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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO RURAL
MÁRCIO ANTONIO DE MELLO
SEMENTES QUE BROTAM DA CRISE: a produção de novidades
organizacionais na agricultura familiar do Oeste de Santa Catarina
Porto Alegre
2009
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MÁRCIO ANTONIO DE MELLO
SEMENTES QUE BROTAM DA CRISE: a produção de novidades
organizacionais na agricultura familiar do Oeste de Santa Catarina
Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Rural da Faculdade de Ciências
Econômicas da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul como requisito parcial para
obtenção do grau de Doutor em Desenvolvimento
Rural.
Orientador: Prof. Dr. Sergio Schneider.
Série PGDR – Tese Nº 27
Porto Alegre
2009
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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
Responsável: Biblioteca Gládis W. do Amaral, Faculdade de Ciências Econômicas da
UFRGS
M527s Mello, Márcio Antonio de
Sementes que brotam da crise : inovação e produção de novidades na
agricultura familiar do Oeste de Santa Catarina / Márcio Antonio de Mello. –
Porto Alegre, 2009.
298 f. : il.
Orientador: Sergio Schneider.
(Série PGDR-Tese, n. 000).
Tese (Doutorado em Desenvolvimento Rural) - Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Faculdade de Ciências Econômicas, Programa de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Rural, Porto Alegre, 2009.
1. Agricultura familiar : Santa Catarina, Oeste. 2. Inovação tecnológica :
Agricultura : Santa Catarina, Oeste. I. Schneider, Sergio. II. Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Ciências Econômicas. Programa
de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural. III. Título.
CDU 631.115
MÁRCIO ANTONIO DE MELLO
SEMENTES QUE BROTAM DA CRISE: a produção de novidades
organizacionais na agricultura familiar do Oeste de Santa Catarina
Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Rural da Faculdade de Ciências
Econômicas da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul como requisito parcial para obtenção
do grau de Doutor em Desenvolvimento Rural.
Orientador: Prof. Dr. Sergio Schneider.
Aprovada em: Porto Alegre, 31 de agosto de 2009.
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Sergio Schneider (Orientador - Presidente).
Departamento de Sociologia / UFRGS.
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Fábio Kessler Dal Soglio.
Departamento de Fitossanidade / UFRGS.
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Jalcione Almeida.
Departamento de Horticultura e Silvicultura / UFRGS.
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Miguel Ângelo Perondi.
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
______________________________________________________________________
Dr. Murilo Xavier Flores.
Pesquisador da Embrapa.
Dedico este trabalho à minha mãe Edi e ao
meu pai Antonio pelo exemplo de vida. À
minha filha Maria Eduarda, estrela que
iluminou e inspirou a concretização deste
trabalho.
AGRADECIMENTOS
Ao finalizar esta tese é preciso reconhecer que mesmo sendo um trabalho de
natureza individual a sua realização e conclusão não se concretizaria sem o apoio, a
cooperação e a solidariedade de muitas pessoas e organizações. Mesmo correndo o risco do
esquecimento, quero manifestar minha gratidão e meus agradecimentos àquelas que foram
fundamentais à consecução deste trabalho:
À EPAGRI, pela minha liberação e pelo apoio institucional à realização deste
curso;
Ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da UFRGS, cujos
funcionários e professores oportunizaram excelentes condições de trabalho e
aprendizagem;
Especial agradecimento ao professor Dr. Sergio Schneider pela orientação desta
tese, pela competência e cordialidade com que conduziu este trabalho. Professor exemplar
e brilhante pesquisador com quem muito aprendi. Minha gratidão pelos ricos
ensinamentos, apoio, incentivo e amizade;
A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PGDR/UFRGS) pelos ensinamentos ao
longo desses quatro anos de convivência;
Aos meus pais, Antonio e Edi, aos meus irmãos Rogério e Júnior e à minha Irmã
Karla e aos meus cunhados (as) Lauro, Aninha e Adriana o meu agradecimento pelo
incentivo e apoio incondicional em todos os momentos;
Agradecimento especial à Márcia, amada companheira, pelo carinho, dedicação e o
apoio fundamental para a conclusão desta tese;
Agradeço à minha filha Maria Eduarda por existir e pela paz e alegria que irradia;
A todos os agricultores e agricultoras que deixaram seus afazeres para me dar
atenção durante as entrevistas. Agradeço a forma hospitaleira com que fui recebido durante
a realização da pesquisa de campo;
Aos colegas da Turma 2005, em especial aos integrantes do “Núcleo Durocom os
quais dividi momentos de aflição, mas também de muitas alegrias e aprendizado;
Aos colegas do Grupo de Estudos e Pesquisas Agricultura Familiar e
Desenvolvimento Rural (Gepad) pela amizade e pelos ricos momentos de discussão sobre
os temas relacionados ao mundo rural;
Aos amigos Milton Silvestro e Marlene; Vilson Testa e Rose que me acolheram em
seus lares nos momentos mais difíceis e também durante a realização da pesquisa de
campo. A amizade e a atenção que a mim dedicaram foi fundamental para a elaboração
deste trabalho;
Agradeço a todos os colegas da Epagri, especialmente ao Osvaldir Dalbello, à
Diane Franz, ao Clair Lorenzet e ao Nestor Luiz Breda pelas informações e apoio na
realização da pesquisa de campo. Durante a pesquisa em Coronel Freitas também contei
com o prestativo apoio de todos os colegas da equipe do Escritório Local da Epagri de
Coronel Freitas. Meu especial agradecimento à colega Maristela Soligo;
Também quero registrar meus agradecimentos aos colegas Haroldo Tavares Elias e
Ivan Tadeu Baldissera, chefes do Cepaf/Epagri; Às administradoras do Cetrec, Ivanda
Masson e Sonia Maria Bortolanza, pela acolhida no Centro de Treinamento. À colega Sueli
Carrião pela elaboração dos mapas; À Tânia Biachini pela habitual atenção;
À Diva Deitos, coordenadora da Apaco, pelo prestimoso apoio durante a realização
da pesquisa de campo;
A todos que, direta ou indiretamente, anonimamente contribuíram para a realização
desta tese.
RESUMO
Esta tese investiga as recentes transformações sociais, econômicas e ambientais
promovidas pelo processo de modernização da agricultura e da mercantilização no Oeste
de Santa Catarina. Também identifica e estuda algumas estratégias colocadas em prática
pelos agricultores familiares para enfrentar o contexto de crise, que desde meados dos anos
1980 envolve a agricultura da região. Busca-se compreender e analisar como as inovações
e novidades organizacionais, promovidas pelos agricultores, emergem e se enraízam no
território. Como propósito geral buscou-se analisar algumas das principais mudanças
sociais e econômicas decorrentes do processo de reestruturação produtiva da agricultura,
bem como as transformações que as inovações e novidades promovem no ambiente
socioeconômico onde elas emergem. Mais especificamente, os objetivos foram de analisar
a forma de atuação do capital agroindustrial na região e seus reflexos socioeconômicos e
ambientais, assim como na organização da produção e do trabalho da agricultura familiar.
Da mesma forma analisamos como são construídas pelos agricultores familiares e outros
atores sociais as inovações e novidades organizacionais e os efeitos que elas promovem na
forma de produzir, de organizar a produção e de se inserir no mercado. O problema desta
pesquisa nasce do entendimento de que mesmo em situações desfavoráveis à reprodução
econômica e social, como tem sido o caso do Oeste de Santa Catarina, os agricultores
familiares buscam construir espaços de manobra na luta por autonomia. Todavia, em
grande medida essas iniciativas não recebem a fundamental atenção acadêmica e política
para que possam florescer e se difundir. Para dar conta dos objetivos propostos, a pesquisa
empírica foi executada em dois momentos distintos. No primeiro realizou-se um estudo de
caso no município de Coronel Freitas, considerado representativo da trajetória histórica e
do processo de modernização e mercantilização da agricultura familiar da região. A
principal técnica de pesquisa foi a aplicação de questionário padronizado em 83 unidades
familiares e a utilização de entrevistas semi-estruturadas com informantes-chave. O
segundo momento da pesquisa estudou, em 12 municípios da região, três novidades
organizacionais: uma pequena cooperativa de comercialização de leite; a experiência da
produção agroecológica e sua inserção em cadeias curtas de comercialização e a
experiência de agregação de valor em agroindústrias familiares rurais, constituídas de
forma individual ou em pequenas cooperativas articuladas em rede. Para tanto, foram
realizadas 35 entrevistas com agricultores e informantes-chave. Os dados da pesquisa
foram analisados e interpretados a partir de um conjunto de abordagens teóricas que têm
em comum a Perspectiva Orientada ao Ator. Em termos gerais os dados da pesquisa
mostram que as “novidades” ou “iniciativas de desenvolvimento rural” nascem em
determinado contexto sócio-cultural, mas podem se irradiar pela região, dependendo das
conexões, alianças e apoio capaz de promover a aprendizagem coletiva. A construção
dessas novidades produtivas e organizacionais representam inovações sociais de onde pode
germinar as “sementes da transição” e promover um processo de desenvolvimento rural. O
enraizamento e a consolidação dessas novidades no território vai depender, no entanto, da
criação de alianças e conexões capaz de criar um ambiente sócio institucional favorável.
Palavras-chave: Desenvolvimento Rural. Agricultura Familiar. Inovação Organizacional.
Produção de Novidades.
ABSTRACT
This thesis investigates recent social, economical and environmental changes promoted by
the process of modernization of agriculture and the commoditization taking place in the
western region of Santa Catarina, Brazil. It also identifies and studies some of the
strategies carried out by family farmers seeking to face the context of crisis that involves
farming in the region since the mid 1980s. We seek to comprehend and analyze how
organizational innovations and novelties promoted by the farmers emerge and take root in
the region. The overall purpose is to identify and analyze some of the main social and
economical changes caused by the productive restructuring process in agriculture, as well
as the transformations that the innovations and novelties have promoted in the social-
economical environment in which they emerge. More specifically, our goals are to analyze
the performance of the agro-industrial capital in the region and its reflections on social-
economical and environmental issues and on the organization of production and work of
the family farmers. Moreover, we analyze how the organizational innovations and
novelties are undertaken by the family farmers and other social actors and the effect they
have in production, organization and market insertion. The question of the research arose
from the comprehension that even in unfavorable situations for economical and social
reproduction, as has been the case in western Santa Catarina, family farmers have sought to
find room to maneuver in their struggle for autonomy. These initiatives in large measure
still do not receive the necessary academic and political attention for them to flourish and
spread. In order to reach the goals proposed, the empirical research was carried out in two
different moments. In the first moment, a case study was carried out in the municipality of
Coronel Freitas, considered a representative place in the historical trajectory of
modernization commotidization process of family farming in the region. The main research
technique involves the application of a standardized questionnaire in 83 family units and
the use of semi-structured interviews with key informants. The second stage of the research
involves the study of three organizational novelties in 12 municipalities of the region: a
small milk commercialization cooperative, the experience of agro-ecological production
and its insertion in the short chain of commercialization and the experience of value
aggregation in rural family agro-industries, built individually or in small net-articulate
cooperatives. For such purpose, 35 interviews with farmers and key informants were
carried out. The research data was analyzed and interpreted following a set of theoretical
approaches that have in common the Actor-Oriented Perspective. In general terms, the
research data demonstrated that the “novelties” or “rural development initiatives” are born
in a certain social-cultural context, but can radiate through the region depending on the
connections, alliances and support capable of promoting collective learning. The
construction of these organizational and productive novelties represent a social innovations
from which the “seeds of transition” can sprout and a process of rural development can be
promoted. The development of roots and the consolidation of these novelties in the region
will depend, however, on the creation of alliances and connections capable of creating a
favorable social-institutional environment.
Key-words: Rural Development. Family Farm. Innovation organization. Novelties
Production.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Representação parcial da América do Sul, com destaque para a região Oeste de
Santa Catarina........................................................................................................................... 22
Figura 2 – Localização espacial de Santa Catarina e da região Oeste catarinense em relação
ao Brasil.................................................................................................................................... 40
Figura 3 – Paisagem típica do espaço rural do Oeste de Santa Catarina.................................. 49
Figura 4 – Paisagem típica de uma comunidade rural do Oeste de Santa Catarina. ................ 50
Figura 5 – Esquema da condição camponesa......................................................................... 118
Figura 6 – Localização do município de Coronel Freitas....................................................... 133
Figura 7 – Municípios onde foi realizada a pesquisa sobre as “novidades”. ......................... 177
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Pedras angulares de uma perspectiva orientada ao ator ........................................ 87
Quadro 2 – Eixos orientadores do questionário da pesquisa.................................................. 138
Quadro 3 – O Projeto Microbacias 2...................................................................................... 191
Quadro 4 – A Rede Ecovida de Agroecologia ....................................................................... 202
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Estrato populacional dos municípios do Oeste de Santa Catarina.......................... 42
Tabela 2 – Taxa de urbanização dos municípios do Oeste de Santa Catarina em 2000........... 43
Tabela 3 – Estabelecimentos agropecuários do Oeste catarinense por estrato de área ............ 45
Tabela 4 – Número de estabelecimentos produtores e vendedores das principais atividades
agropecuária desenvolvidas no Oeste de Santa Catarina. ........................................................ 47
Tabela 5 – Diferenças básicas entre o modo de produção camponês e o empresarial........... 120
Tabela 6 – Característica dos estabelecimentos agropecuários de Coronel Freitas ............... 135
Tabela 7 – Unidades familiares existentes e pesquisadas em Coronel Freitas segundo as
comunidades........................................................................................................................... 136
Tabela 8 – Evolução da população urbana e rural de Santa Catarina, do Oeste catarinense
e do município de Coronel Freitas.......................................................................................... 145
Tabela 9 – Taxa anual de crescimento da população urbana e rural de Santa Catarina, do
Oeste catarinense e do município de Coronel Freitas............................................................. 146
Tabela 10 – Taxa de urbanização de Santa Catarina, da região Oeste catarinense e do
município de Coronel Freitas. ................................................................................................ 147
Tabela 11 – Estabelecimentos agropecuários e pessoal ocupado na agricultura, por laço de
parentesco com o produtor ..................................................................................................... 149
Tabela 12 – Número de estabelecimentos agropecuários e área ocupada no Oeste de Santa
Catarina................................................................................................................................... 152
Tabela 13 – Superfície Agrícola Útil (SAU) da unidade familiar de produção do município
de Coronel Freitas em 2007.................................................................................................... 153
Tabela 14 – Uso do solo agrícola no município de Coronel Freitas em 2007........................ 155
Tabela 15 – Principais lavouras e percentual de estabelecimentos que as cultivaram no
município de Coronel Freitas. ................................................................................................ 159
Tabela 16 – Qual o principal problema enfrentado para produzir e obter renda.................... 164
Tabela 17 – Receita e despesa média dos estabelecimentos agropecuários de Coronel
Freitas nos anos de 1975, 1985 e 1995-96 (em milhões de reais).......................................... 165
Tabela 18 – Evolução da área média cultivada com lavouras temporárias e com pastagem
em Coronel Freitas ................................................................................................................. 167
Tabela 19 – Tempo que a família vive na propriedade. ......................................................... 169
Tabela 20 – Pessoas residentes por estabelecimento.............................................................. 170
Tabela 21 – Presença de filhos e filhas nas unidades familiares de Coronel Freitas (em
percentual).............................................................................................................................. 171
Tabela 22 – Propriedades com produção orgânica e área destinada à produção orgânica,
segundo as regiões de Santa Catarina, 2001........................................................................... 203
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACARESC
Associação de Crédito e Assistência Rural de Santa Catarina
ADM Associação de Desenvolvimento da Microbacia
AFDLP Agricultura Familiar, Desenvolvimento Local e Pluriatividade no Rio
Grande do Sul
AMOSC Associação dos Municípios do Oeste de Santa Catarina
APACO Associação dos Pequenos Agricultores do Oeste Catarinense
ASCOOPER Associação das Cooperativas dos Produtores de Leite do Oeste
Catarinense
CAPA Centro de Apoio para a Pequena Produção
CEBs Comunidades Eclesiais de Base
CECAF Central das Cooperativas da Agricultura Familiar do Alto Uruguai
Catarinense
CEPA Centro de Socioeconomia e Planejamento Agrícola
CEPAF Centro de Pesquisa Para Agricultura Familiar
CEPAGRI Centro de Apoio aos Pequenos Agricultores
CETREC Centro de Treinamento da Epagri de Chapecó
CIRAM Centro Integrado de Recursos Ambientais
CNPq Conselho Nacional de Pesquisa
COOMILP Cooperativa dos Produtores Rurais da Microbacia do Lajeado Perau
COOPAFAS Cooperativa dos Agricultores Familiares de Seara
COOPERBIORGA
Cooperativa dos Agricultores Biorgânicos
COOPEROESTE Cooperativa dos Assentados de Reforma Agrária
COORLAC Cooperativa Rio-grandense de Laticínios e Correlatos
CPT Comissão Pastoral da Terra
CRESOL Cooperativa de Crédito com Interação Solidária
DESENVOLVER Programa de Desenvolvimento da Agricultura Familiar Catarinense
pela Verticalização da Produção
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EPAGRI Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina
ETUDE Enlarging Theoretical Understanding of Rural Development
FETRAF Federação da Agricultura Familiar
FETRAFESC Federação da Agricultura Familiar de Santa Catarina
FETRAF-SUL Federação da Agricultura Familiar da Região Sul do Brasil
GEPAD Grupo de Estudo e Pesquisa em Agricultura Familiar e
Desenvolvimento Rural
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IECLB Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil
IGP Indicação Geográfica Protegida
INSS Instituto Nacional de Seguridade Social
ITR Imposto Territorial Rural
LAC Levantamento Agropecuário Catarinense
MAB Movimento dos Atingidos pelas Barragens
MCA Movimento de Cooperação Agrícola
MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário
MMC Movimento das Mulheres Camponesas
MPA Movimento dos Pequenos Agricultores
MST Movimento dos Sem Terra
OCDE Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OGMs Organismos Geneticamente Modificados
ONGs Organizações não Governamentais
PAA Programa de Aquisição de Alimentos
PAC Política Agrícola Comum da União Européia
PDMH Plano de Desenvolvimento da Microbacia Hidrográfica
PEA População Economicamente Ativa
PGDR Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural
PMN Perspectiva Multinível
POA Perspectiva Orientada ao Ator
PRAPEM
Programa de Recuperação Ambiental e de Apoio ao Pequeno Produtor
Rural
PROIND Programa Catarinense da Indústria de Pequeno Porte
PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
RB Renda Bruta
ROA Renda da Produção Agrícola
SAU Superfície Agrícola Útil
SISCLAF Sistema de Cooperativas de Leite da Agricultura Familiar
SPSS Statistical Package for Social Sciences
UCAF Unidade Central das Agroindústrias Familiares
UDESC Universidade do desenvolvimento do Estado de Santa Catarina
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
UNOCHAPECÓ Universidade Comunitária da Região de Chapecó
UTFPR Universidade Tecnológica Federal do Paraná
VBP Valor Bruto da Produção
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...............................................................................................................17
2. OESTE CATARINENSE: COLONIZAÇÃO, MERCANTILIZAÇÃO E CRISE..36
2.1 Breve caracterização do Oeste de Santa Catarina .........................................................38
2.2 Colonização e formação da agricultura familiar do Oeste de Santa Catarina ...............50
2.3 A integração ao mercado e a modernização da agricultura: a mercantilização em curso
.............................................................................................................................................56
2.4 O “aperto” do modelo de integração agroindustrial e a crise dos anos 1990..............65
2.5 Desarticulação do processo produtivo...........................................................................70
2.6 Os movimentos sociais: em busca de alternativas.........................................................74
3 MERCANTILIZAÇÃO, ESTILOS DE AGRICULTURA, PRODUÇÃO DE
NOVIDADES E DESENVOLVIMENTO RURAL........................................................82
3.1 Interpretando o papel dos atores sociais no desenvolvimento rural....................84
3.2 Dinâmicas de desenvolvimento rural: coevolução e competição..................................91
3.2.1 Dinâmica agroindustrial ............................................................................................95
3.2.2 Dinâmica pós-produtivista.........................................................................................98
3.2.3 Dinâmica de desenvolvimento rural...........................................................................99
3.3 A produção de “novidades” como expressão das práticas e processos de
desenvolvimento rural .......................................................................................................101
3.4 Agricultura familiar e desenvolvimento rural .............................................................107
3.5 O processo de mercantilização: diversificação social e econômica ..........................122
3.6 Estilos de agricultura: diversidade da agricultura familiar..........................................125
4 A AGRICULTURA FAMILIAR E O ESPAÇO RURAL DO OESTE DE SANTA
CATARINA......................................................................................................................130
4.1 Aspectos metodológicos da pesquisa de campo em Coronel Freitas ..........................133
4.1.1 A amostragem...........................................................................................................134
4.1.2 O questionário e a pesquisa de campo.....................................................................137
4.1.3 O tratamento dos dados............................................................................................140
4.2 O espaço rural do Oeste de Santa Catarina e de Coronel Freitas................................141
4.2.1 A dinâmica populacional..........................................................................................144
4.2.2. O uso da terra e a produção agropecuária: “tudo vai virar mato”.......................151
4.2.3. Acesso ao mercado: mercantilização e externalização...........................................160
4.3. Agricultura familiar em transformação ......................................................................168
5 SEMENTES DA TRANSIÇÃO: A PRODUÇÃO DE NOVIDADES E O
DESENVOLVIMENTO RURAL...................................................................................173
5.1. Reação dos agricultores familiares ao contexto social e econômico..........................177
5.2 Formas de inovação e a emergência de novidades......................................................183
5.2.1 Cooperativa de comercialização de leite .................................................................185
5.2.2 A agroecologia e a agricultura econômica..............................................................196
5.2.3 Agroindustrialização familiar e agregação de valores............................................204
5.3 Efeitos das novidades ..................................................................................................212
5.3.1 Efeitos endógenos.....................................................................................................215
5.3.2 Efeitos no processo produtivo ..................................................................................218
5.3.3 Efeito na renda .........................................................................................................221
5.3.4 Nas perspectivas pessoais.........................................................................................225
5.3.5 Na economia rural e local.........................................................................................226
6 CONCLUSÕES.............................................................................................................229
7 REFERÊNCIAS...........................................................................................................238
APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS AGRICULTORES.............252
APÊNDICE B – ROTEIRO DA ENTREVISTA SOBRE AS INICIATIVAS DE
DESENVOLVIMENTO RURAL (NOVIDADES) COM AGRICULTORES.........273
APÊNDICE C – ROTEIRO DA ENTREVISTA SOBRE AS INICIATIVAS
(NOVIDADES)COM INFORMANTES-CHAVES (MEDIADORES).....................275
ANEXO A – REGIMENTO INTERNO COOPERATIVA DOS PRODUTORES
AGROINDUSTRIAIS DO MUNICÍPIO DE IPIRA – CPAMI................................276
17
1 INTRODUÇÃO
Desde as últimas décadas do século XX a agricultura e o mundo rural vêm
passando por profundas transformações que, em grande medida, são reflexos da
reestruturação produtiva e que têm provocado uma reorganização do espaço rural e das
relações sociais. Resulta daí uma dinâmica desigual de desenvolvimento, na medida em
que, concomitantemente, inclui e marginaliza diversas regiões e tipos de agricultores e
cujos reflexos se materializam, por um lado, na dinamização de muitas comunidades rurais
e, por outro, na estagnação e despovoamento de outras tantas. Todavia, surgem novas
formas de ocupação das pessoas, uma crescente diversificação das atividades econômicas e
o reconhecimento de que o espaço rural não é sinônimo de agricultura, apesar dela ainda
ocupar um lugar de destaque. Sob as perspectivas da geração de oportunidades de trabalho
e renda, da preservação do ambiente e da qualidade de vida, a visão do espaço rural
unicamente como local de produção agrícola perde sentido. Dessa forma, cresce a
heterogeneidade rural em todas as suas esferas (social, econômica, política, cultural e
natural) e ampliam-se os espaços e as relações entre o mundo rural e urbano, de onde
emergem novos atores sociais.
Nesse contexto ganha força o debate em que alguns autores têm denominado de
“nova ruralidade” e que passam a enfatizar outros atributos dos espaços rurais, destacando-
se a ocupação territorial; a preservação da paisagem, do meio ambiente e da
biodiversidade; a cultura; o turismo e o lazer; o local de moradia e a geração de empregos,
especialmente os não-agrícolas. No âmbito desse debate, por exemplo, alguns
pesquisadores (GRAZIANO da SILVA, 1999a; SCHNEIDER, 1999 e 2003;
SCHNEIDER; TARTARUGA, 2005) apontam o fenômeno da pluriatividade e a
diversificação das rendas das famílias rurais como uma importante estratégia de
reprodução econômica e social das unidades produtivas que utilizam majoritariamente a
força de trabalho dos membros familiares.
Simultaneamente, a partir da década de 1990, assiste-se no Brasil a uma importante
inflexão e renovação nos debates acadêmicos dedicados aos estudos rurais. A agricultura
familiar passa a figurar no vocabulário acadêmico e a ser reconhecida pelo papel central e
estratégico que ela desempenha nos processos de desenvolvimento rural que contemplem a
melhoria do bem-estar das populações envolvidas. Atualmente no Brasil é fato consumado
o reconhecimento social, político e institucional da importância da agricultura familiar
18
(SCHNEIDER, 2007). A valorização da agricultura familiar no Brasil e o reconhecimento
da sua íntima relação com os processos de desenvolvimento rural embora tardia em
relação aos países de economia avançada – vai dar origem, na presente década, em
trabalhos teóricos que se apóiam no alargamento da abrangência espacial, ocupacional e
setorial do rural e que enfatizam a abordagem territorial do desenvolvimento rural, cuja
diversidade é explicada, sobretudo, por suas raízes sociais, econômicas e culturais
(WANDERLEY, 2000; ABRAMOVAY, 2000b; SCHNEIDER, 2004; FLORES, 2006).
Nessa perspectiva busca-se romper com as habituais análises setoriais enquanto se
valoriza uma interpretação que contemple o território como um todo e que capte as
sinergias entre os setores e as articulações entre a dimensão social, cultural e ambiental e a
ação dos atores sociais. Nessa abordagem sobressai a importância das instituições, das
organizações, das redes e das convenções nas ações cooperativas e de reciprocidade.
A relevância da agricultura familiar na promoção do desenvolvimento de distintas
regiões tem sido demonstrada em diversos trabalhos acadêmicos
1
cujos autores ressaltam
atributos como a geração de ocupação produtiva e de renda; a distribuição mais equitativa
da renda produzida a qual confere elevado poder multiplicador e dinamizador da economia
regional; a multifuncionalidade da agricultura familiar que contribui na geração de uma
gama heterogênea de “bens públicos” como a diversidade da paisagem, a preservação e
diversificação cultural e o adensamento das relações sociais, dentre outras. Todavia,
importantes lacunas relativas à agricultura familiar e às dinâmicas de desenvolvimento por
ela engendradas merecem ser mais bem investigadas e compreendidas, sobretudo em um
ambiente fortemente mercantilizado e que experimenta rápidas e profundas transformações
como é o caso do Oeste de Santa Catarina.
Trabalhando na região há mais de 20 anos, nos primeiros momentos na condição de
extensionista rural e depois na de pesquisador, sempre tive como foco de trabalho a
agricultura familiar e o papel que ela desempenha no desenvolvimento rural do Oeste de
Santa Catarina. Na pesquisa de mestrado (MELLO, 1998) e em outro trabalho (MELLO;
SCHMIDT, 2003) divergimos das análises e proposições políticas centradas na teoria da
modernização que defendiam que a atividade leiteira (produção, transporte,
transformação e comercialização) do Oeste de Santa Catarina deveria seguir
inexoravelmente uma trajetória tecnológica que levava à especialização e à concentração.
1
Dentre alguns dos trabalhos recentes que tratam mais especificamente da região Sul do Brasil pode-se
destacar o de Conterato (2008 e 2004); Niederle (2007); Kageyama (2006); Radomsky (2006); Veiga
(2006 e 2001); Abramovay (2003); Schneider (2004, 2001 e 1999); Sacco dos Anjos (2003) e Raud (1999).
19
Naquela oportunidade, contrapondo-nos a essa perspectiva, demonstramos e defendemos
que a estruturação e consolidação da atividade de forma heterogênea e desconcentrada
(em todos os seus elos) – é que conferia competitividade a ela e aumentavam as chances de
desenvolvimento regional e rural. Em pesquisas mais recentes (MELLO et al. 2003a,
2005a; SILVESTRO et al. 2001a, 2001b; FERRARI et al. 2004) investigamos as
estratégias de reprodução social e econômica dos agricultores familiares envolvidas no
processo sucessório.
Todavia, as conclusões inferidas através do arcabouço teórico utilizado não nos
convenciam por completo. Uma observação mais atenta da realidade mostrava que as
causas e as dinâmicas da heterogeneidade social presente no espaço rural não eram
satisfatoriamente explicadas. Uma forte inquietação residia na constatação de que não
obstante as forças externas restringirem a ação dos atores sociais e reduzirem sua
autonomia, percebia-se que eles eram capazes de construir “espaços de manobra” e, assim,
desenvolver formas para enfrentar situações adversas. A constatação, na região de estudo,
de uma impressionante heterogeneidade rural e agrícola se constituía em uma forte
evidência. Ficava, portanto, cada vez mais patente a necessidade de adotar uma abordagem
mais dinâmica para entender as mudanças sociais e explicar como, sob circunstâncias
estruturais similares, os atores sociais construíam respostas diferenciadas. Por outro lado,
também estávamos preocupados em não cair na armadilha de adotar uma visão voluntarista
e uma perspectiva centrada no individualismo metodológico.
Essa inquietação, embora ainda não se apresentasse com contornos bem definidos,
foi uma das razões que me levou a decidir pela realização do doutorado no Programa de
Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(PGDR/UFRGS). Espaço acadêmico multidisciplinar profícuo e rico em reflexões teórica
que possibilitava melhor interpretar as mudanças sociais e compreender os processos de
desenvolvimento rural e os modos de reprodução da agricultura familiar em um ambiente
mercantilizado. Com o avanço no curso de doutorado e a participação em estimulantes
debates promovidos no âmbito do Grupo de Estudo e Pesquisa em Agricultura Familiar e
Desenvolvimento Rural (GEPAD) a problemática desta pesquisa foi amadurecendo e
assumindo contornos mais claros.
Destarte, uma inflexão na forma de analisar e interpretar as mudanças sociais e os
processos de desenvolvimento rural começou a se cristalizar quando passou-se a utilizar a
Perspectiva Orientada ao Ator (POA) para interpretar as mudanças sociais e os processos
20
de desenvolvimento rural. Essa perspectiva teórica utilizada nesta tese – está sendo
trabalhada por uma equipe de pesquisadores da Wageningen University, na Holanda, a
partir dos trabalhos seminais de Norman Long.
Um conceito central na perspectiva orientada ao ator é o de agência bastante
próximo do formulado pelo sociólogo inglês Giddens (l989) que pretende conciliar as
noções de estrutura e ator e que remete à capacidade de um ator individual ou coletivo
processar experiências sociais, dentro de determinados limites de informação, incertezas e
outras restrições objetivas. Como observam Long ; Long (1992, p. 22-23), “a condição de
agente atribui ao ator a capacidade de processar experiência social e de conceber formas de
lidar com a vida, mesmo sob condições de coerção extrema”. Em outras palavras, pode-se
dizer que a Perspectiva Orientada ao Ator salienta a importância de valorizar a forma como
os próprios atores moldam os padrões de desenvolvimento rural. Cabe destacar que no
contexto rural os atores não são somente os agricultores e suas famílias, mas todas as
pessoas e organizações que interagem no domínio rural.
A Perspectiva Orientada ao Ator assume que os diferentes padrões emergentes de
desenvolvimento são, em parte, criação dos próprios atores sociais. Por isso, sugerem que
as análises sejam muito mais centradas nos próprios atores sociais e menos nas forças
externas (LONG, 1988). Considera-se, ainda, que as variações culturais e as diferenças
organizacionais são resultados das distintas formas que os atores respondem às situações
problemáticas e interações com outros atores (LONG ; PLOEG, 1994). Mesmo
considerando os limites colocados pelas estruturas, essas não são abordadas de modo
determinista.
Evidentemente que essa perspectiva teórica não está imune às críticas. Uma das que
mais recorrentemente é endereçada a ela é aquela que a acusa de centrar a análise em uma
perspectiva micro-social em detrimento dos fatores estruturais. Long e Ploeg (l994)
respondem essa crítica argumentando que o plano macro é incluído na Perspectiva
Orientada ao Ator e que a originalidade da proposta reside justamente na integração do
macro nas análises micro, porque se abandonam noções causais simplificadoras, como a
submissão do camponês ou a gica do mercado. Afirmam também que as estruturas não
devem ser concebidas como forças incontroláveis e suficientes para explicar os fenômenos
sociais.
Deste modo, a Perspectiva Orientada ao Ator é quem vai informar e conformar as
distintas abordagens teóricas utilizadas na tese. A partir dessas abordagens teórico-
21
analíticas se aceita que a diversidade das formas sociais presentes na agricultura, que
remetem para uma multiplicidade de modos de produção, emprego de tecnologias, de
organização e divisão social do trabalho e da heterogeneidade dos processos de
desenvolvimento rural que resulta da criatividade dos agricultores familiares na adaptação
de inovação e na criação de novidades (novelties).
Longe de guardar características homogêneas, a agricultura familiar do Oeste de
Santa Catarina tem despertado o interesse de compreender mais amiúde as estratégias dos
agricultores em seu cotidiano e as transformações que elas produzem. Tendo como lócus
empírico o espaço rural e a agricultura familiar do Oeste de Santa Catarina esta pesquisa
estudou o processo de transformação social, sobretudo aqueles resultantes da
modernização da agricultura e da forte mercantilização daí decorrente, assim como, da
reestruturação produtiva em curso na região e das estratégias colocadas em práticas pelos
agricultores familiares para fazer frente à vulnerabilidade social e econômica a que estão
expostos.
A região Oeste de Santa Catarina, no sul do Brasil, possui características peculiares
que a distingue de outras regiões. O processo de colonização, os sistemas de produção, a
estrutura produtiva e agrária, a forte presença de indústrias agroalimentares, são alguns
exemplos. A agricultura familiar, por exemplo, é a forma de produção e trabalho que
predomina nos espaços rurais e se constitui no ator social e econômico emblemático do seu
território. Aliás, a região é conhecida como um “território da agricultura familiar” e
localiza-se centralmente (FIG. 1) no território que Navarro (2002) identifica como o mais
sólido “maciço da agricultura familiar
2
” por se constituir em um dos maiores aglomerados
da agricultura familiar brasileira e expressão de resistência no espaço rural.
Historicamente o desenvolvimento da região tem se apoiado nessa forma de
organização do trabalho e da produção, que congrega quase 100 mil famílias distribuídas
no território rural e representa 95% dos estabelecimentos agropecuários. O modelo de
desenvolvimento do Oeste de Santa Catarina, que resultou na formação daquele que é
considerado um dos maiores pólo agroindustrial de carnes de suínos e aves do Brasil, se
alicerçou na articulação das agroindústrias com a agricultura familiar fortemente
transformada, a partir do início da década de 1970, pelo processo de modernização da
agricultura reputado como um exemplo a ser seguido. A adoção desse modelo de
2
O referido “maciço da agricultura familiar” localiza-se na região compreendida pelo Noroeste do Rio
Grande do Sul, Oeste de Santa Catarina e Sudoeste do Paraná e, segundo Navarro (2002), possui uma
importância social e econômica sem comparação com nenhuma outra parte do País.
22
desenvolvimento, baseado nos preceitos da modernização da agricultura, gradativamente
foi imprimindo e consolidando uma dinâmica exógena de desenvolvimento. Nesse caso, as
unidades produtivas crescentemente foram se tornando dependente de recursos controlados
por atores externos e, consequentemente, resultando em gradativa perda do controle da
base de recursos necessária na reprodução socioeconômica da agricultura familiar.
Figura 1 Representação parcial da América do Sul, com destaque para a região
Oeste de Santa Catarina
Fonte: Testa et al. (1996).
Pode-se dizer, de forma genérica, que até o final dos anos 1980 havia entre os
atores regionais o consenso de que o desenvolvimento agrícola, baseado na ideologia da
modernização da agricultura e na articulação e integração dos agricultores familiares às
grandes agroindústrias, conduziria ao desenvolvimento rural e ao bem-estar da população.
Ou seja, o desenvolvimento agrícola era tomado como sinônimo de desenvolvimento rural.
Entretanto, a constatação de que o desenvolvimento agrícola não leva
necessariamente ao desenvolvimento rural emerge da conclusão de recentes pesquisas
realizadas na região (TESTA et al., 1996; MIOR, 2005). Neste sentido, algumas pesquisas
23
têm interpretado que desde o final dos anos 1980 a agricultura familiar e a própria região
vivenciam uma severa crise, que é ao mesmo tempo, econômica, social e ambiental, cujos
resultados se refletem no empobrecimento da população rural; no forte êxodo rural,
sobretudo dos mais jovens; no despovoamento de muitas localidades; na poluição
ambiental, sobretudo do solo e da água; no crescente número de unidades sem sucessor; no
envelhecimento da população rural e nas dificuldades de reprodução social da agricultura
familiar. Essas transformações serão discutidas com mais profundidade no próximo
capítulo.
Os autores (TESTA et al., 1996; RENK, 2000) que interpretam que a agricultura
familiar do Oeste catarinense passa por um forte período de crise, em grande medida
atribuem à reestruturação produtiva e seus reflexos na transformação social e econômica
como uma das principais causas. Também apontam, como causas da crise, o modelo de
desenvolvimento baseado na articulação da agricultura familiar com as grandes
agroindústrias, que historicamente se consolidou na região. Por outro lado, essas
interpretações pouco valorizam as ações empreendidas pelos atores sociais e concebem o
desenvolvimento e as mudanças sociais emanando dos centros de poder, sob a forma de
intervenções do Estado ou por grandes corporações empresariais. Subjacente a essa
perspectiva teórica está presente a idéia de que as forças externas restringem
completamente a vida das pessoas e reduzem sua autonomia.
Essas análises sofrem de uma visão determinista que, em certo sentido, apenas
vislumbra uma marcha inelutável da agricultura familiar e do mundo rural rumo à
expropriação e subsunção, desconsiderando os espaços de manobra construídos pelo atores
sociais dentro da própria estrutura. Parece mais promissor e realista a perspectiva teórica
adotada por Long e Ploeg (1994, p. 65) a qual reconhece que algumas importantes
mudanças estruturais resultam do impacto de forças externas, mas consideram
teoricamente insatisfatório fundamentar qualquer análise no conceito de determinação
externa. A condição de agente atribui ao ator individual à capacidade de processar as
informações e agir. Para os autores todas as formas de intervenção externa invadem
necessariamente os mundos da vida dos indivíduos e grupos sociais afetados, por isso elas
são mediadas e transformadas por esses mesmos atores e estruturas locais. Por esse motivo,
segue dizendo Long e Ploeg (1994), a análise das mudanças sociais requer uma abordagem
que coloque em evidência a interação e determinação mútua de fatores e relações internas e
externas e que reconheça o papel principal desempenhado pela ação humana.
24
A partir de meados dos anos 1980 a realidade do Oeste catarinense parece indicar
que, ao contrário do que até então se constituía em uma quase unanimidade na região,
ironicamente é o avanço do modelo produtivista que vai levar à desestruturação
socioeconômica de parte da agricultura familiar, à degradação ambiental e ao colapso no
processo de desenvolvimento rural da região. A indagação que emerge a partir dessa
constatação é se esse ambiente de crise se constitui em uma barreira para a promoção de
um processo de desenvolvimento rural que melhore a qualidade de vida da população e do
meio ambiente. Na realidade empírica do Oeste de Santa Catarina o que se constata é que
os agricultores e suas organizações o estão imobilizados diante da situação de privação.
Grande parte deles está construindo estratégias de reação e adaptação ao ambiente
socioeconômico considerado hostil.
Nesta tese pretende-se demonstrar que apesar da intensidade do êxodo rural
registrado no Oeste de Santa Catarina, sobretudo nos anos 1990, os agricultores familiares,
na condição de atores sociais, não se comportam como agentes passivos e indiferentes às
mudanças sociais. Um contingente significativo deles não aceitou de forma resignada
abandonar o meio rural e, muito menos, nele permanecer passivamente. Obstinadamente
eles estão construindo estratégias capazes de promover a reprodução social e de conquistar
melhorias na qualidade de vida. Tais estratégias se traduzem na criação de novidades que
representam formas inovadoras nos processos agrícolas, na relação com o mercado, na
articulação entre atores sociais e na criação de novas institucionalidades.
Acredita-se que nesse “campo” heterogêneo e diversificado, representado pelo
Oeste de Santa Catarina, estão germinando as sementes da transição
3
(WISKERKE ;
PLOEG, 2004). Resumidamente pode-se dizer que essas sementes são representadas por
uma miríade de criativas alternativas (inovações e novidades) construídas pelos próprios
agricultores e suas organizações para fazer frente às restrições impostas pelo ambiente
sócio-institucional. Os autores acreditam que a produção de “novidadespode ajudar a
encontrar novas maneiras para tirar a agricultura Européia da crise em que se encontra. Por
isso Wiskerke e Ploeg (2004) sugerem que o mais produtivo é investigar como o “novo”
emerge a partir da crise do “velho” e como se configura e se difunde. Afinal, é na crise do
velho que se encontra o germe do novo.
3
Expressão utilizada como título da coletânea organizada por Johannes Wiskerke e Jan Douwe van der Ploeg
(2004) e que se traduz na produção, realizada pelos próprios agricultores, de “novidades” na arte de fazer
agricultura e que representa uma modificação e, até mesmo o rompimento, das rotinas existentes. No
capítulo 3 voltaremos a discutir o tema relativo à produção de novidades.
25
Assim, este trabalho busca colocar em relevo que subjacente à crise vivida pelo
Oeste de Santa Catarina, e até mesmo por conta dela, está em curso um processo
“silencioso”, mas incisivo de transformações socioeconômicas e de metamorfoses da
agricultura familiar. Por conseguinte, sem subestimar as restrições estruturais e a própria
crise a que estão submetidos os agricultores familiares e o território, considera-se
fundamental melhor investigar as ações realizadas pelos atores sociais para fazer frente à
crise e como desse embate surge e vai se revelando uma “nova” realidade socioeconômica
do Oeste de Santa Catarina. Interessa, portanto, desvendar como está sendo construído esse
“novo”, que em muitos casos não se mostra plenamente visível, e em outros, pode ser uma
mescla, em diferentes proporções do “novo” com o “velho”.
Portanto, enquanto grande parte dos trabalhos acadêmicos aponta para uma crise na
agricultura, a partir de uma análise que enfatiza questões estruturais, os agricultores
familiares e suas organizações estão construindo inúmeras “novidades” e que fazem parte
de suas estratégias de reprodução social. Como participantes ativos que processam
informações e se relacionam com os atores locais, assim como com instituições e pessoas
externas, os agricultores familiares e suas organizações representativas estão construindo
essas “novidades” sob a influência de uma variada gama de atores e perspectiva política e
teórica. Desse processo emerge distintos padrões de organização social, resultado das
interações, negociações e lutas sociais que ocorrem entre os diversos tipos de atores
(LONG ; PLOEG, 1994). Todavia, essas iniciativas, por não serem totalmente “visíveis”
não recebem a necessária atenção no sentido de interpretá-las à luz do desenvolvimento
rural.
Uma novidade é definida por Ploeg et al. (2007) como sendo uma maneira diferente
de pensar que incorpora novas idéias, artefatos e/ou combinação (dos recursos, de
procedimentos tecnológicos e de diferentes campos do conhecimento) que envolve
constelações especificas, como um processo de produção, uma rede, a combinação de
atividades e que trazem resultados auspiciosos, melhorando a rotina e todo o processo onde
estão inseridas. Na realidade, uma novidade representa um desvio das regras estabelecidas.
Desta forma, uma novidade pode ser entendida como uma modificação e, às vezes,
uma quebra de rotinas existentes. Pode significar uma modificação dentro de uma prática
existente ou pode consistir em uma nova prática. Pode, ainda, ser um novo modo de fazer
ou pensar, presumivelmente com potencial para promover melhorias nas rotinas existentes
(PLOEG et al., 2004). Todavia, os autores ressaltam que a produção de novidades é um
26
processo que está intimamente relacionado ao local em que emerge e, por isso, é
fortemente dependente do “conhecimento contextual,”. Assim, quanto mais o
conhecimento contextual está disponível em um determinado local tanto maior é a
produção de novidade.
A produção de novidades não se restringe apenas àquelas relacionadas com o
processo produtivo. Ela também pode estar associada com as formas de organização da
produção e com a criação e consolidação de dispositivos coletivos e arranjos institucionais.
Esse parece ser o caso do surgimento e consolidação de pequenas cooperativas de
comercialização de leite e da agroindústria familiar rural que recentemente vem
acontecendo no Oeste de Santa Catarina e passam a criar novas dinâmicas de
desenvolvimento. Isso sugere a necessidade de prestar maior atenção às ações dos atores
sociais, tendo em vista que eles permanentemente buscam mediar e se moldar às
transformações mais globais e estruturais da sociedade. É neste universo de metamorfoses
que os agricultores familiares do Oeste de Santa Catarina estão imersos e onde emergem as
questões que orientam esta tese.
Assim, o que se busca evidenciar são as razões que levaram à crise da agricultura,
bem como compreender e analisar a natureza e as dinâmicas das recentes transformações
ocorridas no espaço rural do Oeste de Santa Catarina, especialmente aquelas relacionadas
com a organização do trabalho e da produção, bem como as implicações destas
transformações para a reprodução social da agricultura familiar. Neste sentido, o tema da
pesquisa que esta tese pretende investigar é as transformações recentes e as mudanças
sociais que a reestruturação produtiva e a mercantilização promoveram e ainda estão
promovendo no espaço rural e na agricultura familiar e buscar desvendar como esse
“novo” está sendo construído e se enraizando no território.
O problema de pesquisa, por conseguinte, consiste em conhecer e compreender as
transformações recentes na agricultura familiar e no espaço rural do Oeste de Santa
Catarina e o seu significado à luz do desenvolvimento rural, analisado a partir da
orientação teórica da perspectiva orientada ao ator. Dentre as questões que nos ocuparemos
nesta pesquisa incluímos as seguintes indagações: quais as transformações e as principais
características do processo de reestruturação agroindustrial da região? Quais as mudanças
que ocorrem na organização do trabalho e da produção familiar? Como são construídas as
estratégias de reação dos agricultores familiares? Quais as dificuldades que essas
estratégias de diversificação encontram para se estabelecer e se difundir? Qual o papel
27
desempenhado pelas políticas públicas no sentido de promover ou constranger tais
iniciativas? Quais as características que esse processo de transformação econômica e social
imprime no espaço rural e na própria organização interna da agricultura familiar?
Para os propósitos desta tese elegemos estudar três casos distintos de novidades que
estão sendo construídas pelos agricultores e suas organizações em resposta a crise da
produção agrícola no Oeste de Santa Catarina. A primeira iniciativa é representada pela
inovação organizacional que está se consolidando na região e se constitui na criação de
pequenas cooperativas de âmbito municipal e que congrega em torno de 50 a 150 famílias.
Tem o objetivo de fazer coletivamente a comercialização do leite produzido por seus
associados. O caso estudado é o da Cooperativa dos Produtores Rurais da Microbacia do
Lajeado Perau, do município de Tunápolis que inicialmente busca comercializar
coletivamente o leite produzido pelos associados e visa criar maior autonomia no âmbito
da gestão dos recursos e da produção. A discussão e a criação da cooperativa representa
uma reação dos agricultores familiares relativamente mais pobres ao processo de
aviltamento no preço pago pelos grandes laticínios aos agricultores que comercializam
baixos volumes.
A segunda iniciativa está relacionada à produção agropecuária baseada nos
princípios agroecológicos ou de baixo uso de insumos externos. Inicialmente voltadas ao
mercado local tem como pressuposto criar maior autonomia para a unidade familiar e se
inserir em um mercado em crescente expansão. Dada a deteriorização dos preços de muitos
produtos agrícolas, tal estratégia resulta em unidades mais econômicas e menos
vulneráveis (PLOEG, et al., 2000). Algumas ações desenvolvidas na região têm como
pressuposto a produção agroecológica. Exemplo disso são os projetos de desenvolvimento
rural que estão sendo concebidos e executados pela Associação dos Pequenos Agricultores
do Oeste de Santa Catarina (Apaco) e pela Federação da Agricultura Familiar (Fetraf) os
quais têm na produção agroecológica um de seus princípios fundamentais.
A terceira iniciativa é representada pelas agroindústrias familiares cujo objetivo é
vertilicalizar a produção agropecuária dos agricultores. Localizadas no espaço rural essas
pequenas agroindústrias, em geral, se ocupam da elaboração de derivados de carne e
lácteos, sucos e bebidas, conservas, massas e panifícios, derivados da cana-de-açúcar,
dentre outros. Tanto a produção quanto a comercialização pode estar organizada de forma
individual ou coletiva e é realizada pelos membros da família. Merece destaque, no
entanto, a formação de uma rede que congrega as agroindústrias familiares por intermédio
28
de pequenas cooperativas voltadas à comercialização. Um levantamento realizado pela
Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri)
4
conta
da existência de mais de 500 agroindústrias familiares com registros formais no Oeste de
Santa Catarina. Acredita-se que uma quantidade ainda maior atua no que se convencionou
chamar de “informalidade”.
Essas três iniciativas ou “novidades” adotadas pelos agricultores e suas
organizações para fazer frente à crise da agricultura do Oeste de Santa Catarina se
inscrevem naquilo que Marsden (2003) chama de “dinâmica de desenvolvimento rural” em
uma referência àquilo que Ploeg et al. (2000b) haviam denominado de novas iniciativas
de desenvolvimento rural”. No ano 2000, uma equipe multidisciplinar de cientistas sociais
de vários países da Europa assinou um artigo publicado em co-autoria na revista
Sociologia Ruralis, em que afirmavam que o desenvolvimento rural se constituía
basicamente em um conjunto de práticas sem teoria (PLOEG et al., 2000b). Desde então,
um grupo de pesquisadores tem se debruçado sobre o tema em um esforço para alargar o
leque das interpretações acerca do desenvolvimento rural e consolidar um referencial
teórico-metodológico passível de desenvolver e analisar estas práticas. Desta forma, nos
últimos três anos, pesquisadores de seis países europeus se aglutinaram em torno do
programa de pesquisa ETUDE (Enlarging Theoretical Understanding of Rural
Development) com objetivo de analisar a natureza e a dinâmica do desenvolvimento rural e
melhor conceituá-lo (PLOEG e MARSDEN, 2008).
Os trabalhos de Marsden têm reforçado as interpretações acerca do
desenvolvimento rural e aprofundam elementos conceituais. Seus estudos (MARSDEN,
2003) permitem distinguir três dinâmicas de desenvolvimento acontecendo
simultaneamente no espaço rural dentre as quais a “dinâmica de desenvolvimento rural”
que emerge principalmente em nível local e regional, valorizando diversidade dos meios de
vida, os novos arranjos institucionais, as economias de escopo, a agregação de valor à
produção agrícola e as cadeias curtas de comercialização de alimentos. Essa dinâmica se
afasta da produção convencional de commodities e desenvolve-se a partir de um estilo
próprio de agricultura muito próximo aos princípios agroecológicos onde convergem
fatores como a natureza, o trabalho, o território, o modo de organização social e o papel
das instituições ao mesmo tempo em que reduz a vulnerabilidade econômica e
socioambiental e incrementa a sustentabilidade. Neste processo, o Estado joga um papel
4
Informação pessoal fornecida pelo coordenador do Programa de Agroindústrias Familiares da Epagri.
29
fundamental na regulação e governança, mas não menos importante será o papel dos
próprios agricultores e de suas organizações, que precisam ser capazes de inovar e gerar
formas de competitividade que permitam a articulação das economias locais com o
ambiente externo (SCHNEIDER, 2007, p. 23).
De acordo com Ploeg et al. (2000) o paradigma da modernização da agricultura,
que ao longo de muitas décadas dominou a teoria, as práticas e as políticas, está sendo
substituído por um “novo paradigma”, o do “desenvolvimento rural” que emerge dos
debates e disputas sociais e políticas. Neste novo paradigma, incluem-se dimensões antes
não contempladas, como a busca de um novo modelo para o setor agrícola, a produção de
bens públicos, a busca de sinergias com os ecossistemas locais, a valorização das
economias de escopo em detrimento das economias de escala e a pluriatividade das
famílias rurais. Envolve também o aumento de valor dos produtos gerados pela empresa
agrícola, pela construção de novas ligações com o mercado, que ainda estão desconectados
ou inacessíveis para os agricultores. Nessa perspectiva é que Ploeg et al. (2000) entendem
o desenvolvimento rural como sendo resultado das práticas e processos de produção de
novidades, como se acredita que sejam as iniciativas descritas brevemente acima e que são
objeto de estudo desta tese.
Uma das principais e mais relevante descoberta do Programa ETUDE é que o
processo de desenvolvimento rural, representado pelas novidades ou novas iniciativas de
desenvolvimento rural, conduziu à criação das novas atividades econômicas que marcam
uma contribuição significativa para a atração comercial e a concorrência das regiões onde
elas se inserem. Uma importante conclusão das pesquisas realizadas no âmbito do
Programa ETUDE é que os processos de desenvolvimento rural estão enraizados em uma
miríade de encontros, transações, interações e redes que ligam pessoas, recursos, atividades
e mercados (PLOEG ; MARSDEN, 2008). Os autores referem-se à rede rural como uma
constelação frouxamente estruturada que se caracteriza pela sinergia, isto é, ao mesmo
tempo em que essa rede abriga e apóia muitas atividades do desenvolvimento rural ela
também desencadeia o surgimento de novas atividades. Essa definição mais ampla e
flexível do desenvolvimento rural supera a idéia de um caminho único a ser perseguido.
A resposta que uma parte dos agricultores familiares está dando à crise do modelo
da modernização também pode ser interpretada a partir da perspectiva teórica das
estratégias de diversificação dos meios de vida, definida como “um processo segundo o
qual as unidades domésticas criam um leque de atividades e de apoio social visando à
30
sobrevivência, à melhoria do seu padrão de vida e à garantia da reprodução social e
econômica, que se fundamentalmente pela diversificação das ações estabelecidas pelos
indivíduos e pelas famílias” (ELLIS, 2000, p. 15). Deste modo, diante de uma situação de
crise as unidades domésticas elaboram diferentes estratégias e, segundo Ellis, (2000),
podem percorrer distintas trajetórias que vão desde a diversificação das suas fontes de
renda e ampliação das relações sociais e de reciprocidade até a migração de alguns
membros da família ou o abandono da atividade agrícola.
Ellis (2000) ressalta o fato das estratégias de diversificação dos meios de vida não
envolverem apenas a ampliação dos ingressos monetários (agrícolas, não-agrícolas,
transferências, doações, etc.), mas representam a garantia da reprodução social, econômica
e cultural mediante a combinação de um repertório variado de estratégias que envolvem
instituições (parentesco, família, comunidade) e relações sociais, relações de gênero e
direitos de propriedade. O autor aponta dois tipos de estratégias que são empregadas pela
agricultura familiar para viabilizar sua sobrevivência: estratégias de adaptação visando se
moldar ao contexto social e econômico no qual se insere e cujo objetivo geralmente é
melhorar o padrão de vida, a ascensão social e a acumulação, podendo ase configurar
como um mecanismo de diferenciação social. Na realidade as estratégias de adaptação
visam tornar a unidade doméstica menos propensa às crises no futuro. O segundo tipo
refere-se às estratégias de reação ao contexto social e econômico, às crises e mesmo aos
choques (climáticos, econômicos, de saúde e outros) que comprometem a sua reprodução
social e econômica. Dependendo da intensidade e durabilidade dessa estratégia, ao longo
do tempo ela pode dar lugar às estratégias de adaptação. Dentro desse escopo teórico é que
Ellis entende o desenvolvimento rural como um conjunto de iniciativas e práticas cuja
finalidade é ampliar o acesso e fortalecer os seus modos de ganhar a vida. Segundo Ellis
(2000) esse conjunto de iniciativas e práticas deve contribuir para reduzir a vulnerabilidade
dos indivíduos e famílias, reorientando as ações para uma menor dependência dos
agricultores em relação aos agentes externos.
A confrontação da problemática da pesquisa com o marco teórico, resumidamente
aqui apresentado, culminou com a formulação de três hipóteses a serem testadas. A
primeira é que a crise socioeconômica e ambiental do Oeste de Santa Catarina é o
resultado do processo de reestruturação e reconfiguração da forma de atuação do capital
agroindustrial na região; a segunda hipótese afirma que simultaneamente a reestruturação
da agricultura do Oeste de Santa Catarina os agricultores familiares e suas organizações
31
constroem estratégias como, por exemplo, a agroindustrialização familiar rural, a produção
baseada nos princípios agroecológicos, criação de pequenas cooperativas e a construção de
novas formas de inserção ao mercado; a terceira hipótese assevera que as estratégias
colocadas em prática pelos agricultores familiares se constituem em distintas formas de
organização social e produtiva e transformam a organização do trabalho familiar e da
produção agropecuária.
O objetivo geral que norteia esta tese é identificar e analisar os efeitos sociais e
econômicos decorrentes do processo de reestruturação produtiva, concomitantemente às
estratégias que estão sendo construídas pelos agricultores familiares e suas organizações
para enfrentar suas vulnerabilidades. Esse objetivo geral foi decomposto em outros três
objetivos específicos, intimamente relacionados com as hipóteses.
O primeiro deles é analisar as transformações na forma de atuação do capital
agroindustrial na região e as implicações sociais, econômicas e ambientais e culturais,
assim como na própria organização produtiva e do trabalho da agricultura familiar; o
segundo é identificar e analisar como estão sendo construídas as estratégias de adaptação e
reação da agricultura familiar aos efeitos da reestruturação produtiva da agricultura e as
transformações que elas acarretam na reprodução social da agricultura familiar e, por
último, identificar as transformações socioeconômicas que as estratégias de adaptação e
reação adotadas pelos agricultores promovem no espaço rural da região e na própria
agricultura familiar.
Para dar conta dessa tarefa elegemos as unidades familiares e as economias locais
como o lócus de análise. A primeira permite identificar as estratégias de reprodução
individual ou da família enquanto a segunda possibilita estudar e entender o ambiente
socioeconômico e institucional onde se a reprodução da agricultura familiar e o
desenvolvimento rural. Ou seja, busca-se entender como se dá a integração das famílias,
domicílios, indivíduos e empresas nas redes econômicas sociais locais e nos mercados
locais e nacionais.
Uma pesquisa dessa natureza, a despeito do crescente número de estudos
relacionados com a agricultura familiar e o desenvolvimento rural que estão sendo
realizados no Brasil, se justifica pela insuficiência de trabalhos empíricos que buscam
conhecer e interpretar as metamorfoses da agricultura familiar e as dinâmicas sociais das
transformações dos espaços em que ela está inserida e que sofrem influências recíprocas.
Acredita-se que o profundo processo de modernização agrícola pelo qual passou a
32
agricultura do Oeste de Santa Catarina, as transformações sociais, econômicas e estruturais
e o ambiente fortemente mercantilizado que engendrou, constitui-se em um lócus
privilegiado para o estudo aqui proposto.
A complexidade e multiplicidade de relações sociais, econômicas, ambientais e
culturais envolvidas na problemática relacionada com a agricultura familiar e seu papel no
desenvolvimento rural exige abordagens teóricas e esforços analíticos cuja transversalidade
perpassa distintas áreas do conhecimento.
Fruto do amadurecimento teórico promovido no âmbito do GEPAD elegeu-se um
arcabouço teórico e metodológico capaz de desvelar e responder o problema de pesquisa
proposto. Desse modo, as análises e interpretação estarão ancoradas teórica e
analiticamente no que Long e Ploeg (1994) denominam de “perspectiva orientada ao ator”.
A despeito de usar essa abordagem teórica como o fio condutor das análises, o que assume
maior centralidade na tese é o diálogo de um conjunto de enfoques teórico e analítico
desenvolvidos pelos pesquisadores da Wageningen University, especialmente o debate
sobre mercantilização, a abordagem do desenvolvimento endógeno, estilos de agricultura e
da inovação e produção de novidades. A abordagem teórica analítica de Marsden (2003)
também permitiu identificar e analisar como acontece a convivência, co-evolução e
competição do que ele considera como as três esferas organizativas e analíticas do sistema
agroalimentar e do desenvolvimento rural. Para nosso intento também foi útil a abordagem
teórica das estratégias de diversificação dos meios de vida que os agricultores adotam para
fazer frente aos contextos de vulnerabilidade que comprometem sua reprodução social
(ELLIS, 2000). Para contextualizar essas proposições teóricas à realidade brasileira
buscou-se uma interface com a literatura nacional confrontando como os autores nacionais
articulam explicações para questões sociais semelhantes àquelas. Neste sentido, destacam-
se os trabalhos de Schneider (2003), Abramovay (1992), Wanderley (2003), Navarro
(2002) e Mior (2005). Também nos valemos de um conjunto de trabalhos que estão sendo
desenvolvidos por pesquisadores do Grupo de Estudos Agricultura Familiar e
Desenvolvimento Rural (GEPAD/PGDR/UFRGS). Desta forma, destacamos aqueles cuja
problemática apresentam alguma relação com a deste estudo: Conterato (2004 e 2008),
Gazolla (2004), Radomsky (2006), Perondi (2007) e Niederle (2007).
Para responder aos desafios colocados pela problemática deste trabalho,
configurou-se uma pesquisa empírica dividida em duas distintas etapas, utilizando para
isso técnicas quantitativas e qualitativas. A primeira etapa foi representada pelo estudo de
33
caso do espaço rural e da agricultura familiar do município de Coronel Freitas. O propósito
foi de obter dados empíricos que possibilitassem identificar e avaliar as transformações do
espaço rural e da agricultura familiar, bem como as questões sociais, econômicas, culturais
e políticas do contexto onde se dão as estratégias da agricultura familiar. Para a coleta dos
dados empíricos, realizamos uma pesquisa em 83 unidades familiares onde entrevistamos
os membros da família, utilizando como roteiro um questionário semi-estruturado. Cabe
mencionar que o motivo da escolha do município de Coronel Freitas para a realização do
estudo de caso foi porque, sob vários aspectos, ilustrava as características históricas,
econômicas, sociais, ambientais e geográficas da região. Outra característica considerada
importante para a consecução desta tese é que Coronel Freitas assim como a maioria dos
locais da região foi fortemente marcado pelo processo de modernização da agricultura.
Os dados obtidos através da aplicação do questionário foram processados e examinados
pelo software estatístico de banco de dados SPSS (Statistical Package for Social Sciences).
Também realizamos entrevistas abertas com informantes-chave do município: três
extensionistas rurais da Epagri, três facilitadores municipais do projeto microbacias, dois
coordenadores regionais e um municipal do Sindicato dos Trabalhadores na Agricultura
Familiar (Fetraf) e quatro agricultores mais idosos que vivenciaram a história das
transformações sociais, econômicas e produtivas da agricultura do município. No capítulo
quatro descreve-se com detalhes toda a metodologia dessa etapa da pesquisa.
A segunda etapa da pesquisa investigou em profundidade o caso das três iniciativas
(novidades) descritas anteriormente. Seguindo um roteiro previamente elaborado
realizamos 35 entrevistas envolvendo agricultores e informantes-chave (técnicos da Epagri,
de ONGs e coordenadores de entidades representantes dos agricultores familiares), assim
distribuídas: sete agricultores envolvidos com a produção de base agroecológica e outros
cinco informantes-chave; sete agricultores envolvidos com a cooperativa de
comercialização de leite e outros quatro informantes-chave; sete agricultores envolvidos
com as agroindústrias familiares e outros quatro informantes-chave. As entrevistas, tanto
da primeira como da segunda etapa da pesquisa, foram transcritas e seu conteúdo
organizado e analisado. A transcrição das entrevistas, as informações anotadas no diário de
campo e a observação do universo empírico se constituíram em um rico material utilizado
nas análises e discussões dos resultados. Ao longo do texto utilizaram-se alguns excertos
das entrevistas para ilustrar e reforçar as argumentações e fazer “ouvir” os atores
entrevistados.
34
Além dos dados empíricos obtidos através da pesquisa de campo, também nos
cercamos de um conjunto de dados secundários de fontes como o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), Levantamento Agropecuário Catarinense (LAC), Empresa
de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina/Centro de Socioeconomia e
Planejamento Agrícola (Epagri/ Cepa) e jornais e outras fontes de dados.
