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DENISE ARAUJO MEIRA
ROMPENDO SILÊNCIOS: A TRAJETÓRIA DO PROFESSOR
FRANKLIN CASCAES NA ESCOLA INDUSTRIAL DE
FLORIANÓPOLIS (1941-1970)
FLORIANÓPOLIS – SC
2009
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2
DENISE ARAUJO MEIRA
ROMPENDO SILÊNCIOS: A TRAJETÓRIA DO PROFESSOR
FRANKLIN CASCAES NA ESCOLA INDUSTRIAL DE
FLORIANÓPOLIS (1941-1970)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade do Estado de Santa Catarina como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Educação, na linha de História e Historiografia da Educação.
Banca Examinadora
Orientadora: __________________________________________
Dra. Maria Teresa Santos Cunha
UDESC
Membro: __________________________________________
Dra. Ana Chrystina Venancio Mignot
UERJ
Membro: __________________________________________
Dra. Isabela Mendes Sielski
CEFETSC
Membro: __________________________________________
Dra. Vera Lucia Gaspar da Silva
UDESC
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3
Para uma professora: minha Avó Lia.
4
AGRADECIMENTOS
Nesse momento, agradeço as pessoas que sempre me acompanham, outras
que colaboraram, incentivaram e me apoiaram nos caminhos da pesquisa, em
especial:
Juliana, pelos cuidados dispensados quando estava envolvida nos estudos e
na elaboração do texto.
Gerson, pela constante companhia.
A Ida e Orestes, pelo apoio incondicional.
Guto, Luciano, Alcides, Heloisa, Graça e Vilma pelo incentivo.
A Maria Teresa Santos Cunha pelas indispensáveis contribuições, pela
paciência, e pelo apoio constante.
A Ana Chrystina Venancio Mignot, Isabela Mendes Sielski e Vera Lucia
Gaspar da Silva pelas valorosas contribuições durante a qualificação deste trabalho.
Aos colegas de mestrado, Vanessa, Ângela, Maria Clarete, Maria Cristina,
Marcos, Denise e Virginia, por compartilhar a experiência na UDESC.
Aos professores da linha de pesquisa História e Historiografia da Educação
pela formação e pela contribuição intelectual.
A Caren pela preciosa colaboração em todos os momentos da pesquisa.
As alunas da Parte Diversificada V, em especial, Carolina, Aline e Jessica,
pelo estímulo e pelo carinho.
A Anelise pela disponibilidade, atendendo minhas solicitações nos momentos
em que precisei de ajuda.
5
Aos colegas do Centro Federal de Educação, que não preciso nomear aqui,
porque sabem o quanto apoiaram na realização deste trabalho. Agradeço em
especial Baltazar, Claudia, Terezinha, Karine, Marcos Davi e Ângela.
Aos integrantes do LIO, por encorajar a elaboração do projeto de mestrado.
Meu agradecimento especial aos ex-alunos do professor Franklin Cascaes
que com seus depoimentos, possibilitaram a realização deste trabalho.
6
Mire e veja: o mais importante e bonito, do
mundo, é isto: que as pessoas não estão
sempre iguais, ainda não foram terminadas -
mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou
desafinam. Verdade maior. É o que a vida me
ensinou.
(ROSA, 1985, p.21)
7
RESUMO
Esta dissertação tem como objetivo problematizar a trajetória e analisar os contornos
da prática docente do professor de Desenho, Franklin Joaquim Cascaes na Escola
Industrial de Florianópolis (atual Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa
Catarina), no período de 1941 a 1970. Através de documentos da escrita cotidiana
preservados nos arquivos do Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa
Catarina e no Museu Universitário Osvaldo Rodrigues Cabral, tais como caderno de
desenho, provas, diários de classe, documentos administrativos e correspondências
presentes na sua pasta funcional, além dos relatos orais de ex-alunos busca-se
visibilizar a trajetória do professor que foi silenciada em narrativas biográficas e
autobiográficas em benefício de seu lado de artista/folclorista renomado. Trata-se de
um trabalho de história da educação que tenta compreender questões relacionadas
ao cotidiano da sala de aula através da trajetória de um professor desde o seu
ingresso como aluno asua aposentadoria como professor da Escola Industrial de
Florianópolis.
Palavras-Chave: Franklin Cascaes. Escola Industrial de Florianópolis. Prática
docente. Escritas Cotidianas.
8
ABSTRACT
The present dissertation has as its objective placing in perspective the professional
trajectory and analyzing the teaching practice characteristics of the Art Drawing
teacher, Franklin Joaquim Cascaes in the period from 1941 to 1970 when he was
working for the Industrial School in Florianópolis (presently called CEFET - Centro
Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina [Federal Centre for
Technological Education of Santa Catarina]). By means of the records of his daily
writings which have been kept in the CEFET archives and in the Osvaldo Rodrigues
Cabral University Museum, such as drawing notebooks, exam papers, classroom
diaries, administrative documents and mail which are present in his functional files,
as well as the oral reports given by ex-pupils, the aim is to have a view of the
trajectory of Franklin Cascaes as a teacher, something that remains silenced in
biographical and auto-biographical narratives due to the greater emphasis put on his
renown fame as artist/folklorist. This is a history of education research paper which
tries to understand questions related to the classroom everyday life by means of the
professional trajectory of a teacher from the time of his initiation as a student to the
time of his retirement as a teacher for the Industrial School of Florianópolis, SC,
Brazil.
Keywords: Franklin Cascaes. Industrial School of Florianópolis. Teaching Practice.
Daily Writings.
9
SUMÁRIO
CAMINHOS DA PESQUISA......................................................................................11
1. O ARTISTA E O PROFESSOR INSCRITO NAS NARRATIVAS
AUTOBIOGRÁFICAS E BIOGRÁFICAS ..................................................................24
1.1. O ARTISTA E O PROFESSOR, POR SI MESMO..........................................28
1.2. O ARTISTA E O MESTRE, POR OUTROS....................................................39
1.2.1. Por Adalice Maria de Araujo e Heloisa Espada .............................................40
1.2.2. Por Evandro André de Souza e Claudia Regina Silveira ...............................42
1.2.3. Por Reinaldo Lindolfo Lohn ............................................................................46
1.2.4. Por Oswaldino Hoffmann.................................................................................49
2. A TRAJETÓRIA DO PROFESSOR FRANKLIN NOS DOCUMENTOS
ADMINISTRATIVOS DA ESCOLA INDUSTRIAL.................................................... 55
2.1. O CURSO NOTURNO DE DESENHO E O SEU INGRESSO COMO
PROFESSOR DA ESCOLA INDUSTRIAL................................................................ 56
2.2. O CURSO DE FÉRIAS DA ESCOLA TÉCNICA NACIONAL DO RIO DE
JANEIRO................................................................................................................... 64
2.3. A PARTICIPAÇÃO NAS COMEMORAÇÕES CÍVICAS E RELIGIOSAS ...... 69
2.4. SOBRE A APOSENTADORIA ........................................................................75
2.5. DEPOIS DA APOSENTADORIA ....................................................................78
10
3. A PRÁTICA DOCENTE DO PROFESSOR FRANKLIN CASCAES NAS
ESCRITAS COTIDIANAS..........................................................................................83
3.1. FRANKLIN, O PROFESSOR DE DESENHO TÉCNICO ................................84
3.2. SOBRE AS PRÁTICAS E OS SABERES ENSINADOS NAS DÉCADAS DE 40
E 50........................................................................................................................... 86
3.3. SOBRE AS PRÁTICAS E OS SABERES ENSINADOS NOS ANOS 60 ......100
ENTRELAÇANDO ALGUNS FIOS .........................................................................111
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.............................................................................115
11
Caminhos da pesquisa...
12
Em primeiro lugar, cabe dizer que, como em boa parte dos casos, o tema
central de reflexão desta pesquisa é muito anterior ao meu ingresso no Mestrado e
tem relação direta com a minha trajetória como professora do Instituto Federal de
Santa Catarina
1
(IF/ SC). Conheci Franklin Cascaes em 1982, no Museu
Universitário Oswaldo Rodrigues Cabral, como aluna do Curso de História da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Na época atuava como bolsista em
projetos de História Oral. A pesquisa desenvolvida por Franklin Cascaes, de registrar
os relatos orais dos nativos da Ilha de Santa Catarina me chamava atenção. Em
1988 comecei a trabalhar na antiga Escola Técnica Federal de Santa Catarina, na
mesma instituição onde o professor Franklin havia lecionado, por quase 30 anos.
Em 2002, com implantação do Laboratório de Imagem e Oralidade
(LIO) do IF/SC
2
·, houve um questionamento, especialmente, pelo ex-aluno
Oswaldino Algemiro Hoffmann sobre quando a história do referido professor seria
contada. Oswaldino Algemiro Hoffmann, aluno do professor Franklin Cascaes na
Escola Industrial de Florianópolis, no início dos anos 60, conviveu com o professor
por dez anos. Assim como o mestre, tornou-se professor de desenho da Escola
Técnica de Santa Catarina, em 1968. A proximidade do centenário de nascimento
(outubro de 2008) de Franklin Cascaes levou os integrantes do LIO a estruturar o
projeto “Franklin Cascaes: o professor”.
Franklin Joaquim Cascaes (1908-1983) como artista/folclorista, sensível ao
“desmonte da cidade
, buscou nos relatos dos moradores nativos da Ilha de Santa
Catarina os seus narradores benjaminianos
3
- uma estratégia para registrar “um
1 O Instituto Federal de Santa Catarina (IF/SC) vivenciou várias modificações na sua trajetória como escola profissionalizante. Iniciou em 1909
como "Escola de Aprendizes Artífices" através do decreto n. º 7.566, de 23/09/1909. Em 1937, passou a denominar-se "Liceu Industrial de Florianópolis" e
depois em 1942, transformou-se em "Escola Industrial de Florianópolis”. Em agosto de 1965 a escola recebeu a denominação de "Escola Industrial Federal
de Santa Catarina", e em 1968 passou a denominar-se "Escola Técnica Federal de Santa Catarina". Em 2002, foi criado o Centro Federal de Educação
Tecnológica de Santa Catarina. Durante a sua atuação como docente, o professor Cascaes vivenciou três momentos de mudança na trajetória da instituição
que ainda hoje é conhecida pelos moradores mais antigos da cidade como “a Industrial”.
Disponível em http://www.ifsc.edu.br. Acesso em 30 de março de 2009.
2 O Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin Cascaes (LIO) está situado nas dependências do Instituto Federal de Santa Catarina, na
Avenida Mauro Ramos, número 500, Centro, Florianópolis. Tem como objetivo promover pesquisa e atividade acadêmica baseadas no uso da imagem e da
oralidade e no uso dos procedimentos metodológicos específicos de cada linguagem. As linhas de ação tanto acadêmicas quanto de pesquisa objetivam:
realizar o registro e a análise das diversas variações lingüísticas; proporcionar ao educando o acesso adequado às línguas estrangeiras em situação de
comunicação real; acessar a produção cultural (cinema, música, artes plásticas) tanto em manifestações nacionais quanto estrangeiras; disponibilizar,
mediante autorização dos narradores, o uso público das entrevistas para consulta e pesquisa; publicar resultados de projetos desenvolvidos no LIO com
vistas à divulgação do conhecimento ao público em geral e; arquivar os conjuntos documentais.
3 Para Walter Benjamin (1994, p.198), a experiência é a fonte que recorrem todos os narradores. Destaca que entre as narrativas escritas as
melhores são as que se aproximam das narrativas orais contadas pelos narradores anônimos. Apresenta dois grupos de homens que "sabiam narrar
devidamente”: do "camponês sedentário" que, sem sair de seu país, conhecia suas histórias e tradições; e a do "marinheiro comerciante" que, por viajar,
tinha muito que contar. O homem das comunidades pesqueiras da Ilha de Santa Catarina corresponde ao primeiro grupo: sem sair do seu local, conhece
sua história e tradição.
13
tempo que estava terminando”
4
. Franklin Cascaes, como diria Marshall Berman, faz
parte de um grupo de pessoas que experimenta a modernidade como uma ameaça
a toda a sua história e tradição.
5
No início da década de 30, monta um presépio na Capela de Nossa Senhora
dos Navegantes de Itaguaçú e através deste trabalho consegue o emprego de
servente na Escola Profissional Feminina de Florianópolis.
6
Estimulado pelas alunas
organiza exposições. Freqüenta o Curso Noturno do Liceu Industrial de Florianópolis
como aluno ouvinte. Trabalha como auxiliar de mestre, contramestre, na oficina de
modelagem da Escola Industrial de Florianópolis.
No dia 01 de outubro de 1941, o então aluno da Escola de Aprendizes e
Artífices de Santa Catarina passa a condição de Coadjuvante de Ensino no Curso de
Desenho do Liceu Industrial de Florianópolis, dando início a uma carreira que iria
durar até 27 de novembro de 1970 quando se aposenta.
A relação entre a memória e a história do professor da Escola Industrial pode
ser claramente entendida quando, na véspera do seu centenário de nascimento, o
jornal “Diário Catarinense” (2007) ao traçar a sua biografia silencia a sua atuação
como docente. O próprio Franklin, em entrevista concedida a Raimundo Caruso, em
1981, questiona se o mesmo sabia o que significa ser professor. Conclui: um
miserável. O entrevistado ao narrar sua vida também esquece ou silencia o seu
trabalho como mestre da oficina de modelagem e como professor de desenho da
Escola Industrial de Florianópolis.
Sendo assim, o professor que merece a atenção desta pesquisa é aquele que
detém uma sólida posição como artista, mas não como professor. O personagem
deste estudo tem sua escolha sustentada pelo lugar privilegiado onde constrói sua
história, contudo, é o seu silêncio com relação à Escola que me interessa.
Problematizar a trajetória e os contornos da prática docente do Professor Franklin
Cascaes, é o que pretende este estudo.
A partir do conhecimento do projeto “Franklin Cascaes: o professor” visitou-se
o acervo de documentos da antiga Escola Industrial de Florianópolis, hoje Instituto
4 Expressão utilizada por Franklin Cascaes em entrevista concedida a Raimundo Caruso, posteriormente publicada no livro Franklin Cascaes-
Vida e Arte-E a Colonização Açoriana organizado pelo entrevistador, em 1981. CASCAES, Franklin. Método de Trabalho. In: CARUSO, Raimundo. Franklin
Cascaes - Vida e Arte- E a Colonização Açoriana. 2. ed. Florianópolis: Ufsc, 1989, p. 20.
5 BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar, a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p.17.
6 ESPADA, Heloísa, 1997 (1996), Na Cauda do Boitatá: Estudo do Processo de Criação nos Desenhos de Franklin Cascaes, Florianópolis,
Letras Contemporâneas, p.71.
14
Federal de Santa Catarina. Está guardado numa pequena e estreita sala, com pouca
ventilação, que é uma espécie de depósito de “coisas velhas”. Depositados neste
lugar insalubre, as fotografias e a ata do concurso de ingresso do professor, foram
requisitadas e está hoje sob a guarda do Laboratório de Imagem e Oralidade
Franklin Cascaes.
As dificuldades relacionadas ao cotidiano da escola, especialmente a
participação de uma parte significativa do grupo do Laboratório de Imagem e
Oralidade Franklin Cascaes em um projeto de implantação de curso, transformaram
o projeto que inicialmente seria uma produção coletiva em um projeto individual de
mestrado.
Nas minhas primeiras aproximações com o tema, observei que no começo do
século XX, no momento de criação das Escolas de Aprendizes e Artífices, a palavra
indústria estava vinculada aos ofícios e ao artesanato e não à mecanização. Criadas
pelo decreto N.7566, de 23 de setembro de 1909, as Escolas deveriam “habilitar os
filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e
intelectual, como fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastará da
ociosidade ignorante, escola do vício e do crime”, oferecendo “ensino prático e os
conhecimentos técnicos necessários”.
7
O próprio decreto determina que, conforme
as especificidades da indústria local, as oficinas deveriam ser de trabalho manual ou
mecânico. Podemos afirmar que o decreto tinha como objetivo “não o
desenvolvimento da indústria e das profissões, mas, principalmente, reduzir os
problemas sociais que a urbanização incipiente do país já trazia”
8
.
Luiz Antônio Cunha, afirma que na década de 40, o ensino profissional
permaneceu no nível pós - primário e que a lei orgânica do ensino industrial, “junto
com a sua congênere do mesmo ano, relativa ao ensino secundário, moldaram a
dualidade social no ensino médio”. Levando em consideração o formato impresso
por Gustavo Capanema, ministro da Educação do Estado Novo, Luiz Antonio Cunha
conclui: “o ginásio e o colégio para as “individualidades condutoras” e as escolas
profissionais para as “classes menos favorecidas.”
9
7 ALMEIDA Acides Vieira de. Dos Aprendizes Artífices ao CEFET/SC: Resenha Histórica. Florianópolis: Gráfica Agnus,
2002,p. 8.
8 SCHWARTZMAN, Simon et al. TEMPOS DE CAPANEMA: O ENSINO INDUSTRIAL. Disponível em: http: // WWW. Schwartzman.org. br/
Simon/Capanema/ capit 8.html. Acesso em 20 de abril, 2008.
9 CUNHA, Luiz Antônio. O ENSINO INDUSTRIAL-MANUFATUREIRO NO BRASIL: Disponível em:
http://www.flacso.org.br/data/biblioteca/392.pdf. Acesso em: 01 de maio, 2008.
15
Simon Schwartzman, Helena Bomeny e Vanda Costa afirmam que a Lei do
Ensino Industrial, de 1942, “é uma grande declaração de intenções, acompanhada
de um amplo painel da organização à qual o ensino industrial se deveria ajustar”
Destacam:
Em termos de intenções, ela busca atender, simultaneamente,
aos interesses do trabalhador, "realizando sua preparação
profissional e sua formação humana"; das empresas,
"nutrindo-as, segundo suas necessidades crescentes e
mutáveis, de suficiente e adequada mão-de-obra"; e da nação,
"procurando continuamente a mobilização de eficientes
construtores de sua economia e cultura”
10
.
Nos anos 40, o decreto de criação do Serviço Nacional de Aprendizagem
(SENAI), estabelece que o mesmo se encarregaria da "formação profissional dos
aprendizes". As Escolas Industriais e o Serviço Nacional de Aprendizagem
buscavam atender os interesses do trabalhador realizando a sua preparação
profissional. As Escolas Industriais deveriam realizar também a “sua formação
humana”.
Sérgio Pereira Cândido
11
, aluno do professor Franklin em 1970, afirma que as
disciplinas voltadas para a “formação humana” como artes, português e história
eram vistas como “perfumarias” pelos professores das disciplinas técnicas. Analisar
a trajetória de um professor de uma disciplina que no início da sua carreira era
aparentemente valorizada, mas que nos anos finais era tida como ‘perfumaria’ foi
também uma das razões da escolha do tema.
Explicando de onde eu falo e justificando a opção por desenvolver um projeto
na linha de História e Historiografia da Educação, espero não cair na armadilha da
“ilusão autobiográfica” que nos alerta Pierre Bourdieu, de tratar a vida como uma
trajetória de coerência, como um fio único, quando sabemos que na vida de
qualquer pessoa , multiplicam-se os azares, as sortes, as oportunidades e as
casualidades, os imponderáveis, enfim!
Impulsionada pelo desejo de dar continuidade ao projeto, apresentei proposta
de projeto de mestrado a Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Com
10 Idem.
11 CANDIDO, Sérgio Pereira. Entrevista concedida a Denise Araújo Meira, outubro de 2006. Disponível no acervo do Laboratório de Imagem e
Oralidade Franklin Cascaes.
16
o objetivo de compreender a forma como os contemporâneos, do artista/folclorista
Franklin Cascaes, representam a sua prática como docente, na Escola Industrial de
Florianópolis, entre 1941 e 1970. O projeto tinha como proposta recorrer às fontes
orais e se arriscar por uma metodologia de pesquisa marcada pelo uso da história
oral.
Depois de uma leitura inicial da obra “Franklin Cascaes- Vida e Arte- E a
Colonização Açoriana” de Raimundo Caruso, fiz uma nova visita ao “arquivo morto”
da escola à procura de sinais, pistas deixadas pelo professor. Naquele momento, a
escassez aparente de fontes não me preocupava, na medida em que a proposta
inicial do projeto tinha a história oral como metodologia, ou seja, a opção era de
provocar um arquivo, construindo as fontes.
No ano de 2007, enquanto cursava as disciplinas do mestrado, realizei
algumas visitas a arquivos e bibliotecas, o que me possibilitou o contato com outras
fontes e também com outra possibilidade metodológica. O projeto inicial tomava
novos rumos.
Um novo e atento olhar nesse conjunto de materiais me ofereceu pistas e
indícios muito significativos da sua trajetória e da sua prática como docente. O uso
de fontes analisadas a partir da especificidade da linguagem que utilizam e tendo em
conta as condições de produção documental, podem aumentar a compreensão
“desses fazeres” e nos mostrar indícios singulares do interior da escola.
No Departamento de Desenvolvimento de Recursos Humanos do IF/SC, tive
contato com a Pasta Funcional do professor Franklin. Formada por
correspondências oficiais enviadas da instituição para o professor e do professor
para a instituição, como ofícios, portarias, termos de posse e outros, tal conjunto de
documentos nos fornece vestígios significativos da sua trajetória profissional na
Escola Industrial de Florianópolis.
Na busca da documentação deparei com um interessante conjunto de “relatos
autobiográficos”, que compõem a Coleção Elizabeth Pavan Cascaes depositada no
Arquivo do Museu Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Se o historiador é capaz de fazer flecha com qualquer madeira
12
, no entanto, é
importante contar com um pouco de sorte: o fato do artista/professor ter o costume
de desenhar no verso de provas, diários de classe e exercícios de alunos. Esses
12 JULIA, Dominique, (2001). A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, nº 1, p. 17.
17
escritos se inserem na clave de escritas cotidianas
13
e quando preservados podem
aumentar a compreensão das práticas escolares. De acordo com Diana Gonçalves
Vidal, tais objetos tomados em sua materialidade, não apenas favorecem a
percepção dos conteúdos ensinados, mas, sobretudo provocam o entendimento do
conjunto de fazeres ativado no interior da escola.
14
Afirma também que esses
objetos culturais, necessários ao funcionamento da aula, quando observados na sua
regularidade, trazem as marcas da modelação das práticas escolares.
Com relação às fontes orais, foram utilizadas as que hoje compõem o acervo do
Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin Cascaes e que foram obtidas mediante
a utilização do método da história oral. O que se pretende é que as lembranças dos
narradores ajudem a tecer tanto a trajetória quanto a sua prática docente. As
entrevistas transcritas, textualizadas e devidamente autorizadas compõem o acervo
de documentação oral do referido laboratório e estão disponíveis para pesquisa.
Dílson Ribeiro, antigo aluno do professor, cedeu ao LIO às imagens digitalizadas
do caderno de desenho do Professor Franklin Cascaes (1945). Silvina Gvirtz ao
analisar os cadernos de classe da escola primária argentina, percebe o caderno
como dispositivo escolar, “como um conjunto de práticas discursivas escolares que
se articulam de um determinado modo produzindo um efeito”
15
Como suporte de
memória, o caderno de desenho do professor Franklin, se transforma em documento
da trajetória do artista/professor e da disciplina de desenho, na Escola industrial de
Florianópolis.
Durante a Semana de Arte e Cultura (IF/SC) em outubro de 2008, realizou-se a
Mesa Redonda “Revisitando Cascaes”. Participaram dessa atividade antigos alunos,
entre eles o Professor Nereu do Valle Pereira. Aluno do Professor Franklin em 1942
trouxe além dos trabalhos realizados na sala de aula, correspondências que
permitem vislumbrar o envolvimento do professor Franklin em um circuito de
13 De acordo com Fabre “as escritas ordinárias ou sem qualidades são aquelas realizadas por pessoas comuns e que se opõem aos escritos
prestigiados, elaborados com vontade específica “de fazer uma obra” para ser impressa. ”Citado por: MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio et al.(org.). Práticas
de Memória Docente. São Paulo: Cortez, 2003. (Cultura, Memória e Currículo). Ana Chrystina Venâncio Mignot nomeia as escritas ordinárias de escritas
cotidianas, na perspectiva apontada por Antonio Castillo Gomez e fez com ele uma exposição, em 2002, na UERJ/ RJ, cuja produção resultou no livro
“Papéis Guardados”, publicado pela UERJ/REDE SIRUS, no ano de 2003.
Em 2002, a UDESC promoveu a exposição “Memórias e Escritas de Pessoas
Comuns”, coordenada pela Professora Maria Teresa Santos Cunha. O texto da Conferência de abertura “Das mãos ao arquivo: a propósito das escrituras
das pessoas comuns”, proferida pelo Professor António Castillo Gómez, está publicado na Revista Percursos - Vol. 4. número 1 /out- 2003. A exposição
montada em cinco grandes eixos temáticos (conforme anexo 1) envolveu materiais do início do século XX.
14 VIDAL, Diana Gonçalves et al. “As Múltiplas estratégias de”. Disponível em: http // www.usp.br/ niephe /reuniões/
“Projeto_novembro_2006.doc. Acesso em: 10 de abril,2008.
15 GVIRTZ, Silvina. Do currículo Prescrito Ao Currículo Ensinado: Um olhar sobre os cadernos de classe. Bragança Paulista: São Francisco,
2005. P.24
18
sociabilidade, que lhe permite no período posterior a sua aposentadoria, garantir que
a sua obra permaneça sob a guarda e a tutela do Museu Universitário Osvaldo
Rodrigues Cabral.
Se no projeto inicial, a proposta era de analisar a trajetória do professor Franklin
Cascaes na Escola Industrial de Florianópolis, a partir dos relatos dos seus
contemporâneos, agora a proposta era de fazer uso da história oral apenas como
mais uma fonte e não como metodologia. No livro “Alice no País das maravilhas”, de
Lewis Carrol, a personagem pergunta ao gato: “O senhor poderia me dizer qual
caminho devo seguir para sair daqui?” Que caminho deveria seguir para sair da
encruzilhada? Resolvi escutar as palavras do gato: “Isso depende muito do caminho
para onde você quer ir”
16
.
Um novo caminho
A investigação agora tinha como objetivo compreender, a partir das escritas
cotidianas e dos relatos orais, a trajetória e a prática do professor Franklin Cascaes
na Escola Industrial de Florianópolis, no período de 1941 a 1970.
Para problematizar os contornos da prática docente de Franklin Cascaes,
utilizarei como categoria de análise as escritas cotidianas escolares, que integram
uma cultura escolar.
17
Ana Chrystina Venâncio Mignot e Maria Teresa Santos Cunha, registram que
no âmbito da História da Educação, a Sociedade Espanhola de história da Educação
tem se voltado para o tema das escritas cotidianas de natureza autobiográfica e
profissional, particularmente associado à discussão sobre cultura material da
escola.
18
Destacam o interesse “crescente dos pesquisadores em buscar
compreender as práticas docentes a partir de documentos menores, quase
16 LEWIS CARROLL. Ebooksbrasil.org. Alice no País das Maravilhas: Porco e Pimenta. tradução Cléia Regina Ramos. Disponível em:
<http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/alicep.html>. Acesso em: 12 jan. 2009.
17 Dominique Julia (2001) concebe Cultura Escolar como um “conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e normas a inculcar, e
um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos”. O autor propõe a abertura da “caixa
preta” da escola, ou seja, trabalha na perspectiva de um olhar para o interior da escola. Nessa mesma direção, António Viñao Frago (1995) parte da
compreensão da cultura escolar como “conjunto de aspectos institucionalizados incluye práticas y condutas, modos de vida, hábitos e ritos- la historia
cotidiana del hacer escolar-, objetos materiales- función, uso, distribución em Le espacio, materialidad, simbologia, introdución, transformación,
desparición...-, y modos de pensar, así como significados e ideas compartidas.” Tal definição permite entender a instituição escolar como organização,
abrangendo os aspectos físicos e materiais, as condutas, as práticas e os significados simbólicos do cotidiano da escola.
