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GELCI MARIA UNSER
MULHER: DE VÍTIMA A DISCÍPULA DE JESUS.
PASSAGEM DE UMA CONDIÇÃO DE VIOLÊNCIA DE
GÊNERO PARA CONDIÇÃO DE DISCÍPULA E
MISSIONÁRIA CRIS
Dissertão apresentada ao
Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Teologia, da Ponticia
Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em
Teologia, na Área de Concentrão
em Teologia Sistemática.
Orientador: Prof. Dr. Luís Carlos
Susin
Porto Alegre
2009
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GELCI MARIA UNSER
MULHER: DE VÍTIMA A DISCÍPULA DE JESUS.
PASSAGEM DE UMA CONDIÇÃO DE VIOLÊNCIA DE
GÊNERO PARA CONDIÇÃO DE DISCÍPULA E
MISSIONÁRIA CRIS
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Teologia, da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em
Teologia, na Área de Concentração
em Teologia Sistemática.
Orientador: Prof.Dr Luís Carlos
Susin
Aprovada em ______ de agosto, pela Comissão Examinadora
COMISSÃO EXAMINADORA
____________________________________
Orientador: Prof. Dr Luís Carlos Susin
____________________________________
Examinador: Prof. Dr. Ramiro Mincato
_____________________________________
Examinadora: Profª. Drª. Lucia Weiler
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AGRADECIMENTOS
A Deus, pela vida e inspiração.
A Moema Muricy e a Vera Lucia Calgaroto , pela compreensão e pelo apoio.
Ao Prof. Dr. Luís Carlos Susin pelo acompanhamento e disponibilidade em
orientar a dissertação,
Ao Prof. Dr. Leomar Antônio Brustolin, Coordenador da Pós-Graduação em
Teologia, gratidão pelo estímulo e apoio dado a esta pesquisa,
Aos demais professores da Pós-Graduação em Teologia que colaboraram
para me ajudar a crescer na ação de refletir.
Ao CAPES pela bolsa concedida que nos possibilitou a realização desta
dissertação.
RESUMO
“Mulher: de vítima a discípula de Jesus. Passagem de uma condição de
violência de gênero para condição de discípula e missionária cristã” é uma
dissertação de Mestrado, Área de Teologia Sistemática, cuja pesquisa pretende
explicar a problemática da conformidade da mulher ou sua capacidade e força de
luta para o enfrentamento e superação das situações de violência sofrida em todas
as áreas e de diversas formas. O processo de conscientização da mulher sobre essa
realidade, pode levar à resistência e à compreensão do seu lugar na sociedade,
produzindo mudança nas relações sociais e a integração social da mulher. Esta
dissertação examina, em paralelo com a situação presente, a condição da mulher no
tempo de Jesus e o que significou a intervenção de Jesus em suas vidas, sendo a fé
cristã o caminho para sua libertação. O seguimento de Jesus liberta a mulher que
passa de vítima à discípula e missionária cristã, exercendo liderança na
comunidade.
Palavra - chave: Mulher. Vítima. Violência. Gênero. Discípula. Missionária.
ABSTRAC
Woman: from a victim to a Jesus Christ´s disciple. There was a change in the
violence condition related to genre into disciple as well as Christian missionary” is a
Masters dissertation, in the Systematic Theology Area, that aims to explain the issue
concerning to woman´s acceptance or her ability to fight in order to face and solve
many violent situations suffered in all areas and in many ways. Woman´s awareness
process about this kind of reality can lead to resistance and understanding of her
position in the society, that has trigged many changes in social relationships and
woman´s social integration. This dissertation examines, simultaniously to the present
situation, woman´s condition in Jesus Christ time and what was his intervention in her
lives, being Christian faith a way to freedom. Following Jesus Christ is a way to make
woman free, transforming her situation from victim to a disciple as well as christian
missionary, being a leader in the community.
Key-words: Woman. Victim. Violence. Disciple. Missionary.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................... 7
1. A MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA.............................................................. 9
1.1 ESTADO ATUAL DA QUESTÃO DE VIONCIA DE GÊNERO .................. 19
1.2 HISRICO DA VIONCIA ..................................................................... 34
1.3 DADOS ESTASTICOS DE VIONCIA QUE AFETAM O BRASIL E O
MUNDO ................................................................................................... 43
2. A PROPOSTA CRISTÃ: DE TIMA A DISPULA E MISSIORIA .......... 47
2.1 MULHER NA HISTÓRIA DE ISRAEL ............................................................. 47
2.2 MULHERES SEGUIDORAS DE JESUS...................................................... 59
2.2.1 As mulheres no Evangelho de Marcos .................................................... 61
2.2.2 As mulheres no Evangelho de Mateus .................................................... 69
2.2.3 As mulheres no Evangelho de Lucas ....................................................... 69
2.2.4 As mulheres no Evangelho de João......................................................... 70
2.2.4.1 A Mulher Maria Madalena .................................................................... 71
2.2.4.2 A Mulher Samaritana. ........................................................................... 72
2.3 MULHERES LÍDERES DE COMUNIDADES CRISTÃS ............................... 74
3. DISPULAS E MISSIORIAS: UM CAMINHO PEDAGICO................ 85
3.1 A PALAVRA DA IGREJA.....................................................................................85
3.1.1 Jo Paulo II: A dignidade e a vocão da mulher .................................. 85
3.1.2 Magistério Latinoamericano .................................................................... 90
3.1.2.1 Documento de Puebla ......................................................................... 90
3.1.2.2 Documento de Aparecida...................................................................... 92
3.2 A MULHER NA IGREJA ....................................................................................94
CONCLUSÃO ................................................................................................ 114
REFERÊNCIAS . ............................................................................................ 117
INTRODUÇÃO
As mulheres vivenciam diariamente a opressão e a violência, experienciadas
de diferentes formas, dependendo do lugar social em que se encontram. Elas podem
ser oprimidas em razão de seu gênero, de sua raça, de seu status socieconômico,
de sua idade, de sua aparência, de sua orientação sexual, de seu estado civil, de
sua filiação religiosa, de sua filiação partidária, de seu nível de escolarização, do
número de filhos, do local onde reside, do estado de saúde e tantos outros. E
sempre que uma mulher está sendo oprimida tem por traz um indivíduo ou um grupo
se beneficiando com essa opressão. Os dados sobre a violência indicam que em
70% dos casos, o agressor é o próprio marido ou companheiro da vítima e a
agressão ocorre dentro de casa. Dados recentes da Sociedade Mundial de
Vitimologia indicam que 23% das mulheres brasileiras estão sujeitas à violência
doméstica, sendo que 41% dos homens que espancam suas mulheres, também são
violentos com os seus filhos. Um terço das crianças que sofrem violência também
vão reproduzir esse ciclo no futuro. Ainda 95% das timas de violência sexual são
mulheres, 75% destas possuem menos de 30 anos de idade. Destas mulheres 65%
a 80% conhecem seus agressores e em dois terços dos casos as agressões
ocorrem no domicílio das vítimas ou em lugares considerados seguros. Os
agressores são homens com vida sexual normal em 60% dos casos.
A dissertação A mulher de vítima a discípula de Jesus: passagem de uma
condição de violência de gênero para uma condição de discípula e missionária
cristã se propõe a explicitar essa problemática e buscar elementos teóricos que
possibilitem compreender melhor essa realidade.
Por que a mulher não reage diante da violência? Quais as causas
manifestas dessa acomodação?
A vivência da fé cristã pode ser caminho de libertação para a
mulher, abrindo possibilidades para a conscientização,
resistência, mudança nas relações sociais e integração na
sociedade?
Para discutir a temática, a dissertação consta de três capítulos:
8
No primeiro capítulo apresenta a mulher como vítima de violência, o estado
atual de violência de gênero e o histórico da violência e algumas estatísticas de
violência do mundo e do Brasil. As mulheres usuárias de instituições de serviços
sociais com freqüência internalizam sua própria opressão e consideram sua situação
de vida, ou seja, a violência a qual são submetidas como resultado de seu próprio
agir e não produto de forças da estrutura social onde estão inseridas. Isso resulta em
aceitar o sofrimento e as diversas formas de violência com peso de culpabilidade e
resignação.
No segundo capítulo é apresentada a proposta cristã da transformação
libertadora da mulher, passando de vítima à discípula e missionária cristã, como
líderes da comunidade, como mulheres seguidoras de Jesus, também o papel da
mulher na comunidade de Israel.
O terceiro capítulo aborda a construção do caminho pedagógico da discípula
e missionária, através da Palavra e do enfoque dado na Carta Apostólica de João
Paulo II Mulieris Dignitatis e nos documentos Latinos- americanos de Puebla e de
Aparecida e finaliza com a mulher na Igreja numa visão crítica.
As mulheres na América Latina, além dos cuidados com a casa,
desempenham um papel muito importante nas suas comunidades. Nos movimentos
populares se percebe uma participação expressiva de mulheres. Elas criam
maneiras novas de lidar com os problemas tais como da pobreza e fome e,
principalmente com a violência. Por exemplo, “através de sopões”, compra
compartilhada de alimentos, cooperativas de alimentos, cultivo comunitário e outras
tantas maneiras que elas encontram para amenizar e vencer a pobreza e a fome de
pessoas de suas comunidades. Muitas já conseguem encontrar alternativas em
relação à violência que sofrem como denuncia aos órgãos competentes: Delegacias
de Mulheres e outros.
Possa a reflexão proposta, nessa dissertação, contribuir para ajudar a afirmar
o valor da mulher na sociedade e a sua conscientização. A resistência fortalece a
mulher e ativa o seu processo de conscientização, pois ela passa a compreender o
seu lugar na sociedade e se esforça para mudar as relações sociais. Esse processo
leva a mulher a perceber sua situação não como resultado da sua fraqueza, mas
como condicionamento social que necessita ser superado pela sua resistência e
integração participativa na sociedade.
1 MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA
A mulher é vítima de violência desde a hora que nasce até no momento da
morte, umas sofrem mais outras menos, mas em geral, todas sofrem. Neste primeiro
capitulo vamos apresentar algo sobre o que é violência, como e onde ela ocorre e
algumas conseqüências decorridas desta violência.
Conforme Alzira Gomes Machado “a violência contra a mulher é um fato que
se arrasta ao longo da história da humanidade. Porém não para permitir que
continue se alastrando sempre mais”.
1
A violência contra a mulher tem ligação com todos os atos de violência na
sociedade que ocorrem entre os poderosos e os desprovidos de poder, entre os
dominantes e os dominados. A raiz de toda a violência em especial contra a mulher,
são as regras hierárquicas e a autoridade coercitiva. Os esforços individuais das
mulheres submetidas à violência, principalmente a violência conjugal, devem estar
conectados ao esforço coletivo de transformar as estruturas maiores que perpetuam
e perdoam a violência contra a mulher.
Assim, podemos definir a violência como sendo “força, ação ou tratamento
rude ou lesivo”
2
segundo M. Shawn Copeland. Para esse autor a violência tem o
objetivo de restringir, limitar e impedir o exercício e a realização da liberdade que é
essencial a uma pessoa humana. Ele ainda diz que “a violência visa obliterar a
liberdade fundamental ou determinação ativa e dinâmica do eu por parte do sujeito
humano”
3
e nesse caso a mulher que sofre a violência. Em mulheres que sofreram a
violência, como o abuso ou espancamento, ela destrói não o corpo, mas também
o espírito, isto é, destrói a pessoa por completo, por dentro e por fora.
Uma das causas da violência contra a mulher é o conjunto de idéias. Este
acaba causando a violência contra as mulheres e segundo Machado é muito
arraigada a idéia de que os homens devem controlar a vida das mulheres. Ela diz
1
MACHADO, Alzira G. Violência contra a mulher: uma hermeneutica de João 7,53-8,11. In Estudos Bíblicos.
Petrópolis: Vozes, v. 96, 2007, p. 30.
2
COPELAND, M. Shawn. Reflexões editoriais. In Concílium nº 252, 1994/2, p. 321
3
COPELAND, M. Shawn. Reflexões editoriais. In Concílium nº 252, 1994/2, p. 321
10
que uma noção criminosa de que a honra dos homens deve ser lavada com o
sangue da mulher considerada infiel.
4
A violência está presente em todos os lugares e de várias formas. Ela está
onipresente. Para começar, as “necessidades básicas não garantidas constituem
uma relação de violência”,
5
conforme o que nos diz Schiele. Tanto Schiele quanto
Copeland
6
consideram que a violência contra a mulher impregna todos os setores da
vida de uma mulher, pois em seu próprio lar bem como na vida pública, a mulher
está sujeita a molestamentos e a abuso físico, psicológico, emocional e mental e
corre perigo de vida. Assim, muitas mulheres tanto individual quanto coletivamente
vivem diariamente com o medo da violência. conforme Fiorenza, a violência “não
se limita a uma classe específica, a uma área geográfica determinada ou a um
determinado tipo de pessoas. Ao contrário atravessa as diferenças sociais e os
limites de status”.
7
Em geral, todos os tipos de mulheres, infelizmente, sofrem a
violência em função do sexo. Aqui podemos citar vários tipos de mulheres tais como:
brancas, negras, ricas, pobres, jovens, velhas, profissionais, iletradas, religiosas,
seculares, urbanas ou rurais, enfim, mulheres de todas as classes, raças e etnias
sofrem de alguma forma a violência.
É interessante observar como persistem as diversas formas de violência por
mais que este estigma seja ocultado e de forma muito vergonhosa até mesmo por
aquelas que padecem a violência. Essa realidade não pode ser quantificada, pois,
ela se de diversas formas tais como: “violência física, psíquica, moral e sexual, e
as mulheres a sofrem com sentimentos de vergonha e culpabilidade. Isto as
atormenta e lesa duplamente, de maneira que os maus-tratos, vexações e
humilhações se mantêm em segredo”
8
como nos revela Felisa Elizondo. Além disso,
ainda podem ser considerados como fatos do âmbito privado.
O sofrimento em silêncio da mulher manifesta o medo do agressor, a
vergonha de sua situação por não ter coragem de romper com o ciclo de agressões,
o medo de se expor e de ser vista pelos outros como fraca.
4
Cf. MACHADO, Alzira G. Violencia contra a mulher: Uma hermeneutica de João 7,53-8,11. In Estudos
Bíblicos. Petrópolis: Vozes, v. 96, 2007, p. 31.
5
SCHIELE, Beatrix. Violência e Justiça. In Concílium 252, 1994/ 2, p. 219
6
Cf. COPELAND, M. Shawn. Reflexões editoriais. In Concílium nº 252, 1994/2, p. 321
7
FIORENZA, Elisabeth S. Violência contra a mulher. in Concilium 252, 1994/2 p. 163.
8
ELIZONDO, Felisa. Violência contra as mulheres: estratégias de resistência e fontes de cura a partir do
cristianismo. in Concílium nº 252, 1994/2 p. 298.
11
A violência de gênero na sociedade passa sem visibilidade como forma de
abafar o problema, mas infelizmente essa violência contra a mulher não tem cara
nem idade.
Os conceitos de mulher maltratada e mulher submetida à violência o
socialmente construídos e objetivados por forças sociais que detêm o poder que
gera vários tipos de discursos: “o governo, o sistema legal, o sistema médico (em
particular, psiquiátrico), a mídia e o sistema de Justiça Criminal”
9
são as maiores
fontes de discurso que afetam as mulheres submetidas à violência principalmente
nas relações conjugais segundo Grossi e Werba.
Conforme a escritora norte-americana Ntozake Shange citada por Fiorenza,
as mulheres correm perigo de vida diariamente e são “mulheres de todas as classes,
raças, religiões e culturas”.
10
Porém as mulheres negras são as que mais sofrem a violência porque elas se
defrontaram com a violência no contexto doméstico, experimentaram a violência
trabalhando como empregadas nas casas de mulheres e homens brancos e, am
disso, como nos diz Williams, “sofreram a violência também em seus próprios lares e
comunidades”.
11
Aspectos como raça, gênero, etnia e classe, participam na construção da
mulher vitima de violência principalmente nas relações conjugais e essas são
processos de relações entre pessoas que emergem através de esforços para
controlar os meios de produção e reprodução de uma sociedade.
Inúmeros ataques violentos contra as mulheres ocorrem diariamente pelo
fato delas serem mulheres. Neste sentido podemos pensar e citar uma lista enorme
de abusos e violências contra as mulheres tais como: pornografia infantil,
molestamento sexual na escola e no emprego, turismo sexual, tráfico de mulheres e
meninas, escravidão sexual e doméstica, violações dos direitos humanos em relação
ao sexo, espancamentos, terror contra as mulheres, mutilação e apedrejamento de
mulheres por motivos de infidelidade, restrição de movimentos e exclusão da esfera
pública, agressão sexual no lugar de trabalho, estupro, mulheres refugiadas,
9
GROSSI, Patrícia K ; WERBA, Graziela C. (Org.) Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001. p. 33.
10
FIORENZA, Elisabeth S. Violência contra a mulher. in Concilium 252, 1994/2 p. 163
11
WILLIAMS, Delores S. Mulheres Afro-americanas em três contextos de violência doméstica. in Concílium
252 – 1994/2 p. 222
12
analfabetismo, pobreza, prostituição forçada, prostituição infantil, incesto e abuso
sexual, falta de um lar, silenciamento de mulheres, negação dos direitos femininos,
contaminações com doenças pelos maridos/companheiros, confinamento de
mulheres, abuso de mulheres mentalmente doentes, violência emocional, tortura,
marginalidade cultural, privação de alimentação, assassinatos, mutilações genitais e
tantos outros que aqui poderíamos citar ainda.
Estas e tantas outras atrocidades fazem parte da vida das mulheres mundo
afora. No fundo a violência masculina é o pior aspecto de ser mulher e essa
violência assume diversas formas e às vezes o disfarçado que até se torna difícil
de ser identificado como uma violência. Vejamos aqui dois exemplos de violência ou
duas formas que não aparecem como violências explicitas, mas elas existem e estão
camufladas: “nos Estados Unidos mais de dois milhões de mulheres submeteram-se
a implantes nos seios e o número de mulheres que optaram por cirurgia plástica
cresceu mais de 60% na última década”.
12
Como um segundo exemplo de violência
não explicita aparece: “na África mais de 84 milhões de mulheres passaram por
cirurgia sexual, segundo dados da Organização Mundial de Saúde”.
13
Sabemos que os meios de comunicação dominados pelos homens
dificilmente vão informar sobre tais violências ou crimes cometidos contra as
mulheres.
A expressão “submetida à violência nas relações conjugais”
14
segundo Grossi
e Werba evoca várias presunções existentes na sociedade: que as mulheres que
vivem estas situações de violência não são educadas, que estão ligadas ao modelo
tradicional e patriarcal de família, no qual, a autoridade do marido é aceito como
natural e que em geral, essas mulheres não trabalham fora.
O senso comum em relação às mulheres submetidas à violência é mantido
através do discurso governamental e das instituições em geral como: sistema
educacional, redes de comunicação e outras instituições sociais que refletem o
aparato sociológico da sociedade. Nestes discursos as mulheres são muitas vezes
tidas e retratadas como fracas, passivas, não educadas, vítimas empobrecidas.
12
FIORENZA, Elisabeth S. Violência contra a mulher. in Concilium 252, 1994/2, p. 165.
13
FIORENZA, Elisabeth S. Violência contra a mulher. in Concilium 252, 1994/2, p. 165.
14
GROSSI, Patricia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 34.
13
Conforme Grossi e Werba uma mulher vítima de violência principalmente nas
relações conjugais sofre discriminação não somente pelo que ela é, como indivíduo,
mas pelo que ela se torna enquanto pertencente a um grupo que foi estereotipado
de forma negativa
15
. Assim as características de passividades, cumplicidade,
fraqueza, submissão, impotência e outras atribuídas às vítimas da violência
doméstica influenciam como os outros vão perceber e interagir com ela, isto nos dois
níveis: tanto no individual quanto institucional.
O feminicídio, assassinato de mulheres, é muito comum, pois é resultado de
tamanha violência que não tem fim. Neste sentido, vemos que “muitíssimas
mulheres em todo mundo são assassinadas em seus lares por homens com quem
partilharam suas vidas”,
16
diz Fiorenza. “O perpetrador da violência é um familiar, o
irmão, e outros homens da família são coniventes e silenciam a violência. Mas a
vítima não é passiva diante da violência , pelo contrário protesta, grita e torna público
o estupro
17
, conforme o que nos mostra Elaine Neuenfeldt. A violência contra a
mulher e suas conseqüências muitas vezes fatais não se limitam ao Primeiro ou
Terceiro Mundo, mas estão e ocorrem em todos os lugares, ou seja, em todo o
mundo, em toda parte. Assim em Santiago do Chile vemos que 80% das mulheres
sofreram algum tipo de abuso. Esse abuso pode ser sexual, emocional ou físico por
parte de um parceiro ou parente do sexo masculino. Outro exemplo de que não
existe limite quanto à violência é Bangladesh. pelo menos 50% de todos os
assassinatos são de esposas/companheiras assassinadas pelos próprios
maridos/companheiros.
A maior causa individual dos ferimentos mortais causados às mulheres é o
espancamento, principalmente nos Estados Unidos. Segundo Fiorenza, “seu impacto
é maior que os dos assaltos, acidentes de carro e estupros somados”
18
.
As estatísticas mostram que a maioria das mulheres assassinadas foram
mortas pelos maridos/companheiros de vida e isso ocorreu apesar de pedir proteção
da polícia e algumas até obtiveram medidas de proteção. Neste sentido podemos
15
Cf. GROSSI, Patricia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria
de saber. EDIPUCRS, 2001, p. 35.
16
FIORENZA, Elisabeth S. Violência contra a mulher. In Concilium 252, 1994/2, p. 166.
17
NEUENFELDT, Elaine. Violência sexual e poder. In Revista RIBLA nº 41 2002/1, p. 42.
18
FIORENZA, Elisabeth S. Violência contra a mulher. in Concilium 252, 1994/2, p. 167.
14
dizer que o lugar mais perigoso para muitas mulheres vem sendo a privacidade do
próprio lar.
Assim, uma das classes que mais sofre a violência são as empregadas
domésticas que precisam fugir dos patrões abusadores. Isso ocorre no Kuwait como
em todo o mundo.
Diante das grandes atrocidades, os que cometeram a vitimação das mulheres
normalmente não assumem a responsabilidade por tais atos e neste caso as
mulheres são de uma forma ou de outra acusadas de serem as provocadoras dos
atos criminosos, ou ainda pior, as próprias mulheres vítimas interiorizam essa culpa.
A violência física ou sexual não são casos isolados ou um comportamento
perverso, mas são práticas resultantes das normativas estruturais. Neste sentido
Fiorenza diz que
essa violência deve ser colocada num continuum de poder e controle
masculinos sobre mulheres e crianças, que abrange não apenas a violência
física mas também a construção cultural e religiosa de corpos femininos
dóceis e personalidade femininas subservientes.
19
Assim, os vários tipos de violência contra a mulher como a verbal, física,
sexual, emocional, econômica e política deve ser entendida em termos estruturais.
No patriarcado clássico os homens exerciam o poder de vida e morte sobre
as mulheres e na democracia patriarcal capitalista o homem tem direito de exercer
controle físico e poder legal sobre as mulheres. Entretanto, o poder pessoal e
nacional nestas culturas era expresso pelo controle e violência contra a mulher que
representa a fraqueza. “A violência contra a mulher não é produzida apenas pelo
poder patriarcal heterossexista mas também pelo poder kyriarcal colonialista”
20
, diz
Fiorenza.
A violência contra a mulher constitui o cerne da opressão. Esta se sustenta
por estruturas multiplicadoras de controle, exploração e desumanização. E essa
violência se expressa de diversas formas podendo ser através das práticas
socioculturais disciplinadoras que, como diz Fiorenza, “produzem o dócil corpo
19
FIORENZA, Elisabeth S. Violência contra a mulher. in Concilium 252, 1994/2, p. 168.
20
FIORENZA, Elisabeth S. Violência contra a mulher. in Concilium 252, 1994/2, p. 168.
15
submetido e produzido, como sendo o corpo ideal da feminilidade”.
21
A autora fala
de quatro grupos de práticas disciplinadoras aos quais as mulheres são submetidas
e que o geradores de violência: o primeiro tipo de praticas procura reproduzir o
corpo feminino como um corpo de certas proporções e configuração geral; o
segundo grupo procura produzir o corpo feminino dócil, inculcando um repertório
específico de gestos, posturas e movimentos; o terceiro tipo visa mostrar o corpo
como uma área ornamental e o quarto e último tipo visa formar o corpo feminino
como símbolo cultural religioso.
É apresentado à mulher um padrão de beleza que ela deve seguir. E para
conseguir alcançar esse padrão ela se submete a práticas de disciplina que na
grande maioria dos casos acabam violentando a mulher. Vê-se que para conseguir a
beleza corporal, o amor de um homem e sua própria felicidade a mulher acaba
tornando-se objeto de consumo dos homens.
Quando é pregado a mulheres valores cristão como o amor e o perdão, assim
acredita Fiorenza, que eles ajudam a manter relações de dominação e aceitar a
violência doméstica e sexual.
.22
A autora acha que os textos da escritura e a ética
cristã em muitos casos apóiam o ciclo da violência e que consequentemente assim
se impede de romper este ciclo. Mas não é bem assim, pois ao se pregar os valores
cristãos se quer libertar as mulheres e se incentiva o respeito e a valorização dessa
mulher.
Seguindo esta linha de pensamento, as vítimas de estupro acreditam que
para serem obedientes a vontade de Deus devam preservar sua virgindade e pureza
sexual mesmo que isto lhes custe a própria vida e que sofram de perda da auto-
estima. Mas muitas sobreviventes desta violência sentem-se como bens usados e
até responsáveis pelo próprio estupro. Neste sentido, para as mulheres seria muito
difícil lembrar ou falar de abuso sexual se esse abusador foi um pai, professor,
parente e mais difícil ainda seria recuperar sua auto-imagem prejudicada e sua auto-
estima.
Fiorenza ainda acredita que quando, por exemplo, “a Nova Direita nos
Estados Unidos defende abertamente que se conservem os tradicionais valores
familiares, seu objetivo oculto é defender a legitimidade dos castigos e maus-tratos
21
FIORENZA, Elisabeth S. Violência contra a mulher. in Concilium 252, 1994/2, p. 169.
22
Cf. FIORENZA, Elisabeth S. Violência contra a mulher. in Concilium 252, 1994/2, p 176.
16
infligidos a mulheres e crianças no lar...”.
23
Penso que para conservar os valores
familiares não é preciso haver castigos e maus-tratos às mulheres. Pode-se mantê-
los com respeito e valorização da mulher.
Na Bíblia encontramos textos onde aparecem atos de violência. Um deles, por
exemplo, é o texto de 1Cor 11,2-10 no qual encontramos a justificativa para a
posição e autoridade dos homens sobre as mulheres com base principalmente no
sexo e poder,
24
segundo o que relata Fiorenza.
Normalmente estamos acostumados a ver a violência como episódica ou
como uma anormalidade numa cultura como a nossa que é civilizada, mas na
verdade, a violência se tornou contextual e neste caso, na verdade a justiça é
episódica, ou seja, acontece de vez em quando. Neste caso a violência sexual é
epidêmica, isto é, não é algo que acontece ocasionalmente, mas normalmente é
mais comum que possamos imaginar. Aqui a violência contra a mulher não se
restringe a ações isoladas de homens que são considerados dementes em
momentos imprevisíveis. Os abusadores na verdade são homens comuns e que
levam uma vida aparentemente normal. Tanto os abusadores como as vítimas
pertencem a todas as classes, religiões, raças, grupos ou nacionalidade. Portanto,
os abusadores estão em todos os lugares e podem estar em varias situações
diferentes e que às vezes nem nos damos conta de que possa ocorrer.
O abuso sexual, na sua grande maioria ocorre dentro do próprio lar da vítima
com pessoas de seu relacionamento próximo tais como, parente, amigo da família,
vizinho e o que é pior, o maior grupo de abusadores ainda são os pais. Sabemos
que os números dos estupros são altos, mas as informações são omitidas em muitos
casos, por isso nunca se pode chegar ao número exato de pessoas que sofreram
este tipo de violência.
Brown define violência sexual como sendo o uso “de força, controle e fúria
que são exercidos de uma forma sexualmente violenta”.
25
Assim a violência e o abuso sexual podem criar um clima de vulnerabilidade e
medo o que pode moldar todas as experiências e relacionamentos diários de uma
23
Cf. FIORENZA, Elisabeth S. Violência contra a mulher. in Concilium 252, 1994/2, p 178.
24
Cf. FIORENZA, Elisabeth S. Violência contra a mulher. in Concilium 252, 1994/2, p 184.
25
BROWN, Joanne C. Em respeito aos anjos: violência e abusos sexuais.. in Concilium 252, 1994/2, p. 187.
17
pessoa. Podemos dizer então que a violência ou o abuso sexual são meios eficazes
de controle sobre a pessoa violada.
Sabemos que existem muitas formas de violência e abuso sexual. Neste caso
a primeira ação de violência contra as mulheres é o estupro. Em relação a este ato
existem muitos mitos associados, tais como: as mulheres o desejam, as mulheres o
procuram pelo modo de vestir-se ou pela maneira de andar. Muitas mulheres
também são censuradas e acusadas por causa do seu estupro por elas não terem
reagido com mais força ou por estar a vítima de noite fora de casa. O estupro
geralmente é menosprezado, não é levado em conta e é usado contra as próprias
mulheres para humilhar, dominar e controlar.
Susan Brownmiller citada por Brown afirma que “todos os homens são
estupradores”.
26
Se formos ver o que as mulheres sentem, realmente alguns
homens são estupradores, abusadores e violentadores porque eles os são em
potencial, ou seja, a qualquer momento podem violentar as mulheres.
O estupro, antes de tudo, é uma forma de controle do homem sobre a mulher.
Na verdade é uma forma de mostrar a superioridade do homem sobre a mulher
derrotada.
Brown afirma que: “toda violência, especialmente a violência sexual, é
destrutiva psíquica e espiritualmente”.
27
Acrescentaria ainda além da psíquica e
espiritual a social e econômica. Porque a violência ameaça o auto-respeito e a
autoconfiança e além de criar sentimentos de impotência, desamparo, humilhação,
inutilidade bem como a autocensura.
A violência contra as mulheres traz muitos prejuízos a vida delas, isto é, faz
com que elas se calem, paralisa suas mentes e emoções, além disso tira-lhes a
capacidade de agir e de enxergar um futuro alternativo ou mesmo melhor.
Brown acredita que “a violência contra as mulheres tem mais chance de
alastrar-se em situações onde o ensinamento e prática da Igreja legitimam o status
inferior da mulher em relação ao homem”.
28
Tem-se consciência que algumas igrejas
têm pregado de certa forma a inferioridade da mulher, a questão da obediência da
mulher ao homem como uma vontade de Deus, por exemplo, e os homens se
26
BROWN, Joanne C. Em respeito aos anjos: violência e abusos sexuais. in Concilium252, 1994/2, p. 188.
27
BROWN, Joanne C. Em respeito aos anjos: violência e abusos sexuais. in Concilium252, 1994/2, p. 190.
