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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Menara Vieira Fialho Figueira
CARACTERIZAÇÃO FARMACOLÓGICA DA
ESPECTALINA NA TRANSMISSÃO NEUROMUSCULAR
RIO DE JANEIRO
2009
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Menara Vieira Fialho Figueira
CARACTERIZAÇÃO FARMACOLÓGICA DA
ESPECTALINA NA TRANSMISSÃO NEUROMUSCULAR
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Farmacologia e Química Medicinal,
Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em Ciências
Biológicas (Farmacologia e Química Medicinal).
Orientadores: Prof. Dr. Roberto Takashi Sudo
Prof
a
. Dr
a
. Gisele Zapata-Sudo
RIO DE JANEIRO
2009
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FICHA CATALOGRÁFICA
Figueira, Menara Vieira Fialho.
Caracterização farmacológica da espectalina na transmissão
neuromuscular/Menara Vieira Fialho Figueira. 2009. 96f.: il.
Dissertação (Mestrado em Farmacologia e Química Medicinal) Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Ciências Biomédicas, Rio de Janeiro, 2009.
Orientadores: Roberto Takashi Sudo e Gisele Zapata-Sudo.
1. Espectalina 2. Bloqueador neuromuscular 3. Receptor nicotínico 4.
Curare Dissertações.
I. Sudo, Roberto Takashi (Orient.). II. Zapata-Sudo, Gisele (Orient.). III. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Ciências Biomédicas, Programa de Pós-
Graduação em Farmacologia e Química Medicinal. IV. Título.
FOLHA DE APROVAÇÃO
Menara Vieira Fialho Figueira
Caracterização farmacológica da espectalina na transmissão neuromuscular
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Farmacologia e Química
Medicinal, Instituto de Ciências Biomédicas,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de
Mestre em Ciências Biológicas (Farmacologia e
Química Medicinal).
Aprovada em: 17 de setembro de 2009.
Prof. Dr. Roberto Takashi Sudo, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Prof
a
. Dr
a
. Gisele Zapata-Sudo, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Prof
a
. Dr
a
. Vanderlan da Silva Bolzani, Universidade Estadual Paulista
Prof. Dr. François Germain Noel, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Dr
a
. Margarete Manhães Trachez, Universidade Federal Fluminense
Prof
a
. Dr
a
. Ana Luisa Palhares de Miranda, Universidade Federal do Rio de Janeiro
(revisora e suplente interna)
Prof. Dr. Carlos Maurício Rabello de Sant’Anna, Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro (suplente externo)
O que não me mata, me fortalece.
Friedrich Nietzsche
AGRADECIMENTOS
À Deus, que me deu forças para superar todas as adversidades encontradas durante
este caminho.
Aos professores Roberto Takashi Sudo e Gisele Zapata-Sudo, por terem me acolhido e
depositado confiança em mim.
Ao professor Wagner Monteiro Cintra, por toda a ajuda.
Ao meu namorado Ewen Stewart, por todo incentivo e apoio.
Aos amigos do laboratório: Kelvin, Sharlene, Giselle, Caroline, Jaqueline, Luana,
Juliana, Marli, Daniella, Carla e Sara que me ajudaram com inúmeras dúvidas. Em
especial à Paula, Fernanda, Daniele e Thaiana, por toda a ajuda com as cnicas, com
o Prisma e com a estatística.
À professora Margarete Manhães Trachez, por toda a ajuda e incentivo.
À professora Wanderlan da Silva Bolzani, que gentilmente cedeu as amostras de
espectalina.
À banca examinadora, que gentilmente aceitou meu convite.
À minha mãe Fátima, por tudo.
À minha família e amigos, sempre presentes e que me deram muito apoio.
RESUMO
FIGUEIRA, Menara Vieira Fialho. Caracterização farmacológica da espectalina na
transmissão neuromuscular. Rio de Janeiro, 2009. Dissertação (Mestrado em
Farmacologia e Química Medicinal) Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
A introdução do curare como adjuvante da anestesia em 1942 por Griffith e Johnson
causou uma revolução no campo da anestesia clínica, possibilitando a realização de
cirurgias complexas, impossíveis de serem feitas no passado. A succinilcolina, apesar
de uma vasta lista de efeito colaterais, é atualmente o único agente despolarizante em
uso clínico. Um grande número de bloqueadores neuromusculares competitivos foram
introduzidos na prática clínica, mas nenhum pode ser considerado o “bloqueador
neuromuscular ideal”. O objetivo do presente trabalho foi avaliar a atividade da
espectalina, um alcalóide piperidínico natural extraído da Senna spectabilis, na
transmissão neuromuscular, em modelos in vitro e in vivo. Neste estudo, a espectalina
inibiu os abalos do músculo diafragma na preparação frênico-diafragma clássica, de
forma reversível e o seu efeito foi intensificado pela neostigmina. O protocolo de quatro
estímulos, um a cada 500 ms (“train-of-four”, TOF) revelou que a relação T4/T1
permaneceu inalterada, característico de um agente bloqueador neuromuscular
despolarizante. Os resultados obtidos in vitro foram confirmados pelos experimentos in
vivo, no qual a espectalina diminuiu a amplitude dos abalos do músculo gastrocnêmio
cuja contração foi induzida pela estimulação elétrica do nervo ciático. Este efeito não foi
revertido pela neostigmina e novamente a relação T4/T1 permaneceu inalterada.
Medidas de pressão arterial revelaram que a espectalina reduz de forma significativa a
pressão arterial com efeitos menores na freqüência cardíaca. Este trabalho conclui que
a espectalina apresenta características farmacológicas de um bloqueador
neuromuscular, e seu provável mecanismo de ação é por despolarização da placa
motora terminal.
ABSTRACT
FIGUEIRA, Menara Vieira Fialho. Caracterização farmacológica da espectalina na
transmissão neuromuscular. Rio de Janeiro, 2009. Dissertação (Mestrado em
Farmacologia e Química Medicinal) Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
The introduction of curare as an adjuvant of anesthesia in 1942 by Griffith and Johnson
has expanded the field of clinical anesthesia. Several complex surgeries could be
performed after that discovery. Succinylcholine, despite report of several side-effects, is
nowadays the only depolarizing neuromuscular blocker agent in clinical use. A large
number of competitive neuromuscular blockers have been introduced in clinical practice,
but none of that can be considered the “ideal neuromuscular blocker”. The purpose of
this work was to investigate the effect of spectaline, a natural piperidine alkaloid
extracted from Senna spectabilis, in the neuromuscular transmission, using in vitro and
in vivo models. In this study it was found that spectaline inhibited the contraction of the
diaphragm muscle in the rat phrenic-diaphragm preparation, in such that its effect was
reversible by washing the preparation and was potentiated by neostigmine. The four
stimuli protocol (“train-of-four”, TOF), one each 500 ms, revealed that the T4/T1 relation
remained unchanged, characteristic of a depolarizing neuromuscular blocker. The
results obtained in vitro were confirmed by the in vivo experiments, demonstrating that
spectaline decreased the contraction of gastrocnemius muscle, which contraction was
induced by electrical stimulation of sciatic nerve. That effect was not reversed by
neostigmine and again the T4/T1 relation remained unchanged. Blood pressure was
markedly reduced by spectaline, with less effect on heart rate. This work suggests that
spectaline shows pharmacological characteristics of a neuromuscular blocker, and its
probably mechanism of action is by depolarization of the motor end plate.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Curare. 15
Figura 2 Fórmula estrutural da d-tubocurarina. 17
Figura 3 Componentes da junção neuromuscular. 19
Figura 4 Estrutura do receptor nicotínico da acetilcolina. 25
Figura 5 Vista transversal do canal iônico do receptor nicotínico da acetilcolina 26
Figura 6 Estrutura química da acetilcolina e alguns BNMDs. 31
Figura 7 Estrutura química de alguns BNMCs. 34
Figura 8 Estrutura geral de bloqueadores neuromusculares. 35
Figura 9 Estrutura química da diidro-β-eritroidina. 36
Figura 10 Padrão de registro do TOF. 38
Figura 11 Senna spectabilis. 40
Figura 12 Núcleo da piperidina. 41
Figura 13 Estrutura química da espectalina. 42
Figura 14 Registro da preparação frênico-diafragma de rato com pancurônio (A) 50
e succinilcolina (B).
Figura 15 Registro da preparação frênico-diafragma de rato com pancurônio, es- 51
` pectalina e neostigmina.
Figura 16 Registro da preparação frênico-diafragma de rato com espectalina. 52
Figura 17 Registro do TOF na preparação frênico-diafragma de rato com pancu- 53
rônio, succinilcolina e espectalina.
Figura 18 Gráficos de T1 (A) e T4/T1 (B) versus a concentração de pancurônio 54
na preparação frênico-diafragma de rato.
Figura 19 Gráficos de T1 (A) e T4/T1 (B) versus a concentração de succinilcolina 55
na preparação frênico-diafragma de rato.
Figura 20 Gráficos de T1 (A) e T4/T1 (B) versus a concentração de espectalina 56
na preparação frênico-diafragma de rato.
Figura 21 Registro da preparação ciático-gastrocnêmio de rato com pancurônio 58
(A) e pancurônio e neostigmina (B).
Figura 22 Registro da preparação ciático-gastrocnêmio com succinilcolina. 58
Figura 23 Registro da preparação ciático-gastrocnêmio com espectalina. 59
(A) e espectalina e neostigmina (B).
Figura 24 Registro da preparação ciático-gastrocnêmio com DMSO e salina. 60
Figura 25 Registro do TOF na preparação ciático-gastrocnêmio com pancurônio, 60
succinilcolina, espectalina e DMSO e salina
Figura 26 Gráficos de T1 (A) e T4/T1 (B) versus a concentração de pancurônio 63
e neostigmina na preparação ciático-gastrocnêmio.
Figura 27 Gráficos de T1 (A) e T4/T1 (B) versus a concentração de succinilcolina 64
na preparação ciático-gastrocnêmio.
Figura 28 Gráficos de T1 (A) e T4/T1 (B) versus a concentração de espectalina 65
e de T1 (C) versus a concentração de espectalina e neostigmina na
preparação ciático-gastrocnêmio.
Figura 29 Gráficos de T1 (A) e T4/T1 (B) versus a concentração de DMSO e sa- 66
lina na preparação ciático-gastrocnêmio.
Figura 30 Gráficos de PS (A), PD (B), PAm (C) e FC (D) versus a concentração 67
de pancurônio em ratos.
Figura 31 Gráficos de PS (A), PD (B), PAm (C) e FC (D) versus a concentração 68
de succinilcolina em ratos.
Figura 32 Gráficos de PS (A), PD (B), PAm (C) e FC (D) versus a concentração 70
de espectalina em ratos.
Figura 33 Gráficos de PS (A), PD (B), PAm (C) e FC (D) versus a concentração 72
de DMSO e salina em ratos.
Figura 34 Modelo de ligação da acetilcolina na sub-unidade α do receptor 79
nicotínico.
Figura 35 Quebra de uma ponte salina na sub-unidade α do receptor nicotínico 79
após a ligação da acetilcolina.
Figura 36 Estrutura química da espectalina e dos seus análogos com ação anti- 80
colinesterásica no SNC.
LISTA DE QUADROS E TABELAS
Quadro 1 Relaxantes musculares em uso clínico ou investigado em humanos. 32
Quadro 2 Propriedades do ABNM ideal. 33
Tabela 1 Relação entre as respostas do TOF e as percentagens de receptores 39
ocupados.
Tabela 2 Composição da solução de Krebs. 47
Tabela 3 CI
50
dos bloqueadores neuromusculares estudados e inclinação de Hill. 52
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
JNM - junção neuromuscular
cols. - colaboradores
ABNM - agente bloqueador neuromuscular
BNMC - bloqueador neuromuscular competitivo
BNMD - bloqueador neuromuscular despolarizante
ACh - acetilcolina
ATP - ácido adenotrifosfórico
p.p.t - potencial de placa terminal
p.m.p.t - potencial miniatura de placa terminal
SNC - sistema nervoso central
BNM - bloqueio neuromuscular
TOF - train-of-four
PA - pressão arterial
I.V. - intravenosa
DMSO - dimetilsulfóxido
CI
50
- concentração inibitória média
PS - pressão sistólica
PD - pressão diastólica
PAm - pressão arterial média
FC - freqüência cardíaca
bpm - batimentos por minuto
SCV - sistema cardiovascular
NO - óxido nítrico
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 13
1.1 HISTÓRICO 14
1.2 PRIMEIROS USOS CLÍNICOS DO CURARE 18
1.3 A JUNÇÃO NEUROMUSCULAR 18
1.3.1 Estrutura e função pré-sináptica 19
1.3.2 A fenda sináptica 22
1.3.3 A membrana pós- sináptica 23
1.3.3.1 O receptor nicotínico da acetilcolina 23
1.4 A MARGEM DE SEGURANÇA DA TRANSMISSÃO NEUROMUSCULAR 28
1.5 TIPOS DE BLOQUEIO NEUROMUSCULAR 28
1.5.1 Bloqueadores neuromusculares despolarizantes 29
1.5.2 Bloqueadores neuromusculares competitivos 31
1.6 RELAÇÃO ESTRUTURA-ATIVIDADE 34
1.7 MONITORAMENTO DO BLOQUEIO NEUROMUSCULAR 36
1.7.1 Train-of-four (TOF) 37
1.8 SENNA SPECTABILIS E SEUS ALCALÓIDES 39
1.9 OBJETIVOS 42
2. MATERIAL E MÉTODOS 44
2.1 REGISTRO DE TENSÃO ISOMÉTRICA EM MÚSCULO ESQUELÉTICO
ISOLADO IN VITRO 45
2.2 REGISTRO DE TENSÃO ISOMÉTRICA EM MÚSCULO ESQUELÉTICO
E PA IN VIVO 46
2.3 SOLUÇÕES E SUBSTÂNCIAS UTILIZADAS 47
2.4 ANÁLISES ESTATÍSTICAS 48
3. RESULTADOS 49
3.1 EFEITO DA ESPECTALINA NA CONTRATILIDADE DO DIAFRAGMA 50
3.2 EFEITO DA ESPECTALINA NA CONTRATILIDADE DO MÚSCULO
GASTROCNÊMIO 57
3.3 EFEITO DA ESPECTALINA NA PA E FC 67
4. DISCUSSÃO 74
5. CONCLUSÕES 84
REFERÊNCIAS 86
13
1. INTRODÃO
14
1.1 HISTÓRICO
Com a exploração do novo mundo durante o século XVI, os europeus
descobriram que os índios da Amazônia e da bacia do rio Orinoco usavam flechas
envenenadas que provocavam a morte rápida de suas vítimas através da paralisia dos
músculos esqueléticos sem, no entanto, contaminar a carne que era utilizada como
alimento (FELDMAN, 1973). Curare é um dos nomes criados pelos índios Sul-
Americanos para denominar este veneno, derivado de plantas, que eles usavam para
cobrir a ponta de suas flechas de caça ou dardo de bambu. Este veneno é pouco
absorvido depois da ingestão oral, e desta forma a carne dos animais mortos pelo
curare podia ser consumida sem oferecer riscos (BOWMAN, 2006; PINTO, 1995).
