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MARLEY TEREZINHA PERTILE
O TALIAN ENTRE O ITALIANO-PADRÃO E O PORTUGUÊS BRASILEIRO:
MANUTENÇÃO E SUBSTITUIÇÃO LINGUÍSTICA NO ALTO URUGUAI GAÚCHO
PORTO ALEGRE
2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
ÁREA: ESTUDOS DA LINGUAGEM
ESPECIALIDADE: LINGUÍSTICA APLICADA
LINHA DE PESQUISA: LINGUAGEM NO CONTEXTO SOCIAL
O TALIAN ENTRE O ITALIANO-PADRÃO E O PORTUGUÊS
BRASILEIRO: MANUTENÇÃO E SUBSTITUIÇÃO
LINGUÍSTICA NO ALTO URUGUAI GAÚCHO
MARLEY TEREZINHA PERTILE
ORIENTADOR: PROF. DR. CLÉO VILSON ALTENHOFEN
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Letras da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, como requisito parcial
para a obtenção do título de Doutor em Letras.
PORTO ALEGRE
2009
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2
“Che bel insònio che go buo l’altra sera. Me go insònia che in tuto el Sud del Brasile
tuti parléino almanco due lèngue: fra de noantri, ogni uno el parleva talian e portoghese; i
dissendenti dei tedeschi i se feva intender tanto in tedesco come in brasilian; i polachi i
parleva tanto in polaco come in portoghese; i giaponesi i doperava co la medésima fassilità el
brasilian e el giaponese; vissin a le frontiere col Uruguay e la Argentina, tanto se sentiva che i
parleva in brasilian come is spagnolo. E ghen’era de quei che i era franchi in tre o quatro
lèngue! Quando me son desmissala matina, pensàndoghe sora, me go incorto che sto bel
insònio el podaria esser stato vero: bastaria che gavéssimo buo Governi invesse de governi.
Bastaria che invesse de político-buròcrati gavéssimo buo la fortuna de esser governadi par
òmini de vision, atadisti, e gente de vista curta e storta. Ma, noantri, podemo cambiar la
stòria. Me nono, el diseva che tuto l’è scominsiar! Alora, scominsiemo noantri taliani, che
semo stati sempre vanguardieri. De drio de noantri, dopo verta la strada, i vegnarà i altri. Son
sicuro!”
Darcy Loss Luzzatto
“Que belo sonho tive noutra noite. Sonhei que em todo o Sul do Brasil todos
falávamos pelo menos duas línguas: entre nós, cada um falava talian e português; os
descendentes de alemães se faziam entender tanto em alemão como em brasileiro; os
poloneses falavam tanto em polonês quanto em português; os japoneses operavam com a
mesmíssima facilidade o brasileiro e o japonês; perto da fronteira com o Uruguai e a
Argentina, tanto se escutava quanto se falava em brasileiro como em espanhol. E havia quem
fosse fluente em três ou quatro línguas! Quando me acordei pela manhã, pensando nisso, me
dei conta que este belo sonho poderia ter sido verdadeiro: bastaria que tivéssemos tido
Governos em vez de governos. Bastaria que em vez de políticos burocratas, tivéssemos tido a
fortuna de ter sido governados por homens de visão, estadistas, e não gente de vista curta e
torta. Mas, nós, podemos mudar a história. Meu avô me dizia que tudo é começar! Então
comecemos nós talianos, que fomos sempre vanguardistas. Depois de nós, uma vez aberta a
estrada, virão os outros. Tenho certeza!”
3
DEDICO
Ao professor Cléo Vilson Altenhofen, pela sua luta na
defesa da manutenção da diversidade linguística brasileira.
Ao professor Honório Tonial, pela sua luta na manutenção
do Talian, nossa língua de origem, na Região do Alto
Uruguai Gaúcho.
Ao Julio Ariel, pela manutenção do companheirismo, da
alegria de viver e do amor.
4
AGRADEÇO
Ao professor Cléo, meu orientador, e aos informantes da
pesquisa por terem me ajudado a construir esta Tese.
5
SUMÁRIO
SUMÁRIO...............................................................................................................................
5
LISTA DE TABELAS E QUADRO..................................................................................... 9
LISTA DE MAPAS................................................................................................................ 10
LISTA DE FIGURAS............................................................................................................ 11
LISTA DE GRÁFICOS........................................................................................................ 12
RESUMO................................................................................................................................ 13
ABSTRACT............................................................................................................................ 15
RECAPITULASSION........................................................................................................... 17
INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 19
CAPÍTULO 1 - CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO................................................... 25
1.1 CONTEXTO TEÓRICO........................................................................................
25
1.1.1 Contato linguístico e plurilinguismo...................................................................... 25
6
1.1.2
Língua materna, língua de imigração e língua minoritária: os diversos olhares
sobre a língua.........................................................................................................
29
1.1.3 Preconceito versus direito linguístico.................................................................... 33
1.1.4
Manutenção e substituição linguística OU fomento da aquisição bi–ou
plurilíngue?.............................................................................................................
36
1.1.5 Linguicídio e mortandade linguística..................................................................... 38
1.1.6 Consciência linguística (language awareness) e revitalização (language
revitalization).........................................................................................................
40
1.2 CONTEXTO DA PESQUISA...............................................................................
43
1.2.1 A comunidade ítalo-brasileira na Região do Alto Uruguai Gaúcho...................... 43
1.2.1.1 Dados demográficos e estatísticos..........................................................................
43
1.2.1.2 Área de estudo: Alto UruguaiGaúcho.................................................................... 49
1.2.1.3 Dados históricos da área de estudo........................................................................ 51
1.3 ESTUDOS DO CONTATO LINGUÍSTICO ITALIANO-PORTUGUÊS............
53
CAPÍTULO 2 - FATORES DE MANUTENÇÃO E SUBSTITUIÇÃO
LINGUÍSTICA..........................................................................................
57
2.1 QUESTÕES TERMINOLÓGICAS.................................................................... 57
2.2 PANORAMA DOS ESTUDOS DE MANUTENÇÃO E SUBSTITUIÇÃO
LINGUÍSTICA....................................................................................................
62
2.3 FATORES DE MANUTENÇÃO E SUBSTITUIÇÃO LINGÜÍSTICA
ENFOCADOS NESTE ESTUDO.......................................................................
73
2.3.1 A questão do status social e político de uma língua........................................... 73
2.3 2 Contexto histórico-político..................................................................................
78
2.3.3 Aspectos geográficos...........................................................................................
83
2.3.4 Aspectos demográficos....................................................................................... 86
2.3.5 Poder econômico................................................................................................. 90
2.3.6 Influências no terreno midiático..........................................................................
93
2.3.7 Suporte institucional............................................................................................
98
2.3.8 Aspectos de ordem atitudinal.............................................................................. 104
7
CAPÍTULO 3 - METODOLOGIA DA PESQUISA......................................................... 110
3.1 O TALIAN EM MEIO À DIVERSIDADE LINGUÍSTICA BRASILEIRA....... 110
3.2 ANÁLISE MACROLINGUÍSTICA NA PERSPECTIVA
PLURIDIMENSIONAL E RELACIONAL........................................................
114
3.2.1 Dimensão Diatópica............................................................................................ 116
3 2.1.1 Ponto 1 - Erechim................................................................................................
120
3 2.1.2 Ponto 2 - Getúlio Vargas..................................................................................... 127
3 2.1.3 Ponto 3 - Jacutinga.............................................................................................. 128
3 2.1.4 Ponto 4 - Severiano de Almeida..........................................................................
131
3.2.2 Dimensões diageracional e dialingual................................................................. 136
3.2.3 Dimensão diagenérica......................................................................................... 137
3.2.4 Dimensão diastrática........................................................................................... 138
3.2 5 Dimensão diafásica............................................................................................. 139
3 2 6 Dimensão diarreferencial.................................................................................... 140
3.3 ETAPAS DA COLETA DE DADOS................................................................. 141
3.3.1 Pesquisa dos aspectos históricos......................................................................... 142
3.3.2 Pesquisa de dados estatísticos e demográficos....................................................
142
3.3.3 Entrevistas semidirigidas.....................................................................................
144
3.4 DEFINIÇÃO DOS INFORMANTES PARA AS ENTREVISTAS SEMI-
DIRIGIDAS........................................................................................................
146
3.5 PROCEDIMENTOS NA ANÁLISE DOS DADOS...........................................
147
CAPÍTULO 4 - ANÁLISE DOS DADOS........................................................................... 152
4.1 PERCURSO HISTÓRICO-DIACRÔNICO DA LÍNGUA DE IMIGRAÇÃO
EM CONTATO COM O PORTUGUÊS............................................................
153
4.1.1 Variedades dialetais em contato: perdas e ganhos.............................................. 154
4.1.2 O contexto histórico-político...............................................................................
160
4.2 ESTADO ATUAL DA LÍNGUA DE IMIGRAÇÃO......................................... 166
4.2.1 Manutenção e perda linguística na perspectiva pluridimensional.......................
165
4.2.2 Mudança em curso: transmissão intergeracional................................................ 175
8
4.3 AFINAL, O QUE MANTÉM OU SUBSTITUI O TALIAN E O
BILINGUISMO? ................................................................................................
178
4.3.1 Status e relações econômicas: o valor de mercado do talian.............................. 178
4.3.2 A comunidade de fala face às mudanças histórico-políticas............................... 183
4.3.3 Contexto sócio-geográfico: isolamento versus urbanização............................... 190
4.3.4
Força demográfica da língua: número de falantes e grau de homogeneidade
étnica...................................................................................................................
193
4.3.4.1 Concentração, distribuição e crescimento demográficos.................................... 193
4.3.4.2 Contexto familiar e língua materna..................................................................... 197
4.3.4.3 O papel dos nonosi noni.................................................................................. 205
4.3.4.4
Bilinguismo passivo: a meio caminho da perda linguística ou potencial para a
revitalização? ......................................................................................................
209
4.3.5
Canais de difusão: o midiático e o semiótico entre o talian e o italiano-padrão.
212
4.3.6 Suporte institucional ao talian.............................................................................
218
4.3.6.1 Presença visual da língua de imigração...............................................................
219
4.3.6.2 A língua na administração................................................................................... 220
4.3.6.3 O papel do ensino................................................................................................ 222
5.0 CONCLUSÃO................................................................................................... 224
BIBLIOGRAFIA................................................................................................................. 230
ANEXOS.............................................................................................................................. 242
9
LISTA DE TABELAS E QUADRO
CAPITULO 1
Tabela 1
Quadro estatístico do número de imigrantes italianos entre 1870-1970.
44
Tabela 2 Dados estatísticos, por geração, do nº de descendentes de imigrantes no Brasil
que estão acostumados a falar a língua de origem no lar, segundo Mortara
(1950, p.41).
45
Tabela 3 Dados estatísticos: estrangeiros e naturalizados brasileiros que falam a língua-
mãe por preferência - censo de 1940, segundo Mortara (1950, p. 41).
45
Tabela 4 Dados estatísticos sobre a sobrevivência da língua italiana entre imigrantes e
descendentes nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul – censo de 1940,
segundo Mortara (1950, p. 42).
46
CAPÍTULO 2
Tabela 5 - Pesquisa realizada pelo Projeto BIRS (bilinguismo no RS) entre os anos de
1985/1987.
88
CAPÍTULO 3
Quadro 1 -
Dimensões e parâmetros de pesquisa.
115
CAPÍTULO 4
Tabela 6 - Pesquisa realizada nas escolas urbanas e rurais dos quatro pontos – Região do
Alto Uruguai – 2006, a partir da aplicação do questionário do BIRS.
168
Tabela 7 - Pesquisa realizada nas escolas urbanas e rurais dos quatro pontos – Região do
Alto Uruguai – 2006: freqüência de uso do talian – G1.
170
Tabela 8 - Pesquisa realizada nas escolas urbanas e rurais dos quatro pontos – Região do
Alto Uruguai – 2006: freqüência de uso do talian – falantes por ponto.
170
Tabela 9 - Pesquisa realizada nas escolas urbanas e rurais dos quatro pontos – Região do
Alto Uruguai – 2006, a partir da aplicação do questionário do BIRS, por
gênero.
173
Tabela 10 - Pesquisa realizada nas escolas urbanas e rurais dos quatro pontos – Região do
Alto Uruguai – 2006 (questionário do BIRS);Dimensão Diagenérica.
174
Tabela 11 - Pesquisa realizada nas escolas urbanas e rurais dos quatro pontos – Região do
Alto Uruguai – 2006 (questionário do BIRS); Comparação GII e GI.
175
Tabela 12 - Pesquisa realizada nos 4 pontos da Região do Alto Uruguai Gaúcho-2006
(questionário do BIRS); Transmissão Intergeracional do talian.
176
Tabela 13 -
Crescimento demográfico – município de Erechim: estimativas, 1979.
195
Tabela 14 - População rural e urbana com percentagem – três pontos da pesquisa/ano
2006.
196
Tabela 15 -
Manifestação do talian em material impresso na língua: ano-base 2009.
214
Tabela 16 - Manifestação do talian em rádios e número de difusores: a partir do
mapeamento da Associação de Difusores do Talian – ano-base 2009.
215
Tabela 17 - Pesquisa realizada no ano de 2006, nos 3 pontos das entrevistas
(gestão 2005-8)
.
221
10
LISTA DE MAPAS
CAPÍTULO 1
Mapa 1
Atlas Lingüístico-Etnográfico da Região Sul do Brasil (ALERS).
48
Mapa 2
Região do Alto Uruguai Gaúcho na sua localização no Rio Grande do Sul.
49
Mapa 3
Mapa dos Municípios da Região do Alto Uruguai Gaúcho.
50
CAPÍTULO 3
Mapa 4 Área de ocupação das diferentes etnias no Alto Uruguai Gaúcho, segundo
Roche (1969, p. 138).
117
Mapa 5 Localização dos pontos de inquérito da pesquisa com a respectiva
formação étnica.
118
Mapa 6
Traçado viário da cidade de Erechim.
124
CAPÍTULO 4
Mapa 7
Transmissão Intergeracional da Língua de Imigração.
184
11
LISTA DE FIGURAS
CAPÍTULO 2
Fig. 1 – Esquema da relação entre fatores e variáveis na manutenção e substituição
linguística.
58
Fig. 2 – Esquema da complexidade de relações entre os fatores envolvidos na
manutenção ou substituição linguística. Baseado em Kátia Cristina Stocco
Smole (1996, p. 58).
60
CAPÍTULO 3
Fig. 3 –
Critérios de escolha dos informantes.
147
Fig. 4 – Esquema de análise dos fatores determinantes dos processos de
manutenção e substituição linguística e que incorpora a relação entre
atitudes e práticas linguísticas.
148
Fig. 5 –
Representação sintética das dimensões nos espaços da pesquisa.
150
CAPÍTULO 4
Fig. 6 –
Presença das variedades dialetais do italiano e do italiano-padrão na mídia.
212
12
LISTA DE GRÁFICOS
CAPÍTULO 4
Gráfico 1 –
Índice de descendência italiana no Ponto 4.
171
Gráfico 2 –
Índice de bilinguismo ítalo-bras. da GI no Ponto 4.
171
Gráfico 3 – Índice de descendência italiana no Ponto 3.
172
Gráfico 4 –
Índice de bilinguismo ítalo-bras. da GI no Ponto 3.
172
Gráfico 5 –
Índice de bilinguismo entre os ítalos-bras. da GI no Ponto 1.
172
Gráfico 6 –
Índice de Bilinguismo dos 4 pontos. Descendência Italiana de Pai e Mãe.
177
Gráfico 7 –
Índice de Bilinguismo dos 4 pontos. Descendência Italiana de Pai ou Mãe.
177
13
RESUMO
Esta Tese se desenvolve no âmbito de pesquisas sobre “bilinguismo e línguas em contato”,
referente ao tema “manutenção e substituição do talian na região do Alto Uruguai
Gaúcho”. Constitui-se em um estudo de caráter etnogeossociolinguístico, macroanalítico,
envolvendo diferentes pontos de uma área geográfica significativa de confluência de duas
variáveis o português e as diferentes variedades dialetais provenientes da ngua italiana.
Como objetivos gerais, pretende: a) determinar os fatores mais relevantes e a proporção em
que contribuíram para o fomento ou a substituição da língua originária de fora do país e
que, no novo meio, compartilha traços de ngua minoritária, seja pelo próprio contato das
diferentes variantes da língua italiana entre si, seja pelo contato com a língua majoritária
do novo país; b) contribuir para uma revisão do conceito de substituição e morte linguística
como algo que se dá sincrônica e diacronicamente, na forma de um processo natural e
irreversível, ampliando o conhecimento sobre o fenômeno da existência e permanência das
línguas, bem como sobre o funcionamento e o entrelaçamento de sistemas linguísticos
empregados por bilíngues; c) aportar, pelo resultado do estudo, possibilidades de
implantação e implementação de uma política linguística voltada às necessidades da
região. O enfoque volta-se para políticas de fomento linguístico dirigidas às minorias e não
mais somente para a manutenção ou perda. O estudo segue a linha da metodologia
dialetológica pluridimensional e relacional, que combina a dialetologia areal com a
sociolinguística, através da qual se verifica em que pontos e em que dimensões e
parâmetros o fenômeno em questão está ocorrendo, focalizando as suas interrelações no
espaço. Mesmo nos estudos geolinguísticos, pouco se tem explorado temas dessa natureza.
Neste sentido, o presente estudo distingue-se dos demais enfoques sobre language shift,
geralmente monopontuais, centrados em uma comunidade bilíngue, ao comparar contextos
diferentes e fatores condicionadores diversos em uma rede de pontos, mesmo que em
14
número de apenas quatro. A coleta de dados nessas localidades incluiu as etapas de
pesquisa dos aspectos históricos, estatísticos e demográficos e as entrevistas semidirigidas
com simultaneidade de informantes. A partir da análise qualitativa das entrevistas
semidirigidas e da quantificação dos dados das amostras estatísticas, os resultados
identificaram diferentes fatores de manutenção e perda da língua de imigração. Houve
perda significativa do talian que está vinculada a fatores como a política de repressão do
Estado; ao papel da escola como instituição pública vinculadora de um ensino
monolingualizador e monovarietal realizado somente através do uso do português; ao
desprezo ou ausência de suporte institucional e ao grau de urbanização aliado à falta de
uma conscientização linguística sobre os benefícios do bilinguismo e o uso e manutenção
da língua de origem. Por outro lado, também se verifica que os fatores que mantêm o talian
estão ligados, em maior força, à transmissão intergeracional e à concentração demográfica
do grupo de fala (homogeneidade étnica). Também estão em destaque as atitudes positivas
dos falantes em relação à língua de origem e o estado de isolamento das comunidades.
Palavras-chave: língua de imigração, talian, manutenção e substituição linguística,
language shift, contato linguístico.
15
ABSTRACT
This Thesis is part of a group of researches on “bilingualism and languages in
contact”, related to the theme “maintenance and replacement of the talian in the Alto Uruguai
Gaúcho region. It is a study with an ethnogeossociolinguistic, macro-analytic character, which
includes different locations from a significant geographical area of the confluence of two
variables the Portuguese and the different dialects from the Italian language. Our general
goals are: a) to determine the most important facts and their contribution to the promotion or
replacement of the language from outside the country, which in the new environment shares
traits of a minority language, either by the contact with different variants of the Italian
language among themselves, or by the contact with the majority language of the new country;
b) to contribute to the review of the replacement concept and linguistic death as something
that occurs synchronic and diachronically as a natural and irreversible process, expanding the
knowledge on the language existence and permanence phenomenon, as well as on the
operation and intertwining of the linguistic systems employed by bilinguals; c) to point out,
through the results of the study, possibilities of establishing and implementing a language
policy geared to the needs of the region. The focus emphasizes the policies to encourage
language targeted for minorities rather than for the maintenance and loss. The study follows
the line of multidimensional and relational dialectology methodology, which combines the
areal dialectology with the sociolinguistics, through which it can be checked in which points,
dimensions and parameters the phenomenon in question is occurring, focusing on their
interrelationships in space. Even in the geolinguistic studies, these themes have not been
much exploited. Thus, this study differs from other approaches about language shift, which
are generally monopontuals, and centered on a bilingual community, since it compares
different contexts and diverse conditioning factors in a network of points, even though in the
reduced number of four. The data collected in these communities included the stages of
16
research of historical, statistical and demographic and semi-directed interviews with
simultaneity of informants. From the qualitative analysis of the semi-directed interviews and
the quantification of the data of statistical samples, the results showed different factors of
maintenance and loss of the language of immigration. There was a significant loss of the
talian that is linked to factors such as the policy of repression of the State; to the role of the
school as a public institution in charge of a monolingual and monovarietal teaching achieved
exclusively through the use of the Portuguese; to disregard or lack of institutional support and
the degree of urbanization combined with the lack of linguistic awareness about the benefits
of bilingualism, and the use and maintenance of the language of origin. On the other hand, it
is also observed that the factors that maintain the talian are more strongly linked to the
intergenerational transmission and demographic concentration of the speech group (ethnic
homogeneity). Moreover, the positive attitudes of speakers in relation to the language of
origin and the state of isolation of communities are highlighted.
Keywords: language of immigration, talian, linguistic maintenance and replacement,
language shift, linguistic contact.
17
RECAPITULASSION
Questa Tese la se fundamenta ntel àmbito dele risserche a rispeto del “bilinguismo e
lìngue in contatoriferente al tema “manutenssion e sustituission del Talian ntea region de
Alto Uruguai Gaucho”. Versa sora el stùdio de caràter etnogeossossialinguìstico,
macroanalìtico abrangendo diferenti posti de na àrea geogràfica significativa de due variante:
el portoghese e i diversi dialeti resultanti dal so mescolamento con la lìngua italiana. Come
ogetivi genèrichi la tese la ogetiva: a) Stabilir le cause pi relevante e la proporcionalità del so
contributo ntel fomento e scambiamento dea lìngua orignària fora dal paese dea lìngua
materna e che, ntel novo ambiente, la compartisse segnai de língua minoritària, sia par el
pròpio contato dele diferense variante dea lìngua intrà de si stesso, sia par el vero contato con
la lìngua magioritària del novo paese. b) Dar el so contributo par na revision del conceto
sostitutivo e mortal linguìstico come um fato che sucede, sincrònica e diacronicamene sora el
fenòmeno dea esistensa e permanensa dele lìngue, sicome sora el fonsionamento e la ligassion
ntrà i sitema linguìstichi doperadi par i bilìngüe. c) Come resultante del studio prevede
svèrdere le posssibilità de impianto de na política linguìstica par sodisfar le necessità dea
region. El scopo el questiona polìtiche de fomento linguìstico indiressade a le minorie
parlante e solamente par la manutenssion o pèrdita. El stùdio el camina in diression a la
metodologia dialetològica pluridimensional e relassional che la combina la dialetologia del
posto a la sossiolinguìstica par meso dea qual se constata in che punto e in che dimension el
fenòmeno in question el se sucede, focalisando le sue interrelassion ntel so spassio. Próprio
anca ntei stùdi geolinguìstichi poco se verificà sora i temi de questa natura. In questo
senso, el presente stùdio se difere de altri aspeti sora language shift in general monopontual
sentralisada nte na comunità bilìngue, quando se compara contesti diferenti e fatori
condissionanti deversi nte na scala de punti, seanca che de nùmero un a quatro. La racolta de
informassion in queste località se distende a la etapa de risserca dei aspeti istòrichi, statìstichi
18
e demogràfichi e le interviste semidiretive con simultanietà de informanti. Scominsiando con
la anàlise qualitativa dele interviste semidiressionade e dea quantificassion dei apuntamenti
dele amostre statìstiche se riva a la identificassion dei fatori de manutenssion e pèrdita dea
lìngua de imigrassion. Ga sucedesto na pérdita significativa del talian che la se vincula a
fatori come la polìtica de represssion del Stato; a la funsion dea scola come instituission
pùblica vinculadora de un insegno monolinguisante e monovarietàbile, fato solamente par
meso dea utilisassion del portoghese; anca a la repulsa o mancansa del suporto institussional e
al grado de urbanisassion insiemà a la mancansa de consientisassion linguìstica a rispeto del
benefìssio del bilingüismo e del doparamento, manutenssion e svolgimento dea lìngua
orignària. De altra sorte, vedemo chei fatori che mantien el talian i deventa unidi, con la
maniere pi forte a la transmission intergenerassional e a la consentrassion demográfica del
grupo de parlanti (omogeneità ètnica). Anca, convien distacar le atitùdine positive dei
parlanti, in relación a la lìngua de origine e a la condission de isolamento dele comunità.
Tradussion: prof. Honório Tonial
Parole-ciave: lìngua de imigrassion, talian, manutenssion e sustituission linguìstica, language
shift, contato linguìstico.
19
INTRODUÇÃO
Os direitos linguísticos, sejam individuais, de aquisição e aprendizagem de uma ou
mais línguas, sejam relativos a uma comunidade, de uso e manutenção do bi- ou
multilinguismo são temas do tempo atual. Nunca, como agora, cada um dos diferentes
povos que integram o universo das culturas reivindica para si o que é seu e, em primeiro
lugar, a sua língua. Nunca, como agora, a palavra teve tanto poder e tanto alcance, embora
ainda em tão poucas línguas.
A diversidade representa o caminho mais natural e mais adequado para uma
democracia cultural, nos termos em que coloca Fishman (2006)
1
ou no sentido como é
concebido na Comunidade Européia e em que foi vigorosamente defendido no Seminário
Internacional da Diversidade Linguística ocorrido em Porto Alegre, em julho de 2007: a
construção de um espaço onde possam conviver pacificamente e se enriquecer mutuamente,
diferentes povos e diferentes línguas. “Porque ouvir é importante. Porque falar a sua ngua
materna é um direito linguístico inalienável de cada ser humano
2
.
No entanto, embora o Brasil não apenas apresente uma das áreas com a maior
biodiversidade do planeta, como também uma das maiores diversidades linguísticas, o
termo “política linguística” e o seu referido significado circulam bem pouco tempo entre
nós, mais precisamente a partir da década de 1970 ou até de 1980 (OLIVEIRA, prefácio in:
CALVET, 2007, p.7). Segundo ele, precisamos escrever uma nova história linguística no
Brasil e construir uma política historiográfica que possa eleger quais línguas devam
merecer status de línguas brasileiras.
A própria separação estabelecida entre a Linguística como ciência e as comunidades
linguísticas gerou linguistas sem interlocutores políticos na sociedade e comunidades
1
Refiro-me às recentes reflexões de Fishman, editadas por Nancy H. Hornberger e Martin Pütz.
2
Slogan divulgado e defendido durante a realização do I Seminário Internacional da Diversidade Linguística,
ocorrido em Porto Alegre, de 17 a 20 de julho de 2007, pela UFRGS.
20
linguísticas sem linguistas que pudessem auxiliar em suas propostas de estudo sobre suas
línguas. O que estamos vendo é o desenvolvimento de uma variável, mas não una, política
de defesa de algumas línguas em detrimento de outras, sem critérios muito claros de
escolha e exclusão. O que aconteceu com a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), por
exemplo, foi um desenvolvimento muito grande que não alcançou as demais línguas
minoritárias e nem mesmo as outras línguas de sinais de comunidades menores. É um
contraste com outras línguas, também faladas aqui, que não estão sendo contempladas em
semelhante proporção. comunidades inteiras que estão sendo vítimas de um drástico e
continuado processo de perda linguística e cultural, onde há pessoas que nem sequer
tiveram o direito de conhecer e aprender a sua língua de origem, enquanto que outras
línguas, sem história local, mas com papel eminentemente econômico que se impõem.
para lembrar um fato concreto, hoje aproximadamente cerca de 31 milhões de ítalo-
descendentes que vivem no Brasil e que não têm apoio institucional de uso de suas línguas
de origem.
Assim, criou-se uma situação, senão incoerente, pelo menos estranha: é a condição
de inúmeros descendentes de imigrantes europeus que aqui aportaram no fim do século
XIX e no início do século XX, que não chegaram a falar a língua dos pais ou que, na
denominação científica, são rotulados como “bilíngues passivos”, isto é, tiveram contato
com a língua, mas o aprenderam a falar a língua de origem, e que, no entanto, muitos
dominam, além do português, principalmente o inglês e o espanhol.
Isso nos leva a pensar que apresentar o conhecimento dos fatores que propiciam ao
indivíduo a aquisição de uma ou mais línguas, a aprendizagem de determinadas línguas
estrangeiras e a manutenção do bi ou do multilinguismo em uma comunidade,
particularmente em comunidades minoritárias, constitui uma tarefa complexa, com muitas
variáveis intervenientes e ainda pouco exploradas. As dificuldades transitam entre as
questões: teórica, com princípios ainda a serem construídos, como a história linguística do
Brasil; político-ideológica, perpassada por mitos, crenças e atitudes, que a ngua apenas
como algo natural, transmitido intergeracionalmente, sem visualizar a língua como objeto
de gestão política, até a metodológica, que necessita de novas e funcionais formas de coleta
de dados e registro cartográfico sob uma perspectiva pluridimensional.
Escrever sobre a cultura e língua dos imigrantes italianos e seus descendentes está
dentro dessa complexidade. A par da questão técnica de registro que exige uma adequada
metodologia, a eleição de referentes teóricos condizentes com a política linguística a ser
seguida, o tempo transcorrido desde o início da imigração, a grande miscigenação étnica e
21
cultural sofrida pelos descendentes dos imigrantes e a escassez de registros referentes à
história desses 130 anos de ítalo-brasilidade compõem esse quadro.
Semelhante ao que ocorreu com o Estado, a região norte do Rio Grande do Sul
área de abrangência desta pesquisa, sofreu uma peculiar forma de colonização e
povoamento. Ao imigrante europeu coube a produção de alimentos para atender a demanda
interna, a policultura, liberando os latifundiários monoprodutores a produzirem para o
mercado externo, mais rentável. Vital para isso foi, então, o sistema da pequena
propriedade, o qual forjou uma população constituída por diversas etnias, em maior número
de italianos, poloneses, alemães e israelitas.
Assim é que os primeiros falantes de variedades dialetais do italiano chegaram às
terras do Alto Uruguai por volta de 1900, e ainda hoje são faladas em certas regiões. No
entanto, em uma leitura diacrônica, o que estamos vendo é uma substituição que vem num
continuum e que se esboça em uma dupla substituição: uma tendência forte de substituição
do talian (a variedade mais falada na região da pesquisa) pelo português desde o início da
colonização, e outra tendência, mais atual e de certa forma surpreendente, de substituição
do talian pelo próprio italiano-padrão.
Pretendendo obter um estudo científico dessas tendências e contribuir para o
desenvolvimento de uma linha de pesquisa das línguas de imigração, nesta Tese
objetivamos:
a)·Comparar atitude versus prática linguística, analisando suas concordâncias ou
discrepâncias a fim de encontrar as possíveis causas do atual estágio de vitalidade
ou perda do talian.
b)·Determinar os fatores mais relevantes e a proporção em que contribuíram para o
fomento ou a substituição da língua originária de fora do país e que, no novo meio,
compartilha traços de língua minoritária, seja pelo próprio contato das diferentes
variantes da língua italiana entre si, seja pelo italiano-padrão ou pelo contato com a
língua majoritária do novo país.
c) Contribuir para uma revisão do conceito de substituição e morte linguística
como algo que se dá sincrônica e diacronicamente, na forma de um processo
natural e irreversível, ampliando o conhecimento sobre o fenômeno da existência e
permanência das nguas, bem como sobre o funcionamento e o entrelaçamento de
sistemas linguísticos empregados por bilíngues.
d) Apontar possíveis alternativas de introdução de uma política da diversidade de
línguas a partir de uma mudança de olhar: da perda para a aquisição e da
manutenção à educação para o plurilinguismo.
e) Divulgar os resultados do papel dos diferentes fatores de fomento da ngua de
imigração e de uma educação para o plurilinguismo com os órgãos responsáveis
pela política linguística na região pesquisada.
22
Os objetivos propostos nortearam a estruturação do trabalho que dividimos em
quatro capítulos.
No Capítulo 1, intitulado Contextualização, procuramos situar o leitor, física e
intelectualmente, tanto no ambiente em que transcorre a pesquisa quanto no panorama
mundial de temas discutidos hoje quando o assunto é línguas em contato, mais
precisamente línguas de imigração, elemento chave neste trabalho. Já adiantamos aqui, que
dos estudos realizados sobre manutenção e substituição linguística muitos apontam para
uma descrença na possibilidade de reversão da perda de línguas minoritárias. Termos como
language loss, language attrition, language replacement, language displacement, and
language endargerment são constantemente mencionados nos estudos de comunidades de
línguas minoritárias. A estimativa é que somente 10% das nguas hoje existentes estão
livres da morte e extinção. Outros (KAUFMANN, 2006, p.2431) projetam alguma luz no
fim do nel quando falam em manutenção da língua e reversão na mudança da língua.
Para Oliveira & Altenhofen (2009, no prelo) “configura-se a necessidade de uma reforma
linguística do país que permita uma reação coletiva positiva frente às novas demandas da
globalização e da inclusão cultural e linguística”. Nosso estudo tem a pretensão de trilhar
este caminho, não somente do ponto de vista de continuidade de defesa das línguas
supostamente em processo de extinção, com o propósito de contribuir para uma política de
promoção e salvaguarda do multilinguismo na região pesquisada, mas também sob outro
olhar, o de fomento à aquisição bi- ou plurilíngue.
De uma forma mais ou menos direta, estudos (KLOSS, 1966; FISHMAN, 2006;
SKUTNABB-KANGAS, 1988; ROMAINE, 1995 e GIBBONS & RAMIREZ, 2004) afirmam
ou sugerem a hipótese de que o processo de mudança de uma língua para outra e a contínua
miscigenação e consequente aculturação estejam fazendo desaparecer a heterogeneidade
sócio-linguístico-cultural, em maior grau no meio urbano e em menor grau no meio rural. Em
uma busca de explicação, descrevem fatores favoráveis e desfavoráveis à manutenção ou à
perda de uma língua em uma determinada comunidade. E este é o conteúdo do cap. 2 desta
Tese. Nele expomos a complexidade existente no fato de estarmos lidando com fatores que,
ao mesmo tempo, são pesos a favor e contra a existência de uma determinada língua.
Conforme Fishman (2006), fatores como “geografia (distância dos grandes centros),
“motivação e tamanho” (número de falantes), intuitivamente relacionados à manutenção ou
não de uma língua minoritária são conceitos folclóricos que devem ser sociologicamente
reinterpretados. O que surge de mais concreto são, sim, os comportamentos sociolinguísticos
23
que os falantes possuem com relação à sua língua minoritária e as micro-decisões que tomam
para mantê-la ou não. Dessa forma, a manutenção ou mudança da língua minoritária é fruto
coletivo de padrões de escolha linguística dos sujeitos.
É no cap. 3 que descrevemos a metodologia a ser utilizada, tendo em vista as
especificidades deste estudo. Elas apontam para uma metodologia dialetológica
pluridimensional e relacional, que combine a dialetologia areal com a sociolinguística, através
da qual seja possível verificar em que pontos e em que dimensões e parâmetros o fenômeno
em questão está ocorrendo, focalizando as suas interrelações no espaço. Mesmo nos estudos
geolinguísticos, pouco se tem explorado temas dessa natureza. Nesse sentido, o recém
publicado Atlas Linguístico Guarani Românico (ALGR) publicado por Harald Thun, talvez
seja o primeiro a cartografar aspectos sociológicos da linguagem. Tal estudo, relativamente
novo em nosso meio, requer conhecimentos específicos que vão desde a elaboração de
instrumentos para a coleta de dados, que nos propiciem obtê-los de forma precisa, até a
cartografia de mapas linguísticos pluridimensionais, que forneçam visualizações adequadas
das macroestruturas do espaço variacional, o que vem constituindo um caráter inovador das
pesquisas nessa área.
É no cap. 4 que expomos o resultado da análise dos dados, a discussão atual referente
ao tema dos fatores de manutenção e substituição linguística. Trazemos algumas
contribuições para o campo de línguas em contato, em uma perspectiva macroanalítica de
comparação de pontos, utilizando dimensões e parâmetros em uma perspectiva
pluridimensional, destacando a análise das atitudes dos falantes em relação às línguas.
Por fim, trazemos nossa resposta a uma questão central e inovadora da Tese que gira
em torno de um dos princípios básicos da teoria da árvore genealógica das nguas,
amplamente difundido, o qual diz que uma língua nasce e, por diferentes motivos, é deixada
gradativamente de ser falada e, simplesmente, é substituída por outra, vindo a desaparecer.
Calvet (1974, p.3), em situação análoga, denomina a hierarquia canabalística de linguagens e
suas correspondentes culturas como uma consequência da crença etnocêntrica na evolução
cultural. Esta crença defende, por exemplo, o inglês como linguagem do progresso, da
modernidade e da unidade internacional. Gal (1996, p.587) diz que na escolha de metáforas
como “morte da linguagem” e “extinção da linguagem” compara-se esses processos a
fenômenos naturais, como organismos que nascem, crescem, se desenvolvem e morrem. Da
mesma forma, línguas de menor poder enquadram-se como línguas minoritárias, fadadas ao
desaparecimento natural.
24
Pensamos que não é esse exatamente o processo. Propomos uma revisão desse
princípio determinista da teoria da árvore genealógica das línguas e dos critérios de
classificação das línguas pelo modelo gravitacional. A língua minoritária, que sofre um
processo continuado de extinção, subsiste de alguma maneira, com outras características, em
um contínuo redesenho, estando sempre em relação e sempre se tornando outra, em novos
traços e, inclusive, no bilíngue dito passivo. Uma língua de imigração, originária de fora do
país hospedeiro e que esteja passando por um processo de mudança em seu status não deixa
de ter, pelo corpus, uma ligação com a ngua oficial do país de origem, encontrando
diferentes formas e recursos de sobrevivência no próprio processo de extinção, do qual se
nutre. Falamos cerca de 140.000 diferentes línguas desde que surgiu a população no mundo.
Isso significa que nunca paramos de mudar e que esse movimento de mudança continua hoje
também pelo processo de transformação das línguas. Edwards (1994) relata que antigas
línguas têm recebido um incremento positivo em sua realização através da lealdade de seus
falantes, o que tem ocasionado na predição de morte de línguas, pelo menos um negócio
arriscado.
A proposta de uma mudança de olhar, da perda para a aquisição, do fator que mantém
para o fator que fomenta, poderá dar início a outra maneira de lidar com as diferenças, não
mais voltando forças para o resultado do contato linguístico e pela prática da medida ou
ranking das línguas, mas sim para as formas de aquisição e (des)composição das línguas em
contato em contextos bi- ou multilíngues. O próprio Relatório da Audiência Pública da
Diversidade Lingüística do Brasil, realizada em 13 de dezembro de 2007, na Câmara dos
Deputados em Brasília (relato de ALTENHOFEN), refere-se à discussão do multilinguismo
brasileiro, visto sob a ótica da política de promoção e salvaguarda do patrimônio cultural
imaterial do Brasil, como o ponto alto de um processo ímpar na história do país. Acreditamos
que no contato linguístico podemos nos enriquecer mutuamente, aumentando nosso potencial
de comunicação através do domínio de mais de uma língua e não estarmos submetidos ao
triste jogo político da substituição.
25
CAPÍTULO 1
1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO
1.1 CONTEXTO TEÓRICO
1.1.1 Contato linguístico e plurilinguismo
O presente estudo trata da vida das línguas em situações de plurilinguismo e contatos
linguísticos. Partindo do pressuposto de que uma “comunidade linguística nunca é homogênea
e raramente ou jamais sem diversidade” (WEINREICH, 1964), nos associamos a Martinet,
quando afirma no prefácio do mesmo livro de Weinreich sobre languages in contact (1964, p.
vii), que ao linguista cabe enfatizar que “a diversidade linguística inicia na porta ao lado, ou,
mais do que isso em casa, e dentro de um e mesmo ser humano”
3
, tal é sua força e
amplitude
4
. Tal se estende, neste estudo, à minha “casa” particular, como pesquisadora e
membro da comunidade de fala em estudo, que tem por base o uso do talian ou vêneto
riograndense, e do português. Manda a regra, que impregna o método científico, que se defina
claramente o papel do pesquisador no contexto de estudo e de sua relação com a comunidade
de fala em questão. Vale, por isso, essa observação inicial como alguém que, sem fugir do
monopólio instituído por parte daqueles que falam sobre a língua, isso como linguista e
3
Languages in Contact “[...] linguistic diversity begins next door, nay, at home and within one and the same
man” (Weinreich, 1964. Prefácio de Martinet: p.vii). Tradução livre da autora, como também em todas as
demais notas dos capítulos da Tese.
4
Complementação e grifo nosso.
26
professora, também fazer parte daqueles que falam a língua, como membro de uma
comunidade falante do talian, ou seja, atuar com a questão acadêmica e com os movimentos
sociais, que possuem uma lógica distinta daquela, mas que não se excluem, ao contrário, são
essencialmente complementares. Enfim, interagindo com essa comunidade que supostamente
encontra-se com sua língua-mãe em perigo de extinção, trabalhar em torno de sua
manutenção, desenvolvimento, revitalização e perpetuação, assim como é apregoado por
todos os que lutam pela manutenção da diversidade linguística no Brasil e no mundo O.
princípio da diversidade é defendido nas mais diferentes áreas e, tratando-se especificamente
da preservação de línguas, encontramos orientações não em autores mundialmente
reconhecidos, mas também, mais recentemente, em orientações do grupo consultor externo,
especialista em linguagens em perigo de extinção da UNESCO (UNESCO ad hoc Expert
Group on Endangered Languages), no documento sobre Language Vitality and
Endangerment (2003)
5
. Em vel local, os mesmos princípios foram defendidos, quiçá com
mais amplitude, que fazem referência específica também às línguas de imigração, no I
Fórum Internacional da Diversidade Linguística (2007), conforme nos referimos
anteriormente, na Introdução desta Tese.
A linguística de contato foi e continua sendo um desafio para todo pesquisador. A
dificuldade em descrever situações de contato entre diferentes línguas começa pela concepção
de língua que vigora nas sociedades, ou como abstração, como “essência” (modelo de Platão),
ou como modelo perfeito, homogêneo e com falantes “ideais” (modelo de Chomsky),
associado à visão monolíngue das comunidades. O encontro de duas ou mais línguas é visto,
em geral, como um confronto entre as mesmas e, com isso, um conflito de valores, conceitos,
normas que, vistos em profundidade, nada têm a ver com fatores linguísticos. Na maioria das
vezes, o confronto transforma-se em batalha que procura manter uma e extinguir outra. A
batalha pode se dar com ou sem luta explícita, mas não há dúvida que vence a língua que tiver
maior força, seja política, social ou econômica. Muitos, complexos e, às vezes não muito
claros, são os fatores que influenciam tal fenômeno. Do que sabemos como professora e
como linguista, a língua como essência e o falante ideal existem para fins metodológicos de
estudo; o que existe de fato são seres humanos que falam diferentes línguas e que, dessa
forma, constituem também diferentes sociedades, sendo, uma delas, a comunidade de
descendentes de imigrantes italianos da região do Alto Uruguai Gaúcho, da qual faço parte.
5
Document submitted to the International Expert Meeting on UNESCO-Programme Safeguarding of
Endangered Languages. Paris, 10-12 March 2003.
27
Senão, vejamos um pouco de nossa sociedade multilíngue, ou, mitologicamente vista,
monolíngue, o gigante continental onde prepondera em cada canto a mesma incólume língua
portuguesa. Pelos Anais do I Fórum Internacional da Diversidade Linguística (2007), o Brasil,
desde a sua origem, tem uma língua dividida em múltiplos falares. Mesmo antes de 1.500 e da
chegada dos portugueses, este já era um país multilíngue. Estimativas apontam a presença de
cerca de uma a duas mil línguas faladas pelos povos indígenas. A própria língua portuguesa já
trazia marcas distintas, dependendo da região onde era falada em Portugal. de se
considerar, ainda, que a chegada dos portugueses se em diferentes períodos, ocasionando
distintos contatos, seja com os índios, com os negros da África, com os próprios portugueses e
com os imigrantes. Assim, aqui coexistem o português, ngua oficial e nacional e língua
materna da grande maioria dos brasileiros; nguas indígenas, línguas de imigração
6
, línguas
de fronteira, línguas afro-brasileiras e línguas de sinais.
7
Nesse contato, se fortalecem ou
enfraquecem, se modificam em virtude das relações que estabelecem seus falantes uns com os
outros. Silva Neto (1950) já escrevia:
A evolução é complexa e melindrosa, relacionada com mil e um acidentes,
cruzada e recruzada e entrecruzada porque não representa a evolução de
uma coisa feita e acabada, mas as vicissitudes e uma atividade em perpétuo
movimento (SILVA NETO, 1950, p.52).
O que significa isso na prática? O que significa dizer que os processos de mudança e
variação das línguas vivas são incessantes e ininterruptos? Significa ver a língua como uma
atividade social, cujas regras evoluem de acordo com os mecanismos de auto-regulação de
seus falantes e de comunidades em sua dinâmica histórica de interação entre si e com a
realidade
8
.
As concepções de língua homogênea e de falante ideal não são condizentes com o
contínuo compor, descompor e recompor de uma língua, mas condizem, e muito bem, com a
prática da discriminação e da exclusão social, práticas essas decorrentes de mitos e
preconceitos instalados no imaginário popular e transmitidos através das gerações. Bagno
(2000, p. 50) refere-se a essa questão como o “círculo vicioso do preconceito lingüístico”, que
vem sendo continuamente reproduzido e alimentado, de um lado, pela força da tradição e, por
outro, pela prática escolar tradicional e pela mídia.
6
Nesta Tese, entendemos , em termos político-linguísticos, é de que se tratam de línguas e não de dialetos,
conforme Skutnabb-Kangas & Phillipson (1996).
7
Esta divisão está baseada em Atenhofen (2008).
8
Conceito de visão da língua baseado em Bagno et al. 2002.
28
O que traspassa nos mitos criados e mantidos no e pelo contato linguístico é uma
espécie de destino que consegue efeitos reais sem ser a causa real. Existe na ideia, como falta
de ideia, e produz efeitos na realidade. Existe na imaginação, como falta de imaginação, e
produz efeitos concretos. A reprodução do fatalismo é comandada pela introjeção de uma
ideia de falta de poder nela mesma; os acontecimentos bons ou maus são atribuídos a alguma
entidade ou ser superior ou mesmo ao acaso. Acreditando em mitos, escapa à lógica comum
que acontecimentos, tais como a manutenção do bilinguismo ou do plurilinguismo ou a
monolingualização decorrentes de diferentes línguas em contato, longe de deterministas ou
determinados, são fenômenos reais e explicáveis cientificamente, e que neles estão as
histórias de quem os formou, ainda que, por muitos, de forma inconsciente.
Essas diferentes formas de perceber a realidade linguística estão calcadas em valores
com fortes conotações econômicas e ideológicas que fazem com que também países, política
e economicamente mais poderosos, imponham aos demais povos seus idiomas. Isso se reflete
de modo distinto nos diferentes países, regiões e comunidades, que os meios empregados
para a exploração hoje são muito mais sutis do que a antiga escravidão explícita. Vejamos
algumas situações:
O Brasil, país que adota uma única língua oficial usada amplamente por toda a
população, mas que, na verdade, contém, paralelo a esta língua oficial, inúmeros
outros falares, sejam considerados línguas ou dialetos (que estão sendo reivindicados
por suas respectivas populações de falantes) revela um monolinguismo apenas
aparente e oficial. A língua portuguesa, no entanto, apesar de ser usada por todos os
brasileiros e por quase 230 milhões.
9
de pessoas no mundo, estando incluída entre as
línguas mais faladas, é pouco usada, conhecida e valorizada fora das fronteiras dos
países que a adotam como língua oficial. O Brasil, linguisticamente falando, adota
para com suas línguas não-oficiais uma política de laissez faire, laissez passer
10
,
diríamos que semelhante à adotada por outros países em relação a ele.
Embora o idioma mais falado no mundo seja o mandarim (885 milhões), é usado em
poucos países; apenas a China responde por 836 milhões de falantes. o inglês, com
menos da metade dos falantes (340 milhões), é a língua oficial ou co-oficial de cerca
de 50 países, como os Estados Unidos, Canadá, África do Sul, Botsuana, Austrália,
9
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lista _de1%C3%ADnguas_por_total_falantes. Acesso em 13/07/2007.
10
KEYNES (1992) Contração da expressão em língua francesa laissez faire, laissez aller, laissez passer, que
significa literalmente “deixai fazer, deixai ir, deixai passar.A expressão refere-se a uma ideologia econômica
que surgiu no século XVIII, no período do iluminismo, através de Montesquieu, que defendia a existência de
livre mercado nas trocas comerciais internacionais. Laissez faire é o chavão do liberalismo na versão mais pura
de capitalismo de que o mercado deve funcionar livremente, sem interferências.
29
Bahamas, Reino Unido e Irlanda; a segunda língua de aproximadamente 150 milhões
de pessoas em todo globo e também o principal idioma da comunicação mundial,
usado na diplomacia, na economia, no turismo e na informática.
11
As línguas oficiais dos países africanos não são as línguas nativas, mas sim as dos
colonizadores, sobretudo o inglês, o francês e o português. A população nativa, no
entanto, continua falando suas línguas em situações de interação informal. De outra
forma, países que instituem três ou mais línguas oficiais, como a Suíça, cuja
abordagem linguística é feita em alemão, francês, italiano ou romanche, convivem na
mais perfeita paz linguística (CALVET, 2007, p.126)
12
.
“Aproximadamente 97% da população mundial fala em redor de 4% das línguas do
mundo; e, contrariamente, 96% das línguas do mundo o faladas por cerca de 3% da
população mundial” (BERNARD, 1996, p.142, apud: Documento UNESCO, 2003).
Segundo o mesmo documento, muito da heterogeneidade das línguas está submetido
a um pequeno número de pessoas”.
Calvet (2007) exemplos de como a questão do multilinguismo acontece nos mais
diferentes países, ora enfocando a ação sobre a língua (corpus) ora enfocando a ão
sobre as línguas (status). O enfrentamento, em qualquer uma dessas escolhas, faz-se
com capital social e políticas públicas, e não apenas estatais. Uma sociedade civil,
comprometida com o bem público, com a igualdade de oportunidades e com a unidade
na diversidade precisa fazer-se cônscia dessas escolhas. Ou seja, os estudos
existentes sobre línguas em contato parecem deixar claro que o pesquisador,
comprometido com a manutenção da diversidade linguística, precisa fazer essa escolha
política e estar ciente de sua opção.
1.1.2 Língua materna, língua de imigração e língua minoritária:
os diversos olhares sobre a língua.
Dentro dos limites de um país, usam-se distintas denominações para os distintos
papéis que as línguas ocupam no dia-a-dia dos cidadãos e no Estado como tal. Assim,
conforme usos e funções que exercem, categorizam-se as línguas como: língua oficial, língua
materna, língua franca e língua nacional. A língua oficial é a língua do Estado, obrigatória nas
11
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lista _de1%C3%ADnguas_por_total_falantes. Acesso em 13/07/2007.
12
Refiro-me à tradução feita por Isabel de Oliveira Duarte, Jonas Tenfen e Marcos Bagno, com prefácio de
Gilvan Muller de Oliveira, da Parábola Editorial: IPOL, 2007.
30
ações formais desse Estado. O dispositivo legal que prescreve o uso de uma ou mais línguas
instituídas como linguagem oficial de um país comporta o fato de que as possíveis demais
linguagens desse país ou são negadas ou são relegadas ao esquecimento. E aqui podemos
antever o nível de complexidade que se esconde por trás dessas definições aparentemente
simples. Isso porque as definições comumente usadas ultrapassam o nível linguístico,
incluindo aspectos sociais, educacionais, políticos, históricos e, ainda, aspectos de ordem
interna ao falante.
A relação entre língua e cultura é muito estreita, porque quando nos comunicamos
expressamos um conhecimento de mundo que só é codificável e decodificável pelos que,
como nós, também detêm esse conhecimento permitido pelo uso de uma mesma língua. A
língua, por si só, contém e representa parte fundamental desse conhecimento. As atitudes,
os costumes, as crenças, os hábitos, os valores, a história, enfim, toda a cultura perfazem o
total do conhecimento. Em artigo sobre o conceito de ngua materna e suas implicações para
o estudo do bilinguismo, Altenhofen (2002, p. 159) discorre sobre um conceito chave para
entender as relações sociais e cognitivas entre as línguas em contato em uma comunidade
bilíngue na definição de língua materna. O autor define língua materna
[...] como um conceito dinâmico que varia conforme um conjunto de traços
relevantes que engloba, em uma situação normal, válida para um determinado
momento da vida do falante, a) a primeira língua aprendida pelo falante, b)
em alguns casos, simultaneamente com outra ngua, com a qual c)
compartilha usos e funções específicas, e) apresentando-se porém geralmente
como a língua dominante, f) fortemente identificada com a língua da mãe e
do pai, por isso, d) provida de um valor afetivo próprio (ALTENHOFEN,
2002, p.159).
Esta definição reúne os diferentes critérios a considerar; em parte também
identificados por Skutnabb-Kangas (1988, p.16) como centrais: a) ordem de aprendizagem, b)
usos e funções, c) grau de proficiência, d) identidade e e) afetividade. No meu caso particular,
como descendente de italianos, tive desde cedo a ligação da língua talian com o ambiente
familiar. Sou descendente de italianos por parte de pai e mãe. Minha mãe, descendente da
geração de imigrantes italianos – seus quatro avós vieram da Itália – teve duas línguas
maternas, que adquiriu o italiano e o português concomitantemente e foi alfabetizada na
língua portuguesa aos oito anos de idade. Enquanto minha mãe teve duas línguas maternas,
pois aprendeu as duas simultaneamente, seus pais tiveram uma, o italiano, que os pais
(deles) não conheciam nada do português quando aqui aportaram. Tiveram do português um
conhecimento apenas de contato, forçado pelas necessidades mínimas de sobrevivência na
nova terra. Eu, como descendente da geração, com pai também descendente de italianos e
31
falante bilíngue, tive o português como língua materna, porém paralelo amostra à
aprendizagem da pronúncia do italiano, usado por meus pais e meus avós em suas
intercomunicações familiares. Como não necessitava me comunicar em italiano, já que o
era exigida de mim esta prática, nem via naquele momento o valor de uma segunda língua
como reconheço hoje, tornei-me aquilo que a literatura sobre o assunto diz ser o bilíngue
passivo” ou bilíngue restrito”. Entretanto, a língua permaneceu em mim, em estado latente,
como se em compasso de espera, compartilhando função e uso específicos com a língua
obrigatoriamente dominante, o português. Minhas duas filhas, descendentes da geração,
também com pai descendente de italianos e bilíngue passivo, entraram em contato com o
português, tendo do italiano apenas lembranças de uma história com poucos episódios, onde
as questões linguística e afetiva em relação àquela cultura pouco ou nada significaram. Em
uma de nossas primeiras conversas sobre o assunto, isso mais ou menos cinco anos atrás
(2004), quando falava de minha indignação por ter pouco interagido com minha língua de
origem e questionando-as sobre os seus sentimentos em relação a esta perda, responderam
simplesmente: Mãe, do que tu tá falando? Nós nem sabemos que língua é essa, como
podemos manter algum sentimento sobre ela?”. Para elas, não houve perda da língua materna
de origem; o se perde o que nunca se teve. Assim, o italiano, de língua materna que foi, de
meus avós e tataravós, de língua materna simultânea com o português, de meus pais, e de meu
conhecimento, como bilíngue passiva, até ao seu desconhecimento, pelas minhas filhas, chega
ao total desaparecimento. Retroagindo à geração dos primeiros imigrantes, a perda total da
língua de imigração se na geração. A perda da língua italiana, como ngua materna,
acontece na geração. Pozenato (2003) refere-se a essa questão da permanência da língua
como estritamente ligada ao processo de trocas culturais. Exemplifica com a região de
colonização italiana (RCI)
13
que, pelo isolamento,
até a geração, talvez a geração dos imigrantes ainda mantém a língua,
bem ou mal. [...] Quando, numa imigração, o processo de troca se faz
imediatamente, na geração o existe mais o uso da ngua original. [...]
Aqui, durante pelo menos duas gerações iniciais, ainda permanece a língua
original rearticulada no nível comum. Na terceira geração é que começa a
ocorrer o processo de bilingüismo. Na quarta geração é que começa haver a
memória e não o uso e na quinta desaparece a memória tamm (POZENATO,
2003, p.108).
O processo de perda linguística pode ser representado como um continuum, que tem
como início a própria formação de uma língua franca, entendida como a língua praticada por
13
RCI sigla que identifica a região de colonização italiana localizada no norte do Estado; região da grande
Caxias do Sul/RS.
32
grupos de falantes de línguas maternas diferentes que, por necessidade, encontram uma forma
de se comunicarem. Nesse sentido, poderíamos dizer que a coiné resultante do contato entre
os diferentes dialetos italianos e denominada de dialeto vêneto, vêneto riograndense ou talian
foi uma língua franca, pois possibilitou a interação de imigrantes italianos advindos de
diferentes regiões da Itália e, consequentemente, com diferentes dialetos. Se possibilitou a
interação entre os primeiros imigrantes italianos, não lhes possibilitou o status de língua
nacional, fato que poderia ter desencadeado o sentimento de pertencimento ao novo país. Se a
língua materna e a língua franca tratam das relações dos falantes com seu cotidiano, as outras
duas tratam das relações imaginárias, ideológicas e institucionais, portanto, relações de poder,
localizadas no tempo e no espaço. Mas, onde ficam os conceitos de língua de imigração e de
língua minoritária?
É tão complexa a sua definição quanto a sua localização. Para os objetivos deste
estudo, definimos língua de imigração como aquela que vigora em um grupo de indivíduos
que imigra para outras terras e que possui uma língua diferente daquela do país anfitrião, por
isso, também tida como língua “alóctone” (OLIVEIRA, 2003, p.7). Essa língua poderá
constituir-se em uma língua minoritária, se esse grupo não for hábil o suficiente para manter a
língua ou se não houver uma política de apoio à língua dos imigrantes. Kaufmann (2006), em
seu artigo “Language naintenance and reversing language shift Spracherhalt und Umkehr
von Sprachwechsel“ define língua minoritária
como uma língua (que pode ou não existir em outras partes do mundo) de um
grupo étnico (indígena ou imigrante) cujos falantes estão em contato direto e
frequente com um (normalmente) diferente grupo étnico que é mais
numeroso e com mais poder, cujos membros falam uma linguagem diferente
(KAUFMANN, 2006, p.2433).
14
Isto é, a língua de imigração é por definição também minoritária. Enquanto o primeiro
conceito enfatiza a questão da origem e do movimento migratório, o segundo foca o critério
demográfico e político.
Altenhofen e Margotti (no prelo, 2009, p.1-2), em uma perspectiva político-linguística,
referem-se à ngua de imigração em termos de status e corpus, “[...] as línguas de imigração
são comumente vistas como um corpo estranho e diferente, o qual contrasta com a língua
oficial [...] algo que, numa perspectiva monolinguística fortemente ideologizada, dela destoa.”
Continuando, Altenhofen e Margotti a definem como línguas “1) originárias de fora do país
14
“[...] as a language (which might or might not exist in other parts of the world) of an ethnic group (indigenous
or immigrant) whose speakers are in direct and frequent contact with a (normally) different ethnic group which
is more numerous and more powerful and whose members speak a different language(KAUFMANN, 2006. p.
2433).
33
(alóctones) que, no novo meio, 2) compartilham o status de língua minoritária,” seguindo
Calvet (2007, p.9).
Nas diferentes regiões do sul do país ocupadas pelos imigrantes, as línguas de
imigração eram conhecidas como línguas menores, “dialetos”, de pouca importância política,
sem serventia prática e nenhuma importância legal, línguas de populações minoritárias e, por
isso, também nguas minoritárias. Até os dias de hoje, essas concepções perduram não
entre a população em geral, mas também entre nossos descendentes de imigrantes,
profundamente marcados pelo preconceito e pela estigmatização.
1.1.3 Preconceito versus direito linguístico
O Brasil, constitucionalmente amparado em apenas uma língua nacional, o português,
é um país dito monolíngue, portanto, tem o monolinguismo como princípio constitucional,
significando que todo cidadão brasileiro deve ser alfabetizado em português
15
e fazer uso do
mesmo em suas relações oficiais com o Estado. O artigo 13 da Constituição Federal de 1988
explicita em texto constitucional que “a língua portuguesa é o idioma oficial da República
Federativa do Brasil”. O idioma nacional tem, portanto, o status de língua oficial. O
monolinguismo brasileiro é uma decisão política que tem na língua portuguesa o símbolo da
unidade nacional. Essa solução, apesar de sua legitimidade como opção de Estado, construiu-
se muitas vezes do mito de “uma língua, uma nação.” Oliveira (2000, p.83) observa que no
Brasil há consenso de que “aqui só se fala uma única língua, a língua portuguesa. Ser
brasileiro e falar o português (do Brasil) é, nessa concepção, sinônimo.” Se este é um direito e
uma verdade constitucional, está longe de ser uma verdade de fato. O povo brasileiro
manifesta-se em aproximadamente 200 nguas, sem contar o bidialetalismo que marca a fala
e distingue, em forma de clichês, o tom arrastado do nordestino, o tchê gaúcho, o chiado
carioca e outros tantos quantas são as regiões deste país. Ou, conforme Ronan Prigent,
filósofo francês, referiu-se durante o “Fórum Internacional da Diversidade Lingüística”,
ocorrido em Porto Alegre, em julho de 2007 “O português no Brasil é tão variado quanto a
cor das pessoas.” De fato, a diversidade linguística brasileira não pode ser ignorada, ou vista
como empecilho à unidade nacional; pelo contrário, a plurietnicidade e plurilingualidade do
contexto brasileiro constitui fator fundamental da brasilidade formada a partir da confluência
15
Com exceção das comunidades indígenas que têm apoio institucional para serem também alfabetizadas em
suas respectivas línguas de origem.
34
de diversas contribuições, não apenas indígenas, africanas e luso-europeias, como costuma
repetir a literatura, mas também imigrante, mesmo que Darci Ribeiro tenha colocado essa
contribuição como menor, e que no Documento do grupo ad hoc especialista em línguas em
perigo de extinção, da UNESCO, de 2003, não haja referência específica às línguas faladas
por descendentes de imigrantes.
Entretanto, o plurilinguismo brasileiro, ao mesmo tempo em que é visto como algo
positivo e desejável, no sentido de dominar com desenvoltura o português e operar com
destreza línguas estrangeiras modernas, como o inglês, francês, espanhol, alemão, italiano,
japonês ou outros tantos, por outro lado é visto como indesejável e deficiente quando se
manifesta em um português dialetal, com traços regionais ou de línguas alóctones, de
populações minoritárias, sem projeção social e econômica. Subentende-se que o
plurilinguismo, aqui, está ligado a uma concepção política e ideológica que, segundo Fishman
(1988), Lambert (1972) e Oliveira (2000), tem como princípio a valorização das línguas com
status e poder sócio-econômico-cultural e constitui parte de um processo de dominação que
faz com que outras línguas sejam significadas por um caráter de inferioridade.
Marcos Bagno (2000, p.48-9), ao referir-se à ideologia, ao mito e ao preconceito,
sustenta ser impossível dissociar mito de ideologia; além disso, não lhe parece tarefa simples
determinar, entre mito e preconceito, o que veio primeiro. Adota a postura de Roland Barthes
(1985, p.162, apud BAGNO, 2000, p.47), considerando que o mito é “uma fala
despolitizada”. De um modo prático e inteligente, Bagno descreve em frases feitas e
provérbios os mitos que se encontram encapsulados e que o continuidade ao preconceito
linguístico. Os mesmos provérbios e falas também repetidos pelos nossos informantes, como
veremos no cap. 4 da análise. Citam-se assertivas do tipo: “Eu não sei português”; “Português
é muito difícil”; “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”; “Nosso português não
é correto”; “Nosso italiano não é o verdadeiro, o certo, mesmo!” Descrevendo sobre mitos e
concepções linguísticas em áreas bilíngues (alemães) no sul do Brasil, Altenhofen (2004, p.
87-8) acrescenta ainda concepções mais específicas de situações de contato linguístico como:
“Fale português, você está no Brasil!” “Eles teimam em manter a língua.” “Não querem se
assimilar.” “Não querem aprender português”.
Infelizmente, mitos como esses, embora antigos na cultura brasileira, continuam
presentes no imaginário e na fala da grande maioria da população. Das línguas minoritárias,
as únicas que receberam amparo explícito na Constituição Federal de 1988, artigos 215 e 231,
foram as línguas dos indígenas brasileiros.
35
Foi através da Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, lançada em Barcelona
em junho de 1996, sob os auspícios da Unesco, que novas perspectivas em política linguística
dirigidas a minorias vêm sendo estudadas e propostas. No Brasil, o Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) vem, desde 1997, formulando instrumentos
específicos para efetivar, no campo das políticas de patrimônio cultural, a concepção ampla de
patrimônio expressa no artigo 216 da Constituição Federal. O decreto 3551, de 4 de agosto de
2000, que institui o “Registro dos Bens Culturais de Natureza Imaterial e cria o Programa
Nacional do Patrimônio Imaterial”, abre espaço para o reconhecimento pelo Estado, como
patrimônio cultural do Brasil, de bens de caráter processual e dinâmico, como as suas línguas.
Em 2005, começam os preparativos para um seminário legislativo sobre a Criação do Livro de
Registro das Línguas, a cargo da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados,
em parceria com o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e com o
Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística (IPOL). O seminário
aconteceu em 2006, no Congresso Nacional, e teve como objetivo principal o
reconhecimento, pelo Estado, da pluralidade linguística do país e tudo o que isso possa
representar em termos de realização concreta. , como resultado, em dezembro de 2007, na
Câmara dos Deputados, em Brasília, ocorreu a Audiência Pública da Diversidade Linguística
do Brasil, tendo como pauta a discussão do multilinguismo brasileiro visto sob a ótica da
política de promoção e salvaguarda do patrimônio cultural imaterial. Conforme Relatório da
Audiência
O foco principal desse processo é a necessidade de ações públicas no sentido
de estancar o avanço da extinção da diversidade lingüística e da perda de
habilidades multilíngües, bem como de dar visibilidade e sentido às
configurações culturais presentes no espaço brasileiro (ALTENHOFEN,
2007, p.9)
16
.
Como consequência desse processo, que previa a escolha de “língua-piloto” para o
projeto de testagem de metodologia do Inventário, ou seja, uma língua que tenha relevância
para a memória e identidade dos grupos que compõem a sociedade brasileira, que seja veículo
de transmissão cultural e falada no território nacional pelo menos três gerações, tem-se
aprovado o projeto de inventariamento do talian,
17
como representante pioneiro para as
línguas de imigração.
16
Ver: Relatório de Atividades (2006-2007), encaminhado pelo Grupo de Trabalho da Diversidade Linguística
do Brasil (GTDL), através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), 2007, p.9
(www..iphan.gov.br, acesso em 27/12/2007).
17
O projeto de inventário do talian vem sendo desenvolvido pelo Instituto neto e Universidade de Caxias do
Sul/RS, a partir de 2009.
36
No cenário internacional,
18
em 2002, a Unesco publicou o “Atlas das Línguas em
Perigo no Mundo”; em 2003, foi aprovada pela Assembléia Geral da organização a
Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, que inclui no seu Artigo 2 “a
língua como vetor do patrimônio cultural imaterial”; e, em 2005, a Convenção sobre a
Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais reconhece em seu Preâmbulo
que “a diversidade linguística é um elemento fundamental da diversidade cultural.”
Descortina-se um panorama político promissor em favor da diversidade linguística e,
consequentemente, resguardando o patrimônio cultural de comunidades em risco de extinção.
Permanece, no entanto, a dúvida sobre os resultados efetivos na promoção e gestão da
diversidade linguística nas diferentes comunidades. Como isso se dará? Qual a perspectiva
social proposta para negociar as dificuldades que os esforços em torno da manutenção da
diversidade envolvem?
1.1.4 Manutenção e substituição linguística OU fomento à aquisição bi-ou plurilíngue?
Questões sobre manutenção e substituição linguística ou fomento à aquisição bi- ou
plurilíngue podem ser colocadas em um mesmo lado da moeda, não sendo, necessariamente,
opostas. Elas vêm atreladas à preocupação com a defesa ecológica do planeta, e trazem
consigo a defesa de sua flora, fauna, terra, ar e, também, a defesa das populações, suas
culturas e, consequentemente, suas línguas.
Assim, o ideal de um Brasil homogêneo – com um só povo e uma só nação, construído
através de um projeto político que reduziu o número de línguas num processo de glotocídio,
recebe hoje um novo olhar e é revidado abertamente (já que nunca foi pacífico) em defesa da
diversidade linguística, tanto que a linha de pesquisa sobre línguas de imigração configura-se
no cenário maior da pesquisa sobre línguas em contato como uma área emergente e
necessária, tendo em vista que seus estudos são ainda escassos e ocupam um papel marginal.
Enquanto algumas línguas de povos minoritários m status de alguma espécie no
Estado ou na região particular onde vivem, outras não alcançam status algum. As
consequências para estas populações ultrapassam o terreno linguístico e deixam profundas
marcas no campo social. O resultado mais comum é substituir a língua de menor poder pela
18
Esses dados foram retirados do artigo de Maria Cecília Londres Fonseca, intitulado “A Diversidade
Lingüística no Brasil: considerações sobre uma proposta de política”. Revista Eletrônica Patrimônio do Iphan:
http://www.revista.iphan.gov.br/materia.php?id=215, com acesso em 25/08/2007.
