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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL REI
JULIO CESAR MODESTO VALÉRIO
SENSIBILIZAÇÃO EPILEPTOGÊNICA DE RATOS
JOVENS EXPOSTOS À ISQUEMIA E/OU HIPÓXIA
São João del Rei
2009
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SENSIBILIZAÇÃO EPILEPTOGÊNICA DE RATOS JOVENS EXPOSTOS À
ISQUEMIA E/OU HIPÓXIA
Julio Cesar Modesto Valério
Dissertação apresentada ao Curso
de pós graduação multidisciplinar
em Química, Física e
Neurociências da Universidade
Federal de São João del Rei, como
requisito parcial para a obtenção de
título de Mestre em Ciências.
São João del Rei
Departamento de Engenharia Biomédica
Universidade Federal de São João del Rei
2009
SENSIBILIZAÇÃO EPILEPTOGÊNICA DE RATOS JOVENS EXPOSTOS À
ISQUEMIA E/OU HIPÓXIA
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Julio Cesar Modesto Valério
DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DO
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FÍSICA, QUÍMICA E NEUROCIÊNCIA DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI COMO PARTE DOS
REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM
CIÊNCIAS EM NEUROFÍSICA.
Aprovada por:
________________________________________________
Prof. Dr. Antônio-Carlos Guimarães de Almeida
(Presidente)
________________________________________________
Prof. Dr. Fúlvio Alexandre Scorza
________________________________________________
Prof. Dr. Mário Antônio Duarte
SÃO JOÃO DEL-REI, MG - BRASIL
OUTUBRO DE 2009
Agradecimentos & Dedicatórias.
Ao Tunico que, servindo como terapeuta lacaniano, me trouxe de volta à
realidade em momentos de grandes e pequenas crises e serviu como , confesso,
inesperado amigo.
Ao Antônio-Carlos Guimarães de Almeida que , servindo como orientador
também lacaniano, resolveu grandes imbroglios com intervenções, curtas, diretas e
profícuas. E sempre que estava muito bravo com nossas travessuras (desmontar
equipamentos do laboratório para “reciclar”, por exemplo), chamávamos o Tunico de
volta, e tudo se resolvia....
Ao Gláucio que é tão dono desse trabalho quanto eu, pela inestimável ajuda (às
vêzes penso que EU era o ajudante, na verdade) que sempre me forneceu. Sem ele, eu
não teria chegado ao final.
À Maizinha, a fada do set-up, que, por várias vezes, carregou o piano enquanto
eu tocava para a platéia. Sem esquecer que seu abraço amigo, durante uma crise que
quase me tirou do Mestrado, me deu tranquilidade para dormir de noite e forças para
acordar na manhã seguinte.
À Lívia por ter insistido em existir, com acidente e tudo, só para continuar a ser
esse sopro de vida e alegria que me nutriu nos mais negros momentos.
Last but not least, à Lidia que foi parte do problema, mas também da solução.
Por ter me aguentado, com ou sem crise, e me estimulado a começar, insistir e terminar
esse curso. E à doutora Lidia, por ter me orientado nas normas da ABNT, na disposição
geral do trabalho, no estilo...em tudo!
A todos não citados aqui, mas que fizeram e, espero, farão parte integrante de
minha família. Não os cito nominalmente, porque a boa norma indica que não nos
devemos estender mais que uma página nessas dedicatórias.
De toda forma, agradeço e dedico esse trabalho a todos vocês do Lanec, alunos e
professores, meus amigos, irmãos e companheiros nessa jornada.
PS.: Clarice e Nina, papai está de volta!
“Às vêzes o homem prefere o sofrimento à paixão”
Dostoiévsky
Fiódor Mikhailovich Dostoiévski , – ocasionalmente grafado como Dostoievsky – em cirílico,
Фёдор Миха́йлович Достое́вский. — nasceu em Moscou em 1821. Dostoiévski foi um escritor
considerado um dos maiores romancistas da literatura russa e um dos mais inovadores artistas de todos os
tempos. É tido como o fundador existencialismo e, de acordo com Walter Kaufmann, pode ser
considerado como a "melhor proposta para o existencialismo já escrita." A obra dostoievskiana
explora a autodestruição, a
humilhação e o assassinato, além de analisar estados patológicos que levam ao
suicídio, à loucura e ao homicídio: seus escritos são chamados por isso de "romances de idéias", pela
retratação filosófica e atemporal dessas situações. O
modernismo literário e várias escolas da teologia e
psicologia foram influenciados por suas idéias.
Dostoiévski, aos 17 anos, teve uma grande crise epiléptica após saber que seu pai havia sido
assassinado pelos próprios colonos, e deixou o exército cinco anos depois para dedicar-se integralmente à
atividade literária. Dostoiévski afastou-se das armas, mas acabou envolvendo-se em conspirações
revolucionárias, das quais passou pela
prisão e pela condenação de morte, embora a pena tenha sido
comutada. Alguns autores acreditam que essas dificuldades pessoais auxiliariam Fiódor a se estabelecer
como um dos maiores romancistas do mundo, mas de fato seu reconhecimento definitivo como "escritor
universal" veio somente depois dos anos 1860, com a publicação de seus grandes romances:
O Idiota e
Crime e Castigo, este publicado em 1866, considerado por muitos como uma das obras mais primorosas
da literatura mundial.
Seu último romance,
Os Irmãos Karamazov, foi considerado por Sigmund Freud como o melhor
romance já escrito.
A obra de Dostoiévski exerce uma grande influência no romance moderno, legando a
ele um estilo caótico, desordenado e que apresenta uma realidade alucinada.
(Modificado de <www.wikipedia..org >, acesso em 09/08/2009)
Dostoiévsky permaneceu epilético durante toda a sua produtiva vida. A epilepsia nunca
o impediu de ser um escritor genial, pelo contrário, serviu-lhe de inspiração em seus momentos
de aura. Teve, contudo, sorte Fiódor e, mais ainda, nós seus leitores, já que um status
epilepticus não o levou à morte, em uma época em que inexistiam tratamentos adequados para
essa moléstia.
Que todos nós, que de alguma forma lidamos com a epilepsia, desavisados, não
deixemos fenecer algum novo “dostoiévski” que passe por nós em nossas clínicas, laboratórios
ou em nossa vida!
Resumo da Dissertação apresentada à FIQUINE/UFSJ como parte dos requisitos
necessários para a obtenção do grau de Mestre em Ciências (M.Sc.).
SENSIBILIZAÇÃO EPILEPTOGÊNICA DE RATOS JOVENS EXPOSTOS A
CONDIÇÕES DE ISQUEMIA E/OU HIPÓXIA
Julio Cesar Modesto Valério
Setembro/2009
Orientador: Antônio-Carlos Guimarães de Almeida
Programa: FIQUINE
Departamento: Engenharia Biomédica
As síndromes hipoxêmicas perinatais representam uma das principais causas de
epilepsia de instalação tardia em seres humanos. Os mecanismos não-sinápticos que
subjazem aos processos epileptogênicos, apesar de representarem atores importantes na
gênese, instalação e curso das síndromes epilépticas, têm escassa representação na
literatura. Também são raros, ou inexistentes, trabalhos envolvendo modelos de
hipoxemia em ratos da raça Wistar, frequentemente empregados em laboratórios de
Neurociência. Neste trabalho desenvolveu-se um modelo animal, utilizando ratos Wistar
jovens, numa faixa etária (P10) em que se pode simular a hipoxemia neo-natal humana,
objetivando estudar eletrofisiologicamente a fase pós aguda da exposição à isquemia
e/ou hipóxia, enfocando as atividades epileptiformes sustentadas por mecanismos não-
sinápticos, em cortes de hipocampo nutridos por um meio que contém alto potássio e
nenhum cálcio. Os resultados indicam sensibilização epileptogênica em dois dos três
grupos experimentais, que apresentaram maior duração dos eventos epileptiformes e
níveis mais negativos no potencial lento das despolarizações (níveis DC).
Contrariamente à expectativa, de acordo com a literatura, o grupo submetido à hipóxia
sensibilizou-se mais do que o grupo submetido à isquemia. Mais surpreendente e
paradoxal demonstra-se o grupo submetido ao procedimento combinado isquemia +
hipóxia, que tornou-se relativamente mais resistente do que o grupo controle. Conclui-
se que a morte neuronal seletiva tenha contribuído de forma decisiva para esses
resultados.
Abstract of Dissertation presented to FIQUINE/UFSJ as a partial fulfillment of the
requirements for obtaining the degree of Master of Science (M. Sc.)
EPILEPTOGENIC SENSIBILIZATION OF YOUNG RATS EXPOSED TO
ISCHEMIA AND/OR HYPOXIA
Julio Cesar Modesto Valério
September/2009
Advisor: Antônio-Carlos Guimarães de Almeida
Program: FIQUINE
Department: biomedical Engineering
The hypoxemic syndromes of the newborn are one of the most frequent causes
of late onset epilepsy in human beings. Non-synaptic mechanisms underlying
epileptogenic processes, despite being important actors in the genesis, instalation and
course of the epileptic illnesses, are under-represented in the literature. There is very
little research dealing with models of hipoxemia in Wistar rats, animals that are
frequently used in Neuroscience labs. In this project an animal model was developed,
using Wistar rats, at an age (P10) that can simmulates human peri-natal hipoxemia. The
study aimed at the eletrophysiological exam of the post-acute phasis after exposition to
ischemia and/or hypoxia, focusing in the epileptiform activities sustained by non-
synaptic mechanisms, in hippocampal slices nurtured by a medium with high potassium
and no calcium. Results shows epileptogenic sensibilization ocurring in two out of three
experimental groups, as indicated by longer epileptiform events and also by more
negative slow potentials in depolarizations (DC levels). However, the group that was
exposed to hypoxia showed greater epileptogenic sensibilization than the ischemized
group. More surprisingly, the third group, exposed to a combination of ischemia
followed by hypoxia, exhibited a paradoxical response, becaming relativelly more
resistant than the control group. It is concluded that selective neuronal death is the main
factor affecting the results obtained in this work.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figuras Pág.
1.1- Tamponamento glial de potássio.
…...................................................................45
2.1- Ligadura da artéria cervical comum.
…...................................................................73
2.2- Foto da incisão cirúrgica.
…...................................................................74
2.3- Foto do equipamento anestésico.
…...................................................................75
2.4- Foto do equipamento cirúrgico.
…...................................................................75
2.5- Instalação para manobra de hipóxia.
…...................................................................77
2.6- Esquema do termômetro retal.
…...................................................................78
2.7- Desenho do encéfalo e hipocampo.
…...................................................................79
2.8- Procedimento para retirada do cérebro.
…...................................................................80
2.9- Preparação de fatias do hipocampo.
…...................................................................81
2.10- Esquema da câmara de perfusão.
…...................................................................83
2.11- Foto da câmara de interface.
…...................................................................84
2.12- Foto do fatiador de tecidos.
…...................................................................85
2.13- Diagrama da instalação para registros.
…...................................................................86
4.1- Diagrama do MEC, célula e Na
+
-K
+
-ATPase
…...................................................................129
4.2- Diagrama do MEC, célula e gradientes.
…...................................................................131
4.3- Esquema da morte neuronal seletiva.
…...................................................................134
4.4- Corte do hipocampo e camadas celulares.
…...................................................................136
4.5- Esquema de populações homogêneas.
…...................................................................137
4.6- Esquema de populações heterogêneas (1).
…...................................................................138
4.7- Esquema de populações heterogêneas (2).
…...................................................................139
4.8- Analogia hidráulica populações homogêneas
…...................................................................140
4.9 Analogia hidráulica populações heterogêneas
…...................................................................140
4.10- Efeito do Eugenol sobre AE em MNS.
…...................................................................141
A.1- Efeito de campo.
…...................................................................157
A.2- Flutuações iônicas.
…...................................................................160
A.3- transmissão efáptica
…...................................................................161
A.4- Junções de hiato.
…...................................................................163
B.1- Planos de corte anatômicos.
…...................................................................166
B.2- Eixos anatômicos.
…...................................................................167
B.3- Eixos anatômicos em roedores.
…...................................................................168
B.4- Eixos anatômicos em humanos.
…...................................................................169
B.5- Sistema límbico.
…...................................................................171
B.6- Lobo temporal.
…...................................................................172
B.7- Formação hipocampal.
…...................................................................173
C.1- Captura de tela (1).
…...................................................................184
C.2- Captura de tela (2).
…...................................................................185
Gráficos
Pág.
3.1- Ajuste polinomial de curvas.
…...................................................................97
3.2- Exemplos de saídas gráficas do Matlab© .
…...................................................................98
3.3- Sobreposição de curvas.
…...................................................................99
3.4- Histograma do parâmetro DC.
…...................................................................100
3.5- Histograma do parâmetro PS..
…...................................................................101
3.6- Histograma do parâmetro DE.
…...................................................................102
3.7- Histograma do parâmetro IE.
…...................................................................103
3.8- Histograma do parâmetro PM.
…...................................................................104
3.9- Gráfico “tipo caixa” do parâmetro DC.
…...................................................................106
3.10- Gráfico “tipo caixa” do parâmetro PS. …...................................................................108
3.11- Gráfico “tipo caixa” do parâmetro DE.
…...................................................................110
3.12- Gráfico “tipo caixa” do parâmetro IE.
…...................................................................112
3.13- Gráfico “tipo caixa” do parâmetro PM.
…...................................................................114
3.14- Multicomparação do parâmetro DC.
…...................................................................117
3.15- Multicomparação do parâmetro PS.
…...................................................................118
3.16- Multicomparação do parâmetro DE.
…...................................................................119
3.17- Multicomparação do parâmetro IE.
…...................................................................120
3.18- Multicomparação do parâmetro PM.
…...................................................................121
3.19- Gráfico de dispersão de 4 parâmetros.
…...................................................................122
3.20- Registro típico do grupo Hip.
…...................................................................123
3.21- Registro típico do grupo Isq (1).
…...................................................................124
3.22- Registro típico do grupo Isq (2).
…...................................................................125
3.23- Registro típico do grupo Mix.
…...................................................................126
3.24- Comparação entre registros.
…...................................................................127
LISTA DE QUADROS E TABELAS
Quadros Pág.
1.1- Extrato da CID-10: Paroxismos.
…...................................................................20
2.1- Protocolo Contínuo de Hipóxia (PCH).
…...................................................................71
2.2- Protocolo Progressivo de Hipóxia I (PPH1).
…...................................................................72
2.3- Protocolo Progressivo de Hipóxia II (PPH2).
…...................................................................72
Tabelas Pág.
3.1- Anova do parâmetro DC.
…...................................................................107
3.2- Kruskal-Wallis do parâmetro DC.
…...................................................................107
3.3- Anova do parâmetro PS.
…...................................................................109
3.4- Kruskal-Wallis do parâmetro PS.
…...................................................................109
3.5- Anova do parâmetro DE.
…...................................................................111
3.6- Kruskal-Wallis do parâmetro DE.
…...................................................................111
3.7- Anova do parâmetro IE.
…...................................................................113
3.8- Kruskal-Wallis do parâmetro IE.
…...................................................................113
3.9- Anova do parâmetro PM.
…...................................................................115
3.10- Kruskal-Wallis do parâmetro PM.
…...................................................................115
3.11- Sumário das análises de variância.
…...................................................................128
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AE: Atividades Epileptiformes
AMPA: Ácido α-amino-3-hidroxi-5-metil-4-
isoxazolepropionico
Anova: Análise de variância
ATP: Trifosfato de adenosina
CA1: Área 1 do Corno de Amon
CA2: Área 2 do Corno de Amon
CA3: Área 3 do Corno de Amon
Ca
2+
: Íon(s) cálcio
[Ca
2+
]
i
: Íons cálcio intracelulares
[Ca
2+
]
o
: Íons cálcio extracelulares
Cl
-
: Íon(s) cloreto
[Cl
-
]
i
: Íons cloreto intracelulares
[Cl
-
]
o
: Íons cloreto extracelulares
CID 10: Classificação Estatística Internacional de
Problemas Relacionados à Saúde- 10
a
Revisão
CO: Monóxido de carbono
CO
2
: Dióxido de Oxigênio; gás carbônico
CPH: Células Piramidais Hipocampais
CPLA
2
: Fosfolipase citossólica A
2
DA: Depressão Alastrante de Leão
DC: Parâmetro queda de tensão (Direct Current)
DE: Parâmetro Duração do Evento
DG: Giro denteado (Dentate Gyrus)
EE: Eventos Epileptiformes
EHIN: Encefalopatia Hipóxico-Isquêmica do Recém
Nato
EIH: Encefalopatia Hipóxico-Isquêmica
ELT: Epilepsia do Lobo Temporal
EMLT: Epilepsia Mesial do Lobo Temporal
ERO: Espécie Reativa de Oxigênio
FADH: Flavina-adenina-dinucleotídeo (forma ativa)
GABA: Ácido Gama Amino Butírico
GDH: Giro Denteado Hipocampal
GUI: Interface gráfica com o usuário (Graphic User
Interface)
Hip: Grupo Experimental Hipóxia
IE: Parâmetro Intervalo entre Eventos
IL-6: Interleucina-6
IOS: Sinal óptico intrínseco (Intrinsic Optical Sign)
Isq: Grupo Experimental Isquemia
K
+
: Íon(s) potássio
[K
+
]
i
: Íons potássio intracelulares
[K
+
]
o:
Íons potássio extracelulares
LANEC: Laboratório de Neurociência Experimental e
Computacional
Manova: Análise de variância multiparamétrica
MAP: Proteína ativada por mitogênio
MEC: Meio Extra Celular
Mix: Grupo Experimental Isquemia + Hipóxia
mM: Milimole
mV: Milivolt
MDA: Ativação Denteada Máxima
Mg
2+
: Íon(s) magnésio
[Mg
2+
]
i
: Íons magnésio intracelulares
[Mg
2+
]
o
: Íons magnésio extracelulares
MNS: Mecanismos Não Sinápticos
MSK: Eletrodos seletivos para potássio
N
2
: Nitrogênio molecular
Na
+
: Íon(s) sódio
[Na
+
]
i
: Íons sódio intracelulares
[Na
+
]
o
: Íons sódio extracelulares
Na
+
-K
+
-ATPase: Enzima representante da bomba de
sódio/potássio
NADH: Nicotinamida-adenina-dinucleotídeo (forma
ativa)
NO: Óxido nítrico
NMDA: n-metil-d-aspartato
O
2
: Oxigênio molecular
P
1,2,3...n
: Faixa etária em dias, como referido pelo índice.
PC: Paralisia Cerebral
PCH: Protocolo de Hipóxia Contínua (teores
invariantes de gases)
PCO
2
: Taxa de CO
2
em um dado tecido
PEPS: Potenciais Excitatórios Pós Sinápticos
PH: Potencial hidrogeniônico
PM: Parâmetro Máxima ponta coletiva (population
spike)
PO
2
: Taxa de oxigenação em um dado tecido
PPH1, PPH2: Protocolos de Hipóxia (teores variáveis de
gases)
PS: Parâmetro Pontas Coletivas (Population
Spikes)
ROS: Espécies reativas de Oxigênio (Reactive Oxygen
Species); Radicais Livres
SDH: Despolarização hipóxica semelhante à
Depressão Alastrante (Hipoxic Spreading
Depression-like Depolarization)
SNC: Sistema Nervoso Central
UFSJ: Universidade Federal de São João del Rei
VET/ Imagem VET: Visualização da evolução espaço-temporal do
IOS
V
m
: Potencial de membrana
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
…............................ pág.19
Aspectos etimológicos do termo epilepsia
…............................ pág.19
Aspectos clínicos e taxonômicos das epilepsias
…............................ pág.20
Aspectos epidemiológicos das epilepsias
…............................ pág.22
Objetivos da pesquisa
…............................ pág.26
1-REVISÃO DA LITERATURA
…............................ pág.28
1.1-Mecanismos não sinápticos na epileptogênese
…............................ pág.28
1.1.1- Possíveis mecanismos para a epileptogênese
…............................ pág.29
1.1.2- Mecanismos não-sinápticos: perfil do esforço de pesquisa
…............................ pág.32
1.1.3-A relação entre a susceptibilidade etária e os mecanismos não
sinápticos
…............................ pág.35
1.1.4- Conexões não sinápticas: uma definição
................................ pág.36
1.1.5- O papel do giro denteado na epileptogênese
…............................ pág.36
1.1.6-O giro denteado hipocampal e a plasticidade neuronal
…............................ pág.39
1.1.7- A importância da glia nos mecanismos não sinápticos
…............................ pág.43
1.1.8- O papel da glia na homeostase iônica
…............................ pág.43
1.1.9- O papel da glia na geração e disseminação de atividades
epileptiformes
…............................ pág.45
1.1.10- A importância do pH nos eventos não sinápticos no giro
denteado
…............................ pág.48
1.2- Uma visão panorâmica do estado da arte em modelagem
…............................ pág. 49
1.2.1- A modelagem de epilepsias derivadas de síndromes
hipóxico-isquêmicas
…............................ pág. 55
1.2.2- Modelos isquemia/hipóxia escolhidos como referência
…............................ pág.56
1.3- Fisiopatologia dos episódios hipóxico-isquêmicos
…............................ pág. 57
1.3.1- Estadiamento fisiopatológico do episódio hipóxico-
isquêmico
…............................ pág.58
1.3.2- O papel do óxido nítrico e do monóxido de carbono na
isquemia/hipóxia: a importância do edema na fisiopatologia
hipoxêmica
…............................ pág.60
1.3.3- A importância da homeostase iônica nos quadros hipóxico-
isquêmicos
…............................ pág.62
1.3.3.1- O cloreto
…............................ pág.62
1.3.3.2- Outros íons e proteínas
…............................ pág.63
1.3.4- A importância das citocinas na resposta ao episódio
hipóxico-isquêmico
…............................ pág.64
1.3.5- Histologia de tecido cerebral exposto à hipóxia crônica
…............................ pág.65
1.3.6- Imunohistoquímica dos tecidos submetidos à
hipóxia/isquemia
…............................ pág.66
1.3.7- Hipóxia, asfixia e isquemia: similaridades e diferenças
…............................ pág.69
1.4- Resumo do capítulo
…............................ pág.70
2- MATERIAIS E MÉTODOS
…............................ pág.71
2.1- Procedimentos típicos do estudo
…............................ pág.71
2.1.1- Protocolos de hipóxia
…............................ pág.71
2.1.2- Procedimentos cirúrgicos para a isquemia
…............................ pág.72
2.1.3- Equipamentos desenvolvidos para a pesquisa
…............................ pág.76
2.1.3 a) Câmara de hipóxia
…............................ pág.76
2.1.3 b) Termômetro retal
…............................ pág.77
2.2- Procedimentos gerais do estudo
…............................ pág.79
2.2.1- Procedimentos cirúrgicos para obtenção dos hipocampos
…............................ pág.82
2.2.2- Eletrofisiologia
…............................ pág.84
2.2.3- Processamento dos registros eletrofisiológicos
…............................ pág.85
2.2.3 a) Aquisição e pré-processamento dos sinais …............................ pág.85
2.2.3 b) Pós-processamento dos sinais
…............................ pág.86
2.2.4- Análise estatística dos dados
…............................ pág.88
2.2.4.1- Tipos de dados
…............................ pág.89
2.2.4.2- A escolha do método
…............................ pág.89
2.2.4.2 a) Métodos paramétricos
…............................ pág.90
2.2.4.2 b) Métodos não-paramétricos
…............................ pág.91
2.2.4.2 c)Métodos de comparações pareadas versus comparações
múltiplas
…............................ pág.92
2.2.5- Análise histopatológica
…............................ pág.93
3-APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
…............................ pág.94
3.1- Estudos preliminares de isquemia seguida de hipóxia
…............................ pág.94
3.2- Resultados dos grupos experimentais
…............................ pág.96
3.2.1- Tabulação dos dados
…............................ pág.96
3.2.1.1- Ajuste de curvas
…............................ pág.96
3.2.1.2- Histogramas dos grupos experimentais e controle
…............................ pág.100
3.2.1.2- A) Histograma do parâmetro DC
…............................ pág.100
3.2.1.2- B)Histograma do parâmetro PS
…............................ pág.101
3.2.1.2- C)Histograma do parâmetro DE
…............................ pág.102
3.2.1.2- D)Histograma do parâmetro IE
…............................ pág.103
3.2.1.2- E)Histograma do parâmetro PM
…............................ pág.104
3.3- Análises estatísticas
…............................ pág.105
3.3.1- “Box Plot” e análise de variância do parâmetro DC (Anova e
Kruskal-Wallis)
…............................ pág.106
3.3.2- “Box Plot” e análise de variância do parâmetro PS (Anova e
Kruskal-Wallis)
…............................ pág.108
3.3.3- “Box Plot” e análise de variância do parâmetro DE (Anova e
Kruskal-Wallis)
…............................ pág.110
3.3.4- “Box Plot” e análise de variância do parâmetro IE (Anova e
Kruskal-Wallis)
…............................ pág.112
3.3.5- “Box Plot” e análise de variância do parâmetro PM (Anova e
Kruskal-Wallis)
…............................ pág.114
3.3.6- Multicomparação dos parâmetros avaliados nos grupos
experimentais versus controle
…............................ pág.116
3.3.6.1- Multicomparação do parâmetro DC (Anova versus
Kruskal-Wallis)
…............................ pág.116
3.3.6.2- Multicomparação do parâmetro PS (Anova versus
Kruskal-Wallis)
…............................ pág.117
3.3.6.3- Multicomparação do parâmetro DE (Anova versus
Kruskal-Wallis)
…............................ pág.118
3.3.6.4- Multicomparação do parâmetro IE (Anova versus
Kruskal-Wallis)
…............................ pág.119
3.3.6.5- Multicomparação do parâmetro PM (Anova versus
Kruskal-Wallis)
…............................ pág.120
3.3.7- Análise multivariada (Manova) de todos os grupos,
considerando quatro parâmetros
…............................ pág.121
3.3.7.1- Resultados de Manova
…............................ pág.122
3.3.8- Exemplos de registros dos diversos parâmetros/grupos
…............................ pág.123
3.3.8- A) grupo exp. Hip
…............................ pág.123
3.3.8- B) grupo exp. Isq
…............................ pág.124
3.3.8- C) grupo exp. Mix
…............................ pág.126
3.3.8- D) comparação entre os registros dos três grupos exp.
…............................ pág.127
3.4- Sumário da análise estatística dos resultados
…............................ pág.127
4- DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
…............................ pág.129
Aumento dos níveis DC e DE nos grupos Hip e Isq.
….......................... pág. 129
Expansão do MEC e sensibilização: um paradoxo?
…............................ pág.130
PS ou PM, qual o melhor indicador de sensibilização?
…............................ pág.132
O grande paradoxo do grupo Mix
…............................ pág.133
O pequeno paradoxo dos grupos Hip e Isq
…............................ pág.142
Mecanismos comuns subjacentes à sensibilização epileptogênica e
morte neuronal
…............................ pág.143
5-CONCLUSÕES E SUGESTÕES
…............................ pág.145
6-REFERÊNCIAS
…............................ pág.147
APÊNDICE A: CONEXÕES NÃO-SINÁPTICAS
…............................ pág.157
A.1) Efeito de campo elétrico
…............................ pág.157
A.2) Flutuações iônicas
…............................ pág.158
A.3) Interações efápticas
…............................ pág.161
A.4) Interação eletrotônica via gap-junctions
…............................ pág.162
APÊNDICE B: ASPECTOS ANATÔMICOS E
NEUROFISIOLÓGICOS DO HIPOCAMPO E
ESTRUTURAS ASSOCIADAS
…............................ pág.166
B.1) Planos de corte e posicionamento anatômico
…............................ pág.166
B.2) Aspectos neuroanatômicos do hipocampo e outras regiões de
interesse
…............................ pág.169
B.2.1) O sistema límbico
…............................ pág.169
B.2.2) Aspectos anatômicos do hipocampo
…............................ pág.174
B.3) Aspectos eletrofisiológicos do hipocampo
…............................ pág.174
B.3.1) Registros de eletroencefalografia e a sincronização no
hipocampo
…............................ pág.174
B.3.2) A organização da circuitaria hipocampal e o fluxo
processual de informações
…............................ pág.176
ANEXO (Código Fonte)
…............................ pág.178
INTRODUÇÃO
Aspectos etimológicos do termo epilepsia.
A palavra epilepsia foi tomada do termo equivalente em latim, e este do grego
επιληψσια
1
, que significa interrupção brusca. Esse termo, por sua vez, provém de
επιλαμβανειν
2
que poderia ser traduzido como tomar, interceptar ou atacar
(CORMINOS,1954). O Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (NASCENTES,
1955) também traduz o termo grego como ato de surpreender, coisa súbita, e
epileptógeno como derivado do grego επιλεπτοσ
3
, tomado de surpresa, tendo como
sufixo ‘gen’, raiz de γιγνομαι
4
, gerar.
Da mesma forma o Diccionário Etimológico de la Lengua Castellana considera
o termo grego para epilepsia como derivado de επιλαμβανειν, composto do prefixo
επι, ou sobre, e λαμβανειν, traduzido como tomar, sobretomar ou surpreender porque
“el epiléptico cae como sobrecogido y entra de improviso em convulsión” (MONLAM,
1941: 308). Percebe-se, portanto, que já nas suas remotas origens históricas, talvez tão
antigas quanto a própria humanidade (PENFIELD e JASPER, 1954 apud LONGO e
BLANCO, 2007) o termo epilepsia poderia ensejar a percepção de que algo externo ao
indivíduo o invadisse de surpresa, abruptamente, e por fim tomasse o controle de seu
corpo e de sua mente, levando-o ao chão.
De fato, os povos antigos assim acreditavam, considerando que o paciente de
epilepsia era possuído por maus espíritos ou demônios. Essa concepção perdurou pelo
menos até 200-400 a.C., quando Hipócrates e Plínius centraram seus estudos na
identificação da epilepsia como doença que tem origem no cérebro, assim inaugurando
a perspectiva clínica na abordagem desta nosologia (NIEDERMAYER,1990 apud
LONGO e BLANCO, 2007).
Aspectos clínicos e taxonômicos das epilepsias.
1
Transliterado como epilépsia
2
Transliterado como epilâmbanó
3
Transliterado como epileptós
4 Transliterado como ginomai
Contemporaneamente, a Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados à Saúde [CID-10] (ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DA
SAÚDE / ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2000) relaciona a epilepsia
dentre os transtornos episódicos paroxísticos, conforme o quadro abaixo:
QUADRO 1.1
Extrato da classificação dos transtornos episódicos paroxísticos conforme a CID-10
G40.0 Epilepsia e síndromes epilépticas idiopáticas definidas por sua ................
...................localização (focal) (parcial) com crises de início focal
Epilepsia da criança
Benigna com espículas-ondas centro-temporais no EEG
Com paroxismos occipitais no EEG
G40.1 Epilepsia e síndromes epilépticas sintomáticas definidas por sua ................
...................localização (focal) (parcial) com crises parciais simples
Crises
Parciais simples evoluindo para crises secundariamente generalizadas
Sem perda de consciência
G40.2 Epilepsias e síndromes epilépticas sintomáticas definidas por .....sua
................localização (focal) (parcial) com crises parciais complexas
Crises
Com alteração da consciência, freqüentemente com automatismos
Parciais complexas evoluindo para crises secundariamente generalizadas
G40.3 Epilepsia e síndromes epilépticas generalizadas idiopáticas
Convulsões neonatais benignas (familiares)
Crises epilépticas não identificadas
Atônicas
Clônicas
Mioclônicas
Tônicas
Tônico-clônicas
Epilepsia (de)
Ausências da adolescência
Ausências da infância [picnolepsia]
Com crises de grande mal ao despertar
Mioclônica benigna da infância
Mioclônica juvenil [pequeno mal impulsivo]
G40.4 Outras epilepsias e síndromes epilépticas generalizadas
Crises de Salaam
Encefalopatia mioclônica precoce sintomática
Epilepsia com:
Ausências mioclônicas
Crises astato-mioclônicas
Espasmos infantis / Síndrome de:
Lennox-Gastaut
West
G40.5 Síndromes epilépticas especiais
Crises epilépticas relacionadas aos seguintes fatores:
Álcool
Medicamentos
Modificações hormonais
Privação de sono
“Stress”
Epilepsia parcial contínua
Como se pode observar na CID-10
5
, admite-se hoje dois grandes grupos de
síndromes epilépticas no que concerne à origem e curso das crises, quais sejam,
epilepsias inicialmente focais, posteriormente generalizadas ou não, e epilepsias
generalizadas já na instalação da crise. Essa classificação também contempla os grupos
de crises com ou sem comprometimento motor (listadas no grupo G40.3).
A CID-10 também lista (não transcrito aqui) epilepsias mal identificadas ou sem
diagnóstico definido (anteriormente denominadas criptogenéticas), além do estado de
mal epiléptico, ou status epilepticus, definido por Kandel (2000) como estado de crises
generalizadas repetidas, sem retorno à consciência plena entre crises.
O estado de mal epiléptico constitui uma verdadeira emergência médica pois,
segundo Epstein e O’Connor (1966), se não for interrompido, pode levar o paciente a
graves distúrbios de oxigenação, com asfixia e edema cerebral, que, repercutindo em
centros encefálicos, são capazes de levar à morte. Lowenstein e Alldredge (1993)
realizaram um amplo estudo sobre o status epilepticus na década de 1980, encontrando
um percentual de êxito letal de 1,3% e prognóstico mais sombrio na vigência de choque
ou anóxia como desancadeantes das crises.
No que tange à etiopatogenia das síndromes epilépticas, a CID-10 divide-as em
idiopáticas e sintomáticas. Considera-se idiopática, também conhecida como essencial
ou genuína, a síndrome epiléptica primária, sem relação com substâncias exógenas,
5
Contemporaneamente, prefere-se a classificação da ILAE (International League Against
Epilepsy), a qual se encontra em processo de revisão por um grupo de especialistas e, por este motivo,
não a incluímos aqui, mantendo a classificação de uso generalizado pelos clínicos, em nosso país. A
ILAE, assim como a CID-10, divide as epilepsias em dois grupos principais: focais e generalizadas, sendo
as primeiras subdivididas em Idiopáticas, Familiares e Sintomáticas; cita também essa classificação as
epilepsias Reflexas, Mioclônicas Progressivas e as Encefalopatias com manifestações epilépticas.
síndromes orgânicas, massas intracranianas ou qualquer tipo de mal formação cerebral
6
.
