxilia o desenvolvimento local. Em áreas
rurais, as fontes renováveis apropriadas a esse contexto podem contribuir de forma
mais incisiva para o desenvolvimento econômico, melhorando a produtividade na
agricultura, reduzindo desigualdades regionais, contribuindo para a melhoria da
qualidade de vida da população, notadamente nos campos da saúde e educação,
permitindo a melhoria dos meios de comunicação e reforçando a capacidade de
produção da região com melhor infra-estrutura (COSTA; PRATES, 2005, p. 17).
Apesar dessa ênfase do apoio público para energias renováveis como mecanismo de
desenvolvimento para o país, devemos recordar que a produção de biocombustíveis pode
acarretar impactos sociais e até ambientais indesejáveis, como ocorreu com o álcool. O
PROALCOOL (Programa Nacional do Álcool) implementado na década de 1970, no Brasil,
visava a criação de milhões de empregos e minidestilarias. Contudo, se transformou em um
programa que beneficiou as grandes empresas de equipamentos e usineiros. A herança dessa
99
política foi o agravamento da concentração de terras nas regiões produtoras de açúcar e álcool
com a exclusão de pequenos e médios produtores, as precárias condições de trabalho dos
“bóias-frias”, a concentração da produção de cana-de-açúcar, além do impacto negativo no
ambiente como as queimadas para a colheita e as ameaças a biomas brasileiros, por exemplo.
Através de financiamentos e subsídios, o setor sucroalcooleiro recebeu U$ 5,9
bilhões de recursos públicos, entre 1976 e 1989, por meio do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDE), Banco do Brasil, bancos regionais e estaduais de
desenvolvimento, que contribuíram para sua expansão na região Nordeste, Sul e Sudeste. Já
na década de 1990, com a abertura do mercado e a liberalização dos preços, o setor buscou
reduzir custos, aumentar a produtividade agrícola e o trabalho com o investimento em
mecanização e automação. Como resultado, encontramos a maior concentração mundial da
agroindústria canavieira nas regiões Sul e Sudeste do Brasil (FIAN, 2008).
Por conseguinte, o Governo Federal adotou uma série de medidas e diretrizes ao
lançar um novo programa para o aproveitamento da biomassa energética, agora, o biodiesel,
para tentar garantir a igualdade regional, a geração de emprego e renda, a melhoria na
qualidade de vida da população rural e a redução dos impactos ambientais da sua cadeia de
produção.
5.3 PROGRAMA NACIONAL DE PRODUÇÃO E USO DE BIODIESEL (PNPB)
No final do século XIX, Rudolph Diesel desenvolvia experimentos, em que
empregava óleos vegetais como combustível. o biodiesel
57
, como produto final
58
de uma
reação química de transesterificação entre triacilgliceróis (óleos e gorduras vegetais ou
animais) e monoálcoois de cadeias curtas em presença de um catalisador, foi patenteado em
1937 na Bélgica. Assim, outros estudos sobre o processo de produção de biodiesel foram
desenvolvidos em centros de pesquisas na Europa, nos Estados Unidos e até no Brasil. Apesar
dos resultados das pesquisas constatarem a viabilidade técnica da sua utilização, a abundância
e o baixo custo do petróleo impediram seu uso em escala comercial naquela época (SUAREZ;
MENEGHETTI, 2007).
57
De acordo com o Decreto 5.297, de 6 de dezembro de 2004, biodiesel é um “combustível para motores a
combustão interna com ignição por compressão, renovável e biodegradável, derivado de óleos vegetais ou de
gorduras animais, que possa substituir parcial ou totalmente o óleo diesel de origem fóssil”.
58
Existem outras rotas para obtenção do biodiesel como o craqueamento e esterificação, por exemplo. Maiores
detalhes consultar Suarez e Meneghetti (2007).
100
Entretanto, esse quadro começou a ser alterado com as mudanças conjunturais e
estruturais na matriz energética mundial e também com o debate ambiental na década de
1980, como tratamos anteriormente. Assim, constatamos que a produção e o consumo em
larga escala do biodiesel na Europa ocorrem desde a década de 1990 (FIG. 13).
FIGURA 13: Produção de biodiesel na Alemanha, França, Itália, outros países e toda Europa entre 1998 – 2007.
Fonte: EBB (2008)
A Alemanha e a França são os maiores produtores e consumidores de biodiesel da
União Européia, seguido pela Itália, Áustria, Bélgica, República Tcheca e Dinamarca. No
caso alemão, a tendência crescente da produção se sucede em função da instalação de novas
unidades industriais com subsídios do governo e da política fiscal para redução do preço. A
principal matéria-prima empregada no processo é a canola, que tem a função também de
nitrogenar naturalmente os solos exauridos (PAULILLO, 2007).
Do mesmo modo, as estimativas de produção dos Estados Unidos ampliaram de 20
milhões de galões, em 2003, para 450 milhões de galões em 2007 (NBB, 2008). Isso decorreu
diante dos incentivos fiscais para os fabricantes de biodiesel, das leis federais e estaduais que
permitiram o uso de biodiesel como combustível ou aditivo e do excesso dos estoques
internos de óleo de soja, que comprometia o equilíbrio do mercado e dos produtores rurais
americanos (PAULILLO, 2007).
Assim, acompanhando uma tendência mundial, os projetos para uso do biodiesel
ganham ênfase e entram oficialmente na pauta do Governo Brasileiro. Para isso, um Grupo de
Trabalho Interministerial foi instituído, em 2003, para analisar sua viabilidade como fonte de
energia, o que resultou em um estudo para embasar a estrutura de um programa nacional. Em
dezembro de 2004, foi lançado oficialmente o Programa Nacional de Produção e Uso do
101
Biodiesel (PNPB), que estabeleceu as condições legais para a introdução do biodiesel na
matriz energética brasileira, conferindo à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP) a responsabilidade de regular sua produção e comercialização no país
(BIODIESEL, 2004).
a execução das ações no âmbito operacional e administrativo do PNPB é realizada
por um Grupo Gestor, que cumpre as estratégias e as diretrizes estabelecidas pela Comissão
Executiva Interministerial (CEIB), que é responsável pela análise, avaliação, indicação de
recomendações e ações, diretrizes, atos normativos, entre outras funções necessárias dentro do
Programa (BRASIL, 2006c). A CEIB subordina-se à Casa Civil da Presidência da República
e é integrada por um representante da Secretária de Comunicação e Gestão Estratégica da
Presidência da República e de 13 Ministérios (Fazenda; Transportes; Agricultura; Trabalho;
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Minas e Energia; Planejamento; Ciência e
Tecnologia; Meio Ambiente; Desenvolvimento Agrário; Integração Nacional; Cidades;
Desenvolvimento Social).
O envolvimento de todos estes ministérios na CEIB visa a alcançar os objetivos do
Programa que são:
[...] a diversificação da matriz energética: fóssil e renovável; redução das
importações de diesel e petróleo; criação de emprego e renda no Brasil;
fortalecimento das famílias no campo; uso de solos inadequados para produção de
culturas alimentícias; disponibilização de um combustível ambientalmente correto
(BRASIL, 2006c).
Para isso, foram aprovados diversos atos legais
59
que regulamentam e introduzem
esse novo combustível na matriz energética brasileira. Em janeiro de 2005, foi publicada a Lei
11.097, que estabeleceu a obrigatoriedade da adição de 2% do biodiesel (B2) ao óleo diesel
comercializado em todo território nacional a partir de 2008 e, de 5% (B5) após 2013.