28
BROWN, Joanne C. Em respeito aos anjos: violência e abusos sexuais. in Concilium 252, 1994/2, p. 191.
18
aproveitam disso para violentá-las. Na história as mulheres sempre foram
marginalizadas e depreciadas tanto pela linguagem, como pelo ensinamento e pela
organização da Igreja. Houve uma época em que o cristianismo aceitou e afirmou o
controle do homem sobre a mulher.
A violência sexual e abuso sexual na realidade são os principais instrumentos
do patriarcado que instituem a dominação dos homens sobre as mulheres.
A violência padecida foge geralmente da prevenção, conforme Elizondo e, se
afasta das possíveis ajudas por parte de outras instâncias. Tanto o maltrato físico
como a humilhação são geradores de traumas graves além de deixar seqüelas nas
mulheres que sofreram algum tipo de violência. Neste sentido, a resistência e as
tentativas de erradicar o comportamento agressivo acabam por constituir uma
urgência que é registrada dentro da causa da dignidade e dos direitos humanos.
29
Diante da violência contra a mulher o ato violento é sempre uma confissão e
sinal do desequilíbrio pessoal.
Cardoso fala que na violência familiar existem vários mitos legitimadores a
respeito dessa violência, tais como:
- a violência familiar é rara. Mas acontece o contrário, ela não é
denunciada e não muito estudada;
- a violência familiar é restrita a pessoas com distúrbios mentais ou pessoas
doentes, mas os estudos mostram que menos de 10% dos casos de violência
familiar são ocasionados por transtornos psicopatológicos;
- que essa violência é restrita a pessoas de classes populares, neste caso
sabemos que a pobreza e a ausência de recursos educacionais são fatores de risco
para as situações de risco, mas não são exclusivos desta população, mas em todas
as classes sociais e em todos os níveis educacionais existe a violência;
- esposas agredidas gostam de ser agredidas, senão elas se separariam: a
grande maioria das mulheres que sofrem situações crônicas de violência não
consegue sair delas por uma série de razões de índole emocional, social,
econômica. O sentimento de culpa e de vergonha que essa mulher experimenta pelo
29
ELIZONDO, Felisa. Violência contra as mulheres: estratégias de resistência e fontes de cura a partir do
cristianismo. In Concílium nº 252, 1994/2, p. 298.
19
que está ocorrendo a impede de pedir ajuda. Mas, não é verdade que a mulher sinta
prazer nas situações de violência;
- o álcool e as drogas são as causas reais da violência no lar: o consumo de
álcool e drogas podem favorecer o surgimento de condutas violentas, porém não é a
causa, pois muitas pessoas alcoolistas não usam de violência dentro do lar e os
que mantêm relações familiares abusivas e não são usuários do álcool;
- violência e amor não coexistem na família: os episódios de violência dentro
do lar ocorrem em ciclo e nos momentos em que a família não está vivendo a fase
violenta do ciclo existem interações afetivas;
- as pessoas que sofrem violência às vezes a buscam ou algo fazem para
procurá-la: a conduta dessas pessoas pode provocar discordâncias, mas a conduta
violenta é absoluta responsabilidade de quem a exerce, não existe nenhuma
provocação capaz de justificar a violência;
- o abuso sexual e as violações ocorrem em lugares perigosos e escuros,
quem abusa é desconhecido: pelo contrário o abuso, a violência geralmente ocorre
em lugares conhecidos e por pessoas conhecidas;
- a violência emocional o é tão grave como a violência física: o abuso
emocional provoca conseqüências graves do ponto de vista do equilíbrio emocional;
- a conduta violenta é algo inato que pertence a essência do ser humano: a
violência é uma conduta aprendida a partir de modelos familiares e sociais que
normalmente é usada para resolver conflitos. Da mesma forma que se aprende a
violência como possível forma de resolver os problemas é possível aprender que
não se precisa dela para resolver os conflitos, conforme Cardoso.
30
1.1 ESTADO ATUAL DA QUESTÃO DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO
A palavra violência não é utilizada por psicólogos ou analistas sociais.
Essa palavra passou a ser bastante usada para expressar comportamentos, modos
de vida, sociedades e outros fenômenos humanos. A violência está cada vez mais
presente nos meios de comunicação social e parece ser integrante da vida e no
30
STREY, Marlene N. Mulher, estudos de gênero. São Leopoldo: Unisinos, 1997, p. 130.
20
cotidiano humano, de forma explicita ou indireta. Está presente nas brigas, cena de
televisão, mas também na fome, no desemprego e na miséria urbana.
Igualmente, como a violência, as questões de gênero podem ser evidentes ou
invisíveis, geralmente, associadas com as questões de classe, de etnia e de raça.
Entre as várias questões de gênero, a violência aparece com grande força e não
conhece fronteira, nem de classe, nem de nível de industrialização, de região ou
pais, nem de tipo de cultura ou grupo étnico.
Strey, citada por Grossi, fala que a violência tem muitas caras, ela pode vir
disfarçada de tradição, de moralidade ou então carregada de algum tipo ou
quantidade de poder que permite violentar em alguma extensão.
31
Podemos conceituar “violência (abuso, ou maus-tratos, ou agressão) como
qualquer comportamento que visa controlar e a subjugar outro ser humano pelo uso
do medo, humilhação e agressões emocionais, sexuais ou físicas”,
32
segundo
Cardoso.
Assim, Cardoso citando Strey está de acordo com o que ela pensa e diz que a
violência deve ser entendida ainda como:
Toda a ação ou omissão cometida no seio da família por um de seus
membros que despreza a vida ou a integridade física, psicológica ou,
inclusive, a liberdade dos outros membros da família que causa um sério
dano ao desenvolvimento da personalidade.
33
A violência pode ser percebida pela identificação do sujeito violento e do
sujeito-objeto violentado, bem como corpo mutilado, o sangue derramado, a morte, a
destruição do ser, a dor e o sofrimento. Pode envolver, também, ações e sujeitos
invisíveis.
Gênero é como “elemento constitutivo das relações sociais e históricas
fundadas sobre diferenças percebidas entre os dois sexos, mas que não são
conseqüência direta nem da biologia, nem da filosofia e que explicam persistentes
31
GROSSI, Patricia K ; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 48.
32
STREY, Marlene N. Mulher, estudos de gênero. São Leopoldo: Unisinos, 1997, p. 127.
33
STREY, Marlene N. Mulher, estudos de gênero. São Leopoldo: Unisinos, 1997, p. 127.
21
desigualdades de todos os tipos entre mulheres e homens”,
34
segundo Grossi e
Werba.
Gênero é um conceito relacional que se vincula ao conceito sexo.
Sexo pode
ser considerado como um sistema multivariado e sequencial, que inclui o sexo
cromossômico, hormonal fetal, gonodal e morfológico, diz Grossi. No dicionário
Aurélio século XXI (1999, p. 980), gênero, na sua acepção antropológica, é “a forma
culturalmente elaborada que a diferença sexual toma em cada sociedade, e que se
manifesta nos papéis e status atribuídos a cada sexo e constitutivos da identidade
sexual dos indivíduos”.
35
O gênero é o sexo atribuído a partir da forma dos órgãos sexuais externos do
bebê ao nascer. A partir dessa constatação começa a construção cultural do gênero,
sob influências de linguagem, atitudes e expectativas. “A construção cultural de
gênero fica evidente quando se verifica que se fazer homem ou mulher nem sempre
supõe o mesmo em diferentes sociedades e em diferentes épocas”.
36
Gênero ainda pode ser conceituado como a forma social que cada sexo
adquire, pois é uma aquisição cultural que a pessoa vai obtendo através do
processo de socialização. Este processo prepara os sujeitos a fim de que
desempenhem os papéis sociais conforme sua natureza.
Gênero é o sexo social, construído histórico-cultural e socialmente, atribuindo
estereótipos femininos e masculinos. Com isso são estabelecidas as idéias sobre o
que é ser homem e ser mulher e que os dois tem comportamentos diferenciados.
37
A violência de gênero reúne os conceitos violência e gênero, o que acentua a
pressão sobre indivíduos. O conceito gênero implica certa quantidade de pressão
sobre os indivíduos em relação aos padrões culturais sobre o que seja ser homem
ou mulher.
A violência de gênero está nas idéias veiculadas aos meios de comunicação,
principalmente sobre beleza em relação às mulheres, mas também aos homens.
34
GROSSI, Patricia K ; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 71.
35
GROSSI, Patricia K ; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 49.
36
GROSSI, Patricia K ; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 49.
37
Cf. MACHADO, Alzira G. Violência contra a mulher: uma hermenêutica de João 7,53-8,11. In Estudos
Bíblicos. Petrópolis: Vozes, v. 96, 2007, p. 31.
22
Mas a violência de gênero também se faz presente na política, nas leis, no mercado
de trabalho, na família, no espaço doméstico, nas relações de casa. Assim podemos
dizer que a violência de gênero está nas e em todas as estruturas e estratégias,
muitas vezes de forma oculta.
Existem dois tipos de violência: a visível e a invisível. A visível é a violência
implícita e eventual contra a mulher na família e se manifesta em geral pela violência
física culminando muitas vezes com a morte. a violência invisível é intrínseca a
composição da família e é explícita nos papéis designados à mulher em relação à
sua condição de gênero.
A divisão do trabalho baseada no gênero faz das mulheres as principais
responsáveis pelo cuidado das crianças, da família e das tarefas domésticas,
independente se elas têm ou não um outro trabalho. Os homens assumem as
responsabilidades não-domésticas, na economia, na política e em outras instâncias
sociais e culturais. Essa divisão de trabalho é vista como a raiz das diferenças de
poder baseadas no gênero. A economia tornou-se mais importante do que a família,
nas instâncias centrais das sociedades modernas, essa prioridade e
responsabilidade resultam em desigualdade de poder entre os gêneros
38
. A
desigualdade nas estruturas de divisão sexual do trabalho limita as opções das
mulheres e as relega a papéis que reforçam o poder superior dos homens,
independentemente das suas escolhas.
39
Marlene Strey fala da estratificação de gênero dizendo que:
O grau de estratificação de gênero em uma sociedade refere-se à extensão
em que as mulheres estão sistematicamente em desvantagem no acesso a
esses valores em comparação aos homens de sua própria sociedade, que
também são seus iguais socialmente (em classe social, raça e etnia, idade,
religião, etc.)
40
.
A chave nesse processo é o poder de recursos e o de definição e o a
diferenciação de trabalho.
38
Cf. GROSSI, Patricia K ; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria
de saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 52.
39
Cf. GROSSI, Patricia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria
de saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 53.
40
GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.) Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 53.
23
Conforme Strey, a atitude feminina tradicional de adaptar-se às necessidades
e estilos dos homens funciona para reforçar o poder de definição masculino. Ela diz
ainda que desta forma forma-se um círculo vicioso, no qual as mulheres são
sistematicamente encorajadas a definir as interpretações masculinas como as certas
e verdadeiras.
41
No decorrer da história aparece a violência dos homens contra suas esposas
e tem sido usualmente admitida pelas leis. O punir fisicamente as mulheres ainda é
admitido por muitos homens como um direito e é apoiada por algumas crenças
religiosas
.
casos em que o marido é a vítima da violência da sua esposa, mas o
percentual é reduzido. Essas situações de violência doméstica não aparecem em
estatísticas, mas apenas em estudo de processo judicial para divórcio.
A violência de gênero é paralela a outras formas de abusos, incluídas no
discurso dos direitos humanos. Mas, a subjugação das mulheres é tão comum em
nossas sociedades e enraizada em muitas tradições culturais e religiosas, que não
consegue ser amplamente aceita como uma questão de direitos humanos.
É um
passo crucial para a erradicação da violência contra a mulher, a desconstrução dos
aspectos opressivos e a reinterpretação de princípios básicos.
A relação de interdependência entre os gêneros é de dependência e domínio,
portanto se prestam ao abuso, à exploração e as mais diversas formas de opressão.
Estudos sobre violência doméstica, diz Strey, enfrentam dificuldade: o ataque
violento ocorre em privado e, na maioria dos casos, não é do interesse da tima
admitir que ocorreu. se consegue obter maiores evidencias de casos externos,
onde a violência acabou em morte, ou quando a vítima procurou refugio fora de
casa. A sociedade tem dificuldade de admitir essa forma de violência.
É necessário
colocar a discussão sobre a violência de gênero dentro do conceito de cidadania, em
lugar de relegá-la à luta entre homens e mulheres.
42
Os padrões de cultura em relação à moralidade e valores são diferentes para
mulheres e homens e levam à discriminação das mulheres. O ato do marido de
agredir a vítima, ou até mesmo matá-la poderia ser legítima defesa tanto da honra
41
Cf. GROSSI, Patricia K. ; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria
de saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 58.
42
Cf. GROSSI, Patricia K. ; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria
de saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 61.
24
pessoal como a da família.
As mulheres que toleram a infidelidade, os maus tratos, o
abuso, a deterioração da própria saúde são consideradas boas pela sociedade. “O
requisito básico é que façam tudo para o bem dos demais. Este discurso é
assimilado pelas mulheres, recriando um modo de vida e constituindo o consenso
social”,
43
conforme Strey.
A educação das crianças com gritos e espancamentos, quando mal
comportamento, faz admitir a violência como natural. Assim, a criança intui que
quando a mãe apanha se comportou mal. Portanto, a família serve como
treinamento básico para a violência.
Estudos mostram que existe uma relação entre a delinqüência juvenil e ter
recebido severos castigos dos pais/mães na infância, com generoso uso da
violência. A maioria dos reincidentes sofreu na infância surras, golpes de cinto, de
paus, cabos ou socos.
Em geral, os homens são as maiores vítimas de violência nas ruas cometidas
por estranhos e as mulheres as maiores vítimas de violência cometida em casa por
companheiros e parentes, conforme estatísticas do IBGE (1997). Strey lembra que a
sociedade e o Estado são complacentes em relação a violência nas relações
conjugais, por isso, poucas mulheres sabem a respeito de seus direitos e dos canais
institucionais para cobrá-los.
Pelo fato da violência contra a mulher ser mais praticada em âmbito privado,
de forma mais invisível, essa era interpretada como uma questão privada. Então,
pode-se dizer que se o fosse cometida pelo Estado, não era tratada como
violação dos direitos humanos.
As lutas dos Movimentos Feministas trouxeram à luz a violências cometidas
contra as mulheres, alcançando finalmente o reconhecimento da comunidade
internacional de que a sociedade também é agente de violação dos direitos
humanos. A violência contra a mulher passa a ser considerada como uma violação
dos direitos humanos, a partir de 1993, após 45 anos da Declaração Universal
dos Direitos Humanos. Apesar de todas as lutas e conquistas, os direitos das
mulheres não foram efetivamente assegurados.
43
GROSSI, Patrica K. , WERBA, Graziela C.(Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 63.
25
Strey lembra que apesar das estatísticas mostrarem que as mulheres são as
vítimas preferidas nos atos violentos, parece que isso não é algo que seja
efetivamente visualizado, inclusive para pessoas que lidam com o assunto: policiais,
advogados, psicólogos, assistente sociais.
Strey e Werba citam a Cartilha Quebrando Silêncios e Lendas que foi
organizada por Madza (1999) e dizem que:
A violência causa danos às vezes irreparáveis a uma em cada quatro
mulheres brasileiras e que mais de 60% dos assassinatos de mulheres no
mundo são cometidos por homens com os quais as vítimas tinham ou
haviam tido envolvimento amoroso, confirmando o dado amplamente
divulgado pelas delegacias da mulher de todo o Brasil, de que os
agressores das mulheres se encontram muito mais dentro de casa do que
fora dela. Estes dados reforçam também a idéia de que a violência sempre
passa por uma relação de subordinação e dominação, na qual o homem
sente-se no direito de educar, corrigir e, se necessário, castigar física,
psicológica e sexualmente a mulher.
44
Todos sabem que existem muitas possibilidades de violência contra as
mulheres que estão profundamente encravadas ou enraizadas na nossa sociedade.
Por este motivo elas passam a ficar cada vez mais corriqueiras, e chegam até a
causar enorme dano à saúde física e mental das mulheres, e na maioria das vezes
não provocam mais tanta indignação ou comoção social.
Quando vemos velhos e crianças desamparadas e sem teto, conforme Strey e
Werba, logo nós os julgamos como sendo vagabundos, pivetes e marginais. O
mesmo acontece com a violência contra a mulher, ou seja, quando encontramos
uma mulher que está sofrendo violência, logo justificamos dizendo que ela apanhou
porque mereceu ou nada se pode fazer quanto a isso, pois sempre foi assim, ou
dizemos ainda que as mulheres têm um gozo na violência. Baseamos os
significados dessa violência em outros significados como de prostitutas, traidoras e
bruxas, entre tantas outras.
45
A vítima passa a ré, pois os papéis são invertidos. A
violência é deslocada de seu lugar de origem, desfocando assim a dor de quem
sente.
44
GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 77.
45
Cf. GROSSI, Patrícia K; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 79.
26
Existe na sociedade uma invisibilidade das mulheres e de seus direitos
humanos. Em conseqüência desta ocorre a invisibilidade da violência contra a
mulher, que segundo Strey e Werba, são processos culturais e históricos, portanto
passiveis de reversão.
46
Durante as últimas décadas ocorreram muitas transformações em relação às
condições das mulheres, principalmente na sociedade ocidental. Estas contribuem
cada vez mais para tornar a violência contra a mulher mais visível. Porém, ainda
um longo caminho a ser percorrido para minimizá-la.
Conforme Ana Zuwick uma mulher que foi violada, que foi vítima de estupro
sempre tem a impressão de que está suja. A marca que essa violência imprime em
sua subjetividade se expressa na necessidade e no desejo de banhar-se por longo
tempo. Outra marca forte são os sentimentos de vergonha e autoculpabilização.
Estes são capazes de silenciarem exatamente quem foi ofendida em sua dignidade,
que foi afrontada.
47
A violência sexual, é mais comum do que podemos imaginar, pode ser
representada por todo o ato exercido contra a vontade da mulher. Isto se através
de ameaça, intimidação ou ataque. A violência sexual também engloba um conjunto
de atitudes e fatos sociais. A mulher é geralmente descriminada, submetida e
subordinada por ataques simbólicos à sua liberdade e dignidade. Outra violência
muito comum em nossos tempos é a violência simbólica. São formas desta violência:
a publicidade que apresenta as mulheres como objetos sexuais, o assédio ou o
toque de qualquer parte do corpo da mulher sem seu consentimento. Esta pode
manifestar-se na medida em que expressa uma assimetria nas relações de poder
entre homens e mulheres.
Para Zuwick a violação ou estupro, longe de ser um acontecimento isolado,
tem implicações sociais amplas pelo medo que instaura nas mulheres quanto à sua
integridade, física e psíquica, e em sua liberdade sexual. Ainda segundo esta autora,
a violência contra a mulher, e principalmente a violência sexual, situa-se numa
relação de forças, expressão máxima das diferenças entre os sexos sob a forma de
desigualdade.
46
Cf. GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria
de saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 80.
47
Cf. GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria
de saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 83.
27
No Brasil, se configura crime de estupro, se houve conjunção carnal entre
um homem e uma mulher, através da penetração do órgão masculino no órgão
feminino, ou seja, quando é possível ser provado que houve penetração. A
penetração anal ou oral, não é considerada crime de estupro e sim crime de
atentado violento ao pudor.
O silêncio e a tentativa de esquecer o fato traumático tem sido a reação mais
freqüente das pessoas que sofreram a violência sexual. Por esse motivo também o
número de registro de violações é muito baixo em relação ao que de fato ocorre
concretamente. É de se questionar sobre as razões que levam as mulheres a
silenciarem frente a uma agressão tão violenta contra seu corpo e sua vontade.
São muitos os fatores que podem nos ajudar a compreender o silêncio das
vítimas: podemos começar pelo medo de represálias ou a crença de ser um assunto
privado e pessoal. Muitas mulheres silenciam diante da violência porque acreditam
que se a denunciarem vão sofrer mais ainda, por isso, preferem se calar. A partir do
momento que tornam um assunto publico a violência que sofrem isto se torna para
as mulheres violadas uma sobrecarga emocional e um aumento da experiência de
humilhação. Por isso Zuwick diz que “o poder do estigma negativo que paira sobre
estas mulheres, até mesmo por parte de seus familiares, contribui enormemente na
avaliação sobre ‘custo benefício’ de uma denúncia formal”.
48
A mulher que é vitima de violência sofre duplamente, sofre pelo fato em si de
violência da qual é vítima e sofre diante das reações institucionais que a atendem:
onde “passa por questionamentos embaraçosos por parte da polícia e pelos
promotores da Justiça para verificar a ocorrência do crime; na sala do tribunal
poderão ser expostas ao julgamento em público, quanto a sua vida sexual
pregressa”,
49
diz Zuwick e do mesmo modo também as circunstâncias possíveis que
provocaram tal violação, bem como o quanto de resistência física houve. Muitas
mulheres ao serem violadas demonstram aparente passividade e isso
frequentemente é visto como consentimento. Mas sabemos que a passividade ou
paralisação da mulher nasce do pânico frente ao agressor e ao medo da morte.
48
GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 86.
49
GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 86.
28
Com relação às repercussões da violência as psíquicas são maiores para as
mulheres virgens, enquanto que os preconceitos sociais o para as casadas.
Podem ser apontadas como seqüelas dessa violência a autoculpabilização, o temor
a gravidez, as doenças sexualmente transmitidas, como a AIDS e outras, as crises
de depressão que, podem levar a tentativas de suicídio, pesadelos, distúrbios
psicossomáticas, distúrbios comportamentais, desordens sexuais, absenteísmo
profissional. Este último é mais numeroso entre as mulheres exatamente por causa
da violência praticada contra elas pelos homens.
Conforme Züwick “a mulher violada sente-se portadora de estigmas indeléveis
com sentimento de aniquilamento, receio de que sua vergonha repercuta sobre os
seus familiares e medo de represálias”.
50
São muito comuns nessa mulher violada
os sentimentos de vergonha, humilhação, confusão, medo e raiva.
Diante disso, o tipo de reação e duração, podem durar de um a vários anos,
como manifestações de sintomas de transtornos de estresse s-traumático:
pesadelo, sobressaltos, crises de pânico. Além disso, podem ocorrer reações fóbicas
às interações sociais e sexuais. O uso da arma, bem como ter mais de um agressor
ou conhecer o agressor e outros dados físicos o fatores que podem aumentar o
trauma.
A mulher experimenta muito mais culpa, como se tivesse provocado ou
facilitado a violação quando ela conhece o estuprador, mas ao mesmo tempo, este
aspecto pode ajudá-la em sua recuperação, pois teria um elemento de controle
sobre o agressor. Mas acredita-se que o conhecimento prévio do agressor não
somente agrava a conseqüência do fato, como se torna um obstáculo a denúncia
pela possibilidade aumentada de sofrer vergonha. Quando a vítima conhece o
agressor também “se reduz a possibilidade de identificar a agressão como um
estupro, pois este de certa forma mereceria menos crédito apara a vítima visto
que agressão provém de alguém que deveria querê-la, como o marido, ou protegê-
la, como o pai“,
51
constata Zuwick.
Falando de estupro podemos dizer que quando este se constitui um
acontecimento levado a julgamento ele deixa suas marcas históricas. Neste sentido
50
GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 87.
51
GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 87.
29
a mulher violada, além de tudo, é descrita com estereótipos, como sedutora e
desejosa do estupro, ou seja, que a mulher deseja o estupro e que ela tem prazer no
mesmo ou outras vantagens. o que viola é descrito como descontrolado frente
aos seus impulsos sexuais. Neste caso estes seriam considerados como uma
ocorrência incomum os quais contaminam o modo como a violação tem sido
abordada, manejada e escrita na história dos homens e das mulheres. A violação
deixa marcas na subjetividade feminina de todas as mulheres.
Portanto, diante do fato do estupro a mulher violada sente a dor da perda da
integridade física. A essa dor ainda podemos acrescentar aquelas construídas pela
cultura as quais intensificam as repercussões psíquicas.
Não podemos esquecer que em toda a nossa história o corpo feminino vem
sendo disciplinado e normatizado. Por isso a descrição e imposição de um ideal
estético contemporâneo, em especial para a mulher, que, aliás, vem sendo muito
bem divulgado pela mídia, imprime certos modelos que, inserindo-se em suas
subjetividades, tornam-se escravas de disciplinas e normas quanto a aparência,
moda, conduta e conformação corporal desenvolvendo-se a percepção de carência,
insatisfação e/ou desvalorização em relação a seus próprios corpos.
Zuwick quando fala do estupro e da dominação simbólica em relação a ele
diz:
Em relação ao estupro, a dominação simbólica se expressa no senso
comum que o entende como um ato perpetuado por alguém portador de um
desvio de conduta ou de insanidade mental frente às atitudes propiciatórias
da mulher; que interpela a vítima quanto à sua vida sexual pregressa e que
imprime em seu corpo significados de desvalorização que alteram sua
subjetividade feminina. A vergonha de que deveria ser portador aquele que
a agrediu volta-se contra a mulher e a silencia tornando-a parte da rede que
sustenta a dominação.
52
Sabemos que a violência doméstica é um problema crescente no país. Para
enfrentar essa realidade faz-se necessário cada vez mais novas alternativas.
A estimativa é de que no Brasil, a cada quatro minutos, uma mulher é
agredida. “Os dados da violência que é denunciada indicam que em, 70% dos
casos, o agressor é o próprio marido ou companheiro da vítima e a agressão ocorre
52
GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 89.
30
dentro de casa
53
. Grossi diz ainda que “dados indicam que 23% das mulheres
brasileira estão sujeitas à violência doméstica, sendo que 41% dos homens que
espancam suas esposas também são violentos com os filhos”
54
.
Diante do crescente número de casos de violência contra a mulher no país
torna-se necessário também a realização de um trabalho com os agressores para
que esses possam refletir sobre a violência em suas vidas e construir novos modelos
de relacionamento.
Grossi diz também que “no Brasil, o movimento feminista trouxe à tona, o
problema da violência doméstica, principalmente nas décadas de 70 e 80”
55
. Muitas
mulheres agredidas expressam a necessidade de uma intervenção com todos os
membros da família. Elas manifestam o desejo de ajudar seus maridos ou
companheiros a romperem com o ciclo da violência. Para elas isso não significa o
término da relação e sim encontrar formas para fortalecer esta relação fragilizada.
Sabemos que muitos dos homens que hoje são agressores sofreram violência
na infância ou adolescência ou se não sofreram violência física testemunharam sua
mãe sendo agredida pelo próprio pai. Com isso aprenderam que através da violência
é possível resolver os conflitos interpessoais, ou seja, acham que a violência,
especialmente a violência física é a maneira mais natural de se resolver estes
conflitos. Portanto, se a violência é um comportamento aprendido, também pode ser
desaprendido. Nesse sentido podemos dizer que a realidade que envolve a violência
doméstica contra a mulher é complexa e este processo de mudança cognitiva não
ocorre num espaço curto de tempo, conforme Grossi.
56
E aqui vai uma palavra a favor dos agressores, ou seja, eles devem ser
punidos pela violência que praticaram contra a mulher, mas devem também ser
tratados, porque a maioria desses agressores teve em sua vida experiências fortes
de violência contra eles ou contra as mulheres de sua família, com as quais tiveram
contato direto ou com as quais mantiveram algum relacionamento mais próximo.
53
GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 95.
54
GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 95.
55
GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 96.
56
Cf. GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria
de saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 100.
31
Essa violência presenciada ou vivenciada ele a transfere para a mulher esposa
e/ou filhas – sem muitas vezes ter consciência de seus atos violentos.
É preciso fazer com que todas as instituições e o Estado tomam consciência
da “concepção condenatória de todo o tipo de violência, tanto de gênero, quanto de
raça, etnia, geracional, entre outras”
57
. Sabe-se que muitas instituições infelizmente
são as reprodutoras da cultura, em muitos casos, de violência. Mas por outro lado é
preciso acreditar que a sociedade tem força para romper com essa cultura e pode
transformá-la levando a sociedade a um processo de mudança de concepção de
violência e dar oportunidade às mulheres para que possam reconstruir suas vidas
com bases na autonomia e no respeito.
Geralmente, quando a mulher maltratada vai procurar um serviço de apoio
como: uma Delegacia de Polícia, um grupo de ajuda, uma Instituição Social é porque
ela chegou a um ponto em que a experiência de violência tornou-se insustentável,
onde não é mais possível continuar, pois está prestes a acontecer uma tragédia. A
mulher é muito forte e em geral agüenta por muito tempo a situação de violência,
mas quando decide a o querer mais continuar nesta situação ela diz um basta e
enfrenta o que for preciso para se livrar do agressor.
As experiências das mulheres são moldadas pelo contexto social e por isso
as chamadas questões privadas que dizem respeito às mulheres como a violência
doméstica, o cuidado com os filhos, a sexualidade, entre outros, pertencem também
à esfera pública.
Grossi e Aguinsky dizem “que os tipos de táticas de poder e controle que
caracterizam a violência contra mulheres são também usados em nossa sociedade
para sustentar e reforçar o racismo, a exclusão de idosos e outras formas de
opressão grupais”.
58
Para essas autoras, entre estas táticas encontram-se os maus-
tratos físicos, sexuais, emocionais, econômicos e espirituais: isolamento imposto, o
uso de ameaças e intimidações e o uso de crianças como garantia de manutenção
de relações de subordinação.
57
GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 11.
58
GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 23.
32
Muitas mulheres, por mais que possuam certos direitos perante a lei sentem-
se impedidas de exercer-nos em razão dos constrangimentos baseados, em classe,
raça, gênero, etc. Segundo Grossi e Aguinski a mulher têm direitos, mas isto não
quer dizer que ela possa usufruir com dignidade dos mesmos. Elas argumentam da
seguinte forma:
U
ma mulher pode ter o direito de dar queixa contra seu marido maltratante,
mas ao fazê-lo pode colocar em risco seu status de guardiã dos filhos. Ela
pode ter o direito a um julgamento justo em questões de guarda de menor,
mas pode ser impedida de custear o devido aconselhamento legal. Da
mesma forma, em uma situação tanto de risco no trabalho ou de condições
inadequadas de trabalho, ela tem o direito de firmar uma queixa oficial, mas
ao fazê-lo pode colocar em risco seu emprego, de cuja renda habitualmente
sua família depende. Ela também tem o direito de deixar um companheiro
maltratante. No entanto, se assim o fizer, não apenas ela pode perder sua
principal fonte de suporte econômico, mas arrisca ser retirada de seu
sistema familiar e de suporte social. Mais que isso, uma vez deixando-o, ele
pode, em retaliação, negar pensão aos filhos e, em alguns casos, colocar
seriamente em risco sua possibilidade de permanecer com as crianças.
59
As mulheres vivenciam diariamente a opressão e esta pode ser experienciada
de diferentes formas dependendo do lugar social em que se encontra essa mulher.
Ela pode ser oprimida em razão de seu gênero, de sua raça, de seu status
socieconômico, de sua idade, de sua aparência, de sua orientação sexual, de seu
estado civil, de sua filiação religiosa, de sua filiação partidária, de seu nível de
escolarização, do número de filhos, do local onde reside, do estado de saúde e de
tantos outros que poderiam ser citados aqui que oprimem a mulher. E sempre que
uma mulher está sendo oprimida tem por traz um indivíduo ou um grupo se
beneficiando com essa opressão.