O primeiro relato histórico escrito sobre o curare foi feito por Pieter Martyr
d’Anghera, um padre italiano que vivia na corte da rainha Isabella da Espanha, em seu
livro “De Orbe Novo”, publicado em 1516. Este livro foi uma mistura de fatos e fantasias
que contribuiu para o misticismo do curare e atraiu muitos homens em sua busca,
alguns à sua morte (SYKES, 1993). Os contos exagerados sobre os poderes do veneno
nativo da América do Sul foram relatados pelos exploradores dos séculos 16, 17 e 18,
incluindo Sir Walter Raleigh. Alexander von Humboldt (um excelente cientista e
explorador alemão) e Aimé Bonpland (um cirurgião e botânico francês) deixaram a
Espanha juntos, em 1799, rumo às Américas. Durante os próximos cinco anos eles
viajaram por toda a América do Sul e suas atividades botânicas contribuíram muito para
o nosso conhecimento das plantas utilizadas como fonte dos venenos das flechas. Eles
foram as primeiras pessoas treinadas cientificamente a presenciar a preparação real do
curare em 1800 em Esmeralda, no alto Orinoco (NEDERGAARD, 2003). Humboldt
disse no seu relato, intitulado uma Personal Narrative, que esta área era a mais
celebrada para a preparação do princípio ativo. Contudo, sua contribuição vital foi
identificar a planta que era a fonte do veneno. Ele descobriu que os Ticunas, nativos
desta área, usavam uma variedade de Strychnos relacionada à Strychnos nux vomica,
que se tornou conhecida como Strychnos toxifera (Figura 1). Atualmente, é sabido que
porções de duas plantas venenosas principais eram utilizadas na preparação do curare:
a Chondrodendron tomentosum e a Strychnos toxifera (BOWMAN, 2006).
15
Humboldt também reconheceu que, em regiões diferentes da América do Sul,
venenos distintos eram obtidos de diversas plantas (LEE, 2005). Von Humboldt foi o
primeiro investigador a distinguir entre os ingredientes tóxicos do curare e aqueles
adicionados para dar a consistência certa ao produto, e foi ele tamm que levou o
curare à Europa (NEDERGAARD, 2003).
Figura 1 - Strychnos toxifera, uma das principais plantas utilizadas pelos índios para a preparação do
curare e a distribuição dos diferentes tipos de curare na Amazônia. Reproduzido, com modificações ,de
Pinto, 1995.
A próxima pessoa a buscar o desafio do curare foi Benjamin Brodie (1783-1862),
que realizou uma série de experimentos sobre os diferentes métodos pelos quais os
venenos vegetais levavam à morte. Ele concluiu que o curare paralisava os músculos
da respiração sem afetar significativamente o coração e postulou que a manutenção da
ventilação poderia evitar a morte pela curarização (TYRRELL, SCURR e DAVISON,
1967).
Charles Waterton, em 1804, se mudou para a Guiana Britânica para gerenciar
as plantações da sua família. Entre 1812 e 1824 organizou uma série de expedições ao
interior com o objetivo principal de coletar amostras do veneno. Suas jornadas o
levaram aos rios Demerara e Essequibo, e resultaram no seu clássico livro “Wanderings
in South America”, publicado em 1825. O livro contém descrições detalhadas de como
Índio utilizando o curare para caçar
Strychnos toxifera
Distribuição dos diferentes tipos de curare
na Amazônia; curares de
1 - Chondrodendron, 2 Strychnos e
Chondrodendron; 3 e 4 - Strychnos
Índio utilizando o curare para caçar
Strychnos toxifera
Distribuição dos diferentes tipos de curare
na Amazônia; curares de
1 - Chondrodendron, 2 Strychnos e
Chondrodendron; 3 e 4 - Strychnos
16
os nativos utilizavam dardos, flechas ou lanças envenenadas para capturar suas
presas, e observou que eles podiam matar um animal a uma distância de 100 metros.
Waterton testou o veneno em cães, boi e preguiça na América do Sul, e deduziu
corretamente que a quantidade de veneno necessária para matar um animal era
proporcional ao seu tamanho (SYKES, 1993; TYRRELL, SCURR e DAVISON, 1967).
Até os experimentos clássicos de Claude Bernard (1850) em preparações nervo-
músculo de sapos, havia uma divergência considerável sobre o sítio de ação do curare.
O nervo, o músculo e o cérebro eram considerados como sítios. O trabalho de Bernard,
confirmado pelo fisiologista suíço Kollicke (1858), definitivamente estabeleceu a junção
neuromuscular (JNM) como o sítio de ação do curare (POLLARD, 1994b).
Langley, em 1906 e 1907, estudou as ações e interações da nicotina e do curare
em músculos de sapo e galinha, incluindo músculo de sapo cronicamente desnervado.
A nicotina estimulou o músculo em doses pequenas e bloqueou o efeito da estimulação
nervosa em altas doses. O curare bloqueou a ação estimulante da nicotina no músculo
inervado e cronicamente desnervado, demonstrando que as suas ações eram exercidas
principalmente no músculo ao invés do terminal nervoso, embora ele não afetasse a
resposta do músculo à estimulão direta. Langley concluiu que a nicotina e o curare se
combinavam com uma substância receptiva” específica no músculo, e ele deduziu que
o impulso nervoso atravessava a junção, não por uma descarga elétrica, mas pela
secreção do que nós agora chamamos de neurotransmissor (LANGLEY, 1907).
O principal princípio ativo do curare foi isolado por King (1935) como um
composto de amônio quaternário o qual ele denominou d-tubocurarina (Figura 2). King
acreditava que os dois átomos de nitrogênio eram quaternários, uma visão que se
manteve até que foi demonstrado que somente um nitrogênio era carregado
positivamente, embora o segundo pudesse ser protonado em pH fisiológico (EVERETT,
LOWE e WILKINSON, 1970).
Em Londres, Dale e colaboradores (cols.) realizaram experimentos com o curare,
ou melhor, com a recentemente disponível tubocurarina, demonstrando que esta
bloqueava as respostas do músculo tanto pela estimulação nervosa quanto pela
estimulação pelo transmissor acetilcolina (DALE, FELDBERG e VOGT, 1936). Dale
estabeleceu que a transmissão na JNM é mediada pela acetilcolina. Além disso, os
17
experimentos de Dale revelaram que a ação principal da tubocurarina era de bloquear
os efeitos da acetilcolina ao invés de afetar a sua liberação do terminal nervoso. Foi-se
estabelecendo então o conceito de colinoreceptores específicos presentes na
membrana da placa motora terminal.
Figura 2 - Fórmula estrutural da d-tubocurarina como descrita por King (1935). Ambos os átomos de
nitrogênio estão representados no estado quaternário, embora isto só se aplique em pH fisiológico pelo
protonamento do segundo nitrogênio (lado direito). Reproduzido de Lee, 2003.
Estimulados pela introdução do curare na anestesia (ver adiante), os químicos
medicinais e farmacologistas começaram uma grande busca por substituintes sintéticos.
Considerando o grande número de agentes bloqueadores neuromusculares (ABNM)
que foram obtidos de plantas ou sintetizados, Bovet (1951) os classificou em duas
grandes classes: (a) os pachycurares (do grego pachys = espesso) são moléculas
volumosas, com a maior parte residindo ou na unidade molecular que suporta os
centros com carga ou nos substituintes nos centros com carga, ou ambos. Estes são
bloqueadores neuromusculares competitivos (BNMC) e (b) os leptocurares (do grego
leptos = fino), que são finas moléculas flexíveis com os substituintes nos centros com
carga limitados aos grupos metila. Estes são geralmente bloqueadores
neuromusculares despolarizantes (BNMD).
18
1.2 PRIMEIROS USOS CLÍNICOS DO CURARE
O primeiro uso clínico do curare foi feito por Brodie, que em 1811 sugeriu seu
uso no tétano. Durante o século 19 numerosas tentativas foram feitas para utilizar o
curare no tratamento do tétano, hidrofobia, epilepsia e doença de Huntington. Estas
tentativas foram geralmente mal sucedidas, devido à potência variável das preparações
de curare disponíveis e os métodos não científicos de sua administração. Bennett, em
1938, utilizou uma preparação de curare padronizada, o Intocostrin, para a prevenção
do trauma na terapia convulsiva (POLLARD, 1994b).
Nos primeiros anos da anestesia, uma dose suficientemente alta e
potencialmente perigosa do agente anestésico (éter, clorofórmio) era necessária para
paralisar os movimentos musculares reflexos. Em 1912 Läwen, um cirurgião alemão,
utilizou “curarina”, um material parcialmente purificado do curare como um adjuvante da
anestesia. Ele descobriu que a segurança da anestesia cirúrgica era aumentada se
fosse administrada somente uma dose suficiente do anestésico para produzir
inconsciência juntamente com a curarina para paralisar as ações reflexas (BOWMAN,
2006). No entanto, as observações de Läwen parecem ter sido ignoradas e somente 30
anos mais tarde, em 1942, dois anestesistas canadenses, Griffith e Johnson, utilizaram
o Intocostrin como relaxante muscular na anestesia cirúrgica com grande sucesso
(GRIFFITH e JOHNSON, 1942). Desde então, o uso dos bloqueadores
neuromusculares se tornou uma técnica padrão empregada por anestesistas em todo o
mundo.
1.3 A JUNÇÃO NEUROMUSCULAR
A inervação dos músculos esqueléticos leva à formação das junções
neuromusculares (Figura 3) (WITZEMANN, 2006). Nos vertebrados, cada fibra
muscular é tipicamente inervada por um único axônio motor em um local próximo ao
meio da fibra muscular, chamado de placa motora terminal (HALL e SANES, 1993). O
neurotransmissor liberado pelo axônio terminal é a acetilcolina (ACh), e o receptor na
membrana muscular é o receptor nicotínico da acetilcolina (KANDEL, SCHWARTZ e
19
JESSELL, 1991). Considerando a estrutura e a função da JNM madura, ela pode ser
convenientemente dividida em estruturas pré-sináptica, sináptica e pós-sináptica.
Figura 3 - Componentes da JNM. Reproduzido de Hirsch, 2007.
1.3.1 Estrutura e função pré-sináptica
O nervo motor que inerva o músculo estriado em mamíferos são grandes fibras
mielinizadas do tipo A alfa”. O corpo celular localiza-se no cérebro ou na medula
espinhal e há um único longo axônio que se dirige ao centro do músculo. Nos músculos
que desempenham movimentos finos, uma fibra nervosa suprirá relativamente poucas
fibras musculares (baixa taxa de inervação), enquanto que nos músculos que
desempenham movimentos relativamente brutos (os músculos da postura, por
exemplo), uma fibra nervosa supre um grande número de fibras musculares (alta taxa
de inervação) (GUYTON, 1976).
20
Assim que cada axônio motor mielinizado alcança seu músculo alvo, ele se
divide entre 20100 fibras terminais não mielinizadas, inervando várias fibras
musculares. O conjunto formado pelas fibras terminais de um axônio motor e as fibras
musculares que eles inervam é chamado de unidade motora (RUFF, 2003).
Uma das principais funções do terminal nervoso é a liberação rápida de ACh em
resposta a sinais elétricos. Há uma demora de 0,5-0,6 ms entre a chegada do potencial
de ação no terminal nervoso e a descarga de ACh na fenda sináptica, o que reflete os
eventos pré-juncionais que ocorrem (KATZ e MILEDI, 1965b). Esta demora é sensível à
temperatura, aumentando com a hipotermia (KATZ e MILEDI, 1965a). A ACh é
sintetizada no axoplasma terminal a partir da colina, que é acetilada em um processo
dependente de energia. Um grupo acetil é transferido da molécula de acetilcoenzima A
(TUCEK e CHENG, 1974) para uma molécula de colina, sendo o processo catalisado
pela colina-O-acetiltransferase (colina acetilase). A enzima é produzida no corpo celular
do neurônio e transportada pelo axônio para o terminal nervoso (EKSTROM e
EMMELIN, 1971), enquanto a acetilcoenzima A é proveniente de processos
metabólicos intracelulares (TUCEK e CHENG, 1974). A colina provém da captação por
transporte ativo do fluído extracelular (HAGA e NODA, 1973), e aproximadamente 50 %
do total provém da recaptação depois da hidrólise da ACh (POTTER, 1970). O fluxo de
sódio parece ser um fator importante e tanto a captação da colina quanto a atividade da
colina-O-acetiltransferase estão relacionados à entrada de sódio no terminal nervoso
(BEACH, VACA e PILAR, 1980).
Aproximadamente 80% da ACh sintetizada no terminal nervoso é transportada
ativamente para pequenas vesículas, enquanto o restante permanece em solução no
axoplasma. As vesículas são originalmente sintetizadas pelo complexo de Golgi no
corpo celular e são levadas ao terminal nervoso ao longo dos microtúbulos. Uma vez no
terminal, as vesículas são carregadas com ACh e ATP e devem ser esvaziadas,
preenchidas novamente e reutilizadas repetidamente. O processo de carregamento da
vesícula é um processo específico mediado por carreador que é seletivo para a ACh
quando comparado com a colina e é saturável (BOWMAN, 1993).
Cada uma dessas vesículas contém de 5000 10000 moléculas de ACh. O
conteúdo de uma única vesícula é chamado de um quantumdo neurotransmissor. No
21
terminal nervoso inativo, as vesículas estão fixadas em uma estrutura de actina
próximas às zonas ativas, das quais elas liberam seu conteúdo (HIRSCH, 2007). As
zonas ativas estão diretamente sobre a superfície superior das reentrâncias na
membrana pós-juncional, que é o local de maior densidade de receptores (LAND,
SALPETER e SALPETER, 1980).
Quando um potencial de ação alcança o terminal nervoso ocorre a liberação de
ACh, o que causa uma mudança transitória na diferença de potencial através da
membrana pós-juncional, a qual rapidamente retorna ao estado polarizado anterior.