Já nas epilepsias sintomáticas identifica-se (ou potencialmente poder-se-ia identificar,
nos quadros anteriormente designados como criptogênicos) a doença ou condição que
subjaz à síndrome epiléptica.
Merece destaque especial a epilepsia do lobo temporal, que pode cursar com um
cortejo de manifestações psíquicas. Essas manifestações podem, inclusive, levar a um
diagnóstico errôneo por parte de um clínico menos atento, confundindo-se com quadros
neuróticos ou psicóticos. Manifestações comuns neste tipo de epilepsia são alucinações
(auditivas, visuais, olfativas e gustativas), fenômenos ilusórios (macropsia, micropsia,
“jamais vu” e “déjà vu”) e alterações do humor (ROZMAN,1974).
O autor acima também cita a poriomania, ou impulso de emigrar, quadro
bastante estranho onde os pacientes empreendem longas viagens sem, no entanto, dar
aos observadores quaisquer mostras de se acharem perturbados. Quando, enfim,
regressam, ao terminar o acesso, não se recordam do que fizeram, no máximo tendo do
episódio uma vaga lembrança, como num sonho.
Aspectos epidemiológicos das epilepsias.
No que concerne aos aspectos epidemiológicos, "a epilepsia é tão freqüente
quanto o diabetes" e “pode estar mascarada de tantas formas que mesmo um clínico
experiente pode estar tratando um paciente epiléptico com ou sem conhecimento do
fato” (BOSHES e GIBBS,1976:7).
Cockerel e Shorvon (1997) consideram a epidemiologia como essencial para
nossa compreensão da epilepsia, já que estudos de prevalência e mortalidade fornecem
medidas fundamentais da freqüência e dos encargos desta doença, assim permitindo o
correto planejamento de serviços. Os custos, principalmente sociais e laborativos, para
além dos encargos monetários envolvidos na epilepsia também poderiam nortear e
quantificar o investimento público e privado na pesquisa, tanto clínica quanto básica
desta entidade nosológica.
6
Segundo o Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa (FERREIRA, 1972) idiopatia
refere-se à doença que não é conseqüência de outra.
Segundo esses últimos autores referidos, a incidência (ou número de
novos casos na população definida) de epilepsia em todo o mundo mostra uma ampla
faixa de variação, com o mínimo de 11/100.000 e o máximo de 134/100.000 casos
novos/habitantes. Transportando esses dados para o Brasil, teríamos entre nós um
mínimo de 19.800 e um máximo de 251.200 novos casos por ano. Já quanto à
prevalência (número de todos os casos na população definida), ainda com esses autores,
esta situa-se, internacionalmente, entre 1,5 e 31 casos por 1000 habitantes.
Segundo Guerreiro e Guerreiro (1996), a taxa de incidência varia de 11 a
131/100.000 por ano e a prevalência de 1,5-30/1000. Marino et al encontraram
prevalência na Grande São Paulo de 11,9/1000. Mais recentemente, Fernandes et al
determinaram uma prevalência de 16,5 e 20,3/1000 respectivamente para epilepsia ativa
e inativa em Porto Alegre. A faixa etária mais acometida é a infantil, particularmente
abaixo de 2 anos de idade e em segundo lugar, idosos com mais de 65 anos. A maioria
dos estudos mostra que há discreto predomínio nos homens em relação às mulheres (1,1
a 1,7 vezes).
Outros autores corroboram o acima citado, situando a prevalência no Brasil em
torno de 10,6/1000 casos/habitantes (ou seja, cerca de dois milhões de casos), em média
(BORGES, ZANETTA, e BORGES, 2002 ; BORGES et al, 2004).
É mister observar, porém, que outros estudos demonstram um perfil assimétrico
na distribuição da doença, com maior concentração de casos (novos ou existentes) nas
faixas de menor renda (RABELO et al,2006).
Esta face cruel da epilepsia, ou seja, atingir preferencialmente a camada da
população que já tem naturalmente dificultado seu acesso aos serviços de saúde, por
força de sua baixa renda (dificuldades no transporte, menor educação formal e informal,
impossibilidade de contratar planos e serviços de saúde privados etc.), termina por
penalizar duplamente os mais necessitados, gerando uma “dívida social”, de forma
alguma desprezível.
Este, talvez, seja o mais forte argumento a favor de um suficientemente grande
investimento em pesquisa básica, potencialmente capaz de alterar, senão a incidência,
através de novas formas de profilaxia da doença, pelo menos o curso desta entidade
nosológica, por meio da melhor compreensão dos mecanismos básicos de instalação e
progresso da epilepsia nos tecidos e funções afetados.
No que tange à localização cerebral do foco epiléptico primário, a epilepsia do
lobo temporal é uma das mais freqüentes epilepsias humanas e uma das de mais difícil
controle medicamentoso. De acordo com Rozman (1974) a epilepsia temporal responde
por aproximadamente 18% das epilepsias, sendo que destas cerca de 50% são
acompanhadas de transtornos psíquicos ou mentais, mais ou menos graves.
De acordo com Pedley (1996), a epilepsia do lobo temporal (ELT) é a forma
mais comum de epilepsia em adultos, responsabilizando-se por pelo menos 40% de
todos os casos. Crises que se originam do lobo temporal, incluindo a amígdala,
hipocampo e giro para-hipocampal, constituem um tipo distinto baseado na fisiologia
ictal, nos achados do EEG, na patologia e na resposta à cirurgia. Há muito menos
informação sobre a epilepsia neocortical do lobo temporal, e a maioria das definições
são expressas em termos negativos que enfatizam a ausência de características típicas da
epilepsia mesial do lobo temporal (também chamada epilepsia mesiobasal e epilepsia
límbica).
Conforme McNamara, Huang e Leonard (2006) 60% das epilepsias são parciais
(simples e complexas) e as epilepsias límbicas representam 40% de todas as epilepsias
em adultos. Destas, 30% seriam consideradas como fármaco-resistentes.
Observa-se que os autores acima citados não incluem em suas estatísticas as
epilepsias temporais corticais, apenas as límbicas, excluindo, por exemplo, a epilepsia
sintomática cortical temporal secundária a neoplasias. Tal fato nos leva a supor que o
percentual de epilepsias envolvendo o lobo temporal deve ser maior do que o estimado
pelos autores em questão.
Um resumo dos aspectos epidemiológicos das epilepsias não estaria completo se
deixássemos de mencionar a Encefalopatia Hipóxico-Isquêmica Neonatal (EHIN),
como fator etiológico da mais alta relevância na epileptogênese humana.
Araujo e Diniz (2008) definem asfixia perinatal como a síndrome que se
caracteriza pela deficiência no suprimento de oxigênio tecidual, a qual ocorre no
período que antecede ao parto ou mesmo no trabalho de parto. A complicação mais
comum do acidente hipóxico-isquêmico peri-natal, segundo os autores referidos, é a
encefalopatia hipóxico-isquêmica neonatal , que se constitui na afecção neurológica
mais comum nesta fase da vida humana.
Gherpelli, (2008), confirma essa asserção e acrescenta que modelos
experimentais demonstram claramente os efeitos deletérios da hipóxia e isquemia sobre
o sistema nervoso central. De acordo com Gherpelli, a diminuição de suprimento de O
2
para os tecidos pode ocorrer por duas vias, quais sejam, a hipoxemia que é a diminuição
do oxigênio circulante e a isquemia que é a diminuição da quantidade de sangue que
perfunde determinado tecido. O fenômeno asfíxico, prossegue o autor, é derivado e
resultante desses dois fatores: hipoxemia e isquemia, associados à hipercapnia (aumento
no CO
2
).
Segundo Greggio e Costa (2008) as síndromes hipóxico-isquêmicas perinatais
constituem o principal distúrbio associado às crises epilépticas neonatais. As crises
convulsivas incidem, segundo os autores citados, em 0,2 a 1,4 % de todos os nascidos
vivos, em seu primeiro ano de vida. Ademais, dos recém natos que apresentaram crises
epileptiformes derivadas de síndromes hipóxico-isquêmicas, 70% apresentarão seqüelas
que variarão de leves à graves, aí incluídas as epilepsias rebeldes e a paralisia cerebral.
O prognóstico dos recém natos que apresentaram crises convulsivas, de qualquer
origem, também não é dos mais favoráveis, ainda segundo Greggio e Costa (2008).
Cinquenta por cento dessas crianças evoluirão para o óbito ou apresentarão seqüelas
graves.
Também é importante destacar o comentário desses autores de que não está
esclarecida a relação das crises hipóxicas/isquêmicas conduzentes à crises convulsivas e
as subseqüentes lesões hipocampais, observadas a médio e longo prazos nesses
indivíduos .
Segundo Rotta (2002), surgem no Brasil cerca de 17000 novos casos/ano de
Paralisia Cerebral (PC), sendo a imensa maioria dos casos subseqüente à
hipóxia/isquemia perinatal. Volpe ( 2001) considera a hipóxia pré-natal responsável por
20% dos casos de encefalopatia hipóxico-isquêmica do recém nato (EHIN), a hipóxia
perinatal seria responsável por 35% dos casos e ambas, conjuntamente, por outros 35%,
restando para a hipóxia pós-natal os 10% restantes nesta etiopatogenia.
Bergamasco e colaboradores (1984), num estudo prospectivo, citam a EHIN
como a mais importante causa isolada de doenças neurológicas perinatais. Afirma ainda
Bergamasco que sua revisão da literatura indica que tais patologias perinatais são
responsáveis por uma grande porcentagem de epilepsias adquiridas.
Ainda mais importante se afigura o fato, citado por Bergamasco, de que o risco
de desenvolver epilepsias tardias em recém natos que padeceram de um ou mais
episódios hipóxico-isquêmicos é 5,1 vezes maior do que o grupo controle.
Gonzáles, Gonzáles e Hernándes (2001) reportam que de cada 1000 neonatos a
termo, 2 a 4 sofrerão um episódio hipóxico-isquêmico; de 15 a 20 % das crianças
asfixiadas que tenham apresentado EHIN, morrerão no período pós-natal e, dos que
sobreviverem, 25% apresentarão danos neurológicos permanentes.
Dugan e Kim-Han (2006) reforçam a importância epidemiológica dos acidentes
hipóxico-isquêmicos afirmando que tal lesão continua responsável por um terço das
causas de morte nos Estados Unidos, afetando mais de meio milhão de novas vítimas a
cada ano. Dessas vítimas, prosseguem os autores, 1/3 morrerá e outro terço será deixado
com limitações severas e permanentes.
Haja vista a importância clínica, epidemiológica e social dessa doença, o relevo
da pesquisa básica para uma melhor compreensão dos mecanismos que precipitam,
desencadeiam e sustentam a epilepsia, e ainda a relevância epidemiológica das
síndromes hipóxico-isquêmicas na epileptogênese humana, resta-nos uma pergunta:
qual a forma mais apropriada de estudar esta entidade nosológica em nosso
laboratório? É o que pretendemos desenvolver a seguir.
Objetivos da pesquisa.
Considerando que são raríssimos os estudos de mecanismos não sinápticos das
epilepsias derivadas de condições agudas de baixa oxigenação cerebral, em especial no
giro denteado hipocampal e, ademais, levando em conta a capacitação técnica do
LANEC para análises eletrofisiológicas, parece-nos de todo oportuno que escolhamos
uma linha de pesquisa que contemple a modelagem dessa situação clínica .
Este, portanto, revelou-se o nosso objetivo principal de estudo, ou seja, a análise
eletrofisiológica in vitro de fatias hipocampais, na região do giro denteado, de ratos
submetidos às condições de isquemia crônica e/ou hipóxia aguda, para observar a
eventual sensibilização epileptogênica sustentada por mecanismos não sinápticos nesses
animais jovens, como descreveremos em detalhes no capítulo Materiais e Métodos.
Nosso estudo limitou-se à observação da fase pós aguda da reação à hipoxemia.
Face à inexistência, até onde pudemos pesquisar, de modelos que se utilizam de
ratos Wistar, bem como a ausência de relatos na literatura de fenômenos não sinápticos
em qualquer raça de ratos após isquemia e/ou hipóxia, resolvemos desenvolver um
protocolo próprio para preencher essa lacuna experimental. Decidiu-se traçar um
protocolo combinado a partir dos protocolos de Williams , Dou e Dudek (2004) e o de
Sanchez e Jensen (2006), conforme descreveremos no capítulo Materiais e Métodos.
No presente trabalho obedeceremos ao seguinte desenvolvimento:
a) no capítulo 1, proceder-se-á a uma revisão da literatura destacando o esforço de
pesquisa concernente aos mecanismos não sinápticos da epileptogênese (MNS) e os
Modelos Experimentais de importância para o presente trabalho;
b) no capítulo 2, abordaremos da forma mais detalhada possível, os materiais e métodos
empregados na presente pesquisa;
c) no capítulo 3, exporemos nossos resultados;
d) no capítulo 4, discutiremos nossos resultados e os colocaremos em perspectiva,
utilizando-nos da base de dados existente;
e) finalmente, no capítulo 5, apresentaremos as conclusões gerais do trabalho, as
contribuições dessa pesquisa para a neurociência, de uma forma geral, e indicaremos
futuras linhas de pesquisa possíveis (e interessantes) a partir do trabalho que realizamos.
No Apêndice A, faremos uma descrição detalhada dos diversos tipos conhecidos
de conexões não-sinápticas; no Apêndice B, traçaremos algumas considerações sobre
aspectos anatômicos e anátomo-fisiológicos que podem ser úteis na leitura e
interpretação do presente trabalho. No Anexo, reproduziremos o código fonte do
aplicativo do qual nos utilizamos para análise dos dados eletrofisiológicos.
CAPÍTULO 1
Revisão da Literatura
1.1- Mecanismos não sinápticos na epileptogênese.
Dudek, Yasumura e Rash (1998) afirmam que "um dos mais antigos e
controversos itens em neurociência centra-se no papel de comunicações químicas versus
comunicações elétricas entre neurônios". Os autores prosseguem afirmando que hoje em
dia os neurocientistas geralmente aceitam que as sinapses químicas constituem a
principal forma de comunicação sob condições normais e que uma anormalidade na
transmissão química é a base de muitas desordens neurológicas.
Não obstante, esses mesmos autores reconhecem que há um vasto corpo de
dados apoiando a hipótese de que outros mecanismos "não-sinápticos" contribuem para
a geração e disseminação da atividade epiléptica e que o acoplamento eletrotônico
através de "gap-junctions" possa desempenhar um importante papel na sincronização
neural durante eventos epileptiformes.
Já na última vintena do século passado, Taylor e Dudek (1982) demostravam
que, mesmo com a transmissão sináptica bloqueada, estímulos elétricos antidrômicos
podiam evocar pós-descargas de até nove segundos de duração. Esses autores enfatizam
que, durante essas descargas, os potenciais de ação medidos a partir de um neurônio
isolado estavam sincronizados com as population spikes, registradas extracelularmente.
Prosseguem os autores sugerindo que outros mecanismos que não os sináptico-
químicos poderiam estar sincronizando e recrutando tais eventos. Tais mecanismos
poderiam estar representados, por exemplo, pelos campos elétricos, nas interações
efápticas
7
, ou pelas concentrações iônicas extracelulares, em especial quando
mecanismos não-sinápticos estivessem envolvidos, acrescentaríamos nós. Como
podemos constatar na literatura, inúmeros trabalhos posteriores, de diversos autores,
vieram a confirmar o que foi antecipado por Taylor e Dudek (1982).
1.1.1- Possíveis mecanismos para a epileptogênese
7
De acordo com mensurações transmembrânicas por eles realizadas. Vide Apêndice A para uma
descrição detalhada desse tipo de conexão.
De acordo com Mello (1996), no capítulo "Mecanismos básicos", do livro
"Epilepsia" , mecanismos sinápticos e não sinápticos poderiam explicar a
epileptogênese. Dentre os mecanismos sinápticos, o autor cita:
1.Diminuição da inibição GABAérgica,
a) por gradiente diminuído, isto é, aumento do cloro intracelular secundariamente a um
aumento do potássio extracelular, ou então uma falha no co-transporte de cloro-
potássio
8
;
b) por Diminuição na condutância pós-sináptica ao cloro devido, por exemplo, à
inibição de liberação de GABA pela ação pré-sináptica do GABA (dessensibilização
dos receptores?).
2.Ativação dos receptores do NMDA,
a) por potenciais excitatórios pós sinápticos (PEPS) dependentes de voltagem.
b) por potenciação dos PEPS por alta freqüência.
3.Ação de moduladores,
a) por diminuição do pós-potencial hiperpolarizante e da acomodação da freqüência de
potenciais de ação devido à noradrenalina e/ou à acetilcolina;
b) por diminuição da condutância de potássio não dependente de voltagem devido à
noradrenalina, serotonina e/ou acetilcolina.
Já dentre os mecanismos não sinápticos, Mello relaciona:
1.Alterações no microambiente iônico, por exemplo aumento do potássio e
diminuição do cálcio extracelulares.
2.Diminuição do espaço extracelular.
3.Falha do transporte iônico, isto é, da bomba de sódio-potássio e do co-transporte
de cloro-potássio.
4.Surto de disparos do terminal pré-sináptico.
5.Interações efáticas.
Mello (1996) prossegue afirmando que qualquer das alterações acima pode ser
inata ou adquirida. Mesmo nos casos onde o início das crises está claramente associado
8
É, no mínimo, curiosa a inclusão pelo autor deste subitem nos mecanismos sinápticos. Não nos
parece que o aumento de [Cl
-
]
i
, secundário ao incremento de [K
+
]
o
tenha qualquer relação direta com
mecanismos sinápticos, ao contrário, tais alterações interfeririam diretamente com os MNS. Da mesma
forma, surtos de disparos no terminal pré sinápticoo desempenhariam qualquer papel em condições
não-sinápticas de epileptogênese.
a um evento ambiental, ainda é possível considerar uma maior susceptibilidade
individual dependente de fatores genéticos.
Esta observação se nos afigura importante em nossa argumentação pois,
obviamente, os fatores genéticos não apenas envolvem a expressão de receptores pós-
sinápticos para neurotransmissores, dentre outros fatores importantes para os
mecanismos sinápticos, quanto de outros padrões fenotípicos, tais como a relação
espaço intra/extra celular, determinantes da susceptibilidade individual à epileptogênese
mediada por mecanismos não-sinápticos (MNS).
A existência de um intervalo entre o suposto evento epileptogênico e o
aparecimento de crises recorrentes, diz Mello, sugere um processo de amadurecimento
no qual emerge a epilepsia clínica. Mais adiante constataremos a importância desse
processo na gênese das atividades epileptiformes (AE) recorrentes, ou seja, do que
entendemos especificamente como epilepsia.
O desenvolvimento de um modelo experimental progressivo da epilepsia,
denominado de abrasamento (kindling), e o achado de um padrão progressivo de lesões
e/ou alterações morfológicas em algumas epilepsias humanas e em modelos
experimentais reforçou, afirma Mello, a idéia de que várias epilepsias seriam precedidas
por um período de amadurecimento.
Prossegue o autor dizendo que em diversos pacientes é possível traçar uma
história natural das crises epilépticas, onde, por exemplo, alguns meses ou anos após um
traumatismo crâneo-encefálico (TCE) o indivíduo passa a apresentar crises convulsivas
recorrentes (epilepsia). Da mesma maneira, em modelos experimentais de epilepsia, à
indução de estado de mal epiléptico associa-se o aparecimento de crises convulsivas
espontâneas.
Mello (1996) sustenta ainda que, no entanto, em ambas as situações, é
importante dissociar as crises agudas (que podem ser únicas e, por definição, não
epilépticas) das crises remotas (em geral recorrentes). É por este motivo que
convenciona-se chamar os paroxismos que surgem nos modelos animais de atividades
epileptiformes e não epilépticas.
Deve-se destacar nesse texto a afirmação da presença de uma janela de
susceptibilidade aumentada, dependente da faixa etária, favorecendo a epileptogênese e,
eventualmente, a cronificação posterior da doença.
Também Pedley (1996) fala a favor da existência desta janela de susceptibilidade
sustentando que a epilepsia mesial de lobo temporal (EMLT), na maioria das vezes
começa na infância tardia ou adolescência.
Sem dúvida, seria de enorme importância identificar que padrão, ou padrões,
alteram-se de forma significativa em encéfalos maduros que os fazem tornar-se mais
resistentes à epileptogênese. Seriam essas alterações basicamente ligadas aos fatores
predisponentes de ordem sináptica, não sináptica ou a ambos?
Em qualquer caso, cremos que seria relevante respondermos às seguintes
questões:
zOs mecanismos não-sinápticos (MNS) são necessários e suficientes para
explicar a epileptogênese?
zOs MNS são imprescindíveis para a epileptogênese?
zOs MNS poderiam, se inibidos, evitar uma crise epiléptica?
zOs MNS poderiam, se controlados, evitar a epilepsia a partir do estímulo
desencadeante primário, na janela terapêutica?
zOs MNS poderiam representar uma alternativa farmacológica para o controle
da epilepsia?
zOs MNS podem constituir uma alternativa eficaz para o entendimento da
gênese dos processos epilépticos, agudos ou crônicos?
zMesmo na presença de mecanismos quimio-sinápticos, os MNS permanecem
como atores importantes na epileptogênese?
Desde já adiantamos que cremos firmemente que os MNS não podem ser
desprezados numa abordagem séria e completa da neurofisiologia do SNC, em especial
no que respeita à epileptogênese.
1.1.2- Mecanismos Não-Sinápticos: Perfil do Esforço de Pesquisa
Uma pesquisa no sítio de busca Google (disponível em <http://www.google.com.br>,
acesso em 15 nov. 2007) com as palavras chave non-synaptic AND epileptogenesis
OR epilepsy retorna 12.300 páginas. Já outra pesquisa com os termos synaptic AND
epileptogenesis OR epilepsy retorna 140.000 páginas. Resultados similares são obtidos
em outros sítios de busca, como o Alta Vista, por exemplo.
Esses resultados espelham de forma bem aproximada o percentual de esforço
científico hoje dedicado aos mecanismos não-sinápticos da epileptogênese, menos que
10% das pesquisas abordam este processo.
Talvez fosse oportuno introduzir aqui um relato anedótico de Murray Gell-Mann
(GUELL-MANN,1994), sobre Gerald Durrel, fundador do zoológico da ilha de Jersey,
quando este último deparou com uma cobra do oeste da África que ele “sabia” tratar-se
de uma espécie cega e inofensiva, como a cobra-de-vidro européia. Pois, de fato,
tratava-se de uma nova espécie, extremamente venenosa que, ao abrir os olhos e morder
Durrel, quase o levou à morte.
A ênfase excessiva nos mecanismos sinápticos talvez esteja a reproduzir um
esquema mal-adaptativo, uma crença resiliente, e esteja deixando de lado outros
processos intervenientes na epileptogênese que poderão vir a demonstrar-se mais
essenciais, no sentido de representarem um fenômeno mais básico, disseminado e geral
do que os processos que envolvem os diversos neurotransmissores e seus receptores.
Talvez a comunidade científica esteja considerando, como Durrel, os mecanismos não-
sinápticos como uma curiosidade desimportante quando, na verdade, tenham se
deparado com um fenômeno novo e mal conhecido, potencialmente tão letal quanto a
cobra de Durrel.
Apesar das relativamente escassas referências aos mecanismos não-sinápticos na
literatura, 12.300 referências já representam um banco de dados considerável que nos
permitirá traçar uma linha histórica bastante abrangente desde a descoberta do
fenômeno não sináptico até nossos dias.
Há 22 anos, Konnerth, Heinemann e Yaarly (1986) já publicavam uma pesquisa
sobre a epileptogênese não sináptica in vitro no hipocampo de mamíferos. Nesse
trabalho, foi estudada a atividade epileptiforme induzida em fatias de hipocampo de
ratos, com registros intra e extra celulares, através da redução do [Ca
2+
]
o
. Perfundindo
as fatias com baixo Ca
2+
(menor ou igual a 0.2 mM) ou soluções contendo EGTA (um
quelante que sequestra cálcio) os autores observaram bloqueio das respostas sinápticas
das células piramidais hipocampais (CPH). Apesar do bloqueio, paroxismos
espontâneos, por eles denominados eventos epileptiformes (EE), apareceram em CA1 e
recorreram com freqüência estável. Hipóxia transiente acelerou o desenvolvimento e
aumentou a freqüência dos EE. Quando o [Ca
2+
]
o
foi incrementado em etapas, os EE
desapareceram aos 0.3 mM.
Este constitui um dos registros mais antigos na literatura que comprovam que as
atividades epileptiformes independem de mecanismos sinápticos para sua gênese,
disseminação e manutenção.
Ainda nesse trabalho (KONNERTH, HEINEMANN e YAARI, 1986), os autores
ressaltam que a partir de um registro extracelular do estrato piramidal de CA1, um EE
caracterizava-se por um grande desvio negativo no potencial de campo, o qual
perdurava por vários segundos, como até hoje caracteriza-se o registro eletrofisiológico
de atividades epileptiformes em modelos animais.
Durante esse período, uma grande população neuronal de CA1 descarregava
intensamente e, freqüentemente, em sincronia, como se conclui pela freqüente aparição
de population spikes
9
. A sincronização, observam os autores, entretanto não
representava um precursor necessário para o desenvolvimento de atividade paroxística,
parecendo antes denotar o resultado final de uma generalizada excitação neuronal.
Tais observações são ainda hoje pertinentes e chamam a atenção para o fato de
que a excitação coletiva de uma grande população neuronal antecede à sincronização de
disparos neuronais, este último fenômeno mais evidente do que a silenciosa excitação
que lhe precede. De fato, esta cronologia dos eventos não nos deveria surpreender se
consideramos sua essência não sináptica, apoiada em mecanismos que envolvem
gradientes iônicos extra celulares, campos eletrotônicos ou efápticos e outros que tais,
os quais independem de conexões sinápticas e, assim, tendem a recrutar grande número
de células neuronais expostas ao mesmo micro ambiente local.
Concluem os autores que a área hipocampal CA1 é capaz de gerar e sustentar
atividade epileptiforme máxima na ausência de transmissão sináptica.Tal é atribuído ao
desenvolvimento de uma retro-alimentação (ou feedback) intensa e positiva na
circuitaria neuronal através de interações excitatórias não sinápticas, as quais não são
restritas por mecanismos inibitórios dependentes do [Ca
2+
]
o
e dos mecanismos
estabilizadores operando no microambiente iônico normal.
É digno de nota, ainda no trabalho em pauta, a hipótese levantada pelos autores
de que a acumulação e dispersão espacial do K
+
no interstício de CA1 desempenhe um
9
Population spikes (pontas populacionais ou coletivas), representam o registro de pontas agudas
geradas por uma coleção neuronal disparando em sincronia. As population spikes correspondem a
"variações rápidas observadas em medidas do potencial extracelular, quando ocorrem descargas neuronais
síncronas" (ENGEL, 1989; VARONA et al., 2000). Mantivemos o termo em Inglês face a sua
generalizada adoção em neurociência.
papel primário neste processo. Esta hipótese é aprofundada em um trabalho publicado
junto ao primeiro, em que investiga-se o papel do potássio extracelular na
epileptogênese não sináptica em hipocampo de mamíferos (YAARI, KONNERTH e
HEINEMANN, 1986-b).
Na pesquisa cima citada, estudou-se o papel do K
+
extracelular ( [K
+
]
o
) na
epileptogênese induzida na área CA1 de fatias hipocampais de ratos, através da redução
do cálcio extracelular ([Ca
2+
]
o
), com a utilização de microeletrodos seletivos para K
+
(MSK).
EE espontâneos associaram-se aos incrementos fásicos de [K
+
]
o
;
pequenas
reduções do [K
+
]
o
ocasionaram efeitos contrários..
A retirada de [Ca
2+
]
o
foi acompanhada por um incremento tônico do [K
+
]
o
.
Crises máximas (EE) espontâneas ou induzidas por estímulos apareceram quando o
[K
+
]
o
estava aproximadamente 0.5 mM acima da linha base inicial de 5 mM, revertendo
tais mudanças no meio normal.
Quando o [K
+
]
o
foi injetado sob pressão no estrato piramidal de CA1 de fatias
espontaneamente ativas, uma subida local de [K
+
]
o
de 0.5 mM era necessária para
disparar um EE. Um "limiar" similar foi associado aos EE evocados por estimulação
elétrica. O aumento pequeno e incremental de K
+
(1 mM) na solução de perfusão,
acentuou a freqüência e velocidade de propagação dos EE, diminuindo o período
refratário absoluto que se segue a cada paroxismo. Mudanças similares ocorreram nos
períodos de hipóxia transitória.
Em registros simultâneos de [K
+
]
o
em duas camadas, estes transientes
mostraram-se maiores (até 3.5 mM a partir da linha de base) e subiram de forma mais
abrupta no estrato piramidal. Aventaram os autores a hipótese de que as fontes
principais para esses transientes de [K
+
]
o
são os corpos celulares das CPH, as quais
descarregam intensamente durante um EE, e que um excesso de [K
+
]
o
está
espacialmente disperso em torno da zona de descarga do paroxismo.
1.1.3- A relação entre a susceptibilidade etária e os mecanismos não sinápticos
Há muito tempo se observa, como apresentamos na introdução deste trabalho, a
predileção da incidência de epilepsia em menores faixas etárias, evidenciando a maior
susceptibilidade do tecido cerebral imaturo à essa doença. Mais uma vez aqui a
explicação parece encontrar-se nos mecanismos não sinápticos que subjazem às
atividades epileptiformes.
Segundo Roper, Obenaus e Dudek (1993), num trabalho em que demonstram a
existência de uma janela de susceptibilidade epileptogênica aumentada em ratos de 2 a 3
semanas de idade, os MNS seriam os verdadeiros responsáveis por esse fato. No
trabalho acima, observou-se que o bursting ocorria mais freqüentemente nessa faixa
etária tanto em CA1 quanto no GDH, em condições de inibição da atividade sináptica.
Outra demonstração dessa pesquisa foi a de que, através da imersão das fatias
hipocampais em meio contendo manitol, soluto impermeável à membrana, cessavam as
AE. O que basicamente ocorria nesse banho de manitol era o encolhimento das células
e expansão relativa do meio extracelular, alterando concentração iônica e
osmolaridade do sistema, e reproduzindo, de certa forma, a situação do encéfalo adulto,
mais resistente à epileptogênese.
Esse estudo demonstrou cabalmente que a atividade aumentada de receptores
NMDA, que se aventava como mecanismo básico da maior susceptibilidade
epileptogênica dos tecidos imaturos, não era de nenhuma forma necessária para a
gênese desses fenômenos, uma vez que toda a atividade sináptica estava abolida nesses
referidos experimentos.
1.1.4- Conexões não sinápticas: uma definição.
Já que até aqui vimos falando, e ainda o faremos, de mecanismos não sinápticos,
importa que definamos um pouco melhor do que tratamos quando nos referimos a
conexões não sinápticas. Na verdade, lato senso, tratamos também aqui de sinapses,
apenas não nos referimos às sinapses clássicas, i.e., químicas. Etimologicamente
sinapse deriva diretamente do grego σιναψση (sinapsé), significando união. Entretanto,
em virtude da grande relevância para a comunicação interneuronal das sinapses
químicas, dependentes de neurotransmissores, o uso consagrou a estas últimas a
denominação genérica de sinapses, apenas, exigindo uma sufixação para os outros tipos
de conexões sinápticas.
Disto resulta que, quando nos referimos a outros tipos de conexão interneuronal
que não as mediadas por neurotransmissores, as chamemos de não sinápticas, querendo
com isso dizer que não dependem de sinais químicos mediados por neurotransmissores.
Dito isto, reconhecem-se hoje quatro tipos de conexões não sinápticas, quais
sejam, conexões dependentes do efeito de campo elétrico, conexões derivadas da
interação eletrotônica, via gap-junctions
10
, conexões dependentes de flutuações iônicas
e as derivadas de interações efápticas.
Para uma descrição pormenorizada de cada um dos tipos de conexões não-
sinápticas recomendamos consultar o Apêndice A, “Conexões não sinápticas”.
1.1.5- O papel do giro denteado na epileptogênese
Talvez por razões meramente circunstanciais e históricas, a maior parte dos
trabalhos que versam sobre mecanismos não sinápticos da epileptogênese (MNS)
baseiam-se em registros eletrofisiológicos obtidos das sub regiões do Corno de Amon
(CA), e não do giro denteado hipocampal (GDH).
Esta última região, entretanto, parece desempenhar relevante papel na
epileptogêse, talvez representando o substrato mais essencial na fisiopatologia das
epilepsias essenciais focais humanas.
Alguns dos mais representativos pesquisadores dos MSN na epileptogênese em
modelos animais acentuam que o giro denteado pode ser considerado como uma válvula
para a entrada da atividade neuronal no hipocampo e que esta função forneceria a esta
estrutura um papel crítico na propagação da atividade epiléptica naquela região
(SCHWEITZER, PATRYLO e DUDEK, 1992).
Um dos prováveis motivos que levaram a comunidade científica a desprivilegiar
o GDH em benefício de áreas e subáreas CA talvez prenda-se ao fato de que as
concentrações extracelulares de cálcio e potássio apropriadas para desencadear
atividades epileptogênicas (AE) não sinápticas no cornu Amonis, são absolutamente
inadequadas para ativar o GDH, o que, de início, levou a considerar esta última
estrutura como resistente à epileptogênese e, assim, de menor importância no
processo
11
.
De fato, como acentuavam os últimos autores citados, o ponto proeminente da
atividade epileptiforme no próprio giro denteado, freqüentemente chamada de "ativação
10
Junções de hiato ou junções comunicantes, numa tradução livre. Mantivemos o termo em Inglês,
ao longo do trabalho, face a sua generalizada adoção em Neurociências.