Além desta introdução, mais quatro capítulos e as conclusões constituem os
elementos textuais desta tese. No capítulo dois descrevemos e discutimos as características
históricas que conformaram a agricultura familiar do Oeste de Santa Catarina. O objetivo
foi de apresentar uma ampla visão acerca do local onde se realizou este estudo e,
sobretudo, discutir a problemática de pesquisa e como ela emerge. Com a intenção de
contextualizar este trabalho descrevemos e discutimos o processo histórico de ocupação do
Oeste de Santa Catarina, a constituição da agricultura familiar e sua articulação com a
agroindústria. Neste capítulo discutimos e analisamos o processo de transformação social,
econômica e ambiental resultante da modernização da agricultura e da forte
mercantilização daí decorrente. Também discutimos o processo de reestruturação da
produção agroindustrial em curso na região, a crise que ela enseja e seus reflexos na
reprodução social da agricultura familiar. Finalmente discutimos algumas iniciativas que
visam elaborar mecanismos de resistência e estratégias voltadas a superar a crise,
especialmente aquelas que nascem no âmbito dos movimentos sociais.
O capítulo três é eminentemente teórico e seu objetivo é discutir a orientação
teórica e metodológica que norteia o trabalho, bem como apresentar a estrutura analítica da
tese em relação às categorias, noções, abordagens e conceitos. Inicialmente apresenta-se a
proposição teórica denominada de “Perspectiva Orientada ao Ator”, que busca explicar as
diferentes respostas para as mesmas circunstâncias estruturais, atribuindo ao ator social
(individual ou coletivo) capacidade de processar a experiência social e elaborar distintas
formas de enfrentar a vida. Na sequência discute-se as distintas trajetórias de
desenvolvimento agrícola (PLOEG, 2008) e as dinâmicas de desenvolvimento rural
(MARSDEN, 2003). Na seção seguinte discute-se a noção de “produção de novidades”
(novelties production) entendida como o desenvolvimento de um novo modo de fazer algo
e que consiste em um processo altamente localizado de desenvolvimento do conhecimento
técnico e organizacional. Neste sentido, uma novidade pode representar tanto o
desenvolvimento de um novo artefato, bem como uma nova forma organizacional, como é
o caso das cooperativas de comercialização de leite ou da rede formada por cooperativas
35
que congregam as agroindústrias familiares. Na sequência discute-se o processo de
mercantilização, na perspectiva apresentada por Ploeg (1992b), o qual interpreta que o
desenvolvimento do capitalismo no campo e a consequente mercantilização produz uma
heterogeneidade estrutural que é resultado do grau de variabilidade em que ela ocorre.
O capítulo quatro baseia-se no estudo de caso do município de Coronel Freitas que
pesquisou uma amostra de 83 unidades familiares. Analisou-se algumas das principais
transformações sociais, econômicas e ambientais que estão ocorrendo no espaço rural do
Oeste de Santa Catarina e como os agricultores familiares estão reagindo e se adaptando à
reestruturação agroindustrial em curso na região.
No capítulo cinco apresenta-se e discute-se três distintas iniciativas ou novidades
que estão sendo colocadas em prática por uma parcela dos agricultores familiares com o
objetivo de construir coletivamente maneiras diferenciadas de acessar o mercado e de se
adaptar às novas condições de reprodução social. A primeira novidade é representada por
uma pequena cooperativa que congrega agricultores relativamente mais pobres, inserindo-
os ao mercado de leite em condições mais favorável. A segunda novidade envolve os
agricultores familiares que produzem a partir dos princípios agroecológicos e se inserem
no mercado através de cadeias curtas de comercialização como feiras livres municipais e as
“casas coloniais” que estão surgindo em vários locais da região. A terceira novidade
estudada é representada pela agroindustrialização familiar da produção agropecuária dos
próprios agricultores. Essa iniciativa pode ser realizada de forma individual ou coletiva, no
entanto, as análises se concentrarão nas formas coletivas de organização da produção e
inserção ao mercado. Estudamos duas redes (UCAF e Cecaf) que congregam pequenas
cooperativas de agroindústrias familiares. O objetivo foi testar a hipótese de que de que
simultaneamente à reestruturação da agricultura do Oeste de Santa Catarina, os agricultores
familiares e suas organizações constroem estratégias que promovem novas dinâmicas de
desenvolvimento rural.
A conclusão mais geral do trabalho é que a emergência dessas novidades é
altamente localizada e dependente do conhecimento contextual. A construção dessas
novidades produtivas e organizacionais pode representar as “sementes da transição”, capaz
de levar a um processo de desenvolvimento rural. Sua consecução vai depender, no
entanto, de um ambiente socioinstitucional favorável para que as sementes possam
germinar se enraizar.
36
2 OESTE CATARINENSE: COLONIZAÇÃO, MERCANTILIZAÇÃO E CRISE
Neste capítulo descreve-se e discute-se algumas características do Oeste de Santa
Catarina com o intuito de fornecer ao leitor uma visão acerca do local onde se realizou este
estudo e, sobretudo, discutir a problemática da pesquisa que daí emerge. Para tanto,
inicialmente se faz uma breve caracterização do Oeste de Santa Catarina, especialmente do
seu espaço rural e da agricultura familiar presente. Com o propósito de contextualizar
este trabalho, descreve-se de forma sintética, o processo histórico da colonização
5
do Oeste
de Santa Catarina e a constituição da agricultura familiar e sua articulação com a
agroindústria. Pretendemos colocar em relevo o processo de transformação social,
econômica e ambiental resultante da modernização da agricultura e da forte
mercantilização daí decorrente. Também será objeto de discussão a reestruturação da
produção agroindustrial
6
em curso na região, a crise que ela enseja e seus reflexos na
reprodução social da agricultura familiar.
Especificamente, o propósito deste capítulo é discutir as transformações na forma
de atuação do capital agroindustrial na região e as implicações sociais, econômicas,
ambientais e culturais, assim como na própria organização produtiva e do trabalho da
agricultura familiar. Desta forma, neste capítulo pretende-se investigar em que sentido a
crise socioeconômica e ambiental do Oeste de Santa Catarina é resultante do processo de
reestruturação e reconfiguração da forma de atuação do capital agroindustrial da região.
Utilizando-se de dados empíricos secundários, pretende-se promover um diálogo e
análise de algumas pesquisas que dão conta que o meio rural e a agricultura familiar do
Oeste de Santa Catarina entram em um processo de crise a partir dos anos 1990. mais
especificamente pretende-se investigar em que medida simultaneamente à crise também
5
O termo “colonizaçãoaqui se refere ao processo de migração e ocupação das terras do Oeste de Santa
Catarina pela população oriunda, sobretudo, do Rio Grande do Sul. Essa população era constituída
basicamente por agricultores, denominados de “colonos” e que constituíram as “colônias”. Segundo
Schneider (1999, p.24) no sul do Brasil o termo colônia tem sua origem no processo de colonização que
introduziu habitantes alienígenas em um lugar onde eram inexistentes e inseri-los em atividades agrícolas.
Também se designa de “colônia” ao lote de terra com dimensão de 24,2 hectares e que era vendido aos
imigrantes. Deste modo, a expressão “colono” passou a ser entendida pelos emigrantes como a tradução
para palavra “bauer” e “contadini” que na língua alemã e na italiana respectivamente significa camponês.
6
A reestruturação da produção agroindustrial ou simplesmente reestruturação agroindustrial, aqui referida,
representa as mudanças técnicas e organizacionais promovidas pelas grandes agroindústrias como, por
exemplo, a intensificação na especialização da suinocultura que vem acontecendo na região desde início
dos anos 1990. Segundo Mior (2005, p. 82) tais mudanças levam à intensificação da escala e, por
conseguinte, à concentração da produção e a exclusão de parte significativa da agricultura familiar da
produção integrada de suínos.
37
está ocorrendo um processo de mudança social, econômica e produtiva que é impulsionado
pelas estratégias de reação e adaptação colocadas em prática pelos agricultores e suas
representações para fazer frente às vulnerabilidades a que estão sujeitos. Dito de outra
forma, pretende-se identificar e analisar as transformações provocadas pela crise e apontar
o que está sendo construído a partir das estratégias adotadas pelos agricultores familiares e
suas organizações para enfrentá-la.
Em síntese, este capítulo tem o objetivo de discutir a problemática de pesquisa e de
apontar alguns exemplos das estratégias que estão sendo colocadas em prática pelos
agricultores familiares para enfrentar a crise, de tal forma que não se trate tão-somente de
um exame crítico das condições existente. Pretende-se demonstrar que subjacente à própria
crise está se desenvolvendo o germe do novo, que em muitos casos não se mostra
plenamente visível e em outros pode ser uma combinação do “novo” com o “velho”.
Constata-se que simultaneamente à crise também um processo de mudanças sociais,
econômicas e produtivas que são impulsionadas pelas estratégias de reação e adaptação
colocadas em prática pelos agricultores para fazer frente às vulnerabilidades a que estão
sujeitos. Tal constatação sugere a necessidade de prestar mais atenção nos atores sociais
tendo em vista que eles permanentemente buscam mediar, reagir e se moldar as
transformações estruturais da sociedade. Buscaremos demonstrar neste capítulo que a
diversidade das reações e configurações pode ser explicada pelas suas raízes sociais,
econômicas e culturais. Nesse sentido, acredita-se que as três dinâmicas de
desenvolvimentodiscutidas por Marsden (2003) se constituem em uma estrutura analítica
robusta e adequada para estudar as recentes transformações rurais do Oeste catarinense.
Segundo essa perspectiva teórica, ambas as dinâmicas (agroindustrial, pós-produtivista e
de desenvolvimento rural) estão coevoluindo e competindo ao mesmo tempo, o que faz
aumentar ainda mais a heterogeneidade do espaço rural. Portanto, neste capítulo pretende-
se apresentar e discutir a problemática da pesquisa, buscando contextualizá-la dentro do
debate mais amplo do desenvolvimento rural e, assim, iniciar a construção da estrutura
teórico-empírica, baseada em Marsden (2003), que ensejará o capítulo seguinte,
eminentemente teórico.
38
2.1 Breve caracterização do Oeste de Santa Catarina
Denomina-se região Oeste catarinense o território delimitado ao norte pelo estado
do Paraná, ao sul pelo do Rio Grande do Sul, ao oeste pela República Argentina e ao leste
pela região do Planalto de Santa Catarina. Na FIG. 2 pode-se observar a localização
espacial do Oeste de Santa Catarina em relação ao Brasil
7
. O IBGE denomina essa unidade
espacial de Mesorregião Oeste catarinense e a divide em cinco microrregiões geográficas,
cujos municípios pólos são representados por São Miguel do Oeste, Chapecó, Xanxerê,
Concórdia e Joaçaba.
O município de Chapecó consolida-se como pólo econômico regional, no entanto,
além dos citados pólos microrregionais, observa-se o surgimento de micro-pólos
regionais como é o caso do município de Palmitos, Maravilha, Itapiranga, Pinhalzinho, São
Lourenço do Oeste, Videira e Caçador, onde, a exemplo dos pólos microrregionais,
também está em desenvolvimento uma ampla oferta de serviços públicos e privados
(ALTMANN et al., 2008, p. 67). A produção agropecuária e as atividades comerciais, de
serviço e industrial a ela relacionada, sobretudo das indústrias agroalimentares, se
constituem no núcleo dinâmico da economia regional. Mais recentemente também tem se
verificado uma ampliação e diversificação das atividades econômicas. Além do segmento
do comércio e de serviços, cresce a importância da indústria metal-mecânica, a moveleira,
a de embalagens e a do vestuário dentre outras. Importa destacar que se constata na região
um forte transbordamento, para o espaço rural, das atividades produtivas consideradas do
mundo urbano. Isso significa que grande parte dessas atividades passa a se localizar no
meio rural, criando assim, oportunidades de emprego e diversificação das fontes de renda
das famílias rurais, que deixam de depender quase que exclusivamente da produção
agropecuária. Como reflexo dessa transformação cresce no meio rural a presença da figura
do agricultor pluriativo.
Embora algumas dessas atividades tenham surgido a partir do complexo
agroindustrial, como é o caso da indústria metal-mecânica, elas passam paulatinamente a
adquirir autonomia e a se diversificar através da inovação tecnológica e da conquista de
7
Utilizamos a noção de espaço definida por Santos
(1997, p. 34), segundo a qual o espaço é formado pela
contínua interação entre a configuração territorial e a dinâmica social. A configuração territorial é dada
pelo arranjo sobre o território dos elementos naturais e artificiais de uso social (estradas, plantações,
prédios residenciais, comércio e indústrias) enquanto a dinâmica social é dada pelo conjunto de variáveis
econômicas, culturais e políticas. Essa definição também será considerada quando fizermos referência ao
espaço rural.
39
novos mercados. Essa diversificação da economia local, no sentido descrito por Saraceno
8
(1994), acaba aumentando ainda mais a heterogeneidade socioeconômica e complexifica as
análises que pretendem interpretar as recentes mudanças sociais e econômicas do Oeste de
Santa Catarina. Assim, por exemplo, quando as observações e as análises são dirigidas para
o nível local, constata-se a existência de imbricadas relações sociais e econômicas
resultantes das instituições e das ações colocadas em prática pelos atores sociais. Isso exige
que se adote uma abordagem multidisciplinar para interpretar um espaço rural cada vez
mais heterogêneo e complexo e uma agricultura familiar em célere processo de
transformações.
Ocupando uma área de aproximadamente 25 mil quilômetros quadrados o Oeste de
Santa Catarina (FIG. 2) é formado por 118 municípios organizados em sete associações
municipais – onde se distribui uma população de 1,1 milhões de habitantes, dentre os quais
414 mil (37%) vivem no espaço rural. Embora a população rural do Oeste de Santa
Catarina não seja mais majoritária, pelos critérios usados pelo IBGE para delimitar o
espaço rural
9
, ela é uma das regiões mais acentuadamente rural do país e a população que
vive nesse espaço se constitui em importante contingente quando se tem como objetivo
alcançar um desenvolvimento territorial com equidade social, econômica e ambiental.
As transformações que vêm ocorrendo no espaço rural exigem uma revisão do seu
significado e o abandono da sua identificação com o agrícola. Uma tentativa para sair da
dicotomia rural urbano é proposta pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), com o objetivo de criar a base para a definição da ruralidade nos
países que a compõem. Segundo Abramovay (2000a), O trabalho da OCDE determina dois
8
A partir da categoria “economia local” Saraceno coloca o território e a localidade no centro da noção de
ruralidade (KAGEYAMA, 2008, p. 31). A autora destaca que com o descolamento entre espaço e setor
surge um novo tipo de área e, ao contrário da dicotomia rural-urbana, a economia local é o melhor termo
para descrevê-la, tendo em vista que esta é descrita por seus aspectos e inter-relações multissetoriais, seus
vínculos sociais, sua organização institucional e a capacidade de reproduzir-se no tempo e sua integração
com outras economias locais (Saraceno, 1994). Segundo Conterato (2008, p. 32), nos trabalhos de
Saraceno a noção de economia local não tem qualquer definição da sua abrangência espacial e isso decorre
justamente do esforço da autora em avançar em uma perspectiva territorial do desenvolvimento.
9
A metodologia utilizada pelo IBGE separa os domicílios em rural e urbano seguindo as delimitações
definidas em lei municipal. Assim, “na situação urbana consideram-se as pessoas e os domicílios
recenseados nas áreas urbanizadas ou não, correspondendo às cidades (sedes municipais), às sedes
distritais ou às áreas urbanas isoladas. A situação rural abrange a população e os domicílios recenseados
em toda a área situada fora dos limites urbanos, inclusive os aglomerados rurais em extensão urbana, os
povoados e os núcleos” (IBGE, 1996). Significa dizer que o rural no Brasil se define pela negação, isto é,
representa aquelas áreas que se encontram fora dos limites das cidades e cujo estabelecimento é
prerrogativa das prefeituras municipais. Veiga (2002) faz uma bem elaborada crítica aos critérios de corte
normativo rural-urbano no Brasil. Segundo o autor, essa forma de delimitar o rural pode enviesar a
concepção e implementação de políticas públicas voltadas ao espaço rural, tendo em vista que a enorme
subestimação do tamanho do rural.
40
níveis hierárquicos de organização dos dados: o nível local (municípios) e o nível regional.
Para saber se uma localidade é urbana ou rural, a OCDE utiliza como parâmetro a
densidade demográfica de 150 habitantes por quilômetro quadrado. Para classificar as
regiões utiliza uma tipologia que as separa em três categorias conforme a participação da
população que vive em localidades rurais: a) Essencialmente rurais são aquelas regiões
onde a participação da população que vive em localidades rurais é superior a 50%; b)
Relativamente rurais são aquelas onde essa participação varia entre 15% e 50%; c)
Essencialmente urbanizadas são aquelas onde a população que vive em comunidades rurais
é menor que 15%.
Figura 2 Localização espacial de Santa Catarina e da região Oeste catarinense em
relação ao Brasil.
Fonte: EPAGRI/CIRAM, 2007.
Segundo Kageyama (2008, p. 38), em quase todo o mundo as estatísticas nacionais
definem o rural em oposição, complemento ou resíduo do urbano e o resultaram de
necessidade relacionada com o que hoje se denomina desenvolvimento territorial. Para
efeito analítico, Veiga (2002), sugere que um critério bastante simples seria não considerar
41
como urbanos os habitantes de municípios com população inferior a 20 mil. Dessa forma,
Veiga considera urbano no Brasil apenas os 455 municípios que participam da “teia
urbana” que compõe as aglomerações metropolitanas, outras aglomerações e centros
urbanos (municípios com mais de 100 mil habitantes). Para Veiga o que distingue o urbano
do rural são as alterações dos ecossistemas provocadas pela espécie humana. Por isso que
se considera a densidade demográfica como um critério decisivo uma vez que é ela quem
está no âmago da pressão antrópica dos ecossistemas. Analisando os dados do Censo
Demográfico de 2000, Veiga avalia como sendo de 80 habitantes por quilômetro quadrado
(habitantes/Km
2
)
o limite razoável de densidade demográfica a partir da qual um território
deixaria de pertencer à categoria rural
10
. Desta forma Veiga classifica como de pequeno
porte os municípios que têm simultaneamente menos de 50 mil habitantes e menos de 80
habitantes/Km
2
. Municípios de médio porte seriam aqueles que têm entre 50 e 100 mil
habitantes ou cuja densidade demográfica supere 80 habitantes/Km
2
.
A partir dos dados apresentados na TAB. 1 percebe-se que 91
,5% dos municípios do
Oeste de Santa Catarina apresentam menos de 20 mil habitantes e, portanto, utilizando-se o
critério proposto por Veiga, deveriam ser considerados como municípios rurais. Apenas três
municípios da região apresentavam população superior a 50 mil habitantes: Chapecó com
população de 146 mil habitantes e densidade populacional de 236 habitantes
/Km
2
representa o
centro urbano da região. Concórdia e Caçador, ambos com população em torno de 63 mil
habitantes podem ser considerados municípios de porte dio. Da mesma forma, outros seis
municípios
11
embora com população inferior a 50 mil habitantes podem ser considerados
de porte médio por apresentarem densidade demográfica superior a 80
habitantes/Km
2
.
Portanto, pelo critério proposto por Veiga, o Oeste de Santa Catarina possui apenas um
município considerado centro urbano regional, outros oito municípios de porte médio e 109
municípios com características
“essencialmente rurais”.
10
O território abrangido pelo Oeste de Santa Catarina apresenta densidade demográfica de 42 habitantes/Km
2
e, pelos critérios propostos por Veiga, pode ser considerado como uma região essencialmente rural.
11
São Miguel do Oeste, Videira, Maravilha, Joaçaba, Xanxerê e Pinhalzinho.
42
Tabela 1 – Estrato populacional dos municípios do Oeste de Santa Catarina
Estrato populacional municipal
Número de
municípios
Percentual
Percentual
acumulado
Até 5 mil 63 53,4 53,4
Mais de 5 mil e menos de 10 mil 27 22,9 76,3
Mais de 10 mil e menos de 15 mil 12 10,2 86,4
Mais de 15 mil e menos de 20 mil 6 5,1 91,5
Mais de 20 mil e menos de 30 mil 3 2,5 94,1
Mais de 30 mil e menos de 40 mil 3 2,5 96,6
Mais de 40 mil e menos de 50 mil 1 0,8 97,5
Mais de 50 mil e menos de 70 mil 2 1,7 99,2
Mais de 70 mil 1 0,8 100,0
Total 118 100,0 -
Fonte: Elaboração do autor a partir dos dados do Censo Populacional do IBGE 2000.
Constata-se que
mais da metade dos municípios (53,4%) da região possui população
inferior a cinco mil habitantes. Na realidade, trata-se de “municípios rurais” por
excelência, até porque a população que vive nos aglomerados urbanos desses municípios é
essencialmente minoritária. Quando se considera uma população de até 10 mil habitantes,
há 90 municípios no Oeste catarinense nessa condição e que representam 76,3% dos
municípios da região. A partir da análise da mesma fonte de dados (Censo Populacional do
IBGE, 2000), constata-se que nos municípios com até 10 mil habitantes a população vive
majoritariamente no espaço rural. A maior parte deles (54 municípios) é composta por
distritos rurais que se emanciparam política e administrativamente no final dos anos 1980 e
início dos anos 1990. Grande parcela desses municípios expandiu a área urbana dos
distritos de origem e assim, por decreto, uma parcela da população passou de rural para
urbana da noite para o dia. A consequência disto é que a população urbana da região pode
estar artificialmente inflada enquanto a rural subestimada. Acrescente-se a isso, a
dificuldade para considerar como urbana a população que vive na grande maioria dos
municípios da região. Trata-se, na realidade de municípios essencialmente rurais, cuja vida
social e econômica gira em torno do espaço rural. Esses dados confirmam a importância
social e econômica do espaço rural do Oeste catarinense e o papel fundamental que
desempenha no desenvolvimento regional.
Analisando-se os dados da TAB. 2, que apresenta a taxa de urbanização
12
dos
municípios do Oeste catarinense, percebe-se que em 16 municípios a proporção da
12
Define-se taxa de urbanização como sendo a participação percentual da população urbana em relação à
população total.
43
população urbana é quase insignificante e não ultrapassa 20% do total. Constata-se,
também, que em 70,3% dos municípios, mais da metade da população vive no espaço em
que o IBGE considera como rural. Isso significa que em 83 municípios, dos 118 existentes
na região, a população rural é majoritária. Esses dados evidenciam a forte presença de um
mundo rural no Oeste de Santa Catarina e a importância dele na dinamização social e
econômica.
Tabela 2 – Taxa de urbanização dos municípios do Oeste de Santa Catarina em 2000
Taxa de urbanização (%)
Número de
municípios
Percentual
Percentual
acumulado
Até 20% 16 13,6 13,6
Mais de 20% e menos de 30% 23 19,5 33,1
Mais de 30% e menos de 40% 23 19,5 52,5
Mais de 40% e menos de 50% 21 17,8 70,3
Mais de 50% e menos de 60% 11 9,3 79,7
Mais de 60% e menos de 70% 8 6,8 86,4
Mais de 70% e menos de 80% 8 6,8 93,2
Mais de 80% e menos de 90% 6 5,1 98,3
Mais de 90% 2 1,7 100,0
Total 118 100,00
Fonte: Elaboração do autor a partir dos dados do Censo Populacional do IBGE 2000.
O Oeste de Santa Catarina caracteriza-se pela forte presença da agricultura familiar
com produção diversificada, a partir da qual se construiu os alicerces do desenvolvimento
econômico regional. Segundo o Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2001), um pouco
mais de 100 mil famílias vivem no espaço rural do Oeste de Santa Catarina. Além da
distribuição relativamente uniforme da população no território, o espaço rural do Oeste de
Santa Catarina não apresenta os vazios demográficos característicos das áreas de alta
concentração fundiária. Essa característica, também produz bens públicos imateriais como,
por exemplo, o adensamento das relações sociais, a preservação e a diversificação do
patrimônio cultural e a diversidade da paisagem, gerando externalidades positivas que se
insere naquilo que se convencionou chamar de multifuncionalidade
13
da agricultura
familiar. Desta forma, quando se analisa o território sob uma perspectiva que incorpora o
13
Segundo Carneiro e Maluf (2003, p. 19), a noção da multifuncionalidade da agricultura reconhece que os
estabelecimentos agrícolas e os agricultores também desempenham funções sociais não exclusivamente
mercantis e privados, mas que oferecem outros bens (bens públicos) à sociedade inclusive aqueles
considerados imateriais, o que faz da agricultura uma atividade com múltiplas funções. Essa noção rompe,
portanto, com o enfoque setorial e amplia o campo das funções sociais atribuídas à agricultura que deixa de
ser entendida apenas como produtora de bens agrícolas.
44
desenvolvimento eqüitativo e equilibrado geograficamente, fica claro que o papel
desempenhado pela agricultura familiar na ocupação e dinamização dos espaços rurais do
Oeste de Santa Catarina não se resume apenas à produção para o mercado, mas também à
produção de bens imateriais, o que a torna multifuncional.
A região foi uma das pioneiras no país a implantar o modelo de integração
agroindustrial
14
, que articula a produção familiar com as grandes empresas agroindustriais
de abate e processamento de carne de suínos e aves, e tem sido considerada como um
exemplo bem sucedido dessa forma de articulação. Na realidade, um dos motivos que
explica a rápida expansão e consolidação do modelo de integração agroindustrial na região
deve-se, por um lado, ao fato dela vir ao encontro dos interesses da agricultura familiar do
Oeste de Santa Catarina que, desde a colonização, busca construir estratégia para se inserir
dinamicamente no mercado. Por outro lado, pode-se afirmar que o crescimento e vigor dos
complexos agroindustriais do Oeste de Santa Catarina é resultado, em grande parte, da
articulação com a produção familiar porque, segundo Wilkinson (1997), é a forma social
que mais converge com o esquema técnico, produtivo e econômico dessas estruturas
agroindustriais.
Com base no Censo Agropecuário 1995/96 do IBGE, na TAB. 3 são apresentados
os dados da estrutura fundiária do Oeste de Santa Catarina. Constata-se a existência de um
pouco mais de 88 mil estabelecimentos agropecuários, dentre os quais, estima-se que em
torno de 80 mil são explorados em regime de trabalho familiar, tendo em vista que em
aproximadamente 90% deles mais da metade da força de trabalho que utilizam provêm dos
componentes do núcleo familiar. Observa-se que 70% dos estabelecimentos agropecuários
da região têm área de até 20 hectares e que quase 94% possuem menos de 50 hectares. Os
dados da TAB. 3 demonstram a excessiva fragmentação das terras do Oeste de Santa
Catarina onde 13% dos estabelecimentos apresentam área média de 2,89 hectares e outros
33,56% têm área média de 7,37 hectares.
As áreas abaixo de 10 hectares evidenciam uma
14
A integração agroindustrial é definida como uma forma de articulação entre a agroindústria e os
agricultores, sendo o processo de produção organizado o mais próximo possível do modelo industrial, com
a aplicação maciça de tecnologia e capital. Nesse sistema, embora os agricultores continuem sendo os
proprietários da terra, a produção integrada passa a ser definida pelas indústrias integradoras (o que, quanto
e como produzir). Assim, os agricultores integrados recebem os insumos e a orientação técnica da
agroindústria integradora e produzem a matéria-prima exclusivamente para ela. A relativa dependência do
agricultor retira-lhe a autonomia e à agroindústria o controle sobre o processo produtivo. A integração
também pode ser analisada a partir da noção Weberiana de “campo de força” como fez Paulilo (1990), ao
discutir a relação do agricultor com a agroindústria onde, segundo a autora, apesar das tensões um
consenso mínimo que permite a continuidade da relação. Um estudo aprofundado sobre essa forma de
produção encontra-se em Belatto (1985).
45
estrutura minifundiária em razão do excessivo parcelamento das propriedades. Além disso,
essas áreas ocupam os solos mais declivosos e pedregosos. P
or isso, Silvestro et al. (2001b, p.
43) avaliam que considerando a expectativa de renda das alternativas tradicionalmente
produzidas pelos agricultores familiares do Oeste catarinense e a capacidade de uso da
terra, estabelecimentos com essas dimensões (menos de 5 ha), terão fortes dificuldades
para obter um rendimento econômico capaz de atender as necessidades familiares se forem
depender exclusivamente da agricultura.
Tabela 3 – Estabelecimentos agropecuários do Oeste catarinense por estrato de área
Estabelecimentos
Estrato de área total (ha)
Número % acumulado Área (ha) % acumulado Área média (ha)
Menos de 5 11.578 13,12 33.468 1,55 2,89
5 a menos de 10 18.051 33,56 133.080 7,70 7,37
10 a menos de 20 32.229 70,07 449.646 24,48 13,95
20 a menos de 50 20.977 93,83 612.030 56,76 29,17
50 a menos de 100 3.482 97,78 230.966 67,43 66,33
100 a menos de 1.000 1.828 99,85 446.265 88,06 244,13
1.000 e mais 120 99,98 258.426 100,00 2.153,55
Sem declaração 14 100,00 --- --- ---
Total 88.279 100,00 2.163.881 100,00 24,51
Fonte dos dados: IBGE (1998), Censo Agropecuário 1995-1996 – Oeste catarinense.
Elaboração do autor.
Outro dado que chama atenção na TAB. 3 é a existência de 120 estabelecimentos
agrícolas que no seu conjunto detêm quase 12% da área agropecuária do Oeste de Santa
Catarina.
Por outro lado, o trabalho de Silva et al. (2003) demonstra que existem na região
32,2 mil famílias (proprietários de minifúndios, arrendatários, parceiros e trabalhadores rurais)
residentes no meio rural e que apresentam alguma carência de terra.
Apesar da menor
concentração da terra, em relação às outras regiões do país
15
, o problema não é menos
importante, haja vista a existência de diversos acampamentos e ocupações de terra por
famílias que lutam para conquistar seu espaço no meio rural. Além do acampamento e das
ocupações, mais de 70% dos jovens entrevistados na pesquisa de Silvestro et al. (2001a)
manifestaram o desejo de permanecer na agricultura e construir suas vidas profissionais no
espaço rural do Oeste de Santa Catarina.
15
A estrutura fundiária do Oeste catarinense, embora apresente grau de concentração menor do que a média
brasileira tem mostrado continua concentração, já que o índice de Gini que era de 0, 527 em 1970, passou a
ser de 0, 562 no ano de 1995-96 (FERRARI, 2003, p. 105).
46
O Oeste de Santa Catarina representa uma das seis mesorregiões que compõem o
Estado catarinense. Ocupando 25% da superfície estadual, a região se destaca pela
produção agrícola e agroindustrial articulada à agricultura familiar, cuja forma de
organização social e econômica desempenha um papel central nos processos de
desenvolvimento. No ano 2000 as atividades primárias ocupavam mais de 51% da PEA
(População Economicamente Ativa) e a região produzia mais de 50% do VBP (Valor
Bruto da Produção) agrícola estadual (MELLO e FERRARI, 2003, p. 16). Os dados
evidenciam que, embora esse perfil venha se alterando, a região ainda tem forte
dependência econômica da produção agropecuária.
Na TAB. 4 pode-se observar o número de estabelecimentos que produzem e
comercializam os principais produtos agropecuários no Oeste de Santa Catarina. Em todas
elas a participação da agricultura familiar é destacadamente majoritária. Considerando que
o Censo Agropecuário do IBGE (1995/1996) identificou a presença de aproximadamente
88 mil estabelecimentos, os dados apresentados na TAB. 4 refletem o alcance social das
principais atividades agropecuárias desenvolvidas na região. Pode-se observar, por
exemplo, que o cultivo do milho e a bovinocultura voltada à produção de leite estão
presentes em quase todos os estabelecimentos agropecuários do Oeste de Santa Catarina. A
produção de milho, no entanto, destina-se basicamente para atender às necessidades das
unidades produtivas (consumo da família e das criações). Como será discutido no Capítulo
quatro, no Oeste de Santa Catarina é cada vez menor o número de agricultor familiar que
produz milho com a finalidade de comercializá-lo. Por outro lado, a produção de leite é a
atividade comercial que no Oeste de Santa Catarina reúne o maior número de unidades (50
mil) e, nos últimos anos, tem se firmado como a mais importante alternativa econômica e
de articulação da agricultura familiar com o mercado.
A suinocultura, por sua vez, uma relevante fonte de renda para 67 mil famílias, em
1980 (TESTA et al., 1996), vem passado por um forte processo de seleção/exclusão de
produtores, reduzindo seu alcance como atividade comercial a 22 mil estabelecimentos no
ano de 1995/96. Cabe ressaltar, no entanto, que na safra 1998/99 apenas em torno de 12
mil estabelecimentos do Oeste de Santa Catarina na grande maioria os que produzem no
sistema de integração agroindustrial tinham na suinocultura uma fonte de renda
significativa (CEPA/SC, 1999, p. 12). Segundo Miranda (2005) enquanto o número de
produtores integrados diminui 43,5% entre 1985 e 1998, a produção aumenta 145% no
mesmo período. Tanto é assim que a região Oeste de Santa Catarina aumentou a
47
participação na produção brasileira de carne suína que, segundo Epagri (2008), passou de
21% em 1999 para 23% em 2007. Isso denota a intensificação e a concentração da
produção de suínos.
Tabela 4 Número de estabelecimentos produtores e vendedores das principais
atividades agropecuária desenvolvidas no Oeste de Santa Catarina.
Estabelecimentos
Produtos
Produtores Vendedores
Milho 80.000 -
Leite 70.000 49.000
Suínos 68.000 22.000
Feijão 59.000 -
Fumo 18.000 18.000
Aves 9.000 9.000
*
Fonte: Elaboração do autor a partir dos dados do Censo Agropecuário 1995/1996. IBGE (1998).
* Estimativas do autor.
A produção de aves de corte integrada às grandes agroindústrias congrega nove mil
estabelecimentos agropecuários da região (10,2%) e, de forma geral, se estabeleceu
naquelas unidades melhor estruturadas economicamente e que, por isso, podiam realizar os
altos investimentos requeridos para a implantação da atividade. Nesse sistema de
integração as orientações técnicas e todos os insumos necessários à produção são
fornecidos pela agroindústria, cabendo ao agricultor oferecer a mão-de-obra e as
instalações. Na realidade, a avicultura integrada tem a sua trajetória tecnológica e
produtiva ditada pela agroindústria e pouco interage com os outros sistemas de produção
da unidade familiar.
Ao contrário da avicultura que está presente nas unidades melhor estruturadas, a
produção integrada de fumo no Oeste de Santa Catarina acontece em 18 mil
estabelecimentos (20,4% dos estabelecimentos) que, em geral, se caracterizam por serem
as unidades relativamente mais pobres, detentoras das menores áreas de terra e com baixa
capacidade de investimento. Um grande contingente de agricultores familiares passa a
produzir fumo depois de abandonar a produção comercial de suínos, por se tratar de
atividade que apresenta baixos custos de entrada. No entanto, como identificou Mello
(1998, p. 52), “grande parte dos agricultores familiares que passam a produzir fumo na
década de 1990, objetiva capitalizar-se (aquisição de terra, equipamentos ou instalação)
para posteriormente abandonar a atividade e desenvolver outras, cujo trabalho seja menos
48
intenso e penoso”. Apesar de concorrer com alta demanda de mão-de-obra e o uso
intensivo de agrotóxicos, a maior parte dos agricultores que entrevistados justificou o
crescente interesse no cultivo de fumo pela alta renda que proporciona por unidade de área
e pela falta de outras oportunidades.
O feijão é cultivado em dois terços dos estabelecimentos do Oeste catarinense e,
embora a produção não apresente maiores barreiras à entrada, paulatinamente deixa de ser
uma atividade comercial para os agricultores familiares da região, restringindo-se a atender
exclusivamente às necessidades de autoconsumo. Tendo em vista a baixa disponibilidade
de terra e a contínua queda nos preços, a produção de milho e de feijão gera renda
considerada pelos agricultores familiares da região como insuficiente para atender suas
necessidades básicas e pode ser um dos motivos do gradual abandono da produção
comercial.
Em síntese, os dados apresentados na TAB. 4 evidenciam o que se constitui uma
importante característica da agricultura familiar do Oeste catarinense: a diversificação das
atividades produzidas. A ampla maioria dos agricultores familiares da região possui
pequena área de terra, geralmente com solo pedregoso e declive acentuado, o que
determina a adoção de estratégias de diversificação de atividades, visando minimizar os
riscos climáticos e econômicos e otimizar o uso da mão-de-obra familiar e do solo. A
utilização otimizada dos recursos possibilita uma infinidade de combinações de atividades
agrícolas e pecuárias com atividades não-agrícolas. Isso resulta na diversificação do espaço
rural e do ambiente natural e transformado, que se converte em uma complexa paisagem,
cujo mosaico formado por cultivos agrícola, mata capoeira, pomar, jardim, pastagem,
cursos d’água, etc., fazem parte de um complexo sistema que conforma distintos “estilos
de agricultura
16
adaptados às condições ambientais locais e à disponibilidade de recursos
naturais, humanos e de infra-estrutura. Na FIG. 3 observa-se o mosaico da paisagem rural
da região, cuja heterogeneidade é determinada, em grande medida, pela forma diferenciada
que as unidades familiares usam o solo, como organizam a propriedade, as atividades que
desenvolvem e a tecnologia que utilizam, configurando diferentes estilos de agricultura por
trás de uma aparente uniformização.
16
No capítulo 3 discutiremos a noção de estilos de agricultura” e sua relação com a mercantilização.
49
Figura 3 – Paisagem típica do espaço rural do Oeste de Santa Catarina.
Fonte: Foto do autor (outubro de 2007).
O “povoamento rural disperso”, descrito por Schneider (1999) como uma
importante característica da organização social da colônia teuto-brasileira do Rio Grande
do Sul, também ocorre no Oeste de Santa Catarina e foi uma herança trazida pelos colonos
gaúchos que se instalaram na região. Também denominado de “linha” ou “comunidade”,
caracteriza-se por assentar as famílias em lotes distribuídos ao longo de picadas ou estradas
abertas na mata. Nesse tipo de povoamento cada família vive na própria terra e sua
residência é cercada pelas lavouras, pastagem, mato, etc. Isso facilita o gerenciamento dos
fatores produtivos da propriedade, mas separa e distancia geograficamente os vizinhos.
Assim, um povoamento rural disperso pode contar com um pequeno núcleo (centro
comunitário), mas seus moradores se aglutinam mesmo em torno de equipamentos sociais
como igrejas, escolas, salão comunitário, campo de futebol. No centro comunitário é onde
se desenvolve a vida social e religiosa e onde acontecem eventos técnicos, palestras e
reuniões promovidas por diversas organizações (sindicatos, prefeitura, Epagri, ONGs,
cooperativas, agroindústrias, partidos políticos, etc.). A FIG. 4 mostra a vista parcial de um
centro comunitário do Oeste catarinense.
50
Figura 4 – Paisagem típica de uma comunidade rural do Oeste de Santa Catarina.
Legenda: Salão comunitário (
); igreja (
) campo de futebol (
).
Fonte: Foto do autor (outubro de 2007).
2.2 Colonização e formação da agricultura familiar do Oeste de Santa Catarina
Neste item pretende-se fazer, de forma sintética, um resgate histórico do processo
de colonização e constituição da agricultura familiar do Oeste de Santa Catarina. O
propósito é destacar um conjunto peculiar de características que moldaram a região e a
agricultura familiar e que se constituem em aspectos importantes para o completo
entendimento deste trabalho e dos argumentos aqui discutidos. Uma completa descrição e
uma análise aprofundada do processo de colonização e formação da agricultura familiar do
Oeste de Santa Catarina podem ser vista nas obras de Cabral (1970), Piazza (1978), nos
capítulos 2 e 3 de Campos (1987), no capítulo 1 e 2 de Silvestro (1995) e no capítulo 2 de
Renk (2000). Utilizaremos a leitura desses autores para fazer uma breve contextualização
da trajetória histórica do local onde se desenvolveu a pesquisa desta tese. Busca-se com
51
isso proporcionar ao leitor uma visão mais geral da região e, assim, melhor entender as
transformações ainda em curso do espaço rural do Oeste de Santa Catarina que decorrem,
por um lado, do processo de mercantilização e da urbanização e industrialização que se
intensificou no final do século XX. Por outro lado, as transformações do espaço rural
também são influenciadas pelas estratégias de reprodução social colocadas em prática pela
agricultura familiar, que na tentativa de adaptarem-se as novas situações socioeconômicas
e ambientais, transformam-nas e são transformadas por essas.
Até o início do século passado o Oeste de Santa Catarina era escassamente povoado
e sua população era constituída basicamente por índios (kaigangs) e caboclos (mestos de
portugueses, espanis, índios e negros). A partir dos primeiros anos do século XX, a
região começou a ser ocupada e colonizada
17
por agricultores familiares oriundos quase
que exclusivamente do Rio Grande do Sul. Esse processo migratório foi denominado por
Roche (1969) de “enxamagem dos pioneiros” e consistia na busca de novas terras que
possibilitasse a reprodução familiar, tendo em vista que o lote original já não permitia a
sobrevivência de toda a família e/ou o solo encontrava-se esgotado. No entanto, como
veremos no transcorrer desse trabalho, ao se estabelecer em um determinado lugar, esses
agricultores não mais desejam migrar. Os dados da pesquisa vão demonstrar que, de modo
geral, esses agricultores acalentam o desejo e colocam todos seus esforços para organizar a
família e a unidade produtiva e aí reproduzir seus meios de vida.
Na colonização do Oeste de Santa Catarina conjugaram-se os interesses das
companhias colonizadoras, do Estado e dos colonos. Àquelas interessava vender a terra; ao
Estado, ocupar a área; enquanto para os colonos era uma oportunidade de acesso a terra
para assegurá-la aos seus filhos, principalmente àqueles que constituíam as novas unidades
familiares (SILVESTRO, 1995, p. 61). Como sublinhou Schneider (1999), em grande
medida a migração representava para os colonos uma estratégia voltada a saciar a “fome de
terra” provocada, em grande medida, pelo sistema agrícola colonial e que levava um
grande contingente de jovens e até famílias inteiras a migrar. Neste sentido, Schneider
(1999) utiliza o trabalho de Woortmann (1995) para esclarecer que a emigração não se
explica apenas por fatores externo ao campesinato, tais como as guerras, as imposições
17
Segundo Poli (1995) a ocupação do Oeste de Santa Catarina pode ser dividida em três fases: a fase de
ocupação indígena; a fase cabocla e a fase da colonização por imigrantes de origem européia não ibérica
que tem início na década de 1920. O processo de ocupação do Oeste de Santa Catarina pela população
indígena e cabocla, anterior à colonização da região por imigrantes europeus e a expulsão sistemática
daqueles para dar lugar a estes, pode ser visto, entre outros, em D’Angelis (1995); Renk (1997); Rossetto
(1995).
52
governamentais, a pressão das grandes propriedades, etc. A migração também ocorre a
partir do próprio sistema camponês.
Ela é, ao mesmo tempo, desencadeada por e organizada pelo sistema de
parentesco: uma dimensão desse sistema, como o padrão de herança, expulsa
pessoas; outra dimensão, o "espírito de parentesco", faz com que a migração se
faça através de grupos de parentes (irmãos, primos, etc., assim como afins) que
irão replicar o modelo em outro lugar para, em seguida, recomeçar tudo de
novo (Woortmann, 1995, p.116, apud Schneider, 1999, p. 28).
Os colonos que se deslocavam da colônia velha” do Rio Grande do Sul para o
Oeste de Santa Catarina foram motivados conforme manifestaram alguns deles na
pesquisa de Silvestro (1995) – pela esperança de “fazer futuro” e de “colocar os filhos”. Na
realidade a migração representava para os agricultores familiares do Rio Grande do Sul
uma estratégia de reprodução dos seus meios de vida que, segundo Schneider (1999, p.21),
encerra a forma de produzir e a sociabilidade. Para o autor a forma de produzir
compreende a organização da produção e do trabalho familiar com o objetivo de garantir a
subsistência e a reprodução da família. A sociabilidade, por seu lado, representa as relações
sociais que a família estabelece com os elementos exteriores, podendo dar-se através do
parentesco, da solidariedade vicinal, das atividades lúdicas e religiosas e, por isso
ancorava-se fortemente na vida comunitária.
A colonização do Oeste de Santa Catarina teve início na década de 1920, mas é
somente a partir de 1940 que o fluxo migratório se intensifica. Nas três décadas seguintes o
crescimento populacional apresenta altas taxas anuais de crescimento tanto da população
urbana como rural. A década de 1950 apresenta, como indica Campos (1987), o ponto
máximo de crescimento relativo do fluxo migratório dos colonizadores, porém é nos anos
1960 que ocorre o maior fluxo absoluto de migrantes. A década de 1970 inicia com a
região praticamente ocupada, tendo por base uma colonização que reproduziu o modelo de
vida camponês: a sua forma de produzir baseada na rotão de terras e sua forma de
sociabilidade baseada no interconhecimento, na solidariedade vicinal e familiar
(SILVESTRO, 1995). Portanto, pode-se dizer que entre as décadas de 1920 e 1970 forjou-se
no espo rural do Oeste de Santa Catarina um modo de vida baseado no trabalho familiar e
em um estilo de produção baseado em pequenas propriedades que desenvolvem atividades
diversificadas, integradas ao mercado e articuladas com os capitais agroindustriais.
Desde o início da colonização os agricultores familiares que migram para o Oeste
catarinense praticam uma policultura baseada no cultivo de ampla variedade de produtos
53
vegetais associada à criação de animais (suínos, bovinos e aves), cujos objetivos estavam
voltados ao auto-abastecimento familiar e uma possível comercialização em um mercado
ainda incipiente. A oportunidade de comercialização da produção de suínos, que aos pouco
vai se tornando uma possibilidade real para quase todos os agricultores migrantes,
conjugada com o fato de a atividade possibilitar o melhor uso dos fatores produtivos (terra
e trabalho familiar), rapidamente transforma a suinocultura em um importante componente
do sistema de produção da agricultura familiar e no desenvolvimento regional.
Resumidamente pode-se dizer que a suinocultura permitia a melhor utilização da mão-de-
obra familiar e se constituía em uma alternativa a pouca terra disponível
18
. Desta forma, a
presença da produção de suínos na quase totalidade das unidades familiares desencadeou
na região a criação de frigoríficos de abate de suínos e, posteriormente, na formação de um
dos mais importantes complexos agro-industriais de carnes da América do Sul.
Com relação à terra disponível, o lote vendido aos colonos tinha área aproximada
de 24 hectares. Considerava-se como sendo essa a área de terra capaz de ser explorada pela
família e garantir a sua reprodução social. Ao longo do tempo, entretanto, muitos lotes
foram subdivididos devido à venda de parcela da área de terra ou, em muitos casos, pelo
resultado do sistema de herança por partilha, diminuindo ainda mais a área de terra
disponível para cada unidade familiar e colocando em risco a sua reprodução social e o
processo sucessório. Talvez seja esse um dos motivos que explica o sucesso, entre os
agricultores familiares da região, da forte adoção do modelo produtivo baseado na
modernização da agricultura que, na maioria dos casos, tinha como característica o
aumento da produtividade da terra. Os dados apresentados na TAB. 3 confirmam que
atualmente mais de 70% dos estabelecimentos têm área inferior a 20 hectares. Por outro
lado o modelo de colonização do Oeste de Santa Catarina, baseado no estabelecimento de
pequena propriedade, que tem no trabalho e na produção familiar seu principal
sustentáculo, inibiu o surgimento na região de uma burguesia agrária. No entanto, como
afirmou Silvestro (1995), a gênese da agricultura familiar do Oeste de Santa Catarina
somente se tornou realidade, entre outros motivos, porque se tratava de áreas de florestas,
com áreas marginais que não despertavam o interesse ao latifúndio.
18
Na escala que a suinocultura era praticada possibilitava que as tarefas a ela relacionadas fossem realizadas
no intervalo de outras atividades. A policultura vegetal associada com a produção de suínos figura como
uma das estratégia desenvolvida pelos agricultores para fazer frente às restrições estruturais representada
pela pequena área de terra (MELLO, 1998, p. 67).
54
Uma importante característica da colonização foi o modelo de ocupação, que
configurou o que se convencionou chamar de “povoamento rural disperso”. Ao contrário
do povoamento aglomerado, típico da aldeia camponesa da Europa, o povoamento rural
disperso reunia seus moradores nas “linhas” ou “comunidades”. Assim, as glebas de terra
apresentavam forma quadrilátera e eram demarcadas no sentido longitudinal às encostas,
apresentando dimensão média de mil metros de comprimento e 240 metros de largura. As
estradas foram locadas no sentido transversal ao lotes e a moradia e as construções
construídas próximas a essa estrada. Deste modo, é de 200 a 400 metros a distância que
separa as residências vizinhas em uma comunidade rural do Oeste de Santa Catarina, sendo
que as propriedades localizadas nas extremidades da comunidade podem estar distante até
três a cinco mil metros.
Os colonos ao chegarem ao Oeste de Santa Catarina organizaram-se em
comunidades e constituíram fortes laços de sociabilidade e de reciprocidade. Woortmann
(1990) mostra que a ajuda mútua, a prática de mutirão e as trocas, sejam elas de trabalho
ou de alimentos, são expressões da reciprocidade e sociabilidade presente no modo de vida
camponês. Os mutirões para plantio e colheita; a ajuda no abate de animais; o auxílio (quer
seja doando produto ou mão-de-obra) fornecido às famílias que sofreram alguma
adversidade ou que algum de seus membros fosse acometido de alguma doença; a ajuda ou
“troca de serviço” na construção de casas; na participação e auxilio na construção da escola
da comunidade ou da capela foram exemplos mencionados por alguns entrevistados desta
pesquisa, o que confirma a existência de solidariedade familiar e vicinal e a tessitura de
redes sociais e de reciprocidade. Em muitos casos os laços sociais eram anteriores à
colonização, poisexistiam na região de origem dos migrantes uma vez que era comum o
deslocamento de membros de uma mesma família, de vizinhos ou de conhecidos que no
Oeste de Santa Catarina adquiriam seus lotes de terra próximo uns dos outros. Assim,
construindo laços de sociabilidade e reciprocidade ou fortalecendo os já existentes, os
imigrantes buscavam superar coletivamente toda a gama de adversidade que
obstaculizavam a reprodução na nova terra do seu modo de vida camponês. As próprias
dificuldades que encontravam eram motivos que estimulava a coesão social e o
fortalecimento das relações de reciprocidade. Como será discutido no Capítulo cinco desta
tese, são os laços de sociabilidade e de solidariedade que vão contribuir na construção, de
forma individual ou coletiva, de alternativas para enfrentar e superar a crise
socioeconômica que no Oeste de Santa Catarina tem início a partir de meados dos anos
55
1980 e ameaça a reprodução social da agricultura familiar. Para sintetizar e melhor ilustrar
esta breve descrição do processo de colonização do Oeste catarinense, o enraizamento da
agricultura familiar no território e a articulação da agroindústria de carne com a agricultura
familiar, recupera-se a periodização elaborada por Campos (1987, p.143) que sugere a
existência de quatro fases:
A primeira fase inicia com a colonização e vai até meados da década de 1930 e
caracteriza-se pela gestação de um pequeno capital comercial e pelo esforço da economia
local em estabelecer ligações comerciais com a economia do país. A comercialização do
excedente de suínos da produção de subsistência é uma de suas principais características;
A segunda fase, cujo período vai de 1935 até 1945, ocorre o crescimento de capitais
comerciais e a expansão da base geográfica de atuação. A suinocultura se firma como a
principal atividade comercial da região, com um crescente aumento de novas unidades
familiares no ciclo comercial;
A terceira fase compreende o período entre 1945 a 1965, época em que surgem os
grandes frigoríficos processadores de suínos. A suinocultura consolida-se como a principal
atividade comercial da região e, na maioria das propriedades, transforma-se em atividade
comercial por excelência, não exigindo maiores investimentos, já que os suínos podiam ser
perfeitamente alimentados com o milho e outros produtos colhidos na propriedade;
A quarta fase inicia em 1965 e caracteriza-se por transformações profundas na base
técnica do processo produtivo e na relação entre a agroindústria e as unidades familiares de
produção
19
. Ocorre a “modernização seletiva” dessas unidades, tendo o Estado
desempenhado um papel fundamental nessa transformação.
Nessa periodização poderia ser acrescentada uma quinta fase que se inaugura em
meados dos anos 1980 e se estende até os primeiros anos deste século. O início dessa fase
se caracteriza principalmente pelo aprofundamento no processo de especialização e
concentração/exclusão da suinocultura e pela diminuição da renda ocasionada pela queda
no preço dos produtos agrícolas tradicionalmente produzidos pela agricultura familiar
acrescido, em alguns casos, da diminuição da produtividade. Outra característica desta fase
foi o crescimento das taxas de êxodo rural e regional e o surgimento e fortalecimento de
organizações e movimentos sociais contestatórios.
19
Vários trabalhos estudaram as transformações na base técnica do processo produtivo, sobretudo na
suinocultura do Oeste catarinense bem como da relação entre a agroindústria e as unidades familiares,
dentre eles cita-se o próprio trabalho de Campos (1987), CEAG/SC (1978), Belato (1985), Mior (1992),
Miranda (1995).
56
2.3 A integração ao mercado e a modernização da agricultura: a mercantilização em
curso
Os colonos gaúchos que migram para o Oeste de Santa Catarina praticavam em
sua região de origem uma agricultura comercial. Embora a produção destinada a atender o
consumo da família sempre estivesse presente, a produção comercial era o que movia esses
colonos, por isso desde o início da colonização preocuparam-se em gerar produtos para o
mercado, em que pese às dificuldades resultantes da falta de estradas, da inexistência de
um mercado local ou de canais de comercialização estabelecidos
20
Nos primeiros momentos
da colonização a atividade madeireira deu início ao processo
de industrialização da região permitindo uma acumulação de capital que posteriormente foram
destinados para outras atividades produtivas na região. A exploração e a comercialização da
madeira também foram importantes para muitos agricultores que se instalavam no Oeste de
Santa Catarina, uma vez que lhes proporcionou um primeiro ciclo de capitalização
(SILVESTRO, 1995). Para os agricultores que não possuíam a posse da terra, a possibilidade
de trabalhar nas serrarias se constitua em uma das poucas oportunidades de geração de renda
para a manutenção da família e para a aquisição de terra. A atividade extrativista da madeira
também foi responsável pelo surgimento dos primeiros povoados e pela integração econômica
da região (PIAZZA, 1978).
Até meados da década de 1940, o fumo foi a principal atividade agrícola comercial
no Oeste catarinense, sobretudo na região próxima ao rio Uruguai. A queda do preço do
fumo contribui para a diminuição do interesse dos agricultores pela atividade, surgindo em
seu lugar outros produtos, especialmente o suíno (SILVESTRO, 1995). Com a expansão da
colonização e o aumento da produção agrícola formou-se na região uma malha comercial
que permitiu a inserção mais forte do colono no mercado. Na maioria das comunidades
surgiram pequenos comerciantes, muitos deles também agricultores, que compravam a
produção local e a levavam para vender aos comerciantes maiores localizados nos
municípios de Chapecó, Xanxerê e Joaçaba. Esses pequenos comércios passam a se
constituir no elo que fazia a ligação do colono com o mercado. Assim como acontecia na
“Colônia Velha” do Rio Grande do Sul, conforme relata Schneider (1999), também no
Oeste catarinense as relações comerciais é que cimentavam o modo de vida colonial.
20
A propósito, a completa integração ao mercado, o dinamismo técnico e a capacidade de inovação são
relacionados por Abramovay (1992:160), como características da agricultura familiar.
57
Segundo Campos (1987) dois aspectos foram fundamentais para a substituição do
fumo pelo suíno como principal produto comercial da região: a possibilidade de utilização
da rota comercial via estrada de ferro para São Paulo e Rio de Janeiro e o surgimento dos
primeiros frigoríficos que transformavam a carne e a banha em produtos com maior valor
agregado. Destaca-se que o surgimento de frigoríficos espalhados por toda a região
estimulou os agricultores a ampliar ou iniciar comercialmente a produção de suínos e,
assim, se inserir em um mercado em expansão. Até meados da década de 1960 o modelo
técnico de produção de suínos não apresentava grandes barreiras para a entrada na
atividade, o que permitia que a atividade estivesse presente na maioria das propriedades.
Assim, de atividade voltada a atender o consumo familiar, a criação de suínos
transforma-se em uma importante atividade mercantil. O aumento na produção de suínos
estimula o incremento do milho, um dos principais componentes da alimentação dos
suínos. Da mesma forma, com a expansão da agroindústria de carne suína e toda de sua
infra-estrutura comercial, abre-se novas possibilidades para a comercialização de outros
produtos, tais como o feijão, a soja e o próprio milho. Deste modo, a partir da cada de
1960 havia na região pelo menos três produtos principais destinados à comercialização:
suíno, milho e feijão. Um pouco mais tarde surgiu a possibilidade de cultivar e
comercializar a soja.
Analisando-se sob o ponto de vista do sistema produtivo, caracterizou-se um
quadro em que Testa et al. (1996) chamaram de “policultura hierarquicamente subordinada
à suinocultura. Esta atividade foi a âncora
21
sobre a qual se estruturou todo o sistema
produtivo, constituindo-se na principal fonte de renda da maioria dos agricultores
familiares, cuja inserção ao mercado se dava pelas relações de parceria que se
estabeleceram com as agroindústrias de carne surgidas na região a partir da década de
1940.
Esse sistema produtivo policultor assentava-se no binômio suíno/milho cuja
importante característica era permitir ao agricultor lançar mão da “estratégia de
alternatividade
22
vendendo o milho produzido ou utilizando-o na alimentação dos
21
Uma atividade âncora é definida por Mello e Ferrari (2003) como: “uma atividade central no sistema de
produção, com entrada contínua e periódica de renda, ajustada tanto à disponibilidade de capital quanto aos
recursos naturais e à disponibilidade e às características de funcionamento do trabalho familiar. Trata-se de
uma atividade que proporciona garantia de continuidade ao sistema de produção e da família”.
22
“Estratégia de alternatividade” é o termo usado por Garcia Jr. (1989) para explicar o comportamento
estratégico dos camponeses nordestinos que ora produzem a farinha de mandioca, ora vendem a mandioca,
conforme a conjunção das circunstâncias internas da família e do mercado.
58
suínos conforme as condições do mercado. A escala de produção de suínos era
proporcional à capacidade que cada unidade tinha para produzir os alimentos necessários
para a criação. Os grãos eram transformados em ração e os dejetos dos suínos utilizados
para adubar as lavouras, fechando um ciclo que mostrava vantagens econômicas e
ambientais. Esse sistema de produção que conjugava atividade agrícola com pecuária
permitia que os agricultores melhor suportassem os períodos em que recebiam baixos
preços pelos suínos, uma vez que grande parte dos insumos (milho, mandioca, soja, adubo
orgânico) era produzida internamente à propriedade. Segundo Miranda (2005) a sinergia
gerada pela interação entre as diversas atividades desenvolvidas na propriedade e o
aproveitamento integral da mão-de-obra familiar foi decisiva para inserir competitivamente
a suinocultura da região no cenário nacional. Trata-se, portanto, de um exemplo de estilo
de agricultura econômica que se caracteriza pelos baixos custos monetários obtidos a partir
da utilização de recursos reproduzidos internamente (PLOEG, 2006a, 2006b, 2001).
Portanto, é na condição de componente de um estilo de “agricultura econômica”,
ajustada a disponibilidade de terra e mão-de-obra que a suinocultura se firma como a
principal atividade mercantil da maioria das unidades familiares do Oeste de Santa
Catarina
23
. Na realidade o desenvolvimento de um estilo de “agricultura econômica” é
resultado do que Ploeg (2008, p. 48) chama de “luta constante por autonomia”
empreendido pelo modo de produção camponês
24
”. Caracteriza-se por um processo
contínuo de construção, aperfeiçoamento, ampliação e defesa de uma base de recursos
autocontrolada, sendo a terra e a natureza viva (os animais, as plantas, a água, a biota do
solo, os ciclos ecológicos) suas partes essenciais, mas que também inclui um amplo leque
de recursos sociais, como o conhecimento local e as redes sociais, por exemplo. Tais
recursos, complementados pela mão-de-obra e pela infra-estrutura (instalações, máquinas e
equipamentos, etc.) são convertidos em uma variedade de bens e serviços ao mesmo tempo
em que são reproduzidos como recursos, o que permite reiniciar o ciclo. Isso possibilita
que a base de recurso seja composta por não-mercadorias e que haja certo distanciamento
do mercado de insumos industrializados, ao mesmo tempo em que busca uma vinculação
ao mercado de produtos. Conforme destacamos neste item, desde os primeiros momentos
23
A suinocultura se mantém como a principal atividade mercantil da agricultura familiar do Oeste de Santa
Catarina até o final dos anos 1980, quando as agroindústrias promovem a especialização e concentração da
atividade e o aumento de escala para além dos limites dos fatores produtivos da unidade produtiva.
24
No Capítulo 3 discutiremos aquilo que Ploeg (2008 e 2006) chama de condição camponesa” e que tem na
luta contínua por autonomia uma de suas características principais.
59
da colonização do Oeste catarinense que os agricultores travam essa “luta por autonomia”
e buscam uma forte vinculação com mercado de produtos.
Embora desde a época da colonização os agricultores familiares do Oeste de Santa
Catarina vinham construindo lenta e gradualmente uma inserção dinâmica ao mercado, é a
partir do início dos anos 1970 que a região vai experimentar, ensejada pelo processo que se
convencionou chamar de “modernização agrícola”, uma acelerada integração econômica e
a mercantilização de praticamente todos os aspectos da vida social. O processo
denominado de “modernização da agricultura
25
vem acontecendo no Brasil desde o final
da Segunda Guerra Mundial, mas foi a partir dos anos 1960, entretanto, que tomou maior
impulso em virtude da incisiva e efetiva participação do Estado na formulação de políticas
voltadas à industrialização da agricultura brasileira
26
. Aliás, a participação do Estado no
processo de modernização da agricultura não é uma exclusividade brasileira. Como indica
Abramovay (1992), ainda que em diferentes ritmos e intensidade, o Estado teve um papel
central em todos os países onde a modernização da agricultura aconteceu.
No Oeste de Santa Catarina o modelo de desenvolvimento baseado na
modernização da agricultura congregou esforços e interesses convergentes do Estado, do
capital agroindustrial e da parcela dos agricultores familiares que alcançou inserção nesse
mercado. Essas políticas se apoiavam principalmente no tripé: geração de tecnologias,
difusão dessas tecnologias e crédito rural e agroindustrial subsidiado e que transformou
profundamente a agricultura e o espaço rural, tanto no que diz respeito aos aspectos
sociais, quanto econômico, cultural e ambiental. Cabe lembrar, no entanto, as palavras de
Long (2001, p. 42), segundo as quais todas as formas de intervenção externa como foi o
processo de modernização da agricultura assumem a realidade preexistente de indivíduos
e grupos sociais afetados e, ao mesmo tempo, são mediados e transformados por esses
mesmos atores e suas estruturas.
A implementação das políticas voltadas à viabilização do processo de
modernização da agricultura veio ao encontro dos interesses das agroindústrias de carne do
25
Não é nosso objetivo discutir aqui o processo de modernização da agricultura no Brasil. Ele já foi objeto de
vários estudos e uma discussão aprofundada sobre o assunto pode ser encontrada, por exemplo, em
Delgado (1985), Kageyama et al. (1990), Martine (1991) e Gonçalves Neto (1997). Nosso objetivo
principal é analisar o papel desempenhado pela modernização da agricultura na mercantilização do espaço
rural do Oeste de Santa Catarina.
26
Kageyama et al. (1990) associam a modernização da agricultura com a mudança na base técnica da
produção agrícola, que ganha dimensão nacional no pós-guerra com a introdução de máquinas importadas
e insumos químicos (fertilizantes e agrotóxicos) e de novos cultivos e sementes de novas variedades
vegetais.
60
Oeste de Santa Catarina, pois contribuiu decisivamente para a sua estruturação e
consolidação. Posteriormente, permitiu imprimir o padrão de integração e de articulação
com a agricultura familiar que a transformou no maior complexo agroindustrial de carnes
da América Latina. Com isso a região se notabilizou pelo pioneirismo no estabelecimento
de um bem sucedido sistema de integração agroindustrial, congregando as grandes
agroindústrias e os agricultores familiares, constituindo-se em objeto de interesse teórico
desde os anos 1980
27
. Cabe mencionar que o modelo de integração agroindustrial permitiu
em um primeiro momento a inclusão ao mercado de um número significativo de
agricultores familiares do Oeste de Santa Catarina.
Vale lembrar, entretanto, a avaliação de Graziano da Silva (1999b), segundo a qual
o processo de modernização da agricultura brasileira “foi desigual, parcial e excludente e
que somente alguns poucos conseguiram se modernizar, o que resultou em uma perversa
diferenciação social, com a concentração da renda e da produção por um lado e da miséria
por outro”. A percepção e a generalização dessa constatação vão desencadear na região, a
partir de meados dos anos 1980, ações contestatórias e a criação e ocorrência de diversos
movimentos e organizações sociais.
