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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
DIEGO MACEDO GONÇALVES
Categorização de grupos na formação de alianças e coalizões: Uma análise
evolucionista
Natal
2009
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2
DIEGO MACÊDO GONÇALVES
Categorização de grupos na formação de alianças e coalizões: Uma análise
evolucionista
Tese apresentada à Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, para obtenção do título de doutor
em Psicobiologia.
Orientadora: Dr
a
. Maria Emília Yamamoto
Natal
2009
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5
Dedicatória
Dedico esta tese de doutorado aos meus pais que tanto
tenho a agradecer e a minha esposa que foi a
inspiração para esse trabalho.
6
AGRADECIMENTOS
Minha história no departamento de Fisiologia começou no ano de 2004, quando
eu e meu amigo Zwínglio Christopher entusiasmados com as especulações referentes à
disciplina de Evolução do Comportamento Humano nos dirigimos ao Centro de Biociências.
Alguns alunos diziam que os conteúdos dessa disciplina eram interessantes e as aulas
divertidas. Outras mencionavam que os conhecimentos ali empregados eram deterministas e
não podiam explicar todo o comportamento humano. Confesso que a princípio, acreditei nessa
última estória. Mas a convincente eloqüência da professora Maria Emília e o carisma da
professora Fívia Lopes foram me fazendo mudar de idéia. Aos poucos fui me interessando
cada vez mais pela Psicologia Evolucionista e no fim daquele mesmo ano estava decidido a
dar entrada no mestrado do programa de pós-graduação em Psicobiologia.
Desde então se foram mais de cinco anos entre os corredores do Departamento
de Fisiologia. Durante esse período, muitas pessoas passaram por minha vida e agora chegou
o momento de agradecê-las.
Seria muita pretensão da minha parte acreditar que lembraria de todos que
contribuíram para o desenvolvimento dessa tese, afinal minha memória o é tão boa quanto
eu gostaria. Por isso estou certo que cometerei injustiça com alguém. Mas não tem jeito,
algumas pessoas acabam marcando mais, seja pela amizade, pela freqüente presença ou por
uma ajuda substancial em um momento de grande estresse. Estas estão presentes em minhas
lembranças e serão aqui mencionadas.
Assim, agradeço:
À CAPES, pelo apoio financeiro com a manutenção da bolsa de estudo
concedida.
À professora MARIA EMÍLIA YAMAMOTO, pela orientação prestada,
paciência, atenção e principalmente pela oportunidade de realizar este trabalho.
À professora FÍVIA DE ARAÚJO LOPES, que direcionou minha vida
profissional ao mostrar sua alegria de ensinar.
À NEUCIANE GOMES DA SILVA que tanto me incentivou durante minha
vida acadêmica e com quem continuo aprendendo até os dias de hoje.
7
À minha esposa, ALYNNE PATRÍCIA DA SILVA GONÇALVES, que me
acompanha há dez anos e com quem tenho dividido todas as minhas alegrias e tristezas. Aliás,
ela que inspirou as idéias iniciais mencionadas nessa tese, com seu jeitinho atrevido de lidar
com a vida.
Ao meu pai, FRANCISCO GONÇALVES FILHO, por insistir durante toda a
minha vida para que eu estudasse.
À minha mãe; JOANA DARC DE MACEDO GONÇALVES, e meu irmão
WERLEY MACEDO GONÇALVES que tanto torcem por mim e que sempre fizeram de
tudo para que eu obtivesse sucesso na minha vida como psicólogo.
À ÁLVARO DA COSTA BATISTA GUEDES, grande amigo que sempre
esteve ao meu lado durante todas as fases do meu trabalho acadêmico, desde os devaneios
das minhas hipóteses de pesquisa até a revisão desta tese.
À REMERSON RUSSEL MARTINS, excelente professor, com quem divido
aprendizados da vida acadêmica e a luta constante por um futuro digno.
A todos aqueles que durante minha estada em São Paulo contribuíram para o meu
bem estar e conforto. Principalmente, os alunos de pós-graduação, LEANDRO
NASCMENTO, LEONARDO CONSENTINO e LIA VIEGAS e a professora EMMA
OTTA que tão carinhosamente me receberam na USP durante a missão de estudos.
À ALTAY ALVES LINO DE SOUZA, que me ensinou quase tudo o que eu sei
sobre estatística.
À WALISSEN TADASHI HATORI e MARCELO PIOVANOTTI, com quem
vivi momentos inesquecíveis em São Paulo.
Ao Professor JOÃO CARLOS ALCHIERI, uma das pessoas mais prestativas
que conheço e que sempre faz de tudo para que nossos esforços não sejam em vão.
8
Ao psicólogo MANOEL LEONARDO NOGUEIRA, com quem aprendi a
gostar da Psicologia.
À ANA CAROLINA SALES e THIAGO PATRÍCIO DA SILVA, que tanto
me ajudaram durante as coletas de dados das minhas pesquisas.
À ANDRÉ RIBEIRO e HAROLDO AUGUSTO, por seu companheirismo e
amizade.
À grande amigos que passaram por minha vida durante esse período, MONIQUE
LEITÃO, ROCHELE CASTELO BRANCO, LUIZA CERVENKA, MÁRCIO
VINÍCIUS, DERLAN ANGELIN, HÉLDER FRANCO, ALYSON CANINDÉ,
ARRILTON ARAÚJO, FÁTIMA ARRUDA, EULÁLIA MAIA, TIAGO EUGÊNIO
E FELIPE NALON.
E a todos aqueles que participaram da minha coleta de dados e que tornaram
possível o sonho de concluir mais essa fase da minha vida.
9
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA --------------------------------------------------------------------------------------- 05
AGRADECIMENTOS ------------------------------------------------------------------------------- 06
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ------------------------------------------------------------------------ 10
RESUMO ----------------------------------------------------------------------------------------------- 13
ABSTRACT -------------------------------------------------------------------------------------------- 14
APRESENTAÇÃO GERAL------------------------------------------------------------------------- 15
OBJETIVO GERAL----------------------------------------------------------------------------------- 17
A. ARTIGOS TEÓRICOS
A.1- ARTIGO TEORICO I – Diga-me com quem lutas que eu te direi quem és –
explicando o processo de categorização social e formação de grupo-------------------------18
A.2- ARTIGO TEÓRICO II Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades: a
influência das cognições implícitas no comportamento humano------------------------------39
B. ESTUDOS EMPÍRICOS
B.1- ARTIGO EMPÍRICO I Cooperar ou retaliar? Uma visão do processo de
categorização de grupos-------------------------------------------------------------------------------59
B.2- ARTIGO EMPÍRICO II – Influência sexual na categorização de grupos-----------81
B.3. ARTIGO EMPÍRICO III Percebendo-se diferente: a influência da miscigenação
na percepção de raça----------------------------------------------------------------------------------102
C. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
C.1. DISCUSSÃO GERAL--------------------------------------------------------------------------119
C.2. CONCLUSÕES GERAIS ---------------------------------------------------------------------124
4. ANEXOS
D.1 - ANEXO I - Publicação de artigo na Psique Ciência & Vida: Formação de grupos e
comportamento agressivo----------------------------------------------------------------------------127
D.2 - ANEXO II - Instruções do looping----------------------------------------------------------135
D.3 - ANEX) III- Termo de consentimento livre e esclarecido-------------------------------136
D.4 – ANEXO IV - Questionário sócio-demográfico do experimento de raça------------137
D.5 – ANEXO V - Questionário sócio-demográfico do experimento de categorização-138
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
ARTIGO TEÓRICO II
FIGURA 1
-
Essa é a tela do computador na aplicação do IAT. Os indivíduos se defrontam
com palavras ou figuras no meio da tela do computador e esses podem ser categorizadas
segundo os pares categóricos dispostos a esquerda e a direita no alto da tela. A tarefa é
denominada associações compatíveis quando os conceitos alvo são facilmente associados com
uma das palavras do par categórico (Figura 1.3) e incompatível quando o conceito alvo é
associado com uma das palavras do par categórico com mais dificuldade (Figura 1.5). Nesta
figura, possivelmente, a maioria das pessoas teriam mais facilidade de associar animais como
agradáveis do que flores, Assim, a associação de animais com conteúdo agradável e flores
com conteúdo desagradável é denominado de associações compatíveis porque ocorre mais
facilmente. a associação de flores com conteúdo agradável e animais com conteúdo
desagradável é denominado de associações incompatíveis, já que por ocorre com maior
dificuldade. -----------------------------------------------------------------------------------------------49
ARTIGO EMPÍRICO I
FIGURA 1 Fases do IAT, 1.1 - os participantes devem indicar se um conceito alvo pertence a
uma determinada categoria 1.2 - os participantes devem classificar conceitos alvos como
“agradáveis” ou “desagradáveis”; 1.3 - fase de associação das categorias “azul e vermelho”
com “agradável ou desagradável”; 1.4 - consiste na inversão da posição das categorias da
segunda fase; 1.5 - a associação apresentada na terceira fase é invertida.------------------------64
FIGURA 2 Representação gráfica da organização dos grupos e seqüência de jogadas de cada
sujeito na situação experimental. ----------------------------------------------------------------------66
FIGURA 3 Média, desvio padrão e efeito IAT nas condições associações compatíveis e
associações incompatíveis dos grupos experimental e controle. * p < 0,05----------------------70
FIGURA 4 Média, desvio padrão e efeito IAT nas condições associações compatíveis e
associações incompatíveis entre ganhadores e perdedores. * p < 0,05. --------------------------71
11
FIGURA 5 Média, desvio padrão e efeito IAT nas condições associações compatíveis e
associações incompatíveis nas situações no qual houve doação e no qual não houve doação. *
p < 0,05. ---------------------------------------------------------------------------------------------------73
FIGURA 6 Média, desvio padrão e Efeito IAT nas condições associações compatíveis e
associações incompatíveis nos grupos no qual houve comemoração e nos grupos no qual não
houve comemoração . * p < 0,05. --------------------------------------------------------------------74
FIGURA 7 Média, desvio padrão e efeito IAT nas condições associações compatíveis e
associações incompatíveis nos grupo do qual não se conhecia os membros do grupo
adversário e o grupo do qual conhecia-se os membros do grupo adversário. * p < 0,05.----- 75
TABELA 1 Correlação de Spearman entre as variáveis partilha comemoração e
conhecimento --------------------------------------------------------------------------------------------72
ARTIGO EMPÍRICO II
FIGURA 1 - Figura 1. Fases do IAT, 1
o
fase - os participantes devem classificar as palavras
que aparecem no meio da tela do computador como “agradáveis” ou “desagradáveis”; 2
o
fase-
os participantes devem indicar se as palavras que aparecem no meio da tela do computador
pertencem a uma determinada categoria, no caso dessa pesquisa “Azul” e “Vermelho”; 3
o
fase
- fase de associação das categorias “Azul com Agradável” e Vermelho com Desagradável” os
sujeitos devem associar as palavras que aparecem no meio da tela com um desses dois grupos
categóricos; 4
o
fase- consiste na inversão da posição das categorias da segunda fase; 5
o
fase- a
associação é feita com os grupos categóricos da 3° fase invertidos.------------------------------87
FIGURA 2 Representação gráfica da organização dos grupos e seqüência de jogadas de cada
sujeito na situação experimental -----------------------------------------------------------------------89
FIGURA 3 dia e desvio padrão nas situações associações compatíveis e associações
incompatíveis do sexo masculino e feminino. * p < 0,05. ---------------------------------------- 93
FIGURA 4 Média e desvio padrão, em milissegundos, nas situações: associações compatíveis
e associações incompatíveis nos grupos de ganhadores (A) e de perdedores (B). * p < 0,05
entre as duas situações descritas.---------------------------------------------------------------------- 94
12
FIGURA 5 Média e desvio padrão, em milissegundos, nas situações: associações
compatíveis e associações incompatíveis nos grupos doadores (A) e de não doadores (B). * p
< 0,05 entre as duas situações descritas.--------------------------------------------------------------95
FIGURA 6 Média e desvio padrão nas situações: associações compatíveis e associações
incompatíveis nos grupos no qual houve comemoração por parte dos vencedores (A) e no qual
não houve comemoração por parte dos vencedores (B). * p < 0,05 entre as duas situações
descritas. --------------------------------------------------------------------------------------------------96
FIGURA 7 Média e desvio padrão nas situações: associações compatíveis e associações
incompatíveis nos grupos no qual houve comemoração por parte dos vencedores (A) e no qual
não houve comemoração por parte dos vencedores (B). * p < 0,05 entre as duas situações
descritas.---------------------------------------------------------------------------------------------------97
ARTIGO EMPÍRICO III
TABELA 1 Porcentagem da cor da pele (segundo auto-declaração) nos Estados nos quais foi
realizada a pesquisa, dados do censo do IBGE (2004). * Cor /Raça / Etnia mais representativa
em cada Estado------------------------------------------------------------------------------------------110
TABELA 2 Média e Desvio Padrão do tipo de erro (Negro ou Branco) e a descendência
declarada nos estados no qual a maioria da população se declara de cor branca. * p< 0,05.-112
TABELA 3 Distribuição percentual dos estudantes por região segundo a cor da pele, raça e
etnia (Adaptado de Andifes, 2005).------------------------------------------------------------------113
13
RESUMO
Categorizar é uma habilidade humana que nos permite ordenar ou por em classes a partir das
diferenças existentes dentro de um conjunto. Com uma mente voltada para o mundo social
essa habilidade também é usada para classificar a própria espécie. Agrupamos pelas
semelhanças e discriminamos pelas diferenças. Um grande número de pistas compartilhadas
pelos grupos podem ser usadas para realizar essa tarefa mental. Essas podem ser de caráter
sócio-cultural (roupas, idioma, crenças) ou fenotípico (cor da pele, semelhanças faciais e
corporais). Assim, o ser humano tem a capacidade de detectar pistas que indiquem que outros
indivíduos possam ser altruístas ou antagonistas. A Psicologia Evolucionista propõe que essa
é uma característica universal humana que consiste de um conjunto de programas específicos
da espécie que evoluíram, em nossos ancestrais caçadores coletores, para modular a
cooperação dentro de uma mesma coalizão e o conflito entre coalizões. Esse mecanismo,
chamado de nós versus eles, induz os indivíduos a se colocar numa postura contrária ou a
favor de um grupo e a percebê-los de maneira negativa ou positiva respectivamente. Deste
modo, quando ativados, esses programas cognitivos levam as pessoas a avaliar
favoravelmente os grupos de pertinência (nós) e desfavoravelmente grupos externos (eles).
Nessa tese, escrevemos três artigos empíricos e um artigo teórico que abordam essas idéias.
Também escrevemos outro artigo teórico introduzindo uma nova técnica de pesquisa, ainda
pouco conhecida no Brasil, que é usada em estudos de categorização social o IAT (Implicit
Association Test). Os artigos empíricos mostram que a categorização do grupo adversário
pode ser influenciada pelo sexo do observador ou pelo comportamento do grupo adversário.
Neles observamos que as mulheres parecem ressaltar mais rapidamente e mais fortemente do
que os homens os aspectos negativos do grupo adversário em situação de conflito. Além
disso, observamos que quando houve cooperação do grupo vencedor para com o grupo
perdedor e quando houve relato de contatos prévios entre os dois grupos a categorização
negativa ao grupo adversário foi reduzida. O último artigo empírico foi escrito mostrando que
as pessoas usam cor da pele como forma de categorização social (percepção de raça) e que
esse padrão perceptual muda em diferentes contextos sociais.
Palavras chaves: raça, categorização, coalizão, evolução, psicologia evolucionista.
14
ABSTRACT
Categorizing is a human ability that allows us to ordinate, or to classify into categories,
starting from existing differences of a given entirety. As social minded beings, humans also
use this ability to classify its own species. We aggregate things by the similarities and we
discriminate by differences. A great number of cues shared by the groups may be used to
execute this mental task. These shared cues range from socio-cultural ones (clothes, language,
beliefs) to phenotypic ones (skin color, facial and body similarities). Individuals of our
species also have the capacity to detect cues that indicate altruistic predisposition in others.
Evolutionary Psychology proposes this is a human universal trait that consists in specific
programs (us versus them) that evolved from our hunter-gatherers ancestors to modulate
cooperation inside a given coalition as well as the competition between coalitions. This way,
when activated, these cognitive programs lead people to evaluate their group-mates
(perceived as we) more favorably than out-group members (perceived as they). In this thesis
are written three empirical articles and a theoretical one approaching these ideas. There is still
another article which aims to introduce a new research technique, the IAT (Implicit
Association Test), a technique that is still not widespread in Brazil. The empirical articles
show that the categorization of the adversary group is influenced by its own behavior and at
least one trait of the observer, like sex. Collected data show that women emphasize negative
aspects of the adversary group, in a given situation conflict, more strongly than men do.
Furthermore, it has been observed that when attenuating conflict cues were present the
negative categorization was reduced. The last empirical article demonstrates that the skin
color is used by people as a cue of social categorization (race perception) and that this
perceptual standard changes depending on the social contexts.
Keywords: race, categorization, coalition, evolution, evolutionary psychology.
15
APRESENTAÇÃO GERAL
A apresentação geral tem como objetivo oferecer elucidações que promovam uma
leitura mais fluida do trabalho, distinguindo os diferentes itens desta tese.
Dividimos o trabalho, em quatro partes: a) Artigos teóricos; b) Artigos
empíricos; c) Discussão e conclusão; d) Anexos.
a) Artigos teóricos
Nesta seção desenvolvemos dois artigos. O primeiro é o Diga-me com quem
lutas que eu te direi quem és explicando o processo de categorização social e formação
de grupo, no qual abordamos os diversos pontos de vista referente ao processo de
categorização de grupo e formação de coalizões, como: evolução, função e mecanismos
envolvidos nesse processo. Assim, esse trabalho teórico fundamenta os artigos empíricos
relacionados à Psicologia das coalizões. O segundo artigo é Mudam-se os tempos, mudam-
se as vontades: a influência das cognições implícitas no comportamento humano, no qual
apresentamos um método, ainda pouco conhecido no Brasil, como um bom instrumento para
identificação dos processos de associação. Esta revisão fundamenta a utilização do IAT
(Implicit Association Test) para investigar a associação entre estímulos.
b) Artigos Empíricos
Desenvolvemos três artigos empíricos. Nos dois primeiros investigamos o
processo de categorização de grupos usando o IAT como instrumento de coleta de dados.
Mediamos as associações que estavam sendo realizadas pelos sujeitos que participaram do
experimento. No último artigo empírico, falamos sobre o processo de percepção de raça e de
como os contextos sociais das diferentes regiões do Brasil podem modificar sua manifestação.
Os trabalhos foram realizados com adultos de ambos os sexos.
O primeiro artigo sobre categorização de grupos foi intitulado Cooperar ou
retaliar? uma visão do processo de categorização de grupos. Buscamos mostrar que
competir e cooperar são dois pólos de um mesmo continuum comportamental e que ambos
podem se manifestar dependendo das circunstâncias sociais presentes. Além disso, tínhamos o
objetivo de investigar se a hostilidade ou a associação de palavras de conteúdo negativo
diminuíam com o surgimento de pistas de atenuação no decorrer do jogo.
O segundo artigo, Influência sexual na categorização de grupos, mostra que o
ser humano, de modo geral, apresenta uma tendência de categorizar o mundo em “Nós versus
16
Eles” No entanto, homens e mulheres parecem diferenciar quanto à intensidade com que
avaliam negativamente grupos adversários em situações de conflitos. Deste modo, esse
mecanismo psicológico que tem a função de classificar pessoas como pertencentes ou não ao
grupo de referência e regular a cooperação e os conflitos, parecem agir desigualmente em
homem e mulheres. Nosso objetivo foi investigar as diferenças sexuais nos padrões de
categorização de grupos.
O terceiro artigo intitulado Percebendo-se diferente: a influência da
miscigenação na percepção de raça fala sobre a percepção de raça, um subproduto do
processo de categorização de grupo. Aqui, buscamos identificar como o processo de
categorização social se manifesta na população brasileira e que contextos sociais possibilitam
que a categorização ocorra com maior força. Assim, analisamos os dados a partir dos tipos de
erros realizados e segundo a descendência declarada pelos sujeitos no experimento e a
composição étnica do Estado ao qual pertenciam.
Todos os artigos aqui descritos, sejam eles teóricos ou empíricos, serão
submetidos a periódicos nacionais e internacionais ainda não especificados.
c) Discussão e conclusões
Nesta seção discutimos os dados obtidos nos três artigos empíricos e
desenvolvemos conclusões gerais.
d) Anexos
Na quarta seção estão os anexos, que são: um artigo que foi escrito para revista de
divulgação no decorrer do doutorado e as instruções para o jogo looping.
17
OBJETIVO GERAL
Esse trabalho teve como objetivo investigar algumas das formas pelas quais se
manifestam o processo de categorização de grupos. Os objetivos específicos estarão nos
artigos nas seções seguintes.
18
A.1 - DIGA-ME EM QUAL LADO VOCÊ LUTA QUE EU TE DIREI QUEM ÉS
EXPLICANDO O PROCESSO DE CATEGORIZAÇÃO SOCIAL E SUAS
CONSEQUÊNCIAS
Título abreviado
Cooperação e retaliação
Diego Macedo Gonçalves
1
Programa de Pós Graduação em Psicobiologia, Departamento de Fisiologia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil
*Correspondência:
Diego Macedo Gonçalves
Campus Universitário, Caixa Postal 1511
59078-970 – Natal – RN – BRAZIL
19
RESUMO
A Psicologia Evolucionista vem mostrando que a agressão coletiva direcionada aos membros
de grupos adversários e o favorecimento aos membros do seu grupo, em algumas situações
específicas, fazem parte do repertório comportamental humano. A mente humana contém
mecanismos designados para o altruísmo e a formação de alianças e coalizões. Esse
mecanismo psicológico chamado de nós versus eles leva os indivíduos a se colocarem numa
postura contrária ou favorável diante de um grupo, podendo gerar conflitos violentos. Uma
forma pelo qual esse processo mental se manifesta é através da categorização de raça. O ser
humano usa diversas pistas para categorizar grupos entre elas a cor da pele. Sendo esse um
processo, flexível e dinâmico que pode mudar dependendo do contexto social, e promover
tanto a expressão de comportamentos agressivos quanto cooperativos.
Palavras chaves: raça; categorização; coalizão; psicologia evolucionista; evolução.
ABSTRACT
Evolutionary Psychology has shown that collective aggression toward out-group members
and favoritism toward in-group members, in some specific situations, are part of the human
behavioral repertoire. The human mind contains mechanisms designed for altruism and the
formation of alliances and coalitions. This psychological mechanism, called “us versus them”,
influences individuals to assume a contrary or a favorable attitude in relation to a given group
and may generate violent conflicts. One way whereby this mental process is manifested is
through race categorization. The human being uses various cues to categorize groups, among
them skin color. This is a plastic and dynamic process, which can change depending on the
social context and accordingly favor the display of both aggressive as well as cooperative
behaviors.
Keywords: race; categorization; coalition; evolutionary psychology; evolution.
INTRODUÇÃO
Se fosse possível adjetivar o ser humano com uma única palavra que palavra
melhor o definiria? Bondoso ou cruel? Generoso ou egoísta? Pacífico ou agressivo?
Dificilmente, alguém chegaria a uma resposta contundente para essa pergunta, que
evidências da existência de cada um desses atributos são bem comuns. No entanto, nem
sempre é fácil admitir que o homem apresenta comportamentos agressivos, egoístas ou até
20
mesmo cruéis. Alguns cientistas sociais receiam que defender a manifestação física da
violência como fazendo parte do padrão comportamental humano possa gerar conivência ou
acomodação diante dela. Mas na atualidade, com a violência invariavelmente presente e
estampada em nossos jornais, é difícil não chegar a essa conclusão.
O comportamento violento tem sido visto como um problema de saúde pública em
nível nacional e internacional (Pino & Werlang, 2006). A cada década a taxa de homicídio
vem ascendendo de forma alarmante. Nos anos 80 e 90, no Brasil, houve um aumento de
109% nas taxas de violência fatal (Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde
Jorge Careli [CLAVES], 2002)
e no ano de 2007, mais de 50 mil pessoas morreram por
assassinato (Repórter Brasil, 2009).
O ser humano, geralmente, fica estarrecido com a violência que outros da sua
espécie podem manifestar, mas é evidente que o Homo sapiens a manifesta diante de alguns
contextos sociais específicos. Além do mais, qualquer pessoa está apta a cometer atos
violentos. Isso, no entanto, depende de variáveis contingentes que as impulsionam.
No meio urbano, o aumento crescente do risco de morte tem levado as pessoas a
adotarem medidas no intuito de evitar o contato com variantes violentas. Aqueles que têm
recursos financeiros se trancam em seus carros e usam cerca elétrica em suas casas para se
isolar do resto do mundo. O mercado de segurança privada cresceu 13% no ano de 2008 e
o setor faturou quase 1,5 bilhão de reais (Democratas, 2009).
O clima de insegurança é geral. As pessoas ficam a mercê da violência, sentem-se
amedrontadas e com a sensação de que se vive em uma situação limítrofe, sempre na
possibilidade de sofrer algum ato violento.
O comportamento agressivo, no entanto, também pode se expressar entre grupos,
inclusive na forma de guerras. São comuns conflitos entre coalizões distintas nos quais
membros de um grupo se digladiam com membros de outros grupos, como, por exemplo, as
brigas entre torcedores de times de futebol.
A guerra, também, pode surgir como fruto de desordens políticas e econômicas.
Geralmente, se expressa de maneira escarpada se caracterizando por conflitos entre coalizões
manifestadas por Estados, por seus agentes, pelos grupos dominantes e por bandidos comuns
(Costa, 1999) que geralmente disputam recursos, dizimando uma ampla quantidade de civis.
No ocidente, o Estado tem exclusividade sobre o controle das forças armadas, tornando-a a
única violência aceita socialmente. Mas é justamente essa a forma de violência mais
contundente que nenhuma outra modalidade apresenta um número tão expressivo de
mortos. Ruanda, Kosovo, e o Iraque são exemplos contemporâneos desse quadro com mais de
21
um milhão de mortos somados os três conflitos e no século XX, mais de 160 milhões de
pessoas morreram em decorrência de guerra, genocídio e opressão política (de Wall, 2007).
Conflitos, violência e guerra fazem parte da história do ser humano sendo tão
antigos quanto a própria sociedade. Mas a violência assume formas específicas conforme o
momento histórico.
Diante do que foi dito será que evidências suficientes para falarmos que a
violência faz parte do repertório comportamental humano? O que leva uma pessoa a deflagrar
conflitos, ferir e até mesmo matar outra pessoa sem sentir um mínimo de remorso? E por que
o comportamento agressivo continua se manifestando até os dias de hoje, apesar de haver
políticas públicas que combatem a violência? No decorrer desse artigo estaremos respondendo
algumas dessas perguntas e mostrando as contribuições oferecidas pela ciência na
compreensão desse fenômeno. Mas daremos um foco nas evidências biológicas que podem
contribuir para a expressão do comportamento violento.
A Psicologia Evolucionista
Antes de transcorrermos acerca das influências biológicas sobre o comportamento
violento, vamos fazer um breve delineamento sobre a fundamentação teórica que envolve esse
artigo, de maneira a contextualizar nossa análise.
A psicologia evolucionista é uma abordagem psicológica que usa conhecimentos
da biologia evolutiva em pesquisas cujo intuito é investigar a estrutura da mente humana
(Barkow, Cosmides & Tooby, 1992; Cosmides & Tooby, 1997). Psicólogos evolucionistas
vêm estudando o funcionamento do cérebro para provar que a estrutura psicológica, assim
como a estrutura física, se desenvolveu a partir do processo de seleção natural. Isso significa
que essa abordagem faz uso de explicações darwinistas na tentativa de compreender como as
pressões ambientais moldaram o cérebro humano ao longo das eras.
Darwin explica a seleção natural a partir da análise de três princípios: a
diversidade nas espécies, o parentesco entre os indivíduos e a adaptabilidade (Rose, 2000;
Izar, 2009). A primeira refere-se à variação fenotípica existente na população, ou seja,
indivíduos com características diferentes dentro de uma mesma espécie. A variação não é
apenas uma característica dos seres vivos, mas é um fator fundamental à própria evolução
(Rose, 2000). A segunda refere-se ao aspecto hereditário, que se caracteriza pelos processos
biológicos no qual cada ser vivo transmite informações genéticas através da reprodução, de
modo que durante o processo adaptativo o genótipo selecionado pelo ambiente possa se
22
espalhar para as gerações seguintes. Mas vale salientar que o genótipo interage com o
ambiente através do fenótipo. E a terceira, o princípio da adaptação, refere-se ao fato de que
alguns indivíduos, em virtude de algumas características diferenciadas, deixam mais
descendentes do que outros.
A seleção natural, portanto, ocorre quando indivíduos portadores de genes
codificadores de algumas características fenotípicas conseguem obter mais recursos
alimentares, maior capacidade de evitar a predação e atrair mais parceiros sexuais do que
aqueles que não portam os genes que permitem apresentar tais características (Izar, 2009).
Como resultado, alguns indivíduos deixam mais descendentes do que outros garantindo seu
sucesso reprodutivo.
O cérebro humano, também, é resultado desse processo, ou seja, os mecanismos
psicológicos possibilitaram aos nossos ancestrais encontrar a melhor saída para resolver
problemas reprodutivos, tornando mais provável que eles deixassem um maior número de
descendestes (Barkow, Cosmides & Tooby, 1992; Cosmides & Tooby, 1997; Tooby,
Cosmides & Price, 2006). Devido ao conjunto de adaptações biológicas as áreas do cérebro se
especializaram em determinadas tarefas e a integração entre várias dessas áreas algumas
ainda não totalmente localizadas ou compreendidas produz funções cognitivas complexas,
como o reconhecimento da face, a aquisição da linguagem, etc. (Cosmides & Tooby, 1997).
Se essas características estão presentes até os dias de hoje, é porque os benefícios acarretados
àqueles que as apresentavam promoveram a sua sobrevivência e a transmissão de seus genes
para as gerações futuras.
