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UNIVERSIDADE DE TAUBA
Rita de Cássia Simões Pecego dos Santos
A leitura de contos no ciclo II do Ensino Fundamental: a
vivência dos adolescentes em diálogo com a literatura
Taubaté – SP
2009
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UNIVERSIDADE DE TAUBA
Rita de Cássia Simões Pecego dos Santos
A leitura de contos no ciclo II do Ensino Fundamental: a
vivência dos adolescentes em diálogo com a literatura
Dissertação de Mestrado apresentada como
requisito para obtenção do título de Mestre
em Lingüística Aplicada junto ao Programa
de Pós-Graduação da Universidade de
Taubaté. Área de concentração: Língua
Materna.
Orientadora: Profª Dra. Vera cia Batalha
de Siqueira Renda.
Taubaté – SP
2009
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RITA DE CÁSSIA SIMÕES PECEGO DOS SANTOS
A LEITURA DE CONTOS NO CICLO II DO ENSINO FUNDAMENTAL: A
VIVÊNCIA DOS ADOLESCENTES EM DIÁLOGO COM A LITERATURA
Dissertação de Mestrado apresentada para
obtenção do título de Mestre em
Lingüística Aplicada junto ao Programa de
s-Graduação da Universidade de
Taubaté.
Área de concentração:ngua Materna.
DATA: 27 DE ABRIL DE 2009
RESULTADO: _____________
BANCA EXAMINADORA
Profª Drª Vera Lúcia Batalha de Siqueira Renda – Orientadora
Assinatura:_____________________________________________
Profª Drª Maria Aparecida Garcia Lopes Rossi
Assinatura:_____________________________________________
Profª Drª Vera Maria Almeida Rodrigues da Costa
Assinatura:_____________________________________________
Dedico este trabalho à minha filha Mariana,
razão maior das minhas constantes
superações...
AGRADECIMENTOS
Ao finalizar esta dissertação referente ao curso de Mestrado em Lingüística Aplicada,
considero muito importante registrar minha gratidão por obter este sucesso.
Primeiramente, em razão das minhas crenças, agradeço a Deus, força maior que rege o
Universo e fornece suporte à caminhada daqueles que têm fé.
Em segundo lugar, esses agradecimentos são direcionados à Profª Drª Vera Lúcia Batalha de
Siqueira Renda que, com muita competência, soube me direcionar neste empreendimento
acadêmico.
Não posso me esquecer, obviamente, dos meus familiares, pessoas que muito me
incentivaram em todo o período desta pesquisa: Antonio, meu esposo, pela valiosa companhia
em muitas das viagens a Taubaté; Fabiana, minha irmã, pelo contagiante empenho na
formatação do trabalho escrito; Eugênio e Angelina (meus pais) e Rogério (meu irmão), por
me apoiarem em todos os momentos.
E o que dizer dos meus pimpolhos, alunos que assumiram esta pesquisa junto a mim e que,
realmente, fizeram (e com certeza ainda fazem) toda a diferença no mundo dos leitores
infanto-juvenis? Grandes saudades, lindinhos e lindinhas!
E, finalmente, não poderia me esquecer de três grandes colegas que muito me incentivaram
nesta caminhada acadêmica: Magali Ramos, Maria Lza Arice e Nádia Maria Policarpo.
A todos aqui citados: meu carinho, meu respeito e meus eternos agradecimentos!!!
“Um galo sozinho não tece uma manhã;
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos”.
João Cabral de Melo Neto
RESUMO
A recente constatação de algumas avaliações nacionais e internacionais, de que um
considerável número de alunos brasileiros apresenta problemas de interação com os diversos
textos aos quais têm acesso, mostra que é urgente um trabalho voltado para a proficiência em
leitura. Nesse mesmo contexto, evidencia-se a figura do professor de Língua Materna, que
dentro da atual situação da rede pública de ensino, se depara com uma grande maioria de
alunos cujo contato com a literatura ocorre apenas dentro do ambiente escolar. Diante dessa
problemática e tendo por base a perspectiva sociointeracionista da Lingüística Aplicada,
considerei pertinente o desenvolvimento de uma pesquisa-ação voltada para a leitura de
contos infanto-juvenis contemporâneos da literatura brasileira durante as aulas de Língua
Materna, com o propósito de promover, por meio do pressuposto vygotskyano da mediação e
do postulado bakhtiniano da dialogia, a formação intelectual do aluno ligada diretamente à
vida em sociedade, valorizando a arte no caso, a literatura a qual se configura como um
importante fenômeno da linguagem vinculado aos contextos social, histórico e cultural da
humanidade. Nessa pesquisa-ação a metodologia utilizada por mim, enquanto professora de
Língua Portuguesa de uma série da rede pública de ensino (ciclo II da Educação
Fundamental), foi desenvolvida a partir de um projeto de leitura baseado em contos literários
contemporâneos, cujos temas demonstravam relação com algumas vivências diárias dos
adolescentes. Esse trabalho foi empreendido ao final do 4º bimestre do ano letivo de 2007,
sendo que coube a mim, enquanto professora-pesquisadora, registrar as considerações sobre
as aulas em um diário individual e, os educandos, ao final do trabalho com cada um dos
contos, elaboraram respostas individuais para questões sobre a importância do tema abordado
na vida dos adolescentes e sobre o valor do texto literário que busca, enquanto arte,
estabelecer um diálogo com os leitores mais jovens por meio de situações que, na realidade,
permeiam suas vidas. Além disso, foi também proposta a elaboração de uma ilustração para
cada conto, a fim de trabalhar a sensibilidade do sujeito-leitor. Os resultados dessa pesquisa
confirmaram que, mesmo diante de situações tão adversas em seu ambiente de trabalho, o
professor é um profissional que, atuando como mediador, consegue instigar cada educando a
estabelecer um diálogo significativo entre a sua vida e a literatura, construindo, assim, sua
identidade para a vida social.
Palavras-chave: Leitura; Literatura; Contos; Formação de leitor.
ABSTRACT
Recent evidence from some national and international evaluations that a considerable number
of Brazilian students has issues to interact with the several texts to which they have access
shows that a work addressing the reading proficiency is urgent. At this same context, the role
of the native language teacher is evidenced and, within the current situation of the public
teaching network, this teacher is facing many students having the sole contact with literature
within the school environment. With this problematics and based on the social-interacionist
view of Applied Linguistic, I developed a research-action addressing the reading of
contemporary infantile-juvenile tales of Brazilian Literature during the native language
classes, with the purpose to support, through of the vygotskyan purpose of mediation and the
bakhtinian postulate of dialogy, intellectual formation of the student, which could be linked
directly to the life in society and valuing the arts in the case, the literature which is
evidenced as an import phenomenon of language linked to the social, history, and cultural
context of humanity. At this research-action, the methodology used for me, while Portuguese
teacher of the students from the 6
th
grade in public teaching network (cycle II in Elementary
School), was develop a reading project based on contemporary literature tales of which the
theme would be related with the daily life of the teenagers. This work was undertaken late in
the 4th bimester of 2007 school year and my role, while teacher-investigator was to record my
considerations about the classes in an individual journal and the students wrote individual
answers at the end of each tale work for the questions about the importance of the theme
approached on the life of the teenagers and on the value of the literary text that has the
intention, as an art, to establish a dialogue with younger readers using situations that are
involved in their real lives. In addition, developing an illustration to each tale was also
proposed so that to work the subject-reader sensitivity. Partial results of this research confirm
that, even with these so adverse situations in their work environment, the native language
teacher in the public school is a professional who, acting as a mediator, can instigate each
student to establish a significant dialogue between his/her life and the literature, building
his/her identity to the social life.
Keywords: Reading; Literature; Tales; Reader Formation.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Cronograma do projeto Ler é um prazer!......................................................... 70
Quadro 2: Textos lidos pelos sujeitos de pesquisa no cotidiano........................................ 76
Quadro 3: Freqüência com que os sujeitos de pesquisa emprestavam livros da Sala de
Leitura.................................................................................................................................. 77
Quadro 4: Hábito de tecer comentários sobre os livros lidos............................................ 77
Quadro 5: Hábitos de leitura por parte dos familiares dos sujeitos de pesquisa................ 78
Quadro 6: Contato dos sujeitos de pesquisa com histórias na época da infância.............. 79
Quadro 7: Critérios utilizados pelos sujeitos de pesquisa para escolha dos livros na Sala de
Leitura.................................................................................................................................. 80
Quadro 8: Tipos de livros preferidos pelos sujeitos de pesquisa....................................... 81
Quadro 9: Livros sugeridos pelos sujeitos de pesquisa..................................................... 81
Quadro 10: Hábito de formulação de hipóteses................................................................. 85
Quadro 11: Tipos de informações priorizadas pelos sujeitos de pesquisa no decorrer da
leitura................................................................................................................................... 87
Quadro 12: Principais informações identificadas pelos sujeitos de pesquisa diante das
referências bibliográficas..................................................................................................... 88
Quadro 13: Características valorizadas pelos sujeitos de pesquisa diante de um
poema.................................................................................................................................. 91
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................. 12
CAPÍTULO 1 - AS CONTRIBUIÇÕES VYGOTSKYANAS E BAKHTINIANAS PARA
O PROCESSO DE LEITURA......................................................................................... 18
1.1 Apresentação do capítulo.............................................................................................. 18
1.2 Zona de desenvolvimento proximal.............................................................................. 19
1.3 Atenção e memória....................................................................................................... 20
1.4 A mediação do professor na prática educacional.......................................................... 22
1.5 A afetividade no trabalho pedagógico.......................................................................... 24
1.6 Dialogismo.................................................................................................................... 25
1.7 Os estudos literários...................................................................................................... 27
1.8 A leitura......................................................................................................................... 28
1.9 Estratégias para o ensino da leitura............................................................................... 32
1.10 Os projetos de leitura................................................................................................... 34
1.11 Conclusão do capítulo................................................................................................. 35
CAPÍTULO 2 – O TEXTO LITERÁRIO...................................................................... 37
2.1 Apresentação do capítulo.............................................................................................. 37
2.2 O que é a literatura?....................................................................................................... 37
2.3 Funções da literatura..................................................................................................... 40
2.4 Elementos fundamentais da obra literária: conteúdo e forma....................................... 42
2.5 Literatura infanto-juvenil............................................................................................... 44
2.6 Os leitores infanto-juvenis............................................................................................. 47
2.7 A narrativa..................................................................................................................... 50
2.8 O conto e sua caracterização......................................................................................... 55
2.9 Conclusão do capítulo................................................................................................... 59
CAPÍTULO 3 – ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA.......................... 61
3.1 Apresentação do capítulo.............................................................................................. 61
3.2 Caracterização da pesquisa-ação................................................................................... 61
3.3 Caracterização dos sujeitos de pesquisa e do espaço escolar........................................ 62
3.4 Coleta de dados – Projeto de leitura Ler é um prazer!.................................................. 64
3.5 Conclusão do capítulo....................................................................................................72
CAPÍTULO 4 – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS DE PESQUISA................ 73
4.1 Apresentação do capítulo.............................................................................................. 73
4.2 Questionário I................................................................................................................ 73
4.3 Questionário II............................................................................................................... 82
4.4 Questionários referentes aos contos.............................................................................. 92
4.5 Questionário final.......................................................................................................... 100
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 105
REFERÊNCIAS................................................................................................................ 108
ANEXOS............................................................................................................................ 110
12
INTRODUÇÃO
Atualmente, as pesquisas em ensino-aprendizagem de
línguas dentro da LA recebem, como as demais,
contribuições de áreas diversas, assim como também
contribuem para essas áreas, e cobrem teticas diversas.
(CASTRO, 2003, p. 12)
Desenvolver ou ampliar a competência leitora dos alunos a partir do contato com a
arte literária é um grande desafio para os educadores, sobretudo para aqueles que, a partir do
ciclo II do Ensino Fundamental, assumem as aulas da disciplina de Língua Portuguesa dentro
da rede pública de ensino. No entanto, investir neste objetivo constitui um dos principais
propósitos da instituição escolar que deseja contribuir efetivamente na formação de cidadãos
autônomos, reflexivos, críticos e atuantes.
Desde a década de 80, a Lingüística Aplicada tem apresentado uma considerável
preocupação com o ensino da Língua Portuguesa, especialmente no que diz respeito ao
desenvolvimento das competências leitora e escritora.
Segundo Moita Lopes (1996, p. 3), a Lingüística Aplicada é entendida, atualmente,
como uma área de investigação interdisciplinar centrada na resolução de problemas
relacionados ao uso da linguagem dentro e fora da sala de aula, afinal, os estudos analisam
esses problemas situados em contextos da práxis humana.
Enquanto pesquisadora, considero que a própria instituição escolar, por meio de
muitos educadores, também parece apresentar uma sutil ampliação de suas ações,
considerando que o processo educacional não deve se limitar ao interior do prédio escolar,
mas sim levar em consideração que seus educandos o diretamente influenciados por
elementos externos de suas vidas (família, política, mercado de trabalho, entre outras
situações), os quais são determinantes no processo de ensino-aprendizagem.
Mesmo assim, uma recente constatação, baseada em algumas avaliações nacionais
e internacionais (SARESP - Sistema de Avalião de Rendimento Escolar de São
Paulo/2005; SAEB - Sistema de Avaliação da Educação Básica /2005; SAREM - Sistema de
Avaliação da Rede de Ensino Municipal de São José dos Campos /2006 e PISA - Programa
Internacional de Avaliação de Alunos/2006), que demonstra ser considerável o número de
alunos brasileiros que não compreende o que lê, que não relaciona o seu pprio repertório
com as informações sistematizadas em sala de aula e que possui dificuldade para interpretar
13
e/ou interagir com os diversos textos aos quais m acesso, resultado que justifica a urgência
de um trabalho voltado para a proficiência em leitura.
Neste mesmo contexto, evidencia-se a figura do professor de Língua Materna (como é
o caso desta pesquisadora) que, dentro do atual quadro da rede pública de ensino, se depara
com turmas numerosas, heterogêneas (nos aspectos cultural, social e econômico), oriundas de
diferentes formações familiares que, em geral, não valorizam o ato de ler, tendo contato com a
literatura apenas dentro do ambiente escolar. Sendo assim, enquanto professora e
pesquisadora responsável por esta investigação, iniciei uma constante problematização sobre
as possibilidades de se trabalhar para criar ou resgatar, de maneira efetiva, o prazer pela
leitura por meio de textos literários que abordassem temas relacionados ao cotidiano dos
adolescentes. Com isso, a atuação dos alunos seria baseada no interesse, na empatia, no
estímulo e/ou na identificação com os textos a serem trabalhados.
Diante desta problemática tomei por base a perspectiva sociocognitivo-interacionista
da Lingüística Aplicada, a qual enfatiza que os sujeitos devem ser vistos como
atores/construtores sociais, que o texto é o próprio lugar da interação e, que os interlocutores
são sujeitos ativos que – dialogicamente se constroem no discurso e por ele são construídos.
Desta forma, considerei pertinente o desenvolvimento de uma pesquisa-ação voltada para a
leitura de contos infanto-juvenis contemporâneos da literatura brasileira durante as aulas de
Língua Materna, que tivesse o propósito de promover a formação intelectual do aluno ligada
diretamente à vida em sociedade, além de valorizar a arte literária como importante fenômeno
de linguagem diretamente ligado aos contextos social, histórico e cultural da humanidade,
contribuindo para a formação integral.
Neste trabalho, optei por desenvolver uma pesquisa-ação levando em consideração as
afirmações de Thiollent (2005, p. 81), as quais demonstram ser necessário promover a
participação dos usuários do sistema escolar na busca de soluções para os seus problemas,
dentro de um contexto cujo objetivo principal seja o da reconstrução de idéias que antecipem
o real ou que delineiem um ideal de ensino que não mais se limite à descrição ou à avaliação.
Nessa visão reconstrutivista, as atividades pedagógicas e educacionais deixam de ser
concebidas como transmissão ou aplicação de informações e, adquirem uma dimensão
conscientizadora na medida em que os elementos de tomada de consciência o utilizados
durante as situações investigadas na relação professores/alunos.
Na verdade, o que idealizei nesta pesquisa foi o planejamento, a criação e a aplicação
de estratégias que contribssem para a formação do sujeito-leitor por meio da arte literária, a
partir de uma identificação entre os adolescentes e os contos da literatura infanto-juvenil
14
contemporânea. Neste caso específico o pretendia realizar uma simples descrição ou uma
mera avaliação da atual situação do ensino brasileiro, no que diz respeito ao desenvolvimento
da competência leitora no ciclo II do Ensino Fundamental.
Na hipótese inicial desta pesquisa considerei que, mesmo diante de situações tão
adversas em seu ambiente de trabalho, o professor de língua materna pode ser um profissional
capaz de desenvolver mecanismos dentro do ambiente escolar que possam instigar os
aprendizes a se tornarem leitores proficientes, afinal, eles fazem parte de uma sociedade que,
cada vez mais, necessita de sujeitos que saibam estabelecer interações pessoais significativas
em suas vidas, no sentido de protagonizar uma comunicação eficiente nos diversos âmbitos do
cotidiano. Estes mecanismos foram formados pelo trabalho com textos literários que
viabilizavam um diálogo entre a vida real do educando e o conto infanto-juvenil
contemporâneo, atras de uma interação crítico-reflexiva.
O objetivo geral desta pesquisa-ação foi o de trabalhar um projeto de leitura a que
intitulei Ler é um prazer! com alunos do Ensino Fundamental (Ciclo II) da rede pública
municipal de São Jodos Campos, a fim de analisar em que medida é possível estabelecer,
através da mediação do professor, um diálogo entre o texto literário (contos infanto-juvenis
contemporâneos) e o cotidiano dos adolescentes, buscando uma conscientização mais ampla
sobre as situações de vida com as quais os aprendizes se deparam diariamente. Esse olhar
poderá levar o/a jovem a buscar maior contato com o texto literário.
No decorrer do projeto busquei alcançar os seguintes objetivos específicos:
Promover o contato dos educandos com textos literários significativos para suas
respectivas faixas etárias e condições socioculturais, por meio de um trabalho que
tivesse o objetivo de valorizar tanto o conteúdo quanto a forma do texto artístico.
Estabelecer estratégias de leitura para facilitar a interação texto/leitor durante as
aulas de Língua Materna.
Definir objetivos de leitura para viabilizar uma reflexão crítica acerca do tema
abordado.
Proporcionar aos aprendizes um contato real com a literatura a fim de que eles
pudessem perceber que esta não é um mundo inatingível, mas sim um elo entre a
arte e a vida, pois está diretamente ligada à formação do ser humano enquanto
sujeito de sua própria história.
Entender a organização lingüística do conteúdo do texto literário.
15
A fundamentação teórica que embasou este trabalho encontra-se em estudiosos que
abordam questões inerentes ao contato com a literatura no ambiente escolar, como Coelho
(2000), cujas afirmações demonstram que, diante das discuses sobre os rumos que precisam
ser tomados para uma nova reforma da Educação e do Ensino, a Literatura surge como “a
ponta de eixo ideal” para esta nova estrutura.
Esta afirmação me leva a ponderar que uma nova estrutura educacional (baseada na
arte literária) pode se concretizar no cotidiano do professor e do aluno, na medida em que se
estabelecer uma interação entre os leitores e os textos. Ao desejar que meu aluno se torne um
leitor competente, eu (no papel de professora) procurei realizar uma mediação constante,
agradável e produtiva, vivenciando estratégias de leitura com as quais seja possível efetivar o
diálogo entre a literatura e a vida dos aprendizes. No que diz respeito à questão da mediação
como elemento indispensável para viabilizar o desenvolvimento dos adolescentes pela
identificação com os contos da literatura infanto-juvenil contemporânea, busquei um aporte
teórico nos pressupostos vygotskyanos e bakhtinianos. Vygotsky (2004, cap.19) problematiza
a definição da função docente ao longo dos tempos e sugere que este profissional não seja
mais caracterizado apenas como fonte exclusiva de informação aos alunos, uma vez que os
avanços no aprendizado e no desenvolvimento dos indivíduos ocorrem por meio de
significativas interações com os objetos de conhecimento, as quais precisam ser permeadas
pela tarefa de suscitar no aluno o entusiasmo, o interesse pela aprendizagem, afinal, para o
estudioso (p. 449), o professor que se espera encontrar hoje, dentro do âmbito escolar, é o
profissional que tenha a capacidade de desenvolver “todos os aspectos que respiram vida e
dinamismo”.
Desta forma, posso afirmar que é de extrema relevância que o professor, dentro do
atual contexto educacional, assuma uma postura de mediador durante as suas aulas, uma vez
que caberá a ele ser um sujeito possibilitador das diversas interações entre os educandos. A
intervenção docente durante as atividades propostas age dentro da zona de desenvolvimento
proximal de cada aluno e, considerando a experiência, a criatividade, os conhecimentos e a
função de possibilitar à criança o acesso ao saber, todo educador pode contribuir com os
processos de aprendizagem e com o desenvolvimento de seus aprendizes.
No que diz respeito aos adolescentes que estudam no ciclo II do Ensino Fundamental,
o contato com a literatura infanto-juvenil contemporânea parece construir diversos efeitos de
sentido através de trabalhos voltados para a leitura de contos. Isto porque muitos autores deste
gênero literário procuram dialogar com seus leitores, abordando temas que tenham
significados reais em suas vidas, afinal, como afirma Bakhtin (2003), “A literatura é parte
16
inseparável da cultura, não pode ser entendida fora do contexto pleno de toda a cultura de uma
época”. Massaud Moisés (1967), no que diz respeito aos contos, acrescenta ainda que “o
contista doa à contemplação do leitor um episódio semelhante aos da vida diária...”.
Coelho (2000, p. 71) corrobora esta idéia quando apresenta uma definição de conto
dentro de uma perspectiva contemporânea, afirmando que se trata de uma forma básica do
gênero narrativo (enquanto ficção) que, em sua forma original, registra um importante
momento na vida da(s) personagem(ns). Segundo a autora, no conto existe a intenção de
revelar apenas um fragmento de vida que possibilita ao leitor entrever o todo ao qual aquela
parte pertence. Sua estrutura possui uma unidade dramática ou um motivo central, um
conflito, um acontecimento que se desenvolve em situações breves, rigorosamente
dependentes daquele motivo”. A pequena extensão material do conto justifica a unicidade da
ação ou situação e a brevidade da caracterização das personagens e do espaço, bem como da
duração temporal.
Para Coelho, o conto tem se mostrado como a forma privilegiada da literatura
popular e da infantil”, pois sua estrutura básica é sempre a mesma, isto é, a de revelar um
“momento significativo” na vida da personagem.
Segundo Moita Lopes (2002), é preciso que, no decorrer das aulas de leitura, os
educandos aprendam a “ler o mundo, os outros e a si mesmos”, afinal, a sala de aula é um
espaço privilegiado para estas ações, mesmo diante das grandes dificuldades que os
professores encontram para efetivar suas ações pedagógicas.
De acordo com Proença Filho (1990), “a literatura é, tradicionalmente, uma arte
verbal” e, “a arte é um dos meios de que se vale o homem para conhecer a realidade”. Sendo
assim, o contato com a obra de arte literária pressupõe questionamentos sobre o mundo e
estimula o ser humano a ser, efetivamente, um protagonista na sociedade.
Desta maneira, este trabalho es organizado em quatro capítulos, seguidos de
conclusão, referências bibliográficas e anexos. No capítulo 1 apresento uma abordagem sobre
algumas das principais idéias de Lev Semenovich Vygotsky e de Mikhail Bakhtin e, de suas
implicações nas atividades de leitura realizadas na disciplina de Língua Portuguesa. Os
conceitos vygotskyanos apresentados formam uma considerável parcela da fundamentação
teórica da pesquisa empreendida, no sentido de enfatizar que o desenvolvimento do ser
humano é resultado das diversas interações em que ele se engaja, incluindo-se, entre elas, a do
âmbito escolar. os pressupostos bakhtinianos de dialogismo e de estudos literários são
essenciais para o embasamento teórico da presente pesquisa, uma vez que esta foi por mim
17
realizada dentro do contexto proposto em um projeto de leitura que visava estabelecer
interações discursivas entre professor, aluno e autor; sujeitos históricos, sociais e ideológicos
que se constituem por meio das diferentes vozes que permeiam a literatura. Além disso,
destaco importantes considerações sobre o processo de leitura (definição, estratégias para uma
efetiva interação entre leitor e texto e, ainda, projetos de leitura).
No capítulo 2 exponho a definição de literatura, suas funções e características, além
de abordar, especificamente, aspectos relevantes da literatura infanto-juvenil, sobretudo
referentes ao conto, gênero narrativo que sustentou a leitura dos sujeitos desta pesquisa.
Os aspectos metodológicos desta pesquisa-ação são explicitados no capítulo 3, com o
objetivo de detalhar a maneira como a pesquisa foi desenvolvida.
No capítulo 4 realizo a análise e a discussão dos dados da pesquisa empreendida a
partir das respostas que os educandos (sujeitos de pesquisa) elaboraram para seis
questionários, os quais se constituíram no corpora observado, principalmente, sob a ótica dos
capítulos 1 e 2.
Nas considerações finais ressalto a importância de um trabalho docente
(especialmente na disciplina de Língua Portuguesa) voltado para o desenvolvimento de
projetos de leitura que, baseados nos pressupostos da mediação vygotskyana e da dialogia
bakhtiniana, tenham o objetivo de estabelecer um elo significativo entre a literatura e a
vivência dos educandos, a fim de promover a competência leitora e, na medida do possível,
minimizar as desigualdades sociais.
Constituem os anexos desta pesquisa, sob formato digitalizado, os contos infanto-
juvenis da literatura brasileira utilizados durante o projeto de leitura desenvolvido com os
sujeitos de pesquisa (O bisavô e a dentadura, de Sylvia Orthof; Beijos Mágicos, de Ana
Maria Machado e O bife e a pipoca, de Lygia Bojunga), o texto Um bom conto é a glória! (de
Moacyr Scliar), algumas das ilustrações elaboradas pelos sujeitos de pesquisa e os modelos
dos seis questionários aplicados em sala de aula.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de
Taubaté conforme Protocolo CEP/UNITAU nº 0397/07.
18
CAPÍTULO 1
AS CONTRIBUIÇÕES VYGOTSKYANAS E BAKHTINIANAS PARA O PROCESSO
DE LEITURA
[...] todo conhecimento deve ser antecedido de uma
sensação de sede. O momento da emoção e do interesse
deve necessariamente servir de ponto de partida a qualquer
trabalho educativo. (VYGOTSKY, 2004, p. 145)
1.1 Apresentação do capítulo
No presente capítulo tenho por objetivo realizar uma abordagem sobre algumas das
principais idéias de dois importantes estudiosos e de suas implicações nas atividades de
leitura realizadas na disciplina de Língua Portuguesa: o psicólogo bielo-russo Lev
Semenovich Vygotsky (18961934) e o filósofo russo Mikhail Bakhtin (1895 1975).
Os conceitos vygotskyanos aqui apresentados formam uma considerável parcela da
fundamentação teórica que embasou a pesquisa por mim empreendida, no sentido de enfatizar
que o desenvolvimento do ser humano é resultado das diversas interações em que ele se
engaja, incluindo-se, entre elas, a do âmbito escolar.
Já os postulados bakhtinianos de dialogismo e de estudos literários são essenciais para
o embasamento teórico da presente pesquisa, uma vez que a realizei dentro do contexto
proposto em um projeto de leitura que visava estabelecer interações discursivas entre
professor, aluno e autores; sujeitos históricos, sociais e ideológicos que se constituem por
meio das diferentes vozes que permeiam a literatura.
Por fim, no que diz respeito ao processo de leitura, apresento considerações advindas,
sobretudo, das autoras Kleiman (1989a; 1989b e 2001) e Solé (1998), além dos Parâmetros
Curriculares Nacionais: língua portuguesa (2001) acerca de sua definição, de estratégias que
visam a uma efetiva interação entre leitor e texto e, por ser conveniente a este trabalho, uma
abordagem sobre os projetos de leitura.
19
1.2 Zona de desenvolvimento proximal
O desenvolvimento de um ser humano depende do aprendizado que ele estabelece
num determinado grupo, considerando sua interação com os outros seres da mesma espécie.
Sendo assim, o aprendizado possibilita o processo de desenvolvimento, como afirma
Vygotsky (2007, p. 100):
[...] o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo
através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que as cercam [...]
Desta maneira, tanto a aprendizagem quanto o desenvolvimento se destacam nos
estudos vygotskyanos, os quais procuram demonstrar que o aprendizado de uma criança é
iniciado muito antes de ela freqüentar o ambiente escolar, porém, há que se pontuar a
importância do aprendizado escolar, pois este amplia o desenvolvimento sócio-hisrico-
cultural do indivíduo.