Em resumo, a consolidação do Oeste de Santa Catarina como um importante pólo
agroindustrial de carne suína e, posteriormente, de aves inaugura-se de forma decisiva na
década de 1970 quando a região foi palco de um intenso processo de “modernização da
agricultura” que lançou profundamente as fundações de uma economia mercantil. A
existência de uma produção familiar diversificada, dinâmica e articulada com o complexo
agroindustrial
28
, aliada a uma importante estrutura de apoio técnico montado pelo Estado
constituíram-se em fatores cruciais para o sucesso dessa tríplice aliança (agricultores
familiares, Estado e capital agroindustrial) que culminou na estruturação e consolidação do
maior complexo agroindustrial de suínos e aves do Brasil.
Até o início da década de 1980, no Oeste de Santa Catarina havia uma relativa
convergência no interesse das agroindústrias, dos agricultores mais capitalizados social e
economicamente e do Estado. Isso resultou em um modelo de desenvolvimento centrado
na produção agrícola e na articulação e integração da agricultura familiar com as
agroindústrias de carne suína e, na década de 1970, também de carne de aves. Enquanto os
27
Veja, dentre outros, Campos, 1987; Belato, 1985; Mior, 1992.
28
A constituição dessas estruturas agroindustriais, assim como o processo de aquisição/concentração e
reestruturação que tem início a partir dos anos 1970 e que contou com fortes incentivos e recursos públicos
podem ser vistas, entre outros, em Belato
(1985),
Campos (1987),
Giese (1991)
e Mior
(1992).
61
agricultores buscavam se inserir dinamicamente no mercado, as agroindústrias, por seu
lado, voltavam seus esforços para que os agricultores aumentassem a oferta da produção
(suínos) que se converteria em matéria-prima a ser industrializada. Nos primeiros
momentos, as agroindústrias adotam uma estratégia de ampliação horizontal da produção,
ou seja, inserindo no ciclo comercial o maior número possível de agricultores. Ao Estado
cabia o papel de coordenar e facilitar esse processo tanto do lado da produção agrícola
como da industrialização – utilizando diferentes instrumentos para isso. Por um lado,
visando estimular a produção agrícola, disponibilizava crédito agrícola e prestava
assistência técnica e extensão rural aos agricultores. Por outro, oferecia incentivos fiscais e
crédito subsidiado voltado à instalação e ampliação das agroindústrias
29
.
A aplicação das políticas relacionadas ao processo de modernização da agricultura,
sobretudo o crédito, vinculado que estava à utilização de insumos industriais e práticas
predeterminadas resultou em profunda transformação da base técnica da agricultura,
provocando radicais transformações e repercussões nas relações de produção, no processo
produtivo e nas condições de trabalho, engendrando novas relações sociais e econômicas.
Analisando a partir das condições européia, Ploeg (2003) avalia que o modelo de
modernização da agricultura encorajou uma maior integração aos mercados, criou
dependência ao uso de insumos externos, promoveu a uniformização dos modelos
agrícolas e o enfraquecimento da relação entre agricultura e ecologia local.
Tratando especificamente sobre os reflexos da modernização da agricultura e a
reestruturação agroindustrial no Oeste de Santa Catarina, Silvestro (1995), vai dizer que:
O próprio saber do agricultor passa a ser questionado como não sendo mais
suficiente para explorar a atividade. Um novo conhecimento trazido pelos
técnicos das empresas e da própria extensão pública passa a ser colocado como
necessário ao novo processo de criação. Esta nova dinâmica imprimida pela
agroindústria traz implicações no funcionamento interno da propriedade. De
simples relacionamento comercial, as relações entre a agricultura familiar e a
agroindústria evoluíram ao nível de interferência dos grandes frigoríficos no
processo produtivo das unidades familiares (SILVESTRO, 1995, p. 130).
A partir da estruturação de distintos mercados, tanto dos produtos agrícolas como
de insumos e a ampliação da rede comercial, novas formas de trabalho são configuradas e
um amplo processo de mercantilização se instaura. A mercantilização materializa-se, por
29
Uma análise aprofundada a respeito das políticas públicas postas em práticas pelo Estado para
implementação desse modelo de desenvolvimento agroindustrial pode ser visto nos trabalhos de Campos
(1985), Giese (1991), Mior (1992), Silvestro (1995) e Miranda (1995).
62
exemplo, tanto na venda de mercadorias como na compra de insumos para a produção. A
modernização da agricultura intensificou o processo de mercantilização, sobretudo no que
diz respeito ao acesso no mercado de insumos.
Para Navarro (2002) a mercantilização teve um forte impacto sobre a agricultura
familiar do Sul do Brasil e adentrou intensamente nas diferentes formas de sociabilidade
das populações rurais.
Estruturaram-se diferentes mercados, primeiramente o mais direto deles, o de
produtos agrícolas, mas aos poucos os demais mercados que iriam conformar
novas formas de trabalho e produção, e também as novas facetas das relações
sociais e da própria vida cultural e simbólica. Mercados de insumos, mercados
de trabalho, ampliação do comércio e suas redes mercantis, mercado de
conhecimento, mercado de bens de consumo, mercado de produtos culturais e
bens simbólicos. Lentamente nenhum desvão da vida social escaparia do
processo de mercantilização (NAVARRO, 2002, p. 10).
Em síntese, pode-se dizer que o espaço rural e a própria agricultura familiar do
Oeste catarinense foram profundamente transformados ao longo desse período, produzindo
um amplo mosaico de formas e situações com distintos reflexos no modo de vida das
famílias rurais e nas suas estratégias de reprodução social.
Todavia, cabe salientar que tanto o processo de modernização da agricultura assim
como a mercantilização que a partir daí se estabelece, não ocorrem de forma homogênea,
tanto no território como na população. Como ressalta Ploeg (1992a), o processo de
mercantilização está longe de ser uniforme e acabado e se caracteriza exatamente pelos
distintos graus de inserção ao mercado – resultado do próprio processo de desenvolvimento
capitalista no campo que origina uma heterogeneidade estrutural. Entretanto, como
reconhece o autor, nem todas as esferas ou elementos da vida social e econômica foram
mercantilizadas.
As pesquisas de Ploeg (2000 e 2008) mostram, por exemplo, que a heterogeneidade
da agricultura é uma característica persistente na Europa e que indicativos que ela
aumentou durante o período de modernização. Ploeg (1994) assevera que é exatamente
dessa heterogeneidade que deriva os distintos “estilos de agricultura” e que se configuram
a partir das diferentes estratégias adotadas pelas famílias rurais para fazer frente ao
processo de reestruturação da agricultura (políticas agrícolas, condições de mercado,
tecnologias, etc.).
As transformações econômicas e sociais decorrentes do processo de modernização
da agricultura do Oeste de Santa Catarina impulsionam uma intensa mercantilização da
63
vida social, cultural e simbólica e que, segundo Navarro (2002), “invadiu a mais recôndita
face da sociabilidade, ainda que sob ritmos diversos, balizando a estruturação social e
motivando um grande número de iniciativas e processos sociopolíticos”. Evidentemente
que a mercantilização ocorreu de forma heterogênea e em distintos graus, como lembra
Ploeg (1992a), mas ela conformou novas relações sociais que, gradativamente, alteram a
fisionomia do espaço rural e transformam a agricultura familiar.
Ploeg (2006) assim sintetiza as transformações promovidas pela modernização:
[...] a modernização implicou, primeiramente, em aumentos significativos de
escala de produção e reduções na absorção de trabalho agrícola. Em segundo
lugar, implicou na introdução de uma tecnologia dirigida a uma intensificação
produtiva que tomou o lugar das formas de intensificação fundadas no trabalho.
Junto a estes aumentos de escala e intensidade está um abrupto e multifacetado
processo de mercantilização. Este último aspecto foi um resultado tanto quanto
um pré-requisito do anterior. Mercantilização, especialmente na matriz de
insumos da agricultura, e reestruturação do processo de produção caminharam
lado a lado e tornaram-se o núcleo do novo modo empresarial de produção
agropecuária, constituído pela e através da modernização (PLOEG, 2006b, p.
16). [destaque no original].
Nas situações em que a mercantilização associa-se intimamente à globalização dos
mercados de commodities agrícolas é razoável imaginar que seus efeitos determinam a
subordinação dos agricultores, das práticas agrícolas e dos discursos a “uma única
gramática”, isto é, a imposição de um único “regime sócio-técnico” (PLOEG, 2006a).
A forte mercantilização impulsionada que foi pelo processo de modernização da
agricultura promoveu uma multiplicidade de relações e transformações sociais e
econômicas no interior do espaço rural e na própria agricultura familiar, conformando uma
“nova atmosfera” sociopolítica no Oeste de Santa Catarina, cujas peculiaridades ainda
estão por serem desvendadas.
Analisado estritamente sob o ponto de vista do crescimento econômico o Oeste de
Santa Catarina representa uma das regiões brasileira mais bem sucedida na implantação do
modelo de desenvolvimento centrado nos princípios da modernização da agricultura. De
fato, analisando-se os dados do Censo Agropecuário 1995/96, constata-se que embora a
região detenha apenas 2,24 % da área total destinada às lavouras temporárias do Brasil e
apresente uma topografia fortemente restritiva à utilização das terras para cultivo anual,
quando se compara com a produção brasileira, o Oeste de Santa Catarina produziu 5% da
produção de feijão, 7% do fumo, 6% do milho, 5% do leite, 25% dos suínos e 16% das
aves. Esses dados sugerem que a região apresenta um padrão de produtividade compatível
64
com o que é preconizado pelo modelo de desenvolvimento agrícola subjacente ao processo
de modernização da agricultura.
Em apenas algumas décadas construiu-se uma história de riqueza em que o Oeste
de Santa Catarina demarcou seu espaço no cenário econômico nacional e internacional,
notadamente através da agropecuária e da agroindústria (TESTA et al., 1996). A região
abriga o maior complexo de produção, abate e transformação de carne suína e de aves do
Brasil e América Latina, sendo o espaço privilegiado de atuação das grandes empresas
agroalimentares. Atualmente é uma região com capacidade de produção de alimentos bem
superior à demanda regional e estadual. Segundo Silvestro et al. (2001), o mercado
regional, por exemplo, absorve apenas 2,8% da produção agroindustrial de suínos e 17%
da produção de leite e derivados. Essa condição evidencia, por um lado, a grande
capacidade produtiva da agricultura familiar, mas de outro também fica patente a forte
dependência aos mercados nacional e internacional.
Até meados dos anos 1980 havia um consenso tácito entre os atores regionais, que
o desenvolvimento agrícola, baseado na modernização da agricultura e na articulação e
integração dos agricultores familiares às grandes agroindústrias, promoveria o
desenvolvimento rural e o bem-estar da população. Na realidade subjacente ao ideário da
modernização da agricultura estava presente a idéia de que o desenvolvimento agrícola
levaria ao desenvolvimento rural. Todavia, a partir do início dos anos 1990, sobretudo pós
Eco 92, quando o paradigma do desenvolvimento agrícola passa a ser questionado de
forma mais contundente e que a idéia de desenvolvimento incorpora a perspectiva da
equidade social e da prudência ambiental e não apenas os aspectos econômicos, o
“modelo” de desenvolvimento do Oeste de Santa Catarina passa a sofrer alguma objeção.
Sabe-se que onde as políticas de modernização da agricultura foram executadas a produção
agropecuária experimentou inegável incremento, porém, com altos custos ambientais e a
persistência da pobreza rural.
Não se pode negar, entretanto, que até início dos anos 1980 havia a absorção
gradativa de novos produtores de suíno no modelo de integração agroindustrial, além de
um ambiente produtivo que conjugava uma produção diversificada voltada a atender o
autoconsumo familiar e, principalmente, o mercado. O agricultor gozava de uma relativa
autonomia no processo decisório, que podia organizar seu processo de trabalho e
produção com base na disponibilidade interna dos fatores produtivos” (MIOR, 2005, p.86).
No entanto, a partir de meados dos anos 1980 o modelo de integração agroindustrial do
65
Oeste de Santa Catarina entra em uma nova fase que se caracterizou por importantes
modificações nas formas tradicionais de produção, organização e obtenção da matéria-
prima.
Começa a ser implementado um processo de especialização e concentração na
suinocultura, com a introdução de economias de escala que ultrapassam os limites da
produção diversificada, quebra a lógica de funcionamento da agricultura familiar e
aumenta a poluição ambiental, com impactos negativos na distribuição da renda e na
economia regional.
2.4 O “aperto
30
” do modelo de integração agroindustrial e a crise dos anos 1990
A partir do final da década de 1980, quando a maioria dos agricultores da região
havia aderido ao menos parcialmente à modernização da agricultura, as agroindústrias
de carne passam a exigir que os agricultores integrados aumentem a escala de produção nas
unidades familiares e que essas se transformem em produtoras especializadas
31
de suínos.
Trata-se de um intenso processo de reestruturação agroindustrial que, em grande medida, é
reflexo da globalização do sistema agroalimentar e da ideologia dominante e cujos reflexos
prenuncia uma crise no relacionamento entre as agroindústrias e a produção familiar. No
bojo dessa reestruturação produtiva são introduzidas novas tecnologias e mudanças
organizacionais que exigiram que o agricultor familiar aumentasse a escala e se
especializasse na produção de suínos. Na realidade as agroindústrias buscaram substituir o
sistema de “ciclo completo” por um mais especializado denominado de “parceria” cuja
divisão de trabalho separa os estabelecimentos agropecuários em “produtores de leitão” e
em terminadores
32
. A ração é totalmente fornecida pela agroindústria, desaparecendo a
relação que havia entre o tamanho do plantel e a capacidade da propriedade em produzir os
alimentos necessários para criar esses animais. Com o aumento da escala de produção de
suínos, a maior parte das propriedades que adota esse sistema, não possui capacidade
30
O “aperto” sobre a agricultura (squeeze on agriculture) tem sido denominado na literatura como o processo
no qual os agricultores são pressionados pelas exigências tecnológicas impostas pelas agroindústrias, por
um lado, e pelo alto nível de custos e a queda no preço dos produtos, por outro. Dessa forma, para manter o
mesmo nível de renda os agricultores tendem a expandir o tamanho e a escala das atividades e, desse
modo, a produção é crescentemente concentrada em um número limitado de estabelecimentos.
31
Denominamos de unidades familiares especializadas àquelas que se dedicam quase que exclusivamente à
produção de suínos e tem na atividade a única ou a principal fonte de renda.
32
Propriedades que engordam os leitões com peso a partir de 25 kg ao abate, o que leva em torno de três
meses, quando alcançam peso em torno de 90 kg.
66
suficiente para reciclar todos os dejetos produzidos, trazendo como consequência a
poluição da água, do solo e do ar.
Isso foi gradativamente minando a capacidade de articulação da agricultura familiar
com o complexo agroindustrial. Fato esse que tem levado à concentração da produção em
alguns poucos agricultores que se localizam próximos às plantas industriais. O depoimento
abaixo ilustra as transformações no sistema produtivo, percebida pelo entrevistado como
uma progressiva perda de autonomia e um crescente processo de exploração, interpretado
pelo agricultor como uma crise.
Antes a gente sempre tinha nove ou dez criadeiras [matrizes] e engordava todos
os leitões com aquilo que a gente plantava... Era milho, soja, mandioca,
abóbora... Tinha de tudo um pouco. Assim quando vendia o porco sempre
sobrava uma margem de lucro. Depois, eles [os frigoríficos] começaram exigir
o uso de ração e concentrado... A coisa começou a piorar. Acho que isso faz uns
20 ou 25 anos. Mas coisa ficou feia acho que faz uns dez ou quinze anos...
Ficou feia mesmo... Uma crise... Quando começaram com esse sistema de
parceria. A maioria teve que abandonar a produção de porco porque não tinha
dinheiro para construir o chiqueirão. Depois, nesse sistema [parceria] o
frigorífico entra com os leitões e a ração e o colono entra com a mão-de-obra. A
gente engorda 200 ou 300 porcos e não sobra nada... Não sobra nada para o
colono [...] sobra o trabalho e o esterco. [...] colocar onde todo esse esterco,
se a maioria quase nem tem mais lavoura? O colono virou peão do frigorífico.
(Entrevista 7. Outubro de 2007).
Por um lado, a economia de escala resultante da especialização na produção trás
consigo o aumento dos riscos (econômico, ambientais, sanitários, relacionados à
organização do trabalho familiar e outros), a poluição ambiental e uma maior dependência
de recursos externos ao estabelecimento (insumos, créditos, informações, etc.). Por outro,
também significa a exclusão do mercado daquelas unidades familiares que não desejavam
ou não conseguiam (por falta de recursos financeiros, de mão-de-obra familiar, etc.) fazer
as alterações no modelo produtivo ou mesmo, porque a produção em pequena escala
tornou-se supérflua para as agroindústrias e, assim, podem concentrá-la apenas nos
estabelecimentos eleitos de seu interesse.
Segundo Silvestro et al. (2001a), desta reestruturação produtiva resultaram pelo
menos dois aspectos negativos para a região: a exclusão de grande parte dos agricultores
familiares dos sistemas de produção de suínos e a agressão ao meio ambiente pela
produção concentrada e pela utilização inadequada dos dejetos dos suínos. Neste sentido,
Testa et al. (1996) estimam que em um período de um pouco mais de dez anos (1985 a
1996) quase 50 mil famílias abandonaram a produção integrada de suínos por não desejar
67
se submeter ou não conseguir acompanhar o “aperto” representado pelo treadmill
33
tecnológico e pela intensificação da atividade imposta pelas agroindústrias.
Neste sentido, analisando mais especificamente à situação européia Ploeg (2006b,
p.259) afirma que:
Por muitas décadas a intranqüilidade resultante desta situação tem sido abafada
por um repertório de propostas políticas e programas que, além disso, também
objetivam um aumento de escala e um comportamento “empresarial”, por parte
do agricultor. Isso integra o “aperto sobre a agricultura” (squeeze on
agriculture). Em vez de um nível seguro e adequado de renda e uma condição
estável, o acelerado aumento de escala e a estratégia de agricultura empresarial
alimentam e empurram para um treadmill ao mesmo tempo em que a regulação
estatal está bloqueando a emergência e consolidação de alternativas que estão
sendo re-descobertas ou criadas recentemente ao nível local (PLOEG, 2006b. p.
259).
Considerando que a suinocultura se constituía em uma atividade âncora da
agricultura familiar da região, em um pouco mais de 10 anos mais da metade das 88 mil
unidades familiares existentes no Oeste de Santa Catarina tiveram que encontrar novas
formas de produzir e de se inserir ao mercado. Isso uma idéia da magnitude e dos
reflexos socioeconômicos dessas transformações. Diante dessa situação uma parte dos
agricultores familiares do Oeste de Santa Catarina, de forma individual ou coletiva, vai
acionar seus conhecimentos e capacidade de se organizar coletivamente e construir
estratégias de reação, como os exemplos que serão analisados no Capítulo cinco.
Silvestro et al. (2001b) apontam outros fatores que também contribuíram para
agravar a crise: o esgotamento dos recursos naturais, explorados acima de sua capacidade;
a queda do preço e a redução na rentabilidade das commodities tradicionalmente
produzidas na região; a grande distância dos mercados consumidores; a escassez de terras
aptas para culturas anuais; a estrutura fundiária excessivamente subdividida. A ação
conjunta destes fatores gerou um quadro geral de descapitalização das unidades familiares
e a intensificação do êxodo rural.
No processo de reestruturação, as estratégias das agroindústrias convergem para
uma redistribuição espacial da produção de suínos e aves, priorizando os agricultores com
maiores escalas e localizados nas proximidades das plantas industriais. Desse modo pode-
33
Segundo Abramovay (1992) o treadmill tecnológico representa para os agricultores a ininterrupta busca
por inovações tecnológicas e aumento nos níveis de produtividade que os fazem entrar cada vez mais nos
mercados de insumos e depender de recursos externos, criando assim um “ciclo vicioso”. O resultado disso
é a crise socioeconômica que vai se instalando na região à medida que os agricultores familiares não mais
conseguem acompanhar essa “corrida” pelo avanço tecnológico e aumento de escala e, por isso, acabam
excluídos do processo produtivo.
68
se considerar que o Oeste de Santa Catarina se constitui em um espaço de “competição e
mercantilização”, no sentido descrito por Bonanno et al. (1999), porque nele está presente
um processo de desenvolvimento desigual, que integra certos locais e tipos de agricultores
enquanto outros são excluídos e marginalizados.
Neste sentido, Testa et al. (1996) estimam que em 1985 havia 67 mil agricultores
familiares integrados à produção de suínos, enquanto em 1996 chegava a apenas 20 mil.
Isso significa que em apenas dez anos, quase 50 mil famílias tiveram que encontrar novas
formas de produzir e de se inserir no mercado. Para compensar a acentuada redução no
número de suinocultores integrados, ocorreu um grande aumento no número de animais
por propriedade, ou seja, aconteceu uma ampliação da escala de produção dos
suinocultores integrados, o que assegurou o suprimento de matéria prima aos principais
frigoríficos processadores. Todavia, o aumento de escala teve como um dos seus reflexos
negativos o aumento na poluição do solo e da água uma vez que a reciclagem dos dejetos
produzido nesses estabelecimentos ficou seriamente comprometida.
Por tudo isso é que algumas pesquisas (TESTA et al., 1996; ABRAMOVAY et al.;
1998, RENK, 2000; SILVESTRO et al., 2001a; SILVESTRO et al., 2001b) têm
interpretado que desde o início dos anos 1990 o espaço rural do Oeste de Santa Catarina e,
por consequência, o próprio desenvolvimento da região passa por uma forte crise
socioeconômica e ambiental e cuja origem está no esgotamento do modelo de
desenvolvimento agrícola baseado na modernização da agricultura e na integração
agroindustrial.
Para esses autores, de forma geral, a crise se expressa no empobrecimento da
população rural; na intensificação do êxodo rural, sobretudo dos mais jovens; no
despovoamento de muitas localidades; na poluição ambiental; no crescente número de
unidades sem sucessor; no envelhecimento e masculinização da população rural e na
crescente dificuldade de reprodução social da agricultura familiar. Apontam como uma das
principais causas da crise o processo de reestruturação agroindustrial que teve início no
final dos anos 1980 e que introduziu novas tecnologias, mudanças na organização
produtiva e um progressivo aumento nas escalas de produção e exigências de
especialização. Essas transformações foram gradativamente minando a capacidade de
articulação da agricultura familiar com o complexo agroindustrial e promovendo um
processo de seleção e exclusão dos agricultores integrados nas cadeias produtivas de suínos
e aves.
69
Segundo Miranda (2003, p. 34) os defensores do modelo de suinocultura industrial
argumentam que a concentração da atividade é o resultado inexorável da corrida
tecnológica de uma cadeia produtiva internacionalmente competitiva, que exige a
minimização dos custos de produção e transação e que isso impõe a especialização de
algumas propriedades e a exclusão das que se tornaram inadequadas às exigências do
mercado. Essa forma de organizar a produção foi influenciada pelos ventos (neo)
liberalizantes dos anos 1990 e do chamado “Consenso de Washington
34
em cujo
pensamento estava implícito o aumento de escala e da produtividade e uma administração
“profissional” do empreendimento, criando um ambiente socioinstitucional que Marsden
(2003) denomina de “Institucionalização da insustentablidade”. Essa maneira de pensar e
agir, como ressalta Ploeg (2006a, p. 259), é parte integrante do crescente “aperto sobre a
agricultura” (squeeze on agriculture) modernizada e que pode ser sumarizado pelo
expressivo aumento das despesas em relação ao valor da produção e um decréscimo nos
retornos do trabalho. Desse modo, o “aperto” sobre a agricultura ao invés de um nível
seguro e adequado de renda e uma condição estável promove um acelerado aumento de
escala e a estratégia da agricultura empresarial que alimenta e empurra para um treadmill
tecnológico. Isso fez com que grande parcela dos agricultores familiares buscasse
avidamente e implementasse projetos alternativos capazes de promover a reprodução social
e econômica.
Os fatos acima relatados evidenciam a presença de uma crise agrária. Em qualquer
local ou tempo a agricultura sempre se articula em três eixos, a saber: a natureza, a
sociedade e os atores sociais nela envolvidos. Estaremos enfrentando uma crise agrária se
alguma desarticulação mais ou menos crônica emergir em algum dos eixos mencionados
(PLOEG, 2008, p. 26). Para o autor a idéia “clássica” de crise agrária está relacionada com
a organização da produção e os interesses e perspectivas daqueles diretamente envolvidos
nela. Este tipo de crise ao longo da história tem impulsionado lutas dos camponeses e,
muitas vezes, a reforma agrária. Por outro lado, segundo Ploeg, (2008, p. 27), estamos
diante de uma crise agroambiental quando a agricultura se organiza e se desenvolve através
da destruição sistemática dos ecossistemas em que se baseia e/ou contamina o ambiente.
Finalmente, para autor pode existir uma crise agrária quando houver a desarticulação entre
34
A expressão cunhada em 1989, pelo economista anglo-americano John Williamson, para o conjunto de
políticas e reformas propostas pelos organismos multilaterais na renegociação da divida externa dos países
em desenvolvimento. As propostas do Consenso de Washington atualizam para o conjunto do Terceiro
Mundo as novas convicções liberais hegemônicas nas academias e na política econômica mundial (FIORI,
1997).
70
a agricultura e a sociedade em geral e cujo mote pode girar em torno da quantidade e da
qualidade dos alimentos produzidos. A proliferação, sobretudo na Europa, dos escândalos
alimentares (doença da vaca louca, febre aftosa, gripe aviária, peste suína) são expressões
da crise que liga a agricultura à sociedade.
Acredita-se que grande parte da crise que vem enfrentado o espaço rural e a
agricultura familiar do Oeste de Santa Catarina está relacionada à desarticulação, que
ocorre em distintos graus, nos três eixos com os quais a agricultura se articula.
Discutiremos a seguir algumas das principais desarticulações promovidas pela
modernização da agricultura e pela reestruturação agroindustrial.
2.5 Desarticulação do processo produtivo
O progresso técnico e a modernização têm transformado profundamente a
agricultura e o espaço rural do Oeste de Santa Catarina, tanto no que diz respeito aos
aspectos sociais, quanto econômico, cultural e ambiental
35
. O progresso técnico se
aproxima, em grande medida, ao que Ploeg (1992a) denomina de “cientificação” da
agricultura, que é entendido como a reconstrução sistemática das atuais práticas agrícolas
através dos processos científicos e, por meio dela, se cria uma estrutura que possibilita ao
capital maior controle sobre o processo de trabalho agrícola. Na realidade, poderíamos
dizer que a “cientificação” na agricultura assemelha-se muito ao processo histórico de
organização do trabalho desde a manufatura até a indústria. Entretanto, em contraste com a
indústria, onde uma parte considerável da especialização crescente e da divisão do trabalho
tem lugar no interior da própria fábrica, no processo de modernização da agricultura um
número crescente de tarefas é separado do processo de trabalho agrícola e deslocado para a
indústria (GRAZIANO DA SILVA, 1999). Desta forma, o crescimento da produção
agroindustrial especializada e em grande escala fica atrelado ao uso de máquinas e,
sobretudo, insumos industriais. Com isso, a difusão de processos de elevado grau de
mercantilização, uma acentuada utilização de insumos de origem agroindustrial e uma forte
35
Cabe ressaltar que estas transformações não ocorreram de forma hegemônica e homogeneizadora. Muito
pelo contrário, elas acabaram acentuando a heterogeneidade dos espaços rurais. É exatamente neste sentido
que Marsden (1995) se propõe a discutir o desenvolvimento desigual. Na realidade, como destaca Long
(1994), nos estamos vivendo de fato um mundo crescentemente diversificado que somente tem o tulo de
homogeneizado.
71
dependência em relação aos agentes externos e às relações mercantis (NORDER, 2006, p.
112).
Inicialmente todas as etapas de produção de suínos, inclusive a produção dos
alimentos dispensados aos animais, eram feitas na mesma propriedade. Atualmente,
existem as propriedades especializadas em criar os leitões enquanto outras fazem somente
a engorda desses animais e praticamente toda a ração utilizada na alimentação dos animais
vem das agroindústrias. Isso representa uma síntese parcial daquilo que se tem denominado
de especialização da suinocultura.
Como nem todos os agricultores desejavam ampliar a atividade ou possuíam o
capital para fazer os investimentos necessários para isso, a maior parte deles fica obrigada
a abandoná-la. Até essa época, as unidades familiares que produziam suínos organizavam-
se de forma que grande parte da produção agrícola (milho, mandioca, batata doce, cana de
açúcar, etc.) era transformada em alimento para os animais. Formava-se assim, um ciclo
que se revelava muito interessante para o equilíbrio ambiental e econômico na medida em
que permitia que a unidade familiar suportasse melhor o período em que os preços
recebidos pelos produtos se apresentassem baixos. O efeito sinérgico resultante da
interação das inúmeras atividades desenvolvidas na propriedade e o uso integral da mão-
de-obra familiar foi decisivo para imprimir um diferencial competitivo à agricultura
familiar da região vis a vis uma agricultura de maior escala
Desta forma, para a maior parte dos agricultores que ficaram de fora do sistema de
integração de suínos restou a renda da venda do milho, que antes era produzido para
criar os suínos. No entanto, a queda histórica do preço do milho associado ao baixo volume
com que era produzido não possibilitava uma renda suficiente para a família. Essa
transformação tão intensa e repentina resultou em uma completa desestruturação da
unidade de produção e do próprio cleo doméstico, tendo em vista que majoritariamente
todo o processo produtivo (incluindo o trabalho familiar) se organizava em torno da
suinocultura
36
.
36
Ao contrário da agricultura familiar da região Colonial Serrana Gaúcha onde à medida que o sistema
produtivo tradicional da economia colonial entrava em colapso, encontrava alternativa na combinação do
trabalho não-agrícola (obtido na indústria do setor coureiro-calçadista) e no cultivo da acácia-negra,
utilizada para a extração do tanino, que exigia o uso de pouca mão-de-obra (SCHNEIDER, 1999). No caso
do Oeste de Santa Catarina as alternativas se restringiam ao âmbito da produção agrícola: neste caso a
atividade leiteira e a produção integrada de fumo. No entanto, aquela ainda era incipiente e foi fruto do
direcionamento comercial da produção voltada para autoconsumo enquanto a produção do fumo era
considerada de status inferior pela maioria dos agricultores familiares tendo em vista a alta exigência no
uso de agrotóxicos e a grande demanda de mão de obra.
72
A desarticulação da estrutura de produção familiar diversificada afeta
negativamente o território, na medida em que a falta de ocupação empurra grande parte da
população para longe da comunidade, promovendo assim o despovoamento do território, a
desintegração do espaço rural e a subutilização da infra-estrutura comunitária, como
escolas, estradas, postos de saúde, rede elétrica, sede comunitária, campo de futebol,
comércio local e outros.
Uma transformação importante que vem ocorrendo na região relaciona-se com o
uso do solo. O cultivo de lavouras anuais nas áreas de maior declividade está sendo
abandonado ou substituído pelo cultivo de plantas permanentes como pastagem ou
reflorestamento. Comparando os dados do Censo Agropecuário de 1980 com o de 1995/96
verifica-se que no Oeste de Santa Catarina houve uma diminuição de aproximadamente
180 mil hectares nas áreas de lavouras de cultivo anual. Schneider (1999) chamou de
“cultura do abandono”, ao fenômeno semelhante que ocorreu na década de 1980 no Vale
do Rio dos Sinos e Encosta da Serra (RS), onde o cultivo da acácia-negra assumiu
importância econômica crescente, na medida em que substituía o sistema produtivo
tradicional (que se encontrava em um processo de crise e desarticulação) e permitia a
combinação de atividades agrícolas com trabalhos fora da propriedade
37
. Dentre as
possíveis explicações para a ocorrência do fenômeno da “cultura do abandono” no Oeste
de Santa Catarina, podemos citar: (a) a redução do tamanho das famílias e a diminuição da
mão-de-obra familiar; (b) a depauperação do solo e a contínua queda no preço dos grãos;
(c) o trabalho penoso, representado pelo cultivo em terreno declivoso e a base de tração
animal, não é mais aceito pelas novas gerações de agricultores; (d) maior facilidade de
acesso a máquinas e equipamentos (próprios ou alugados) que permite a intensificação do
uso das áreas mais favoráveis ao cultivo.
Portanto, como salienta Ploeg (1992b), a mercantilização e o desenvolvimento
tecnológico se materializam no crescente deslocamento dos diferentes processos de
produção na agricultura e que conferiam a diversidade e as características locais. Dessa
forma, crescentemente a produção agropecuária se desconectada dos elementos
estruturantes que lhe conferiam especificidade entre os quais o autor cita a natureza e a
ecologia, as peculiaridades locais e regionais da força de trabalho, a elaboração de
37
Schneider (1999) demonstra que frente às transformações estruturais a agricultura familiar re-elabora
novas estratégias de reprodução. Ou seja, ela opera uma metamorfose diante da desarticulação e
reconfiguração produzidas pelo capital no seu modo de vida e sociabilidade.
73
produtos com características culturais e regionais específicas e a desestruturação das
formas relativamente autônoma de organização do trabalho.
Neste sentido, Ploeg (1992b) cita seis tipos de desconexões
38
que estariam
ocorrendo na produção agropecuária e que, em grande medida, também estariam ocorrendo
no Oeste de Santa Catarina. A primeira delas acontece nos processos de produção agrícola
como a terra, a natureza e a ecologia. Os fatores de crescimento natural como a fertilidade
da terra, a chuva, a temperatura e a disposição de luz deixam de ser objeto de regulação do
processo de trabalho e passam a ser substituídos por um conjunto completamente novo de
fatores de crescimento criados artificialmente a partir da indústria. A agricultura se
desconecta dos ecossistemas e tanto a natureza como o processo de trabalho pode estar
subordinado a esta perspectiva particular.
Um segundo tipo de desconexão ocorre no próprio processo de trabalho agrícola,
que integra um impressionante número de tarefas e subtarefas. Enquanto que
historicamente o progresso na agricultura coincidia frequentemente com a expansão do
conjunto de tarefas, o desenvolvimento técnico atual segue uma rota oposta, que se
caracteriza por um aumento na divisão social do trabalho resultante da crescente delegação
de tarefas a instituições externas, que Ploeg denomina de externalização. Emerge, então,
um padrão de agricultura altamente dependente das relações de mercado, implicando em
uma crescente dependência de relações externas e na sua submissão ao agribusiness” e ao
capital.
Um terceiro tipo de desconexão se refere à relação entre o processo de trabalho e a
força de trabalho requerida. Até pouco tempo as qualidades encarnadas na força de
trabalho, que eram obtidas através da socialização para o trabalho agrícola, que desde
muito cedo o filho de agricultor experimentava, foram cruciais para, em uma sequência
posterior, desenvolver processos de trabalho específicos. A habilidade técnica era
indispensável para uma “boa agricultura” e para o constante desenvolvimento do processo
de produção. Atualmente, no entanto, não a quantidade como também a qualidade do
trabalho são cada vez mais supérfluas. Um claro exemplo deste novo tipo de desconexão é
a automatização do processo de trabalho agrícola.
38
Os conceitos “reconexão e “desconexão” utilizados por Ploeg (1992b) aproximam-se dos conceitos de
“encaixe” e “desencaixe” utilizados por Giddens (1991, p.29). Para esse último autor, desencaixe
representa o “deslocamento das relações sociais de contextos locais de interações e sua reestruturação
através de extensões indefinidas de tempo-espaço”. Esta imagem permite capturar os alinhamentos em
mudança de tempo-espaço, fundamental para a mudança social em geral e para a modernidade em
particular.
74
Um quarto tipo de desconexão é produzido pela crescente cientificação da
agricultura, isto é, a contínua reorganização do trabalho e o desenvolvimento de processos
de acordo com os padrões da moderna ciência agrícola, introduzidos na agricultura
mediante a divulgação dos novos modelos técnicos promovidos pela indústria agrícola.
Esta desconexão se refere às mudanças na organização social do tempo e do espaço.
Inicialmente a organização social do tempo e do espaço estava fortemente entrelaçada com
o próprio processo de trabalho. A coordenação dos ciclos de crescimento “naturais” com os
“calendários sociais” deu origem a uma impressionante variedade de “calendários
agrários” (PLOEG, 1992b, p. 97). Tempo, espaço e trabalho se desconectam cada vez
mais. A mudança nas inter-relações entre o trabalho, tempo e espaço não ocorre somente
no nível ideológico ou dentro dos laboratórios nos quais se organiza a pesquisa e
desenvolvimento das novas técnicas, ela também está onipresente e de forma muito clara
dentro da prática agrícola. Isso implica que o aporte de trabalho e, consequentemente, as
relações no interior da família (gerações e sexo) têm que se reorganizar para ajustar-se aos
atuais modelos tecnológicos. Tal reorganização constitui-se, freqüentemente, em uma
dramática mudança na centralidade da família.
Um quinto tipo de desconexão se encontra na crescente separação do processo de
produção agrícola e a especificidade de seus produtos finais. Ou seja, a agricultura já não
se orienta para a produção de bens específicos diretamente para o consumo.
Consequentemente, as condições específicas que relacionam a ecologia, o tempo e a
habilidade técnica do agricultor com as características do produto final passam a ter menor
relevância.
Um sexto tipo de desconexão é a desaparecimento da família (em termos de
relações de gêneros e geracional, sua história e os projetos específicos para o futuro) como
o centro da empresa agrícola e de seu desenvolvimento. Neste caso, não é a família quem
define a direção, o ritmo e o tempo. Agora é a família quem se adapta ao processo
produtivo, que direta ou indiretamente é definido externamente através da tecnologia.
2.6 Os movimentos sociais: em busca de alternativas
Acredita-se que a relativa consolidação no Oeste de Santa Catarina do modelo
produtivo baseado na modernização da agricultura criou barreiras para pensar e
75
implementar outras perspectivas de desenvolvimento. Assim, quando a crise do modelo de
desenvolvimento agroindustrial se abateu sobre a região a “força de inércia” resultante
dessa trajetória de desenvolvimento e certo “imobilismo” toma conta das ações dos atores
sociais da região que, em certo sentido, tentam “salvar” o modelo de desenvolvimento
responsável pela crise. Assim, por exemplo, o medo generalizado de “ficar para trás” fez
com que muitos agricultores elaborassem estratégias para se manterem inseridos no
modelo de “modernização da agricultura” e de articulação e integração com as grandes
agroindústrias. As mobilizações e pressões políticas promovidas pelos representantes
sindicais dos agricultores acabam fortalecendo a trajetória tecnológica baseada no modelo
de “modernização da agricultura”. De forma geral, a pesquisa agropecuária e a extensão
rural, por exemplo, concentram ainda mais seus esforços no sentido de fortalecer o modelo
produtivista, baseado na modernização da agricultura e da integração agroindustrial. Neste
ambiente, um processo de desenvolvimento rural, que distribua de forma eqüitativa seus
resultados, que seja duradouro e geograficamente equilibrado tem dificuldades de se
expressar e se estabelecer.
Entretanto, paralelo ao processo de desconexão das características que conferiam
especificidade à agricultura, emergem movimentos ambientalistas que pressionam por
padrões ou regulamentações agrícolas no sentido de prevenir impactos ambientais
negativos, cuja consequência é a crescente demanda por alimentos produzidos com menor
agressão ambiental e isentos de resíduos agressivos à saúde dos consumidores.
Essas pressões podem ter um efeito de reconectar a agricultura aos elementos que
imprimiam especificidade. Ward (1993) ilustra bem isso ao relatar que na Inglaterra a
partir da metade dos anos 80, começa a aumentar a consciência social sobre qualidade dos
alimentos, do meio ambiente, e a valorização da paisagem rural. Como resultado aumenta
as críticas a algumas práticas agrícolas e às implicações negativas sobre o bem-estar
animal, o que contribui para contestar as políticas que incentivavam modelos produtivistas.
Desse modo, Ploeg (1992a) considera que a crise ambiental produzida pela agricultura
moderna tem provocado uma reação, por parte dos consumidores e dos próprios
agricultores que resulta em uma re-conexão da agricultura aos fatores de crescimento
naturais e a transição, lenta, mas gradual, da agricultura para uma fase que Marsden (1995)
denomina de pós-produtivismo e rediferenciação do rural. Por este motivo Marsden et al.
(1993) sugerem a necessidade de uma nova estrutura conceitual que conta da natureza e
significância destas transformações. A crítica dos autores é que o rural tem sido
76
historicamente marginalizado na ciência social. Assim, por exemplo, nos estudos de
comunidades que se concentraram nas décadas de 1950/60 o meio rural era visto como
isolado do mundo, enquanto no âmbito da economia política, as áreas rurais e as pessoas
que vivem nesse espaço são vistas como recipiente passivo das forças externas. Por outro
lado, diz Marsden, nos departamentos governamentais e ONGs o estudo da economia rural
restringe-se à agricultura, o que produz uma visão muito parcial.
Desse modo, enquanto grande parte dos trabalhos acadêmicos aponta para uma
crise na agricultura familiar do Oeste catarinense, os agricultores e suas organizações estão
construindo inúmeras “novidades” representadas por novas formas de organização do
trabalho e da produção mas por não serem ainda totalmente “visíveis” não recebem a
necessária atenção no sentido de interpretá-las a luz do desenvolvimento rural. Em parte,
como consequência disso, tampouco recebe o adequado apoio das políticas públicas para
que essas novidades possam florescer e se difundir com maior facilidade
39
.
Pode-se dizer que desde os primórdios da colonização do Oeste de Santa Catarina
diversas redes de sociabilidade se faziam presentes e se manifestavam pelos laços de
confiança e solidariedade na busca de soluções para os problemas comuns tendo em vista
as dificuldades do ambiente natural ali encontrado. De forma geral os migrantes que
chegaram ao Oeste de Santa Catarina se organizavam de modo a manter uma proximidade
geográfica para os grupos, que desde o seu local de origem já se identificavam por relações
de parentesco, vizinhança, amizade e religiosidade. Desta forma, desde o início da
colonização se faziam presente as manifestações de cooperação e reciprocidade como a
troca de dias de serviço, o mutirão, os trabalhos coletivos nas lavouras (especialmente as
colheitas), a ajuda mútua na construção de equipamentos coletivos (igreja, escola, salão
comunitário).
O serviço de extensão rural de Santa Catarina desde meados dos anos 1960 até
início dos anos 1980 usou na execução de seu trabalho a capacidade organizativa dos
agricultores da região. Exemplo disso foi a utilização do “mutirão para construção de
patamares de pedra” como uma das estratégias para difundir técnicas de conservação do
solo. Também se valeu das “lavouras coletivas” realizadas por grupos de jovens rurais,
39
Ploeg et al. (2004) ressaltam que pelo menos na sua emergência, uma “novidade” em geral necessita de um
ambiente (social, político e institucional) conveniente para que possa se enraizar. Todavia, na sua fase
inicial, muitas vezes elas o vistas como anomalias ou até mesmo são invisíveis para a maioria das
pessoas e, por isso, não recebem a atenção necessária. Esse parece ser o caso do Oeste de Santa Catarina.
77
tendo como um dos seus objetivos a difusão de tecnologias da revolução verde (calcário,
adubos, sementes híbridas, agrotóxicos, etc.).
Todavia, a partir dos anos 1980 surge no Oeste catarinense uma importante e nova
forma de organização dos agricultores familiares que se traduz em uma resistência ao
projeto desenvolvimentista e de “modernização da agricultura” adotado no Brasil e que
resultou em profundas desigualdades e diferenciação social dos agricultores familiares. No
bojo de outros movimentos nasce o “Movimento de Cooperação Agrícola” (MCA), que
difundia a idéia da “agricultura de grupo” e que resultou na formação de expressivo
número de associações distribuídas em todo o território do Oeste de Santa Catarina.
Segundo Prim (1996, p. 33) a agricultura de grupo no Oeste de Santa Catarina
nasceu sob duas vertentes. A primeira sofreu influência das experiências de coletivização
orientadas pela Acaresc
40
(Associação de Crédito e Assistência Rural de Santa Catarina).
Nessa vertente se insere a experiência dos condomínios de suinocultura
41
, dos condomínios
leiteiros, dos condomínios de armazenagem e dos grupos de máquinas. A segunda vertente
nasceu conjuntamente do trabalho dos grupos de reflexão
42
das CEBs (Comunidades
Eclesiais de Base) criados pela atuação da Igreja progressista católica da região e da ação
do Novo Sindicalismo. Dentro dessa vertente, além das experiências dos condomínios e
dos grupos de máquinas, também surge no início dos anos 1990 as associações voltadas à
aquisição de insumos agrícola e mantimentos para a família. Segundo a autora, a partir das
deliberações do “Iº Seminário Oeste Catarinense de Cooperação Agrícola”, realizado em
1989, foi fundado nesse mesmo ano a Apaco (Associação dos Pequenos Agricultores do
Oeste Catarinense), uma ONG, cujo objetivo inicial era o de prestar assessoria aos 28
grupos de cooperação agrícola já existente e de promover o surgimento de novos.
Na realidade, ambas as vertentes da “agricultura de grupo” apresentavam certa
contradição, se por um lado, era um movimento contestatório e de resistência ao modelo da
modernização da agricultura, por outro, não deixava de ser uma ação que buscava se
adequar aos sistemas produtivos e as novas exigências técnicas e de escala imposta pelas
40
Em 1991 a Acaresc fundiu-se à Empasc (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Santa Catarina) para
formar a atual Epagri (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina).
41
Os condomínios de suinocultura, leiteiro e de armazenagem são associações de agricultores que têm o
objetivo de produzir coletivamente suíno, leite ou armazenar a produção de grãos. Maiores detalhes sobre a
forma de organização dos condomínios de suínos pode ser visto em BUCHMANN (1991).
42
Os grupos de reflexão das CEBs são reuniões periódicas de famílias de uma comunidade que eram
promovidas pela igreja católica para oração, leitura e reflexão sobre textos bíblicos e também sobre a
realidade, a partir de um roteiro fornecido pela igreja com o objetivo de discutir soluções para os
problemas do cotidiano (POLI, 1999, p. 75).
78
agroindústrias e, por extensão, pelo mesmo modelo. Ou seja, buscava encontrar
alternativas para se inserir ao próprio modelo que contestava. Todavia, tais iniciativas
além de permitir a resistência e a permanência de inúmeras famílias no meio rural, também
tiveram fundamental importância na formação de uma consciência crítica e na criação de
um capital social essencial para o surgimento atual de novas iniciativas. Grande parte das
associações e cooperativas que hoje se articulam em torno da produção de base
agroecológica, da agroindústria familiar ou das cooperativas de comercialização e
industrialização do leite (que discutiremos no Capítulo quatro) tem suas raízes na
“agricultura de grupo” e a partir dela germinaram.
Desta forma, a partir dessas duas vertentes de “agricultura de grupo”, no início dos
anos 1990, novas formas de cooperação surgem no meio rural do Oeste de Santa Catarina e
que têm como animadores as entidades os governamentais, os movimentos sociais, os
sindicatos e as ONGs. Em geral esses grupos ou associações reúnem agricultores de uma
mesma comunidade e que possuem afinidades pessoais e têm como um dos principais
objetivos a viabilização e a busca de espaço de ascensão social dos agricultores excluídos
do complexo agroindustrial.
Ao longo dos anos 1990 início dos anos 2000 vai se consolidando no Oeste de
Santa Catarina uma estrutura organizativa onde novos agentes se estabelecem. Destaca-se a
constituição da FETRAFESC (Federação da Agricultura Familiar de Santa Catarina), em
1997 que tem no Oeste catarinense o seu nascedouro e principal território de atuação e
que em 2001 transformam-se na Federação da Agricultura Familiar da Região Sul do
Brasil (FETRAF-SUL) e essa, por sua vez, constitui a FETRAF-BRASIL, em 2004.
Também merece destaque a constituição de Cooperativas de Reforma Agrária e a
consolidação da marca Terra Viva” aos produtos que comercializa. Além da APACO,
também outras três ONGs que apóiam as iniciativas dos agricultores familiares da região,
constituindo vários fóruns de discussão e articulação: i) o Centro de Apoio aos Pequenos
Agricultores (CEPAGRI), localizado no Vale do Rio do Peixe (Meio Oeste catarinense); ii)
Centro de Apoio para a Pequena Produção (CAPA), com sede no município de Concórdia
e atuação em todo o Alto Uruguai catarinense; iii) a Terra Nova – Cooperativa dos
Agricultores Biorgânicos (CooperBiorga), situada no Extremo Oeste, sendo que essas duas
últimas estão ligadas à Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil (IECLB) e
atuam no enfoque da produção agroecológica, na industrialização artesanal, na cooperação
e na comercialização. Também a Amosc (Associação dos municípios do Oeste
79
Catarinense) passa a discutir com os atores sociais a implementação de estratégias de
desenvolvimento regional e onde a agricultura passa a ter um papel crucial.
Segundo Mior (2005), esses novos atores regionais passam a discutir e a
implementar estratégias de desenvolvimento territorial. Tratando especificamente sobre as
agroindústrias de base familiar o autor vai dizer que além da mobilização das redes sociais,
os agricultores familiares, construíram formas de organização em rede das agroindústrias
para servir de apoio em várias dimensões do processo de criação, desenvolvimento e
consolidação dos empreendimentos. Visando entrar no mercado de produtos de qualidade
diferenciada, surgem experiências de uso de marcas e selos coletivos como a Sabor
Colonial (Apaco), Terra Viva (Movimento dos Sem Terra - MST) e Castália (Amosc).
Inúmeras iniciativas de organização voltadas à produção e, sobretudo, à inserção ao
mercado surgem atualmente em toda a região Oeste de Santa Catarina. A pesquisa de
Massi (2000), por exemplo, identificou 346 organizações associativas em 77 municípios do
Oeste de Santa Catarina e que reúnem 7.783 famílias de agricultores. Essas organizações,
identificadas por Massi, apresentam o seguinte perfil: 182 associações; 127 grupos de
cooperação; 19 pequenas cooperativas com abrangência comunitária ou municipal; 15
condomínios; e 3 clubes de integração e troca de serviços. Acredita-se que a quantidade de
organizações cooperativas tenha aumentado consideravelmente desde o ano 2000. O
Projeto Microbacias 2, por exemplo, que desde 2003 está sendo executado na região,
estimulou a formação de uma associação em cada uma das mais de 300 microbacias que no
Oeste de Santa Catarina estão sendo trabalhadas
43
. Desta forma, em todo o território
proliferam associações e cooperativas que estimulam um ambiente de confiança e
solidariedade entre os agricultores familiares. Ferrari (2003) estimou a presença de no
Oeste de Santa Catarina de mais de 10 mil famílias rurais organizadas em pequenas
associações e grupos de cooperação.
Dentre as iniciativas que no Oeste de Santa Catarina estão sendo construídas pelos
agricultores familiares e suas organizações em resposta à crise da produção agrícola, pode-
se destacar a agroindustrialização familiar que é realizada tanto de forma individual como
coletiva. A constituição dessas pequenas agroindústrias está associada, em grande medida,
ao desejo dos agricultores de adicionar valor à sua produção agropecuária e a eliminação
43
O Projeto Microbacias 2 é executado pela Epagri e busca promover o desenvolvimento rural sustentável a
partir de uma concepção que privilegia o uso dos recursos endógenos e o protagonismo da população rural.
(PROJETO
PRAPEM/MICROBACIA 2, 2002).
80
de intermediários. Essas agroindústrias, em geral, se ocupam na elaboração de derivados
de carne e lácteos, sucos e bebidas, conservas, massas e panifícios, derivados da cana-de-
açúcar, dentre outros. Um estudo realizado pela Epagri conta da existência de mais de
700 agroindústrias familiares com registros formais no Oeste de Santa Catarina. Acredita-
se que uma quantidade ainda maior atua no que se convencionou chamar de
“informalidade”. Embora possa ser argumentado que a quantidade dessas agroindústrias
ainda é relativamente pequena se comparado ao número de estabelecimentos familiares da
região (mais de 70 mil) a presença delas no meio rural pode ser considerado fecundo, na
medida em que cria um ambiente inovativo e os conhecimentos gerados podem ser
apropriados coletivamente.
Outra estratégia que crescentemente vem ganhando adeptos é a produção baseada
nos princípios agroecológicos ou de baixo uso de insumos externos. Um dos objetivos
dessa estratégia é tornar os estabelecimentos menos dependentes de recursos externos e
também se inserir em um mercado em crescente expansão. O Projeto Microbacias 2, por
exemplo, que pretende alcançar mais de 40 mil unidades familiares no Oeste catarinense,
tem na produção agroecológica um de seus fundamentos. Também os projetos de
desenvolvimento rural que estão sendo concebidos e executados pela Apaco e pela Fetraf
têm na produção agroecológica um de seus princípios fundamentais. Um estudo realizado
pelo Instituto Cepa/SC (OLTRAMARI, et al. 2002) dá conta da existência de 307
propriedades com manejo orgânico no Oeste de Santa Catarina. Os autores avaliam que a
maior presença da produção orgânica no Oeste catarinense em relação às outras regiões
“provavelmente está relacionado às iniciativas de ONGs que surgiram na década de 1990
em busca de alternativas para as pequenas propriedades rurais”.
Entre as estratégias elaboradas pelos agricultores e suas representações merece
destaque a criação de associações de agricultores ou de pequenas cooperativas voltadas à
produção, transformação e comercialização. Cabe destacar que grande parte dessas
iniciativas é animada por mediadores (ONGs) estreitamente relacionados com as
organizações dos agricultores familiares.
A título de exemplo de uma “novidade” organizacional que está se consolidando na
região, cita-se o caso da criação de pequenas cooperativas (envolve em torno de 60 a 150
famílias) voltadas a comercialização do leite produzido pelos associados. A animação para
a constituição dessas organizações é realizada pelos sindicatos ligados à Fetraf em parceria
com ONGs, Secretarias Municipais de Agricultura e Epagri. A criação dessas cooperativas
81
representa uma reação ao processo de seleção e exclusão que as agroindústrias e
cooperativas tradicionais vinham fazendo àqueles agricultores que comercializam baixos
volumes (TESTA et al., 2003). Essas cooperativas pretendem fazer um contraponto às
cooperativas tradicionais criando um ambiente adequado para que os associados possam
participar das decisões e neutralizar o que Marques e Portela (1993) denominam de
“hostilidade social envolvente”. Mais recentemente foi criado pelos agricultores familiares
e suas organizações a Associação das Cooperativas dos Produtores de Leite do Oeste
Catarinense (Ascooper), que congrega em rede 12 pequenas cooperativas e reúne em torno
de 2.400 famílias, cujo volume de produção mensal alcança 32 milhões de litros de leite e
movimentou mais de 20 milhões de reais em 2006 (JORNAL DA ASCOOPER, 2007). A
Ascooper vem incentivando a produção baseada nos princípios agroecológicos e pretende
desenvolver um processo de certificação de uma marca, cuja qualidade seja socialmente
reconhecida
44
.
Constata-se, portanto, que os agricultores e suas organizações não estão
imobilizados diante da crise. Grande parcela deles está elaborando e colocando em prática
estratégias para fazer frente ao ambiente socioeconômico hostil e, assim, construir
alternativas viáveis à sua sobrevivência e reprodução social. Em outras palavras significa
dizer que simultaneamente à crise, também um processo de mudanças sociais,
econômicas e produtivas que são impulsionadas pelas estratégias que são colocadas em
prática pelos agricultores familiares para fazer frente às vulnerabilidades sociais
45
e
econômicas. Desse embate, surge e vai se revelando uma “nova” realidade socioeconômica
do Oeste de Santa Catarina e são produzidas metamorfoses na agricultura familiar.
44
Informações pessoais fornecidas pelos coordenadores da Ascooper.
45
O conceito de vulnerabilidade social utilizado por Ellis (2000) refere-se ao alto grau de exposição ao risco,
choques e tensão que estão expostos os agricultores. Para o contexto da agricultura familiar do Oeste de
Santa Catarina consideramos a vulnerabilidade social como aquelas situações que comprometem a
reprodução social, como a adversidade climática ou fatores econômicos, dentre outros. Entre os fatores
econômicos cita-se, por exemplo, a queda dos preços dos produtos agrícolas ou então a exigência de
investimentos para se adequar ao processo de reestruturação agrícola e se manter na atividade.
82
3 MERCANTILIZAÇÃO, ESTILOS DE AGRICULTURA, PRODUÇÃO DE
NOVIDADES E DESENVOLVIMENTO RURAL
Este capítulo tem o objetivo de expor a orientação teórica que norteia o trabalho,
bem como apresentar a estrutura analítica da tese em relação às categorias, noções,
abordagens e conceitos que serão tratados ao longo do texto.
Inicialmente discute-se a proposição teórica denominada de “Perspectiva Orientada
ao Ator (POA)”, a qual procura explicar as diferentes adaptações ou respostas dos atores
sociais mesmo quando as circunstâncias estruturais apresentam certa homogeneidade. Essa
orientação teórica fundamenta-se no conceito de agência desenvolvido por Giddens (1989),
que atribui ao ator individual a capacidade de processar a experiência social e elaborar
maneiras de enfrentar a vida. A POA assume que os atores sociais são capazes de formular
decisões e de agirem sobre elas, inovando e experimentando novas formas de
comportamento. Isso é, considera os atores sociais como “detentores de conhecimento” e
“capazes”, mas que a efetivação da agência requer capacidade organizativa ou estratégica,
a qual possibilita aos atores exercerem influência dentro das redes sociais. Isso permite
considerar como os diferentes agricultores se orientam por distintos interesses e objetivos e
que resulta em uma gama de práticas que se refletem na impressionante heterogeneidade
da agricultura. Em resumo, nessa perspectiva teórica os atores sociais figuram como
participantes ativos que recebem e interpretam informações e elaboram estratégias na sua
relação com os diversos atores locais e com as instituições externas.
Na sequência, discute-se o que Ploeg (2008) identifica em estudos aprofundados
realizados na Europa e América Latina como as três contrastantes trajetórias básicas de
desenvolvimento da agricultura: a trajetória da industrialização; a trajetória de
desenvolvimento da agricultura ou “recampenização”, como chama Ploeg (2008), e a
última trajetória é representada por um processo de desativação progressiva nos veis de
produção agrícola. Discutem-se também as três dinâmicas que Marsden (2003) considera
fundamental para entender os processos de desenvolvimento rural: a dinâmica
agroindustrial; a dinâmica pós-produtivista e a dinâmica do desenvolvimento rural.
Na seção 3.3 discute-se a noção de “produção de novidades” (novelties production)
com o objetivo de analisar, discutir e entender como ela surge, se estabelece e deflagra
processos localizados de desenvolvimento rural. Uma novidade pode ser entendida como o
desenvolvimento de um novo modo de fazer algo, ou a quebra de uma rotina existente.
83
Consiste em um processo altamente localizado de desenvolvimento do conhecimento
técnico e organizacional que juntos possibilitam melhorar o processo produtivo. A
produção de novidades está intrinsecamente relacionada com os arranjos institucionais e
altamente associada ao “conhecimento contextual”, o que significa que a produção de
novidades vai emergir de forma heterogênea no território. Resumidamente, uma novidade
pode representar tanto o desenvolvimento de um novo artefato, bem como uma nova forma
organizacional, como é o caso das cooperativas de comercialização de leite ou da rede
formada por cooperativas que congregam as agroindústrias familiares.
Na seção seguinte, discute-se a agricultura familiar e sua relação com o
desenvolvimento rural. Pretendemos estabelecer um debate entre os principais autores que
tratam do tema, enfatizando as contribuições teóricas que têm orientado as mais recentes
discussões acadêmicas sobre o tema. Neste sentido, buscaremos identificar as principais
características e atributos do desenvolvimento rural e entender como e porque o tema re-
emerge mais intensamente nos últimos tempos passando a fazer parte da agenda de
pesquisa nas ciências sociais, das organizações e das próprias políticas públicas.
Considerando que o Oeste de Santa Catarina foi palco, a partir dos anos 1970, de
uma acelerada integração econômica, na sequência pretende-se discutir o processo de
mercantilização na perspectiva discutida por Ploeg. Tal perspectiva interpreta ao
contrário da literatura marxista mais ortodoxa que o desenvolvimento do capitalismo no
campo e a consequente mercantilização produz uma heterogeneidade estrutural, que é
resultado da variabilidade no grau em que ela ocorre.
A abordagem dos estilos de agricultura, que se discute na sequência, busca explicar
satisfatoriamente a existência da diversidade em regiões relativamente homogêneas, isto é,
que estão sob a influência dos mesmos fatores estruturais. Tal situação fundamenta-se na
idéia de que não é apenas o processo de trabalho que é organizado pela unidade produtiva,
mas também todas as relações que irá estabelecer com o ambiente econômico e
institucional no qual está imersa. Por isso, acredita-se que tal orientação teórica pode se
mostrar promissora para analisar o espaço rural, a agricultura familiar do Oeste de Santa
Catarina e os processos de desenvolvimento rural engendrados.
84
3.1 Interpretando o papel dos atores sociais no desenvolvimento rural
Uma análise na extensa literatura sobre o desenvolvimento e as mudanças sociais
permite identificar uma nítida divisão na forma de interpretar e analisar o objeto de estudo.
Por um lado, encontram-se aqueles que tratam das estruturas e tendência em escala macro.
Estão preocupados com as condições e forças externas que impulsionam a vida social e,
em grande medida, exclui das análises a possibilidade dos atores sociais influenciarem de
maneira significativa nos processos de mudança social. Adotam nas análises os conceitos
da teoria da modernização ou uma perspectiva mais estruturalista filiada à corrente
marxista ou neomarxista. De outro lado, encontram-se os estudos que focam suas análises
no nível mais micro, cujos recortes analíticos privilegiam os atores e suas distintas
respostas para as mesmas condições estruturais, pois consideram que os fatores externos
são mediados e, em alguma medida, transformados pelas estruturas internas. Isto é, estão
interessados em retratar as maneiras em que as pessoas enfrentam os dilemas da vida
cotidiana e transformam os contornos e detalhes da paisagem social. Nesta perspectiva, o
conhecimento e a capacidade dos atores transformaram-se em ponto de partida teórico e
metodológico e as estruturas da vida social são interpretadas cada vez mais como resultado
da interação dos atores, que se adaptam ou antecipam-se às forças externas. A noção
fundamental que caracteriza essa perspectiva de análise é que o ator individual ou coletivo
sempre pode fazer escolhas, mesmo que limitadas, entre diferentes cursos de ação, assim
como de julgar e avaliar apropriadamente suas ações.
Aproximar essas duas perspectivas dentro do mesmo marco teórico não é tarefa
fácil e representa o grande dilema da conciliação ator/estrutura ou da relação macro com o
microssocial. Segundo Long (2007, p.36), alguns estudos têm conseguido combinar esses
dois níveis de análise com algum êxito, mas têm sido relativamente poucos. Long afirma
que a razão principal da dificuldade para integrar as perspectivas estruturais com as do ator
é que seus postulados teóricos e epistemológicos divergem, mas isso não significa que é
impossível combinar as duas em um mesmo marco de análise. Long sugere que uma
maneira de sair desse dilema é adotar a POA, tendo em vista que a mesma não exclui a
“estrutura” do escopo da sua análise, mas considera a construção das relações sociais
específicas como tema central. A POA explora como as condições externas são mediadas
pelos atores sociais (locais e externos) que, assim, constroem, reproduzem e transformam a
85
vida social. A multiplicidade de ação e reação resultante desse processo é que explica a
heterogeneidade no interior do espaço rural e da agricultura familiar.
Nos últimos 20 anos os estudos rurais têm desenvolvido estruturas teóricas que
visam explicar como os atores sociais organizam seu mundo. O conhecimento e a
capacidade dos atores transformaram-se em ponto de partida e as estruturas da vida social
são interpretadas cada vez mais como os resultados da interação dos atores. De acordo com
essa abordagem os atores adaptam-se ou antecipam-se às forças externas realizando
projetos e formando aliança com outros parceiros. A partir de estudos realizados sob a
POA, Ploeg e colaboradores (2004) desenvolvem um arcabouço teórico-analítico que
identifica um novo paradigma de desenvolvimento rural na Europa e cuja expressão é a
produção de novidades (tema que será desenvolvido mais adiante). Como explica Long e
Ploeg (1994, p.72):
A perspectiva orientada ao ator parte do pressuposto de que diferentes
agricultores definem e operacionalizam seus objetivos e práticas de
gerenciamento agrícola com base em diferentes critérios, interesses, experiência
e perspectivas. Ao longo do tempo os agricultores desenvolvem projetos e
práticas específicas para a organização de sua atividade agrícola. [...] o resultado
desta gama de práticas reflete-se na impressionante heterogeneidade agrícola
existente.
Alguns dos trabalhos de Marsden (MARSDEN, 1999; 2000; 2003; 2004 e
MARSDEN et al. 2000) têm mostrado de forma muito clara o crescimento da diversidade
e heterogeneidade da agricultura européia. A despeito da Política Agrícola Comum da
União Européia (PAC), que pressiona o desenvolvimento de uma agricultura
crescentemente especializada e padronizada, para Marsden na Europa um forte
movimento contrário (mais localizado e focalizado no consumo), cuja tendência é a
produção de alimentos orgânicos, rotulagem dos alimentos (segundo a origem geográfica,
forma de produção/elaboração, conservação dos recursos naturais, etc.).