11
As concentrações ideais de [K
+
]
o
para desencadear AE em CA são de 5.5 a 8.5 mM enquanto
que para o GDH se situariam em torno de 9 mM ou mais.
denteada máxima" (maximal dentate activation-MDA), não havia ainda sido
reproduzida in vitro, à época (SCHWEITZER, PATRYLO e DUDEK,1992).
Porém, as condições encontradiças in vivo, onde ocorre intensa atividade
neuronal, ou seja, baixo [Ca
2+
]
o
e alto [K
+
]
o
concomitantemente, uma vez simuladas
desencadeiam AE no GDH com facilidade, como demonstrou-se no trabalho acima
referido.
Enfatizaríamos nós que, se tais condições ocorrem in vivo, modelos que as
reproduzam se encontrarão, por certo, mais próximos das condições desejáveis para o
estudo da epilepsia do que aqueles que se afastam, de forma um tanto artificial, da
fisiopatologia dessa entidade nosológica.
No trabalho de Schweitzer, Patrylo e Dudek (1992), registraram-se salvas
(bursts, como são habitualmente referidas) bastante similares à MDA, consistindo de
desvios negativos prolongados no potencial extracelular com population spikes de
grande amplitude. Mais uma vez, como registram os autores, "deleção de [Ca
2+
] do
banho, adição de bicuculina, DNQX ou ambos não bloquearam bursts de campo
antidromicamente evocados ou bursts espontâneos prolongados no denteado. Assim, os
mecanismos que mantém e propagam esses eventos não requerem transmissão sináptica
mediada por aminoácidos", consistindo, portanto, em típicos MNS.
Ainda de acordo com Schweitzer, Patrylo e Dudek (1992), parece-nos que hoje
já possuímos suficientes evidências de que o GDH serviria, normalmente, como uma
válvula fechada que preveniria AE de entrarem no cornu Amonis. Durante a MDA,
porém, o GDH, perdendo sua função protetora, funcionaria como um amplificador da
atividade epileptiforme. O GDH deve ter, assim, um papel central na epilepsia
hipocampal e a compreensão dos mecanismos subjacentes à MDA nas camadas
hipocampais de células piramidais é de extremo relevo para a compreensão desta
doença.
Também aqui seria importante citar Mc Ewen (2000) quando este afirma que o
GDH é único no cérebro, possuindo contínua neurogênese de neurônios granulares
durante a vida adulta. Uma explicação do porquê de o GDH produzir novas células
neuronais na vida adulta, tanto quanto livrar-se de outras tantas, explica o autor, pode
estar contido no papel do GDH no processamento de informação espacial e aspectos
relacionados da memória espacial
12
.
Ainda com Mc Ewen (2000), este afirma que a formação hipocampal,
expressando grande número de receptores para esteróides adrenais, é uma estrutura
plástica importante para certos tipos de aprendizagem e memória. Esta estrutura também
é vulnerável a agressões tais como choque, crises epileptiformes e trauma crânio-
encefálico. O estresse e os hormônios sexuais regulam 3 tipos de plasticidade estrutural
no hipocampo de adultos, quais sejam:
a) sinaptogênese;
b) reorganização de dendritos; e
c )neurogênese no giro denteado. (grifo nosso).
Liu et al (1998) também falam de vigorosa neurogênese no GDH, multiplicando
por doze vezes a taxa normal de divisão celular, em roedores jovens, iniciando-se
poucas horas após exposição à hipoxemia.
Veremos, a seguir, a importância dessa neurogênese hipocampal na
sensibilização epileptogênica.
1.1.6- O giro denteado hipocampal e a plasticidade neuronal
Sabe-se hoje que a plasticidade neuronal acarretando a recircuitagem
hipocampal é de extrema importância na cronificação da epilepsia mesial do lobo
temporal (EMLT) e, portanto, esse papel representado pelo GDH não pode ser
desprezado na compreensão da etiopatogenia da epilepsia.
Para ilustrar esta última afirmação, citaríamos Purves (2005) quando afirma que
a atividade anormal associada à epilepsia gera alterações plásticas nos circuitos corticais
que desempenham um papel na patogênese da doença. Prossegue Purves dizendo
que a importância da plasticidade sináptica na epilepsia é indicada claramente por um
modelo animal de produção de convulsões chamado de ignição ou abrasamento (do
inglês kindling, em referência ao uso de pequenos cavacos e gravetos para acender um
fogo). Na indução do kindling elétrico, um eletrodo de estimulação é implantado no
12
A maior flexibilidade do GDH em machos explicaria o melhor desempenho, em relação às
fêmeas, em tarefas que exigem memória espacial. O preço a pagar, entretanto, seria sua maior
susceptibilidade à epilepsia.
encéfalo, freqüentemente na amígdala (um componente do sistema límbico que faz
conexões com o córtex, com o tálamo e com outras estruturas límbicas, incluindo o
hipocampo).
Afirma ainda Purves (2005) que as mudanças nos padrões elétricos da atividade
encefálica detectada em animais submetidos ao kindling assemelham-se àquelas da
epilepsia humana onde as manifestações comportamentais das crises epilépticas em
pacientes humanos variam de um leve tremor de uma extremidade até a perda da
consciência e convulsões incontroláveis, as quais por sua vez podem levar à
excitotoxicidade. A excitotoxicidade, por sua vez, implicando em morte neuronal,
representa um dos principais desencadeantes da recircuitagem neuronal.
Ainda segundo Purves (2005), a maior parte das evidências sugere que uma
atividade anormal em pequenas áreas do córtex cerebral (chamadas focos) fornece o
gatilho para uma crise que então se espalha a outras regiões conectadas sinapticamente
(e mesmo as não conectadas, através de mecanismos não sinápticos, acrescentaríamos
nós).
Ainda no que respeita a esse tema, a recircuitagem neuronal implicada na
epiletogênese e cronificação da epilepsia e a importância do GDH nesse processo, seria
também oportuno citar Margerison e Cosellis (1966) que fazem várias observações
críticas que oferecem pistas para o desenvolvimento da epilepsia mesial do lobo
temporal (ELMT).
Esses últimos autores estabeleceram a perda celular hipocampal como
característica patológica fundamental da EMLT e demonstraram que a lesão mostrou
grande variedade de expressão, de leve perda celular a severa atrofia com diminuição de
toda formação hipocampal. Eles ainda enfatizaram que, exceto nos casos mais graves,
nem todos os tipos celulares ou regiões foram igualmente afetados. Em particular,
apontaram que a perda de neurônios hilares denteados era sempre evidente e, algumas
vezes, a única anormalidade observada (esclerose do endofolium).
De fato, segundo Margerison e Cosellis (1966), a perda de neurônios no hilo
denteado poderia ser vista como lesão mínima, porque quando a perda neuronal era
mais extensa, comprometendo outras áreas do hipocampo, havia quase sempre perda de
células hilares. Finalmente, eles confirmam que quando o padrão completo da esclerose
hipocampal estava presente, incluindo perda de neurônios hilares e de células piramidais
em CA1 e CA3, perda neuronal também estava presente em locais extra-hipocampais,
incluindo córtex entorrinal, giro para-hipocampal, amígdala, tálamo e cerebelo.
Entretanto, perda neuronal extra-hipocampal não ocorreu a menos que também
houvesse perda neuronal hipocampal e “assim, o hilo do giro denteado parece ser
especialmente vulnerável a agressões e é algumas vezes a única lesão em pacientes com
EMLT.”
Ainda segundo Margerison e Cosellis (1966), mesmo no giro denteado,
entretanto, nem todos os neurônios são afetados igualmente pelas crises ou por outras
formas de lesão. Como observado, as células granulares são relativamente
resistentes, como também as células em cesto (basket cells) que contém GABA e seus
plexos axo-somáticos na camada de células granulares. Por outro lado, neurônios
vulneráveis no denteado são reduzidos em número ou desaparecem completamente após
atividade crítica repetida ou mantida, incluindo as células musgosas e interneurônios
imunoreativos à somatostatina e neuropeptídeo Y.
Outro fato interessante é que o GDH, conforme escreve Mc Ewen (2000), forma-
se após o Corno de Amon e sua maturação ocorre nas duas primeiras semanas do rato
recém-nascido, relacionando-se ao desenvolvimento da emocionalidade, como pode ser
constatado pelos efeitos de manipulação néo-natal.
Poderia ser, portanto, mais que coincidental a susceptibilidade aumentada à
epileptogênese (e à cronificação dos paroxismos) na janela de 2 a 3 semanas de idade se
o GDH estiver de alguma forma envolvido nesse processo.
Notavelmente, diz Mc Ewen, o GDH em machos é maior do que em fêmeas e
aqueles possuem também maior número de neurônios granulares. O volume do GDH
em fêmeas aumenta se, durante o período de desenvolvimento, receberem andrógenos.
Também há diferenças relacionadas ao gênero sexual no que tange ao padrão de
ramificação dendrítica e densidade de espinhas dendríticas em neurônios piramidais de
CA3.
Ambos os fatores talvez expliquem a maior susceptibilidade à epileptogênese em
machos do que em fêmeas de roedores utilizados nos modelos animais de epilepsia.
Outros autores citados por Mc Ewen reforçam ainda mais essas conclusões
(TERASAWA e TIMIRAS, 1968 apud Mc EWEN,2000), quando colocam que machos
e fêmeas utilizam-se de diferentes estratégias no aprendizado e memória espaciais e o
hipocampo exibe grande número de diferenças anatômicas entre os dois sexos.
Mais ainda, durante o ciclo estral da rata, novas espinhas sinápticas excitatórias
são tanto produzidas como eliminadas e "isto pode explicar a variação na sensibilidade
a crises epileptiformes do hipocampo dorsal durante o ciclo estral com marcado
decréscimo na sensibilidade no proestro, no pico dos níveis de estrogênio e
progesterona".
Para encerrar este tópico citaríamos textualmente Sloviter (1994):
Crises repetidas levam à formação de nova ramificação axonal e dos terminais de
células granulares (brotamento ou sprouting) nos hipocampos de humanos e animais
cronicamente epilépticos. Descrito inicialmente em animais com crises desencadeadas
por kindling, mas posteriormente reconhecido em espécimes de lobo temporal também
de pacientes com crises parciais complexas intratáveis. O brotamento reflete uma
reorganização sináptica de fibras musgosas que provavelmente ocorre em
conseqüência de atividade dependente do comportamento neuronal tal como ocorre
durante as crises. Alguns investigadores consideram o fenômeno como
“maladaptativo” assumindo que as ramificações axonais novas estabelecem conexões
excitatórias recorrentes que contribuem à excitabilidade patológica no hipocampo.
Outros encontraram que o brotamento pode ser restabelecido na sua inibição
aumentada. Finalmente, um estudo recente concluiu que o brotamento pode
estabelecer novos circuitos excitatórios, mas estes são suprimidos e não aumentam o
nível de excitabilidade, quando a inibição é normal. Talvez todas as observações
estejam corretas. Na reorganização sináptica das fibras musgosas induzida por crises
[talvez ocorra] fundamentalmente um epifenômeno, cujos efeitos funcionais são
complexos e variáveis, dependentes de outros fatores que afetam a interação entre
excitação e inibição.
No texto acima reproduzido, nos parece importante, no contexto de nossa
argumentação, destacar a última frase, onde Sloviter (1994) opina que a reorganização
sináptica induzida por crises trata-se, na verdade, de um epifenômeno dependente de
outros fatores que afetariam a interação entre excitação e inibição neuronais. Nos parece
que aí surgem as condições para a interveniência de mecanismos não sinápticos na
epileptogênese, dentre eles o papel da relação volume celular/ extracelular,
osmolaridade/ concentração iônicas do meio extracelular, interações efápticas, e
comunicação inter-neuronal via gap-junctions, dentre outros.
Finalmente, no que tange à sincronização de grandes populações neuronais,
evidenciadas como um fenômeno secundário à hiperexcitação, porém praticamente
inescapável nas AE, como evidenciado pelas population spikes, os mecanismos não
sinápticos seriam, a nosso ver, os grandes atores.
Desaparece o mistério da hipersincronização quando consideramos que um
grande número de células está exposto ao mesmo microambiente local, tornando pois,
desnecessária a comunicação interneuronal mediada por sinais químicos, demasiado
lenta para provocar esse recrutamento em bloco que observamos nas AE.
Não há "comunicação de estado" entre neurônios, simplesmente todos disparam
em sincronia porquanto todos estão igualmente hiperexcitados, a partir de um meio
ambiente que assim os tornou. Longe de desprezar a importância dos mecanismos
sinápticos na gênese da epilepsia, queremos sim é acentuar que não podemos ignorar os
MNS na instalação, curso e progressão desta doença.
Podemos agora responder a algumas das questões que formulamos na abertura
deste capítulo. Por tudo que até aqui vimos, cremos que, se ainda não foi feito, a
pesquisa futura demonstrará que os MNS, se inibidos, evitariam uma crise epiléptica ou
impediriam a cronificação da doença a partir do estímulo desencadeante primário.
Achamos mais que, se os MNS não são imprescindíveis para a epileptogênese, são pelo
menos inevitáveis nesse processo e, por certo, representam uma alternativa
farmacológica para o controle da epilepsia.
Os mecanismos não sinápticos são, sem dúvida, atores importantes na
epileptogênese. Talvez os mais importantes.
1.1.7- A importância da glia nos mecanismos não sinápticos.
S
y
mediada por difusão no espaço extracelular". Ao contrário dos neurônios entre si, as
células gliais não se comunicam através de sinapses com os primeiros. Elas utilizam o
espaço extracelular ou meio extracelular (MEC), que é o microambiente onde se alojam
células neuronais e gliais, para a comunicação neurônio-glial. Por vezes, esta
movimentação iônica extracelular é conhecida como "transmissão extrasináptica" ,
"transmissão por difusão" ou ainda, "transmissão por volume".
O MEC, afirmam Syková e Chvatál, sofre alterações dinâmicas tanto durante a
atividade neuronal quanto durante estados patológicos. A partir de sua liberação, um
grande número de substâncias neuroativas, tais como íons, neurotransmissores e
metabólitos, difundem-se pelo MEC alcançando alvos distantes de seu sítio de
liberação.
As células gliais afetam a composição e volume do MEC e, desta forma, também afetam a difusão e
x
glial.
Estudos recentes, relatam Skyová e Chvatál (2000), indicam, também que a difusão pelo MEC é tam
b
1.1.8- O papel da glia na homeostase iônica
13
Tal fenômeno mostra-se relevante na propagação de ondas de depressão alastrante (ALMEIDA
et al, 2004) Cremos que esta "macro-membrana" virtual represente fenômeno de relevo também para as
atividades epileptiformes de origem não sináptica.
Ainda conforme Skyová e Chvatál (2000), uma grande quantidade de estudos, tanto in vitro quanto i
n
concentração do [Ca
2+
]
o
que acompanham a atividade neuronal em diferentes regiões do
cérebro.
A redistribuição das mudanças iônicas relacionadas à atividade neuronal, muito
importante para a manutenção da homeostase, ocorre, em larga escala, através de ações
gliais. O mecanismo neuronal de transporte de Na
+
-
K
+
- ATPase, por exemplo, também
ocorre nas células gliais; além disso a glia mantém, segundo Skyová e Chvatál (2000),
três outros mecanismos de relevo para a manutenção da homeostase do MEC, quais
sejam:
a) tamponamento espacial de K
+
(buffering de K
+
);
b) retirada de KCl do MEC; e
c) canais de K
+
ativados por Ca
2+
.
Segundo Horio (2001), a regulação do K
+
extracelular é indispensável para a função
cerebral uma vez que o aumento do [K
+
]
o
implica no conseqüente aumento do [K
+
]
i
, em
virtude da atuação dos canais retificadores de K
+
dos neurônios, assim chamados pois
deslocam íons potássio para o meio intracelular ( K
+
inward rectifying channels -KIR,
em Inglês). As células gliais são, de acordo com Horio, indispensáveis para a
manutenção estável do [K
+
]
o
, impedindo excitação neuronal indesejável, pelo
mecanismo de tamponamento espacial de K
+
, realizado através dos canais tipo KIR da
própria glia .
Este mecanismo leva as células gliais a tomarem do MEC íons de potássio onde sua
concentração extracelular é maior, distribuí-los no meio intracelular glial e devolvê-los
ao MEC onde sua concentração extracelular é menor. O trabalho pioneiro de Kuffler,
citado por Horio (2001), demonstrava que impulsos nervosos causavam uma lenta
despolarização das células gliais, observada de 50 a 150 ms após o estímulo, seguida tal
despolarização por um lento declínio, enquanto a corrente de ação neuronal persistia por
meros 30 ms. Isto demonstraria que a glia havia tomado K
+
liberado pela ação neuronal
do MEC, sendo a célula glial, então, despolarizada por este influxo iônico. A FIG 1.1, a
seguir, ilustra esse mecanismo.
FIGURA 1.1- Tamponamento glial de potássio. Os altamente seletivos canais retificadores
de potássio (KIR-K
+
Inward Rectifiers Channels) tomam o excesso deste íon do meio
extracelular para o citoplasma glial, transportam-no ao longo de seus processos gliais e, a
seguir, devolvem esses íons onde sua concentração no meio extracelular é mais baixa.
Além dos três mecanismos acima citados, Skyová e Chvatál (2000) discorrem sobre um quarto mecanis
m
glial, tornando evidente o papel da glia na manutenção de níveis adequados de pH no
SNC.
1.1.9- O papel da glia na geração e disseminação de atividades epileptiformes.
Laming (2000), abordando o papel no comportamento representado pela sinalização de potássio no cére
b
resposta ao potássio extracelular, conforme se segue:
a) agindo como meio condutor e sensoriador para informação derivada de neurônios;
b) despolarizando e contribuindo para os desvios lentos de potencial (SPS) associado
com o despertar comportamental;
c) mediando mudanças associadas com os estágios precoces do aprendizado;
d) mediando mudanças associadas com a produção hormonal e o estado motivacional;
e) ativando processos metabólicos.
Aqui nos interessa diretamente o papel desempenhado pela glia nas alíneas a) e e) e, indiretamente, seu
precoces do aprendizado, interfere com o brotamento axonal (sprouting) que
acompanha as alterações mnêmicas, alterando a intercomunicação neuronal e gerando,
eventualmente, os circuitos reverberantes, auto regeneradores observados nas formas
crônicas de epilepsia.
Steinhäuser e Seifert (2002) elaboraram uma revisão bastante pertinente quanto ao
papel de canais e receptores gliais na geração e disseminação de AE, marcando a
relevância patogênica da glia na epilepsia humana. É a partir do trabalho desses autores
que elaboramos o compacto resumo que se segue.
a- Canais gliais de Na
+
Canais de Na
+
chaveados por voltagem (Voltage-gated channels) representam um pré-requisito básic
o
poderiam contribuir para a regulação do [Cl
-
]
i
e, assim, controlar a atividade de
transportadores dependentes de Na
+
, tais como Na
+
- glutamato e Na
+
-
K
+
- ATPase. Em
apoio a essa hipótese, evidenciou-se uma dramática sobre-regulação da densidade de
corrente de Na
+
em cultura de astrócitos isolados do tecido obtido de foco epiléptico
humano.
Dessa forma, astrócitos sobre-expressando canais de Na
+
poderiam apoiar a
disseminação de atividade paroxística através de regiões do SNC nas quais a
transmissão sináptica foi interrompida, em virtude da perda neuronal.
b- Canais gliais de Ca
2+
Canais de Ca
2+
chaveados por voltagem mediam o influxo de íons cálcio na
despolarização membrânica e regulam vários processos intracelulares tanto em células
excitáveis quanto nas eletricamente inexcitáveis. Epilepsias agudas e crônicas estão
associadas a um maior influxo de Ca
2+
através dos canais de Ca
2+
. Especula-se que,
além dos neurônios, os canais de Ca
2+
possam contribuir para a depleção do [Ca
2+
]
o
durante a atividade paroxística, representando assim um possível alvo para drogas
antiepilépticas. Em favor dessa hipótese, cita-se a sobre-regulação de canais de Ca
2+
do
tipo L
observada em
astrócitos (em coloração por métodos imunoquímicos) no modelo
de kainato da epilepsia, sugerindo um captura facilitada de Ca
2+
extracelular por esses
astrócitos no SNC lesionado, in vivo.
c- Canais gliais de K
+
Como já citado, durante a atividade neuronal ocorre elevação transiente de [K
+
]
o
, causando a despolariz
a
pelo menos, os efeitos do Ca
2+
durante estímulo induziu mudanças no K
+
extracelular,
que sugeriram significativa redução dos canais retificadores de potássio (KIR), em
astrócitos de CA1, em ratos epilépticos.
A mesma abordagem experimental levou à observação de que ocorria prejuízo da regulação de [K
+
]
o
n
a
supunha que era a expressão diminuída de KIR astroglial, o fator subjacente importante
do tamponamento reduzido de [K
+
]
o
na esclerose hipocampal, e não as alterações na
atividade Na
+
-
K
+
- ATPase ou na captura passiva de KCl.
d- gap-junctions gliais.
O acoplamento por gap-junctions, formando um sincício funcional entre astrócitos,
parece ser essencial na perfeita regulação na homeostase de íons potássio no SNC.
Ainda mais, gap-junctions em astrócitos estão envolvidas no espalhamento das ondas de
Ca
2+
intracelulares, através da rede glial, dessa forma influenciando a atividade
neuronal. Ondas de Ca
2+
podem, por esse motivo, trafegar para regiões que não estão
sinapticamente acopladas. Isto também sugere, porém, que o acoplamento astroglial
aumentado possa favorecer a hipersincronização e disseminação das AE.
O papel do acoplamento astroglial, portanto, é duplo e conflitante. Se, por um lado,
favorece a homeostase de íons potássio extracelulares, evitando hiperestimulação
neuronal, por outro lado também favorece as AE, se estas já estão presentes. De
qualquer forma, a glia revela-se importante também aqui.
1.1.10- A importância do pH nos eventos não sinápticos no giro denteado.
Schweitzer et al. (2000) ressaltam a sensibilidade ao pH dos field bursts (salvas com
ação no campo) que ocorrem sob condições de inibição dos mecanismos sinápticos por
exposição do GDH a baixo [Ca
2+
]
o
e alto [K
+
]
o
. Nessas condições, as fatias exibem in
vitro fenômenos que ocorrem nas condições observadas in vivo, tal como a ativação
denteada máxima (MDA).
Nesse trabalho, Schweitzer et al. demonstram que os field bursts eram extremamente
sensíveis a faixa de pH entre 7.0 e 7.6, sendo suprimidos em pH baixo e facilitados em
pH alto. A sensibilidade ao pH não foi suprimida pelo bloqueio de recetores NMDA,
não NMDA e GABA
A
, em concentrações de agentes bloqueadores suficiente para
eliminar tanto potenciais espontâneos quanto evocados.
Tais autores citam a sensibilidade das gap-junctions ao pH como estando na base
desses fenômenos, constituindo o pH fator similar ao do bloqueio das junções
eletrotônicas através de agentes como o octanol, oleamida e carbenoxolona. Como a
perfusão das fatias com bloqueadores químicos das gap-junctions ou com pH ácido
suprimiu os field bursts mas não bloqueou o disparo espontâneo de unidades isoladas ou
múltiplas, sugerem os autores que a sensibilidade ao pH e os fenômenos epileptiformes
in vivo, dependem em grande parte de mecanismos outros que não os mediados por
NMDA, ou outros neurotransmissores excitatórios, que ocorrem na transmissão
sináptica.
Schweitzer et al.(2000) concluem que as alterações no acoplamento eletrotônico, via
gap-junctions, afetando a sincronização de campo, possa constituir um processo como
tal, alternativo à transmissão sináptica.
Concluído este pequeno resumo dos mecanismos não-sinápticos da epileptogênese,
devemos abordar agora a modelagem experimental da epileptogênese, com ênfase nos
modelos que contemplam tais mecanismos.
1.2- Uma visão panorâmica do estado da arte em modelagem.
Hoje em dia, a imensa maioria das pesquisas sobre epilepsia utiliza-se de
modelos, prioritariamente animais, para estudo de todas as fases da doença e de sua
farmacoterapia.
Jefferys (2003), citando o “pai” da cibernética, Norbert Wiener, nos lembra a
frase “O melhor modelo de um gato é um gato, preferivelmente o mesmo gato.”
Infelizmente, prossegue Jefferys, utilizar seres humanos com epilepsia para
identificar mecanismos básicos apresenta-nos muitos problemas, notadamente éticos,
além das dificuldades na reprodutibilidade do experimento, perturbações provenientes
das medicações em uso e a virtual impossibilidade de medir diretamente vários
processos celulares e sinápticos que contribuem para a atividade epiléptica.
Mesmo tendo se provado úteis, registros de fatias cerebrais humanas obtidas
cirurgicamente (pacientes de epilepsias medicamente intratáveis) são, prossegue
Jefferys, de disponibilidade muito reduzida, excessivamente variáveis e guardam uma
história médica muito complexa para que possam constituir o veio principal da pesquisa
básica em epilepsia. Tudo isso aponta para a necessidade, ou mesmo inevitabilidade, do
uso de modelos animais neste campo de pesquisa.
Dada a alta prevalência e importância clínica da epilepsia temporal em humanos,
modelos animais desta forma de epilepsia devem merecer especial atenção dos
pesquisadores em neurociência. Afortunadamente, humanos compartilham com outros
mamíferos a sensibilidade epileptógena do lobo temporal, em especial do hipocampo e
estruturas peri-hipocampais.
Segundo Chen e Buckmaster (2005) modelos com animais de laboratório são
essenciais para que se aprenda mais sobre os mecanismos que subjazem à epilepsia do
lobo temporal, uma vez que, pelo menos nos modelos baseados em status epilepticus, os
padrões de perda neuronal e reorganização neuronal são similares àqueles encontrados
em pacientes portadores de epilepsia do lobo temporal. Estes autores afirmam ainda que
os neurônios hilares do giro denteado hipocampal podem ser os neurônios mais
vulneráveis no paciente com epilepsia do lobo temporal.
Vimos, portanto, a importância dos modelos animais na pesquisa da epilepsia,
mas, a essa altura, outra dúvida nos poderia surgir: serão esses modelos suficientes para
toda e qualquer pesquisa sobre essa doença?
Responderíamos afirmando que, apesar dos modelos animais de epilepsia,
especialmente na epilepsia focal temporal, terem trazido (e ainda o fazerem) inestimável
contribuição na elucidação dos mecanismos básicos desse processo, estes possuem
limitações, talvez intransponíveis, que impedem que sejam utilizados com
exclusividade. Dito de outra forma, são necessários porém não são suficientes.
Ainda com Chen e Buckmaster (2005:141), “ ... modelos também exibem
características que não se casam perfeitamente com a epilepsia do lobo temporal. Uma
de tais características é a extensão do dano extra-hipocampal.”
Nem sempre poderemos, como recomenda Jefferys (2003) no artigo em pauta,
testar e corroborar o que os modelos experimentais em animais indicaram com trabalhos
em material humano e, mesmo quando isto se revelar possível, dadas as já citadas
limitações deste material, permanecerá ainda uma lacuna de conhecimento a ser
preenchida.
Exatamente aí surge o espaço, cada vez mais definido, para a simulação
computacional. Esta será mais poderosa e fidedigna se, a todo o tempo, retornar ao
experimento físico, desta forma corroborando as conclusões do modelo.
Outra virtude da modelagem computacional, menos visível num primeiro
momento, é proporcionar ao experimentador uma intuição mais apurada, ou feeling, dos
fenômenos sob estudo. Esta compreensão mais profunda pode, e deve, retroalimentar a
pesquisa física, tornando-a mais objetiva e profícua, apontando para os mecanismos
realmente essenciais do fenômeno sob estudo.
A modelagem computacional é um complemento dos modelos animais, e um
complemento cada vez mais necessário, por certo.
Retornando a Jefferys (2003), no artigo acima citado, uma boa forma de lidar
com o sistema não linear e de dinâmica complexa, representado pela rede neural e suas
conexões, é através do uso de simulações computacionais realísticas, as quais podem
mostrar se as propriedades conhecidas do sistema em questão são necessárias e
suficientes para produzir a atividade epiléptica emergente.
Jefferys (2003) enfatiza que é muito difícil construir elos confiáveis entre os
mecanismos de descargas epilépticas observadas em preparações reduzidas _fatias de
tecido neural _ em diferentes níveis de análise, seja escala acima em direção à
preparação intacta, seja escala abaixo para as propriedades de neurônios isolados e suas
sinapses. É árduo conectar níveis sucessivos de reducionismo, em especial se levarmos
em conta que, em sistemas complexos, surgem propriedades emergentes que não
poderiam ser antecipadas a partir da observação das partes isoladas desse sistema.
A favor da simulação computacional, diz Jefferys (2003), em seu artigo que,
quando limitadas pela evidência biológica real, as simulações computacionais ajudam a
identificar lacunas importantes em nosso conhecimento. Através da elaboração de
predições experimentalmente testáveis, elas demonstram se o que conhecemos nos
níveis celular e subcelular é necessário e suficiente para explicar as características da
atividade epiléptica.
Reforçando a importância da simulação computacional, Allman e Rhodes (2004)
observam que interações entre as ciências matemáticas e biológicas têm crescido
rapidamente nos anos recentes, tanto em tópicos tradicionais, tais como a modelagem
de populações e de doenças, quanto em novos tópicos. Segundo esses autores, inúmeros
grupos e pesquisadores individuais prevêem que esta área continuará a exibir enorme
crescimento.
O célebre físico Murray Gell-Mann, laureado com o prêmio Nobel, nos traz
comentários bastante pertinentes a este tópico (GELL-MANN,1994):
Uma outra grande área para a aplicação de computadores é a simulação do
comportamento de sistemas adaptativos complexos. A característica mais.marcante
destas simulações é a emergência de comportamento complexo a partir.de regras
simples. Estas regras implicam regularidades gerais, mas a resolução.de um caso
individual mostra regularidades especiais adicionais...O truque ao ....projetar uma
simulação controlável é podar as regras de modo a torná-las mais ..simples ainda, mas
de tal maneira que a maioria dos tipos de comportamento emergente permaneçam...[a
intuição de como podar as regras] baseia-se parcialmente em raciocínio a priori e em
parte na experiência em mexer com as ...regras e depois observar o que acontece sob as
regras modificadas com rodadas de computador particulares. Ainda assim, o projeto de
simulações simples, ricas em conseqüências interessantes, permanece mais uma arte do
que uma ciência.
Gell-Mann prossegue no seu texto formulando três importantes questões, quais
sejam, se as simulações forneceriam intuição válida para situações reais, se elas
revelariam comportamentos possíveis que não foram antes pensados e se indicariam
novas explicações possíveis para os fenômenos conhecidos.
Àquela época em que o texto foi elaborado, mais de treze anos atrás, Guell-
Mann responde às suas próprias perguntas com o comentário de que na maioria dos
campos de atividade as simulações seriam ainda muito primitivas para que se pudesse
responder afirmativamente a estas questões, não obstante demonstrar-se espantoso
como, em certos casos, um conjunto simples de regras possa fornecer um insight
realmente valioso da efetiva operação de um sistema adaptativo complexo no mundo
real.
Devemos, porém, considerar que, em treze anos, o poder computacional de
nossas máquinas cresceu extraordinariamente, possibilitando hoje em dia que um
pequeno cluster de computadores processe, paralelamente, informação de uma forma só
obtenível em grandes supercomputadores, em 1994.
Esse avanço nos traz um novo horizonte para a simulação computacional de
sistemas adaptativos complexos, como sói tratar-se o SNC. Analogamente, a expertise
no desenvolvimento de softwares e estratégias para lidar com tais simulações também
cresceu de forma quase exponencial ao longo da última década do século passado,
possibilitando hoje feitos há pouco impensáveis.
A escolha de utilização de um modelo animal, subsidiado ou não por simulações
computacionais, não esgota, porém, a necessária tarefa preliminar de bem especificar
nossas condições de contorno, bem como explicitar os pressupostos básicos que
norteiam nossa pesquisa. Em relação a isto, devemos contextualizar duas classes de
mecanismos importantes na epileptogênese, quais sejam, mecanismos sinápticos e não-
sinápticos, intervenientes nas crises epileptiformes.
Como poderemos constatar na literatura, inúmeros trabalhos posteriores, de
diversos autores, vieram a confirmar o que foi antecipado por Taylor e Dudek (1982).
Parece-nos, portanto, que se impõe um modelo animal, subsidiado ou não por
simulações computacionais, se necessário e possível. Mais ainda, já pudemos constatar
que os mecanismos não-sinápticos são merecedores de nossa atenção. Deveremos,
entretanto, situar uma derradeira questão no que respeita à modelagem para que não
incorramos no pecado da omissão. Devemos citar também a possibilidade de
realizarmos estudos in vivo.
Até recentemente, a imensa maioria dos estudos sobre mecanismos não-
sinápticos da epilepsia utilizaram-se de preparações in vitro, normalmente fatias de
tecido cerebral, em especial do hipocampo, amígdala cerebral e outras estruturas peri-
hipocampais. Raramente, aliás, tais estudos foram apoiados por simulações
computacionais dos fenômenos sob observação.
Estas preparações simplificadas impõem, porém, um limite para a generalização
dos fenômenos observados para o organismo completo e atuante, representado pelo ser
vivo. O enfoque reducionista esbarra, por vezes, em sérias dificuldades quando tenta
lidar com sistemas complexos, de comportamento não-linear e dinâmica caótica
14
.
Sem dúvida, é deste tipo de sistema que tratamos no estudo neurofisiológico do
Sistema Nervoso Central (SNC), particularmente quando estão envolvidas no processo
variáveis como ritmo, sincronização (e hipersincronização), correntes iônicas e outras
que tais, como sói ocorrer na epilepsia . Em síntese, quanto mais pudermos nos
aproximar das condições reais em nossos experimentos, mais fidedignos serão nossos
resultados e mais apropriadas nossas conclusões.
14
Caótica no sentido estritamente matemático do termo: sistema complexo, não linear, onde
pequenas alterações nas condições iniciais podem levar a grandes e não computáveis alterações no estado
final do sistema.