A opressão é algo muito presente na vida da mulher. Neste sentido Grossi e
Aguinski dizem que opressão assim se refere a todas as formas de controle que
impedem o completo avanço e o preenchimento das metas de um indivíduo”.
60
Por mais que as mulheres não considerem como opressão os seus problemas
da vida cotidiana, a opressão assume um papel importante na vida dessas mulheres.
A opressão não se manifesta apenas nos maltratos que elas sofrem nas mãos de
seus esposos/companheiros, mas é quando suas necessidades básicas como a
59
GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 25.
60
GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 25.
33
alimentação, habitação, vestuário, cuidados de saúde, trabalho e renda não são
atendidas. Além disso, a discriminação também é uma forma de opressão. Apesar
de muitas mulheres sentirem-se oprimidas pela sociedade elas encontram na
resistência uma possibilidade. A mulher é capaz de resistir à opressão quando
ela está num processo de conscientização e de fortalecimento, ou seja, não
quando compreende sua sociedade e o lugar que nela ocupa, mas quando ela se
esforça para mudar as relações sociais. Para isso ela precisa reconhecer as forças
do sistema que a oprimem e superar a idéia de que sua falta de poder
61
estánela
ou que depende só dela.
Muitas mulheres submetidas à violência são capazes de resistir á violência
interpessoal de muitas maneiras, entre elas, ameaçam a abandonar os
maltratantes/agressores, tornam-se economicamente independentes, negam-se a
fazer sexo, recusam obrigações diárias, confrontam o comportamento do causador
de maus-tratos, deixam o lar entre outros.
Quando as mulheres se tornam cientes das percepções opressivas da
sociedade que as cercam, elas podem ou não internaliza-las, podem ou não adotá-
las como autopercepção. Caso elas internalizam tais concepções, acabam se
comportando de acordo com o estereotipo. Por outro lado, aquelas que as desafiam
em seus esforços de preservação de sua identidade e não as internalizam,
demonstram sua potencialidade de auto-fortalecimento.
Grossi e Aguinski afirmam que “o conceito de conhecimento contra-
hegemônico é altamente relevante para profissionais que atuam na rede de apoio à
mulher, vítima de violência conjugal”.
62
Assim, a maneira como o profissional define
a situação das mulheres submetidas a violência nas relações conjugais pode levar
essas mulheres a redefinir sua experiência e a ganhar um grau de fortalecimento.
Depende também da maneira como as mulheres definem suas situações podem
predispor os profissionais que prestam os serviços a revisar seus entendimentos
sobre maus tratos de esposas e, assim, consequentemente, modificar suas práticas
de trabalho.
61
Poder é algo que é exercitado mais que possuído. Não está preso a agentes ou a interesses mas “incorporado”
dentro de várias práticas (Foucault).
62
GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 38.
34
Mulheres provindas de diferentes grupos étnicos e raciais experimentam
várias opressões de classe, raça e gênero que seguramente moldam suas
experiências com violência em suas casas.
Para Grossi “a resistência a construção social das mulheres vítimas de
violência é o primeiro caminho para mobilização da mudança”.
63
As mulheres
submetidas a violência nas relações conjugais, sofrem muito e isto faz com que elas
se apropriem de novos conhecimentos sobre elas próprias, e como conseqüência
ampliam sua compreensão de mundo.
A violência de gênero é a mais eficaz forma de domesticação das mulheres.
Grossi quando fala da violência de gênero se interroga e faz-nos refletir sobre esse
tipo de violência
Será possível quantificar o dano do tapa em relação à nádega exposta na
mídia? Será que chegaremos a tempo para ajudar milhões de mulheres a
viverem a refazerem sua auto-estima perdida em anos de relações
humilhantes? Será que o status de problema social hoje dado a essa
violência conseguirá desnaturalizá-la? Será que nossas meninas saberão
dar os limites e dizer não quando o sexo é banalizado e exposto como
bananas na feira?
64
1.2 HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA
Neste item vamos dar preferência ao que tem a nos dizer Jean Delumeau
65
sobre a mulher, a forma como ela era reprimida e o seu sofrimento na história do
Ocidente.
A identificação da mulher “como um perigoso agente de Satã”
66
segundo
Delumeau, no início da Idade Moderna, na Europa Ocidental, deu margem à caça às
feiticeiras. A mulher é considerada como segundo sexo e a atitude masculina em
63
GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 38.
64
GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 11.
65
Jean Delumeau nasceu em Nantes (França), em 1923. É professor de história no Collège de France desde 1975
e responsável pelas coleções “Lês Temps et les Hommes” (Hachette) e “Nouvelle Clio” (PUF). Publicou Rome
ou XVI siècle, La civilisation de la Renaissance, Naissance et affirmation de la Reforme, Lê christianisme va-t-il
mourir? E Lê catholicisme entre Luther et Voltaire.
66
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Schwarcz, 1989, p. 310.
35
relação ao segundo sexo sempre foi contraditória, oscilando da atração à repulsão,
da admiração à hostilidade.
A exaltação à mulher ocorreu da Idade da Pedra aa época romântica. No
início, a mulher era considerada a deusa da fecundidade, “mãe de seios fiéis”, e
“imagem da natureza inesgotável”,
67
conforme nos relata Delumeau. A mulher em
Atenas torna-se a divina sabedoria e com a Virgem Maria, o canal de toda a graça.
Nas sociedades com estruturas patriarcais sempre existiu a hostilidade entre o
homem e a mulher.
A veneração do homem pela mulher foi ameaçada pelo medo do segundo
sexo. No homem as raízes do medo da mulher são mais numerosas e complexas do
que pensava Freud, que o reduzia ao temor da castração. Freud percebia que a
sexualidade feminina é difícil de se estudar de maneira analítica. E é neste sentido
que Simone de Beauvoir “reconhece que o sexo feminino é misterioso para a própria
mulher,”
68
pois a mulher não se reconhece nele e não reconhece como seus os seus
desejos, conforme Delumeau.
Portanto, a maternidade é fonte de mistério profundo para o homem, pois têm
tabus e ritos ligados à grande obra da natureza. Acreditava-se que a maternidade é
o mistério da fisiologia feminina, ligado as lunações.
Neste sentido, o homem é atraído pela mulher, porém, do mesmo modo que é
atraído também é repelido. Segundo Delumeau ele é “repelido pelo fluxo menstrual,
pelos odores, pelas secreções de sua parceira, pelo líquido amniótico, pelas
expulsões do parto”.
69
A mulher era tida como perigosa e impura durante o fluxo
menstrual e quando parturiente, após o nascimento, a mulher precisava se
reconciliar com a sociedade, através de um rito purificador.
O cuidado e os rituais dos mortos em muitas civilizações era considerado
como coisa impura, por isso era dada à mulher, pois ela era considerada impura por
natureza.
Na terra, a introdução do pecado é atribuída à mulher, acusada pelo homem
de trazer a desgraça e a morte. O homem para se ver livre da culpa procurou um
responsável para o sofrimento e para o desaparecimento do paraíso terrestre, por
67
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Schwarcz, 1989, p. 310.
68
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Schwarcz, 1989, p. 311.
69
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Schwarcz, 1989. p. 311
36
este responsável ele encontrou a mulher. O medo da mulher era algo tão enraizado
que o próprio cristianismo o integrou e não é invenção dos ascetas cristãos, pois ele
atrapalhou e durou até o limiar do século XX. Tertuliano ao se dirigir à mulher diz:
“Tu deverias usar sempre o luto, estar coberta de andrajos e mergulhada na
penitência, a fim de compensar a culpa de ter trazido a perdição ao gênero”.
70
Para
Teruliano, a mulher era motivo de perdição para o homem, ela que levava a culpa de
tudo. Ele ainda afirma: “A mulher é a porta do diabo, porque tocou a árvore de Satã
e violou a lei divina”.
71
Pode-se perceber que a austeridade e agressividade excessiva de Tertuliano
camuflavam de certa forma a verdadeira aversão que ele tinha pelos mistérios da
natureza e da maternidade.
segundo São Tomás de Aquino, a mulher foi criada mais imperfeita e por
isso deve obediência ao homem, pois nele é abundante o discernimento e a razão.
Tomás de Aquino considera que o homem desenvolve um papel positivo na geração
e que a mulher é apenas um receptáculo. A mulher por ser considerada um macho
deficiente, um ser débil e por ter cedido às seduções do tentador tem necessidade
do macho para gerar e para governar-se, pois não possui a capacidade de se
governar e por isso permanece sob tutela.
Conforme os eclesiásticos e os canonistas na Idade Média, o sangue
menstrual da mulher tinha um caráter impuro e era carregado de malefícios que
impedia, segundo eles, a germinação das plantas, fazia morrer a vegetação, corroia
o ferro e chegava ao ponto de ser considerado como aquele que provocava a raiva
nos cães. Nesta época, a mulher menstruada era proibida de comungar e até de
entrar na Igreja. Por esse motivo as mulheres não podiam servir a missa, tocar os
vasos sagrados ou terem acesso às funções rituais.
Considerava-se nesta época que o afastamento da mulher trazia tranqüilidade
para o homem, pois ela era considerada um ser predestinado ao mal e para qual, se
deviam tomar precauções. A mulher deveria estar ocupada todo o tempo com sãs
tarefas para que não pensasse ou não agisse mal. Além disso, ela devia ser
castigada, pois era vista como aquela que atraia o homem ao inferno.
70
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Schwarcz, 1989. p. 316.
71
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Schwarcz, 1989. p. 316
37
A mulher era tão desprezível a ponto que Glapion, confessor de Carlos V,
recusar-se em considerar o testemunho de Maria Madalena sobre a ressurreição de
Jesus,
72
segundo Delumeau. Grignion de Montfort citado por Delumeau, no início do
século XVIII, declara guerra a todas as mulheres coquetes e vaidosas, segundo ele
provedoras do inferno:
Mulheres belas, rostos formosos,
Como vossos encantos são cruéis!
Como vossas belezas infiéis
Fazem perecer criminoso!
Pagareis por essas almas
Que fizestes pecar
Que vossas práticas infames
Fizeram afinal cambalear
.
Enquanto estiver na terra,
Ídolos de vaidade,
Eu vos declaro a guerra,
Armado da verdade.
73
O sermão, dirigido aos fiéis, a partir do século XIII, difundiu o medo da mulher.
A preservação da castidade, entre os clérigos ligava-se ao medo da mulher,
considerada perigosa e diabólica. O franciscano Álvaro Pelayo escreveu um
catálogo dos 102 vícios e ações da mulher na sua obra De Planctu Ecclesiae
redigida a pedido de João XXII por volta de 1330. Essa obra manifesta de forma
contundente a hostilidade clerical contra a mulher.
A mulher era acusada de partilhar todos os vícios do homem, e além disso
também tinha os seus próprios vícios. Segundo Delumeau, os argumentos principais
contra a mulher, na obra do franciscano, estão agrupados em sete pontos:
1) Eva foi o começo e a mãe do pecado. Ela significa para seus infelizes
descendentes “a expulsão do paraíso terrestre”. A mulher é então doravante “a arma
do diabo”, “a corrupção de toda a lei”, a “fonte de toda a perdição”.
2) A mulher atrai os homens por meio de chamariz mentiroso a fim de arrastá-
los para o abismo da sensualidade. Objetivando esse engano, ela se maquia e gosta
da dança para acender o desejo sexual. Transforma o bem em mal, especialmente
no seu domínio sexual. Ela se acasala com os animais, aceita unir-se a seu marido a
maneira dos animais. Desposa parentes próximos ou seu padrinho e outras ainda
são concubinas de padres ou de leigos.
72
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Schwarcz, 1989, p. 321.
73
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Schwarcz, 1989, p. 321.
38
3) Mulheres são adivinhas ímpias e lançam mau-olhado. Algumas impedem a
procriação, provocando a esterilidade com ervas e composições mágicas. A falta de
precaução das mulheres leva a sufocar os filhos pequenos deitados com elas em
sua cama. Tornam-se, às vezes, colaboradoras do adultério: entregam virgens à
libertinagem ou ajudam no aborto resultado de fornicação.
4) A mulher é ministra da idolatria, pois faz o homem cometer apostasia.
5) Além disso, a mulher é insensata, lamurienta, inconstante, tagarela,
ignorante, briguenta, colérica, invejosa e quer tudo ao mesmo tempo. Sua cólera é a
mais forte que existe. A sua inveja é citada no Eclesiástico (26) que diz: É mágoa e
dor que uma mulher inveja a outra. E tudo isso é flagelo da língua.
6) O marido não deve confiar na sua esposa, pois pode abandoná-lo, traí-lo
ou envenenar sua vida com ciúmes. Algumas agem contra a vontade do cônjuge,
dão esmolas além do permitido e se vestem de viúvas para não ter relações sexuais
com seu marido. A mulher, quando exerce a liberdade, torna-se tirânica, por isso não
se pode dar autoridade para ela, porque desprezará seu marido.
7) A mulher perturba a vida da Igreja pelo seu orgulhoso e impureza. Assiste
os ofícios divinos conversando e de cabeça descoberta, ela deveria cobrir os
cabelos em sinal de submissão e de vergonha por ter introduzido o pecado no
mundo.
74
Segundo Delumeau no século XII, o monge Bernard de Morlas redigiu o
poema De contemptu ferminae. o qual se divide entre o louvor a Maria, o desprezo
do mundo e a descrição do Juízo final. Esta obra traz no discurso elementos
estereotipados de acusação contra a mulher má, mas que é lançada contra todas as
mulheres. Consiste em queixas contra a deslealdade, o astúcia, a violência do outro
sexo, contra a luxuria desenfreada da mulher, sua arte de se maquiar e de se pintar,
os instintos criminosos que a levam ao aborto provocado e ao infanticídio. É
possível perceber diante de tudo isso que a mulher era tudo de negativo, ou seja, ela
chegou a ser considerada a filha mais velha do Satã, o abismo de perdição. A
mulher é considerada a pior espécie existente na face da terra.
75
74
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Schwarcz, 1989, p. 323.
75
Cf. DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Schwarcz, 1989, p.325.
39
A denúncia contra a mulher é dupla: pela sua malícia e pela sua fraqueza. A
diabolização da mulher faz acreditar que ela seja a causadora dos males do mundo.
Essa visão antifeminista também está presente no discurso eclético no final do
século XVI e começo do século XVII.
A mulher nesta época era julgada como aquela que não estava o bem
provida, quanto os homens, de razão nem de prudência e por essa razão se
acreditava que ela deixava se decepcionar com tanta facilidade pelo demônio. Por
este motivo ela também era vista como o sexo mais suspeito, repleto de paixões
vorazes e veementes e que a concupiscência, o luxo e a mesquinhez eram os
defeitos mais comuns das mulheres.
Conforme Delumeau na opinião de Rabelais a mulher aparece como aquela
que é lasciva, desobediente, indiscreta e curiosa e ele pensa que a mulher não foi
criada apenas para a perpetuação da espécie humana”, mas também para o “social
deleite do homem”.
76
A mulher é ainda vista por Jean Wier como aquela de temperamento
melancólico, débil, frágil e mole e que sua natureza é imbecil e enferma. Neste
sentido, Platão havia se questionado se a mulher deveria ser colocada entre o
número dos humanos ou dos animais. A desvalorização da mulher chegou a tal
ponto que foi cogitado até de ela ser contada ou considerada a nível dos animais.
Mas, por mais que achavam que o homem era o que tinha todos os privilégios
naturais, ele não era capaz de decidir o sexo da criança e sim era Deus que o fazia.
Neste sentido os homens não deveriam se encolerizar contra as mulheres e
companheiras por terem nascido meninas.
Em muitos momentos, ou seja, sempre era afirmado que o homem, macho
era mais digno, excelente e perfeito que a mulher fêmea a qual é imperfeita. Pois a
mulher era na Renascença considerada um “macho mutilado e imperfeito”, “uma
imperfeição, quando não era possível fazê-la melhor”
77
, segundo Delumeau Se
pensava nesta época que em relação a mulher a natureza estabeleceu um estatuto
de inferioridade física e moral. A ciência médica dessa época repete exatamente
aquilo que Aristóteles já havia dito e Santo Tomaz de Aquino corrigido.
76
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Schwarcz, 1989, p. 331.
77
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Schwarcz, 1989, p. 333.
40
Naquela época, médicos e teólogos se apoiavam para desvalorizar a mulher
juntamente com os juristas. Eles “afirmavam a categórica e estrutural inferioridade
das mulheres”,
78
diz Delumeau. Pelo fato das mulheres serem menos providas de
razão que os homens, não era possível confiar nelas. Elas eram rotuladas de
faladoras, principalmente as prostitutas e as mais velhas e que não se podia contar
nenhum segredo a elas porque elas os contavam aos outros e, além disso, se dizia
ainda que isso era mais forte do que elas. Acreditava-se que por serem ciumentas
eram capazes dos piores delitos a ponto de matar o marido e os filhos. Também
eram consideradas mais frágeis que os homens diante das tentações. A mulher era
tida como animal mutável, variável, inconstante, leviana, etc., por isso a sucessão ao
trono da França, por exemplo, ficava com os homens, ou seja, as mulheres não
podiam assumir nenhum cargo político.
Pierre de Lancre também não se surpreende com o fato de que as mulheres
feiticeiras são em maior número do que os homens. Lancre considera que a mulher
é um sexo frágil por mais fácil aceitar as sugestões demoníacas por divinas e que
abundam em paixões vorazes e veementes. O juízo mais pessimista sobre a mulher
está entre os demonólogos leigos. No tribunal, a proporção de feiticeiras é de dez
mulheres para um homem.
Ainda segundo Jean Bodin, os sete defeitos essenciais que levam a mulher a
feitiçaria consistem: na sua credulidade e curiosidade, em ser mais impressionável
do que o homem, na sua maldade, na sua presteza em vingar-se, na facilidade com
que se desespera e na sua tagarelice.
No começo da Idade Média a natureza da mulher sendo, mais má ou mais
leviana que a do homem, coloca juridicamente, mais uma vez, o “segundo sexo” em
uma condição inferior,
79
conforme Delumeau. No culo XIV, na França, se fixou a
lei que pretendia que a coroa não se transmitisse nem às mulheres, nem pelas
mulheres. Na Europa lhe era proibido o acesso da mulher às funções públicas.
Nessa época a mulher não pode ser juiz, pois a mulher por sua natureza não
é provida de constância e descrição. Essa discriminação da mulher chegou ao ponto
de até proibir a professora primária de ensinar os meninos, pois era indecente
mulher ensinar meninos. Alguns tribunais admitiam que o testemunho de um homem
78
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Schwarcz, 1989, p. 334.
79
Cf. DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Schwarcz, 1989, p. 336.
41
valia pelo de duas mulheres, tamanha era a discriminação e desvalorização da
mulher. Bodin assegura que, como testemunhas, as mulheres são “sempre menos
confiáveis que os homens”
80
A mulher casada estava em poder do marido e lhe
devia respeito e obediência. A mulher devia respeito e obediência ao marido, porém
isso, não era recíproco.
no começo do século XVII Farinacci aconselha que sejam apreciados com
maior benignidade a responsabilidade ou culpa das mulheres, principalmente, no
que dizia respeito a uma infração contrária ao direito positivo. Mas esse mesmo
conselho não valia para o direito divino ou humano ou ao das pessoas.
Entretanto, assim na sociedade da Renascença não havia apenas indicações
negativas a respeito da mulher, mas existiam duas linhas de evolução que se
cruzavam, das quais uma era favorável e outra desfavorável ao ‘segundo sexo’,
segundo Delumeau.
81
Na França, as mulheres o podiam reinar sozinhas, mas
exerciam um verdadeiro poder. As esposas de negociantes tinham participação ativa
nos negócios. As leis que favoreciam aos homens também começaram a favorecer a
mulher, como: punição material desapareceu, a separação de corpos se estendeu
também para a mulher, melhorou a proteção dos interesses financeiros da mulher
casada, foi criada a hipoteca legal onerando os imóveis do marido e os bens
adquiridos, com o falecimento do marido, a esposa torna-se a guardiã ou tutora dos
filhos, entre outros.
82
a partir da Renascença, observa-se a determinação do
estatuto jurídico da mulher casada.
Na Idade Moderna, o renascimento do direito humano e a afirmação do
absolutismo agravaram a incapacidade jurídica da mulher casada. O controle do
marido sobre os atos jurídicos da sua esposa tornou-se maior e por isso a mulher
casada não pode mais substituir o marido ausente ou incapaz. A mulher é
considerada como incapaz em si e identificada com um menor. Por ser vista como
incapaz de governar a casa e as coisas do marido ela precisa da ajuda do poder
público para reforçar sua capacidade quando seu marido não o pode ou na ausência
dele. Na Idade Média a ultima palavra sempre era a do marido, isso para assegurar
a disciplina do casal, porque a autoridade do homem estava ligada ao regime de
80
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Schwarcz, 1989, p. 336.
81
Cf. DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Schwarcz, 1989, p. 337.
82
Cf. DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Schwarcz, 1989, p. 338.
42
comunhão de bens. No final do Antigo Regime, a mulher se tornou uma instituição
de ordem pública. O marido era antigamente “mestre e senhor da comunhão” e na
era clássica tornou-se “mestre e senhor de sua mulher”,
83
conforme Delumeau.
Na mesma linha ia a educação de uma menina, pois, nesta época era muito
cruel, ela era espancada, maltratada de todas as formas.
Adam Schubert no livro “Diabo Doméstico” (1565),
84
encoraja os maridos a
usarem o bastão contra a esposa, principalmente se ela for um verdadeiro demônio.
Segundo Schubert este livro foi escrito tendo como objetivo inclinar todas as
mulheres a obediência.
Na França, a partir do culo XVI, é apresentada da mulher uma imagem
alternadamente favorável e desfavorável de modo que uma desmente a outra. A
dona-de-casa é valorizada ao mesmo tempo como companheira afetuosa do marido
e como mãe dos herdeiros deste. Aqui a maternidade é proposta como uma espécie
de equivalente feminino do trabalho masculino.
A mulher é aquela que fia e que tece, aquela que tira água da fonte; aquela
que cozinha; aquela que cuida dos doentes e aos mortos os últimos cuidados
corporais. Mas todas essas ocupações situam-se em um papel menor e na sombra
do homem.
Numa época em que se descobria e valorizava a beleza do jovem corpo
feminino, o fato de ter havido a repulsa pelo espetáculo da decrepitude não tem
nada de surpreendente. Mas, o que merece mais atenção é o que se escondia por
traz do medo da mulher velha e feia. Numa época em que era ensinado que a
beleza é igual a bondade, acreditou-se que decadência física significava
malignidade.
Strey e Grossi dizem que se percorrermos a história universal veremos que
existem várias formas de ocultar a produção social, política e artística da mulher.
Segundo elas, “a revisão desse longo processo de ocultação teve início na virada do
século XIX com as manifestações feministas que foram se constituindo como
movimentos sociais fundamentais”.
85
83
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Schwarcz, 1989, p. 338.
84
Cf. DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Schwarcz, 1989, p. 342.
85
GROSSI, Patrícia K; WERBA, Graziela C. (Org.). Violências e gênero: coisas que a gente não gostaria de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 74.
43
1.3 DADOS ESTATÍSTICOS DE VIOLÊNCIA QUE AFETAM O BRASIL E O MUNDO
Desde a Colonização do Brasil existe a violência. Parece que ele já veio junto
de Portugal. Conforme Telia Negrão “o Brasil estava ainda repartido em Capitanias
Hereditárias. Era pouco mais do ano de 1500
86
, veio de Portugal Ana Pimentel,
mulher de Martin Afonso de Souza para assumir os negócios da Vila de São Vicente.
Durante dez anos Ana dirigiu a principal e mais próspera Capitania do Brasil. Ela foi
a primeira mulher a exercer o poder nesta terra, mas isto foi revelado quando o
Brasil estava completando 500 anos, ou seja, durante todo este tempo reinou a
invisibilidade em relação as mulheres no mundo público e igualmente no mundo
privado.
Porém toda esta história e “as denúncias do inconformismo quanto a sua
condição, a visibilidade social da violência só foi admitida e tratada como uma
questão de Estado quando faltavam cinco anos para o fim do milênio”
87
, ou seja,
somente na Conferencia das Nações Unidas para a Mulher que se realizou em
Beijing, na China, em 1995 é que foi afirmado o conceito de que “a violência contra a
mulher viola os direitos humanos”.
88
Este enunciado é uma conseqüência da luta e da resistência política dos
movimentos feministas que inseriram na Conferencia de Direitos Humanos de Viena
que ocorreu em 1993, a declaração de que “os direitos das mulheres o direitos
humanos”.
89
A partir disso, na ONU (1995), surgiu o seguinte conceito de violação dos
direitos humanos:
É violação dos direitos humanos todo e qualquer ato baseado no gênero
que resulte ou possa resultar em dano físico, sexual, psicológico ou em
sofrimento para a mulher, inclusive ameaças de tais atos, coerção ou
86
Cf. GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.). Violência e gênero: coisas que a gente não gosta de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 09.
87
GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.) Violência e gênero: coisas que a gente não gosta de saber.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 10.
88
GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.) Violência e gênero: coisas que a gente não gosta de saber.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 10.
89
GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.) Violência e gênero: coisas que a gente não gosta de saber.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 10.
44
privação arbitrária da liberdade, podendo ocorrer em público ou na vida
privada.
90
Estatísticas mostram números alarmantes de casos de violência em todo
mundo. Nas pesquisas norte-americanas, por exemplo, 95% das vítimas de violência
sexual são mulheres. Destas 75% com idade menor de 30 anos e as que conhecem
seu agressor fica entre 65 a 80%. A maioria dos casos, ou seja, dois terços dessas
agressões ocorrem nas próprias casas das vítimas, isto é, nos lugares considerados
seguros pelas vítimas. Em 60% os violadores são homens com vida sexual normal.
Nos Estados Unidos, diz Zuwick o índice oficial é de 34,4 estupros por 100
mil habitantes e os casos são mais numerosos entre os negros e os pobres, chega a
ser até sete vezes mais numeroso.
91
Calcula-se que uma em cada quatro mulheres
sofrerá violência sexual durante a sua vida. Este número dobra se forem
considerados os ataques praticados pelos próprios maridos, companheiros.
Ainda nos Estados Unidos, em 1985, pesquisas mostram que de 10-14% dos
casamentos apresentaram episódios de violência causados pelo próprio marido e
neste caso não foram levados em conta a grande maioria das mulheres que nem
chegam a denunciar a violência sofrida e outras nem a detectam como tal pelo
direito conjugal que é algo socialmente assumido pelos homens.
Já no Canadá, a cada 6 minutos uma mulher é abusada sexualmente e
desses apenas um é denunciado. Na África do Sul em média 50 mil violações por
ano. Este é o local onde acontecem mais casos de violência no mundo. Sendo assim
os índices ficam em 104,1 estupros por cada 100 mil habitantes.
“O crime de estupro fez 15.106 casos em 1999”, segundo o Ministério da
Justiça, diz Zuwick, o que significa que apenas um caso e meio foi denunciado como
sendo uma violência.
92
A mulheres sempre tiveram que suportar o peso de sua natureza de ser
mulher. Como observamos, o Brasil Colonial não foge a essa regra comum a todos
90
GROSSI, Patricia K.; WERBA, Graziela C. (Org.) Violência e gênero: coisas que a gente não gosta de saber.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 10.
91
cf. GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.) Violência e gênero: coisas que a gente não gosta de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 85.
92
GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.) Violência e gênero: coisas que a gente não gosta de saber.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 85.
45
os países, onde a mulher é considerada “objeto de cobiça”
93
dos desejos sem freios
de seu marido/companheiro.
No Brasil, a cada quatro minutos uma mulher é agredida. Nos casos da
violência denunciada o agressor é o próprio marido/companheiro. E a vítima é
agredida dentro de casa. Das mulheres brasileiras, 23% estão sujeitas a violência
doméstica segundo a Sociedade Mundial de Vítimas, e 41% dos homens que
agridem suas esposas ou companheiras também são agressivos com os filhos. E
neste caso, pelo menos um terço dessas crianças mais tarde vão reproduzir essa
violência tornando-se um círculo vicioso.
Ribeiro diz que “o Brasil se mantém no triste recorde de violência, assumindo
o primeiro lugar, com 300 queixas diárias, nas delegacias de polícia, de violência
contra as mulheres”.
94
O autor está preocupado com uma realidade que é muito
grave. Se todos os dias há um número tão grande de registro, podemos imaginar
que este número de violências é muito maior ainda. Num outro momento o mesmo
autor comenta dizendo que existe um outro triste recorde no Brasil: “o Brasil ocupa o
primeiro lugar em prostituição infantil na América Latina. E o segundo lugar em todo
o mundo com 500.000, de acordo com os dados do Ministério do Bem-Estar
Social”
95
. É uma vergonha, mas o Brasil perde para a Tailândia na questão da
prostituição infantil.
O Rio Grande do Sul ocupava em 1998, a vice-liderança de casos
registrados. Registrou-se 1197 casos em 1999 nos primeiros seis meses. nos
primeiros cinco meses de 2000 foram registrados 315 casos. Estes índices que são
altos mostram que ou a sociedade é propensa ao delito da violência sexual ou as
mulheres gaúchas estão conscientes da necessidade e legitimidade do registro de
ocorrências deste tipo
96
nos mostra Zuwick.
Diante de todos esses fatos o silêncio e a busca do esquecimento tem sido a
reação mais freqüente em relação à violência sofrida.
Ao concluir este capítulo não poderíamos deixar de mencionar uma lei que é
fundamental para as mulheres. Esta lei vem como uma proposta de enfrentamento
93
RIBEIRO, Zilda F. Prostituição e estupro no período colonial. In Concílium 252 1994/2, p. 194.
94
RIBEIRO, Zilda F. Prostituição e estupro no período colonial. In Concílium 252 1994/2, p. 194.
95
RIBEIRO, Zilda F. Prostituição e estupro no período colonial. In Concílium 252 1994/2, p. 194.
96
cf. GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. (Org.) Violência e gênero: coisas que a gente não gosta de
saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 85
46
da violência contra a mulher e com o objetivo de garantia dos direitos dessa mulher.
Portanto, para as mulheres no aspecto legal, uma grande conquista atual é a Lei
11.340, de 7 de agosto de 2006. Essa lei foi batizada como Lei Maria da Penha em
homenagem a uma mulher que muito sofreu a violência e que não se acomodou
diante do sofrimento, mas lutou e venceu apesar das graves seqüelas deixadas no
corpo e na alma dessa mulher em conseqüência das agressões sofridas por parte de
seu marido. Neste sentido, Fabrício da Mota Alves, advogado em Direito Tributário e
Assessor do Senado, diz que:
A recém-batizada Lei Maria da Penha selou o destino de milhões de
mulheres vítimas de violência doméstica e familiar do Brasil. A partir da
tragédia pessoal de uma cidadã brasileira, vítima de agressões que
deixaram marcas permanentes na alma e no corpo.
