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Universidade de Brasília
Departamento de Antropologia
ERICH GOMES MARQUES
OS PODERES DO ESTADO NO VALE DO AMANHECER:
Percursos Religiosos, Práticas Espirituais e Cura
Brasília
11 de Dezembro - 2009
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ERICH GOMES MARQUES
OS PODERES DO ESTADO NO VALE DO AMANHECER:
Percursos Religiosos, Práticas Espirituais e Cura
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação Strictu Sensu em
Antropologia Social da Universidade de
Brasília UnB, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em
Antropologia Social
Orientador: Professor Doutor José Jorge de
Carvalho (UnB)
Brasília
11 de Dezembro - 2009
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ERICH GOMES MARQUES
OS PODERES DO ESTADO NO VALE DO AMANHECER:
Percursos Religiosos, Práticas Espirituais e Cura
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação Strictu Sensu em
Antropologia Social da Universidade de
Brasília UnB, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em
Antropologia Social
Orientador: Professor Doutor José Jorge de
Carvalho (UnB)
Aprovado em____/____/_______
Banca Examinadora
___________________________________________________
Professor Doutor José Jorge de Carvalho (Orientador), Universidade de Brasília.
___________________________________________________
Professora Doutora Antonádia Monteiro Borges, Universidade de Brasília.
___________________________________________________
Professor Doutor Sulivan Charles Barros, Centro Universitário UNIEURO.
____________________________________________________
Professora Doutora Rita Laura Segato (Suplente), Universidade de Brasília.
Dedico esta dissertação a Gilzélia, por
ter estado sempre ao meu lado, mesmo
nos momentos mais difíceis, e a meus
pais pelo incentivo.
Dedico ainda em especial a Bálsamo Álvares
(in memorian), pelos momentos de
confidência.
AGRADECIMENTOS
Esclareço aqui,caro leitor”, que este ainda é aquele capítulo rotineiro, onde nós
separamos os nomes dos nossos colegas, de nossos professores, de todos aqueles que
estiveram envolvidos, de alguma forma, no processo de nossa formação acadêmica, da
construção do texto, que resultou na dissertação ou que, de alguma maneira, nos ajudaram na
etnografia. Bem, na verdade, não saí desta mesmice por completo, mas preferi adotar o
processo do devaneio. Isso mesmo! Gostaria de pelo menos agora, poder me livrar das
amarrações, visto que já decepcionei muitos por não ter feito isso no texto da dissertação,
mais por incompencia do que por vontade, preferi agora abusar um pouquinho das imagens
que me invadem como se estivesse mergulhado na própria lama fenomenológica que
originaria o imaginário do não ser em bolhas de narrativas vivas que me invadissem em cores.
Deixe-me contar-lhes uma coisa: nos momentos de maior inspiração, quando acho que
tenho algum resultado que me agrada, lembro-me dos meus pais. Inevitável: isso é verdade
seu João Marques. Foi o seu exemplo, a sua capacidade de começar sempre, novamente, de
esperar o momento certo, de ter realizado grandes feitos, sua incansável determinação
sempre - que tanto me inspiraram quando achei que não iria conseguir. Que orgulho, hein
pai, você construiu o Congresso... tudo bem, eu sei que não construiu sozinho, mas estava
entre os engenheiros. É hilário, eu, um antropólogo estar ovacionando a hierarquia. Mas
você é meu pai, serei perdoado”. Por outro lado, a paciência é culpa da minha mãe: não foi
dona Lacy? Se lembra? Quando eu era pequeno, gostava muito de Jatobá. Gosto estranho,
muitos vão dizer com certeza, ainda mais para um garoto de seis anos. Um dia, debaixo de
imenso jatobazeiro meus irmãos acharam alguns e foram comer afastados, enquanto eu
chorava. Você me disse: pare de chorar! Se você quer um, procure! E me deixou. Tive de
parar, respirar, ficar em silêncio parecia uma ausência enquanto um velho me observava
de longe, sem expressão. Foi quando achei um. O velho deu um leve sorriso e você disse: viu!
Até hoje acho que aquele senhor era um Preto Velho. Hoje, mãe, eu acho que as pistas da
etnografia são os jatobás e devemos ter paciência para encontrá-las. Será que ainda somos
observados?
Perdoe-me o recado singular, caros cúmplices: Frank e Vanessa!? Terminei a
dissertação!!! Alguns colegas dizem que ela é maldita. Mas considero-a como aquilo que se
tem de mais sagrado. Mas para se chegar até ela é necessário todo o nosso esforço e
transformão, nos tornarmos outro. E isso é doloroso”.
Finalmente, neste parágrafo, sugiro àqueles que não gostam de folhetins, passarem
para o seguinte. Mas este é o princípio de tudo: Não foi meu amor? No dia 24 de Novembro
de 1998, nos conheamos, às 08:24h. Não sou bom em guardar datas, mas o B.O. da colisão
de nossos veículos virou um quadro para nossa parede. Prejzo à parte, um momento tão
singular não viraria romance de sucesso, pois, neste caso, histórias deste tipo são lugares-
comuns. No entanto, este romance açucarado foi o princípio de várias páginas de teorias,
pois você, Gilzélia, não foi apenas quem me conduziu para o altar em um típico casamento
cigano, como o que acontece no Vale do Amanhecer, mas me levou a conversar com a
primeira Preta Velha, Vovó Catarina das Cachoeiras, e daí pra frente os textos foram uma
consequência inevitável. te disse que te amo? Bem, agora, o folhetim alencariano está
completo: Te Amo!
Uma pequena pausa, leitor querido, para que enxuguem as grimas... agora refeitos,
vamos conversar com um casal muito amado: Reginaldo e Nádia, eu jamais poderia deixar
de me lembrar de vocês neste momento. muito tempo temos pensado em ir para Chapada
juntos, temos adiado nossos almoços inspiradores, temos deixado de receber seus
ensinamentos, por causa dessa Sagrada dissertação. Agora ouviremos o capítulo seguinte de
como um Yogue, com todos os qualificativos correspondentes ao termo, tornou-se um gerente
de escola de idiomas mantendo-se fiel a seu passado, influenciando professores e alunos.
Também ouviremos a professora de inglês e de matérias mais preciosas falar amigavelmente.
Vocês sempre foram um exemplo. Agradeço terem compreendido minha ausência”.
Mais amigos merecem ser lembrados. Não é porque eles nos ajudaram de alguma
forma no desenvolvimento da dissertão, mas sempre sentiram minha falta enquanto eu
escrevia. Naturalmente tive que adiar a grande maioria dos convites. Marco Felipe Luna
Rodrigues, Celia Luna e Reiven Luna, apesar de ter estado longe as lembranças que tenho
são sempre agradáveis. Quando vamos voltar a Fortaleza? O povo cigano ainda os
acompanha? Sempre, né? Agora a família está maior, o Reiven com um irmãozinho e vocês
com uma filhinha. Por favor, não se cansem de me esperar.” “Monique e Gaspar, como
vocês estão? E o baby? A ausência de vocês nunca foi preenchida, pois eram os únicos que
nos visitavam com regularidade. Mais uma vez nós vamos adiar o passeio para a Chapada,
mas agora porque estamos esperando um acompanhante: Oliver.”
Eu não poderia deixar de me lembrar da minha segunda família. Neste caso, não por
ter ficado tão ausente deles, mas, ao contrário, tão presente. Não devo lembrar-lhes aqui das
lorotas mastigadas na hora das refeições, mas de suas orientações definitivas em muitos
pontos da minha dissertão. “Seu Pedro, fiquei feliz por ter participado de uma página
importante, na história de sua vida: se tornar arcano foi a conclusão de um longo percurso,
cujo significado as lágrimas ainda pouco revelaram talvez para esclarecer que sua luta lhe
reserva novas batalhas.” “Dona Gilvete, suas falanges surreais nunca deixaram de
trabalhar. E você é a primeira de uma delas.” Leônio, nunca acreditei nestes parentescos
sociais, nossas briguinhas infantis levaram-me a recusar esta classificação de co-cunhado.
Sou seu irmão mais velho para ensinar-lhe a ter jzo. Obrigado pelas maravilhosas
narrativas: disputas reais em dimensões fabulosas. Agradeço ainda pelo tempo gasto para
preparar minha dissertação.“Gilciléa, eu poderia dizer-lhe muita coisa, mas não o farei
para não correr o risco de dizerem que copiei algum personagem da novela das seis. Mimos
e barracos à parte, direi apenas: olha! Existem os Pretos Velhos das águas, das cachoeiras,
das matas virgens, de Angola... mas não das piscinas termais, nem das cerâmicas e nem de
Caldas Novas...” “Davi, Levi, Cauã e Arthur... todos já estão vestindo indumentárias.”
“Geilson, já pensou em ler Vatsyayana autor hindu. Sei que gosta de livros exóticos.”
“Joelson, como vai o basquete? E a Kelle?” “Se superou, hein, Júnior: ainda combatendo o
crime?”
É elementar, meus caros colegas, que este texto seria incompleto, se eu não
agradecesse a meu professor orientador e não deixarei de fazê-lo. Professor Jorge, sempre
foi uma lição os espaços que nos fornecia para os diálogos em salas de aula e as
receptividades para nossas ideias, sem deixar de trazer autores tão influentes com os quais
podíamos dialogar. Esse apoio incentivava-nos a arriscar e a tentar ir cada vez mais alto,
orientando-nos para que não caíssemos como fez Ícaro”.
Professor Sulivan, gostaria de agradecer-lhe por ter aceito o convite de participar
da minha banca. Como o Professor Jorge disse, convidei pessoas que admirava, e meu
respeito se justifica por sua ideia genial de realizar uma entrevista com uma Pomba Gira.
Ideias assim devem ser elogiadas.”
Deixe-me explicar-lhes uma coisa: quando tentei este mestrado em antropologia, fui
avaliado por uma professora que não conhecia. Aliás, fiquem já sabendo que eu nunca fiz uma
estragia com base no hisrico dos membros de uma banca de avaliação. Grave falha no
passado, mas foi indiferente naquele ano de 2006. Pois, afinal, histórico nenhum iria me
fornecer as perguntas bombardeadas por aquela professorao jovem. Cara Antonádia,
debaixo destas indumentárias de professor, estão as qualidades divinas de uma grega sábia.
No entanto, outro adjetivo que apenas se manifesta nos golpes contra uma árvore: o
desejo belicoso de Atená não se realiza nos textos acadêmicos. A guerreira dos olhos glaucos
estaria esperando uma „arena de batalha? Ademais, principalmente agora, no fim, não temo
em render-lhe todos os agradecimentos possíveis, pois, a teoria e grande parte da inspiração
que gerou esta dissertação foram impulsionadas pela brisa nascida de suas bruxarias e
poderes. Forças que se mesclavam ao seu conhecimento que eram uma retórica e uma dança
que ecoavam junto dos tambores dos espíritos da África mãe. Talvez por isso nunca pude
responder, e isso era inconteste, se aquilo foi aula ou feitiçaria, cujos encantos insistiam em
não se quebrar”.
No entanto, meus companheiros de percurso, este efeito mágico é perfeitamente
compreensível, afinal, sua mentora foi Mariza Peirano, a dama sagrada da magia e do ritual.
Qualquer um que assiste a suas aulas seria capaz de enfeitiçar seus alunos, como
conseqncia de uma corrente que surgiu de Malinowski, Mauss e vi-Strauss. Deve ser
por isso, cara professora Mariza, que não consigo me esquecer das canoas daqueles
nativos‟, voando sobre um mar que se parecia tão fabuloso, quanto os inacreditáveis
braceletes e colares trocados após uma viagem tão perigosa, que suscitava tantas defesas,
por intermédio de feitos falados repetitivamente. Agora, preparados por esta iniciação,
seremos também bruxos? Não poderia deixar de agradecer-lhe, pelo entusiasmo com o qual
nos tratava e pelo empenho em todas as aulas”.
Outra pessoa tamm foi maravilhosa e ela falava tanto de Candomblé, quanto de
Jung: uma mistura tão inusitada que não poderia deixar de provocar admiração. Professora
Rita Segato, nunca vou me esquecer do dia em que discutia com Mônica Pechincha o seu
lugar de mãe na minha história acadêmica. Então você concluiu que ela seria a mãe e você a
avô dessa estrutura de parentesco imaginária que se misturava com as entidades do
Candomblé. Pois acredite, que tudo que escrevo hoje tem relação com nossa primeira
monografia, aquela que foi escrita na graduação, que unia conceitos de psicanálise e ritual.
Temática que poucos professores de antropologia apoiariam. Por isso, sou tão grato”.
Professora Miriam Rabelo, eu nunca consegui entender muito bem a obsessão dos
fãs. Sempre achava um exagero as bandas de rock ou as de músicas sertanejas serem
perseguidas por tanta gente. Pois, li e reli um texto seu antes mesmo de tentar o mestrado.
Como um fã ouvi o texto, Comparando Experiências de Aflição e Tratamento no
Candomblé, Pentecostalismo e Espiritismo”, como se fosse uma música. Por isso, não se
espante se naquele 4 de Junho de 2008, eu não pude me conter, a ponto de gravar sua
apresentação e tirar tantas fotos. Os textos que você me enviou foram úteis. Obrigado por ter
compreendido a tietagem.”
quando eu estava terminando o texto, nós do meio acadêmico de Brasília,
recebemos a notícia de que Ana Lúcia Galinkin havia lançado seu livro A Cura no Vale do
Amanhecer. Li este texto na graduação e novamente no mestrado. Galinkin, talvez você não
saiba, mas sempre vi sua tese com muita satisfação. Por isso, fiz questão de ir ao lançamento
de sua obra. Muito obrigado por ter me considerado um “colega”.
O acervo Tumarã, escrito por José Carlos, Trino Tuma, adepto do Vale do
Amanhecer foi um grande socorro que tive para fundamentar alguns conceitos da instituição.
Esta obra é uma espécie de enciclopédia que registra em ordem alfabética os principais
conceitos da doutrina, contendo mais de mil ginas de informações. “José Carlos, você
realmente está de parabéns, pela grandiosa obra escrita e ilustrada. São poucas as pessoas
com tanta preparação, auxiliado pela própria clarividente, que deixaram um legado tão
valioso para seus fis”.
Duas colegas de antropologia escreveram também sobre o Vale do Amanhecer, e não
sei por que, por serem antropólogas ou por serem muito agradáveis (talvez esta qualidade seja
inerente aos antropólogos) ajudaram-me em algumas iias do meu próprio texto. Para elas eu
não era um concorrente. Márcia Regina, você me presenteou com a imagem do Chapanã. Eu
já tinha ouvido falar dele, mas nunca tinha pensado em colocá-lo na minha dissertação. Foi
graças a você que eu procurei o pintor Vilela para saber sobre o Cavaleiro da Lança Negra
e, coincidentemente, ele tinha recebido a autorização para pintá-lo há quatro meses. Ou seja,
o Vale já tem cinquenta anos de existência e apenas agora Vilela vai pintá-lo? E a sua
pintura causou realmente grande sensação na comunidade. O enfoque da minha dissertação
sobre esta entidade foi mérito todo seu.” “Roberta Salgueiro agradeço-lhe por ter enviado
sua dissertação. Estou com saudades das conversas que tínhamos sobre o Vale do
Amanhecer.”
Há uma colega do mestrado, caros leitores... perdoe-me a interrupção, creio que este
termo não se aplica a ela, no entanto devo ser cuidadoso, correndo o risco de provocar ciúmes
entre tantos colegas do mestrado; não! Pensando bem, todos concordarão com o que direi
sobre ela, todos são antropólogos e sabem lidar com certas afeições que alguns provocam.
Portanto, posso dizer sem medo de hierarquizar e discriminar: eu tenho uma amiga do
mestrado que merece mais do que posso colocar nestas míseras linhas. “Valéria de Paula
Martins, o quanto você foi amiga! Não apenas incentivava-me, mas também me ampliava
valores que nunca acreditei ter tido. Você se preocupava comigo. Realmente estava
preocupada com minha dissertão e vinha escrevendo-me e-mails sobre isso. Deixa eu te
contar uma coisa: eu parei de responder. Não fiz isso porque suas mensagens estavam me
cansando, nada disso. Na verdade, nunca foi isso. Mas porque certas coisas que
acontecem que você não entenderia, mesmo se eu explicasse e no cerne deste argumento
estava o ritmo do meu trabalho. Preferi apenas mandar-lhe um e-mail final com estes
dizeres: Valéria, concluí a dissertação, obrigado por todas as preocupações e conselhos.
Você realmente é uma amiga do coração”.
Obviamente, ela não foi minha única amiga no mestrado. Aliás, todas as vezes que me
lembro de outra grande amiga, tenho que conter meu sorriso, temendo ser mal interpretado: as
primeiras lembranças que tenho é de uma menina emburradinha que ficava em um canto da
sala e que mal falava português. Mas sempre que a cumprimentava era muito educada e
respondia com sorrisos. “Bárbara, não consigo conter a curiosidade em ler sua dissertação.
Nossas bruxas e feiticeiros ficariam ofuscados com as vampiras da sua etnografia e os riscos
que você realmente enfrentou. Não consigo conter o riso por lembrar-me do vocabulário
adolescente que você aprendeu em Brasília e das histórias de ufos, de espíritos e de forças
que povoavam seu imaginário”.
Não posso me esquecer da Silvia Monroy, que sugeriu que eu lesse sua dissertação
para melhor abordar a conversa de Avalciara no Angical. Silvia, realmente aproveitei seu
texto. Ele não foi mais citado porque o Angical observado fugia das características comuns
encontradas neste tipo de ritual. Agradeço ter dado atenção a meus e-mails, mesmo quando
você estava tão atarefada em sua viagem.”
Acredito que minha retórica já deve ter cansado, mas não posso terminar este texto
sem me lembrar dos informantes. Eles não foram apenas o meio pelo qual tudo foi possível,
mas o motivo da dissertação. Santiago Caetano, não pense que eu apenas ouvia suas
histórias por interesse ou por compaixão. Você não sabe, mas sempre fui um pouco como
você, meio determinado sem querer abrir mão dos próprios princípios”. “Vanessa Yuricy, o
espaço é curto para demonstrar tamanho afeto e amizade. Agradeço por sempre ter tido
confiança em meu trabalho e no meu caráter, mesmo quando não merecia”. Rivelino, meu
querido padrinho, obrigado pelo apoio e orientações”. “Graciara, agradeço por ter
permitido acompanhar sua história por tanto tempo. Espero que agora sua irmã‟ esteja
olhando por você. Obrigado pelas lágrimas presenteadas junto de sua história”. Marielsi
Gabarra, já te disse que adoro seu nome? Obrigado pela confiança e por estar presente
quando precisei. Agradeço por suas histórias. “Elisângela, não poderia deixar de te
agradecer pelas histórias tão pessoais. Querido amigo mestre Cruz, suas fabulosas
histórias sobre monstros mordicantes e deuses acompanhadas de seu sorriso e entusiasmo
sempre foram bem acolhidas.
Nem sempre é fácil se lembrar de todos os amigos do mestrado. Obviamente, estou
aqui me desculpando por algum nome esquecido. Tivemos altos e baixos no decorrer do
nosso curso. No princípio parecia que não haveria fim. Como eu poderia me esquecer, Yoko
Nitahara, do dia em que você me falou como as coisas funcionavam. E éramos quase
vizinhos, hein”. “Rogério, você foi o colega que me restou em textos clássicos. Também foi
quem me incentivou a ler Camões, se lembra?” “Lilian, sempre me lembro da temática da
sua etnografia: um senhor, funcionário da Câmara dos Deputados, que fala sobre
diversos assuntos: conhecimentos gerais, economia, política etc. Seu nome é Julião. Ele não
é levado a sério. O que impressiona a todos é que ele mora nos túneis da Câmara e policiais
legislativos dizem que ele desaparece pelos corredores”. “Sabe, lia Brussi, sempre acho
graça de seus e-mails se referindo à „maldita dissertação‟. Penso que ela é maldita‟
enquanto está sendo domesticada, lapidada e talvez a riqueza seja deixá-la rebelde dentro de
padrões acadêmicos. Às vezes, ela se personifica, sabia? E nos desafia. A minha fez isso e em
voz alta disse não suportar a luz da ciência. Então respirei, convidei-a para dançar uma
valsa ao som do violino de Bach e de Vivaldi para que as cicatrizes doessem menos. Essa
história de amor está contada nesta dissertação.” “Porque, foi assim que você me ensinou
Michel Alcoforado. Se lembra, Michel? Pois, eu realmente nunca me esquecerei que você
disse que as canoas dos trobriandeses de Malinowski são iniciadas a partir do corte da
madeira até se tornarem entes sociais. É verdade! Nossas dissertações se tornaram entes e
elas podem se virar contra seus criadores. Elas querem supe-los. Além disso, não acho
mais ridículo os trobriandeses terem feito preces a cada etapa da construção de uma canoa,
para proteger o processo ou para alcançarem sua perfeição. Confesso-lhe que fiz o mesmo
para cada parágrafo, ou para os mais difíceis. Espero que tenha dado certo.Júnia, você
foi a irmã que tive e a que não tive. Sempre me lembrarei com carinho de seus sonos na sala
insônias de uma dissertão fantasmagórica”.“Daniel, alguns expressam com justa seus
julgamentos a um vel supremo: o peso imensurável da sua espada vem do alto. Às vezes,
você a aponta contra ti mesmo. Espero que se preserve, precisamos de você junto de nós”.
“Andrea Grazziani, seus gestos nobres estão no delicado poder de nossos diálogos, os quais
solidificaram nossas amizades nestes qualificativos tão díspares, força e suavidade, conforme
sua natureza yogue”. “Josué Tomasini, sempre admirei os cuidados quase almos que tinha
com nossa turminha do mestrado”. “Fabíola, conversamos tanto! Confissões simples, é
verdade, mas que mereceria uma pequena penitência. No entanto, lembre-se: somos
antropólogos, nada de deslizes, os nossos pecados são apenas nossas etnografias.”
“Amanda, apenas sua inserção poderia traduzir a dor a partir da etnografia. Sua inevel
sensibilidade, aberrante em cores, foi seu instrumento de trabalho”. “Alda, seu sorriso suave
sempre trazia seus enigmas, mas as gargalhadas sinceras sempre esclareceram a afeição que
tinha por nós: recíprocas sempre correspondidas.
Tive a sorte de participar de outra turma de Antropologia. Devido à simpatia de todos,
sem exceção, fiz questão de citar seus nomes neste espaço. Carolina Pedreira: „salve o povo
da Pedreira‟, fonte de energia. Flores... flores... E as flores?As flores à flor da pele... as
flores sobem por seus braços, Carolina, que se arrepiam pelo sofrimento do construtor de
gigantesco mosaico em cacos de espelhos: mãos duras que trabalham, em paralelo às suas,
cujas linhas, macias raízes imaginárias, recebem o passe do caboclo o „povo da pedreira‟,
da nossa Pedreira?”Diogo Bonadiman, suas mãos bondosas sorriram com satisfação pelos
amarelos, lilases e vermelhos dos vestidos das ninfas que voavam pelo vento das amacês,
ventos que continuam soprando e colorindo dentro da sua câmera.” “Querida Fabíola
Gomes, você sempre estava presente, nos lugares mais improváveis, sempre em harmonia
com o ambiente. Aprendeu a se camuflar assim na Índia? Mas eu sei como distinguí-la em
meio a essa paisagem caótica: minhas reminiscências apontam em direção a um afeto.”
“Paula Balduíno, flashs revelam-lhe em um tempo quase esquecido, enquanto suas pupilas
disfarçavam-na, seu sorriso traia-lhe nas ondulações da superfície: é a admiração trançada
na leveza de seus passos. ““Gleides, minhas lembranças remetem a momentos amiveis e
às histórias sobre suas aulas no 2° Grau: educação sentimental? Tudo é sempre muito
hilariante.” “Maria Fernanda, não consigo esconder a surpresa agradável que tive ao saber
sua curiosidade em conhecer o Vale do Amanhecer. Vamos, sim, preparar este passeio.”
“Pedro MacDowell, não conheço ninguém mais diplomático do que você. Parece que estas
são lições de berço, né?” Tiago Eli, lembro-me que sempre me considerou da sua turma.
Descobri depois que fora apenas um engano, mas deixei-me ser adotado.” “Martina, de você
eu tive a lembrança mais doce: o mestre Cruz explicava-lhe tanta coisa sobre o Vale do
Amanhecer, que eu quis interromper. Afinal, estava ele te incomodando? você me respondeu
com uma piscada: deixe-o! E ouviu todas suas extraordinárias histórias com satisfação.”
“Júlia Otero, como estão seus sonhos, muito trabalho? Não vejo a hora de vê-los na
dissertação.” “Larissa Brito, já dizia Carlos Drummond de Andrade, sinto-me entristecido
porque você foi uma das poucas que não viu um disco voador. Eu sei onde encont-los,
quando você quiser novamente ir ao Vale do Amanhecer, avise-me. Estou te devendo o
passeio.” “Como está sua tese, Antônio, está escrevendo? Aquelas alunas suas ainda te
pedem o dinheiro da alforria?” “Ivanise, houve um tempo em que nossos tempos eram os
mesmos. Hoje, na nossa sala vazia recordo-me dos eflúvios dos seus conselhos, que ainda
ecoam no „absoluto do não ser‟.” Diogo Pereira, num ato de extrema confiança, você
apresentou toda sua família aos Pretos Velhos Intergalácticos do Amanhecer: comovente
afinidade com o inominável.” “Walison, tenho várias lembranças sobre você, mas aquela do
Léo Jaime vai ficar para história. Afinal, ele comeu a Madonna ou não?”
Quando os prazos não eram cumpridos, o departamento ficava em pavorosa. Apesar
desta refencia impessoal, a Adriana Sacramento era a responvel por cuidar de tudo. E
acreditem: ela nunca ficava impaciente... quer dizer, se ficava, eu não soube. naturalmente,
Adriana, eu tinha que te agradecer por esse serviço tão longo e penoso. Mas você deve
entender, que a função dos alunos é descumprir os prazos, para cumprir com a dissertação.
Ademais, este processo de escrita lembra-me a fúnebre ideia tirada do „Cem anos de solidão‟
de que nós fazemos nossas próprias mortalhas e a morte chega quando concluímos nossa
confecção. Assim, a solução é verificar que a peça está ruim e desmanchá-la para recomeçá-
la novamente entrando assim em um ciclo eterno de erros e acertos. Espero que não tenha
sido por isso que o texto tenha demorado tanto para ficar pronto. Pois pensando deste modo,
sinto-me na obrigação de procurar cada vez mais ideias para muitos outros textos.
Este texto seria inviável sem as correções de Fabiano Cardoso. Reconheço sua
paciência por ter aguardado os textos ficarem prontos e empenho por ter cumprido as
datas.”
“Minha querida Avalciara, neste período de pesquisa foste minha Beatriz,conduzindo-
me pelos caminhos mais perigosos. Ainda estendes tuas mãos nos momentos difíceis,
provocando-me o cômodo risco da letargia. Mas, de fato, somente demonstrate o sentido de
minhas provações, obrigando-me a desenvolver potencialidades necessárias para lidar com
tramas misteriosas.” Caro Marcos Antônio, seu risco foi grande. A confiança dos seus
poderia ser quebrada: conquistas de toda uma vida inteira. Revelou-me identidades
obscuras.”
Finalmente, caros leitores, esclareço que a etnografia exigiu-me um diálogo perpétuo
com a cosmologia da doutrina. As entidades de luz ou espíritos das trevas traziam-me
mensagens, recomendações ou ameaças em meio a narrativas fabulosas, que não poderiam ser
desprestigiadas, pois, caso contrário, estaria recusando um inusitado conhecimento que
insistia em ser revelado e, o que é mais significativo, influenciava uma comunidade inteira.
Sendo coerente e honesto a estes discursos, respondo a seus personagens, que me englobaram
como um dos seus. É por isso, minha querida Princesa Iracema, que te agradeço às
proteções, mas, principalmente o dia em que você foi até uma caverna buscar um espírito que
queria minha retratação.” “Agradeço também Ministro Arion e Cavaleiro Falzo Verde, suas
presenças: minha dissertação despertou muitos espíritos sem luz de alta hierarquia e todos
reclamavam furiosos que vocês estavam ao meu redor.” “Agradeço Pai Joaquim das Águas
pelas recomendações.” “Te agradeço Vovó Catarina das Cachoeiras, por ter me ajudado a
registrar a história de sua filha, Graciara Bonfim.” “Querida Cigana Natália, sua
mensagem trouxe-me narrativas de batalhas na Grécia Antiga, de conversas com Akhenaton
do Egito, de belas mulheres gregas e romanas. Obrigado, por tudo isso e por todo seu afeto.”
Antes de mais nada, aperfeoava-se na
arte de escuta, de prestar atenção, com
o coração quieto, com a alma receptiva,
aberta, sem paixão, sem desejo, sem
preconceito, sem opinião.”
(HESSE, Sidarta)
LISTA DE IMAGENS
IMAGEM 1
PILOTOS DA NAVE DE PAI SETA BRANCA
154
IMAGEM 2
IMAGEM 3
CAVALEIRO DE LUZ EM CAVERNA
CAVALEIRO DIVINO MESTRE LÁZARO
154
155
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
ILUSTRAÇÃO 1
ILUSTRAÇÃO 2
ILUSTRAÇÃO 3
ILUSTRAÇÃO 4
ILUSTRAÇÃO 5
ILUSTRAÇÃO 6
143
143
144
146
146
147
LISTA DE FOTOS
FOTO 1
FOTO 2
FOTO 3
FOTO 4
FOTO 5
FOTO 6
FOTO 7
FOTO 8
FOTO 9
FOTO 10
FOTO 11
FOTO 12
MÉDIUNS NA FILA DO ABATÁ
ADEPTOS PARTINDO PARA O ABA
A REALIZAÇÃO DE UM ABATÁ
PRISIONEIROS TROCANDO BÔNUS
IMANTRAÇÃO
IMANTRAÇÃO
ESCALADA DA FALANGE DE PRÍNCIPES E YURICYS
DOUTRINADORES DEITADOS NOS ESQUIFES
PRISIONEIRA NO QUADRANTE
O FINAL DO QUADRANTE
PORTAL DA ENTRADA DO VALE DO AMANHECER
ELIPSE
148
148
149
149
150
150
151
151
152
152
153
153
RESUMO
Esta dissertação dedica-se a abordar a cura no Vale do Amanhecer tendo como ponto
de partida uma interpretação constrda com base no desempenho da performance rituastica
e na cosmologia da instituição. A natureza dos rituais está fundamentada em hierarquias
estabelecidas entre os médiuns, em distribuições de poderes e de proteções espirituais e em
desconstrução e reconstrução de identidade: qualificativos que remetem a conceitos de
sistema político. Ademais, a proteção urgente e periódica promovida pela realização dos
rituais são metáforas de aparelhos de um estado, com seus recursos jurídicos, policiais e
administrativos atuando sobre a desordem para a manutenção da paz interna de um sistema.
Um dos efeitos do funcionamento deste mecanismo é a melhora da condão de adeptos,
participante de toda esta estrutura. Será mostrado, portanto, como o fiel participa de todo este
sistema de rituais para obter o avio de suas dificuldades.
PALAVRAS CHAVES: Cultura Popular, Arte, Religião, Literatura e Potica.
ABSTRACT
This thesis deals with the healing in the Vale do Amanhecer taking as its starting point
an interpretation built on the performance of ritual and cosmology of the institution. The
nature of the rituals is based on established hierarchies between followers in distribution of
powers and spiritual protections and deconstruction and reconstruction of identity:
descriptions that refer to concepts of the political system. In addition, periodic and urgent
protection promoted by the performance of rituals are metaphors from a state apparatus, with
its legal remedies, and administrative officers, acting on the disorder to maintain internal
peace of a system. One effect of the operation of this mechanism is the improvement of the
supporters, every participant in this structure. It will be shown, therefore, as the followers get
relief from their difficulties.
KEYWORDS: Popular Culture, Art, Religion, Literature and Politics.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
01
1.1. O Vale do Amanhecer
03
CAPÍTULO I
06
2.Panorama Geral
06
2.1Origem da doutrina
06
2.2. A Hierarquia
10
2.2.1. Hierarquia de Gênero
13
2.2.2. A origem da falange de Príncipes Maya
14
2.3. Episódios recentes
15
2.3.1. Reações
20
2.4. As expectativas dos adeptos
22
2.5. Santiago Caetano (Joston Bispo Cruz)
24
2.6. A Legitimidade dos Poderes
30
2.7. Similaridades iniciais com o estado
34
2.7.1. O papel de alguns discursos no Vale do Amanhecer
34
2.7.2. Onculo do adepto ao Estado Extraterreno
37
CAPÍTULO II
39
3. Preparação dos adeptos e desempenho nos rituais
39
3.1. O mito original
39
3.2. Surge a necessidade de um breve conceito
43
3.3. Inserção
44
3.3.1. Entrando para a doutrina: passos iniciais
45
3.3.2. Primeiras aulas
46
3.3.3. Preparação e identidade
46
3.4. Panorama Geral dos rituais e julgamento de Graciara
51
3.5. A interpretação do mecanismo do Estado soberano
60
3.5.1. A natureza potica dos rituais
60
3.5.2. Os poderes de Estado no Vale do Amanhecer
63
3.5.3. Novas abordagens referentes a Estado
63
CAPÍTULO III
73
4. Angical
73
4.1. Um confronto entre espíritos e médiuns
73
4.1.1. Algumas breves impressões de integrantes sobre o Angical
74
4.2. A realização de um Angical
75
4.2.1. Avalciara
84
4.2.2. Marcos Annio
87
4.3. Sobre o Angical de Avalciara
87
4.3.1. Algumas importantes evoluções
88
4.3.2. Os desejos do espírito
89
4.3.3. Sinopse das estratégias
93
4.3.4. Disputas por donios no dlogo
94
4.3.5. Gradação dos espaços citados no Angical
100
4.3.6. Proteções do Angical
103
4.4. Recursos para a submiso do cobrador
104
CAPÍTULO IV
106
5. Sobre a performance
106
5.1. Dos dramas sociais
106
5.1.1. Da arena de Batalha
113
5.2. Ainda Turner
116
5.2.1. As narrativas tico-cosmológicas
116
5.2.2. O desempenho da burocracia do Estado
118
6. CONCLUSÃO
120
6.1. Crise política e mediunidade
120
6.2. Política e estado
120
6.3. O efeito do dlogo entre adepto e espírito
123
6.4. Dramas sociais e narrativas mítico-cosmológicas
124
6.5. Aspecto formal e político dos rituais
125
6.6. A inserção em um Estado Soberano e a cura
126
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
128
GLOSRIO
134
1
1. INTRODUÇÃO
O objetivo desta dissertação é abordar a cura no Vale do Amanhecer,
considerando, sobretudo, a performance ritualística. Dentro deste aspecto, preferi analisar
basicamente o contexto da hierarquia dos médiuns na doutrina e no mundo espiritual e o
desempenho dos rituais. A partir disso, poder-se-ia entender o significado e os objetivos dos
ritos, aplicando tais conclusões na eficácia da cura.
A natureza dos rituais, a hierarquia aplicada pela instituição e a distribuição das
forças do mundo espiritual, com seus espíritos e proteções que remetem a desconstrução e
reconstrução de identidades, a redistribuição de poderes conduzem a qualidades que se
assemelham a conceitos de um sistema político (Rosenthal, 2002). Da mesma forma temos
seus rituais preocupados em estabelecer uma proteção espiritual urgente e periódica de suas
fronteiras (Das & Poole) em desempenhos que são meforas de aparelhos de um Estado, com
seus recursos jurídicos, policiais e administrativos, com a finalidade de atuar sobre a
desordem e o caos (o Estado de natureza), permitindo a paz interna e a sustentação deste
sistema. Logo, estas performances, com suas qualidades similares a de um sistema potico,
o desempenhadas com o objetivo de atingir um efeito que é o de melhorar as condições de
adeptos que são tamm estruturas deste ritual.
Assim, minha metodologia foi a seguinte: optei em desenvolver ao máximo estas
metáforas referentes ao conceito de Estado com base em autores da antropologia política e as
situações encontradas em campo. Deste modo, eu poderia não apenas repensar os conceitos de
Estado e política, considerando seus mecanismos, mas também verificar as consequências
deste novo pametro de compreensão a fim de entender a doutrina do Vale do Amanhecer, os
rituais e suas curas. Naturalmente, sempre estive focado na etnografia, pois assim poderia
observar o modo como os adeptos participavam dos ritos, como seria o procedimento das
curas e suas realizações pessoais. Impossibilitado de averiguar como seria o processo de
libertação de um paciente, considerando suas dificuldades, a realização dos rituais, seu
julgamento
1
ou Angical, e a avaliação de suas curas, observei Santiago Caetano, 59 anos,
1
Ver glossário.
2
durante um processo mais longo considerando suas dificuldades e promessas de libertações;
entrevistei Graciara, 33 anos, para entender suas expectativas durante o processo de
julgamento e, finalmente, pude avaliar em minúcias a realização de um Angical, com a ajuda
de Avalciara, 39 anos.
Esclareço, então, que esta dissertação provocará diversas dúvidas. Afinal, estamos
nos referindo a uma doutrina que possui cerca de 50 rituais diferentes, centenas de entidades
espirituais organizadas em diversas hierarquias, adeptos dispostos em diversos graus e
divisões, além de diversos males espirituais, mitos, disposições arquitetônicas variadas,
indumentárias e nomes muito pouco conhecidos. Tudo isso passou a ter algum sentido para
mim, depois de 10 anos de observações, mas não seria fácil explicar esta aparente
desorganização em algumas poucas ginas. Sua complexidade fez com que José Jorge de
Carvalho afirmasse que a concepção do cosmos por ela (Tia Neiva) transmitida faz qualquer
sistema teológico-filosófico alexandrino parecer simples” (Carvalho, 1991: 18). Ele
complementa ainda que,
O que mais assombra no Vale do Amanhecer é a invenção total.
inúmeras falanges de entidades, muito mais numerosas do que em qualquer
outra casa de umbanda ou de kardecismo. falanges asteca, maia, inca,
egípcia, indiana, tibetana, cristã... todas as que se possa imaginar, pois Tia
Neiva deixou espaço aberto para acolher todos os espíritos possíveis. Por
exemplo, algumas mulheres pertencem à falange helênica e se veste como
gregas; outras pertencem a uma falange árabe e se vestem como odaliscas;
outras se vestem como egípcias, outras parecem fadas medievais,
princesas, etc., todas belíssimas, com roupas de muitas cores, lenços nos
cabelos. Enfim, evoca-se toda uma espécie de corte, que lembra os salões
europeus, mas que pode, também, lembrar um harém, um convento e ainda
vários outros contextos históricos e sociais. Tudo disso está sendo
lembrado ao mesmo tempo no Vale do Amanhecer. E os homens, que são
os jaguares, usam umas capas marrons, que pode lembrar trajes da
aristocracia, de um mestre iniciático, de um maestro e até mesmo evocar a
capa do Dcula. É uma religião que desafia o nosso conceito do que é
autêntico e do que é kitsch.(Carvalho, 1991: 18).
Tamm não pude me desvencilhar deste emaranhado de impressões nos primeiros meses de
pesquisa. Pom, espero que consiga trazer uma contribuição para o entendimento do objeto
etnogfico através da aplicação destas meforas de Estado e potica. Afinal, ainda como
afirmou José Jorge Na medida em que é (uma religião) totalmente inventada, sem nenhum
precedente conhecido, o Vale do Amanhecer demanda a reformulação dos parâmetros usados
até agora para se compreender o que seja arte sagrada (Carvalho, 1991: 18).
3
1.1. O Vale do Amanhecer
A instituição Obras Sociais da Ordem Espiritualista Cristã, conhecida como Vale
do Amanhecer, foi fundada em 1964, em Taguatinga, por Neiva Chaves Zelaya (1925-1985),
a Tia Neiva. Mas encontra-se, desde 15 de Novembro de 1969, nas proximidades de
Planaltina, a 45 Km do Plano Piloto. Hoje o Amanhecer compreende uma comunidade
originada pela ocupação de antiga área da fazenda Mestre DArmas, pelos primeiros fiéis da
doutrina. No entanto, em contraste com a inclinação inicial, a comunidade compreende cerca
de 22.000 habitantes, dos quais muitos não são seguidores. Hoje há mais de 600 extensões por
todo o Brasil e em alguns países, totalizando 150.000 fiéis no templo de Planaltina e 500.000
somando os médiuns dos templos externos.
Toda a estrutura dos ritos, mitos, construções e hinos desta instituição de origem
extraterrena conforme os adeptos - foram passados a Tia Neiva, pelas visões que tinha de
Pai Seta Branca desde 1958. Ele era um índio andino e é assim chamado porque, conforme o
mito, enfrentou a invasão espanhola com uma única flecha, mas sem derramar uma gota de
sangue. Fincou-a no chão e realizou um ritual que permitiu o sucesso das negociações com o
grupo invasor. Os Equitumans (citados no mito original do Amanhecer) são um grupo que
hoje faz parte do mundo negro e querem vingança da instituição. No passado, vivendo na
região dos Andes, se revoltaram e desafiaram seus criadores extraterrenos. Pai Seta Branca,
conduzindo uma nave interplanetária, provocou uma explosão que os matou e originou o
Lago Titicaca.
A crença do Amanhecer fundamenta-se basicamente na exisncia de um mundo
espiritual onde perduram os espíritos. Este é um espaço impalvel, que circunda o mundo
ponderável, mas que também inclui a esfera dos astros ou o âmbito sob a terra. Assemelha-se
a uma quarta dimensão que se sobrepõe à realidade (Mauss, 2000:146).
No entanto, os espíritos desta esfera influenciam a condição dos vivos em vários
sentidos. De uma maneira benéfica, auxiliando-os quase imperceptivelmente, protegendo-os
de circunsncias inesperadas, ou prejudicando-os no quotidiano de cada qual. Sendo
responveis por dificuldades financeiras, de saúde física, ou de relacionamentos
interpessoais. Os primeiros são espíritos evoluídos, que superaram a condição do ser pelo
4
aperfeiçoamento moral e cármico. Os segundos são espíritos que não se permitiram continuar
seu caminho evolutivo.
Os cultos do Vale baseiam-se na realização de rituais que auxiliam na cura espiritual
dos pacientes. Aqueles em aflição e desespero, dirigem-se ao templo. O ritual de comunicação
dos tronos
2
interpreta e alivia o estado do doente, orienta-o quanto a situações do seu dia-a-dia
e sobre quais dos inúmeros rituais do Amanhecer deve ser atendido.
A função dos rituais é de desobsessão ou de reequilíbrio de padrão energético do
paciente ou dos médiuns. Espíritos desencarnados, que permanecem na terra, são retirados
daqui no conjunto de vários rituais que se completam. Neles, atendido e realizador recebem
energias que equilibram os seus estados e que promovem avios de suas condições.
O espírito mais fácil de ser retirado nos rituais é o sofredor ou tamm chamado de
obsessor. Ele direciona-se a elementos materiais, mas pode aleatoriamente oprimir alguma
pessoa, sendo dela retirado no ritual de tronos. No entanto, há os cobradores
3
que objetivam
uma pessoa específica. Estas qualidades justificam o tipo de trabalho espiritual que o paciente
deve ser atendido, mas tal orientação é fornecida apenas no ritual de tronos.
Saliento, no entanto, que o ritual de tronos representa os primeiros avios do
sofrimento do paciente, mas não sua cura definitiva. Afinal, há duas explicações básicas sobre
a sua condição. Seus problemas podem ser causados pela sua energia mediúnica acumulada
por falta de trabalho espiritual, o que atrai espíritos sofredores. Ou porque está sendo cobrado
por espíritos que o conheceram em outras vidas. Nos dois casos a cura definitiva ocorrerá se
entrarem para o Vale do Amanhecer para participarem dos rituais adequados e manipularem
sua energia.
A realização de todos os rituais depende do conceito de mediunidade. Esta é uma
força quase imperceptível que todos possuem e que possibilita administrar energias de planos
diferentes, ou permite que as várias dimensões do homem encontrem-se (Sassi, 1999:19).
Graças a esta condição espiritual, energias positivas são atraídas para auxiliar médiuns e
pacientes, assim como energias negativas são retiradas. Ou situações dos planos materiais e
impalpáveis podem ser modificadas através dos ritos.
O Vale do Amanhecer considera outros importantes conceitos: o de desencarne,
reencarnação e carma
4
. Todos os vivos são espíritos que nasceram novamente, ou seja,
reencarnaram. Afinal, fizeram algo contra alguns de seus contemporâneos e devem ser
2
Ver glossário.
3
Ver glossário.
4
Ver glossário.
5
cobrados por eles, até obterem seu perdão. Estas pessoas agora podem estar vivas ou mortas e
o chamadas de cobradores. A morte, ou seja, o desencarne é o processo pelo qual o homem
perde a posse de seu corpo, devido ao falecimento de seu sistema fisiogico. Dessa maneira
seus mentores o consultam para ele decidir se vai aceitar continuar o seu processo evolutivo.
Isto significa que, caso o espírito aceite dar continuidade a esse processo, ele subirá aos reinos
espirituais - caso tenha superado seus carmas ou reencarnará, como outra oportunidade para
melhorar sua relação com seus antigos cobradores e, assim, aperfeiçoar sua qualidade moral
conceito de carma. Caso não continue sua evolução, ficará vagando na terra, como um
espírito das trevas, a ser encaminhado ao plano espiritual adequado em algum rito do
Amanhecer.
6
CAPÍTULO I
2. Panorama geral
O principal objetivo deste capítulo é descrever a situação do Vale do Amanhecer
na atualidade para podermos pensar o efeito da crise no seu principal posto de comando
sobre a presença do número de fiéis no templo. Ou seja, a disputa do poder da doutrina, que
reúne elementos tão similares ao jogo potico da ordem secular, poderia provocar a saída de
vários adeptos da instituição, pois estes procuram uma prática institucional pacífica, baseada
em rituais que valorizam a harmonia.