Para apoiar nossa argumentação quanto à complexidade, não-linearidade e
dinâmica caótica do SNC, citaríamos Davies (2000):
Todas as formas conhecidas de vida são espantosamente complexas. Até os
organismos unicelulares como as bactérias são verdadeiras colméias de atividade
envolvendo milhões de componentes. Em parte essa complexidade é o que
garante a imprevisibilidade dos organismos. Por outro lado, um furacão e uma
galáxia também são muito complexos. Os furacões são notoriamente
imprevisíveis. Muitos sistemas não vivos são o que os cientistas chamam de
caóticos_ o seu comportamento é demasiado complicado para ser previsto,
podendo ser até aleatório. Talvez o significativo não seja a complexidade per se,
mas a complexidade organizada...
Em um experimento envolvendo células cardíacas de embrião de galinha, as
quais guardam certas analogias com os neurônios (ambas células são, de alguma forma,
sensíveis ao ritmo dos estímulos aferentes) , Guevara, Glass e Schrier (1981)
observaram que ali aplicava-se a dinâmica caótica. Esses autores assim se expressaram:
“O comportamento dinâmico exótico, visto antes nos estudos matemáticos das ciências
físicas, pode em geral estar presente quando os osciladores biológicos são perturbados
periodicamente”.
James Gleick (1989), divulgador de Ciência no New York Times, relaciona em
seu livro “Caos” inúmeros comentários de pesquisadores afirmando que os tecidos e
órgãos biológicos devem ter seu comportamento entendido em termos de uma
matemática não-linear e dinâmica caótica.
Tudo o que acima expusemos fala a favor da importância de complementarmos
nossas pesquisas com modelos in vivo, mais próximos das condições reais de
funcionamento dos organismos do que as representadas pela preparações simplificadas.
É mister comentar que tais modelos são aplicáveis tanto aos protocolos de gênese
aguda, que representam mais apropriadamente as crises epilépticas do que a epilepsia,
quanto aos protocolos que buscam reproduzir o curso crônico da doença, sendo
especialmente favoráveis ao estudo de mecanismos não-sinápticos da epileptogênese.
Deveríamos, entretanto, enfatizar que os modelos in vivo complementam mas
não substituem os modelos in vitro, uma vez que os últimos podem proporcionar
condições de contorno mais restritas que podem ensejar, em princípio, maior
objetividade, simplicidade, controle e facilidade de execução do experimento,
respondendo mais diretamente à pergunta subentendida na hipótese formulada. Menos
ainda, substituem os modelos computacionais, que cremos já haver demonstrado serem
de imenso relevo na neurofisiologia.
Um trabalho completo para o estudo das atividades epileptiformes (AE) não
sinápticas envolvendo o giro denteado hipocampal (GDH), portanto, deveria contemplar
três conjuntos experimentais, quais sejam, modelagem animal in vivo, in vitro e
simulação computacional dos fenômenos observados
15
.
1.2.1- A modelagem de epilepsias derivadas de síndromes hipóxico-isquêmicas.
Para finalizarmos este esboço das técnicas de modelagem hodiernamente
empregadas, cremos oportuno enfatizar que, seja qual for a abordagem experimental (in
vivo, in vitro ), é altamente desejável um modelo animal que reproduza o mais fielmente
possível as condições naturais da gênese da epilepsia humana.
Neste particular, assumem significância estatística, como vimos na Introdução
deste trabalho, as síndromes perinatais hipóxicas/isquêmicas tais como a circular de
cordão. Afortunadamente, essas condições patogênicas são facilmente reproduzidas em
modelos animais, exigindo do pesquisador apenas uma certa habilidade cirúrgica além
da disponibilização de um set-up relativamente fácil de disponibilizar.
1.2.2- Modelos isquemia/hipóxia escolhidos como referência.
Segundo Sanchez e Jensen (2006), o modelo animal que se utiliza de hipóxia
aguda para geração de atividades epileptiformes foi melhor estudado no rato Long-
Evans, raça na qual se observa claramente a susceptibilidade dependente da idade do
animal.
Neste tipo de rato a maior susceptibilidade ocorre em torno de P9 a P12, com
pico de atividade em P10. Já quanto à raça Sprague-Dawley parece haver maior
sensibilidade à hipóxia em torno de P8-P9. Estes autores não mencionam, e também não
encontramos referências em outra parte, ratos da raça Wistar em modelos de hipóxia.
Apesar de, em última análise, o maior interesse clínico da atual pesquisa
relacionar-se à hipóxia perinatal humana, não seria interessante utilizar-se um modelo
15
Naturalmente, tal estudo parece delinear uma linha geral de pesquisas e não um trabalho isolado,
fugindo, portanto, do escopo de uma dissertação de mestrado, em face, principalmente, da limitação do
tempo concedido para a consecução dos experimentos.
de hipóxia em ratos recém natos, exatamente face à menor sensibilidade epileptogênica
observada nessa faixa etária. Em verdade, também humanos podem ser mais
naturalmente resistentes à hipóxia no período perinatal , embora não tenha sido bem
definida a janela de maior susceptibilidade em humanos.
Assim, como ratos escolhidos aleatoriamente não devem apresentar especial
susceptibilidade à epileptogênese, deve-se privilegiar no estudo com modelos a faixa
etária de maior sensibilidade da população em geral dos animais na tentativa de
mimetizar as condições encontradiças em humanos mais susceptíveis.
O melhor modelo não é, necessariamente, o que mais se aproxima das condições
ambientais modeladas e sim o que produz resultados no animal de experimentação mais
análogos aos observados nos casos clínicos, como parece tratar-se o modelo em lide.
No protocolo dos autores acima citados, submeteu-se os animais à breve e
gradual exposição à hipóxia, iniciando-se com uma taxa de O
2
de 7% por 7 minutos, 6%
por 4 minutos, 5% por 3 minutos e, finalmente, 4% por um minuto perfazendo, assim,
um total de 15 minutos de hipóxia. A concentração de oxigênio requerida foi obtida por
mistura com N
2
em câmara selada. Os animais foram mantidos aquecidos através de
uma manta térmica.
Nestes experimentos observaram-se alterações simultâneas exibindo tanto
atividades epileptiformes neocorticais quanto hipocampais. Animais mais velhos ou
mais novos do que os das faixas relacionadas não exibiram atividades ictais e os
animais P20 mostraram diminuição da atividade elétrica cortical em resposta à hipóxia.
É digno de nota o comentário dos autores observando que P10, nesses animais,
cai numa janela desenvolvimental onde ocorre grande aumento na expressão de
receptores AMPA permeáveis ao Ca
2+
.
Sanchez e Jensen (2006) enfatizam que este modelo é especialmente adequado
para o estudo de modificações relacionadas exclusivamente a sobre-regulação dos
circuitos excitatórios, uma vez que não ocorre morte celular significativa pós hipóxia e,
portanto, não se observa reorganização de vias neuronais em conseqüência de perda
celular. A baixa mortalidade observada (em torno de 2%) também fala a favor da
utilização deste modelo.
Já Williams, Dou, e Dudek. (2004) utilizam-se de um modelo combinado
Isquemia/Hipóxia em ratos Sprague-Dawley, P7, os quais desenvolvem
espontaneamente epilepsia tardia. Neste modelo, os ratos são submetidos à ligadura
unilateral da carótida cervical comum e, após a recuperação cirúrgica, submetem-se à
hipóxia em atmosfera de 8% de O
2
por duas horas. Monitorados por um período de 7 a
24 meses pós procedimento, antes de eutanásia para observação histológica, 40% dos
animais sobreviventes exibiram crises motoras espontâneas e significativo brotamento
(sprouting) das fibras musgosas do giro denteado ipsilateral. Interessante observar que
apenas os ratos que exibiram crises espontâneas evidenciaram brotamento também
contralateral, numa espécie de foco espelho nesses ratos epilépticos.
1.3- Fisiopatologia dos episódios hipóxico-isquêmicos.
Retornando a Araujo e Diniz (2008), a EHIN envolve alguns mecanismos
bioquímicos bastante prováveis, quais sejam:
1. Alterações regionais na produção de ATP (diminuída na via anaeróbica);
2. Acúmulo de K
+
extracelular (importante para mecanismos não sinápticos,
acrescentaríamos nós);
3. Acidose intracelular (íons H
+
e lactato);
4. Peroxidação lipídica (responsável por alterações permanentes, ou de longo prazo,
nas condições do plasmalema);
5. Fluxo alterado de íons (aumento do Ca
2+
intracelular, implicando em maior
ativação do glutamato excitatótrio); e
6. Fluxo alterado de neurotransmissores.
Pond et al.(2006), num trabalho sobre isquemia in vitro, citam o efeito da baixa
de PO
2
sobre a homeostase iônica com destaque para o equilíbrio do cloreto.
Dugan e Kim-Ham (2006) abordam, entre outros fatores, o efeito dos episódios
hipóxico-isquêmicos sobre a bomba de sódio-potássio e sobre os canais iônicos.
Todas as condições acima referidas constituem-se em potenciais objetos de
pesquisa experimental, para avaliar sua contribuição relativa na gênese de atividades
epileptiformes, em organismos submetidos à condições hipóxico-isquêmicas por volta
de seus primeiros dias de vida.
1.3.1- Estadiamento fisiopatológico do episódio hipóxico-isquêmico.
De acordo com Graf et al. (2008), o processo da lesão cerebral hipóxica inclui
quatro períodos:
1.efeito direto da deficiência de oxigênio;
2.distúrbio da hemodinâmica geral e cerebral;
3.recuperação e estimulação do desenvolvimento (“compensação”); e
4.mudanças atróficas progressivas no cérebro.
A cascata de processos fisiopatológicos desencadeada pelo evento hipóxico-
isquêmico, inicia-se com uma transição do metabolismo oxidativo para o anaeróbico
(glicólise), do que resulta a acumulação de NADH, FADH, lactato e íons H
+.
A glicólise anaeróbica não consegue prover energia suficiente para as células e,
como resultado, o funcionamento das bombas celulares fica prejudicado e, desta forma,
Na
+
, Ca
2+
, Cl
-
e água acumulam-se nas células (edema citotóxico). Este edema celular,
porém, é breve. No dia subsequente, os neurônios terão ou desaparecido por lise celular,
ou sobrevivido com mais ou menos lesões em diversas organelas, incluindo a membrana
celular.
O estágio inicial do processo, conhecido como estágio excitotóxico (que
corresponde às primeiras horas), inclui a liberação de aminoácidos excitatórios
(principalmente glutamato) para o espaço extracelular e o aumento das Espécies
Reativas de Oxigênio (ERO, ROS ou radicais livres).
O glutamato, por sua vez, ativa os receptores celulares, o que leva a um influxo
de Na
+
e de Ca
2+
e um efluxo de K
+
resultando, portanto, na despolarização da
membrana. Uma alta concentração de glutamato e de outros aminoácidos excitatórios
induz não só à despolarização da membrana, porém também à abertura dos receptores
glutamaérgicos do subtipo NMDA e ao consequente influxo de Ca
2+
para as células.
Os receptores NMDA são passivamente abertos quando o potencial de
membrana decresce nos episódios hipóxicos, mesmo com baixas concentrações de
glutamato. Outros receptores de glutamato, tais como os receptores AMPA, por
exemplo, podem também iniciar uma cascata neurotóxica que termina por levar à morte
celular.
Já Somjen (2004), relaciona, acentuando a observação eletrofisiológica e/ou
eletroencefalográfica, nove fases na fisiopatologia hipóxica em condições controladas
em laboratório, onde o CO
2
é mantido constante no ar inspirado quais sejam:
1.Um breve intervalo inicial livre de sintomas, o Intervalo Livre;
2.O período de ativação, onde o EEG mostra sinais de atividade rápida e irregular de
baixa voltagem. Pode ocorrer nessa fase, entretanto, hiperexcitabilidade neuronal
genuína nos estágios iniciais da desinibição;
3.Atividade breve de baixa frequência α ou, alternativamente, podem aparecer spindles
(fusos);
4.Atividade α e spindles convertidos em ondas lentas δ ;
5.Cessação espontânea das oscilações e disparos neuronais; o EEG isoelétrico;
6.Falha geral da transmissão sináptica;
7.Despolarização similar à Depressão Alastrante (Hipoxic Spreadind Depression-like
Depolarization: SDH);
8.se o oxigênio não é restabelecido, ocorre o dano neuronal hipóxico; e
9.Mesmo com o fluxo de oxigênio restabelecido, a morte de certas células neuronais: a
degeneração neuronal tardia.
Somjen (2004), pontua que a HSD é inicialmente reversível porém, na ausência
de reoxigenação, ocorre dano neuronal permanente.
1.3.2- O papel do óxido nítrico (NO) e monóxido de carbono (CO) na
hipóxia/isquemia: a importância do edema na fisiopatologia hipóxico-isquêmica.
Embora haja evidência de que o NO e o CO estejam envolvidos na patogênese
do dano hipóxico-isquêmico, poucos estudos examinaram o papel do CO na lesão
cerebral. Recentemente, um papel para o CO na lesão hipóxico-isquêmica foi
demonstrado por Yuan et al.(2000), concluindo que tanto o monóxido de carbono
quanto o óxido nítrico estão relacionados com a severidade do dano cerebral após
encefalopatia hipóxico-isquêmica (EIH).
Evidências indicam que a expressão basal da heme-oxigenase1 (HO-1), que
parece ter papel neuroprotetor , está elevada durante a hipóxia. Essas evidências
indicam também que o CO endógeno funciona como um modulador fisiológico das
respostas ventilatórias à hipóxia, por via de suas ações sobre os corpos carotídeos e,
talvez, sobre neurônios do tronco cerebral.
Ademais, o CO pode desempenhar um papel na adaptação ventilatória à hipóxia.
Quando ratos de uma semana foram submetidos à isquemia unilateral por coagulação de
uma das carótidas, seguida por hipóxia de duas horas (8% O
2 ,
92% N
2
), as análises
imunocitoquímicas e de Western-Blot mostraram aumento da coloração para HO-1 no
córtex ipsilateral, hipocampo e estriado, de 12/24 horas até 7 dias pós procedimento. O
envolvimento do CO na EIH neonatal pode ser assim sumariado:
A HO-1 expressa por células musculares lisas e seu produto, o CO, podem
regular o tônus vascular sob condições fisiológicas, sendo estimulada a
atividade HO-1 em condições hipóxicas, aumentando marcadamente a produção
de CO. O CO sobreproduzido pode mudar o tono vascular através da regulação
de cGMP, o que resulta em edema cerebral.
A HO-1 expressa por macrófagos, e seu produto, o CO, tanto quanto a
biliverdina, podem ter efeito protetor por suas ações antioxidantes, porém a
sobreprodução dessas substâncias pode ser tóxica para o cérebro.
O CO
16,
como um neuromensageiro putativo, pode ter influência significativa
no cérebro, quando sua produção está marcadamente alterada depois de um
episódio hipóxico-isquêmico.
O NO, por sua vez, ainda de acordo com os autores citados, tem papel central na
regulação do fluxo sanguíneo cerebral em resposta à hipóxia, uma vez que a inibição da
NO-sintetase aumenta a resistência vascular e diminui a resposta vasodilatatória
17
durante isquemia e/ou hipóxia. Estudos em carneiros neonatos, ainda de acordo com
Yuan et al.(2000), sugeriram que o bloqueio imediato de NO após exposição à hipóxia
e/ou isquemia possa reduzir o dano cerebral, provavelmente porque esse bloqueio reduz
significativamente o edema intersticial.
A presença de edemas, tanto celular quanto intersticial, nas síndromes hipóxicas
também é abordado por Sutcliffe (2007). Essa autora cita duas origens para o edema
intersticial, a vasogênica e a hidrostática; no primeiro caso ocorrendo vazamento de
líquido seroso rico em proteínas para o MEC, enquanto no segundo o conteúdo proteico
é baixo.
No caso do edema vasogênico, ocorre ruptura da barreira hemato-encefálica por
ação de mediadores inflamatórios, aí incluído o fator de necrose tumoral α (TNFα ) e a
interleucina-6 (IL-6), além de outras citoquinas. Já o edema hidrostático ocorre quando
há um súbito aumento na pressão capilar transmural. Apesar de ambos serem citados
por Sutcliffe (2007) nos episódios hipóxicos, nós cremos que o edema intersticial
vasogênico seja, senão exclusivo, dominante no quadro.
16
Assim como o NO, é importante frisar.
17
A vasodilatação representa o principal desencadeante do edema intersticial.
Nedelcu et al (2009) afirmam que o edema intersticial vasogênico pós
isquemia/hipóxia mostra-se bifásico, a primeira fase ocorrendo dentro de uma hora após
a hipoxemia e interessando 52+/- 9% do cérebro e a segunda fase atingindo extensão
máxima de 45+/- 10% da área cerebral cerca de 24 horas pós-procedimento, ambos
acompanhados também por edema celular citotóxico. Esses autores também citam uma
área de infarto cístico, atingindo 35 +/- 12% do volume cerebral, a qual ocorre (ou
persiste) até cinco dia pós hipóxia.
1.3.6- A importância das alterações da homeostase iônica nos quadros hipóxico-
isquêmicos .
1.3.6.1- O cloreto.
Pond et al. (2006) realizaram um interessante trabalho com um modelo de
isquemia in vitro, expondo fatias hipocampais à baixa oxigenação e a baixos teores de
glicose, simultaneamente. Esse procedimento, conhecido como privação de oxigênio-
glicose (Oxygen-Glucose Deprivation, OGD), consiste em submeter as fatias isoladas
de ratos transgênicos Clomeleon a oito minutos de OGD, medindo a fluorescência
ressonante nesses tecidos, a qual constitui um indicador indireto da concentração de
cloreto.
O estudo demonstrou dois picos de [Cl
-
]
i
, o primeiro durante a manobra de OGD
e o segundo na reoxigenação com normalização do suprimento de glicose. Pond et
al.(2006) atribuem esses picos à ação da OGD sobre o cotransportador Na
+
– K
+
- Cl
-
da
isoforma 1, (NKCC
1) ,
presente de forma ubíqua no cérebro e em outros tecidos.
Apesar da OGD também exercer efeitos sobre o [pH]
i
,
acidificando-o pela
acumulação de ácido lático intracelular, na via anaeróbica, essa queda foi pequena
(resultando em lesões leves, observadas três horas pós-procedimento) e foram tais
efeitos neutralizados na análise dos resultados, demonstrando assim que a ação
predominante da OGD foi sobre NKCC.
Dentre as várias maneiras em que o incremento de cloreto intracelular atua para
produzir dano celular, pode-se citar a mais óbvia, sua ação sobre a regulação do fluxo
de [Cl
-
] através dos receptores GABA
A
.
Em condições normais, a equação de Nernst indica um V
m
(o potencial de
membrana) que oscila entre -56 e -70 mV, e um E
cl
de -80 mV, o que propicia um
gradiente de cloreto dirigido para o interior da célula e, por via disto, uma resposta
hiperpolarizante, inibitória, ao GABA. Setenta e cinco minutos de reoxigenação, como
indicado no trabalho de Pond et al.(2006), trouxeram E
cl
para um valor de -58 mV.
Se V
m
é positivo em relação a E
cl
, a ação do GABA será hiperpolarizante porém
se V
m
cair abaixo de -58mV (dentro da oscilação fisiológica, portanto), isto causará
efluxo de cloreto, despolarização do neurônio e hiperexcitabilidade, acarretando dano
neuronal.provendo uma carga elétrica iônica para o cotransporte de sódio para dentro
dos neurônios e a subsequente entrada compensatória de água no citoplasma.
Em suma, concluem os autores que a subida de [Cl
-
]
i
provocada pela manobra
OGD foi suficiente e necessária para causar dano neuronal _um fator etiológico da
lesão, não uma consequência desse dano.
1.3.6.2- Outros íons e proteínas.
De acordo com Dugan e Kim-Han (2006), quando hipóxia e/ou isquemia
cerebrais ocorrem, imediatamente caem os níveis de ATP necessários para o
funcionamento das bombas iônicas da membrana citoplasmática, tal como a Na-K-
ATPase, levando à ruptura dos gradientes iônicos transmembrânicos normais. Este
desequilíbrio iônico acarreta a despolarização membrânica, abertura dos canais iônicos
voltagem-sensíveis e uma cascata de eventos que podem levar à morte celular.
Nos primeiros segundos de um insulto isquêmico, ainda com Dugan e Kim-Han
(2006), a atividade elétrica cessa, como resultado da ativação de canais de K
+
e
generalizada hiperpolarização neuronal, numa resposta presumivelmente protetora.
Esta resposta possivelmente ocorre em reação às mudanças agudas de concentrações
locais de ATP, H
+
ou Ca
2+
e/ou, talvez, à associação alterada de metaloproteínas (em
especial as que contém Zn
-
em sua estrutura) aos canais de potássio específicos. Somjen
(2004) corrobora o ponto de vista de uma função protetora na cessação da atividade
neuronal, acentuando que esta interrupção ocorre antes da depleção dos fosfatos de alta
energia, sugerindo, também, que exista um sensor celular de oxigênio que atue como
um sentinela da ameaça hipóxica.
Decorridos minutos da agressão hipoxêmica, contudo, esse mecanismo protetor
falha em preservar os níveis de fosfato de alta energia requeridos, com a generalizada
baixa da fosfocreatina e do ATP. À queda da PO
2
, segue-se o aumento da produção de
ácido lático e queda do pH do tecido alvo para algo em torno de 6.8 a 6.2. Aumentam
os níveis intracelulares de Na
+
e Ca
2+
enquanto cai o Mg
2+
. Em acréscimo, efluxo de K
+
dos neurônios despolarizados resulta em duradouro aumento do [K
+
]
o
e, após algum
tempo, na maciça despolarização celular conhecida como Depressão Alastrante (DA)
18
,
que se propaga pra os tecidos vizinhos.
1.3.1- A importância das citocinas na resposta ao episódio hipóxico-isquêmico.
As citocinas, invariavelmente liberadas pela micróglia, durante a resposta
imunológica básica padrão, influenciam fortemente os neurônios, em especial no que
tange a sua habilidade de processar informações, fazendo da inflamação um fator
determinante na patogênese das lesões cerebrais que sucedem a um episódio hipóxico-
isquêmico. De acordo com Sun, Calvert e Zhang (2005), os efeitos biológicos dessas
citocinas pró-inflamatórias incluem o estímulo e síntese de outras citocinas, indução de
infiltração leucocitária, influência na expressão genética glial e estimulação da síntese
de fatores tróficos.
A resposta inflamatória parece constituir o fator determinante, em última análise,
das alterações observadas nos parâmetros eletrofisiológicos medidos neste tipo de
estudo. A resposta inflamatória altera, de forma significativa, tanto o espaço extracelular
quanto o citoplasma e a membrana, em conjunto. Dessa forma, a alteração de
parâmetros eletrofisiológicos pode ser a expressão de variáveis alteradas na matriz
complexa que envolve a célula e seu meio ambiente imediato, a matriz extracelular.
Dados experimentais, que apoiaram essas conclusões, demonstram que existe
uma associação significativa entre anormalidades no desempenho neurológico e altas
concentrações de citocina medidas no sangue do cordão umbilical retirado de crianças
expostas. Tanto as crianças que padeceram de corioamniotite ( infecção disseminada
para córion e saco amniótico) quanto as crianças expostas à asfixia perinatal exibiram
altos níveis de citocinas, demonstrando, assim, que a inflamação constitui a resposta
padrão, genérica, a ambos os tipos de processo.
Bazan (2006), acentua que os fosfolipídeos nas membranas sinápticas
constituem um alvo importante nas crises epilépticas, doenças neurodegenerativas e
isquemia cerebral. Essas membranas altamente excitáveis possuem conteúdo
enriquecido de fosfolipídeos esterificados com ácidos graxos poli-insaturados que são
18
Ou HSD, mais apropriadamente (SOMJEN, 2004).
atacados pela MAP-quinase fosfolipase citossólica A
2 (
cPLA
2
),
liberada tanto na
epilepsia quanto no episódio hipóxico-isquêmico.
Bazan (2006) reforça essa conjetura citando achados recentes, onde
camundongos knock-out para o cPLA
2
exibem infartos e déficits neurológicos
consideravelmente menores do que animais normais, num modelo de Acidente Vascular
Cerebral (AVC) isquêmico.
1.3.3- Histologia de tecido cerebral exposto à hipóxia crônica.
Yu, Bakay e Lee (1972), expuseram ratos Sprague-Dawley à hipóxia contínua
(10% O
2
/ 90% N
2
) por períodos que variaram de 1 a 24 dias, realizando eutanásia de um
grupo em cada período de 24 horas. Fazemos, a seguir, um resumo de algumas
observações histológicas realizadas pelos autores para diversos tipos celulares:
Astrócitos.
Nos primeiros 6 dias de hipóxia, a única alteração observada em astrócitos, tanto
na matéria branca quanto cinza, consistiu numa moderada dilatação da cisterna do
retículo endoplasmático (RE) , particularmente nos processos perivasculares. Alterações
severas foram observadas a partir do sétimo dia; na matéria branca ocorreu uma profusa
acumulação de gliofilamentos citoplasmáticos, enquanto na matéria cinza muitos
astrócitos exibiram marcada distensão com translucência aumentada no citoplasma,
cisternas do RE bastante dilatadas e feixes de gliofilamentos caoticamente dispostos no
citoplasma.
Oligodendrócitos.
Não foram observadas alterações morfológicas, na substância cinzenta, durante a
primeira semana. Em períodos posteriores, mudanças definitivas foram observadas, tais
como marcadas dilatações das cisternas do RE, particularmente na zona periférica do
perinúcleo. Tais dilatações eram mais frequentemente observadas em células adjacentes
às convoluções de processos astrocíticos.
Pequenos vasos sanguíneos.
A resposta precoce à hipóxia pareceu consistir no aumento no número e
tamanho de mitocôndrias de células de pequenos vasos sanguíneos, acompanhado
por um espessamento da lâmina basal, seguida esta reação inicial por extensas
alterações de outros componentes vasculares em períodos mais tardios. As mudanças
mais pronunciadas ocorreram em pericitos, os quais continham muitos corpúsculos
osmiófilos e se apresentavam marcadamente hipertróficos.
Espaço extracelular.
Algum alargamento do espaço extracelular foi observado na matéria branca
durante as primeiras duas semanas de hipóxia. Não houve dilatação do espaço
extracelular na matéria cinza em qualquer momento.
Conclui-se, da observação acima, que nas camadas de expressão do corpo
neuronal, tais como as que constituem nosso objeto de estudo no hipocampo, não
ocorreu alteração macroscópica no espaço extracelular
19
. O mesmo não pode ser
afirmado em relação aos corpos celulares. Astrócitos sofreram alterações difusas e
disseminadas em todas as camadas de tecido encefálico bastante precocemente.
Destacamos alterações na “máquina” de proteínas, o RE, e alterações que modificaram
marcadamente o citoplasma, como grupos de gliofilamentos irregularmente dispersos
no citossol, que foram citados.
Por outro lado, devemos enfatizar que esses autores citam o aumento do número
de mitocôndrias em células de pequenos vasos, sugerindo processo ativo de
neovascularização
20
capilar e, por consequência, maior propensão ao edema intersticial,
principalmente se houver lesões de paredes vasculares, frequentemente presentes nos
quadros inflamatórios.
Quanto ao dano neuronal, Pond et al. (2006), verificaram, após isquemia in
vitro, encolhimento (desidratação) e discreta picnose em neurônios piramidais, sem
necrose maciça, três horas pós-procedimento.
1.3.4- Imunohistoquímica dos tecidos submetidos à hipóxia/isquemia.
De acordo com Cowell, (2002), em modelos animais de choque neonatal, a
lesão hipóxico-isquêmica elicia uma reação inflamatória aguda, caracterizada por
expressão aumentada de mediadores pró-inflamatórios, rápida resposta
microglial/monocítica e gliose, que persiste por, pelo menos, cinco semanas. A gliose,
19
Devemos enfatizar, entretanto, que o estudo referido utilizou-se de exposição crônica à hipóxia,
ao contrário do que realizamos em nosso trabalho (hipóxia aguda e/ou isquemia crônica).
20
O aumento no número de mitocôndrias sugere maior consumo energético demandado pela
atividade celular mais exuberante. Dois processos comumente exigem mais energia: reparação de lesões e
divisão celular. Ambos devem estar presentes nesse caso, bem como o aumento da permeabilidade
capilar, todos típicos dos processos inflamatórios. A neovasculogênese exibe-se também em outros
processos isquêmicos, como na revascularização capilar por colaterais no pós-infarto do miocárdio.
então, pode ser incluída como um fator seguramente presente em amostras
experimentais colhidas até P35.
As quimocinas β, incluindo aí a proteína inflamatória de macrófagos (MIP1−α )
e proteína-1 quimio-atrativa de monócitos (MCP-1), têm sido implicadas como
moduladores potenciais da resposta inflamatória aguda no cérebro
. Em roedores neonatos, lesões derivadas de episódios hipóxico-isquêmicos
resultam na expressão de MCP-1 em múltiplas células do território lesionado. Em
contraste com os resultados reportados em modelos adultos de choque, nos quais os
astrócitos constituam a fonte primordial de MCP-1, nos neonatos eram os próprios
neurônios que representavam a principal fonte dessa proteína.
Ainda com Cowell (2002), em ratos P7 a P12, como demonstrado por
imunoensaios, os neurônios exibiam deficiente imunocoloração tanto nuclear quanto
citoplasmática. Isto quer dizer, de forma direta e sintética, que tanto núcleo quanto
citoplasma foram atingidos pela resposta inflamatória aos baixos teores de O
2,
, sofrendo
alterações tanto estruturais quanto dinâmicas sendo que, em muitos casos, essa
deficiência de coloração significa simplesmente a morte neuronal.
.
Comparando ratos P7 controle com animais lesionados, em períodos que
variaram de 8 a 72 horas após lesão, observou-se que em 24 e 48 horas pós-lesão era
mais pronunciada a perda de imunocoloração na camada piramidal hipocampal e no giro
denteado hipocampal, regiões alvo de nosso presente estudo.
Apenas para registro, com 72 horas pós-lesão, houve marcada perda ocorrendo
em todo prosencéfalo lesionado e alguma perda, sutil, no hemisfério contralateral,
refletindo apoptose remota à região principal de lesão.
Nos deparamos aqui, como vimos, com um quadro de profundas modificações
na estrutura e funções do hipocampo, aí abrangida nossa área de maior interesse, o giro
denteado. Houve morte neuronal e, só por este motivo, também teria se alterado o
espaço extracelular (menor número de células presentes na matriz), apesar de poder não
ter havido modificações na densidade e composição médias do MEC, como relataram
Yu, Bakay e Lee (1972). Em conclusão, alteraram-se tanto espaço intracelular ( nas
células sobreviventes) quanto extracelular.
Segundo Galasso, Harrison e Silverstein (1998), está demonstrado que a lesão
excitotóxica estimula o RNA mensageiro CCR5 e a expressão proteica no cérebro
neonatal de ratos. Esta expressão aumentada de mRNA CCR5 foi consistentemente
observada nas 24 horas pós lesão; a expressão proteica de CCR5 foi primeiramente
evidente nas 32 horas e persistiu até 72 horas pós lesão, não sendo mais observada após
cinco dias.
A expressão aumentada de CCR5, prosseguem os autores, ocorreu em regiões
vulneráveis ao dano tecidual irreversível, i.e., hipocampo ipsilateral e estriado posterior
adjacente, córtex e hipotálamo. A característica mais surpreendente da expressão de
CCR5 foi a sua distribuição anatômica; a CCR5 foi identificada em duas populações
celulares distintas. As células intensamente imunoreativas espalhadas no interior de
hipocampos lesionados foram identificadas como células microgliais/monocíticas
ativadas, baseado tanto nas características morfológicas destas células quanto na
ativação de antígeno específico para macrófagos (ED-1).
Ainda de acordo com Galasso, Harrison e Silverstein (1998), ensaios
imunocitoquímicos demonstraram padrões distintos em dois tipos celulares: uma
coloração intensa e homogênea nas células microgliais/monocíticas e um outro padrão
pontual e disseminado característico de receptores de membrana, em outros tipos
celulares. Recordemos que Araújo e Diniz (2008), como vimos na Introdução deste
trabalho, também citaram o surgimento de peroxidação lipídica após isquemia/hipóxia,
acarretando modificações de longo prazo (ou mesmo permanentes) no plasmalema.
Esse último padrão deve aqui ser por nós ressaltado: a resposta inflamatória
alterou de forma disseminada receptores de membrana. Infelizmente, o trabalho de
Galasso, Harrison e Silverstein (1998), não discerne quais receptores podem ter sido
alterados ou danificados.
Tanto as lesões excitotóxicas quanto as lesões hipóxico-isquêmicas eliciaram
uma robusta resposta microglial no cérebro do rato recém-nato. As lesões envolvendo
NMDA eliciaram uma rápida resposta monocítico-microglial em ratos P7, como
previamente reportado.
Baseando-se em estudos morfológicos que se utilizaram da histoquímica da
lecitina, citados por Galasso, Harrison e Silverstein (1998), pode-se afirmar que uma
fração substancial dessas células infiltrantes é constituída por micróglia ativada. Neste
estágio desenvolvimental, há uma densa população de células microgliais ativadas
fisiologicamente no corpo caloso; os dados sugerem que ocorra uma redistribuição de
micróglia ativada do corpo caloso para o hipocampo lesionado.
Tanto micróglia residente no hipocampo quanto células microgliais ativadas no
corpo caloso adjacente podem responder à lesão aguda excitotóxica.
1.3.7- Hipóxia, asfixia e isquemia: similaridades e diferenças.
Apesar da consequência mais evidente dos quadros de hipóxia, asfixia e
isquemia consistir na privação, aguda ou crônica, de oxigênio, há particularidades tanto
etiológicas quanto fisiopatológicas nos três quadros que exigem um melhor
detalhamento.
A sufocação, ou asfixia, pode ter como causa qualquer obstrução das vias aéreas,
externa ou interna, como por exemplo o soterramento, no primeiro caso, ou doença
pulmonar obstrutiva, no segundo caso. Na asfixia a hipercapnia é dominante sobre a
hipóxia, lembrando-se que a sensibilidade dos sensores orgânicos é muito mais evidente
para a detecção de alto P
CO
2
do que para o baixo P
O
2
, o que resulta num quadro
subjetivamente muito mais angustiante na asfixia do que, por exemplo, no “mal da
montanha”, onde coexistem baixos teores de oxigênio e de gás carbônico.