97
A Lei Maria da Penha é um estatuto de combate à violência doméstica e
familiar que é o tipo de violência mais grave que ocorre contra as mulheres no Brasil
e no mundo. Esta lei modifica hoje as relações entre mulheres vítimas de violência
doméstica e seus agressores. A agressão hoje é crime e os agressores são
processados e punidos por seus crimes. Ainda segundo ALVES, essa
lei é fruto de vários anos de discussão entre Governo brasileiro e a
sociedade internacional e também de um apelo de milhões de mulheres
brasileiras vítimas de discriminação por gênero, de agressões físicas e
psicológicas e de violência sexual, tanto dentro como fora do seio familiar.
98
A Lei Maria da Penha em seu artigo 2º diz que:
Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual,
renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as
oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde
física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
99
Através desta lei se criou mecanismos para coibir e prevenir a violência
doméstica e familiar contra a mulher.
97
www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8764 Acesso em 10/06/09.
98
www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8764 Acesso em 10/06/09.
99
Lei Nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Artigo 2º, Titulo I, Disposições preliminares.
2 A PROPOSTA CRISTÃ: DE VÍTIMA A DISCÍPULA E MISSIONÁRIA
Neste capítulo apresentaremos a proposta cristã que oferece algumas
possíveis alternativas para resolver a problemática da questão da violência contra a
mulher apresentada no primeiro capítulo. Essa proposta inicia situando a mulher em
Israel, depois trata das mulheres que seguiram Jesus e por fim fala das mulheres
líderes de comunidades cristãs.
2.1 MULHERES NA HISTORIA DE ISRAEL
Falar das mulheres na história de Israel não é um assunto tão fácil, mas se
olharmos a partir do Antigo Testamento percebemos que no Oriente predominava
uma mentalidade muito preconceituosa contra a mulher. Na verdade, podemos
observar que em Israel esta concepção se reflete em várias ocasiões ou maneiras
tais como: através da tradição oral, dos livros sagrados e dos comentários dos
rabinos.
E Tepedino ao falar da discriminação da mulher no judaismo diz que: “a
discriminação sexual existente no povo judeu aparece sob todas as formas
imagináveis: literárias, históricas, simbólicas, religiosas e políticas”
100
. Além disso,
ela lembra que “as raízes desta discriminação são múltiplas, porém, as mais
originais são de índole sexual andromórfica”.
101
Existem várias discriminações contra a mulher, mas na classificação de
Tepedino as mais relevantes são: a projeção do gênero masculino em Deus, a
deficitária biologia e fisiologia da mulher, a circuncisão limitada ao sexo masculino,
uma leitura parcial do livro do nesis, o aspecto legal e as prescrições em relação
à natureza da mulher. Na seqüência serão apresentadas estas seis discriminações
contra a mulher:
102
a) A projeção do gênero masculino em Deus: os atributos a Deus são sempre todos
masculinos, como poder, glória, etc. Também podemos observar que em toda
100
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 67.
101
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 67.
102
Cf. TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 67.
48
história bíblica os personagens são sempre homens: reis, profetas, sacerdotes,
juízes e sábios. Jesus, o filho de Deus se encarna num homem e trata Deus como
Pai. Neste sentido a autora, citada anteriormente, se pergunta: diante desta
dominação simbólica como pode a mulher querer ter um lugar?
b) Uma deficitária biologia e fisiologia: parece ter sido produzida na época em que a
participação da mulher no ato gerador era considerada secundária e acidental. Por
mais que a união de ambos os sexos fosse imprescindível para a origem da vida, na
verdade acreditava-se que o homem tinha potencial sexual e poder criador e que
por isso ele gerava a vida. A mulher, na época era relacionada com a fertilidade,
porém o de forma ativa e sim passiva. O valor e a única dignidade da mulher
estão fundamentados na função maternal (cf. Dt 25,5; Gn 24,60; Lv. 19,31; 1Sm 1,6;
Sl 113,9) e a esterilidade é uma maldição (cf. Gn 29,21-30,24);
c) A circuncisão limitada ao sexo masculino entre os judeus, exerceu um papel
fundamental, pois era interpretada como sinal de justiça da fé mosaica;
d) A leitura parcial do livro do Gênesis leva a discriminação. Por mais que alguns
autores, atualmente, ainda falem “que os relatos da criação colocam as mulheres
numa situação subordinada, a maioria dos exegetas, (...), provam que a intenção
dos autores sagrados tanto o sacerdotal (P) como o javista (J) era no sentido de
mostrar a igualdade dos sexos”.
103
Mas por outro lado sabemos que durante séculos
a mulher foi considerada ontologicamente inferior ao homem, porque foi criada
depois que o homem. Neste sentido, Gn 3 foi interpretado como sendo o relato que
coloca a mulher como a pecadora que levou o homem a pecar. Assim, o pecado do
mundo foi posto nos ombros da mulher e por ela ser culpada do pecado é que foi
considerada eticamente inferior ao homem;
e) No aspecto legal, a discriminação ocorre em função deste aspecto, porque a
mulher é considerada uma pessoa sem direitos legais. Isto pode observar-se no
retrato que as leis do Antigo Testamento fazem da mulher. Nestas leis a mulher é
considerada em tudo inferior ao homem, como objeto (cf. Ex 20,17), e por isso deve
estar sob o domínio dele: do pai, dos irmãos ou do marido. Com isso a mulher era
vista como a dependente numa sociedade toda centrada e dominada pelos homens.
A mulher, nesta época, era afetada pelas proibições da lei e submetida a todas as
103
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 67.
49
determinações de natureza civil ou criminal. Era excluída de todos os ministérios
cultuais (cf.1Sm 1,3-5; Ex 23,17) pois era considerada como aquela que com
facilidade se inclina a idolatria. Por esse motivo ela não era obrigada a rezar três
vezes por dia como os homens, também não precisava morar em cabanas na festa
das Tendas, e não tinha a obrigação de peregrinar a Jerusalém nas festas da
Páscoa e da colheita (cf. Ex 34, 23), não tinha necessidade de participar da festa do
Purim (cf. 2Mc 15,35) nem do dia da Reconciliação. A mulher não podia estudar a
Torah por ser analfabeta, e esta é uma conseqüência desta legislação
discriminatória;
f) Prescrições com relação a natureza da mulher: esta discriminação se dava em
função das prescrições com relação a natureza da mulher, ou seja, a sua
menstruação a deixava impura por sete dias. A mulher menstruada afetava a vida
dela e a da casa, tanto os objetos como as pessoas por ela tocadas tornavam-se
impuras (cf. Lv 15,19-24). Também não é diferente com eventual hemorragia (cf. Lv
15,25-30). Em relação ao parto a situação era ainda pior porque a mulher ficava
impura durante 40 dias se o filho fosse menino e 80 dias, ou seja, o dobro se fosse
menina (cf. Lv 12,2-8). Portanto, “só o nascimento de um menino trazia alegria ao
lar, pois, o nascimento de uma menina era causa de tristeza e preocupação” (cf.
Eclo 42,9-10).
104
Aqui até poderia ser visto como uma forma de garantir o descanso
pós-parto, mas o fato da mulher ficar impura o dobro quando nascia uma menina
mostra discriminação.
Tepedino fala da legislação do matrimônio vigente nesta época que é um
aspecto importante que descrimina a mulher e diz que:
A legislação matrimonial também é um importante elemento discriminador: a
menina é considerada menor até os 12 anos, mas aos 12 ½ já é maior.
Como é inconcebível uma mulher não casar, ao entrar na puberdade, o pai
logo lhe arranja um marido (que ela não pode recusar mesmo que o
escolhido tenha um defeito físico). Fazem um contrato pelo qual o noivo
paga ao pai da moça uma quantia e começa então o período de noivado
que dura um ano, quando ela então irá morar com a família do noivo e se
consuma o casamento. Passa a ser posse do marido a quem trata de
senhor (Ba´al). Suas obrigações são as tarefas domésticas. No sábado
todos devem descansar exceto as mulheres (cf. Ex 20,8s; Dt 5,12s).
105
104
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 69.
105
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 69.
50
A discriminação contra a mulher era tamanha que ela não podia ser
identificada por ninguém e para isso ela podia sair de casa em casos de extrema
necessidade e assim mesmo ela devia sair com véu na cabeça e no rosto. Além
disso, não podia falar com nenhum homem e caso falasse era acusada de adultério.
Era obrigatório para a mulher a observação da fidelidade conjugal. O homem só
não podia cometer adultério com mulher casada, mas em as demais mulheres não
existia nenhuma lei que o proibisse. O homem poderia pedir divórcio pelos motivos
mais fúteis, desde não gostar da comida até encontrar uma mulher mais jovem que
lhe interesse, diz Tepedino. A poligamia era permitida ao homem. Porém, à mulher
cabia apenas suportar essa situação.
A “lei do levirato”
106
(cf. Dt 25,5-10) é outra forma de descriminação da
mulher, pois, esta obrigava a cunhada solteira casar-se com o cunhado viúvo,
mesmo que essa não quisesse, para que não se extinguisse o nome da família em
Israel. Também a cunhada viúva tinha que se casar com o cunhado exceto se ele
não quisesse (cf. Dt 25,5s).
Em questão de herança, as mulheres podiam herdar se casassem com
alguém do mesmo clã. Em caso de morte do marido quem assumia a tutela era o
filho mais velho.
Na tradição deduziu-se que a mulher, retirada do lado do homem, tenha uma
realidade de inferioridade e de subordinação, embora também feita à imagem de
Deus.
Mesmo que sempre houvesse uma prática de subordinação, houve uma
igualdade entre homem e mulher em documentos. Podemos citar, como exemplo, o
mandamento de honrar pai e mãe (cf. Ex 20,12; Dt 5,16) que reconhece a mulher
como igual ao homem no seu papel de mãe, o qual tem a máxima importância
porque sua função essencial está representada pela função procriativa na sociedade
desta época.
Sabemos que no Antigo Testamento houve mulheres que desafiaram o status
subordinado destinado a elas na cultura hebraica e como exemplo temos as quatro
chamadas profetizas: Mirian(cf. Ex 15,20-21), Débora (cf. Jz 4,4-6), Huldah (cf. 2Rs
22,14-20) (século VII aC) todas consideradas canais autorizados da verdade divina e
106
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 70.
51
Noadiah (cf. Ne 6,14) (século V aC) que é mencionada como a falsa profetisa.
Porém, em nenhum momento lhes é dada alguma especial atenção pelo fato delas
serem mulheres.
Na história de Israel a única profissão religiosa aberta às mulheres era a
profecia. No entanto, as mulheres exerceram função no culto no período primitivo,
conforme o relato de Miriam ao lado de Aarão que era sacerdote (cf. Nm 12,1-2) e a
referência ao serviço das mulheres na festa das Tendas (cf. Ex 28,8; 1Sm 2,22).
Mas esta abertura para as mulheres no culto, segundo Tepedino, “foi fechada por
uma forte reação durante o período da monarquia por causa das práticas religiosas
dos canaanitas, especialmente os ritos de fertilidade que envolviam pessoas
femininas no culto”.
107
No Antigo Testamento encontramos freqüentes e variadas citações referentes
a prostituição sem nenhuma avaliação moral explicita e isto nos leva a pensar que o
comércio da prostituição não era considerado denegridor em Israel (cf. Js 2,1; Jz
16,1; 1Rs 3,16), mas na verdade a prostituição sagrada e a magia eram dois
pesadelos na vida de Israel. Levítico 19,29 proíbe a prostituição e pede que não seja
profanada a própria filha prostituindo-a. Isto sugere certa generalização de um
costume indigno. Nesta época, somente os sacerdotes eram proibidos de casar com
tais mulheres, isto é, com prostitutas (cf. Gn 34,31) bem como com as violadas e
repudiadas (cf. Lv 21,7).
Tanto na antiguidade como hoje em dia, a maioria das prostitutas eram ou
são mulheres empobrecidas não especializadas. Essas mulheres prostitutas eram
encontradas na maioria das cidades, viviam com geralmente em bordéis e casas
ligadas a templos. Elas eram escravas, filhas que foram vendidas ou arrendadas por
seus pais, esposas que eram arrendadas por seus maridos, mulheres pobres,
meninas expostas, as divorciadas ou viúvas, mães solteiras. Portanto, eram todas
mulheres que não tinham e não podiam ter meios de sustento em sua posição na
família patriarcal ou então as que tinham de trabalhar para viver, mas não podiam
entrar em outras profissões.
Por outro lado, os profetas utilizam com freqüência a imagem da prostituição
para expressar a infidelidade e o pecado do povo em relação à Javé (cf. Jr 3,3; Os
107
Cf. TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 73.
52
1,2). Assim, o povo de Israel é considerado a esposa amada por Deus que, mesmo
infiel, o Senhor não abandona.
Algumas mulheres foram banidas de Israel com seus companheiros porque
eram acusadas de praticantes das artes ocultas como exercendo a função de
médiuns e feiticeiras (cf. 1Sm 28,7; Ex 22,18; Dt 18,10; 2Cr 33,6).
Tepedino diz que “o preconceito contra a mulher era tanto, que foi codificado
no século II pelo Rabi Simeon Bem Jochai, neste refrão: ‘a mais virtuosa das
mulheres é uma bruxa’”.
108
Portanto, faz-se necessário buscar uma visão mais positiva da mulher no
Antigo Testamento, ou seja, fazer um exame cuidadoso com o objetivo de descobrir
mulheres que mostram que tem capacidade e juízo independente e exerçam uma
influencia significativa. Para tanto podem ser mencionada Atalia que governou como
rainha sobre Judá de 842 a 839 aC. Tanto ela, como Jezabel demonstrou iniciativa,
coragem e independência.
Em tempos críticos na história política e militar de Israel as mulheres notadas
pela sua sabedoria eram consultadas (cf. 2Sm 14,1-20 e 2Sm 20,14-20). Possível
citar neste sentido dois incidentes descritos por Samuel onde as mulheres são
consultadas (cf. 2Sm 14,1-20 e 2Sm 20,14-20). Neste contexto a criança Moisés é
salva pela cooperação de sua mãe e irmã com as mulheres da casa real do Egito (cf.
Ex 2,1-16).
Em Israel muitas mulheres corajosas arriscaram tudo pelas suas convicções,
não aceitaram a prostituição, chegando ao ponto de desobedecer seu maridos. Em
relação a isso Tepedino nos fala da seguinte forma:
As histórias de Vashti, Ester e Rute receberam uma significativa
reinterpretação condicionada pela concepção contemporânea sobre os
status da mulher na Igreja e na sociedade. Vashti na tradição judeu-cristã
posterior foi louvada pela sua desobediência ao seu marido (cf. Est 1,10-
12), assim como demonstra uma notável coragem ao recusar adulterar
diante de um grupo de homens bêbados. Ester, por outro lado, é celebrada
por usar sua beleza e comportamento como uma esposa exemplar para
salvar o povo judeu. O que somos encorajados a ver nas duas histórias é
que as mulheres se arriscaram por suas convicções, umas desobedecendo
seus maridos, outras não
109
.
108
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 74.
109
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 74.
53
Seguidamente Rute, assim como Ester, é citada como modelo de papel
apropriado para uma mulher. Rute, uma das mulheres corajosas fez escolhas
radicais e desafiou os costumes, por isso é importante focalizar mais os meios nos
quais ela dá forma ao seu próprio destino do que na sua dependência a Booz.
Portanto, Rute, ao escolher ficar com a sogra ela escolheu outra mulher, num mundo
onde a vida depende e gira em torno dos homens.
Neste contexto a história de Rute e a de Tamar (cf. Gn 38) nos ajudam a
descobrir o papel decisivo e controvertido das mulheres como participantes da
aliança.
De modo geral em Israel a mulher era considerada inferior ao homem, tanto
legalmente, social e religiosamente não contava como pessoa. Essa mulher era
contada na sua função de mãe e de ajudante do homem. Mas, por mais que o
homem se sinta onipotente na vida do dia-a-dia, é possível perceber a presença
significativa da mulher na vida do povo. Essa presença é perceptível através de
algumas mulheres que exerceram liderança inclusive política em benefício da
comunidade e não em benefício de si próprias.
Tepedino ainda lembra que “alguns autores percebem dois filões de tradição
na Bíblia, um contra a mulher (que é majoritário) e outro a favor da mulher”
110
que
algumas vezes faz surgir uma imagem positiva.
Algumas comunidades começaram a dar às mulheres, mais liberdade na vida
social e religiosa, talvez influenciadas pela cultura grega e romana. Assim, algumas
mulheres se tornaram líderes nas sinagogas em alguns lugares e, além disso,
indicações de que em algumas ocasiões elas conseguiram o divórcio de seus
maridos a pedido delas mesmas.
Os judeus, para manter sua identidade e unidade segregavam mais a mulher,
com isso eles mantinham o patriarcalismo, o qual se tornou mais rígido no
ensinamento dos rabinos. Por isso a literatura rabínica olha a mulher como social e
religiosamente inferior ao homem e muitas vezes até expressa desprezo por ela.
“Um rabi do culo I aC escreveu: ‘É melhor deixar a Torah queimar do que ser
ensinada a uma mulher’”
111
.
110
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 75.
111
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 76.
54
O filósofo judeu Fílon diz que à mulher cabe ficar em casa e levar vida
retirada, pois “os negócios, conselhos, tribunais, procissões, festivais, reuniões sobre
a vida pública com suas discussões e assuntos, na paz ou na guerra”
112
são coisas
que competem ao homem.
Segundo a interpretação do exegeta e filósofo Filon o homem é a imagem de
Deus. Neste caso a mulher deve se submeter ao homem, não para ser humilhada,
mas porque foi a ele que Deus deu o poder. Portanto, sua liberdade deve ser
limitada e colocada sob a tutela do homem como uma eterna menor de idade. A
idéia que se tinha nesta época é que a alma é composta de uma parte masculina
que é esperta, profunda, prudente, piedosa, cheia de liberdade e bondade e amante
da sabedoria e uma parte feminina que é irracional e disposta às paixões selvagens,
medo, prazer e desejo de onde brota uma fraqueza incurável e doenças
indescritíveis.
Tepedino diz que “esta explicação ideológica da inferioridade feminina
divulgada pelo exegeta e filósofo Filon foi sem dúvida o legado antifeminista mais
importante que o judaismo transmitiu à tradição cristã”
113
.
A situação da mulher foi se tornando cada vez pior na medida em que o povo
começou a se acalmar e construir cidades, e como conseqüência o homem foi
assumindo mais e mais instrumentos de poder social e a situação da mulher se torna
ainda pior. Esta evolução esvinculada em parte ao desaparecimento de um tipo
de civilização agrária na qual a mulher, por causa do trabalho no campo, desfruta de
uma certa liberdade. Na Grécia ocorreu o mesmo, ou seja, a urbanização conduziu
aos poucos ao encerramento bastante comum das mulheres no gineceu. Por mais
que a mulher, na história de Israel, nunca tenha gozado de uma grande liberdade,
mesmo assim, a sua situação era bem mais favorável em épocas mais antigas. E
para piorar ainda mais esta situação social era reforçada por motivos religiosos. “A
estrutura teocrática do povo judeu investia a segregação da mulher de uma “carga”
religiosa muito dura”
114
.
Para os israelitas o culto era algo essencial, porém, as mulheres não tinham o
direito nem de penetrar na parte central do templo porque ele estava inteiramente
112
20 aC – 54 dC
113
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 76.
114
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 77.
55
nas mãos dos homens. na própria estrutura do templo de Jerusalém que foi
reconstruído por Herodes
115
é possível perceber a evolução antifeminista, pois não
havia separação entre homens e mulheres nos templos antigos, e no templo
reconstruído e que Jesus conheceu as mulheres eram relegadas ao exterior do átrio
dos homens.
No judaísmo da época de Jesus, a condição feminina estava muito
desconsiderada, e a mulher nessa época merecia escassa estima e era mantida à
margem da vida social e religiosa.
Tepedino diz que “no livro dos Provérbios a mãe é descrita em termos
positivos. Mas aqui o termo mãe não se refere primeiramente à função reprodutiva,
mas ao seu papel na alimentação e educação da criança”.
116
Neste sentido, a
mulher não é somente o útero que gera, mas é também a fonte da sabedoria
essencial à vida.
No livro dos Provérbios a mulher que é vista como uma boa esposa ou uma
mulher de qualidade é considerada uma coroa para seu marido (cf. Pr 31,10). Esta
mulher, coroa de seu marido, contrasta com a mulher que traz vergonha e degrada a
reputação de seu marido (Pr 12,4). Além disso, Provérbios a descreve também como
mulher prudente (cf. Pr 19,14) e graciosa (cf. Pr 11,16). Segundo esse livro, obter
uma mulher com essas qualidades é um dom de Deus (cf. Pr 18,22; 19,14).
Segundo Tepedino “as mulheres não são simples objetos sexuais no livro de
Provérbios; são pessoas com inteligência e vontade que ajudam a construir ou a
destruir o homem”.
117
Portanto a mulher é vista como aquela que tem força tanto
para ajudar o homem como para destruí-lo, isto é, ela tem inteligência e vontade
próprias.
Naquela época, as mulheres eram consideradas como caracteres menores
necessários ao enredo que envolve os homens: eram mães, enfermeiras e
salvadoras dos homens. Eram consideradas ainda objetos ou recipientes dos
milagres realizados por e para os homens. Eram as confessoras do poder da
sabedoria e necessárias, mas em geral, a história é raramente sobre elas.
115
Século I aC.
116
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 71.
117
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 72.
56
Se observarmos os livros sapienciais podemos perceber que de modo geral
eles mostram esse exarcebado espírito antifeminista. Neste sentido Eclesiástico diz
que: “a maior malícia não é nada comparada com a malícia da mulher: oxalá
aconteça com ela o mesmo que aos pecadores... vale mais malícia de homem que
bondade de mulher” (cf. Eclo 25,17; 42,14).
Nessa época as mulheres continuavam a viver excluídas da vida religiosa que
era o importante para os judeus. Por um lado elas eram obrigadas aos mesmos
preceitos, por outro elas eram alinhadas na trilogia: mulheres, escravos, crianças e
por isso, dispensadas das maiorias das atividades religiosas.
Neste sentido é compreensível o desprezo com relação às mulheres que vai
mais tarde ser codificado pelo rabino bem Jehuda na oração que os israelitas faziam
três vezes ao dia a Yahweh: “Louvado sejas por não me ter feito gentio! louvado
sejas por não me ter feito mulher! Louvado sejas por não me ter feito ignorante!”
118
.
Os homens tinham que se separar das mulheres para rezar, pois a mulher
casada era considerada um obstáculo a oração do marido, por mais que na história
de Tobias na noite das bodas ele reze com sua esposa. Realmente as mulheres não
contavam para nada nas sinagogas e era permitido aos homens ler a Lei e os
Profetas.
A exclusão da mulher da vida religiosa que definia a vida cotidiana da época
se traduzia por inúmeras proibições e incapacidades da vida social. Era, portanto,
impensável nesta época que uma mulher falasse na sinagoga e como conseqüência
ela não podia atuar como testemunha. A mulher era tão excluída que o rabinismo
proibia ao homem de conversar com as mulheres, ou seja, permite apenas
conversação, estritamente, necessário com a própria esposa.
A opressão da mulher era tanta que no judaísmo tardio elas eram proibidas
até mesmo de servir as comidas às refeições em que participavam convidados, pois,
tinham medo que pudessem exercer alguma influencia pelo fato de escutarem
conversas enquanto estavam servindo.
A mulher, conforme as regras e os comportamentos em vigor nessa época era
considerada uma anomalia e não anomalia mas uma ameaça a ordem sagrada.
118
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 78.
57
Elas eram excluídas da ordem sagrada cada vez que não estavam sob controle
patriarcal.
No mundo grego e romano a independência e autonomia das mulheres eram
definidas mais pelo status social e pertença a uma classe que pelo seu papel sexual.
Em Israel e no tempo de Jesus as mulheres eram excluídas da sociedade e
da vida religiosa e hoje em dia não é muito diferente. Vejamos o que nos diz Gebara
a este respeito:
Podemos dizer que os homens sentem-se à vontade no cristianismo e que
somos nós, as mulheres, que buscamos espaços e significados que
satisfaçam nossas perguntas e nossas buscas de sentido. Cada vez mais
estamos convencidos da dificuldade de encontrar espaços institucionais
religiosos onde uma justiça nas relações entre os corpos femininos e
masculinos possa, de fato, existir. Não há, contudo, de se desesperar, há de
ser fiel à dignidade que habita em nós
119
.
As mulheres no judaísmo rabínico são classificadas com filhos e escravos
para fins religiosos legais, nas narrativas bíblicas sobre as mulheres elas não
eram consideradas como menores e escravas na vida do dia-a-dia. Mulheres
bíblicas, como Rute, Ester, Ana ou a mãe dos sete filhos mencionados em 2Mc são
caracterizadas com papéis e comportamentos femininos típicos.
A autonomia econômica das mulheres e seus papéis determinam o status real
sociorreligioso delas. As injunções prescritas para comportamento apropriado
“feminino” e submissão crescem na medida em que cresce o real status
sociorreligiosos e o poder das mulheres dentro do patriarcado. Neste sentido, a
independência e a autonomia das mulheres são geralmente limitadas, não apenas
por papéis sexuais, mas também por status social e por pertença de classe. As
mulheres judias partilhavam dos privilégios e limitações impostas sobre as mulheres
na cultura dominante de seu tempo.
Desenvolveu-se uma compreensão negativa das mulheres, por isso, elas são
consideradas ocasião de pecado para anjos e homens. O homem intelectual de
classe média era avisado para ser muito cauteloso e desconfiado no trato com as
mulheres. Mas a análise feminista mostra que a atitude dos homens de classe média
pode encontrar-se em diferentes épocas e em várias sociedades.
119
GEBARA, Ivone. Corporeidade e Teologia. SOTER. Paulinas: São Paulo, 2005, p.117.
58
Judite nos revela algo sobre a situação e o papel das mulheres no momento
em que o livro foi escrito e lido. Ela era livre e se recusou a casar-se e por isso podia
consagrar sua vida à oração, à ascese e a celebração do Sabath. Convocava os
anciões da cidade e para isso ela tinha autoridade. Ela ia contra os erros dos
anciões ao julgar e a maneira de se conduzir diante do inimigo (cf. Jd 8,11). Todos
ficavam encantados com sua beleza e isto quer dizer que ela o usava véu para
sair de casa (cf. Jd 10,7). Judite usou essa beleza contra seus inimigos e os venceu
(cf. Jd 11,21). Diante de tudo isso, Judite é apresentada como tendo uma sabedoria
inteligente, uma fidelidade à piedade e um devotamento profundo à causa de seu
povo. Ela revela que o Deus conosco é o Deus dos oprimidos e desesperados (Jd
13,11).
Judite é uma mulher que luta com as suas armas, ou seja, com as armas de
uma mulher, e o é definida por sua feminilidade, porém ela a usa para os seus
próprios fins. Ela não aceita essa determinação de beleza e comportamento
femininos, mas a usa contra os inimigos varões que a reduzem a mera beleza
feminina. A definição mais correta para Judite e suas qualidades pessoais: sabedoria
inteligente, piedade observante, observação astuta e fiel dedicação à libertação de
seu povo. Três coisas chamam muita atenção em Judite: suas observações
ardilosas, sua beleza encantadora e seus planos traiçoeiros.
As mulheres no tempo de Judite são vistas pelos inimigos varões como mero
acessórios e capital para os homens. Portanto, neste tempo não reconhecem que os
seus verdadeiros inimigos não o varões de Israel os quais são caracterizados
como fracos e temerosos. A grandeza de Judite e sua capacidade de solicitar a
imaginação judaica da época são percebidas quando é percebida a ironia
feminista. Fiorenza continua e diz que “’Judite não é nenhuma fraca, sua coragem,
sua confiança em Deus e sua sabedoria (...) resgatam o dia para Israel’”
120
.
Assim, a vitória dramática de Judite é considerada a vitória de todo o povo.
Ela revela o Deus dos oprimidos e desesperados como o “Deus conosco”
121
. Mais
uma vez o risco, a coragem e a sabedoria de uma mulher salvaram o povo de Deus.
Judite é uma mulher que não se torna uma tima e não permite que seu povo aceite
120
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992. p. 148
121
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992. p. 149
59
o papel de vítima. Essa mulher Judite em nome de Deus luta com êxito contra o
poder político da opressão.
Assim, “o poder da basiléia liberta não apenas os filhos de Israel, mas
também a menina que, como mulher e gentia, é duplamente poluída e sujeita à
servidão de impureza ritual”,
122
segundo Fiorenza.
2.2 MULHERES SEGUIDORAS DE JESUS
Segundo Tepedino, o movimento de Jesus era um movimento de renovação
do judaísmo, era carismático e itinerante e nele as mulheres também eram
acolhidas. Ainda segundo essa autora, Jesus levou muito a sério as mulheres de
seu tempo, fossem elas pecadoras ou não, que a sociedade marginalizava de toda
vida social ou religiosa pública. Jesus conhecia muito bem seus sofrimentos e seus
afazeres. Sabia falar-lhes e as escutava. Ele ensinava-as e convivia com elas. Dava
“resposta à sua profunda expectativa, à sua sede de vida”.
123
Essa maneira de agir,
ou seja, sua atitude com relação às mulheres causava espanto e assombro. Ele fala
publicamente com as mulheres, inclusive com estrangeiras (cf. Jo 4,27), coisa que
não era permitido na sua época, pois, os estrangeiros eram discriminados em Israel.
Para a autora Jesus não compartilha do preconceito da sociedade do seu tempo em
relação às mulheres, mas as trata com muito respeito e carinho, ou seja, trata-as
como filhas queridas do Pai. Jesus vive com as mulheres uma especial aliança e
com isso faz emergir o novo através desse seu relacionamento.
Jesus não faz acepção de pessoas em seu relacionamento. Ele acolhe a
todos e a todas e se relaciona da mesma forma com todos e todas. Neste sentido
podemos dizer que o movimento de Jesus era um movimento carismático itinerante
onde homens e mulheres eram admitidos, em igualdade de condições.
Tepedino diz que “é um dado comum aos quatro evangelhos que as mulheres
fazem parte da assembléia do Reino convocada por Jesus”,
124
não como
componentes acidentais, mas como participantes ativas. Nos relatos podemos
122
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 173
123
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 82.
124
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990. p. 82.
60
perceber que elas são as beneficiárias privilegiadas dos milagres de Jesus (cf. Mc
1,29-31; Mc 5,23-34; Mc 7,24-30; Lc 8,2 etc). Jesus cura as mulheres, para que
assim, elas possam participar de sua comunidade, como seres humanos inteiros.
Jesus se deixa tocar pela mulher com hemorragia (Ela aproximou-se por
detrás, no meio da multidão...) a qual fica curada e ao permitir que ela o tocasse ele
quebra o preconceito contra a impureza legal da época (cf. Mc 5,25-34). O mesmo
ocorre com a cura da filha de Jairo, Jesus mais uma vez infringe o preceito de
pureza legal e toca num cadáver (cf. Mc 5,21-24.36-43).
Ainda
segundo Tepedino,
Jesus também “conversa com uma estrangeira, a siro-fenícia, e deixa-se convencer
por ela, afinal cura-lhe o filho” (cf. Mc 7,24-30)
125
.