Esses prazos podem ser precedidos pelo Conselho Nacional de Política Energética
(CNPE) conforme a evolução da capacidade produtiva, a disponibilidade de matéria-prima, a
necessidade de atrair investimentos, entre outros fatores. Portanto, o B2 foi antecipado para
janeiro de 2006, cuja obrigatoriedade se restringiu ao volume do biodiesel produzido pelas
empresas detentoras do Selo Combustível Social. Do mesmo modo, a CNPE permitiu o
aumento da porcentagem de 2% para 3% do biodiesel ao óleo diesel a partir de julho de 2008.
Provavelmente, o B5 também será antecipado para 2010 (ANP, 2008).
59
Maiores detalhes sobre legislação e normas estão disponíveis no site: <http://www.biodiesel.gov.br>.
102
Também se instituiu o Selo Combustível Social, que é o mecanismo responsável para
inserir a agricultura familiar na cadeia do biodiesel e para potencializar a geração de
empregos. Ele é concedido às empresas produtoras que adquirem matéria-prima da agricultura
familiar em um percentual determinado dependendo da região brasileira (TAB. 7); assegurem
assistência técnica e preços pré-estabelecidos, oferecendo segurança aos agricultores e;
negociem contratos coletivos com a supervisão das representações da agricultura familiar.
TABELA 7
Porcentagem mínima de compra de matéria prima da agricultura familiar
Região Porcentagem mínima de compra (%)
Norte e Centro-Oeste 10
Sudeste e Sul 30
Nordeste e Semi-árido 50
FONTE: Instrução Normativa MDA, n.1, 5 jul. 2005.
A aquisição da porcentagem proveniente da agricultura familiar pela empresa
produtora de biodiesel é garantida através de auditoria anual para a verificação das notas
fiscais de compra da matéria-prima e dos contratos com os produtores e da assinatura do
presidente do Sindicato dos Trabalhadores do município. A validade da operação depende da
obtenção, por parte de cada produtor, da Declaração de Aptidão ao PRONAF (DAP),
fornecida pelo sindicato, que firma pertencer à categoria agricultura familiar
(ABRAMOVAY; MAGALHÃES, 2007).
as empresas selecionam seus fornecedores com base no trabalho do movimento
sindical, além de se apoiarem na sua estrutura para negociarem os contratos e organizarem a
oferta com um maior controle da qualidade da matéria prima.
Os dirigentes sindicais ajudam a organizar reuniões em que a empresa expõe seus
objetivos e convoca os agricultores a aderirem a seus sistemas produtivos. Os
contratos não precisam ser negociados e explicados individualmente, uma vez que
passam a ser compreendidos e aceitos em função da ajuda que os sindicalistas
oferecem. A execução dos contratos também é acompanhada pelo movimento
sindical, embora não se tenham elementos ainda para avaliação de sua capacidade de
controle a respeito do monitoramento real do que ocorre em campo, sobretudo no
que se refere à assistência técnica (ABRAMOVAY; MAGALHÃES, 2007, p. 13).
Esses procedimentos apresentados têm sido adotados, principalmente, pelos
sindicatos filiados à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG).
103
Estima-se que aproximadamente 14.000 agricultores familiares no Rio Grande do Sul foram
organizados para o fornecimento de suas safras de oleaginosas de 2006/7 e 2007/8 para essas
unidades industriais.
Por outro lado, os benefícios para as empresas possuidoras do Selo consistem na
obtenção de melhores condições de financiamento junto ao Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e suas instituições financeiras credenciadas.
O BNDES tem apoiado e aprovado empréstimos para financiar até 80% dos projetos de
investimentos na montagem de indústrias processadoras de biodiesel.
Além disso, as empresas com o Selo podem participar dos leilões públicos de compra
de biodiesel promovidos pela ANP. Esses leilões promovem a compra antecipada para
incentivar a instalação das unidades industriais, estabilizar o mercado, conferir segurança para
as empresas e incluir a agricultura familiar nessa cadeia produtiva (FIG. 14). Desse modo,
ocorreram doze leilões promovidos pela ANP e mais dois para formação de estoque
operacional realizados pela Petrobrás (ANP, 2008).
De acordo com a ANP (2008), foram produzidos mais de 1.390.232 m
3
de
biodiesel entre 2005 até outubro de 2008 (GRAF. 1). Isso significa uma redução na
dependência externa do diesel de 7% para 5% com uma economia de US$ 410 milhões por
ano. Com 62 plantas autorizadas para operação, incluindo três da Petrobrás e mais vinte e três
em processo de implantação, a capacidade nominal permitida pela ANP, em outubro de 2008,
aproximava-se de 320.000 m
3
por mês.
-
20.000
40.000
60.000
80.000
100.000
120.000
140.000
Jane
i
r
o
Fevereiro
Março
Abr
il
Maio
Junho
Julho
A
go
s
to
Setembro
Outubro
N
ove
mbr
o
D
ezembro
s
m
3
2005 2006 2007 2008
GRÁFICO 1: Produção nacional de biodiesel puro (B100) – 2005/2008.
Fonte: ANP (2008)
104
FIGURA 14: Cadeia de produção de biodiesel
Fonte: PETROBRÁS (2007).
105
Por sua vez, o Selo permite que as empresas ainda recebam incentivos fiscais
60
com a
diferenciação de alíquotas de PIS/PASEP e COFINS baseada na região de plantio, nas
oleaginosas e na categoria de produção (agricultura patronal ou familiar), como observamos
na TAB. 8.
TABELA 8
Alíquotas de PIS/PASEP e de COFINS aplicadas as biodiesel
PIS/PASEP e Cofins (R$/Litro de biodiesel)
Sem selo combustível
social
Com selo combustível
social
Regiões Norte, nordeste e semi-árido
Mamona e palma R$ 0,15 R$ 0,00
Outras matérias-primas R$ 0,218 R$ 0,07
Regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul
Qualquer matéria-prima,
inclusive mamona e palma
R$ 0,218 R$ 0,07
FONTE: Decreto n° 5.297, de 06 de dezembro de 2004.
Elaborado por: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2004.
Inicialmente, o Selo Social permitiu uma isenção de 100% de PIS/PASEP e COFINS
paras as empresas que compravam mamona e palma da agricultura familiar. No entanto, o
Governo alterou essa determinação pelo Decreto 6.606, 21/10/08 e ampliou a isenção
dessas contribuições para as empresas possuidoras do Selo Social sobre todas as oleaginosas
nas regiões Norte, Nordeste e Semi-Árido. Esse incentivo pode ser uma resposta à baixa
produção de biodiesel na Região Norte ou a queda da produção nos estados do Nordeste,
conforme podemos verificar no GRAF. 2. Os estados com volume crescente de biodiesel são:
Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Goiás e São Paulo.
60
O biodiesel é isento do pagamento da CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) para
qualquer situação.
106
Produção estadual de biodiesel
0
50000
100000
150000
200000
250000
300000
2005 2006 2007 2008
Ano
Produção (m3)
Goiás Mato Grosso Rio Grande do Sul Paraná
Minas Gerais São Paulo Bahia Cea
Maranhão Piauí Pará Rondônia
Tocantins
GRÁFICO 2: Produção estadual de biodiesel entre 2005- 2008
Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados da ANP (2008)
Nota: Os dados de produção de biodiesel, em 2008, são correspondentes até o mês de outubro.