37
língua majoritária. O processo é de substituição e perda, não de adição, de fomento à
aquisição bi-ou plurilíngue. Por extensão, o enfoque das pesquisas na área, aentão, foi na
manutenção, substituição e perda. De acordo com Hyltenstam & Stroud (1996, p.568),
falantes de línguas ditas minoritárias e, de modo semelhante, também pesquisadores tendem a
negligenciar situações de estado natural, sadio de uma ngua e, somente quando, por alguma
razão, esse estado passa a ser considerado como não natural, em perigo, é que a pesquisa
sobre manutenção e perda passa a ser motivo de interesse.
No entanto, em 1963-1964, quando Fishman referiu-se à expressão “language
maintenance and language shiftpara designar um continuum que vai demonstrando a perda
do número de usuários e usos de uma determinada língua, focalizava a manutenção. O
grupo ad hoc da UNESCO, citado, descreve que uma ngua está em perigo quando se
encontra a caminho da extinção, e que, sem uma adequada documentação, a ngua que está
extinta jamais poderá ser revitalizada. Há que se considerar, ainda, que exatamente os polos
extremos manutenção (maintenance) e perda (loss) concentram dados de pesquisa
imprescindíveis ao fomento à aquisição bi- ou plurilíngue. O próprio Fishman (1992, p.397),
referindo-se ao maior número de pesquisas voltadas à documentação de casos de mudança e
perda de uma língua do que à sua manutenção e revitalização, observa que
o negativo ou o lado da dívida desse continuum está representado em
excruciantemente fino detalhe, com estudos de atrito, mudança, perigo, perda
e morte, mas o outro lado da moeda (reversão, revigoramento, restauração,
revitalização e reestabilização) é muito menos atentamente estudado
(FISHMAN, 1992, p.397)
19
.
Consequentemente, novos termos são adaptados a fim de distinguir a larga variedade
de processos que se estabelecem entre usuários e línguas em perigo de extinção e ao fomento
bi- ou plurilíngue. Fishman (1996, p.902) enumera alguns termos referentes ora à substituição
e perda, ora à manutenção e fomento. No primeiro caso, distingue language loss, language
attrition, language replacement, language displacement, and language endargerment.” Em
português, diríamos perda da linguagem, linguagem em atrito, substituição da linguagem,
deslocamento ou destituição da linguagem, linguagem em perigo. A tradução para o
português nem sempre é recomendável e adequada. Além da terminologia, os contextos
possuem outra configuração e talvez seja preciso criar novos termos para descrever a
singularidade de línguas faladas por brasileiros descendentes de imigrantes europeus, e que se
19
the negative or debit side of this continuum is represented in excruciatingly fine detail, with studies of
attrition, shift, endangerment, loss and death, but the other side of the coin (reversal, revival, restoration,
revitalization and restabilization) was much less closely studied” (FISHMAN, 1992, p. 397).
38
encontram, supostamente, em perigo de extinção. Isso também é parte da pesquisa. Estudos
realizados por linguistas brasileiros
20
nos mostram que, mesmo em situação adversa, small
language podem apresentar forte resistência à perda de sua língua de origem e, dessa forma,
maximizar as chances de continuidade étnico-linguística, principalmente através da
transmissão intergeracional. E aqui estaríamos entrando no segundo campo, o da reversal,
revival, restoration, revitalization and restabilization language, em português, reversão,
revivificação, restauração, revitalização e reestabilização (FISHMAN, 1992, p.397).
O discurso de uma língua moribunda, pensado e calculado a partir do tempo de uso
desta língua e do possível tempo restante de vida, desenvolvido através de uma lógica
imanente de perda contínua e conhecido como “processo de substituição e perda linguística” é
hoje enfocado com uma mudança de olhar, não mais dirigido somente ao que se perdeu ou
modificou, mas em posse desses dados, dirigi-los à construção de políticas de fomento
linguístico às minorias, “por que falar a sua língua de origem é um direito inalienável de cada
ser humano”
21
. Manutenção, substituição e fomento o o termos que se excluem, mas que
podem ser complementares na busca de uma outra postura frente à diversidade, onde o
discurso deixe de ser um discurso sobre as cinzas, que se contenta em medir o alcance de
línguas, utilizando critérios de maior ou menor prestígio, e passe a ser um discurso dos vivos;
dirigido principalmente às crianças que poderão vir a adquirir esse conhecimento.
Conhecimento visto como a aquisição de habilidades comunicativas necessárias à
sobrevivência e que são um capital intelectual valioso em um mundo onde a diferença faz o
resultado.
O reverso dessa moeda seria o linguicídio e a mortandade linguística.
1.1.5 Linguicídio e mortandade linguística
No transcorrer da história, sempre houve línguas que se impuseram, quer cultural ou
economicamente sobre outras. Ao declínio de grandes potências, seguiu-se, também, o
declínio de suas línguas. A colonização de um país sempre é feita pela imposição da língua do
colonizador. Em um processo de imigração, comunidades falantes de línguas distintas da
língua oficial do país que as recebe, normalmente e também tragicamente, têm uma perda
linguística acentuada. O documento do grupo ad hoc da UNESCO explicita que a perda de
20
Estudos de: Bagno (1999; 2000); Orlandi (2001).
21
Slogan utilizado no I Seminário Internacional da Diversidade Linguística. Porto Alegre, julho de 2007.
39
uma língua pode ser resultado de forças externas, militar, econômica, religiosa, cultural, ou
pode ser causada por forças internas, como atitudes negativas de comunidades em torno de
sua própria língua, e que
a extinção de cada língua resulta em uma irrecuperável perda de uma cultura
histórica única, e conhecimento ecológico. Cada língua é uma expressão
única de experiência humana no mundo. Assim, o conhecimento de uma
simples língua pode ser a chave para respostas a questões fundamentais no
futuro
22
(UNESCO, 2003, p.2).
Na explicação do fenômeno da perda, Skutnabb-Kangas e Phillipson (1996, p.667)
propõem o termo linguicismo (linguicism) para definir o processo que conduz uma língua à
extinção. “Linguicismo é análogo a racismo e envolve questões que legitimam, efetuam e
reproduzem um desequilíbrio na divisão do poder e dos recursos entre comunidades avaliadas
pela sua linguagem,[...]”
23
portanto pode referir-se tanto à linguagem quanto a seus falantes.
Paralelamente, estende-se, linguicídio (linguicide) (SKUTNABB-KANGAS e PHILLIPSON,
1996, p.667) por termo análogo à genocídio, como o resultado do linguicismo, explicado
muitas vezes como um fenômeno natural pelo qual passam todas as línguas, com períodos de
ascensão e declínio, comparáveis a organismos que se desenvolvem, florescem e murcham ou,
ainda, vítimas das leis do progresso, neste caso, visto como uma incapacidade de adaptação
dos falantes ao mundo moderno.
O linguicismo é o que nos afeta mais diretamente, que configura a educação de
minorias, imigrantes ou indígenas, e a proeminência do inglês como a linguagem mundial.
Dorian (2006, p.437) considera em perigo a língua de minorias dentro de um Estado onde a
população em questão vive, como comprovam as pesquisas já realizadas sobre a situação da
língua de origem italiana na Região do Alto Uruguai Gaúcho (CONFORTIN, 1998;
MESCKA, 1983) que apontam para um atual estágio de linguicismo que não tem a ver com
causas naturais, mas sim com causas que podem e devem ser identificadas e analisadas.
Confortin (1998) conclui que os empréstimos decorrentes do contato entre o dialeto vêneto e a
língua portuguesa não foram impostos, mas buscados pelos imigrantes e seus descendentes
como uma necessidade de adaptação e de sobrevivência no novo país. Gal (1996, p.586, apud
GOEBEL, 1996) afirma que o declínio e possível extinção de uma língua, necessariamente
implicam privilégios a outras línguas substitutas daquelas. A própria Declaração Universal
22
The extinction of each language results in the irrecoverable loss of unique cultural, historical, and ecological
knowledge(International Expert Meeting on UNESCO Programme Safeguarding of Endangered Languages).
23
O texto completo é: Linguicism has been defined as “ideologies, structures and practices which are used to
legitimate, effectuate and reproduce an unequal division of power and resources (both material and immaterial)
between groups which are defined on the basis of language(SKUTNABB-KANGAS & PHILLIPSON, 1996.
p.667).
40
dos Direitos Linguísticos surge como reação à ameaça do linguicismo. Oliveira (2003, p.9),
ao referir-se sobre as línguas brasileiras e aos direitos linguísticos, destaca que “a política de
integração do índio, do negro e do imigrante pressupunha a destruição das suas línguas e das
culturas e sua adaptação ao formato luso-brasileiro.” A quase total aceitação de que a morte
de uma língua está associada, em nível individual, ao ato voluntário de cada falante e, em
nível social, como o resultado natural, seja das leis da natureza ou do progresso, faz parecer
que o linguicismo e o linguicídio sejam fenômenos normais aos quais estão expostas
principalmente as línguas de comunidades minoritárias. Nesse sentido, pode-se falar em
mortandade linguística, termo análogo à linguicídio, mas com uma conotação mais acentuada
de morte natural”, como uma grande epidemia, que arrasa populações inteiras e que é vista
como inerente ao processo biológico cíclico. Essa falta de consciência linguística (language
awareness) vai de encontro à manutenção linguística, à aquisição bi-ou plurilíngue e,
consequentemente, à revitalização (language revitalization).
1.1.6 Consciência linguística (language awareness) e revitalização (language
revitalization)
O devir da história, vista enquanto prática social, tem mostrado que inúmeros
processos de dominação oriundos do poder institucionalizado são perpetuados como legítimos
e decorrentes do contato natural entre indivíduos de diferentes grupos de poder e diferentes
linguagens. No entanto, para aqueles que estudam esses processos, de natural mesmo o
contato linguístico, pois o que determina, em grande parte, a rapidez ou a lentidão das
mudanças é a estrutura da sociedade na qual as línguas se inserem. Senão, vejamos o caso de
contato entre línguas de imigração e a língua portuguesa no início do século XX.
A região norte do Estado do Rio Grande do Sul, mais especificamente a região do Alto
Uruguai Gaúcho, é uma região que se caracteriza como um espaço geográfico onde se registra
a presença significativa de comunidades bilíngues, formadas por descendentes de imigrantes
italianos, alemães, poloneses e israelitas que, infelizmente, estão sendo vítimas de um
processo contínuo de mortandade linguística e cultural. O processo de contato das línguas dos
diferentes imigrantes entre si e de todas estas línguas com a língua do país, o português, fez e
está fazendo com que as diferentes variedades de falares italianos, por exemplo, estejam se
constituindo em uma “mistura”, fazendo desaparecer a própria diversidade interna à língua
(nivelamento linguístico). Por outro lado, o contato das diferentes línguas alóctones com o
41
português, língua oficial, provocou e está a provocar o seu suposto quase desaparecimento,
em graus distintos, dependendo das condições de manutenção da língua em cada comunidade
de falantes.
Apesar das iniciativas levadas a efeito nos últimos anos (Livro das Línguas; Inventário
Nacional de Diversidade Linguística), pode-se dizer que não no Brasil uma tradição de
reconhecimento ao menos declarado dos direitos linguísticos das diferentes comunidades
formadas por descendentes de imigrantes. São também incipientes as discussões sobre
educação bilíngue. A língua portuguesa, obrigatória como meio de instrução formal, domina
como língua única. A escola, como aparelho ideológico do Estado, mal acolhe a língua
minoritária do aluno, como parte de seu contexto, seja por não incentivar ou ignorar, seja por
meramente substituí-la pela língua majoritária. Instaura-se, como afirma Paraíso (1996, p.138)
um “campo de silêncio” sobre algo que, se debatido ou trazido à consciência (language
awareness) causaria transtornos à ordem instaurada. Constata-se o que Cummins (2000)
24
descreve ironicamente, quando compara a situação a uma placa fixada na entrada de escola,
onde se : “Entrem, sejam bem-vindos, mas deixem suas línguas.maternas do lado de fora,
como quem deixa os calçados do lado de fora, para manter a “higiene do ambiente.”
Faz muito pouco tempo que questões ligadas à aquisição da língua de origem, ao
respeito com a língua do aluno e, principalmente questões referentes à política linguística
25
foram introduzidas no cenário brasileiro e nos currículos dos cursos de graduação e pós-
graduação na área de Letras. Eu mesma, como aluna do curso de Letras de uma universidade
de região com predominância italiana, na década de 1970, pouco ouvi falar sobre línguas
minoritárias, direitos linguísticos, línguas de imigração ou mesmo de política linguística. No
entanto, por mais paradoxal que possa ser, existia a tendência de apoio à aquisição de
línguas estrangeiras
26
modernas como forma de status e ascensão social. Progressivamente, de
forma paralela e ainda não consciente, a depreciação de minorias linguísticas, em sua
diversidade, tornava-se um fato. Afinal, excluir o que é diferente é uma constante na história
do mundo e está presente até mesmo na literatura infantil. Quem não lembra do Patinho
Feio” que virou cisne?
24
"Leave your language and culture at the schoolhouse door", children also leave a central part of who they
are-their identities-at the schoolhouse door. In: Bilingual Children's Mother Tongue: Why Is It Important for
Education?
http://www.iteachilearn.com/cummins/mother.htm
- Acesso em 05/08/09. (CUMMINS, Jim).
25
Oliveira (prefácio in: CALVET, 2007) o termo “política lingüística” começou a circular no Brasil após a
década de 1980.
26
Línguas estrangeiras: entendidas como línguas de prestígio social, econômico e cultural, assim como o inglês,
por exemplo. (SKUTNABB-KANGAS, 1988. p. 10) chama a atenção para o termo Linguicism –“the domination
of one language at the expense of others.”
42
E foi este o cenário no qual se viu inserido o descendente do imigrante italiano na
região do Alto Uruguai Gaúcho. Tentando adaptar-se ao novo mundo, necessita dominar a
língua que a ele lhe dá acesso. A língua portuguesa é essa porta de acesso.
As consequências dessa situação não se diferenciam de outras, em diferentes países,
27
tanto que Fishman (2006), em 1963/4, como já nos referimos anteriormente, usou a expressão
language maintenance and language shift como representação da decadência e fluxo contínuo
em relação ao número de usuários e usos de línguas, demonstrando o baixo nível de interesse
dos grupos de falas minoritários por suas línguas em todo o mundo. Segundo ele, a maior
razão de negligenciamento da Reversing Language Shift
28
(RLS) é o fato de ser ela uma
atividade voltada a minorias, frequentemente de pouco poder aquisitivo e status social”
29
. Em
um texto de 1996, Fishman (2006, p.126-127) enfatiza esses termos e acrescenta outros, com
diferentes enfoques: language revival or revitalization, reversing language shift, language
maintenance and language spread, mas voltados a uma possível reversão da perda de uma
língua em processo de extinção. Skutnabb-Kangas e Phillipson (1996) falam em colonising
consciousness (colonização da consciência) pelas atividades de conscientização via educação,
meios de comunicação social, religião etc.
Além da questão do reconhecimento institucional e social colocada anteriormente,
ainda o fato de que falar em línguas minoritárias pode ser de pouca significância para aqueles
que não têm uma dessas línguas como sua língua de origem e ou língua materna. Para os
descendentes de imigrantes europeus, no entanto, sejam eles italianos, alemães, poloneses,
judeus, ou outros, o fato de saber e poder falar a língua de seus antepassados é uma questão
muito mais de escolha de direitos do que de reconhecimento pela sociedade mais ampla,
embora também se considere esse importante fator. A própria idéia de que o ou de que
muito poucas comunidades ainda conservam sua língua de origem, não é algo a ser afirmado,
mas sim pesquisado.
Sendo descendente de imigrantes italianos, faço parte daqueles que tiveram sua língua
de origem negada como consequência de um ato de poder
30
. Ao mesmo tempo, para nossos
pais, o receio de que ao falarem a língua de origem estariam dificultando a alfabetização dos
27
In Austrália the decline of non-English languages has bee similarly dramatic. Only 4.2 percent of the
Australian-born population regularly uses a language other than English” (ROMAINE, 1995. p. 38)
28
Expressão usada pelo autor como forma de inversão da mudança da linguagem.
29
The most general reason for the neglect of RLS is probably the fact that RLS is an activity of minorities,
frequently powerless, unpopular with outsiders and querulous amongst thenselves;” (FISHMAN, 2006. p.80).
30
Estado Novo durante o governo Vargas, pelo Decreto de 8 de abril de 1938, obrigava a criação de um
ambiente de “brasilidade” nas escolas, a adoção da língua nacional e a eliminação de símbolos estrangeiros.
Diante de constatação de violações à lei, o governo promulgou o Decreto de 12/12/1938 instaurando um regime
severo de controle e o português como a única língua de ensino. (LUNA, 2000).
43
filhos na língua portuguesa por ser a língua oficial, fez com que nos impedissem de falar a
língua mãe, mesmo no convívio do lar
31
. Dessa forma, mais de uma geração de descendentes
italianos formou-se de bilíngues passivos (v. Pertile, 2008), ou seja, entendiam a língua de
seus pais, mas não a falavam. Na falta de uma consciência linguística mais clara (language
awareness) pouco se refletia sobre a realidade linguística e o que representava “ser falante de
duas ou mais línguas.” O bilinguismo passivo instaurado não foi uma questão de escolha, mas
de imposição, acentuando a visão de bilinguismo como déficit, e não vantagem.
Infelizmente, foram pouco motivadas e incentivadas entre nós, descendentes de
imigrantes, as atitudes de perguntar-se por que algumas formas de bilinguismo foram e são
apoiadas e outras não e de refletir-se sobre ações que dessem poder idêntico a todas as línguas
faladas, cujas diferenças fossem vistas como constituintes da diversidade natural e o como
marca de status e exclusão. Para que isso viesse e venha a ocorrer, faz-se necessário,
primeiramente, identificar a existência de possíveis comunidades ainda falantes de línguas
minoritárias, conhecer sua origem, sua cultura, sua história e, principalmente, quais fatores
contribuem para manter ou substituir línguas ou impedir a aquisição bi- ou plurilíngue. A
compreensão desses mecanismos pode auxiliar em muito as políticas linguísticas em projetos
de promoção e gestão do plurilinguismo e de diversidade linguística de modo geral.
1.2 CONTEXTO DA PESQUISA
1.2.1 A Comunidade Ítalo-Brasileira na Região do Alto Uruguai Gaúcho
1.2.1.1 Dados demográficos e estatísticos
Entre 1870 e 1970, cerca de 26 milhões de pessoas deixaram a Itália para viver em
outros países. Desse número, cerca de 7 a 8 milhões não retornou à pátria de origem. Dos
dados existentes, Bertonha (2005, p.88) nos fornece um quadro com números da emigração
italiana no período compreendido entre 1870 a 1970, em milhões:
31
Edwards (1985.p.50, apud Kaufmann, 2006. p.2434)
afirma que “[…] is important to understand that they do
not stop transmitting their language because they do not like it, but because they want themselves and their
children to have a better chance in life”.
44
Tabela 1 – Quadro estatístico do número de imigrantes italianos entre 1870-1970
Imigração Italiana – 1870-1970
Em milhões
Estados Unidos
França
Suíça
Argentina
Alemanha
Brasil
Império Austro-húngaro
Canadá
Bélgica
Austrália
Venezuela
Grã Bretanha
5,6
4,1
3,0
2,9
2,4
1,5
1,1
0,6
0,5
0,4
0,2
0,2
Europa
América e Austrália
12,5
11,5
Fonte: Bertonha (2005, p.88)
Dos 1,5 milhões de imigrantes italianos no Brasil, é sabido que entraram no Estado do
Rio Grande do Sul cerca de 100 mil italianos, todos relativamente jovens. Sabe-se, além
disso, que, entre os adultos da Colônia Caxias, 2/3 dos homens contavam entre 20 e 45 anos e,
das mulheres, entre 20 e 40 anos (v. GIRON, 1976 apud De BONI e COSTA, 2000, p. xi). A
média de filhos era de 10,81 filhos por família, um pouco maior do que a média de filhos por
família na Itália, que era de 8,25. Segundo Frosi & Mioranza (1975, p.52), as levas de
imigrantes procediam, em grande número, do norte da Itália, a região mais atingida pela crise
econômica no momento da unificação, e compunha-se de beluneses, vicentinos, padovanos,
trevisanos e veroneses. Vindos, em um primeiro momento, para a região de Caxias; em um
segundo momento, a partir de 1914-15, começam a migrar à região do Alto Uruguai Gaúcho à
procura de novas terras, já que na antiga colônia não havia mais terra para todos.
Se nosso primeiro dado a ser pesquisado refere-se ao índice de descendentes de
imigrantes italianos na região da pesquisa, cabe perguntar também sobre o índice de
descendentes ainda falantes do italiano como língua de imigração O último censo
demográfico que faz referência a esta última questão foi o de 1940, através de duas perguntas,
quais sejam: O recenseado fala corretamente o português?” e, “Que língua fala
habitualmente no lar?” Nos estudos de estatística teórica e aplicada
32
sobre o censo lemos que
o Brasil acolheu menos de 400.000 imigrantes da Alemanha e de outros países de língua
alemã e cerca de 1.000.000 da Itália. Para melhor apreciar a intensidade e duração da
resistência das línguas, Giorgio Mortara (1950, p. 41) apresenta uma tabela sobre a
32
Os dados sobre esse censo encontram-se nos “Estudos de Estatística Teórica e Aplicada” – Estatística Cultural
nº 2, 1950, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/ Rio de Janeiro.
45
assimilação linguística de imigrantes e seus descendentes, no Brasil, subdividindo por
gerações as pessoas que falam cada língua do país de origem. Vejamos abaixo:
Tabela 2 Dados estatísticos, por geração, do nº de descendentes de imigrantes no Brasil que
estão acostumados a falar a língua de origem no lar, segundo Mortara (1950, p.41).
Nº dos que estão acostumados a falar
Gerações
Alemães Italianos Japoneses Espanhóis
Primeira 64.000 53.000 122.000 46.000
Segunda 120.000 120.000 70.000 26.000
Terceira e post. 460.000 285.000 1.000 2.500
TOTAL 644.000 458.000 193.000 74.500
Na análise deste quadro, e como forma de comparação, observamos que de 64.000
alemães da primeira geração de imigrados, passa para 120.000 da segunda e 460.000 da
terceira geração e seguintes. os italianos de primeira geração são 53.000, 120.00 da
segunda e 285.000 da terceira e seguintes. Deve-se lembrar que se considera como primeira
geração os imigrados, a segunda, a de seus filhos nascidos no Brasil e, a terceira, a de seus
netos, assim por diante. Segundo esse quadro, a resistência à assimilação linguística parece
ser fraca entre os italianos e forte entre os alemães.
33
Mortara (1950, p. 41) apresenta outra tabela, transposta abaixo, onde registra agora a
percentagem de cidadãos estrangeiros ou naturalizados, com procedência de vários países e
que falam a língua-mãe, por preferência, em comparação ao número total de imigrantes no
país:
Tabela 3 Dados estatísticos: estrangeiros e naturalizados brasileiros que falam a língua-mãe
por preferência - censo de 1940, segundo Mortara (1950, p. 41).
Terra natal de estrangeiros e naturalizados
brasileiros
Percentagem de cidadãos (ou ex) que falam a
língua-mãe por preferência
Japoneses 84.71
Alemães 57,72
U.R S.S. 52,78
Polônia 47,75
Áustria 42,18
Espanha 20,57
Itália 16,19
33
Referindo-se aos imigrantes em Buenos Aires: “[...] los italianos son – entre los diferentes grupos no
hispanohablantes arribados al país los que más pronto pierden su lengua materna; por otro lado, el contacto
del español con la variedad hablada por los alemanes del Volga-variedad del alto alemán-, comunidad que se
encuentra entre los grupos que más la conservan” (RIGATUSO, 2005. p.247).
46
A contagem deixa claro que a resistência à assimilação é alta entre os japoneses e
alemães, vindo a decrescer entre os russos, poloneses, austríacos, chegando a pouca
resistência entre espanhóis e italianos. Mortara, no mesmo texto (p.42), observa ser óbvio
que a assimilação linguística e, consequentemente cultural, varia consideravelmente de um
grupo e nacionalidade para outro,” e isso se evidencia “pelo contraste entre a rapidez da
assimilação linguística dos espanhois e dos italianos e a lentidão da assimilação dos
japoneses”. Continua sua análise observando que, embora pese a força da “nacionalidade de
procedência dos grupos”, e aqui estão inclusas questões de identidade e de similaridade de
idiomas, não se deve subestimar a força do ambiente, exemplificando com outra tabela, pela
qual é possível comparar a sobrevivência da língua italiana entre imigrantes italianos e seus
descendentes nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul (Tabela 4):
Tabela 4 Dados estatísticos sobre a sobrevivência da língua italiana entre imigrantes e
descendentes nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul censo de 1940,
segundo Mortara (1950, p. 42).
Imigrantes e descendentes da Itália
ESTADOS
TOTAL
Todos que falam
italiano, por preferência
Percentagem dos que
falam italiano, por
preferência (%)
Rio Grande do Sul
24.603 13,349 54,26
São Paulo
234.550 30,259 12,90
No prosseguimento de sua análise, Mortara (p.42) encontra na formação e distribuição inicial
dos imigrantes (aglomerações compactas e isoladas) presente no Rio Grande do Sul, um
motivo pela alta proporcionalidade dos que permanecem fieis à língua da terra natal.
Contrariamente aos imigrantes e descendentes do Estado de São Paulo, onde houve uma
miscigenação maior com a população local.
Como observei, a resistência à assimilação linguística foi mais forte nos
lugares onde os imigrados de algumas nacionalidades ficaram reunidos em
grupos isolados ou relativamente independentes do resto do meio social,
enquanto que em outros lugares, onde a fusão dos imigrados com a
população local foi favorecida pelo contato diário, pelos interesses comuns,
pelas amizades, pelos casamentos, esta resistência foi menos forte e menos
durável
(MORTARA, 1950, p.44)
34
.
34
“As pointed out already, reistance to linguistic assimilation is strongest where immigrants form groups,
isolated from and virtually uninfluenced by the prevailing social environment. Where, on the contrary,
immigrant fusion with local inhabitants has been made easier by daily contacts, common interests, bonds of
marriage and friendship, this same resistance is never so strong or so lasting” (MORTARA, 1950, p.44).
47
Côrtes (1958, p. 50/51), analisando os mesmos dados no Censo de 1950, apresenta um
quadro e gráfico idênticos, onde se constata que do total de imigrantes falantes de italiano,
35
em 1950 (458.000), 64,62% estavam localizados no Rio Grande do Sul, 20,87% no Estado de
Santa Catarina e 9,99% em São Paulo, sendo que neste Estado estava a maior concentração
demográfica de descendentes de italianos. Conforme Altenhofen e Margotti (2009, no prelo),
citando Jean Roche (1969), os dados levantados a partir do censo de 1950 mostram o alemão
como língua estrangeira (Roche ainda usa o termo estrangeira) mais falada no Brasil.
De para cá, essas questões centrais de cultura brasileira foram excluídas dos demais
censos que se seguiram, de forma que quando se fala em índice ou percentagem de
descendentes de imigrantes europeus existentes em determinadas áreas e, mais do que isso,
percentagem de descendentes ainda falantes da língua de origem, o se dispõe de dados
demográficos específicos que nos demonstrem onde estão e quantos são esses falantes. Essa
falta de dados contrasta, porém, com a constatação evidenciada pelos estudos do Atlas
Lingüístico Etnográfico da Região Sul do Brasil (ALERS) que apontam o bilinguismo como
“uma das características mais marcantes, senão a mais significativa, da paisagem lingüística
do sul do Brasil” (ALTENHOFEN, 2002, p.131).
O seu mapeamento pelo ALERS (ver mapa 1), delimitando a segunda ngua falada
pelo informante e a áreas de presença de descendentes de imigrantes italianos, alemães,
poloneses, ucranianos e outros, prova da abrangência do fenômeno. Os dados se
restringem, a um segmento social apenas, ou seja, a classe baixa analfabeta ou semi-
analfabeta do meio rural, essencialmente homens com idade entre 28 e 65 anos, o que não
responde às necessidades deste estudo. Felizmente, o IBGE sinaliza para 2010
36
, no próximo
censo demográfico, com a inclusão da pergunta sobre quais as línguas faladas pelos
brasileiros, ao lado do português, e qual o número de falantes.
35
Neste texto, emprego o termo italiano” para fazer referência à língua histórica, com suas distintas variedades
regionais, entre elas o talian, falado na região pesquisada.
36
Ver Relatório de Atividades (2006-2007), encaminhado pelo Grupo de Trabalho da Diversidade Linguística do
Brasil (GTDL), através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), 2007, p.9
(www.iphan.gov.br, acesso em 27/12/2007).
48
Mapa 1 – Atlas Lingüístico-Etnográfico da Região Sul do Brasil (ALERS).
49
1.2.1.2 Área de estudo: Alto Uruguai Gaúcho
A região de nossa pesquisa é a microrregião de Erechim, pertencente à mesorregião
noroeste rio-grandense, comumente denominada Região do Alto Uruguai Gaúcho. Sua
população foi estimada em 2005, pelo IBGE, em 217.894 habitantes e está dividida em trinta
e dois municípios. Possui uma área total de 5.710,341 km2 com uma densidade de 38,2
hab./km². Sua localização e amplitude pode ser observada no mapa 2.
Mapa 2 – Região do Alto Uruguai Gaúcho na sua localização no Rio Grande do Sul.
Fonte: "http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:RioGrandedoSul_Micro_Erechim.svg" acesso em 08-08-07
Nesse contexto, optou-se por escolher quatro municípios para coleta e comparação dos
dados. Como critério básico, adotou-se o grau de presença/homogeneidade-heterogeneidade
da etnia italiana, a distribuição geográfica dos pontos na região, bem como o grau de
50
urbanização e “isolamento” dos quatro pontos. Assim, escolheu-se Erechim (ao centro de toda
região) e Getúlio Vargas (mais ao sul) como pontos mais heterogêneos e urbanizados;
Severiano de Almeida (ao norte) e Jacutinga (a oeste) como pontos mais homogêneos e
isolados. O mapa 2 nos a visualização exata do espaço geográfico ocupado por esses
quatro municípios37.
Mapa 3 – Mapa dos Municípios da Região do Alto Uruguai Gaúcho.
Fonte: da autora (adaptação) (Departamento Agrário de Cartografia e Cooperativismo -1997, Erechim).
37
Doravante também denominaremos esses municípios por pontos, ou seja, Ponto 1 – Erechim, Ponto 2
Getúlio Vargas, Ponto 3 – Jacutinga e Ponto 4 – Severiano de Almeida.
51
1.2.1.3 Dados Históricos da área em estudo
Para uma maior compreensão dos critérios que subjazem à escolha dos pontos, cabe
esclarecer como ocorreu o povoamento da região e o que isso significou na vida dos
imigrantes e seus descendentes. Nessa época, a virada do século XIX para o XX, verificou-se,
no âmbito econômico, um estrangulamento da agricultura pelo latifúndio. Diante de tal
situação, urgia à Federação e aos Estados tomar medidas eficazes para livrar o sistema
capitalista da ruína. Assim, geridos por governos notadamente positivistas, comprometem-se
em propor e executar projetos de colonização, favorecendo a imigração européia. Visavam a
implementar uma classe de pequenos proprietários rurais que, além de ocuparem as terras
devolutas, sujeitas à ocupação pelos espanhóis, que já haviam ocupado o atual país do
Uruguai, se destinariam a produzir alimentos para atender a demanda interna, liberando,
assim, os latifúndios monoprodutores a produzirem para o mercado externo, mais rentável. Os
imigrantes italianos serviram fielmente a esses propósitos.
Para executar a tarefa de colonização, o governo nomeou duas companhias – a ICA e a
LUCE-ROSA.38 A ICA Jewihs Colonization Association, fundada em 1889, em Londres,
foi reconhecida pelo governo do Estado como sociedade de utilidade pública. Em 1909,
adquiriu a Fazenda Quatro Irmãos com uma área de 95.000 ha, na recém fundada Colônia de
Erechim, situada nos atuais municípios de Erechim, Jacutinga, Campinas do Sul e o
Valentim. Toda a região de Quatro Irmãos, Paulo Bento, Jacutinga, Campinas do Sul e
adjacências foi colonizada pela ICA, que se reservava o direito de derrubar e retirar o pinho,
grande riqueza da região e que, em pouco tempo, foi totalmente destruída. A ICA subsidiou a
vinda de muitas famílias israelitas, construiu aproximadamente 500 km de estradas, fundou
escolas e sinagogas. Ao mesmo tempo, iniciou a venda de lotes de terra para os imigrantes,
sobretudo aos italianos, vindos das colônias velhas39. Foram esses colonos que fundaram o
atual município de Jacutinga.
a Empresa Colonizadora Luce-Rosa & Cia Ltda, com sede em Porto Alegre, no ano
de 1916, recebeu do Estado do Rio Grande do Sul uma área de aproximadamente 40.000 ha
de terras na Colônia Erechim em decorrência de permuta. Entre 1916 e 1926 localizou mais
de 1100 famílias de colonos 700 de origem italiana, 325 de origem alemã e, as demais, de
outras etnias (CONFORTIN, 1998). Das quatro povoações fundadas, uma foi a de Nova Itália,
atual município de Severiano de Almeida, sendo o município de Erechim igualmente
38
Os dados contidos neste parágrafo foram retirados do Histórico de Erechim, 1979, p.28-31.
39
Colônias velhas – assim denominadas por terem sido as primeiras a receber imigrantes – Caxias, Dona Isabel e
Conde D’Eu em 1875; Silveira Martins, em 1877 e Antônio Prado e Alfredo Chaves, em 1880.
52
beneficiado pela Companhia Luce-Rosa que devotou especial atenção à congregação dos
núcleos, no caso de Erechim, núcleos de italianos, alemães e poloneses. Dividiu os imigrantes
segundo a mesma origem étnica, costumes e religião, a fim de não criar quistos raciais e
facilitar a própria comunicação, uma vez que tanto alemães quanto italianos falavam
praticamente só o seu dialeto.
Dessa forma, toda a mesorregião noroeste rio-grandense foi colonizada por imigrantes
italianos, alemães, poloneses, israelitas, lusos e nativos e; em menor proporção, por
austríacos, russos, espanhóis, suecos e holandeses. mais de 100 anos do início da
ocupação, pouco ainda se conhece da história desses diferentes grupos que, por razões
diversas, conseguiram manter, em maior ou em menor grau, a sua língua e a sua cultura40.
Desde sua formação e até a presente data, um estudo mais aprofundado sobre as
condições de manutenção e/ou substituição das línguas alóctones, italiana, alemã, polonesa ou
israelita na região do Alto Uruguai Gaúcho, ainda não foi efetuado. E, afrontando o princípio
já conhecido no campo de estudos de línguas em contato de que o maior desafio para minorias
linguísticas quer indígenas, refugiados ou imigrantes é a manutenção de sua língua e cultura,
mesmo em nossos dias, a presença mais ou menos forte de comunidades falantes de
variedades do italiano ainda subsiste como forma de comunicação, seja no grupo familiar, seja
no grupo mais amplo.
Partindo da premissa que houve um fato desencadeador comum (a proibição do uso
das línguas estrangeiras) de uma suposta extinção das línguas alóctones, pergunta-se: Que
fatores contribuíram para que, paradoxalmente, as diferentes variedades de falas
conseguissem, mesmo que quase apenas oralmente e em diferentes proporções, manterem-se
como meio de transmissão da cultura e por várias gerações? Ou, utilizando os
questionamentos de Kaufmann (2006, p.2435), “Por que razões falantes de linguagens
minoritárias deixam de usar suas línguas? Devem as linguagens minoritárias ser salvas ou
podem ser salvas?” ou ainda, como indaga Oliveira (prefácio CALVET, 2007, p.10) “Em que
medida o homem pode intervir na língua ou nas línguas”?
40
Especificamente, estudos desta região sobre Manutenção e Substituição Linguística” não existem. O que
são estudos sobre a interferência fonológica do italiano na aprendizagem do português, de Paulo Marçal Mescka
(1983), estudos sobre a realidade linguístico-cultural de grupos de etnia italiana em macro e micro comunidades
do Alto Uruguai Gaúcho, de Helena Confortin e outros estudos menores sobre histórias de vida dos primeiros
imigrantes.
53
1.3 ESTUDOS DO CONTATO LINGUÍSTICO ITALIANO-PORTUGUÊS
Apresentar o conhecimento dos fatores que propiciam ao indivíduo a aquisição
bilíngue e a manutenção do bilinguismo em uma comunidade, particularmente em
comunidades minoritárias, nos desafia a enfrentar uma tarefa complexa, com muitas variáveis
intervenientes e ainda pouco exploradas. O primeiro desafio a ser superado diz respeito ao
conhecimento da própria realidade que se quer estudar. Quando se trata de recuperar dados
históricos, de início da colonização e formação das comunidades que originaram os
municípios, pouco se encontra e, quando encontrados, divergem entre uma e outra fonte.
Embora historiadores, linguistas, educadores e interessados da cultura italiana estejam
concentrando seus esforços na investigação sobre a formação e existência das nguas de
origem italiana no Brasil, constata-se ainda uma escassez de estudos nesta área, conforme
nos referimos no item 1.1.4. O que se verifica são escritos, alguns científicos e muitos
espontâneos, que estão originando um referencial sistematizado de consulta. Carboni (2005)
escreve que
nos últimos 25 anos, a comunidade ítalo-gaúcha produziu importantes
reflexões acadêmicas e étnico-apologéticas sobre vários aspectos da história
da imigração. Não raro, em vez de olhar cientificamente para a história feita
de integração e miscigenação, elaboraram mitificações históricas e
lingüísticas [...] (CARBONI, 2005).
Sobre isso, é importante fazer dois registros: 1) em nível restrito, sentimentos
bairristas envolvem muitos textos, interferindo na objetividade de seu conteúdo e dificultando
o conhecimento da real situação da língua e da cultura alóctone de origem italiana; 2) em
nível mais amplo, a crescente tomada de espaços, mesmo institucionais, por uma língua,
sempre implica perda ou decréscimo de outras. Essas são questões essenciais que nos
remetem a outras leituras, tendo em vista que os estudos realizados nos auxiliam, mesmo
vagamente, a entender essa realidade e a construir uma verdade, mesmo que em permanente
estado de “fazedura, que é temporário e singular.
Estudos mais específicos referentes à língua e cultura italiana no sul do Brasil datam
da década de 1960-70 com o início dos cursos de Letras e programas de pós-graduação,
principalmente nas universidades de Caxias do Sul (UCS), de Passo Fundo (UPF), de Porto
Alegre (PUC, UFRGS e Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes) e de São
Leopoldo (UNISINOS). Anterior a esta data, os estudos existentes apresentavam um caráter
histórico-sociológico e etnográfico, não possuindo valor por si como objeto de estudo, mas
como dado secundário. As primeiras pesquisas acadêmicas mais conhecidas sobre o contato
54
do português com as línguas de imigração italiana foram iniciadas por Heinrich Bunse, no Rio
Grande do Sul.
Margotti (2004, p.76-8) apresenta, em sua Tese sobre a difusão sócio-geográfica do
português em contato com o italiano no sul do Brasil, um levantamento de estudos de cunho
científico sobre o tema, classificando-os de acordo com os objetivos a que se dirigiam. Deu
destaque a duas grandes áreas, quais sejam: 1) os que se referem ao ensino e práticas de
letramento e 2) os que se referem à manutenção e substituição linguística do italiano como
língua de imigrantes. Colocaríamos, ainda, uma terceira área, a que se refere especificamente
aos estudos sobre interferências linguísticas.
Nos estudos sobre o primeiro macrotema “ensino de língua e práticas de letramento”,
relacionamos (cfe. MARGOTTI, 2004), os de Mescka (1983), Boso (1989), Mengarda (1996),
Paviani (1997) e Jung (2003). Referentes ao tema da manutenção e substituição linguística
destacamos os de Bonatti (1996), Frosi e Mioranza (1975 e 1983), Lenard (1976), Bunse
(1978), Zanela (1985), Boso (1989 e 1992), Dacorégio (1990), Mengarda (1996), Gianni
(1997), Santos (2001), Godoy (2002), Carboni (2002) e Ponso (2003). A estes acrescentamos
o próprio trabalho de Margotti (2004). Estas duas grandes divisões comportam inúmeros
outros subtemas que vão desde a história da colonização italiana no sul do Brasil até aspectos
de construção de identidade, etnicidade, identificação de atitudes em relação à língua italiana
e interinfluências linguísticas. Quanto ao terceiro grande tema as interferências e
interinfluências de uma língua sobre a outra, destacamos os de Mescka (1983) e Confortin
(1998), na região do Alto Uruguai Gaúcho e de Frosi e Mioranza (1975 e 1983), na RCI.
Os estudos, de uma maneira geral, centralizam-se nas consequências do uso de duas
línguas em contato em situação diglóssica, isto é, não dão ênfase às causas, mas sim aos
resultados desse contato. Quando é mencionado algum fator como possível causador da
interferência e da substituição linguística, ele ainda não constitui o centro de estudo, mas algo
consequente. Estudos de cunho histórico-sociológico e etnográfico, portanto, não como objeto
de estudo, como fim em si, mas como dado secundário. Mesmo assim, dos estudos que dizem
mais diretamente com esta Tese, trarei alguns relatos significativos.
Os estudos de Gianni (1997) sobre transferências lexicais da ngua portuguesa para a
fala dialetal italiana em uma comunidade bilíngue no nordeste do Rio Grande do Sul, na
grande região de Caxias, avaliam fatores condicionadores dessa ocorrência, levando em
consideração aspectos linguísticos e não linguísticos. Ao se referir a estes últimos, faz menção
àqueles apontados pela literatura como sendo intervenientes na escolha situacional da língua,
por parte de bilíngues ou de uma variedade, por parte de monolíngues. Referem-se à idade,
55
sexo, naturalidade, escolaridade, mobilidade espacial, domínio linguístico, habilidades
linguísticas em italiano, escolha linguística para diferentes funções e ocasiões, exposição aos
meios de comunicação, atitudes em relação às línguas e redes de comunicação. No decorrer
da análise do processo de transferência lexical, leva em consideração esses aspectos,
atribuindo a eles um papel determinante na formação da transferência e, consequentemente,
na maior ou menor manutenção do dialeto vêneto. O estudo de Gianni pode servir como ponto
de comparação no estabelecimento de fatores determinantes de manutenção ou de substituição
linguística, embora o enfoque principal da autora não tenha sido este, que a comunidade
onde foi realizada a pesquisa é definida como ilha dialetal. Como ilha dialetal, reveste-se de
um caráter atípico, diferente de outros locais onde a língua italiana também sofreu esse
processo de aculturação, interferência, empréstimo e alternância de códigos, como a região de
nossa pesquisa.
Frosi e Mioranza (1975) explicitam a questão ao identificarem a existência de ilhas
dialetais,”
41
atribuindo sua formação à confluência de grupos vindos da Itália, em uma mesma
época, originários de uma mesma província e que aqui ocuparam áreas geográficas vizinhas.
Citam, também, como fator de manutenção da fala italiana, a reorganização de comunidades
durante os primeiros movimentos de migração interna. Este último diz respeito ao nosso
estudo, visto que é uma característica da migração italiana para o Alto Uruguai Gaúcho. O
foco de Frosi e Mioranza é a Região de Colonização Italiana no Nordeste do Rio Grande do
Sul (RCI).
Estudo semelhante ao de Gianni (1997), mas em relação à língua portuguesa, foi
realizado mais recentemente por Margotti (2004) com o objetivo de explicitar tendências da
difusão do português no espaço pluridimensional de áreas de contato com o italiano, mais
especificamente em vários pontos da região norte do Rio Grande do Sul e sul de Santa
Catarina. Apesar de objetivarem polos opostos Gianni (1997) estudando a influência do
português na fala dialetal italiana, e Margotti (2004) a difusão do português em contato com o
italiano, ambos focalizam o processo de interferência e substituição de segmentos lexicais de
uma para outra língua na dimensão diatópica e em diferentes dimensões sociolinguísticas.
Interessante para nossa pesquisa é observar que, tanto Gianni (1997) quanto Margotti
(2004), e aqui acrescentamos os estudos de Ponso (2003), não apontam a substituição lexical
como fator determinante de mortandade linguística e sim apenas como um indício desse
fenômeno ao lado de fatores extralinguísticos como atitudes em relação às línguas. Ainda,
41
Ilhas dialetais, identificadas pela conservação de características peculiares de determinado dialeto em grau
elevado.
56
deixam claro que a variação linguística é um fenômeno multidimensional e por isso deve ser
explicitada em todas as dimensões para onde e como possa se estender essa variação. Nesta
mesma direção, Zanella (1985) observou em relação a um dialeto italiano de uma comunidade
bilíngue ítalo-brasileira do município de Taió (SC), que a mortalidade linguística desse dialeto
havia se evidenciado em quase metade dos informantes, devido à presença massiva de
empréstimos, à influência da escola e dos meios de comunicação e à realização de casamentos
interétnicos.
Isso nos remete a possíveis investigações no terreno extralinguístico das atitudes dos
falantes de duas ou mais línguas em contato. Santos (2001) faz uma avaliação das
consequências da interrelação entre a fala do personagem Radici, criado pelo cartunista
caxiense Carlos Henrique Iotti, e a fala, hoje, proveniente do contato do imigrante italiano
com o novo meio. A pesquisa constatou atitudes positivas de aceitação e recepção do
personagem, indicando que ocorre uma mudança positiva em relação a atitudes anteriores, de
vergonha, zombaria e até desprezo.
Em que pesem os esforços empreendidos pela dialetologia pluridimensional,
enfatizando a importância da dimensão contatual da variação linguística, ainda são escassos
os estudos sobre bilinguismo e línguas em contato, mais especificamente sobre o contato
português e línguas de imigração e, por derivação, o contato português/italiano como uma das
línguas de imigração mais representativas no sul do Brasil. Esta Tese pretende contribuir para
o incremento da linha de pesquisa sobre línguas em contato, focalizando a língua de
imigração de origem italiana, o talian, especificamente nas comunidades da Região do Alto
Uruguai Gaúcho.
57
CAPÍTULO 2
2 FATORES DE MANUTENÇÃO E SUBSTITUIÇÃO LINGUÍSTICA
2.1 QUESTÔES TERMINOLÓGICAS
Em seu percurso natural, as línguas não se mantêm estáticas. Evoluem, como qualquer
realidade que está viva. Referindo-se à existência e evolução das línguas, Calvet (2007, p.70)
distingue entre políticas in vivo e in vitro, sendo as primeiras resultantes das práticas sociais
espontâneas, as outras decorrentes de intervenção externa. Políticas linguísticas planejadas in
vitro podem ter ou não resultado in vivo. Um exemplo é o uso da internet, escrita hoje também
em outras línguas, que não somente no inglês. De uma ou de outra forma e de maneiras
extremamente diferentes, as línguas se estabelecem e são mais ou menos aceitas e difundidas
por uma determinada população, formando o que Calvet (2007, p. 72) denomina de “ambiente
linguístico”. Importa, neste entorno, ter presente os contornos da evolução linguística e
verificar até que ponto têm constituído um incentivo à diversidade, e, portanto, à manutenção,
ou um obstáculo à sua subsistência, favorecendo portanto, a substituição linguística. O atual
momento histórico parece acenar para uma mudança paulatina de atitudes, acompanhando os
novos ares em direção a uma tolerância maior do uso de variedades dialetais, tanto no
ambiente familiar, quanto no ambiente comunitário e nacional. Basta olharmos para as
proposições apresentadas pelo Grupo de Trabalho da Diversidade Linguística (GTDL) a
criação do Inventário Nacional da Diversidade Linguística e, quando o inventário estiver
estabelecido, a instituição do Livro de Registro das Línguas, como estratégia de
reconhecimento de todas as línguas faladas no território brasileiro como parte do patrimônio
58
cultural imaterial. O que isso significa no cotidiano dos falantes ainda permanece uma
incógnita.
No entanto, olhando sob essa ótica, podemos traçar dois grandes eixos de um espectro:
o das variáveis intervenientes e o dos fatores que, em uma relação de sincronia e diacronia
42
,
podem determinar a manutenção ou a substituição de uma língua, interferindo no
estabelecimento de distintas dimensões e parâmetros.
Fig. 1 – Esquema da relação entre fatores e variáveis na manutenção e substituição linguística.
Esta representação dos fatores, como o que determina uma variável e pode ser
determinado por ela, e variáveis
43
propriamente ditas, nos sugere que:
42
Conforme proposto por Gal (1979. p. 227), “new forms which eventually replace older forms can first be
located in synchronic variants in the speech of subgroups within the community; and changes observed over
time are the result of the redistribution of synchronic variants to different linguistic environments to different
social situations, and to different speakers.”
43
Conforme Thun (2000. p.191), variável é um termo genérico que se aplica tanto a fatores individuais como a
fatores gerais, tanto a fenômenos lingüísticos como a fenômenos extralingüísticos. Uma determinada classe
distribucional é uma variável lingüística individual, uma determinação como espanhol é uma variável lingüística
geral; mulher é variável extralingüística individual; classe socioculturalmente baixa, definida por um complexo
de critérios, é variável extralingüística geral. No contexto de um atlas lingüístico, a variável pode ser um fator
ocasionalmente ou sistematicamente analisado. No segundo caso, Thun distingue entre dimensões e parâmetros.
É parâmetro toda variável (lingüística ou extralingüística), analisada com sistematicidade, que se considera
individualmente, como, por exemplo, geração II ou mulheres. A dimensão é um agrupamento de dois ou mais
parâmetros que se encontram em relação opositiva.
Manutenção
Substituição
Fatores
Variáveis
59
Diferentes fatores que foram, ao longo do tempo, determinando o modo de constituição de
uma língua tornam-se os fundamentos do processo de manutenção ou de substituição
desta mesma língua, em uma escala de proximidade ou de afastamento entre os dois polos
opostos do eixo vertical das variáveis. É necessário abordar um fator levando em conta
essas variáveis intervenientes, pois é exatamente nesta relação que ele adquire seu valor.
Essa relação é complexa, que diferentes fatores estão mais ou menos presentes nos
indivíduos e em diferentes contextos; no entanto, só o convívio social propicia sua
sustentação.
As relações advindas do convívio social se dão no tempo humano que chamamos de
história. Portanto, não são nem absolutas, nem eternas. Assim, um fator que se demonstre
forte em uma dada realidade, como, por exemplo, o grau de isolamento de comunidades
alóctones situadas no sul do Brasil no início do século XX, poderá ter essa mesma força
reduzida consideravelmente em outra época, quando outros fatores intervenientes, tais
como “facilidade de acesso e expansão” e “meios de comunicação social,” se fizerem
presentes nesta mesma comunidade até então isolada. Isso dará, por exemplo, uma distinta
caracterização à dimensão diatópica.
Essa articulação entre prática social e fator demonstra que o poder atribuído a
determinados fatores é relativo e construído nessa mesma relação. São como redes auto-
reguladoras cujos componentes estão todos interligados e são interdependentes
44
, onde
diferentes conexões são possíveis de realização.
Allard e Landry (1994) definem o termo fator como “pesos em uma escala”. À medida
que determinados fatores recebem um incremento positivo, aumenta o seu peso em favor
da aquisição de uma língua pelo indivíduo e a sua consequente manutenção na
comunidade. Inversamente, à medida que esses mesmos fatores receberem um incremento
negativo aumenta o seu peso no caminho da extinção e morte da língua.
Fatores, unos em sua designação, mesmo com as distintas divisões efetuadas por
diferentes autores, mas diversos em sua constituição e até aparentemente antagônicos,
coexistem nas diferentes dimensões e parâmetros sociolinguísticos que, juntos,
estabelecem a manutenção ou a substituição de uma língua e caracterizam o eixo
horizontal da arealidade.
Enfim, o valor (ou peso) de um fator no estabelecimento de uma determinada dimensão,
só será determinado pelo concurso de outros fatores intervenientes ou parâmetros que o
44
Teoria dos sistemas dinâmicos: teoria matemática cujos conceitos e técnicas são aplicados a uma ampla faixa
de fenômenos – matemática de relações e padrões (CAPRA, FRITJOF. 1996. p. 99-129).
60
limitam ou expandem, ou, para insistir ainda mais na complexidade mostrada: o que está
no fator ou dimensão é determinado pelo concurso do que existe em torno deles.
Se entendermos que diferentes fatores possuem relativo poder de força nos indivíduos,
em diferentes comunidades e em diferentes tempos, então podemos visualizar eixos e
parcerias como vértices de um octógono com todas as diagonais e lados traçados, onde cada
traço é uma via de reciprocidade que, por sua vez, considera também suas relações diagonais
com todos os demais fatores ou variáveis intervenientes. Cada eixo, direções e parcerias que
forem mais ou menos experienciados na comunidade permitem que possibilidades de
mudança sejam efetuadas de uma forma permanente, singular e sempre renovadas. Dessa
forma, dimensões e parâmetros estarão, singularmente, se estabelecendo. Para exemplificar,
procuramos inserir no octógono os fatores que consideramos representativos
45
no estudo da
manutenção e substituição linguística e nos quais basearemos nossa pesquisa e análise. No
capítulo dedicado à metodologia, estaremos delimitando as dimensões e parâmetros utilizados
para o campo de pesquisa.
Fig. 2 Esquema da complexidade de relações entre os fatores envolvidos na manutenção ou
substituição linguística. Baseado em Kátia Cristina Stocco Smole (1996, p. 58).
45
Para escolha desses fatores nos baseamos principalmente em Gibbons e Ramirez (2004), Fishman (1972 e
2006), Kloss (1966), Skutnabb-Kangas (1988) e Romaine (1995). Na elaboração do octógono, nos utilizamos de
Smole (1996, p.58).
Status
Histórico-Políticos
Geográficos
Demográficos
Econômicos
Midiático
Atitudinais
Institucionais
61
Como se pode perceber, cada eixo, embora possua seus próprios mecanismos de
condução e de realização e mereça ser considerado individualmente como um fator autônomo,
possui muitas interfaces estabelecidas com os demais fatores que, por sua vez, o sustenta,
restringe ou modifica. Cada fator vindo como propulsor de diferentes manifestações de um
mesmo fenômeno advindo de duas ou mais línguas em contato.
Essa visão dialética e pluralista de fatores reconhece a existência de inúmeras
variáveis intervenientes na formação desses mesmos fatores que podem explicar uma dada
realidade. Portanto, fatores constituem e estabelecem feixes de relações que se entretecem, se
articulam em teias, em redes construídas individual e socialmente, em permanente processo
de atualização. Trata-se de uma realidade complexa e impregnada de cunho ideológico.
46
Em
outras palavras, fatores e variáveis intervenientes não estão apenas interligados num
arcabouço teórico, mas são ainda os planos generativos simultâneos de todo fato político-
ideológico e atitudinal que reveste o processo de manutenção e substituição de uma língua.
Essa relação, por assim dizer, quase visceral entre línguas e fatores de ascendência ou
descendência pode, também, questionar os termos e o significado de “manutenção ou
substituição”, ou seja, se a relação é dialética e, portanto, datada e histórica, sempre have
algo que é mantido e algo que é substituído em uma leitura sincrônica. No entanto, em uma
leitura diacrônica, se o processo histórico é cíclico, o que manter no que se encontra em
contínua transformação? Poderíamos dizer que a combinação de uma ideologia nacional e
internacional, e questões práticas de comunicação constituem a base política para a supressão
ou para o estabelecimento de uma variedade de língua, em um determinado ponto da história?
Gibbons e Ramirez (2004, p.53) nos dizem que “O poder político pode fortemente sustentar
ou profundamente eliminar linguagens
47
”. Carboni (2005) ao referir-se ao “Mito da lei do
silêncio” que incorporou, no senso popular, a principal e talvez única causa do
desaparecimento dos falares italianos no Brasil, diz que “é difícil ultrapassar elementos
superficiais e alcançar explicações essenciais dos fenômenos sociais.” Há que se dizer, no
entanto, que elementos superficiais podem também constituir a ponta de um iceberg a nos
apontar situações bem mais profundas.
46
Calvet (2007. p. 36) diz que “[…] na política lingüistica há também política e que as intervenções na língua ou
nas línguas têm um caráter eminentemente social e político”. Mas isso nos lembra igualmente que se as ciências
raramente estão ao abrigo de contaminações ideológicas, a política e o planejamento linguístico o escapam à
regra.
47
Political power can strongly support or profoundly undermine languages(GIBBONS & RAMIREZ, 2004.
p.53).
62
2.2 PANORAMA DOS ESTUDOS DE MANUTENÇÃO E SUBSTITUIÇÃO LINGUÍSTICA
Pode-se dizer que partem de Weinreich (1953) os primeiros estudos sistemáticos sobre
bilinguismo e línguas em contato como objeto de estudo mais amplo. Até então, vigorava a
acepção pragmática de que cada comunidade deveria ser considerada linguisticamente
homogênea e indivisível, noção que resultou da idéia chomskyana de língua como faculdade
humana inata, numa visão gerativista, pautada em universais linguísticos e falantes ideais e de
uma leitura indevida de Saussure (1916), pela qual se entendeu, por muito tempo, a língua
como sendo um sistema absoluto, independente de toda e qualquer relação social.
48
Essas
visões estruturalista e gerativista constituíram, sob diferentes aspectos, um conhecimento
abstrato da realidade, e isso dispensava o olhar sobre a comunidade concreta e,
consequentemente, os estudos sobre seus diferentes falares. que se considerar, no entanto,
que Dante Alighieri, ao usar a língua italiana na Divina Comédia e o o latim, o que seria a
norma da época, o via essa homogeneidade linguística como regra, deixando claro seu
entendimento de língua e sociedade. De modo semelhante, e mais diretamente ligado ao nosso
estudo, o autor de Nanetto Pipetta,
49
Aquiles Bernardi, “embora tendo a seu dispor a língua
italiana, literária e clássica por tradição, não faz uso dela. Prefere utilizar um instrumento
rústico e simples, não-literário, baseado no coloquial, muito distante do italiano erudito
(RIBEIRO, 2005, p.44).
A pesquisa de Weinreich (1964) já destacava os efeitos que duas línguas podem ter
uma sobre a outra, nos níveis fonético, léxico e gramatical, em situação de bilinguismo.
Referindo-se ao termo língua, Weinreich assume já, implicitamente, a posição da igualdade
de sistemas, sendo irrelevante a posição social da língua no meio e a denominação
referendada, seja sob o rótulo de língua, linguagem, dialeto ou variedades de um mesmo
dialeto. Ao direcionar seus estudos a toda e qualquer língua, Weinreich admite diferentes
falantes e, embora se volte mais às modificações estruturais das línguas em contato, exerce
um papel fundamental para todo estudo que se seguiria após, ao levar em conta, nessas
modificações, fatores estruturais e não-estruturais. Deixa,
50
por isso, para os
48
Embora em seu conceito de valor semântico”= um signo só possui valor, existência linguística, em suas
relações com os outros elementos do sistema-, isso não descarta a existência de seu uso, portanto de uma
comunidade. (SAUSSURE, ed. 1969. p.130-141). Parece ficar claro que Saussure apenas não se voltou à
questão do uso, já que sua preocupação maior era com o sistema como tal.
49
A publicação das histórias de Nanetto Pipetta foi feita através do jornal Stafetta Riograndense, no período de
23.01.1924 a 18.02. 1925. Seu autor foi Bernardi, na vida religiosa o Frei Paulino de Caxias, que passou a
infância na colônia da família, num tempo em que a mata virgem ainda não havia sido totalmente dominada e
cultivada (RIBEIRO, 2005. p. 24).
50
O autor deixa entender que se a língua é sistema, estrutura, ela também depende do social para existir.
63
fatores estruturais tudo o que se refere à organização de formas linguísticas
em um sistema definido, diferente para cada língua e até certo ponto [grifo
nosso] independente de experiências e comportamentos o-linguísticos. Os
fatores não-estruturais surgem do contato do sistema com o mundo exterior,
da familiaridade dos indivíduos com o sistema [...]
51
(WEINREICH, 1964,
p.5).
Para o autor, se é praticamente impossível prever o quanto uma língua pode interferir
nos domínios linguísticos da outra, é certo que os fatores que irão favorecer mais o uso de
uma língua do que a outra não serão fatores da ordem da estrutura da língua, mas sim fatores
de ordem extralinguística. Weinreich distingue os fatores não-estruturais como referentes à
relação pessoal do bilíngue com as línguas e com aqueles ocorridos através de grupos de
bilíngues. No primeiro caso, enumera cinco itens: 1) facilidade de expressão verbal, 2)
proficiência, 3) especialização no uso de cada linguagem, 4) forma de aprendizagem em cada
língua e 5) atitudes. No segundo caso, enumera sete itens que se relacionam com atitudes em
torno das línguas, envolvendo o indivíduo em sua relação com o grupo social. Fica claro que
comportamentos atitudinais preponderam quando se trata de estabelecer critérios de
transferência linguística advindos de fatores o-estruturais e fornecem a base para a
compreensão da complexidade do comportamento linguístico do bilíngue, tema que seria
ainda muito discutido e ampliado por Kloss (1966).
Kloss (1966) está colocado entre os primeiros linguistas que tentaram categorizar
fatores extralinguísticos como favoráveis ou desfavoráveis à manutenção e perda de uma
língua. Enumera uma lista de quinze distintos fatores e destaca seis como os favoráveis mais
importantes. O primeiro e mais poderoso deles é o isolamento religioso-societal, que mesmo
ocorrendo com pequenos grupos, comprova sua eficácia, como, por exemplo, a comunidade
dos Menonitas no Rio Grande do Sul, que mantém diferentes níveis da língua alemã em seus
contatos intraétnicos, e a língua portuguesa somente para os contatos interétnicos. Através
dessa medida, tem conseguido manter sua língua por séculos.
Os cinco outros fatores caracterizam-se por envolver grupos maiores e ter atitudes de
manutenção da língua minoritária não por isolamento do grupo, mas pela reação ao
comportamento do grupo majoritário que poderia vir a impedir ou facilitar os esforços de
manutenção. São eles: 1) época de imigração, 2) a existência de ilhas linguísticas, 3) a
51
The structural factors are those which stem from the organization of linguistic forms into a definitive system,
different for every language and to a considerable degree independent of non-linguistic experience and
behavior. The non-structural factors are derived from the contact of the system with the outer world, from given
individuals’ familiarity with the system, and from the symbolic value which the system as a whole is capable of
acquiring and the emotions it can evoke” (WEINREICH, 1964. p.5).
64
presença de escolas paroquiais de comunidades minoritárias, 4) a experiência de pré-
imigração com esforço de manutenção da língua e 5) o uso da língua minoritária como a única
língua oficial durante certo período. A nosso ver, a própria atitude de preservação da língua
pelo grupo, criando determinados mecanismos de segurança, é um fator interveniente a
favor da manutenção da língua. Quer dizer, ao fato em si, agrega-se um outro componente
atitudinal, que pode ser considerado outro fator. E, ainda, pode-se perguntar: “Que língua é
ensinada nas escolas paroquiais de comunidades minoritárias? A língua das comunidades
minoritárias ou a ngua oficial do país de origem?Dependendo da resposta, esse fator pode
ser considerado a favor ou contra a manutenção da língua, o que modificaria a classificação
de Kloss.
É somente nos últimos fatores que Kloss, explicitamente, realiza uma distinção em
relação aos anteriores ao prescrever que estes exercem o papel de fatores ambivalentes, ou
seja, funcionam exatamente como pesos ora contra, ora a favor da manutenção linguística. O
nível educacional alto dos imigrantes, por exemplo, contribui para manter a vida intelectual e
a imprensa, além de encorajar o estabelecimento de escolas vernaculares ou bilíngues. No
entanto, pode também favorecer a mobilidade geográfica e a rápida urbanização, o que viria
acelerar o uso de outros distintos falares. Kloss tem o cuidado de expor a ambivalência dos
fatores e mostra que estes, nível educacional, força numérica, similaridade cultural, proibição
da língua minoritária e características sócio-culturais, em sua maioria, por si mesmos não
constituem situação de risco à existência de qualquer língua, mas, se aliados a outros fatores e
determinadas situações atitudinais, podem decretar o fim do uso da língua minoritária. Cria,
assim, uma espécie de lei do maior ou do menor prestígio do traço minoritário.
Pode-se dizer que tanto Kloss quanto Fishman, que dominou a pesquisa subsequente
sobre language shift e revitalization language, foram influenciados pela grande mudança
teórico-metodológica ocorrida nas décadas de 1960 e 1970 no campo da linguística e também
da psicologia: o estruturalismo lugar à gramática gerativa, e o behaviorismo é substituído
pela psicologia cognitiva. Essa mudança fica clara nos escritos de Fishman (1972, p.76), ao
dizer que as pesquisas sobre o comportamento linguístico são recentes (reporta-se a Weireich
e Haugen) e “o estudo da manutenção e substituição depende da relação entre a mudança dos
padrões de uso da língua e processos psicológicos e culturais correntes em populações que
utilizam mais de uma variedade de fala”.
52
Em outras palavras, discorre sobre fatores não
52
“The study of language shift is concerned with the relationship between change in language usage patterns,
on the one hand, and ongoing psychological, cultural or cultural processes, on the other hand, in populations
that utilize more than one speech variety for intra-group or for inter-group purposes” (FISHMAN, 1972. p. 76).
65
uniformes e, portanto, com relatividade de valor, que interferem na manutenção e substituição
linguística, relacionando-os como construtos de processos psicológicos, sociais, culturais e
atitudinais. Assim, sugere três grandes áreas de estudo na manutenção e mudança de uma
língua, ou seja: 1) grau de bilinguismo; 2) processos psicológicos, sociais e culturais
relacionados ao estabelecimento ou mudança no uso habitual da língua; e 3) comportamento
por meio da língua em contextos de contato. Pelo que se pode perceber, insere os fatores em
áreas que o do domínio pessoal da língua ao social (critérios linguísticos e não-
linguísticos), identificando comportamentos, atitudes e conhecimentos em torno da língua em
questão. Quando sugere o estudo em torno do grau de bilinguismo, tenta estabelecer o uso
habitual da língua em situações de contato. Isto requer instrumentos de medida do grau de
bilinguismo (níveis, automatismos, proficiência e domínios) e localização do bilinguismo
junto a dimensões sociologicamente relevantes. Através da proposição de um esquema de
“configuração de domínios”, Fishman (1972, p.87) deixa à mostra a complexa relação entre
os diversos fatores do grau de bilinguismo e a localização de comunidades bilíngues,
sugerindo que esta relação poderia, em última instância, reduzir-se ou o a uma simples
lista em direção ao bilinguismo”
53
(FISHMAN, 1972, p.111). em sua segunda divisão,
Fishman nos reporta a processos psicológicos, culturais e sociais que estão associados a
determinadas mudanças na linguagem e que, normalmente, o externos à própria linguagem.
Enfatiza que essas interações são complexas e que requerem certa regularidade, a fim de
serem reconhecidas como fatores de mudança linguística. Admite generalizações do tipo:
“A
língua de maior prestígio toma o lugar da língua de menor prestígio” (FISHMAN, 1972,
p.98)
54
e comparações como:
Embora o estudo da manutenção ou substituição linguística não precise ser
completamente limitado à comparação de casos separados, é preciso levar em
conta que é quase impossível fazê-lo sem levar em conta fatores
comparativos de uma área específica (FISHMAN, 1972, p.102).
55
Portanto, se houve uma generalização, ela não está livre de comparações com
diferentes pontos e épocas. Por fim, sua terceira divisão inclui o comportamento em torno da
língua em contextos de contato. Enfatiza os comportamentos atitudinais afetivos e os
comportamentos implementados via reforço, planificação ou proibição e, ainda, encobrindo
ou perpassando essas duas situações, a ocorrência de comportamentos cognitivos de
53
“[…] single index of direction of bilingualism […]” (FISHMAN, 1972. p. 111).
54
The more prestigeful language displaces the less prestigeful language(ibidem, p. 98).
55
Although the study of language maintenance or language shift need not be completely limited to the
comparison of separate cases it is nevertheless undeniably true that the comparative method is quite central to
inquiry within this topic area” (ibidem, p.102).
66
conhecimento, de nível de consciência crítica, de história da língua e de percepção desta como
componente de identificação de grupo que, de modo consciente, podem contribuir para
manter ou substituir determinada língua. Deixa claro que embora se saiba muito pouco a
respeito de comportamentos atitudinais de falantes de línguas minoritárias, eles constituem
um forte peso na balança de fatores, tanto que diz, textualmente, ser esta terceira divisão
uma subdivisão da segunda, mas que pela sua significância no processo de manutenção e
substituição de uma língua merece uma divisão à parte
56
. Apresenta fatos de uso de diferentes
línguas como resultado da maior ou menor atitude positiva de seus usuários em relação a elas.
Fishman parece deixar transparecer que as atitudes da comunidade, de forma consciente e
com conhecimento (o autor fala em categorias de comportamento) em relação à língua, forjam
os fatores, constituindo uma espécie de fio condutor que organiza, impulsiona e sustenta essa
mesma comunidade na escolha de diferentes nguas como forma de representação étnica e
cultural. É cabível a pergunta: “Seria, então, a atitude um fator? Ou ela perpassa os fatores,
seja de forma consciente ou inconsciente, gerando, implementando ou extinguindo línguas?
Antecipando-se a estas dúvidas, já no início do enfoque três, Fishman (1972, p.104) sinaliza
no próprio título: “Comportamento rumo à língua em situação de contato”
57
. Nas frases
iniciais do texto, demonstra sua inquietação a esse respeito, quando escreve:
“Comportamento rumo ou em direção à ngua (em vez de comportamento com a língua ou
comportamento através da ngua)
58
. Quer dizer, a atitude conduz, rumo a, e, por isso, pode
ser considerada como fator. Mas, sendo assim, onde ele, o fator, se localiza ou se distribui? É
o fio condutor? Apropriadamente, Romaine (1995) diz que
A noção de atitude é em si mesma complexa e multidimensional. Como vários
outros conceitos discutidos em conexão com bilinguismo, tais como
proficiência e domínio, atitudes podem mudar através do tempo (ROMAINE,
1995, p. 319)
59
.