Somjen (2004) lembra-nos, inclusive, que a hipóxia pura, sem aumento da
P
CO
2
, só acontece sob restritas condições no laboratório, em experimentos in vitro com
contínua retirada de gás carbônico do sistema. Nos quadros clínicos, portanto, a
hipercapnia domina sobre a hipóxia nos pacientes submetidos a baixos teores
ambientais de oxigênio, pelo menos no início do processo, já que os quimioceptores
específicos para detecção de P
O2
só serão ativados na fase final da hipóxia, com muito
baixos teores de oxigênio.
Já na isquemia, além do deficit de O
2
também encontra-se prejudicado o
suprimento de glicose e outros substratos metabólicos, bem como a retirada de
catabólitos, em especial dos subprodutos ácidos do metabolismo, que serão relevantes
para os efeitos cerebrais agudos desse quadro (SOMJEN,2004).
De toda forma, os efeitos imediatos da anóxia e da isquemia serão similares,
com evolução mais rápida deste último quadro, entretanto (GRAHAM, 1992). As
consequências da depressão do metabolismo oxidativo dominam tanto as síndromes de
isquemia cerebral agudas quanto os quadros de anóxia aguda e, também, da
hipoglicemia (DUCHEN, 1992a).
Não se pode, contudo, perder de vista o fato de que a a sensibilização
epileptogênica que sucede à isquemia é mais vigorosa do que a que ocorre após
manobra isolada de hipóxia (SOMJEN, 2004).
1.4- Resumo do capítulo.
Neste capítulo, vimos a importância dos mecanismos não-sinápticos na
epileptogênese; vimos também o estado da arte em modelagem, apontando para nossas
referências em modelos experimentais apropriados e exequíveis.
Finalmente, vimos neste capítulo um resumo da neuro-fisiopatologia do acidente
hipóxico-isquêmico, que deverá nos apoiar quando escolhermos nossa metodologia e
avaliarmos nossos resultados.
Desejamos que este corte amostral através da literatura tenha sido suficiente
para embasar nossas justificativas para seleção de nosso objeto de estudo. Desejamos,
também, que nos sustente mais adiante, quando discutirmos os resultados deste
trabalho.
88
CAPÍTULO 2
Materiais e Métodos
Conforme vimos na Introdução deste trabalho, utilizaremos aqui como guia os
trabalhos de Williams , Dou e Dudek (2004) e os de Sanchez e Jensenn (2006),
adaptados, após ensaios preliminares, para ratos da raça Wistar, comumente utilizados
em nosso laboratório.
2.1- Procedimentos típicos do estudo.
Utilizou-se no estudo fêmeas de ratos Wistar, submetidas aos procedimentos
hipoxemiantes na faixa etária P9-P10 e eutanasiadas para eletrofisiologia na faixa P23-
P25. O número de animais em cada grupo experimental e no grupo controle foi de seis,
excetuando o grupo utilizado para ensaios preliminares, dez animais (P9) dos quais dois
foram eutanasiados para eletrofisiologia , um em P10 e outro em P24, para referência
(resultados não exibidos aqui).
2.1.1- Protocolos de hipóxia .
Foram ensaiados três protocolos de hipóxia, um de exposição contínua a baixos
teores de oxigênio e dois com exposição a níveis decrescentes desse gás, nomeados
respectivamente Protocolo Continuo de Hipóxia (PCH), Protocolo Progressivo de
Hipóxia 1 (PPH1) e Protocolo Progressivo de Hipóxia 2 (PPH2). Tais protocolos estão
sumariados nos Quadros a seguir.
Quadro 2.1
Protocolo Contínuo de Hipóxia
N
2
(l/min) O
2
(l/min) % O
2
Tempo de exposição
(minutos)
38 2 5 15
89
Quadro 2.2
Protocolo Progressivo de Hipóxia - I
N
2
(l/min) O
2
(l/min) % O
2
Tempo de exposição
(segundos)
20 2 9,09 420
22 2 8,33 240
24 2 7,69 180
28 2 6,66 60
Quadro 2.3
Protocolo Progressivo de Hipóxia - II
N
2
(l/min) O
2
(l/min) % O
2
Tempo de exposição
(segundos)
20 2 9,09 210
22 2 8,33 120
24 2 7,69 90
28 2 6,66 30 (ou até
manifestação
clínica)
2.1.2 - Procedimentos cirúrgicos para isquemia.
Para a isquemização unilateral do encéfalo dos animais de experimentação,
procedeu-se à ligadura permanente da carótida comum esquerda, utilizando-se de uma
laçadura com fio de algodão 4.0, não absorvível. A anestesia processou-se com éter
sulfúrico em câmara fechada, na indução, e por fluxo contínuo, a céu aberto, com o uso
de nebulizador alimentado por compressor de ar, ao longo do procedimento cirúrgico
propriamente dito. A FIG.2.1 , a seguir, ilustra esquematicamente a incisão cirúrgica e
os diversos planos de interesse para o procedimento.
90
FIGURA 2.1- Desenho esquemático ilustrando o procedimento de
ligadura da atéria carótida cervical comum. Deve ter-se cautela com a
eventual confusão entre a atéria e a veia carótida, esta mais superficial,
em animais que apresentem hipotensão, uma vez que a pulsação
arterial pode não ser aparente nesses casos. A artéria sempre estará
situada mais profundamente , normalmente oculta sob camadas de
gordura e tecido celular subcutâneo. Exibindo-se ambos os vasos
torna-se mais simples identificar o vaso arterial, mais calibroso, mais
profundo e de coloração mais rosada do que a veia. Não é necessário
dissecar completamente a artéria que pode ser ligada em bloco com o
tecido adjacente.
Apesar da aparente banalidade do procedimento, deve-se ressaltar que a situação real
diverge bastante da esquemática. Excesso de anestésicos, por exemplo, fazem cair
bastante os níveis pressóricos do animal impossibilitanto identificar a artéria por suas
pulsações, que praticamente desaparecem, bem como pela coloração deste vaso que,
nessa situação, passa de rosada a branca, confundindo-se com o tecido celular
subcutâneo.
91
É, portanto, muito importante regular apropriadamente o fluxo de éter sulfúrico de
forma a garantir profundidade anestésica suficiente, porém sem hipotensão arterial.
Quanto ao controle da efetividade da isquemização, pudemos observar, durante os
ensaios preliminares, em animais eutanasiados em p11 (24 horas pós procedimento) a
isquemia hemiencefálica bem aparente, no procedimento de remoção do encéfalo. Em
p24, entretanto, não existem sinais remanescentes macroscópicos dessa isquemização.
A FIG. 2.2 que se segue exibe fotos da incisão cirúrgica, demonstrando a dificuldade de
visualização das diversas estruturas em tempo real.
FIGURA 2.2- Foto da incisão cirúrgica no tempo imediatamente anterior à ligadura carotídea.
A seta aponta para a carótida cervical já isolada.
92
Para encerrar este tópico, ilustramos a seguir o equipamento anestésico e o
material cirúrgico nas FIG. 2.3 e 2.4.
FIGURA 2.3- Foto do equipamento anestésico utilizado nos
procedimentos cirúrgicos.
FIGURA 2.4- Foto do conjunto básico de instrumentação cirúrgica.
93
2.1.3- Equipamentos desenvolvidos para a pesquisa
a)Câmara de hipóxia
Levando em conta os altos custos envolvidos, bem como a excessiva demora para
recebimento dos equipamentos, decidimos desenvolver por meios próprios nosso set-up
para submeter os animais de experimentação à hipóxia.
O equipamento consistiu de dois frascos de vidro com tampa rosqueável de
material plástico, que receberam reforço de borracha de silicone para aumentar sua
estanqueidade, tanto na rosca quanto nos furos realizados para passagem dos tubos,
também de silicone, que conduziriam os gases. Dois cilindros padrão, um de oxigênio
medicinal e outro de nitrogênio industrial, conectavam-se às câmaras ( câmara de
hipóxia e câmara selante) através de válvulas reguladoras de fluxo.
A primeira câmara, com atmosfera e temperatura controladas, continha o animal de
experimentação. A temperatura era mantida, por uma manta térmica que forrava o
assoalho desta câmara, em torno de 34
o
C. Uma segunda câmara, com água até 1/3 de
seu volume, provia um selo d'água que evitava a contaminação da câmara principal pelo
ar ambiente.
A temperatura corporal do animal era verificada antes e após o procedimento,
nunca tendo sido observada temperatura inferior a 31
o
C, que caracterizaria hipotermia,
ou acima de 34
o
C, que caracterizaria hipertermia.
A FIG.2.5, a seguir, ilustra de forma esquemática o set-up desenvolvido para
executar o procedimento de hipóxia.
94
FIGURA 2.5- Desenho esquemático do set-up para hipóxia.
b) Termômetro retal
Como comentado no subitem anterior, inexistia no mercado local um
termômetro apropriado para animais de pequeno porte como os ratos Wistar p24 que
utilizamos, de forma que também desenvolvemos com recursos do LANEC tal
equipamento. Para a extremidade sensora, utilizamos uma ponta metálica de caneta
esferográfica adaptada a um tubo de silicone de pequeno diâmetro, preenchidos, o tubo
e a ponta, com pasta térmica convencional. Para transdução e leitura do sinal, utilizamos
um termômetro digital convencional, genérico, composto por um par termelétrico na
extremidade transdutora e por um conjunto formado por amplificador e display na
extremidade de leitura já existente no LANEC.
95
A FIG.2.6, a seguir, esquematiza o equipamento desenvolvido no LANEC.
FIGURA 2.6- Ilustração esquemática do termômetro retal para roedores de pequeno
porte adaptado de um modelo comercial. Utilizou-se uma ponta de caneta
esferográfica padrão como sonda retal (rectal probe), de forma a atingir essa região
anatômica sem traumatizar o animal utilizado para experimentação. A mesma
sonda serviu para monitoramento da temperatura da manta térmica (thermical pad)
utilizada nos procedimentos cirúrgicos e durante a manobra de hipóxia. Em branco
está representado o par termelétrico, no interior da ponta.
96
2.2- Procedimentos gerais do estudo.
2.2.1 - Procedimentos cirúrgicos para obtenção dos hipocampos
Os procedimentos para obtenção dos hipocampos, imediatamente após a
eutanásia do animal (tempo máximo para o procedimento: 5 minutos), estão sumariados
nas FIG. que se seguem. Para uma melhor compreensão das interrelações entre o
hipocampo, estruturas associadas e o encéfalo como um todo, sugerimos consultar o
Apêndice A, Aspectos neuroanatômicos e neurofisiológicos do hipocampo e estruturas
associadas.
FIGURA 2.7- Em (A) vista em perspectiva do encéfalo de rato onde
pode ser observada a estrutura hipocampal com a indicação do ângulo
de corte para obtenção das fatias. Em (B), podemos observar cortes
coronais seriados do encéfalo de ratos, exibindo o hipocampo. No
desenho da fatia (C), podem ser identificadas as regiões CA1, CA3 e o
DG. (Gráficos obtidos de
www.neuroscience.com, acesso em
24/06/09)
97
FIGURA 2.8- Procedimento realizado para a retirada do cérebro de
rato da cavidade craniana. Abertura do escalpo ( 1); o sentido de corte
para a abertura do crânio (1b); abertura da calota craniana (2);
retirada do cérebro da cavidade craniana (3); remoção do cérebro para
um Becker contendo solução nutriente resfriada (4). (A partir de
CARVALHO, 2003).
98
FIGURA 2.9- Preparação de fatias de hipocampo em cérebro de
rato. Os quadros 1, 2, 3, 4 e 5 mostram os cortes realizados para
facilitar a dissecação. No quadro 6, é mostrado um detalhe da
separação do tálamo feita com a ajuda de micro-espátulas. Em 7 e 8
o hipocampo foi isolado do restante do córtex (retirado de
CARVALHO, 2003).
99
2.2.2- Eletrofisiologia
Realizamos as análises eletrofisiológicas de acordo com os
procedimentos padrão do LANEC nos set-ups já existentes no laboratório.
Descreveremos aqui tais procedimentos de forma bastante resumida, já que maiores
detalhes estão disponíveis para consulta nas dissertações de mestrado que se utilizaram
dessa metodologia relacionadas nas Referências (veja-se, por exemplo CARVALHO,
2003; CARVALHO, 2005; PEREIRA, 2005; e VIVAS, 2005).
Após a remoção do encéfalo do animal eutanasiado e a retirada do
hipocampo (vide tópico anterior), mantendo-se baixa a temperatura do tecido por
gotejamento de solução salina resfriada, a peça é fatiada por meio de equipamento
desenvolvido no LANEC (vide FIG. 2.12) e as fatias, com 40 μm, são transportadas
para a câmara de perfusão (vide FIG. 2. 10) onde permanecerão por cerca de 40
minutos, para evitar danos celulares por excitotoxicidade em decorrência da manobra
cirúrgica. As fatias descansam em uma rede de nylon, que fica situada no ramo com
maior diâmetro. Todo o sistema é preenchido com solução de Ringer normal (em mM:
127 NaCl, 2.0 KCl, 1.5 MgSO
4
, 1.1 KH
2
PO
4
, 26 NaHCO
3
, 2 CaCl
2
, 10 glicose, pH
equilibrado em 7.4, através do borbulhamento constante de carbogênio (95% O
2
e 5%
CO
2
). Através do borbulhamento com carbogênio, também é estabelecido um fluxo de
solução que permite uma perfusão suave e adequada das fatias, sempre mantendo-as em
descanso sobre a rede de nylon. Através do banho-maria, a câmara de perfusão
permanece com temperatura controlada de aproximadamente 31,5
o
C. Em seguida, as
fatias selecionadas serão transportadas para a câmara de interface (vide FIG. 2.11), onde
ocorrerão os registros eletrofisiológicos e/ou registros de IOS (sinal óptico intrínseco) e
imagem VET. Ambos os equipamentos foram também projetados e construídos no
LANEC.
Em nossa pesquisa, utilizamos a imagem VET
21
apenas para nos assegurarmos
do correto posicionamento do eletrodo na região de maior atividade na fatia, que
corresponde ao foco principal de AE. Não registramos sinais de IOS ou imagem VET.
21
Imagem VET: software de aquisição e processamento de imagens desenvolvido no LANEC. Basicamente, traça-se uma
poligonal sobre a imagem da camada granular do Giro Denteado e o programa fornece um gráfico em falsas cores, correspondendo
aos níveis DC, que evidencia a disseminação espaço-temporal das atividades epileptiformes ao longo de um vetor que representa a
imagem retificada (daí o nome imagem VET).
100
FIGURA 2.10-Visão esquemática da câmara de perfusão, montada com tubos e
conexões em PVC, onde são mantidas as fatias de hipocampo por um período de 40
minutos, antes do transporte para a câmara de interface. A câmara é preenchida com
solução de Ringer normal, mantidas constantes a temperatura e a oxigenação. As fatias
são depositadas no cilindro de maior diâmetro sobre uma fina rede de nylon. O banho-
maria é composto de 4 resistências (5 Ω, 20 W) ligadas em paralelo e encerradas em
invólucros de vidro. Duas delas são vistas na FIG. III.6, indicadas pelo número 5. As
resistências são alimentadas com tensões contínuas até 12 V, permitindo o aquecimento
da água destilada dentro da câmara. As tensões são controladas via um software
desenvolvido por CARVALHO (2003) em plataforma LABVIEW 6.1 (NATIONAL
INSTRUMENTS). A intensidade da tensão é calculada de acordo com a temperatura
desejada através de um módulo de controle eletrônico. Esse módulo é comandado por
meio de uma placa AD/DA (modelo PCI-6071E – NATIONAL INTRUMENTS) em
conjunto com o software. O equipamento é capaz de manter temperaturas constantes em
torno de 34
o
C, com precisão de um décimo de grau. A água contida no banho-maria
aquece as paredes do tubo, enrolado ao cilindro central no interior do recipiente , que
conduz a solução para a cuba, permitindo a perfusão das fatias com a temperatura da
solução devidamente controlada. Tubos de plástico conduzem o carbogênio ao interior do
banho-maria para ser distribuído, por meio de borbulhadores , dentro da água. Assim, o
carbogênio é aquecido e umidificado para, a seguir, ser direcionado sobre a face superior
das fatias mantidas na cuba.
101
FIGURA 2.11- Câmara de interface. Construída em material acrílico
transparente e tubos de PVC. Consiste de dois compartimentos: a cuba, que é
a parte superior da câmara (mostrada à esquerda por uma visão superior), e o
banho-maria, que consiste da parte inferior (apresentada com detalhes à
direita através da vista lateral). A cuba é composta por três cilindros, sendo
dois de PVC e um, o exterior, de acrílico transparente. Possui também uma
base em acrílico transparente, a qual é acoplada à parte superior do banho-
maria. O cilindro central delimita com o intermediário um compartimento que
é preenchido com a solução de banho. As fatias são depositadas sobre uma
membrana (0.4 µm Millicell culture plate inserts; Millipore, Bedford, MA,
USA) que se torna transparente quando perfundida na solução. À esquerda,
vista superior mostrando em detalhe a constituição da cuba. Em 1, está o local
onde as fatias foram depositadas; em 2, o recipiente por onde é controlado o
nível da solução de banho das fatias; em 3, o termômetro responsável pelo
controle da temperatura da solução de banho das fatias; e, em 4, os orifícios
por onde chegam o oxigênio na câmara. E, à direita, a vista lateral mostrando
o banho-maria. Em 5, são mostradas duas das quatro resistências envolvidas
em invólucros de vidro; em 6, o tubo enrolado no cilindro central por onde
passa a solução de banho aquecida; em 7, o local por onde o carbogênio chega
na câmara; e em 8, um dos dois borbulhadores de oxigênio existentes na
câmara.
102
FIGURA 2.12- Fatiador de tecidos com ajuste micrométrico
2.2.3- Processamento dos registros eletrofisiológicos.
a) Aquisição e pré-processamento dos sinais.
Foram utilizados eletrodos formados por um fio de prata e uma micropipeta de
vidro (modelo THINWALL, TW150F-3 – WPI). As pipetas foram preparadas com
ajuda de um puxador de pipetas (modelo DMZ UNIVERSAL PULLER – ZEITZ-
INSTRUMENTS) e preenchidas com solução de NaCl 1,0 M. Para se evitar o efeito de
bateria, provocado pela acumulação de cargas na interface líquido-metal, o fio de prata
foi cloretado. A cloretagem foi realizada por processo galvanoplástico, com uma fonte
de corrente contínua aplicada, durante cerca de 15minutos a uma tensão aproximada de
1,0V entre os filamentos dos eletrodos de prata, utilizando-se solução de 1,0 M de HCl.
Um filme escuro de AgCl i forma-se sobre a superfície do eletrodo ligado ao terminal
positivo (catodo), que atrai íons Cl
-
, enquanto o outro terminal (anodo) atrai íons H
+
.
Após cloretados, os microeletrodos foram conectados a headstages (modelo AI
402 ×50, ULTRALOW NOISE AMPLIFIER – AXON INSTRUMENTS) interligadas a
amplificadores (modelo CYBERAMP 380 – AXON INSTRUMENTS). O programa
SAE (Sistema Auxiliar de Experimentos), desenvolvido no LANEC (SILVA, 2000)
para a plataforma de software LabView, foi utilizado para controle dos amplificadores,
digitalização, exibição em tempo real e armazenamento em arquivos ( no formato *.sgl).
A taxa de aquisição do sinal foi de 10000 Hz, com uma amplificação média em torno de
500 vezes. A captura, amplificação e filtragem dos sinais foi realizada através do
pCLAMP 8.0 (AXON INSTRUMENTS). Na aquisição dos sinais, foi empregado um
computador Pentium III de 1 GHz e 512 MB de memória RAM.
103
Foi utilizada uma mesa, suspensa por câmaras de ar, que evitam distúrbios
devido a vibrações durante experimentos. O ajuste do nível da mesa foi feito através
dessas câmaras de ar. Para se evitar interferências eletromagnéticas sobre os
equipamentos foi utilizada uma gaiola de Faraday envolvendo a mesa (FIG. 2.13).
FIGURA 2.13- Diagrama esquemático da montagem experimental para indução
de atividades epileptiformes e registro do potencial extracelular. Um microscópio
(A) preso a braços ajustáveis está conectado a uma câmara CCD (B) para
visualização do IOS (C) . Os eletrodos são conectados a headstages por meio de
holders (D). As headstages são interligadas a um amplificador (E). Os sinais são
armazenados em um computador (F). As fatias são depositadas na superfície da
câmara de interface (G), apoiada sobre uma mesa X-Y (H). Todo o conjunto
apóia-se em mesa de grande massa (I), por sua vez apoiada em câmaras de ar (J)
para isolar vibrações externas. Todo o set-up está contido em uma gaiola de
Faraday (K), para evitar radio-interferências externas.
b)- Pós-processamento dos sinais
Após coleta e registro dos sinais eletrofisiológicos on-line, estes foram
posteriormente analisados e gravados off-line em diversos formatos gráficos, através de
um aplicativo por nós desenvolvido em plataforma Matlab© v.7.14, a partir de alguns
programas anteriormente desenvolvidos por Rodrigues (2003). O código fonte está
disponibilizado no Anexo.
104
Em relação aos programas originais, nosso aplicativo apresenta os seguintes
aperfeiçoamentos:
Todas as funções, antes dispersas em vários programas, foram reunidas em só
aplicativo (dcscan.m);
A interface com o usuário foi aprimorada e simplificada, tornando mais fácil e
confiável a utilização do programa;
Muitos processos manuais foram automatizados, gerando maior confiabilidade e
padronização das medidas;
Vetores de parâmetros passaram a ser automaticamente armazenados para uso futuro ;
O software permite, interativamente, a escolha dos formatos gráficos para
armazenagem, prosseguir, ou não, analisando outras sessões experimentais e exibir na
tela, ou não, os parâmetros analisados;
O aplicativo envia para as saídas gráficas o registro dos valores, por burst analisado,
de todos os parâmetros medidos; e
O programa fornece (e salva) uma estatística preliminar do comportamento dos
diversos parâmetros.
Processaram-se, para fins de arquivo e consulta, 12 arquivos do tipo
*.sgl, a partir dos arquivos gravados em cada sessão experimental. Nos arquivos #1 e
#2, processaram-se dois bursts em cada, bem como nos arquivos #10,# 11 e #12, apenas
para registro. Nos arquivos de #3 a #9, todos os bursts foram processados e pré
analisados através do aplicativo dcscan.m.
Para análise estatística, desses bursts processados e pré analisados, escolheram-
se três ou quatro eventos sequenciais em cada arquivo (3 ou 4, por sorteio: lançamento
de moeda), a partir do primeiro evento em condições de análise, até o total de 20
bursts/indivíduo, totalizando 120 bursts por grupo experimental e controle.
Foram analisados, portanto, 480 eventos, nos quais enfocou-se cinco parâmetros,
resultando em 2400 análises de eventos epileptiformes de origem não sináptica.
2.2.4-Análise estatística dos dados
A questão do tratamento estatístico dos dados, em especial no que concerne à
escolha dos métodos de análise, não é de somenos importância. Como bem enfatiza
Riffenburgh (2007), é o processo causativo, gerador dos dados observados, e não os
dados , de per si, que são de interesse nessa análise.
105
Riffenburgh (2007) destaca ainda que o processamento estatístico está envolvido
nas três etapas clássicas na aquisição de conhecimento científico: descrição da classe de
eventos, explicação desses eventos e predição da ocorrência de eventos similares.
A questão mais relevante da análise estatística dos resultados é, sem sombra de
dúvida, a fidedignidade das conclusões que nos levariam, ou não, a aceitar ou rejeitar, a
hipótese nula. A confiabilidade no instrumento de análise empregado afigura-se como a
questão crucial, sine qua non, na escolha das ferramentas adequadas à análise que se
quer empreender.
Existem inúmeras ferramentas estatísticas disponíveis para o tratamento de
dados. A capacidade de resposta ao problema apresentado, não se prende à limitação na
quantidade de meios utilizáveis para o tratamento estatístico de dados. O problema
central no tratamento estatístico de dados tem a ver com a qualidade da ferramenta
empregada.
Assim, deve preceder à utilização de uma ferramenta determinada, determiná-la:
diagnosticar o tipo e o padrão geral dos resultados, tentar adequá-los a uma função, ou
funções, a uma curva, ou a um conjunto de curvas e, só então, identificar as ferramentas
adequadas para o tratamento dos dados. Na análise estatística, o primeiro passo é,
portanto, elaborar um diagnóstico do padrão geral de resposta.
Tal diagnóstico, apesar de se antecipar temporalmente à elaboração deste
capítulo, será exposto e discutido no próximo, nos Resultados, já que se trata, de fato, de
uma análise bastante preliminar, fortemente aderida aos próprios resultados. Temos,
porém, que antecipar que serão utilizados métodos analíticos paramétricos e não-
paramétricos. Uma apresentação geral e o escopo de emprego de tais métodos será
desenvolvida nos próximos tópicos.
2.2.4.1- Tipos de dados
Ainda com Riffenburgh (2007), os dados quantitativos podem ser de três tipos
principais:
1.Contínuos (também chamados intervalares), constituídos pelos registros analógicos,
de uma forma geral;
2.Ordinais (rank-ordered ), agrupados em faixas que expressam a frequência absoluta
ou relativa desses dados no conjunto; e
3.Categóricos (ou nominais), onde procede-se à contagem de classes de dados.
106
Dados discretos, prossegue o autor, podem ser considerados um subconjunto de
dados contínuos, apenas armazenados como valores distintos, com um intervalo
determinado entre dois dados adjacentes. Assim também podem ser vistas as razões
entre dados. Apesar de alguns autores considerarem estas como um quarto tipo de
dados, as razões comportam-se, mais das vezes, como dados contínuos e, assim, não
devem ser separadas destes.
Riiffenburgh (2007) chama a atenção para duas classes de dados que exigem a
abordagem ordinal, quais sejam, quando pode-se avaliar o estado de um indivíduo, após
o procedimento experimental mas não se pode medir a variável subjacente, ou quando a
variabilidade das variáveis medidas é excessiva, com grandes distâncias entre faixas de
valores. A abordagem intervalar nesses casos, por vezes leva a conclusões absurdas,
com implicações clinicas disparatadas, devendo, assim, ser evitada.
A classificação apropriada dos dados, portanto, afigura-se como passo essencial
no tratamento estatístico dos dados experimentais, influenciando decisivamente na
escolha do método de análise estatística a ser empregado, como veremos a seguir.
2.2.4.2- A escolha do método
Dados contínuos são, em princípio,adequados para os métodos de análise
conhecidos como paramétricos. Exemplos deste tipo de análise são o teste t de Student,
normalmente utilizado para análise intragrupal ou intergrupal, quando só um grupo
compara-se ao controle, neste último caso, e a análise de variância, quando mais de um
grupo experimental é comparado ao controle.
A análise paramétrica é válida e aplicável, para dados contínuos, se
consideramos a distribuição da população como aproximadamente normal e se nos
assegurarmos da aleatoriedade e independência das amostras utilizadas.
Se os dados, porém, não se comportam desta forma_se a distribuição das
amostras não é gaussiana ou se os dados apresentam variações extremas intragrupais_
não se pode asseverar aprioristicamente que uma análise paramétrica fornecerá
resultados robustos e confiáveis.
No caso de dados não-contínuos, ou discretos, as análises paramétricas são, por
natureza, inadequadas, afinal são paramétricas, i.e., lidam com valores analógicos,
contínuos ( além de presumidos como derivados de uma população com distribuição
normal).
107
A alternativa à análise paramétrica é, obviamente, a análise não paramétrica,
apropriada para lidar com dados discretos e/ou agrupados em faixas de valores (ou
ranking de valores). Ambos os métodos, apresentam abordagens variantes, em
diversos “sabores”, que serão mais ou menos adequadas para tratar de vetores de dados
com grande número de elementos extremos, fora-de-faixa, ou outliers. Há abordagens
mais convenientes, também, para lidar com amostras reduzidas em tamanho ou, ao
contrário, amostras extensas. A seguir, abordamos os métodos estatísticos que
selecionamos para o presente estudo.
a) Métodos paramétricos
Dentre os métodos paramétricos existentes, a análise de variância (Anova)
afigura-se como dos mais robustos e confiáveis, em especial quando se tratam vários
grupos experimentais em relação a um controle. Nós nos utilizamos aqui do algoritmo
para Anova da plataforma Matlab©, versão 7.14, do módulo Stats ToolBox, bem
adaptado ao nosso número e tipo de amostras.
Anova-1, o aplicativo Matlab©, perfaz uma Anova unidirecional, comparando as
médias de duas ou mais colunas de dados numa matriz m X n, em que cada coluna n
representa uma amostragem independente de m observações. Em nosso caso, os rótulos
das colunas representam nossos grupos experimentais (Hipóxia, Isquemia, Isquemia +
Hipóxia e Controle); as 120 linhas representam obervações em seis indivíduos, de cada
qual retiramos 20 amostras de cinco parâmetros, quais sejam, DC, PS, DE, IE e PM.
Tais parâmetros serão apresentados e discutidos no próximo capítulo, Resultados.
Anova-1 retorna o p-value para a hipótese nula de que todas as amostras da
matriz provém da mesma população ou de diferentes populações com a mesma média.
Baixos valores de p-value lançam dúvidas sobre a hipótese nula e sugerem que pelo
menos uma amostra difere significativamente das outras médias do grupo. A função
testa a variabilidade dos resultados tanto intra quanto intergrupalmente, dessa forma
assegurando resultados mais rigorosos, mesmo nas condições extremas de emprego do
método como, por exemplo, diferente número de amostras em diversos grupos de
observação ou distribuições irregulares nos grupos experimentais.
Por razões que ficarão claras no próximo capítulo, nós cotejamos os resultados
de análises paramétricas com suas contrapartes não-paramétricas, mencionadas a seguir.
108
Também pode ser de interesse do investigador comparar, de uma só vez, vários
parâmetros pesquisados nos grupos experimentais versus controle para concluir, ou não,
que o grupo como um todo varia significativamente em relação ao mero acaso sem,
porém, determinar quais parâmetros estão diretamente implicados nessa variância. Nós
o fizemos aqui, por meio da análise paramétrica multivariada Manova-1 (Matlab©
v.7.14, Stats ToolBox).
b) Métodos não- paramétricos
Como antes mencionado, a adoção de procedimentos paramétricos para a análise
de variância depende de certas assunções, tal como a distribuição normal dos erros. Em
alguns casos, esta assunção não está garantida. Por exemplo, se a distribuição dos erros
é assimétrica ou tende para valores extremos de outliers, há uma violação na presunção
de erros normais.
Os testes não-paramétricos não partem da presunção de que haja uma, e
qualquer, distribuição específica. Riffenburgh (2007), acentua que tais testes são um
salvo-conduto para conclusões errôneas, se algumas premissas, tais como a presença
de uma distribuição normal, não estão seguramente contempladas.
No que tange aos métodos não-paramétricos, o teste de Kruskal-Wallis pode ser
considerado como a contrapartida não-paramétrica de Anova. Este teste é robusto, não-
complacente e fidedigno, quando se trata de uma amostragem com perfil não
convencional, e foi utilizado aqui.
Há testes não-paramétricos mais tolerantes a valores extremos ou outliers, como
o teste de Mood por exemplo, mas, como comparamos os resultados de Anova,
paramétrica e resistente a outliers e Kruskal-Wallis, não paramétrica e rígida, não foi
necessária a utilização desse último método.
O teste de Kruskal-Wallis, como outros métodos não-paramétricos, assume que
as medidas provenham de uma distribuição contínua, mas não necessariamente normal.
O teste está baseado numa análise de variância que se utiliza do rankings dos valores
dos dados, não dos dados, por si mesmos. Suas saídas ( “Box-plots” e tabelas)
assemelham-se às saídas de Anova e podem ser diretamente comparadas, entre si.
O contorno geral das saídas de Kruskal-Wallis é o mesmo de Anova e seria
tedioso reproduzi-lo aqui. A única diferença consiste na substituição da estatística F
pela estatística χ_quadrado, na avaliação da significância das diferenças entre médias.
109
c) Métodos de comparações pareadas versus comparações múltiplas.
Quando procedemos a um teste t simples de um grupo contra seu controle,
especificamos um nível de significância que determina o valor de corte da estatística t.
Se especificamos, por exemplo, um valor para α = 0.05, nos asseguramos que, quando
não há diferença real, concluiríamos erroneamente existir diferença em não mais que
5% dos casos.
Quando, porém, há vários grupos experimentais, existem também muitos pares
a comparar; se aplicamos um teste t comum nesta situação, o valor α se aplicaria a cada
comparação, dessa forma multiplicando a chance de uma conclusão incorreta, a qual
cresce proporcionalmente com o número de comparações pareadas.
Os procedimentos de multicomparação são desenhados de forma a estabelecer
um teto ou barreira superior que limita a chance de se encontrar resultados
incorretamente classificados como significativos. Utilizamos aqui os métodos de
multicomparação (Matlab© v 7.14/ Stats Toolbox) ligados à Anova, no caso da análise
paramétrica, e a Kruskal-Wallis, no caso não-paramétrico, comparando ambos os
métodos em gráficos de sobreposição, como veremos no capítulo Resultados.
2.2.5- Análise histopatológica.
Não foi realizada análise histopatológica dos tecidos sob estudo, por exiguidade de
tempo, porém, após a eletrofisiologia, fatias de 40 μm, tanto do hipocampo analisado
quanto do hipocampo contralateral, foram preservadas em solução de paraformol e
conservadas sob refrigeração, para posterior análise histopatológica. Várias fatias de 40
μm foram incluídas em blocos de agar-agar e refatiadas para 10 μm, para possibilitar a
confecção de lâminas, que poderão receber diversas colorações, para análise posterior.