As funções cerebrais são algumas das características que surgiram durante o
processo adaptativo. Mas vale salientar que a Psicologia Evolucionista não espera que todos
os comportamentos humanos sejam adaptativos. Nossas características foram selecionadas
num ambiente bem diferente do qual o ser humano vive atualmente. Como as mudanças
ambientais e sociais são bem mais rápidas do que as mudanças evolutivas, o ser humano ainda
não conseguiu se adaptar a elas. Isto significa que as adaptações humanas estão defasadas no
tempo, que representam adaptações a ambientes que não estão mais presentes (Yamamoto
et al., 2009). Por isso, alguns mecanismos, embora defasados, são mais fortes do que aqueles
que fariam mais sentido nos dias atuais. Por exemplo, se considerarmos as taxas de ferimentos
e mortes infligidas por cobras e carros, faria muito mais sentido termos medo dos últimos e
não das primeiras. No entanto, frente às cobras é que nos sentimos mais amedrontados,
revelando uma herança de nossos ancestrais.
23
O ambiente de adaptação evolutiva (AAE)
As atuais características humanas surgiram ao longo do passado evolutivo recente,
aproximadamente as últimas mil a dez mil gerações (Hagen, 2002; Izar, 2009). Diferente da
realidade atual, no qual temos alimentos em abundância, relativa segurança em nossas casas
com cercas elétricas e transportes para nos deslocarmos a grandes distâncias, o ambiente de
adaptação evolutiva (AAE) se caracterizava por ser um ambiente hostil no qual o ser humano
tinha que caçar, coletar, livrar-se de predadores e rivalizar com coalizões adversárias na
disputa por recursos escassos (Gaulin & MacBurney, 2001). A insegurança era um sentimento
onipresente que o risco de morte era elevado e o maior desafio, portanto, era manter-se
vivo. No entanto, vale salientar que o AAE não se caracteriza por um tempo em específico.
Este é o ambiente no qual pressões ambientais geraram problemas reprodutivos enfrentados
pelo homem ao longo do tempo evolutivo (Hagen, 2002). Portanto, não lugar específico
para que isso ocorra.
Este ambiente era um meio bem semelhante ao que encontramos atualmente nas
savanas africanas. É possível, inclusive, que de fato esse seja o berço da humanidade, em
virtude de os fósseis mais antigos encontrados por paleontólogos terem sido localizados nesse
continente (Neves et al.,1999).
Algumas evidências baseadas em registros fósseis sugerem que duas
características foram fundamentais para a disseminação da espécie humana, o bipedalismo
(entre 4 e 5 milhões de anos) e o aumento da superfície cerebral (após 1,5 milhões de anos)
(Geary, 2004; Izar, 2009). Em um ambiente caracterizado por savanas com alimentos
descontinuamente distribuídos, seres com dietas onívoras podem ter se beneficiado com o
surgimento do bipedalismo. Essa característica permitiu aos hominídeos forragear sob
condições de altas temperaturas, caminhar por grandes distâncias e consumir menos comida e
água do que os quadrúpedes (Wheller, 1991), o que obviamente promoveu uma vantagem
adaptativa.
Diversas técnicas têm sido utilizadas para estimar o volume cerebral nos
hominídeos extintos e, em conseqüência, o seu aumento durante a evolução humana. Um dos
métodos envolve reconstruir os crânios fossilizados fazendo cópias plásticas do seu interior.
Este método pode ser usado para estimar o volume do crânio e conseqüentemente o volume
cerebral. Em alguns casos também pode dar uma idéia da arquitetura da superfície externa do
neocórtex (Geary, 2004). A partir dessas técnicas sugere-se que com o aumento do volume
cerebral, várias áreas cerebrais surgiram, incluindo a área de broca e o aumento do lobo
24
parietal a partir do Homo habilis (Falk, 1983) o que provocou o aprimoramento de habilidades
como a linguagem e o uso de ferramentas mais elaboradas.
Essas são apenas algumas das diversas características selecionadas durante o
AAE. A Psicologia Evolucionista busca compreender como as pressões evolutivas surgidas
no ambiente ancestral moldaram as características humanas. Se pesquisadores conseguirem
especificar todos os problemas enfrentados pelos nossos ancestrais se poderá especificar todas
as funções que nosso corpo pode ter (Hagen, 2002) e compreender como o ser humano veio a
desenvolver determinadas características no decorrer das gerações, inclusive o
comportamento violento.
O AAE era um ambiente marcado por situações limítrofes e diante dessa quantidade
enorme de risco somente os mais adaptados a esse ambiente sobreviveram e transmitiram seus
genes. Na atualidade, o ser humano vive em contextos bem mais confortáveis do que seus
ancestrais, no entanto, nossos cérebros reproduzem características adaptadas a um ambiente
bem menos controlado.
A história biológica da violência
Os relatos do comportamento violento são muito antigos e parecem preceder até
mesmo os registros escritos da história humana. Pesquisas sobre violência que tem como
referencial teórico os princípios evolucionistas acreditam que, no AAE, o ancestral do ser
humano (Australophitecus afarensis) agredia seus desafetos. A violência, portanto, parece
ser um fenômeno que acompanha o homem desde o surgimento da espécie, constituindo um
elemento natural da vida em sociedade (Cosmides & Tooby, 1988).
No entanto, é extremamente difícil provar que a violência se manifestava entre
nossos antepassados, já que o comportamento não se fossiliza. Algumas evidências podem ser
obtidas através de estudos paleontológicos, estudos comparativos com outros primatas
antropóides e por estudos com sociedades tribais que até a contemporaneidade vivem como
caçadores-coletores.
No AAE, as sociedades de caçadores-coletores competiam por alimentos,
territórios e parceiras(os) sexuais com os membros das coalizões vizinhas e conseqüentemente
entravam em conflitos (Tooby & Cosmides, 1988). Pesquisas osteológicas têm dado fortes
evidências disso. Marcas de golpes encontradas em ossos de nossos ancestrais confirmam que
houve episódios de agressão física desde a época dos Australopithecus (Lessa, 2004)
.
As
ossadas mostravam ferimentos causados por projéteis ou por golpes produzidos por
25
instrumentos rombudos. As freqüentes lesões existentes nas ossadas de membros das
sociedades antigas apresentam padrões semelhantes aos encontrados nas populações mais
modernas, mostrando uma continuidade do comportamento violento no decorrer do tempo.
Evidências históricas também são fortes indícios de que a espécie Homo apresenta
comportamento violento. Os livros de história estão repletos de relatos de conflitos bélicos
entre diferentes etnias dando a impressão que não parece ter havido espaço de tempo sem a
existência de guerra em algum lugar deste planeta.
Além disso, informações colhidas em praticamente todas as sociedades humanas
parecem assegurar que em nenhuma delas se desconhece algum tipo de conduta hostil
(Queiroz, 2009). Arqueólogos e antropólogos argumentam que a violência era muito mais
enraizada nas antigas sociedades de caçadores-coletores do que em épocas mais recentes. Nas
sociedades tribais modernas, por exemplo, as evidências mostram que eles estão em um
constante estado de guerra. Dois terços dos caçadores-coletores modernos estão em um estado
quase permanente de conflito tribal, e cerca de 90% vão para a guerra pelo menos uma vez
por ano. Segundo Keeley (1996) a taxa de mortes por guerras nessas populações é de 0,5%
por ano, o que equivaleria a dois bilhões de pessoas morrendo durante o século XX. Mesmo
entre populações tidas como pacíficas por pesquisas antropológicas encontrou-se indícios das
mais diversas manifestações de violência (Wranghan & Peterson, 1996).
Em muitas sociedades atuais de caçadores-coletores, o comportamento agressivo
não é executado freqüentemente, como também é incentivado. Isso acontece, por exemplo,
entre os Ianomâmis. Na Venezuela, os grupos atacam tribos rivais por causa de disputas
territoriais ou por discussões aparentemente sem importância e, por fim, promovem
emboscadas, geralmente levando a homicídios. Os assassinos com mais mortes no seu
histórico recebem status hierárquico destacado entre os membros da tribo e têm seu
comportamento reforçado pelos outros indivíduos (Wrangham & Peterson, 1996).
Outras evidências podem ser dadas através de estudos comparativos entre
espécies. Etólogos vêm se empenhando para compreender o comportamento dos primatas não
humanos. A idéia é que as semelhanças genéticas permitem estudar os comportamentos
desses últimos como forma de entender o passado evolutivo do homem. Assim, esses estudos
nos dão boas pistas sobre a história filogenética do comportamento violento.
Pesquisas usando métodos de observação com chimpanzés têm chegado à
conclusão de que a idéia que a guerra é uma característica inerentemente humana não
corresponde à realidade. Chimpanzés têm sido observados agindo de modo violento,
apresentando conflitos por poder principalmente entre machos, realizando sangrentas disputas
26
e até mesmo assassinatos (Wrangham & Peterson, 1996). Algumas evidências sugerem que
esses animais, além de tudo são capazes de planejar emboscadas contra coalizões rivais (de
Wall, 2007) o que indica a presença de uma grande capacidade de raciocínio lógico. Os
chimpanzés caminham por entre as copas das árvores, silenciosamente, até chegar aos limites
do território vizinho e atacam rapidamente sem possibilitar reação de suas vítimas. Eles,
simplesmente, exterminam os membros das coalizões vizinhas, de forma semelhante ao que
os homens fazem com seus inimigos em circunstâncias de guerra.
As semelhanças podem indicar a disseminação da resposta violenta nas duas
espécies. É possível que um ancestral em comum a ambas tenha difundido essa característica
(Wrangham & Peterson, 1996). Assim, o comportamento agressivo pode ter sido uma atributo
naturalmente selecionado no ambiente ancestral por ter beneficiado os sujeitos que o
apresentavam. Mas vale salientar que, assim, como o ser humano se comporta violentamente
em alguns contextos, ele também pode apresentar comportamento altruísta e empatia em
outros contextos (de Wall, 2007).
Na atualidade, Wilson & Daly (1985) têm dado explicações evolucionistas sobre
o comportamento agressivo. Eles mostram que os homens estão mais predispostos a praticar
comportamento hostil, agressão e até mesmo homicídio. Eles se envolvem em conflitos,
matam e são vítimas de assassinato com maior freqüência do que as mulheres. Seus estudos
ainda indicam que homens jovens se envolvem com maior freqüência em conflitos e situações
de risco do que homens mais velhos, tendência que eles intitularam de “síndrome do macho
jovem”.
O período crítico para manifestação do comportamento violento coincide com a
maturidade sexual do ser humano. Os jovens parecem se auto-afirmar através de
envolvimento em situações hostis e de risco. Nesse período, competir por maior status dentro
do seu grupo aumenta a possibilidade de relacionamento sexual e, apesar do elevado custo
com o aumento do risco de morte, os benefícios podem superá-los.
No entanto, o comportamento agressivo não se manifesta com igual força em
todas as situações. O ser humano não é um animal raivoso pronto a explodir quando suas
vontades não são satisfeitas. Na verdade este sofre a influência de variáveis biológicas e
sociais na manifestação desse comportamento, assim como em qualquer outro. Se a
humanidade apresenta alguma tendência para manifestar um comportamento específico ela
também necessita, na mesma proporção, de um meio propício para sua eclosão. Estudos
recentes de Wilson, Daly e Vasdec (2001) mostram que o fator mais importante no
envolvimento de jovens machos em violência é a desigualdade social. Essa informação é dada
27
através de análises pelo índice Gini de desigualdade de renda.
Nesse índice o “0” representa a
igualdade absoluta (todos com a mesma renda) e “1” representa a desigualdade absoluta (uma
pessoa ganha tudo). Esses pesquisadores encontraram uma correlação positiva entre o índice
Gini e taxas de assassinatos. Assim quanto maior o índice Gini em uma dada população,
maior a taxa de homicídio. Isso indica que jovens podem manifestar comportamento violento
com maior freqüência quando o contexto social não possibilita seu desenvolvimento social e
financeiro. Portanto, pode-se perceber que existe uma regulação do comportamento violento
pelo contexto social.
As evidências de que a violência faz parte do repertório comportamental humano e que
se manifesta em alguns contextos específicos, são muitas e, de fato, parecem preceder até
mesmo o surgimento da sociedade. Nem o desenvolvimento da tecnologia, nem o uso de
novos métodos educacionais e nem o atual acúmulo de recursos conseguiram eliminar o
comportamento violento manifesto pelo ser humano. Até hoje, a maneira mais utilizada para
combater a violência é a própria violência, ou ao menos a ameaça de sua ocorrência. Isso se
reproduz nas forças policiais e militares. No entanto, o fato do homem se comportar
violentamente em alguns contextos não impossibilita que medidas possam ser tomadas no
intuito de amenizar ou abolir tal comportamento. Conhecer a natureza humana, os
mecanismos que permitem que os seres humanos se engajem em situações de conflito e o
contexto social no qual a violência se manifesta ajuda a traçar as melhores estratégias para
combatê-la.
Psicologia das coalizões e violência em grupo
Qualquer ato violento gera riscos e nem mesmo o agressor tem como avaliar
adequadamente se o seu ato causará conseqüências negativas para si. Talvez por isso os seres
humanos, ao se envolverem em condutas hostis, se sintam mais seguros quando estão
acompanhados de seus aliados. Por ser um animal social, o homem vive em grupo e realiza
atividades que exigem ação coordenada, mesmo em situações que provavelmente geram risco
de morte. Mais do que isso, os humanos mostram comportamento cooperativo e
aparentemente altruísta entre seus aliados. Como os custos do envolvimento em conflitos são
elevados, estar em grupo atenua os riscos e aumenta as possibilidades de êxito.
Cosmides e colaboradores (2003) explicam que a agressão coletiva é resultante de
funções psicológicas responsáveis pela formação de alianças e coalizões. Isso significa que o
meio social interage com complexos processos cognitivos existentes no cérebro humano
28
gerando respostas emocionais e comportamentais (Tooby & Cosmides, 1997) direcionados a
aliados e rivais.
Kurzban e colaboradores (2001) defendem que um fator que pode inclinar seres
humanos a formar grupos é o mecanismo denominado de "Nós versus Eles". Esse aparato
psicológico surgiu durante o processo evolutivo com a função de classificar pessoas como
pertencentes ou não ao grupo de referência. A discriminação entre amigos e inimigos, por
exemplo, acontece ao se categorizar sujeitos em “Nós versus Eles. É bem provável que no
AAE nossos ancestrais tenham se deparado com situações nas quais precisaram competir por
recursos escassos com outros grupos de sua espécie. Ao se agrupar e ao apresentar
comportamento hostil nesses contextos específicos, vantagens adaptativas foram geradas
fazendo com que esse atributo se disseminasse para as gerações posteriores.
Situações de conflitos de interesse entre alianças distintas, por exemplo, parecem
ativar o mecanismo Nós versus Eles” aumentando a coesão grupal. As pesquisas
etnocêntricas mostravam essa tendência. Os sujeitos tendem a ver o próprio grupo como
superior e seus valores como universais e ver o grupo de fora como inferior (Hammond &
Axelrod, 2006). Mais do que isso o ser humano tende a ter uma visão do mundo onde o seu
próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através
dos seus valores, modelos e definições do que é a existência (Rocha, 1984). Um exemplo
disso era a visão que os europeus tinham dos indígenas quando chegaram à América no século
XV. Esses últimos eram rotulados como selvagens, primitivos, pré-históricos, "antropófagos,
etc. Isto em contrapartida tinha o objetivo de mostrar quanto os portugueses colonizadores
eram "superiores". Como conseqüência esse fenômeno psicológico promove a cooperação
entre os membros de uma coalizão e a hostilidade direcionada aos membros de fora do grupo
(Brewer, 1999; Brewer & Kramer, 1985; Kurzban et al., 2001). Não é incomum acontecer
confusões, conflitos e até mesmo guerra como fruto desse processo avaliativo.
Nesses contextos, o cérebro humano interpreta os cooperadores como aliados e os
competidores como opositores gerando um fenômeno chamado de confiança
despersonalizada. A identificação dos membros como pertencentes a sua coalizão promove
uma confiança mútua e conseqüentemente o altruísmo condicional (Brewer, 1999). Assim, as
pessoas agem de forma cooperativa em função da associação ao grupo e independente das
características de cada um (Brewer, 2001). O outro grupo também sofre a influência desse
processo que são categorizados de forma estereotipada. Em situações de conflito,
estereótipos podem promover avaliações distorcidas sobre as características e reputações dos
membros de grupos rivais aumentando ainda mais a hostilidade direcionada a eles. Tudo
29
isto sugere que a cooperação intra-grupo e a hostilidade intergrupo é extremamente dinâmica,
flexível e que pode ser modificada por alterações nas circunstâncias nas quais os indivíduos
interagem (Yamamoto & Lopes, 2009).
Diversas pistas são utilizadas como referência para distinguir os aliados dos rivais.
Características sociais e culturais até características fenotípicas servem como marcos
referenciais. Essas pistas são usadas para discriminar pertinência, e se apresentam através das
vestimentas, comportamentos, gírias e até mesmo a cor da pele (Cosmides et al., 2003).
Assim, diferenças entre membros de um grupo tendem a ser minimizadas enquanto que
diferenças intergrupo permanecem muito evidentes e ressaltadas (Taylor et al., 1978). Isso
aumenta a coesão grupal.
Não é de surpreender, portanto, que todo esse processo seja seguido de percepções
negativas e sentimentos de hostilidade voltados para os rivais. Os sujeitos sentem aversão
instantânea pelos adversários em situação de competição e formam uma opinião desfavorável
sobre eles, agindo de modo a negar-lhe recompensas mesmo que isso seja oneroso para o seu
próprio grupo. Através do processo de aprendizagem social, no qual os indivíduos aprendem
por observação, informações pejorativas são espalhadas, diminuindo a possibilidade de
cooperação entre grupos. Adjetivos como, egoístas, traiçoeiros, maus, manipuladores,
dissimulados e falsos são normalmente empregados para descrever os rivais.
As interpretações do comportamento dos adversários, geralmente, são
preconceituosas, errôneas e levam a julgamentos incorretos, mas todo tipo de argumento é
usado para aumentar a hostilidade intergrupo. Parece vantajoso que membros de uma coalizão
foquem nas características negativas dos adversários. Os sujeitos podem não se dar conta que
estão segregando o mundo em Nós versus Elese não percebem que seus adversários fazem
o mesmo. Ademais, discriminar o mundo dessa forma diminui a empatia para com os
adversários e conseqüentemente possibilita o ataque sem um eventual arrependimento.
Assim, a psicologia do “Nós versus Eles” é um processo avaliativo social que tem
a função de analisar adequadamente os custos e benefícios das situações sociais que geram
ameaça, de modo a obter o maior benefício líquido. As pressões evolutivas podem ter jogado
grupos contra grupos (Yamamoto, 2008) e para lidar adequadamente com seu mundo social,
no AAE, nossos ancestrais teriam se beneficiado de mecanismos psicológicos que foram
selecionados para detectar alianças, padrões de cooperação, padrões de competição e pistas
que pudessem predizer a lealdade de cada indivíduo (Cosmides, Tooby & Kurzban, 2003;
Kurzban & Leary, 2001;
Tooby & Cosmides, 1988). Sentimentos morais seriam, portanto,
30
artifícios desenvolvidos para que seres sociais possam usar as relações sociais a favor dos
seus genes (Ridley, 2000).
Apesar dos padrões perceptuais voltados aos adversários e aliados em situação de
competição parecerem invariáveis, estudos realizados por psicólogos sociais afirmam que o
contexto social pode ajudar na modificação desse padrão. Aronson e colaboradores (1978)
enfatizam esse ponto de vista quando dizem que interações positivas entre grupos podem
reduzir a hostilidade inicial da categorização grupal. Diante de situação de conflito, ao se
introduzir pista de atenuação de hostilidade, como a doação, a confiança direcionada ao grupo
adversário pode aumentar.
Mas o contrário também é verdadeiro. Variáveis sociais podem precipitar o
comportamento opositor. Condições econômicas desfavoráveis, por exemplo, geram violência
e conflitos entre grupos (McClain, 1993). Além disso, o potencial de conflito também pode
ser multiplicado à medida que o grupo cresce, não somente pelo número adicional de
participantes, mas também pela possibilidade da formação de facções e coalizões dentro do
grupo.
Todo esse processo, no entanto, é possível se há um grupo coeso com o qual se
possa partilhar esforços no intuito de se obter um denominador comum. Assim, viver
coletivamente significa viver em um ambiente onde o altruísmo recíproco mantém as relações
entre os indivíduos. Choi e Bowles (2007) argumentam que no AAE o altruísmo dentro de
uma coalizão pode ter levado a vitórias em conflitos dando acesso a recursos
naturais/reprodutivos escassos, o que evidentemente contribuiu para o aumento da aptidão de
seus membros. Os indivíduos de um mesmo grupo tendem a permanecer coesos e contra o
grupo rival. Incitações à cooperação são dirigidas ao grupo de pertinência e visam aumentar a
coesão do grupo e, dessa forma, torná-lo mais forte na competição contra outros grupos
(Yamamoto, 2008).
Nesse aspecto a cooperação é um importante requisito na manutenção das relações
sociais (Alencar, 2008). Por muitas vezes, os indivíduos até mesmo se colocam em risco para
ajudar seus aliados. Apesar de aparentemente isso implicar em custos para o cooperador e
benefícios para quem recebe a ajuda (Macedo, 2007), o comportamento altruísta pode gerar
possíveis recompensas futuras para o doador. Mas vale salientar que quando um indivíduo
coopera em uma situação de conflito não significa que não esteja apresentando um
comportamento egoísta. A vida em grupo pode gerar benefícios individuais mútuos e assim
promover vantagens evolutivas (Barret et al., 2002). Viver coletivamente significa viver em
31
um ambiente onde o altruísmo recíproco mantém as relações entre os indivíduos, o que
implica na manutenção de vínculos.
Essas características foram moldadas durante a seleção natural para que
pudéssemos extrair mais benefícios de nossas interações sociais (Ridley, 2000). Assim, a
Psicologia Evolucionista vem defendendo que o aparato mental humano é capaz de segregar o
mundo em categorias, e a partir daí, maximizar os seus benefícios evolutivos, seja cooperando
ou competindo. Todas essas descobertas são expressões de uma psicologia subjacente de
formação de alianças e coalizões: um conjunto de programas neuro-cognitivos típicos da
espécie que evoluiu para regular a cooperação dentro de um grupo e o conflito entre coalizões
rivais no ambiente de adaptação evolutiva (AAE) no qual viveram nossos ancestrais
caçadores-coletores (Barkow et al., 1992; Cosmides et al., 2003; Kurzban et al., 2001; Tooby
et al., 2006).
Categorização de raça
Uma das expressões da categorização de grupo é a identificação de raça. Algumas
pistas sociais precipitam a categorização do tipo “Nós versus Eles” entre elas a cor da pele.
Essa pista social pode ser utilizada como critério para discriminar em favor do seu grupo e
contra grupos considerados rivais.
Durante quase meio século, pesquisas sobre a percepção de raça foram realizadas
no intuito de modificar tal categorização. O ponto de partida nas pesquisas sobre preconceito
e racismo foi dado por Gordon Allport em seu livro “The nature of prejudice” (Allport,
1954). A partir de então muitas pesquisas na área da psicologia social m sido realizadas,
confirmando seus estudos. Allport (1973) afirmava que percebemos melhor e mais
rapidamente as características individuais semelhantes à nossa no que diz respeito a vários
aspectos, tais como raça, sexo e idade. Esses estudos partem do ponto de vista que a
identificação de sexo, raça e idade são codificadas automaticamente e arbitrariamente.
Pesquisas mais recentes refutam a idéia de que a identificação de raça seja
automática (Kurzban et al., 2001; Cosmides et al., 2003). Para esses pesquisadores nenhuma
parte dos mecanismos psicológicos do ser humano foi selecionada no decorrer do processo
evolutivo especificamente para a codificação de raça. Uma vez que nossos ancestrais, no
AAE, dificilmente se deslocavam a grandes distâncias, uma estrutura cerebral para
identificação de raças não pode ter se desenvolvido, pois os indivíduos não tinham
experiências com raças diferentes da sua. Assim, não poderia haver seleção para adaptações
32
cognitivas desenvolvidas para codificar categorias raciais de forma preferencial, e menos
ainda codificá-las de maneira automática e obrigatória. Na verdade, a hipótese mais plausível
é que identificação racial seja um subproduto da identificação de alianças e coalizões
(Kurzban et al., 2001).
Como foi salientado, mecanismos que segregam grupos a partir de categorias
sociais, podem ser altamente voláteis, algumas vezes mudando no curso de minutos
(Cosmides et al., 2003). Alianças mudam ao longo do tempo, variando em composição,
pistas de superfície, duração e coesão interna. Por isso não um único indicador de aliança
(inclusive referente à cor da pele) que deveria ser codificado uniformemente em todas as
situações. Além disso, pistas arbitrárias (como características fenotípicas) deveriam ter
significância na medida em que adquirissem validade preditiva para a ligação a uma coalizão.
Na verdade, as pessoas parecem ter experiências de raça em sua vida que predizem padrões de
cooperação e conflito.
Kurzban e colaboradores (2001) analisaram os efeitos da coalizão na codificação
da raça. Seus resultados mostraram que as pessoas não codificam automaticamente a raça do
indivíduo. Quando há outras pistas sociais para categorizar os grupos que não apenas a cor da
pele, elas são utilizadas. Uma vez que o aparato cognitivo detecta a relação entre lealdade e
aparência, dimensões estáveis de aparência que são comuns – e que podem não ter significado
em outras circunstâncias (por ex., vestuário, dialeto, postura) podem emergir no sistema
cognitivo como pistas fiéis de uma aliança.
Sob essas condições, o ser humano detecta as pistas compartilhadas que
podem ser a raça e inferem alianças sociais. Assim, a mente mapeará raça como uma
variável que indica as coalizões. De acordo com essas hipóteses a codificação de raça não é
automática nem obrigatória (Cosmides et al., 2003).
A partir dos argumentos mencionados nesse artigo pode-se ter a impressão que o
ser humano é um animal violento que não consegue controlar seus “instintos mais primitivos”
e que é capaz de cometer homicídios em nome de benefícios evolutivos. No entanto, essa
interpretação não corresponde ao ponto de vista do autor.
Na verdade, o que se quis demonstrar foi que o animal humano é capaz de
cometer atos violentos diante de alguns contextos sociais e que essa capacidade pode ter
conferido, ao longo da evolução humana, algum tipo de vantagem para os indivíduos que a
expressavam. Mas na mesma proporção, sabe-se que o ser humano comporta-se de maneira
extremamente generosa se o ambiente assim o permitir. Afinal de contas, o homem é um
animal capaz de belas e honrosas atitudes para com o seu próximo.
33
O cérebro humano é um órgão capaz de gerar emoções, comportamento e
processar informações. No entanto, essas atividades são reguladas de modo que se possa
maximizar a aptidão, ou seja, garantir a sobrevivência e proporcionar a reprodução.
Assim, os
mecanismos psicológicos indicam o comportamento mais apropriado segundo as
circunstâncias ambientais (Cosmides & Tooby, 1997). Isso significa que nossos mecanismos
psicológicos devem avaliar adequadamente qual a melhor conduta a ser adotada diante de
alguns estímulos específicos, seja esta uma conduta hostil ou uma conduta gentil.
De fato, amor e ódio, bondade e crueldade, agressividade e empatia, generosidade
e egoísmo são todas características que coexistem no ser humano, compondo o paradoxo que
é seu repertório comportamental. Enquanto primata, o homem expressa violência. O
maquinário neuropsicológico responde, sim, com sentimentos hostis em resposta a alguns
estímulos aversivos. Mas, também, mecanismos que possibilita escolher outras
alternativas.
Associar os ideais evolucionistas a condutas agressivas costuma assustar, por dar
a entender que tal conduta não é passível de controle ou atenuação. Mas o nosso ponto de
vista é exatamente o oposto dessa conclusão. O ser humano possui, sim, mecanismos
psicológicos que lhes possibilitam a destruição, mas como animais biologicamente culturais
esses também possuem outros mecanismos que os permitem gerar opções mais nobres e
virtuosas. Assim, conhecer a capacidade de hostilidade do ser humano possibilita evitar os
estímulos que promovem respostas violentas. A abordagem da Psicologia Evolucionista pode
levar a um entendimento cada vez maior da condição existencial humana e possibilitar o
desenvolvimento de estratégias mais eficazes para o tratamento dos problemas humanos.
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39
A.2 - ARTIGO TEÓRICO II MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE AS
VONTADES: A INFLUÊNCIA DAS COGNIÇÕES IMPLÍCITAS NO
COMPORTAMENTO HUMANO
Título abreviado
Cooperação e conflito
Diego Macedo Gonçalves1*
Programa de Pós Graduação em Psicobiologia, Departamento de Fisiologia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil
*Correspondência:
Diego Macedo Gonçalves
Campus Universitário, Caixa Postal 1511
59078-970 – Natal – RN – BRAZIL
40
RESUMO
Este artigo expõe recentes pesquisas que mostram que o comportamento é influenciado por
processos implícitos e novos métodos usados para medir essas variáveis. Cientistas vêm
apontando a importância de utilizar variáveis implícitas nos estudos do comportamento social
porque ele não é influenciado pelo sujeito conscientemente. O IAT, por exemplo, é um
método que mede associações implícitas entre variáveis por registrar as reações de tempo dos
sujeitos ao categorizar objetos sociais como agradáveis ou desagradáveis. Este método surgiu
como uma excelente alternativa para predizer comportamento, que burla forças
psicológicas que mascaram avaliações indesejáveis. Por apresentar essa característica é que
vem sendo amplamente utilizado em pesquisas de avaliação social.
Palavras-chaves: implícito, explícito, cognição, método
ABSTRACT
Recent research has shown that behavior is influenced by implicit processes. Scientists have
pointed out the importance of utilizing implicit variables in the study of social behavior to
access the influence of variables that the subjects do not perceive consciously. The IAT, for
example, is a method that measures implicit association between concepts by registering the
subject’s reaction time when categorizing social objects as pleasant or unpleasant. This
method has emerged as an excellent alternative to predict behavior because it is not
influenced by the psychological forces that mask undesirable evaluations. Given this
characteristic, it has been widely used in social evaluation researches.
Key words: implicit, explicit, cognition, method.