18 MIGNOT, A. C. V.; CUNHA, M. T. S. Razões para guardar: a escrita ordinária em arquivos de professores/as. Educação em Questão, v. 25,
2006. P.50.
19
negligenciáveis”. Cadernos de planejamento, exercícios, atividades de aula,
guardam as recordações da prática profissional.
19
António Viñao Frago, historiador espanhol, afirma que:
(...) a história da cultura escrita ou razão gráfica” vem interessando-se
cada vez mais pelos tão variados mundos das escrituras marginais,
efêmeras, ordinárias ou pessoais, assim como pelos processos de
recepção e apropriação dos textos escritos, ou seja, pela escritura e leitura
como práticas sociais e culturais efetuadas por quem escreve e lê.
20
Propõe uma taxionomia dos relatos e relações autobiográficas de professores
e mestres, que considere uma tentativa o fechada de classificação dos mesmos,
mas que aproxime às suas formas materiais e textuais, assim como às suas
motivações e conteúdos. Destaca entre outros: os diários, as entrevistas
autobiográficas e as folhas de méritos e serviços. António Viñao Frago ressalta que
o caderno de preparação de lições, pertencendo ao gênero textual dos diários
profissionais, é a fonte documental que mais se aproxima das práticas ou da
realidade cotidiana da sala de aula.
21
Heloisa Espada relembra uma fala muitas vezes contada por Gelcy José
Coelho, o Peninha, que conviveu intensamente com o professor Franklin nos últimos
anos de sua vida. Quando questionado pela família sobre o que considerava mais
valioso na obra do artista, tinha clara a resposta: os papeizinhos velhos e
amarelados que ele usava para esboçar seus desenhos, feitos nos versos das
provas dos alunos da Escola Industrial.
22
Papeizinhos esses que permitem como
afirmam Ana Chrystina Venâncio Mignot e Maria Teresa Santos Cunha:
(...) apreender saberes, crenças, valores e práticas considerando-as como
partícipes de uma “[...] história da linguagem e da cultura escrita [...] uma
história das diferentes práticas da escrita [...] capazes de gerar modos de
pensar o mundo e construir realidades.” (CASTILLO GÓMEZ, 2003, P.133).
Esses papéis, diferentemente daqueles que foram guardados por
educadores/ as renomados/as, contêm o acontecer da sala de aula e ao
19 Idem p.41
.
20 VIÑAO, A. Relatos e Relações Autobiográficas de Professores e Mestres. In: MENEZES, Maria Cristina. Educação, Memória. História:
Possibilidades, Leituras. Campinas: Mercados de letras, 2004. p.334-335.
21 Idem p.345.
22 ESPADA, Heloísa, 1997 (1996), Na Cauda do Boitatá: Estudo do Processo de Criação nos Desenhos de Franklin Cascaes, Florianópolis,
Letras Contemporâneas. p.9.
20
transcender a fragilidade do presente, materializam uma memória escolar.
23
Dessa forma, os documentos guardados ao longo da vida do professor e
transformados em fontes, aparecem no cotidiano escolar como uma possibilidade de
criação da memória docente, na medida em que contém o “acontecer da sala de
aula”.
Assim a análise da documentação se dará no diálogo com alguns conceitos e
categorias presentes na história. Contribuíram para a demarcação desse diálogo
Antonio Viñao Frago, Ana Chrystina Venâncio Mignot e Maria Teresa Santos Cunha
que tem discutido aspectos das escritas cotidianas na perspectiva da cultura escolar.
Sob este olhar produzi dois textos como trabalho final de duas disciplinas que
foram apresentados na I Jornada da Produção Científica da Educação Profissional e
Tecnológica da Região Sul (Florianópolis, agosto de 2007), na II Jornada Nacional
de Produção Científica em Educação Profissional e Tecnológica (São Luís,
dezembro de 2007) e no IV Encontro Regional Sul de História - Culturas, Memórias
e Identidades (Florianópolis, novembro de 2007).
24
Na elaboração do trabalho “O Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin
Cascaes: Possibilidades de Pesquisas em Memória e História do Centro Federal de
Educação Tecnológica de Santa Catarina” efetuei leituras de teóricos que
problematizam a questão da memória. O artigo tece algumas considerações sobre a
constituição do acervo existente atualmente no Laboratório e chama a atenção sobre
a importância na formação e no tratamento dos acervos das instituições federais de
educação tecnológica.
23 MIGNOT, A. C. V.; CUNHA, M. T. S. Razões para guardar: a escrita ordinária em arquivos de professores/as. Educação em Questão, v. 25,
2006. p.55-56.
24 Foram apresentados os seguintes trabalhos:
-Mestre Cascaes e a Escola Industrial de Florianópolis: Notas sobre a História de Vida de um Professor. (Apresentação de Trabalho/Comunicação). II
Jornada Nacional da Produção Científica em Educação Profissional e Tecnológica. 3, 4, 5 e 6 de dezembro de 2007, São Luís, Maranhão ;
-O Laboratório de imagem e Oralidade Franklin Cascaes: Possibilidades de Pesquisas em memória e História do centro federal de Educação Tecnológica de
Santa Catarina. (Apresentação de Trabalho/Comunicação). II Jornada Nacional da Produção Científica em Educação Profissional e Tecnológica. 3, 4, 5 e 6
de dezembro de 2007, São Luís, Maranhão ;
-O Mestre e o Artista: notas sobre as biografias e os relatos dos alunos de Franklin Cascaes. 2007. (Apresentação de Trabalho/Comunicação). IV Encontro
Regional Sul de História Oral. Florianópolis - SC de 12 a 14 de novembro de 2007 e ;
-O Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin Cascaes: possibilidades de pesquisa em Memória e História do CEFETSC. (Apresentação de
Trabalho/Comunicação). Jornada da Produção Científica da Educação Profissional e Tecnológica da Região Sul, Florianópolis-SC de 08 a 10 de agosto
de 2007.
21
O segundo artigo, “Mestre Cascaes e a Escola Industrial de Florianópolis: Notas
sobre a História de vida de um Professor”, se estrutura a partir de três eixos: 1) uma
discussão sobre a escrita biográfica; 2) uma reflexão sobre a sua autobiografia e; 3)
uma análise de um “acervo provocado”: o relato de um aluno da Escola Industrial.
Este artigo serviu como base para a elaboração do primeiro capítulo.
No primeiro capitulo, discutirei questões relacionadas ao universo vivido por
Franklin Cascaes na cidade de “Nossa Senhora de Desterro”
25
, procurando
apreender como pesquisadores, um ex-aluno e o próprio Franklin contam a sua
trajetória como artista/folclorista e como professor da Escola Industrial de
Florianópolis. A análise dos dados autobiográficos de Franklin Cascaes, livros,
dissertações e trabalhos de conclusão de curso sobre o personagem, e o
depoimento oral de um antigo aluno, não acontecerá a partir de narrativas que
selecionam acontecimentos significativos que justificam a coerência de sua
trajetória, mas sim considerando a forma como o aluno, os pesquisadores e o
próprio Franklin Cascaes apresentam e representam a sua trajetória como artista e
professor, ou seja, como são produzidos sentidos para sua existência em
perspectivas diferentes.
No segundo capítulo, procuro no conjunto de documentos que formam a sua
pasta funcional, nos relatos dos antigos alunos vestígios da trajetória do professor
Franklin, como funcionário da Escola Industrial de Florianópolis, no período de 1941
a 1970. Procuro também a partir do acervo pessoal e do depoimento do Professor
Nereu do Valle Pereira, perceber o seu envolvimento em um circuito de
sociabilidade, que lhe permite no período posterior a sua aposentadoria, garantir que
o conjunto da sua obra permanecesse sob a guarda e a tutela do Museu
Universitário (UFSC).
Finalmente, no terceiro capítulo, busco compreender aspectos da prática
docente de Franklin, a partir de documentos que auxiliam para uma maior
aproximação com a prática cotidiana da sala de aula. São provas, exercícios, diários
de classe, caderno de preparação de lições, que indicam que uso fez o professor
das normas que lhe foram impostas e a forma como organizava os saberes.
25 Expressão utilizada por Franklin Cascaes em entrevista concedida a Raimundo Caruso, posteriormente publicada no livro Franklin Cascaes-
Vida e Arte-E a Colonização Açoriana organizado pelo entrevistador, em 1981, p.24. Franklin Cascaes justifica o uso do nome Nossa Senhora do Desterro,
por não concordar com a alteração do nome da cidade para Florianópolis. Afirma: “Trocar o nome daquela pessoa que se sacrificou para salvar a vida de
uma criança, pelo de uma pessoa que ao contrário, mandou matar (referindo-se a Floriano Peixoto)? Não concordo.”.
22
A aproximação com a trajetória do professor Franklin e a valorização de
outros vestígios da ação humana até recentemente ignorados, apresenta-se na
perspectiva dos “novos objetos”, dos “novos problemas”, das “novas fontes”,
considerando os estudos realizados pelos historiadores da História Cultural da
Educação. Parafraseando Robert Darton, afirmo que persegui um conjunto de
documentos que me parecia mais rico, que abria a possibilidade de apreciar nos
detalhes alguns pontos de vista menos comuns. Assim como o autor acredito que a
noção de leitura está em todos os capítulos, porque se pode ler um caderno de
desenho ou uma fotografia da mesma maneira como se pode ler um texto
jornalístico ou uma dissertação
26
. Tentei ir fazendo a minha leitura do
professor/artista Franklin Cascaes, mas anexando textos, de maneira que o “próprio
leitor possa interpretar esses textos e discordar de mim”
27
.
26 DARTON, Robert. O grande Massacre dos Gatos: e outros episódios da História Cultural Francesa. 5. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1986. P.XVI
27 Idem.
23
Capítulo I
O artista e o professor inscrito nas narrativas
autobiográficas e biográficas.
24
Figura 1 – Praia de Itaguaçú – Data desconhecida
Acervo da Casa da Memória.
Praia de Itaguaçú. Descrita e fotografada como um lugar bucólico. No todo, o
que se descortina a distância, é a visão de algumas poucas casas, alguns engenhos
de farinha e de açúcar. Sítio
28
. Renato Barbosa no livro “O garoto e a Cidade”, ao
descrever a cidade de Florianópolis, ou melhor, o “continente” dos anos 20,
relembra:
[...] Animais pastavam tranqüilos; à direita da estrada, o mar levemente
irisado por uma viração nordeste, levava para a cidade baleeiras e canoas
carregadas de lenha (...) O passaredo chilreava e as casas baixas, caiadas
de branco, eram circundadas por pequeninos jardins, com canteiros de
manjericão e roseiras de todo-ano.
[...] Cabras soltas pelas estradas eram seguidas pelos cabritos, correndo,
aos berros, à frente do carro.
[...] Uma caieira perto enchia o ar de cheiro insuportável de concha de ostra
queimada, de um curtume exaltavam emanações quase sufocantes.
29
Talvez fosse essa a maior distância entre a praia de Itaguaçú e a Ilha de
Santa Catarina. O Ilhéu assistia o crescimento da população, o processo de
28 Expressão utilizada por Franklin Cascaes quando se refere à praia de Itaguaçú. Jornal O Estado, 16 de março de 1983, p. 16.
29 BARBOSA, Renato. O Garoto e a Cidade – Florianópolis dos anos 20. Secretária de Comunicação Social. 1979, p. 96.
25
modernização da cidade, impulsionado pelas reformas urbanísticas. Desmontando a
impressão inicial, Renato Barbosa destaca:
Aproximava-se a Festa do Divino Espírito Santo e o Largo da Matriz
prometia surpresas de iluminarias! [...]
O tradicional Clube 12 de agosto regorgitava de gente. [...]
Inesquecíveis saraus! Onde, entremeiados com as valsas, polcas, lanceiros
e quadrilhas, deliciavam-se todos em trechos de música clássica,
executados pelas alunas do Professor Guilherme Hautz.
30
A cidade despertara.
Gente voltava do mercado com cestas de compras.
O carro subiu da praia de Fora para a cidade, em demanda do trapiche da
praça, onde tomariam a lancha do Seu Valente, - A “Zuri” - para o Estreito,
na travessia da Ilha ao continente.
Mal entraram, a embarcação apitou. [...].
31
A cidade despertara. Uma cidade que queria se fazer moderna e elegante,
que parecia transformar-se, inclusive com modificações de hábitos (“gente voltava
do mercado com cestas de compras”). O traçado urbano se remodelava.
No dia 02 de setembro de 1910, o jornal “O Dia”, noticiava:
Inaugurou-se hontem conforme havíamos noticiado a escola de Aprendizes
Artífices nesta capital. Instalada em edifício confortável e Hygienico a
Escola de Artífices está bem apparelhada para o fim a que se destina. As
diversas aulas estão montadas a capricho, sobresaindo a de
mechanica.Grande foi o numero de cavalheiros que assistiram ao acto da
installação, tendo comparecido também muitas senhoras.
Opportunamente publicaremos um artigo em que trataremos das vantagens
que traz para nossa mocidade a Escola de Artífices.
A Escola de Aprendizes e Artífices, em edifício confortável e higiênico, surgiu
na esteira do processo de remodelação e do saneamento do traçado urbano, não
apenas em Florianópolis, mas também em outras 18 cidades, com o objetivo de
atender “aos jovens desprotegidos” que ali teriam a oportunidade de um “proveitoso
futuro”.
Gladys Mary Ghizoni Teive, afirma que:
30 BARBOSA, Renato. O Garoto e a Cidade – Florianópolis dos anos 20. Secretária de Comunicação Social. 1979, p.34.
31 Idem, p.92.
26
A escola passou a constituir-se numa exigência à modernização social
pretendida, em organização do trabalho livre e, consequentemente, no
principal meio de acesso ao modelo urbano de socialização desejado,
sendo responsabilizada pela consolidação de novos hábitos de
pensamento na população, transformando-se portanto, num projeto político
do Estado, mas para isso era preciso trazer as crianças das classes
populares ao processo de escolarização
32
A aplicação do modelo da Escola primária ou escola graduada, a que se
refere Gladys Mary Ghizoni Teive, ocorreu concomitantemente com a criação das
Escolas de Aprendizes e Artífices. Sílvia Pandini afirma que “o regulamento de
criação definia as Escolas de Aprendizes e Artífices como de nível primário.”
33
Concluí: “por ser o modelo republicano de educação popular, a escola graduada
contava com ampla disseminação e prestígio ao passo que as Escolas de
Aprendizes e artífices ainda figuravam como novidade e careciam legitimar-se.”
34
Dois anos antes da criação da Escola de Aprendizes e Artífices de Santa
Catarina, em 1908, na Praia de Itaguaçú, de “família de gente de bem”
35
, nasceu o
filho de Serafim Cascaes e Maria Catarina Cascaes que recebeu o nome de Franklin
Joaquim Cascaes. Nome este, que como assinala Pierre Bourdieu (2006) assegura
aos “indivíduos designados, para além de todas as mudanças e todas as flutuações
biológicas e sociais, a constância nominal, a identidade (...) que a ordem social
demanda”. É essa identidade social a pedra fundamental de toda biografia.
Franklin nasceu em Itaguaçú, no continente, mas durante a sua vida não
cansou de declarar o seu amor a Ilha: “Mesmo se morrer distante de ti querida,
quero vir para sempre no teu seu repousar”. Neste primeiro capítulo, como foi
anunciado na introdução, discutirei questões relacionadas ao universo vivido por
Franklin Cascaes, procurando apreender como pesquisadores, biógrafos, alunos e o
próprio Franklin contam a sua trajetória como artista/folclorista e como aluno e
professor da Escola Industrial de Florianópolis, buscando nos diferentes discursos
32 AURAS, Gladys. Mary Teive. Uma vez normalista sempre normalista - cultura escolar e produção de um habitus pedagógico (Escola Normal
Catarinense - 1911/1935). Florianópolis: Insular, 2008, p. 95.
33 PANDINI, Sílvia. A Escola de Aprendizes Artífices do Paraná: "Viveiro de Homens Aptos e Úteis" (1910-1928). 2006. 158 f. Dissertação
(Mestrado) - Departamento de Educação, UFPR, Curitiba, 2006, p.57.
34 Idem ibidem.
35 Expressão utilizada por Franklin Cascaes quando se refere ao fato de que a sua família possuía muitas terras na localidade de Bom Abrigo.
CASCAES, Franklin. Método de Trabalho. In: CARUSO, Raimundo. Franklin Cascaes - Vida e Arte- E a Colonização Açoriana. 2 ed. Florianópolis: Ufsc,
1989, p. 20.
27
silêncios, lacunas que indiquem a existência de diferentes memórias sobre o
mesmo.
28
1.1 O artista e o professor, por si mesmo.
“Pois o importante, para o autor que rememora, não é o que ele viveu, mas
o tecido de sua rememoração, o trabalho de Penélope da reminiscência.
Ou seria preferível falar do trabalho de Penélope do esquecimento?”
36
Benito Bisso Schmidt
37
partindo da definição consagrada de autobiografia
proposta por Philippe Lejune, ou seja, “narrativa retrospectiva em prosa que uma
pessoa real faz da sua própria existência, quando ela acentua sua vida individual,em
particular a história da sua personalidade”, afirma que:
[...] prefiro falar de “fragmentos autobiográficos”, pois embora os textos
examinados enquadrem-se nos critérios antes mencionado (narrativos, em
prosa, identidade do autor e do narrador, ênfase na vida individual), eles
não compõem um todo (como um livro autobiográfico), mas aparecem
dispersos em diversos artigos, escritos em momentos e com objetivos
diferenciados.
38
Ao falar das narrativas autobiográficas produzidas por Franklin Cascaes
observo que não uma narrativa elaborada como conjunto. Ela é composta, como
diria Benito Bisso Schmidt (1987), de “fragmentos autobiográficos”: pequenos relatos
presentes nos versos dos seus desenhos e passagens de entrevistas.
Parafraseando Andrea Ferreira Delgado (2003) percebo que tais fragmentos não
são apenas relatos produzidos acidentalmente, mas sim fruto de um trabalho de
enquadramento da memória para marcar uma versão acerca da sua própria vida. Ao
investigar a prática biográfica como uma “técnica de si”, a autora afirma que “o
sujeito vai constituindo-se na relação que ele tem com ele mesmo” e citando Michel
Foucault conclui: o sujeito se constitui na “reflexão sobre os modos de vida, sobre as
escolhas da existência, sobre o modo de regular a sua conduta de se fixar a si
mesmo fins e meios”.
39
36
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas - Magia e Técnica, Arte e Política. 7ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 37.
37 In SCHMIDT, Benito Bisso. Construindo biografias: historiadores e jornalistas: aproximações e afastamentos, Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, número 19, 1987.
38 Idem
39 DELGADO, Andréa Ferreira. A invenção de Cora Coralina na Batalha das memórias. Tese de doutorado. Unicamp. Departamento de
História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP. Orientadora: Luzia Margareth Rago. 2003, p.260
.
29
Entre os “fragmentos autobiográficos” aqui analisados encontram-se
entrevistas e algumas anotações feitas por Franklin Cascaes. No dia seguinte a sua
morte, 16 de março de 1983, nos jornais, de circulação regional, em especial no
Jornal “O Estado”, a principal manchete do dia não foi a morte do artista. Ocupando
uma parte considerável da primeira página, a notícia: “Amim assume com a proposta
de união”. No canto inferior esquerdo, a notícia do seu falecimento: “Morre Franklin
Cascaes”. Para compor a trajetória do artista/folclorista o jornal publica além da
fotografia do enterro (primeira página) e do próprio Franklin, desenhos que
marcaram a obra do artista e uma entrevista inédita, com o jornalista Raul Caldas
Filho, que serviu como fonte para este trabalho.
Figura 2: Jornal O Estado, 20/03/1983.
Acervo da Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina
.
Além da entrevista publicada no dia posterior a sua morte, utilizarei outros
fragmentos autobiográficos como fonte. O jornalista Raimundo Caruso, realizou uma
série de 10 entrevistas que deram origem ao livro “Franklin Cascaes - Vida e Arte- E
a Colonização Açoriana”. A obra dividida em dois blocos distintos, porém
complementares, trata da sua trajetória de vida e da sua experiência como
pesquisador da cultura açoriana. Neste texto analisarei o capitulo intitulado “Método
de Trabalho”. Nele Franklin se autobiografa, pois afinal, um depoimento que tem
30
como objetivo narrar uma história de vida, seria basicamente uma autobiografia
provocada.
Nas entrevistas, a narrativa de Franklin Cascaes é muito mais orientada para
a sua vida pública, como artista e folclorista, do que para sua vida privada. Poucas
vezes, refere-se à sua família. Narra as suas origens de forma resumida:
Tenho 72 anos e nasci na praia do Itaguaçú. Minha família era gente bem,
tinha muita terra, o Bom Abrigo quase inteiro era do meu pai, o Abrão
também. Também tinha a família Martins, sei que meus bisavós tinham
escravos.
40
Quando questionado por Raul Caldas Filho sobre como era a cidade na sua
infância responde:
Era uma cidade linda, cheia de Chácaras e belas residências e muitos
trapiches. E era sempre uma beleza ir até lá, porque a nossa família vivia
no sítio. [...].
Porque as grandes propriedades existentes naquela época pertenceram
aos meus antepassados. Como por exemplo, o Bom Abrigo pertenceu aos
meus avós. Nós tínhamos engenhos de farinha, engenhos de açúcar, gado,
não é, lavoura, então, a gente chamava o “sítio” e quem morava no
Itaguaçú morava no sítio.
41
Na sua narrativa, Franklin Cascaes institui imagens-lembranças que
consagram a cidade da sua infância como um outro lugar. As imagens-lembranças
instituídas por Cascaes parecem fazer parte de um projeto que pretende “organizar
uma espécie de acumulação perpétua e infinita do tempo, um lugar que não
mudaria”
42
. A opção pelo estudo da cultura açoriana figura como elemento central
das entrevistas, e se apresenta como primeira e fundamental construção de si por
Franklin. É por sua vida dedicada ao estudo da cultura açoriana que Franklin
Cascaes pretende ser lembrado. Em um pequeno fragmento registra:
Para mim [...] a arte é o caminho nato que o Creador o arquiteto do
universo reservou para alguns indivíduos afins de que eles o palmilhem,
ininterruptamente, para registrarem a verdade para os tempos, da
40 CASCAES, Franklin. Método de Trabalho. In: CARUSO, Raimundo. Franklin Cascaes - Vida e Arte- E a Colonização Açoriana. 2. ed.
Florianópolis: UFSC, 1989, p. 20
41 Jornal O Estado, 16 de março de 1983, p. 16.
42 FOUCAULT,Michel. Outros espaços. Ditos &Escritos III. Estética: Literatura, pintura, música e cinema. Rio de Janeiro : Forense Universitária,
2001, p.411-422.
31
passagem do homem de argila humana sobre a terra. Cada artista é um
aparelho registrador que transporta de geração em geração, a realidade
biológica, cultural e técnica dos Povos. A arte é, portanto, verdadeiramente
na terra, representante autêntica do paraíso que o homem perdeu no céu
por desobediência das leis divinas.
43
Franklin institui o ano de 1946 como marco inaugural da efetivação da sua
missão: “aparelho registrador que transporta de geração em geração, a realidade
biológica, cultural e técnica dos povos”.Organiza sua narrativa de modo a atribuir
significados para a mesma. Como um “aparelho registrador”, busca no contato com
os moradores nativos da Ilha de Santa Catarina, o seu passado, as suas tradições
açorianas. Revela que a condição de professor lhe permite, durante os finais de
semana e nas rias
44
, percorrer o interior da ilha, pesquisando sobre as tradições
açorianas. Sempre que pode denuncia:
Saudades do passado, porque quando me achei gente, no uso da razão,
encontrei-me numa pequena fazenda. havia dois engenhos de farinha e
um terceiro de açúcar. Tinha também uma pequena charqueada, pesca, vi
isso até a idade de doze, catorze anos. Tudo isso eu vivi com aquelas
pessoas que eles chamavam jornaleiros. Eles vinham trabalhar na pesca,
pescadores, outros na roça, para plantar mandioca, feijão, cana, outros
trabalhavam no engenho de açúcar.
[...].
Eu sempre fui muito curioso, gostava muito de estudar, vivia fazendo
esculturas no barro, na areia. E eu prestava muita atenção na conversa
deles. Por isso, aquilo me deixou saudades quando tudo terminou. E este
tempo terminou realmente.
45
Aprendi a modelar nas areias do Itaguaçú, linda praia da Baía sul, hoje
infelizmente poluída devido ao descaso dos homens públicos.
46
Carlos Eduardo Vieira
47
ao relatar o estudo sobre a prática social dos
intelectuais no processo de produção, veiculação e recepção do discurso sobre a
relação entre a educação e modernidade, caracteriza o intelectual moderno a partir
de alguns aspectos principais entre eles: a definição de uma identidade e o
sentimento de missão social. Se a infância na praia de Itaguaçú lhe possibilitou o
43
CASCAES, Franklin, Anotações, 1972. Coleção Elizabete Pavan Cascaes. Museu Universitário. Universidade Federal de Santa Catarina.
44 A Lei orgânica do ensino industrial, de 30 de janeiro de 1940, determina que o período de férias seja de dois meses, ou melhor, de 20 de
dezembro a 20 de fevereiro.
45 CASCAES, Franklin. Método de Trabalho. In: CARUSO, Raimundo. Franklin Cascaes - Vida e Arte- E a Colonização Açoriana. 2. ed.
Florianópolis: Ufsc, 1989, p. 21.
46 Jornal O Estado, 16 de março de 1983, p. 16.
47
VIEIRA, Carlos Eduardo. Intelectuais e o discurso da modernidade na I Conferência Nacional de Educação (Curitiba-1927). In: Marcus Levy
Bencostta. (Org.). Culturas escolares, saberes e práticas educativas: itinerários históricos. 1 ed. São Paulo: Cortez, 2007, v. 1.
32
contato com o mar, com os pescadores (inclusive seu pai), com os engenhos de
farinha, com o trabalho na roça, o que lhe um sentimento de pertencimento a um
grupo social específico, a missão de registrar este “tempo que terminou também faz
parte da construção da sua identidade.
Quando eu comecei a trabalhar com a cultura oriana, em 1946,
estavam começando a desmontar a nossa cidade de Nossa Senhora do
Desterro. Começaram a derrubar diversos prédios antigos em toda a cidade.
E depois construíram essas favelas de rico, os prédios de apartamento.
48
De acordo com Benito Bisso Scmidt (1987) uma característica essencial
nesses textos autobiográficos é a importância conferida ao estudo e a leitura. Nas
suas diferentes narrativas, multiplicam-se as referências com relação a sua
formação na Escola de Aprendizes e Artífices de Santa Catarina.
Vinha sempre na ilha. Porque a minha irmã estudava aqui, vários vizinhos
também. Eu ainda não estava estudando porque tinha que ajudar o meu pai
na lavoura. Mas depois vim também estudar. [...].
Na Escola Industrial, na época era chamada de Escola de Artífices. Depois
me formei, prestei concurso e lecionei lá 36 anos.