CAPÍTULO 3
Apresentação dos Resultados
O fato de lidarmos, neste trabalho, com uma raça de ratos (Wistar) sem registro
de emprego anterior na literatura, no modelo experimental escolhido
22
, nos forçou a
realizar alguns ensaios preliminares, visando atender simultaneamente a dois objetivos:
maximizar resultados e minimizar perdas de animais, atendendo tanto a princípios
éticos, quanto práticos. Assim, sumariamos a seguir, o desenrolar desses ensaios
preliminares.
3.1- Estudos preliminares de isquemia seguida de hipóxia.
Preliminarmente procedemos a um estudo com dois animais P10, onde após a
ligadura da carótida cervical comum esquerda, já havendo recuperação cirúrgica_cerca
de duas horas após o procedimento_ ambos os animais foram submetidos a 15 minutos
de hipóxia em atmosfera continuamente renovada com 5% de O
2
e 95% de N
2
(PCH,
vide Materiais e Métodos), ajustados por meio de fluxômetros, com a temperatura
corporal mantida em níveis satisfatórios por meio de manta térmica, sendo aferida a
temperatura antes e após o procedimento por um termômetro retal adaptado de um
modelo comercial em nosso laboratório.
Nenhum dos dois animais exibiu hipo ou hipertermia, permanecendo sempre a
temperatura retal na faixa de 31
0
C a 34
0
C, em conformidade com o habitualmente
prescrito para esse tipo de manobra (SANCHEZ e JENSEN, 2006). Esses animais foram
monitorados e eutanasiados em p24, para eletrofisiologia (dados em arquivo, não
exibidos aqui). Curiosamente, esses animais organicamente resistentes aos
procedimentos foram os únicos a exibir status epilepticus após o procedimento
cirúrgico, por quase todo o tempo de recuperação.
Entretanto, após este sucesso inicial, foi total a mortalidade observada nos oito
procedimentos combinados isquemia-hipóxia subsequentes, ou seja, 80% da amostra
observada, ou oito em dez animais. Decidimos, portanto, optar por um protocolo de
hipóxia mais assemelhado ao de Sanchez e Jensen (2006), que se utilizam de níveis
gradativamente menores de O
2
na câmara hipobárica.
22
Mecanismos não-sinápticos da epileptogênese derivada de processos hipóxico-isquêmicos
perinatais.
Utilizamos, de início, fluxo contínuo de O
2
a 1l/min. e fluxo crescente de N
2
,
por 15 minutos de exposição total, numa reprodução bastante fiel do protocolo de
Sanchez e Jensen (2006), como segue:
12 l/min (aproximadamente 7,1% de O
2
) por 7 minutos;
14 l/min (aproximadamente 6,1% de O
2
) por 4 minutos;
20 l/min. ( 5% de O
2
) por 3 minutos e, finalmente,
24 l/min. (aproximadamente 4,1% de O
2
) no último minuto.
Este esquema apresentou o inconveniente de não permitir ajustes precisos nas
válvulas reguladoras de fluxo, bem como não propiciar pressão interna suficiente, nas
câmaras utilizadas, para um selo de alta eficácia. Assim, dobramos a taxa de fluxo de
ambos os gases e ajustamos essas taxas para faixas de valores standard, impressos nas
escalas dos cilindros de controle das válvulas ( o protocolo nomeado PPH1, vide
Materiais e Métodos).
Apesar deste protocolo derivado de Sanchez e Jensen (2006) proporcionar maior
índice de sobrevivência, a mortalidade permaneceu ainda excessivamente alta para o
grupo submetido ao procedimento combinado Isquemia+Hipóxia (em torno de 70%, em
seis novos experimentos) , o que nos levou a ensaiar ainda outro protocolo, com os
mesmos teores de O
2
porém com menor tempo de exposição, levando em consideração a
possibilidade de que ratos Wistar possam ser mais sensíveis à hipóxia, uma vez que não
há relatos na literatura de procedimentos de isquemia/hipóxia que se utilizem desta raça
(PPH2, vide Materiais e Métodos).
De fato, com o novo protocolo, a sobrevivência do grupo submetido à isquemia
+ hipóxia aproximou-se de 100% (apenas dois êxitos letais em todo o experimento),
embora consistentemente tenham surgido sinais clínicos, tais como cianose de
extremidades, taquipnéia e prostração, a qual sempre permaneceu por cerca de duas
horas após o procedimento, em todos os animais submetidos à hipóxia.
3.2- Resultados dos grupos experimentais.
Ao longo deste capítulo, procederemos à tabulação e subsequente análise dos
resultados do experimento para quatro grupos, quais sejam: Hip (para o grupo
submetido à hipóxia isoladamente), Isq (para o grupo submetido à isquemia, por
ligadura da carótida cervical comum, isoladamente), Mix (para o grupo submetido à
hipóxia cerca de duas horas após a cirurgia para ligação da carótida cervical comum) e
Cnt (grupo controle, não submetido a nenhum procedimento).
Serão avaliados os seguintes parâmetros: DC (queda de tensão), PS (population
spikes), DE (duração do evento), IE (intervalo entre eventos) e PM (máxima population
spike).
3.2.1-Tabulação dos dados.
3.2.1.1- Ajuste de curvas (curve fitting) dos dados tabulados
à guiza de exemplo, procedemos no FIG . seguinte, a um ajuste polinomial das
curvas dos dados, de forma a tentar melhor visualizar sua distribuição. Adotamos como
o polinômio de escolha o primeiro que apresentasse menor norma de resíduos.
Como se pode observar, apenas o grupo Hip. proporcionou um ajuste
aproximado à curva de dados, com um polinômio de 6
o
grau. Os outros grupos não
puderam ser ajustados, mesmo com polinômios de graus maiores, o que não acrescenta
informação de relevo à análise
23
.
Tal situação reproduziu-se para os demais grupos paramétricos, onde o ajuste
manual/visual foi mais adequado do que o ajuste polinomial. Desta forma, não
insistimos nesse procedimento e buscamos outras formas de auxílio para proceder a esse
ajuste de curvas.
23
Teoricamente sempre se pode encontrar um polinômio que descreva a curva sob análise mas ,
da mesma forma que listar todas as alturas individuais em uma população não nos indica qualquer
tendência, um polinômio de grau elevado também não o faz.
FIGURA 3.1- Ajuste polinomial de curvas. Em azul, os
dados e, em vermelho, as curvas ajustadas.
Outra forma exequível de “curve fitting”, ou seja, outra maneira de acentuar as
características gerais de distribuição em cada histograma, é utilizar um aplicativo
desenhado para essa função tal como a ferramenta disponibilizada na plataforma
Matlab©, em interface gráfica para o usuário (GUI), na caixa de utilidades (Toolbox)
estatísticas.
Utilizamos largamente essa ferramenta, disponível na versão 7.14 do Matlab©,
como forma pessoal de auxílio na pré-análise dos dados compilados. À guisa de
ilustração, exibimos a seguir, algumas saídas gráficas fornecidas pelo aplicativo.
Utilizamos o parâmetro DC como exemplo e referência, para permitir uma comparação
com o ajuste anteriormente ilustrado, que se utilizava de desenvolvimentos polinomiais
na identificação das tendências gerais dos histogramas.
Não exibimos os outros resultados, que foram utilizados neste trabalho apenas
como guias auxiliares na visualização dos envelopes de frequência dos diversos
histogramas.
FIGURA 3.2- Reprodução simplificada das saídas gráficas da ferramenta dfittool
24
componente da 'caixa de ferramentas' do Matlab© v.7.14/ Stats Toolbox. No sentido
horário, a partir da margem superior esquerda: ajuste normal; ajuste não-paramétrico;
ajuste logarítmico-normal e ajuste para valores extremos. Observe-se que nenhuma
saída exibe um ajuste perfeito. (Outras saídas não foram representadas aqui).
A seguir, exibimos outro gráfico onde sobrepusemos duas saídas do aplicativo
em pauta, demonstrando que esse ajuste combinado proporcionaria um encaixe quase
perfeito com a série de dados sob análise. De fato, este ajuste combinado aproxima-se
do ajuste polinomial de sexto grau anteriormente exibido. Fica patente a tendência à
distribuição bimodal do parâmetro DC.
24
A ferramenta dfittool utiliza no seu núcleo, ou kernel,uma função para suavizar a curva,
aproximando-a de uma normal. Utilizamos o ajuste default, teoricamente otimizado para o processo, bem
como o ajuste padrão para a divisão em bandas, evitando excessiva suavização ou, ao contrário, excessiva
aspereza da curva.
FIGURA 3.3- Sobreposição (graphic overlay) de duas saídas da ferramenta Matlab© para
ajuste de curvas. Foram sobrepostas as saídas de ajuste não-paramétrico e a de valores
extremos. O aspecto fuzzy (ou enevoado ) do gráfico é proposital para destacar a inevitável
imprecisão desses ajustes.
3.2.1.2- Histogramas dos grupos experimentais e controle
A-Histogramas do parâmetro DC ( Direct Current / Queda de voltagem) em
grupos experimentais e controle.
Neste conjunto de histogramas observa-se a distribuição bimodal do parâmetro
DC no grupo Hip. O grupo Isq apresenta distribuição gaussiana com desvio para a faixa
de menores valores; o grupo Mix apresenta distribuição exótica (menor expressão de
valores medianos) e o grupo Cnt(controle) apresenta forte concentração de valores à
esquerda.
FIGURA 3.4- Histogramas relativos ao parâmetro DC. No eixo x estão
representados os valores pertinentes a cada parâmetro (mV para DC, PS e PM;
tempo em segundos para DE e IE); no eixo y o número de indivíduos em cada
faixa de valores. Em azul (quadrante superior esquerdo), o grupo Hip, em
vermelho (quadrante superior direito), Isq, em verde (quadrante inferior
esquerdo), Mix e, em amarelo (quadrante inferior direito), Cnt.
B-Histograma do parâmetro PS ( 'Population Spikes') em grupos
experimentais e controle.
Neste conjunto de histogramas destaca-se a distribuição gaussiana left-tailed
tanto do grupo Hip quanto de Cnt, com Isq e Mix denotando certa tendência à
distribuição bimodal.
FIGURA 3.5- Histogramas relativos ao parâmetro PS.No eixo x estão
representados os valores pertinentes a cada parâmetro (mV para DC, PS e PM;
tempo em segundos para DE e IE); no eixo y o número de indivíduos em cada
faixa de valores. Em azul (quadrante superior esquerdo), o grupo Hip, em
vermelho (quadrante superior direito), Isq, em verde (quadrante inferior
esquerdo), Mix e, em amarelo (quadrante inferior direito), Cnt.
C-Histograma do parâmetro DE (Duração do Evento) em grupos
experimentais e controle
Neste conjunto de gráficos, observa-se distribuição levemente gaussiana em
todos os grupos, com tendência right-tail no grupo Mix e left-tail nos grupos controle e,
mais discretamente,no grupo Isq. O grupo Hip apresenta uma faixa de exclusão nos
valores medianos, reproduzindo, de forma menos marcada, o aspecto bimodal desse
grupo em registro anterior (DC).
FIGURA 3.6- Histogramas relativos ao parâmetro DE.
No eixo x estão representados os valores pertinentes a cada parâmetro (mV para DC,
PS e PM; tempo em segundos para DE e IE); no eixo y o número de indivíduos em cada
faixa de valores. Em azul (quadrante superior esquerdo), o grupo Hip, em vermelho
(quadrante superior direito), Isq, em verde (quadrante inferior esquerdo), Mix e, em
amarelo (quadrante inferior direito), Cnt.
D- Histograma do parâmetro IE ( Intervalo entre Eventos) em grupos
experimentais e controle.
Todos os histogramas deste parâmetro apresentam distribuição
aproximadamente gaussiana, sendo que o grupo controle apresenta left-tail, i.e., desvio
em direção aos valores mais baixos.
FIGURA 3.7 -Histogramas relativos ao parâmetro IE. No eixo x estão
representados os valores pertinentes a cada parâmetro (mV para DC, PS e
PM; tempo em segundos para DE e IE); no eixo y o número de indivíduos
em cada faixa de valores. Em azul (quadrante superior esquerdo), o grupo
Hip, em vermelho (quadrante superior direito), Isq, em verde (quadrante
inferior esquerdo), Mix e, em amarelo (quadrante inferior direito), Cnt.
E- Histograma do parâmetro PM (PS máxima) em grupos experimentais e
controle.
Os histogramas do parâmetro PM, ou PS máxima no burst, apresentam
distribuição mais aproximadamente gaussiana do que o parâmetro PS, ou média das
population spykes . Não se observa aqui a curva exótica do grupo Mix, observada em
PS; o grupo Hip está bem distribuído, com leve tendência left-tail, mais exuberante em
Isq e Cnt. O grupo Mix apresenta tendência inversa, right-tail.
FIGURA 3.5- Histogramas relativos ao parâmetro PM. No eixo x estão representados
os valores pertinentes a cada parâmetro (mV para DC, PS e PM; tempo em segundos para
DE e IE); no eixo y o número de indivíduos em cada faixa de valores. Em azul (quadrante
superior esquerdo), o grupo Hip, em vermelho (quadrante superior direito), Isq, em verde
(quadrante inferior esquerdo), Mix e, em amarelo (quadrante inferior direito), Cnt.
3.3-Análises estatísticas
Como observamos no tópico anterior, alguns parâmetros exibiram uma
distribuição diversa da gaussiana padrão, o que dificulta a análise puramente
paramétrica, como a análise de variância conhecida como Anova. Este tipo de análise
estatística pressupõe, além de variáveis independentes, distribuição aproximadamente
normal da população, o que poderia ser questionável em distribuições bimodais ou
fortemente desviadas para um dos extremos, como parece ser o caso de alguns
parâmetros aqui avaliados.
Decidimos, portanto, cotejar as saídas da Anova com um método não
paramétrico como o de Kruskal-Wallis, utilizado aqui. Tais métodos, que se utilizam de
escalonamento (ou ranking) das variáveis sem levar em conta seus valores absolutos (
apenas seus desvios), apesar de possuírem menor conteúdo informacional (menor
fidedignidade do Intervalo de Confiança, por exemplo), são intrinsecamente mais
robustos na avaliação da significância dos desvios da média dos diversos grupos em
relação ao controle. Por motivos talvez estéticos, contrapusemos todos os parâmetros
avaliados com Anova ao método de Kruskal-Wallis, mesmo os que apresentaram
distribuição aproximadamente normal.
Como, evidentemente, não há diferença nos diagramas “tipo caixa” entre
métodos paramétricos ou não, já que representam a distribuição dos elementos
componentes dos grupos, suas medianas e seus desvios padrão, basta uma representação
para ambos os métodos. Já para a multicomparação, os resultados paramétricos foram
contrastados com os não paramétricos, bem como procedeu-se à comparação entre as
tabelas que sumariam os resultados das duas análises-tipo.
A seguir, exibiremos gráficos e tabelas, com comentários, para os diversos
parâmetros avaliados neste experimento.
3.3.1- “Box Plot” e Análise de Variância do parâmetro DC (Anova e Kruskal-
Wallis).
Observamos aqui a distribuição mais simétrica do grupo Mix, bem como a
presença de muitos elementos fora-de-faixa (outliers) no grupo Cnt (controle). Os
grupos Hip e Isq apresentam tendência de desvio em direção a valores mais altos,
especialmente Hip, em contraste com Cnt, com tendência inversa. Observa-se também
que as medianas dos diversos grupos não coincidem.
FIGURA 3.6 - Gráfico “tipo caixa” ou Box-Plot do parâmetro DC. As
linhas vermelhas na estrangulação do polígono representam as medianas; as
linhas tracejadas representam os desvios padrão das médias e as cruzes em
vermelho os valores fora de faixa ou outliers.
Como se pode observar na próxima Tabela , p-value aproxima-se de zero para
um valor F de 11.77, fortemente significativo, portanto. Podemos ver na TAB.3.2 que a
análise não-paramétrica de kruskal-Wallis corrobora os resultados de Anova, i.e., a
probabilidade das diferenças da média deverem-se apenas ao acaso aproxima-se de zero.
Tabela 3.1
Tabela da análise de variância (Anova) do parâmetro DC
Fonte dos
dados
Soma dos
Quadrados
(SQ)
Graus de
Liberdade
(GL)
Médias dos
Quadrados
(SQ/GL)
Estatística F Probabilidade
>F (p-value)
Colunas 516,49 3 172,16 11,77 1,90E-007
Erro 6965,35 476 14,63
Total 7481,83 479
Tabela 3.2
Tabela da análise de variância (Kruskal-Wallis) do parâmetro DC
Fonte dos
dados
Soma dos
Quadrados
(SQ)
Graus de Liberdade
(GL)
Médias dos
Quadrados
(SQ/GL)
χ
-quadrado
Probabilidade
>
χ
-quadrado
Colunas 478844,4 3 159614,8 24,89 1,63E-005
Erro 8737115,1 476 18355,3
Total 9215959,5 479
3.3.2- “Box Plot” e Análise de Variância do parâmetro PS (Anova e Kruskal-
Wallis).
Observamos aqui a distribuição mais simétrica do grupo Hip (hipóxia), bem
como a presença de muitos elementos fora-de-faixa (outliers) no grupo Cnt (controle).
Este grupo, desprezados os outliers, apresenta distribuição essencialmente simétrica.
Deve-se atentar também para as medianas que, neste caso, dispõe-se, de forma bastante
aproximada, ao longo de uma única linha horizontal, i.e., têm valores muito próximos
entre si.
FIGURA 3.7 - Gráfico “tipo caixa” ou Box-Plot do parâmetro DC. As
linhas vermelhas na estrangulação do polígono representam as medianas; as
linhas tracejadas representam os desvios padrão das médias e as cruzes em
vermelho os valores fora de faixa ou outliers.
A seguir, se observa na TAB. 3.3, que ao contrário do parâmetro DC, PS não
apresenta desvio significativo da média nessa estatística.
Tabela 3.3
Tabela da análise de variância (Anova) do parâmetro PS.
Fonte dos
dados
Soma dos
Quadrados
(SQ)
Graus de
Liberdade (GL)
Médias dos
Quadrados
(SQ/GL)
Estatística
F
Probabilidade
>F (p-value)
Colunas 0,02 3 0,01 0,48 6,94E-001
Erro 7,42 476 0,02
Total 7,45 479
Já na TAB. 3.4, no que respeita ao parâmetro PS, KW apresenta um resultado
marginalmente significativo (25% de chance das diferenças deverem-se ao acaso).
Neste caso, deve-se privilegiar o resultado da análise paramétrica, i.e., os desvios da
média devem-se ao acaso.
Tabela 3.4
Tabela da análise de variância (Kruskal-Wallis) do parâmetro PS.
Fonte dos
dados
Soma dos
Quadrados
(SQ)
Graus de
Liberdade (GL)
Médias dos
Quadrados
(SQ/GL)
χ
-
quadrado
Probabilidade
>
χ
-quadrado
Colunas 256043,4 3 85347,9 13,31 4
Erro 8959914,6 476 18355,3
Total 9215958 479
3.3.3- “Box Plot” e Análise de Variância do parâmetro DE (Anova e Kruskal-
Wallis).
Nesta observação, o grupo Cnt, como nos casos anteriores, mostra-se simétrico
porém com forte presença de elementos fora-de-faixa, mais concentrados na região de
maiores valores. O grupo experimental de maior simetria é o grupo Hip. O grupo Isq
apresenta-se desviado em direção a valores mais altos e, curiosamente, o grupo Mix
apresenta tendência contrária. Neste gráfico, as medianas dos grupos Hip e Isq estão
dispostas ao longo de uma linha horizontal, bem como Mix e Cnt. Os dois pares de
grupos, entretanto, situam-se em linhas diversas (mais altas, no primeiro par).
FIGURA 3.8 - Gráfico “tipo caixa” ou Box-Plot do parâmetro DE. As
linhas vermelhas na estrangulação do polígono representam as medianas;
as linhas tracejadas representam os desvios padrão das médias e as cruzes
em vermelho os valores fora de faixa ou outliers.
Na próxima análise, observam-se desvios da média fortemente significativos
para o parâmetro DE,com F, inclusive, sendo representado por quase o dobro do valor
encontrado para DC..
Tabela 3.5
Tabela da análise de variância (Anova) do parâmetro DE.
Fonte dos
dados
Soma dos
Quadrados (SQ)
Graus de
Liberdade (GL)
Médias dos
Quadrados
(SQ/GL)
Estatística F Probabilidade
>F (p-value)
Colunas 10243,3 3 3414,43 22,21 1,78E-013
Erro 73176,2 476 153,73
Total 83419,5 479
Como se pode observar na próxima TAB., aqui, KW concorda inteiramente com
Anova: o resultado é fortemente significativo.
Tabela 3.6
Tabela da análise de variância (Kruskal-Wallis) do parâmetro DE.
Fonte dos
dados
Soma dos
Quadrados
(SQ)
Graus de Liberdade
(GL)
Médias dos
Quadrados
(SQ/GL)
χ
-quadrado Probabilidade >
χ
-
quadrado
Colunas 868199,8 3 322733,3 50,32 6,82E-011
Erro 8247759,8 476 17327,2
Total 9215959 479
3.3.4- “Box Plot” e Análise de Variância do parâmetro IE (Anova e Kruskal-
Wallis).
Todos os grupos nesta observação mostram-se bastante simétricos, com exceção
de Mix, com leve tendência para a faixa de maiores valores. É digna de nota a presença
de valores extremos ou fora-de-faixa em todos os grupos, sempre em direção aos
valores mais altos.
FIGURA 3.9 - Gráfico “tipo caixa” ou Box-Plot do parâmetro IE. As
linhas vermelhas na estrangulação do polígono representam as
medianas; as linhas tracejadas representam os desvios padrão das
médias e as cruzes em vermelho os valores fora de faixa ou outliers.
Também o intervalo entre eventos apresenta, sob o prisma da Anova, desvio
significativo da média, embora menor que o desvio dos parâmetros anteriores, p-value
aproxima-se de zero, porém F é bem menor na TAB. exibida a seguir.
Tabela 3.7
Tabela da análise de variância (Anova) do parâmetro IE.
Fonte dos
dados
Soma dos
Quadrados (SQ)
Graus de
Liberdade
(GL)
Médias dos
Quadrados
(SQ/GL)
Estatística F Probabilidade
>F (p-value)
Colunas 5132,1 3 1710,71 3,17 2,42E-002
Erro 256935,9 476 539,78
Total 262068 479
O resultado de KW para IE não indica desvio significativo, contrapondo-se à
Anova, como a seguir exibido. Neste caso a análise não paramétrica tem maior peso que
Anova.
Tabela 3.8
Tabela da análise de variância (Kruskal-Wallis) do parâmetro IE.
Fonte dos
dados
Soma dos
Quadrados
(SQ)
Graus de Liberdade
(GL)
Médias dos
Quadrados
(SQ/GL)
χ
-
quadrado
Probabilidade
>
χ
-quadrado
Colunas 18710,1 3 6236,7 0,97 8,08E-001
Erro 9192662,9 476 19312,3
Total 9211373 479
3.3.5- “Box Plot” e Análise de Variância do parâmetro PM (Anova e Kruskal-
Wallis).
Todos os grupos apresentam assimétricos e com desvios em direção aos valores
mais altos, em especial o grupo controle. O grupo Isq apresenta maior número de
outliers, em direção à faixa de altos valores, seguido de Mix, com outliers direcionados
para valores mais baixos. Não há coincidência de medianas entre quaisquer grupos.
FIGURA 3.10 - Gráfico “tipo caixa” ou Box-Plot do parâmetro IE. As linhas
vermelhas na estrangulação do polígono representam as medianas; as linhas
tracejadas representam os desvios padrão das médias e as cruzes em vermelho
os valores fora de faixa ou outliers.
Observamos nessa próxima tabela que Anova indica cerca de 20% de
chance das diferenças deverem-se apenas ao acaso (p-value de 0.19) para uma
estatística F de pequeno valor (1.59). Não há diferenças significativas, portanto, para
Anova-1, não se podendo rejeitar H
0
.
Tabela 3.4
Tabela da análise de variância (Anova) do parâmetro PM.
Fonte dos
dados
Soma dos
Quadrados
(SQ)
Graus de
Liberdade
(GL)
Médias dos
Quadrados
(SQ/GL)
Estatística F Probabilidade >F
(p-value)
Colunas 24,27 3 8,09 1,59 0,19
Erro 2418,32 476 5,08
Total 2442,59 479
A análise não-paramétrica exibida a seguir, entretanto, ao contrário de Anova,
exibe significância para as diferenças entre médias encontradas. De fato, p-value
aproxima-se de zero para um χ – quadrado de 43,71.
Tabela 3.5
Tabela da análise de variância (Kruskal-Wallis) do parâmetro PM.
Fonte dos
dados
Soma dos
Quadrados
(SQ)
Graus de Liberdade
(GL)
Médias dos
Quadrados
(SQ/GL)
χ
-quadrado Probabilidade >
χ
-
quadrado
Colunas 840909 3 280303 43,71 1,74E-009
Erro 8374989 476 17594,5
Total 92515898 479
3.3.6-Multicomparação dos parâmetros avaliados nos grupos experimentais versus
controle.
3.3.6.1-Multicomparação do parâmetro DC (Anova versus Kruskal-Wallis).
A análise Anova indica diferença estatisticamente significativa entre controle e
os grupos Hip e Mix (Hipóxia + Isquemia), bem como ausência de diferença ente Cnt e
Isq. Já a análise não-paramétrica de Kruskal-Wallis (KW), só indica diferenças entre o
Grupo Hip e os grupos Isq e Mix, com uma discreta sobreposição, entretanto, na
comparação desse primeiro grupo e o grupo controle. Deve-se recordar que o parâmetro
DC apresentou distribuição bimodal no grupo Hip e gaussiana left-tailed no grupo Isq,
restringindo, assim, a aplicabilidade do método paramétrico.
FIGURA 3.11- Multicomparação relativa ao parâmetro DC. Em azul (mais escuro) estão
representados os intervalos obtidos com o método paramétrico Anova (Matlab© v.7/ Stats
ToolBox) e, em vermelho (mais claro), os intervalos do método não-paramétrico de Kruskal-
Wallis. As barras representam os desvios da média; quanto mais sobrepostas, menor a
significância das diferenças entre os grupos.
3.3.6.2-Multicomparação do parâmetro OS
Curiosamente, na análise KW, mais exigente, há diferença estatisticamente
significativa entre controle e grupo Hip, não presente na análise Anova. KW indica
também diferenças entre o grupo Hip e os grupos Isq (marginal) e Mix (forte), também
ausentes em Anova. A robustez e não complacência do método não-paramétrico fala a
favor de considerar tal resultado como válido.
FIGURA 3.12- Multicomparação relativa ao parâmetro PS. Em azul (mais escuro) estão
representados os intervalos obtidos com o método paramétrico Anova (Matlab© v.7/ Stats
ToolBox) e, em vermelho (mais claro), os intervalos do método não-paramétrico de Kruskal-
Wallis. As barras representam os desvios da média; quanto mais sobrepostas, menor a
significância das diferenças entre os grupos.
3.3.6.3-Multicomparação do parâmetro DE
Surge aqui uma diferença importante no posicionamento do grupo controle nas
duas análises, ocorrendo desvio para a esquerda (menores valores , ou ranking de
valores, no caso) na análise não paramétrica. Anova indica diferença estatisticamente
significativa entre controle e Hip, entre controle e Mix e, diferença marginal entre
controle e Isq (os extremo dos intervalos se tocam).Já KW indica diferenças apenas
entre Cnt e Hip ou Isq, e não entre controle e Mix.
FIGURA 3.13- Multicomparação relativa ao parâmetro DE. Em azul (mais escuro) estão
representados os intervalos obtidos com o método paramétrico Anova (Matlab© v.7/ Stats
ToolBox) e, em vermelho (mais claro), os intervalos do método não-paramétrico de Kruskal-
Wallis. As barras representam os desvios da média; quanto mais sobrepostas, menor a
significância das diferenças entre os grupos.
3.3.6.4-Multicomparação do parâmetro IE
A análise Anova aponta diferenças estatisticamente significativas entre controle
e Hip e, marginalmente significativas (há pequena sobreposição de intervalos) entre Cnt
e Isq ou Mix. Na análise KW, não há diferenças entre quaisquer grupos.
FIGURA 3.14- Multicomparação relativa ao parâmetro IE. Em azul (mais escuro) estão
representados os intervalos obtidos com o método paramétrico Anova (Matlab© v.7/ Stats
ToolBox) e, em vermelho (mais claro), os intervalos do método não-paramétrico de
Kruskal-Wallis. As barras representam os desvios da média; quanto mais sobrepostas,
menor a significância das diferenças entre os grupos.
3.3.6.5-Multicomparação do parâmetro PM
Curiosamente, também aqui Anova não aponta diferenças significativas entre
quaisquer grupos mas, ao contrário, a análise não paramétrica de Kruskal-Wallis indica
diferenças significativas entre o grupo controle e todos os grupos experimentais. Se
considerarmos a não complacência e robustez do último método, devemos considerar
que existem diferenças consideráveis neste caso. A excessiva variabilidade intragrupal
pode ter contribuído para a análise deficiente do método paramétrico. Devemos também
recordar que PM representa um caso particular de PS (PS máxima versus PS média) e,
destarte, deve acompanhar, de alguma forma, as análises desse último parâmetro.
FIGURA 3.15- Multicomparação relativa ao parâmetro PM. Em azul (mais escuro) estão
representados os intervalos obtidos com o método paramétrico Anova (Matlab© v.7/ Stats
ToolBox) e, em vermelho (mais claro), os intervalos do método não-paramétrico de
Kruskal-Wallis. As barras representam os desvios da média; quanto mais sobrepostas,
menor a significância das diferenças entre os grupos.
3.3.7- Análise multivariada (Manova) de todos os grupos (Hip, Isq, Mix, Cnt)
considerando quatro parâmetros (DC,PS,DE e IE).
O parâmetro PM foi excluído da análise, já que representa um caso especial de
PS, e sua inclusão tornaria menos legíveis os resultados. A seguir, um gráfico. de
dispersão com plotagem agrupada em matriz, uma das saídas de Manova
FIGURA 3.16- Gráfico de dispersão, combinado com histogramas, de todos os
grupos considerando os parâmetros DC,PS,DE e IE.
O gráfico acima não fornece dados claros sobre as diferenças globais entre os
diversos grupos; os dados sobrepõe-se e agrupam-se de forma marcada, não exibindo
tendência definida. A análise Manova, porém, pode esclarecer melhor esta
multicomparação grupal, de múltiplas variáveis, como veremos a seguir.
3.3.7.1- Resultados da Manova.
Manova fornece o parâmetro d, para uma estimativa da dimensão das médias
grupais; neste caso, d=3, ou seja, a máxima diferença possível (GL3) para quatro grupos
sob comparação (zero indicaria médias num mesmo ponto,ou seja médias
estatisticamente iguais; 1, diferenças ao longo de uma linha; 2, diferenças dispostas em
um plano e 3, como no caso presente, diferenças situadas na superfície de um sólido
geométrico). Portanto, mesmo levando em consideração que o parâmetro IE não
apresentou diferenças significativas, o grupo como um todo diverge em relação ao
acaso.
A segunda saída fornecida por Manova é o parâmetro p, um vetor de p-values
para a sequência de testes, iniciando com o teste para a dimensão zero e prosseguindo
até a última dimensão pertinente. Neste caso, Manova fornece o seguinte vetor p:
p
0
= 0.0000
p
1
= 0.0029
p
2
= 0.0113
Como todos os valores de p são pequenos, estima-se que a dimensão seja igual a
3.
A última saída de Manova corresponde à estrutura stats, com vários campos
25
.
3.3.8- Exemplos de registros dos diversos parâmetros/grupos.
A- Grupo Hip.
O registro reproduzido acima, sintetiza os achados no grupo Hip para os
parâmetros DC, DE e PS. Observamos aqui um exuberante DC (-16.7991 mV) e um
grande DE (64.2982 s); PS, porém, não diverge significativamente do controle e o IE
encaixa-se perfeitamente no padrão geral.
25
- W/Conteúdos de campos (soma de quadrados intra-grupais e produtos cruzados da matriz B): 4 X 4
(double); B (soma de quadrados inter-grupais e produtos cruzados da matriz T):4 X 4 (double); T (soma total dos
quadrados e produtos cruzados da matriz GL [graus de liberdade] em W):4 X 4 (double); dfW (Graus de liberdade
para W.GL.B):476; dfB (Graus de liberdade para B.GL.T):3; dfT (Graus de liberdade para T λ ):479; λ (vetor de
valores para o teste estatístico λ de Wilks, para testar a dimensionalidade das médias/Qui quadrado): 3 X1 (double);
Qui-quadrado (Transformação de λ para aproximar-se a uma distribuição qui-quadrado): 3 X1 (double); chisqdf
(Graus de liberdade para os eigenvalores de qui-quadrado):4 X 1 (double);eigenval (eigenvalores do eigenvetor): 4 X
1 (double); eigenvec (eigenvetor): 4 x4 (double); além de variáveis canônicas C, distâncias de Mahalanobis, etc.,
necessárias para os cálculos executados pela rotina.
FIGURA 3.17- Registro do potencial extracelular de fatia de hipocampo de
animal do grupo Hip. Na parte inferior do gráfico, podemos ver uma ampliação
do burst analisado, o quarto a partir da esquerda.
B- Grupo Isq.
Neste registro fica bem ilustrado o comportamento do grupo Isq. Observamos
um grande DE (64.0675 s.) para um DC dentro do padrão de variação (-6.1741 mV) e
um PS pequeno, no exemplo, inclusive, menor que a média.
É interessante notar, como representado no próximo registro, o que parece ser
uma tendência nesse grupo: a proporcionalidade inversa de PS e DE.
FIGURA 3.18- Registro do potencial extracelular de fatia de hipocampo de
animal do grupo Isq. Na parte inferior do gráfico, podemos ver uma ampliação
do burst analisado, o primeiro a partir da esquerda.
IEE:27 seg
FIGURA 3.19- Outro registro do potencial extracelular de fatia de hipocampo de
animal do grupo Isq, que apresenta PS de maior valor. Na parte inferior do
gráfico, podemos ver uma ampliação do burst analisado, o quarto a partir da
esquerda.
IEE: 47 seg.
C- Grupo Mix.