O estudioso russo (2007, p. 95) estabelece dois níveis de desenvolvimento: o nível de
desenvolvimento real (o qual se refere ao desenvolvimento de forma retrospectiva, isto é,
aborda as etapas conquistadas pela criança, indicando os ciclos de desenvolvimento que
estão completos) e o nível de desenvolvimento potencial (o qual se refere à capacidade do
indivíduo em desempenhar atividades com o auxílio de outra pessoa, podendo esta ser um
adulto ou uma criança mais experiente).
Estes conceitos sobre os dois níveis de desenvolvimento de uma criança muito
interessam a esta pesquisa, na medida em que, no processo de ensino-aprendizagem, é
possível valorizar tanto o conhecimento que o aluno traz consigo, quanto o momento em
que, na escola, lhe são oportunizadas condições para construir novos conceitos, tendo por
base que a interferência de outras pessoas (sejam elas colegas de classe e/ou professores)
desempenha um papel significativo no desenvolvimento individual.
A partir das concepções dos dois veis de desenvolvimento abordados, Vygotsky
(2007, p. 97) estabelece a existência da zona de desenvolvimento proximal, que é a distância
entre o que a criança tem capacidade para realizar de maneira autônoma (nível de
desenvolvimento real) e o que ela precisa realizar com o auxílio de outros indivíduos de seu
grupo social (nível de desenvolvimento potencial).
20
A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda o
amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que
amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. Essas funções
poderiam ser chamadas de “brotos” ou “flores” do desenvolvimento, ao invés de
frutos do desenvolvimento. (VYGOTSKY, 2007, p. 98)
Assim, posso afirmar que este conceito vygotskyano se refere ao percurso que a
criança trilhapara desenvolver as funções que estão em processo de amadurecimento, a fim
de consolidá-las no nível de desenvolvimento real. É um postulado em que o autor deseja
evidenciar que a aquisição de autonomia do ser humano é gradativa e que o aprendizado
desponta como o responsável pela criação da zona de desenvolvimento proximal, afinal, é na
interação com outras pessoas que a criança (incluindo-se neste termo também o adolescente)
se depara com diferentes processos de desenvolvimento, os quais, após o momento de
internalização, se transformam em aquisições do desenvolvimento individual do ser humano,
grande contribuição para o viés do presente trabalho.
1.3 Atenção e memória
Nesta seção abordarei dois temas clássicos da psicologia, que muito interessam à
prática educacional, pois além de constituírem uma das principais preocupações dos atuais
educadores,o questões relacionadas ao desenvolvimento cognitivo dos indivíduos.
À luz dos pressupostos básicos de Vygotsky (2004), é possível afirmar que tanto a
atenção quanto a memória possuem um valor pedagógico claro e evidente que justifica a
necessidade de se procurar conciliar ambos os processos no cotidiano de cada indivíduo.
O psicólogo russo (2004, p. 161) define a atenção como uma reação que, na fase
inicial da vida de um indivíduo, possui um caráter quase que exclusivamente instintivo-
reflexivo e que apenas num processo gradual (baseado em treinamentos longos e complexos)
transforma-se em “atitude arbitrária”, afinal, as pessoas são constantemente submetidas a
grandes quantidades de informações do ambiente em que vivem. E é a partir dessas
informões que ocorre um processo de seleção de estímulos apropriados para a
sobrevivência do ser humano.
Durante o seu desenvolvimento, o indivíduo torna-se capaz de agir voluntariamente,
de modo a direcionar sua atenção para aquilo que lhe parece relevante dentro do ambiente em
que se encontra.
21
Dentro do contexto escolar, o professor poderá criar condições para que seu educando
direcione seu interesse para as atividades propostas, partindo de outra máxima vygotskyana,
na qual se afirma que toda aprendizagem é possível na medida em que se baseia no
próprio interesse da criança” (2004, p. 163), daí o foco na também temática dos contos, como
categoria de seleção de textos.
Sob essa perspectiva devo ressaltar, então, que uma atividade escolar desperta a
atenção do educando na medida em que seu objetivo for previamente esclarecido, assim como
cada etapa desta pesquisa foi apresentada aos meus educandos (sujeitos de pesquisa), a fim de
suscitar um interesse por parte do aluno e, novamente, Vygotsky (2004, p. 163) fornece uma
contribuição importante para a prática docente:
Ao organizar o meio e a vida da criança nesse meio, o pedagogo interfere
ativamente nos processos de desenvolvimento dos interesses infantis e age sobre
eles da mesma forma que influencia todo o comportamento das crianças. Entretanto
sua regra será sempre uma: antes de explicar, interessar; antes de obrigar a agir,
preparar para a ação; antes de apelar para reações, preparar para a atitude; antes de
comunicar alguma coisa nova, suscitar a expectativa do novo. Assim, em termos
subjetivos, para o aluno a atitude se revela antes de tudo como certa expectativa da
atividade a ser desenvolvida.
Quanto à memória, Vygotsky (2007) realiza, inicialmente, a distinção entre a
memória natural (não-mediada) e a memória mediada por signos. A memória natural está,
segundo o estudioso (2007, p. 32), “muito próxima da percepção”, pois se faz presente nas
determinações inatas do organismo humano, correspondendo ao registro involuntário de
experiências que se transformarão em informações a serem utilizadas posteriormente pelo
indivíduo. Por outro lado, a memória mediada é aquela que, de acordo com o autor (p. 46 e
47), “representa uma linha especial de desenvolvimento que não coincide, de forma completa,
com o desenvolvimento dos processos elementares”.
Esse segundo tipo de memória é, sem dúvida, um processo psicológico do ser humano
que muito interessa à prática pedagógica, pois, além de sua natureza ser relacionada ao
registro de experiências que serão recuperadas e usadas posteriormente, a memória mediada
pressupõe uma ação voluntária do indivíduo no que diz respeito ao uso de signos que possam
estimular a recuperação de um dado conteúdo.
A utilização desses signos, que na educação, podem corresponder aos diferentes
materiais didáticos disponíveis, tende a otimizar a capacidade de memorização dos alunos e,
conseqüentemente, estabelecer uma relação significativa entre ele e os processos de
aprendizado, afinal, como expõe Vygotsky (2007, p. 50):
22
A verdadeira essência da memória humana está no fato de os seres humanos serem
capazes de lembrar ativamente com a ajuda de signos. Poder-se-ia dizer que a
característica sica do comportamento humano em geral é que os próprios homens
influenciam sua relação com o ambiente e, através desse ambiente, pessoalmente
modificam seu comportamento, colocando-o sob seu controle.
Cabe destacar, neste momento, que dentro do contexto da pesquisa por mim
empreendida, o próprio texto literário (como repositório de memória universal), os
questionários aplicados e as ilustrações elaboradas pelos educandos constituem formas de
registro dialogantes com/pelos alunos.
1.4 A mediação do professor na prática educacional
As obras vygotskyanas permitem detectar a preocupação que o psicólogo russo
demonstrava ter com relação à educação escolar e, como não poderia deixar de ser, ele não
promoveu reflexões apenas sobre a criança, mas também sobre o papel do professor enquanto
sujeito mediador das práticas educativas.
Vygotsky (2004, p. 449) problematiza a definição da fuão docente ao longo dos
tempos e sugere que este profissional não seja mais caracterizado apenas como fonte
exclusiva de informação aos alunos, uma vez que os avanços no aprendizado e no
desenvolvimento dos indivíduos ocorrem por meio de significativas interações com os objetos
de conhecimento, as quais precisam ser permeadas pela tarefa de suscitar no aluno o
entusiasmo, o interesse pela aprendizagem. Sendo assim, no decorrer desta pesquisa houve
um elo significativo entre o meu trabalho (como professora-pesquisadora) e as atividades
desenvolvidas pelas professoras da Sala de Leitura e da disciplina de Arte, com o objetivo de
mostrar aos alunos o caráter dinâmico e interdisciplinar do projeto de leitura que estava sendo
desenvolvido.
Assim, a mais importante exigência que se faz a um professor nas novas condições
é a de que ele deixe inteiramente a condição de estojo e desenvolva todos os
aspectos que respiram vida e dinamismo.
Desta forma, é de extrema relevância que o professor, dentro do atual contexto
educacional, assuma uma postura de mediador durante as suas aulas, uma vez que caberá a ele
ser um sujeito possibilitador das diversas interações entre os educandos. Sua intervenção
durante as atividades propostas agirá dentro da zona de desenvolvimento proximal de cada
aluno e, considerando sua experiência, sua criatividade, seus conhecimentos e sua função de
23
possibilitar à criaa o acesso ao saber, o educador contribuirá com os processos de
aprendizagem e com o desenvolvimento de seus aprendizes.
Ser um parceiro privilegiado dos alunos no contexto escolar pressupõe que o
profissional em questão promova situações de aprendizagem em que os alunos sejam
incentivados a ter curiosidade, a realizar inferências, a trabalhar em equipes, a argumentar
suas idéias, a aceitar e/ou tolerar o outro, a resgatar e compartilhar conhecimentos prévios,
enfim, a desejar ser constituído enquanto sujeito, mesmo que inconscientemente, sob a ótica
do sócio-interacionismo.
Para que a mediação com o educando possa ser um processo positivo, o professor,
num primeiro momento, precisará definir quais são os níveis de desenvolvimento (real e
potencial) de cada aluno, a fim de que, possa intervir, planejar e executar estratégias que
atuarão diretamente na zona de desenvolvimento proximal do indivíduo, possibilitando a
ampliação e/ou os avanços na aprendizagem.
Sei que esta não é uma tarefa fácil, tendo em vista que o atual cenário educacional
(referindo-se ao Brasil) parece não fornecer condões muito propícias para o
desenvolvimento da autonomia do educando, porém, é imprescindível que o educador assuma
sua função de mediador e, conseqüentemente, que descarte a figura do professor como sendo
o único detentor do saber a ser transmitido, afinal, na sala de aula, os alunos também são
mediadores em diversos momentos e contribuem no processo de ampliação, construção e/ou
alteração dos conhecimentos de seus parceiros. Trata-se, obviamente, de uma concepção que
desconstrói um cenário educacional muito caracterizado por alunos ideais, que nada
tinham a oferecer para o processo de ensino-aprendizagem. Nas reflexões de Vygotsky (2004,
p. 448), tanto o educador quanto o educando compartilham responsabilidades dentro da sala
de aula:
O próprio aluno se educa. Uma aula que o professor em forma acabada pode
ensinar muito, mas educa apenas a habilidade e a vontade de aproveitar tudo o que
vêm dos outros sem fazer nem verificar nada. Para a educação atual não é tão
importante ensinar certo volume de conhecimento quanto educar a habilidade para
adquirir esses conhecimentos e utilizá-los. E isso se obtém (como tudo na vida) no
processo de trabalho.
24
1.5 A afetividade no trabalho pedagógico
A questão da afetividade no trabalho pedagógico constitui um outro item relevante
para esta pesquisa, uma vez que, dentro das concepções vygotskyanas, o sentimento e a razão
formam uma parceria produtiva dentro do processo educacional.
De acordo com Rego (1994, p. 120), apesar de vários documentos do psicólogo russo
não terem sido traduzidos, sabe-se que, em muitos de seus textos, o autor abordou
especificamente o tema afetividade, demonstrando sua grande preocupação em analisar os
aspectos cognitivos e afetivos do funcionamento psicológico humano.
O afeto direciona o indivíduo a modificar sua razão de modo a se humanizar na
integração com o outro e, conseqüentemente, nessas diversas interações o ser humano aprende
a lidar com suas percepções, com seus sentimentos, enfim, aprende a compreender melhor a si
mesmo e aos outros.
O ser humano é concebido por Vygotsky como alguém que se utiliza de suas
capacidades intelectuais e que, ao mesmo tempo, aciona suas capacidades afetivas no decorrer
de um cotidiano socialmente construído. Sem dúvida, essas capacidades também são
mobilizadas por educandos e educadores no decorrer das aulas, uma vez que esses sujeitos
estão, a todo momento, exercendo o aspecto cognitivo (pensar, abstrair, inferir, relacionar,
entre outras ações) articulado às suas experiências emocionais (desejos, sentimentos,
aspirações, motivações, interesses, entre outras). O estudioso não faz uma distinção entre o
intelecto e o afeto, pois busca compreender o sujeito em sua totalidade, afinal, a cognição e o
emocional se unificam, no que diz respeito ao processo do desenvolvimento psíquico humano,
assim como expõe Vygotsky (2005, p. 9-10):
Referimo-nos à relação entre intelecto e afeto. [...] A análise em unidades indica o
caminho para a solução desses problemas de importância vital. Demonstra a
existência de um sistema dinâmico de significados em que o afetivo e o intelectual
se unem. Mostra que cada idéia contém uma atitude afetiva transmutada com
relação ao fragmento de realidade ao qual se refere. Permite-nos ainda seguir a
trajetória que vai das necessidades e impulsos de uma pessoa até a direção
específica tomada por seus pensamentos, e o caminho inverso, a partir de seus
pensamentos até o seu comportamento e a sua atividade.
Diante dessa abordagem é possível perceber que os estudos vygotskyanos corroboram,
de um modo bastante contemporâneo, a dimensão singular que cognição e afeto assumem em
todos os tipos de interação promovidos pelos indivíduos e, de uma maneira mais específica,
dentro do contexto escolar, uma vez que, tanto educadores quanto educandos mobilizam
25
dinamicamente suas capacidades intelectuais e afetivas a fim de promover, por meio da
relação com o outro, o desenvolvimento e a aprendizagem.
1.6 Dialogismo
O dialogismo é uma das principais categorias do pensamento de Mikhail Bakhtin, por
meio da qual é possível estudar as queses referentes ao discurso interior, ao monólogo, à
comunicação dria, aos diferentes gêneros do discurso, às variadas manifestações culturais e,
no que diz respeito à presente pesquisa, à literatura.
O princípio diagico caracteriza as idéias de Bakhtin sobre o homem e a vida, a qual,
segundo o estudioso, é marcada pela alteridade enquanto característica do ser humano que se
constitui pela presença do outro:
[...] na vida agimos assim, julgando-nos do ponto de vista dos outros, tentando
compreender, levar em conta o que é transcendente à nossa própria consciência:
assim levamos em conta o valor conferido ao nosso aspecto em função da
impressão que ele pode causar em outrem [...] (BAKHTIN, 2003, p. 35)
A linguagem se estabelece na interação entre interlocutores, isto é, na relação entre
sujeitos que constroem os sentidos dos textos e por eles são constituídos. Na verdade, quando
se aborda a questão das muitas vozes sociais que fazem parte de um indivíduo, pensa-se que
esta é uma característica que o ser humano tem a possibilidade de modificar no seu cotidiano
de interações, afinal, como afirma Bakhtin (2006, p. 47): “o ser, refletido no signo, não apenas
nele se reflete, mas também se refrata”.
O dialogismo de Bakhtin é considerado o princípio constitutivo da linguagem e a
condição do sentido do discurso. Sendo assim, é possível afirmar que o discurso não é
individual por duas razões: a primeira delas mostra que ele se constrói a partir da presença de,
pelo menos, dois interlocutores considerados seres sociais; a segunda razão apresenta o
discurso como o resultado da relação com outros discursos já existentes.
Os diversos discursos que permeiam uma sociedade e/ou uma cultura estabelecem
entre si um diálogo permanente, fato este que justifica o caráter dialógico e complexo da
linguagem. Quando se afirma que a palavra de um sujeito é sempre perpassada pela palavra
do outro significa que o enunciador constrói o seu discurso baseado no de outrem e,
inconscientemente, se apropria dele no seu cotidiano, tanto na escrita quanto na oralidade.
26
Fiorin (2006, p.19) afirma que o dialogismo “são as relações de sentido que se
estabelecem entre dois enunciados” e que, por sua vez, cada enunciado é a réplica de um
diálogo. O autor apresenta três conceitos de dialogismo que, a meu ver, merecem ser expostos
neste momento. O primeiro conceito faz referência ao dialogismo constitutivo, no qual todo
enunciado constitui-se a partir de outro enunciado, o qual é sempre heterogêneo, uma vez que
revela duas posições (a sua e aquela em oposição à qual ele se constrói). Neste tipo de
dialogismo não existem apenas relações com enunciados já constituídos, anteriores e
passados, pois um enunciado se constitui em relação aos enunciados que o precedem e que o
sucedem no processo da comunicação.
No segundo conceito do dialogismo, Fiorin (2006, p. 32) apresenta este postulado
bakhtiniano como uma forma composicional em que o enunciador incorpora, de maneiras
externas e viveis, outras vozes no discurso. É a chamada “concepção estreita de
dialogismo”, o que não significa uma menor importância, afinal, trata-se do modo de
funcionamento real da linguagem, da constituição do enunciado. De acordo com Fiorin (2006,
p. 33), a primeira maneira de inserir o discurso do outro no enunciado é aquela em que o
discurso alheio é abertamente citado e nitidamente separado do discurso citante e, neste caso,
existem (entre outros) os seguintes procedimentos: discurso direto, discurso indireto, aspas,
negação. Por outro lado, a segunda maneira de inserir o discurso do outro no enunciado é
aquela em que o discurso é bivocal, internamente dialogizado, em que não há separação muito
clara do enunciado citante e do citado, situação que pode ser exemplificada pela paródia, pela
estilização, pela polêmica clara ou velada, pelo discurso indireto livre.
Quanto ao terceiro conceito de dialogismo, Fiorin (2006, p. 55) expõe que este, para
Bakhtin, é o princípio de constituição do indivíduo e o seu princípio de ação, pois a realidade
é heterogênea, o que leva o indivíduo a não absorver apenas uma voz social, mas várias vozes
sociais que estão em relações diversas entre si. Sendo assim, o sujeito é constitutivamente
dialógico, sendo que seu mundo interior é constituído de diferentes vozes, as quais se
apresentam em relações de concordância ou discordância. Desta maneira, segundo Fiorin
(2006, p. 58), o sujeito apresentado por Bakhtin é integralmente social e integralmente
singular e, seu mundo interior “é a dialogização da heterogeneidade de vozes sociais”.
Levando-se em consideração que, nesta pesquisa, a leitura é conceituada como um ato
de construção dos sentidos, o terceiro conceito de dialogismo é um pressuposto que vem ao
encontro do processo de interação entre leitor e texto que pretendi alcançar nesta pesquisa.
Pude entender e propor que, ao desenvolverem um projeto de leitura em sala de aula,
professor e alunos devem trabalhar com a concepção de linguagem como o lugar da interação
27
verbal proposta por Bakhtin. Essa interação, segundo o autor, é constantemente ideológica,
pois assim é a vida humana:
A vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo: interrogar,
ouvir, responder, concordar, etc. Nesse diálogo o homem participa inteiro e com
toda a vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os
atos. (BAKHTIN, 2003, p. 348)
É preciso, portanto, que o dialogismo seja um ato vivenciado durante as aulas de
leitura, que professores e alunos estabeleçam uma interação dinâmica com o texto, de forma a
otimizar o contato com a arte literária, buscando oportunizar as possibilidades de
concordância, discordância, reflexão e questionamentos diante das “diversas vozes” que se
apresentam aos leitores, tornando-os protagonistas de suas relações dialógicas e ideológicas.
E, no que concerne à minha pesquisa, os questionários propostos de maneiras diferentes
promovem essa tessitura.
1.7 Os estudos literários
De acordo com os estudos bakhtinianos, a linguagem possui uma importância central
na vida do homem, pois a palavra é o elemento essencial da comunicação cotidiana, está
presente em todos os atos de compreensão e interpretação e, carrega consigo os sentidos
ideológicos, históricos e vivenciais de uma sociedade.
Para Bakhtin (2006, p. 47) a palavra tem o poder de expressar sentimentos, formar e
transformar conhecimentos, enfim, trata-se do signo ideológico que, ao mesmo tempo que
reflete, refrata a realidade, isto é, quando o homem se depara com os ditos e os não-ditos, ele
consegue produzir e/ou ampliar os sentidos dos diferentes discursos. Essa versão individual é
uma réplica e não uma repetição, é um diálogo que se estabelece a fim de que sejam possíveis
ao sujeito a construção e a reconstrução dos sentidos.
No que se refere à literatura, Bakhtin (2006, p. 360) afirma que se faz necessário um
estreito vínculo entre o texto literário e a história da cultura, uma vez que a arte literária é
“parte inseparável” de todo o contexto de uma época e, tem por objetivo ultrapassar os limites
de um dado período e dialogar com as futuras gerações:
As obras dissolvem as fronteiras da sua época, vivem nos séculos, isto é, no grande
tempo, e além disso levam freqüentemente (as grandes obras sempre) uma vida
mais intensa e plena que em sua atualidade. (BAKHTIN, 2006, p. 362)
28
Sendo assim, pode-se afirmar que a arte literária é de natureza dinâmica, inacabada e
passível de diversas interações em diferentes contextos históricos e sociais:
Se o se pode estudar a literatura isolada de toda a cultura de uma época, é ainda
mais nocivo fechar o fenômeno literário apenas na época de sua criação, em sua
chamada atualidade. (BAKHTIN, 2006, p. 362)
O texto literário atua na sociedade, apresenta valores, resgata memórias, leva o leitor a
reflexões sobre seus pensamentos, sentimentos e ações, pois, enquanto arte, é concebido por
forças sociais que direcionam a interação entre o autor, o leitor, o conteúdo e o cotidiano.
Segundo Bakhtin (1998, p. 2), a arte “é imanentemente social” e a forma artística não se
separa do conteúdo, ao contrário, ela configura valores estabelecidos a partir das relações
entre a arte e a história, fazendo com que o discurso da vida esteja inserido no discurso
artístico e vice-versa, afirmando, desta maneira, a relação indissolúvel que vincula o homem,
o espaço e o tempo.
Essa concepção interessa diretamente aos objetivos da pesquisa empreendida, uma vez
que, ao trabalhar com o texto literário em sala de aula, cabe à pesquisadora instigar nos
sujeitos de pesquisa a necessidade de dialogar com a arte para descobrir novos sentidos, novos
significados, observando em que medida a vida de cada um deles é retratada na literatura e, a
partir desta identificação, possibilitar as reflexões acerca da vida humana, a qual se mostra
permanentemente refletida, refratada, construída e reconstruída pela interação que provém da
palavra, a qual, segundo Bakhtin (2006, p. 99) “está sempre carregada de um conteúdo ou
sentido ideológico ou vivencial.
1.8 A leitura
Outro aspecto relevante para esta pesquisa é a abordagem sobre leitura, pois os
sujeitos de pesquisa foram analisados a partir da prática de leitura de contos. Para formar o
arcabouço teórico acerca deste assunto considerei relevantes as contribuões de duas
estudiosas: Ângela B. Kleiman e Isabel Solé.
De acordo com Kleiman (1989a, p. 13), ler é um processo complexo porque, assim
como em outras tarefas cognitivas, é necessário que seja realizado o engajamento de muitos
fatores (percepção, atenção e memória) para se chegar ao sentido do texto.
29
A autora (1989a, p. 17) afirma que, a partir de uma reflexão sobre a complexidade dos
processos envolvidos na leitura, é possível concluir que não existe uma seqüência linear e
serial, mas sim a necessidade de um leitor engajado que, durante a leitura, coloque em prática
um processo interativo em que seus diversos conhecimentos sejam reativados diante de cada
página, a fim de se chegar à compreensão do texto.
No que diz respeito ao âmbito escolar, Kleiman (1989a, p. 18) destaca que é
necessário ao professor acreditar nos estudos que partem do princípio de que a linguagem é
interação, a fim de que, enquanto profissional, possa se tornar um sujeito gerador e irradiador
de mudanças.
Esse é um enfoque muito importante nesta pesquisa, pois a interação que eu, enquanto
professora-pesquisadora, pretendia estabelecer entre os alunos e os contos lidos era
exatamente aquela em que o sujeito-leitor fosse instigado a aceitar, refutar, criticar, ponderar
sobre pontos positivos e/ou negativos dos textos, enfim, que lhe fossem dadas condições de
estabelecer um diálogo efetivo com o texto proposto, tendo por base suas vivências enquanto
adolescentes, sempre a partir da organização verbal. Sendo também educadora, sei que
praticar a leitura em sala de aula, atualmente, é um grande desafio para o professor de Língua
Materna, porém, considero importante enfrentar a situação com propostas instigantes para os
educandos. Kleiman e Moraes (2001, p. 125) acrescentam que os aspectos sociais e
institucionais da sociedade contemporânea interferem, negativamente, na situação do ensino
da leitura. Por outro lado, destacam que ao ensinar seu aluno a ler, o professor pode contribuir
para a mudança do quadro de crise da educação, pois as ações desse profissional são
essenciais para uma significativa melhoria no processo de ensino-aprendizagem.
Encontrei, ainda, outras considerações de destaque para o presente trabalho em
Kleiman (1989b, p. 13), no que se refere à necessidade da interação entre os diversos níveis
de conhecimento (lingüístico, textual e de mundo) para a construção do sentido do texto. No
que diz respeito ao conhecimento lingüístico, a estudiosa (1989b, p. 14) comenta sobre o
papel central que este desempenha no processamento do texto, isto é, na atividade pela qual as
palavras, unidades discretas, distintas, são agrupadas em unidades ou fatias maiores, também
significativas, chamadas constituintes da frase. Com este conhecimento o leitor identifica as
categorias (como o sintagma nominal, por exemplo) e as funções dos segmentos ou frases
(como o sujeito, por exemplo) e poderá continuar o processamento para chegar à
compreensão.
Quanto ao conhecimento textual, Kleiman (1989b, p. 20) o define como o
conhecimento de estruturas textuais e de tipos de discurso e, assim como o conhecimento
30
lingüístico, forma parte do conhecimento prévio, motivo este que justifica a ativação de
ambos durante a leitura.
Ao abordar o chamado conhecimento de mundo ou conhecimento enciclopédico
(adquirido tanto formalmente quanto informalmente no decorrer da vida), Kleiman (1989b, p.
20) alerta que, para ocorrer a compreensão durante a leitura, a parte concernente à nossa
familiaridade com um determinado assunto deve estar ativada, precisa estar num nível ciente
para que seja possível identificar, no texto, referentes importantes para uma melhor
compreensão textual.
Retomando as idéias de Kleiman e Moraes (2001, p. 126), é relevante destacar a
importância do engajamento cognitivo para a compreensão do texto escrito”, assim como “a
importância da leitura para a aprendizagem”, situação esta que sugere o desenvolvimento de
estratégias de leitura (a partir da mediação do professor) que oportunizem ao aluno uma real
interação com o texto, que o constituam num sujeito cognitivamente engajado, isto é, aquele
que mobiliza seus conhecimentos, durante a leitura, para chegar à construção do “seu sentido
do texto”. As estratégias citadas pelas autoras (2001, p. 130) seguem o seguinte percurso:
contextualização do texto; ativação do conhecimento prévio; construção de mapa textual;
leitura individual com objetivo pré-definido e verificação de hipóteses de leitura. o, sem
vida, etapas importantes e enriquecedoras no processo de ensino e aprendizagem da leitura,
uma vez que o aluno não será apenas um “recipiente” para as informações, mas sim um
sujeito co-responsável na interação com o texto.
So (1998) também defende as idéias citadas anteriormente e, no que diz respeito às
estratégias de leitura, esta autora apresenta contribuições altamente pertinentes a esta
pesquisa, pois em sua obra ela adota uma perspectiva interativa de leitura, perspectiva esta
também almejada na pesquisa-ação por mim empreendida.
So (1998, p. 23) define leitura como um processo mediante o qual se compreende a
linguagem escrita levando-se em consideração tanto o texto, sua forma e seu conteúdo, quanto
o leitor, suas expectativas e conhecimentos prévios. A estudiosa (1998, p. 24) defende um
modelo interativo de leitura pressupondo que, para ler, é necessário dominar as habilidades de
decodificação e aprender estratégias diversas que garantam a compreensão textual. Além
disso, a autora parte da suposição de que o leitor seja um “processador ativo do texto”, a fim
de que a leitura seja um processo permanente de emissão e confirmação (ou não) de hipóteses
que levam à construção da compreensão textual.
Da mesma maneira que Kleiman (1989a), Solé (1998, p.32) problematiza a situação da
leitura no contexto escolar, considerando que fazer com que o aluno leia corretamente é um
31
dos múltiplos desafios da escola, afinal, a aquisição dessa competência é determinante para
que um sujeito possa agir com autonomia na sociedade letrada. A leitura, um objeto de
conhecimento, deve ser objetivo prioritário do Ensino Fundamental, sendo assim, o que se
espera é que o aluno, ao final dessa etapa da escolaridade, possa ler textos adequados para sua
faixa eria de forma autônoma, utilizando os recursos que foram desenvolvidos ao longo de
sua aprendizagem: estabelecimento de inferências; leitura e releitura do texto; solução de
vidas junto aos professores ou aos colegas mais capacitados; demonstração de preferências
e expressão de opiniões próprias sobre cada leitura realizada.