Naturalmente algumas hisrias tiveram que ser destacadas. A fundação do Vale
do Amanhecer por Tia Neiva, valorizou o seu envolvimento com o mundo espiritual de Pai
Seta Branca e Umahã, tão necesrio para construir toda a doutrina do Vale do Amanhecer.
Da mesma maneira, a história de Santiago Caetano, neste momento, descreve a sua
determinação em continuar participando dos rituais, imprescindíveis para a sua cura, em
meio às perseguições sofridas pelos envolvidos nas disputas do topo máximo da instituição.
As duas histórias valorizam o mundo das entidades, das hierarquias espirituais e dos perigos
das ameaças de espíritos cobradores, presentes a todo o tempo.
2.1.Origem da doutrina
Neiva Chaves Zelaya
5
, a Tia Neiva, é a fundadora do Vale do Amanhecer.
Nascida em Propriá, Sergipe, a 30 de Outubro de 1925, teve uma vida conturbada e cheia de
5
Informões sobre a origem da doutrina do Vale do Amanhecer são encontradas em textos escritos sobre o
assunto (Galinkin, 1977), (Gonçalves, 1999), (Salgueiro, 2000) e em textos da própria instituição (Zelaya, 1992).
7
reviravoltas, até fundar a doutrina do Vale do Amanhecer em 1964, em Taguatinga, para,
então, mudar-se para as proximidades de Planaltina em 1969.
Desempenhou profissões que dificilmente eram exercidas por mulheres naquela
época. Após 6 anos da morte do marido, mudou-se para Goiânia em 1954, com quatro filhos,
onde exerceu a profissão de motorista de lotação. Em 1957, foi morar no Núcleo
Bandeirante, onde transportaria materiais para a construção da nova capital, como motorista
de caminhão (Gonçalves, 1999:11).
Em 1958, situações peculiares começaram a ocorrer em sua vida. Neiva
começava a ter persistentes visões e a ouvir diversas mensagens de entidades espirituais, por
isso, passou a procurar ajuda médica e depois alguns centros espíritas de Brasília, até se
estabelecer na “União Espiritualista Seta Branca de Dona Nenên, com quem começou a
realizar atendimentos espirituais. Em 1964, Neiva deixou o centro espírita, quando fundou as
Obras Sociais da Ordem Espiritualista Cris, para iniciar a doutrinão de espíritos que
voltariam à Capela
6
no início do terceiro milênio (Salgueiro, 2000:12).
Foi neste período que rio Sassi
7
entrou para a doutrina. Procurou o Vale do
Amanhecer em um período de intensa depressão, tendo tentado suicídio algumas vezes. Tia
Neiva disse-lhe que sua missão
8
era ali no Vale. De fato, ele forneceu grande ajuda para a
instituição porque fundamentava teoricamente os rituais que eram descritos por Tia Neiva,
através de vies que tinha do espírito de Pai Seta Branca. Sassi tinha conhecimento de
diversos assuntos, tais como filosofia, psicologia, qmica e escreveu muitos textos que
explicavam os rituais do Vale do Amanhecer. Trabalhava na Universidade de Brasília como
relações públicas em 1962 e iniciou o curso de Ciências Sociais. Em 1968, abandonou seu
emprego para se dedicar a suas funções no Vale.
Dois personagens foram muito importantes durante a jornada de preparação
espiritual de Tia Neiva: o espírito de Pai Seta Branca e o do Mestre Uma
9
. Pai Seta
Branca ajudava-a, sobretudo, na realizão de suas curas e na fundamentação dos rituais,
mantras, indumenrias, construções do templo e de outros lugares sagrados. O Mestre
6
Ver glossário.
7
Goalves (1999) desenvolveu uma análise que avaliou um estudo de Max Weber considerando vários tipos de
lideraas, a partir das representões de Mário Sassi e Tia Neiva. Deste modo, o primeiro foi destacado em sua
qualidade de intelectual e Neiva enquanto o seu carisma.
8
Ver glossário.
9
Ver glossário.
8
Umahã, ao contrário, estava vivo, morava no Tibet e explicava o mecanismo de
funcionamento dos rituais e o complexo mundo espiritual quando Neiva entrava em transe.
Pai Seta Branca e Umahã orientaram-na em diversas situações. A história mais
famosa aconteceu quando ela teve que negociar com representantes espirituais do Vale
Negro
10
para conseguir realizar seus rituais. Dirigiu-se alá em transe. Quando ainda tinha o
templo de Taguatinga, às 16:00 horas, em um local apropriado do cerrado, afastada do centro
urbano. O espírito de Pai Seta Branca, então, preparou seu corpo para que pudesse estar em
condições para deslocar seu espírito até onde as entidades encontravam-se. Deitou-se, já
muito tonta, até sair do corpo conscientemente.
Então, já no terceiro ano de conhecimentos ao lado de Umahã, segui aas
cavernas a pedir paz e amor aos reis nos submundos. E assim o fiz. Me
transportava e humildemente lhes pedia acordo, pois a nossa Lei não admite
demanda (combate). Vou na presença de sete reis, que me tratavam com
mais ou menos ferocidade, porém, eu resolvia com amor e muita timidez
(...)
(...) Entrei num suntuoso castelo, tudo era riqueza, e não me foi difícil saber
que estava diante do trono de um suntuoso rei: Exú Sete Flechas. Dois
grandes “homens” com pequenos chifres me seguraram pelo braço num
gesto deprimente, enquanto o rei vociferava:
-É inofensiva! Traga-a até aqui! Já tenho conhecimento de seus contatos.
E virando-se para mim foi dizendo: sua pretensão é muito grande em querer
acordo, quando não têm nem mesmo um povo para defender.
o lhe disse nada, a não ser:
- Vou levantar um poder iniciático e quero fazer após vossa licença neste
acordo, para que o seu povo não penetre na minha área.
-Já sei muito bem das suas intenções disse ele eu me comprometo de
não penetrar em sua área, porém, antes vou fazer um teste com vo, para
lhe fazer sentir a minha foa. (Zelaya, 1992:85).
O espírito ameaçou tirar todo o telhado da casa dela no dia seguinte. No entanto,
como ela explicou em seu livro, isto apenas aconteceria se ela baixasse o padrão, ou seja, se
não mantivesse boas virtudes. Apenas três anos depois, após ainda ter ido conversar com a
mesma entidade e ela ter mantido suas ameaças, quando Tia Neiva sentiu um breve momento
de fúria, seu telhado foi arrancado (ibidem).
Tia Neiva faleceu em 15 novembro de 1985 e Mário Sassi em 24 de dezembro de
1995 (Gonçalves, 1999:14). Após a morte da Tia Neiva, os quatro Trinos assumiram o Vale
10
Salgueiro (2003) analisou em sua dissertão a maneira como o afro-brasileiro é representado no Vale do
Amanhecer em diferentes situações: nas falas, nas pinturas e na cosmologia, considerando, sobretudo, a
hierarquia. A nomenclatura Vale Negro” não implica uma relão pejorativa ao afro-brasileiro, mas o Vale
atribui hierarquias às entidades espirituais e os Pretos Velhos estão na base desta classificação que privilegia o
anglo-saxão. Além do mais, conforme Salgueiro, as entidades afro-brasileiras do Vale do Amanhecer estão
representadas nas pinturas com as peles mais claras.
9
do Amanhecer: o 1
º
mestre Sol, Trino Tumuchy, na pessoa de rio Sassi; o 1
º
Mestre
Jaguar, Trino Arakén, Nestor Sabatovicz; o 1
º
Mestre Curador, Trino Sumanã, Michel
Hanna; o 1
º
doutrinador
11
, Trino Ajarã, Gilberto Chavez Zelaya. Mais tarde há dissidências
entre Mário Sassi e os outros Trinos, o que o levou a abandonar o Vale do Amanhecer.
Conforme alguns relatos, Mário Sassi achava que estavam mudando algumas orientações
dadas pela Tia Neiva. Deste modo, os outros Trinos assumiram o Vale do Amanhecer.
Informantes relataram que Mário Sassi saiu da doutrina, mais ou menos em 1987, fundando
outro templo em Sobradinho, chamado Vale do Sol, com as mesmas características do
Amanhecer, embora houvesse poucos frequentadores.
Tia Neiva e rio Sassi não eram adeptos de uma religião, nem vinham se
preparando para um chamado. Apenas passaram por períodos de dificuldades e a busca
destas soluções conduziram-nos até o Vale do Amanhecer. No entanto, apesar de não terem
ocupações em um contexto religioso, suas antigas funções foram de grande proveito para a
doutrina. Tia Neiva exercia uma atividade que, nos anos 50, era ocupada sobretudo por
homens e teve que estar à frente de uma instituição cujos postos de comando são
significativamente masculinos. Talvez este seu caráter, associado ao respeito que tinham a
sua mediunidade, tenha mantido as hierarquias do Vale dentro de padrões fornecidos pela
espiritualidade. rio Sassi exercia uma atividade intelectual muito intensa na Universidade
de Brasília e estes conhecimentos foram significativamente aproveitados no Vale do
Amanhecer com sua produção intelectual.
Além do mais, o grande mérito da preparação de Tia Neiva deve ser dada às
entidades espirituais. Não podemos desconsiderar as contribuições de Mãe Nenên
12
, mas o
espírito de Pai Seta Branca e os encontros nos mundos espirituais com Umahã foram
extremamente significativos para o desenvolvimento de sua paranormalidade, sua formação
ético-moral e a construção do Vale do Amanhecer em seu contexto global (templo, rituais,
cantos, indumenrias, mitos etc).
11
Ver glossário.
12
Mais detalhes sobre seus atendimentos na União Espiritualista Pai Seta Branca são fornecidos no livro
“Autobiografia Missionária” (1992).
10
2.2. A Hierarquia
Podemos entender, portanto, que a hierarquia do Vale do Amanhecer é de grande
signifincia, sendo estabelecida pelas entidades. Tia Neiva está à frente desta divisão.
Para Tia Neiva assumir a doutrina, ela teve que ser longamente preparada pela
espiritualidade. Foi levada por naves intergalácticas, recebeu o conhecimento das entidades
sobre o mundo espiritual e viu como era o planeta terra na sua concepção mística (Sassi,
2003). Foi orientada, ainda, por Pai Seta Branca e o mestre Umahã.
A hierarquia do Vale do Amanhecer tinha a Tia Neiva no seu comando. Ela era
conhecida como Koatay 108
13
nos planos espirituais e foi escolhida por seu passado tico.
Conforme sua representação cosmogica, de acordo com explicações de adeptos, ela tinha
sido Nefertite e Cleópatra no Egito Antigo, a profetisa Pitya na Grécia Antiga e na Bahia do
culo XIX, Natasha, uma mulher muito respeitada entre os escravos pelas suas capacidades
premonitórias. Os outros Trinos que estavam abaixo dela também tinham sua representação
tico-religiosa. Mário Sassi tinha sido Akhenaton, no Egito Antigo, marido de Nefertite.
Nestor Sabatovicz e Michel Hanna tamm eram descritos como deres de vários povos e
participantes de diversas batalhas. O primeiro, por exemplo, foi o rei Lnidas que
comandou exércitos espartanos na Grécia Antiga. Hanna tinha sido um rei de Atenas,
tamm na Gcia Cssica.
Portanto, devido a este passado cosmológico, foi organizada a hierarquia do Vale do
Amanhecer. A Tia Neiva estava à frente deste povo e abaixo dela na hierarquia estavam os
trinos. Com exceção de seu filho, Gilberto Zelaya, todos os demais tinham sido escolhidos
por Pai Seta Branca. Desta forma tínhamos, em ordem de hierarquia: Mario Sassi, marido de
Neiva, Mestre Sol, Trino Tumuchy; Nestor Sabatovicz, Mestre Jaguar, Trino Arakén;
Michel Hanna, Mestre Curador, Trino Sumanã e Gilberto Zelaya, doutrinador, Trino
Ajarã.
Nesta época, o registro civil do Vale do Amanhecer destacava a Tia Neiva. De
acordo com Galinkin (1977) a Ordem Espiritualista Cristã o Vale do Amanhecer tinha
um estatuto, cuja presincia era regida por Tia Neiva, a Secretaria Geral por Mário Sassi e
os cargos de Vice-presidente, Secretário e Tesoureiro pelos filhos e genros de Neiva
Chaves. A doutrina era registrada no Conselho Nacional de Serviço Social (registro:
13
Ver glossário.
11
252.415/70) e na Secretaria do Serviço Social do GDF (151/74). No entanto, Galinkin
explicou que, na prática, quem tomava as decisões dos assuntos administrativos era Mário
Sassi e as decisões gerais, formal e informalmente, eram realizadas pela Tia e Sassi.
Com a morte da Tia Neiva, rio Sassi, seu marido, assumiu o Vale em seu lugar.
No entanto, ele teve vários desentendimentos. Deste modo, abandonou a doutrina e fundou o
Vale do Sol em Sobradinho. Faleceu em 1995.
Com a saída de Mário Sassi, Nestor Sabatovicz assumiu com pulso forte. Segundo o
informante Marcos Antônio, Sabatovicz, no início, não era da doutrina. Fora encontrado por
uma visão da Tia Neiva, que descreveu o lugar em que ele morava, sem ela nunca ter ido lá.
Sabatovicz morreu em outubro de 2004 e a doutrina passou para o comando de Michel
Hanna.
Ao assumir, Hanna disse que este seria o princípio de uma nova era. Conforme
Marcos Antônio, esta poderia ser a era das grandes curas, pois era intitulado como mestre
curador e ele ajudou a reformar o local onde é realizado o ritual de cura. Porém, conforme eu
mesmo pude acompanhar, Michel começou a fazer algumas mudanças que desagradaram o
corpo mediúnico. Uma delas foi a de alterar as escalas de rituais e a de retirar alguns
mestres
14
dos comandos de alguns trabalhos, que tinham sido designados vitaliciamente pela
Tia Neiva. Além do mais, o mestre Marcos Antônio, 30 anos, disse que muitos desconfiavam
que por traz destas mudanças estava a decisão de sua esposa Nilza Hanna
15
, médium
16
de
incorporão
17
e primeira de falange
18
. Segundo Marcos Antônio, esta situação desagradou
imensamente a família Zelaya. Por isso, opuseram-se a Michel, pressionando-o a manter as
suas decisões o mais pximo das realizadas originalmente pela Tia Neiva. Não conseguindo
nenhum resultado, Raul Zelaya interditou o templo do Vale do Amanhecer no dia 10 de
Abril de 2006, não permitindo que nenhum ritual fosse realizado neste dia. Segundo o jornal
Correio Braziliensede 22 de Abril de 2006 era a primeira vez em 37 anos que o templo
ficava sem realizar seus rituais.
14
Ver glossário.
15
Segundo Marcos Antônio, Michel Hanna pretendia consagrar sua esposa a representante de Koatay 108, ou
seja, representante de Tia Neiva. Isso ameaçava diretamente o próprio status da falia Zelaya.
16
Ver glossário.
17
O médium de incorporação é aquele que incorpora entidades. Incorporar, conforme o acervo Tuma no tópico
„incorporação, é a capacidade que o médium possui de permitir ser utilizado por entidades em “toda sua
totalidade”, ou seja, aceita que seu cérebro, sua coordenação motora, sua voz, seus gestos sejam meios para
comunicação de entidades, que podem ser Espíritos de Luz ou entidades das Trevas espírito sofredor ou
obsessor.
18
Ver glossário.
12
O Trino Sumanã, mesmo tendo muitos a seu favor, abandonou o templo e foi para
sua terra natal, o Líbano. No entanto, devido aos conflitos da região, em Agosto de 2006, o
Trino voltou para o Vale, embora não reassumisse a sua antiga posição na doutrina.
Conforme constatei, neste momento, Raul Zelaya já estava no papel de Trino, no
comando de toda a doutrina. O Trino Ajarã, Gilberto Zelaya, não se opôs, mesmo porque ele
costuma cuidar dos templos externos e, em geral, gasta grande parte de seu tempo viajando a
outros templos.
Em um Domingo, de Outubro de 2007, no ritual de anodizão
19
, o único ritual que
o Trino Sumanã ainda realizava, houve um fato insólito. No meio do trabalho, Michel
Hanna, após ter feito o convite das forças, convidou a presença de Pai Seta Branca. Neste
momento ele disse que estava desistindo das suas forças de Trino e queria ser apenas um
doutrinador do Amanhecer. Logo em seguida, classificou duas pessoas como Trinos, que
estariam abaixo dos Trinos Presidentes. Um destes era o filho de Gilberto Zelaya, conhecido
como Nena. Na verdade, este é um filho que não tem bom relacionamento com Gilberto, por
isso ele ficou muito insatisfeito. Depois disto, Michel saiu um tempo de cena. No entanto,
surgiu um novo impasse: Michel Hanna queria o seu posto de Trino de volta, mas Raul
Zelaya, que ficara em seu lugar, não admitia. Além do mais, este disse, ainda, que não
aceitava os dois novos Trinos consagrados porque eles foram colocados nesta posição após
Hanna ter desistido de suas forças.
A partir de então o Trino Sumanã começou a voltar à cena. Ele vinha aparecendo
quase que diariamente nas entregas de energia do ritual de estrela candente
20
. Entretanto, o
Trino não tem realizado as distribuições das escalas e nenhuma função de comando.
O mestre Itamir explicou qual seria a hierarquia original deixada por Tia Neiva.
Segundo ele, em ordem decrescente, tinha-se Mário Sassi (Trino Tumuchy), depois Nestor
Sabatovicz (Trino Arakén), Michel Hanna (Trino Sumanã) e Gilberto Zelaya (Trino Ajarã).
Estes formavam os Trinos Presidentes Triadas. Em seguida havia outros Trinos, que não
eram presidentes, em número de quatro: Raul Zelaya, Albuquerque, Ataliba e Jairo. Abaixo
deles estava José Carlos, o Trino Tumarã que substituiria um dos Trinos em caso de ausência
de cada um, inclusive em caso de morte. Abaixo dele estavam os Trinos Herdeiros. Aqui
estão os demais filhos e genros da Tia Neiva. No entanto, Itamir explicou que o mestre
Barros, em 1983, convenceu Tia Neiva a colocar acima do Trino Tumarã os Trinos
19
Ver glossário.
20
Ver glossário.
13
Herdeiros. Em seguida vêm os Arcanos
21
de Povo e depois os Arcanos sem Povo.
Finalmente abaixo destes estão os Ramas 2000.
2.2.1. Hierarquia denero
O ritual de tronos possui características interessantes para se entender inicialmente a
doutrina do Vale do Amanhecer conforme práticas sociais e gênero. Este é um ritual de
comunicação, em que há um médium de incorporação sentado, incorporando, e outro em pé,
atento com a qualidade da incorporação. O paciente senta-se ao lado do médium de
incorporão para ouvir a mensagem. Todos eles são acompanhados pelos comandantes, que
o aqueles que abrem os rituais. Este rito tem que obedecer às seguintes condições: não
podem trabalhar juntos duas médiuns (uma de incorporação e outra de doutrina)
22
; o médium
de incorporão masculino não pode incorporar espírito feminino, porque era considerado
muito deselegante para a época
23
.
Apenas nestas descrições podem ser feitas as primeiras análises. De início,
percebemos que o masculino é mantido preservado de impureza (Douglas, 1966). Enquanto
isso, o feminino demonstra não possuir autonomia. Este deve estar sempre de alguma forma
acompanhado por algum representante masculino, mesmo quando esteja de alguma forma
com a sua consciência prejudicada quando é um médium de incorporação. Para Hugo César
Tavares (n/d) esta contínua desigualdade e subordinação do feminino diante do masculino se
explica pelo funcionamento do mecanismo da linguagem, que tamm atua nas interações
sociais.
Outra questão importante: apenas os médiuns doutrinadores homens que não
incorporam podem realizar o comando dos rituais. , desta forma, uma limitação para esta
função, conforme a mediunidade e o gênero. Desta maneira, a estrutura dos rituais privilegia o
masculino no comando dos trabalhos e o feminino no de incorporação, pois nestes casos as
adeptas não possuem quaisquer limites
24
.
21
Ver glossário.
22
A determinação de duas adeptas não poderem trabalhar juntas no trabalho de tronos veio por parte de Tia
Neiva, quando percebeu que muitas conversavam sobre assuntos banais durante as incorporações.
23
Essa decisão também partiu de Tia Neiva, no início dos anos 70.
24
As adeptas podem incorporar entidades masculinas ou femininas, sem qualquer restrição.
14
Como podemos observar, temos aqui construções sociais muito distintas dos corpos
femininos e masculinos: ao médium são reservadas as qualidades de atenção, discernimento e
aplicação da lei; às adeptas, as características de sensibilidade, de ternura e do desempenho da
maior diversidade das incorporações. Por outro lado, o feminino é subordinado ao masculino.
Esta micia permite que consideremos dois autores. A professora Rita Segato (1999), que
cita Godelier para falar do mito da flauta roubada, em que a mulher era quem possa a flauta,
mas que foi posteriormente roubada pelo homem. Refiro-me aqui, ao maior destaque social
dado à mulher no seu papel de incorporação, mas que logo é submetida ao comando de um
doutrinador.
Esta tendência em manter o feminino submisso, permite-nos falar sobre outra autora:
Helena Cixous. Em seu texto Castration or Decaptation?” (1981), ela disse que o masculino
participa do processo social de maneira ativa, como aquele que determina, aquele que
participa da linguagem social, abdicando-se de emoções pessoais. Já o feminino, decapitado
como disse a autora -, abdica de suas necessidades pessoais e somente participa da linguagem
social subordinada ao masculino.
Não podemos deixar de considerar agora no meio social a imporncia que algumas
mulheres possuem conforme a informação de certos adeptos. Marcos Antônio explicou que
por ts de várias decisões de Michel Hanna estava sua esposa Nilza Hanna, médium de
incorporão, Franciscana. Muitos afastamentos de mestres de escalas de trabalho foram
atribuídos a ela. Por outro lado, Nair Zelaya, esposa de Gilberto Zelaya, também foi
considerada como a responsável por diversas decisões de seu marido, inclusive pela criação
da falange
25
de Aponaras.
2.2.2. A origem da falange de Príncipes Maya
No tópico anterior, analisei a construção social de nero. Para isso, procurei mostrar
seus conceitos de mediunidade e incorporação, de performance ritual e as preocupações
sociais quanto a esta queso. No entanto, houve um fato muito peculiar, no que se refere à
homossexualidade.
25
Ver glossário.
15
Sob orientação espiritual, no final dos anos 70, Tia Neiva fundou a falange de
príncipes, que era formada originalmente por sete adeptos, em sua maioria homossexuais. O
mestre Alberto, adjunto
26
Yucatã, foi convidado pela espiritualidade para assumir o comando
de tal falange, mas ele não aceitou. Assim, a mestre Edélves foi convidada e assumiu. No
entanto, ela estava contrariada e impôs respeito e formalidade por parte de seus integrantes.
Hoje, não há qualquer rejeição institucional quanto a esta questão, embora ela
provoque constrangimento para alguns. Esta peculiaridade já havia sido abordada por outros
autores, como por exemplo Moutinho (2005). Carlos Henrique Ferreira (26 anos) explicou
que apesar de sua orientação homossexual, pode trabalhar naturalmente dentro dos rituais do
Vale do Amanhecer, pois ninguém o repreende. Há ainda alguns adeptos mais antigos ou
pessoas da comunidade que agem com preconceito. Mas isso não chega a incomodar.
A homossexualidade no Vale do Amanhecer não é uma doença que precisa ser
curada, como observou em seu texto Natividade (1985), mas algo justificado por
acontecimentos de outras vidas. Marcos Antônio relatou que dois rapazes homossexuais
utilizavam uma capa diferente da maioria dos adeptos, por determinação de Tia Neiva, pois
eles haviam sido almas gêmeas em outras vidas. Além do mais, quando ela tinha dores por
causa de sua doença pulmonar, chamava-lhes para que a energia de suas mãos aliviasse suas
dores. Isso provocava respeito no meio mediúnico.
No entanto, a orientação homossexual não é percebida durante a prática dos rituais,
pois o adepto se coloca nos rituais dentro de uma disposição em que as diferenças
estabelecidas entre masculino e feminino dependem das diferenças biológicas. Por isso, o
travestismo deve ser abordado com cuidado. Marcos Annio relatou situão em que uma
travesti vestiu indumentária de Nityama, mas não teve permiso de entrar para a falange.
2.3. Episódios recentes
O foco das atenções estava sobre Michel Hanna, o Trino Sumanã, e Zelaya, o Trino
Yporã até mais ou menos o final de 2008.
26
Ver glossário.
16
Em Maio de 2008, o Adjunto Alufã, mestre Barros, juntamente com Hanna,
decidiram realizar uma consagração
27
de Arcanos. A Tia Neiva não iniciou suas atividades
no Vale do Amanhecer com a obtenção de todas as suas forças espirituais. À medida que ela
ia superando seus obstáculos e suas dificuldades, ela ia obtendo mais energias, ia preparando
novos rituais e ia subindo de hierarquia nos mundos espirituais. Foi assim que ela chegou ao
máximo de sua classificação
28
, a de Koatay 108. Quando isso aconteceu, foi necessário que
novas hierarquias, abaixo dela, fossem criadas para que ocorresse um equilíbrio de forças
29
.
Deste modo, foram escolhidos os Arcanos, inicialmente por Tia Neiva e, após sua morte,
pelos Trinos. Estes adeptos passam a representar os Arcanos, espíritos de grandes
classificações. Sua superioridade é tamanha que presidem o universo e não ficam no planeta
terra, eles apenas projetam suas forças. Apenas os adeptos masculinos podem ser Arcanos. A
exceção era a mestre Elves, consagrada pela Tia Neiva, mas que morreu em 2005. A
última consagração até eno aconteceu em 21 de Setembro de 2000, mas em 2008, Michel e
Barros, em meio à crise, prepararam novas consagrações e convidaram uma centena de
mestres. O ritual aconteceu no final do mês de Julho e seria no Turigano
30
, mas dissidentes
de Raul impediram que o rito acontecesse e ocorreu uma grande briga entre os dois lados. A
polícia foi chamada. Barros realizou o ritual do lado de fora do templo e distribuiu diplomas
a todos os consagrados.
Passado um s após este ritual, Raul contra-atacou, consagrando os seus Arcanos.
Os primeiros consagrados eram de Michel Hanna, em sua maioria, muito jovens, mas os
seguintes, eram antigos membros da doutrina. Isto causou certa sensação em todo o Vale.
Os nomes foram mais selecionados e diversos adjuntos tiveram que citar os que mereciam
esta graduação. Alguns médiuns esperavam por esta oportunidade há muito tempo e
emocionaram-se quando descobriram terem sido selecionados.
A partir desse momento, o Vale do Amanhecer estava dividido entre os consagrados
pelo Michel e os pelo Raul. No entanto, o filho de Tia Neiva Raul Zelaya - percebeu que
precisava oficializar sua presincia no Vale do Amanhecer, por isso, resolveu reformar o
estatuto. No dia 19 de Março de 2009, após muita divulgação, ele organizou uma reunião
27
Ver glossário.
28
Ver glossário.
29
Este assunto pode ser encontrado no acervo Tumarã”, no tópico “Arcanos”. O acervo Tumarã é uma espécie
de enciclopédia da doutrina do Vale do Amanhecer, preparada pelo mestre José Carlos, Adjunto Tumarã,
contando com diversas contribuições de outros mestres, mas que não foi editado e não se encontra nem mesmo
na internet, mas é distribuído em mídia entre aqueles que sentem necessidade de mais conhecimento sobre a
instituição. Tive acesso a este acervo pelo informante Marcos Annio.
30
Ver glossário.
17
dentro da sala onde são assistidas palestras do grupo jovem, em frente ao templo, e fez uma
espécie de consulta popular, verificando o apoio para a aplicação do novo estatuto. Muitos
adeptos estavam de pé, pois não havia mais lugar. Ele pediu para aqueles que apoiassem o
novo estatuto levantassem as mãos. Observou o resultado e disse que achava melhor que
todos os favoráveis à mudança do estatuto ficassem de pé. Disse então que o estatuto havia
sido aprovado por unanimidade e saiu da sala em meio à algazarra. A pocia foi chamada
com antecencia e cerca de 10 carros estavam estacionados do lado de fora. Com a
confusão, Policiais Militares deixavam à mostra suas armas. Mestres que apoiavam o Raul
tamm estavam armados. Alguns adeptos aproveitaram a situação e filmaram o que
puderam, para depois divulgar tudo pela internet
31
.
O estatuto dava todos os poderes a Raul Zelaya e a alguns adeptos que o apoiavam.
A denominação da doutrina permanece a mesma, sendo chamada de Obras Sociais do Vale
do Amanhecer (OSOEC), sob o registro de CNPJ/MF de número 00.580.738/0001-75.
Conforme Artigo 56, anea XII, o estatuto fora aprovado por unanimidade por Reunião de
Assembleia Geral. Agora, a divisão da doutrina passa a ser a seguinte: O Trino principal é o
Ypoarã, Raul Oscar Zelaya, o filho mais novo de Tia Neiva; o Trino Regente, aquele que
substitui as funções de Raul, é Tales Souza Ferreira; abaixo destes em ordem decrescente
temos: Trino Regente Tumarã, mestre JoCarlos; Trino Regente Aratuzo, Valdeck Caldas
Braga; Adjunto Yumatã, Adjunto Caldeira; Adjunto Ypuena, Manoel Lacerda; Adjunto
Muyatã, Pedro Idio dos Santos; Adjunto Japuacy, Valdemar Ferreira; Representante
Adjunto Yuca, Manoel Rodrigues; Representante Adjunto Aluxã, Vandeli Elias;
Representante Adjunto Marabô, José Saldanha; Representante Adjunto Amayã, Antônio
Pereira; Representante Adjunto Cayrã, JoEurico e Representante Adjunto Umaytã, Nélio
Fernandes. A hierarquia administrativa é a seguinte: Raul Oscar Zelaya, como Presidente da
doutrina; Tales Souza Ferreira, Diretor Secrerio; Hezen Ruy Soares, Diretor Tesoureiro;
Manoel Rodrigues da Silva, Diretor Adjunto; Manoel Lacerda Feitosa, Diretor de
Assistência Social; cio Silveira Martins, Presidente do Conselho Fiscal; João Inocêncio
dos Santos, Conselho Fiscal; José Augusto da Silva, Conselho Fiscal; Valter Silva, 1°
Suplente do Conselho Fiscal; Francisco José Moraes, 2° Suplente do Conselho Fiscal;
Reginaldo Fonseca da Silva, 3° Suplente do Conselho Fiscal. Um detalhe muito importante é
que o Artigo 29, da Seção III Da Presincia e da Diretoria prevê que os cargos de
Presincia, 1° Vice-Presidente, Vice-Presidente e Vice-Presidenteo vitacios.
31
Imagem presente no Youtube até 19 de Setembro de
2009.(http://www.youtube.com/watch?v=baiIN34Sw_8&feature=related)
18
Ademais, a OSOEC passa a ser uma associão e este estatuto delega poderes aos membros
da mais alta hierarquia da doutrina a suspender ou excluir membro associado que descumpra
decio do Presidente ou que seja considerado insubordinado contra as decisões internas da
diretoria. Além do mais, é atribuição do Presidente fazer o movimento financeiro da
doutrina. Isto implica dizer que Raul, mesmo não tendo qualquer apoio dos membros da
instituição, implantou um estatuto que lhe atriba plenos poderes sobre a movimentação
financeira da doutrina, sobre seus opositores, bem como tornou ilegal a sua substituição por
meio de novas eleições.
Perguntei a Marcos Antônio sobre a origem dos recursos financeiros do Vale do
Amanhecer. Respondeu-me que este dinheiro vem das lojinhas que vendem produtos da
instituição. Continuei insistindo sobre esta questão, porque estes recursos não responderiam
sobre as reformas que estão acontecendo em todo templo há mais de 10 anos. Falou então
que o Vale sobrevive por causa das doações, que são feitas para Carmem Lúcia Zelaya
32
, em
seu salão de costuras. tem um livro, o livro de ouro, que mostra todas as doações e os
nomes de seus respectivos doadores. Assim, conforme o estatuto, Raul Zelaya tem o direito
de fazer a movimentação deste dinheiro.
O seu estatuto procurava também conseguir poderes sobre funções que eram
exercidas tradicionalmente por seus opositores. O mestre Barros, por exemplo, orientava
Michel Hanna para que ele garantisse muitos de seus direitos por meio da aplicação da
justiça. No entanto, Barros era o primeiro mestre Devas
33
, Adjunto Alufã, juntamente com
mestre Fróes, Adjunto Adejã, ambos escolhidos por Tia Neiva e tinham a função de guardar
os arquivos de classificações dos mestres, bem como fornecer, por meio de rituais, os nomes
de cavaleiros
34
, de guias missionárias, de povos
35
, entre outros. Assim, o novo estatuto,
Artigo 56, anea II, passa a ser de competência exclusiva do Presidente da OSOEC: II
Presidir o sistema de consagrações exercidos pelos Mestres DEVAS, inclusive com a
indicação do mestre Devas responsável pelas consagrações no Templo Mãe”. Deste modo,
Barros é destituído de sua função e a salinha dos Devas passa a ser fechada com um tapume.
Outros mestres tamm são retirados de suas funções ou impedidos de comandarem
rituais. O estatuto prevê ainda no Artigo 16 que qualquer um que descumpra as decisões do
estatuto ou do Presidente pode ser suspenso ou excluído da doutrina. Além do mais, decreta
32
Tia Neiva teve quatro filhos: Gilberto Zelaya, Carmen Lúcia Zelaya, Raul Zelaya e Vera Zelaya.
33
Ver glossário.
34
Ver glossário.
35
Ver glossário.
19
que quem determina as escalas de trabalho é o Presidente da OSOEC. Deste modo, Raul
Zelaya proibiu que qualquer Arcano consagrado pelo Michel Hanna não poderia realizar o
comando de nenhum ritual dentro do Templo, nem concorrer a escalas, como as dos rituais
de Estrela Candente ou Quadrante
36
. O adjunto Jana, mestre José Luis, era o responvel
por organizar tais escalas, no entanto, conforme o mestre Marcos Antônio, ele assumiu
diante de Raul Zelaya que não realizaria as escalas da maneira como ele queria, por isso José
Luis foi afastado de sua função. O mestre Éfren, representante do Cavaleiro da Lança
Vermelha, tamm foi afastado dos comandos do Alabá
37
, atividade que tinha sido
determinada pela Tia Neiva, e hoje ele não tem mais aparecido no Templo do Vale do
Amanhecer de Planaltina. Santiago Caetano comentou que, quando quer participar do ritual
de Estrela Candente, ele observa se o comandante do ritual parece saber como reali-lo,
porque agora poucos escalados para o comando são capazes de realizar um rito de qualidade.
Outro artigo tamm causou muita polêmica. Mestre Marcos Annio explicou-me
que o Artigo 55 foi um dos que repercutiram mais e foi um dos principais pontos que
provocaram um racha entre Raul Zelaya, Trino Ypoarã, e seu irmão mais velho, Gilberto
Zelaya, Trino Aja. Tal artigo prevê a elaboração de Regimento Interno que consolidará
rigidamente o Sistema Doutririo, vigente no Templo do Vale do Amanhecer em Brasília-
DF, no que tange a sua aplicação, administração, execução, manutenção do Acervo
Litúrgico e Literário em qualquer formatão das Leis e Chaves Ritualísticas, estendendo o
controle administrativo doutrinário para todos os “Templos” que estejam professando,
difundindo e aplicando o Sistema Doutrinário materializado no Vale do Amanhecer no todo
ou em parte em qualquer localidade do País ou do Mundo”. Complementa no parágrafo
que Os ‛Templos que não acatarem a determinação do Presidente da OSOEC serão
proibidos sob as penas da lei, de utilizar no todo ou em parte o acervo litúrgico, literário,
ritualísticos, denominações, terminologias, ensinamentos, simbologia própria, práticas, bem
como o uso de vestes e adornos inerentes à Doutrina do Amanhecer. Elaboração deste
artigo era uma afronta contra Gilberto Zelaya, responvel pela fiscalização, pela aplicação
das leis doutrinárias em Templos externos e pela realização dos rituais de consagração dos
adeptos nestes locais, devido determinações da Tia Neiva.
36
Ver glossário.
37
Ver glossário.
20
2.3.1. Reações
Naturalmente, as situações que aconteceram não poderiam deixar de provocar
algumas reações. As perseguições contra os Arcanos consagrados pelo Michel Hanna e a
possibilidade de Raul Zelaya vir a ter donio sobre os Templos externos foram
determinantes para podermos entender o Vale do Amanhecer deste princípio de Setembro de
2009.
Após as consagrações de Arcano promovidas por Michel e Barros, iniciaram-se
algumas situações de discórdia dentro do Templo: Raul Zelaya tinha dado ordens para que
estes consagrados não realizassem qualquer ritual em que houvesse emissão
38
dentro do
Templo. Deste modo, muitos Arcanos, acompanhados de alguns amigos e familiares, foram
se afastando do Templo de Planaltina para trabalharem nos externos, como Céu Azul,
Brasilinha, Formosa, que são os mais pximos de Brasília. A situação tornou-se mais visível
em Abril deste ano, quando pude verificar que até mesmo rituais de Angical e Sessão
Branca
39
tiveram redução de médiuns, porque os adeptos envolvidos nas discussões estavam
indo para Formosa. No ano passado, segundo Marcos Antônio, aconteceram algumas trocas
de socos durante o ritual de Leito magnético
40
, envolvendo os recém consagrados Arcanos.
Além do mais, disse-me que muita gente vinha comentando que algumas pessoas armadas
estavam descendo para o Templo. No entanto, estas variações no número de adeptos são
mais percebidas em momentos de maiores conflitos, assim que as crises tornam-se menos
claras mais médiuns participam dos rituais no templo mãe.
Ademais, muitos mestres que tinham sido afastados pelo próprio Raul Zelaya, como
o Adjunto Alufã, mestre Barros, e o representante do Cavaleiro da Lança Vermelha,
mestre Éfren, decidiram abrir um Templo em Samambaia. Este, atualmente, já está
realizando alguns atendimentos. O mestre Gilberto Zelaya, mestre Ajarã, responvel pelo
bom funcionamento de Templos externos, autorizou a construção deste novo templo.
Depois da aprovação do estatuto de Raul Zelaya em mao de 2009, Gilberto Zelaya
passou a preocupar-se com a possibilidade de seu irmão interferir em seus trabalhos. Por
isso, começou a proibir que presidentes de Templos externos participassem de escalas de
trabalho no Templo mãe. Isso faria com que os rituais de Estrela Candente realizados no
38
Ver glossário.
39
Ver glossário.
40
Ver glossário.
21
templo mãe pelos templos externos, nas Teas e Quintas-Feiras, ficassem bem vazios.
Embora ainda alguns ônibus de templos externos continuassem vindo, a partir do mês de
Agosto de 2009 pararam de chegar. Há poucas Estrelas constrdas em outros lugares do
país, isto obriga muitos adeptos a irem até o templo de Planaltina para participarem deste
ritual. Em Planaltina, havia uma escala de trabalho para os templos pximos de Brasília
participarem deste ritual. A partir de 2009, Gilberto Zelaya, com ajuda dos presidentes de
templos externos, comprou um terreno próximo ao templo de Formosa para construir uma
Estrela que substituirá a importância da Estrela de Planaltina para os adeptos de fora. Nos
meses de Junho, Julho, Agosto de 2009, embora todos os mestres de Planaltina tivessem sido
convocados por Raul Zelaya para participarem do ritual de Unificação
41
, este não aconteceu
por falta de médiuns. São necessários cerca de 200 mestres para que o ritual ocorra.
Em Agosto de 2009, Gilberto Zelaya convocou todos os presidentes de templos
externos a uma reunião no Vale do Amanhecer de Planaltina, sob a ameaça de perderem seus
templos em caso de auncia. O seu objetivo era demonstrar apoio para a aprovação da
CGTA (Coordenão Geral dos Templos Externos), ou seja, a criação de nova pessoa
jurídica que oficializa a indepenncia dos templos externos em relação à matriz do Vale do
Amanhecer, que estava ao comando de Raul. Em nota divulgada pela internet, no site
www.valedoamanhecer.com
42
o Trino Ajarã, mestre Gilberto Zelaya, fez uma retrospectiva
histórica dos últimos acontecimentos para justificar a autonomia dos templos externos em
relação ao templo mãe
43
, o de Planaltina, e destacou sobretudo as perseguições e os
afastamentos promovidos por Raul. Neste período foram realizadas duas Unificações, uma
marcada pelo Raul Zelaya, Trino Ypoarã, no dia 03 de Setembro, Quinta-Feira às 22:00
horas e outra por Gilberto Zelaya, Trino Ajarã, no dia 06 de Setembro, Domingo, às 22:00
horas. Os adeptos disseram que as duas foram realizadas. A primeira, apesar de ter sido
marcada por Raul Zelaya, teve grande participação de adeptos dos templos externos e a
segunda, teve uma participação ainda maior.
41
O ritual de Unificação acontece uma vez por mês no Solar dos médiuns, um local que apresenta um conjunto
de construções, tais como pirâmide, lago artificial e cachoeira, estando a um quilômetro do templo. Este ritual
acontece no período de lua cheia e pode ocorrer à noite ou durante o dia.
42
http://www.valedoamanhecer.com/docs/cgta_explicacoes.pdf
43
Os médiuns geralmente usam esta denominação para se referirem ao templo de Planaltina.
22
2.4. As expectativas dos adeptos
No entanto, essas decisões autoritárias podem ser preocupantes quando provocam
dificuldades para interesses genuínos da própria doutrina, ou seja, dificultam os próprios
objetivos de Pai Seta Branca.
Os fiéis explicam que Raul Zelaya não é o primeiro a tomar decisões unilaterais.
Nestor Sabatovicz havia retirado muitos adeptos de algumas funções. Marcos Annio
disse que João do Vale, um médium que era da época da Tia Neiva, tendo assumido a função
de regente de falange aos 16 anos, foi afastado das aulas de doutrinador porque teve algumas
discorncias com Sabtovicz. Ele não foi o único. Michel Hanna tamm retirou alguns de
funções que eram exercidas vitaliciamente, promovidos pela própria clarividente. O mestre
Nélio, que comandava o ritual de Julgamento todos os sábados, foi afastado por Michel,
assim como muitos que também estavam na mesma condição. Isto inclusive provocou muitas
insatisfações e até mesmo alguns apoios para a sustentação do poder de Raul Zelaya.
Situações como estas provocaram problemas de relacionamentos, divisões entre adeptos e
falta de credibilidade para a realização de alguns rituais.
Marcos Antônio comentou uma situação importante. Segundo ele, Tia Neiva vinha
preparando os mestres para a chegada de espíritos de Grandes Iniciados. Porém, até o
desencarne (a morte) de Tia Neiva, estes espíritos ainda não tinham chegado. No período
de Mário Sassi, a mestre Elves tinha percebido na Cultura do Pai, (ritual de preparação dos
médiuns de incorporação para receberem Pai Seta Branca), que espíritos de novas
hierarquias estavam sendo incorporados, apresentando nomes referentes a civilizações
Calias, Persas, monges orientais, entre outros. Nestor Sabatovicz não admitiu estas
incorporações e as nomenclaturas destes espíritos, opondo-se firmemente aos interesses de
Mário Sassi de permiti-las. Este, mais tarde, quando veio a fundar o Vale do Sol, aceitou
estas manifestações espirituais e, segundo Marcos Antônio, existem comunicações de
entidades de luz
44
completamente diferentes das do Vale do Amanhecer, pois princesas e
entidades de outras civilizações conversam, enquanto no Vale a prioridade é dada aos Pretos
Velhos
45
.
Por isso, Marcos Antônio continuou dizendo que, nestes casos, alguma reviravolta
pode acontecer. Quando as entidades percebem que os adeptos, principalmente os de alta
44
Ver glossário.
45
Ver glossário.
23
hierarquia, criam novos carmas, em vez de os aliviar, ou seja, em vez de solucionarem-os
para assim poderem evoluir e ir para outros planos espirituais, entidades de luz preferem
interromper suas vidas. Devido à lei de ação e reação e, pelo que fizeram no passado de
outras vidas, adeptos passam por dificuldades repetitivas, até superarem estas cobranças
cármicas
46
. No entanto, podem adquirir novas cobranças nesta vida. Assim, entidades de luz
consideram que é melhor estes adeptos permanecerem com seus carmas parcialmente
resolvidos do que completamente comprometidos ou aumentados, por isso, interrompem
suas vidas. Marcos Antônio considerou este como sendo o motivo do „desencarne‟ de
Nestor Sabatovicz que dificultava a realização de interesses da espiritualidade.
Além do mais, quando há pertuas desavenças, adeptos desconfiam da
possibilidade de vir a ocorrer outros acontecimentos ainda mais funestos. Marcos Antônio
explicou que a espiritualidade vai permitindo que o fiel aja a seu bel prazer, esperando um
momento em que ele vai comar a melhorar a sua condição ética e moral. Quando não há
qualquer possibilidade de recuperação daquele jaguar, o Cavaleiro da Lança Negra, tamm
conhecido como Chapanã, pode levá-lo em espírito, ou seja, desencarnado‟, para as
cavernas, o vale negro
47
, onde foi adquirido em leilão. Quando perguntei a Marcos Annio
sobre este espírito, respondeu-me sobre ele com restrições, falando seu nome com certo tabu.