Jesus levanta todas estas pessoas, levando-as para uma situação de vida
porque as doenças tiravam a oportunidade de participação, por exemplo, a mulher
encurvada, curada no sábado na sinagoga, assim ela pode louvar e dar graças a
Deus de pé. E ainda a chama de Filha de Abraão, confrontando-se a concepção
judia (cf. Mt 13,19-27); assim como identifica à mulher o que de mais elevado: a
(cf. Mt 15,28; Lc 1,28). Para defender do jeito inconstante como ela era às vezes
deixada de lado pelo marido, Jesus explica o texto de Gn. 1,26s e o leva a as
últimas conseqüências (cf. Mt 19,1s). Dessa forma as mulheres experienciaram a
dynamis (força) do Reino que ele vem estabelecer.
Jesus partilha do sofrimento de todos os que sofrem. Sofre com eles, tem
compaixão deles e desta forma ele se revela, assim como revela a misericórdia do
Deus do Reino, do Deus da Vida que não pode suportar uma situação de “menos
vida” para nenhum de seus filhos. Jesus tinha uma especial predileção pelos pobres,
entre eles as mulheres que não sofriam por serem mulheres como também pela
situação econômica, de grande pobreza.
Para curar as mulheres e dirigir-lhes sua mensagem Jesus não duvida em
desafiar as proibições legais. Ele chega até o ponto de aparecer como imoral ou
escandaloso (cf. Mt 11,6-15; Mc 2,15-17; Jo 6,61).
Em contrapartida as mulheres sempre foram corajosas tanto que na época de
Jesus desafiam o respeito humano e as proibições legais para seguir viajando com
ele (cf. Mc 15,40-41; Lc 8,1). Diz Fiorenza que nesta época “era inconcebível um rabi
125
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 83.
61
entrar em casa de mulheres sozinhas como nos relata Lc 10,38-42”.
126
Da mesma
forma um rabi não podia ter mulheres que o seguiam, abandonando seus lares para
acompanhá-lo na sua missão itinerante como é o caso de Joana, mulher de Cusa
(cf. Lc 8,3).
Mas mulheres marginalizadas se descobrem seres humanos a quem Jesus
valoriza e lhes restitui seu valor e dignidade de criaturas de Deus, recuperando-as,
recriando-as. É com elas que Jesus constitui sua comunidade juntamente com os
outros marginalizados como os doentes, pobres, pecadores, publicanos, os
desprezados e os inferiorizados. Essa recuperação, essa integridade dessas
mulheres e a integração entre elas são sinais do Reino acontecendo.
Essas mulheres marginalizadas por diferentes razões se tornam as
seguidoras de Jesus. Elas são apresentadas como verdadeiras discípulas.
No tempo de Jesus as mulheres preenchiam as características do discipulado
e seguiam Jesus, desde a Galiléia aJerusalém, o serviam, escutavam e viam o
que ele dizia e fazia. As mulheres não fugiram quando Jesus foi preso,
permanecendo fiéis, elas arriscaram as próprias vidas: foram ao túmulo, o
encontraram vazio e porque creram e permaneceram fiéis tornaram-se as primeiras
testemunhas da Ressurreição.
2.2.1 As mulheres no Evangelho de Marcos
Essas mulheres seguiram Jesus do princípio ao fim e neste sentido podemos
conferir o que diz Marcos: “E também estavam ali algumas mulheres, olhando de
longe. Entre elas, Maria Madalena, Maria mãe de Tiago, o menor, e de Jo e
Salomé. Elas o seguiam, e o serviam, enquanto esteve na Galiléia. E ainda muitas
outras, que, subiram com ele para Jerusalém” (cf. Mc 15,40-41). Este texto de
Marcos mostra o discipulado da mulher. Nele as mulheres exemplificam e
simbolizam o discipulado, aparecendo como seguidoras de Jesus durante todo o seu
ministério, desde a Galiléia até Jerusalém.
126
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 83.
62
Este texto de Marcos 15,40-41 é fundamental pelo fato de serem nomeadas
três mulheres o que revela que elas eram conhecidas e reconhecidas na
comunidade como exercendo alguma liderança no movimento cristão da Palestina.
Um segundo motivo é a utilização dos termos técnicos que caracterizam o
discipulado como diakonein e akolouthein”
127
aplicados a elas que significam
serviço e seguimento. Além disso, o texto se refere às mulheres e diz que elas
seguiram Jesus desde a Galiléia até Jerusalém, ou seja, até a cruz. Quando as
mulheres o apresentadas como fiéis até a cruz, elas são qualificadas como
discípulas. Jesus anuncia o itinerário que faz parte da condição do discipulado e diz:
“Aquele que quer ser meu discípulo, pegue a sua cruz e siga-me” (cf. Mc 8,34).
No momento da morte de Jesus os discípulos homens fogem todos e as
mulheres o as únicas que permanecem fiéis e que acompanham o mestre até o
fim de seu caminho na cruz.
Segundo Tepedino, o texto de Marcos nos informa da presença e da forma de
atuação das mulheres num momento crucial, depois da morte de Jesus (cf. Mc
15,37), da ruptura do véu do templo (cf. Mc 15,38), da confissão do centurião, que
proclama Jesus Filho de Deus (cf. Mc 15,39), no momento em que os Doze o
haviam abandonado. As mulheres, permanecendo fiéis não o deixam e se tornam as
únicas testemunhas oculares da execução do Mestre. O texto nos mostra a abertura
do movimento de Jesus para os grupos excluídos e que agora passam a ser
incluídos, que eram os gentios e mulheres.
128
Até Mc 15,40 a impressão predominante é de um Jesus que andava em
missão cercado por um pequeno grupo de homens e com mulheres apenas em
alguns encontros particulares. As mulheres até esse momento do Evangelho
estavam invisíveis dentro da multidão e que de repente se tornaram visíveis e
relevantes no final do evangelho.
Tepedino diz que “considerando-se o relato da Paixão de Marcos é o mais
primitivo dos evangelhos, e, neste, o papel das mulheres, é conhecido, estranha-se
seu anonimato nos capítulos anteriores”.
129
É mencionado as mulheres, embora elas
127
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 86.
128
Cf. TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990. p. 87
129
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990. p. 87.
63
estejam anônimas, porém, Jesus se encontrando com elas apenas dentro de casa
(Cf. Mc 1,28-31; 5,25-34; 5,21-24.35-43; 7,24-30; 14,3-9).
O fato de Jesus ter mulheres entre seus seguidores causava estranheza
porque os rabinos judeus eram acompanhados por homens. Talvez por este fato
Marcos atrasa a referência às mulheres como discípulas até quase o final do
evangelho. Marcos com certeza conhecia a presença feminina no ministério de
Jesus, mas procura obscurecê-la.
Porém, autores que discordam de que Marcos tenha obscurecido a
presença feminina no ministério de Jesus e alegam que às vezes alguma coisa que
acontece antes pode ser contada mais tarde, não com o objetivo de obscurecer mas
de clarificar e valorizar. Neste caso de Marcos (cf. Mc 15,40-41) “seria uma seção
retrospectiva que completa um elemento que falta anteriormente”.
130
Estes autores
argumentam e baseiam-se no fato de que Marcos atrasa também o reconhecimento
de Jesus como “Filho de Deus” até o momento em que o verdadeiro sentido da
filiação de Jesus possa ser compreendido que é o momento da morte na cruz (cf. Mc
15,37-39). De acordo com este raciocínio, Marcos também atrasa a explícita
referência às mulheres como discípulas e seguidoras até aquele momento, quando o
verdadeiro sentido do discipulado e do seguimento pode ser compreendido, no
momento da morte de Jesus na cruz. Pois, uma das características do discipulado é
o itinerário da cruz (cf. Mc 10,42-45).
Em Marcos as mulheres seguem Jesus do começo ao fim correndo até o
risco de serem reconhecidas e vistas como tendo ligação com ele. Corriam o risco
de serem também elas condenadas a morte enquanto que os homens no momento
de sofrimento desapareceram todos deixando Jesus sozinho. Por este motivo
podemos dizer que as mulheres são suas discípulas mais corajosas e até são
apresentadas como modelo de discipulado.
Essas mulheres podem ser apresentadas em duas categorias, “as muitas
outras que estavam no meio da multidão que acompanhava Jesus na sua jornada
para Jerusalém e um grupo menor: Maria Madalena, Maria mãe de Tiago e José e
130
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 88.
64
Salomé”
131
. Elas são apresentadas ao grupo: ali estavam algumas mulheres, embora
apenas três sejam nomeadas. Entre elas Maria Madalena, Maria e Salomé.
Este pequeno grupo das três mulheres nomeadas corresponde ao círculo
menor dos discípulos, que constituía-se por Pedro, Tiago e João. Segundo
Tepedino, “o fato de três serem nomeadas confirma que pertencem ao círculo
interior e que elas seguiam Jesus habitualmente como é indicado pelo imperfeito
ekolouthoun e pela frase quando ele estava na Galiléia”.
132
Para Marcos (cf. Mc
15,40-41) tem um significado retroativo, ou seja, não se refere a um seguimento
recente onde há a ausência dos homens que haviam fugido. O início deste
seguimento é o começo da missão de Jesus e seu local central era a Galiléia. Ainda
segundo Marcos isto significa que o grupo interior de mulheres estava com Jesus
desde o início de sua missão.
Marcos 15,41 identifica as mulheres com essa missão em seus aspectos
próprios, seguimento e serviço e inclui o acesso ao grupo interior de ensinamento ou
ao segredo do Reino de Deus (cf. Mc 4,11).
Mesmo que Marcos tenha considerado essas mulheres na cruz como
pertencentes ao grupo menor dos discípulos ainda assim elas ficaram virtualmente
invisíveis através do evangelho.
Os evangelhos não relatam nenhuma vocação de mulheres e este é um
argumento utilizado contra as mulheres. Jesus se relacionava com elas de uma
forma que respeitando sua dignidade, tratando-as com equidade fazia com que
quisessem segui-lo. Jesus não precisou ordenar às mulheres: “seguem-me”, pois, o
seguimento delas é na gratuidade e na gratidão. Percebe-se que a mensagem de
Jesus deve ter tido um impacto especial sobre as mulheres de Israel.
Segundo Tepedino “o povo que seguia a Jesus não recebera um convite
especial. A maneira de agir dele, sua prática de fazer o bem, seu acolhimento a
todos sem preconceito de nenhuma espécie, era um convite mais atraente que
qualquer ordem
133
. Jesus não tinha necessidade de fazer convite às pessoas, elas
o seguiam pelo que observavam nele, na sua vida. Jesus cativava as pessoas pela
sua maneira de agir e isso fazia com que as pessoas os seguissem.
131
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 88.
132
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 88.
133
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 90.
65
Jesus mostra pelo seu comportamento que considera a todas as pessoas
iguais, e não dificuldade em ter as mulheres como discípulas e seguidoras suas.
Fiorenza diz que as mulheres não eram figuras marginais no movimento cristão, mas
exerciam liderança como apóstolos em situação de igualdade com os Doze. Este é o
testemunho das escrituras, pois, de acordo com as tradições dos evangelhos, as
mulheres foram as primeiras testemunhas apóstolas dos acontecimentos
fundamentais da pregação primitiva. Elas seguiram Jesus desde o início,
presenciaram seus sofrimentos, como também seu sepultamento e ressurreição.
As mulheres são apresentadas como utilizando o termo diakonein que tem
vários significados, desde servir a mesa até o serviço à comunidade (1Tm3,10-13).
O serviço aos outros faz parte da essência do discipulado, ou seja, quem quer
ser discípulo deve servir.
Porém, conforme Tepedino houve uma interpretação redutora do papel das
mulheres que nos é apresentado em Mc 15,40-41, como se as mulheres seguissem
Jesus apenas para servi-lo nas tarefas domésticas.
134
Mas Tepedino ainda relata que “pela primeira vez, as mulheres são
apresentadas como um número considerável, não na privacidade da casa, mas
numa área pública associada a Jesus e a sua missão”
135
. Este fato contradiz uma
interpretação de que as mulheres teriam limitado seu papel somente ao foro
doméstico.
O texto de Marcos é extremamente importante para a explicitação do
discipulado da mulher. Pois, este as apresenta como seguidoras e servidoras que
são termos técnicos para falar do discipulado. “As apresenta também como
seguidoras de Jesus desde a Galiléia, portanto desde o início da missão, durante o
transcorrer da mesma, acompanhando-o até Jerusalém, até a cruz”
136
. As mulheres
não estiveram perto dele desde o começo como acompanharam seu itinerário de
sofrimento. Este é outro argumento para demonstrar o discipulado da mulher. As
mulheres são as únicas que não fogem na hora em que os discípulos fogem, elas
permanecem fiéis e corajosas e por isso se tornam as testemunhas da tortura e da
morte de Jesus.
134
Cf. TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990. p. 91.
135
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 91.
136
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 93.
66
Para Tepedino, Marcos nos revela que as mulheres participaram do
movimento de Jesus como verdadeiras discípulas e pelo fato de três serem
nomeadas demonstra sua liderança, bem como as coloca em paralelo com o círculo
menor dos três discípulos mais chegados de Jesus.
Fiorenza acha que a compreensão equivocada e errônia do discipulado
sofredor converte-se em traição e negação da narrativa da paixão. Na narrativa da
paixão: Judas trai Jesus, Pedro o nega, e todos os discípulos homens o
abandonaram, fugiram e se esconderam. Enquanto que o grupo dos discípulos
homens não seguiram Jesus em sua caminhada para a cruz por medo de arriscarem
a vida o grupo das mulheres é o modelo de verdadeiro discipulado porque elas ficam
com ele até o fim, o seguem e arriscam suas vidas por Jesus. Por mais que Marcos
identifique os doze, o numero maior de discípulos é o grupos das mulheres e não
dos homens.
Fiorenza fala da linguagem de Marcos e sua forma de inclusão dizendo :
Que a linguagem androcentrica de Marcos funciona como linguagem
inclusiva fica manifesto na informação que ele dá de que as discípulas
mulheres seguiram Jesus da Galiléia a Jerusalém, acompanharam-no pelo
caminho da cruz e testemunharam sua morte.
137
Enquanto Tepedino fala que em Marcos são apresentadas três mulheres que
foram nomeadas, isto é, as três colocadas em paralelo com círculo menor dos três
discípulos, Fiorenza diz que Marcos apresenta quatro mulheres
Da mesma forma que no começo do evangelho, Marcos apresenta quatro
discípulos varões líderes que ouvem o chamado de Jesus ao discipulado,
assim também no final ele apresenta quatro discípulas mulheres líderes,
chamando-as pelos nomes. As quatro mulheres discípulas - Maria
Madalena, Maria, irmã ou esposa de Tiago o menor, a mãe de José e
Salomé, são preeminentes entre as discípulas mulheres que seguiram
Jesus, da mesma forma que Pedro e André, Tiago e João são preeminentes
entre os doze. Se bem que os doze tinham abandonado Jesus, tinham-no
traído e negado, as discípulas mulheres ao invés, se encontram sob a cruz,
arriscando suas vidas e segurança. Que elas tenham bastante consciência
do perigo de serem presas e executadas como seguidoras de um rebelde
político crucificado pelos romanos indica-se na observação de que as
mulheres “estavam olhando de longe
138
.
137
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Pualo:
Paulinas,1992, p. 365
138
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 365.
67
Para caracterizar o discipulado das mulheres sob a cruz, Marcos usa três
verbos: “Elas o seguiram na Galiléia, elas lhe serviam e elas subiram com ele a
Jerusalém”
139
(cf. Mc 15,41). Assim, para Marcos o verbo akolouthein caracteriza o
chamamento e a decisão para o discipulado (cf. Mc 1,18). E para seguir Jesus é
preciso “tomar a cruz” (cf. Mc 8,34 e 10,28), ou seja, aceitar o perigo de ser
executado (cf. Mc 8,34). As mulheres deixaram tudo e seguiram Jesus no seu
caminho até o fim na cruz, por isso elas são caracterizadas como verdadeiras
discípulas de Jesus.
Segundo Marcos o segundo verbo que caracteriza o discipulado das mulheres
sob a cruz é o diakonein, que significa diakonia, ou seja, não se restringe somente
ao serviço da mesa. Este verbo frisa que as discípulas mulheres têm praticado a
verdadeira liderança exigida dos seguidores de Jesus. Diakonia foi todo o ministério
de Jesus, que não subordina nem escraviza outros à maneira dos governantes
pagãos (cf. Mc 10,42), mas é o servo sofredor que os liberta e os eleva da
escravidão. As mulheres são caracterizadas como os discípulos que entenderam e
praticaram a verdadeira liderança cristã. o verbo synanabainein se refere a todas
as discípulas mulheres que seguiram Jesus da Galiléia a Jerusalém e não apenas as
quatro discípulas mulheres líderes as quais se refere Fiorenza.
Marcos caracteriza as mulheres que seguiram Jesus da Galiléia a Jerusalém
como testemunhas apostólicas. em Atos quem é apresentado como as principais
testemunhas apostólicas são os doze. Marcos menciona as discípulas mulheres
depois que Jesus morrer e o acesso ao santuário do templo foi aberto a todos. As
mulheres discípulas sob a cruz significam que a comunidade de Marcos, incluindo
sua liderança, estava aberta em termos de linhas social, religiosa, sexual e ética.
Fiorenza diz que “é uma mulher que reconhece o messianismo sofredor de
Jesus e, em ação profética simbólica, unge Jesus para a sua sepultura, ao passo
que alguns dos discípulos a repreendem”
140
. É uma mulher serva que desafia Pedro
a agir segundo a sua promessa de não trair Jesus. E quando age com ele dessa
forma, ela o desmascara e o expõe como o que é, um traidor. Afinal, são duas
mulheres, Maria Madalena e Maria, a e de José, que testemunham o lugar onde
139
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 366.
140
FIORENZA, Esabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo: Paulinas,
1992, p. 367.
68
Jesus foi sepultado (cf. Mc 15,47). Além disso, são três mulheres que recebem a
noticia de sua ressurreição (cf. Mc 16,1-8). As discípulas mulheres emergem no fim
do evangelho de Marcos como exemplos de discipulado sofredor e verdadeira
liderança. Podemos perceber que elas são as testemunhas oculares da morte,
sepultura e ressurreição de Jesus.
No fim do evangelho, Marcos parece apresentar as discípulas mulheres para
mostrar que, como os doze, elas também falharam em testemunhar o verdadeiro
discipulado, parece apresentá-las como desobedientes à ordem recebida do anjo.
Aqui a impressão de que “o evangelho parece ter seu ponto alto com a falha das
mulheres de anunciar a boa nova da ressurreição, com sua fuga desobediente e
medo silencioso”
141
.
Fiorenza diz que este tipo de leitura do evangelho não é necessária porque
ela negligencia o fato de que as mulheres discípulas não fogem do anjo e da noticia
da ressurreição. Elas fogem da sepultura que está vazia, enquanto que, os
discípulos fugiram à prisão de Jesus. Nesta época de Jesus, encontrar-se no túmulo
de uma pessoa executada era arriscar-se a ser identificada como ser seu seguidor,
sua seguidora, e provavelmente até ser preso. A afirmação de que as mulheres
guardaram silêncio por causa desse medo de serem presas e executadas como
Jesus não quer dizer que elas desobedeceram à ordem do anjo. A instrução geral de
guardar silêncio refere-se ao público em geral. Da mesma forma, o silencio das
mulheres defronte do público em geral não exclui cumprir a ordem de ir dizer aos
seus discípulos e a Pedro, e comunicar a mensagem do Senhor ressuscitado a
cerca de sua precedência À Galiléia onde haverão de vê-lo.
As discípulas mulheres apesar do extraordinário medo por suas vidas, ficaram
com Jesus em sua paixão, buscaram honra-lo em sua morte, e agora se tornam as
proclamadoras de sua ressurreição. As discípulas mulheres preservam a identidade
messiânica do Senhor crucificado e ressuscitado, que foi confiada ao círculo. Com
elas apesar de seu medo e de sua fuga, a boa noticia da ressurreição foi levada
avante. A comunidade nesta época ainda experimenta esse medo de Maria
Madalena e das outras mulheres.
141
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 368.
69
2.2.2 As mulheres no Evangelho de Mateus
A novidade de Mateus em relação a presença das mulheres na missão de
Jesus pode ser localizada na genealogia inicial do evangelho. Ali, dentro de uma
lista patriarcal nos surpreendem três nomes de mulheres, todas elas em situações
excepcionais, que dão nova direção a uma genealogia em risco.
2.2.3 As mulheres no Evangelho de Lucas
Lucas tem muitas coisas em comum com Marcos. Em Lucas 8,1-3, por
exemplo, nota-se que Lucas segue Marcos. Ele também incorpora a idéia de
seguimento quando liga as mulheres com os “Doze”, conforme Lc 8,1c.2a. Ao
mesmo tempo, comenta Tepedino, “ele parece ter acesso a uma tradição
independente que lhe permite nomear Joana e Susana que não o mencionadas
em nenhum outro evangelho canônico”
142
. Por isso é possível a ele incluir alguns
detalhes pessoais tais como: estas mulheres possuem meios e status social e com
isso sua presença implica em significação moral assim como uma base material.
Aqui Lucas quer nos mostrar que as mulheres de todas as classes aderiram a
mensagem de Jesus.
Lucas busca sua compreensão de serviço em At 6,1-6. essa palavra se
torna um termo técnico que Lucas utiliza para o ministério da distribuição do
alimento.
A presença feminina no movimento de Jesus causava uma estranha
impressão e para diminuir o escândalo que isso causava, tentou-se explica-lo e
colocar as mulheres no único serviço que de acordo com a tradição era reservado
para elas que é o de fazer comida. Jesus tinha um tratamento igualitário para com as
mulheres e isto causava um grande mal estar, como nos mostram os evangelhos
canônicos (cf. Jo 4,27) e os o canônicos
143
. Como dissemos anteriormente, na
época de Jesus nenhum rabi se deixava acompanhar por mulheres.
O discipulado das mulheres as apresenta como seguidoras e servidoras que
são termos técnicos para falar do discipulado. Também as apresenta como
142
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 91.
143
cf. Ev. De Maria Madalena
70
seguidoras de Jesus desde a Galiléia à Jerusalém, ou seja, desde o início da missão
até a cruz. A este respeito Tepedino diz que:
Portanto não só estiveram perto dele desde o começo como acompanharam
seu itinerário de sofrimento, que é outro argumento para demonstrar o
discipulado da mulher. E finalmente são as únicas que não fogem na hora
em que os discípulos fogem, permanecem fiéis e corajosas tornando-se
testemunhas da tortura e da morte do mestre querido
144
.
Depois da prisão de Jesus estas mulheres discípulas não fugiram como
fugiram os homens, mas elas foram corajosas e permaneceram em Jerusalém para
assistir à execução e ao enterro do mestre.
Portanto, essas mulheres fiéis ao seguimento de Jesus, capazes de o servir,
também estão presentes no momento de sua morte e estão contemplativas. Elas
contemplam aquelas coisas porque é difícil expressar a revelação.
Tepedino ainda diz que “Lucas associa as mulheres a um grupo de ‘amigos’
145
, de conhecidos de Jesus. Desse modo, ele prepara um alargamento da noção do
discipulado, fiel ao propósito do seu evangelho”
146
.
Lucas associa as mulheres a um grupo de amigos, de conhecidos de Jesus,
ou seja, ele prepara um alargamento da noção do discipulado que é fiel ao propósito
do evangelho de Jesus.
2.2.4 As mulheres no Evangelho de João
No discipulado e na liderança da comunidade joanina fazem parte tanto
homens como mulheres. No Quarto Evangelho as mulheres são mencionadas e são
consideradas exemplos de discipulado, tanto para as mulheres como para os
homens. O evangelista dá a elas lugares acentuados na narrativa. “Ele começa e
conclui o mistério público de Jesus com uma narração sobre uma mulher Maria, a
mãe de Jesus, e também sobre Maria de Betânia”
147
. Em seu evangelho ele coloca o
fariseu Nicodemos ao lado da mulher samaritana e ao lado da confissão cristológica
144
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 93.
145
O termo “os amigos” se refere a Sl 37,12.
146
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 94.
147
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 373.
71
de Pedro coloca a de Marta. São quatro mulheres e o discípulo amado que estão
sob a cruz de Jesus.
Fiorenza diz que “o ministério público de Jesus começa com um milagre num
casamento em Caná
148
. Nesta perspectiva, a narrativa pré-joanina ressalta a
influencia de Maria como a mãe de Jesus. Pois sabemos que ela intervém em favor
de seus amigos, levando assim Jesus a fazer um milagre.
A discípula mulher Marta representa a apostólica plena da comunidade
joanina. Enquanto Marta de Betânia é responsável pela primeira articulação de
cristológica da comunidade, Maria de Betânia articula a reta práxis do discipulado.
Marta é caracterizada como uma discípula amada que o mestre chamou
especificamente. Ela tinha muitos seguidores entre os judeus que vieram a acreditar
em Jesus (cf. Jo 11,45). Ainda em Jo 11,1-54 Maria desempenha papel subordinado
ao de Marta, em 12,1-8 ela é, todavia, o centro da ação.
Como vimos anteriormente, segundo o Quarto Evangelho, mulheres como
a mãe de Jesus, a irmã de sua mãe, Maria, a esposa de Cléofas, e Maria Madalena,
e um único discípulo varão estavam perto da cruz de Jesus (cf. Jo 19, 25-27). Conclui-
se de que com esta cena seja indicado que a mãe de Jesus tornou-se parte da
comunidade joanina depois da morte e ressurreição de Jesus.
2.2.4.1 A mulher Maria Madalena
Maria Madalena, uma das quatro que estavam sob a cruz é a primeira a
receber a aparição do Senhor ressuscitado. Portanto, ela não é apenas a primeira a
testemunhar o túmulo vazio, mas, também a primeira a anunciá-lo. Na narrativa de
João surgem mulheres como discípulos exemplares e testemunhas apostólicas.
A unção dos pés de Jesus por Maria é muito semelhante a dos sinóticos,
porém com uma diferença: em João a mulher recebe um nome.
148
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 373.
72
Segundo o Quarto Evangelho, mulheres como a mãe de Jesus, a irmã de sua
mãe, a esposa de Cléofas, e Maria Madalena e mais um discípulo homem estiveram
perto da cruz de Jesus (cf. Jo 19,25-27).
Maria Madalena é a última mulher que aparece no Evangelho de João e ela
também é mencionada entre os que estavam sob a cruz de Jesus. Ela é a primeira a
receber uma aparição pascal além de descobrir o mulo vazio. Maria Madalena é a
apóstola apostolorum, a apóstola dos apóstolos. Conforme Fiorenza, “ela chama
Pedro e o Discípulo Amado para o túmulo vazio e ela é enviada à ‘nova família’ de
Jesus para dizer-lhes que Jesus está para subir ‘ao meu Pai e vosso Pai, ao meu
Deus e vosso Deus’”
149
.
Maria é caracterizada como representante da situação dos discípulos depois
da partida de Jesus e não tanto como a “grande amante” de Jesus que está triste
com sua morte por razões pessoais. Além disso, ela ainda é caracterizada como
uma fiel discípula e, isto ocorre de três modos: 1) Jesus se dirige a ela como
“mulher” e pergunta: a que procuras? 2) ela reconhece Jesus no momento em que
ele a chama pelo nome e 3) sua resposta é a de um verdadeiro discípulo. Maria
Madalena apesar da grande dor e tristeza, busca Jesus e o encontra. Ela reconhece
o Jesus ressuscitado como mestre e como discípula fiel que busca o Senhor torna-
se a primeira testemunha apostólica da ressurreição do Senhor.
Maria Madalena é a única comum aos quatro evangelhos. Ainda que mudem
os outros nomes, sempre se trata de um grupo de mulheres. João que parece falar
somente de Maria Madalena imediatamente põe em seus lábios um plural: ‘levaram
o Senhor, e não sabemos onde o puseram’ (cf. Jo 20,2).
Os quatro evangelistas narram de modo extremamente semelhante a visita
das mulheres ao túmulo de Jesus: Cf. Mc 16,1-8; Mt 28,1-8; Lc 24,1-12; Jo 20,1-18.
Com concordâncias em todas as narrativas aparece o nome de Maria Madalena, a
pedra tirada do sepulcro vazio e o dia da semana.
2.2.4.2 A mulher Samaritana
O quarto evangelho fala da mulher Samaritana junto ao poço de Jacó. Em
4,4-42, o relato do diálogo de Jesus com a Samaritana avança de acordo com o
149
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 380.
73
método e a prática de João. Tanto Tepedino como Fiorenza falam que o auge deste
capítulo é atingido diante da confissão dos samaritanos de que Jesus é o “salvador
do mundo”. E elas ainda continuam e dizem que o dramático diálogo é
provavelmente baseado na tradição missionária que dava um papel principal a
mulher samaritana na conversão destes gentios, ou seja, na conversão dos
samaritanos
150
.
A mulher samaritana quando se encontra com o Messias motiva através de
seu testemunho os samaritanos a virem a ele (cf. Jo 4,39) assim como André chama
seu irmão Pedro ao discipulado de Jesus dizendo-lhe: “Encontramos o Messias” (cf.
Jo 1,40-42). Da mesma forma que Natanael se torna discípulo porque Jesus sabia o
que ele fizera sob a figueira (cf. Jo 1,46-49), assim também a mulher se torna uma
discípula e testemunha porque “me disse tudo o que fiz” (cf. Jo 4,29)
151
.
Tepedino se pergunta: “Porque Jesus se revela como o Cristo a uma mulher?
E ainda mais samaritana?”
152
João diante deste fato mostra a surpresa e a
admiração dos discípulos ao vê-lo falar com uma mulher (cf. Jo 4,17). O espanto dos
discípulos era grande, mas por outro lado o respeito também era grande. Eles não
se encorajaram em perguntar se Jesus desejava alguma coisa ou saber o que ele
estava falando com a mulher samaritana. Nesta época, a tradição não permitia que a
mulher falasse em público, ainda mais com homem. Os samaritanos eram
considerados impuros e inimigos desprezados pelos judeus.
O evangelho de João apresenta a samaritana como aquela que tem uma
maior do que a dos judeus e de Nicodemos (cf. Jo 3). A samaritana demonstra uma
suficiente, por isso, ela é levada a perceber que Jesus é o Cristo, o Messias e
assim o transmite aos outros (cf. Jo 4,25-26.29). Os samaritanos acreditam em
Jesus por causa da palavra da mulher (cf. Jo 4,39.42). Esta expressão é tão
importante que até aparece na “oração sacerdotal” onde Jesus reza e diz “Não rogo
somente por eles, mas pelos que, por meio de sua palavra crerão em mim”, Jo
17,20. Desta forma, a mulher samaritana, os discípulos na Última Ceia e a Maria
Madalena levaram o povo a crer em Jesus por causa da palavra deles. Não é
150
Cf. TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 113; FIORENZA, E. S. As
origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo: Paulinas, 1992, p.374.
151
Cf. FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 374
152
TEPEDINO, Ana M. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990, p.113.
74
possível ir contra a idéia de que os samaritanos chegam a fé pela palavra de Jesus
através da palavra da mulher.