49
Porque um dia eu estava na praia, em Itaguaçú, foi numa quinta-feira santa
de 1932, ou 33, não me lembro bem e estava modelando na areia. E
apareceu ali o Dr. Cid Rocha Amaral, que estava passeando na praia. E
ficou muito entusiasmado com a obra trabalhada na areia e quis conhecer
quem havia feito. Tinha um Cristo na cruz, João Evangelista, Madalena,
aquela cena da Paixão. Então ele perguntou para a gurizada quem é que
havia feito aqueles trabalhos, e depois foi me procurar. E me convidou para
estudar na Escola Industrial, onde ele era um dos diretores. existiam
diversos professores de escultura, como o Luis Marcos, Plínio de Freitas,
depois veio o professor Manoel Portela, que era especializado em escultura
em madeira, em barro, gesso, essas coisas todas. Daí então é que passei a
trabalhar com mais técnica.
50
Mais tarde, quando estudei na escola Industrial, estudava artes, meu
professor era paulista. Manuel Marin Portela. Ele era professor de escultura
e uma pessoa que gostava muito da tradição, e nos trabalhos ele falava,
conversava muito, dialogava sobre aquilo, de modo que foi abrindo o peito.
E um dia prometi que, quando pudesse, ia recolher na Ilha o que sobrava
de todas aquelas tradições açorianas. E eu fiz isso mesmo.
51
48 CASCAES, Franklin. Método de Trabalho. In: CARUSO, Raimundo. Franklin Cascaes - Vida e Arte- E a Colonização Açoriana. 2. ed.
Florianópolis: UFSC, 1989, p. 24.
49 Jornal O Estado, 16 de março de 1983, p. 16.
50 Idem
51 CASCAES, Franklin. Método de Trabalho. In: CARUSO, Raimundo. Franklin Cascaes - Vida e Arte- E a Colonização Açoriana. 2. ed.
Florianópolis: UFSC, 1989, p. 21.
33
O excessivo mero de lembranças associadas a sua formação como aluno
da Escola de Aprendizes e Artífices, se contrapõem ao silencio produzido em torno
da sua passagem pelas escolas do Bairro onde viveu a sua infância. Em 1914,
entrou para a Escola Estadual de Coqueiros e freqüentou a Escola particular regida
pelo Prof. Arquimino Silva, em Coqueiros e; em 1917, freqüentou a Escola particular
da Praia do Meio, em Coqueiros e a Primeira Escola Isolada de Abraão na praia de
Itaguaçú.
52
Ao silenciar a sua primeira formação, Franklin nos chama a atenção para
as armadilhas de uma coerência construída a posteriori, afinal como nos lembra
Pierre Bourdieu, é essa a propensão do homem que pretende ser “o ideólogo da sua
própria vida, selecionando, em função de uma intenção global, certos
acontecimentos ‘significativos’ e estabelecendo entre eles conexões para lhe dar
coerência”
53
. O “esquecimento com relação as suas primeiras escolas e a
importância conferida a Escola de Aprendizes e Artífices na sua formação pode ser
justificada pelo significado atribuído à palavra indústria na primeira metade do século
XX. Vinculada aos ofícios e ao artesanato e não a mecanização, a Escola de
Aprendizes e Artífices aparecia como uma possibilidade de formação, de “trabalhar
com mais técnica”, como diria Franklin.
A sua atuação como professor, no entanto, aparece sempre de forma
discreta. Podemos retomar o questionamento proposto por Walter Benjamin: para o
autor “que rememora, o é o que ele viveu, mas o tecido de sua rememoração, o
(...) trabalho de Penélope do esquecimento?"
54
Mesmo no depoimento dado a Raul
Caldas Filho, onde o entrevistador insiste, com muita freqüência, em retornar ao
tema Escola Industrial, Franklin afirma rapidamente:
Depois que me formei fiz concurso para professor. comecei a lecionar
com muito carinho. Mas era também um professor muito rigoroso porque [...]
entendo que o aluno tenha que estudar, ele não ia para a sala de aula
brincar. Ele tinha que corresponder aquilo que os pais estavam fazendo por
ele, que era a despesa com ônibus, essa coisa toda. Então eu era meio
duro. Mas a maioria dos alunos, hoje é bem de vida.
55
52 ARAÚJO, Adalice Maria de. Mito e Magia na arte catarinense. 1977. Tese (Concurso Para Professor Titular) - Departamento de Ciências
Humanas, Letras e Artes, UFPR, Curitiba, 1977, p.133.
53
BOURDIEU, Pierre (Org.). A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. Usos & abusos da História Oral. 8. ed.
Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2006, p. 184 e 185.
54 BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas - Magia e Técnica, Arte e Política. 7ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 37.
55 Jornal O Estado, 16 de março de 1983, p. 16.
34
A reflexão empreendida por Pierre Bourdieu com relação às biografias e
autobiografias é fundamental para pensarmos um aspecto da ilusão biográfica: a
ilusão da singularidade do biografado frente às experiências coletivas,
compartilhadas com as pessoas pertencentes à mesma geração.
56
Em uma
passagem, buscando recordar os que se dedicavam ao trabalho de recolher casos,
Franklin Cascaes destaca o papel desempenhado por Roberto Lacerda, ex-reitor da
Universidade Federal de Santa Catarina.
57
Se o homem preocupado em registrar a
cultura não é único, único também não é o artista que atua como professor. A Escola
Industrial também é a escola do artista/ professor Martinho de Haro e Nilo Jacques
Dias, contemporâneos do professor Franklin.
Segundo Sandra Makowiecky (2003), Martinho de Haro, nascido em São
Joaquim em 1907, transferiu-se aos 20 anos para o Rio de Janeiro, onde entrou
para a Escola Nacional de Belas Artes. Em 1936 recebe a Medalha de Prata do
Salão de Belas Artes, e em 1937, com o prêmio da viagem, vai para Paris e
permanece dois anos. Em 1945, começa a trabalhar como professor da Escola
Industrial de Florianópolis.
Haylor Delambre Jacques Dias afirma que o pintor Eduardo Dias “percebendo
o gosto de Nilo Dias pelos trabalhos artísticos e artesanais convenceu o irmão
acerca do ingresso do sobrinho na Escola de Aprendizes e Artífices (...)”
58
. Na
Escola, estuda com o pintor italiano Ticiano Basadona. Completa a sua formação
artística no ateliê do tio Eduardo Dias, “de um modo mais direto, mais artesanal que
técnico, mais oral que escrito, mais familiar que social”.
59
Assim como Franklin
Cacaes, o antigo aluno da Escola de Aprendizes e Artífices, Nilo Dias assume como
professor da Escola Industrial de Florianópolis, em 1945, permanecendo ligado a
instituição até o ano de sua aposentadoria, 1972.
Podemos também evidenciar, um outro aspecto da ilusão biográfica: da
coerência perfeita numa trajetória de vida. Franklin Cascaes em suas narrativas
evidencia as casualidades e as oportunidades enfrentadas ao longo da sua
existência singular e autônoma- mas que fazem parte da vida de qualquer pessoa.
56 BOURDIEU, Pierre (Org.). A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. Usos & abusos da História Oral. 8. ed.
Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2006.
57 CASCAES, Franklin. Método de Trabalho. In: CARUSO, Raimundo. Franklin Cascaes - Vida e Arte- E a Colonização Açoriana. 2. ed.
Florianópolis: UFSC, 1989, p. 25.
58 DIAS, Haylor Delambre Jacques. A Arte de Nilo Dias no Cenário Cultural Florianopolitano. 2004. 185 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de
Programa de Pós Graduação em História, Ufsc, Florianópolis, 2004,p. 33.
59 Idem ibidem.
35
Alguns relatos de Franklin no capítulo intitulado “Método de Trabalho”, expressam
essa afirmação: o encontro casual com o diretor da Escola de Aprendizes e Artífices
na praia onde fazia esculturas de areia que propiciou o convite para estudar na
referida escola; a oportunidade de ser aluno de Manoel Portela que refletia sobre a
importância da tradição e; o interesse de uma Universidade norte americana na sua
obra e tantos outros acasos e oportunidades.
60
Foi possível perceber também, um
pertencimento a uma rede de sociabilidades que de alguma forma facilitou a
trajetória profissional no período posterior a sua aposentadoria. Essa rede de
sociabilidades era ainda mais visível, com alunos e professores pertencentes à vida
política e cultural da cidade, como é o caso do ex-aluno e prefeito Nilton Severo da
Costa, e do professor Sílvio Coelho dos Santos
61
, responsável pela sua ida para a
Universidade Federal de Santa Catarina, na década de 70.
Em algumas passagens da entrevista parece lembrar a si próprio e por
extensão, ao leitor, das dificuldades enfrentadas pelo artista. Nas palavras do
autobiografado:
É como lhe falei: o artista é pobre. Não dá para viver da arte. [...] Ou, como
dizem em certas repartições: malandros. [...] Uma pessoa uma vez me
contou: quando alguns artistas vão às repartições buscar algum recurso, o
pessoal dentro comenta: os malandros já estão . Aqui artista é visto
como malandro. A política é uma madame bruxa manhosa, é uma bruxa.
62
Como manter a tensão entre a liberdade criadora do artista e as exigências
sociais? O próprio Franklin em um outro momento da entrevista retrata esta tensão:
Viver nesse ambiente, onde não se tem que pagar impostos
[...] Agora, quando abro esta porta, recebo recados, o
imposto de renda, a conta da luz, do gás, do aluguel, que está
faltando carne, que está faltando feijão. Aqui nesse quarto não
têm nada disso. A feijoada da bruxa não gasta nada.
63
60 CASCAES, Franklin. Método de Trabalho. In: CARUSO, Raimundo. Franklin Cascaes - Vida e Arte- E a Colonização Açoriana. 2. ed.
Florianópolis: UFSC, 1989, p. 20-28.
61 O antropólogo Sílvio Coelho dos Santos foi um dos fundadores do Instituto de Antropologia da UFSC e diretor do Museu de Antropologia,
hoje Museu Universitário Oswaldo Rodrigues Cabral, entre 1970 e 1975. Foi membro da Academia Catarinense de Letras, professor emérito da
Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Dedicou-se ao estudo das
tribos indígenas e o direito das minorias. DIÁRIO CATARINENSE (Florianópolis). Morre o antropólogo Sílvio Coelho dos Santos. Disponível em:
<http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default.jsp?uf=2&local=18§ion=Geral&newsID=a2267450.xml>. Acesso em: 12 janeiro de 2009.
62 CASCAES, Franklin. Método de Trabalho. In: CARUSO, Raimundo. Franklin Cascaes - Vida e Arte- E a Colonização Açoriana. 2. ed.
Florianópolis: UFSC, 1989, p. 27.
63 Idem, p. 23.
36
Se a condição de artista não lhe confere a possibilidade de viver da arte, a
condição de professor lhe confere a possibilidade de viver miseravelmente
64
.
Franklin destaca a colaboração de Elisabeth Pavan Cascaes, na elaboração da sua
obra. Afirma:
Chegavam os sábados, de manhã cedo, de madrugada, a gente saía. Eu
sempre com ela trabalhando. Ela também ajudava nas pesquisas. [...] Ela
me ajudou muito porque também sabia fazer economia. Ela guardava um
pouco para isso, um pouco para aquilo e depois dizia: olha, temos que
fazer economia, já dá para viajar e fazer pesquisas. Havia ocasiões em que
ela não podia ir junto. É que eu precisava deixar o carro num lugar e depois
caminhar mais de cinco quilômetros, por picadas no meio do mato.
65
Franklin Cascaes casou-se em 1944 com Elisabeth Pavan. Leonora Portela
de Assis afirma que Elisabeth era ativa e participante, “não somente no que diz
respeito à obra de Cascaes, mas também em relação à vida social e religiosa de
Florianópolis”. Conclui: “O que era comum para as boas moças e senhoras da sua
época”.
66
Gelcy José Coelho, o Peninha, em entrevista concedida a Leonora Portela de
Assis, destaca:
Mas, ela sugeria muito para ele. A escultura de Cascaes é integrada, quer
dizer que a escultura e a indumentária o feitas de argila. Então essas
sugestões do vestimento da figura têm dedo de Elisabeth. Mas o mais
fantástico de todo esse trabalho de diálogo que era intenso exaustivo com
certeza, era a forma como ela fazia para manter o artista no atelier. O
Cascaes me dizia assim: a Beth já tinha um ‘tino’. Quando ele se inquietava
lá na bancada, ela já vinha com um cafezinho, com um pedacinho de carne
frita, com um agradozinho, um quitutezinho. Então mantinha o cara ali, num
conforto, alimentado, sem sede. Cada vez que ele mudava de jeito, se
inquietava no trabalho, ela já sabia que era o sinal para ir dar aquela
interferência. Mas a interferência para animar, para deixar confortável.
67
Gelcy José Coelho afirma que Elisabeth como professora compreendia o
professor Franklin. “A vida deles foi totalmente levada para a questão da educação,
tanto que todo o acervo do Cascaes tem um objetivo muito pedagógico e muito
64 Idem, p. 21.
65 Idem, p. 26.
66 ASSIS, Leonora Portela de. Desvelando uma Intimidade: algumas breves leituras sobre Elisabethe Pavan Cascaes. 1997. 30 f. Trabalho de
Conclusão de Curso (Graduação) - Curso de História, Ufsc, Florianópolis, 1997.
67 Idem p.18
37
didático”
68
, ressalta o museólogo. Faleceu em 30 de abril de 1971. Franklin
costumava registrar experiências pessoais junto aos seus esboços ou no verso de
um desenho final. Heloisa Espada (1997) afirma que esse tipo de relato aparece
principalmente a partir da morte de Elisabeth Pavan Cascaes. Cita o relato ao lado
da obra o “Discotatá Catarinense”, feito no último dia do ano de 1971:
No dia 31 de 12-1971 às 13,47 horas terminei este gostoso boitatá
catarinense, enquanto minha psico sofre terrivelmente de horror e saudade
frente a frente com a madame morte, a repentina, a estúpida.
69
Nos depoimentos dados alguns anos mais tarde sobre a sua condição como
professor da Escola Industrial de Florianópolis, sem o peso da realidade imediata,
declara que:
Depois que me formei fiz concurso para professor. comecei a lecionar
com muito carinho.
70
E me afeiçoei muito a essa escola.
71
Sofri muito como professor, principalmente depois de aposentado, depois
de 36 anos de trabalho. Quando me aposentei, meus vencimentos foram
cortados pela metade. Fizeram essas reclassificações... Tu sabes disso,
não é?
72
O passado parece assumir outra dimensão. Como diria Walter Benjamin
(1994), “um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do
vivido, ao passo que um acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas
uma chave para tudo que veio antes e depois”
73
. Além disso, na produção dos
fragmentos autobiográficos, Franklin passa a estabelecer relação entre a
aposentadoria e a sua ida para a Universidade Federal de Santa Catarina. Ao
evocar a falta de apoio na realização das suas pesquisas, imputa a culpa ao governo
e não a universidade. Afirma: “Ali lidei com gente carregada de diplomas, mas,
68 Idem. P.31
69 ESPADA, Heloisa. Na cauda do boitatá: um estudo do processo de criação dos desenhos de Franklin Cascaes. Florianópolis. Editora Letras.
Contemporâneas. 1997, p.57.
70 Jornal O Estado, 16 de março de 1983, p. 16.
71 Idem.
72 CASCAES, Franklin. Método de Trabalho. In: CARUSO, Raimundo. Franklin Cascaes - Vida e Arte- E a Colonização Açoriana. 2. ed.
Florianópolis: UFSC, 1989, p. 21.
73 BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas - Magia e Técnica, Arte e Política. 7ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1994.
38
coitados, precisam ganhar dinheiro.
74
O desejo do Professor Pascoal Carlos Magno,
“que acompanhava o seu trabalho”, de levá-lo para o Rio de Janeiro; o incentivo
dado pelo ex-prefeito e também ex-aluno da Escola Industrial Nilton Severo da
Costa, que “conseguiu fazer um convênio”, que possibilitou a sua ida para a Europa,
para “estudar os Açores” e; a oferta de uma universidade norte-americana para
comprar todo ao acervo, toda a sua obra
75
parecem indicar um esforço de legitimar a
sua obra, como um desejo de reconhecimento
76
.
74 CASCAES, Franklin. Método de Trabalho. In: CARUSO, Raimundo. Franklin Cascaes - Vida e Arte- E a Colonização Açoriana. 2. ed.
Florianópolis: UFSC, 1989, p. 22.
75 Idem, p. 25
.
76 Termo utilizado por Alistair Thompson e referenciado por Andréa Ferreira Delgado, em obra já citada.
39
1.2. - O artista e o mestre, por outros.
“O homem só é perfeito quando morre.”
77
Franklin Cascaes
Após a morte do artista, em março de 1983, pesquisadores têm se dedicado a
escrever sobre o personagem que sensível ao “desmonte da cidade”
78
, busca nos
relatos dos moradores nativos da Ilha de Santa Catarina uma estratégia para
registrar “um tempo que estava terminando”
79
.
Busco neste texto analisar dissertações e teses sobre Franklin Cascaes,
considerando a forma como os pesquisadores Evandro André de Souza
80
e Reinaldo
Lindolfo Lohn
81
, e as pesquisadoras Adalice Maria de Araújo
82
, Heloisa Espada
83
e
Claudia Regina Silveira
84
narram à trajetória do artista/professor. É importante
destacar que a biografia de cunho acadêmico tem algumas características que lhes
são próprias. Anamaria Filizola (2000) afirma que:
As biografias acadêmicas possuem algumas características: Fontes e
justificativas são escrupulosamente apresentadas em notas, apêndices,
bibliografias. Não se permite nenhum recurso imaginativo e a vida é
geralmente desenvolvida em estrita ordem cronológica. A densidade de tais
obras, completamente dominadas por fatos documentados, faz com
apresentem maior interesse para o especialista.
85
O “uso de fontes escrupulosamente apresentadas em notas, apêndices, e
bibliografias”, parece conferirem certa autoridade aos trabalhos citados. É importante
enfatizar que Franklin Cascaes e a sua obra mereceram estudos, sendo abordado
77 Citado por Celso Vicenzi, no artigo intitulado Sobre Homenagens, no Jornal O Estado, do dia 20/03, p.24.
78 CASCAES, Franklin. Método de Trabalho. In: CARUSO, Raimundo. Franklin Cascaes - Vida e Arte- E a Colonização Açoriana. 2. ed.
Florianópolis: UFSC, 1989, p. 21.
79 Ibidem. P.21
80 A dissertação Franklin Cascaes: uma cultura em transe de Evandro André de Souza foi submetida à Universidade Federal de Santa Catarina
em cumprimento parcial dos requisitos para a obtenção do grau de Mestre em História, em 03 de março de 2000.
81 A tese Pontes para o futuro: relações de poder e cultura urbana. Florianópolis, 1950 a 1970 de Reinaldo Lindolfo Lohn foi submetida à
Universidade Federal do Rio grande do Sul em cumprimento parcial dos requisitos para a obtenção do grau de Doutor em História, em 2002.
82 Mito e Magia na Arte Catarinense é a tese defendida pela professora Adalice Maria de Araújo no concurso para professor titular no
Departamento de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná, em 1977.
83 O livro “Na Cauda do Boitatá estudo sobre o processo de criação nos desenhos de Franklin Cascaes” de Heloisa Espada é a monografia
premiada do concurso “Franklin Cascaes de Literatura”, promovido pela Fundação Franklin Cascaes, em 1996.
84 A dissertação Um bruxo na Ilha: Franklin Cascaes-narrativas inéditas de Claudia Regina Silveira foi submetida à Universidade Federal de
Santa Catarina em cumprimento parcial dos requisitos para a obtenção do grau de Mestre em Literatura Brasileira e Teoria Literária, em agosto de 1996.
85 FIZIOLA, Anamaria. O cisco e a ostra: Augustina Bessa- Luís biografa.2000. Tese (doutorado)- Curso de Teoria e Crítica Literária,
Departamento de Filosofia do instituto de Unicamp, campinas, 2000, p.45.
40
por pesquisadores de diversas áreas: história, artes, literatura e educação.
41
1.2.1 - Por Adalice Maria de Araújo e Heloisa Espada.
Adalice Maria de Araújo, na obra “Mito e Magia na Arte Catarinense” define
Franklin Cascaes como o “Mito Vivo da Ilha”. A autora o descreve como um homem
que concentra características como abnegação, ternura, e que na sua trajetória de
pesquisador e de artista, lutou sem apoio durante trinta anos para salvar a tradição
mágica catarinense
86
. Destaca:
A obra de Franklin Cascaes que se desdobra ao longo de 30 anos de
“pesquisa de campo”, além de situá-lo como o maior mitológico vivo do sul,
constitui-se num elo entre o passado cabloco/açoriano e o presente, em
suas novas tendências [...]
Elo entre hoje e ontem, Franklin é o mito vivo da Ilha.
87
Em 15 de março de 1983 morre o artista. Nas reportagens publicadas no
Jornal O Estado, na semana da sua morte, a menção ao trabalho realizado por
Adalice Maria de Araújo é uma constante, devido principalmente a falta de outros
estudos sobre o autor. A matéria publicada no dia 20 de março, sobre o artista, nos
fornece indícios que a obra de Adalice Maria de Araújo cumpriu uma função: iniciou
o processo de construção do Mito Franklin Cascaes. Podemos afirmar que “Mito e
Magia na Arte Catarinense”, publicada em 1977, foi uma obra fundadora do Mito.
Logo após a sua morte, alguns trabalhos foram escritos por pesquisadores
com o objetivo de pensar o artista e a sua obra. Nesse sentido, ainda hoje se tem a
imagem do Franklin Cascaes artista e folclorista.
Em 1996, Heloisa Espada recebeu o prêmio Franklin Cascaes de literatura.
Com o objetivo de realizar um ensaio sobre o processo de criação do artista, se
concentra na análise de uma “única família de desenhos”: os boitatás.
88
Na obra “Na cauda do Boitatá-Estudo do processo de criação nos desenhos
de Franklin Cascaes”, a autora enfatiza o significado da obra do artista chamando
86
ARAÚJO, Adalice Maria de. Mito e Magia na arte catarinense. 1977. Tese (Concurso Para Professor Titular) - Departamento de Ciências
Humanas, Letras e Artes, Ufpr, Curitiba, 1977. p.44
87 Idem p. 80-81
88 Os boitatás são seres fantásticos que habitam os diferentes recantos da Ilha. Em 1961, Franklin Cascaes , em uma nota sobre a o obra
“Boitatá do Rio Tavares” (Nanquim sobre Papel), afirma que o Boitatá , ali representado Ilha da especulação imobiliária, expressando o desprezo do artista
pelas transformações urbanas., “acha que aquelas cercas vão destruir toda a beleza natural que recebeu das mãos incomparáveis do arquiteto do universo.
Pede com
muito amor ilhéu um planejamento técnico acertado para aquela
Lagoa do Jacaré e todos os sambaquis que a rodeiam”. Os
boitatás de Franklin Cascaes protegem da
42
atenção para a “posição que tomava contra as mudanças culturais a sua própria
revolta contra a destruição das belezas naturais da Ilha de Santa Catarina”
89
.
Percebe, nos fragmentos autobiográficos e na obra, o homem “dotado da missão de
salvar” a natureza, a cultura popular, as tradições e o respeito pelos bens
religiosos”.
90
O passado e as manifestações do folclore e dos costumes da Ilha de
Santa Catarina são temas recorrentes na obra de Cascaes, afinal é a “sua missão”.
Heloisa Espada ressalta que os seres fantásticos da obra de Cascaes
envolviam - se também com questões políticas. Lembra que “além do tema bomba
atômica e das questões feministas, desenhos sobre a guerra fria e a viagem do
homem à lua”.
91
Com relação ao Brasil, a autora afirma que “Cascaes também
aproveitou a idéia da propaganda política de Jânio Quadros nas eleições
presidenciais de 1960 para desenhá-lo entre vassouras e bruxas”.
92
89 ESPADA, Heloisa. Na cauda do boitatá: um estudo do processo de criação dos desenhos de Franklin Cascaes. Florianópolis. Editoras
Letras. Contemporâneas. 1997, p.16.
90 Idem P.16.
91 Idem P.25
92 Idem P.25.
43
1.2.2.Por Evandro André de Souza e Claudia Regina Silveira
A leitura da dissertação “Franklin Cascaes: Uma Cultura em Transe”, de
Evandro Andde Souza me permitiu perceber que o autor trata a vida do artista de
forma coerente e orientada, não conseguindo fugir do que Pierre Bourdieu
93
chama
de “Ilusão Biográfica”, ilusão esta reforçada pelos “desde pequeno” e “os sempre”.
Trechos do texto evidenciam tal questão: “gostava muito de ouvir esses causos”; “foi
desde o princípio um amante da cultura popular”; “à medida em que ele foi
crescendo, começou a sentir no coração que todas aquelas experiências vividas”;
“já deixava transparecer a sua iniciativa de registro artístico” e; outros que denotam
que a sua trajetória estava predeterminada desde o início.
É importante destacar que se a trajetória do artista, como diria Pierre
Bourdieu estava “predeterminada” a do professor não. A sua condição de
professor foi evidenciada apenas em uma única passagem: “Nesta época, aos 38
anos de idade, era casado e trabalhava como professor de desenho, escultura,
modelagem e trabalhos manuais na Escola Técnica Federal de Santa Catarina.”
94
Contudo, a proposta do autor era de estabelecer relação entre o contexto e o
biografado. Afirma que a temática a ser abordada na obra de Franklin Cascaes diz
respeito à interpretação das motivações históricas que levaram o artista a edificar
sua obra artístico-cultural.
95
No capítulo O Primeiro Congresso Catarinense de
História” e o “Grupo Sul”, o autor destaca que sem dúvida nenhuma, o Primeiro
Congresso Catarinense de História influenciou em muito o professor Franklin
Cascaes, pois certamente lhe deu fôlego e um motivo político para dar continuidade
a sua obra.
96
Em parte, a afirmação reduz Franklin Cascaes às influências do
Congresso, contudo em um momento posterior Evandro André de Souza reconhece
as ressonâncias do contexto, mas não o reduz a estas influências. Destaca o que o
distingue do meio circundante:
93 BOURDIEU, Pierre (Org.). A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. Usos & abusos da História Oral. 8. ed.
Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2006, p. 184.
94 SOUZA, Evandro André de. Franklin Cascaes: uma cultura em transe. 2000. Dissertação (Mestre) - Curso de Pós Graduação em História,
Centro de Filosofia e Ciências Humanas, UFSC, Florianópolis, 2000, p. 22
95 Idem, p.13.
96 Idem, p. 30.
44
O artista folclorista utilizou-se do método e postura diferentes dos dois
grupos citados acima
97
. Basicamente sua obra era construída a partir de
suas pesquisas empíricas levadas em seguida para sua oficina onde eram
reelaboradas, respeitando-se o caráter original das informações.
98
A sua singularidade se faz transparecer ainda em outros momentos. Com
destaque para o seguinte fragmento:
Assim, Franklin Cascaes procura edificar sua obra não como um
significado efêmero, ligado às circunstâncias, mas sim com o objetivo maior
de perpetuar, através da representação, uma sociedade em processo de
transformação. O artista evidencia em sua obra o espírito moderno [...].
99
Evandro André de Souza define o artista como um homem de uma época em
que ser moderno, nas palavras de Marshall Berman, significava encontrar-se em um
ambiente que promete aventura, transformação das coisas em redor, mas que ao
mesmo tempo ameaçava destruir tudo o que temos tudo o que sabemos e tudo o
que somos. Franklin Cascaes se encontra nesse turbilhão de mudanças, vivencia
esse sentimento de ruptura com o passado e a sua obra evidencia esse “espírito
moderno”. As estratégias utilizadas pelo autor parecem indicar uma constante
tensão entre o personagem e as possibilidades de sua época
100
.