Perguntei sobre esta entidade ao pintor Vilela, o que foi escolhido pela Tia Neiva para
realizar as pinturas das Entidades do Vale do Amanhecer, disse que recebeu autorização de
Chapanã em Abril de 2009 para pintar sua imagem, mas apenas fizera isso no dia 02 de
Novembro, o que provocou várias visitas a sua sala, pois a pintura foi divulgada em uma
gigantesca dimeno de 2 metros de altura
48
, cercada de tabus
49
.
46
Cf. acervo Tumarã, nopicocarma‟.
47
Ver glossário.
48
A imagem de Chapa é a de um cavaleiro forte usando roupas negras, assim como capa e espada escuras.
Apesar de Vilela ter dito que seu rosto não tinha sido visto, mas apenas seus olhos brilhantes, fez uma silhueta
para representar sua fisionomia. A imagem apresenta asas e suas mãos são negras. Vilela explicou que as asas se
devem a ele ser um arcanjo e que suas mãos podem ser escuras devido ao uso de luvas. Um adepto disse que ele
não mostra o rosto porque foi condenado a morrer queimado por ter sido acus ado injustamente pela morte da
esposa. Esta narrativa explica ele ser o agente da justiça.
49
Vilela pediu-me para não divulgar a imagem na dissertão. Preferi respeitar-lhe sua vontade, colaborando
para aumentar a curiosidade sobre sua obra.
24
2.5. Santiago Caetano (Joston Bispo Cruz)
O mestre doutrinador Santiago Caetano, pseunimo de Joston Bispo Cruz, entrou
no Vale do Amanhecer ainda na época em que a Tia Neiva era viva. Segundo ele, não era
verdade que ela ficava conversando e orientando todos que se dirigiam ao Vale do
Amanhecer. Em geral, ela dizia: coloca o colete e trabalhe. Essa é a grande necessidade do
médium. Nesta época, ele ia aos rituais com certa regularidade, mas não como o faz hoje.
Nasceu em Ibiritaia, interior da Bahia, próxima de Itabuna, em 1950. Aos 9 anos, já
em 1960, veio a Brasília com sua família. Seu pai trabalhava na construção civil. Santiago
começou a ajudá-lo aos 10 anos de idade. Na década de 60 tamm foi trabalhar na
construção civil, mas sofreu um acidente que o aposentou. Embora seu sonho sempre fora
ingressar no meio artístico, não obteve sucesso. É separado e possui dois filhos: Malena (21
anos), que mora em Campinas e Ariano (19 anos), que trabalha na Marinha.
Ele é membro da doutrina desde 1971. No entanto, no início de 1998, Santiago
decidiu passar uma ou duas semanas, no máximo, na cidade do Vale do Amanhecer, porque
se sentia, em diversas situações, ameaçado por pessoas estranhas ao seu convívio. Todavia,
já está ali há dez anos, participando frequentemente dos ritos e, em algumas semanas, chegou
a participar deles até diariamente. Nesse período as entidades incorporadas orientaram-no a
permanecer no Vale do Amanhecer, pois se saísse correria algum risco de vida. Mudou-se
então, para o Vale, tentando participar do maior número de rituais tanto quanto possível para
poder sair desta condão. Realizou muitas escaladas, Quadrantes e retiros
50
. Assumiu
diversas prisões e comandou outros inúmeros trabalhos no templo. Algumas vezes,
desobedeceu às orientações das entidades. Afinal, ele tinha que receber seu salário no banco
localizado em Planaltina. Deste modo, saía do Vale e quando chegava na agência bancária
tinha um esquecimento quase que generalizado. Assim, não conseguia se lembrar de sua
senha, ou mesmo do que ia fazer com o dinheiro. As mal conseguir retirar o ordenado do
caixa eletnico, ele voltava para casa sem comprar qualquer produto de sua necessidade.
Apenas quando atravessava os portões do Vale, conseguia lembrar-se de tudo que faria
quando pegasse o dinheiro.
50
Ver glossário.
25
Santiago parece não gostar muito de hierarquias. Explicou-me que não gostaria de
ter que pedir a um mestre para poder participar do grupo de um adjunto e desta forma ter a
autorização de comandar um trabalho. Afinal, apenas os mestres que são Janatãs, tendo
previamente autorização para pertencer a tal grupo, é que podem participar da escala de
comando de trabalhos. No entanto, caso não participe da escala, ele pode comandar algum
ritual, quando o mestre escalado falte. Naturalmente isso acontece algumas vezes.
Durante muitos anos Santiago realizou diversos trabalhos espirituais sem se
preocupar em atualizar suas consagrações. Receber as consagrações significa que o adepto
passa a adquirir condições espirituais e até sicas de receber mais energias nos rituais.
Assim, ele passa a ser classificado diferentemente a cada nova consagração e passa a lidar
com espíritos ainda mais fortes. Deste modo, o médium pode ter que enfrentar dificuldades
ainda maiores. Como sua função é elevar estes espíritos que fazem parte de sua condição
cármica, isto significa que ele teque realizar ainda mais rituais, para conseguir elevá-los.
Antes da morte da Tia Neiva, ela realizava o ritual de reclassificação
51
. Deste modo,
determinava se o adepto possuía condições de mudar sua classificação e receber novas
energias. Hoje os Devas m a função de realizar este ritual. Ou seja, atualmente, os critérios
para reclassificar um mestre dependerão da “intuição do mestre Devas que considerase
o médium pode estar no seu momento de reclassificação - e do tempo de doutrina do
médium. O mestre Santiago fez muitas inimizades no Vale do Amanhecer. Ele costuma ser
muito rigoroso nos rituais, conhece outras doutrinas filosóficas e religiosas, o que desagrada
a muitos. Como havia muito tempo que não participava de tal consagração, as entidades
começaram a pedir-lhe para participar do ritual, pois alguns espíritos precisavam ser
elevados. Apenas com o pedido dos Pretos Velhos o mestre aceitou participar do ritual. No
entanto, no momento em que Santiago realizava sua consagração, o mestre Devas,
responvel pelo ritual, disse que ele teria de esperar um pouco mais para se reclassificar.
Então Santiago respondeu-lhe: “Tudo bem. Estou aqui por causa de uma orientação das
entidades. Elas me disseram que estava na hora. Se você disse que não es na hora, então
quem vai ter que arcar com as consequências não sou eu”. Após isso, virou-se
tranquilamente. O mestre Devas chamou-lhe e o consagrou.
Daí pra frente tudo ficou bem mais difícil. Começou a ficar mais doente; não podia
tomar medicamentos, pois muitos deles faziam-lhe mal; passou a sentir dores nas costas, que
ele dizia serem problemas nos rins; já teve febres prolongadas quando participava de uma
51
Ver glossário.
26
prisão
52
, mas foi conversar com um Preto Velho no ritual de tronos, o qual lhe disse para
continuar ritual. Santiago não entendeu, mas obedeceu ao pedido. Neste momento, sua febre
diminuiu e ele foi a o fim do rito. Contou-me que esses males eram consequências da
adaptação de seu corpo às energias que estavam chegando.
No entanto, no final do ano de 2007 os Pretos Velhos fizeram uma orientação
diferente para Santiago. Ele já vinha ficando impaciente, dizendo que queria sair do Vale do
Amanhecer e morar em uma cidade menor, para viver do comércio ou de massagem
terapêutica que ele estuda há tanto tempo. Até que os Pretos Velhos pediram pra ele assumir
uma prio, dizendo que ele teria uma surpresa. Em Janeiro, finalmente, ele estava liberado,
depois de mais de dez anos. Então ele fez três viagens. Visitou a filha em Campinas; foi para
um templo externo do Amanhecer no sul da Bahia; depois foi para outro templo nestas
proximidades. Nesse momento uma entidade lhe disse para se preparar para assumir um
templo externo. Agora, no mês de Julho, de volta ao templo de Brasília, o mestre tem
recebido sucessivas orientações a este respeito e sua condição moral tem sido mais vigiada.
No mês de Junho do ano de 2008, ele respondeu a uma mulher que o ofendeu dentro do
templo e teve que assumir uma prisão, a pedido de um Preto Velho, que disse que ele estava
falando demais. Durante esta prisão muitos mestres graduados ofenderam-lhe todo o tempo e
Santiago teve que se calar para não arranjar mais um carma, com mais pessoas.
Deste modo, já achando que iria finalmente sair do Vale do Amanhecer ouviu uma
mensagem de um Preto Velho. Em Maio de 2008, quando estava terminando um trabalho no
ritual de tronos, a entidade disse-lhe repetidas vezes e com muita ênfase, para que ele
corresse atrás” do que era dele. Santiago não entendeu a mensagem naquele momento, nem
conseguiu esclarecimentos, mas a entidade garantiu-lhe que ele iria entender na primeira
oportunidade. Quando ele saiu do templo, viu o mestre Barros conversando com outro
mestre sobre a consagração de Arcanos que iria ocorrer em Julho do mesmo ano. Santiago
entrou na conversa e quis saber detalhes sobre o ritual. Lembrou da mensagem da entidade e
pressionou o mestre Barros para ter seu nome na lista de Arcanos. Após conversar com
Michel Hanna teve a confirmação de que seria consagrado e no final de Julho de 2008
participou do ritual, em meio a muita confusão, pois Raul não permitiu a utilização do
Turigano para realizar o rito. Aconteceram trocas de socos e a consagração aconteceu no
pátio, com a presença da polícia.
52
Ver glossário.
27
Depois deste ritual ocorreram algumas dificuldades para ele participar de outros
rituais. O trino Raul Zelaya não reconhecia aqueles como Arcanos, pois como Michel Hanna,
o trino Sumanã, havia abdicado das forças de trino, ele não poderia tamm consagrar
Arcanos. A partir de então, os consagrados eram proibidos de comandar qualquer ritual
dentro do templo em que houvesse realização de emissão, pois, conforme Zelaya, esta não
traria força alguma.
De acordo com Santiago, quando ele participou de outro trabalho de tronos, a
entidade disse que ele precisava ter recebido aquela consagração. O Preto Velho explicou-lhe
que o ritual foi realizado, as energias foram movimentadas e hoje ele é um Arcano. Contou-
lhe ainda que Koatay 108, que seria o espírito da própria Tia Neiva, participara do ritual e
tinha ficado muito triste com tudo que aconteceu. Explicou-lhe tamm que ele precisava
mudar sua classificação de forças, pois iria precisar de toda esta energia mais pra frente.
Mais tarde ficou sabendo que ele teria que ajudar uma adepta rem inserida na doutrina e
que as energias que ela precisava movimentar eram tão fortes que apenas com a ajuda de
Santiago isso aconteceria. Disse-me que muitas vezes participou de escaladas e Abatás
53
com ela e que umas duas vezes a adepta havia escapado de ser assaltada no caminho que
fazia quando saía do Vale e voltava para casa. Ela é dium de incorporação e funcionária
da Caixa Econômica Federal. Sua condição espiritual era vista com cuidado pelo mestre
Santiago, afinal, enquanto ela assumia uma prio, seu pai morria vítima de um assalto. Por
isso, outra entidade contou-lhe que ele deveria aju-la o quanto fosse possível.
Mestre Santiago Caetano continua realizando diversos rituais. Os que ocorrem
dentro do templo, ele os desempenha com grandes restrições, afinal, tem de enfrentar
retaliações que vão desde olhares até impedimentos declarados quando ele se prepara para
participar de certos rituais. Isso tudo acontece por parte de adeptos que apóiam Raul Zelaya.
No entanto, tem conseguido participar dos tronos e Abatá
54
, sendo que este acontece do lado
de fora do templo. Disse até que costuma participar em cerca de 21 a 27 Abatás por semana.
Certa vez pude acompanhá-lo em um destes rituais. Pude perceber sua maneira de se
relacionar e de realizar um comando. Quando foi montado um Abatá, um mestre de um
templo externo de São Paulo, presente na fila do ritual, dirigiu uma pergunta aos mestres em
53
Ver glossário.
54
O ritual de Aba é realizado no meio da cidade do Vale do Amanhecer e tem a função de transformar forças
negativas, presentes sobretudo em encruzilhadas, em energias positivas. Os mestres devem sair a partir das
proximidades do Turigano em uma fila que deve conter em geral 5 pares de adeptos, sempre homens com
mulheres e médiuns de incorporação com doutrinador e se dirigirem à encruzilhada que desejarem. No local
determinado vão se disponibilizar em forma de uma elipse e todos, cada qual na sua vez, farão sua emissão e
canto.
28
geral. Santiago, comandante daquele Abatá, virou-se e respondeu com certa firmeza, o que o
mestre interpretou como sendo um modo agressivo de falar, por isso, reagiu. Santiago não se
perturbou e continuou explicando a pergunta, com mais amenidade. Enquanto se dirigiam
para a anodização, o mestre Ajanã
55
, que deveria ficar atrás de Santiago, foi para o terceiro
lugar na fila. No momento que pegariam o sal e o perfume, Santiago percebeu e corrigiu o
erro. Verifiquei que o mestre de São Paulo observou a situação, mas que não tinha percebido
o acontecido até aquele momento. Partiram então para a realização do ritual. Santiago foi
bem preciso nas palavras convidando as forças do Divino Mestre Lázaro
56
e de Ciganos
espirituais. No fim do ritual, o mestre paulista cumprimentou-o e disse que aprendera muito
naquele Abatá.
Santiago contou ainda outra história sobre um de seus Abatás. Em Maio de 2009,
ele ia participar de um no turno da manhã e, na sua fila, havia um mestre que costumava
persegui-lo dentro do templo, a mando do Raul Zelaya. Ele aproximou-se de Santiago,
porque seria o comandante do ritual, e solicitou-o para pedir por sua e que estava na UTI.
Santiago orientou-o para anotar em um papel o nome completo e a idade dela e, então,
partiram para a realização do ritual. Após abrir o Abatá e ter realizado sua emissão e canto,
Santiago começou a ler mentalmente o nome da mãe do rapaz, até o fim do Abatá.
Encerrado o ritual, o jovem agradeceu-lhe. Passado um tempo, no final da manhã o rapaz
foi até Santiago com bastante entusiasmo, abraçou-lhe e agradeceu-lhe muito, dizendo que
sua mãe tinha saído da UTI fazia uma hora, ou seja, ela estava tendo melhoras no momento
da realização do rito. Santiago atribuiu a cura à realização do ritual, não ao seu comando e
disse que o mestre parou de persegui-lo depois disso.
Contou-me ainda que participou de um Angical em Julho e que o espírito
responvel por sua condição esteve presente neste dia. Esta entidade contou que era o
responvel por tudo que ele vinha passando, por não ter amigos e por todas suas
dificuldades. Era este o espírito responvel por ele estar há mais de 10 anos na cidade do
Vale do Amanhecer. Neste dia Santiago conseguiu realizar a sua elevação
57
, acreditando que
sua condição teria melhoras.
Santiago Caetano não me contou o que aconteceu no seu passado de outras vidas
para merecer mais de 10 anos de perseguição. Apenas explicou-me em outros momentos que
um Preto Velho disse-lhe que ele tinha sido um General egípcio e que lutava com muita
55
Ver glossário.
56
Ver Glossário:Lego do Mestre Lázaro.
57
Ver glossário.
29
coragem na frente de todas as batalhas. Disse-lhe que sua grande qualidade era nunca tirar a
vida de ninguém estando em vantagem: se seu adversário caísse ele esperava-o levantar-se e
continuava sua luta. Santiago disse-me que vivera na França, no período da queda da
Bastilha, em Roma Antiga e tinha sido piloto intergactico.
Neste dias, estamos em Setembro de 2009, Santiago es tentando ir para um templo
externo. Ele recebeu algumas promessas de estadia de alguns presidentes de templos de
outros estados, principalmente quando teve a reunião no Vale do Amanhecer de Planaltina,
promovida por Gilberto Zelaya, mas não havia se decidido. Ele pensa nas dificuldades de
realizar os rituais em outros estados, onde os templos possuem poucos adeptos, mas disse
que não vai querer permanecer nesta perseguição, que deve piorar assim que acontecer a
nova consagração de Arcanos em 08 de Outubro de 2009, promovida por Raul Zelaya.
Disse-me que estava se preparando para ir a Teresina de Goiás.
Perguntei-lhe o que estava achando sobre o problema da queda do Michel em 2006.
Ele disse que ficou transtornado e que decidira deixar o Vale do Amanhecer e então,
resolveu conversar com os Pretos Velhos que disseram para ele se acalmar porque tudo o que
estava acontecendo estava programado. Acrescentaram que Santiago não poderia tomar
partido naquela história. Explicou-me que a Tia Neiva sempre dizia que os mestres do
Amanhecer não podiam se meter com potica, porque participaram de muitas guerras no
passado e poderiam correr risco de vida agora. Além do mais, ampliariam ainda mais seus
carmas. No entanto, neste caso específico, muitos outros mestres acreditam e, Santiago
partilha da mesma opinião, que a situação não deve permanecer como está, pois se continuar
assim a doutrina vai sofrer muito prejuízo. Muitas vezes, após ele falar sobre as perseguições
que sofria e sobre as que eso a acontecer, ele concluía: esse pessoal está brincando com
fogo. Explicou-me que em algum momento a espiritualidade deve tomar alguma
provincia.
A hisria de Santiago Caetano esclarece as inquietões de um adepto que procura
persistentemente solucionar dificuldades através da participação de rituais na condição de
um fiel. Ele explicou os rituais que preferia participar e a importância de estar durante aquele
momento morando dentro do Vale do Amanhecer: sua vida corria risco. Apenas a inserção
no mecanismo da doutrina e a atualização de suas forças mediúnicas, mediante participação
em consagrações e em ritos, poderiam protegê-lo e modificar suas dificuldades. Espíritos que
lhe cobravam poderiam ser mantidos a certa distância e elevados à medida que os rituais
eram realizados.
30
Importante colocar que o conceito de carma justificava inclusive a repetição de seus
problemas. Como ele foi um general epcio em seu passado mítico, muitos espíritos que
foram prejudicados por ele, cobravam suas mortes. Assim ele passava por dificuldades que
tinham de ser modificadas nos rituais.
Além do mais, devemos entender em seus relatos que o aumento de suas forças
mediúnicas, bem como o resultado da realização de alguns rituais, não implica em um avio
imediato de seus problemas, mas certamente pode implicar na elevação do espírito que o
cobrava. Porém, ao avaliar sua história de há dez anos ats, perceberemos que aconteceram
mudanças positivas em sua vida, afinal, antes ele precisava ficar definitivamente dentro da
cidade do Vale do Amanhecer. Mas a cada realização de algum ritual importante, ou a cada
obtenção de novas forças mediúnicas, novo obsculo surgia, novas dificuldades, novos
rituais tinham de ser realizados. Percebemos renovação de suas dificuldades, quando disse
que estaria livre para sair do Vale, mas logo retornou e nova missão foi passada a ele.
Podemos perceber também que, realmente, os rituais possuem eficácia, mas poucas coisas
acontecem imediatamente.
Sua história tamm permite-nos perceber a vivência que o mestre tem de todos os
problemas poticos que estão acontecendo: suas perseguições, as dificuldades para realizar
os rituais etc. Ao mesmo tempo, temos as mensagens que ele escuta pelas entidades sobre
sua identidade e as classificações que ele tem de receber. Embora Raul Zelaya não
considere nenhum Arcano consagrado pelo Michel Zelaya, Trino Sumanã, um verdadeiro
médium, as entidades valorizam-no, a ponto de passar missões para ele.
2.6. A Legitimidade dos Poderes
Apesar de os médiuns não deixarem de participar da doutrina, a grande maioria se
mostra insatisfeita com os acontecimentos recentes na ordem de sucessão do Vale do
Amanhecer. Tentei apresentar aqui apenas um breve esboço que considera a legitimidade de
poder na instituição.
No entanto, devemos compreender a quem de fato os adeptos se submetem. A fim
de resolverem seus problemas, os médiuns não consultam o Trino Triada Presidente, que
apenas toma decisões administrativas. Entretanto, se pensarmos que o grande interesse dos
31
rituais é o de transformar a condição emocional de cada um, que cada médium possui uma
mediunidade que precisa ser manipulada nos rituais e que a comunicação de um Preto Velho
iexplicar e ajudar a modificar a condição emocional do paciente ou do dium, então,
chegamos à conclusão de que o Trino e sua sorte pouco afetam o médium diretamente. Deste
modo, o Trino pode até mesmo procurar conciliações em caso de atritos ou agir com
persuasão, mas ele não expressará donio sobre o grupo. Situação semelhante é relatada na
sociedade Ndembu, quando Turner se refere sobre a função do chefe (Turner, 1996: 79).
Além do mais, o Preto Velho é quem explicará quais os rituais o médium deverá realizar, e
como ele deve agir no dia a dia. Como Taussig (1997) já chamava atenção, o êxtase possui
um poder de submissão e uma capacidade de exercer influência. Aqui, não pelo terror
desempenhado pelos espíritos, mas pela credibilidade da comunicação da entidade.
Além do mais, devemos levar em conta mais dois aspectos sicos que podem
justificar a motivação dos adeptos em vincularem-se mais aos rituais do Vale do Amanhecer
do que aos Trinos. A primeira questão talvez seja esclarecida, se levarmos em consideração
as qualidades de Tia Neiva na origem da doutrina do Vale do Amanhecer. A sua
clarividência e seus poderes mediúnicos permitia-lhe realizar atendimentos específicos a
cada paciente. Isto significava que ela englobava dois aspectos sociológicos de grande
importância. Primeiramente, podemos afirmar que Tia Neiva possa aquilo que Bailey dizia
ser algo mágico, que era seu carisma, grande atrativo sobre as pessoas (Bailey: 1998). Afinal,
ela era capaz de solucionar problemas de médiuns e de clientes. Além do mais, podia dar
explicações personalizadas. Devido à sua clarivincia, ela falava sobre situações de outras
vidas para poder explicar as dificuldades atuais para, em seguida, encaminhar pacientes ou
adeptos para os rituais adequados. Isto está de acordo com o que Bailey falou sobre Gandhi,
ao explicar o motivo do seu poder de coerção à massa indiana. Segundo o autor, Gandhi seria
como uma peça de colcha de retalhos, capaz de atrair diferentes interesses de diferentes
grupos. No entanto, com a morte da Tia Neiva, deixou de haver um der carismático como
ela. Mas os Pretos Velhos vinham exercendo papel semelhante desde antes da sua morte.
Além do mais, estas entidades espirituais o inúmeras, variando de acordo com o
quantitativo de médiuns de incorporação existentes. Eles agora substituem o líder
carismático, orientam médiuns ou pacientes e os conduzem aos rituais adequados. Isto
implica dizer que: as comunicações particulares que ocorriam à época da Tia, agora são
realizadas pelos Pretos Velhos. Além do mais, como as soluções dos problemas dos
pacientes ou dos adeptos seo encontradas tamm na participação dos ritos, isto implica
32
dizer que eles devem se manter institucionalizados para a obtenção da cura. Deste modo, não
há motivo ou motivação para adeptos ou pacientes terem contatos, ou se preocuparem muito
com a sorte dos Trinos, afinal, os ritos, em geral, são realizados com grande autonomia em
relação a eles.
Outro assunto que deve ser colocado é sobre a legitimidade do poder de Michel
Hanna, o 1º Mestre Sol Trino Sumanã, e o de Raul Zelaya, 1º Trino Herdeiro Ypoarã.
Quando Michel Hanna assumiu, ele destituiu de seus cargos, os quais estavam em
postos vitacios escolhidos pela própria Tia Neiva. Esta situação gerou um fato inusitado:
após suas mudanças os afastados passaram a odiá-lo e os que não tinham oportunidades
esperavam o momento correto para poderem realizar seus comandos. Além do mais, os
médiuns que não tinham um posicionamento potico na doutrina, entendiam que Hanna era
o escolhido pela Tia Neiva e poderia realizar suas escolhas.
Em meio à insatisfação criada pelos afastamentos dos médiuns que já realizavam os
mesmos rituais há mais de duas décadas, Raul Zelaya se sentiu com apoio necessário para
tentar acumular o cargo de presidente da doutrina e o de Trino Presidente Triada. Assim, ele
interditou o templo para pressionar a saída de Michel Hanna. Mas neste caso, provocou
insatisfão entre a grande maioria dos médiuns. Afinal, em mais de trinta anos, o templo
jamais havia sido fechado e, além do mais, Zelaya não tinha legitimidade para realizar tal
função. No entanto, ele é filho da Tia Neiva, Trino Herdeiro e Presidente da doutrina em
registros civis. Tudo isto motivou Zelaya a tentar tomar a frente do templo.
Temos que pensar nestes dois fatos considerando o desrespeito de ambos a uma
ordem tradicional. Os mestres que eso realizando certos rituais há mais de duas décadas e
que, empossados pela Tia Neiva, foram retirados por Michel Hanna, e o Trino que foi
colocado à frente da doutrina por leis estabelecidas pela clarividente, foi destitdo por Raul
Zelaya. Ou seja, foram timas de decisões que desconsideraram a tradição. Turner destacou
que a comunidade Ndembu teve conflitos que estavam em torno denormas, valores, crenças
e sentimentos‟ que envolviam o parentesco (Turner, 1996: 90). No Vale, as questões estão
associadas às mesmas condições, mas dentro das ordens tradicionais. Não nos esqueçamos
que qualquer alteração do que havia sido determinado pela clarividente, pode ter
repercussões espirituais e, por sua vez, na eficácia dos rituais. Este é um dos motivos de
alguns mestres estarem insatisfeitos com tal disputa.
No entanto, Michel Hanna e Raul Zelaya utilizam argumentos para que possam
receber apoio dos adeptos. O primeiro diz que ele foi colocado à frente da doutrina pela
33
clarividente. Já Raul diz que ele é o filho da clarividente e que Michel não estava respeitando
as determinações de sua mãe. Seus argumentos estão de alguma forma relacionados à
tradição.
Assim, podemos perceber que ambos, cada um por sua vez, apoiam ou desafiam o
sistema tradicional ao qual o Vale do Amanhecer esalicerçado. Michel Hanna, por ter
destitdo os comandantes perpétuos e, Raul Zelaya, por ter desafiado uma decisão da
clarividente. Deste modo, os adeptos aprovam um ou outro conforme os seus interesses
pessoais (Turner, 1996), pois esta sustentão vai determinar, em linhas gerais, sua
permissão em comandar certos rituais. Este tamm foi um aspecto considerado por Barth,
ao analisar a grande liberdade de membros da sociedade Pathans para realizar suas opções
políticas: (...) these choices represent the attempts of individuals to solve their own
problems (Barth, 1959: 4).
No entanto, lembremos que Raul Zelaya, o Trino Ypoarã, e Gilberto Zelaya, o Trino
Ajarã, criaram seus próprios estatutos para legalizarem, cada qual a seu modo, as suas
lideranças. Raul criou o estatuto da OSOEC e o Beto o CGTA. Estas duas situações
atualizam de alguma forma Victor Turner, afinal, o poder jurídico é acionado quando normas
ou valores sociais estão em conflitos. “It would seem, at the present stage of anthropological
enquiry, that jural machinery is employed when conflict between persons and groups is
couched in terms of an appeal by both contesting parties to a common norm, or, when norms
conflict, to a common frame of values which organize a society‟s norms into a hierarchy”
(Turner, 1996: 122).
Apesar de Michel Hanna não possuir uma mediunidade semelhante à da Tia Neiva,
ele, na condição de Trino, passa a receber forças que o capacitam na realização dos rituais. A
sua posição hierárquica assemelha-se a energias espirituais, havendo a mescla entre uma
escala política e outra espiritual. Gilberto e Raul Zelaya estariam na mesma situação
enquanto Trinos. Turner destacou condição semelhante na sociedade Ndembu, ao dizer que o
chefe do grupo tamm recebia poderes que eram capazes de provocar mazelas ou benesses,
conforme a qualidade de sua índole. “If the headman himself is a sorcerer, in Ndembu
belief, the village is in terrible danger, for it is thought that headmanship adds additional
power both for good and evil to what a man already has in the way of mystical
acquirements” (Turner, 1996: 112). No entanto, devemos entender que as benesses seriam
realizadas quando os Trinos ou os adeptos preservassem boas virtudes dentro e fora dos
34
rituais. Pom, conforme falamos anteriormente, se há atitudes que atrapalhem os objetivos
da espiritualidade, então, perigos podem ser gerados.
A disputa pela liderança da doutrina do Vale do Amanhecer tem demonstrado a
necessidade de convencer o adepto sobre a legitimidade de seus líderes. Baseiam-se, cada
qual, em algum fator referente à tradição da ordem para justificar suas permanências nos
postos. No entanto, ademais, tratam a doutrina como um conteúdo potico secular, pois
afinal, os trinos se amparam em apoios jurídicos e populares para se manterem enquanto
líderes.
No entanto, podemos perceber que a liderança é uma condição necessária ao Vale
do Amanhecer, mas não é imprescindível para o adepto ou para a realização de uma grande
maioria dos rituais. O Preto Velho, por exemplo, é quem recebe e avalia a condição do
paciente. rios ritos não exigem a presença do Trino, mas a doutrina exige sua exisncia,
não apenas para tomar decisões práticas, mas para que a distribuição hierquica esteja
completa. O der supremo é um elemento da estrutura que precisa existir, mas sua existência
no funcionamento drio dos rituais não é tão absoluta.
2.7. Similaridades iniciais com o Estado
2.7.1. O papel de alguns discursos no Vale do Amanhecer
Tentei mostrar até aqui que o topo da hierarquia do Vale do Amanhecer está em
profunda crise, devido a uma disputa sucessória. Esta questão deveria afetar profundamente a
doutrina do Vale do Amanhecer, no entanto, não é o que se observa, pois parece haver
discursos que protegem a instituição
58
.
O primeiro aspecto que parece isolar os médiuns do que está acontecendo é a de
que os jaguares não devem trabalhar com potica. Tia Neiva dizia, segundo os vários
médiuns, que era em razão da intensa vivência política dos adeptos em outras vidas, no papel
58
Observemos que embora tenha ocorrido uma redução do número de adeptos do templo mãe, nestes últimos
meses, eles não estão saindo do Vale do Amanhecer, estão apenas participando de rituais em outros templos da
mesma doutrina. Eles ainda permanecem na instituição e até mesmo participam de alguns rituais no templo mãe
quando assim decidem.
35
de governantes ou de guerreiros em diversos conflitos, que esses adeptos não poderiam lidar
com tais questões, para não despertarem antigas desavenças.
Além do mais, os mestres procuram manter um comportamento institucionalizado.
Conforme os adeptos, todos eles devem agir com “amor, tolerância e humildade. Isto
implica dizer que não devem participar de qualquer atrito. Esta tamm é uma atitude que
deve ser seguida fora do templo, mesmo no dia a dia, para que sejam mantidas as entidades
próximas de si. Outros autores falavam sobre a manutenção de padrões emocionais nas
práticas rituais. I previously referred to ritual‟s formalism as enabling the distancing‟ of
actors, and participation in it as engaging not raw emotions but „articulated‟ feelings and
gestures. (Tambiah, 1985: 146).
Inclusive, para preservar a qualidade dos rituais, o médium precisa estar
mediunizado. O que significa que ele necessita estar em um estado emocional afetuoso para
que sua mediunidade possa atrair entidades de luz, proteger-se e provocar curas. Lembremos
da história da Tia Neiva e da maneira como ela procurava se proteger das ameaças do
espírito E Sete Flechas, que citamos acima. Enquanto ela mantinha sentimentos de boas
virtudes estava protegida.
Os mestres tamm sabem da possibilidade de criar uma nova condição rmica
caso ajam de modo a provocar desejos de vinganças, desavenças ou prejzos de quaisquer
ordens.
Os adeptos, em geral, participam persistentemente dos rituais, porque necessitam
transformar suas difíceis condições. Para mudarem suas situações, sejam elas quais forem,
no aspecto social, econômico, sico etc, eles devem estar sempre manipulando suas energias
nos ritos. Na verdade, há alguns adeptos que não sentem necessidade de ter qualquer
envolvimento na potica da doutrina, a não ser que isso os afete diretamente. Lembremo-nos
que Bailey (1998: 208) e Turner (1996) já destacavam que são os interesses o que movem as
pessoas. No entanto, o dos praticantes, considerando certos parâmetros, estão relacionados
com a prática dos rituais e o seu bem-estar físico e emocional. Este é o grande argumento
pelo qual muitos entram e permanecem na instituição. Devemos recordar que Victor Turner
(2005:38), tão bem estudado por Peirano (1995:67), já salientava entre os Ndembu a
existência de pacientes atendidos em rituais religiosos, timas de aflições provocadas por
espíritos de parentes mortos. O Vale do Amanhecer atualiza esta condição. Assim, podemos
dizer que as afinidades dos adeptos com os espíritos sejam estes os de comunicação ou não
ou suas realizações individuais durante o desempenho dos ritos, associadas com as
36
necessidades de realizarem os mesmos para solucionarem suas dificuldades mediúnicas,
movem-os a participarem cada vez mais das atividades ritualísticas.
Além de tudo isso, muitos adeptos dizem que m ocorrido muitas mensagens que
reforçam a imporncia de não se envolverem nestes conflitos. Seu José, 63 anos, Presidente
de um templo externo, que não quis identificar, disse que Pai João de Enoch fez severas
recomendações para ele não tomar partido nestas discussões. Avalciara, 39 anos,
doutrinadora, disse que ouviu a mensagem do Ministro
59
Ypuena de Dezembro de 2008 e
atribuiu seus comenrios a uma premonição e alerta do que estava acontecendo agora em
2009.
A partir do primeiro dia de 2009, teremos uma sequência de fatos
desagradáveis, não só aqui dentro, como fora desses muros, tristes,
dolorosos por natureza, mas vos meus filhos, têm a obrigação de não
tomar partido. Eu não admito que nenhum de vos julgue e tome partido
de A, de B ou de C.
(mensagem de Ministro Ypuena, em 28 de Dezembro de 2008)
Ademais, quis compreender se não se preocupavam com o fato de que estava à
frente da doutrina uma pessoa que não respeitava a ordem de hierarquia deixada por Tia
Neiva, ou seja, será que ninguém, apesar de todas as orientações contrárias, não poderia se
preocupar com as energias originadas de umder aparentemente corrompido? O mestre
Ajanã Rildo, de 34 anos, comerciante, integrante da doutrina desde 12 anos contou-me que à
época da Tia Neiva, durante um retiro
60
, um senhor doutrinador chegou no início das
atividades e ficava sentado em um canto sem participar dos rituais. Como faltavam médiuns
em alguns setores de trabalho, reclamaram com a Tia Neiva e ela disse para deixarem-no
onde estava. No final dos rituais, Tia Neiva explicou que naquele dia as energias dos rituais
chegaram com intensidade peculiar, mas que não tinha sido através do Radar
61
, mas pelo
senhor que permanecia calado, afastado de todos. Marcos Antônio, contou-me que a primeira
de uma falange vinha passando por certas dificuldades e, por isso, algumas vezes fazia uso
de bebidas alcoólicas, mesmo sendo membro da doutrina
62
. Uma de suas integrantes
59
Ver glossário.
60
Um mestre realiza um retiro quando participa de rituais realizados no templo do Vale do Amanhecer, num
período que tem início das 09:45 horas, encerrando às 15:00 horas, o primeiro intercâmbio, e reinício 14:45
horas para terminar quando o comandante considera necessário o encerramento das atividades do templo.
61
Cf. acervo Tumarã, no tópico “radar”, o radar é o local dentro do templo onde permanecem os comandantes
encarregados de abrirem os trabalhos do templo. Também é onde flui a força harmonizadora resultado de todas
as forças em ação no templo.
62
Adeptos da doutrina não podem ingerir bebidas alcoólicas, para não prejudicarem a qualidade de sua
mediunidade, nem cruzarem corrente, ou seja, participarem do ritual de outras religiões.
37
reclamou desta situação com um Preto Velho que lhe respondeu que as forças continuavam
chegando e que não se preocupasse. No entanto, estas energias chegavam por intermédio de
outra pessoa. Fiz esta mesma pergunta em relação ao 1° de Maio
63
, ritual que foi realizado
por Raul Zelaya em 2009. Então Marcos Annio disse que as forças iriam chegar, mas
provavelmente através de outro médium.
Ou seja, na prática isto implica dizer que, surpreendentemente, diante de todos os
problemas enfrentados, os médiuns não estão se afastando da doutrina alguns até
participam mais dos ritos com a esperança de verem estas situações amenizadas.
2.7.2. Onculo do adepto ao Estado extraterreno
No entanto, como entender que a briga potica entre Raul Zelaya, Michel Hanna e
Gilberto Zelaya não afeta o aspecto mais sutil dos rituais, quando os ritos e os adeptos estão
intimamente vinculados a uma hierarquia e seu ápice parece estar corrompido?
Neste momento, devemos nos lembrar que os mestres são orientados para participar
de rituais de consagração de ministros
64
, cavaleiros ou guias missionárias, e reclassificação.
Isso, por si, implica em foas e protões para o adepto dentro e fora do templo. Não
podemos nos esquecer que tamm confiam muito nas orientações das entidades, como
tamm nas energias que os rituais proporcionam. Além do mais, os adeptos orientam-se
através de suas próprias intuições. Ou seja, os rituais proporcionam vários recursos aos
adeptos, não havendo a menor desconfiança quanto a este aparato. Deste modo, não se aplica
aqui a situão percebida por Bailey em relação aos seguidores de Gandhi. Lá eles tinham a
necessidade de um der (1998). No entanto, aqui, no Vale do Amanhecer, não há esta
necessidade. A liderança que cada qual segue está intimamente associada a suas condições
cármicas, por isso, preferem as orientações das entidades ou suas próprias intuições.
São tamm orientados a confiarem nas forças avassaladoras provenientes do
Estado extraterreno, que corrige injustiças e desrespeitos contra o sistema do Vale do
63
O ritual de 1° de Maio é realizado no solar dos médiuns para comemorar o dia do doutrinador. Neste dia
comparecem médiuns de todo o ps e a cidade do Vale do Amanhecer fica lotada, chegando à ordem de dezenas
de milhares de médiuns
64
Ver glossário.
38
Amanhecer. Chapanã, o Cavaleiro da Lança Negra, significa a tgica decio final contra
incorrigíveis opressores.
Podemos concluir, portanto, que o adepto do Vale do Amanhecer é preparado para a
alienação dos problemas poticos doutrinários. Existem diversas orientações para mantê-los
afastados de obstáculos tão fundamentais para sua condição de médium. Ao mesmo tempo em
que ele é orientado, a cada momento de sua iniciação
65
, para confiar nas suas próprias armas,
que são suas energias, entidades de defesas, orientações e intuições. O adepto é atraído cada
vez mais para a sua função de médium, tendo a obrigação de se ausentar, devido à exisncia
de um certo tabu, dos conflitos presentes, principalmente dentro da doutrina. As suas forças
o geradas conforme sua participação nas da estrutura da instituição. Portanto, se por um
lado o adepto aparenta-se alienado, por outro, ele é fiel ao Estado extraterreno e às
determinações provenientes dos que mais próximos eso de Pai Seta Branca: os Pretos
Velhos.
65
Ver glossário.
39
CAPÍTULO II
3. Preparação dos adeptos e desempenho nos rituais
O interesse deste capítulo é de falar sobre os rituais. Para este fim, foi abordado o
seu significado tico, considerando seus valores no aspecto da transformação social e do
conflito, conforme seus principais heróis. Esta abordagem é complementada ainda com um
enfoque sobre o conceito do Vale do Amanhecer e sua imprescindível relação com a
ufologia, pois assim pode-se entender o significado do próprio adepto dentro da instituição.
Ademais, apenas torna-se compreensível a importância da hierarquia do médium, o
significado de suas foas e a complexidade para a realização dos rituais, quando é
observado o processo de formação do adepto. Para estabelecer uma ligação entre mito,
conceito, hierarquia e rito, acompanhamos a realização de diversos rituais em um dos dias
de funcionamento do Vale do Amanhecer e o julgamento de uma adepta.
3.1. O mito original
O mito que se refere à origem do Vale do Amanhecer está associado à ocupação
do planeta terra. Esta ocorrência teria sido há 32.000 anos atrás, com a vinda do primeiro
povo de Capela: os Equitumans. Capela é o planeta de onde vieram todos os povos que
habitaram este mundo. Os Equitumans povoaram os Andes. São descritos como imortais pela
sua extrema resistência e força sica. Sua função era a de efetuar mudanças no planeta Terra,
na topografia e na fauna, detendo técnicas para isto como a de forjar o metal -, a fim de
receberem novas civilizações. Com o tempo, afastaram-se do plano inicial, tornaram-se
muito hostis, chegando a desobedecer algumas ordens dos próprios deuses. Foram perdendo
sua superioridade inicial, aserem completamente destrdos, 2000 anos depois, pela nave
extraterrestre gigante chamada Estrela Candente, a qual formou o Lago Titicaca no
momento da destruição daquele povo. Esta era uma nave de Capela, sendo chefiada por
Seta Branca‟, quem decidiu a origem e o fim dos Equitumans. Depois disso, alguns
40
representantes deste povo formaram falanges
66
no Vale Negro, opondo-se contra Pai Seta
Branca e contra o Amanhecer.
Há 30.000 ou 25.000 anos atrás vieram os Tumuchys. Eram descritos como
amantes da arte e da ciência, além de serem belos e poder viver até 200 anos. Dominavam a
técnica de obtenção de energias do nosso planeta e de fora dele e eram capazes de manipulá-
las. Estas manipulações eram realizadas por “usinas de integração e reintegração de
energias e sua intenção era a de preparar esta terra para a vinda de uma nova civilização
(Salgueiro, 2000:8). A estes povos eso associadas as construções de pirâmides, bem como
o domínio da “manipulão de energia atômica (Cavalcante, 2000:51). Habitaram tamm a
região da Ilha de Páscoa, a qual foi inundada pelo mar, quando terminou o período deste
povo na terra (Ibid:51).
Há 20.000 anos ats vieram para a terra os Jaguares, que tiveram a finalidade de
modificar as forças sociais. Eles foram bem mais numerosos que os anteriores e originaram
vários povos antigos. Estes permaneceram então na terra, e passaram a encarnar‟ entre os
povos que formaram, até perderem suas características iniciais. Estiveram entre Chineses,
Caldeus, Assírios, Persas, Hititas, Fenícios, Dórios, Incas, Astecas etc (Sassi, 1979:40). A
este período tamm está associado o fato histórico da revolução francesa. Os Jaguares
ainda estão no planeta Terra e passaram por diferentes encarnações. Em uma delas eles
assumiram um compromisso na Lei do Perdãono período de Cristo. Em outras, nasceram
como escravos no Brasil colonial, para superarem oscarmas‟ adquiridos quando foram reis,
nobres ou guerreiros. Voltaram para o Planeta Capela após transcenderem esta condição, o
que foi obtido por alguns nas encarnações de escravos, ou por outros nas de mestres do
Vale do Amanhecer. Assim, neste mesmo contexto, o objetivo destes últimos é alcançar a
redenção através dos trabalhos espirituais. Além disso, o quotidiano sofrido por cada qual,
ajuda-os nessa superação das condições cármicas.
A figura de Pai Seta Branca esrelacionada ao passado do Vale do Amanhecer,
nas hisrias dos ts povos citados (Salgueiro, 2000: 9). O fato histórico-tico de maior
destaque foi o de ter combatido os espanhóis sem qualquer derramamento de sangue, no
culo XVI. Ele não sujou a seta de sua flecha quando era um cacique nos Andes e os
espanhóis invadiam o território de seu povo. Pai Seta Branca realizou um “ritual iniciático,
com a utilização de sua flecha, captando energias cósmicas para apaziguar os espanhóis
66
Ver glossário.
41
(ibid:9). Após tal rito ele realizou uma negociação bem sucedida com o povo invasor. A tudo
isto se soma a sua encarnão de Francisco de Assis, o que o associa aos conceitos de perdão
de Jesus Cristo. Por isso ele é, como disse a Salgueiro (Ibid:9), o ancestral tico e mentor
espiritual máximo da doutrina”.
Como poder-se-ia falar sobre religião, sem fazer algum comentário sobre o mito?
Malinowski chama a atenção sobre ambos, quando diz que existe um paralelismo estreito e
direto entre, por um lado, as relações homem-espírito, evidenciado nas atuais crenças e
experiências religiosas e, por outro, os vários incidentes do mito (1984:139). Desta forma,
quando Malinowski fala sobre mito, ele faz uma refencia à relação social. Com base nisto,
ele divide os mitos de acordo com sua função, concluindo haver três tipos deles: mitos de
origem, de morte e de repetição do ciclo de vida e de magia. No resultado final, percebe que
o mito reforça e prestigia a tradição dando uma realidade sobrenatural aos acontecimentos;
ainda à realidade um significado pretérito de valor moral, de ordem sociogica e de
crença mágica. Durkheim analisa os grupos totêmicos ou justifica a utilidade dos ritos
totêmicos, em relação a algum animal, objeto ou vegetal específico, através de descrições de
mitos. No entanto, apesar de os mitos incentivarem um comportamento social, muitas vezes
rigoroso, ele não justifica alguns comportamentos dinâmicos e atualizados, o que torna a
análise sobre os mitos importante em alguns aspectos, mas não determinante, por não
explicar todas as atitudes de crenças ou de experiências religiosas. Ou seja, há uma relação
entre mito, religião e comportamento social, mas a descrição da dinâmica social não deve se
prender aos mitos a fim de que se tenha tamm a análise das relações sociais mais
atualizadas.