Neste grupo, submetido a um protocolo mais leve de hipóxia (PPII), tanto DC
quanto DE foram menores, como pode ser observado no registro típico, exibido a
seguir.
FIGURA 3.20- Registro do potencial extracelular de fatia de hipocampo de
animal do grupo Mix. Na parte inferior do gráfico, podemos ver uma ampliação
do burst analisado, o primeiro a partir da esquerda.
D- Comparação entre os registros dos três grupos experimentais
A seguir, para facilitar a análise, exibimos um gráfico comparando os três
grupos experimentais, ajustados para a mesma escala.
FIGURA 3.21- Comparação de registros típicos dos três grupos experimentais,
ajustados com a escala do eixo y do grupo Hip (0 a 15 mV).
3.4- Sumário da análise estatística dos resultados.
Para facilitar uma visão geral dos resultados das análises de variância
paramétricas e não-paramétricas, sumariamos a seguir as saídas de Anova e Kruskal-
Wallis. Representamos aqui o inverso do parâmetro IE, para maior clareza na
comparação dos resultados, uma vez que quanto menor o IE, maior a sensibilização
epileptogênica.
TABELA 3.6 Sumário das análises de variância
Anova Kruskal-Wallis Valores em relação ao Controle
PARÂMETRO
Mais altos Mais baixos
DC
1+ (FORTE) 1+ (FORTE) HIP MIX
PS
-1 (NS) 0 (Marginal) HIP/ISQ/MIX _______
PM
-1 (NS) 1+ (FORTE) HIP/ISQ/MIX _______
DE
1+ (FORTE) 1+ (FORTE) HIP/ISQ MIX
1/IE
0 (Marginal) 1+ (FORTE) HIP/ISQ/MIX ________
É digno de nota o comportamento do grupo Mix, apresentando valores médios
inferiores ao grupo controle tanto para DC quanto para DE. O que teria levado esse
grupo a apresentar essa resposta ( pelo menos aparentemente) paradoxal?
Tentaremos deslindar esta e outras questões, a seguir.
Capítulo 4
Discussão dos Resultados
Aumento dos níveis DC e duração dos eventos nos grupos Hip e Isq.
Os resultados mostraram que houve clara sensibilização epileptogênica nos
grupos Hip e Isq, conforme evidenciam os maiores níveis DC e maiores períodos DE
Uma alteração que poderia explicar essa sensibilização, indicada pelos
parâmetros em pauta, seria a modificação da razão volumétrica intra/extracelular,
provavelmente pela expansão do MEC, ocasionada por edema intersticial residual na
segunda semana pós-indução. De acordo com Kramer e Gonic (1974), a bomba de
sódio/potássio pode sofrer sobrecarga na situação de expansão do MEC, dificultando o
restabelecimento do potencial de repouso e, assim, mantendo os neurônios mais
próximos do potencial de ação. A Fig 4.1, a seguir, exemplifica esta situação, deixando
claro que a bomba tem que se esforçar mais para atingir o nível de equilíbrio à esquerda
do que à direita..
FIGURA 4.1- Ilustração diagramática do MEC , representado pelo cilindro de
vidro externo e da célula, representada pelo cilindro interno; a bomba em azul,
representa a Na
+
- K
+
-ATPase. O líquido amarelo representa a concentração
iônica do sódio. À esquerda o MEC está expandido, à direita, normal ou
contraído.
Expansão do MEC e sensibilização: um paradoxo?
Nossa argumentação até aqui estaria impecável, não fosse por um pequeno
óbice: nos cérebros adultos, mais resistentes à epileptogênese, o MEC está
proporcionalmente aumentado, e não diminuído, como demonstram trabalhos com
cérebros adultos e tecidos expostos ao manitol, que provoca encolhimento celular (cf.
ROPER, OBENAUS e DUDEK, 1993).
A sobrecarga da Na
+
– K
+
- ATPase não será determinante na epileptogênese,
mas um contribuinte de peso no que respeita, especificamente, aos parâmetros que são
influenciados pelo ritmo e velocidade do restabelecimento do potencial de repouso, ie,
da repolarização celular. Outras alterações, especialmente agindo sobre o plasmalema
(canais, cotransportadores, etc.) é que contribuirão de forma mais direta para outros
tipos de sensibilização epileptogênica, agindo sobre um outro conjunto de parâmetros.
O atraso da repolarização acarretará um período maior para a duração das AE
(parâmetro DE); importará também numa janela temporal maior de exposição do
neurônio ainda não recuperado em seu potencial a um novo disparo (facilitação das PS).
Alterações nas dinâmicas dos canais iônicos, seja por ação direta sobre esses
canais por alterações proteicas no plasmalema, seja por ação indireta sobre co-
transportadores, trarão consequências diretas para o gradiente iônico transmembrânico e
potenciais de Nernst de diversas espécies iônicas. Indiretamente, canais alterados
afetarão a velocidade das trocas iônicas, ATP-dependentes ou não, e influirá também
na intensidade (ddp) das PS.
Devemos acrescentar porém, que nas situações descritas por Roper, Obenaus e
Dudek (1993), houve diminuição do volume celular, como mecanismo básico, não a
expansão primária do MEC, que ocorreria na presença de edema intersticial. No
primeiro caso estariam, portanto, preservados concentrações e gradientes iônicos no
meio ambiente da matriz celular.
Já em nossa situação experimental, se ocorreu alteração da relação volumétrica
intra/extracelular, esta deveu-se primariamente à expansão do MEC, diluindo sua
concentração iônica.
A FIG. 4.2, a seguir, ilustra esse raciocínio, tomando como exemplo uma única
espécie iônica, apenas para maior clareza do esquema.
FIGURA 4.2- As esferas amarelas representam íons Na
+
; os círculos representam
células. Observe que o número de íons intracelulares é o mesmo em ambas as
situações. As setas representam o gradiente relativo em ambas as situações.
Se olharmos com atenção para a figura acima, podemos observar que na situação
1, de célula contraída e MEC normal, o gradiente intra/extra celular é menor do que na
situação 2. Esta é apenas outra forma de representar o que esquematizamos na FIG. 4.1,
anterior a esta: a bomba terá um esforço maior para restabelecer o potencial de repouso
na situação de MEC expandido do que na vigência de MEC normal porém com a célula
contraída.
A situação representada por nossos experimentos é, portanto, diversa da
representada pelo trabalho de Roper, Obenaus e Dudek (1993), ocorrendo aqui maior
sobrecarga da Na
+
– K
+
- ATPase e dificultando, por esse motivo, o restabelecimento
do potencial de repouso, o que acarretará maiores períodos DE e, por força dos maiores
gradientes iônicos, maiores níveis DC .
PS ou PM, qual o melhor indicador de sensibilização?
O
parâmetro PS, ao levar em consideração a média de amplitude dos sinais das
population spykes, tende a diluir ou suavizar excessivamente os desvios da média. Na
análise estatística de PS, na verdade consideramos médias de médias, “achatando” as
curvas sob análise e, dessa forma, ocultando do observador algumas características
relevantes.
O parâmetro PM, por sua vez, fornece uma medida mais expressiva, capaz de
melhor quantificar a intensidade desse recrutamento. Na média, dois eventos podem
apresentar o mesmo valor de PS, porém um evento pode apresentar um recrutamento de,
digamos, 100.000 neurônios, por um breve instante, e o outro de apenas 10.000 ao
longo do evento. As condições ambientais no primeiro exemplo serão radicalmente
distintas das condições ambientais no segundo exemplo. Para o segundo, haveria um
“teto” de 10.000 neurônios, não para o primeiro, onde dez vezes mais neurônios
poderiam disparar sincronamente.
Devemos recordar que as population spikes representam um fenômeno coletivo,
o resultado do recrutamento de muitos neurônios expostos ao mesmo microambiente,
processo de relevo para os mecanismos não-sinápticos porque não haveria tempo para
esse recrutamento se dar por meio de sinalização química, a nível sináptico. Se
considerarmos os focos longínquos que podem surgir, nem a comunicação direta, via
gap-junctions, poderia explicar esse disparo simultâneo e hipersíncrono que constitui as
PS.
Levando em conta o acima exposto, consideramos que o parâmetro PM, ou valor
máximo da PS em cada burst, possa representar melhor os fenômenos que subjazem
aos registros apurados.
No que respeita a esse parâmetro, KW encontrou desvios significativos da
média, em direção a valores mais altos, em todos os grupos experimentais em
comparação com o grupo controle, demonstrando que houve alterações que envolvem o
microambiente, os neurônios ou, mais provavelmente, ambos.
O grande paradoxo do grupo Mix.
Parece não restar dúvidas de que as manobras de isquemia e/ou hipóxia
resultaram em significativas modificações da sensibilidade epileptogênica de origem
não-sináptica em todos os grupos experimentais, conforme evidencia a eletrofisiologia
realizada cerca de duas semanas pós-procedimento. Em todos os grupos experimentais,
à exceção do grupo Mix, todos os parâmetros relevantes indicativos de sensibilização
epileptogênica de origem não-sináptica aumentaram em relação ao controle .
Nossa argumentação, nesse ponto, seria linear e direta, não fôra o
comportamento aparentemente paradoxal do grupo Mix, submetido a dois
procedimentos que se revelaram isoladamente sensibilizantes mas que, ainda assim,
levaram esse grupo a tornar-se relativamente mais resistente do que o grupo controle,
pelo menos no que respeita à intensidade e persistência da despolarização (valores mais
baixos de DC e DE).
Duas linhas de raciocínio apresentam-se para nossa argumentação:
1. De alguma forma o procedimento de isquemização teria minimizado os efeitos da
manobra de hipóxia que sucedeu a cirurgia; e
2. As manobras combinadas resultaram em algum tipo de seleção de neurônios
resistentes à epileptogênese.
Evidentemente, a primeira linha de raciocínio justificaria a maior resistência do
grupo Mix em relação ao grupo Hip, porém não em relação ao controle. De fato,
poderíamos nos valer desta linha de argumentação em outro momento de nossa
discussão, para compararmos os grupos experimentais entre si, porém neste momento
parece que temos que aderir à segunda linha.
Por razões talvez fortuitas, as manobras combinadas de isquemia sucedida de
hipóxia podem ter levado à morte celular os neurônios que se tornariam mais
sensibilizados às AE de origem não sináptica.
Talvez as razões que motivaram a necrose ou apoptose dessa população neuronal
sensível não tenham sido assim tão fortuitas; parece, de fato, tratar-se de um limiar (ou
limiares) de sensibilização, num primeiro patamar, e de morte celular, num segundo
nível, envolvendo ambos os limiares os mesmos processos intra e/ou extracelulares.
A Fig. 4.3, a seguir, esquematiza essa situação.
FIGURA 4.3- Seleção de populações neuronais. Na linha superior não houve
seleção significativa, apesar de poder ter havido sensibilização geral dos
neurônios; na linha média apenas os neurônios mais sensíveis sofreram necrose
ou apoptose; na linha inferior, apenas neurônios epilepto-resistentes
sobreviveram.
De acordo com o esquema acima exibido, no grupo Mix correspondendo à linha
inferior, apenas neurônios epilepto-resistentes sobreviveram, tornando esse grupo,
portanto, mais resistente do que o grupo controle, composto por neurônios com
diversos graus de resistência à epileptogênese
26
. O grupo Isq, na linha média, teve
sacrificados seus neurônios mais sensíveis, exibindo por conta deste fato, uma resposta
mediana de sensibilização; já o grupo Hip, na linha superior, todos os tipos neuronais
foram sensibilizados, o que acarretou resposta de sensibilização epileptogênica mais
exuberante, uma vez que os neurônios mais sensíveis foram poupados neste grupo.
26
Naturalmente, esta é uma representação apenas esquemática da realidade. Terão sobrevivido
neurônios de todos os tipos, em todos os grupos. Os neurônios citados como sobreviventes, contudo,
representarão a esmagadora maioria da população neuronal.
Recordemos aqui Margerison e Cosellis (1996) que afirmam que os neurônios
hilares denteados constituem a população mais sensível à excitotoxidade que se segue à
hipoxemia ou a repetidas crises epilépticas, sendo os primeiros a desaparecer após tal
tipo de manobra. Após estes, prosseguem os autores, os próximos neurônios na escala
de sensibilidade serão as células piramidais de CA1 e CA3.
Prosseguem os autores afirmando que dentre os neurônios hilares, entretanto, nem
todos são igualmente sensíveis. A sensibilidade é máxima para células musgosas e
alguns interneurônios (imunoreativos à somatostatina e polipeptídeo Y).
Margerison e Cosellis (1996) destacam ainda que tanto células granulares quanto
células em cesto (basket cells) são bastante resistentes à agressão excitotóxica.
É oportuno lembrar também Pond e colaboradores (2006) que citam que
neurônios piramidais que, apesar de exibir picnose, não sofrem necrose maciça nas três
horas pós-hipoxemia.
Além dos autores acima, Chen e Buckmaster (2005), Cowell (2002), Mc Ewen
(2000) e Graham (2002), já referidos neste trabalho, também citam a morte neuronal
após lesões, destacando com maior ou menor ênfase a seletividade dependente do tipo
celular, apoiando, assim, nossa hipótese da seleção neuronal residir na base mesma da
sensibilização epileptogênica observada em nossos grupos experimentais.
Se a seleção neuronal é tipo-dependente, como parece, a morte neuronal não se
deu de forma aleatória, antes disso, processou-se de forma heterogênea porém bem
determinada, atingindo mais fortemente algumas sub-regiões do GDH. Por outro lado,
também deve ter ocorrido neurogênese no GDH nessas duas semanas após a exposição
à manobras hipoxemiantes. Liu e colaboradores (1998), fazem-nos incluir essa
possibilidade em nossa situação experimental.
Em seu artigo, versando sobre neurogênese denteada após isquemia transitória
em gerbils, os autores descrevem neurogênese até o décimo-quarto dia após isquemia,
em sub-áreas do GDH (zona subgranular) Em torno do 26
o
dia, ocorre manifesta
maturação neuronal, as partir das células tronco que se dividiram na zona subgranular e
migraram para o hilus ou permaneceram em seu local de origem.
O mapa funcional hipocampal ter-se-á modificado consideravelmente após essa
neurogênese, alterando a extensão ou densidade de sub-regiões ocupadas por
determinados tipos celulares. A próxima FIG. nos fornece um guia geral para algumas
estruturas hipocampais, em condições normais.
FIGURA 4.4- Corte sagital do hipocampo mostrando áreas do Corno de
Amon e, ao centro, o Giro Denteado, com falsas cores sobrepostas. Em verde, a
camada celular piramidal; em azul, a camada polimórfica; em vermelho, a
camada celular granular; em amarelo, a camada molecular e, em laranja, a área
aproximada onde foram inseridos os eletrodos para o registro eletrofisiológico
extracelular.
Podemos observar na figura acima que nossa área de registro engloba uma
camada de células com resistência de intermediária à forte (células piramidais), de
acordo com a observação de Pond et al (2006). Podemos ver também que, num extremo
vizinho à área de registro encontram-se concentradas células granulares, muito
resistentes (MARGERISON e COSELLIS, 1996).
Essa justaposição de áreas com diversas sensibilidades (tanto à epileptogênese
quanto à morte neuronal, acentue-se) pode provocar um fenômeno que apelidamos de
“efeito capacitor”, a partir de uma exposição que nos foi feita por Almeida (2009). As
FIG. 4.4 e 4.5 darão início a nossa discussão desse efeito.
FIGURA 4.5- Representação altamente esquemática de duas populações
neuronais homogêneas no que respeita a intensidade e duração dos eventos
epileptiformes. O multímetro representa o eletrodo de registro com um terminal
no meio extracelular e o outro ligado à terra, o dreno das correntes elétricas. Não
há qualquer obstáculo para o livre fluxo de correntes, neste caso.
FIGURA 4.6- Representação altamente esquemática de duas populações
neuronais heterogêneas no que respeita a intensidade e duração dos eventos
epileptiformes. A população neuronal 'A' encontra-se em seu estado mais
excitado, enquanto 'B' está em repouso ou tem pequeno nível de excitação. Num
segundo momento haverá inversão desses estados., com prejuízo do fluxo se 'A'
envolver espacialmente 'B'.
Nas figuras acima, representamos as situações de homogeneidade ou não de
duas populações neuronais. Nesse esquema linear quer criamos, talvez não seja
intuitivo o desenrolar dos eventos no tempo e no espaço e, assim, na próxima FIG.
representamos o momento subsequente das atividades em populações heterogêneas, já
numa representação planar.
FIGURA 4.7- A população neuronal 'B', agora em seu pico de atividade
encontra-se circundada pela população neuronal 'A', em seu período
refratário. Não há livre fluxo de corrente em direção ao dreno e, assim, existe
a tendência de 'B' atingir maiores diferenças de potencial do que ocorreria se
o fluxo estivesse normal.
Como sempre se pode traçar uma analogia entre fluxos e potenciais elétricos e
hidráulicos, talvez as FIG. seguintes sejam mais esclarecedoras. Na FIG. 4.8
representamos duas populações neuronais homogêneas, com fluxo livre e sem “efeito
capacitor”; na FIG. 4.9, representamos, com a analogia hidráulica, a situação
esquematizada na figura acima.
FIGURA 4.8- Analogia hidráulica da situação de duas populações neuronais homogêneas
com mesmo nível de DC e mesma duração dos eventos. Não há obstáculo para o fluxo e, por
conta disto, ocorre baixa pressão no recipiente à direita, representando a população 'B'.
FIGURA 4.9- Analogia hidráulica da situação de duas populações neuronais heterogêneas
com diversos níveis DC e diferente duração dos eventos. Há obstáculo para o fluxo e, por
conta disto, ocorre alta pressão no recipiente à direita, representando a população 'B'.
Tudo leva a crer que tenha ocorrido esse “efeito capacitor”, no grupo
experimental Mix pelo menos. Esse efeito explicaria o porque do grupo Mix, apesar de
exibir baixos níveis DC, apresentar population spikes maiores do que o controle: o
“tamponamento” da população neuronal que recebeu o eletrodo de registro, por outra
população neuronal, em seu período refratário, elevou a tensão daqueles disparos
síncronos.
Apesar dos pequenos gradientes iônicos diferenciais no segmento medido no
grupo Mix, ocorreu aqui a oportunidade para que PS e, em especial, PM, se elevassem.
De fato, uma situação análoga foi observada em um trabalho em que se empregava o
Eugenol como bloqueador em AE sustentadas por mecanismos não-sinápticos. A FIG. a
seguir foi retirada de um poster ilustrativo do referido trabalho (PEREIRA,
RODRIGUES e ALMEIDA, 2009).
F
I
G
U
R
A
4
.
1
0
-
E
F
IGURA 4.10- Efeito do Eugenol sobre a expressão das AE. A barra colorida vertical indica o
nível dos potenciais, de negativo, em azul, a positivo, em vermelho. O tamanho da mancha
colorida indica a extensão espacial da despolarização; quanto mais saturada de azul, maior a
intensidade (negativa) do nível DC.
Na figura acima, observamos à esquerda atividade que se espalha por uma
grande área, conforme demostra o IOS representado em cores acima do registro
eletrofisiológico. Já à direita, o IOS mostra apenas uma pequena área de abrangência
das AE, porém as population spikes são muito mais exuberantes do que no registro à
esquerda. Provavelmente ocorreu aqui também o “efeito capacitor”, tal como deve ter
ocorrido no grupo Mix e, talvez, no grupo Isq.
O pequeno paradoxo dos grupos Hip e Isq.
Outro aparente paradoxo, que agora consideramos pequeno, consiste na inversão
da sensibilidade epileptogênica de nossos grupos experimentais em relação à
expectativa, digamos, clássica: o grupo Isq deveria, em princípio, constituir o grupo
mais sensibilizado, já que a isquemia provoca, além da hipoxemia, distúrbios
metabólicos tais como deficiência do aporte energético (hipoglicemia) e saturação por
catabólitos (acidose lática, por exemplo).
Não foi isto que ocorreu com nossos grupos experimentais. O grupo Hip
revelou-se mais sensibilizado do que o grupo Isq, numa clara inversão de expectativas.
Novamente aqui, nosso esquema justificaria tal achado: o grupo Hip
corresponde à linha superior da figura 4.3, onde o estímulo nóxico foi subliminar, não
ocorrendo, portanto, qualquer seleção de populações neuronais. O grupo Hip, então,
contém neurônios sensíveis, resistentes e normais_assim como o grupo controle_todos
sensibilizados, porém, pela manobra de hipóxia e, assim, hiper-reativos.
Já o grupo Isq, correspondendo à linha média da figura, sofreu uma seleção que
eliminou neurônios especialmente sensíveis à epileptogênese, porquanto o estímulo
liminar levou esses neurônios à morte celular por necrose ou apoptose. Disso resultou
uma população neuronal menos sensibilizada do que no grupo Hip, que manteve vivos
seus neurônios sensíveis.
Como já expusemos, o grupo Mix corresponde à linha inferior, onde apenas
neurônios resistentes_diversamente do grupo controle e do grupo Hip_sobreviveram.
Este é o grupo de estímulo supraliminar, além do normal, mais resistente à
epileptogênese do que a média da população.
Em última análise, este fato explica também porque ocorreu uma taxa de 80% de
êxito letal nos animais submetidos ao protocolo mais forte de hipóxia, PPH1, após a
isquemia, nos ensaios preliminares: o estímulo nóxico foi, nesse caso, muito superior ao
limiar, resultando em morte neuronal maciça e êxito letal dos animais.
Por último, a menor população sobrevivente no grupo Mix, justificaria a maior
intensidade de sincronização, representada pelas population spikes, observada neste
grupo em relação aos demais grupos experimentais como vimos no tópico anterior.
Mecanismos comuns subjacentes à sensibilização epileptogênica e morte neuronal.
Aqui desaparecem os paradoxos; o mecanismo de sensibilização epileptogênica
foi o mesmo em todos os grupos experimentais e ocorre, basicamente, na membrana
celular.
Nossa janela de observação, duas semanas pós-indução, representa a fase semi-
crônica do processo, i.e., o momento em que os processos agudos_tais como os edemas
citotóxico e intersticial primário_ já desapareceram porém ainda não surgiram
27
as
repercussões crônicas, conduzentes à epilepsia verdadeira .
Nessa fase, algumas modificações serão, senão permanentes, bastante
duradouras. Algumas modificações ainda presentes nessa janela de observação podem
consistir, por exemplo, no edema intersticial residual, observado por alguns autores
(NEDELCU,2009, por exemplo) até o quinto dia após o episódio
hipoxêmico/inflamatório.
Outra alteração bastante provável nessa fase é representada pela gliose
(COWELL, 2002). A sobre-expressão da glia no tecido afetado traria duas
consequências, de mesmos efeitos, na interrelação célula/meio ambiente, quais sejam:
1.Diminuição do MEC, agora ocupado por maior número de células gliais; e
2.Aumento da recaptação de K
+
(buffering glial) pelos astrócitos neo-formados.
Ambos os processos acima referidos falariam contra a sensibilização
epileptogênica: a redução do MEC favoreceria a atuação da Na
+
-K
+
-ATPase, facilitando
o restabelecimento do potencial de repouso bem como a recaptação de K
+
pela
astróglia, através do tamponamento glial de potássio também atuaria no mesmo sentido,
favorecendo a hiperpolarização neuronal.
Temos, porém, que aduzir aqui algumas observações. A gliose observada nessas
fase dá-se às custas, basicamente, de células microgliais, o equivalente no SNC dos
macrófagos existentes na circulação corporal, incapazes de participar do buffering glial
27
De acordo com a literatura (DOU e DUDEK, 2004; WILLIAMS e JANSEN, 2006 e outros), os
modelos de isquemia e/ou hipóxia foram concebidos para o estudo da fase crônica do processo, pelo
menos um ano após a indução. Nossa abordagem difere da daqueles autores no presente trabalho.
de potássio; além disso, a glia neoformada organiza-se em locais determinados do
neuropill, não de forma disseminada por todo o MEC e, assim, não altera de forma
significativa seu volume ou composição.
Além disso, conforme Yu, Bakay e Lee (1972), a astróglia encontra-se bastante
alterada, a partir do sétimo dia , exibindo marcada distensão e translucência
citoplasmática e, portanto, os astrócitos não terão a competência normal para realizar o
tamponamento de K
+
, prejudicando a homeostase iônica.
Por outro lado, conforme Galasso, Harrison e Silverstein (2008) e também
Araújo e Diniz (2008), a peroxidação lipídica (dentre outras alterações) derivada da
agressão hipoxêmica/inflamatória, poderá ter lesionado, até de forma definitiva, alguns
componentes do plasmalema essenciais para o transporte iônico. As células
sobreviventes ao edema citotóxico trarão em suas membranas cicatrizes funcionais
importantes que prejudicarão a homeostase iônica.
A população mitocondrial dos neurônios terá sido reduzida pelo excesso de
[Ca
2+
]
i
ocasionado, dentre outros fatores, pela descarga glutamaérgica, trazendo
transtornos definitivos para o funcionamento dos mecanismos de transporte ATP-
dependentes, nessas células com reduzida eficiência energética.
Teremos, então, um leftover de neurônios incompetentes para executar a
dinâmica normal, incapazes de restabelecer com rapidez os gradientes iônicos
necessários para a retomada do potencial de repouso. Em outras palavras, neurônios
epilepto-sensíveis.
Capítulo 5
Conclusões e Sugestões
Nossa principal conclusão é a de que ocorreu franca sensibilização epileptogênica
envolvendo AE sustentadas por MNS, duas semanas após manobras hipoxemiantes,
em dois grupos experimentais, o grupo Hip e o grupo Isq. Ocorreu também relativa
dessensibilização ou aumento de resistência, dificultando o aparecimento de AE de
origem não-sináptica no grupo Mix, conforme evidenciado por menores níveis DC e
menores intervalos DE, apesar da manutenção nesse grupo de alto nível PS/PM.
A seleção neuronal tipo-dependente parece consistir no mecanismo básico que
gerou tais resultados, talvez secundada por alterações no MEC provenientes de edema
intersticial residual no momento das análises eletrofisiológicas.
Permaneceram em aberto algumas questões, ao final de nosso trabalho, que, se
respondidas poderiam confirmar ou não nossas hipóteses, quais sejam:
1.Que tipos de estruturas membrânicas foram de fato alteradas no processo?
2.Que tipos de lesões ocorreram, se ocorreram, no hipocampo contralateral à ligadura da
artéria cervical comum?
3.Confirma-se ou não a presença de edema intersticial residual 14 dias pós hipoxemia?
4.Como evoluiriam essas lesões pós-agudas a longo prazo, tornando-se crônicas?
Para responder a essas questões seria necessário um projeto mais complexo e de
mais longo prazo, talvez só cabível em uma tese de doutoramento ou num esforço
global de pesquisa, envolvendo diversos especialistas. Em relação a esse desdobramento
da pesquisa, elaboramos a seguir uma lista sintética de sugestões:
1.Realizar análises histológicas e imunohistoquímicas nos cortes submetidos à
eletrofisiologia versus grupo controle, para identificar as microestruturas envolvidas na
sensibilização epileptogênica;
2.Registrar o IOS em paralelo à eletrofisiologia, para identificar as áreas de atividade,
mensurando sua extensão;
3.Realizar eletrofisiologia no hipocampo contralateral à isquemia, nos grupos
pertinentes, para verificar se a isquemização tem algum efeito protetor na subsequente
exposição à hipóxia;
4.realizar, em paralelo, comparações estatísticas, com os métodos apropriados, em
grupos de controle obtidos da mesma ninhada que os grupos experimentais, para
eliminar qualquer flutuação intergrupal de sensibilidade que pudesse falsear os
resultados; e
5.Realizar estudos seriados em diversas faixas etárias até a cronificação, cerca de um
ano após a indução, aí incluída a observação comportamental dos animais, para verificar
o surgimento de crises espontâneas.
Sabemos não haver esgotado aqui o rol de possibilidades de estudos futuros
sobre o tema, contudo cremos que essas sugestões podem nortear o planejamento de
próximas pesquisas.
Esperamos que esse trabalho tenha contribuído, senão com respostas claras, pelo
menos com novas questões relevantes para o estudo de atividades epileptiformes
sustentadas por mecanismos não-sinápticos, desencadeadas por exposição à hipoxemia,
no período equivalente ao perinatal humano, modelando síndromes da maior gravidade
em neonatos de nossa espécie.
Finalmente, desejamos, do mais fundo de nossa alma, que o sacrifício de seres
que compartilham conosco mais de 90% de seus genes não tenha ocorrido em vão.
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2000.
Apêndice A
Conexões Não-Sinápticas
A.1- Efeito de campo elétrico
Os efeitos de campo elétrico ocorrem quando correntes elétricas produzidas por
atividades neuronais mudam a excitabilidade de outros neurônios vizinhos não
conectados. Ou seja, a corrente gerada por um neurônio é conduzida através do meio
extracelular e atinge outros neurônios causando despolarizações em suas membranas
(JEFFERYS, 1995).
FIGURA A.1 – Efeito produzido pela interação de campo elétrico entre dois neurônios observado através
da medida do potencial transmembrânico (Vm) subtraído do potencial intracelular (Vi) do potencial
extracelular vizinho, Vo (modificado de TAYLOR e DUDEK, 1984).
O efeito de campo é mais facilmente identificado em experimentos de indução
de atividades epileptiformes (AE), pois, nesse caso, as correntes extracelulares, devidas
aos potenciais de ação, são maiores por causa do sincronismo. TAYLOR e DUDEK
(1984) mediram o potencial transmembrânico de um neurônio, durante atividades
neuronais sincronizadas, e observaram o efeito de campo elétrico através de espículas
de despolarização, que ocorrem simultaneamentes às population spikes no meio
extracelular. (FIG. A.1).
A.2- Flutuações iônicas
Uma vez que a membrana celular neuronal é sensível às variações de
concentrações iônicas nas suas faces intra e extracelular, diversos íons presentes no
meio extracelular podem alterar a polarização desta membrana, diminuindo ou
aumentando seu limiar para disparo de um potencial de ação e, assim, contribuir
decisivamente para a comunicação neuronal, independentemente da sinalização químio-
sináptica. Desta forma, o gradiente de concentração iônica no meio extra celular,
quando se altera, pode carrear um sinal que sensibilizará um grande número de
neurônios expostos ao micro-ambiente local.
Potássio, cálcio, sódio, cloreto e magnésio são os principais íons que ocorrem em grandes quantidades
Tanto experimentalmente quanto por meio de simulações computacionais,
observa-se que a variação da concentração extracelular de K
+
causa grande alterações na
excitabilidade neuronal (XIONG e STRINGER, 2000; RODRIGUES, 2003; ALMEIDA
et al, 2004). O aumento da concentração extracelular de K
+
gera a despolarização das
membranas celulares neuronais. Com a despolarização da membrana neuronal, o
potencial transmembrânico aproxima-se do limiar de deflagração de potenciais de ação
e, conseqüentemente, o tecido torna-se mais excitável.
Sob o ponto de vista da comunicação interneuronal, pode-se dizer que a
liberação de K
+
por um neurônio, devido à ocorrência nele de um potencial de ação,
acarretará alteração local da concentração extracelular desse íon. Logo, a movimentação
de K
+
ao longo do meio extracelular afetará as membranas de outros neurônios,
causando sucessivas despolarizações. Assim, o íon K
+
pode funcionar como um
sinalizador ao longo do meio extracelular e a flutuação de sua concentração pode causar
despolarizações simultâneas em todos os neurônios de uma determinada área.
Carvalho (2003), demonstrou experimentalmente que o aumento da flutuação da
concentração extracelular de K
+
, principalmente pela redução do nível de atividade da
bomba de Na/K, ocasionada pelo aumento do consumo de energia pelo tecido, pode
levar à transição do estado de atividades epileptiformes para o de DA.
As variações das concentrações extracelulares de Ca
2+
e Mg
2+
modificam a
excitabilidade neuronal através da blindagem elétrica, onde cátions bivalentes atraídos
por cargas negativas na membrana neuronal tendem a aumentar o campo elétrico que
tem influência direta sobre os canais iônicos embebidos na membrana. A redução das
concentrações dos cátions bivalentes diminui a blindagem elétrica e diminui a atuação
do campo elétrico transmembrânico. Este efeito é semelhante à despolarização da
membrana. Por outro lado, o Ca
2+
e o Mg
2+
têm efeitos opostos sobre as transmissões sinápticas. As
A influência do íon Na
+
sobre a excitabilidade neuronal não é tão grande quanto a do íon K
+
, uma
v
alterações do potencial transmembrânico, que causam variação positiva abrupta
(despolarização) do potencial transmembrânico durante o potencial de ação. Os modelos
utilizados para o cálculo do potencial transmembrânico e, conseqüentemente, para a
reprodução de potenciais de ação, mostram que o potencial transmembrânico depende,
além de outras variáveis, da concentração extracelular de Na
+
(HODGKIN e HUXLEY,
1952; RODRIGUES, 2003). Apesar dessa dependência ser pequena no repouso, durante a oco
r
potenciais de ação, contribuem para a interação neuronal.
Para o caso do íon Cl
-
, uma prova de sua contribuição para a interação neuronal pode ser observ
a
alastrante. Variações das concentrações extra e intracelulares de Cl
-
mostram ter grande
influência sobre a excitabilidade neuronal.
No trabalho de Rodrigues (2003), observa-se que reduções na concentração
extracelular de Cl
-
geram aumento da excitabilidade neuronal e vice-versa. A Fig A.2
ilustra esse fenômeno levantado aqui por Rodrigues.
FIGURA 1.2- Flutuações iônicas. O neurônio na origem da seta deflagrou um potencial de
ação, liberando íons potássio, no exemplo. Os demais neurônios no campo de ação
tridimensional do neurônio despolarizado recebem os efeitos do aumento de [K
+
]
o
, num
gradiente decrescente a partir do centro de origem do estímulo, disparando também dentro da
esfera supraliminar de estímulo iônico. Apesar do exemplo utilizar o K
+
, qualquer íon vai se
comportar do mesmo modo exercendo sua influência hiper ou despolarizante nas células
vizinhas; quanto mais compacto o conjunto neuronal, maior a influência de cada neurônio por
indução de flutuações iônicas, favorecendo a hipersincronização.