So (1998, p. 44) salienta que ler é compreender e que compreender é um processo
que envolve ativamente o leitor, tornando-se um instrumento útil para a aprendizagem
significativa. Num primeiro momento, um leitor está efetivamente aprendendo quando
compreende o que lê, pois a leitura o aproxima de ltiplas culturas, lhe oferece diferentes
perspectivas e/ou opiniões sobre diversos aspectos e, mesmo quando os objetivos do leitor
possuem outras características (como, por exemplo, a leitura por prazer) ocorre um processo
de aprendizagem não-intencional. Por outro lado, os contextos e situações em que o sujeito se
depara com a leitura cuja finalidade é a de ler para aprender mudam os objetivos e as
características específicas dos textos e, acrescenta-se a isso, um controle sobre o que o leitor
aprendeu. Para So(1998, p. 47) ambas as situações devem ser consideradas no tratamento
educativo da leitura, uma vez que na primeira situação, a leitura assume sua potencialidade na
formação integral da pessoa e, na segunda, um alerta sobre a necessidade de se ensinar a
utilizar a leitura como instrumento de aprendizagem, levando-se em conta a idade/série do
educando. De acordo com a autora, quando um aluno é ensinado a ler compreensivamente e a
aprender a partir da leitura, o professor está fazendo com que ele aprenda a aprender de forma
autônoma em uma multiplicidade de situações e, esse é um objetivo fundamental da escola:
Aprender a ler não é muito diferente de aprender outros procedimentos ou
conceitos. Exige que a criança possa dar sentido àquilo que se pede que ela faça,
que disponha de instrumentos cognitivos para fazê-lo e que tenha ao seu alcance a
ajuda insubstituível do seu professor, que pode transformar em um desafio
apaixonante o que para muitos é um caminho duro e cheio de obstáculos. (SOLÉ,
1998, p. 65)
32
1.9 Estratégias para o ensino da leitura
As considerações de So (1998, p. 69) sobre a importância das estratégias de
compreensão leitora vêm ao encontro da presente pesquisa, pois a autora as define como
procedimentos de caráter elevado, que envolvem objetivos a serem alcançados, planejamento
de ações a serem desencadeadas, avaliação e possível mudança, etapas que foram
desenvolvidas ao longo do projeto de leitura Ler é um prazer!. Esta afirmação apresenta
algumas implicações, entre as quais a estudiosa destaca duas:
1) As estratégias de leitura o procedimentos e, por sua vez, estes são conteúdos de
ensino; sendo assim, é necessário ensinar estratégias para a compreensão dos
textos. Estas estratégias não amadurecem, não se desenvolvem, não emergem, não
aparecem do nada: elas devem ser ensinadas, a fim de que sejam aprendidas.
2) Quando um professor ensina estratégias de compreensão leitora, deve predominar
entre os alunos a construção e o uso de procedimentos de tipo geral, os quais
podem ser transferidos sem grandes dificuldades para múltiplas e diversas
situações de leitura, garantindo, assim, o desenvolvimento da competência leitora
dos educandos.
Segundo Solé (1998, p. 72) é necessário ensinar estratégias de leitura para se formar
leitores autônomos, que tenham a capacidade de enfrentar textos diversos de maneira
inteligente. E formar leitores autônomos corresponde a formar sujeitos capazes de aprender a
partir dos textos, o que significa interrogar-se sobre sua própria compreensão, estabelecer
relações entre o texto lido e seu acervo pessoal, questionar e modificar seus conhecimentos,
estabelecer generalizações que promovam uma transferência do que foi aprendido para
contextos diferentes.
Sem dúvida, formar leitores competentes, capazes de transpor seus conhecimentos
para além dos muros escolares deve ser um dos principais objetivos da fuão docente e, para
que eles sejam alcançados, algumas estratégias (as quais não devem seguir uma seqüência de
passos rigidamente estabelecida) se fazem necessárias, de acordo com Solé (1998, p. 74):
1) as que permitem que os leitores definam seus objetivos de leitura e atualizem os
conhecimentos prévios relevantes (estratégias prévias à leitura). Dentro desta etapa
é preciso motivar os alunos, oferecer-lhes objetivos de leitura, atualizar seus
33
conhecimentos prévios, auxiliá-los na formulação de previes sobre os textos e
incentivar suas perguntas. Quando o professor age desta maneira antes da leitura
está suscitando em seus educandos a necessidade de ler, ajudando-os a descobrir as
diferentes utilidades da leitura em situações que promovam uma aprendizagem
significativa. Além disso, o educador também apresentará a intenção de
transformar seus alunos em leitores ativos, isto é, aqueles que sabem porque estão
lendo e que assumem suas responsabilidades ante a leitura, apoiando-se em seus
conhecimentos, experiências, expectativas e questionamentos, a fim de tornar a
interação entre leitor e texto a mais produtiva possível.
2) as que propiciam aos leitores possibilidades de estabelecer inferências de
diferentes tipos, rever e comprovar a própria compreensão durante a leitura e
tomar decisões adequadas diante dos erros ou falhas na compreensão (estratégias
utilizadas durante a leitura). A maior parte da atividade compreensiva e a grande
parcela do esforço do leitor acontecem no decorrer da leitura e, para construir uma
compreensão textual são necessárias algumas ações variadas (de acordo com cada
turma) de leitura compartilhada, atividade esta que pressupõe uma atuação
conjunta de professores (sendo, primeiramente, modelos de leitores) e alunos, no
sentido de ler um texto, solicitar esclarecimentos para resolver erros ou lacunas,
fazer previes sobre partes ainda não lidas e, gradativamente, assumir a
responsabilidade e o controle do processo de leitura, objetivando sempre a
autonomia do leitor.
3) as que fornecem aos leitores condições de recapitular o conteúdo, de resumi-lo e
de ampliar o conhecimento que se obteve mediante a leitura (estratégias usadas
depois da leitura). Ainda dentro da proposta de uma leitura compartilhada, é
interessante que o professor, ao finalizar um texto com seus alunos, possa ensiná-
los a encontrar a idéia principal do que foi lido, a expressar (de forma escrita ou
oral) um resumo e, a formular e responder a perguntas pertinentes sobre o texto, no
sentido de checar o nível de compreensão leitora e, ao mesmo tempo, ampliar os
conhecimentos.
Sendo assim, no que diz respeito às estratégias de compreensão leitora, é possível
perceber que o professor terá sempre uma necessidade de conhecer a situação em que se
encontra seu aluno em relação à leitura e, a partir deste ponto, garantir (por meio de uma
intervenção educativa respeitosa e ajustada) que a tarefa de aprendizagem da leitura seja vista
34
como um desafio ao alcance do educando, a fim de que este se torne um sujeito autônomo na
construção de seus conhecimentos.
1.10 Os projetos de leitura
A formação de leitores necessita de condições favoráveis para ser desenvolvida,
principalmente no atual contexto escolar, em que o grande número de alunos numa mesma
turma (como foi o caso do grupo de trinta e seis alunos desta pesquisa) torna-se muitas vezes
um grande desafio (e talvez um entrave) para o professor. Para que este processo seja
realizado de forma dinâmica e interativa, ao meu ver, o trabalho com projetos de leitura
oferece uma grande oportunidade para que o educador otimize o ensino-aprendizagem da
compreensão leitora.
Desta forma, considerei de grande valia uma consulta ao conteúdo sobre Projetos,
presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN – (BRASIL, 2001), no qual fica
evidente que a característica básica de um projeto é o fato de ele ter um objetivo
compartilhado por todos os envolvidos, o qual se expressa num produto final pelo qual todos
trabalham e que, necessariamente, apresentará uma destinação, uma divulgação e uma
circulação social dentro e fora do ambiente escolar. Além disso, cada projeto deve dispor de
um tempo necessário para que o objetivo seja alcaado: algumas aulas, alguns dias, algumas
semanas ou alguns meses. Os projetos de longa duração possuem uma vantagem adicional de
possibilitar ao aluno o envolvimento no planejamento das atividades, a necessidade de
controlar o tempo, de dividir e redimensionar as tarefas, assim como a missão de avaliar os
resultados em função do plano inicial.
Por meio do trabalho com projetos, o professor consegue instigar em seu aluno o
compromisso necessário dele com sua própria aprendizagem, pois em todas as etapas a serem
desencadeadas, este educando deverá sentir que seu engajamento será fundamental para se
chegar ao produto final, sendo que, desta maneira, sua ação fica mais centrada e objetiva.
O projeto que desenvolvi com a minha turma de alunos (denominado Ler é um
prazer!) tinha por objetivo oferecer condições reais de leitura, de escuta, de análise, de
identificação entre leitor e texto, evidenciando características de grande valor pedagógico,
como, por exemplo, a necessidade de conhecer as características do gênero que será lido; a
identificação do tema presente no texto e sua relação com a vida real; a importância da leitura
silenciosa, do trabalho individual e/ou em grupos e da exposição de idéias.
35
1.11 Conclusão do capítulo
Os postulados vygotskyanos abordados no presente capítulo (zona de
desenvolvimento proximal, atenção e memória, medião e afetividade), embora tenham sido
escritos nos anos 20 e 30 do século XX, surpreendem muito pelas importantes contribuões
que, ainda hoje, conferem à prática pedagógica.
Os estudos e as reflexões do psicólogo russo definem a educação como uma prática
que realiza interferências nas diversas dimensões da existência do ser humano, colocando-o
diretamente na interação com o outro a fim de promover seu desenvolvimento de uma forma
prospectiva.
A concepção de zona de desenvolvimento proximal é imprescindível para o processo
educacional, uma vez que representa as funções que precisam ser consolidadas por meio de
intensas e significativas interações entre educadores e educandos, destacando-se, nestes
momentos, as atividades baseadas no trabalho intenso com a atenção, a memória, a mediação
e a afetividade, as quais devem permear o fazer pedagógico comprometido com a
aprendizagem e o desenvolvimento discente.
Vygotsky destaca a importância do papel do professor no percurso dos educandos,
atribuindo-lhe a função de realizar intervenções favoráveis entre o nível de desenvolvimento
potencial e o nível de desenvolvimento real de cada aluno, pois, num primeiro momento, o
educador representa o sujeito mais experiente para a realização de determinadas atividades
escolares, o que, com o passar do tempo, é expandido para um contexto maior das interações
entre os próprios alunos.
As idéias vygotskyanas embasam as atividades de leitura de contos da literatura
infanto-juvenil que realizei nesta pesquisa, especialmente no que diz respeito à interação com
o outro (professora e/ou colega de sala), ao direcionamento da atenção e da memória mediada
para as diferentes etapas propostas e, dentro desta perspectiva cio-interacionista, tive por
objetivo desenvolver este trabalho considerando a afetividade como um importante aliado no
encontro dos meus alunos com o texto literário.
Tendo por base os pressupostos bakhtinianos abordados neste capítulo (dialogismo e
estudos literários), os quais constituem significativamente a fundamentação trica da
pesquisa empreendida, considero possível afirmar que os seres humanos (de uma maneira
muito particular os alunos e os professores) participam constantemente de uma interação
verbal. A prática pedagógica depende, enriquece e constrói sentidos e significados que
36
permeiam os cotidianos de seus sujeitos, seres que, respectivamente, dialogam com os textos
(neste caso específico, com os textos literários), com os autores e os demais leitores a partir de
suas vivências particulares, as quais também são modificadas neste processo dialógico que
constitui a vida humana.
A escola é o local privilegiado para que a interação verbal possa se efetivar e atuar
diretamente na construção e/ou na modificação da identidade do ser humano, uma vez que o
encontro com a arte literária possibilita as reflexões, os questionamentos, a expressão de
sentimentos e opiniões a respeito da vida em suas dimensões social, histórica e ideológica.
Ao propor uma pesquisa cujo objetivo principal é o de afirmar que os adolescentes
(por meio de suas vivências) conseguem estabelecer um dlogo significativo com a literatura
infanto-juvenil contemporânea, procurei, enquanto professora-pesquisadora, valorizar a
palavra como ponte que liga os sujeitos desse processo dialógico num constante
reconhecimento da importância do outro na formação de cada pessoa enquanto ser social.
A arte literária permite que se observe o dinamismo da palavra, a importância que as
diferentes vozes de um texto assumem para o leitor, sujeito este caracterizado por todo o
contexto social, histórico e ideológico pertencente à sua época, e que, por meio da literatura se
encontra com outras palavras que constituem, segundo Bakhtin (2003, p. 348) o “tecido
dialógico da vida humana, do simpósio universal”.
Um vez que o contato dos educandos com a arte literária ocorre por meio do processo
de leitura, penso que é importante ao professor (especialmente o de Língua Materna)
desenvolver com suas turmas estratégias significativas de ensino e aprendizagem da leitura
(como, por exemplo, o trabalho com projetos), as quais proporcionem gradativamente a esses
sujeitos a possibilidade de se tornarem leitores proficientes, autônomos, que tenham
condições reais de interagir com os diferentes textos, especialmente os literários, afinal, por
meio da organização lingüística do texto literário, os jovens apreendem as experiências
diversas e os diálogos múltiplos podem ocorrer.
37
CAPÍTULO 2
O TEXTO LITERÁRIO
É à literatura, como linguagem e como instituição, que se
confiam os diferentes imaginários, as diferentes
sensibilidades, valores e comportamentos através dos quais
uma sociedade expressa e discute, simbolicamente, seus
impasses, seus desejos, suas utopias. (LAJOLO, 2002, p.
106)
2.1 Apresentação do capítulo
Neste capítulo tenho a intenção de apresentar a definição de literatura, suas funções e
características, além de abordar, especificamente, aspectos relevantes da literatura infanto-
juvenil, sobretudo referentes ao conto, gênero narrativo que sustentou a leitura dos sujeitos
desta pesquisa.
Nas seções a seguir, que constituem uma significativa parcela da fundamentação
teórica deste trabalho, procuro demonstrar idéias expressivas de autores que, assim como eu
(enquanto professora-pesquisadora), acreditam no valor do texto literário para a formação
intelectual daqueles que, considerados crianças, pré-adolescentes ou adolescentes, freqüentam
as escolas, espaços privilegiados para se aprender a aprender e a ser.
2.2 O que é a literatura?
Considero de grande relevância apresentar, para esta pesquisa, a conceituação sobre
literatura, uma vez que toda a investigação que empreendi junto aos sujeitos de pesquisa
(também meus alunos) teve por base textual a arte da linguagem escrita.
De acordo com Moisés (1967, p. 25), a literatura é a arte universal, pois cabe a ela
expressar todas as facetas que constituem “a essência e a exisncia do homem posto em face
dos grandes enigmas do universo, da natureza e de sua mente”, graças à importância da
ficção, da imaginação (como meio de conhecimento) e, sobretudo, à prodigiosa capacidade de
empregar a palavra.
38
Por meio da literatura as experiências de vida do ser humano são acumuladas e
registradas ao longo da evolução histórica e, com a imaginação criadora dos escritores, a
maneira como cada um vê os problemas do cotidiano segue enriquecida como ponto de
reflexão sobre os caminhos a serem seguidos ou não. Desta maneira, a literatura constitui uma
forma de conhecer o mundo e os homens, pois ela colabora para a descoberta de tudo que o
ser humano persegue durante toda a sua existência:
E, portanto, se a vida de cada um corresponde a um esforço contínuo de
conhecimento, superação e libertação, então à Literatura cabe um lugar à parte,
enquanto ficção expressa por palavras de conteúdo mulvoco. (Moisés, 1967, p.
26)
Proença Filho (1990, p. 8) afirma que a literatura é “tradicionalmente, uma arte
verbal” e que a conceituação desta tem sido motivo de grande dedicação por parte dos
estudiosos ao longo da história. Para o autor (1990, p. 28), a literatura é uma forma de
linguagem que tem uma língua como suporte e, por sua vez, o texto literário veicula uma
forma específica de comunicação, na qual torna-se evidente um uso especial do discurso que
se mostra a serviço da criação artística.
O fenômeno literário é concretizado na inter-relação autor/texto/leitor, situação esta
que busquei deixar clara no decorrer do projeto Ler é um prazer!, pensando sempre na
singularidade de cada sujeito de pesquisa diante dos contos trabalhados. A linguagem que
caracteriza a obra literária é necessariamente polissêmica e está em permanente atualização e
abertura ao leitor, afinal, ela possui um caráter conotativo que a singulariza e que, ao mesmo
tempo, a vincula estreitamente às diferenças sociais e culturais de um povo.
Para Proença Filho (1990, p. 32) “a matéria literária é cultural”, uma vez que se pensa
que uma cultura existe a partir de um povo, de uma sociedade. Sendo assim, o artista da
palavra recolhe elementos do mundo para criar sua obra, a qual, por força de sua natureza
criadora e fundadora, poderá ser vista como espelho, denúncia, fonte de transformação e/ou
motivo de orgulho de um grupo social.
O estudioso (1990, p. 34) destaca que a literatura se vale da língua e busca revelar (em
seu discurso) dimensões culturais, o que implica concluir que “cultura, língua e literatura
estão, portanto, estreitamente vinculadas”. Além disso, considero adequado expor, nesta
seção, as principais características do discurso literário citadas, ainda, por Proença Filho
(1990, p. 37-45), as quais podem, adequadamente, ser abordadas com jovens leitores. São
elas:
39
1) complexidade: o texto literário é um objeto lingüístico e, ao mesmo tempo, um
objeto estico, sendo que aquilo que dele se depreende ultrapassa os limites da
simples reprodução, afinal, por meio da arte literária são reveladas realidades que
atingem espaços de universalidade.
2) multissignificação: é uma das marcas fundamentais do texto literário, pois permite,
por exemplo, que múltiplas leituras sejam feitas diante de uma mesma obra,
situação esta que possibilita a atemporalidade da obra literia.
3) predomínio da conotação: a conotação é o traço dominante da linguagem literária
e, é do arranjo especial de palavras (criado à luz da arte do escritor) que se origina
o múltiplo sentido que caracteriza esta modalidade de discurso.
4) liberdade na criação: diferentemente do texto não-literário, a obra de arte literária
carrega consigo suas próprias regras, pois para ela não existe uma “gramática
normativa”, afinal, a liberdade é seu único espaço de criação. E esta liberdade
consiste na constante invenção de novos meios de expressão ou numa nova forma
de utilização dos recursos vigentes em determinada época. O artista da palavra
possui uma sensibilidade mais aguçada do que a da maioria das pessoas, o que lhe
possibilita a “criação progressora”.
5) ênfase no significante: o texto literário apresenta o seu sentido apoiado no
significado e no significante, sendo que a este último é conferido um destaque
especial. Porém, vale destacar que, no campo da semiótica, tanto significado
quanto significante adquirem proporções que ganham matizes diferentes e
colaboram muito para o sentido do texto, especialmente em termos da informação
estética que nele se configura.
6) variabilidade: a literatura, enquanto manifestação cultural, acompanha as
alterações da cultura e da ideologia de uma sociedade de que é parte integrante e
demasiadamente representativa. A obra literária é marcada por uma variabilidade
específica, tanto no que diz respeito aos discursos individuais quanto ao nível de
representatividade cultural, ressaltando que sua base es na permanente invenção.
7) modos de realização: o texto literário é constituído de manifestações em prosa (as
quais envolvem as modalidades da narrativa de ficção, como o conto, o romance e
a novela) e as manifestações em verso (tanto as de formas fixas, como o soneto, a
balada e a lira, quanto as inúmeras modalidades da modernidade que nascem a
partir da liberdade criadora dos artistas).
40
Os traços característicos do discurso literário acima expostos, segundo Proença Filho
(1990, p. 69), são frutos de um razoável consenso” entre os estudiosos, porém, existem
alguns que ainda são amplamente discutidos, como por exemplo: a questão do referente, a
intertextualidade e o fechamento do texto literário.
Outra contribuição teórica que considerei de grande valia para a pesquisa que realizei
é oriunda das idéias de Coelho (2000), afinal, em todos os momentos a autora se volta para o
propósito do trabalho que foi empreendido por mim junto aos sujeitos de pesquisa e que
também é colocado em prática por tantos outros pesquisadores e/ou professores: a valorização
do texto literário por parte do público infanto-juvenil, situação esta que encontra no âmbito
escolar um solo fecundo para ser desenvolvido.
Para Coelho (2000, p. 10), a literatura é “um fenômeno de linguagem plasmado por
uma experiência vital/ cultural”, o qual, de uma forma direta ou indireta, está ligado a um
determinado contexto social e histórico. Além disso, a literatura é uma arte cujas relações de
aprendizagem e vivência estabelecidas entre ela e o indivíduo são essenciais para que este
construa sua formação integral, isto é, a consciência da importância do “eue do “outro” no
mundo.
Renda (2002, p. 223) também aborda a importância do texto literário como um
caminho, uma possibilidade para a formação integral do ser humano:
O texto literário é ponto de partida a abrir caminhos para o raciocínio divergente, a
levar a criança a atribuir significados, a estabelecer relações com outras leituras, a
conviver com elas, rejeitá-las, propor outras. Sensibilizar-se pela emoção e pelo
objeto estético eis um caminho para a formação integral do ser humano; por isso a
Palavra-Arte vem construindo a imagem e a (a)ventura da humanidade.
E no que diz respeito ao contato entre os alunos e a literatura, posso afirmar que este é
um dos objetivos do sistema escolar e, sem dúvida alguma, o educador é um profissional-
chave para que isto se realize, afinal, um dos maiores contatos que os alunos possuem dentro
do ambiente escolar é com o professor, o qual passa a representar, muitas vezes, um modelo a
ser seguido por estes educandos, especialmente em comunidades mais carentes.
2.3 Funções da literatura
A literatura possui funções distintas, as quais são reflexos do processo de evolução
cultural e social da humanidade. Estas funções exercem uma considerável importância na vida
41
do homem, uma vez que a arte literária está diretamente ligada à representação do real em que
o ser humano é o protagonista.
Candido (1972, p. 804) explicita três funções da arte literária que, agrupadas, formam
a chamada função humanizadora da literatura.
A primeira função identificada pelo autor (1972, p. 805) é denominada função
psicológica, isto é, a relação existente entre a literatura e a necessidade humana de fantasiar
situações diárias sobre o amor, a desiluo, o futuro, a tristeza, a alegria, entre outras. Esta é
uma função importante para o trabalho com projetos de leitura, principalmente no que diz
respeito aos alunos que se encontram entre a pré-adolescência e a adolesncia, fases da vida
caracterizadas por um turbilhão de emoções, de anseios e de questionamentos, os quais pude
verificar no contato com os sujeitos de pesquisa por ocasião do projeto Ler é um prazer! e na
relação diária que estabeleço com meus alunos (em geral adolescentes) dentro do contexto
escolar.
Por sua vez, a segunda função, chamada função formadora, é o resultado da ligação
entre as fantasias oferecidas pela literatura (as quais se originam na práxis humana) e o real.
Neste aspecto, a literatura pode ser compreendida como um instrumento de formação do
homem, pois apresenta a este sujeito realidades, e conseqüentes questionamentos,
problematizações e tomadas de conscncia sobre o meio social em que está inserido. Este
caráter da literatura muito interessa, ao meu ver, a esta pesquisa, na medida em que sou
favorável a uma prática pedagógica em que o professor de Língua Materna (assim como eu)
forneça condições para que seus educandos se apropriem da fruição da arte literária,
desvendem os reais interesses da ideologia dominante e busquem, gradativamente, se
apropriar de valores positivos para a constituição de uma sociedade menos desigual. Vale,
ainda, destacar uma contribuição de Candido (1972, p. 806): “... a literatura não corrompe
nem edifica, mas humaniza em sentido profundo, porque faz viver”.
Por fim, a terceira função apontada pelo estudioso (1972, p. 807) é intitulada função
social, a qual se origina a partir da identificação do leitor e de seu universo vivencial
representados na obra literária. É por meio dessa função que muitas vezes o sujeito reconhece,
no mundo ficcional, a realidade em que está inserido, isto é, ocorre uma identificação. Porém,
quando a obra expressa uma realidade da qual o leitor não participa efetivamente, pode
ocorrer um distanciamento, uma alienação e, conseqüentemente, ele atuará apenas como um
observador da diferença cultural e social apresentada na obra e reconhecerá como verdade
absoluta apenas a realidade do seu viver. Numa situação desta, por exemplo, dentro de uma
sala de aula, o professor tem condições de evitar ou minimizar o distanciamento de seu aluno
42
em relação à obra apresentada, por meio de uma contextualização prévia sobre o texto
literário ou, ainda, através de uma discussão aberta a todos os alunos sobre a realidade exposta
pelo autor.
As funções acima abordadas são inerentes à obra literária; promover o contato do ser
humano com este tipo de arte por meio da leitura é, sobretudo, promover o desenvolvimento
de sua intelectualidade, de sua identidade e, especialmente, de seu compromisso social com a
realidade que o cerca.
2.4 Elementos fundamentais da obra literária: conteúdo e forma
A obra literária apresenta dois elementos fundamentais: o conteúdo e a forma,
essenciais para a análise de uma obra e, em nenhum momento devem ser isolados, afinal, o
que existe dentro da literatura é o chamado conjunto da obra, o que pressupõe que, para
compreendê-la, um leitor necessitará observá-la como um todo uno e indivisível.
Para o desenvolvimento desta seção, cuja base pertence à Teoria da Literatura,
considerei pertinente a abordagem de Amora (1973), estudioso que afirma que conteúdo e
forma são realidades distintas e, ao mesmo tempo, interdependentes que existem no espírito
humano e na obra literária e, podem ser separadas teoricamente, e não no decorrer de uma
leitura:
Ler uma obra é compreendê-la integralmente no que nos transmite formalmente, e
no que deixa adivinhar daquele mundo misterioso e indizível do artista. Ler o é
soletrar, nem praticar análises gramaticais e filológicas é recriar todo o ´estado
artístico` do escritor. (AMORA, 1973, p. 41)
No que diz respeito específico ao conteúdo da obra, Amora (1973, p. 43) expõe que
este elemento é fornecido ao artista a partir da realidade em que ele vive, realidade esta que
possui dois mundos: um físico (o mundo das coisas materiais, que produz imagens visuais,
auditivas, gustativas, olfativas e teis) e um psicológico (o mundo imaterial, espiritual, das
idéias e dos sentimentos). O conteúdo se torna um elemento caracterizador da obra literária a
partir do momento em que a expressão artística for uma intuição profunda e original da
realidade. As características de cada um dos mundos da realidade possibilitam a defesa da
literatura como forma de conhecimento com valor eterno, além de permitirem a compreensão
da classificação das formas de composição e dos gêneros literários.
43
Segundo Amora (1973, p. 47) existem três formas de composição: composição
expositiva (aquela em que o poeta ou o prosador expõe apenas a intuição), composição
representativa (aquela que representa um acontecimento e é caracterizada por constar tão
somente de diálogos, situação própria do teatro. É também denominada composição teatral ou
dramática) e composição expositivo-representativa (aquela em que se fundem os processos da
composição expositiva e da composição representativa: apresenta, entre as exposições do
autor, os diálogos das personagens, situação comum nos romances, nas fábulas, nos apólogos,
nas églogas e nos contos, situação importante a esta pesquisa).
Retomando o conceito de conteúdo, Amora (2004, p. 84) ressalta que “o conteúdo de
uma obra literária é um conjunto de idéias e imagens da realidade”, é uma supra-realidade, a
qual, por sua vez, atua mais profundamente no psiquismo das pessoas que a própria realidade,
por ser o produto da arte de ver e de dizer de um autor. Por este motivo é que os leitores, por
exemplo, se empolgam com um romance, se comovem com poemas sentimentais e/ou opinam
quando assistem a uma peça de teatro.
Outro aspecto igualmente importante nesta seção se refere a outro elemento literário: a
forma. Amora (2004, p. 65) diz que todas as artes têm uma forma e, a forma da literatura é a
linguagem, constituída de fonemas, palavras, frases e, quando escrita, transformada em
imagem visual. E, como a forma ou linguagem é concreta, afinal, é traduzida em sons e em
escrita, é possível afirmar que ela é o conteúdo concretizado de uma obra.
Sendo, então, a obra literária, um fato concreto para o leitor (que poderá se
transformar em realidades abstratas) é correto afirmar que ela pode ser compreendida, num
primeiro momento, como uma construção ou estrutura lingüística; uma estrutura que tem uma
forma geral composta por fonemas, palavras, frases e períodos; ou, no caso específico dos
poemas, por versos, estrofes e rimas.
Amora (2004, p. 66) destaca que a estrutura expressiva das obras literárias pode se
apresentar muito variada: pode ser escrita ou falada; em prosa ou em verso; pode representar a
expressão popular ou a erudita, enfim, os escritores variam suas estruturas expressivas de
acordo com aquilo que querem transmitir.