A origem tica do Vale do Amanhecer mostra uma peculiaridade comum às três
histórias, às quais incluo a figura de Pai Seta Branca. Todos os povos citados, os
Equitumans, os Tumuchys e os Jaguares o associados a um qualificativo de
“modificadores, ou a possuir aspectos que permitam tal condição. Os primeiros possam
técnicas materiais para tal finalidade. Os segundos, os Tumuchys, estão associados à
capacidade de manipulação de energia, tanto de potencial atômico, quanto à cósmica,
relativa às pirâmides. Finalmente aos Jaguares esrelacionada a capacidade de mudança
social. Tal particularidade ainda inclui Pai Seta Branca, que tem sua história associada aos
três povos, quando o mesmo faz um ritual iniciático a fim de não combater os espanhóis,
utilizando energias smicas para impedir a morte de seu povo fato que está na ordem da
mudança social. Este discurso permite reforçar o mesmo significado dos rituais do Vale do
42
Amanhecer, no aspecto da manipulação de energias, ou de assistência social no âmbito
espiritual, vinculando a tudo isto a figura de Pai Seta Branca, o mentor que utilizou esta
técnica quando necessária. “Todo o trabalho do Vale é com base na cnica de manipulação
de energias (Sassi, 1999:17). O Vale proporciona apenas assistência espiritual que às
pessoas a oportunidade de se reequilibrar e se readaptar ao meio (Ibid:30).
Deste modo, tem-se que o mito do Vale do Amanhecer cumpre as observações de
Malinowski e Durkheim. O mito de origem estará reforçando e prestigiando o significado
das manipulações de energias nas práticas da doutrina, dando-lhes um caráter sobrenatural.
Estes qualificativos são amplificados quando relacionados aos grandes mistérios do universo,
como às ruínas andinas e às da Ilha de Páscoa. Além do mais, os ritos praticados são
justificados e têm sua importância reforçada pelo caráter de anterioridade do mito. A
responsabilidade, a disposição nos trabalhos espirituais, o respeito e a atitude o tamm
justificados pelo mito de origem. As figuras dos cultos, a prática dos rituais, o valor do grupo
e até a hierarquia na doutrina, hoje, são legitimados pelo mito.
Penso ser interessante destacar aqui, algumas características que serão retomadas
mais adiante. Uma delas é que os povos que deram origem ao Vale do Amanhecer são
descritos como os que estão chegando a uma região meio inóspita ou a uma região que tem
uma população rude, que necessita sofrer um processo evolutivo. Sua função é a de
contribuir para a evolução destes grupos e destas regiões.
Devemos destacar ainda que os Equitumans, os Jaguares e até mesmo Pai Seta
Branca estão relacionados a uma peculiaridade: mostram o enfrentamento de uma ordem
social contra outra. Os primeiros tentaram derrubar o grupo extraterrestre que lhe deu
origem, por isso foram destrdos. Os Jaguares, além de terem sido relacionados a algumas
guerras - pois o histórico dos povos fenícios, caldeus, entre outros, são referidos a estes fatos
nos próprios rituais são associados à revolução francesa, fato histórico que resultou na
derrubada do rei e na ascensão da burguesia. Pai Seta Branca anulou a invasão espanhola
por meio da realização de um ritual, sem a utilização de armas, mas da magia e negociação.
Podemos então destacar Gluckman (1952), no seu texto Rituais de Rebelião no Sudeste da
África‟, em que descreve ritos que apresentam uma encenação de um conflito. Nossos mitos
tamm demonstram combates.
43
3.2. Surge a Necessidade de um Breve Conceito:
Devemos lembrar que o Vale do Amanhecer não é apenas um templo, mas uma
comunidade que era formada originalmente por adeptos da doutrina e que hoje possui cerca
de 22.000 habitantes. Além do mais, muitos que moram lá, nem fazem parte da instituição.
O principal objetivo do Vale do Amanhecer é realizar curas de pacientes, de
médiuns e do planeta por intermédio de suas desobsessões. Isto quer dizer que espíritos
obsessores aqueles que estão vagando pelo planeta - seo enviados para seus planos
espirituais adequados.
No entanto, devemos compreender outras peculiaridades. O já falecido Trino
Arakén, mestre Nestor Sabatovicz, destacou que esta doutrina é o que alguns chamam de
religião extraterrestre e que Pai Seta Branca é o comandante deste povo.
Além do mais, a grande preocupação da doutrina do Vale do Amanhecer está em
impedir a realização dos planos de alguns grupos. Os do Vale das Sombras
67
e os do Vale
Negro, por exemplo, querem destruir o Vale do Amanhecer, instituição que objetiva a
transformão e elevação destes espíritos.
Desta forma, a fim de se proteger e agir contra estes grupos e contra espíritos
cobradores, o Vale do Amanhecer se organiza como se fosse um agrupamento militar da
Antiguidade. Ou seja, possui uma hierarquia e um desempenho peculiar nos rituais, que
lembram tal condição. O momento mais peculiar se nas manhãs, sobretudo no Domingo,
quando os médiuns se organizam em diversas filas de pares de cinco pessoas, que no horário
das 10:00 horas se dispersam em diferentes cruzamentos, para a realização de Abatás. Ou
nos dias das Imantrações, quando caminham em toda a cidade do Vale do Amanhecer,
dispostos com lanças ou comandantes para levar mantras e trazer espíritos que deverão ser
elevados. Ou nos principais rituais, onde são organizadas cortes, com roupas próprias, lanças
e um comandante do ritual.
Além do mais, segundo o radialista Vladimir de Carvalho, falecido em 2007, o Vale
do Amanhecer é uma ciência que visa a transformação da condição do planeta, dos pacientes,
dos médiuns e dos espíritos pela manipulação de energias nos rituais. Por isso, os adeptos
o considerados cientistas. Deste modo, a doutrina estaria conciliando a cosmovisão
ocidental moderna (...) “com visões de mundo tradicionais” (Carvalho, 1991: 12).
67
Ver glossário.
44
Por outro lado, os rituais e a condição dos mestres dependem de um passado
imaterial. O Turigano, por exemplo, é a encenação de um fato da Grécia Antiga. Já a
condição dos adeptos está inclinada conforme o seu passado mítico-cosmogico
68
e o
resultado de suas relações sociais destas épocas.
Deste modo, acredito que o Vale do Amanhecer seja uma doutrina extraterrena que
se baseia na manipulação de energias para a desobsessão e a transformação do planeta, do
médium e de pacientes. Baseia-se na crença de vida após a morte e numa biografia mítica
que afeta as pessoas vivas. Organiza-se de modo a manter certas hierarquias de comando do
passado, em níveis burocráticos que se assemelham a divies militares da Antiguidade
preparadas para combates contra inimigos tamm organizados.
3.3. Inserção
A maneira mais ditica para compreendermos a inserção dos adeptos no conjunto
de foas cosmológicas institucionais, bem como a desconstrução e reconstrução de suas
personalidades, é verificarmos o trajeto do médium durante sua preparação mediúnica. Cada
estágio de sua formação representa a condição de participação em novos rituais e novas
forças passam a fazer parte de seu caráter.
Assim, resolvi explicar a maneira como adeptos e pacientes m os seus primeiros
contados com a doutrina, qual seria a porta de entrada para a participação dos trabalhos
enquanto não-adepto e quais seriam os primeiros passos para a inserção na doutrina.
68
Os adeptos e até mesmo a doutrina possuem uma relão com o passado de outras vidas. Considerando que os
fiéis estão reencarnados porque provocaram desavenças em vidas anteriores, o vínculo com este passado nunca
deixou de existir. Como há uma semelhaa entre este passado imaterial e as origens míticas de uma nação, creio
que posso chamar este passado individual de tico também. Ademais, este passado tico tem relação com a
cosmologia da instituição, pois refere-se ao passado de batalhas, referentes a lugares já institucionalizados, como
a França da revolução, Egito etc. Desse modo, pensei, por bem, chamar este passado de passado tico-
cosmológico.
45
3.3.1. Entrando para a doutrina: passos iniciais
A doutrina do Vale do Amanhecer oferece vários trabalhos espirituais para a
sociedade. Dentre estes, há dois rituais de comunicação que funcionam como uma atividade
de consulta para qualquer um que queira alguma orientação sobre sua própria condição. Além
destes, há outros rituais que visam auxiliar na cura do paciente.
O primeiro é o trabalho de Alabá, que atende qualquer um que venha ao templo
durante o período de lua cheia
69
e que tenha interesse em conversar com Pretos Velhos. Este é
realizado no pátio da doutrina. Nestas noites, o Vale recebe várias pessoas de diversas idades,
desde crianças, jovens, até idosos.
Outra forma de uma pessoa vir a conversar com os Pretos Velhos, seno trabalho
de trono. Este ritual ocorre dentro do templo, em um aparato de 42 bancos onde se sentam
médiuns de incorporação e pacientes, devidamente observados por médiuns doutrinadores que
devem acompanhar seus respectivos incorporadores. Este trabalho tenciona prestar um
atendimento a pessoas que tenham alguma dificuldade: de recursos financeiros, de saúde, na
família entre outras. Muitas são orientadas a participar em outros rituais, que em geral, são os
de cura
70
, de Junção
71
, de Indução
72
, de Linha de Passe
73
e de Defumação
74
. Além do mais, o
Preto Velho pode vir a retirar algum espírito ou energias negativas que estejam
acompanhando pacientes ou doutrinadores do trabalho são as incorporações de espíritos
sofredores. Este espírito, pelo auxílio do doutrinador, será levado para alguma instituição
espiritual, que são chamadas de casas transitórias, sendo que a mais conhecida é a de
Mayante. No trabalho de trono, pacientes e doutrinadores podem tamm receber diversas
orientações sobre seu dia a dia. Alguns pacientes podeo receber convites para entrar na
doutrina, porque seus problemas são justificados pela falta de trabalhos mediúnicos. Ou seja,
69
Este ritual é realizado durante o período de 7 dias, sendo 3 antes e 3 após a data da lua cheia, durante o horário
de 18:00h às 20:00h.
70
Ver glossário.
71
Ver glossário.
72
Ver glossário.
73
Ver glossário.
74
Ver glossário.
46
as atividades na doutrina se estruturam conforme a crença de que há espíritos que atuam em
pessoas vivas, de que estes espíritos podem ser conduzidos, de que há outros lugares fora
deste plano ou fora desta dimensão e de que é possível levar à cura destas pessoas, tanto no
aspecto sico quanto no espiritual, além do que, a pessoa pode receber energias apraveis ou
perdê-las, ou receber correntes negativas.
3.3.2. Primeiras aulas
A partir do momento em que o nfito decide ser inserido na doutrina, ele deve
dirigir-se ao templo, munido de autorizão previamente fornecida pela instituição, a fim de
participar de um teste de mediunidade. Isto consiste em, juntamente com outros na mesma
condição, submeter-se a um convite de entidade, para verificar se ele incorpora. Esta situação
passa a contribuir para uma nova identidade da pessoa enquanto adepta. Caso incorpore, o
iniciante participará de aulas que o auxiliarão a controlar sua incorporação, o que implica
dizer que ele poderá incorporar e realizar comunicações. Enquanto o doutrinador participará
de outras aulas, sendo orientado a sempre manter a sua atenção. Aprenderá a participar dos
rituais, sobretudo os que são realizados dentro do templo.
3.3.3. Preparação e identidade
Passado o teste, os neófitos vão continuar a preparação que deve durar em torno
de dois anos. Ela visa a dar condições ao apará
75
ou ao doutrinador a realizar os rituais do
templo, bem como tem o objetivo de identificar nomes de mentores, ou atividades rituais de
maior afinidade dentre os tantos que o indiduo pode participar. A cada curso o indivíduo
assume mais uma identidade que pode ser em nível individual ou social.
75
Ver glossário.
47
As primeiras aulas são as do Curso Básico. Os alunos são preparados para se
tornar aptos a realizar os trabalhos do templo, como os de Trono, de Cura, de Indução, de
Junção, de Linha de Passe entre outros. Cada trabalho tem uma característica específica de
auxílio. Ou seja, em pouco tempo o aluno já esta assumindo algumas responsabilidades
dentro da instituição (em torno de 4 meses), caso não perca muitas aulas. Encerrado o período
de aulas, o aluno chega ao estágio do emplacamento, quando o apará deverá mostrar sua
incorporão tendo prontamente o nome de seus mentores: Preto(a) Velho(a), Caboclo(a) e
Médico(a)
76
de Cura. Enquanto os alunos doutrinadores escolherão, conforme afinidade, o
nome de sua Princesa
77
(mentora de proteção) que é uma dentre três: Jurema, Janaína e
Iracema.
O segundo período, composto por apenas três aulas, é o momento em que todos
juntos seo preparados para a inicião. Em geral, os alunos o instrdos para não falar
sobre o que acontecerá, por não saberem muito bem e para manter o mistério desta etapa.
Aparás e doutrinadores terão cada qual a sua iniciação específica, realizada separadamente
em um lugar especial, isolado para esta finalidade. Eles serão marcados com espada espiritual
no plexo solar (região localizada na altura do estômago). O incentivo destas aulas está na
participação no ritual secreto ao qual terão acesso, além do conjunto de forças com as quais
terão que lidar. Além do mais, a cosmologia da doutrina afirma que este corte espiritual os
faser reconhecidos e respeitados no mundo espiritual. Passada a inicião, os fiéis poderão
participar do ritual de Seso Branca.
Após a freqncia destas aulas, o aluno tem o direito de assistir ao curso de
Elevação de Espada, que compreende um total de 7 aulas, sem que haja distinção entre os
alunos, em gênero e mediunidade (apará e doutrinador). Neste momento os alunos
aprenderão qual a relão existente entre os trabalhos que eles passam a exercer no templo,
sua função e modo de funcionamento no plano espiritual. Ao final do curso passarão por um
segundo ritual de iniciação, chamado de elevação de espadas
78
, quando poderão usar
indumentárias diferentes, como as capas (os homens) e as indumentárias de ninfas
79
(as
mulheres). Poderão tamm participar de novos trabalhos e receberão novas classificações.
Passarão a conhecer a sua falange de mestrado, que varia numericamente entre 10 a 15, com
76
Ver glossário.
77
Ver glossário.
78
Ver glossário.
79
Ver glossário.
48
denominações diferentes cada (sublimação, ascensão, cruzada, solar, redenção, sacramento,
unificação etc). As falanges de mestrado são grupos de contextualização espiritual. Os
adeptos apenas saberão a qual Falange de Mestrado pertencem, no momento da segunda
iniciação, após a realização do ritual dos Devas. Antes, estas identificações eram feitas por
Tia Neiva. Este curso envolve um novo valor social, que os distingue da sua condição
anterior. Tamm está associado a um prestígio intelectual, a uma nova classificação e a um
novo protetor espiritual particular o mentor da falange de mestrado. Tudo isso envolve
novos rituais e expectativas.
Os alunos adquirem agora o direito de participar do curso de Centúria
80
, realizado
durante sete Quintas-feiras, às 22:00 horas. Nestas aulas são ministrados novos conceitos da
doutrina (Chakras
81
, Carma, Charme
82
, missão) ou falam sobre a organização social do
mundo espiritual e sobre os comportamentos de novos personagens. No final deste curso, os
alunos recebem uma pequena insígnia para colocar no colete, que se chama Radar,
distinguindo-os do período anterior. Escolherão dois adjuntos, a cujos povos passao a
pertencer. No entanto, um destes será o de maior interesse. Ou escolherão um adjunto e uma
falange. Dentro do Vale do Amanhecer de Planaltina há cerca de 15 adjuntos que possuem
povo, aos quais os alunos pertencerão para participar de atividades com eles (trabalho de
estrela, retiros, viagens etc). Os adjuntos recebem o nome de seus Ministros, que são mentores
espirituais com roupagens de cavaleiros. Todos os alunos que terminam o curso irão conhecer
o povo espiritual a qual pertencem (são mais de cinquenta povos, cada qual com sua história
particular), por ritual realizado pelos Devas. Antes, esta escolha era feita por Tia Neiva, em
razão de sua clarividência. Escolherão no final deste curso mais um outro mentor. Os homens
escolhem um dentre dois (Reili ou Dubali) e as mulheres tamm um dentre outros dois
(Doragana ou Sabarana). Farão tamm a opção entre turnos de trabalhos preferidos (Trono,
Indução, Junção, organização dos templos externos, tesouraria), ou seja, optam por um
trabalho preferido, o que não os impede de participar de outros tamm. Há pessoas que
realizam sempre um mesmo trabalho há mais de vinte e cinco anos. Depois os alunos fazem
uma outra opção, que será a da estrela (Gestas, Amantes, Gestais mais ou menos dez). Neste
curso, alguns comentam que é apresentado a eles um outro mundo. Deste modo, este curso se
destaca pelo conhecimento que os alunos adquirem, além das indumentárias (uso de capas,
80
Ver glossário.
81
Ver glossário.
82
Ver glossário.
49
vestidos de ninfas e de falanges) e das novas classificações que significam novas forças.
Agora os adeptos são chamados de Centuriões.
Após este curso, o médium recebe outras forças. Como Centurião, o adepto
recebe classificações de forças que são modificadas de tempo em tempo, conforme ritual
desempenhado. Por exemplo, o doutrinador logo que termina o curso é um 7° Raio
Autorizado Taumantes Raio Rama Adjuração, alguns anos depois Adjunto Regente Koatay
108 Taumantes Raio Rama Adjuração, mais tarde Adjunto Koatay 108 Triada Harpásios
Raio Rama Adjuraçãoe finalmente Adjunto Koatay 108 Herdeiro Triada Harpásios Raio
Adjuração Rama 2000. O Médium de incorporação será Yurê Raio Autorizado
Cautanenses Raio Rama Ajanã, depois 5° YuAdjunto Regente Cautanenses Raio Rama
Ajanã, mais tarde Yurê Adjunto Koatay 108 Cautanenses Raio Rama Ajanã, em seguida
5° Yurê Adjunto Koatay 108 Cautanenses Raio Ajanã Rama 2000 e, por fim, “ Yurê
Adjunto Koatay 108 Vancares Raio Ajanã Rama 2000. Cada classificação apenas pode ser
obtida a partir de um tempo de permanência em cada força e para conseguir a próxima é
necessária a participação em um ritual de classificação realizado pelos Devas. A partir da
primeira força até a última podem levar cerca de cinco anos de doutrina. As ninfas receberão
estrelas. As médiuns de incorporação terão uma dentre as seguintes: Acelos, Ceanes, Xénios,
Gestaes e Mântios. As doutrinadoras também teo uma destas: Vanulos, Gestas, Geiras e
Teizes. Deste modo, depois do curso de Centúria as ninfas
83
apenas recebem as classificações
de estrelas, não passando por estágios de classificações de forças.
A conclusão do curso de Centúria implica tamm no recebimento da emissão.
Segundo o acervo Tumarã, a emissão é o canto de nossa procedência. Para que o médium
receba as forças adequadas para a realização de alguns rituais Quadrante, Abatá, abertura de
trabalho etc -, ou seja, em conformidade com suas condições espirituais e com as
necessidades do rito, ele deve abrir um canal por onde as forças fluem. Este mecanismo é
disponibilizado por intermédio da fala de um código hierárquico”, uma espécie de revelação
individual, que é ouvida em outras dimensões, permitindo conectá-lo à “Espiritualidade
Maior, através de um movimento de foas gerado durante este procedimento.
A fim de entendermos o que é uma emissão, apresento basicamente a de um
médium doutrinador com os espaços vazios de onde são disponibilizadas as nomenclaturas
das forças. Assim temos:
83
As adeptas são genericamente chamadas na doutrina de ninfas, enquanto os médiuns são chamados de
jaguares.
50
Eu, jaguar
84
mestre (luz ou sol)
85
, da falange de (nome da falange de
mestrado fornecida pelos Devas), povo de (nomenclatura do povo, fornecida
pelos Devas), (nome da nomenclatura da falange missionária, escolhida pelo
adepto). Do adjunto (nome da entidade espiritual e de um dos dois primeiros
mestres Devas que o representa, escolhido pelo adepto), (vindo do sétimo
Raio)
86
na ordem do ministro (nome de um dos adjuntos espirituais
escolhidos pelo adepto, juntamente com o nome de seu representante). Eu,
Adjunto (nome do Ministro do adepto, espécie de entidade espiritual,
fornecido pelos Devas em ritual de consagração de ministro), (nome da
classificação de força do adepto, fornecida em ritual de classificão”),
mestre (nome do adepto). Com os poderes de Olorum, na linha deste
Amanhecer, tenho meu Deus e ministro Obatalá, que me rege e me guarda
no caminho desta jornada. Acabo de receber de Deus Pai todo Poderoso, na
minha legião, o título de mestre instrutor universal das três forças ligadas aos
poderes deste Amanhecer. Subi ao Reino de Jurema e estou na continuação
desta jornada para o Terceiro Milênio. Emite Jesus, deixe que as forças se
desloquem ao meu plexo. Sou um Cavaleiro Verde, Cavaleiro especial,
venho na força decrescente, do primeiro Cavaleiro da lança (nome de
Cavaleiro, entidade de protão do adepto, fornecida em ritual de
consagração de cavaleiro) verda Anday, // (lê-se: barra-barra), Reino
Central, turno (Reili ou Dubali, nome de entidades, escolhidas por adepto).
Na esperança de alimentar meu sol interior, na grandeza que me fez
cavaleiro do turno (nome de ritual de maior satisfação para o adepto,
escolhido por ele mesmo), partirei nos três reinos de minha natureza, com -
0- (lê-se:barra-zero-barra), do meu Terceiro Sétimo, no 5° ciclo iniciático,
seguirei sempre, com -0-// (barra-zero-barra-barra-barra) em Cristo Jesus,
Salve Deus”.
Como podemos perceber as classificações, as entidades e as hierarquias fazem
parte de um conjunto de forças que identificam o adepto e permite sua participação nos
rituais. O complexo da hierarquia do adepto é uma espécie de mecanismo de forças que
funciona como uma espécie de arma durante a realização dos rituais. Ele deve falar esta
emissão sem erro, para que não atrapalhe o movimento das forças que o auxiliarão no
desempenho dos ritos.
O último e o mais dicil curso é o de Sétimo raio. Não são feitas novas
classificações, ou não são utilizadas novas indumentárias. Ao final do curso, de duração de 9
meses, nas Quintas-Feiras alternadas, os alunos ninfas e jaguares - recebem um símbolo
dourado para usar no colete, o que fará a distinção entre os que não fizeram o curso. Este é
84
Conforme os adeptos, todos os médiuns são considerados jaguares devido a suas persistências e disposição em
lidar com seuscarmas‟, ou seja, com suas repetitivas dificuldades.
85
O mestre luz pode realizar o comando de rituais, enquanto o mestre sol não pode. Esta classificação é
fornecida pelos mestres Devas.
86
O adepto poderá dizer vindo do sétimo Raio”, depois de obtida a classificação de “Adju nto Koatay 108
Herdeiro Triada Harpásios Raio Adjuração Rama 2000.
51
ainda mais técnico, tendo um conjunto de histórias a seu respeito. Marcos Antônio contou que
Tia Neiva recebeu durante um período de mais de cinco anos, uma vez por semana, aulas
ministradas pelo espírito vivo do tibetano Umahã, que duravam mais de quatro horas. Antes
de morrer, quem dava esta aula era Nestor Sabatovicz, tendo sido preparado por mais de cinco
anos pela clarividente, Koatay 108, Tia Neiva. Este curso é um pouco difícil de ser
acompanhado porque não é oferecido em todos os anos e deve ter a participação de um
número nimo de aulas. Hoje quem ministra este curso é o adjunto Ypoarã, mestre Raul
Zelaya, auxiliado por outros doutrinadores antigos na doutrina. Destaca-se ainda que apenas
os médiuns masculinos que fizeram o curso de Sétimo Raio, poderão ser um Arcano, o que é
uma classificação hierárquica importante dentro do Vale, estando abaixo apenas dos Trinos,
os mesmos que os escolhem. Apenas depois do curso de Sétimo Raio os adeptos podem
participar do ritual de Milenar.
Caso queiram, os adeptos podem optar por pertencer a uma dentre as 22 falanges
missionárias existentes (20 femininas e 2 masculinas). Elas distinguem-se entre si por seus
mitos e suas indumentárias, as quais possuem cores e símbolos específicos. Cada uma es
vinculada a um ritual adequado, devendo organizar-se para cumprir as escalas destes a cada
semana ou a cada mês. Alguns adeptos escolhem suas falanges baseados nos amigos que já
conhecem e que pertencem a uma em particular. outros que fazem esta opção baseando-se
em orientações de entidades, ou outros que preferem fazer uma escolha baseando-se em
sonhos.
3.4. Panorama Geral dos rituais e julgamento de Graciara
Eu precisava realizar algumas observações etnográficas para esta dissertação. Por
isso, pedi para uma adepta me acompanhar à cidade do Vale do Amanhecer, para me
apresentar os rituais e falar sobre sua participação nos ritos.
Cheguei na entrada do Vale do Amanhecer por volta das 15:00 horas do dia 06 de
Junho e me encontrei com Graciara Gonçalves do Bonfim, 33 anos. Ela é médium de
incorporão, Raio, inserida na doutrina desde os 12 anos, mas conta que era do Vale
52
desde que nasceu, pois seu pai a levava para os trabalhos quando ainda recém-nascida.
Explicou que inicialmente era médium doutrinadora, mas depois de 7 anos de doutrina, aos 19
anos de idade, começou a passar mal no ritual de Estrela Candente. Por isso, fez o teste de
mediunidade e incorpora até hoje.
A primeira explicação fornecida por Graciara foi sobre o portal. Há uma
construção na entrada do Vale do Amanhecer que engloba a pista de acesso e a de saída da
cidade, como se fosse um portal. Sobre o acesso há uma representação de um sol e na saída a
de uma lua. Disse que os médiuns devem fazer uma revencia no momento em que entram e
quando saem do Vale, pois há alguns cavaleiros de luz presentes por ali que devem ser
respeitados. Este mecanismo de construção e entidades de luz protege o local e adeptos contra
espíritos maléficos que devem permanecer barrados do lado de fora.
Saímos dali e fomos direto para o pátio do templo do Vale do Amanhecer para
observarmos alguns prisioneiros pedindo bônus
87
. Em seu aspecto geral, tive a seguinte
explicação de Graciara: alguns adeptos percebem estar sofrendo algumas dificuldades
persistentes no dia a dia, por isso, assumem uma prisão. Deste modo, eles ficarão uma semana
realizando um ritual que se assemelha a um período de expião para poder se libertar de suas
dificuldades. Os obstáculos são traduzidos pelos adeptos como cobranças de espíritos
cobradores. Isto implica dizer que o médium, em outras vidas, causou algum prejzo a
alguém que hoje - em geral alguma entidade - encontra-se obstinado a prejudicar seu antigo
agressor. A fim de se libertar desta cobrança, o médium assume uma prisão. Ou seja, o adepto
passará uma semana pedindo nus
88
que serão oferecidos ao espírito cobrador em ritual de
julgamento, em forma de negociação, em troca de sua liberdade. Encerrado o prazo de uma
semana, em ritual de julgamento, o espírito cobrador dá o veredicto final sobre a libertação do
fiel, podendo conceder o seu pero. A obtenção denus em um ritual de prisão implica em
dois tipos de procedimentos: colher nus em um caderno, ou seja, pedir que outros médiuns
assinem nomes em seu caderno até um total de 2.000, que serão 2.000 nus
89
, e realizar
diversos rituais durante este período até um total de 4.000 nus
90
. Durante a realização da
prisão o fiel usa uma indumentária diferenciada e será chamado de prisioneiro ou
87
Ver foto.
88
Bônus é uma moeda espiritual que é obtida com a realização dos rituais.
89
Os prisioneiros devem conseguir um nimo de 4.000 bônus de caderno para ir a julgamento, sendo 2.000
recebidos em seu caderno particular e 2.000 oferecidos em outros durante o processo de prisão. Há a
possibilidade de o médium não obter todos osnus que necessita, mas ainda assim poderá ir a julgamento, mas
deverá dizer que não alcançou omero suficiente de bônus para ir a julgamento.
90
Cada ritual possui o seu valor emnus. Ou seja, o Abatá vale a obtenção de 1.000 bônus, a escalada 1.000 e
o Quadrante 600.
53
prisioneiro da espiritualidade maior. Segundo a informante, é muito comum os adeptos
passarem a sentir maiores dificuldades durante estes dias. Além do mais, este ritual é
realizado com a esperança de obtenção de avio por suas dificuldades.
Coincidentemente, Graciara havia assumido prisão esta semana e iria a
julgamento neste mesmo dia, à noite. Ela é mãe de duas filhas a mais velha tem 6 anos e a
mais nova quase 1 ano - e está desempregada há um ano recebendo ajuda do ex-marido e de
economias escassas. Trabalhou em diversos empregos: foi secretária em 1995, permanecendo
neste emprego por dois anos, até terminar o curso técnico de enfermagem e ir trabalhar para a
Imunolife em 1997. Em 1998, trabalhou para o GDF no programa Saúde em Casa e em 1999
conseguiu emprego no hospital de Sobradinho em regime de contrato temporário. Abandonou
a área médica em 2003, quando foi contratada pela Politec, empresa de informática que
prestava serviço à Caixa Econômica Federal. Em 2007, trabalhou no MEC e em 2008 na
Secretaria de Educação aperder o emprego no final deste ano, quando também desfez seu
casamento de 11 anos, tendo que cuidar das filhas e das finanças sozinha. Seu marido, depois
de diversos empregos seguradora de veículos, infortica comprou um caminhão com
ajuda de sua mãe e aluga-o para realização de fretes. Devido a esta situação, desesperançada,
disse-me algumas vezes que haveria a possibilidade de eu telefonar-lhe e surpreender-me por
encontrá-la fora do Vale.
Assumiu prisão devido à mensagem de sua entidade. Contou-me que no mês
passado foi contratada pela Imunolife, por um período de um mês para realizar vacinação
domiciliar de rubéola, juntamente com uma equipe. Neste período, antes de sair para o
serviço, ouviu uma voz que disse: assim que puder, assume uma prisão minha filha. Ela
respondeu que faria isso assim que encerrasse suas atividades. Considerou que a mensagem
era de sua Preta Velha, Vovó Maria Conga das Cachoeiras. Dessa maneira, vem pedindo
bônus desde Domingo passado, curiosa pelo motivo da prisão.
Mostrou-me uma fila com sete pares de adeptos que estavam saindo para um
Abatá. Segundo ela, este ritual é realizado nos cruzamentos da cidade e tem o objetivo de
transformar as energias negativas em positivas ou aprisionar espíritos sem evolução ali
presentes em redes magnéticas de entidades de luz que são convidados a estes rituais. Levou-
me para assistir a realização do rito. Os mestres são dispostos em pares, sendo que há um
médium masculino ao lado de outro feminino e um doutrinador ao lado de um Apará. No
54
cruzamento dispõem-se em forma de elipse, sendo que o comandante deve ficar de frente para
a nascente. Feita a abertura do trabalho, os mestres realizam sua emissão e seu canto
91
.
Graciara contou-me que quando estava assumindo a prisão pretendia realizar sete
Abatás. Mas a cada dia surgia uma dificuldade. No primeiro dia não conseguiu ninguém para
cuidar de suas filhas pela manhã e resolveu realizar o Abatá à tarde, mas choveu nesta hora.
Na Segunda-Feira tamm não conseguiu ninguém para cuidar de suas filhas e apenas pediu
bônus no caderno. Foi conseguir realizar o ritual na Terça-Feira pela manhã, após muitas
tentativas para conseguir mestre. No total realizou apenas 3 Abatás e uma escalada. Disse que
enquanto não conseguir pagar alguém para cuidar de suas filhas não vai mais assumir uma
prisão. Na maioria das vezes, quem cuidou de suas filhar foi sua sogra ou seu ex-marido.
Contou-me que ainda há outro ritual realizado nas ruas do Vale do Amanhecer: o
ritual de Imantração
92
. No entanto, este acontece geralmente uma vez por ano, apenas quando
o Trino percebe que a cidade esenfrentando dificuldades de ordem diversa. Segundo ela,
este rito ainda não foi realizado
93
este ano. A Imantração tamm pode acontecer dentro do
templo. Neste caso, ocorre nas Quartas-Feiras, Sábados e Domingos. O objetivo deste ritual é
o de remover espíritos que não tenham sido elevados durante a realização dos outros rituais. É
realizado por falanges missionárias, que empunham lanças as falanges femininas - e cantam
mantras.
Fomos ver o Quadrante. Este ritual acontece num período entre as 16:00 horas e
as 16:30 horas, mas nunca as este horário. A nossa guia pouco soube dizer sobre os
objetivos deste ritual e o livro “Leis e Chaves Rituasticas apenas explica como o ritual deve
ser realizado diariamente (Zelaya, s/d: 112). A monografia de Djalma apenas explicou que
este ritual tem o objetivo de proceder a manutenção do quadrante do dia, visto que cada um
deles corresponde a uma entidade e a um dia da semana: Domingo: Quadrante da Princesa
Jurema; Segunda-Feira: Princesa Janaína; Terça-Feira: Princesa Iracema; Quarta-Feira:
Princesa Jandaia; QuintaFeira: Princesa Juremá; Sexta-Feira: Princesa Janara e Sábado:
Princesa Iramar (Gonçalves, 1999:45). Conversei com Marcos Annio que me disse que,
91
O canto corresponde aos feitos realizados no passado de outras vidas de cada adepto. No entanto, este relato
era fornecido por Tia Neiva, mas com sua morte, os adeptos masculinos passaram a realizar o canto de jaguar,
quando estão usando a indumentária do jaguar calça marrom, camisa preta e capa -, as mulheres realizam o
canto da ninfa, quando usam a indumentária de ninfa ou então cada qual realiza o canto da falange missionária,
quando estão usando estas indumentárias canto do mago, da samaritana etc.
92
Ver glossário.
93
No dia 23 de Agosto de 2009, em um domingo, o ritual de Imantração foi realizado em razão das disputas que
têm ocorrido entre os irmãos Gilberto e Raul Zelaya. Não houve a participação de muitos médiuns.
55
segundo alguns, este é o ritual do Povo do Sol”, sendo realizado quando o dia acaba e a noite
começa, pois é a garantia de que quando o dia acabar as trevas não vão dominar
94
. Este
ritual acontece no Solar dos Médiuns
95
ao redor do Lago de Iemanjá, por onde passam os fiéis
em pares, tendo à frente uma corte com suas respectivas lanças
96
.
Graciara contou-me que a realização deste ritual num período de sete dias permite
que o adepto realize três pedidos. Por isso, é muito comum encontrar diuns realizando este
ritual durante uma semana inteira. Contou-me que após a participação do Quadrante no Solar
dos Médiuns, que dura cerca de 2 horas, ainda devem completar o ritual entregando a energia
no Turigano, depois da escalada. Contou-me que realizou os sete Quadrantes, em 2006, para
tentar comprar uma casa no Vale do Amanhecer. Ela tinha um carro, mas não estava
conseguindo vender o ágio do veículo. Contou que, quando terminou de realizar o ritual,
conseguiu vender o carro dois dias depois e na semana seguinte recebeu o dinheiro do GDF
por ter participado do programa do governo Saúde em Casa. Com este dinheiro conseguiu
pagar a casa que queria comprar. No entanto, após ts anos, não quer mais morar no Vale do
Amanhecer, afinal, além dos fuxicos frequentes, ainda tem que lidar com a dificuldade de
deslocamento, pegando ônibus com duas crianças pequenas sempre que tem que resolver
alguma situão.
Após o ritual de Quadrante, iria acontecer o terceiro intermbio do ritual de
Estrela Candente, tamm chamado de Escalada. Este ritual acontece tamm diariamente,
em três momentos do dia, tendo uma duração de uma hora cada período, chamado de
intercâmbio. O primeiro acontece às 12:30 horas, o segundo às 14:30 e o terceiro às 18:30.
Durante a realização de cada intercâmbio, desce uma Amacê
97
até o lago artificial em forma
de estrela de seis pontas, para conduzir espíritos imensos que são elevados pelos adeptos. Os
médiuns devem se deitar no chão, nos chamados esquifes
98
, como se sofressem um sacrifício,
para deixar por ali a impregnação de suas energias. Terminada a terceira consagração, os
médiuns se dirigem a o Turigano para a entrega das forças adquiridas.
Graciara explicou que participou de uma escalada durante a realização do
trabalho de prisão. Disse que é aconselvel realizar ao menos um ritual de Estrela Candente
94
Tive que me render à riqueza ptica e simbólica desta explicação.
95
Ver glossário.
96
Ver foto.
97
Ama é o nome dado para uma nave espacial que participa do ritual. Naturalmente não pode ser vista a olho
nu.
98
Ver foto.
56
a cada prisão assumida. Terminada a terceira consagração, a guia foi colocar sua indumentária
de prisioneira para pedir os últimos nus de caderno que faltavam, para em seguida
participar do julgamento.
Reencontrei-a no tio do templo, uma hora depois, ainda em tempo de vermos o
final do ritual de Estrela Sublimação ou Estrela de Nerhu
99
. Chegamos no momento em que
todos os médiuns Aparás do ritual, incluindo os que eram pacientes, incorporavam espíritos
de alta hierarquia. Este rito é realizado em uma construção circular, no pátio do templo e,
conforme Graciara, é um ritual que move grandes energias. De acordo com o acervo Tumarã,
no tópico Estrela de Nerhu”, este ritual é a fonte de energia da transição para uma nova
era e, com a Estrela Candente e o Turigano, forma a perfeita simetria que completou a
triangulação de forças dos Grandes Iniciados”. Este ritual realiza a encenação de um acordo
necessário entre duas adeptas da falange das Nyatras com representante do Cavaleiro da
Lança Vermelha, para que ele busque as representantes das Esmênias, devidamente
preparadas no Turigano, que desempenharão o sacricio ritual em esquifes localizados no
interior do círculo da Estrela de Nerhu.
Terminado o ritual, Graciara dirigiu-se até o pátio do templo para conseguir
concluir o número de nus necessários para o seu caderno. Permaneceu algo em torno de
duas horas nesta atividade, aproveitando a grande quantidade de prisioneiros, e dirigiu-se para
a entrada do Turigano. Tentei conversar com ela, mas estava muito compenetrada, talvez um
pouco entristecida, por isso, achei melhor dei-la em seu momento.
Enquanto o julgamento não começava fui ao templo. Conversei com o
recepcionista Leandro para que me apresentasse os rituais que aconteciam. Em síntese, pude
ver o último Randy
100
, ritual de grande efeito curador, antes que chegassem os membros da
escalada. Ainda pude ver a Mesa Evangélica
101
, mesa triangular em que médiuns de
incorporão ficam sentados incorporando espíritos sofredores rem desencarnados, sendo
elevados por doutrinadores; o trabalho de tronos vermelhos e amarelos, onde havia a
comunicação de Pretos Velhos com pacientes, acompanhados por doutrinadores; ainda pude
observar o sanday de cura, que utiliza a própria energia dos médiuns; a junção em que o
99
Ver glossário.
100
Ver glossário.
101
Ver glossário.
57
paciente recebe o passe magnético
102
de sete doutrinadores, para a libertação de seus
elítrios
103
; a indução que realiza a absoão e desintegração de cargas negativas
104
, servindo
para aliviar dificuldades materiais, sobretudo de condição econômica; linha de passe, onde
o incorporados caboclos
105
, a fim de retirar energias negativas residuais que encontram-se
nos pacientes; depois da escalada ocorreria a defumação, que é a aplicação de fumaças
provenientes de essências para limpar a aura do paciente e ativar seus chakras; ainda
acontecia o ritual de Cruz do Caminho, ritual este que se baseia em foas curadoras
provenientes do Egito Antigo. Tudo isso acontecia ao mesmo tempo e, em todos, podia ser
visto não apenas médiuns, mas também pacientes sendo atendidos.
Voltei ao tio e começavam a chegar os adeptos que estavam na escalada, para
entregar a energia. Observei a aglomerão, a realização das emissões, a entrada dos médiuns
em fila no templo, a realização da prece de Sabá e a saída dos mesmos. Depois ocorreu o
trabalho de contagem, dentro do templo, neste momento todos os rituais são interrompidos
para ocorrer a incorporação de entidades de luz e a elevação de espíritos através dos
doutrinadores.
Encerrado o ritual de contagem, o de julgamento
106
começava. Demoraram cerca
de duas horas para os prisioneiros começarem a ser atendidos pelos Pretos Velhos que diriam
suas sentenças. O mestre Nélio é quem comanda este trabalho já há cerca de 30 anos. Para o
ritual começar é necessário que todos os diuns estejam dispostos em suas funções. Deste
modo, representantes de falanges que estão na corte devem realizar suas emissões e cantos, a
representante de Koatay 108 deve ser conduzida até a frente da via sagrada; em seguida a
condessa de Natary
107
, testemunha de todos os tempos, que representa no julgamento e no
Aramê
108
o Cavaleiro da Lança Negra, o Chapanã
109
; ao lado de Nélio encontram-se o
Promotor e a Defensoria. Realizadas as emissões e os cantos dos participantes mais
102
O passe magnético é aplicado pelo doutrinador que se posiciona atrás do médium de incorporação, utilizando
as energias localizadas no seu plexo, para aliviar impregnações residuais das incorporações do médium de
incorporação.
103
Conforme o “acervo Tumarã, elítrios são espíritos obsessores que têm a forma de uma caba de macaco
achatada, com um tamanho de 10 cm, localizado no corpo físico de uma pessoa.
104
Cf. Acervo Tuma.
105
Ver glossário.
106
O ritual de julgamento não acontece todo Sábado, mas é intercalado com o Ara, ritual de prisão para a
libertação de cobranças de diversos espíritos ao mesmo tempo. Nestes dias não ocorre a comunicão com os
Pretos Velhos.
107
A condessa de Natary é uma entidade dos tempos da Revolução Francesa, por isso a pronúncia de seu nome é
“Natarry”. Há alguns registros como “Natanrry”.
108
Ver glossário.
109
Cf. acervo Tumarã, nopicoChapanã”.
58
significativos, o Promotor faz um discurso de acusação dos prisioneiros seguido do Defensor
que realiza um discurso de defesa. A partir deste momento, o mestre Nélio pede a
incorporão dos Pretos Velhos que atenderão os pacientes, já observados pelas entidades
mais importantes, responveis pelo ritual no mundo espiritual: Pai João de Enoch, Pai Zé
Pedro de Enoch e Pai Joaquim das Almas. Agora os prisioneiros seo atendidos, ouvindo,
primeiramente, os Pretos Velhos, mas havendo a possibilidade de conversarem com seus
espíritos cobradores, quando deverão se defender do que aconteceu em outras vidas,
procurando convencê-los de que não são mais a mesma pessoa, para assim conseguir o seu
perdão. Sem a libertação do espírito, deverão permanecer presos por mais uma semana.
A fim de não causar transtornos à informante, preferi entrevis-la no dia seguinte.
Cheguei à sua casa por volta das 10:00 horas de Domingo e, à primeira vista, estava muito
satisfeita. Cumprimentou-me muito sorridente e retribuiu mais sorrisos quando comentei que
ela estava muito diferente da pessoa que se dirigira para a fila do julgamento, na noite
passada. Quando lhe perguntei como foi a libertação, respondeu-me que havia sido
maravilhosa e contou-me de imediato sua história. Assim que Graciara se aproximou de Pai
João, o Preto Velho disse que havia alguém querendo conversar com ela. A ninfa não estava
esperando que algum espírito cobrador fosse querer conversar. Dessa maneira, a entidade
incorporou o espírito de uma menina, que disse que havia sido sua irmã mais nova em outra
vida, na época do Brasil colônial. A situação foi a seguinte: com a morte de seus pais,
Graciara passou a ser responvel pela caçula e havia feito uma promessa de cuidar dela neste
período. No entanto, se viu com dificuldades de cumprir o prometido quando resolveu casar-
se, deixando a irmã mais nova em uma casa de prostituição e nunca mais foi vê-la. Sua irmã,
em vez de sentir ódio, sentia muitas saudades. Por isso, embora acompanhasse a adepta, não
lhe fazia mal, pois gostava muito dela. Porém, o prejudicado era o espírito da irmã, pois ela
não continuava o seu caminho espiritual.
A menina, que não quis se identificar, disse que enquanto permanecia ao seu lado,
via tamm uma senhora acompanhando-a. Graciara achava que fosse sua Preta Velha, Vovó
Maria Conga das Cachoeiras, mas o espírito não tinha certeza de seu nome, apenas disse que
ela emanava uma forte luz branca e que explicava-lhe sempre que as duas iriam se reencontrar
no ritual de julgamento.
Graciara, eno, começou a pedir-lhe para pensar sobre sua própria condição.
Começou a argumentar que a menina deveria seguir o seu próprio caminho e que deveria
procurar sua libertação, ou seja, ir para o hospital de Mayante e, em seguida, continuar o seu
59
caminho espiritual. Argumentou que ainda haveria a possibilidade de se reencontrarem, caso
ela reencarnasse. A irmã de Graciara respondeu que, conforme a senhora que a acompanhava,
ela não voltaria mais e que se reencontrariam algum dia.
A prisioneira, então, perguntou sobre os objetivos do espírito que a visitava.
Aí eu perguntei: você me fazia algum mal? Aí ela falou assim: não, eu só
queria ficar perto de você, porque eu gosto muito de você e você tinha
muito carinho por mim e você continua tendo o mesmo carinho (...) que
antes. Eu falei assim: infelizmente não lembro da época que a gente viveu
juntas, que é uma outra época, aqui na terra é apagada nossa memória,
então não lembro realmente como a gente era. Mas eu gostaria muito de
lembrar e reviver e relembrar os bons momentos que a gente viveu juntas.
E (ela falou) „nossa você ainda gosta mesmo de mim‟. Sabe, dava uma
vontade de chorar, Erich. Aí, sabe, aquela sensação de não querer ir
embora. De não deixar (ela ir), sabe? Mas, tipo assim, era necesrio, era
preciso você deixar ela partir. Apesar que fica o, tanto bem, tanto bem,
sabe (emocionada) (...) só isso. (incompreenvel) aí ela falou que ia e ia
ficar me esperando. Foi muito bom. To sentindo um vazio, to falando pra
você. Que eu ainda to sentindo, né. (emocionada).