O exemplo desta perspectiva que estabelece relação entre o biografado e o
contexto-, não se faz presente na dissertação de mestrado de Claudia Regina
Silveira. Com o objetivo de “resgatar” as narrativas inéditas do artista e folclorista, a
autora no segundo capítulo, biografa o “Bruxo Maior da Ilhautilizando como fonte
uma entrevista cedida por Gelcy José Coelho, do Museu de Antropologia da
Universidade Federal de Santa Catarina. Assim como no texto de Evandro André de
Souza, apresentam-se os “desde cedo”, “gostava muito de”, “para expressar o seu
dom artístico”, e outras expressões que indicam uma vontade de escrever a vida
“em linha reta”. Mencionando Pierre Bourdieu, pode-se dizer que as expressões
97 Evandro André de Souza faz referência ao grupo de intelectuais do Primeiro Congresso Catarinense de História e ao Grupo Sul.
98 SOUZA, Evandro André de. Franklin Cascaes: uma cultura em transe. 2000. Dissertação (Mestre) - Curso de Pós Graduação em História,
Centro de Filosofia e Ciências Humanas, UFSC, Florianópolis, 2000. P.36
99 Idem, p. 46
100 Idem.
45
citadas pautam-se por uma “ilusão biográfica, ou seja, pela idéia de que a vida
constitui um todo, um conjunto coerente e orientado”.
101
No entanto, em alguns trechos a autora demonstra que a vida não é um
“conjunto tão coerente e orientado”. Tal concepção encontra uma tradução
transparente na seguinte afirmação: “Chegou ainda a pensar em ser padre, na
época, o caminho mais fácil e econômico da educação, mas foi impedido pelo
pai
102
. Ou seja, o “Bruxo Maior da Ilha” poderia ter sido Padre. Aparentemente banal
essa constatação nos mostra o que jovem poderia ter sido, ou seja, Cláudia Regina
Silveira aponta uma distância entre o Franklin na sua juventude e o Franklin na sua
maturidade. Como nos revela Giovanni Levi, a biografia pode constituir o “lugar ideal
para verificar o caráter intersticial-e, apesar disso, importante - da liberdade da qual
dispõe os agentes”.
103
É importante destacar que no estudo da trajetória do personagem, a autora
não mantém o equilíbrio entre a trajetória individual e o sistema social como num
todo, como havia feito Evandro André de Souza. Tal situação pode ser em parte
justificada pela origem das duas dissertações: esta defendida no programa de
Literatura e outra no programa de História da UFSC.
Uma característica que gostaria de apontar que aparece nas duas
dissertações trabalhadas é a importância conferida à atividade intelectual. Evandro
André de Souza ressalta esta importância, em diversos momentos, com destaque
para o fragmento em que afirma que o “artista começou a pensar na possibilidade de
edificar sua obra quando era estudante de artes da Escola Industrial ou Escola de
Aprendizes e Artífices de Santa Catarina”.
104
De forma semelhante, Claudia Regina
Silveira escreveu:
Numa dessas circunstâncias é descoberto pelo Professor Cid Rocha
Amaral, diretor da Escola de Aprendizes Artífices de Santa Catarina, que o
leva com muito custo, pois o pai não queria-para a cidade. Tem inicio a
sua formação profissional [...]. Paralelo a isso, na condição de aluno
101 BOURDIEU, Pierre (Org.). A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. Usos & abusos da História Oral. 8. ed.
Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2006, p. 184.
102 SILVEIRA, Cláudia Regina. Um Bruxo na Ilha: Franklin Cascaes: Resgate de Narrativas Inéditas. 1996. 160 f. Dissertação (Mestre) - Curso
de Pós-graduação em Letras Literatura Brasileira e Teoria Literária, Departamento de Letras, UFSC, Florianópolis, 1996. p.29.
103 LEVI, Giovanni (Org.). Usos da biografia. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. Usos & abusos da História Oral. 8. ed. Rio
de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2006, p.181.
104 SOUZA, Evandro André de. Franklin Cascaes: uma cultura em transe. 2000. Dissertação (Mestre) - Curso de Pós Graduação em História,
Centro de Filosofia e Ciências Humanas, UFSC, Florianópolis, 2000, p. 22.
46
ouvinte, freqüenta a Escola de Aprendizes Artífices, ao mesmo tempo que
inicia vários cursos por correspondência.
105
A Escola Industrial adquire importância apenas na formação do artista e
folclorista. Ressalta-se, ainda, que a autora entende por formação profissional a
“carreira de artista e folclorista”.
105 SILVEIRA, Cláudia Regina. Um Bruxo na Ilha: Franklin Cascaes: Resgate de Narrativas Inéditas. 1996. 160 f. Dissertação (Mestre) - Curso
de Pós-graduação em Letras Literatura Brasileira e Teoria Literária, Departamento de Letras, Ufsc, Florianópolis, 1996, p.30.
47
1.2.3. Por Reinaldo Lindolfo Lohn
Reinaldo Lindolfo Lohn na tese “Pontes para o futuro: relações de poder e
cultura urbana Florianópolis”, sem ter a pretensão de biografar Franklin Cascaes,
efetua uma análise das projeções e dos horizontes de expectativas em relação ao
futuro encontradas na década de 1950 e 1960. No capítulo intitulado “Cascaes e o
tempo”, o pesquisador utiliza como fonte, “dentre as centenas de desenhos em
nanquim sobre papel, apenas uma pequena parte (...) que pode-se considerar
provisoriamente como intervenção direta das questões que envolviam a sociedade
humana do século XX”.
106
O Franklin de Reinaldo Lindolfo Lohn vai além da imagem que o singulariza
como artista, como “coletor e preservador das manifestações populares da Ilha de
Santa Catarina e arredores.”
107
Aparece não como um artista preocupado apenas
com o passado, mas como um artista que na “busca de um passado perdido,
pensou o futuro, a fim de recolher e guardar “para posteridade” as histórias de vida
que estavam desaparecendo.
108
Ressalta:
Rompendo qualquer fronteira entre local e global, o perto e o longe, entre a
pequena Florianópolis e o mundo que a rodeava, suas obras exprimem o
quanto as relações cotidianas podiam ser afetadas por discursos
produzidos em espaços aparentemente tão distintos e diferentes como as
conferências de cúpula entre as superpotências, os planos de
desenvolvimento ou os anúncios de investimentos imobiliários na Ilha.
109
O autor percebe a obra do artista como resultante de um momento de maior
circulação de informações através da indústria cultural e dos meios de
comunicação
110
. Giovanni Levi afirma que se houve épocas que se podia narrar a
vida de qualquer pessoa abstraindo-se de qualquer fato histórico, também houve
épocas que era possível relatarem um fato histórico abstraindo-se de qualquer
106LOHN, Reinaldo Lindolfo. Pontes para o futuro: relações de poder e cultura urbana. Florianópolis, 1950 a 1970. 2002. Tese (Doutor) - Curso
de Pós Graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre 2002, p.168 .
107 Idem p.169.
108
Idem p. 177.
109 Idem.
110
Idem p.159.
48
destino pessoal.
111
Vivemos hoje uma fase intermediária, conclui. Parafraseando
Giovanni Levi: Franklin é apresentado à luz de um contexto que o torna possível e,
logo, normal, contudo singular. Ele é o artista, que nas palavras de Reinaldo Lindolfo
Lohn:
[...] efetuou uma estetização do noticiário local ou mesmo internacional,
demonstrando ainda uma abordagem das questões que envolviam o
desenvolvimento de Florianópolis e suas disputas internas de modo
bastante diferenciado daquele que costumeiramente é evocado nas
memórias e relatos da vida urbana florianopolitana dos anos 50 e 60.
112
Como artista, interagia com as relações de poder existentes na cidade e
tomava atitudes diante das estratégias de desenvolvimento econômico que estavam
sendo implantadas, afirma Reinaldo Lindolfo Lohn.
113
Destaca que os desenhos do
artista “trazem a marca de uma dualidade de mundos (...) constituído pelo cotidiano
harmônico, calmo e ordenado das comunidades do litoral, paralelo ao universo
mítico e invisível aos olhos racionais”
114
. Esse “cotidiano harmônico” pode ser
tomado como:
[...] construção de um mundo perfeito, ideal de bondade absoluta, que
estava tão próximo de todos, mas ao mesmo tempo ameaçado de extinção
pela conjunção dos fatores maléficos que fariam parte da vida desde que o
mundo fora criado e que atuariam juntamente com os processos de
modernização capitalista
.
115
Assim, como nos trabalhos de Evandro André de Souza, Claudia Regina
Silveira, e Heloisa Espada, Reinado Lindolfo Lohn em muitos trechos da sua obra
utiliza a fala do Peninha como uma “palavra autorizada”. Gelcy Jo Coelho, o
Peninha, conviveu intensamente com Franklin nos últimos anos de sua vida. Por
isso, sua fala oferece credibilidade ao texto, pois é “produzida através da autoridade
social de quem certifica a veracidade da história contada e que pela sua condição, é
111
LEVI, Giovanni (Org.). Usos da biografia. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. Usos & abusos da História Oral. 8. ed. Rio
de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2006, p.167.
112LOHN, Reinaldo Lindolfo. Pontes para o futuro: relações de poder e cultura urbana. Florianópolis, 1950 a 1970. 2002. Tese (Doutor) - Curso
de Pós Graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre 2002, p.161.
113 Idem P.169
114 Idem ibidem.
115 Idem ibidem.
49
considerado digno de crédito.”
116
Reinado Lindolfo Lohn, recorre aos depoimentos
do Peninha para tratar de questões diversas: da sua credibilidade como
pesquisador, ou melhor, da forma como os artistas eruditos rejeitavam Franklin
Cascaes; da derrubada de um quarteirão, com casas coloniais para a construção do
edifício das Diretorias, no início da década de 1950,como o acontecimento que
pode ter provocado impacto sobre a obra do artista; e de tantas outras questões.
É Peninha, também, que irá lhe apresentar um Franklin assinante da revista
‘Seleção do Reader’s Digest’, um leitor das revistas ‘Manchete’, ‘Cruzeiro’ e
‘Realidade’, além de um “assíduo ouvinte de rádio, preferindo programas como o
‘Vanguarda’.”
117
Com relação ao afastamento da igreja Católica Peninha lhe indica
os motivos: A morte do arcebispo metropolitano Dom Joaquim Domingos de Oliveira
e o Concílio Vaticano II, que “pretendeu modernizar as práticas católicas e procurar
um novo relacionamento com a sociedade”
118
Seguidor das tradições do catolicismo
mais ortodoxo, contrário as inovações trazidas pelo Concílio Vaticano II , ele é o
professor e o artista que “pensava o futuro com os pés fincados no passado,
imaginando que a ‘posteridade muito vai agradecer cultural e espiritualmente’ o
esforço para a manutenção das tradições religiosas da ilha”.
119
116 COSTA, Marli de Oliveira. Impressos Imaginação e Fé: História da Menina que virou santa no Sul do Brasil. Disponível em:
http://www.gedest.unesc.net/seilacs/virousanta_marli.pdf . Acesso em: 25 de abril de 2008.
117 LOHN, Reinaldo Lindolfo. Pontes para o futuro: relações de poder e cultura urbana. Florianópolis, 1950 a 1970. 2002. Tese (Doutor) - Curso
de Pós Graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre 2002, p. 161.
118 Idem, p. .205 e 206.
119 Idem, p. .205.
50
1.2.4. Por Oswaldino Hoffmann
“Pela arte, eu acho que ele fez tudo pela arte. Ele viveu a arte
na plenitude”.
Oswaldino Hoffmann
Oswaldino Hoffmann, aluno de Franklin Cascaes na Escola Industrial de
Florianópolis, confessa-se admirador do professor e é essa relação de admiração
que move a sua narrativa. Como narrador, no sentido benjaminiano, o tem a
intenção em “transmitir o ‘puro em si’ da coisa narrada”, mas mergulhar na vida do
professor como “a mão do oleiro na argila do vaso”.
120
Regina Abreu destaca que no
processo de individualização do mundo moderno, “as “histórias de vida" constituem
os alicerces que estruturam os rituais de evocação dos mortos
121
. Lembrar das
suas angústias, da sua trajetória como professor, da forma como o mesmo se
relaciona com os alunos, de como a sua arte se fez presente no espaço da sala de
aula, é “evocar a sua passagem pela vida na terra”. A autora afirma que “num
mundo de indivíduos, certos mortos tendem a desempenhar um lugar importante
para referência dos vivos”.
122
Franklin, como diria Oswaldino Hoffmann é “o pai, o
professor, o amigo, o escultor, o pintor e uma pessoa (...) de bem consigo mesma e
com a vida” Em outro momento da entrevista afirma que Franklin era o professor que
ele admirava e “que gostaria de ter na família”
123
. Para o narrador, o professor
Franklin é uma referência.
Oswaldino Hoffmann nasceu no município de Antônio Carlos, na Grande
Florianópolis, e nos registros da Escola, aparece como selecionado em primeiro
lugar no concurso do vestibular do ano de 1960. Seleciona para dar início a sua
narrativa, o momento que ingressa na Escola Técnica, como ele se refere à Escola
Industrial de Florianópolis. Destaca: conheceu o professor Franklin Cascaes nos
primeiros meses de aula. Estabelece uma relação do professor com o artista, que se
faz presente em diversos momentos da sua narrativa. Destaca que o folclore era um
tema recorrente em sala de aula. Muitas vezes a aula do professor Franklin “era
120 BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas - Magia e Técnica, Arte e Política. 7ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 205.
121 ABREU, Regina. Entre a nação e a alma :: quando os mortos são comemorados. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 7, n. 14, p.1-24,
1994. Semestral. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/156.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2008.
122 Idem
123 HOFFMANN, Oswaldino. Entrevista concedida as alunas Aline Amorim, Carolina Fávero e Jessica Gomes. Florianópolis, outubro de 2008.
Disponível no acervo do Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin Cascaes.
51
motivada pelos trabalhos que ele vinha fazendo” como artista. A obra de Franklin
Cascaes, escultórica e gráfica, foi sempre associada aos relatos dos moradores das
comunidades do interior da Ilha de Santa Catarina. Oswaldino Hoffmann. indica que
os alunos provenientes do interior da Ilha colaboravam na busca desses rituais ainda
presentes no cotidiano do ilhéu. O professor Franklin era freqüentemente convidado
a participar, por exemplo, da Festa do Divino, no Ribeirão da Ilha, no Pântano do Sul
ou nos Ingleses. Destaca também a importância dos depoimentos dos alunos
provenientes de outras cidades do Estado, como Laguna, Tubarão, Criciúma e
Urussanga. O universo fantástico da família dos alunos dessas localidades, também
será transformado em desenhos e esculturas. A sua arte é “uma arte didática
pedagógica”, define o narrador. Na sala de aula, no espaço destinado à sua principal
atividade profissional, professor, a obra do artista, muitas vezes resultante dos
depoimentos dos alunos, se transforma em material didático. No seu entender,
conhecer o professor Franklin Cascaes não significa apenas entrar em contato com
a história de um professor, mas uma possibilidade de compreender a sua obra.
Concluí: “Pela arte, eu acho que ele fez tudo pela arte. Ele viveu a arte na plenitude”.
Sandra
Makowiecky destaca que a tradição cultural, legada pelos açorianos, é
permeada por uma religiosidade profunda, “um cristianismo fundamentalista católico,
algo próximo das crenças medievais, dando vida a uns mundos fantásticos,
povoados de santos e demônios, onde a magia e a bruxaria são realidades
palpáveis e interferem no cotidiano de cada ume, pela relação com o mar, pela
pesca
124
. Sobre as visitas as comunidades pesqueiras do interior da Ilha de Santa
Catarina, Oswaldino Hoffmann. relembra que, no começo dos anos 60, o professor
Franklin comprou uma “Kombi”, o que facilitou o deslocamento para essas
localidades. Terno e gravata, estradas “empoeiradas”, a falta de compreensão por
parte de alguns moradores com relação à postura do professor na defesa do
patrimônio cultural daquelas comunidades, a presença dos alunos e amigos nessas
viagens, são questões recorrentes quando o tema é a Kombi do professor Franklin
Cascaes. Sobre o motorista Franklin Cascaes, o narrador acrescenta: “Péssimo
motorista, nunca foi bom motorista... Nunca saia dos quarenta (...) atropelava o
124 MAKOWIECKY, Sandra. A Representação da cidade de Florianópolis na visão dos artistas Plásticos. 2003. Tese (Doutorado) - Curso de
Interdisciplinar em Ciências Humanas, Ufsc, Florianópolis, 2003, p. 490.
52
tráfego. Mas era o estilo dele”. Relembra: “Aquela Kombi era uma coisa, uma
preciosidade para ele!”.
Alguns relatos ao longo da sua narrativa, num movimento comum as histórias
de vida, vão sendo utilizados para delinear as características do professor.
Pontualíssimo. Ele não saia da sala de aula para sala dos professores. Ele
ficava na sala de aula. Aproveitava aqueles quinze minutos de recreio, para
continuar os desenhos dele ou atender os alunos que queriam conversar.
Ele era um professor motivado para o trabalho e convicto do trabalho que
fazia. [...]
Não, ele gostava de dar aula. Foi um professor no sentido da
palavra [...]. Professor e educador.
[...] a postura dele como professor era uma postura ímpar. Em sala de aula,
nunca vi o professor Cascaes lecionar sem terno e gravata. Em dias muito
quentes, em salas sem ar condicionado, ele pedia licença para os alunos
para tirar o paletó.
Ao ser questionado sobre como era Franklin Cascaes na sala de aula,
Oswaldino afirma que o professor “acreditava naquilo que ensinava”, era “convicto
do trabalho que fazia”. O uso do terno e da gravata, de acordo com o antigo aluno,
não era um hábito apenas do professor. Os professores que trabalhavam nas
oficinas da antiga Escola Industrial também faziam uso do traje. Pontualidade,
dedicação, austeridade são características presentes em algumas passagens do
relato. Justifica tal postura com o seguinte argumento: a esperança de um futuro
para esses alunos passava pelos bancos escolares, pelo conhecimento e pela
profissão. De acordo com o antigo aluno, era essa a razão do professor Franklin ser
muito exigente. Afirma que “aluno malandro não tinha chance com ele”. Como
muitos do seu tempo, o professor demonstrava acreditar na disciplina como um
meio, como uma possibilidade de garantir aos alunos, na sua maioria filhos de
trabalhadores, o conhecimento e a profissionalização. Completa: “Ele achava que
toda leitura passava pelo desenho (...) o desenho era uma forma de ler o mundo
diferente”.
Sobre as aulas de desenho e sobre a motivação dos alunos com relação às
aulas são fornecidas apenas algumas informações esparsas. Esclarece que a
disciplina era de desenho geométrico básico, mas havia espaço nas aulas para o
“desenho livre”. Destaca que nas aulas de “desenho livre” o professor procurava
53
motivar os alunos para temas que fizessem parte do cotidiano como armas de caça
ou brinquedos de criança. Os elementos presentes nos desenhos dos alunos, assim
como os relatos anteriormente citados, também foram transformados em desenhos e
esculturas. Oswaldino Hoffmann. reforça: “O trabalho do Franklin Cascaes tem muito
a ver com a escola”.
Procurando justificar o pouco interesse dos alunos na obras trazidas para o
espaço das aulas de desenho, afirma que os alunos do internato “conheciam pouco
o folclore da Ilha porque a maioria não era daqui” e por isso não percebiam a
importância das esculturas do professor. No final dos anos 30, foram matriculados
os primeiros “alunos bolsistas provenientes do interior do Estado de Santa
Catarina”. Alcides Vieira de Almeida afirma que nos anos 50/60:
Manter o internato o era tarefa fácil para a direção da Escola. Os
problemas, principalmente, de ordem financeira estavam sempre
presentes. [...] num determinado momento da história do internato, por
exemplo, a falta de recursos financeiros fez com que os internos
comessem arroz com ovo frito, como prato único, por três meses
seguidos.
125
Em 1958, a Escola ainda funcionava na Rua Almirante Alvim, mas o internato
funcionava Avenida Mauro Ramos, nas proximidades da Rua Júlio Moura onde
morava Franklin Cascaes. Como aluno do internato, Oswaldino era convidado a ir à
casa do professor, na Rua Júlio Moura. O colaborador destaca a preocupação do
professor com relação à situação financeira de muitos desses alunos e quando não
conseguia ajudar, tentava minimizar o problema. Conclui: “Ele era um “paizão” que
os alunos encontraram durante os trinta anos que ele lecionou.”
Contudo, com relação à motivação dos alunos, o narrador chama atenção
para a existência de dois grupos distintos: os que gostavam da aula de desenho e os
que o gostavam das aulas de desenho. Afirma que quando o aluno não tem
interesse na disciplina, as aulas tornam-se monótonas. Oswaldino relembra que o
professor era tão motivado para a aula que “entrava em choque” com a pouca
motivação de alguns alunos. Ele, no entanto, fazia parte do grupo que gostava das
aulas de desenho. Ressalta que gostava “porque aprendeu tudo sobre folclore”. O
colaborador nos fornece indícios de que o de desenho, seja ele geométrico ou
125 ALMEIDA, Alcides Vieira de. Dos Aprendizes Artífices ao CEFET/SC: Resenha Histórica. Florianópolis: Gráfica Agnus, 2002, p. 74.
54
livre, eram feitas às aulas: como foi colocado anteriormente o folclore era tema
freqüente das conversas entre os alunos e o professor. Com relação à técnica
utilizada na elaboração dos desenhos, ressalta o uso freqüente da “técnica da
sombra”. Afirma que o professor Franklin gostava muito de estilizar. Acrescenta que
“não existe muitas vezes nem uma preocupação com a perspectiva, mas existe uma
preocupação com a estilização”.
Relembra que antes de ser professor de desenho, Franklin Cascaes, foi
professor de escultura. Sobre a qualidade das esculturas do artista, relata um fato
curioso:
[...] lembro que ele fez uma escultura de uma galinha assada em cera. Foi
servir no jantar [...]. Um funcionário acreditou que aquela galinha não era
de cera. Achou que era uma galinha de verdade e trinchou a galinha para
comer. Ficou conhecido como da Galinha.Até hoje, os funcionários que
conheceram esse senhor - que era um serventuário da Escola - conhecem
ele como Zé da Galinha.
Quando Franklin Cascaes morreu, em 1983, Gelci Coelho dos Santos, o
Peninha, foi escolhido pelos pesquisadores anteriormente citados, como o “guardião
da memória do artista”.
126
. Oswaldino Hoffmann, no relato de muitos que
conviveram com Franklin na Escola Industrial, e na forma como elabora a sua
narrativa, se apresenta como o “guardião da memória” do professor. Atribui o desejo
de ver a história do professor sendo escrita, a admiração que sente pela memória do
mestre. Define-se como o “continuador” das aulas do professor na Escola. Em 1968,
Franklin Cascaes tem uma redução de 20 horas/aula na sua carga horária semanal.
formado, Oswaldino ministra as outras 20 horas/aula e quando o professor se
aposenta no final do ano de 1970, o aluno substitui o mestre. Conclui: “Eu também
fiquei quase trinta anos lecionando. Lecionando desenho, que desenho técnico”.
Mas as marcas deixadas pela convivência com o Professor Franklin extrapolam os
limites da sala de aula. Estão presentes também nos desenhos produzidos pelo
antigo aluno.
126 DELGADO, Andréa Ferreira. A Invenção de Cora Coralina na Batalha das Memórias. 2003. 498 f. Tese (Doutorado) - Departamento de
História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp,2003.
55
Figura 3- Autor: Oswaldino Hoffmann, 1991.
Acervo Particular.
Se a memória individual dialoga permanentemente com os conhecimentos
socialmente construídos até que ponto as lembranças de Oswaldino A. Hoffman
sobre o professor/artista foram atualizadas, ou melhor, tem a marca da
contemporaneidade. Como separar o artista/folclorista do mestre? O exemplo da
perspectiva que relaciona Franklin com o Mito-também se faz presente no relato
do aluno e amigo Oswaldino A. Hoffman. Franklin é mestre e não professor. Será
que ao evidenciar a força de um indivíduo não corremos o risco de cair na armadilha
da hagiografia? Benito Bisso Scmidtt questiona se os personagens que nós
construímos não são apenas santos laicizados
127
. A armadilha da hagiografia do
mesmo modo que evidencia a força de um indivíduo nos impede de perceber aquilo
que o biografado não foi capaz de fazer. Fica o questionamento: como biografar sem
se deixar seduzir por flores e sem fazer caso da sombra como diria Virginia Woolf
128
.
127 SCHMIDT, Benito Bisso. Grafia da vida: reflexões sobre a narrativa biográfica. Educação Unisinos, São Leopoldo, v., n.10, jul.2004.
Quadrimensal., p. 140.
128 WOOLF, Virginia. Orlando. 2.ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003, p. 45
56
Capítulo 2
A trajetória do Professor Franklin nos documentos
administrativos da Escola Industrial
57
Neste capítulo perscruto os documentos administrativos que compõe a sua
pasta funcional e analiso a sua trajetória como servidor blico na Escola Industrial
de Florianópolis. Nas entrevistas realizadas com os alunos do professor Franklin
Cascaes, todos foram unânimes em considerar que o processo de aposentadoria
assumiu um significado dramático na vida do professor. O seu ingresso como aluno
e professor na Escola Industrial de Florianópolis, a sua atuação nas comissões em
que foi requisitado pela instituição, a inexistência de um local onde pudesse guardar
a sua obra, são temas tratados também neste capítulo. Tentou-se identificar a partir
do depoimento e dos documentos guardados por um antigo aluno, práticas
cotidianas que permitem vislumbrar traços de relações pessoais que tem sua origem
nas salas de aula da Escola Industrial de Florianópolis.
2.1.- O Curso Noturno de desenho e o seu ingresso como Professor da Escola
Industrial de Florianópolis.
Em maio de 1941, o edital do concurso
129
, que possibilitou o ingresso do
professor Franklin Cascaes na Escola Industrial de Florianópolis, indicava as
condições necessárias para lecionar como professor coadjuvante de ensino do curso
de desenho: ser brasileiro, não contar com idade inferior a 18 anos e superior a 35
anos, ser portador de caderneta oficial de identidade e de carteira profissional ou de
reservista e possuir duas fotos tiradas de frente e sem chapéu. Não uma
exigência com relação à formação acadêmica do candidato. Sobre os
conhecimentos necessários o edital apenas indica: “prova gráfica, abrangendo todas
as partes do programa de Desenho do estabelecimento e prova oral, ou seja, uma
aula sobre assunto sorteado dentre o programa relativo à especialidade”
130
.
Celso Suckow da Fonseca destaca que “o ponto mais fraco da organização
escolar daquela época” era a “absoluta carência de profissionais competentes que
pudessem ser aproveitados como mestres das oficinas escolares”
131
.De acordo com
Alcides Vieira de Almeida, nos anos 40, “a falta de pessoal especializado foi [...]
problema a ser enfrentado pela direção da Escola, contornado com a implantação de
129 Celso Suckow da Fonseca ressalta que entre as inovações introduzidas pelo decreto 13.064, de 12 de junho de 1918, está à nomeação dos
diretores e professores das Escolas de Aprendizes e Artífices por meio de concurso público. FONSECA, Celso Suckow da. História do ensino industrial no
Brasil. Vol 2. Rio de Janeiro: SENAI.1986, p.191-192.
130 Diário oficial do Estado de Santa Catarina, 21 de maio de 1941, página 7.
131 FONSECA, Celso Suckow da. História do ensino industrial no Brasil. Vol 2. Rio de Janeiro: SENAI.1986. p.194
58
um processo de admissão e aproveitamento de ex-alunos, como professores”
132
.
Franklin era um deles. Como outros tantos professores da Escola Industrial de
Florianópolis, foi também aluno.