Jesus se a conhecer à mulher como o Messias esperado sob a fórmula de
revelação: Eu Sou. Porém, Jesus não foi forçado a dar esta resposta, pelo contrario,
ele esteve muito livre e o fez por iniciativa própria conceder esta revelação à mulher.
Aqui se atinge o ponto alto do diálogo, no qual Jesus conduz a mulher à nele que
é o Messias. Ela, a mulher, tem um detalhe importante é considerada por Jesus
como membro e representante do povo samaritano.
As cinco mulheres: Maria de Nazaré, a mulher samaritana, Marta e Maria de
Betânia, Maria Madalena (talvez a mulher adúltera) são paradigmas do discipulado
apostólico das mulheres, assim como também de sua liderança nas comunidades
joaninas. Elas são paradigmas de discipulado fiel a serem imitados por todos os que
pertencem à comunidade-família que Jesus chama de seus e não pelas mulheres.
2.3 MULHERES LÍDERES DE COMUNIDADES CRISTÃS
Para entender mais claramente a liderança das mulheres nas comunidades
cristãs é necessário retomar brevemente os evangelhos.
No Evangelho de Marcos, quando narra a paixão de Cristo, três discípulos
têm papéis destacados: Judas que traiu Jesus e Pedro que o renega, e a mulher
anônima que unge Jesus. Pelo Evangelho percebemos que as historias de Judas e
Pedro estão gravadas na mente dos cristãos, ao passo que a história da mulher está
virtualmente esquecida. Por mais que Jesus tenha dito: “Em verdade eu vos digo
que, onde quer que venha a ser proclamado o evangelho, em todo o mundo,
também o que ela fez será contado em sua memória”(Mc 14,9). Mesmo assim a
ação profética da mulher não se tornou parte do conhecimento evangélico dos
cristãos e o seu nome ficou perdido, pois onde o evangelho é proclamado e a
eucaristia celebrada, se conta a história do apóstolo que traiu Jesus, ou seja,
recorda-se o nome do traidor e se esquece o nome da discípula fiel porque era
mulher.
Os quatros evangelhos contam a história da unção e ao recordar o episódio
busca-se torna-lo mais digerível para o auditório patriarcal greco-romano. Fiorenza
75
diz que “o quarto evangelho identifica a mulher como Maria de Betânia que, como
amiga fiel de Jesus, demonstra-lhe o seu amor ungindo-o, mas Lucas desvia o foco
da narrativa da mulher como discípula para a mulher como pecadora”
153
.
Os quatro evangelhos apresentam o mesmo acontecimento: uma mulher que
unge Jesus. Este episódio provoca várias objeções, e Jesus responde aprovando a
ação da mulher. Diante disso podemos concluir que se a história original tivesse sido
apenas uma história de unção dos pés de um hóspede, com certeza, seria bem
pouco provável que um gesto tão comum viesse as ser recordado e recontado como
a proclamação do evangelho. Segundo Fiorenza, “é, portanto, muito mais provável
que na história original a mulher tenha ungido a cabeça de Jesus e não os pés”.
154
A
unção da cabeça de Jesus deve ter sido entendida como o reconhecimento profético
de Jesus, o Ungido, o Messias, o Cristo. Foi uma mulher que nomeou Jesus por sua
ação simbólica profética.
Marcos despolitiza a história da paixão de Jesus e define sua messianidade
como sendo de sofrimento e morte. Os líderes varões e discípulos não
compreendem esse messianismo sofredor de Jesus, porém, as discípulas mulheres,
que seguiram Jesus desde a Galiléia até Jerusalém, surgem de repente como
verdadeiras discípulas na narrativa da paixão. Essas mulheres são as verdadeiras
seguidoras (akolouthein) de Jesus, que compreenderam que seu ministério não era
governo e glória régia, mas diakonia, “serviço” (Mc 15,41). Surgem, as mulheres
como as verdadeiras ministras e testemunhas cristãs. A mulher anônima, que
nomeia Jesus como Messias no Evangelho de Marcos, constitui o paradigma do
verdadeiro discípulo. Pedro confessa um messias sem sofrimento. Enquanto isso, a
mulher, ao ungir Jesus, reconhece claramente que a messianidade de Jesus
significa sofrimento e morte.
O evangelho cristão não pode ser proclamado se não se recordarem as
discípulas mulheres e o que elas fizeram. Por isso o processo de requerer que a ceia
em Betânia seja entendida como herança cristã das mulheres, no sentido de corrigir
os símbolos e ritos de uma Última Ceia, toda de varões, que constitui traição do
verdadeiro discipulado e ministério cristãos.
153
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 09
154
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 10
76
Sendo assim faz-se necessário conhecer a história das mulheres, pois, é nela
que encontraremos as raízes primitivas das nossas irmãs por ser parte integrante da
historiografia cristã. Essa busca não apenas o objetivo teórico, mas também o
objetivo prático o qual visa tanto a crítica cultural-religiosa quanto à reconstrução da
história de mulheres como história de mulheres dentro cristianismo.
Para Fiorenza “essa recuperação da história das mulheres no cristianismo
primitivo deve não restituir as mulheres à história, mas também restituir a história
das origens cristãs às mulheres”
155
. Esta recuperação da história reivindica o
passado cristão como passado próprio de mulheres, e não apenas como um
passado de homens varões do qual as mulheres participam apenas à margem e no
qual não eram ativas. As fontes do Novo Testamento dizem que mulheres são
seguidoras de Jesus e membros líderes das comunidades cristãs primitivas.
No evangelho de São João 4,1-42 observa-se que ele reelabora uma legenda
tradicional de missão sobre o papel primário de uma mulher nos primórdios da
comunidade cristã em Samaria. Fala que as mulheres foram determinantes para a
extensão do movimento de Jesus a não-israelitas. Que as mulheres foram os
primeiros não-judeus a se tornar membros do movimento de Jesus. Podemos
perceber que a sirofenícia respeita a primazia dos “filhos de Israel”, mas ela
argumenta teologicamente contra essa limitação da comunhão de mesa messiânica
somente a Israel. Pelo fato deste argumento ser posto nos lábios de uma mulher é
sinal da liderança histórica que as mulheres tiveram em abrir o movimento e a
comunidade de Jesus a pecadores gentios.
Esse desenvolvimento histórico foi muito importante para os inícios do
cristianismo, pois, as mulheres que experimentaram a bondade graciosa do Deus de
Jesus se tornaram líderes e expandiram o movimento de Jesus na Galiléia. Além
disso, desenvolveram um argumento teológico desde as tradições de Jesus e
explicaram porque os pagãos deviam ter acesso ao poder do Deus de Jesus e
também participar na superabundância da comunidade messiânica de mesa.
As mulheres galiléias foram corajosas e desafiaram o movimento galileu de
Jesus para que este estendesse sua comunhão de mesa também às gentias. Com
esse desafio essas mulheres salvaguardaram o discipulado inclusivo de iguais
155
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: um nova hermenêutica. São Paulo: Paulinas,
1992, p. 17
77
suscitado por Jesus. Assim a mulher sirofenícia, que teve um argumento acertado e
que com este abriu um futuro de liberdade e completude para sua filha, tornou-se
também a advogada visível desse futuro para os gentios e, além disso, ainda tornou-
se a “mãe” apostólica de todos os cristãos gentios.
Essas Mulheres foram decisivas para estender o movimento de Jesus aos
gentios bem como para a própria continuação desse movimento depois da prisão e
execução de Jesus. As mulheres galiléias, que foram discípulas de Jesus, não
fugiram depois de sua prisão, mas ficaram em Jerusalém para sua execução e seu
sepultamento e assim se tornaram as primeiras a articular sua experiência da
bondade poderosa de Deus que não deixou o Jesus crucificado na sepultura, mas o
ressuscitou dentre os mortos.
Os discípulos galileus de Jesus fugiram depois de sua prisão de Jerusalém e
acabaram voltando para a Galiléia, conforme o que diz Fiorenza
156
. Enquanto que as
mulheres discípulas por causa de suas experiências ficaram na capital, munidas de
poder para continuar o movimento e a obra de Jesus, o Senhor ressuscitado.
Buscaram reunir os discípulos e amigos dispersos de Jesus que viviam em
Jerusalém e seus arredores, mulheres discípulas
157
e também discípulos varões
158
.
Algumas dessas mulheres voltaram, muito cedo, à Galiléia, sua terra natal. As
mulheres galiléias conservaram vivas as boas novas referentes a Jesus entre os
seguidores e amigos dele e continuaram o movimento iniciado por ele. Maria de
Mágdala, uma mulher, foi a mais destacada dos discípulos da Galiléia porque ela foi
a primeira pessoa a ver o Senhor ressuscitado. Ela é normalmente mencionada em
primeiro lugar porque provavelmente foi a líder entre elas.
A libertação de estruturas patriarcais era interesse primário de Jesus e de seu
movimento, se assim não o fosse, deixaria de ver as tendências androcêntricas que
se detectam na tradição e na redação dos materiais de Jesus e também a intrusão
de Jesus e de seu movimento no ethos religioso dominante do povo. Nesta época, a
prescrição do Código de Santidade, bem como as regulamentações de escribas
controlava a vida das mulheres muito mais que a dos homens e, além disso,
determinavam o acesso delas à presença de Deus no Templo e na Torah.
156
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 174.
157
Maria, Marta de Betânia, a mãe de João Marcos e Maria a mãe de Jesus.
158
Lázaro, Nicodemos e o discípulo amado.
78
Em Mt 23,8-9, segundo Fiorenza, “o discipulado de iguais rejeita mestres,
pois ele é constituído e ensinado por um e único mestre”
159
. Da mesma forma no
discipulado de iguais na relação de parentesco não existe um pai. Ele é na verdade
sustentado pela bondade e a graça de Deus, a quem tanto os discípulos como Jesus
chamam de pai (Lc 11,2-4/Q/; 12,30; cf. Mc 11,25). No discipulado de iguais, o papel
das mulheres é central e é da maior importância para a práxis da solidariedade.
A primeira vista parece que as mulheres não tiveram nenhum envolvimento
nos primeiros inícios do movimento cristão missionário se olharmos o que
sobreviveu ao silêncio lucano, pois, nenhuma mulher é mencionada entre os
apóstolos originais, entre os helenistas de Jerusalém ou entre a Igreja de Antioquia.
Porque Lucas em nenhum momento de sua obra fala de mulheres como
missionários e pregadores. Ressalta que as mulheres em algumas ocasiões apóiam
ou se opõem à obra missionária de Paulo. Nos Atos dos apóstolos as mulheres
aparecem apenas como apoios auxiliares ou como opositores influentes da missão
de Paulo porque o lugar central dos Atos é ocupado por Paulo.
Paulo se refere às mulheres ocasionalmente, mas a literatura paulina e pós-
paulina conhecem as mulheres como líderes e missionários relevantes que
trabalham pelo evangelho. Essas mulheres de quem Paulo fala estavam engajadas
na liderança missionária e eclesial antes e mesmo independente de Paulo, ou seja,
eram iguais e as vezes até superiores a Paulo em seu trabalho pelo evangelho. Tais
mulheres como missionárias judeu-cristãs que eram pertencem às comunidades
cristãs da Galácia, em Jerusalém e em Antioquia as quais se situavam nos primeiros
inícios do movimento missionário cristão. Neste contexto diz Fiorenza que “as
mulheres foram, por um lado, instrumento para continuar o movimento iniciado por
Jesus depois de sua execução e ressurreição, e, por outro lado, estiveram
envolvidas na expansão deste movimento com os gentios das regiões próximas”
160
.
As mulheres também eram ativas na comunidade cristã de Jerusalém segundo as
narrativas lucanas.
Mesmo que não seja mencionada nenhuma mulher entre as helenistas que
foram designadas para se dedicar a diakonia, à mesa, as filhas de Felipe são
159
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 187.
160
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 193.
79
mencionadas por Lucas como profetisas bem conhecidas no cristianismo primitivo.
Atos relata que tem mulheres envolvidas no conflito original que levou à separação
do ministério em ministério dos apóstolos e o dos sete. Portanto, o conflito entre
helenistas e hebreus acabou envolvendo as mulheres as quais não tinham muita
vez. Neste sentido vejamos o que Fiorenza tem a nos dizer:
É possível que o conflito entre os helenistas e os hebreus tinha envolvido o
papel e a participação de mulheres na ceia eucarística. A expressão que diz
que elas eramnegligenciadas” ou omitidas” na diakonia ou ministério
diário podia indicar ou que não se lhes designava sua vez no serviço à
mesa ou elas não eram servidas adequadamente. (...) Ao passo que as
mulheres greco-romanas tinham o costume de participar em symposia e
refeições festiva, mulheres e homens helenistas em Jerusalém ou Antioquia
tinham provavelmente como evidente a participação das mulheres na
“fração do pão” na igreja doméstica, ao passo que os “hebreus” podem ter
tido problemas com essa prática
161
.
Segundo Atos 12,12-17 os helenistas se reuniram na casa de uma mulher
porque Pedro diz aos que se reúnem na casa de Maria que fossem dizer a Tiago e
os irmãos sobre sua fuga miraculosa da prisão. Maria é identificada como a mãe de
João Marcos, parente de Barnabé e encarregada da igreja doméstica de helenistas
em Jerusalém.
Ainda segundo Atos as mulheres estiveram envolvidas no movimento
missionário cristão em toda fase de sua expansão. E quem representa a primeira
fase da expansão é a mulher Tabita de Jafa enquanto que Lídia é a primeira
convertida da Europa (At 16,14). Algumas mulheres tementes a Deus expulsaram
Paulo e Barnabé de seu distrito (At 13,55ss), enquanto que muitas mulheres gregas,
que foram atraídas ao judaísmo em Tessalônica (At 17,4), bem como as mulheres
gregas de Beréia, ouviram os pregadores cristãos e se converteram. Damaris é uma
das mulheres convertidas e é mencionada em Atenas (At 17,34) assim como Prisca
é mencionada como ter evangelizado em Corinto (At 18,2ss). M a real contribuição
das mulheres ao primitivo movimento missionário cristão continua perdido em larga
escala por causa da escassez e do caráter androcentrico de nossa fontes.
As mulheres trabalharam ao lado de Paulo, segundo o que ele mesmo diz.
Em Fl 4,2-3 Paulo diz que Evódia e Síntique combateram lado a lado com ele. Que
161
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 197.
80
essas mulheres competiram na causa do evangelho lado a lado com Paulo,
Clemente e o resto dos co-missionários de Paulo. Essas duas mulheres tem uma
autoridade muito grande na comunidade de Felipos, por isso Paulo tem medo de
que sua oposição possa trazer problemas à missão cristã.
Febe (Rm 16,1ss) é a única mulher e a única pessoa na literatura paulina a
receber uma carta oficial de recomendação e também a única pessoa a qual lhe é
dado três títulos substantivos: irmã, diakonos, prostatis. Mas seu significado para a
missão cristã primitiva não era reconhecido. Sabe-se que alguns exegetas tentam
denegrir esses títulos ou interpreta-los de forma diferente só porque são títulos
dados a mulher. Febe exerce seu ofício na igreja de Cencreia e este não está
limitado por papéis sexuais prescritos, isto, porque ela não é uma diaconisa das
mulheres, mas um ministro da igreja inteira.
A Igreja doméstica se dava nas casas das próprias mulheres, segundo o que
nos relata Fiorenza, e esta realidade concreta fornecia oportunidades iguais a elas
porque nesta época “a casa era considerada como esfera própria das mulheres”
162
,
e nela elas não eram excluídas de nenhuma atividade.
As igrejas domésticas eram fundamentais no início do cristianismo, ou seja,
eram um fator decisivo no movimento missionário na medida em que elas forneciam
espaço, apoio e liderança para a comunidade. Eram o lugar onde o cristianismo
primitivo celebrava a ceia do Senhor e pregava as boas novas. Como as mulheres
estavam entre os convertidos (At 17,4.12), elas desempenharam importante papel
em fundar, sustentar e promover essas igrejas domésticas. Vários textos falam de
mulheres líderes de igrejas domésticas: Ápia, que junto com Filêmon e Arquivo era
líder da igreja doméstica de Colossos, para onde foi escrita a carta de Filêmon (Fm
2). O casal missionário Prisca e Áquila e a igreja em sua casa (1Cor 16,19; Rm
16,3). Ninfa e laodicéia e a igreja em sua casa (Cl 4,15). A igreja de Filipos, segundo
Atos, teve seu começo com a conversão da mulher Lídia de Tiatita. Ela ofereceu sua
casa para a missão cristã (At 16,15). Deste modo foram três as mulheres que
iniciaram e foram as figuras líderes na Igreja de Filipos.
Assim vemos que “não somente as mulheres de classe superior, mas
também, mulheres de posição inferior tinham a oportunidade de fazer e seu negócio
162
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 210.
81
e acumular alguma riqueza própria”
163
, segundo Fiorenza. Portanto, muitas mulheres
eram ativas em finanças, em negócio e no comércio. Elas podiam usar seu capital
para patrocinar, buscando assim ganhar reconhecimento e honras públicas em troca
de sua benevolência.
Nesta época a lei romana e o costume judeu-helenista permite às mulheres
possuir e administrar suas próprias casas e propriedades. Não as mulheres de
classe superior como também as de posição inferior têm oportunidade de fazer seu
comércio e acumular alguma riqueza. Enquanto isso as mulheres que se juntavam e
começavam fazer parte do movimento cristão, “fundavam igrejas domésticas e
desenvolviam liderança. Sua liderança no movimento missionário permitia àquelas
que eram social e politicamente marginalizadas porque eram mulheres a ganhar
nova dignidade e novo status”
164
, conforme Fiorenza.
As mulheres estavam entre os mais distinguidos missionários e líderes do
movimento cristão primitivo, assim, ao menos é o que nos mostra a literatura paulina
e os Atos. Revela também que elas eram apóstolos o ministros como Paulo, eram
suas colaboradoras, mestres, pregadores e competiam na corrida pelo evangelho e,
além disso, foram também elas que fundaram as igrejas domésticas e usavam sua
influencia em favor de outros missionários e cristãos.
As mulheres são vista por alguns tradicionalistas como pessoas inferiores e
com “papéis diferentes dos varões na ordem da criação e redenção”
165
, diz Fiorenza
e que além disso tem uma posição subordinada diante de Deus, por outro lado
outros afirmam que a mulher diante de Deus é igual ao homem, ou seja, todos são
iguais, homens e mulheres recebem os dons do Espírito Santo e, portanto, tem
posição igual diante de Deus.
É necessário que reconheçamos que a comunidade de Corinto era constituída
de um grande número de mulheres cristãs ativas. Essas mulheres tinham voz na
prática da comunidade bem como na teologia. Temos poucas informações sobre a
liderança das mulheres nas comunidades primitivas, mas podemos observar que as
comunidades de Corinto e vizinhas tinham três mulheres importantes que exerciam
163
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 218.
164
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 218.
165
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 239.
82
essa liderança, que eram: Cloé, Prisca e Febe. É importante também notar que
essas mulheres líderes mantinham boas relações de trabalho com Paulo e como
conseqüência Paulo expressa seu respeito para com elas e as enaltece como suas
colaboradoras.
Segundo Paulo as mulheres eram profetisas e carismáticas na comunidade,
porém não se conhece o nome de nenhuma mulher profetisa ou líder em Corinto,
mas pelo fato de Paulo usar com freqüência a palavra irmãos mostra que entre os
coríntios cristãos havia mulheres que eram educadas e ricas como também tinha
pobres e escravas. A atenção dada ao papel das mulheres na assembléia litúrgica
mostra que as mulheres eram muito ativas na comunidade.
Nesta época era muito difícil para as mulheres cristãs partilhar do estilo de
vida pagão e das obrigações sociais de suas famílias. Neste sentido Fiorenza relata
que “as mulheres pobres, que se tornavam cristãs, corriam o risco de se divorciarem
de seus maridos e perderem, em conseqüência, os sustento econômico”
166
. Por isso,
quando Paulo interfere ou deixa a decisão ao esposo não crente por razões
missionárias sacrifica o direito dos cristãos de determinar o seu estado marital.
O impacto de Paulo sobre a liderança das mulheres no movimento
missionário cristão é de dois gumes, porque de um lado ele afirma a igualdade e a
liberdade cristãs encorajando as mulheres para que permaneçam livres dos laços do
casamento e por outro lado ele subordina o comportamento das mulheres no
casamento e na assembléia litúrgica aos interesses da missão cristã, restringindo
seus direitos como mulheres.
Nas últimas décadas do século I a situação das igrejas na Ásia Menor ainda
era diversificada, mas sua forma organizacional era a de pequenas igrejas, a igreja
doméstica, onde as mulheres faziam parte da liderança das mesmas. Ao escrever
para uma dessas comunidades Paulo saúda Ápia como membro líder da igreja
doméstica de Filêmon. Filêmon e Arquipo a descrevem como co-missionária de
Paulo. o autor de Colossenses envia saudações especiais a Ninfa e à igreja que
estava em sua casa. Ao mesmo tempo a Segunda Carta a Timóteo recorda o
empenho missionário de Prísca e Áquila (2Tim 4,19). Também enviam saudações a
uma mulher de nome Claudia que deveria ser muito influente e líder de alguma igreja
166
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 259.
83
doméstica. Outras mulheres importantes e provavelmente líderes eram Lóide e
Eunice, pois, da fé destas duas que eram avó e mãe, deriva a de Timóteo (2Tim
1,5).
Nesta época, a liderança da comunidade consistia em presbíteros, homens e
mulheres, bem como de diácono homens e mulheres. Essa liderança e o
comportamento das mulheres eram limitados e defendidos de acordo com os
padrões da sociedade greco-romana.
Segundo Fiorenza, “entre os heróis elogiados por sua humildade e obediência
e apresentados à comunidade como exemplo a imitar, estão as mulheres”
167
. Por
outro lado, também são elas que estão entre os que sofrem como vítimas de
contenda e rivalidade.
Quando são convidados os membros insubordinados ao arrependimento, são
mencionadas “várias mulheres que, fortalecidas pela graça de Deus, praticaram atos
dignos de varões”.
168
Não foi citado o nome de nenhum homem enquanto foram
mencionadas duas mulheres: Judite e Ester. Judite que salvou seu povo arriscando
a própria vida, e Ester que é caracterizada como uma mulher de perfeita e de
humildade. Sabemos que entre os que não eram estimados bem como também não
tinham nenhuma reputação, mas que assumiram liderança na comunidade de
Corinto estão as mulheres. Ao invés de deixarem os presbíteros/bispos controlarem
suas doações, elas se organizaram e se juntaram aos que destituiram os
presbíteros/bispos do ofício. Isto mostra que as mulheres exerciam liderança na
comunidade.
169
Essas mulheres também tinham parte no momento em que a comunidade se
reunia e escolhiam o elemento considerado cheio do Espírito Santo como profeta e
responsável para exercer as funções próprias das celebrações eucarísticas.
Vejamos o que diz Fiorenza a este respeito:
Sempre que a comunidade se reunia, seus membros tiravam sortes, prática
tradicional judaica e primitivo-cristã usada para adivinhar a vontade de
167
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 331.
168
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 332.
169
Cf. FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 332.
84
Deus. Por meio destas sortes, eram alternativamente designados para o
papel de presbítero, para celebrar a eucaristia como bispo, para ler e
explicar as escrituras ou ensinar e dirigir-se ao grupo como profeta. Todos
os membros, mulheres e varões, podiam ser escolhidos para agir como
bispo, presbítero, mestre e profeta. Porque estas funções mudavam de
reunião para reunião, nunca se tornavam prerrogativa exclusiva de
determinados membros
170
.
Assim podemos concluir que havia mulheres entre os líderes proféticos das
comunidades paulinas. Elas eram escolhidas da mesma forma como os homens e
exerciam as mesmas funções que os homens. Desta forma, Lucas assinala três
mulheres como profetisas: Maria, Isabel e Ana, bem como menciona as quatro
profetisas filhas de Felipe (cf. At 21,9). A fama destas mulheres era tão grande que a
origem apostólica das províncias da Ásia decorrem delas. Neste sentido as mulheres
profetisas são reconhecidas então como aquelas que transmitem a tradição
apostólica.
Sabemos que Paulo faz referência a várias mulheres profetisas tais como:
Teonoe, Estratônica, Êubula, Fila, Artemila e Ninfa. Temos um exemplo em Corinto,
onde uma dessas mulheres, profetisa, de nome Mirta confortou Paulo e a
comunidade para que não desanimassem, mas permanecessem firmes e animados
porque Paulo tinha que ir a Roma. Mirta, nos lembra Fiorenza, foi iluminada pelo
Espírito e profetizou dizendo: “Paulo o servo do Senhor salvará muitos em Roma e
alimentará muitos com a palavra”
171
. Mirta provavelmente tenha falado isso numa
assembléia eucarística, é o que ao menos indica o contexto da liturgia, segundo
Fiorenza.
170
FIORENZA, Elizabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 340
171
FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992, p.341
3 DISCÍPULAS E MISSIONÁRIAS: UM CAMINHO PEDAGÓGICO
Neste terceiro capítulo apresentamos algo sobre como a mulher é vista na
Igreja. Isto será feito a partir do Magistério da Igreja através de alguns de seus
documentos, bem como a partir da visão crítica de uma autora relevante do
feminismo.
3.1 A PALAVRA DA IGREJA
A mulher, atualmente, conquistou certo espaço na Igreja, porém este
será maior e integral se ela puder participar de tudo lado a lado em igualdade com o
homem. Neste sentido teremos a seguir uma palavra sobre como a mulher é vista na
Igreja a partir do documento Pontifício Mulieris Dignitatem (MD) que trata da questão
da dignidade e da vocação da mulher, bem como a mulher nos documentos
latinoamericanos: no Documento de Puebla (DP) e Documento de Aparecida (DA) e
por último, a mulher na Igreja.
3.1.1 João Paulo II: A dignidade e a vocação da mulher
Para entender melhor a dignidade e a vocação da mulher é importante ver o
que a Igreja tem a dizer sobre esse assunto. Vamos nos ater a um documento
privilegiado, ou seja, da Carta Apostólica Mulieris Dignitatem (MD) do Sumo
Pontífice João Paulo II sobre a dignidade e a vocação da mulher por ocasião do ano
mariano.
João Paulo II ressalta que a questão da dignidade da mulher e sua vocação
vêm assumindo, nos últimos anos, cada vez mais um destaque todo especial. Isto
ocorre devido às intervenções do Magistério da Igreja que se refletem nos
documentos do Concílio Vaticano II que fala sobre a vocação da mulher, da seguinte
forma: ”mas a hora vem, a hora chegou, em que a vocação da mulher se realiza em
plenitude, a hora em que a mulher adquire no mundo uma influência, um alcance e
86
poder jamais alcançados até agora”.
172
a partir do momento em que a mulher
tiver espaço e protagonismo nas transformações sociais, poderá dar uma
contribuição significativa na transformação de um mundo mais humano e justo.
João Paulo II, referindo-se aos discursos do Papa Paulo VI, menciona que
aquele Papa valorizava a mulher e a considerava parte da estrutura da Igreja, “a
mulher é destinada a fazer parte da estrutura viva e operante do cristianismo de
modo tão relevante, que talvez ainda não tenham sido enucleadas todas as suas
virtualidades”.
173
Segundo o documento, desde o início do cristianismo, a mulher tem um
estatuto especial de dignidade e João Paulo II apresenta o amor de Deus, como
amor de uma mãe, porque assim como uma mãe, Deus carregou a humanidade e,
em especial, seu povo escolhido no próprio seio, deu a luz a esse povo na dor e o
nutriu (cf. Is 42,14; 46,3-4).
174
Ressalta João Paulo II que a questão dos direitos da mulher assume um
novo sentido no conjunto dos direitos da pessoa humana. Diante disso é justa a
oposição da mulher em relação ao que expressam as palavras bíblicas: “ele te
dominará” (Gn 3,16). A mulher em nome da libertação do domínio do homem não
pode abrir mão da sua própria originalidade feminina apropriando-se de
características masculinas, pois, por este caminho a mulher não se realiza e pode
deformar e perder aquilo que compõe a sua riqueza essencial
175
.
Considera João Paulo II que “diversas mulheres aparecem no itinerário da
missão de Jesus de Nazaré, e o encontro com cada uma delas é uma confirmação
sobre a novidade de vida evangélica”
176
.
Cristo, diz o papa, foi o promotor da verdadeira dignidade da mulher e da
vocação que corresponde a esta dignidade. Ele dignifica a mulher e a promove
(cf.Jo 4,27). Isto significa que o comportamento de Cristo em relação às mulheres se
distinguia daquele dos seus contemporâneos, inclusive seus próprios discípulos se
admiravam da atitude dele em relação às mulheres
177
.
172
MD nº 1.
173
MD nº 1.
174
Cf. MD nº 8.
175
Cf. MD nº 10.
176
MD nº 12.
177
cf. MD nº 12.
87
Muitas mulheres com as quais Jesus ia se encontrando o acompanhavam
enquanto ele ia anunciando o Evangelho do Reino de Deus. Essas mulheres “o
assistiam com seus bens” e, entre as citadas está Joana, Susana e muitas outras”
(cf. Lc 8,1-3).
178
Na visão do Papa, Jesus sempre exprimiu o respeito e a honra à mulher (cf.
Lc 13,16). Em seu ensinamento e comportamento nunca demonstra nenhuma
discriminação em relação às mulheres. Estas mulheres que a opinião comum
apontava com desprezo como pecadoras públicas e adúlteras. Um exemplo disso é
o caso da Samaritana, a ela Jesus diz: “tiveste cinco maridos e aquele que agora
tens não é teu marido” (Jo 4,18). Ela reconhece em Jesus o Messias e em seguida
corre a anunciá-lo aos seus conterrâneos.
Outro exemplo é a pecadora pública que diante da condenação da opinião
pública entra na casa do fariseu para ungir os pés de Jesus com óleo perfumado.
Jesus lhe diz: “São perdoados os seus muitos pecados, visto que muito amou” (cf.
Lc 7,37-47).
Outra situação significativa, diz João Paulo II, é a questão da mulher
surpreendida em adultério e conduzida a Jesus. Jesus a perdoa e a liberta e pede a
ela que vá e não volte a pecar (cf. Jo 8,3-11).
Portanto, a mulher herda do princípio a dignidade de pessoa como mulher
isso porque cada mulher é aquela única criatura na terra que Deus quis por si
mesma. Jesus faz da dignidade da mulher um conteúdo do Evangelho e da
redenção, para a qual é enviado
179
.
Diante do que nos diz João Paulo II, Jesus entra na situação concreta e
histórica da mulher, a transforma. Também a liberta da situação sobre a qual pesa a
herança do pecado.
Muitas mulheres sofrem o abandono na sua maternidade porque o homem
não assume sua responsabilidade. Existem muitas mães solteiras, porém, os pais
solteiros dificilmente aparecem, ou seja, a mulher deve arcar com todas as
conseqüências da maternidade sozinha.
180
178
cf. MD nº 13.
179
cf. MD nº 13.
180
cf. MD nº 14.
88
Segundo João Paulo II, para Cristo a dignidade da mulher era algo muito
importante a ser regatada: "Cristo fazia de tudo o que estava ao seu alcance para
que as mulheres reconhecessem no seu ensinamento e no seu agir, a subjetividade
e dignidade que lhes são próprias”.