Além disso, a mamona e a palma não foram expressivas como matérias-primas para
a produção nacional de biodiesel. De acordo com as estimativas do MDA (BRASIL, 2006c),
59% do volume de biodiesel, em 2006, derivaram da soja, seguida pela mamona (26%) e
outros materiais, incluindo o sebo animal (15%). Contudo, os últimos dados mensais (outubro
e novembro de 2008) disponibilizados pela ANP (2008) demonstraram que os cultivos de
mamona e palma, que empregam mão-de-obra intensiva, foram irrisórios, ou seja,
corresponderam a menos de 3% do biodiesel fabricado. Uma vez que o óleo de soja
representou, aproximadamente, 80% da matéria-prima, seguida pelo sebo (14%) e óleo de
algodão (3%).
Apesar dos incentivos fiscais do Governo para a utilização de mamona e palma como
matéria-prima para a produção de biodiesel, houve o predomínio da soja, que é uma cultura
com um nível de mecanização elevado. Ao mesmo tempo, os agricultores familiares
produtores de soja, normalmente, não são os menos favorecidos e os sojicultores do setor da
agricultura patronal são muito bem organizados e aproveitam o PNPB para aumentar a
demanda dos seus produtos, criar um novo mercado para o excesso de oferta dessa commodity
e superar crises agrícolas como a safra 2005/2006 por conta dos baixos preços no Centro-Sul
do país. Entretanto, a sua forma de organização baseada em grandes propriedades e
107
mecanização extensiva, não prioriza a geração de empregos e o desenvolvimento regional
(MIRAGAYA, 2005; PAULILLO, 2007).
Essas limitações e esses apontamentos preliminares do PNPB também foram
encontrados e relatados pelos agricultores familiares no município de Canguçu. Ao mesmo
tempo, a UNAIC aproveita outras oportunidades geradas pelo Programa para se projetar na
região, todavia isso pode indicar o afastamento das demandas dos seus associados.
5.3.1 PNPB em Canguçu
Em 2005, iniciou-se um intenso processo de divulgação e organização dos
agricultores familiares com o aporte das Federações dos Trabalhadores na Agricultura ligadas
à CONTAG, que permeou o interior do país através das organizações sindicais nos
municípios. No caso de Canguçu, o sindicato dos trabalhadores apenas acompanhou
pontualmente esse trabalho, pois a UNAIC apresentou maior interesse e dinâmica para
representar politicamente os agricultores familiares e intermediar as transações comerciais
como abordamos no Capítulo 2. Ademais, as empresas e as instituições públicas (FIG. 15)
também fomentaram a articulação da UNAIC com os agricultores familiares:
Como foi que começou a discussão de biocombustíveis aqui?
61
Foi de várias
maneiras, iniciou o debate com a FETAG e também com a então deputada
62
M. E
veio pela empresa, MDA? Veio por tudo [...]veio a Brasil Ecodiesel, via MDA, via
própria deputada, via FETAG. O primeiro contato aconteceu através do chefe do
gabinete [da deputada], que é ex-funcionário da UNAIC. Ele entendia que isso era
importante (ED-08).
Desse modo, notamos um aparato público e privado para implementação e execução
do PNPB no município. Apesar da demanda na participação no Programa não ter surgido da
sua base de sustentação, a direção da UNAIC considerou que seria uma “alternativa para a
agricultura familiar” (ED-08) como o Governo Federal também declarava.
61
As perguntas realizadas estão em negrito para diferenciar das respostas do entrevistado.
62
Para preservar a identidade do entrevistado e daquele a quem se refere, preferimos não identificá-lo.
108
FIGURA 15: Dia de campo no município de Pelotas –RS com a participação dos representantes do sindicato,
Brasil Ecodiesel, UNAIC e MDA.
Fonte: UNAIC (2007).
Portanto, a divulgação através da rádio local, do jornal “Terra & Campo”, das redes
de relações da UNAIC, da própria propaganda e notícias veiculadas pelos meios de
comunicação e pelo Governo Federal impulsionou e atraiu uma parte dos agricultores
familiares a participar das reuniões e dias de campo nas comunidades ou mesmo a procurar a
entidade para obter mais informações.
Ele [o técnico da UNAIC] fez uma reunião aqui na budega, ali não sei quem é que
foi que me falou que tinha uma reunião na budega, porque eu não vou em budega.
[...] Vai ter uma reunião aí, e vai vir um rapaz que vai fazer uma reunião da UNAIC.
Então eu vou espiar, pensei aqui comigo. As duas horas da tarde, peguei e fui
na budega onde estava tendo a reunião. Ali acho que tinha uns 50 que iam plantar
mamona. Todo mundo ia plantar. Eu fui lá, espiei, escutei bem, olhei, aí ele
perguntou “tu vai querer ?”. Eu não, por enquanto não. Deixa os outros. Eu não vou
querer, e aquele ano estava de seca ainda. Mas ele, “não, tu pega a semente” e eu
disse: não, eu não quero. E ele disse: “a semente é dada, não tem compromisso”.
Mas eu disse não, eu não quero. Passou, tudo os outros iam plantar, tinha gente que
ia lavrar a terra, fazer isso, fazer aquilo. Não é que no fim, ele saiu a distribuir
semente e, ninguém plantou? (EA-12).
Apesar da insistência dos técnicos, muitos agricultores não quiseram arriscar como o
agricultor explica: “Eu não quis me atirar no primeiro ano para eu entrar no prejuízo. Eu
fiquei esperando para ver se dava certo” (EA- 9). Já outros interessados receberam as
sementes e as instruções para começar o cultivo. Os que plantaram declararam que gostavam
109
“de ter experiência própria. [...] fazer para ver se funciona ou não. Porque cada vez fica aí,
uma pessoa te fala assim, outra te fala assim, se realmente é ou não, por experiência própria
eu gosto de fazer para ver que resultado ele (EA-3). Outros optaram em diversificar:
“sempre pensei muito em mudar, diversificar, ter mais opção. Quando começaram a falar
sobre girassol, eu pensei assim: deve valer a pena experimentar, testar para ver e sempre é
uma opção a mais” (EA-11).
Em algumas localidades do município, onde a UNAIC possuía menor inserção por
causa do domínio do cultivo do fumo ou da pouca proximidade devido à ausência de
associações, por exemplo, o interesse demonstrado pelos agricultores familiares foi menor:
Eu fui aqui uma vez no [João]
63
[...] mas daí era, por exemplo, sobre os que não
tinham luz ainda, que tinham encaminhado o projeto de luz e não tinham ainda e,
sobre o biodiesel. Eu sei que nós éramos oito que fomos ali, sete era por causa da
luz, e único era eu por causa do biodiesel. Eu até fiquei com vergonha, eu deixei
eles falarem tudo o que tinha da luz, uns tinham ido embora e tal, fiquei quase
por último, só eu e o [João], e o [técnico] da UNAIC. E eu: “queria saber da
mamona”. Acho que até ele ficou aliviado (EA-10).
Mesmo com as desproporções no número dos agricultores entre as localidades,
Canguçu apresentou o maior número de produtores de mamona e girassol entre os vinte e sete
municípios da região acompanhados pela UNAIC com 346 dos 839 plantadores de mamona
(FIG. 16) e 50 dos 194 agricultores familiares que cultivaram girassol (FIG. 17), na safra
2006/2007. Apesar do município apresentar grande número de agricultores familiares e
localizar a sede da entidade, a constituição de laços sociais, o conhecimento e o bom conceito
da UNAIC pelos produtores também foram fatores importantes para esse resultado.