As transformações e a heterogeneidade dos espaços rurais podem ser interpretadas
pela abordagem denominada de “Perspectiva Orientada ao Ator”. Essa perspectiva
combina um marco teórico sociológico amplo com pesquisas empíricas, sobretudo de
caráter etnográfico, realizadas em países da América Latina, América Central e Europa.
Um dos seus focos centrais é o estudo dos diversos aspectos do que é denominado como a
“vida social” do desenvolvimento rural e dos processos cognitivos nela envolvidos. Assim,
86
ressalta-se que no contexto rural os atores não são somente os agricultores e suas famílias,
mas todas as pessoas e instituições que interagem no âmbito rural.
A POA procura explicar as diferentes adaptações ou respostas para uma mesma
circunstância estrutural. Long e Ploeg (1994) consideram a estrutura importante, mas não
determinista. Argumentam que as variações culturais e as diferenças organizacionais são
resultados das distintas formas que os atores respondem às situações problemáticas e
interações com outros atores. Long admite que a cultura tanto pode constranger como
“empoderar” a ação dos atores. As pessoas não decidem um comportamento fora de seu
contexto cultural, sem levar em conta o que é permitido pela situação estrutural. Ou seja, as
escolhas que os atores fazem é resultado de seu repertório cultural. No Quadro 1 apresenta-
se o que Norman Long considera as “pedras angulares” da perspectiva orientada ao ator,
ou seja, aquilo que forma a sua base de sustentação.
A perspectiva de análise orientada ao ator fundamenta-se no conceito de agência de
Giddens que atribui aos atores individuais ou coletivos.
“a capacidade para processar a experiência social e desenvolver formas de lidar
com a vida mesmo sob as mais extremas formas de coerção. Dentro dos limites
das informações existentes, de incertezas e outros constrangimentos existentes
(físico, normativo ou político-econômico), os atores sociais são “esclarecidos” e
“capazes”. Tentam resolver os problemas, aprendem como intervir no fluxo de
eventos sociais em torno deles e monitoram continuamente suas próprias ações,
observando como outros reagem a seu comportamento e examinam as várias
circunstâncias contingenciais (GIDDENS, 1984: 1-16; apud LONG e PLOEG
(1994, p. 66) [tradução livre].
Em termos gerais, a noção de agência atribui ao ator a capacidade de processar a
experiência social e elaborar maneiras de enfrentar a vida, mesmo sobre as mais extremas
formas de coerção. Em outras palavras, significa dizer que dentro dos limites do seu
conhecimento e constrições sofridas, os atores sociais são “detentores de conhecimento” e
“capazes”. Assim, as estruturas sociais podem tanto constranger como permitir a ação
social.
Para efetivar-se, a agência requer também capacidade organizativa ou estratégica, a
qual possibilita aos atores exercer influências dentro de redes de relações sociais, de forma
a vencer conflitos sobre a atribuição de significados sociais específicos a eventos, ações e
idéias particulares. Esse pressuposto permite considerar como os diferentes agricultores se
87
orientam por diversos interesses e objetivos, que resulta em uma gama de práticas que se
refletem na impressionante heterogeneidade da agricultura.
Quadro 1 – Pedras angulares da Perspectiva Orientada ao Ator
1. A vida social é heterogênea. Compreende uma ampla diversidade de formas sociais e repertórios
culturais, ainda que em circunstancia aparentemente homogênea.
2. É necessário estudar como se produzem, reproduzem, consolidam e transformam tais diferenças e
identificar os processos sociais envolvidos, não só os resultados estruturais.
3. Tal perspectiva requer uma teoria de agência baseada na capacidade dos atores para ordenar e
sistematizar suas experiências e a dos outros e atuar sobre elas. A agência implica, por um lado, certa
capacidade de conhecer o quanto as experiências e desejos são refletidamente interpretados e
interiorizados (de modo inconsciente ou consciente), e por outro, a capacidade para manejar tanto
habilidades relevantes, como acesso a recursos materiais e não materiais, como envolver em práticas
organizativas particulares.
4. A ação social nunca é um desejo unicamente individual centrado no ego. Tem lugar uma rede de
relações (em que intervêm componentes humanos e não-humanos); forma-se tanto pela rotina como por
práticas organizativas exploratórias e está constrangido por certas convenções sociais, valores e relações
de poder.
5. Seria enganoso supor que tais constrangimentos sociais e institucionais podem ser reduzidos a categorias
sociológicas gerais e hierarquias baseadas em classe, gênero, status, etnia, etc. A ação social e a
interpretação sempre estão localizadas em contextos específicos e em geral dentro deles. Os marcadores
limítrofes são específicos e em domínios particulares, arenas e campos de ação social e não devem
prejulgar-se analiticamente.
6. Os significados, os valores e as interpretações se constroem culturalmente, mas se aplicam de maneira
diferencial e se reinterpretam de acordo com possibilidades de condutas existentes ou circunstâncias
transformadas, o que gera “novos” padrões culturais.
7. Relacionada com esse processo esta a questão de escala. Isto é, as maneiras em que os sítios de interação
na “micro-escala” e arenas localizadas se conectam a fenômenos amplos de “macro-escala” e vice-versa.
Em vez de ver o “local” como formado pelo “global” ou o “global” como um agregado de “local”, uma
perspectiva orientada ao ator aponta para uma elucidação dos conjuntos precisos de relações
entrelaçadas, “projetos” do ator e as práticas sociais que penetram os vários espaços sociais, simbólicos e
geográficos.
8. Com o objetivo de analisar estas interrelações é útil trabalhar com o conceito de “interface social”, o
qual explora a maneira em que as discrepâncias de interesses sociais, interpretação cultural,
conhecimento e poder são mediados e perpetuados ou transformadas em pontos críticos de
relacionamento ou confrontação. Estas interfaces necessitam ser identificadas etnograficamente, não
conjeturadas com base em categorias predeterminadas.
9.
Assim, o maior desafio é delinear os contornos e conteúdos de formas sociais diversas, explicando suas
gênesis e traçando suas implicações à ação estratégica e modos de consciência. Isto é, necessitamos
entender como estas formas são perfiladas em condições específicas e em relação com configurações
passadas, contemplando sua viabilidade, capacidades autogenerativas e ramificações mais amplas.
Fonte: LONG (2007, p.108-109).
Portanto, ao invés de valorizar as forças externas da mudança social, Ploeg (1990 e
1992b) e Long e Ploeg (1994) propõem uma análise da mudança rural centrada nos atores
sociais. Os autores consideram que o tratamento dado pela perspectiva da economia
política - particularmente a globalização - teria sobre-enfatizado as forças
homogeneizadoras sobre a produção agrícola. Reivindicam que o caráter da sociedade rural
88
e da agricultura tem dificultado a concretização da tendência de homogeneização presente
nas forças tecnológicas e de mercado, além de reforçar a diversidade de orientações dos
agricultores e sua cultura. Empregando uma perspectiva fenomenológica, Long e Ploeg
(1994) propõem interpretar como os atores dão sentido às suas vidas, em contraposição às
análises macro, que tendem a negligenciar o cotidiano e seus significados, oferecendo uma
versão limitada das complexas dinâmicas da globalização, por exemplo. Para os autores, os
fenômenos globais são fragmentados e reinterpretados em nível local. Em outras palavras,
os fenômenos globais seriam permanentemente mediados e reconfigurados pelos atores
locais.
Segundo Long, (2001), as relações ator e estrutura não podem ser compreendidas
sem a análise da agência humana. Para Giddens, as ações se constituem e reconstituem nas
condições institucionais das ações dos outros. Uma interpretação teórica da ação social
deve ir além da consideração da habilidade de conhecer, da consciência e das intenções,
também deve abraçar os sentimentos, as emoções, as percepções, as identidades e a
continuidade dos agentes através do espaço e do tempo. A vida social nunca é unitária, os
atores sempre encontram maneiras alternativas de formular seus objetivos, despregando-se
de modos específicos de ação e dando razão a seu comportamento (LONG, 2001).
Para Long e Ploeg (1994, p. 64) as formas de intervenção externa entram
necessariamente no mundo de vida
46
(lifeworlds) dos indivíduos e dos grupos sociais
afetados e, desse modo, atravessa certos filtros sociais e culturais, o que faz com que os
fatores externos sejam mediados e transformados pelas estruturas internas. Dessa forma, os
autores seguem dizendo, é necessário adotar um enfoque mais dinâmico para compreender
as transformações sociais, que reconheça a interação e relação dos fatores externos e
internos. Esse enfoque ressalta a importância de levar em conta a idéia de “agência
humana” que reconhece que os indivíduos enfrentam o mundo cambiante em torno deles
tanto de forma cognitiva como organizativamente. Cognitivamente, com base nas
categorias culturais, nas ideologias e conhecimentos existentes e, organizativamente,
mediante a interação com outros indivíduos e grupos sociais.
A POA, quando aplicada aos estudos sobre as mudanças agrárias, salienta a
importância de valorizar o modo como os próprios agricultores moldam os padrões de
46
Mundo de vida é um termo usado por Shultz (1962 apud Long, 2001), para aglutinar e modelar o vivido e
o mundo do ator social tomado por dado. Assim, segundo o autor, a compreensão da vida social deve
centrar-se na noção de mundos de vida.
89
desenvolvimento agrário, que se segundo a forma que podem organizar e fazer suas
escolhas (LONG e PLOEG, 2004, p.70).
Portanto, a perspectiva de análise orientada ao ator assume que os atores são
capazes de formular decisões e de agirem sobre essas decisões, inovando e experimentando
novas formas de comportamento, podendo isso ocorrer mesmo naquelas situações em que
o espaço social dos atores é severamente restrito. A noção fundamental da perspectiva de
análise orientada ao ator é que os indivíduos sempre podem fazer escolhas, mesmo que
limitadas, entre diferentes cursos de ação, assim como de julgar e avaliar apropriadamente
suas ações. Desta forma, Long considera que as estratégias e construções sociais
empregadas pelos indivíduos são selecionadas de um estoque de discursos disponível
(verbal ou não-verbal) e que são ao mesmo tempo compartilhadas com outros indivíduos.
Para considerar e marcar um campo mais amplo onde acontecem as ações, desejos e
decisões dos atores, Long (2007, p.122) desenvolve três conceitos fundamentais. A noção
de “campo social”, de “domínio social” e o de arena” que enfatizam a questão da ligação
de espaços sociais e de como eles se constituem ou se transformam.
A noção de “campo social” evoca um quadro de espaço aberto. Trata-se de um
esboço de paisagem irregular com limites mal definidos, onde se distribuem diferentes
elementos, tais como: recursos, informações, capacidades tecnológicas, fragmentos de
discurso, componentes institucionais, indivíduos e grupos, bem como, estrutura física,
onde nenhum deles sobressai no cenário.
Qualquer que seja a configuração de elementos e relações que constitua o campo,
estes são produtos da intervenção humana e não-humana, tanto local como
global e, assim, como resultado de processos tanto cooperativos como
competitivos (LONG, 2007, p. 122) [tradução livre].
Long (2007) usa o conceito de “domínio” para identificar áreas da vida social que,
mesmo quando não percebidas da mesma maneira por todos os envolvidos, são
reconhecidos por terem certas regras, normas e valores que implicam um grau de
compromisso social. Aqui se incluem exemplos como os domínios da família, do mercado,
do Estado, da comunidade, da produção e do consumo. Deste modo, Long considera os
domínios como centrais para entender como operam os ordenamentos sociais e para
analisar como se criam e defendem as fronteiras sociais e simbólicas.
90
As arenas, por sua vez, representam as situações sociais onde acontecem os
embates e as disputas de temas como recursos, valores e representações. Ou seja, são sítios
sociais e espaciais onde os atores sociais se confrontam entre si, mobilizam relações sociais
e onde retiram os meios culturais e discursivos para conseguir obter seus objetivos, que às
vezes inclui continuar no jogo. Entretanto, não se deve assumir que as arenas envolvam
confrontações frente a frente e só interesses, valores e competências locais. Ao contrário,
indica Long (2007), atores, contexto e marcos institucionais externos e geograficamente
distantes, configuram os processos sociais, estratégias e ações que têm lugar nesses
cenários localizados.
As arenas são, por tanto, espaços nos quais tem lugar as contendas entre
diferentes práticas e valores [...] podendo envolver um ou mais domínio. Nelas
se buscam resolver discrepância nas interpretações de valor e incompatibilidades
entre os interesses e os atores (LONG, 2007, p. 125) [tradução livre].
Desta forma, os domínios juntamente com a noção de arena permitem uma
aproximação analítica dos tipos de elementos constritivos e habilitadores que formam o
espaço de manobra dos atores.
Algumas críticas têm sido endereçadas à POA e a acusam de se concentrar em
demasia nos detalhes da vida social à custa da análise estrutural. Também se pode dizer
que a POA carece de uma estrutura analítica que busque integrar as determinações naturais
nas estratégias sociais. Outra crítica é formulada por Vanclay (2006), ao asseverar que a
POA exagera na racionalidade dos indivíduos. Vanclay (2006) prefere adotar uma
perspectiva antropológica cultural, argumentando que as pessoas são condizentes dentro de
uma perspectiva cultural e nesse contexto é que elas decidem. Entretanto, o autor
contemporiza dizendo que a POA não pretende ser uma posição teórica detalhada e não
prescreve uma abordagem teórica e metodológica completa. Mas, obviamente, uma
orientação teórica que se concentra na visão de mundo dos atores que privilegia
metodologias qualitativas de pesquisa.
Em resposta a essas críticas Long e Long (1992) têm adotado uma posição chamada
de estudos das interfaces, onde tanto as análises sociológicas de nível macro quanto às de
nível micro necessitam ser empreendidas e integradas. As interfaces tipicamente ocorrem
no ponto onde se cruzam diferentes, e frequentemente conflitantes, mundos de vida ou
campos sociais, em situações onde as interações giram em torno dos problemas de como
91
pontear, acomodar, segregar ou disputar pontos de vistas sociais, valorativos e cognitivos.
A interface é, portanto, um dispositivo metodológico para analisar os pontos críticos da
descontinuidade, os processos da acomodação e da negociação e as formas sociais
emergentes. Objetiva elucidar os tipos e fontes de descontinuidade e vinculação social
presentes e identificar os meios organizacionais e culturais para que eles possam
reproduzir-se e transformar-se.
Em resumo, as interfaces apontam para diferentes conflitos, mundos de vida e
interseção dos campos sociais e objetivam elucidar os tipos de descontinuidades sociais
presentes em tais situações e caracterizar diversos tipos e formas culturais e
organizacionais que são reproduzidas e transformadas.
3.2 Dinâmicas de desenvolvimento rural: coevolução e competição
Valendo-se, direta ou indiretamente, da POA, pesquisadores da Europa tais como
Ploeg (2008; 2000); Ploeg e Marsden (2007); Ploeg et al. (2004); Marsden, (2003); Ploeg e
Renting (2000) e também do Brasil, tais como Conterato (2008; 2004); Radomsky (2006);
Niederle (2007); Grisa (2007); Perondi (2007); Norder (2004) têm demonstrado a
impressionante diversidade social e tipos de agricultura presentes no espaço rural que
resultam na multiplicidade das estratégias colocadas em prática pelos agricultores
familiares para fazer frente à crise em que se encontra a agricultura.
Traçando um panorama mundial a respeito da agricultura, Ploeg (2008) identifica
três trajetórias básicas de desenvolvimento da agricultura, as quais podem ser consideradas
como mutuamente contrastante. A primeira dessas trajetórias representa uma forte
tendência para uma industrialização multifacetada, cujo principal condutor é a agricultura
capitalista e parte da agricultura empresarial (ver descrição abaixo), além do Império
47
”,
como denomina Ploeg.
A industrialização, segundo Ploeg (2008, p. 22), representa uma desconexão entre a
produção e o consumo de alimentos. Em segundo lugar, na industrialização a produção
47
A noção de Império, segundo Ploeg (2008), funciona como um dispositivo heurístico para caracterizar o
que ele chama de a nova “superestrutura” dos mercados globalizados. Trata-se de um modo de
ordenamento que reorganiza progressivamente grandes domínios do mundo social e do mundo natural,
sujeitando-os a novas formas de controle centralizado e de apropriação massiva. O autor defende a tese de
que a ascensão do Império como princípio que cada vez mais governa a produção, o processamento, a
distribuição e o consumo de alimentos está contribuindo para o avanço de uma crise agrária.
92
agrícola se afasta dos ecossistemas locais e uma forte imposição de fatores artificiais de
produção. Dessa forma, o processo de produção agrícola foi dividido em elementos e
atividades isoladas que se combinam através da divisão do trabalho. Finalmente, aponta o
autor, a industrialização promove a desintegração e recomposição dos próprios produtos
alimentares. Em terceiro lugar, a industrialização é uma expressão do total controle
“imperial” sobre a produção e consumo de alimentos, cuja agenda apresenta os seguintes
elementos-chave: a) a globalização e a liberalização dos mercados; b) uma nova corrida
tecnológica e a distribuição de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs); c) a
suposição de que o mundo nunca teve alimentos mais seguros à sua disposição quanto
agora (PLOEG, 2008, p.22).
A segunda trajetória é dada pela recampenização, que ainda estaria camuflada
que representaria a expressão moderna da “luta por autonomia e sobrevivência em um
contexto de privação e dependência” (PLOEG, 2008, p. 2). Esta emerge a partir da forte
diminuição da renda quida da agricultura (squeeze), causada pelo aumento nos custos e o
baixo preço pago pelos produtos agrícolas. O mero de camponeses aumenta pela
reconversão dos agricultores empresariais. Ploeg (2008) defende a existência de uma
condição camponesa caracterizada pela luta por autonomia obtida pela autogestão de
recursos compartilhados e das iniciativas associativas. Cabe ressaltar que a autonomia é
entendida neste trabalho como os “espaços de manobras”, conforme definido por Ploeg
(2006a), como sendo a capacidade e as possibilidades que os agricultores têm de tomar
determinadas decisões em ambientes marcado pela competição e relações assimétricas de
poder. Cita-se como exemplo, a capacidade de reproduzir internamente um conjunto de
recursos produtivos, sem recorrer aos mercados de produto e serviços ou a agregação de
valor à produção e a inserção em um mercado independente (CONTERATO, 2008, p. 29).
A terceira trajetória é representada por um processo de desativação que se constitui
na redução ou contenção progressiva dos níveis de produção agrícola. Em algumas
situações, através da desativação os recursos financeiros e a mão-de-obra necessária para a
agricultura são transferidos para outras atividades. A desativação é um fenômeno que se
observa com mais freqüência na África
48
. O fenômeno também é percebido nas
proximidades de grandes cidades em expansão, pois a especulação das terras torna-se mais
48
Ploeg (2008) afirma que nos próximos anos a globalização e as mudanças associadas à divisão
internacional do trabalho agrícola irão introduzir novas formas de desativação e que serão impulsionadas
pelos próprios agricultores envolvidos. Cita alguns indícios dessa desativação acontecendo na produção de
leite para queijo na Itália,
93
atrativa que a produção agrícola. Segundo Ploeg (2008, p. 24), a desativação tem sido
menos proeminente até agora, mas no futuro poderá deixar grandes marcas nas áreas rurais
ao ser impulsionada pelos processos de suburbanização, pelo desenvolvimento de
instalações de lazer, pela criação de “reservas da natureza” e pelas novas formas de gestão
da água.
Essas três trajetórias afetam distintamente o processo de produção agrícola com
reflexos diretos na natureza e na biodiversidade, no nível de emprego gerado, na paisagem,
no valor agregado localmente e na quantidade e qualidade dos alimentos. Essas três
trajetórias também interagem entre si, o que transmite a idéia generalizada de caos e
desorganização.
Com base em três estudos longitudinais – que investiga tendências de longo prazo –
realizados no Peru, na Itália e na Holanda nos anos 1970 e início deste século, que Ploeg
(2008) vai identificar três distintas e interrelacionadas formas de fazer agricultura. Essas
três formas: agricultura camponesa, agricultura empresarial e agricultura capitalista
interagem nas três trajetórias de desenvolvimento da agricultura. Para o autor é o estudo
das tendências de longo prazo que pode ser compreendido a dinâmica e o impacto de
diferentes formas de ordenamento. Na sequência, com base em Ploeg (2008) apresenta-se
uma breve descrição e características fundamentais dos três segmentos da agricultura.
O grupo representado pela agricultura camponesa caracteriza-se por utilizar mão-
de-obra fundamentalmente familiar ou mobilizada na comunidade rural através da relação
de reciprocidade. A terra e os outros meios de produção também pertencem à família. A
produção é voltada para o mercado, mas também à reprodução da unidade agrícola e da
família. Acredita-se que nesse grupo se enquadra a maior parte dos agricultores familiares
do Oeste de Santa Catarina.
O grupo da agricultura do tipo empresarial caracteriza-se por estar assentada no uso
de capital financeiro e industrial (crédito, insumos industriais e tecnologias) e sua expansão
depende quase que exclusivamente do aumento de escala. A produção é especializada e
completamente orientada e dependente do mercado (especialmente o mercado de insumos).
Buscam uma automação no processo produtivo e muitos empresários desejam maior
desenvolvimento nessa direção. No Oeste de Santa Catarina já há unidades que apresentam
algumas características da agricultura empresarial, especialmente uma parte dos
agricultores integrados à produção industrial de aves.
94
Por último, o grupo constituído pela agricultura capitalista começa a re-emergir
49
em toda a parte sob o escudo do modelo agroexportador. Trata-se de uma rede de empresas
com grande mobilidade que utiliza mão de obra exclusivamente assalariada e a produção é
voltada para a maximização do lucro.
Segundo Ploeg (2008, p. 18), uma importante diferença entre esses três grupos
reside na escala de produção que realizam. A agricultura camponesa representa as unidades
de pequena escala de produção, enquanto o lado oposto seria representado pela agricultura
capitalista. A situação intermediária seria representada pela agricultura empresarial.
Embora seja variada a diferença entre esses três grupos não existem entre elas linhas de
demarcação definidas. Entretanto, a diferença fundamental entre esses três grupos reside
nas diferentes formas de estruturar o social e o material. Segundo Ploeg (2008, p. 20),
muitas formas de interligação desses três grupos agrários e a sociedade, porém destacam-se
dois modelos dominantes. O primeiro, centra-se na “construção e reprodução de circuitos
curtos e descentralizados que ligam a produção e o consumo de alimentos e, de forma mais
geral, a agricultura e a sociedade regional”. O segundo modelo “é constituído por grandes
empresas de processamento e comercialização de alimentos, que cada vez mais operam em
escala mundial” e que o autor denomina de Império.
Outro pesquisador que tem realizado importantes trabalhos teóricos e empíricos a
respeito da transformação do espaço rural é Terry Marsden (MARSDEN, 1989; 1995;
1998; e 2003). Este autor tem elaborado novos parâmetros conceituais para entender o
papel e as trajetórias de desenvolvimento de diferentes áreas rurais. O crescimento da
heterogeneidade do espaço rural, segundo Marsden et al. (1993), provoca mudança nos
padrões de desenvolvimento rural que somente poderá ser explicitada com um instrumental
teórico-metodológico que permita a compreensão desta multifacetada realidade. Assim,
para entender as transformações do espaço rural e identificar as perspectivas para
promover o desenvolvimento rural, Marsden (1989 e 1995) considera três áreas que são
fundamentais: (a) as multidimensões das mudanças rurais; (b) a importância dos processos
de mercantilização e (c) a incorporação da esfera de consumo nas análises. Em trabalho
posterior (Marsden, 1998), considera que quatro esferas-chave, em suas diferentes
combinações, influenciam nas mudanças espaciais do espaço rural: o mercado de alimentos
49
Ploeg (2008) considera que a agricultura capitalista quase foi extinta devido aos processos de reforma
agrária que se deu em praticamente todo o mundo.
95
de massa; o mercado de alimentos de qualidade; as mudanças relacionadas à própria
agricultura; e a reestruturação rural.
Com base nesse arcabouço teórico-metodológico é que Marsden (2003) discute o
que ele considera os três princípios organizativos e estrutural-analítico para interpretar o
processo de desenvolvimento rural: (i) a dinâmica agroindustrial; (ii) a dinâmica pós-
produtivista; (iii) a dinâmica do desenvolvimento rural sustentável (mais emergente,
segundo o autor). Nesse trabalho Marsden mostra como as ações do Estado, do mercado e
da sociedade civil estão agrupadas em uma forma aparentemente legitima de criar padrões
particulares de exploração da natureza e do rural. Essas três dinâmicas estão coevoluindo e
competindo, simultaneamente no tempo e no espaço. Marsden (2003) considera que essas
três dinâmicas representam elementos-chave para entender os processos de
desenvolvimento rural. Nos próximos itens apresentam-se algumas características dessas
três dinâmicas.
3.2.1 Dinâmica agroindustrial
Desde o final da Segunda Guerra Mundial o desenvolvimento rural e o papel da
agricultura e da alimentação estão sendo fortemente influenciados pelo modelo
agroindustrial, cuja dinâmica pode ser considerada como a maior e dominante. Esse
modelo de desenvolvimento o rural é considerado como sendo um espaço de produção
agrícola por excelência e cuja regulação tem que levar esse fato em consideração. Essa
dinâmica vincula a produção agroalimentar centralmente à dinâmica industrial,
transformando os alimentos em produtos industriais, associando-os com produção
globalizada e padronizada.
Nesta dinâmica a competitividade da produção agrícola está fundamentada em uma
suposta diminuição dos custos, que é obtida com o uso intensivo de tecnologia e com
aumento na escala de produção. Nessa dinâmica duas dimensões regulatórias
contraditórias - que envolve o apoio do Estado global e nacional. Em primeiro lugar, o
Estado (Estados Unidos, Europa, e Japão) destina volumes crescentes de subsídio para a
agricultura e para as grandes corporações agrícolas ao mesmo tempo em que defende a
aplicação do modelo neoliberal, cujos princípios se assentam na liberalização dos
mercados globais e das estruturas do Estado. Em segundo lugar, como foi discutido por
96
Buttel (2006), em relação aos Estados Unidos, o modelo continua a manter fundos públicos
voltados a sistemas de pesquisa e desenvolvimento que usam meios técnicos, como os
organismos geneticamente modificados (OGMs) para manter o que o autor chama de
“insustentabilidade”.
Segundo Marsden e Schneider (2007), em países em desenvolvimento, como o
Brasil e a Argentina, o modelo agroindustrial assume grande importância tendo em vista a
enorme significância do setor primário e agroindustrial na economia, sendo que a
exportação de produtos agrícolas como soja, carne e frutas tropicais frescas têm uma
enorme importância na balança de pagamento. Considerando o contexto internacional, o
modelo de produção agroindustrial tende a crescer e se expandir em países como o Brasil.
Os autores apontam quatro razões conjunturais e estruturais que estariam levando a
expansão do modelo agroindustrial. Em primeiro lugar, a tendência à urbanização e o
crescimento da população do planeta, que deve acelerar nas próximas décadas,
impulsionado pelas mudanças que estão ocorrendo na China, Índia e outros países em
rápido processo de industrialização. Em segundo lugar, porque não muita terra
disponível no planeta a não ser nos países em desenvolvimento onde disponibilidade de
água e o custo da força de trabalho, a terra estão relativamente baixos. Em terceiro lugar,
com a crescente pressão relacionada às mudanças climáticas, uma tendência para
crescer o uso de biomassa para a produção de biocombustíveis, o que provavelmente
contribuirá para aumentar o preço internacional de produtos agrícolas, principalmente a
soja e o milho, o que estimulará seu cultivo em países em desenvolvimento. Em quarto
lugar, as biotecnologias, especialmente os OGMs, estão estimulando uma nova corrida
tecnológica em escala mundial que acaba por acelerar o treadmill e o “aperto” aos
agricultores.
Soma-se a isso, o fato de que embora o crescente interesse do consumidor por
alimentos mais saudáveis, segundo Marsden (1998), o mercado da produção de alimentos
de massa ainda domina a produção rural da Inglaterra e tem um importante papel na
moldagem do espaço rural. A maioria dos agricultores está integrada em cadeias
agroindustriais organizadas verticalmente, que são dominadas pelo poder das
agroindústrias e, principalmente, das grandes corporações varejistas. Para o autor, o
modelo de desenvolvimento agroindustrial está sujeito às inovações tecnológicas que
demandam produção intensiva e economias de escala. Tais inovações, como a manipulação
97
genética, influenciam toda a cadeia e podem moldar a natureza da produção agrícola e
controlar a produção “à distância”.
Outra dimensão da dinâmica agroindustrial está relacionada com o que pode ser
chamado de “crise da qualidade dos alimentos”, que impõe uma nova ordem de medidas
regulatórias visando à segurança alimentar e higiênicas (designadas e implementadas tanto
pelos governantes como pelo setor privado). Estas regras regulatórias operam, de forma
crescente, como importantes barreiras para entrada no mercado, tanto por parte dos
agricultores como das agroindústrias, pressionados a cumprir os contratos com os grandes
varejistas. É a habilidade das grandes redes de supermercados em impor suas convenções
de qualidade o fator chave para a manutenção do sistema liderado pelas grandes
corporações. Este controle estaria informando a emergência de um novo modo de
regulação da qualidade dos alimentos, agora comandado pela grande distribuição,
sobretudo, no Reino Unido. Nas pesquisas que o autor realizou nos polos exportadores de
frutas frescas do Vale do São Francisco (Brasil) e no Caribe a constatação é que uma
ligação da produção local com os mercados internacionais e que a valorização de um
espaço de produção precisa da constante desvalorização de outros para produzir
acumulação de capital. Nesta pesquisa o autor mostra, por exemplo, que a adoção do
modelo agroindustrial de exportação de frutas tem causado uma apropriação desigual na
riqueza produzida e está causando perplexidade e descontentamento para quem esperava
melhorar seus “meios de vida”. O autor indica, também, que em termos de relação com o
mercado, riscos ambientais, direito ao uso da água e a criação de trabalho, a atual
sustentabilidade deste modelo está sendo colocada sob suspeita.
O autor conclui, a partir dos estudos da região produtora de frutas para exportação
(Nordeste brasileiro), que o crescimento do consumo mais “saudável” de frutas e vegetais
no Norte, por exemplo, está assentado sobre assimetrias e sobre um paradigma de
agricultura intensiva, convenientemente distanciada do local de consumo, criando
condições de insustentabilidade tendo em vista a exposição dos trabalhadores às precárias
condições de trabalho e o meio ambiente aos agentes poluidores. Por essas razões, o
modelo agroindustrial, especialmente nas suas formas mais intensificadas e voltadas à
monocultura, são constantemente questionadas.
98
3.2.2 Dinâmica pós-produtivista
A dinâmica representada pelo modelo pós-produtivista surge com maior
intensidade em meados dos anos 1980 nas regiões ricas do nordeste da Europa onde, para
muitos estudiosos e formuladores de políticas, a produção agrícola tem pouco significado
social e econômico em virtude da sua baixa contribuição relativa na renda nacional e no
nível de empregos gerados. A combinação da descentralização da indústria e dos serviços e
o fluxo urbano-rural da população mais rica têm levado muitos a interpretar o rural como
um “espaço de consumo”. Essa perspectiva é reforçada pela pressuposição de que o
problema do desenvolvimento rural, da pobreza e da exclusão social não pode ser resolvido
pelo foco da agricultura.
Tanto os novos rurais como grupos ambientalistas envolvidos nessa dinâmica
enxergam a agricultura como um “negócio sujo”, e fazem pressão para a implementação de
complexos modelos regulatórios para proteger as áreas rurais da devastação do modelo
agroindustrial e confinar suas externalidades dentro de limites específicos. Isso é parte do
que pode ser chamado, no contexto europeu, de ascensão do estado burocrático higiênico.
Portanto, enquanto o modelo agroindustrial a natureza rural como algo que pode ser
superado, no modelo s-produtivista ela é vista como um bem de consumo, para ser
explorada não pelo capital industrial, mas pelas populações urbanas. Nessa perspectiva, a
natureza rural é uma forma específica que necessita ser construída e explorada.
A reação ambientalista e sua penetração no meio rural associada ao declínio do
poder político dos agricultores têm criado condições para consideráveis constrangimentos,
no nível local e regional, sobre o setor agrícola. Na visão pós-produtivista é necessário
políticas para conter as características destrutivas da agricultura ao mesmo tempo em que
se estimula seu potencial para atender as necessidades diversificadas dos consumidores.
Contrariamente à dinâmica agroindustrial, a pós-produtivista combate a produção
industrializada e exalta a construção de paisagens rurais e sua proteção.
Portanto, enquanto a dinâmica agroindustrial considera a natureza como um
obstáculo a superar, a dinâmica pós-produtivista tem uma concepção altamente
materialista, enxergando o rural como um bem de consumo com valor estético. Ambas as
dinâmicas, entretanto, devem muito sua origem à concepção de controle externo sobre a
natureza rural. Outro ponto em comum entre as duas dinâmicas é a idéia subjacente de
desenvolvimento de formas externas de governança sobre o rural.
99
Marsden & Schneider (2007) entendem que no caso do Brasil, a presença do pós-
produtivismo é ainda muito difusa, devido especialmente à forte presença do dominante e
proeminente modelo agroindustrial. Entretanto, os autores avaliam que sinais
consistentes de que pode vir a ocupar um relevante espaço na discussão das trajetórias de
desenvolvimento da agricultura e das áreas rurais e apontam três características mais
gerais, que ainda não apresentam contornos bem definidos, mas que sinalizam o pós-
produtivismo. A primeira é representada pela diminuição da importância da reforma
agrária como meio de promover a integração produtiva dos assentados na economia. A
idéia básica é que a reforma agrária não pode mais ser justificada como uma política para
estimular o aumento da produção agrícola, cujo papel é muito bem feito pelo modelo
agroindustrial. No cenário pós-produtivista brasileiro, segundo os autores, a reforma
agrária seria justificada como uma ação cujo objetivo mais importante é reduzir a enorme
concentração da terra assim como uma política social compensatória para combater a
pobreza nas áreas rurais. A segunda característica está presente na concepção de alguns
segmentos que defendem que determinadas áreas rurais devem ficar longe da produção e
reservada a espaços não-produtivos, cujo retorno econômico viria do turismo, exploração
do ajardinamento e exploração das funções ambientais. A terceira forma que assume o pós-
produtivismo no Brasil é respaldada pelas idéias de que o problema da pobreza rural pode
ser resolvidos através do estímulo à criação de atividades não-agrícolas em áreas rurais
combinadas com políticas sociais.
3.2.3 Dinâmica de desenvolvimento rural
A dinâmica do desenvolvimento rural emerge nos anos 1990 na Europa e também
tem sido descrita como as “uma nova trajetória de desenvolvimento” (KNICKEL e
RENTING, 2000, p.512), que emerge como uma série de respostas aos limites e às
contradições do paradigma da modernização e tem na sustentabilidade o seu princípio
fundamental. Tem sua origem associada com as iniciativas denominadas botton up e
com o protagonismo dos agricultores e a integração das comunidades rurais “periféricas”,
buscando revalorizar e recentralizar o significado das práticas agrícolas e a ecologia. Na
Europa, esta dinâmica tem sido impulsionada nas regiões menos influenciadas pela
dinâmica agroindustrial e pós-produtivista.
100
Nesta dinâmica de desenvolvimento que se assenta na agricultura o que está
implícito é uma “nova” maneira de fazer agricultura (centrada na agroecologia) e que no
campo econômico se baseia em duas estratégias complementares: economia de escopo e
economia de sinergia. Assim, a lógica da economia de escala passa a ser substituída por
uma abordagem que envolve a multifuncionalidade da agricultura, ligada a atividades
como o agroturismo, a preservação da paisagem, a produção de alimentos com qualidade
diferenciada. A economia de escopo e a economia de sinergia emergem nas “empresas
multi-produtos”, isto é, que se valem da produção de uma ampla gama de produtos
buscando aproveitar ao máximo seus fatores produtivos e criar um efeito sinérgico na
combinação das diferentes atividades.
Em contraste com os modelos dominantes, a dinâmica do desenvolvimento rural
emerge no nível regional e local. Essa dinâmica se estabelece por meio de distintos
princípios organizativos que colocam a natureza, o trabalho, a região, os valores e a
qualidade dos alimentos em diferentes conjuntos de equações. Não são somente os
alimentos, representativos das diferentes convenções de qualidade (ecológico, espacial,
artesanal) que dão a forma a essa nova dinâmica de desenvolvimento rural, mas a criação
de inúmeros tipos de redes sociais e associações entre os agricultores, desde a produção até
a comercialização. Portanto, o modo de organização social da produção é radicalmente
reorganizado, o que torna as inovações organizacionais muito mais importantes que o
desenvolvimento tecnológico.
A dinâmica do desenvolvimento rural, seguindo Marsden (2003), apresenta
fundamentalmente as seguintes características: (i) a produção se orienta pelos princípios da
agroecologia; (ii) produção focada em alimentos alternativos e/ou naturais, como é o
exemplo dos produtos orgânicos; (iii) emergência de um forte e crescente mercado de
alimentos artesanais em nível regional e local; (iv) produção e industrialização (de forma
individual ou coletiva) de alimentos que incorporam qualidades especiais
50
; (v) venda
direta ao consumidor ou mercado de ciclo curto.
Segundo Marsden, os mercados de alimentos estão sendo forjados com novas
formas de relacionamento social e associações, onde o padrão de qualidade alternativo
50
Representam uma descontinuidade da tendência dominante da centralização, padronização e
homogeneização da indústria de alimentos. Os produtos assim produzidos apresentam qualidades
intrínsecas cujo resultado é o preço maior (premium price). Alguns podem ser genuinamente enraizados na
tradição, outros ter longa tradição de produção, mas apenas recentemente procura-se diferencia-los dos
produtos similares e alguns podem ser relativamente novos, mas que incorporam qualidade e autenticidade.
Em geral são vendidos no comércio local ou lojas especializadas e não em grandes varejistas.
101
geralmente favorece o ecológico e o artesanal, onde há uma reafirmação do valor do local e
de como é produzido, sendo possível para o produtor uma retenção maior do valor
agregado. Para o autor possivelmente a criação
51
, operação e evolução dos novos
“mercados de ciclo curto” representam a mais profunda transformação e uma das
dimensões-chave do novo padrão de desenvolvimento rural.
Em síntese, a leitura que Marsden faz a respeito do novo padrão de
desenvolvimento rural, que começa a emergir na Europa, converge com a de Ploeg et al.
(2000: 398). Para esses autores o desenvolvimento rural implica na criação de novos
produtos, serviços e mercados e a re-formatação e re-configuração dos recursos rurais:
terra, trabalho, natureza, ecossistemas, animais, plantas, habilidades artesanais, redes
sociais e relações urbano-rural. Isso seria obtido através do desenvolvimento de novas
atividades no espaço rural cuja relevância pode estar relacionada aos efeitos dessas
iniciativas na economia na sociedade, na cultura e na natureza rural e local. Essas novas
iniciativas de desenvolvimento rural podem ser interpretadas e analisadas a partir da
abordagem da produção de novidade – novelty production – (PLOEG et al. 2004).
3.3 A produção de “novidades” como expressão das práticas e processos de
desenvolvimento rural
A agricultura tem a sua história marcada pela produção de novidades. Ploeg at al.
(2004) afirmam que ao longo dos tempos, voluntária ou involuntariamente, os agricultores
têm introduzido mudanças no processo de produção, utilizando para isso cuidadosas
observações, interpretações, reorganizações e avaliações. Congruente com a POA a
produção de novidade é um conceito-chave para identificar e entender a dinâmica presente
no paradigma de desenvolvimento rural (PLOEG et al., 2000).
Uma novidade pode ser entendida como uma modificação e, às vezes, uma quebra
em rotinas existentes. Deste modo, uma novidade pode significar uma metamorfose dentro
de uma prática existente ou pode consistir em uma nova prática. Pode, ainda, ser um novo
modo de fazer ou pensar, presumivelmente com potencial para promover melhorias nas
rotinas existentes (PLOEG et al., 2004). Nas palavras de Rip e Kemp (1998), uma
novidade é uma nova configuração que promete funcionar”.
51
Alguns autores, como Bagnasco e Trigilia (1993) têm chamado essa forma de desenvolvimento do
mercado como “construção social do mercado”.
102
A metáfora da semente, utilizada por Ploeg et al. (2004) pode ser usada para
enfatizar três elementos essenciais de uma “novidade”. Primeiro, as novidades necessitam
de tempo – exatamente como as sementes requerem o cultivo para germinar, crescer,
florescer e produzir frutos. Elas seguem um desdobramento específico através do tempo
antes que seu resultado final possa ser avaliado. Igualmente, as novidades requerem um
tempo para mostrar se as promessas nelas envolvidas podem materializar-se realmente. Em
segundo lugar, as sementes requerem um espaço particular, ou, mais especificamente, um
contexto particular de organização. É necessário um solo bem preparado, uma distribuição
uniforme de água, uma proteção apropriada da colheita e assim por diante. Traduzido para
o nível das novidades, isto implica que uma mudança em rotinas existentes frequentemente
também implica em uma segunda, uma terceira, uma quarta, etc. As primeiras melhorias
estimulam uma segunda. Isto é, uma “novidade” raramente permanece isolada; uma
“novidade” resultará em um programa mais amplamente relacionado e que reforçará as
novidades. Em terceiro lugar, a insegurança inerente necessita ser enfatizada. Exatamente
como as colheitas podem falhar, as novidades também podem. As novidades estão
relacionadas com as expectativas. Entretanto, está longe de ser evidente que os resultados
eventuais sejam iguais às expectativas iniciais.
A produção de novidades não representa apenas àquelas relacionadas com os
artefatos do processo produtivo, ela também pode estar relacionada com as formas de
organização da produção e com a criação e consolidação de dispositivos coletivos e
arranjos institucionais particulares. Parece que um bom exemplo de novidade fortemente
relacionada com a organização da produção e a criação de dispositivos coletivos são o
surgimento e consolidação de uma de rede de pequenas cooperativas que congregam as
agroindústrias familiares do Oeste de Santa Catarina (UCAF
52
) ou organização de
pequenas cooperativas de comercialização de leite. Essas novidades serão discutidas e
analisadas no capítulo cinco.
As novidades consistem em conhecimento técnico e organizacional que juntos
possibilitam melhorar os processos de produção ou as funções da firma no que
diz respeito à competitividade e, especialmente, a compatibilidade com
prosperidade coletiva (VENTURA & MILONE, 2004, p.84)
Portanto, uma novidade é definida por Ploeg et al. (2007) como uma maneira
diferente de pensar que incorpora novas idéias, artefatos e/ou combinação (dos recursos, de
52
Unidade Central das Agroindústrias Familiares.
103
procedimentos tecnológicos e de diferentes campos do conhecimento) que envolve
constelações específicas, como um processo de produção, uma rede, combinação de
atividades, etc. e que pode funcionar de maneira melhor. Na realidade as novidades, em
geral, não são compreendidas inteiramente, pois se trata de um desvio das regras que vai
além das regularidades existentes e explicadas. Elas ainda não são conhecimentos
codificados (científico). Por esse motivo, uma novidade não pode ser facilmente
transportada do contexto que emergiram e germinaram para outros.
Novidades diferem completamente de inovações. Ploeg et al. (2007, p. 1) lembram
que uma novidade está associada ao conhecimento tácito e, por isso, é altamente limitada
ao contexto local, enquanto uma inovação é a expressão do conhecimento codificado,
construída primeiramente, em um mundo externo da produção, incorporado a um artefato
que pode ser transposto de um local para outro. O processo de inovação se caracteriza pela
padronização, pela externalização e pela globalização, diferindo da produção de novidades
na agricultura, que é um processo altamente localizado, dependente do tempo, dos
ecossistemas locais e dos repertórios culturais nos quais a organização do trabalho está
envolvida. Entretanto, as novidades podem vir a se constituir em inovações, dependendo
de suas propriedades e/ou contexto.
O termo-chave ‘Produção de Novidades’ (Novelties Production) foi proposto a
partir da necessidade de particularizar ou evidenciar fenômenos que, até então estavam
escondidos na obviedade do dia-a-dia e é derivado de uma rica tradição de estudos
dedicados à compreensão das mudanças tecnológicas (PLOEG et al., 2004). Tais estudos
estão amparados pela Perspectiva Multinível (PMN)
53
, uma abordagem interdisciplinar,
influenciada pelos evolucionários da teoria econômica, pela teoria institucional e pela
teoria da estruturação de Giddens (1989). A perspectiva propõe explicar as transições
tecnológicas pela interrelação de processos de três diferentes veis heurísticos, os
conceitos analíticos de nicho de inovação, regime sociotécnico e paisagem sociotécnica
(KEMP et al., 1998; GEELS, 2002; VERBONG e GEELS, 2007). Geels e Schot (2007)
sublinham que a PMN é um modelo multidimensional de agência, que assume que os
atores têm interesses próprios, agem estrategicamente, mas são limitados pelo tempo e por
distintos tipos de regras (regulativas, normativas e cognitivas), sejam elas partilhadas ou
não com os demais atores.
53
O uso dos recursos analíticos da Perspectiva Multinível (PMN) para estudos da tecnologia pode ser
considerado recente, em especial no Brasil. Todavia, alguns elementos teórico-conceituais estão mais
detalhados em Marques (2008).
104
Segundo Ploeg et al. (2007), a produção de novidades está altamente associada com
o conhecimento contextual que se constitui em um ingrediente crucial e indispensável.
Quanto mais o conhecimento contextual está disponível tanto maior é a produção de
novidades. Os autores distinguem quatro importantes processos no conhecimento
contextual: a) socialização: onde há a passagem de conhecimento tácito entre os indivíduos
através de um processo de compartilhamento do conhecimento; b) externalização: onde o
conhecimento tácito é transformado em conhecimento codificado (científico) e assim pode
se difundir globalmente; c) recombinação: que implica na reutilização dos vários tipos e
fontes do conhecimento tácito e codificado para a criação de conhecimento novo, através
de redes e outras conexões; d) internalização: processo em que as firmas absorvem o
conhecimento externo.
O conhecimento contextual é descrito por Ploeg et al. (2004), como a saída social
de um processo histórico de acumulação de capacidades e habilidades tecnológicas.
Isto ocorre apenas quando o conhecimento é mobilizado ativamente, circulado e
adicionalmente desenvolvido dentro de um território. O conhecimento contextual
é, portanto, uma fonte importante de produção de novidades. Outro lado, as
novidades personificam novas combinações (frequentemente inesperadas) de
elementos heterogêneos do conhecimento contido no estoque do conhecimento
contextual. As experiências obtidas com o uso prático das novidades, por sua
vez, ampliarão o estoque territorial do conhecimento contextual (PLOEG et al.,
2004, p.2).
A importância da produção de novidades é assim sumarizada por Ploeg et al.
(2007):
1) Reforça a transformação dos recursos disponíveis em recursos específicos territoriais;
2) A produção de novidades cria capacidade para “melhorar”, de várias maneiras, a
competitividade da agricultura e das economias rurais;
3) A produção de novidades (em combinação com o conhecimento contextual) permite
manter o controle local sobre a valorização do recurso;
4) A produção de novidades pode apoiar a distinção territorial;
5) A produção de novidades pode ser um estímulo para o aprofundamento do
conhecimento contextual;
6) A produção de novidades pode mobilizar a criatividade que é pouco utilizada ou negada
completamente dentro dos sistemas convencionais de desenvolvimento rural.
Portanto, ao contrário da gica utilizada no processo de modernização da
agricultura, a produção de novidades na agricultura é um processo altamente localizado e
105
por isso dependente do ecossistema e da cultura local, nos quais o processo de trabalho está
enraizado. Isso significa que uma novidade que se parece interessante e emerge em um
lugar, pode não surgir em outro local, ou, pode ter efeito adverso e não se constituir em
nenhuma promessa.
Mas, a produção de novidades não se restringe apenas àquelas relacionadas ao
campo tecnológico e ao processo produtivo. A produção de novidades também pode estar
relacionada com as formas de organização da produção e com a criação e consolidação de
dispositivos coletivos e arranjos institucionais como é, por exemplo, o surgimento e a
consolidação de pequenas cooperativas de comercialização de leite e da agroindústria
familiar rural que recentemente vem acontecendo no Oeste de Santa Catarina. Ploeg et al.
(2007) consideram, por exemplo, que novos arranjos institucionais estão intrinsecamente
relacionados com a produção de novidade. Segundo os autores, as próprias novidades
podem se constituir em novos arranjos institucionais.
Baseados em evidências empíricas do Projeto ETUDE, Ploeg et al. (2007),
asseveram a importância da presença de diferentes formas de capital social na emergência
de uma novidade, bem como nos estágios seguintes da dinâmica do seu ciclo de vida. Da
mesma forma, a emergência de diferentes tipos de novidades relaciona-se diretamente com
o território e as redes baseadas no relacionamento e na confiança. Os autores afirmam
ainda que o capital social possa ser simultaneamente um pré-requisito, bem como um
resultado na produção de novidades. Assim, através da produção de novidades a confiança
baseada no relacionamento, como uma componente-chave do capital social, pode ser
ativamente reconstruída e/ou fortalecida pela sua tradução em outras formas de capital
(capital econômico, cultural, etc.).
Em um quadro analítico mais amplo, Ploeg et al. (2007) explicam que a produção
de novidades está fundamentada na co-produção e, segundo os autores, ocorre ao longo das
seguintes linhas:
Em primeiro lugar, a produção de novidades assenta-se no melhoramento dos
recursos, onde a “natureza viva” é construída, reconstruída e diferenciada dentro de um
longo processo histórico, de onde emerge particularidades que caracterizam o
comportamento dos recursos envolvidos. Concretamente, os recursos são o resultado da
coprodução, onde eles são moldados e remodelados por intermédio da constante interação
homem e natureza. Em resumo, a coprodução realimenta os recursos sobre os quais são
produzidos.
106
Em segundo lugar, a produção de novidades diz respeito a uma “sintonia fina”, com
uma extensa lista de fatores de crescimento. O que estaria implícito aqui é a Lei de
Liebing, onde o fator mais limitante é que também limita todo o processo de crescimento.
Continuamente, os agricultores estão identificando e corrigindo esse fator limitante, o que
muitas vezes se através de uma novidade. Trata-se de um processo dinâmico, pois uma
vez que o fator limite original tenha sido corrigido, outro emergirá como mais limitante.
Ploeg et al., 2004 acreditam que a produção de “novidades” pode ajudar a encontrar
novas maneiras para sair da multifacetada crise em que se encontra a agricultura européia.
Os autores consideram ainda que as novidades representam as “sementes da transição
54
” do
paradigma do desenvolvimento agrícola para o paradigma de desenvolvimento rural.
Portanto, não se trata de nenhuma ruptura radical, mas sim de um processo gradativo, que
vai acontecendo aos poucos; que vai se enraizando, se alastrando, colonizando, como
sugere o próprio termo (sementes da transição). Por isso, os autores consideram que a
investigação e a interpretação do processo de desenvolvimento rural devem considerar,
portanto, as múltiplas e heterogêneas realidades que mesclam, em diferentes proporções o
“velho” com o “novo”. Portanto, parece ser no âmago da própria reestruturação da
agricultura e da crise que ela produz que está germinando e se constituindo um novo modo
de desenvolvimento.
Embora muitas análises apontem para a construção de um complexo agroalimentar
altamente integrado e em certa medida homogêneo, outros estudos (MARSDEN, 2003;
PLOEG, 2006 e 2000; PLOEG et al. 2004; 2002; 2000; PLOEG e RENTING 2000)
também têm mostrado que a emergência e a consolidação de modelos heterogêneos de
práticas de produção agrícola e de inserção ao mercado é o resultado da reação dos
próprios atores sociais às pressões externas a que estão submetidos e à construção social de
projetos.
No entanto, a maioria das promissoras novidades emergentes das distintas
realidades rurais brasileiras ainda permanece ‘escondida’. Estão nas sombras porque vêm
dos “invisíveis camponeses” (Ploeg, 2008), ou porque estão em desacordo com as regras
54
Expressão utilizada como título da coletânea organizada por Johannes Wiskerke e Jan Douwe van der
Ploeg (2004) e que se traduz na produção, realizada pelos próprios agricultores, de “novidades” (novelties)
na arte de fazer agricultura e que representa uma modificação e, até mesmo o rompimento, das rotinas
existentes. Segundo os autores, a produção de “novidades” na agricultura é um processo altamente
localizado e dependente dos ecossistemas locais e do repertório cultural onde o processo de organização do
trabalho está enraizado. Por isso, pode emergir em um local e não aparecer em outro. Pode-se dizer que,
como regra, uma novidade representa uma nova maneira de fazer e de pensar, mas, na sua emergência,
muitas vezes são interpretadas como uma monstruosidade ou uma anomalia.
107
do regime sociotécnico prevalente (WISKERKE, 2004). Esse parece ser o caso de algumas
das novidades organizacionais em construção no Oeste de Santa Catarina mas que ainda
permanecem invisíveis, sobretudo para as políticas públicas. Um exemplo disso é o
desenvolvimento heterogêneo da atividade leiteira (produção, transporte, industrialização e
comercialização) e da formação de uma rede de pequenas agroindústrias familiares no
Oeste catarinense que apresenta resultados frutuosos, mas que as análises do início dos
anos 1990 majoritariamente apontavam para a concentração e homogeneização.
3.4 Agricultura familiar e desenvolvimento rural
O desenvolvimento rural, em grande medida, tem suas origens nas teorias que
tratam sobre o desenvolvimento econômico, as quais têm produzido uma rica literatura. É
preciso reconhecer, no entanto, que a idéia de desenvolvimento tem sido objeto de
incontáveis polêmicas que resulta na coexistência de distintas visões que disputam os
significados da noção de desenvolvimento. Neste espaço, entretanto, a discussão se
circunscreverá ao desenvolvimento rural e, ainda assim, apenas a alguns autores
selecionados. Busca-se identificar as principais características e atributos do
desenvolvimento rural e entender por que o tema re-emerge mais intensamente nos últimos
tempos passando a fazer parte da agenda de pesquisa nas ciências sociais, das
organizações e das próprias políticas públicas.
A noção de “desenvolvimento”, segundo Navarro (2001), nos últimos 50 anos teve
dois momentos que se constituiu em “idéias-força” atraindo generalizado interesse,
instigando programas governamentais e sofisticados debates intelectuais que penetraram
no campo políticos e passaram a permear e a determinar as expectativas e o jogo das
disputas sociais. O desenvolvimento rural, como um subtema do desenvolvimento, também
passa a influenciar políticas governamentais e interesses sociais e inspirar um conjunto de
debates teóricos. O primeiro período, conforme Navarro, surge a partir da década de 1950
e se estende até os anos 1970 e se notabilizou pelo extraordinário crescimento econômico
que redundou na conformação de um padrão civilizatório dominante, revolucionando o
modo de vida e os comportamentos sociais.
Ellis e Biggs (2001) descrevem e analisam as principais correntes teóricas, os
temas dominantes e as políticas que influenciaram o pensamento sobre o desenvolvimento
108
rural desde os anos de 1950. Os autores destacam que as idéias predominantes sobre o
desenvolvimento rural que aparecem em uma determinada década somente começam a
ganhar força na década seguinte e vão surtir os efeitos sobre as práticas de
desenvolvimento rural 10 a 15 anos depois de terem sido formuladas.
Os autores ressaltam que uma primeira “ruptura paradigmática” no campo teórico
que trata do desenvolvimento rural ocorreu em meados dos anos 1960, quando a pequena
agricultura foi considerada o motor do crescimento e do próprio desenvolvimento
55
. A
idéia de que os agricultores “tradicionais” poderiam formar a base dos processos
econômicos conduzidos pela agricultura constituía-se em uma importante ruptura da teoria
do dualismo econômico do desenvolvimento
56
, que predominou nos anos 1950. Embora
nos anos 1960 tenha ocorrido uma mudança na direção intelectual e certa ruptura na teoria
do dualismo econômico, conforme indicam os autores, isso não significa que houve uma
renúncia imediata das idéias anteriores. As idéias que consideram a agricultura em grande
escala e fundada na utilização de tecnologia mecanizada como sendo mais eficiente
persistem até o momento, sobretudo no Brasil. De fato, como bem demonstram os
trabalhos de Veiga (1991) e Abramovay (1992), nos países de economia avançada o corpo
teórico que preconizava as vantagens em grandes estabelecimentos passa a disputar espaço
no campo intelectual e das políticas públicas. No Brasil, no entanto, essa disputa só passa a
ocorrer de forma mais efetiva nas políticas públicas a partir de meados dos anos 1990. As
mais recentes pesquisas de Marsden e Ploeg, por exemplo, destacam que na Europa
distintas dinâmicas de desenvolvimento rural estão co-evoluindo e competindo ao mesmo
tempo, muito embora a dinâmica produtivista e de forte viés setorial, representada pela
PAC, ainda seja preponderante.
Uma segunda “ruptura paradigmática” nas idéias de desenvolvimento rural,
segundo Ellis e Biggs (2001), vai ocorrer nos anos 1980 e 1990. Assim, as idéias de
desenvolvimento rural, caracterizadas pelo crescente uso de tecnologias externas e as
políticas de nível nacional, são contrastadas pela perspectiva emergente que considera o
55
Segundo Ellis e Biggs (2001), a publicação do trabalho de Schultz (1964) Transforming Tradicional
Agricultureteve uma contribuição decisiva para a ampla aceitação dessa narrativa. Os autores destacam
ainda que um importante debate sobre o desenvolvimento rural ocorre nos anos 1970 no âmbito da
“economia política” inspirados pelas ciências sociais marxistas e neomarxista. Nesse caso, as análises
recaíam sobre as transformações agrárias impulsionadas pelas forças que operam em grande escala e nas
tendências de desenvolvimento mediatizado pelas forças do capitalismo e seus reflexos nas classes sociais,
poder, desigualdades e diferenciação social.
56
Segundo essa corrente teórica, a economia de subsistência característica da agricultura tradicional
contribuía de forma insignificante para o aumento da produtividade e o crescimento e, portanto, ocupava
somente um papel passivo no processo de desenvolvimento econômico.
109
desenvolvimento rural como um processo participativo que confere poderes para que os
habitantes do espaço rural tomem suas próprias decisões. Schneider (2004, p. 94) elenca
quatro elementos-chave que emergem no recente debate sobre o desenvolvimento rural: a
erradicação da pobreza rural; o protagonismo dos atores sociais e sua participação política;
o território como unidade de referência, e a sustentabilidade ambiental. Dessa forma,
crescentemente colocam-se objeções em relação à capacidade do projeto de modernização
da agricultura e da revolução verde de aumentar a renda global, além de apontá-las como
sendo um processo que incorpora uma maior propensão ao risco e uma ameaça ao meio
ambiente. Essa “ruptura paradigmática” na noção de desenvolvimento rural suscita a
emergência de inúmeras proposições teóricas
57
que se complementam e a partir das quais
as agências de serviço estabelecem suas prioridades para o desenvolvimento da assistência
às áreas rurais. Ploeg et al. (2000), entendem que atualmente na Europa existe a
necessidade de um novo paradigma de desenvolvimento rural, que inclua a busca de um
modelo para o setor agrícola com novos objetivos: a produção de bens públicos, a busca
por sinergias ambientais, a valorização das economias de escopo em detrimento das
economias de escala, a criação de ocupações produtivas, que inclui a pluriatividade das
famílias rurais, dentre outros.
Portanto, as transformações na sociedade contemporânea e seus reflexos sobre o
espaço rural, assim como as condições estruturais e conjunturais a que estão submetidos os
agricultores exige novos enfoques e abordagens analíticas para definir o desenvolvimento
rural. A abordagem das estratégias de sobrevivência familiares e a diversificação dos
meios de vida ou de vivência rurais (household strategies and rural livelihood
diversification) de Frank Ellis (2000) parece ser uma interpretação alternativa sobre o
desenvolvimento rural.
Assim, em uma pesquisa exaustiva que se propõe a estudar o desenvolvimento rural
a partir da diversificação dos modos de vida e as estratégias de sobrevivência dos
agricultores familiares localizados nos países menos desenvolvido, Ellis (2000, p.25)
define que o desenvolvimento rural é uma organização de políticas antipobreza para
áreas rurais”. Ellis mostra que as iniciativas e ações que proporcionam melhoria nas
condições de vida e alargam as possibilidades de garantir a reprodução socioeconômica da
população rural se encontram, na maioria das vezes, nas próprias localidades e territórios
57
Dentre essas proposições, Ellis e Biggs (2001) destacam: (i) a perspectiva da participação e do
desenvolvimento rural orientado ao ator; (ii) a emergência do paradigma do desenvolvimento sustentável;
(iii) os modos de vida sustentável e as estratégias de redução da pobreza rural
110
onde vivem. Assim, para o autor, nos projetos de desenvolvimento rural a pobreza passou a
ser um tema dominante, tendo aparecido inicialmente na forma de “alívio”, depois de
“redução” e, por fim, de “erradicação” da pobreza, sendo que essa última deve ser o centro
de todos os esforços do desenvolvimento rural. Neste caso, a pobreza a ser combatida não
deve ser entendida apenas como a melhoria e o acesso ao capital financeiro, mas também
dos outros ativos como: o capital natural, o capital físico, o capital humano e o capital
social. Os ativos representam o estoque de capital que podem ser utilizados para gerar os
meios de sobrevivência do grupo doméstico ou para sustentar seu bem estar. Portanto, os
ativos, juntamente com as atividades e o acesso a elas (mediante as relações institucionais
e sociais), definem a “diversificação do modo de vida” e determinam o modo como os
indivíduos ou os grupos domésticos ganham a vida e podem melhorá-la. Em resumo, para
o autor todos estes ativos e a equânime distribuição deles são fundamentais para promover
o desenvolvimento rural. Contudo, para Ellis o capital humano e o capital social são
considerados fundamentais, pois eles aumentam as oportunidades de escolha dos
indivíduos e grupos sociais e facilitam a diversificação dos modos de vida. O capital
humano refere-se ao trabalho disponível pelo grupo doméstico: sua educação, habilidades e
saúde. A falta de amplas políticas públicas voltadas à educação e aos serviços de saúde
pode determinar desigualdade no capital humano, inibindo o exercício das capacidades de
escolhas dos indivíduos e, por conta disso, dificultando a promoção do desenvolvimento
rural. O capital social, por sua vez, representa o exercício da reciprocidade na comunidade
e entre os grupos domésticos e está baseada na confiança derivada dos laços domésticos.
Nos últimos anos tem havido na Europa inúmeras tentativas para definir novas
linhas de desenvolvimento para o mundo rural. A constatação do fracasso do modelo da
modernização da agricultura, voltado exclusivamente à intensificação e ao aumento de
escala sem considerar questões sociais e ambientais, é o que tem motivado esse intento.
Um grande esforço no sentido de entender a mudança rural e o processo de
desenvolvimento rural na Europa tem sido empreendido desde o final do século passado
por um grupo de pesquisadores liderados por Terry Marsden e Jan Dowe van der Ploeg.
Neste sentido, uma importante contribuição foi apresentada no artigo Rural development:
from practices toward teoria” de autoria de PLOEG et al. (2000).
Os autores defendem que o paradigma da modernização que antes dominou a
política, a prática e a teoria está sendo substituído por um novo paradigma de
desenvolvimento rural. Em grande medida, o desenvolvimento rural representaria ações
111
empreendidas como resposta ao squeeze resultante da corrida tecnológica que acompanha
o paradigma da modernização. Os autores propõem analisar o desenvolvimento rural a
partir de uma perspectiva que o reconheça como um processo multinível, multifacetado e
multi-ator, enraizado em tradições históricas, sendo que em todos esses níveis há uma série
de respostas ao paradigma da modernização. No primeiro nível, os autores destacam as
inter-relações globais entre a agricultura e a sociedade, cujas expectativas em relação ao
rural já não são apenas de cumprir função de produzir alimentos abundantes e barato.
Novas necessidades e expectativas esperam que o rural também produza um amplo leque
de bens públicos e que contribua na geração de ocupações produtivas.
Em segundo lugar, o desenvolvimento rural representa um novo modelo de
desenvolvimento para o setor agrícola que substitua o aumento de escala, a intensificação,
a especialização e a industrialização, pela sinergia que se obtém da interação de distintas
atividades tanto na propriedade individual como entre propriedades, assim como, entre os
ecossistemas locais e regionais. O desenvolvimento rural representa ações onde prevalece a
economia de escopo em detrimento à de escala e onde emergem novos arranjos
institucionais (PLOEG e RENTING, 2000).
Em terceiro lugar, o desenvolvimento rural pode ser operacionalizado a partir da
propriedade individual do agricultor. Neste nível, o desenvolvimento rural emerge como
uma redefinição de identidade, estratégias, práticas interrelações e rede. Neste caso, a
pluriatividade passa a ser considerada como uma importante fonte de sinergia.
Em quarto lugar, o desenvolvimento rural deve ser considerado no nível da
economia rural e dos seus atores. Neste caso, o rural sendo considerado como um espaço
social e geográfico, onde novas formas de articulação estão sendo desenvolvidas.