A idéia que a conduta social é controlada pela cognição consciente ainda toma conta
da crença popular. O ser humano acredita ter completo domínio sobre suas emoções e atribui
à consciência a culpa por qualquer façanha humana, seja de construção ou destruição. Mas a
ciência vem mostrando que o comportamento não depende, unicamente, de processos
racionais. Estudos da psicologia social e da psicologia cognitiva enfatizam a importância de
forças psíquicas inconscientes processos cognitivos não percebidos, não controlados ou não
identificados – na conduta humana (Geary, 2004).
Ledoux (2001) e Damásio (1996) afirmavam que o ser humano não precisa nem
mesmo ter consciência de seus sentimentos para justificar suas condutas. As respostas a
estímulos ocorrem de maneira multidimensional, sendo alguns desses processos cerebrais
conscientes e outros inconscientes (Oliva et al., 2006). Isso significa que nem sempre se
41
percebe que as funções psicológicas estão influenciando a conduta humana. A sensação de
medo e a reação fisiológica de luta ou fuga, por exemplo, são ativados antes mesmo que o
indivíduo possa perceber que de fato está correndo perigo, indicando que esse mecanismo
funciona de modo despótico e automático.
Na verdade, o ser humano se conta de apenas uma pequena parcela das ações
executadas pela mente. Damásio (2000) já afirmava que a consciência surge quando temos
sentimentos acerca das percepções sensoriais; seja auditiva, visual, tátil, olfativa ou paladar. O
ser humano tem consciência dos resultados (pensamento, emoção e comportamento), mas não
dos processos cognitivos efetuados pelo cérebro que levam a esses resultados. Assim, um
sinal emitido pelo corpo pode ser ativado sem constituir o centro da atenção, ou seja, sem
proporcionar consciência.
Tanto a cognição consciente quanto a inconsciente é fundamental no direcionamento
das emoções e do comportamento humano e por isso são amplamente estudadas pela
psicologia. Nesse artigo, temos como objetivo salientar a importância de estudos envolvendo
esses processos, com o foco na influência dos processos inconscientes no comportamento
humano e enfatizar um dos métodos mais usados pelos psicólogos sociais americanos nos
estudos de cognições implícitas, o IAT (Implicit Association Test).
Processos implícitos e explícitos
Nos últimos anos, o uso do termo cognição implícita vêm ganhando força. A ciência o
utiliza para se referir aos sistemas cognitivos, emocionais e neurais que capturam dados,
automaticamente, do meio e do próprio corpo antes que funções cognitivas conscientes
possam ser ativadas (Hasher & Zacks, 1979). Em uma pesquisa feita com publicações sobre
cognição social, verificou-se que 13% dos textos incluíam cognições implícitas como uma
variável usada para medir processos mentais (Greenwald & Banaji, 1995).
O termo implícito-explícito tem sido amplamente usado por ser um pressuposto
dicotômico que carrega compreensões distintas de outras dicotomias como consciente-
inconsciente, procedural-declarativo e automático-controlado (Greenwald & Banaji, 1995).
Estes variam de acordo com a natureza do corpo teórico estudado, enquanto que a primeira é
proeminente na pesquisa do campo da memória.
O primeiro pesquisador a estabelecer a diferença entre reconhecimento implícito e
explícito foi William McDougall em 1924 (Kosslyn & Andersen, 1995). Pare ele, o primeiro
termo referia-se aos sistemas automáticos e reflexos e o último envolvia a recordação
consciente do passado (Squire & Kandel, 2003). A partir daí, muitos modelos surgiram
42
demonstrando o funcionamento desses processos perceptuais e avaliativos. Mas de modo
geral, eles convergem gerando conceitos básicos e gerais sobre esses dois processos.
Assim, esses modelos explicam que o sistema cognitivo explícito é consciente;
controlado; seu desenvolvimento ontogenético é mais tardio; possivelmente existe apenas no
ser humano e está diretamente ligado a funções cerebrais lógicas, racionais, mnemônicas e
perceptuais. Além disso, processos controlados requerem a atenção ativa dos indivíduos
(Fazia et al., 1986)
.
o sistema cognitivo implícito é inconsciente; automático; seu
desenvolvimento ontogenético ocorre mais precocemente e é um processo paralelo de
múltiplas origens como, pensamentos, emoções expressão facial, postura corporal e entonação
vocal (Geary, 2004). Enquanto, os processos explícitos são acessíveis introspectivamente,
permitindo um maior controle, os processos cognitivos implícitos são introspectivamente
inacessíveis e ocorrem mais rapidamente (Cunningham et al., 2003).
Apesar da evidente distinção entre os dois processos, a maioria dos fenômenos
psicológicos não é nem totalmente explícito nem totalmente implícito, mas uma mistura de
ambos (Bargh, 1994). Muitos comportamentos sociais que aparentemente sofrem influências
apenas explícitas, na verdade estão sendo influenciados por ambos os processos em parte,
sem nosso controle voluntário. Um bom exemplo disso são os estudos realizados sobre
reconhecimento facial. O homem acredita que a identificação da face é um processo
unicamente explicito. No entanto, pesquisas recentes têm mostrado que os seres humanos
identificam as faces uns dos outros de forma implícita, automática e com um mínimo de
informações (Geary, 2004). O reconhecimento facial não costuma demorar mais do que 100
milissegundos após o aparecimento do estímulo, o que é possível se for intermediado por
mecanismos implícitos (Liu et al., 2002). Diferentemente, os processos explícitos se formam
em respostas a avaliações conscientes direcionadas a um comportamento alvo (McConnell et
al., 2008), como no caso das mudanças nos padrões faciais que requerem maior concentração
e, portanto, necessitam de reflexão.
No entanto, a maioria dos psicólogos sociais têm se esforçado em compreender como
as cognições implícitas influenciam nas avaliações sociais. Alguns autores argumentam que
teorias, pré-conceitos e crenças exercem influências não conscientes sobre as emoções e o
comportamento humano influenciando a auto-estima e as atitudes dos indivíduos (Bolte et al,
2004; Greenwald, 1992
).
Isso acontece porque experiências passadas podem influenciar
favoravelmente ou desfavoravelmente sentimentos, pensamentos ou ações em situações
sociais sem, no entanto, serem percebidas. As avaliações sobre si e sobre os outros podem
43
ocorrer de maneira automática sem que o sujeito tenha consciência do que as causa. A pessoa
que, por exemplo, se envolve em um conflito sente um ódio intenso direcionado a seus rivais,
mas sem identificar o que controla esses processos. Assim, categorizam aliados positivamente
e rivais negativamente, independente do contexto (Brewer, 1999; Taylor et al., 1978). Além
disso, sabe-se que pessoas que sofrem de problemas psiquiátricos como depressão fazem
avaliações negativas acerca de si mesmo ou do mundo. Em ambos os casos, os indivíduos
desenvolveram crenças baseadas em sua história, influenciando seu comportamento no
presente e fazendo com que realizem avaliações positivas ou negativas sobre o alvo analisado.
Assim, memórias não identificadas (não declarativas) exercem grande influência no
processo de avaliação implícita. Essas memórias aguçam ou até modificam as percepções
humanas, melhorando as habilidades em algumas tarefas ou até mesmo gerando associações
automáticas entre alguns estímulos. Blanton e colaboradores (2006) argumentam que isso
acontece porque as atitudes implícitas são inacessíveis à memória de trabalho. Elas se
expressam através dos hábitos, aprendizagem emocional e habilidades motoras-sensoriais e no
futuro influenciam os comportamentos associados. Já os processos explícitos surgem através
de conteúdos mnemônicos facilmente revelados em nossa memória declarativa (Squire &
Kandel, 2003). Essas são lembranças factuais que vamos adquirindo no decorrer de nossas
vidas, diferentemente da memória não-declarativa.
É evidente que processos cognitivos exercem influência direta na avaliação que o ser
humano faz acerca de si e dos outros. Seja através de processos implícitos ou explícitos
podemos compreender que não neutralidade na percepção humana. alguns anos, no
entanto, era muito difícil estudar os elementos psicológicos implícitos, que não existiam
métodos fidedignos capazes de captar avaliações inconscientes. No entanto, esse conceito
era usado em estudos da psicologia social para explicar alguns fenômenos de julgamento.
Como a variável implícita, teoricamente, é menos influenciada por processos cognitivos
conscientes, vários pesquisadores se entusiasmaram em criar métodos que usassem processos
inconscientes (Nosek et al., 2005) em medidas de avaliação de julgamento. Atualmente, com
o advento de técnicas que medem essa variável, instrumentos de medidas implícitas vêm
sendo altamente utilizadas em pesquisas sociais.
Compreendendo as atitudes
A principal forma de se acessar processos cognitivos implícitos é através das atitudes.
Este é um fenômeno psicológico que pode ser identificado pela predisposição para responder
a estímulos de maneira consistentemente favorável ou desfavorável direcionada a pessoas,
44
objetos ou eventos (Fazio et al., 1986; Fishbein & Ajzen,1974). Esse mecanismo é composto
por componentes cognitivos, emocionais e comportamentais (Pratkanis et al., 1989). Por
exemplo, quando as pessoas avaliam que preconceito é errado estão usando o componente
cognitivo da atitude para gerar uma opinião, quando ficam enraivecidas com pessoas
preconceituosas estão fazendo uso do componente afetivo e quando se comportam
favoravelmente ou desfavoravelmente em relação a alguém estão usando o componente
comportamental.
Traços de experiências passadas, não identificadas conscientemente, influenciam
favoravelmente ou desfavoravelmente as atitudes em situações sociais (Dovídio et al., 1997).
Memórias e lembranças que, geralmente, operam de modo implícito e automático, afetam
mais facilmente pensamentos, emoções e comportamentos no presente momento (Greenwald
& Banaji, 1995). Os sujeitos simplesmente não se dão conta de que tais processos o estão
influenciando e se comportam de maneira parcial diante de alguns estímulos ambientais.
Como conseqüência, as atitudes manifestam-se na forma de avaliações sociais, preconceitos,
atribuições, julgamentos, normas sociais, hábitos e características da personalidade (Fishbein
& Ajzen, 1974; Greenwald et al., 1998)
.
Isso acontece porque em virtude das respostas
provenientes de processos implícitos serem mais rápidas, elas ocorrem com um maior grau de
imprecisão. Comportamentos e inferências influenciados por processos implícitos são
baseados em informações incompletas, gerando um viés cognitivo que leva a erros de
julgamento. As pessoas tendem a realizar os julgamentos e avaliações fundamentados em seu
entendimento intuitivo das situações. Por isso não é incomum ver pessoas realizando erros de
atribuições, como avaliar como más aquelas pessoas cuja interação não trouxe vantagens para
si. Assim, o cérebro humano, invariavelmente, busca evidências do meio social que permitam
fazer um exercício de revisão e reforço de associações existentes na memória (Smith &
Nosek, in press), automatizando nossas respostas.
Fishbein e Ajzen (1974) afirmam que atitudes e comportamentos são altamente
correlacionados, principalmente quando o comportamento observado está sob avaliação de
objetos sociais. Mas, no decorrer da história têm sido extremamente difícil correlacionar
comportamentos e atitudes implícitas. Isso por causa da dificuldade de se observar o efeito
isolado de uma simples atitude. A atitude seria, na verdade, apenas um de muitos fatores que
influenciam o comportamento. Além do mais, as atitudes variam em sua força e pesquisadores
têm identificado moderadores entre as atitudes e o comportamento (Fazio et al., 1986). Isso
faz com que as atitudes oscilem, podendo ser mais fortes ou mais fracas dependendo das
45
variáveis relacionadas. Assim, durante o século XIX, alguns cientistas afirmavam que as
atitudes têm pouco valor para predizer o comportamento.
Há, no entanto, pelo menos dois sistemas de processos cognitivos dos quais,
atualmente, são considerados como importantes para a avaliação social, ou seja, para o efeito
das atitudes sobre os pensamentos, emoções e comportamentos. Estes são: a ativação
automática do efeito da atitude e a ativação propagada. O primeiro é automático-perceptual,
mais primitivo e é uma resposta automática a estímulos imediatos do ambiente. Pesquisas
sobre atitudes concluíram que reações afetivas expressadas por expressões tais como “gosto
de” ou “não gosto de”, ou ainda preferências e avaliações, são ativados instantaneamente e
automaticamente (Farnham et al., 1999). Já o segundo, é um processo cognitivo que pode
operar na ausência de gatilhos imediatos do meio. Ele funciona como pedaços de
informações, que uma vez ativados, fazem os processos subseqüentes acontecerem mais
facilmente, seguindo diferentes caminhos até atingirem seus alvos. Ele ocorre porque
informações similares promovem uma propagação de ativação de redes neurais associativas,
que cruza curtas distâncias entre dois pontos próximos (Anderson, 1983; Collins & Loftus,
1975). Testes que medem atitudes implícitas fazem uso desses fenômenos cognitivos para
avaliar que julgamentos estão sendo realizados pelos sujeitos.
Uma forma de avaliar os efeitos da atitude é através do tempo de reação. Trata-se do
tempo que um sujeito leva para categorizar um estímulo como agradável ou desagradável.
Além disso, compreende-se que a força da atitude pode ser medida pela facilidade com que as
pessoas os categorizam depois de serem apresentados (Fazio et al., 1986).
A ciência compreende que qualquer processo social pode ser guiado por atitudes, ou
seja, ser julgado favoravelmente ou desfavoravelmente. Além disso, pesquisadores têm
proposto que as atitudes servem para classificar funções de qualquer tipo como, categorias de
situação, categorias gerais de pessoas, de indivíduos específicos e até mesmo objetos não
sociais (Fazio et al., 1986). No entanto, a maioria das pesquisas têm focado em estudos sobre
comportamentos de ajuste social, conhecimento e julgamentos de valor.
Aspectos evolutivos e neurobiológicos dos processos cognitivos implícitos
Cientistas cognitivistas e evolucionistas também vêm estudando os processos
cognitivos implícitos. Eles afirmam que a mente humana é um produto dos processos
evolutivos. Devido a um conjunto de adaptações, designadas a resolver problemas
vivenciados pelos nossos ancestrais caçadores-coletores, áreas do cérebro se especializaram
em determinadas tarefas (Tooby & Cosmides, 1997). Uma diversidade de mutações que
46
ocorreram durante o processo de seleção natural promoveram o surgimento de algumas
funções cerebrais e por terem sido vantajosas para os indivíduos que as possuíam, foram
selecionadas estando presentes até a atualidade. Entre as características desenvolvidas e
selecionadas está a habilidade de usar informações do ambiente e do próprio corpo com o
intuito de regular o comportamento. Ela se expressa através da ativação de mecanismos
cognitivos implícitos que identificam as situações que comumente produzem informações
padrão, com pouca variação através das gerações (Geary, 2004).
É provável que os mecanismos responsáveis por identificar essas situações estejam
mais relacionados às estruturas cerebrais subcorticais (Damásio, 1996), o que indicaria que
eles se desenvolveram mais cedo durante o processo evolutivo. os processos cognitivos
conscientes provavelmente se desenvolveram mais tardiamente.
Estudos realizados por Cunningham e colaboradores (2003) mostram que, de fato,
dissociações entre avaliações conscientes e inconscientes. A avaliação consciente recebe
contribuição das regiões pré-frontais do cérebro. Essas influências se refletem em processos
mais deliberados e controlados que ocorrem através da ativação das áreas mediais e ventro-
lateral do córtex pré-frontal. Já as avaliações de processos automáticos são influenciadas pela
ativação da amígdala. Esta estrutura cerebral é formada por neurônios que se localizam no
lobo temporal formando uma massa esferóide de substância cinzenta e que são responsáveis
pelo controle do comportamento sexual e agressivo. Estudos mostram, por exemplo, uma
maior ativação da amígdala diante de faces de medo ou raiva (Morris et al., 1998) gerando
uma resposta automática sem a identificação consciente pelo indivíduo. Assim, essas duas
vias de processamento mental influenciam o comportamento diferentemente.
Trabalhos sobre a relação entre a ativação da amígdala e o medo condicionado em
humanos, afirmam que essa estrutura cerebral não atua apenas na aprendizagem associativa de
recompensa e punição, mas também em conceitos mais abstratos acerca do medo e da ameaça
(
LaBar et al., 1998
)
, ou seja, não é necessário um estímulo ambiente para desencadear sua
ativação
.
Esses trabalhos têm mostrado que amígdala responde fortemente a estímulos
cognitivos de conteúdo desagradável, como palavras repugnantes, por exemplo (Tabert et al.,
2001). Quando avaliação das pessoas como más há, também, uma maior ativação dessa
estrutura cerebral, comparativamente às avaliações de pessoas como boas. Deste modo, sua
ativação está diretamente relacionada aos processos emocionais ou às avaliações afetivas
automáticas. Além disso, essas pesquisas também encontraram uma correlação negativa entre
a ativação da amígdala e o funcionamento das atividades conscientes.
47
Outros estudos enfocam a influência inconsciente de um evento anterior no
desempenho de algumas tarefas no presente momento, como por exemplo, a melhora na
habilidade para identificar palavras conhecidas sob condições de dificuldade perceptual
(Fazio & Olson, 2003; Richardson-Klavehn & Bjork, 1988). Isso pode acontecer devido ao
processo de percepção e memorização conhecido como priming aprimoramento na
identificação de palavras ou objetos após uma experiência passada recente com elas (Squire &
Kandel, 2003).
Estímulos sociais trazem a tona fatos passados aos quais foram atribuídas
características agradáveis ou desagradáveis. Essas lembranças são identificadas mais
facilmente no presente pelos nossos aparelhos sensoriais reforçando conclusões do passado.
Assim, a memória implícita se reflete no priming, na diferença no desempenho de uma tarefa.
O priming melhora a percepção de estímulos encontrados recentemente de modo
inconsciente, sem nem mesmo percebemos essa melhora de desempenho.
Mas apesar de tudo o que foi dito sobre processos implícitos, por que o ser humano
acredita que cada ato realizado é milimetricamente calculado pela sua cognição consciente?
Damásio (1996) explica essa percepção através do conceito de marcadores somáticos. Ele
afirma que informações sociais ou corporais são levadas ao córtex pré-frontal e a amígdala
determina o comportamento ou estado a ser executado. O resultado desse processo é
informado ao córtex somatossensorial que os avalia e os torna conscientes (Bechara &
Damásio, 2005). Assim percebemos muitos dos nossos processos cognitivos e
comportamentos. No entanto, ao tomar consciência do estado somático do corpo e da tomada
de decisão a ser executada, o cérebro deve avaliar o resultado desse processo como positivo
ou negativo para que ele possa prosseguir ou evitar sua continuidade. Esse processo é o que
popularmente chamamos de intuição, isto é, chegar à solução de um fenômeno social sem, no
entanto, raciocinar. Assim, podemos compreender que as tomadas de decisão humanas sofrem
influências diretas de mecanismos implícitos e que muitas vezes a consciência é o
resultado final de uma variedade de processos mentais que foram executados anteriormente.
IAT (Implicit Association Test)
Os pesquisadores que estudam os processos implícitos têm se esforçado para
desenvolver métodos e instrumentos sofisticados que os ajudem a medi-los (Greenwald &
Banaji, 1995). Nas últimas décadas, eles vêm propondo alternativas interessantes para
resolver problemas comumente encontrados em testes de auto-relato. Uma dessas alternativas
são métodos de mensuração que avaliam o estado emocional do sujeito independente da sua
percepção consciente (Victória & Soares, 2008). O mais utilizado, atualmente, é o IAT
48
(Implicit Association Test) (Greenwald, McGhee & Schwartz, 1998). Este é um software que
calcula o tempo gasto pelo sujeito para associar conceitos alvos palavras que surgem no
meio da tela do computador com dimensões de atributos na forma de pares categóricos
palavras que aparecem fixas nos cantos esquerdo e direito da parte de cima da tela. Seu
objetivo é medir a força das associações implícitas e atribuições automáticas entre esses
conceitos (Greenwald & Farnham, 2000). Assim, pode-se avaliar se os conceitos alvos eram
associados com maior força, ou seja, mais rapidamente a uma das duas palavras representadas
no par categórico.
Essas associações surgem devido às experiências de cada pessoa, independente de
serem ou não conscientes e independente de serem ou não verdadeiras (Smith & Nosek, in
press). No decorrer da vida as pessoas vão aprendendo padrões de pensamentos, valores e
comportamentos e esses padrões influenciam processos perceptuais futuros. No entanto, como
nem todos os processos cognitivos são percebidos, eles influenciam automaticamente os
resultados dos testes de cognição implícita, como o IAT. De fato, o processo de associação
que influencia no IAT obedece aos princípios do priming, já mencionados. O sujeito melhora
sua capacidade de identificação de um objeto porque, anteriormente, se deparou várias vezes
com ele. Alguns estudos indicam, por exemplo, que um priming racial ou étnico produz
identificação mais rápida de itens relativos a esses grupos (Lima, et al., 2006).
Ao pedir aos sujeitos que associem conceitos com os pares categóricos um tempo
de reação (Victória & Soares, 2008). O IAT mede, em milissegundos, exatamente o tempo de
reação entre a aparição do estímulo no centro da tela com os pares categóricos. E quanto mais
rápido o tempo de resposta (latência) mais forte é a associação entre os conceitos (estímulo e
um dos elementos do par categórico). Assim, avalia-se o grau com que os estímulos alvos são
automaticamente associados com os pares categóricos (Uhlmann et al., 2006) (Figura 1).
Em testes de associação implícita se dois estímulos antagônicos são diferentemente
associados com as palavras de significados agradáveis e desagradáveis, o sujeito deverá
considerar uma das tarefas combinadas mais fácil do que a outra (Brendl et al., 2001;
Farnham et al, 1999). Isso acontece porque ao se estabelecer o priming, os sujeitos os avaliam
de maneira automática, enquanto que diante de estímulos no qual a avaliação é antagônica o
sujeito precisa realizar reflexões conscientes para avaliá-las adequadamente.
Uma de suas principais vantagens é que ele revela atitudes implícitas e outros
processos cognitivos mesmo quando os sujeitos não desejam expressá-las (Greenwald et al,
2008). Desde modo, diminuímos as chances de o sujeito exercer qualquer influência
consciente sobre a avaliação que está sendo executada, podendo evitar a auto-influência que
49
afeta respostas nos testes de cognição explícita (Hummert et al, 2002). Essa característica por
si já representa uma grande vantagem comparativamente aos testes de auto-relato.
O IAT tem obtido popularidade no meio científico devido à fácil implementação, por
ter um grande tamanho do efeito e por ser um teste validado. Há uma diversidade de estudos
sendo realizados no qual o IAT é usado como instrumento de coleta de dados, como por
exemplo, estudos que avaliam a categorização de estímulos como, origem étnica, auto-estima,
gênero, preferências políticas, categorização de grupos, objetos não sociais, etc. (Cunningham
et al., 2004; Farnham et al., 1999; Greenwald et al., 1998; Greenwald & Farnham, 2000).
O IAT possui cinco etapas descritas a seguir (Greenwald et al., 1998):
50
Treino 1 - Aprendendo o conceito de dimensão (Figura 1.1). Na primeira tarefa,
introduz-se conceitos alvos, que podem ser palavras ou fotos que ficam localizados no meio
da tela do computador e que devem ser categorizados em duas dimensões ou pares
categóricos (animais-armas). Esse par categórico localiza-se à esquerda e à direita no alto da
tela do computador, visível em tempo integral. Os sujeitos têm que apertar o botão da
esquerda (letra “e”) quando desejam indicar a dimensão à esquerda, no caso em específico,
animais, e o botão da direita (letra “i”) para indicar a dimensão oposta, no caso armas.
Quando se comete um erro categórico a palavra “Erro” aparece indicando que o sujeito deve
realizar a categorização correta.
Treino 2 - Aprendendo a atribuir dimensão (Figura 1.2).
Na segunda tarefa, os
participantes do experimento devem classificar uma palavra, indicando a sua categoria como
agradável ou desagradável. Introduzem-se conceitos alvos distintos (palavras sem conteúdo
estereotipado), localizados no centro da tela do computador. Essas palavras podem ser de
conteúdo agradável (Carinho, Felicidade, Prazer, Paz, Alegria, Sorte, Amor e Maravilhoso) ou
desagradável (Tragédia, Horrível, Agonia, Aflição, Terrível, Dor, Humilhação,
Desonestidade). Os participantes devem indicar a que categoria pertence cada estímulo
apertando o botão da esquerda (letra “e”) quando identificam palavras de conteúdo agradável
e o da direita (letra “i”) quando identificam palavras de conteúdo desagradável.
Treino 3 - Pareando e atribuindo conceitos (Figura 1.3). Na terceira tarefa, os pares
categóricos da etapa um e dois são combinados. Esses pares aparecem juntos no alto da tela
do computador. À esquerda a categoria Agradável e a primeira dimensão, a palavra Animais e
a direita a categoria Desagradável e a segunda dimensão, a palavra armas. Os indivíduos têm
a tarefa de categorizar o mais rápido que puderem as fotos e palavras que indicam animais, ou
palavras discriminadas como agradáveis apertando a letra “e” do teclado e as fotos e palavras
que indicam armas, ou palavras ditas desagradáveis apertando a letra “i”.
Essas três primeiras tarefas são realizadas com o objetivo de ensinar os sujeitos a
manusear o IAT. O objetivo é que aprendam a realizar as associações evitando que os erros ou
a demora em realizar associações ocorram por falta de habilidade com o software.
Posteriormente, a etapa 3, com as categorias distintas combinadas, é repetida, sendo realizada
a medição do tempo de resposta aos estímulos alvo e os grupos categóricos em milissegundos.
Treino 4 - Aprendendo a trocar a localização espacial dos conceitos (Figura 1.4). Na
quarta tarefa, a posição das categorias da segunda tarefa é invertida, ou seja, os rótulos
categóricos “Animais” e “Armas” aparecem no monitor em posição contrária à que haviam
aparecido até então. Nessa etapa não é realizada a medição do tempo de reação.
51
Treino 5 - Pareando e atribuindo conceitos 2 (Figura 1.5). Os pares categóricos,
também são combinados na quinta tarefa, aparecendo num ensaio alternado. Os indivíduos
têm que categorizar as fotos e nomes que se referem a armas e as palavras discriminadas
como agradáveis apertando o botão da direita (letra “e”) e animais com palavras ditas
desagradáveis apertando o botão da esquerda (letra “i”). Essa etapa também é inicialmente
realizada com o intuito de aprender a manusear o IAT, com os pares categóricos dispostos
alternadamente, e de evitar erros por falta de habilidade com o software ou por falta de
habilidade com a nova situação. Mas também é repetida, e somente na segunda vez é
realizada a medição do tempo de resposta entre os estímulos alvo e os grupos categóricos.
Por fim, o IAT mostra a latência de resposta, que é o tempo de reação dos sujeitos, em
milissegundos, ao categorizar uma condição como agradável ou desagradável. Usa-se a
médias de todas as latências nas etapas 3 e 5.
As imagens dessas tarefas em todas as suas fases estão demostrada na figura 1.
Validação do IAT
No estudo pioneiro de Greenwald e colaboradores (1998) uma série de experimentos
foram realizados com o intuito de verificar a consistência do IAT. A metodologia foi a mesma
descrita anteriormente. Assim, os sujeitos tinham que categorizar como agradáveis ou
desagradáveis, o mais rápido que pudessem, cada estímulo (palavra) que surgisse, apertando
teclas que representavam previamente as categorizações. Os estímulos analisados foram 150
palavras representadas por objetos familiares não sociais (flores-insetos e instrumentos
musicais-armas de fogo) e objetos sociais (etnicidade japonesa/koreana e raça branca/raça
negra) divididos em quatro experimentos.
Eles esperavam que esse instrumento pudesse revelar mais categorias discriminatórias
entre uma dessas dimensões do que os testes de medidas explícitas. Em seus resultados os
autores encontraram uma categorização mais rápida (associações com palavras de conteúdo
agradável) por flores do que insetos, por instrumentos e não armas, para coreanos do que por
japoneses, e por brancos do que por negros. Esses resultados foram significativos.
Por fim, havia necessidade de calcular o tamanho do efeito (d). Ele é importante
porque informa a capacidade de replicação do instrumento. Ele é obtido dividindo a diferença
entre as médias das duas condições dispostas (efeito IAT) pelo desvio padrão de todas as
latências. Esse teste é usado para padronizar a magnitude de diferenças entre as médias
(Nosek et al., 2005). A magnitude da diferenças entre as médias são correlacionadas com a
52
variabilidade das médias computadas. Usa-se o desvio padrão como divisor e assim, ajusta-se
as diferenças entre médias. A medida do tamanho do efeito é igual a;
d= média das associações incompatíveis – média das associações compatíveis
desvio padrão total
Convencionalmente se estabeleceu 0,2; 0,5 e 0,8 como valores pequeno, médio e
grande do efeito d, respectivamente.
Nos resultados de sua pesquisa, Greenwald e colaboradores (1998) encontraram p
significativo nos quatros experimentos realizados e o tamanho do efeito foi sempre superior a
0,8 (grande tamanho do efeito), sendo as condições associações compatíveis (aquelas que se
esperava que fossem categorizadas mais rapidamente) mais rápidas do que as condições
associações incompatíveis (a que se esperava que fossem categorizadas menos rapidamente).
Os autores também testaram se havia diferenças significativas entre atitudes de
medidas implícitas e explicitas. Eles descobriram que escores de medidas explícitas se
correlacionam fracamente com escores de medidas implícitas do IAT. Este resultado mostra
uma divergência de constructos entre testes de medidas implícitas e explícitas. Mas essa baixa
correlação pode ser devido à influência consciente dos sujeitos sobre os instrumentos que
realizam medidas explícitas. O que corrobora a idéia inicial de construção do instrumento.
Por que estudar medidas de cognição implícita? Diante do dilema de aceitar ou não
dados de testes psicológicos que podem ter sido manipulados ou influenciados pela cognição
consciente dos sujeitos, os métodos que medem a cognição implícita surgem como uma nova
perspectiva, já que não podem ser influenciados por processos cognitivos racionais.