De tudo isto temos de concluir que um escritor não é apenas um homem que pensa
e sente de modo diferente do comum dos homens; é também um artista”, que se
empenha, tecnicamente, na expressão estrutural de sua obra, para que a estrutura
obtida seja a mais adequada ao conteúdo que deseja expressar e a mais eficaz para
levar o leitor a compreender e sentir sua obra. (AMORA, 2004, p. 67)
44
Assim sendo, a forma da obra literária é uma estruturação de materiais lingüísticos
(palavras e frases, considerados em seus valores nocionais, sonoros e visuais) realizada por
um escritor que, além de dominar um estado artístico ou criativo, também domina a “arte de
escrever”.
Finalizo esta seção pontuando que conteúdo e forma são elementos fundamentais e
inseparáveis da obra literária a partir do momento em que ela é criada pelo autor, porém,
teoricamente, estes dois elementos são estudados como realidades distintas apenas por
necessidades de metodização das reflexões dos estudiosos da Teoria da Literatura. Acredito
ser importante concluir com mais algumas idéias de Amora (2004, p. 58) nas quais fica claro
que a forma é o elemento que fixa o conteúdo e o transmite do espírito do escritor ao do leitor,
auditor ou espectador; por sua vez, o conteúdo, fixado e carregado pela forma, é ao contrário
desta, uma realidade imaterial. Meu olhar é de que o estudante possa, mediante o trabalho
com a forma, estabelecer dlogo com o conteúdo.
2.5 Literatura infanto-juvenil
As experiências, os debates, as propostas e os constantes estudos sobre a área da
literatura infanto-juvenil têm sido multiplicados ao longo dos últimos anos, afinal, o contato
de um ser humano com a arte literária deve ocorrer desde a mais tenra idade, pois a interação
entre sujeito, texto e autor fornece condições para a transformação e para a evolução de uma
sociedade.
Enquanto professora de Língua Portuguesa, tenho um considerável contato com
alunos cuja faixa etária varia entre o período correspondente à pré-adolescência e à
adolescência, momento de vida que os educandos trazem muitos questionamentos
particulares, familiares e sociais que, em alguma medida, os angustiam e os levam aos típicos
comportamentos rebeldes. É um momento de formação de caráter, de atitude, de identidade
diante do qual a escola (em geral na figura dos professores) deve agir de maneira positiva,
tendo a leitura literária como uma importante aliada.
Segundo Coelho (2000, p. 15), a literatura infanto-juvenil tem uma tarefa especial a
cumprir nesta sociedade em transformação, pois ela é um agente de formação que deve ser
valorizado pela escola, tanto no convívio leitor/ livro quanto no diálogo leitor/ texto:
É ao livro, à palavra escrita, que atribuímos a maior responsabilidade na formação
da consciência de mundo das crianças e dos jovens. Apesar de todos os
45
prognósticos pessimistas, e até apocalípticos, acerca do futuro do livro (ou melhor,
da literatura), nesta nossa era da imagem e da comunicação instantânea, a verdade é
que a palavra literária escrita está mais viva do que nunca. (COELHO, 2000, p.
15)
A literatura infanto-juvenil é, acima de tudo, literatura; é a arte da palavra
caracterizada pela criatividade de representação do mundo, do homem e da vida. Nesta
representação estão presentes a realidade e os sonhos, os ideais humanos, os sentimentos e os
questionamentos da alma, com pequenas diferenças da literatura cuja natureza se destina aos
adultos. Coelho (2000, p. 28) ressalta que a literatura é um fenômeno “visceralmente
humano”, pois a criação literária é sempre constituída de complexidade, de fascínio, de
mistério e de essência, assim como é a condição humana.
De acordo com a estudiosa (2000, p. 29), durante muito tempo a literatura infanto-
juvenil foi tratada pela cultura oficial como um gênero menor, portanto, secundário, pois era
vista pelo adulto como algo capaz de entreter ou aquietar uma criança. No entanto, esta visão
passou a ser modificada no século XX, quando a psicologia experimental revelou os
diferentes estágios de desenvolvimento (da infância à adolescência) do ser humano, bem
como a sucessão das fases evolutivas da inteligência. A partir de então, o conceito sobre
criança se modificou e, iniciou-se um processo de valorização da literatura infanto-juvenil,
como “fenômeno significativo e de amplo alcance na formação das mentes infantis e juvenis,
bem como dentro da vida cultural das sociedades”. Dentro deste processo surgiu uma
problematização acerca da natureza específica que a literatura infanto-juvenil apresenta e,
muitos estudiosos se dividiram entre duas situações: a arte literária e a área pedagógica. Para
Coelho (2000, p. 46), a literatura infanto-juvenil pertence à indissolúvel relação existente
entre a intenção artística e a intenção educativa, uma vez que, enquanto arte, provoca
emoções, prazer, divertimento e, acima de tudo, proporciona mudanças na consciência de
mundo de seu leitor. Por outro lado, enquanto instrumento utilizado com intenção educativa,
ela se situa na área pedagógica.
Ao desenvolver o projeto de leitura Ler é um prazer!, busquei, como professora e
pesquisadora, caracterizar esses dois aspectos da literatura infanto-juvenil (tanto o artístico
quanto o pedagógico) durante as ações desenvolvidas, levando em consideração que meus
alunos (sujeitos da pesquisa) deveriam ser por mim orientados a estabelecer uma relação
positiva e harmoniosa entre o universo literário, seus sentimentos, suas realidades de vida e
seus ideais, afinal, me parece que seja possível desta maneira subsidiar a formação e/ou
46
tomada de consciência acerca da importância de cada ser humano se tornar um protagonista
dentro de seu universo real.
Retomando a caracterização da literatura infanto-juvenil, há que se destacar outra
questão que continua a provocar discussões entre os estudiosos, a qual se refere à importância
(maior ou menor) das formas básicas deste tipo de literatura: a realista e a fantasista. Segundo
Coelho (2000, p. 52), nenhuma delas é melhor ou pior literariamente, pois, apesar de serem
diferentes (numa o autor faz um registro realista do mundo à sua volta e, na outra, o registro
fantasista resulta de uma intencionalidade criadora), ambas “dependem das relações de
conhecimento que se estabelecem entre os homens e o mundo em que eles vivem”.
Coelho (2000, p. 54) afirma que o maravilhoso sempre foi e ainda continua sendo um
dos mais importantes elementos na literatura infanto-juvenil e a psicanálise comprova esta
situação na medida em que reafirma a ligação existente entre os significados simbólicos dos
contos maravilhosos e os eternos problemas que o ser humano enfrenta no decorrer de seu
amadurecimento emocional. Ao longo das fases de desenvolvimento infantil, o fanstico
apresentado pela arte literária auxiliará a criança a, intuitivamente, compreender que as
histórias lidas são irreais, inventadas, porém, não o falsas, porque ocorrem de maneira
semelhante no contexto de sua experiência pessoal. Os próprios escritores de literatura
destinada para crianças, pré-adolescentes, adolescentes e jovens sabem que a tarefa de ajudar
o leitor a encontrar significado na vida e a formar sua identidade enquanto ser social não é
nada fácil, entretanto, é a mais importante, pois sem ela a literatura deixa de estabelecer um
significativo vínculo de interação com seu público-alvo.
A transmissão de valores essenciais para a vida humana por meio da literatura é de
grande importância desde os primórdios da civilização até a contemporaneidade. Essa
afirmação de Coelho (2000, p. 43) se sustenta na medida em que a literatura é caracterizada
como a linguagem da representação, a qual tem o poder de concretizar o abstrato (e também o
indizível) por meio de comparações, de imagens, de símbolos, entre outros. Desde os tempos
mais remotos, a literatura tem sido a mediadora ideal entre as mentes imaturas e o
amadurecimento da inteligência reflexiva, fato que justifica a importância de um investimento
sério em trabalhos de leitura (especialmente no âmbito escolar) cuja base seja o texto literário
como eixo ideal para o desenvolvimento do pensamento lógico-abstrato.
Daí se conclui a importância basilar da literatura destinada às crianças: é o meio
ideal não para auxiliá-las a desenvolver suas potencialidades naturais, como
também para auxiliá-las nas várias etapas de amadurecimento que medeiam entre a
infância e a idade adulta. (COELHO, 2000, p. 43)
47
2.6 Os leitores infanto-juvenis
Não como tratar da literatura infanto-juvenil sem abordar características de seu
público-alvo: crianças, pré-adolescentes, adolescentes e jovens. Na pesquisa por mim
realizada trabalhei com sujeitos cujas idades variavam entre doze e treze anos, ou seja,
período correspondente à adolescência, de acordo com o Estatuto da Criaa e do
Adolescente (BRASIL, 2004).
Ao propor um projeto de leitura para meus alunos (sujeitos de pesquisa) busquei,
sobretudo, estabelecer estratégias que resultassem num significativo convívio entre esses
leitores e a literatura, portanto, procurei adequar a escolha dos contos a serem lidos de acordo
com a faixa etária em que eles se encontravam. Porém, para esta escolha, procurei orientações
em Coelho (2000, p. 32), que afirma que a inclusão de um leitor em dada categoria não
depende apenas de sua faixa etária, mas especialmente de um conjunto de características
apresentado por este sujeito: idade cronológica, nível de amadurecimento biopsíquico-afetivo-
intelectual e nível de conhecimento/ domínio do mecanismo para leitura. A partir destas inter-
relações, a estudiosa (2000, p. 33 40) apresenta algumas categorias de leitor com princípios
orientadores que, ao meu ver, são úteis para a escolha de livros a serem trabalhados em sala
de aula:
1) Pré-leitor – primeira infância (dos 15/17 meses aos 3 anos): nesta fase a criança
começa a reconhecer a realidade que a rodeia, especialmente pelos contatos
afetivos e pelo tato. É o momento da conquista da própria linguagem, em que a
atuação do adulto é importante para que a criança relacione o mundo natural e o
mundo cultural que a rodeia.
2) Pré-leitor segunda infância (a partir dos 2/3 anos): fase em que ocorre a
passagem da indiferenciação pquica para a percepção do próprio ser,
caracterizada pelo crescente impulso de adaptação ao meio físico e grande
interesse pela comunicação verbal. Nesta etapa, tanto em casa quanto na
“escolinha” é interessante que o adulto favoreça a brincadeira com o livro,
especialmente aqueles que propõem vivências compartilhadas no cotidiano
familiar e que apresentem as seguintes características estilísticas: predomínio
absoluto da imagem, a técnica da repetição de elementos e detalhes que levem o
48
pequeno leitor a manter sua atenção voltada para a história (humor, clima de
expectativa, mistério).
3) Leitor iniciante (a partir dos 6/7 anos): nesta etapa, em geral, a criança já
reconhece os signos do alfabeto e a formação das labas simples e complexas,
podendo iniciar o processo de socialização e de racionalização da realidade. É um
momento em que a presença do adulto ainda se faz necessária, no sentido de
incentivar a criança para a decodificação dos sinais gráficos que lhe garantirão o
acesso ao mundo da escrita.Os livros mais adequados a esta fase o aqueles que
apresentam: imagens significativas; narrativas com situação linear, simples e que
tenha princípio, meio e fim; humor; personagens reais ou simbólicas com traços de
caráter ou comportamento bem nítidos; texto estruturado com palavras simples e
frases curtas; argumentos que estimulem a imaginação, a inteligência, a
afetividade, as emoções, o pensar, o querer, o sentir...
4) Leitor em processo (a partir dos 8/ 9 anos): fase em que a criança, em geral,
possui domínio do mecanismo da leitura, seu pensamento lógico se organiza em
formas concretas que favorecem as operações mentais e seu interesse se volta para
os desafios e questionamentos de toda natureza. A presença do adulto ainda é
importante como motivação à leitura ou como mediador diante das possíveis
dificuldades. Os livros mais adequados para esta etapa costumam ter as seguintes
peculiaridades: presença de imagens em diálogo com o texto; predominância dos
períodos simples; a narrativa gira em torno de uma situação central bem definida a
ser resolvida até o final; a efabulação possui um esquema linear (princípio, meio e
fim) e, o humor e as situações inesperadas ainda despertam o fascínio destes
leitores.
5) Leitor fluente (a partir dos 10/ 11 anos): etapa de consolidação do domínio do
mecanismo da leitura e da compreensão do mundo expresso no livro. É a fase da
p-adolescência, em que se desenvolve o pensamento hipotético dedutivo e,
conseqüentemente, a capacidade de abstração. A presença do adulto não se faz
necessária, tendo em vista a tendência do p-adolescente em rejeitar o apoio desta
pessoa, porém, ela pode se apresentar como um “líder entusiasmadoque confia
na capacidade de seus liderados. Os livros mais adequados para esta fase contam
com as seguintes características: as imagens não são indispensáveis, embora
uma ou outra ilustração sirva como elemento de atração; as personagens mais
atraentes são da linhagem dos heróis ou heroínas; a linguagem tende a ser mais
49
elaborada; os gêneros narrativos que mais interessam são os contos, as crônicas, as
novelas de ficção científica ou policial, os mitos, as lendas e obras que abram
espaço para o amor.
6) Leitor crítico (a partir dos 12/ 13 anos): fase de total domínio da leitura, da
linguagem escrita, maior capacidade de reflexão e de criticidade. É a fase da
adolescência, em que o ser humano deve se abrir plenamente para o mundo e
estabelecer uma relação essencial com o outro e com a realidade em que vive.
Diante do texto literário, o leitor crítico deve extrapolar a mera fruição de prazer
ou de emoção, a fim de adentrar no mecanismo da leitura. O conhecimento de
rudimentos básicos da teoria literária se faz necessário, uma vez que a literatura é a
arte da linguagem e, como qualquer arte, exige uma iniciação. Trata-se da
categoria que mais interessa a esta pesquisa, visto que os sujeitos que dela
participaram se encontravam nesta faixa etária na ocasião do desenvolvimento do
projeto Ler é um prazer!.
Amora (2004, p. 119 121) também faz considerações sobre os variados tipos de
leitores e afirma que, perante a produção literária, todo aquele que deseja compreendê-la
como arte deve receber uma educação especial, a qual se , sobretudo, nas fases da
escolaridade de cada indivíduo. O estudioso destaca que o autor cria a obra, entretanto, cada
leitor que a ela tem acesso realiza um processo de recriação, de acordo com suas
possibilidades de compreensão, de sensibilidade e de capacidade crítica.
Por meio das afirmações de Amora (acima expostas) é possível perceber o quanto a
arte literária deve ser valorizada desde a mais tenra idade, sobretudo na escola, espaço
privilegiado para a leitura e, conseqüentemente, para a formação de leitores literários. Em se
tratando de desenvolver um significativo contato dos adolescentes com a literatura, considero
interessante expor as idéias de Marchi (2007, p. 166), estudiosa que considera a leitura uma
experiência profundamente pessoal, resultante da permanente confrontação entre as idéias do
autor e as histórias de vida do jovem leitor, sujeito este que, à medida que se sente estimulado
a apreciar a obra literária por meio das ações de um mediador, se torna mais que um simples
leitor, isto é, torna-se um co-autor da obra literária.
A questão da leitura se coloca, então, na confluência das interpretações, na
necessidade de transformarmos alunos apáticos em leitores sensíveis, de modo que
os textos desencadeiem a mobilização de sujeitos históricos. Entramos, pois, no
espaço da comunicação expressiva, da interação entre obra e leitor, da relação entre
o sujeito e seu tempo, do sujeito e sua memória. (MARCHI, 2007, p. 166)
50
2.7 A narrativa
Tendo em vista que realizei esta pesquisa com base na leitura de contos, considerei
apropriado abordar, nesta seção, a composição da matéria narrativa. É importante ressaltar
que o texto literário se apresenta sob as formas de manifestações em prosa e manifestações em
verso e, no que diz respeito às primeiras, estas envolvem, segundo Proença Filho (1990, p.
45), as modalidades da narrativa de ficção, ou seja, o conto, o romance e a novela.
Segundo o autor (1990, p. 46) estas variedades de narrativa envolvem certa visão do
mundo e uma determinada maneira de captar as questões inerentes a ele, formando um
sistema que se constitui de vários elementos integrados: personagens em ação (ou não) num
tempo e num espaço em torno de um ou mais temas, apropriando-se de um estilo exposto por
meio de determinados ângulos de visão.
Especificamente sobre a maria narrativa, considero relevante apresentar os dez
fatores estruturantes que lhe dizem respeito, tomando por base as considerações de Coelho
(2000, p. 66- 90):
1) Narrador: a voz que fala, que enuncia a efabulação. É uma entidade fictícia,
responvel pela enunciação ou pela dinâmica que concretiza a narrativa, que
produz o discurso narrativo. O narrador pertence ao texto, sendo assim, fora deste,
ele o existe. De acordo com a natureza de suas relações com a matéria narrada e
com o destinatário (leitor ou ouvinte), o narrador assume diferentes categorias. A
primeira delas e que muito interessa a esta pesquisa, é a do contador de histórias
ou narrador primordial, isto é, aquele que se apresenta como testemunho ou
mediador de fatos ou acontecimentos por ele próprio presenciados ou que lhe
foram narrados por alguém que os teria vivido ou testemunhado, guardando-os na
memória e, transmitindo-os aos outros. É comum encontrar a voz deste tipo de
narrador nos mitos, nas lendas, nas crônicas medievais, nos contos de fada, nos
contos maravilhosos, entre outros. A segunda categoria diz respeito ao narrador
demiurgo ou onisciente, que é aquele que pretende transmitir ao leitor seu mundo
de ficção como uma verdade da qual é total conhecedor dos fatos e conflitos, do
interior e do exterior das personagens, assim como do presente, passado e futuro
que a elas diz respeito. Este tipo de narrador é predominante no romance
romântico, no realista ou na literatura tradicional em geral. Já a terceira categoria
51
se refere ao narrador confessional ou intimista, o qual é um eu-narrador que
apresenta as próprias experiências pessoais ou as de outras pessoas por ele
testemunhadas. Quanto à quarta categoria, esta nos apresenta o narrador dialógico
ou dialético, um outro eu-narrador que constantemente se dirige a um tu, o qual
não se faz ouvir na superfície da narrativa, mas que de certa forma a provoca. É
um tipo de narrador que se faz ouvir, por exemplo, na obra Grande Sertão:
Veredas. Por sua vez, o quinto tipo de narrador é o denominado narrador
insciente, um outro eu-narrador que ignora as razões do que acontece com ele e à
sua volta; que convive com as certezas e as incertezas que o, ao mesmo tempo,
contraditórias e complementares. Este tipo de narrador tem suas origens em Kafka
e, atualmente, multiplica-se sem cessar. Por fim, o sexto tipo de narrador é aquele
que recebe a denominação de narrador in off, aquele em que a única voz que se
faz ouvir é a de um tu (ou vários interlocutores) que fala, respondendo as
prováveis ou evidentes questões do eu-narrador cujas falas o aparecem na
narrativa, isto é, permanecem in off. Sintetizando, é uma narrativa na qual não se
ouve a voz do narrador, mas apenas as vozes das personagens que com ele
interagem.
2) Foco narrativo: também denominado ponto de vista, ótica narrativa, modos de
visão, corresponde ao ângulo de visão em que o narrador se coloca para contar a
história. É um dos fatores estruturantes mais importantes da narrativa, pois indica
o olhar através do qual são vistos todos os incidentes do que é narrado.
Dependendo do ângulo de visão assumido existem cinco possíveis classificações
para o foco narrativo. Na primeira classificação, ele é denominado foco
memorialista ou externo objetivo, isto é, é o foco do narrador-mediador entre o
fato acontecido (por ele guardado na memória ou por escrito) e o seu ouvinte ou
leitor. Apresenta o narrador em terceira pessoa, que se mantém fora dos
acontecimentos que estão sendo narrados, mas que, em geral, esclarece todos os
fatos e pormenores necessários ao bom entendimento da narrativa. Na segunda
classificação está presente o foco onisciente ou externo subjetivo, o qual também é
em terceira pessoa e, apreende perfeitamente o exterior dos acontecimentos e
conhece seguramente o interior das personagens ou das situões. Este tipo de foco
narrativo pode se apresentar sob duas formas: foco de consciência parcial (quando
o narrador se limita ao ângulo de visão de apenas uma personagem e revela ao
leitor parte do que acontece) e foco de consciência narrativa total (quando o
52
narrador revela total conhecimento de seu universo literário, por dentro e por fora).
Por sua vez, a terceira classificação diz respeito ao foco confessional ou intimista,
o foco privilegiado das narrativas confessionais ou dos grandes conflitos
psicológicos ou das autobiografias. Quanto à quarta classificação, esta nos
apresenta o foco dialético, no qual um eu se dirige constantemente a um tu, uma
segunda pessoa que se mantém silenciosa do princípio ao fim da narrativa.
Finalmente, a quinta classificação se refere ao foco dialógico, pprio do narrador
in off, cuja voz presente/ ausente somente é reconhecida por meio das respostas e
dos comentários das personagens que respondem as possíveis perguntas feitas.
3) História: também denominada estória, enredo, intriga, trama ou assunto, a história
diz respeito ao que acontece na narrativa, seja ela um conto, uma novela, um
romance... A história resulta da forma como o inventados e manipulados seus
fatores estruturantes básicos, ou seja, a efabulação, o gênero escolhido, o tipo de
personagens, a linguagem adotada, entre outros. Geralmente, a história aparece a
partir de uma situação problemática, que desequilibra a vida normal das
personagens e que vai se modificando através da narrativa até a solução final e,
conseqüentemente, a volta ao equilíbrio normal.
4) Efabulação: recurso básico para a estruturação de qualquer narrativa, porque dele
dependem o desenvolvimento e o ritmo da ação. No que se refere à literatura
infantil, a estrutura mais adequada é a linear, ou seja, aquela que segue a seqüência
normal dos fatos: princípio, meio e fim. Existe, também, a efabulação que utiliza o
flashback, isto é, o retrospecto, mais adequada para o leitor fluente ou o leitor
crítico.
5) Gênero narrativo: apresenta-se sob três formas básicas, ou melhor, o conto, a
novela e o romance, três estruturas distintas cuja escolha do autor nunca é gratuita
ou casual, pois obedece à visão de mundo que ele objetiva transmitir aos seus
leitores.
6) Personagem: é o elemento decisivo da efabulação, porque nela se centraliza o
interesse do leitor. A personagem é uma “espécie de amplificação ou síntese de
todas as possibilidades de existência permitidas ao homem ou à condição humana
(COELHO, 2000, p. 74) e, basicamente, existem três categorias de personagens
encontradas nas narrativas. A primeira categoria é intitulada personagem-tipo, a
qual se caracteriza pela simplicidade de sua construção e pela facilidade de ser
reconhecida pelo leitor, afinal, corresponde a uma função ou a um estado social.
53
São personagens-tipo aquelas que povoam os contos de fada ou os contos
maravilhosos (reis, rainhas, anões, fadas, bruxas, gigantes, etc) e aquelas que
representam funções de trabalho ou estados sociais nas narrativas realistas
(lavrador, pescador, ministros, mendigos, velhos, crianças, etc). A segunda
categoria, denominada personagem-caráter, é mais complexa do que a primeira,
pois representa comportamentos ou padrões morais. É muito freqüente nas
narrativas exemplares e na literatura tradicional, pois as personagens desta
categoria são movidas pelos pensamentos, impulsos ou ações pprios da trama
narrativa em que estão inseridas e que justificam os aspectos do caráter, da
estrutura ética ou afetiva que as caracteriza. Por fim, a terceira categoria,
denominada personagem-individualidade, é aquela considerada pica da ficção
contemporânea, pois representa o novo homem, que se revela ao leitor por meio
“das complexidades, perplexidades, impulsos e ambigüidades de seu mundo
interior” (COELHO, 2000, p. 76). Por representar o ser humano em diferentes
estágios de seu mistério interior, é uma personagem ambígua e, por isso, exige do
leitor maturidade e reflexão.
7) Espaço: é o ponto de apoio para a ação das personagens, pois estabelece as
circunstâncias locais, espaciais ou concretas, as quais fornecem realidade e
verossimilhança à narrativa. É um elemento de grande importância na efabulação,
porque se assemelha ao valor do mundo real para a vida cotidiana das pessoas.
Existem, basicamente, três espécies de espo. A primeira espécie é denominada
espaço natural, caracterizada pela natureza livre, ou seja, montanha, deserto, mar,
paisagem, enfim, um ambiente não modificado pela ação do homem. Já a segunda
espécie é intitulada espaço social, ou seja, um ambiente modificado pelo trabalho
de transformação do homem, como casa, castelo, palácio, entre outros. Finalmente,
a terceira categoria, denominada espaço trans-real, é o ambiente criado pela
imaginação humana, aquele que vai am do mundo real, é o espaço maravilhoso,
encontrado nas antigas novelas de cavalaria, nos contos maravilhosos, nas fábulas
e na ficção científica.
8) Tempo: a ficção narrativa é uma arte que se desenvolve no tempo e, o autor de
uma obra se utiliza de vários recursos para marcar o tempo em sua narrativa, ou
para registrar o processo temporal em que estão envolvidas as personagens: a
passagem de horas, dias, anos, por exemplo, é caracterizada pela sucessão dos dias
e das noites; pela passagem das estações; pelas alterações do espaço, onde as
54
coisas envelhecem, entre outras situações. Existem dois tipos de tempo vividos
pelas personagens de ficção. O primeiro deles é o tempo exterior, que é aquele que
corresponde ao tempo natural (dos dias e das noites) e ao tempo cronogico
(referente ao tempo do relógio ou ao tempo hisrico, no qual decorre a
existência). Vale destacar que o tempo cronológico é o que predomina nas
narrativas realistas, pois decorre em um mundo semelhante ao que vivemos. o
segundo tipo é o tempo interior, aquele que corresponde ao tempo vivido pelo
“eu” das personagens, sendo que seu melhor uso na literatura infantil refere-se ao
registro das emoções vivenciadas pelas personagens. Mas, ainda existe, segundo
Coelho (2000, p. 80), o tempo mítico, aquele que corresponde ao imutável, ao
eterno, algo que não tem evolução nem desgaste, como nas fábulas, nas lendas, nos
mitos, na Bíblia e na ficção iniciada por “Era uma vez...”. Por este motivo este é o
tempo ideal da literatura infantil.
9) Linguagem narrativa: é o elemento concretizador da invenção literária e,
conforme a intencionalidade da obra, pode ser classificado como linguagem
realista mimética (aquela que reproduz uma experiência vivida ou passível de ser
vivida no cotidiano do mundo real) ou linguagem simbólica metafórica (aquela
que expressa uma realidade X significando uma realidade Y). A ficção
contemporânea apresenta, ainda, uma forma híbrida de linguagem narrativa,
resultado da fusão da linguagem realista com a simbólica, comumente usada pela
ficção do Realismo Absurdo ou do Realismo Mágico, em que há uma convivência
comum entre o cotidiano simples e um elemento estranho ou maravilhoso. A
linguagem narrativa apresenta-se sob a forma de diferentes técnicas ou processos
narrativos: descrição, narração, paráfrase, diálogo, monólogo, dissertação,
digressão, comentários, entre outros.
10) Leitor ou ouvinte: é o provável destinatário a quem o discurso (literário ou
pragmático) visa efetuar uma comunicação, transmitir uma mensagem. O apelo ao
ouvinte, interlocutor ou leitor, especialmente na literatura popular e na infantil vem
da Antigüidade e é muito freqüente, destacando-se, inclusive, a figura de alguém
que conta as histórias para as criaas exigindo sempre o silêncio, os bons modos
e a atenção. Numa linha mais contemporânea, o narrador é estimulado a expandir-
se com liberdade, invocando o tu (o leitor, o outro, o ouvinte) e estabelecendo com
ele uma relação de descontração e familiaridade, sem autoridade ou subordinação.
55
Em adequação ao público-leitor de minha pesquisa, as categorias acima foram
abordadas nas aulas do projeto Ler é um prazer!.
2.8 O conto e sua caracterização
Vem a seguir uma abordagem sobre o conto, considerando que este nero textual
constituiu a base do projeto de leitura Ler é um prazer!, o qual será delineado no capítulo 3 e
que foi desenvolvido por ocasião desta pesquisa.
O hábito de contar histórias acompanha a humanidade em toda a sua evolução dentro
do espaço e do tempo e, embora não se consiga precisar quando se iniciou esta ação, é
possível afirmar que em todas as épocas os povos cultivaram seus contos, os quais,
inicialmente tidos como anônimos, foram preservados pela tradição e chegaram até a
contemporaneidade.
De acordo com Ferreira (1968, p.174), a palavra conto recebe, dentro do âmbito
literário, as seguintes acepções: 1. narrativa pouco extensa, concisa, breve; 2. narrativa falada
ou escrita. Gotlib (2006, p.11) apresenta outros significados para o termo, baseando-se em
Julio Casares: 1. relato de um acontecimento; 2. narrativa oral ou escrita de um acontecimento
falso; 3. fábula que se conta às crianças para diverti-las. A autora (2006, p.12) afirma que o
conto não se refere apenas ao acontecido, pois este gênero não possui compromisso com a
situação real. Na verdade, dentro do conto “a realidade e a fião não têm limites precisos”.