Essa mudança de atitude ocorrida através do tempo foi demonstrada por Gal (1979),
ao estudar o contato alemão-húngaro em uma comunidade da Áustria (Oberwart). Gal ratifica
as ideias de Fishman ao caracterizar o alto grau de complexidade que envolve a questão das
atitudes na escolha de um modelo de ngua. Determinados fatos, fatores, impulsionaram os
56
Strictly speaking this subdivision may be properly considered a subtopic under 2.0 above. However, it is of
such central significance to this entire field of inquiry that is may appropriately receive separate recognition
(FISHMAN, 1972. p. 104).
57
3.0 Behavior Toward Language in the Contact Setting
(ibidem p. 104).
58
Behavior Toward Language (rather than with language behavior or behavior through language) (ibidem, p.
104).
59
The notion of “attitude” is itself complex and multidimensional. As with various other concepts discussed in
connection with bilingualism such as proficiency and dominance, attitudes may change over time.” (ROMAINE,
1995. p. 319).
67
habitantes de Oberwart, ora a falar uma língua, ora a falar outra ou, ainda, a falar ambas,
dependendo do papel exercido pelos participantes de uma interação em suas diferentes
comunidades. A simples identidade dos interlocutores era o fio condutor para a escolha da
língua. Isto porque, a relevância de uma língua e, por conseguinte, a irrelevância da outra, está
aliada a QUEM fala, numa relação de status social, econômico e cultural, estabelecendo redes
de dominação. Em Oberwart, as variações de ordem sincrônica das referidas nguas foram
ocasionadas por acontecimentos sociais, econômicos e culturais
60
que impingiram a uma e
outra, status e poder ao longo do tempo, ou seja, diacronicamente. Portanto, a atitude a favor
da língua húngara ou da alemã, no espaço de tempo cronológico de aproximadamente 100
anos entre os habitantes de Oberwart, mudou e muda em função do maior ou menor status
atribuído aos seus falantes, exatamente por representarem, em diferentes épocas, determinada
posição de poder econômico, social ou cultural.
Outro caso ilustrativo é o estudo de Lambert (1972),
61
com estudantes canadenses
anglófonos e francófonos, na cidade de Montreal (1958/9), referente à classificação de pares
de estudantes bilíngues de inglês e francês, em relação ao poder de status de suas respectivas
línguas. Os dados revelaram o baixo prestígio atribuído às duplas de fala francesa, o
pelos pares bilíngues do inglês, mas pelos próprios pares bilíngues franceses, comprovando a
existência de uma baixa auto-estima de sua própria língua de origem, ocasionada por uma
visão deturpada do real papel ocupado pelo idioma na vida pessoal e social dessa população.
Em relação ao Brasil, o estudo de Bortoni-Ricardo (1985) faz uma análise
sociolinguística sobre a integração de migrantes de origem rural ao ambiente urbano -
Brazilândia-Distrito Federal, apoiada no paradigma de redes de comunicação, desenvolvido
na Antropologia Social. Sua observação viabiliza detectar as relações intersubjetivas,
permitindo antever ou explicar o comportamento dos indivíduos. Essa noção de ligação em
rede havia sido introduzida por Barnes (1987), no ano de 1954, para descrever uma rede de
sociabilidade que considerou importante para explicar as atitudes dos habitantes de Bremnes,
pequena vila no interior da Noruega. Barnes focalizou-se nas características da estrutura
global da sociedade e não nas características das redes pessoais. Assim, referindo-se às
60
A cidade de Oberwart fronteira Hungria e Áustria - formou-se de comunidades bilíngues húngaro-alemães e
monolíngues alemães que, em diferentes períodos da história, tiveram maior ou menor poder econômico e social,
motivado pelo advento da II Guerra Mundial, pela necessidade de indústrias, pelo prestígio dos proprietários de
terras e pelo o-prestígio da massa camponesa. A língua utilizada nas interações sociais é determinada pela
posição de seus falantes no contexto do trabalho, da indústria, do campo, do comércio, etc. Ver maiores
informações em GAL, 1979.
61
Lambert (1972), juntamente com outros linguistas, fez uma avaliação do poder de status das línguas francesa e
inglesa. Para isso, elegeu duplas de falantes anglófonos e francófonos e elaborou questões referentes ao uso das
referidas línguas.
68
características das ligações sociais entre as pessoas, através de uma análise dos padrões de
ligação entre os seus membros, obtém um determinado entendimento do seu comportamento,
diferente daquele que seria obtido através da análise dos atributos individuais.
Em relação a essa questão, mas de forma diversa, Milroy (1987, p. 60-61) destaca o
papel dos indivíduos, isoladamente, como um foco do qual irradiam linhas em direção a
outras com as quais está em contato e que constituem a sua zona de rede de primeira ordem. A
esta ordem podem estar ligadas outras pessoas que formam a zona de segunda ordem daquele
indivíduo primeiro. Essas redes apresentam como características estruturais a densidade
62
e o
conteúdo
63
. Densa em relação à quantidade de indivíduos ligados entre si, através das redes.
Quanto ao conteúdo, diz respeito à diversidade de papéis realizada por um indivíduo em
relação aos demais. É possível que alguém se relacione com poucas pessoas em muitos
conteúdos ou relacionar-se a muitas pessoas basicamente em um único conteúdo
64
. Quanto
mais densa e com maior conteúdo forem as relações, maior probabilidade de alcance de
determinados objetivos.
Sabe-se que, hoje, a noção de rede vem sendo empregada de forma crescente pelos
atores coletivos dos movimentos sociais, enquanto conceito prepositivo com atributos
ideológicos, simbólicos e organizativos.
65
Um aspecto importante ao nosso estudo a respeito
da análise de redes é o fato desta viabilizar uma perspectiva sincrônica e também diacrônica
do processo de mudança linguística, conjugando fatores, variáveis e atitudes. Nesse sentido, o
conceito de rede social permitiria identificar, em nível macro, as ações políticas e os recursos
sociais, financeiros, de saúde e de educação que a sociedade disponibiliza para os seus
cidadãos, e, em nível micro, através da rede social pessoal, os recursos e fluxos de informação
que são mobilizados para os indivíduos, grupos e comunidades através dos relacionamentos
sociais. É evidente que, se existe uma distribuição desigual de riquezas, poder e status nas
sociedades, isso tem influência direta na posição ocupada pelos indivíduos na escala social e,
consequentemente, em seu meio de comunicação. É evidente, também, que os sujeitos
percebem e reagem de modo distinto aos eventos em função das características individuais e
dos significados atribuídos às situações vivenciadas. Assim, determinados eventos de vida
percebidos como opressivos para alguns sujeitos e consequentemente para algumas
comunidades, podem não ter a mesma representação para outros indivíduos e para outras
62
Do inglês density.
63
Do inglês plexity.
64
Labov (1972) e Blom & Gumperz (1972) realizaram, respectivamente, estudos em Harlem (New York) e
Hemnesbergt (Noruega) respectivamente, através da análise de redes de amizades.
65
Altenhofen (1990), em sua dissertação de mestrado, segue esse modelo, e chama a atenção para a dificuldade
em acompanhar e executar a análise, já que as redes nem sempre são tão regulares e padronizadas.
69
comunidades, em um mesmo tempo ou em diferentes tempos. Depreende-se que 1) mesmos
fatores exercem papéis distintos em diferentes indivíduos e em diferentes sociedades e 2)
distintas atitudes em relação a uma língua podem ser provocadas pelos mesmos fatores e
poderiam, então, ser explicadas através das relações intersubjetivas. Visto assim, Milroy
(1987) e Eckert (2000) enfatizam, em suas análises, o componente social, já que este viabiliza
estudos e reflexões tanto sobre a área socioantropológica e psicossocial da língua
(GUMPERZ) quanto a sociolinguística (LABOV).
A intrincada tensão que ocorre na relação entre diferentes indivíduos quando da
escolha de uma ou de outra língua, exemplificada por Gal (1979), Milroy (1987), Bortoni-
Ricardo (1985) e Altenhofen (1990), configura-se como uma micro amostra da tensão que
significa o fato de somente 200 Estados no mundo serem considerados oficialmente
monolíngues e estes mesmos Estados conterem cerca de 4 a 5.000 línguas (SKUTNABB-
KANGAS 1988, p. 9-10). Isso significa que, para um país, o monolinguismo oficial nega o
direito linguístico de todo cidadão usar sua língua em qualquer contexto. Skutnabb-Kangas
deixa bem clara sua posição como linguista, ao referendar Calvet: “A ciência linguística que
está ciente de seu envolvimento político, só pode ser militante” (idem).
66
Ao trabalhar sobre o multilinguismo e a educação de crianças de grupos de fala
minoritários, Skutnabb-Kangas ressalta que, embora se estabeleça que
todas as nguas m os mesmos direitos, as mesmas possibilidades de serem
aprendidas plenamente, desenvolvidas e usadas em todas as situações por
todos os seus falantes, na prática isso o acontece. Diferentes línguas têm
diferentes direitos políticos, não dependendo de qualquer característica
linguística inerente, mas da força de poder entre os falantes e suas nguas
67
(SKUTNABB-KANGAS, 1988, p.12).
Segundo Skutnabb-Kangas (1988), o monolinguismo individual ou de grupo não é um
fenômeno linguístico, mesmo que isso tenha a ver com a língua. Assim, se as causas não estão
na estrutura das línguas, então são causas extra-estruturais ou fora do sistema linguístico e
podem ser encontradas na estrutura social mais ampla, na qual alíngua é apenas um
componente” (KAUFMANN, 2006). Skutnabb-Kangas (1988, p.13) chega a cunhar o termo
Linguicism como sinônimo de “racismo linguístico”. Define o termo como “ideologias e
estruturas que são usadas para legitimar, efetuar e reproduzir uma divisão não igualitária de
66
A linguistic science which is aware of these political involvements can only be militant" (SKUTNABB-
KANGAS, 1988. p. 9).
67
[…].all languages could have the same rights, the same possibility of being learned fully, developed and used
in all situations by their speakers. But in practice we know that this is far from the case. Different language have
different political rights, not depending on any inherent characteristics, but on the power relationships between
the speakers of those languages” (SKUTNABB-KANGAS, 1988. p. 12).
70
poder e recursos entre grupos que são definidos pela sua língua-base – língua-mãe
68
.
Embora não diga diretamente, suas palavras deixam entrever uma visão bilingualicista, além
de monolinguista, na medida em que se concebe como segunda língua quase exclusivamente
o inglês. O campo de luta que se vislumbra é entre o multilinguismo e o bilingualicismo, o
que não muda o foco do problema.
Romaine (1995, p.38) faz menção a isso quando observa que embora os Estados
Unidos estejam se mostrando como um país altamente acolhedor, anfitrião de indivíduos
bilíngues (segundo pesquisa de HAKUTA, 1986, p.166), a cada nova onda de imigrantes tem
sido constatado o declínio de sua língua-mãe pela pressão do inglês
69
. Acresce que muitas
línguas estão agonizando devido à difusão das cinco nguas mundiais, como o inglês, o
francês e o chinês. Conforme Grosjean (1982, p.4, apud ROMAINE, 1995, p. 39) estima-se
que 11 línguas sejam faladas por cerca de 70% da população mundial. Tal é corroborado por
Lieberson, Dalto e Johnston (1975, apud ROMAINE, 1995, p. 39), que estabelecem em seus
estudos um grande declínio da diversidade linguística nos países do terceiro mundo.
Entretanto, em outras partes do mundo, como o oeste europeu, através do fluxo de
novos imigrantes, estabelecem-se novas minorias linguísticas. Fica claro que o declínio da
heterogeneidade linguística está largamente relacionado com a mudança geográfica, com o
que esse espaço representa, social e politicamente, em uma determinada região, país ou
continente. O reconhecimento de determinados sistemas linguísticos como línguas autônomas
depende, fundamentalmente, do acesso ao poder na sociedade mais ampla.
Ao citar dez fatores-chave na manutenção e mudança da língua, Romaine (1995, p.40)
reporta-se a Fishman (1996; 1991) o qual esclarece, através de exemplos, como cada fator
pode implicar uma mudança da língua minoritária, não sendo, porém, inteiramente
determinante. Por exemplo, embora aparentemente o número de falantes de uma língua seja
bastante significativo para sua existência, ele pode revelar-se insuficiente na habilidade de um
grupo para manter esta língua, que quem fala uma língua é mais importante do que quantos
a falam. Entretanto, quando uma grande força numérica populacional concentra-se em um
determinado espaço geográfico, tende a fazer-se proeminente e mobilizar-se no suporte de sua
língua. Por outro lado, quando comunidades residentes em área rural deslocam-se por
68
“[...] defined as ideologies and structures which are used to legitimate, effectuate and reproduce an unequal
division of power and resources between groups which are defined on the basis of language” ( on the basis of
their mother tongues (SKUTNABB-KANGAS, 1988. p. 13).
69
Faz uma exceção ao espanhol que se refaz a cada nova imigração, tornando os Estados Unidos o maior país
hispânico do mundo (ROMAINE, 1995. p. 38).
71
exigência de trabalho ou estudo para áreas urbanas, com diferentes nguas, caminham em
direção à perda de suas línguas.
Romaine (1995) destaca três fatores como especialmente relevantes na manutenção de
uma língua: o suporte institucional, o status da referida língua e a concentração demográfica.
Ao analisar estudos sobre a manutenção, mudança ou morte de línguas identifica dez fatores
externos significativos (idem, p.40) partindo de Fishman (1966; 1991). Para cada fator,
apresenta exemplos de estudos realizados (HAUGEN, 1953; KULICK,1987; AMBROSE &
WILLIAMS, 1981; GARTNER & LAMBERT, 1972; GAL, 1979) e aponta as relações com
outros fatores através de variáveis intervenientes, demonstrando como estas constituem
diferentes pesos em um mesmo fator.
Gibbons & Ramirez (2004, p. 51-52), influenciados por Kloss (1966), Haugen (1972),
Ferguson (1981), Clyne (1991) e Allard e Landry (1994), muito apropriadamente utilizam-se
de um esquema onde distribuem esses fatores citados por Romaine (1995) na estrutura social
mais ampla. No entanto, reportando-se a Giles et al (1977) e Baker (2001) reiteram a crítica
àqueles modelos de divisão já que não se encontram suficientemente contextualizados social e
historicamente, dificultando, assim, mensurar o impacto de todas as variáveis nos referidos
fatores, o que, com certeza, viria a modificar o papel da ação dessas variáveis nos referidos
modelos. Gibbons e Ramirez (2004, p. 50) observam, ainda, que embora “teoria e modelos
sejam abstrações de uma complexa e entrelaçada realidade”
70
, é sempre possível e necessário
tentar entender essa realidade, a fim de poder comparar pontos e chegar a algum resultado.
Nesse sentido, a noção de domínios (dominions)
71
aprofundada por Fishman (1972, p.
81) a partir de Scnidt-Rohr (1936) pressupõe construtos através dos quais se localizaria e se
expandiria o bilinguismo, ou seja: a família, a rua, a escola, a igreja, a literatura, a imprensa, o
exército, o tribunal e a burocracia governamental. Esses domínios estão inseridos no quadro
de Gibbons e Ramirez (2004, p.51-52) nos itens “instituições e meios de comunicação social”
que, por sua vez, também se colocam como espaços de uso da língua. Pelo que se pode
perceber, Gibbons e Ramirez, assim como já o fez Fishman, conseguem contextualizar os
fatores que permitem manter ou substituir uma língua, já que os colocam inseridos no
contexto social mais amplo, onde se irradiam e se entrelaçam de forma mais ou menos
70
All theories and models are abstractions from a complex and interwoven reality [...]” (GIBBONS &
RAMIREZ, 2004. p. 50).
71
“Domínios: Um domínio é um construto sócio-cultural abstraído de tópicos de comunicação, relacionamentos
e interações entre falantes e os seus locais de comunicação de acordo com as instituições de uma sociedade e as
esferas de atividade de uma cultura singular”.
72
saliente, dependendo das regras do jogo altamente ideológico em torno da sobrevivência de
línguas em contato, em situação diglóssica.
O estudo da UNESCO (2003)
72
lista nove fatores determinantes da vitalidade de uma
língua. O estudo ressalta que os fatores devem ser considerados em conjunto. As
“particularidades de cada língua” é que vão apontar quais fatores são os mais importantes na
sua manutenção (vitalidade) ou perda. Os três primeiros fatores referem-se ao número de
falantes, ou seja: em primeiro lugar está a transmissão linguística intergeracional; em
segundo, o número absoluto de falantes e, em terceiro, a proporção de falantes dentro da
população total. Os quatro fatores seguintes referem-se ao como e onde a língua é usada:
tendência à existência de domínios de linguagem, reação a novos domínios e à mídia, material
para a educação e literatura e políticas governamentais e institucionais de apoio à língua,
incluindo status oficial e uso. O oitavo fator refere-se à atitude dos membros de uma
comunidade em torno de sua língua e, por fim, o nono fator diz respeito à quantidade e
qualidade de documentação existente. O grupo de pesquisadores da UNESCO põe em
evidência a influência desses fatores um no outro e ressalta que os mesmos são oferecidos
como diretrizes que necessitam ser adaptadas ao contexto das comunidades. GRENOBLE &
WHALEY (2006, p.4)
73
, além de reforçarem a interinfluência dos fatores, enfatizam a
importância das atitudes dos falantes, que “o uso de uma língua em diferentes domínios
(fatores 4 e 5) depende das atitudes da comunidade como das políticas governamentais”.
Na verdade, a manutenção (vista como proficiência) e a substituição (vista como
perda) de uma língua requerem uma compreensão das dinâmicas sócio-culturais de um
contexto multilíngue particular em períodos particulares na sua história. O que Skutnabb-
Kangas diz textualmente:
A política dos direitos ou a ausência de direitos de uma língua não pode ser
inferida de considerações linguísticas. Elas são parte das condições sociais do
país e só podem ser entendidas em seu contexto histórico, estudando as
forças que têm comandado a presente divisão sócio-política de poder e
recursos em suas respectivas sociedades
74
(SKUTNABB-KANGAS, 1988,
p.12).
72
O documento intitulado “Language vitality and endangerment” resultou do simpósio de Kyoto, no Japão,
realizado em novembro de 2002.
73
GRENOBLE and WHALEY (2006. p.4) insistem na“[...] influences of these factors from one anothere que
“the use of the language in both new and existing domains (factors 4 and 5) is very much dependent upon
community attitudes, as well as governmental policies”.
74
The political rights or lack of rights of any language cannot be deduced from linguistic considerations. They
are part of the societal conditions of the country concerned, and can only be understood in their historical
context, by studying the forces which have led to the present sociopolitical division of power and resources in the
societies concerned” (SKUTNABB-KANGAS, 1988. p. 12).
73
Não é uma tarefa fácil, que nenhum fato linguístico ocorre no vácuo; ele está,
primeiramente, situado geograficamente. É um ato individual, mas também coletivo, é, pois,
social; ele é datado e, portanto, histórico; finalmente, constitui-se desafio a ser superado
através de uma metodologia de pesquisa dialetológica pluridimensional que “não deve
restringir seu foco de estudo à preocupação histórica [...] abrindo o seu olhar para novas
problemáticas” (ALTENHOFEN, 2006, p.16) como o controle das diversas variáveis
extralinguísticas apresentadas acima como componentes indissociáveis no registro de
macrossínteses da variação linguística.
2.3 FATORES DE MANUTENÇÃO E SUBSTITUIÇÃO LINGUÍSTICA ENFOCADOS
NESTE ESTUDO
2.3.1 A questão do status social e político de uma língua
Bourdieu & Passeron (1990, p.73, apud GIBBONS & RAMIREZ, 2004, p.58),
referindo-se ao linguistic capital, atribuem alto status a uma língua que é usada por grupos
que possuem poder social, econômico, cultural e político, tanto local quanto na sociedade
global. Indivíduos que se apoderam desse capital linguístico têm melhores condições de
conseguir uma vida melhor. Como se percebe, status não é a causa do poder, mas
consequência deste. Consequência resultante do desequilíbrio na abordagem de uma ngua
baseada numa perspectiva econômica, a qual pode ser identificada e analisada. Nos estudos de
Gibbons e Ramirez (2004), inclusive, o fator status está localizado juntamente com o fator
econômico, demonstrando uma íntima relação entre eles em níveis local, regional, nacional e
internacional. Assim, o status da língua portuguesa em nosso território está profundamente
amparado no fato de ser a única língua reconhecida oficialmente em todo país. o seu status
em nível internacional não se faz através deste recurso oficial. Mesmo possuindo o status
reconhecidamente oficial, em determinados contextos “o português ocupa uma posição
marginal, de língua minoritária e inoficial, da mesma maneira como de modo geral as línguas
de imigração no contexto brasileiro” (ALTENHOFEN, 2008, p.138). Altenhofen descreve
74
essa situação referindo-se ao português falado pelos brasiguaios em contato com o guarani e o
espanhol no Paraguai e ao falado no norte do Uruguai.
75
Outra situação de contato e, consequentemente, de status do português como língua
oficial brasileira é a que se observa no município de São Gabriel da Cachoeira, no Alto do Rio
Negro, onde coexiste com mais três línguas cooficializadas - Tukano, Nheeengatu e Baniwa,
medida esta pautada na abertura propiciada pela Constituição Federal e Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional.
Calvet (2007, p. 51), baseado em Chaudenson e Fasold, apresenta gráficos onde
analisa o status e o corpus da língua francesa em diferentes países de francofonia. O que nos
interessa dessa análise são três pontos de vista em relação às línguas de determinado país, ou
seja:
1) o grau de uso – refere-se à percentagem de falantes de uma língua (o corpus);
2) o grau de reconhecimento corresponde ao grau de oficialidade (o status) da língua em
questão;
3) o grau de funcionalidade – são as possibilidades que tem a língua para cumprir as possíveis
funções desejadas (funções de Fasold).
Parece-nos bem claro que os três graus o se encontram necessariamente ligados e
coexistindo em um mesmo ambiente. O grau de reconhecimento independe do grau de uso,
mas necessita deste como pré-condição de existência. O grau de funcionalidade, ao mesmo
tempo em que deriva do grau de reconhecimento, é também promotor deste. Ou seja,
reconhecimento (status) e funcionalidade possuem uma correspondência biunívoca. Línguas
que não alcançam determinadas funções podem ser estigmatizadas e abandonadas no decorrer
do tempo.
Skutnabb-Kangas & Phillipson (1996, p. 669) citando Calvet (1974, p. 31) falam em
uma hierarquia cabalística de línguas e suas correspondentes culturas como uma consequência
lógica da crença etnocêntrica na evolução cultural. Esta crença difunde, por exemplo, o inglês
como linguagem do progresso, da modernidade e da unidade internacional. Uma política que
estimula o reconhecimento de determinadas línguas e não de outras é a mesma que assegura
recursos para uma e não para outra.
75
Como observa Altenhofen (2008, p.138), Elizaincin, Behares & Barrios (1987, p.13) descrevem esse
português fronteiriço como “dialectos portugueses del Uruguay (DPU);” Thun (2000) refere-se a português
americano fora do Brasil”.
75
Isso posto e como decorrência, o mais importante a ser observado aqui o se refere à
questão de ser uma língua de povos ou grupos minoritários, mas sim se esta língua possui
status, seja oficial ou de qualquer outra espécie. Dorian (2006) lembra que
mesmo uma língua falada por um grupo minoritário, dentro de um país que
reconhece esta língua oficialmente, como é o caso do francês no Canadá,
Catalan na Espanha e o Assemese na Índia, têm seu status garantido
76
[...] e
sua continuidade assegurada (complemento nosso) (DORIAN, 2006, p.437
)
Diferentemente, uma língua majoritária, como é o caso do português no Brasil, mesmo
falada em outros continentes, com cerca de 230 milhões de falantes
77
, não é uma língua de
status internacional usada em situações diplomáticas e de relações econômicas como o inglês
e o francês.
Essa situação pode ser devidamente exemplificada através da análise do status do
português entre as diferentes nguas que compõem a EU e o MERCOSUL
78
. A realidade da
globalização nos remete à convivência com organismos nacionais e internacionais que, ao
mesmo tempo em que resultam da união de diferentes países, mas com objetivos comuns,
influi diretamente no destino dos cidadãos e dos países, social, econômica e culturalmente.
Além da EU e do MERCOSUL, citamos a ASEAN
79
e a NAFTA/ALENA ou TLC
80
.
A origem plurinacional e multilíngue desses organismos estabelece um elo comum de
coexistência étnica, linguística e cultural. Vejamos como se configura a situação linguística
do exemplificado com a situação dos países pertencentes à EU, e do aqui, exemplificado
com a situação dos países pertencentes ao MERCOSUL.
Born (2005, p.118) diz que a Europa é o continente que tem o menor número de etnias
autóctones residentes e, portanto, apresenta um menor número de comunidades bi- ou
multilíngues. Estas mesmas comunidades já se encontram estudadas e “gozam de status
privilegiado com academias ou institutos linguístico-culturais e processos concluídos de
codificação, unificação, estandardização e normatização dos respectivos idiomas”. Apesar
disso, o simples fato de que, atualmente (2007), quinze nações constituem a União Europeia,
nos uma ideia das imensas dificuldades que se apresentam quando se pensa em questões
relacionadas à hierarquia e regulamentação de status linguísticos e de questões políticas daí
76
While the languages of some minority peoples have official status of some kind in the state or in a particular
region of the state, as do French in Canada, Catalan in Spain, and Assamese in India, far more of the world’s
minority languages […]”. (DORIAN, 2006. p. 437).
77
Este número foi publicado no New York Times em 23/10/2006, na coluna de Larry Rohter.
78
EU –(União Européia) e MERCOSUL – um acrônimo na versão portuguesa: Mercado Comum do Sul.
79
ASEAN – Association of South East Asian Nations; existe também uma abreviatura pouco usada em português:
ANSEA: Associação das Nações do Sudeste Asiático.
80
Respectivamente em inglês: North American Free Trade Association; em francês: Accord de libre-échange
nord-américain; em espanhol: Tratado de Libre Comercio.
76
derivadas, já que todas as línguas do conjunto
81
são portadoras de status, seja de língua
oficial, nacional, de trabalho, regional ou minoritária, com exceção do inglês, considerada
língua franca mundial, acima de todas as demais.
Também as minorias linguísticas e culturais na EU contam com o apoio institucional
de leis e projetos que visam a uma política europeia de manutenção da diversidade linguística
e, segundo o princípio da subsidiariedade
82
é importante defender e salientar a importância
política, social, histórica e cultural que têm as línguas e as culturas de comunidades com
línguas menos usadas para o futuro da humanidade. Mesmo com todas as intenções e
procedimentos legais de apoio às línguas de minorias, quando da proposição da “Carta Aberta
das Minorias” no Conselho Europeu, com propostas nas áreas da educação, das relações com
o Estado e as leis, dos meios, das atividades culturais e da elaboração para além das fronteiras
nacionais, não obteve a adesão de todos os países integrantes da EU. Certamente, um fator
que contribuiu para essa atitude “comedida” é o fato de que, “em 1993, 40.000.000 de
eurocidadãos falavam uma ngua materna que não era uma das nove línguas oficiais”
(BORN, 2005, p.118). Born (p.140) cita 35 línguas minoritárias ou línguas e culturas menos
divulgadas, sem contar a ambiguidade levantada quando o consideradas determinadas
grandes línguas como alemão e francês, também minoritárias, dependendo de certas
condições sociolinguísticas ligadas a espaço físico.
Obviamente, essa imensa diversidade dificultaria, na prática, o acesso à legislação, aos
procedimentos e à informação da EU em suas próprias línguas. Lembrando, ainda, que as
empresas europeias teriam necessidade de competências em todas essas línguas e também na
dos outros parceiros comercias de todo o mundo. Mesmo com a oficialização das nove línguas
e com a ideologia da igualdade na diversidade que se consagra a equivalência de todas as
línguas dos estados membros como línguas de trabalho das euro-instituições. Na realidade do
dia a dia, o como negar a supremacia de determinadas línguas sobre outras. Fica claro,
por exemplo, a supremacia ou o status da língua alemã e do grego na Itália, do neerlandês-
holandês-flamengo na França” (BORN, 2005, p.128). Também é evidente e se aprofunda cada
vez mais a supremacia do inglês e do francês na comunidade europeia tanto que, dentro das
instituições, as demais sete línguas são consideradas minoritárias.
O espanhol e o italiano são línguas minoritárias em comparação com o
alemão, enquanto o dinamarquês, o finlandês, o grego, neerlandês e o
81
o línguas oficiais da EU: português, espanhol, francês, italiano, alemão, inglês, dinamarquês, grego,
neerlandês-holandês.
82
Segundo Born (2005, p.123 ) significa que tudo quanto não deve ser regulado necessariamente na Europa, será
regulado nos estados membros.
77
português são nguas minoritárias em comparação com o espanhol e o
italiano (BORN, 2005, p.128-9).
O Comitê Econômico e Social Europeu, em parecer de 6/09/2006
83
à Comissão
Europeia, observa a defasagem e a desigualdade de tratamento entre as instituições e a
sociedade civil europeia:
Quaisquer notas, estudos e documentos úteis e necessários à elaboração,
consulta e discussão da legislação europeia são produzidos e
disponibilizados, numa percentagem desproporcionada, em inglês. O mesmo
se passa, cada vez mais, com as reuniões internas ou organizadas pela
Comissão (p.3 do Parecer).
Fica óbvio que se os textos só estão disponíveis em inglês
84
, e se as discussões, relatos,
tanto institucionais como informais, também são registrados em inglês, uma significativa
parcela de indivíduos fica à margem dos debates. Da mesma forma, parece óbvio que pessoas
menos esclarecidas prefiram realizar estudos e pesquisas em inglês, já que é a língua que
promete trazer maiores benefícios em situações reais de profissão e de melhoria de vida. Por
este mesmo motivo, várias gerações de pais e até de organismos institucionais estão
escolhendo preferencialmente o inglês na aprendizagem de uma língua estrangeira, em
detrimento até da língua materna de origem.
Born (2005, p.118), ao referir-se à situação do MERCOSUL em relação ao status das
línguas presentes do grupo diz “parecer pouco problemática à primeira vista”. Dos países
membros (Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai), apenas as Constituições do Brasil e
Paraguai especificam a questão linguística”. O art. 5º da Constituição Paraguaia prescreve que
os idiomas nacionais da República são o espanhol e o guarani e que será de uso oficial o
espanhol. No Brasil, a Constituição de 1988, art. 13, diz que a língua portuguesa é a língua
oficial. O art. 210 diz que “O ensino regular será ministrado em língua portuguesa, assegurado
às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios
de aprendizagem” (Born, 2005, p.119). Não há referência alguma às línguas dos grupos
imigrantes. Assim, a comunicação do Brasil com os países vizinhos realiza-se em “um dos
dois idiomas românicos irmanados, ou no espanhol ou no português [...]” (idem, p.119).
Mesmo presente na Constituição do Paraguai (e mais recentemente do MERCOSUL) como
língua oficial, o guarani, assim como outras línguas indígenas o ocorrem em conversas
formais, em nível social.
83
O referido parecer pode ser visto em sua íntegra no site
http://eur-lex.europa/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX: 52006AE1372 - acesso em 28/5/2007
84
Numerosos observadores apontam o fato de as páginas iniciais dos portais ou sítios Web institucionais
conterem por vezes referência a documentos aparentemente em versão multilíngue, mas que, numa consulta
aprofunda, estão disponíveis apenas em inglês (Ibid p. 4).
78
Igualmente, para fins internos, a única língua com status oficial em todo o país é o
português. As consequências da falta de status, oficial ou não, de todas as demais línguas
faladas no país, incluindo a do nosso objeto de estudo, o talian, são, sem dúvida, cada vez
mais de perda linguística e cultural, já que a existência de qualquer língua escondicionada,
de uma forma dialética, aos fatos concretos da sociedade maior na qual se insere. A língua
adquire valor e status sempre que estiver ligada a um contexto que suporta valores concretos
subjacentes. Parafraseando Mey (1998, p.79), podemos dizer que “se a ngua é propriedade
individual, quem determina o seu valor é a sociedade”. Kaufmann, (2006, p.2433) ressalta,
neste sentido, o papel de dois fatores principais na manutenção de uma língua: o número de
falantes e o poder de sua língua. Destaca que as minorias linguísticas que não têm nem
número elevado significativo de falantes e também uma língua sem status reconhecido correm
um grande risco de serem extintas.
No ano de 2007, o Grupo de Trabalho da Diversidade Linguística (GTDL) propõe a
instituição, através de decreto presidencial, do Inventário Nacional da Diversidade Linguística
(INDL) como instrumento de reconhecimento e salvaguarda das línguas tidas sob o título de
“referência cultural brasileira”. Cria-se, assim, a possibilidade de variedades dialetais”
(manifestações linguísticas das comunidades luso-brasileiras), como o talian, e nguas afro-
brasileiras (manifestações linguísticas de comunidades afro-brasileiras), passarem a constar
no Livro de Registro das Línguas como parte do patrimônio imaterial do Brasil. Esse fato
constitui um possível fator de elevação do status de todas as línguas não-oficiais e
consideradas línguas de menor alcance, ao mesmo tempo em que reconhece as respectivas
comunidades linguísticas.
Por fim, o status também pode ser adquirido por caminhos não oficiais. Sistemas
educacionais e meios de comunicação social, entre outros recursos de visualização e
expansão, como a moda e as artes de um modo geral, asseguram a uma língua suporte físico e
econômico de acesso ao seu uso. Mas tudo isso tem a ver com uma profunda vontade política,
que será o nosso próximo fator.
2.3.2 Contexto histórico-político
A importância deste fator é acentuada por autores conhecidos neste campo da
linguística. Gibbons e Ramirez (2004, p.53) fundamentam seus estudos com uma frase: “O
79
poder político pode grandemente suportar ou profundamente exterminar línguas”.
85
Calvet,
em seu capítulo inicial de “Nas Origens da Política Linguística”, nos adverte que
sempre houve indivíduos tentando legislar, ditar o uso correto ou intervir na
forma da língua. De igual modo, o poder político sempre privilegiou essa ou
aquela língua, escolhendo governar o Estado numa língua ou mesmo impor à
maioria a língua de uma minoria (CALVET, 2007, p.11).
Rajagopalan (2003, p.78) não só descreve o papel de políticas linguísticas como
também adverte que “em diversas partes do mundo verifica-se a adoção de políticas
linguísticas pelos governantes sem que haja efetiva participação dos linguistas”. Skutnabb-
Kangas & Phillipson vão mais além, ao revelar e denunciar que determinadas
políticas linguísticas garantem a alocação de recursos para a língua
dominante na educação, na mídia, na vida pública e nos modernos setores da
economia. Como resultado, muitos povos do terceiro mundo o governados
em uma língua que eles o entendem
86
(SKUTNABB-KANGAS &
PHILLIPSON, 1996, p.670).
Esse poder vem atrelado a fatos históricos, de descobrimento, formação e
desenvolvimento de uma determinada região ou país. No Brasil, distintas políticas de acesso
imigratório foram impostas, em diferentes períodos, ocasionando diferentes resultados. Senão,
vejamos os dados abaixo.
a) A Política de Imigração: A imigração italiana, apesar das aparentes semelhanças,
diferentemente da imigração aleque a antecedeu, foi regida por distintas leis advindas dos
governos, imperial e provincial. Para cada família de alemães estavam previstas no orçamento
da União glebas de terras de aproximadamente 77 hectares. Essas facilidades de início de
imigração são explicadas por Costa & De Boni (2000): o então governo monárquico brasileiro
era dirigido por um grupo de funcionários portugueses e brasileiros não comprometidos com
os grandes latifundiários e tencionava modificar as estruturas do país, até então baseadas na
monocultura, latifúndio e escravidão. Assim sendo, aos primeiros imigrantes alemães caberia
a produção da policultura e pequenas indústrias, fornecendo gêneros de primeiras
necessidades, daí as facilidades concedidas a esses imigrantes.
no orçamento de 1830, foram cortadas todas as verbas para a imigração e
colonização e, em 1834, por Ato Adicional da Regência, os encargos com a vinda de
estrangeiros passaram para as províncias, as quais, carentes de recursos, não possuíam glebas
85
Political power can strongly support or profoundly undermine languages(GIBBONS & RAMIREZ, 2004. p.
53)
86
Linguicist policies ensure the allocation of resources to the dominant language in education, the media,
public life and the modern sector of economy. As a result, most people in the “Third World” are governed in a
language that they do not understand” (SKUTNABB-KANGAS & PHILLIPSON, 1996. p 670).
80
de terras, pois as terras devolutas continuavam pertencendo ao poder central. Essa mudança
de postura em relação à política de imigração encontra-se na nova formação do parlamento
brasileiro, composto, então, por grandes latifundiários que, donos da situação política e
diferentemente do grupo anterior, impediam e dificultavam a entrada de colonos estrangeiros,
pois viam no modelo de produção, baseado na pequena propriedade, na policultura e no
trabalho familiar um perigo, mesmo em longo prazo, ao arcaico sistema vigente de produção.
De um período relativamente livre (mesmo arcando com o ônus da compra de terras),
com liberdade de usos, costumes e línguas, o período pós- 1937 é pautado no projeto
nacionalista brasileiro de feição conservadora e autoritária, marcado pelo caráter excludente,
com a eliminação de quaisquer formas de organização autônoma da sociedade que não fossem
ligadas rigorosamente ao Estado. Assim é que uma política de nacionalização é implantada
em todo país, com uma série de providências, envolvendo a ação e atuação dos Ministérios da
Guerra, da Educação, da Justiça e do Trabalho. Medidas proibitivas e punitivas e a criação de
estratégias separatistas foram impostas à população de imigrantes. Construir o nacionalismo
significava destruir as diferenças étnicas e culturais e proceder a uma seleção na
formação da cidadania brasileira.
A própria mudança de postura do então governo da república que, premeditadamente,
instaura as colônias mistas, não deixa de ser uma política linguística pautada na crença de que,
reunindo imigrantes de origens diferentes, no mesmo espaço físico e social, estes seriam
obrigados a fazer uso do português para garantir a intercompreensão. O mesmo governo
republicano procedeu à tradução de topônimos, originalmente na língua alóctone (por
exemplo, para o português, normalmente homenageando personalidades do Exército, como no
caso de Garibaldi (antes Conde d’Eu), Bento Gonçalves (antes Dona Isabel), Caxias do Sul
(antes Campo dos Bugres), Farroupilha (em homenagem ao centenário da Revolução
Farroupilha) e Flores da Cunha (em homenagem ao General José Antônio Flores da Cunha).
b) Consequências de uma política monolinguística: As consequências da política de
nacionalização se fazem sentir até os dias de hoje. O conceito corrente de que o Brasil é um
país homogêneo, de um só povo e de uma só língua tem vinculação com esse tipo de
concepção. Como vimos anteriormente, pesquisas indicam que no Brasil
aproximadamente 180 línguas autóctones e cerca de 30 línguas alóctones que ainda são
faladas. Há, ainda, as línguas de descendência afro-brasileiras, as línguas de sinais e os
fenômenos de fronteiras (ALTENHOFEN, 2008, p.136), como o português da fronteira (o
portunhol).
81
Fato semelhante ocorreu na Austrália, que, segundo Gibbons & Ramirez (2004), em
1787, época do estabelecimento dos europeus, contava com cerca de 240 línguas autóctones.
Hoje, muitas dessas línguas desapareceram e somente algumas têm a expectativa de
sobreviver como língua-mãe. Relações de poder e o estabelecimento de uma política social
europeia nas estruturas econômicas, juntamente com novas doenças ocasionando supressão
violenta, tendem a fazer desaparecer muitas dessas línguas. Além disso, tem sido constante a
migração dentro da Austrália, chegando hoje a população indígena a representar apenas 2%
da população total. Como consequência, o declínio das nguas não-inglês chega a um estado
crônico: somente 4,2% da população nascida na Austrália usa outra língua que não o inglês,
incluindo as línguas aborígines. o espanhol, língua de maior número de imigrantes, não
vem conseguindo espaço frente ao inglês.
O estudo de Gal (1979) mostra que quando Oberwart recebeu um grande afluxo de
falantes alemães e viu-se transformada de terra de agricultores em área industrial e comercial,
no período da Segunda Guerra Mundial, passando a fazer parte da Áustria, o alemão
converteu-se em língua oficial, sendo o húngaro banido, por um ato de governo, das escolas.
O resultado disso foi uma perda linguística significativa: se, em 1920, o húngaro era falado
por três quartos da população, em 1971 somente um quarto da população sabia falar a língua.
Skutnabb-Kangas & Phillipson (1996, p.672) afirmam que as formas de acesso de uma
língua às estruturas de poder e aos recursos materiais têm mudado de forma. Se, antes, a
colonização era efetuada através de armas, leis proibitivas e não disponibilidade de recursos,
agora, o princípio da dominação é a colonização da mente através de uma conscientização via
meios de comunicação, educação e religião. Trata-se de uma estratégia muito mais sutil, pois
subjuga os indivíduos a aprenderem uma determinada língua não pela força e punições físicas,
mas pela punição da o-obtenção de determinados privilégios que a língua detentora de
status pode oferecer.
Frosi (1998), referindo-se à língua oral da região de colonização italiana no sul do
Brasil, identifica-a através de três momentos histórico-políticos importantes. O primeiro
inicia-se com a chegada dos primeiros imigrantes, em 1875, e se estende até 1910. No
assentamento desses imigrantes não foi levado em conta o critério etnolinguístico, ou seja,
comunidades de fala formaram-se ao longo das linhas ou travessões e constituíram
comunidades de fala, em termos dialetais, mistas. Pelo isolamento e pela dificuldade de
comunicação com a comunidade brasileira, o grupo de descendentes formou uma sociedade
local do tipo vêneto-lombarda, com a preservação do respectivo dialeto e com a integração
social e linguística em nível de grupos étnicos italianos.
82
Nesse universo de valores tipicamente italianos, não houve desprestígio aos
dialetos italianos, sejam eles do grupo vêneto (vicentino, trevisano, feltrino-
belunês, paduano, veronês, veneziano, rovigino), sejam do grupo lombardo
(bergamasco, mantuano, cremonês, milanês, brecsiano, varesino, comasco,
paviense), seja o dialeto trentino ou, ainda, o friulano (FROSI, 1998, p.161).
Eles, os dialetos, são a língua da família, do trabalho e do grupo social maior. Não se
justifica, do ponto de vista estritamente linguístico, a estigmatização ou vergonha em relação
à língua de imigração, ou qualquer outra língua. As razões do preconceito linguístico derivam
muito mais de aspectos sócio-políticos, em determinado momento da diacronia.
O segundo período tem início em 1910, quando se põe em movimento a estrada de
ferro que liga Caxias do Sul a Porto Alegre. O fator geográfico, as barreiras do isolamento são
rompidas e o incremento comercial e industrial daí decorrente altera as relações
sociolinguísticas:
Os dialetos menos representativos numericamente desaparecem, as ilhas
dialetais se preservam, os dialetos do grupo vêneto e lombardo se
interinfluenciam, os dialetos do grupo vêneto se sobrepõem aos demais.[...]
surge uma fala comum, uma coiné (FROSI, 1998, p.161).
Na cada de 1930, a campanha de nacionalização do ensino leva à proibição da fala
dialetal italiana, e o uso da língua portuguesa torna-se obrigatório. A língua portuguesa é
imposta pelo poder político-administrativo. Além desses fatores extralinguísticos que
contribuíram para a diminuição e desprestígio da fala dialetal italiana, a segregação dentro
do próprio grupo de imigrantes, isto é, forma-se um novo grupo de descendentes, mais
urbanos e enriquecidos, que vê os menos favorecidos e rurais como colonos, no sentido
pejorativo do termo, inferiorizando-os social e linguisticamente, seja pelo falar dialetal
italiano, seja pela fala do português com forte pronúncia italiana. Esses dois fatos unidos vão
dar origem a um estigma social que marcou os descendentes ítalo-brasileiros durante muito
tempo e talvez até hoje.
A década de 1950 projeta, no Estado e no País, a RCI pelo seu expressivo
desenvolvimento econômico e marca o terceiro período da evolução sociolinguística. Há
novas estradas e os meios de comunicação, através da luz elétrica, chegam a todos os lares. As
mensagens são transmitidas em língua portuguesa e a ampliação das relações interétnicas
aumenta a fala na língua oficial do país, projetando esta e menosprezando os dialetos.
Aprender a língua portuguesa significava um fator de ascensão social e econômica.
A estigmatização social origem a estereótipos lingüísticos que têm efeitos
traumáticos. Falar em dialeto italiano é feio, falar em língua portuguesa com
83
interferências fônicas dos dialetos italianos também é feio (FROSI, 1998,
p.163).
Neste período, pelo empobrecimento rural e pelo aumento demográfico das colônias
acontece o êxodo do campo para a cidade e a saída à procura de novas terras também para a
recém-colônia de Erechim. Fatalmente, a miscigenação e os casamentos interétnicos fazem
com que os descendentes de terceira geração, nascidos em centros urbanos, o adquiram o
italiano como língua materna.
O quarto período da história linguística da RCI é marcado pelas comemorações
alusivas aos cem anos da imigração italiana (1975) e se estende até nossos dias. O progresso,
a grande expansão econômica da região, a presença de meios massivos de comunicação e
transporte desintegram o falar dialetal italiano e consagra, definitivamente, a língua
portuguesa em todos os níveis e classes sociais. Segundo Frosi (1998, p.165) a fala dialetal
italiana “não tem uma função de comunicação e de transmissão da cultura. Ela é usada como
um instrumento para demarcar um espaço próprio, uma identidade cultural local [...]”. Na
realidade, o que se percebe é uma atitude afetiva, por parte dos descendentes italianos, em
relação ao dialeto que agoniza. toda uma vontade política de resgate, de valorização e de
retorno às origens, numa tentativa de recuperar a riqueza dos dialetos e sua consequente
cultura. Fica a pergunta: Em que medida isso se confirma nos dados deste estudo?
2.3.3 Aspectos geográficos
Nunca antes, de modo tão forte, o espaço geográfico tem significado um terreno de
luta, de poder e de conquista ideológica de determinados povos e países sobre outros. o é a
conquista do espaço em si, mas do que ele representa e do que ele pode produzir.
Assim, o espaço geográfico ocupado por uma determinada população, ao
relacionarmos língua e grupo étnico e social, pode ser visto e analisado sob duas diferentes
óticas, embora com fortes interinfluências. A primeira diz respeito à geografia do espaço em
si, ao terreno ocupado, sua posição e localização no universo. Esse espaço tanto pode ser
analisado em nível mundial como em nível local. Há espaços de localização privilegiada, com
maiores recursos naturais, riquezas e consequente poderio econômico, em detrimento de
outros com menores recursos e destituídos de força política e poder econômico. Nem sempre,
no entanto, os espaços ricos em bens naturais são igualmente ricos em poder econômico,
social, cultural ou político. Espaços geograficamente fechados podem compartilhar de uma
84
série de recursos midiáticos e institucionais que dão suporte à ngua. É o que vemos, por
exemplo, em comunidades falantes de variedades da língua Malay na Tailândia, Malásia,
Indonésia, Brunei e Filipinas, que têm facilidade de uso, pois se servem de recursos comuns
na manutenção de sua língua. é diferente o caso de variedades das línguas alemã e italiana,
presentes em comunidades fora da Europa, como no Brasil, que não possuem o mesmo
aparato de sustentação e proximidade física. Espaços abertos, tais como as fronteiras, portos
marítimos e mesmo grandes cidades estão mais expostos às influências externas, já que
recebem um fluxo maior de pessoas.
o segundo modo de abordagem do espaço geográfico liga-se à terra-mãe como
símbolo de construção de identidade, distinguindo os “filhos da terra” ou os nascidos no país,
daqueles considerados “estrangeiros”, seja por não terem nascido no país, seja por serem
descendentes de imigrantes. São limites estabelecidos pela identidade étnica dentro e também
fora do país. Quanto mais forte é esta identidade, mais esta força se sobressai local e
internacionalmente. O conceito envolve negação e diferença: algo é alguma coisa e outra não.
Altenhofen nos diz que
as línguas de imigração assumem uma posição intermediária e ambígua, tal
como acontece com a identidade, muitas vezes sob uma espécie de “fogo
cruzado” entre a origem étnica e a assimilação ao meio local de acolhimento
(ALTENHOFEN, 2008, p.29).
Então, ou se associa a língua de imigração à respectiva língua estrangeira e distante da
pátria-mãe, portanto, abandonada, ou vive-se a condição de língua minoritária ainda
desprovida de reconhecimento e status de língua brasileira e, portanto, duplamente
abandonada.
Mey (1998) dá outro enfoque a essa questão citando a ligação feita entre Hans Cristian
Andersen e sua terra natal, a Dinamarca. O fato de o famoso escritor ser dinamarquês eleva o
sentimento de pertença de toda uma população que sente orgulho da pátria e de tudo o que ela
representa como chão, espaço e como identidade. Constantino (1991, p.41-52) compara o
caso dos calabreses em Porto Alegre e sua ligação com Boreno, na Itália. A identidade pode,
por outro lado, representar um sentimento negativo como o foi, e talvez ainda seja a
comparação da Alemanha e do povo alemão com as permissividades deflagradas pelo ditador
Hitler durante a segunda guerra mundial. O próprio estudo de Gal (1979) em Oberwart
cidade localizada na divisa da Áustria com a Hungria, entre outras situações, mostra um
reflexo da política adotada durante a guerra. A identidade com a terra, enquanto espaço
geográfico camponês ligado ao prestígio social que isso representava era respeitada e
85
mantinha a língua húngara, ligada à população do campo. No momento em que os arredores
da cidade tornam-se um espaço de prestígio ligado à industrialização, mais valioso econômica
e socialmente, a identificação dos jovens bilíngues húngaro-alemão com este espaço motiva
ao monolinguismo alemão, ligado à população industrial.
Para os italianos, no período auge da imigração no Brasil, a identificação com a terra
representava a redenção econômica, a liberdade e a ascensão social
87
. A tria era deixada
porque nela faltava a perspectiva de poder ter a sua terra, ser proprietário. o direito ao uso
da língua estatal, “não sendo portátil ou pessoal, mas sim territorial e pertencente a uma
região específica ou domínio de uso dentro de uma região,”
88
(ROMAINE, 2006, p.399) a ele
não foi acessado pelo governo brasileiro. Se ao indivíduo cabe a liberdade de fala, não
significa que o Estado lhe ofereça condições sociais de uso desta fala. Assim, o imigrante
italiano identificou-se com a terra, mas não com a língua e, nos primeiros tempos, seja pelo
fator do isolamento geográfico ou de comunicação, permaneceu com a língua trazida do país
de origem. Os estudos de Santos (2001) e Frosi (1998) mostram como, aos poucos, esta
identificação com a língua de origem também vai desaparecendo.
De um modo geral, grupos que permanecem isolados durante muito tempo apresentam
maior tendência à manutenção da língua, e o isolamento religioso-societal é o mais poderoso
deles. Pode ocorrer quando membros de algum grupo religioso “retiram-se do mundo”
89
que
os cerca, mantendo sua língua com a exclusão de influências de seu meio ou, então, com
grupos de pessoas que imigram para países onde são faladas outras línguas que não a sua de
origem. Esta situação pode até gerar ilhas lingüísticas
90
em territórios em que a língua não
dominante é a língua principal usada na comunicação diária. Frosi (1998), relata que
na região colonial italiana, em alguns casos, a predominância de grupos
étnicos específicos originou ilhas de dialetos particularizados Essas ilhas
foram resultado do assentamento, num mesmo travessão, de grupos de
famílias procedentes de uma mesma província italiana
(FROSI, 1998, p.159).
Quanto maior a ilha, maior a resistência à assimilação e consequente substituição da
língua de origem. Em um estudo dialetológico, as mudanças de fronteira também se
constituíram em espaços propícios na formação de “ilhas linguísticas”, mais conservadoras do
que os centros urbanos (cf. ALTENHOFEN, 2006, p.10). Destaque a essa situação de
isolamento era dado em 1938, na época da política de nacionalização. Em ofício reservado
87
Costa & De Boni (2000) dão maiores referências sobre esta questão.
88
“[...] rights are not portable or personal; they are territorial and pertain to a specific region or domain of use
within a region” (ROMAINE , 2006. p.399).
89
“Retiram-se do mundo”, expressão traduzida – utilizada por Kloss (1966. p. 206): “withdraw from the world”.
90
Termo empregado por Kloss (1966. p. 207), “[...] existence of language islands (Sprachinseln)”.
86
do chefe do Estado-Maior do Exército, General Pedro Aurélio de Góis Monteiro, ao ministro
da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, lia-se:
O comando da 5ªRM ressalta os estados mais atingidos pelos perigos da
colonização estrangeira, tanto alemã como italiana, japonesa e polonesa,
achando que de todos os elementos radicados no nosso país, os mais bem
organizados são os alemães, devido ao isolamento em que procuram viver,
transmitindo aos seus descendentes língua, costumes, crença, mentalidade,
cultura e patriotismo.
91
Romaine (1995, p.44) relata que, quando falantes de uma língua minoritária
conseguem encontrar um nicho ecológico na comunidade majoritária, o qual é condutor na
manutenção da língua, ela tem maior chance de sobrevivência. Diz, também, que o grau de
isolamento de uma comunidade é um importante fator na mudança da língua, mas ele trabalha
tanto para manter como para minar a língua. Ele pode ser um fator de manutenção se os
membros do grupo não têm um contato interativo com membros do grupo da língua
dominante, mas ele pode ser fator de mudança se o grupo constitui uma comunidade de
imigrantes que tem perdido a relação com o país da língua-mãe. Acrescente-se a isso, a
própria percepção da variação diatópica, do uso de uma língua e de outras línguas próximas
que é diferente na visão de uma sociedade tradicional, antiga, caracterizada pela topostática
92
onde o estranho era muito mais rapidamente notado, e na visão atual, de sociedades modernas,
caracterizadas pela topodinâmica dos falantes, onde a heterogeneidade étnica e também social
sustenta um plurilinguismo não só de variedades de línguas, mas também de variedades
dentro de uma mesma língua. Essa mobilidade geográfica descaracteriza ou cria novas
configurações para os contatos linguísticos e para a manutenção ou vitalidade de uma língua.
2.3.4 Aspectos demográficos
Embora o número de falantes de uma língua seja preponderante para sua manutenção,
e Gibbons & Ramirez (2004, p.66) chegam a dizer que “se em uma comunidade um alto
número de falantes e se os demais fatores forem iguais, essa língua tem grandes possibilidades
91
Campanha de Nacionalização. Ofício reservado nº4, 24 de janeiro de 1938, do chefe do Estado-Maior do
Exército ao Ministro da Guerra (assinado por is Monteiro). Arquivo Gustavo Capanema, GC 34.1 1.30-A, pasta 11-1,
série g.
92
O termo topostática é usado por Thun (1996) e refere-se à situação de falantes mais fixos ao espaço físico
onde residem, em oposição a falantes mais móveis no espaço, topodinâmica.
87
de ser mantida, transmitida e aprendida”
93
, mesmo assim, o número de falantes é ainda
somente um fator na escala dos pesos na manutenção e na substituição de uma língua. Aliada
à questão do número de falantes, questões como o número absoluto de falantes e os fatores
que causam mudanças neste número são igualmente importantes. Nesse sentido, o os
censos demográficos nos revelam dados significativos sobre a movimentação de uma
determinada população e sobre o uso de suas línguas, como também o rumo das decisões
políticas de países que ditam as regras no mundo político e econômico.
Censos demográficos como o de 1996, realizado na Austrália, que especifica a “língua
falada em casa, nos propicia uma visão do número da população que fala uma determinada
língua em casa, bem como a percentagem dos nascidos no país e a percentagem de
representação nesse mesmo país
94
. Na análise, pode-se perceber que o índice de nascimentos
está diretamente relacionado ao índice de manutenção da ngua oficial do país, já que
afetando diretamente o tamanho das comunidades tem impacto direto no número de falantes.
Este censo, comparado aos demais que se seguem, possibilita uma análise da situação do país
em termos de número de habitantes e línguas faladas. Políticas linguísticas podem ser
elaboradas em cima desses índices. condições de se traçar políticas de manutenção ou não
de determinadas línguas. Semelhante tipo de estudo foi realizado no Brasil somente nas
décadas de 1940 e 1950. De para cá, estimativas. Há, no entanto, e agora não nos
referindo a censos demográficos, estudos que nos trazem outros dados importantes na área,
como o de Altenhofen (2008, p. 26). O autor lembra que “costuma-se mencionar estatísticas
da entrada de imigrantes no país que não se podem confundir com estatísticas de número de
falantes das respectivas línguas de imigração”. Exemplifica dizendo que se entraram mais
imigrantes italianos no país (os primeiros vieram em 1875), é certo que os alemães, que aqui
chegaram em 1824, haviam se multiplicado em cerca de 7-10 vezes mais, segundo a média
de filhos por família. Em sua dissertação de mestrado (1990, p.72), a partir da amostra
coletada pelo projeto BIRS (Bilinguismo no Rio Grande do Sul), faz uma estimativa de
falantes bilíngues da geração dos jovens (alistados entre 1985 e 1987), segundo a língua de
imigração falada no RS. O que nos interessa aqui são os números que demonstram a
percentagem dos falantes de italiano:
93
If all else is equal, the greater the number of speakers of a language, the greater is the probality that this
language will be maintained, transmitted and learned” (GIBBONS & RAMIREZ, 2004. p.66).
94
Essa tabela pode ser visualizada no livro de Gibbons & Ramirez (2004. p.69).
88
Tabela 5 -: Pesquisa realizada pelo Projeto BIRS (bilinguismo no RS) entre os anos de
1985/1987
Total de
questionários
alemão espanhol italiano japonês polonês russo ucraniano outros Quest.
descons.
5.435 3.077 116 1.845 23 216 2 2 55 99
100% 56.61% 2,13% 33,94% 0,42% 3,97% 0,04% 0,04% 1,01% 1,82%
Fonte: ALTENHOFEN (1990) Dissertação de mestrado – UFRGS.
Mesmo se tratando de dados que o envolveram todos os municípios do Rio Grande
do Sul (nem todos responderam à pesquisa), os dados são significativos como representantes
do índice de bilinguismo no Estado. Certamente, se fossem dados específicos da RCI e
desmembramentos, os índices seriam bem diferentes em relação ao bilinguismo italiano-
português. Isso aponta para a importância de se refletir sobre o fator demográfico tanto em
nível local quanto em nível internacional, em relação a força da concentração étnica. Em
nível internacional, pode-se considerar como importante uma língua falada como L1 por uma
significativa população, como no caso do mandarim. Se, no entanto, outra língua tiver
também um significativo número de falantes como L1 e, ainda, um significativo número de
população falante de L2, a exemplo do inglês, então esta língua terá muito mais força social,
política e econômica. Em nível nacional, Altenhofen (2008) exemplifica citando que a ngua
indígena mais falada no território brasileiro não ultrapassa o número de falantes de uma
língua de imigração como o japonês, e que, no entanto, não possui o apoio institucional das
línguas indígenas, assim como as demais línguas de imigração.
Na região em estudo, o processo de colonização, favorecendo a imigração e a política
de instalação de populações mistas, fez com que a convivência com outras variedades de
língua facilitasse a substituição e o uso de uma ngua geral, da coiné, de predominância
vêneta. Neste sentido de formação inicial, diferencia-se da RCI, que esta, pela formação
inicial, conforme Frosi (1998), ao referir-se à manutenção da língua de origem, preserva ilhas
linguísticas:
[...] os dialetos menos representativos numericamente desaparecem, as ilhas
dialetais se preservam, os dialetos do grupo neto e do grupo lombardo se
interinfluenciam, os dialetos do grupo vêneto se sobrepõem aos demais
(FROSI, 1998, p.161).
89
Onde ocorre alto grau de interferências linguísticas, a perda proporcional também é
alta. As implicações podem ser vistas inclusive no nível da estrutura familiar. Como exemplo,
Williams (1987, p.89, tabela 2.4)
95
, citado por Romaine (1995, p.42), apresenta uma tabela
que mostra a constituição familiar e a preponderância da língua originária de Wales, no ano
de 1981. Pode-se muito bem observar que na família onde ambos os pais falam a língua
welsh, a manutenção tem seu maior índice, ou seja, 91.2%. Realizamos, também, estudo
semelhante nos pontos da pesquisa, e os resultados podem ser visualizados no cap. 4,
confirmando a importância do fator intergeracional na aquisição e uso da língua de origem.
Tanto Romaine (1995) quanto Fishman (1964/1967) enfatizam a transmissão intergeracional
como condição básica para manutenção da língua-mãe de minorias linguísticas. Fishman
(1991)
96
diz que “somente quando a língua é passada para o indivíduo em casa chance de
sobrevivência [...]”. Romaine (1995, p.42)
97
diz que a “inabilidade de minorias para manter o
espaço da casa como um domínio intacto para o uso de suas línguas tem sido decisivo na sua
mudança”. Em Cummins (1978), exemplos claros de substituição linguística quando se
refere ao bilinguismo subtrativo, próprio de países onde não há uma política voltada à
manutenção linguística de minorias étnicas. Frosi (1998), como vimos, relata o percurso de
perda da língua de imigração de origem italiana através de quatro períodos históricos. A
integração, em nível interno, de grupos étnicos italianos, foi o fator de manutenção da língua e
de integração da região de colonização italiana no contexto brasileiro maior; com a
consequente dispersão e miscigenação étnica produziu-se o abandono de usos e costumes
italianos, dentre eles a língua de origem italiana.
Atualmente, a globalização, através de seus efeitos massificadores, tende a dar unidade
ao que é múltiplo e a transformar o múltiplo em uno e, neste processo, o contato entre as
línguas faz dominar aquela que, por razões de formação histórica, econômica e política, está
em situação dominante ou privilegiada. Nesse sentido, esmorece o poder da concentração
demográfica e fala mais alto o poderio econômico.
95
- Table 2.4 - Household compositionand language in Wales
Children
Parents
%Non-Welsh speakers One or more Welsh speakers
Both speak Welsh 63.8 91.2
Father only 58.0 36.2
Mother only 42.0
Neither speaks Welsh 92.8 7.2
96
“Only when a language is being passed on in the home is there some chance of long-term survival. Other-wise,
other efforts to prop up the language elsewhere, e. g. in school or church, may end up being largely symbolic
and ceremonial” (FISHMAN, 1991 apud ROMAINE, 1995. p.43).
97
The inability of minorities to maintain the home as an intact domain for the use of their language has often
been decisive in language shift” (ROMAINE, 1995. p.42).
90
2.3.5 Poder econômico
Nos diversos estudos já realizados (GIBBONS & RAMIREZ, 2004; GAL, 1979;
ROMAINE, 2005; SANTOS, 2001) evidenciou-se que uma língua tem valor de mercado
maior, quanto maior a economia dos países que a falam. Sob esta ótica, ao lado da lealdade
política, a prosperidade econômica é considerada condição essencial para identificar o bom
cidadão”, o grupo de prestígio e, com este, a sua língua. Romaine (2006, p.393) diz que
“frequentemente o conhecimento e uso de uma língua é uma necessidade econômica”.
98
A partir da década de 1990, quando o então Presidente da República Itamar Franco
decidiu impulsionar a lei de ensino do espanhol com o claro objetivo político de consolidar
alianças econômicas entre os países do MERCOSUL, acompanhou-se, através da imprensa,
uma pressão acirrada por parte da Inglaterra, França e Itália para que essa lei não fosse
promulgada. Por trás da fachada democrática de que não se pode impor nenhuma língua
estrangeira, pois compete à comunidade escolar a escolha da língua com a qual queira
trabalhar, leia-se nas entrelinhas um claro objetivo econômico. A fatia de ganhos no ensino de
qualquer língua estrangeira no Brasil, como de qualquer outro país, devido ao tamanho de seu
território e percentagem de população em idade escolar, representa um lucro significativo que
nenhum país pode desperdiçar.
A própria Espanha, por exemplo, a partir da possibilidade da lei do ensino
obrigatório do espanhol, comprou, através do grupo Editorial Anaya, juntamente com seu
sócio francês Havas, 50% de duas editoras brasileiras Ática e Scipione
99
. Igualmente, ainda
anterior a esse fato, começa a trabalhar na criação e distribuição no Brasil de métodos de
ensino do espanhol, motivada pelo fato de que cerca de 400 milhões de pessoas têm essa
língua como língua materna, o que converte o espanhol no segundo idioma internacional, em
número de falantes. Mas, apesar de a Espanha figurar entre as dez economias mais prósperas
do mundo e possuir esse número significativo de falantes, não alcançou um idioma ao nível
de sua riqueza material, como o inglês, o francês e até o mandarim.
É inegável e crescente o mercado altamente lucrativo do ensino do inglês no mundo.
Berço da língua inglesa, o Reino Unido recebe anualmente 15 mil estudantes brasileiros que
buscam as escolas de idiomas altamente qualificadas. Além de receber alunos em potencial, o
Reino Unido (UK) é também um exportador das técnicas de ensino de inglês. Outros países
98
Often knowledge and use of one language is an economic necessity” (ROMAINE, 2006. p.393).
99
Ver em: http://www.el pais.es/articuloCompleto.html?xref=20000618elpepicul_9&type=Tes&anch. Acesso:
11/12/2004
91
adotam o modelo britânico para ensinar o idioma. Segundo o critério de prestígio social,
cultural ou econômico, as melhores escolas no mundo, para o ensino do inglês, pertencem ao
sistema de reconhecimento de qualidade English in Britain, dirigido pelo British Council.
Entre as nações que formam o Reino Unido, a Inglaterra é a que recebe a maior parte dos
intercambistas. Por ano, são mais de 600 mil universitários na nação em busca de um diploma
superior.
100
Atualmente, a importância de uma língua de prestígio se mede também no mercado de
trabalho. Muitos empreendedores, nos Estados Unidos e nas fronteiras brasileiras, estão
solicitando certificados de domínio no espanhol para admissão em determinados empregos,
como critério de escolha. Para inúmeros empregos de melhor remuneração, é exigido o
domínio da língua inglesa. Possibilidades de estudo no exterior são voltadas àqueles que
dominam línguas de prestígio, como o inglês, o espanhol e o alemão.
Para os objetivos de nosso estudo, coloca-se a pergunta sobre o papel do fator
econômico na manutenção ou perda do talian, uma língua fortemente associada à figura do
colono (veja-se a recepção do Radici, em SANTOS, 2001) e, portanto, o antônimo do usuário
normal de línguas de prestígio.
Essa configuração social encontra explicações na história da emigração e imigração.
Foi a própria crise socioeconômica no norte da Itália que impulsionou a imigração de italianos
para o sul do Brasil, vindo ao encontro dos planos dos latifundiários brasileiros que
precisavam de mão de obra barata para a sucessão dos escravos nas lavouras do café,
principalmente no Estado de São Paulo. E foi, também, pela própria crise cafeeira ocorrida em
1900, que impedia de continuar a absorver a mão de obra dos imigrantes, como em outras
épocas, que os imigrantes italianos chegaram ao norte do Rio Grande do Sul. Foi também a
questão econômica que impulsionou os descendentes de imigrantes italianos localizados na
grande região de Caxias do Sul a procurarem novas terras na recém criada colônia de
Erechim. Aqui, o imigrante italiano ficou conhecido pela sua capacidade de luta e de trabalho,
tanto que no mundo de seus valores, a propriedade, a parcimônia e o trabalho constituíram
fatores de identidade.
101
E se a posse da terra era sinal de redenção econômica, o trabalho
surgia como fonte de liberdade e como única forma de alcançar a riqueza. Tanto é que a
região de colonização italiana nos entornos do município de Caxias do Sul (RCI) representa
um significativo polo de desenvolvimento econômico. Segundo Santos (2001) e Frosi,
Faggion e Dal Corno (2006), o trabalho está intimamente ligado à identidade étnica ítalo-
100
Dados retirados de: pt.wikipédia.org/wiki/Reino Unido. Acesso em 15/03/2009.
101
Ver a respeito: pesquisa de Gubert (1995. p.185/6).
92
brasileira, que a interiorizou através do modelo de seus antepassados. Família e trabalho
ocupam um lugar privilegiado no universo do ítalo-brasileiro. Como resultado de todo esse
empreendorismo, a língua italiana é agora priorizada em diferentes trâmites de comércio
nacional e internacional. Diferentemente da comunidade italiana na Austrália que está
rapidamente dirigindo-se ao monolinguismo em inglês (conforme HYLTENSTAM &
STROUD, 1996, p.570) pela constelação de fatores negativos à língua italiana e, entre estes, o
econômico. Constata-se, na RCI, cada vez mais um apreço e uma busca pela aprendizagem da
língua italiana, diferentemente de épocas anteriores, quando o conhecimento da língua italiana
ligava-se ao “inculto colono”. Mas ainda não estamos falando especificamente da língua de
imigração, e sim da língua da pátria de origem, o italiano-padrão. Fala-se a língua de origem,
mas a referência do escrito é o italiano-padrão.
Como reflexo das relações no plano internacional, coloca-se ainda a questão do ensino
do inglês como única e legítima língua estrangeira a ser ensinada nas escolas, em detrimento
de outras línguas, como o italiano, considerando o contexto da imigração. A ideologia do
English only vem sendo criticada pelos adeptos de uma ordem democrática cultural
internacional, como Fishman (1988). Se considerarmos o suporte institucional do ensino da
respectiva língua-teto de minoria, ou como cogitam os mais acirrados defensores do dialeto,
do próprio talian, não como ignorar a questão do ensino de inglês como língua estrangeira.