É senso comum que as pessoas às vezes não dizem o que pensam, seja por que não
querem ou por não serem capazes de expressar seus pensamentos. Isso acontece,
principalmente, durante processos avaliativos, o que gera um grande problema ante a
necessidade de usar testes psicológicos de relato verbal. Mas como boa parte das cognições
sociais sofre alguma influência de processos implícitos (Greenwald & Banaji, 1995), se fez
necessário desenvolver métodos de pesquisa que possam avaliar adequadamente os
julgamentos implícitos realizados pelas pessoas sem interferência de suas avaliações
explicitas. Na verdade, a todo o momento os seres humanos realizam avaliações inconscientes
que podem se tornar ou não conscientes e a medida implícita é um tipo de medida para
emoções que tem mostrado grande fidedignidade.
53
Na busca por métodos de investigação que possam medir avaliações implícitas, o IAT
surgiu como a excelente alternativa. Ele revela padrões perceptuais que em outros tempos não
poderiam ser estudados. A grande vantagem desse método é burlar as forças psicológicas que
mascaram avaliações indesejáveis, como o preconceito racial. Por apresentar essa
característica é que vem sendo amplamente utilizado em pesquisas de avaliação social.
No Brasil, no entanto, essa ferramenta ainda é pouco utilizada. Por ser um instrumento
relativamente recente, a comunidade científica brasileira ainda não despertou para a sua
importância. Alguns poucos estudos tem sido realizados sobre categorização de grupos,
medidas de ansiedade e normas sociais e preconceito (Lima et al., 2006; Victória et al.,
2008). Mas como salenta Victória e colaboradores (2008) há mais perguntas do que respostas
referentes ao IAT. Esse instrumento pode ajudar na confiabilidade dos instrumentos
psicológicos por ser uma medida que prediz uma ampla gama de comportamentos que possam
ser julgadas de forma dicotômica (agradável/desagradável). E essa adaptabilidade é
exatamente sua principal vantagem.
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59
B.1 - ARTIGO EMPÍRICO I – COOPERAR OU RETALIAR? UMA VISÃO DO
PROCESSO DE CATEGORIZAÇÃO DE GRUPOS
Título abreviado
Cooperação e conflito
Diego Macedo Gonçalves1
Maria Emília Yamamoto1*
Programa de Pós Graduação em Psicobiologia, Departamento de Fisiologia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil
*Correspondência:
Diego Macedo Gonçalves
Campus Universitário, Caixa Postal 1511
59078-970 – Natal – RN – BRAZIL
60
RESUMO
Competir e cooperar são dois extremos de um continuum de interação social. O homem utiliza
a cooperação como uma ferramenta importante na manutenção das relações sociais,
principalmente em situações de conflito com outros grupos. Nossos ancestrais teriam se
favorecido de mecanismos biológicos cuja função era detectar pistas de aliança e conflito
(Nós versus Eles) e que, deste modo, pudessem predizer a lealdade de cada indivíduo. Nosso
objetivo nessa pesquisa foi investigar a ocorrência de padrões de percepção negativamente
distorcidos a competidores rivais e verificar se o aparecimento de algumas pistas de aliança
entre esses grupos diminui o nível de hostilidade. Para isso, utilizamos o IAT (Implicit
Association Test), software que mede o tempo de reação (latência) entre o surgimento dos
estímulos que representam os grupos e a categorização realizada pelos sujeitos. Nossos
resultados mostram que em situação de conflito o ser humano tende a associar palavras de
conteúdo negativo ao grupo adversário e palavras de conteúdo positivo à sua equipe. No
entanto, esse padrão pode se modificar na presença de pistas de aliança como doação de parte
da premiação, abster-se da comemoração pela vitória conquistada e a existência de um
histórico de interação entre os sujeitos. Isso nos permite concluir que o processo de
categorização de grupos pode ser influenciado pelo contexto social.
Palavras chaves: Psicologia evolucionista, coalizão, evolução, categorização, grupos.
ABSTRACT
To compete and to cooperate are the streams of a social interaction continuum. The human
being utilizes cooperation as an important tool to maintain social relationships, mainly in
conflict situations with other groups. Our ancestor could have been favored for pursuing such
biological mechanisms which function was to detect alliance cues as well as conflict ones (us
versus them), helping them to predict something like the degree of loyalty of others. The
objective of this work was to investigate the occurrence of perceptual standards negatively
distorted in relation to rival competitors and to verify whether the detection of some alliance
cues between the groups would diminish hostility level. To do that, it was used the IAT
(Implicit Association Test), a software that measures the time elapsed between the emergence
of the stimuli that represents the groups and the categorization made by the subjects. Results
show that in a given conflict situation people tends to associate words of negative content
with the adversary group, and words of positive content with their own group. However, this
standard may be modified if there be some alliance cue between the groups, just like the
donation of part of the prize to the rival team, the lack of commemoration by the winning
61
team and the previous history of interaction among the subjects (like a friendship relation
outside the experimental context). This allows us to conclude that the group categorization
process may be influenced by the social context.
Keywords: Evolutionary psychology, coalition, evolution, categorization, groups.
INTRODUÇÃO
Competir e cooperar são dois extremos de um continuum de interação social
(Tajfel, 1982). O homem é capaz de cometer atos violentos em alguns contextos sociais e atos
de extrema generosidade em outros contextos. Essa é uma tendência humana. Seu repertório
comportamental, apesar de composto por características paradoxais como bondade e
crueldade, agressividade e empatia, generosidade e egoísmo, depende de relações
contingenciais, agregadas às situações ecológicas e sociais, para se manifestar. Compete-se
em ocasiões de ameaça ou em luta por recursos escassos (Tooby & Cosmides, 1988) e
coopera-se quando os custos individuais dessa atitude são menores que os benefícios, como
por exemplo, quando existe a possibilidade de altruísmo recíproco (Trivers, 1971). Mesmo
sendo circunstanciais, competir e cooperar são características universais.
Kurzban e colaboradores (2001) defendem que um fator que pode favorecer o
envolvimento de grupos de humanos em cooperação ou em conflito é o mecanismo
denominado de "Nós versus Eles". Esse é um componente cognitivo moldado para inferir
alianças a partir de padrões de competição e ajuda. Ele tem a função de classificar pessoas
como pertencentes ou não a um grupo de referência e favorecer a cooperação com estes e a
hostilidade ou indiferença em relação aos que não pertencem ao grupo (outgroups).
No entanto, a realização dessa categorização social não implica, necessariamente,
na ocorrência de comportamento violento entre coalizões. Na realidade, cooperação intra-
grupo e conflito inter-grupos são independentes, e tendem a ocorrer juntos quando há
escassez ou competição por recursos (Brewer, 1999). Rubin e Hewstone (1998) afirmam que
a categorização de grupo pode gerar agressão, principalmente, quando associada a conflitos
de interesse. Assim, a violência pode ser uma conseqüência de processos de categorização
somados a fatores como competição por territórios e recursos, acesso ao sexo, aumento do
status ou ainda risco de morte iminente. Evidências filogenéticas desse padrão podem ser
dadas através de estudos comparativos com primatas antropóides, como o chimpanzé. Esses
primatas competem por alimentos, territórios e parceiras sexuais com os membros das
62
coalizões vizinhas e conseqüentemente entram em conflitos, podendo se engajar em lutas
letais (Choi & Bowles, 2007).
Humanos, no entanto, precisam cooperar como condição para viver em sociedade
e manter as relações sociais (Koopmans & Rebers, 2009; Yamamoto et al., 2009). Apesar de
aparentemente implicar em custos para o cooperador e benefícios para quem recebe a ajuda
(Macedo, 2006), o comportamento altruísta pode gerar recompensas futuras para o doador,
desde que este seja capaz de manter seus vínculos sociais. Choi e Bowles (2007) defendem
que no Ambiente de Adaptação Evolutiva o altruísmo dentro de uma coalizão pode ter levado
a vitórias em conflitos dando acesso a recursos naturais/reprodutivos escassos, o que
evidentemente contribuiu para o aumento da aptidão de seus membros. O comportamento de
ajuda pode ter facilitado a coordenação de ataques e emboscadas e o grupo vencedor
aumentou oportunidades reprodutivas e influências político-culturais.
Esse mecanismo predispõe o ser humano a favorecer seu grupo na avaliação
pessoal e discriminar outros grupos (Brewer, 1999; Brewer & Kramer, 1985; Kurzban et al.,
2001; Taylor, et al., 1978), um processo que antecede a manifestação comportamental de
cooperação e competição. Pesquisas sobre etnocentrismo vêm mostrando que os costumes e
crenças de uma população podem levar a percepções discriminatórias (Hammond & Axelrod,
2006). Os sujeitos tendem a ver o próprio grupo como superior e seus valores como universais
e ver o grupo de fora como inferior. Mais do que isso, as diferenças internas tendem a ser
minimizadas enquanto que as diferenças intergrupo permanecem muito evidentes e
ressaltadas (Taylor et. al., 1978).
Um fator chave para que esse processo de categorização aconteça é a identificação
de quais membros pertencem a qual coalizão. Os sujeitos, assim, precisam de pistas que
indiquem se as pessoas pertencem ao seu grupo de referência ou ao grupo adversário.
Características sociais, culturais e fenotípicas podem ser usadas como critério de pertinência
(Cosmides, et al., 2003). Isto implica em despersonalização dos membros do grupo de
pertinência (in-group) no sentido de que a cooperação ocorre em função da associação ao
grupo e independente das características do indivíduo em questão, em uma forma de altruísmo
que não precisa ser recíproco, mas é antes contingente (Brewer, 1999). Obviamente, o
outro lado da moeda, que é a despersonalização dos indivíduos de fora do grupo, e sua
categorização de forma estereotipada. Tudo isto sugere que a cooperação intra-grupo e a
hostilidade inter-grupos é extremamente lábil e pode ser modificada por alterações nas
circunstâncias através das quais os indivíduos interagem e das condições nas quais essas
interações ocorrem (Yamamoto & Lopes, 2009).
63
Esse estudo teve como objetivo investigar a ocorrência de padrões de percepções
negativamente distorcidas entre grupos rivais em seres humanos, quando situações de
conflito. Nossas hipóteses eram: 1) que os sujeitos tendem a categorizar os membros do seu
grupo positivamente e os membros do grupo adversário negativamente e 2) que na presença
de algumas pistas sociais que demonstrem formação de aliança através de cooperação, a
hostilidade inter-grupo e os padrões de percepção negativa aos rivais podem ser suavizados.
Mais especificamente, era nossa expectativa que em uma situação experimental
indutiva de conflito entre dois grupos, os participantes atribuirão características negativas aos
indivíduos do grupo rival. Porém, essa atribuição será atenuada na presença de condições que
diminuam a hostilidade, quais sejam, sinalização de apaziguamento pelo grupo vencedor ou
conhecimento prévio dos indivíduos que compõem os grupos rivais.
MÉTODO
Sujeitos
Este estudo foi realizado com estudantes de universidades públicas e privadas do
município de Natal-RN, Brasil. Esses sujeitos foram selecionados de acordo com sua
disponibilidade para participar da pesquisa sendo a amostra composta de 97 indivíduos - 39
homens e 58 mulheres. A média de idade foi de 22,23 anos (desvio padrão de 3,751) com
variação de 17 até 41 anos.
Material
Utilizamos como material sessenta fichas de cassino que eram manuseadas pelos
sujeitos durante o jogo; um cronômetro; caixas de chocolate que serviam como recompensa
para os ganhadores, oito computadores para aplicação do instrumento IAT, quatro coletes
azuis e quatro vermelhos para dividir os sujeitos em dois grupos.
Instrumento
Foi utilizado como instrumento para a coleta dos dados o IAT (Implicit Assotiation
Test) desenvolvido por Greenwald e colaboradores (1998). Esse é um software que era
executado após as sessões do jogo looping. Seu objetivo era medir a força de associações
automáticas entre conceitos. Isso é possível porque esse instrumento calcula o tempo que o
sujeito leva para associar conceitos alvos palavras que surgem no meio da tela com
dimensões de atributos na forma duas categorias discriminatórias palavras que aparecem
64
fixas nos cantos esquerdo e direito da parte de cima da tela (Figura 1). Assim, o método avalia
se os conceitos alvos eram automaticamente associados a uma das duas palavras
representadas no par categórico. Quanto mais rápido o tempo de resposta (latência) mais forte
é a associação.
A vantagem desse todo é que revela atitudes implícitas (predisposição
automática para avaliar estímulos de maneira consistentemente favorável ou desfavorável) e
outros processos cognitivos automáticos mesmo quando os sujeitos preferem não expressá-las
(Greenwald et al., 2008).
sio
O IAT tem uma seqüência de tarefas e dependendo da tarefa os conceitos alvos
podiam ser expressões de conteúdo agradável ou desagradável ou pseudônimos atribuídos aos
Azul
Azul Vermelho
Paz
5
Agradável
Azul
Agradável
Vermelho
Rene
Agradável Desagradável
Figura 1. Fases do IAT, 1.1 - os participantes devem indicar se um conceito alvo pertence a uma
determinada categoria 1.2 - os participantes devem classificar conceitos alvos como “agradáveis”
ou “desagradáveis”; 1.3 - fase de associação das categorias “azul e vermelho” com “agradável ou
desagradável”; 1.4 - consiste na inversão da posição das categorias da segunda fase; 1.5 - a
associação apresentada na terceira fase é invertida.
1.1 1.2
1.3
1.4
1.5
Azul Vermelho
Radir
Paz
Desagradável
Azul
Desagradável
Vermelho
Humilhação
Vermelho
Azul
Mair
65
sujeitos dos grupos azul e vermelho. Já as categorias discriminatórias podiam ser os grupos
classificatórios antagônicos azul-vermelho, agradável-desagradável ou ainda a combinação
desses pares numa mesma fase (ver Figuras 1.3 e 1.5).
Procedimentos
Esse estudo foi realizado no Laboratório de Etologia Humana, localizado no
departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Os sujeitos
participaram de um jogo de soma zero batizado de Looping”, especialmente desenvolvido
para este estudo. Inicialmente, eles concordaram em participar do experimento através da
assinatura do termo de consentimento livre e informado.
Estabelecemos duas situações experimental e controle a serem comparadas e
detalhadas a seguir:
Situação experimental
Na situação experimental eram formados grupos de seis ou oito sujeitos,
dependendo do número de pessoas disponíveis para participar do experimento, divididas em
duas equipes que se distinguiam através de coletes nas cores Azul e Vermelho (ver Figura 2).
Essas equipes foram compostas por estudantes de diferentes cursos ou universidades sendo
esse o critério utilizado para separar os grupos. Os membros de uma equipe podiam ou não
conhecer os membros da equipe rival e esse dado foi registrado para análises posteriores.
Aos sujeitos foram dados pseudônimos que deveriam ser repetidos,
insistentemente, no decorrer do jogo para serem memorizados e utilizados nas etapas
seguintes do experimento. Esses ficavam no torso de cada participante, visíveis através de
crachás, para serem observados por todos. Esses pseudônimos foram escolhidos de forma que
pudessem ser utilizados por homens e mulheres. Deste modo, os participantes que recebiam
coletes azuis foram denominados de - Rafa, Radir, Rene, Rosi; e os participantes que
recebiam coletes vermelhos foram denominados de - Marly, Mair, Manu e Maia. Os apelidos
também funcionavam como pistas para discriminação dos grupos, através da primeira letra
dos nomes. No caso do grupo azul a primeira letra dos apelidos de todos os participantes
começava com a letra “R” e no grupo vermelho começa com a letra “M”. Tivemos o cuidado
de escolher apelidos formados apenas por palavras dissílabas para que o tempo de leitura não
interferisse no tempo de reação das associações durante o IAT. Por fim, era realizada a
distribuição dos crachás, executada de forma aleatória.
No início do jogo,
grupo recebeu no total
9 ou 12 fichas, dependendo no número de participantes no
experimento. Havia um recurso público
utilizar – e
que se encontrava no meio da sala
e podia ser manipulado
por todos no
Cada
equipe escolhia seu líder. Ele determinava a estratégia a ser executada, mas
poderia receber conselhos dos outros membros do seu grupo.
individual e alternadamente
ou acrescentar até 3 fichas por jogada no tempo máximo de 01 minuto.
O objetivo do jogo era maximizar os ganhos sem extinguir o recurso público. Para
que isso não acontecesse, algumas regras deviam ser
1. quando houvesse
acrescentar até 3 fichas;
2. quando houve
sse
acrescentar pelo menos o suficien
3. quando houve
sse
mais uma ficha.
Ao final de quatro
equipe vencedora e receb
er
de uma situação de conflito, t
grupos.
Posteriormente os sujeitos eram submetidos ao IAT.
Figura 2-
Representação gráfica da
sujeito
na situação experimental
No início do jogo,
eram
distribuídas 03 fichas a cada participante, sendo que cada
9 ou 12 fichas, dependendo no número de participantes no
experimento. Havia um recurso público
-
um bem esgotável de fichas
que se encontrava no meio da sala
, visível a todos. Esse re
curso continha 25 fichas
por todos no
decorrer do jogo.
equipe escolhia seu líder. Ele determinava a estratégia a ser executada, mas
poderia receber conselhos dos outros membros do seu grupo.
Cada um dos sujeitos ia
individual e alternadamente
(um de cada grupo) até o recurso público e
de onde
ou acrescentar até 3 fichas por jogada no tempo máximo de 01 minuto.
O objetivo do jogo era maximizar os ganhos sem extinguir o recurso público. Para
que isso não acontecesse, algumas regras deviam ser
seguidas no decorrer do jogo:
1. quando houvesse
16 fichas ou mais no recurso público, o jogador pode
sse
menos do que 15 fichas, o jogador deve
acrescentar pelo menos o suficien
te para completar 15 fichas;
sse
exatamente 15 fichas, o jogador deveria
Ao final de quatro
rodadas a equipe que tivesse o
maior número de fichas seria a
er
ia uma caixa de chocolat
e como prêmio. Esse jogo, por ser tratar
de uma situação de conflito, t
inha
o objetivo de gerar hostilidade entre os membros dos dois
Posteriormente os sujeitos eram submetidos ao IAT.
Representação gráfica da
organização dos grupos e seqüência de jogadas de cada
na situação experimental
.
66
distribuídas 03 fichas a cada participante, sendo que cada
9 ou 12 fichas, dependendo no número de participantes no
um bem esgotável de fichas
que todos podiam
curso continha 25 fichas
equipe escolhia seu líder. Ele determinava a estratégia a ser executada, mas
Cada um dos sujeitos ia
de onde
poderia retirar
O objetivo do jogo era maximizar os ganhos sem extinguir o recurso público. Para
seguidas no decorrer do jogo:
16 fichas ou mais no recurso público, o jogador pode
ria retirar ou
menos do que 15 fichas, o jogador deve
ria, obrigatoriamente,
acrescentar ao menos
maior número de fichas seria a
e como prêmio. Esse jogo, por ser tratar
o objetivo de gerar hostilidade entre os membros dos dois
organização dos grupos e seqüência de jogadas de cada
67
Situação controle
Aqui tivemos dois grupos que, tal como na situação experimental, receberam
coletes que os distinguiam e os seus componentes pseudônimos que os identificavam. Eles
responderam ao IAT, sem participar do jogo Looping”, portanto sem participar de nenhuma
situação de competição e sem receber premiação.
Aplicação do IAT (Implicit Association Test)
Nas duas situações, todos os sujeitos participaram da aplicação do IAT.
O objetivo da aplicação do IAT era medir o tempo (latência), em milissegundos,
desde o momento que o conceito alvo (azul ou vermelho) aparecia até o momento que o
sujeito apertava o botão que representava a associação (agradável ou desagradável). No fim, o
teste indicava a média de tempo gasto pelo sujeito em duas condições: azul-
agradável/vermelho-desagradável ou vermelho-agradável/azul-desagradável. Esse resultado
mostra que tipo de associação estava sendo realizada pelo sujeito com maior força em relação
aos dois grupos, vermelho e azul. Assim, a situação no qual o sujeito responde em média mais
rapidamente indica que essa situação está sendo categorizada mais fortemente.
Inicialmente, os sujeitos eram levados à sala dos computadores na qual recebiam
as instruções de como proceder durante a aplicação do IAT.
As etapas da aplicação do IAT foram as seguintes:
Treino 1- Aprendendo o conceito de dimensão: na primeira tarefa (Figura 1.1),
introduziam-se conceitos alvos que correspondiam aos pseudônimos atribuídos aos sujeitos do
grupo azul e vermelho para que, assim, pudessem ser associados pelos sujeitos com o par
categórico azul-vermelho. Esse par categórico estava localizado, respectivamente, à esquerda
e à direita no alto da tela do computador, visível em tempo integral. Os sujeitos teriam que
apertar o botão da esquerda (letra “e”) quando identificassem palavras que se referiam ao
grupo azul e o botão da direita (letra “i”) quando identificassem palavras que se referiam ao
grupo vermelho. Quando se cometia um erro categórico (apertar a letra “ipara palavras que
se referiam ao grupo azul ou a letra “e” para palavras que se referiam ao grupo vermelho) a
palavra “Erro” aparecia indicando que o sujeito deveria realizar a categorização correta.
Treino 2 - Aprendendo a atribuir dimensão: na segunda tarefa (Figura 1.2),
introduziam-se conceitos alvos distintos (palavras sem conteúdo estereotipado), localizados
no centro da tela do computador, que eram expressões de conteúdo agradável (Carinho,
Felicidade, Prazer, Paz, Alegria, Sorte, Amor e Maravilhoso) ou desagradável (Tragédia,
Horrível, Agonia, Aflição, Terrível, Dor, Humilhação, Desonestidade). Os sujeitos deveriam
68
indicar se o conceito alvo era de conteúdo agradável ou desagradável. Esse par categórico
também se localizava à esquerda e à direita no alto da tela do computador. Os sujeitos teriam
que apertar o botão da esquerda quando identificavam palavras de conteúdo agradável e o
botão da direita quando identificavam palavras de conteúdo desagradável.
Treino 3 - Pareando-atribuindo conceitos e Medida 1: na terceira tarefa (Figura
1.3), as duas categorias discriminatórias eram combinadas e apareciam juntas no alto da tela
do computador. À esquerda as categorias Agradável-Azul e à direita as categorias
Desagradável-Vermelho. No centro da tela apareciam palavras agradáveis/desagradáveis ou
os nomes de componentes dos grupos azul/vermelho. Os indivíduos tinham a tarefa de
categorizar o mais rápido que pudessem os nomes de membros do grupo azul ou palavras
discriminadas como agradáveis apertando a letra “e” e os nomes de membros do grupo
vermelho ou palavras ditas desagradáveis apertando a letra “i”. Essas três primeiras fases
eram realizadas com o objetivo de ensinar os sujeitos a manusear o IAT e para que
aprendessem a realizar as associações, evitando que os erros ou a demora em realizar
associações ocorressem por falta de habilidade com o software. Posteriormente, essa última
etapa, com as categorias distintas combinadas, era repetida sendo realizada a medição do
tempo de resposta entre os estímulos alvo e os grupos categóricos.
Treino 4 - Aprendendo a trocar a localização espacial dos conceitos: a quarta
tarefa (Figura 1.4) consistia na inversão da posição das categorias da segunda tarefa, ou seja,
os rótulos categóricos “Azul” e “Vermelho” apareciam no monitor em posição contrária à que
haviam aparecido na segunda fase, isto é associados inversamente com o outro par categórico
(Desagradável/Agradável). Nessa fase não era medido o tempo de resposta. A ordem de
combinação das categorias discriminatórias foi alternada.
Treino 5 Pareando-atribuindo conceitos e Medida 2: os pares categóricos
também eram combinados na quinta tarefa (Figura 1.5) aparecendo num ensaio alternado. Os
indivíduos teriam que categorizar os nomes de membros do grupo azul e as palavras
discriminadas como desagradáveis apertando o botão da direita e do grupo vermelho com
palavras ditas agradáveis apertando o botão da esquerda. Essa etapa também era inicialmente,
realizada com o intuito de aprender a manusear o IAT com os pares categóricos dispostos
alternadamente e de evitar erros por falta de habilidades com o software e por falta de
habilidade com a nova situação. Mas também a repetíamos, e somente na segunda vez era
realizada a medição do tempo de resposta entre os estímulos alvo e os grupos categóricos.
O tempo de associação era registrado automaticamente pelo software. As latências
foram medidas nas etapas 3 e 5. O IAT analisava que tipo de associação tinha sido realizado
69
mais rapidamente se azul-agradável/vermelho-desagradável ou vermelho-agradável/azul-
desagradável. A aplicação do IAT levava aproximadamente 15 minutos para ser realizada.
ANÁLISE ESTATÍSTICA
Para realização da análise dos dados, inicialmente, foram considerados os dois tipos de
medidas realizadas pelo IAT, azul-agradável/vermelho-desagradável ou vermelho
agradável/azul-desagradável. O software mostra o tempo de reação (latência) disposto dessa
forma. No entanto, para facilitar a análise, unimos as categorias em própria coalizão
agradável/coalizão adversária desagradável, que aqui denominaremos de associações
compatíveis e própria coalizão desagradável/coalizão adversária agradável, que aqui
denominaremos de associações incompatíveis. Deste modo, a cor da camisa do sujeito deixa
de ser relevante e, assim, pudemos fazer a análise estatística baseado na categorização de
grupo realizada pelos sujeitos, a partir da distinção de quais sujeitos pertenciam ou não ao
grupo do sujeito e que adjetivos (agradáveis ou desagradáveis) eram associados a eles.
Para realizar a análise estatística foram seguidas as orientações sugeridas por
Greenwald e colaboradores. (1998). Em função disso, os tempos de associação (latência)
inferiores a 300 milésimos de segundo (ms.) e superiores a 3000 ms., eram pra ser
substituídas por 300 e 3000ms., respectivamente e em seguida todas as médias foram
logaritimizadas. No entanto, não foi necessário fazer substituições. Usamos para analisar os
dados o teste estatístico GLM (General Linear Model) de medidas repetidas. Verificamos se
havia diferença de média entre os sujeitos que participaram da situação experimental e da
situação controle; entre os sujeitos que ganharam e perderam o looping. Com esse teste
estatístico pudemos verificar se havia diferença significativa entre as latências dos estímulos
alvo (variável dependente) nos pares categóricos das duas situações: associações compatíveis
e associações incompatíveis. Por fim, também realizamos a análise do Efeito IAT que é
obtido pela análise estatística da diferença entre as associações incompatível e compatível.
RESULTADOS
Os resultados foram obtidos através da análise de cinco situações, sendo duas
situações controladas, a análise por grupo de pesquisa experimental e controle e a análise
pela vitória no jogo looping ganhadores e perdedores e três situações que aconteceram
espontaneamente: partilha ou não de parte da premiação obtida pelos vencedores, ocorrência
70
ou não de comemoração pelos sujeitos que venceram o jogo looping e o conhecimento
anterior, ou não, dos participantes do grupo rival, informação obtida através do questionário
sócio-demográfico. No decorrer da pesquisa anotamos se algumas dessas variáveis ocorriam
para realizarmos análises posteriores.
Comparação das condições experimental e controle
Nossos dados mostram que, de modo geral, os sujeitos realizam categorização
social mais rapidamente na condição associações compatíveis, o que indica que eles associam
mais fortemente palavras agradáveis ao seu grupo e palavras desagradáveis ao grupo
adversário. O grupo experimental apresentou menor latência em milissegundos na condição
associações compatíveis do que na condição associações incompatíveis, e essa diferença foi
significativa (GLM de medidas repetidas; n= 79; F= 10,981 e p= 0,001). No grupo controle, o
tempo médio de reação em milissegundos também foi menor na condição associações
compatíveis e essa diferença também foi significativa (GLM de medidas repetidas; n= 18; F=
9,494 e p= 0,007) (Figura 3).
Portanto, a categorização dos grupos ocorreu independente da situação
experimental.
*
*
Efeito IAT = 124 ms
Efeito IAT = 228 ms
Figura 3. Média, desvio padrão do tempo de resposta do IAT
e efeito IAT nas condições associações compatíveis e
associações incompatíveis dos grupos experimental e
controle. * p < 0,05.
Latência em ms
71
Comparação entre vencedores e perdedores
Comparando os resultados dos ganhadores e perdedores no jogo looping pudemos
observar que tanto aqueles que ganharam quando aqueles que perderam associam mais
rapidamente seu grupo com adjetivos agradáveis e o grupo adversário com adjetivos
desagradáveis. Os dados mostram que os dois grupos apresentaram um tempo médio de
reação menor na situação associações compatíveis. A diferença entre as condições
associações compatíveis e incompatíveis tanto para os ganhadores quanto para os perdedores
foram significativas (vencedores: n= 39; F= 5,760 e p= 0,021; perdedores: n= 40; F= 5,093 e
p= 0,030) (Figura 4).
Isto sugere que outras variáveis que estão interferindo na intensidade dessas
associações, intensificando ou atenuando seu efeito. Em função disso, analisamos os
resultados separando-os em função de situações que ocorreram espontaneamente, e que
indicavam um possível efeito sobre a intensidade do conflito entre os grupos na situação de
jogo. Essas variáveis são partilha, comemoração e conhecimento anterior. Verificamos, aqui,
*
*
Efeito IAT = 129 ms
Efeito IAT = 121 ms
Figura 4. Média, desvio padrão do tempo de reação do IAT e
efeito IAT nas condições associações compatíveis e
associações incompatíveis entre ganhadores e perdedores. * p
< 0,05.
Latência em ms
72
se havia diferença de dia em três situações específicas: quando ocorria partilha do prêmio
obtido pelos ganhadores com os perdedores, quando os ganhadores não comemoravam a
vitória obtida e quando os sujeitos declararam, em questionário, conhecer os participantes dos
dois grupos (chamaremos essa variável de conhecimento). Vale salientar que as situações de
partilha ocorreram espontaneamente sendo registradas pelos pesquisadores. As variáveis
abaixo analisadas não apresentaram correlação entre si (Tabela I).