A grande maioria dos agricultores familiares preparou 1 hectare da propriedade para
os cultivos, contudo houve uma variação de 0,5 a 10 hectares dependendo do produtor, pois
“a orientação técnica [disse] que não seria uma coisa para a gente deixar de produzir aquilo
que tinha costume, mas seria mais uma alternativa para nós como renda” (EA-17).
63
O nome da pessoa foi substituído para preservar o anonimato do entrevistado que concedeu as informações.
110
FIGURA 16: Visita técnica a plantação de mamona acompanhada pela UNAIC
Fonte: UNAIC (2007)
FIGURA 17: Plantação de Girassol na propriedade familiar acompanhada pela UNAIC
Fonte: UNAIC (2007)
111
Todavia, ocorreram problemas na germinação em algumas espécies das sementes de
girassol e mamona e as condições edafoclimáticas do município não contribuíram para o
desenvolvimento e a produtividade dos cultivos.
[...] a gente plantou 2 hectares de mamona, mas ela não deu resultado satisfatório.
Ela ficou muito abaixo do esperado, até os técnicos, mas acho que não foi só nós, foi
toda a região de Canguçu. Foi muito baixo a produtividade. Eu acho que doença
teve alguma parcela na colheita por questão de umidade, que ela deu um mofo, mas
realmente segundo os próprios técnicos que trabalharam na área da UNAIC, eles
mesmos sentiram que não produziam, pelo menos as variedades que foram testadas
aqui (EA-17).
[...] até parecia que ia valer a pena porque estava muito bonito [o girassol], porque a
gente não conhecia, nunca tinha visto, tinha visto um e outro. Mas ele não
compensou no fim porque o peso dele não deu o que devia que dar, tinha que botar
um pó, eu até botei, não sei como chama. Ah, boro! Tinha que botar, botei, não sei
se aquilo, melhora o grão, para o peso, para dar mais peso no grão porque ficou
meio chocho e talvez não pesou por causa disso muito. [...] deu uns quantos volumes
e eu estava fazendo conta, estava bem contente. Bah, acho que vai dar, quase que
nem feijão. Mas na hora de pesar, pra dar aqueles sacos, o peso, para conseguir
chegar ao peso precisava para valer por aquele preço, até me decepcionei. O volume
não pesou o que tinha que dar o saco (EA-11).
Junto a essas primeiras dificuldades, a direção da entidade destacou que uma parte
dos agricultores não cuidou das lavouras, o que colaborou para o resultado negativo. Isso
também foi observado pelos entrevistados em relação aos seus vizinhos:
[...] um outro rapaz daqui do outro lado, plantou, era para plantar 1 hectare de terra
de sementes dele, ele plantou 1/3 do hectare e plantou todo amontoado e depois
estava brigando com o [técnico] que a mamona não prestava. Ele plantou pertinho e
deu que nem taquara pra cima. Um dia, eu passei e falei, mas assim não vai dar
mesmo. E ele roçou tudo dele fora (EA- 12).
Por outro lado, os produtores enfatizaram a inexperiência, os desencontros e as
informações limitadas sobre a produção de mamona e girassol pela UNAIC e as expectativas
malogradas:
[...] entraram com o projeto da mamona quanto o girassol e com a conversa de que a
mamona não precisa de capina, não precisa de adubo e que produz bastante. Muita
gente da região plantou a mamona e fez o que eles disseram, não colocaram adubo,
não colheram nada. A gente que capinou, adubou, fez como era para ser, a gente não
conseguiu pagar a despesa. Deu prejuízo. A gente não conseguiu tirar do produto, a
manutenção da lavoura. Isso que a gente cuidou, imagina quem não cuidou. (EA-
15).
[...] acho que quando a gente começou a participar das reuniões os próprios técnicos
não tinham conhecimento também, porque eles sempre diziam que ela produzia no
mínimo, em torno de 1500 quilos até 3000 quilos e tinha a safrinha. Depois fazia a
colheita e ela no inverno, ela secava e brotava, em dezembro, a gente tinha uma
112
outra colheita, mas aqui a questão do clima, por ser muito frio, brotou um ou dois
pés (EA-17).
[...] quando fui nas primeiras reuniões lá, eu acho que nem eles também sabiam.
Eles disseram que podiam plantar batata-doce no meio que ia produzir. Não produz,
plantei bastante, rama uma quantia, mas não dá. Melância, abóbora, isso dá, mas
batata-doce não (EA-12).
Assim, foram colhidos 110.043 quilos de mamona e 241.546 quilos de girassol na
safra 2006/2007. Mesmo com a colheita prejudicada, a grande maioria dos agricultores
afirmou que não obteve prejuízos financeiros, pois consorciaram com outras culturas e as
sementes foram subsidiadas, embora pudessem ter cultivado outra lavoura na área, além do
trabalho despendido. Desse modo, as dificuldades apontadas pelos agricultores e pela UNAIC
se relacionaram com as condições edafoclimáticas, as sementes, a limitação do conhecimento
e da pesquisa, o manejo, entre outras. Todavia, não nos deparamos com nenhum
questionamento sobre a estrutura e a execução do PNPB, ou seja, as avaliações pressupunham
que a política pública e seus objetivos eram viáveis e sólidas.
Assim, as atividades prosseguiram mesmo com a redução dos 346 produtores de
mamona para 13 e dos 50 agricultores, que cultivaram girassol, para 27 na safra 2007/2008.
Um dos dirigentes explicou que
[...] no nordeste, por exemplo, onde a mamona funciona, lugar onde tem muita
pobreza, qualquer 600 reais, 2.000 reais por hectare ano, o pessoal está satisfeito. Na
realidade, alguém fica muito contente quando consegue um trabalho e ganha 20, 30
reais por semana. Então, o pessoal aqui precisa ver isso, alguém vai plantar de novo,
mas a gente ouve muito que não vale a pena [...] mas para a atividade que ele [o
vizinho] tem ali, para ele não é vantajoso, como renda não. [...] dois mil e poucos
quilos a 60 centavos dá 1.200 reais, para ele é pouco, porque ele produz fumo ali, ele
faz muitos mil reais por ano (ED-2).
Como vimos anteriormente, a desistência não se limitou somente ao retorno
financeiro, já que o girassol
64
, por exemplo, despertou maior interesse dos agricultores do que
a mamona, pois poderia ser aproveitado como o milho, para alimentar a criação da
propriedade, o que não é possível com a mamona
65
. Visto que “todos que plantaram diziam a
mesma coisa, porque o milho se tu plantar, se tu ver que não te um retorno em grão, tu
64
Em uma das reuniões realizadas nas comunidades pela UNAIC, presenciamos alguns agricultores, que
passavam pela associação, diziam que se fosse sobre girassol se interessavam, mas sobre a mamona não. Ainda
outros agricultores entrevistados, os quais não cultivaram oleaginosas, demonstraram que poderiam plantar o
girassol para experimentar.
65
As folhas e as sementes da mamona são xicas. Para que seja empregada em ração, as substâncias nocivas
devem ser neutralizadas por um processo industrial ainda em desenvolvimento para permitir a viabilização
econômica e técnica (EMBRAPA, 2009).
113
aproveita para pasto, pros animais, e a mamona, exclusivo, para o óleo, porque nenhum
animal pode comer” (EA-17).
Apesar disso, os produtores entrevistados remanescentes consideraram satisfatória a
primeira safra e acreditaram que poderiam alcançar uma produtividade maior no segundo ano,
visto que estes não eram produtores de fumo e a renda da família provinha de diversos
cultivos ou atividades. Todavia, o inverno rigoroso não possibilitou averiguar suas
perspectivas.