Por ora, o que se acena nas discussões, como saída mais adequada, é a priorização de uma
oferta trilíngue nas escolas, incluindo o português (língua oficial), o italiano (ligado à ngua
materna do aluno e à ngua de imigração do entorno cultural) e o inglês (como língua das
ciências e das relações internacionais).
Romaine (2006, p. 395) afirma que, de acordo com estimativas, hoje mais falantes
de inglês como segunda língua (350 milhões) do que falantes nativos de inglês. Aponta como
causas disso a revolução industrial e o mundo globalizado. A corporação de instituições
financeiras de países de fala inglesa tem dominado o mundo dos negócios e transformado o
inglês em uma linguagem global. Paralelamente, tem crescido o debate em torno do papel da
terceira língua, como aquela que “faz a diferença” no mercado. Tal visão é estimulada
sobretudo na Comunidade Europeia.
Segundo o modelo gravitacional
102
de Calvet, de medida de força das línguas, o inglês
alcança a supremacia em quatro dos cinco critérios de classificação, ou seja: no critério
102
Jean Louis Calvet, em palestra sobre La mondilialisation et lês politiques linguistique, proferida no dia
15/09/2008 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Texto original: Pour une écologie des langues du
monde, 1999.
93
oficial é a língua oficial de 45 países, segue o francês com 30, o árabe com 25, o espanhol
com 20 e o português com 8 países. No critério internet domina 35,20% do mercado,
seguido pelo chinês com 13,70% e o espanhol com 9%; no critério prêmio Nobel de
literatura também está em primeiro lugar, seguido pelo francês, o alemão e o espanhol; no
critério traduções encontra-se bem acima de qualquer outro, com significativo número de
904.162, seguido de longe pelo francês com 167903. A língua inglesa fica em segundo lugar,
apenas no primeiro critério estabelecido, que é o critério da língua mãe, com 470 milhões de
falantes como primeira língua. Em primeiro lugar está o mandarim, com 835 milhões de
falantes como primeira língua.
2.3.6 Influências no terreno midiático
Ao nos referirmos à mídia, queremos dar a entender os órgãos e agentes dos meios de
comunicação de massa, ou seja: rede eletrônica, empresas jornalísticas, editoras, empresas de
rádio, televisão e internet e seus controladores e principais profissionais. Assim, mídia e
meios de massa o se confundem: os primeiros são os agentes, enquanto os últimos
representam os meios de difusão.
Cada meio que se utiliza de uma determinada língua, seja de diferentes línguas, seja de
diferentes formas de expressão de uma mesma língua, permite acesso e experiências de uso
nesta língua, acentuando seu status. A importância de cada meio de difusão vai depender, em
grande grau, do número de seus usuários, da quantidade de uso e da importância atribuída a
esse mesmo uso. Assim, o status da língua, por um lado, é atribuído à vinculação desta língua
aos meios de difusão e ao modo como é tratada pelos agentes e, por outro lado, à sua
audiência, mantida pelo número de usuários.
O papel da dia parece ter um peso bastante elevado no modelo gravitacional, de
Calvet. Pelo modelo, como já nos referendamos acima, no critério internet, a língua inglesa
que dez anos exercia um poder de 90% de supremacia de uso sobre as demais, hoje não
passa de 35,20% de uso, abrindo espaço para o chinês, com 13,70% de uso, para o espanhol,
com 9,00% de uso e também para o português, com 3,10% de uso. no item traduções, os
três primeiros colocados são o inglês, o francês e o alemão, coincidentemente as línguas
oficiais da União Europeia.
A tentativa de medir a importância de uma língua numa espécie de ranking das línguas
é uma medida puramente técnica, que o o falante real, aquele cuja língua-mãe pode não
94
estar constando na escala de maior e menor uso, exatamente por fazer parte, no modelo
gravitacional, do rol das línguas ditas periféricas. Segundo Calvet, “as línguas são iguais
somente na dignidade, em qualquer outro critério elas se diferenciam”
103
. Gibbons & Ramirez
(2004, p. 232) afirmam que o engajamento com materiais de literatura, em qualidade e
quantidade, está associado ao alto nível de proficiência linguística. Na avaliação dos fatores
de vitalidade linguística, o grupo ad hoc da UNESCO (2003) coloca no fator 9 “quantidade
e qualidade de documentação” um forte peso na manutenção de uma língua.
Abstraindo esse universo maior e contextualizando o fator midiático no espaço e na
história dos imigrantes italianos e seus descendentes, podemos dizer que o processo inicia
com uma tradição puramente oral - a palavra transmitida de boca a boca, através de três
práticas bastante usuais - as festas religiosas, os filós
104
e o trabalho missionário - pelas quais
os imigrantes pioneiros se comunicavam durante os primeiros anos de colonização e através
das quais conseguiam manter-se, através da língua, ligados a um mesmo ideário social e
cristão. Embora o grande número de imigrantes italianos no Rio Grande do Sul, o se pode
afirmar que também um grande número destes fosse alfabetizado. Muito pelo contrário. Além
disso, a língua de conhecimento dos imigrantes não era a língua tomada como oficial da Itália,
o florentino. Os colonos italianos falavam as variedades dialetais do lugar de origem e
trouxeram consigo uma literatura dialetal e apenas oral, com manifestações ligadas ao
folclore: narrativas, cantos, adivinhações e provérbios. Ghirardi (1999, p. 307) expõe outra
realidade no Estado de São Paulo: “o imigrante italiano fixado em São Paulo teve consciência
da importância da palavra escrita,” e cita que desde os primeiros tempos, na Hospedaria dos
Imigrantes, funcionava uma editora de língua italiana (1887), também surgiam as
primeiras escolas italianas e numerosos jornais escritos em italiano: L”Emigrante, Avanti! e o
Fanfulla, que permaneceu até a década de 1960. É uma literatura laicista, mas expressa em
língua italiana e não em dialeto, que é uma literatura voltada à coletividade italiana de
diferentes origens regionais.
No Rio Grande do Sul, a literatura foi eminentemente clerical: “A cultura clerical
deixou marcas na colônia italiana através da sua atuação o no púlpito, como também no
103
Jean Louis Calvet na mesma palestra citada anteriormente, falando a respeito do modelo gravitacional das
línguas expõe os critérios de importância das nguas distribuídos em cinco itens: 1) como ngua mãe, 2) como
língua oficial, 3) como ngua mais usada na internet, 4) como prêmio Nobel de literatura e 5) como língua com
maior número de traduções.
104
“O filó constituía-se em um momento de descontração e lazer nas noites de sábado, geralmente. Duas ou mais
famílias se encontravam em uma casa para jogar, conversar, comer e beber. Jogos como a bisca, o trissete, a
escova eram jogados, via de regra, pelos homens; as mulheres conversavam, costuravam e faziam croc na
cozinha, com as crianças brincando a seus pés. Normalmente, se comiam pinhões, grostoli, bebia-se vinho doce,
suave ou seco” (BORZOMATI, 1997. p.69).
95
jornal” (RIBEIRO, 2005, p. 18). Pozenato (1978, apud RIBEIRO, 2005, p.23) reforça a ideia
dizendo que a produção literária, nesse período, é feita quase que exclusivamente pela cultura
clerical. Maestri (2000, p.81) diz que “as igrejas, escolas, seminários e publicações clericais
eram importantes instituições político-culturais, sobretudo do mundo rural”. O jornal La
Libertà, mais tarde Stafetta Riograndense, na primeira edição, em 1909 traz “Il nostro
programa: Il nostro giornale sara settimanale e d’indole prettamente ed essenzialmente
cattolico, apostólico romano [...] (O nosso programa: o nosso jornal será semanal, de índole
religiosa e essencialmente católico, apostólico romano) (idem p.22). Embora editado em
italiano, aparecem, a partir de 1909, escritos nos diferentes dialetos vênetos. Na edição de
23/01/1924
surge um texto ficcional em que uma fusão dos diferentes falares dialetais,
com empréstimos da língua portuguesa. Registra-se nele, além disso, o
aportuguesamento de certas expressões dialetais e a italianização de outras da
fala portuguesa. Esse texto, desde o ponto de vista da linguagem, pode ser
considerado como a antecipação de um fenômeno linguístico que iria
progressivamente se consolidar (RIBEIRO, 2005, p.23).
Entre essas publicações, uma se destacaria: Vita e Stòria de Nanetto Pipetta, nassuo in
Itália e vegnudo in Mérica per catare la cucagna, de Aquiles Bernardi, o Frei Paulino, de
Caxias, pertencente à Ordem dos Capuchinhos do RS.
105
Esse texto, sob o ponto de vista da
linguagem, como que inicia e também consolida o fenômeno linguístico que receberia a
denominação de “coiné,” mais tarde sendo traduzido pela forma genérica de talian.” O
mesmo autor, Aquiles Bernardi, a partir de 1965, começa a publicar Stòria de Nino, fradello
de Nanetto Pipetta.
106
São histórias escritas no mesmo dialeto de Nanetto Pipetta, porém com
maior número de empréstimos da língua portuguesa. Se a primeira obra representa o mundo
rural do colono italiano, a segunda já apresenta um personagem que vai aos poucos se
urbanizando, estabelecendo um continuum das modificações sofridas pelo língua italiana de
origem em seu “acomodamento” às novas situações de vida dos imigrantes e de seus
descendentes. Nesse continuum, Ítalo João Balen, em 1981, também em Caxias do Sul, lança
um livro de poesias escrito em vêneto “Os pesos e as medidas”
107
. Nele, em forma poética,
narra fatos observados (entre 1924 e 1928) e contados oralmente sobre o então administrador
de Caxias do Sul, Celeste Gobatto, personagem do meio urbano que se torna folclórica
105
BERNARDI, Aquiles. Vita e stòria de Nanetto Pipetta: nassuo in Itália e vegnudo in Mérica per catare la
cucagna. 10. ed. Porto Alegre: EST São Lourenço de Brindes; Caxias do Sul: Correio Riograndense, 1990. [1.ed.
1937].
106
BERNARDI, Aquiles. Stòria de Nino, fradello de Nanetto Pipetta. Porto Alegre: EST, 1976.
107
BALEN, Ítalo João. Os pesos e as medidas: poemeto épico da década de 20. Caxias do Sul: EDUCS; Porto
Alegre: EST São Lourenço de Brindes, 1981.
96
quando resolve colocar ordem e estabelecer normas para os pesos e as medidas utilizados no
comércio da região.
Pode-se observar, na leitura das três obras, as transformações ocasionadas pelo mundo
urbano na vida das pessoas e a consequente transposição para o seu modo de fala. No entanto,
que se considerar, que a maioria dos colonos imigrantes, primeira e segunda gerações de
descendentes, não sabia ler, e teve dessa literatura, apenas um conhecimento oral, através
daqueles que faziam as vezes de contadores de histórias, muito próprias do tempo do filó”,
das festas de capelas e do próprio grupo familiar. É Ribeiro (2005, p.26) que nos diz que o
“ciclo de Vita e stória de Nanetto Pipetta foi cumprido num processo inverso ao que se
com a literatura de inspiração popular que, recolhida da tradição oral, ganha foro de obra
impressa”. Contrariamente, as histórias escritas sobre Nanetto Pipetta é que saem do papel e
ganham projeção oral através dos contadores de histórias.
Há, ainda, nessa época, outras três obras do dialeto vêneto, também de autores
pertencentes ao clero. “Togno Brusafráti: braure de dô campari”, do padre capuchinho
Ricardo Domingos Liberali, visava alertar o colono sobre a importância da escola para os
filhos e o perigo que representava o fato do colono vir a pertencer à maçonaria.
Frei Nicolau Lucien, com o pseudônimo de Nanni Contastorie, escreve em dialeto
vêneto Storia de Peder”, no boletim da paróquia de Marau/RS, durante os anos de 1949 e
1954. Sobre essa linguagem, Gardelin (1988, p. 75 apud SANTOS, p. 76) diz que
“descontados alguns exageros espelha um momento em que, pela força da escola, da guerra e
do rádio incipiente, se começava a substituir o vêneto pelo vernáculo”.
O padre missionário Carlo Porrini escreve contos no dialeto vêneto do Rio Grande do
Sul e os publica no jornal Corriere d’Italia, nos inícios do ano de 1916. Os contos, hoje
compilados na obra Masticapolenta
108
, têm como princípios o amor à pátria e a manutenção
da fé e religiosidade campesina.
Embora não de cunho religioso, muito significativa foi a contribuição de Ângelo
Giusti imigrante italiano, nascido na Itália, em 1848 vem para o Brasil e aqui permanece até
sua morte, em 1929. Escreve poemas e, entre estes, um que se tornará o hino dos imigrantes
sul-brasileiros: La rica. A letra e a música são conhecidas pela maioria dos descendentes
de imigrantes italianos ainda hoje. A obra em que De Boni (1977) apresenta escritos dos
primeiros imigrantes italianos da região de colonização italiana (RCI) tem como título, La
Mérica. É uma obra de caráter memorialista, gênero literário que prosseguimento às obras
108
PORRINI, Carlo. Masticapolenta. Caxias do Sul: EDUCS, Porto Alegre: EST, 1978.
97
de até então. Entre elas, destacamos, além de De Boni (1977), a obra de Júlio Lorenzoni
Memórias de um imigrante italiano, publicada em 1975, com tradução para o português; as
obras de Darcy Loss Luzzatto e Rovílio Costa (também frei).
109
Daí em diante, o surgimento do rádio (na região, década de 1950), com uma única
palavra, em português, afastada da relação pessoal e, portanto, da discussão, estabelece uma
relação unívoca, vertical e não discutida. O certo é que com a proliferação radiofônica, a
oralidade da palavra assume um papel fundamental: atinge todo o espectro social de igual
modo, perpetuando formas de controle da Igreja e do Estado sobre a comunidade através da
língua oficial, em detrimento da língua de origem. Poucas são as rádios que continuam
mantendo programas na língua de origem, como veremos especificamente no cap. 4.
O espaço da mídia é totalmente ou quase totalmente ocupado pela língua portuguesa,
seja no meio impresso, áudio e vídeo. A televisão e rádio transmitem suas mensagens através
desta língua. Os ditos canais livres transmitem em português; os canais pagos que se vinculam
a outras línguas não estão ao alcance do grande público. As publicações impressas também se
dão em língua portuguesa, com raras exceções. Em livrarias, pelo menos na maior parte delas,
o volume de livros estão publicados em língua portuguesa. Livros impressos em outras
línguas precisam ser solicitados e pagos em euros ou lares. As embaixadas de diferentes
países possuem seus próprios meios de repasse de determinados materiais escritos aos
descendentes de imigrantes aqui radicados, assim como a promoção de cursos na língua
alóctone, sejam no país de origem, sejam aqui mesmo, no Brasil.
109
Em Santos (2001. p. 69-83) encontramos um significativo relato da literatura em dialeto.
98
2.3.7 Suporte institucional
O fator institucional demonstra duas situações-chave na vitalidade ou perda de uma
língua: o número e tipo de instituições existentes na comunidade e as línguas a elas
vinculadas, isso porque o domínio de uso de uma língua, seja institucional ou não, exerce
papel decisivo no número de usuários atingidos e nas atitudes dos mesmos frente a essas
línguas.
Em países onde apenas uma língua oficial, é esta a língua usada nas áreas a)
governamental, incluindo aqui educação, saúde, polícia, forças armadas, diplomacia e corpo
legislativo; b) negócios, tanto indústria como comércio; c) religião e d) instituições de lazer.
Essa restrição oficial, além de ter sido o indicador de uma política linguística
homogeneizadora e excludente, no passado, pode deixar marcas profundas e consequências
muito fortes em termos de uso, valor e significado de uma ngua, hoje. Essas consequências
tanto podem estar no nível das decisões práticas, que envolvem poder, seja ele institucional ou
não, quanto no nível das atitudes, que, de forma consciente ou não, forjam situações de uso
das línguas, determinando e perpetuando uma hierarquia do maior ou do menor valor.
No Brasil, a língua usada em todas as instituições é a língua portuguesa, embora ela se
apresente em diferentes níveis de compreensão e alcance, conforme seus objetivos e
finalidades. Essa associação da identidade nacional com e através do monolinguismo
majoritário é uma atitude comum em muitos países do mundo, principalmente aqueles países
cujo processo de colonização sofreu imposições e punições. A consciência ou o conhecimento
de que bilinguismo e identidade nacional não são excludentes é, ainda hoje, pouco difundida e
socializada e revela o nível de educação de um povo (FISHMAN, 1967, 1982).
A presença de instituições que atuam em nível social, educacional, econômico e
político, seja de abrangência global (país) ou local (município), contribui significativamente
na manutenção ou não de uma determinada ngua de origem estrangeira. Basta vermos o que
acontece com o ensino da língua inglesa em todo o mundo. Nesse sentido e politicamente
falando, os consulados dos diferentes países constituem peça-chave. Iotti (2001, p.117), em
análise sobre a política emigratória e a diplomacia italiana, deixa claro que “a política
emigratória e a diplomacia italiana possibilitaram a concretização da necessidade fisiológica
do Estado italiano de livrar-se do excedente populacional”. Ou seja, entendidas como colônias
italianas, as comunidades de emigrados no exterior receberam tratamento semelhante ao
adotado pelas metrópoles às suas terras colonizadas:
99
A emigração deixou de ser um problema para as classes dirigentes,
transformando-se em instrumento para o desenvolvimento econômico da
Itália. O envio da poupança dos emigrantes contribuiu também para o
desenvolvimento industrial ocorrido no norte da Itália nesse mesmo período.
[...] As classes dirigentes acreditavam na tese de que à emigração deveriam
corresponder mercados consumidores de produtos italianos (IOTTI, 2001,
p.118).
Portanto, por trás do disfarçado discurso de tutelar o emigrante e de mantê-lo ligado à
pátria-mãe, havia o receio de que, caso se naturalizasse, deixasse de ser um consumidor em
potencial dos produtos fabricados e comercializados pela Itália. E isso não era nada vantajoso
à economia italiana. “Daí o esforço do governo italiano no sentido de promover a italianidade
através da manutenção de traços culturais que são cada vez mais divulgados”
(CONSTANTINO, 1990, p.471) Nesse sentido, o governo promove a fundação de
associações. Em 1877, a Vittorio Emanuelle; em 1885, a Giuseppe Mazzini; em 1893, a
Principessa Elena di Montenegro; em 1990, a Umberto I; em 1902, a Giovanni Emanuel; em
1907, o Club Italiano Canotiere Duca degli Abbruzzi; em 1914, a Dante Alighieri; em 1924, a
Moranesi Uniti (Cinquantenário della Colonizzazione Italiana nel Rio Grande Del Sud,
2000). No inventário das associações italianas no Estado do Rio Grande do Sul (p. 364),
constam 64, sendo 26 com sede própria, adquiridas com recursos arrecadados entre sócios. As
referidas associações comportavam grupos de teatros, de canto, música e dança; espaços para
lazer e escolas. Essas associações mantiveram-se ao longo do tempo, com maior ou menor
ênfase, de acordo com os diferentes momentos histórico-políticos. Veremos, no cap. 4, como
os traços culturais da Itália se realizam, hoje, através desse tipo de contato.
Pelo que se assiste, na Itália, a atual política de governo de Sílvio Berlusconi não
prevê uma gradual e necessária integração do fluxo de estrangeiros que aportam. A mesma
política é dirigida às comunidades que vivem no exterior, penalizadas fortemente pelos
repetidos cortes à rede consular, à assistência social direta e indireta, ao sistema de
representação constituído pelos comitês (comitês dos italianos no exterior) e pelo CGIE
(Conselho Geral dos Italianos no Exterior). Com isso, a atenção e valorização das
comunidades de italianos estrangeiros e dos ítalo-descendentes, no caso do Brasil, encontram-
se seriamente ameaçadas. Na tentativa de dirimir a situação, a CGIE lança a campanha
nacional Stesso sangue. Stessi diritti.” (Mesmo sangue. Mesmos direitos). A campanha foi
encerrada em 21 de março de 2009, por ocasião da Jornada Internacional contra o Racismo,
em Roma. Guglielmo Epifani, secretário geral do CGIE, ao agradecer ao Presidente da
100
República italiana pelo seu apelo à valorização dos imigrados, diz não ser “suficiente definir-
se não racistas, é preciso uma afirmação e um compromisso positivo”
110
.
O compromisso do Estado com a população inclui o suporte institucional às suas
línguas, e este tem, no terreno da educação, seu campo de ação mais contundente, visto ser o
que mais impacto causa na vida dos falantes e o que mais influencia na forma da língua das
demais instituições. Nesse sentido, na análise do censo de 1940, Mortara (1950, p.44) já
coloca o nível de educação dos imigrantes e descendentes como um forte fator para facilitar
ou dificultar a assimilação linguística. Explicita que a força da educação se manifesta em duas
direções distintas, ou seja, os que possuem um maior nível de instrução tendem, mesmo
inconscientemente, a conservar a cultura adquirida, “enquanto aqueles que não sabem ler não
poderiam guardar um tesouro que nunca possuíram”. Observa que uma das causas da
persistência das línguas estrangeiras no país, no início do século XX, deveu-se à insuficiência
de escolas locais, mantidas pelo poder público. Sentindo-se impelidos a procurar professores e
a construir escolas, os imigrantes encontravam, nestas ações, uma forma de conservar o
idioma e manter vivo o sentimento de nacionalidade étnica, acirrado pela força política de
correntes imigratórias que viam nessa atitude um primeiro passo para a conquista dos
territórios civilizados.
111
Diferentemente das colônias alemãs, onde o sistema de ensino,
criado e sustentado pelos imigrantes, pelos seus pastores ou padres conforme a religião via
na língua alemã o instrumento necessário à conservação da e, por decorrência, a
necessidade de escolas; ainda, segundo Manfrói (1999) “nas colônias italianas o interesse pela
escola, pelo ensino e pelo aprendizado da língua italiana foi praticamente nulo”. Ou seja
No universo cultural do imigrante italiano a escola não ocupava um lugar de
destaque, nem tinha uma função definida. Na elaboração de sua identidade, a
religião, o dialeto, as tradições, os costumes, as festas e rituais religiosos
preenchiam o vazio cultural provocado pelo traumatismo da imigração
(MANFRÓI, 1999, p.52).
Segundo Maestri,
o catolicismo romano contribuía para o enquadramento dos colonos às
autoridades, materialização do Pai Supremo. Isso se concretizava na
construção de capelas, que “para os colonos italianos, a religião era fonte
de ordem, de moralidade e de sensibilidade (MAESTRI, 2000, p.80).
110
Dados retirados da Revista INSIEME, nº 122, fevereiro-febraio 2009, p.7.
111
Mortara (1950, p.44) diz textualmente: “There is no denying the influence of politics on mother-tongue
survival in certain cases where the government at home, or other groups, whose influence prevails in the matter
of immigration regard it as a stepping-stone toward colonial conquest. German and Japanese imperialists were
not always discreet enough about their ambitions in Brazil, where certain immigrants, from the countries in
question, looked on themselves as a vanguard of an army of occupation to come”.
101
Ressalte-se que a situação inicial da educação dos imigrantes italianos e seus
descendentes vem entrecortada por duas forças distintas e paralelas: a Igreja e o Estado. Ou
seja, a grande maioria dos imigrantes italianos do norte do Rio Grande do Sul pertencia à
religião Católica Apostólica Romana. Esta entendia a causa da italianidade como anticristã,
devido às desavenças ocorridas entre Roma, com o Papa Pio IX (1870) e o Estado italiano.
Segundo Maestri (2000, p.81) o clero via com antipatia o ensino do italiano, que a língua
papal era o latim, e dirigia-se aos fiéis em dialeto”. Por longos anos, “o clero italiano
combateu a difusão do italiano e da italianidade”. A escolha dangua visava a dificultar e até
a impossibilitar que os católicos participassem da vida política nacional, o que, “pelo
contrário, era objetivado pelas associações de mútuo socorro e pelos agentes
diplomáticos”(idem ibidem).
As sociedades italianas de mútuo socorro promoviam a italianità através do ensino do
italiano nas escolas que mantinham financeiramente. Para dar um exemplo, em 1888 (dados
de Maestri, 2000, p. 77), existiam dezesseis escolas italianas rurais na colônia Dona Isabel
com aproximadamente 500 alunos. Também nas sedes, as associações organizavam escolas
italianas, as quais o consulado mantinha com livros, materiais e pagamento dos professores.
Na continuidade, fins do século XIX e início do século XX, surgem as escolas “brasileiras,” o
que provoca o desaparecimento das escolas particulares e das subvencionadas pelo governo
italiano.
Em meio a essa disputa e jogo de poder estavam os imigrantes! Inicialmente, as
crianças recebem aulas através de algum colono mais instruído. “Esse mestre informal
ministrava aulas precárias, em geral em sua casa, em troca de módica soma ou de gêneros
coloniais. [...] A língua em que ensinava é questão o suficientemente elucidada
(MAESTRI, 2000, p.76). O que se depreende das leituras efetuadas em Maestri (2000),
Azevedo (1994), Costa & De Boni (2000), Frosi & Mioranza (1983), Iotti (1996) pode ser
assim interpretado: a Igreja Católica, pelo menos inicialmente, preocupou-se mais com a
doutrina religiosa e o com a instrução formal dos imigrantes e, quando o fez, priorizou a
língua dialetal de origem; “as autoridades diplomáticas viam o ensino do italiano como a
principal estratégia para manter a população colonial sob tutela” (MAESTRI, 2000, p.75) e,
por isso, priorizaram o ensino do italiano como meio de instrução nas escolas subvencionadas
pelo governo italiano. O governo brasileiro, através da Lei 771, de 4 de maio de 1871,
“determinou que fossem criadas aulas elementares coloniais com professores que
conhecessem também o idioma predominante na região (MAESTRI, 2000, p.75). Entretanto,
em toda região de colonização, além da falta de escolas e de professores capacitados para tal,
102
havia, ainda e principalmente, a população interessada, que era formada por imigrantes e
descendentes que falavam os dialetos de origem, mal conheciam o italiano-padrão e
desconheciam o português. Isso é ilustrado por Maestri (2000, p. 76, citando Liane Ribeiro)
com a experiência de Zorzi, filho de imigrantes italianos e nascido no Brasil. Benedito Zorzi,
de 80 anos, que em 1988, relatou como foram seus estudos na cidade de Nova Pádua/RS, em
uma escola rural “brasileira”, com uma professora “italiana”, que não falava português. As
aulas eram ministradas em livro de leitura bilíngue, em italiano e português, impresso na
Itália. Segundo Maestri, Zorzi exemplifica as dificuldades desse aprendizado: “Acontece que
nós não sabíamos nem o italiano, nem o português, porque a nossa ngua é outra, chamada
vêneto. Aqui o povo diz parlar talian, mas propriamente [sic] é neto” (MAESTRI, 2000,
p.76). Some-se, a essa situação, o fato de que, pelas circunstâncias históricas e políticas e até
pela simples questão da sobrevivência, os imigrantes preferiam que os filhos aprendessem o
português, pouco se importavam com o italiano-padrão, já que não lhes havia sido útil nem na
pátria-mãe, e falavam dialetos maternos diferentes no recinto familiar e na comunidade.
Gibbons e Ramirez (2004, p.81) afirmam que os dois possíveis papéis da língua no
ensino são atuar como meio de ensino ou ser o próprio ensino. No caso de a língua atuar como
meio de ensino, através de uma educação bilíngue, será um forte potencial no
desenvolvimento da proficiência linguística. Os programas de imersão (CUMMINS, 1978;
SKUTNABB-KANGAS, 1988) são uma prova de que o contato direto e permanente no meio
em que a ngua se desenvolve constitui uma poderosa força de inculcação e aprendizagem.
Como isso não aconteceu entre os imigrantes e seus descendentes, a língua de origem foi,
gradativamente, sendo deixada.
Ao lado da educação, a religião tem sido fator determinante da manutenção e
promoção de línguas minoritárias e de certas práticas linguísticas. Calvet (2007, p. 130)
discorre sobre o status internacional do francês, explicando que a ação cultural linguística
externa se fez por intermédio das congregações religiosas francesas, “seja através de subsídios
às escolas cristãs, de subvenções aos missionários católicos, aos protestantes, e à Aliança
Israelita Universal, durante quase um século”. Uma diferente postura em relação à língua, se
comparada à situação aqui discutida.
No Brasil, a religião católica separa-se da igreja nos inícios de 1900, com a
proclamação da República. Até então, a religião católica era a religião oficial em todo Estado
Brasileiro:
para se pertencer juridicamente ao Estado dever-se ia pertencer à Igreja
Católica, pois era ela que fazia os registros, os quais eram documentos
103
religiosos e civis. Em contrapartida, o estado Monárquico tinha forte
ingerência sobre a Igreja: era o Imperador que determinava a criação de
dioceses, a contratação de sacerdotes, as transferências de prelados e
sacerdotes (BENEDUZI, 2001, p.683).
Ora, a chegada dos imigrantes italianos dá-se nesse período de transição e guarda,
logicamente, fortes influências desse modelo de organização e fé. Segundo Costa & De Boni
(2000) é o sacerdote católico que faz com que o imigrante adote a nova pátria, aprenda a nova
língua e integre-se na nova comunidade. A nova língua era o instrumento necessário para a
disciplinização católica e continuidade dos valores de fé trazidos pelos imigrantes da pátria de
origem. Tanto sacerdotes como frades ou capuchinhos mantinham fortes laços de religião
entre os imigrantes italianos, construindo seu controle sob quatro pilares: a) a religiosidade
popular, cujas festas religiosas procuravam manter bitos como o “filó,” que o mesmo
estimulava a reza do terço e as ladainhas, b) as missões, que se constituíam em verdadeiros
exercícios espirituais desenvolvidos por uma semana, em determinada comunidade. Nas
pregações, ressaltava-se a natureza pecadora do homem e o poder de salvação de Jesus Cristo,
cabendo ao cristão a responsabilidade de escolha após morte, ou seja, o céu ou o inferno; c) o
jornal, o qual procurava transmitir os valores da católica e d) as escolas católicas. As
escolas constituíam-se em grande parte em prolongamentos da manutenção religiosa; atuando
de forma catequética, exerciam função disciplinadora e eram o celeiro de mão-de-obra para os
seminários.
Em “Os italianos no Rio Grande do Sul” (AZEVEDO, 1994, p.32), o geógrafo
pesquisador norte americano Stuart Clark Rotwell, que ficou em Caxias do Sul durante alguns
anos, durante a década de 1950, assim se pronuncia para Azevedo:
A vida na colônia é extraordinariamente monótona. A religião é mística,
sentimental. Constroem capelinhas e grutas e ali se reúnem para rezar, mas a
religião lhe parece algo para passar o tempo. Acha alguma relação entre esse
tipo de vida e o elevado número de filhos; as mulheres estão sempre grávidas,
mas continuam trabalhando.
Em outras passagens também referência a uma religião que segue dogmas,
conservadora e afastada da vida cotidiana. O clero tem um forte domínio sobre os colonos,
mas procura manter o colono atrasado. Mecanismo de proteção cultural pelo isolamento”
(AZEVEDO, 1994, p. 197).
De uma forma interesseira ou não, o imigrante encontrava na igreja, além do culto
nos primeiros tempos em italiano, uma série de outros serviços, como ajuda pessoal,
veiculação de empregos e moradia, arrecadação e distribuição de alimentos e agasalhos. Tudo
104
era muito organizado objetivando o bem-estar dos paroquianos. Além disso, as igrejas eram o
ponto de encontro, o espaço onde as relações sociais entre os imigrantes aconteciam.
Neste sentido, coloca-se a pergunta sobre qual o papel de língua de imigração nesse
contexto de religiosidade regulado pela religião?
A grande teia de relações sociais constituída pelos e para os imigrantes por meio da igreja
através da preservação do italiano atestava a necessidade de manutenção de sua identidade
étnica por via da língua e da cultura. Manter o italiano foi, durante muito tempo, uma
necessidade do imigrante para manter e se impor étnica e religiosamente. Nesse sentido, a
igreja teve seu papel. E se isso foi possível em certo período histórico, não foi o suficiente
para garantir sua existência como mais uma língua brasileira.
2.3.8 Aspectos de ordem atitudinal
Dentre os fatores linguísticos e extralinguísticos determinantes de uma maior ou
menor manutenção ou substituição linguística, a questão das atitudes assume papel central.
Fishman (1972) dedica um espaço próprio à questão das atitudes sobre a língua, referindo-se a
comportamentos atitudinais afetivos, comportamentos via reforço e comportamentos
cognitivos. Deixa claro ser ela, a atitude, o fio condutor no uso, escolha e manutenção ou
substituição das línguas. Igualmente, é consagrada e devidamente conhecida a frase de
Labov sobre atitude em linguagem: The other side of the coin.” “O outro lado da moeda.
Ou seja, no estudo do uso das línguas está correlato o estudo das atitudes sobre as línguas.
Omdal (1995, p.85) citando Knops and van Hout (1988, p.1) diz literalmente que atitudes
sobre as línguas são também
relevantes para a definição de comunidades de fala, para a explanação de
mudanças linguísticas, para a manutenção e mudança de uma língua e
aplicação ao campo da comunicação intergrupal, na planificação linguística e
na educação.
112
Para Omdal, tanto a língua como as atitudes em relação à língua mudam
113
. O que
não fica claro para Omdal (1995) e também para outros linguistas como Labov, McDavid and
O’Cain (1977) e Husby (1987), também citados por Omdal (1995, p.102), é se as atitudes
112
“[...] relevant to the definition of speech communities, to the explanation of linguistic change, language
maintenance and language shift, and to applied concerns in the fields of intergroup communication, language
planning and education” (KNOPS & VAN HOUT, 1988, apud OMDAL, 1995. p.85).
113
Both language and language attitudes change.” (OMDAL, 1995. p. 101).
105
mudam juntamente com a ngua, se são mais ou menos pidas, ou seja, se caminham na
mesma proporção, ou o que muda primeiro?
Entretanto, estudos específicos sobre essa questão são ainda raros, como observa
Kaufmann (2008, no prelo):
no Brasil, trabalha-se cada vez mais com o conceito de atitudes – um fato que
não surpreende em um país com tanta variação no português falado e tantas
línguas indígenas e de imigrantesmas nota-se que publicações relacionadas
ao contexto brasileiro como a de Alkmim (1998) ainda são relativamente
raras.
O autor explicita questões-chave sobre o trabalho com atitudes na sociolinguística,
alertando para o fato de ser a atitude, em seu aspecto teórico, um conceito da sociopsicologia
e que, transportado para a sociolinguística pode sofrer uma interpretação e até um mau
uso, que falantes têm diferentes atitudes para com falantes de outras línguas ou de
diferentes pronúncias de uma mesma ngua, assim como têm diferentes demonstrações de
comportamento em relação ao seu próprio bilinguismo. Atitudes e comportamentos mudam
frente a fatores contextuais e de interesse pessoal. Quer dizer, a possível falta de correlação e
incoerência entre atitude e comportamento nos alerta para a complexidade do funcionamento
sociopsicológico de comunidades linguísticas. Como essas atitudes e comportamentos são, em
sua grande maioria, inconscientes, uma tendência para a formação de estereótipos daí
decorrentes.
Todos os indivíduos têm atitudes sobre muitas coisas, inclusive sobre elementos que
formam a identidade social, tais como gênero, idade, classe social e etnicidade (GIBBONS &
RAMIREZ, 2004, p.192). Todos esses elementos interagem e afetam o comportamento
linguístico que é, de alguma forma, construído e negociado através da língua. Concretamente,
é na interação que os indivíduos solidificam sua língua, sendo consenso entre os estudiosos
que assim como as atitudes constroem essa língua, também mudam a língua e que, portanto,
atitudes e crenças estão associadas ao sucesso da manutenção de uma língua e ao bilinguismo.
Ainda, atitudes estão também relacionadas aos indivíduos que falam determinadas línguas e,
neste sentido, atitudes podem ser construtivas ou destrutivas. Uma prova disso é a atitude
comum de muitas sociedades em todo mundo de associar a firmação de uma identidade
nacional a uma única língua majoritária.
Os estudos sobre atitudes partem da psicologia social e adotam uma tripartição
componencial na definição de atitudes, ou seja, agregam-se elementos; segundo Gonçalves
(2006, apud SCHNEIDER), 1) cognitivo, como sendo idéias, juízos e crenças a respeito de
algo; 2) afetivo, como os estados afetivos, emoções e sentimentos positivos ou negativos em
106
relação a algo ou alguém e 3) comportamental, como as reações verbais ou não verbais do
indivíduo face ao objeto da atitude. Lambert, em 1967, alertava sobre a manifestação de
preferências e convenções sociais acerca do status e prestígio de seus usuários, que ele
denominou de atitude, destacando que os grupos sociais de maior prestígio social ou os mais
altos na escala sócio-econômica ditam as regras das atitudes linguísticas das referidas
comunidades de fala.
A sociolingüística lida com esses elementos no que eles contribuem para o melhor
entendimento do uso que uma determinada comunidade linguística faz de sua(s) língua(s). De
um modo geral, também conserva a tripartição cognitiva, afetiva e comportamental, embora
perceba e defenda que a linha que separa esses três elementos é muito tênue e até conflitante.
Milroy (1980), ao estudar a modalidade não-padrão de língua em três bairros de classe
trabalhadora de Belfast, analisou como era usada a língua em situações diárias e concluiu que
a) a predominância de alternantes vernaculares ou não-padrão reflete os padrões de interação
social entre comunidades em redes resultantes de sua densidade e de sua plexidade e b) que
fatores como status social, idade, sexo e espaços físicos eram iguais e que, portanto, as
diferenças no uso de alternante em rede não poderiam ser explicadas somente por essas
características, mas pela estrutura da rede social e, na qual, a força das atitudes tem papel
fundamental.
Pelo que vimos dos estudos realizados, depreende-se que as atitudes: 1) são
condicionadas ao sistema de valores acordado pelos indivíduos de uma sociedade e 2) o
aprendidas (OMDAL, 1995), fundamentadas nas crenças e valores pré-estabelecidos que são
construídos socialmente e, por isso mesmo, mutáveis e, muitas vezes, contraditórios. Isso
significa dizer que a atitude linguística de um indivíduo é o resultado da soma de suas
crenças, conhecimentos, afetos e tendências a comportar-se de uma forma determinada diante
de uma língua ou de uma situação sociolinguística.
situações em que um povo valoriza sua própria língua e tem orgulho dela. uma
atitude comum de aceitação, de status quo. Em outras situações, por força de uma rejeição
dessa língua por parte da cultura envolvente, uma comunidade pode adotar uma atitude de
resistência passiva: não adota sua língua, mas, de forma silenciosa e reprimida, a valoriza; ou,
por força dessa mesma rejeição, termina abandonando sua língua e, consequentemente, sua
cultura. Omdal (1995, p.87) diz que atitudes “podem ser consideradas como resíduos de
experiências e informações passadas.” Se essas experiências foram comuns a uma
determinada população, então podemos supor que suas atitudes em relação a determinados
fatos ou fenômenos também possam ser semelhantes.
107
Os próprios estudos de atitudes linguísticas partem do reconhecimento de que
uma comunidade de fala e entre as diferentes comunidades coexistem
diferentes variedades de língua e de estilos contrastantes que competem entre
si (GILES, RYAN e SEBASTIAN, 1982, p.1).
114
Os autores acima não veem uma interrelação entre os falantes e a sua variedade de
língua, isto é, se a atitude é vista como “qualquer índice cognitivo, afetivo ou comportamental
de reações avaliativas em direção a diferentes variedades de língua ou de seus falantes”
(GILES, RYAN e SEBASTIAN, 1982, p.7), então não há, necessariamente, em uma mesma
comunidade, um mesmo pensamento a agir em relação a uma determinada língua. Quer dizer,
a atitude demonstra o que o ser humano tem de próprio, autônomo e pessoal, mas também e,
ao mesmo tempo, consiste naquilo em que ele é de mais participado, dependente e relativo. À
forma generalizada é preciso dar espaço ao inusitado, ao nem tão certo assim. Uma língua
pode, muito bem, ser admirada e amada por uns e, ao mesmo tempo, ser odiada, desprezada
por outros, em uma mesma comunidade e em um mesmo tempo histórico. Reafirmando que
em uma “comunidade de fala e entre determinadas comunidades coexistem diferentes
variedades de ngua e estilos de forma contrastante e competitiva” (GILES, RYAN e
SEBASTIAN, 1982, p.1).
Em seu estudo, Zentella (1997, p.141, apud GIBBONS & RAMIREZ, 2004, p.192)
afirma que não uma consistente interrelação entre proficiência linguística e atitude em
torno de uma mesma língua. Um indivíduo poderá ter uma excelente proficiência em
determinada ngua e não nutrir por ela uma relação emotiva positiva com atitudes também
positivas. O contrário poderá ser também verdadeiro: um indivíduo poderá não ter um bom
nível de proficiência em uma determinada língua, mas, mesmo assim, manter por ela
consistentes sentimentos e atitudes positivas.
Em Smith (1973), vemos atitude
como uma cosmologia, um conjunto de crenças em relação ao mundo da
experiência, concebido como um sistema de valores, que indica como as
coisas deveriam ser. Este, por sua vez, é concebido como um conjunto de
atitudes, julgamentos ético-estéticos determinados pelo sistema ideológico
(SMITH, 1973, p.106).
Quando nos referimos a valores, ética e ideologia, entramos no terreno não do
bilinguismo societal, mas também do bilinguismo individual e, assim, duas linhas de análise
adquirem relevância a atitude das pessoas em relação ao uso das línguas e aos seus falantes
e a motivação para a aprendizagem e uso dessas línguas (GARDNER & LAMBERT, 1972).
114
Complementação e grifo nosso. Subentendendo-se que quem compete são os próprios falantes.
108
Se as atitudes se referem ao modo como o falante se julga ou é julgado pelos seus pares com
referência ao seu comportamento linguístico, a motivação está relacionada ao desejo ou ao
impulso que move a ação do indivíduo para atingir um objetivo específico.
Em suas pesquisas, Gardner & Lambert (1972) e Lambert (1972) afirmam que o
comportamento linguístico do indivíduo bilíngue é afetado não somente pelas suas reações
individuais, mas também pelas influências sociais e pela repercussão que o seu
comportamento tem nesse meio social. A caixa preta da questão é que, se as atitudes
linguísticas se movem entre questões individuais e sociais e se os estados mentais podem
ser inferidos a partir de determinados comportamentos e, portanto, não são diretamente
observáveis (MUYSKEN & APPEL, 1992), restam possibilidades de que nem sempre as
atitudes se mostrarão como expressões fiéis das emoções, sentimentos, crenças e ideologias
que coexistem em um mesmo indivíduo. Quer dizer, ele é levado a decidir tanto pelo
movimento interno da vontade quanto pelo encaminhamento compulsivo das circunstâncias,
conflitando não atitudes para com a língua, mas também atitudes concernentes a ela, como
a própria identificação como falante de uma determinada língua, com outros falantes desta
mesma língua e com a sua vitalidade como fator de identidade. Vemos que a validade de uma
atitude esno valor objetivo das coisas e também na sua compreensão subjetiva. O motivo,
que leva alguém a decidir, é o resultado da junção do valor objetivo com a sua respectiva
captação subjetiva.
Mesmo assim, o leque de possibilidades reais passa pela atitude, pela escolha, que
estabelece daí para frente um novo começo e nova caminhada. O processo decisório, a atitude
tomada como que acolhe a inumerável gama dos possíveis para concentrar-se num ponto
concreto, que vai principiar uma nova causalidade e uma nova cadeia de consequências. A
atitude é a ponte entre a pluralidade das opções e a nova ordem dos acontecimentos.
Nisso reside a sua importância maior.
Para Santos (1996, p.16) “atitude é uma função da força do sujeito em relação ao
objeto e aspecto daquelas crenças”. Ou, ninguém passa pela terra tão somente como turista. O
homem não é um visitante do mundo, mas um ser no mundo. Ao fazer sua escolha, vai
encontrar oposição ou apoio, tanto porque decide como pelo que decide. Quando um grupo
cultural se articula na tomada de decisões, passa a estabelecer uma hierarquia de valores
através da força do consenso. Quando consenso em uma escolha, então legitimidade de
escolha e não imposição. Do contrário, quando os valores são impostos pelo poder, pela força
da hegemonia, podem até ter um valor legal, mas não legítimo. o aceitos em um nível
periférico, mas não se sustentam na profundidade. A instância mais fortemente decisiva é o
109
valor. O valor, quanto mais valioso em si e quanto mais consciente no procurante, tanto
menos precisa de normas para ser valorizado. O valor tanto pode estar atrelado a crenças
quanto ao nível cognitivo dos indivíduos. Isso agrega um elemento muito forte nas atitudes
das pessoas: ou elas estão alicerçadas no real ou se sustentam em falácias. Desse resultado
também depende o futuro de uma língua e de uma comunidade de falantes. Essa relação é
complexa, como já nos referimos anteriormente, no início deste capítulo; a atitude está
relacionada a todos os demais fatores e, portanto, vem sendo discutida em todo o desenrolar
da Tese.
110
CAPÍTULO 3
3 METODOLOGIA DA PESQUISA
3.1 O TALIAN EM MEIO À DIVERSIDADE LINGUÍSTICA BRASILEIRA
A constatação da existência de contextos bilíngues de minorias étnicas muitas vezes
ignorados pela ausência de uma política e de uma planificação linguística adequada exige que
se reveja, se repense e se trabalhe as negações (BORTONI-RICARDO, 1985;
CAVALCANTI, 1999), o silenciamento (PARAÍSO, 1996), o preconceito (BAGNO, 1999) e
o estigmatismo (FROSI et al., 2006), sob pena de se trilhar um caminho sem volta de perda
linguística e cultural.
Um desses contextos é formado pelos descendentes de imigrantes italianos na região
do Alto Uruguai Gaúcho. Recapitulando: desde sua colonização, diferentes variedades
dialetais do italiano entraram em contato entre si e com o português. Nesse contato, a
proximidade física dos falantes, instalados em lotes, bem como semelhança de origem na
Itália, predominantemente do Vêneto, terminaram por constituir uma coi, denominada
como talian ou vêneto, ou ainda talian vêneto (de acordo com TONIAL). Além disso, é
possível reconhecer variedades dialetais menores” que, aos poucos, subsumiram sob a força
da coiné majoritária. Ou seja, constituíram-se no Brasil diferentes variedades ítalo-brasileiras,
como diferentes foram as populações que aqui aportaram; uma dessas variedades impôs-se
porém e destacou-se como língua de intercomunicação, o talian.
Vale lembrar que, antes da unificação (período de 1861), a Itália era dividida em
cidades-Estado com diferentes línguas ao lado do latim, como modelo-padrão. A história
registra que, durante o século XVI, após a unificação e as consequências daí advindas, sentia-
111
se, ainda mais, a necessidade de um idioma comum, pelo menos na sua forma escrita. A
língua considerada como ponto de partida foi, então, a variedade de Florença, também ngua
materna do grande poeta florentino Dante Alighieri. Ao publicar sua Divina Comédia, em
1321, chocou o mundo letrado ao não escrever em latim. Considerava o latim um idioma
corrupto, elitista, e achava que o seu uso na prosa respeitável havia prostituído a literatura,
transformando a narrativa universal em algo que só podia ser comprado com dinheiro, por
meio dos privilégios de uma educação aristocrática. Em vez disso, Dante foi buscar nas ruas a
verdadeira língua florentina falada pelos moradores da cidade (o que também incluía ilustres
contemporâneos seus, como Boccaccio e Petrarca) e usou essa língua para contar sua
história
115
.
Segundo entrevistas mantidas com professores italianos em Kiel, na Christian-
Albrechts-Universität zu Kiel (CAU) / Romanisches Seminar, durante o período do
doutorado-sanduíche, e também através de conversas informais com diversas pessoas vindas
da Itália, a passeio no Brasil, o italiano falado hoje na Itália não é o romano ou o veneziano e
sequer é inteiramente florentino. A língua é fundamentalmente “dantesca”
116
, o que lhe
uma linhagem tão artística e cultural. Entretanto, mesmo após tantos anos da unificação
territorial e linguística os italianos ainda procuram manter suas distintas variedades
juntamente ao italiano-padrão, a língua de Dante. Porém, não se pode afirmar que essa
intenção tenha sucesso, que é visível o crescimento do italiano-padrão e o abandono das
variedades dialetais, que não são prioridade do Estado.
No nosso caso, não vamos e não queremos discutir aqui o mérito ou o demérito da
constituição do dialeto vêneto, o talian. Apenas registramos e respeitamos a sua existência,
como a língua de imigração de origem italiana mais falada entre os imigrantes e descendentes,
assim como respeitamos a existência de todos os demais dialetos que ainda são mais ou
menos falados em toda a região de colonização italiana do sul do Brasil. O talian, com
predominância do falar da região do Vêneto, é uma dessas variedades que está sendo
sistematizada, e para a qual existem dicionários, gramáticas e literatura. Além disso, foi
pioneiro na iniciativa de se inscrever no Livro das Línguas, como constituinte do patrimônio
cultural imaterial brasileiro, proposta esta discutida no Seminário sobre a criação do Livro das
Línguas, em março de 2006, em Brasília, com o apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN), da Câmara dos Deputados e do Instituto de Investigação e
Desenvolvimento em Política Lingüística (IPOL).
115
Os dados constantes neste parágrafo baseiam-se em Santos, 2001.
116
Dantesca: aqui tomada em seu sentido literal “de Dante”.
112
Ações político-linguísticas como o Livro das Línguas, embora ainda timidamente na
sua fase de concepção, podem contribuir como instrumentos para minimizar os efeitos
nocivos do preconceito linguístico e da estigmatização/minorização de línguas minoritárias.
Frosi (2008), apresentando parte dos resultados do Projeto Estigma
117
, constata um
quadro com características diversas das que se têm verificado na grande maioria de estudos
anteriores. “Ser bilíngue de dialeto italiano e português tornou-se motivo de orgulho étnico,
apesar da memória viva do estigma sociolingüístico que incorporou parte da vida do ítalo-
brasileiro” (FROSI, 2008, p. 368). Quer dizer, o estigma ainda existe, apesar de se perceber
indícios de uma mudança na atitude das pessoas em relação à sua forma de falar. Segundo
Fishman (1972), os valores culturais de um povo encontram expressão na ngua e,
possivelmente, só poderiam ser expressos, com veracidade, em sua própria língua. Esse ponto
de vista contrasta com o descaso e o simplismo com que são tratadas as questões que se
referem à manutenção da língua, revela, além disso, o desconhecimento, por parte da maioria
da população, dos direitos linguísticos universais de todo cidadão, bem como a falta de uma
consciência linguística (language awareness), como nos referimos no capítulo 1, sobre a
importância de se adquirir e manter a língua de origem.
A defesa da diversidade linguística, no entanto, constitui o cerne das ideologias
ecolinguísticas (MACKEY, 1972 e SKUTNABB-KANGAS, 1988) que consideram a
diversidade de línguas uma riqueza que deve ser mantida e desenvolvida, visto que as línguas
(ORLANDI, 2001; APPEL & MUYSKEN, 1992) não servem apenas como veículos de
comunicação, mas de constituição de identidades individuais ou de grupos, de manutenção de
culturas e de formação de cidadãos. Lia Varela (2007) referiu-se a uma política linguística
ecológica, que ajudasse os próprios falantes a se autogerirem na escolha e manutenção da
diversidade. É preciso procurar novos equilíbrios dentro do ecossistema dos diferentes países,
de forma a construir um mapa linguístico tão dilatado quanto os seus falantes.
Nessa perspectiva, coloca-se também a necessidade de conhecer a realidade que se
quer preservar. Isso implica identificar variantes e comportamentos relativos ao uso da ngua
em questão, com o objetivo de fornecer uma visão macroareal que permita observar relações e
tendências dessa variação no espaço pluridimensional. Conforme Altenhofen (2004, p.140),
“uma obra deste tipo inclui uma função sócio-cultural de consideração do real papel dos
imigrantes na formação do povo brasileiro”.
117
Pesquisadoras da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Vitalina Frosi (coordenadora), Giselle Olívia
Mantovani Dal Corno e Carmen Maria Faggion desenvolvem o Projeto Estigma que objetiva investigar se
estigma em relação à fala portadora de marcas da língua italiana, na Região de Colonização Italiana do Nordeste
do Rio Grande do Sul (RCI).
113
Ao mesmo tempo em que objetivamos expor uma imagem real e atual das nguas de
imigração ítalo-brasileiras (em especial do talian), ou línguas brasileiras com origem (corpus)
na ngua italiana, e o saber construído sobre essas, especificamente no espaço identificado
como região do Alto Uruguai Gaúcho, o menos importante é refletir sobre a relação entre
língua, nação e Estado e os cidadãos que essa relação vem constituindo, ao longo do período
de colonização italiana, em contato com as diversas etnias que ocuparam espaços contíguos e
que tiveram e têm a língua portuguesa como elemento comum.
A complexidade do contexto, com tantas variáveis intervenientes, prescinde de uma
metodologia de pesquisa que comporte e explicite as relações entre variedades de um lado e
falantes de outro, que deem conta da variação dos traços de uma língua no espaço geográfico
(arealidade ou diatopia) e a variação desses mesmos traços numa rede de pontos (socialidade
ou diastratia). Ou seja, “Quais são as questões mais relevantes em relação tanto com as
variáveis linguísticas quanto com a complexidade e multiplicidade de aspectos presentes na
situação de contato linguístico?” (ALTENHOFEN, 2004, p.148). Desmembrando a questão
principal deste estudo (ver introdução, p.3 - 4) sobre quais fatores e em que medida estão
contribuindo para manter as variedades italianas ou acelerar sua substituição pelo português,
colocam-se as seguintes perguntas:
a) Que atitudes individuais e coletivas estão presentes na fala e no comportamento do
descendente italiano em relação à sua língua e à sua cultura de origem?
b) Até que ponto a ausência de uma percepção mais clara da própria língua de
imigração e de seu valor tem obstaculizado ões de promoção e revitalização do
bilinguismo talian-português?
c) Que fatores e em que proporção foram responsáveis pela manutenção ou perda do
talian na região pesquisada?
d) De que forma e com quais argumentos o conceito de substituição e morte
linguística como algo que se sincrônica e diacronicamente, na forma de um
processo natural e irreversível, pode ser revisado e contestado?
e) Como o estudo de comunidades específicas, falantes de ngua de imigração, pode
contribuir para a introdução de uma política de manutenção e preservação das
variedades linguísticas locais?
114
3.2 ANÁLISE MACROLINGUÍSTICA NA PERSPECTIVA PLURIDIMENSIONAL E
RELACIONAL
Para responder às perguntas de pesquisa acima e às hipóteses (apresentadas na
sequência deste capítulo), nos utilizamos de uma metodologia que segue a perspectiva da
dialetologia pluridimensional e relacional que, segundo Radke & Thun,
trata-se de um modelo variacional de maior alcance metodológico e que
considera novas possibilidades de levantamento de dados; uma ciência da
variação lingüística que corrija as deficiências da geolingüística tradicional e
acrescente à sociolinguística uma importância maior ao valor do espaço no
debate sobre a variação
(
Radke & Thun , 1996, p. 48).
Através do modelo teórico de dialetologia pluridimensional e relacional, buscam-se
macrossínteses da variação linguística, entendida quer como mudança, quer como
manutenção. Com isso, trabalham-se concomitantemente parâmetros diatópicos (horizontais)
e diastráticos, diageracionais, diarreferenciais, entre outros (verticais). Projetos como o Atlas
Linguístico Diatópico y Diastrático Del Uruguay (ADDU), o Atlas Linguístico Guarani-
Românico (ALGR) e o Atlas Linguístico das Minorias Alemã (ALMA) comprovam, por
exemplo, a relevância do parâmetro diageracional associado ao diastrático, conferindo à
pesquisa um caráter dinâmico, onde novas realidades o apresentadas sob a lupa da
cartografia pluridimensional.
A possibilidade de cartografar realidades diversas, incluindo atitudes linguísticas,
significa que o tratamento cartográfico dos dados assume um caráter muito mais complexo (e
mais próximo da realidade) do que o permitia a geolinguística tradicional. Em outras palavras,
parte-se do detalhamento monodimensional (arealização) para o espaço tridimensional
(THUN, 2000, p.192). Isso significa que, além da exposição horizontal dos dados (diatopia),
consideram-se os dados na sua perspectiva vertical, eixo sociolinguístico. No presente estudo,
a cartografia assume uma posição apenas auxiliar e secundária, em vista do reduzido número
de pontos. O espaço aparece, no entanto, na sua perspectiva macrolinguística, focando a
região do Alto Uruguai no seu conjunto de relações ecolinguísticas, às quais Lia Varela
(2008) atribui possibilidades adicionais de leitura e visualização também no campo das
políticas linguísticas Destacamos o mapa o como simples ilustração, mas como meio de
representar fenômenos sociolinguísticos no espaço geográfico pesquisado e que seriam
impossíveis de serem percebidos individualmente. Para o aprimoramento destas questões
teóricas e metodológicas, realizou-se um estágio de pesquisa na Universidade de Kiel,
115
Alemanha, com a orientação do Prof. Harald Thun, no âmbito de um doutorado-sanduíche
convênio Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Christian-Albrechts-
Universität zu Kiel (CAU) / Romanisches Seminar, no período compreendido entre novembro
de 2007 e março de 2008.
Para o objetivo de identificar macro tendências que reflitam a abrangência coletiva de
determinada variante bem como o comportamento sociolingüístico-cultural nas respectivas
comunidades de fala, no que se refere à manutenção ou perda do talian, faz-se necessário lidar
com diferentes dimensões de análise, pois, segundo Tarallo (1985, p.62) “é somente através
da correlação entre fatores lingüísticos e não-lingüísticos que se chega à conclusão de como a
língua é usada e de como é constituída”. Para tanto, a escolha dos informantes ou sujeitos da
pesquisa segue a definição das dimensões e parâmetros
118
de análise da variável
<manutenção/substituição do talian>, que estamos enfocando. O quadro a seguir dá um
resumo das dimensões e parâmetros considerados neste estudo e que serão detalhados na
sequência:
Quadro 1 - Dimensões e parâmetros de pesquisa.
DIMENSÃ0 PARÄMETROS
Diatópica
Ponto 1 – Erechim
Ponto 2 - Getúlio Vargas
Ponto 3 - Jacutinga
Ponto 4 – Severiano de Almeida
Diageracional
Geração I (GI) com falantes entre 20 a 35 anos
Geração II (GII) com falantes acima dos 50 anos
Dialingual
Bilíngues (Bi)
Monolíngues ( Mono)
Diagenérica
Falante do sexo masculino (M)
Falante do sexo feminino (F)
Diastrática
Nível de escolaridade
Cb: Falantes com nenhuma ou até 8 anos de escolaridade
Ca.: Falantes com mais de 8 anos de escolaridade
Diafásica
Ocorrência do português e do talian em ambientes formais e informais
Diarreferencial
Comentários linguísticos e metalinguísticos obtidos através de entrevistas, conversas e
escritos coletados na região.
118
Lembrando novamente, com Thun (2000, p. 191), que distingue entre dimensões e parâmetros. É parâmetro
toda variável (lingüística ou extralingüística), analisada com sistematicidade, que se considera individualmente,
como, por exemplo, geração II ou mulheres. A dimensão é um agrupamento de dois ou mais parâmetros que se
encontram em relação opositiva.
116
3.2.1 Dimensão Diatópica
Neste estudo, a análise pluridimensional assim como a pluralidade de pontos de
inquérito, representada inicialmente por quatro localidades
119
da região do Alto Uruguai
Gaúcho, vale como estratégia de aprofundamento do olhar sobre os fenômenos/estados da
língua em questão. Vale lembrar que a maioria dos estudos de manutenção e substituição
linguística (language shift) são de caráter pontual (GAL, 1979; LAMBERT, 1972).
Em nosso caso, comparamos esses processos em uma rede de pontos constituída pelos
principais núcleos de colonização italiana na região do Alto Uruguai Gaúcho que se
distinguem pelas características e condições de uso da língua. È nesse aspecto que
procuramos um diferencial na pesquisa: na avaliação do impacto dos diferentes fatores de
manutenção ou substituição linguística apresentados pela literatura (ver seção 2.3, cap. 2)
conforme se distingam em uma localidade ou outra. Para o estabelecimento destes pontos,
tomou-se em consideração a história e geografia do povoamento de toda a região colonial de
Erechim, utilizando para tanto dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
Regional de Erechim, Escritório Regional da EMATER/RS, bem como dados coletados junto
à Academia de Letras dos Municípios do Rio Grande do Sul (ALMURS), em Porto Alegre,
junto às Prefeituras Municipais e em pesquisas
120
anteriores. Também serviram como fonte de
referência os dados coletados através dos sites das prefeituras envolvidas e do site da
sociedade italiana Massolin de Fiori de Porto Alegre.
Para a delimitação das comunidades com maior representatividade do elemento
italiano, partiu-se do mapeamento do conjunto das etnias da região, equivalente à antiga
colônia Erechim, incluindo alemães, israelitas, poloneses e nativos, feito por Roche (1969, p.
138), em seu estudo sobre a colonização alemã no Rio grande do Sul.
Esse trabalho de identificação das comunidades foi dificultado pela ausência de
censos e pesquisas científicas que retratassem o percentual de descendentes das diferentes
etnias que compõem o cenário da pesquisa. Os dados constantes nos organismos citados
acima, além de incompletos e ancorados em um conhecimento baseado na suposição, muitas
vezes diferiam entre si, de forma que, para viabilizar o presente projeto, a única fonte oficial
existente foi o mapeamento de Roche (1969, p.138), que pode ser visualizado no mapa 4, na
sequência.
119
Os pontos pesquisados foram inicialmente formados pelo deslocamento dos imigrantes (Serra Gaúcha)
italianos e, principalmente, pelos seus descendentes na primeira metade do século XX, designando um grupo
social formado por descendentes de italianos, quer puros ou mistos.
120
Para tanto, ver Confortin (1998) e Cassol (1979).
117
Mapa 4 Área de ocupação das diferentes etnias no Alto Uruguai Gaúcho, segundo Roche
(1969, p. 138
).
Fonte: Jean Roche, 1969, pág. 138.
118
Mapa 5 – Localização dos pontos de inquérito da pesquisa com a respectiva formação étnica.
Fonte: Adaptação da autora (Mapa do Departamento Agrário de Cartografia e Cooperativismo. Erechim,
1997).
119
Identificados os pontos de colonização italiana na região do Alto Uruguai Gaúcho,
optamos por eleger quatro localidades (ver mapa 5), sendo dois pontos de formação
majoritária italiana e dois pontos de formação paritária: italiana, alemã, polonesa, israelita e
nativa. Os quatros pontos selecionados são: Erechim, (situado no centro da região), Jacutinga,
(a oeste), Severiano de Almeida, (ao norte) e Getúlio Vargas (mais ao sul). Destes municípios,
Erechim é a cidade polo da região, tanto por sua localização sua configuração propicia a
confrontação com boa parte dos municípios da região que polariza, quanto por sua pujança
econômica nos setores agropecuário e industrial. Getúlio Vargas identifica-se como município
de formação histórica semelhante a Erechim; constituindo-se atualmente quase como que
parte deste, Severiano de Almeida e Jacutinga como municípios, ainda hoje, considerados
mais rurais do que urbanos e com a presença de uma forte colônia italiana. Na síntese
histórica e cultural dos municípios incluídos, procuramos colocar em evidência aquelas
informações mais relevantes para a análise e compreensão do objeto da pesquisa, ou seja, o
que estas informações podem ter significado no atual grau de manutenção ou substituição da
língua alóctone em questão.
Em suma, os pontos da pesquisa apresentam distintas configurações, ou seja, os
pontos 1 e 2 (englobando ao municípios de Erechim e Getúlio Vargas) são considerados
urbanos, com uma reduzida população rural, e a cada ano apresentando-se mais rarefeita.
Vale salientar que no ponto 2, município de Getúlio Vargas, não foram realizadas
entrevistas diretas, como se verá na análise, mas apenas o levantamento por escrito, através do
questionário do BIRS. Pela própria proximidade e localização geográfica em relação ao ponto
1, e pelas características mencionadas, julgamos que não haveria prejuízo maior para a
análise, pois queríamos contrastar os pontos 3 e 4, efetivamente mais isolados e homogêneos
etnicamente, com um grande centro urbano como Erechim, o ponto 1.
Jacutinga (ponto 3) e Severiano de Almeida (ponto 4) constituem, de fato, duas
grandes áreas rurais, mas com distintas características diatópicas em relação aos índices de
bilinguismo italiano/português. Em relação às ditas zonas rural e urbana, o limite da divisão,
em Severiano de Almeida, por exemplo, o é mais a tradicional linha sica (geográfica),
pois esta se encontra minimizada por fatores como melhoria nas condições de locomoção e
acesso, mudanças na esfera de produção agrícola e nas relações culturais (como já exposto na
seção 3.2.1.4 da descrição do município) o que influi, significativamente, na conformação
urbano/rural.
120
De um modo geral, em nosso estudo, a variação no espaço é tratada em termos das
diferenças entre a fala do meio urbano e a do meio rural. Costuma-se afirmar que pontos mais
isolados permanecem com um menor grau de substituição linguística, enquanto que pontos
mais urbanizados ou mais recentes atingem um grau maior de substituição. A regra é de que
as variáveis [+ ita] são mais conservadoras e, portanto, mais resistentes à perda linguística, no
meio rural. Basicamente, o binômio urbano rural corresponde ao contraste bilíngue versus
monolíngue [+ ita] versus [+ ptg] e colono versus citadino. Entretanto, várias e diferentes
questões, além das vistas nos parágrafos acima, podem ser avaliadas aqui. Onde, como,
quanto e quem reflete mais uma maior ou menor influência da língua oficial? Uma entre as
variáveis intervenientes nessa configuração linguística está ligada ao país de origem, onde por
primeiro a ngua dos imigrantes surgiu. Esses imigrantes fazem uma particular associação
entre língua e terra (aqui entendida como espaço geográfico) e isso pode levá-los a manter a
língua com tenacidade, pois, de uma forma identitária, estariam preservando a nova terra
também, como na terra de origem. Diferentemente, imigrantes podem querer ajustar-se à
língua do novo país, ou por intuir que a sua língua materna será mantida no país de origem ou
por encontrar, no novo, condições de vida que o antigo não mais lhes oferecia, passando,
então, a identificar-se com aquele.
A hipótese, enfim, que sustentamos aqui, é a de que a zona rural concentra um
maior índice de falantes do talian [+ ita], enquanto a zona urbana caminha para um
continuum sempre mais em direção ao monolinguismo em português [+ ptg].
A seguir, apresentamos uma descrição mais detalhada de como se estrutura histórica e
socialmente cada umas das localidades da pesquisa.
3.2.1.1 Ponto 1 – Erechim
As primeiras incursões na região da “Colônia de Erechim” (mapa 5) datam do fim do
século XIX e são atribuídas aos índios Kaingangs, aos caboclos, aos birivas
121
e, mais tarde,
aos imigrantes. Em torno de 1893-94, iniciou-se na região, um fluxo migratório constituído de
121
Segundo Cassol (1979. p.17 e 127), “a penetração foi feita pelo Passo do Goyo-Em, conhecido há muito pelos
Kaingangs, índios dóceis que recebiam os estrangeiros chamando-os birivas que significa “estrangeiros” na
língua dos Guaianás (integrantes do grupo linguístico Je). Os birivas estabeleciam-se em lugares propícios onde
faziam suas roças.”
121
fugitivos da Revolução de 1893, vindos especialmente das regiões mais assoladas pelos
maragatos. Em 1909, já havia várias famílias designadas pelo apelido de birivas.
Com o ciclo migratório, no início do século XX, vieram para italianos, alemães,
poloneses e judeus. Em menor proporção, chegavam também austríacos, russos, portugueses,
espanhóis, suecos e holandeses. Segundo o Histórico de Erechim (1979, p. 28), no ano de
1908 a colônia atinge o número de 226 pessoas, com 31 famílias de russos, alemães,
franceses, austríacos e outras nacionalidades. Terra de Todos”, quando o município é
fundado, o percentual de estrangeiros e descendentes é de 56%. Havia uma clara política de
incentivo à colonização da região, e a imigração espontânea deu-se naturalmente.
Os primeiros italianos começaram a chegar por volta de 1910. Pouco depois da
fundação do município, constituiam a maioria da população da cidade. Provinham, em
grande parte, das colônias velhas em torno de Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Farroupilha,
Flores da Cunha, Garibaldi, Antônio Prado e o Marcos, onde haviam chegado 30 anos e
onde não encontravam mais terra disponível para seus filhos. Outros, numa menor parcela,
saem direto da Itália e atravessam o Atlântico para aportar na colônia Erechim.
De acordo com as pesquisas (CASSOL, 1979, p. 132), em 1926 o município contava
com 1500 habitantes (do total de 3000) de descendência italiana, tanto na cidade como no
interior, sendo 90% filhos de italianos provenientes da região do Vêneto. Predominava,
portanto, uma relativa homogeneidade linguística, representada pelo dialeto vêneto. Apesar
disso é possível encontrar isoladamente, segundo Confortin (1998, p.75) informantes de outra
base dialetal, como o cremonês:
Parlon poc in cramonés, parcli altri capís mia. El pupa co’l avea bevest
um tichitin, el restea fasser e el diseva: andon, tosat cantar talian.
Trad.: Falo pouco o cremonês, pois os outros o o entendem. O pai, quando
havia tomado um pouquinho, ficava faceiro e dizia: Vamos rapazes, cantar
em italiano.
Além disso, Confortin (idem, p.76) também encontrou falantes do dialeto vicentino:
El mio pupa è venuto de ‘Itàlia cola imigrassion italiana e se radicato in
Caxias; sono desimbarcati nel porto de Rio Grande e de sono venuti a
Porto Alegre, depoi hanno gallegiato per el Rio Taquari e quando sono
rimasti, sono arrivati nel confin de San Sebastian do Caí, sono desbarcatti.