Esta mudança é chamada de potencial de placa terminal (p.p.t.). Essas mudanças
elétricas na membrana s-juncional podem ser observadas pelo uso de
microeletrodos. Enquanto conduziam esses estudos utilizando microeletrodos
intracelulares, Fatt e Katz (1950; 1952) observaram que pequenas despolarizações
espontâneas ocorriam na JNM. Cada um desses potenciais era de aproximadamente
0,5-1 mV de amplitude, enquanto o p.p.t. era de aproximadamente 50-100 mV de
amplitude. Essas pequenas despolarizações ocorriam randomicamente por tempo, mas
eram constantes em relação à amplitude. Elas lembravam o p.p.t. no curso do tempo e
no efeito de substâncias, sendo diminuídas ou abolidas pela d-tubocurarina,
aumentadas pelos anticolinesterásicos, e tinham suas freqüências reduzidas pela toxina
botulínica (BROOKS, 1956; HUBBARD, JONES e LANDAU, 1968; LLINAS, 1977).
Essas pequenas despolarizações espontâneas foram chamadas de potencial miniatura
de placa terminal (p.m.p.t.). Um p.m.p.t. não produz contração no músculo porque a
mudança de potencial não ultrapassa o limiar necessário para gerar um potencial de
ação na membrana eletroexcitável (HUBBARD, JONES e LANDAU, 1968).
Para restabelecer o mecanismo rapidamente e permitir que um estímulo repetido
se propague, a ACh deve ser removida da proximidade dos receptores muito
rapidamente. A difusão para longe dos sítios ativos ajuda a realizar esta redução, mas o
mecanismo mais importante consiste na destruição da ACh pela enzima
acetilcolinesterase. A acetilcolinesterase encontra-se na membrana basal e na
profundidade das reentrâncias juncionais (DAVIS e KOELLE, 1967; DREYER, 1982;
SALPETER, 1967), sendo produzida no terminal nervoso e secretada na fenda
sináptica. Sua concentração é altamente dependente da atividade do nervo
22
(FERNANDEZ e DONOSO, 1988; JASMIN, LEE e ROTUNDO, 1993). A enzima possui
dois sítios ativos um sítio aniônico e um sítio esteárico. O sítio aniônico se liga ao
núcleo de amônio quaternário da molécula de ACh e o sítio esteárico se liga ao final
oposto da molécula antes de hidrolisar a ligação éster, separando a molécula em seus
dois componentes, colina e acetato. A acetilcolinesterase possui uma eficiência tão alta
que ela demora apenas 0,1 ms para hidrolisar uma molécula de ACh (LAWLER, 1961) e
a maior parte da ACh liberada de um impulso nervoso é hidrolisada dentro de 1 ms. Em
condições normais, uma molécula de ACh dura somente o suficiente para se combinar
com um sítio receptor (POLLARD, 1994a).
O terminal nervoso encontra-se, desta forma, em contato íntimo com a fibra
muscular, separado por um espaço, a fenda sináptica (POLLARD, 1994a).
1.3.2 A fenda sináptica
A fenda sináptica representa o espaço entre o terminal nervoso e a membrana
pós-sináptica; é um espaço muito pequeno, de aproximadamente 50 nm (NAGUIB et
al., 2002). Está preenchida com um material parecido com colágeno chamado de
membrana basal, rico em mucopolissacarídeos. A acetilcolinesterase da junção
encontra-se incrustada na membrana basal (BOWMAN, 1993). Depois de liberada do
terminal nervoso, a ACh se difunde pela fenda sináptica em poucos microsegundos
para alcançar a membrana pós-sináptica. Algumas moléculas de ACh se ligam aos
receptores nicotínicos na membrana pós-sináptica, enquanto o restante é rapidamente
hidrolisado pela acetilcolinesterase. Aproximadamente 50% da ACh liberada é
hidrolisada durante a difusão pela fenda sináptica antes de alcançar os receptores
nicotínicos. A acetilcolinesterase é altamente concentrada na JNM, mas tamm se
encontra em uma concentração mais baixa em todo comprimento das fibras musculares
(NAGUIB et al., 2002). Alguns ABNM, como por exemplo a d-tubocurarina, se ligam
avidamente à membrana basal e outros materiais parecidos com cartilagem.
(BOWMAN, 1993).
23
1.3.3 A membrana pós- sináptica
A membrana pós-sináptica contêm os receptores nicotínicos da ACh, os quais
medeiam a transmissão neuromuscular. Os receptores nicotínicos pós-juncionais
encontram-se essencialmente na superfície das dobras da face pós-juncional da placa
motora terminal, em uma densidade de aproximadamente 10.000 por µm
2
(BOWMAN,
2006).
O funcionamento do receptor nicotínico é fortemente influenciado pela natureza
dos lipídios ao seu redor, especialmente pelo conteúdo de colesterol e outros esteróis,
dos quais há normalmente um conteúdo elevado na membrana da fibra muscular
(JONES e MCNAMEE, 1988). O colesterol melhora a condutância e a cooperatividade
do canal iônico ativado pelo agonista. Em membranas artificiais nas quais os
receptores nicotínicos foram reconstituídos, a atividade do agonista (embora a ligação
do agonista não) foi perdida com a retirada da membrana do colesterol e fosfolipídios
carregados negativamente (como o ácido fosfatídico) (FONG e MCNAMEE, 1986). A
membrana deve conter aproximadamente 50% de colesterol para que o receptor
funcione corretamente. Os receptores na JNM inervada não estão livres para flutuar
pela membrana plasmática. Eles estão ancorados ao citoesqueleto através de
mecanismos que envolvem um grupo de proteínas, incluindo agrina e rapsina
(BOWMAN, 2006).
Quando uma fibra muscular é desnervada, a região da placa terminal antiga
retém seus receptores por muitos dias ou semanas. O bloqueio da síntese de
receptores em regiões extrajuncionais da membrana é removido e novos receptores
são rapidamente sintetizados e espalhados ao longo da membrana. O aumento no
número de receptores é responsável pela sensibilidade aumentada do músculo
desnervado cronicamente à ACh e outros agonistas. Os receptores que se encontram
fora da junção são de alguma forma estruturalmente e farmacologicamente diferentes
daqueles que se encontram na placa motora terminal. Eles lembram receptores fetais
que apresentam propriedades eletrofisiológicas diferentes (BOWMAN, 1993).
1.3.3.1 O receptor nicotínico da acetilcolina
24
O primeiro receptor nicotínico da acetilcolina a ser estudado em detalhe foi o
expresso no órgão elétrico de peixe como a arraia Torpedo, uma rica fonte de receptor
nicotínico do tipo muscular. O receptor nicotínico do órgão elétrico do Torpedo foi
tamm o primeiro receptor de neurotransmissor a ser clonado e a ser caracterizado
em um sistema de expressão heteróloga (ALBUQUERQUE et al., 2009; MISHINA et
al., 1984). Nos vertebrados, os receptores nicotínicos musculares estão estreitamente
relacionados aos receptores nicotínicos do órgão elétrico do Torpedo. Além disso, os
receptores nicotínicos foram identificados em todo sistema nervoso central (SNC) e
periférico, os quais foram classificados como receptores nicotínicos da ACh neuronais
(SARGENT, 1993). Os receptores niconicos são os alvos para uma classe
economicamente importante de inseticidas. A maior parte do progresso na
caracterização desses receptores nos invertebrados foi obtida com a mosca das frutas
Drosophila melanogaster e o nematodo Caenorhabditis elegans. Ambos tiveram seus
genomas sequenciados e são sistemas de modelo experimental (MILLAR, 2003)
Os receptores nicotínicos da ACh pertencem à uma super família de canais
iônicos regulados por ligante chamados de receptores de alça–cys (“cys-loop”), porque
todas as sub-unidades da família contêm, nas metades extracelulares da porção amino
terminal, um par de cisteínas ligadas por pontes dissulfeto, separadas por 13 resíduos
(KAO e KARLIN, 1986; TSUNOYAMA e GOJOBORI, 1998). Esta super família inclui os
receptores nicotínicos da ACh musculares e neuronais, os receptores da 5-
hidroxitriptamina tipo 3 (5-HT
3
), os receptores do ácido γ-aminobutírico do tipo A
(GABA
A
) e GABA
C
, os receptores da glicina, os receptores de glutamato (CULLY et al.,
1994) e histidina (ZHENG et al., 2002) de invertebrados.
O receptor nicotínico é uma proteína hetero-pentamérica de 290 kDa (UNWIN,
2003), formada por cinco sub-unidades proteicas glicosiladas, duas das quais (α) são
idênticas e possuem peso molecular de aproximadamente 40 kDa. As outras três sub-
unidades são denominadas β (49 kDa), δ (67 kDa) e γ (60 kDa) ou ε (POLLARD,
1994c). As sub-unidades individuais possuem aproximadamente 40% de homologia nas
suas sequências de aminoácidos, sugerindo que elas resultaram de um gene primordial
comum (NUMA et al., 1983). Cada sub-unidade contém um domínio extracelular
25
amino-terminal de aproximadamente 210 aminoácidos, quatro domínios transmembrana
(M1-M4) e uma curta cauda extracelular carboxi-terminal (Figura 4a).
Figura 4 - Estrutura do receptor nicotínico da acetilcolina. a O padrão de distribuição de sub-
unidades do receptor através da membrana. b - Representação esquemática da estrutura quaternária,
mostrando o arranjo das sub-unidades no receptor do tipo muscular, os dois sítios de ligação da
acetilcolina (entre uma sub-unidade α e γ e uma α e δ) e o canal condutor de cátion axial. c - Corte
transversal da estrutura de 4,6-Å do receptor determinada por elétron microscopia de cristais tubulares da
membrana de Torpedo embebida em gelo. A linha tracejada indica a trajetória proposta para o sítio de
ligação. Reproduzido de Karlin, 2002.
O domínio M2 de cada sub-unidade forma o canal seletivo à cátions (UNWIN,
1995) (Figura 5). Alguns autores relatam que este canal é seletivo principalmente aos
26
íons Na
+
e K
+
(POLLARD, 1994c), embora outros afirmem que os íons principais sejam
Na
+
e Ca
2+
) (GILMAN, 1996). A ligação do agonista induz uma mudança conformacional
nas sub-unidades, incluindo o receptor, levando à abertura do canal iônico (figura 5)
(POLLARD, 1994c). O papel funcional e a localização dos domínios M1, M3 e M4 o
estão muito claros. O domínio M1 parece associado com ambos o percurso de
condução de íons e a bicamada (AKABAS e KARLIN, 1995; BLANTON e COHEN,
1994). Foi demonstrado que o domínio M3 tem algum contato com lipídio (BLANTON e
COHEN, 1994) e contribui para as taxas de abertura e fechamento do canal (WANG et
al., 1999). O domínio M4 é o menos conservado dentre os domínios transmembrana, é
o mais hidrofóbico, e tem sido extensamente marcado por probes hidrofóbicas
(BLANTON e COHEN, 1992; BLANTON e COHEN, 1994), sugerindo que este seja o
mais externo dos domínios transmembrana. Estudos de mutagênese sugerem que o
domínio M4 seja essencial para a ativação adequada do receptor (LEE et al., 1994;
ORTIZ-MIRANDA et al., 1997).
Figura 5 - Vista transversal do canal iônico no meio da membrana mostrando o canal fechado (A) e
aberto (B). A mudança na estrutura, envolvendo um alargamento do poro de aproximadamente 3 Å, é
consistente com as mudanças observadas experimentalmente em uma resolução de 9 Å; estas
mudanças são mostradas em (A), figura no canto superior direito (azul: canal fechado; branco e marrom:
canal aberto). A vista é da fenda sináptica; os segmentos individuais, M1-M4, estão identificados em uma
das sub-unidades. Reproduzido de Unwin, 2003.
27
Existem cinco classes de sub-unidades do receptor nicotínico do tipo muscular:
α1, β1, γ, ε e δ (KARLIN, 2002). A estereoquímica do receptor, quando visto da fenda
sináptica e em sentido anti-horário, é: α1, γ, α1, δ e β1 (fig.4b) (BOWMAN, 2006). As
sub-unidades estão arranjadas como uma cinta de barril ao redor de um canal central
(fig.4c) (KARLIN et al., 1983). Antes da inervação a sub-unidade γ está presente no
lugar da sub-unidade ε. A inervação ativa o gene responsável pela síntese da sub-
unidade ε, a qual substitui a sub-unidade γ (BOWMAN, 2006). O receptor nicotínico do
tipo fetal continua a ser expressado no timo e em alguns músculos extraoculares do
adulto (MISSIAS et al., 1996).
Cada sub-unidade α possui um sítio de ligação para a ACh, os quais se
localizam nas bordas das sub-unidades αε e αδ. A ligação da ACh a uma sub-unidade
facilita a ligação de uma outra molécula de ACh na outra sub-unidade, mas a ACh
precisa se ligar em ambas as sub-unidades para ativar o receptor (BOWMAN, 2006).
Foi proposto que o sítio de ligação da ACh é em uma alça da sub-unidade α, com a
carga negativa requerida fornecida por um resíduo de aspartato (NODA et al., 1982).
A presença de diferentes subunidades não α confere afinidades diferentes aos
dois sítios de ligação (ACKERMANN e TAYLOR, 1997). O sítio αγ é bioquimicamente
distinguível do sítio αδ devido ao fato de αγ possuir uma afinidade maior pela d-
tubocurarina, um antagonista competitivo dos receptores nicotínicos da ACh
(ACKERMANN e TAYLOR, 1997; MIYAZAWA et al., 1999; SINE et al., 1995) A
ligação da ACh aos sítios αγ e αδ induz à mudanças conformacionais no receptor,
predominantemente nas subunidades α1, que se comunicam com a região
transmembrana, causando abertura do canal iônico (UNWIN et al., 2002). A
subunidade β1 é importante para o agrupamento dos receptores (WHEELER et al.,
1994). A fosforilação das subunidades γ o agrupadas e a glicolização da subunidade
δ são necessários para uma maior eficiência de agrupamento dos receptores
nicotínicos (GREEN, ROSS e CLAUDIO, 1991; RAMANATHAN e HALL, 1999).
Existem 12 tipos conhecidos de sub-unidades do receptor nicotínico neuronal em
vertebrados: α2-α10 e β2–β4. Quando expressos heterogenicamente, α7, α8 e α9
podem formar homo-pentâmeros funcionais (ANAND et al., 1991; GOTTI et al., 1994).
Por outro lado, as sub-unidades neuronais α2–α6 e α10 formam complexos funcionais
28
somente quando co-expressas com sub-unidades β ou com outras sub-unidades α
(ELGOYHEN et al., 2001; VERNALLIS, CONROY e BERG, 1993). Desta forma, um
total de 17 sub-unidades foram identificadas em vertebrados. Uma vez que cinco sub-
unidades são necessárias para formar um receptor funcional, existe o potencial para a
formação de receptores com muitas combinações de sub-unidades diferentes. No
entanto, parece que os receptores nativos se agrupam em penmeros funcionais com
ummero relativamente restrito de combinações de sub-unidades (MILLAR, 2003)..