Então, eu fiz para duas hectares, plantei, colhi, fiz a primeira colheita. A primeira
colheita não é muito bom, produz mais na segunda colheita. Eu colhi, mais ou
menos, em torno de 600 Kg por hectare no primeiro ano. No segundo ano que ele
produzia melhor, a geada matou. Aí, a geada matou reo [...]. Foi três meses de
geada cerrado, quase todos os dias. Então, antes não morria o mamoeiro com
geadas, então esse ano foi um ano brabíssimo e matou. Agora não sei, de repente,
então morreu e eu não plantei mais e aqueles pés que nasceram que tu viu nasceram
assim de sementes que ficou no solo mesmo (EA-2).
Eu não cheguei a colher metade que podia dar, e deu bem. Plantei menos de 1
hectare e não para se queixar. Se não fosse o mofo que deu, em milho eu não
tirava o que tirei na mamona. [...] Se a gente pensar que tem que tirar lucro tudo de
uma vez só, capaz de não sair. [...] Olha, nunca plantei o girassol, mas conforme vou
experimentar o girassol pra ver se produz. que eu acho que o girassol, aqui para
nós, as caturritas, as pombas, os passarinhos, estragam muito. A mamona, os bichos
não estragam (EA-12).
A fim de suprir a falta de mamona e girassol, como abordamos no Capítulo 2, a
UNAIC elaborou um relatório e apresentou uma proposta para fornecer soja procedente da
agricultura familiar para a empresa produtora de biodiesel. O menor custo, a sua abundância
na região e o cultivo/tecnologia totalmente dominado contribuíram para esse resultado.
Entretanto, Abramovay e Magalhães (2007) apontaram na sua análise sobre o Programa a
nível nacional que o predomínio da soja para a produção de biodiesel não representa novas
oportunidades de acesso a mercados para os agricultores familiares menos prósperos e nem
avanços ambientais expressivos.
Além do cultivo da soja ser responsável, em grande parte, pela degradação ambiental
de biomas brasileiros, outro fator relevante é a forma de cultivo das oleaginosas. O modelo de
produção atual emprega o uso intensivo de água nos processos de irrigação; causa o
assoreamento de muitos rios devido ao corte de vegetação as suas margens; aumenta o uso de
agro-químicos para obter uma maior rentabilidade por hectare e a dependência desses
insumos provenientes de combustíveis fósseis (GUNTHER, 2001; BELTRÃO, 2005).
114
[...] del triángulo con el que se representa en los libros de ecología la relación entre
clima, suelo e vegetación, se pretende controlar la evolución del primero,
difícilmente manipulable, mientras se cierran los ojos a las intervenciones que
diariamente se producen sobre el suelo y la vegetación. (NAREDO, 2001)
Portanto, não mecanismos do PNPB para direcionar e regular as práticas
empregadas na produção de oleaginosas com maiores ganhos ambientais, nem a UNAIC sob a
égide de agricultura sustentável promoveu avanços de comportamento entre os agricultores
familiares. Ao mesmo tempo, os objetivos e os resultados almejados principalmente pelo
Governo Federal em relação à geração de renda e emprego no campo foram incipientes.
Evidentemente, esses apontamentos correspondem ao breve período de implantação do PNPB
no município e, por isso, não permitem uma análise mais rigorosa, visto que a direção da
UNAIC admite que
[...] a gente está, como se diz, num laboratório, está aprendendo. A gente sabe que
tem esse custo inicial, nós estamos apostando que esse é um custo, que vai ter que
ter no início se nós entender que ela, as oleaginosas são importantes para a
agricultura familiar, vamos ter que ter esse custo, de aprender, de se adaptar, de ver a
melhor forma de aplicar entre os nossos agricultores.
Apesar da restrição em relação ao tempo e à inexperiência, podemos averiguar que o
PNPB também não privilegia maior independência e autonomia dos produtores, um dos
objetivos estabelecidos pela UNAIC. Ao contrário, o Estado aproveita a estrutura das
representações locais como extensão para a implementação da política e das regras do jogo
estabelecidas e as empresas reduzem seu custo de transação. Na realidade, Palumbo e
Nachmias
66
(1983 apud LONG, 2007) enfatizam que os formuladores de políticas,
normalmente, buscam apoio para as decisões e ações tomadas, que abarcam os interesses
dos envolvidos daquela política.
Abramovay e Magalhães (2007), por outro lado, inferem que o arranjo do Programa
é inédito devido à participação ativa das representações dos agricultores familiares na
formulação e na execução dos contratos e pelo enfoque regional da produção agrícola,
especialmente, nas regiões Norte e Nordeste. Contudo, o PNPB teve apoio incondicional
somente da CONTAG, que é uma organização historicamente atrelada ao Estado, tais como
Martins (1994) e Houtzager (2004) apontaram, e a diversificação da produção agrícola
regional foi ínfima na produção de biodiesel como notamos no subitem anterior.
66
PALUMBO, D.J; NACHMIAS, D. The pre-conditions for successful evaluation. Is there an ideal type? Policy
Sciences. [S.l], v. 16, p. 67-79, 1983.
115
No entanto, os responsáveis pela execução das políticas intervencionistas não
limitam suas percepções em relação à realidade ou ao problema definido pelo Estado ou pelas
entidades interventoras, pois
[…] las personas procesan sus propias experiencias de “proyectos” e “intervención”;
construyen su memoria de estas experiencias, y tienen en cuenta las experiencias de
otros grupos dentro de sus redes socioespaciales; es decir, pueden aprender de las
respuestas diferenciales, estrategias y experiencias de otros que están fuera de la
población designada o del programa de acción específico (LONG, 2007, p. 79).
Desse modo, técnicos e dirigentes da UNAIC realizaram visitas, em 2008, a
cooperativas de agricultores familiares, que produzem óleo vegetal e álcool, para conhecerem
as organizações e o processo de produção de biocombustível. Uma vez que a entidade
elaborou, após os resultados malogrados, um novo formato do programa de agroenergia e
encaminhou o projeto pelo Programa Territórios da Cidadania
67
para aquisição de um
equipamento para esmagar oleaginosas com a obtenção da torta e do óleo como expressa a
direção: “não está bom do jeito que a gente fez no ano passado. Então esse não é o fim, é o
começo, a gente quer chegar ao ponto de nós extrair aqui esse produto” (ED-7).
Esse novo
68
projeto pode indicar maior espaço de manobra e possibilitar o
fortalecimento da agricultura familiar, pois os produtos e subprodutos do processo de
prensagem de grãos podem ser empregados dentro da propriedade para alimentação dos
animais, adubo ou como combustível para os equipamentos agrícolas. Isso pode permitir a
menor mobilização dos recursos e dos produtores finais através dos mercados, além da
diversificação da produção agrícola.
Ademais, o envolvimento no PNPB promoveu a UNAIC para uma posição política
privilegiada (coordenação) dentro de um campo de disputa de representatividade dos
agricultores familiares. Uma vez que a legitimação de seu papel também depende do
reconhecimento de agentes externos em outros espaços institucionais que circulam, pois “o
grupo prático, virtual, ignorado, negado, se torna visível, manifesto, para os outros grupos e
67
A “Zona Sul do Rio Grande do Sul” constitui um dos 60 territórios do Programa Territórios da Cidadania
lançado pelo Governo Federal em 2008. É “um programa de desenvolvimento regional sustentável e garantia de
direitos sociais voltado às regiões do país que mais precisam, com objetivo de levar o desenvolvimento
econômico e universalizar os programas sicos de cidadania. Trabalha com base na integração das ações do
Governo Federal e dos governos estaduais e municipais, em um plano desenvolvido em cada território, com a
participação da sociedade” (BRASIL, 2008c).