N p Correlação
Partilha – Comemoração
79
0,088 - 0.193
Partilha – Conhecimento
79 0,424 0,091
Comemoração – Conhecimento
79
0,252 - 0,130
Comparação entre grupos nos quais houve partilha e grupos nos quais não houve
partilha
Em alguns grupos testados os vencedores dividiram os chocolates recebidos com
os perdedores. Chamamos esse comportamento de partilha espontânea. Observamos
diferenças na forma de categorizar os grupos quando ocorreu partilha espontânea da
premiação obtida pelos ganhadores em comparação com os grupos no qual não houve
partilha. Quando houve partilha, a diferença entre as condições compatíveis e incompatíveis
diminuíram, indicando que a partilha diminuiu a intensidade da atribuição de associações
desagradáveis aos rivais. Os dados obtidos mostram que as pessoas que participaram dos
grupos no qual os ganhadores dividiram o prêmio apresentaram média do tempo de reação
menor na condição associações compatíveis. No entanto, essa diferença não foi significativa
(n = 38; F=1,400 e p= 0,244). Já nos grupos nos quais não houve partilha do prêmio por parte
do grupo vencedor a média do tempo de reação em milissegundos foi menor na condição
associações compatíveis, e essa diferença foi significativa (n= 41; F= 9,474 e p= 0,004)
(Figura 5).
Tabela I – Correlação de Spearman entre as variáveis partilha comemoração e conhecimento.
73
Comparação entre grupos no qual houve comemoração e grupos no qual não houve
comemoração
Podemos observar que assim como aconteceu na variável doação, a variável
comemoração também foi utilizada para discriminar grupos. Isso pode ser visto pela diferença
entre as médias obtidas pelos sujeitos que participaram da situação no qual o grupo ganhador
realizou algum tipo de comemoração em algum momento do jogo. Nesse grupo a diferença de
médias entre as duas condições categóricas associações compatíveis e incompatíveis às
quais os sujeitos foram submetidos foi significativa (n=57; F=9,402 e p= 0,003). Já nos
grupos nos quais não houve comemoração por parte dos membros que ganharam o jogo a
diferença não foi significativa (n=22; F=1,830 e p= 0,190) (Figura 6). Neste caso,
contrariamente ao que ocorreu quando houve a partilha espontânea, a ocorrência de
comemoração intensificou a atribuição de características desagradáveis aos rivais.
Figura 4. Média, desvio padrão do tempo de reação do IAT e
efeito IAT nas condições associações compatíveis e
associações incompatíveis nas situações no qual houve
doação e no qual não houve doação. * p < 0,05.
Efeito IAT = 63 ms
Efeito IAT = 181 ms
*
Latência em ms
74
Comparação entre grupos que declararam conhecer os adversários e grupos que
declararam não conhecer os adversários
Por fim, verificamos se havia diferença entre as médias do tempo de associação na
variável conhecimento anterior. Os dados obtidos mostraram que os sujeitos que declararam
conhecer os rivais não apresentaram diferença significativa entre as condições compatíveis e
incompatíveis (n= 42, F=1,823 e p= 0,184). Já entre os sujeitos que declararam não conhecer
nenhum dos participantes do grupo adversário a diferença entre os grupos foi significativa (N
= 37, F = 7,717 e p = 0,009). Neste caso, o conhecimento anterior agiu de forma semelhante à
partilha, atenuando a atribuição de características desagradáveis aos rivais.
Figura 6. Média, desvio padrão do tempo de reação do IAT e
Efeito IAT nas condições associações compatíveis e
associações incompatíveis nos grupos no qual houve
comemoração e nos grupos no qual não houve comemoração
. * p < 0,05.
*
Efeito IAT = 87 ms
Efeito IAT = 139 ms
Latência em ms
75
DISCUSSÃO
Nossos resultados mostram que o ser humano tende a associar palavras de
conteúdo agradável aos membros do seu grupo e palavras de conteúdo desagradável aos
membros do grupo adversário. Isso é claramente observado nas circunstâncias nas quais
houve situação de conflito sem atenuação da hostilidade. No entanto, condições atenuantes
são importantes para que o nível de associações negativas aos grupos adversários possa ser
abrandado.
A hostilização e a categorização negativa direcionadas a grupos rivais são bem
conhecidos na literatura. Taylor e colaboradores (1978) já mencionavam em seus estudos que
grupos adversários tendem a categorizar favoravelmente os membros do seu grupo e
discriminar os membros dos outros grupos. No entanto, a situação de conflito não parece ser o
único preditor da hostilidade. Nesse experimento, por exemplo, a categorização de grupos
também surgiu em circunstâncias nas quais não havia qualquer conflito aparente. Isso pôde
ser visto na situação controle, na qual mesmo sem passarem pelo jogo lopping os grupos
Figura 7. Média, desvio padrão e efeito IAT nas condições
associações compatíveis e associações incompatíveis nos
grupo do qual não se conhecia os membros do grupo
adversário e o grupo do qual conhecia-se os membros do
grupo adversário. * p < 0,05.
*
Efeito IAT = 76 ms
Efeito IAT = 180 ms
76
associaram palavras positivas aos aliados e negativas aos rivais tão fortemente quanto na
situação experimental. Provavelmente, o simples fato dos sujeitos se colocarem em lados
opostos tenha sido o suficiente para realizar atribuições negativas e apresentar sentimentos
hostis aos membros do grupo rival. Cunningham e colaboradores (2003) sugerem que as
associações negativas direcionadas a um grupo social podem ser uma conseqüência do medo
automático e inconsciente de um grupo. Em situação de competição latente, os participantes
se sentem inseguros por causa das incertezas implicadas ao próprio processo competitivo. Isso
gera sentimentos como medo, raiva e ódio direcionados aos rivais.
Outros mecanismos cerebrais, no entanto, parecem promover a função de avaliar o
contexto e distinguir entre sujeitos potencialmente perigosos e aqueles com os quais se podem
cooperar. A percepção que o homem tem acerca dos rivais pode mudar de acordo com a
conduta adotada por esses últimos. Sujeitos que no decorrer do jogo se mostravam hostis aos
grupos rivais, categorizaram esses últimos menos negativamente após receberem parte do
prêmio obtido pelos vitoriosos ou ao perceberem que mesmo diante de uma vitória
massacrante os vencedores não comemoraram. Comportar-se cooperativamente atenuou os
sentimentos hostis e a categorização negativa. Dessa forma, as fronteiras entre os dois grupos
ficaram menos demarcadas. Aronson e colaboradores (1978) afirmavam que interações
positivas entre grupos podem reduzir a hostilidade inicial da categorização grupal. a não
ocorrência de doação durante o experimento prenunciava a discriminação intergrupo e uma
maior categorização negativa.
De fato, cooperar e abster-se de cooperar são mais do que conseqüências do
processo de categorização são pistas que predizem lealdade ao grupo e essas pistas servem
para reforçar as alianças. Assim, quanto mais se coopera mais se possibilita a cooperação.
Brewer (1999) argumenta que a identificação dos membros como pertencentes a sua coalizão
promove uma confiança mútua e, conseqüentemente, o altruísmo condicional. No entanto,
essa identificação não ocorre pelas características pessoais, que esses não são relevantes no
processo de associação entre os membros (despersonalização). Membros do grupo apresentam
uma expectativa acerca da cooperação manifestada pelos seus aliados e atribuem adjetivos
positivos a eles. Esse padrão psicológico garante a adesão grupal. Mas a despersonalização
também pode acontecer quando grupos rivais cooperam entre si, possibilitando o
desenvolvimento do processo de confiança, atribuição positiva, promovendo uma maior
segurança e conseqüentemente a diminuição da hostilização. A cooperação entre coalizões
distintas promove a expectativa de que esses também possam agir reciprocamente em
situações futuras.
77
Isso remete a última situação analisada no nosso experimento, quando os
indivíduos declararam conhecer os membros do grupo adversário. Por já terem interagido com
pelo menos um membro dentre os rivais, antes de jogarem o looping, os sujeitos parecem ter
diminuído a percepção negativa de todo o grupo. Interações prévias geram expectativas
quando há cooperação, e os sujeitos podem ter se comportado de modo a corresponder a essas
expectativas. Além do mais, cooperar nesse contexto manteria a aliança, permitindo a
cooperação em eventuais reencontros.
Assim, pode-se compreender que o favoritismo aos membros de seu grupo e
discriminação aos membros adversários não é inevitável (Lane et al., 2005). Além do mais, a
categorização do tipo “Nós versus Eles” é flexível, dinâmica e fácil de mudar em períodos
curtos de tempo (Sherif et al, 1961).
A partir do que foi descrito pode-se entender que, no decorrer do experimento, os
sujeitos estavam sofrendo influência do processo de categorização social "Nós versus Eles", já
que pareciam inclinados a apresentarem sentimentos hostis e inferências negativas ao grupo
rival. Possivelmente, a categorização negativa ocorreu simplesmente pela divisão dos sujeitos
em dois grupos, ativando esses mecanismos psicológicos. Mas situações atenuadoras
abrandaram a hostilidade.
Esses dados estão de acordo com princípios evolucionistas. Nossos mecanismos
psicológicos analisam o contexto de modo a favorecer a cooperação com aqueles indivíduos
que aumentam nossas chances de sobrevivência e reprodução e favorecer a retaliação com
aqueles que procuram aumentar sua própria aptidão à custa de esforços alheios. Como os
padrões comportamentais podem variar de acordo com o tamanho, a composição do grupo e
das circunstâncias que predizem lealdade ao grupo (Boyd et al, 2002) algumas pistas podem
atenuar os sentimentos de hostilidade de modo a permitir a cooperação mesmo entre antigos
desafetos.
De modo geral, esta pesquisa buscou avaliar como grupos distintos categorizam
seus rivais diante de situação de competição e pôde-se constatar que, de fato, o ser humano
categoriza seu mundo social em “Nós versus Eles”. Nossos aparatos neuro-cognitivos
evoluíram, no decorrer do processo evolutivo, promovendo a função de categorização de
grupos a partir das conseqüências gerais que suas interações podem gerar.
78
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81
B.2 - ARTIGO EMPÍRICO II INFLUÊNCIA SEXUAL NA CATEGORIZAÇÃO DE
GRUPOS
Título abreviado
Cooperação e conflito
Diego Macedo Gonçalves
1
Maria Emília Yamamoto
1
*
1
Programa de Pós Graduação em Psicobiologia, Departamento de Fisiologia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil
*Correspondência:
Maria Emília Yamamoto
Campus Universitário, Caixa Postal 1511
59078-970 – Natal – RN – BRAZIL
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RESUMO
A literatura sobre a agressividade vem tirando o foco da participação das mulheres em
situação de conflito. De fato, mulheres parecem se envolver com menor freqüência em
conflito do que os homens. Estudos têm ressaltado que apesar de ambos os sexos
apresentarem sentimentos hostis direcionadas a coalizões rivais, diferenças na forma como
eles reagem diante de situações de conflito. Enquanto o sexo masculino se comporta
agressivamente as mulheres agem de modo a diminuir os riscos de um ataque iminente. Nosso
objetivo nesse estudo foi analisar se diferenças sexuais nos padrões de percepção a grupos
rivais e verificar se a inclusão de algumas pistas sociais de cooperação, em situação de
conflito, modifica esses padrões. Para isso, utilizamos o IAT (Implicit Assotiation Test) após
uma situação de competição entre dois grupos. Os resultados de nossa pesquisa nos
permitiram observar que apesar de ambos realizarem categorização de grupo na mesma
direção, as mulheres classificam os grupos adversários mais negativamente do que os homens
em situações de competição. Isso nos levou a concluir que o sexo feminino categoriza mais
rapidamente o grupo adversário de forma negativa, provavelmente por apresentarem maior
sensibilidade a situações que representem risco para si e pra sua prole.
Palavras chaves: Psicologia, coalizão, evolução, categorização, grupos.
ABSTRACT
Literature about aggressiveness has neglected the role of women in conflict situations. This
could be due the fact that women are less frequently involved in such situations. Although
both sexes show hostile feelings toward rival coalitions, there are differences between the
sexes concerning the form they react in face of a conflict circumstance. While men behave
aggressively in threatening situations, women act aiming to diminish the risk of an imminent
attack. The objective of this study was to analyze sexual differences related to perception of
rival groups and to identify possible standards, as well as to verify if the inclusion of some
social cues indicating cooperation can modify these standards. To investigate such questions
the IAT (Implicit Association Test) was used right after a competition situation between two
groups. The results suggest that both sexes categorize groups in the same direction, but
women classify adversary groups more negatively than men do. We conclude that the
feminine sex needs to categorize the rival team more negatively in order to avoid imminent
threats.
Keywords: psychology, coalition, evolution, categorization, groups.
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INTRODUÇÃO
A substancial literatura sobre a agressividade vem ressaltando o comportamento
violento dos homens e tirando o foco da participação das mulheres em situações de conflito.
As pesquisas ressaltam o sexo masculino como marcadamente inclinado a se envolver em
desordens, mas dificilmente fazem referências à conduta feminina nesse contexto. Taylor e
colaboradores (2000) m afirmando, por exemplo, que, nos estudos sobre comportamento de
luta ou fuga e de respostas fisiológicas/neuroendócrinas a situações de estresse, há uma
desigualdade na distribuição sexual. As mulheres correspondem a apenas 17% dos sujeitos
que participam desse tipo de pesquisas, dificultando a compreensão de como elas reagem
diante dessas situações.
Recentes estudos sobre a influência dos sexos em situação de conflito vêm, de
fato, concluindo que as fêmeas da nossa espécie se envolvem menos ativamente do que os
homens em situações que incluem condutas hostis e violentas (Hess & Hagen, 2006; Wilson
& Daly, 1985). Nesse contexto, elas, geralmente, assumem uma postura menos ativa e quase
sempre sofrem as conseqüências da violência masculina. os homens são mais propensos a
executar condutas hostis, agressão e a mesmo homicídio. Estudos psicológicos
desenvolvidos por Wilson e Daly (1985) mostram que eles se envolvem em desordens, matam
e são vítimas de assassinato com maior freqüência do que as mulheres.
relatos históricos que destacam a existência de mulheres guerreiras na Grécia
(Jones, 2003), no reino de Daomé na África (Wrangham & Peterson, 1996), e alguns
anos, as mulheres têm sido recrutadas pelo exército de vários países ocidentais. Algumas
vezes obrigatoriamente, como em Israel, mas na maioria dos países de forma voluntária. No
entanto, embora presentes, as mulheres são uma minoria e em vários países, como no Brasil,
elas são impossibilitadas de atuar na área combatente.
Algumas evidências sugerem que, de fato, as mulheres são menos pré-dispostas a
se engajar em conflitos do que o sexo masculino. Experimentos feitos com jogos econômicos
por Wildschut e colaboradores (2003) mostraram que grupos formados apenas por machos
humanos tendem a ser mais competitivos do que grupos formados apenas por fêmeas e do que
grupos mistos. Harris (1989) acredita que as diferenças anatômicas influenciam esses padrões.
Homens são mais altos, tem ossos mais densos e músculos mais fortes do que as mulheres, o
que possibilitaria o envolvimento em atividades de maior risco.
Psicólogos evolucionistas, no entanto, vêm ressaltando que o ser humano
apresenta um mecanismo mental chamado de Psicologia do “Nós versus Eles” (Kurzban et al.,
2001) que quando ativado, promove percepções negativas dos rivais e percepções positivas
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dos aliados (Crisp & Farr, 2004 & Taylor et al., 1978). Estes geram como conseqüência
sentimentos de hostilidade e cooperação, respectivamente. Tais percepções podem conduzir a
comportamentos agressivos (Tooby et al., 2006).
Apesar de homens e mulheres tenderem a favorecer os seus aliados e hostilizar os
adversários, não consenso na ciência quanto à influência desse mecanismo pelo sexo.
Estudos desenvolvidos por Yuki e Yokota (2009), no entanto, identificaram que os homens
respondem mais agonisticamente do que as mulheres diante de contextos hostis entre grupos.
Eles são mais sensíveis às pistas que indicam ameaça referente a grupos rivais e parecem
cooperar mais com seus aliados diante desses contextos. Para Yamagishi e Mifune (2009)
somente os homens apresentam psicologia das coalizões.
De fato, há evidências de que os dois sexos respondem ao estresse de modo
distinto (Taylor et al., 2000; Vugt, 2008). O processo de seleção natural pode ter afetado
diferentemente os mecanismos de reação em situação de risco de homens e mulheres. Isso
acontece por causa das diferenças nas estratégias reprodutivas. As mulheres fazem um grande
investimento e por um período mais longo em seus infantes e agir agressivamente poderia
colocar em risco sua gravidez ou diminuir sua capacidade de cuidar dos filhos. Isso indica que
a resposta ao estresse das fêmeas da nossa espécie pode ter evoluído para maximizar sua
sobrevivência e a de sua prole (Taylor et al., 2000). Conseqüentemente, envolver-se em
conflitos geraria altos custos para elas, em termos evolutivos (Campbell, 1995).
a reação masculina ocorre de maneira diferente do processo de hostilização
feminina. Eles respondem aos mecanismos de luta ou fuga que os influenciam a adotar
condutas agressivas quando ameaçados. Isso os leva a agir mais violentamente e envolver-se
em conflitos com maior freqüência. No entanto, a teoria da seleção natural sugere que a
vontade de participar de interações competitivas violentas está diretamente ligada a uma
maior concorrência reprodutiva (Wilson & Daly, 1985). No ambiente de adaptação evolutiva,
homens competiam por acesso a parceiras e isso pode ter significado envolver-se em conflitos
para obter o recurso limitante. Assim, jovens machos tendem a se envolver em situação de
conflito com maior freqüência do que as mulheres e homens mais velhos. Nessa fase da vida,
competir por maior status dentro de seu grupo aumenta a possibilidade de se relacionar
sexualmente e apesar dos custos parecerem altos, devido ao elevado risco de morte, os
benefícios podem superá-los. Mas isso acontece, principalmente, em populações expostas a
distribuição desigual de recursos e a níveis de competição violenta em períodos críticos da
vida (Wilson et al., 2001).
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As diferenças sexuais parecem interferir também em situações que exigem
liderança por parte de um componente do grupo. Vugt e Spisak (2008) afirmam que homens e
mulheres exercem liderança em contextos diferenciados. uma preferência por liderança
masculina sob condições de competição inter-grupal e uma preferência pela liderança
feminina sob condições de competição dentro do grupo. Isso parece acontecer por que o
homem qualifica mais negativamente e de maneira mais estereotipada os grupos de fora,
gerando hostilidade direcionada a eles. As mulheres, por outro lado, tendem a manter o grupo
unido, induzindo a coalizão a nutrir uma rede de apoio social que gera conseqüências
positivas para elas, gerando proteção a si e a sua prole (Taylor et al., 2000). Isso as motiva a
atuar como apaziguadoras dentro de sua coalizão (Vugt & Spisak, 2008) ou até mesmo a
influenciar os homens a juntar forças para atacar outros no intuito de se defender de investidas
dos adversários (Vugt, 2008).
A literatura psicológica sobre categorização de grupos é rica, diversa e vem
ressaltando uma abundância de variantes que quando empregadas podem induzir os
indivíduos a agirem cooperativamente ou agonisticamente. No entanto, poucos estudos sobre
comportamento agressivo e diferenças sexuais foram realizados até a atualidade. Isso pode ter
ocorrido devido à pequena crença de que as mulheres apresentam características que as levem
a ser hostis.
Mas é pouco provável que o sexo feminino aja de maneira tão passiva diante de
confusões e desordens. A agressão sempre foi atribuída aos machos devido ao alto
envolvimento de homens em conflitos e guerras, mas isso não significa que mulheres não
tenham obtido vantagens evolutivas ao categorizar grupos adversários de forma hostil. A
guerra faz parte da história do ser humano e a todo o momento e em todos os lugares do globo
parece haver conflitos. Diante desse contexto seria altamente adaptativo se as mulheres
apresentassem mecanismos que as ajudassem a se proteger e proteger sua prole nessas
condições, mecanismos esses não necessariamente iguais àqueles apresentados pelos homens,
mas que envolveriam, da mesma forma, o favorecimento do próprio grupo e a hostilidade a
grupos externos.
Esse estudo teve como objetivo analisar as diferenças sexuais nos padrões de
percepção negativamente distorcidas de grupos rivais. Nossas hipóteses são que os homens
são mais hostis e categorizam mais negativamente o grupo adversário do que as mulheres.
Também acreditamos que diante de algumas pistas sociais que demonstrem formação de
aliança através de cooperação, a hostilidade intergrupo e os padrões de percepção negativa
dos homens e mulheres se atenuam, diminuindo a categorização negativa.
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Predições
Predição 1: Após o jogo looping (situação de conflito) os homens apresentarão
percepções distorcidas de seus rivais e associarão características negativas a eles e positivas a
seus aliados.
Predição 2: Após o jogo looping (situação de conflito) as mulheres apresentarão
percepções distorcidas de seus rivais e associarão características negativas a eles, mas de
modo menos intenso do que o sexo masculino.
MÉTODO
Sujeitos
Este estudo foi realizado com estudantes de universidades públicas e privadas do
município de Natal-RN. Os sujeitos foram selecionados de acordo com sua disponibilidade
para participar da pesquisa sendo a amostra composta de 97 indivíduos - 39 homens e 58
mulheres. A média de idade foi de 22,23 anos (desvio padrão de 3,751) com variação de 17
até 41 anos.
Material
Utilizamos como material sessenta fichas de cassino que eram manuseados pelos
sujeitos durante o jogo; um cronômetro; caixas de chocolate que serviam como recompensa
para os ganhadores, oito computadores para aplicação do instrumento IAT, quatro camisetas
azuis e quatro vermelhas para dividir os sujeitos em dois grupos.
Instrumento
Foi utilizado como instrumento para a coleta dos dados o IAT (Implicit
Assotiation Test) desenvolvido por Greenwald e colaboradores (1998). Esse é um software
que era executado após as sessões do jogo looping. Seu objetivo era medir a força de
associações automáticas entre conceitos. Isso é possível porque esse instrumento calcula o
tempo que o sujeito leva para associar conceitos alvos palavras que surgem no meio da tela
– com dimensões de atributos na forma duas categorias discriminatórias – palavras que
aparecem fixas nos cantos esquerdo e direito da parte de cima da tela (Figura 1). Assim, o
método avalia se os conceitos alvos eram automaticamente associados a uma das duas
palavras representadas no par categórico. Quanto mais pido o tempo de resposta (latência)
mais forte é a associação.
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A vantagem desse todo é que revela atitudes implícitas (predisposição
automática para avaliar estímulos de maneira consistentemente favorável ou desfavorável) e
outros processos cognitivos automáticos mesmo quando os sujeitos preferem não expressá-las
(Greenwald et al., 2008).
O IAT tem uma seqüência de tarefas e dependendo da tarefa os conceitos alvos
podiam ser expressões de conteúdo agradável ou desagradável ou pseudônimos atribuídos aos
sujeitos dos grupos azul e vermelho. Já as categorias discriminatórias podiam ser os grupos
classificatórios antagônicos azul-vermelho, agradável-desagradável ou ainda a combinação
desses pares numa mesma fase (ver Figuras 1.3 e 1.5).
5
Desagradável
Vermelho
Agradável
Azul
Humilhação
Vermelho
Azul
Desagradável
Azul
Agradável
Vermelho
Mair
Rene
Agradável Desagradável
Azul Vermelho
Radir
Paz
Figura 1. Fases do IAT, 1
o
fase - os participantes devem classificar as palavras que aparecem no
meio da tela do computador como “agradáveis” ou “desagradáveis”; 2
o
fase- os participantes
devem indicar se as palavras que aparecem no meio da tela do computador pertencem a uma
determinada categoria, no caso dessa pesquisa “Azul” e “Vermelho”; 3
o
fase - fase de associação
das categorias “Azul com Agradável” e Vermelho com Desagradável” os sujeitos devem associar
as palavras que aparecem no meio da tela com um desses dois grupos categóricos; 4
o
fase-
consiste na inversão da posição das categorias da segunda fase; 5
o
fase- a associação é feita com
os grupos categóricos da 3° fase invertidos.
1.1 1.2
1.3
1.4
1.5
88
Procedimentos
Esse estudo foi realizado no Laboratório de Etologia Humana, localizado no
departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Os sujeitos
participaram de um jogo de soma zero batizado de Looping”, especialmente desenvolvido
para este estudo. Inicialmente, eles concordaram em participar da pesquisa através da
assinatura do termo de consentimento livre e informado.
Execução do Looping
Nessa pesquisa participaram seis ou oito sujeitos, dependendo do número de
pessoas disponíveis. Elas eram divididas em duas equipes que se distinguiam através de
coletes nas cores Azul e Vermelho (ver Figuras 2). Essas equipes foram compostas por
estudantes de diferentes cursos ou universidades sendo esse o critério utilizado para separar os
grupos. Os membros de uma equipe podiam ou não conhecer os membros da equipe rival e
esse dado foi registrado para análises posteriores.
Aos sujeitos foram dados pseudônimos que deveriam ser repetidos,
insistentemente, no decorrer do jogo para serem memorizados e utilizados nas etapas
seguintes do experimento. Esses ficavam no torso de cada participante, visíveis através de
crachás, para serem observados por todos. Esses pseudônimos foram escolhidos de forma que
pudessem ser utilizados por homens e mulheres. Deste modo, os participantes que recebiam
coletes azuis foram denominados de - Rafa, Radir, Rene, Rosi; e os participantes que
recebiam coletes vermelhos foram denominados de - Marly, Mair, Manu e Maia. Os apelidos
também funcionavam como pistas para discriminação dos grupos, através da primeira letra
dos nomes. No caso do grupo azul a primeira letra dos apelidos de todos os participantes
começava com a letra “R” e no grupo vermelho começa com a letra “M”. Tivemos o cuidado
de escolher apelidos formados apenas por palavras dissílabas para que o tempo de leitura não
interferisse no tempo de reação das associações durante o IAT. Por fim, era realizada a
distribuição dos crachás, executada de forma aleatória.
No início do jogo, eram distribuídas 03 fichas a cada participante, sendo que cada
grupo recebeu no total 9 ou 12 fichas, dependendo no número de participantes no
experimento. Havia um recurso público - um bem esgotável de fichas que todos podiam
utilizar e que se encontrava no meio da sala visível a todos. Esse recurso continha 25 fichas
e poderia ser manipulado por todos no decorrer do jogo.
Cada equipe escolhia seu líder. Ele determinava a estratégia a ser executada, mas
poderia receber conselhos dos outros membros do seu grupo. Cada um dos sujeitos ia
individual e alternadamente até o recurs
3 fichas por jogada no tempo máximo de 01 minuto.
O objetivo do jogo era maximizar os ganhos sem extinguir o recurso público. Para
que isso não acontecesse, algumas regras deviam ser seguidas no decorr
1. quando houvesse
acrescentar até 3 fichas;
2. quando houve
sse
acrescentar pelo menos o suficiente para completar 1
3. quando houve
sse
mais uma ficha.
Ao final de quatro
equipe vencedora e receb
er
de uma situação de conflito, t
grupos.
Posteriormente os sujeitos eram submetidos ao IAT.
Aplicação do IAT (
Implicit Association Test
Nas duas situações, todos os suj
O IAT media
conceito
alvo aparecia até o momento que o sujeito apertava o botão que representa
associação. No fim,
o teste
azul-agradável/vermelho-
desagradável ou vermelho
resultado mostra que tipo de associação est
Figura 2-
Representação gráfica da
sujeito
na situação experime
individual e alternadamente até o recurs
o público e de onde
poderia retirar ou acrescentar até
3 fichas por jogada no tempo máximo de 01 minuto.
O objetivo do jogo era maximizar os ganhos sem extinguir o recurso público. Para
que isso não acontecesse, algumas regras deviam ser seguidas no decorr
1. quando houvesse
16 fichas ou mais no recurso público, o jogador pode
sse
menos do que 15 fichas, o jogador deve
acrescentar pelo menos o suficiente para completar 1
5 fichas;
sse
exatamente 15 fichas, o jogador deveria
Ao final de quatro
rodadas a equipe que tivesse o
maior número de fichas seria a
er
ia uma caixa de chocolate como prêmio. Esse
de uma situação de conflito, t
inha
o objetivo de gerar hostilidade entre os membros dos dois
Posteriormente os sujeitos eram submetidos ao IAT.
Implicit Association Test
)
Nas duas situações, todos os suj
eitos participaram da aplicação do IAT.
o tempo (latência), em milissegundos,
desde o momento que o
alvo aparecia até o momento que o sujeito apertava o botão que representa
o teste
indicava a média de tempo gas
to pelo sujeito
desagradável ou vermelho
-
agradável/azul
resultado mostra que tipo de associação est
ava sendo realizada
pelo sujeito com maior força
Representação gráfica da
organização dos grupos e seqüência de jogadas de cada
na situação experime
ntal
.
89
poderia retirar ou acrescentar até
O objetivo do jogo era maximizar os ganhos sem extinguir o recurso público. Para
que isso não acontecesse, algumas regras deviam ser seguidas no decorr
er do jogo:
16 fichas ou mais no recurso público, o jogador pode
ria retirar ou
menos do que 15 fichas, o jogador deve
ria, obrigatoriamente,
acrescentar ao menos
maior número de fichas seria a
ia uma caixa de chocolate como prêmio. Esse
jogo, por ser tratar
o objetivo de gerar hostilidade entre os membros dos dois
eitos participaram da aplicação do IAT.
desde o momento que o
alvo aparecia até o momento que o sujeito apertava o botão que representa
va a
to pelo sujeito
em duas condições:
agradável/azul
-desagradável. Esse
pelo sujeito com maior força
organização dos grupos e seqüência de jogadas de cada
90
em relação aos dois grupos, vermelho e azul. Assim, a situação no qual o sujeito responde em
média mais rapidamente indica que essa situação está sendo categorizada mais fortemente.
Inicialmente, os sujeitos eram levados à sala dos computadores na qual recebiam
as instruções de como proceder durante a aplicação do IAT.
As etapas da aplicação do IAT foram as seguintes:
Treino 1- Aprendendo o conceito de dimensão: na primeira tarefa (Figura 1.1),
introduziam-se conceitos alvos que correspondiam aos pseudônimos atribuídos aos sujeitos do
grupo azul e vermelho para que, assim, pudessem ser associados pelos sujeitos com o par
categórico azul-vermelho. Esse par categórico estava localizado, respectivamente, à esquerda
e à direita no alto da tela do computador, visível em tempo integral. Os sujeitos teriam que
apertar o botão da esquerda (letra “e”) quando identificassem palavras que se referiam ao
grupo azul e o botão da direita (letra “i”) quando identificassem palavras que se referiam ao
grupo vermelho. Quando se cometia um erro categórico (apertar a letra “ipara palavras que
se referiam ao grupo azul ou a letra “e” para palavras que se referiam ao grupo vermelho) a
palavra “Erro” aparecia indicando que o sujeito deveria realizar a categorização correta.
