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de como era o cotidiano no acolhimento institucional, somente diz “queria sair dali”. Podemos
pensar que esta falta de memória pode ser uma forma de impedir que lembranças dolorosas e
desorganizadoras cheguem à consciência. Para evitar o desprazer, eles dizem não se lembrar.
Neste sentido, a experiência no abrigo parece não ter sido muito boa para Guilherme e Bernardo.
Para Rosa (2009), uma sintomatologia comum entre indivíduos que sofreram, ou acreditaram
sofrer, rejeição são os "problemas de memória"; o esquecimento de pequenas ou grandes coisas
reflete o sentimento de sentir-se esquecido, perdido, jogado fora. Já os relacionamentos com
outras crianças e funcionários, eram considerados bom por eles.
Por sua vez, Alana diz que gostava mais do abrigo do que da família biológica, “Porque
lá tinha muitas coisas para brincar”. As condições básicas e lúdicas proporcionadas pelo abrigo
parecem que foram o suficiente para que Alana, juntamente com seus irmãos, se sentisse
confortável. No que diz respeito aos relacionamentos no abrigo com outras crianças e
funcionários, avalia como tranquilo: “brincava, brigava [...] Eu estudava à tarde, então,
acordava, estudava, fazia para-casa. Aí, depois tomava café, tomava banho, colocava o
uniforme, almoçava até o escolar chegar”. Ângela também relata que no abrigo no qual foi
acolhida, no que concerne às necessidades básicas como alimentação, higiene, entre outros, as
crianças eram bem atendidas. No que diz respeito ao relacionamento com as outras crianças
abrigadas e com os funcionários, ela conta que era considerado bom. Os funcionários eram
pacientes e as tarefas eram divididas entre eles. Aconteciam brigas somente quando entrava uma
criança novata.
Ângela foi à única que teve experiência de ter passado por mais de um abrigo. Após um
remanejamento nos abrigos, ela e a irmã tiveram que sair de onde já estavam há
aproximadamente quatro anos:
Eles, acho, que o Conselho Tutelar, estava fazendo um remanejamento, retirando as
crianças que eram mais velhas e separando também por região, [...] Eu era [cidade de
origem], assim eles alegavam que eu tinha que ir para um abrigo da minha cidade de
origem. Lá, na Dona Edna, o abrigo do bairro [em Belo Horizonte], eu ia ficar meio
que temporário, só que o temporário como acontece muitas vezes, parece que se
esquecem dos meninos e depois de muito tempo que eles lembram: “Oh, aquela
criança não pode ficar lá não, tem que ficar em outro lugar”. Só que aí, já pegamos
uma afeição, um carinho no lugar, aí, eles resolvem te tirar. [...] aí, eles foram lá no
abrigo, buscou eu e minha irmã.
Desta maneira, após a vivência de separação da família biológica, Ângela teve que reviver
e elaborar um segundo luto ao separar-se das pessoas com quem estabeleceu novos laços afetivos
no abrigo: “Aí, eu pensei: meu Deus do céu, pela segunda vez. Já saí da minha família e vim pra