Trad.: Meu pai veio da Itália com a imigração italiana e se radicaram em
Caxias; desembarcaram no porto de Rio Grande e de lá foram para Porto
122
Alegre, depois navegaram pelo rio Taquari e quando chegaram nos confins
do São Sebastião do Caí, desembarcaram.
A constatação da autora foi que na época (1998),
infelizmente, não os traços dialetais específicos de cada dialeto, como o
próprio dialeto italiano comum, a koiné, estão em processo de extinção em
toda região (CONFORTIN, 1998, p.76).
Fatos históricos podem nos dar pistas do caminho linguístico percorrido pelos
(i)migrantes. Em 20 de setembro de 1915, por exemplo, é fundada a primeira sede social da
Società Mutuo Soccorso Carlo Del Prete. No Estado Novo, face ao Decreto do Presidente
Getúlio Vargas, nacionalizando o nome das sociedades esportivas e sociais, o nome foi
alterado para Clube Esportivo e Recreativo Atlântico. Desde a sua mudança, até os dias atuais,
não houve, por parte de seus associados, nenhuma tentativa de retomar a denominação
original. Para se fazer uma comparação com as demais etnias então mais significativas, em
1926, embora os alemães representassem apenas 13,34% da população riograndense, tiveram
instalado o vice-consulado da Alemanha, em Erechim, algo que não se sucedeu com as
demais etnias.
A Colônia Erechim (município de Passo Fundo) foi criada em 06/10/1908, pela
proposta da Diretoria de Terras e Colonização. Situada na região do Alto Uruguai e
abrangendo aproximadamente todo o território que posteriormente constituiria o município de
Erechim, foi fundada não apenas pela insuficiência das duas únicas colônias com terras
disponíveis para a colonização Ijuhy e Guarany (Santa Rosa), como também para
regularizar a instalação de particulares que para se tinham estabelecido tumultuadamente,
atraídos pela grande fertilidade das terras
122
e pela presença da estrada de ferro.
De 1909 a 1911 foram inauguradas as estações de Erechim, Erebango, Boa
Vista, Barro, Viadutos e Marcelino Ramos. De 1912 para 1913 ficou
concluída a monumental ponte sobre o Rio Uruguai estabelecendo-se deste
modo, ligação direta do nosso Estado com Santa Catarina, Paraná e São
Paulo (STUMPF, et al., 1952, apud Cassol, 1979, p.29).
Dez anos após ter sido criada como colônia, em 1918, Erechim desmembrou-se do
município de Passo Fundo, formando o território designado pelo nome de Região do Alto
Uruguai. Erechim (registrado com ch) ou Erê-xim (em tupi-guarani) é o nome atribuído pelos
122
Conforme Relatório da Secretaria das Obras Públicas/ Diretoria de Terras e Colonização –(1909), Porto
Alegre, OP 101 in Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
123
indígenas a um lugar onde existia um pequeno campo que, ao que tudo indica, ficava nas
proximidades de um rio, também conhecido como rio Erechim.
Geograficamente, o município de Erechim está localizado na Região Alto Uruguai
Gaúcho, Centro-Norte do Estado do Rio Grande do Sul, no Planalto Meridional, fazendo
fronteira com o Estado de Santa Catarina. Possui uma área de 430.764.quilômetros quadrados
e sua altitude é de 768m acima do nível do mar. Limita-se, ao norte, com os municípios de
Aratiba, Mariano Moro e Severiano de Almeida; ao sul, com Getúlio Vargas, Sertão e Passo
Fundo; a leste, com Viadutos, Três Arroios e Gaurama e a oeste, com Paulo Bento, Jacutinga,
Barão de Cotegipe e Ronda Alta. Dista da capital do Estado, Porto Alegre, 369 km, sendo
ligado a esta, ao centro do país e aos países do Prata pela RS-153 e BR-475; das capitais do
sul, dista 639 km de Florianópolis, 506 km de Curitiba e 904 km de São Paulo.
De acordo com a classificação do IBGE (Tomo 5,nº 22), Erechim pertence à
microrregião homogênea nº 326, colonial de Erechim. É a cidade polo da região que abrange
32 municípios. Sua configuração (alongada no sentido N-S) propicia a confrontação com boa
parte dos municípios da região que polariza, o que lhe confere uma posição estratégica
vantajosa. Além disso, Erechim é a única cidade do interior do Estado que foi concebida à luz
dos ideais republicanos e com a concepção urbanística de traçado xadrez da cidade de
Washington, conforme mapa 6 abaixo.
Erechim, como toda região do Alto Uruguai, é constituída por minifúndios, embora
hoje e cada vez mais, formem-se latifúndios, especialmente nas áreas mais propícias à
mecanização. O regime é ainda o da pequena propriedade e as culturas são diversificadas.
No setor agropecuário, a atividade é intensa, contribuindo para isto os diversos silos
implantados, que colhem, armazenam e distribuem os principais produtos da lavoura. Na
pecuária, destacam-se os rebanhos de suínos, de gado leiteiro, de gado de corte, muares e
aves. A produção do leite é elevada e destina-se à industrialização e ao fabrico artesanal.
Hoje, na região, há indústrias de queijo com categoria até de exportação. Neste setor, Erechim
é um dos mais ricos municípios do Rio Grande do Sul: existem granjas e fazendas-modelo
dotadas de modernos aparelhos e alta tecnologia. Isto permite o emprego dos mais modernos
métodos de trabalho, do que resulta maior produção e menor custo. Na área terciária, na
década de 70, foi instalado o Distrito Industrial onde, através de incentivos fiscais, instalaram-
se diferentes indústrias que propiciaram à população um número significativo de novos
empregos, mas que, também, aumentou o cinturão populacional à procura de facilidades
oferecidas pela “cidade grande”, o que está mudando as “feições” típicas de uma cidade
tranquila de interior até a década de 1970, para “feições” tipicamente urbanas de uma cidade
124
que cresceu rapidamente sem o devido acompanhamento do serviço de obras e serviços de
infraestrutura urbana.
Mapa 6 - Traçado viário da cidade de Erechim.
Fonte: Plano Viário inicial de Paiol Grande, que consta no Relatório da Secretaria de Obras Públicas de 1914,
cedido por Antônio Pereira de Souza à EDELBRA – Indústria Gráfica e Editora Ltda. Erechim, 2000.
No setor da Educação e Cultura, Erechim conta com a Universidade Regional
Integrada do Alto Uruguai e das Missões. A universidade, como um todo, conta hoje
com.cerca de 17.000 alunos de curso superior. No campus de Erechim, funcionam 27 cursos
de nível superior com 4600 alunos de graduação e 600 alunos de pós-graduação. Nas décadas
de 1970 e 1980, a universidade, estabelecida em 1968 como Centro de Ensino Superior de
Erechim, exerceu um papel de transformação sócio-econômica e cultural na região. A grande
maioria dos jovens, que necessitava deslocar-se para estudar, acabava permanecendo em
Erechim, em virtude da precariedade das estradas e a falta de transporte coletivo às suas
125
cidades de origem. Esse fator contribuiu fortemente para a redução do índice demográfico de
cidades circunvizinhas.
Fenômeno parecido ocorreu na rede de escolas públicas, em relação ao interior. Na
década de 1970/80, como todo município do Rio Grande do Sul, Erechim também passou por
um processo de regimentação de escolas de ensino fundamental, estrategicamente colocadas,
denominadas “escolas-polo”. Isso diminuiu significativamente o número de pequenas escolas
do interior, que faziam parte do núcleo que agregava seus moradores em torno da igreja, do
salão de festas e da escola. O pequeno núcleo desintegrou-se, assim, com a retirada de seu
principal elemento de aglutinação, a escola. Cabe a pergunta sobre as consequências dessas
mudanças para a língua de imigração e o bilinguismo. Que influências pode ter ocasionado na
escolha e manutenção da língua?
As escolas particulares de ensino médio e fundamental encontram-se localizadas na
sede do município e são em número de onze. Em todas essas escolas privadas (e também nas
públicas), o único meio de transmissão do ensino é a língua oficial, ou seja, a língua
portuguesa. Línguas estrangeiras (inglês, espanhol e francês) figuram apenas como disciplinas
isoladas. As nguas de imigração o fazem parte dos currículos escolares, apesar de uma
tentativa. A iniciativa não teve acolhimento por parte dos pais que preferiram optar apenas
pela língua inglesa, salientando que daria mais futuro para a vida profissional dos filhos. Não
sabemos exatamente como foi o desenvolvimento desse processo; apenas nos perguntamos se
havia suficiente esclarecimento e consciência do real significado de ser bilíngue em português
e na língua de imigração talian.
Ainda em relação ao estudo de línguas, os alunos com maiores condições financeiras
costumam frequentar centros de línguas estrangeiras, tais como CCAA, Yazigi, Wizard ou
Positivo, que se concentram no trabalho com as línguas ditas de maior prestígio, como inglês,
francês e espanhol. As línguas-teto oficiais de origem imigratória, como o alemão, o hebraico,
o polonês e o italiano são trabalhadas através das associações culturais e sociais, como a
FAINORS, no caso dos italianos. Nessas entidades, o objetivo é a formação na língua oficial
do país de origem. Em entrevista dada a esta pesquisadora, a secretária municipal de
educação, em 2007, assim se pronunciou:
Foi oferecido a uma comunidade de formação tipicamente italiana, situada no
bairro Atlântico, a oportunidade de seus filhos estudarem a língua italiana na
escola. Os pais, consultados, preferiram uma maior carga horária da língua
inglesa em vez de reservar um espaço para o ensino da língua italiana. O
126
dialeto italiano, no caso, o vêneto, nem sequer foi cogitado, até porque a
Secretaria Municipal de Educação nem teria professor capacitado para tal.
Apesar desse fato, Erechim conta hoje com a Federação das Associações Italianas do
Norte do RS FAINORS, que incentiva o ensino da língua e cultura italianas em toda região
do Alto Uruguai (mantém professor de italiano-padrão em escolas de ensino fundamental dos
municípios que assim o desejarem); também com o Comitê das associações vênetas do Rio
Grande do Sul (COMVERS), que organiza anualmente um programa sócio-cultural,
envolvendo suas filiadas (situadas em municípios próximos) em atividades locais e com a
participação de grupos, orquestras e companhias italianas. O resultado disso tem sido a
multiplicação de grupos de dança e canto, de sociedades e associações, em toda região – todas
elas com o mesmo objetivo de difundir aspectos da cultura italiana, com destaque para a
tradição vêneta, que a maioria da população da área tem suas raízes plantadas na região do
Vêneto. Graças a isso, também tomou impulso o relacionamento institucional entre
municípios gaúchos e municípios da região do Vêneto, através de acordos e convênios, como
o gemellaggio
123
, com a localidade de Castelfranco, na região do Vêneto, com as associações:
Trevisani nel Mondo, Bellunesi nel Mondo, Circolo Vicentini nel Mondo (a mais antiga) e a
Associazione della Gioventù Veneta di Erechim.
No último censo de 2000, a população geral do município era de 90.332 habitantes,
sendo 82.018 na zona urbana e 8.314 na zona rural. Do total de habitantes, 43.539 são homens
e 46.793 são mulheres. no ano de 2004, o total da população passou para 94.955, sendo
89.510 na área urbana e 5.445 na área rural, com uma densidade demográfica de 23,27
habitantes por km² (Fonte: FEE/IBGE). Atualmente, estimativas apontam para uma população
de 100 mil habitantes.
No terreno cultural, Erechim possui o Centro Cultural 25 de julho, patrimônio
municipal, considerado o melhor espaço acústico do interior do Estado. A FRINAPE (Feira
Regional Industrial de Agro-negócios), hoje realizada a cada dois anos, apresenta o que é
produzido no município nos diferentes setores da economia e serviços e mantém um
espaço(Casa da Cultura) especialmente construído para as cinco etnias que formaram o
município, ou seja: italiana, alemã, polonesa, israelita e nativa, que o utilizam com
demonstrações de danças típicas, cantos, gastronomia e exposições culturais.
123
Gemellaggio: Tratado de amizade entre as duas localidades dos dois países, com o objetivo de estreitar laços
econômicos, sociais e culturais.
127
3.2.1.2 Ponto 2 - Getúlio Vargas
A 15 de julho de 1909, a Diretoria de Terras e Colonização demarcou à margem direita
do rio dos Índios, atual rio Abaúna, a 5.587 metros a noroeste da estação rrea de Erechim,
exatamente onde hoje está locada a cidade de Getúlio Vargas, o marco inicial do então
povoado denominado Erechim. Em fevereiro de 1910, encetou-se ali a construção de algumas
casas. As primeiras foram destinadas ao escritório da Comissão de Terras, enfermaria,
depósito de materiais e dois barracões para a hospedagem de imigrantes. Em seguida, chegou
à Colônia (atual Getúlio Vargas) a primeira turma imigratória composta de 36 colonos, sendo
quatro famílias com 28 pessoas e 8 solteiros.
Na verdade, a história da colonização de Getúlio Vargas confunde-se com a história de
colonização de Erechim, que o marco inicial de Erechim era a atual cidade de Getúlio
Vargas. Toda uma região que compreendia hoje a atual região do Alto Uruguai Gaúcho era
denominada de a grande Colônia Erechim, com sede na hoje Getúlio Vargas.
Em 1911, contava com uma população de 14.000 habitantes. Para o
desenvolvimento desta colônia muito contribuiu a estrada de ferro em construção São Paulo
Rio Grande, com nove estações: Erechim, Erebango, Capoerê, Boa Vista, Baliza, Barro,
Viadutos, Canavial e Marcelino Ramos. Em 1915, a população da colônia ascendia para
27.359 habitantes, dos quais 7114 eram brasileiros, 5721 poloneses, 246 suecos, 3652
alemães, 1827 italianos, 722 austríacos, 106 espanhóis, 74 franceses, 734 portugueses e 7863
de diferentes nacionalidades (Histórico de Erechim, 1979).
Já em 1915, Getúlio Vargas começa a perder a liderança que até então vinha mantendo
na região com a transferência da Sede do escritório da Comissão de Terras para Paiol Grande,
hoje Erechim. Essa liderança foi sacramentada com a elevação à categoria de município de
Erechim o território constituído pelo distrito de Passo Fundo, com sede na Vila Boa Vista,
ex Paiol Grande (hoje Erechim) e não o então Erechim (hoje Getúlio Vargas). Os motivos que
levaram a esta escolha são ignorados, mas quem diga que foram motivos políticos, muito
mais do que práticos. Com isso, Getúlio Vargas perde todo impulso urbanístico que passa
para a então Boa Vista, iniciando seu processo de decadência. Foi, então, uma atitude política
que tirou a sede político-administrativa de Getúlio Vargas (na época Erechim) e passou a
mesma para Erechim (na época Vila Boa Vista).
Em 1917, quando reivindica sua emancipação, Erechim (atual Getúlio Vargas) tem
uma população de 20.000 habitantes, sendo 7.000 brasileiros, 6.000 poloneses e russos, 4.000
alemães, 2.000 italianos, 1.000 austríacos, suíços, espanhóis, franceses e portugueses. No
128
entanto, a partir da data de transferência do escritório sede da Comissão de Terras para a então
Vila de Bela Vista, todas as benfeitorias do Estado e da União tinham como destino este
território, e não o território de Erechim (na época).
Getúlio Vargas ocupa hoje um espaço geográfico de 286.564 km² e uma população de
16.095 habitantes, sendo 82,65% na zona urbana e 17,35% na zona rural. Possui uma
densidade demográfica de 56,2 habitantes por km². Dista da capital do Estado, 333 km e da
cidade de Erechim, seu núcleo de referência, 35 km. Suas vias de acesso são a RS 153 e BR
475.
O município está voltado à atividade primária e, semelhante a Erechim, constitui-se de
minifúndios com regime de pequenas propriedades. Indústrias que empregavam um
significativo número de pessoas cessaram suas atividades, como a Serramalte, dois curtumes e
indústrias de enlatados. O que se observa é um contínuo esvaziar de indústrias, comércios e de
pessoas, que não mais vêem Getúlio Vargas como um local de novos investimentos.
Costuma-se dizer que Getúlio Vargas vem constituindo-se em dormitório de Erechim,
isto é, como pouca oferta de emprego e estudo em nível de terceiro grau, a população,
principalmente os mais jovens, deslocam-se todos os dias para trabalhar e estudar em
Erechim, somente retornando à noite, para dormir.
3.2 1.3 Ponto 3 – Jacutinga
Inicialmente, Jacutinga pertenceu à Fazenda Quatro Irmãos, concedida pelo governo
federal à Empresa Inglesa Jewish Colonization Corporation - ICA, com sede em Londres. As
primeiras famílias israelitas chegaram por volta de 1911 a 1921 e lidavam com a extração da
madeira. Com a instalação de serrarias para a exploração de pinhais, foram surgindo pequenos
núcleos constituídos por grupos de famílias e por pequenos comércios até a formação de vilas:
uma dessas vilas é hoje o município de Jacutinga. Inicialmente, contou em sua formação com
algumas famílias judaicas provenientes de Quatro Irmãos que, depois de concluído o ciclo
maior de retirada da madeira, retornaram a São Paulo ou ao país de origem. Assim, a pequena
vila começou a receber seus primeiros moradores de fato, os imigrantes que compravam seus
lotes através da ICA. O primeiro grupo a aportar no município foram os italianos, por volta de
1930; vinham, em sua maioria, de Guaporé/RS.
O distrito foi criado em 1952, pelo então prefeito de Erechim, Sr. Ângelo Emílio
Grando. Em junho de 1964, à época do governo Ildo Meneghetti, foi elevado a município,
129
instalação que ocorreu a 10 de janeiro de 1965. O nome Jacutinga (que significa jacu branco)
deve-se à grande quantidade existente na região de uma ave denominada de jacutinga, o que
levou aos tropeiros e moradores identificarem o vilarejo pelo nome da ave.
O município caracteriza-se pela sua condição de colônia e por ter sido povoado,
essencialmente, por descendentes de imigrantes italianos (80%), alemães (15%), poloneses,
israelitas e mestiços (5%)
124
. O grau de bilinguismo da região varia de localidade para
localidade, porém mais dentro dos diferentes dialetos italianos do que de outras línguas de
imigração. Isso faz com que o próprio português tenha uma característica específica,
resultante dos diferentes dialetos italianos em contato entre si e com o português.
Em relação à distribuição demográfica, possui pequenas comunidades, todas com
população inferior a 500 habitantes (Diagnóstico do Município de janeiro de 1987). A
população estimada, hoje, segundo dados do IBGE, é de 3.825 habitantes, sendo 2.315 na área
urbana e 1.510 na área rural. No ano de 1996, o município contava com uma população de
4.367 habitantes. Segundo o censo de 2000, a população total era de 4.249 habitantes, sendo
2.110 homens e 2.139 mulheres. Desta população total, 2.135 residia na zona urbana e 2.114
na zona rural, com uma densidade demográfica de 17,7 habitantes por km².
o recenseamento de 1980, apontava um total de 6.535 habitantes, sendo 2.515 na
zona urbana e 4.020 na zona rural, concentrando-se o maior percentual na faixa de 25 a 49
anos. Desde o período de 1970, está havendo acentuado êxodo rural (e também urbano), pois
os jovens, principalmente, procuram outras cidades em busca de trabalho, de escolas e de
melhores condições de vida. O aumento da migração é devido a pouca terra existente na
região e à expectativa de melhores condições de trabalho no Paraná, Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul, Goiás, Bahia, para onde as famílias, sobretudo as de prole numerosa e com
maiores condições econômicas, estão se transferindo. Atualmente, Jacutinga cresce
economicamente, graças a empresários que investem em silos para o armazenamento do
cereal colhido.
Localizado a uma altitude de mais ou menos 650 metros em nível do mar, possui uma
área de 214,33 km
2
e a via de acesso pela RS 211. A área total do município limita-se a Norte
com Ponte Preta, pequeno município agrícola; ao Sul com Ronda Alta e Quatro Irmãos,
antigo município sede e hoje com uma população bem mais reduzida e formada apenas por
extensas granjas e trabalhadores braçais. O limite a Oeste é dado por Campinas do Sul,
também município de área e população reduzidas, formado pela junção de pequenas
124
O dado é da Prefeitura Municipal de Jacutinga.
130
propriedades com agricultura familiar. A Leste, também com Quatro Irmãos e Paulo Bento,
antigo distrito de Erechim e há pouco tempo emancipado, com características semelhantes a
Quatro Irmãos.
Na rede de ensino, Jacutinga conta com três escolas de ensino infantil, sendo uma
municipal e uma estadual; três escolas de ensino fundamental, sendo uma estadual e duas
municipais; uma escola estadual de ensino médio e uma escola estadual para jovens adultos.
Em uma das escolas de ensino fundamental, pertencente à rede municipal, existe no currículo
escolar o ensino da língua italiana nas quatro primeiras séries. que se salientar, que
também Jacutinga sofreu o processo de encerramento das pequenas escolas rurais
multisseriadas, com classes plurisseriadas, que por falta de um maior número de alunos e
vontade política, viu desfalecer esses pequenos cleos compostos pela escola, a igreja
católica, o cemitério, o salão paroquial, a cancha de bochas e de futebol. Hoje, com a escola
fechada, desfaz-se o cleo organizacional das pequenas comunidades rurais, contribuindo
fortemente para o aumento do êxodo rural.
No que se refere à religiosidade, o município recebe influência marcante da igreja
católica em sua organização paroquial, com forte influência na vida familiar, social e política,
refletindo-se na conduta dos católicos e nas atitudes conservadoras em relação à moral e aos
bons costumes. Esse conservadorismo vem de uma prática, a hoje presente, com a
realização de procissões, festas em homenagem a Nossa Senhora com romarias, encontros
para a reza do terço, retiros na igreja matriz, encomenda de missas para salvar as almas, para
chover, para uma boa colheita, benzimento de ramos de oliveira para queimar nas trovoadas,
práticas pelas quais o clero mantinha e ainda mantém um forte laço religioso entre os colonos
e a população em geral.
Conforme informações da prefeitura municipal, Jacutinga realizou em agosto de 2008
o gemellaggio com a cidade de Pederobba, província de Treviso, Itália, com o objetivo de
estreitar laços econômicos, sociais e educativos entre os dois municípios. Igualmente, a
prefeitura promove festas italianas como a famosa Festa do Porco Desossado, incentiva a
realização dos filós e mantém o coral de adultos com cantos no italiano-padrão e no dialeto
vêneto. Possui, também, o museu do imigrante, uma antiga casa de arquitetura colonial
italiana, com utensílios que marcaram os primeiros anos de vida na colônia.
Não há, nas ruas da cidade, estabelecimentos comerciais e públicos registrados com
nomes na língua italiana, mas muitos com sobrenomes em italiano. Igualmente, no interior
da igreja católica, localizada em um terreno elevado, no centro da cidade, próxima à prefeitura
municipal, o escritos na língua italiana-padrão e nem no dialeto vêneto, mas a grande
131
maioria dos sobrenomes das famílias que contribuíram na construção da igreja é de origem
italiana.
3.2.1.4 Ponto 4 - Severiano de Almeida
A Companhia de Colonização Luce Rosa, que contribuiu notavelmente na obra
colonizadora de nossa região, fundou os povoados de Três Arroios, Nova Itália (hoje
Severiano de Almeida), Sede Dourado e Rio Novo (hoje Aratiba). Dividiu-os em lotes
urbanos e chácaras com os devidos arruamentos. Entre 1915 e 1917, providenciou pela
demarcação de lotes rurais de 25 ha que foram divididos de tal forma que todos ficassem
servidos de boa aguada, embora em uma região bastante recortada e acidentada, com vales
profundos e floresta subtropical.
A partir de 1915, a Luce Rosa começou a vender os lotes rurais a imigrantes,
principalmente de origem italiana e alemã, das chamadas “Colônias Velhas”: Caxias do Sul,
Farroupilha, Bento Gonçalves, Garibaldi, Cachoeira do Sul, Silveira Martins, onde se fazia
sentir o excedente demográfico no meio rural. A Luce Rosa devotou especial atenção na
congregação dos núcleos. Dividiu os imigrantes segundo a mesma origem étnica, costumes e
religião a fim de não criar quistos raciais e facilitar a própria comunicação, uma vez que tanto
alemães quanto italianos falavam praticamente só o seu dialeto.
Nos princípios do ano de 1917, foi determinado que toda zona desde Três Arroios até o
rio Uruguai seria região exclusivamente católico-alemã
125.
Todavia, com a grande afluência
de italianos a Luce Rosa resolveu fixá-los mais ao norte desta área, reservando,
privativamente, a eles o futuro povoado de Nova Itália. A zona de Três Arroios permaneceu
predominantemente de origem alemã.
A Companhia Colonizadora proveu abrigo (galpões) aos colonos quando de sua
chegada. Preocupou-se com educação e atendimento religioso para todas as sedes coloniais.
Contribuiu com somas significativas na construção de igrejas. Doou o terreno para a
construção do Convento das Irmãs Franciscanas em Três Arroios.
Conforme assegura a tradição oral, a origem do topônimo Nova Itália está intimamente
relacionada a um grupo de nove colonos que, no final de 1916, veio junto para ver as terras da
Luce Rosa - as quais já estavam devidamente demarcadas. Embora não constando em nenhum
125
Livro Tombo I da paróquia de Três Arroios, fl.4.
132
documento, vários depoimentos de pessoas conhecedoras da história da época insistem no fato
de que estes colonos eram todos descendentes de italianos ou mesmo italianos de origem,
razão pela qual José Pedron, um dos integrantes do grupo, teria, junto ao acampamento da
companhia, afirmado: Semo tuti taliani. Ghe metemo nome Nova Itália”, o que recebeu o
consentimento de todos.
126
A Cia. Luce Rosa muito auxiliou na abertura de estradas para a introdução do braço
colonizador. Em bem pouco tempo, abriu-se um trecho que partia do povoado Barro à Nova
Itália numa extensão de 25 km, facilitando a entrada de veículos que pudessem transportar as
mudanças que advinham das chamadas colônias velhas. em 1920, contava a colônia Nova
Itália com 100 famílias. O próximo número registrado consta do ano de 1960: uma população
de 4625 habitantes, sendo 326 da zona urbana e 4299 da zona rural. Em 1980, o total da
população era de 4436 habitantes, sendo 485 da zona urbana e 3951 da zona rural. É
perceptível o decréscimo gradativo da população a partir dos anos 70. Em contraposição,
observa-se um gradual crescimento da população no meio urbano desde 1950. O que se
observa, principalmente de 70 para 80, não é uma geométrica transferência populacional do
meio rural para o urbano dentro do próprio município, mas uma considerável evasão para
outros municípios e estados. Atualmente, o município conta com uma população estimada de
3979 habitantes; em 2004 contava com uma população total de 3784 habitantes, sendo 1208
na zona rural e 2576 na zona urbana. Segundo o censo do ano 2000, havia uma população de
4152 habitantes, sendo 1165 na zona urbana e 2987 na zona rural, do total de habitantes, 2073
eram homens e 2079, mulheres.
127
A densidade demográfica é de 23,6 habitantes por km².
O decreto nº 7.199 do ano de 1938 estabeleceu a divisão administrativa e judiciária do
Estado. Por esta, o município de Erechim ficou dividido em 11 distritos, entre eles, Nova
Itália. O mesmo decreto elevou a sede municipal à categoria de cidade e a dos distritos à
categoria de vila. Outro decreto do mesmo ano alterava o nome de Nova Itália para Severiano
de Almeida. A troca de Nova Itália para Severiano de Almeida foi uma homenagem da
câmara de vereadores ao saudoso engenheiro, chefe da Comissão de Terras para demarcação
da Colônia Erechim. O distrito de Severiano de Almeida teve recobrado seu antigo nome
Nova Itália, a 17/12/1956, pela lei municipal nº 596. É no mínimo estranho esse fato, já que o
ano de 1956 não estava distante do final da Segunda Guerra Mundial! Com a emancipação,
ocorrida em 1963, através de plebiscito popular, voltou definitivamente para Severiano de
Almeida. A instalação oficial do município ocorreu a 12 de abril de 1964, tendo como
126
Os dados sobre Severiano de Almeida foram obtidos em Benincá, 1990.
127
Fonte FEE/IBGE – censo 2000.
133
primeiro prefeito o Sr. Orlando Mattia. Hoje, o município é formado por dois distritos: a sede,
Severiano de Almeida e o distrito de Mirim. Existem, ainda, 12 pequenas comunidades no
interior.
O desenvolvimento da colônia Nova Itália seà sombra da igreja católica, ou seja, a
partir da direção por ela apontada. A primeira capelinha foi erguida em 1918, pelos
moradores, com ajuda e madeira fornecida pela Cia Luce Rosa. Do ano de 1970, em uma
população de 5255 habitantes (2689 homens e 2566 mulheres), 5089 são católicos e 166
protestantes tradicionais. Em 1980, de uma população de 4436 (2303 homens e 2133
mulheres), 4164 são católicos, 222 protestantes tradicionais e 36 protestantes pentecostais.
128
É muito significativo o número de sacerdotes, religiosos e religiosas nascidos em
Severiano de Almeida e região. Hoje, no município três igrejas: católica, com 90% da
população, Luterana, com 7% da população (localizados na Linha 12) e a Assembléia de Deus
com 3% da população (pessoas da cidade, pobres e de pele escura).
Muito vinculado à religião estava o aspecto educacional. As Irmãs Franciscanas no
ano de 1936, instalam uma “Escola Paroquial”. no primeiro dia foram matriculados 140
alunos
129
. Destes, 72 eram para a primeira classe. O Colégio Cristo Rei (assim denominado)
situava-se na encosta acima da atual Igreja Matriz. Em 1939, o número de alunos subiu para
200, divididos em quatro cursos. Além do colégio da sede, o distrito contava com mais de 14
aulas disseminadas em seu território. Sete destas foram subvencionadas em junho de 1938
pelo executivo municipal que, para tanto, apelou a um suplemento de verbas do Tribunal de
Contas. Em 1939, o número total de alunos do distrito passava de 650.
A questão financeira era uma das grandes polêmicas. As Irmãs mantiveram o
estabelecimento de ensino sem subvenções, quer estadual ou municipal. Recebiam tão
somente um pequeno subsídio por parte da minoria dos pais dos alunos, pois a grande maioria
era pobre. Em 1940, contavam com 170 alunos distribuídos em quatro cursos e atendidos por
quatro professoras as quais eram pagas pelas irmãs.
Em 1958, o distrito contava com 9 estabelecimentos de ensino, todos de à séries.
Em 1968, passa a funcionar o Grupo escolar da Sede, atendendo a uma clientela também de 1ª
a séries. O 5º ano primário continuou na Escola Particular Cristo Rei, que mais tarde, passa
para o Estado com a denominação de Escola Estadual de 1º e 2º graus Dr. José Bisognin.
130
128
Fonte IBGE Recenseamento Geral, 1970 e 1980.
129
Cf. Crônica 6, p.373 de 1936, contida no Arquivo do Provincialado das Ir. Franciscanas de M. Auxiliadora,
com sede em Passo Fundo.
130
Os dados sobre a história do município estão em Benincá (1990).
134
Severiano de Almeida localiza-se na porção centro-norte do Rio grande do Sul, nas
adjacências do leito do rio Uruguai e tem uma área total de 234 km quadrados. A topografia é
predominantemente acidentada com 85% de áreas montanhosas, 10% de áreas onduladas e
5% de áreas planas. A topografia é, portanto, inviável para a mecanização. Acrescente-se a
isso que, por ocasião da colonização do município, não houve preocupação em fracionar os
lotes de forma racional, viabilizando a sua exploração econômica; a grande maioria das
propriedades apresenta problemas para exploração agrícola, especialmente considerando os
perigos da erosão. Todos esses aspectos de localização contribuem para o isolamento do
município, acentuado pela dificuldade de acesso viário.
Quanto aos aspectos geográficos, limita-se com Erechim, Mariano Moro, Marcelino
Ramos, Três Arroios, Viadutos –no RS- e, também com Santa Catarina Rio Uruguai. São
centros urbanos mais próximos: Erechim (35 km), onde são adquiridos implementos agrícolas
e máquinas, insumos para agropecuária e artigos de comércio em geral. Também são
comercializados os produtos agropecuários produzidos. Concórdia SC (52 km), cidade
onde também são estabelecidos contatos comerciais. Marcelino Ramos-RS (38 km), onde está
localizada a agência do Banco do Brasil que jurisdiciona o município de Severiano de
Almeida. Gaurama RS (26 km), onde, até bem pouco tempo atrás, eram efetuados todos os
serviços jurídicos (Fórum, Cartório Eleitoral e Registro de Imóveis).
O distrito era essencialmente agrícola e suas terras, de grande fertilidade, com
produção de milho; feijão; trigo e batata. Severiano de Almeida aparecia, nesta época, como
um dos maiores produtores de fumo da região. No cenário econômico, notabilizava-se a
atividade industrial e comercial. Dentre os principais estabelecimentos industriais
destacavam-se: Cooperativa de Fumo Nova Itália (na época com 1500 sócios e um
movimento anual de 50 milhões de cruzeiros), moinho hidráulico; fábrica de queijo parmesã;
engenho de madeira e moinho. Hoje, apenas pequenos e dios estabelecimentos
comercias e de prestação de serviços e, devido à configuração do solo, os mini-produtores
cultivam o milho, soja, trigo, feijão, arroz, cana-de-açúcar em médias e pequenas proporções.
São mais viáveis as implantações de pomares, as atividades ligadas à exploração da pecuária
aves, suínos, ovinos, eqüinos e, especialmente, da pecuária leiteira e, por independer
diretamente do cultivo do solo, a apicultura está em grande desenvolvimento, inclusive sendo
exportado seus derivados. A produção agropecuária do município é destinada ao consumo do
próprio município, em grande parte e, o excedente comercializado nos municípios mais
próximos.
135
Como preservação da cultura, Severiano de Almeida possui a Casa de Cultura Italiana,
o Grupo de Danças Nova Itália e o Coral Italiano São Caetano. Entre as festividades que
objetivam a vivência da língua e dos costumes italianos citam-se o Festival Estadual do Leitão
Assado, Romaria das Capelinhas, Festa Italiana, Festival da Cana de Açúcar, Festa do Vinho,
Festa do Padroeiro e do Motorista da Igreja São Caetano e o Festival de Corais Italianos. A
família Zortéa, na Linha Cerro do Meio Dia, construiu o Recanto Nova Itália, onde serve café
colonial e brodo.
Nas escolas municipais e na escola estadual da sede, o ensino do italiano-padrão
nas quatro primeiras ries. Para os adultos, a Prefeitura Municipal mantém cursos de ensino
do italiano-padrão em convênio com a FAINORS. O município também institucionalizou o
gemellaggio, tratado de amizade e de cooperação de diversas áreas com o município de,
Celtre, da região do Vêneto, na Itália. Também mantém o coral vêneto São Caetano e o
respectivo grupo de dança italiana.
Como nos demais municípios de formação majoritária italiana, os imigrantes que se
estabeleceram em Severiano de Almeida também eram falantes do dialeto italiano de segunda
ou terceira geração e se caracterizavam por certa homogeneidade linguística de origem
vêneta. No entanto, Confortin (1998) identificou, entre seus informantes, a presença de um
falar italiano com características mais fortes do belunês:
Par ligar vigne, se taia a stropa cola brìtola stort, a rìncia, la facoleta. I
cai cress e li se tac su par el fer coi riss, i risset, dopo trà fora pich de ua.
Trad.: Para amarrar as parreiras, corta-se a vime com uma facoleta, um
canivete torto. Os ramos crescem e prendem no ferro com as gavinhas, depois
surgem os cachos de uva (CONFORTIN, 1998, p.75).
Em nossas próprias entrevistas, identificamos a existência de possíveis descendentes
de imigrantes originários de regiões outras, que não do vêneto:
Inf A Tem alguma diferença por causa das origem da...do...da região da
Itália, tem o trevisan, tem i tirolêsi, tem i treventiio, tem o ...o...i napolitani e
então por isso tem a diferença (GII f bi Ponto 4).
Inf B Compreendo a mesma coisa né, mas tem uma diferencinha (GII bi
Ponto 4).
A localização geográfica desses descendentes é descrita, pelos informantes, como “o
interior do interior”, nas chamadas linhas essencialmente rurais. O número de falantes é
reduzido e se restringe a famílias tipicamente constituídas, habitando em um mesmo espaço
136
físico, desde avós a netos, bisnetos, apontando dois fatores preponderantes: a força do
isolamento e o poder da transmissão intergeracional.
3.2.2 Dimensões Diageracional e Dialingual
Como vimos no quadro 1, a dimensão diageracional (em nosso estudo) envolve dois
diferentes grupos etários, ou seja:
Geração I (GI), com falantes entre 20 e 35 anos.
Geração II (GII), com falantes acima de 50 anos.
Para a definição destas duas gerações, é preciso levar em consideração os seguintes
aspectos:
A geração I (GI) que, presumivelmente, pelo menos parte dela, é fruto de uma geração
que viveu em um período de retorno às raízes, de transição, entre a valorização da cultura e da
língua dos imigrantes italianos, provocada por fatos que vão desde as comemorações dos 100,
130 anos de colonização italiana no Rio Grande do Sul, até a atitude positiva da mídia de
manutenção dessa herança sócio-linguística-cultural e outra parte, que vive sob a atitude de
inoperância, de desconhecimento do significado e valor desta herança.
À geração II (GII), associam-se duas situações distintas. Uma, constituída pela
geração nascida nos anos 1950/5 (em relação a 2007), fruto ou vítima do período denominado
de “apagamento” ou anulação linguística e cultural. As palavras “medo”, “resignação” e
“vergonha” o presentes na cada de 30, durante o Estado Novo, foram substituídas por um
véu de invisibilidade sobre tudo o que dizia respeito à origem, língua e cultura dos imigrantes.
Esta população de falantes, hoje com 55/60 anos, além de terem passado sua juventude em um
período de ditadura e opressão política na década de 60/70, também tiveram negados seus
direitos à língua e à cultura de seus antepassados, não mais por repressão, caso viessem a falar
a língua, mas por total desconhecimento e capacidade de fazê-lo, já que o modelo da ngua
não se fez presente em sua infância e juventude. Outra, constituída pela geração acima dos 50
anos, embora sofrendo com o chamado período do Estado Novo da era Vargas - de repressão
da língua e da cultura dos imigrantes, provavelmente havia adquirido a habilidade de fala
do dialeto e, portanto, possam ainda ter conservado seu uso, em grau maior ou menor.
Vinculado à dimensão diageracional, a dimensão dialingual constitui acoluna
vertebral” para a pesquisa estatística, já que esta dimensão nos auxilia, primeiramente, a
137
identificar o percentual de falantes monolíngues e bilíngues nas gerações GI e GII e, após,
pela análise qualitativa, relacionar os fatores preponderantes nessa configuração linguística.
As dimensões diageracional e dialingual, então, podem sinalizar, pela comparação do
estado atual da língua entre GI e GII, uma mudança em curso, p.ex. de um estágio bilíngue
talian/português entre a GII para um monolinguismo em português na GI, mostrando, nessa
passagem, o índice de manutenção e perda da língua de origem nos diferentes pontos da
pesquisa. A hipótese é de que a GII seja bilíngue (bi) talian/português, e de que a GI seja
monolíngue (mono) em português.
3.2.3 Dimensão Diagenérica
Francisco Moreno Fernández (1996, p.92) nos adverte que embora o fator sexo dos
falantes” nos Atlas linguísticos mereça ser tratado com certo rigor, seja por seu interesse ou
por sua complexidade, não é um dos problemas principais da geolinguística e da
sociolinguística atual.
No entanto, é inegável a importância da dimensão diagenérica que pode nos auxiliar
a precisar em que medida e de que forma a manutenção ou a substituição linguística são
determinadas ou o impulsionadas diferentemente por homens e mulheres. O que isso revela
sobre as relações entre homens e mulheres e os papéis sociais desempenhados na sociedade?
Os estudos de Labov (1972) apontam ser a mulher mais sensível às normas de prestígio; Fasold
(1990) cunhou o que se conhece por “modelo sociolinguístico de sexo” e Chambers e Trudgill
(1980, p. 97-98) afirmam que “[...] la aceptación y difusión de los médios de comunicación
social, especialmente la televisión, está haciendo que el modelo de referencia sea em mismo
para cualquier hablante de cualquier comunidad, sea hombre o sea mujer”.
Pelo que vimos, de um modo geral, para uma facção de cientistas, comportamentos e
aptidões por determinadas áreas do conhecimento seriam inerentes ao sexo. Segundo outros,
tais características o construídas a partir do modo como cada sociedade interpreta o sexo, o
que é conceituado de gênero, também por isso a escolha da denominação diagenérica. Cada
vez mais, os novos estudos sobre critérios de amostras questionam as categorias sexo, idade,
escolaridade, etnia, classe social etc. que são estabelecidas de modo apriorístico e estanque,
não considerando uma visão mais holística do fenômeno (contexto) ligado a tais categorias.
Bortoni Ricardo (1985) contesta a generalização, comum na sociolinguística, de que as
138
mulheres tendem mais ao uso das formas-padrão. Segundo a autora, o comportamento
linguístico encontra-se estreitamente ligado a seu papel no grupo social, grau de influência,
nível de pertencimento, exclusão ou inclusão etc. Fica claro que o comportamento de mulheres
ou homens não é independente do grupo social ao qual pertencem e também da rede de
comunicação da qual participam.
O fato é que, a partir do momento em que as diferenças biológicas se convertem em
desigualdade, estereótipos e preconceitos são gerados e perpetuados através da língua. As
consequências da imagem do que é ser mulher ou homem afetam as relações sociais e vão
sedimentando uma determinada realidade. Essa questão, como nos diz Fernández (1996), é
complexa e, mesmo não sendo uma das principais, perfaz o conjunto dos fatores que estão
implicados na questão também da substituição linguística de uma língua por outra.
De modo geral, os papéis sociais de ambos, o pai, o chefe da família, portanto, o que
faz a ligação cidade/campo, e a mãe, a responsável pelo ambiente familiar e, portanto, a que
sai “raríssimas vezes”, sinalizam a distinta posição em relação à manutenção do português
e do talian. O homem, introduzindo a mudança, mesclando expressões do português no
dialeto italiano, e a mãe, conservando a língua de origem.
Em virtude do exposto, é de se supor, como hipótese, que a mulher,
principalmente a da geração GII, mantém a língua de origem em maior grau, e o homem
introduz a mudança.
3.2.4 Dimensão Diastrática
A clássica distribuição dos grupos de informantes em Ca (classe alta) e Cb (classe
baixa) pode, de forma genérica, nos oferecer uma visão macro analítica desta dimensão nos
diferentes pontos da pesquisa. Vista sob este prisma, a dimensão diastrática revela indícios
da visão popular e leiga de que o falante do dialeto italiano pertence à classe social de nível
mais baixo, é “colono” e fala tudo errado”, levando a marca do preconceito e da
estigmatização que, às vezes, ele mesmo ajuda a construir e manter. No entanto, temos dúvida
de que esse fenômeno diastrático esteja, ainda hoje, tão fortemente demarcado pelo critério
distribucional de classe alta e classe baixa. A dúvida é se as diferenças sociais ligadas ao
padrão de vida mais elevado e mais baixo possam significar uma definição de parâmetros de
maior substituição ou de maior manutenção da ngua de origem. Parece haver elementos
139
significativos, tanto na literatura mais recente (FISHMAN, 2006; SKUTNABB-KANGAS &
PHILLIPSON 1996; BORTONI-RICARDO, 1985), quanto em nossas entrevistas, que nos
induzem a analisar esta dimensão em termos de consciência linguística (language awareness)
do que representa para o indivíduo, em termos cognitivos, culturais e emocionais a aquisição
e consequente manutenção de sua língua de origem. Incluir a dimensão diastrática pode nos
ajudar a registrar de forma sistemática, comprovando com dados, a posição social dos atuais
falantes do dialeto italiano, mesmo tratando-se de uma amostra.
A hipótese é de que as diferenças entre manutenção ou perda linguística estão
ligadas à classe social e de que existe uma correlação entre falante de talian pertencente
à Cb e monolíngue em português pertencente à classe Ca.
3.2.5 Dimensão Diafásica
Thun & Elizaincín (2000, p.11), descrevendo o porquê da escolha da dimensão
diafásica, lembram muito bem que toda a fala é fásica, ou seja, realiza-se dentro de um
determinado estilo. Enquanto houver situações comunicativas e determinadas intenções
expressivas, sempre haverá possibilidades de escolhas pelo falante. Thun & Elizaincin fazem
o mapa das isofásicas (2000, p.17) no Atlas Linguístico Diatópico y Diastrático del Uruguay
(ADDU), mostrando que a variação diatópica do comportamento linguístico de Ca e Cb é
notável. Porém, fazem a análise relacionando diferentes estilos linguísticos, ou seja, na leitura,
na escrita e na conversação e o uso de determinadas realizações fônicas presentes nos estilos
dos informantes. Em nossa pesquisa, entram outras questões, também relacionadas às classes
sociais, mas direcionadas à escolha linguística dos informantes nos respectivos espaços de uso
das línguas implicadas. Ou seja, onde a língua portuguesa e a italiana são faladas? Em que
situações formais e informais? Se, por um lado, a linguagem formal (a que utiliza a língua
portuguesa) é usada por aqueles que possuem um status maior na sociedade e, assim,
atribuem-se um maior background social e econômico, por outro lado, a carga de riqueza
emocional que existe na língua cotidiana o está presente naquela, o que poderia fazer com
que também a Ca passasse a usar a ngua minoritária como fator de identificação. Estaria,
então, iniciando um novo modo de olhar para a dimensão diafásica? Estaria, a língua
minoritária, passando por um processo de mudança nas relações de usos das línguas tanto em
ambientes formais quanto informais? E, ainda, a mudança incluiria indivíduos da Ca?
140
Digamos, por ora, que se o talian é, hoje, em comunidades mais isoladas, falado no lar, na
saída da missa, no armazém e também nas ruas (como tive a oportunidade de ouvir nos pontos
3 e 4), o mesmo o posso afirmar do ponto 1, onde não observei esses fatos, mas que, nas
entrevistas, sobressaem outros elementos indicativos de mudança em vista.
Durante as entrevistas, foi possível verificar que o uso do talian está condicionado a
situações específicas, mas certamente ainda informais, diferentemente do português, usado
para todas as situações, tanto formal quanto informal. A dimensão diafásica é abordada, neste
estudo, de um lado através das entrevistas (ver 3.3), e de outro por meio da observação in
loco, por ocasião das saídas a campo.
A hipótese é de que o talian mantém-se nos ambientes informais (pequenas
comunidades e na família) e o português em ambientes formais (sociedade maior).
3.2.6 Dimensão Diarreferencial
Esta dimensão nos demonstra, de forma especial, como os falantes percebem a sua
fala e a do outro e como se relacionam com estas. As entrevistas nos fornecem um excelente
material de análise qualitativa, já que nos possibilitam comparar atitudes a respeito da língua,
da etnia, da cultura e da origem social. Os comentários metalinguísticos de um grupo de
informantes sobre si e sobre o outro constituem material de investigação que contemplam a
proposição metodológica geral da pesquisa, que é a de comparar atitudes versus prática
linguística e as implicações dos diferentes fatores na vitalidade ou na perda do talian.
Falantes m diferentes atitudes para com falantes de outras línguas ou de diferentes
pronúncias de uma mesma língua, assim como apresentam diferentes comportamentos em
relação ao seu próprio bilinguismo. Quer dizer, a possível falta de correlação e incoerência
entre atitude e comportamento nos alerta para a complexidade do funcionamento
sociopsicológico de comunidades linguísticas. Como essas atitudes e comportamentos são, em
sua grande maioria, inconscientes, uma tendência para a formação de estereótipos daí
decorrentes.
Nesse sentido, Thun (2004) refere-se à linguística (através da etimologia popular) e à
etnografia popular como auxiliares no exame do uso de determinadas palavras e de sua
relação com o uso de uma língua, o que nos permite entrar no saber linguístico. A linguística e
a etnografia popular, segundo Thun, nos remetem a uma leitura crítica de
141
significante/significado de senso comum e ditos perenizados e transmitidos através do
exagero, do humor e até da ironia que podem ter um fundo social e conter uma possível
explicação para situações tidas como aparentemente inofensivas à existência de uma língua.
As representações assimiladas através da cultura dos antepassados não se inscrevem
no imaginário dos descendentes de forma absoluta. Vêm mediadas por outras representações,
adquiridas através de vivências que se vão sedimentando de geração em geração, na vida
individual e coletiva. Às vezes, manifestam-se articuladamente, apresentando consistência
histórica e linguística, em outras, são fragmentos, pedaços de memória, ideias desencontradas,
um misto de sentimentos, lembranças, imagens da terra distante reproduzidas no imaginário
coletivo e que guardam pouca relação com a realidade. No entanto, perduram e, de alguma
forma, podem nos oferecer pistas para elucidar as distintas atitudes dos descendentes de
imigrantes italianos em relação à sua língua de origem.
A relação entre os fatos conscientes e os inconscientes constrói o tipo de relação entre
a língua e a identidade do grupo étnico. Esta relação não é estática e varia conforme o tipo de
poder obtido pelos membros do grupo e o nível de desenvolvimento social e econômico.
Assim, após um longo estágio de perda e de estagnação linguística e cultural, levantam-se
questões como:
Por que não falamos mais o dialeto italiano? Por que não passamos aos
filhos? Onde se perdeu a nossa língua de origem? A gente o se ligou muito
prá isso, prá usá uma expressão nossa! Do valor cultural que tinha de
transmitir! (entrevista realizada em 19/10/2007 – ponto 1).
A hipótese é a de que atitudes positivas em relação à língua de origem
contribuem para manter esta mesma língua, e que atitudes negativas contribuem para a
sua perda.
3.3 ETAPAS DA COLETA DE DADOS
A fim de contemplar todo o espectro de fatores e variáveis intervenientes na
manutenção e substituição do talian (ver cap. 2, figura 2), a coleta dos dados ocorreu em três
etapas de pesquisa descritas abaixo:
142
3.3.1 Pesquisa dos aspectos históricos
A pesquisa dos aspectos históricos do contato linguístico incluiu as seguintes estratégias:
a) identificação e relação dos dados histórico-geográficos provenientes das entrevistas
semidirigidas;
b) recolhimento de dados históricos de formação e desenvolvimento dos municípios
com o objetivo de reconstruir o percurso histórico da língua de imigração, constante na
seção 3.2.1 (dimensão diatópica). Estão incluídos aqui dados iconográficos de divulgação de
uma comunidade, como anúncios, cartazes e painéis em lugares públicos ou na mídia.
Seu objetivo foi a organização de dados possivelmente explicativos das diferentes
etapas pelas quais passou a língua de imigração, até o seu atual estágio de manutenção e
perda, incluindo a atitude das pessoas em relação ao uso das duas línguas (talian/português)
em contato. Altenhofen (2006, p.166) mostra, através do estudo das interfaces entre
dialetologia e história, que a “perspectiva histórica pode não apenas reconstruir o passado a
partir do presente”, mas como é possível também explicar o presente a partir do passado”. É
sob este enfoque que destacamos a pesquisa histórica, dando conta dos fatores histórico-
geográficos existentes na época de início (diacronia) da colonização italiana no que eles têm
de explicativo para o atual estágio (sincronia) de variação da língua de imigração.
3.3.2 Pesquisa de dados estatísticos e demográficos
Conforme já mencionado na seção 3.2.1 deste capítulo, não há dados estatísticos
atuais que nos propiciem uma visão areal de concentração étnica ítalo-brasileira e muito
menos do índice de bilinguismo italiano/português da região em estudo. No entanto, a história
de formação, de origem de um determinado lugar e de seu contingente populacional, bem
como a percepção dos habitantes sobre esse lugar sempre nos revelam um determinado grau
de verdade, como, por exemplo, o que escutamos através de uma conversa, durante a viagem
de ônibus, por ocasião das entrevistas:
Ah, qui em Severiano de Almeida, si può dire che 90% siamo tuti italiani.
143
Nom é mas tanto come è stato antigamente, ma zé ancora molti italiani in
questa tera de Jacutinga, si puó dire che in volta de 80 a 90%.
131
Em conversa telefônica com funcionário da prefeitura de Getúlio Vargas, obtivemos a
seguinte informação:
Não mais para se dizer que maior número de descendentes italianos, do
que alemães, poloneses ou lusos. Temos, hoje, um alto grau de miscigenação,
mas isso é um dado sem comprovação científica. E se quiser saber mais, é
falar com o povo nas ruas.
Já em Erechim, o senso popular cristalizou esta máxima:
Erechim é a Capital da Amizade. Nesta terra tem de tudo, gringo, alemão,
polaco, judeu, português, nativos e até negros, em menor número.
Em vista dessa tipicidade de informações e de seu caráter empírico, se fez necessário
uma base mais segura como ponto de partida e de referência. Fishman (1977, apud APPEL &
MUYSKEN, 1992, p.13) referindo-se à questão da etnicidade, destaca três dimensões de
análise: a da paternidade, a do patrimônio e a da fenomenologia. A dimensão do patrimônio
(bens coletivos e herdados de gerações anteriores, como a música, culinária, vestuário,
ocupações, comportamentos) pode ser analisada através da pesquisa histórica. A dimensão da
fenomenologia (o significado atribuído à paternidade e também aos bens coletivos), mais
acentuadamente, através da pesquisa via entrevista semidirigida. Nesta primeira parte da
pesquisa de campo, destacamos a importância da dimensão da paternidade, que nos o
sentido de continuidade através da descendência herdada, visto estarmos desenvolvendo uma
pesquisa que tem como modelo parâmetro de análise os descendentes ítalo-brasileiros. Para
tanto, nos utilizamos de uma estratégia para obtenção de dados fidedignos, aplicando o
questionário do projeto BIRS (Bilinguismo no Rio Grande do Sul), em anexo, desenvolvido
por Walter Koch (UFRGS), entre os anos de 1985, 1986 e 1987.
132
Esta foi a primeira parte
da pesquisa de campo e desenvolveu-se em duas escolas por ponto, sendo uma localizada na
zona rural e outra na zona urbana, num total de oito escolas. Em cada escola foram aplicados
os questionários para duas turmas de alunos, sendo e séries, respectivamente, num total
de 16 turmas. O número de alunos de cada escola estava ligado ao número de alunos existente
em cada turma. Os informantes foram alunos de e 8ª séries do ensino fundamental,
131
Depoimentos espontâneos de moradores obtidos por ocasião de nossa ida aos municípios na coleta dos dados.
132
Ver também Altenhofen (1990).
144
variando entre 10 e 18 anos. No total, responderam os questionários 306 alunos. Desse total,
trabalhei com 207 informantes, descendentes de ítalo-brasileiros, seja por parte de pai, de mãe
ou de ambos.
A aplicação do questionário foi realizada por esta pesquisadora, no período
compreendido entre 12 e 20 do mês de novembro de 2006, em cada sala de aula das escolas
envolvidas. O tempo de aplicação foi de mais ou menos uma hora para cada sala de aula.
Após a aplicação, foram levantados os dados, articulados e calculados estatisticamente. Os
descendentes ítalo-brasileiros foram classificados tendo em vista o sobrenome
133
, tanto por
parte de pai como por parte de mãe ou de ambos. Há que se considerar, no entanto, que por se
tratar de dados não coletados através de um censo, sempre serão dados aproximados e
probabilísticos, existindo a possibilidade de que haja alguma descendência italiana não
identificada pela pesquisadora. É o caso, p.ex., de uma mãe com sobrenome apenas do pai
(ver questionário anexo), sendo classificada como não-descendente; esta mãe poderia ter uma
mãe ítalo-brasileira, o que mudaria a sua classificação e também poderia alterar o cômputo
estatístico. Os resultados desta primeira parte da pesquisa de campo constam no cap. 4 da
análise dos dados.
3.3.3 Entrevistas semidirigidas
Na segunda parte da pesquisa de campo, foram realizadas as entrevistas semidirigidas,
com pluralidade simultânea de informantes (em número de quatro, sendo dois homens e duas
mulheres). Basicamente, há dois fatores que foram levados em conta na realização das
entrevistas. O primeiro diz respeito aos critérios observados quando da escritura do roteiro-
questionário da entrevista, ou seja, era necessário garantir a aplicação dos critérios de
comparabilidade e representatividade dos dados. A exigência de se obter dados
comparáveis e sistematizáveis, obtidos sob idênticas condições possíveis, impõe à pesquisa de
cunho geolinguístico o uso de um instrumento adequado, no caso, de um questionário.
Questionário (anexo 2.), aqui entendido, como um roteiro composto por uma série de
perguntas que auxiliam na realização da entrevista de campo. Para a elaboração desse roteiro,
foram utilizados os dados existentes no “Questionário para a elaboração do Atlas Lingüístico
133
Para aqueles sobrenomes que apresentavam alguma dificuldade de classificação, solicitamos a ajuda de
professoras das respectivas escolas e também da Associação Cultural Italiana do Rio Grande do Sul – ACIRS.
145
do RS” (ALERS)
134
e roteiro de entrevistas constante na tese de Felício Wessling Margotti
(2004) como fontes de referência.
O segundo fator diz respeito ao momento da realização da entrevista; era necessário
que a mesma se revestisse de um caráter de espontaneidade a fim de que tanto o entrevistado
quanto o entrevistador pudessem sentir-se à vontade para falar sobre o assunto, como em uma
conversa informal. Labov (1972) chamou a atenção para o que denominou de paradoxo do
observador”, ou seja, certa influência que o pesquisador pode exercer sobre o comportamento
do entrevistado. Esta é uma situação de difícil controle, mas que pode ser naturalizada através
de alguns cuidados, como, por exemplo, em nosso caso, a realização da entrevista na própria
residência dos informantes e no prédio da prefeitura municipal, outro local de ambiente
conhecido. O uso de gravadores de longo alcance (ipod), que não intimidou os falantes,
também colaborou na obtenção dos dados. Quanto à língua usada nas entrevistas, intercalou-
se entre o português e o talian, dependendo do tipo de respostas desejadas.
Na verificação da eficiência do instrumento de pesquisa, realizamos um teste de
amostragem quando aplicamos o questionário da entrevista a quatro informantes,
simultaneamente, com as mesmas características exigidas para os reais participantes.
Quanto ao acesso aos informantes, pelas dificuldades naturais de contato, foi preciso
estratégias ajustáveis à especificidade da pesquisa. É ainda Labov (1972) que sugere que se
contate com indivíduos que se disponibilizem a intermediar os encontros entre entrevistados e
entrevistador. Esta não foi uma questão muito difícil, tendo em vista os longos anos de
atuação na 15ª Coordenadoria Regional de Ensino e na Universidade Regional Integrada do
Alto Uruguai e das Missões (URI) de Erechim, onde tivemos a oportunidade de trocar
conhecimentos com inúmeros funcionários administrativos, diretores de instituições, tanto da
rede pública quanto da privada. Esta rede de relações positivas, construída durante muitos
anos, foi de grande valia na hora da aceitação das entrevistas. Não esquecendo que, no
decorrer da primeira parte da pesquisa, contatamos com diretores e professores das escolas
que conheciam os familiares dos alunos que foram entrevistados, o sendo, pois, difícil,
fechar esse elo.
Radtke & Thun (1996, p.43) enfatizam a necessidade de se assegurar a
representatividade da pluralidade dos informantes. Para isso, sugerem a realização das
entrevistas com pluralidade simultânea. Pensamos que a pluralidade (no caso, sempre com um
134
Bunse & Klassmann (1975).
146
número de 4 informantes) também se enriqueceu com a diversidade de papéis que cada
informante escolhido representou na pesquisa, servindo, assim, de fonte inspiradora para
novas observações por parte de seus pares. Em cada um dos 3 pontos da pesquisa realizamos
4 entrevistas, cada uma delas com 4 informantes, num total de 16 informantes por ponto,
perfazendo um total de 48 informantes entrevistados. As questões (especificadas no
questionário) têm um caráter de respostas abertas que funcionaram como uma conversa
semidirigida, gravada, que propiciaram o alcance de outras importantes vertentes da variação
linguística, quais sejam, prestígio, atitude, identidade e a própria difusão e interfluência
linguística. Tomamos o cuidado de, ao iniciar as entrevistas, solicitar que cada um dos
informantes respondesse a seguinte pergunta: “Autoriza o uso e divulgação dos dados
levantados nesta entrevista?” Isto respalda e legitima a manipulação dos dados na construção
da Tese.
3.4 DEFINIÇÃO DOS INFORMANTES PARA AS ENTREVISTAS SEMIDIRIGIDAS
Como vimos, as diferentes dimensões que orientam a pesquisa são explicitadas através
de parâmetros de análise que, na sequência, delimitam a escolha dos respectivos informantes e
a metodologia de coleta dos dados. Assim é, p.ex., que na dimensão diageracional e
dialingual, necessariamente foi preciso ter informantes monolíngues e bilíngues, com idade
entre 20 e 35 anos e com 50 anos acima, a fim de que nos fornecessem os dados decorrentes
da formação histórica dos grupos e dos pontos. Esses dados são obtidos através de uma
entrevista simultânea (sobre pluralidade de informantes, ver RADTKE & THUN, 1996, p. 40-
41). Possivelmente, no caso de entrevistas separadas, o teríamos a facilidade de obter, num
mesmo tempo, quatro informantes com distintos perfis, o que em muito contribui para não
comprometer a exequibilidade da pesquisa (sobre isso, ver ALTENHOFEN, 2004). A
entrevista conduziu-se em forma de uma conversação: estratégia simples, conseguida de
forma natural, espontaneamente, com pluralidade de informantes, o que por si só contribui
para o enriquecimento da entrevista, uma vez que “minha fala” pode alertar a “fala do outro”,
e vice versa, oferecendo excelentes comentários metalinguísticos.
Era preciso, também, que tivéssemos pares de informantes bilíngues com filhos
monolíngues e pares bilíngues com filhos também bilíngues. Haveria, então, a possibilidade
de comparar os fatores que contribuíram para que a transmissão intergeracional da língua não
147
ocorresse no primeiro grupo e, ao contrário, ocorresse no segundo. A dimensão diagenérica
exigiu que tivéssemos informantes de ambos os sexos, assim como a dimensão diatópica
exigiu informantes tanto da zona rural quanto da zona urbana. Para que os dados realmente
retratassem a configuração dos pontos escolhidos, delineamos informantes nascidos na
localidade ou que viveram ¾ da vida na localidade e, obrigatoriamente, os últimos 5 anos. A
escolha dos informantes seguiu o esquema abaixo:
GII-bi
Filhos mono
2 pares adultos, de 50 a 65 anos, isto é, dois homens e
duas mulheres bilíngues, com filhos monolíngues.
Pais bi
GI-mono
2 pares de jovens de 15 a 30 anos, isto é, dois homens
e duas mulheres monolíngues, com pais bilíngues.
GII-bi
Filhos bi
2 pares adultos, de 50 a 65 anos, isto é, dois homens e
duas mulheres bilíngues, com filhos bilíngues.
Pais bi
GI-bi
2 pares de jovens de 15 a 30 anos, isto é, dois homens
e duas mulheres bilíngues, com pais bilíngues.
Fig. 3 - Critérios de escolha dos informantes.
3.5 PROCEDIMENTOS NA ANÁLISE DOS DADOS
Além das dimensões que funcionaram como uma espécie de ordenadores dos fatos
linguísticos (diatópica, diageracional e dialingual, diastrática, diagenérica, diafásica e
diarreferencial), a análise em cada dimensão de uso e perda da língua como fato/instituição
social leva em conta os fatores arrolados pela literatura, conforme especificado no cap. 1.
Neste estudo, esses fatores são assinalados como mostra o esquema da figura 4, a seguir:
148
Fig. 4 - Esquema de análise dos fatores determinantes dos processos de manutenção e
substituição linguística e que incorpora a relação entre atitudes e práticas
linguísticas.
Basicamente, o estudo parte da comparação entre atitudes dos falantes em relação à
prática linguística, analisando concordâncias ou discrepâncias entre atitude e prática, a fim de
encontrar as possíveis causas ou fatores do atual estágio de vitalidade e perda do talian.
Em Schneider (2007), citando Gonçalves (2006), há em torno de 500 métodos diretos
ou indiretos para diagnosticar as atitudes de um indivíduo através de medidas verbais,
fisiológicas ou comportamentais. Para medir a aferição das atitudes dos falantes em relação ao
talian e ao português, optou-se pelo método indireto. Esta forma de medida foi introduzida
por Lambert (1972) e Lambert et al. (1972). Os autores observaram que o comportamento de
indivíduos bilíngues é fortemente influenciado por suas atitudes em torno da língua e da
motivação que eles têm para usá-la. Entretanto, a aferição não segue o matched guise em
escalas de perguntas e respostas explorado por eles, mas sim o seu conteúdo de análise, neste
caso, obtido através de perguntas e questões que induzem as respostas de uma forma indireta,
observável no comportamento atitudinal e, na prática, no uso da língua. A ênfase é sobre
como o indivíduo expõe sua língua como membro de um grupo ou fora deste e como ele
reflete sobre o seu uso. Fenômenos como esses, segundo (CARBONI, 2008, p.88), “vêem
uma co-ocorrência e uma co-causalidadede entre os elementos lingüísticos e os elementos
149
sociais”, marcando ou delimitando distintos comportamentos linguísticos entre as gerações GI
e GII nos diferentes pontos da pesquisa. A forma como cada um dos informantes expõe a sua
história vai constituindo uma história em miniatura” (ALTENHOFEN, 2006, p.176) que,
individualmente e em conjunto com as demais, nos possibilitaram uma leitura
contextualizada, fazendo uma distinção entre o que é individual e o que pode representar uma
tendência coletiva, digna de registro.
O material coletado nos três diferentes tipos de pesquisa (histórica, estatístico-
demográfica e entrevistas semidirigidas) permitiu a realização da análise, cujos dados são
tratados quantitativa e qualitativamente, respeitando uma relação intrínseca entre aspectos
sociais, linguageiros e ideológicos, sendo difícil uma análise pluridimensional e relacional que
descartasse um desses componentes. De certa forma, um ir-e-vir entre
atitudes/comportamentos linguísticos e fatores extralinguísticos que ora estabelecem, ora
explicam e justificam o atual estágio de manutenção e perda da língua de imigração. A leitura,
assim como a análise, é do conjunto, é a visão macro (lembrando ALTENHOFEN, 2006), de
um ponto específico que em si comporta elementos do todo. Vale aqui retomar os princípios
básicos de análise:
A atitude do falante em relação à língua define a sua prática linguística, e esta,
por sua vez, reflete a sua atitude, que a fala está intimamente ligada às
condições social, histórica e dialética de seu uso.
Na relação entre atitude e prática linguística fatores-chave que exercem
influência sobre essa relação e entre si mesmos; estabelecendo uma ordem
causal entre as estruturas linguísticas e as estruturas sociais.
A imagem completa é sempre a relação de reciprocidade, entretanto, devido
ao enfoque dado, no qual a atitude em relação à língua é o que vai definir a
prática linguística e, portanto, constitui o núcleo da pesquisa, limitamos a
análise no sentido da comparação atitude versus prática linguística para,
então, estabelecer quais fatores e em que medida estão contribuindo para a
vitalidade ou perda do talian.
No entanto, a apresentação da fig. 4 acima nos permite visualizar uma análise cíclica
do fenômeno, incluindo, assim, certo nível de reciprocidade, mesmo por que toda nossa
fundamentação teórica está baseada na atuação dos fatores em conjunto.
A transliteração das entrevistas foi realizada tendo como base as normas para
transcrição utilizadas pelo Projeto de Estudo da Norma Linguística Urbana Culta de Porto
Alegre (NURC). No que se refere à parte da fala de origem italiana, a transliteração teve
150
como referência a grafia da língua talian-vêneto, que a referência da escritura de dialetos é
sempre a língua de origem, no caso, o italiano-padrão. Abstivemo-nos da transcrição fonética,
que este viés não fez parte de nosso estudo. Neste sentido, a dissertação de Mescka (1983)
apresenta um pormenorizado estudo de comparação dos fonemas do “dialeto italiano” e do
português e suas interinfluências. Igualmente, Confortin (1998, p.272-281) apresenta uma
amostra das interferências linguísticas decorrente das duas línguas em contato, ou seja, o
talian e o português. Essas questões, portanto, se encontram devidamente contempladas e
serão utilizadas como dados de referência. As palavras que oferecerem situações peculiares e
significativas de prática linguística, principalmente as que só se distinguem do italiano-padrão
pela pronúncia, incluindo aqui palavras de diferentes variedades dialetais e palavras do
português com acentuada pronúncia do italiano, serão devidamente registradas entre
colchetes. Esta prática servirá apenas para a identificação de realizações fonéticas de uso
proeminente ou que escapam à atenção popular, mas que são fundamentais na análise da
prática linguística dos informantes versus atitude versus fatores de manutenção e substituição
da língua de origem.
No que se refere à tradução do talian para a língua portuguesa, quando isso se fez
necessário para facilitar a apreensão do nível de interferência entre as línguas em contato, nos
utilizamos da tradução livre, a qual procurou preservar e expressar “o que o informante quis
dizer ao falar”, tendo por base o contexto do momento.
O tratamento cartográfico
135
tem papel secundário e auxiliar como forma de
representação e macroscópio” de tendências da língua na área em estudo. Nos mapas, as
referidas configurações dos círculos estão relacionadas a uma escala percentual que vai
representar a situação proposta em cada questão. Esses círculos estarão inseridos em uma cruz
com quatro campos definidos pelos critérios de idade (diageracional), do bilinguismo
(dialingual) e do sexo (diagenérica).
G II mono G I mono
GII bi G I bi
Fig.5 - Representação sintética das dimensões nos espaços da pesquisa.