No trecho inicial da Ata da prova do concurso, a seguinte afirmação:
“Aos treis dias do mês de junho de mil novecentos e quarenta e um, às
nove horas em uma das salas de aula da Escola de Aprendizes e Artífices
de Santa Catarina, reuniu-se a comissão examinadora da prova de
habilitação para admissão de extranumerário mensalista da Divisão de
Ensino Industrial- Coadjuvante de Ensino, para ensinar no curso de
desenho (...)”.
Nereu do Valle Pereira
133
·, aluno da Escola Industrial Florianópolis e do
Franklin Cascaes no ano de 1942, declara que o professor começou na Escola de
Aprendizes e Artífices “bem antes de 1941”. O nome do Liceu Industrial de
Florianópolis
134
·, não aparece na fala do antigo aluno ou na ata do concurso. Ana
Chrystina Venancio Mignot afirma que:
“Tentar decifrar os segredos contidos na mudança de nome de uma escola,
envolve entender que um nome não existe sozinho. Faz parte de um
contexto. Tem uma historicidade A alteração do nome da escola servirá,
portanto, de fio condutor através do qual se pretende apreender o sentido
de um projeto educacional, em sua singularidade (...)”.
135
O “nome de batismo”
136
, Escola de Aprendizes e Artífices, confere a escola
uma identidade. Destinada “aos filhos dos desfavorecidos de fortuna”, com o objetivo
de “fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo”, para livrá-los do ócio, “escola do
vício e do crime”, a Escola de Aprendizes e Artífices formava operários e
contramestres, ou melhor, menores que pretendessem aprender um ofício em
oficinas de trabalho manual ou mecânico. A mudança do nome para Liceu Industrial
de Florianópolis se dá no momento em que as Escolas de Aprendizes e Artífices são
desvinculadas do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio e passam para o
controle do Ministério da Educação e Saúde Pública.
132ALMEIDA, Alcides Vieira de. Dos Aprendizes Artífices ao CEFET/SC: Resenha Histórica. Florianópolis: Gráfica Agnus, 2002. p. 47.
133 PEREIRA, Nereu do Valle. Entrevista concedida a Denise Araujo Meira, outubro de 2008.Disponível no acervo do Laboratório de Imagem e
Oralidade Franklin Cascaes.
134 A Escola de Aprendizes e Artífices em 1937 passou a se chamar Liceu Industrial de Florianópolis.
135 MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Decifrando o Recado do Nome :: uma Escola em Busca da sua Identidade Pedagógica. Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 74, n. 178, p.619-638, 1993. Trimestral.
Disponível em: <http://www.emaberto.inep.gov.br/index.php/RBEP/article/viewFile/332/336>. Acesso em: 14 dez. 2008.
136 Expressão utilizada pela autora para designar o primeiro nome da Escola.
59
Figura 4- Estudo de Ampliação da Escola Industrial de Florianópolis.
Acervo Casa da Memória
A alteração do nome não foi resultado de um “desejo de mudança” por parte
da comunidade escolar. Faz parte do projeto político do Estado Novo, que tinha
como objetivo à construção do cidadão-trabalhador, pela disciplinarização para o
trabalho. Projeto este decorrente do crescimento industrial, que em Santa Catarina,
entre os anos de 1920 e 1940, “atingiu com mais eficácia as regiões de colonização
alemã do Vale do Itajaí e litoral de São Francisco
137
. No “Estudo Perspético da
Ampliação da Escola Industrial de Florianópolis” a cidade em que estava localizada
a Escola é representada como uma cidade industrializada. Na coluna “Indústrias
Catarinenses”, da Revista Arte & Indústria
138
, na listagem referente à Florianópolis
as seguintes “indústrias”: a Fábrica de Pontas Carlos Hoepcke S.A.; a Fábrica de
Rendas e Bordados Hoepcke S.A.; a Indústria Manufatureira Scarpelli Ltda e;
137 CAMPOS, Cyntia Machado. Santa Catarina,1930: da degenerescência à regeneração. Florianópolis: UFSC, 2008. p.53.
138 Na década de 40, a Escola prestava serviço a outras instituições, especialmente, na área de tipografia. As oficinas produziam os impressos
utilizados pelos Correios e Telégrafos e por diversas Escolas, entre elas o Colégio Coração de Jesus e o Colégio Catarinense. Em 1946, com a colaboração
de alunos e professores, publicou-se a revista “Arte & Indústria”. O CEFETSC possui um único exemplar, referente ao ano de 1947, doado pelo ex- aluno
Nereu do Valle Pereira. ALMEIDA, Alcides Vieira de. Dos Aprendizes Artífices ao CEFET/SC: Resenha Histórica. Florianópolis: Gráfica Agnus, 2002, p. 47.
60
Reinisch S.A.. A não incorporação do novo nome, nem mesmo em documentos
oficiais (Ata do concurso) nos fornece indícios que no cotidiano da Escola, no final
da década de 30, em uma cidade não marcada pela industrialização, a Escola de
Aprendizes e Artífices era o nome que melhor definia a sua identidade.
Franklin Cascaes foi o único candidato do concurso de 1941. O relato do
aluno Nereu do Valle Pereira e a ata do concurso, nos fornecem indícios, que uma
rede de sociabilidades tornará possível o seu “ingresso oficial” na “Escola de
Aprendizes e Artífices”.
Franklin Cascaes começa a freqüentar o Curso Noturno de Desenho no ano
de 1939. O Curso Noturno de Aperfeiçoamento foi criado em 12 de junho de 1918,
pelo decreto número 13.064. João Cândido da Silva Muricy afirma que em 1919, “as
aulas noturnas continuaram a ser procuradas por operários de vários ofícios, até
mesmo pedreiros”
139
. Destaca: “a matrícula nesse ano não foi muito elevada talvez
pela distancia que nesse tempo a Escola tinha das regiões de mais accomulação de
operários”
140
A matrícula naquele ano não foi muito elevada e a freqüência média dos
alunos do Curso Noturno, naquele ano e nos anos que se seguiram, também não.
Maria Cristina Cintra, referenciando Thompson e Hobbsbawn , afirma que o
termo “ofício” está vinculado ao trabalho manual, “ao ato de realizar operações
artesanais, com extrema habilidade e destreza, com pleno domínio da técnica de
produzir com as mãos, utilizando apenas ferramentas simples e específicas de cada
ofício”
141
. Destaca “que havia uma nítida distinção entre os mestres, aqueles que
vinham das fábricas ou oficinas e os professores, que vinham do ensino primário”
142
, mas que também eram feitas outras distinções. Destaca que os auxiliares dos
mestres eram os contramestres e os auxiliares dos professores eram adjuntos. As
oficinas, diferente das aulas que eram para o curso primário e de desenho, eram
para o aprendizado prático dos ofícios. Ficavam sob a responsabilidade do mestre.
Auxiliar do “mestre Macedo”, Franklin irá trabalhar na oficina de modelagem.
No curso Noturno de Aperfeiçoamento, Franklin Cascaes foi aluno dos
professores Manoel Marim Portela e do professor Plínio de Freitas. Tais professores
fizeram parte da banca do concurso de 1941, ou melhor, da maioria das bancas dos
139 MURICY, João Candido da Silva. Escola de Aprendizes Artífices de Catarina : 1919. Florianópolis: Typografia da Escola de Aprendizes
Artífices, 1920.
140 Idem.
141 CINTRA, Maria Cristina. O processo de aprendizado do ofício de alfaiate em Florianópolis (1913-1968). 2004. 146 f. Dissertação (Mestrado)
- Curso de Ppge, Departamento de Educação, Ufsc, Florianópolis, 2004, p.44
142 Idem p.62
61
concursos realizados entre os anos de 1936 e 1941. Destaca-se que também
fizeram parte da banca o Diretor Cid Rocha Amaral e o professor Mario Ghisi.
Nereu do Valle Pereira relata que o diretor Cid Rocha Amaral, que havia
cursado Engenharia no Rio de Janeiro, casou-se e foi morar em Coqueiros. O
colaborador destaca que o Diretor do Liceu Industrial de Florianópolis, conhecido
como Escola de Aprendizes e Artífices, conheceu Cascaes na localidade de
Coqueiros. Acrescenta: “Franklin fazia desenhos e molduras para a construção civil
(...) fachadas, afrescos, aberturas de janela (...) e o Cid Rocha Amaral entendeu que
poderia levar o Cascaes para preparar a mão de obra dos operários da modelagem”.
Nereu do Valle Pereira reforça que o professor Cacaes, em 1941, não tinha diploma,
mas que a Escola destinada aos “filhos dos trabalhadores”, buscava profissionais
que tinham “habilidades” para trabalharem como instrutores nas oficinas.
O professor Manoel Marim Portela, iniciou sua carreira no Liceu Industrial em
1935. Nos arquivos do CEFETSC não documentos referentes à sua trajetória
como professor. Nereu do Valle Pereira foi aluno do professor Manoel Marim Portela
por um período de apenas três ou quatro meses. Relata que o mesmo era Professor
Titular de Desenho e trabalhava com desenho artístico e ornamental. Na sua
narrativa algumas expressões são utilizadas para definir o professor: “homem de
muito conhecimento”, “parece que ele era arquiteto”, “era formado”, “ele era durão” e
“ele veio de “fora”. Se as lembranças com relação ao professor não são muitas, uma
em especial indica uma possível identidade com o “professor durão”: ele gostava de
esportes. Relembra: “jogava futebol de sapato”. Esse depoimento possibilita
vislumbrar o quanto Florianópolis era carente de profissionais, ou melhor, de
professores especializados para atuarem na Escola Industrial. Para o aluno Franklin
Cascaes, o professor Manoel Marim Portela foi uma referência. Como já foi colocado
anteriormente, “era paulista” e “costumava falar sobre a importância da tradição”. De
acordo com Adalice Maria de Araujo, Franklin teve aulas particulares com o
professor em 1939. O professor-referência participou do concurso público que
possibilitará a Franklin trabalhar como “coadjuvante de ensino" na Escola Industrial
de Florianópolis.
O professor Plínio de Freitas ingressa no Liceu industrial em 1936. Assim
como o professor Manoel Marin Portela, participa da banca do concurso. Professor
de Ciências físicas e naturais assumia com freqüência a cadeira de História das
Artes decorativas, da indumentária masculina e das artes gráficas. Como muitos do
62
seu tempo, assumia diversas disciplinas. Afinal, como foi dito anteriormente, não
existiam professores qualificados para tal. Nereu do Valle Pereira quando rememora
o período em que foi aluno da escola, identifica o professor Plínio de Freitas como
professor de física. Nas suas lembranças o professor Plínio não aparece como
professor de História das Artes Decorativas, da indumentária masculina ou de artes
gráficas. Afirma que ele era professor de física da terceira e/ou quarta série. Afirma
repetidamente: “Era física”. Destaca ainda que o professor morava no bairro de
Campinas ou Estreito e que depois de formado manteve com ele uma amizade.
Professor do laboratório de física, Plínio de Freitas compartilhava os seus
conhecimentos com o antigo aluno, que “gostava de rádio e eletrônica”. Ao relatar
que talvez o professor Plínio também fosse engenheiro, coloca em dúvida a sua
naturalidade.
Figura 5- Professores do Liceu Industrial de Florianópolis. Década de 30. Professor Plínio de Freitas
(último da esquerda para direita)
Fonte: Acervo do Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina.
63
Nas fotografias sobre o corpo docente predominam professores, evidenciando
que os homens eram maioria na Escola
143
. Plínio de Freitas, assim como a imensa
maioria dos professores que se deixaram fotografar nos anos 30, 40 ou 50 aparece
de terno, em um pequeno grupo, posando para o fotógrafo. António Nóvoa,
questionando o papel que as imagens desempenharam na história da profissão
docente afirma que a partir da segunda metade do século XIX, “o acesso ao
professorado transforma-se numa aspiração das classes mais desfavorecidas e num
eficaz meio de ascensão social”.
144
Completa: “Originários dos meios rurais, os
professores sentem-se superiores aos seus conterrâneos, devido ao conhecimento e
a cultura que possuem”, apesar das baixas remunerações. Parafraseando António
Nóvoa, a imagem acima faria parte de um conjunto de imagens que “embalam os
sonos dos professores”. A imagem indica a ambigüidade do seu estatuto: trajados
de terno e gravata, apesar da condição socioeconômica. Nereu do Valle Pereira
relata que Franklin Cascaes atuou como ajudante do “Mestre Macedo” e depois
completa: “Mas tarde evolui para professor de desenho”. Ser professor significava
adquirir um novo estatuto. O concurso de 1941 dará a Franklin Cascaes esse novo
estatuo: professor de desenho da Escola Industrial de Florianópolis.
No relato do aluno Nereu do Valle Pereira ou nos documentos administrativos
da Escola é possível perceber que os professores Manoel Marim Portela e Plínio de
Freitas, e o diretor Cid Rocha Amaral, que formavam a banca do concurso faziam
parte das suas relações pessoais. A falta de professores especializados levava a
admissão e o aproveitamento de ex alunos, entre eles Franklin Cascaes. o
chegou a concluir o curso. No entanto, as suas habilidades técnicas
145
e o fato de ter
circulado no espaço da escola possibilitou o seu trabalho como contramestre na
oficina de modelagem e a sua “ascensão” como professor, ou melhor, como
professor de desenho.
Franklin assume como professor no mesmo momento em que o Curso
Noturno de Desenho foi extinto. Não há registros que o curso tenha funcionado após
1942. A lei orgânica do ensino industrial de 1942, no seu artigo 9, estabelece as
seguintes modalidades de cursos: Industriais ( destinados ao ensino, de modo
143
um único registro fotográfico, no acervo do CEFETSC, de professora em sala de aula (1910), na primeira metade do século XX, na
Escola Industrial de Florianópolis.
144 NÓVOA, António. As palavras das Imagens: Retratos de professores- (séc. XIX-XX). Atlântida: Revista de Cultura, 2001. p. 110.
145 A Ata da Prova do Concurso, de 03 de junho de 1941, indica que o programa da prova foi composto de uma parte gráfica, abrangendo
todas as partes do programa de desenho da Escola e de uma prova oral, constante de um assunto sorteado relativo à especialidade. O candidato Franklin
Cascaes, foi considerado habilitado, com a seguinte média: 93 1/3.
64
completo, de um ofício cujo exercício requeira a mais longa formação profissional);
Mestria (destinado aos diplomados em curso industrial a formação profissional
necessária ao exercício da função de mestre); Artesanais (destinados ao ensino de
um ofício em período de duração reduzida.); Aprendizagem.( destinados a ensinar,
metodicamente aos aprendizes dos estabelecimentos industriais, em período
variável, e sob regime de horário reduzido, o seu ofício). A Escola Industrial de
Florianópolis irá oferecer apenas o Curso Industrial Básico e Curso de Mestria. O
curso de Mestria irá funcionar até o inicio da cada de 50, tentando resolver um
antigo problema da Escola: professores qualificados. Os cursos industriais irão
funcionar até a década de 60.
Em 6 de fevereiro de 1969, Franklin Cascaes encaminha ao então Diretor da
Escola Técnica Federal de Santa Catarina, Frederico Guilherme Büendgens, o
seguinte requerimento :
Franklin Joaquim Cascaes, natural dêste Estado, casado, residente nesta
cidade de Florianópolis, na Rua Júlio Moura número 31, vem mui
respeitosamente pedir à V.S. se digne conceder-lhe o certificado do Curso
Noturno dêste Estabelecimento de Ensino freqüentado pelo requerente os
quatro anos exigido por lei, que foi de 1938 a 1941. Foram professores do
Curso, Plínio de Freitas, Manoel Marin Portela, Luiz Marques, Mário Guizzi,
Clotilde Coelho. O certificado do Curso de Férias da CIBAI feito em julho de
1948 na Escola Técnica Nacional do Rio de Janeiro, e também o histórico
completo da sua vida funcional dêste Estabelecimento de Ensino de 1941 a
1969.
O documento refere-se a dois momentos da sua formação: como aluno do
Curso Noturno de desenho do Liceu Industrial de Florianópolis e do Curso de Férias
na Escola Técnica Nacional do Rio de Janeiro.
65
2.2. - O curso de Férias da Escola Técnica Nacional do Rio de Janeiro.
A revista Arte & Indústria, de 1948, traz na sua primeira página o relato do
Diretor da Escola Industrial de Florianópolis, Cid Rocha Amaral, sobre a sua visita ao
Colégio de Artes Aplicadas da Universidade da Califórnia. Destaca: “É notável o
ver-se meninos e meninas tomarem parte ativa e principal na vida do país,
procedendo, como todos os demais, de acordo com as normas que fazem a
grandeza americana: honestidade, responsabilidade e cooperação”. Cooperação era
a palavra de ordem.
Figura 6-Revista Arte & Indústria, periódico da Escola Industrial de Florianópolis, de 15 de novembro
de 1948.
Acervo do Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina.
66
Na obra História do Industrial, Celso S. Fonseca, ressalta a importância da I
Conferência de Ministros e Diretores de Educação das repúblicas americanas
ocorrida na cidade de Havana, de 25 de setembro a 4 de outubro de 1943 .O Brasil
se fez representar pelo seu Ministro da Educação Gustavo Capanema; pelo Diretor
do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, professor Lourenço Filho, e “dos
entendimentos havidos resultou um acordo para a realização de um programa de
cooperação educacional, visando a maior aproximação entre os dois países,
mediante intercâmbio de educadores , idéias e métodos pedagógicos”
146
.Assinado a
3 de janeiro de 1946 , pelo Ministro da Educação do Brasil, Raul Leitão da Cunha
Brasil, e pelo Sr. Kenneth Holland, Presidente da Inter- American Educacional
Foundation, Inc., em nome dos Estados Unidos, o acordo previa na sua clausula IV,
“uma comissão especial, denominada Comissão Brasileira - americana de educação
Industrial, que seria conhecida simplesmente pelas iniciais CBAI, e, que atuaria
como órgão executivo na aplicação do programa de cooperação educacional”
147
.
Entre as atividades propostas pela CBAI, estava a visita dos diretores das
Escolas Industriais ao Pensylvania State College. De acordo com Celso S. Fonseca,
o primeiro grupo, composto de 10 diretores, saiu do Brasil em 2 de setembro de
1947 e um segundo grupo, entre eles o Diretor da Escola Industrial de Florianópolis,.
Cid Rocha Amaral, em 29 de fevereiro de 1948. Celso Fonseca destaca que:
Na Pensylvania State College desenvolveu-se o curso, constando do
respectivo currículo, análise do trabalho, organização e planejamento de
cursos, metodologia de ensino, organização e direção de oficinas, objetivos e
organização do ensino industrial, administração do ensino industrial,
supervisão do ensino industrial e métodos de inquérito, sendo os professores
personalidades de destaque do ensino industrial americano.”
148
O diretor Cid Rocha Amaral, ao passar o cargo em fevereiro de 1948, para
viajar para os EUA, se deixa fotografar. O texto publicado na revista e a foto indicam
a importância do acontecimento: a Escola precisava ser remodelada. O modelo: o
ensino industrial norte-americano.
146 FONSECA, Celso Suckow da. História do Ensino Industrial no Brasil. Rio de Janeiro: SENAI, 1986. 2 v. p 99
147 Idem p.100.
148 Idem Ibidem.
67
Figura 7- Sentado a direita do Diretor Cid Rocha Amaral, o professor de Desenho Franklin Cascaes.
Acervo do Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina.
No mês de julho, do ano de 1948, Franklin irá freqüentar o Curso de Férias da
Escola Técnica Nacional do Rio de Janeiro. Promovido pela CBAI, o curso era
destinado ao treinamento e ao aperfeiçoamento do corpo docente das Escolas
Federais. Celso Fonseca enfatiza que o curso era dividido em duas partes: a
primeira na Escola Técnica Nacional, “a fim de procederem a uma revisão de
conhecimentos gerais e técnicos, estudo da língua inglesa e atualização e ampliação
dos conhecimentos sobre a vida econômica e social do Brasil” e a segunda parte,
nos Estados Unidos,” para onde seguiriam os professores das diferentes escolas,
que se houvessem revelado capazes na primeira fase do curso
149
. O professor
Franklin Cascaes não freqüentou a segunda etapa.
Aqui fica um questionamento: quais os critérios utilizados para selecionar os
professores que deveriam freqüentar o curso? Nos arquivos do Cefetsc não
encontramos pistas que indiquem os critérios utilizados. No entanto, Franklin
Cascaes se deixa fotografar ao lado do Diretor Cid Rocha Amaral, no momento que
149 Idem,p.103.
68
antecede a sua ida para os Estados Unidos da América. Parafraseando Le Goff,
como documento/ monumento a fotografia revela a imagem que o passado quer
perenizar no futuro. Talvez fosse essa a imagem a ser compartilhada com o futuro: o
professor, sentado a direita do diretor, seria o representante da Escola no curso
promovido pelo CBAI, no mês de julho de 1948.
No “Relatório de um Estudo sobre a Efetividade dos cursos de Férias para
Aperfeiçoamento de professores do Ensino Industrial”, produzido pelo Ministério da
Educação e Cultura, pelo Instiutte of Inter-American Affairs of the Internacional
Cooperation Administration e pela Comissão Brasileiro- Americana de Educação
Industrial (CBAI), o curso de 1956 foi comparado aos cursos dos anos anteriores.No
texto do documento uma indicação do instrumento de avaliação utilizado: “a técnica
de fazer os interessados expressarem suas opiniões por escrito (Opinion Poll) como
instrumento dessa medida”. Os nomes dos professores- alunos, expressão utilizada
ao longo do relatório para identificar os professores das Escolas de Ensino Industrial
que freqüentaram o curso, eram solicitados aos diretores que deveriam designar um
ou “dois professores de cada um dos seguintes ofícios: marcenaria, serralheria,
mecânica de máquinas, fundição, artes gráficas e eletricidade”
150
. No ano de 1956,
diferente dos anos anteriores, foi estabelecido um sistema de rodízio, e todos os
alunos-professores freqüentaram as oficinas referentes às diferentes áreas.
indícios de que nos anos anteriores o mesmo não acontecia, ou seja, o professor
Franklin Cascaes freqüentou apenas a oficina de artes gráficas. O relatório de 1956
aponta para uma necessidade:
Devem ser proferidas palestras e conferências, nas quais elementos
proeminentes da indústria e funcionários do governo falem aos
professôres-alunos sobre assuntos tais como a necessidade de
industrialização, de maior habilidade dos operários brasileiros e outros
assuntos que concorrem para levantar a moral.
151
No parágrafo seguinte, o relatório aponta para uma necessidade: “pôr fim à
diferença existente entre os salários dos professores de oficina e outros de cultura
geral”. “Levantar a moral”, a diferença de salários entre os mestres de oficina e os
professores, indica que não apenas questões “didático-pedagógicas” eram tratadas
150 BRASIL. Edward Berman. Ministério da Educação e Cultura - The Institute Of Inter-american Affairs Of The Internacional Cooperation Administration
(Org.). Treinamento de Professôres de Ensino Industrial no Brasil.: Relatório de um Estudo sôbre a Efetividade dos Cursos de Férias para Aperfeiçoamento
de Professôres do Ensino Industrial.. Rio de Janeiro, 1956, p.12.
151
Idem
69
no referido curso. A existência de um instrumento de avaliação, utilizando a técnica
do “Opinion Poll” permitiu nos encontros realizados na Escola Técnica Nacional do
Rio de Janeiro, que os professores e mestres de ofício das diversas Escolas
Industriais, expressassem questões presentes no cotidiano das escolas. As
diferenças entre mestres de oficinas e professores era uma delas. A expressão
utilizada pelo aluno Nereu do Valle Pereira, fazendo referência à condição de
Franklin Cascaes, de ajudante do mestre “Macedo” na oficina de modelagem,
confirma as diferenças: Franklin “evoluiu” para Professor de desenho.
Quando em fevereiro de 1969, Franklin solicita para fins de aposentadoria, o
certificado do Curso, o diretor lhe responde que não havia registros da sua
passagem como aluno no Curso de Férias da Escola Técnica Nacional do Rio de
Janeiro. Assim como nos arquivos da Escola também não existiam registros da sua
condição de aluno do Curso Noturno de Desenho. No entanto, nos seus relatos e no
relato do ex-aluno Nereu Do Valle Pereira, a condição de aluno é sempre colocada
em evidência.
70
2.3.- A participação nas comemorações cívicas e religiosas.
Na revista “Arte & Indústria”, periódico da Escola Industrial de Florianópolis,
de 15 de novembro de 1947, os tipos de trabalho mais freqüentes são artigos,
homenagens e informes. Elaborados por professores e alunos, uma parte dos
artigos estão relacionados à questão do civismo. Nos artigos referentes às “Artes” o
nome do Professor Franklin não se faz presente, contudo nas Comissões dos
Concursos realizados na “Industrial” o seu nome aparece com regularidade.
A propaganda cívica dava-se por meio da celebração de datas
comemorativas, como o 7 de setembro – “data magna da pátria brasileira”
152
- e o 15
de novembro e, pelo culto as grandes homens, especialmente na sessão intitulada
“Nas Artes e nas Indústrias”. São exemplos: “Vitor Meireles” e, “Marconi”. Vitor
Meireles, homenageado no artigo redigido pelo aluno Valmir Muller, da série e
desenhado por Martinho de Haro, é referido como não apenas como um grande
artista, mas como um “homem infinitamente humanitário, um cultor das belas
virtudes, das coisas espirituais”. Marconi, no artigo também redigido por um aluno da
série, Armênio Wendhausen, aparece como um dos grandes inventores da
história e a sua invenção como a “história de uma inexcedível realização mental e de
coragem moral”. Conclui: “Oxalá que a vida de Guilherme Marconi sirva de padrão e
incentivo à mocidade estudiosa do nosso século”. Evocados como merecedores de
admiração, os homenageados, representantes da arte e da indústria, são
considerados exemplos a serem seguidos por todo o alunado. Rosa Fátima de
Souza afirma que “durante o século XX, a escola pública foi palco e cenário de
inúmeros rituais, práticas simbólicas engendradas pela organização espaço-
temporal e pedagógica do sistema escolar”.
153
Entre esses ritos de manifestação do
imaginário sociopolítico podemos destacar as comemorações cívicas.
O modelo de homem, ou melhor, o modelo de brasileiro a ser seguido,
aparece no informe sobre o “Concurso do melhor cartaz para Biblioteca”. O
vencedor, segundo a votação dos alunos, faz referência a um outro brasileiro ilustre:
Rui Barbosa. Franklin Cascaes faz parte da comissão organizadora do concurso do
melhor cartaz para a biblioteca. O “Concurso do Melhor Cartaz para Biblioteca”
152 Expressão utilizada pelo aluno Valmir Muller, autor do artigo sobre Vitor Meireles. Revista Arte & Indústria, 15 de novembro de 1947,p.9.
153 SOUZA, Rosa Fátima de. Rituais Escolares: liturgia cívica e glorificação da memória: aproximações históricas. In: PORTO, Maria do Rosário
Silveira et al. Tessituras do Imaginário: cultura & educação. Cuiabá: Edunic/cice/feusp, 2000. p. 173
.
71
indica que nem sempre os trabalhos eram avaliados pela comissão. Neste caso, em
especial,os alunos foram responsáveis pela escolha.
No acervo do Museu Universitário Osvaldo Rodrigues Cabral, o número
significativo de trabalhos dos alunos sobre Santos Dumont evidencia que a “os
grandes homens, considerados importantes para a Pátria, são homenageados com
freqüência nos concursos realizados na Escola. No concurso intitulado “A Semana
da Asa”, mesmo no desenho em que o aluno desenha apenas um avião, não deixa
de esclarecer: “uma homenagem à Santos Dumont” (figura 11). Os trabalhos
biográficos de vultos nacionais e internacionais faziam parte das atividades didáticas
escolares e era uma maneira de educar pela exemplaridade. Nos trabalhos sobre “A
Semana da Asa”, três assinaturas indicam que os mesmos foram avaliados por uma
comissão. Franklin está sempre presente.