A.3- Interações efápticas
Geralmente há uma confusão entre interação por efeito de campo elétrico e interação efáptica. O acoplam
e
(CARVALHO, 2003; RODRIGUES, 2003). Não se trata, absolutamente, deste caso.
As interações efápticas ocorrem entre neurônios cujas membranas estejam muito
próximas entre si, não estando porém em contato direto.
As primeiras observações desse tipo de interação neuronal foram em pares de
axônios não mielinizados de crustáceos colocados próximos e submersos em óleo
(JEFFERYS, 1995). Neste experimento, observou-se que as flutuações de correntes
extracelulares, promovidas por um neurônio, afetavam rapidamente a célula vizinha,
despolarizando-a e promovendo significativos efeitos sobre a excitabilidade dessa
célula.
Na figura a seguir , é exibido um exemplo desse tipo de interação neuronal
entre axônios gigantes de lula, conforme foi observado por Ramón e Moore (1978).
FIGURA A..3– Evidência experimental da transmissão efáptica em axônios gigantes de
lula próximos. Em A, um eletrodo foi colocado no meio extracelular entre os dois axônios
vizinhos e o outro eletrodo no meio intracelular de um dos axônios. Em B, os registros
foram obtidos a partir de dois eletrodos colocados nos meios intracelulares dos neurônios
banhados com água do mar. Finalmente, em C, são os registros captados por eletrodos
intracelulares dos dois axônios banhados com óleo mineral. A escala eqüivale a 5 mV para
o registro que mostra o efeito pós-efáptico na parte inferior de B (retirado de JEFFERYS,
1995).
Sob essas condições experimentais, o espaço extracelular encontra-se
amplamente restrito, o que implica num aumento da resistência extracelular e, portanto,
as correntes que fluem durante um potencial de ação produzem uma grande componente
extracelular (Vo),nesse caso, maior do que a variação do potencial intracelular (Vi).
Já quando os axônios são mergulhados em água de mar, muito mais condutora, o
potencial em um axônio induz um potencial pós-efáptico (traçado inferior) na célula
vizinha, de apenas 2 mV, no máximo.
Quando os axônios são banhados em óleo mineral, bastante isolante, o efeito é
aumentado devido ao grande potencial extracelular provocando uma despolarização
suficiente para gerar um potencial de ação na célula vizinha.
A superposição dos dois sinais mostra a rápida comunicação entre as células
(JEFFERYS, 1995).
A.4- Interação eletrotônicas (via gap-junctions)
As gap-junctions são macromoléculas de proteínas, chamadas conexinas que
formam canais de aproximadamente 1,5 nm de diâmetro que permitem a comunicação
direta entre os meios citoplasmáticos de duas células adjacentes, como pode ser visto na
FIG. 1.4. As gap-junctions ligam as membranas de duas células adjacentes mantendo-as
a uma distância de 3,5 nm, enquanto que numa sinapse química a distância entre as
membranas é de 30 a 50 nm. Dessa forma, quando ocorrem potenciais de ação em uma
célula, correntes fluem rapidamente através das gap-junctions e despolarizam a célula
vizinha. O acoplamento por gap-junctions ocorre entre regiões dos corpos celulares e,
principalmente, entre axônios. (JEFFERYS, 1995).
FIGURA A.4– Modelo de interação entre duas células diferente via gap-junctions. As bicamadas
lipídicas são penetradas por proteínas chamadas conexinas. Cada conexão é formada de anéis com seis
conexinas. As conexões dessas conexinas formam canais onde atravessam as substâncias entre os dois
meios citoplasmáticos. No detalhe, a estrutura de uma sub-unidade da macroproteína. (Imagem obtida de
www. NatureReviews_neuroscience.com)
As gap-junctions podem ser detectadas através da técnica de microscopia eletrônica conhecida como
f
re
experimentais quanto a modelagem computacional (RODRIGUES, 2003) têm mostrado
a importância da atuação das gap-junctions para a comunicação neuronal.
Carlen et al. (2000) fazem uma interessante revisão do papel das gap-junctions nas
crises epilépticas, no trabalho em referência, afirmando que essas conexões têm um
papel seminal para a geração de crises paroxísticas. Uma das razões para que o cérebro
imaturo seja mais tendente à epilepsia do que o encéfalo de adultos, segundo os autores,
poderia residir no fato de que há mais conexões eletrotônicas, por gap-junctions, no
primeiro do que no último.
Prosseguem Carlen et al. (2000) afirmando que o bursting por correntes
despolarizantes em CA1 só é observado em células conjuntamente coradas (pelo
amarelo de Lúcifer, por exemplo) e, portanto, unidas por gap-junctions. Além disso,
afirmam que o acoplamento eletrotônico também media as oscilações de alta freqüência,
em torno de 200 MHz, observadas in vitro no hipocampo.
Em trabalhos de seu próprio laboratório, Carlen e colaboradores (2000) demonstraram que em mo
d
junctions, como o uso de halotano ou octanol, também reduziam as AE induzidas por
exposição a meio livre de cálcio. Outra evidência fornecida pelos autores em pauta
prende-se à sobre-regulagem da expressão e função das proteínas formadoras de gap-
junctions na abstinência alcoólica, causa essa comum de crises epilépticas em
internações hospitalares.
Na conclusão de seu trabalho, Carlen e colaboradores (2000) relacionam algumas
evidências clínicas sugestivas do papel desempenhado pelas gap-junctions na gênese de
paroxismos epilépticos.
Sabe-se, por exemplo, que a manobra de hiperventilação é utilizada para provocar crises epilépticas
e
intracelular. De forma inversa, prosseguem, a eficácia da dieta cetogênica, utilizada para
o tratamento de epilepsias resistentes, pode bloquear a comunicação via gap-junctions,
por meio da acidose intracelular ou, talvez, por subprodutos químicos resultantes deste
tipo de dieta. De fato, relatam os autores, tem sido evidenciado que a presença dos
ácidos α−linoleico não esterificado e linoleico na dieta cetogênica funcionam como
agentes anticonvulsivantes em modelos animais de epilepsia e que esses ácidos inibem a
comunicação eletrotônica, via gap-junctions.
Apêndice B
ASPECTOS NEUROANATÔMICOS E NEUROFISIOLÓGICOS DO
HIPOCAMPO E ESTRUTURAS ASSOCIADAS
B.1- Planos de corte e posicionamento anatômico
Para maior clareza do jargão anatômico, traçaremos algumas considerações
preliminares, antes de entrarmos propriamente no conteúdo deste Apêndice.
Utilizam-se habitualmente três planos de corte anatômicos, quais sejam,
coronal, sagital e horizontal. A figura A.1 a seguir exemplifica tais cortes.
FIGURA B.1- Os três planos cardinais tipicamente utilizados nas secções para análise anatômica.
(Adaptado de Kandel, 2000)
No corte coronal as posições são as convencionais: direita, esquerda, superior e
inferior. Para a localização anatômica, nos cortes sagital e horizontal usam-se também
como ponto de reparo as posições rostral, mais próxima do nariz, e caudal, mais
próxima da nuca. No corte sagital pode-se fazer referência às posições superior e
inferior e, no corte horizontal às posições direita e esquerda. Em qualquer corte, refere-
se às posições mais próximas da região estudada como proximais e às mais distantes
como distais. Estudando-se o tórax, por exemplo, os dedos das mãos seriam mais
distais que os ombros, e estes mais proximais.
Outras notações, porém, são comumente utilizadas e deve-se prestar atenção ao
plano de corte que gerou a figura pois um mesmo termo pode denotar localizações
distintas, bem como há uma sinonímia que varia de acordo com o eixo considerado. As
próximas figuras deverão melhor esclarecer esse ponto.
FIGURA B.2 - Eixos látero-lateral e dorso-ventral, exibindo cortes coronal, em B1 e horizontal, em B2.
Observe que a direção dorsal também é conhecida como posterior e que a ventral também é chamada de
anterior. Utilizou-se um cérebro de roedor para o esquema. (modificado de Kandel, 2000)
FIGURA B.3- Eixos rostral-caudal e dorso-ventral em roedores e outros mamíferos
inferiores. Em mamíferos inferiores a orientação dos eixos rostro-caudal (em
direção ao nariz e à cauda, respectivamente) é mantida na vida adulta, diversamente
dos primatas superiores, como veremos na próxima figura. (Adaptado de Kandel,
2000)
FIGURA B .4- Em humanos e outros primatas superiores, o eixo longitudinal flete-se na topografia do
tronco cerebral em torno de 110
o
. Em virtude dessa inflexão, os termos posicionais são usados de uma
maneira levemente diferente, dependendo de estar a parte do SNC em questão acima ou abaixo da
inflexão ( do tronco cerebral, portanto). Abaixo do tronco cerebral, na medula espinhal, rostral significa
em direção à cabeça; caudal, em direção ao cóccix; ventral, em direção ao abdomen, ou ventre; e dorsal,
naturalmente, em direção ao dorso. Acima da inflexão, porém, rostral significa em direção ao nariz e
caudal em direção à nuca; ventral, em direção ao maxilar e dorsal em direção ao topo da cabeça. O termo
superior é freqüentemente usado como sinônimo de dorsal e inferior significando o mesmo que ventral.
(Adaptado de Kandel, 2000)
B.2- Aspectos neuroanatômicos do hipocampo e outras regiões de interesse
B.2.1- O sistema límbico
O termo sistema límbico é derivado da palavra latina limbus (limbo, em
português), significando uma fronteira, e foi introduzido por Pierre Paul Broca para
descrever o giro de anéis que circundam o tronco cerebral (GREENSTEIN e
GREENSTEIN, 2000). James Papez (PAPEZ, 1937 apud GREENSTEIN e
GREENSTEIN, 2000) descreveu um circuito
que ele sugeriu formar um sítio anatômico para a emoção, consistindo do hipotálamo,
corpos mamilares, núcleo talâmico anterior, giro cingulado e formação hipocampal.
Segundo Greenstein e Greenstein (2000) a proposta básica de Papez (1937)
ainda mantém-se, embora o circuito haja sido estendido para incluir outras estruturas.
Hoje, além
das estruturas enumeradas por Papez, o sistema límbico inclui a área septal, o núcleo
acumbens,e áreas neocorticais incluindo amígdala e córtex órbito-frontal.
As estruturas límbicas são filogeneticamente muito antigas e a formação
hipocampal inclui uma forma primitiva de córtex subjacente ao neocórtex,
evolucionalmente mais novo (GREENSTEIN e GREENSTEIN, 2000).
Também Kandel (2000), citando Papez, Broca e Paul MacLean, considera o
sistema límbico como apoiado pelas estruturas acima enumeradas. Kandel afirma que
estudos anatômicos modernos demonstraram a existência de conexões diretas extensas
entre áreas neocorticais, a formação hipocampal e a amígdala. Kandel afirma ainda que
Papez estava correto ao atribuir importante papel ao córtex cingulado e giro
parahipocampal na percepção da emoção e sentimentos estando, contudo, este último
enganado quanto ao papel coordenador do hipotálamo, que Papez acreditava ser
desempenhado pelo hipocampo quando, de fato, é a amígdala que exerce esta função. A
FIG. B.5, a seguir, ilustra, de forma esquemática o sistema límbico e suas estruturas
anatômicas.
FIGURA B.5- Visão esquemática do sistema límbico. (Reproduzida de Kandel, 2000)
B.2.2-Aspectos anatômicos do hipocampo.
Finalmente, no presente tópico descreveremos, a partir de Greenstein e
Greenstein (2000), a estrutura do lobo límbico que nos interessa mais de perto em nosso
trabalho: o hipocampo. A formação hipocampal é constituída pelo hipocampo
propriamente dito e regiões temporais vizinhas, o giro denteado e o subículo. O subículo
está localizado no giro parahipocampal. Ademais, a região hipocampal inclui a área
entorrinal e o giro parahipocampal.
Traub e Miles, no livro "Neuronal networks of the hippocampus" (1996) dizem
que o hipocampo é anatomicamente o tipo mais simples de córtex, com os corpos
celulares dos principais neurônios alinhados em uma camada única, tendo esse fato
interesse para a
experimentação fisiológica nessa estrutura. Ressaltam também os autores que, em
roedores, o hipocampo toma grande parte do cérebro.
Retornando a Greenstein e Greenstein (2000), o hipocampo é reconhecido
anatomicamente como uma protuberância medial no corno temporal do ventrículo
lateral. Esta protuberância é causada pela invaginação da parede ventricular e que
resulta de uma dobra chamada fissura hipocampal.
O giro denteado é uma faixa estreita ao longo do aspecto medial do hipocampo.
O GDH e o hipocampo propriamente dito compõem uma parte do alocórtex, o qual tem
uma estrutura laminar similar à do neocórtex, embora com menos camadas e um tanto
mais simples do que este último. O alocórtex é filogeneticamente mais antigo que o
neocórtex mas, ainda assim, tem uma estrutura altamente complexa.
O hipocampo possui uma camada claramente definida de grandes células
piramidais, as quais se comunicam extensivamente através de interneurônios
GABAérgicos conhecidos como células em cesto (basket cells). As células piramidais
comunicam-se com camadas acima e abaixo da camada piramidal através de numerosos
e extensos processos axonais e dendríticos.
O hipocampo costuma ser dividido em três áreas denominadas CA1, CA2 e CA3
( CA , de Corno de Amon), por sua vez divididas em sub-áreas. O giro denteado
consiste principalmente de neurônios menores, denominados células granulares, as
quais estabelecem sinapses com os dendritos das células piramidais. Os axônios das
células granulares são conhecidos como fibras musgosas (mossy fibers) e terminam
principalmente nos dendritos apicais das células piramidais de CA3. As células de CA3,
por sua vez, projetam as colaterais de Schaeffer para os dendritos apicais de CA. De
CA1 parte um dominante input aferente para o subículo e daí para a área entorrinal.
A principal aferência para o hipocampo provém da área entorrinal do giro
hipocampal e há um input menor do núcleo septal. O caminho da área entorrinal para o
hipocampo é denominado via perfurante e possui três interrupções sinápticas en route
para o hipocampo, onde muitos axônios terminam no giro denteado.
O hipocampo projeta fibras eferentes principalmente para a área entorrinal, o
subículo e o núcleo septal. Dessa forma, o hipocampo atua diretamente principalmente
nas áreas vizinhas, entretanto pode influenciar indiretamente regiões mais distantes, tais
como o hipotálamo, corpos mamilares e neocórtex, particularmente o giro cingulado,
através de conexões do hipocampo com o subículo e área entorrinal.
O hipocampo é uma estrutura bilobada onde os dois lados comunicam-se através
das fibras comissurais. A via que constitui o circuito hipocampo-área entorrinal-
hipocampo é toda excitatória.
As figuras, a seguir, dão uma idéia mais aproximada da situação anatômica do
hipocampo.
FIGURA B.6 - A formação hipocampal (modificado de Greenstein e Greenstein, 2000)
FIGURA B.7 - A formação hipocampal (modificado de Greenstein e Greenstein, 2000)
B.3-Aspectos eletrofisiológicos do hipocampo.
B.3.1- Registros de eletroencefalografia e a sincronização no hipocampo.
Segundo Traub e Miles (1996), os comportamentos populacionais mais óbvios
em neurônios, envolvem a sincronização de disparos neuronais. Prosseguem os autores,
destacando que tais atividades síncronas incluem ondas rítmicas de EEG, ondas agudas
(sharp waves) e outros transientes de eletroencefalografia, tanto normais quanto
patológicos, como crises paroxísticas.
Traub e Miles (1996) enfatizam que a observação de todos os constituintes de uma
população neuronal de tamanho suficientemente grande é, na prática, impossível,
restando-nos a simulação computacional para um estudo dessa abrangência. De forma
similar, prosseguem os autores, é muito difícil registrar o comportamento individual de
um grupo celular neuronal disparando em sincronia.
Mais das vezes, pontuam Traub e Miles (1996), o que de fato se mede é um
reflexo da atividade neuronal, suposto como representativo do comportamento
eletrofisiológico não diretamente observado. A maioria dos estudos in vivo, dizem eles,
constituem-se de:
a) registros do potencial no espaço extracelular entre neurônios; e
b) o potencial registrado a uma certa distância da substância cerebral, como o
EEG standard, por exemplo.
Claramente, prosseguem os autores, os sinais medidos pelo EEG não definem
precisamente as atividades neuronais, mas sim provêem "um conjunto de limitantes para
o que os neurônios possam estar fazendo". Correntes extracelulares produzidas pelo
somatório das correntes sinápticas, constituem a principal fonte de sinais para o EEG,
exceto, porém, para freqüências muito baixas, estas produzidas por câmbios no meio
extracelular , os quais são induzidos pela atividade celular (MNS, acrescentaríamos
nós).
Segundo Traub e Miles (1996), os padrões de EEG mais freqüentemente citados
são:
a) ondas teta ( ritmo igual ou menor que 4Hz);
b) atividade lenta rítmica;
c) pontas-onda; e
d) atividades ictais ou paroxísticas.
Dois mecanismos gerais foram aventados por esses autores para o
comportamento neuronal coletivo observado no EEG. O primeiro admitiria um
comportamento neuronal coletivo, correspondente ao registro eletroencefalográfico,
ocorrendo numa estrutura de entrada de sinais, possivelmente um ou mais núcleos
subcorticais; o segundo mecanismo, por outro lado, poderia explicar-se por algum
comportamento autonômico coletivo observado naquela estrutura, a partir de um
determinado "ajuste geral de parâmetros" gerado pelo organismo. A nosso ver, fala-se
aqui de MNS.
Traub e Miles (1996) discorrem sobre a importância dos experimentos in vitro
de forma a isolar, nas fatias da preparação, os estímulos de entrada de outras estruturas,
permitindo ainda a manipulação da composição do meio.
Registro aqui esse comentário apenas para reafirmar que experimentos in vivo
não afastam a necessidade de experimentos in vitro, ambos os modos são necessários e
complementares. Retomo também o comentário de Traub e Miles, feito no início deste
tópico, apontando a utilidade de modelos computacionais, fechando a tríade in vitro, in
vivo e "in silicon".
B.3.2- A organização da circuitaria hipocampal e o fluxo processual de
informações
Amaral e Menno (2004), estabelecem que a informação proveniente de fontes
corticais constituem o substrato dominante através do qual a formação hipocampal
desempenha suas funções mnêmicas e cognitivas. O hipocampo está, assim,
profundamente ligado, do ponto de vista anátomo-funcional, ao córtex cerebral e,
acreditamos nós, lesões corticais que venham a exibir manifestações de
hipersincronização devem afetar o hipocampo de alguma forma.
Já as aferências subcorticais, ainda de acordo com os autores acima citados, são
consideradas modulatórias e podem refletir, de uma maneira bem geral, o estado
comportamental do organismo. Lopes da Silva (1990, Apud AMARAL e MENNO,
2004), crê que as projeções de retorno hipocampais para o sub-córtex provejam
feedback sobre a atividade hipocampal, em marcha, para os sistemas modulatórios. Isto
não é menos importante, cremos, para avaliar o papel do hipocampo na geração e
manutenção de atividades epileptiformes generalizadas a partir de um foco inicial.
Amaral e Menno (2004) enfatizam que, desde os anos 70, considera-se o
conceito lamelar na organização das estruturas hipocampais como base para os dados
neuroanatômicos e eletrofisiológicos obtidos, acatando a sugestão de que todos os
principais caminhos excitatórios hipocampais estejam orientados perpendicularmente ao
longo do maior eixo dessa estrutura, com pouca ou nenhuma disseminação septo-
temoral.
Muitas das conexões hipocampais intrínsecas, entretanto, são amplamente
distribuídas tanto ao longo do eixo transverso quanto ao longo do eixo septo-temporal.
Assim, de acordo com Amaral e Menno (2004), uma visão mais consistente com a
neuroanatomia conhecida é a de que o hipocampo disponha de uma série de
interconexões tridimensionais formando várias redes anatomo-funcionais, com regras
de conectividade próprias para cada uma dessas redes. Vê-se aqui, novamente, espaço
para o surgimento de comportamento emergente e cáos.
Parece que a projeção do giro denteado para CA3 esteja organizada de uma
maneira lamelar; as projeções CA3 para CA1, entretanto, estão organizadas como
gradientes, enquanto a projeção de CA1 para o subículo está organizada de uma forma
colunar.
Bernard e Wheal, citados por Amaral e Menno (BERNARD e WHEAL, 1994,
Apud AMARAL e MENNO, 2004) registram, por outro lado, que simulações
computacionais e dados eletrofisiológicos mais sofisticados indicam o funcionamento,
pelo menos em parte, da rede hipocampal de uma forma lamelar. Seria assunto para
todo um capítulo (pelo menos) discutirmos os conceitos de processamento
serial/paralelo e circuitaria tri-sináptica,
entre outros, que freqüentam a literatura especializada em nossos dias, mas permanece-
nos uma certeza : ainda há muito o que se pesquisar sobre a anatomofisiologia
hipocampal.
Anexo
Código fonte do aplicativo Matlab© utilizado para pós-processamento
dos dados eletrofisiológicos
C.1- Código fonte.
%DCscan v.9.0
%Este script, analisa registros eletrofisiológicos em amostra
adquirida %
%via LabView, utilizando Transformadas de Fourier e suas inversas.
%
%O programa solicita se o usuário quer ou não analisar outros bursts
%
%no trecho atual, analisar outro trecho do mesmo experimento ou
realizar %
% análise de outro experimento. Depois, a figura é salva como arquivo
%
%com o formato geral DDMMAANoXBurstY,onde X é o numero do arquivo e Y
%
%o numero sequencial do burst, no arquivo. Escolhas por menu nesta
%
%versão.
%
%Ao mudar de arquivo, o programa exibe na tela as médias de intervalos
%
%entre eventos,DCs e Des. Adaptado de pgms originais de autoria de
%
%Rodrigues,A.M./LANEC. Outubro/2008.Vetores paramétricos são gerados
como %
%comentado nas mensagens abaixo.
%
%Compilações,Modificações, Correções, Acréscimos, Comentários por:
%
%************ Valerio,J.C.M./LANEC *****************************
%
%************ [email protected]
**********************************%
%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%
%%%
msg='Este programa gera automaticamente vetores de 5 parâmetros
(DC,DE,IE,PS e PM),';
msg1='com o formato dctemp/pstemp/detemp/ietemp/pmtemp. Para salvar,
ao final atribua';
msg2='imediatamente os vetores às variáveis de sua escolha (exemplo:
dc_hip=dctemp) e';
msg3='salve com o nome escolhido (exemplo:"save dc_hip") , após
encerrar o programa.';
clc;
disp (msg);disp(msg1);disp(msg2);disp(msg3);
pause(5)
disp(' '); disp(' ');
msg='ATENÇÃO: Para analisar o Intervalo Entre Eventos (IE) é
necessário';
msg1='avaliar bursts SEQUENCIALMENTE a partir do segundo no arquivo!';
disp (msg); disp (msg1);
pause(5);
clear all;close all;clc;
session_flag=0;
Mdc=0;Mde=0;Mie=0;Mps=0;
px1=zeros(1,20);px2=zeros(1,20);
dc=0;de=0;ps=0;ie=0;
upacifier=('Aguarde,os ultimos bursts demandam mais tempo para
análise...');
dctemp=[ ];pstemp=[ ];detemp=[ ];ietemp=[ ];pmtemp=[ ];
salvar=menu('Deseja salvar os arquivos gráficos ? ','Sim', 'Não');
if salvar == 1
forma=menu('Clique em sua escolha de arquivo
gráfico:','bitmap','jpeg','emf','tiff','png','pcx','adobe','eps(gray)'
);
switch forma
case 1
ext=('-dbmp');
case 2
ext=('-djpeg');
case 3
ext=('-dmeta');
case 4
ext=('-dtiff');
case 5
ext=('-dpng');
case 6
ext=('-dpcx25b');
case 7
ext=('-dill');
case 8
ext=('-deps2');
otherwise
disp('Clique na opcão..')
end
dot=menu('Clique na resolucão desejada em
dpi:','75','100','150'
,'200','300');
switch dot
case 1
res=('75');
case 2
res=('100');
case 3
res=('150');
case 4
res=('200');
case 5
res=('300');
end
dots= (['-r',res]);
end
tela=menu('Deseja eco de parâmetros na tela?','Sim','Não');
Session=1;
bcounter=0;
while Session==1;
data=input ('Data do experimento (DDMMAA) ', 's');
ini=input('Arquivo inicial:');
fim=input('Arquivo final: ');
numfiles=(fim-ini)+1;
prefix=data;
prefix=[prefix, 'No'];
MDC=zeros(1,numfiles);MDE=zeros(1,numfiles);MPS=zeros(1,numfiles);MIE=
zeros(1,numfiles);
mdc=zeros(1,14);mde=zeros(1,14);mps=zeros(1,14);mie=zeros(1,15);
for fcounter=ini:fim
numero=num2str(fcounter);
close all;
arquivo=strcat(prefix, numero);
arquivo=[arquivo '.sgl'];
taxa=10000;
vie=zeros(1,20);
vps=zeros(1,20);
vdc=zeros(1,20);
vde=zeros(1,20);
mdci=zeros(1,numfiles);mpsi=mdci;mdei=mdci;miei=mdci;
Bursts=1;
bfile=0;
mie=0;mdc=0;mps=0;mde=0;
while Bursts==1%
fid=fopen(arquivo,'r','ieee-be');
y=fread(fid,'float');
fclose(fid);
t=0:1/taxa:(length(y)-1)/taxa;
figure(1),h1=subplot(2,1,1);plot(t,y,'k','linewidth',0.7);grid on;
title(['ESCOLHA O BURST arq.:'
arquivo],'fontsize',14,'fontweight','bold','color','r');
ylabel( 'Amplitude (mV)','fontsize',12,'fontweight','bold');axis
tight;
box off;set(h1,'linewidth',1.5,'fontsize',12,'fontweight','bold');
t_final_arquivo=t(length(t));
[X]=ginput(2);
disp('Aguarde...')
bfile=bfile+1;
fnames=['C:\DCscan\', data,'\',data ,'F', num2str(numero) ,'Burst'
num2str(bfile)];
bcounter=bcounter+1;
x_inicial=round(X(1));
x_final=round(X(2));
px1(bfile)=x_inicial;
px2(bfile)=x_final;
x_minus=x_inicial-(taxa/2);
hold on;
Xplot=(x_inicial:x_final);
plot (Xplot,0,'r','LineWidth',4);hold on;
title(['Burst analisado Potencial extracelular arq.:'
arquivo],
'fontsize',14,'fontweight','bold','color','k');
ylabel( 'Amplitude (mV)','fontsize',12,'fontweight','bold');axis
tight;
box off;set(h1,'linewidth',1.5,'fontsize',12,'fontweight','bold');
y1=y(x_inicial*taxa:x_final*taxa,1);
t1=t(1,x_inicial*taxa:x_final*taxa);
clear y t;
y=y1; clear y1;
t=t1; clear t1;
npontos=length(t);
if(npontos/2~=fix(npontos/2))
y1=y(1:npontos-1);clear y
t1=t(1:npontos-1);clear t
y=y1;clear y1;
t=t1;clear t1;
npontos=length(y);
end
n=npontos;
F2=(0:fix(n/2)-1)./n*taxa;
F=[-F2 F2];
Y=fft(y);
Y_fft=abs(Y(1:fix(n/2)))/n;
Y1=Y;
Y1abs=abs(Y);
fcorte=10;%fcorte=input('Qual a frequencia de corte em Hz?');
p_corte=abs(fix(fcorte*n/taxa));
ZERO=ones(p_corte,1);
UM=zeros(length(F)/2-p_corte,1);
Degrau=[UM;ZERO]';
Degrau1=[ZERO;UM]';
Degrau=[Degrau1 Degrau]';
Y_dc=Y1.*Degrau;
y_dc=ifft(Y_dc);
t1=t;
y_dc=real(y_dc);
figure(1),h2=subplot(2,1,2);
axis equal; axis square;
plot(t1,y,'b',t1,y_dc,'r');hold on;
ylabel('V (mV)');xlabel('t (s)');
y_spike=y-y_dc;
y_sp_mod=abs(y_spike);
pm=max(y_sp_mod);
pmtemp=[pmtemp,pm];
if bfile>3
disp (upacifier);
end
taux=find(t1>=x_minus & t1<=x_inicial);
if bfile>1
ie=px1(bfile)-px2(bfile-1);
mie=mie+ie;
ietemp=[ietemp,ie];
elseif bcounter>1
ie=round(mean(ietemp));
if session_flag==1
ie=0;
session_flag=0;
end
ietemp=[ietemp,ie];
else ie=0;
ietemp=[ietemp,ie];
end
yaux=(y_dc(taux));
lb=zeros(1,length(y_dc));
lb(:)=mean(yaux);
plot(t1,lb,'b','linewidth',2);hold on;
dc=abs(min(min(real(y_dc))-mean(yaux)));
ti_min=find(y_dc==min(min((y_dc))));
delta_y_dc=abs((y_dc-mean(yaux)));
ti=find(delta_y_dc>=0.195*dc & delta_y_dc<=0.22*dc);
tinic=t1(ti(1));
ti_fim=find(ti>ti_min);
ti_fim1=ti(ti_fim(1));
tfim=t1(ti_fim1);
de = (tfim-tinic);detemp=[detemp,de];
txi1=find(t1==tinic);
txi2=find(t1==tfim );
y_sp_mod1=y_sp_mod(txi1:txi2);
tx=t1(txi1:txi2);
ps=trapz(tx,y_sp_mod1)/de;
dc=dc*(-1);dctemp=[dctemp,dc];
if tela ==1
disp(['DC = ' num2str(dc) ' mV']);
disp(['DE = ' num2str(de) ' s']);
disp(['PS = ' num2str(ps) ' mV']);
disp(['PM = ' num2str(pm) ' mV']);
disp(['Instante inicial do burst= ' num2str(tinic) ' s']);
disp(['Instante final do burst= ' num2str(tfim) ' s']);
disp(['Instante final do arquivo = ' num2str(t_final_arquivo)]);
end
DCs=['DC = ' num2str(dc) ' mV'];
DEs=['DE = ' num2str(de) ' s'];
PSs=['PS = ' num2str(ps) ' mV'];
T=['Linha de base Burst# ',num2str(bfile),' inicio/fim = ',
num2str(tinic),'/ ',num2str(tfim) 's'];
subplot (2,1,2);
title (T);
xlabel([' IEE= ',num2str(ie) 's PSMax= ',num2str(pm) ' mV Total
bursts analisados: ', num2str(bcounter)]);
legend(DCs,DEs,PSs, 'Location','BestOutside');
hold off;
if salvar==1
print(ext,dots,fnames);
end
disp(' ')
Bursts=menu('CONTINUAR A ESCOLHER NESTE TRECHO?','Sim','Não');
if Bursts==1
subplot(2,1,1),plot(Xplot,0,'g','LineWidth',4);
else close(1);
end
end
if tela ==1
disp(' ')
disp (['Neste arquivo ( ',data,'Arquivo#',num2str(fcounter),') :']
)
disp(['Intervalo medio entre eventos=
',num2str(round(mean(ietemp))),' s'])
disp(['DC medio= ',num2str(mdc), ' mV'])
disp(['Duracao media dos eventos= ',num2str(mde),' s'])
end
end
Session=menu('Escolher outra sessao de experimento?','Sim','Não');
session_flag=1;
%Means after session
mdc=mean(dctemp);ldc=length(dctemp);
mde=mean(detemp);lde=length(detemp);
mie=mean(ietemp);lie=length(ietemp);
mps=mean(pstemp);lps=length(pstemp);
mpm=mean(pmtemp);lpm=length(pmtemp);
%{
l=[ldc,lde,lps,lpm,lie];
lMax=max(l);
ParamLenMax=lMax;
%}
retamdc=zeros(1,ldc);vectordc=retamdc;
retamde=zeros(1,lde);vectorde=retamde;
retamps=zeros(1,lps);vectorps=retamps;
retamie=zeros(1,lie);vectorie=retamie;
retampm=zeros(1,lpm);vecrorpm=retampm;
%{
for n=1:ParamLenMax
%}
retamdc(1:ldc)=mdc;
retamde(1:lde)=mde;
retamps(1:lps)=mps;
retampm(1:lpm)=mpm;
retamie(1:lie)=mie;
vectordc=(1:ldc);
vectorde=(1:lde);
vectorps=(1:lps);
vectorpm=(1:lpm);
vectorie=(1:lie);
%graphs
figure(1);
box off;
subplot(2,2,1);
plot(vectordc,retamdc, 'LineStyle',':'),title([data,' DC medio: ',
num2str(mdc)]),xlabel('Bursts'),ylabel('mV');
hold on;
plot(vectordc,dctemp,'Marker','o','MarkerSize',3,'MarkerFaceColor','r'
);
subplot(2,2,2);
plot(vectorps,retamps,'LineStyle',':'),title(['PS medio: ',
num2str(mps),'
Arq:',num2str(fcounter)]),xlabel('Bursts'),ylabel('mV');
hold on;
plot(vectorps,pstemp,'Marker','o','MarkerSize',3,'MarkerFaceColor','r'
);
hold off;
subplot(2,2,3);
plot(vectorde,retamde,'LineStyle',':'),title(['DE medio: ',
num2str(mde)]),xlabel('Bursts'),ylabel('t(s)');
hold on;
plot(vectorde,detemp,'Marker','o','MarkerSize',3,'MarkerFaceColor','r'
);
hold off;
subplot(2,2,4);
plot(vectorie,retamie,'LineStyle',
':'),title(['IEE medio:
',num2str(mie)]),xlabel('Bursts'),ylabel('t(s)');
hold on;
plot(vectorie,ietemp,'Marker','o','MarkerSize',3,'MarkerFaceColor','r'
);
hold off;
if salvar==1
fnames=['C:\DCscan\',data,'\Medias\Locais',num2str(fcounter)];
print(ext,dots,fnames);
end
end
if tela==1
disp (['Total de bursts analisados =',num2str(bcounter)])
end
C.2-Exemplo de telas (snapshots) gráficas do aplicativo.
FIGURA B.1- Snapshot da tela de seleção do burst a ser analisado.
FIGURA C.2- Snapshot da tela após análise do burst escolhido.
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