Finalmente, Graciara falou o quanto havia sido inesperado o resultado de sua
prisão, organizada por sua Preta Velha. Vovó Maria Conga das Cachoeiras prendeu a Apará
e, segundo Maria Conga, passou uma semana preparando o espírito para conversar com
Graciara. Disse que este ritual havia superado suas expectativas, pois esperava um espírito
que fosse cobrar-lhe pelo que fizera em outras vidas.
Quando Pai João voltou para o aparelho, pediu-lhe para defumar sua casa, porque
ainda havia impregnação daquele espírito por ali e disse que não faltaria pão e que seu
emprego estava a caminho.
Graciara concluiu, finalmente:
(...) maravilhoso. Maravilhoso mesmo. Sabe o que é você imaginar todos
os problemas e você não saber nada dos problemas seus? É muito
gratificante. Nossa, muito bom.
Naturalmente este foi um caso em que a adepta foi bem sucedida em seu ritual.
Afinal, foi perdoada pelo espírito cobrador, alcançou a promessa da solução de seus
problemas financeiros, ou seja, de realizar sua cura, e ainda conseguiu conversar com seu
cobrador, o que nem sempre acontece. No entanto, isto não implicou na suspensão imediata
de suas dificuldades. Embora este ritual tenha acontecido em 06 de Junho de 2009, Graciara
ainda não conseguiu emprego. Ela não considera que tenha havido algum engano do Preto
60
Velho, mas apenas que o tempo das Entidades é diferente do nosso, pois elas conseguem ver
o futuro com muito mais facilidade. Graciara acredita que sua condição social vai melhorar,
mesmo porque isso aconteceu antes. Não devemos nos esquecer que ela atribui a compra
de sua casa ao seu empenho em realizar os rituais e acha que isso vai se repetir.
Não podemos deixar de considerar a satisfação e confiança de Graciara nas
entidades ao participar do julgamento. Foi graças ao desempenho do ritual que seu
reencontro tornou-se possível. Mas tamm foi devido à sua Preta Velha que Graciara
assumiu a prisão e sua irmã caçula foi amparada e orientada. Esta confiança, bem como as
realizações pessoais, justificam muito a crença de que as curas poderão acontecer. Por outro
lado, não seria possível a participação no julgamento se a adepta não fosse inserida na
doutrina e não houvesse desempenhado outros rituais para conseguir os nus necesrios
para a sua libertação. Todas as outras atividades espirituais confluíram para o julgamento, o
conjunto de tudo que foi realizado beneficiou-a ao final.
3.5. A interpretação do mecanismo do Estado soberano:
3.5.1. A natureza política dos rituais
O Vale do Amanhecer possui uma variedade imensa de rituais. O livro “Leis e
Chaves Ritualísticas
110
faz a descrição de cerca de 40 ritos, explicando quais as funções
exercidas por cada médium de acordo com sua mediunidade, gênero e número de
consagrações. Segundo esta obra, e conforme, principalmente, às informações etnográficas,
podemos perceber que a realização dos trabalhos espirituais é associada às qualidades dos
espíritos que devem ser elevados. Ou seja, para cada tipo de situação que o espírito esteja
sofrendo, ou a cada tipo de ameaça que ele represente, há um trabalho específico para ele
(Marques, 2002). Em linhas gerais, temos o seguinte: se um espírito afeta o estado sico de
um paciente, ele será elevado no ritual de cura ou Randy; se ele acabou de „desencarnar‟ e
110
Livro ditado por Tia Neiva a Nestor Sabatovicz, que descreve os rituais realizados do Vale do Amanhecer.
61
está vagando sem um rumo determinado, será submetido à Mesa Evangélica; se está
ameaçando alguns lugares dentro da cidade do Vale do Amanhecer, se preso às redes
magnéticas do Abatá e assim por diante. No entanto, fazendo uma avaliação sobre estes
rituais e espíritos, ao mesmo tempo em que levamos em consideração o tema deste trabalho,
podemos estabelecer uma classificação esclarecedora. Alguns espíritos o elevados para a
casa transitória de Mayante por meio de rituais que fazem uso de uma conversa
institucionalizada que tem o objetivo de esclarecer a condição do espírito
111
e do novo
caminho que ele vai seguir em razão do efeito do ritual. Aqui, temos a Mesa Evangélica, o
trabalho de tronos, o de Estrela de Nerhu e o trabalho de Estrela Candente. Outros espíritos
o submetidos a rituais ou símbolos que tenham referências às condições licas, tais como
os portais do Vale do Amanhecer que são como portões ou muralhas que impedem a entrada
de falanges de espíritos; os rituais de Abatá e de Imantração, que o similares a
mecanismos de defesas organizadas contra ameaças de um centro de governo. Há ainda os
que representam acordos poticos, negociações ou mecanismos judiciários, assemelhando-se
até mesmo aos mesmos riscos de uma condenação. Os rituais de Turigano, Estrela de Nerhu
e Unificação são uma teatralização de acordos poticos muito importantes e bem sucedidos;
os de Angical e Prisão/Julgamento são uma mistura entre acordos, acusações e defesas que
envolvem entidades de luz, adeptos e espíritos cobradores, cujo resultado imprevisto pode
ser agradável ou desfavorável. Assim, basicamente, há três grupos: os rituais que implicam
orientações aos espíritos; os que são atuações licas; e os que são acordos-negociações-
acusações estando no patamar das leis e do jurídico.
Levando em consideração estas qualidades, podemos destacar algumas
similaridades entre o Vodu e Vale do Amanhecer. Elas são uma ordem potico-religiosa que
aplica o desempenho de uma composição hierárquica de forma a mimetizar uma
transformão que deve ocorrer no meio social. No entanto, embora o vodu empregue a
inserção dos próprios personagens do conteúdo potico social contemponeo nos seus ritos,
em um teatro em que eles são subalternos e até benevolentes o que difere da realidade , o
Vale do Amanhecer é um pouco diferente. Afinal, sua hierarquia corresponde a um conjunto
de forças individuais e coletivas que garantem a eficácia do ritual e a melhoria da condição
do médium no quotidiano. A estrutura dos ritos com suas „emissões‟, seus comandantes,
suas cortes e suas divisões espirituais agem sobre as entidades das trevas (Gonçalves,1999).
111
Muitos espíritos não sabem que estão desencarnados, por isso, devem ser esclarecidos no momento da
elevão.
62
Os ritos mimetizam as transformações por meio de recursos ímpares que se
diversificam de acordo com os rituais praticados. Em dois deles são encenados sacrifícios
(Estrela Candente e Estrela de Nerhu) em que as energias ectoplasmáticas de tais atos são
utilizadas para atrair espíritos das trevas. Na grande maioria uma corte, munida de lanças
e roupas distintas conduzindo o comandante, simulando, assim, aspectos militares da
Antiguidade. Em outros há a representação da mudança emocional de espíritos obsessores e,
por sua vez, da condição do paciente (sobretudo tronos Vermelhos e Amarelos) (Marques,
2002). Há os que encenam narrativas complexas em que há um longo desenvolvimento e um
desfecho (Estrela de Nerhu e Turigano), em que envolvem reis, comandantes e acordos
políticos. Desse modo, uma linguagem performática es a ser utilizada nos ritos para mudar
um estado que é a doença do cliente (Siegel, 2006:47). Estes rituais têm em comum o
emprego de uma ação, com grande grau de organização, que age sobre algo. Esta questão
relembra Herzfeld, que disse haver um paralelo ideológico entre as operações do destino e da
burocracia (1982: 139). Em nosso caso, rituais que dão uma “ênfase no conflito, agem
contra espíritos para provocar curas: avios das condições dos pacientes e médiuns. Talvez
estejamos diante de perpétuas encenações de batalhas espirituais.
Outro assunto que merece ser investigado é a função e a credibilidade dos rituais.
Saliento que seus objetivos são os de provocar um efeito. Esta questão já vinha sendo
destacada por Lévi-Strauss (1975). Essa é tamm uma preocupação do Vale do Amanhecer.
Lembremo-nos que os ritos o desempenhados porque os adeptos também necessitam do
resultado benéfico de seus efeitos em diversas questões, como na da saúde física, no aspecto
das finanças pessoais, na das relações sociais entre outras. Gluckman havia falado sobre
este assunto (1971). No entanto, o que este autor parece chamar a atenção é que o ritual tem
sua eficácia ainda maior por ser, este, desempenhado em forma de uma estrutura potica.
Afinal, este não tem apenas sua qualidade associada à ordem e à estabilidade (Gluckman,
1971:30), mas tamm, o sistema potico visa garanti-las no meio social (ibidem:31). Deste
modo, no ritual, a natureza é subjugada pelo sistema político (...) (ibidem: 30). Dentro
deste parâmetro encontra-se a afirmativa de Herzfeld, dizendo que o Estado tem a função de
tornar o destino previsível (Herzfeld, 1982: 137). Assim, tem-se um duplo recurso para se
obter uma eficácia. Em primeiro lugar, há um ritual, com a função de provocar um efeito -
subjugando a natureza ou seus espíritos ancestrais, como é o caso de Gluckman, ou
subjugando os espíritos sofredores, obsessores ou os do Vale das Sombras, no caso do Vale
do Amanhecer. Enquanto o segundo recurso, para o alcance desta eficácia, é a qualidade de
63
ambos os rituais serem a estrutura, ou a mefora de um sistema político. Ou seja, visam
garantir a ordem, a subordinação e a obediência à lei.
3.5.2. Os poderes de Estado no Vale do Amanhecer
Vale a pena salientar ainda que há outras estruturas significativas que merecem um
comentário por suas peculiaridades. Se verificarmos com mais cuidado, poderemos observar
que o conteúdo espiritual do Vale do Amanhecer, em seu conjunto, apresenta o que
chamamos de poderes de Estado. Afinal, encontramos um contexto burocrático espiritual,
com seus responsáveis no âmbito do executivo, do legislativo e principalmente do judicrio.
Pai Seta Branca é o grande responvel pela doutrina. Foi ele quem trouxe as leis e as
explicações de todos os rituais. Pai João de Enoch é o executivo do Vale do Amanhecer nos
planos espirituais. Pai Joaquim das Almas, Pai João de Enoch e Pai Zé Pedro de Enoch são
os responsáveis pelo ritual de Julgamento que acontece aos Sábados. A partir disto,
poderíamos explorar mais esta questão na sua contribuição para o significado dos rituais.
Afinal, temos a organização de um sistema burocrático espiritual que engloba os males de
pacientes e médiuns com a mesma precisão do funcionamento de um Estado. Istosuporte
ao conjunto de rituais, que, ironicamente, têm a característica de um aparato militar, o
responvel pela defesa, mas que necessita de um amparo burocrático.
3.5.3. Novas abordagens referentes a Estado
Por outro lado, uma análise que vale a pena ser avaliada é a questão do Estado e dos
seus representantes. Afinal, onde está o centro e a sua representação no caso do Vale do
Amanhecer? Muitos de seus adeptos foram colocados em cargos em razão de determinações
vindas das próprias possessões. Logo, o centro parece estar em uma localização abstrata e a
queso do Estado, com suas articulações, se complexifica um pouco. Isto parece reforçar o
depoimento de Paulo Silva, 27 anos, de que a doutrina é de Pai Seta Branca e que Michel
64
Hanna ou Raul Zelaya estão desempenhando uma função administrativa. Com base nisto,
fica, portanto, esclarecido um dos motivos pelo qual os adeptos não saem da doutrina:
preferem dar destaque para o exercício da mediunidade. E este exercício de mediunidade está
diretamente associado a uma estrutura potico-estatal espiritual. Não estaria, portanto, a
prática mediúnica atendendo às mesmas motivações que levaram à construção do Vale do
Amanhecer e à formulação de seus rituais? Não seriam, então, estes os objetivos do centro,
ou os do Estado?
Gostaria aqui de pensar o que seriam os representantes do Estado no Vale do
Amanhecer. Afinal, o centro certamente é mais abstrato que os seus representantes, e talvez
por isso, seja um ideal sempre a ser alcançado. Este está em um ponto inalcançável por estar
associado ao mundo espiritual, ou ao corpo burocrático extraterreno. Deste modo, o plano
concreto é por si um espaço onde apenas podem atuar os representantes do Estado, pois
afinal, todas as determinações vieram do plano espiritual e, deste modo, todos os médiuns
indiscriminadamente não podem estar neste âmbito. Por isso a presença de Tia Neiva era tão
importante, afinal ela melhorava a comunicação entre centro e seus representantes,
repassando as orientações de Pai Seta Branca sobre os rituais, a construção do templo, as
ornamentações das roupas, os mantras etc. Temos, no entanto, uma peculiaridade, pois ainda
há uma comunicação entre os mestres e as entidades, mas estes espíritos de luz estão abaixo
de uma hierarquia no mundo espiritual, o que implica dizer que estes também estão no
contexto da representação do Estado, embora suas relações com o centro sejam diferentes
das dos médiuns.
Neste caso, o fortalecimento das articulações político-administrativas apenas
ocorreria por meio das realizações dos rituais. Pode-se dizer que a comunicação política no
Vale do Amanhecer entre centro e seus representantes tornou-se enfraquecida desde a morte
de Tia Neiva. Afinal, não há mais como atender diretamente às determinações de Pai Seta
Branca. Assim, as decisões para o melhor funcionamento da instituição e dos rituais devem
partir dos Trinos Triadas
112
Presidentes, que não possuem clarividência. Por isso, há
questionamentos intermináveis sobre mudanças nos ritos, que sofreram alterações para se
adaptar às condições atuais.
Considerando que o centro do Estado es em um plano extraterreno, o qual se
confunde com a dimensão etérea, é importante saber o que isto significa na ptica para os
adeptos. Afinal, se os fis quiserem a proteção de uma entidade espiritual, eles devem
112
Ver glossário.
65
realizar preces ou mentalizar suas presenças. Por outro lado, os médiuns tamm possuem
maiores responsabilidades, pois devem ficar atentos às questões morais e éticas no seu
quotidiano e qualquer deslize pode significar alguma cobrança espiritual futura. Deste modo,
o comentário de Das & Poole sobre Clastres torna-se tão literal para nós: Here, as in many
other anthropological texts, the state was assumed to be an inevitable or ghostly presence
that shaped the meaning and form that power took in any given society (Das & Poole,
2004:5). Ou seja, o Estado pode ser considerado como se estivesse sobre e sob os indiduos
humanos (Evans-Pritchard, 1940: xxiii). Neste aspecto, devemos entender o Estado como
uma abstração que envolve os médiuns não apenas nas imediações do templo, mas também
no seu quotidiano e a mesmo na sua intimidade. Muitas das decisões, avaliações e
interações do adepto no quotidiano estão de acordo com sua concepção sobre a presença de
espíritos de luz ou cobradores no meio social. Assim, atualizamos Das e Poole, ao se referir
que as margens não estão meramente localizadas dentro de um território (Das & Poole,
2004:8). Ademais, o Estado estão pximo do adepto e é tão inalcançável ao mesmo
tempo, que se confunde com ele próprio, reforçando mesmo as qualidades do superego do
ser por sua representação da lei e da punição (Azevedo, 2001). O Estado está onde a
representação do centro puder chegar e esta questão tem mais relação com uma qualidade
cosmológica do que com uma delimitação espacial.
Quero ainda apresentar outro argumento, baseando-me em Ferguson e seu conceito
de Estado. Devemos compreender inicialmente que a participação nos rituais implica
tamm a inseão do adepto em um conjunto de energias que o afeta em diversos contextos.
Estas são benéficas e curadoras. No entanto, energias acumuladas pela falta do exercício de
mediunidade, são prejudiciais aos diuns, podendo causar problemas de saúde, de
condições econômicas, de relações pessoais, da ordem do acaso como acidentes , entre
outros. Quando o médium participa de um ritual em razão do seu envolvimento com as
energias -, ele obtém suas curas por dois motivos. Primeiro porque recebe energias nos
rituais. Segundo porque suas próprias energias são utilizadas nos mesmos. Deste modo, ele
faz parte de um sistema de trocas
113
em que estão envolvidas forças que recebe, que ajuda a
movimentar e as que oferece. Estas forças são provenientes do cosmo, das estrelas, da lua
etc. O trabalho de Pimide ocorre todos os dias. Este tem a função de conectar um canal de
energias que vem da elipse situado no morro que está acima do lugar onde é realizado a
Estrela Candente e, assim, permitir que estas foas cheguem ao templo, para que, desta
113
Este sistema de trocas de energias é semelhante às trocas de braceletes tão observada por Malinowski entre os
Trobriandeses (1978). Os habitantes são incentivados a manter os objetos dentro do sistema de trocas.
66
forma, todos os rituais possam ser realizados. Deste modo, podemos finalmente falar sobre
Ferguson. Segundo ele, o Estado não é uma substância possuída por indivíduos ou grupos
que se beneficiam dele. Nem é tamm uma fonte de poder, nem a projeção de poder de um
sujeito interessado (grupos dirigentes). Mas o Estado é um ponto de coordenação e
multiplicação de relações de poder (Ferguson, 1990: 253). No Vale temos peculiaridades que
devemos salientar. O Estado transcendente deixou de ter uma conexão direta com o Vale do
Amanhecer após a morte da Tia Neiva. Deste modo, as determinações partem dos próprios
Trinos. Assim, podemos dizer que o Estado do Vale e seus Trinos têm aquela função
salientada por Ferguson: a de coordenar e multiplicar relações de poder. No entanto, se
consideramos o poder do Estado extraterreno, temos que ele é uma fonte, uma espécie de
usina geradora (Benjamin, 1994:21) que até pode ser possda, embora nunca deva, pois
tem que estar circulando e sendo oferecida nos rituais, onde serão coordenados e
multiplicados. Deste modo, o Estado do Vale é dividido. O do mundo espiritual, que é fonte
de poderes que podem ser possuídos, mas que devem ser circulados e amplificados nos
rituais, para provocarem curas, e o dos Trinos, que não é fonte de energia nenhuma, mas é
um elemento deste circuito. Este sim, é apenas um centro de coordenação e multiplicação de
poder e que, não deve ser considerado, independentemente do poder das entidades
espirituais.
Não podemos deixar de perceber que as estruturas dos rituais do Vale do Amanhecer
estão associadas às desobsessões, no entanto, devemos salientar seus aspectos licos pelas
presenças de lanças e cortes que protegem o comandante, sobretudo nos deslocamentos do
lado de fora do templo. O ritual de Abatá, por exemplo, é realizado nas encruzilhadas das ruas
onde são pontos ameaçadores de energias, visando a transformação das foas locais e assim
garantir a protão da comunidade e do templo (Gonçalves, 1999). A Imantração tamm é
realizada nas imediações do templo. Os médiuns, utilizando lanças, caminham em fila
cantando mantras e retornam para o interior do templo, como se estivessem em vigília
(Ibidem, 1999). Além do mais, a cidade do Vale do Amanhecer possui um portal que separa a
cidade do mundo externo, tendo cavaleiros dos planos espirituais que a protegem. Isto implica
dizer que a doutrina se organiza para se precaver de um ambiente ameaçador, que são
energias e espíritos desordenados. Ferguson destacou a importância do controle militar ao
descrever que a mudança da capital de Taba-Tseka, não apenas estendia o aparato dos
serviços e controle do governo sobre a região, mas tamm facilitava o controle militar do
local (1990: 253). No entanto, temos um detalhe a mais a destacar aqui. Acrescento algo que
67
já vinha sendo observado por Gluckman, que é a exisncia de (...) uma ordem estabelecida
(...) contra o assalto das forças do caos” (1971:22). Isto assemelha-se muito também ao
argumento de Das & Poole de que há relação entre violência e funções ordenadoras do
Estado. Segundo elas, “Key to this aspect of the problem of margins is the relationship
between violence and the ordering functions of the state (Das & Poole, 2004:6).
Outra questão interessante é que o Vale não apenas lida contra os elementos
marginais assim como o Estado, mas os aspectos associados à periferia assemelham-se aos
destacados por Das & Poole. Os espíritos do Vale Negro, os obsessores ou os cobradores
constituem aqueles que devem ser transformados pelas energias dos rituais. Alguns destes
o descritos como de grande maldade e organizados em hierarquias, enquanto outros, como
os que provocam prejzos aos seres vivos. Isto lembra o que Das & Poole falam sobre
Estado de natureza. Instructive here is the concept of the state of nature as the necessary
opposite and origin point for the state and the law (Das, 2004:8). Além do mais, ela ainda
destacou um outro aspecto muito interessante sobre as margens, o que as relaciona aos
conceitos acima. (...) the margins we explore in this book are simultaneously sites where
nature can be imagined as wild and uncontrolled and where the state is constantly
refounding its modes of order and lawmaking (Ibidem:8). Deste modo, podemos afirmar
que os espíritos obsessores e os do Vale das Sombras possuem qualificativos em comum
com o conceito de margem à sua oposição ao Estado e às leis, bem como às suas qualidades
de selvagem e do fora de controle, merecendo por isso as atuações constantes das forças do
Estado para conseguir manter a ordem e a lei.
O Vale do Amanhecer parece mostrar que está constantemente procurando manter
seus donios sobre espíritos que são uma ameaça contra a ordem e a lei, por isso os rituais
o sempre desempenhados. À vista disso, a doutrina utiliza recursos que são tamm
previstos pelo Estado para garantir o seu domínio na periferia. Destaco aqui três valiosos
recursos: a educação, que tem o objetivo de transformar o Estado de natureza (Das & Poole,
2004:8); a justiça popular, que satisfaz as classes não privilegiadas (Idem:32); e a segurança
policial, que garante a paz pela força legitimada do Estado (Ibidem:7). Deste modo, devemos
explicar que os espíritos elevados para os planos espirituais de Pai Seta Branca, passam por
período de educação. Não era, portanto, esse o interesse de Gandhi: antes converter seus
inimigos que destr-los? (Bailey, 1998:192). Entretanto, mais interessante é a aplicação da
transformão emocional do espírito antes de elevá-lo através do desempenho dos rituais. Na
verdade, o grande objetivo dos ritos é o da transformação do sentimento do espírito, o que se
68
assemelha aos objetivos da educação, empregada pelo Estado secular. Por outro lado, como
já foi exposto, há realizações de ritos que se assemelham ao emprego de forças policiais para
manter a ordem e a lei na periferia do templo. Tal função do Estado é reforçada no trecho : In
well-organized states, the Police and the army are instruments by whych coercion is
exercised (Evans-Pritchard, 1940: xiii). Além do mais, para o exercício de tal função,
mantém os adeptos coesos para enfrentar inimigos internos e externos (Gluckman, 1971:20).
No entanto, vale acrescentar que os cavaleiros, espíritos de luz do Vale do Amanhecer, são
munidos de redes magnéticas para poder prender espíritos que habitam o mundo negro e
conduzi-los até os rituais ou planos espirituais correspondentes. Acrescento ainda que os
comandantes dos rituais, médiuns preparados, com suas forças espirituais, agem como
representantes do Estado realizando as desobsessões, além de manter a ordem e a lei dentro e
fora do templo. Considerando, finalmente o terceiro aspecto, temos que destacar a forma
como o Vale mantém a justiça. Como Das & Poole explicaram, as classes não privilegiadas
se sentem mais satisfeitas com a justiça popular do que com a formal (Ibidem:32). Os rituais
que procuram a aplicação da justiça ritual de Julgamento e Angical preocupam-se em
colocar o médium e o espírito, que foi prejudicado em contendas de passados
transcendentais, frente a frente para que ambos possam conversar. Antes do rito, no entanto,
o médium compreendia como o espírito se sentia. Afinal, este tem o direito garantido por Pai
Seta Branca de prejudicar o médium, ou melhor, cobrá-lo, ao limite do suportável. No
entanto, não acredito que este seja um sistema judiciário que prevê e até incentive a
instituição da vingança, conforme já salientava Radcliff-Brown (Evans-Pritchard, 1940: xiv).
Penso que se este sistema incentivasse a vingança de fato, então teríamos as mesmas
situações provocadas no passado acontecendo agora com os mestres, mas as proteções dos
adeptos impedem isso. O que parece termos aqui é a aplicação do conceito do direito de
equidade, ou seja, a busca da “manifestação de justiça na resolução de um conflito, não a
aplicação da lei que é geral, mas a de uma sentença que é particular a cada caso (Álvarez,
2006:121) e, em nossa análise, a medida da equidade, da justiça, é dada pelos espíritos
cobradores. Logo, acreditando que houve justiça, o espírito afasta-se do médium. A
aplicação da justiça é também uma maneira de solucionar conflitos, procurando
reconciliação entre oposições (Turner, 1996: 127).
A grande maioria dos males sofridos por pacientes ou adeptos é associada à
presença de espíritos. Alguns deles são elevados com facilidade nos rituais do templo, ou nos
ritos externos. No entanto, há aqueles que apenas o conduzidos a prontos-socorros
69
universais quando encerram a sua obstinação em prejudicar um paciente ou adepto.
Naturalmente, este obsessivo desejo por “vingança não é gratuito: ambos tiveram atritos no
passado e aquele que é espírito agora, sentiu-se prejudicado naqueles tempos imemoriais. Por
isso, o espírito quer que a pessoa passe por dificuldades. Ele procura reproduzir as mesmas
situações sofridas. Deste modo, a melhor maneira de se conseguir uma cura seria por meio
do perdão deste espírito, ou seja, conversando com ele. Rituais de Angical e
Prisão/Julgamento possuem este propósito. No entanto, enquanto no primeiro caso o adepto
tem a oportunidade de conversar com o espírito, acompanhado por um Preto Velho ou por
outras entidades de luz, podendo durar de alguns minutos a algumas horas, no segundo caso,
o ritual tem uma durão de no nimo uma semana. Os adeptos, percebendo no quotidiano
que as suas dificuldades não m avio, ou até mesmo orientados pelas entidades de luz,
como os Pretos Velhos, assumem a prio no Sábado ou no Domingo. Isto significa que
terão que vestir um uniforme diferente, comprar um caderninho e ficar no pátio do templo
pedindo que outros adeptos escrevam nomes nos mesmos. Deverão conseguir, no nimo
4000 nomes, que correspondem a 4000 nus. Além do mais, deverão participar de rituais,
até conseguirem mais 4000 nus. Cada ritual possui um valor. A realização da Estrela
Candente significa a obtenção de 1000 bônus. Deste modo, como Radcliff-Brown comentou,
as pessoas que cometeram faltas em rituais devem passar por um período de expiação
(Evans-Pritchard, 1940:xvii). Aqui, os erros do passado mítico-cosmológico, que os
pacientes nem mesmo se lembram, são os motivos para este período de sofrimento.
Finalmente, após sete dias, ou seja, no Sábado à noite, há o ritual de julgamento.
Neste dia o ritual é aberto por um comandante, há a presença de uma corte, contendo
dezenas de adeptos de falanges diferentes, há cerca de vinte Ajanãs incorporados, os
representantes dos ciganos, uma representante de Koatay 108 (denominação de Tia Neiva no
mundo espiritual) e a presença da Condessa de Natarry (testemunha dos pecados de todos os
tempos). Os adeptos aguardam o momento para conversar com os Pretos Velhos, que os
recebem. Em seguida, pode ou não haver a incorporação de um espírito cobrador, afinal, às
vezes, os bônus são suficientes para a libertão do médium. Nesse caso, apenas os Pretos
Velhos podem ter acesso às negociações realizadas com os espíritos cobradores, embora os
adeptos devam se justificar. Na verdade, os Pretos Velhos são como um juiz mediador. Eles
o como intermediários para as negociações entre adeptos e cobradores. A sua diferença de
autoridade permite grande flexibilidade em relações diádicas, sendo bem aproveitados como
mediadores, assim como os santos eram (Barth, 1959). Para Evans-Pritchard uma das
70
características que ajudam a definir a unidade potica é a presença de uma arbitragem que
acompanha as disputas (1940). Os Pretos Velhos aqui não avaliam a culpa dos adeptos. Os
espíritos é que dirão algo sobre eles. Se sentem ainda alguma hostilidade, ou se o ódio já
teria passado. Temos aqui, a existência de um grupo responsável por permitir que a tima
tenha um sentimento de justiça, conforme já destacava Radcliff-Brown (apud, Evans-
Pritchard, 1940:xix).
Outro assunto me pareceu importante. Esta vilia constante do Vale do
Amanhecer às desordens e às divergências com as leis parece realmente demonstrar o
embate entre formas de regulações distintas (Das & Poole, 2004:8). Esta questão apenas
ficou esclarecida quando comparei a doutrina com um grupo colonizador. Logo, torna-se
compreensível o motivo de tantos aparatos do centro para manter a periferia em ordem. O
Vale é uma doutrina que reconhece sua diferença diante dos espíritos aqui presentes, afinal,
o um grupo extraterrestre que parece se precaver contra reações de espíritos que são other
forms of regulation (Das & Poole, 2004: 8) e preparam-se com vários recursos para a
garantia de sua proteção. Isto poderia justificar a desnecessidade de alguns rituais em
possuírem pacientes Abatá, Quadrante e a Imantração -, afinal, parece estar impcito em
seu desempenho o aspecto lico, a batalha contra os espíritos. Aqui temos a atualização do
conceito de Estado apresentado por Radcliff-Brown, no que se refere ao contexto de uma
nova ordem que luta para manter-se como um Estado invasor em território adverso (apud,
Evans-Pritchard, 1940)
Podemos pensar, portanto, qual o significado destes tópicos tão fundamentais dentro
de um aparato potico: o poder de defesa e o judicial. Primeiramente, destaco, que ambos
mostram-se essenciais para o caso do Vale do Amanhecer. No entanto, eles são aplicados
com enfoques diferentes. Observemos que o sistema de defesa é acionado com urgência a
partir do Vale do Amanhecer para o exterior. Ou seja, direcionam-se contra espíritos que
rondam o templo, ou nas proximidades do mesmo, ou até contra os existentes no mundo. O
fato de se portarem como um grupo colonizador, pelo seu conceito extraterreno e por sua
qualidade ético-moral tão diferente aos espíritos aqui existentes, também justifica tamanho
investimento no sistema de defesa. Têm-se ainda inúmeros rituais e mecanismos de defesa
que comprovam tal imporncia: um portal que protege o Vale do Amanhecer; médiuns
recepcionistas, que costumam estar na entrada do templo fiscalizando quem entra e quem sai,
estando eles vinculados a cavaleiros que impedem também a entrada de espíritos; inúmeros
rituais que realizam a prisão de espíritos em redes magnéticas Abatá, Leito Magnético,
71
Mesa Evangélica , e inúmeras entidades de luz que realizam estas prisões. Esta urgência
está de acordo com o previsto por Deleuze e Guattari (1980), quando se referem aos dois
polos de potica soberana, que são o de defesa e o judiciário. Segundo eles, o polo de defesa
é representado por um imperador terrível e mágico, que realiza aprisionamentos através de
redes e nós. Situação muito parecida com a descrita aqui. Por outro lado, o sistema judicrio
é existente e complexo em ambos os contextos: no Vale do Amanhecer e no pensamento de
Deleuze e Guattari. No entanto, o que é surpreendente é que, enquanto no segundo, o rei,
sacerdote e jurista aplica a lei, ou impõe-na com disciplina àqueles que não a respeitam, no
Vale do Amanhecer, ela volta-se contra os próprios adeptos afinal, foram eles que
causaram prejzos no passado tico-cosmológico e estão sendo cobrados por seus antigos
contemporâneos. A lei existe e pode ser bem rígida, mas contra eles mesmos. Além do mais,
a aplicação da lei es de acordo com a particularidade de cada médium, pois ela não parte de
um sistema centralizado, mas de vários espíritos com os quais o adepto teve contato em sua
biografia mítico-cosmológica.
Não podemos deixar de nos atentar sobre a questão da vioncia. Defendo que o
Vale do Amanhecer - na sua construção mítica, que engloba o pametro dos rituais, dos
espíritos de luz, do Vale das Sombras e espíritos não evoluídos é um Estado ou potica
soberana que utiliza, para a sua sustentação, da aplicação da vioncia. Abordo aqui esta
queso sob dois enfoques: a da atuação dos rituais sobre os espíritos e a dos espíritos sobre
os adeptos ou do próprio Estado sobre o adepto. A primeira questão já foi esboçada. Os
espíritos sofredores são capturados em redes magnéticas por intermédio da utilização de
diferentes recursos rituasticos ou por meio de cavaleiros de luz. Por outro lado, adeptos
tamm são vítimas quando sofrem as cobranças cármicas. As dificuldades que os adeptos
enfrentam são originadas por suas histórias transcendentais. A doutrina permite a cobrança
dos espíritos não evoluídos. Isto implica em sofrimentos pelos quais o médium passa até a
sua superação, ou seja, até quando os espíritos sentem que houve justiça. Portanto, a
vioncia aparece tamm em outros lugares, mas de forma diferente (Deleuze e Guattari,
1980: 529): nos aprisionamentos dos espíritos pelas redes ou na aplicação da lei sobre os
adeptos. Além do mais, não apenas as dificuldades sofridas pelos adeptos são uma forma de
vioncia do Estado, mas tamm a submissão aos rituais, às privações perpétuas, às
formalidades nas comunicações das entidades de luz etc.
Baseando-me em Deleuze e Guattari, gostaria de pensar ao menos qual é a relação
que o adepto tem com o contexto religioso, devido ao aspecto da mediunidade e o sistema de
72
obtenção de nus. Em geral, os adeptos relatam sentir alguns males espirituais, antes de
entrarem na doutrina. Eles podem sofrer algumas doenças, ou mesmo algumas dificuldades,
que são esclarecidas pelos Pretos Velhos como sendo uma necessidade para desenvolver a
mediunidade, mas para isso é necessário entrar na doutrina. Assim que fazem parte do
sistema, percebem que apenas a participação nos rituais pode aliviá-los. Além do mais, suas
dificuldades são diminuídas a partir do momento em que conseguem suas libertações,
obtidas por meio de nus recebidos por causa dos ritos. Os nus são uma espécie de
moeda espiritual, que será armazenada e utilizada pelos ciganos espirituais no momento que
a sua quantidade seja suficiente para ser negociada com os espíritos que cobram os médiuns.
Dessa maneira, será obtida a libertação dos adeptos. Deste modo, uma grande maioria de
médiuns, podemos perceber isso, está submetida ao sistema religioso do Vale do Amanhecer.
Caso eles decidam sair, podem amesmo correr risco de vida. Podemos falar aqui, que os
médiuns sofrem aquilo que Deleuze e Guattari chamaram de violência de usurpação, que
permite a montagem do sistema do Estado (1980:559). Eles, na verdade, referiram-se à
queso da acumulação do sistema econômico que apenas ocorreria através deste processo
usurpador. No entanto, aqui não há necessidade de uma acumulão para o sistema mover-
se. É importante apenas que o sistema funcione para que um maior número de espíritos seja
elevado, para que os rituais belicosos possam atuar. E isso ocorre a partir do momento em
que haja médiuns trabalhando. Logo, podemos dizer que os médiuns estão sendo submissos,
ou sofrendo um processo de servidão, porque eles são como peças de uma máquina, que está
sob a direção e controle de uma unidade superior (Deleuze e Guattari, 1980:571). Este
Estado transcendente é o que determina o grau de obrigações do adepto. Isto será aliviado
conforme os nus/horas acumulados pelo médium e negociados com os espíritos
cobradores. Ou seja, assim como um aparelho de captura que apropria e compara o
excedente para distrib-lo igualmente, os nus são apropriados e comparados conforme a
necessidade do adepto (ibid: 552). Deste modo, interpreto que grande parte dos adeptos do
Vale do Amanhecer está na condição de submissão a um sistema que cobra suas
participações em rituais. Seus nus o como bens que podem ser apropriados e
comparados por um aparelho de captura, a fim de beneficiar o adepto em negociações
espirituais.
73
CAPÍTULO III
4. Angical
4.1. Um confronto entre espíritos e médiuns
O adepto, antes e depois de entrar para a doutrina, toma conhecimento de que
necessita de participar de alguns rituais para sentir avios de suas dificuldades.
Naturalmente, antes de estar inserido na instituição, ele apenas poderia interagir nos rituais
enquanto paciente, mas sendo adepto, há duas maneiras: participando das performances ou
tamm, quando necessário, recebendo tratamento de alguma enfermidade espiritual. As
timas de males espirituais são atendidas, primeiramente, no ritual de tronos para tomarem
conhecimento dos outros dos quais podem necessitar atendimento, tais como, cura, junção,
indução, linha de passe, defumação, randy, estrela sublimação, Estrela Candente e linha de
passe da Vovó Marilu. Os médiuns podem participar da realização de todos estes rituais e
ainda dos de abatá, Imantração, Unificação, Turigano e muitos outros nas mais diversas
disposições. Estes, por si já são muito eficazes, tendo a função de atuar contra espíritos
desobsessores de uma maneira direta e regular, através de rituais nicos ou meramente
convencionais e padronizados.
No entanto, muitos adeptos o encontram seus avios nestes ritos o
formalizados, tendo que participar de outros mais impremeditados, que exigem certa dose de
improviso. Um destes é o Angical. Há certos espíritos que apenas se submetem ao diálogo.
Entidades que tiveram conflitos com o adepto em outras vidas, não se acalmam e não o
elevados para os hospitais transitórios, enquanto não se retratam com seus antigos inimigos.
Estas conversas ocorrem no Angical.
Na prática, o ritual de Angical acontece na segunda-feira mais próxima do dia 12
de cada mês e começa entre as 21:30 e 22:00 horas, podendo terminar aproximadamente
74
entre os horários de 00:00 e 01:00 hora. Na realidade, o doutrinador irá conversar com um
espírito com o qual se envolveu em uma contenda em outras vidas, mas também poderá ter
que lidar com espíritos que não necessariamente conheceu neste período, embora se
mantenha próximo do médium, provocando dificuldades. Nestes dias, o templo não possui
um lugar determinado para o ritual, estando quase todo liberado. Os adeptos se sentam onde
podem em duplas, muitas vezes previamente estabelecidas, podendo conversarem sozinhas
ou atendendo outro adepto. A incorporação começa depois que o comandante abre o
trabalho. Neste momento, o médium de incorporação incorpora o Preto Velho e,
inesperadamente, costuma vir a do cobrador, que conversará com o médium de doutrina.
4.1.1. Algumas breves impressões de integrantes sobre o Angical
Há muitas histórias que rondam o Angical, tantas quantas são os adeptos. Devido
ao espaço reduzido que temos aqui, não poderemos explorá-las tanto. Porém, vou poder
passear um pouquinho, para eno mostrar um atendimento.
Nestes dias de Angical, os adeptos possuem duas preocupações sicas:
primeiramente procuram conseguir bônus, obtidos pelas práticas dos rituais, para que a
libertação seja possível, além do mais, procuram se precaver de algum acontecimento
inesperado. Marielsi Gabarra, disse que muitas vezes seu filho já caiu em febre quando ela se
preparava para sair para o ritual. Por isso, alguns fiéis nem gostam de marcar compromisso
antecipadamente para este ritual.
Conversei com ts mulheres que nunca participaram de um Angical, por opção.
Cada qual por um motivo. Regina, 26 anos, da falange de Agulha Ismênia, doutrinadora,
disse que teme ser ludibriada pelo espírito e não alcançar sua libertação. Leonor, 32 anos,
doutrinadora, da falange das Mayas, disse que jamais vai participar de um Angical, porque
acha que vai se impressionar com a hisria por vários dias. Disse que sua amiga tinha
participado de um Angical e, no momento que o cobrador incorporou, ele deu uma risada tão
assustadora que ela sentiu vontade de ir embora, mas teve que se controlar e doutrinar o
espírito até o fim. Sua irmã, Teresa, 34 anos, disse que não queria saber o que ela tinha feito
75
no passado, por isso não participava destes ritos. Além do mais, ela não colocava crédito em
algumas hisrias de Angical que ouvia. Disse que todo mundo aqui no Vale do Amanhecer
tinha sido rei ou rainha no passado. Falou que se cansou de ouvir um mestre falar em alta
voz no ônibus, na terça da manhã seguinte ao Angical, dizer que tinha sido César, o
imperador romano, em outra vida. Por que ele não podia ser um escravo? Quantos reis o
mundo teve? Logo César?
Marcos Antônio contou-me que o templo fica repleto de médiuns trabalhando
por todos os lugares nos dias de Angical: com poucas exceções, como o espaço da mesa
evangélica, a cura, a junção, a indução e o castelo do silêncio, todos os demais são tomados
por mestres sentados, sendo atendidos por espíritos incorporados. Nestes dias, conforme
pude observar, o templo fica completamente distinto do quotidiano, onde os bancos que
circundam os corredores, os demais dispoveis, os tronos vermelhos e amarelos ficam
dispostos de outra maneira. Há diversas entidades conversando, Pretos Velhos ou espíritos
cobradores, alguns calmos e outros gesticulando muito, demonstrando hostilidade, em um
misto de amenidade e perigo. Por isso, Marcos Antônio não fica muito à vontade dentro do
templo, afinal, sempre achava que um espírito iria cha-lo para uma conversa. Ademais,
Bálsamo Azevedo, antigo integrante da doutrina, falecido em Julho de 2007, disse-lhe que se
deve andar com certa cautela no templo nestes dias, pois há muitas forças envolvidas. Esta
paisagem lembra-nos muito o caminho da montanha repleta de espíritos e de perigos descrito
por Taussig (1997).
4.2. A realização de um Angical:
Há muitos anos eu queria ter a oportunidade de escrever sobre um ritual de
Angical. Já tinha ouvido muitas histórias, mas gostaria de poder acompanhar detalhadamente
o rito, para entender quais teriam sido os recursos utilizados pelo doutrinador para conseguir
76
o seu perdão. Deste modo, uma doutrinadora aceitou fornecer a sua hisria. Avalciara
114
, 39
anos, que participa deste ritual desde 1999, permitiu que eu observasse seu atendimento.
Bastava agora conseguir um médium de incorporação. Conversei com Marcos
Antônio, 34 anos, mas ele não aceitou o convite. Deste modo, a doutrinadora concordou em
chamar um Ajanã de sua confiança, que topou imediatamente. Isso tinha sido combinado
dez dias antes do ritual. Quando faltavam apenas 3 horas para o começo do rito, eu estava no
Plano Piloto e telefonei para a doutrinadora. Contou-me que o Ajanã não queria mais e não
disse o motivo. Telefonei novamente para Marcos Antônio, que me respondeu: Tudo bem,
pra você eu aceito. Agradeci. Então ele me disse para não agradecer a ele, pois era sua
entidade que tinha pedido. Assim, a observação tornou-se possível.
Cheguei ao templo por volta das 22:00 horas e já me encontrei com Avalciara.
Às 22:35 o Ajanã chegou, foi logo cumprimentando a doutrinadora e depois se dirigiram
para o interior do templo. Acompanhei-os.
Eles tiveram de fazer uma pequena preparação, porque tinham chegado tarde, e
logo procuraram um lugar para Marcos Antônio incorporar. A doutrinadora fez o convite à
entidade. Sentei-me de frente aos dois.
AVALCIARA: Salve Deus. Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, nesta
bendita hora, convido o abnegado mentor deste aparelho para que ele possa, em teu bendito
nome, vir a realizar caridades. Salve Deus, seja bem vindo;
MARCOS ANTÔNIO incorpora a entidade: graças a Deus, (Avalciara ao
mesmo tempo: graças a Deus), graças a Deus. Salve o nosso Senhor Jesus Cristo.
Após o convite, a Entidade já começa dizendo: graças a Deus, graças a Deus.
Salve o nosso Senhor Jesus Cristo.
Avalciara: para sempre seja louvado;
114
A doutrinadora em questão não quis ser identificada, por isso, ela mesma pediu para ser chamada de
Avalciara, que é escrava do Ministro Yuricy, ambos entidades de luz da doutrina. Conforme o acervo Tumarã, no
tópico intitulado escrava”, esta é uma condição da ninfa Lua, que, na verdade, existe na realização de um
trabalho da Corrente no plano espiritual, onde ela tem que atuar como se fosse realmente uma escrava de seu
mestre, obedecendo e servindo para a perfeita realização daquele trabalho.” Esta é uma condição que se refere
às ninfas Luas, que são classificadas como escravas de algum doutrinador, mas que também se assemelham na
cosmologia. A adepta observada não é escrava de nenhum outro médium.
77
Entidade de Marcos Antônio: Salve o Nosso Senhor Jesus Cristo;
Avalciara: Para sempre seja louvado;
Entidade: Salve o Povo do Congo; Salve o Povo de Guiné;
Avalciara: Graças a Deus;
Entidade: Graças a Deus, graças a Deus; salve o Pai João de Enoque, graças a Deus;
Avalciara: Graças a Deus;
Entidade: Graças a Deus;
Avalciara: Salve Deus;
Avalciara: em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, quem está presente neste aparelho?
Entidade: Graças a Deus... minha filha. Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo... e se faz
presente... Pai João.
Nesse momento o aparelho demonstra ter incorporado um cobrador.
Avalciara: Com muito amor...
Entidade: Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo; Graças a Deus, salve a força de Mãe
Calaça, salve a força da Rainha de Guiné...
Entidade: gargalhada contida, seguida de outra com mais desenvoltura.
Avalciara realiza a puxada: Salve Deus... Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo.
Avalciara realiza a doutrina do espírito: Salve Deus. Louvado Seja Nosso Senhor Jesus
Cristo. Salve Deus. Seja bem vindo a esse pronto-socorro universal. Aproveite essa feliz
oportunidade para compreender que já é um espírito desencarnado e que através do amor e
humildade, encontrarás equilíbrio na sua mente e no seu coração. Salve Deus meu irmão,
seja bem vindo. (fala com naturalidade, demonstrando atenção)
Entidade: não... não... não... não quero ... não quero... estar... aqui... eu não queria estar
aqui... não. Tu me trouxe aqui. (demonstração de raiva)
Falou isso referindo-se a Avalciara.