Figura 8 - Desenho apresentado no concurso “Semana da Asa”. Data não informada.
Acervo do Museu Universitário Osvaldo Rodrigues Cabral – UFSC
O Sete de setembro, o Quinze de novembro e o culto aos “grandes homens”,
contribuíram “para consolidar uma escolarização de práticas relacionadas à cultura
72
cívica”.
154
Maria Teresa Santos Cunha, citando Vago (2002, p.125) afirma que
cultura cívica é entendida como um conjunto de “maneiras de inscrever nos corpos
(e mentes) o sentimento de pertencimento a uma nação, a transfiguração da Pátria
em corpo”. As práticas de cunho cívico, no século XX, transformaram a escola em
“guardiã prestimosa dos valores morais e cívicos da sociedade brasileira e da
ideologia patriótica”
155
.
Na portaria de número 24 de 11 de maio de 1964, o diretor substituto Arlindo
Guimarães designa o professor Franklin para organizar os tradicionais trabalhos de
Páscoa. O “tradicional trabalho de Páscoa” era uma exposição dos desenhos
realizados pelos alunos sobre o referido tema. A Exposição Pascal dos alunos da
Escola Industrial de Florianópolis era conhecida como a “Páscoa dos Estudantes”.
Se o tema era a Páscoa os desenhos assumem motivos diversos: desenho de
Cristo, representado como um homem de cabelos cumpridos; dois anjos segurando
uma hóstia sagrada; a imagem de um cordeiro; um menino lendo (talvez a Bíblia)
entre outros. Entre os desenhos, um chama a atenção pelo colorido. O aluno Enio
Miguel, relembra que o lápis de cor, era um material raro. Destaca que o próprio
Franklin “aproveitava ao último pedaço (...) acabava a madeira e ele pintava
com o grafite. Para não deixar nada desperdiçado”. A presença de desenhos
coloridos com lápis de cor merece ser destacada por ser em número reduzidíssimo,
em uma Escola marcada pela presença de alunos oriundos de famílias com pouco
poder aquisitivo.
154 MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio et al.(org.). Práticas de Memória Docente. São Paulo: Cortez, 2003. (Cultura, Memória e Currículo), p.52.
155
SOUZA, Rosa Fátima de. Rituais Escolares: liturgia cívica e glorificação da memória: aproximações históricas. In: PORTO, Maria do
Rosário Silveira et al. Tessituras do Imaginário: cultura & educação. Cuiabá: Edunic/cice/feusp, 2000. p. 173.
73
Figura 9 - Desenho referente à exposição conhecida como “Páscoa dos alunos”.
Material: lápis de cor. Acervo do Museu Universitário Osvaldo Rodrigues Cabral – UFSC
Na obra O Romance, Dílson Ribeiro, aluno do professor, relata:
Tudo começou com o aplicado ensino do mestre Franklin Cascaes:
professor da Escola Industrial de Florianópolis, hoje Escola Técnica
Federal de Santa Catarina. Honra-me dizer que, em 1958, final dos “anos
dourados”, recebi das mãos dele, o primeiro lugar numa exposição de
desenho por ocasião da Páscoa dos estudantes.
156
O concurso de desenho realizado por ocasião da Páscoa dos estudantes, não
parece ser a única forma de comemoração desta data na instituição. A foto tirada na
frente da Catedral Metropolitana de Florianópolis indica a participação dos alunos da
Escola e do Professor Franklin Cascaes nas comemorações da Semana Santa em
Florianópolis do ano de 1952. O Jornal “O Estado”, no dia 13 de abril noticiava:
156 RIBEIRO, Dílson. O Romance. Florianópolis: Insular, 2006, p.282.
74
Às 15 horas no adro da capital metropolitana, a população da capital, sob
intensa comoção, assistiu a chegada da cruz DAQUELE que veio ao mundo
redimir a humanidade, DAQUELE que, no sacrifício do calvário foi o exemplo
da bondade divina, tornando-se o Salvador. Aquele que, nos quadros bíblicos
reconstituídos ali, após 1952 anos passados, frentes a catedral
metropolitana, o povo de Florianópolis compareceu para mais uma
manifestação pública do seu amor àquele que se tornou homem para com o
Sacrifício da Cruz ser o REDENTOR da Humanidade.
157
Figura 10-Páscoa de 1952.
Acervo de Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina.
Se toda fotografia é documento e todo documento é monumento, como diria
Le Goff, a fotografia em questão parece resultar de um esforço em legar ao futuro
uma imagem. Na fotografia de 1952, Franklin Cascaes aparece acompanhando os
alunos da “Industrial”. Os “desprovidos de fortuna” dos anos 50 nas fotografias
tiradas no cotidiano da Escola Industrial aparecem sem uniformes e de s
157 Jornal O Estado/ Florianópolis 13 de abril de 1952, p.12
75
descalços.
158
O que se na foto, na frente da Catedral Metropolitana, são alunos
trajando uniformes e calçando sapatos. Maria Cristina Cintra afirma que os alunos
do curso de alfaiataria confeccionavam os uniformes, que eram utilizados apenas
em ocasiões especiais.
159
A condição social dos alunos era ocultada, nos espaços
públicos, com o uso do uniforme.
Na trajetória do professor Franklin, a Páscoa assume um significado especial.
Em uma quinta feira Santa, do começo da década de 30, foi “descoberto” pelo
diretor da Escola de Aprendizes e Artífices de Santa Catarina, o Engenheiro Cid
Rocha Amaral; ele é o responsável pelos trabalhos de Páscoa da Escola Industrial e;
ele também é conhecido, pelos moradores mais antigos da cidade de Florianópolis,
como o Franklin dos presépios. No começo dos anos 70, Franklin montava
presépios na Praça XV de Novembro, em Florianópolis, utilizando elementos típicos
da vegetação da ilha, como barba de velho, piteira e catuto.
Figura 11 - Presépio montado na frente do Museu Universitário Osvaldo Rodrigues Cabral – UFSC
Acervo da Casa da Memória. Década de 70.
158 Há poucos registros fotográficos de alunos, no acervo do CEFETSC, na primeira metade do século XX. Na sua maioria , quando o cenário é
a Escola, apresentam-se de pés descalços.
159 CINTRA, Maria Cristina. O processo de aprendizado do ofício de alfaiate em Florianópolis (1913-1968). 2004. 146 f. Dissertação (Mestrado)
- Curso de PPGE, Departamento de Educação, UFSC, Florianópolis, 2004, p.100
76
2.4.-Sobre a aposentadoria.
No dia 8 de dezembro de 1970, no verso da obra intitulada Quadro da
Saudade n.31, Franklin registra:
Apresento uma zorra, carro rústico para se puxar grandes postes de
madeira dos morros. É apresentado vazio e seu guia com a aguilhada
atravessada cobre os ombros passando na frente de um dos morros da Ilha
de Santa Catarina castigados ininterruptamente pelo fogo ateado por
pessoas irresponsáveis (..)
Da saudade porque no momento em que estava trabalhando, a Neusa
Maria Peluso, secretária do diretor da ETFSC chegou a minha residência
para trazer-me a notícia da minha aposentadoria. Aposentadoria palavra
horrível e desprezível, vazia sem sentido algum. Eram 20,12 horas do dia 8
de dezembro de 1970. O número 31 é uma homenagem a casa onde
resido a dezenove anos, pertencente ao Dr. Osvaldo Rodrigues
Cabral...(Franklin Cascaes, In: verso do desenho Quadro da Saudade n.31,
1970).
160
Figura 12 - Quadro da Saudade n.31, 1970(49,9X 66 cm)
Aqui, pela primeira vez, temos Franklin Cascaes referindo-se a sua
aposentadoria. A aposentadoria aparece como um lugar situado fora do tempo,
como diria Michel Foucault num lugar hetereotópico.
161
·. Aparece como um
acontecimento chave, encerrando um ciclo da vida que se iniciou não com a sua
contratação como professor da Escola Industrial de Florianópolis, mas com o
160 Idem, p.61.
161 Michel Foucault considera que as heterotopias de crise desapareceram e foram substituídas por heterotopias de desvio, “afinal a velhice é
uma crise, mas igualmente um desvio, pois em nossa sociedade em que o lazer é regra, a ociosidade constitui um desvio”.
77
encontro, numa quinta-feira santa, na praia de Itaguaçú, com o Dr. Cid Rocha
Amaral. A narrativa não deixa dúvidas: o acontecido assume um tom dramático na
vida do professor: O fragmento carrega o peso da realidade imediata, ainda viva.
Nos relatos dos alunos multiplicam-se as narrativas sobre o tema. Oswaldino
Hoffmann relaciona a aposentadoria de Franklin Cascaes aos conflitos existentes
entre o professor e o então diretor Frederico Guilherme Büendgens. Relembra:
Ele escrevia bilhetes pro diretor naquela linguagem que ele usava: “-sinhô
diretor, e pra ‘mode’ de quê o Sinhô manda limpa os corredores?” (...) Ele
mandava tudo em bilhetes em papel de embrulho para o diretor. Ele tinha
assim um ódio mortal de alguns elementos da administração. (...) Tanto
que quando esgotou o tempo dele de aposentadoria, de um dia para o
outro ele estava aposentado. Foi a grande paixão dele, porque fizeram
questão de aposentá-lo. Foi a aposentadoria mais rápida que já aconteceu
até hoje na Escola. Um processo que demorava às vezes até meses... (...)
Uma grande maldade. Ele vai ter um desgosto muito grande pela Escola.
Nunca mais vai falar da Escola Industrial que ele tanto amava e tanto
gostava.
162
Frederico Guilherme Büendgens foi eleito pelo “Conselho de
Representantes”
163
em agosto de 1964. Além do presidente, Aldo Severiano de
Oliveira, participaram da reunião Paulo Blasi, que “recém empossado” justificou a
abstenção pelo pouco conhecimento que tinha dos “problemas da Escola” Henry
Schmalz,Victor da Luz Fontes e Waldir Losso que aceitaram o nome indicado, e Nilo
Jacques Dias que absteve-se de votar , “ressaltando porém conhecer os predicados
do indicado, e sabê-lo pessoa de bem.”
164
. Em outras palavras, com três votos
favoráveis e dois contras o Professor Contratado de Ciências Físicas e Biológicas,
pouco conhecido pela comunidade escolar foi eleito para o cargo de Diretor-
Executivo da Escola por um período de três anos. Frederico Guilherme Büendgens
ficou 22 anos na Direção da Escola. Diferente dos primeiros anos em que atua como
professor, e que mantém para com o então Diretor Cid Rocha Amaral uma relação
de amizade, nos anos finais da sua carreira o professor Franklin mantém com o
162
Entrevista concedida as alunas Aline Amorim, Carolina Fávero e Jessica Gomes. Florianópolis, outubro de 2008. Disponível no acervo do
Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin Cascaes.
163 A autonomia administrativo-pedagógica foi “concedida” às escolas pelo Decreto nº 3.552, de 1959. O conselho de representantes composto
por representantes de vários segmentos da sociedade tinha o importante papel de eleger o diretor da Escola. Também era responsabilidade desse conselho
avaliar a viabilidade da criação de cursos profissionalizantes e auxiliar na fiscalização dos recursos. ALMEIDA, Alcides Vieira de. Dos Aprendizes Artífices ao
CEFET/SC: Resenha Histórica. Florianópolis: Gráfica Agnus, 2002, p.53.
164 ALMEIDA, Alcides Vieira de. Dos Aprendizes Artífices ao CEFET/SC: Resenha Histórica. Florianópolis: Gráfica Agnus, 2002, p.71 e 72.
78
Diretor da Escola Frederico Guilherme Büendgens uma relação bastante conflituosa,
expressa muitas vezes nos bilhetes enviados em “papel de embrulho”. E é por essa
relação de conflito, que Oswaldino Hoffmann procura justificar o mais “rápido
processo de aposentadoria” da história da escola.
A cada de 60 foi marcada por mudanças significativas na estrutura e no
cotidiano da Escola. Em 1965, a Escola industrial de Florianópolis recebeu a
denominação de Escola Industrial Federal de Santa Catarina. A reforma de ensino
implantada, a partir do golpe militar de 1964, integra o ensino às necessidades
econômicas e às exigências do mercado do trabalho. Alcides Vieira de Almeida
afirma:
O quadro de professores estava mais ampliado e bem mais qualificado,
com a chegada dos professores de Cultura Geral, licenciados pela
Faculdade de Filosofia de Florianópolis, e, também, dos primeiros
professores de Cultura Técnica, com curso superior concluído ou em fase
de conclusão.
165
De acordo com Maria Cristina Cintra, “há uma progressiva eliminação dos
cursos industriais e uma maior valorização dos cursos técnicos industriais”.
166
Os
cursos técnicos industriais correspondiam ao segundo ciclo do ensino médio. Na
nova escola dos anos 60, os professores do Ensino Industrial Básico, muitos sem
“diploma de professor”, pois no momento da sua contratação o havia essa
exigência, não são legalmente reconhecidos como professor Franklin era um deles.
Oswaldino Hoffmann afirma que se formou em 1967 e que no ano seguinte assumiu
como professor da Escola, com uma carga horária de 20 horas. Destaca: “eu peguei
20 horas dele, porque ele passou a ter 20 horas”. Franklin Cascaes, apesar de
ser um “professor dedicado”, cumprindo uma carga horária semanal de 40 horas,
aposentou-se com 20 horas. A partir de 1968, as faltas registradas na sua ficha
funcional são justificadas por diversos atestados médicos que indicam que o
Professor estava com depressão.
165 Idem, p.84.
166 CINTRA, Maria Cristina. O processo de aprendizado do ofício de alfaiate em Florianópolis (1913-1968). 2004. 146 f. Dissertação (Mestrado)
- Curso de PPGE, Departamento de Educação, UFSC, Florianópolis, 2004, p115.
79
2.5.- Depois da aposentadoria
Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no momento posterior a
sua aposentadoria, Franklin Cascaes irá conviver com o antigo aluno da Escola
Industrial de Florianópolis, o professor Nereu do Valle Pereira
167
. No seu arquivo
pessoal, o professor Nereu guarda cartas, fotografias, documentos que registram e
permitem informar aspectos até então ignorados sobre o antigo professor e suas
relações sociais.
Giselle Martins Venâncio
168
destaca que arquivos privados de homens
públicos normalmente apresentam problemas de classificação. Nem todos os
documentos são de caráter privado. O mesmo ocorre com o conjunto documental
aqui analisado: são correspondências relacionadas à função de homem público, que
o Professor Nereu do Valle Pereira exerceu na UFSC, endereçadas “ao amigo
Franklin”. Aqui o limite entre o público e o privado é bastante tênue. Luciana Quillet
Heymann destaca que em arquivos pessoais, são guardadas as cartas recebidas
pelos titular e raramente as por ele enviadas. A autora conclui:
A exceção fica por conta de arquivos de homens públicos, para os quais
pode ser importante guardar os registros de sua atividade epistolar, já que
geralmente a correspondência particular de um político guarda estreita
relação com suas atividades no domínio público, podendo servir-lhe
também pelo seu valor probatório.
169
Como homem público, o professor Nereu do Valle Pereira retém e acumula
documentos. Escolhe o que preservar. Na seleção dos documentos a serem
guardados e no seu relato oral não há apenas um desejo de comprovar a sua
participação no processo que dará origem a guarda da obra do professor e artista
167 NEREU DO VALE PEREIRA nasceu no dia 13 de setembro de 1926, na cidade de Florianópolis, SC. Professor de Sociologia, Técnico
Senior em projetos econômicos e estudos de impactos ambientais, economista, Vereador, Deputado Estadual, folclorista, vice-presidente da Comissão
Catarinense de Folclore, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Nereu do Vale Pereira tem vários trabalhos publicados na área de
Folclore: Ribeirão da Ilha – Vida e relatos – Os engenhos de farinha de mandioca da Ilha de Santa Catarina, Origem e raízes do Boi-de-mamão catarinense,
Ritos de Passagem (1975), Folclore ergológico (1979), O sentimental e o folclórico Pão por Deus (1980), Do fato folclórico ao fato turístico (1981), As festas
do Divino Espírito Santo- origens (1985), Sobre a pombinha açoriana (1988), A arte da baleeira (1991), Mandioca e tradição (1992), A simbólica do Espírito
Santo (1997), A flor símbolo de Santa Catarina e outros, havendo participado de inúmeros congressos, seminários, grupos de pesquisa e festivais.
MAIOR, Mario Souto. Dicionário de Folcloristas Brasileiros.
Disponível em: <http://www.soutomaior.eti.br/mario/paginas/dicfno.htm>. Acesso em: 17 dez. 2008
168 VENANCIO, Giselle Martins. Presentes de papel: cultura escrita e sociabilidade na correspondência de Oliveira Vianna. Disponível em:
<http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/308.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2008.
169 HEYMANN, Luciana Quillet. Indivíduo, Memória e Resíduo Histórico: Uma Reflexão sobre Arquivos Pessoais e o caso Filinto Müller.
Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/209.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2008.
80
pelo Museu Universitário da UFSC. Como diria Maria Helena Werneck, como não é
mais possível “compartilhar a vida do gênio, instala-se (...) uma espécie de dívida”
170
que o antigo aluno precisa saldar.
Angela de Castro Gomes, referenciando Michel Trebitsch, destaca a
existência de duas grandes categorias de correspondência que ajudam a pensar
essa prática. Uma primeira, como instrumento de construção de redes, que
possibilita traçar, “através dela, um conjunto de relações que evidenciam um grupo
organizado”. E um segundo tipo de correspondência, “a de amizade intelectual, que
permitiria uma aproximação com os circuitos informais de sociabilidade e que
evocaria sentimentos, além de trocas de favores e idéias”
171
A correspondência de
Nereu do Valle Pereira e Franklin Cascaes é um exemplo do segundo tipo, ficando
evidente as relações desenvolvidas entre um intelectual que ocupa um determinado
“lugar social”, responsável pelo Departamento de Sociologia do Centro de Estudos
Básicos da UFSC, e o antigo professor da Escola Industrial de Florianópolis, que
está sendo ajudado na tentativa de arranjar um espaço para “guardar” a sua obra.
Uma carta trocada entre Nereu do Valle Pereira e Franklin Cascaes, como
diria Giselle Martins Venâncio
172
, indica o quanto uma correspondência de um
indivíduo pode ser, espaço definidor e definido pela sua sociabilidade. Datada de 19
de outubro de 1978, na carta fica evidente o espaço onde essa relação pessoal
começa a ser construída.
Ao artista e cientista a opinião de amigos sempre pareceu-me muito valiosa,
razão porque o posso deixar de oferecê-la em reconhecimento a nossa
velha amizade e admiração, especialmente de quem foi, como eu, seu aluno
nos idos de 1942/1943 na então “valerosa” Escola Industrial de Florianópolis.
A carta endereçada ao “amigo Franklin” é uma resposta a um pedido do
antigo professor da Escola Industrial de Florianópolis: opinar sobre um ofício
recebido em 04/10/ 1978. Assinado por Antônio da Nóbrega Fortes, chefe do Grupo
de Trabalho para implantação da Casa dos Açores e Museu de Etnografia de São
José, o teor do ofício é nas entrelinhas anunciado. Trata-se de uma tentativa de
170 WERNECK, Maria Helena. O homem Encadernado: Machado de Assis na escrita das biografias. Rj: EdUERJ, 1996, p.44.
171 GOMES, Angela de Castro (Org.). Em família: a correspondência entre Oliveira Lima e Gilberto Freyre. In: GOMES, Angela de Castro.
Escrita de Si: Escrita da História. Rj: Fgv, 2004. Cap. 2, p. 54
172 VENANCIO, Giselle Martins. Presentes de papel: cultura escrita e sociabilidade na correspondência de Oliveira Vianna. Disponível em:
<http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/308.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2008
81
aquisição por parte do Governo do Estado de Santa Catarina do conjunto da obra do
artista Franklin Cascaes. O professor Nereu do Valle Pereira se posiciona:
Estranha-me que o governo do Estado, sabedor da existência do convênio,
envolvendo o amigo, a Prefeitura Municipal de Florianópolis e a
Universidade Federal de Santa Catarina (instituição científica e de
reconhecido valor e critério) procure através de aceno pecuniário forçar
ruptura litigiosa desse instrumento.
Sugere a abertura de um convênio “quadripartiti” envolvendo a UFSC/CCH
(Centro de Ciências Humanas), o Governo do Estado, a Prefeitura Municipal de
Florianópolis e o professor Franklin Cascaes. Propõe em sua carta uma rie de
medidas e algumas delas farão parte do “Termo de convênio múltiplo entre a UFSC,
a Prefeitura Municipal de Florianópolis, Fundação Catarinense da Cultura e o
Professor Franklin Cascaes”. Enfatiza a importância da obra do artista, afirmando
que a “nossa UFSC (...) não pode ser alijada inopinadamente dos direitos do seu
uso”.
A entrevista realizada com o Professor Nereu do Valle Pereira permite
perceber uma amizade, que tem o seu início, como foi mencionado, nos anos 40,
mas precisamente em 1942, quando freqüenta as aulas de desenho do professor.
No ano seguinte, cursando “Mecânica de Máquinas”, se afasta do convívio da sala
de aula. Destaca que depois de formado tornou-se amigo, pois morava próximo a
residência do professor Franklin, que ficava na Rua Júlio Moura e que muitas vezes
“passava na casa dele”. Ressalta que Doralécio Soares, que também foi funcionário
da Escola, morava na frente da casa de Franklin. Afirma: “sempre gostei do folclore”.
Assim como o professor e o seu vizinho Doralécio Soares.
Nereu do Valle Pereira relata que Franklin Cascaes organiza exposições na
Lagoa da Conceição, Canasvieiras, Ribeirão da Ilha e Santo Antônio. Mesmo como
vereador de oposição afirma que “conseguia algum apoio da prefeitura”, como
autorização e contato como intendente. Percebe-se no seu relato que as relações
políticas se entrelaçam com as relações de amizade.
Na década de 60, como professor do curso de economia, procurou trabalhar o
folclore como matéria do curso. Manteve contato com Doralécio Soares, Osvaldo
Rodrigues Cabral e Franklin Cascaes. Destaca: “os três não se davam um com o
outro”. Para Osvaldo Rodrigues Cabral, Franklin era um analfabeto, um homem sem
82
formação. Para melhor exemplificar a forma como o Franklin era visto por um “grupo
de intelectuais”, narra um episódio acontecido, quando o Reitor Ferreira Lima, por
ocasião da Reforma Universitária, o convidou para ser responsável pelo
departamento de sociologia, do Centro de Estudos Básicos da UFSC. O narrador
convidou para uma reunião Franklin Cascaes, Osvaldo Rodrigues Cabral, Walter
Piazza, Anamaria Beck, Doralécio Soares, Antenor Naspolini e outros. Relata:
Quando começou a reunião, Cascaes junto, algumas das pessoas que
estavam nesta reunião, não vou citar nome para evitar constrangimento,
queriam que a reunião fosse reunião de universitários. Fazendo
referência ao nome do Cascaes. Se fosse pra ser reunião de universitários
eles continuariam na reunião, caso contrário eles sairiam. E saíram
.
Reinaldo Lindolfo Lohn afirma que por ocasião do Primeiro Congresso de
Historia Catarinense (1948), Franklin desenvolvia um trabalho de pesquisas nas
comunidades pesqueiras da Ilha. Destaca que o mesmo não foi convidado a
participar do congresso “por não ser considerado um estudioso acadêmico que
estivesse desenvolvendo um saber subordinado aos rigores da ciência”
173
. O
Congresso Catarinense foi organizado pelos membros do Instituto Histórico e
Geográfico de Santa Catarina, e Oswaldo Rodrigues Cabral foi uma personalidade
de destaque a frente do evento. O professor Franklin, “apesar do intenso trabalho de
recolhimento de materiais e depoimentos, expressando em suas obras as
impressões recolhidas nas pesquisas”
174
, não era aceito como pesquisador pelo
meio acadêmico. Nas palavras do professor Nereu do Valle Pereira, o resultado da
reunião “foi um baque meio grande para o Cascaes”. A aposentadoria, a doença da
esposa, a não aceitação da sua obra por parte da academia, levaram o antigo aluno
a entrar em contato com outro aluno do professor Franklin e do professor Nereu,
“para que o mesmo pudesse dar um apoio”: Nilton Severo da Costa, na época,
prefeito de Florianópolis.
A primeira cláusula do convênio, assinado em 1979, estabelece que “a
Universidade Federal de Santa Catarina coloca à disposição do Professor Franklin
Cascaes, junto ao Museu Universitário, espaços físicos para a guarda das peças
173
LOHN, Reinaldo Lindolfo. Pontes para o futuro: relações de poder e cultura urbana. Florianópolis, 1950 a 1970. 2002. Tese (Doutor) - Curso
de Pós Graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre 2002, p. 163.
174
Idem .
83
integrantes de suas coleções etnográficas e folclóricas”. Sem filhos, sem herdeiros,
a “Coleção Elizabeth Pavan” foi doada ainda em vida por Franklin Cascaes. Além
das esculturas, desenhos e manuscritos, contém diários de classe, provas e
trabalhos dos alunos e está sob a guarda e a tutela do Museu Universitário, da
UFSC.
É neste “pequeno mundo” dos antigos alunos da Escola Industrial, que
Franklin Cascaes no período posterior a sua aposentadoria, irá procurar apoio,
garantindo que o conjunto da sua obra permanecesse sob a guarda e a tutela do
Museu Universitário (UFSC)
175
.
175
O Museu Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC tem sua origem no Instituto de Antropologia, criado por meio da
Resolução nº 089, de 30 de dezembro de 1965. A Reforma Universitária, implantada na UFSC na década de 1970, implicou a transformação do Instituto de
Antropologia em Museu de Antropologia. Esta alteração na nomenclatura não afetou o exercício das atividades de pesquisa que continuavam sendo
prioritárias, porém tendo que assumir definitivamente a exposição do acervo, atendendo aos objetivos: extensão e ensino. Em 1978, por meio da Resolução
065, de maio de 1978, o Museu de Antropologia é transformado em Museu Universitário. A partir desse momento o Museu passa a ser uma instituição
voltada exclusivamente para a guarda de acervo. Em 1991, após ampla discussão interna, foi elaborado o novo regimento interno objetivando a priori
sedimentar o tripé pesquisa, ensino e extensão como forma de atuação de um Museu com um caráter eminentemente antropológico. Em maio de 1993, o
Museu completou vinte e cinco anos de existência e passou a ser denominado Museu Universitário "Oswaldo Rodrigues Cabral", por meio da Resolução n.º
106/Cun, de 26 de outubro de 1993, em homenagem a seu idealizador, fundador e primeiro diretor. FLORIANÓPOLIS. Museu Universitário. Ufsc (Org.).
Museu Universitário: Memória. Disponível em: <http://www.museu.ufsc.br/>. Acesso em: 10 jan. 2009.
84
Capítulo 3
A Prática docente do Professor Franklin Cascaes nas
escritas cotidianas
85
Neste capítulo busco compreender aspectos da prática docente de Franklin, a
partir de documentos que fazem parte do cotidiano escolar e que permitem uma
maior aproximação com a. sua prática como professor. Franklin Cascaes acumulou
os seguintes cargos na Escola Industrial de Florianópolis: inspetor de alunos,
professor de Modelagem, professor de Artes Manuais, professor de Desenho e da
disciplina História da Indumentária.