68
Esse projeto pode ser considerado “novo” em relação às atividades desenvolvidas da UNAIC, porém a
estrutura da proposta vem sendo discutida desde o início do PNPB pelo MPA e pela FETRAF (como tratamos
no Capítulo 2).
116
para ele próprio, atestando assim a sua existência como grupo conhecido e reconhecido”
(BOURDIEU, 1989, p. 118).
[...] a gente conseguiu ampliar, por exemplo, a UNAIC atuava em quatro municípios
aqui na região, hoje atua em trinta em função dos bicombustíveis. São agricultores
de trinta municípios que nos conhecem, que se relacionam conosco, e não se
relacionam com bicombustível já. Eles passaram a negociar o feijão, o milho
conosco aqui em função do técnico estar na propriedade, está indo lá, visitando,
falando, levando o folder da UNAIC, mostrando o trabalho que a gente desenvolve.
Então, a gente começou a ter, esse é outra coisa, ou bem ou mal, estamos sendo a
entidade ou uma das entidades que tem maior acúmulo já, de experiência de
bicombustível na agricultura familiar. [...] A gente já tinha relações com o governo
em função da produção de alimentos, em função do projeto, da proposta da UNAIC
para a agricultura familiar com algumas áreas do governo, isso a gente tinha e
agora mais com a área de bicombustível. Claro que isso também é importante para a
UNAIC porque nos coloca um pouco na vitrine, claro que isso é importante quando
tu vai buscar projetos, o fato de ser uma entidade credibilizada já, com
conhecimento acumulado, de confiabilidade isso ajuda também (ED-7).
Compreendemos que essa projeção obtida pela UNAIC ocorreu não somente pela
maior aproximação com o Governo Federal, mas também junto aos próprios agricultores
familiares da região. Isso permitiu aumentar sua base de sustentação e impulsionar suas
atividades comerciais. Ainda o acúmulo de experiências ocasionado pela representação e pela
coordenação da categoria na região do PNPB proporcionou convites para a participação de
eventos sobre o biocombustíveis e inúmeras reportagens encontradas nos meios de
comunicação, o que também poderá engendrar outras parcerias. Não podemos deixar de
destacar que a ênfase governamental e a atualidade do tema contribuíram para esse quadro.
Portanto, o crescimento e a posição ocupada pela UNAIC dentro do cenário regional
podem ser estratégicos para confrontar e propor opções para a agricultura familiar em espaços
de debates e de decisão ou mesmo impulsionar suas atividades desenvolvidas. No entanto,
salientamos que sua iniciativa ainda se vincula ao Estado, o que pode representar sua
dependência e não uma parceria e interação entre o público e o privado (HENRIQUES, 2001).
Isso pode repercutir no afastamento entre a entidade e as demandas dos seus associados, o que
pode comprometer os próprios objetivos da entidade e esvaziar seus valores promulgados, que
são fundamentais para fortalecer as formas de cooperação local e a própria categoria.
117
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo, propomo-nos a tecer algumas breves considerações finais a partir do
objetivo definido pelo estudo, ou seja, analisar as ações e os valores defendidos pela UNAIC
para fortalecer e desenvolver a agricultura familiar, principalmente, para seus associados no
município de Canguçu. Ressaltamos que algumas análises foram realizadas ao longo do
trabalho, entretanto consideramos imprescindível resgatá-las e complementá-las quando
necessário.
Também recordamos que os apontamentos elaborados se restringem ao objeto
investigado, uma vez que o delineamento da pesquisa foi o estudo de caso, o qual não almeja
realizar amostragem ou generalização estatística. No entanto, pode colaborar para a discussão
ou expansão do referencial teórico a longo prazo, além de apreendermos a trajetória e a
dinâmica de uma entidade emergente entre os próprios agricultores familiares, a qual se
manteve e expandiu sua atuação em diversas áreas e espaços sociais no decorrer de vinte
anos.
No primeiro momento, a fundação e a existência de uma União de Associações de
agricultores familiares pode soar como evidente, que Canguçu abriga mais de 9.000
propriedades familiares. Todavia, esse número o demonstra que a formação da “pequena”
agricultura, a qual consagra o município como a “Capital Nacional da Agricultura Familiar”,
segundo sua Prefeitura Municipal, derivou de um processo de povoamento altamente
excludente.
O espaço do atual município concentrava-se nas mãos de grandes estancieiros e o
acesso a terra foi negada para a população pobre e livre. para os imigrantes, destinaram
áreas de menor valor e importância (área de floresta), pois os campos pertenciam aos grandes
proprietários para a criação extensiva de gado para o abastecimento das charqueadas
localizadas em Pelotas.
Ademais, com as crises constantes do charque, as famílias mais abastadas se
dirigiram para outras localidades em busca de melhores terras, uma vez que o relevo
acidentado em grande parte da extensão do município não era propicia para a pecuária.
Assim, a população remanescente era aquela que não possuía condições econômicas e
enfrentava diversas restrições para manter sua família, visto que o parcelamento dos lotes
reduzia cada vez mais a possibilidade de sua reprodução social, o que observamos até os dias
atuais.
118
Isso restringiu ainda a formação do mercado consumidor local, o qual não
possibilitou condições de impulsionar o desenvolvimento de bens manufaturados ou possíveis
vocações, pois a economia de Canguçu se limitou ao setor agropecuário com a produção de
matérias-primas para abastecer o mercado externo, sobretudo para Pelotas. Esse atrelamento
condicionou o município às oscilações das demandas com pouco espaço de manobra, o que
contribuiu para sua dependência econômica e fragilidade social, que ainda persistem.
Esses fatores impulsionaram o êxodo da população, não somente rural, que buscou
oportunidades nos pólos urbanos em ascensão no estado e nas fronteiras agrícolas em outras
regiões brasileiras nos últimos trinta anos. Outros fatores, como a modernização conservadora
da agricultura, também agravaram esse quadro.
Assim, a constituição de uma entidade, que abrigou diversos grupos das
comunidades rurais em um município “acanhado”, representou uma possibilidade, não
somente econômica, mas também política e social naquele momento. Sua confrontação com o
poder público local indicou, além de uma mobilização de contestação devido às intervenções
políticas, uma proposta de caminhos para aqueles agricultores. Portanto, suas ações e seus
valores foram construídos e conduzidos com o propósito de serem autônomos e alternativos.
Tendo em vista essas noções juntamente com a ênfase na valorização do
conhecimento, das práticas e do próprio agricultor estabelecida pela UNAIC, nos
aproximamos da abordagem de desenvolvimento endógeno de Ploeg e Saccomandi (1995),
para aportar nossa análise e compreensão daquela realidade. Já que os autores enfatizam a
importância dos recursos e das habilidades locais para revitalizar perspectivas e impulsionar
ligações com o “mundo externo” sem estabelecer uma acepção dicotômica.
Esse olhar nos permitiu averiguar que a constituição e o reconhecimento da
agricultura familiar como categoria institucional potencializaram as atividades da UNAIC, as
quais vinham sendo desenvolvidas desde sua fundação em 1988, principalmente, a
comercialização e o beneficiamento de milho e feijão. Isso ocorreu por meio do acesso a
políticas públicas e da visibilidade na sociedade, o que se manifestou com a formação de
parcerias com diversas organizações após 1997. Ademais, a adoção da dimensão ambiental a
partir dos debates contemporâneos e dos direcionamentos do Estado permitiu uma releitura de
suas ações e seus objetivos, especialmente, para a produção de sementes crioulas, o que abriu
novos horizontes para a entidade.