Para os autores o desenvolvimento rural representa um conjunto de práticas que
implica na construção de novas redes, na coordenação ou remodelação do social e do
material, no uso renovado do capital ecológico, social e cultural, na revalorização e
reconfiguração dos recursos rurais
58
. Em resumo, para Ploeg e seus colegas o
desenvolvimento rural representa as estratégias de sobrevivência desenvolvidas pelas
58
A emergência de agroindústrias alimentares, administradas pelos próprios agricultores familiares, é citada
como exemplo da reconfiguração dos recursos rurais e a conformação de novas redes que se estabelecem
tanto no processo produtivo como na industrialização, com os agentes externos e nos processo de ligação
com o mercado. O surgimento dessas agroindústrias é um fenômeno recorrente em vários campos do
desenvolvimento rural centrando em torno de distintos produtos, incluindo os alimentos orgânicos, a
produção de alta qualidade e produtos de regiões específicas, ou então, pode representar uma proposta
associada à adição de valores à produção e a eliminação de intermediários (PLOEG et al. 2000, p.399).
112
unidades familiares com o objetivo de se afastar da crise representada pelo squeeze da
modernização e garantir a sua reprodução. Nessa perspectiva, o desenvolvimento rural
implica na:
Criação de novos produtos e serviços associados ao desenvolvimento de novos
mercados. O desenvolvimento rural também está relacionado com as novas
formas de redução de custos através da elaboração de trajetórias tecnológicas,
cuja produção e reprodução estão associadas a sua base de conhecimento. [...] o
desenvolvimento rural também implica na reconstrução da agricultura e do rural
e seu realinhamento com a sociedade e a cultura. [...] também envolve a
agregação de valores aos produtos gerados no estabelecimento agrícola e a
construção de novas ligações com o mercado, que estavam desconectadas ou
inacessíveis aos agricultores (PLOEG et al., 2000, p. 396).
Como era de se esperar, esta perspectiva teórico-análitica que identifica um
emergente paradigma de desenvolvimento rural não está imune às críticas. Tratando mais
especificamente da dinâmica produtivista e pós-produtivista, Wilson (2001) apud Sonnino
et al. (2007), por exemplo, adverte sobre os perigos de se adotar uma perspectiva dualista,
que pode muitas vezes não passar de diferentes pontos de vistas do que propriamente duas
distintas dinâmicas.
Uma crítica vigorosa foi apresentada por Goodman (2004). O autor entende como
sendo um equívoco considerar as redes alternativas de alimentos, uma expressão da ruptura
de paradigma. Considera que essa idéia se assenta em uma perspectiva binária ao
contrastar velho e novo, crise e ruptura, modernização e modelos alternativos. Para
Goodman, essa visão acaba escondendo e negligenciando a complexidade da transição, sua
desigual intensidade espacial e temporal e a possibilidade de que os processos de
mudanças podem não gerar uma convergência, mas sim acentuar ainda mais a dualidade
existente. Na análise de Goodman, os pesquisadores que apontam para a emergência de um
novo paradigma de desenvolvimento rural ignoram as questões de poder que acontecem
para além do estabelecimento agrícola e não respondem problemas rurais cruciais de longa
data como, por exemplo, a pobreza rural, a desigualdade de renda, a exclusão social e o
desenvolvimento desigual. Para Goodman a perspectiva de um novo paradigma de
desenvolvimento rural, baseada em uma rede de alimentos alternativos, não passa de uma
visão idealizada que não vai além da expansão dos repertórios das “estratégias de
sobrevivência”.
Por outro lado Marsden (2009, p. 123) considera, que um erro muito comum que se
faz em relação ao emergente paradigma de desenvolvimento rural é supor que ele é
113
simplesmente um retorno ao localismo. Para Marsden uma característica chave desse
paradigma é o duplo processo socioecológico de reconstruir os recursos locais (que
também chama de capitais territoriais) ao mesmo tempo em que amplia e aprofunda as
interações com a economia nacional e internacional mais ampla. Por isso, diz Marsden,
sem negar a importância do local e da região como espaços de resistência e inovação, é
fundamental examinar como novas interações – locais e externas – se constituem no
espaço.
Ploeg e Renting (2004) respondem essas criticas argumentando que as atividades de
desenvolvimento rural apresentam consideráveis resultados políticos e econômicos na
Europa. Para os autores embora essas atividades não sejam imunes aos processos de
expropriação e subsunção do capitalismo globalizado, elas representam um contraponto a
isso. Além disso, argumentam que as iniciativas de desenvolvimento rural constroem
arranjos institucionais que as retiram da invisibilidade e as fortalecem. Os autores
apresentam alguns pontos chaves que distingue as atividades de desenvolvimento rural
daquelas da dinâmica agroindustrial: a) criação de riqueza no setor agrícola e no rural; b)
criam e reforçam novos padrões institucionais para a produção, processamento,
distribuição e consumo; c) envolvem novas relações de gênero, novos padrões
institucionais para a divisão social e espacial do trabalho, novas identidades e novas formas
de cooperação; d) promovem mudanças na relação de poder diminuindo, simbólica e
materialmente, a dependência ao capital financeiro, à agroindústria, ao mercado global de
commodities e aos grandes varejistas, além de re-fundarem a produção agrícola à ecologia,
ao social e ao capital cultural (SONNINO, et al., 2007, p.5).
Dessa forma, os processos de desenvolvimento rural resultam em transformações
na sociedade e na economia rural que podem incluir a reintegração das tarefas e das
atividades externalizadas no passado; a criação de estabelecimentos agrícolas multi-
produto e multifuncional; mudanças nos papéis e padrões dentro da família, especialmente
as relações de gênero; a emergência de novas redes e novos arranjos institucionais;
mudanças da economia de escala para a economia de escopo; mudanças nos padrões de
produção e consumo (PLOEG e RENTING, 2000, p. 530).
Portanto, de acordo com as análises apresentadas por Ploeg (2006a) e Ploeg e
Renting (2000), a partir da crise da produção agrícola emerge um novo paradigma de
desenvolvimento rural que reintegra a agricultura com a natureza e com a sociedade. Por
conseguinte, os autores definem o desenvolvimento rural como uma re-conexão das
114
relações entre a agricultura e seu entorno social, entre o natural e entre o técnico e cujas
palavras-chaves são: aprofundamento (deepening); ampliação (broadning), e re-
estruturação (regrounding). O aprofundamento representa a re-conexão com a agricultura e
nela estão incluídas as atividades que permitem ao estabelecimento agrícola agregar valor à
produção primária. Exemplo disso é a produção que incorpora algum atributo de qualidade
e especificidades regionais e a inserção nos circuitos curtos de comercialização. Podendo
envolver, inclusive, a elaboração de novos padrões institucionais para a comercialização. A
esfera rural pode ser reorganizada e amplificada por um processo de alargamento
(broadning) com atividades que permitam ampliar a dimensão da agricultura convencional
e as fontes de renda. Representa uma re-introdução da natureza nos processos de produção
agrícola. Os autores citam como exemplo o agroturismo com a substituição de uma
agricultura altamente especializada por uma com características mais diversificada e
voltada para um mercado mais amplo, como é o caso dos “serviços verdes”. Por último a
dimensão de re-estruturação que reorganiza os fatores produtivos interno do
estabelecimento em resposta ao “aperto” na agricultura. Nessa dimensão inclui o aumento
no engajamento a pluriatividade e a reorientação tecnológica que busca diminuir os custos
e, consequentemente, a mercantilização através da mobilização, uso e reprodução (co-
produção) dos recursos internos.
Mais recentemente os resultados de alguns estudos comparativos internacionais
(ETUDE, 2007) também sugerem que a capacidade para que algumas iniciativas locais
promovam o desenvolvimento rural vai depender do aprofundamento da intensidade e da
qualidade de suas interações com a economia mais ampla.
Por outro lado, Long (2001) avalia que o campo teórico e metodológico que se
propõe a analisar as transformações sociais e econômicas do processo de desenvolvimento,
em geral, fundamenta-se em modelos deterministas e lineares que consideram os atores
como agentes passivos e receptivos a práticas, projetos e estratégias. Assumindo uma
posição contrária a essa, o autor afirma que as pessoas são parte ativa dos processos de
desenvolvimento e que compreendê-lo implica reconhecer os estilos de vida e as formas de
vivência que permitem reduzir as vulnerabilidades sociais. Por isso, a adoção de um
enfoque mais dinâmico, que reconheça a inter-relação e a determinação mútuas dos fatores
e das relações externas e internas, é importante para a compreensão da mudança social.
Acredita-se que a análise da “economia local” pode dar conta da tarefa de aproximar o
macro do micro uma vez que:
115
a forma como os agricultores reagem às novas condições e tendências depende
do leque de opções abertas a eles; das avaliações sobre estas opções e das suas
habilidades para perseguir um curso de ações. Estes fatores envolvem a
agricultura familiar como um todo e o específico conjunto de regras sociais e
divisões já estabelecidas. A interação entre influências externas e as estruturas
internas da agricultura necessita um foco sobre o externo e o interno juntos, isto
é, as formas como as famílias agrícolas se articulam em sistemas de relações
sociais e econômicas (NORDER, 2004, p.2).
Para o contexto europeu, Ploeg et al. (2002:8) indicam que o tema do
desenvolvimento rural atualmente entrou na agenda política e acadêmica porque o
paradigma da modernização da agricultura atingiu seu limite intelectual e prático, cuja
constatação mais evidente é o “aperto” (squeeze) econômico que crescentemente vem
sofrendo a agricultura e, por conta disto, toda a economia rural. Esse “aperto” econômico
que sofrem os agricultores europeus é muito semelhante ao que se constata no contexto
socioeconômico do Oeste catarinense. Enquanto os agricultores integrados ao sistema
agroindustrial sofrem com esse “aperto” e tentam encontrar alternativas dentro do modelo,
o contingente representado pelos agricultores mais pobres busca construir estratégias que
possibilitem reproduzir seu meios de vida
59
. Essa reação e resistência dos agricultores, em
grande medida, pode ser considerada como os novos padrões de desenvolvimento rural,
que segundo Ploeg et al. (2000) envolveriam a construção de novas redes, a revalorização
de recursos, a coordenação e reconfiguração do social e do material e o uso renovado do
capital social, cultural e ecológico
60
.
Essas respostas também podem ser interpretadas a partir da perspectiva teórica das
“estratégias de diversificação dos meios de vida”, definida como “um processo segundo o
qual as unidades domésticas criam um leque de atividades e de apoio social visando a
sobrevivência, a melhoria do seu padrão de vida e a garantia da reprodução social e
econômica” (ELLIS, 2000, p. 15). Deste modo, diante de uma situação de crise as unidades
domésticas elaboram diferentes estratégias e, segundo Ellis (2000), podem percorrer
distintas trajetórias: primeiro, buscam diversificar suas fontes de renda; em segundo,
ampliam suas relações sociais de reciprocidade baseadas no parentesco e na comunidade;
59
Algumas destas estratégias e alternativas já foram analisadas por Mello e Schmidt (2003) e basicamente
centram-se na atividade agrícola, na verticalização da produção e em inovações organizacionais voltadas à
produção agrícola, à industrialização familiar da produção e ao acesso ao mercado.
60
Isso não significa, como ressalta Marsden (2003), que a implementação desse novo modelo de
desenvolvimento rural prescinda de políticas públicas e de trabalhos acadêmicos que o legitime.
116
em seguida, reduzem o tamanho da unidade doméstica através da migração temporária de
seus membros; em quarto, vendem alguns de seus ativos como gado, equipamentos
agrícolas, etc.; e por fim, vendem ou abandonam os demais ativos, terra, casa, etc.,
podendo até sair da atividade agrícola.
Ellis (2000, p. 25) chama a atenção para o fato das estratégias de diversificação dos
meios de vida não envolver apenas a ampliação dos ingressos monetários (agrícolas, não-
agrícolas, transferências, doações, etc.), mas representa a garantia da reprodução social,
econômica e cultural mediante a combinação de um repertório variado de estratégias que
envolve instituições (parentesco, família, comunidade), relações sociais, relações de gênero
e direitos de propriedade. O autor aponta dois tipos de estratégias que são empregadas pela
agricultura familiar para viabilizar sua sobrevivência: estratégias de adaptação visando se
moldar ao contexto social e econômico no qual se insere e cujo objetivo geralmente é
melhorar o padrão de vida, a ascensão social e a acumulação, podendo ase configurar
como um mecanismo de diferenciação social. Na realidade, as estratégias de adaptação
visam tornar a unidade doméstica menos propensa às crises no futuro, sendo que a
diversificação é uma das estratégias. O segundo tipo refere-se às estratégias de reação ao
contexto social e econômico, às crises e mesmo aos choques (climáticos, econômicos, de
saúde e outros) que comprometem a sua reprodução social e econômica. Dependendo da
intensidade e durabilidade dessa estratégia, ao longo do tempo ela pode dar lugar às
estratégias de adaptação. Evidente que por se tratar de distintos contextos, qualquer tipo de
comparação precisa ser cuidadosamente relativizada e sofrer as devidas mediações.
Assim, no Oeste de Santa Catarina é possível identificar, de forma dispersa no
espaço, algumas dessas iniciativas de desenvolvimento rural. Cita-se como exemplo: (i) o
surgimento de um significativo número de indústrias rurais familiares; (ii) a construção
social do mercado dos produtos da agricultura familiar, que concretamente é representada
pelos circuitos curtos de comercialização, como é o caso das feiras livres, a venda direta ao
consumidor, as casas coloniais em alguns municípios; (iii) a formação de grupos de
agricultores voltados à produção agroecológica; (iv) a criação de associações de
agricultores e as cooperativas solidárias que visam à organização da produção,
industrialização e comercialização; (v) a criação de cooperativas de crédito solidário; (vi) o
forte crescimento da pluriatividade; (vii) a realização de eventos e feiras que promovem a
produção da agricultura familiar. Essas iniciativas podem ser interpretadas como reação e
estratégias de resistência dos agricultores familiares e, em grande medida, podem ser
117
consideradas como os novos padrões de desenvolvimento rural referidos por Ploeg et al.
(2000).
Destarte, na construção do processo de desenvolvimento rural, Ploeg et al. (2000)
entendem que um elemento decisivo é a combinação do “velho” com o “novo” e, no caso
da Europa, podendo ser entendido como um processo que pode ser sumarizado através do
conceito de recampenização”. Não se trata, evidentemente, de um retorno ao passado,
mas ao que Ploeg (2006b) denomina de “condição camponesa” e que representa as novas
respostas ou estratégias dos agricultores familiares que buscam a ampliação da autonomia
através da reconstituição das bases naturais e sociais da produção de alimentos, resultando
na formação dos alicerces de um modelo de desenvolvimento rural. Em síntese, a
recampenização representa um processo através do qual a autonomia é novamente recriada,
expressando a formação de novas, robustas e promissoras constelações (PLOEG, 2006b, p.
17).
Essa autonomia é simultaneamente convertida em novas formas de
desenvolvimento, em novo valor agregado e maior rentabilidade e em novas oportunidades
de emprego. Portanto, a condição camponesa tem na luta pela autonomia, sobretudo por
intermédio do que o autor chama de co-produção, um elemento central e que se constitui
em um processo contínuo de construção, aperfeiçoamento, ampliação e defesa de uma base
de recursos autocontrolada, como a terra e a natureza (cultivos, animais, luz solar, água) e
um amplo leque de recursos sociais (conhecimento local, redes sociais, instituições
específicas). Essa base de recursos se constitui então em um elemento estratégico para a
condição camponesa e permite distanciar a atividade agropecuária, de maneira específica e
estrategicamente organizada, dos mercados de insumos, ao mesmo tempo em que se
vincula aos mercados de produtos. Na coprodução e através dela, o social e o material são
mutuamente transformados, sendo configurados e reconfigurados de modo a se tornarem
recursos úteis, adequados e promissores, compondo o padrão coerente do modo de
produção camponesa (PLOEG, 2006b, p. 22). A FIG. 5 apresenta o esquema da condição
camponesa.
118
Figura 5 – Esquema da condição camponesa.
Fonte: PLOEG (2008, p. 40).
O fundamental é que o processo de produção seja estruturado de tal forma que
viabilize a sobrevivência e a reprodução social do núcleo doméstico. Portanto, como é
enfatizado por Ploeg (2006b), o processo de produção no modo camponês caracteriza-se
por ser:
tipicamente estruturado sobre (e simultaneamente inclui) uma reprodução
relativamente autônoma e historicamente garantida. Cada ciclo de produção é
construído a partir dos recursos produzidos e reproduzidos nos ciclos anteriores.
Assim, entram no processo de produção como valores-de-uso, como instrumentos
e objetos de trabalho, que são utilizados para produzir mercadorias e, ao mesmo
tempo para reproduzir a unidade de produção (PLOEG, 2006b, p. 25).
O autor destaca que uma importante característica do modo de produção camponês
é que os recursos sociais e materiais representam uma unidade orgânica e são possuídos e
controlados por aqueles diretamente envolvidos no processo de trabalho, sendo que as
regras que governam as interrelações entre os atores são tipicamente derivadas de
repertórios culturais locais e relações de gênero. Outra característica é a centralidade do
Luta por
autonomia
Ambiente hostil
Base de recursos
autocontrolada
Coprodução
Mercados
Sobrevivência
Realimentação
Outras
atividades
Cooperação
119
trabalho uma vez que os níveis de intensidade, assim como seu desenvolvimento ulterior
dependem criticamente da quantidade e qualidade do trabalho.
Em relação aos atores individuais no modo de produção camponês, Ploeg (2006b,
p. 26-27) faz duas importantes considerações. A primeira é que aqueles que participam do
processo de trabalho não o fazem através de relações assalariadas, mas sim por complexas
relações regidas por parentesco, gênero, idade, religião e reciprocidade. A segunda é que o
balanço entre o presente e o futuro é criticamente colocado em risco, ou seja, o consumo
presente pode ser suprimido para ampliar ganhos e benefícios no futuro.
Na Europa, segundo Ploeg (2006b), a agricultura familiar abrange duas
constelações contrastantes: a forma camponesa e a forma empresarial de fazer agricultura,
cujas diferenças situam-se nas distintas maneiras através da qual a produção, a distribuição
e apropriação de valor são ordenadas. Ao contrário da tese dualista que separa em duas
categorias opostas: a agricultura capitalista e a agricultura familiar, o autor argumenta que
ela se tornou cada vez mais inadequada para compreender as rápidas transformações do
mundo. A emergência da agricultura empresarial passou a se materializar e se desenvolver
a partir da década de 1960 devido às novas condições introduzidas e consolidadas pelo
projeto de modernização da agricultura
61
. A modernização implicou em aumentos
significativos de escala de produção e redução na absorção de trabalho agrícola, assim
como na introdução de uma tecnologia voltada à intensificação produtiva.
Analisando as transformações socioeconômicas advindas da persistente e
multifacetada crise da agricultura intensiva e especializada da Europa, Ploeg (2006a)
percebe que muitos agricultores têm construído uma série de respostas ao “aperto” que
estão submetidos. Uma resposta muito difundida tem sido o aumento no engajamento da
pluriatividade. Ela se constitui em uma difundida e crescente característica da agricultura
atual, como muitos trabalhos têm mostrado. Ploeg acredita que o recurso obtido do
trabalho assalariado de um membro da família ajuda a financiar o estabelecimento agrícola
e aumenta a autonomia do agricultor na medida em que diminui a dependência bancária e
desenvolve estilos de agricultura distintos daqueles difundidos pela modernização da
agricultura. O autor afirma que mesmo nas condições européia a continuidade de muitos
estabelecimentos seria impensável sem a renda do trabalho pluriativo. Para o autor, a
pluriatividade juntamente com ele denomina de estilo de “agricultura econômica”,
61
Ploeg destaca, no entanto, que a emergência do modo empresarial de produção não fez desaparecer o modo
camponês de produção, que permanece em muitos lugares de todo o mundo. Além disso, testemunham-se
novos e relevantes processos de recampenização.
120
representam os pilares centrais para o processo de re-fundação da agricultura que, em
síntese, se traduz pela busca de autonomia, sobretudo no que diz respeito ao capital
financeiro e ao uso de insumos externos.
Pesquisas empíricas têm revelado a ampla heterogeneidade dos sistemas agrícolas
em todo o mundo, que se constitui por distintas formas e graus de agricultura camponesa e
empresarial e suas inúmeras combinações. Essa heterogeneidade está fundamentada na
construção e reprodução de um conjunto altamente diferenciado de conexões macro-micro,
(NORDER, 2004, p.6). O trabalho de Ploeg (2006b) demonstra que na Europa coexiste o
modo de produção camponês e o modo empresarial de produção agropecuária. Afirma que
atualmente as características da “constelação camponesa” vêm se fortalecendo através de
novos processos de recampenização. Acredita-se que no Oeste de Santa Catarina as formas
de produção camponesa e empresarial co-existem e, de certa maneira, competem entre si.
A primeira forma, em grande medida, é representada pelos agricultores que estão
produzindo novidades e buscando obter maior autonomia. A forma empresarial é
representado por uma parte dos agricultores integrados ao sistema agroindustrial e se
inserem fortemente nesse regime socio-técnico. A TAB. 5 sintetiza as diferenças
fundamentais entre o modo de produção camponês e o empresarial.
Tabela 5 – Diferenças básicas entre o modo de produção camponês e o empresarial
Modo Camponês Modo Empresarial
Baseado na internalizando da natureza:
coprodução e coevolução são centrais.
Desconexão em relação à natureza;
‘artificialização’.
Distanciamento em relação ao mercado de
insumos; diferenciação relação ao mercado de
produtos (reduzido grau de mercantilização).
Elevada dependência em relação ao mercado;
elevado grau de mercantilização.
Centralidade de tecnologias artesanais e do
trabalho qualificado.
Centralidade do empreendedorismo e
tecnologias mecânicas.
Continuidade entre passado, presente e futuro. Rupturas entre passado, presente e futuro.
Intensificação contínua baseada na quantidade
e qualidade do trabalho.
Aumento de escala é a trajetória dominante de
desenvolvimento; intensidade é obtida através
de tecnologias compradas.
Riqueza social crescente. Contenção e redistribuição da riqueza social.
Fonte: Ploeg (2006b, p. 30).
Analisando as razões do dinamismo e desenvolvimento rural de determinados
territórios, Abramovay (2003) aponta duas correntes teóricas convergentes e
121
complementares que buscam explicar esse fenômeno. A primeira enfatiza a dimensão
territorial do desenvolvimento e sublinha a importância das instituições, isto é, as regras do
jogo, as normas, os valores que orientam, constrangem e moldam as interações humanas e
reduzem as incertezas. Para Abramovay são as instituições que possibilitam as ações
cooperativas capazes de enriquecer o tecido social de certa localidade permitindo, por
exemplo, a conquista de bens públicos como educação, saúde, informação e iniciativas
inovadoras. A segunda corrente busca explicação no que vem sendo chamado de capital
social e relaciona-se com “características da organização social, como confiança, normas e
sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações
coordenadas”. Para o autor o grande desafio para promover o desenvolvimento rural
consiste em dotar as populações rurais das prerrogativas necessárias para que sejam elas as
protagonistas centrais desse processo. Neste sentido, Navarro (2001) destaca algumas
destas prerrogativas: a intensificação da participação social; o aperfeiçoamento da
governança local; a criação de um ambiente democrático. Nesta lista poderia ser
acrescentado ainda, o acesso ao ensino formal e informal adequado às necessidades e à
realidade dos diferentes territórios.
A partir de sólidos trabalhos teóricos e empíricos Terry Marsden (2003; 1998;
1995; 1993 e 1989) tem elaborado o que chama de novos parâmetros conceituais,
necessários para entender o papel e as trajetórias de desenvolvimento de diferentes áreas
rurais. O crescimento da heterogeneidade do espaço rural, segundo Marsden et al. (1993),
provoca mudança nos padrões de desenvolvimento rural que somente poderá ser
explicitada com um instrumental teórico-metodológico que permita a compreensão desta
multifacetada realidade
62
. Assim, para entender as transformações do espaço rural e
identificar as perspectivas para promover o desenvolvimento rural, Marsden (1995 e 1989)
considera três áreas que são fundamentais e sobressaem na ampliação dos horizontes de
debate da política econômica agrária: (a) as multidimensões das mudanças rurais; (b) a
importância dos processos de mercantilização e (c) a incorporação da esfera de consumo
nas análises. Em trabalho posterior (Marsden, 1998), considera que quatro esferas-chave,
em suas diferentes combinações, influenciam nas características das mudanças espaciais
rural no Reino Unido, implicando em distintos espaços rurais: o mercado de alimentos de
62
Os autores concluem que os elementos fundamentais no processo de desenvolvimento rural são os atores
econômicos, o sistema de planejamento e regulação e as configurações políticas locais.
122
massa; o mercado de alimentos de qualidade; as mudanças relacionadas à própria
agricultura; e a reestruturação rural
63
.
3.5 O processo de mercantilização: diversificação social e econômica
O espaço rural do Oeste de Santa Catarina apresentou acelerada integração
econômica a partir dos anos 1970, quando o processo de modernização da agricultura
alcançou a região e fortaleceu as bases da economia mercantil. De acordo com Navarro
(2002), a mercantilização resultante dos processo de integração econômica penetrou, ainda
que sob ritmos diversos, a mais oculta face da sociabilidade. Discutiu-se no capítulo 2, a
partir desse processo resultante da mercantilização, estruturaram-se diferentes mercados
desde o dos produtos agrícolas até o de insumos e de trabalho, com a ampliação do
comércio e suas redes mercantis.
Conforme explica Conterato (2008, p. 63), o tema da mercantilização seja
interpretado enquanto amplo processo de mudança social ou estritamente no campo dos
processos agrários historicamente tem sido motivo de intensos debates, sobretudo na
perspectiva marxista. Não obstante a este esforço analítico, há uma tendência e uma
preferência ao longo da história de se privilegiar os processos macroestruturais aos
processos microssociais, essa preferência, conforme ressalta Navarro (2002), viesou a
análise dos processos de mudança social no meio rural
Entretanto, em uma posição oposta à literatura marxista mais ortodoxa, que
preconiza que o desenvolvimento capitalista no campo conduz a especialização e a
uniformidade produtiva, Ploeg (1992a) interpreta que ocorre exatamente o contrário: o
desenvolvimento capitalista no campo e a consequente mercantilização produz
heterogeneidade estrutural.
63
O autor também considera que as diferentes combinações de redes locais e não-locais, as cadeias de
suprimentos e os sistemas regulatórios incorporam diferentes espaços rurais. por isso, para Marsden é
preciso dar mais atenção para a combinação dos processos locais e não-locais, que juntos impactam sobre
as áreas rurais e avaliar como essas diferentes combinações configuram distintos espaços rurais.
123
Desse modo, a mercantilização é enfocada por Ploeg (1992a) sob duas diferentes
perspectivas: a externalização e a cientificação
64
. O autor considera a mercantilização
como um processo histórico e heterogêneo de inserção crescente aos mercados. Portanto, a
mercantilização não é algo uniforme e acabado, mesmo nas regiões mais desenvolvidas da
Europa. Ploeg argumenta que a agricultura se constitui em uma unidade complexa de
atividades produtivas e reprodutivas, absorvendo numerosos elementos que podem em
graus diferenciados, se transformar em mercantilizados ou não. Assim, o grau de
mercantilização, para Ploeg, é um elemento chave e reflete a intensidade com que as
relações penetram o processo de trabalho e a produção e representa a crescente divisão de
trabalho entre o estabelecimento rural e a indústria. Em contraste com a indústria, onde a
especialização e a divisão de trabalho acontece dentro da fábrica, na agricultura ocorre uma
externalização das tarefas, o que multiplica as relações mercantis e resulta em uma
transformação do processo de reprodução. Neste caso, a possibilidade do agricultor manter
um controle efetivo sobre o processo de produção depende do grau de mercantilização e
consequentemente da externalização. Dessa forma, quanto mais as tarefas são
externalizadas, mais se estreita o domínio de controle efetivo do agricultor familiar no
processo de produção e, portanto, menor será sua autonomia (PLOEG, 1992a). Pode-se
dizer, portanto, que os distintos graus de mercantilização são variáveis chaves que
explicam a diversidade da agricultura familiar.
Na realidade, aquilo que Ploeg chama de externalização, Goodmann et al. (1985)
denominam de apropriacionismo
65
mas, segundo aquele autor, tal noção obscurece o papel
ativo desempenhado pelos agricultores nesse processo. Assim, prossegue Ploeg, a
subsunção da mão-de-obra agrícola, não se dá tanto pelo fato do capital se apropriar de
64
O conceito de externalização pode ser definido pela separação de um número crescente de tarefa
realizadas no processo de trabalho agrícola e que são transferidas para organismos externos ao
estabelecimento rural, cujo resultado é a crescente divisão de trabalho entre indústria e agricultura. Dessa
forma, os objetos de trabalho, os instrumentos e progressivamente o próprio trabalho são transformados em
mercadorias. Assim, atividades, fases ou etapas do processo produtivo são executadas por outros atores
com os quais passa a interagir de forma crescente, como é o caso, por exemplo, da compra de insumos
(adubos, sementes, rações, etc.) contratação de serviços (máquinas, instalações, inseminação artificial,
elaboração de projetos, etc.). A cientificação, por seu turno, é entendida como sendo a reconstrução
sistemática – através da ciência – das atuais práticas agrícolas e que se acha cada vez mais entrelaçada com
o próprio processo de mercantilização.
65
Diferentes aspectos da produção rural e que foram transformados em produção industrial e reintroduzidos
na agricultura sob a forma de insumo, máquinas ou equipamentos (como é o caso da substituição da ração
caseira pela industrial), foram denominados, por Goodmann et al. (1990), de “apropriacionismo”. Tal
processo, segundo os autores, busca transformar as atividades “rurais” ou “naturais” em industriais com o
objetivo de diminuir a dependência da agricultura à terra e à “natureza”.
124
certas atividades agrícolas, mas sim pelo monopólio que exerce no controle do processo de
trabalho, de tal modo que ele já não pode mais se reproduzir fora do alcance do capital.
Como resultado desse crescente processo de cientificação e externalização, Ploeg
(1992) avalia que o desenvolvimento tecnológico tem afetado e afeta profundamente a
natureza da heterogeneidade como característica central da agricultura. Os processos de
trabalho se modificam cada vez mais, através de procedimentos uniformes e
regulamentados e, em consequência, a localidade e a heterogeneidade parecem estar
destinadas a desaparecer. No entanto, o autor sustenta que as implicações homogeneizantes
do desenvolvimento tecnológico também estão sendo contrariadas por um conjunto
completamente novo de respostas. Uma vez que o desenvolvimento tecnológico é muito
mais que uma “rota para o progresso” surge e surgirão diferentes reações, reconstituindo a
localidade e a heterogeneidade que emergem como resposta às tendências dominantes. Na
realidade, como afirma Long (1994), os agricultores continuamente estão adaptando as
tecnologias para ajustá-las as estratégias de produção, a disponibilidade de recursos e aos
desejos do grupo doméstico, buscando com isso criar “espaços de manobra” para construir
suas estratégias de reprodução social e econômica.
A heterogeneidade tem resultado em uma considerável variabilidade no grau de
mercantilização (PLOEG, 1992a), isto é, nas interpelações entre o estabelecimento agrícola
e os diferentes mercados. Essa variabilidade no grau de mercantilização, por sua vez,
resulta em uma ainda maior heterogeneidade da agricultura, que se expressa nas relações
particulares com o mercado e com a tecnologia e nas transformações da organização do
trabalho. Portanto, seguindo o raciocínio de Ploeg, a heterogeneidade da agricultura não
pode ser entendida como o remanescente de um passado arcaico, mas como o produto de
estratégias conscientes ativamente manejadas e adaptadas pelos atores, que não são
individuais, mas sim construídas socialmente.
A mercantilização pode ser estendida para além da produção agrícola e ser
considerada, segundo Marsden (1995), como a mercantilização do próprio espaço rural.
Nesse caso a força de trabalho, a paisagem rural e o meio ambiente também vão se
transformado em mercadorias.
125
3.6 Estilos de agricultura: diversidade da agricultura familiar
Uma posição teórica e metodológica muito próxima e coerente com a perspectiva
orientada ao ator é o conceito de “estilos de agricultura” (PLOEG 1992a; 1994). Na
realidade, a abordagem dos estilos de agricultura não é nada mais que a própria perspectiva
orientada ao ator aplicada à análise da mudança agrária, que enfatiza como os próprios
agricultores dão formas aos padrões de desenvolvimento agrário (LONG e PLOEG, 1994).
Embora suas escolhas sejam freqüentemente limitadas por uma falta de recursos,
os agricultores não devem ser vistos como receptores passivos e vítimas das
mudanças sociais, nem como simples seguidores de regras ou convenções
impostas de cima para baixo. Como outros atores, os agricultores desenvolvem
formas para tratar as situações problemáticas e criativamente utilizam os recursos
disponíveis (materiais e não-materiais especialmente o conhecimento derivado
da experiência passada) em um esforço para resolver tais problemas (LONG e
PLOEG, 1994, p. 69)
.
A abordagem dos estilos de agricultura busca explicar satisfatoriamente a existência
da diversidade em regiões relativamente homogêneas, isto é, que estão sob a influência dos
mesmos fatores estruturais e que outras perspectivas teóricas não respondem
convincentemente. Contestando tais perspectivas teóricas, Long e Ploeg (1994)
argumentam que a “articulação da propriedade com o ambiente político-econômico não
pode ser compreendido através do individualismo metodológico ou do atomismo social e
nem pelo âmbito do quadro teórico estruturalista”.
A definição de “estilos de agricultura” enfatiza a dimensão social e cultural de uma
determinada localidade. Um estilo de agricultura, portanto, representa um complexo e
integrado conjunto de normas, conhecimento, experiências, etc., empregados pelos
agricultores familiares no desenvolvimento de suas atividades agrícolas, constituindo-se
em uma práxis específica, que adota um determinado “layout” do campo, da arquitetura
das construções do estabelecimento e na divisão social do trabalho, dentro e entre as
propriedades. Considera ainda que os agricultores interpretam o mercado de forma
marcadamente diferente, o que resulta também em práticas diferentes
66
. Por esse motivo,
como afirma Ploeg, os distintos estilos de agricultura que conformam a heterogeneidade do
espaço rural estão intimamente relacionados com os “padrões culturais locais”. Em outras
66
Ploeg afirma que seu conceito de estilos de agricultura apresenta-se como uma entidade objetiva empírica e
não apenas como um conceito heurístico teórico.
126
palavras, pode se dizer que um estilo de agricultura envolve uma forma específica de
organizar a unidade familiar cujas estratégias adotadas pelos agricultores são moldadas em
parte pelo repertório cultural que, por sua vez, são testadas, afirmadas e, se necessário,
ajustadas.
Segundo Ploeg (2000), nas últimas décadas do século XX, o desenvolvimento
agrícola da Europa tem sido dominado pelo paradigma da modernização, o qual considera
que o único tipo de desenvolvimento agrícola viável baseava-se no incremento contínuo da
escala e a na intensificação. No entanto, afirma o autor, vários estudos têm mostrado que as
políticas de modernização não levaram a uma homogeneização da agricultura, mas sim a
heterogeneidade nas práticas e na organização da unidade produtiva que é o resultado das
diferentes estratégias adotadas pelos agricultores familiares frente às condições do
mercado, das políticas e das tecnologias, bem como ao acesso aos recursos internos e
externos (PLOEG, 2000, p. 498). Na realidade, prossegue o autor, a heterogeneidade da
agricultura é uma característica persistente na Europa e outros continentes e indicativos
que ela aumentou durante o período de modernização. Portanto, a existência de padrões
heterogêneos de agricultura corresponde então, a diferente estilos de agricultura” (Ploeg,
1994) que são frutos das distintas estratégias adotadas pelas famílias agrícolas para fazer
frente ao processo de reestruturação da agricultura (políticas agrícolas, acesso ao mercado,
tecnologias, etc.). As análises de Ploeg fundamentam-se na idéia de que não é apenas o
processo de trabalho que é organizado pela unidade produtiva, mas também todas as
relações que irá estabelecer com o ambiente econômico e institucional em que está imersa.
Desta forma, cabe destacar, que a constituição de um estilo de agricultura é o resultado das
articulações entre a esfera familiar e o ambiente externo, não havendo qualquer tipo de
autonomia ou dependência de um em relação ao outro.
A característica-chave da abordagem dos estilos de agricultura é compreender a
heterogeneidade da agricultura. Niederle (2006, p. 42) destaca que a abordagem dos
“estilos de agricultura” pode ser uma forma promissora para analisar a diversidade
resultante da mercantilização do espaço rural sem incorrer nas totalizações que encobrem
as heterogeneidades internas das unidades familiares ou, aos individualismos para os quais,
no limite, cada uma delas precisa ser estudada como ser representasse um universo ímpar e
distinto de relações sociais.
A suposição que está por detrás da heterogeneidade da agricultura é que os
diferentes agricultores (ou as categorias de agricultores) definem e operacionalizam seus
127
objetivos e práticas de manejo da propriedade com base em diferentes critérios, interesses,
experiências e perspectivas. O conjunto dessas diferentes estratégias individuais resulta em
uma impressionante heterogeneidade e que pode ser analisada como estilos específicos de
agricultura (LONG E PLOEG, 1994).
Um estilo de agricultura refere-se a um repertório cultural, a uma composição de
estratégicas sobre como a agricultura deve ser feita. Um estilo de agricultura
envolve uma forma específica de organizar a unidade familiar: as estratégias
desenvolvidas pelos agricultores são moldadas em parte pelo repertório cultural
que, por sua vez, são testados, afirmado e, se necessário, ajustado através da
prática. (PLOEG, 1994, p. 70).
Acredita-se que o forte processo de modernização da agricultura, que vem
ocorrendo desde o início dos anos 1970, influencia e transforma o espaço rural e a própria
agricultura familiar do Oeste de Santa Catarina. A ação conjunta das forças da
modernização da agricultura e as estratégias de reprodução social e econômica colocadas
em prática pelos agricultores para fazer frente ou se adaptar a ela, aumenta ainda mais a
heterogeneidade e reconfiguram e transforma fortemente o espaço rural e a agricultura
familiar. Como foi evidenciado por Ploeg (1994), o padrão heterogêneo da agricultura,
que é resultado das distintas estratégias adotadas pelos agricultores familiares para fazer
frente às condições do mercado, às políticas e às tecnologias e às condições ambientais,
produz diferentes “estilos de agricultura” que podem representar um importante
“nascedouro” de iniciativas que conduzem ao desenvolvimento rural.
Para entender a impressionante diversidade presente na agricultura, segundo (Ploeg,
1994), é necessário ter presente os “padrões culturais locais” que são construídos em
resposta aos ecossistemas locais, ao relacionamento entre a cidade e o campo e a inserção
da localidade em um amplo padrão de mercado. Na realidade, como destaca Schneider
(2006, p. 9), o desenvolvimento rural é tributário dessa diversidade de estilos de agricultura
e dos distintos mecanismos pelos quais os agricultores conseguem viabilizar suas
condições de vida e criar espaço para garantir sua reprodução material, social, política e
identitária. Portanto, acredita-se que da crise da agricultura do Oeste de Santa Catarina está
emergindo novas atividades de desenvolvimento rural. Entender como elas são construídas
e se difundem; quais os constrangimentos socioeconômicos e institucionais que elas
encontram para se estabelecer e como essas transformações reconfiguram e moldam o
128
espaço rural e a agricultura familiar são lacunas que ainda precisam ser mais bem
investigadas.
Um estilo de agricultura observado na Europa por Ploeg (2000, p. 502) é o tipo que
o autor denominou de agricultura econômica e baseia-se na estratégia de conter os
custos monetários através do baixo uso de insumos externos e a mobilização, uso,
desenvolvimento e reprodução de insumos internos. Cabe frisar que o estilo de “agricultura
econômica” só é possível porque os agricultores, ao contrário dos pressupostos subjacentes
da modernização, buscam se adaptar às condições naturais e utilizam a natureza como
aliada na produção. Na pesquisa
67
realizada na região Holandesa de Friesian, Ploeg
observou que devido ao alto nível de agregação, a agricultura econômica apresentou-se
altamente competitiva e possibilitou um impacto positivo na economia regional. Segundo o
autor, esse estilo de agricultura mostrou-se altamente favorável para o desenvolvimento
rural uma vez que cria oportunidades de empregos e renda, o que contribui para a coesão
social e, devido o baixo uso de insumos externos, é ambientalmente mais sustentável
68
.
Com isso o autor pretende demonstrar que o desenvolvimento rural é muito mais que a
introdução de novas, inovadoras e às vezes exóticas atividades. Essas “novas” atividades
são indubitavelmente importantes para o desenvolvimento rural, no entanto, gradualmente,
da própria agricultura convencional também estão surgindo várias alternativas de
desenvolvimento rural.
Três elementos são destacados por Ploeg (2000, p. 500) como decisivos na
estratégia de produzir economicamente: (i) o grau de mercantilização é baixo; (ii) a
eficiência técnica é alta devido à centralidade da quantidade e a qualidade da mão-de-obra;
(iii) as redes sociotécnicas através das quais se mobilizam os recursos contrastam com os
mercados, já que se baseiam em relações não-mercantis.
Além dos conceitos de externalização e estilos de agricultura, as transformações
culturais representam outro elemento importante na teoria da localização e diversidade.
Para os autores que se inserem nessa perspectiva a cultura se constitui em um fator
importante na coordenação mútua de interesses, perspectivas, relações internas e externas
que conformam os estilos de agriculturas. Assim, como ressalta Ploeg (1992b):
67
Na leitura do autor é possível identificar uma inspiração Chayanoviana, sobretudo no que diz respeito às
estratégias colocadas em prática pelos agricultores.
68
No Oeste de Santa Catarina uma forma de “agricultura econômica” é realizada por um grande contingente
de agricultores familiares que produzem leite à base de pastagem e com baixo uso de insumos externos.
129
Na produção simples de mercadoria a cultura não é somente um fator
“adicional” ela é um fator chave na coordenação específica das relações internas
e externas, da experiência e perspectivas do passado, do presente e do futuro.
São os modelos culturais que estruturam a interpretação do mercado e da
tecnologia. (PLOEG, 1992b).
Desta maneira é que os agricultores interpretam o mercado de forma marcadamente
diferente e isso é que vai originar distintas práticas. Por esse motivo, afirma Ploeg, os
diferentes estilos de agricultura que conformam a diversidade do espaço rural estão
intimamente relacionados com as condições naturais e as características culturais das
diferentes comunidades.
Ao contrário dos autores que se filiam à corrente teórica da globalização do sistema
agroalimentar, que enxergam os diferentes estilos de agricultura apenas como uma
estratégia de sobrevivência precária e provisória, aqueles relacionados com a corrente da
localização encaram a existência de diferentes estilos de agricultura como projetos
orientados para o futuro, nos quais a intencionalidade é um elemento crucial. Isso
justificaria, segundo o autor, a existência de “projetos” que falham enquanto outros têm
êxito na fabricação de um futuro específico.
Para Ploeg (1992b), o que começa a se tornar visível é que tanto nas áreas
consideradas “marginais” como nos “pólos de crescimento” novas tendências que
reforçam a localidade. A heterogeneidade e a diversidade do espaço rural, ainda que com
frequência subestimada, começa a ser um elemento-chave nesta reconsideração, sendo que
a geração de emprego e postos de trabalho tem sido um novo elemento que vem fortalecer
a localização. Na realidade trata-se do que os autores dessa corrente teórica chamam de
relocalização e que para Long (1994) significa a reinvenção ou a criação de novas formas
sociais locais que emergem como parte do processo de globalização. O autor argumenta
que a globalização, de certa forma, acaba reforçando a organização local e os padrões
culturais, a reinvenção das tradições e a criação de novos tipos de conexões locais.
130
4 A AGRICULTURA FAMILIAR E O ESPAÇO RURAL DO OESTE DE SANTA
CATARINA
O espaço rural e a agricultura familiar do Oeste de Santa Catarina têm
experimentado grandes transformações nas duas últimas décadas. De maneira mais geral,
essas transformações são fortemente influenciadas por um conjunto de forças
econômicas, políticas, culturais, ideológicas cuja ação conjugada resulta no processo de
reestruturação capitalista e que aos poucos vai moldando a sociedade e imprimindo novos
comportamentos humanos, que em resposta a esse processo também contribui para alterar
essa realidade. Mais especificamente, essas transformações também são influenciadas pela
crescente mercantilização do espaço rural, pelo processo de reestruturação produtiva e pela
própria atuação dos atores sociais para se adaptar a situação cambiante.
O propósito deste capítulo é identificar e entender as transformações na forma de
atuação do capital agroindustrial na região e analisar as implicações sociais, econômicas, e
ambientais envolvidas nesse processo, bem como, as transformações na organização do
trabalho e na produção da agricultura familiar. Neste sentido, analisa-se algumas das
principais transformações sociais, econômicas e ambientais que estão ocorrendo no espaço
rural do Oeste de Santa Catarina e como os agricultores familiares estão reagindo e se
adaptando ao processo de reestruturação agroindustrial em curso na região. Trata-se de um
processo reconhecidamente complexo e multifacetado. A partir de circunstâncias
estruturais similares os agricultores utilizam diferentes critérios, interesses e perspectivas
para operacionalizar suas estratégias e alcançar seus objetivos. A pluralidade dessas
estratégias é resultado e, ao mesmo tempo, a origem de distintas lógicas sociais e
produtivas. As consequências desse processo se refletem no aumento da diversidade
agrícola e rural.
Desse modo, busca-se compreender em que medida o “aperto”, no qual está
submetida grande parte dos agricultores familiares do Oeste de Santa Catarina, impacta nas
relações sociais, no processo produtivo, no acesso ao mercado e no meio ambiente. Assim,
a partir dos dados da pesquisa de campo e de fontes secundárias, exploram-se algumas das
transformações associadas ao projeto de modernização da agricultura e apresenta-se as
condições recentes que evidenciam a crise do produtivismo na agricultura local. O objetivo
é analisar em que medida, simultaneamente a presente crise da agricultura regional,
também acontece um processo de mudanças sociais, econômicas e produtivas que são
131
impulsionadas pelas estratégias de adaptação e reação dos atores sociais, tendo em vista
que eles permanentemente buscam mediar, reagir e se moldar às transformações estruturais
da sociedade.
Para alcançar parte dos objetivos desta tese, decidiu-se pela obtenção de dados
empíricos a partir da realização de uma pesquisa baseada na combinação de técnica
quantitativa e qualitativa, tendo como local um município representativo do território e da
agricultura familiar do Oeste catarinense. Assim, a escolha do local da pesquisa deveria
recair sobre um município que, de forma geral, apresentasse uma trajetória histórica e uma
dinâmica econômica e social ilustrativa da região. Mais especificamente, esperava-se que o
município escolhido se caracterizasse como sendo essencialmente rural, que apresentasse
estrutura fundiária marcada por pequenas propriedades, baseadas no trabalho familiar, com
atividades diversificadas e sistemas de produção e condições edafoclimáticas e
topográficas semelhantes ao encontrado na região. Além dessas características, elegeu-se
como condição fundamental que o conjunto da agricultura familiar do município escolhido
para a realização da pesquisa estivesse sido fortemente marcado pela modernização da
agricultura e dinamicamente inserido em um processo de mercantilização. Dessa forma,
utilizando dados secundários e o método comparativo, realizou-se uma primeira triagem
para identificar os municípios que reuniam as condições desejadas. Assim, de posse de
uma lista de nove municípios, que a princípio as análises apontavam como portadores das
características desejadas, realizou-se uma pesquisa exploratória, onde foram entrevistados
técnicos de ONGs, lideranças sindicais, extensionistas rurais e pesquisadores da Epagri
com conhecimento a respeito do espaço rural e da agricultura familiar local. A partir dessas
entrevistas foram selecionados três potenciais municípios para a realização da pesquisa,
nos quais em julho de 2007 efetuou-se novo estudo exploratório, que consistia em
entrevista aberta realizadas com extensionistas locais da Epagri, dirigentes sindicais e
secretários municipais da agricultura. O objetivo foi confirmar os dados secundários
consultados, levantar informações documentadas a respeito do município e constatar a
possibilidade de apoio logístico e a existência de condições adequadas para a realização da
pesquisa.
Depois de ter realizado esses procedimentos a escolha recaiu sobre o município de
Coronel Freitas. Justifica-se essa decisão por se tratar de um local profundamente marcado
pelo processo de modernização da agricultura e da mercantilização resultante, bem como
da reestruturação produtiva ainda em curso. Antecipando a discussão, mas com o propósito
132
de situar o leitor, ressalta-se que a mercantilização especialmente da matriz de insumos –
e a reestruturação produtiva promoveu o surgimento no Oeste de Santa Catarina do que
Ploeg (2006) chama de “modo empresarial de produção agropecuária”.
Em grande medida o processo histórico de colonização, a inserção ao mercado, a
organização da unidade familiar, a modernização da agricultura, a mercantilização e a
reestruturação produtiva observada em Coronel Freitas também ocorreu, em maior ou
menor grau, nas outras localidades da região. Consequentemente acredita-se que o
município de Coronel Freitas é ilustrativo do universo da agricultura familiar do Oeste
catarinense, cujas características foram apresentadas no capítulo dois. Por isso, ao longo
do texto, se faz referência tanto ao município quanto à região.
Na FIG. 6 pode-se observar que o município de Coronel Freitas localiza-se
praticamente no centro geográfico da região Oeste de Santa Catarina. Por situar-se
estrategicamente próximo ao município de Chapecó onde se concentram os grandes
frigoríficos a agricultura familiar de Coronel Freitas foi incentivada e aderiu fortemente
ao modelo de desenvolvimento agrícola alicerçado na modernização da agricultura e na
integração às agroindústrias de carne. Atualmente Coronel Freitas representa um dos
municípios da região que têm o maior número de agricultores integrados à avicultura
industrial, sendo que a atividade está presente em mais de 25% dos estabelecimentos
agropecuários. Isso uma idéia da forte inserção da economia local na dinâmica de
desenvolvimento agroindustrial (MARSDEN, 2003) a qual está fortemente associada ao
modelo exportador e expõe a economia local à instabilidade do mercado internacional.
Também é um município que apresenta uma forte presença de agricultores familiares que
produzem suínos no sistema de integração às agroindústrias de carne. O atual modelo
tecnológico de ambas as atividades caracteriza-se pela forte externalização e,
consequentemente, pela dependência de fatores produtivos exógenos, refletindo-se
negativamente nas relações com o meio ambiente e na autonomia dos agricultores.
Por isso, acredita-se que o município de Coronel Freitas pode ser considerado um
local emblemático para estudar as transformações sociais, econômicas, culturais e
ambientais provocadas, por um lado, pela perda de autonomia e pelo “aperto” a que está
sujeita grande parcela dos agricultores familiares do município e, por outro lado, pelas
estratégias que constantemente são colocadas em prática por eles.
133
Figura 6 – Localização do município de Coronel Freitas.
Fonte: EPAGRI/ CIRAM (2008).
4.1 Aspectos metodológicos da pesquisa de campo em Coronel Freitas
Como se referiu neste trabalho, elegeu-se o estudo de caso do município de
Coronel Freitas com o objetivo de obter dados empíricos que evidenciassem a realidade da
agricultura familiar do Oeste de Santa Catarina. O propósito foi no sentido de coletar dados
que possibilitassem identificar e avaliar as transformações do espaço rural e da agricultura
familiar, bem como a dinâmica social e econômica que se estabelece a partir da ação
conjunta do aperto” (squeeze) e da perda de autonomia promovida pelo treadmill
tecnológico presente no modelo de desenvolvimento agrícola. Também se buscou
identificar as estratégias de reação dos agricultores familiares para fazer frente ao ambiente
social e econômico em que está inserida.
Conforme esclarece Roese (1998, p. 193), um estudo de caso se caracteriza pela
busca da maior quantidade possível de informações e uma análise intensiva do objeto de
estudo, ao mesmo tempo em que consegue capturar aspectos e dimensões da diversidade
daquilo que se pretende representar. O estudo de caso busca responder “como” e “por que”
134
acontecem certos fenômenos dentro de um contexto da vida real. Isso permite esclarecer,
dentro de um quadro teórico mais amplo, como as grandes tendências se manifestam na
realidade da vida real. Em outras palavras, como explica Roese (1998, p.192), o estudo de
caso ajuda a compreender uma das pontas do processo de transformação social que é o da
realidade concreta. Neste caso específico, pretende-se que o estudo de Coronel Freitas seja
ilustrativo do Oeste de Santa Catarina e a sua agricultura familiar.
Para dar conta dessa tarefa, seguimos Schneider (1999, p. 73), que sugere usar a
família rural como unidade de análise, a qual heuristicamente pode ser dividida em unidade
de produção (forma de uso e combinação da terra, mão-de-obra, capital e tecnologia) e
núcleo doméstico (parentesco, consanguinidade, relações de gênero, de poder, etc.),
permitindo analisar separadamente as atividades produtivas e a dinâmica da família.
Como instrumento de coleta de dados utilizou-se a entrevista como a principal
técnica de pesquisa realizada com membros da unidade familiar com o uso de um
roteiro padronizado representado por um questionário semi-estruturado (Apêndice A) e
entrevista aberta feita com informantes-chave. Busca-se com isso captar as motivações, as
crenças, as atitudes e valores e obter informações que descrevem a trajetória de vida e do
estabelecimento agropecuário dos agricultores familiares, bem como, dados relativos às
questões sociais, econômicas, culturais e políticas que expressem o contexto atual onde se
a reprodução social da agricultura familiar. Desta forma buscou-se obter informações
capazes de compreender e desvendar minimamente a realidade social do Oeste catarinense,
sobretudo do espaço e da dinâmica rural onde os agricultores familiares constroem suas
estratégias.
4.1.1 A amostragem
Depois de ter definido o município de Coronel Freitas como o local onde uma parte
da pesquisa seria realizada, o passo seguinte foi delimitar o universo a ser pesquisado,
calcular a amostra e sortear as unidades familiares que seriam entrevistadas. Para delimitar
o universo da pesquisa utilizamos os dados do LAC (Levantamento Agropecuário
Catarinense) referente ao município de Coronel Freitas. No banco de dados do LAC, além
do nome do agricultor e da comunidade onde o estabelecimento se localiza, também
estavam disponíveis informações individualizadas para cada estabelecimento, tais como:
135
área total; área de lavouras temporárias e permanente; volume produzido e comercializado;
uso de insumos e outros custos e que permitiram calcular a renda bruta de cada unidade.
A partir das informações contidas no banco de dados foi possível identificar e
separar as unidades familiares de Coronel Freitas e que constituíram o universo
pesquisado. O LAC identificou um total de 998 estabelecimentos agropecuários para
Coronel Freitas. No entanto, para calcular o número de unidades familiares, subtraímos do
total de estabelecimentos aqueles cujas famílias não residem na propriedade; aqueles com
área superior a 80 hectares
69
; aqueles que não declararam auferir qualquer renda da
produção agropecuária, nem mesmo da produção para o autoconsumo e, por último,
aqueles cuja mão-de-obra contratada é superior à familiar. Os resultados desses cálculos
estão apresentados na TAB. 6.
Tabela 6 – Característica dos estabelecimentos agropecuários de Coronel Freitas
Característica Número Porcentagem
Família não reside na propriedade 71 7,1
Com mais de 80 ha 26 2,6
Mão-de-obra contratada superior a familiar 47 4,7
Sem renda oriunda da agropecuária 58 5,8
Agricultura familiar 796 80,0
Total 998 100
Fonte: elaboração do autor a partir dos dados do LAC (Levantamento Agropecuário Catarinense) 2003.
Portanto, de um total de 998 estabelecimentos agropecuário, estima-se que 796
(80%) compõem o universo da agricultura familiar, do qual se retirou uma amostra
estatisticamente representativa para a realização da pesquisa. Utilizando-se a renda bruta
da safra 2002/2003 como variável dependente previamente calculada para cada unidade
familiar – determinou-se o tamanho da amostra com parâmetro de 90% de confiança e 10%
de erro. Para um universo de 796 unidades familiares cuja renda bruta anual variou de R$
3.457,00 a R$ 59.506,00, renda bruta média anual de R$ 16.989,00 e desvio padrão de R$
12.712,00, os cálculos estatísticos apontaram a necessidade de uma amostra composta por
83 unidades familiares (10,4% do universo).
O próximo passo foi sortear as unidades familiares que compuseram a amostra da
pesquisa, nas quais realizamos a entrevista usando o questionário semi-estruturado. Para
69
Com base nas informações obtidas de técnicos locais e regionais considerou-se a área de 80 hectares como
o módulo que na maioria dos sistemas produtivos adotados na região permite trabalhar utilizando mão de
obra majoritariamente da família.
136
tanto, utilizou-se o critério da “Amostra Sistemática por Comunidade” conforme descrito
por Schneider e Sacco dos Anjos (2001). Desta forma, o sorteio das unidades familiares foi
feito para cada comunidade, proporcionalmente a participação dela na composição do
universo pesquisado. Como resultado desse critério pode-se dizer que, em principio, todas
as comunidades tiveram representantes na amostra. Considerando que certa mobilidade
e que algumas unidades poderiam não mais existir, ou então, que seus membros não
fossem encontrados por ocasião da entrevista, em cada comunidade foram sorteadas
unidades suplementares que serviriam de substitutas, caso não fosse possível realizar a
entrevista naquelas unidades inicialmente sorteadas. Na TAB. 7 estão listadas as 25
comunidades, a distância até a sede do município, o número de unidades familiares
existentes em cada comunidade e as unidades cujos membros da família foram
entrevistados.
Tabela 7 Unidades familiares existentes e pesquisadas em Coronel Freitas segundo
as comunidades.
Unidades familiares Unidades pesquisadas
Comunidade
Número Porcentagem
Número
Porcentagem
Carola Maia 9 26 3,3 3 3,6
Linha Júlio de Castilho 6 55 6,9 5 6,0
Linha Abelardo Luz 7 44 5,6 4 4,8
Linha Antinhas 12 54 6,8 5 6,0
Linha Cairú 18 88 11,1 9 10,8
Linha Chapecó 11 18 2,3 2 2,4
Linha Cotovelo 13 34 4,3 3 3,6
Linha Favaretto 7 35 4,4 3 3,6
Linha Fernando Machado 5 17 2,1 2 2,4
Linha Ipiranga 4 34 4,3 3 3,6
Linha Marchioro 5 35 4,4 3 3,6
Linha Monte Alegre 9 35 4,4 4 4,8
Linha Olinda 8 27 3,4 3 3,6
Linha Rui Barbosa 12 55 6,9 5 6,0
Linha Saltinho 17 19 2,4 2 2,4
linha São Miguel 13 27 3,4 3 3,6
Linha Simões Lopes 8 16 2,0 2 2,4
Linha Zenaide Bertaso 4 26 3,3 3 3,6
Linha Zeni 11 15 1,9 2 2,4
Roncador 22 43 5,4 4 4,8
Santa Fé 20 28 3,5 3 3,6
São Cristóvão 9 12 1,5 2 2,4
Sede Querência 9 26 3,3 3 3,6
Tarumã 9 14 1,8 3 3,6
Três Casas 8 13 1,6 2 2,4
Total - 796 100,0 83 100,0
Fonte: Pesquisa de campo 2007.
137
Segundo Conterato (2004, p. 115), a vantagem da Amostragem Sistemática por
Comunidade é que a aleatoriedade fica mantida e todas as comunidades acabam entrando
na mostra. Essa forma de amostragem se reveste de importância porque, como constatamos
nesta pesquisa, cada comunidade apresenta uma dinâmica social e econômica própria e
distinta, em grande medida influenciada pelo tipo de topografia e fertilidade do solo, pela
distância ao centro urbano, pelas vias de acesso, proximidade de rodovias e, sobretudo,
pela quantidade e intensidade das relações sociais historicamente construídas. Cabe
ressaltar, no entanto, que a amostra por comunidade foi possível por termos acesso a uma
tabulação especial do LAC, na qual constava o nome do agricultor e a comunidade onde se
localizava a propriedade. De posse desses dados e aplicando os critérios anteriormente
definidos, obtivemos uma listagem de todos os agricultores familiares de Coronel Freitas e
as respectivas comunidades onde se localizava a propriedade.
4.1.2 O questionário e a pesquisa de campo
Para estudar a realidade social e econômica do espaço rural e da agricultura familiar
do Oeste de Santa Catarina é preciso, além de um arcabouço teórico norteador, contar com
fonte de dados confiáveis nos quais se possa fundamentar as argumentações. Nesta etapa
da pesquisa, além da consulta às fontes secundárias, utilizou-se a entrevista como uma
técnica de coleta dos dados. A vantagem da entrevista é que ela favorece as respostas
espontâneas e permite uma elasticidade quanto ao tempo de duração, que pode ser mais ou
menos aprofundada, dependendo da experiência e disponibilidade do entrevistado.
Nas entrevistas utilizou-se como roteiro um questionário semi-estruturado (ver
apêndice A) que originalmente foi elaborado para atender o projeto de pesquisa
“Agricultura Familiar, Desenvolvimento Local e Pluriatividade no Rio Grande do Sul”
(AFDLP), ao qual acrescentamos outras questões para atender as especificidades deste
trabalho. No Quadro 2 estão descritos os eixos orientadores do questionário de pesquisa.
A flexibilidade no uso do questionário, ao mesmo tempo em que direcionava o
assunto para os objetivos da pesquisa, também suscitava novas questões e fazia com que os
entrevistados adentrassem em outros temas, não contemplados nas perguntas, mas que se
mostravam de extrema riqueza para os propósitos desse estudo. Essas informações eram
138
anotadas na caderneta de campo e se constituíram em preciosas informações. Ao longo da
entrevista percebeu-se que para muitos agricultores era uma oportunidade para fazer
“ouvir” seus discursos, para manifestar suas angústias, aflições, medos, sonhos, dores e
alegrias. Isso fez com que muitas entrevistas se alongassem por mais de quatro horas.
Quadro 2 – Eixos orientadores do questionário da pesquisa
1. A estrutura fundiária, capital e mão-de-obra:
a) Área própria, em parceria, em arrendamento, área disponível e outros bens imóveis;
b) Tempo que vive no imóvel e forma de obtenção da terra (compra, herança, doação, posse, etc.);
c) Mecanismos de herança e transferência do patrimônio;
d) Benfeitorias, instalações, máquinas, equipamentos e animais produtivos;
e) Disponibilidade de mão-de-obra familiar e contratada.
2. A família e seus componentes:
a) Grau de parentesco, idade, sexo, estado civil, e escolaridade dos membros da família;
b) Tipo e tempo de trabalho exercido pelos membros da família (dentro e fora da propriedade);
c) Trabalho agrícola e não agrícola (pluritividade).
3. Migração dos membros da família:
a) Idade atual, sexo, estado civil, escolaridade ao sair e atual dos membros da família que migraram;
b) Ano e motivo da migração, destino, residência atual, atividade que trabalha, ano de retorno e motivos;
c) Manda dinheiro para a família, quais os motivos e com que freqüência,
4. Estrutura produtiva e produção
a) Produção vegetal (atividade e área plantada, produção vendida e consumida pela família e animais);
b) Produção animal (número de matrizes, produção vendida e consumida na família);
c) Produtos processados ou beneficiados (quantidade produzida, consumida pela família e vendida);
d) Produção da horta e pomar;
e) Rendas não agrícolas.
5. Rendas
a) Rendas agrícolas, da transformação da produção e rendas não-agrícola (aluguel, aposentadoria, juros);
b) Cálculo da Renda Bruta (RB) e da Renda da Produção Agrícola (ROA).
6. Custos e investimentos
a) Insumos (semente, adubo, agrotóxico, combustível, ração, medicamento, etc.);
b) Contratação de serviço de máquina, contratação de mão-de-obra, juros pagos;
c) Depreciação, ITR, energia elétrica, gás, água, telefone, manutenção de máquinas e equipamentos, etc.;
d) Investimentos na aquisição de imóveis, máquinas, equipamentos, instalações, etc.
7. Ambiente social e econômico local e políticas públicas
a) Formas de acesso ao mercado de produtos e de trabalho e formas de comercialização da produção;
b) Infraestrutura local, distâncias e formas de transporte e disponibilidade de atividades de lazer;
c)
Acesso ao crédito e políticas públicas;
d) Acesso à assistência técnica;
e) Acesso à previdência social.
8. Aspectos sociais e políticos que afetam a agricultura familiar e o desenvolvimento local (capital
social)
a) Participação família em cooperativa, associação (produção ou lazer), sindicato, grupos de cooperação;
b) Acesso à educação e nível de adequação e satisfação com o ensino;
c) Expectativas dos membros da família em relação à agricultura e ao espaço rural.
9. Transformações recentes na agricultura e no espaço rural
a) Na organização produtiva e social da agricultura familiar e relacionado ao sistema produtivo;
b) Transformações relacionadas com os meios de vida, com a sociabilidade e com a qualidade de vida;
c) Com relação ao uso de insumos e maquinários;
d) Transformações relacionadas com a vida comunitária, número de famílias, comércio, lazer, etc.