176
Em 1945, passou a ser Professor efetivo da
Cadeira de Desenho. É importante ressaltar que nas entrevistas realizadas e nos
documentos encontrados poucos vestígios da sua trajetória como ajudante e
mestre na oficina de modelagem, ou como inspetor de alunos ou como professor da
História da Indumentária. O mesmo não acontece com relação a sua prática como
professor de desenho. São provas, exercícios, diários de classe, caderno de
preparação de lições, que indicam que uso fez o professor das normas que lhe
foram impostas e a forma como organizava os saberes. Mas afinal o que significa
ser professor de desenho na Escola Industrial de Florianópolis?
176 ARAÚJO, Adalice Maria de. Mito e Magia na Arte Catarinense. 1977. Tese (Concurso Para Professor Titular) - Departamento de Ciências
Humanas, Letras e Artes, UFPR, Curitiba, 1977.
86
3.1. - Franklin, o professor de desenho técnico.
Renato Palumbo Dório, afirma que apesar das diferenciações existentes entre
as várias modalidades de desenho, no século XIX, operava-se uma concepção mais
abrangente de desenho
177
. No século XX, há um acentuado divórcio entre as esferas
do técnico e do artístico. Destaca:
O Desenho Geométrico tomaria assim larga presença nos currículos
escolares [...] sendo privilegiado não apenas como elemento formativo de
um público e de uma massa de trabalhadores ajustados aos modos de
produção e consumo industrial, a partir do projeto de instalação nas mentes
e sensibilidades de um propalado espírito geométrico, mas também como
tipo de Desenho apropriado para os novos modos de próprio conhecimento
escolar, havendo assim uma analogia entre os processos da fábrica e os
da escola, buscando ambas uma uniformidade livre das arestas imprecisas
da artesania e da subjetividade.
178
Segundo Renaud d’Enfert, no início do século XIX, na França, o desenho era
“julgado indispensável à maioria das profissões, este é considerado como o ‘quarto
ramo dos conhecimentos primários’, equivalente à leitura, à escrita, e à
aritmética.”
179
Afirma que os promotores do desenho argumentavam em torno de
dois temas indissociavelmente ligados: “regenerar e moralizar as classes pobres,
favorecer o progresso industrial e a prosperidade da nação”. No começo do século
XX, junto com a defesa do Liceu de Artes de Ofício, Rui Barbosa, afirmava: “O dia
em que o desenho e a modelagem começarem a fazer parte obrigatória do plano de
estudos na vida do ensino nacional datará o começo da história da indústria e da
arte no Brasil”. Concluí: “Não é uma aspiração do futuro, é uma exigência da
atualidade mais atual, mais perfeitamente realizável, mais urgentemente instante”
180
.
Renaud d’Enfert enfatiza que a difusão do ensino de desenho marca uma
etapa importante na história da escola, pois se “por um lado coloca um fim ao
monopólio exercido pelos artistas sobre o ensino elementar de desenho”, por outro
177 DORIA, Renato Palumbo. Entre o belo e o útil: métodos e professores de desenho no Brasil do século XIX. In: II Congresso Brasileiro de
História da Educação, 2002, Natal. Anais do II Congresso Brasileiro de História da Educação. História e Memória da Educação Brasileira. Natal, 2002, p.1.
178 Idem p.3
179
D'ENFERT, Reunaud. Uma nova forma de Ensino de Desenho na França no início do século XIX: o Desenho Linear. História da Educação,
Pelotas, n. 22, ago. 2007. Quadrimestral. P 35
180
BARBOSA Rui. O desenho e a arte industrial. Disponível em:
<http://www.casaruibarbosa.gov.br/template_01/default.asp?VID_Secao=105>. Acesso em: 20 abr. 2008.
87
lado, “opera uma mudança decisiva no cursus dos jovens estudantes que se
dedicavam até então ao tradicional “ler, escrever, contar. ’’
181
No ano de 1945, Franklin Cascaes organiza o caderno de desenho que será
objeto deste estudo. Como suporte de memória, transformou-se em documento da
história do saber escolar, pois registra em suas páginas o que foi selecionado pelo
professor. Cruzando as informações obtidas nas páginas do caderno com a memória
dos antigos alunos, é possível traçar um quadro aproximado dos saberes trabalhado
nas aulas do autor/ professor.
181 D'ENFERT, Reunaud. Uma nova forma de Ensino de Desenho na França no início do século XIX: o Desenho Linear. História da Educação,
Pelotas, n. 22, ago. 2007. Quadrimestral P.33.
88
3.2. -Sobre as práticas e os saberes ensinados nas décadas de 40 e 50...
Figura 13 - Capa do caderno do professor Franklin Cascaes, 1945.
Acervo digital do Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin Cascaes (LIO) do CEFET/SC.
Como na vida de qualquer pessoa multiplicam-se as casualidades o encontro
com o colaborador
182
Dílson Ribeiro também foi uma “obra do acaso”. Chegou à
Escola (assim ele o chama o CEFET/SC) trazido por um aluno do PROEJA
(Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação
Básica na e Modalidade de Educação de Jovens e Adultos), que soube por uma
outra professora de história que a professora de história de uma turma próxima a
sua estava pesquisando sobre o Franklin Cascaes professor. Trouxe além de uma
rica experiência como aluno do professor e da instituição
183
, um caderno do mestre –
como ele chama Cascaes - de 1945
184
.
182 Colaborador é um dos conceitos apresentados por Meihy no seu Manual de História Oral (2002). É o nome dado
ao depoente que tem papel mais ativo em história oral, deixando de ser um simples informante, ator ou objeto de pesquisa.
183
RIBEIRO, Dílson. Entrevista concedida a Denise Araújo Meira e Patrícia de Souza. Florianópolis, maio de 2007. Mimeo. Disponível no
acervo do Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin Cascaes.
184 CASCAES, Franklin. Caderno de preparação de Lições -1945. Disponível em CD no acervo do Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin
Cascaes.
89
Com este desenho na capa, Franklin inicia o seu caderno de desenho.
Guardado durante décadas, o caderno do mestre
185
- como ele chama Franklin-
chegou à suas mãos, no final da cada de 50, com o objetivo de perceber “o
método utilizado pelo professor para desenhar figura humana”. Registra: “se esse
livro não estivesse comigo e sim com outra pessoa que não gosta de desenho, esse
material teria ido para o lixo; porque tem pessoas que olham isso aqui e não dão
bola não, mas eu dou valor”
186
. Ana Chrystina Venancio Mignot e Maria Teresa
Santos Cunha ressaltam que:
Guardar é diferente de esconder. Guardar consiste em proteger um bem da
corrosão temporal para melhor partilhar; é preservar e tornar vivo o que,
pela passagem do tempo, deveria ser consumido, esquecido, destruído,
virado lixo. Papéis escritos tidos como “‘ordinários’ tais como cartas,
diários, autobiografias, dedicatórias, cadernos de receita, cartões de
felicitações e cartões postais, até então escondidas dentro das gavetas,
armários e caixinhas [...] tornam-se presentes como uma voz que nos
interpela” (FELGUEIRAS, SOARES, 2004, P.110). Esses papéis guardam
histórias individuais e familiares, trazem marcas da escolarização e
permitem pensar distintas interpretações da escola e da educação.
187
Dílson não esconde, guarda. Protege o caderno da “corrosão temporal”, não
com a intenção de preservar “as marcas da escolarização”, mas com a intenção de
guardar um caderno de desenho”. Elaborado em papel pardo, sem pauta, um pouco
carcomido pelas traças e pelo tempo, contém 28 páginas e apresenta-se em formato
de brochura. Pierre Nora destaca que “a razão fundamental de ser um lugar de
memória é parar o tempo, bloquear o trabalho do esquecimento, fixar um estado de
coisas, imortalizar a morte, materializar o imaterial.”
188
Pertencendo ao domínio da
materialidade, o caderno de desenho do professor Franklin Cascaes, aparentemente
simples registro dos saberes a serem ensinados, como suporte de memória é
também um lugar funcional e simbólico.
189
Assumindo uma outra função, na
atualidade, o caderno adquire o estatuto de “relíquia”, carregando as marcas de um
outro tempo. Como suporte de memória, o caderno de desenho de Franklin
185 CASCAES, Franklin. Caderno de preparação de Lições -1945. Disponível em CD no acervo do Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin
Cascaes.
186 RIBEIRO, Dílson. Entrevista concedida a Denise Araújo Meira e Patrícia de Souza. Florianópolis, maio de 2007. Disponível no acervo do
Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin Cascaes.
187 MIGNOT, Ana Chrystina. Venancio; CUNHA, Maria. Teresa. Santos. Razões para guardar: a escrita ordinária em arquivos de
professores/as. Educação em Questão, v. 25, 2006 P.41.
188 NORA, P. Entre Memória e História: A problemática dos lugares. Projeto História: Programa de Pós Graduação de Estudos Pós-graduados
em História e do Departamento de História, São Paulo, n. 10, dez. 1993, p.22.
189 Idem, p. 23.
90
Cascaes, se transforma em documento da trajetória do artista/professor e história da
disciplina de desenho, na Escola Industrial de Florianópolis.
Figura 14 – Página 14 do caderno do professor Franklin Cascaes.
Acervo digital do Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin Cascaes.
Antonio Viñao afirma que:
[...] nunca se deve perder de vista que, em última análise, o caderno é um
produto da cultura escolar, de uma forma determinada de organizar o
trabalho em sala de aula, de ensinar e de aprender, de introduzir os alunos
no mundo dos saberes acadêmicos e dos ritmos, regras e pautas
escolares.
190
Registrando em suas páginas o que foi selecionado pelo Professor Franklin,
o caderno, como vestígio material, nos fornece indícios dos processos de
manipulação dos saberes em Desenho, a serem aplicados em sala de aula.
190 VIÑAO, Antonio. Os cadernos escolares como fonte histórica: aspectos metodológicos e historiográficos. In: MIGNOT, Ana Chrystina
Venancio. Cadernos à Vista: Escola, Memória e Cultura Escrita. RJ: EdUERJ, 2008. Cap. 2, p. 22.
91
Na “capa” do caderno, o professor Franklin não identifica a Escola, o inspetor,
o diretor, não identifica também o autor e o ano em que o caderno foi elaborado. O
caderno provavelmente não passaria pela vigilância do inspetor ou do diretor.
Parece ter sido elaborado com uma intenção: era o professor recém efetivado
organizando os saberes a serem ensinados.
O caderno se estrutura, a partir da segunda página, em relação a um único
eixo central: o conteúdo disciplinar. O programa de desenho técnico da Escola
Industrial de Florianópolis era composto de desenho ornamental e de desenho
geométrico.
191
Nas primeiras 16 páginas do caderno (inclusive a Capa), observamos
desenhos de folhas, frutas, legumes e flores, com o colorido de cores fortes, feitos à
mão, como exercícios de “cópia natural”. Marilena Jorge Guedes de Camargo
destaca que:
[...] a técnica de ‘cópia natural’ era muito usada pelo professor em sala de
aula, desde o inicio da década de 40. ‘O professor’ colocava em cima de
um banquinho, que era colocado em cima da mesa da sala de aula, um
objeto geométrico, uma fruta, um vaso, um peso, por exemplo, destes
usados nas balanças dos antigos armazéns , e o aluno os desenhava”.Para
isso, o aluno se servia das medidas de uma régua , colocando-a de frente
aos olhos para traçar um linha imaginária entre os olhos e o objeto a ser
desenhado. Marcada a medida , ela era transferida para o papel, o que
permitia estabelecer uma ‘relação entre aquelas medidas e o real’. Tal
cópia do natural preparava o aluno para desenhar obedecendo as
‘proporções reais’ do objeto”.
192
Na cada de 20, o relatório do Diretor João Cândido da Silva Muricy, chama
a atenção para a necessidade dos alunos iniciarem os seus estudos pelos desenhos
de cópia natural e geométrico.
[...] no próximo anno porem, pretendo fazer retirar das salas de desenho
todas as estampas de dezenho ornamental; quer as desenhadas por
alunnos, quer as que servem de modelos para que mestres e alunos se
sintam obrigados a iniciar seus estudos, pelos desenhos de cópia natural e
geométrico. Os desenhos de cópia natural, de objetos collocados adiante
dos meninos, que assim melhor se habilitarão fazendo maior esforço de
inteligência, exigindo também do mestre o desenho de perspectiva.
[...]
Assim irei procurando estabelecer de fato o estudo de desenho industrial,
sem o qual desaparece a razão de ser da existência da escola de artífices.
191 Conforme ata do concurso do dia 03/06/1941. Acervo do Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin Cascaes.
192 CAMARGO, Marilena A. Jorge Guedes de. Coisas velhas - Um percurso de investigação sobre cultura escolar (1928- 1958). São Paulo:
Editora UNESP, 2000. p.131.
92
Nos anos 40, o curso de desenho ornamental da Escola Industrial de
Florianópolis tinha como objetivo “desenvolver no aluno a percepção da vista em
motivos naturais e nos contrastes de suas formas, tal como se apresenta a
natureza”
193
.
Nereu do Valle Pereira, aluno do professor no ano de 1942, afirma que tinha
duas “tipologias” de desenho: o técnico e o ornamental ou artístico. No seu arquivo
pessoal guardou os trabalhos realizados na aula de desenho do professor Franklin
Cascaes. Entre os motivos desenhados, o desenho de uma fruta que se repetirá
mais tarde no caderno de 45, ou nos trabalhos dos alunos da década de 50.
Observa-se também que no seu primeiro ano como professor de desenho, Franklin
já assinava: Professor Franklin Cascaes.
Figura 15- Trabalho de desenho. 3/11/1942.
Acervo particular do Professor Nereu do Valle Pereira;
193 Revista Arte & Indústria de 15 de novembro de 1948, ano III. Secção de Artes Gráficas da escola Industrial de Florianópolis.
93
O aluno/artista Dílson Ribeiro também destaca a preferência do professor
pelas aulas de desenho ornamental.
194
Afirma que “a aula dele, quando se referia
ao desenho ornamental”,era marcada pela seguinte prática: “colocava o modelo na
nossa frente e a gente desenhava a mão livre.” Ressalta: “Então a gente começava
a desenhar e ele passava nas carteiras para corrigir”.
Nas provas dos alunos do começo dos anos 50, alguns motivos presentes no
caderno, como podemos observar na figura 16, também se repetem: são flores,
folhas, frutas e legumes.
Figura 16- Prova mensal de desenho – Agosto de 1951
Acervo do Museu Universitário Osvaldo Rodrigues Cabral - UFSC
No caderno do professor, a regularidade dos motivos, no entanto, é quebrada
em apenas três páginas: frutas e legumes aparecem no lado de uma enxada
(página10), e de dois homens (página 12 e 13). No final da década de 40, o
Congresso de História Catarinense aparece como o marco inicial do processo de
194 RIBEIRO, Dílson. Entrevista concedida a Denise Araújo Meira e Patrícia de Souza. Florianópolis, maio de 2007. Disponível no acervo do
Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin Cascaes.
94
construção da identidade açoriana. Thiago Juliano Sayão afirma que “a imagem
maculada (de um sujeito “indolente” e avesso ao trabalho) que os açorianos
carregaram nas primeiras cadas do século XX foi retocada em 1948”
195
com as
idéias de alguns intelectuais, entre eles Oswaldo Rodrigues Cabral. O fracasso
econômico da colonização luso-açoriana foi compensado pelo “heroísmo luso –
brasileiro na “defesa” do litoral de Santa Catarina e principalmente, pelo legado
cultural deixado no Brasil para os catarinenses”
196
. Foi neste momento de intenso
debate acerca da identidade do habitante litorâneo de Santa Catarina que o caderno
do professor foi produzido. Na décima terceira página do caderno (Figura 17),
observamos o mesmo tipo de representação do homem da Ilha de Santa Catarina -
que vivia da pesca artesanal e, também, da cultura da mandioca, do feijão, do milho,
da melancia e tantas outras - que está presente na obra do artista que seria
elaborada posteriormente. Franklin desenha o homem “açoriano” procurando
valorizar o seu trabalho.
195 SAYÃO, Thiago Juliano. Nas veredas do folclore: Leituras sobre política cultural e identidade em Santa Catarina (1948-1975). 2004. 106 f.
Dissertação (Mestrado) - Curso de PPGH, Departamento de História, UFSC, Florianópolis, 2004. Disponível em:
<http://www.tede.ufsc.br/teses/PHST0220.pdf>>. P.54 Acesso em: 10 jan. 2009.
196 Idem ibidem.
95
Figura 17 - Página 13 do caderno do professor Franklin Cascaes, 1945.
Acervo digital do Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin Cascaes (LIO) do CEFET/SC.
Dílson Ribeiro relata que entre os modelos a serem desenhados pelos alunos
estavam as máscaras de gesso feitas pelo próprio professor, que também era
escultor. Nereu do Valle Pereira destaca que Franklin Cascaes trabalhava na
modelagem, mesmo antes de ser contratado como professor de desenho. “Ele
passou a trabalhar com técnica”, orientado pelo mestre Macedo. Foi justamente o
trabalho na oficina de modelagem que permitiu o contato do professor com o barro,
o bisturi, a espátula, ou seja, “um atelier que ele não tinha na casa dele em
Itaguaçú”, afirma Nereu do Valle Pereira. Relembra que na modelagem, Franklin
ensinava a fazer desenhos de bonecos, afrescos e outros, mas que ele nunca
freqüentou a oficina de modelagem.
96
Figura 18- O professor Franklin Cascaes na oficina de modelagem.
Fotógrafo: Sérgio Vignes.
Nas últimas dez ginas do caderno, seguindo o programa do ensino de
desenho da Escola, o professor organiza os saberes a serem trabalhados em
desenho geométrico. Renaud d’Enfert ressalta que a geometria “favorecendo a
supressão da personalidade do professor em proveito do método que ele emprega”,
permitiu a passagem de um ensino mais individualizado para um mais coletivo e
participa de “maneira substancial para a “disciplinarização” do desenho”, marcando
também o fim do monopólio exercido pelos artistas sobre o ensino de desenho.
197
O
professor Franklin e não o artista, de forma sistemática desenha cabeças,
expressões do rosto, corpos de homens, mulheres e crianças.
197
D'ENFERT, Reunaud. Uma nova forma de Ensino de Desenho na França no início do século XIX: o Desenho Linear. História da Educação,
Pelotas, n. 22, ago. 2007. Quadrimestral P.59.
97
Patricia Rita Cortelazzo, na sua dissertação sobre o Ensino do Desenho na
Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, afirma que:
Estudava as figuras humanas em suas partes separadas e completas. Para
o estudo da figura humana, o conhecimento da geometria e da perspectiva
linear estudados a partir dos conhecimentos do desenho linear, tornava-se
indispensável para a representação dos corpos inteiros ou de suas partes.
Para estas aulas, os alunos contavam com cópias de quadros que faziam
parte do pequeno acervo da escola, bem como as cópias de estampas e
gravuras
.
198
Os desenhos indicam que o professor não fazia uso de “cópias de estampas
ou gravuras”. Rompendo, como muitos da sua época, com o ensino acadêmico
voltado para preparar artistas, o professor Franklin, partindo dos conhecimentos de
geometria, em algumas ginas, parece traçar ora à mão livre ora com a ajuda de
réguas e compassos, diversas linhas, divididas em partes iguais, objetivando
garantir a proporcionalidade do rosto ou do corpo; em outras abandona o uso das
linhas e “livremente” desenha. As atividades desenvolvidas pelo professor no seu
caderno parecem constituir uma preparação ao estudo da figura humana. Renaud
d’Enfert, fazendo referência à pedagogia pestalozziana, afirma que a mesma se
diferencia dos métodos de desenho utilizado pelos artistas em séculos anteriores,
pois favorecia uma sistematização, instituindo a graduação das aprendizagens.
Destaca: “o caráter progressivo do método aparece particularmente na organização
dos exercícios de desenhos geométrico”
199
. O caderno de desenho do professor
Franklin nos fornece vestígios de uma prática: na organização dos exercícios de
desenho geométrico aparece particularmente o caráter progressivo do método.
198 CORTELAZZO, Patrícia Rita. O Ensino do Desenho na Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro e o Acervo do Museu D. João
VI (1826-1851). Dissertação (Mestrado) - Curso de Artes, Unicamp, Campinas, 2004.P.73.
199 D'ENFERT, Reunaud. Uma nova forma de Ensino de Desenho na França no início do século XIX: o Desenho Linear. História da Educação,
Pelotas, n. 22, ago. 2007. Quadrimestral P.46.
98
Figura 19 Traçado de cabeças de frente e de perfil. O exercício pode constituir uma preparação ao
estudo da figura humana. Página 19 do caderno do professor Franklin Cascaes, 1945.
Acervo digital do Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin Cascaes (LIO) do CEFET/SC.
Dílson Ribeiro, afirma que diferente do desenho ornamental, feito à mão livre,
nas aulas de desenho geométrico o professor “fazia no quadro, explicava e nós
fazíamos. Tinha compasso, régua e todo aquele material relacionado ao desenho
técnico. E todo material era fornecido pela escola”. Conclui afirmando que os alunos
não gostavam de desenho ornamental e sim de desenho técnico. O caderno do
professor, no entanto, apresenta em sua totalidade uma forma de
compartimentalizar o ensino de desenho que privilegia o desenho ornamental em
detrimento do desenho geométrico. O tratamento diferenciado dado aos dois tipos
de desenho parece indicar que, assim como o aluno/artista , o mestre também
preferia o desenho ornamental. Nas últimas duas páginas do caderno, em forma de
texto e não de exercício, encontram-se “pontos” referentes aos principais elementos
da geometria elementar: ponto, linhas, retas (paralelas e oblíquas), circunferência
enfim, os elementos básicos para a compreensão da geometria.
Dílson relembra que:
... Ele gostava de pegar o giz e fazer uma circunferência, e todo mundo se
admirava porque era perfeito, e comentava algo a respeito. Fazia uma
comparação com um artista que ele falava, era Leonardo da Vinci [...]. Às
99
vezes ele dava uns traços e pedia pra gente definir, um desenho estilizado,
digamos assim, e perguntava o que era, mas ele sempre mantinha a
mesma postura de professor sério.
Enio Miguel de Souza, aluno do professor Franklin, no final dos anos 50,
relata que na primeira parte da aula o professor ensinava desenho técnico, mas na
segunda parte, o aluno que demonstrasse alguma habilidade para o desenho
artístico ele “dava um outro papel, para você fazer a sua parte artística”. Destaca
que o mesmo “ensinava, ajudava, pintava” e possibilitava o uso de materiais
diversos, pois afinal, naquele tempo, “não era muito fácil... Hoje você tem lápis de
cores. Ele não tinha isso, ele trabalhava com argila, carvão”. Sobre a sua
experiência com “desenho artístico”, ressalta:
Ele viu em mim, na época, uma possibilidade de eu desenhar sombras. Eu
trazia carvão e desenhava com o carvão. Então ele me ensinava a
desenhar com carvão a sombra. Eu tive vários quadros, vários com a
sombra. Nunca fiz nada diferente. sombra. E assim ele preparou vários
alunos com “dons artísticos”.
200
O uso de carvão e de argila nas aulas de desenho técnico remete às várias
situações que dizem respeito à escola. Alcides Vieira de Almeida, com relação aos
anos 60, afirma que:
[...] a escola enfrentou problemas financeiros seríssimos, que aliados à
falta de um quadro de pessoal adequado às reais necessidades do
estabelecimento de ensino, provocaram um período de estagnação
administrativa e didático-pedagógica, em que a “contenção de despesas”
tornou-se algo imprescindível à sobrevivência do processo administrativo
da Escola.
201
Destaca que as exigências do decreto N.47.038, de 16 de outubro de 1959,
levariam a Escola a ser classificada pelo Ministério da Educação e Cultura como
escola de 4ª classe
202
. Algumas medidas mais urgentes foram tomadas, entre elas a
construção da nova sede da escola. Alcides Vieira de Almeida ressalta:
200 Souza, Enio Miguel de. Entrevista concedida aos alunos do CEFETSC Felipe Wagner, Izel Molinete e Carla Becker. Florianópolis, maio de
2008. Disponível no acervo do Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin Cascaes.
201 ALMEIDA, Alcides Vieira de. Dos Aprendizes Artífices ao CEFET/SC: Resenha Histórica. Florianópolis: Gráfica Agnus, 2002. P.
54
202
O decreto de N. 47.038, de 16 de outubro de 1959, estabeleceu os requisitos básicos necessários ao processo de classificação das
Escolas. A classificação feita em quatro categorias decrescentes, era baseada em requisitos, entre eles: a qualidade das instalações e a eficiência escolar
verificada através das provas realizadas nas diferentes matérias, trabalhos das oficinas e provas de rendimento escolar, realizadas, normativamente, pelo
educandário. Ressalta que as escolas classificadas na 4ª categoria não poderiam conceder diplomas e certificados.
100
“Quero sair desse pardieiro”, dizia o diretor-executivo, Professor
Benvenutti. O elevado custo projetado para o transporte do maquinário e
móveis da Escola, fez com que o diretor optasse por uma solução mais
econômica; a utilização de um pequeno caminhão, carinhosamente
conhecido como “Mazaropi”, de propriedade do professor do professor
Edmundo Paegle. A mudança aconteceu em várias etapas com a ajuda
dos professores, dos administrativos e dos alunos.
203
As atividades escolares começaram oficialmente, na Avenida Mauro Ramos,
no segundo semestre de 1962. É importante destacar que a década de 60 também
foi promissora para a Escola. O decreto 3552, de 1959, possibilitou uma maior
autonomia administrativo-pedagógica. Do “pardieiro” para as novas instalações, que
deveriam, conforme o decreto N. 47.038, zelar pelas “condições higiênicas”. O aluno
Enio Miguel de Souza afirma que no novo prédio não havia espaço para “argila,
chifre de boi...” afinal qualquer “coisa para ele (professor Franklin) servia para o
futuro”. Nos anos 60, “na escola que se dizia nova, toda pintada, a sala do Franklin
era um monte de coisa velha”
204
. Nos relatos do antigo aluno uma constatação:
aqueles eram tempos de tensões e conflitos.
Ensinar desenho técnico, nos anos 40 e 50, na Escola industrial de
Florianópolis significava ensinar desenho ornamental e desenho geométrico. A prova
do concurso, em que o aluno Franklin foi admitido como professor indica que o
mesmo domina os conhecimentos relacionados a desenho geométrico. Sem romper
com o programa da disciplina de desenho, o autor/professor seleciona saberes,
privilegia o desenho à mão livre em detrimento do desenho com réguas e
compassos, privilegia o desenho ornamental em detrimento do desenho geométrico.
Em algumas páginas, como um artista, o professor assina o desenho feito.
Se o professor Franklin Cascaes privilegia nos anos 50 o ensino de desenho
à mão livre, os outros professores de desenho da Escola, em especial os
professores do aluno Dílson Ribeiro, não fazem a mesma opção. Dílson Ribeiro
relata que o professor Valmy Bittencourt não gostava de dar aula de desenho
artístico. Formado em arquitetura, dava aula apenas de desenho técnico. Afirma que
a aula do professor Idalino Rozendo dos Santos, cujo apelido era “Bala Queimada”,
203 ALMEIDA, Alcides Vieira de. Dos Aprendizes Artífices ao CEFET/SC: Resenha Histórica. Florianópolis: Gráfica Agnus, 2002. P. 58-59.
204 Souza, Enio Miguel de . Entrevista concedida aos alunos do CEFETSC Felipe Wagner, Izel Molinete e Carla Becker . Florianópolis, maio de
2008. Disponível no acervo do Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin Cascaes.
101
porque ele vivia “chupando essas balas”, “era uma gozação”. Relembra que o
professor brincava com ele e falava: “Ribeiro, você desenha melhor do que eu. Eu
não sou desenhista. O meu desenho é técnico”.