Avalciara: Salve Deus. Aproveita a oportunidade que está aqui pra fazer falador. Graças a
deus. Se você está aqui é pela vontade de Deus.
Entidade: tu me engan... de novo.
Interrompido por Avalciara: quer falar um pouquinho?
Entidade imediatamente: eu!?
Avalciara: Você está no Vale do Amanhecer. Continua falando.
Entidade: já me enganou.
Avalciara: eu quero conversar com você.
78
Entidade: não, você me enganou. Tu acha que tu me engana de novo.
Entidade: Tu já me enganou. Não tu me enganou outras vezes...
Avalciara: Mas nem sempre aquilo que a gente quer é prejudicar você.
Entidade: o quê que é que vai acontecer... e o quê que aconteceu agora, nada? Nada... (a
entidade fala gaguejando muito. Parece que está com raiva, mas o aparelho está contido);
Avalciara: Eu estou aqui é para te ajudar. Desta vez eu estou aqui é para te ajudar. Se em
outras oportunidades que nos encontramos, eu te fiz mal, agora eu estou aqui para te ajudar.
Entidade: Ah, tá. (ri com ironia). Me ajudar (continua rindo).
Entidade: (rindo) ah não, me ajudar (continuava rindo).
Avalciara: é claro que eu estou aqui para te ajudar. Embora você não acredite, né. Mas a
minha intenção é fazer com que você acredite que eu estou aqui para te ajudar. (fala com
naturalidade)
Entidade: não...
Entidade: Não...Quem me mandou aqui, disse que não era pra vir aqui. Disse que não ia vir
aqui não. não... Era... era... era só fazer o serviço. ...
Avalciara: Você está aqui porque você tem o direito de estar aqui conversando, não é
verdade?
Entidade: falaram que era só fazer o trabalho e ir embora.
Avalciara: pois é...
Entidade: aí me trouxeram aqui. Eu já vim aqui outras vezes.
Avalciara: é?
Entidade: Outra pessoa mandou eu vir. Aí mandaram de novo... eu vim... era pra tu. Era pra
tu (ri com ironia).
Avalciara fala: graças a deus, né? Mas graças ao bom senhor, você tá aqui agora. (falando
com muita paciência).
Entidade: Sei quem é ele não.
Avalciara: Claro que sabe. (irônica)
(silêncio)
Entidade: ... mandaram vir, me deram, pagaram ... eu vim, pronto... mas não falaram que eu
ia vir aqui não. Disseram que ia ser rápido.
Avalciara: então já que você tá aqui, vamos aproveitar essa feliz oportunidade pra gente
conversar.
Entidade:conversar o quê aqui. Não tem nada pra conversar aqui não.
79
Avalciara: temmm. (com certa ironia)
Entidade: eu vou voltar lá. Ele falou que não ia ter nada aqui. Que eu não ia vir aqui. Eu vou
voltar lá. Vou voltar, ele vai ver, deixa ele. Ele achou que isso aqui ia ficar de graça. (risos
com ironia). Você é que tinha que mandar eu ir lá. Ele mandou eu fazer coisas contigo.
Avalciara fala: Graças a Deus!
Entidade: ele queria seu mal.
Avalciara: Eu só queria que você me dissesse porque você fez isso.
Entidade: só faço o que mandaram.
Avalciara: você gosta de só fazer o que mandam, você não tem vontade de fazer as coisas que
você deseja?
Entidade: eu tive o que eu quero...
Avalciara: mas você não acha que de repente você poderia ter bem mais do que o quê você
quer?
Entidade: Ele só queria ver você sair daqui.
Avalciara: você tem coragem de sair?
Entidade: Pra onde é que eu vou? (mudança de tom, pareceu mais sincero)
Avalciara: pra um lugar bem melhor. Para uma energia melhor do que onde você está. Você
pode até me dizer que está acostumado com esta vida. Mas não é o que você quer. Não é. Eu
tenho certeza que não.
Entidade: quando eu estava aqui, me disseram que seria tudo melhor lá. Aí eu fui.
Avalciara: tá sendo melhor?
Entidade: Eles me obrigam a fazer um monte de coisas.
Avalciara: será que você merece isso?
Entidade: Claro que não. Eles mandam a gente vir.
Avalciara: já que você tá aqui. Então aproveita a oportunidade de fazer as coisas serem
diferentes.
Entidade: um monte de gente...
Avalciara: Se você tem a oportunidade de estar aqui agora. É porque você tem a
oportunidade de mudar tudo agora.
Entidade: mudar?
Avalciara: Mudar sim, você pode.
Entidade: não, sair daqui eles vão me pegar de novo.
Avalciara: não vão pegar.
80
Entidade: Aí vão mandar fazer outra coisa em outra pessoa.
Avalciara: se você confiar em mim, eles não vão te pegar. Você confia em mim?!
Silêncio de poucos segundos.
Avalciara: confia?
Avalciara: você confia em mim? (com um tom quase maternal)
Entidade: você quer ajudar quem te faz o mal.
Avalciara: Eu quero ajudar você. (fala com delicadeza, enfatizando o pronome “você”).
Você que está aqui perto de mim agora.
Entidade: eu quero fazer o mal pra você, porque eles me mandaram, viu? (mudança de tom)
Avalciara: Eu quero te ajudar. (fala com sensibilidade)
Entidade: quem vai me ajudar?
Avalciara: confia em mim?!
Entidade: quem vai me ajudar?
Avalciara: você não acha que pode ficar melhor do que lá? Você acha que é bom viver... Eu
acredito que não seja bom viver como você está vivendo. Sem ter vontade. Sem ter vontade
própria! Sem poder fazer coisas que você gostaria de fazer e não pode fazer porque tá
obrigado...
Entidade: quando eu sair daqui, eu vou estar de novo, você fica falando isso. (em tom de
lamentação)
Avalciara: (interrompendo a entidade) Não vai!... Confia em mim?!
(um breve silêncio)
Avalciara: confia em mim?
Entidade: o quê que eu tenho a perder, né?
Avalciara: você confia em mim?
Entidade: táaaa...
Avalciara: eu estou falando pra você que você pode interferir nisso, você pode.
Entidade: quem vai me ajudar?
Avalciara: eu tô ajudando.
Entidade: você fica aqui.
Avalciara: Óh, ...
Entidade: quando eu estiver do outro lado, quem vai me ajudar? Ninguém, eu vou estar só de
novo.
Avalciara: As entidades que me acompanham, também querem o seu bem...
81
Entidade: foram eles que me trouxeram aqui.
Avalciara: pois é, por isso mesmo. Porque querem o seu bem. Pra te darem essa
oportunidade, para que você possa fazer a diferença.
Entidade: e quem me garante, que quando eu sair daqui, eles não vão me levar pra eles
de novo.
Avalciara: não vão levar. Confia em mim?
(silêncio)
Entidade: você fala com muita certeza.
Avalciara: tenho toda a certeza do mundo. Confia nos meus mentores?
Entidade: quem é ele?
Avalciara: você sabe quem é, você acabou de conhecer... não foi?
Entidade: foi.
Entidade: tem um homem e uma mulher lá.
Avalciara: eu sei.
Entidade: bem aqui, ó. Só o homem.
Avalciara: eu sei, tenho certeza disso. Por isso que eu estou te pedindo, confia em mim? (em
tom suave). Eu falo com toda a certeza.
Entidade: confirma com ele. Se ele disser...
Avalciara: tenho certeza que esses daqui, que trouxeram-no aqui, porque é melhor.
Entidade: (em prantos): me tira daqui então, por favor!
Avalciara: graças a Deus. Confia em mim, então? (suavemente).
Entidade: tá (ainda em prantos, não responde).
Avalciara: Salve Deus. Óh Obatalá, (alguns gemidos e suspiros da entidade) Óh Obatalá,
entrego neste instante, mais esta ovelha para o teu redil.
Pai João: Graças a Deus. Louvado seja nosso senhor Jesus Cristo.
Avalciara: Para sempre seja louvado.
Pai João: Louvado seja nosso senhor Jesus Cristo.
Avalciara: Para sempre seja louvado
Pai João: Louvado seja nosso senhor Jesus Cristo.
Avalciara: Para sempre seja louvado.
Pai João: Graças a Deus.
Avalciara: Graças a Deus.
Pai João: Salve Deus filha querida.
82
Avalciara: Salve Deus Pai.
Pai João: esse seu humilde pai pede... Desculpa por não ter nem tido tempo de falar com
minha filha, viu filha querida.
Avalciara: oh, graças a Deus paizinho. Eu sei que quando você tivesse tempo você ia falar,
pai? Pai João: mas eu cheguei, ele tava aqui, minha filha. Muito próximo de sua família.
Viu minha filha. Esse nego velho achou por bem, pôr todas as sentinelas que se fazem aqui
presentes, que nada faz mal pra ele, viu minha filha. Aproveitar esse bendito momento do
reencontro. Minha filha percebe, minha filha? Que ele é nada “carma” com minha filha,
né?
Avalciara: eu percebi, meu pai. (fala com carinho)
Pai João: minha filha percebe quanto ainda neste mundo existem pessoas que estão a
caminho da evolução, né minha filha.
Avalciara: é verdade, né meu Pai.
Pai João: Graças a Deus Agradeça minha filha, por essa bendita oportunidade. Graças a
Deus, minha filha. Os mentores de Deus pai todo poderoso agradecem a ti por ter
encaminhado esse bendito filho de Seta Branca, viu? Um grande filho desta casa, viu, minha
filha? Quando saíste desta casa, minha filha, esse filho, no momento de seu desencarne,
muito trabalhava mas pouco fazia, viu minha filha? foi levado, minha filha, escravizado. Pois
sua mente foi mais uma vez “amedoada
115
” pelos espíritos, né, minha filha? Graças a Deus.
Salve o povo do Congo, salve o povo de Guiné... eu agradeço a oportunidade, minha filha,
por ver realizada por esta divina espiritualidade, viu, minha filha. Trabalhe sempre com a
confiança e com a voz de ordem que o doutrinador tem, viu minha filha. Graças a Deus.
Avalciara: Graças a Deus.
Pai João: cada palavra que minha filha emanava recobria aquele irmão, que teve a
oportunidade de passar por aqui, viu minha filha. Os seus mentores confirmaram o momento
em que ele teria, para saber se realmente poderia seguir com ele. Eles confirmaram, viu
minha filha? Levaram ele para as casas transitórias de Deus e ele estará protegido, viu
minha filha? Em Cristo Jesus, graças a Deus. Esses irmãos, minha filha, que muito praticam
a fé ou vestem suas indumentárias, seja aqui nessa doutrina ou em qualquer outra, mas que
ao templo de nosso senhor Jesus Cristo, não penetra no coração deles, minha filha, é triste
115
O Preto Velho tinha um sotaque espanhol bem forte. Neste momento, ele utilizou um termo proveniente desta
língua que implicava dizer que o “espírito tinha medo de outros do Mundo Negro”. Por curiosidade perguntei ao
aparelho, em outra oportunidade, se ele conhecia aquele termo, respondeu-me que não e que nem ao menos tinha
tanto conhecimento assim de espanhol.
83
quando os daqui saem de seu mundo, e atravessam o mundo etéreo e percebem que não existe
prótame (...) existe apenas a fé, a abnegação, o amor. E esse amor, essa bendita renúncia é
que faz levar a evolução do mestre.
Pai João: essa bendita espiritualidade te observa, viu minha filha. Fica sempre em seus
pensamentos, em suas ações, tentando influenciá-la, viu minha filha, no seu livre arbítrio. Da
melhor forma posvel. Para que tome as decisões dentro das leis do amor, da humildade e da
tolerância. Viu minha filha? Graças a Deus. Louvado seja nosso senhor Jesus Cristo.
Avalciara: Graças a Deus.
Pai João: Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo.
Avalciara: Graças a Deus.
Pai João: Louvado seja nosso senhor Jesus Cristo. Graças a Deus. Salve a bendita força de
Iracema. Salve força Jurema. Salve força Janaína. Graças a Deus. Graças a Deus. Salve a
força de Koatay 108. Salve a bendita força de Seta Branca, nosso pai. Graças a Deus. (...)
Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo.
Avalciara: Para Sempre Seja Louvado.
Pai João: Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo.
Avalciara: Para sempre seja louvado;
Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo.
Avalciara: Para sempre seja louvado.
Pai João: Esse Nego Velho se despede minha filha. Pedindo a Deus Pai Todo Poderoso, que
outras ricas oportunidades possam aparecer. Tenha a bênção deste Nego Velho;
Avalciara: com todo amor do meu coração.
Pai João: Graças a Deus. Salve a bendita força do Pai Joaquim de Enoque. Salve a força de
Pai João de Enoque. E Graças a Deus. Graças a Deus...
Avalciara ao mesmo tempo em que Pai João diz o nome das entidades: Salve Deus, Jesus
Divino e Amado Mestre, nesta bendita hora em teu bendito nome, agradeço a presença deste
abnegado Preto Velho. Que Jesus Divino e amado mestre lhe pague por esta presença e
caridade. Pode descansar este aparelho. Graças a Deus.
Aparelho demonstra cansaço e um pouco ofegante. A doutrinadora aplica-lhe um passe
magnético. Verifica se ele se sente bem.
84
4.2.1. Avalciara
Conheci Avalciara em 2001 quando eu procurava alguns entrevistandos para
minha monografia de graduação. Nesta época ela estava casada, desempregada e tinha três
filhos, sendo o mais velho de uma relação anterior. Morava em Taguatinga e costumava ter
algumas dificuldades para chegar ao Vale do Amanhecer, pois tinha que deixar os filhos com
sua e e vir de ônibus com o marido. Costumava trabalhar espiritualmente nos finais de
semana e retornar para casa aos domingos à noite.
Depois de mais de dois anos sem vê-la encontrei-a num domingo, prisioneira,
pedindo nus para sua libertação. Contou-me que estava separada, tendo que cuidar dos
filhos quase que sozinha e ainda estava desempregada, sustentando-se com o dinheiro da
pensão e a ajuda de sua mãe, aposentada da Secretaria de Saúde, que lhe dava estadia e
pagava-lhe algumas das despesas. Este foi um ano difícil, pois seus recursos financeiros
eram muito escassos.
No ano seguinte, matriculou-se em uma escola técnica para profissionalizar-se na
área de enfermagem. Foram três anos de estudos, tendo que conciliar seu tempo com o de
seus filhos, com as atividades da doutrina, e ainda procurar manter a calma de sua mãe e
padrasto. A mãe não gostava de sua filha ir tanto ao Vale do Amanhecer, embora Avalciara
tinha diminuído um pouco suas idas porque tinha que estudar, e o seu padrasto não tinha
paciência com seus filhos que ainda eram pequenos, tinham em torno de 3, 5 e 16 anos.
Terminado o curso, Avalciara continuava estudando para tentar algum concurso,
mas como não tinha conseguido aprovação, tentou trabalhar no HUB, onde ficou de 2006 a
2007. Para ela o período de trabalho era bom, pois conforme sua escala, conseguia dividir o
seu tempo com os filhos e a doutrina. Mas como o seu vínculo empregatício era por meio de
contrato, ela teve que se afastar e permaneceu desempregada em 2008.
No final de 2007 teve uma surpresa desagradável. Descobriu que estava gvida
do namorado. Agora não adiantava mais procurar emprego, pois teria que cuidar da sua filha
nestes primeiros meses de vida. Sua mãe ajudou-a financeiramente neste período, o que foi
uma surpresa para ela.
85
No início de 2009, ela fez um curso de faturamento hospitalar. Seu professor
percebeu que ela era muito ágil nas operações e prometia que iria empregá-la na empresa
ética faturamento hospitalar”, onde ele era responvel pelos cálculos dos seguros de
saúde. Cumprindo com a promessa, ela foi contratada em Março e permanece lá ainda hoje.
Nos dias que antecediam ao Angical, Avalciara vinha passando por alguns
momentos de grande tensão. Sua mãe, que sempre faz uma viagem de férias por ano, estava
viajando naquela semana. No entanto, ela se programou para ficar fora dez dias e durante sua
auncia, resolveu ficar fora por mais dez. Isto desagradou imensamente sua ire seu
padrasto, que sempre cobravam seu retorno imediato. Por causa desta situação, Avalciara
resolveu ficar estes dias na casa de sua mãe, ajudando nas tarefas e no cuidado das crianças,
o que lhe era muito desgastante.
Além do mais, a data do seu aluguel estava vencendo na semana anterior. O seu
emprego, inicialmente, parecia uma solução, no entanto, o seu chefe, ou o seu antigo
professor, não assinou a sua carteira profissional e estava pagando um salário muito baixo,
cerca de R$ 750,00 e o aluguel custava R$ 500,00. Muitas vezes ela tinha dificuldades em
conseguir pagá-lo, por isso, tinha que pegar dinheiro emprestado ou aceitar ajudas de sua
mãe. Desta vez pediu para a irmã e quando chegou o momento de pagá-la estava sem a
quantia. Em outros meses estes empréstimos se repetiam, como ela possui muitos amigos,
conseguia cumprir com seus compromissos e algumas vezes nem precisava devolver o que
recebia. No entanto, ainda há outra dificuldade, seu marido, o pai da sua última filha, es
desempregado e tentando terminar o segundo grau, tem apenas 20 anos, bem mais novo do
que ela, 39. O pai dos dois filhos mais novos tamm está desempregado, por isso ela recebe
apenas R$ 200,00 de pensão, quando ele tem condições, pois tamm tem realizado outros
gastos devido ao seu novo relacionamento.
Avalciara encontra algumas dificuldades quando costuma ir ao Vale do
Amanhecer. O deslocamento para o templo é um pouco problemático, pois saindo de
Taguatinga ela precisa pegar dois ônibus. Prefere deixar seus filhos com alguém, pois não é
fácil realizar os rituais e observá-los ao mesmo tempo. O filho mais velho não é um
problema, pois tem grande afinidade com sua avó. Os dois menores costumam ficar tamm
com a avó, mas neste caso, algumas vezes ela reclama que sua filha deixa de fazer coisas
importantes para ir ao templo. De fato, sua mãe nunca gostou muito do Vale do Amanhecer.
O padrasto costuma ficar insatisfeito quando a casa escheia de crianças e embora ele não
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reclame, costuma agir com certa hostilidade. Outra opção é deixar seus filhos com o ex-
marido. Mas neste caso, ela tem que saber se ele não vai participar de algum ritual no
templo, pois tamm é adepto da doutrina. Ela sempre leva a filha menor para o Vale do
Amanhecer, mas neste caso, deixa-a com sua sogra que mora na cidade. Seu marido, pai da
filha mais nova, apesar de ser médium de incorporação, não costuma participar tanto dos
rituais, por isso pode ficar tamm na casa da própria mãe.
Avalciara entrou no Vale do Amanhecer em 1999 e é médium doutrinadora. Ela
sempre foi de estar quase todos os finais de semana no templo. Quando se iniciou no Vale do
Amanhecer, pertencia à falange das Gregas e participava muito do Turigano, turno de
trabalho delas. Em 2004, migrou para outro grupo, entrando para as Yuricys, da mestre
Elves, por isso, começou a participar mais dos trabalhos da falange: como o Abatá aos
domingos pela manhã e a escalada no último sábado de cada mês.
Sua motivação pela participação nos rituais da falange se deve à afinidade que
sente pelo ministro Yuricy, entidade espiritual que rege o grupo, protege seus membros e está
presente durante a realização de seus rituais. A explicação desta afinidade é dada pelo
sentimento de realização que tem quando participa destes ritos. Disse tamm que certa vez
participou do ritual de pirâmide e, enquanto estava lá, sentou-se próxima à imagem do
ministro Yuricy e teve a sensação de ouvir a voz dizendo “minha filha querida”. Depois
disso, foi atendida em um Angical e Pai João falou que se quisesse saber o que o ministro
significava para ela, bastava olhar bem fixamente para sua imagem no seu aledá assim que
chegasse em casa. Chegando lá, fez conforme orientada e, em prantos, teve a grande
sensação de que olhava para seu pai.
Perguntei-lhe sobre seu pai. Até então, sua hisria era um mistério para mim.
Contou-me que seus pais separaram-se quando sua mãe ainda estava gvida e sempre teve
pouco contato com ele, sentindo sua falta nas festinhas de crianças. Quando faltavam 2
meses para Avalciara completar 16 anos, ele morreu de ataque cardíaco. Chegou a me
confessar que talvez o Ministro Yuricy ocupe o lugar desta auncia paterna.
No período em que ela participara do Angical, perguntei-lhe se a comunicação do
rito tinha relação com o seu quotidiano e se ela achava que sentiria melhoras após a
realização do mesmo. Contou-me que realmente tinha dificuldades de ir para o Vale do
Amanhecer, por causa das discussões com sua mãe, o que possa relação com a
comunicação do espírito. Além do mais, não pensava que o Angical implicasse em um avio
87
imediato para suas dificuldades, mas pelo menos agora sabia que existia um espírito a menos
para atrapalhá-la.
4.2.2. Marcos Annio
Marcos Antônio nasceu em Brasília em 1975 e entrou na doutrina aos 17 anos.
Respondeu as inúmeras perguntas que lhe fiz. No entanto, pediu-me para que não fosse
identificado, pois possui pequena inflncia sobre o seu grupo e esta confiança pode ser
prejudicada. Deste modo, apenas posso dizer que é dium de incorporação e sempre foi
morador do Vale do Amanhecer. O pseunimo de Marcos Annio foi fornecido por ele.
4.3. Sobre o Angical de Avalciara
Ao observarmos a condição dos adeptos e de suas hisrias de vida, percebemos que
temos de inseri-los ao conteúdo dos rituais, pois os médiuns interpretam a melhora de suas
situações por intermédio dos ritos. Naturalmente, devemos abordá-lo considerando alguns
conceitos da linguística, sem nos esquecer que o Angical não está preso a isto.
Deste modo, lembremo-nos de algumas características referentes a análise de
ritos, baseando-nos em Lévi-Strauss em seu texto O Feiticeiro e sua Magia”. Segundo ele,
o sistema, ou a ordem dos signos é uma das condões para a realização do ritual e a
possibilidade da cura. Para ele, há um sistema de interpretação onde a invenção pessoal
desempenha um grande papel e ordena as diferentes fases do mal, desde o diagnóstico até a
cura (Lévi-Strauss, 1975: 207). Ou seja, para Lévi-Strauss, a ordem é importante, porque
ela demonstra a sucessão das etapas para a cura do paciente. No entanto, um pouco mais do
que isso, esta sucessão, representada mimeticamente, induz no paciente o efeito que se
deseja, desde a origem do problema. Saussure justificou esta ordenação, considerando a
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impossibilidade de os signos serem utilizados todos ao mesmo tempo, mas devendo se
colocar em uma sucessão. “(...) os significantes acústicos dispõem apenas da linha do
tempo; seus elementos se apresentam um após outro; formam uma cadeia. Esse caráter
aparece imediatamente quando os representamos pela escrita e substitmos a sucessão do
tempo pela linha espacial dos signos gráficos (Saussure, 2006: 84). Essa ordem, que se
mantém em razão da disposição dos signos dentro de uma sucessão temporal, age no ritual,
funciona como um mecanismo.
No entanto, em nosso caso, a ordem é importante, mas não podemos deixar de
considerar o principal mecanismo da cura, pois está centrado principalmente na revelação
alcançada por intermédio do diálogo. O espírito apenas segue o seu caminho, após conversa
estabelecida entre seu algoz de outras vidas. Por outro lado, a revelação tamm liberta o
adepto. Podemos dizer que a transformação ocorrida no ritual se procede conforme um
mecanismo que favorece uma hermenêutica da voz (Risser, s/d: 389). Para James Risser,
que abordou a hermenêutica em Gadamer, it is not enough to say that for philosophical
hermeneutics the experience of meaning is linguistic. Não pretendo deixar de averiguar o
aspecto linguístico, mas prefiro dar maior ênfase à voz, que permite that which is far and
alienated speak again „not only in a new voice but in a clearer voice‟” (ibidem). Portanto, a
condição de adepto e cobrador é revelada por intermédio do diálogo entre ele e o espírito, em
uma espécie de esclarecimento ou hermenêutica do ser.
4.3.1. Algumas importantes evoluções
Não podemos perder de vista o objetivo primeiro deste ritual. Devemos entender
que o doutrinador pretende fazer a elevação do espírito cobrador que é o possível causador
de suas dificuldades, pois desta forma, ele espera conseguir seus avios. Pretendo, então,
demonstrar aqui, como foi que houve a evolução da mudança sofrida por este espírito até sua
elevação. Afinal, ele apresentava-se impaciente e um pouco hostil no princípio, mas à
medida que ia conversando, sua condição mudava, até que ele pediu para ser elevado para a
casa transitória de Mayante. Gostaria eno de poder mostrar este trajeto, mas pensando
89
alguns elementos que acompanharam esta modificação do espírito sofredor, as reações dos
participantes e as estratégias utilizadas por ambos.
4.3.2. Os desejos do espírito
O Angical apresenta-nos uma história fragmentada que deve ser reconstrda
para a melhor compreensão dos personagens, de suas expectativas em relação a cada qual e
da reação dos participantes a certos discursos. Conforme foi relatado pelos participantes, um
espírito foi pago através de alguns produtos de seu interesse para retirar do Vale do
Amanhecer a doutrinadora que trabalhou no Angical. Este era o seu serviço. Para atingir tal
objetivo, ele permanecia próximo à família de Avalciara. Este espírito é um ex-integrante da
doutrina, mas não tinha os padrões emocionais e morais adequados referentes a um dium
da instituição, o que o deixou vulnevel a ser escravizado por outros espíritos. Assim que a
médium iniciou o ritual, o Preto Velho percebeu que aquele espírito estava atuando sobre a
adepta/paciente e conseguiu levá-lo até o ritual, por intermédio das entidades que a
protegem. No Angical, então, a função da médium era conven-lo a seguir para as casas
transitórias adequadas, locais aonde o espírito receberia seus primeiros cuidados, para em
seguida, ser enviado para o mundo espiritual a fim de se preparar para atender como uma
entidade, caso tivesse alcançado sua evolução. Caso contrário, reencarnaria para superar seus
carmas obtidos em outras vidas. Conforme nós vimos, a doutrinadora convenceu-o e ele
aceitou sua elevão.
Aqui, abordaremos a evolução do desejo do espírito. Inicialmente, nós não
conhecemos as ansiedades do espírito incorporado, mas soubemos aquilo que ele
definitivamente não queria: estar ali no Vale do Amanhecer. A primeira coisa que o espírito
falou foi: não quero estar aqui e mais a frente, formulou diversas frases que
demonstravam a sua vontade por estar longe daquele lugar.
90
Avalciara: “(...) Mas a minha intenção é fazer com que você acredite que eu
estou aqui para te ajudar.”
Entidade: Não...Quem me mandou aqui, disse que não era pra vir aqui.
Disse que não ia vir aquio. não... era... era... era só fazer o serviço.”
(...)
Entidade: ...mandaram vir, me deram, pagaram ... eu vim, pronto... mas
não falaram que eu ia vir aqui não. Disseram que ia ser rápido.
Por outro lado, uma das poucas vezes em que o espírito demonstrou querer fazer
alguma coisa, foi quando disse que queria vingar-se contra os seus mandantes, por terem sido
os responveis indiretos por ele estar ali.
Entidade: eu vou voltar lá. Ele falou que não ia ter nada aqui. Que eu não
ia vir aqui. Eu vou voltar. Vou voltar, ele vai ver, deixa ele. Ele achou que
isso aqui ia ficar de graça. (risos com ironia). Você é que tinha que mandar
eu ir lá. Ele mandou eu fazer coisas contigo.”
Finalmente, já no final, expressou o seu desejo, quando se submeteu ao argumento da
doutrinadora de ser conduzido para as casas transitórias e pediu enfaticamente:Me tira
daqui, por favor”.
Contudo, o que de fato encontramos é um espírito que está muito mais submisso
aos outros personagens do ritual, conforme observamos os enunciados apresentados. De
acordo com o que dissemos acima, considerando a reconstrução da história do Angical, o rito
foi realizado porque o espírito foi levado até o local pelas entidades da doutrinadora, contra a
sua própria vontade.
Entidade: não... não... não... não quero ... não quero... estar... aqui... eu
não queria estar aqui... não. (...)”
Avalciara: As entidades que me acompanham, também querem o seu bem...
Entidade: Foram eles que me trouxeram aqui.”
Outro aspecto importante e central no diálogo era a sua característica de fazer apenas
o que lhe mandavam, através da troca de algo que lhe interessava. Isto demonstrava que ele
era conduzido por outros espíritos, pelo que eles podiam oferecer-lhe.
91
Entidade: só faço o que mandaram.
Avalciara: você gosta de fazer o que mandam, você não tem vontade de
fazer as coisas que você deseja?
Entidade: eu tive o que eu quero...”
Entretanto, embora demonstrasse satisfão, mais adiante, o espírito disse que, na
realidade, não gostava de permanecer no Vale Negro porque lhe mandavam realizar muitas
coisas que ele não queria.
Entidade: quando eu estava aqui, me disseram que seria tudo melhor lá.
eu fui.”
Avalciara: tá sendo melhor?
Entidade: Eles me obrigam a fazer um monte de coisas.
Avalciara: se que você merece isso?
Entidade: Claro que não.(...).
Conforme explicação do Preto Velho, o espírito demonstrou ter um grande receio em
voltar para o local anterior, em virtude de sua relação com os outros espíritos.
Pai João: (esse filho) foi levado, minha filha, escravizado. Pois sua mente
foi mais uma vez amedoada” pelos espíritos, né, minha filha?.
Outro comentário interessante, foi o realizado pela doutrinadora, quando ela justificou a
presença daquele espírito no Angical.
Avalciara: (...) se você está aqui é por vontade de Deus”.
Não podemos deixar de colocar que o espírito atribuiu, inicialmente, a sua presença no ritual
em razão da própria doutrinadora.
92
Entidade: o... não... não... não quero ... não quero... estar... aqui... eu
não queria estar aqui... não. Tu me trouxe aqui.”
Além do mais, não podemos deixar de observar que à doutrinadora é atribdo o conceito de
quem o enganou, ou seja, de quem conduziu o espírito a realizar algo contra a sua vontade.
Entidade:(vo) já me enganou.
Avalciara: eu quero conversar com você.
Entidade: não, você me enganou. Tu acha que tu me engana de novo... Tu
me enganou. Não, tu me enganou outras vezes...”
Temos aqui, portanto, um personagem que tem uma relação de submissão a todos os
outros citados no ritual. A doutrinadora foi considerada como uma das que o conduziu a o
ritual, como também quem o enganou em outros momentos, ou seja, conduziu-o conforme o
seu bel prazer; os espíritos com os quais se relacionava, coagiam-no a realizar funções
indesejáveis, através da oferta de presentes ou por ameaças; já as entidades de luz
conduziram-no, forçadamente, até o Vale do Amanhecer; ademais, a figura de Deus é
associada pela doutrinadora como sendo um dos responveis por sua presença no Angical.
Considerando, portanto, este contraste entre os desejos não realizados do espírito,
o seu esforço para se afastar do ritual e suas diferentes condições de submissão, podemos
dizer que uma possibilidade de leitura deste Angical está no percurso da tentativa de
submeter o espírito à instituição cosmológica do Vale do Amanhecer. Observemos que,
apesar de o espírito não querer estar ali, ele foi mantido no rito e coagido pela doutrinadora a
abandonar o seu antigo local de permanência e seguir para a casa transitória de Mayante. A
sua hostilidade foi transformada e ele foi englobado. Turner falava que mecanismos
rituasticos poderiam ser aplicados para que houvesse a reintegração do elemento em
distúrbio (1996:122). Aqui, o ritual prevê estes mesmos objetivos. No entanto, podemos
entender que o espírito resistia à reintegração, pois esta era uma forma de submissão à
doutrinadora ou ao sistema. A adepta conseguiu que o espírito desabafasse sobre suas
condições no mundo espiritual e ela soube que ele sentia-se decepcionado pela maneira
como o seu trabalho era explorado. Deste modo, ela pôde atraí-lo para um discurso de
mudança, que implicava na sua inserção ao argumento da doutrinadora e ao novo conteúdo
espiritual que era apresentado, onde a submissão seria a entidades de luz e as obrigações
estariam no contexto da ajuda, como a oferecida pela adepta. Neste novo parâmetro, o
trabalho do espírito não deixaria de ser explorado, no entanto, esta exploração contribuiria
para sua evolução. Deste modo, a frase final do espírito, dita em prantos, Me tira daqui, por
93
favor”, parece significar que, apesar de toda recusa, agora ele está mudando de ideia e se
submetendo à doutrinadora, e tamm será a força de trabalho de um novo sistema.
4.3.3. Sinopse das estratégias
Em linhas gerais, torna-se necessário demonstrar aqui como se apresentou a
evolução do diálogo entre a doutrinadora e o espírito, para que possamos com mais
facilidade esclarecer outros tópicos deste percurso. Neste momento, podemos demonstrar,
pelo menos, as dificuldades de diálogo entre os dois componentes do ritual.
Devemos, portanto, salientar que este espírito foi conduzido para outros planos
dimensionais à casa transitória de Mayante - e isso apenas foi possível porque ele aceitou
tal condição. Todavia, essa situação foi criada através da manipulação de tópicos nos
diálogos que eram significativos para a vida do espírito. Naturalmente, torna-se importante
considerar a ordem de aparecimento das frases mais significativas, pois, apenas assim, pode-
se compreender como se chegou ao desfecho e sua importância.
Desta forma, lembremos que inicialmente, o espírito não queria conversar com a
doutrinadora. Ele utilizou dois recursos, que foram reiteradamente aplicados, cada qual no
seu momento. O primeiro era o de dizer a todo o instante que a doutrinadora enganara-o em
momentos anteriores.
Avalciara: Eu quero conversar com você.
Espírito: Não, você me enganou. Tu acha que tu me engana de novo?
O diálogo permaneceu neste parâmetro, até que no segundo momento, quando ela
disse que queria ajudá-lo, ele respondeu em tom de ameaça que tinha ido até para
prejudicá-la, por ordem de uma terceira pessoa. Explicou-lhe que tinha sido pago para tirá-la
do Vale do Amanhecer. Permaneceu, assim, sob esta explicação durante algum tempo.
Criou-se aqui, até um paralelo oposto pelo vértice, enquanto ela dizia que queria aju-lo, ele
repetia que queria sua derrota.
94
Mas ela conseguiu um efeito, quando questionou porque ele queria seu prejzo.
Notemos o seguinte: a doutrinadora perguntou várias vezes se o espírito gostaria de
conversar. Em seguida, ofereceu-lhe ajuda. Porém nada surtiu efeito. No entanto, apenas
quando comentou eu queria que você me dissesse porque você fez isso”. Ele respondeu
que só fazia o que mandavam. Neste caso, para a doutrinadora, as questões passaram a
circular em torno deste assunto: então, será que ele não gostaria de realizar suas próprias
vontades? Apostando nesta perspectiva, ela questionou mais este fato, descobrindo os medos
do espírito, oferecendo-lhe ajuda, pedindo-lhe confiança (nela e nas suas entidades), para
então elevá-lo.
4.3.4. Disputas por domínios no diálogo
Outra maneira singular de se investigar este ritual, seria através dos recursos
empregados por cada participante para manter o donio do diálogo. Sabendo que o sucesso
da persuasão implica no alívio ou cura da paciente/adepta, o seu desempenho pode colocar
em risco a própria condição, como também o sucesso no englobamento do espírito na
doutrina, conforme já foi visto. Deste modo, torna-se interessante averiguar como esta
conversa se sucedeu, quais os valores utilizados, bem como, em quais os momentos, cada
personagem é capaz de melhor conduzir o outro.
Saliento, ademais, que esta é uma condição imprescindível, não apenas no ritual
de Angical, mas nos dlogos em geral. Conforme Crapanzano (1994) colocou, falantes e
interlocutores têm a pretensão de provocar um ao outro, ou até mesmo conduzir o outro, por
isso há uma seleção naquilo que é dito. Crapanzano realizou uma entrevista com Kevin, um
pregador da África do Sul, que havia se alistado no exército daquele país, e averiguou, com
cuidado, alguns tópicos de seu diálogo. A teoria inicial do autor estava no âmbito freudiano.
Porém, situava-se especificamente no parâmetro da forma como se diz uma piada, quais os
objetivos de quem as conta e, por sua vez, de quem as ouve. Deste modo, temos o seguinte
destaque:
95
Freud suggests that telling a joke to another serves three purposes:
(1) „to give objective certainty that the joke work has been
successful‟; (2) „to complete my own pleasure by a reaction from the
other person upon myself‟; and (3) „when it is a question of repeating
a joke that one has not produced oneself to make up for the loss of
pleasure owing to the joke‟s lack of novelty (Freud 1963a:156)‟
(…)Here, with the joke, Freud has laid out the complex exchanges
that occur, I believe, in every communication (Crapanzano,
1994:868).
Destes três pontos destacados, um será muito abordado pelo autor, o de que, ao falar
uma piada, o sujeito sente certa satisfação pela reação que provoca na outra pessoa. Agora
podemos voltar para o Angical.
Devemos entender que os primeiros momentos do ritual se caracterizam pela
recusa de o espírito submeter-se à adepta. Considero que há dois tópicos mais trabalhados
pelo espírito inicialmente e, nesses momentos, ele comportou-se como um autista,
argumentando apenas o que lhe agradava, nunca respondendo à doutrinadora. No primeiro
instante, o espírito demonstrou insatisfão por estar no Angical, acusando, por sua vez, a
adepta/paciente pela própria condição. Assim, nada que a doutrinadora dizia motivava-o a
conversar. Esta conduta parece uma estratégia que teria melhor efeito no aspecto do domínio
do diálogo, pois, agindo assim, ele provocaria uma forte expectativa de ela vir a suportar
uma vingança por algo feito anteriormente e, por sua vez, incentivaria o interlocutor a
responder seus questionamentos. A doutrinadora respondeu que estava ali para aju-lo. Isto
levou-o a desenvolver um segundo tópico, que seria o de explicar que estava ali porque outro
espírito lhe encomendara um serviço. Este assunto tamm provocaria uma reação
semelhante no interlocutor: uma preocupação ou temor que poderia beneficiar o espírito a ter
o domínio do discurso.
Situação semelhante foi observada por Crapanzano, quando conversava com
Kevin. Este procurava nas entrevistas relacionar sua biografia com passagens bíblicas, não
deixando de demonstrar estes trechos; mais à frente fez um relato intensivo sobre suas
experiências durante o período que pertencia ao exército sul-africano. O autor concluiu após
ouvir sucessivas histórias em que o entrevistado tinha o objetivo de colocar Crapanzano em
uma determinada posição, e seu recurso, para esta finalidade, foi o bombardeamento de
imagens e episódios diferentes, mas essencialmente semelhantes (Crapanzano, 1994:875).
Além do mais, ele mantinha o interlocutor alienado, em situão de apenas poder aceitar ou
recusar suas histórias. Ao observarmos o que foi explicado anteriormente no Angical,
96
podemos perceber a semelhança do método empregado pelo espírito, que repetia
sucessivamente que havia sido enganado e sido pago para fazer um serviço, sem deixar a
adepta falar, sem que ela ao menos soubesse o que acontecera. Fazendo isso, o espírito
parece ter o objetivo de manter a adepta em uma posição subalterna e sem meios de defesa.
A insisncia do espírito em conduzir o discurso no contexto do contrato
realizado por um terceiro, motivou-o a desenvolver um dos seus enunciados mais
expressivos e ameaçadores. Revoltado com quem lhe mandou realizar aquele serviço, o
espírito manifestou seu desejo de vingança:
Entidade: eu vou voltar lá. Ele falou que não ia ter nada aqui. Que eu não
ia vir aqui. Eu vou voltar. Vou voltar, ele vai ver, deixa ele. Ele achou que
isso aqui ia ficar de graça. (risos com ironia). Você é que tinha que mandar
eu ir lá. Ele mandou eu fazer coisas contigo.
Aqui, o espírito teve o seu momento mais ameaçador. Embora seu foco agora não fosse o
interlocutor, o efeito de seu enunciado ainda assim recai sobre o diálogo e o terror continua
rondando o ritual. Note que o espírito chegou a este estado porque não teve a evolução de
seu discurso interrompida pela doutrinadora, os atos de fala dela não causaram, até aqui,
qualquer efeito.
Entretanto, se analisarmos friamente, chegamos à conclusão de que esta fala do
espírito tem pouca ou nenhuma eficácia dentro do ritual. Lembremo-nos que o espírito queria
retirar a doutrinadora do Vale do Amanhecer e que ele a acusava de estar por lá por sua
causa, logo seria mais coerente que ele utilizasse toda esta energia para ameaçá-la e não para
prometer vingança a um espírito ausente, como o do Vale Negro. Porém, entenderemos esta
queso se sustentarmos nossa análise novamente em Crapanzano. O autor argumentou que,
em um diálogo, os dois sujeitos devem ser observados e isso significa tamm que aquilo
que o falante provoca no interlocutor pode gerar satisfação no primeiro. Colocou como
exemplo o fato de que Kevin, quando estava pregando, demonstrava muito entusiasmo por
ver membros de sua congregação recebendo espíritos. Aqui a situação parece ser semelhante,
o objetivo do espírito era causar com sua ameaça, aliado a suas histórias no início, um terror
e um fascínio na adepta para satisfação própria. Quando Kevin contava a Crapanzano suas
histórias grotescas, o autor interpretou que seu objetivo seria provocar medo e fascínio
(1994). Assim, este é um dlogo em que um sustenta o outro. O falante pretende provocar
uma reação e a reação provocada causa satisfação no falante (1994). Por isso, faz tanto
97
sentido o fato de o autor ter dito que emoções devem ser entendidas dialogicamente
(Crapanzano, 1994:881).
Entretanto, quase que imediatamente, a autoconfiança do espírito não era a
mesma devido a uma reação da doutrinadora. A adepta realizou uma sequência de perguntas
que foram respondidas sucessivamente, até chegar a um momento em que o espírito
preocupava-se com sua própria condição. A sua primeira questão referia-se ao verdadeiro
motivo pelo qual o espírito tinha feito tudo aquilo.
Avalciara: Eu queria que você me dissesse porque você fez isso.
Entidade: faço o que mandaram.
Avalciara: você gosta de fazer o que mandam, você não tem vontade de
fazer as coisas que você deseja?
Entidade: eu tive o que eu quero...
Avalciara: mas vc não acha que de repente vc poderia ter bem mais do que
o que você quer?
Entidade: Ele só queria ver você sair daqui.
Avalciara: você tem coragem de sair?
Entidade: Pra onde é que eu vou?”
Após aquela pergunta, a doutrinadora realizou um conjunto de outras que foram bem
sucedidas, pois todas conseguiram respostas. Embora as primeiras não fossem o pessoais, a
última explicou exatamente o que o espírito sentia: angústia e temor. Notemos, portanto, que
o jogo de perguntas e respostas parece obedecer a um padrão p-estabelecido entre espírito e
adepta, em que entrevistador e interlocutor utilizam as mesmas estruturas e termos
semelhantes nos dlogos, seguindo paralelos sequenciais, até chegar a uma resposta
reveladora. Observemos agora as palavras em negrito para acompanharmos o raciocínio
seguido pelos participantes. Temos, portanto, a doutrinadora perguntando, (...) por que você
fez isso e o espírito respondendo faço o que mandaram”. Elaboraram as questões com
o mesmo verbo “fazer”. Em seguida, a doutrinadora perguntou você gosta de só fazer o que
mandam, em paralelo com a resposta anteriormente dada, através da mesma estrutura,
usando as mesmas palavras, transformando uma resposta em questão, forçando o agente da
queso a pensar sobre si, em uma situação especular em que o sujeito se transforma em
objeto do próprio enunciado. Tentando criar uma nova situação afastando-se da rede de
enunciado, o espírito respondeu eu tive o que quero”, mas a doutrinadora fez uma nova
pergunta e novamente com a mesma estrutura e a mesma armadilha, transformando o agente
em reflexo da própria imagem: mas você não acha que de repente você poderia ter bem
98
mais do que o que você quer?” Novamente, o espírito foge da armadilha, trazendo resposta
que estava totalmente diferente do que vinha sendo tratado, mas ainda dá uma resposta
ligada ao contexto da sua vida: “Ele queria ver você sair daqui”. Esta resposta poderia
intimidá-la. No entanto, a adepta realizou uma pergunta que estava relacionada à questão
mais particular do espírito: você tem coragem de sair?”. Então, veio uma resposta pessoal,
reveladora e confidencial, de que na verdade seria um novo conteúdo: “pra onde é que eu
vou?”. Aqui, temos a fragilidade do espírito descoberta: a inquietação, ou seja, o sentimento
que o espírito procurava provocar medo e receio -, passou a ser o seu sentimento.
Podemos dizer que encontramos neste dlogo, desde o início, até este momento,
um jogo de sedução. Conforme Crapanzano destacou, Like all stories, Kevin‟s is an
attempted seduction. He will have me where and how he wants me (1994:873). Esta foi a
mesma preteno do espírito participante do Angical. O seu objetivo era o de submeter a
doutrinadora ao medo e ao terror através da utilização de imagens que pudessem provocar
isso. No entanto, utilizando apenas a estrutura linguística, a adepta conduziu, ou poderíamos
dizer seduziu, o espírito até que este chegasse onde ela queria, a uma condição de subalterno.