Treino 2 - Aprendendo a atribuir dimensão: na segunda tarefa (Figura 1.2),
introduziam-se conceitos alvos distintos (palavras sem conteúdo estereotipado), localizados
no centro da tela do computador, que eram expressões de conteúdo agradável (Carinho,
Felicidade, Prazer, Paz, Alegria, Sorte, Amor e Maravilhoso) ou desagradável (Tragédia,
Horrível, Agonia, Aflição, Terrível, Dor, Humilhação, Desonestidade). Os sujeitos deveriam
indicar se o conceito alvo era de conteúdo agradável ou desagradável. Esse par categórico
também se localizava à esquerda e à direita no alto da tela do computador. Os sujeitos teriam
que apertar o botão da esquerda quando identificavam palavras de conteúdo agradável e o
botão da direita quando identificavam palavras de conteúdo desagradável.
Treino 3 - Pareando-atribuindo conceitos e Medida 1: na terceira tarefa (Figura
1.3), as duas categorias discriminatórias eram combinadas e apareciam juntas no alto da tela
do computador. À esquerda as categorias Agradável-Azul e à direita as categorias
Desagradável-Vermelho. No centro da tela apareciam palavras agradáveis/desagradáveis ou
os nomes de componentes dos grupos azul/vermelho. Os indivíduos tinham a tarefa de
categorizar o mais rápido que pudessem os nomes de membros do grupo azul ou palavras
discriminadas como agradáveis apertando a letra “e” e os nomes de membros do grupo
vermelho ou palavras ditas desagradáveis apertando a letra “i”. Essas três primeiras fases
eram realizadas com o objetivo de ensinar os sujeitos a manusear o IAT e para que
aprendessem a realizar as associações, evitando que os erros ou a demora em realizar
91
associações ocorressem por falta de habilidade com o software. Posteriormente, essa última
etapa, com as categorias distintas combinadas, era repetida sendo realizada a medição do
tempo de resposta entre os estímulos alvo e os grupos categóricos.
Treino 4 - Aprendendo a trocar a localização espacial dos conceitos: a quarta
tarefa (Figura 1.4) consistia na inversão da posição das categorias da segunda tarefa, ou seja,
os rótulos categóricos “Azul” e “Vermelho” apareciam no monitor em posição contrária à que
haviam aparecido na segunda fase, isto é associados inversamente com o outro par categórico
(Desagradável/Agradável). Nessa fase não era medido o tempo de resposta. A ordem de
combinação das categorias discriminatórias foi alternada.
Treino 5 Pareando-atribuindo conceitos e Medida 2: os pares categóricos
também eram combinados na quinta tarefa (Figura 1.5) aparecendo num ensaio alternado. Os
indivíduos teriam que categorizar os nomes de membros do grupo azul e as palavras
discriminadas como desagradáveis apertando o botão da direita e do grupo vermelho com
palavras ditas agradáveis apertando o botão da esquerda. Essa etapa também era inicialmente,
realizada com o intuito de aprender a manusear o IAT com os pares categóricos dispostos
alternadamente e de evitar erros por falta de habilidades com o software e por falta de
habilidade com a nova situação. Mas também a repetíamos, e somente na segunda vez era
realizada a medição do tempo de resposta entre os estímulos alvo e os grupos categóricos.
O tempo de associação era registrado automaticamente pelo software. As latências
foram medidas nas etapas 3 e 5. O IAT analisava que tipo de associação tinha sido realizado
mais rapidamente se azul-agradável/vermelho-desagradável ou vermelho-agradável/azul-
desagradável. A aplicação do IAT levava aproximadamente 15 minutos para ser realizada.
ANÁLISE ESTATÍSTICA
Para realização da análise dos dados, inicialmente, foram considerados os dois
tipos de medidas realizadas pelo IAT, azul-agradável/vermelho-desagradável e vermelho-
agradável/azul-desagradável. O software mostrou o tempo de reação disposto dessa forma. No
entanto, para facilitar a análise, unimos as categorias em própria coalizão agradável/ coalizão
adversária desagradável, que aqui denominaremos de associações compatíveis e a segunda é a
categorização do tipo própria coalizão desagradável / coalizão adversária agradável, que aqui
denominaremos de associações incompatíveis. Deste modo pudemos fazer a análise estatística
baseado na categorização de grupo realizada pelos sujeitos, a partir da distinção de quais
92
sujeitos pertenciam ou não ao seu grupo e que adjetivos (agradáveis ou desagradáveis) eram
associados a eles.
Para realizar a análise estatística foram seguidas as orientações sugeridas por
Greenwald e colaboradores. (1998). Em função disso, os tempos de associação (latência)
inferiores a 300 milésimos de segundo (ms.) e superiores a 3000 ms., eram pra ser
substituídas por 300 e 3000ms., respectivamente e em seguida todas as médias foram
logaritimizadas. No entanto, não foi necessário fazer substituições. Usamos para analisar de
dados o teste estatístico não-paramétrico Wilcoxon, devido à baixa amostra obtida em alguns
grupos ao analisarmos diferenças sexuais. Com esse teste estatístico pudemos verificar se
havia diferença significativa entre os tempos de associação dos estímulos alvo e os pares
categóricos das duas situações: associações compatíveis e associações incompatíveis.
Também usamos o GLM univariado para verificarmos as diferenças de categorização entre os
sexos. As análises foram feitas utilizando o pacote estatístico SPSS (Statistical Package for
the Social Sciences). Essas são: diferenças entre os ganhadores e perdedores, quando ocorria
ou não doação do prêmio obtido pelos ganhadores aos perdedores, quando os ganhadores não
comemoravam vitória obtida e quando havia histórico de contatos entre os membros dos dois
grupos. Vale salientar que as situações de doação, comemoração e conhecimento ocorreram
espontaneamente e foram apenas registradas pelos pesquisadores. Também realizamos a
análise do Efeito IAT que é obtido através da diferença entre as associações incompatível e
compatível. Essa análise era realizada para verificarmos se havia diferença na forma como
homens e mulheres categorizavam grupos sociais.
RESULTADOS
Nesse estudo observamos que ambos os sexos apresentam tempo de reação
(latência) menor na condição associações compatíveis, o que indica que esses sujeitos estão
associando palavras positivas aos aliados e palavras negativas aos adversários. Nossos dados
mostram que, de modo geral, uma maior diferença entre as associações incompatíveis e
compatíveis nas mulheres. Isso significa que elas realizam categorização social em contextos
de competição mais fortemente do que os homens. Assim, no sexo feminino a diferença entre
as duas situações é significativa (Wilcoxon; n= 48; Z= -3,056 e p= 0,002). Já no sexo
masculino, que também apresentou tempo médio de reação em milissegundos menor na
condição associação compatível, não se obteve diferença significativa entre as duas situações
(Wilcoxon; n= 31; Z= -1,235 e p= 0,217) (Figura 3). Apesar de haver diferença entre as
93
associações compatíveis e incompatíveis no sexo feminino e não no sexo masculino, a
diferença do Efeito IAT entre os sexos não apresentou significância (n= 79; F= 0,809; p=
0,371), o que se explica pelo fato de que a categorização ocorre na mesma direção para
homens e mulheres (Figura 3).
Esse resultado sugere que há outras variáveis que estão interferindo na intensidade
dessas associações, intensificando ou atenuando seu efeito. Em função disso, analisamos os
resultados separando-os em função de situações que ocorreram espontaneamente, e que
indicavam um possível efeito sobre a intensidade do conflito entre os grupos na situação de
jogo. Essas variáveis são partilha, comemoração e conhecimento anterior. Verificamos, aqui,
se havia diferença de dia em três situações específicas: quando ocorria partilha do prêmio
obtido pelos ganhadores com os perdedores, quando os ganhadores não comemoravam a
vitória obtida e quando os sujeitos declararam, em questionário, conhecer os participantes dos
dois grupos (chamaremos essa variável de conhecimento). Vale salientar que as situações de
partilha ocorreram espontaneamente e foram apenas registradas pelos pesquisadores.
Variável resultado
Entre os ganhadores pudemos verificar que nem homens nem mulheres mostraram
diferenças significativas entre as associações compatíveis e incompatíveis, indicando que
ambos parecem diminuir seu nível de categorização negativa quando são vitoriosos. Na
comparação de latência para as associações compatíveis e incompatíveis não houve
Associações compatíveis
Associações incompatíveis
*
Figura 3. Média e desvio padrão do tempo de
resposta do IAT nas situações associações
compatíveis e associações incompatíveis do sexo
masculino e feminino. * p < 0,05.
Efeito IAT = 90 ms
Efeito IAT = 147 ms
Latência em ms
94
significância nem para mulheres, nem para os homens (mulheres: n= 22; Z= -1,899 e p=
0,058; homens: n= 17; Z= -1,112 e p= 0,266), embora entre as mulheres o índice estivesse
muito próximo. Já entre os que perderam esse padrão não se manteve. Mulheres apresentaram
maior diferença entre as duas associações estudadas. A diferença entre as mulheres foi
significativa mas não para os homens (sexo feminino: n= 26; Z= -2,375 e p= 0,018; sexo
masculino= 14; Z= -0,785 e p= 0,433). Devido às semelhanças nos padrões de categorização
entre os sexos não houve diferença significativa no Efeito IAT nem entre os que ganharam,
nem entre os que perderam (ganhadores: n= 39; F= 0,102 e p= 0,752; perdedores: n= 39; F=
0,955 e p= 0,335) (Figura 4).
Variável doação
Nos grupos nos quais houve doação da recompensa pelo grupo vencedor não
encontramos diferença na forma como homens e mulheres realizaram a categorização de
grupo. Nem no sexo feminino, nem no sexo masculino as diferenças nas latências entre as
situações compatíveis e incompatíveis foram significativas (sexo feminino: n= 20; Z= -0,672
e p= 0,502; sexo masculino: n= 18; Z= -0,719 e p= 0,472). No entanto, nos grupos nos quais
não houve doação da recompensa obtida pelos vencedores a diferença de latência entre as
duas situações nas mulheres foi significativa mas não para os homens (sexo feminino: n= 28;
F= -3,256 e p= 0,001; sexo masculino: n= 13; Z= -0,874 e p= 0,382). Isso indica que as
mulheres estão categorizando mais fortemente do que os homens seu grupo como agradável e
o grupo adversário como desagradável quando não doação da recompensa. Apesar de
Figura 4. Média e desvio padrão, em milissegundos da resposta, nas situações: associações compatíveis e
associações incompatíveis nos grupos de ganhadores (A) e de perdedores (B). * p < 0,05 entre as duas
Associações compatíveis
Associações incompatíveis
*
A
B
Efeito IAT = 117 ms
Efeito IAT = 136 ms
Efeito IAT = 57 ms
Efeito IAT = 155 ms
Latência
em ms
95
haver diferença entre as latências de homens e mulheres na situação no qual não houve
doação, não encontramos diferença do efeito IAT entre os sexos nem nos grupos no qual
houve doação nem nos grupos no qual não houve doação (houve doação: n= 38; F= 0,026 e
p= 0,873; não houve doação: n= 41; F= 1,207 e p= 0,279) (Figura 5).
Variável comemoração
Variável comemoração
Pudemos observar através dos dados que no sexo feminino a variável
comemoração foi utilizada para discriminar grupos. Houve maior diferença entre as condições
associações compatíveis e incompatíveis nas mulheres nos grupos nos quais ocorreu
comemoração da vitória, o que significa que elas parecem categorizar o grupo adversário mais
negativamente nessa situação. Somente para as mulheres essa diferença foi significativa (sexo
feminino: n= 23; Z= -0,357 e p= 0,001; sexo masculino; n= 34; Z= -0,456 e p= 0,648). nos
grupos nos quais não houve comemoração, pudemos observar que não houve diferença na
forma como homens e mulheres categorizam os grupos (sexo feminino: n= 14; Z= -0,534 e p=
0,594; sexo masculino: n= 8; Z= -1,400 e p= 0,353). Apesar da diferença entre as latências de
homens e mulheres na situação no qual houve comemoração, não encontramos diferença
significativa do efeito IAT entre os sexos nem nos grupos no qual houve comemoração e nem
no qual não houve comemoração. (Quando houve comemoração: n= 57; F= 0,661 e p= 0,420;
não houve comemoração: n= 22; F= 0,002 e p= 0,964) (Figura 6).
Associações compatíveis
Associações incompatíveis
A
B
Figura 5. Média e desvio padrão, em milissegundos da resposta do IAT, nas situações: associações
compatíveis e associações incompatíveis nos grupos doadores (A) e de não doadores (B). * p < 0,05 entre as
duas situações descritas.
*
Efeito IAT = 206 ms
Efeito IAT = 65 ms
Efeito IAT = 65 ms
Efeito IAT = 62 ms
Latência
em ms
96
Variável conhecimento
Na situação no qual os membros de um grupo conheciam os membros do grupo
adversário pode-se observar que não houve diferença na forma que homens e mulheres
categorizaram os grupos. Nem no sexo feminino, nem no sexo masculino as latências entre as
situações compatíveis e incompatíveis apresentaram diferenças significativas significativas.
(Sexo feminino: n= 26; Z= -1,511 e p= 0,131; sexo masculino n= 16; Z= -0,827 e p= 0,408).
Já na situação no qual os membros de um grupo não conheciam os membros do grupo
adversário as latências entre as situações compatíveis e incompatíveis foram significativas
somente para o sexo feminino (Sexo feminino: n= 22; Z= -2,581 e p= 0,01; sexo masculino:
n= 15; Z= 0,1022 e p= 0,302). Apesar das diferenças entre as latências nas mulheres e não nos
homens na situação no qual os membros de um grupo relataram não conhecer os adversários,
não encontramos diferença do efeito IAT entre os sexos nem nos grupos no qual os membros
conheciam os adversários nem nos grupo no qual os membros do grupo relataram não
conhecer os adversários. (Quando conheciam: n= 37; F= 0,10 e p= 0,920; quando não
conheciam: n= 42; F= 0,756 e p= 0,390). (Figura 7).
A
B
*
Figura 6. Média e desvio padrão do tempo de resposta do IAT nas situações: associações compatíveis e
associações incompatíveis nos grupos no qual houve comemoração por parte dos vencedores (A) e no qual não
houve comemoração por parte dos vencedores
(B).
* p < 0,05 entre as duas situações descritas.
Efeito IAT = 172 ms
Efeito IAT = 89 ms
Efeito IAT = 92 ms
Efeito IAT = 84 ms
Latência
Associações compatíveis
Associações incompatíveis
97
DISCUSSÃO
A partir dos dados obtidos pudemos ver que homens e mulheres realizaram a
categorização social na mesma direção, ambos associando mais fortemente palavras positivas
aos aliados e palavras negativas ao grupo adversário.
Vale salientar que, nessa pesquisa, não foram encontrados diferenças
significativas entre os sexos na forma como ambos categorizam grupos. Possivelmente, em
qualquer das situações, homens e mulheres categorizaram sempre na mesma direção. No
entanto, verificamos que em alguns contextos as mulheres realizaram fortes categorizações
sociais e os homens não. Em situações de competição, elas associaram mais rapidamente os
membros do grupo adversário com palavras negativas e o seu grupo com palavras positivas.
A forma como ambos os sexos categorizaram o grupo adversário variaram na
presença de algumas situações que surgiram espontaneamente durante a competição. Homens
e mulheres parecem categorizar de maneira semelhante na presença de pistas atenuantes,
como a cooperação, a ausência de comemoração ou quando relatam conhecerem pelo menos
um membro do grupo adversário. Já nas situações no qual pistas de atenuação de conflitos não
estavam presentes, as mulheres apresentaram categorização negativa mais forte na condição
compatível, ou seja, elas associaram o grupo adversário de forma negativa mais fortemente.
Esperávamos que diante desse contexto os homens apresentassem maiores
categorizações negativas direcionadas aos adversários e não as mulheres. Esses resultados
*
Figura 7. Média e desvio padrão do tempo de resposta do IAT nas situações: associações compatíveis e
associações incompatíveis nos grupos no qual houve comemoração por parte dos vencedores (A) e no qual não
houve comemoração por parte dos vencedores
(B).
* p < 0,05 entre as duas situações descritas.
A
B
Associações compatíveis
Associações incompatíveis
Efeito IAT = 113 ms
Efeito IAT = 13 ms
Efeito IAT = 172 ms
Efeito IAT = 185 ms
Latência
98
podem indicar que o sexo feminino, diante de situações de competição, são mais hostis do que
o sexo masculino. No entanto, esse ponto de vista, contrapõe à literatura vigente que sugere
que a competição é geralmente mais intensa entre machos do que entre fêmeas e que homens
são mais engajados em situações de conflito (Wilson & Daly, 1985).
Portanto, é possível que não haja uma correlação direta entre categorização
negativa e comportamento agressivo. Talvez homens sejam, de fato, mais agressivos, apesar
de as mulheres associarem mais rapidamente e fortemente o grupo adversário com palavras
desagradáveis. Devemos ter em mente que, estamos comparando os processos avaliativos de
homens e mulheres. Além disso, as mulheres podem categorizar o grupo adversário de forma
hostil por motivos diferentes dos manifestados nos homens (Taylor et al., 2000), até porque,
para elas, o envolvimento em situação de guerra e conflito é altamente custoso em termos
adaptativos.
A maior categorização negativa dos grupos rivais pelo sexo feminino pode ser
justificada pela tendência delas a responderem mais aversivamente a situações de risco
(Powel & Ansic, 1997). A insegurança inerente a essas situações pode induzir as mulheres a
comportar-se de forma a garantir sua sobrevivência e de sua prole, e essa característica pode
gerar fortes categorizações direcionadas ao grupo adversário. Exatamente por isso uma
maior freqüência de intervenções femininas cujo intuito é eliminar a ameaça associada a
grupos estranhos (Taylor et al., 2000). Isso significa que as mulheres apresentam elevada
ansiedade diante de estímulos que representam qualquer risco a si e aos seus infantes. Vugt
(2008) ainda afirma que o sexo feminino, geralmente, afilia-se a grupos no intuito de reduzir
os riscos diante de situações de conflito (Vugt, 2008). O que também corrobora as idéias aqui
dispostas.
O fato de sentirem hostilidade não significa, necessariamente, tendência a
agressão. No entanto, seria evolutivamente vantajoso se no decorrer do processo de seleção
natural as mulheres tivessem desenvolvido mecanismos para identificar grupos/indivíduos
rivais mais rapidamente. Assim, elas poderiam se antecipar a possíveis situações de risco e
garantir sua proteção e conseqüentemente sua sobrevivência e de sua prole. Ao contrário, os
homens precisariam avaliar mais adequadamente as situações de risco e conflito para não
realizar investidas hostis inadequadas. Isso poderia gerar graves conseqüências negativas,
que também poderiam ser hostilizados pelo grupo adversário. Talvez isso explique o porquê
em um jogo que tem cinco minutos de duração não encontrarmos associações do grupo
adversário com palavras negativas no sexo masculino. Possivelmente, esse tempo não é
suficiente para realizar uma avaliação segura acerca das possíveis ameaças.
99
De modo geral, essa pesquisa buscou avaliar como os sexos categorizam seu
grupo e o grupo rival diante de situações de competição. Pôde-se constatar que, de fato, o ser
humano categoriza seu mundo social em “Nós versus Eles”. E apesar de as mulheres terem
mostrado categorização negativa mais fortemente direcionada ao grupo adversário do que os
homens, não encontramos diferenças na forma como homens e mulheres realizam
categorização social.
No entanto, a maior rapidez no processo de categorização por parte das mulheres
são compatíveis com a perspectiva evolucionista. Homens e mulheres de fato parecem ter
desenvolvido mecanismos psicológicos que respondem diferentemente em situação de
hostilidade. Enquanto o sexo masculino se comporta violentamente, elas tendem a se proteger,
mas ambos respondem hostilmente a esses estímulos.
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102
B.3 - ARTIGO EMPÍRICO III PERCEBENDO-SE DIFERENTE: A INFLUÊNCIA
DA MISCIGENAÇÃO NA PERCEPÇÃO DE RAÇA
Título abreviado
Percepção de raça
Diego Macedo Gonçalves
1
Maria Emília Yamamoto
1
*
1
Programa de Pós Graduação em Psicobiologia, Departamento de Fisiologia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil
*Correspondência:
Maria Emília Yamamoto
Campus Universitário, Caixa Postal 1511
59078-970 – Natal – RN – BRAZIL
103
RESUMO
A história do Brasil é marcada por um intenso processo de miscigenação. Cor da pele,
características faciais e características capilares variam em uma escala gradativa na
população. Por esse motivo, as pistas que diferenciam etnias não são fortemente
representadas. Isso interfere no processo de categorização racial. Neste estudo verificamos se
os sujeitos usam a cor da pele como um critério de categorização social e se a forma como os
sujeitos percebem a cor da pele, em determinados contextos, interfere nesse processo. Os
dados foram obtidos através do protocolo de confusão de memória e analisados segundo um
processo estatístico chamado inferências bayesianas. Pudemos fazer deduções sobre que tipo
de classificação estava sendo realizada pela população universitária em alguns contextos
específicos. Utilizamos 485 sujeitos distribuídos pelos Estados do Rio Grande do Norte,
Bahia, Espírito Santo, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso em nossa
pesquisa. Nossos resultados mostram que alunos de universidades públicas que declararam
serem pardos e vivem em estados que apresentaram população predominantemente branca
realizam a categorização dos brancos mais fortemente do que dos pardos e o mesmo não
acontece com outros grupos ou em outros contextos. Isso indica que as realidades cio-
econômicas da região sul e sudeste podem estar interferindo no processo de categorização.
Palavras chaves: Coalizão, evolução, categorização, percepção de raça.
ABSTRACT
Brazilian history is widely known for an intense process of miscegenation. Skin color, facial
and hair traits vary slightly along a scale into the population. Because of this, cues that
differentiate ethnic groups are not strongly represented. This lack of ethnic cues may interfere
in the process of racial categorization. In the present study we investigate whether the subjects
use the skin color as criteria of social categorization. Data were collected using the memory
confusion protocol and analyzed following the statistical process known as Bayesian
inference. We were able to make deductions about the kind of classification made by
undergraduate students in some specific contexts. Sample was composed by 485
undergraduate students from six Brazilian states (Rio Grande do Norte, Bahia, Santa Catarina,
São Paulo, Rio de Janeiro and Mato Grosso). Results show that students from public
universities who declared themselves as pardo colored but who live in states with a
predominantly white population make the categorization of white colored skin more strongly.
We used Bayesian inference in order to investigate if a given race can increase the
104
probabilistic perception of pertaining to another social group. We conclude that the socio-
economic realities from South and Southeast brazilian regions may be interfering in the
categorization process.
Keywords: coalition, evolution, categorization, Bayesian, race perception.
INTRODUÇÃO
A história do Brasil foi marcada por um intenso e complexo processo de
miscigenação entre populações de diferentes partes do mundo, principalmente, europeus,
africanos e ameríndios (Telles, 2004). Esse fato gerou um povo mestiço que agrega
características de várias etnias em seu fenótipo.
O resultado dessa mistura se expressa, entre outras coisas, na dificuldade dos
brasileiros em classificar sua população por raça. No Brasil não um padrão classificatório
rígido de grupos raciais pelo seu fenótipo, como acontece nos Estados Unidos. No censo do
IBGE de 1976, por exemplo, foram usados mais de 135 termos para descrever a cor da pele
(Rocha & Rosemberg, 2007). No entanto, a maioria de termos como, moreno, mulato, mestiço
etc, pode ser agrupado na categoria pardo ou miscigenado.
A população brasileira que se declara parda representa 42,1% da população
total (IBGE, 2004). E este número pode ser ainda maior, pois o critério de classificação
adotado pelo IBGE é a cor da pele por auto-declaração e esse critério pode não representar
com fidedignidade o genótipo dos sujeitos consultados. Um exemplo disso é o grande número
de pessoas que se declaram brancas, mas que têm ancestralidade africana, em sua árvore
genealógica (Telles, 2004). A imprecisão desse método, no entanto, reflete a forma como o
povo brasileiro popularmente categoriza raça, relacionando-a mais à cor da pele do que à
ancestralidade (Heringer, 2002; Telles, 2004).
Métodos de análise de DNA foram usados para reconstruir a história genética do
povo brasileiro. O cromossomo Y e o DNA mitocondrial provêem informações que permitem
delinear, respectivamente, patrilíneas e matrilíneas.
Os estudos filogeográficos desenvolvidos
por Carvalho-Silva e colaboradores (2001), que realizaram pesquisas com o cromossomo Y,
mostraram que as patrilíneas dos brasileiros são em sua maioria de origem européia, sendo
que apenas 2,5% das linhagens do cromossomo Y são africanas. Além disso, não foram
encontradas linhagens ameríndias. Alves-Silva e colaboradores (2000), que trabalharam
com o DNA mitocondrial mostraram que as maiorias das matrilíneas são de origem
ameríndia ou africana, aproximadamente 60%. Esses dados demonstram a intensa
miscigenação ocorrida no Brasil, fundamentada em um tipo de colonização majoritariamente
105
masculina, que aqui reproduzia com as índias e escravas africanas. Por esse motivo as pistas
que caracterizam raças não são fortemente representadas. Cor da pele, características faciais e
características capilares variam em escala gradual na população (Yamamoto et al., em prep.),
o que dificulta ainda mais o processo de categorização racial.
Há evidências de que existem aparatos biológicos para categorizar raça?
Até final da década de 80, vários estudos do campo da Psicologia Social
defendiam que a identificação de raça ocorria inevitavelmente e sem o desejo consciente das
pessoas (Devine, 1989). Allport (1954), por exemplo, afirmava que a raça, a idade e o sexo
são identificados de modo obrigatório pelo ser humano, sendo pouco influenciados pelo
contexto social. Taylor e colaboradores (1978) tentaram refutar essa idéia e demonstrar que
em alguns contextos esse processo classificatório poderia ser modificado. Para isso utilizaram
um instrumento de categorização social, o “protocolo de confusão de memória”, no intuito de
provar que esse fenômeno é contextual. No entanto, o resultado foi negativo.
Estudos recentes desenvolvidos por Kurzban e colaboradores (2001) chegaram à
conclusão que a cognição humana não apresenta nenhuma estrutura com a função específica
de classificar os sujeitos por sua raça. No decorrer do processo de seleção natural, áreas do
cérebro se especializaram em determinadas funções (Barkow et al., 1995; Cosmides & Tooby,
1992), mas é improvável que tenha havido uma adaptação que permitisse ao homem
categorizar raça de maneira automática e arbitrária. Isso se deve ao fato que no Ambiente de
Adaptação Evolutiva (AAE) não havia meios de se locomover a grandes distâncias, o que
impossibilitava o contato com populações fenotipicamente diferentes (Cosmides et al., 2003).
No entanto, é extremamente possível que o ser humano tenha desenvolvido mecanismos
psicológicos capazes de segregar o mundo em categorias sociais “Nós versus Eles”, que
havia contatos entre diferentes grupos dessa espécie em disputa por recursos escassos e
parceiras sexuais.
Pistas partilhadas pelos membros de uma mesma coalizão são utilizadas como
referência de pertinência a um grupo, sendo identificadas pela cognição humana. Essas pistas
podem ser características sócio-culturais e fenotípicas, como vestimentas, comportamentos,
gírias, diferenças socioeconômicas e a mesmo a cor da pele. Isso significa que um
mecanismo que usa essas peculiaridades para classificar as pessoas como pertencentes ao seu
grupo ou como pertencentes a outros grupos (Cosmides et al., 2003). A categorização de raça
seria apenas um subproduto desse processo (Kurzban et al., 2001; Price et al., 2002; Tooby et
al., 2006). Apesar de haver diferenças fenotípicas, sociais e culturais em um mesmo grupo,
106
essas diferenças tendem a ser minimizadas enquanto que as diferenças entre grupos rivais
permanecem muito evidentes e ressaltadas (Taylor et al., 1978).
Processo de categorização no Brasil
uma grande disparidade na forma como brasileiros e americanos realizam a
categorização racial de suas populações. Nos Estados Unidos a grande maioria das pessoas
que têm origem africana é classificada como negra (black). no Brasil, mesmo indivíduos
que têm descendentes vindos da África também podem ser qualificados como brancos. Isso
acontece porque nessa última nação mencionada a categorização racial
1
se mais pela cor da
pele do que pela ancestralidade (Heringer, 2002; Telles, 2004).
No Brasil, a categorização geralmente se dá mais fortemente através das classes
sociais do que pela raça. Telles (2004) sugere que a exclusão de não brancos, no Brasil, ocorre
mais em função das disparidades econômicas do que por questões puramente raciais. Mas,
essas variáveis mudam dependendo do contexto regional. A composição racial e econômica
varia bastante de Estado para Estado. E num país de dimensões continentais e com tantas
diferenças sócio-econômicas dificilmente os padrões de pertinência e aliança serão uniformes
a todos os contextos. Além disso, as alianças mudam ao longo do tempo, variando em
composição, duração e coesão (Cosmides et al., 2003) e, no Brasil, a cor da pele pode servir
como pista que indique a classe social das pessoas em interações sociais (Yamamoto et al.,
em prep.).
A variação demográfica brasileira influencia os padrões de aliança, permitindo
identificar situações nas quais a categorização por raça mostra grande rigidez, e outras nas
quais a categorização social é facilmente atenuada (Yamamoto et al., em prep.). O mecanismo
cognitivo “Nós versus Eles” identifica as pistas sociais especificas de cada região e as usa
para discriminar padrões de aliança.
No entanto, o ato de categorizar os indivíduos em alianças, independente das
pistas utilizadas, às vezes predispõe o ser humano a avaliar de maneira mais positiva seu
1
O conceito de categorização racial é diferente do conceito de estereótipo racial (Yamamoto et al., em
prep.). O termo estereótipo refere-se ao processo avaliativo que possibilita falsas generalizações (Collins, Crandall & Biernat,
2005). Já ao incluirmos o termo raça estamos dizendo que esse processo se dá em sujeitos categorizados como pertencentes a
um grupo racial específico. Mas para que o racismo ocorra é preciso haver categorização de raça, ou seja, a identificação dos
sujeitos como pertencendo a um grupo racial. No entanto o contrário não é verdadeiro. O fato de haver categorização não
significa que ocorrerá estereótipo (Yamamoto et al., em prep.). Por exemplo, eu posso identificar uma pessoa como negra
sem ser racista.