102
3.3.- Sobre as práticas e os saberes ensinados nos anos 60...
Guardados no Museu Universitário Osvaldo Rodrigues Cabral, da
Universidade Federal de Santa Catarina, os diários de classe do professor Franklin
Cascaes, referentes ao período de maio de 1964 e novembro de 1969, indicam que
os mesmos não ficaram na Escola, nem mesmo no “arquivo morto”. Assim como o
caderno do professor Franklin, de 1945, os diários de classe, tem o peso da
realidade imediata, ainda viva e constituem “a fonte documental que mais se
aproxima e nos aproxima (...) das práticas ou da realidade cotidiana da
aula”
205
.Documento tido como oficial, o diário de classe pode ser entendido como um
dos suportes usados para registrar as práticas e os saberes ensinados em sala de
aula durante o ano. Um olhar mais atento nos diários de classe utilizados pelo
professor Franklin, indicam que os mesmos permitem conhecer tanto as práticas e
os saberes ensinados na sala de aula, como alguns aspectos da realidade material e
pessoal da aula do professor e da Escola Industrial. Com relação aos diários de
classe, também questiono: que conjunto de regras determina o funcionamento dos
mesmos?
Os diários de classe de 1964 a 1967 têm na “capa”, primeiramente o
reconhecimento do ministério em que a instituição está inserida: Ministério da
Educação e Cultura. Logo a seguir o nome da instituição: Escola Industrial de
Florianópolis e a indicação do ano letivo. Outros elementos compõem a capa: série,
turma, disciplina e professor. Na contracapa aparece com freqüência uma lista de
nomes datilografados, provavelmente provisória, onde o professor substituía os
alunos faltosos por novos alunos, especialmente nas chamadas do primeiro ano do
ginasial industrial.
O último número do ano era preenchido utilizando uma caneta. Os diários
adquiridos em quantidade excedente foram utilizados nos anos de 1966 e 1967,
mesmo quando a instituição não mais se chamava “Escola Industrial de
Florianópolis”. Em agosto de 1965, recebeu a denominação de “Escola Industrial
Federal de Santa Catarina”. O mesmo aconteceu nos dois anos seguintes. Novos
diários confeccionados. Só que agora a Escola não mais se chama “Escola Industrial
Federal de Santa Catarina” e sim “Escola Técnica Federal de Santa Catarina” (figura
205
VIÑAO, A. Relatos e Relações Autobiográficas de Professores e Mestres. In: MENEZES, Maria Cristina. Educação, Memória, História:
Possibilidades, Leituras. Campinas: Mercado de Letras, 2004. P. 344.
103
20). Nas falas dos antigos alunos a Escola Técnica Federal de Santa Catarina
continuou sendo a “Industrial”.
Figura 20-Diário de Classe. 1969.
Acervo do Museu Universitário Osvaldo Rodrigues Cabral – UFSC
Dentro do diário de classe existem folhas referentes a cada um dos meses do
ano letivo, ou seja, de março a novembro. As folhas referentes a cada mês contêm
uma coluna, em que consta o nome de cada aluno/aluna, escrito à mão e duas
pequenas colunas onde devem ser anotadas as faltas e as notas dos alunos. Não há
uma regularidade com relação aos critérios utilizados para listar os nomes. Ora
aparece em ordem alfabética, ora aparecem os nomes das meninas em ordem
alfabética e depois os nomes dos meninos. Em algumas chamadas, aparentemente,
não existe nenhum critério. Observamos que a chamada era feita todos os dias e,
que o registro da avaliação sempre se fazia presente.
104
Na página seguinte, uma coluna larga, com a expressão “matéria lecionada”,
para que o professor anotasse o conteúdo desenvolvido. Outros elementos
compõem esta gina do diário de classe: uma coluna para as observações, um
pequeno espaço para as aulas previstas, aulas dadas, feriados, as faltas do
professor e a assinatura do professor.
Figura 21-Diário de Classe. 1964
Acervo do Museu Universitário Osvaldo Rodrigues Cabral – UFSC
Na coluna referente às “matérias lecionadas” o professor Franklin, em uma
parte significativa dos diários, registra também as aulas não ministradas, indicando
alguns “rituais escolares”. Rosa Fátima de Souza estabelece “duas categorias para
analisar os rituais escolares: os ritos de representação simbólica do sucesso escolar
105
e os ritos de manifestação do imaginário sociopolítico”
206
. Entre os ritos de
representação simbólica do sucesso escolar aparecem as provas mensais e o
encerramento do ano letivo e; entre os ritos de manifestação do imaginário
sociopolítico está a suspensão das aulas pela direção devido à visita do Presidente
da República ao Estado (março/1969), dispensa para exercício de marcha patriótica
e para a celebração dias “santificados”. A participação do professor em “comissão
de inquérito” (1964) e também o dia do pagamento (dia 20) são atividades
freqüentemente assinaladas.
Com relação a comissão de inquérito, Oswaldino Hoffmann afirma não
entender muito bem o porquê da participação do professor Franklin Cascaes, pois o
mesmo sempre se posicionou na “defesa” dos alunos. Afirma que em 1964 era
presidente do Grêmio da Escola e assim como outros alunos, teve que depor. Na
ata do Conselho de Representantes realizada no dia 07 de outubro de 1964, o
presidente faz a leitura das conclusões a que chegou a referida comissão:
Segundo os quais o autor dos artigos publicados no jornal da “UCETI”, sob
o pseudônimo de Peçanha, é o estudante Sérgio Lopes. o parecer da
comissão que concluiu o haver dolo por parte do indiciado e opinou por
pena de suspensão e censura prévia aos próximos artigos escritos pelos
estudantes. O Sr presidente esclarece que, na sua opinião , em vista dos
fatos e documentos , o indiciado estaria sujeito a pena maior , porém acata
as conclusões e parecer da comissão
207
.
O Professor Franklin Cascaes, no relato de alguns alunos, foi um crítico do
regime militar instalado em 1964. A princípio contraditória, a sua participação na
referida comissão, talvez tenha contribuído para abrandar a pena do estudante
Sérgio Lopes. O estudante, no entanto, ficou sujeito a pena de suspensão e de
censura, caso no futuro escrevesse novos artigos. O silêncio imposto a Sérgio
Lopes, no entanto, não impediu que o mesmo se tornasse cadas seguintes um
dos mais atuantes jornalistas políticos do Estado.
Com relação às provas mensais, era reservado o último dia de cada mês. Na
fala do antigo aluno, não existe tais lembranças. O aluno Dílson Ribeiro afirma:
206
SOUZA, Rosa Fátima de. Rituais Escolares: liturgia cívica e glorificação da memória: aproximações históricas. In: PORTO, Maria do
Rosário Silveira et al. Tessituras do Imaginário: cultura & educação. Cuiabá: Edunic/cice/feusp, 2000. p. 173.
207 ALMEIDA, Alcides Vieira de. Dos Aprendizes Artífices ao CEFET/SC: Resenha Histórica. Florianópolis: Gráfica Agnus, 2002. P. 80.
106
Ele dava nota através de trabalhos que se fazia durante as aulas o
tinham um dia pra prova, ele avaliava em cima daquilo que a gente
produzia na sala. Digamos que em um mês nós fazíamos três, quatro
desenhos... Qualquer coisa errada ele chamava a pessoa e ele dava
nota mensal.
208
As fontes, dezenas de provas mensais guardadas no acervo do Museu
Osvaldo Rodrigues Cabral, indicam que existia um dia e uma atividade intitulada
“prova mensal”. Talvez para aluno/artista, a avaliação mensal de desenho não
tivesse o peso das provas das demais disciplinas. O último dia de cada mês era
destinado para a realização das provas mensais. Era uma norma. . A prova mensal
realizada pelo aluno L.C.L., realizada em 25 de junho de 1969, nos fornece vestígios
de como o professor Franklin realizava e registrava as avaliações. No diário de
classe, do s de junho, apenas consta a nota 6. Nos registros feitos à caneta pelo
professor na prova mensal do aluno, observamos que três notas foram somadas (5,5
e 1) totalizando 11 pontos que divididos por três levaram a uma nota final 4,
conforme figura 22. Outros critérios foram utilizados no fechamento da média final?
No lado esquerdo da gina aparece uma nota 6. Um novo trabalho recuperou a
avaliação que não havia atingido a média? Tudo indica que sim. O aluno Dílson
apenas não percebia que o último dia do mês era destinado para a realização da
“prova mensal”. O professor realizava de três a quatro avaliações mensais. Apenas
uma era registrada no documento oficial da Escola: o Diário de Classe. Podemos
perceber que no cotidiano da escola, “multiplicam-se as astúcias, criam-se múltiplas
formas de usar o que é imposto”
209
. Tomo de empréstimo as palavras de Michel de
Certeau: o cotidiano se inventa com mil maneiras de caça não autorizada.
210
A avaliação realizada pelo aluno L.C.L., sobre “Morfologia, geometria e
triângulos”, correspondia aos conteúdos ensinados naquele mês de junho? No diário
de classe, na coluna destinada as “matérias lecionadas”, nenhum registro. Naquele
ano de 1969, a preocupação em registrar apenas uma “prova mensal” parece ser
maior do que registrar o que foi trabalhado em sala de aula.
208 RIBEIRO, Dílson. Entrevista concedida a Denise Araújo Meira e Patrícia de Souza. Florianópolis, maio de 2007. Mimeo. Disponível no
acervo do Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin Cascaes.
209
ALVES, Nilda. Diário de Classe, espaço de diversidade. In: MIGNOT, Ana Chrystina Venancio; CUNHA, Maria Teresa Santos. Práticas de
Memória Docente. São Paulo: Cortez, 2002. P.76.
210 CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: Artes de Fazer. 10. Ed. Petrópolis: Vozes, 1994. P.38.
107
Figura 22 – Prova Mensal do aluno L.C.L. Realizada em 25 de junho de 1969.
Acervo do Museu Osvaldo Rodrigues Cabral - UFSC
Com relação às notas, observamos que as mesmas revelam que a
freqüência, em alguns casos, era determinante na nota final. São muitos os casos de
alunos pouco freqüentes que tem notas baixíssimas (0 a 4). Afinal as avaliações, de
3 a 4 por mês, eram realizadas com regularidade. No entanto, não era esse o único
critério utilizado pelo professor, pois o muitas as notas baixas dadas a alunos
muito freqüentes. O aluno L.C.L. é um exemplo. É freqüente, porém possui, em
alguns meses, nota 4. Nos relatos dos alunos, uma fala é constante: ele era um
professor muito exigente.
Nos anos 60, devido a caráter prático instrumental do ensino de desenho,
percebemos na coluna “matérias lecionadas” que as aulas eram voltadas para o
estudo de desenho geométrico. Mas como diria Michel de Certeau, existem mil
108
maneiras de jogar/desfazer o jogo do outro
211
. O professor Franklin alterava com
freqüência as regras fazendo “trampolinagens”
212
. Entre uma aula de circunferência
e uma aula de projeções octogonais uma aula de desenho artístico ou de desenho
livre. Entre as dezenas de provas de desenho geométrico, uma chama atenção. A
prova mensal do aluno V. R., de 1969, que tinha como tema o “estudo das letras”. “A
imaginação é mais importante que o conhecimento” é a frase que serve de modelo
para a avaliação. O professor Franklin não deixa de avaliar os conteúdos referentes
a desenho geométrico. Sutilmente se posiciona. Tal situação revela os usos das
“táticas de resistência” acionada pelo professor no cotidiano da escola.
Os alunos do professor Franklin afirmam que:
Ele era incansável. Vinha de manhã e de tarde. [...] Ele estava sempre em
sala de aula. Saia para almoçar porque ele morava aqui perto. Mas muito
assíduo. [...] Ele chegava às 7 horas, às 7h 30 min dava o sinal e ele
estava na sala de aula. Sempre com aquela postura de professor [...]
Estava sempre na sala de aula.
213
Conflitos com os alunos também existiram. [...] Para os alunos era
imprevisível. Não tinha como saber se aquele seria um dia em que ele
estava de bom humor [...]. Porque dependia do que acontecia na entrada
da escola até a sala de aula. Alguma coisa que ele o gostasse. A escola
vivia um momento muito difícil: salas de aula sujas, funcionários mal
preparados.
[...] almoçava e ficava esperando pela aula de desenho que começava às
duas horas da tarde. Chegava lá já com sono, ficava esperando, mas o
Franklin já tava lá na sala, era um dos poucos professores que entrava na
sala antes dos alunos, uma hora, meia hora, antes, quando dava o sinal ele
abria a porta e o pessoal entrava, entrava na sala dele [...]
Eu observava que o Franklin era muito reservado, vivia meio solitário, ele ia
muito à carpintaria conversar com o professor Nilo Dias, ele era pintor
também, então conversavam sobre política e outro assuntos.
214
Antonio Henrique Pinto, citando Maria Helena C. de Lima, destaca que a
autora “chama a atenção para o comportamento de“busca de isolamento”
manifestado pelo professor, esclarecendo que atitudes dessa natureza constituem
211 CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: Artes de Fazer. 10. Ed. Petrópolis: Vozes, 1994. P. 89.
212 Termo utilizado por De Certeau . Afirma que “palavra que um jogo de palavras associa à acrobacia do saltimbanco e a sua arte de saltar no
trampolim (...) modo de utilizar ou driblar os termos dos contatos sociais”. CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: Artes de Fazer. 10. Ed. Petrópolis:
Vozes, 1994. P.79
213 Souza, Enio Miguel de . Entrevista concedida aos alunos do CEFETSC Felipe Wagner, Izel Molinete e Carla Becker . Florianópolis, maio de
2008. Disponível no acervo do Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin Cascaes.
214 RIBEIRO, Dílson. Entrevista concedida a Denise Araújo Meira e Patrícia de Souza. Florianópolis, maio de 2007. Mimeo. Disponível no
acervo do Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin Cascaes.
109
uma forma de resistência às imposições hierárquicas”
215
. Parafraseando a autora,
afirmo que a “invisibilidade” da sala de aula não permitiu o seu isolamento, pois
como diria Dílson Ribeiro ele era meio solitário, como também favoreceu em parte a
autonomia do seu trabalho docente. As aulas de desenho artístico foram possíveis
no interior da sala de aula.
Sérgio Pereira Cândido, aluno do professor Franklin em 1970, lembra de um
episódio ocorrido na sala de aula. O professor Franklin permitiu que um aluno
desenhasse uma silhueta de mulher na parede da sala de aula. Ressalta que por
várias aulas, o aluno ficou envolvido na elaboração do desenho. Em anos marcados
pelo autoritarismo, como foi o final dos anos 60 e o início dos 70, a permissão por
parte do professor para tal atividade, significava que certa autonomia era possível no
espaço da sala de aula.
Algumas regras são estabelecidas para o uso do diário de classe. Nelas, a
expressão do que a instituição espera do professor. Na leitura das regras (figura 9)
percebo que o diário escolar foi pensado como um espaço produzido para registrar e
controlar as práticas e os saberes trabalhados em sala de aula.
Figura 23-Diário de Classe. 1964
Acervo do Museu Universitário Osvaldo Rodrigues Cabral – UFSC
Como dispositivo de vigilância, usado pela instituição para controlar o que
ocorria em sala de aula, os diários de classe do professor Franklin indicam a
215
PINTO, Antonio Henrique. Educação Matemática e Formação para o trabalho: Práticas Escolares na Escola Técnica de Vitória. 2006. Tese
(Doutorado) - Curso de Pós Graduação em Educação, Unicamp, Campinas, 2006. P.120.
110
fragilidade do papel fiscalizador da Escola. O serviço de inspeção escolar deveria
encerrar mensalmente as anotações feitas em cada diário. Nos cinco anos
estudados, isso nunca aconteceu. A única assinatura presente, em uma parcela
expressiva dos diários analisados, era a do Professor. Em alguns meses o professor
não assinava e também não pontuava as matérias lecionadas, conforme pode se
observar na figura 24:
Figura 24 -Diário de classe – Novembro de 1964
Acervo do Museu Universitário Osvaldo Rodrigues Cabral – UFSC
Na coluna observações, nos cinco anos analisados, apenas um registro, no
mês de março de 1967. O professor Franklin assinala: “O aluno I.S. número 11
apresenta êste número de faltas alegando até então não possuir uniforme”. Alcides
Vieira de Almeida, afirma que “no período compreendido, entre 1910 e 1960, não
encontramos informações oficiais que levassem a uma definição do tipo de uniforme
utilizado pelos alunos em suas atividades escolares”. Destaca que o uso do uniforme
escolar esteve “totalmente descartado, tendo em vista, principalmente, ser a maioria
dos alunos provenientes de famílias pobres”
216
. Aluno da Escola, nos anos 60,
Leonel de Paula Neto, relata que:
216 ALMEIDA, Alcides Vieira de. Dos Aprendizes Artífices ao CEFET/SC: Resenha Histórica. Florianópolis: Gráfica Agnus, 2002. P. 124
111
O uniforme, na época do ginásio, era cinza, brim, vendido pela escola. A
Escola vendia a fazenda na alfaiataria. Ela dava o modelo. No início do
ano, quando você fazia matricula na Escola, tu recebias o modelo. A
Escola comprava essa fazenda em Brusque, comprava em peças. Qual era
a vantagem? Saia tudo igual. Não tinha um com o uniforme mais claro e
outro mais escuro. O uniforme que tivesse aqui com outra tonalidade, o
aluno não entrava. Tinha que ser tudo na mesma tonalidade. Com rigor.
[...] Era um uniforme cinza, no caso dos homens, com dois bolsos na
frente. No lado esquerdo, o bolso tinha uma engrenagem bordada, em cor
azul, com doze dentes e com a sigla da escola.
217
O aluno I.S. citado pelo professor Franklin, não conseguiu freqüentar, no ano
de 1967, a nova “Escola Industrial Federal de Santa Catarina”. Antônio Henrique
Pinto afirma que “os cursos haviam começado a ganhar uma solidez, quanto à
preparação dos alunos para o trabalho”
218
O autor destaca que “havia uma
determinação governamental de ampliar a capacidade escolar devido à urgência da
formação de técnicos de nível médio.” Não mais espaço para os alunos que
freqüentavam a escola sem uniforme e de pé descalço. Os “desfavorecidos de
fortuna”, nos anos 60, deveriam agora comprar o uniforme. Novos tempos
217 PAULA NETO, Leonel de. Entrevista concedida a Denise Araújo Meira a. Florianópolis, abril de 2008.. Mimeo. Disponível no acervo do
Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin Cascaes.
218 PINTO, Antonio Henrique. Educação Matemática e Formação para o trabalho: Práticas Escolares na Escola Técnica de Vitória. 2006. Tese
(Doutorado) - Curso de Pós Graduação em Educação, Unicamp, Campinas, 2006. P.120.
112
Entrelaçando alguns fios...
113
Neste estudo, procurei dar visibilidade à trajetória e os contornos da
prática docente de Franklin Cascaes na Escola Industrial de Florianópolis. No meu
primeiro exercício de escrita “O mestre e o artista: algumas notas a partir das
biografias de Franklin Cascaes”, apresentado à disciplina de Educação e
Epistemologia, finalizo afirmando que a vida de Franklin Cascaes , narrada por ele e
por outros , silencia o professor . Saliento que o Franklin Cascaes que me fascina,
parafraseando Le Goff, o “meu Franklin” estava para ser contado. Hoje percebo que
o “meu Franklin” é o Professor Franklin presente nos discursos dos colaboradores
Dílson Ribeiro, Enio Miguel de Souza, Sérgio Pereira Cândido, Leonel de Paula,
Nereu do Valle Pereira e Oswaldino Hoffmann. O caderno do professor, as provas
dos alunos, os diários de classe, os trabalhos e as correspondências permitem
traçar um quadro da trajetória do professor na Escola Industrial de Florianópolis. No
entanto, essa materialidade, como diria Walter Benjamin, não comunica o instante
vivido no tempo, não transmite a experiência. Essas memórias possibilitaram
entrelaçar alguns fios dessa trajetória e de certa forma alguns aspectos da história
da Escola Industrial de Florianópolis.
Elaborado em 1945, o caderno de desenho do professor Franklin Cascaes,
ficou guardado, protegido durante décadas por um aluno/ artista. Como suporte de
memória, aparentemente simples registro dos saberes a serem ensinados, o
caderno adquire, na atualidade, o estatuto de “relíquia”, carregando as marcas de
um outro tempo. Cruzando as informações obtidas nas páginas do caderno com a
memória do antigo aluno, é possível traçar um quadro aproximado dos saberes
trabalhado nas aulas do autor/ professor. A prova do concurso, em que o aluno
Franklin foi admitido como professor indica que o mesmo domina os conhecimentos
relacionados a desenho geométrico. No entanto, me apropriando da reflexão de De
Certeau, verifiquei que o cotidiano se inventa e se faz de mil maneiras: privilegiando
o desenho à mão livre em detrimento do desenho com réguas e compassos;
avaliando o conteúdo “estudo das Letras” adotando como frase “a imaginação é
mais importante que o conhecimento”; permitindo que o aluno desenhe uma mulher
na parede durante várias aulas ou enviando bilhetes em papel de embrulho para o
Diretor da Escola em uma época marcada pela censura e pela repressão.
Foi justamente no cotejo entre os relatos orais e os documentos escritos que
tive a possibilidade de perceber que o artista foi tentando construiu-se como
professor. Se por um lado o caderno elaborado pelo professor em 1945, nos trouxe
114
indícios que o professor privilegiava o desenho artístico em detrimento do desenho
geométrico, o depoimento do aluno Oswaldino Hoffmann nos trouxe uma informação
singular. Na sala de aula, no espaço destinado à sua principal atividade profissional,
professor, a obra do artista, resultante muitas vezes dos depoimentos dos alunos
oriundos do interior da Ilha de Santa Catarina ou de outras localidades do Sul do
Estado, se transforma em material didático. Se nos escritos - provas dos alunos, na
“Páscoa do Estudante”, trabalhos dos concursos referentes aos “grandes nomes” da
“Pátria” - estava escrito o professor, também fazia parte daqueles registros o
Franklin Cascaes artista. A carreira profissional, o artista, assim como uma parte da
sua prática como docente , analisada nesta dissertação parece se entrelaçar.
Os adjetivos utilizados pelos colaboradores para definir o professor o
muitos: austero, pontualíssimo, motivado para o trabalho, educador, conselheiro, e
tantos outros relatados ao longo das entrevistas. Não podemos pensar Franklin
Cascaes como um professor, um artista ou um folclorista. Ele foi resultado da junção
de todos esses “Franklins” da vida cotidiana. O professor Franklin na fala dos
antigos alunos da “Industrial” se humaniza. Afinal como diria Guimarães Rosa, “a
natureza da gente é muito segundas-e-sábados, tem dia e tem noite, versáveis”.
A cada de 60 foi marcada por mudanças significativas na estrutura e no
cotidiano da Escola. A reforma de ensino implantada, a partir do golpe militar de
1964, integra o ensino às necessidades econômicas e às exigências do mercado do
trabalho. uma maior valorização dos cursos técnicos industriais, que
correspondiam ao segundo ciclo do ensino dio. Franklin Cascaes é o professor
que na sala de aula continua privilegiando o desenho artístico em detrimento do
desenho geométrico. Aqui fica um questionamento: em que medida, o gosto pelo
“desenho artístico” em detrimento do “desenho geométrico”, nesses “novos tempos”,
contribuiu para indispor o professor com a direção da escola?
Na Escola dos anos 60, os professores sem “diploma”, pois no momento da
sua contratação não havia essa exigência, não são legalmente reconhecidos como
professor. Franklin era um deles. A sua aposentaria carrega as marcas da sua
formação acadêmica, ou melhor, da inexistência dela. Não indícios que tenha
concluído o Curso Noturno de Desenho, no final dos anos 30. Ele não tinha a
formação necessária para atuar como professor desses “novos tempos”. Por que o
professor Franklin não se atualizou? Por que não cumpriu as “novas” exigências de
formação? São questões a serem pensadas.
115
Ainda, com relação a sua trajetória como funcionário da Escola Industrial de
Florianópolis é interessante perceber que a experiência da aposentadoria extrapolou
os muros da Escola. Ganha uma conotação mais ampla , quando o Professor busca
no “pequeno grupode alunos da antiga Escola Industrial de Florianópolis, que na
década de 70 assumiram cargos públicos, um “apoio”. É nesse circuito informal de
sociabilidade, que o Professor Franklin encontrará resposta para uma necessidade:
Onde guardar uma obra elaborada durante 30 anos nas oficinas de modelagem e
nas salas de aulas da “Industrial”? Um convênio assinado entre a UFSC, a Prefeitura
Municipal, o Governo de Estado e o Professor Franklin Cascaes garantiu a solução
para o problema. A coleção Professora Elisabeth Pavan Cascaes ficou sob a guarda
e a tutela do Museu Universitário (UFSC). O Museu tem o nome do Professor
Osvaldo Rodrigues Cabral, que como muitos homens do seu tempo, percebia
Franklin Cascaes como um homem que não deveria circular nos meios
universitários, pois não tinha a formação que o meio exigia. Durante anos alugou a
casa na Rua Júlio Moura, onde Franklin viveu e produziu parte dos seus trabalhos, e
também deu o nome ao Museu que hoje conserva a obra do artista e folclorista.
Como diria Pierre Bourdieu, a vida é feita de acasos.
Encarar a incompletude, como diria Maria Helena Werneck na obra “O
Homem Encadernado”, é um desafio a ser enfrentado tanto por biógrafos como por
historiadores. Na minha condição de aluna do curso de mestrado, não tenho a
pretensão de esgotar a discussão sobre o assunto. Fiz um pequeno recorte.
Acrescentei algumas constatações sobre trajetória e a prática do professor Franklin
Cascaes na Escola Industrial de Florianópolis, mas também produzi novas lacunas,
novos silêncios. Muitos são os professores /artistas que circularam no CEFETSC
neste último século, como Ticiano Basadona, Martinho de Haro, Nilo Dias, Franklin
Cascaes e Isabela Mendes Sielski. Muitos também são os alunos que assim como
os seus professores também são artistas. O ex-aluno Franklin Cascaes afirma que
Manoel Portela foi o seu professor referência. Foram os professores/artistas, acima
citados, referência para os seus alunos? Em que medida as aulas do professor
Franklin contribuiu para a formação dos alunos Dílson Ribeiro e Oswaldino
Hoffmann que assim como ele também se dedicaram as artes? o questões a
responder.
116
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Wagner, Izel Molinete e Carla Becker. Florianópolis, maio de 2008. Disponível no
acervo do Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin Cascaes.
PAULA NETO, Leonel de. Entrevista concedida a Denise Araújo Meira .
Florianópolis, abril de 2008. Disponível no acervo do Laboratório de Imagem e
Oralidade Franklin Cascaes.
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2008. Disponível no acervo do Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin Cascaes
3. Fontes arquivísticas
ACERVO DO LABORATÓRIO DE IMAGEM E ORALIDADE FRANKLIN CASCAES
(CEFETSC)
- Fotografias
-Ata do concurso de Ingresso – 1941
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-Caderno de desenho -1945
-
Revista Arte & Indústria. 15 de novembro de 1948, ano III. Secção de Artes
Gráficas da escola Industrial de Florianópolis.
ACERVO DO MUSEU UNIVERSITÁRIO OSVALDO RODRIGUES CABRAL (UFSC)
Coleção Elizabeth Pavan Cascaes
- Provas
-Diários de Classe
-Exercícios
CASA DA MEMÓRIA
- Fotografias
BIBLIOTECA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
- Jornal O Estado, 16 de março de 1983.
Jornal O Estado, 20 de março de 1983.
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
Diário oficial do Estado de Santa Catarina, 21 de maio de 1941.
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