Uma contribuição clássica encontrei em Moisés (1967, p.96), estudioso que faz uma
abordagem histórica sobre o conto, afirmando que sua origem é desconhecida, porém, afirma
que alguns estudiosos apontam para o seu aparecimento dentro de contextos da Bíblia (como,
por exemplo, no conflito de Caim e Abel), do antigo Egito (na história “Os Dois Irmãos”, de
autor desconhecido) e da antigüidade clássica (O Moço e o Sonho”, de Apuleio). Segundo o
autor (1967, p. 97), os exemplares mais típicos de contos surgiram no Oriente, na Pérsia e na
Arábia, apresentando características a serem acentuadas ou desenvolvidas no decorrer do
tempo.
Moisés (1967, p. 99) acrescenta, ainda, que o conto, dentro de sua história e de sua
essência, é “a matriz da novela e do romance”, contudo, isto não o obriga a transformar-se
nelas. Para o autor (1967, p. 101), o conto é objetivo e atual, pois não se detém em
pormenores secundários e, essa objetividade se evidencia em quatro unidades: de ação, lugar,
tempo e tom, por meio das quais é possível perceber que todas as partes da narrativa devem
56
seguir uma harmoniosa estruturação, com o único objetivo de provocar no espírito do leitor
uma impressão singular (de ódio, simpatia, pavor, acordo, ternura, indiferença, entre outros
sentimentos).O estudioso (1967, p. 102) ressalta, também, que o número de personagens no
conto é reduzido, tendo em vista que a decorrência natural das unidades de ação, tempo, lugar
e tom somente se estabelecerá com a existência e a manutenção de uma pequena população no
decorrer da narrativa. Quanto à estrutura, Moisés (1967, p. 103) caracteriza o conto como
“objetivo”, “plástico” e “horizontal”, que costuma ser narrado em terceira pessoa e escapar do
introspectivismo, que o seu campo de ação é constituído da realidade viva, presente e
concreta. A linguagem do conto também precisa ser objetiva, plástica e direta, tendo o diálogo
como o seu mais importante componente, afinal, ele é a base expressiva desse gênero. Já a
trama, esta é sempre linear, objetiva, pois tem um andamento semelhante ao ritmo dos
acontecimentos da vida, com os pormenores que se acumulam numa ordem lógica, de fácil
percepção para o leitor. No que diz respeito ao ponto de vista, elemento também denominado
foco de narração, Moisés (1967, p. 107) recorre às idéias de Cleanth Brooks e Robert Penn
Warren, dois críticos norte-americanos que estabeleceram um quadro sinótico composto por
quatro focos de narração: 1º) a personagem principal conta sua história; 2º) uma personagem
secundária conta a história da personagem central; 3º) o escritor, analítico ou onisciente, conta
a hisria; 4º) o escritor conta a história como observador.
Corroborando as idéias de Moisés (1967), Magalhães Júnior (1972, p. 9-10) define o
conto como a mais antiga e generalizada expressão literária de ficção, presente até mesmo
entre povos sem o conhecimento da linguagem escrita. Vale destacar que na Antigüidade, este
gênero podia constituir uma história independente ou vir inserido, incidentalmente, no corpo
de uma narrativa mais extensa. Com o passar dos tempos, os primeiros contos orais foram
registrados de forma escrita reduzida, como meio de recolher criações anônimas, e estas, mais
tarde, foram reescritas por outros autores que procuraram ampliá-las, enriquecê-las e
embelezá-las, aplicando à risca o antigo provérbio quem conta um conto, aumenta um
ponto”. E no que diz respeito à finalidade do conto, enquanto gênero textual, considero de
grande valia as seguintes idéias:
A finalidade dessa forma de ficção literária é narrar uma história, que tanto pode ser
breve como relativamente longa, mas obedecendo num e noutro caso a certas
características próprias do gênero. [...] O conto é uma narrativa linear, que não se
aprofunda no estudo da psicologia dos personagens nem nas motivações de suas
ações. Ao contrário, procura explicar aquela psicologia e essas motivações pela
conduta dos próprios personagens. A linha do conto é horizontal: sua brevidade não
permitiria que tivesse um sentido menos superficial. (MAGALHÃES JÚNIOR,
1972, p. 10)
57
Retomando as idéias de Gotlib (2006, p. 68), vale destacar que a autora reconhece a
importância dos elementos acima destacados na criação de um conto, no entanto, atenta para o
fato de que o sucesso ou o fracasso desse gênero depende do procedimento do autor, isto é, do
modo pelo qual o contista trata os elementos, a fim de tornar o conto significativo e conquistar
o interesse do leitor. A estudiosa (2006, p.76), baseada na idéias de Quiroga e Tolstoi, destaca
que o contista deve possuir três qualidades que serão essenciais em suas obras: sentir com
intensidade, atrair a atenção e comunicar com energia os sentimentos”. Enquanto
professora-pesquisadora, preciso reconhecer que estas três características citadas por Gotlib
não pertencem apenas aos contistas, mas a todo autor que queira interagir com seus leitores.
No caso específico desta pesquisa, na qual foram utilizados contos de Sylvia Orthof, de Ana
Maria Machado e de Lygia Bojunga, evidenciou-se a presença das três qualidades citadas por
Gotlib no momento em que sujeitos (alunos) colocavam-se na interação com os respectivos
contos.
Outra contribuição de destaque encontrei em Coelho (2000, p. 71), autora que
apresenta uma definição de conto dentro de uma perspectiva contemporânea, afirmando que
se trata de uma forma básica do gênero narrativo (enquanto ficção) que, em sua forma
original, registra um importante momento na vida da(s) personagem(ns). Segundo a autora, no
conto existe a intenção de revelar apenas um fragmento de vida que possibilita ao leitor
entrever o todo ao qual aquela parte pertence. Sua estrutura possui uma unidade dramática ou
um motivo central, um conflito, um acontecimento que se desenvolve em situações breves,
“rigorosamente dependentes daquele motivo”. A pequena extensão material do conto justifica
a unicidade da ação ou situação e a brevidade da caracterizão das personagens e do espaço,
bem como da duração temporal. Para a autora (2000, p. 71), o conto tem se mostrado como a
“forma privilegiada da literatura popular e da infantil”, pois sua estrutura básica é sempre a
mesma, isto é, a de revelar um “momento significativo” na vida da personagem.
De acordo com a estudiosa (2000, p. 172), desde as suas origens o conto se diferencia
em conto maravilhoso e conto de fadas. O conto maravilhoso é “a fonte misteriosa e
privilegiada de onde nasceu a literatura”, sendo sua característica principal a existência de
personagens com poderes sobrenaturais, que se deslocam contrariando as leis da gravidade,
que sofrem contínuas metamorfoses, que enfrentam as forças personificadas do Bem e do Mal
e que, entre outras características, são beneficiadas com milagres. A forma do conto
maravilhoso é oriunda das narrativas orientais, propagadas pelos árabes, sendo que seu
exemplo mais completo é a coletânea As mil e uma noites. A natureza de ordem material,
social e/ou sensorial (expressa por meio da busca de riquezas, da satisfação do corpo, da
58
conquista de poder, entre outros) constitui o núcleo das aventuras, como nos conhecidos
contos Aladim e a Lâmpada Maravilhosa; Os Músicos de Brêmen; O Gato de Botas, etc.
Por sua vez, o conto de fadas, que se originou entre os celtas, no meio de heróis e
hernas com suas aventuras ligadas ao sobrenatural e que visavam a realização interior do ser
humano, possui uma natureza espiritual, ética e/ou existencial. Por isso, justifica-se a
existência da fada, cujo nome vem do latim fatum”, que significa destino. A fada é uma
personagem que, mesmo com a mudança dos séculos e dos costumes, continua exercendo
poder de atração sobre homens e crianças, afinal, ela encarna a possibilidade da “realização
dos sonhos ou dos ideais inerentes à condição humana”.
Ainda em Coelho (2000, p. 181-183), tive acesso a mais seis categorias de conto,
apresentadas pela autora:
1) Contos exemplares: contos de moralidades que eram transmitidos, antigamente,
“ao pé do fogo” durante os longos serões do inverno europeu e que foram trazidos
para o Brasil Colônia e aqui fincaram raízes.
2) Contos jocosos: pertencem à mesma natureza dos contos exemplares, pois são
narrativas breves e centradas no cotidiano, diferenciando-se, apenas, pela
comicidade. São muito parecidos com as “anedotas”, porém, têm uma
intencionalidade crítica mais acentuada.
3) Facécias: muito próximas dos chamados contos jocosos, as facécias são narrativas
que, além do humorismo, ainda apresentam as situações imprevistas, materiais e
morais.
4) Contos religiosos: seguindo as idéias de Câmara Cascudo, estes contos narram os
castigos ou os prêmios oriundos das os de Deus ou dos Santos, característicos
da mentalidade coletiva que impõe ações, palavras e sentenças de acordo com o
sentimento local.
5) Contos etiológicos: contos muito utilizados pelos folcloristas para explicar e dar a
razão de ser de qualquer ente natural, como, por exemplo, a explicação do pescoço
comprido da girafa.
6) Contos acumulativos: é uma espécie de narrativa muito explorada nas histórias
infantis, pois, muitas vezes, transforma-se em jogos muito populares e divertidos.
59
Machado et al (2001, p. 61-62) acrescentam, dentro de uma perspectiva
contemporânea também voltada para o público infanto-juvenil, outras três categorias de conto,
a saber:
1) Conto policial: aquele que tem como base uma série de acontecimentos que
geram suspense.
2) Conto psicológico: história em que o contista revela o mundo interior das
personagens, com muitos monólogos e reflexões.
3) Conto literário: história criada artisticamente por um autor, caracterizando-se
como narrativa curta, em prosa.
O conto literário é aquele que mais interessou a esta pesquisa, pois foi a categoria
escolhida para ser trabalhada com os sujeitos (alunos), dentro de uma visão mais
contemporânea, em que o leitor tem uma participação ativa diante de situações que fazem
parte de sua realidade cotidiana, sendo levado a uma constante reflexão sobre a vida a partir
da arte e, em alguma medida, a uma tomada de consciência sobre suas próprias ações. O conto
é um gênero narrativo adequado, ao meu ver, para o trabalho com os adolescentes dentro do
contexto escolar, afinal, são textos que dialogam com as histórias de vida destes leitores.
O conto é um gênero extremamente fascinante. E é um desafio. Acho o conto uma
grande forma literária. Um conto bom é imbatível como literatura.[...] quando
uma boa idéia, e quando ela é bem escrita, quando o próprio escritor se emociona
com o que está fazendo, aí o conto é a glória!” (SCLIAR, 2002, p. 61)
O retrospecto histórico confirma a opção/ seleção feita pelo gênero a ser trabalhado
com os jovens alunos.
2.9 Conclusão do capítulo
Sendo a escola considerada o espaço privilegiado para que o ser humano aprenda a
aprender, considero importante a prática da leitura nas salas de aula, respeitando-se a
idade/série em que os alunos se encontram. Além disso, afirmo minha convicção na prática da
leitura literária, a fim de promover a formação de leitores cujas identidades sejam constituídas
a partir do contato com a arte da linguagem.
60
Mais precisamente, é importante oportunizar aos educandos do ciclo II do Ensino
Fundamental (faixa etária analisada nesta pesquisa) um contato com a literatura infanto-
juvenil que valorize o cotidiano real destes adolescentes, como, por exemplo, os contos
literários infanto-juvenis da contemporaneidade. Trata-se de narrativas curtas que, dentro do
âmbito literário, retratam momentos marcantes na vida das personagens, estabelecem um elo
particular com a vida de cada leitor, destacam as principais funções da literatura e, ao mesmo
tempo, transformam-se em inigualáveis instrumentos para a formação intelectual, afetiva,
social e cultural dos educandos, visando a uma educação libertadora (sempre baseada na
linguagem) cujo resultado se revele no próprio ser humano enquanto protagonista da vida em
sociedade.
61
CAPÍTULO 3
ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
A pesquisa-ação promove a participação dos usuários do
sistema escolar na busca de soluções aos seus problemas.
[...] Os objetivos teóricos da pesquisa são constantemente
reafirmados e afinados no contato com as situações abertas
ao diálogo com os interessados [...] (THIOLLENT, 2005,
p. 81)
3.1 Apresentação do capítulo
No presente capítulo tenho por meta explicitar a metodologia empreendida para o
desenvolvimento desta pesquisa-ação, pois, enquanto pesquisadora e também professora dos
sujeitos analisados, realizei uma constante observação e, ao mesmo tempo, uma interferência
no desenvolvimento e na ampliação da competência leitora dos educandos envolvidos.
3.2 Caracterização da pesquisa-ação
De acordo com Moita Lopes (2002, p. 177), uma grande tendência de pesquisa no
atual contexto de ensino-aprendizagem de línguas é a denominada pesquisa-ação, em que o
professor deixa de ser um cliente/consumidor de pesquisas realizadas por outros e assume o
caráter de professor-pesquisador, envolvendo-se com a investigação crítica de sua própria
prática. Segundo o autor, esta tendência de pesquisa pode ser entendida de duas maneiras: a)
forma privilegiada de se obter conhecimento sobre a sala de aula a partir da visão interna do
processo que o professor desenvolve; e b) forma de avanço educacional, pois ao professor
caberá uma reflexão crítica sobre o seu trabalho.
No caso específico da presente pesquisa, eu era a pesquisadora e também professora
de Língua Portuguesa (desde a quinta série) dos sujeitos analisados e, tinha por objetivo
acompanhar o processo de coleta de dados a partir de uma perspectiva interna que me
possibilitasse uma contribuição positiva no tocante à formação de leitores.
Desta maneira, optei por iniciar esta pesquisa-ação considerando, inclusive, as
afirmações de Thiollent (2005, p. 81) sobre a orientação metodológica a ser seguida:
62
[...] Com a orientação metodológica da pesquisa-ação, os pesquisadores em
educação estariam em condição de produzir informações e conhecimentos de uso
mais efetivo, inclusive ao nível pedagógico. Tal orientação contribuiria para o
esclarecimento das microssituações escolares e para a definição de objetivos de
ação pedagógica e de transformações mais abrangentes[...]
Sendo assim, as contribuições almejadas pela pesquisa empreendida eram pautadas
dentro de uma dimensão conscientizadora que buscava, acima de tudo, reconstruir ações
significativas de leitura para os adolescentes, levando em consideração uma ampla e constante
interação entre os envolvidos (professora/ alunos e alunos/ alunos), objetivando tanto um
estudo quanto uma intervenção em situações reais de leitura em aulas de Língua Materna.
3.3 Caracterização dos sujeitos de pesquisa e do espaço escolar
A presente pesquisa-ação foi desenvolvida ao final do quarto bimestre do ano letivo de
2007 (mais especificamente em novembro) e contou com a participação de trinta e seis alunos
de uma sexta série (ciclo II do Ensino Fundamental) de uma escola pública da rede municipal
de São Jodos Campos. A escola está localizada na periferia do município (região sul), a
qual, embora seja hoje uma região urbanizada, ainda carrega as características de violência e
de dificuldades econômicas que permeiam as vidas de muitas famílias desde a cada de
oitenta.
No que diz respeito à estrutura escolar, vale ressaltar que se trata de um prédio bem
conservado (principalmente no aspecto da limpeza) constituído por doze salas de aula
ambientalizadas (isto é, com os materiais necessários para cada disciplina), uma quadra
coberta, uma quadra de areia, um laboratório de informática, um palco para eventuais
apresentações, um pátio pequeno, banheiros para meninos, banheiros para meninas, um jardim
bem conservado, uma cozinha para o preparo diário da merenda a ser servida para os alunos
dentro do sistema “self-service”, uma sala de recursos e um laboratório de aprendizagem
(com profissionais preparados para o trabalho com alunos portadores de necessidades
especiais e/ou dificuldades de aprendizagem) e, uma sala de leitura, cuja programação
semanal incluía uma aula para cada turma do período dentro de um cronograma estipulado
com antecedência, sendo esta aula ministrada pela professora responvel pelo projeto. Nesta
aula, os alunos saiam de suas respectivas salas e se encaminhavam aa Sala de Leitura
juntamente com o professor que estivesse lecionando naquele determinado horário, o que
significa que a Sala de Leitura não era destinada apenas aos professores de Língua
63
Portuguesa, mas sim a todos os demais, os quais também eram responsáveis pelo
desenvolvimento das competências leitora e escritora dos alunos. Já na Sala de Leitura os
alunos era recepcionados pela professora-responsável, a qual desenvolvia com eles atividades
diversificadas de leitura (contação de histórias, pequenas peças teatrais, dinâmicas de leitura,
declamação de poemas, entre outras) e, para finalizar o período de cinqüenta minutos de aula,
a profissional fornecia –lhes um tempo para devolver as obras emprestadas na semana anterior
e, escolher um novo livro (nas diversas estantes) para ler em casa. A escola atendia sua
clientela, que pertencia à educação fundamental, no período da manhã (ciclo II, de a 8ª
série) e no período da tarde (ciclo I, de a série), sendo o corpo docente formado por
profissionais bastante dedicados e conhecedores de suas responsabilidades para com a
formação pessoal e intelectual de cada educando.
Dentre os sujeitos de pesquisa, cujas idades variavam, na ocaso, entre doze e treze
anos, faixa etária que, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2004)
deve ser classificada como adolescência, encontravam-se dezessete garotas e dezenove
garotos regularmente matriculados na série compatível à faixa etária citada, isto é, na sexta
série (ciclo II do Ensino Fundamental). Esta turma, então denominada 6ª série A, foi escolhida
para esta pesquisa-ação porque eu (professora-pesquisadora) era responsável pelo grupo desde
a quinta série e tinha um amplo contato com os alunos e com seus respectivos pais e/ou
responsáveis, o que facilitou a apresentação da proposta a ser realizada bem como o
consentimento para que os educandos se tornassem sujeitos de pesquisa. Enquanto professora,
eu lecionava a disciplina de Língua Portuguesa para esta turma, com uma carga horária
semanal de seis aulas, sendo que cada aula tinha a duração de cinqüenta minutos. Havia, na
escola, uma sala específica para cada professor e, eu acolhia meus alunos na sala de número
onze, no primeiro andar. De acordo com o meu plano de ensino (direcionado pela proposta
pedagógica da escola), o conteúdo abordado compreendia, a partir do uso do livro didático
Português para todos (de Ernani Terra e Floriana Cavallete, Editora Scipione, 2005), o
trabalho com diferentes gêneros textuais (em termos de leitura, de análise e de escrita), com a
gramática e com a expressão oral (normalmente desenvolvida por meio de jornal falado,
dramatizações e seminários sobre fábulas). Em geral, as atividades de expressão oral
estabeleciam um elo entre as minhas aulas de Língua Portuguesa e as aulas da Sala de Leitura,
muitas das quais eram planejadas em parceria, a fim de que os alunos reconhecessem a
importância deste trabalho interdisciplinar.
Tratava-se de um grupo heterogêneo quanto às questões sociais, econômicas,
familiares, religiosas e culturais, situação esta que influenciava diretamente no desempenho
64
escolar destes alunos, os quais, pareciam ter a escola como um dos poucos lugares (e, talvez,
o único lugar para alguns deles) em que era possível iniciar e/ou ampliar o conhecimento
intelectual, tendo em vista a formação pessoal para o futuro. Embora todos os alunos
estivessem dentro da faixa etária adequada para a sexta série, que se pontuar as sérias
dificuldades de aprendizagem apresentadas por um dos sujeitos de pesquisa. Era um garoto
cuja leitura e cuja escrita estavam aquém do esperado para a rie em questão, isto é, ele
apresentava, segundo a psicopedagoga da escola (que desde o ciclo I acompanhava o aluno),
uma considerável defasagem na aprendizagem. Além disso, a profissional citada orientava os
professores daquela turma a como desenvolver um trabalho de inclusão com aquele educando.
No decorrer da pesquisa e considerando as orientações da psicopedagoga e da equipe gestora
sobre a questão da inclusão escolar , eu orientava este aluno a tentar ler com calma os contos
e, todos os questionários eram respondidos tendo um colega ao lado, o qual, lia novamente
cada questão e tentava explicar a ele numa linguagem mais simples. Infelizmente, embora ele
até parecesse compreender, seus registros, em geral, não alcançavam os objetivos das
questões. Porém, eu levava em consideração a participação, a dedicação e o entusiasmo deste
aluno no decorrer das atividades, afinal, ele fazia parte de um grupo heterogêneo, em que a
singularidade de cada sujeito (independentemente de suas limitações) precisava ser
valorizada.
3.4 Coleta de dados – Projeto de leitura Ler é um prazer!
Os dados para esta pesquisa-ação foram por mim coletados a partir da realização do
projeto de leitura Ler é um prazer! (o qual, após idealizado e planejado, foi articulado com a
grade da disciplina de Língua Portuguesa), baseado nos seguintes contos infanto-juvenis
contemporâneos da Literatura Brasileira: O bisavô e a dentadura, de Sylvia Orthof (anexo A),
Beijos mágicos, de Ana Maria Machado (anexo B) e O bife e a pipoca, de Lygia Bojunga
(anexo C). Estes contos abordam, respectivamente, temas relacionados às vivências diárias
dos adolescentes: convivência com os idosos, separação dos pais e amizade entre pessoas de
classes sociais diferentes, e foram por mim escolhidos por abordarem, com uma linguagem
criativa e bem humorada, conteúdos significativos para os leitores infanto-juvenis e, para
serem utilizados como meios para levar os educandos a refletirem criticamente acerca dos
assuntos citados. Segundo Lopes-Rossi (2002, p. 30-33), “as atividades de leitura, por si só,
podem constituir-se objetivo de um projeto pedagógico” a fim de que os alunos tenham
65
acesso às propriedades discursivas e lingüístico-textuais do nero em análise (como é o caso
dos contos contemporâneos da literatura infanto-juvenil lidos para esta pesquisa).Vale
ressaltar que, ao iniciar meus comentários sobre o conto enquanto gênero narrativo que
embasaria a pesquisa a ser empreendida, fiz para meus alunos a leitura oral de um texto de
Moacyr Scliar, intitulado Um bom conto é a glória! (anexo D), a fim de sensibilizá-los sobre a
importância deste gênero. Em cada etapa do projeto, eu direcionei os alunos a trabalharem
com estratégias de leitura que visavam contribuir para a compreensão dos contos:
levantamento do conhecimento prévio sobre o tema;
leitura global (incluindo levantamento de hipóteses);
leitura integral do texto (silenciosa);
inferência de termos e/ou expressões;
aspecto macroestrutural do texto;
aspecto microestrutural do texto;
seleção e combinação vocabular;
polissemia;
sobreposição de sentidos;
diálogo com o mundo real dos adolescentes.
É importante ressaltar que o objetivo que norteou o meu trabalho junto aos meus
alunos foi o de analisar em que medida o conto literário apresenta aspectos de
verossimilhança com o mundo real dos adolescentes. Dentro desta perspectiva considero
relevante apresentar as idéias básicas que permeiam cada um dos contos analisados. O conto
O bisae a dentadura, de Sylvia Orthof, trata da relação diária entre um bisa (chamado
Arquimedes) e seus familiares, personagens que vivem em Minas Gerais e que agem de
maneira divertida e respeitosa, levando os leitores a refletirem sobre a convivência com os
idosos. Já o conto Beijos gicos, de Ana Maria Machado, aborda a separação de um casal
cuja filha (Nanda) tem dificuldades para aceitar o novo relacionamento do pai com uma moça
chamada Bebel; universo conflituoso de emoções e sentimentos experimentado, atualmente,
por muitos adolescentes. Por sua vez, o conto O bife e a pipoca, de Lygia Bojunga,
problematiza a relão entre um garoto pobre (chamado Tuca) e um garoto rico (chamado
Rodrigo) que estudam na mesma escola, sendo que o primeiro é bolsista e morador de uma
favela, enquanto que o segundo desfruta de condições financeiramente confortáveis,
66
diferenças estas que geram situações constrangedoras para ambos e que buscam oferecer aos
leitores momentos de reflexão sobre o tema amizade.
Esta pesquisa-ação ocorreu no decorrer do 4º bimestre (novembro) do ano letivo de
2007, sendo que eu optei por registrar minhas considerações sobre as dezesseis aulas (cada
aula com a duração de cinqüenta minutos) em um diário individual. Foram utilizados seis
questionários, a saber: os Questionários I e II (anexos Q e R) compostos, respectivamente,
por onze e dezesseis questões sobre os hábitos de leitura de cada sujeito; o Questionário sobre
o conto O bisavô e a dentadura (anexo S) composto por onze questões; o Questionário sobre
o conto Beijos Mágicos (anexo T) composto por dezoito questões; o Questionário sobre o
conto O bife e a pipoca (anexo U) composto por quinze questões e o Questionário Final
(anexo V) composto por dez questões que tinham por objetivo retomar as idéias iniciais sobre
leitura expostas nos questionários I e II e verificar em que medida os sujeitos de pesquisa
iniciaram, amadureceram e/ou ampliaram seus olhares sobre o conteúdo e a forma do texto
literário. Cada questionário aplicado contava, inicialmente, com a minha leitura (em voz alta),
a fim de que todos os sujeitos de pesquisa pudessem acompanhar a proposta de cada questão
e, caso fosse necessário, eu lhes dava a liberdade de pedirem uma explicação mais detalhada
sobre a pergunta. Na verdade, quando uma dúvida surgia, eles esperavam o momento em que
eu passava perto de suas carteiras ou de seus grupos para poder solicitar mais esclarecimentos,
uma atitude muito comum entre os adolescentes.
Todas as ações referentes ao projeto de leitura que gerou os dados de análise para esta
pesquisa foram desenvolvidas dentro de sala de aula, ambiente já conhecido pelos alunos, mas
que assumia uma disposição física diferente do cotidiano porque as carteiras eram colocadas
de maneira diferente naquele espaço, dependendo dos momentos de atividades: em duplas, em
semicírculos, em quartetos. Estas parcerias eram feitas tendo em vista o nível de
desenvolvimento potencial dos alunos, o qual, segundo Vygotsky (2007, p. 95), se refere à
capacidade do indivíduo em desempenhar atividades com o auxílio de outra pessoa, podendo
esta ser um adulto ou uma criança mais experiente.
No que diz respeito ao contato dos sujeitos de pesquisa com cada um dos contos
analisados que se destacar que, primeiramente, eu realizava uma dinâmica com o grupo, a
fim de predispor os educandos para uma real apreciação daqueles textos literários. Foram
momentos de forte interação entre professora-pesquisadora/ alunos e alunos/ alunos, uma vez
que a participação de todos era intensa. Sendo assim, foram aplicadas as seguintes dinâmicas:
67
1ª) Dinâmica das balas: uma caixinha com balas de diferentes sabores foi passada
pela classe, cada aluno pegava uma delas para si e, ao final, foi possível perceber
que, embora todas tivessem sido retiradas da mesma caixa, cada uma apresentava
um sabor específico. O objetivo era mostrar que um mesmo texto literário tem um
sabor diferente para cada leitor, levando em conta que cada ser humano possui
uma singularidade que lhe permite interagir com a obra literária de maneira muito
particular. Esta dinâmica foi aplicada antes da leitura do conto O bisavô e a
dentadura, de Sylvia Orthof.
2ª) Dinâmica musical: atividade em que os sujeitos de pesquisa, após participarem
ativamente do meu comentário sobre a música enquanto arte assim como a
literatura, ouviram trechos das seguintes composições musicais (as quais eram
completamente diferentes das canções que eles estavam habituados a ouvir dentro
da comunidade e, que foram por mim escolhidas tendo em vista o material
fonográfico de um projeto de leitura que realizei no ano de 2003 em parceria com
a Fundação Nestlé de Cultura): Prelúdio para Alaúde em Menor” (Bach);
Sinfonia nº 5 em Menor(Beethoven); La nuit Transfigurée(Schoenberg);
Midnight(Prokofiev) e Canto pro mar(Carlinhos Brown e Timbalada). Após
a execução parcial de cada sica, cabia ao aluno escrever uma palavra
correspondente ao sentimento que a melodia lhe despertou e, em seguida, elaborar
uma pequena ilustração que representasse, dentro da linguagem não-verbal, aquele
sentimento. Vale pontuar que havia um impresso específico para esta atividade e,
para cada palavra e desenho a serem expressos, o aluno contava com o tempo
máximo de cinco minutos. Esta dinâmica foi desenvolvida antes da leitura do
conto Beijos Mágicos, de Ana Maria Machado.