139
As entrevistas duraram em média de duas a três horas e, por esse motivo, não foram
realizadas mais de três por dia, sendo uma entrevista pela parte da manhã e duas à tarde. A
entrevista foi realizada com um dos cônjuges frequentemente o homem falava em nome
da família mas sempre foi estimulado a participação de ambos os cônjuges, o que em
geral acabava acontecendo. Da mesma forma, também se estimulou a participação de todos
os componentes da família e por isso dirigiram-se indagações ao pai, mãe, sogro, sogra,
filhos e filhas presentes na entrevista. Essa estratégia se mostrou muito interessante porque,
por um lado, permitia perceber em que medida as opiniões dos membros da família eram
convergentes e demonstrava se o assunto tratando já havia passado, pelo menos minimante,
por uma discussão prévia. Por outro lado, isso também contribuiu para nos afastar de uma
visão de família rural desprovida de realidade a qual, equivocadamente, pressupõe
interesses comuns a todos seus membros.
Em geral tivemos uma boa receptividade por parte dos entrevistados e as entrevistas
transcorreram em um clima agradável e de empatia. A conclusão da primeira entrevista do
dia ocorria próximo ao horário do meio-dia, o que ensejava o convite de grande parte dos
agricultores entrevistados para que almoçássemos com a sua família. Essa iniciativa
demonstra o espírito de hospitalidade e de solidariedade dos agricultores da região, que
mesmo não nos conhecendo, na primeira oportunidade convida-nos para almoçar junto à
sua família. Sempre aceitamos esses convites pois, de forma geral, eles acabavam se
tornando momentos informais, ricos em interações. Além disso, era uma oportunidade para
estender o tempo, a abrangência e a profundidade da pesquisa em um clima descontraído e
de total confiança, onde foi possível captar aspectos subjetivos que muito ajudou a melhor
compreender o objeto deste estudo. A maior aproximação ao entrevistado permitiu abordar
assuntos mais complexos e delicados, na maioria das vezes suscitados pelo próprio
agricultor. Assim, na primeira oportunidade anotava-se na caderneta de campo o teor das
conversas realizadas na entrevista, sobretudo, aquelas que aconteceram durante o almoço
com a família.
Inegavelmente um clima de confiança entre o entrevistado e o entrevistador é
fundamental para uma entrevista ser bem sucedida. Acredita-se que esta pesquisa
conseguiu estabelecer um clima de confiança o que se reflete na confiabilidade e
representatividade dos dados coletados. Nesse sentido, vale dizer que desde a chegada à
140
propriedade e a primeira abordagem, sempre tivemos uma boa receptividade e acolhida na
casa dos agricultores entrevistados.
Além das entrevistas com os agricultores familiares também se realizou entrevistas
abertas com informantes-chave do município: três extensionistas rurais da Epagri, três
facilitadores municipais do projeto microbacias, dois coordenadores regionais e um
municipal do sindicato dos trabalhadores na agricultura familiar (Fetraf) e quatro
agricultores mais idosos que vivenciaram a história das transformações sociais,
econômicas e produtivas da agricultura do município.
4.1.3 O tratamento dos dados
Com o propósito de extrair o máximo de informações da realidade pesquisada e,
assim, responder de forma mais profícua o problema de pesquisa, utilizamos um amplo
conjunto de metodologias e técnicas de natureza quantitativa e qualitativa. Os dados
obtidos através da aplicação do questionário semi-estruturado foram processados e
examinados pelo software estatístico de banco de dados SPSS (Statistical Package for
Social Sciences) e os resultados estão apresentados em forma de tabelas e são analisados
ao longo do texto.
As questões abertas do questionário semi-estruturado e as entrevistas realizadas
com os informantes-chave foram gravadas, transcritas e as informações, somando-se as
que foram registradas no diário de campo, foram organizadas e categorizadas. No entanto,
cabe mencionar, que o construímos nenhuma tipologia mais elaborada que merecesse
constar no corpo deste trabalho. Os excertos das entrevistas foram utilizados ao longo do
texto com o objetivo de “dar voz” aos entrevistados e, assim, esclarecer e ilustrar as
distintas situações analisadas.
Com relação à transcrição das entrevistas é importante ressaltar que ela não foi
literal. Seguimos orientações de Bourdieu (1999) que considera uma obrigação do
pesquisador a legibilidade e sugere aliviar o texto das frases confusas, redundantes e com
vícios de linguagem. Indiscutivelmente, a transcrição literal torna o texto difícil de ler, no
entanto, o autor também considera um dever do pesquisador tomar o cuidado de nunca
trocar uma palavra por outra. Por último, cabe dizer que embora o período de transcrição
das entrevistas tenha sido longo e cansativo, ele foi rico em informações e possibilitou uma
141
melhor compreensão dos dados obtidos no questionário e permitiu uma análise previa dos
resultados.
4.2 O espaço rural do Oeste de Santa Catarina e de Coronel Freitas
A trajetória e a dinâmica socioeconômica da agricultura familiar do município de
Coronel Freitas, grosso modo, pode-se dizer que em muito se assemelha ao que acontece
em outros locais do Oeste de Santa Catarina. Por isso, neste item, discute-se algumas
características e transformações do espaço rural e da agricultura familiar de Coronel
Freitas, mesclando e cotejando dados do município com os da região.
A história do município de Coronel Freitas coincide com a da colonização da
região, que teve início em 1929 com a chegada das primeiras famílias procedentes do Rio
Grande do Sul. A extração da madeira representou a base da economia nos primeiros
tempos de colonização. Com a exploração desordenada e a quase extinção das reservas de
madeira, a economia local volta-se à produção agropecuária baseada na agricultura familiar
de produção diversificada e que, em um segundo momento, vai promover o surgimento na
região de plantas industriais relacionadas à produção de carne de suínos e frango.
Com uma área de 234,4 km² Coronel Freitas localiza-se centralmente na região
Oeste catarinense e, segundo a classificação do IBGE, integra a microrregião geográfica de
Chapecó. Faz limite com os municípios de Chapecó, Nova Itaberaba, Águas Frias, União
do Oeste, Quilombo, Marema, Lajeado Grande, Xaxim e Cordilheira Alta. Considerando a
população recenseada no censo demográfico de 2000 do IBGE, o município de Coronel
Freitas possui densidade demográfica de 44,9 habitantes por quilômetro quadrado. Trata-se
de uma densidade demográfica ligeiramente superior à média da região que é de 38,6
habitantes por quilômetro quadrado e um pouco abaixo da média do estado de Santa
Catarina que é de 56,2 habitantes por quilômetro quadrado (SILVA et al., 2003). Todavia,
assim como acontece com toda a região do Oeste catarinense, também a densidade
populacional do município de Coronel Freitas pode ser considerada alta, uma vez que
majoritariamente não é no núcleo urbano do município que se concentra a maior parte da
população. Ela está uniformemente distribuída por todo o espaço rural. Na realidade, se
for levado em conta apenas a população residente na área rural, a densidade populacional
gira em torno de 30 habitantes por quilômetro quadrado. Em outras palavras significa dizer
142
que, em termos médios, há três habitantes para cada dez hectares, o que sugere a existência
de um meio rural densamente povoado, cuja proximidade pode proporcionar maior contato
vicinal e promover maiores relações sociais. Por outro lado, o intenso êxodo rural que se
verificou na região, sobretudo na década de 1980 e 90, pode ter entre as suas causas a
densidade populacional relativamente alta para as atuais condições produtivas,
organizativas e tecnológicas. Tais condições impõem fortes limites econômicos e
ambientais que dificultam a absorção produtiva em condições aceitáveis do excedente da
população resultante do seu crescimento vegetativo.
O município de Coronel Freitas, assim como o conjunto da região Oeste
catarinense, foi fortemente marcado pelo processo de modernização da agricultura, o qual
teve início no final da década de 1960 uma verdadeira “revolução produtiva” (NAVARRO,
2002). Inaugura-se uma nova fase no desenvolvimento da região, que se integra
completamente aos mercados nacionais e internacionais e insere a economia rural no
processo de mercantilização. Seguindo Navarro (2002), podemos dizer que esse a
mercantilização representa um lento processo histórico que lançou as bases de uma
economia mercantil na região. Inicialmente estruturou-se o mercado dos produtos
agrícolas, mas foi logo seguido do mercado de insumos, de trabalho e de bens de consumo.
A modernização da agricultura contou com o papel fundamental do Estado na
formulação e implementação de políticas públicas. Para tanto, um dos principais
instrumentos utilizados pelo Estado, segundo Kageyama et al. (1990), foi o crédito tanto
rural como agroindustrial subsidiado e vinculado à utilização de insumos produzidos
externamente ao estabelecimento agropecuário. A implantação dessas políticas veio ao
encontro dos interesses das agroindústrias da carne do Oeste de Santa Catarina, pois
contribuiu decisivamente para sua estruturação e consolidação. Fundamentado no tripé
representado pela geração de tecnologia, pela difusão dessas tecnologias e pelo crédito
agrícola (Castro, 1984), fomentava-se o uso de insumos industriais com o objetivo de
promover a mudança da base cnica da agricultura e, assim, a “transformação da
agricultura tradicional” (Schultz, 1964) cujo resultado foi o aprofundamento da
mercantilização da vida rural.
Cabe ressaltar, no entanto, que essa progressiva mercantilização não levou a uma
homogeneização como recorrentemente supõem a teoria da modernização ou marxista
mais ortodoxa. As pesquisas empíricas de Ploeg (1992b), realizadas em regiões altamente
desenvolvidas da Europa mostram que a mercantilização, além de não ser um processo
143
linear, está longe de ser “uniforme ou estar completa”, uma vez que coexistem recursos e
insumos mobilizados fora dos circuitos mercantis.
Além disso, que se considerar que foi a suinocultura o motor que impulsionou o
processo de modernização da agricultura do Oeste de Santa Catarina. O modelo
tecnológico da suinocultura praticada na região ameados da cada de 1960 não criava,
aos agricultores, grandes barreiras para a entrada na atividade. A partir do início dos anos
1970, quando a modernização da agricultura andava em ritmo acelerado, as
agroindústrias passaram gradativamente a selecionar os agricultores que fariam parte do
grupo dos integrados. Por esse motivo, devido às diferenças de ordem geográfica,
fundiárias, cnicas e econômica e das distintas estratégias dos agricultores e da seleção
realizada pelas agroindústrias a modernização não se estabeleceu com a mesma intensidade
no conjunto da agricultura familiar e, por isso, novos estilos de agricultura foram se
conformando. O documento do CEAG/SC, cujo trecho transcreve-se abaixo, bem ilustra
esse processo:
Os produtores integrados não são produtores comuns, são escolhidos em função
de possuírem um número de hectares de terra acima da média dos produtores da
região, de terem condições de receberem crédito e de se situarem a uma
distância relativamente próxima à indústria, diminuindo, assim, os custos de
transporte. É fundamental que os produtores possuam certas características para
que o projeto global de integração seja viabilizado, segundo a estratégia
estabelecida pelo frigorífico (CEAG/SC, 1978:141).
Isso aumentou ainda mais a heterogeneidade do espaço rural e ampliou a
diversidade da agricultura familiar. Além da seletividade das políticas que fez com que a
modernização da agricultura não ocorresse de forma homogênea, que se levar em conta
que o processo de mercantilização desenvolve graus variados de inserção aos diferentes
mercados e ampliou a heterogeneidade social do espaço rural (PLOEG, 1992b). A
crescente heterogeneidade do espaço rural, segundo Long (1996, p. 12), é fruto dos
processos históricos de ocupação da terra, das formas de comercialização e do
desenvolvimento técnico-produtivo ocorridos no decorrer do tempo.
A partir da intensificação da modernização da agricultura e da profunda mudança
da base técnica e inserção ao “mundo dos mercados” a forma social de produção
predominante na região vai sofrer um verdadeiro turning point na história agrária da região
(NAVARRO, 2002). A agricultura colonial que descrevemos no capítulo dois vai se
metamorfoseando e dando lugar a outra forma social de produção, identificada com o que
144
pesquisadores têm definido como agricultura familiar (ABRAMOVAY, 1992;
SCHNEIDER, 2003). O estudo de caso realizado por Plein (2003) no município de Iporã
d’Oeste, localizado no Extremo Oeste de Santa Catarina, mostra que a mercantilização
opera uma transformação ou metamorfose na agricultura colonial, que mantém seu
caráter familiar, mas sua reprodução fica cada vez mais subordinada e dependente das
relações que estabelece com o ambiente externo.
Na sequência, utilizando dados secundários e da pesquisa de campo discutiremos
algumas transformações recentes ocorridas no espaço rural e na agricultura familiar do
Oeste catarinense e que, de certa forma, manifestam os sinais da crise do “produtivismo”
na agricultura regional. Mais especificamente buscamos apresentar algumas evidencias na
dinâmica populacional, nos sistemas de produção e uso da terra e no acesso ao mercado.
4.2.1 A dinâmica populacional
Os movimentos populacionais e a evolução na estrutura fundiária podem se
constituir em elementos importantes para refletir sobre os processos de desenvolvimento
rural. A dinâmica populacional de uma determinada região pode dar uma idéia razoável
das oportunidades que a economia local oferece a sua população. Em geral um declínio na
população ao longo do tempo em relação ao seu crescimento vegetativo pode estar
indicando que a geração de oportunidades de trabalho e renda e/ou o de acesso aos serviços
públicos de saúde, educação, por exemplo, é relativamente menor que a oferecida em
outras regiões. O Estado de Santa Catarina que até bem pouco tempo era considerado
como exemplo bem sucedido da uma população equilibradamente distribuída no território,
nos últimos tempos parece que essa realidade vem se transformando. Sinal de mudança
dessa realidade é que os discursos oficiais, por exemplo, passaram a incorporar nos
objetivos de governo estadual a necessidade de reverter o processo de êxodo rural e de
“litoralização” da população.
Santa Catarina tornou-se, nos últimos anos, um dos estados campeão nacional de
êxodo rural, face à centralização governamental e a consequente ausência de
políticas regionais de desenvolvimento agropecuário. E essa tem sido a maior
matriz geradora da crise urbana [...] (SANTA CATARINA. PLANO DE
GOVERNO, 2006).
145
Conforme os dados do Censo Demográfico do IBGE, na região Oeste catarinense
no ano 2000 havia 636.663 habitantes vivendo no meio urbano e 414.150 no meio rural. A
maior participação relativa da população do Oeste de Santa Catarina em relação ao total do
Estado aconteceu em 1970 quando alcançou 26,3%, diminuindo paulatinamente nas
décadas seguintes: 23,1% em 1991 e apenas 19,7% no ano 2000 (ALVES e MATTEI,
2006). Segundo aqueles autores a explicação para essa queda na participação relativa da
população regional não se deve a diminuição da taxa de fertilidade, os dados analisados
pelos autores demonstram que ela é fruto de movimentos migratórios em direção a novas
áreas. Até a década de 1970 a tendência demográfica do Oeste catarinense era expansiva.
Uma inflexão nessa trajetória ocorre no início dos anos 1980 quando a região se configura
como uma área emissora de imigrantes.
A população que vive no meio rural no Oeste de Santa Catarina vem
sistematicamente diminuindo em valores absolutos. Os dados apresentados na TAB. 8
mostram que em 1980 a população rural era de 590.626 pessoas, diminuiu para 518.124
em 1991 e uma queda ainda maior em 2000, quando o Censo do IBGE apurou uma
população rural de apenas 414.150 pessoas. Deve-se considerar, no entanto, que no período
compreendido entre os anos de 1989 e 2000 houve na região a emancipação de 49
municípios o que fez com que muitas áreas rurais passassem, do dia para a noite, a ser
consideradas como urbana. Mesmo assim, sem considerar o crescimento vegetativo da
população, no período compreendido entre 1991 e 2000 a população rural do Oeste de
Santa Catarina encolheu 104 mil pessoas. Deste total Ferrari (2003), estima que mais de 75
mil fosse jovens e, dentre estes, a maioria era moças. A queda na população rural do
município de Coronel Freitas foi ainda mais acentuada, a população rural que em 1980 era
de um pouco mais de 11 mil pessoas, no ano 2000 mal passa de 6 mil. Sem considerar o
crescimento vegetativo da população, pode-se dizer que em 20 anos quase a metade da
população deixou o meio rural de Coronel Freitas, o que dá a dimensão do êxodo rural.
Tabela 8 Evolução da população urbana e rural de Santa Catarina, do Oeste
catarinense e do município de Coronel Freitas.
Urbana Rural
Local
1980
1991
2000
1980
1991
2000
Coronel Freitas 3.170
3.853
4.177
11.549
8.033
6.156
Oeste catarinense 340.704
532.959
636.663
590.626
518.124
414.150
Santa Catarina 2.154.238
3.208.537
4.197.287
1.473.695
1.333.457
1.135.997
Fonte: IBGE – Censos Demográficos 1980, 1991, 2000. Elaboração do autor.
146
A TAB. 9 apresenta os dados referente a taxa anual de crescimento da população. O
período compreendido entre os anos de 1980 a 1991 a taxa de crescimento anual da
população urbana do Oeste de Santa Catarina foi maior que a do Estado. Todavia, no
período seguinte 1991 e 2000 a taxa de crescimento anual da população urbana do Oeste
de Santa Catarina foi significativamente menor que a do Estado. Por outro lado, as taxas de
crescimento anual da população urbana e rural do município de Coronel foram menores
que as do Oeste de Santa Catarina. No período compreendido entre 1980 e 1991 a
população rural decresceu a uma taxa de 3,3% a no ano, enquanto no período entre 1991 e
2000 a diminuição da população foi de 2,9% ao ano. Justamente em um município
considerado como um dos modelos de implantação do projeto de modernização da
agricultura parece que a população é empurrada a buscar melhores condições de vida em
outros locais. Observa-se que tanto a população urbana quanto a população rural do Oeste
de Santa Catarina apresentou taxas de crescimento relativamente menores que as do
conjunto do Estado de Santa Catarina. Isso também significa que a região considerada até
pouco tempo como celeiro do Estado, não consegue produzir oportunidades de trabalho e
renda para a sua população. na realidade, os dados do IBGE mostram que em 1970 a área
que ela considera como sendo rural no Brasil, comportava 41 milhões de habitantes o que
equivalia a 44% da população. No ano 2000 havia 31,8 milhões de habitantes no meio
rural brasileiro, ou o equivalente a 19% da população brasileira. Do mesmo modo, a
mesma fonte de dados mostra que 57% da população catarinense morava no campo em
1970, proporção que diminui para 21% no ano 2000 (TAB. 10).
Tabela 9 Taxa anual de crescimento da população urbana e rural de Santa
Catarina, do Oeste catarinense e do município de Coronel Freitas.
Urbano Rural
80/91 91/00 80/91 91/00
Coronel Freitas 1,8 0,9 -3,3 -2,9
Oeste catarinense 4,2 2,0 -1,2 -2,5
Santa Catarina 3,7 3,0 -0,9 -1,8
Fonte: IBGE – Censos Demográficos 1980, 1991, 2000. Elaboração do autor.
Um estudo elaborado por uma equipe de pesquisadores do Instituto Cepa analisa a
realidade agrária do Oeste catarinense e mostra que a região passou por um significativo
147
processo de êxodo rural na década de 1990 (SILVA et al. 2003). Os autores apontam como
principais causa da persistente migração:
a) A agricultura regional não proporciona níveis de renda capazes de garantir a
reprodução econômica dos estabelecimentos agrícolas com área inferior a 20 hectares.
b) Existência de grande número de minifúndios com insuficiência de terra.
c) Expressiva participação dos jovens na população migrante e o envelhecimento da
população rural.
Tabela 10 Taxa de urbanização de Santa Catarina, da região Oeste catarinense e
do município de Coronel Freitas.
Urbanização (%)
Local
1980 1991 2000
Coronel Freitas 23,4 35,1 42,3
Oeste catarinense 36,5 50,6 70,3
Santa Catarina 59,4 70,6 78,7
Fonte: Censo do IBGE (1980; 1991 E 2000). Elaboração: do autor
A pesquisa de Silvestro et al. (2001a), também mostra a forte participação da
população jovem no processo migratório rural e cita como exemplo disso o fato de que no
ano 2000 uma agência de emprego pesquisada ter intermediado a contratação de mais de
800 jovens agricultores da região para trabalhar em restaurante e churrascaria no eixo São
Paulo - Rio de Janeiro.
Durante a realização desta pesquisa, quando questionados a respeito do êxodo dos
jovens do meio rural do município de Coronel Freitas, houve quase uma unanimidade dos
entrevistados em apontar a baixa remuneração da agricultura como uma força de expulsão
e fator de esvaziamento populacional das comunidades rurais. O excerto de algumas das
entrevistas resume o sentimento geral. a avicultura não sobra nada... vira tudo em
despesa... quando o aviário é novo até que sobra alguma coisa, mas depois tem que investir
nisso, tem que investir naquilo. A gente paga para trabalhar(Entrevista 42, outubro
2007). Nesta situação muitos entrevistados lembram que até mesmo as propriedades
consideradas no passado como em condições mais favoráveis, porque tinham
investimentos como aviário ou chiqueiro integrados às agroindústrias, os filhos estão indo
para a cidade porque “eles preferem se sujeitar ao patrão na cidade do que ser peão das
agroindústrias” [...] pelo menos eles têm férias e final de semana(Entrevista 44,
novembro 2007). Na pesquisa de Altmann et al. (2008) um representante dos agricultores
familiares da região declarou que “os jovens cresceram ouvindo críticas ao sistema de
148
integração e não contam com o estimulo dos pais para permanecer na atividade”.. Com
relação ao interesse dos jovens em participar no trabalho que envolve o sistema de
integração agroindustrial uma das nossas entrevistadas assim se manifestou: “não pense
que eles [os jovens] trabalham no aviário. Não querem nem saber. Eles não querem nem
saber do aviário. Chiqueirão, então, muito menos” (Entrevista, nº 48, novembro de 2007).
Parece estar havendo uma grande resistência dos jovens agricultores em continuar
produzindo no sistema de integração com as grandes agroindústrias. De modo geral, os
dados desta pesquisa mostram que os jovens que tiveram oportunidade de estudar estão
construindo seu futuro profissional com os olhos voltados para fora do meio rural. Uma
agricultora cuja propriedade possui um aviário disse não estar nada satisfeita com a
avicultura porque eu não aceito os filhos terem que sair da roça. Nos nunca
desanimamos... desanimamos por causa do preço... da renda” (Entrevista 39, outubro
de 2007).
Por outro lado, também constatou-se na pesquisa que um grupo de agricultores
que demonstrou forte interesse em se inserir na dinâmica agroindustrial. Trata-se de
agricultores que se encontram na faixa etária entre 30 e 45 anos e que não tiveram
oportunidade de estudar além da série do ensino fundamental. Alguns resignadamente
assim se manifestaram: “a gente não sabe fazer outra coisa. Vamos fazer o que?Esse
pode ser considerado como um exemplo de privação de capacidade (SEN, 2001), que
determina uma limitação às possibilidades de escolha. Na mesma situação se está uma
parte do grupo de agricultores que se encontra na faixa etária entre 45 a 60 anos que
desejam produzir ou continuar produzindo suínos, aves ou fumo no modelo agroindustrial.
“hoje, na nossa idade, temos que morar aqui e continuar com nosso ‘bloquinho’ pra
conseguir a aposentadoria”. “Nos, os velhos, vamos ficar só para manter o bloco de
produtor
70
, senão a gente vai se incomodar até na hora de se aposentar”.
Muitos entrevistados mencionaram que nas comunidades rurais não se consegue
mais formar um time de futebol porque não existem mais jovens. Isso aqui é uma tristeza
só”. [...] nesta comunidade tinha oito aviários agora tem dois funcionando. vão ficar
os velhos e a capoeira vai crescer. Falei para ele [seu filho]: vai ficar fazendo o que aqui?
Essa situação também se reflete na evolução da estrutura agrária. Na TAB.11, que
compara dados do Censo Agropecuário do IBGE de 1995-96 e de 2006, pode-se verificar
70
O Bloco Fiscal do Produtor Rural ou “bloquinho” como se expressou um dos entrevistados, é o documento
fiscal utilizado para a venda dos produtos agrícolas e que também é utilizado para comprovar o tempo de
trabalho na agricultura por ocasião da solicitação de aposentaria rural junto ao INSS.
149
que no Oeste de Santa Catarina o número de estabelecimentos agropecuários diminuiu
6,7%, passando de 88.279 estabelecimentos para 82.337, enquanto no município de
Coronel Freitas a diminuição do número de estabelecimentos foi da ordem de 11,3%,
passando de 1. 275 propriedades para 1.130. A forte diminuição do pessoal ocupado é uma
informação que evidencia o êxodo rural e ilustra a crise na agricultura do Oeste de Santa
Catarina. Os dados apresentados na TAB. 11 revelam que em dez anos o número de
pessoas ocupadas na agricultura da região diminuiu 22,7%, passando de 322.193 pessoas,
em 2006 para 249.008 em 2006. Em relação ao município de Coronel Freitas no mesmo
período a população ocupada na agricultura diminuiu de 4.099 pessoas para 3.521 (14%).
Os dados da TAB. 11 confirmam a forte presença da agricultura familiar na região uma vez
que 89% das pessoas ocupadas na agricultura mantêm com o produtor rural laço de
parentesco.
Embora tenha ocorrido um forte êxodo rural nos últimos dez anos, sobretudo dos
jovens, ficou evidente na pesquisa que tanto os pais quanto os filhos não desejam vender a
propriedade familiar. Mesmo naquelas onde os filhos já não contribuem no processo
produtivo porque trabalham em outra atividade. Mais de 60% dos entrevistados afirmaram
que os filhos não desejam a venda da propriedade, pois planejam voltar a viver nela no
futuro. Parece que isso pode ser um sinal de uma futura manifestação da dinâmica pós-
produtivista. Neste sentido a pesquisa de Altmann et al. (2008, p. 69) mostra que as
chácaras de lazer no Oeste de Santa Catarina deverão crescer em número. Em alguns casos
serão mantidas pelos pais, já aposentados, enquanto os filhos estarão nas cidades.
Tabela 11 Estabelecimentos agropecuários e pessoal ocupado na agricultura, por
laço de parentesco com o produtor
Estabelecimentos Pessoas ocupadas
Número Porcentagem
Número Porcentagem
Mesorregião
geográfica e
município
Laço de parentesco
com o produtor
1996 2006 1996 2006
1996 2006 1996 2006
Total
88.279
82.337
100 100 322.193 249.008 100 100
Com laço de
parentesco 88.279
82.337
89,13 90,65
283.596 222.099 88,02 89,19
Oeste
catarinense
Sem laço de
parentesco 9.600 7.700 10,87 9,35
38.597 26.909 11,98 10,81
Total
1.275 1.130 100 100 4.099 3.521 100 100
Com laço de
parentesco 1.275 1.130 100 100 3.835 3.177 93,56 90,23
Coronel
Freitas
Sem laço de
parentesco
108 159 8,47 14,07
264 344 6,44 9,77
Fonte: Censo Agropecuário do IBGE 1995-96 e 2006
150
Os resultados deste trabalho são congruentes com o que foi identificado na pesquisa
de Altmann et al. (2008, p.68) que fez um diagnóstico e buscou captar a perspectiva de
alguns atores sociais em relação ao sistema agroindustrial e o espaço rural de Santa
Catarina. A conclusão dos atores é que “O êxodo, o envelhecimento da população rural e o
grande número de jovens atraídos pelo emprego ou outras atividades urbanas estão levando
ao desaparecimento ou ao declínio de muitas comunidades rurais”. A falta de perspectiva
de renda e a sua instabilidade são apontadas como principal fator que leva os jovens a
abandonar o meio rural. As inovações tecnológicas voltadas à automatização da produção
de suínos e aves, ao mesmo tempo em que torna redundante uma parcela da mão-de-obra
familiar, também é uma forma de se adaptar ao desinteresse das pessoas em continuar
fazendo um trabalho considerado penoso.
Neste sentido, Veiga (2006, p. 7) considera que os saltos de produtividade obtidos
pela adoção de inovações genéticas, químicas e moto-mecânicas tornaram rapidamente
redundantes grandes contingentes de filhos de colonos que se transformaram em
agricultores familiares modernos. Veiga afirma que o forte êxodo que caracterizou a
dinâmica demográfica da região está muito mais relacionado ao fenômeno da
“modernização da agrícola” do que a idéia presente no imaginário da maioria das pessoas
de que se trata de um processo de empobrecimento. Para o autor, este tipo de “êxodo rural”
é um sinal de desenvolvimento (mesmo que insatisfatório) e não de “atraso” ou
“decadência” porque a modernização dos agricultores familiares permitiu-lhes o progresso
material e que seus filhos tivessem razoável acesso à educação. Todavia, como enfatiza o
autor, o lado deplorável desse fenômeno de “êxodo rural” decorrente da modernização é
que muitos tiveram que parar suas atividades agropecuárias porque não conseguiram se
manter no “tapete rolante” imposto pelas inovações tecnológicas.
Embora o êxodo rural decorrente do processo de modernização, possa não ter
significado o empobrecimento material dos agricultores e da região, ele trás consigo o
despovoamento de muitas comunidades, o rompimento de laços sociais e a perda de
potencial humano fundamental à promoção de processos de desenvolvimento rural.
151
4.2.2. O uso da terra e a produção agropecuária: “tudo vai virar mato”
Praticamente toda a região Oeste de Santa Catarina é formada por uma topografia
ondulada a fortemente ondulada. As áreas mais planas situam-se em estreitas faixas nas
partes baixas dos vales e ao planalto mais ao norte, próximo à divisa com o Estado do
Paraná. As características do solo, da topografia ondulada, e a área de terra disponível aos
agricultores exerceram forte poder de determinação na forma como é explorada a
propriedade.
Uma das principais características da colonização do Oeste catarinense foi o
modelo de ocupação adotado, sendo de 10 alqueires ou 24,2 hectares o módulo básico do
lote que foi vendido aos colonos. Posteriormente, muitos desses lotes foram subdivididos
em função de partilhas de bens na herança, diminuindo ainda mais a área de terra
disponível. Na TAB. 12 apresentam-se os dados referentes ao número e área dos
estabelecimentos agropecuários do Oeste de Santa Catarina referente aos Censos
Agropecuários de 1985 e de 1995-96.
Os dados revelaram a presença de 101.185 estabelecimentos agropecuários no ano
de 1985. Para o ano de 1995-96 havia 88.279 estabelecimentos agropecuários que
ocupavam uma área de 2.163.881 hectares. Isso representa 43% de todos os
estabelecimentos do Estado e 37% da área. Na TAB. 12 também se pode observar que 70%
dos estabelecimentos agropecuários do Oeste de Santa Catarina, possuem menos de 20
hectares, mas que ocupam apenas 28, 48% da área total. A baixa disponibilidade de terra
associada a uma topografia ondulada exigia a adoção de um sistema de produção
diversificado tendo como objetivos maiores a diminuição dos riscos climáticos e
econômicos e a melhor utilização da base dos recursos (terra, mão-de-obra). Essa estratégia
de diversificação produtiva, em grande medida, se insere naquilo que Ploeg (2008) chama
de modo camponês de fazer agricultura porque está orientado para a produção e
crescimento máximo de valor agregado, usando basicamente os recursos que a própria
unidade familiar produzia e manejava. A título de exemplo cita-se a o uso de sementes
produzidas e reproduzidas na própria unidade familiar e que alimentava o ciclo produtivo
seguinte. O sistema de alimentação caseira”, cujos componentes eram produzidos no
próprio estabelecimento (milho, mandioca, abobora, batata doce, soja, inhame, etc.) e
utilizados pelo agricultor para alimentar os suínos é outro exemplo.
152
A condição policultora, baseada nos princípios da coprodução, conferia à unidade
familiar estabilidade e a resiliência necessária para enfrentar as dificuldades de ordem
ambiental e econômica. Na medida em que o agricultor adere ao modelo de modernização
da agricultura e ao modo empresarial de fazer agricultura, Ploeg (2006a) gradativamente a
estrutura que sustenta a produção diversificada vai sendo abalada e substituída por um
sistema produtivo mais especializado baseado em uma “artificialização” da agricultura. Na
realidade, em grande medida a diversificação das atividades estava voltada para atender às
necessidades de autoconsumo familiar e também para produzir os alimentos que eram
utilizados na produção de suínos, a qual se constituía em uma das principais atividades
comerciais da propriedade.
Tabela 12 Número de estabelecimentos agropecuários e área ocupada no Oeste de
Santa Catarina.
1985 1995-96
Estabelecimentos Área Estabelecimentos Área
Estrato de área
Número %
acum.
ha %
acum.
Número
% acum.
ha %
acum.
Menos de 5 17.640 17,43 50.615 2,26 11.578 13,12 33.468 1,55
5 a menos de 10 22.460 39,63 161.764 9,48 18.051 33,56 133.080 7,70
10 a menos de 20
32.822
72,07 452.393 29,68 32.229 70,07 449.646 28,48
20 a menos de 50 23.001 94,80 672.272 59,70 20.977 93,83 612.030 56,76
50 a menos de 100
3.516
98,27 233.247 70,12 3.482 97,78 230.966 67,43
100 a menos de 1000 1.590 99,85 381.615 87,16 1.828 99,85 446.265 88,06
1000 e mais 121 99,97 287.654 100,00
120 99,98 258.426 100,00
Sem declaração 35 100,00
- - 14 100,00 - -
TOTAL 101.185 - 2.239.560 - 88.279 - 2.163.881 -
Fonte: Censo Agropecuário do IBGE 1985 e 1995-96. Elaboração do autor.
Como se destacou no capítulo dois, até meados dos anos 1980 a produção de
suínos representava um dos principais produtos comerciais produzido pela agricultura
familiar. Ela estava presente na maioria das propriedades do Oeste de Santa Catarina, nas
quais havia em média quatro matrizes. O tamanho do plantel dependia, entre outros fatores,
da disponibilidade de terra e mão-de-obra para produzir os alimentos necessários para criar
os suínos. Na TAB. 13 pode-se observar a superfície agrícola útil (SAU) das unidades
familiares de Coronel Freitas. Percebe-se que a maioria delas (72,3%) dispõe de uma SAU
com tamanho não superior a 20 hectares. Mas a maior freqüência, com 39,8% dos
estabelecimentos encontra-se na faixa até 10 hectares.
153
Tabela 13 – Superfície Agrícola Útil (SAU) da unidade familiar de produção do
município de Coronel Freitas em 2007.
Estratos de SAU em hectares Freqüência Porcentagem
Porcentagem
acumulada
Até 10 33 39,8
39,8
mais de 10 a 20 27 32,5
72,3
mais de 20 a 30 14 16,9
89,2
mais de 30 a 40 7 8,4
97,6
mais de 40 a 50 2 2,4
100,0
Total 83 100
Fonte: Pesquisa de Campo, 2007.
Todavia, deve-se mencionar que em torno de um terço da SAU é composta por
pastagem nativa (potreiro), cuja produtividade é baixa. Nessas condições o agricultor
necessita desenvolver um sistema produtivo que maximize o uso da terra uma vez que esse
é o fator produtivo limitante. O agricultor tem a clara percepção que o rendimento que
pode obter vai depender de muitos fatores limitantes de crescimento. Ao longo do tempo,
ele vai fazendo uma espécie de “sintonia fina”, tentando ajustar e conformar um
determinado estilo de agricultura capaz de maximizar seus fatores produtivos. Como
explicam (PLOEG et al., 2004) os agricultores, dentro de sua práxis, procuram
continuamente identificar o fator limitante e, assim, buscam corrigi-lo.
Por muito tempo foram os agricultores que buscaram corrigir os fatores
limitantes da produção agrícola, na era da modernização as ciências agrárias
assumiram o papel de elevar o nível dos fatores de produção. Consequentemente
uma nova divisão de trabalho emergiu: os agricultores tornaram-se
crescentemente dependente das inovações científicas. Se antes a intensificação
era largamente dependente da quantidade e qualidade do trabalho agrícola agora
ela está associada e dependente do regime cio-técnico reinante e, assim, pelas
regras e procedimentos determinados pelos cientistas (PLOEG et al., 2004, p.6).
Desta forma, uma vez que um fator limitante é corrigido, outro emergirá. Assim,
através de um complexo ciclo de cuidadosa observação, interpretação, organização e
avaliação, mudam-se as rotinas e criam-se novidades. A agricultura, como explica Ploeg
(1992) é um processo resultante da interação continua da força de trabalho, dos objetos de
trabalho e dos instrumentos de trabalho na busca da produção e reprodução. Assim, uma
parte do que é produzido se destina ao intercâmbio com o mercado e outra parte consiste
em material reprodutivo dos mesmos elementos ou formas de reprodução. Esse era o caso,
por exemplo, do milho ou outros alimentos produzidos na propriedade e utilizados na ração
dos suínos ou as matrizes que eram retiradas do próprio plantel.
154
Era esse ajuste que fazia com que muitos agricultores do Oeste de Santa Catarina
desenvolvessem, por exemplo, sistemas produtivos em que a suinocultura era um
componente central, em torno da qual se organizava a produção de vegetais e o processo de
trabalho. Todavia, com a exigência de especialização e alargamento da escala de produção
da suinocultura para além dos limites dos fatores produtivos internos esses passam a ser
crescentemente substituídos por fatores externos, como é o caso dos alimentos destinados
aos suínos que deixam de ser produzidos no próprio estabelecimento para serem adquiridas
de agentes externos
71
. Isso é o que a literatura tem chamado de externalização, onde um
número crescente de tarefas é separada dos processos de trabalho agrícola e realizadas a
partir de organismos externos. A externalização, segundo Ploeg (1992a), faz com que as
tarefas que antes eram organizadas e coordenadas pelo agricultor passem a ser coordenadas
pelo intercâmbio mercantil e por meio do sistema recém estabelecido das formas técnico
administrativas. Ou seja, o agricultor deixa de executar determinadas fases do processo
produtivo as quais são realizadas por outros atores e com os quais passa a interagir de
forma crescente.
Quanto mais os fatores de crescimento, diretamente relacionados com o
ecossistema local, m sido substituído por fatores de crescimento artificiais,
mais a “arte da localidade” tem se tornado crescentemente desconectada da
disponibilidade dos recursos locais e dos padrões socioeconômicos locais. Como
resultado a produção de novidades pelos agricultores é crescentemente
substituída pela produção de progresso técnico, assumido pelas instituições que
fazem parte do regime sócio-técnico dominante (PLOEG et al., 2004, p. 6).
Para a maior parte das unidades familiares do Oeste de Santa Catarina o aumento na
escala de produção na suinocultura representou uma quebra no equilíbrio antes existente e
somente foi possível pela externalização de parte das tarefas anteriormente realizadas no
interior da unidade produtiva, como é o caso da ração, por exemplo.
Na TAB. 14 pode-se observar como foi utilizado o solo agrícola na safra 2006/2007
em 80 unidades familiares dos agricultores entrevistados no município de Coronel Freitas.
Verifica-se que a área média utilizada com lavouras foi de 5,24 hectares enquanto a área
média destinada às pastagens foi um pouco mais que o dobro que aquelas destinadas às
lavouras e alcançou a média de 11,47 hectares. Com a crescente dificuldade dos
agricultores familiares se inserirem comercialmente na suinocultura e na avicultura, grande
71
A alimentação dos suínos com “ração industrializada” permite ao agricultor o aumento da escala na
suinocultura e facilita o trabalho, por outro lado contribui para simplificar o sistema diversificado de
cultivo até então utilizado pela maior parte dos agricultores trazendo conseqüências ambientais negativas.
155
parte deles busca outras alternativas capazes de substituir a renda e ocupar adequadamente
a base de recursos. Dentre as alternativas agrícolas destaca-se a intensificação da produção
integrada de fumo. Embora a produção de fumo estivesse presente em 30% (TAB. 14) das
unidades familiares entrevistadas em Coronel Freitas, durante a pesquisa foi freqüente
ouvirmos os agricultores se manifestarem que no futuro desejam deixar de cultivar esse
tipo de lavoura. Mencionam, no entanto, que antes de abandonar o cultivo do fumo
precisam capitalizar-se e estruturar outra atividade que proporcione rendimentos
compatíveis. Alegaram que a produção de fumo permite rendimentos econômicos
satisfatórios em uma pequena área mas, por outro lado, demandava intensivo e árduo
trabalho e a utilização de grande volume de agrotóxico. “quero parar de plantar fumo. Ela
[esposa] não consegue nem mais sentir o cheiro do veneno. Mas, que mais posso plantar
nessa pouca terra?” (Entrevista, nº 43, outubro de 2007).
Muito embora o milho ainda represente a lavoura mais cultivada e está presente em
80% dos estabelecimentos, chama atenção o fato de 20% dos estabelecimentos da região já
não cultivar mais esse cereal para colher o grão seco. Grande parte desses estabelecimentos
cultiva o milho apenas para usá-lo como pastagem na alimentação dos bovinos, sobretudo
na forma de silagem. A diminuição da área plantada com milho representa uma
significativa e importante mudança no sistema produtivo. De fato, até meados dos anos
1980 era raro encontrar alguma unidade familiar do Oeste de Santa Catarina que não
cultivasse milho para colher na forma de grãos, o qual se destinava à alimentação dos
animais e a venda do excedente. Uma análise histórica nos dados do Censo Agropecuário
do IBGE mostra essa tendência de queda no número de estabelecimentos que produz milho
na região. Em 1985, por exemplo, nada menos que 98,8% dos estabelecimentos da região
cultivava milho, proporção que cai para 90% no Censo Agropecuário de 1995-96 e,
segundo dados do LAC, apenas 79% no ano de 2002.
Tabela 14 – Uso do solo agrícola no município de Coronel Freitas em 2007.
Estabelecimentos Área
USO DO SOLO
Número
% Área Total
% Área Média
Lavouras
65 81,2 340,9 18,8 5,24
Milho 64 80,0 244,3 13,5 3,82
Fumo 24 30,0 53,5 3,0 2,23
Feijão 4 5,0 12,5 0,7 3,13
Soja 3 4,3 20,8 1,1 6,00
Outras lavouras temporárias 13 16,2 9,8 0,5 0,75
Pastagem
80 100,0 917,3 50,6 11,47
Potreiro 77 96,2 478,3 26,4 6,21
156
Pasto Melhorado 19 23,7 72,0 4,0 3,79
Pasto de verão 36 45,0 183,8 10,1 5,11
pasto de inverno 51 63,7 183,2 10,1 3,59
Lavouras + pastagem 80 100,0 1258,2 69,4 15,53
Mata nativa
55 68,7 122,6 6,8 2,23
Outras atividades 80 100,0 150,2 8,3 1,88
Total 80 100,0 1570,3 86,6 19,63
Inaproveitável 13 16,2 39,2 2,2 3,02
Fonte: Pesquisa de campo, 2007.
Grande parte dos agricultores familiares do Oeste de Santa Catarina que tiveram
que abandonar a produção de suínos passa, gradativamente, a incrementar a produção de
leite. Desta forma o agricultor diminui a produção de milho e se volta à produção de
pastagem ou outra lavoura que proporcione maior renda agregada, como é o caso do fumo.
Quando eu vim morar nesta propriedade em 1982 a gente andava pela
comunidade e enxergava todas as terras cultivadas, tinha pouca capoeira.
Lavoura de milho nessa época do ano [dezembro] estava cheio. Havia 20 a 30
motores trilhando feijão. Era um barulhão, era gente que lavrava, era gente que
gritava com os bois. Hoje está tudo quieto, tem criações. Para ver um
pedacinho de terra lavrada, só quando o pessoal colhe o fumo. Agora virou
bastante reflorestamento e potreiro. Muitos moradores da comunidade foram
embora. Praticamente 40% dos moradores saíram ou abandonaram a
propriedade. Hoje têm muitas propriedades onde existe capoeira. Para mim
isso tudo aqui vai virar mato!(Entrevista nº 49, dezembro de 2007 Grifos nosso).
Algumas hipóteses podem explicar a transformação no uso da terra relatado pelo
entrevistado. A primeira delas diz respeito ao fato da maioria das unidades familiares não
produzir mais suínos, que era a atividade para quem se destinava a maior parte da produção
de milho. Como discutimos no capítulo primeiro, com a reestruturação agroindustrial que
vem ocorrendo no Oeste de Santa Catarina, a produção de suínos já não guarda mais
relação com a produção de milho, como acontecia anteriormente. Atualmente as
agroindústrias fornecem toda a ração e um “pacote” de outros insumos para que seus
integrados possam criar os suínos. Outro motivo para a diminuição da produção de milho
nas unidades familiares pode estar relacionado ao “aperto” (crescentes custos de produção
associado à queda do preço recebido pelo produto) a que estão sujeitos os agricultores
inseridos no processo de modernização da agricultura, como é o caso da maioria dos
agricultores localizados no município de Coronel Freitas. Na realidade, independente da
perspectiva do preço de comercialização, os agricultores plantavam o milho para usá-lo na
alimentação dos suínos. Assim, produzindo a um preço relativamente mais baixo
mantinham relativa autonomia e distanciamento do mercado de insumos. Evidentemente,
157
que os agricultores poderiam contar com o recurso da alternalidade (GARCIA JÚNIOR,
1989), vendendo o milho e antecipando a comercialização dos suínos, quando isso fosse
mais vantajoso economicamente. O binômio suíno/milho também favorecia a melhor
utilização da mão-de-obra familiar porque proporcionava uma complementaridade entre as
tarefas de cada atividade.
Neste sentido podemos associar essa transformação produtiva com a perspectiva de
Ploeg (1990) em relação ao processo descrito como de externalização onde uma parte das
tarefas executadas pela unidade produtiva é remetida às instituições externas. Com a
transformação no processo produtivo os agricultores familiares de Coronel Freitas estão
deixando de plantar produtos que no passado garantiam sua autonomia enquanto
produtores de mercadorias e passam a estar crescentemente dependente da sua aquisição
fornecida na forma de ração pelas empresas integradoras, por exemplo. Essa transformação
também imprime à economia local e regional uma dinâmica exógena de desenvolvimento
uma vez que esse insumo passa a não mais ser produzido na região.
[...] quando a gente criava suíno sempre plantava milho... colhia 400 a 500 sacos
de milho. Colhia mais uns 30 a 40 sacos de soja. Não vendia nada. Usava tudo
para alimentar os suínos. No meio da roça de milho a gente plantava mandioca,
batata doce, abóbora. Também plantava um pouco de alfafa... isso dava para ter
umas seis ou sete criadeiras [matrizes de suíno] sem precisar comprar ração.
comprava o sal. Assim a gente ganhava dinheiro. Depois eles [pessoal técnico
das agroindústrias] começaram a dizer que não era mais para tratar mandioca
para os porcos porque produzia muita gordura na carcaça. Que isso, que aquilo.
tivemos que começar a comprar ração e concentrado. O lucro já foi pra
baixo. Naquelas crises da suinocultura a gente pagava para produzir. Tirava
dinheiro de outras atividades e colocava tudo ali dentro do chiqueiro. Depois eles
[agroindústria] queriam que a gente fizesse outro chiqueiro maior... para
aumentar a produção, isso e aquilo. A mulher se aposentou, logo em seguida eu
também. O Eugênio [filho] disse que não queria ficar enfiado o dia inteiro dentro
de um chiqueirão. Resolvemos parar com tudo, nos nem tínhamos dinheiro
mesmo para investir. Então agora eu te pergunto: você acha que alguém vai
continuar plantando milho para vender 300 ou 400 sacos? Só plantamos um
pouquinho para tratar as vacas. Todo mundo faz assim. (Entrevista 44,
novembro de 2007).
Pode-se inferir, a partir da declaração do entrevistado que a agricultura familiar do
Oeste de Santa Catarina, à medida que se insere na dinâmica agroindustrial vai, de certa
forma, erodindo a diversidade de atividades que faziam parte da práxis do agricultor. Isso
confirma o que assevera Ploeg (1992b), segundo o qual, o processo de modernização da
agricultura, implícito na dinâmica agroindustrial, contribui para a perda da autonomia das
práticas locais da agricultura provocando uma desconexão entre os processos de produção
agrícola com a terra, a natureza e a ecologia; uma crescente externalização das tarefas e
158
processos; uma desvalorização do trabalho manual; uma mudança continua no processo de
trabalho; a crescente da separação entre os processos de produção agrícola e as
especificidades dos produtos finais. Isso levou ao crescimento do processo de
homogeneização das práticas agrícolas. Todavia, como veremos no capítulo cinco,
espaço para construir formas diferentes de agricultura que podem ser resgatadas a partir do
repertório cultural e da herança histórica e das habilidades dos agricultores para criar
espaço de manobra a agir coletivamente.
Os dados apresentados na TAB. 15 mostram, a partir das informações dos censos
agropecuários do IBGE e do LAC, o percentual de estabelecimentos que cultiva as
principais lavouras plantadas no município de Coronel Freitas, desde o Censo
Agropecuário de 1975 até o LAC de 2002. Acredita-se que, em grande medida, os dados
de Coronel Freitas refletem o que vem acontecendo em toda a região. Percebe-se que ao
longo dos últimos 40 anos a agricultura do município diminuiu consideravelmente a
diversificação das atividades produtivas, as quais proporcionavam um efeito sinérgico no
uso da base dos recursos e conferiam vantagens comparativas em relação à agricultura
especializada.
Analisando-se os dados apresentados na TAB. 15 percebe-se que ao longo dos
últimos anos praticamente desapareceu o cultivo de uma gama de produtos voltados ao
autoconsumo e à segurança alimentar ou que entravam como importantes componentes em
outros sistemas produtivos. Os dados também revelam, por exemplo, que o cultivo do
arroz, que estava presente em um terço dos estabelecimentos de Coronel Freitas até 1985,
simplesmente desaparece do campo. O mesmo pode ser dito do feijão e do trigo que se
constituía em um importante cultivo comercial e também atendia as necessidades de
consumo da família.
Pode-se verificar pelos dados apresentados na TAB. 15 que a diminuição de cultivo
não ocorre apenas naqueles destinados ao autoconsumo (arroz, batata doce, batata inglesa,
cebola, trigo, etc.) ou a comercialização ou à alimentação animal (milho, soja, trigo,
mandioca, feijão, etc.). Na realidade parece que os agricultores familiares do Oeste de
Santa Catarina estão deixando de cultivar lavoura. Até mesmo o milho que estava presente
em praticamente todas as unidades produtivas, atualmente 20% delas não produz mais.
Uma das únicas lavouras que aumentou a área plantada foi a produção integrada de fumo
que estava presente 4,4% dos estabelecimentos em 1975 e, segundo os dados do LAC, em
2002 já estava presente em quase um quarto dos estabelecimentos (23,4%).
159
Tabela 15 Principais lavouras e percentual de estabelecimentos que as cultivaram
no município de Coronel Freitas.
Lavoura 1975 1985 1995 2002
Arroz 32,8
35,6
- -
Batata doce 12,7
0,1
0,5
-
Batata inglesa 5,7
9,0
0,1
-
Cana-de-açúcar 1,1
22,7
13,8
-
Cebola 3,2
1,6
0,2
-
Feijão da safra 92,3
93,5
72,2
8,1
Feijão safrinha - 75,6
56,5
5,5
Fumo 4,4
2,7
17,8
23,4
Mandioca 10,8
16,3
12,4
-
Milho 98,8
95,3
90,5
78,8
Soja 60,7
50,4
13,2
6,1
Trigo 10,2
7,7
0,1
-
Fonte: Censos Agropecuários do IBGE 1975, 1985, 1995-96 e LAC 2002-2003. Elaboração do autor.
A diminuição da área cultivada com lavouras parece ser um dos motivos que
durante nossa pesquisa foi muito comum ouvir dos agricultores “o meio rural vai virar
mato... vai virar um deserto”. Quando os entrevistados afirmam que o meio rural “vai virar
um deserto” estavam se referindo ao deserto humano causado pelo despovoamento de
muitas comunidades.
Não vai ser fácil você achar aqui na comunidade alguém que plante um
quilograma de feijão ou de arroz... eu não lembro a última vez que plantei feijão.
Coisas de verdura... de horta... o pessoal até planta um pouquinho. Para ter uma
idéia, há uns dez anos atrás o pessoal plantava trigo e produzia sua própria
farinha. Hoje alguns plantam um tipo de trigo para usar a palha na fabricação
de chapéu (Entrevista nº 12, outubro de 2007).
Os dados apresentados mostram que ao longo do processo de modernização da
agricultura observou-se uma forte tendência à especialização da produção. Assim, dessa
forma, a estratégia de maximização dos cultivos e criação, visando tanto o auto-
abastecimento quanto a comercialização, aos poucos vai sendo solapada. A diversificação
da produção da agricultura familiar, tanto em termos geográficos, ecológicos e comerciais
consistia-se em uma característica fundamental para a estabilidade da maior parte das
unidades familiares da região Oeste de Santa Catarina. Tratava-se de um importante
160
mecanismo utilizado pelos agricultores para a redução dos riscos climáticos e comerciais
além de ser uma forma de utilizar adequadamente os recursos da propriedade (terra, mão
de obra familiar, máquinas e instalações). Segundo Ploeg (2008, p. 135) o que diferencia o
modo camponês de fazer agricultura do modo empresarial é o grau de especialização que é
significativamente mais alto neste último. O estudo de Lovisolo (1989), por exemplo,
compara as unidades familiares que acumulam capital com aquelas aparentemente imunes
à dinâmica da acumulação. A conclusão do autor é que tanto em uma unidade quanto em
outra a não-diversificação produtiva aparece como uma característica negativa para o
funcionamento e reprodução das unidades.
Claro que a diversificação ou especialização da unidade familiar é multicausal e
vai ser determinada por fatores externos e internos. Vai depender, por exemplo, da
possibilidade de acesso ao mercado, da relação de preços, dos riscos envolvidos, entre
outros. Internamente vai depender da disponibilidade de mão-de-obra e do ciclo
demográfico da família, por exemplo. A especialização produtiva permite maiores ganhos
em escala enquanto a diversificação está muito mais relacionada com as economias de
escopo. Considerando que grande parte das unidades familiares do Oeste de Santa Catarina
tem baixa disponibilidade de terra, ganhos em escala dependem de mudanças profundas na
base técnica, mas que a maior parte dos agricultores entrevistados demonstrou não estar
disposta a realizar.
4.2.3. Acesso ao mercado: mercantilização e externalização
Desde a Colonização do Oeste de Santa Catarina que os agricultores buscam se
inserir no mercado. Isso se deve, em primeiro lugar, porque os colonos que migram para a
região já desenvolviam uma agricultura relativamente mercantilizada. Em segundo lugar, a
exemplo do que aconteceu com os colonos migrantes do Rio Grande do Sul que se
instalaram com uma “divida colonial” (TAVARES dos SANTOS, 1984, p. 18), também os
colonos que migram para o Oeste de Santa Catarina logo são obrigados a se inserir no
mundo das mercadorias para pagar a divida da compra da terra.
No município de Coronel Freitas não foi muito diferente do que aconteceu no Oeste
de Santa Catarina, para obter os primeiros recursos muitos agricultores realizavam trabalho
não-agrícola em madeireira, na construção civil, em oficinas e ferrarias. “[...] casei no
161
sábado e na segunda feira vim do Rio Grande do Sul para cá. [...] para pagar essa terra
aqui eu trabalhava por dia na madeireira que tinha ali na Cordilheira Alta. Muita gente
fazia assim. Depois comecei a plantar milho e criar porco” (Entrevista nº, outubro de
2007).
No capítulo dois discutiu-se que a suinocultura rapidamente foi se estabelecendo
em quase todas as unidades familiares da região Oeste de Santa Catarina e passou a ser
uma atividade mercantil por excelência, em torno da qual, outras passaram a fazer parte de
um sistema diversificado de produção. Desta forma a suinocultura se traduz em uma
alternativa a baixa disponibilidade de terra, pois ela permitia melhor utilizar os recursos
disponíveis na unidade produtiva e agregar valor à produção primária.
A partir dos anos 1970 a avicultura integrada começa a ser incentivada pelas
agroindústrias da região que contam com o apoio decisivo do governo estadual na
concessão de fundos subsidiados voltados a estruturação das agroindústrias (GIESE, 1991).
Dessa forma, uma parte dos agricultores familiares de Coronel Freitas e da região Oeste de
Santa Catarina passam a ter mais uma opção de produção e acesso ao mercado. Todavia,
ao contrário da suinocultura, a avicultura nasceu concentrada e se estabeleceu naquelas
unidades melhor estruturadas e próximas das plantas industriais. Tendo em vista a
proximidade dos frigoríficos no município de Coronel Freitas concentrou-se um número
muito grande de produtores de suínos e aves. Os dados do LAC 2002/2003 dão conta da
existência de 285 estabelecimentos agropecuários em Coronel Freitas e que tem a presença
da avicultura industrial. Isso representa em torno de 25% dos estabelecimentos do
município. A mesma fonte também informa que atualmente 153 estabelecimentos
agropecuários que produzem comercialmente suínos em Coronel Freitas. Também existem
outros agricultores que produzem suínos, mas em pequena escala e que não estão inseridos
no ciclo comercial das grandes integrações.
Portanto, até meados dos anos 1980 a suinocultura estava presente na maior parte
das unidades familiares do Oeste de Santa Catarina cuja escala de produção variava de três
a sete matrizes e dependia dos recursos que cada propriedade dispunha, sobretudo, a terra e
a mão-de-obra. A partir dos anos 1990 as agroindústrias buscam aumentar a escala de
produção das propriedades e promover uma especialização produtiva da atividade. A
concentração da produção e a redução no número de produtores de suínos, por um lado
converge a renda para poucos estabelecimentos e, por outro, causa problemas de poluição
da água e do solo uma vez que a produção de dejetos acaba sendo muito superior a
162
capacidade que a propriedades rurais, que aumentar a escala, têm para reciclá-lo. casos
em que muitas dessas propriedades que aumentaram a escala de produção dos suínos
sequer dispõem de área de lavoura para reciclar os desejos produzidos. No início dos anos
1990 as agroindústrias implantam um sistema ainda mais especializado, realizando maior
divisão de trabalho e separando em distintas fases a produção de leitão e a engorda onde
cada propriedade cria no mínimo 300 suínos por lote. Nesse sistema toda a ração utilizada
é adquirida da agroindústria, desaparecendo completamente a relação que havia entre o
tamanho do plantel e a capacidade da propriedade em produzir os produtos necessários
para alimentar os animais.
Acredita-se que atualmente grande parte dos agricultores do Oeste de Santa
Catarina que cria aves e suínos no sistema de integração agroindustrial se insere no modo
empresarial de fazer agricultura. Caracteriza-se por ter no incremento da escala a trajetória
dominante e a intensificação é obtida com o uso de tecnologias e recursos externos. Dessa
forma, o processo baseado no trabalho gradativamente vai sendo substituído por outro
baseado na tecnologia. Na realidade trata-se de uma externalização, onde um crescente
número de tarefas são separadas do processo de trabalho agrícola e realizadas por
organismos externos. Esse é o caso, por exemplo, da ração dos suínos que deixa de ser
produzida na propriedade e passa a ser fornecida integralmente pela agroindústria
integradora. No sistema da avicultura industrial praticamente todos os insumos utilizados
na produção eram obtidos externamente. Todavia, o trabalho de carregamento dos frangos,
por exemplo, que antes era realizado pelos membros da família e pela troca ou compra de
dias de trabalho com a vizinhança, atualmente passa a ser realizado por empresas
prestadoras de serviços.
Ploeg (1992a) afirma que a mercantilização se pela chamada externalização dos
elementos que entram no processo de produção. Externalização é o número crescente de
tarefas que são separadas dos processos de trabalho agrícola e são realizadas a partir de
organismos externos. A externalização, segundo Ploeg (1992a), faz com que as tarefas que
antes eram organizadas e coordenadas pelo agricultor passem a ser coordenadas pelo
intercâmbio mercantil e por meio do sistema recém estabelecido das formas técnico
administrativas. Ou seja, o agricultor deixa de executar determinadas fases do processo
produtivo sendo substituído por outros atores com os quais passa a interagir de forma
crescente. Na medida em que aumenta o processo de externalização das tarefas, os próprios
objetos de trabalho, instrumentos e, progressivamente, o trabalho entram no processo de
163
produção na qualidade de mercadorias, assumindo ao mesmo tempo valor de uso e valor de
troca.
Como efeito da artificialização do processo produtivo, o modo empresarial de fazer
agricultura se caracteriza pelo elevado grau de externalização o qual pode ser percebido na
elevação do consumo intermediário e na crescente dependência aos insumos industriais.
Nesse processo, as várias sub-tarefas que compõem um determinado processo de produção
e de trabalho são transferidas para instituições externas (PLOEG, 2008, p. 135). Dessa
forma o agricultor, cada vez mais, somente fornece uma parte da mão-de-obra.
Além da crescente externalizacão, atualmente as empresas estão exigindo uma série
de reformas e melhorias nos aviários para adequá-los aos novos padrões produtivos e
sanitários. Por conta disso muitos agricultores estão desativando seus aviários, pois alegam
que os custos para fazer essas reformas são incompatíveis com o rendimento da atividade.
Um levantamento realizado em agosto de 2007 pela Secretaria de Agricultura da Prefeitura
Municipal de Coronel Freitas conta que existem no município 38 aviários que foram
recentemente desativados. Segundo esse levantamento os agricultores preferiram desativar
a estrutura produtiva e deixar de produzir, pois entendem que o investimento não
compensará a futura renda a ser auferida.
Eu estava recebendo em média dois mil reais por lote. Eles exigiam um monte de
reformas no aviário. Isso me custaria 30 mil reais. Como poderia fazer um
investimento desses se estava pagando para trabalhar na atividade? Eu poderia
fazer um financiamento para isso. O banco tem dinheiro para financiar... mas ai
eu vou ficar trabalhando para eles até quando? Preferi parar. (Entrevista nº16,
outubro de 2007).
Eu ganhava um mil e oitocentos reais por lote... ainda tinha que pagar a luz, a
maravalha, os medicamentos e tudo mais. Eu penso assim: se eu tiver que
investir 40 mil reais para reformar o aviário serei obrigado a trabalhar mais dez
anos para eles para conseguir tirar essa despesa. Você acha que vale a pena
continuar? (Entrevista nº 34 dezembro de 2007).
Os exemplos citados acima, também acontecem de forma semelhante em outras
atividades que estão inseridas no regime sócio-técnico da modernização como é o caso, por
exemplo, da suinocultura ou das lavouras como a de fumo, de soja ou de milho. Eles são a
expressão da mercantilização. Em todos os lugares, segundo Ploeg (2008) a agricultura
está sendo submetida a um duplo aperto (squeeze) que confronta os agricultores a uma
pressão na sua renda.
164
Em primeiro lugar o “aperto” externo que vem sendo intensificado pelo
“Império” através da manutenção de mecanismos que mantém baixo os níveis de preço
pago aos produtos agrícolas e que pressiona a renda agrícola. A resposta a esse fenômeno é
o aumento de escala à custa da concentração de renda e do deslocamento de grande
número de pequenos produtores, como foi o caso da suinocultura no Oeste de Santa
Catarina. Na maioria das vezes esse aumento de escala é possível utilizando-se de
subvenções e/ou da apropriação do valor gerado por outros segmentos dos agricultores.
Um exemplo disso é o estabelecimento de preços em patamares desproporcionalmente
mais baixo para os agricultores que vendem menor volume de leite. Trata-se de uma forma
perversa de retirar renda daqueles que produzem em menor escala para “premiar” quem
adere à trajetória tecnológica do modelo cio técnico vigente. Esse mecanismo de
estabelecimento de preço promoveu, por exemplo, a reação de uma parte dos agricultores
familiares do Oeste de Santa Catarina que se organizaram coletivamente e constituíram
cooperativas de comercialização de leite (Esse assunto será discutido no próximo capítulo).
O segundo aperto (squeeze), conforme Ploeg (2008) é interno ao estabelecimento
agrícola e se deve ao aumento dos níveis de custos na agricultura sem que haja um
correspondente e proporcional incremento na renda. No caso do Oeste de Santa Catarina o
que se observa é que a mercantilização está associada ao que foi definido como
externalização e, portanto, dependente de atores e recursos externos, que imprime à
agricultura e à economia regional uma dinâmica de desenvolvimento assentada em
recursos exógenos. Desse modo, o aumento na escala normalmente é obtido com o
crescimento nos níveis de custos o que promove um estreitamento nas margens de
apropriação. Os dados apresentados na TAB. 16 revelam o que os agricultores
entrevistados consideram como os principais problemas para produzir e obter renda. Quase
a metade (45,8%) dos entrevistados considera os altos custos de produção como o principal
problema enfrentado na obtenção de renda, o que confirma a forte dependência da
agricultura familiar de Coronel Freitas a fatores produtivos externos. O segundo item
considerado mais importante, a falta de mão-de-obra também revela duas importantes
características. A produção está sendo intensificada além da capacidade da base de
recursos ou então que houve uma forte migração dos componentes do núcleo familiar.