O receptor nativo ocorre como ummero de 500.000 dáltons interligado por uma
ponte dissulfeto especificamente entre as subunidades δ (CHANG e BOCK, 1977;
HAMILTON, MCLAUGHLIN e KARLIN, 1977).
1.4 A MARGEM DE SEGURANÇA DA TRANSMISSÃO NEUROMUSCULAR
Sob condições normais a quantidade de acetilcolina liberada é abundante, e a
quantidade de receptores nicotínicos ativados é muito maior do que a quantidade
necessária para iniciar um potencial de ação muscular. então uma grande margem
de segurança tanto no componente pré-juncional (liberação de ACh) como no
componente pós-juncional (ativação do receptor nicotínico) da transmissão
neuromuscular. Este fato se reflete no efeito dos ABNMs. Aproximadamente 75 % dos
receptores devem ser bloqueados antes que uma redução na força de contração possa
ser observada, enquanto pelo menos 95 % devem ser bloqueados para que ocorra
ausência total da contração (BOOIJ, 1997a).
1.5 TIPOS DE BLOQUEIO NEUROMUSCULAR
Várias substâncias possuem como ação principal a interrupção ou o mimetismo
da transmissão do impulso nervoso na JNM. Essas substâncias interagem com uma
família comum de receptores, chamados receptores nicotínicos colinérgicos, uma vez
que eles são estimulados pelo neurotransmissor natural ACh e tamm pelo alcalóide
nicotina. Os agentes bloqueadores neuromusculares são distinguidos pelo fato de
29
causarem ou não despolarização da placa motora terminal, sendo então classificados
como bloqueadores competitivos (estabilizadores), dos quais o curare é o exemplo
clássico, ou como bloqueadores despolarizantes, como a succinilcolina (GILMAN,
1996). Eles também podem ser classificados com base na duração de ação em
(POLLARD, 1994d):
(a) ação muito curta (succinilcolina)
(b) ação curta (mivacúrio)
(c) ação intermediária (atracúrio, vecurônio, rocurônio)
(d) ação longa (tubocurarina, metocurina, galamina, alcurônio, pancurônio,
pipecurônio, doxacúrio)
1.5.1 Bloqueadores neuromusculares despolarizantes
Bacq e Brown (1937) mostraram que quando a acetilcolinesterase juncional é
inibida, a ACh injetada ou liberada do nervo motor por uma estimulação de alta
freqüência, pode causar bloqueio neuromuscular (BNM). Em 1948, Zaimis sintetizou
uma série de sais de amônio de polimetileno bistrimetil (cloretos ou iodetos) da seguinte
estrutura geral: (CH
3
)
3
N
+
(CH
2
)
n-
N
+
(CH3)
3
, conhecidos como os compostos de metônio.
O método sintético de Zaimis foi publicado somente 2 anos mais tarde (ZAIMIS, 1950).
Entre os compostos de metônio, aquele no qual n= 10, chamado decametônio (Figura
6), produziu um BNM que diferia nas suas características daquele produzido pela d-
tubocurarina (PATON e ZAIMIS, 1949), mas na verdade lembrava o produzido pelo
excesso de ACh. Burns e Paton (1951) demonstraram que um tipo similar de bloqueio
da transmissão podia ser produzido no músculo gracilis de gato aplicando-se um
eletrodo positivo (catodo; despolarizante) na placa terminal. O bloqueio produzido tanto
pelo catodo como pela ACh como pelo decametônio podia ser revertido aplicando-se
um eletrodo negativo (anodo; hiperpolarizante) à placa terminal. Burns e Paton tamm
demonstraram que, durante o bloqueio, uma zona não excitável estava presente ao
redor da região da placa terminal (BURNS e PATON, 1951).
O único agente despolarizante utilizado na clínica atualmente é a succinilcolina
(suxametônio), que possui a estrutura química similar à de duas moléculas de
30
acetilcolina juntas (BOOIJ, 1997b) (Figura 6). No entanto, nenhum outro fármaco
utilizado em anestesia é mais problemático que a succinilcolina e nenhum sobreviveu à
tantas crises como este. Embora a succinilcolina apresente muitos efeitos indesejáveis,
ela possui a latência mais rápida, duração de ação mais curta e seu efeito é
rapidamente revertido. Muitos cientistas ao redor do mundo todo se esforçam por
décadas na busca de um ABNM ideal que possa substituir a succinilcolina, o chamado
suxametônio não despolarizante(LEE, 2009).
Os bloqueadores neuromusculares despolarizantes possuem efeito intrínsico no
receptor nicotínico da ACh, causando assim a abertura do canal iônico (BOOIJ, 1997a).
A fase inicial de ativação resulta em um potencial de placa terminal que leva à abertura
dos canais de sódio dependente de voltagem na membrana adjacente, resultando em
ondas repetitivas de potenciais de ação que se manifestam como fasciculações
musculares iniciais (BARAKA, 2007).
Uma vez que estes compostos o são metabolizados pela acetilcolinesterase
na fenda sináptica a despolarização induzida pelos BNMDs se mantém, e o canal de
sódio dependente de voltagem externo permanece aberto. Contudo, o portão do canal
de sódio dependente de tempo interno se fecha, resultando em inativação do canal e
bloqueio da placa terminal muscular. A exposição prolongada da placa terminal aos
BNMDs leva à dessensibilização progressiva à ação despolarizante destes e da ACh.
Assim, o bloqueio gradualmente muda de despolarizante (Fase I) para um bloqueio
neuromuscular dessensibilizante (fase II) (BARAKA, 2007). A literatura clínica sobre o
modo de ação dos BNMDs é muito confusa. Está claro que várias ações pós-sinápticas
diferentes, mas que se interagem, contribuem para o bloqueio. Ações pré-sinápticas
foram relatadas, mas não há provas quanto à sua importância para o bloqueio.
muita discussão na literatura sobre o fenômeno conhecido como “bloqueio
dual”. Este termo refere-se ao bloqueio da transmissão neuromuscular que inicialmente
possui as características de bloqueio por despolarização, mas depois muda para um
bloqueio com as características de bloqueio competitivo. Esta mudança ocorre
rapidamente em algumas espécies, como no rato e na cobaia. Um fenômeno similar
ocorre em humanos, embora mais lentamente; pode ocorrer durante exposição
31
prolongada ao bloqueador, e é especialmente proeminente quando anestésicos
halogenados são utilizados (COLQUHOUN, 1986).
Figura 6 - Estrutura química da acetilcolina, agonista endógeno dos receptores nicotínicos, e de alguns
BNMDs. Reproduzido de Bowman, 2006.
1.5.2 Bloqueadores neuromusculares competitivos
Os bloqueadores neuromusculares competitivos atuam como um antagonista dos
receptores nicotínicos da ACh. Ligam-se ao receptor, mas não possuem efeito
intrínseco. Assim, o canal iônico permanece fechado, ocorrendo paralisia flácida
(BOOIJ, 1997a).
Desde a introdução do curare na prática anestésica por Griffith e Johnson em
1942, numerosos compostos foram sintetizados e testados na prática clínica (Quadro
1). Em alguns aspectos, contudo, os perfis farmacocinético e farmacodinâmico de todos
estes compostos diferem dos esperados para o relaxante muscular ideal hipotético
(Quadro 2) (POLLARD, 1994b).
Acetilcolina
Decametônio
Succinilcolina
Acetilcolina
Decametônio
Succinilcolina
32
Quadro 1 - Relaxantes musculares em uso clínico ou investigados em humanos
Galamina Huguenard e Boue (1950)
Mushin et al. (1949)
Dimetiltubocurarina Stoelting et al. (1948)
Decametônio Organe (1949)
Suxetônio Valdoni (1949)
Benzoquinônio Arrowood (1951)
Foldes et al. (1952)
Succinilcolina Brucke et al. (1951)
von Dardel e Thesleff (1951)
Mayrhofer e Hassfurther (1951)
Laudolissina Bodman et al. (1952)
Imbretil Holzer et al. (1954)
Mayrhofer et al. (1955)
Prestonal Frey (1955)
Rendell-Baker et al. (1957)
Toxiferina Waser e Harbeck (1959)
Foldes et al. (1961a)
Alcurônio Hugin e Kissling (1961)
Foldes et al. (1963b)
Pancurônio Baird e Reid (1967)
Foldes et al. (1971)
Katz (1971)
Fazadinio Simpson et al. (1972)
Vecurônio Agoston et al. (1980)
Booij et al. (1980)
Atracúrio Hunt et al. (1980)
Payne e Hughes (1981)
Pipecurônio Boros et al. (1980)
Tassonyi (1981)
Mivacúrio Savarese et al. (1985)
Savarese et al. (1988)
Doxacúrio Basta et al. (1988)
Murray et al. (1988)
33
Rocurônio Wierda et al. (1990)
(ORG 9426) Foldes et al. (1990)
Foldes et al. (1991)
Reproduzido de Pollard, 1994b.
Quadro 2 - Propriedades do ABNM ideal
Agente não despolarizante (competitivo)
Início de ação rápido e duração curta
Facilmente antagonizado
Efeito não cumulativo
Nenhuma tendência a efeito colateral devido a:
bloqueio gangliônico
inibição dos receptors muscarínicos
liberação aumentada (ou inibição da recaptação) de catecolaminas endógenas
liberação de histamina
inibição significante da colinesterase muscular
Deveria:
decompor-se espontaneamente em pH fisiológico à componentes inativos
ser excretado ambos pelo fígado e rim
possuir prazo de validade longo em solução
Reproduzido de Pollard, 1994b.
34
Figura 7 - Estrutura química de alguns BNMCs. A presença da estrutura da acetilcolina está mostrada na
molécula do pancurônio e do vecurônio, em vermelho. Reproduzido de Bowman, 2006.
1.6 RELAÇÃO ESTRUTURA-ATIVIDADE
Logo após o trabalho de Claude Bernard sobre o curare, Crum Brown e Fraser,
por volta de 1868, demonstraram que os metiodides e outros sais quaternários de
vários alcalóides (ex.: codeína, estriquinina, atropina) compartilhavam a propriedade de
Atracúrio
Pancurônio
Vecurônio
Rocurônio
Atracúrio
Pancurônio
Vecurônio
Rocurônio
35
paralisar músculos esqueléticos de uma forma que lembrava a ação do curare, ao
contrário dos compostos de origem. Esta demonstração da correlação entre a função
de amônio quaternário e a atividade bloqueadora neuromuscular parece ter sido a
primeira relação estrutura-atividade válida a ser estabelecida no campo da
farmacologia. A observação seguinte de que a d-tubocurarina continha dois atómos de
nitrogênio carregados positivamente (embora um seja uma amina terciária protonada
em pH fisiológico; ver Figura 2) levou à idéia de que a maioria dos compostos potentes
possuem dois centros quaternários (BOWMAN, 2006).
Figura 8 - Estrutura geral de substâncias bloqueadoras neuromusculares utilizadas na clínica.
Reproduzido de Pollard, 1994c.
Uma exceção que ainda não foi explicada é a diidro-β-eritroidina, um antagonista
dos receptores nicotínicos neuromusculares (WILLIAMS e ROBINSON, 1984), amina
terciária com um único atómo de nitrogênio, que possui considerável potência como
ABNM e tem sua potência diminuída pela quaternização de sua estrutura (BOWMAN,
2006).
N
+
N
+
R
R
R R
R
1
2
3
4
5
6
R
N
+
N
+
R
R
R R
R
1
2
3
4
5
6
R
36
Figura 9 - Estrutura química da diidro-β-eritroidina. Reproduzido de Williams e Robinson, 1984.
1.7 MONITORAMENTO DO BLOQUEIO NEUROMUSCULAR
Existem evidências de que mesmo pequenos graus de BNM residual pós-
operatório aumentam a incidência de complicações respiratórias em Unidades de
Recuperação Pós-Anestésica (KOPMAN e EIKERMANN, 2009). O uso da estimulação
do nervo como indicador do grau do BNM foi descrito inicialmente por Harvey e
Masland (HARVEY e MASLAND, 1941). Em 1958, Christie e Churcill-Davidson
apresentaram o primeiro aparato para a estimativa do BNM em um cenário clínico
(CHRISTIE e CHURCHILL-DAVIDSON, 1958). Os princípios básicos do monitoramento
neuromuscular não mudaram desde a introdução clínica dos aparatos para esta
finalidade. A estimulação de um nervo motor periférico com um impulso elétrico resulta
em uma resposta muscular que segue o princípio do tudo ou nada. A intensidade da
força muscular depende do número de fibras musculares que foram ativadas. Alta
freqüência de estimulação pode estimular simultaneamente todas as fibras, gerando
resposta contrátil máxima. Para aplicação clínica do monitoramento neuromuscular, é
altamente recomendado que seja utilizado um estímulo elétrico de 15-20% acima do
nível de resposta muscular máxima (estímulo supramaximal) (FUCHS-BUDER et al.,
2007). Isto é para assegurar que fatores como a variabilidade da impedância da pele
37
não tenham uma influência significativa na resposta muscular e, assim, na qualidade da
medida.
Na prática clínica, a avaliação do BNM pode ser monitorada através de um
estimulador nervoso aplicado no trajeto nervoso, sendo o nervo ulnar o mais utilizado
(SILVA, 1998).
1.7.1 Train-of-four (TOF)
A estimulação train-of-four (TOF), um dos padrões de estimulação utilizados
clinicamente, foi introduzido na prática clínica em 1970 por Ali e cols. (ALI, UTTING e
GRAY, 1970). O padrão de estímulo consiste em quatro estímulos à 2 Hz com duração
de 2 s (intervalo de 0,5 s entre cada um dos quatro estímulos). Um intervalo sem
estímulo de pelo menos 10 s deve ser aplicado entre TOFs sucessivos para evitar
fadiga durante a medida. Na ausência de BNM as quatro respostas possuem a mesma
amplitude. A perda da quarta resposta representa um BNM de 75-80%. A perda da
primeira, segunda e terceira respostas pode ser associada com um bloqueio de
aproximadamente 98-100%, 90% e 85%, respectivamente (LEE, 1975). A razão do TOF
(T4/T1) é obtida dividindo-se a amplitude da quarta resposta (T4) pela amplitude da
primeira resposta (T1).
O estudo de Ali e cols. em 1970 demonstrou que os ABNM competitivos e
despolarizantes apresentam padrões de TOF diferentes (Figura 10). Os BNMC, após os
quatro estímulos à frequência de 2 Hz, levava à um quadro de fadiga muscular, onde a
amplitude de T4 era sempre menor que a amplitude de T1. Os BNMD, por outro lado,
não levavam ao quadro de fadiga muscular e a relação T4/T1 se mantinha sempre a
mesma.