3ª) Dinâmica dos sentidos: atividade que visava valorizar a importância dos cinco
sentidos humanos (visão, audição, olfato, tato e paladar), tão presentes no
cotidiano do ser humano, inclusive na apreciação de uma obra literária. Esta
dinâmica consistia na escolha de alunos que, de olhos vendados, tentassem
identificar determinados alimentos utilizando apenas a audição, o tato, o olfato e o
paladar. Como já era esperado, houve um ótimo envolvimento e todos os
participantes foram capazes de superar a momennea ausência da visão e
reconhecer os alimentos. Esta dimica foi efetuada antes da leitura do conto O
bife e a pipoca, de Lygia Bojunga.
68
Uma ação marcante do projeto de leitura Ler é um prazer! foram as atividades de
levantamento de hipóteses sobre os contos. Após cada dinâmica desenvolvida, eu escrevia na
lousa o título do conto a ser trabalhado e, depois de entregar uma pequena folha de papel para
os sujeitos de pesquisa, eu solicitava que cada um deles escrevesse a sua idéia sobre o assunto
a ser abordado. Era curioso notar como alguns gostavam de expor suas idéias para o grupo,
sabendo que aquelas hipóteses seriam ou o confirmadas após a leitura do texto.
Em se tratando da leitura dos contos, este era um momento muito especial, pois cada
um dos educandos mostrava um grande compromisso com a leitura silenciosa proposta por
mim: havia interesse, dedicação e um diálogo particular com as obras (expresso nos risos, nos
breves e discretos comentários e, até mesmo nas diferentes expressões faciais que, para mim,
representavam uma identificação daqueles leitores com os personagens). Após a leitura
silenciosa, o conto era comentado por mim e pelos alunos (tanto na forma quanto no
conteúdo), as hipóteses levantadas anteriormente eram retomadas e, a partir daí, o trabalho
escrito era iniciado. Num primeiro momento, os alunos se colocavam em grupos (previamente
organizados por mim, a fim de cada equipe contasse com alunos de diferentes níveis de
aprendizagem) e era orientados a discutir sobre os elementos que constituíam o conto lido
(personagens, narrador, lugar, tempo, foco narrativo, linguagem; conflito, semelhanças
percebidas entre o conto e vida dos adolescentes). Em seguida, era realizado um momento de
interação em que os líderes dos grupos expunham seus comentários.
Depois disso, os sujeitos de pesquisa partiam para um momento individual de
compreensão do conto em análise, levando em consideração todas as ações realizadas até
aquele momento. Tratava-se do questionário referente a cada conto, o qual levava os alunos a
refletirem e elaborarem respostas individuais para as questões sobre a importância do tema
abordado na vida dos adolescentes e sobre o conteúdo, a forma e o valor do texto literário que
busca, enquanto arte, estabelecer um diálogo com os leitores mais jovens por meio de
situações que, na realidade, permeiam os seus respectivos cotidianos.
Além disso, foi também proposta a elaboração de uma ilustração para cada conto, a
fim de que fosse trabalhada a sensibilidade do sujeito-leitor, no que diz respeito à articulação
da linguagem verbal com a linguagem não-verbal. Para desenvolver esta ação, busquei aporte
teórico nos PCN de Arte (1998, p. 35), documento que afirma que a arte na escola tem um
importante objetivo a cumprir, pois “a imaginação e a imagem são elementos indispensáveis
na apreensão dos conteúdos”. A arte visual, que no caso desta pesquisa partiu dos contos
referentes ao projeto de leitura, situa o fazer artístico dos educandos como um acontecimento
69
humanizador, cultural e histórico, aproximando mensagem e imagem neste processo de
construção de sentidos.
Cada obra de arte é, ao mesmo tempo, produto cultural de uma determinada época e
criação singular da imaginação humana, cujo sentido é construído pelos indivíduos
a partir de sua experiência. (PCN de Arte, 1998, p. 35)
Neste momento, os sujeitos de pesquisa, orientados por mim, sentavam-se em duplas
e/ou em grupos para compartilhar idéias e emprestar materiais para a ilustração. A proposta de
direcionar a ilustração de cada conto tinha por objetivo incentivar a capacidade criativa dos
sujeitos; minha inteão era fornecer uma idéia inicial e possibilitar a cada um transpor,
artisticamente, a solicitação apresentada, cujo conteúdo fora explorado em sala. Na primeira
ilustração, referente ao conto O bisae a dentadura (Sylvia Orthof), os alunos tinham por
objetivo destacar o valor que a autora forneceu à culinária mineira (anexos E, F, G e H). Já na
segunda ilustração, referente ao conto Beijos mágicos (Ana Maria Machado), os educandos
precisavam transformar em linguagem não-verbal as palavras utilizadas pela autora nos quatro
últimos parágrafos do conto, em que fica evidente a transformação de vida da personagem
principal (anexos I, J, K e L). Por fim, a terceira ilustração, referente ao conto O bife e a
pipoca (Lygia Bojunga) trazia o desafio de que os sujeitos analisassem a relação de oposição
entre os personagens principais do conto (expressa, inclusive, no próprio título) e escolhessem
uma outra situação de elementos opostos que estejam presentes na vida do ser humano
(anexos M, N, O e P). Nesta atividade era indicado o uso da técnica de recorte e colagem de
imagens retiradas de revistas. Ao final de cada ilustração, a professora-pesquisadora abria
espaço para que os sujeitos de pesquisa apresentassem seus desenhos para a turma. As
ilustrações resultantes de cada conto muito me surpreenderam por vários motivos: o humor
presente nas cenas, as cores utilizadas, a preocupação com as margens, o tom, a ingenuidade
dos desenhos e, principalmente, os detalhes referentes a cada conto, mostrando sentidos
criados e significativos para eles. O diálogo intersemiótico se mostrou agregador para a
interpretação dos textos.
Todas as ações desenvolvidas para a coleta dos dados de pesquisa foram marcadas
pela minha constante mediação, enquanto professora-pesquisadora.
Segue, abaixo, o cronograma de ações desenvolvidas para a realização do projeto Ler
é um prazer!, o qual foi empreendido em dezesseis aulas, sendo que cada uma delas possuía a
duração de cinqüenta minutos.
70
CRONOGRAMA DO PROJETO LER É UM PRAZER!
Datas e quantidade de aulas Ações desenvolvidas
06 de novembro de 2007 (2 aulas)
Questionário I.
12 de novembro de 2007 (2 aulas)
Questionário II.
13 de novembro de 2007 (2 aulas)
Dinâmica das balas.
Leitura do texto Um bom conto é a
glória!, de Moacyr Scliar.
Comentários sobre a definição de
conto e seus elementos.
Levantamento de hipóteses sobre o
título do primeiro conto (O bisavô e a
dentadura, de Sylvia Orthof).
Leitura silenciosa do conto O bisa
e a dentadura, de Sylvia Orthof.
Confirmação das hipóteses levantadas
antes da leitura do conto, seguida de
comentários.
Atividade em equipes.
20 de novembro de 2007 (2 aulas)
Retomada do conto O bisa e a
dentadura, de Sylvia Orthof.
Apresentação das atividades
realizadas em equipes.
Atividade individual.
Interação sobre as atividades
individuais.
Ilustração do conto, seguida de
apresentação.
21 de novembro de 2007 (2 aulas)
Dinâmica musical.
Levantamento de hipóteses sobre o
título do segundo conto (Beijos
Mágicos, de Ana Maria Machado).
Leitura silenciosa do conto Beijos
71
Mágicos, de Ana Maria Machado.
Confirmação das hipóteses levantadas
antes da leitura do conto, seguida de
comentários.
Atividade em equipes.
26 de novembro de 2007 (2 aulas)
Retomada do conto Beijos Mágicos,
de Ana Maria Machado.
Apresentação das atividades
realizadas em equipes.
Atividade individual.
Interação sobre as atividades
individuais.
Ilustração do conto, seguida de
apresentação.
27 de novembro de 2007 (2 aulas)
Dinâmica dos sentidos.
Levantamento de hipóteses sobre o
título do terceiro conto (O bife e a
pipoca, de Lygia Bojunga).
Leitura silenciosa do conto O bife e a
pipoca, de Lygia Bojunga.
Confirmação das hipóteses levantadas
antes da leitura do conto, seguida de
comentários.
Atividade em equipes.
28 de novembro de 2007 (2 aulas)
Apresentação das atividades
realizadas em equipes.
Atividade individual.
Interação sobre as atividades
individuais.
Ilustração do conto, seguida de
apresentação.
Questionário Final.
Agradecimentos aos sujeitos de
72
pesquisa pela participação no projeto.
Quadro 1: Cronograma do projeto Ler é um prazer!
3.5 Conclusão do capítulo
Ao desenvolver uma pesquisa-ação junto aos meus alunos, tinha por objetivo realizar
transformações nas aulas de Língua Materna no sentido de reconstruir ações significativas
para a formação de leitores que se encontravam na categoria infanto-juvenil.
Obviamente, precisei considerar todos os aspectos sociais, culturais, históricos e
econômicos em que os educandos estavam inseridos cotidianamente, a fim de otimizar o
contato entre eles e a arte literária, suscitando constantemente, através da mediação, o
interesse pela leitura e uma tomada de consciência por meio da identificação do mundo
ficcional com o mundo real em que eles se encontravam, via linguagem verbal.
O projeto de leitura Ler é um prazer! (base desta pesquisa) foi desenvolvido num total
de dezesseis aulas, período de forte interação entre mim, meus alunos e os contos literários
analisados, o qual foi caracterizado por diversas ações (individuais e em equipes) as quais
visavam fornecer condições para que os alunos estabelecessem um diálogo significativo entre
a literatura e suas respectivas vivências.
73
CAPÍTULO 4
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS DE PESQUISA
Conscientemente ou não, a verdade é que todo discurso
(literário ou pragmático) visa comunicar-se com alguém.
Não operão verbal que não tenha em mira
determinado destinatário a quem comunicar sua
mensagem. (COELHO, 2000, p. 89)
4.1 Apresentação do capítulo
Neste capítulo tenho por objetivo apresentar a análise dos dados da pesquisa que
realizei com os alunos de uma 6ª série do ciclo II (Ensino Fundamental) da rede municipal de
São Jo dos Campos, no ano de 2007.
Tal análise foi por mim empreendida a partir das respostas que os educandos
elaboraram para seis questionários, os quais se constituíram em corpora a ser observado,
principalmente, sob a ótica dos capítulos 1 e 2, a saber: As contribuições vygotskyanas e
bakhtinianas para o processo de leitura e O texto literário.
4.2 Questionário I
O primeiro momento da pesquisa empreendida foi o contato dos sujeitos com o
Questionário I, aplicado em sala de aula no dia 06 de novembro de 2007 e, para o qual foi
utilizado um período de cinqüenta minutos. Este questionário era composto por 11 (onze)
questões (conforme demonstrado no quadro abaixo) por meio das quais eu tinha a intenção de
obter um perfil inicial da relação entre os alunos e seus hábitos de leitura. Nesta etapa, levei
em consideração que os sujeitos de pesquisa (alunos de uma 6ª série) traziam consigo um
determinado conhecimento sobre leitura, situação esta que pode ser caracterizada como o
nível de desenvolvimento real do indivíduo, de acordo com os postulados de Vygotsky (2007,
p. 95). Outras questões abordadas, como leitura, funções da literatura e características de
leitores, estão amparadas em Candido (1972), Kleiman (1989a), Solé (1998) e Coelho (2000).
74
Questionário I
1) Para você, o que é leitura?
2) Você considera que a leitura é algo importante na vida de uma pessoa? Por quê?
3) Quais os tipos de texto que você costuma ler no seu cotidiano?
4) Você empresta livros da sala de leitura toda semana?
5) Após a leitura de um livro, você costuma fazer comentários sobre ele para seus familiares e/ou
amigos?
6) Em sua casa, seus familiares possuem o hábito de ler? Em caso afirmativo, responda: o que eles
gostam de ler?
7) Lembre-se um pouco de sua infância... Seus pais e/ou responsáveis liam/ contavam histórias
para você? Em caso afirmativo, responda: que histórias eram lidas/ contadas?
8) Na sala de leitura você se sente à vontade para emprestar o livro que desejar? Em caso
afirmativo, responda: isso é positivo para você? Por quê?
9) De que forma voescolhe o livro na sala de leitura (pela capa, pelo título, pelo autor, pela
quantidade de páginas, por uma indicação de colegas ou professores...)?
10) Quais os tipos de livros que você prefere ler? Justifique.
11) Se algum colega lhe pedisse para indicar o título de uma obra interessante para leitura, qual
seria seria sua sugestão? Por quê?
As questões 1 e 2, de caráter qualitativo por exigirem dos sujeitos respostas
dissertativas, levaram os alunos a definir e a refletir sobre a leitura e sua importância na vida
das pessoas, considerando, neste caso, a função social da literatura (CANDIDO, 1972, p.
807), a qual se origina a partir da identificação do leitor e de seu universo vivencial.
Após a categorização dos dados levantados, foi possível perceber que, diante da
questão 1 (Para você, o que é leitura?), muitos sujeitos optaram por definir a leitura como
uma fonte de informação, conforme se percebe nos recortes abaixo:
S4: Para mim é uma coisa que você fica enformada, (...)
S19: É uma forma de conversar, de se informar.
Por outro lado, a leitura foi classificada como um mundo de imaginação”,
correspondendo, muito possivelmente, ao trabalho que a professora da sala de leitura
costumava desenvolver no ciclo I sobre os contos de fadas e que voltava à tona, naquele
momento do ciclo II, por já fazer parte da bagagem cultural que um determinado número de
alunos trazia para esta pesquisa:
75
S2: A leitura é um mundo de imaginação, e que também ajuda ao conhecimento de
palavras.
S22: Leitura é bom, porque ajuda a pessoa no raciocínio, ou seja, tem que imaginar
as cenas
Uma outra definição que alguns sujeitos apresentaram foi a de que a leitura é um
momento de contato com vários tipos de texto e isso se deve, principalmente, ao trabalho
desenvolvido no cotidiano escolar que valorizava a diversidade textual que circula na vida do
ser humano:
S21: É ler alguma coisa, outdoor, textos didáticos, livros, etc
S29: A leitura é um momento que eu tenho, contato com as historias, ou notícias ou
etc.
Por sua vez, a questão 2 (Você considera que a leitura é algo importante na vida de
uma pessoa? Por quê?) apresentou resposta positiva para sua primeira parte, isto é, todos os
sujeitos de pesquisa consideram que a leitura é importante na vida das pessoas. As
justificativas para esta resposta foram agrupadas em três categorias: a primeira demonstra a
importância da leitura vinculada ao cotidiano das pessoas:
S4: Sim. Porque a leitura está em todo lugar, sendo nas ruas em placas, livros,
jornais e etc.
S21: Sim, porque se vonão sabe ler, não consegue fazer nada, não consegue
trabalhar, ler uma receita, ler para o filho dormir, etc
A segunda categoria destaca a leitura como fonte de enriquecimento do vocabulário,
demonstrando que os sujeitos trazem a crea de que, quanto mais se lê, melhor nível de
comunicação e informação se adquire:
S1: Sim, porque com a leitura nós enriquecemos o nosso “cardápio” de palavras.
S12: Sim. Porque quanto mais a pessoa ler, mais informações ela terá.
Uma justificativa que chamou muito a atenção diz respeito à categoria que elege a
leitura como uma forma de se garantir o futuro profissional, mais uma iia fortemente
disseminada tanto pela escola quanto pelos familiares destes alunos:
S15: sim eu acho porque sem a leitura não arrumamos emprego.
S35: Sim. Porquê se uma pessoa não tiver uma boa leitura, ela não pode ter um bom
emprego.
76
As questões seguintes, de caráter quantitativo, levaram os alunos a pensar e responder
sobre o papel da leitura dentro dos contextos familiar e escolar. A questão 3 (Quais os tipos
de texto que você costuma ler no seu cotidiano?) revelou o contato dos sujeitos com os livros
paradidáticos, os textos de revistas e hisrias em quadrinhos, fato que evidencia, novamente,
o conhecimento e a prática que os alunos possuiam sobre leitura, dentro do postulado
vygotskyano do nível de desenvolvimento real (VYGOTSKY, 2007, p. 95). Segue o
resultado no quadro abaixo, destacando a informação de que cada sujeito poderia indicar um
tipo de texto ou mais:
Tipos de texto Número de indicações Porcentagem de
indicações
Livros paradidáticos 21 21,88%
Textos de revistas 19 19,80%
Histórias em quadrinhos 16 16,67%
Textos do Orkut 07 7,29%
Notícias pela Internet 06 6,25%
Poesias 05 5,21%
Mensagens por e-mail 05 5,21%
Jornais 04 4,17%
Contos 03 3,12%
MSN 02 2,08%
Tirinhas 02 2,08%
Fábulas 02 2,08%
Cartas 01 1,04%
Lendas 01 1,04%
Enciclopédias 01 1,04%
Scraps 01 1,04%
TOTAL 96 100%
Quadro 2: Textos lidos pelos sujeitos de pesquisa no cotidiano.
Os sujeitos desta pesquisa possuíam, dentro da grade escolar, uma hora/aula por
semana dedicada à participação na chamada Sala de Leitura, momento este em que a
professora contratada para tal finalidade apresentava aos alunos várias atividades destacando a
77
importância da leitura, como a leitura oral do fragmento de uma obra da literatura infanto-
juvenil, dinâmicas envolvendo textos poéticos, entre outras ações. Esta prática escolar
caminha ao encontro das idéias apresentadas por Kleiman (1989a) e So (1998, p. 32),
estudiosas que defendem a leitura como um objeto de conhecimento, o qual deve se constituir
como o objetivo prioritário do Ensino Fundamental. Ao final de cada aula, os alunos
entregavam os livros emprestados na semana anterior e, eram orientados a se dirigirem para as
estantes da sala a fim de escolher um novo título para ler em casa. Levando-se em
consideração a importância deste contexto para o perfil dos sujeitos que participaram desta
pesquisa, a questão 4 (Voempresta livros da Sala de Leitura toda semana?) revelou o
quanto este espaço escolar e as atividades nele realizadas eram importantes para os alunos,
afinal, como é possível perceber no quadro abaixo, a maioria dos educandos emprestava,
semanalmente, livros da Sala de Leitura:
Respostas Número de sujeitos Porcentagem de sujeitos
Sim, semanalmente. 23 76,67
Sim, quinzenalmente. 05 16,67
Quase toda a semana. 01 3,33
Não. 01 3,33
TOTAL 30 100%
Quadro 3: Freqüência com que os sujeitos de pesquisa emprestavam livros da Sala de Leitura.
Na questão 5 (As a leitura de um livro, você costuma fazer comentários sobre ele
para seus familiares e/ou amigos?) os sujeitos demonstraram que consideram importante
tecer comentários sobre as obras lidas dentro do círculo familiar ou de amizades, como
revelam os seguintes resultados:
Respostas Número de sujeitos Porcentagem de sujeitos
Sim. 23 76,67
Não. 05 16,67
Às vezes. 02 6,66
TOTAL 30 100%
Quadro 4: Hábito de tecer comentários sobre os livros lidos.
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Segundo a maioria dos educandos, seus familiares possuem o hábito da leitura,
principalmente no que diz respeito ao acesso a jornais, revistas e livros, como confirma o
quadro abaixo, o qual representa as respostas para a questão 6 (Em sua casa, seus familiares
possuem o hábito de ler? Em caso afirmativo, responda: o que eles gostam de ler?),
destacando que, cada sujeito poderia ter feito uma indicação ou mais sobre as leituras
preferidas:
Leituras preferidas Número de indicações Porcentagem de
indicações
Jornais 18 30,00
Livros 14 23,33
Revistas 12 20,00
Receitas 05 8,33
Internet 02 3,34
Histórias 02 3,34
Histórias em quadrinhos 02 3,34
Enciclopédias 02 3,34
Bíblia 01 1,66
Documentos 01 1,66
Poesias 01 1,66
TOTAL 60 100%
Quadro 5: Hábitos de leitura por parte dos familiares dos sujeitos de pesquisa.
Vale destacar, ainda, que três sujeitos de pesquisa afirmaram, em suas respostas, que
seus familiares não possuem o hábito da leitura.
Em seguida, na questão 7, os sujeitos de pesquisa foram direcionados a se lembrar da
época da infância, período nada distante da faixa etária em que eles se encontravam naquele
momento (pré-adolescência). O conteúdo da questão era o seguinte: Seus pais e/ou
responsáveis liam/ contavam histórias para você? Em caso afirmativo, responda: que
histórias eram lidas/ contadas?. Das trinta respostas obtidas foi possível alcançar três
categorias, a saber: um sujeito afirmou não se lembrar deste momento; nove sujeitos
afirmaram que seus pais e/ou responsáveis não liam/ contavam histórias para eles na infância
e, vinte sujeitos responderam que sim, isto é, tiveram acesso a determinadas histórias na época
79
em que eram crianças, por meio de seus familiares diretos. Nesta última categoria, os
educandos indicaram os tipos de histórias que ouviram na época mencionada, como
demonstra o seguinte quadro:
Tipos de histórias Indicações Porcentagem das
indicações
Contos de fadas 13 54,17
Histórias em quadrinhos 03 12,49
Lendas 02 8,33
Contos de terror/ assombração 02 8,33
Fábulas 01 4,17
Mitos 01 4,17
Contos de ninar 01 4,17
Aventuras 01 4,17
TOTAL 24 100%
Quadro 6: Contato dos sujeitos de pesquisa com histórias na época da infância.
Esse tipo de resultado acima mencionado apresenta uma perspectiva bastante positiva
em relação à leitura, no que diz respeito à valorização deste ato desde a infância e dentro do
âmbito familiar, a fim de que a escola tenha o papel de dar continuidade ao ato de ler e
ampliar a capacidade leitora do aluno por meio da diversidade textual. Nesta situação, os
profissionais da educação e os outros alunos (colegas da mesma turma) agem na zona de
desenvolvimento proximal dos aprendizes, de acordo com Vygotsky (2007, p. 97) e, neste
sentido, novas aquisições referentes ao aprendizado de cada educando despontam e o
encaminham à autonomia. Por outro lado, vale destacar que entre os sujeitos que responderam
“não” a esta questão encontravam-se alguns dos alunos mais dedicados à leitura dentro desta
turma. Isso leva à reflexão de que, para estes educandos que não tiveram acesso à leitura por
meio de seus pais e/ou responsáveis, a escola realmente foi fundamental para a iniciação e o
desenvolvimento desta competência leitora.
Como descrito anteriormente, os alunos participavam semanalmente de uma aula
na Sala de Leitura e, ao final desta aula eles se encaminhavam para as diversas estantes
existentes e escolhiam o livro que desejassem emprestar, pressupondo-se, assim, que desta
maneira eles se sentissem à vontade para tal ação. A questão 8 (Na sala de leitura você se
80
sente à vontade para emprestar o livro que desejar? Em caso afirmativo, responda: isso é
positivo para vo? Por quê?) procurou confirmar essa hipótese e, entre as trinta respostas
obtidas foi possível confirmar um sujeito indeciso e um sujeito que respondeu “não”. Os
outros vinte e oito sujeitos afirmaram que sim, sentiam-se à vontade para o empréstimo dos
livros que desejassem, consideravam isso algo positivo para eles e, a maioria justificava essa
resposta com a idéia de que é importante o aluno ter a liberdade de escolha do livro pelo qual
se interessar. Esta constatação me levou a ponderar que, dentro do contexto escolar, o
professor deve criar condições para que seu educando direcione seu interesse, sua atenção
para as atividades propostas, pois, assim como afirma Vygotsky (2004, p. 163) “toda
aprendizagem só é possível na medida em que se baseia no próprio interesse da criança”.
A questão 9 (De que forma voescolhe o livro na Sala de Leitura: pela capa, pelo
título, pelo autor, pela quantidade de páginas, por uma indicação de colegas ou
professores...?) procurou investigar quais os critérios utilizados pelos alunos para a escolha
semanal dos livros e, o quadro abaixo demonstra o resultado, ressaltando o quanto os leitores
adolescentes vão em busca de um título que lhes chame a ateão, o que, novamente,
confirma o postulado vygotskyano citado ao final do parágrafo anterior. Neste caso, os
sujeitos de pesquisa poderiam indicar mais do que um critério para a escolha de livros:
Critérios para escolha de
livros
Indicações Porcentagem
Pelo título 16 39,02
Por indicação de alguém 07 17,07
Pelo resumo 06 14,63
Pelo autor 05 12,19
Pela capa 04 9,76
Pela quantidade de páginas 03 7,33
TOTAL 41 100%
Quadro 7: Critérios utilizados pelos sujeitos de pesquisa para escolha dos livros na Sala de Leitura.
Ainda em busca de mais informações resultantes da participação dos sujeitos de
pesquisa na Sala de Leitura desta escola foi lançada a queso 10 (Quais os tipos de livros que
você prefere ler?) e, o seguinte quadro expõe os resultados, destacando-se entre eles a grande
preferência por livros de suspense, característica muito comum entre os adolescentes:
81
Tipos de livros Indicações Porcentagem de
indicações
Suspense 09 23,68
Poesias 07 18,42
Aventuras 05 13,16
Contos 04 10,52
Romance 03 7,89
Ação 03 7,89
Terror 02 5,26
Histórias reais 02 5,26
Ficção 01 2,64
Fábulas 01 2,64
Crônicas 01 2,64
TOTAL 38 100%
Quadro 8: Tipos de livros preferidos pelos sujeitos de pesquisa.
Finalizando o Questionário I, foi lançada a questão 11 (Se algum colega lhe pedisse
para indicar o título de uma obra interessante para leitura, qual seria sua sugestão?Por
quê?), diante da qual foram obtidos quinze títulos diferentes, conforme demonstra o quadro
abaixo. Contudo, houve um destaque especial para o livro “A volta ao mundo em 80 dias, de
Júlio Verne, obra que todos os alunos das sextas séries do ano de 2007 ganharam da
Secretaria da Educação de São José dos Campos e, pelo que demonstra o resultado no quadro
a seguir, o livro foi considerado interessante pelo público que pretendia alcançar
(adolescentes), faixa etária que, segundo Coelho (2000) tende a demonstrar preferência por
gêneros narrativos, dentre os quais se destacam as linhas da ficção científica e das aventuras:
Sugestões de leitura Indicações Porcentagem de
indicações
A volta ao mundo em 80 dias 06 20,05
A ilha perdida 02 6,67
As crônicas de Nárnia 02 6,67
A bela e a fera 02 6,67
O caso do sumiço 01 3,33
82
Ana e Pedro: cartas 01 3,33
Sete ossos 01 3,33
Jane Eyre 01 3,33
Palavras de encantamento 01 3,33
Aladim 01 3,33
O planeta azul 01 3,33
Coração de vidro 01 3,33
Bicho de sete cabeças 01 3,33
O blog de Marina 01 3,33
A agenda de Carol 01 3,33
Harry Potter (todos) 01 3,33
Meus rios 01 3,33
Perigo no sertão 01 3,33
Os cavalos da República 01 3,33
Nariz de vidro 01 3,33
Minha terra 01 3,33
Sete desafios para ser rei 01 3,33
TOTAL 30 100%
Quadro 9: Livros sugeridos pelos sujeitos de pesquisa.
4.3 Questionário II
O segundo momento da pesquisa foi o contato dos sujeitos com o Questionário II,
aplicado em sala de aula no dia 12 de novembro de 2007 e, para o qual foi utilizado um
período de, aproximadamente, cinqüenta minutos. Este questionário era composto por 16
(dezesseis) questões (conforme demonstrado no quadro abaixo), por meio das quais busquei
conhecer as atitudes de cada aluno-leitor frente aos textos com os quais se deparava no
cotidiano escolar, bem como as relações que ele conseguia (ou não) estabelecer entre as
leituras e sua vida pessoal. Para tanto, considerei pertinente o embasamento teórico sobre o
dialogismo (BAKHTIN, 2003), os estudos literários (BAKHTIN, 2006) e as estratégias para o
ensino da leitura (SOLÉ, 1998).
83
Questionário II
1) Ao se deparar com um texto/livro, votem o hábito de ler o título com atenção? Por quê?
2) Ao ler o título do texto/livro, vo costuma formular hipóteses sobre o conteúdo a ser lido?
3) Você prefere os textos/ as obras em prosa ou em poesia? Por quê?
4) No decorrer das aulas de Língua Portuguesa, o seu primeiro contato com os textos ocorre por
meio da leitura silenciosa ou da leitura oral?
5) Na sua opinião, a leitura silenciosa é uma etapa importante? Por quê?
6) Na sua opinião, a leitura oral é uma etapa importante? Por quê?
7) No decorrer da leitura de um texto/ livro, quais as informações que você procura identificar?
( ) tema ( ) conflitos ( ) outros: .............
( ) personagens ( ) mensagens de vida
( ) espaço ( ) foco narrativo
( ) tempo ( ) desfecho
8) O que você costuma fazer quando se depara com uma palavra desconhecida durante a leitura?