135
A cartografia segue a perspectiva pluridimensional e foi aprofundada em estágio realizado na Universidade de
Kiel, Alemanha, sob a orientação do Professor Dr. Harald Thun, no período de outubro de 2007 a janeiro de
2008.
151
Os quatro compartimentos da cruz representam os quatro grupos pesquisados em cada
ponto. A linha horizontal da cruz separa os grupos monolíngues (G Mono) dos bilíngues (G
Bi), ficando na parte superior o grupo monolíngue e na parte inferior o grupo bilíngue. A
linha vertical da cruz separa os grupos de geração mais velha (GII) dos grupos de geração
mais jovem (GI), ficando do lado esquerdo a geração mais velha e do lado direito a geração
mais jovem. A dimensão diagenérica encontra-se, pela própria metodologia da entrevista
simultânea, distribuída igualmente nos quatro campos da cruz. Via de regra, os quatro
compartimentos representam quatro mapas superpostos, ou seja, a representação de quatro
arealizações simultâneas não quantitativamente, mas e principalmente no modo como elas
se dão.
152
CAPÍTULO 4
4 ANÁLISE DOS DADOS
Como sugere o próprio título da Tese: “O talian entre o português brasileiro e o
italiano-padrão: fatores de manutenção e substituição linguística na Região do Alto
Uruguai Gaúcho”, é preciso, inicialmente, situar o foco de análise deste estudo nos eixos do
tempo e do espaço do contato linguístico em questão. O talian, uma língua de imigração, com
status de língua minoritária, na sua relação com a língua oficial, o português, é falado, como
se colocou, desde a chegada dos primeiros imigrantes na Região do Alto Uruguai, por volta
de 1910. Vale ressaltar que se trata de falantes descendentes dos imigrantes das antigas
colônias em torno de Caxias do Sul (ver 4.1), e não de imigrantes vindos direto da Itália, pelo
menos não em número expressivo. Tem-se, assim, um período de tempo de cerca de 100 anos
de presença dessa língua em uma área originalmante habitada por algumas populações
indígenas, com predominância dos Kaingang.
O contato com o português e, mais recentemente, com o italiano-padrão, assume, neste
contexto, diversos contornos, dependendo dos fatores extralinguísticos presentes, os quais
direcionam, ou para a manutenção ou para a perda da língua de imigração. Na análise dos
dados, partimos das escolhas linguística dos informantes em comparação com suas atitudes
em relação a essas escolhas e o papel dos fatores extralinguísticos considerados nesse
processo. As diferentes dimensões escolhidas na pesquisa (diatópica e diazonal, diageracional
e dialingual, diagenérica, diastrática, diafásica e diarreferencial) e seus respectivos parâmetros
servem como pontos de referência, ou como se queira, uma espécie de lente de aumento para
153
a identificação de macrotendências da vitalidade ou perda do talian, ou mesmo uma forma de
ordenar o “caos” aparente da diversidade linguística observada nos contextos em estudo.
O primeiro aspecto a ser analisado é o que diz respeito ao percurso histórico-
diacrônico entre um estado inicial X da língua minoritária e o seu uso/manutenção na
sincronia (ponto de chegada atual). Trata-se de uma constatação prévia para a qual não se
dispõe, infelizmente, de dados fidedignos e representativos, tendo em vista a ausência da
questão da língua nos últimos censos demográficos do IBGE.
4.1 PERCURSO HISTÓRICO-DIACRÔNICO DA LÍNGUA DE IMIGRAÇÃO EM
CONTATO COM O PORTUGUÊS
Ao falar do percurso histórico-diacrônico do talian, é intenção reconstruir um quadro
“provável” da evolução do bilinguismo e das atitudes linguísticas vivenciadas pelos
descendentes ítalo-brasileiros, de acordo com os diferentes momentos histórico-político-
culturais desde o início da colonização italiana na região do Alto Uruguai Gaúcho (1910) até
nossos dias.
Da totalidade do corpus 306 questionários respondidos, 207 apresentam sobrenomes
que marcam a descendência italiana, seja ela advinda de ambos os pais, apenas do pai ou
apenas da mãe. Isso nos um indicativo da percentagem de descendência italiana na
região, ou seja, 68,84%, considerando os quatro pontos pesquisados. Individualmente, temos
em Erechim, o ponto 1 da pesquisa, um índice de ítalos-brasileiros de 57,69%; em Getúlio
Vargas, o ponto 2 da pesquisa, 55,06%; em Jacutinga, o ponto 3 da pesquisa, 82,35% e em
Severiano de Almeida, o ponto 4 da pesquisa, 80,28%.
O dado é importante enquanto índice regional demonstrativo da presença da etnia
italiana e projeta a dimensão diageracional no espaço do tempo. O maior número de
descendentes de italianos está nos pontos 3 e 4, ou seja, os pontos de formação étnica
majoritária italiana permanecem mantendo essa formação mesmo após quase cem anos de
colonização. A distinção urbano/rural segue o índice da população residente e parece sofrer,
hoje, as consequências advindas da industrialização. O ponto 4, por exemplo, um município
essencialmente agrícola, possui um número significativo de descendentes falantes na zona
urbana, a mesma que detém maior percentagem de população. Isso não acontecia 20 e
poucos anos atrás, quando a população rural chegava a 89%. Mesmo alterando a concentração
demográfica - hoje se alterou para 68% no meio urbano e 32% no meio rural - o índice de
154
bilinguismo continua alto entre os descendentes, assinalando para uma possível
movimentação de espaço físico nos últimos anos, sem, contudo, ter caracterizado uma perda
significativa de bilinguismo, sob um ponto de vista mais geral. Este fato está a indicar que a
configuração do meio urbano, no ponto 4, não foi fator preponderante de mudança de atitude
dos descendentes em relação à cultura de origem. A dimensão diageracional, no ponto 4,
projeta uma escala de manutenção do índice de bilinguismo, embora haja uma redução entre a
geração dos filhos e a geração dos pais, conforme veremos nas tabelas 6, 9, 10 e 11.
4.1.1. Variedades dialetais em contato: perdas e ganhos
O que temos na literatura existente (MESCKA, 1983; CONFORTIN, 1998) é que os
primeiros (i)migrantes italianos que se estabeleceram na nova colônia italiana da grande
Erechim, região norte do Estado do Rio Grande do Sul, falavam somente o talian, a língua
comum, a coiné. Confortin (1998) destaca que
quase todos os (i)migrantes que no início do século se estabeleceram na
região em estudo eram falantes do dialeto italiano de segunda ou terceira
geração e se caracterizavam por uma certa homogeneidade lingüística
(
CONFORTIN, 1998, p.75
).
Alguns, entretanto, sobretudo os que vinham diretamente da Itália ou das primeiras
colônias (RCI) e que permaneceram em regiões mais isoladas geograficamente, traziam
seus dialetos, ou seja, o cremonês, o tirolês, o mantuano, o belunês, o feltrino, o trevisano, o
vicentino, o bergamasco e talvez ainda outros. No depoimento de um dos informantes da
presente pesquisa, vemos que
Inf. B Até a quarta imigração pra cá, eles ainda falavam o dialeto. A
família Zanella quando veio para cá, saiu do norte da Itália, divisa com
Beluno e quase com a Áustria, também eles falavam o dialeto, porque
vieram em 1894, eles não tiveram contato com a língua italiana (GII bi Ponto
1).
136
Note-se que os termos dialeto e língua italiana revelam, aqui, uma clara distinção que
o informante faz entre dialeto e língua italiana padrão. Pode-se subentender que o dialeto não
é visto como língua, daí não ser tido como língua italiana. Mas também vale lembrar (cap. 2)
136
Normas para a transcrição das entrevistas com os informantes da pesquisa: o que está em talian, em itálico; o
que está em português, normal; o que está em italiano-padrão, itálico sublinhado. A tradução, sempre que se fizer
necessária, será também em letra normal. Os sinais usados para marcar situações importantes no contexto da
entrevista seguem os propostos pelo Projeto NURC/RS, “A linguagem falada culta na cidade de Porto Alegre”.
155
de que os imigrantes, em sua maioria, não se identificavam como italianos, mas sim como
cremoneses, friulanos, mantuanos, bergamascos, vicentinos e, portanto, falando na língua da
região específica, no “dialeto”, que não era “o italiano”, ou seja, o italiano-padrão que mais
tarde predominou em toda a Itália. Essa percepção da variação dialetal (nem sempre tão
distinta) mostra-se mais saliente pelos grupos GII mono e GII Bi dos pontos 3 e 4, embora
também haja referências a essa questão pelo grupo GII do ponto 1, como no depoimento
acima. É certo que a ênfase é dada pelo grupo GII. São esses informantes que fazem alusão à
existência de mais do que um “dialeto”, transmitido por uma cultura predominantemente oral
e presente nos depoimentos abaixo:
Inf. A Eu tinha, por exemplo, o falecido pai, o falecido nono, quando eles
se encontravam eu não entendia patavina nenhuma que eles diziam. O que
eles falavam ? Era o vicentin e o cremonês. Que não era o nosso dialeto aqui.
Que eu até tentei aprender, mas era completamente diferente (GII bi Ponto 3).
Vale lembrar que GII equivale à faixa etária acima dos 50 anos, aqueles que ainda
ouviam dos pais e avós as diferentes variantes dialetais. O mesmo informante, mais adiante na
entrevista, volta à questão:
Inf. A Por exemplo, esses que eu estava dizendo de Parisi, eles em vez de
dizê non ghene mia pi”, eles diria non ghene pu”, é...a, a panela também
que é pignata, eles dizia ...é outra palavra, eles vieram mais do norte da Itália
(GII bi Ponto 3).
A prevalência do emprego de variedades dialetais, reflexo, em grande parte, da
situação linguística da própria Itália do século XIX, ainda carente da presença mais forte do
italiano-padrão como o conhecemos hoje, é o que também encontramos em um depoimento
dos antigos imigrantes italianos da região de Erechim, colhido por Confortin (1998, p. 31),
Inf. 1 - Tei primi ani se parlava tut talian. Quanto al dialeto, cada um
parlava el suo. Nela nostra region gavìvimo i belunesi, i vicentini, i
mantoani, i trevisani, i bergamaschi, i feltrini, i cremonesi e de altri, ma tuti
se capia. Se um diseva:’Cosa tu a fat?’ e nantro ‘Gheto fato che ti?’, se as
capia instesso. Ghin gera taliani dela alta Itália e dela bassa Itália. Col
tempo i dialeti se ga giuntà um poc e ga predomina a lengua pi parlada: el
véneto (Inf. 1 – Viero).
Trad. Nos primeiros anos falávamos somente o italiano. Quanto ao dialeto,
cada um falava o seu. Na nossa região havia os beluneses, os vicentinos, os
mantuanos, os trevisanos, os bergamascos, os feltrinos, os cremoneses e
outros, mas todos se entendiam. Se um dissesse: “Que tu tens feito?” e o
outro “O que tu fizeste?”, nos entendíamos o mesmo. Havia italianos da alta
Itália e da baixa Itália. Com o tempo os dialetos uniram-se um pouco e
predominou a língua mais falada: o vêneto.
Essa mesma concepção de “dialeto” como outro “tipo de italiano” se confirma nos
nossos dados, como mostra o seguinte excerto do informante A, do grupo GII bi Ponto 4:
156
Inf. A Na região de Parisi, lá seria o cramonês [cremonês]. È outro tipo de
italiano [...] porque tem outro em Vila Paris, porque em Paris tem o Bonatti
que tem outro italiano, como é que é o nome do italiano deles? (GII bi
Ponto 4).
No mesmo ponto 4, ao serem indagados sobre a existência de pessoas que falavam
melhor (e diferente) o italiano, os informantes D e B reforçam as diferenças dialetais; o
informante B, inclusive, diz que compreende as diferenças:
Inf. DDe um jeito diferente das veiz tem (GII bi Ponto 4).
Inf. B Um jeitinho diferente tem que quando no fim cai na mesma. Tem
alguma diferença por causa das origem da, da região da Itália, tem o trevisan,
tem o tirolês, tem o treventino, tem o, o, o napolitano e então por isso tem a
diferença. Compreendemo a mesma coisa né, mas tem uma deferencinha (GII
bi Ponto 4).
Todos os informantes do grupo GII, independente do ponto pesquisado, ressaltam a
presença de mais do que uma variante dialetal do italiano:
Inf. D Dialeto, o meu, por exemplo, dialeto é o belunês, de Beluno (GII
mono Ponto 4).
Inf. B A família de descendente do pai é rgamo, bergamasco (GII mono
Ponto 3).
Inf. C – Também me falaram que o meu é bergamasco (GII mono Ponto 3).
O mesmo informante B, mais adiante na entrevista, continua:
Inf. B Tem gente ainda, os mais antigos, eles mantêm a língua deles, por
exemplo, os bergamasco. Falando, um cede um pouco de um lado, outros
do outro e ficô quase uma língua só... os mais velhos se distinguem
quem é bergamasco e quem é belunese, trentini ou outro. Os mais jovens não,
não se distingue
(
GII mono Ponto 3).
O que chama a atenção é o processo de nivelamento linguístico entre as variedades
dialetais em contato, a que alude, de certo modo, o informante acima, quando afirma que “um
cede um pouco de um lado, outros do outro e fico quase uma língua só”. Como ainda para
perceber, nesse primeiro período, marcado pelo início da colonização italiana na região, cerca
de 1910, até o período em que se um maior contato entre as próprias variedades dialetais
italianas e com a língua portuguesa, ocasionado pela maior proximidade física, necessária à
integração, os grupos mantinham a língua de origem, a mesma que trouxeram da região da
Itália de onde vieram. Entretanto, esse período não foi longo e apenas existiu ou resistiu onde
as comunidades eram mais isoladas, daí ser mais acentuada a constatação da existência das
diferentes variedades dialetais pelos informantes do grupo GII, portanto os mais antigos, e
157
também os situados em pontos mais isolados, os pontos 3 e 4, confirmando a asserção de
Romaine (1995, p.44) de que o grau de isolamento de uma comunidade um importante fator
na manutenção da língua.
Não obstante a percepção da diversidade dialetal, ainda na memória da GII, o processo
de convergência/nivelamento linguístico dessa diversidade parece ter se concretizado de tal
forma, a criar um sentimento de identidade em torno de uma variedade, o “nosso dialeto”,
como mostra o seguinte depoimento do inf. B, GII bi Ponto 1:
Inf. B [...] eu estive no norte da Itália e eles fazem questão que a gente
fale o neto, principalmente da geração dos 45-50 anos para cima,
geração…seria mais antiga. E o que a gente observou foi que eles
introduziram no dialeto deles já alGUmas palavras do itaLIAno e nós
introduzimos no NOsso dialeto algumas palavras já mais abrasileiradas.
Mas eu diria que 80% do que eles falam e do que nós falamos, a gente tem
uma perfeita sintonia e ainda se preserva. O que eles se admiram é que o
dialeto que nós falamos é um ARQUIVO
hisTÓrico, ele é PURO!
(GII bi
Ponto 1).
Pelo acima exposto, e segundo depoimentos de visitantes italianos, os que realizaram
intercâmbio e permaneceram mais tempo nos pontos pesquisados, o falar italiano na Região
do Alto Uruguai Gaúcho preserva expressões e construções sintáticas já em desuso no país de
origem, mostrando, exatamente, a forma primeira, aquela dos antigos imigrantes, justamente a
que permaneceu mais isolada e que sofreu menor influência externa. Tal comportamento é
explicado na dialetologia (ALTENHOFEN, 2006, p. 170) como típico de “áreas laterais” ou
“ilhas linguísticas particulares”, identificadas como mais conservadoras e arcaicas, do que,
por exemplo, os grandes centros (urbanos)”. Compare-se o português falado no Brasil e na
matriz de origem, Portugal.
Mesmo assim, entre os próprios imigrantes, a força numérica de uma determinada
variedade dialetal foi um fator preponderante da sua manutenção:
Inf. B Eu me permito aqui inserir um episódio, assim que para mim é
engraçado e revelador. Um mano meu se casou com uma descendente de
italianos, mas era de uma outra região, então ela ainda guarDAva aquele
sotaque, aquela pronúncia que era diferente de nós, do meu irmão, da minha
família que tínhamos uma determinada pronúncia. Eu vou te dar um
exemplo. E eu era criança quando, enfim, ela veio morar, se casou com o
meu mano e veio morar na nossa família durante algum tempo. E, se nós
falávamos assim: i porchi, ela dizia i porch (GII mono Ponto 1).
O informante D, do mesmo ponto 1, lembra de fato semelhante:
Inf. D Cremonês! Na nossa região tem um dialeto cremonês e eu tenho um
sobrinho, casado com uma sobrinha minha, em Saracura Ceorim. Ceorim é
que eles não são do vêneto, eles têm uma pronúncia mais seca, nós falamos
porchi e eles porch. É mais seca, elas nao têm, parece, o terminal do nosso
158
dialeto italiano que é o vêneto. Pelo menos a denominação que o pessoal
da comunidade onde moram meus irmãos e eu conheci vários, era uma
família muito grande, diz i cremonêsi, eu não saberia identificar bem de onde
é esse dialeto, mas existia e a gente identificava com toda clareza, na
pronúncia, no soTAque .(GII mono Ponto 1).
O informante B explica como, com o tempo e a convivência, a variedade dialetal do
cremonês é substituída pela ngua comum local, o talian, ou seja, a nova “nora” é uma em
meio uma enorme família de talian:
Inf. BEla ficou conosco uns três a quatro anos, depois então meu irmão foi
morar por conta ((riu)) mas o que eu posso te acrescentar e creio que
significativamente, é que quando ela saiu, não éramos nós que falávamos
como ela, ela é que acabou, digamos, assumindo o falar, uma fala, uma
proncia que no fim era i porchi também para ela
também
(GII mono Ponto 1).
Embora sendo um exemplo isolado, ele representa o que de maneira mais ampla
aconteceu com as diferentes variedades dialetais em contato: a predominância de uma ou de
umas, no caso as que possuíam maior número de descendentes, sobre as demais, e os
consequentes processos de nivelamento em favor da variedade mais forte. Esse dado vai
confirmando a relação que Gibbons & Ramirez (2004, p.66) fazem entre o alto número de
falantes e a igualdade dos demais fatores na manutenção de uma ngua, ou seja: se em uma
comunidade houver um alto número de falantes e se os demais fatores forem iguais aos de
outras comunidades com um número menor de falantes, a língua da comunidade com maior
número de falantes tem grandes possibilidades de ser mantida, transmitida e aprendida.
Romaine (1995) também destaca a concentração demográfica entre os fatores especialmente
relevantes na manutenção de uma língua (os outros dois são o suporte institucional e o status
da referida língua).
Os dados acima mostram que existe o reconhecimento que se trata de variedades
dialetais, de “dialetos”, o que exatamente quer dizer ou o que significa o dialeto é que não se
explica claramente, porém pressupõe-se como desvio da norma padrão ou como “língua
falsa”, como também é conhecido. Nesta pesquisa, quando nos referimos aos termos
“variedade dialetal” ou dialeto”, estamos seguindo a acepção dada por Altenhofen (2008,
p.31), entendendo-os como o “domínio e uso coletivo de uma determinada variante ou “modo
de falar”, como sugere o próprio significado original do termo dialeto, em grego [= modo de
falar]”. “O uso coletivo” pode-se entender como próprio de uma comunidade, independente
de sua força numérica ou status, mas não sem efeitos na sua manutenção ou perda. O
“dialeto” de cunho vêneto, o talian, é, nesse sentido, uma língua compositiva, resultante de
processos de nivelamento e de trocas linguísticas, e que, em distintas comunidades, não se
159
constitui em um modo de fala único e homogêneo, mas sim formado por diversas variedades
de fala que apresentavam diferenças entre si. Essa relação nem sempre se apresenta clara entre
os próprios descendentes, como nos demonstram alguns informantes:
Inf. A Não sei, mas eles até, esses nossos pais que falavam italiano,
inventavam as palavra...porque realmente, uma enxada [en’sadэ.], chamavam
de sapa [‘sap
..] (GII bi Ponto 2).
Inf. B – Mas era, era no vêneto, eles trouxeram de lá (GII bi Ponto 2).
Inf. A Trouxeram de lá, mas tinha alguma coisa que eles inventavam (GII
bi Ponto 2).
Inf. D É, com o tempo a ngua foi se introduzindo outras palavras que eles
não trouxeram de lá....que não havia lá (GII bi Ponto 2).
O informante A, ao dizer que os pais inventavam palavras, traz o exemplo de sapa
[‘sapэ] do italiano-padrão zappa
e do português “enxada”. No dicionário de Stawinski
(1987), encontramos sapa; em Tonial (1997), sapa, zapa e, ainda, ensada. Este termo,
segundo Bunse (1975), existia na área dialetal do norte da Itália. Era, portanto, um termo do
italiano dialetal. O informante A parece não ter claro quais termos que foram inventados”
pelos pais a fim de nomear instrumentos e situações para os quais não possuiam expressões
equivalentes na língua de origem. Diferentemente, para o informante B, a palavra era
proveniente da região do Vêneto. Esse diálogo pode cogitar de certa tendência de
desconhecimento da origem da própria língua. Reforça-se, assim, a pergunta inicial sobre até
que ponto o nível de percepção da própria língua de origem e o grau de consciência
linguística dos informantes têm sido um obstáculo ao seu desenvolvimento e podem
prejudicar sua subsistência?
Pelo que já vimos até o momento, no percurso histórico-diacrônico da língua de
imigração, o fator isolamento destacou-se como forte mantenedor das variedades dialetais,
enquanto que a distribuição e a concentração demográfica contribuiram para fazer prevalecer
uma variedade sobre outras. Aliado a estes dois fatores ou em consequência destes, a falta de
uma consciência da e sobre a própria língua falada facilitou a sua substituição ou perda. foi
constatado (IOTTI, 1996; FROSI, 2003) que, nesse primeiro período, não houve nenhuma
preocupação no que tange à conservação dos dialetos de origem; a preocupação primeira era
com a sobrevivência e com a integração à nova realidade. Essa mesma integração que fez com
que, gradativamente, se constituísse uma língua comum, na qual foram não incluídos
empréstimos da língua portuguesa, mas também a criação de novos termos para aquelas
coisas, situações e sentimentos para os quais não existiam palavras na língua de origem. De
160
acordo com Weinreich (1964, p.54) a necessidade de designar novas realidades, fenômenos,
lugares e conceitos é, obviamente, a causa universal da inovação lexical”. Neste quadro, as
distintas variedades dialetais perdiam gradativamente seus contornos característicos e como
resultado desse comércio linguístico-cultural, uma nova forma de comunicação surgia, mais
por necessidade do que por livre escolha, como veremos a seguir.
4.1.2. O contexto histórico-político
O perfil que essa língua de comunicação vai adquirindo é resultado, também, da
política linguística adotada pelo poder constitucional em decretar, para todo país, a língua
portuguesa como a única forma oficial aceita de expressão (oral e escrita) de comunicação.
Não há como negar o que uma lei de tamanha poder e abrangência não possa ter interferido na
trajetória das demais línguas faladas no país de então. Para nós, descendentes, resta a
constatação, não só através da história (ver cap.2, seção 2.3.1 e 2.3.2) e de nossa atual
condição de bilíngue passivo, mas também de depoimentos dos informantes desta pesquisa e
de outros descendentes de imigrantes, que concederam entrevistas no estudo de Confortin
(1998) e ao Arquivo Histórico “Juarez Miguel Illa Font”, da Secretaria de Cultura do
município de Erechim
137
e que fazem referência a essa questão. A título de ilustração,
vejamos como se manifesta esse descendente de uma das primeiras famílias de colonizadores
italianos do município:
[...] na época da Segunda Guerra Mundial, a gente não podia dizer bom
giorno na rua; proibiram falar em língua alemã e italiana, era uma tristeza;
houve aqui muitos abusos....Me lembro de um tio meu (Dal Bianco) ele
sabia falar em italiano. Chegou aqui, perguntou por um amigo dele, um
compadre e perguntou em italiano: Bom giorno, comé que vai? Foi preso na
hora...Ficou três dias preso nos porões da prefeitura. A gente tinha que se
cuidar muito, o desarmamento era geral, recolhiam rádios (Valdir Pessot;
informante do Arquivo Histórico Juarez Miguel Illa Font do município de
Erechim).
Este comportamento (percepção, ponto de vista ou atitude) aparece em 90% dos
depoimentos de nossos informantes da pesquisa, sobressai-se, porém, no parâmetro “mais
velhos” (50 anos acima) do grupo GII bi ou mono e, com maior acentuação, nos pontos 3 e 4.
Os dados aqui utilizados sinalizam, ou melhor, denotam, a inexistência, de certo modo, de
137
O arquivo encontra-se na Biblioteca Pública do município de Erechim e guarda o registro oral e escrito de
inúmeras entrevistas realizadas com os descendentes mais antigos dos primeiros colonizadores da região, das
diferentes etnias formadoras da atual população.
161
uma consciência linguística (language awareness), o que pode ter contribuído para a
fragilização das variedades dialetais. Por outro lado, qualquer desvio de uma norma local
majoritária certamente chamava muita atenção. Além disso, a proibição do uso das línguas de
imigração ocorrida na década de 1930, aliada à falta de uma percepção mais clara do
significado social do uso e manutenção da língua proibida, apresenta-se como uma barragem
que abre suas comportas e solta um imenso rio de águas que tudo leva, e que, na superfície,
tudo hegemoniza.
Assim é que nessa avalanche de agressões às línguas de imigração ocorre o reforço do
meio institucional com a adoção do português em todos os órgãos de imprensa e também nos
púlpitos (ano de 1938, segundo RIBEIRO, 2002). Este fato repercute de maneira distinta, em
espaços mais urbanizados, como nos pontos 1 e 2, e em espaços mais isolados, como nos
pontos 3 e 4.
Nos pontos 3 e 4, principalmente, as comunidades italianas encontraram na igreja
católica o seu único ponto de apoio. Ao conseguirem se estabelecer, ergueram capitólios e
capelas, escolheram santos padroeiros e, com a presença do padre leigo, aos domingos se
reuniam para o rosário e a incipiente vida social. A esfera religiosa era vivenciada através da
fala linguístico-dialetal, tanto mais preservada quanto mais isolada.
Agrupadas ao redor das capelas e sendo linguisticamente heterogêneas, as línguas em
contato começaram a sofrer alterações, pequenas mudanças necessárias para um entendimento
comum. Foram os próprios padres católicos, em suas pregações, preocupados com a
preservação da fé e dos princípios cristãos, que contribuíram significativamente na construção
de uma língua comum, uma língua geral como forma de manter um diálogo entre os
paroquianos, isso não só através dos púlpitos, mas, também, através dos jornais católicos.
Nestes, houve uma das “primeiras manifestações do fenômeno linguístico que seria
denominado posteriormente de coiné, ou seja, a mescla dos diversos falares dialetais, já
cristalizados na forma impressa, antes mesmo que o uso a consagrasse” (RIBEIRO, 2005,
p.18). Outros fatores também serviram para aproximar grupos dialetais distintos: de forma
muito especial os rituais coletivos, como os casamentos, os filós, as festas religiosas e, mais
tarde, os jornais que começaram a circular na região a partir da década de 1920.
Primeiramente, em edição bilíngue: língua dialetal e português e, após 1938, em português.
Nessa modificação, as interferências nem sempre foram vistas e entendidas como um
fator positivo de criação, mas, normalmente, como deterioração de uma língua e,
consequentemente, com a elevação de uma e com a negação de outra. No processo, foi
vencendo a língua oficial do país anfitrião, no caso, o português. Há que se destacar aqui, o
162
papel preponderante da escola (ver cap. 2, seção 2.3.7) nesse avanço do português e na perda
das variedades dialetais de origem. No entanto, ainda verificamos, através dos dados desta
pesquisa, uma variedade do italiano que permaneceu como língua materna e como língua da
família e da comunidade, mesmo que em número o expressivo. De outra forma, traços da
língua de origem italiana também persistem nas marcas deixadas na própria língua
portuguesa, principalmente na pronúncia. Assim, é comum, ainda hoje, identificar a origem
dos alunos das escolas de ensino fundamental e médio de toda região e até da própria
universidade de Erechim (URI), através da variação linguística, como, por exemplo, a
ocorrência de tepe [baro] em lugar de vibrante [barro], realização estigmatizada e com
profundo preconceito social.
Foi essa língua geral - a coiné, de cunho vêneto, que era usada não nas motivações
religiosas, mas também nas transações sociais, na comunicação jornalística e nas primeiras
literaturas escritas, basta lembrar de Nanetto Pipetta. A construção da imagem e identidade
dessa coiné tem muito a ver com a sua difusão em uma literatura escrita como a do Nanetto
Pipetta, inicialmente veiculada em fascículos através do jornal Correio Riograndense (ver
SANTOS, 2001) e conforme seção 2.3.6 (cap. 2). A isso se liga a questão da própria
denominação dessa ngua brasileira, derivada de uma base vêneto-lombarda. Paulo
MASSOLIN, Presidente da Federação das Associações Ítalo-Brasileiras do Rio Grande do Sul
(FIBRA), em ofício dirigido à comunidade taliana, explica o histórico da origem da escrita e
da denominação do talian. São datas representativas de afirmação desta língua:
1924 - 1925 Aquiles Bernardi (Frei Paulino de Caxias) no Staffeta
Riograndense, hoje Correio Riograndense, escreve e publica, em capítulos, a
história de Nanetto Pipetta. O Capitolo Uno acontece exatamente em 23 de
janeiro de 1924. A primeira edição do livro é de 1937.
1965 - 1967 Aquiles Bernardi, no Correio Riograndense, escreve e publica,
em capítulos, a Stória de Nino – Fratelo de Nanetto Pipetta. A primeira
edição do livro é de 1976.
Alberto Vitor Stawinski (Frei Alberto) lança a Gramática e Vocabulário
Vêneto – Português (EST- UCS) suplemento da obra de Nanetto Pipetta.
1987 Alberto Vitor Stawinski (Frei Alberto) escreve a obra Dicionário
Vêneto – Riograndense – Português (EST- UCS – Correio Riograndense).
1989 (29/07/1989) Primeiro encontro dos escritores do Talian- 29/07/1989
Societa Taliana Massolini Dei Fiori. Società Taliana em Porto Alegre –
Criada proposta para escrita padronizada do Talian, que foi adotada pelo
Clube dos Editores do Rio Grande do Sul.
1993 (31/07/1993) Primeiro Encontro da Imprensa Vêneta do Brasil-
31/07/1993, na cidade de Serafina Corrêa – RS.
Palestrantes: Renato Nichetti (Bento Gonçalves/RS), Arcângelo Zorzi Neto
(Caxias do Sul/RS), Silvino Santin (Santa Maria/RS), Rovílio Costa (Porto
163
Alegre/RS), Júlio Pozenatto (Porto Alegre/RS), Honório Tonial
(Erechim/RS), Roberto Arroque (Serafina Corrêa/RS), Darcy Loss Luzzatto
(Porto Alegre/RS), Geraldo Peccin (Serafina Corrêa/RS), Newton Bortolotto
(Criciúma /SC) e Sérgio Massolini (Serafina Corrêa/RS).
CRIADA COMISSÃO DE ESTUDO PARA UNIFICAÇÃO GRÁFICA
DO TALIAN.
Coordenador da Comissão: Paulo Massolini (Serafina Corrêa/RS).
Participantes: Frei Rovílio Costa (Porto Alegre/RS); Mario Gardelin (Caxias
do Sul/RS); Júlio Pozenatto (Porto Alegre/RS); Silvino Santin (Santa
Maria/RS); Roberto Arroque (Serafina Corrêa/RS); Honório Tonial
(Erechim/RS); Darcy Loss Luzzatto
(Porto Alegre/RS); Edy Damian
(Urussanga/RS); Newton Bortolotto (Criciúma/SC).
1994 ( 21/04/1994)
Terceira reunião de unificação da grafia do Talian em
Caxias do Sul/RS. O evento aconteceu concomitante ao lançamento do livro
Canti Rusteghi de José Clemente Pozenato com tradução de Cleudes
Piazza Ribeiro.
A primeira reunião aconteceu na Prefeitura Municipal de
Serafina Corrêa/RS e a segunda reunião aconteceu na Massolin Dei Fiori,
Società Taliana de Porto Alegre/RS. Na terceira reunião, houve um consenso
ortográfico sobre a escolha do nome da nova língua que passaria a
chamar-se Talian ou Vêneto – Brasileiro.
1994 (30/07/1994)
Segundo Encontro da Imprensa Italiana no Brasil, na
cidade de Serafina Corrêa/RS.
Palestrantes: Frei Rovílio Costa (Porto Alegre/RS); Darcy Luzzatto (Porto
Alegre/RS); Roberto Nardi (São Paulo/SP); Moacir Molon (Caxias do Sul/
RS); Pedro Calvi (Caxias do Sul/RS); Cleudes Piazza Ribeiro (Caxias do
Sul/RS); Azir Beltran (Bento Gonçalves/RS); Pedrinho Culpi (Curitiba/PR);
Darcilo Canavese (Veranópolis/RS); Nicola Gava (Nova Veneza/SC);
Diomedes Rossatto (Faxinal do Soturno/RS); Conceição Barindelli
(Curitiba/PR); Ettore Beggiato (Veneza/Itália) e Sérgio Massolini (Serafina
Corrêa/RS). Neste Encontro a Comissão da Unificação da Grafia do Talian
apresentou seu trabalho e os participantes oficializaram a Grafia do Talian.
Na mesma data, foi lançado o livro Talian (neto Brasileiro) noções de
gramática, história e cultura de Darcy Loss Luzzatto com revisão de
Rovílio Costa.
1995
Lançamento do livro Adesso Imparemo Abecedário do Talian”. de
Honório Tonial. Coordenação de Darcy Loss Luzzatto e revisão de Rovílio
Costa e Júlio Pozenato.
13/06/1997
Lançamento do livro Talian (Vêneto Brasileiro) sem Mestrede
Darcy Loss Luzzatto.
04/10/1997 Lançamento do “Dicionário Português – Talian de Honório
Tonial.
31/05/2000 Lançamento do Dissionàrio Talian (Vêneto Brasilian)
Português” de Darcy Loss Luzzatto.
Sabemos que antes, concomitante e principalmente depois destas
datas, opiniões e debates aconteceram. Muitas pessoas escreveram no talian.
Revistas, jornais, contos, poesias, romances, livros históricos, da saga da
imigração, do cotidiano, de entrevistas e depoimentos, sobre famílias, usos,
costumes, tradições, etc. Também foram escritas no talian letras musicais,
peças teatrais, missa entre tantas outras significativas manifestações.
Importante relatar o acontecimento histórico e marco de resgate
cultural da língua, quando em 18/07/1988, o prefeito Sérgio Massolini, da
cidade de Serafina Corrêa/RS, assinou o decreto 43/88 que instituía o Dialeto
164
Vêneto, entende-se como talian, como língua oficial na semana
comemorativa ao aniversário do município.
Não podemos omitir, além dos citados, outros nomes que fazem parte
da história do registro escrito do talain: Pe. Antônio Galioto, Pe. Carlos
Porrini, Ângelo Giusti, João Leonir Dall’Alba, Ricardo Domingos Liberali,
Luis De Boni, Ítalo João Balen, Clementino Marcuzzo, Itálico Marcon, Mário
Gardelin, Sérgio Grando, Marcelino Dezen, Helena Confortin, Geraldo
Sostizzo, Paulo Bortolazzo, Ary Vidal, Cláudio Chiaradia Lazarotto, E.
Grigolo, Rafael Baldissera, Antônio Baggio, Luis Bavaresco, João e Nadir
Tonus, Solange Soccol, Mário Michelon, Cecília Bataglin Ignazzi, Ulderico
Bernardi e Aldo Toffoli, Claudino Pilotto, Antônio Alberti, Antônio
Martellini, Giovanni Meo Zílio, José Curi, Newton Pasin, Ademir Bacca e
Harry Dalla Colletta, Valdir Anzolin, Valmor Marasca, Giulio Franchetto,
Carino Corso, Roni Dall’Igna, Vitalina Frosi e Ciro Mioranza, Geraldo
Peccin, Duarte Rottava, Diomedes Rossetto, Loraine Slomp Giron, Pedro
Parenti, Setembrino Rubbo, Claudio Dalla Coletta, Olívio Manfroi, Arlindo
Battistel, (Frei Parceiro de Rovílio Costa), José Itaqui entre tantos outros
nomes o menos importantes, que também deveriam ser lembrados. Justiça
se faça aos radialistas e àqueles que pertencem à nossa Federação (FIBRA) a
Associação dos Difusores do Talian (ASSODITA).
(Ofício de Paulo Massolin, Presidente da FIBRA, datado de 4 de junho
de 2009)
Paulo Massolin encerra seu ofício lembrando a importância desses nomes e fatos para o
inventário do talian que essendo realizado pelo Instituto Vêneto, através da Universidade
de Caxias do Sul (UCS).
Como se vê, o talian é resultado de um projeto mais amplo de política de gestão da
língua de imigração pela comunidade de fala, e que inclui medidas de normatização, como
dicionários e gramáticas.
A respeito da identificação e denominação da ngua ainda falada pelos descendentes
de italianos, a grande maioria de nossos informantes, ao serem indagados sobre o nome da
língua de origem, respondeu: “Chamamos de dialeto italiano”. Alguns complementavam:
Inf. A Em virtude de que os nossos bisavós foram oriundos da Itália, mas
com o passar do tempo, perdeu-se um pouco desse italiano puro e acabô
tornando-se uma mistura de línguas (GI bi Ponto 1).
Inf. B Eu identificaria de duas formas. O talian, como atualmente estão
chamando né... e o dialeto, que é como eu conheci desde que aprenDI a falá
a língua italiana no dialeto vêneto (GII bi Ponto 1).
Inf. D Ele é o dialeto vêneto, mas a denominação que a gente mais ouve e
mais atribui é o dialeto italiano mesmo, sem especificar de onde é esse
dialeto (GI Imono Ponto 1).
Oe depoimentos têm em comum que se trata de um dialeto, prioritariamente o vêneto,
diferente da língua italiana. A denominação talian, “como [outros] atualmente estão
chamando”, parece ser externa ao grupo local, vinda de fora.
Rovílio Costa (1986, p. 17) explica a despreocupação com o idioma de origem e a
formação dos dialetos regionais como decorrentes de dois fatores: 1) o abandono da pátria de
165
origem sofrido pelo imigrante italiano permitiu a abertura da colonização à aculturação e
consequente não-manutenção da consciência de povo italiano no Brasil e 2) sem apoio
brasileiro, sentiam-se desligados da realidade local. Segundo o autor, viviam a condição de
“imigrantes deserdados e brasileiros abandonados”.
Portanto, o próprio surgimento da imprensa escrita na região de Caxias e a sua
divulgação através do uso de uma língua comum aceleram a implantação desta mesma língua.
Segundo depoimentos dos informantes da pesquisa, a literatura mais representativa da época
Vita e Stòria de Nanetto Pipetta, veiculada em capítulos pelo jornal Correio Riograndense,
também circulava na região do Alto Uruguai. A grafia nem sempre mantinha o mesmo padrão
de registro para uma mesma palavra, tanto que nos próprios dicionários de Alberto Vitor
Stawinski (1987) e de Honório Tonial (1997) mais do que um registro para um mesmo
vocábulo, permitindo concluir que são registros de pronúncias distintas para um mesmo
significado. Na região da grande Erechim, o jornal “A Voz da Serra”, de 1929, surge na
língua portuguesa e começa a ganhar alguns textos, de forma esporádica, no dialeto vêneto
por volta da década de 1960, com Honório Tonial
138
.
Por um bom período de tempo, mais aproximadamente até a década de 1960, não
houve significativas manifestações em torno da manutenção das variedades dialetais italianas
ainda presentes. Pelo contrário, o que aconteceu foi um contínuo decréscimo de uso de
variedades, relegando-as a um plano exclusivamente familiar ou de comunidades restritas.
Confortin (1998, p. 76) diz que o que se constata hoje (1998), portanto 11 anos atrás
(2009), “é que não os traços dialetais específicos de cada dialeto, como o próprio dialeto
italiano comum, a coiné, estão em processo de extinção em toda região.” É exatamente com
Honório Tonial que surgem os primeiros pronunciamentos em defesa do uso do dialeto
italiano comum. Cria-se, a partir deste período, um grupo voltado à manutenção do dialeto
comum à região, o talian de cunho vêneto (Tonial toma como talian vêneto). Cria-se, porém,
a partir desse período, em maior número, associações (ver cap. 2, seção 2.3.6) em defesa do
uso do italiano-padrão, como se para a existência de um fosse preciso eliminar o outro. Inicia-
se, assim, a outra luta do dialeto, não para sobreviver ao português, mas para encontrar espaço
entre o português e o italiano-padrão.
138
Honório Tonial: erechinense, professor e escritor; um dos pioneiros na defesa do uso do dialeto italiano mais
falado na região do Alto Uruguai gaúcho, o Talian Vêneto, como ele mesmo o denominou.
166
4.2 ESTADO ATUAL DA LÍNGUA DE IMIGRAÇÃO
4.2.1. Manutenção e perda linguística na perspectiva pluridimensional
Um primeiro dado, de ordem mais qualitativa, sobre o estado atual de língua de
imigração pode ser visto já no primeiro contato com a comunidade, através de anotações de
campo. Ao tomar o ônibus em direção a Jacutinga, o ponto 3 da pesquisa, foi impossível não
se encantar com a belíssima paisagem característica da região, desenhada por montes e vales,
bem como deixar de observar o modo de falar de meus companheiros de viagem.
Não é difícil, nesse contexto, ainda hoje, verificar a presença do talian no seu uso real,
familiar ao meu ouvido de bilíngue passiva:
- Ma, che belo giorno che fa incói!
Trad.: Mas, que belo dia que faz hoje!
- Si, la colônia già stea bel che piena di tanta piova. Ghetu fato cossa via per
Eressim [Erechim]?
Trad.: Sim, a colônia estava cheia de tanta chuva. O que você fez em
Erechim?
Ao mesmo tempo, fica também evidente a influência do novo meio, brasileiro, através
da alternância de código (code-switching)
139
, fenômeno normal de bilíngues que dominam
duas línguas, no caso, talian e português. Nessas falas, cabe distinguir entre o que é
alternância entre um código e outro e empréstimos do português:
- La nona stea em una caseta separada, da rente, banda del pai e éla andea
tela carossa [carrossa] non volea caminar, sol che descansar-se, con i cavei
tuti desgrenhadi!
Trad.: A aficava em uma casinha separada, perto, no lado do pai e ela
andava de carroça, não queria caminhar, só descansar.-se, com os cabelos
desalinhados!.
Vejamos como se realiza ou como se constata a interinfluência das duas línguas em
questão. O termo separada é um empréstimo do português; no talian = separata. A palavra
pai é outro empréstimo do português; no talian = pupà. Descansar(se) também é empréstimo
139
Code-switching: justaposição, dentro do mesmo discurso, de alternância de passagens pertencentes a dois
sistemas ou subsistemas gramaticais diferentes (GUMPERZ, 1992, p.59, apud ROMAINE, 1995, p. 121). Mais
entendido entre frases, é consciente e tem objetivos. Podem e ocorrem tanto em comunidades bilíngues quanto
monolíngues.
167
do português; no talian = ripozarse. Desgrenhadi: do português desgrenhado”, com
morfossintaxe do italiano marcando o plural.
O resultado do contato não é evidente somente na forma intrassentencial (code-
mixing) como vimos acima, mas também na forma interssentencial (code-switching), onde o
falante inicia uma frase em português e termina em talian:
- Que faz quieto...te ensogne con la morosa?
Trad.: Por que está quieto…está sonhando com a namorada?
Empréstimos são fenômenos naturais em qualquer língua, seja inglês, francês, alemão,
português ou talian e tanto podem o correr na fala do monolíngue quanto na fala do bilíngue.
Romaine (1995) afirma, no entanto, que se por um lado o empréstimo de uma língua para
outra pode ocorrer a partir da competência monolíngue, por outro lado o code-switching
implica algum grau de competência nas duas línguas.
As falas acima registradas nos mostram que o contato linguístico gera situações muito
complexas, e as definições terminológicas empregadas nos estudos para as diferentes formas
de comunicação usadas pelos bilíngues acabam dependentes dos matizes do ponto de vista do
pesquisador. Assim é, por exemplo, que Pfaff (1979, p.295, apud ROMAINE, 1995, p.124)
utiliza code-mixing como um termo neutro, tanto para empréstimo quanto para code-
switching, diferente de Singh (1985, p.34, apud ROMAINE, 1995, p.124) que considera code-
mixing como a alternância intrasentencial e usa code-switching para qualquer situação de
diglossia. Se Romaine, como vimos no parágrafo anterior, afirma que a realização de code-
switching exige algum grau de competência nas duas línguas, Weinreich sempre deixou claro
que o bilíngue ideal é aquele que não “mistura” os dois códigos. Ele denomina interferência
os desvios da norma de qualquer uma das línguas que ocorrem na fala dos bilíngues, mas
explica e ressalta esses desvios como resultantes da familiaridade com mais de uma língua,
portanto, como resultado do contato linguístico.
Sem dúvida, o contato linguístico havia deixado marcas no comportamento linguístico
daqueles descendentes, e via-se marcado ali, através de suas falas, o a herança de traços
fisionômicos e culturais, mas também da língua. No entanto, uma diferença substancial
entre essa constatação empírica e o poder afirmar a existência de bilinguismo português-
italiano e, mais do que isso, perguntar-se sobre o grau de bilinguismo ainda presente na
região. Como identificar um indivíduo bilíngue ou, além disso, em que grau ele é bilíngue?
Essa resposta torna-se primordial, que o grau de bilinguismo individual está correlacionado
168
ao grau de manutenção parcial ou predominante da língua em uma dada comunidade e que,
por sua vez, é decorrente de diferentes fatores identificados como causadores desse fenômeno.
A primeira questão a ser revista é sobre o próprio conceito do que seja bilinguismo,
que vem sofrendo mudanças e, não raro, controvérsias entre linguistas, etnólogos, psicólogos,
sociólogos e antropólogos, pois não , ainda, um modelo teórico para tratar de todas as
disciplinas interrelacionadas. Conforme acentuamos no cap.1, o ponto em que o falante de
uma segunda língua torna-se bilíngue e o seu grau de competência em uma ou mais línguas é
arbitrário, complexo e difícil de ser determinado. Dessa forma, e tratando-se de uma pesquisa
macroanalítica, de comparação de pontos, adotamos um conceito não absoluto, mas sim
relativo de bilíngue, ou seja, o bilinguismo como uso alternado de duas ou mais línguas, como
uma característica individual que pode ocorrer em graus variáveis (cf. MACKEY, 1972 e
TITONE, 1993), desde uma competência nima aum domínio completo de mais de uma
língua, incluindo, também, o bilinguismo passivo como tendo um determinado grau de
bilinguismo, principalmente nas habilidades receptivas. Para efeito de exigências da presente
pesquisa, nos limitamos a medir o grau de bilinguismo dos entrevistados na habilidade de
fala, sem detalhar o grau de “perfeição” fonológico, gramatical, lexical, semântico e
estilístico (TITONE, 1993) dessa habilidade.
Cabe distinguir entre grau de bilinguismo (quão bilíngue alguém é) e índice de
bilinguismo (da localidade ou das gerações), ou seja, o grau pressupõe gradação de
habilidades, enquanto o índice é um indicador de número de falantes.
Assim sendo, quando da primeira parte da pesquisa realizada através do questionário
por escrito do BIRS, em oito escolas dos quatro pontos, com um total de 207 entrevistados
(ver cap.3), foi possível constatar o índice de bilinguismo. que ponderar que, aqui, não
nenhuma asserção sobre o grau (ver adiante).
Tabela 6 - Pesquisa realizada nas escolas urbanas e rurais dos quatro pontos – Região do Alto
Uruguai – 2006, a partir da aplicação do questionário do BIRS.
Índice de Bilinguismo Italiano/Português– Dimensão Diageracional
MUNICÍPIOS - REGIÃO ALTO URUGUAI
FALANTES (%)
POR GERAÇÃO
ERECHIM .GETÚLIO V. JACUTINGA SEVERIANO
PAIS (GII)
61.50 76.27 95.60 100,00
FILHOS (GI)
53.30 53.06 75.00 92.98
INTERVALO/PERDA
8,20
23,21 20,60
7,02
169
Na tab. 6, uma perda linguística na dimensão diageracional, em todos os pontos.
Esse dado pode comprovar uma tendência generalizada de perda linguística de geração a
geração, mesmo em um ambiente bastante favorável à manutenção da língua de origem. Isso
também foi verificado nos dados do projeto BIRS, por Altenhofen (1990), em todo Rio
Grande do Sul, e por Confortin (1998), na Região do Alto Uruguai Gaúcho.
Entretanto, ao se verificar o intervalo existente entre as gerações, nos quatro diferentes
pontos, chama a atenção que Erechim, justamente o ponto mais urbanizado, e Severiano de
Almeida, o ponto mais rural e mais isolado, tenham a situação mais estável (8.20 e 7.02,
respectivamente), ou seja, apresentam a menor perda da língua minoritária entre as gerações
GII e GI. Em outras palavras, nesses dois pontos há uma maior transmissão intergeracional. O
que, no entanto, explicaria essa disparidade entre Getúlio Vargas e Jacutinga de um lado e
Erechim e Severiano de Almeida de outro? As hipóteses variam para cada ponto. No caso de
Severiano de Almeida, prepondera o isolamento e a homogeneidade étnica como fatores de
manutenção. Mais enigmático e instigante é o comportamento linguístico verificado em
Erechim.
Obviamente, para cada caso há fatores determinados pelo contexto. Assim é que
precisamos ver a manutenção intergeracional do talian, em Erechim, através da compreensão
das dinâmicas sócio-culturais deste contexto multilíngue particular em um período particular
na sua história (SKUTNABB-KANGAS, 1988). Erechim, por exemplo, a partir da cada de
1970, vem construindo uma atitude positiva em relação à manutenção de sua diversidade
étnica-linguístico-cultural, e, no caso da italiana, através de instituições, principalmente nas
áreas de negócio e lazer, com o uso da língua italiana (Federação das Associações Italianas do
Norte do RS (FAINORS), Comitê das Associações Vênetas do Rio Grande do Sul
(COMVERS) e Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI)).
Embora a ênfase seja dada ao uso e à aprendizagem do italiano-padrão, a manutenção do
talian tem sido vista, nos últimos tempos, como fator de identidade, de conhecimento e culto
às origens. É preciso dizer, também, que embora se tratando de um município com índice
relativamente baixo de descendentes falantes, se comparado aos municípios de Jacutinga e de
Severiano de Almeida, a transmissão intergeracional desponta como um carro-chefe na
manutenção da língua.
Agora, retomando o intervalo de perda aproximado entre os municípios de Getúlio
Vargas e Jacutinga (23,21 e 20,60, respectivamente), e analisando os dados desses
municípios, verificamos que ambos apresentam um alto decréscimo demográfico,
principalmente a partir da década de 1980, conforme se pode verificar no item 4.3.4.1
170
(Concentração, distribuição e crescimento demográficos), o que indica a possível saída de
descendentes italianos e falantes da língua de origem. Os fatores que causaram esse êxodo nos
municípios já foram apontados no cap. 3 como sendo, principalmente, a escassez de emprego,
a necessidade de estudo superior e a falta de terras para os filhos fixarem moradia e obter
renda.
Por outro lado, um possível indicador do grau de bilinguismo é a pergunta sobre a
frequência de uso do talian, conforme dados da tab. 7:
Tabela 7 - Pesquisa realizada nas escolas urbanas e rurais dos quatro pontos – Região do Alto
Uruguai – 2006: frequência de uso do talian – G1.
Frequência de uso do talian pela geração GI
MUNICÍPIOS - REGIÃO ALTO URUGUAI
ERECHIM GETÚLIO V. JACUTINGA SEVERIANO
FALANTES (GI)
(por zona e nº total
)
U R U R U R U R
Todos os dias
4 0 1 1 4 4 8 0
Muitas vezes 8 0 4 2 6 7 20 1
Raramente 7 5 13 5 11 10 17 7
A partir desses dados, é preciso relativizar os dados anteriores sobre índices de
bilinguismo. Se somar “todos os dias” e “muitas vezes” como chances de transmissão e
manutenção da língua, teremos um número de 70 (12+8+21+29) que, se comparado ao
“raramente” 75 (12+18+21+24) considerado como perda virtual da capacidade de
transmissão intergeracional futura, vemos que as chances de manutenção são menores, mas
diferenciadas entre os pontos:
Tabela 8 - Pesquisa realizada nas escolas urbanas e rurais dos quatro pontos – Região do Alto
Uruguai – 2006: frequência de uso do talian – falantes por ponto.
MUNICÍPIOS - REGIÃO ALTO URUGUAI
Frequência de uso do talian
(por número total de falantes em cada ponto)
ERECHIM GETÚLIO V. JACUTINGA SEVERIANO
Todos os dias e Muitas vezes 12 8 21 29
Raramente 12 18 21 24
Obs. A distinção diazonal foi desconsiderada por não oferecer diferenças comparáveis e significativas.
Severiano de Almeida apresenta a maior probabilidade de transmissão e manutenção
do talian, o que confirma a força dos fatores apontados acima, ou seja, o isolamento
geográfico e a homogeneidade étnica. No entanto, se tomar “todos os dias” como chance mais
171
clara de manutenção, a perda é maior em todos os pontos, inclusive em Severiano de
Almeida, basta verificar este número (em negrito) na tab. 7, acima. Esses dados ilustram
como os fatores que se apresentou no cap.2 são dependentes do contexto e, por isso,
necessitam ser relativizados.
Há, ainda, uma outra interpretação na análise do que significam os índices de respostas
“raramente”. uma diferença entre “falar uma ngua” e ter “noções de uma ngua”. O
discurso politicamente correto de que “como descendente de italianos é preciso ter, pelo
menos, uma noção da língua de origem” não significa que de fato houve a transmissão
intergeracional desta língua. Está decretada, infelizmente, com estes dados, a morte pelo
menos parcial da língua em curto ou médio prazo. Esse dado alarmante levanta a questão
de quais seriam as chances de revitalização do talian.
A título de exemplificação, vejamos a comparação, em forma de gráficos, da relação
entre os pontos 3 e 4 quanto aos índices de bilinguismo da GI e sua relação com a
descendência italiana, como um dos fatores de manutenção da língua de imigração:
NÃO
DESCENDENTE
14
20%
DESCENDENTE
57
80%
FALANTE
53
93%
NÃO
FALANTE
4
7%
Gráfico 1 Índice de descendência italiana
no Ponto 4.
Gráfico 2 – Índice de bilinguismo ítalo-bras. da
GI no Ponto 4.
(Total de entrevistados = 71)
(Total de entrevistados = 57)
172
DESCENDENTE
56
82%
NÃO
DESCENDENTE
12
18%
FALANTE
42
75%
NÃO
FALANTE
14
25%
Gráfico 3 Índice de descendência italiana
no Ponto 3.
Gráfico 4 – Índice de bilinguismo ítalo-bras. da
GI no Ponto 3.
(Total de entrevistados = 68)
(Total de entrevistados = 56)
Diferente é a situação do bilinguismo no ponto 1, município de Erechim, lembrando
que esta equivale, na pesquisa, ao ponto mais urbanizado e heterogêneo etnicamente:
DESCENDENTE
FALANTE
24
53%
DESCENDENTE
NÃO FALANTE
21
47%
Gráfico 5 – Índice de bilinguismo entre os ítalos-bras. da GI no Ponto 1.
(Total de entrevistados = 45)
Esses resultados podem nos fornecer alguns dados que projetam uma possível
mudança em curso com um redesenho da dimensão diageracional, com distintas
configurações entre o ponto 1 e os pontos 3 e 4. Conforme a tab. 6, um grau maior de
manutenção do talian nos pontos 3 e 4, com ênfase maior neste último, e um grau menor de
manutenção no ponto 1. No entanto, se levarmos em consideração a transmissão linguística
entre as gerações (GII para a GI), focalizando a transmissão pelos casais bilíngues, vimos que
os pontos 1 e 4 são os que se apresentam como os mais constantes na manutenção da língua
de origem, apresentando um nível mais baixo de substituição (ver intervalo na tab. 6).
173
Obviamente, esses resultados não estão levando em consideração o grau de proficiência
bilíngue de nossos entrevistados, que foge ao escopo da presente pesquisa.
Na dimensão diagenérica, os dados da tab. 6 também podem servir como ponto de
partida de análise, no sentido de verificarmos se diferença de manutenção da língua de
origem. Vejamos os dados:
Tabela 9 - Pesquisa realizada nas escolas urbanas e rurais dos quatro pontos – Região do Alto
Uruguai – 2006, a partir da aplicação do questionário do BIRS, por gênero.
Índice de Bilinguismo Ita/Ptg – Dimensão Diagenérica
MUNICÍPIOS - REGIÃO ALTO URUGUAI
FALANTES (%)
GERAÇÃO DOS PAIS (GII)
ERECHIM GETÚLIO V. JACUTINGA SEVERIANO
MASCULINO
56.25 70.96 95.74 100.00
FEMININO
66.66 82.14 93.33 100.00
Os dados mostram que nos pontos 1 e 2, justamente os mais urbanizados e
heterogêneos etnicamente, uma leve diferença de maior manutenção exatamente na
geração feminina (10.41% em Erechim e 11.18% em Getúlio Vragas). Por outro lado, nos
pontos 3 e 4, mais rurais e homogêneos etnicamente, não se constata diferença significativa
(2.41% em Jacutinga e nenhuma diferença em Severiano de Almeida).
Essa diferença de comportamento entre os pontos 1 e 2 de um lado, e 3 e 4 de outro,
reflete a relevância do contexto (dimensão diatópica) ao qual estão vinculados diferentes
fatores, entre os quais, a força demográfica e a localização geográfica. Em outras palavras,
poderíamos afirmar que homens e mulheres parecem se comportar diferentemente sob
condições e contextos diferentes. Segundo os dados, isso significa que não é possível afirmar
categoricamente que homem ou mulher mantêm mais a língua de imigração, mas sim que
homem e mulher apresentam diferentes resultados de acordo com diferentes contextos e
fatores de uso. Ou seja, o papel do contexto é incontestável!
Essa relação de um comportamento não uniforme fica mais evidente quando
correlacionamos a dimensão diageracional com os dados da geração dos jovens (GI),
conforme tab. 10, abaixo:
174
Tabela 10 - Pesquisa realizada nas escolas urbanas e rurais dos quatro pontos Região do
Alto Uruguai – 2006, a partir da aplicação do questionário do BIRS.
Índice de Bilinguismo Ita/Ptg – Dimensão Diagenérica
MUNICÍPIOS - REGIÃO ALTO URUGUAI
FALANTES (%)
GERAÇÃO DOS FILHOS (GI)
ERECHIM GETÚLIO V. JACUTINGA SEVERIANO
MASCULINO
33.33 57.70 35.72 41.50
FEMININO
66.66 42.30 64.28 58.50
A tab. 10 confirma, de certo modo, uma maior manutenção do talian entre as jovens,
portanto, nero feminino. Nos pontos 1 e 3, essa diferença chega a quase o dobro (33.33%
contra 66.66%) em Erechim; e (35.72% contra 64.28%), em Jacutinga
Esses dados, por sua vez, servem para relativizar também o papel dos fatores, grau de
urbanização e homogeneidade étnica, pois se verificam tendências semelhantes entre jovens
feminino e masculino, tanto do meio rural quanto do meio urbano. Mais difícil é encontrar
uma explicação para o comportamento dos jovens no ponto 2, onde, ao contrário, parece
haver uma maior manutenção do talian no gênero masculino. Apesar de mais heterogêneo
etnicamente e mais urbanizado do que os pontos 3 e 4, é preciso registrar que a saída de
pessoas da localidade tem levado a um esvaziamento da população falante no ponto 2, em
maior número do gênero feminino. A diferença de percentuais pode estar vinculada à maior
saída das mulheres jovens e consequente maior permanência dos homens jovens falantes da
língua de imigração (ver dados do IBGE, cap. 3, nos dados do município). Essa possível
explicação é corroborada por depoimentos dos informantes, conforme registrado em uma das
entrevistas:
Inf. B O processo de reunificação rural/urbano, ele está acontecendo.
Então, o urbano está chegando lá. O filho do colono e principalmente a FIlha,
esse é um dos problemas sérios… Todos os pequenos municípios da região
do Alto Uruguai m mais homens do que mulheres. Erechim tem mais
mulheres do que homens. Isso significa que o êxodo do campo pcidade é
primeiro as mulheres. E elas vêm, absorvem esta cultura, continuam no fim
de semana indo para o interior, namorando com um cara do interior e quando
chega na hora de “-Vamo casá? –Sim, só se tu vié morá na cidade (GII mono
Ponto1).
Se considerarmos apenas a diferença entre os percentuais de falantes ita/ptg entre
GII (tab. 9) e GI (tab. 10), chegamos a um quadro onde podemos constatar a amplitude da
perda linguística nos diferentes pontos da pesquisa, conforme representado na tab. 11:
175
Tabela 11 - Pesquisa realizada nas escolas urbanas e rurais dos quatro pontos Região do
Alto Uruguai – 2006, a partir da aplicação do questionário do BIRS.
Perda do talian, na comparação entre GII e GI
MUNICÍPIOS - REGIÃO ALTO URUGUAI
FALANTES (%)
GII e GI
ERECHIM GETÚLIO V. JACUTINGA SEVERIANO
MASCULINO
12.92 13.26
60.02 58.50
FEMININO
00.00 39.84 29.05 41.50
Na análise vertical, verificamos ainda mais claramente uma maior manutenção do
talian entre falantes do gênero feminino, com exceção, novamente, do ponto 2 (maior
manutenção dos homens).
No plano horizontal, por outro lado, chama a atenção o elevado índice de perda
significativa, dos pontos 3 e 4 onde, conforme vimos, se esperaria uma maior manutenção,
exatamente por se tratar de comunidades mais rurais e com maior força demográfica da etnia
italiana. Mais de 60% chega a ser um dado preocupante em termos de manutenção da língua.
Como explicar que os pontos 1 e 2, os mais urbanizados e com menor proporção de
falantes bilíngues ita/ptg, se registrem os menores índices de perda linguística? Uma hipótese
é a de que, em parte, isso se explique por uma maior consciência linguística. No que se refere
ao ponto 1, é preciso acrescentar que grande parte dos falantes provém de áreas rurais, isto é,
veio à cidade em busca de emprego e estudo. Para o ponto 2, vale justamente o contrário,
devido à maior saída de pessoas que migram para outras áreas e que atinge sobretudo as
mulheres jovens.
4.2.2 Mudança em curso: transmissão intergeracional
Comparando, por fim, os dados das gerações GII e GI, têm-se uma relação entre
manutenção e perda da língua de imigração, observável em tempo aparente. Em outras
palavras, é possível observar, nessa comparação, uma mudança em curso no uso ou
manutenção linguística do talian, como é discutido a seguir.
A aquisição do talian, via transmissão transgeracional, pode ser observada em
números na tab. 12, a seguir.
176
Tabela 12 – Pesquisa realizada nos 4 pontos da Região do Alto Uruguai Gaúcho-2006, a partir
do questionário do BIRS.
TRANSMISSÃO INTERGERACIONALDO TALIAN
DESC. ÍTALO-BRASILEIROS
PAI/MÃE
ERECHIM
GET.
VARGAS
JACUTINGA
SEVERIANO
TOTAIS
PAI/MÃE NÃO FALANTES
8 2 3 0 13
Filhos FALANTES
0 2 0 0 2
1
Filhos NÃO FALANTES
8 0 3 0 11
PAI/MÃE FALANTES
12 10 34 30 86
Filhos FALANTES
12 7 29 29 77
2
Filhos NÃO FALANTES
0 3 5 1 9
PAI NÃO FALANTE
6 11 1 1 19
Filhos FALANTES
0 1 0 1 2
3
Filhos NÃO FALANTES
6 10 1 0 17
PAI FALANTE
6 8 10 15 39
Filhos FALANTES
5 5 7 13 30
4
Filhos NÃO FALANTES
1 3 3 2 9
MÃE NÃO FALANTE
7 7 1 2 17
Filhos FALANTES
0 2 0 0 2
5
Filhos NÃO FALANTES
7 5 1 2 15
MÃE FALANTE
6 11 7 9 33
Filhos FALANTES
6 7 4 7 24
6
Filhos NÃO FALANTES
0 4 3 2 9
Número de descendentes 45 49 56 57 207
Os números visualizados na tab. 12 e abaixo representados graficamente nos
demonstram a clara relação da transmissão linguística na família, isto é, entre jovens
descendentes de ambos os pais ítalo-brasileiros, de somente pai ítalo-brasileiro e de somente
mãe ítalo-brasileira.
Alunos descendentes de famílias onde pai e mãe descendentes de italiano falam a
língua no lar, em sua grande maioria, também falam esta língua. Estabelecendo-se uma
relação em termos de proporção entre famílias compostas de pais e mães falantes e famílias
onde somente os pais ou onde somente as mães o falantes, verifica-se um maior índice de
descendentes falantes nas famílias onde pai e e falam a língua de origem, ou seja: das 86
famílias onde tanto o pai quanto a mãe falam a língua, 77 jovens descendentes falam a língua,
numa proporção de 89,53%; das 72 famílias onde somente o pai ou somente a mãe falam a
língua de origem, 54 jovens descendentes falam a língua, numa proporção de 75%.
177
PAI/MÃE
Italianos
FALANTES
86;
100%
Alunos
FALANTES
77;
89,53%
AlunosO
FALANTES
9;
10,47%
AlunosO
FALANTES;
18;
25%
Alunos
FALANTES;
54;
75%
PAI ou MÃE
Italianos
FALANTES;
72;
100%
Gráfico 6 – Índice de Bilinguismo dos 4 pontos.
Descendência Italiana de Pai e Mãe.
Gráfico 7 – Índice de Bilinguismo dos 4
pontos. Descendência Italiana de
Pai ou Mãe.
Há, portanto, uma elevada proporção de falantes quando ambos, pai e mãe falam a
mesma língua no ambiente familiar. Aqui encontramos uma das possíveis explicações de o
porquê ser o município de Severiano de Almeida o detentor do maior percentual de jovens
falantes, embora Jacutinga detenha o maior percentual de descendentes de italianos.
Confirmamos isso na mesma tab. 12, onde vemos que no município de Severiano de Almeida,
das 30 famílias cujos pais e mães falam a língua de origem, 29 descendentes falam a língua.
Na tab. 12, podemos constatar ainda que tanto alunos descendentes de famílias
italianas onde pai e mãe não falam a língua de origem, quanto descendentes de famílias onde
somente o pai é de origem italiana não falante ou somente a mãe, continuam, em sua grande
maioria, não falantes da referida língua
140.
Em Erechim, por exemplo, embora sendo um município com índice relativamente
baixo de descendentes falantes, se comparado a Severiano de Almeida e Jacutinga, quando pai
e mãe falam a língua italiana num total de 12 famílias, os filhos, em número de 12, também
falam a língua. O contrário também é verdadeiro, isto é, das 8 famílias descendentes de
italianos não falantes, os 8 alunos descendentes igualmente o falam a língua de origem.
Este fator aparece idêntico nos quatro pontos, independente de outros fatores geográfico,
econômico, histórico-político, etc. e independente da perda linguística vista através da tab.
140
Romaine (1995) traz um exemplo ocorrido em Wales, através de tabela (p.42), onde se claramente a
relação de crianças falante e não falantes de Welsh, como descendentes de ambos os pais falantes, somente mãe,
somente pai ou nenhum dos dois falantes. Famílias onde ambos os pais falam Welsh, 91,2% dos filhos o
falantes; quando ambos os pais não falam a língua, 7,2% são falantes. A autora afirma: “Where a mixed
language community exists, the loss rate is highest.”
178
11. Confirma-se, portanto, por esses dados, que a transmissão intergeracional (FISHMAN,
1967; ROMAINE, 1995) é um fator decisivo na manutenção ou na substituição da língua de
origem, apresentando-se como o resultado, principalmente, de casamentos endogâmicos.
De qualquer maneira, em linhas gerais, à medida que as coletividades, como visto no
item 4.2.1, perdem expressividade numérica e se dá a transição geracional, a tendência parece
ser a de um progressivo desaparecimento do uso do talian.
4.3 AFINAL, O QUE MANTÉM OU SUBSTITUI O TALIAN E O BILINGUISMO?
4.3.1 Status e relações econômicas: o valor de mercado do talian
A trajetória de existência do talian vem marcada pela própria trajetória de vida dos
(i)migrantes em sua experiência cotidiana no contexto histórico e político da região em
estudo. Nesse sentido, a língua passa por diferentes estágios de status, acompanhando
imigrantes e descendentes desde o período de conquista da simples sobrevivência até o
período de expansão financeira, política e cultural, advindo a partir da comemoração dos 100
anos de colonização italiana (1975).
Como vimos no cap. 2, a língua adquire valor sempre que estiver ligada a um contexto
que suporta valores concretos subjacentes. O valor de mercado do talian é inerente ao seu
status de língua de imigração, até hoje sem reconhecimento de língua oficial e, por um
período de tempo (Campanha da Nacionalização na década de 1930), proibida de ser falada
em público, relegada ao ambiente familiar e marcada pejorativamente como “dialeto”, “língua
errada”, língua de colono grosso”, “língua falsa”, portanto, uma língua restringida ao
ambiente familiar, privado ou, ainda, em ambiente de interior, rural:
Inf. B – Na verdade, aí tem um cunho cultural né. Eu morei…-saí da cidade e
fui morá no interior com 2 anos de idade. Foi onde eu aprendi a fa um
pouco do dialeto, porque a gente ouve falá no dia-a-dia, falá no dialeto
italiano. E quando eu vim pra ciDAde, eu mistuRAva basTANte e aí me
chamavam de coLOno! E passô a pejorativo a gente soTAque
italiano. E foi uma das razões porque muitos de nós o transferiu pra os
filhos este dialeto (GII bi Ponto 1).