Tabela 16 – Qual o principal problema enfrentado para produzir e obter renda
Motivos Freqüência Porcentagem
165
Altos custos de produção 38 45,8
Falta de mão-de-obra 17 20,5
Falta de terra 10 12,0
Legislação ambiental e exigência das agroindústrias 9 10,8
Falta de água 7 8,4
Sentem-se muito velhos 2 2,4
Total 83 100
Fonte: Pesquisa de campo, 2007.
O alargamento na escala e a intensificação na produção para além da base de
recursos auto-controlados e da co-produção administrada pelos próprios agricultores
também trás reflexos negativos para a região. A elevação do consumo intermediário de
insumos, provenientes de indústrias localizadas para fora do território, em geral carreia da
região mais recursos do que o incremento que pode ser produzido. Nessas condições o
aumento de escala e a artificialização também eleva os níveis de custos na agricultura. Os
dados apresentados na TAB. 17, por exemplo, mostram o crescimento nas despesas médias
nos estabelecimentos agropecuários do município de Coronel Freitas entre os anos de 1975
e 1995.
Tabela 17 Receita e despesa média dos estabelecimentos agropecuários de Coronel
Freitas nos anos de 1975, 1985 e 1995-96 (em milhões de reais).
Receita e despesa por estabelecimento agropecuário 1975 1985 1995
Receita média 22, 45 33,85 24,41
Despesa média 8, 97 14,66 20,17
Receita liquida 13,48 19,19 4,24
Relação receita/despesa (%) 40,0 43,3 82,6
Margem liquida (%) 60,0 56,7 17,4
Fonte: Censos Agropecuários do IBGE 1975, 1985, 1995-96. Valores corrigidos IGP-DI, para dezembro de
2008. Elaboração do autor.
Assim, observa-se uma forte tendência de queda na margem de apropriação da
renda, que era de 60% em 1975 e caiu para 17,4% em 1995. A queda na margem de
apropriação da renda deve-se basicamente ao aumento das despesas, que é resultado da
crescente mercantilização que se observa na agricultura do Oeste de Santa Catarina e, em
grande medida, é responsável pela crise que se verifica na agricultura da região.
Uma recente reportagem publicada em um jornal de circulação estadual ilustra esse
duplo “aperto” sobre a agricultura. A reportagem entrevistou um agricultor que
tradicionalmente produz suínos no município de Coronel Freitas e que em 2007 investiu
200 mil reais na melhoria das instalações. O agricultor, diz que não está tendo retorno com
a atividade, pois mesmo tendo uma propriedade que é considera “modelo”, o custo de
166
produção é quase 20% superior ao preço que recebe. “ainda bem que tínhamos uma
reserva, senão a coisa estava feia”, disse o agricultor para a reportagem. Nota-se que
mesmo o agricultor reconhecendo que esse sistema tem levado para uma situações
insustentável o agricultor continua apostando e investindo no modelo. Para as condições da
Europa, Ploeg (2006, p. 267) constatou situação semelhante. O autor observa que
ironicamente aqueles agricultores que com freqüência foram rotulados como sendo os
“mais eficientes” agora emergem como os menos capazes para se adaptar as mudanças nas
condições de mercado.
Todavia, a trajetória que apresentamos aqui não representa algo inexorável, mesmo
em um ambiente adverso os agricultores são capazes de construir espaços de manobra e
criar estratégias que permitam reduzir o nível de externalização e aumentar a base de
recursos endógenos. Na realidade existem muitas formas de mercantilização da agricultura
as quais resultam em distintos “estilos de agricultura”. Um exemplo de estilo de
agricultura que Ploeg (2000) denomina de agricultura econômica (farming economically)
surgiu nos últimos dez anos na atividade leiteira da região, quando os agricultores fizeram
ajustes nas suas estratégias de produção a partir de mudanças técnicas geradas
internamente ao sistema de produção, em um processo de reconfiguração e saída da
dependência externa e criação de espaços de autonomia. Dessa forma os agricultores
familiares potencializaram sua competitividade na produção e transformação do leite,
adotando um sistema mais autônomo e de maior sinergia, ao combinar recursos da
propriedade e interação produtiva em um sistema complexo que combina atividades,
complementaridade de produtos e insumos e integral aproveitamento do trabalho familiar.
Na TAB. 18 observa-se uma tendência de diminuição da área média cultivada com
lavouras temporárias no município de Coronel Freitas, que cedem espaço para o cultivo de
áreas com pastagem. Essa tendência, que se observa em toda a região, pode ser explicada
pela forte diminuição do sistema produtivo baseado na suinocultura e no cultivo de
lavouras como milho, soja, mandioca, etc. cuja produção era utilizada na alimentação dos
suínos. Os dados da TAB. 18 mostram o aumento gradativo das pastagens que passam a
ser utilizadas no incremento da produção de leite e o seu direcionamento para o mercado.
Percebe-se que entre 1975 e 2002 houve uma redução média de 2,8 hectares nas áreas
destinadas às lavouras temporárias e um incremento médio de 2,9 hectares nas áreas
cultivadas com pastagem temporárias. Os dados também evidenciam que o incremento da
167
produção de leite, em grande medida, aconteceu a partir da produção baseada nos recursos
internos da propriedade.
Tabela 18 – Evolução da área média cultivada com lavouras temporárias e com
pastagem em Coronel Freitas
Ano
Lavouras
temporárias (ha)
Pastagem
permanente (ha)
Pastagem
temporária (ha)
Área total de
pastagens (ha)
1975 8,5
2,6 3,1
5,7
1985 8,4
3,1 3,6
6,6
1995 6,9
6,0 7,0
13,0
2002 5,7
8,3 6,0
14,3
Fonte: Censo Agropecuário do IBGE e LAC 2002.
Além de melhor aproveitar os recursos internos das unidades familiares o
direcionamento do leite para a produção comercial também tem para os agricultores
familiares uma importância primordial que é o equilíbrio de “caixa” representado pela
renda mensal que o leite proporciona. O que distingue a agricultura como um dos seus
mais importantes traços é a unidade entre o negócio e a família. Segundo Chayanov
(1974), essa é uma das características das unidades produtivas que se sustentam sobre o
trabalho familiar e cujo resultado econômico se destina às necessidades básicas da família.
Atualmente essas necessidades são crescentes e apresentam um fluxo continuo. Essa é uma
das razões que faz com que a produção comercial de leite esteja presente na quase
totalidade das unidades familiares de produção do Oeste de Santa Catarina. “todo o mês
tem conta pra pagar... é a luz, é o telefone, a gasolina... tem uma festinha, são umas
comprinhas no supermercado, até água agora a gente paga... isso é um custo fixo. É
despesa que tem todo o mês. Não fosse o leite não sei como a gente iria se arrumar”. Por
isso, é possível afirmar que atualmente nenhuma outra atividade comercial é mais
importante para a agricultura familiar que o leite. Nesta pesquisa constatou-se que em 95%
das unidades familiares pesquisadas em Coronel Freitas o leite representa uma atividade
comercial cuja renda bruta média mensal constatada entre os entrevistados foi de R$
920,00 (valor próximo a dois salários mínimo).
No Oeste de Santa Catarina a produção de leite era praticada desde a
colonização pelos agricultores familiar e visava, em primeiro lugar, o consumo familiar.
Fatores como a forte concentração na suinocultura, levaram um grande contingente de
168
agricultores a buscar novas opções de renda no final dos anos 1980, com a maioria optando
pela produção de leite, que não exige grandes investimentos para convertê-la em
atividade comercial e que possibilita sua expansão de forma escalonada, permitindo assim
a inserção de um grande número de agricultores ao mercado.
Como procuramos demonstrar até aqui os próprios agricultores são capazes de
construir “espaços de manobra” mesmo em ambientes desfavoráveis. A conversão e o
direcionamento da atividade leiteira da produção destinada ao consumo familiar para o
ciclo comercial é um claro exemplo disso. Ao abandonar a suinocultura como uma
atividade comercial, os agricultores de forma geral se voltam à produção de leite buscando
construir estratégias que reduzam o vel de externalização e aumentem a base de recursos
endógenos. Evidentemente que também tem um grupo de agricultores que produz leite se
orientando pela trajetória da especialização e intensificação preconizada pelo regime sócio-
técnico dominante. Deve-se salientar, no entanto, que isso não significa que os agricultores
familiares prescindam de apoios e política que favoreçam suas estratégias. Estamos
tentando demonstrar a maleabilidade que tem essa forma de produção e trabalho para se
moldar e se integrar plenamente à estrutura de mercado e ao ambiente social e econômico
capitalista, transformando não só sua base técnica, mas o círculo social em que ser
reproduzem (ABRAMOVAY, 1992, p. 127). Isso é congruente com a orientação teórica
da Perspectiva Orientada ao Ator que procura explicar as distintas adaptações ou respostas
dos atores sociais, os quais são capazes de formular decisões inovando e experimentando
novas formas de comportamento.
4.3. Agricultura familiar em transformação
A agricultura familiar é uma forma de produção que apresenta três componentes
fundamentais relacionados com a própria família e que estão sempre presentes: o trabalho,
a gestão do negócio e a propriedade. Apesar disso, ao longo do tempo a agricultura
familiar do Oeste de Santa Catarina foi se transformando em função da sua inserção na
sociedade capitalista. O processo de mercantilização transforma o modo de vida colonial,
onde os colonos se metamorfoseiam em agricultores familiares (PLEIN, 2003). Essas
transformações referem-se essencialmente à sua reprodução, que fica cada vez mais
dependente das relações de mercado. Embora essa transformação não elimine a base
169
familiar sobre as quais se assenta, ela promove alterações nas formas de sociabilidade, nas
relações de parentesco e na dinâmica familiar.
Os colonos que migraram à região fizeram com o claro objetivo de ter acesso a
terra e assegurá-la aos seus filhos possibilitando, assim, a reprodução econômica e social
da unidade familiar (SILVESTRO, 1995). Uma vez estabelecidos em um determinado
lugar, esses agricultores familiares não desejam mais se mudar. Pelo contrário, eles lançam
mão de todas as estratégias para poder permanecer no mesmo espaço onde organizam a sua
propriedade e estabelecem a família. A TAB. 19 mostra o tempo que a família entrevistada
vive no mesmo estabelecimento. Uma análise nos dados permite deduzir que 53% das
famílias entrevistadas vivem no estabelecimento agropecuário mais de 50 anos. Durante
a pesquisa pode-se constatar que 42% dos agricultores entrevistados vivem na mesma
propriedade desde que nasceram. Na realidade não foi raro encontrar casos onde três
gerações conviviam na “unidade indissolúvel de geração de renda” (CHAYANOV, 1974).
No entanto, não é mais tão comum encontrar famílias onde todos seus membros
permanecem vivendo na unidade doméstica. Dependo do estágio do ciclo de vida da
família, alguns dos seus componentes adotam a migração como uma das estratégias para
enfrentar a situações de crise e manter intacto o patrimônio familiar representado pela
terra, cuja divisão é um sinal inequívoco de enfraquecimento da unidade familiar.
Tabela 19 – Tempo que a família vive na propriedade.
Tempo Número famílias
Porcentagem
% acumulada
Menos de 10 anos 9 10,8 10,8
Mais de 10 e menos de 20 anos 13 15,7 26,5
Mais de 20 e menos de 30 17 20,5 47,0
Mais de 30 e menos de 40 anos 11 13,3 60,3
Mais de 40 e menos de 50 anos 21 25,3 85,4
Mais de 50 anos 12 14,4 14,5
Total 83 100,0 100,0
Fonte: Censo do IBGE (1980; 1991 E 2000).
Elaboração: do autor.
Os dados apresentados na TAB. 20 mostram que 61,4% das famílias entrevistadas
em Coronel Freitas são compostas por quatro pessoas, em geral, o casal de cônjuge e um
ou no máximo dois filhos ou filhas. No caso das famílias mais jovens, pode-se inferir pelos
dados que ao contrário do que acontecia até bem pouco tempo, o tamanho padrão das
famílias rurais não difere muito das famílias urbanas. No caso das famílias constituídas
há mais tempo, os dados podem estar indicando que houve uma forte migração da prole.
170
Os dados da pesquisa revelaram uma mobilidade fundiária relativamente baixa já
que pouco menos de 10% dos entrevistados vendeu a terra em que vivia para comprar a
que vivem atualmente. Quase um terço dos agricultores entrevistados foram sucessores do
estabelecimento familiar e moram na propriedade que foi de seus pais. Outros 23% são
agricultores que estão vivendo no mesmo estabelecimento desde que casaram. A maior
parte deles são agricultores que casaram na década de 1960/70 quando ainda havia certa
disponibilidade de terra para venda e a unidade familiar, segundo Abramovay et al. (1998),
cumpria um duplo objetivo, preservar o patrimônio fundiário e garantir a instalação dos
outros membros na própria região ou em um processo migratório rumo ao norte.
Tabela 20 – Pessoas residentes por estabelecimento
Número de pessoas Freqüência Porcentagem
1 a 4 51 61,4
5 a 6 28 33,7
7 a 9 4 4,8
Total 83 100
Fonte: Pesquisa de Campo 2007
A situação de crise na agricultura do Oeste catarinense pode estar se refletindo nas
aspirações que os pais almejam e insinuam para os seus filhos e filhas e, assim,
contribuindo para que, desde cedo os filhos, sobretudo as filhas, comecem a construir seu
futuro voltado para o meio urbano. Conforme foi observado por Silvestro et al. (2001), em
muitos casos os próprios pais estimulam, de forma explícita ou velada à saída das filhas
rumo a construção de uma vida profissional fora da agricultura. O excerto da manifestação
de uma entrevistada ilustra bem aquilo que com freqüência ouvimos das mães que
entrevistamos durante a pesquisa. “Sempre digo para minha filha que ela estude e não
trabalhe na roça. A vida da gente é muito sofrida, então não quero isso para ela. Não quero
que ela sofra como eu sofri”. (Entrevista 9, outubro de 2007). Os pais também se
manifestaram de forma semelhante: “[...] eu gostaria de dar uma faculdade para minha
filha. Porque a filha é mais fácil que saia de casa. Tendo estudo ela se defende. Quero que
ela arrume uma forma de ganhar a vida longe da agricultura”. (Entrevista 5, outubro de
2007). Champagne (1986) coloca em relevo que para um agricultor reproduzir-se como tal
é necessário que ele julgue que sua vida de agricultor ainda mereça ser vivida e que seus
filhos acreditem nisso.
171
Esta pesquisa constatou que em Coronel Freitas um significativo número de
unidades sem a presença de sucessores, o que pode ser resultado da crise provocada pelo
squeeze na agricultura. Analisando-se os dados apresentados na TAB. 21 percebe-se que
em 22% das unidades não a presença de filhos ou filhas, o que pode ser um indicativo
de que essas unidades familiares que não contam com a presença de um filho ou filha
terão dificuldades no processo sucessório. Outra informação importante, também
identificada em outros trabalhos (SILVESTRO et al., 2001), é o desinteresse das moças
pela agricultura e o abandono do espaço rural, fazendo emergir a figura do celibatário
masculino (MELLO, 2006). Os dados da pesquisa mostram que em 51,2% das unidades
familiares pesquisadas não existe a presença das filhas. Acredita-se que em grande parte
dessas unidades familiares as moças já migraram.
Tabela 21 Presença de filhos e filhas nas unidades familiares de Coronel Freitas
(em percentual)
FILHAS
F
Nenhuma filha Uma filha
Duas filhas Três filhas Total
I
Nenhum filho 22,0 14,6 3,7 0,0
40,3
L
Um filho 20,7 20,7 4,9 1,2
47,5
H
Dois filhos 6,1 2,4 0,0 0,0
8,5
O
Três filhos 2,4 1,2 0,0 0,0
3,6
S Total 51,2 39,0 8,6 1,2 100
Fonte: Pesquisa de Campo 2007
Cabe ressaltar, entretanto, que a recusa dos jovens em continuar exercendo a
mesma profissão dos pais é mais intensa nos estratos de menor idade, não se reproduzindo
entre os filhos das gerações mais recentes a “pressão moral” de permanecer na agricultura,
como Abramovay et al. (1998) constataram nas gerações anteriores. Nesta pesquisa, 52%
dos pais disseram que desejavam que algum filho permanecesse como sucessor da
propriedade. No entanto, afirmaram que em situações em que o casal apresenta boas
condições de saúde os filhos não têm mais obrigação de ficar, como tinham no passado,
porque agora os pais dispunham de aposentadoria que certa segurança material. Nas
entrevistas em que os filhos/filhas estavam presentes manifestaram-se que embora
reconheçam a obrigação dos filhos cuidarem dos pais na velhice, isso não significa que
devem permanecer na propriedade, como acontecia no passado.
172
A realidade da agricultura e do espaço rural identificada na pesquisa realizada em
Coronel Freitas, em grande medida, representa a situação que também se observa em toda
a região Oeste catarinense. A dinâmica agroindustrial caracterizada pela intensificação,
economia de escala e pelo uso intensivo de fatores exógenos oferece insuficientes
oportunidades de trabalho e de renda e é uma fonte de danos ecológicos. Isso, em parte,
explica a falta de interesse dos jovens pela agricultura e o desejo de permanecer como
sucessores do estabelecimento paterno. O êxodo massivo dos jovens do meio rural, até
mesmo daqueles que desejavam e poderiam ficar, coloca em risco a continuidade de muitas
unidades e a dinamização do espaço rural e de toda a região. Na realidade a migração, na
proporção verificada, não coloca em risco apenas a reprodução social e econômica
daquelas unidades que vêem seus componentes partirem. O despovoamento de algumas
comunidades, como já é possível observar, também coloca em risco a permanência dos que
ainda continuam no meio rural, uma vez que também enfraquece o tecido social e as redes
de relações.
No entanto, os agricultores familiares da região conjuntamente com seus
representantes e alguns mediadores buscam dar respostas para a crise promovida pela
dinâmica agroindustrial. No próximo capítulo discutiremos a produção de três distintas
novidades que implicam em mudança de rota e que podem levar a uma dinâmica de
desenvolvimento rural. A produção dessas novidades representa um esforço coletivo dos
agricultores familiares para superar a crise agrícola presente na região e construir
mecanismos que garantam a expansão da autonomia.
173
5 SEMENTES DA TRANSIÇÃO: A PRODUÇÃO DE NOVIDADES E O
DESENVOLVIMENTO RURAL
Ao longo desta tese discutiu-se que, implícita ou explicitamente, grande parte das
análises produzidas no final da década de 1990 apontava para um desolador dilema
relacionado com o avanço da agricultura modernizada sobre as unidades familiares.
Indicavam, por um lado, que as unidades que ficaram de fora do modelo de integração
junto às grandes agroindústrias tinham como destino a diferenciação social e o
desaparecimento. Por outro lado, as unidades familiares que conseguiram se integrar
totalmente, também não tinham melhor sorte, pois estavam subordinadas ao jugo das
agroindústrias e ao crescente endividamento para se manterem na atividade.
Esse quadro realmente se caracteriza como uma crise. Os trabalhos que a
identificam, mostram com riqueza de dados uma desarticulação nos eixos que unem a
agricultura com a natureza, a sociedade e os atores nela envolvidos. Assim, por exemplo, a
reestruturação do processo produtivo da suinocultura e que excluiu expressivo número de
agricultores da atividade que até então era considerada como a âncora de sustentação
econômica da agricultura familiar, representa, sim, uma crise. Da mesma forma, também
se constitui em uma crise agroambiental a destruição sistemática do ecossistema local e a
poluição do solo e da água com dejetos de suínos, produzidos além da capacidade de
reciclagem, tendo em vista a concentração geográfica que a reestruturação imprimiu à
atividade. Trata-se, portanto, de uma crise com característica multifacetada, que resulta da
ascensão do Império”, cuja forma de produção e organização implica na destruição do
capital ecológico, social e cultural (PLOEG, 2008).
No capítulo anterior foram discutidas algumas características da agricultura e do
espaço rural do município de Coronel Freitas. Os dados mostraram que se trata de um local
fortemente marcado pelo processo de modernização da agricultura e pela mercantilização,
onde a dinâmica agroindustrial reina quase que absoluta. O forte processo de modernização
operou uma transformação da base técnica e a especialização produtiva assentada na
produção integrada de suínos e aves e mais recentemente no fumo. A mercantilização e a
externalização das tarefas antes realizada na própria unidade produtiva imprimiu uma
dinâmica de desenvolvimento dependente e subordinada a fatores e atores externos.
Observou-se também que nessas condições uma forte constrição no “espaço de
manobra” para que os agricultores possam construir projetos alternativos. Em síntese, o
174
município de Coronel Freitas retrata muito bem o que ocorre em praticamente toda a região
Oeste de Santa Catarina.
Todavia, uma análise mais criteriosa da realidade empírica do Oeste catarinense
também mostra alguns “desvios” na trajetória de desenvolvimento encontrada em Coronel
Freitas, onde o que prepondera é a dinâmica agroindustrial. Dessa forma, constata-se que
uma parcela dos agricultores familiares e suas organizações estão reagindo criativamente e
construindo (de forma individual e, sobretudo, coletivamente) estratégias para fazer frente
à hostilidade do ambiente socioeconômico. Parte dessas estratégias se inscreve no que vem
sendo considerado como novas iniciativas de desenvolvimento rural(MARSDEN, 2003
e 2009; PLOEG et al., 2000 e 2004; PLOEG e RENTING, 2000). Constata-se que é
exatamente nos interstícios da crise da agricultura do Oeste catarinense que os agricultores
familiares estão construindo “práticas desviantesque representam formas inovadoras na
relação com os mercados, nos processos agrícolas, na articulação entre atores e na criação
de novas institucionalidades. Dito de outra forma, os agricultores familiares e suas
organizações estão “produzindo novidades” com o objetivo de fazer frente à crise que
estão submetidos.
A presença dessas novidades, que indica uma mudança de rota na trajetória de
desenvolvimento agroindustrial suscita – e justifica o interesse em investigá-las, no
sentido de entender em que medida a construção dessas novidades pode promover a
emergência e o fortalecimento da dinâmica de desenvolvimento rural, da qual nos fala
Marsden. Dessa forma, este capítulo tem o propósito de apresentar, discutir e analisar três
distintas iniciativas que estão sendo arquitetadas e colocadas em prática pelos agricultores
familiares do Oeste de Santa Catarina, em resposta às transformações e às condições mais
amplas da economia. Tais iniciativas relacionam-se às novas formas de organização da
produção e à criação de dispositivos coletivos e arranjos institucionais particulares, que
estão sendo realizadas por uma parcela dos agricultores familiares com o intuito de
construir maneiras diferenciadas de acessar o mercado e, assim, diminuir suas
vulnerabilidades sociais e se adaptar às novas condições de reprodução socioeconômica.
Neste sentido, constata-se que mesmo em um ambiente hostil e de subordinação
aparentemente irreversível, alguns agricultores conseguem construir trajetórias
diferenciadas que estrategicamente se afastam do projeto da modernização. Também
conseguem inserção ao mercado de forma diferente da que costumeiramente vinham
fazendo. Desta forma pretende-se avaliar a hipótese de que simultaneamente à
175
reestruturação da agricultura do Oeste de Santa Catarina os agricultores familiares e suas
organizações constroem estratégias que promovem novas dinâmicas de desenvolvimento
rural.
Especificamente se buscou investigar e analisar como os agricultores familiares
constroem “espaços de manobra” em condições de coerção social e, assim, se moldam à
situação cambiante e imprimem novos padrões de desenvolvimento. Ou seja, examinou-se
como estão sendo construídas essas novidades e quais os efeitos que elas produzem no
âmbito da unidade familiar e do ambiente externo. Deste modo, investigamos de que forma
as unidades familiares estão saindo do squeeze, qual o seu grau de mercantilização e o
nível de autonomia, quais os efeitos da novidade no processo produtivo, nas relações de
trabalho, na renda familiar, nas perspectivas da família e dos seus membros. Com relação
ao ambiente externo foram investigadas as transformações sociais e econômicas que as
iniciativas, representadas pelas novidades estudadas, produzem no âmbito local e regional;
como se dá a relação com os mediadores e os agentes externos. A partir de evidências e da
perspectiva dos próprios agricultores familiares envolvidos buscamos captar a percepção
deles e a dos seus pares em relação às iniciativas. Nessa empreitada, uma pergunta-guia fez
o papel de fio condutor: A produção das novidades estudada representa as “sementes da
transição” para um novo paradigma de desenvolvimento rural?
Para alcançar esses propósitos no mês de setembro de 2007 realizamos entrevistas
com alguns informantes-chave representantes de ONGs, Sindicatos, pesquisa e extensão
rural com o objetivo de identificar e relacionar as iniciativas em curso na região e que já se
apresentavam relativamente consolidadas. A partir deste entendimento elegemos realizar o
estudo empírico de três distintas iniciativas: a primeira delas tem o objetivo de construir
novas formas de acesso ao mercado e representa uma inovação organizacional que está se
consolidando na região e se constitui na criação de uma pequena cooperativa de âmbito
municipal e que congrega em torno de 150 famílias. O objetivo dessa cooperativa é fazer
coletivamente a coleta e a comercialização do leite produzido pelos associados. O caso
estudado é o da Cooperativa dos Produtores Rurais da Microbacia do Lajeado Perau, do
município de Tunápolis (Coomilp). A discussão e criação da cooperativa representa uma
reação dos agricultores familiares relativamente mais pobres ao processo de aviltamento no
preço pago pelos grandes laticínios aos agricultores que comercializam baixos volumes. A
novidade nesse processo é que a criação da cooperativa deflagrou uma nova dinâmica de
relacionamento com a sociedade local, com os mediadores e com os próprios agricultores
176
familiares em particular, criando assim, um espaço de discussão que fortalece as interações
sociais e o próprio capital social.
A segunda iniciativa investigada está relacionada com a mudança no processo
produtivo e no padrão tecnológico. É representada pela produção agropecuária baseada nos
princípios agroecológicos
72
ou de baixo uso de insumos externos. Inicialmente esta
iniciativa está voltada a atender a demanda do mercado local – sobretudo via feiras
municipais e tem entre seus objetivos tornar os estabelecimentos mais autônomos em
relação aos recursos externos e também se inserir dinamicamente em um mercado em
crescente expansão.
A terceira iniciativa estudada se insere na estratégia de industrializar a produção
dos próprios agricultores familiares. É representada pelas agroindústrias familiares
73
que,
em geral, se localizam no espaço rural e na maioria dos casos se ocupam da elaboração de
derivados de carne e lácteos, sucos e bebidas, conservas, massas e panificados, derivados
da cana-de-açúcar, dentre outros. A constituição dessas pequenas agroindústrias está
associada, em grande medida, ao desejo dos agricultores de adicionar valor à sua produção
agropecuária e a eliminação de intermediários na comercialização. Tanto a produção
quanto a comercialização são realizadas pelos membros da família e podem estar
organizadas de forma individual ou coletiva.
Essas três iniciativas representam distintas formas de resistência e de reação dos
atores sociais frente ao regime sociotécnico dominante. Embora distintas, as iniciativas
podem ser comparadas porque se inscrevem na mesma gramática e modo de ação dos
atores sociais, que buscam criar espaço de manobra na luta constante por autonomia, ainda
que parcial e relativa. Essa busca por autonomia e de autocontrole sobre os recursos,
representa para os agricultores familiares uma tentativa de se libertar das relações de
exploração e submissão. Portanto, é na mesma lógica que busca o alargamento da
autonomia e do autocontrole sobre os recursos que se inserem as três iniciativas, o que
permite que as mesmas sejam comparadas e analisadas.
72
Os princípios agroecológicos são, em grande medida, ancorados na noção de ‘coevolução’, que se refere à
dependência recíproca observada na evolução concomitante dos sistemas sociais e naturais (NOOGARD,
1989; 1994) e constituem diretrizes que orientam inúmeros modos de engendrar sistemas que objetivam
desenvolver a agricultura sustentável.
73
A
agroindústria familiar rural é definida como uma forma de organização em que a família rural produz,
processa e/ou transforma parte de sua produção agrícola e/ou pecuária, visando à produção de valor de
troca que se realiza na comercialização (MIOR, 2005, p.191).
177
Seguindo um roteiro previamente elaborado (apêndice B) no mês de maio e junho
de 2008 realizou-se entrevistas com 34 pessoas: sete agricultores envolvidos com a
produção agroecológica e outros cinco informantes-chave; sete agricultores envolvidos
com a cooperativa de comercialização de leite e outros quatro informantes-chave; sete
agricultores envolvidos com as agroindústrias familiares e outros quatro informantes-
chave. Na FIG. 7 é possível observar os 12 municípios onde estão localizadas as novidades
estudadas.
Figura 7 – Municípios onde foi realizada a pesquisa sobre as “novidades”.
Fonte: EPAGRI/ CIRAM (2008).
5.1. Reação dos agricultores familiares ao contexto social e econômico
Discutiu-se no capítulo dois o processo social e econômico que ao longo do período
de colonização, sobretudo nos últimos anos, foi transformando o espaço rural e a
agricultura familiar do Oeste de Santa Catarina. Essas transformações tiveram profundos
reflexos no processo produtivo, no formato tecnológico, nas mudanças demográficas e nas
formas de inserção mercantil. Mostramos que os colonos que migraram para a região são
movidos pelo desejo de se instalar como agricultor e reproduzir seus próprios “meios de
vida”. Para isso, desde os primeiros momentos que chegam à região buscam construir
espaços para se inserir no mercado. Inegavelmente o processo de modernização da
178
agricultura, que se a partir da década de 1970, teve um papel central na integração ao
mercado de produtos agrícolas, por um lado, mas que também veio acompanhado de uma
crescente inserção no mercado de insumos, mercado de trabalho e mercado de bens de
consumo. Evidentemente que essa transformação não aconteceu de forma homogênea, mas
produziu uma metamorfose na agricultura familiar, como observa Abramovay (1992). Ao
contrário do que pressupõe a teoria da modernização, a mercantilização se em graus
variados e contribui para aumentar ainda mais a diversidade tecnológica e social do espaço
rural. Crescentemente a produção agrícola vai se desconectando (Ploeg, 1992b) das
características sociais e ecológicas que conferiam competitividade a ela. Os recursos
produtivos que antigamente eram produzidos e reproduzidos internamente passam a ser
substituídos por outros de origem externa, caracterizando uma agricultura de base
industrial.
A partir de um grande número de estudos empíricos, Ploeg (2006a, p. 263) mostra
que o resultado da mudança dos tipos de agricultura baseados no baixo uso de insumos
externos para uma de grande escala do tipo industrial é a forte diminuição no nível de
emprego e na renda total apropriada pelo segmento primário. Pressionados pelas
agroindústrias e pelo alto nível de custos e a queda no preço dos produtos, os agricultores
tendem a expandir o tamanho e a escala das atividades
74
. Em decorrência disso a produção
é crescentemente concentrada em um número limitado de estabelecimentos. Isso é o que
está sendo denominado de “aperto” na agricultura. Foi exatamente essa situação que
passou a dominar o cenário do Oeste catarinense a partir de meados dos anos 1980 e que
levou a uma situação de crise.
[...] durante essa crise, ali, as sucessivas crises, eu tentei me adequar em um
modelo para mim e para minha esposa. Eu trabalhava com suínos e ela cuidava
mais das ‘miudezas’. Fomos tentando de tudo um pouco. [...] como aqui não é
muito longe da cidade, começamos fazendo feira-livre. Ela fazia pão, bolachas,
cucas, essas coisas... eu cuidava um pouco da horta. [...] agora ela tem essa
pequena padaria e eu vendo verdura e frutas na feira-livre. [...] faz uns oito ou
nove anos que acabei com os suínos... a nossa única alternativa foi tentar
produzir e vender na feira-livre. (Entrevista nº 15, maio de 2008).
Essa situação de crise, representada pela exclusão dos agricultores dos mercados
que historicamente foram por eles construídos e ocupados, bem como as conseqüências
econômicas e sociais que dessa situação advieram, causa grande inquietação dos atores
74
Gazolla (2004) estudando a agricultura familiar do Alto Uruguai Gaúcho – com características semelhantes
a do Oeste catarinense – observou que a especialização e a mercantilização da agricultura avançou
inclusive sobre a produção de alimentos destinados ao auto-abastecimento da família.
179
locais em relação às perspectivas da agricultura familiar e ao desenvolvimento regional. É
possível identificar dois movimentos convergentes e concomitantes na tentativa de dar
respostas a esse ambiente considerado hostil, que se origina tanto por parte dos próprios
agricultores familiares, como por parte de um grupo de mediadores, como organizações
representativas, movimentos sociais e organismo público de pesquisa e extensão rural.
O primeiro movimento é representado pela reação individual de grande parcela dos
agricultores familiares que busca construir mecanismos e implementar estratégias capazes
de promover a diversificação de seus meios de vida e possibilitar a sua reprodução
econômica e social. Essas estratégias podem ser interpretadas a partir da perspectiva
teórica da “produção de novidades” e da noção de “estilos de agricultura”.
Nesse sentido, Ploeg (2003, p. 115) observa que novos estilos de agricultura
emergem da capacidade de resistência contida dentro da agricultura. “Os agricultores usam
a maleabilidade do processo de produção e o espaço de manobra existente no próprio
mercado e nas tecnologias para construir respostas ao projeto de modernização
75
”. Essas
respostas representam as estratégias que, segundo Schneider (2003, p. 108), não é apenas o
elo que liga as unidades familiares ao ambiente externo, mas também a ligação que parece
superar a dicotomia sociológica em torno do problema da relação estrutura-agente ou
processos micro versus macro.
Evidentemente que as estratégias relacionadas com a produção agropecuária e a
adequação ao regime sociotécnico vigente foram uma das primeiras a serem
experimentadas, como foi o caso dos condomínios suinícolas ou da produção de suínos ao
ar livre. Outra importante estratégia foi usar os recursos internos da propriedade para
incrementar e direcionar ao mercado a produção de leite que até então era voltada para
atender quase exclusivamente o consumo familiar. Essa estratégia, em menos de 20 anos,
transformou a região em uma das principais bacias leiteiras do país. Todavia, com o
recrudescimento da crise outras estratégias são colocadas em prática pelos agricultores
familiares com o objetivo de se moldar ao contexto social e econômico. Entre as
estratégias mais importantes cita-se o trabalho assalariado em estabelecimentos agrícolas
da vizinhança; a redução da unidade doméstica através da migração temporária ou
definitiva de alguns de seus membros; o uso do recurso da pluriatividade nos locais onde
ela podia ser exercida; maior importância no investimento na educação dos filhos visando
75
Ploeg (2003) menciona que alguns estilos de agricultura também representam e reproduzem a
internalização do projeto de modernização.
180
um mercado de trabalho não-agrícola; a venda de ativo para instalar algum membro da
família em outro setor da economia; a industrialização e agregação de valor a partir da
produção própria. A fala de um dos entrevistados na pesquisa ilustra essa situação.
O meu pai tinha 12 hectares de terra, plantava milho e criava suíno. Quando
ele teve que parar de criar suínos porque começou a dar prejuízo, a gente não
tinha mais onde se agarrar. a coisa começou a ficar difícil [...] e comecei
também a fazer algum trabalho de peão na vizinhança. Em 1994, alguns amigos
aqui da comunidade e que trabalhavam de agregado em propriedades que
produzem uva em Bento [Bento Gonçalves RS] me disseram ‘vem que aqui
está bom, porque dá dinheiro’. [...] trabalhei toda a época da colheita lá. No outro
ano combinei com meu irmão: ‘tu fica aqui que eu vou e mando dinheiro pra
investir na propriedade’ porque esse negócio da uva eu vi que dava dinheiro. [...]
fui aprendendo tudo e trazendo muda de parreira pra plantar aqui [...] também fui
trazendo os palanques e arames do parreiral antigo que eles renovavam e que me
custava a mão de obra pra retirar do pomar. Isso foi acontecendo durante
cinco anos. [...] quando voltei, nós construímos essa cantina. (Entrevista 20,
maio de 2008).
O sucesso do empreendimento e a novidade - representada pela produção de uva,
em um local onde antes não era cultivada e a produção de vinho na cantina recém
inaugurada - atraíram a atenção do poder municipal que passou a incentivar outros
agricultores a implantar pomares de uva. A receptividade de alguns agricultores, que
também buscavam encontrar saída para a crise, transformou em poucos anos a comunidade
e o próprio município em um expressivo produtor de vinho. Por conta disso, anualmente
essa comunidade organiza e realiza a festa da colheita da uva, resgatando as tradições e
comidas dos migrantes italianos. Essa festa já está se tornando uma atração regional e a sua
última edição contou com a presença de mais de mil visitantes. Até mesmo no portal de
entrada deste pequeno município pôde-se observar a inusitada autodenominação de “terra
do vinho”.
Portanto, essa novidade emerge a partir de uma estratégia de migração temporária
utilizada por alguns agricultores e que contou com intervenção dos laços de parentesco e a
rede de relações sociais.
[...] o nosso povo aqui é originário da serra gaúcha, tem parentes e conhecidos
por lá. Com a crise na produção de grãos acabaram saindo daqui em busca de
trabalho no Sul. [...] foram apoiados pelos parentes, pelos vizinhos, pelos
amigos... um puxa o outro. Saíam muitos jovens, mas às vezes também o chefe
da família, mas a esposa ficava morando e trabalhando na propriedade. Enquanto
isso o marido trabalhava na colheita da uva na Serra Gaúcha, mas depois
retornava. Mas também teve muitos jovens que ficou seis, sete anos lá. Até
conseguiram fazer uma economia. E daí, percebendo que o negócio era rentável,
181
retornaram e começaram a produzir aqui. [...] o pêssego não deu resultado
econômico que os agricultores esperavam. Mas com a uva deu certo. O Pronaf
infraestrutura e a prefeitura deram uma ajuda e hoje no distrito tem duas
cantinas que estão produzindo vinho. Além das cantinas, neste ano, foi criada
uma pequena cooperativa para a produção e comercialização de suco de uva.
(Entrevista nº 14, maio de 2008).
Como pode ser visto pelo exemplo acima, as estratégias de diversificação dos
meios de vida é um processo social e econômico heterogêneo que obedece a uma miríade
de pressão e possibilidades na economia rural. Pode-se perceber na declaração do
entrevistado a emergência da novidade, que contou com a criação de novas e fundamentais
conexões e arranjos institucionais como foi o caso do apoio recebido do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf Infraestrutura) e da prefeitura
municipal.
O segundo movimento que busca dar resposta ao ambiente de crise vivido pela
agricultura do Oeste de Santa Catarina é protagonizado por mediadores externos,
representados por uma pluralidade de atores sociais, entre os quais se destaca os sindicatos,
a igreja católica, os movimentos sociais, as ONGs e o serviço estadual de extensão rural e
pesquisa agropecuária. Cada um desses atores busca construir projetos autônomos que se
consubstanciam em formas de organização dos agricultores para enfrentar a crise de
maneira coletiva. Em um primeiro momento (segunda metade dos anos 1980), as ações
desses mediadores se concentram no âmbito da dinâmica agroindustrial e suas estratégias
estavam voltadas a inserir os agricultores familiares e adequá-los às exigências técnicas e
escala imposta pelas agroindústrias, além de uma luta por melhores preços agrícolas e por
crédito agrícola. No âmbito das ações empreendidas por esses mediadores merece destaque
o movimento de “cooperação agrícola”, de onde vai nascer experiências associativas como
os condomínios suinícolas, os condomínios de armazenagem, os grupos de máquinas
agrícolas e, no final dos anos 1980, as associações voltadas à aquisição de insumos
agrícola. A teia de relações, o acúmulo de conhecimento e as discussões promovidas por
essas experiências culminam, na década de 1990, na idéia da construção de trajetórias
tecnológicas e organizacionais para a agricultura familiar se inserir em um mercado
alternativo ao modelo agroindustrial. O denominador comum que une essas experiências
está na busca de se firmarem como alternativas viáveis às grandes cooperativas
agropecuárias e às agroindústrias. Essas iniciativas de organização do espaço econômico
da agricultura familiar valorizam a construção de estruturas descentralizadas, voltadas para
atender às necessidades de produção, agroindustrialização, comercialização e consumo,
182
bem como a participação democrática de seus membros (PROJETO TERRA SOLIDÁRIA,
2000, p. 82). Esse mesmo movimento também vai pressionar a implantação de políticas
públicas voltadas a atender os interesses da agricultura familiar e que resultou, por
exemplo, na criação do Pronaf em 1994.
A transcrição da entrevista com um dos sócios de uma pequena cooperativa que
atualmente congrega agricultores envolvidos na agroindustrialização familiar, bem ilustra
essa trajetória:
Essa história começou em 1985. Era época de inflação alta e a gente não
agüentava fazer as compras de insumos e aquelas coisas da subsistência da
família que às vezes era preciso comprar. O cara do mercado te explorava
adoidado. A gente organizou associações pra comprar açúcar, farinha, erva-mate,
insumos, semente de milho, de pastagem. Nós nhamos 20 e poucas associações
aqui em Seara que comprava isso tudo direto de fábrica. Carga fechada, depois
era distribuído tudo aqui. [...] hoje praticamente não tem tanta influência, mas
naquela época tinha a CPT
[Comissão Pastoral da Terra], ligada à paróquia que
assessorava. Mas nós mesmos, é que coordenávamos todo o processo. Depois a
inflação acabou e não conseguíamos mais ganhar muita coisa, mas o grupo
continuou organizado, nem todos, discutindo alternativas para sair da crise.
Naquela época quem não tinha um chiqueirão não sobrevivia. Plantar milho,
feijão essas coisas, também não dava. Mas o nosso grupo aqui da comunidade
continuou se reunindo discutindo tentando se organizar e se estruturar. Daí,
começamos a produzir hortaliças, queijos, ovos e outras coisas. Vendia aqui,
vendia ali. Vendia para o compadre, para os amigos. Levava na cidade, oferecia
nas casas. [...] em 1998 surgiu aquele programa de agroindústrias do governo.
Passamos a discutir isso com a assessoria da Apaco. [...] eles davam alternativa
do que podia fazer, mas quem decidia era esse nosso grupo de 20 pessoas que
vinha discutindo desde aquele tempo das compras coletivas. [...] foi tudo
discutido, criação das agroindústrias, estatutos, tudo. Em 2001 inauguramos as
primeiras quatro agroindústrias aqui na comunidade (Entrevista 21, maio de
2008).
Iniciativas semelhantes emergem de experiências anteriores, de organizações como
os condomínios, grupos de máquinas, armazenagem coletiva nos mais variados contextos.
Uma característica quase sempre presente nessas estratégias coletivas é que seus membros
compartilham entre si laços de parentesco e vizinhança. Como podemos constatar, ao
longo dessa trajetória de construções de novidades para o enfrentamento da crise, uma
parte dos agricultores familiares do Oeste de Santa Catarina, juntamente com suas
organizações, foi desenvolvendo importantes características como a confiança mútua e a
reciprocidade que os habilitam ainda mais para agir coletivamente
76
. A ação coletiva
representa um importante recurso na construção de novidades e no engajamento e interação
76
A habilidade para agir coletivamente se insere no que Tisenkopfs et al. (2007) definem como capital
social, o qual “está personificado na habilidade dos indivíduos, dos grupos e das organizações se engajar
em redes, para cooperar, empregando e usando as relações sociais para a finalidade e o benefício comum”.
183
nos processos de desenvolvimento rural. Na realidade, como afirmam Oostidie e
Broekhuizen (2008), a habilidade de agir coletivamente pode ser um resultado, assim como
pré-requisito na construção de novidades. Por outro lado, a produção de novidades reforça
os relacionamentos baseados na confiança, que se constitui em componente chave do
capital social. Cabe enfatizar, no entanto, que embora a construção de novidades esteja
fortemente associada ao conhecimento contextual ela não está descolada do contexto
externo em que se insere. Ela ocorre na interface entre as unidades familiares e o ambiente
socioeconômico e político. Analisado a partir da perspectiva teórica da diversificação dos
meios de vida (ELLIS, 2000), essa gama de ações e relações sociais, descritas acima, pode
ser considerada como estratégias de reação visando criar diferentes tipos de capitais que
tornem as unidades familiares mais autônomas e resguardadas de crises futuras. A
construção desse capital social e o acesso a outros recursos necessários para alcançar os
objetivos coletivos também contaram com a articulação fundamental dos mediadores
representada pelas ONGs e agências estatais.
Portanto, é no âmbito das iniciativas individuais dos agricultores familiares e das
ações animadas pelos mediadores, sobretudo aquelas inseridas no movimento de
cooperação agrícola, que no final da década de 1990 e início do ano 2000 passa a ser
discutido com mais clareza e objetividade ações voltadas para a esfera da
agroindustrialização familiar, da produção baseada nos princípios agroecológicos e na
constituição de pequenas cooperativas voltadas à construção de canais alternativos de
comercialização, como é o exemplo das cooperativas de comercialização de leite, que
serão analisadas na sequência.
5.2 Formas de inovação e a emergência de novidades
Discutimos na seção anterior algumas reações dos agricultores familiares ao
contexto socioeconômico as quais representam as iniciativas que visam diversificar seus
meios de vida e possibilitar a sua reprodução econômica e social. Muitas dessas iniciativas
envolvem a agregação de valor, o desenvolvimento de novos produtos, a construção de
novas ligações com o mercado e, em grande medida, o estabelecimento de trajetórias
tecnológicas cuja produção e reprodução são compatíveis com a base de conhecimento
local.
184
Tendo em vista a relevância da produção de novidades é importante recuperar
Ploeg et al. (2004) que definem uma novidade como uma idéia nova e promissora, uma
prática, que apresenta resultados inesperados. As novidades vão além das regularidades
existentes, elas representam uma “nova configuração que promete funcionar”. Segundo os
autores, uma novidade representa uma nova forma de fazer e pensar, mas que carrega um
potencial para melhorar e por isso podem ser vistas como as “sementes da transição”.
Dessa forma, uma novidade pode se apresentar como um artefato particular ou, como é o
caso específico das três novidades que serão aqui discutidas, pode representar novas
formas de organização e arranjos institucionais específicos. Cabe então indagar o que
distingue uma novidade de uma inovação. Ploeg et al. (2004) dizem que uma inovação é a
expressão de um conhecimento codificado, personificado em um artefato e que pode se
movimentar globalmente. Elas são desenvolvidas por peritos em um mundo externo, cujos
processos e aprendizado se caracterizam pela padronização, externalização e globalização.
Por outro lado, uma novidade se estabelece no próprio processo de produção e
aprendizagem. Está fortemente relacionada com conhecimento local e os repertórios
culturais em que a organização do processo de trabalho está imersa. Desse modo, uma
novidade pode ser caracterizada por palavras-chave como contextualização, território e
socialização, e por isso, não pode ser facilmente transportada do contexto específico em
que emergiu e germinou.
As três novidades estudadas estão sendo construídas por agricultores familiares
que apresentam, em maior ou menor grau, as características que Ploeg (2008) considera
como definidoras do campesinato. Entre essas características destaca-se a busca incessante
por autonomia, que é entendida com sendo a capacidade dos agricultores construírem
espaços de manobra e estratégias que permitam reproduzir as unidades familiares mesmo
em contexto adverso.
É preciso esclarecer, no entanto, que essas novidades ainda são muito recentes e
os laços econômicos e sociais, que estão sendo tecidos, ainda são tênues, mas
apresentam resultados promissores. Como ressaltam Ploeg et al. (2004), pelo menos na sua
emergência, uma “novidade” em geral necessita de um ambiente (social, político e
institucional) conveniente para que possa se enraizar. Em geral, na fase inicial, as
novidades são vistas como anomalias ou até mesmo são invisíveis para a maioria das
pessoas e, por isso, não recebem a atenção política necessária para que possam se enraizar
e florescer no território.
185
5.2.1 Cooperativa de comercialização de leite
A partir do início dos anos 1990, grande parte dos agricultores familiares do Oeste
de Santa Catarina que deixou de produzir suínos, bem como aqueles que necessitavam
recompor sua renda em função da queda do preço dos grãos, encontra na produção
comercial de leite uma oportunidade alternativa para melhor utilizar os recursos da
propriedade. Para isso, incrementam a produção de leite que era realizada em
praticamente todas as propriedades com o objetivo de atender o consumo da família e
passam a visar um mercado em estruturação na região.
A conversão da produção de suínos para a produção leiteira é facilitada, segundo
Mello & Schmidt (2003, p. 77), pela existência da produção de leite para o consumo da
família e pelo fato de existir a infra-estrutura de produção - pelo menos a nima - e a
atividade praticamente não necessitar de insumos externos. Com isso, ressaltam os autores,
os custos da entrada comercial na atividade são baixos. Acrescente-se a isso, o forte desejo
dos agricultores familiares recomporem a capacidade produtiva e o dinamismo comercial
da unidade de produção, promovendo assim, a reprodução social e a permanência da
família no espaço rural. Desse modo, a expansão da atividade leiteira no interior de cada
unidade familiar vai se dando de forma paulatina e se ajustando aos recursos disponíveis
(mão de obra, disponibilidade de capital e dos recursos naturais) e, assim, potencializando
a competitividade através da adoção de um sistema mais adequado à disponibilidade de
trabalho familiar e mais autônomo em relação aos recursos externos. Essas condições
permitem que a produção de leite se estabeleça na quase totalidade das propriedades da
região e se transforme em uma das mais importantes atividades comercial para uma
significativa parcela dos agricultores familiares.
Grosso modo, pode-se considerar que grande parte da produção leiteira do Oeste de
Santa Catarina se constitui em um exemplo típico de “agricultura econômica”, como é
definido por Ploeg (2000). Trata-se de uma orientação tecnológica ajustada aos fatores
produtivos da unidade de produção e que, na maioria dos casos, procura evitar o alto grau
de mercantilização e a submissão à lógica do mercado, apesar de toda a carga ideológica
que recebe do regime sociotécnico predominante. Analogamente ao que Ploeg (2006)
denominou de re-estruturação (regrounding), este seria um caso de estruturação da
atividade, baseada principalmente nas práticas dos agricultores familiares e o controle dos
186
recursos próprios e, por isso, se constitui em um dos pilares de sustentação econômica da
maioria das unidades familiares da região.
A partir da análise dos dados apresentados pela Epagri/Cepa (2007, p. 165-167)
constata-se que no ano de 2005 o volume de leite comercializado no Oeste de Santa
Catarina alcançou a cifra de um bilhão e cem milhões de litros, o que representa 4,5% de
toda a produção brasileira e demonstra o potencial produtivo da agricultura familiar da
região. Estima-se que em torno de 50 mil agricultores familiares do Oeste de Santa
Catarina têm na atividade leiteira uma importante fonte de renda (MELLO & FERRARI,
2003).
Na esfera comercial, entretanto, os agricultores familiares têm enfrentado um
modelo perverso. A maioria das empresas compradoras de leite que atua na região usa a
estratégia de pagar maior valor unitário pelo leite daqueles agricultores que vende maior
volume, às expensas daqueles que vendem um volume menor. No trabalho de Mello
(1998) e Testa et al. (2003), fica claramente demonstrado que as indústrias conseguem
pagar mais para quem vende maior volume, achatando desproporcionalmente o preço
daqueles que vendem menos.
Essa situação cria um descontentamento generalizado por parte dos agricultores que
vendem menor volume. No entanto, esse sentimento de descontentamento tem dificuldade
de se expressar. Em primeiro lugar, porque é abafado pelo discurso das empresas
compradoras de leite que justificam o procedimento como uma forma de recompensar o
esforço dos agricultores que conseguiram aumentar o volume de produção. Em segundo
lugar, entre os outros atores sociais havia certa naturalização a respeito desse
procedimento.
No segundo domingo do mês, quando todos tinham recebido [o pagamento] pelo
leite vendido, depois da missa a gente fica conversando e um perguntava para o
outro: “quanto você recebeu pelo leite?“Recebi tanto” e “eu tanto” e ninguém
tinha recebido valor igual [o entrevistado fala do valor unitário]. Tinha
diferenças muito grande. Sete centavos, quinze centavos, às vezes até vinte
centavos de diferença (entrevista nº 16, maio de 2008).
O trabalho de Testa et al. (2003), que analisa o preço pago pelas grandes empresas
compradoras de leite na região, mostra que a diferença entre os que vendem menos para os
que vendem maior volume gira em torno de 35%, havendo casos onde essa diferença
alcança 70%. Essa alta diferença de preço recebido pelo leite cria uma insatisfação geral
por parte daqueles que recebem menor valor.
187
“[...] o milho, por exemplo, tem o mesmo valor se você vende cem sacos ou mil.
Então por que o leite tem valor diferente? Eu não acho justo isso. [...] essa
injustiça eu não aceitava. Eu não queria ser uma grande produtora de leite. Eu
não tenho mão-de-obra para ser grande produtora. Então o meu objetivo, o meu
plano não era esse [o de ser grande produtora de leite]. Mas as empresas queriam
que nós fôssemos todos grandes. [...] os pequenos não m valor para eles. [...] as
empresas tiram dos pequenos para pagar a mais para os grandes.” (Entrevista
8, maio de 2008).
A declaração da entrevistada revela outra face da questão, tão perversa quanto à
injusta forma de pagamento, mas que estão intimamente relacionadas. Trata-se da
imposição de uma trajetória tecnológica que está subjacente na forma discriminatória de
pagamento. O pagamento diferenciado para quem vende maior volume representa, em
grande medida, o “prêmio” para quem adere à trajetória produtivista preconizada pelo
“Império”. Considerando os recursos internos da propriedade, os agricultores sabem que
ser um “grande produtor” nos termos que menciona a entrevistada significa substituir o
tipo de agricultura econômica, baseada na co-produção e assentado no modo camponês de
fazer agricultura pelo modo empresarial.
Essa situação em algumas localidades deflagrou discussões que se alastraram do
âmbito vicinal para a comunidade e o município, criando a compreensão da necessidade de
aumentar a cooperação entre os agricultores familiares. Neste sentido, uma estratégia
adotada pelos próprios agricultores foi a de reunir em um mesmo local a produção de leite
de quatro ou cinco vizinhos e comercializar no nome de um deles. O depoimento do sócio
de um grupo de máquinas exemplifica, em termos gerais, como isso aconteceu.
[...] no último sábado de cada mês a gente se reunia na casa de um de nós para
discutir os problemas da associação [o entrevistado se refere à associação de
máquina, da qual ele é um dos três sócios]. Tinha uma janta e toda a família
participava. A conversa sempre terminava na questão do leite. Estávamos
desgostosos com a diferença de preço que pagavam. [...] o nosso grupo convidou
mais outros dois vizinhos (que a gente presta serviço de máquina para eles) e
também o meu cunhado e começamos os seis a discutir isso. Decidimos por
vender o leite em conjunto, no nome de um. Naquela época eu ganhava 34
centavos por litro e passei a ganhar 55 centavos. Ai o pessoal viu que valia a
pena sentar para encontrar alternativas (Entrevista nº 31, maio de 2008).
Experiências desse tipo aconteceram em número muito grande na região, mas a
maioria teve dificuldades para prosperar porque, em grande medida, as empresas
compradoras tentavam minar a iniciativa de diversas formas, mas a principal delas era a de
cooptar aqueles agricultores que no grupo produziam maior volume. Na tentativa de
188
diminuir o poder de barganha e enfraquecer a associação, os laticínios utilizavam a
estratégia de ofertar um valor bem superior para alguns agricultores que vendiam maior
volume, na esperança que os mesmo abandonassem o grupo, como explica um dos
entrevistados: “aí o pessoal do laticínio começou a pagar ‘por fora’... eles queriam
‘estourar’ o grupo”. É preciso considerar que uma novidade organizacional semelhante a
essa, representa uma forma de criar autonomia em níveis de agregação que vai além dos
limites da unidade produtiva. Ela acontece em um “campo de batalha”, onde o conflito faz
parte do jogo. Ainda mais porque uma novidade, assim como essa, representa um “desvio
das regras” e por isso, vai depender de convencer as pessoas e construir alianças
necessárias para o sucesso da ação.
Embora muitos desses grupos não conseguir superar as dificuldades iniciais para se
estabelecer como tal, a discussão em torno da sua organização e constituição teve um papel
importante no aprimoramento das habilidades de agir coletivamente e na socialização do
conhecimento tácito e ampliação do conhecimento contextual. Isso se reveste de grande
importância uma vez que o conhecimento contextual pode ser compreendido como o
resultado social de um processo histórico de acumulação de capacidades tecnológicas e
habilidade (OOSTINDIE & BRAOECKHUIZEN, 2007). Assim, a circulação e a
mobilização de conhecimento contextual dentro do território pode se constituir em uma
fonte importante de produção de novidades.
Desde o final da década de 1990 que no âmbito local os agricultores e seus
sindicatos, alguns escritórios locais da Epagri, algumas ONGs e o poder público local de
alguns municípios passam a animar uma discussão em torno do tema relacionado à
produção de leite pela agricultura familiar, com a preocupação que a atividade não trilhe a
mesma trajetória tecnológica da suinocultura (concentração e exclusão). As discussões
avançaram no sentido de constituir associações e pequenas cooperativas com o objetivo de
comercializar coletivamente a produção de leite dos agricultores familiares. Essas
pequenas cooperativas podem ser interpretadas como “novidades” organizacionais e por
isso é que elas se encontram dispersas pela região, uma vez que sua produção é altamente
dependente do conhecimento contextual.
Com base na experiência dos grupos de comercialização coletiva de leite,
organizados pelos agricultores nas suas comunidades, entram em cena dois atores sociais.
Por um lado, a Fetraf e, por outro lado, a alguns escritórios locais da Epagri no âmbito do
Projeto Microbacias 2 (Quadro 3). Esses dois mediadores vão animar, organizar e
189
assessorar a formação de pequenas cooperativas destinadas a comercializar o leite dos
agricultores familiares. que se considerar que a forma de atuação e os objetivos desses
dois atores são de natureza completamente distinta. O primeiro ator social vai atuar de uma
forma orgânica e articulada, enraizada no território através da coesão social de lideranças
comunitárias, sindicais e de movimento sociais. A Epagri, por sua vez, vai atuar de forma
pontual, sem um projeto de desenvolvimento com diretriz mais claramente definida em
relação à organização dos agricultores e da produção e ao regime sociotécnico. Por isso, no
âmbito das ações desse ator, a animação e organização de iniciativas como a das
cooperativas de leite vai depender, por um lado, da anuição da estrutura hierárquica
regional e por outro, pelo engajamento do agente local. Por esse motivo, foram poucas as
iniciativas que ocorreram no âmbito do trabalho da Epagri e que resultou na discussão e
criação de uma cooperativa de leite.
Desse modo, a partir do ano 2001 a Fetraf passa a animar e assessorar a criação e
organização de 14 pequenas cooperativas de abrangência municipal. Atualmente essas
cooperativas congregam em torno de 2.500 famílias, que comercializam coletivamente um
volume de quase quatro milhões de litros por mês. A constituição das cooperativas foi
motivada pelo desejo de inserir no mercado, de forma mais dinâmica, os agricultores
familiares produtores de leite. Mais do que isso, ela é a expressão da luta por autonomia e
das relações de dependência e subordinação a que estavam submetidos. A declaração do
presidente de uma dessas cooperativas explica um dos principais motivos que levou à
criação das cooperativas: “A exploração no preço estava desestimulando o agricultor
familiar na atividade. Na época as indústrias estavam trabalhando articuladas, tirando do
pequeno para escorar o grande produtor” (JORNAL DA ASCOOPER, 2007). A
constituição das cooperativas também teve o propósito de inserir ao mercado um
expressivo contingente de agricultores que se encontrava fora do circuito comercial.
Destarte, é através da cooperação que a luta por autonomia ultrapassa as fronteiras da
propriedade familiar.
A maioria dessas cooperativas não possui sede própria ou outro investimento de
maior vulto e, em geral, funciona integrada à estrutura do sindicato ou em pequenas salas
alugadas. Apenas a cooperativa de Formosa do Sul possui uma pequena indústria que foi
financiada com recursos do Pronaf Infraestrutura. Para administrar um complexo sistema
de logística da coleta do leite, a cooperativa conta com o trabalho de um funcionário
contratado e um ou dois dirigentes parcialmente liberados para a organização,
190
cadastramento, negociação com empresas e o pagamento aos cooperados. Com isso, os
custos de transações são baixos e, assim, a cooperativa pode competir com outras empresas
de maior porte.
Juntamente com a constituição das primeiras cooperativas foi criada a Associação
das Cooperativas e Associação dos Produtores Rurais do Oeste Catarinense (Ascooper).
Trata-se de uma estrutura organizacional cujo objetivo é articular em rede essas pequenas
cooperativas. A Ascooper, por sua vez, se articula com suas congêneres do estado do
Paraná Sistema de Cooperativas de Leite da Agricultura Familiar (Sisclaf) e a do Rio
Grande do Sul Cooperativa Rio-grandense de Laticínios e Correlatos (Coorlac) que
juntas formam o Fórum Sul do Leite, que atua na negociação de políticas públicas
relacionadas à cadeia produtiva do leite e na busca pela ampliação ao acesso de recursos
públicos.
Cada cooperativa elabora estratégias específicas, mas coadunadas com as diretrizes
definidas na Ascooper. A comercialização do leite é feita individualmente por cada
cooperativa e seus custos são cobertos pela contribuição de um centavo por litro de leite
comercializado.
A gestão da cooperativa é realizada pelos próprios agricultores, cuja estrutura
organizacional é composta por uma coordenação local formada por um coordenador, um
secretário geral e um secretário de finanças e, em cada comunidade, duas ou três lideranças
são escolhidas como responsáveis pela organização dos associados no nível comunitário e
para atuar como a ligação entre a cooperativa e os associados. Um membro da coordenação
local de cada cooperativa vai compor a executiva regional da Ascooper. No nível
comunitário, os líderes promovem reuniões regulares para discutir assuntos relativos à
cooperativa e sua organização. O sistema possui 2 mil associados que produzem, em
média, cerca de 2,5 milhões de litros de leite por mês.
As cooperativas e a Ascooper contam com o apoio de um conjunto de parceiros. Os
sindicatos da base da Fetraf realizam o trabalho de organização dos agricultores; a Apaco
presta assessoria técnica e gerencial e as cooperativas de crédito do Sistema Cresol
oferecem serviços financeiros para os produtores e cooperativas. Eventualmente também
contam com o apoio da Epagri e Secretarias Municipal de Agricultura.
Periodicamente as cooperativas realizam reuniões com seus associados para tratar
assuntos de natureza técnica, cuja orientação é a produção de leite a partir dos princípios
agroecológicos. Promovem o intercâmbio com organizações de agricultores de outras
191
regiões. Estabelecem parcerias com universidades (UFSC, UDESC e Unochapecó), com a
Epagri e com a Apaco, com as quais executam projetos de pesquisa participativa e instalam
unidades didáticas de produção de leite a base de pasto, uso da fitoterapia e homeopatia e o
resgate de sementes crioulas. O plano estratégico das cooperativas prevê a futura
industrialização de parte da produção de leite, cujo diferencial e apelo comercial reside no
fato de ser um produto agroecológico produzido por agricultores familiares.
Quadro 3 – O Projeto Microbacias 2
O Projeto Microbacias 2 é uma ação de abrangência estadual que, desde 2003 está sendo executado pela
Epagri e cujo término está previsto para 2009. Busca promover o desenvolvimento rural sustentável a partir
de uma concepção que privilegia o uso dos recursos endógenos e o protagonismo da população rural. No
Oeste de Santa Catarina a previsão é que o projeto alcance a totalidade dos 118 municípios e mais de 50 mil
famílias. Tem como objetivos gerais a redução da pobreza rural e o fortalecimento da agricultura familiar,
associado ao uso sustentável dos recursos ambientais. Suas ações estão baseadas na prudência ecológica, na
eficiência econômica e na justiça social, sustentado pela ampliação e consolidação da democracia e
participação dos beneficiários nas distintas etapas de sua implementação. Por isso, o Projeto ênfase às
estratégias de participação que deleguem parcelas importantes de poder decisório aos próprios beneficiários e
que crie um ambiente de confiança mútua, reciprocidade, solidariedade, comprometimento e cooperação por
parte dos participantes. Tem como público-meta os agricultores mais pobres, com renda de até dois salários
mínimos/mês/ pessoa ocupada. Os problemas que afetam a qualidade de vida da população rural, na
perspectiva do projeto, foram agrupados em quatro grandes conjuntos que constituirão as dimensões nas
quais pretende trabalhar: (a) degradação dos recursos ambientais; (b) baixa renda da população rural; (c)
inadequadas condições de habitabilidade no meio rural; (d) baixa efetividade das ações concebidas
externamente.
Para alcançar seus objetivos o Projeto se norteará pelos seguintes “princípios gerais”:
1. Estimular a participação interativa e cooperativa das pessoas, que terão controle sobre as decisões
locais.
2. Alocar recursos, prioritariamente, às famílias rurais empobrecidas social e economicamente, estimulando
as formas associativas.
3. Aplicar recursos, prioritariamente, através de “projetos” coletivos, com ênfase nos que gerem mais
ocupação e que propiciem produtos e/ou serviços diferenciados e que estejam integrados em rede com
outros empreendimentos.
4. Garantir a participação paritária dos beneficiários das Microbacias nos diversos níveis de gerenciamento
do projeto.