181
O Papa se refere à dignidade e a vocação da mulher dizendo que estas
encontram a sua vertente eterna no coração de Deus e nas condições temporais da
existência humana.
O modo de agir de Cristo, palavras e obras, protestam contra tudo o que
afronta a dignidade da mulher, diz João Paulo II. Assim, as mulheres que se
encontram próximas dele reconhecem-se a si mesmas na verdade que ele ensina e
faz. Por essa verdade as mulheres se sentem libertas, restituídas a si mesmas,
amadas por um amor que encontra expressão no próprio Cristo.
Neste documento, João Paulo II fala das duas dimensões da vocação da
mulher: a virgindade e a maternidade que são as duas dimensões da personalidade
feminina. Elas adquirem a plenitude e valor em Maria, como Virgem e Mãe do Filho
de Deus, se encontraram nela e se completaram admiravelmente, sem se excluírem
uma a outra. A virgindade e a maternidade coexistem em Maria, elas o se
excluem nem se limitam reciprocamente.
182
A maternidade da mulher, unida à paternidade do homem, reflete-se no
mistério eterno do gerar que é próprio de Deus Uno e Trino (cf. Ef 3,14-15). O gerar
humano é comum ao homem e a mulher, porém, a maternidade da mulher constitui
a parte especial do ser genitor. Os dois são genitores, mas é sobre a mulher que
recai o peso do comum gerar, pois a gestação absorve todas as energias do corpo e
da alma.
Assim a maternidade comporta uma comunhão especial com o mistério da
vida que amadurece no seio da mulher.
183
Por isso, a luz do princípio, a mãe aceita e
ama o filho que traz no seio como uma pessoa.
João Paulo II fala que a mulher possui uma precedência específica sobre o
homem. Ela imprime uma marca essencial em todo o processo do fazer crescer
como pessoa os filhos e filhas da família humana.
181
MD nº 14.
182
cf. MD nº 15.
183
Cf. MD nº 18.
89
O documento fala que Deus, na pessoa da mulher, Maria Mãe de Deus, no
seu fiatmaterno (Faça-se em mim) inicia uma Nova Aliança com a humanidade.
Em Maria termina a Antiga Aliança e se inicia uma Aliança Eterna e definitiva em
Cristo.
Deus realizou uma Aliança com o homem em Jesus Cristo e nela foi
introduzida a maternidade da mulher. Sempre que a maternidade da mulher se
repetir na história humana, acontece de novo a maternidade divina.
O papa João Paulo II lembra que na maternidade de toda a mulher se
exprime na profunda escuta da palavra do Deus vivo e a disponibilidade para
guardar esta Palavra, que é palavra de Vida eterna (cf. Jo 6,68).
184
A mulher está submetida a muitos sofrimentos, como o desvelo maternal
pelos filhos, a morte das pessoas mais queridas, a solidão, as mulheres que lutam
sozinhas pela sobrevivência, as mulheres que sofrem uma injustiça ou são
exploradas.
185
João Paulo II ainda lembra que além deste sofrimentoos das consciências
que é uma conseqüência do pecado, o qual atingiu a dignidade da mulher. São as
feridas da consciência que doem e que não querem cicatrizar.
Outra vocação a qual a mulher é chamada é a vocação à virgindade. Através
desta se confirma a sua dignidade à semelhança da Virgem Maria de Nazaré. João
Paulo II diz que: “o Evangelho propõe o ideal da consagração da pessoa, que
significa a sua dedicação exclusiva a Deus em virtude dos conselhos evangélicos:
castidade, pobreza e obediência”.
186
A virgindade deve ser considerada como um caminho para a mulher, através
do qual ela realiza a sua personalidade de mulher. Quando a mulher escolhe e opta
em viver a virgindade, ela se confirma como pessoa, como criatura que o Criador
desde sempre quis para si.
Para viver a virgindade no sentido Evangélico faz-se necessário renunciar ao
matrimônio e a maternidade física. A renúncia a este tipo de maternidade abre-se
para a experiência de uma maternidade segundo o espírito (Rm 8,4). Mas a
184
Cf. MD nº 19.
185
Cf. MD nº 19.
186
MD nº 20.
90
virgindade não priva a mulher de suas prerrogativas: “a vida das mulheres
consagradas que vivem segundo o carisma e as regras dos diversos Institutos de
caráter apostólico, poderá exprimir-se como solicitude pelos homens, especialmente
pelos mais necessitados”
.
187
Desde o início na história da Igreja existem mulheres para as quais a resposta
da Esposa ao amor redentor do Esposo adquiria plena força expressiva.
João Paulo II fala que a mulher é muito forte em várias ou em todas as
situações, isto é, “a mulher é forte pela consciência dessa missão, forte pelo fato de
que Deus lhe confia o homem, sempre em todos os casos, até nas condições de
discriminação social em que ela se possa encontrar”
188
. Portanto, essa consciência
e vocação fundamental falam da dignidade que a mulher recebe de Deus o que a
torna forte e consolida a sua vocação. Assim, a mulher perfeita se torna um amparo
insubstituível bem como uma fonte de força espiritual para os outros.
Mullieris Dignitatem elogia a capacidade de sofrimento da mulher quando a
meu ver deveria questionar as causas do sofrimento.
3.1.2 Magistério Latinoamericano
Dentre os documentos latinoamericano que falam da mulher, citaremos dois:
o Documento de Puebla (DP) e o recente documento de Aparecida (DA).
3.1.2.1 Documento de PUEBLA
O documento de Puebla fala da marginalização da mulher como
conseqüência de hábitos culturais, tais como a prepotência do homem, salários
desiguais, educação desigual e tantos outros fatores os quais se manifestam em sua
ausência da vida blica, econômica e cultural e, além dessas, são acrescentadas
outras formas de marginalização, numa sociedade consumista e hedonista. Dessa
forma se transforma a mulher em objeto de consumo e sob o pretexto de evolução
187
MD nº 21.
188
Cf. Prov 31,10.
91
dos tempos se disfarça a exploração da mulher, através da publicidade do erotismo,
da propaganda e outros tantos.
Segundo os Bispos, nos últimos tempos a prostituição feminina tem
aumentado em muitos países tanto pela situação econômica que é angustiante e
pela crise moral.
Entretanto, dizem os Bispos, que as mulheres nem sempre estão organizadas
para exigirem o respeito a seus direitos, porque na maioria dos setores, as leis que
garantem os direitos e a proteção das mulheres não são cumpridas, são omitidas.
Como exemplo de um setor que acorre isso com muita freqüência é o setor operário.
A mulher, na sua grande maioria, também se sobrecarregada na família,
pois tem uma jornada de trabalho profissional igual do homem e carrega as tarefas
domésticas, inclusive em vários casos, assume sozinha todas as responsabilidades
com os filhos, quando abandonada pelo marido.
Dentre as mulheres que mais sofrem estão as empregadas domésticas, pois
a sua situação é lamentável, devido aos maus tratos e a exploração que sofrem da
parte dos patrões.
Puebla fala também da desvalorização da mulher até mesmo dentro da
própria Igreja e diz: “na própria Igreja, tem havido por vezes uma valorização
insuficiente da mulher e uma escassa participação da mesma em nível de iniciativas
pastorais”.
189
Ao mesmo tempo fala de que a participação da mulher sempre teve um papel
relevante na Igreja, participando dos dons de Cristo e difundindo seu testemunho
pela sua vida de e caridade. Maria é a pessoa que mais intensamente participa
dos dons de Cristo, por isso Puebla destaca os momentos mais importantes de sua
vida pelo testemunho de fé e caridade:
Acima de tudo, porém, como Maria, na Anunciação, ao aceitar
incondicionalmente a Palavra de Deus; na Visitação, ao oferecer e anunciar
a presença do Senhor; no Magnificat, ao aceitar profeticamente a liberdade
dos Filhos de Deus e o cumprimento da promessa; na Natividade, ao dar à
luz ao Verbo de Deus e ao oferecê-lo à adoração de todos aqueles que O
buscam, sejam eles singelos pastores ou sábios vindos de terras
longínquas; na Fuga para o Egito, ao aceitar as conseqüências da
desconfiança e da perseguição de que é objeto o Filho de Deus; perante o
189
DP nº 839.
92
comportamento misterioso e adorável do Senhor, ao conservar tudo em seu
coração; com sua presença solícita às necessidades dos homens; ao
provocar o “sinal messiânico” que garantia o bom êxito da festa; na cruz,
forte, fiel e aberta a uma acolhida materna universal; na espera ardente,
com toda a Igreja, da plenitude do Espírito; na Assunção, celebrada na
Liturgia como a Mulher do Apocalipse, símbolo da Igreja.
190
3.1.2.2 Documento de APARECIDA
O documento de Aparecida quando se refere à mulher diz que uma “igual
identidade entre homem e mulher em razão de terem sido criados à imagem e
semelhança de Deus”.
191
Segundo o documento, num tempo de machismo, a prática de Jesus foi
decisiva para significar a dignidade da mulher e de seu valor indiscutível. Jesus falou
com elas (cf. Jo 4,27), teve especial misericórdia com as pecadoras (cf. Lc 7,36-50;
Jo 8,11), as curou (cf. Mc 5,25-34), Ele reivindicou a dignidade delas (cf. Jo 8,1-11),
as escolheu como primeiras testemunhas de sua ressurreição (cf. Mt 28,9-10) e,
além disso, incorporou mulheres ao grupo de pessoas que lhe eram mais próximas
(cf. 8,1-3).
O Documento de Aparecida se refere à Maria como a discípula por excelência
entre os discípulos. Ela é a figura fundamental na recuperação da identidade da
mulher e de seu valor na Igreja. Maria é a mulher que foi capaz de se comprometer
com sua realidade e diante dela ter voz como nos mostra o canto do Magnificat.
192
Por outro lado, ainda hoje inúmeras mulheres não são valorizadas em sua
dignidade e quando sozinhas ou abandonadas, não se reconhece nelas o abnegado
sacrifício, nem a generosidade no cuidado e educação dos filhos e na transmissão
da fé na família. Também o se valoriza nem se promove sua indispensável e
peculiar participação na construção de uma vida social mais humana e na edificação
da Igreja. Conforme o Documento de Aparecida, “sua urgente dignificação e
participação são distorcidas por correntes ideológicas, marcadas com o selo cultural
190
DP nº 844.
191
DA, nº 451.
192
Cf. DA nº 451.
93
das sociedades de consumo e do espetáculo, capazes de submeter às mulheres a
novas formas de escravidão”
193
.
Na América Latina e no Caribe ainda há uma mentalidade muito machista que
deve ser superada, pois ignora a novidade do cristianismo que reconhece e
proclama a dignidade e responsabilidade da mulher, da mesma forma como a do
homem.
Segundo Puebla é urgente, na América Latina e no Caribe, que se escute o
clamor silenciado das mulheres que estão submetidas às diversas formas de
exclusão e de violência em todas as etapas da vida, ou seja, desde a gestação até a
velhice. É fundamental que todas as mulheres possam participar da vida eclesial,
familiar, cultural, social e econômica. Para isso faz-se necessário criar espaços e
estruturas que favoreçam maior inclusão.
As comunidades cristãs na sua grande maioria são constituídas pelas
mulheres que são as primeiras transmissoras da e colaboradoras dos pastores.
Por esse motivo, as mulheres devem ser atendidas, valorizadas e respeitadas pelos
pastores.
O documento ainda ressalta que a maternidade é uma missão de excelência
da mulher e ela não se opõe ao seu desenvolvimento profissional e ao exercício de
todas as suas dimensões. A mulher é capaz de exercer sua maternidade conciliando
com a vida profissional e é chamada a ser fiel junto com o homem ao plano original
de Deus que dá ao casal humano, de forma conjunta, a missão de melhorar a terra.
Assim a mulher não pode ser substituída no lar, na educação dos filhos e na
transmissão da fé, mas isso não exclui sua participação ativa na construção da
sociedade. Para que isso seja possível é preciso propiciar uma formação integral a
fim de que as mulheres possam cumprir sua missão na família, na Igreja e na
sociedade.
O Documento de Aparecida no número 457 se refere ao papel da Igreja em
relação à maternidade da mulher dizendo que:
A Igreja é chamada a compartilhar, orientar e acompanhar projetos de
promoção da mulher com organismos sociais existentes, reconhecendo o
ministério essencial e espiritual que a mulher leva em suas entranhas:
193
DA nº 453.
94
receber a vida acolhê-la, alimenta-la, dá-la à luz, sustentá-la, acompanhá-la
e desenvolver seu ser mulher, criando espaços habitáveis de comunidade e
comunhão. A maternidade não é uma realidade exclusivamente biológica,
mas se expressa de diversas maneiras. A vocação materna se cumpre
através de muitas formas de amor, compreensão e serviço aos demais
194
.
O documento conclui dizendo que a dimensão maternal também se concretiza
na adoção de crianças, oferecendo-lhes proteção e lar.
3.2 A MULHER NA IGREJA
Para tratar do assunto da mulher na igreja será privilegiado uma autora crítica
que é Elisabeth Schüssler Fiorenza.
As questões em torno das mulheres no ministério da Igreja o são apenas
um fenômeno moderno, pois no tempo de Paulo, ele teve que tratar deste
assunto. A história da Igreja revela a existência de grandes e extraordinárias
mulheres. Frederico Ozaman (1913-53) nos aponta que: “Nada de grande poderia
acontecer na Igreja sem a contribuição de uma mulher”.
195
Portanto, a mulher é
fundamental na Igreja, pois sem ela nada de extraordinário aconteceria. Porém,
assim mesmo constatamos que o homem ficava com a liderança pública, enquanto a
atuação da mulher era oculta e privada. Segundo Fiorenza essa situação mudou:
Esta situação mudou no início deste século. A mudança foi ocasionada, de
igual modo, pelo novo status da mulher na sociedade e pela redescoberta
do laicato na Igreja. O movimento feminista lutou pelo acesso da mulher a
todos os veis de educação e pela plena participação dela em todas as
profissões. Gradualmente, a mulher passou da esfera privada à luta pública.
Pelas suas capacidades e duro trabalho, a mulher conquistou todas as
áreas da vida pública, a ponto de se haver tornado comum que a educação
se empenhe, não apenas no preparo das meninas para o casamento e para
a vida religiosa, mas igualmente para a vida profissional.
196
Fiorenza nos lembra que “nos tempos modernos, a Igreja, despojada de seu
poder político e temporal, defronta-se com um mundo cada vez mais
194
DA nº 457.
195
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p. 24
196
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p. 24.
95
secularizado”.
197
O clero não tem mais condições de satisfazer as necessidades de
nossos tempos, isto por falta de clérigos ou porque não atingem mais certos grupos
de pessoas. Por isso se tornou fundamental que todos os membros da Igreja sejam
seus apóstolos e o laicato voltasse à ativa.
Era visto que a contribuição do laicato era fundamental, pois esse poderia
resolver os problemas com que se defrontava a Igreja no mundo moderno. Para
tanto foram criadas, nas primeiras décadas deste século, os ministérios para as
mulheres em tempo integral: nas áreas de cuidados pastorais, na catequese, na
Ação Católica.
Fiorenza diz que a própria “sociedade, do ponto de vista da mulher, tem
aparência diferente, quando vista a partir da perspectiva dominante masculina”
198
.
As obras que falam da natureza e da vocação da mulher focalizam uma
diferença de gênero e consideram a mulher dentro da perspectiva do quadro
dominante humano-homem-macho que sempre prevaleceu nas culturas clássicas
muito tempo. O homem-macho sempre exerceu um domínio cultural bem como
científico e institucional. Por isso não é de se surpreender que instituições estatais,
públicas e econômicas tenham características masculinas, pois se originaram numa
sociedade patriarcalmente estigmatizada. A natureza da mulher, neste mundo, é
possível ser compreendida com referencia à do homem.
Como conseqüência disso, temos que, a mulher que queira participar
ativamente desse mundo que é determinado pelo homem deve adaptar-se a eles.
Porém, o movimento de emancipação feminina lutou por direitos iguais para as
mulheres, em relação aos homens e isso possibilitou às mulheres ser e agir como o
homem. Mas houve transformação não com a vida das mulheres em confronto
com o mundo machista, nas últimas décadas, mas também da parte dos homens.
Muitos deles se deram conta que no local de trabalho o controlados por mulheres
da mesma forma como sempre eles as controlaram em casa. Os acentuados
contrastes que existiam entre o trabalho dos homens e das mulheres não existem
mais, eles acabaram se tornando não mais distintos e até se anularam mutuamente
em muitos casos. Aqui, o importante não é saber até que ponto o trabalho fora do lar
197
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p. 24.
198
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p. 27
96
tem condições de transformar as idéias a respeito da natureza e essência feminina,
mas aque ponto é possível transformar uma sociedade que sempre foi orientada
pelo homem.
Fiorenza se refere à mulher como aquela que precisa assumir o seu lugar,
sua autonomia sem ser tutelada eternamente pelo homem da seguinte forma:
O que aqui está em jogo é a integração da consciência tradicional do
homem com a emergente consciência feminina, formando uma consciência
humana e pessoal. As mulheres devem hoje aprender a considerar-se,
primeiro que tudo, como pessoas humanas. De modo igual aos dos
homens, elas devem realizar sua personalidade humana em autonomia,
parceria e autodeterminação; devem assumir sua maioridade e não tolerar
mais tutelas. Somente quando a mulher for reconhecida como parceira igual
nos cursos sociais, poderá a nossa sociedade, unilateral, estruturada para o
macho, sofrer uma transformação.
199
Se fizermos um exame do ensinamento sobre a mulher tanto na igreja antiga
como na medieval e moderna verificaremos o quanto foi difícil a luta pela
personalidade feminina e também pela sua igualdade, com referência ao homem na
Igreja e na sociedade. No decorrer da história surgiram líderes, mulheres
excepcionais e criativas que influenciaram a vida e a espiritualidade da Igreja, tais
como: Helena, Olímpia, Pulquéria, Domitila, Líoba, Tecla, Hildegarda de Bingen,
Isabel da Hungria, Catarina de Siena, Brígida da Suécia, Teresa d`Ávila, Mary Ward
da Inglaterra e Teresa de Lisieu.
Os Padres da Igreja e Santo Tomás de Aquino estavam mal informados sobre
genética e biologia, além disso, estavam impressionados com a imagem patriarcal e
o status das mulheres de seu tempo, isto os levou a cometer vários erros graves.
Assim, São Tomás de Aquino teve muita influência na teologia medieval e moderna.
Neste sentido é colocada em dúvida até hoje a igualdade das mulheres. A
desvalorização tomista da mulher, portanto, “continua a influenciar o pensamento
católico na medida em que a necessidade de completar-se por meio do sexo oposto
é postulada apenas para as mulheres e não para os homem”.
200
199
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p. 28.
200
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p. 28.
97
Para Elizabeth Fiorenza “a imagem católica contemporânea, quase canônica,
da mulher, é a da maternidade, da submissão, do serviço, do cuidado e da
contribuição silenciosa, pouco visível, da mulher, à vocação criativa do homem, no
mundo”.
201
Para Lê Fort a história toda se resume no homem e no seu trabalho. Segundo
ele, a mulher deve trabalhar às ocultas e sob o véu. Portanto, a natureza essencial
da mulher correspondia apenas ao auxilio ocasional e nunca à atividade
independente.
Atualmente, as mulheres trabalham em público e são orientadas para
questões sócio-políticas e não somente para assuntos pessoais. Neste sentido
Elizabeth Gossmann, afirma que: “A própria mulher não deve, em nenhuma
circunstancia derivar sua existência da noção do eterno feminismo”.
202
Assim as mulheres não devem nunca desistir da luta pela cooperação ativa
em todos os ministérios da Igreja. É fundamental para a Igreja toda e não só para as
mulheres, que a linha clerical que divide os sexos e o status das mulheres de cristãs
de “segunda classe” segundo Fiorenza seja abolida.
203
Por outro lado, a história do
movimento de emancipação das mulheres mostra que a igualdade dos sexos não vai
ser alcançada nem por meio da conformidade das mulheres às estruturas patriarcais
autoritárias e, muito menos, pela incorporação delas ao grau mais baixo da
hierarquia.
Mesmo depois de um século de luta pela igualdade, as mulheres não
conseguiram posições importantes de liderança em nossa sociedade. O que
aconteceu foi exatamente o contrário, isto é, as mulheres foram incorporadas no
sistema político econômico da sociedade industrializada patriarcal. Este se limitou a
apenas organizar as capacidades de trabalho das mulheres em benefício próprio
bem como admíti-las a postos mal pagos e subordinados.
O movimento de emancipação da mulher perdeu por causa da ala moderna
que tentou apenas humanizar o trabalho em vez de mudar a sociedade. Era uma
201
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p.30.
202
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p.31.
203
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p.41.
98
ilusão pensar que as mulheres pudessem “feminizar a sociedade industrial, pois o
mundo moderno não é produto da mente masculina, mas obedece as leis materiais
que determinam a vida dos homens e das mulheres num plano de igualdade”,
segundo Fiorenza.
204
Mas a partir do momento em que a ala conservadora do movimento feminista
afirmou que o status social da mulher não tinha integridade própria, mas deveria ser
considerado como complemento do trabalho masculino, não busca oposição à idéia
de que as mulheres trabalhavam para terem seu dinheirinho e sim um aumento do
duplo papel da mulher. Ainda hoje muitos homens tanto quanto mulheres acreditam
que o trabalho caseiro é coisa de mulher, enquanto que o trabalho na esfera pública
é de responsabilidade dos homens e por serem considerados os chefes da casa,
eles têm o direito de receber um salário família. Neste sentido, a capacidade e o
papel da mulher eram adaptados às necessidades econômicas da sociedade
industrial, enquanto que, na verdade, a sociedade deveria transformar-se no
interesse das mulheres.
As mulheres, como batizadas e membros confirmados da Igreja e, portanto,
estão habilitadas a ocupar posições de responsabilidade e liderança na Igreja devem
insistir e lutar para evitar a clericalização e monopolização hierárquica dos
ministérios eclesiais.
Portanto, as mulheres devem seguir a própria vocação dada por Deus. Elas
também são chamadas a seguir Jesus, tanto quanto os homens, mesmo que isto
implique numa atitude ou rumo de ação contrária aos costumes culturais de seu
tempo. Sabemos que a escolha de vida de muitas santas mulheres era limitada e
tinha que se conformar a estereótipos masculinos e estas escolhas contradiziam a
imagem da mulher total que era propagada pela mística cultural feminina e pela
teologia católica da mulher.
Entende-se, porém, que as mulheres tanto quanto os homens o chamadas
ao discipulado e à santidade. O chamado, a eleição de Deus era para todos,
homens e mulheres, ou seja, transcendia a todas as limitações da religião, cultura,
raça, classe e sexo. Porém, os primeiros cristãos, achavam que este chamado ou a
eleição de Deus era só para eles, bem como se consideravam os santos de Deus.
204
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p.42.
99
Assim, vemos que o chamado de Jesus ao discipulado tinha precedência
sobre todas as demais obrigações, deveres religiosos e laços de família. Os
Evangelhos nos mostram que Jesus não respeitava a família patriarcal e as
reivindicações desta, pelo contrário, ele chegou a substituí-la pela nova comunidade
dos discípulos.
Segundo Fiorenza, “esta visão do discipulado e da comunidade tem evocado,
através dos séculos, respostas de vida, não de homens, mas igualmente de
mulheres”.
205
Como exemplo de uma dessas mulheres temos Isabel da Hungria. Sua
vida foi muito curta
206
mas ela passou-a toda na procura desta visão do discipulado.
Isabel mostrou com a sua vida o quanto é difícil para as mulheres viver a primitiva
visão cristã do discipulado numa religião e numa cultura que são patriarcais.
Esta sua decisão e sua imagem dão coragem às mulheres para que elas
sejam capazes de romper com as limitações culturais e religiosas da feminilidade e
que busque assim uma auto-imagem e uma identidade de plena personalidade e
discipulado radical.
As mulheres são chamadas a viver o discipulado radical indo contra esses
papéis femininos, sexistas, de classe média, cultural e teologicamente sancionados.
Fiorenza diz que a mulher hoje em dia se quiser ser radical no seu seguimento irá
enfrentar muitas dificuldades assim como Isabel passou:
Isabel passou por violência e brutalidade porque buscava seguir a própria
vocação, definindo a maneira de o fazer pelo ato de ultrapassar a sua
classe social e horizonte histórico, assim também as mulheres católicas de
hoje devem estar preparadas para sofrer a violência social e religiosa, se
responderem ao chamado do Evangelho ao discipulado radical.
207
As mulheres sempre viveram a opressão cultural, e não é de hoje que elas
sofrem por serem oprimidas desta forma. Esta situação constitui uma violência
principalmente se ainda for adoçada pela falsa generosidade por parte do homem.
O principal papel da mulher na vida numa sociedade sexista é o de ajudante
do homem. A mulher deve cozinhar e trabalhar para ele sem receber por isso.
205
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p.52.
206
Do ano de 1207 a 1231.
207
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p. 28.
100
Mulher, nesta sociedade, é aquela que a luz e cria os filhos, além disso, cabe a
ela, garantir a satisfação psicológica e sexual do homem. Portanto, o lugar da mulher
é na casa, como já foi dito em outro momento enquanto que o lugar do homem é no
mundo, isto é, ganhando dinheiro, administrando o Estado, as escolas, as Igrejas, ou
seja, na vida pública. Caso a mulher se arrisque a entrar neste mundo masculino a
tarefa dela normalmente é subsidiária, ou seja, da mesma forma como as tarefas da
casa ou são serviços mal pagos porque se considera que a mulher trabalha apenas
para suprir pequenas despesas. Por isso, em muitos casos, ela ainda é limitada a
profissões de pouca consideração.
As mulheres estão lutando por igualdade a mais de um século e até hoje
ainda não conseguiram em boa parte do mundo alcançar posições de liderança ou
de igualdade de oportunidades tanto na esfera pública como social. Elas foram sim,
incorporadas ao sistema econômico e aos valores morais da cultura sexista. E esta
cultura se limitou a organizar as capacidades das mulheres apenas para atender a
seus próprios interesses.
A cultura sexista recusa às mulheres o pleno alcance de suas potencialidades
humanas e, além disso, as mulheres são socializadas para se enxergarem como
dependentes, menos inteligentes e que procedem dos homens. A mulher desde
pequena aprende que seu papel principal é ser obediente e serviçal e avaliar sua
pessoa através dos olhos de uma cultura masculina. Nós mulheres sempre somos
consideradas a outra e somos “socializadas como ajudantes dos homens ou objetos
sexuais para seu desejo”.
208
Somos representadas como garotinhas dependentes ou
como mulheres sedutoras e sexy, além de, esposas ou mães abnegadas, pelos
meios de comunicação.
209
Infelizmente, nós mulheres ainda somos definidas como
alguém que deriva do homem, que é inferior e subordinada a quem falta a
inteligência, a coragem e o talento, caráter do homem.
Ainda hoje, em nossa cultura, as mulheres são difamadas, consideradas
infantis ou idealizadas e colocadas em pedestal. Não é permitido às mulheres serem
pessoas humanas livres e independentes e o que é pior ainda elas não vivem suas
próprias vidas porque lhes é ensinado desde muito cedo que devem viver a vida dos
208
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p.69.
209
Os jornais, a propaganda, a televisão e o cinema.
101
maridos e filhos. Não lhes é dado o direito de exercerem o próprio poder, pois
sempre são obrigadas a manipular o poder masculino. Também não têm o direito de
expressarem a opinião própria, mas espera-se que fiquem em silêncio ou no máximo
que repitam o que seus pais, maridos, patrões ou filhos dizem. Como resultado,
temos que até as próprias mulheres acabam interiorizando uma imagem ou
compreensão de si mesmas de que são inferiores e que dependem dos homens. As
mulheres sempre aprenderam a se sentirem inferiores e a se autodesprezar e por
isso tem a dificuldades de se respeitarem entre si manifestado assim os traços
típicos da personalidade dos povos oprimidos.
O feminismo, diante dessa imagem cultural e da autocompreensão das
mulheres, defende que as mulheres são pessoas humanas e por isso exigem um
livre desenvolvimento de plena personalidade para todos, tanto homens como
mulheres e que os direitos, talentos ou fraquezas humanas não são divididos por
sexo. Por outro lado ele aponta a necessidade das mulheres de se tornarem
econômica e socialmente independentes para que se compreendam e valorizam a si
próprias tornando-se agentes livres, autônomos e responsáveis da própria vida. Para
que aconteça uma mudança no papel da mulher na sociedade faz-se necessário em
primeiro lugar que ocorra uma transformação nas percepções e atitudes dos homens
e das mulheres para com as mulheres.
As instituições que exploram as mulheres as estereotipam ou as mantêm em
posições inferiores são criticadas pelo feminismo e neste contexto Fiorenza diz que:
O cristianismo teve não apenas uma influência importante na elaboração da
cultura ocidental e da ideologia sexista, mas também que as igrejas e
teologias cristãs ainda perpetuam a mística feminina e a inferioridade da
mulher, por meio de suas desigualdades institucionais e das justificações
teológicas da diferença inata das mulheres em relação aos homens. A ética
cristã identifica a interiorização do que é feminismo, das atitudes passivas,
por exemplo, a ternura, a humildade, a submissão, a abnegação, o amor
abnegado que impede o desenvolvimento da auto-afirmação e da
autonomia, para as mulheres. O pretenso voluntarismo da submissão
imposta, no patriarcado cristão, fez voltarem-se as mulheres contra si
próprias, mais que nunca mascarando e reforçando o processo de
interiorização.
210
210
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p.70.
102
A sociedade e a cultura reagem a analise e a critica feminista com recusa,
rejeição e a cooptação, da mesma forma as igrejas e os teólogos cristãos reagem
para neutralizar a critica feminista e fazem o possível para que a ordem social e
eclesial não seja alterada. Eles “negam a exatidão e a validade dessa análise e da
crítica feminista e lembram por outro lado que, as mulheres de modo nenhum são
inferiores e oprimidas, mas, ao contrario, superiores e privilegiadas”,
211
conforme o
que Fiorenza nos relata.
Neste sentido várias declarações do Papa Paulo VI em que ele se refere
às qualidades superiores das mulheres. Em uma dessas declarações ele “sustenta
que a Igreja já reconheceu o esforço contemporâneo para promover o progresso das
mulheres como sinal dos tempos e exige uma legislação que proteja os direitos
iguais das mulheres na participação da vida cultural, econômica, social e política”
212
.
Por outro lado, “ele sustenta que as mulheres devem ser excluídas das ordens
hierárquicas”,
213
porém, não vamos aqui aprofundar este assunto, pois não é de
nosso interesse neste momento.
Os teólogos liberais cristãos, bem como a imprensa liberal cristã por um lado
elogiam as metas do movimento das mulheres e por outro o rotulam de anticristão só
porque a crítica feminista sustenta que o cristianismo é um dos maiores
responsáveis pela racionalização do status da mulher, em nossa cultura. Assim
podemos dizer que são os teólogos, os homens, os responsáveis pela formação de
uma ideologia que envolve a imagem e o papel da mulher, na teologia cristã.