A Campanha Nacionalista da década de 1930, a escola, o rádio, a imprensa e outras
formas de obrigatoriedade de uso do português fizeram com que os descendentes dos
imigrantes cultivassem a noção de ser um crime” a transmissão da língua de origem aos
179
filhos. Essa marginalidade cultural fez com que o descendente se calasse em relação à ngua
e passasse a falar o português, mesmo que com fortes características do italiano na pronúncia
do léxico e no uso da sintaxe.
Esse status de “prima pobre”, i.e., da variedade dialetal como língua das classes
socialmente menos favorecidas, foi consequência e não causa do poder. É bom lembrar que,
ainda na Itália, o contadino (camponês) também era visto de forma pejorativa, como um
homem grosseiro e rudecontadino, scarpe grosse e cervello fino (camponês, sapatos
grossos e cérebro fino). No sul do Brasil, esse “camponês” imigrante permanece ligado à terra
e desenvolve um ethos camponês próprio, agrário, tendo a língua como seu tradutor. O
linguistic capital (capital linguístico, segundo Bourdieu) desses colonos resumia-se a uma
língua que era usada por grupos que possuiam baixo poder social, econômico, cultural e
político, na relação sociedade local versus sociedade mais ampla. Indivíduos que se apoderam
desse capital linguístico têm poucas condições de conseguir um espaço melhor na sociedade.
A pesquisa nos mostra que o talian, a língua de origem, era bem aceito e tinha
reconhecimento próprio na comunidade local, interiorizada, onde todos se conheciam e
tinham orgulho de sua origem e de sua língua:
Inf. D O aprendizado que a gente teve do italiano, foi uma coisa assim,
aconteceu porque falavam,…- e não era ridicularizado, como diz o
informante B , principalmente nós, que saíamos da colônia e viemos para a
cidade, a discriminação do soTAque, soTAque típico do italiano era uma
coisa terrível na relação com a cidade. Isso sim eu senti um embaque, um
choque violento quando vim para a cidade (GII mono Ponto 1).
A saída do mundo agrário acarreta dificuldades de comunicação, não pelo uso do
talian, mas pelas interferências, principalmente fonéticas, da variedade dialetal italiana no
português, a língua exigida na comunidade maior:
Inf. B No falar e escrever assim... a gente percebe que na nossa cidade a
gente fala assim, vai a Erechim, a Mariano Moro, a gente tem um sotaque
mais grosso, aquela coisa mais...não pronuncia bem os erres, o caro [‘karo] o
buro [‘buro] a gente tem uma certa dificuldade, mas é como a gente
aprendeu, e veio vindo, na própria escola a gente aprendeu assim, ninguém
disse pra nós que tinha que pronunciá carro forte pra não fifeio. Então a
gente não pronuncia só que na hora da escrita é tudo bem certinho, que na
hora da pronúncia a gente tem ainda esta dificuldade, quando a gente é mais
novo não, ma quando tu vai crescendo e vai in volta ((alguém diz: sai daqui e
vai pra outra cidade, sofre!)) tu ouve as outras pessoas falarem que têm assim
um português culto sabe... que falam tudo certinho e a gente muitas vezes
come a metade das palavras, claro ma a gente não sente a vergonha, mas a
gente nota que foi erado [e’rado], desde o começo né, desde que a gente
aprendeu em casa, na escola e agora teria necessidade de mudá, mas fica mais
difícil...depois que a gente cria raízes
(GI bi Ponto 4).
180
A informante D, do mesmo grupo GI bi do ponto 4, acrescenta: “Uma que todo mundo
fala aqui a mesma coisa... e mudá!?” Percebe-se, nesta atitude, que quando a língua tem um
índice de concentração demográfica significativo, ou seja, quando é falada pela maioria da
população, ela tem aceitação e é reconhecida como fator de identidade. No entanto, fora desse
convívio ela deve ser substituída, já que não será aceita:
Inf. B Que nem, a minha irmã, ela saiu daqui e foi aula em Erechim.
Uma professora, falava tudo que nem s, comia palavras. Um dia a diretora
chamô ela e disse: Oh, tu não pode falá assim, os teus alunos, como você
vai falá eles vão falá!” Então ela teve que se adaptá, mudá ao jeito de falar
dela. Hoje ela vem pra casa com nós, ela tem um jeito muito bonito de falá,
assim, ao nosso português, é bem diferente! (GI bi Ponto 4).
As interferências de códigos no comportamento bilíngue podem ser consideradas
como falha ou como fator de status, dependendo do grau de articulação com que os
indivíduos conseguem se expressar e de sua posição social (LAMBERT, 1972). No contexto
maior, níveis de bilinguismo o dispostos em hierarquias sociais que, de uma maneira geral,
são oficialmente reforçados, ou seja, em Severiano de Almeida, fala-se o talian, em Erechim,
fala-se português! Ainda, fala-se o português sem marcas do talian na pronúncia. Indivíduos
que se apoderam desse capital linguístico têm melhores condições de conseguir um espaço
melhor na sociedade.
Se pensarmos nas funções de Fasold (apud CALVET, 2007, p.51), o grau de uso, que
se refere à percentagem de falantes do talian (o corpus), vem estritamente ligado ao seu grau
de reconhecimento na comunidade (o status), através das possibilidades que tem a língua para
cumprir as possíveis funções desejadas, traduzindo o seu grau de funcionalidade.
Essa funcionalidade revela-se na fala do entrevistado B, a seguir, que embora tendo o
talian como primeira língua, “fala pouco, porque não tem com quem falar”. Fica
demonstrado, mais uma vez, o uso e funcionalidade do talian no ponto 1, município de
Erechim. A aquisição da língua materna minoritária em contato com a língua dominante
majoritária passa pelo processo de “dominância relativa das línguas” (ou configuração de
dominância, cf. WEINREICH 1964, p. 75). No caso do entrevistado B, somente o retorno ao
interior é que propicia status à língua de origem, que se alia a posição social ao grau de
articulação do talian a fim de poder suprir a necessidade de conseguir algo:
Inf. B Parlo poco perchè non se gà, non se …con chi parlare…Magari,
quando se và in tela colónia, in tel interior se parla un poco. E quando so
ndato a San Valentim lavorare in tela cassa [Caixa] ecoNÔmica, go []
necessitado parlar novamente il dialeto, se nò non se conseguia mia la
simpatia e la confianssa dei coloni pra ciapar sui soldi. Lora, imparà
181
novamente parlar italiano, che lori dizea:- “Daghe i soldi che questo è di
nostri! (GII bi Ponto 1).
Trad.: Falo pouco porque o se tem, o se tem...com quem falar...Mas
quando se vai à colônia, no interior, se fala um pouco. E quando fui a São
Valentim, trabalhar na Caixa Econômica, eu...[...] necessitei falar novamente
o dialeto, senão o se conseguia a simpatia e a confiança dos colonos para
pegar o seu dinheiro. Então, eu comecei novamente a falar italiano, que eles
diziam: “Dêem o dinheiro que este é dos nossos!(GII bi Ponto 1).
O mesmo entrevistado, no entanto, ao se referir à sua competência em português,
atribui à língua de origem a sua dificuldade em aprender a língua oficial, sem interferências
de pronúncia da língua materna. Observa-se, em comparação com o depoimento anterior, que
se o talian foi exaltado, mesmo sendo uma situação específica, o português, portador de
interferências fonéticas oriundas do talian, foi motivo de vergonha:
Inf. B Eu tive dificuldade de aprendê português, exatamente por causa
dessa dubiedade português-italiano. E eu cresci com sotaque e só fui perder
esse sotaque com 17, 18 anos e eu passei muita vergonha, porque era muito
criticado pelo sotaque que a gente tinha e isso me fez NÃO gostar do
português. Nunca fui bom em português ((risos e comentários laterais dos
demais informantes, dizendo: “como ele pode ser ruim em português se faz
discursos o brilhantes”)) embora a gente procure falar corretamente, mas
gramaticalmente eu tenho muita dificuldade, exatamente em função disso.
Mas…isso é verdadeiro, eu realmente sempre falei com bastante sotaque e
tive muita dificuldade em aprende falá português (GII bi Ponto 1).
As interferências fonéticas do talian no português foram motivo de vergonha, pelo
entrevistado, e de discriminação pela comunidade próxima. Algumas formas são lembradas
pelo grupo GII, do ponto 1:
Inf. B – O ao til e o r, principalmente: kora’sson; ir’mon; ‘pon; ‘karo em vez
de carro…A pronúncia do /ch/ por /s/ como em Sico em vez de Chico (GII bi
Ponto 1).
Inf. A Meu pai também falava assim : o Zeferson em vez de ferson, a
Zóisse em vez de Joice (GII bi Ponto 1).
O “falar com sotaque” é uma expressão ressaltada por todos os informantes dos
grupos GI e GII dos três pontos da pesquisa onde foram efetuadas as entrevistas, significando,
no ambiente de convivência, desprestígio, inferioridade, falta de cultura, e projetando, na
pessoa falante, o estigma de “colono grosso.” Ressalte-se, nesta situação particular do
entrevistado B que, no primeiro caso, o talian funcionou como fator de “status” para o
entrevistado, já que era importante dominar esse conhecimento naquele ambiente (uma cidade
pequena, isolada, constituída predominantemente de descendentes de italianos, com uma
significativa porcentagem no meio rural). No segundo caso, agora em um ambiente
fundamentalmante urbanizado, composto por uma formação paritária de diferentes etnias, não
o talian, mas a simples interferência fonética deste no português funcionou como fator de
182
estigmatização. Fica evidente uma profunda relação, no mundo urbano, entre (+ ptg) = (+
status) e, no mundo rural (+ ita) = (+ status). Por outro lado, o mesmo ambiente urbano que
eleva o status do português, desprestigia este mesmo português quando portador de
interferências fonéticas do italiano. A hipótese de que ambientes mais isolados concentram
um maior índice de falantes do talian [+ ita] e ambientes urbanizados comportam um
continuum sempre mais em direção ao monolinguismo em português [+ ptg] parece se
confirmar. Isso equivaleria a dizer que ambientes mais urbanizados tendem ao
monolinguismo em português, como nos pontos 1 e 2, e que espaços mais isolados, como os
pontos 3 e 4, tendem ao bilinguismo ita/ptg.
Assim, o grau de reconhecimento do talian está intrinsicamente ligado ao grau de seu
uso e funcionalidade (ver seção 4.3.5 e 4.3.6, derivando daí a sua atual condição de existência,
diferentemente nos pontos 1 e 2, 3 e 4. Isso vem a confirmar o que Dorian (2006, p.437) diz
sobre o reconhecimento oficial de uma língua, no caso, podemos dizer que mesmo uma língua
não oficial, falada por um grupo minoritário, em um espaço em que ela é reconhecida, como
no ponto 4, e aceita por sua população, tem seu status garantido e pode ter a sua continuidade
assegurada. É o que já vimos na fala do informante B, do município de Severiano de Almeida,
nosso ponto 4 da pesquisa, e que ressaltamos aqui:
Inf. B Eu tenho orgulho! Pode ser chamado “meio grosso”, aquele da
colônia é grosso, mas é o nosso jeito de ser, pra nós aqui é prazeroso! (GI bi
Ponto 4).
Em termos de status institucional, o talian foi reconhecido pela Lei 13.178,
publicada no Diário oficial do Estado em 10/06/2009, como integrante do Patrimônio
Histórico e Cultural do Estado. A par disso, o talian é a primeira língua de imigração que está
sendo inventariada (2009) através do IPHAN, com execução pela Universidade de Caxias do
Sul (UCS). O Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL) é instrumento de
levantamento e registro das línguas faladas pelas comunidades brasileiras. As línguas
inventariadas são constitutivas da história e da cultura do Brasil e devem ser entendidas como
referências culturais da nação, tal qual ocorre com outros bens de natureza material ou
imaterial. O inventário visa a dar visibilidade à pluralidade linguística brasileira e a permitir
que as línguas sejam objeto de uma política patrimonial que colabore para sua manutenção e
uso. Esse fato representa um passo no avanço do talian a caminho da valorização e
reconhecimento de seu status como uma das nguas de imigração faladas no Brasil. Seu
destino, no entanto, em termos de uso e função, ainda vai depender do que a sua comunidade
183
de falantes, em diferentes regiões, assim decidir. Estamos em um período em que se observa
uma conjunção de fatores a favor da manutenção e revitalização do talian. Resta saber como a
comunidade de falantes vai gerenciar essa nova fase de, por assim dizer, “vitrine” da
diversidade linguística.
4.3.2 A comunidade de fala face às mudanças histórico-políticas
Inf. A Mas aquilo que nós não fizemos com os nossos, os nossos estão
fazendo com os deles. Por que…os seus netos ((referindo-se a inf. D)) e a
minha neta falam tão bem o italiano quanto o português, e com uma
estratégia simplíssima que a minha filha adotou: ela atende a neta,
evidente que com exceções, quando ela fala em português com ela e ela
responde em português. Com o pai ela fala italiano e ele responde
italiano. E a simbiose interna é feita ao natural, ela transita de uma para outra
com uma tranquilidade normal, porque as duas estão internalizadas como
língua paterna. Nao houve nenhuma dificuldade de aprendizagem. Lógico,
agora a dificuldade será com a escrita, setambém ensiná a escrever (GII bi
Ponto.1).
Tomado isoladamente, o depoimento acima pode ser visto como um exemplo de
atitude positiva e aquisição bilíngüe bem-sucedida em um determinado contexto familiar. Se
observarmos a sua recorrência no conjunto de nossas entrevistas, conforme mostra o mapa 7
abaixo, o mesmo depoimento ilustra uma mudança de atitude, da geração GII para a geração
GI, em relação à transmissão da língua de origem. Indagados sobre a importância de
transmitir a língua de origem aos filhos (mapa 7), observa-se uma clara mudança de atitude
entre os grupos GI e GII, indistintamente da dimensão diatópica.
A partir do mapa 7, a seguir, fica claro que a dimensão diageracional apresenta
importantes sinais de revitalização no grupo GI (jovens bilíngues ou monolíngues até 35
anos), nos três pontos da pesquisa e se impõe como representante mais decidido na
continuidade da língua de origem. Vale ressaltar, para fins de ações de promoção da educação
bilíngue, que essa faixa etária equivale ao período em que normalmente se constituem as
famílias (25-35 anos), portanto o momento em que os pais fazem as decisões sobre a
educação dos filhos, o que naturalmente inclui a escolha da língua que irão ensinar aos filhos.
Esta constatação é explorada em uma experiência no País de Gales (www.twf.com), onde se
desenvolveramões de promoção de educação bilíngue em inglês e galês através do trabalho
de parteiras (EDWARDS & NEWCOMBE, 2006).
184
Mapa 7 - Transmissão Intergeracional da Língua de Imigração.
Apesar das atitudes positivas, ainda permanece ao menos a consciência dos estigmas
associados à “língua da colônia”. Perguntados se têm orgulho ou vergonha desse modo de
falar, o grupo GI do ponto 4, assim se pronunciou:
Inf. D – Com certeza, com certeza eu tenho orgulho! (GI bi Ponto 4).
Inf. A E muito, a gente es cultivando as raízes! (GI bi Ponto 4).
185
Inf. B Eu tenho orgulho! Pode ser chamado meio grosso, ((risadas e
comentários paralelos)) “aquele da colônia é grosso”, mas é o nosso jeito
de ser, pra nós aqui é prazeroso, ((aqui todos concordaram que sim, que é
prazeroso)) tem uma conversa meio italiano meio português misturado e se
cata umas palavras em italiano, outras em português e vai se levando, pra nós
é gostoso e se dizem que o tem cultura, eu acho que não, acho que é uma
cultura que nós temo! (GI bi Ponto 4).
Segundo o informante B acima, ser identificado através da expressão aquele da
colônia é grosso” está ligado ao “nosso jeito de ser”, que contém o falar “misturado”, “meio
italiano, meio português”, enfim, “a cultura do lugar”. O que, porém, teria provocado essa
mudança de postura ou de atitude na geração GI?
Diferente é a situação, ou melhor, a percepção acerca do fracasso ou êxito da
transmissão do talian entre os membros da GII. Aí, parece aflorar uma espécie de sentimento
de cobrança pela GI, como se evidencia no depoimento a seguir.
Inf. CO meu pai também fala italiano e eu insisto que ele fale com a minha
filha o italiano, que ensine a ela. Eu sinto que nele também existia um certo
preconceito em relação ao italiano. Eu insisto e então ele está falando com a
vó, minha mãe, em italiano, pra ensiná minha filha. Mas também houve uma
certa resistência por parte do pai dela, meu marido, de querer que ela falasse
o italiano (GI mono Ponto.1).
Mais acentuada aqui, foi a não-intenção, a atitude de não passar a língua de origem aos
filhos, p. ex., no grupo GII do ponto 1.
Como já vimos, os quatro pontos pesquisados, assim como toda a região da grande
colônia Erechim, tiveram como marco inicial de colonização as décadas de 1910 a 1920, não
ficando distante, portanto, da Campanha de Nacionalização do ensino (década de 1930) que
levou à proibição da fala dialetal italiana e tornou o uso da língua portuguesa obrigatório.
Pelos depoimentos dos informantes dos três pontos com entrevista (1, 3 e 4), a ida à escola já
acontece com e pela língua portuguesa. Esse fato demonstra que, nessa região, não houve
ensino público na língua italiana. O que houve, e isso em situações isoladas, foi o ensino
particular da língua italiana, a que poucos tiveram acesso. A língua portuguesa foi, portanto,
imposta pelo poder político-administrativo em um período da história do Brasil que visava à
nacionalização do país em torno de uma única língua nacional, o português. Na formação do
mito da nação brasileira, unida por uma ngua comum, pode-se ver refletido um processo
recorrente em várias partes da Europa do século XIX. Porter (Introdução, p. 25, apud BURKE
e PORTER, 1993) dizem que, se esse “processo foi emancipador, em alguns sentidos, em
outros se mostrou mistificador, pois serviu para negar as diferenças internas, de origem,
riqueza, classe e status”.
186
Esses fatores extralinguísticos contribuem para a perda e desprestígio da fala dialetal
italiana. a segregação dentro do próprio grupo de imigrantes, isto é, forma-se um novo
grupo de descendentes: os que se localizam nas cidades, portanto mais urbanos e
enriquecidos, que veem os menos favorecidos e rurais como colonos, no sentido pejorativo do
termo, inferiorizando-os social e linguisticamente, seja pelo falar dialetal italiano, seja pela
fala do português com forte pronúncia italiana (ver FROSI, 2003). Esses dois fatos unidos, o
domínio do português e a posição social-financeira dão origem a um estigma social que
marcou os descendentes ítalo-brasileiros durante muito tempo e talvez até hoje. Como o
controle da imposição do português foi maior nos centros urbanos, foi nestes que a língua
mais rapidamente se amoldou às novas regras emanadas do poder oficial:
Inf. C E o meu a então, era muito teiMOso. Ele o obedecia, falava
italiano, não fazia o que mandavam e então ele foi preso três vezes! E
vinha para cá (Erechim) com o trem. E era o único, segundo dizem, que tinha
um rádio. Um radiAO grande e tinha uns tipos de microfones, que não dava
pra todo mundo ouvi. Mas afinal, ele tinha aquele bendito rádio. Tinha um
sistema de comunicação… - e o padre Caetano Zeofrida, também era italiano,
e cada vez que o meu avô ouvia que os italianos tinham afundado um navio
americano ou qualquer um que não era do eixo Alemanha, Japão, Itália, ele
comunicava os outros e o padre comemorava tocando o sino ou soltando
foguete. E os outros ficavam LOcos! Daí então eles descobriram que era do
rádio do meu avô, então ele foi preso mesmo por mais tempo, e daí ele se
rendeu e depois ele não falou mais em italiano. Teve que se rendê. E daí,
claro, se eles o podiam mais falá porque tinham os policiais…ou tu falava
português ou tu… eles eram violentos, esse pessoal aí do Getúlio, eles
prendiam, batiam… tinham que falá em português ou ficá quieto. Aqui na
região, a proibição de quem lidava com o público, de não podê falá no dialeto
prejudicou também a aprendizagem da geração seguinte, nos que
moravam mais no urbano (GII mono Ponto1).
É no espaço urbano que mais rapidamente se faz o controle do uso do talian e, por
consequência, onde mais rapidamente ocorre o controle de suas funções externas
(WEINREICH, 1964), relacionadas ao número de áreas de contato que abrangem todos os
meios pelos quais as nguas são adquiridas e usadas e a variação de cada área em duração,
frequência e pressão. Como os meios incluem o uso da língua em casa, na comunidade, escola
e demais meios de comunicação em geral, é certo que esses fatores foram bem mais fortes no
ambiente mais urbanizado, que era ali que o descendente bilíngue estabelecia uma maior
quantidade e frequência de contatos. O uso da língua, então, faz-se o por escolha, mas por
imposição:
Inf. B A questão né, da transição, da comunicação entre a primeira geração
dos italianos com o universo mais formal das autoriDAdes, gerou muitas
dificuldades né, e nós tivemos dificuldades muito específicas e graves
durante o período do Estado Novo, onde se decretou que tinha que haver a
comunicação em língua PERMITIDA, língua oficial (GII mono Ponto1).
187
A língua permitida é a língua oficial do país, o português. Esta é a única língua que
passa a ser aceita como veículo público de transmissão, apoiada política e institucionalmente,
com severas penas impostas àqueles que não cumprirem as novas regras do uso linguístico. O
fato o marcou o comportamento linguístico dos descendentes na época do decreto-lei,
como também transferiu esse mesmo comportamento de repressão às futuras gerações:
Inf. B A origem de não se ter passado mais cedo a língua para os filhos
vem da Segunda Guerra Mundial. O meu apaTERno e o cunhado dele,
Zanella e Risson, saindo da igreja Sao José, que hoje não existe mais, falando
em italiano, foram presos por ser da quinta coluna, e ficaram 45 dias presos
no porão da prefeitura, que naquela época era a cadeia. E a partir daí…houve
muita restrição em ensiná o italiano né… Mas a razão maior, pelo menos
no meu caso, de o passá pros meus filhos, foi exatamente por se tratar de
uma língua que acho até em função da…da…da guerra, que eram tratados de
quinta coluna, quem falava o italiano, quem falava o aleo, que o pessoal
não tem mais muito interesse em transmiti isso e a gente aprendeu mais de
ouvido e…depois pelo fato de que, realmente né, culturalmente foi
considerado quem falava o italiano, pessoas de inteior, colono grosso e a
gente procurou então, nao transferi para os filhos aquilo que a gente
passou e sentiu. Em compensação, a minha última filha, ela fez italiano e foi
pra Itália em razão de que ela participou do processo de cidadania italiana e
fomos buscar as origens e passamos a entendê um pouco mais da história e
aí ela se interessou, mas meus filhos mais velhos, não! ( GII bi Ponto1).
A resistência à transmissão da língua não se efetiva na primeira geração posterior à
guerra, mas faz-se sentir também nas gerações que se seguem, como podemos ver na fala da
informante A, do ponto 1:
Inf A Meu pai não me passou porque, com certeza, ele tem resistência à
língua. Fato: quando nasceu minha primogênita, primeira neta dele, ele disse:
Por favor, não ensine ela a me chamar de nono, eu quero ser vô, e quando
nasceu a primeira bisneta, que também é minha, ele disse: -Me chame de biso
tá… Entao, isso é uma resistência (GII mono Ponto1).
A informante A, inclusive, não passou a língua de origem aos filhos, mesmo tendo
aprendido a falar a ngua, após os 7 anos de idade, com a avó Ernesta. Retornaremos a esta
questão mais adiante quando tratarmos do papel da concentração demográfica,
especificamente do papel de i noni (ver seção 4.3.4.3).
O estabelecimento de uso de uma e outra ngua, no caso do português e do talian,
revela-se como uma marca diatópica, ou seja, na cidade fala-se o português, no interior fala-se
o talian, e isso é feito quase que inconscientemente, de “forma natural”, como explica o
informante D, do ponto 1:
Inf. D Os pais da Neide são e vó, porque o daqui de Erechim. Os
meus pais são nona e nono. Então, quando se fala, vamo lá no nono, são os
meus pais, eu vim lá do interior né e quem era da cidade, era vô e vó. E isso
188
até nós ensinamos de uma forma meio inconsciente, mas natural (GII mono
Ponto1).
A imposição do português como única língua permitida acarreta outras mudanças
relacionadas ao seu uso: era preciso encontrar formas de comunicação na nova língua, ainda
desconhecida. A negação da língua de origem impõe o silêncio, seja por não poder falar a
língua de domínio, seja por não saber falar a língua imposta:
Inf. C Eu não sei…a gente tem uma história negativa do tempo da
guerra. Não o italiano, mas todos. E na nossa região, lá de Viadutos,
onde nós nhamos aqueles bodegões antigos…- nós temos, no município,
quatro áreas: a dos poloneses, Carlos Gomes; a dos italianos, Barbará,
Canavial; a dos alemães, Linha Três, os Birck, então era mais ou menos
dividido e todos vinham ali. Eu sempre digo que o self-service, eu imagino
que foi a minha que inventô, porque ela foi muito inteligente. Porque eles
vinham, e só falavam a língua deles. A minha vó sabia muito bem o
italiano e, para bem atendê-los, dominava um pouco de cada língua. E
aquele pessoal do Getúlio Vargas, os soldados que proibiam o povo de falá a
língua, eles vinham e ficavam ali vendo quem falava e chamavam os italianos
de quinta coluna. Então, o que minha fez: o PESSOAL o podia fae
precisava das coisas. Então ela mandô arrancá todos os balcões da loja.
Naquele tempo não tinha essas coisas de tudo aberto, era quem vendia , tinha
tudo no balcão, uns ficavam do lado de cá e outros do lado de lá. E eles
vinham e pediam o que queriam. Ou tecido, café, açúcar, tripa, fumo em
corda…então o pessoal vinha e não falavam, apontavam as coisas. Cada
um ia e apontava o que queria (GII mono Ponto1).
A fase do silêncio vai, obrigatoriamente, sendo substituída, em parte e não totalmente,
pela aprendizagem da língua imposta e, o que se segue, no transcorrer da história, traduz o
que Mackey (1972) observa sobre as situações que pressionam o bilíngue a usar uma língua
em lugar de outra: o bilíngue pode falar a L1, pelo fato de se envergonhar da pronúncia que
ele apresenta, ao se expressar na L2 (como vimos na seção 4.3.1), ou pode falar a L2, pelo
fato de a L1 não ser popular na comunidade local e não ser aceita na comunidade maior. O
domínio preferencial dos dois sistemas linguísticos [ita] e [ptg] e de todos os valores
associados ao seu uso passa a ser, primeiro, decretado e, depois, decorrente dessa imposição.
Primeiro, por força de lei, após, pelas consequências, quer pessoais ou sociais que esta
imposição ocasiona. Ao descendente, resta um espaço para falar a sua língua de origem: o
espaço familiar e a pequena comunidade, distante do controle institucional e do estigma de
“língua de colono”. A hipótese de que ambientes informais tendem a fazer uso do talian,
enquanto que ambientes formais tendem a fazer uso do português, pode ter aqui a sua origem
e confirmação.
O depoimento da informante C, acima, também comprova a postura do então Governo
da República que, premeditadamente, instaurou as colônias mistas, estabelendo uma política
linguística pautada na crença de que, reunindo imigrantes de origens diferentes, no mesmo
189
espaço físico e social, estes seriam obrigados a fazer uso do português para garantir a
intercompreensão. Parece que, antes da proibição, estava-se construindo uma forma de
comunicação que não anulava nenhuma das línguas; estava-se dando início a uma
comunidade não pluriétnica, mas também plurilíngue, onde havia uma intercompreensão
plurilinguística. “A minha vó sabia muito bem o italiano e, para bem atendê-los, dominava um
pouco de cada língua”. Esse processo é interrompido, drasticamente, pelas imposições
históricas e políticas, mais acentuadamente nos ambientes mais urbanizados, com maiores
condições de acesso e comunicação, como no ponto 1 e também como nos pequenos centros
rurais, os que apresentavam maiores recursos de auxílio à população.
O período histórico que segue o período da proibição não marginaliza as línguas de
imigração e os seus falantes, como também visibilidade a outras línguas estrangeiras que
passam a ser cultuadas como objeto de poder e acesso a outros bens, aqueles que o talian não
poderia propiciar:
Inf. D Por que que também a gente não, como diz o Cassol (Inf. B) não
cometeu a violência de ensina o italiano? Porque também se nós fomos fruto,
deixamos de aprender mais a fundo o italiano por força de um momento
histórico espeCÍfico, os nossos filhos vieram num momento histórico
diferente, em que o moderno era falar inglês, o moderno é falar isso,
imagine falar o italiano do nono… Imagine tentá ensiná isso aos nossos
filhos!!Agora que começando, de repente, por razões…bá, se eu tivesse
aprendido, ou sei o que, ma tentássemos nós ensiná aos nossos filhos o
dialeto neto na idade em que deveria ter sido ensinado, e que nós
deveríamos ter tido o capricho de ter ensinado, nós teríamos apanhado da
gurizada, teriam fugido de casa, porque onde se viu aprendê esse dialeto,
porque o moderno é o inglês, o moderno é isso (GII mono, Ponto 1).
Nos pontos 3 e 4, embora sofrendo as mesmas proibições legais, pelo próprio fator de
isolamento, concentração demográfica e maior dificuldade de comunicação e acesso, os
efeitos são atenuados e até retardados:
Inf. C Tem a família Detoni, que veio da Itália, que parte ficou aqui no sul
e parte em o Paulo. Quando se juntemo ali em Pinto Bandera, nos cem
anos de imigrassom [imigração] da família, esses parente nosso que ficarom
[ficaram] em São Paulo foram proibidos de fala italiano. Ninguém mais levô
a língua italiana em São Paulo. essa que veio de São Paulo pra pro
sul, então essa falava italiano (GII bi Ponto 3).
A ausência, no censo do IBGE de 2010, da pergunta sobre “Qual a outra língua falada
no lar”, proposta pelo Grupo de Trabalho da Diversidade Linguística Nacional (GTDLN) e
feita pela última vez no censo de 1950, mantém a lacuna sobre uma visão mais clara da
amplitude da diversidade linguística existente no país. Por outro lado, o Estado do Rio Grande
do Sul, como vimos, promulgou em 2009 a lei que institui o talian como patrimônio
190
cultural imaterial. Resta a pergunta sobre o real impacto de leis como esta sobre a comunidade
de falantes e o modo estes compreendem esse reconhecimento.
4.3.3 Contexto sócio-geográfico: isolamento versus urbanização
No Álbum Comemorativo do 75º Aniversário da Colonização Italiana no Rio Grande
do Sul, editado pela Globo, em 1950, p. 43, lê-se:
É certo que 393.934 pessoas, ou 11,86% da população rio-grandense,
falavam o alemão no lar em 1940, e que 295.995, ou 8,91% falavam dialetos
italianos. É ainda certo que o Rio Grande do Sul concentra 47,60% dos que
falam no Brasil uma língua estrangeira no trato das coisas familiares. Mas,
desses próprios dados se infere o rápido desuso da língua paterna pelos
descendentes de italiano, de vez que mais nova e maior a imigração itálica
que a germânica. Concorrem para esse resultado não a semelhança dos
idiomas latinos, mas também o maior contato com as populações nacionais
da serra e das próprias colônias antigas, com cujo habitantes se podiam
entender em português (grifo nosso).
A formação étnica e histórica de colonização aliada à localização geográfica parece
dar sustento à afirmação acima. Segundo o Histórico de Erechim (1979, p.134), em 1950,
Erechim se constituiu em um dos municípios rurais de maior densidade populacional, apesar
dos desmembramentos sofridos. A sua localização geográfica em muito contribuiu para isso.
Todo seu potencial agrícola podia ser rapidamente escoado através da via férrea Santa Maria-
São Paulo, facilidade esta excepcional na história das colônias rio-grandenses. O mesmo não
ocorreu nos pontos 3 e 4 que necessitavam conduzir via rodoviária sua produção, ou para
Marcelino Ramos, que também possuía estação férrea, ou para Erechim.
Igualmente, pela primeira vez no Estado, a ocupação das terras foi planejada. Isso se
concretizou através da instalação da sede prevista vários anos antes; da construção e
conclusão (1913) da ponte sobre o rio Uruguai, que estabelecia ligação direta do Estado com
Santa Catarina, Paraná e São Paulo; da abertura de estradas que ligaria a sede da colônia à
capital do Estado e a outras sedes e, ainda, caminhos para os futuros núcleos de povoamento
que iriam surgir. Dois destes núcleos seriam Jacutinga e Severiano de Almeida. Estes viveram
até o fim da década de 1970, mais precisamente 1978, sem ligação asfáltica, portanto com
estradas em precárias condições, muito tortuosas, com muita lama, o que dificultava, em
muito, a locomoção e comunicação.
Com a ligação asfáltica e a consequente facilidade de comunicação, ocorre uma
situação um tanto estranha sob o ponto de vista do conceito corrente de que a zona rural é a
191
maior detentora de falantes de línguas minoritárias pelo próprio fator do isolamento natural.
Na tab. 7, os municípios apresentam uma freqüência de uso do talian que não traz diferenças
significativas entre falantes na zona urbana e na zona rural. Talvez, em parte, isso também
possa se explicar pelo fato de que com a nuclearização das escolas, uma maior
mobilidade de alunos e o espaço físico, neste caso, o seja mais a linha divisória entre
urbano e rural.
Outra variável interveniente é o afluxo de trabalhadores das periferias
(principalmente de Erechim, mas também de outros centros maiores como verificamos nos
questionários) que procuram emprego na área rural, em granjas e fazendas. Entre estes um
alto grau de miscigenação, como vimos nos municípios de Erechim e Getúlio Vargas (através
dos dados coletados nos questionários) e que, assim, está modificando a realidade rural.
Filhos de colonos proprietários rurais estudam em escolas de centro dos municípios, e filhos
de trabalhadores de menor condição econômica e com alta mobilidade estudam em escolas
mais próximas, ditas escolas polo, situadas em espaços estratégicos de cada município. Há,
ainda, a questão de que pelo próprio isolamento geográfico natural dos municípios de
Severiano de Almeida e Jacutinga, com maior dificuldade de acesso e consequente expansão
nos limites do próprio município, praticamente tanto zona rural quanto zona urbana
constituem-se em uma grande área mais rural do que urbana. Coseriu (1964, p. 50), em seu
texto “La Geografia Lingüística”, diz que “[...] los límites linguísticos no coinciden
necesariamente com los límites naturales [...].”
Se a dimensão diazonal não se mostra significativa no índice de bilinguismo,
exatamente pela interinfluência de outros fatores que a minimizam, os limites citadinos, a
mudança de um município interiorano para outro, mais cosmopolita, impõe a sua cultura ao
novo hóspede, como vemos nas falas dos informantes A e B, dos pontos 1 e 3,
respectivamente:
Inf. A Um exemplo que eu tenho é do meu avô paterno que quando veio
do interior…pra morá na cidade…em virtude das pessoas falarem o
português e de não compreenderem o italiano, ele acabou deixando de lado
aquela cultura habitual que ele tinha de falá o italiano pra falá o
português, porque muitas pessoas não entendiam o que ele falava. Então ali
já começou uma perda de valores, de resgate da língua (GI bi Ponto 1).
Inf. B É verdade! Eu me lembro também que a gente, criança, falava tudo
misturado, via o pai e a mãe falando...eu me lembro que naquela época o
Pedro Remonatto se mudou do interior pra , a gente morava aqui, e
eles vieram morá vizinho da gente e os filhos, e eles tinham as quatro filhos
primeiros, as crianças só falavam italiano, falavam italiano e então eles
queriam brincá com nós e a gente era tudo criança e a gente não se entendia
por que eles sabiam falá italiano, não sabiam falá português, depois na
192
convivência, a gente sempre morou perto, iam aprendendo, começaram a
i pra escola e eles aprenderam.(GII bi Ponto 3).
O mesmo fato foi destacado pelo inf. D, do grupo GII mono ponto 1 (4.3.2), ao
exemplificar como a localização interior/cidade determinou a escolha da ngua: no interior, o
talian (nono e nona); na cidade, o português (a e a).
Fato semelhante é ressaltado na fala da inf. C, do grupo GII mono: a mudança de lugar
ocasionou a perda da língua de origem
:
Inf. C Ma me fazea bem scoltar la NOna e el NOno e dopo che lei hà
vegnesto morar q en Erechim e…perdemos um pouco o contato con el
nono e la nona perché na nostra casa nissuno parlava dopo che lei hà
vegnesto quà en Erechim. E… de quela volta solo quando vedéve el nono e la
nona, ma me fa mal pensar che con tute queste oportunità, noantri non
gavemo aproveiTÀ. E desso se paga soldi, alti e pesadi para aprender quela
cosa che gavemo de grassia in casa. (GII mono Ponto 1).
Trad. :Mas me fazia bem escutar a e o e depois que eles vieram morar
aqui em Erechim e...[...] com o e a vó, porque na nossa casa ninguém
falava depois que eles vieram morar aqui em Erechim. E...daquele tempo
quando se via o e a vó, mas me faz mal pensar que com todas essas
oportunidades, nós não aproveitamos. E agora se paga dinheiro alto e pesado
para aprender aquilo que tínhamos de graça em casa.
A marca do urbano, na escolha da língua, é o uso do português, da língua oficial:
Inf. D - A tendência de quem vem morar em Erechim é falar o português e
estudar as línguas modernas. Eventualmente, cultivar o dialeto vai ser uma
coisa quase que exótica (GII mono Ponto1).
O avanço da urbanização transforma não só palavras, mas também espaços e modo de
vida:
Inf. DA separação rural/urbano, decorrente da revolução industrial,[...] nós
estamos hoje vivendo um processo de reunificação da indústria com a
agricultura. Vou dar um exemplo: a linguicinha camponesa, que é um dos
principais produtos da região, começa a ser produzida onde? na pocilga do
colono, que não é mais chiqueiro. Até o próprio nome mudou! Galinheiro é
aviário, estrebaria não é mais estrebaria, é estábulo. O cavalo como meio de
transporte virou fusca ou corcel II. O processo de reunificação rural/urbano,
ele está acontecendo. Então, o urbano está chegando lá (GII mono Ponto 1).
A preocupação com as exigências modernas de trabalho, com os investimentos
internos para melhorias técnicas, envolve o colono na lógica do novo mercado que se
visualiza. Modernidade e tradição iniciam um período de cumplicidade; no meio rural
constatam-se, em diferentes graus, aspectos mais amplos da sociedade urbana, assim como
aspectos da vida rural passam a ser explorados pelo urbano:
Muitas formas tradicionais de produção alimentar e artesanal (vinho, graspa,
cachaça, rapadura, doces em geral, dentre outras) estão sendo exploradas por
ramos comerciais de centros urbanos. Espaços naturais do meio rural (água,
193
cascatas, rios, montanhas, florestas, pedreiras, etc.) estão sendo utilizados
para o turismo rural (TEDESCO, 2001, p.86).
Não dúvidas de que a localização geográfica de um município tem forte ingerência
na manutenção de seu isolamento, bem como nos fatores que podem torná-lo mais ou menos
urbanizado e, com isso, acarretando mudanças em seu modo de vida e em sua forma de
comunicação. De um modo geral, a região da pesquisa, como um todo, tende à urbanização
(mais marcadamente, nos pontos 1 e 2 e em menor proporção, nos pontos 3 e 4), e esta é que
está mantendo ou construindo diferenças na manutenção ou perda do talian. Junta-se à
localização geográfica e ao grau de urbanização, a concentração e a distribuição geográfica, o
que explicitamos na seção a seguir.
4.3.4 Força demográfica da língua:mero de falantes e grau de homogeneidade étnica
Vinculados ao fator sócio-geográfico e fortemente dependente deste, estão os fatores
demográficos. Boa parte da análise a seguir retoma aspectos abordados na seção 4.2.
4.3.4.1 Concentração, distribuição e crescimento demográficos
Pelos dados do BIRS, analisados por Altenhofen (1990, p. 75-76),
um paulatino retrocedimento do bilingüismo no Rio Grande do Sul. Os
dados apontam que, em 18 anos, a contar de 1967, houve uma redução de
11,75%, na média geral de falantes que dominavam uma segunda língua,
ignorando o grau de proficiência. Esse índice baixou de 30,85%, na geração
dos pais, para 19,10%, na geração dos filhos em idade de alistamento militar.
que se ressaltar, que esse índice diz respeito a todo Estado do Rio Grande do Sul e
que, portanto, não retrata significativamente os índices da região em estudo, por ser uma
região com maior índice de descendentes de italianos. Entretanto, não deixa de servir como
parâmetro de estudo. Altenhofen (1990, p.76) complementa ainda que
a redução do índice de bilingüismo certamente o se explica por uma mera
decisão intra-familiar que determina que o filho aprenda apenas o português,
como medida auxiliar contra problemas de comunicação e escolarização.
194
Outras hipóteses necessitam ser levantadas a fim de responder quais fatores implicam
mudanças sociais nas comunidades e que afetam os usos, no caso, do talian e do português.
Retorno, portanto, à pergunta:
O atual estágio de difusão do português e decréscimo das variedades do italiano,
mais acentuado em algumas regiões e menos em outras, está relacionado à
dinâmica de estrutura da rede social na qual a força das atitudes tem papel
fundamental?
Vejamos o lado demográfico da estrutura da rede social formada pelos imigrantes
italianos e seus descendentes. No início da ocupação da colônia Erechim, região que hoje
abrange 31 municípios desmembrados e que compõem a região do Alto Uruguai Gaúcho,
56%
141
da população era de estrangeiros ou descendentes de estrangeiros, numa clara política
de incentivo à colonização. Esse percentual foi sendo acrescido pelos descendentes que se
multiplicavam em grande número, tanto que
na região da colônia Erechim, em 1917 havia quase 30 mil pessoas, das
quais: 7.000 brasileiros, 6.000 poloneses e russos, 4.000 alemães, 2.000
italianos, 1.000 austríacos, além de suecos, espanhóis, franceses, portugueses
e outros de nacionalidades diversas. em 1921, havia 40.000 habitantes, na
maioria alemã, italiana e polonesa (Histórico de Erechim, 1979, p.128).
Com os desmembramentos, diferentes etnias concentraram-se mais em determinadas
zonas, sendo que, segundo o Histórico de Erechim (1979), em 1926, a cidade de Erechim
(atual) contava com 1500 descendentes de italianos, sendo 90% filhos de italianos
provenientes da região do Vêneto. Não referência às demais etnias, mas, se em 1926 a
cidade contava com 3000 habitantes, segundo o Histórico de Erechim (1979, p.29), então as
demais etnias constituiam a outra metade da população. Revendo os dados, podemos observar
que, segundo nossa pesquisa estatístico-demográfica, o índice de descendência de origem
italiana, em Erechim (57,69%) permanece semelhante ao de 1926 (50%).
Mesmo com posteriores desmembramentos, pelos quais a região da grande Erechim
perde espaços de maior concentração étnica, no caso de Jacutinga e Severiano de Almeida
(entre 1964 e 1965), principalmente italiana, o índice de descendência italiana pouco se altera,
não apresentando diferenças significativas em relação ao índice de formação inicial.
A região que mais tarde constituiu o atual município de Jacutinga teve a formação
inicial por descendentes de imigrantes italianos (80%), alemães (15%), poloneses, israelitas e
141
Os dados constantes neste parágrafo foram retirados do Histórico de Erechim (1979), elaborado pelo Centro
de Ensino Superior de Erechim – CESE.
195
mestiços (5%). O índice de descendência italiana também permanece semelhante em nossa
pesquisa. Igualmente, a região que constituiu o atual município de Severiano de Almeida teve,
em sua origem, a presença majoritária da etnia italiana (de acordo com os dados relatados no
cap. 3 sobre os pontos de pesquisa), preponderantemente da região do Vêneto. Portanto, em
sua origem, essas duas regiões se constituem por imigrantes italianos e, especialmente, da
região do Vêneto.
Analisando os três pontos, percebe-se que a dimensão diatópica é fortemente marcada
pela presença da etnia italiana, porém, a concentração demográfica é bem mais elevada nos
pontos 3 e 4, 82,35% e 80,28% respectivamente, sendo que o ponto 1, cai para 57,69%.
Vejamos esse fator mais detalhadamente em sua distribuição nos ambientes, rural e urbano.
A concentração e distribuição dessa população situada na grande colônia Erechim
ocorre, até a década de 1950, predominantemente em área rural, visto que seus distritos eram
marcadamente rurais. É nacada de 1950 em diante, com ponto alto na década de 1960, que
ocorre a grande virada, como podemos conferir na tab.13.
Tabela 13 - Crescimento demográfico – município de Erechim: estimativas, 1979.
Crescimento Demográfico
Anos Pop. Urbana Pop. Rural Total Urbana (%) Rural (%)
1918 1.700 36.826 38.526 4,4 95,5
1924 2.750 44.614 47.364 5,8 94,1
1952 16.000 112.000 128.000 12,5 87,5
1956 18.080 78.890 96.970 18,6 81,3
1968 31.900 21.510 53.410 59,7 40,2
1971 35.720 15.200 50.920
70,1 29,8
1975 52.741
1978 54.346
Fonte: IBGE, anos de 1968 e 1971. Anuário do Estado do RS.
142
A tab. 13 demonstra o crescimento demográfico da região da colônia Erechim e da
sede do município a partir de 1918. Nela se sobressai uma situação inversa entre a população
urbana que se eleva, em 1971, para 70,1%, e a rural que decresce para 29,8%. Essa tendência
continua até os últimos anos. Em 2004, o total da população no ponto 1, Erechim, passou para
94.955, sendo 89.510 na área urbana e 5.445 na área rural, ou seja, 94.3% na zona urbana e
5,7% na zona rural, com uma densidade demográfica de 23,27 habitantes por k(Fonte:
FEE/IBGE).
142
Os dados da tabela foram retirados do Histórico de Erechim (1979, p.118) elaborado pelo Centro de Ensino
Superior de Erechim – CESE.
196
Em Severiano de Almeida, ponto 4, para comparar, a população total em 2004 era de
3.784 habitantes, sendo 1208 na zona rural e 2.576 na zona urbana, ou seja , 68% na zona
urbana e 32% na zona rural. Em 2004, a população é menor do que em 1960 (4.625), ou
seja, menor do que 44 anos atrás, diminuindo na zona rural e aumentando na zona urbana.
A densidade demográfica é de 23,6 habitantes por km².
Segue por fim, o ponto 3, Jacutinga, que registra, no censo de 2004, uma população
total 3.825 habitantes. Deste total, 2.315 estão na zona urbana e 1510 na zona rural, ou seja,
61% na zona urbana e 39% na zona rural. Jacutinga também tem sua população
reduzidada; do ano de 1980 para 2004, aproximadamente em 50%, o que também reduz sua
densidade demográfica para 17,7 habitantes por km².
Em suma, o aumento da população dá-se no índice geral e também na zona urbana,
mas decresce significativamente na zona rural, embora os pontos 3 e 4 ainda se mostrem mais
rurais do que o ponto 1 (39% e 32% respectivamente, contra 5,7%). Comparando-se os três
pontos tem-se o seguinte quadro:
Tabela 14 - População rural e urbana com percentagem – três pontos da pesquisa/ano 2006.
Percentagem (%) Municípios Anos População
urbana
Pop. Rural Total
Urbana Rural
1980 48.209 12.906 61.115 79 21 Erechim
2004 89.510 5.445 94.955 94.3
5.7
1980 2.515 4.020 6.535 38 62 Jacutinga
2004 2.315 1.510 3.825 61
39
1980 485 3.951 4.436 11 89 Severiano
Almeida
2004 2.576 1.208 3.784 68
32
Fonte: IBGE: censo de 1980, de 2000 e estimativa para 2004.
Historicamente, convém lembrar que Erechim constitui um dos exemplos mais
representativos de impulso demográfico devido à colonização. Para isso, em muito contribuiu
o planejamento para a ocupação das terras, com a instalação da Inspetoria de Terras, o
moderno traçado da cidade, a abertura de estradas e a própria localização ao longo da via
férrea Santa Maria-São Paulo, o que permitia escoar os produtos agrícolas, diga-se de
passagem, uma facilidade excepcional na história das colônias riograndenses. Como se vê, o
fator demográfico da região foi beneficiado pelo fator histórico-político do momento em que
privilegiou Boa Vista do Erechim como sede (e não Getúlio Vargas, conforme deveria ter
sido) e pelo fator geográfico com suas benfeitorias advindas da força da urbanização. Erechim
197
foi se constituindo em um ponto de convergência da região, tanto pela facilidade de
escoamento de mercadorias quanto pelas benfeitorias existentes.
Às considerações sobre a população rural e urbana, sua mobilidade espacial e social,
bem como o crescimento demográfico, soma-se o papel das relações interétnicas e o
contingente populacional da região. Se for verdade que a urbanização é um dos fatores que
mais aceleram a perda da língua minoritária, também parece configurar-se que no contato
interétnico, ou mesmo na constituição de colônias mistas, portanto etnicamente heterogêneas,
se observa um processo mais acelerado na direção da substituição do talian pelo português (e
adstratos, p.ex. do alemão), como previa a política de assentamento de imigrantes da
República. Como isso se deu pode ser observado em depoimentos como o que segue, em que
o informante descreve a interação dos ítalo-brasileiros no contato com falantes de alemão, na
comunidade de Três Arroios, antigamente distrito de Erechim, distante cerca de 30 km:
Inf. A Eu gostaria de fazer um acréscimo. Antigamente, a política
funcionava né… e teve algumas transferências de ordem política…Quando
fomos morar em Três Arroios, na cidade, vila, predominava o pessoal de
origem alemã, no interior, italiano. Ma lá eu só tinha contato com o pessoal
da vila, e…como…não havia com quem faitaliano praticamente na cidade,
muito pouca gente, a opção foi a partir dali, ao natural, falar o português e
detestá o alemão…e detestá o alemão…porque havia até missa em alemão! E
a gente não podia ir porque não entendia nada! e quando o alemão não queria
que a gente entendesse alguma coisa…se estava ali…e de repente…todo
mundo passava a falá alemão e a gente ficava olhando… Então eu aprendi de
alemão 3 ou 4 palavras que são besteiras, mas de alemão eu não sei
absolutamente nada (GII mono Ponto.1).
Como não havia com quem falar italiano na cidade, que o predomínio da etnia era
alemã, a opção do informante A foi pela língua comum ao grupo como um todo, o português.
No momento em que opta pelo português, em decorrência também deixa de falar o talian.
4.3.4.2 Contexto familiar e língua materna
As biografias de aquisição das línguas em contato, português e talian, o acima de
tudo reflexo do contato familiar, tanto em termos de sua estrutura quanto nas relações sociais
de seus membros. Vejamos o que nos diz o entrevistado D, do grupo GII mono Ponto 1, sobre
a forma como adquiriu o português e o talian:
Inf. D - Então, o que aconteceu: eu saí do interior com 10 anos e meio e fui
estudar num seminário de uma congregação de Turin, missionários da
Consolata, e aí tive dois anos do italiano gramatical. Tá! Então, como eu falo
o dialeto? Eu entendo tudo o que falam né, eu falo, mas eu tive uma prática
198
muito curta. Uma das primeiras razões é por que, na comunidade lá do
interior de Santa Teresa, onde eu me criei, eu nasci no Dez, mas depois me
criei na Santa Teresa…-, eu acho que era a única família em que os pais
falavam com os filhos em português, mas entre eles falavam italiano. Eu
acabei aprendendo falá(r) italiano, ouvindo o pai e a mãe falando e a
mistura que eles faziam do esforço deles pra falá(r) em português
conosco, por força do contexto histórico, enfim, de todos os
condicionantes políticos e companhia. Eles se esforçavam em falá(r) em
português conosco, mas sempre misturado, mas entre eles falavam em
italiano e todos os meus amigos, colegas de escola, falavam italiano com a
família, com os pais, era italiano puro na família, o dialeto italiano nosso.
no meio rural, ainda hoje se fala o dialeto vêneto (GII mono Ponto 1).
Embora o esforço dos pais em transmitir a língua portuguesa, certamente sofrendo as
interferências próprias de duas línguas em contato, a força da língua materna, de origem,
proporcionou ao informante D um nível de apreensão, de forma espontânea, que tornou
possível a sua manifestação oral, mesmo afirmando que “Eu entendo tudo o que falam né, eu
falo, mas eu tive uma prática muito curta”. É o meio ambiente favorável à aprendizagem da
língua, mesmo em uma provável situação de code-switching (entendido como alternância, ou
seja, a troca de canal, em poucos instantes, de uma para outra ngua) alternando com code-
mixing (entendido como interferência, ou seja, quando a L2 incorpora traços da L1 no léxico,
na sintaxe ou na fonética), o que é dito pelo próprio entrevistado: (“[...] o esforço deles pra
falá(r) em português conosco; eles se esforçavam pra falá(r) em português conosco, mas
sempre misturado [...] ).”
O mesmo entrevistado, mais adiante, retoma o assunto, agora em talian:
Inf. D Mi imparà parlar el dialeto talian quà del nostra region,
ascoltando me pare e me mare parlando, perc con noantri i parlea mia
talian. Parlea in português, ma tuto meso misturà con italian. Ma la maior
parte del italian che imparà è stato con i amighi de scola, de comunidade,
de pescaria, de laorare anca in colônia né, se laorea bonora, sete, otto anni,
il primo presente che se guadagnea l’èra una sapeta de manego curto. E
alora, vivendo, con i amighi se… parlava, perché lori parlavan con la
faméia, solo italian. La mea faméia l’èra, non ricordo de otra, de nantra, na
comunidade che… ne la faméia il pue la màma parlasse portuguese con i
fiói. La nostra, provável che fosse…( la fusse) une dele uniche o la única
.
(GII mono Ponto 1).
Trad. Eu aprendi a falar o dialeto talian aqui da nossa região, escutando meu
pai e minha mãe falando, porque conosco eles não falavam em talian.
Falavam em português, mas tudo meio misturado com italiano. Mas a maior
parte do italiano que eu aprendi foi com os meus amigos de escola, de [...] de
trabalhar também na colônia né, se trabalhava cedo, com 7, 8 anos; o
primeiro presente que se gahnava era uma enxada de cabo curto. E então.
Vivendo, com os amigos, se falava, porque eles falavam com as suas famílias
em italiano. A minha família era, não me lembro de outra, na comunidade
que....na família, o pai e a mãe falassem português com os filhos. A nossa,
provável que fosse uma das únicas ou a única. (GII mono Ponto 1).
199
Usando a variedade dialetal aprendida, o informante D repete a afirmação: “([...]
perché com noantri i parlea mia talian. Parlea in português, ma tuto meso misturà con
talian.).” Observe-se, no pequeno trecho de fala em talian do informante D, acima, como se
realiza e se reproduz o “fantasma da mistura:” Os dicionários indicam, p. ex., os seguintes
significados:
Maior parte: magior: como mais usado, mas também registro de maior
(em HT)
143
; em (AS)
144
não registro desta palavra. No italiano-padrão
maggiore
(Z).
145
Amighi: em AS encontramos: amigo; variação amico. Pl. amighi, amissi. Em
HT encontramos: amigo, amico. No italiano-padrão amico
, pl. amici.
Vejamos o que o próprio falante nos diz em outro ponto da entrevista, a respeito desse
uso:
Inf. D Então, o que está acontecendo: na cidade eshavendo uma mistura
entre o dialeto vêneto com o italiano gramatical, e no interior, hoje, hoje… se
aportuguesou bastante o dialeto original. Eu não saberia te dizer, por
exemplo, eu falei há pouco, colegas, amigos, né, colegas não existia essa
expressão no dialeto, a gente não usava isso, né… e a gente se ouve falar mei
amigui, no gramatical seria amici. (GII mono Ponto 1).
A alternância de códigos é, em suma, uma prática linguística recorrente nas relações
familiares O informante concretiza em sua fala o que conscientemente percebeu, ou seja, a
interferência. Em exemplos como de comunidade, de pescaria (em HT encontramos:
comunità, assossiassion, congregassion, socetà, registra-se a presença do léxico português na
fala do talian. Em HT a palavra pescaria é encontrada como pescaria e ciapada de pessi. Em
AS apenas como pescada. No italiano-padrão, pesca (Z). Nos próprios dicionários, não
consenso. Vejamos mais exemplos:
Curto: em HT, curto; em AS, encontramos curto e corto. No italiano-padrão,
corto
(Z). Uma palavra que tanto pode pertencer ao léxico do talian, quanto
do português.
situações curiosas de sintaxe de concordância verbal como em: Lori parlavan onde
se verifica o uso do léxico do italiano com a sintaxe do português Também no uso do verbo
ser: che fosse, em vez de che la fusse. Aqui ocorre o emprego da sintaxe do português com o
verbo também do português. O che, igualmente, na oralidade, poderia ser o que do português.
Além disso, confrontando o português com as variedades dialetais do italiano, é possível
143
Tomaremos como referência gramatical do talian, o dicionário de Honório Tonial (HT), Dicionário Português
Talian (1997) e de
144
Alberto Vitor Stawinski (AS), Dicionário Vêneto Sul-rio-grandense Português (1987).
145
Do italiano-padrão, o dicionário de Zanichelli editore; prima edicione per L’Italia:gennaio, 1996.
200
verificar que se trata de duas línguas românicas em contato com estruturas semelhantes. E é
principalmente na estrutura fônica que ocorrem certos fenômenos, tanto no dialeto italiano,
quanto no português.
Concluindo, constata-se a presença do talian falado na região amighi de scola”,
juntamente com expressões do italiano-padrão che ho imparà è stato
”, com expressões do
português “de comunidade, de pescaria”, além de expressões do italiano-padrão com o
português: il primo presente: (il primo
= italiano-padrão; presente = português e no
italiano-padrão = presente
e regalo, sendo este último o mais usado).
A informante C, GII mono, também do ponto 1, traz uma situação que nos revela outra
faceta do papel da família na transmissão da língua de origem:
Inf. C Eu também acho. É questão de uma geração mais. Aqui no urbano
quase não tem mais. Eu vou pe um exemplo dos nono Picolli, que é a
região mais rural italiana de Erechim. Os nonos falam ainda muito bem.
As filhas e filhos falam com eles também relativamente bem. Mas a
gurizada vem toda com os micro (ônibus) estudá em Erechim, porque
escolinhas rurais não têm mais. Então os pais não falam com as criança,
dele,s em italiano dialeto, falam em português. Então eles não
aprenderam. Então eles não vão ensiná para os filhos deles porque eles
também não sabem. Então acho que é a última geração. Eles m de micro,
aqui não falam e eles não querem nem sabê de falá. Eu tenho isso muito claro
(GII mono Ponto.1).
A informante C destaca a introdução de um elemento exógeno ao ambiente familiar e
ao meio rural: de um período de relativa densidade e multiplicidade (MILROY, (1987, p. 61)
diz que a extrema densidade produz uma homogeneidade de normas e valores) de relações
que fixaram e ampliaram a comunicação na língua de origem, ocorre uma quebra de sistema,
ou seja, o microonibus como um elemento que possibilita a saída de um mundo existencial
para outro e, com isso, a mudança de hábitos, de referências e de linguagem.
O fim da escolinha rural também traz consigo o fim de uma possibilidade de
manutenção da língua de origem, que o professor (normalmente a professora), sendo da
comunidade, mantinha seus valores e costumes. Prova é que, da geração dos nonos,
praticamente monolíngue em italiano, passa-se à geração dos pais, bilíngue ita/ptg para a
geração dos filhos, monolíngues, agora, em português. Realiza-se o que Grosjean (1982) e
Romaine (1995, p.5) constatam na situação de contato entre duas línguas com diferentes
funções de uso, onde o contato com a língua majoritária é muito mais intenso. Romaine diz
que o bilinguismo está a um passo da extinção linguística
146
”. Não é uma regra, mas, em
alguns casos, essa afirmação traduz uma realidade, que, historicamente, o deslocamento de
146
It has often been said that bilingualism is a step along the road to linguistic extinction”. A mesma situação é
vista por Grosjean, (1982).
201
uma língua em uma comunidade de fala bi(multi)língue tem se caracterizado pela sequência
temporal monolinguismo-bilinguismo-monolinguismo: nesse caso, a comunidade ou grupo
que um dia foi monolíngue no italiano, tornou-se temporariamente bilíngue através do contato
com o português, língua dominante, e caminha para a extinção da língua italiana, tornando-se
novamente monolíngue, porém na língua portuguesa. Assim como pode acontecer em um
curto espaço de tempo, esse processo de deslocamento linguístico pode durar anos ou séculos,
não dependendo de fatores linguísticos, mas extralinguísticos. que se questionar,
naturalmente, o papel ou a força da atitude dos pais na transmissão da língua. Retomamos a
pergunta inicial: “Que atitudes individuais e coletivas estão presentes na fala e no
comportamento do descendente italiano em relação à sua língua e à sua cultura de origem?”
Diferente é a situação do entrevistado B, do mesmo grupo GII mono Ponto 1, que teve
como primeira língua o italiano, vindo a aprender o português somente na escola. Desses
quatro entrevistados, é o que tem a situação mais definida quanto à aquisição da língua
materna, ou seja, o talian como a língua aprendida sem o contato com o português, pelo
menos até os sete ou oito anos de idade. Vejamos como ele se manifesta:
Inf. BMi, mi hò impará o talian con la me faméia, con me pupà, con la me
màma e me fradèi. E onde son… nassesto, onde me son… criato, son
elevatofin che non son andato a scola, fin ai sete, oto ani, se se …parlava
con la me faméia, con algun cuzin, algun zio, o zia, solo (GII mono Ponto.1).
Trad.: Eu aprendi o talian com a minha família, com meu pai, com a minha
mãe e meus irmãos. E onde nasci, onde me criei...até que não fui à escola, até
os 7, 8 anos, se falava com a minha família, com algum primo, algum tio ou
tia, só (GII mono Ponto.1).
É importante ressaltar que o informante B, acima, é o que demonstrou, na entrevista,
maior desenvoltura no trato com a língua de origem, tanto na pronúncia quanto no
desenvolvimento do vocabulário do talian. Mesmo assim, o inf. B realiza alguma
interferência. O termo elevato, encontramos em HT como slevato ou aslevato, em AS não
encontramos registro, e no italiano-padrão de Z como allevato
. o termo criato poderia ser
do italiano-padrão creare
com interferência do português.
Ainda no ponto 1, grupo GII bi, o informante A teve o talian e o português como
línguas maternas, aprendendo as duas simultaneamente:
Inf. A Minha mãe se manifestava, fundamentalmente, em italiano e meu
pai, fundamentalmente, em português. Então, eventualmente, se
imbricavam as duas (…) e assim foi que se aprendeu as duas, talvez não o
bem como se uma fosse, mas enfim, o meio de intercomunicação, em casa,
com a mãe, era italiano, com o pai, em português. E, exatamente, aos 4, 5
anos era só em italiano, praticamente. Isto era em Monte Alegre (GII bi
Ponto.1).
202
O mesmo informante se manifesta também em talian:
Inf. A Pra mimah…da pìcolo, a casa, me màma parlava solo italiano.
Papà nò, papà sò portoghese. Alora è stato, una lengua como se paterna
fusse. E le due se imparato …sensa far forse, sensa preocu (…) de um
lado, ao naturale (GII bi Ponto.1).
Trad.: Pra mim...ah...de pequeno, em casa, minha mãe falava em italiano.
Papai não, papai em português. Então foi uma língua como se paterna
fosse. E as duas se aprendeu né...sem fazer força, sem preocupação de um
lado, ao natural (GII bi Ponto.1).
Embora a relação com o pai fosse apenas em português, a ponto de dizer do português
“Alora è stato una lengua como se paterna fusse, a presença italiana foi bem maior no
ambiente familiar e mesmo na comunidade, o que fez com que o entrevistado diga que “e
assim foi que se aprendeu as duas, talvez o tão bem como se uma fosse”. Ao dizer isto,
refere-se à melhor aprendizagem, na época, do italiano do que do português. Este informante
pode ter vivido o que, nos estudos de aquisição da linguagem, se conhece por princípio de
Grammont: une persone, une langue. Pelo princípio, o pai e a mãe, com línguas diferentes,
devem usar sempre a mesma ngua e apenas uma, na interação com a criança. No caso do
informante A, o pai falava o português e a mãe o italiano. No entanto, mesmo falando as duas
línguas, com propriedade, a ponto de dizer. “E le due se imparato né…sensa far forse,
sensa
preocu (…) de um lado, ao naturale
…”,
o informante
A mantém uma atitude de
incredulidade quanto à maneira como adquiriu as duas línguas, demonstrando que talvez
falasse melhor se tivesse aprendido apenas uma língua. Esta crença de que a aquisição de duas
ou mais línguas, concomitantemente, dificulta e atrapalha o processo de aprendizagem de um
modo geral, causando prejuízos ao desenvolvimento cognitivo das crianças foi e é, ainda,
muito comum entre pais descendentes de imigrantes bilíngues. Altenhofen (2002) escreve que
são numerosos os comentários colhidos de jovens pais bilíngues, afirmando
ensinarem apenas o português aos seus filhos, para que “esses o passem
pelos mesmos problemas pelos quais eles passaram na escola
(ALTENHOFEN , 2002, p.38).
Embora com a suspeita de que talvez não tenha aprendido bem as duas línguas,
para perceber, através da fala do informante A do grupo GII bi, uma significativa proficiência
no trato com a língua de origem, semelhante à proficiência apresentada pelo informante B do
grupo GII mono, ambos do ponto.1, com procedência de área rural e com aquisição do dialeto
italiano ainda na infância, seja simultaneamente com o português (Inf. A GII bi), seja apenas
no dialeto italiano (Inf. B, GII mono).
O informante B, a seguir, também do grupo GII bi Ponto 1, embora tendo a língua
italiana como primeira língua, “fala pouco, porque não tem com quem falar”. A questão da
203
língua materna passa também pela questão da ngua dominante, “a dominância relativa das
línguas” (ou configuração de dominância, cf. WEINREICH, 1964, p. 75). O code-switching
ou code-mixing presentes no comportamento bilíngue podem ser considerados como falha ou
como fator de status, dependendo do grau de articulação com que o indivíduo consegue
expressar-se e de sua posição social (LAMBERT, 1972). No caso do informante B, sobressai
o fator status, já que se alia a posição social ao grau de articulação do talian para poder suprir
a necessidade de conseguir algo:
Inf. B imparà a ascoltar i grandi. Pupà, la màma, la nona, el nono, mi
zie. Lora imparà ascoltando…Parlo poco perchè non se gà, non se
gà…con chi parlare…Magari, quando se in tela colónia, in tel interior se
parla un poco. E quando so ndato a San Valentim lavorare in tela cassa
[Caixa] ecoNÔmica, go (…) necessitado parlar novamente il dialeto, se
non se conseghia mia la simpatia e la confianssa dei coloni pra ciapar sui
soldi. Lora, imparà novamente parlar italiano, che lori dizea:- “Daghe i
soldi che questo è di nostri! (GII bi Ponto1).
Trad.: Comecei aprender escutando os grandes. Pai, a mãe, a vó, o vô, meus
tios. Então aprendi escutando. Falo pouco porque não se tem com quem falar
... Mas, quando se vai à colônia, no interior, se fala um pouco. E quando fui a
São Valentim trabalhar na Caixa Econômica, tive necessidade de falar
novamente o dialeto, senão não se conseguia a simpatia e a confiança dos
colonos para pegar seu dinheiro. Então comecei novamente a falar italiano,
que eles diziam: “Dão o dineiro que este é dos nossos (GII bi Ponto 1).
Como os informantes A, (GII bi) e B (GII mono) acima, o informante B (GII bi)
também adquiriu o dialeto italiano na infância, em área rural. Mais tarde, residindo em
Erechim, nosso ponto 1 da pesquisa, o informante já era funcionário da Caixa Econômica
Estadual, mas só necessitou falar novamente o talian quando foi designado para atuar em São
Valentim, uma cidade interiorana e com população majoritária de origem italiana. Observe-se
que o informante B realiza sua fala dialetal com apenas uma interferência, que é do italiano-
padrão
147
, em: “ imparà” nas demais ocorrências, mantém o “”, próprio do talian.
A inf. C realiza um maior número de interferências, vejamos:
Inf. C Mi, quando zèra pìcola, gavea la me nona che me piasea TANto e
zèra sempre insieme a éla. Portanto, tela mea fameia, me pare, me mare non
parlava (parlavano) mia italiano, ma la me nona la parlava tuto e mi parlava
(parlavo) il portoghese, ma éla la dimandava tuto in italiano e mi
respondeva (rispondevo) in portughese. Partanto, ho tanto imparato con éla
e hò tanto nostalgia dela per quelo, ma mai in me fameia ho parlato italiano,
tuto con la me nona. (GII bi Ponto 1).
Trad.: Eu, quando era pequena, tinha a minha que eu gostava TANto e
estava sempre junto à ela. Portanto, na minha família, meu pai, minha mãe
não falavam em italiano, mas a minha falava tudo e eu falava em
português, mas ela perguntava tudo em italiano e eu respondia em português.
Portanto, eu aprendi muito com ela e tenho tanta saudade dela por isso, mas
nunca em minha família falei italiano, tudo com a minha vó (GII bi Ponto 1).
147
Alberto Vitor Stawinski 1987, p. X (AS), inclui também como sendo do dialeto italiano.