Esta diferença no padrão do TOF apresentado pelos ABNM competitivos e
despolarizantes pode ser explicada pela ação destas substâncias nos receptores
nicotínicos pré-sinápticos. A fadiga muscular é causada pelos BNMC, em comparação
com o músculo normal. É provável que isto se deva principalmente ao bloqueio dos
receptores nicotínicos pré-sinápticos, que normalmente sustentam a liberação de
38
acetilcolina durante o período em que o músculo está sob estimulação de alta
freqüência. Este bloqueio não ocorre com os BNMD (PRIOR et al., 1995).
Figura 10: O padrão de registro da estimulação nervosa pelo TOF, demonstrado por Ali e cols., em 1970.
A,C e E- controle; B- após tubocurarina (BNMC); D- após succinilcolina (BNMD), em paciente sob
anestesia com óxido nítrico e oxigênio; F- após succinilcolina, em paciente sob anestesia com óxido
nítrico e halotano.
Por muitos anos considerou-se que a recuperação da razão T4/T1 de 0,7 era
indicativa de uma recuperação adequada da função neuromuscular (ALI et al., 1981;
A B
C D
E F
A B
C D
E F
A B
C D
E F
39
ALI e KITZ, 1973). Trabalhos mais recentes indicam que sinais e sintomas
consideráveis de bloqueio residual devem persistir até que a razão T4/T1 retorne para
um valor de 0,9 ou mais (ERIKSSON et al., 1997; KOPMAN, YEE e NEUMAN, 1997).
Tabela 1 - Relação entre as respostas do TOF e as percentagens de receptores ocupados
Receptores
Ocupados %
T
1
% do
Controle
T
4
/T
1
100
0
0
90
10
0
80
25
0
80-70
95
0,6-0,7
60
100
0,9-1
Reproduzido de Silva, 1998.
1.8 SENNA SPECTABILIS E SEUS ALCALÓIDES
Penicilina G, quinina, digoxina, morfina, vitamina A e ciclosporina, todos
compartilham duas características importantes: são fármacos derivados de produtos
naturais e de amplo uso clínico. O uso de produtos naturais (particularmente plantas)
como cura ou remissão sintomática de doenças é uma prática que existe séculos e
que levou à descoberta de mais da metade de todos os medicamentos modernos.
Relatos do uso de produtos naturais com finalidades medicinais podem ser encontrados
em 78 d.C., quando Dioscórides escreveu De Materia Medica, descrevendo milhares de
plantas medicinais (CLARK, 1996).
Senna spectabilis é uma planta arbórea que pertence à família Fabaceae
(Leguminosae) (Figura 11). É conhecida popularmente como cássia-do-nordeste, são-
joão, canafístula-de-besouro e pau-de-ovelha, sendo Cassia spectabilis sua sinonímia
botânica (VIEGAS, JR. et al., 2004). É pioneira e característica do nordeste semi-árido
(caatinga), mas tamm é comum no cerrado do estado de São Paulo (LORENZI,
40
1998). As flores e frutos da Senna spectabilis são fontes de obtenção de diversos
alcalóides (SRIPHONG et al., 2003; VIEGAS, JR. et al., 2007), alguns dos quais são
utilizados como protótipos para a obtenção de outros novos alcalóides (VIEGAS, JR. et
al., 2005).
Figura 11 - Senna spectabilis; a figura mostra a árvore, flores, frutos, sementes, casca e madeira.
Reproduzido de Lorenzi, 1998.
Os alcalóides são compostos nitrogenados básicos (SOLOMONS e FRYHLE,
2002) e representam um grupo altamente diversificado de compostos que são
relacionados somente pela presença de um átomo de nitrogênio em um anel
41
heterocíclico. Estima-se que as plantas produzam aproximadamente 12000 alcalóides
diferentes, que podem ser organizados em grupos de acordo com a sua estrutura
carbônica (ZIEGLER e FACCHINI, 2008). Os alcalóides piperidínicos, por exemplo, são
aqueles que possuem o núcleo da piperidina em sua estrutura; ou seja, possuem um
anel de seis membros contendo cinco átomos de carbono e um átomo de nitrogênio
(HARBORNE, BAXTER e MOSS, 1999).
Figura 12 - Núcleo da piperidina.
O estudo mais detalhado destas substâncias é de grande importância que,
como citado anteriormente, a grande maioria dos fármacos em uso atual é proveniente
de plantas.
A espectalina (Figura 13) é um alcalóide piperidínico natural extraído das flores
(CASTRO et al., 2008; VIEGAS, JR. et al., 2005) e frutos (VIEGAS, JR. et al., 2007)
da Senna spectabilis. Alguns derivados da espectalina foram descritos recentemente
como anticolinesterásicos no SNC com poucos efeitos colaterais periféricos (CASTRO
et al., 2008). Iniciou-se então os estudos desta substância com a presente dissertação
de mestrado, avaliando-se inicialmente sua possível ação anticolinesterásica periférica
na junção neuromuscular, visando a sua possível aplicação terapêutica.
42
Figura 13 - Estrutura química da espectalina.
43
1.9 OBJETIVOS
O objetivo desta dissertação foi a caracterização farmacológica da espectalina na
transmissão neuromuscular, através da:
avaliação da ação em preparações frênico-diafragma in vitro, construção da
curva dose-resposta e determinação da CI
50
avaliação da reversibilidade do bloqueio e determinação do mecanismo de ação
avaliação do efeito na atividade neuromuscular in vivo
avaliação dos efeitos hemodinâmicos
44
2. MATERIAL E MÉTODOS
45
Todos os protocolos experimentais utilizados para a realização desta dissertação foram
aprovados pela Comissão de Ética para Uso de Animais do Centro de Ciências da
Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (DFBCICB 018A, DFBCICB 018B,
DFBCICB 018C).
2.1 REGISTRO DE TENSÃO ISOMÉTRICA EM MÚSCULO ESQUELÉTICO ISOLADO
IN VITRO
Os experimentos foram realizados na preparação frênico-diafragma clássica.
Ratos Wistar, machos e fêmeas, pesando entre 250350 g foram sacrificados sob
anestesia profunda com éter etílico para o isolamento do complexo nervo frênico-
músculo diafragma. O tórax foi aberto por uma incisão mediana e os hemidiafragmas
foram bilateralmente dissecados tomando-se o cuidado de preservar os nervos frênicos.
A porção inferior de cada hemidiafragma foi fixada à uma haste horizontal fixa e a
porção superior à um transdutor de tensão isométrica (Grass mod. FT03, Quincy, MA,
USA) por meio de um fio metálico. Cada nervo frênico foi posicionado sobre um par de
eletrodos de platina, o qual foi ligado à um estimulador Grass mod. S88H (Quincy,
Mass, USA). Os sinais gerados pelos transdutores foram captados pelo Cyberamp
(Axon Instruments Inc., Foster City, CA, USA), digitalizados (Digidata 1322, Axon
Instruments Inc.) e armazenados para posterior análise usando o programa Axoscope
software 8.0 (Axon Instruments Inc.) em computador.
Essas preparações foram imediatamente posicionadas em cubas verticais, de
volume interno de 150 mL preenchidas com solução de Krebs (Tabela 2). O pH foi
ajustado em 7,4 0.1 na presença de borbulhamento com mistura carbogênica (95%
O
2
e 5% CO
2
). A temperatura da solução foi mantida à 37 ºC durante todo o
experimento.
O transdutor de tensão foi conectado a um manipulador que permitia estirar o
músculo e obter abalos de amplitude máxima. As contrações musculares foram
induzidas através do estímulo elétrico do nervo frênico com voltagem 2 vezes a
maximal (0,5 1,2 V) com duração de 2 ms e frequência de 0,2 Hz. Os abalos
musculares foram continuamente registrados no disco rígido do computador para
46
análise posterior. O protocolo experimental consistiu no registro dos abalos musculares
onde, sempre após a adição da substância teste e obtenção de um platô (o que
significava estabelecimento do equilíbrio de efeito das substâncias), realizou-se uma
sequência de 4 estímulos à uma frequência de 2 Hz e duração de 2 s (TOF),
retornando-se em seguida ao estímulo de duração de 2 ms e frequência de 0,2 Hz. As
substâncias teste foram adicionadas diretamente na solução experimental em
concentrações crescentes e de forma cumulativa, até que fosse observado o bloqueio
completo dos abalos musculares. O TOF foi avaliado de forma a se obter o pico da
resposta do primeiro e do quarto estímulo, e com esses dados estabeleceu-se a relação
T4/T1. Curvas dose-resposta relacionando T1 e a concentração foram construídas para
a obtenção da CI
50
, ou seja, a concentração da substância necessária para inibir 50%
da resposta máxima referente ao primeiro abalo. As lavagens foram feitas esvaziando-
se as cubas e preenchendo-as novamente com 150 mL de solução de Krebs.
2.2 REGISTRO DE TENSÃO ISOMÉTRICA EM MÚSCULO ESQUELÉTICO E
PRESSÃO ARTERIAL IN VIVO
Os experimentos foram realizados em ratos Wistar machos, pesando entre 250
350 gramas. Os animais foram anestesiados pela injeção intraperitoneal de
pentobarbital sódico (50 mg.kg
-1
). Níveis adequados de anestesia foram mantidos com
doses adicionais de pentobarbital 10 mg.kg
-1
, via intraperitoneal. A traquéia foi isolada e
uma cânula traqueal de polietileno foi introduzida para permitir a ventilação mecânica
pulmonar controlada com auxílio de uma bomba respiratória (Harvard mod. 611). Os
parâmetros respiratórios foram ajustados em volume corrente= 20 ml.kg
-1
e frequência
respiratória= 35 incursões.min
-1
. A artéria carótida foi dissecada, canulizada com cateter
de polietileno preenchido com solução salina heparinizada (50 UI/ml), e este foi
conectado a um transdutor de pressão (Spectramed mod. P23XL) para registro da
pressão arterial (PA). A veia jugular externa tamm foi dissecada e canulizada para a
administração intravenosa (I.V.) das substâncias estudadas. Em seguida, os animais
foram posicionados em decúbito ventral para permitir a dissecção do nervo ciático e do
músculo gastrocnêmio. Foi fixado no nervo ciático um par de eletrodos de platina e este
47
foi conectado a um estimulador (Grass S88H). Através do tendão de Aquiles o músculo
gastrocnêmio foi conectado a um transdutor de tensão isométrica (Grass FT03) e os
abalos musculares foram captados pelo Cyberamp (Axon Instruments Inc.),
digitalizados (Digidata 1322; Axon Instruments Inc.) e armazenados no computador
para posterior análise por meio do programa Axoscope software 8.0 (Axon Instruments
Inc.). Após a adição da substância teste e obtenção de um platô, realizou-se uma
sequência de 4 estímulos à uma frequência de 2 Hz e duração de 2 s (TOF),
retornando-se em seguida ao estímulo de duração de 2 ms e frequência de 0,2 Hz.
Para a observação das alterações hemodinâmicas provocadas pela
administração I.V. das substâncias, a PA foi continuamente registrada por meio da
introdução de uma cânula na artéria carótida, a qual foi ligada a um transdutor de
pressão (Spectramed mod. P23XL) e registrada em polígrafo (Grass mod. 7).
As substâncias foram diluídas imediatamente antes da injeção I.V. e
administradas nas seguintes doses: succinilcolina 0,5 mg.kg
-1
, pancurônio 0,08 mg.kg
-1
,
neostigmina 0,08 mg.kg
-1
, espectalina 6 mg.kg
-1
. O intervalo entre as doses foi
suficiente para que houvesse estabilização dos abalos musculares e da PA.
2.3 SOLUÇÕES E SUBSTÂNCIAS UTILIZADAS
A solução de Krebs, cuja composição está mostrada na tabela 2, foi utilizada
para os experimentos realizados in vitro.
Tabela 2 - Composição da solução de Krebs.
Concentração (mM)
NaCl
118
KCl
5
CaCl
2
.2H
2
O
3
MgCl
2
.6H
2
O
1,2
KH
2
PO
4
1,18
NaHCO
3
25
glicose
5,5
48
Todas as soluções foram preparadas no dia dos experimentos. A succinilcolina
(Quelicin® - Abbott), pancurônio (Pavulon® - Organon) e a neostigmina (Normasti -
União Química) foram adquiridas de produtos comerciais. A espectalina, extraída das
flores de Senna spectabilis, foi gentilmente cedida pela Professora Vanderlan da Silva
Bolzani do Instituto de Química de Araraquara da Universidade Estadual Júlio de
Mesquita Filho.
A espectalina é uma substância pouco solúvel em água, de forma que para
utilizá-la nos experimentos, primeiramente foi necessário solubilizá-la em
dimetilsulfóxido (DMSO), e o volume final foi então corrigido com salina. Para os
experimentos in vivo, verificou-se que a quantidade mínima de DMSO suficiente para
solubilizar cada dose de 6 mg.kg
-1
da espectalina era de 100 µL, e posteriormente o
volume da solução foi corrigido com a adição de 100 µL de salina..
2.4 ANÁLISES ESTATÍSTICAS
Todos os resultados foram expressos como média ± EPM. Para comparações
entre múltiplos resultados experimentais foi utilizado o teste de one-way ANOVA. Para
comparação com o controle foi utilizado o teste de Dunnett. As diferenças foram
consideradas estatisticamente significativas quando P<0,05. As análises estatísticas e
os gráficos foram realizados com o auxílio do programa GraphPad Prism versão 4.0. A
CI
50
foi expressa como média ± EPM dos valores obtidos para cada experimento, sendo
calculada por regressão linear e considerando-se a inclinação de Hill.
49
3. RESULTADOS
50
3.1 EFEITO DA ESPECTALINA NA CONTRATILIDADE DO DIAFRAGMA
O complexo frênico-diafragma de ratos foi diretamente exposto às substâncias
conhecidas succinilcolina e pancurônio (controles positivos de ABNM despolarizante e
competitivo, respectivamente), assim como à substância de estudo desta dissertação, a
espectalina. A Figura 14 mostra registros típicos dos abalos musculares induzidos pela
estimulação do nervo frênico na ausência e na presença do pancurônio (Figura 14A) e
da succinicolina (Figura 14B), sendo ambas as substâncias aplicadas diretamente na
cuba em concentrações crescentes. Observe a redução da amplitude dos abalos
musculares em função da concentração, sendo este efeito rapidamente revertido pela
lavagem da preparação com solução de Krebs. Resultados semelhantes foram obtidos
em 4 outros experimentos para cada substância.
Figura 14 - Registros de abalos do músculo diafragma de rato na preparação frênico-diafragma, na
ausência (controle) e na presença de pancurônio (A) e succinilcolina (B). A amplitude dos abalos diminui
em função do aumento da concentração destas substâncias. O efeito depressor foi revertido com a
lavagem da preparação em ambos os casos.