9) Você costuma observar as referências bibliográficas de um texto? Em caso afirmativo, que
informações você procura identificar?
10) Você considera importante que um texto/uma obra apresente ilustrações? Justifique.
11) Na sua opinião, é importante que o professor e os alunos façam comentários a respeito do texto/
livro após a leitura? Por quê?
12) Para você, um texto/uma obra é uma forma de expressão artística? Por quê?
13) Você se recorda de ter lido algum texto/alguma obra que tenha lhe lembrado alguma situação
vivenciada por você no seu cotidiano (individualmente, com familiares e/ou com amigos)?
Relate essa experiência.
14) Enquanto leitor, vo acha interessante o fato de alguns textos/livros abordarem fatos
relacionados ao dia-a-dia dos adolescentes? Justifique.
15) Você gosta de ler poemas?
16) Que características de um poemao importantes para você?
( ) rimas
( ) ritmo
( ) sonoridade
( ) linguagem figurada
( ) repetição de palavras
( ) número de versos
( ) imagens
( ) expressão de sentimentos
( ) outros: __________________________________________________________
É importante destacar o caráter estritamente quantitativo das questões 2, 4, 7, 15 e 16,
bem como o caráter misto (qualitativo e quantitativo) das demais questões aplicadas neste
segundo momento da pesquisa empreendida.
84
Na questão 1 (Ao se deparar com um texto/livro, você tem o hábito de ler o título com
atenção? Por quê?), um sujeito respondeu que não e, justificou-se de uma maneira bastante
direta:
S31: Não, eu já abro o livro e já leio
Por outro lado, trinta sujeitos afirmaram ter o hábito de ler o título da obra com
atenção, expondo suas justificativas, as quais foram por mim agrupadas em dois blocos. Estas
respostas positivas frente à questão remeteram minha análise para as considerações de Solé
(1998, p. 69), autora que defende a importância do ensino das estratégias de leitura a fim de
que a escola consiga desenvolver a competência leitora de seus educandos. O primeiro
agrupamento afirmava que o título do livro confere ao leitor a possibilidade de conhecer
(parcial ou imparcialmente) o conteúdo da obra:
S1: Sim, porque o título mostra o assunto, se ele é interessante ou não.
S19: Sim. Porque é pelo título que eu tenho uma noção sobre o conteúdo do texto.
Já no segundo agrupamento os sujeitos davam importância ao título do livro por
considerarem algo importante, interessante:
S7: Sim. Para ver se é interesante.
S16: sim, porque ler o título é muito importante para saber o que se passa no texto.
Diante da questão 2 (Ao ler o título do texto/livro, você costuma formular hipóteses
sobre o conteúdo a ser lido?), a maioria dos sujeitos respondeu positivamente (conforme
quadro abaixo), demonstrando que havia um trabalho, dentro das aulas da Sala de Leitura e de
Língua Portuguesa, voltado para o levantamento de hipóteses acerca daquilo que seria lido em
determinado momento, permitindo que o aluno imaginasse o assunto da obra ou do texto e,
após a leitura, pudesse compartilhar com o grupo se sua hitese foi ou não confirmada. Oito
sujeitos disseram que, às vezes, formulam hipóteses e, apenas quatro sujeitos afirmaram não
praticar tal ação, o que leva a crer que é necessária uma ação mais intensa do professor no
sentido de transformar esta atitude do levantamento de hipóteses numa estratégia de leitura
que, conforme Solé (1998), se torne um hábito para o aluno leitor.
85
Hábito de formulação de
hipóteses
Sujeitos Porcentagem de sujeitos
Sim 19 61,29
Às vezes 08 25,81
Não 04 12,90
TOTAL 31 100%
Quadro 10: Hábito de formulação de hipóteses.
Por sua vez, a questão 3 (Você prefere os textos/ as obras em prosa ou em poesia? Por
quê?) mostrou um resultado em que se destacaram os textos/ as obras em poesia, sendo que
entre os dezenove sujeitos inseridos nesta categoria, a maioria justificou a escolha por gostar
de rimas e de versos, situação que não me causou estranhamento, uma vez que no decorrer do
ciclo I os alunos desta escola costumam ser orientados a realizar projetos voltados para os
textos poéticos. Outro motivo que deve ser considerado é o fato de esta turma de alunos ter
participado, na quinta série, do projeto “Escrevendo o futuro” (hoje Olimpíada de Língua
Portuguesa) no gênero poesia. Além disso, os sujeitos desta pesquisa eram adolescentes, faixa
etária que, de acordo com Coelho (2000), é caracterizada pela preferência sobre os temas
relacionados ao amor e à abertura para o mundo, temáticas muito comuns em textos poéticos.
S5: Em poesia, porque eu gosto de rimas.
S16: em poesia, porque eu gosto muito de rimas e de versos.
A outra categoria obtida nesta questão mostrou a preferência de doze sujeitos pelos
textos ou pelas obras em prosa, sendo esta escolha justificada, principalmente, pela presença
dos elementos de uma narrativa, fator também justificado, segundo Coelho (2000), pelas
características do leitor correspondente à faixa etária em que se encontravam os alunos desta
pesquisa.
S2: As prosa, pois se trata de uma história com personagens.
S4: Em prosa. Porque eu gosto mais dos textos que tem personagens, narração, etc.
A questão 4 (No decorrer das aulas de Língua Portuguesa, o seu primeiro contato
com os textos ocorre por meio da leitura silenciosa ou da leitura oral?) mostrou que todos os
sujeitos iniciam a leitura textual de forma silenciosa. Aliadas a esta pergunta, as questões 5 e
6 (Na sua opinião, a leitura silenciosa é uma etapa importante?Por quê? e Na sua opinião, a
leitura oral é uma etapa importante?Por quê?) trouxeram respostas positivas dos alunos, no
86
sentido de mostrar que eles valorizavam estes dois momentos de leitura, isto é, estas
estratégias eram praticadas durante as aulas no sentido de promover, de acordo com Solé
(1998), uma aprendizagem significativa. No tocante à importância da leitura silenciosa, os
sujeitos afirmavam, especialmente, que se trata de um primeiro contato para se conhecer o
texto a ser lido:
S6: Sim para você conhecer o texto.
S13: Sim. Porque é com a leitura silenciosa que temos o primeiro contato com o
texto.
Outro motivo apresentado refere-se à leitura silenciosa como um momento de
preparação para a leitura oral:
S16: sim, porque nós nos preparamos para a leitura oral.
S20: Sim a leitura silenciosa e muito importante para entender melhor e depois ler
alto.
Quanto à leitura oral, outra ação classificada como importante para os sujeitos, é
possível perceber que a maioria justificava tal opinião considerando que, quando esta
habilidade é colocada em prática, a compreensão do texto se torna melhor:
S13: Sim. A leitura oral nos ajuda a entender melhor o texto.
S31: Sim. Porque alguém fala em voz alta e eu entendo mais.
Outra categoria importante que surgiu dentre as justificativas revela a relação que
muitos educandos estabeleciam entre a leitura oral e a avaliação, prática comum tanto no ciclo
I quanto no ciclo II:
S15: sim porque podemos ser avaliados pelos professores
S34: Sim. Porque avalia o grau de leitura do aluno, se é bom ou não.
Na questão 7 (No decorrer da leitura de um texto/ livro, quais as informações que
você procura identificar?) os sujeitos, diante de nove opções, indicaram com grande destaque
os itens conflitos, tema, personagens e mensagens de vida (elementos estruturantes das
narrativas infanto-juvenis contemporâneas), como é possível conferir no quadro abaixo,
levando-se em consideração que cada sujeito poderia indicar um ou mais tipo de informação:
87
Tipos de informações Indicações Porcentagem das
indicações
Conflitos 21 21,65
Tema 20 20,62
Personagens 20 20,62
Mensagens de vida 17 17,53
Foco narrativo 07 7,22
Espaço 06 6,18
Tempo 05 5,15
Desfecho 01 1,03
TOTAL 97 100%
Quadro 11: Tipos de informações priorizadas pelos sujeitos de pesquisa no decorrer da leitura.
Diante da questão 8 (O que vocostuma fazer quando se depara com uma palavra
desconhecida durante a leitura?), cujo objetivo era o de, novamente, analisar as estratégias de
leitura que os alunos estavam habituados a utilizar, as respostas se apresentaram, ao meu
olhar, em três principais categorias. A primeira categoria evidenciou que muitos alunos
optavam por buscar auxílio com o professor:
S9: Perguntar a profª.
S28: Pergunto o que significa a palavra para a professora.
Em outra categoria, os educandos afirmaram que procuravam o significado da palavra
desconhecida no dicionário:
S11: Procuro saber o que significa no dicionário.
S15: procuro no dicionário
A terceira categoria revelou que alguns alunos buscavam compreender o significado
da palavra desconhecida pelo pprio contexto oferecido, resultado bastante satisfatório, uma
vez que esta atitude é característica do leitor proficiente, segundo Solé (1998).
S6: Eu tento entendela pelo o conteúdo do texto.
S16: eu tento entender a palavra lendo o texto.
88
a questão 9 (Você costuma observar as referências bibliográficas de um texto? Em
caso afirmativo, que informações você procura identificar?) apresentou um grupo formado
por onze sujeitos que afirmaram não ter o hábito de observar as referências bibliográficas de
um texto. Ao contrário destes, e demonstrando, segundo Solé (1998), a importância do
trabalho do professor que se compromete a ensinar aos seus alunos as estratégias de
compreensão leitora, outro grupo formado por vinte sujeitos disse possuir estebito, a fim de
identificar algumas informações consideradas importantes até mesmo para os momentos de
interpretação de texto, conforme o quadro abaixo:
Principais informações
identificadas nas referências
bibliográficas
Indicações Porcentagem das
indicações
Nome do autor 16 55,17
Ano de publicação da obra 07 24,14
Título da obra 05 17,24
Editora 01 3,45
TOTAL 29 100%
Quadro 12: Principais informações identificadas pelos sujeitos de pesquisa diante das referências bibliográficas.
Como registrado no diário de pesquisa, os sujeitos analisados forneciam uma grande
importância aos desenhos, ao momento de colorir uma figura, enfim, pela faixa etária em que
estes alunos se encontravam era esperado que houvesse uma grande identificação com a
imagem, como construtora de sentidos do texto verbal. As respostas obtidas para a questão 10
(Você considera importante que um texto/ uma obra apresente ilustrações?) confirmaram esta
expectativa, uma vez que trinta e um educandos responderam positivamente à questão,
justificando, especialmente, que as ilustrações auxiliam na compreensão do texto:
S12: Sim, porque todo texto ou uma obra fica bem melhor de ser entendido com
ilustrações.
S13: Sim. Porque as ilustrações nos ajudam a compreender melhor o texto.
A importância da interação entre os professores e os alunos após a leitura, conforme
defende Solé (1998, p. 74), começou a ficar evidente a partir das respostas obtidas para a
questão 11 (Na sua opinião, é importante que o professor e os alunos façam comentários a
respeito do texto/ livro após a leitura? Por quê?), afinal, trinta e um sujeitos valorizaram este
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momento justificando, principalmente, que esta é uma maneira que facilita a melhor
compreensão do texto, levando-se em consideração que se conhece a forma de pensar dos
outros leitores, informações são acrescentadas e, é possível fazer comparações entre as
diversas formas de pensar:
S1: Sim, porque com os comentários os alunos podem entender melhor, da forma de
pensar do colega.
S21: Sim, Para que todos posam entender melhor o texto, e interagir com o professor
Um momento muito importante deste questionário referiu-se à questão 12 (Para você,
um texto/ uma obra é uma forma de expressão artística? Por quê?), pois era motivo de
inquietação para esta pesquisadora, saber o quanto os sujeitos em análise possuíam de
sensibilidade diante do fenômeno artístico em suas diferentes manifestações, em especial, a da
arte literária. Porém, a resposta foi surpreendente e veio ao encontro dos postulados
bakhtinianos sobre o texto literário, o qual, segundo o estudioso (1998, p. 2) é arte e, por isso,
é “imanentemente social”, vinculando o homem, o espaço e o tempo numa parceria
indissolúvel. Apenas quatro sujeitos responderam negativamente, justificando a ausência de
pintura ou que a expressão artística se relaciona a uma obra reconhecida:
S25: Não. Porque não tem pintura.
S28: o. Porque eu acho que uma forma de expressão artística é quando um ator
pinta uma tela e essa tela fica reconhecida.
Os vinte e sete sujeitos que responderam positivamente à questão justificaram suas
respostas afirmando, por exemplo, a existência de muitas formas de expressão:
S1: Sim, porque cada um tem uma forma de se expressar, e tem pessoas que
gostam de fazer isso através de poemas e outros de telas.
S13: Sim. Porque existem várias formas de arte, e o texto é uma delas, pois expressa
algo para seus leitores.
Vale pontuar, neste momento, que as respostas positivas obtidas frente à questão
citada devem-se, também, ao trabalho que era desenvolvido com esses alunos juntamente à
professora de Arte, a qual os acompanhava desde a quarta rie do ciclo I e, cujo trabalho
apresentava a apreciação e a valorização da arte em suas diversas formas de manifestação. Por
este motivo é conveniente demonstrar outra razão apontada pelos sujeitos de pesquisa
relaciona-se com a expressão do sentimento do artista:
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S6: Sim, por que é uma forma de sentimento do artista.
S21: Sim, porque uma obra artística geralmente expresa sentimentos
Com o intuito de obter as primeiras referências sobre o diálogo que os sujeitos
estabelecem com as obras lidas foi laada a questão 13 (Você se recorda de ter lido algum
texto/ alguma obra que tenha lhe lembrado alguma situação vivenciada por você no seu
cotidiano individualmente, com familiares e/ou amigos? Relate essa experiência.). Vinte e
um sujeitos responderam que “não”, o que me levou a crer que a maioria dos alunos até
aquele momento não teve uma orientação para comparar e encontrar pontos comuns entre a
literatura e a vida humana, ação fundamental para esta pesquisa e, que por sua vez, está
relacionada a uma afirmação de Bakhtin (1998):
[...] a forma artística não se separa do conteúdo; ao contrário, ela configura valores
estabelecidos a partir das relações entre a arte e a história, fazendo com que o
discurso artístico esteja inserido no discurso artístico e vice-versa [...]
Por outro lado, dez sujeitos responderam positivamente e se enquadraram na
afirmação bakhtiniana acima citada, relatando experiências de vida ligadas a obras que
abordavam a adolescência, a amizade, as aventuras e, até mesmo, a separação dos pais:
S4: Sim. Foi um livro que falava sobre adolecentes, e o momento em que a garota
estaca passando parecia com o meu.
S13: Sim. A história falava sobre amizade, e isso me fez lembrar algumas amigas
que não via a muito tempo.
S19: Sim. O livro era “A ilha perdida” e eu me recordei dos meus primos e tios que
passaram por situações iguais à do livro.
S25: Sim. Um texto que os pais do menino se separaram.
Em seguida, os sujeitos foram levados a continuar com a mesma linha de pensamento
da questão anterior e, por meio da pergunta 14 (Enquanto leitor, voacha interessante o fato
de alguns textos/ livros abordarem fatos relacionados ao dia-a-dia dos adolescentes?
Justifique.) eles iniciaram uma tomada de consciência sobre a importância da literatura
enquanto uma arte que também retrata a vida do ser humano. Diante da questão, dois alunos
responderam negativamente, demonstrando problemas de ordem pessoal de conhecimento da
pesquisadora, os quais, naquele momento, os impediam de observar esta questão por um
prisma mais prazeroso:
S20: Não, sei lá, e meio chato ficar relacionando sua vida com um livro, bem que tem
gente que fica triste.
S25: Não. O livro não tem nada a ver com a vida deles.
91
Ao contrário, vinte e nove sujeitos responderam positivamente e, confirmaram, de
acordo com as idéias de Bakhtin sobre o dialogismo ((2003, p. 348), “que a vida é dialógica
por natureza”, mostrando que lhes era possível estabelecer uma relação vivencial com o texto,
afirmando que quando o adolescente se identifica com o assunto abordado no livro, ele pode
se interessar mais pela leitura, pois o tema abordado pode levá-lo a uma reflexão sobre a vida
e a decisões para agir de forma melhor dentro de seu cotidiano:
S4: Sim. Porque nos mostra o que nós estamos passando, e nos ajuda a refletir.
S19: Sim. Para que um adolescente se interessar por um livro eu acho que é
interessante ter uma relação da história com a idade dele.
S30: Sim, porque muitos adolescentes lêem o livro e que aquilo não é bom já é
mais um passo pra ele refletir e tentar mudar a situação (qualquer situação)
Nas questões 15 e 16 (Você gosta de ler poemas? e Que características de um poema
são importantes para você?), respectivamente, chegou-se ao resultado de dezesseis sujeitos
que afirmavam gostar de ler poemas, treze sujeitos que realizavam esse tipo de leitura “às
vezes” e, dois sujeitos que não gostavam de ler poemas, contrariando parcialmente, as
respostas dadas para a questão 3, na qual evidenciava-se a preferência pelo texto poético. No
entanto, quando os sujeitos se depararam com a última questão, perceberam que algumas
características do texto poético lhes agradavam e, o quadro a seguir demonstra este resultado,
dentro do qual é possível destacar a importância dada às rimas, outra característica muito
comum entre alunos do ciclo II, pertencentes à faixa etária da pré-adolescência e da
adolescência. Vale pontuar que cada sujeito de pesquisa poderia ter indicado uma ou mais
características relacionadas ao texto poético:
Características de um poema Número de indicações Porcentagem de indicações
Rimas 28 29,47
Expressão de sentimentos 20 21,05
Imagens 13 13,68
Ritmo 11 11,58
Linguagem figurada 10 10,53
Número de versos 07 7,37
Sonoridade 03 3,16
Repetição de palavras 03 3,16
TOTAL 95 100%
Quadro 13: Características valorizadas pelos sujeitos de pesquisa diante de um poema.
92
4.4 Questionários referentes aos contos
Após as dinâmicas, o levantamento de hipóteses, a leitura silenciosa dos contos, a
confirmação (ou não) das hipóteses levantadas e a realização das atividades em equipes, os
sujeitos de pesquisa eram por mim orientados a realizarem uma atividade individual, a qual
era formada por um questionário referente ao conto lido, sendo que por meio das questões eu
buscava saber em que medida eles (sujeitos de pesquisa) haviam reconhecido os elementos
narrativos que formavam aquele conto, assim como os pontos de identificação que estes
alunos conseguiam estabelecer entre o conteúdo do texto literário e suas respectivas vivências.
Neste aspecto eu procurei salientar o princípio dialógico que, segundo Bakhtin (2003),
caracteriza o homem e a vida, no sentido da busca de um processo de interação entre leitor e
texto em que fique evidente que cada sujeito é constitutivamente dialógico, sendo que seu
mundo interior é constituído de diferentes vozes, que podem se apresentar em relações de
concordância ou de discordância em relação à vida.
O primeiro conto analisado pelos sujeitos de pesquisa foi O bisae a dentadura, de
Sylvia Orthof, sendo que a atividade individual (questionário composto por onze questões,
conforme modelo abaixo) foi desenvolvida no dia 20 de novembro de 2007 num tempo de,
aproximadamente, quarenta minutos.
Questões sobre o conto “O bisavô e a dentadura”, de Sylvia Orthof.
1) O leitor é convidado a imaginar um espaço para começar a ler/ouvir o conto... Que local é esse?
Onde está situado?
2) Qual é a naturalidade dos personagens deste conto? Que características da história comprovam
essa origem?
3) Quem é o personagem principal deste conto? Por quê?
4) Por que existe no conto, a afirmação de que os copos da casa e o bisavô Arquimedes sofriam,
diariamente, as brincadeiras da família?
5) Que tipo de narrador existe neste conto?
6) O bisavô ouvia e ia mastigando, o olhinho malicioso, nem te ligo para a brincadeira... Mas o
bisavô tinha senso de humor e falava pouco...”. Esses trechos do conto intencionam revelar que:
A) o bisavô só queria saborear a comida mineira
B) o bisavô começava, naquele momento, a planejar uma ação contra os gracejos dos familiares.
C) o bisavô queria rir daquelas brincadeiras
7) No desfecho do conto, o leitor é surpreendido com uma ação inesperada do bisavô Arquimedes.
Que atitude é essa?
93
8) Todos sabem que uma determinada ação provoca uma reação. Ao tomarem conhecimento da
“brincadeira” do bisavô Arquimedes, seus familiares sentiram realmente, de acordo com o
conto, uma sensação de:
A) arrependimento
B) alegria
C) nojo
D) preocupação
9) Suponhamos que você conviva, diariamente, com um idoso que tenha as mesmas características
do bisavô Arquimedes... Que tipo de relacionamento você tentaria estabelecer com ele? Por
quê?
10) Suponhamos, agora, que você fosse o bisavô Arquimedes passando pela mesma situação
familiar que esse personagem... Vo também daria uma “lição” em seus familiares? Justifique.
11) Que mensagem de vida você, enquanto adolescente, consegue obter por meio da leitura e da
análise do conto “O bisavô e a dentadura”?
Nas primeiras oito queses referentes ao conto citado, os sujeitos de pesquisa
revelaram a capacidade de identificar informações explícitas e/ou implícitas relacionadas,
principalmente, aos elementos constituintes de uma narrativa, segundo Coelho (2000):
personagem, narrador, espaço, entre outros. Neste aspecto os alunos apresentaram um
excelente nível de observação enquanto leitores, pois a grande maioria demonstrou facilidade
para desenvolver as respostas.
Por outro lado, as três últimas questões eram aquelas que exigiam uma reflexão maior
por parte dos alunos, pois os colocavam em situações de vida real no que diz respeito às ações
e às idéias das personagens. Esta situação eu pude comprovar na questão 9 (Suponhamos que
você conviva, diariamente, com um idoso que tenha as mesmas características do bisa
Arquimedes... Que tipo de relacionamento você tentaria estabelecer com ele? Por quê?), na
questão 10 (Suponhamos, agora, que você fosse o bisavô Arquimedes passando pela mesma
situação familiar que esse personagem... Você também daria uma lição em seus
familiares? Justifique.) e na questão 11 (Que mensagem de vida você, enquanto adolescente,
consegue obter por meio da leitura e da análise do conto “O bisavô e a dentadura”?) para as
quais a maioria dos sujeitos abordou em suas respostas o tradicional “respeito aos mais
velhos”, evidenciando, novamente, que o ser humano (desde a mais tenra idade) carrega
consigo uma pluralidade de vozes sociais, afinal, segundo Bakhtin (2003) “a vida é dialógica
por natureza”, como nos exemplos abaixo:
S6: Eu teria respeito, porque todos gostam de ser bem tratados. (questão 9)
S22: Respeito. Porque ele é um idoso e merece atenção. (questão 9)
94
S35: Um realcionamento bom. Porque devemos respeitar os idosos. (questão 9)
S10: Sim porque eles devem ter mais respeito com os mais velhos. (questão 10)
S28: Sim. Porque eles devem respeitar os mais velhos. (questão 10)
S35: Sim. Para els aprenderem a respeitar os mais velhos. (questão 10)
S20: Não desrespeite os mais velho, porque um dia você será um. (questão 11)
S33: Porque como eu sou educada devo ter educação e respeito com os mais
velhos.(questão 11)
S35: A gente deve respeitar os idosos, porque eles são especiais. (questão 11)
O segundo conto analisado pelos sujeitos de pesquisa foi Beijos mágicos, de Ana
Maria Machado, sendo que a atividade individual (questionário composto por dezoito
questões, conforme modelo abaixo) foi desenvolvida no dia 26 de novembro de 2007 num
tempo de, aproximadamente, cinqüenta minutos.
Questões sobre o conto “Beijos Mágicos”, de Ana Maria Machado.
1) A personagem Nanda gostava muito das histórias que o pai lhe contava todas as noites, as quais
muitas vezes acabavam com “e viveram felizes para sempre”. Isso significa que Nanda gostava
de ouvir:
(A) poemas
(B) canções de ninar
(C) contos de fadas
(D) piadas
2) O pai e a mãe de Nanda resolveram que para serem felizes para sempre era melhor não ficarem
juntos. Desta forma, o que eles decidiram fazer para serem felizes?
3) Em que momento da história Nanda começou a perceber que seu pai estava agindo de maneira
diferente?
(A) quando ele começou a ler notícias de jornal para ela dormir
(B) quando ele começou a contar as histórias mais depressa, pulando pedaços
(C) quando ele começou a declamar poemas à noite
4) Quais são os personagens deste conto?
5) Qual foi o conflito com o qual Nanda se deparou nesta história?
6) O pai de Nanda lhe disse que ela iria gostar muito de conhecer a Bebel (sua namorada) porque
era “linda, alegre, um amor...”. Porém, a menina percebeu algumas características físicas em
Bebel que lhe levaram a acreditar que, na verdade, a namorada de seu pai era:
(A) a Rapunzel, com seus longos cabelos
(B) a Bela Adormecida, acordando com o beijo do príncipe
(C) uma bruxa, com vassoura e gato
7) Em que locais se passa a história?
8) Nanda foi procurar sua e para lhe contar a história do namoro de seu pai com Bebel. Ao
contrário do que a menina esperava, a mãe riu da situação e lhe disse que aquilo era ciúme e que
era muito bom que o pai arranjasse uma namorada e se casasse. Agindo desta maneira, a mãe de
Nanda procurou mostrar para a filha que:
95
(A) era importante que ela atrapalhasse o namoro do pai
(B) a Bebel era uma pessoa terrível e Nanda não deveria se aproximar dela
(C) o pai tinha direito de refazer sua vida e Nanda precisava compreender a situação
9) Bebel sempre tentava agradar Nanda. Por que a menina não aceitava?
10) Que tipo de narrador existe neste conto? Justifique.
11) Num determinado trecho do conto, afirma-se que Bebel estava pesadona, cansada para sair no
calor, tinha ficado muito barriguda... Por meio destas características e diante do contexto, a
autora procura mostrar ao leitor que a madrasta de Nanda estava:
(A) obesa
(B) doente
(C) grávida
12) Em que momento da história Nanda passou a “enxergar Bebel de uma forma diferente”?
13) Diante de todos os acontecimentos do conto, é possível determinar o tempo em que ocorreu a
história? Em caso afirmativo, cite-o.
14) Qual foi o desfecho do conto?
15) Em que parte do conto é possível perceber que a história de Nanda terminou como um conto de
fadas?
16) Suponhamos que você estivesse no lugar da personagem Nanda: seus pais se separaram e cada
um tentou buscar a felicidade com uma outra pessoa... Como você tentaria se relacionar com essa
outra pessoa (o namorado da sua mãe e/ou a namorada do seu pai)?
17) Na sua opinião, de que maneira a maioria dos adolescentes (como você) enfrenta a separação
dos pais? É possível continuar amando e respeitando o pai e a mãe sem tomar partido nesta decisão
deles? Justifique.
18) Que mensagem de vida o conto “Beijos mágicos conseguiu transmitir para você, enquanto
leitor e adolescente?
Após ler as respostas dos alunos para as quinze primeiras questões, pude novamente
perceber que a maioria dos sujeitos de pesquisa demonstrava capacidade para identificar as
informões explícitas e/ou implícitas solicitadas pelas questões, principalmente no que dizia
respeito aos elementos estruturantes de uma narrativa, situação semelhante com o
questionário referente ao primeiro conto e, que ao meu ver, demonstrou a capacidade dos
sujeitos de intensificarem a atenção e a memória no decorrer das atividades para as quais eles
foram motivados, afinal, como afirma Vygotsky (2004), “toda aprendizagem é possível na
medida em que se baseia no próprio interesse da criança”.
Nas três últimas questões os alunos eram novamente levados a expor opines muito
particulares sobre a temática abordada no conto, isto é, a separação dos pais, realidade
vivenciada por alguns dos sujeitos de pesquisa e que evidencia a chamada função social da
literatura (CANDIDO, 1972), isto é, a identificação do leitor e de seu universo vivencial por
96
meio da obra literária. Na questão 16 (Suponhamos que você estivesse no lugar da
personagem Nanda: seus pais se separaram e cada um tentou buscar a felicidade com uma
outra pessoa... Como você tentaria se relacionar com essa outra pessoa: o namorado da sua
mãe e/ou a namorada do seu pai?) os sujeitos de pesquisa dividiram suas opiniões em dois
grupos muito evidentes. O primeiro grupo (formado por vinte e dois alunos) mostrou uma
propensão a aceitar o(a) novo(a) parceiro(a) da mãe ou do pai, porém, apresentando certas
reservas:
S1: Eu até aceitaria, mas concerteza não gostaria.
S13: Eu tentaria manter um bom relacionamento, mas levaria um tempo para
compeender a situação.