204
Esta informante passou sua infância na cidade e pouco ou nenhum contato teve com o
espaço rural, tanto que ouvia o dialeto italiano pela voz da nona. Tem sua descendência
italiana através do pai e a descendência alemã através da mãe. Observe-se que a inf. C
encontra dificuldades na utilização dos verbos: non parlava por non parlavano; mi parlava
por mi parlavo; mi respondeva por mi respondevo. Também: do italiano-padrão, em vez de
, mais usado no talian. Há, ainda, palavras em português, como portanto; em HT parsiò,
cong., pérsio, alora, partanto, pertanto, paraò. Em AS o registro. No italiano-padrão,
em Z conj. dunque
, quindi, pertanto. Também realiza a contração da preposição de + ela =
dela [‘dela] com pronúncia paroxítona, como no português.
À par da questão linguística, sentimentos distintos, de identificação e de afeto, ligam
os entrevistados B e C do grupo GII bi acima à aprendizagem e manutenção do talian, mas
um elemento comum: A nona é o elo com a língua de origem. O inf. B adquiriu a língua de
origem com a família e nesta há o nono e a nona. A inf. C, mesmo respondendo em
português, aprendeu o italiano com Éla ho tanto imparato com éla,a saudade é da nona, de
suas conversas em italiano: “ho tanto nostalgia dela per quelo.
A nona, como o elemento de ligação com a língua de origem, está presente também na
geração mais jovem, GI bi, a geração que, nos três pontos da pesquisa é bilíngue, ou seja,
mantém o português e a língua de origem. Pode-se dizer que a figura feminina, representada
pelo grupo GII, se destaca como principal veículo de transmissão e manutenção do talian,
portanto, mais conservadora, independentemente de ponto de pesquisa. Obviamente, há que se
assinalar aqui o fato de que, nessa época, a mulher permanecia muito mais tempo no lar e
próxima aos filhos e netos, pelas próprias condições de trabalho e de posição social dentro da
família. Quando esta conjunção de fatores se alterava, alterava também o resultado:
Inf. A Mas, em casa, a minha mãe…, isso se passou mais de 10, 15 anos, a
minha mãe falava o italiano permanentemente. Ela perdeu a fala, deixou de
falá italiano quando veio morar aqui. (aqui é Erechim, ponto 1). Então,
ninguém falava, mas a mãe…foi misturando, misturando até que desapareceu
(GII bi Ponto 1).
Inf. C Aprendi com meus avós… Porque na verdade, por que eu aprendi?...
Aprendi o pouco que sei? Porque eu ouvia eles falá, falavam no dia-a-dia.
Agora, meus filhos, por exemplo. Eu e a, a minha… noiva. Em casa, a gente
não fala o italiano, a gente só fala português, normal. Então, se um dia a
gente tiver filhos, ele vai conviver conosco aprendendo a falá o português. Se
eu quiser que ele aprenda o italiano, e eu quero, porque quanto mais línguas
ele tiver, melhor, eu vou mandá ele pra uma escola de italiano gramatical, ele
vai aprendê o italiano gramatical. O dialeto? Só se ele tiver a oportunidade de
convivê com a minha mãe, o meu pai, de repente entre eles vão falá alguma
coisa…mas hoje em dia, as pessoas o ficam mais com a mãe, os pais, vão
205
para uma casa diferente, nao têm mais aquela convivência de um pai e de
uma mãe e 10 filhos ao redor. É diferente (GI bi Ponto 1).
A hipótese de que a mulher do grupo GII mantém a língua de origem em maior grau
do que o homem parece exercer duas forças contrárias entre si, ou seja, ao mesmo tempo em
que a mulher mantém a língua também pode deixar de fazê-lo, enfatizando, desse modo, o
papel preponderante do contexto. Sobre as diferenças de manutenção e substituição linguística
na dimensão diagenérica, veja-se seção 4.2.1.
4.3.4.3 O papel dos nonos – i noni
A união da família foi, nos primeiros tempos de colonização e principalmente em
regiões mais isoladas, um fator inprescindível de sobrevivência, pois dela dependia a
produção na terra e a preservação da cultura, incluindo a língua de intercomunicação. Nas
histórias de família de descendentes de italianos, estudadas por GIRON, (2007, p.49), “o
trabalho tem mais valor que a religião”. E é justamente o trabalho que ocupava, entre as
mulheres ítalo-brasileiras, um tempo muito precioso. Elas acompanhavam os maridos nas
lides da roça e, ainda, tinham sob sua responsabilidade as tarefas da casa. Nestas, se incluía a
criação e a educação dos filhos.
Para uma melhor compreensão desse contexto, é importante ressaltar que a família
italiana é conhecida, tradicionalmente, como uma família numerosa e que, sob o mesmo teto,
abrigava avós, pais e filhos. Nesse convívio familiar, os avós ajudam os filhos a criar os netos.
Bertonha (2005) escreve que
mesmo entre os descendentes de italianos espalhados pelo mundo, esse traço
de valorização da família e da proximidade com ela é uma característica
cultural ainda bastante forte [...] dos italianos ou descendentes no Brasil, por
exemplo (BERTONHA, 2005, p.254/5).
Das famílias de nossos informantes (em número de 48), apenas duas o são
provenientes da antiga região de colonização italiana (RCI). Portanto, os nonos descritos
nos depoimentos da GII, são os descendentes dos imigrantes de geração, nascidos, na
verdade, na RCI onde, certamente, adquiriram a língua de origem como língua dominante. Em
muitos casos, eram praticamente monolíngues em talian. Tanto é fato que, mesmo os “nonos”
da GI são mencionados pelos informantes jovens como os que ainda “só falavam o italiano”.
206
Trata-se, assim, de famílias típicas italianas, nas quais se mantiveram traços culturais como o
da convivência familiar entre i noni e i nipoti, ou seja, entre os avós e os netos.
A presença dos nonosna transmissão da língua de origem aparece em 100% dos
depoimentos dos informantes da GI bi (os mais jovens), independente do ponto pesquisado.
Tal é acentuado em depoimentos como os que seguem:
Inf. A Eu, em virtude de conviver com a minha vó desde criança e a minha
o sabe falá português, então as primeiras palavras que saíram era
sempre em italiano, em virtude né…tosa, insieme…demo…vassorai, então
as primeiras palavras eu falava como a minha falava, que como eu ficava
o dia inteiro com ela (GI bi Ponto 1).
Inf. C - Mi imparà italian con la me NOna, mare de me mare […] éla
parlava TANto italian con so…fióle (GI bi Ponto 1).
Trad.: Eu aprendi italiano com a minha vó, mãe da minha mãe (...) ela falava
TANto italiano com suas... filhas...(GI bi Ponto 1).
Entretanto, na mesma GI, agora nos pontos 3 e 4 da pesquisa (os mais isolados), não
a nona aparece como a transmissora da ngua, mas também os pais, indicando a
permanência da língua em todo contexto familiar, incluindo a 3ª geração, no caso desta
pesquisa, a representada pela GII:
Inf. B Io ho imparato il italiano perché quando era bambina in contato
com la mia nona che parlava com tute le persone in italiano. La mia nona
la è morta e adesso non parlo niente talian, ma... ho imparato com lei,
ascoltando la mia nona parlar com le persone (GI bi Ponto 3).
Trad. : Eu aprendi o italiano porque quando eu era pequena em contato com
a minha nona que falava com todas as pessoas em italiano. A minha nona já é
morta e agora não falo nada em talian, mas eu aprendi com ela, escutando
minha nona falar com as pessoas (GI bi Ponto 3).
Inf. A- Mi imparà parlar talian insieme con me nona, desde picinina,
mi... sempre insieme com éla, lora mi imparà parlar português, normal,
ma talian sempre éla, sol che parlea talian lora mi go imparà fácile, sempre
insieme com éla, assim...sèi ani, por aí, la casa me pare e me mare lu le
parla ma no tanto quanto éla, lora mi go imparà insieme com éla (GI bi
Ponto 4).
Trad. : Eu aprendi falar talian junto com minha nona, desde pequena, eu
sempre junto a ela, então eu aprendi falar português, normal, mas talian
sempre com ela, que falava em talian, e então eu aprendi fácil, sempre
junto a ela, assim, aos 6 anos, por ...em casa, o pai e a e eles falam, mas
não tanto quanto ela, então eu aprendi junto com ela (GI bi Ponto 4).
Inf. B Mi lora, mi imparà de la me nona, principalmente de la me
nona, la màma da màma em una caseta separada, da rente, banda del pai, e
lora... pai, màma e el nono em tea carossa e mi stea a casa insieme com la
nona.Tuti parlar talian casa, nona, nono pai e la màma (GI bi Ponto
4).
Trad.: Eu então, eu aprendi com a minha nona., principalmente da minha
nona, a mãe da mãe em uma casinha separada, perto, do lado do pai, e
então...pai, mãe e o nono na carroça e eu ficava em casa, junto com a nona.
Todos sabem falar talian lê em casa, nona, nono, pai e a mãe (GI bi Ponto 4).
207
a aquisição da língua materna pela GII (mais de 50 anos) ocorre de forma distinta
no ponto 1 e nos pontos 3 e 4. No ponto 1 da pesquisa, a aquisição ocorre preponderantemente
através dos avós. O fator imperativo dessa aquisição vem da necessidade de
intercomunicação, ou seja, falar com a avó exigia a aprendizagem da língua da avó, que
esta não sabia falar a outra língua, no caso, o português:
Inf. A Mi imparà, oidéa con la me nona. La se chiamava Ernesta.
Ernesta Roncalio Vibardelli. Non la parlea niente in português (GI bi Ponto
4).
Trad.: Eu aprendi falar, penso que com minha nona. Ela se chamava Ernesta.
Ernesta Roncalio Vibardelli. Ela não falava nada em português (GI bi Ponto
4).
Inf. C Eu sempre gostei gostei…acho que pelo carinho que eu tinha pela
minha e tudo isso… e um ponto importante que eu analiso sempre, é que
mesmo que ela falasse em italiano e nós respondíamos em português, eu
nunca mais esqueci! Mesmo não falando mais e …por força das
circunstâncias a porque ninguém falava, e continuamos a minha avó
morrer, muito idosa, ela sempre falando em italiano e nós respondendo em
português e quem conviveu com ela, fala o dialeto (GII bi Ponto 1).
Inf. C Mi capisco tuto, ma parlo poco. ((riu)) Perché, hò imparà quelo
poco che con la me nona e me nono. Perché il mio pupà e la mia màma
non parlavan italian, con noantre, sol con el nono e la nona (GII mono
Ponto 1).
Trad.: Eu entendo tudo, mas falo pouco. Porque, eu aprendi o pouco que sei
com a minha nona e meu nono. Porque o meu pai e a minha mãe não falavam
italian conosco, só com o nono e a nona (GII mono Ponto 1).
A informante A, acima, teve como primeira língua o português, mas aos seis anos
inicia o contato com a língua italiana através da convivência com a sua avó, que só falava esta
língua. Antes disso, no contato com o nono”, “ai quatro ani, el me nono, che zéra sempre
malà, me insegnà a…a léder, a contar i soldi, a far i trochi, a far compri
mas tudo em
português”
(
aos quatro anos, o meu nono, que estava sempre doente, me ensinou a ler, a
contar o dinheiro, a fazer o troco, a fazer compras...”). É diferente a posição do nono. Pelo
que surge no decorrer da entrevista com esta informante, é possível perceber que o nono o
gostava do talian. Este comportamente não é isolado, ele transcende em outros depoimentos.
Levanta-se a hipótese de que o homem, nesse contexto e nessa geração, tinha mais acesso ao
português porque mantinha contato frequente com o mundo externo. Usava seu conhecimento
do português como forma/ferramenta para passar sua autoridade e poder masculino.
Obviamente, esta hipótese precisaria ser melhor trabalhada e confirmada através de outras
pesquisas.
Diferente é a situação nos pontos 3 e 4, onde a preponderância da transmissão é dos
pais, indicando a presença mais constante dos mesmos no ambiente do lar e, principalmente, a
208
manutenção da língua de origem, pelo que se pode deduzir, ocasionada pelo seu papel de
única língua de intercomunicação:
Inf. B Varda, mi go imparà com me pare e a màma. Perchè, scola...
quando che andea a scola, podia falar português e mi non savea... falar
português ...tochea star sensa parlar (GII bi Ponto 3).
Trad.: Olha, eu aprendi com meu pai e a mãe. Porque escola...quando se ia à
escola, podia falar português e eu não sabia falar português...ficava sem falar
(GII bi Ponto 3).
Inf. A Ah, è vegnesto de nostri pupà. Quando gò cominsià parlar, lori
ensegnà a parlar italian, lori parlea italian, non ghèra altra língua, che
noantri gamo imparà parlar italian . Perchè brasilian non le ghèra, non
ghèra, quem sabe ali...lèra sol italian e imparà a parlar italian (GII bi
Ponto 3).
Trad.: Ah, veio de nossos pais. Quando eu comecei a falar eles ensinaram a
falar italian, eles falavam italian, o tinha outra língua, que nós
aprendemos a falar italian. Porque brasileiro o tinha, não tinha, quem sabe
ali... tinha italian e eu comecei a falar italian (GII bi Ponto 3).
Inf. D Mi anca, lora, la família mia la era tuti do italiani e sempre me
ensegnà italian, scominsié andar a scola ma non capia mia tuto quel che
dizea a scola (GII bi Ponto 4).
Trad.: Eu também, então, a minha família era toda do italiano e sempre me
ensinaram italian; comecei a ir à escola mas não entendia tudo o que dizia a
escola (GII bi Ponto 4).
No entanto, pelo que se deduz do depoimento do informante C (Ponto 3) abaixo, o
fator que determina ou a manutenção do talian ou a sua troca como língua de
intercomunicação, pelo português, também tem sua sustentação na existência dos avós e não
dos pais. Não existindo mais o elo, motivo de uso da língua de origem no contexto da
comunicação familiar, cessa a necessidade de uso desta língua:
Inf. C em casa foi mais ou menos igual. Até que tinha a minha viva,
o meu pai, dentro de casa, falava com ela, até porque ela entendia até mais
acho que o italiano do que o português, falava mais o italiano com ela. A
minha mãe também, ela até fala, que com nós ela procurava falá mais
o português, aí, por causa dela... nós não aprendemos (GI mono Ponto 3).
Volta aqui o papel da mulher na manutenção ou perda da língua de imigração e o fator
preponderante do contexto (ver seção anterior), também em nível familiar. Vale para ilustrar e
como constatação, o depoimento de um de nossos informantes:
Inf. D Dificilmente você vai lutá para defendê o seu dialeto, porque não
existe nem um espaço que diga que isso é importante! (GII mono Ponto1).
209
4.3.4.4 Bilinguismo passivo: a meio caminho da perda linguística ou potencial para a
revitalização?
Um dos fenômenos muito comuns e recorrentes nos dados é a ocorrência de casos de
bilinguismo passivo entre os jovens, que não falam a língua, porém a compreendem. Tal é
atestado em uma série de depoimentos, como o do informante B, GI mono Ponto 1:
Inf. B - Uh… uh… eu… eu perdi!!!! Por pura falta de uso mesmo, porque eu
aprendi. Eu entendo, eu compreendo bem, eu leio bem, mas não falo nada
e escrevo menos ainda. Por pura falta de uso, de utilidade, de manuseio
com a língua. Uma dívida que eu tenho é esta!
Pesquisadora Você chegou a aprender com os pais?
Inf. B Sim, cheguei a aprender e mantenho nítida a pronúncia, a fonética,
algumas construções sintáticas específicas, enfim eu tenho isso bem claro,
mas não reproduzo isso, eu só absorvo (GI mono Ponto 1).
Em muitos casos, a questão do uso e compreensão da língua é vinculada à atuação da
escola, essencialmente em português, como afirma o informante A, do mesmo grupo GI mono
Ponto 1:
Inf. A Nunca tinha me questionado com relação a isso. Mas eu acho que é
uma questão de bito da escola, que tu vai perdendo, porque quando tu é
criança tu até ouve, vai ouvindo… vai ouvindo…acho que se fosse até de
estudá o italiano a gente tenha mais facilidade de aprendê em sala de aula
do que os outros que não tiveram contato na infância com quem falasse
italiano (GI mono Ponto 1).
Inf. D É lamentável. Eu lamento, porque seria interessante ((forte acento
italiano no te final de sílaba)) você aprende até pra passá, por exemplo, os
meus pais falam e eu até entendo alguma coisa, mas se eu tivé que falá
pros meus filhos eu não vou consegui passa porque eu não conheço a
língua...então...tá deixando um conhecimento né (GI mono Ponto 3).
Inf. B – Porque antigamente, com os meus pais, os meus avós falavam, então
avô, pais, conversam, e dentro da minha casa, pai e mãe não se falam, então
a gente o cultivô aquela, aquela idéia do italiano sabe, porque sempre
foi falado o português e se tu vai no final de semana na casa de meu vôs
ainda tem o italiano, mas entre eles, pais e filho, até quando eles falam com
nós eles falam o português, eles não falam o italiano, acham que a gente
não entende, mas entre eles, eles falam o italiano (GI mono Ponto 4).
Há, nos depoimentos de nossos dois informantes acima, um fato comum. Ele reside na
menção à “falta de hábito” ou “falta de uso” pelo pouco ou nenhum incentivo dos pais que,
apenas entre si, falavam a língua de origem. São casos de bilinguismo passivo, ou seja, pela
simples exposição à língua, ainda hoje lhes é possível um nível elementar de entendimento
desta mesma língua.
Identificam-se, nos depoimentos, duas posturas básicas em relação a esse estado de
bilinguismo passivo:
210
a) a ausência da habilidade ativa de uso oral da língua inviabiliza a transmissão
intergeracional do talian, como destaca o informante D, GI mono Ponto3;
b) o conhecimento mesmo que passivo da língua de imigração ainda assim facilita a
sua (re)aprendizagem; é o que ressalta o informante A, GI mono Ponto 1.
Em outras palavras, o bilinguismo passivo pode, a nosso ver, ou sinalizar uma perda
linguística do talian na próxima geração, ou indicar um ponto de recomeço para ações de
revitalização da língua minoritária. Trata-se, pois, de um público com status diferenciado. A
ele se associa, supostamente, uma identidade ainda presente, com mais intensidade, e o
sentimento de um bem cultural perdido ainda constitui-se em fator de busca da língua. Vale
acrescentar que não se trata, em hipótese alguma, de monolíngue, pois as habilidades
bilíngues receptivas estão presentes e mesmo na produção de enunciados breves em frases de
efeito na interação social o possíveis. Não se pode falar aqui em morte da língua, mas
redução drástica das chances de continuidade.
Outro aspecto são as razões que levaram ao crescimento do número de bilíngues
passivos. Sobretudo o período crítico de pós-proibição, na época da II Guerra Mundial, ao
lado da ideologia de língua única na escola (Portuguese only), bem como do preconceito
linguístico contra a língua minoritária, interferiram negativamente nas decisões dos pais.
Como parte desse processo e bilíngüe passiva, me recordo de uma frase que costumava ouvir
de meus avós e que só hoje consigo avaliar devidamente:
Non sta assar-la parlar talian, che quando va a Eressim, in scóla, ghe ride
drio.
Trad.:o a deixe falar talian, porque quando ela for a Erechim, na escola,
vão rir dela.
A literatura existente nos mostra que muitos diferentes modos e contextos pelos
quais as crianças se tornam bilíngues, e não surpreendentemente, muitos diferentes resultados.
Alguns pesquisadores
148
têm defendido a separação das duas línguas ou por pessoa (uma
pessoa - uma língua o método de GRAMMONT)
149
ou por contexto (um ambiente uma
língua) como mais desejável modo de condução ao bilinguismo infantil (ROMAINE, 1995, p.
171). Entretanto, não suficientes evidências para sugerir que outros métodos conduzam a
maus resultados, interferências ou substituição total de uma língua ou, ainda, que um
148
Mackey apresenta in Fishman, Joshua A (1972) uma descrição das diferentes formas pelas quais uma
criança pode tornar-se bilíngue e também critérios para identificar o indivíduo bilíngue.
149
Grammont’s: método de aquisição do bilinguismo baseado na fórmula “une personne:une langue”
M.GRAMMONT. Observation sur lê langage dês enfants. Melanges Meillet, Paris, 1902.
211
bilinguismo dito passivo, o possa ter um resultado positivo na (re)aprendizagem de uma
língua supostamente relegada ao esquecimento, como já se salientou antes:
Inf. C Então, talvez venha o ponto importante da criança aprendê,
né…porque a gente nunca mais esquece, mesmo não falando mais e
…por força das circunstâncias até porque ninguém falava, e continuamos até
minha avó morrer, muito idosa, ela sempre falando em italiano e nós
respondendo em português e quem conviveu com ela, fala o dialeto (GII bi
Ponto 1).
O testemunho da informante C mostra que mesmo respondendo em português, quando
criança, mas ouvindo a avó falar em italiano, “quem conviveu com ela, fala o dialeto.” Tudo
indica que o bilinguismo passivo precoce da informante lhe deu condições de, hoje, falar o
talian (postura b) mencionada acima).
À procura de maior clareza sobre esta questão, e seguindo a mesma ótica de Mackey
(1972 p.554), quando afirma ser o bilinguismo não um fenômeno da linguagem, mas de seu
uso e que afeta a maioria da população mundial e por isso necessita de mais pesquisas e
descrições, realizamos um experimento com bilíngues passivos ítaliano-português, baseado na
compreensão oral de um texto lido em talian, em que se buscou testar a hipótese de que o
bilinguismo passivo favorece a compreensão e, por conseguinte, a (re)aprendizagem da
referida língua (PERTILE, 2008). Os resultados mostraram que a compreensão de texto
atingiu um nível médio de 70%, o que confirma a hipótese.
A partir desse experimento e de estudos diversos (MACKEY, 1972; CUMMINS,
1978; ROMAINE, 1995) evidenciam-se os benefícios do bilinguismo como mais positivo do
que negativo no desenvolvimento integral da criança. O que muda são os modos e caminhos
para a aquisição bilíngue, sobre a qual Grosjean (1996) afirma o seguinte:
Uma criança adquire uma segunda língua tão rapidamente como a perde de
novo. Tão logo ela percebe que não necessita mais de uma de suas línguas, a
criança deixará de usá-la, perdendo-se essa língua até a sua completa
extinção (grifo nosso). Isso vale, sobretudo, quando a criança percebe que
seus pais são bilíngues e que, portanto, não há motivos para manter sua
língua, se eles são os únicos que a falam (GROSJEAN, 1996, p.171).
A questão de necessidade havia sido mencionada pelos informantes, quando
tratamos do papel dos nonos. Em certo sentido, a afirmação de Grosjean reflete o lento
processo de substituição linguística derivado das mudanças sociais do uso da língua
minoritária. Por outro lado é no mínimo questionável, em nível de comunidade de fala,
admitir sempre uma “completa extinção”, que os “vestígios” da língua minoritária
permanecem em grau maior ou menor. Em nosso experimento, houve diferentes níveis, entre
212
30% e 100% de reconhecimento da ngua de origem, e, na pesquisa com os informantes,
todos se manifestaram como mantenedores de certo grau de entendimento nessa língua. Se
estes não são elementos decisórios, também não deixam de conter dados questionadores.
4.3.5 Canais de difusão: o midiático e o semiótico entre o talian e o italiano-padrão
Fig. 6 – Presença das variedades dialetais do italiano e do italiano-padrão na mídia.
Fontes: Revista Insieme (Maio 2009). Imagem painel comemorativo. Prospecto promocional festa taliana.
213
Honório Tonial (2009)
150
escreve, nangua talian,um pensamento de um veceto chel
costumea dir” (trad.: “de um velhinho que costumava dizer”):
El italiano el sarà la língua dea economia, dei soldi, dei denari, dele
scarsele. El talian véneto la è la língua dei sentimenti, del laoro e dea
preghiera, dea speransa, dei imigranti, de quei che i ga scominsià la
construssion de “paesi e cita”.
Trad.: O italiano será a língua da economia, do dinheiro, do.poder, da bolsa.
O talian-vêneto é a língua dos sentimentos, do trabalho e da reza, da
esperança, dos imigrantes, daqueles que começaram a construção do “país e
cidades”.
Talvez este pensamento traduza, de uma maneira geral, o modo de ver a língua de
origem italiana e, consequentemente, sua função e uso na sociedade maior (fig. 6). vimos
que a questão não é assim tão pacífica e nem tão simples. Antes de estabelecer juízos de valor,
é preciso entender os espaços que o português e o talian ocuparam e ocupam nos meios
institucionais e, também e atualmente, o espaço ocupado pelo italiano-padrão.
O italiano-padrão superou os numerosos dialetos que dominavam a península itálica
(BERTONHA, 2005, p.240) e impõe-se, hoje, como a língua falada pela grande maioria dos
italianos. Em termos de status internacional, a língua italiana não tem a mesma aceitação,
p.ex. do inglês, do francês ou do espanhol (ver cap. 2, seção 2.3.6), mas, se pensarmos na
relação entre pátria de origem versus descendentes ítalo-brasileiros, e língua oficial versus
benefícios advindos de uma possível cidadania italiana, então a aprendizagem do italiano-
padrão faz sentido. Não é de se estranhar, portanto, que o italiano-padrão seja a língua
escolhida pelos ítalo-brasileiros desejosos de um passaporte que lhes acesso e aceitação no
primeiro mundo. A informante C, abaixo, traduz em sua fala uma situação característica que
mostra o pensamento de inúmeros descendentes falantes do talian, frente ao ensino do
italiano-padrão e ilustra o que acabamos de expor:
Inf. C Acho que um retorno agora, na questão de falar a língua. Desde
os anos 90 pra cá, com a globalização, com um fator muito determinante - a
questão de que os brasileiros descobriram a dupla cidadania. Descendentes de
italiano, no meio urbano, pelo menos. Todo mundo começou a pensá e a achá
e a pensá que nós temos que buscar as origens. Ter a cidadania italiana, é,
trazia muitas vantagens e a comunidade européia, e vamos estudá lá na
Europa e vamos buscá os parente, não sei se alguém tinha idéia de herança
((risos)) sei o que, é mas eu senti no grupo de descendentes de italiano que
eu frequento, no MFC (Movimento familiar cristão), na prefeitura, afinal na
sociedade, todo mundo enlouquecido atrás desta cidadania. Bom, ter
cidadania italiana e também o falá nem uma palavra, fica uma coisa
horrível, né. Daí todo mundo…-começaram a proliferar os cursos de italiano
então já gramatical em diversas instituições do Estado (GII mono Ponto1).
150
O texto me foi enviado pelo autor, via correio, em maio de 2009, e ainda não se encontra publicado. Tem por
título “Cosa zelo sto talian véneto?
214
É o domínio do italiano-padrão que permite, ao ítalo-brasileiro, receber benefícios
culturais, financeiros e sociais, tanto no Brasil, quanto no exterior, advindos desse mercado
linguístico. Basta ver o número de associações, sociedades, institutos que atuam na sociedade
em torno do italiano-padrão: são 31 em todo Estado e 13 na RCI, sendo que, em algumas,
um desmembramento em grupos culturais de dança, canto e música. A Associação Massolin
di Fiori, com sede em Porto Alegre, é a única que veicula suas atividades de ensino e difusão
da cultura ítalo-brasileira através da língua talian.
De outra forma, o Estado, o meio institucional brasileiro, tem na língua portuguesa o
seu veículo de transmissão oficial, fazendo com que as demais línguas faladas no Brasil,
como o talian, percam espaço no terreno midiático e fiquem restritas a uma esfera local ou
nem isso (ver cap. 2, seção 2.3.6). Basta lembrar que o uso do talian, em material impresso,
ocorre, como coluna semanal, no jornal Correio Riograndense de Caxias do Sul e no
Gazeta Regional de Bento Gonçalves. Na região do Alto Uruguai Gaúcho, o jornais que
mantenham colunas na língua talian. Entre as revistas, a Revista Insiemeé uma publicação
mensal bilíngue, em italiano e português, de difusão e promoção da cultura italiana e ítalo-
brasileira. No entanto, em seu interior, não textos em talian. Sua circulação é nacional,
exclusivamente através de assinaturas e tem como sede a cidade de Curitiba/PR. Em Porto
Alegre, a editora Sagra DC Luzzatto é a que publica livros em edições bilíngues
talian/português e também em talian. Pelo inventário do Grupo de Trabalho da Diversidade
Linguística do Talian (GTDL), são em número de 87 (ver tab. 15) as publicações que
circulam na língua talian, incluindo dicionários, gramáticas, biografias e ficção. Não estão
aqui consideradas as publicações sobre a língua, o que certamente seria em número bem mais
elevado.
Tabela 15 - Manifestação do talian em material impresso na língua: ano-base 2009.
Dicionários e
Gramáticas
Obras
bilíngues:talian/ptg
Obras no talian TOTAL
13 32 42 87
Fonte: Pesquisa realizada pelo GTDL do talian/Instituto Vêneto/UCS/Caxias do Sul
É, no entanto, o rádio o canal de maior difusão do talian, conforme tab. 16, abaixo.
215
Tabela 16 - Manifestação do talian em rádios e número de difusores: a partir do mapeamento
da Associação de Difusores do Talian – ano-base 2009.
Porcentagem (%)
Órgãos e Agentes mero de rádios Nº de difusores do
Talian
Rádios Difusores
Rio Grande do Sul 38 145 70,37 67,44
Santa Catarina 10 50 18,52 23,25
Paraná 6 20 11,11 9,31
TOTAL 54 215 100 100
Fonte: pesquisa realizada pelo GTDL do talian/Instituto Vêneto/UCS/Caxias do Sul
Como bem demonstra a tab.16, das 54 rádios associadas que transmitem programas na
língua talian, 38 delas, ou seja, 70,37% localizam-se no Estado do Rio Grande do Sul, mas
somente uma na região do Alto Uruguai Gaúcho, rádio Campinas, de Campinas do Sul.
bem pouco tempo atrás (2006) havia programas em mais três rádios, de Aratiba, Gaurama e
Erechim. Em média, os atuais programas têm a duração de uma hora e meia e são
transmitidos semanalmante, aos sábados ou domingos. A audiência e área de alcance puderam
ser testadas através de uma das metodologias utilizadas pelo GTDL da UCS, no inventário do
talian. O grupo participou de 15 programas de rádio e realizou uma pesquisa que consistiu na
seguinte estratégia: explicava-se o trabalho do inventário da língua e solicitava-se aos
ouvintes que ligassem, durante o espaço do programa, para responder algumas perguntas:
nome completo; localidade de residência; se era falante do talian; número de filhos e, destes,
quantos eram falantes do talian. Já estão arquivados, em cerca de três meses de trabalho, os
dados de 857 entrevistas que, oportunamente, serão devidamente analisadas, podendo
propiciar uma estimativa de falantes do talian em toda região, bem como um índice de
transmissão intergeracional. é possível dizer que é significativo o número de entrevistas,
tendo em vista o espaço de duração dos programas (1 hora e meia), aliado ao fato da
existência de apenas um ou no máximo dois aparelhos de telefone.
Outro canal muito importante de difusão do talian, na área em estudo, foi a Igreja
Católica. A religião foi, como assinalamos no cap. 2, o elemento integrador mais
importante na formação inicial da sociedade ítalo-brasileira. Segundo Frosi e Mioranza (1975,
p.74), a igreja funcionava como “centro sócio-religioso-cultural da comunidade; centro
comercial da comunidade e centro de interesses étnico-políticos” (ver cap. 2, seção 2.3.7).
Ao lado e junto à capela, o padre leigo, el prete laico, também conhecido como prete
del mato padre do mato -, prete de scapoera padre de capoeiras -, el nostro prete o
nosso padre -, era a pessoa que presidia as orações e incentivava tudo o que se referia à
religião nas sociedades de capelas dos imigrantes italianos (COSTA & BATTISTEL,1983, p.
216
622). Essas pessoas procuravam fazer todas as cerimônias que conheciam na Itália. E, para
isso, a língua de uso comum era ainda a língua de origem, portanto, as diferentes
variedades dialetais do italiano. Com a chegada
dos sacerdotes, os padres leigos continuaram
a cumprir suas funções, mas tudo sob o mando daqueles.
O padre, ao se estabelecer em uma localidade, logo providenciava a construção de uma
igreja maior, da escola, do hospital, do salão e a consequente melhoria de estradas e meios de
comunicação. Era fator de progresso. Como vínculo, o padre necessitava de uma linguagem
comum a todos, mesmo sendo a maioria deles de origem italiana e com domínio das
diferentes variedades, a ngua comum foi, inicialmente, a coiné de conhecimento geral e,
após, o português, ou brasilian, como o chamam os ítalo-brasileiros. A mudança de
passagem da língua italiana para o português nas ações diárias e na celebração da missa do
latim para o português não foi assim tão tranquila. Costa & Battistel (1983, p.613) registram
que as pessoas de mais idade se queixavam dos cantos modernos por serem “ligeiros” e nem
sempre entenderem o que significavam, mesmo sendo em português. Eram de uma voz e,
por isso, não tinham beleza e no i dize gnente não dizem nada. Ou então: No capimo
cossa che vol dir”- não entendemos o que significam.
Nesse sentido, a igreja teve seu papel como “condutora do progresso”. Primeiramente,
mantendo a língua de origem através do uso da língua comum (e se isso foi possível em certo
período histórico, não foi o suficiente para garantir sua existência como mais uma língua
brasileira), a coiné, e, após, estabelecendo o uso de outra língua comum, o português. Porém,
que se destacar que a língua em si, como objeto linguístico portador de toda uma cultura,
nunca foi prioridade da Igreja Católica, e sim apenas como veículo condutor dos princípios
religiosos de cunho católico-cristão. Atualmente, o talian é a língua usada nos sermões
realizados durante as missas, nas igrejas católicas, somente nos pontos 3 e 4 e por ocasião de
datas festivas. No ponto 1, quando necessidade de uso do italiano, este é feito no italiano-
padrão.
Pelo que vimos, a antiga situação de disputa de espaço de poder entre as duas nguas,
o talian e o português, no início da colonização da região em estudo, não é mais a única. A
disputa, hoje, impõe-se também entre o italiano-padrão e o talian, decorrente do grau de
funcionalidade atribuído a essas línguas, em grande parte, pelos próprios falantes. Vejamos
isso através do diálogo abaixo entre dois informantes do ponto 3 de nossa pesquisa:
Inf. C Olha, eu não entendo, não entendo o Oliver Valente. O Oliver
Valente, a língua dele é ((alguém diz: gramatical!)) Gramaticale. Então, o
gramatical dela com a nossa, não fecha. ((Alguém repete: Não fecha”)) Eu
vejo ele cantá no coral, ele canta do meu lado eu o topo ele no meu lado
217
porque ele tem um tratado, a pronúncia dele é diferente. É diferente, é uma
cosa. [coisa]..mais... (GII bi Ponto 3).
Inf. A Lu parla coretamente [corretamente] il italiano. La su pronúncia
coreta (correta). A palavra dificile, por exemplo, tu vai escreve é dificile, mas
a pronúncia se diz [difichile]. O ce em italiano é mais duro, quer dizer, o é
duro, é até mais suave ele tem um sentido de tche. Tantas palavras aí, é por
isso que é diferente. Ele que é o professor, ele quer o correto (GII bi Ponto 3).
Inf. C Correto da parte dele, ma a nossa ngua o pessoal daqui não
entende, vão na aula dele e nenhuma topa dele, até a filha do Luis Fontana
tava lá também, ma não fecha a língua italiana dele...Jacutinga não fecha com
o italiano dele, porque tem poucos com a língua dele aqui. ((houve várias
interferências de um e de outro informante durante estas falas; alguns
entendendo que o prof. fala diferente porque é o italiano-padrão; outros
defendendo a variante dialetal da localidade)) (GII bi Ponto 3).
A língua de imigração, a língua geral, a língua comum à população do ponto 3 é o
talian. O coral, do qual os informantes fazem parte, é organizado pela prefeitura municipal e
mantém, em seu repertório, cantos em talian e em italiano-padrão. As diferenças são
percebidas, aceitas por uns e repudiadas por outros “porque tem poucos com a língua dele
aqui”. No entanto, se observa, também no ponto 3, que a referência do “falar bem”está
voltada ao italiano-padrão, assim como no ponto 1.
Inf. CDe repente, eu tenho um amigo meu, que é de Porto Alegre e ele tem
um italiano diferente, ele é professor e tem formação. O italiano que ele
aprendeu lá é o da gramática coreta [correta] não é o do dialeto (GI bi Ponto 1).
O informante transmite a impressão de que só “gramática correta” no italiano-
padrão, ou seja, identifica o talian como uma língua agramatical, portanto, inferior. Este plano
subalterno a que o talian é colocado (dado apurado em 90% dos informantes do ponto 1), traz
obstáculos à difusão da própria cultura da comunidade de falantes e à própria sobrevivência
não dessa cultura, mas também da própria língua. Tanto é que não se verificam meios
impressos, como jornais e revistas, que divulguem o talian, no ponto 1.
A verdadeira cultura” é a transmitida, segundo o informante abaixo, pela “verdadeira
língua italiana”:
Inf. B Acredito até que sim. Em virtude de hoje, até mesmo aqui em
Erechim, s temos uma escola né, a FAINORS, onde as pessoas acabam
aprendendo o verdadeiro italiano né, a verdadeira língua italiana, com a
pronúncia correta e tal, que da pronúncia correta pro dialeto tem grande
diferença. (GI bi Ponto 1).
Essa impressão ou ponto de vista é recorrente entre os informantes:
Inf. D A riqueza cultural como forma de se comunicar, a linguagem, ela
não está na gramática. Então, se fosse possível né, teria que ver em cada
região, aqui no Brasil a grande maioria veio da região do Vêneto, do norte, aí
você preserva uma questão cultural, expressões próprias, então eu diria que é
o ensino do dialeto, que é um caminho aberto para quem quer, depois, fazê o
218
gramatical, claro que vai enfrentá problemas, porque se aprendeu a fa
português errado, depois pra corrigi nao é fácil, mas vai entendê também o
gramatical (GII bi Ponto 1).
Diferente é a percepção dos informantes no ponto 4. Ao se perguntar se “há pessoas
que falam melhor o italiano”, a referência é somente ao talian. As diferenças são atribuídas às
distintas variedades dialetais, e não em comparação ao italiano-padrão.
Inf. B Tem alguma diferença por causa das origem da do da região da
Itália, tem o trevisan, tem o tirolês, tem o vicentino, tem o o o napolitano e
então por isso tem a diferença (GII bi Ponto 4).
As pessoas de mais idade” são os que melhor falam o italiano (entendido como
talian).
Inf. B- - Principalmente as pessoas de mais idade, porque os mais novos o
seguem este costume (GI bi Ponto 4).
Inf. A, e C – Os mais velhos falam melhor! (GI mono Ponto 4).
“Falar bem” é sinônimo de falar bem a ngua de origem. A referência é somente em
relação às variedades dialetais; portanto, os mais velhos falam melhor! A comparação com o
italiano-padrão não foi abordada. É neste mesmo ponto 4 que o talian es inserido como
língua local em suas diferentes manifestações sociais, religiosas e culturais (ver seção 4.3.1).
Embora haja o ensino do italiano-padrão nas escolas da rede municipal de ensino, há o
cuidado de se fazer uma ponte entre os conhecimentos da língua estrangeira universal e os
conhecimentos que a língua local pode propiciar (conforme dados fornecidos pela
Secretaria Municipal de Ensino).
A par dos canais de difusão, o suporte institucional prevê o amparo legal ao uso da
língua, em parte pressionado pela força da comunidade falante.
4.3.6 Suporte institucional ao talian
O suporte institucional desempenha papel relevante no “reforçamento”
(reinforcement) da língua minoritária e minorizada, pois coletiviza seu uso e valor, afetando a
visão e imagem da língua, bem como as atitudes dos falantes em torno dessa mesma língua.
Assim, quando analisamos a existência do talian, sua forma de difusão ou estagnação
no transcorrer da história (ver seção 4.1.1), um fato logo se destaca, independente da
dimensão diatópica ou de outros fatores e variáveis intervenientes do eixo social: o uso da
língua restringiu-se ao ambiente familiar ou de pequenas comunidades e não encontrou
219
respaldo na mídia e nos meios institucionais. Muito pelo contrário, foi exatamente o poder
institucional que relegou a língua de imigração ao status de “língua familiar”. É difícil
sustentar umangua, através de gerações, se não um suporte da sociedade e a linguagem é
usada somente dentro do lar (FISHMAN, 2000). Isso afetou, fortemente, o acesso das pessoas
ao talian, já que cada meio que se utiliza de uma língua permite acesso a experiências naquela
língua, acentuando seus status (GIBBONS e RAMIREZ, 2004).
A importância do peso de cada meio vai depender, em um alto grau, do número de
pessoas que fazem uso dele, como veremos nas seções que se seguem.
4.3.6.1 Presença visual da língua de imigração.
A presença de uma determinada língua em uma localidade pode ser inferida também
através dos recursos de visualização dessa língua. Em nosso ponto 1, por exemplo, não
indícios visuais em placas, outdors, cartazes ou outros recursos expostos pela cidade que
estejam grafados ou façam referência ao talian. O que se constata o nomes de restaurantes
com grafia em italiano, como Buongiovane. Mesmo o restaurante existente na ex-FRINAPE,
atual EXPO, é direcionado ao italiano-padrão, assim como todos os panfletos e propagandas
em torno da exposição. O museu histórico da Universidade Regional Integrada do Alto
Uruguai e das Missões (URI), campus de Erechim, guarda igualmente objetos diversos
utilizados pelos imigrantes e descendentes das cinco etnias formadoras da cidade. A mesma
universidade nunca propiciou, em seu currículo de Curso de Graduação em Letras, uma
habilitação em italiano, mas sim apenas em inglês e em espanhol, línguas de maior procura
profissional. O que se observa nos últimos cinco anos, é a procura mais acentuada da
habilitação em inglês.
No ponto 4 (cap. 3, pesquisa histórica), vimos como o poder público municipal
busca preservar a cultura italiana, mantendo a Casa de Cultura Italiana, instalada ao lado da
prefeitura municipal, o Grupo de Danças Nova Itália e o Coral Italiano São Caetano. Entre as
festividades que objetivam a vivência da língua e dos costumes italianos, organiza,
juntamente com a comunidade e contando com o apoio da Igreja Católica, a Festa do
Padroeiro do Motorista da Igreja São Caetano, a Romaria das Capelinhas, a Festa Italiana, o
Festival da Cana de Açúcar, a Festa do Vinho, o Festival Estadual do Leitão Assado e o
Festival de Corais Italianos. No setor da gastronomia, destaca-se a família Zortéa, na Linha
Cerro do Meio Dia, que construiu o Recanto Nova Itália, um restaurante onde é servido café
220
colonial e brodo
151
. Entretanto, esse registro é feito em português, assim como não há, no
pórtico de entrada da cidade ou em outros locais públicos, referências visuais à língua de
imigração predominante. Constata-se uma exaltação étnica como forma de aquisição de
vantagens financeiras advindas dessa exploração intercultural, que em nada se relaciona com
a língua local, efetivamente falada na comunidade. Existe a inclusão social, mas não existe a
inclusão linguística.
Pelo histórico do ponto 3, a prefeitura promove festas italianas como a famosa Festa do
Porco Desossado, incentiva a realização dos filós e mantém o coral de adultos com cantos no
italiano-padrão e no dialeto vêneto. Possui, também, o museu do imigrante, uma antiga casa
de arquitetura colonial italiana, com utensílios que marcaram os primeiros anos de vida dos
imigrantes e ítalo-brasileiros na colônia. No entanto, placas com denominação são grafadas
em português, ou seja, a presença da língua, em sua forma oral, não constitui uma razão ou
força para seu registro, visibilidade e consequente promoção.
Nos três pontos pesquisados, há o gemellaggio: tratado de amizade entre duas
localidades dos dois países (Brasil e Itália), com o objetivo de estreitar laços econômicos,
sociais e culturais. No entanto, em todo esse intercâmbio e instâncias, a referência da língua é
o italiano-padrão. Por mais paradoxal que possa parecer, mesmo quando a referência é a
língua de imigração, no caso, o talian, a grafia é feita no italiano-padrão. Segundo Altenhofen
& Oliveira (2009, p.2, no prelo) “[...] o nome confere visibilidade e identidade à língua.
Sendo assim, a denominação de uma língua pode promover tanto a sua vida, quanto sua
morte”.
4.3.6.2 A língua na administração
vimos (seção 4.3.6) que o apoio institucional é fator imprescindível para a
manutenção de uma língua na sociedade como um todo. Para Oliveira & Altenhofen (2009,
p.19, no prelo) são os órgãos de Estado diretamente envolvidos com a planificação linguística,
aqui atingindo todas as instâncias, ministério da cultura, educação, ciência e tecnologia,
secretarias estaduais e municipais, que necessitam estar capacitados para fazer frente e gerir
as novas demandas da globalização e da inclusão cultural e linguística das comunidades
falantes. Na área local, é o município que tem as maiores condições de atuar em prol do uso e
manutenção das línguas de seus habitantes, ou seja, na gestão das línguas, como fonte
151
Brodo: termo vindo do italiano-padrão (caldo, sopa).
221
detentora do poder público municipal, e, neste, a atuação de seus gestores é fundamental. Dos
gestores administrativos de nossos pontos pesquisados (gestão 2005/2008), encontramos o
seguinte quadro (tab. 17) na composição da descendência étnica e manutenção da língua:
Tabela 17 - Pesquisa realizada no ano de 2006, nos 3 pontos das entrevistas (gestão 2005-8).
Grupo dirigente municipal: descendência ítalo-bras. e número de falantes do talian
MUNICÍPIOS - REGIÃO ALTO URUGUAI
ERECHIM JACUTINGA SEVERIANO
GRUPO DIRIGENTE
Nº T IB FT Nº T IB FT Nº T IB FT
Prefeitos e vices 2 2 1 2 2 2 2 2 2
Secretários 10 9 7 9 7 7 9 7 7
Vereadores 10 7 4 4 3 3 5 3 3
TOTAL 22 18 12 15 12 12 16 12 12
%
100,00 81,81 54,54 100,00 80,00 80,00 100,00 75,00 75,00
Nº T = Número Total / IB = Ítalo-Brasileiros / FT = Falantes Talian
Esses números demonstram uma clara preponderância de ítalos-brasileiros no quadro
dos gestores públicos municipais. Veja-se que nos pontos 3 e 4, o número de prefeitos, vices,
vereadores e secretários ítalo-brasileiros (24) é o mesmo número dos que falam o talian, ou
seja, todos falam a língua de origem (100% de bilinguismo). No ponto 1, a relação cai de 18
descendentes para 12 falantes do talian, ou seja, de 100% de falantes nos pontos 3 e 4, para
66,66% no ponto 1, numa clara demonstração de perda linguística do talian. Se olharmos para
a relação entre a totalidade dos dirigentes e mero de falantes do talian, o percentual é
menor, mesmo assim bastante significativo. Estes dados são indicativos da força demográfica
dos ítalo-brasileiros e da manutenção da língua; no entanto, não parecem suficientes para
desencadear uma política linguística pública explícita de promoção, reconhecimento e
valorização da língua de imigração local. A que se deve isso?
Ainda são muito recentes e pouco conhecidos os trabalhos que tomam a língua, ou as
questões da língua, no mesmo patamar que qualquer outra manifestação ou bem cultural, p.ex.
como um prédio histórico ou uma festa típica. Pelo que vimos nas seções anteriores, ações
de uma política linguística em torno das línguas de imigração, no caso, do talian, ou seja, uma
política linguística da municipalidade (se é que existe) são ainda muito minorizadas face aos
interesses econômicos e ao status do italiano-padrão que prevalecem sobre a questão da
manutenção e/ou revitalização da língua de origem local. Na seção abaixo, veremos como a
administração pública municipal suporte à língua de imigração através do ensino
ministrado em suas escolas, uma das poucas ações de promoção e gestão da ngua
consideradas pelas administrações. Vale lembrar que o repertório de ações dessa natureza
222
envolveria também, p.ex. questões de legislação, como se fez em São Gabriel da Cachoeira,
no Alto Rio Negro, onde a lei municipal 145/2002 cooficializou três línguas indígenas,
Nheengatu, Tukano e Baniwa. “O objetivo da nova lei é garantir o direito dos cidadãos
indígenas habitantes nesse município de entenderem e se fazerem entender quando em
diálogo com os poderes públicos” (OLIVEIRA & ALTENHOFEN, 2009, no prelo).
4.3.6.3 O papel do ensino
Uma das ações, portanto, que algumas municipalidades julgam estar voltadas à
promoção de políticas linguísticas públicas é a inclusão do ensino da língua de origem (leia-se
ensino do italiano-padrão) no currículo das escolas (caso dos pontos 3 e 4 deste estudo). No
entanto, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) lei 9.394/1996,
obrigatoriedade, a partir da 5ª série, do ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna.
Assim, estando essas escolas situadas em uma zona de colonização de descendentes de
italianos, e ficando a escolha da língua a cargo da comunidade escolar, a inclusão do italiano
no currículo é, por assim dizer, o mínimo do mínimo que a municipalidade pode fazer em prol
da população falante.
Sabemos que a escola sempre atuou no sentido da substituição da ngua que o aluno
traz de casa e não da adição, no sentido de que quanto melhor a criança domina o seu primeiro
idioma, tanto melhor ela será capaz de dominar outros (hipótese da interdependência das
línguas, de CUMMINS & SWAIN, 1986, p. 80). Pelos dados da pesquisa, vimos que foi na e
pela escola que a geração GII aprendeu a língua portuguesa: para se aprender a língua do
novo país, era necessário substituir a língua do antigo” (seção 2.3.7). Também vimos que,
pela força das circunstâncias, aprendeu a ignorar e até a menosprezar a variedade local do
italiano, transmitindo esse sentimento às gerações posteriores:
Inf. C A gente fala, divulgá o dialeto, mas se você tivesse um filho e fosse
querê que ele aprendesse italiano, seria o dialeto ou gramatical? Eu acho que
eu queria que ele aprendesse o gramatical, entendeu? O correto mesmo!
Então, o dialeto…acho que a única maneira de aprendê é pela convivência
mesmo, ninguém vai estudá o dialeto, a não ser que seja pra alguma pesquisa
científica (GI bi Ponto 1).
Entretanto, paralela a essa questão, vem a discussão de como viabilizar a possibilidade
do ensino de duas línguas igualmente importantes na vida dos ítalo-brasileiros, ou seja, o
talian e o italiano-padrão. A situação do talian serve como exemplo para uma questão bem
mais ampla que é a questão da manutenção da diversidade linguística brasileira, do respeito e
223
inclusão dos falantes na gestão de suas línguas, e ainda, das exigências linguísticas de um
mundo cada vez mais global que impõe o domínio, por exemplo, do inglês e também do
espanhol como línguas consideradas universais.
É a escola o primeiro espaço institucional que a criança encontra fora do lar. É nesse
espaço, portanto, que ela desenvolve o seu cabedal linguístico materno e aprende ou a
valorizá-lo ou a abandoná-lo. É inegável o papel da escola! É também inegável a “necessidade
de uma reforma linguística do país que permita uma reação coletiva positiva frente às novas
demandas da globalização e da inclusão cultural linguística” (OLIVEIRA, ALTENHOFEN &
2009, no prelo).
Uma conscientização linguística (language awareness) poderia orientar a comunidade
de falantes de língua de imigração, especificamente em relação ao talian e ao italiano-padrão,
as línguas em conflito, tendo em vista o espaço e a função a ser ocupada por cada uma delas
no currículo escolar. A orientação poderia partir do princípio de que a inclusão do italiano-
padrão no currículo possibilita o acesso a bens de natureza universal, como a aprendizagem de
uma língua estrangeira de status internacional e as consequentes vantagens desse domínio no
mercado linguístico. Por outro lado, o domínio da língua de origem, da língua da comunidade
local, propicia o conhecimento do indivíduo como parte constitutiva dessa comunidade, como
portador de um DNA específico, que tem uma história para contar e para viver, que é sua e
única e que, portanto, precisa ter seu espaço garantido, sob pena de se perderem
conhecimentos que através da língua seriam passíveis de transmissão. As duas línguas são
igualmente importantes, por diferentes razões, sem avaliações de grau ou status, que o é
isso que se põe em questão, até porque estão inclusos não aspectos específicos de
conhecimento, aspectos políticos e sociais, mas também sentimentos e atitudes.
Especificamente em relação ao registro no currículo escolar, nossa proposta é que
deveria haver a oferta não apenas da disciplina de “língua italiano” estrangeira (no caso do
italiano-padrão), mas também de uma disciplina aberta como “língua e cultura local”, que se
constituísse em um espaço de reflexão, voz e visibilidade ao que normalmente é relegado a
um segundo plano, um campo de silêncio, como acentua Paraíso (1996). O conteúdo das duas
disciplinas contemplaria tanto a realidade local, quanto as exigências advindas do contexto
mais amplo, eliminando as já tão conhecidas disputas entre aqueles que defendem o ensino da
língua padrão em detrimento da manutenção da língua local, como se fosse necessário a
eliminação de uma para que a outra sobreviva.
224
CONCLUSÃO
Ao concluir este estudo resta a expectativa de que a compreensão dos fatores que
nortearam a manutenção ou a substituição do talian em contato com o português ajude a
construir políticas linguísticas mais adequadas ao fomento do bilinguismo e revitalização das
línguas de imigração. Ao longo do cap. 4, fomos já abstraindo macrotendências desse
processo a partir do que os dados coletados nos quatro pontos da pesquisa na ordem,
Erechim, Getúlio Vargas (embora sem a etapa das entrevistas), Jacutinga e Severiano de
Almeida nos revelavam. Cabe, agora, resumir as principais conclusões que o estudo
propiciou, visando jogar mais luz a ações futuras de inventariamento e revitalização do talian,
assim como de outras línguas de imigração que se encontram em situação semelhante.
Em nível oficial, cabe destacar, no terreno já aplicado, o estabelecimento do Grupo de
Trabalho da Diversidade Linguística Nacional (GTDLN), o Inventário Nacional da
Diversidade Linguística (INDL), a criação do Livro de Registro das Línguas e a promulgação
da Lei nº 13.178 de 10/06/2009 que estabelece o talian como integrante do Patrimônio
Histórico e Cultural do Estado; em nível dos falantes, o surgimento de atitudes positivas em
relação à língua de origem, como “um fio condutor” (FISHMAN, 1972) a forjar os fatores em
direção à sua manutenção/revitalização.
Em suma, pontuar como a identificação e análise dos fatores que contribuíram para o
atual grau de manutenção ou perda do talian nas diferentes comunidades de pesquisa podem
sinalizar para o estudo das demais línguas de imigração faladas no país e para o
estabelecimento de uma política local de manutenção/revitalização dessas nguas e,
consequentemente, para uma política de visibilidade da diversidade linguística brasileira. Em
suma, destacamos os seguintes aspectos em relação aos objetivos propostos, no início do
estudo:
225
1. foi estabelecido, que o censo de 2010 (IBGE) teum requisito específico para
levantar o número oficial das línguas indígenas faladas em todo país. Um censo possibilita
uma análise da situação do país em termos de número de habitantes e línguas faladas, de
forma que políticas linguísticas possam ser elaboradas em cima desses índices, visando à
manutenção ou o dessas mesmas línguas. No entanto, as línguas de imigração não estão
incluídas neste censo. Sem o recenseamento linguístico, não haverá o mapeamento dessas
línguas e, consequentemente, a identificação do grau de ameaça que paira sobre cada uma,
apesar da existência do Inventário Nacional da Diversidade Linguística que objetiva o registro
dessas línguas a fim de que elas o se percam inteiramente. Mas isso é apenas o registro.
Registra-se, deste modo, diferença de status político das línguas no aspecto da diversidade
brasileira. E isso tem um peso considerável pelo que se mostrou. Se, de um lado, ainda grande
parte da própria administração municipal até fala a língua de imigração local, de outro nunca
ou só excepcionalmente se deu conta, em algum momento histórico, de abrir espaço legal e
institucional para essa língua, a não ser através da introdução do ensino do italiano (o padrão)
ou de alguma festa que rendesse lucros aos cofres públicos. Esta é apenas uma constatação.
Pois diferente é um dispositivo constitucional que lhes dê amparo e visibilidade, o que
também não é nada sem a luta social para implementá-lo.
2. Ressalte-se, por outro lado, que qualquer iniciativa de promoção da língua através
do suporte institucional pode ser ineficaz se não for devidamente conduzida através da
família, já que é nesta que se efetivamente a transmissão da língua de origem (ver cap. 4,
seções 4.2.1; 4.2.2; 4.3.4.2; 4.3.4.3; 4.3.4.4). Comprova-se nos dados a força da família no
fomento da língua, e em correlação, pode-se dizer que a força da transmissão familiar
impulsiona o poder institucional e que este não existiria sem aquela.
3 No que tange aos fatores histórico-políticos, chama a atenção, em nossos dados,
como os efeitos de ações de repressão linguística estatais do passado perduram mesmo depois
de revogadas as leis contra os direitos linguísticos dos falantes. Pode-se dizer que a simples
revogação não constitui uma reparação do passado. Além disso, parece instaurar-se na
comunidade de fala, muitas vezes, um discurso de resignação, que simplesmente explica a
perda linguística como resultado natural de uma agressão aos direitos linguísticos dos
falantes. Esse quadro mostra acentuadamente para as políticas linguísticas de promoção
dessas línguas a importância de despertar a consciência linguística do seu valor e do
bilinguismo, como tal, pois não está em jogo apenas o conhecimento específico de uma
língua, mas também habilidades cognitivas e sociais no uso de mais de uma língua. Tudo isso
226
precisa acontecer, vale ressaltar, desprovido dos mitos e ideologias que normalmente
acompanham as discussões em torno de línguas minoritárias.
4. No sentido da consciência de continuidade, parece pertinente escolher o grupo
social etário entre 25 e 35 anos, isto é, dos pais jovens, como o mais indicado para
implementar ações de revitalização da língua minoritária (como o talian e o hunsrückisch),
assim como também dos benefícios da educação bilíngue. Nessa mesma análise, constatou-se
na área em estudo, uma mudança para atitudes positivas em relação à língua de imigração,
talian, nos depoimentos dos jovens da GI. É claro que, como vimos, existe uma diferença
entre o que se diz (do discurso politicamente correto) e o que se faz de fato (das práticas
linguísticas concretas do dia a dia). Há, porém, aqui uma brecha histórico-social que precisa
ser aproveitada, enquanto perdura, nas ações de preservação do talian. Ou seja, projetos como
o inventário do talian, que estamos desenvolvendo no Instituto Vêneto/Universidade de
Caxias (UCS), com o apoio do IPHAN, ocorre mais que “em boa hora”!
5. o foi a família o núcleo social a fazer uso da língua de imigração. A Igreja
Católica, como organismo primeiro e, por certo tempo único, de convívio religioso e social,
contribuiu como fator extralinguístico mantenedor e também transformador das línguas de
imigração. A língua foi o canal de transmissão dos princípios católico-cristãos e, como tal,
deu-se na língua de uso comum, ou seja, primeiramente no talian e, após, no português. A
Igreja Católica, juntamente com a escola, aceleraram o estabelecimento da língua oficial, o
português. Permanece a lacuna para futuros estudos sobre o papel da igreja hoje, se continua
nesse papel ou se existem outras instituições que propagam a língua.
6. Em relação às implicações da denominação e existência do talian como a língua de
imigração italiana mais falada nos quatro pontos da pesquisa, há que se considerar:
a) A percepção dos informantes da geração GII de que no passado se verificavam
diferentes variedades dialetais entre os membros das comunidades de imigração italiana,
evidenciada na análise qualitativa nos depoimentos dos informantes (ver 4.1), revela uma
mudança de um quadro linguístico divergente para uma situação de convergência em torno de
uma variedade predominante do talian. Em outras palavras, houve perda linguística de
variedades dialetais, numericamente menos representativas e, em consequência, difusão de
uma variedade com maior número de falantes. O fato de essa constatação ocorrer apenas na
percepção dos mais velhos é um indicador de que a substituição linguística de variedades
menores pelo talian já se encontra praticamente consolidada.
b) A pesquisa levanta a suspeita de que essas famílias de variedades menores, como o
cremonês, o bergamasco, o milanês, apesar de terem adquirido o talian na GII, tenham sofrido
227
substituição acelerada na geração seguinte (GI), menos identificada com o talian. Os dados
levantados são insuficientes para trabalhar melhor essa questão. Em todo caso, trata-se de uma
hipótese que foi surgindo com a análise (cf. 4.1.1). Identificam-se, no mínimo, processos de
amalgamamento, ou melhor, de nivelamento linguístico (al. Sprachausgleich), entre as
variedades dialetais em contato.
c) Os dados levantam a identificação da representatividade do talian como resultante
de uma política linguística externa ao grupo e, por vezes, um tanto estranha, que muitos
falantes se referem à sua variedade como “dialeto vêneto”. Isso deixa claro que as ações de
reconhecimento e fomento do talian, como as implementadas pelo inventário do talian,
necessitam dar atenção especial a esta questão, que é, em última instância, o dialeto vêneto-
lombardo. Ninguém adere livremente a algo com o qual não se identifica.
d) Do mesmo modo, os dados revelaram que em outras frentes, criaram-se grupos de
defesa do italiano-padrão (cap. 4, seção 4.1.2), onde houve o desejo de preservar “o italiano”
como algo genérico, sem respeitar as diferenças, mesmo que local-regionais; seria como
querer negar as diferenças entre espanhol, português e italiano, por serem semelhantes. Não se
trata aqui de contestar a importância do ensino e aprendizagem do italiano-padrão, mas sim de
não confundi-lo como ação de “preservação” do italiano como língua de imigração, pois
constituem ações bem distintas.
e) O estudo também nos mostra que é preciso ver a língua como um sistema
heterogêneo em si (OLIVEIRA & ALTENHOFEN, 2009). Não nos parece produtivo, nem do
ponto de vista dos estudos dos contatos linguísticos italiano/português, nem da ótica de uma
política linguística para o talian, a constituição de uma concepção de língua monolítica, como
algo invariável. Ninguém fala o português, o talian, “mas todos falamos uma variedade de
língua” (ALTENHOFEN, 2008, p. 32) Tal foi comprovado quando se descreveu na seção
4.1.1, os contatos interdialetais, sobretudo de variedades dialetais menores como o cremonês e
bergamasco e o dialeto majoritário vêneto. Nesse contexto, o talian deve ser visto como um
continuum que comporta variantes internas, mas que orbita em torno de uma base comum que
permite identificá-lo como tal. Situação semelhante ocorre na coiné do contato alemão-
português, o Hunsrückisch riograndense (ver OLIVEIRA & ALTENHOFEN, 2009).
7. Por fim, este estudo analisou o papel dos diferentes fatores relacionados pela
literatura (cap. 3, seção 3.5, fig. 3) como determinantes para a manutenção, perda,
substituição e morte (linguicídio) de línguas em contato. Neste particular, os dados apontaram
como fatores mais favoráveis à manutenção do talian: a transmissão intergeracional, a
concentração demográfica do grupo de fala (homogeneidade étnica), o estado de isolamento
228
das comunidades e as atitudes positivas dos falantes em relação à língua de origem. Por outro
lado, se apresentaram como fatores que aceleram a perda do talian, a política de repressão
do Estado, o papel da escola como instituição pública vinculadora de um ensino
monolingualizador e monovarietal realizado somente através do uso do português, o desprezo
ou ausência de suporte institucional e o grau de urbanização aliado a falta de uma
conscientização sobre os benefícios do bilinguismo e o uso e manutenção da língua de
origem. Evidentemente que esses fatores se apresentam com distintas configurações conforme
os pontos pesquisados. Na transmissão linguística intergeracional, p.ex., a variável da
“concentração demográfica do grupo de fala imigrante” não foi preponderante para
caracterizar o ponto 3 (o de maior população de ítalo-brasileiros) como o de maior grau de
manutenção do talian, como se esperaria, e sim o ponto 4, onde as atitudes positivas dos
falantes em torno da língua mostrou-se mais acentuadamente. o ponto 1 (ver cap. 4, tab.
11), com menor concentração demográfica de ítalo-brasileiros (consequentemente com maior
heterogeneidade étnica), registra o menor índice de perda intergeracional do talian, em
comparação aos pontos 3 e 4. Isso nos leva a novamente lembrar da preponderância do
contexto, como vimos no cap.2. No entanto, vale reiterar que é indiscutível o papel da família
na transmissão da ngua. Não como negar ou ignorar isso nos dados da pesquisa: foi e é a
família que ainda mantém a língua de imigração (retomar no cap. 4, a seção 4.3.4: força
demográfica da língua: número de falantes e grau de homogeneidade étnica), confirmando o
que vem sendo discutido por pesquisadores da área (FISHMAN, 1967/2006; ROMAINE,
1995).
Não poderíamos deixar de ressaltar, ainda, a importância deste estudo como
contribuição para a área de línguas em contato, e, mais especificamente da região do Alto
Uruguai Gaúcho, ao lado de estudos como o de Mescka (1983) e Confortin (1998). A
linguística contatual pode fornecer subsídios à política linguística, que fica claro p.ex.,
através desta pesquisa, o estado atual da língua de imigração. Embora não tenha sido o foco
principal propor estratégias de manutenção e revitalização da língua implicada, o que foi visto
vale como base para propostas de políticas linguísticas municipais em prol dessas línguas.
Nesse sentido, me associo às conclusões finais em defesa do plurilinguismo, que ficaram
evidentes no texto de Oliveira & Altenhofen (2009, no prelo), valendo aqui resumi-las
brevemente: “A importância de se reconhecer a pluralidade e a interdisciplinaridade como
princípios gerais de uma educação de qualidade e de uma democracia cultural que vise ações
de conscientização linguística (language awareness) para orientar as decisões das
comunidades falantes na manutenção e preservação de suas línguas” e, assim, o
229
reconhecimento do talian como um direito linguístico legítimo, próprio das comunidades em
estudo.
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242
ANEXOS
243
ANEXO 1 – Questionário BIRS
244
ANEXO 2 – Instrumento de Coleta de Dados
1 Dados dos Informantes
Identificação: GRUPO:.................................................................................................................
Município...................................................... Data..../....../......
1 - Dados dos Informantes
Número
º
e
sexo
NOME IDADE
(anos)
ESCOLARID.
(GRAU)
PROFISSÃO
1 M
2 M
3 F
4 F
2 - Dados dos pais dos informantes
ETNIA ESCOLARID. ORIGEM. TEMPO/RESID
Número e
Sexo
NOME
PAI MÃE PAI MÃE PAI MÃE PAI MÃE
1
M
1
F
2
M
2
F
3
M
3
F
4
M
4
F
245
Questionário-Roteiro para as entrevistas semidirigidas
ISobre a língua
1 Como vocês chamam este italiano que se fala aqui?
2 Juízos de valor:O que vocês acham deste italiano?
 legal  “meio errado”
 bonito  nosso jeito de falar
3 Vocês acham que há pessoas que falam melhor italiano?
4 Percepções variadas:Há pessoas que falam outro italiano diferente deste?
II – Biografias linguísticas e relação dos falantes com as línguas
(A pergunta nº 5, aos bilíngües, será solicitada que seja respondida na língua alóctone).
5 Como é que vocês aprenderam o italiano que vocês falam?
 os pais incentivaram
 aquisição sucessiva
 aquisição simultânea (em casa o italiano e na escola o português)
 no trabalho
 com vizinhos/familiares
(As perguntas nº 6 e 7 serão feitas aos monolíngües)
6 Como é que se deu a situação de vocês não falarem a língua de origem, mesmo com pais
que falavam?
7 Lamentam ou não o fato de não falarem a língua de origem, hoje?
8 E como é que aprenderam o português? Com que idade?
9 Vocês fazem (ou fizeram) questão de passar a língua de imigração para seus filhos?
10 Vocês têm orgulho ou vergonha de seu modo de falar?
11 Acham importante falar a língua de origem? Por quê?
 Trabalho/emprego
 Comunicação
III Competência nas línguas
12 Vocês só falam ou também lêem e escrevem?
13 E como é que são os conhecimentos de vocês, em português?
246
IV A língua de imigração na vida pública
14 Escutam programas de rádio nesta língua de origem falada aqui?
15 Já frequentaram cursos de italiano?
16 Lêem algum material na língua italiana falada aqui?
17 Vocês dão prioridade ao atendimento (médico, dentário, jurídico e serviços) com pessoas
que falam a língua de origem?
V Manutenção e perda da língua de origem
Percepção dos falantes sobre a presença da língua alóctone:
18 Tem muita gente que ainda fala a língua de origem italiana aqui? Mais ou menos, quanto
por cento?
19 Por quanto tempo vocês acham que ainda se vai falar?
Causas apontadas:
20 Por que vocês acham isso?
 Escola
 Mídia (TV, rádios)
 Pais (atitudes)
 Casamentos mistos
 Amizades
 Proibição do italiano durante a guerra ( ditadura de Getúlio Vargas)
 Preconceito
Experiências negativas:
21 Lembram de alguma experiência, de algum caso ruim de proibição ou preconceito contra o
italiano?
Medidas de revitalização:
22 O que vocês acham que deveria ser feito para resgatar esta língua?
 Língua italiana nas escolas
 Língua italiana para pessoas da comunidade
 Festas italianas
 Missas em italiano
 Leis
 Programas de rádio
 Jornais, publicações
247
23 Está sendo feita alguma coisa neste sentido?
VI - Ensino de italiano/língua de origem italiana
24 Vocês sentem vontade de estudar italiano?
Sim
Não
Por quê?
25 Na opinião de vocês, o italiano deveria ser ensinado nas escolas?
Sim
Não
Por quê?
26 E qual o italiano que vocês acham que deveria ser ensinado?
dialeto falado na região
italiano padrão gramatical
Por quê?
REPRODUÇÃO ORAL:
Solicitar que falem sobre a rotina do dia-a-dia, na respectiva língua de imigração.
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