5 g
10 min
43,532,521,5
pancurônio (µM)
lavagem
A
5 g
10 min
43,532,521,5
pancurônio (µM)
lavagem
A
10 min
lavagem301031
succinilcolina (µM)
B
5 g
10 min
lavagem301031
succinilcolina (µM)
B
5 g
51
A Figura 15 mostra registro de abalos do diafragma de rato submetido ao
protocolo em que a espectalina (10 µM) foi aplicada na presença de bloqueio pelo
pancurônio (10 µM). Note que a espectalina aumentou o efeito depressor dos abalos
induzidos pelo pancurônio. Os efeitos do pancurônio e da espectalina foram
prontamente revertidos pela lavagem da preparação. A aplicação subsequente de
espectalina reduziu a amplitude dos abalos e este efeito foi aumentado pela
neostigmina (10 µM). Resultados semelhantes foram obtidos em 2 experimentos.
Figura 15 - Registro pico mostrando os abalos do músculo diafragma na preparação frênico-diafragma.
Observe que a espectalina aumentou a ação bloqueadora do pancurônio, que seu efeito foi revertido com
a lavagem e potencializado pela neostigmina.
O efeito dose-dependente da espectalina na transmissão neuromuscular do
diafragma está mostrado na Figura 16. Concentrações menores do que 10 µM não
provocaram efeitos depressores significativos. Porém, inibição aproximada de 90% foi
observada com a concentração de 30 µM. O efeito da espectalina foi revertido pela
lavagem da preparação. Resultados semelhantes foram obtidos em 6 experimentos.
Durante os protocolos experimentais os registros contínuos eram interrompidos
para a realização do TOF. As falhas nos registros das Figuras 14-16 indicam o
momento do TOF. Registros típicos do TOF apresentados na figura 17 permitiram a
leitura do T1 e T4. Observe que a amplitude de T1 e T4 diminui com a aplicação de
succinilcolina e espectalina quando comparados com o controle, mas a relação T4/T1
se manm inalterada. Este padrão é típico de BNMDs. O mesmo padrão não se
observa com o pancurônio, uma vez que T4 é sempre menor que T1.
5 g
10 min
neostigmina
10 µM
espectalina
10 µM
lavagemespectalina
10 µM
pancurônio
10 µM
5 g
10 min
neostigmina
10 µM
espectalina
10 µM
lavagemespectalina
10 µM
pancurônio
10 µM
52
Figura 16 - Registro de abalos do diafragma na preparação frênico-diafragma. A amplitude dos abalos
diminui em função do aumento da concentração de espectalina. O efeito depressor do abalo foi revertido
com a lavagem da preparação.
A quantificação do T1 e da relação T4/T1 em função da concentração de
pancurônio, succinilcolina e espectalina está apresentada nas Figuras 18, 19 e 20,
respectivamente. O pancurônio foi adicionado em concentrações que variaram de 1,5 a
4 µM, enquanto as concentrações de succinilcolina e da espectalina variaram de 1 a
100 µM. Podemos observar que houve redução gradativa concentração-dependente
tanto de T1 quanto da relação T4/T1 para o pancurônio (Figura 18A e 18B). Por outro
lado, com a succinilcolina e espectalina o T1 caiu gradativamente com o aumento da
concentração (Figura 19A e 20A), porém a relação T4/T1 manteve-se constante, caindo
subitamente somente quando T1 foi a zero (Figura 19B e 20B).
Com esta característica de resposta para a relação T4/T1, a concentração
inibitória média (CI
50
) somente pode ser calculada em relação ao T1. A CI
50
para o
pancurônio, succinilcolina e espectalina encontram-se na Tabela 3.
Tabela 3 CI
50
dos bloqueadores neuromusculares estudados e inclinação de Hill.
CI
50
(µM)
Inclinação de Hill
pancurônio
1,60 0,30
- 5,09 0,45
succinilcolina
7,93 0,98
- 3,86 0,27
espectalina
16,00 0,88
- 3, 03 0,23
5 g
10 min
lavagem100301031
espectalina (µM)
5 g
10 min
lavagem100301031
espectalina (µM)
53
Figura 17 - Registro do TOF na preparação frênico-diafragma de ratos. A, C e E controles; B após
pancurônio 3 µM; D após succinilcolina 10 µM; F após espectalina 30 µM.
0,25 s
2,5 g
A
0,25 s
2,5 g
B
0,25 s
2,5 g
C
0,25 s
2,5 g
D
0,25 s
2,5 g
E
2,5 g
0,25 s
F
54
Figura 18 - Inibição da atividade neuromuscular em preparação frênico-diafragma de ratos para o
pancurônio (A e B, n= 4). Os pontos representam a média ± EPM. Observe que tanto o T1 (A) quanto a
relação T4/T1 (B) diminuem em função da concentração, uma vez que T4 é sempre menor que T1 para
os BNMCs. *P<0,05; **P<0,01, em relação ao controle.
-6.25 -6.00 -5.75 -5.50 -5.25 -5.00
0
25
50
75
100
*
*
*
*
*
A
*
*
*
*
*
log [pancurônio] (M)
T1 (% do controle)
-6.25 -6.00 -5.75 -5.50 -5.25 -5.00
0.00
0.25
0.50
0.75
1.00
1.25
B
*
*
*
*
*
*
*
**
log [pancurônio] (M)
Tensão isométrica - T4/T1
55
Figura 19 - Inibição da atividade neuromuscular em preparação frênico-diafragma de ratos para a
succinilcolina (A e B, n= 4). Os pontos representam a média ± EPM. Em A, observa-se diminuição de T1
em função da concentração de succinilcolina. Em B, observa-se que a relação T4/T1 mantêm-se
constante, apresentando queda brusca a zero quando T1 vai a zero (característica dos BNMDs).
**P<0,01, em relação ao controle.
-7 -6 -5 -4 -3
0
50
100
*
*
*
*
A
*
*
*
*
log [succinilcolina] (M)
T1 (% do controle)
-6.5 -6.0 -5.5 -5.0 -4.5
0.00
0.25
0.50
0.75
1.00
1.25
B
log [succinilcolina] (M)
Tensão isométrica - T4/T1
56
Figura 20 - Inibição da atividade neuromuscular em preparação frênico-diafragma de ratos para a
espectalina (A e B, n= 6). Os pontos representam a média ± EPM. Ocorre diminuição de T1 em função da
concentração de espectalina (A), porém a relação T4/T1 se mantêm constante (B) até que T1 vá a zero.
**P<0,01, em relação ao controle.
-7 -6 -5 -4 -3
0
25
50
75
100
125
*
*
*
*
A
*
*
*
*
log [espectalina] (M)
T1 (% do controle)
-6.5 -6.0 -5.5 -5.0 -4.5 -4.0
0.00
0.25
0.50
0.75
1.00
1.25
B
log [espectalina] (M)
Tensão isométrica - T4/T1
57
3.2 EFEITO DA ESPECTALINA NA CONTRATILIDADE DO MÚSCULO
GASTROCNÊMIO
Para confirmar se os resultados obtidos in vitro seriam reproduzidos in vivo, a
substância estudada, espectalina, assim como os controles positivos, pancurônio e
succinilcolina, foram administradas por via I.V., em bolo, em ratos anestesiados e
mantidos sob ventilação pulmonar controlada. A diminuição da amplitude dos abalos do
músculo gastrocnêmio serviu de parâmetro para a avaliação da atividade das
substâncias na transmissão neuromuscular. As Figuras 21, 22 e 23 representam
registros típicos deste tipo de experimento.
A Figura 21 mostra que doses repetidas de 0,08 mg.kg
-1
de pancurônio diminuiu
gradativamente o abalo do músculo gastrocnêmio. Redução menor do que 5% é
observada após a aplicação da primeira dose. A partir da primeira dose a contratilidade
é intensamente diminuída com doses subsequentes, até atingir bloqueio completo na
quarta administração. Por se tratar de experimento in vivo, a recuperação do bloqueio é
notada mesmo sem a administração de neostigmina (Figura 21A). Porém, a
administração da neostigmina na vigência do bloqueio acelera a recuperação da
curarização (Figura 21B).
A Figura 22 mostra um registro típico em que a succinilcolina foi administrada em
uma única dose de 0,5 mg.kg
-1
. Nesta dose, a inibição dos abalos musculares foi em
torno de 95% seguida de recuperação total espontânea.
A injeção intravenosa em bolo de espectalina (6 mg.kg
-1
) reduziu os abalos do
músculo gastrocnêmio de forma dose-dependente. Ao final da quarta dose cumulativa o
bloqueio foi em torno de 80% (Figura 23A). A reversão espontânea do bloqueio pode
ser notada até a terceira dose. Na quarta dose o bloqueio mostrou comportamento
irreversível. A aplicação de neostigmina (0,08 mg.kg
-1
) não afetou o curso de
recuperação do bloqueio (Figura 23B).
58
Figura 21 Abalos do músculo gastrocnêmio de rato induzidos pela estimulação do nervo ciático. A
amplitude dos abalos diminui em função da administração de doses cumulativas de pancurônio. A
recuperação do bloqueio pelo pancurônio é lenta na ausência (A), e acelerada na presença (B) de
neostigmina. Dois experimentos semelhantes foram repetidos empregando o protocolo A e quatro
experimentos com o protocolo B.
Figura 22 Registro de abalos do músculo gastrocnêmio de rato induzidos pela estimulação do nervo
ciático no controle e após a administração I.V. de succinilcolina (0,5 mg.kg
-1
). Note que nesta dose, o
bloqueio foi quase completo seguido de recuperação total da amplitude dos abalos. A reprodutibilidade
do protocolo foi vista em 4 experimentos semelhantes.
succinilcolina 0,5 mg.kg
-1
10 g
5 min
recuperação espontâneasuccinilcolina 0,5 mg.kg
-1
10 g
5 min
recuperação espontânea
5 min
10 g
0,080,080,080,08 recuperação espontânea
pancurônio (mg.kg
-1
)
5 min
10 g
0,080,080,080,08 recuperação espontânea
pancurônio (mg.kg
-1
)
A
10 g
5 min
0,080,080,080,08
pancurônio (mg.kg
-1
)
0,08 0,08
neostigmina (mg.kg
-1
)
10 g
5 min
0,080,080,080,08
pancurônio (mg.kg
-1
)
0,08 0,08
neostigmina (mg.kg
-1
)
B
59
Figura 23 - Registro de abalos do músculo gastrocnêmio de rato induzidos pela estimulação do nervo
ciático em função da dose de espectalina. Três experimentos semelhantes foram realizados com o
protocolo A e dois com o protocolo B, tendo-se alcançado resultados semelhantes.
No sentido de certificar se o efeito observado da espectalina poderia ser afetado
pela mistura de DMSO e salina, o mesmo volume (200 l) desta solução administrado
nos experimentos com a espectalina foi administrado sem a mesma, como mostrado na
Figura 24. Observe que os abalos musculares não foram significativamente alterados
pelo solvente.
5 min
10 g
666
espectalina (mg.kg
-1
)
6
5 min
10 g
666
espectalina (mg.kg
-1
)
6
A
5 min
10 g
666
espectalina (mg.kg
-1
)
neostigmina 0,08 mg.kg
-1
5 min
10 g
666
espectalina (mg.kg
-1
)
neostigmina 0,08 mg.kg
-1
B
60
Figura 24 - Registro de abalos do músculo gastrocnêmio de rato induzidos pela estimulação do nervo
ciático no controle e as a administração de 4 doses do solvente (DMSO + salina), usado para
solubilizar a espectalina. O mesmo protocolo foi aplicado a 3 outras experiências.
Assim como realizado nos experimentos in vitro, o padrão do TOF foi avaliado
nos experimentos in vivo. A Figura 25 mostra registros obtidos durante o TOF no
controle e após a administração de cada substância estudada. Novamente, observe
que a amplitude de T1 e T4 diminui com a aplicação de succinilcolina e espectalina
quando comparados com o controle, mas a relação T4/T1 se mantêm inalterada. O
mesmo padrão não se observa com o pancurônio, uma vez que T4 é sempre menor
que T1. o ocorre diminuição da amplitude dos registros com a mistura de DMSO e
salina.
5 min
10 g
200200200200
DMSO + salina (µL)
5 min
10 g
200200200200
DMSO + salina (µL)
10 g
0,25 s
10 g
0,25 s
A
10 g
0,25 s
10 g
0,25 s
B
61
Figura 25 - Registro do TOF em ratos vivos, nos quais estimulou-se o nervo ciático e registrou-se as
respostas do músculo gastrocnêmio. A, C, E e G controles; B após a segunda dose de 0,08 mg.kg
-1
de pancurônio; D após uma dose de 0,5 mg.kg
-1
de succinilcolina; F após a terceira dose de 6 mg.kg
-1
de espectalina; H após a quarta aplicação de 200 µL da mistura de DMSO e salina.
10 g
0, 25 s
10 g
0, 25 s
C
10 g
0,25 s
10 g
0,25 s
D
10 g
0,25 s
10 g
0,25 s
E
10 g
0,25 s
10 g
0,25 s
F
10 g
0,25 s
10 g
0,25 s
G
10 g
0,25 s
10 g
0,25 s
H
62
A Figura 26 mostra os gráficos que relacionam a amplitude de T1 e a relação
T4/T1 após a administração de pancurônio. A Figura 26A mostra que após a primeira
dose de pancurônio (0,08 mg.kg
-1
) a T1 foi de 37,4 4,9 g (n= 4). Este valor não foi
significativamente diferente do controle (39,4 5,4 g; n= 4). Entretanto, a segunda e a
terceira da mesma dose de pancurônio reduziram a T1 para 8,9 2,3 g (n= 4) e 2,4
0,9 g (n= 4), respectivamente, sendo estes valores significativamente menores (P<0.01)
do que o controle. A aplicação de neostigmina após a última dose de pancurônio
reverteu a T1 para 35,9 4,8 g (n= 4).
A relação T4/T1 após a administração da primeira dose de pancurônio (0,8 0,0;
n= 4) também não foi estatisticamente diferente do controle (0,9 0,0; n= 4).
Diminuição para 0,2 0,1 (n= 4) e 0,1 0,1 (n= 4) foi alcançada após a segunda e
terceira dose de pancurônio, respectivamente (Figura 26B). Esta relação foi recuperada
após a administração de neostigmina para 0,9 0,1 (n= 4).
A injeção I.V. de succinilcolina (Figura 27) na dose 0,5 mg.kg
-1
provocou rápida
queda dos abalos musculares, de duração curta. O T1 medido neste grupo
experimental caiu de um valor controle de 41,7 2,3 g (n= 3) para 1,5 0,9 g (n= 3)
(P<0,01) no pico do efeito da succinilcolina. Este efeito foi espontaneamente revertido
para 34,6 4,6 g (n= 3), não sendo este valor estatisticamente diferente do controle. A
relação T4/T1 foi reduzida de 0,9 0,0 (n= 3) para 0,4 0,2 (n= 3) e recuperou-se
espontaneamente para 0,9 0,0 (n= 3).