Agora, sob a égide da agricultura sustentável, notamos que autonomia e alternativa
não se restringiam mais o afronte ao poder público local e nem exclusivamente à agregação de
valor da produção dos associados, pois outras interpretações emergiram. Apreendemos que
119
autonomia e alternativa se referiam a uma posição contrária ao modelo da modernização
conservadora da agricultura, à expansão do cultivo do fumo, às sementes transgênicas, por
exemplo, o que representavam menores impactos no ambiente e, ao mesmo tempo, menor
dependência à tecnologia e aos mercados pelos agricultores familiares.
Esses propósitos indicam o fortalecimento e o desenvolvimento da agricultura
familiar, pois a menor vinculação aos mercados permite uma flexibilização para os produtores
se ajustarem às mudanças globais do contexto econômico-político. No entanto, deparamo-nos
com certo grau de descolamento dos princípios norteadores e das perspectivas da UNAIC em
relação aos seus associados.
Apesar da UNAIC representar uma opção para a venda dos grãos ou para acessar
mercados institucionais antes inacessíveis aos agricultores, o aumento do cultivo do fumo, a
freqüência das secas na região e a redução das áreas de milho e de feijão colaboraram para
que a sua principal atividade comercial não ter sido tão destacada pelos associados. Desse
modo, a comercialização de grãos não se revelou como o grande diferencial para eles como
ocorreu no passado. Ao contrário, a entidade necessitava mais da produção de matéria-prima
dos agricultores familiares para prosseguir com suas atividades.
Ao mesmo tempo, a ênfase dada para a diversificação da produção ou a conversão
dos modelos de produção agrícola em direção à orgânica e/ou à agroecológica ainda
permanecem apenas como incentivos. Uma parte dos entrevistados não vislumbrava como um
caminho para alcançar uma renda suficiente à família. outros interlocutores mais próximos
aos valores da entidade não usufruíam da estrutura organizacional para escoar a produção,
pois mantinham relações com diferentes associações, cooperativas e empresas.
Por outro lado, identificamos que a produção de sementes crioulas era considerada
pelos associados como atividade tangível para o seu fortalecimento e a sua independência.
Reconheceram sua dependência em relação às sementes híbridas, pois expressaram que não
encontravam outras opções no comércio convencional e a conservação das sementes crioulas
possibilitava um resgate da diversidade existente quando eram jovens. Ademais, as parcerias
firmadas, principalmente com a EMBRAPA e o MDA, forneciam maior aporte para a
UNAIC. Dessa forma, o resgate e a conservação das sementes crioulas os aproximavam da
entidade, visto que os significados e os benefícios auferidos perpassavam suas realidades.
Essa interação é fundamental, não somente, para justificar a existência ou reforçar a
base de apoio da UNAIC, mas também para construir e defender vínculos sociais, que
ultrapassem as relações de intercâmbios que abrangem, exclusivamente, valores materiais. A
predominância de práticas de intercâmbio contribui para a fragilidade das organizações
120
formais dos agricultores familiares, pois resulta na disputa e na exploração entre as próprias
pessoas, o que reforça e marginaliza ainda mais os associados diante das condições limitantes
que convivem.
Portanto, as relações de reciprocidade, que também se expressam por meio de ajuda
mútua, comprometimento, solidariedade e sentimento de pertencimento, devem ser
reconstruídas para que sejam asseguradas continuamente, pois notamos que esses laços foram
se perdendo entre os agricultores no decorrer do tempo. Além disso, identificamos, durante as
entrevistas com os fundadores ou os associados mais antigos e também nos registros das
antigas atas de assembléias, que a fundação e a estabilidade da UNAIC representaram uma
coesão de relações e práticas entre aqueles agricultores, que abrangeram valores humanos, e
não, simplesmente, interesses econômicos e produtivistas.
No entanto, ao analisarmos suas novas iniciativas e projetos, principalmente, a
representação dos agricultores familiares no PNPB, verificamos que houve somente o
predomínio de prestações mercantis. Apesar da UNAIC enfatizar e adotar a acepção de
agricultura sustentável como orientação, o modelo da modernização conservadora da
agricultura está enraizado na estrutura e nos resultados do Programa, que não trouxeram
resultados proeminentes, até o momento, para a agricultura familiar ou ao meio ambiente.
Ainda não identificamos em que medida a atividade poderia promover autonomia e
alternativa, pois o Governo buscou entidades para descentralizar a execução de tarefas por
mais que estivesse sob o discurso de participação e valorização das potencialidades locais.
Evidentemente que a projeção e o reconhecimento da entidade em diversos espaços
sociais promovidos pelo PNPB poderão dinamizar e reforçar a UNAIC, o que não implica em
repercussões diretas para os agricultores familiares. Isso poderá ser analisado futuramente
para averiguar de que forma essas relações, cada vez mais presentes, entre o Estado e a
UNAIC permitirão maior fortalecimento e aproximação com seus associados e promoverão
ações e pensamentos, realmente autônomos com a constituição de verdadeiras parcerias entre
público e terceiro setor.
Novamente ressaltamos que esta dissertação, com suas análises e apontamentos, não
objetiva retirar as virtualidades do trabalho da UNAIC, que emergiu entre os próprios
agricultores familiares, se organizou e afirmou em diversos espaços. Ao contrário, suas
iniciativas e propostas permeiam de alguma forma a construção de ações coletivas mais
amplas. Ademais, os agricultores familiares dependem de alianças com a UNAIC ou outras
organizações para reconhecer e legitimar suas demandas.
121
Por fim, destacamos duas principais limitações da pesquisa. A primeira limitação
refere-se aos dados e às informações detalhados sobre a produção da UNAIC no decorrer dos
últimos anos, o que poderia propiciar um panorama mais elucidativo sobre suas
transformações e um comparativo com o setor de grãos. Infelizmente, a ausência de registros
não permitiu aprofundar a análise que poderia ter trazido outros elementos sobre a sua
importância para a agricultura familiar.
A segunda limitação refere-se ao público entrevistado, que foram os agricultores
familiares com alguma relação com a UNAIC, principalmente seus associados, seus dirigentes
e ex-fundadores como expusemos na metodologia. Apesar de algumas entrevistas informais
terem sido realizada com outros interlocutores, sobretudo no município, acreditamos que
entrevistas com agricultores que não possuíam nenhuma vinculação com a entidade e ao
mesmo tempo, outras instituições, organizações e empresas que se relacionavam diretamente
com a UNAIC poderiam ter apresentado subsídios complementares para a discussão.
122
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Editora da UNIJUÍ, 2002.
133
APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA OS AGRICULTORES
FAMILIARES
Código: ______
I. Informações iniciais
- Nome:
- Idade:
- Escolaridade:
- Local de origem e trajetória familiar
- Já pensou em sair do meio rural ou abandonar a atividade agropecuária?
- O que destaca na vida no campo (aspectos positivos e negativos)?
II. Propriedade e atividades
- Localização da propriedade no município (região)
- Histórico das atividades desenvolvidas na propriedade.
- Arrendatário/parceria/ proprietário. Tamanho da propriedade.