107
grupo em detrimento de outros grupos (Brewer & Kramer, 1985; Tajfel, 1982). Esse processo
pode gerar atribuições pejorativas e preconceito ao outro grupo. Os membros de um grupo
sentem aversão pelos outros e agem de modo a negar-lhe recompensas mesmo que isso seja
oneroso para o seu próprio grupo (Tooby et al., 2006; Wrangham & Peterson, 1996). Isso
acontece principalmente quando conflito de interesse. No Brasil isso surge na forma de
atribuições preconceituosas dadas a alguns grupos sociais.
A crença de que a categorização de raça é inevitável e arbitrária vem sendo
refutada por diferentes estudos. Contextos diferentes dos Estados Unidos, como o Brasil,
apresentam outras pistas de formação de coalizão que não a hereditariedade. Isso é uma
evidência de que o meio pode influenciar a classificação de raça.
O Brasil é um lugar excepcional para realizar pesquisas sobre o processo de
categorização. Suas dimensões continentais fazem com que diferentes configurações sociais
co-existam num mesmo espaço, mostrando que em cada um desses locais diferentes pistas de
coalizão são utilizadas para categorizar grupos.
Neste estudo procuramos identificar se os sujeitos, na ausência de pistas utilizadas
para formar coalizões, categorizaram os indivíduos pela cor da pele. Mas também buscamos
evidências de que a categorização social pode mudar de acordo com os diferentes contextos
sociais. Assim, sugerimos que, no Brasil, a cor da pele pode sim ser usada para predizer
categorias sociais, mas que em contextos onde uma maior miscigenação essa pista pode
não ser usada como critério de categorização de grupo.
Predições
Predição 1: As pessoas de pele parda que estudam em universidade na qual a
população é predominantemente branca irão categorizar mais fortemente as pessoas de pele
branca.
MÉTODO
Utilizamos como amostra 485 sujeitos (240 homens e 245 mulheres). A média de
idade foi de 22,26 anos (desvio padrão = 4,88) variando entre 17-58 anos. A amostra foi
representada por estudantes universitários de seis Estados sendo 78 do Rio Grande do Norte
(40 homens/38 mulheres), 84 da Bahia (39/45), 79 do Mato Grosso (41/38), 84 de São Paulo
(40/44), 80 do Rio de Janeiro (40/40) e 80 de Santa Catarina (40/40).
108
Desses sujeitos, 248 participaram do grupo experimental (condição colorida)
sendo 121 homens e 127 mulheres e 237 participaram do grupo controle (condição cinza)
sendo 119 homens e 118 mulheres (ver descrição abaixo).
Estímulos fotográficos
Fotografias das faces de oito jogadores de basquete foram usadas como estímulo
para categorização pelos sujeitos. Esses jogadores se dividiam em dois times. Cada time
apresentava dois sujeitos de pele de cor negra e dois sujeitos de pele de cor branca. Havia
duas condições, uma na qual todos os indivíduos dos dois times apresentavam camisetas
cinzas (condição controle) e os grupos podiam ser identificados apenas pela pista verbal e
outra condição em que um time apresentava camiseta de cor vermelha e o outro time
apresentava camiseta de cor amarela (condição experimental) para discernimento visual das
coalizões. Os estímulos fotográficos foram os mesmo usados por Kurzban e colaboradores
(2001). Na situação fictícia apresentada aos sujeitos, os jogadores dos dois times eram
mostrados como envolvidos em uma discussão referente a um jogo que havia sido
interrompido em função de uma briga na quadra. A discussão representava uma tentativa de
discutir o incidente e tentar resolver a situação. Os estímulos eram apresentados um a um,
tendo logo abaixo uma frase que teria sido dita pelo jogador em questão.
Procedimento
Para obtenção dos dados foi usado o protocolo de confusão de memória
desenvolvido por Taylor e colaboradores (1978). Esse instrumento foi desenvolvido para
averiguar que tipo de categorização os sujeitos realizam. Ele utiliza os erros de memória dos
sujeitos para inferir os tipos de categorização que estão sendo realizadas. Deste modo,
possibilitava que jogadores (estímulos fotográficos) engajados em uma discussão fictícia
fossem alvos de categorização impressões acerca desses jogadores pelos participantes do
experimento. A partir dos erros que os sujeitos cometem ao identificar “quem disse o que?”
pode-se identificar que categorização está sendo feita. A discussão estava disposta numa
seqüência de falas em uma conversa exaltada. Havia um total de 8 jogadores do sexo
masculino (quatro negros e quatro brancos). Cada jogador estava pareado a três frases que
sugeriam pertinência a uma das duas coalizões rivais. No total, havia 24 frases.
A apresentação do protocolo de confusão de memória foi realizada com auxílio de
um projetor multimídia, permitindo a aplicação coletiva. As sessões podiam ser compostas de
1 até 5 sujeitos. Tanto na condição cinza quanto na condição colorido, os sujeitos eram,
109
inicialmente, submetidos à apresentação inicial contextualizando um conflito ocorrido entre
dois times de basquete americanos. Em seguida, as instruções surgiam esclarecendo os
objetivos da pesquisa e informando que eles veriam alguns indivíduos engajados em uma
conversação. Os sujeitos recebiam a tarefa de formar uma impressão sobre cada jogador. Em
nenhum momento os participantes foram instruídos a observar a coalizão dos jogadores. Foi,
então, apresentada uma série de fotos dos rostos dos indivíduos, cada uma delas pareada com
uma frase de conteúdo hostil e indicativa de coalizão que teria sido dita por aquele indivíduo
durante o andamento da conversa. Os estímulos fotográficos permaneciam estáticos por dez
segundos para permitir a sua observação e a leitura das frases associadas.
Em seguida, foi realizada uma tarefa de distração - para eliminar os efeitos da
proximidade temporal - na qual os sujeitos tinham que identificar as diferenças entre imagens
semelhantes apresentadas repetidas vezes. Cada imagem piscava seis vezes e permanecia
exposta por um segundo cada uma, intercaladas por uma tela em branco. O participante era
instruído a observar as diferenças entre as imagens da mesma cena. Durante esta tarefa de
distração eram mostradas quatro cenas, todas da mesma forma com apenas pequenas
diferenças entre uma e outra. Essa tarefa tinha a função de desfocar a atenção das fotos e das
frases apresentadas anteriormente.
Posteriormente, foi apresentado um último slide com fotos de todos os jogadores
numerados de um a oito. Ao mesmo tempo, as frases foram novamente apresentadas aos
sujeitos em ordem aleatória numa folha impressa. Os sujeitos teriam que associar cada uma
das frases com os respectivos jogadores, anotando seu número em um questionário. Portanto,
é uma tarefa do tipo “quem disse o que?”. Essa tarefa é difícil e os sujeitos podiam cometer
muitos erros. Além disso, as frases do caderno de resposta não seguiam a mesma ordem da
apresentação e isso impedia que os sujeitos acertassem “quem disse o que?pela ordem das
falas. Por fim, os sujeitos respondiam um questionário sócio-demográfico.
ANÁLISE ESTATÍSTICA
Como descrito anteriormente, a categorização que os sujeitos realizam são
medidas a partir do tipo de erro que eles cometem ao tentar recordar “quem disse o que?”. Os
sujeitos podiam cometer 4 tipos de erros. Erro tipo 1: mesma coalizão/ mesma raça; erro tipo
2: mesma coalizão/ diferente raça; erro tipo 3: diferente coalizão/ mesma raça e erro tipo 4:
diferente coalizão/ diferente raça. Mas, nessa pesquisa, trabalhamos apenas com os erros que
indicavam a categorização racial (erro tipo 1 e erro tipo 3). Esses foram então divididos em
erro negro (aquele no qual a frase foi dita por uma pessoa de pele negra e o erro foi cometido
110
indicando outra pessoa de pele negra) e erro branco (aquele no qual a frase foi dita por uma
pessoa de pele branca e o erro foi cometido indicando outra pessoa de pele branca). Esse tipo
de erro sugere que a raça está sendo categorizada como pista de coalizão.
As possibilidades de ocorrência desses dois tipos de erro eram as mesmas.
Posteriormente, somamos a quantidade de erros do tipo branco e negro para análises. A partir
daí, utilizamos o teste estatístico GLM (General Linear Model) multivariado para verificar se
havia diferença de média entre os tipos de erros.
Essa análise foi realizada levando em conta, também, outras variáveis como a
descendência declarada pelos sujeitos no experimento e o contexto social (composição étnica
de cada Estado) no qual a pessoa vive. Quanto à descendência declarada, dividimos os
sujeitos em dois grupos, aqueles que declararam ter descendência exclusivamente européia
(brancos) e aqueles que declararam ter outras descendências (não brancos), como
exclusivamente africana, exclusivamente latino-americana, exclusivamente asiática e
miscigenada, as cinco opções de classificação de raça disponíveis no questionário
demográfico. Também dividimos a população segundo a cor da pele declarada no censo do
IBGE (2004). Assim, os Estados foram agrupados segundo a maioria étnica declarada da
população, se branca ou parda.
Analisamos se os sujeitos que se declararam de origem somente européia e os de
outras descendências diferem quanto à média de erro negro e branco, ou seja, se
categorizavam mais a raça negra ou a raça branca. Para facilitar a descrição chamamos os
Estados que apresentam maioria da população de pele branca de Estados Brancos: São Paulo,
Rio de Janeiro e Santa Catarina. E chamamos de Estados pardos aqueles que apresentam
maioria da população parda: Bahia, Mato Grosso e Rio Grande do Norte (Tabela 1).
Estados Branco Negro
Amarelos ou
Asiáticos
Pardo
Bahia (BA) 21.42 13.14 0.24 65.20
Mato Grosso (MT) 39.17 6.75 0.46 53.62
Rio Grande do
Norte (RN)
37.05
2.43
0.02
60.51
Rio de Janeiro (RJ) 57.29 10.83 0.15 31.73
Santa Catarina (SC) 89.46 2.82 0.16 7.55
São Paulo (SP) 70.63 5.01 1.06 23.33
Tabela
I
.
Porcentagem da cor da pele (segundo auto-declaração) nos Estados nos quais foi realizada a
pesquisa, dados do censo do IBGE (2004). * Cor /Raça / Etnia mais representativa em cada Estado.
*
*
*
*
*
*
111
Os dados obtidos nessa análise estatística foram comparados aos dados
socioeconômicos da população universitária e analisados segundos os princípios Bayesianos.
Este é um tipo de inferência estatística que descreve as incertezas de uma variável de forma
probabilística. Um exemplo de inferências bayesianas é: imagine um músico que conhece
bastante de música clássica ao qual se pede para identificar ao acaso 10 trechos de partituras
de compositores desse estilo; agora imagine um pedreiro ao qual foi pedido para realizar a
mesma tarefa. O músico teria uma pista de validade positiva muito maior do que o pedreiro,
isto é, a minha expectativa é que ele acertasse mais do que o pedreiro. A pista de validade do
pedreiro poderia ser alta também, mas no sentido negativo, de que erraria todos ou quase
todos. Por outro lado, a pista de validade de uma dançarina poderia ser mais perto de 0,5,
principalmente se eu não soubesse que tipo de dança ela faz. Assim, não podemos fazer
inferências sobre a dançarina, mas podemos fazê-las em relação ao músico. Quanto mais
próximo de 0,5 é um valor, mas impróprio ele será para se fazer inferências sobre as pistas de
validade de um grupo em uma variável. Valores próximos do limite inferior 0 e do limite
superior 1 são mais informativos e mais confiáveis para se fazer inferências. Assim, as mais
confiáveis inferências serão baseadas em pistas com valores acima de 0,7 e inferiores a 0,3.
No processo de categorização social, pistas de aliança compartilhada podem aumentar a
percepção probabilística de que ela pertença a um grupo social (Yamamoto et al., em prep.).
RESULTADOS
Os dados obtidos na aplicação do protocolo com camisas coloridas mostram que
nos Estados brancos, os sujeitos que se declararam de outras descendências apresentaram
média de erro branco mais elevado do que aqueles que se declararam de descendência
somente européia. Essa diferença foi significativa (F= 4,185 e p= 0,043). Já quanto ao erro
negro (categorização da raça negra) não houve diferença significativa entre as médias de
brancos e não brancos (F = 0,619 e p= 0,433) (tabela II). A diferença descrita acima foi a
única situação na qual a descendência declarada do sujeito influenciou o erro de categorização
de raça.
112
Em todas as outras situações não houve diferença entre os sujeitos que declararam
ter descendência apenas Européia e os que declaram ter outras descendências. No protocolo
com camisas coloridas realizado nos Estados pardos os resultados foram, erro negro (F =
1,099 e p = 0,296) e erro branco (F = 1,222 e p = 0,271). na aplicação do protocolo com
camisas cinza realizados nos Estados brancos, os resultados foram erro negro (F = 1,783 e p =
0,185) e erro branco (F = 3,163 e p = 0,078). Por fim, no protocolo com camisas cinza
realizados nos Estados pardos os resultados obtidos foram, erro negro (F = 0,512 e p = 0,476)
e erro branco (F = 0,744 e p = 0,390).
Isso indica nos Estados de população predominantemente branca diferença nos
critérios utilizados por descendentes europeus e pelos sujeitos de outras descendências na
categorização social. Nesse contexto os indivíduos que se declararam não brancos estão
usando com maior força o critério cor da pele branca para realizar categorização social.
Esses resultados foram analisados segundo as inferências bayesianas. Buscamos
observar se para uma determinada raça, uma pista compartilhada pode aumentar a percepção
probabilística de que ela pertença a um grupo social. Nesse estudo em específico o grupo de
alunos que ocupam as vagas das universidades públicas no Brasil (tabela III).
M DP N
Erro Negro Apenas Europeus 4,1633
1,67515 49
Outras descendências 4,4000 1,46368 60
Total
4,2936
1,55934
109
Erro Branco Apenas Europeus 4,3265 1,44896 49
Outras descendências
5,0000 1,89558 60
Total 4,6972 1,73475 109
*
Tabela II. Média e Desvio Padrão do tipo de erro (Negro ou Branco) e a descendência
declarada nos estad
os no qual a maioria da população se declara de cor branca. * p< 0,05
.
113
Região
Cor/ Raça/ Etnia
Total
Nordeste Branca 44,2%
Preta 8,6%
Indígena 2,9%
Amarela 6,3%
Parda 38,1%
Total
100,0%
Sudeste Branca 70,1%
Preta 4,7%
Indígena 1,5%
Amarela 3,1%
Parda 20,6%
Total
100,0%
Sul Branca 88,2%
Preta 2,3%
Indígena 0,6%
Amarela 2,5%
Parda 6,4%
Total
100,0%
Centro Oeste Branca 51,8%
Preta 6,3%
Indígena 1,5%
Amarela 5,3%
Parda 35,1%
Total
100,0%
Na tabela III podemos observar que no Sudeste e no Sul mais de 70% dos alunos
que ocupam as vagas das universidades públicas se declaram de cor de pele branca contra
menos de 30% do somatório das outras descendências. no Nordeste e Centro Oeste não
pista de validade para a cor da pele branca e parda entre os estudantes universitários, já que os
valores estão entre 40% e 50%.
Pelos princípios bayesianos, podemos inferir que, no ambiente das universidades
públicas das regiões Sul e Sudeste, pessoas de cor de pele branca apresentam pista de validade
positiva e as pessoas que apresentam outra cor de pele que não a branca apresentam pistas de
validade negativa. nas regiões Nordeste e Centro Oeste não pistas de validade para se
fazer inferências. Isso significa que no Sul e no Sudeste a população associa a cor de pele
branca ao grupo que tem acesso as universidades públicas e as outras descendências aos
grupos que não conseguem adentrar nas universidades públicas.
Tabela III: Distribuição percentual dos estudantes por região segundo a cor da
pele, raça e etnia (Adaptado de Andifes, 2005).
114
DISCUSSÃO
Num país miscigenado como o Brasil, sempre pesquisas destacando diferenças
sócio-econômicas entre classes. A literatura vigente salienta que é comum que em grupos
assimétricos membros de grupos majoritários mostrem favoritismo em relação aos seus
semelhantes, atribuindo-lhes mais traços positivos e menos traços negativos, em detrimento
de grupos discriminados (Camino et. al., 2001).
Nossos resultados, no entanto, sugerem que alguns fatores sociais podem fazer
com que uma população minoritária use a pista compartilhada pelo grupo majoritário, como a
cor da pele, para categorizar mais fortemente essa classe. Isso pode acontecer, principalmente,
se a pista compartilhada estiver associada a melhores condições sociais, como condições
econômicas e educacionais.
Pudemos observar que nas Universidades dos Estados do Sul e Sudeste do Brasil
a cor da pele está sendo usada como critério para categorizar classes sociais. A pista de
aparência compartilhada cor da pele branca está presente em mais de 70% dos alunos que
conseguem ingressar no ensino superior público. Já o grupo que apresenta outras
características fenotípicas, como pardos, negros, indígenas, etc., parece representar com mais
confiança o grupo de pessoa que não obtêm as vagas. Esse fato parece ter sido o suficiente
para permitir que os o brancos categorizem os brancos mais fortemente no protocolo de
confusão de memória, indicando que essa pista está sendo utilizada no processo
classificatório. Assim, o contexto específico parece ter contribuído para que a categorização
racial ocorresse.
no Nordeste e no Centro Oeste brasileiro, a probabilidade de brancos e pardos
ingressarem na universidade esteve sempre próximo de 50% (Andifes, 2005). Não havendo
pista de validade nesse contexto, não como enfatizar ou fazer inferências a respeito de
qualquer das classes sociais mencionadas. Talvez por isso não tenha havido evidências de que
os alunos universitários estivessem fazendo categorização racial.
É comum que diante da ocorrência de categorização racial atribuições negativas
possam ocorrer, principalmente se houver conflitos de interesses entre grupos (Rubin &
Hewstone, 1998). Assim, um grupo pode classificar outros grupos como uma classe não
aliada. Pode ter sido isso o que o protocolo de confusão de memória detectou nas
universidades públicas do Sul e Sudeste. A população minoritária não brancos pode estar
categorizando negativamente a população majoritária branca diante de um contexto no
qual disputa de interesses. Essa interpretação justificaria a categorização racial mais forte
115
por parte dos não brancos. No entanto, o instrumento utilizado nessa pesquisa não avaliou se
os sujeitos apresentaram atribuições antagonistas direcionado ao grupo alvo. Vale salientar
que a discussão das cotas raciais estava bastante ativa dentro das universidades quando os
dados foram coletados, e isto pode ter influenciado nossos resultados. Esta é uma questão
polêmica e não há consenso entre os cientistas sociais quanto à sua pertinência.
As vagas das universidades públicas vêm sendo motivos de atos políticos que, em
nome da igualdade de direitos concedida pela Constituição Federal de 1988, visam garantir
oportunidades educacionais aos negros e aos pardos. Alguns cientistas sociais têm levantado a
bandeira das cotas raciais nas universidades brasileiras. Os defensores das cotas alegam que
somente aqueles que obtiveram o maior número de oportunidades no decorrer da vida
conseguiram entrar nas universidades públicas – menção direcionada aos estudantes brancos
(Azevedo, 2004). Assim, para equilibrar essa competição desigual, cotas para a população
parda e negra devem ser criadas garantindo a igualdade de todos perante a lei. Esse, no
entanto, é um assunto polêmico que a criação de cotas pode ativar a categorização negativa
de grupos.
Implantar essa política pode marcar o Brasil, país conhecido por possuir uma
população miscigenada, pela divisão de raças (Maggie & Fry, 2004). As diferenças sociais
existentes do Brasil são multivariadas sendo que as discriminações direcionadas a não brancos
ocorrem mais em função das disparidades socioeconômicas do que em função da própria cor
da pele (Telles, 2004; Yamamoto et al., in prep.) e levantar a bandeira das cotas pode gerar
uma condição social que privilegia uma forte identificação de raça e até mesmo o racismo.
Acentuando ainda mais o fenômeno psicológico identificado nesse estudo.
É importante mencionar que não existem critérios científicos para distinção do
Homo sapiens por raça. Essa distinção, na verdade, é um subproduto de mecanismos
cognitivos que categorizam o grupo sendo, portanto, a categorização racial um fenômeno
extremamente dinâmico e flexível (Kurzban et al., 2001). A composição de grupos e raças
muda dependendo dos contextos regionais e diferentes pistas podem servir como indicador de
categorização. Isso talvez, explique porque no Sul e Sudeste a cor da pele é usada como
critério para qualificar um grupo e não nas regiões Norte e Nordeste.
Portanto, uma análise cuidadosa que identifique as verdadeiras causas das
desigualdades pode ajudar na viabilidade das políticas de cotas. Algumas universidades estão
preferindo adotar a chamada cota social, no qual estudantes de escolas públicas teriam direito
a uma porcentagem das vagas nas universidades. Essa medida tem sido adotada por
compreender que a variável que mais influência o ingresso nas faculdades é o fator
116
econômico e educacional e a raça estaria vinculada a essas variáveis devido à história de
desigualdade a qual a população negra foi submetida por séculos no Brasil e que vem
repercutindo até a atualidade.
Temo que adotar as cotas pode indicar uma complacência com a histórica divisão
social baseada na cor da pele, já que a política de cotas pode acentuar o processo de
identificação racial. No entanto, também defendo que políticas públicas devem ser
implantadas com o objetivo de diminuir a disparidade social existente no Brasil. A própria
Carta Magna já atribui como um dos seus deveres reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Cabe às autoridades competentes fazer valer o que está escrito na constituição de modo que
possa dar a toda população brasileira condições iguais de disputar uma vaga nas universidades
públicas.
Portanto, as vagas nas universidades são motivos de conflitos de interesses entre
classes, principalmente no Sul e Sudeste que é exatamente onde as políticas de cotas estão
sendo implantadas com maior ênfase. A categorização mais forte direcionada às pessoas de
pele branca pode ser fruto desse conflito. Uma forte associação de um grupo a uma condição
que é de desejo de todos pode levar o grupo majoritário a ser categorizados hostilmente.
McClain (1993) afirmava que condições econômicas desfavoráveis podem gerar
hostilidades.
Os resultados desse estudo são concernentes com a psicologia do “Nós versus
Eles”. O homem, geralmente se envolve em uma rede de relações com outros da sua espécie,
cooperando entre si e se identificando como grupo através de pistas que os caracterizam. Isso
gera categorização positiva aos membros de seu grupo e negativa aos membros do grupo
rival. Além do mais, esse processo de categorização predispõe o ser humano a favorecer seu
grupo na avaliação pessoal e discriminar outros grupos (Brewer, 1999; Brewer & Kramer,
1985; Hammond & Axelrod, 2006; Kurzban, et al, 2001; Taylor, et. al., 1978)
De modo geral, percebemos que, nas universidades públicas, o contexto social
parece estar destacando as pistas que predizem lealdade ao grupo. E possivelmente, os
conflitos de interesse existentes entre os grupos de brancos e não-brancos podem levá-los a
categorizar uns aos outros como não aliados.
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119
C.1 – DISCUSSÃO GERAL
A partir dos dados obtidos nos três estudos experimentais podemos ter uma
compreensão mais ampla de como o ser humano age em situações de conflito e de como o
contexto ambiental pode modificar o comportamento das pessoas engajadas em competição.
De uma maneira geral, os resultados mostraram que os indivíduos tendem a
favorecer aqueles percebidos como aliados e a ignorar ou hostilizar os que são percebidos
como diferentes ou rivais. Isto ocorreu de diferentes formas: atribuindo mais prontamente
atributos negativos a rivais e positivos a aliados, destacando os que são percebidos como
externos ao grupo de pertinência, categorizando mais fortemente os que são percebidos como
diferentes.
Mais especificamente, pudemos observar, em nossos estudos, que os sujeitos
tendiam a associar palavras de conteúdo negativo aos seus adversários e palavras de conteúdo
positivo aos seus aliados. Durante o jogo as equipes apresentam comportamentos como rir
entusiasmadamente, conversar entre si, vangloriar-se por terem descoberto o segredo do jogo
e debochar do grupo adversário. Essas condutas reforçavam a coesão entre as coalizões e
dificultam qualquer contato entre membros de grupos adversários, o que pode ter acirrado a
rivalidade entre os grupos. Taylor e colaboradores (1978) e Tajfel (1982) afirmavam que o
ser humano parece favorecer seus aliados na avaliação pessoal e alocação de recursos e a
hostilizar os rivais. Sentimentos hostis, como ódio ou raiva intensa direcionado aos
competidores, e vontade de machucá-los são comuns diante desse contexto.
Mas é provável que os mecanismos psicológicos humanos se tornem ainda mais
sensíveis do que normalmente se imagina diante de pistas de agressividade. Afirmamos isso
porque identificamos a ocorrência da categorização negativa direcionada aos rivais mesmo em
situações nas quais não havia disputas entre os grupos. Somente o fato de separá-los em duas
coalizões foi suficiente para que eles associassem adjetivos negativos aos adversários e
positivos aos aliados. Assim, estar em lados opostos e não se conhecer nos predispõe a
apresentar sentimentos hostis.
Além disso, pudemos observar que a categorização social é altamente flexível,
que os comportamentos dos membros do grupo adversário se alteraram em determinados
contextos. De fato, a introdução de pistas atenuantes, como: a cooperação direcionada ao
grupo adversário, a não comemoração pela vitória conquistada e o conhecimento anterior de
pelo menos um dos membros do grupo que se encontrava do lado oposto, resultaram em
menor categorização negativa. Conseqüentemente, esses atenuantes também diminuíram os
120
sentimentos de hostilidade direcionados aos rivais. Aronson e colaboradores (1978)
afirmavam que interações positivas entre grupos podem reduzir a hostilidade inicial da
categorização grupal. Isso sugere que, de fato, a formação de alianças é volátil, dinâmica e
que pode mudar em espaços curtos de tempo (Sherif, 1961).
Mas por que o homem categoriza de maneira tão negativa seus competidores,
mesmo quando as disputas não levam mais do que cinco minutos e no qual aparentemente não
custo evolutivos altos? E por que esse padrão se modifica diante da mudança de conduta
dos adversários?
Barkow e colaboradores (1992) argumentam que o cérebro humano é um órgão
capaz de gerar emoções, comportamento e processar informações. No entanto, essas
atividades são reguladas de modo que se possa maximizar a aptidão, ou seja, garantir a
sobrevivência e proporcionar a reprodução.
Assim, os mecanismos psicológicos indicam o
comportamento mais apropriado segundo as circunstâncias ambientais. Em situações de
conflito o ser humano, através de seus mecanismos psicológicos, pode considerar a
probabilidade de que a situação lhe gere custos evolutivos. Esses custos potenciais,
diretamente relacionados a qualquer confronto, faz com que o ser humano fique em estado de
alerta e categorize os adversários de forma mais cuidadosa. Esses processos podem ter
influenciado as associações durante o looping. Os sujeitos avaliavam o contexto no intuito de
distinguir entre sujeitos potencialmente perigosos e aqueles com nos quais se podiam confiar.
Possivelmente, esses mesmos mecanismos são os responsáveis pelo abrandamento
do comportamento hostil do ser humano diante de algumas pistas sociais. Naturalmente, esses
aparatos biológicos regulam os sentimentos e comportamentos de modo a não hostilizar tão
fortemente os rivais. Na nossa pesquisa isso pode ser visto quando pistas atenuantes eram
espontaneamente introduzidas no contexto do jogo. Quando a equipe vencedora partilhava o
prêmio conquistado no looping ou se abstinha de comemorar a vitória, as associações dos
rivais com palavras negativas e conseqüentemente os sentimentos de hostilidade diminuíam
drasticamente. Da mesma forma, nas situações nas quais as equipes vitoriosas comemoravam
a conquista obtida de forma acalorada ou não partilhavam o prêmio obtido com os adversários
ocorria forte categorização negativa do grupo adversário. Isso sugere que, de fato, os
sentimentos estavam sendo influenciado por processos avaliativos.
A cooperação é mais do que uma conseqüência da categorização de grupo, é uma
pista que indica se as pessoas são seus aliados ou não. Esse, na verdade, é a principal fator que
leva seres humanos a se associarem (Brewer, 1999). Por isso, ao apresentar comportamento
121
altruísta, os grupos adversários foram percebidos e, consequentemente, categorizados como
menos hostis.
Isso remete a outra variável que também surgiu de forma espontânea no decorrer
do jogo e pareceu interferir o comportamento dos sujeitos que foi o conhecimento prévio de
membros do grupo adversário. Quando os sujeitos relatavam terem conhecimento anterior
com os membros da outra equipe, a hostilidade e a associação negativa aos membros do grupo
adversário foram atenuadas. Como interações prévias, possivelmente, geram expectativas
quanto à cooperação em situações futuras, os sujeitos podem ter se comportado de modo a
corresponder a elas. Isso promoveu a diminuição da hostilidade durante o experimento. Além
do mais, cooperar nesse contexto manteria a aliança, permitindo a cooperação em novos
eventos (Aronson et al., 1978).
Outra descoberta curiosa diz respeito às diferenças sexuais no processo de
categorização de grupo. Os relatos científicos acerca da tendência masculina violenta em
alguns contextos (Wilson & Daly, 1985) nos predispunham a acreditar que os homens iriam
categorizar os grupos adversários de forma mais hostil do que as mulheres. Mas em nossas
pesquisas identificamos que, em condições gerais, tanto homens como mulheres
categorizaram de forma semelhante, associando o grupo adversário com palavras negativas e
o seu grupo com palavras positivas. No entanto, elas categorizavam os grupos adversários
mais rapidamente, ou seja, mais fortemente e prontamente do que os homens em situações de
conflito no qual não houve pistas de atenuação da hostilidade.
Powel e Ansic (1997) sugerem que as mulheres respondem mais aversivamente
em situação de risco. Diante de uma ameaça iminente elas ficam excessivamente ansiosas,
inseguras e propensas a se comportar de modo a garantir sua sobrevivência e a de sua prole.