Não posso deixar de destacar este quadro em uma situação comparativa à
performance rituastica em que as ações desempenhadas em meforas sejam o eficazes
em seus desempenhos. Nossas observações demonstram realizações que tenham como um
ponto de partida manifestações linguísticas do próprio espírito para adicionar alterações
sedutoras até inverter o seu papel a uma condição de subalterno. As performances são
substitdas por desempenhos linguísticos, como se atualizássemos Turner, quando disse que
Genres of cultural performance are not simple mirrors but magical mirrors
of social reality: they exaggerate, invert, re-form, magnify minimize, dis-
color, re-color, even deliberately falsify, chronicled events. They resemble
Rilke‟s “hall of mirrors,rather than represent a simple mirror-image of
society. (Turner, 1987: 42).
Esta qualidade especular foi atualizada por Avalciara, tomando como parâmetro as
similaridades presentes na estrutura linguística para que fosse possível conduzir o espírito a
uma autorreflexão e pensar sua própria condição. Conforme foi demonstrado em A Eficácia
Simbólica, de Lévi-Strauss, o paralelismo foi empregado para conduzir à cura da
parturiente. Nesta etnografia, o paralelismo linguístico foi empregado para conduzir o
raciocínio do espírito a partir da posição ofensiva, até a submissão. Não seria este o mesmo
99
objetivo do curandeiro xanico de Lévi-Strauss? Ordenar os espíritos que provocam
doenças através da aplicação de sistemas, ou seja, tornar-se o indutor de uma nova ordem
submetendo os espíritos causadores de doenças? (Lévi-Strauss, 1958: 2007).
Entendemos, portanto, que o diálogo do Angical exige uma posição bem
estabelecida para que ocorra o seu resultado. O espírito não vai aceitar ser elevado, se ele não
concordar em se submeter. A doutrinadora não vai ser cobrada se o espírito não se sentir com
a razão de fazê-lo. Por isso, apenas a realização deste ritual já garante a exisncia de
hierarquias nos diálogos, que devem ser negociados. Deste modo, faz tanto sentido para nós
o argumento de Crapanzano, de que o falante procura manter o interlocutor dentro de uma
posição para que participe de um papel que deve ser desempenhado (1994). Este vai se
completar ainda mais no seguinte trecho:
The genres and conventions provide, in any event, the parameters of the
pragmatic play by which speakers and interlocutors are situated in an
exchange and help determine the identifications speakers and
interlocutors make with any of the pragmatically constituted positions”
(Crapanzano, 1994:869).
Assim, os padrões do ritual e as suas urgências vão fornecer certas regularidades nas trocas
entre quem domina o diálogo e o interlocutor e favorecem as identificações destas posições
constituídas. Em nosso caso, a reviravolta destas posões podem implicar em eficácias.
Portanto, devemos nos atentar um pouco mais sobre o que conduziu ao resultado
da conversa entre espírito e doutrinadora. O espírito apenas aceitou a elevação para o
hospital de Mayante, porque foi convencido de que lá ele poderia encontrar ajuda para suas
dificuldades. Temos, pois, que a persuasão e a sedução, ou melhor, a aplicação da função de
linguagem conativa (Jakobson, 1960), é um recurso que implica na melhora da condição da
paciente, afinal, convencer o espírito pode conduzir a este avio. Para este resultado, a
adepta utilizou-se de sua crença, quando conduziu um raciocínio de que, pela elevação, o
espírito iria para um lugar melhor. Assim, como bem argumentou Álvarez, em um dlogo, o
saber pode posicionar melhor o falante em um lugar estratégico significativo que possibilita,
como uma forma de poder, dirigir a atividade do outro para determinada direção” (Àlvarez,
2006: 107). Assim, literalmente, a adepta conseguiu conduzir o espírito na direção
pretendida, para a casa transitória de Mayante.
100
4.3.5. Gradação dos espaços citados no Angical
Pretendo recapitular novamente a narrativa contada no Angical, conforme uma
nova perspectiva: baseando-me nos lugares relatados e nas justificativas para os
deslocamentos. Baseio-me para o desenvolvimento deste capítulo em Kondo (1985), que
analisou um ritual japonês do chá, considerando os deslocamentos de seus participantes no
decorrer do rito em conformidade com seus significados cosmológicos. Naturalmente, o
Angical foi realizado em um lugar fixo, mas outros tantos foram citados, apresentando suas
implincias. Lembremos, portanto, que no caso estudado tivemos a incorporação de um
espírito cobrador, que não conheceu a adepta em outras vidas, no entanto, procurava mesmo
assim o seu prejzo, visto que tinha sido pago por outro espírito para retirá-la do Vale do
Amanhecer. A vitória dele ocorreria, portanto, se conseguisse deslocar a adepta, mas ele foi,
por sua vez, removido. Entendamos o seguinte: o espírito pertencia ao Vale do Amanhecer
quando vivo, mas quando morreu, ou seja, quando passou para o mundo espiritual, foi
enganado e conduzido para o Vale Negro, onde sofria ameaças e constrangimentos.
Submisso a um contrato, deslocou-se em seguida para a casa da adepta, a fim de fazê-la sair
da doutrina, mas foi levado à força por entidades de proteção para o ritual de Angical. Assim,
neste ritual, após certa dificuldade para ser convencido a permanecer no local e a conversar,
o espírito decidiu partir para as casas transitórias de Obatalá.
Gostaria de salientar aqui os lugares comentados no ritual e as reações que
provocaram nos personagens. Foi apresentado no rito um local que não foi nomeado, mas
tudo levava a crer que seria o Vale Negro, onde encontravam-se um ou mais espíritos
opressores; foi comentado, ainda, sobre um local próximo à família da doutrinadora, sobre o
mundo material no seu aspecto geral, também sobre o espaço do Vale do Amanhecer, onde
foi realizado o Angical, e sobre a casa transitória de Mayante.
O Vale Negro era um ambiente hostil para o espírito do Angical. Lá, conforme
relatado no rito, havia um ou mais espíritos que possam um papel opressor, representando
uma ameaça ou um constrangimento para o espírito enviado contra a doutrinadora. Se,
inicialmente, o espírito se referia ao Vale Negro com atrevimento, falando sobre ordens
urgentes e sobre negociações coercivas, mais adiante, ele demonstrou medo e terror sobre o
mesmo lugar, afinal, era lá onde o obrigavam “a fazer um monte de coisas”, onde o coagiam
101
a ir para o mundo material, ou era o local em que era escravizado e “sua mente (era)
“amedoada” pelos espíritos, conforme explicou Pai João. Enquanto isso, a falia da
doutrinadora tornou-se um risco para ela, no momento em que o espírito permanecia por lá.
Além do mais, podemos entender o risco potencial que o espaço sico
representa para os espíritos, quando consideramos as decisões do espírito residente no Vale
Negro
116
. Ele estabeleceu uma negociação com a entidade que iria para a casa da falia da
doutrinadora para que se preservasse e garantisse ainda a realização de seu objetivo. A
entidade enviada dirigiu-se então, contrariada, até o mundo sico, onde foi presa e conduzida
para o Vale do Amanhecer pelas entidades da doutrinadora. Isto implica dizer que o temor
dos entes realmente se cumpriu e que, estando ali no mundo ponderável, o espírito tornou-se
mais vulnevel às entidades de luz. Por outro lado, a proximidade da doutrinadora à sua
família naquele momento implicaria uma ameaça à sua permanência na doutrina, devido às
atuações de um espírito do mundo negro. No entanto, o desempenho de entidades protetoras
foi eficaz.
No momento seguinte, quando o espírito foi levado para o Angical, ele não podia
realizar mais nada, não representava mais nenhum risco para a adepta. Isto foi percebido ao
averiguarmos as falas da entidade conduzida ao ritual. Durante o diálogo o espírito não
ameaçou a adepta em nenhum momento, apenas dizia que queria tirá-la do Vale do
Amanhecer ou que não queria conversar ou que havia sido enganado por ela outras vezes.
nos momentos de confincia, por exemplo, ele apenas se referiu ao desgosto de estar
vivendo no Vale Negro. Conforme podemos perceber, o Angical é o lugar de risco para o
espírito e de proteção da adepta. No entanto, já dissemos que o risco que o ente corre está no
seu englobamento a outras estruturas sociais e não na ameaça de sua integridade. Além do
mais, no centro desta disputa entre doutrinadora e espírito do Vale Negro encontra-se uma
medição de forças entre ambos para que seja possível realizar o deslocamento do outro.
Afinal, o afastamento de um de seu grupo, representaria a vitória do outro. Se Avalciara saísse
do Vale, estaria sem suas proteções, estaria mais vulnevel.
a casa transitória de Mayante implica apenas proteção e tratamento. O espírito
que lá se encontra não es rebelde, pois, caso contrário, retornaria ao Vale Negro. Ele apenas
116
O Vale Negro representa muito bem o conceito Nêmesis de Campbell, em que cada herói possui o seu
antagonismo. O Vale Negro é um lugar rival do Vale do Amanhecer. Aliás, há um trocadilho entre Vale do
Amanhecer e Vale Negro, ou seja, dois substantivos iguais, com dois adjetivos antagônicos. Remete também à
oposição entre luz e falta da luz. Não podemos deixar de pensar esta luz como um reforço à temática da nossa
dissertão, o amanhecer como uma mefora da colonizão do povo extraterreno de Seta Branca. Levar luz
implica em conduzir os valores da civilizão sobre o estado de natureza. É o estado se expandindo.
102
se deslocou para este local quando decidiu ir. A sua presença ali já implica um englobamento,
um princípio de inserção aos padrões da instituição, não havendo lugar para hostilidades ou
recusas.
Quero, com isso, demonstrar que parece haver uma gradação em termos da
eficácia do mecanismo das proteções e degradação das ameaças, à medida que os riscos se
aproximam do centro, que é o Vale do Amanhecer. No Vale Negro não existe qualquer
atuação das entidades de luz contra os representantes do mal que podem prejudicar a adepta.
Lá, os espíritos do mundo negro podem ameaçar, aterrorizar e constranger de acordo com
seus interesses. Porém, assim que os espíritos ameaçadores se aproximam da adepta, as
proteções vão se tornando mais eficazes. No entanto, neste local, nada impediria os espíritos
ameaçadores de voltarem ao Vale Negro se assim desejassem. Entretanto, no Vale do
Amanhecer o risco do espírito é maior e as proteções da adepta também, até que os entes
perigosos possam ser modificados e integrados de uma vez por todas ao conteúdo do Vale do
Amanhecer. Agora transformados não são mais ameaçados pelas proteções do Vale, nem
representam ameaça, mas são submetidos às proteções, transformam-se em aliados.
Conforme a história do Angical, a transição pode ser realizada pelos espíritos em
geral, no entanto, não são todos que o fazem, e cada qual a seu modo. Vemos que o espírito
pertencente ao Vale Negro prefere estabelecer uma negociação e enviar outro espírito em seu
lugar do que correr o risco de sair do mundo Negro. as entidades de proteção são capazes
de se deslocar, no entanto, elas possuem um objetivo e, cumprido isto, retornam ao seu local
de origem. No entanto, o espírito do Angical procurava permanecer em cada espaço que
transitava. Depois que ele perdeu a vida, passou a não mais pertencer a um lugar. No Vale
Negro, apesar da insatisfão, não houve qualquer comentário sobre sua vontade de sair, mas
quando que ele estava no Angical manifestou que não queria mais voltar por causa das
ameaças e a doutrinadora disse que ele estava acostumado com tudo que sofria por lá.
Podemos perceber que este espírito não possui um grupo, nem mesmo um lugar que se
identifica ou ao qual demonstre pertencimento. Enquanto que a doutrinadora, por sua vez,
possuía grande amor por suas entidades, o que reforçava e o seu vínculo pelo grupo.
Lembremos, ademais, que a elevação do espírito no Angical não implica apenas
no convencimento de que ele deva ser conduzido a outros planos espirituais, mas o diálogo
tamm o orientações para o espírito. Se observarmos bem, ele está completamente
desorientado. No entanto, ao afirmar isto, eu quero dizer que suas expectativas não estão de
acordo com as condições encontradas nos lugares em que transitou e a função da doutrinadora
103
passa a ser a de aju-lo a conhecer estes lugares e a importância dele nestes espaços. Deste
modo, o primeiro engano do espírito foi o de acreditar que o lugar para onde tinha sido levado
seria melhor do que aquele a que pertencia quando perdeu a vida. Ou seja, acreditou no
espírito que o convenceu de que o Vale Negro seria melhor do que o Vale do Amanhecer.
Assim, a doutrinadora procurou auxiliá-lo no entendimento de que aquele lugar não era bom
para ele, perguntando-lhe se lá realmente estava sendo melhor. O espírito reclamou do que o
obrigavam a fazer e do receio de o pegarem novamente. Ou seja, o espírito começou a admitir
que aquele lugar não lhe era favovel. Em seguida, a doutrinadora esclareceu de que ele
poderia mudar sua vida, aceitando ser elevado. O espírito demonstrou não saber desta
possibilidade quando perguntou: mudar?. Mais adiante, teve que ser esclarecido de que as
entidades da adepta deveriam realizar sua protão até a casa transitória de Mayante, não
permitindo que nada o ameaçasse. A utilização correta destas informações permitiu que o
espírito fosse elevado, pois ele vai percebendo a necessidade de buscar algum lugar melhor.
O deslocamento do espírito ao Vale do Amanhecer e em seguida para a casa
transitória de Mayante não implica apenas em lugares que o espírito vai estar, mas significa
que ele terá que se adaptar a esta condição. Conforme foi desenvolvido por Peirano (1995),
que abordou rituais Ndembu, o ritual de Angical pode ser visto tamm como um rito de
passagem para o próprio espírito, visto que o rito deve, de alguma forma, provocar uma
adaptação, um esclarecimento ou uma modificação nos seus parâmetros, realizando sua
transição através de mudanças nas suas concepções.
4.3.6. Proteções do Angical
Além do mais, considerando as proteções que o Estado oferece aos adeptos e
averiguando os responveis pelas ameaças, temos dois comenrios. Primeiramente,
conforme observamos, a doutrinadora está protegida pela doutrina da qual faz parte, o que
implica dizer que o lugar e suas infraestruturas - suas entidades de luz, por exemplo
envolvem-na, não permitindo que riscos sejam concretizados. Por outro lado, temos aqui a
condição do espírito ameaçador. O seu objetivo é o de afastar a doutrinadora do Vale do
Amanhecer, por isso ele foi conduzido até o ritual de Angical. No entanto, apesar de ele não
gostar do lugar, tamm não quer sair de lá, pois teme por sua integridade, por vir a ser
104
recapturado e a submeter-se a novas obrigações e ameaças. Dessa maneira, ele é conduzido
às casas transitórias por intermédio de entidades de luz, que garantem a sua segurança
durante o trajeto até o novo lugar e onde recebe novas proteções.
4.4. Recursos para a submissão do cobrador
O diálogo desenvolvido no ritual teve que ser investigado de forma evolutiva
porque esta maneira de apresentação é necessária para a libertação do paciente/adepto. O
doutrinador não pode apenas iniciar o Angical e realizar a elevação do espírito. Neste caso,
ou o espírito vai retornar na primeira oportunidade, ou não vai nem ao menos sair do
médium de incorporação, ou seja, o rito não seefetivado e o alívio não será alcançado.
Deste modo, a ordem e a evolução de certos elementos centrais para a situação do espírito
devem ser abordados pelo médium doutrinador, que deve, durante o rito, descobrir o que
seria central a ser debatido e modificado no diálogo.
O domínio do discurso em um dlogo neste ritual é de grande signifincia,
afinal, é a negociação destas posições hierárquicas, dentro de um discurso, que pode
representar modificações na condição de vida do adepto. A sedução foi muito utilizada pelos
dois participantes: o espírito utilizou-se de imagens que provocassem e direcionassem o
terror e, assim, se mantivesse no donio do discurso, enquanto a adepta, utilizou-se de
recursos linguísticos para garantir sua posição no diálogo. O sucesso na condução do outro
implicaria no melhor efeito do ritual.
Um assunto prevaleceu no final da discussão: o reflexo que a proximidade com
o centro do poder do Vale do Amanhecer exercia sobre alguns tópicos observados: o espaço
e o espírito. Os riscos, conforme descrição das narrativas, são suavizados à medida que os
seus personagens se aproximam do templo, onde é realizado o Angical, e da casa transitória
de Mayante. Esta proporção é inversa quando considerada as proteções existentes. Estas, ao
contrário, são cada vez mais confiáveis. Este meio tamm é potencialmente significativo
no aspecto da transformação, da submissão do espírito, promovendo sua adaptão para seu
englobamento às forças centrais do Vale do Amanhecer. Conforme este aspecto podemos
105
entender o Angical como um confronto para a inserção do espírito para mecanismo da
doutrina, ao mesmo tempo em que observamos sua resisncia para o sucesso deste
procedimento. Neste aspecto podemos considerar que ele sofre um processo de iniciação
neste conteúdo, de transformação para sua inserção em outro meio.
O conceito clássico de Angical não foi encontrado neste ritual. Pois, a adepta
deveria conseguir, por interdio do dlogo, revelações sobre si, para então convencer
espírito da mudança de sua personalidade de outras vidas. No entanto, ao contrário, o espírito
é quem foi surpreendido em uma conversa reveladora que esclarecia sua própria condição
em uma espécie de hermenêutica de si mesmo, direcionada ao espírito. A elevação do
cobrador apenas se processou após ele compreender sua antiga condição submissa e sua nova
necessidade de proteção.
106
CAPÍTULO IV
5. Sobre a performance
5.1. Dos Dramas Sociais
O objetivo deste capítulo é fazer uma abordagem sobre a cura no Vale do Amanhecer
considerando a performance dos rituais. Em razão das similaridades dos objetos de pesquisa,
foi realizada uma releitura do texto Social Dramas in Brazilian Umbanda: The Dialetics of
Meaning de Victor Turner (1987), para, deste modo, obtermos um novo significado nos
rituais do Vale.
Victor Turner esteve no Brasil no final dos anos 70 para aprender um pouco sobre
Umbanda e para poder, deste modo, averiguar a aplicação de seu conceito de „drama social‟
neste objeto, tomando como parâmetro a tese de Yvonne Maggie (2001). Após algumas
reconsiderações, estimou que sua teoria poderia ser ainda bem aplicada, embora a sociedade
agora fosse industrial, não mais uma rural ou „tribal, como a Ndembu, onde havia realizado
sua etnografia para escrever a obra „Schism and Continuity in an African Society (1957).
Em síntese, o conceito de drama social implica em um todo antropogico que
estuda a vida social na comunidade por meio da observação da evolução de certas crises
dentro do grupo. Conforme o contexto pragmático, a crise significa os antagonismos, tais
como os antigos rancores, as rivalidades e as vendetas revividas (Turner, 1987:34). Esta
concepção nos é proveitosa, pois os sujeitos abordados nesta dissertação visam solucionar
dificuldades que são conseqncias de antigas rivalidades desencadeadas em um passado
mítico, mas que pode ainda ser solucionada com base na realização dos rituais.
No entanto, conforme o rigor exigido por Turner para explorar este conceito de drama
social, perceberemos inicialmente que os conteúdos ticos individuais não se aplicam a esta
teoria. Mas esta mesma inadequão não o impediu de abordar a Umbanda. Observemos as
palavras de Turner sobre este conceito:
107
One „social drama, as I have called an objectively isolable sequence of
social interactions of a conflictive, competitive or agonistic type, may
provide material for many stories, depending upon the social-structural,
political, psychological, philosophical, and, sometimes, theological
perspectives of the narrators. (Turner, 1987:33).
Deste modo, as ações que foram destacadas na etnografia do autor (1957), eram as que
envolviam rupturas e conflitos de grande relevância social, ou seja, que salientavam as
interações sociais. Portanto, conforme este conceito, seria uma incoerência estudar o grupo da
Umbanda. Afinal, no cerne dos atendimentos espirituais umbandistas estão as soluções de
crises individuais (Turner, 1987:67), o que se assemelha aos rituais do Vale do Amanhecer.
Além do mais, conforme Turner mesmo observou, não seria possível esperar das pessoas que
frequentavam o terreiro de Umbanda uma coesão social homogênea, uma vez que tal
comunidade pertence a um contexto de sociocultural dynamics of urban life in an industrial
economy” (ibidem) que não se baseia nas mesmas relações parentais de um pequeno vilarejo
africano.
No entanto, apesar destes pontos contrários, Turner insistiu na possibilidade de
abordar um grupo umbandista com base em seu conceito de drama social. Mas para isso ele
achou que seria necessário estu-los considerando suas interações entre os mais diversos
terreiros existentes, preocupando-se com as relações externas e menos com as internas, que
eram tão plurais. Este foi o seu conselho para Yvonne Maggie, visto que seu tema de pesquisa
considerava a observação de um terreiro desde o período de sua fundação, motivada por um
conflito contra um outro terreiro rival (2001). Esta disputa em si e seus reflexos estariam em
conformidade com o conceito de drama social.
No entanto, mesmo reconhecendo a inoperância de tal conceito para nossa pesquisa,
mantivemos a releitura de Turner. Tais incoencias se procedem pelos seguintes argumentos:
primeiramente, esta etnografia está fundamentada na cura de adeptos, através das práticas
rituais desempenhadas conforme interesses individuais, em que a ordem e a urgência das
realizações de tais ritos dependem da vontade do médium e da sua necessidade espiritual,
identificada por sua intuição ou por comunicados personalizados de entidades. Além do mais,
as curas dos adeptos dependem de suas libertações alcançadas mediante a cobrança de um
espírito em particular, associado a uma história singular que os envolveu. Ou seja, os fiéis
praticam os rituais conforme o seu interesse ou necessidade particular, não havendo
necessariamente, para este fim, vínculo com algum grupo social, pois aí está em jogo sua
própria condição.
108
Entretanto, apesar de todos os argumentos contrários, o autor ainda forneceu algumas
qualidades relativas ao conceito de drama social, que o aproxima significativamente do
mecanismo geral das narrativas mítico-cosmológicas dos adeptos do Vale do Amanhecer.
Uma destas similaridades está nos meios aplicados para a solução de crises. Como Turner
afirmou, regras sociais estão passíveis de se submeterem a infrações, o que afetaria os laços
mantidos entre os membros do grupo, conduzindo, assim, a algumas divisões internas. Esta
crise é solucionada dentro da própria comunidade por meio de recursos reparadores.
Conforme o autor, estes mecanismos citados também são aplicados pela Umbanda, mas esta
aplicação acontece de acordo com suas particularidades. Ou seja, If an Umbanda session
has a redressive function this is directed to crises in individual lives rather than to the
ongoing life of the group to which the members belong” (Turner, 1987:67). Deste modo, os
mecanismos reparadores que deveriam ser aplicados para solucionar crises de âmbito social
eram utilizados para circunstâncias individuais, similarmente ao observado no Vale do
Amanhecer.
Baseando-se em Turner, dir-se-ia que as dificuldades dos adeptos seriam apenas uma
entre quatro atos de uma peça. O autor afirmou que o drama social é „processualmente
estruturado‟, ou seja, it exhibits a regular course of events which can be grouped in
successive phases of public action (Turner, 1987:34). Isto quer dizer que a ocorrência do
drama social estaria vinculada a quatro processos sociais, que seriam a ruptura da ordem
117
, a
crise propriamente, a fase remedial ou reparadora e, por fim a quarta, que consiste na
restauração da paz. Segundo ele, a crise por si mesma, ou seja, quando as agressões são muito
comuns, implica em uma fase liminar que não é nem um momento harnico, nem o
momento liminar ritual; o esgio três consiste em mediações informais, conselhos pessoais
ou arbitrações jurídicas formais e mecanismos legais; a fase quatro seria a reintegração.
Argumentando ainda no mesmo sentido, o autor divide em quatro as fases de tratamento ritual
do cliente ou a fase reparadora: a primeira é a identificação da presença da doença, que aflige
os envolvidos na contenda; a segunda é a utilização de recursos divinatórios para a aplicação
dos veredictos; depois a fase de tratamento e, a última, é a cooperação entre participante e
celebrante. A fase de tratamento ou reparação implica na reconstrução da narrativa pelos
adivinhos ou responveis pelo ritual, quando são interpretados significados de ações e
117
Breach of regular norm-governed social relations made publicly visible by the infraction of a rule ordinarily
held to be binding, and which is itself a symbol of the maintenance of some major relationship between persons,
statuses, or subgroups held to be a key link in the integrality of the widest community recognized to be a cultural
envelope of solidary sentiments (Turner, 1987: 34).
109
palavras, associando tudo ao paciente ou a pessoas mortas. Tais narrações são situadas
geralmente antes da primeira fase dos dramas sociais (o momento da ruptura), e justificam a
transgressão dos sujeitos bem como o acontecimento em sua totalidade (Turner, 1987:38).
Os tratamentos observados no Vale do Amanhecer apresentam-nos fases semelhantes
à salientada acima, mas destacam os relatos cosmológicos individuais no lugar dos dramas
sociais. Geralmente os adeptos identificam algumas dificuldades persistentes como uma
forma de atuação de espírito cobrador, ou seja, algum mal de origem espiritual. Mas apenas
ritos de comunicação confirmam tal suspeita e orientam sobre rituais a serem desempenhados
para o avio das dificuldades. Inicia-se então a fase reparadora, a do tratamento, em que são
desempenhados os ritos que devem conduzir o médium a outro ritual de comunicação que
justificará todas as dificuldades vividas pelo médium e a natureza de seu vínculo com o
espírito, ou seja, may represent an almost complete inventory of the disputes, open or
suspected, between the principal actors in the social drama (Turner, 1987:38). Tal situação
foi vivenciada por Santiago quando identificou que repetitivas ameaças sofridas à revelia
pudessem ser uma cobrança espiritual. Tal situação foi confirmada em comunicação de ritual
de tronos. Assim, ficou impedido de sair do Vale do Amanhecer, vivendo um período liminar
que durou cerca de 11 anos, tempo necessário para a realização de inconveis ritos que
permitiram sua libertação em Angical. A justificativa por tudo que passara estava nas mortes
provocadas quando era General egípcio em sua outra vida, ou seja, em um período bem
anterior aos riscos vividos. Graciara tamm passou pelo mesmo processo. Sua Preta Velha
pediu-lhe para assumir uma prisão. Desse modo, viveu seu período liminar, realizando
diversos rituais, dentre eles Abatás, escalada, cruz do caminho e, enfim, no julgamento teve a
comunicação esclarecedora de sua irmã abandonada em um passado esquecido. O motivo dos
adeptos ou de suas vidas diárias está no passado tico de cada qual. Por isso, vejo-me em
condições de parafrasear Turner, ao dizer que os dramas sociais estavam por trás de narrativas
ou eventos sociais, concluindo que: e pur se muove (Turner, 1987:37). Penso que por trás
das grandes dificuldades individuais de adeptos do Vale, de suas inquietações, de suas
decisões, estão suas histórias míticas, pois e pur se muove”.
O autor ainda destacou outros aspectos referentes aos procedimentos remediais ou
reparadores para a solução de conflitos. Conforme foi dito, esta fase pode ser formal, por
meio da aplicação de mecanismos jurídicos, ou informal, pelo do uso de mediações e
conselhos. Estes recursos, por sua vez, são aplicados contra seus próprios representantes,
quando são avaliados de acordo com certos padrões; esta fase, inicialmente, pode ser um
110
pouco violenta, como costumam ser a prisão de alguns que quebraram tabus ou daqueles
acusados de bruxaria; além do mais, os envolvidos são submetidos a períodos liminares rituais
ou legais quando são desempenhadas plicas dos acontecimentos que originaram as crises,
para que eles sejam avaliados por suas ações que devem ser reparadas após certas imolações,
que liberariam certas tensões. Com base nestas características podemos analisar nossos rituais
de julgamento e Angical. De acordo com as entrevistas, temos que ter atenção ao averiguar as
circunsncias destes ritos, pois afinal: quando se iniciam as cobranças e quando começam os
rituais para alcançarem seus alívios? Os obstáculos são apenas as cobranças ou já fazem parte
dos rituais de desobsessão? É fato que os médiuns praticam os rituais constantemente, afinal,
devem se preocupar com o equilíbrio de sua mediunidade. No entanto, muitas dificuldades
conduzem os adeptos a realizar um conjunto de rituais que te o seu ápice em uma libertação.
Deste modo, as dificuldades são tanto sequelas de conflitos do passado mítico-cosmológico,
como o princípio de uma fase liminar que pode durar semanas ou até mesmo anos. Vejamos o
caso de Santiago novamente: ele assumiu a responsabilidade de realizar rituais durante 11
anos, enclausurado dentro do Vale do Amanhecer, quando identificou o risco de vida que
corria. No entanto, o risco permanecia durante este período liminar e sofria suas dificuldades
que tinham relação com as próprias práticas rituais, pois, espera-se que o adepto sofra
situações semelhantes às perversidades causadas, aconseguir sua libertação. Deste modo,
suas dificuldades são o ponto de conexão entre o seu passado tico, como o princípio de um
período liminar de imolações, que são também uma forma de vioncia, pois os obstáculos
sofridos são os que conduzem o adepto ao ritual. A solução ocorrecom a participação de
rituais que direcionariam o adepto até sua libertação, que pode ser um rito mais informal,
como o Angical, ou outro bem mais formal, o julgamento, quando serão avaliados e cobrados
pelo oprimido de outras eras. Deste modo, podemos dizer que estes rituais, em seu conjunto,
o como performances restauradoras, in the sense that they restore order and redress
violations of integrity in the lives of the urban individuals (Turner, 1987: 47).
A maneira de recuperar um evento oriundo do passado implica significativa eficácia
da fase reparadora do Vale do Amanhecer, como tamm aproximam nossas narrativas ao
conceito de drama social. Temos que ter como base que o fiel interpreta suas dificuldades,
sobretudo as situações inesperadas, como o resultado de um desejo de justiça proveniente de
um espírito que o conheceu em um passado misterioso. Ou seja, uma aventura mítica há
muito perdida, ainda lhe rende consequências que não podem ser solucionadas sem reconexão
com estas situações - possibilidade estabelecida pelos rituais, principalmente, de julgamento e
111
Angical. De acordo com a maneira de se analisar acontecimentos históricos, há dois conceitos
que foram considerados por Turner, com base em Hayden White: o de crônicas, fatos da
ordem temporal de seus acontecimentos, e os fatos históricos, que são eventos completados
através de processos diacrônicos, baseados em motivos inaugurais(Turner, 1987:35). Ou
seja, os fatos podem ser considerados de maneira sincrônica ou de acordo com justificativas
anteriores. Mas Turner acha que os dramas sociais possuem uma ordem peculiar, pois deve-se
considerar a opinião de cada envolvido no conflito. Assim, temos que,
Rather is it (the order) the consequence of shared understandings and
experiences in the lives of members of the same changing sociocultural field.
I am not, of course, arguing that personalities are the puppets of culture.
Rather do I support Theodore Schwartz‟s view that each human being is an
idioverse” with his/her “individual cognitive, evaluative, and affective
mapping of the structure of events and classes of events”, in his/her
sociocultural field. (ibid: 36).
Deste modo, devemos considerar ts pontos importantes. Primeiramente, os dramas sociais
dependem da compreeno e experiência de cada envolvido. Por isso, no Vale do Amanhecer
os rituais de comunicação apresentam tamanha importância: apenas assim os adeptos podem
saber dos motivos das perseguições dos espíritos. Lembremos da fala de Graciara: (...) Eu
falei assim: infelizmente não lembro da época que a gente viveu juntas, que é uma outra
época, aqui na terra é apagada nossa memória, então não lembro realmente como a gente
era”. O ritual de comunicação permite que o espírito esclareça o que ele viveu, conforme a
sua compreensão. Assim, a estrutura dos eventos também depende do espírito cobrador, que
considera a contenda de outras vidas o fator significativo para a exigência da justiça. Por
último, devemos considerar que eles não são do mesmo sociocultural field, pois o adepto
pertence a uma vida diferente da que pertencia naquele momento, um conteúdo histórico
perdido. Portanto, assim como os dramas sociais, as histórias cosmológicas dos sujeitos
possuem uma ordem peculiar, que envolve tanto a compreeno dos fatos do adepto, quanto
do espírito. Sem a consideração das situações por parte do espírito, o adepto pode não
alcançar sua cura.
O conceito de drama social ainda destaca o aspecto fundamental de ser o ponto de
referência a novas situações. De acordo com Turner, “such narratives become scripts or
arguments to be used by the instigators of new sequences, and equally by those who aim to
rebut them (Turner, 1987:33). Ora, alguns acontecimentos o fundamentais por provide
112
materials for many stories”, mas nunca são localizadas na atualidade, pois the social drama
is processually structured‟ before any story about it has been told” (ibidem). Esta
justificativa traz à tona a imporncia das „narrativas esquecidas dos cobradores, por
funcionar como uma estrutura para as dificuldades dos adeptos. Por trás de suas próprias
dificuldades estão os motivos de seus problemas: as mortes provocadas por Santiago nas
batalhas de seu passado mítico-cosmológico são as origens de ameaças recebidas por
desconhecidos, antes de se refugiar no Vale do Amanhecer, por exemplo.
Conforme podemos perceber, as narrativas mítico-cosmológicas são ativas, a ponto de
oprimirem suas timas e até mesmo provocarem riscos de vida. A fim de se protegerem,
inicialmente, e se libertarem destas ameaças alguns adeptos se refugiam nas proteções
fornecidas pelos rituais para que, na primeira oportunidade, possam transformar
definitivamente a natureza destas histórias esquecidas. Turner sugeriu que em algumas
situações o Estado colonizador intervinha para solucionar crises em seus Estados colonizados
(Turner, 1987:35). No Vale do Amanhecer, temos um Estado que fornece todos os recursos
para o julgamento e a libertação de seus membros. O Estado colonizador, na verdade,
disponibiliza mecanismos de reparações de crises míticas que nunca deixaram de ser
ameaçadoras.
É compreensível a consideração de que as narrativas mítico-cosmológicas do Vale do
Amanhecer sejam ativas e perigosas, afinal, os dramas sociais nunca deixaram de existir em
nosso campo de pesquisa. Esta afirmação não contradiz a lógica de nosso argumento, apenas
traz à tona a importância de observarmos a dimeno mítico-religiosa mais cuidadosamente, o
que já vinha sendo sugerido por Turner. Recordemos que, segundo o autor, os dramas sociais
deveriam existir em uma comunidade cujo nculo social seria mais coeso como em
sociedades com base econômica rural ou de aspectos tribais‟, onde a ligação parental é
maior. Isto não acontece nem na Umbanda, nem no Vale do Amanhecer, pertencentes a um
meio social heterogêneo, fruto de economia urbano-industrial. No entanto, este nculo
parental ainda existe, mas em nível cosmológico, como vinha sendo salientado por Turner.
Segundo ele, os adeptos da Umbanda aplicam termos às entidades e médiuns no âmbito do
parentesco, tais como Mãe de Santo ou Vovó Catarina, recuperando, deste modo, valores
metafóricos destes conteúdos. Estes vínculos são salientados no Vale do Amanhecer,
sobretudo nos rituais de comunicação. Lembremos da história revivida por Graciara no seu
julgamento, quando ela conversou com sua irno período do Brasil colônia. Deste modo, a
coesão social perdida pela urbanização é recuperada pelos rituais, a ponto de dizermos que
113
estes nculos não deixam de existir, mas estão em um nível cosmológico. Turner destacava
este aspecto: In Umbanda the principles of continuity, stability, unity seem to be lodged in
the cosmology of the belief system, in the symbolic types manifested as the Orixás and other
entities, rather than in the social dimension” (Turner, 1987:70). A coesão associada ao
conceito de drama social não deixou de existir, sendo a peça que faltava para justificarmos a
aplicação dos recursos reparadores e o argumento para compreendermos a cura do Vale, pois
a persisncia do drama social em nível tico pôde ser recuperada e modificada pelos rituais.
A sugestão de Turner será agora bem vinda: conforme destaquei acima, o autor
sugeriu que o terreiro de Maggie fosse estudado conforme suas relões com outros da
vizinhança. Aplicarei aqui este raciocínio, mas mais uma vez em um nível cosmológico. Não
podemos nos esquecer que Tia Neiva preocupou-se em estabelecer um bom relacionamento
com seus vizinhos, enquanto ela fundava o Vale do Amanhecer. Por isso, realizou acordos
com entidades do Vale Negro, dizendo que eles deveriam ficar longe da sua área. Isto
demonstra sua inquietão, ou a de suas entidades de proteção, para manter uma more stable
neighborhood relationships(Turner, 1987:69) para que pudesse ter uma maior durabilidade
em unidades locais (ibidem).
5.1.1. Da arena de batalha
O texto da Rita Laura Segato O Santo e a Pessoa: Imagens que Articulam a sua
Relação (1995:223-257) estabelece um dlogo interessante com esta pesquisa, quando
analisou a questão da cura dos praticantes de cultos de posseso, em xangô do Recife. Em
sua análise ela disse que um filho-de-santo teria seu equilíbrio psíquico associado ao caráter
do santo a que o filho pertencesse. Deste modo, a iniciação do filho-de-santo estaria
relacionada a uma responsabilidade do pai ou mãe-de-santo. Entende-se que a escolha do
santo do fiel apenas ocorreria mediante uma consulta ao oráculo e a uma avaliação por parte
do iniciador sobre o aspecto psicogico do iniciante e o do santo, em seu conteúdo
mitogico. O caráter psicogico de ambos deve ser coincidente, mesmo que este aspecto seja
pouco saliente no iniciante. Outra questão levantada está no fato de haver poucos praticantes
do culto que tenham apenas um santo em geral eles possuem dois ou mais , havendo um
114
principal o dono da cabeça e o ajuntó em um papel coadjuvante. Sem querer entrar em
maiores detalhes, mostro que a autora coloca a possibilidade de os santos disputarem a cabeça
do filho, bem como de um santo ser escolhido erroneamente. Nestes dois casos o filho-de-
santo sentiria consequências em seu aspecto psicológico: dando uma ênfase em um aspecto de
sua personalidade, que é vinculada à do santo, quando no fim da contenda entre ambos; ou
sentiria problemas sociais e psicogicos se não houvesse solução da briga entre os santos. A
autora mostra que o equilíbrio emocional é um resultado de uma negociação do próprio filho-
de-santo, do pai ou mãe-desanto, considerando o aspecto da personalidade do filho-de-santo
e o caráter mitogico do santo. Mostra ainda que a cabeça do fiel seria algo como um palco,
um lugar onde “(...) existe uma série de personagens, entrelaçados num drama que reedita as
intrigas mitogicas na esfera e com os elementos do psiquismo individual” (Segato, 1995:
244). O resultado deste drama mitológico, negociado com o filho e o pai-de-santo,
influenciaria a personalidade do filho-de-santo, bem como o seu equilíbrio psicogico.
No Vale do Amanhecer, o equilíbrio e a cura do adepto tamm estão associados
a uma relação tica, mas o palco desta batalha está nos rituais ou no dia-a-dia e o adepto é
um eixo em um conflito que deve ser desempenhado nos ritos e complementado em disputas
com espíritos que acontecem no julgamento ou Angical. Assim como na pesquisa de Segato, o
resultado da sorte do médium depende de sua participação neste conjunto de rituais, que
simulam batalhas e a mesmo atualizam debates entre espíritos. A ausência prolongada
nestas performances ou o fracasso em dlogos com cobradores pode implicar na permanência
das cobranças espirituais ou na impossibilidade de suas curas.
A cura do adepto depende de sua completa inseão na cosmologia do Vale do
Amanhecer. Isto implica dizer, que o médium deve se submeter a uma nova identidade
hierárquica de forças, de entidades de proteção e de pertencimento a novos grupos. Passa a ter
função importante no conjunto de rituais que protegem o Estado soberano do Vale do
Amanhecer, conforme nossa interpretação, sendo submisso às orientações dos Pretos Velhos e
à burocracia da instituição, podendo ser julgado por seus atos cometidos no passado, ao
mesmo tempo em que é um instrumento de manutenção do Estado colonizador, por ser seu
braço repressor, jurídico ou educacional
118
. Apenas inserido nesta cosmologia, sofrendo com
118
Dependendo do ritual que o adepto realize ele contribuirá de algum modo para a manutenção do domínio do
estado: atras da atuação do médium em rituais que objetivam a defesa do território do estado ritual de Abatá,
Imantração -, por contribuir com o desejo de justiça ritual de julgamento e Angical ou recursos educacionais
mesa evanlica. Vale justificar que algumas vezes o julgamento e Angical podem salientar muito o
esclarecimento, também.
115
o processo de usurpação, adquirindo seusnus, avaliados em aparelho de captura, ele obtem
recursos que o auxiliam na modificação de seus dramas sociais individuais.
Os espíritos não são submissos ao Vale do Amanhecer. Na verdade, eles reagem,
provocando efeitos e sendo vítimas dos rituais tanto quanto os adeptos. Isto implica dizer que
quando um adepto começa a sofrer determinada cobrança, dependendo da natureza da
persistência do espírito, o médium pode passar por situações que podem durar anos, a
conseguir elevar seu cobrador. Neste dia, o espírito espera que o médium tenha aprendido
com o sofrimento, como o fiel tem de conseguir convencer o espírito a seguir o seu caminho
e, para isso, a entidade tem que ter sofrido os efeitos do ritual. Adepto e cobrador sofrem a seu
modo o efeito do ritual, ou seja, “Social dramas may draw their rhetoric from cultural
performances; cultural performances may draw on social dramas for their plots and
problems (Turner, 1987: 42).
Isto apenas é possível porque adepto e espírito reconhecem no ritual elementos
que provocam submissão. Não apenas o médium se submete aos tabus dos rituais, mas o
espírito reconhece a força dos ritos e não ousa desafiar as entidades de proteção dos médiuns,
como reconhece a estrutura do ritual de julgamento, realizando suas cobranças quando devem
ser realizadas, não antes nem depois do momento adequado. O espírito que desafiou a adepta
Avalciara, no capítulo III, foi levado até o ritual por causa das entidades de protão da fiel.
o espírito que era irmã de Graciara teve que esperar o momento adequado para lhe contar a
narrativa mítico-cosmogica que envolveu-lhes. Isto permite-nos relembrar a citação que
Tambiah fez de Bloch:
The ultimate inspiration for Blochs view lies in seeing formalized modes of
communication as the handmaid (perhaps even a basis?) of political
authority, and in the further extrapolation that religion is an extreme form of
political authority. Formalization in a political action context becomes an
engine of power and coercion, because it admits of no argument, and of no
challenge to authority, except by total refusal to accept the conventions of
authority. (Tambiah, 1985: 155).
Deste modo, temos um argumento que justifica a obediência aos rituais do Vale
do Amanhecer. O fato de se manter a formalidade adequada aos ritos já garante a autoridade
sobre todos os participantes. No entanto, no caso da desta etnografia, encontramos tais
formalidades e, além disso, uma formalização política que funciona como um mecanismo de
poder e coerção. Este duplo mecanismo age sobre todos os envolvidos, sobretudo sobre
116
sofredores e cobradores, mas tamm adeptos, provocando transformações que ocasionam
elevações de espíritos e, por sua vez, a cura de fiéis.
5.2. Ainda Turner
5.2.1. As narrativas mítico-cosmológicas
O texto de Victor Turner, Social Dramas in Brazilian Umbanda: The Dialetics of
Meaning (1987), foi desenvolvido conforme sua teoria de drama social, aliceada na análise
da evolução de conflitos de interações sociais e na observação da aplicação de recursos que
solucionariam tais contendas. Uma comunidade coesa, geralmente fundamentada em vínculos
parentais, com base em economia rural, pode ter em seu núcleo conflitos que revelam a
natureza competitiva de seus membros. Estas vendetas provocam crises internas, gerando
grandes divisões que devem ser sanadas e para isso a comunidade utiliza-se de recursos
reparadores que podem ser rituais que aplicam mecanismos de mediações entre os principais
envolvidos. Deste modo, tal comunidade parece fornecer recursos que objetivam promover
situações de melhor convincia entre seus membros.
No entanto, o Vale do Amanhecer é uma comunidade heterogênea e, por isso,
merece uma abordagem diferenciada. O conceito de drama social apenas pode ser aplicado
em uma comunidade coesa e homogênea, onde os conflitos internos, relacionados a rupturas
de regras sociais, provoquem crises e divisões entre seus membros. O nosso grupo, em meio a
uma comunidade urbana, baseada em uma economia industrial, é extremamente heterogêneo e
as disputas
entre seus membros pouco afetam-nos como um todo, não provocando qualquer
divisão entre os participantes. Porém, rituais semelhantes a recursos reparadores que o
aplicados urgentemente a todos seus adeptos, como se todos estivessem envolvidos em
contendas de tamanha repercussão. Porém, se a quantidade de adeptos submetidos a estes
rituais periodicamente estivessem envolvidos em dramas sociais, haveria a possibilidade de a
117
doutrina ser colocada em risco. Um exemplo disso são os rituais de julgamento e o de Angical
que são realizados frequentemente e atendem a numerosos fiéis a cada sessão.
Mas conforme observamos, estes recursos reparadores não objetivam solucionar
problemas sociais, mas individuais. Cada adepto participa dos rituais procurando suas curas,
que não estão associadas a dramas sociais, mas a suas próprias narrativas tico-
cosmológicas. Espíritos de eras perdidas cobram os adeptos e a única ligação entre eles são
estas aventuras esquecidas, recuperadas nos rituais. No entanto, surpreendentemente apesar de
estas histórias não serem dramas sociais, elas exigiam mecanismos semelhantes para suas
soluções, tais como recursos reparadores urgentes e necessários, assim como etapas similares
para a solução do problema: a fase de identificação do obstáculo e de aplicação do veredicto,
a de tratamento, que inclui um período liminar, e um de revelação. Além do mais, de modo
semelhante aos dramas sociais as narrativas mítico-cosmológicas são como estruturas - ou
scripts- das próprias dificuldades dos adeptos, estando anteriores aos acontecimentos em si,
como sendo suas origens, pois provide materials for many stories.