- Fontes de recursos da família (benefícios sociais, pluriatividade)
- Mão de obra familiar e/ou trabalho assalariado. Em que período
- Mecanização e aquisição de insumos
- Acesso ao PRONAF
- Assistência técnica
III. Associação
- Realiza mutirão e/ou troca de dias?
- Formas de organização social que participa ou participou (sindicato, associação
comunitária, cooperativas, ONG, clube de futebol). Quanto tempo?
- Qual é o papel de uma associação?
- E qual a importância e as dificuldades enfrentadas pela sua associação?
- Por que se associou?
- Quais as atividades desenvolvidas pela sua associação?
- O senhor faz (ou fez) parte da direção? Quanto tempo?
IV. Interação com UNAIC
- Sua associação faz parte da UNAIC? Quanto tempo?
-Por que se associaram ou não a UNAIC? Benefícios e dificuldades. Qual (is)?
134
- Possui relação comercial (compra ou venda). Por quê?
- Quais as atividades, projetos, eventos realizados pela UNAIC, que o senhor lembra ou acha
mais importante? Como o senhor fica sabendo dessas atividades?
- Considera importante a UNAIC para o município e para os agricultores familiares? Por quê?
- Além disso, a UNAIC defende uma agricultura sustentável”? O que o senhor entende por
isso?
V. Sementes crioulas (somente para produtores de sementes da UNAIC)
- Quanto tempo cultiva sementes crioulas? Sempre para a Unaic?
- O senhor cultivaria sementes para outra organização/instituição?
- Qual o tamanho da área?
- Por que optou em cultivar sementes?
- Há dificuldades para a produção de sementes? Quais?
VI. PNPB
- Como o senhor tomou conhecimento sobre o cultivo de oleaginosas e o biodiesel?
- Participou de alguma reunião ou recebeu alguma visita para cultivar oleaginosa. Como foi?
- Por que decidiu optar ou não em plantar essa (s) oleaginosa (s)
VII. Cultivo de oleaginosas (para os agricultores que plantam ou plantaram)
- O que plantava ou o que tinha nessa área de oleaginosa antes?
- Qual o tamanho da área para o cultivo de oleaginosa?
- Possui assistência técnica e garantia de preço para produção de oleaginosas?
- Quais oportunidades e dificuldades enfrentadas (assistência técnica, doenças, colheita e
logística)
- Conseguiu obter alguma renda? Houve prejuízo financeiro com os cultivos?
- Há alguma possibilidade de plantar novamente? Qual (is)?
VIII. Desenvolvimento
- O que considera importante para fortalecer a agricultura familiar?
- O que precisa para melhorar o município?
- O que o senhor pensa ou deseja para o futuro?
135
APÊNDICE B - ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA A DIREÇÃO E EX-
DIRIGENTES DA UNAIC
Código: ______
I. Dados e trajetória pessoais
- Nome:
- Associação:
- Histórico pessoal
- Atividades desenvolvidas e função atual
- Quanto tempo participa da UNAIC como associado e direção?
II. Participação na direção
- Histórico da sua participação na UNAIC
- Quais eram as dificuldades/conflitos e oportunidades durante sua direção.
- Por que o senhor quis ou aceitou participar da direção?
- Quais as dificuldades pessoais em participar da direção?
III. Procedimentos
- Como é a formação de chapa da direção da UNAIC
- De que forma são definidas as regras e normas estabelecidas pela UNAIC?
- Como é elaborada a pauta da assembléia?
- Como os temas são levantados, discutidos, deliberados e encaminhados na reunião da
direção?
- planos de trabalho discutidos com as comunidades/associação antes das reuniões ou
assembléias?
- As questões discutidas nas reuniões são compartilhadas com os associados? Como?
IV. Formas de interação com os agricultores familiares
- Quais critérios para participação das associações na UNAIC?
- De que forma os associados participam da UNAIC?
- As comunidades rurais participam efetivamente desse processo ou apenas as lideranças?
- O que poderia ser mudado para melhorar a atuação dos associados?
- Como o senhor descreveria as demandas dos associados antigamente e hoje?
- Como o senhor caracterizaria, de forma geral, o associado da UNAIC?
136
- Qual a importância da UNAIC para o associado?
V. Formas de interação com instituições e representação
- Como é a relação com o governo (federal, estadual e municipal) e suas instituições?
- Quais trabalhos ou projetos são realizados com outras organizações/movimentos de
agricultores familiares no município?
- Vocês possuem parcerias com instituições de outros municípios? Qual é o objetivo? Quais
oportunidades e dificuldades?
- A UNAIC participa e representa os agricultores familiares em quais espaços institucionais?
Qual a importância e a dificuldade?
VI. Estratégias
- Quais as dificuldades e a importância das atividades produtivas e projetos desenvolvidos
pela UNAIC?
- A UNAIC defende uma agricultura sustentável. O que é agricultura sustentável?
- Por que se optou por essa defesa? Quais oportunidades e dificuldades?
VII. PNPB
- Por que a UNAIC decidiu participar do programa de produção de oleaginosas?
- Qual (is) dificuldade (s) e oportunidade (s) apresentada (s) na implementação do programa
em nível local?
- Qual é a avaliação dessa experiência? Por quê?
- O que está sendo planejado (e executado) para superar os problemas apresentados?
- Acredita que os agricultores irão aderir a nova proposta?
VIII. Projeto futuro
- Qual sua avaliação, em forma geral, das políticas públicas para a agricultura familiar?
- O que precisa para melhorar o município?
- Qual a situação ideal que o senhor acha que a UNAIC deveria alcançar.
137
ANEXO A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO
Pesquisadora-Mestranda: Sandra A. Kitakawa Lima. Contato: (51) 8165-1110. E-mail:
Professor orientador: Dr. Eduardo E. Filippi
Consentimento Livre Esclarecido
69
(participação nas entrevistas)
Como pesquisadora deste projeto, convido o(a) senhor(a) para participar de uma
entrevista individual, a ser gravada em áudio, estimando que a duração da mesma seja em
torno de 30 a 50 minutos. O objetivo da pesquisa é contribuir para o desenvolvimento rural,
pressupondo que os resultados deste estudo possam ser válidos para analisar a implementação
de uma política pública, que tem como um dos objetivos a geração de renda e emprego no
campo para o fortalecimento da agricultura familiar.
Esta iniciativa faz parte da elaboração de minha dissertação de mestrado, que é
requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Desenvolvimento Rural da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul/RS.
Confirmo o caráter confidencial da entrevista e o compromisso de preservar o seu
anonimato quanto às informações concedidas. Após transcrição, o(a) senhor(a) será
consultado(a) sobre quais informações concedidas poderão constar no Relatório da Pesquisa
com a sua concordância.
Coloco-me à disposição para esclarecimentos adicionais que se fizerem necessários,
mesmo após a entrevista, cujas formas de contato constam acima.
Local/ Data:
____________________ ___________________
Prof. Dr. Eduardo E. Filippi Sandra A Kitakawa Lima
Pesq. Responsável/Orientador Pesquisadora-Mestranda
_________________________
Participante
69
Elaborado de acordo com a resolução 196/96 do CONEP/ MS, Brasil (2002). Duas vias (uma destinada ao
participante e a outra aos pesquisadores)
138
ANEXO B - PRODUÇÃO DE FUMO NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
ENTRE OS PERÍODOS DE 1998-2000 E 2004-2006
Fonte: Atlas sócio-econômico Rio Grande do Sul. Adaptado pela autora.
Canguçu
Canguçu
139
ANEXO C- PRIMEIRA PÁGINA DO ESTATUTO DA UNAIC
Livros Grátis
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