Isso pode as predispô-las hostilizar mais negativamente o grupo adversário. No entanto, esse
comportamento se sem gerar confrontos físicos. A insegurança inerente a essas situações
pode induzir as mulheres a categorizar negativamente o grupo adversário. Exatamente por
isso uma maior freqüência de intervenções femininas no intuito de eliminar a ameaça
associada a grupos estranhos (Taylor et al., 2000). Os padrões mencionados puderam ser
percebidos através de manifestações comportamentais no decorrer do looping. Na presença de
disputas acirradas algumas mulheres sugeriram a diminuição de expressões comportamentais
que exaltassem os ânimos. O biótipo físico feminino é menos resistente a violência física
comparativamente ao sexo masculino. Talvez por isso, no decorrer da evolução, uma
identificação rápida de ameaça através da categorização de adversários, pode ter trazido
122
vantagens às meas, permitindo a evitação de confrontos físicos, nos quais elas têm poucas
chances de se sair bem.
em relação ao sexo masculino, podem haver necessidade de um tempo maior
para averiguar se, de fato, o grupo adversário gera riscos. Cincos minutos talvez não seja o
suficiente para realizar essa avaliação adequadamente. Como fazer investidas inadequadas
pode ser altamente custoso devido à possibilidade de retaliação do grupo adversário, o cérebro
masculino pode avaliar as possibilidades mais cuidadosamente e manejar seu comportamento
de modo a extrair o maior benefício evolutivo possível. Em outros animais essas avaliações se
expressam de forma comportamental. Eles, de fato, parecem resolver seus conflitos através de
displays, no qual se exibem ritualisticamente, e aqueles que apresentam as menores chances
de vencer a disputa se retiram do confronto. Esses displays permitem avaliar as habilidades de
luta dos adversários e os riscos que o confronto pode gerar (Parker, 1974).
De modo geral, o cérebro humano parece estar preparado para avaliar a
probabilidade de sucesso de uma investida bélica ou de defesa. Se essa probabilidade for
baixa, então é possível que a conduta que gere maior vantagem evolutiva seja mesmo a de
fugir e se proteger da confusão.
O processo avaliativo, no entanto, é passível de inferências errôneas podendo
gerar preconceito. O grupo tende a categorizar o grupo adversário de forma negativa, não
percebendo que do outro lado o mesmo processo está acontecendo, e que suas características
negativas também estão sendo ressaltadas. Esses são marcadores que ajudam na identificação
dos mesmos. Vale ressaltar que qualquer pista pode funcionar como um identificador, seja
social, como roupas, linguagem e hábitos ou fenotípicas como cor da pele, tipo de cabelo e
biótipo físico geral (Cosmides et al., 2003).
A identificação de raça, portanto, é um subproduto do processo de categorização
social. O ser humano identifica a raça a partir da cor da pele dos sujeitos. Mas se essa pista
fenotípica estiver associada com situações que gerem conflito de interesse os sujeitos podem
ser categorizadas negativamente.
Os dados obtidos na pesquisa de percepção de raça mostraram que os
universitários das regiões Sul e Sudeste que não são brancos categorizam com maior força os
sujeitos de pele branca no protocolo de confusão de memória. Isso pode estar acontecendo por
ser esse o grupo majoritário na obtenção das vagas das universidades blicas. As vagas nas
universidades públicas são fortemente disputadas pela população do ensino médio. Se uma
característica específica representa o grupo que obtêm a maioria das vagas, os outros grupos
podem categorizar esse com mais força. A população de descendência européia representa
123
fortemente a população universitária, o que pode provocar alguma insegurança nos outros
grupos que também almejam a vaga em questão.
Assim, diante de conflitos, o comportamento do ser humano sofre a influencia de
processos perceptuais e avaliativos que são regulados pelos nossos mecanismos neuro-
cognitivos. No ambiente de adaptação evolutiva, nossos ancestrais viviam competindo por
recursos que pudessem garantir sua sobrevivência. Por isso pode ter sido vantajoso para os
nossos ancestrais apresentar hostilidade em alguns contextos. Se essa característica tiver sido
vantajosa, evolutivamente, elas se disseminaram para seus descendentes, estando presente até
os dias de hoje.
REFERÊNCIA
Aronson, E., Blaney, N., Stephan, C., Sikes, J., & Snapp, M. (1978). The Jigsaw classroom.
Beverly Hills, CA: Sage.
Barkow, J. H., Cosmides, L., & Tooby, J. (1992). The Adapted Mind: Evolutionary
Psychology and the Generation of Culture. New York: Oxford University Press.
Brewer, M. B. (1999). The Psychology of Prejudice: Ingroup Love or Outgroup Hate?
Journal of Social Issues, 55, 429-444.
Cosmides, L., Tooby, J., & Kurzban, R. (2003). Perceptions of race. TRENDS in Cognitive
Sciences, 7, 173-179.
Powell, M., & Ansic, David (1997). Gender differences in risk behaviour in financial
decision-making: An experimental analysis. Journal of Economic Psychology, 18, pp.
605-628.
Parker, G. A., (1974). Assessment strategy and evolution of fighting. Jounal Theoretical
Biology, 47, 223-243.
Taylor, S. E., Klein, L. C., Lewis, B. P., & Gruenewald, R. A. R. (2000). Biobehavioral
esponses to stress in females: Tend-and-befriend not fight-or-flight. Psychological
Review, 107, 413-429.
124
Tajfel. H. (1982). Social psychology of intergroup relations. Annual Reviews Psychology, 33,
1-39.
Sherif, M., Harvey, O. J., White, B. J., Hood, W. R., & Sherif, C. W. (1961). Intergroup
Conflict and Cooperation: The Robbers Cave Experiment. Norman: University of
Oklahoma Book Exchange.
Wilson, M., & Dale, M. (1985). Ethology and Sociobiology. Competitiveness, risk taking, and
violence: The young male syndrome, 6, 59-73.
125
C.2 – CONCLUSÃO GERAL
A partir dos estudos desenvolvidos podemos concluir que:
O ser humano não é essencialmente violento ou cooperativo. Seu comportamento e
suas emoções parecem se ajustar as conseqüências diretas que o contexto social lhe
impõe. Hostilizam-se grupos que possam gerar riscos evolutivos e aliam-se àqueles
que podem ajudar no aumento de sua aptidão.
O ser humano apresenta sinais de hostilidade ao grupo adversário quando esse último,
em situações de disputa ou conflito de interesse, não apresenta pista de atenuação de
conflito.
O ser humano diminui o nível de hostilidade aos membros do grupo adversário,
quando esse último apresenta qualquer pista de atenuação de conflito diante de uma
disputa ou situação de conflito de interesse.
Em condições gerais, não observamos diferenças sexuais na forma como Homens e
mulheres categorizam os grupos adversários. Ambos parecem realizar categorizações
na mesma direção, associando mais palavras positivas aos membros do seu grupo e
mais palavras negativas aos membros do grupo adversário. Isso significa que homens
e mulheres categorizam hostilmente o grupo adversário.
As mulheres, no entanto, mostram uma maior hostilidade aos rivais diante de situações
no qual não houve cooperação aos membros do grupo adversário. Elas categorizam
mais fortemente e mais rapidamente do que os homens o grupo adversário de forma
negativa e o seu grupo de forma positiva quando se sentem ameaçadas. Isso significa
que as mulheres ativam mais rapidamente os mencanismos “Nós versus Eles” em
situação de conflito.
O mecanismo cognitivo humano usa diversas pistas sociais para discriminar grupos e
estes podem ser características fenotípicas como a cor da pele.
126
Pessoas que em determinados contextos sociais fazem parte de um grupo minoritário
podem categorizar mais fortemente os membros de grupo majoritário se houver
conflitos de interesses entre os dois grupos.
Nas Universidades do Sul e Sudeste, as pessoas de pele parda, que representam a
minoria dos estudantes das universidades públicas apresentam categorização mais
forte aos membros de pele branca.
127
D.1 - Anexo I-Publicação de artigo na Psique Ciência & Vida
Formação de grupos e comportamento agressivo
Por Diego Macedo Gonçalves e Álvaro da Costa Batista Guedes
Em Abril de 1994, um massacre foi realizado em Ruanda. O povo Hutu deliberou
ataques mortais contra o povo Tutsi. O motivo anunciado foi a derrubada, pelos Tutsis, do
avião no qual viajava o presidente ruandês Juvenal Habyarimana, pertencente à etnia Hutu.
Nos três meses subseqüentes, aproximadamente 1 milhão de pessoas foram assassinadas, a
maioria a golpes de facão, pedras ou qualquer outra coisa que estivesse ao alcance das mãos.
Os domicílios das vítimas foram saqueados e seus bens, roubados. As mulheres eram
estupradas antes de serem mortas e, enquanto os Hutus caçavam os Tutsis, a dio R.T.L.M.
incitava-os ao assassinato desenfreado. O mais chocante foi perceber que os assassinos eram
pessoas comuns: professores, médicos, funcionários do governo e comerciantes que antes
jamais haviam cometido um único crime em suas vidas. Este foi o estopim de uma guerra
declarada décadas antes. Durante a colonização belga, o povo Tutsi foi considerado de raça
mais nobre. Eles faziam uso da pecuária, eram de maior estatura e pele mais clara que os
Hutus, e por possuírem tais características receberam boas condições de seus colonizadores.
o povo Hutu, que vivia basicamente da agricultura de subsistência, foi considerada uma
raça inferior, restando-lhes a miséria. Décadas de diferenças socioeconômicas induziram esses
dois povos ao ódio e à deflagração de pequenos conflitos entre si, até o grande massacre
genocida de 1994. Foi um acontecimento trágico, mas não único na história humana.
Desde o surgimento dos registros escritos temos notícias de ações violentas e
guerras. evidências, também, de que a guerra preceda o aparecimento de métodos de
registro. Como afirmou Winston Churchill, "a história da raça humana é a guerra. Exceto
por breves e precários intervalos, nunca houve paz no mundo; e muito antes de a história
começar o conflito assassino era universal e interminável". Não etnia que não tenha se
envolvido em conflitos no transcorrer de sua história, nem mesmo parece haver período de
tempo isento de conflitos em qualquer lugar desse planeta. Apesar de ficarmos estarrecidos
diante da violência praticada por seres humanos contra outros da mesma espécie, é evidente a
manifestação do comportamento violento. Só no século XX cerca de 160 milhões de pessoas
morreram em decorrência de guerra, genocídio e opressão política.
128
Mas, afinal, por que o sentimento de hostilidade está presente no ser humano? E
por que o comportamento agressivo continua se manifestando, apesar das políticas públicas de
combate à violência? Alguns pesquisadores supõem que essa reação decorra de fatores sócio-
culturais. Eles ressaltam a importância do meio social na influência do comportamento,
destacando moldes específicos de desenvolvimentos culturais e sua tendência à promoção da
desigualdade social, além dos efeitos produzidos pelos veículos contemporâneos de
informação.
Não obstante esta realidade, o comportamento humano também parece atender a
propósitos evolutivos, ou seja, é influenciado pelas predisposições biológicas moldadas
durante a evolução para lidar com as demandas ecológicas e ambientais que foram impostas
no passado aos nossos ancestrais. Assim, indivíduos predispostos a determinados tipos de
comportamento puderam ser selecionados, em detrimento daqueles que não expressavam a
característica apropriada à resolução do problema dado pelo ambiente. Assim, mesmo
sofrendo influências sócio-culturais, o comportamento do ser humano continua inegavelmente
respeitando as forças evolutivas. A compreensão do comportamento se pela integração
das explicações próximas, inspiradas pelas influências ambientais (incluindo a cultura e o
meio social) e das finais, que decorrem de nossa história evolutiva.
O comportamento dos primatas
Algumas explicações sobre a origem, função e mecanismos do comportamento
hostil são oferecidas pela Psicologia Evolucionista. Esse ramo da Psicologia se aproxima de
conceitos darwinistas para a compreensão de como as pressões ambientais moldaram o
cérebro humano ao longo de eras. Os mecanismos psicológicos existentes atualmente foram
desenvolvidos para resolver problemas vivenciados por nossos ancestrais caçadores-coletores
milhões de anos e são esses mecanismos que, modelados pelo ambiente, subjazem o
comportamento humano, inclusive a sua agressividade.
Acredita-se que mais ou menos 5 milhões de anos o ancestral comum ao ser
humano e ao chimpanzé (Australophitecus Afarensis) agredia seus desafetos. No ambiente
de adaptação evolutiva (AAE), os caçadores-coletores competiam por alimentos, territórios e
parceiras(os) sexuais com os membros dos agrupamentos vizinhos e conseqüentemente
entravam em conflito. No entanto, a hipótese de que o comportamento violento se
manifestava em nossos antepassados mais remotos é extremamente difícil de ser provada,
uma vez que o comportamento não se fossiliza. Um dos recursos utilizados por defensores da
129
teoria evolucionista é o estudo comparativo com primatas antropóides, como chimpanzé,
bonobo, e os caçadores coletores atuais. Esses estudos nos dão boas pistas sobre a história
filogenética do comportamento violento. A semelhança genética entre humanos e os primatas
antropóides permitem estudar os comportamentos desses últimos como forma de entender o
passado evolutivo do homem. Nas últimas décadas, pesquisadores vêm observando que os
chimpanzés não apenas apresentam comportamento violento como realizam emboscadas
contra grupos rivais. A bióloga Jane Goodall e o antropólogo Richard Wrangham mencionam
em seus livros o extermínio de membros de populações vizinhas por chimpanzés, assim como
os homens fazem com seus inimigos em circunstâncias de guerra. Algumas vezes isso ocorre
sem motivo aparente. Os chimpanzés deslocam-se por entre as copas das árvores,
silenciosamente, até chegar aos limites do território vizinho e atacam com rapidez sem
possibilitar reação. É um tipo de cilada semelhante àquelas realizadas pelos povos Ianomâmis,
que atiram flechas em seus rivais sem permitir retaliações e realizam investidas sorrateiras
para seqüestrar mulheres de grupos vizinhos.
As semelhanças podem indicar a disseminação da resposta violenta nas duas
espécies. Mas, além de manifestar comportamento violento, humanos e chimpanzés
apresentam uma outra característica em comum: são seres sociáveis que vivem em grupo e
realizam atividades que exigem ação coordenada. Mais que isso, em seu grupo mostram
comportamento cooperativo e aparentemente altruísta. Em algumas circunstâncias, o
comportamento hostil pode aumentar as possibilidades de sobrevivência e reprodução daquele
que o apresenta, possibilitando a dispersão dos seus genes durante a idade reprodutiva e
transmitindo-os para as gerações seguintes.
No ambiente de adaptação evolutiva a coesão dessas populações era mantida
através do alto grau de parentesco e objetivos em comum entre seus membros, como a defesa
dos ataques inimigos e o ataque a outros grupos. Além disso, em um ambiente marcado pela
alta competitividade alimentar, territorial e de acesso a cópulas, defender os membros do seu
grupo contra grupos rivais pode ter sido vantajoso, já que aumenta a coesão grupal e como
conseqüência possibilita disseminar genes compartilhados por ambos.
Processo de categorização
O comportamento violento recebe influências heterogêneas em sua manifestação,
sendo a interação entre fatores genéticos e ambientais determinantes para a sua ocorrência.
Aqueles que se engajam em conflitos parecem não se dar conta da influência de tais fatores.
130
Eles simplesmente relatam sentir ódio intenso direcionado aos seus inimigos juntamente com
o desejo de machucá-los, ou usam a violência para obter vantagens em situações de
competição.
Como os custos do envolvimento em conflitos são bastante elevados, estar em
grupo atenua os riscos e aumenta as possibilidades de conquista. O novo paradigma da
Psicologia Evolucionista vem demonstrando que a agressão coletiva é uma conseqüência de
processos cognitivos responsáveis pela formação de alianças e coalizões. Para lidar
adequadamente com seu mundo social (AAE), nossos ancestrais teriam se beneficiado de
mecanismos neuro-cognitivos desenhados para detectar alianças, padrões de cooperação,
padrões de competição e pistas que pudessem predizer a lealdade de cada indivíduo.
Os pesquisadores John Tooby e Leda Cosmides, da Universidade da Califórnia,
em Santa Bárbara, nos Estados Unidos, estudam essa tendência, nomeada de Psicologia das
coalizões. Eles explicam que um fator que pode inclinar grupos de seres humanos a se
envolverem em conflito é a categorização social denominada de "Nós versus Eles". Esse
mecanismo psicológico tem a função de classificar pessoas como pertencentes ou o ao seu
grupo de referência e, como conseqüência, os membros de uma coalizão se comportam de
modo a cooperar com seus aliados, detectar trapaceiros e a ser hostil com aqueles alheios ao
grupo. Esses mecanismos foram concebidos para inferir alianças a partir de padrões de
cooperação e conflito.
A discriminação entre amigos e inimigos acontece ao se categorizar
sujeitos em nós versus eles. Para isso, diferentes pistas são utilizadas como referência, desde
características sociais e culturais até características fenotípicas o fenótipo é o resultado da
interação das predisposições genéticas com o ambiente. Essas pistas são usadas para
discriminar pertinência, e se apresentam através das vestimentas, comportamentos, gírias e até
mesmo a cor da pele. Assim, diferenças intra-grupo tendem a ser minimizadas, enquanto
diferenças inter-grupo permanecem muito evidentes e ressaltadas. Isso aumenta a coesão
grupal.
O ato de categorizar grupos sociais não implica, necessariamente, a ocorrência de
comportamento violento. Mas a agressão é conseqüência do processo de categorização
somado a fatores como competição por recursos, acesso ao sexo, aumento do status, ou ainda,
risco de morte iminente. A psicologia do nós versus eles parece se apresentar de modo claro
em nossa espécie tornando-se mais ou menos relevante dependendo de imposições sociais. Os
ataques a Kosovo, o Holocausto, as guerras étnicas africanas e ainda os ataques terroristas nos
Estados Unidos ocorreram após as pessoas realizarem a categorização do tipo em nós versus
eles. Categorizar os indivíduos em grupos sociais predispõe o ser humano a favorecer seu
131
grupo na alocação de recursos e na avaliação pessoal. Isso pode ser demonstrado no
experimento denominado “a caverna dos ladrões”, desenvolvido por Muzafer Sherif. Ele
separou um grupo de rapazes que não se conheciam em dois sub-grupos. Após um período
inicial no qual os membros de cada sub-grupo, isoladamente, cooperaram entre si, Sherif
permitiu que os dois grupos se encontrassem em circunstâncias de competição. Este método
levou um grupo de rapazes a ver o outro grupo como uma aliança rival nós versus eles
competindo em um jogo de soma o-zero (que não resulta em um perdedor e um vencedor,
pois todos ganham, mas alguns podem ganhar mais que outros). O jogo teve como
conseqüência insultos pessoais, ataques e agressões. A partir daí, Sherif concluiu que a
cooperação intra-grupo e conflito inter-grupo são fáceis de provocar e a categorização do tipo
nós versus eles” é flexível, dinâmica e fácil de mudar em períodos curtos de tempo.
Não é de surpreender, portanto, que todo esse processo seja seguido de percepções
negativas e sentimentos de hostilidade voltados para os rivais. Os sujeitos sentem aversão
instantânea pelos adversários em situação de competição e formam opinião desfavorável
sobre eles, agindo de modo a negar-lhe recompensas. E através do processo de aprendizagem
social, no qual os indivíduos aprendem por observação, informações pejorativas são
espalhadas, diminuindo a possibilidade de cooperação entre grupos. Adjetivos como, egoístas,
traiçoeiros e dissimulados são normalmente empregados para descrever os rivais. Essas
percepções funcionam como lentes através das quais se entende o mundo. As interpretações
do comportamento dos adversários geralmente são preconceituosas e levam a julgamentos
incorretos, mas todo tipo de argumento é usado para aumentar a hostilidade inter-grupo. Os
sujeitos podem não se dar conta, porém, que estão segregando o mundo em nós versus eles e
não percebem que seus inimigos fazem o mesmo. Ademais, discriminar o mundo dessa forma
evita a empatia para com os adversários, possibilitando o ataque sem um eventual
arrependimento.
Um exemplo das conseqüências desse processo de categorização pode ser
demonstrada nos estádios de futebol brasileiros. Nos últimos anos não foram raras as notícias
de brigas entre torcidas organizadas rivais por ocasião dos jogos. E em cidades como Rio de
Janeiro e São Paulo esses conflitos ocorrem com extrema violência. Armas brancas e bombas
caseiras são usadas no intuito de ferir membros da torcida adversária. Na cidade de Natal
(RN), os embates entre torcidas organizadas dos dois times mais populares já aconteceram até
mesmo durante o recesso dos campeonatos. Em todas essas cidades já houve mortes por causa
de conflitos. Na maioria das vezes os torcedores de times opostos nem se conhecem, mas as
132
pistas de pertinência a torcidas adversárias, como bandeiras e camisas, são suficientes para
incitar-lhes a violência.
De modo geral, o processo evolutivo levou o cérebro humano a desenvolver várias
habilidades cognitivas, entre elas o reconhecimento de membros de seu grupo. O ser humano
é equipado com um aparato mental que o torna capaz de negociar em muitas situações
complexas e de separar o mundo em categorias. Todas essas descobertas são coerentes com
expressões de uma psicologia subjacente à formação de alianças: um conjunto de programas
neuro-cognitivos típicos da espécie que evoluiu para regular a cooperação intra-grupo e o
conflito inter-grupo, no ambiente de adaptação evolutiva (AAE), no qual viveram nossos
ancestrais – e que persistem até hoje, influenciando a expressão do comportamento.
Predisposição para a violência?
Até hoje pesquisadores que defendem que a violência é influenciada
exclusivamente por fatores sociais. No entanto, vem crescendo o número de cientistas que
buscam causas heterogêneas para a ocorrência de agressão, como os estudiosos da Psicologia
Evolucionista. Nós não negamos tais influências, mas estudamos a interferência de variáveis
biológicas nesse tipo de conduta. As explicações para ocorrência do comportamento violento
costumam corroborar as idéias oriundas das ciências evolucionistas. Algumas variantes
predispõem indivíduos a se comportarem violentamente, entre elas o sexo do agressor, a
idade, o estado civil e a exposição à violência em períodos críticos da vida. Pesquisas feitas
pelos psicólogos Martin Daly e Margo Wilson, da Universidade McMaster, no Canadá,
mostraram que os homens estão mais predispostos ao comportamento hostil, à agressão e até
ao homicídio. Seus estudos indicam ainda que homens jovens se envolvem com maior
freqüência em conflitos e situações de riscos do que homens mais velhos, tendência que eles
intitularam de “síndrome do macho jovem”, cujo período crítico está entre 16 e 25 anos. A
síndrome do macho jovem pode ser demonstrada nos critérios para fazer apólices de seguro
para veículos automotivos. As seguradoras criam perfis para avaliar as possibilidades de
envolvimento em acidentes. Assim, seguros automotivos costumam ser mais caros para os
solteiros, do sexo masculino e com menos de 25 anos. É o reflexo das estatísticas que
mostram pessoas com esse perfil se envolvendo com mais freqüência em acidentes de
trânsito. Além disso, costumam ser os acidentes mais graves e mais onerosos para as
seguradoras.
133
O período crítico para manifestação do comportamento violento coincide com a
maturidade sexual do ser humano. E os jovens parecem se auto-afirmar por meio do
envolvimento em situações hostis e de risco. Nesse período, competir por maior status dentro
de seu grupo aumenta a possibilidade de relacionamento sexual e, apesar do custo
representado pelo elevado risco de morte, os benefícios parecem superá-lo.
No entanto, apesar dessa tendência observada a algum tempo, os estudos mais
recentes de Daly e Wilson mostram que o fator mais importante no envolvimento de jovens
machos em violência é a desigualdade social. Jovens podem manifestar comportamento
violento com maior freqüência quando o contexto social não possibilita seu desenvolvimento
social e financeiro. Há, assim, uma regulação do comportamento violento pelo contexto
social.
O desenvolvimento da tecnologia, o uso de novos métodos educacionais e o atual
acúmulo de recursos ainda não conseguiram eliminar o comportamento violento manifesto no
ser humano. Até hoje, a maneira mais utilizada para combater a violência é a própria
violência, ou ao menos a ameaça de sua ocorrência. Isso se reproduz nas forças policiais e
militares. No entanto, o fato do homem se comportar violentamente em alguns contextos não
impossibilita que medidas possam ser tomadas no intuito de amenizá-las ou aboli-las. Mas
conhecer a natureza humana e o contexto social no qual a violência se manifesta ajuda a traçar
as melhores estratégias para combatê-la.
Depois de tudo o que foi dito, pode ter ficado a impressão que o ser humano é um
assassino sanguinário, extremamente egoísta e que mata em circunstâncias banais. Não é bem
assim. Na verdade, o que quisemos demonstrar foi que o animal humano é capaz de cometer
atos violentos diante de alguns contextos sociais e que essa capacidade pode ter conferido, ao
longo da evolução humana, algum tipo de vantagem para os indivíduos que a expressavam.
Por outro lado, sabemos que esse mesmo animal humano é também moral e capaz de belas e
honrosas atitudes para com o seu próximo. É o que o primatólogo Frans de Waal chama de “o
primata bipolar”. Amor e ódio, bondade e crueldade, agressividade e empatia, generosidade e
egoísmo... são todas características que coexistem no ser humano, compondo o paradoxo que
é seu repertório comportamental. Enquanto primatas bípedes, o homem expressa violência.
Nosso maquinário neuropsicológico responde, sim, com sentimentos hostis em resposta a
alguns estímulos aversivos. Mas, também, possuímos módulos cognitivos que nos
possibilitam escolher pelo uso da violência ou por outras alternativas.
Os ideais evolucionistas costumam assustar, quando mal compreendidos, por
mostrar uma tendência do comportamento que a maioria das pessoas não ou atribui a
134
outros fatores que não a natureza humana. Mas, como foi dito anteriormente, o ser humano é
mais propenso a se comportar violentamente quando as condições de vida são pouco
favoráveis ao desenvolvimento e à realização pessoal. Possuímos, sim, mecanismos
psicológicos que nos possibilitam a destruição. Mas como animais racionais e biologicamente
culturais, possuímos outros mecanismos que nos permitem gerar opções mais nobres e
virtuosas. Além disso, conhecer a capacidade de categorização do ser humano possibilita
evitar os estímulos que promovem respostas violentas. A ciência da Psicologia Evolucionista
pode nos levar a um entendimento cada vez maior de nossa condição existencial,
possibilitando o desenvolvimento de estratégias mais eficazes para o tratamento dos
problemas humanos.
135
D.2 - Anexo II- Instruções do looping
INSTRUÇÕES
Dividam-se em dois grupos.
Os dois grupos participarão de um jogo no qual disputarão uma caixa de chocolate.
O objetivo desse jogo é maximizar os ganhos da equipe adquirindo a maior quantidade
de fichas possíveis no decorrer do jogo.
Será escolhido um líder para cada equipe.
O líder é quem determinará a estratégia a ser executada no jogo, mas poderá receber
conselhos dos outro membros dos grupos.
O grupo receberá um total de 12 fichas sendo 3 fichas para cada participante.
Há um recurso público que terá um total de 25 fichas.
Cada pessoa irá individualmente e alternadamente até o recurso público e pode
retirar ou acrescentar um total de 3 fichas a cada jogada no tempo de 01 minuto.
O recurso público não pode ser extinto. Para que isso não aconteça algumas regras
básicas deverão ser seguidas:
1. caso haja 16 fichas ou mais, o jogador pode retirar ou acrescentar até 3 fichas;
2. caso haja menos do que 15 fichas, o jogador deve, obrigatoriamente, acrescentar
pelo menos o suficiente para completar 15 fichas;
3. Caso haja exatamente 15 fichas, o jogador deve acrescentar ao menos mais uma
ficha.
O jogador deverá receber fichas de outros membros do grupo caso precise jogar e
esteja sem ficha.
Será a campeão a equipe que tiver o maior número de fichas após quatro rodadas.
Boa Sorte
136
D.3 - Anexo III- Termo de consentimento livre e esclarecido
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
DEPARTAMENTO DE FISIOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOBIOLOGIA
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
Prezado(a) Senhor(a):
Vimos através deste convidá-lo(a) a participar de uma pesquisa que está sendo
realizada pelo Laboratório de Etologia Humana da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte.
A participação é voluntária. Caso você aceite participar, solicitamos a permissão
para que possamos utilizar os dados de observação e questionários que por você serão
respondidos, sendo que apenas os pesquisadores terão acesso direto às informações neles
relatadas. Este procedimento em princípio, não traz riscos. Informamos, também, que a
qualquer momento você poderá desistir da participação da mesma.
Qualquer informação adicional ou esclarecimentos acerca desta pesquisa poderá ser
obtido junto aos pesquisadores pelos telefones 84-3215-3409 (Departamento de Fisiologia).
____________________________________________
DIEGO MACEDO GONÇALVES
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
Eu, Sr(a): ___________________________________________________. Considero-me
informado(a) da pesquisa sobre categorização de grupos na formação de alianças e coalizão
do Laboratório de Etologia Humana da UFRN, e aceito participar da mesma, consentindo que
os dados de observação e questionários sejam realizados e utilizados para a coleta de dados.
Natal, _____/______/_______
_______________________________
Assinatura do participante
137
D.4 - Anexo IV- Questionário sócio-demográfico do experimento de raça
Questionário sócio-demográfico
Idade:____
Sexo:____
Grau de escolaridade:
Fundamental incompleto
Fundamental completo
Médio incompleto
Médio completo
Superior incompleto
Superior completo
Pós-graduação
Qual o curso de graduação ou pós-graduação que você faz?
_______________________________________________
Conhece algum componente do grupo adversário?
Sim
Não
Sua equipe foi a equipe vencedora?
Sim
Não
Obrigado!!!
138
D.5 - Anexo IV- Questionário sócio-demográfico do experimento de categorização de
grupos
Questionário sócio-demográfico
Qual o curso de graduação ou pós-graduação que você faz?
_______________________________________________
Conhece algum componente do grupo adversário?
Sim
Não
Sua equipe foi a equipe vencedora?
Sim
Não
Obrigado!!!
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