O cristianismo, em toda a sua história, sempre viveu mergulhado no
patriarcalismo cultural e eclesial e por isso as mulheres nunca puderam
desempenhar seu papel significativo na teologia cristã. Mesmo hoje em dia quando
as mulheres escolhem ser teólogas não encontram muito espaço ou são relegadas a
condição de colegas juniores. Conforme o que nos diz Fiorenza, mulheres “cristãs
reagem basicamente de dois modos diferentes à violência que contra elas é dirigida
211
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p.71.
212
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p.72.
213
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p. 72.
103
pelas instituições eclesiais e seus representantes masculinos”
214
. Tem o grupo que
advoga um êxodo e uma separação de toda a religião institucional por amor ao
Evangelho e à experiência da transcendência, referindo-se à história do cristianismo
e às suas próprias histórias pessoais provando assim que a submissão das
mulheres é absolutamente essência ao funcionamento da Igreja. Por outro lado tem
o grupo que espera mudança radical e arrependimento das igrejas cristãs. Essas
afirmam seu próprio papel profético e missão critica no cristianismo.
Fiorenza diz que ela não crê que as mulheres contribuam com modos
especificamente femininos ao processo da teologia, mas que, as teólogas feministas
podem contribuir para o desenvolvimento de uma teologia humanizada, na medida
em que se insiste que os valores femininos definam a totalidade da existência cristã
e a prática das igrejas cristãs. Neste sentido a teologia feminista é capaz de integrar
as áreas masculinas e femininas, bem como a intelectual e pública e a pessoal e
emocional. Aqui se faz necessário compreender a difícil situação pessoal das
mulheres, numa sociedade e numa Igreja sexista. É preciso compreendê-las através
de uma análise dos estereótipos culturais, sociais e eclesiais que tem um alcance
pessoal e político.
215
O feminismo cristão leva a sério a questão da igualdade, da integridade e
liberdade que está expressa em Gálatas 3,28
216
e a Carta Magna do feminismo
cristão que foi ratificada pelo Vaticano II, na Constituição sobre a Igreja .
217
Mas a
visão vista em Gálatas nunca foi totalmente realizada pela Igreja cristã, através de
sua história. Esta declaração reflete uma práxis discriminatória da Igreja a partir do
momento que ela não discute e não questiona as estruturas da Igreja e o ofício
eclesiástico e apenas discute ou propõe a igualdade para todos os cristãos apenas
com respeito à salvação, à esperança e à caridade.
A história feminista dos primeiros séculos mostra o quanto foi difícil para a
ordem eclesiástica estabelecida acabar com o clamor e o espírito de liberdade entre
as mulheres cristãs. Nesta época a apologética teológica afirmava que a Igreja não
214
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p. 73.
215
Para um maior aprofundamento do assunto ver artigo da autora: O papel da mulher no movimento cristão
primitivo, Concilium 1976/1. Petrópolis, Vozes.
216
Em Jesus Cristo “já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher”.
217
Nº 32: Portanto, não há em Cristo e na Igreja nenhuma desigualdade com base em raça e nacionalidade,
condição social ou sexo, pois não há judeu nem grego.
104
podia libertar as mulheres por causa da posição culturalmente inferior que elas
ocupavam na Antiguidade. É importante lembrar que a emancipação cultural e social
das mulheres tinha conseguido um bom espaço no mundo greco-romano.
Neste sentido Paulo, a tradição e os Padres da Igreja além de limitar ou
eliminar as conseqüências dos atos de Jesus e do espírito expressos em Gálatas (Gl
3,28) inverteram os processos de emancipação de sua sociedade. Na verdade eles
conseguiram eliminar as mulheres da liderança eclesial e teológica e isto eles o
fazem através da domesticação da mulher sob a autoridade masculina. Nos casos
em que as mulheres não se sujeitavam a autoridade masculina ou continuavam
ativas e ocupavam uma posição ou exerciam a liderança dentro dos movimentos
cristãos iam sendo eliminados da principal corrente do cristianismo.
Falando em libertação da mulher pode-se citar como exemplo a Maria
Madalena, pois seu encontro com Jesus libertou-a (Lc 8,3) e transformou sua vida e
como conseqüência, ela o seguiu.
Assim, Maria Madalena é a principal testemunha dos dados da primitiva fé
cristã, segundo o que nos atestam os quatro Evangelhos. Ela testemunhou a vida e
a morte de Jesus, seu enterro e ressurreição. Maria Madalena foi enviada aos
discípulos com o objetivo de proclamar o Kerygma da Páscoa. Por isso Bernardo de
Claraval a denomina de “apóstola dos apóstolos”. Pode-se dizer que toda a cristã
é baseada no testemunho e na proclamação das mulheres, pois, assim como Maria
Madalena foi enviada aos discípulos para proclamar os princípios básicos da
cristã é possível às mulheres de hoje “redescobrir, pela contemplação de sua
imagem, a importante função e o papel que poderão desempenhar para a e a
comunidade cristã”
218
.
Porém, quando pensamos em Maria Madalena, logo nos vem a imagem de
Maria como pecadora e dificilmente nos recordamos dela como apóstola cristã e
evangelista. A imagem de Maria Madalena foi totalmente distorcida e é interpretada
e retratada pelos modernos romancistas e os teólogos como se ela tivesse
abandonado os prazeres sexuais e a concupiscência pelo amor do homem Jesus.
Esta imagem distorcida de Maria Madalena implica numa profunda distorção na
autocompreensão das mulheres cristãs. Na qualidade de mulheres devemos
218
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p. 90.
105
reivindicar sempre a contribuição da mulher e o papel que ela representa na fé cristã
e a tradição. É preciso libertar a imagem de Maria Madalena de todas as distorções
e recuperar seu papel de apóstola.
Não Maria, mas também outras mulheres foram escolhidas para serem
apóstolas dos apóstolos. O primeiro testemunho das mulheres, da Ressurreição foi
um fato histórico, pois, o poderia ter derivado do judaísmo nem inventado pela
Igreja primitiva. Tanto a como a comunidade cristã tem seu fundamento na
mensagem da Ressurreição, na nova vida que foi proclamada pelas mulheres.
Sabe-se que na época de Jesus seus maiores seguidores eram os
cobradores de impostos, os pecadores e as mulheres, ou seja, os considerados
imundos para o culto e que não pertenciam à religião oficial daquele tempo e não os
virtuosos, os piedosos ou os poderosos.
Segundo Fiorenza, “a autocompreensão da comunidade cristã eliminava
todas as distinções de religião, raça, classe e casta, permitindo, por esse meio, que
não os gentios e escravos assumissem a plena liderança da comunidade cristã,
mas também as mulheres”.
219
As mulheres neste movimento exerciam a liderança
de apóstolas, profetisas, evangelistas e missionárias, ou seja, ofícios semelhantes
aos de Barnabé, Apolo e Paulo.
Para Paulo, a qualidade de apóstolo se entendia a todos aqueles que foram
testemunhas oculares da ressurreição e foram designados pelo Senhor para o
trabalho missionário (cf. 1Cor 9,4) e não se limitava aos doze. Segundo Lucas,
seriam aceitáveis para substituir Judas apenas os cristãos que acompanharam
Jesus em seu ministério na Galiléia e se fossem testemunhas oculares de sua
ressurreição (cf. At 1,21). Assim, as mulheres, conforme os quatro Evangelhos
preenchiam os critérios de apostolado enumerados tanto por Paulo quanto por
Lucas. Portanto, as mulheres acompanharam Jesus da Galiléia a Jerusalém e foram
as testemunhas da sua morte (cf. Mc 14,40) e também foram as primeiras
testemunhas da ressurreição. Este é um fato de autenticidade histórica, pois atende
a todos os critérios para tanto.
219
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p. 96.
106
As mulheres tinham um papel importante no movimento cristão da Palestina,
elas foram indicadas pelo nome e, portanto, não ficaram no anonimato. Isto foi muito
importante para as mulheres, mas também para a Igreja da época e parece que a
líder entre elas tenha sido Maria Madalena porque os quatro evangelhos transmitem
o nome dela. Eles citam outros nomes, mas estes são variáveis. Por isso podemos
afirmar novamente que segundo as tradições evangélicas elas foram as primeiras
testemunhas apostólicas dos dados essenciais da primeira fé cristã, ou seja, elas
foram as testemunhas oculares do ministério de Jesus.
As mulheres exerciam liderança como profetisas durante o cristianismo
primitivo. Paulo e Lucas documentam estes fatos onde elas exerceram essa
liderança.
As referências à liderança das mulheres no movimento cristão que estava
nascendo não limitavam a sua atividade ao círculo feminino, nem comprova
tendências ascéticas. Com certeza Priscila era casada e Maria, Febe, Evódia ou
Trifena e tantas outras, talvez não fossem casadas, tanto que desconhecemos o
estado civil dessas mulheres. Elas também viviam numa situação onde não tinham
definidos ainda seus papéis, como esposas ou mães ou mesmo seus
relacionamentos com homens. Em função dos padrões do judaísmo, do mundo
greco-romano, bem como dos padrões da Igreja cristã da época, a liderança das
mulheres nas comunidades cristãs era excepcional.
Jesus, quando esteve no seu grupo, não deixou aos seus seguidores um
organograma pronto de sua comunidade, por isso os cristãos primitivos assimilaram
estruturas e instituições do judaísmo e do helenismo. Neste sentido “o processo de
adaptação cultural e de institucionalização eclesial limitaram progressivamente o
papel e a influência das mulheres”,
220
conforme o que nos diz Fiorenza.
Este processo de solidificação estrutural e hierarquização cultural de ofícios
eclesiásticos e a patriarcalização dos ministérios cristãos e da Igreja eliminava cada
vez mais, as mulheres de seus papéis de liderança eclesial e relegava-as a tarefas
subordinadas femininas. Nesta época o cristianismo se adequava cada vez mais às
instituições societais e religiosas existentes e com isso se tornava um segmento
genuíno de sua cultura e da religião greco-romana e como conseqüência disso
220
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p. 98
107
relegava a liderança das mulheres a grupos periféricos ou as limitava a papéis que
são definidos a partir do sexo. Nessa situação as ordens de diaconisas e viúvas
não serviam mais a toda a comunidade, mas somente às mulheres, assim como
nem todas as mulheres exerciam funções de liderança, somente as virgens e as
viúvas que haviam transcendido os papéis sexuais.
Nesta realidade as mulheres foram afastadas da liderança e da teologia
eclesiais e isto se deu em função da domesticação da mulher, sob a autoridade
masculina, tanto em casa como nas comunidades para celibatários, ou seja, em
conventos. Nesta época, muitas mulheres não se conformavam com essa realidade
e continuavam ativas e lideravam em várias comunidades cristãs. Mas como era de
se esperar, não demoraram em receber o rótulo de hereges e cada vez mais se viam
empurradas para fora da corrente do cristianismo. Junto com essa eliminação e a
repressão de elementos de emancipação dentro da Igreja ocorria a justificação
teológica da supressão da liderança feminina e da patriarcalização do ofício eclesial.
Para Fiorenza “a admissão das mulheres à plena liderança na Igreja requer o
reconhecimento oficial e a confissão de que a Igreja tratou injustamente as mulheres
e deve, portanto, submeter-se a uma conversão radical”.
221
A Igreja é chamada a
abandonar todas as formas de sexismo e rejeitar o quadro de referências teológicas
e institucionais que perpetuam a discriminação e o preconceito contra as mulheres,
pois, se ela oficialmente rejeitou toda a exploração nacional e renunciou
publicamente a toda teologia anti-semita.
Na Constituição Dogmática, declaração sobre a Igreja o Concilio Vaticano II
afirmou a visão da Igreja em Gálatas 3,28 onde diz que “não há, pois, em Cristo e na
Igreja, nenhuma desigualdade, em vista de raça ou nação, condição social ou
sexo”.
222
Esta declaração na verdade reflete uma mentalidade que discrimina, uma
práxis da Igreja hierárquica, enquanto ela apresenta a igualdade dos cristãos
somente a respeito à salvação, à esperança e à caridade e não em relação ao ofício
eclesial e ao poder. A Igreja e a teologia serão capazes de transcender suas
próprias formas ideológicas sexistas, quando for concedida às mulheres a igualdade,
espiritual e eclesial. Para que não se tenha mais a necessidade de suprimir o
221
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p. 100.
222
Cf. FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p. 101.
108
Espírito que impele as mulheres cristãs á participação plena, tanto na teologia como
no ministério, é preciso admití-las à plena liderança da Igreja e, além disso, é
necessário que seja respeitado o espírito de liberdade e responsabilidade das
mulheres cristãs, caso contrário, os líderes e teólogos negam à Igreja sua plena
integridade e catolicidade.
Fiorenza diz que as mulheres devem estar envolvidas em todos os níveis de
comprometimento da Igreja caso a Igreja busque uma comunidade de iguais. Assim
ela diz:
As mulheres devem dar na vista, todos os níveis da Igreja; devem ser
sacerdotes, bispos cardeais e papas, devem envolver-se na formulação da
teologia e da lei da Igreja, na emissão de encíclicas e na celebração da
liturgia, se realmente a Igreja almeja tornar-se uma comunidade de iguais,
diante de Deus e do mundo. Além disso, essas mulheres, que em sua
capacidade de professoras, teólogas, (...), educadoras religiosas,
conselheiras e administradoras, já exercem ativa liderança na Igreja, devem
insistir para que seu ministério seja publicamente reconhecido como
ministério ordenado, para que a liderança feminina não venha a ser a presa
das ciladas da presente forma clerical, celibatária e hierárquica, do
sacerdócio católico.
223
Para que aconteça o maior envolvimento da mulher na comunidade cristã não
pode mais se dividir em liderança ativa, dominada pelos homens e membros
passivos, de submissão feminina. Mas por outro lado, ela deve ser uma comunidade
de pessoas chamadas por Deus e autorizadas a participar ativamente e são
chamadas a liderança na missão da Igreja.
Aqueles que advogam uma saída de todas as instituições do cristianismo e da
religião afirmam que a submissão das mulheres é absolutamente essencial ao
funcionamento das Igrejas e que elas infelizmente são consideradas como seres
marginais nas atuais estruturas e teologias cristãs.
Segundo os Evangelhos, como os doze apóstolos
224
eram todos homens,
pode-se concluir que as mulheres não podiam ter igual acesso às funções de
223
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p 101.
224
Na origem, a palavra apóstolo significava um mensageiro comissionado e na correspondência paulina ela
significa um mensageiro enviado pelo Ressuscitado. Neste sentido o título não se restringe ao grupo dos doze,
porque se assim fosse, Paulo não poderia ser qualificado como apóstolo. Assim, como nem todo apóstolo
pertencia ao grupo dos doze, o termo apóstolo conita um círculo independente e mais compreensivo de liderança
na Igreja primitiva.
109
liderança, isso tanto no movimento missionário cristão quanto no movimento de
Jesus.
As mulheres discípulas que seguiram Jesus da Galiléia a Jerusalém (cf. Mc
15,40s) não somente acompanharam Jesus em seu caminho para o sofrimento e a
morte, mas também fizeram o que ele viera fazer: servir (cf. Mc 10,42-45; 15,41). Os
doze discípulos são incapazes de entender e aceitar o ensinamento de Jesus,
principalmente, de que ele quis sofrer, enquanto isso é uma mulher que demonstra
essa percepção e age de acordo com ela (cf. Mc 14,3-9). Vemos em Marcos que os
atos dessa mulher tornam-se a causa de traição de Jesus por um dos doze (cf. Mc
14,10s). Esse contraste entre os doze discípulos e as mulheres do discipulado
insinua que na Igreja de Marcos, as mulheres apóstolas eram consideradas como
discípulas exemplares de Jesus. Essas mulheres tinham seus lugares entre os
líderes do movimento de Jesus. Neste sentido, Marcos as considera como as
sucessoras funcionais de Jesus e que dão continuidade à missão e ministério na
Nova Família de Deus.
As mulheres como pertencem a um grupo sem muito poder institucional
podem promover mudanças se estiverem compartilhando de uma visão e de um
movimento político comum. Porque até as próprias mulheres introjetaram seu status
inferior e atribuem a falta de êxito às próprias falhas pessoais, como já mencionamos
em outra ocasião.
Segundo a visão de Fiorenza a liderança das primeiras comunidades cristãs
era feita por homens e que as mulheres que foram mencionadas nas cartas
paulinas eram ajudantes e assistentes dos apóstolos, principalmente de Paulo. Ela
diz que “um modelo interpretativo tão androcêntrico exclui completamente a
possibilidade alternativa de que as mulheres seriam missionárias, apóstolas, chefes
de comunidades, independentes e iguais a Paulo”.
225
A marginalidade histórica da mulher não foi criada pela exegese moderna,
mas com certeza ela foi criada pelo fato da marginalização das mulheres que era
muito acentuada desde o principio. Pois, nas igrejas primitivas a mulher não tinha
nenhuma significação e nem lhes foi permitido exercer funções de liderança ou de
225
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p. 179.
110
ensinamento. E toda essa marginalidade das mulheres tinha suas origens nos
começos patriarcais da Igreja, bem como no da revelação cristã centrada no homem.
As poucas referências às mulheres nas fontes reflete a história real de sua
atividade na Igreja. Pode-se notar que todos os escritos primitivos, tanto os
Evangelhos como os Atos falam dos problemas e situações da Igreja primitiva e
procuram iluminá-los teologicamente. Mas esta compreensão sistemática se aplica
também às tradições e fontes referentes às mulheres do cristianismo primitivo. Sabe-
se que as comunidades e autores do início do cristianismo viviam num mundo onde
predominava o patriarcalismo e com certeza a carência de informações sobre as
mulheres foi condicionada pelas tradições e modos de escrever androcentricos dos
autores cristão primitivos.
As mulheres foram discípulas de Jesus e testemunhas da ressurreição,
segundo o que nos mostram os Evangelhos, mas nenhuma delas na verdade é
indicada entre o grupo dos doze. As imagens encontradas nas parábolas retratam o
mundo e a experiência da mulher, isto é, retratam o mundo e a experiência feminina,
mas a linhagem de Jesus é totalmente masculina. Também segundo os Evangelhos,
as mulheres descobriram o sepulcro vazio, mas elas não são consideradas as
verdadeiras testemunhas da ressurreição e sim os homens.
A mulher, conforme 1Coríntios 14,33-36 teve que viver por muito tempo o
silêncio e a subordinação dentro da comunidade cristã. A finalidade na verdade era
a patriarcalização das funções de liderança eclesial. O que era evidente, portanto,
era que a mulher devia aprender sempre em submissão total e também era proibida
categoricamente de ensinar ou exercer autoridade sobre os homens. Na verdade
esta ordem patriarcal do silêncio e submissão das mulheres é teologicamente
baseada no argumento de o homem ter sido criado primeiro e de a mulher ter
pecado por primeiro. No fundo essa é uma compreensão teologicamente negativa
das funções da mulher e ela é utilizada para legitimar a exclusão das mulheres da
liderança e do ofício da Igreja. Então, segundo o que nos diz a história, “a vocação
da mulher não é o chamado ao discipulado ou às missões, é seu papel de esposa e
mãe patriarcalmente definido que realiza sua salvação”.
226
226
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p. 191.
111
Nas epístolas pastorais aparece bem claro esta exigência de subordinação da
mulher que está fundamentada numa patriarcalização progressiva da Igreja e de
suas funções de liderança.
As mulheres cristãs eram excluídas cada vez mais da liderança e ofícios da
Igreja na medida em que o movimento primitivo cristão ia se adaptando às
instituições sociais que predominavam na época e que se tornavam parte genuína
da sociedade patriarcal greco-romana. Por esse motivo, as mulheres eram reduzidas
a grupos de periferia, destituídas do poder ou mesmo deviam se conformar ao
estereótipo feminino que reinava nessa cultura patriarcal.
As tradições dão a entender que Jesus foi criticado por levar a sério às
mulheres e que elas eram suas discípulas e as principais testemunhas. Pois o
comprometimento e a fidelidade das mulheres como discípulas são destacados no
Evangelho de Marcos. Sabemos pela história e pela Escritura que as mulheres
perseveraram, pois ficaram com Jesus desde seus sofrimentos até a ressurreição.
Neste sentido GANGE se refere à fidelidade e perseverança das mulheres
dizendo que elas sempre estiveram ao lado de Jesus e eram muito fiéis, desde os
primeiros momentos até o fim:
Perto de Jesus, ao lado de Jesus, sempre havia mulheres, e a fidelidade
delas para com ele não falhou, nas próprias palavras dos Evangelhos, uma
vez que, tendo seguido Jesus “desde a Galiléia”, como precisam Marcos,
Mateus e Lucas o que significa que desde os primeiros momentos de sua
pregação itinerante - elas também estavam e no último dia ao da
cruz.
227
Gange e Fiorenza tratam da questão das mulheres que acompanharam Jesus
desde a Galiléa e não mais o abandonaram, até a hora de sua morte e depois indo
ao túmulo, o vêem ressuscitado.
Essas mulheres no movimento de Jesus eram discípulas por mais que na
sociedade elas fossem consideradas marginais e religiosamente inferiores. Mesmo
que a sociedade e a religião excluíam as mulheres, Jesus, em seu movimento fazia
a exigência e oferecia estruturas inclusivas e livres de domínio. Essa exigência
oferece a base teológica para que as mulheres sejam reconhecidas como discípulas
de pleno direito.
227
GANGE, Françoise. Jesus e as mulheres. Petrópolis/RJ: Vozes, 2007, p. 19.
112
Para Fiorenza , “as mulheres, como ekklesia de Deus, têm em sua história
uma continuidade que pode reivindicar Jesus e o movimento primitivo cristão como
raízes e como início”.
228
Portanto, a historia das mulheres como povo de Deus deve
ser revelada porque ela é uma história ao mesmo tempo de opressão e de exclusão
mas também de conversão e libertação.
As mulheres devem se tornar cada vez mais conscientes de sua dignidade
humana para que assim possa reivindicar os direitos e deveres que se harmonizam
com essa dignidade de pessoas humanas
A mulher em vez de abandonar a e a comunidade cristã que são
opressivas às mulheres ela procura recuperar o poder da cristã e da comunidade
para libertar a integridade de todos.
As mulheres sempre foram e continuam sendo igrejas, pois são chamadas e
eleitas por Deus. Durante toda a história e ainda hoje, a Igreja patriarcal e a teologia
androcêntrica, silenciaram, marginalizaram e tornaram invisíveis as mulheres e as
mantiveram privadas de poderes teológicos ou eclesiásticos por serem mulheres.
Mas, por outro lado, as mulheres sempre escutaram o chamado de Deus,
transmitiram a graça e a presença de Deus, além disso, também viveram a Igreja
como comunidade de discípulos em pé de igualdade com os homens.
Por muito tempo as vozes das mulheres foram silenciadas e excluídas da
tomadas de decisões eclesiais, da teologia e do ministério.
Gange discorda de Fiorenza quando diz que: “Jesus cercou-se de discípulos
homens, os Doze, que ele escolheu, entre os quais Pedro, João, Mateus, Tomé,
Felipe, André, Judas. (...) Quanto às mulheres que o cercaram desde o começo de
sua pregação, elas o serviam”;
229
mas em momento nenhum os Evangelhos do Novo
Testamento as apresenta como discípulas. Enquanto isso Fiorenza diz que as
mulheres eram as discípulas de Jesus.
Eram numerosas as mulheres que seguiam Jesus e elas o seguiam atraídas
pelo seu ensinamento. A presença dessas mulheres em torno de Jesus era um fato
excepcional no mundo palestino, segundo Mateus 27,55 e Marcos 15,41.
228
FIORENZA, Elisabeth S. Discipulado de Iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1995, p. 228.
229
GANGE, Françoise. Jesus e as mulheres. Petrópolis/RJ: Vozes, 2007, p. 20.
113
Na ótica do judaísmo, que também era a ótica do grupo dos Doze, a mulher
que era considerada relativa e subordinada ao homem do qual ela dependia em
todos os aspectos não era possível nesta mentalidade ela ser uma discípula. E tinha
mais, sua salvação podia proceder do cumprimento de seu destino de servidora
do homem.
Segundo Gange a mulher era vista de forma diferente no Antigo Testamento e
no Novo, principalmente com Jesus:
Enquanto o gênero feminino é demonizado em todo o Antigo Testamento,
simbolizando em geral a duplicidade da tradição (o que é expresso pelo
termo prostituta), enquanto Javé a destina a ser submissa ao masculino,
Jesus lhe dá um imagem totalmente diferente. Sua ternura e sua compaixão
se voltam para as mulheres cuja doçura, generosidade e pureza de coração
ele faz sobressair incansavelmente.
230
Jesus trata a mulher diferente que o homem da sua época a tratava lhe dando
uma imagem diferente daquela que eles lhe davam, ou seja, Jesus se volta para
elas com ternura e compaixão valorizando a doçura, generosidade e pureza de
coração que é algo específico da mulher.
230
GANGE, Françoise. Jesus e as mulheres. Petrópolis/RJ: Vozes, 2007, p. 31.
CONCLUSÃO
À guisa de conclusão, cabe dizer que as mulheres sofrem muita violência
ainda em nossos dias, em todas as áreas e de diversas formas. Portanto, elas
sofrem a violência física, psíquica, moral, sexual, econômica e social e também pela
sua raça, gênero, etnia e classe.
As agressões, das quais as mulheres o vítimas, deixam marcas
permanentes na alma e no corpo. São feridas que se abrem e que são muito difícil
ou quase impossível de serem curadas pelas conseqüências que estas causam às
mulheres que vivenciam essa violência.
A violência contra a mulher ainda é um assunto um tanto evitado por causa do
preconceito, do desconhecimento ou em função de fatores culturais e porque ele
provoca desconforto.
O mundo inteiro padece desse problema da violência contra a mulher
muitos séculos e pode-se dizer que as agressões físicas contra as mulheres
acontecem na sua grande maioria no âmbito doméstico e seus agressores,
geralmente, são pessoas com as quais as timas têm relações pessoais e afetivas.
Isto quer dizer que aqueles que deveriam zelar, proteger e cuidar da mulher são os
que mais agridem.
Mas a mulher tem mudado seu modo de agir e em muitos momentos, assume
seu papel de sujeito ao mesmo tempo em que se nega a continuar sendo objeto
definido pelos conceitos que a ela foram atribuídos no decorrer dos séculos.
Hoje em dia muitas mulheres vítimas da violência registram ocorrência,
denunciam, mas algumas ainda acabam desistindo, retirando sua queixa. Essa
desistência, talvez seja por medo do agressor, por promessas de melhora, de
mudança ou conversão por parte do agressor. Muitas ainda acreditam numa
reconciliação ou mesmo para evitar a prisão do seu companheiro agressor. A
maioria destas mulheres é de baixa renda e escolaridade, mas a violência não
escolhe cor ou classe social. Ela ocorre em todas as classes sociais. A agressão
115
para muitas mulheres é motivo de vergonha e parece ser maior nas mulheres que
tem boa situação financeira ou posição de status.
Uma grande conquista das mulheres, nos nossos dias, é a Lei Maria da
Penha (Lei 11.340, de 7/08/06). a qual leva esse nome em homenagem a uma
mulher que muito sofreu a violência e que não se acomodou diante dela. Podemos
vê-la como um exemplo de mulher que lutou contra a violência que sofria e alcançou
êxito, não para ela individualmente, mas para todas as mulheres que sofrem
diariamente. A mulher vítima de violência que decide romper com a violência agora
tem onde procurar ajuda.
Essa lei, na verdade é um estatuto de combate à violência doméstica e
familiar que é o tipo de violência mais grave, ocorrendo contra as mulheres no Brasil
e no mundo. A Lei Maria da Penha com certeza pode modificar, profundamente, as
relações entre mulheres vítimas de violência doméstica e seus agressores, pois a
agressão é um crime e os agressores são punidos, com prisão em flagrante.
Ninguém tem o direito de maltratar alguém. É um direito da mulher o respeito
á sua pessoa, como pessoa humana. A mulher goza de direitos fundamentais e esse
é o grande avanço nestes últimos anos em favor da mulher, especialmente aquela
que sempre sofreu a violência no silêncio. Esta lei está tendo grande repercussão e
trouxe várias vantagens para as mulheres oportunizando o respeito pela sua pessoa
e o direito de gozar os direitos fundamentais da pessoa humana, garantidos na
nossa Constituição, isto no aspecto legal. Por outro lado o cristianismo apresenta
uma proposta eficaz de vida para as mulheres.
Cristo apresenta uma proposta de libertação das mulheres e
consequentemente de inclusão das mesmas no seu discipulado. Ele as liberta
curando-as de seus males, de seus sofrimentos, do seu silenciamento e as conduz
para um caminho de libertação e de seguimento. Jesus inclui as mulheres no seu
grupo e as torna líderes de comunidades.
Assim, a mulher que é liberta da escravidão da violência se torna líder e
assume com muito vigor o seguimento a Cristo. Ainda hoje as mulheres que
encontramos nas comunidades que sofriam e conseguiram superar esse sofrimento,
ou que enfrentaram a violência de uma forma madura tornam-se em geral líderes de
comunidades assumindo as mais variadas pastorais e ministérios.
116
Porém, a nossa sociedade e também a Igreja ainda são muito machistas e em
grande parte impede que a mulher atue de forma igual na comunidade, ou seja,
ainda o pode exercer todas as funções como o homem. no dia em que isso
ocorrer de forma plena de as mulheres estarem lado a lado com os homens, elas
poderão viver aquilo que Cristo propôs, ensinou e viveu.
Cristo cura as mulheres, as liberta do seu sofrimento e da violência e as inclui
no seu grupo e elas correspondem com a sua vida, seguindo-o por onde Ele andou
e pregou. Elas estiveram com ele desde o início, desde a Galiléia a Jerusalém e
ficaram firmes até o fim. Estiveram presentes na cruz, no seu sofrimento e no
momento de sua glória, na ressurreição. Foram as primeiras testemunhas do
ressuscitado e as primeiras a levarem o Cristo vivo aos discípulos e comunidades.
Então, podemos concluir que a proposta de Cristo foi e é de inclusão das
mulheres na Igreja e no discipulado de iguais. O mesmo compete ao cristianismo,
ou seja, desde o início o cristianismo tem a missão de lutar pela inclusão de todas as
pessoas sem distinção. O cristianismo tem uma proposta diferente que é proposta
de Cristo. Esta proposta é o seguimento a Cristo por meio do Evangelho que, aliás,
as mulheres no tempo de Jesus realizaram com a maior perfeição.
A vivencia da cristã é caminho de libertação para a mulher, pois, ela abre
possibilidades para a conscientização, resistência, mudança nas relações sociais e
integração da sociedade.
No decorrer dessa dissertação podemos observar que a experiência cristã
mostra que as mulheres das quais o Novo Testamento se refere eram mulheres em
situação de violência, na sua grande maioria e que se tornaram discípulas e
apóstolas, missionárias e animadoras de comunidade. Elas superaram sua situação
de violência em que viviam e tornaram-se as grandes anunciadores e seguidoras de
Jesus e coordenadoras de comunidades cristãs. Em nossa dissertação usamos
autoras com visão mais crítica em relação à violência contra a mulher ou sua
inclusão na Igreja por um lado e, do outro o Magistério da Igreja que apresenta a
mulher como algo tranqüilo onde ela está ou é considerada como se estivesse lado
a lado com o homem.
REFERENCIAS
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