A injeção I.V. de espectalina (Figura 28) reduziu a amplitude dos abalos do
músculo gastrocnêmio de rato em função da dose administrada. O abalo T1 medido no
controle deste grupo experimental foi de 45,4 4,1 g (n= 3), e este não foi alterado de
forma significativa após a primeira dose de 6 mg.kg
-1
de espectalina (41,4 3,2 g; n=
3). Porém, as 3 aplicações sucessivas reduziram o T1 para 31,7 6,6 g (n= 3), 14,8
3,4 g (n= 3) e 4,1 1,8 g (n= 3), respectivamente (Figura 28A). Por outro lado, a relação
T4/T1 somente foi reduzida após a quarta dose, de forma súbita, para 0,4 0,2 (n= 3)
(Figura 28B). A inibição do T1 induzida pela espectalina não foi revertida pela
neostigmina (n= 2) (Figura 28C).
63
Figura 26 - Inibição da amplitude de T1 (A) e da relação T4/T1 (B) do músculo gastrocnêmio de rato, cuja
contração foi induzida pela estimulação do nervo ciático, em resposta à administração I.V. de pancurônio.
A neostigmina foi administrada pela via I.V. após a estabilização do bloqueio em resposta à última dose
de pancurônio. As barras representam a média ± EPM (n= 4). **P<0,01, em relação ao controle
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
Controle
Pancurônio 0,08 mg.kg
-1
+ 0,08 mg.kg
-1
+ 0,08 mg.kg
-1
Neostigmina 0,08 mg.kg
-1
*
*
A
*
*
Tensão isométrica - T1 (g)
0.00
0.25
0.50
0.75
1.00
Controle
Pancurônio 0,08 mg.kg
-1
+ 0,08 mg.kg
-1
+ 0,08 mg.kg
-1
Neostigmina 0,08 mg.kg
-1
*
*
B
*
*
Tensão isométrica - T4/T1
64
Figura 27 - Inibição da amplitude de T1 (A) e da relação T4/T1 (B) do músculo gastrocnêmio de rato, cuja
contração foi induzida pela estimulação do nervo ciático, em resposta à administração I.V. de
succinilcolina. A reversão espontânea do efeito da succinilcolina foi medida após a estabilização dos
abalos. As barras representam a média ± EPM (n= 3). *P<0,05; **P<0,01, em relação ao controle
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
Controle
Succinilcolina 0,5 mg.kg
-1
Recuperão esponnea
*
A
*
Tensão isométrica - T1 (g)
0.00
0.25
0.50
0.75
1.00
Controle
Succinilcolina 0,5 mg.kg
-1
Recuperão espontânea
B
*
Tensãi isométrica - T4/T1
65
Figura 28 - Inibição da amplitude de T1 na ausência (A) ou presença (C) de reversão pela neostigmina, e
da relação T4/T1 (B) do músculo gastrocnêmio de rato. A contração foi induzida pela estimulação do
nervo ciático e a espectalina foi administrada via I.V., em 4 doses cumulativas de 6 mg.kg
-1
. As barras
representam a média ± EPM (A e B, n= 3; C, n= 2). *P<0,05; **P<0,01, em relação ao controle
0
10
20
30
40
50
Controle
Espectalina 6 mg.kg
-1
+ 6 mg.kg
-1
+ 6 mg.kg
-1
+ 6 mg.kg
-1
A
*
*
*
*
Tensão isométrica - T1 (g)
0.00
0.25
0.50
0.75
1.00
Controle
Espectalina 6 mg.kg
-1
+ 6 mg.kg
-1
+ 6 mg.kg
-1
+ 6 mg.kg
-1
B
*
Tensão isométrica - T4/T1
0
10
20
30
40
50
60
Controle
Espectalina 6 mg.kg
-1
+ 6 mg.kg
-1
+ 6 mg.kg
-1
Neostigmina 0,08 mg.kg
-1
C
*
*
Tensão isométrica - T1 (g)
66
Em função da baixa solubilidade, a espectalina foi solubilizada numa mistura de
DMSO com salina. A injeção IV de 4 doses do solvente em volume equivalente ao
utilizado para solubilizar a espectalina não provocou alterações significativas da T1
(29A) ou da relação T4/T1 (29B).
Figura 29 - Inibição da amplitude de T1 (A) e da relação T4/T1 (B) do músculo gastrocnêmio de rato, cuja
contração foi induzida pela estimulação do nervo ciático, em resposta à administração I.V. da mistura de
DMSO e salina em quantidade cumulativa. As barras representam a média ± EPM (n= 3).
0
10
20
30
40
50
60
70
Controle
DMSO + salina (200 µL)
+ 200 µL
+ 200 µL
+ 200 µL
A
Tensão isométrica - T1 (g)
0.00
0.25
0.50
0.75
1.00
1.25
Controle
DMSO + salina (200 µL)
+ 200 µL
+ 200 µL
+ 200 µL
B
Tensão isométrica - T4/T1
67
3.3 EFEITO DA ESPECTALINA NA PRESSÃO ARTERIAL E FREQUENCIA
CARDÍACA
A estabilidade hemodinâmica é em parâmetro relevante no desenvolvimento de
novos ABNMs. A Figura 30 mostra que injeções I.V. cumulativas de pancurônio não
reduziram de forma significativa a pressão sistólica (PS), diastólica (PD), média (PAm) e
a freqüência cardíaca (FC).
0
50
100
150
Controle
Pancurônio 0,08 mg.kg
-1
+ 0,08 mg.kg
-1
+ 0,08 mg.kg
-1
A
Preso sistólica (mm Hg)
0
25
50
75
100
125
Controle
Pancurônio 0,08 mg.kg
-1
+ 0,08 mg.kg
-1
+ 0,08 mg.kg
-1
B
Pressão diastólica (mmHg)
68
Figura 30 - Efeito do pancurônio na pressão sistólica (A), pressão diastólica (B), pressão arterial média
(C) e na freqüência cardíaca (D) de ratos, após administração de 3 doses cumulativas de 0,08 mg.kg
-1
.
As barras representam a média ± EPM (n= 4).
A injeção I.V. de succinilcolina (0,5 mg.kg
-1
) também o alterou
significativamente a PA e a FC (Figura 31).
0
50
100
150
Controle
Succinilcolina 0,5 mg.kg
-1
A
Preso sistólica (mmHg)
0
50
100
150
Controle
Pancurônio 0,08 mg.kg
-1
+ 0,08 mg.kg
-1
+ 0,08 mg.kg
-1
C
Pressão arterial média (mmHg)
0
100
200
300
400
500
Controle
Pancurônio 0,08 mg.kg
-1
+ 0,08 mg.kg
-1
+ 0,08 mg.kg
-1
D
Frequência cardíaca (bpm)
69
Figura 31 - Efeito da succinilcolina (0,5 mg.kg-
1
) na PS (A), PD (B), PAm (C) e na FC (D) de ratos, após
administração de dose única em bolo. As barras representam a média ± EPM (n= 4).
0
50
100
150
Controle
Succinilcolina 0,5 mg.kg
-1
B
Preso diastólica (mmHg)
0
50
100
150
Controle
Succinilcolina 0,5 mg.kg
-1
C
Pressão arterial média (mmHg)
0
100
200
300
400
500
600
Controle
Succiniclolina 0,5 mg.kg
-1
D
Freqncia cardíaca (bpm)
70
Os parâmetros hemodimicos sofreram alterações de forma dose-dependente
devido à injeção I.V., em bolo, de espectalina. A pressão sistólica (Figura 32A) que no
controle era de 122,3 11,1 mm Hg (n= 4) foi reduzida (P< 0,01) para 68,2 8,6 mm
Hg (n= 4) após a primeira dose de 6 mg.kg
-1
de espectalina. Ao final da quarta dose
cumulativa a pressão sistólica caiu para 30,7 3,8 mm Hg (n= 4) (P< 0,01), o que
representa 25,1% do controle. A pressão diastólica (Figura 32B) também foi reduzida
em função da dose de espectalina. Assim, partindo do controle de 105,8 10,4 mm Hg
(n= 4), foi reduzida já na primeira dose para 43,5 7,2 mm Hg (n= 4) (P<0,01) e ao final
da quarta dose para 19,75 1,80 mm Hg (n= 4) (P<0,01). Conseqüente à queda da
pressão sistólica e diastólica, a pressão arterial média foi reduzida de forma significativa
de acordo com a dose de espectalina (Figura 32C). A frequência cardíaca foi menos
afetada, de forma que as duas primeiras doses o provocaram efeitos significativos
(Figura 32D). Porém, partindo do controle de 450,0 17,3 bpm (n= 4), a terceira e a
quarta doses de espectalina diminuíram a freqüência cardíaca (P<0,05) para 225,0
75,0 bpm (n= 4) e 210,0 75,5 bpm (n= 4), respectivamente.
0
50
100
150
Controle
Espectalina 6 mg.kg
-1
+ 6 mg.kg
-1
+ 6 mg.kg
-1
+ 6 mg.kg
-1
A
*
*
*
*
*
*
*
*
Pressão sistólica (mmHg)
71
Figura 32 Alterações na PS (A), PD (B), PAm (C) e FQ (D) de ratos, provocadas pela injeção I.V., em
bolo, de 4 doses repetidas de 6 mg.kg
-1
de espectalina. As barras representam média ± EPM (n= 4).
*P<0,05; **P<0,01, em relação ao controle
0
25
50
75
100
125
Controle
Espectalina 6 mg.kg
-1
+ 6 mg.kg
-1
+ 6 mg.kg
-1
B
*
*
*
*
+ 6 mg.kg
-1
*
*
*
*
Pressão diastólica (mmHg)
0
25
50
75
100
125
Controle
Espectalina 6 mg.kg
-1
+ 6 mg.kg
-1
+ 6 mg.kg
-1
+ 6 mg.kg
-1
C
*
*
*
*
*
*
*
*
Pressão arterial média (mmHg)
0
100
200
300
400
500
Controle
Espectalina 6 mg.kg
-1
+ 6 mg.kg
-1
+ 6 mg.kg
-1
+ 6 mg.kg
-1
D
*
*
Frequência cardíaca (bpm)
72
Investigou-se o efeito hemodinâmico da mistura de DMSO com salina, utilizada
como diluente da espectalina, em ratos. A Figura 33A mostra que esta mistura não
alterou significativamente a PS. Porém, a PD foi reduzida de 114,5 9,5 mm Hg (n= 3)
no controle para 74,0 6,0 mm Hg (n= 3) logo após a primeira dose. Doses
subseqüentes não provocaram queda adicional da pressão diastólica (Figura 33B). A
PAm tamm foi reduzida após a primeira dose, porém a diferença estatisticamente
significativa foi observada a partir da terceira dose. Do controle de 120,0 9,3 mm
Hg (n= 3) foi reduzida para 85,3 6,3 mm Hg (n= 3) (P>0,05) após a primeira dose e
para 84,0 6,0 mm Hg (n= 3) (P<0,05) após a terceira. A FC não foi modificada pela
injeção da mistura de DMSO com salina (Figura 33D).
0
50
100
150
Controle
DMSO + salina (200 µL)
+ 200 µL
+ 200 µL
+ 200 µL
A
Preso sistólica (mmHg)
0
25
50
75
100
125
Controle
DMSO + salina (200 µL)
+ 200 µL
+ 200 µL
+ 200 µL
B
*
*
*
*
Preso diastólica (mmHg)
73
Figura 33 Alterações hemodinâmicas em ratos provocadas pela injeção I.V., cumulativa, em bolo, da
mistura de DMSO com salina, utilizada para diluir a espectalina. PS (A), PD (B), PAm (C) e FC (D). As
barras representam média ± EPM (n= 3). *P<0,05, em relação ao controle
0
50
100
150
Controle
DMSO + salina (200 µL)
+ 200 µL
+ 200 µL
+ 200 µL
C
*
*
Pressão arterial média (mmHg)
0
100
200
300
400
500
600
Controle
DMSO + salina (200 µL)
+ 200 µL
+ 200 µL
+ 200 µL
D
Frequência cardíaca (bpm)
74
4. DISCUSSÃO
75
Muitos anos se passaram desde a descoberta do curare (originalmente utilizado
para caça pelos índios Sul-Americanos) pelos europeus (FELDMAN, 1973) e sua
aplicação bem sucedida na prática clínica (GRIFFITH e JOHNSON, 1942). Embora o
emprego clínico do curare já tivesse ocorrido como adjuvante da anestesia em 1912
pelo cirurgião alemão Dr. Läwen (BOWMAN, 2006), todas as tentativas foram mal
sucedidas. Assim, os anestesistas continuaram a administrar altas concentrações de
anestésicos para se obter relaxamento muscular adequado para as cirurgias
abdominais e torácicas, então em desenvolvimento (POLLARD, 1994b). O sucesso
obtido quando em 23 de janeiro de 1942 Griffth e sua assistente Johnson injetaram o
curare em um jovem que estava sendo anestesiado com ciclopropano para submeter-se
a uma apendicectomia, motivou o emprego do curare em uma série de 25 casos que
foram objeto de uma publicação pioneira sobre a utilização do curare em anestesia
(GRIFFITH e JOHNSON, 1942). Desde então, o uso dos bloqueadores
neuromusculares se tornou uma técnica padrão empregada por anestesistas em todo o
mundo.
A crescente utilização do curare motivou químicos e farmacologistas a sintetizar
substâncias que apresentassem vantagens sobre seus congêneres naturais. O período
entre 1945 e 1952 foi especialmente rtil à esse propósito, e a estrutura química da d-
tubocurarina foi tomada como modelo, sendo considerada em especial a presença de
dois amônios quaternários separados por uma distância de 14Å. Esse conceito químico
não se manteve em nossos dias, por se ter conhecimento de que a distância de 1
não é essencial para que a substância tenha efeito curarizante (DUARTE, 2000).
Várias substâncias sintéticas surgiram no período mencionado. O éster de colina
suxametônio, que ficou conhecido como succinilcolina, é o único BNMD que permanece
em uso clinico porque, apesar dos inconvenientes que apresenta, é o único agente
disponível que, pela curta latência, permite uma intubação traqueal rápida e menos
traumática (DUARTE, 2000). Todavia, a tendência é abandonar o uso desse fármaco e
muitos pesquisadores ao redor do mundo se esforçam por décadas na busca de um
ABNM ideal que possa substituí-lo, o chamado suxametônio não despolarizante(LEE,
2009).