S22: Buscaria aceita, embora não compreendese a separação.
o segundo grupo (formado por onze sujeitos de pesquisa) deixou claro, por meio
das respostas, que não aceitaria a nova pessoa com quem o pai ou a mãe estivesse se
relacionando:
S2: Não gostaria de viver e se relacionar com essa pessoa, pois ela ou ele ocuparia o
lugar da minha mãe ou de meu pai.
S6: Eu não gostaria da Edéia e ia fazer de tudo para eles se separarem.
S8: Ficava muito magoado, triste por minha mãe ou meu pai se eles fisecem isso.
Na questão 17 (Na sua opinião, de que maneira a maioria dos adolescentes, como
você, enfrenta a separação dos pais? É possível continuar amando e respeitando o pai e a
mãe sem tomar partido nesta decisão deles? Justifique.), novamente as respostas dos sujeitos
de pesquisa puderam ser agrupadas de duas formas. No primeiro grupo (formado por dezoito
alunos) os sujeitos de pesquisa deixaram claro que a separação dos pais é enfrentada, na idade
deles, de forma negativa, porém, mesmo diante desta situação, o amor e o respeito pelos pais
prevaleceria:
S13: A maioria não aceita a separação dos pais, mas é necessário continuar amando
e respeitando os pais, mesmo sendo muito difícil.
S19: A maioria não aceita esta situação. Sim. Porque pai é pai e mãe é mãe e
sempre temos que amá-los.
S34: Com muita dor. Sim. Acima de tudo eles são pais.
Por sua vez, no segundo grupo (formado por quinze alunos) os sujeitos de pesquisa
afirmaram que enfrentariam de maneira positiva/normal a separação dos pais e,
conseqüentemente, não deixariam de amá-los e respeitá-los:
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S15: respeito sim mesmo fazendo isso são meus pais querendo ou não
S25: Normal. Sim. Os pais não se amam, mas eles nos amam.
S33: bem, Sim Porque eles mesmo separados ou não eles ainda são meus pais.
Finalizando, na questão 18 (Que mensagem de vida o conto Beijos mágicos conseguiu
transmitir para você, enquanto leitor e adolescente?), apareceram dois grandes grupos de
respostas. No primeiro deles (em que se encontravam quinze alunos) os sujeitos de pesquisa
fizeram uma retomada do pré-conceito que a personagem Nanda demonstrou ter em relação a
Bebel (namorada de seu pai), situação esta que mudou de forma positiva após o contato mais
próximo que as personagens tiveram no decorrer da história (semelhante ao que acontece na
vida de muitos adolescentes diante de, por exemplo, novos colegas na escola ou na sala de
aula):
S1: Que nem sempre as pessoas são aquilo que pensamos, e nunca deve-se julgar
pela aprência, porque você pode se enganar e se arrepender.
S11: Não devemos julgar os outros pela aparência.
S24: Quando você não conhece uma pessoa direito não a jugue.
O terceiro conto analisado pelos sujeitos de pesquisa foi O bife e a pipoca, de Lygia
Bojunga, sendo que a atividade individual (questionário composto por quinze questões,
conforme modelo abaixo) foi desenvolvida no dia 28 de novembro de 2007 num tempo de,
aproximadamente, cinqüenta minutos.
Questões sobre o conto “O bife e a pipoca”, de Lygia Bojunga.
1) Quais são os principais personagens do conto “O bife e a pipoca”?
2) Em alguns momentos do conto o mostradas as cartas que Rodrigo enviava para um amigo.
Quem era ele? Por que não convivia mais com Rodrigo?
3) O Rodrigo pegou o sanduíche, deu uma dentada e viu que o olho do Tuca tinha também
mordido o pão.” Analisando esta situação, é possível deduzir que:
(A) Tuca gostava apenas de observar o que os colegas merendavam, por curiosidade.
(B) Tuca estava com muita fome e desejava devorar o lanche do colega.
(C) Rodrigo levava lanches extraordinários para que os colegas ficassem com vontade.
4) Numa das cartas enviadas ao amigo Guilherme, Rodrigo afirma que havia descoberto que,
quando adulto, queria ser professor. Como ele chegou a essa conclusão?
(A) porque gostava das aulas de Geografia.
(B) porque seus pais eram professores.
(C) porque, ao ajudar Tuca a entender determinados conteúdos, percebeu o quanto era
gratificante ensinar alguém.
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5) De acordo com a história é possível afirmar que Tuca e Rodrigo viviam em mundos muito
diferentes. Caracterize os personagens evidenciando suas diferenças sociais.
Rodrigo: ______________________________________________________
Tuca: ________________________________________________________
6) Apesar das diferenças, existiam pontos em comum entre os dois personagens. Cite-os.
7) Depois de visitar o apartamento de Rodrigo, Tuca leva o amigo para conhecer o barraco em que
morava, na favela. Pom, num determinado momento da subida ao morro, Tuca parece um
pouco nervoso. Que comportamento do personagem demonstra seu nervosismo?
(A) o fato de subir o morro brincando com Rodrigo.
(B) o fato de subir o morro correndo, como se quisesse escapar de um conflito.
(C) o fato de subir o morro correndo, como se quisesse comer pipoca antes que o colega.
8) No decorrer da história o leitor fica sabendo que o pai de Tuca havia sumido e que a mãe dele
era doente. Qual era o problema que a mãe do personagem enfrentava?
9) Tuca ficou ainda mais nervoso quando percebeu que, ao abrir a porta do quarto, Rodrigo o
encontrou apenas a pipoca espalhada no chão, mas também sua e bêbada, jogada no chão.
Que sentimento tomou conta de Tuca neste momento?
10) Ao descerem o morro, Tuca jogou Rodrigo na lama... Por que o garoto fez isso com seu amigo?
(A) porque queria brincar um pouco mais
(B) porque seria engraçado ver Rodrigo todo sujo
(C) porque queria que o colega, em alguma medida, conhecesse a miséria e a sujeira em
que vivem os menos favorecidos
11) Em que momento do conto, Tuca mostra-se arrependido pelo que fez com Rodrigo?
12) Qual é o desfecho do conto “O bife e a pipoca”?
13) Geralmente as amizades nascem de um convívio prazeroso, de uma identificação de opiniões,
de gostos comuns...Na sua opinião, as diferenças sociais, raciais, religiosas (entre outras)
conseguem impedir duas pessoas de serem amigas? Justifique.
14) Na sua opinião, qual a relação do título O bife e a pipoca” com o conto lido?
15) Enquanto adolescente, você estabeleceria uma relação de amizade com uma pessoa que
pertencesse a uma classe social muito diferente da sua? Justifique.
Novamente, ao ler as respostas dos sujeitos de pesquisa para as doze primeiras
questões, consegui perceber que a maioria deles apresentou facilidades quanto à identificação
dos elementos estruturantes da narrativa, observação que também foi possível nos
questionários dos contos anteriores. Porém, nas três últimas questões busquei direcionar os
sujeitos de pesquisa a refletirem sobre a temática abordada no conto, isto é, a amizade entre
adolescentes de classes sociais diferentes, assunto que, ao meu ver, chamou muito a atenção
dos alunos, afinal, como pontua Amora (2004), o conteúdo de uma obra literária é um
99
conjunto de idéias e imagens da realidade” que atuam mais profundamente no psiquismo das
pessoas que a própria realidade.
Diante da questão 13 (Geralmente as amizades nascem de um convívio prazeroso, de
uma identificação de opiniões, de gostos comuns... Na sua opinião, as diferenças sociais,
raciais, religiosas (entre outras) conseguem impedir duas pessoas de serem amigas?
Justifique.) os sujeitos de pesquisa dividiram suas opiniões em três grupos. No primeiro
grupo, vinte e seis educandos responderam que as diferenças sociais, raciais, religiosas (entre
outras) não são motivos para impedir a amizade entre duas pessoas. A maturidade de alguns
deles se mostra nas seguintes respostas:
S6: Não, porque quando se é amigo de verdade não existe preconceito.
S21: o, se além desas diferenças ouver gostos comuns, as diferenças acima não
atrapalhará em nada.
S33: Não, pois se as pessoas identificarem a amizade pode continuar.
no segundo grupo de respostas, formado por quatro alunos, foi possível perceber
que os sujeitos de pesquisa levavam em consideração que as difereas citadas na questão em
análise podem, às vezes, interferir nas relações de amizade que eles estabelecem:
S1: Às vezes, pois tem pessoas que são de outra religião (por exemplo) e sempre
escriticando a sua opção e não respeitam a nossa escolha, sempre querem nos
convencer que estamos errados.
S12: As vezes, porque alguns pais sempre estão interfeindo nas amizades de seus
filhos com outras pessoas diferentes dele nas diferença social, racial e religiosa.
S13: As vezes, se as diferenças forem muitas.
Por sua vez, a terceira categoria de respostas (formada por um aluno), demonstra que o
sujeito de pesquisa considerava que as diferenças identificadas na questão poderiam, sim,
impedir a amizade entre duas pessoas:
S15: Sim porque parece que a outra pessoa não gosta do que você Faz.
Quanto à questão 14 (Na sua opinião, qual a relação do título “O bife e a pipoca”
com o conto lido?), foi possível perceber que os sujeitos de pesquisa conseguiram estabelecer
uma relação entre os elementos do título e as personagens do conto, mostrando que o bife
representava Rodrigo (personagem cujas condições financeiras, sociais e culturais eram de um
nível superior), ao passo que a pipoca representava Tuca (personagem cujas condições
financeiras, sociais e culturais eram de um nível inferior):
100
S10: Que o bife era o Rodrigo que era mais rico a pipoca era o tuca que era menos
favorecido.
S33: Que o bife queria representar a riqueza do Rodrigo e a pipoca a mizeria do Tuca
S35: Rodrigo era o bife e o Tuca a pipoca. Porque um era rico e o outro pobre.
Concluindo o questionário sobre o conto O bife e a pipoca, os sujeitos de pesquisa se
depararam com a questão 15 (Enquanto adolescente, vo estabeleceria uma relação de
amizade com uma pessoa que pertencesse a uma classe social muito diferente da sua?
Justifique.), diante da qual percebi dois agrupamentos de respostas. No primeiro agrupamento
(composto pelas respostas de vinte e seis alunos), os sujeitos de pesquisa responderam de
maneira afirmativa, justificando o quanto para eles era importante uma amizade, independente
das classes sociais:
S5: Sim, porque a amizade não inclui a vida social das pessoas.
S19: Sim, porque eu acho que não é impossível estabelecer uma relação de amizade
com uma pessoa diferente de mim.
S32: Sim, Por que nada e ninguém pode separar uma amizade verdadeira.
Por sua vez, no segundo agrupamento (constituído por quatro alunos), os sujeitos de
pesquisa consideraram a amizade citada na questão como uma possibilidade e,
problematizaram condições que, na opinião deles, precisariam ser observadas neste
relacionamento:
S1: Na medida do possível, desde que a pessoa respeite minha opção de vida sim.
S28: Depende da pessoa. Porque tem pessoas que tem palavriado baixo.
S34: Estabeleceria se a pessoa tivesse o mesmo gosto que eu.
Muitas respostas evidenciaram, de modo geral, um amadurecimento dos sujeitos de
pesquisa para as queses da vida e das relações humanas.
4.5 Questionário final
Com o objetivo de concluir o projeto de leitura Ler é um prazer!, no dia 28 de
novembro de 2007, apresentei aos sujeitos de pesquisa o Questiorio final (composto por
dez questões, conforme modelo abaixo), instrumento que retomaria algumas das questões
feitas no início da pesquisa (Questionário I e Questionário II), a fim de verificar em que
medida as atividades realizadas contribuíram para o amadurecimento daqueles alunos em
101
relação a perceber a necessidade de valorizar a arte literária infanto-juvenil como um
fenômeno que dialoga diretamente com a vida do ser humano, no sentido de levá-lo,
gradativamente, a uma tomada de consciência sobre o seu cotidiano (enquanto adolescente) na
vida em sociedade. Igualmente relevantes, foram abordadas questões relativas ao uso da
linguagem verbal, da linguagem narrativa, além do foco na definição de leitura (a fim de
estimular os aprendizes ao exercício da metalinguagem).
Questionário Final
Chegamos ao final do projeto Ler é um prazer!. Sua colaboração foi de grande importância para
esta pesquisa acadêmica e, para concluirmos nossas questões, é necessário que você reflita um
pouco sobre as atividades realizadas...
1) Após a realização do projeto, como você define “a leitura”?
2) Você gostou de ter participado do projeto Ler é um prazer!? Justifique.
3) Realizamos três etapas de leitura dentro do projeto. Para voenquanto leitor e adolescente,
qual foi a mais significativa? Por quê?
4) As estratégias de leitura utilizadas, a mediação da professora e a interação com os colegas
contribuíram para a compreensão dos contos lidos?
5) No decorrer do projeto foi possível perceber se existe uma relação entre a sua vida (enquanto
adolescente) e a literatura? Comente.
6) Dentre os contos lidos, qual vo indicaria para um outro colega? Por quê?
7) Durante as etapas do projeto, você se sentiu à vontade para a realização das atividades
(individuais, em duplas e/ou em grupos)? Em caso afirmativo, responda: isso é positivo para o
aluno? Por quê?
8) Tendo por base os contos trabalhados durante o projeto, responda: o que é um conto?
9) Para você, enquanto leitor (a), o texto literário é uma obra de arte? Justifique.
10) Que mensagem vo deixaria para outros adolescentes, a fim de incentivá-los
para a prática da leitura?
No decorrer da análise das respostas que os sujeitos de pesquisa conferiram às
questões acima, pude perceber que havia dois agrupamentos a serem considerados: o primeiro
deles, referente às questões de número 2 até número 8, em que ficou evidente, por meio das
semelhanças entre as respostas dos alunos: que eles gostaram de ter participado do projeto Ler
é um prazer!; que a etapa referente ao conto O bisavô e a dentadura foi a mais significativa
para eles; que as estratégias de leitura utilizadas (juntamente com a mediação da professora)
durante o projeto contribuíram para a compreensão dos contos lidos; que foi possível
102
reconhecer o vínculo existente entre a literatura e a vida dos adolescentes e, que a partir do
projeto realizado eles se viam em condições de definir um conto como uma narrativa curta
que pode levar o leitor à reflexão sobre os fatos do cotidiano das pessoas. Diante destes dados
pude me certificar de que a leitura é um processo que deve ser valorizado e vivenciado no
contexto escolar, mesmo sendo considerado, hoje, um dos múltiplos desafios da escola
(KLEIMAN, 1989a; SOLÉ, 1998). Além disso, acredito que o ensino da leitura deve ser
permeado por estratégias que levem o educando a se tornar um leitor autônomo, capaz de
aprender a partir dos textos e utilizar esses conhecimentos na vida social (SOLÉ, 1998), tendo
em vista a atuação do professor como um agente mediador das ações desempenhadas pelos
alunos (VYGOTSKY, 2004), ações estas que devem ser suscitadas nos educandos no sentido
de unificar o intelecto e a afetividade e, desta maneira, otimizar, por meio da relação com o
outro, o desenvolvimento e a aprendizagem (VYGOTSKY, 2005). E no que diz respeito ao
texto literário, destaco a importância de se valorizar um contato significativo entre o
adolescente com a arte literária, afinal, segundo Amora (2004), ela é uma supra-realidade que
atua mais profundamente no psiquismo das pessoas que a própria realidade. E os adolescentes
têm os seus conflitos, as suas incompreensões e as suas buscas.
Por sua vez, o segundo agrupamento, composto pelas questões 1, 9 e 10 evidenciou,
ao meu ver, a tomada de consciência da maioria dos sujeitos de pesquisa em relação à prática
da leitura literária. A análise dos dados fez ressaltar categorias outras que não foram elencadas
antecipadamente, quando da organização da pesquisa. Tendo por base que o objetivo do
presente trabalho é estabelecer, por meio de estratégias de leitura, um diálogo significativo
entre o cotidiano dos adolescentes e a literatura, ao findar o percurso de análise percebi o
quanto os registros dos alunos me surpreenderam e, ao mesmo tempo, reforçaram a
fundamentação teórica escolhida.
O trabalho com leitura – que no caso desta pesquisa-ação é a leitura do texto literário
suscitou nos alunos percepções e teorizações não previstas. Alguns exemplos do alcance da
elaboração dos alunos, acrescendo sua capacidade discursiva, inclusive, são mostradas a
seguir:
Na questão 1 (As a realização do projeto, como você define a leitura”?), os
sujeitos de pesquisa revelaram um amadurecimento de opinião em relação ao que
expressaram no Questionário I, isto é, muitos deixaram de perceber a leitura apenas como
fonte de informação e, passaram a defini-la como uma possibilidade de adentrar no mundo da
imaginação, de aprender cada vez mais, de refletir sobre a vida do ser humano (em especial
no que diz respeito à vivências dos adolescentes) e, até de estabelecer com o livro uma relação
103
de amizade, considerações que ao meu ver, caminham ao encontro das afirmações de Coelho
(2000), nas quais a autora destaca que a literatura infanto-juvenil tem uma tarefa especial a
cumprir dentro de uma sociedade em transformação, afinal, ela é uma agente de formação
humana:
S1: Leitura é “uma viagem nas palavras”, é quando você pode imaginar da forma que
voquiser.
S22: Um exercício muito importante para a aprendizagem.
S24: É importante porque me ajuda a saber um pouco mais a minha vida
S35: Como um amigo para mim.
Quanto à questão 9 (Para você, enquanto leitor(a), o texto literário é uma obra de
arte? Justifique.), tive a oportunidade de perceber que a maioria dos sujeitos de pesquisa, (isto
é, vinte e nove alunos) respondeu de maneira afirmativa, justificando o trabalho intelectual
que o autor teve para compor sua obra, idéia que se articula com os estudos da Teoria da
Literatura, no sentido de que um escritor, ao compor sua obra, trabalha com a estruturação de
materiais lingüísticos, além de ser uma pessoa que domina um estado artístico ou criativo e,
principalmente, a arte de escrever (AMORA, 2004).
S1: Sim, porque o autor teve que pensar muito para fazer algo bem feito igual a um
artista.
S6: Sim, por que o autor teve todo trabalho de inventar personagens, palavras, etc...
S12: Sim, porque não é fácil escrever um conto relacionando o com a vida real.
S13: Sim porque o autor teve o trabalho de pensar em cada detalhe.
Apenas dois alunos responderam de forma negativa, revelando uma certa imaturidade
(naquela ocasião) para o reconhecimento da arte literária:
S25: Não. Porque não tem ilustrações.
S32: Não por que não tem nada ver.
Concluindo a análise de todos os dados obtidos no decorrer desta pesquisa, eu não
poderia deixar de citar algumas das respostas obtidas a partir da questão 10 (Que mensagem
você deixaria para outros adolescentes, a fim de incentivá-los para a prática da leitura?), as
quais revelaram, na minha opinião, que cada sujeito de pesquisa conseguia, naquele momento,
estabelecer uma significativa relação entre a sua vida e a literatura, sendo capaz de dialogar
com o texto”, no sentido de concordância, discordância, reflexão, mudança de hábito e,
principalmente, tomada de consciência enquanto ser social. Vale destacar que este resultado
foi possível porque a leitura literária fornece a possibilidade de uma mediação ideal entre
104
as mentes dos seres mais jovens e dos adultos, favorecendo o desenvolvimento das
potencialidades naturais do ser humano no decorrer das etapas de seu amadurecimento
(COELHO, 2000):
S1: Que, além do nome do projeto, ler é realmente um prazer, que vale à pena ler, é
cultura, é enriquecimento na nossa língua portuguesa.
S2: Ler é um livro de conhecimentos” leia e aprenda se divirda se apaixone,
resumindo leia pois ler é bom.
S9: Que a vida tem obtaculos e devemos superavos como eu superei.
S13: Ler vale a pena, principalmente quando vose identifica com a história. A
leitura faz você refletir muitas coisas.
S28: Ler é muito legal e em alguns textos aborda a vida de alguns adolescentes e
ajudam eles a tomarem decisões difíceis.
S34: A leitura pode nos ensinar muita coisa, e quem a pratica vira uma pessoa mais
culta, e mais inteligente, por isso que todos nós devemos ler.
Ao concluir a análise dos dados apresentarei, na página seguinte, algumas
considerações a respeito da pesquisa empreendida.
105
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ler vale a pena, principalmente quando você se identifica
com a história. A leitura faz você refletir muitas coisas.
(S13, 2007)
Ao desenvolver juntamente com meus alunos de uma 6ª série (ciclo II do Ensino
Fundamental) uma pesquisa-ação baseada num projeto de leitura intitulado Ler é um prazer!,
busquei, enquanto professora de Língua Portuguesa e pesquisadora da área de Lingüística
Aplicada, viabilizar a formação do sujeito-leitor por meio da arte literária, tendo em vista uma
identificação entre os adolescentes e os contos da literatura infanto-juvenil contemporânea.
No decorrer de todas as etapas da pesquisa, o objetivo geral (estabelecer um diálogo
significativo entre a arte literária e o cotidiano dos adolescentes) foi sendo alcançado,
principalmente no sentido de que houve um real contato dos educandos com textos literários
adequados para a faixa etária em que se encontravam, levando-se em consideração as
condições socioculturais que vivenciavam.
Além disso, direcionei minha pesquisa estabelecendo estratégias de leitura que
promovessem a interação texto/leitor, destacando a necessidade de se valorizar tanto o
conteúdo quanto a forma do texto artístico, afinal, é necessário que o professor de Língua
Portuguesa (Língua Materna) proporcione aos seus educandos um contato real com a
literatura, a fim de que eles possam perceber que se trata de um elo entre a arte e a vida,
porque está diretamente ligada à formação do ser humano enquanto sujeito de sua ppria
história. Neste aspecto, é o trabalho com a linguagem que favorece esse encontro, conforme
aporte teórico constituído.
E no que diz respeito ao trabalho docente com a literatura em sala de aula, devo
ressaltar, pela experiência que vivenciei enquanto pesquisadora e que continuo vivenciando
como professora, que os pressupostos vygotskyanos da mediação (VYGOTSKY, 2004) e da
afetividade (VYGOTSKY, 2005) são a base para o desenvolvimento gradativo da
competência leitora dos educandos, uma vez que favorecem as diversas interações que se
estabelecem em sala de aula durante as diferentes atividades propostas, as quais devem ter o
objetivo de agir na zona de desenvolvimento proximal (VYGOTSKY, 2007) de cada aluno
visando aos avanços no aprendizado e no desenvolvimento de cada indivíduo. Na verdade,
esta o é uma tarefa cil, tendo em vista que o atual cenário público educacional parece
ainda não fornecer condições muito propícias para o desenvolvimento da autonomia do
106
educando, porém, é imprescindível que o educador assuma sua função de mediador e,
conseqüentemente, que descarte a figura do professor como sendo o único detentor do saber a
ser transmitido, afinal, na sala de aula, os alunos também são mediadores em diversos
momentos e contribuem no processo de ampliação, construção e/ou alteração dos
conhecimentos de seus parceiros.
Esta é uma concepção que desconstrói um cenário educacional há muito caracterizado
por alunos ideais, que nada tinham a oferecer para o processo de ensino-aprendizagem, ao
contrário das ações realizadas durante o projeto de leitura Ler é um prazer!, em que ficou
evidente a importância de um trabalho educacional (neste caso, relacionado à leitura) voltado
para a promoção de situações de aprendizagem em que os educandos sejam motivados a ter
curiosidades, a realizar inferências, a trabalhar em equipes, a resgatar e compartilhar
conhecimentos prévios, a aceitar e/ou tolerar o outro, a argumentar suas opiniões e,
principalmente, a construir sua identidade, enquanto ser social, por meio dos textos literários.
Outro aspecto que merece destaque na conclusão deste trabalho se refere aos
postulados bakhtinianos da dialogia (BAKHTIN, 2003) e dos estudos literários (BAKHTIN,
2006), os quais também caracterizaram o desenvolvimento desta pesquisa no sentido de
confirmar que a prática pedagógica voltada para a leitura de textos literários proporciona
condições de que os leitores infanto-juvenis sejam capazes de enriquecer e construir sentidos
e significados para suas respectivas vivências, as quais se modificam no decorrer do processo
dialógico que constitui a vida do ser humano, sujeito constituído pelas muitas vozes sociais,
históricas e ideológicas do simpósio universal.
No caso específico desta pesquisa-ação, foi possível perceber, por meio dos
questionários respondidos pelos educandos, o quanto os sujeitos envolvidos (também meus
alunos) conseguiram estabelecer uma interação entre os diversos níveis de conhecimento
(lingüístico, textual e de mundo) no decorrer da construção de sentidos referente a cada conto
que lhes foi apresentado. Estes resultados foram alcançados, ao meu ver, devido às estratégias
de leitura desenvolvidas no decorrer do projeto, as quais, segundo SOLÉ (1998), são
necessárias para a formação de leitores autônomos.
Considero pertinente destacar que a metodologia aplicada para o desenvolvimento
desta pesquisa-ação levou em consideração as características de um determinado grupo de
alunos, para os quais a escola era mais do que um lugar privilegiado para o ensino e/ou o
desenvolvimento da leitura: para a maioria dos educandos a escola era o espaço único e
fundamental que garantia o contato com a arte literária, a qual, por meio dos contos
analisados, possuía tantos pontos em comum com a vida real dos sujeitos de pesquisa.
107
Este trabalho, com certeza, não se encerra aqui, porque possivelmente outras
contribuições acadêmicas relacionadas ao ensino e à prática da leitura surgirão para promover
reflexões e problematizações que possam indicar, cada vez mais, alternativas para um ensino-
aprendizagem voltado à formação de cidadãos que sejam, de fato, protagonistas de uma
sociedade cujas desigualdades necessitam ser urgentemente minimizadas.
Vale lembrar sempre que a escola é um espaço de ensino e de aprendizagem, que
professores e alunos devem respirar vida e dinamismo, que as obras literárias infanto-juvenis
carregam em si um conteúdo existencial muito intenso, o qual estabelece um forte nculo
com a vivência dos seres mais jovens, cujas identidades são formadas por diversas vozes,
afinal, segundo Bakhtin (2003), “a vida é dialógica por natureza”.
É exatamente por meio do trabalho desenvolvido no ambiente escolar que alguns
professores, como eu, agora também pesquisadora, encontram a satisfação de saber que
muitos alunos conhecem e reconhecem o valor da leitura literária em suas vidas.
Que outros alunos e professores, caminhando juntos, possam dar seqüência a este
percurso de trabalho, para que estes meus colegas possam também ter a alegria de ler aquilo
que um dos sujeitos desta pesquisa-ação escreveu:
“... além do nome do projeto, ler é realmente um prazer, vale a pena ler, é cultura, é
enriquecimento na nossa língua portuguesa”. (S1)
108
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Deixa que eu conto: antologia de contos. São Paulo: Ática, 2002.
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VYGOTSKY, L.S. Psicologia pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem.o Paulo: Martins Fontes, 2005.
VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
110
ANEXOS
ANEXO A
111
112
113
114
115
116
117
118
ANEXO B
119
120
121
122
123
124
125
126
127
128
ANEXO C
129
130
131
132
133
134
135
136
137
138
139
140
141
142
143
144
145
146
147
148
149
150
151
152
153
154
155
156
157
158
159
160
161
162
163
164
165
166
167
168
169
170
ANEXO D
171
ANEXO E
Ilustrão referente ao conto O bisavô e a dentadura, de Sylvia Orthof (S1).
172
ANEXO F
Ilustrão referente ao conto O bisavô e a dentadura, de Sylvia Orthof (S2).
173
ANEXO G
Ilustrão referente ao conto O bisavô e a dentadura, de Sylvia Orthof (S28).
174
ANEXO H
Ilustrão referente ao conto O bisavô e a dentadura, de Sylvia Orthof (S29).
175
ANEXO I
Ilustrão referente ao conto Beijos Mágicos, de Ana Maria Machado (S1).
176
ANEXO J
Ilustrão referente ao conto Beijos Mágicos, de Ana Maria Machado (S2).
177
ANEXO K
Ilustrão referente ao conto Beijos Mágicos, de Ana Maria Machado (S4).
178
ANEXO L
Ilustrão referente ao conto Beijos Mágicos, de Ana Maria Machado (S12).
179
ANEXO M
Ilustrão referente ao conto O bife e a pipoca, de Lygia Bojunga (S1).
180
ANEXO N
Ilustrão referente ao conto O bife e a pipoca, de Lygia Bojunga (S2).
181
ANEXO O
Ilustrão referente ao conto O bife e a pipoca, de Lygia Bojunga (S13).
182
ANEXO P
Ilustrão referente ao conto O bife e a pipoca, de Lygia Bojunga (S29).
183
ANEXO Q
184
185
ANEXO R
186
187
188
ANEXO S
189
190
ANEXO T
191
192
193
ANEXO U
194
195
196
ANEXO V
197
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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