Ademais, embora o desempenho dos ritos tenha o objetivo de solucionar
problemas individuais, observamos que de fato resolveram contendas que estariam localizadas
em uma comunidade cosmogica perdida, como se reivindicassem restabelecimento de sua
antiga harmonia e exigissem reparação de ruptura social que prejudicou a coesão anterior. As
narrativas tico-cosmológicas recuperam situações distintas das que são vividas de fato
pelos adeptos, pois seus relatos se referem a antigos parentescos esquecidos e que devem ser
reatados para que o diálogo com o espírito seja mantido. Esses laços assemelham-se à coesão
social necessária para a análise do drama social. Além do mais, esta suspeita é refoada,
quando é observada a preocupação em manter a harmonia entre os grupos que estão ao redor
do Vale do Amanhecer, mas em seu contexto cosmogico, conforme foi destacado através da
narrativa de que Tia Neiva havia estabelecido acordos entre espíritos do Vale Negro que
poderiam se opor a seu povo. Alianças externas eram mantidas a fim de se manter um
relacionamento mais esvel com sua vizinhança.
Deste modo, uma doutrina constitda por comunidade heteronea em uma
economia de base industrial tem a condição de recuperar conceitos de dramas sociais e
recursos reparadores para compreendermos o mecanismo da cura. Conforme percebemos, a
instituição aplicava recursos reparadores para solucionar narrativas que estavam, na verdade,
dentro de um contexto tico-cosmogico. No entanto, este conteúdo apresenta aspectos de
118
necessidade de coesão e reparação de rupturas, permitindo que recuperemos o conceito de
drama social para tratarmos das narrativas mítico-cosmológicas, que interagem
dialogicamente por ainda serem ativas e urgentes. No entanto, a única maneira de chegarmos
até estas narrativas e repará-las é por meio das performances dos rituais. Se os dramas sociais
exigem tais reparações, as narrativas mítico-cosmológicas, no mesmo vel de urgência,
necessitam de recursos formais ou informais - diálogos entre os dois envolvidos - para
recuperarem uma necessária e obrigatória harmonia.
Por isso, podemos dizer que os rituais, em seu conjunto, são como performances
reparadoras. Afinal, Turner destacou que entre os Ndembu há alguns recursos empregados
para que conflitos sejam solucionados e a ordem seja restabelecida. Estes mecanismos são o
emprego de performances formais ou informais, que atuariam contra os próprios
representantes da comunidade, geralmente através de emprego de força, inicialmente
mantendo o transgressor em uma fase liminar, sofrendo imolações, para que possa ser
reintegrado. Situações semelhantes acontecem com adeptos do Amanhecer quando são
submetidos às cobranças e mantidos em períodos liminares, até terem o direito de serem
cobrados por suas timas do passado, quando a justiça é aplicada contra seus próprios
adeptos para que aconteça a reparação. Por isso, tais rituais podem ser considerados em seu
conjunto como performances reparadoras de dramas sociais individuais, ou tico-
cosmológicos, onde toda a força da coação social ainda repercute atualizada em cada adepto.
5.2.2. O desempenho da burocracia do Estado
Deste modo, os rituais do Vale do Amanhecer representam uma performance
de conflito que tem o objetivo de proteger o Estado soberano da doutrina, mas que, no final
das contas, provoca a cura de seus adeptos. A inseão do adepto ao sistema e ao conjunto
cosmológico dos rituais do Vale do Amanhecer, fazendo parte da burocracia e da estrutura
protetora e usurpadora da doutrina, faz com que o adepto tenha por contrapartida as proteções
necessárias para obter sucesso em rituais de desobsessão, tais como julgamento e Angical. O
resultado deste conflito entre adepto e espíritos é responvel por transformá-los em razão das
119
dificuldades e demora do conflito. As estruturas dos rituais também são significativas neste
processo, no Vale o duplo recurso de haver padrões de formalidade e tabu pela exigência
do ritual religioso, mas tamm pelo rigor do seu aspecto político, reforçando ainda mais o
poder e coerção envolvidos nas atividades, sendo ainda mais eficazes para as curas.
120
6. CONCLUSÃO:
6.1. Crise política e mediunidade
Procurei demonstrar no capítulo I que havia uma contradição no Vale do
Amanhecer, uma vez que o número de fiéis que participavam dos rituais parecia não ser
afetado com a crise na disputa do posto mais alto da instituição: um golpe que substituiu o
primeiro Trino da doutrina. Uma das explicações viria, portanto, com o histórico da
instituição e com a abordagem etnogfica, pois as orientações das entidades no quotidiano
dos fundadores e de adeptos os auxiliava a aliviarem suas dificuldades e incentivava a
participação incessante nos ritos. Ademais, uma segunda explicação viria com duas falas
básicas: as que afastam os fiéis de desagradáveis conflitos - em razão da iminência de
prejudicarem seus carmas, de violarem interdições em envolvimentos políticos e de
inspirarem sentimentos contrários à paz e harmonia - e as que refoam a avassaladora e
irrevogável justiça de Chapanã, o Cavaleiro da Lança Negra, contra agentes incorrigíveis
que insistissem em prejudicar o sistema doutrinário do Amanhecer.
Assim, chegamos à primeira conclusão: a de que os adeptos são incentivados a
exercer a sua mediunidade e a preservar os seus carmas. Apenas pelo exercício dos rituais,
atividade significativa para adeptos e instituição, é que forças são geradas e nculos
duradouros entre médiuns e entidades são mantidos.
6.2. A natureza desta ligação existente entre espíritos de luz e adeptos justifica-se e
torna-se ainda mais intensa em razão da complexidade das práticas dos rituais. A formação
do fiel insere-o em um sistema o amplo que atualiza o conceito da instituição: o Vale do
Amanhecer é uma doutrina política, afinal, as identidades dos adeptos são desconstruídas e
reconstrdas para que possam ser inseridos a novas hierarquias associadas a redistribuições
de cargos, responsabilidades, personalidades e poderes. O indiduo está amplamente
burocratizado, pois passa a ter a segurança de cavaleiros ou guias missionárias, são
chamados de jaguares, doutrinadores, Aparás, yuricys e fazem parte de novas hierarquias de
121
forças, sendo portanto, Arcanos, 7° Raios etc. Assim, temos uma conceituação que aglutina
todas as outras qualidades levantadas anteriormente sobre o Vale. Afinal, se anteriormente
destaquei a crença na vida após a morte, o resgate cármico, a divisão paramilitar e as
desobsessões de espíritos, podemos dizer agora que estas hierarquias e qualidades poticas
estão associadas ao resultado cármico do passado de outras vidas e funcionam para a
elevação de espíritos para a casa transitória de Mayante.
Nada disso seria possível, afinal, se o adepto participasse de acordos ou conflitos
árduos contra espíritos do Vale Negro sem a preparação adequada. Os adeptos precisam
saber como conversar ou lutar contra espíritos, por isso, aprendem a desempenhar os rituais,
recebem nomenclaturas hierárquicas, utilizam armas adequadas, ou seja, energias superiores,
e se posicionam corretamente em postos para desempenhar funções estabelecidas.
Havia concluído anteriormente que a doutrina do Vale do Amanhecer, devido ao
mecanismo de funcionamento e periodicidade dos rituais, organiza-se como um Estado
soberano. O portal do Vale, o ritual de Abatá e de Imantração protegem o território da
cidade contra as forças do caos e da desordem referentes às margens. Entidades, rituais e
adeptos participam deste procedimento contra espíritos que não aceitam a lei.
Ademais, lembremos que o centro do Estado do Vale do Amanhecer é um corpo
buroctico extraterreno, existente em uma região abstrata, sem deixar de ser onipresente e
inalcançável ao mesmo tempo. Isso implica na diferenciação e pluralização de seus
representantes, para que se possa garantir a comunicação e a administração de uma doutrina.
Por causa da morte de Tia Neiva, a fala de Pai Seta Branca tornou-se perdida, mas
representada pelos inúmeros Pretos Velhos. Da mesma forma, suas determinações foram
substitdas pelos Trinos, com a diferença de que, agora, as decisões não m o aval da voz
soberana. Enquanto sua voz se diversificou, o seu comando se unificou, afastando-se do
centro supremo. Assim, com o objetivo de se aproximar de orientações mais pertinentes, os
adeptos são fiéis às informações dos Pretos Velhos, dando pouca importância aos Trinos para
valorizar mais o braço extraterreno do Estado do Vale do Amanhecer.
Como consequência desta divisão, podemos avaliar estes dois representantes do
Estado, considerando dois aspectos distintos, baseando-nos em um mecanismo fornecido por
Ferguson. Exatamente como foi explicado por este autor, o Estado na ótica dos Trinos é
apenas um ponto de coordenação e multiplicação de relações de poder. Por outro lado,
conforme Pretos Velhos, rituais e energias, Estado é uma substância movimentada entre
122
indiduos, entidades e rituais, sendo apenas, por meio deste circuito, uma fonte de poder e
de cura.
Este Estado soberano extraterrestre possui tamm uma organização burocrática
com seus respectivos representantes responveis pela realização dos rituais e da aplicação
de seus objetivos. Afinal, em uma distribuição hierárquica o rigorosa, este Estado exigiria
um representante supremo, responsável por decisões que atendem à instituição em aspectos
pragmáticos conforme a sua fundação, e a divulgação de suas leis. Também foi ele quem
indicou principais representantes entre adeptos da doutrina. Por outro lado, Pai João de
Enoch é o executivo do Vale do Amanhecer nos planos espirituais, enquanto que Pai
Joaquim das Almas, Pai João de Enoch e Pai Zé Pedro são responveis pelo sistema
jurídico.
Outrossim, tentamos dar um sentido ao intenso rigor na constância da realização de
rituais que implicam uma defesa no território da doutrina: o Vale do Amanhecer não é
apenas um sistema buroctico, mas sobretudo um Estado colonizador extraterreno. Isto não
implica em uma qualidade cosmológica apenas, mas em uma justificativa de seu mecanismo
de funcionamento: sendo um Estado invasor, luta para manter sua ordem coesa em território
adverso, sempre atento às reações provenientes de espíritos das margens, tais como os do
Vale Negro. Objetivando garantir seu donio sobre estas entidades, utilizam não apenas do
recurso da força, mas também de mais dois outros, o da educação e o da justiça popular.
Interpretamos aqui como um método educacional o processo que visa a orientação de
espíritos rem chegados à casa transitória de Mayante e o procedimento de orientação que
ocorre durante o desempenho do ritual, com o intuito de transformar o modo de pensar da
entidade subjugada. Aquilo que chamamos de justiça popular é o método pelo qual a tima
decide sobre a absolvição de seu antigo algoz, hoje o adepto da doutrina, após um certo
período de expiação. Agindo deste modo, as inúmeras timas de antigas encarnações
aplicam uma sentença particular para cada caso, atualizando, assim, o conceito de direito de
equidade. Neste caso, quando o espírito entende que houve justiça, aceita seu englobamento
no Estado de Pai Seta Branca.
Como se fosse uma consequência deste pensamento, temos a análise de Deleuze e
Guattari sobre dois polos de potica soberana: o polo de defesa e o jurídico. Sua abordagem
muito nos interessa, em virtude da similaridade de suas conclusões com o mecanismo
encontrado nesta etnografia. Com base no trabalho destes autores, concluí que o Vale do
Amanhecer aplica a violência por meio da manutenção de suas defesas, pois emprega um
123
processo de captura através de redes magnéticas contra os espíritos periféricos, e pelo
empenho da justiça contra seus próprios adeptos, devido à submissão e à privação a que os
submete. Não podemos nos esquecer, ainda com base nos mesmos autores, que o próprio
sistema emprega da violência da usurpação visto que, para a montagem do sistema do
Estado, os adeptos do Vale do Amanhecer são submissos a uma espécie de servidão, como
peças de uma máquina, pois devem manter com frequência seus rituais mediúnicos, estando
sob a direção e controle de uma unidade superior. Seusnus de trabalhos espirituais
tamm são submetidos a uma espécie de aparelho de captura, responvel por apropriar-se
destas moedas espirituais e comparar o excedente, com o necessário para a sua libertação
cármica.
6.3. O efeito do dlogo entre adepto e espírito
Finalmente, analisei a situação da prática dos rituais. Portanto, posso considerar
que, embora os sujeitos encontrem suas libertações em rituais de comunicação consagrados,
tais como julgamento e Angical, os ritos performáticos não podem ficar de fora destas
situações. Afinal, o Abatá, a Escalada, a Imantração libertam ou elevam espíritos, mas não
os cobradores dos adeptos. Desse modo, obtendo bônus destes rituais, ou seja, mantendo-se
inserido na instituição, o médium tem mais condições de obter sua libertação. Estas foram as
inquietões de Santiago e Graciara: obter “moedas espirituais para elevarem seus espíritos
cobradores.
No entanto, caso o adepto tenha participado de todos os rituais necessários para
melhorar a sua condição, mas ele não se retrate com o espírito, o processo estará incompleto.
Entretanto, apesar deste procedimento ser aparentemente oposto aos métodos aplicados pelos
rituais de defesa, parece reforçá-los. Afinal, o rito de Angical desempenhado por Avalciara
deixou claro que a adepta necessitava das proteções fornecidas por suas entidades para
conseguir conversar com o espírito; além do mais, conforme o espírito se aproximava mais
do centro de poder da doutrina do Vale do Amanhecer, mais se tornavam eficazes as defesas
prestadas pelas entidades. Ademais, o rito mostrou-se como um esforço para englobar um
espírito a um novo sistema, tirando-lhe de uma antiga estrutura muito mais opressora. Foram
124
aplicados por Avalciara recursos que garantiram sua libertação: o donio do discurso
através do emprego de estruturas linguísticas para superar a sedução do espírito pela
aplicação do medo e do terror. O cobrador foi elevado, mas apenas depois de compreender
sua condição, o que permitia a interpretão de que este rito fosse como um dlogo
revelador entre cobrador e adepta, uma espécie de hermenêutica do ser.
6.4. Dramas sociais e narrativastico-cosmológicas
Conforme foi demonstrado, os rituais do Vale do Amanhecer pareciam ter uma
grande relevância no contexto da solução de conflitos, no entanto, como poderíamos
defender esta tese se o conceito fundamental referente a este tópico estivesse ausente. Por ser
heterogênea, tendo como base uma economia industrial, a doutrina do Vale do Amanhecer
não pouco é abalada por conflitos de interações sociais, no entanto, surpreendentemente
desempenha rituais, que se assemelham a mecanismos de reparações de conflitos. Esta
incoerência conduziu-me a reler Turner - Social Dramas in Brazilian Umbanda: The
Dialetics of Meaning (1987) para entender que o conceito de drama social ainda existia,
mas apenas poderia ser encontrado nas narrativas mítico-cosmológicas.
Em seu texto, Turner demonstrou que uma comunidade homogênea, geralmente de
economia rural, com vínculos parentais muito fortes, utiliza recursos reparadores para
solucionar conflitos que repercutem e dividem a comunidade. A origem destas contendas
está em conflitos de interações sociais que foram analisadas pelo autor em sua evolução para
que ele pudesse compreender a maneira como a comunidade resolvia estas situações. Deste
modo, ele fez um levantamento de características referentes aos dramas sociais que puderam
ser aproveitadas nesta etnografia.
De acordo com Turner, o drama social seria „processualmente estruturado‟, o que
implica dizer que ele pode ser analisado conforme sucessivas fases dentro de uma ação
blica. Estas qualidades são semelhantes ao processo aplicado pelo Vale do Amanhecer
sobre as narrativas mítico-cosmogicas
que sujeitam os adeptos a certos obsculos. Afinal,
as fases rituais de reparação de conflitos, nos dois casos, iniciam-se com a identificação da
doença, seguida pela aplicação de recursos divinatórios que seriam as orientações dos
Pretos Velhos para depois serem aplicados os tratamentos que têm seu ápice na revelação
125
do significado de seus envolvidos. Tais mecanismos colocam dramas sociais e narrativas
mítico-cosmológicas dentro pametros similares.
As fases de reparações de conflitos tamm são mecanismos paralelos entre os
conceitos de dramas sociais e as narrativas tico-cosmológicas. Podem aplicar reparações
formais ou informais, contra seus próprios integrantes, mantendo-os em períodos liminares,
para que possam sofrer imolações e serem posteriormente avaliados. Estas semelhanças de
mecanismos fizeram com que fossem consideradas as narrativas tico-cosmológicas como
se estivessem dentro do mesmo patamar dos dramas sociais.
Além do mais, as qualidades que faltavam para justificar a presença do conceito de
drama social na comunidade do Vale do Amanhecer, são encontradas nas narrativas mítico-
cosmológicas. Afinal, os nculos de parentescos, bem como a prevenção para manutenção
de estabilidade em relacionamento com a vizinhança estão no conteúdo tico.
Em razão destas características semelhantes entre dramas sociais e narrativas
mítico-cosmológicas, ambos foram colocados dentro de certa similaridade, para que fosse
possível justificar a importância das submissões individuais aos ritos, bem como a urgência
em aplicar tantos rituais para a solução destas situações pessoais. A construção da
personalidade de cada indivíduo recupera um espaço social muito maior que deve ser
revivido para que uma harmonia seja restabelecida. Deste modo, os rituais do Vale do
Amanhecer, em seu conjunto, podem ser tratados como performances reparadoras por
procurarem solucionar conflitos cosmológicos individuais, com as mesmas urncias
exigidas de seus mecanismos sociais como se cada um tivesse a sua comunidade e seus mitos
particulares. O poder de coação e as repercussões dos dramas sociais são atualizados no
próprio indivíduo.
6.5. O aspecto formal e político dos rituais
Ademais, finalmente, podemos concluir que o adepto é inserido em uma
performance de conflito no decorrer de todos os rituais, com o objetivo de realizar as
desobsessões de espíritos que ameacem a instituição, mas provoca, em razão da participação
nesta estrutura usurpadora, seu próprio alívio. Obtendo suas proteções por ser parte de um
sistema hierárquico burocrático e cosmogico, o adepto deve ser mais um médium que
126
garante a defesa da doutrina, mas tamm realiza um enfrentamento contra espíritos
cobradores que o ameaçam. Apenas quando estiver devidamente preparado poderá encontrá-
lo em julgamento ou Angical, sofrendo no decorrer deste processo de preparação suas
provações, suas dificuldades que provocam suas transformações como a do espírito que
exige justiça de contenda acontecida em passado mítico-cosmológico. Todos estes rituais
estão envoltos em grande formalidade, o que por si garantiria submissão dos espíritos,
mas a qualidade potica dos trabalhos espirituais reforça ainda mais o poder e a coerção das
atividades, dando mais credibilidade à eficácia da cura.
6.6. A inserção em um Estado Soberano e a cura
Portanto, conforme nosso enfoque, a cura do adepto depende de sua inseão na
doutrina do Vale do Amanhecer. No entanto, estar inserido nesta instituição implica em
contribuir de maneira particular com um Estado soberano que necessita: periódica e
urgentemente de participantes para seu sistema de defesa; em assumir uma complexa
identidade hierárquica; em submeter-se ao processo de usurpação e jurídico do Estado
soberano; em utilizar recursos do discurso com agilidade, conforme um processo que lembre
acordos ou negociações. Afinal, assim foram interpretados os rituais de Alabá, Imantração,
Angical, Julgamento etc, realizados por mestres tão longamente preparados. Pode-se dizer, em
resumo, que a cura do adepto depende da participação em um procedimento global de fazer
política, vivendo os seus riscos e sucessos, sem deixar de cooperar com a causa do Estado
extraterreno.
A inserção do adepto não implica na garantia de sua cura. Para obter seus avios ele
deve participar dos rituais frequentemente para assim obter nus para a participação em
rituais de comunicação e conversar com o espírito cobrador. Este, por sua vez, apenas irá
perdoá-lo se tiver cobrado-lhe durante um período e considerar ter ocorrido justiça. Na prática
esta condição resulta em situações de sofrimentos repetitivos em que o adepto apenas sente
que seus avios estão ocorrendo ao final de um longo processo. Santiago submeteu-se a esta
situação cíclica de maneira desprotegida, receoso por sua segurança e por submissão a
cobranças cármicas. O espírito que ameaçava Avalciara demonstrou que, mesmo afastado do
127
Vale do Amanhecer, ainda estaria em outro sistema, mas em um muito mais opressor. A
doutrina oferece a opção de aliviar as cobranças rmicas, levando o adepto a sof-las a o
limite da angústia, para a obtenção da libertação e, assim, recomeçar novo carma. O processo
da libertação ocorre por meio de repetitivas expiações.
Deste modo, pouco podemos falar, neste texto, em cura definitiva. Afinal, se
considerarmos que a cura é a libertação de Santiago para morar onde quiser, ou a obtenção de
emprego fixo e definitivo de Graciara, ou o vínculo empregatício de Avalciara em empresa
com salário justo, então dir-se-ia que não houve alívio esperado. No entanto, também não
seria justo considerar que suas condições são as mesmas desde que entraram para a doutrina,
pois, Santiago agora pode sair dos portões do Vale do Amanhecer sem ser ameaçado,
Avalciara não tinha oportunidade de emprego e hoje já está trabalhando. No entanto, o
julgamento de Graciara foi esclarecedor no seguinte sentido: a realização da adepta esteve
menos na promessa de um emprego vindouro do que na satisfação emocional de ter
conversado com sua irmã de outras vidas e de ter compreendido sua condição. Graciara viveu
completamente sua cura sem tê-la alcançado ainda, afinal, a elevação do espírito seria a
condição de sua melhora. Portanto, pode-se dizer que em meio a essa instituição tão
opressora, afirmo isso considerando seu aspecto usurpador, e no âmago desse processo tão
longo e angustiante, a vivência do avio é tão efetiva quanto a ocorrência de fato da cura dos
adeptos do Pai Seta Branca.
128
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134
GLOSSÁRIO
Este glossário foi escrito por interdio do acervo Tumarã, conjunto de textos
produzidos como uma espécie de enciclopédia contendo diversos conceitos pertencentes ao
Vale do Amanhecer. Este acervo é distribdo em Word, para ser lido no computador, e
Marcos Annio forneceu o que está a ser utilizado para completar esta dissertação.
Abatá: ritual realizado nos cruzamentos, visando a transformação de energias negativas em
positivas ou o aprisionamento de espíritos de baixas hierarquias. Os médiuns se organizam
em geral em 5 pares, mantendo a disposição de uma elipse no local a ser desempenhado.
Cada adepto deve realizar sua emissão e canto.
Acambuê: é uma consagração da Estrela Candente completa, com 108 pares ocupando os
Esquifes”.
Adjunto de Povo: são grupos reunidos com base na origem espiritual em comum. O
representante do adjunto passa a receber a sua denominação. Deve-se observar que há casos
que o representante do adjunto não forma um povo, neste caso não há um grupo nem
reuniões para organizar.
Ajanã: ver Mestres e Ninfas”.
Alabá: é um trabalho de comunicação que acontece nas noites de lua cheia, tendo início a
partir das 18:00h. Tem o objetivo de conduzir à harmonia dos plexos dos pacientes, por meio
da manipulação dos Pretos Velhos e a proteção de Cavaleiros espirituais, sobretudo os de
Lança Vermelha.
Anodização: este é um termo empregado para duas situações: quando o dium faz uso do
sal e do perfume antes dos rituais, diz-se que ele esanodizando. A anodização é tamm
um outro nome para o ritual de unificação. A unificação é um ritual realizado, geralmente,
uma vez por s no período de lua cheia, na Quinta-feira à noite ou no Domingo à tarde, no
Solar dos Médiuns, que visa solucionar problemas de ordem nacional ou em nível planerio,
tais como a Guerra do Golfo ou a gripe sna etc. Nestes dias são ocupados os lugares dos
sete Quadrantes e ainda o da realização da Estrela Candente.
Apará: ver Mestres e Ninfas”.
Aramê: ver Prisão”.
135
Arcanos: arcanos são espíritos o superiores que projetam suas forças a partir de um ponto
de fora do planeta terra. No Vale do Amanhecer alguns adeptos foram consagrados arcanos,
sendo uma espécie projeção da força destas entidades espirituais.
Bônus: são pequenas lulas de energia vitalrecebidas pelo merecimento do adepto por
suas participações nos rituais. Afinal, por seu intermédio, entidades podem realizar suas
atividades espirituais. Mas caso o fiel comece a cometer inconsequentes perversidades, pode
ser leiloado pela espiritualidade para espíritos das trevas e os bônus obtidos por este leilão
podem ser usados para favorecer adeptos que necessitam.
Caboclos: espíritos que se apresentam na roupagem de índios.
Capela: planeta localizado ats do sol. Habitado por seres chamados por Cavaleiros de
Oxosse que m a missão de preparar os habitantes da terra para sua evolução.
Carma: obsculos justificados por ações realizadas em outras vidas. Os prejuízos
provocados a outros espíritos retornam transformando o agente em tima de suas ações,
como uma consequência da Lei de Causa e Efeito.
Cavaleiros Especiais: são entidades de luz de proteção dos adeptos, que capturam espíritos
que necessitam de ajuda, por intermédio de redes magnéticas, para conduzi-los aonde
possam receber proteções.
Centúria: curso ministrado a adeptos que participaram da consagração de Centúria,
divulgando conhecimentos similares aos que são apresentados no curso de 7° Raio.
Chakras: são pontos de captação e emissão de energias do corpo etérico, distribuídos em
pontos correspondentes aos plexos do corpo físico, a este ligados pelo sistema nervoso e,
especialmente, pelo Centro Coronário (Cf. acervo Tumarã).
Chapanã ou Cavaleiro da Lança Negra: cavaleiro que conduz o espírito do adepto que
praticou incorriveis perversidades até as entidades das cavernas que o adquiriram em
leilão.
Charme: o charme, Fagulha Divina ou Centelha Divina é a nossa herança transcendental
(Cf. acervo Tumarã).
Classificação: as classificações são as hierarquias de forças obtidas a partir do momento em
que o médium torna-se centurião. O doutrinador recebe as seguintes classificações: Raio
Autorizado Taumantes Raio Rama Adjuração; Adjunto Regente Koatay 108 Taumantes Raio
Rama Adjuração; Adjunto Koatay 108 Triada Harpásios Raio Rama Adjuração; Adjunto
Koatay Herdeiro Triada Harpásios Raio Adjuração Rama 2000. Os Ajanãs recebem outras
classificações: Yurê Raio Autorizado Cautanenses Raio Rama Ajanã; Yurê Adjunto
136
Regente Cautanenses Raio Rama Ajanã; YuAdjunto Koatay 108 Cautanenses Raio
Rama Ajanã; Yurê Adjunto Koatay 108 Cautanenses Raio Ajanã Rama 2000; Yurê
adjunto Koatay 208 Vancares Raio Rama Ajanã; Yurê Adjunto Koatay 108 Vancares
Raio Rama 2000. Para os médiuns mudarem de uma classificação para outra devem
participar de um ritual de reclassificação, promovido pelos Devas.
Cobrador: espíritos encarnados ou desencarnados que foram vítimas de malefícios em outras
vidas e adquirem o direito de exigir reparo do antigo malfeitor, provocando males
semelhantes aos sofridos anteriormente.
Condessa Natary (Natarry ou Natanrry): entidade de luz representada no julgamento e
aramês, chamada de “testemunha de todos os tempos, representante do Esrito da Justiça,
é projeção do Cavaleiro da Lança Negra ou tamm chamado de Chapanã.
Consagrações: capacidade do espírito encarnado vir a receber cada vez mais energias devido
ao avanço de seu grau de evolução. No entanto, existem as consagrações coletivas que m o
objetivo de manter “a força decrescente e a hierarquia do Mestrado (C f. acervo Tumarã) e
que “canalizam potentes raios de forças que são manipuladas e distribdas (Cf. acervo
Tumarã) aos médiuns. Estão entre estas as Consagrações de de Maio, as de Falanges
Missionárias, as de Adjuntos etc.
Cura Iniciática: ritual realizado no templo tendo a participação de doutrinadores e médiuns
de incorporação, em que são utilizadas as energias ectoplasmáticas dos diuns. É assim
chamado porque são incorporadas entidades médicas.
Devas: sua função e denominação estão relacionadas às linhas indianas, nas quais os devas
estão entre os seres divinos superiores e os seres humanos, tendo como uma de suas
atribuições a responsabilidade por comandarem os seres elementais. O objetivo dos Devas no
Vale do Amanhecer é de executar alguns rituais, como os de classificação e reclassificação,
além de serem responveis pelas distribuições das emissões e cantos.
Defumação: a defumão funciona como uma espécie de limpeza tanto de médiuns e
pacientes, quanto do ambiente ao redor, por meio da ativação dos chakras dos fis, da
desintegração de cargas negativas e do afastamento de espíritos não evoluídos. A defumação
ocorre pela aplicação de fumaça provocada pela queima de um produzido a partir do
endurecimento de resina retirada de uma árvore específica. Geralmente a defumação é
realizada dentro do templo durante ou após rituais específicos.
137
Defumação no Sudálio: ritual realizado dentro do templo, sendo composto por um
doutrinador comandante, uma ninfa lua Centuriã e um Ajanã para a defumação. Participam
do trabalho apenas 7 pacientes.
Doutrinador: o médium doutrinador é aquele que não incorpora, tendo sua mediunidade
concentrada no sistema nervoso central, o que amplia sua consciência e sua capacidade
racional. Conforme os adeptos, o doutrinador foi trazido por Tia Neiva.
Ectoplasma: tamm chamado de “fluido magnético animal, é uma espécie de energia
produzida no organismo de todos, que é aperfeiçoada na medida em que a pessoa participe
dos rituais, principalmente na condição de adepto.
Elevação: capacidade que o doutrinador possui de enviar um espírito para o Reino Central,
abrindo um canal para projetá-lo, por meio da utilização de uma chave adequada e da
utilização de seu próprio ectoplasma.
Elevação de Espadas: A Elevação de Espadas é o cruzamento de forças iniciático-
evangélicas que projetam no médium os poderes de ADONES, somando-se aos raios de
Eridan, que recebeu no Desenvolvimento, e de Oner, quando de sua Iniciação, formando
potente conjunto de forças desobsessivas” (Cf. acervo Tumarã). O adepto participa deste
ritual três meses após ter feito a elevação.
Elítrio: espírito obsessor que tem a aparência de uma cabeça de macaco achatada, tendo
cerca de 10 centímetros de tamanho, que se fixa em algum órgão do corpo humano.
Emissão: código baseado na hierarquia doutrinária do médium, que deve ser falado durante a
realização de alguns rituais, tendo o objetivo de trazer as forças particulares de cada médium.
Emplacamento: ao final da primeira fase do desenvolvimento, o adepto apto recebe uma
placa com o nome de sua princesa o doutrinador ou o nome de seus mentores médium
de incorporação podendo agora participar do ritual de iniciação.
Espírito de Luz: são espíritos desencarnados que não possuem mais carmas a resgatar na
terra, por isso são dirigidos a outros planetas onde adquirem um padrão vibratório pximo
ao da luz, não mais participando do ciclo de reencarnações.
Estrela: as estrelas são forças que estão relacionadas com a origem que os adeptos tiveram a
partir de Capela, emitindo energias que os ajudam conforme as condições enfrentadas nos
rituais. São um total de 21 e cada qual forma uma Amacê.
Estrela Candente: ritual realizado diariamente no solar dos médiuns, no lago artificial em
forma de estrela de seis pontas. A realização de um ritual completo corresponde a uma
escalada e compreende a participação dos adeptos em três estrelas, que ocorrem nos
138
horários de 12:30h, 14:30h e 18:30h. Neste rito, espíritos que não podem ser atendidos no
templo são elevados, por intermédio de Amacês, espécie de nave espacial invisível.
Estrela de nerhu: ritual que movimenta grande energia, sendo realizado às 18:00h, nos dias
de trabalho oficial (sábado, domingo e quarta-feira). É realizado em frente ao templo,
simulando encenação específica para permissão de sacrifício de ninfas Esmênias ou suas
representantes.
Falanges: grupos de espíritos que possuem as mesmas afinidades, embora tenham origens
diferentes. Tia Neiva formou no Vale do Amanhecer duas linhas de falanges que reunissem
os médiuns: as falanges missionárias e as falanges de Mestrado.
Falanges de Mestrado: classificação em vel espiritual, fornecida pelos Devas. Cada
médium será classificado de acordo com a natureza de seu plexo iniciático. São um total de
12 falanges: amanhecer, anunciação, ascensão, consagração, cruzada estrela candente,
redenção, ressurreição, sacramento, solar, sublimação, unificação.
Falanges Missionárias: estas se organizam conforme a missão dos adeptos. Cada médium
escolhe um grupo que é responsável pela realização de algum ritual no Vale do Amanhecer.
Cada Falange possui um representante responvel por organizar as datas dos eventos, bem
como determinar o membro que participará do ritual. Todas as Falanges Missionárias
possuem um canto particular, um mito de origem e uma indumentária própria. As Falanges
Missionárias são as seguintes: Nityamas, Nyatras, Samaritanas, Gregas, Mayas, Magos,
Príncipes Mayas, Yuricys Sol, Yuricys Lua, Dharman Oxinto, Muruaicys, Jaçanãs, Arianas
da Estrela Testemunha, Madalenas, Franciscanas, Narayamas, Rochanas, Cayçaras,
Tupinambás, Ciganas Aganaras, Ciganas Taganas, Agulhas Esménias. Três Falanges
Missionárias foram extintas: as Zingaras, as Esmênias e as Tatiaras.
Humarran: monge que preparou Tia Neiva durante cinco anos. Mesmo vivo e estando em
um mosteiro nas montanhas do Tibet, ele ensinava Tia Neiva no Vale do Amanhecer, pois
era capaz de se projetar, ou seja, sair do próprio corpo e se encontrar com sua aluna em outra
dimensão.
Imantração: trabalho realizado dentro do templo, nos dias de trabalho oficial, ou do lado de
fora, este mais raro. Os mestres devem se vestir com as roupas das falanges e andar em fila,
cantando mantras, para desalojar espíritos sofredores.
Indução: este ritual realiza a desintegração de cargas negativas, tendo aplicação para a
solução de problemas materiais, sobretudo de natureza econômica. Crianças menores de 10
anos e gestantes de mais de 3 meses de gravidez não podem ser atendidos neste ritual.
139
Iniciação: primeira consagração do adepto, implicando na sua admissão na doutrina.
Julgamento: ver Prisão.
Junção: ritual fundamentado na utilização de fluidos de Doutrinadores, por meio da
aplicação de passes magnéticos, para alcançar a libertação de etrios dos pacientes.
Koatay 108: hierarquia espiritual obtida por Tia Neiva, passando a ser designada como tal
em diversas situações.
Legião do Mestre Lázaro: grupo de espíritos de luz que possuem forças que estão na Linha
Africana e na Linha do Amanhecer. Mestre Lázaro recebe de Pai Seta Branca várias
missões, mas principalmente as de resgates no Mundo das Trevas, utilizando redes
magnéticas e dispondo sua falange de modo semelhante às legiões romanas quando
preparavam-se para os combates: em grupos de cavaleiros, revestindo-se com uma força
tão grande que são temidos até pelos grandes condutores de espíritos sem Luz”.
Leito Magnético: ritual realizado dentro do templo, contando com a presença de quatro
cavaleiros de Luz, para garantir o seu grande poder de desobsessão e de cura. Os espíritos
o aprisionados por uma malha magnética formada por intermédio das emissões dos mestres
e ninfas.
Linha de Passes: na Linha de Passes ocorrem a incorporação de Pretos Velhos e Caboclos
com o objetivo de retirar cargas negativas ou irradiações que tenham ainda ficado nos
pacientes após a participação nos rituais. Para participar deste rito não é necesrio
encaminhamento do Preto Velho.
Médico do Espaço: entidades médicas que atuam na cura sica e espiritual.
Médium: conforme a doutrina do Vale do Amanhecer, todo o ser humano é um dium, ou
seja, possui capacidades de interagir com o mundo espiritual. Na instituição ele aprende a
emitir e receber numerosas forças de outras dimenes, o que permite que os rituais sejam
eficazes.
Mesa Evangélica: mesa montada em forma de triângulo, em que cada lado se encontram
sentados médiuns, que incorporarão espíritos que deveo ser conduzidos a dimensões
adequadas, por meio das elevações realizadas por doutrinadores, localizados atrás dos
incorporadores.
Mestres e Ninfas: os adeptos recebem denominações particulares, conforme o gênero. O
médium é chamado de mestre, podendo ser mestre sol o doutrinador - ou mestre lua o
médium de incorporação. A adepta é chamada de ninfa lua médium de incorporação e
ninfa sol a médium doutrinadora. O Ajanã é o médium de incorporação masculino. O
140
Apará é o médium de incorporação feminino, mas às vezes tal denominação é utilizada para
os Ajanãs, por um certo descuido ou pela tenncia em chamar todos o médiuns de
incorporão de Aparás.
Ministro: espírito de luz de alta hierarquia que assumiu compromisso com seu povo para
realizar diversas missões, tais como o Ministro Tumuchy. Além do mais, os adeptos também
recebem ministros para suas proteções, as o curso de Centúria.
Missão: programa das ações de cada espírito na terra.
Ninfas: ver Mestres e Ninfas.
Oráculo: é um tipo de Cabalabeneficiada por uma entidade de alta hierarquia, que faz
fluir suas forças a partir de suas raízes para serem manipuladas nos rituais ou para favorecer
os adeptos. O Oráculo do Pai é onde fiéis podem ter acesso a energias provenientes de Pai
Seta Branca.
Passe Magnético: é uma chave aplicada pelo Doutrinador em um conjunto de palavras e
movimentos que procuram o alívio do paciente por intermédio da retirada de impregnões,
devido a limpeza e a alteração do campo celular de seus Chakras.
Pira: é o centro de controle energético do Templo, onde se faz a ligação com a Corrente
Mestra, ponto de abertura e encerramento do trabalho do médium”.
Povo: grupo espiritual originado de uma das sete raízes. Este grupo tem relação com a
jornada original de Pai Seta Branca.
Pretos Velhos: agrupamentos de entidades de alta hierarquia que assumem a roupagem de
Pretos Velhos, para orientar pacientes ou adeptos. Vladimir de Carvalho, ex-relações
blicas do Vale do Amanhecer, falecido em 2007 com aproximadamente 70 anos, explicou
que a falange de Pretos Velhos era formada por grandes cientistas de Pai Seta Branca, mas
que vinham nos atendimentos na forma de ex-escravos. No entanto, segundo ele, alguns
espíritos realmente foram escravos.
Princesas: são sete espíritos femininos de alta hierarquia, sendo que seis delas foram
escravas e uma sinhazinha.
Prisão: o ritual de prisão é desempenhado pelo adepto para poder alcançar o perdão de suas
timas de outras vidas. Existem dois tipos de prisão, que se revezam a cada 15 dias. Um é o
Aramê, em que o médium visa alcançar o seu perdão de inúmeros cobradores ao mesmo
tempo. Já o julgamento procura possibilitar o perdão do médium de uma vítima apenas. Os
prisioneiros vestem indumentárias específicas e assumem a condição de prisioneiro da
141
espiritualidade maior por um período de uma semana, quando deverá pedir nus para sua
libertação.
Quadrante: ritual realizado diariamente ao redor do lago de Iemanjá, a partir das 16:00h.
Cada dia da semana um ritual é realizado para uma princesa específica.
Radar: local disponibilizado dentro do templo onde ficam os comandantes responveis pelo
acompanhamento dos rituais desempenhados. Do radar fluem forças que harmonizam os
ritos desempenhados.
Randy: ritual de grande efeito curador, realizado dentro do templo, tendo a participação de
cavaleiros de luz. Neste rito podem ocorrer cirurgias espirituais.
Reclassificação: ver Classificação”.
Retiro: complexo de forças que se projeta no templo do Vale do Amanhecer a partir de
Mayante, começando a chegar de manhã, mas se tornando mais intenso à tarde. O médium
tem acesso a estas energias desde que ele participe dos rituais desempenhados durante o dia
todo. Neste caso, pode-se dizer que ele participou de um retiro.
Sessão Branca: ritual que possibilita a troca de energias entre o Vale do Amanhecer e povos
indígenas. Durante este rito, índios vivos são incorporados e suas histórias são ouvidas,
embora algumas não sejam mesmo compreendidas devido à diferença das línguas.
Sétimo Raio: classificação muito elevada nos planos espirituais. Conforme acervo Tumarã,
Pai Seta Branca é um Sétimo Raio de Jesus; Arakén é um Sétimo Raio de Pai Seta
Branca”. Esta classificação é fornecida aos adeptos, as participarem em curso de duração
de nove meses.
Solar dos Médiuns: complexo constrdo a 1 km do templo, onde encontram-se uma
cachoeira, um lago em forma de estrela de seis pontas, outro lago maior, chamado de lago de
Iemanjá, diversas imagens constrdas, como as das seis princesas, a de Iemanjá e a de Mãe
Yara - alma gêmea de Pai Seta Branca - e a construção de uma pirâmide. Lá são realizados
basicamente os rituais de Estrela Candente, Quadrantes, Unificação, 1° de Maio e outras
consagrações.
Trinos Triada: representantes de nossas Raízes (Cf. acervo Tumarã), tendo o objetivo de
manter o cumprimento das leis da doutrina. Os Trinos Triadas Presidentes o o 1
º
mestre
Sol, Trino Tumuchy,rio Sassi; o 1
º
Mestre Jaguar, Trino Arakén, Nestor Sabatovicz; o 1
º
Mestre Curador, Trino Sumanã, Michel Hanna; o 1
º
doutrinador, Trino Ajarã, Gilberto
Chavez Zelaya.
142
Tronos: São trabalhos de comunicação e desobsessão que acontecem no interior do templo,
por intermédio de Pretos Velhos incorporados e devidamente acompanhados por
doutrinadores.
Trono Milenar: ritual onde são doutrinadas entidades de sábios e sagazes espíritos.
Turigano: ritual desempenhado para buscar forças referentes à origem dos adeptos em
Esparta. Realizado em espaço adequado em frente ao templo.
Umahã: ver Humarran.
Vale das Sombras: espécie de universidade localizada próxima da terra e composta por
grandes pensadores fisofos ou cientistas - que não participam do sistema cíclico de
reencarnação. Procuram aumentar suas legiões por meio do exercício de suas inflncias
sobre cientistas ou políticos. Sobre estes últimos, atuam as legiões dos Falcões.
Vale Negro: descrito como um lugar de muitas dores, sendo localizado em uma região do
Canal Vermelho, onde estão líderes das Trevas, as Cavernas e Bandidos do Espaço.
143
ILUSTRAÇÕES:
Localização do Vale do Amanhecer (D)
119
.
Templo do Vale do Amanhecer
120
119
Ilustração 1
120
Ilustração 2.
144
Templo do Vale do Amanhecer
121
121
(Sassi, 1999: 45); ilustração 3.
145
Divisão do Templo do Vale do Amanhecer:
1. O templo do Vale do Amanhecer;
2. Estrela Sublimação ou Estrela de Nerhú;
3. Turigano;
4. Estrela em mosaico de espelhos;
5. Mesa Evanlica;
6. Elipse;
7. Presença Divina;
8. Tronos vermelhos e amarelos;
9. Ritual de cura;
10. Ritual de Junção;
11. Indução;
12. Oráculo de Pai Seta Branca;
13. Linha de Passe;
14. Oráculo de Cruz do Caminho;
15. Randy;
16. Castelo de autorizações;
17. Castelo de instrutores;
18. Castelo dos mestres Devas;
19. Radar;
20. Castelo do Cochicho;
21. Castelo do silêncio;
22. Castelo de Iniciação dos médiuns Aparás;
23. Castelo de Iniciação dos médiuns Doutrinadores;
24. Castelo dos doutrinadores;
146
Templo do Vale do Amanhecer (C) e Solar dos Médiuns (D)
122
.
Solar dos diuns
123
.
122
Ilustração 4.
123
Ilustração 5.
147
Mapa do Solar dos diuns:
124
25. Estrela Candente;
26. Quadrantes;
27. Lago de Mãe Yemanjá; 28. Pirâmide
124
(Sassi, 1999: 59); ilustração 2.
148
FOTOS:
diuns em fila aguardam o horio para a sda do Abatá. 31 de Outubro de 2009.
125
Adeptos partindo para o Abatá. 31 de Outubro de 2009.
126
125
Foto 1.
126
Foto 2.
149
A realização de um Abatá
127
.
Prisioneiros trocando bônus
128
.
127
Foto 3.
128
Foto 4.
150
Imantração realizada no dia 23 de Agosto de 2009
129
.
129
Foto 5 e 6.
151
Escalada da falange de Príncipes e Yuricys (31 de Outubro de 2009)
130
.
Doutrinadores deitados nos esquifes
131
no ritual de Estrela Candente.
130
Foto 7.
131
Foto 8.
152
Prisioneira no Quadrante
132
.
O final do quadrante
133
.
132
Foto 9.
153
Portal da entrada do Vale do Amanhecer
134
Elipse que recebe energias que serão necessárias para os rituais.
135
133
Foto 10.
134
Foto 11.
135
Foto 12.
154
Pilotos da Nave de Pai Seta Branca, (ilustração de Vilela
136
).
Os pilotos são: Stuart (amarelo), Jhonson Plata (Branco), Zaros (azul),
Eris (lilás) e Gorck (verde).
Cavaleiro de luz resgatando espírito em caverna (ilustração de Vilela)
137
.
136
Imagem 1.
137
Imagem 2
155
Cavaleiro do Divino Mestre Lázaro, no Canal Vermelho, segurando uma espada em sua
mão direita e uma rede magnética na outra
138
. Ao fundo estão os integrantes de sua
falange (representação de Vilela).
138
Imagem 2.
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