76
Este trabalho teve como objetivo principal a caracterização farmacológica de um
alcalóide piperidínico natural extraído das flores de Senna spectabilis, denominado
espectalina, na transmissão neuromuscular. Baseado em informações obtidas de
trabalho anterior em que alguns de seus análogos despontavam como
anticolinesterásicos no sistema nervoso central (SNC) (CASTRO et al., 2008), a sua
possível ação periférica foi testada. A preparação clássica, denominada frênico-
diafragma, usualmente empregada para estudar ões de substâncias na transmissão
neuromuscular, serviu de base para comprovar a hipótese de que a espectalina poderia
atuar na enzima acetilcolinesterase periférica. A persistência do efeito inibitório sobre a
enzima acetilcolinesterase resultaria na reversão do bloqueio neuromuscular provocado
por um BNMC. O desenho experimental proposto consistia na exposição da preparação
ao pancurônio (BNMC), e na vigência da redução dos abalos musculares, reverter o
bloqueio pela adição da espectalina (caso tivesse ação inibitória sobre a
acetilcolinesterase), a exemplo da neostigmina. Para a nossa surpresa, ao invés de
reverter, a espectalina intensificou o efeito do pancurônio, descartando a hipótese de
sua atividade sobre a enzima, pelo menos, do ponto de vista experimental.
O fato da espectalina ter aumentado o efeito do pancurônio gerou uma nova
hipótese, considerando a sua atividade como agente bloqueador direto e não mais
como um anticolinesterásico. Foram idealizados protocolos para investigar se a
espectalina apresentava efeito bloqueador da contratilidade do diafragma, seguido de
identificação do provável mecanismo de ação. Foi surpreendente o fato de que a
espectalina per se era capaz de reduzir a resposta contrátil do diafragma à estimulação
do nervo frênico de forma dose-dependente. Em busca da confirmação de um provável
mecanismo de ação por competição, a neostigmina foi adicionada à solução na
vigência do bloqueio pela espectalina. Novamente, para a nossa surpresa, ao invés de
reversão houve aumento do bloqueio. Surgiu desta maneira a possibilidade da
espectalina estar agindo como um agonista do receptor nicotínico da placa motora,
baseado no fato de que a estimulação continuada daquele receptor provocaria a
inativação dos canais de Na
+
na membrana celular adjacente, levando à incapacidade
da célula contrair (bloqueio fase I) (BARAKA, 2007). Tal mecanismo tem sido relatado
para a succinilcolina, único agente despolarizante disponível utilizado na clínica.
77
Existem poucos estudos publicados acerca das ações farmacológicas da
espectalina e que podem ser assim resumidos: atividade antinociceptiva (ALEXANDRE-
MOREIRA et al., 2003), atividade moderada como antioxidante e inibidor da COX-1,
leve inibição da COX-2 (VIEGAS, JR. et al., 2007) e, como citado anteriormente, alguns
de seus análogos sintéticos foram descritos como anticolinesterásicos no SNC
(CASTRO et al., 2008). Em função das limitadas informações relativas à atividade
farmacológica da espectalina, os protocolos experimentais foram executados tomando-
se a succinilcolina por padrão positivo e realizando-se os ajustes necessários.
As preparações frênico-diafragma foram então expostas à concentrações
crescentes da espectalina (1100 µM), o que resultou em bloqueio da funcão
neuromuscular de forma dose-dependente, potencializado pela neostigmina e com
recuperação da resposta após lavagem da preparação.
Com os dados obtidos foi possível calcular a CI
50
para as substâncias testadas.
Considerando-se que a relação T4/T1 se mantém inalterada para os BNMDs (indo a
zero somente quando T1= 0), a única forma de se calcular esse valores seria através
do T1. Obteve-se então os valores de CI
50
de 1,60; 7,93 e 16,0 µM para o pancurônio,
succinilcolina e espectalina, respectivamente.
Uma outra forma de se avaliar o provável mecanismo de ação da espectalina foi
através da análise do TOF. A avaliação do perfil do TOF para a espectalina indicou que
o T1 e o T4 apresentavam amplitudes próximas, ou seja, eram sempre proporcionais. A
queda abrupta da relação T4/T1 somente era vista quando o T1 se aproximava de zero.
Como demonstrado por Ali e cols. em 1970, este padrão de TOF é característico dos
BNMDs, e este era então mais um dado sugerindo o mecanismo despolarizante para o
efeito da espectalina.
A novidade do presente estudo foi a descoberta da atividade bloqueadora
neuromuscular da espectalina, cujo mecanismo sugerido é por despolarização da placa
motora.
A espectalina possui estrutura química compatível como um ABNM descrito na
literatura. Porém, ao invés de dois centros quaternários, presentes na maioria dos
ABNMs de maior potência (BOWMAN, 2006), observamos apenas um centro
quaternário na sua estrutura, cuja protonação dependerá do pH do meio (Figura 13).
78
A ausência de um segundo centro quaternário na estrutura química da
espectalina poderia explicar a sua potência menor que a da succinilcolina e do
pancurônio. Note que estes dois últimos compostos possuem dois centros quaternários
nas suas respectivas estruturas químicas (Figuras 6 e 7).
O mecanismo de despolarização implica que a espectalina deva se ligar ao
receptor nicotínico da acetilcolina, causando despolarização inicial da placa motora
terminal. A falta de atividade da acetilcolinesterase sobre este composto levaria à
exposição prolongada da espectalina ao receptor, mantendo a placa despolarizada,
seguida de dessensibilização. É sabido que a despolarização mantida é causa de
inativação dos canais de Na
+
na região adjacente à placa da fibra muscular (Baraka,
2007).
Foi proposto que o sítio de ligação da acetilcolina é na alça da sub-unidade α
(NODA et al., 1982), com a carga negativa necessária fornecida por um resíduo de
aspartato (Figura 32). No entanto, o mecanismo proposto não explica a instabilidade
molecular do receptor, que ocorre devido a ligação do agonista, a ponto de causar a
abertura do canal iônico. Uma causa mais óbvia da mudança conformacional no
receptor, levando assim à despolarização da membrana, seria se a acetilcolina
quebrasse uma ponte salina entre um aminoácido básico e um ácido em diferentes
partes da cadeia (Figura 33), o que deve levar à uma mudança reversível principal na
conformação do receptor, como proposto por Pollard (1994c).
A ligação da espectalina ao receptor nicotínico deve seguir os mesmos princípios
de interação que a ACh, de forma que o nitrogênio presente na sua molécula deve ser
protonado para que a ligação e ativação do receptor ocorra. A atividade intrínsica está
associada ao átomo de nitrogênio, já que a presença deste átomo parece ser de
fundamental importância para a atividade bloqueadora neuromuscular (BOWMAN,
2006).
Um aspecto peculiar à espectalina é a relação de sua estrutura química e o
mecanismo pelo qual ela causa bloqueio. A presença do anel piperidínico em sua
estrutura lhe confere rigidez e volume, característica dos pachycurares, que o
BNMCs (BOVET, 1951).
79
Figura 34 - Modelo de ligação postulado para a acetilcolina na sub-unidade α do receptor nicotínico pós-
juncional. Reproduzido de Pollard, 1994c.
Figura 35 - A quebra de uma ponte salina hipotética levando à uma mudança conformacional principal no
receptor pela ligação da acetilcolina à sub-unidade α. Reproduzido de Pollard, 1994c.
Uma questão interessante a ser abordada com esses dados é a diferença de
efeitos, central vs periférico, anticolinesterásico vs ABNM. Observe que a única
diferença na estrutura química da espectalina e seus análogos descritos como
anticolinesterásicos no SNC (CASTRO et al., 2008) está em um grupo substituinte
80
ligado ao anel piperidínico. A hidroxila da espectalina é substituída por um grupamento
carbonila e terc-carbonila nos seus derivados LASSBio-767 e LASSBio-822,
respectivamente. A troca de um único grupo substituinte poderia explicar a ação
anticolinesterásica central dos análogos e a ação como ABNM na periferia da
espectalina. Além disso, deve-se considerar que uma única substância pode apresentar
efeito central e periférico diferenciado, uma vez que os receptores nicotínicos presentes
no SNC e na JNM diferem na composição de suas sub-unidades. Esta diferença pode,
tamm, influenciar fortemente no efeito da substância.
Figura 36 - A estrutura química da espectalina e dos seus análogos sintéticos com ação
anticolinesterásica no SNC.
A espectalina despontava então como um candidato à ABNM que pudesse fazer
a o desejada substituição da succinilcolina na prática clínica. Por este motivo
prosseguiu-se com a sua investigação farmacológica, in vivo, afim de verificar se os
resultados obtidos in vitro seriam reprodutíveis. Utilizou-se para este propósito registro
espectalina
81
dos abalos do músculo gastrocnêmio em resposta à estimulação elétrica do nervo
ciático. A espectalina administrada IV, em bolo, reduziu a amplitude dos abalos de
forma dose-dependente, porém a sua potência foi significativamente menor do que a da
succinilcolina. Deste ponto de vista, espectalina não se mostrou ser superior à
substância referência de uso clínico.
Do ponto de vista da segurança, um aspecto importante a ressaltar foi o fato de
que dos oito animais que receberam a dose máxima de espectalina (24 mg.kg
-1
), três
foram a óbito. Este seria o principal inconveniente se pensarmos no desenvolvimento
da espectalina como um fármaco com atividade bloqueadora neuromuscular.
A causa da morbidade elevada pode estar relacionada aos efeitos
hemodinâmicos. Queda da PA foi observada em todos os experimentos (exemplo na
Figura 32). Esta queda aumentou de forma dose-dependente, com recuperação cada
vez mais demorada em função da dose, a qual se estabilizava sempre em um platô
mais baixo que o anterior. Fato interessante foi que a diminuição da freqüência cardíaca
foi menor do que a redução da pressão arterial.
Os ABNMs m sido tradicionalmente sintetizados para bloquear os receptores
nicotínicos da ACh pós juncionais na JNM dos músculos esqueléticos. Contudo, os
receptores da ACh estão presentes em outras sinapses e a ação nessas outras
sinapses é responsável pelos principais efeitos indesejáveis dos ABNMs (PATON,
1959).
Por exemplo, os receptores nicotínicos estão presentes nos gânglios autônomos.
Como o sistema cardiovascular (SCV) está normalmente sob domínio de um tono
simpático, qualquer bloqueio dos receptores nicotínicos gangliônicos excitatórios levará
a uma queda na PA. Este efeito é observado com a tubocurarina, além das suas
propriedades muito bem conhecidas em liberar histamina, que também resulta em
hipotensão. Uma outra ação observada com os relaxantes musculares quaternários é
nos receptores muscarínicos do nódulo sino-atrial. O bloqueio destes receptores resulta
em uma ação seletiva semelhante à atropina no coração, levando à taquicardia
(POLLARD, 1994c). Este tipo de efeito pode ser exemplificado pela galamina. Riker e
Wescoe (1951) demonstraram que a galamina bloqueia os receptores muscarínicos
cardíacos M
2
, sem afetar os presentes no intestino ou na maioria dos tecidos
82
periféricos. Atualmente a galamina é melhor descrita por muitos pesquisadores como
um antagonista do receptor muscarínico do que como um ABNM. a succinilcolina
causa bradicardia devido à estimulação direta do vago pelas suas moléculas, que
estruturalmente são muito parecidas com as moléculas da acetilcolina (POLLARD,
1994e).
Uma outra hipótese que deve ser estudada é a inibição dos receptores
muscarínicos pós-sinápticos M
1
, que poderia levar à queda da PA pelo grande aumento
da liberação não quantal de ACh. Malomouzh e cols. (2007) demonstraram que a
ativação dos receptores M
1
pós-sinápticos estimula a síntese de óxido nítrico (NO) por
um mecanismo dependente de Ca
2+
-calmodulina e sua liberação do músculo, o qual
age inibindo a secreção não quantal de acetilcolina dos terminais nervosos motores
pré-sinápticos.
No entanto, o mecanismo mais provável pelo qual a espectalina poderia estar
causando esta queda tão acentuada da PA é pela sua possível ação direta na
musculatura lisa vascular, causando vasodilatação mediada pelo NO. Este mecanismo
é conhecido desde a década de 80, quando Furchgott e Zawadzki descobriram o fator
de relaxamento derivado do endotélio (EDRF, endothelium-derived relaxing factor)
(FURCHGOTT e ZAWADZKI, 1980), identificado subsequentemente como NO
(IGNARRO et al., 1988). O relaxamento endotelial pode se dar pela ativação de
receptores presentes nas membranas endoteliais. Dentre os agentes que podem
desempenhar esta ação estão a ACh, substância P, trombina, trifosfato de adenosina
(ATP), histamina, serotonina e bradicinina (DEFEUDIS, 1985). A ativação destes
receptores causa um aumento dos níveis intracelulares de Ca
2+
, que por sua vez
estimula a enzima óxido nítrico sintetase (ONS) a produzir NO (RAIJ e SHULTZ, 1993).
Os efeitos do NO são mediados pelo aumento nos níveis de GMPc (RAPOPORT,
DRAZNIN e MURAD, 1983), que causa relaxamento. Este mecanismo deve ser
avaliado com a espectalina.
O presente trabalho avalia de forma comparativa a atividade de um alcalóide
natural - espectalina - e de duas substâncias de amplo uso na clínica, pancurônio e
succinilcolina, na transmissão neuromuscular. O objetivo inicial seria a obtenção de um
ABNM com as propriedades de um bloqueador ideal: com rápido início de ação, ação
83
curta, rapidamente reversível e com o mínimo possível ou nenhum efeito colateral. A
atividade bloqueadora neuromuscular da espectalina foi confirmada, porém esta
demonstrou possuir efeitos que não condizem com os esperados para um ABNM ideal
que possa substituir a succinilcolina na prática clínica. Isto sugere a espectalina como
um novo protótipo para o desenvolvimento de novos ABNMs, mais eficazes e com
menos efeitos colaterais do que aqueles hoje presentes na clínica.
84
5. CONCLUSÕES
85
O presente estudo concluiu que a espectalina:
1. bloqueia de forma reversível a contratilidade do músculo diafragma, ativado
pela estimulação elétrica no nervo frênico;
2. a potência bloqueadora da espectalina in vitro é menor do que os protótipos
succinilcolina e pancurônio usados neste estudo;
3. o efeito da espectalina não é acompanhado da redução da relação T4/T1 e
não é revertido pela ação do anticolinesterásico neostigmina;
4. o provável mecanismo de ação da espectalina na transmissão neuromuscular
é por despolarização da placa motora terminal;
5. o bloqueio neuromuscular também é reproduzido in vivo após administração
intravenosa, e neste protocolo os efeitos o foram revertidos pelo anticolinesterásico
neostigmina;
6. as alterações hemodinâmicas causadas pela espectalina são incompatíveis
com os efeitos desejáveis para um bloqueador neuromuscular ideal;
7. se apresenta como um novo protótipo para o desenvolvimento de novos
fármacos bloqueadores neuromusculares.
86
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