5. Estimular a co-responsabilidade da população rural no planejamento, na implementação e no
monitoramento do Projeto, garantindo a participação e o apoio dos diversos atores sociais nas ações que
envolvem o gerenciamento pelas instituições da sociedade.
6. Estimular iniciativas que busquem integrar as ações das instituições que têm interesse no meio rural.
As famílias moradoras das microbacias formaram uma Associação de Desenvolvimento da Microbacia
(ADM). Constituída legalmente, a ADM é responsável pelo gerenciamento dos recursos necessários para a
contratação dos trabalhos de elaboração, gestão e execução dos PDMH (Plano de Desenvolvimento da
Microbacia Hidrográfica). No âmbito municipal foi constituída, na estrutura executiva do Microbacias 2, uma
equipe de animadores, formada pelos (as) extensionistas municipais da Epagri. Cada microbacia trabalhada
tem um animador responsável pelos trabalhos na microbacia.
Em Tunápolis a execução do projeto delimitou cinco microbacias: Lajeado Perau, Lajeado Jundiá, Lajeado
Raigão, Lajeado Pitangueira e Lajeado Alpercata. A microbacia de Lajeado Perau é composta por três
comunidades: Tunas, Canaleta e São Jorge e juntas congregam 108 famílias rurais.
Fonte: PROJETO
PRAPEM/MICROBACIA 2 (2002) e PROJETO
MICROBACIAS
2
192
Com relação à ação da Epagri, destacamos aqui a Coomilp, que se organizou e
constituiu a partir das discussões realizadas no âmbito do Projeto Microbacias 2. A
Coomilp nasceu no final de 2004, com os mesmos propósitos das cooperativas que se
articulam em torno da rede Ascooper, isto é, buscavam fazer frente à forma aviltada que as
agroindústrias faziam para os agricultores que vendiam volume relativamente menor de
leite.
Algumas discussões tímidas a respeito da forma exploratória e excludente praticada
pelas grandes empresas vinham acontecendo mais tempo. Essas discussões ocorriam,
por exemplo, nos grupos de reflexão organizados pela igreja católica, nas discussões
comunitárias e nos grupos de pessoas relacionadas por laços de parentesco e vizinhança.
No entanto, elas foram ganhar força no âmbito do Projeto Microbacias 2. As discussões
iniciaram no segundo semestre de 2003 e se estenderam até fevereiro de 2005, quando se
deu a constituição formal da cooperativa, que foi subscrita por 48 sócios moradores da
Microbacia do Lajeado Perau, no município de Tunápolis. Trata-se de uma experiência que
nasceu do protagonismo dos agricultores familiares que se organizaram coletivamente para
a inserção mercantil de forma mais autônoma e com maior agregação de valor na
atividade.
O principal motivo foi porque tinha uma diferença de preço para quem vendia
maior quantidade. Isso eu sempre condenava porque o leite era colocado em um
mesmo tanque e depois vendido pelo mesmo preço. [...] chegava a 20 centavos a
diferença no preço do leite. Então, isso eu achava muito injusto. Por que essa
diferença? (entrevista nº 23, maio de 2008).
O Projeto Microbacias 2 prevê ações nos campo social, ambiental e econômico.
Cabe aos agricultores participantes da Associação de Desenvolvimento da Microbacias
eleger e hierarquizar as ações prioritárias em cada um desses campos, sendo que para
algumas ações o projeto destina algum recurso como forma de estímulo. Segundo o
facilitador local do projeto, os agricultores tinham certa clareza de que era necessário
melhorar as condições de habitabilidade das moradias. No campo ambiental também a
prioridade era melhorar a disponibilidade e qualidade da água. Porém, segundo o
facilitador, no campo econômico as opiniões eram divergentes e não havia muita clareza
sobre o que fazer para melhorar a renda dos agricultores, sobretudo aqueles mais pobres,
que é o foco de ação do projeto. Todavia, segundo o facilitador local do projeto, em todas
193
as reuniões a questão referente à forma como as empresas estabeleciam o preço do leite
acabava sendo discutida, mesmo que esse assunto não estivesse na pauta da reunião.
Na realidade, acredita-se que, pelo menos uma parte dos agricultores que
participavam do Projeto Microbacias, tinha claro que a melhoria da renda passava pelo
domínio e organização do mercado do leite de tal forma que se constituísse em
oportunidades econômicas para eles. Além disso, o assunto sobre o valor pago pelo leite
era recorrente nas reuniões porque, embora não explicitassem, os agricultores sabiam que
além de ser uma forma injusta de valorizar o produto dos que vendiam leite em menor
volume, também era uma forma de imposição de um modelo sócio-técnico baseado no uso
de insumos externos.
Todavia, a criação da cooperativa não representou uma unanimidade, como os discursos
podem levam a crer. Na verdade a cooperativa foi constituída por 48 das 108 famílias
moradas da Microbacia Lajeado Perau. Os agricultores que estavam sendo beneficiados
por essas formas de pagamento evidentemente preferiam que no âmbito do projeto
microbacias fosse discutido e implementado outras ações. Ao contrário das inovações que
são incrementais, as novidades representam mudanças radicais e por isso sempre acabam
por “infringir” os códigos de conduta vigentes. Como explica um dos agricultores, sócio da
cooperativa: “tinha sempre uma turminha dizendo que isso não vai dar certo”. Além disso,
a produção de “novidades” é crescentemente obstruída por grande parte das instituições
que dão forma ao pacote tecnológico. “sempre havia um questionamento sobre os motivos
de criar uma cooperativa se já existia uma no município”.
Por esse motivo os agricultores que constituíram a cooperativa julgam que o projeto
representou um espaço importante para reunir os descontentes, legitimar e possibilitar
ações coletivas para fazer frente a essa situação.
Naquele dia saímos com a comissão formada para estudar a possibilidade de
vender o leite em grupo. Foi naquelas reuniões da microbacia que a idéia
começou a tomar forma. A gente trabalhou em cima da criação de um grupo. [...]
antes a gente sempre comentava com um e com outro para fazer alguma coisa
contra essa forma de pagamento. Mas nunca sentamos para ver, para analisar,
para discutir. Ficava no é, pode ser’, mas nunca dissemos vamos!’. Por isso,
nunca fomos atrás. Nunca fomos pra frente. Mas naquelas reuniões da
microbacia criou-se essa oportunidade. fomos e pegamos juntos. (Entrevista
26, maio de 2008)
Não bastava apenas criar a oportunidade de discutir e o desejo de mudar. A maioria
das novidades atravessa a fronteira do desconhecido. Ela está fora dos limites das unidades
194
produtivas. Isso exige novos conhecimentos, novas habilidades. O baixo grau de instrução
formal precisa ser superado com trabalho coletivo.
Novos conhecimentos foram necessários. Uma pergunta sucedia outra. Qual a
forma de organização? Quais leis precisavam ser obedecidas? Como vender o leite
coletivamente? Como negociar e com quem negociar o leite? Como oferecer o leite para as
empresas? Como transportar o leite? Enfim, muitas indagações foram surgindo. Foi preciso
promover muitas reuniões, algumas palestras, intercâmbios, excursões. Fazer conexões
com outras organizações, com pessoal técnico, com profissionais liberais, com outros
agricultores que participam de experiências semelhantes. Depois de um ano e meio de
muitos encontros, reuniões e palestras a cooperativa estava criada e a primeira venda foi
efetivada. Dois meses antes dessa primeira venda efetiva a cooperativa celebrou contrato
informal com uma empresa da região que desistiu da compra do leite dois dias antes de
iniciar a coleta. Segundo o atual do presidente da cooperativa isso foi uma “paulada! Como
vamos explicar isso. O pessoal todo esperando para começar a vender o leite em grupo”.
Os sócios avaliaram que foi tudo muito bem planejado por parte das empresas “eles
queriam apagar a chama que estava queimando”. A estratégia da empresa para
desmobilizar o grupo acabou produzindo um efeito contrário. A idéia da formação da
cooperativa ficou ainda mais fortalecida. O intercâmbio com outras experiências de
agricultores organizados em grupos de comercialização em andamento na região permitiu
o amadurecimento da proposta inicial.
Houve muito trabalho voluntário. Quando tinha reunião todos estavam lá. A
maioria dessas reuniões era durante a noite, para não gastar muito tempo. E não
foram poucas as reuniões. Às vezes, tinha duas ou até três reuniões por semana.
Então, quando surgia alguma novidade as pessoas já se comunicavam e era
marcada uma reunião. s aprendemos muito... A gente aprendeu que é preciso
manter segredo sobre o que vamos fazer. O segredo é não comentar fora da
cooperativa as ações que vão se colocadas em prática (Entrevista 27, maio de
2008).
A cooperativa foi constituída legalmente e a novidade que credibilidade entre os
associados é que ela não possui capital imobilizado e os membros da diretoria não são
remunerados. Quando estão realizando algum trabalho para a cooperativa são
reembolsados das despesas e recebem o valor de uma diária calculada com base nos custos
de trabalho assalariado na agricultura. Um dos objetivos colocado para a criação da
195
cooperativa é que ela deveria se diferenciar das demais. Deveria buscar a participação e o
controle social, aglutinando-se em torno do capital humano e não do físico.
A negociação para a venda do leite é realizada por intermédio de uma carta convite
onde é ofertando o volume de leite a ser comercializado endereçada para todas as
empresas compradoras de leite na região. As propostas são analisadas pelo grupo e a
diretoria fica autorizada a formalizar um contrato com a empresa escolhida. Um aspecto
importante a ser destacado é que uma novidade origina outra, que são encadeadas em uma
“rede de novidades interligadas”, como denomina Ploeg (2008). Assim, outra novidade é
que o transporte do leite não é feito pela empresa compradora. A cooperativa terceiriza
o transporte do leite cujo transportador
77
é escolhido segundo a qualidade dos serviços que
oferece e o preço cobrado. A experiência de outras iniciativas semelhantes mostrou que o
transportador (freteiro) pode exercer um papel central na coesão do grupo, ou então, na
ligação dos agricultores e a empresa compradora. Além disso, a terceirização da rota (linha
do leite) demonstra que essa é de propriedade dos agricultores e não mais do transportador.
Na região existe a comercialização de “linhas de leite”, cujos preços chegam a ultrapassar
200 mil reais. Depois de subtrair os custos operacionais, a cooperativa remunera o leite
com o mesmo valor unitário para cada associado, independente do volume vendido. Desta
forma, a maioria dos agricultores associados à cooperativa passou a receber pelo leite
comercializado um valor até 40% superior ao que recebia anteriormente, mas em média
esse valor gira em torno de 10 a 15%. Esse ganho é explicado em parte, porque a
cooperativa elimina a especulação existente quando a venda é individual e também porque
a cooperativa contribui para diminuir os custos de transação.
Com o sucesso da cooperativa a sua área de abrangência passou da microbacia para
todo o município e atualmente congrega 163 associados, porém, o pensamento dos atuais
dirigentes da cooperativa é que ela permaneça com esse número de associados. No ano de
2006 a cooperativa comercializou entre trezentos e quatrocentos mil litros de leite por mês
e movimentou dois milhões e quinhentos mil reais no ano de 2006. Segundo informações
da prefeitura de Tunápolis a cooperativa já representa a terceira empresa em movimentação
econômica do município. A criação da Coomilp acabou por beneficiar ate mesmo aqueles
produtores de leite o associados, tendo em vista que o preço praticado pela cooperativa
se tornou referência para as outras empresas de leite que atuam no município.
77
O transportador do leite também é conhecido na região como “freteiro”.
196
Outras duas conexões estão se constituindo: uma com a municipalidade e outra com
o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Inserida no debate sobre o
desenvolvimento territorial promovido pelo MDA a Coomilp tenta negociar com a
municipalidade a concessão por comodato de uma antiga estrutura de resfriamento de leite
existente no município e transformá-la em um pequeno laticínio. Paralelamente tenta
negociar com o MDA, (Secretaria de Desenvolvimento Territorial) a concessão de crédito
da ordem de 200 mil reais para equipar e adequar a indústria às exigências legais e
sanitárias. Isso pode originar outra novidade que vai se somar a “rede de novidades”
criadas em torno da Coomilp.
A partir dessa descrição percebe-se que a discussão e a constituição da Coomilp
(que não difere muito das cooperativas articuladas com a Ascooper) envolveram
complexas relações de participação entre os indivíduos e o coletivo e um dos seus
resultados é a aprendizagem, que se traduz em novas formas de organização social e de
novas conexões. Na realidade os agricultores estão construindo espaços de manobra
buscando obter autonomia em relação ao mercado e construir conexões com outras
organizações e instituições. Embora a criação dessas cooperativas seja resultado de
conexões e alianças, elas também são motivos de oposição por diversas razões: de certa
maneira, elas alteram as “regras estabelecidas”, os esquemas culturais, e originam conflitos
de toda a ordem (social, econômico, político, etc.).
5.2.2 A agroecologia e a agricultura econômica
Grande parte da crise da agricultura do Oeste de Santa Catarina relaciona-se como
as “desconexões” dos elementos estruturantes que conferiam especificidades a ela (Ploeg,
1992b) e que é resultado da crescente externalização do processo produtivo provocada pela
modernização da agricultura. Segundo Schmitt (2002), a crise vivenciada pelos
agricultores familiares do Sul do país tem sido um estímulo à expansão da proposta
agroecológica
.
A partir dessa constatação, desde o final da década de 1990 no Oeste de Santa
Catarina têm-se intensificado o debate em torno da agroecologia. Os sindicatos ligados a
base da Federação da Agricultura Familiar da Região Sul do Brasil (Fetraf-Sul), setores
progressistas da Igreja Católica e Luterana, o Movimento dos Sem Terra (MST), o
197
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento das Mulheres Camponesas
(MMC) e outras ONGs que atuam no meio rural têm apostado na agroecologia como
estratégia para superar a crise. O Projeto Microbacias 2 que está sendo executado pela
Epagri também tem na agroecologia um dos seus principais enfoques. Em alguns
municípios onde se organiza feira municipal na tentativa de aproximar a produção ao
consumo, também as prefeituras municipais têm realizado ações voltadas à produção
agroecológica.
Segundo dados da Epagri (2008), existem em Santa Catarina mais de duas mil
famílias de pequenos agricultores que cultivam de forma agroecológica, com um
crescimento anual por volta de 15% a 20%. Também mostra que dez anos havia cinco
associações de produtores agroecológicos em Santa Catarina e que hoje passa de 60. Isso
representa em torno de 1% dos estabelecimentos agropecuários do Estado. Pode parecer
pouco, todavia, sabe-se que um número muito grande (difícil até de estimar) de
agricultores que se encontra na fase de transição da agricultura convencional para a
agroecológica.
Este trabalho não teve o objetivo de aprofundar o debate acerca da produção
agroecológica. Pretende-se apenas discuti-la como uma estratégia adotada por parte de
alguns agricultores familiares do Oeste de Santa Catarina para criar autonomia e se inserir
em um mercado distinto daquele da integração agroindustrial e no qual majoritariamente os
agricultores da região se envolveram e ainda continuam envolvidos. Também é nosso
intento entender em que medida a produção agroecológica pode contribuir para fazer brotar
um processo de desenvolvimento rural na região. Todavia, faz-se necessário tecer alguns
comentários sobre a agroecologia para poder situá-la na discussão.
No Brasil, o debate sobre a agroecologia tem início na década de 1980 e se
restringiu a um pequeno grupo de profissionais ligados às ciências agrárias e se concentrou
na crítica ao projeto de modernização da agricultura e na busca de tecnologias alternativas,
visto como forma de resistência ao avanço do capitalismo no campo. Nos últimos tempos,
o debate agroecológico ultrapassou o foco estritamente tecnológico e passou a incorporar
outros temas e problemática social.
O tema da agroecologia foi evoluindo de um conjunto isolado para um conjunto
articulado de experiências produtivas na década de 1990 e passa a ser incorporado
progressivamente por organizações de trabalhadores rurais, movimentos sociais e
organizações estatais. Mais recentemente, a agroecologia vem se configurando como um
198
projeto em construção de modelo alternativo de desenvolvimento rural que articula
diversos agentes sociais do campo da agricultura familiar (LUZZI, 2007, p. 3).
Em relação às organizações governamentais vale mencionar o trabalho elaborado
por um grupo de pesquisadores da Embrapa (2006), e por ela subscrito na publicação do
documento “Marco referencial em agroecologia”. De alguma maneira a elaboração e
publicação do documento mostram o reconhecimento da agroecologia por parte de uma das
mais importantes empresas de pesquisa agropecuária da América Latina, a qual teve suas
origens no projeto de modernização da agricultura. Embora não se trate propriamente de
uma inflexão na maneira da Embrapa pensar e organizar a produção de inovações
tecnológicas voltadas ao desenvolvimento agrícola, não se pode negar que a publicação
representa uma “cunha” que pode abrir passagem para outras transformações no regime
sociotécnico. Por um lado, a publicação do documento mostra que a trajetória das
organizações é resultado de uma conjugação conflituosa de forças. Por outro, também
mostra que a aparente linearidade da trajetória não expressa os focos de resistência interna.
O documento publicado pela Embrapa destaca que o termo agroecologia demarca o foco
de necessidade humana de orientar a agricultura à sustentabilidade multidimensional, que
se concretiza quando cumpre simultaneamente aspectos de sustentabilidade econômica,
ecológica, social, cultural, política e ética.
A passagem da produção agrícola convencional para a produção agroecológica,
segundo o documento da Embrapa, passa por diversas etapas tanto interna como externas.
A transição interna acontece em três etapas distintas. A primeira é caracterizada pelo
aumento da eficiência de práticas convencionais a fim de reduzir o uso e o consumo de
insumos escassos, caros ou ambientalmente danosos, cuja meta é aumentar a eficiência das
práticas convencionais diminuindo o uso de insumos. A segunda etapa caracteriza-se pela
“substituição de insumos e práticas convencionais por práticas alternativas”, benignas ao
meio. A terceira etapa compreende “redesenhar o agroecossistema de forma que ele
funcione baseado em um novo conjunto de processos ecológicos”, onde a meta é atuar
preventivamente, evitando que os problemas apareçam. (GLIESSMAN, 2001, p. 574).
A idéia da transição agroecológica, como definida pelo documento da Embrapa
parece estar bem próxima do que Ploeg (2002) chama de re-conexões” da produção
agrícola às especificidades dos seus elementos estruturantes como a natureza, as
peculiaridades locais e regionais da força de trabalho, a elaboração de produtos com
características culturais e regionais específicas, entre outras. Em outras palavras, a
199
transição agroecológica recobraria a arte de fazer agricultura e cuja expressão é
representada pela trajetória da recampenização, no sentido explicitado por PLOEG (2008).
Todavia, a idéia de transição agroecológica deixa a impressão de que, satisfeitas algumas
condições, a agroecologia poderia se estabelecer majoritariamente no espaço rural. Ao
longo deste trabalho se buscou demonstrar que a mercantilização e o avanço do
capitalismo no campo aumentam a diversidade do espaço rural que se expressa nos
distintos estilos de agricultura que emergem em resposta às forças estruturais e às
dinâmicas socioculturais que se estabelecem. Destarte, parece mais prudente aceitar a idéia
que a agroecologia possa representar apenas mais uma das trajetórias de desenvolvimento
agrícola, que estará evoluindo, competindo e convivendo com outras trajetórias.
A emergência e consolidação da produção agrícola baseada na agroecologia, em
uma região fortemente marcada pela agricultura modernizada, como é o caso do Oeste de
Santa Catarina, não ocorre sem dificuldades e conflitos. A presença de grandes
agroindústrias e cooperativas convencionais com seu corpo técnico fazendo um trabalho
diário de convencimento e, sobretudo de imposição do modo empresarial de produção
(onde se inscreve o modelo tecnológico da modernização), se constitui em um forte
inibidor e entrave à implantação, estabelecimento e expansão de uma proposta
agroecológica. Isso significa que a produção de “novidades” realizada pelos agricultores e
outros atores sociais, é crescentemente obstruída pelas instituições que dão forma ao
regime sociotécnico prevalente. Todavia, como bem demonstra o trabalho de Ploeg (2008),
tanto na Europa como na América Latina coexiste o modo camponês e o empresarial de
produção agropecuária, sendo que atualmente as características da “constelação
camponesa” vêm se fortalecendo através de novos processos de recampenização.
Acredita-se que grande parte da produção de leite do Oeste de Santa Catarina pode
ser considerada como um bom exemplo de produção de base agroecológica. A inserção
comercial da atividade leiteira na agricultura familiar teve sua origem da produção
destinada ao consumo familiar e de onde herdou uma base de recursos autocontrolada e
uma coprodução. Os recursos autocontrolados permitem que as trocas econômicas se
baseiem, ao menos em parte, com a natureza (terra, animais, planta, água) e um amplo
leque de recursos sociais (conhecimento local, redes sociais, instituições específicas).
Através da coprodução os recursos não são apenas convertidos em uma variedade de bens
e serviços, como são ao mesmo tempo, reproduzidos como recursos. Trata-se de uma
forma organizada de se distanciar dos mercados de insumos pois são produzidos
200
internamente ao mesmo tempo em que se vincula aos mercados de produto, como leite,
carne, animais de trabalho, etc. É exatamente essa forma de produzir, baseada nos recursos
internos e mão-de-obra familiar que confere sustentabilidade e competitividade para a
atividade.
Nos últimos tempos o debate sobre a agroecologia ultrapassou o foco estritamente
tecnológico e passou a incorporar outros temas e problemas sociais também importantes. O
tema agroecologia que inicialmente defendia a diversificação de cultivos, o uso de recursos
locais e a proteção ambiental, foi incorporando outras questões como soberania alimentar,
valorização do conhecimento local, construção de novas relações com o mercado e o
mercado como modo de vida.
Desta forma, desde o final dos anos 1990 cresce o número de instituições e
movimentos sociais que têm na agroecologia seu foco de ação. Entre as instituições que
desenvolvem alguma ação junto aos agricultores com vistas a fazer a transição para uma
produção baseada na agroecologia destaca-se a Apaco e algumas prefeituras municipais, a
Cooperbiorga, os Sindicatos da base da Fetraf e a Ascooper.
A Epagri, através do Centro de Pesquisa para a Agricultura Familiar de Chapecó,
desde os anos 1980 vem desenvolvendo algumas pesquisas tecnológicas que se coadunam
com a agroecologia. Dentre essas pesquisas destaca-se o estudo do comportamento de
plantas de coberta do solo para adubação verde e de adubação orgânica. Identificação,
seleção e produção de sementes de milho “crioulo”, a partir do qual o agricultor pode obter
suas próprias sementes para plantio futuro. No âmbito da extensão rural a Epagri elabora,
promove e ministra cursos sobre agroecologia voltados para os agricultores familiares.
Esses cursos são realizados tanto nas comunidades rurais quanto nos centros de
treinamento da Epagri. O Projeto Microbacias 2, que está sendo executado pela Epagri,
tem na agroecologia um dos seus principais focos. Destacam-se ações desenvolvidas na
área da produção de leite a base de pasto e a na soberania alimentar e a produção de
alimentos para autoconsumo.
A Cooperbiorga é uma cooperativa cuja sede se localiza no município de Mondaí,
que comercializa a produção agroecológica de 140 agricultores familiares de diversos
municípios do Extremo Oeste de Santa Catarina. Foi fundada em 2001 a partir de uma
pioneira associação de produtores agroecológicos constituída no final dos anos 1980.
Conta com a cooperação da Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil (IECLB)
para a realização de cursos de agroecologia e de cooperação agrícola. Os associados da
201
Cooperbiorga produzem e a cooperativa beneficia e comercializa a produção com base nos
princípios agroecológicos dos seguintes produtos: açúcar mascavo, farinha de milho
(crioulo), canjica amarela, amendoim, gergelim, pipoca, farinha de trigo integral, soja em
grão, feijão, arroz, trigo em grão, feijão adzuki, trigo mourisco, semente de milho crioula e
de adubação verde. Através de seus associados, produz, beneficia e comercializa. A
produção é certificada pela Rede Ecovida e comercializada para diversos pontos do Brasil.
Seis agricultores associados à Cooperbiorga possuem certificação reconhecida
internacionalmente, o que permite que a cooperativa exporte a produção desses associados,
inclusive a cooperativa já exportou suco de laranja para o mercado solidário (fair trade) da
Alemanha.
A Apaco se constitui em um importante ator social que a partir final dos anos 1990
passa a promover e animar o debate em torno da agroecologia. Criada no final dos anos
1980 com o objetivo de prestar assessoria aos grupos de cooperação agrícola e promover o
surgimento de novos tinha como eixo de ação a implantação de um novo modelo de
desenvolvimento (BADALOTI, 2003). Todavia, inicialmente suas ações se voltaram quase
que exclusivamente à adequação da produção familiar as exigências tecnológicas e de
escala impostas pelas grandes agroindústrias. Ao longo da década de 1990, no entanto, a
Apaco foi construindo parcerias que culminou com a formação de uma “Rede de
Viabilização da Agricultura Familiar do Oeste Catarinense”, onde se inseriu o Programa de
Agroecologia. Badalotti (2003), afirma que a diferença do Programa de Agroecologia
assessorado pela Apaco em relação às noções defendidas por outros agentes reside no
papel desempenhado pelos grupos de cooperação. Além da dimensão técnica, também
busca ressaltar a importância da autonomia do agricultor familiar. Nessa visão, a busca
pela autonomia deve acontecer desde a produção até a comercialização, inclusive contando
com a efetiva participação dos agricultores familiares no processo de certificação da
produção realizada pela Rede Ecovida de Agroecologia (Quadro 4). Diferente de outros
selos de comprovação de qualidade, a Rede Ecovida utiliza a certificação participativa,
organizada por núcleos que articulam os agricultores familiares e os consumidores. No
Programa de Agroecologia da Apaco constam atividades como produção de leite à base de
pasto, suinocultura ao ar livre, produção de sementes de milho crioulas, horticultura e
fruticultura.
202
Quadro 4 – A Rede Ecovida de Agroecologia
A Rede Ecovida de Agroecologia se constituiu em 1998 e surge no Sul do Brasil como resultado de
processos históricos realizados por organizações populares e não governamentais na construção de uma
alternativa ao modelo de agricultura modernizada. mais de 20 anos se vem construindo, no Sul do Brasil,
alternativas concretas de organização, produção e comercialização de alimentos baseadas em uma nova ética,
a partir de valores e princípios de respeito ao meio ambiente, de solidariedade, de cooperação, de respeito às
diferenças, de resgate à cultura local, de valorização dos seres humanos e da vida. Essa visão de agricultura
que carrega consigo uma nova proposta de desenvolvimento para a humanidade está se chamando de
agroecologia. Neste contexto, a Rede Ecovida de Agroecologia, surge como resultado do processo de
evolução e consolidação destas alternativas desenvolvidas ao longo dos anos agrega os mais diversos atores e
tem como princípios: a) ter a agroecologia como base para o desenvolvimento sustentável; b) trabalhar com
agricultores familiares e suas organizações; c) ser orientada por normativa própria de funcionamento e de
produção; d) trabalhar na construção de mercado justo e solidário; e) garantir a qualidade do processo por
meio da certificação participativa.
A rede é composta por associações, cooperativas e grupos informais de agricultores familiares ecologistas,
organizações de assessoria, associações e grupos de consumidores, pequenas agroindústrias, comerciantes
ecológicos e pessoas comprometidas com o desenvolvimento da agroecologia. Tem como um de seus
objetivos desenvolver uma marca/selo através de um sistema de certificação participativa que expresse
o processo e o compromisso com a qualidade da produção agroecológica. A rede tem como metas
fortalecer a agroecologia, disponibilizar informações entre os envolvidos e criar mecanismos legitimados
socialmente que garantam a qualidade dos processos desenvolvidos por seus membros. Desta forma, a Rede
Ecovida de Agroecologia é um espaço informal, sem estrutura legal, que reúne:
1 Agricultores familiares ecologistas, organizados em grupos nas comunidades e suas organizações
(associações, cooperativas, etc.);
2 – Organizações de assessoria em agroecologia;
3 – Consumidores e suas organizações (associações de moradores, cooperativas de consumo, etc.);
4 – Pessoas e organizações comprometidas com a agroecologia;
5 – Processadores e comerciantes de alimentos agroecológicos (pequenas empresas).
O seu funcionamento é totalmente descentralizado e se fundamenta na constituição de núcleos regionais. Os
núcleos reúnem todos os membros de uma região que contenha características similares, que possam facilitar
o intercâmbio de informações, que viabilizem o processo de certificação participativa e facilitem a
comunicação e o encontro dos membros. Para fazer parte da Rede Ecovida, os interessados devem ser
indicados por pelo menos dois membros atuais da Rede e ser aprovado pelo Núcleo Regional. Os núcleos têm
liberdade para conduzir suas ações e o processo de certificação, desde que sigam os princípios e normas de
produção, processamento e certificação da Rede. Orienta-se que cada núcleo elabore seu regimento interno
de funcionamento. Cada núcleo possui um Conselho de Ética, que mais que cumprir a função de fiscal, atua
como promotor do processo de intercâmbio entre seus membros.
A Rede Ecovida desenvolve seus trabalhos em mais de 170 municípios do Sul do Brasil, contando com 21
núcleos regionais (em distintos estágios de organização), que reúnem mais de 200 grupos de famílias
agricultoras (aproximadamente 2000 famílias), cerca de 30 ONGs, 10 cooperativas de consumidores e
diversas iniciativas de processamento e comercialização. No campo da comercialização, mais de 100 feiras
ecológicas são realizadas pelas organizações que integram a Ecovida, além destas, existem experiências de
comercialização nos chamados mercados institucionais, nos municípios e estados; venda a supermercados e
alguns processos de exportação.
Fonte: Construído pelo autor a partir de Santos (2007), grifos nossos.
Além das três organizações acima mencionadas, existem outras que também têm a
agroecologia como uma diretriz a orientar suas ações. Entre elas cita-se o Movimento dos
Sem Terra (MST), O Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (CAPA
78
), o Movimento das
Mulheres Camponesas (MMC) o Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB), o
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), os Sindicatos da base da Fetraf. Também a
Ascooper tem como princípio a agroecologia, com a produção de leite a base de pasto,
78
Organização não governamental ligada à Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil.
203
fitoterapia e homeopatia. Essa tem projeto para industrializar parte desse leite e
comercializar com a marca socialmente reconhecida como sendo um produto originado da
produção agroecológica de base agricultura familiar. As feiras livres e as “casas colônias”,
que têm surgido em quase todos os municípios da região, também representam um local
privilegiado de comercialização e o ponto de encontro entre a produção da agricultura
familiar (agroecológica, artesanal, etc.) e o consumidor local.
Os dados apresentados na TAB. 22, retirados de uma pesquisa realizada pelo
Instituto Cepa/SC em 2001, revelam o número de propriedade que comercializam a
produção orgânica e a área produzida. Verifica-se que na região Oeste catarinense se
concentra a maior área e número de propriedades que produzem de forma orgânica. Os
dados referem-se apenas ao grupo que comercializa formalmente a produção e por isso
acredita-se que a produção agroecológica seja muito maior. A pesquisa do Cepa/SC
comprovou, no entanto, a importância da feira livre na distribuição de produtos orgânicos,
sendo que 56% declararam que usam essa forma de comercialização, enquanto que 46%
vendem direto ao consumidor na propriedade e 39% vendem para distribuidores e
atacadistas.
Tabela 22 Propriedades com produção orgânica e área destinada à produção
orgânica, segundo as regiões de Santa Catarina, 2001
Propriedades Área com produção orgânica (ha)
Regiões
Quantidade Percentual Quantidade Percentual
Oeste 307 43,5 2508 42,4
Norte 104 14,7 880 14,9
Serrana 46 6,5 920 15,5
Grande Florianópolis 58 8,2 587 9,9
Sul 113 16,0 634 10,7
Vale do Itajaí 78 11,0 393 6,6
Santa Catarina 706 100,0 5922 100,0
Fonte: Instituto CEPA/SC (2002).
A produção agroecológica representa a construção de novos estilos de agricultura
que estão sendo construídos, testados e adaptados pelos agricultores na busca de maior
autonomia e na criação de espaços de manobra. Trata-se de certo distanciamento em
relação aos principais mercados de insumos e o redescobrimento da arte de fazer
agricultura”. Por outro lado, a construção e o fortalecimento de mecanismos alternativos
de comercialização, para grande parte dos agricultores familiares que anteriormente
estavam integrados ao modelo de integração agroindustrial, representam algo novo. Uma
204
verdadeira novidade que coletivamente vai sendo construída, aprendida e se adaptando aos
formatos organizacionais e aos distintos tipos de agricultores. Trata-se de um processo de
recampenização, nos termos definido por Ploeg (2008) e que se desenvolve em vários
níveis, em várias dimensões e que envolve muitas pessoas e organizações.
A produção agroecológica originada da agricultura familiar vem desenvolvendo
inúmeras novidades no campo da produção, organização e comercialização. Nesse sentido,
grande parte das experiências produtiva e comercial da produção agroecológica está
voltada para o abastecimento local de alimentos, especialmente dos produtos
comercializados em feiras livres municipais. Embora ainda seja relativamente pequeno o
número de agricultores agroecológico do Oeste de Santa Catarina que se insere
dinamicamente no mercado a atuação deles possibilita um ambiente propício à geração de
novidades (tecnológicas, organizacionais, etc.) e promove um aprendizado que acaba
sendo apropriado por toda a região. Essas experiências também representam uma
demonstração de resistência e contraponto ao modelo da modernização da agricultura.
Todavia, cabe ressaltar que embora se observe um crescente interesse e
engajamento da agricultura familiar em relação à produção agroecológica, grosso modo,
também é possível constatar certo ceticismo por parte dos agricultores e do pessoal técnico
em relação a essa alternativa produtiva e mercadológica. A dinâmica agroindustrial do
Oeste de Santa Catarina ainda ocupa um espaço econômico e de influencia preponderante.
5.2.3 Agroindustrialização familiar e agregação de valores
A partir do final década de 1990 a região Oeste de Santa Catarina criam-se novas
oportunidades de inserção no mercado de uma produção que não era estranha aos colonos
da região pois faz parte da sua cultura, da sua história e do seu cotidiano. Trata-se da
transformação/beneficiamento ou industrialização da produção agropecuária da agricultura
familiar. Mas agora esse beneficiamento não está voltado apenas para o consumo da
família e a venda do excedente. A agregação de valores aos produtos primários via
transformação ou industrialização, representa uma alternativa de renda compatível com a
baixa disponibilidade de terra da maioria dos agricultores da região. Além disso, avanços
tecnológicos industriais têm disponibilizado equipamentos capazes de processar de forma
205
eficiente, pequenos volumes e de atender aos padrões de qualidade e sanidade exigidos
pelo mercado.
Esse processo de agroindustrialização representa a antítese ao que Goodman et al.
(1985) denominaram de “apropriacionismo”. Agora trata-se de uma “reapropriação”
agroindustrial de atividades no âmbito da agricultura familiar (WILKINSON, 2008, p. 52).
Ela acrescenta valores
79
à produção primária e, por isso, faz parte de parte de estratégias
mais abrangentes na busca por autonomia e na reprodução social da unidade familiar.
[...] em 1985 teve a primeira grande ocupação, nós fomos uns dos primeiros
assentados. s vínhamos trabalhando na forma tradicional da pequena
agricultura. Também tinha alguns pequenos grupos isolados de trabalho coletivo.
A partir de 1992 começamos a discutir outra forma de poder resistir à crise que
estava presente e se agravando a cada ano. Então começamos a discutir a
industrialização da nossa própria produção agrícola (Entrevista com assentado da
reforma agrária).
O processamento e a industrialização desses produtos utilizam vários recursos,
entre eles o saber-fazer, a habilidade herdada e aprendida ao longo do tempo e o
conhecimento na produção agropecuária. Trata-se de uma mudança significativa na forma
de atuação dos agricultores, pois com a agroindústria familiar rural incorpora-se à
produção primária o setor secundário da cadeia produtiva. Trata-se de uma ressignificação
do próprio papel desempenhado pelo agricultor, que passa a atuar não apenas na esfera da
produção de matéria-prima, mas também na transformação/industrialização. Todavia, essa
reapropriação exige novos conhecimentos e equipamentos, novas formas organizacionais e
alianças estratégicas e cujo resultado se expressa na reconexão com o mercado. A novidade
representada pela agroindústria familiar rural é que ela possibilita aos membros da
agricultura familiar se aventurem para além dos limites da propriedade, desenvolvendo
novos talentos, novas habilidades e novos conhecimentos, em um processo contínuo de
aprendizagem.
Portanto, a agroindustrialização familiar rural es sendo construída a partir dos
recursos disponíveis nas unidades produtivas e nas comunidades e dos novos recursos que
são criados a partir da produção de uma gama de novidades. A agroindústria familiar rural
está localizada no meio rural, industrializa ou transforma a produção própria do agricultor
ou obtida parcialmente na vizinhança e a maior parte da mão-de-obra utilizada provém da
79
Utilizou-se valores no plural porque não se trata de agregar apenas valor econômico à produção
agropecuária. Ela também pode estar acrescentando valor cultural, valor social, valor ambiental ou valor
simbólico, etc.
206
família. A escala de produção é baixa e as máquinas e equipamentos o relativamente
menores. A posse e a gestão do empreendimento pode ser individual ou coletiva, reunindo
uma ou mais famílias, aparentadas ou não e que constituem uma associação, cooperativa,
condomínio ou sociedade comercial.
Embora a agroindustrialização familiar tenha se originado do processamento de
alimentos e matérias-primas promovido pela família visando ao auto-abastecimento, Mior
(2005, p. 191) distingue-a da agroindústria familiar rural. Segundo o autor, esta é uma
forma de organização em que a família rural produz, processa e/ou transforma parte da sua
produção agrícola e/ou pecuária, visando à produção de valor de troca que se realiza na
comercialização, enquanto o processamento de alimentos e matérias-primas visa
prioritariamente à produção de valor de uso que se realiza no autoconsumo. Segundo o
autor, outra importante característica que distingue o processamento e a transformação de
alimentos da agroindústria familiar rural é que esta se constitui em um novo espaço e em
um novo empreendimento social e econômico, enquanto aquela ocorre geralmente na
cozinha da casa e está relacionada com os hábitos alimentares de uma determinada região.
No Oeste de Santa Catarina o processo de agroindustrialização familiar rural que
foi muito bem analisado por Mior (2005) começa a se desenhar de forma mais clara a
partir de meados dos anos 1990. Com a explicitação da crise do modelo de
desenvolvimento, alguns agricultores familiares com maior experiência na transformação
artesanal incrementam essa produção e passam a comercializar em feiras livres e naquilo
que se denomina de comércio “de porta em porta”. Posteriormente, criam pequenas
unidades agroindustriais, organizadas individualmente ou em grupo e, muitos deles,
contam com o apoio dos cursos de agroindustrialização ministrados pela Epagri e pelo
trabalho organizativo da Apaco. Por outro lado, a revalorização da agricultura familiar por
importantes segmentos sociais resultando na criação do Pronaf e o crescimento do
debate que enfatiza outros atributos para o espaço rural, além daquele destinado
exclusivamente à produção agrícola, coloca nesse contexto a agroindustrialização familiar
como uma importante alternativa à geração de postos de trabalho e ampliação da renda da
agricultura familiar, promovendo assim, o desenvolvimento rural.
Nos anos 1990, quando a Epagri começou com os cursos de processamento
artesanal de alimentos, os embutidos, os laticínios, os panificados, o objetivo
principal não era que o agricultor passasse a industrializar para o mercado. A
idéia era que ele melhorasse a qualidade e aumentasse a quantidade produzida
para a família. Então a gente viu que muitos dos que vinham fazer os cursos já
207
estavam produzindo para vender. Sabe? Por conta própria mesmo... nessa lógica
de tentar buscar alternativa para a propriedade. [...] por outro lado teve a pressão
do ministério público porque muitos agricultores passaram a vender nas feiras
livres municipais e nos mercadinhos, leite, ovos, queijo, embutidos, tudo sem
inspeção sanitária. A Epagri teve que dar uma resposta para isso... tentar adequar
os agricultores às exigências sanitárias. [...] então, praticamente desde 1998 que
a Epagri da região de Concórdia sempre teve pessoas com tempo... com
dedicação integral para trabalhar o projeto de agroindústria familiar. (Entrevista
nº 13, maio de 2008).
Dessa forma, começa a criar ambiente institucional favorável à discussão e
implantação de instrumentos que favoreçam a emergência de empreendimentos de
industrialização familiar. No âmbito legislativo passa a ser discutido uma legislação
específica e adequada para a legalização e o funcionamento de pequenas agroindústrias
(SCHMIDT, 2003, p. 273). Da mesma forma, no âmbito municipal algumas
administrações passam a trabalhar na elaboração e aprovação de leis específicas
relacionadas ao tema da inspeção sanitária.
Destarte, em 1996, o Governo Estadual cria o Programa Catarinense da Indústria de
Pequeno Porte Proind, com o objetivo de conceder apoio técnico e financeiro a
empreendimentos rurais no meio rural (EPAGRI, 1996). Em 1998, o Estado de Santa
Catarina regulamenta a Lei Estadual que dispõe sobre o Programa de Fomento e de
Desenvolvimento da Pequena Agroindústria Familiar e Pesqueira e cria o selo de qualidade
Sabor Colonial para os produtos oriundos das agroindústrias de características
familiares.
Nesse ambiente de discussão é que em 1998 nasce o Programa de Desenvolvimento
da Agricultura Familiar Catarinense pela Verticalização da Produção (Desenvolver) e que
foi financiado parcialmente pelo CNPq. O programa previa a concessão de bolsa de
fomento tecnológico para a contratação de profissionais de diversas áreas para fazer
assessoria e acompanhamento técnico em todas as etapas da cadeia produtiva,
compreendendo desde a produção da matéria-prima até a colocação dos produtos no
mercado formal. Em 1998, a Epagri lidera o Projeto Agroindústrias Associativas dos
Agricultores Familiares do Oeste Catarinense Pronaf Agroindústria, que contou com a
parceria da Apaco e teve como principal objetivo promover o surgimento ou a
reestruturação, bem como a consolidação de agroindústrias familiares rurais.
Além da constituição e organização das agroindústrias familiares, outra importante
novidade que nasce na esteira desse processo foi a criação, em 1999, de uma rede formada
por pequenas agroindústrias e representada pela Unidade Central de Apoio das
208
Agroindústrias Familiares do Oeste catarinense UCAF. Trata-se de uma entidade civil
sem fins lucrativos que tem como objetivos a prestação de serviços de assessoria às
agroindústrias que vai desde a produção da matéria-prima até o planejamento, a gestão, o
controle da qualidade, o marketing e a comercialização. A UCAF também pode representar
as agroindústrias e fazer a mediação com órgãos governamentais em relação às políticas e
serviços públicos, com os fornecedores e com o mercado. A estrutura física da UCAF é a
mínima possível representada por uma pequena sala localizada junto à Apaco
aproximando-se de um modelo organizacional virtual.
A UCAF tem a propriedade da marca coletiva “Sabor Colonial” que pode ser usada
pelas agroindústrias familiares como selo de certificação e referência da qualidade,
procedência e legalização do produto. Juntamente com a marca coletiva, a UCAF
disponibiliza o Código de Barras que em geral é exigido pelos supermercados como uma
condição para a efetivação da compra. Cabe destacar que os serviços prestados pela UCAF
são realizados com menores custos uma vez que, ao congregar diversas agroindústrias,
consegue obter ganhos de escala e de escopo e diminuir custos de transação. Por ocasião
desta pesquisa, a comercialização estava sendo realizada quase que exclusivamente pelas
agroindústrias individuais, no entanto, a idéia é que em alguns casos a UCAF possa fazer a
intermediação da venda e ofertar uma gama de produtos com escala compatível para
acessar o mercado local e regional. Isso acontece em municípios onde a UCAF
participou da licitação e passou a comercializar parte da produção das cooperativas través
do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do Governo Federal.
A forma organizacional proposta pela UCAF começa na comunidade rural onde
grupos de agricultores que têm em comum alguma forma de cooperação vão constituir as
agroindústrias (membros da família ou não). Para legalizar o empreendimento, os sócios
das agroindústrias ou de várias delas, constituem cooperativas, as quais se articulam com a
UCAF. Nessa forma de organização há um processo de descentralização e de promoção do
protagonismo dos agricultores familiares, que são responsáveis pela produção da matéria-
prima, por seu processamento e industrialização, assim como pela comercialização (MIOR,
2005, p. 232). O respeito, a democracia, a cooperação, a solidariedade e a participação dos
grupos na tomada de decisão são os princípios que orientam a relação entre e dentre os
membros da UCAF e dos grupos formados pelas cooperativas.
Além dos princípios que devem orientar a relação social dos membros da rede,
também exigências de ordem tecnológica e organizacional para que os grupos possam
209
participar da UCAF, tais como: observar o modo de fabricação artesanal da produção
agroindustrial; produzir segundo princípios agroecológicos; estar em conformidade com a
legislação sanitária e tributária e ainda processar no mínimo 80% de matéria-prima
produzida pelos membros do grupo.
Segundo informações do coordenador da UCAF, em setembro de 2007 estavam
organizadas em torno da UCAF 12 cooperativas de agricultores familiares, distribuídas em
19 municípios do Oeste de Santa Catarina. Essas cooperativas congregavam 117
agroindústrias familiares grupais que envolvia mais de 600 famílias. O conjunto dessas
cooperativas produzia 784 itens, tais como, embutidos em geral, laticínios, mel, derivados
de cana-de-açúcar, ovos, panifícios, conservas e doces.
Na região Oeste de Santa Catarina a Epagri também representa um importante
mediador que vem desenvolvendo ações, mobilizando e animando os agricultores
familiares e outros atores locais e regionais com o objetivo de discutir e implementar um
processo de agroindustrialização autônoma entre os agricultores familiares. Desde o início
dos anos 1990 realiza uma série de cursos destinados a agricultores (as) e voltados à
agroindustrialização e transformação artesanal de alimentos. Embora carente de articulação
com outras iniciativas voltadas à efetiva inserção da produção no mercado, os cursos têm
um importante papel na melhoria da qualidade da produção e na sinalização de que o
agricultor familiar da região poderia construir outros caminhos além da produção de
matéria-prima. Cabe registrar que todos os entrevistados envolvidos com a iniciativa de
agroindustrialização familiar fizeram referência à realização dos cursos ministrados pela
Epagri. Além de ministrar os cursos voltados a agroindustrialização de alimentos em
pequena escala, em 1998 a Epagri também lidera o Projeto “Agroindústrias Associativas
dos Agricultores Familiares do Oeste Catarinense”, construindo estreitas parecerias com
outras organizações representativas da agricultura familiar, sobretudo com a Apaco. O
planejamento estratégico e o plano anual de trabalho da Epagri desde 1999 prevêem a
execução de um projeto de abrangência estadual que contempla ações de pesquisa e
extensão rural na área da agroindustrialização familiar rural. Assim, o projeto
“Desenvolvimento da Agroindústria Familiar Rural e Pesqueira de Santa Catarina”,
executado pela Epagri em todas as regiões do Estado, tem flexibilidade para adaptar
regionalmente a forma de trabalho e as ações às necessidades e particularidades locais.
Desta forma, as microrregiões de Chapecó e o Miguel do Oeste optaram por trabalhar
preferencialmente na assessoria e orientação na implantação e acompanhamento de
210
empreendimentos rurais geridos individualmente pelos agricultores familiares. Na
microrregião de Concórdia, no entanto, além do assessoramento individual a cada
empreendimento, a Epagri também realiza um trabalho de organização coletiva dessas
iniciativas.
Dessa forma em cada município que compõe a microrregião de Concórdia ocorreu
um processo de mobilização e discussão que, a partir de 2003, culminou com a
constituição de 13 cooperativas municipais que congregam os empreendimentos
individuais ou coletivos de agroindustrialização familiar rural. Essas cooperativas têm
como principais objetivos a articulação e comercialização da produção das agroindústrias
familiares associadas; o registro de marcas e rótulos; a realização de marketing e
propaganda; a realização da contabilidade das unidades; a distribuição equitativa tanto dos
seus custos e encargos quanto dos seus excedentes; a organização da compra coletiva de
insumos e equipamentos para agroindústrias e a participação nas licitações para venda dos
produtos em mercados institucionais. A constituição das cooperativas se com o
entendimento que ela deve ser um instrumento de inclusão social e de desenvolvimento
rural. Por isso, considera que deve haver um limite máximo de produção por agroindústria
familiar e cujo parâmetro é a mão-de-obra própria. O Anexo A apresenta o regimento
interno elaborado pelos sócios de uma das cooperativas e onde constam os direitos e as
obrigações da cooperativa e seus associados, bem como a forma que se constitui e se
organiza.
Uma novidade importante é que a cooperativa possibilita que as agroindústrias
familiares se estabeleçam formalmente e atendam todas as exigências legais sem que os
agricultores envolvidos na agroindustrialização percam a condição de segurado especial do
Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Desse modo, as agroindústrias podem
comercializar seus produtos e emitir nota fiscal em nome da cooperativa. Para tanto, é
necessário que os proprietários de cada agroindústria se associem à cooperativa e, através
de um contrato de comodato, transfiram a ela a cessão de uso da unidade. Dessa forma, a
agroindústria familiar passa a ser uma unidade descentralizada da cooperativa e a produção
pode ser comercializada em nome da cooperativa. No rótulo do produto consta o nome da
cooperativa e a unidade (agroindústria familiar) onde ele foi processado. A cooperativa
contrata os serviços profissionais de veterinário e de contador, por exemplo, e as
agroindústrias fazem o ressarcimento dos custos desses serviços de forma proporcional ao
volume de suas venda. Essa é uma maneira que permite que às agroindústrias familiares
211
constituírem-se dentro do marco da legalidade, dividindo custos e melhorando a
competitividade.
A Epagri dá assessoria para a constituição e organização da cooperativa, mas a
cooperativa tem que andar com suas próprias pernas. Quem decide tudo é o
associado nas reuniões ou nas assembléias. Elaboram estatuto e regimento
interno. Os associados vão dizer como a cooperativa vai funcionar. Outro fator
que dá credibilidade para a cooperativa é que a diretoria não é remunerada. Outra
coisa... não tem capital imobilizado, não existe uma sede construída. A sede pode
ser em uma agroindústria familiar, na sala da casa de um dos sócios. Outra coisa
importante: a cooperativa não tem obrigação de vender a produção dos
associados. Cada um se vira... cada um vai correr para vender seu produto. Com
isso vai construindo mercado para quem vem atrás... porque um ajuda o outro.
(Entrevista nº 13, maio de 2008).
Após um longo período de discussão e amadurecimento da idéia, em maio de 2006
foi criada uma nova estrutura organizacional, representada pela Central das Cooperativas
da Agricultura Familiar do Alto Uruguai Catarinense (CECAF). Trata-se de uma rede de
comercialização constituída por 13 cooperativas singulares de abrangência municipal que
congregam as agroindústrias familiares e envolve 720 agricultores associados. A avaliação
é que as cooperativas de primeiro grau estão fazendo um importante papel de inserir as
agroindústrias familiares no mercado local e microrregional. A central das cooperativas,
por sua vez, foi criada com o objetivo de aumentar a escala e inserir a produção em um
mercado mais amplo. Com isso, acredita-se que essa iniciativa permita abrir espaço no
mercado local para que novas iniciativas possam se constituir e se inserir.
Atualmente a diretoria recém eleita da CECAF esanimando discussão com seus
associados e construindo alianças com outras instituições com vistas à realização de feiras
regionais buscando promover a produção da agroindústria familiar. A diretoria da CECAF
também tem se ocupado em construir parcerias com diversos atores sociais
80
, com o
objetivo de discutir características e normas de Indicação Geográfica Protegida (IGP) da
produção da agricultura familiar do Alto Uruguai catarinense, cujo selo possa ser usado
para identificar a produção das agroindústrias familiares articuladas com as cooperativas.
Portanto, essas são as novas conexões presentes na produção de novidades das quais
destaca Ploeg et al. (2004).
80
Sindicatos da agricultura familiar, prefeituras, Epagri, Embrapa, universidades locais e escola agrotécnica,
Sistema Cresol de Crédito Solidário, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Agricultura
Pecuária e Abastecimento, Ministério da Integração Nacional, entre outros.
212
Cabe mencionar que outras organizações do Oeste de Santa Catarina também têm se
ocupado de discutir e implementar estratégias que promovam o surgimento de
agroindústrias familiar rural como é o caso do Instituto Saga, ligado a Associação dos
Municípios do Oeste Catarinense (Amosc) e da Cooperativa dos Assentados de Reforma
Agrária (CooperOeste)
81
.
5.3 Efeitos das novidades
Em contraste com a dinâmica agroindustrial (Marsden, 2003), discutida no capítulo
quatro a partir do estudo do município de Coronel Freitas, que mostrou um quadro geral
de desânimo, insegurança e êxodo rural, as três experiências discutidas neste capítulo
revelaram a existência de atores sociais inovadores que reagem criativamente e exploram
novas vias de desenvolvimento. Elas estão enraizadas no conhecimento local, mas também
conseguem fazer importantes pontes de ligação com outros atores sociais, construir
inúmeras redes sociais e estabelecer novas conexões com o mercado. Isso cria um efeito
sinérgico que desencadeia novas atividades e estabelece o que Marsden (2003) chama de
dinâmica de desenvolvimento rural. Cabe destacar, no entanto, que tanto a dinâmica
agroindustrial quanto a do desenvolvimento rural se desenvolvem no mesmo território,
onde estão coevoluindo e competindo simultaneamente no tempo e no espaço. Em geral,
um observador menos atento terá dificuldades para perceber a dinâmica do
desenvolvimento rural: em primeiro lugar, isso acontece porque a dinâmica agroindustrial
ainda é preponderante; em segundo lugar porque ela representa um desvio das regras e,
por isso, é considerada apenas como uma anomalia passageira do regime sociotécnico.
Finalmente, porque ela pode estar “escondida” no que Ploeg (2008) chama de
“invisibilidade” dos camponeses.
De todo modo, as três iniciativas podem ser interpretadas a partir da noção da
produção de novidades. Elas emergem a partir de um conhecimento contextual e,
sobretudo, a partir da habilidade que os atores sociais desenvolvem ao longo do tempo,
com objetivo de agir coletivamente, possibilitando que os agricultores familiares criem
espaço de manobra para colocar em prática suas estratégias e a promoção das novidades.
Assim, as cooperativas voltadas à comercialização do leite, à produção agrícola baseada
81
Detalhes sobre essas duas iniciativas podem ser vistas em MIOR (2005).
213
nos princípios agroecológicos e à agregação de valores a partir da agroindustrialização
familiar apresentam duas características em comum e interrelacionada. Em primeiro lugar,
elas aparecem como uma resposta à diminuição da renda líquida da agricultura (squeeze).
Em segundo lugar, elas são a expressão da luta por autonomia e pela criação de espaços de
manobra em um ambiente de competição e assimetrias de poder.
A luta por autonomia empreendida pelos agricultores familiares, representada pelas
três novidades aqui discutidas, não ocorre somente no nível da unidade produtiva, ela
também acontece para além da “porteira” do estabelecimento. Emergem novas formas de
organização, de conexão e relação com outros atores e com o mercado, como é o caso das
cooperativas de comercialização de leite. O mesmo pode ser dito da produção
agroecológica e sua ligação ao mercado através de circuitos curtos de comercialização,
como acontece nas vendas em feiras livres ou nas casas coloniais, por exemplo. Também
as redes de cooperativas, representadas pela UCAF ou pela CECAF, o exemplos de
novas formas de organizações e conexões com outros atores sociais.
Como salientamos, a produção de novidades depende do repertório cultural de
onde ela emerge e, da mesma forma, está fortemente associada com o conhecimento
contextual. Quanto mais conhecimento contextual disponível tanto maior é a produção de
novidades. Todavia, as novidades personificam novas combinações de conhecimento.
Desta forma, a experiência obtida no uso da novidade amplia o estoque de conhecimento
territorial. Como explicam Ploeg et al. (2004), trata-se de uma recombinação dos vários
tipos e fontes do conhecimento tácito e codificado que, através de novas conexões
estabelecidas, gera novos conhecimentos. Desta forma, pode se dizer que seguramente um
dos efeitos positivos que se dá na produção de novidades é a socialização do conhecimento
tácito. Um exemplo disso vem do grupo de agricultores da microbacia Lajeado Perau que
discutia a idéia de constituir uma cooperativa de comercialização de leite. Por intermédio
da Epagri convidaram para troca de experiência uma associação de agricultores de um
município da região, a qual já vinha realizando uma experiência de comercialização
coletiva de leite.
[...] Dali para frente foi muito fácil para nós quando eles explicaram como
estavam se organizando. Porque eram os próprios agricultores que estavam
explicando. Para nós parecia quase impossível que eles estavam tão bem
organizados e conhecedores de tantos detalhes referentes à comercialização. Um
ano depois foram eles que nos pediram para ajudar em uma discussão e trocar
algumas idéias, porque eles também estavam “apertados” lá. Eles tinham a idéia
de comprar um caminhão e queriam saber da nossa experiência em relação a
214
isso. Parece que agora eles estão seguindo nosso exemplo de terceirizar o
transporte do leite. (Entrevista nº 23, maio de 2009).
Neste sentido, a secretária da Coomilp explica como aprenderam os primeiros
passos para comercializar o leite coletivamente:
Nós convidamos o pessoal do município de Princesa pra dar umas dicas, porque
faz tempo que eles vendem o leite em grupo. [...] eu não perdi uma palavra do
que eles falaram naquele dia. Escrevi tudo na ata. Eles falaram: ‘quanto mais
longe vocês negociarem o leite é melhor. Porque senão as outras empresas
sempre procuram ‘agasalhar’. Eles vão querer quebrar vocês. Quanto mais longe
vocês negociarem o leite é melhor. É o que está acontecendo aqui na
cooperativa. (Entrevista nº 8, maio de 2008).
Como vimos, trata-se de um processo “coletivo de aprendizagem” que incide, por
exemplo, nas técnicas, nos produtos, nos métodos de trabalho, nas formas de organização
da produção. Assim, por exemplo, quando os agricultores instalam uma agroindústria
familiar e se inserem em uma rede de comercialização (UCAF, CECAF) eles estão dando
um passo que vai além dos limites da propriedade e do seu conhecimento. Eles estão
“entrando no desconhecido”. Novas habilidades são necessárias e envolvem diversos
domínios do conhecimento: na construção civil, na área industrial e comercial, no campo
da legislação, novas formas organizacionais, na articulação com órgãos públicos ou com
ONGs, na construção de novas alianças e conexões. O excerto da entrevista com o
presidente da Coomilp ilustra dois aspectos importantes na produção de uma novidade: a
produção e compartilhamento do conhecimento adquirido no processo e as conexões que
são estabelecidas, nesse caso aparece a terceira conexão que se deu com o profissional que
faz a contabilidade. As outras duas conexões anteriores foram com o pessoal técnico da
Epagri e com o grupo de agricultores de outro município. Além dessas três importantes
conexões, também foi necessário estabelecer uma série de articulações para que a novidade
pudesse se estabelecer.
[...] a discussão passou a ser se devíamos formar uma associação ou uma
cooperativa. Depois de promover reuniões e palestras com especialistas sobre o
assunto decidimos forma uma cooperativa porque ela pode fornecer nota fiscal e
a associação não pode. A emissão da nota fiscal é indispensável, tem que ter. [...]
Então essa foi uma das nossas discussões. Depois foi o “tipo” de cooperativa que
nós queríamos. [...] Isso não foi uma coisa fácil, porque nos não tínhamos
conhecimento sobre o que e como fazer. Chamamos um contador, mas nem
mesmo ele sabia todas as coisas. Era muita papelada, mas a gente aprendeu
junto. Hoje se alguém quiser criar uma cooperativa como a nossa, seria muito
fácil, já temos conhecimentos(Entrevista nº 23, maio de 2009).
215
Portanto, no processo de produção de novidades novas experiências são traduzidas
em novos conhecimentos que por sua vez inspiram novas práticas. Mas esses novos
conhecimentos não restringem ao campo individual, trata-se de uma aprendizagem coletiva
que enriquece o conhecimento contextual e vai se irradiando pelo território.
5.3.1 Efeitos endógenos
As mudanças no espaço rural podem ser conduzidas tanto por processos exógenos
(mudança de clima, políticas, etc.) quanto por processos endógenos. Ventura et al. (2008)
afirmam que os processos endógenos ocorrem quando as novas maneiras de fazer coisas
(novidades) criam novos conhecimentos, novos arranjos institucionais ou conduzem a uma
transição do regime sociotécnico dominante.
O desenvolvimento endógeno apresenta duas noções centrais: a forte presença dos
recursos locais e o seu controle local. Desse modo, a endogeneidade pode ser entendida
como: a) o grau em que a economia local e regional é construída sobre os recursos locais;
b) o grau em que os recursos são organizados e controlados localmente; c) o grau em que
os recursos locais são reforçados pela riqueza produzida localmente (OOSTINDIE et al.
2008, p. 53). A produção de novidades, por sua vez, se origina a partir dos conhecimentos
locais (conhecimento contextual) e apresenta íntima relação com a endogeneidade.
Além do enriquecimento do conhecimento contextual a construção das novidades
representada pelas três iniciativas que estão em curso no Oeste de Santa Catarina também
cria valores intangíveis como o aprimoramento das habilidades dos atores sociais para
construir novas formas de cooperação e agir coletivamente na solução dos problemas.
Neste trabalho, entrevistamos alguns associados da Cooperativa dos Agricultores
Familiares de Seara (Coopafas) que foi constituída em 1999 e está articulada com a UCAF.
Grande parte dos associados da cooperativa tinha experiência de trabalho coletivo. Nos
anos 1980 constituíram grupos para aquisição de insumos e mantimentos. Nos anos 1990
faziam parte dos grupos de cooperação agrícola da Apaco. Portanto, desde meados dos
anos 1980 que o grupo vem discutindo e construindo estratégias coletivas para criar
espaços de manobra na busca por autonomia. Um dos entrevistados do grupo fala a
216
respeito dos conhecimentos e habilidades que foram obtidas e aprimoradas ao longo do
tempo, sobretudo com a criação das agroindústrias familiares e da cooperativa.
[...] todos os que entraram na cooperativa cresceram muito em conhecimento. Na
área da sua agroindústria cada um domina o processo, a tecnologia e a forma de
produzir com qualidade. Outra coisa é a venda, o mercado. Todo mundo foi
aprendendo aos poucos como as coisas funcionam na comercialização. Todos
estudaram até a quarta série, mas eu acho que a gente tem outra escola que é a
nossa cooperativa, o nosso grupo. Todo mês a gente faz uma assembléia que
dura cinco a seis horas de debate. Serve pra gente ‘alinhara cooperativa. Há
muitas coisas que às vezes o divergentes, mas a gente se orgulha de nunca ter
decidido alguma coisa por votação. A gente discute até chegar a um acordo.
Convencendo os outros que esse é o melhor caminho. Essa prática nos já tinha
desde antes da cooperativa. Cada passo que a gente é um passo curto... é
demorado... mas é firme (Entrevista nº 22, maio de 2008).
Dessa forma, criam-se novos espaços de negociações e configurações
socioeconômicas. Nesse contexto, abre-se a perspectiva de haver ambiente favorável para
as legitimações e valorizações econômicas, sociais e ambientais da agricultura familiar e
da região.
As cooperativas de leite se constituem em exemplo de novas configurações
socioeconômicas e a criação de um ambiente favorável para a valorização de uma
iniciativa que muitos acreditavam estava predestinada ao insucesso, pois se originava de
agricultores pobres. A esse respeito o presidente de uma cooperativa articulada à rede da
Ascooper fez o seguinte comentário:
[...] e quando nós começamos, em 2002, tentamos fazer a “cabeça” do pessoal do
mercado, do pessoal da bodega, mas eles não acreditavam nos agricultores. Não
acreditavam que isso poderia dar certo. Estavam acostumados àquele ‘modelão’
grande. Por isso acho que eles estavam fechando as porta, quase quebrando. No
primeiro mês que nós vendemos leite, lembro muito bem, deu um total de 21 mil
reais. Pagamos em dinheiro vivo. Saiu mais de 50 agricultores gastando um
pouco na bodega ou pouco no mercado. [...] você não acredita, mas foi uma
movimentação no comércio. No mês seguinte “os caras” dos mercados
perceberam que era por mesmo. Agora eles confiam na gente. Têm
convicção... e dão apoio para a nossa iniciativa (Entrevista nº 12, maio de 2008).
O presidente de outra cooperativa de leite assim se expressou:
O pessoal hoje está mudando, quem antes falava mal agora está vindo ao nosso
encontro. Por exemplo, s recebemos uma proposta de supermercado
oferecendo desconto para os associados da cooperativa. Isso é um lado bom, né?
[...] o pessoal que antes batia em nós agora está correndo atrás. (Entrevista n° 32,
junho de 2008).
217
Ainda em relação aos recursos endógenos um aspecto importante a ser destacado é
que as novidades discutidas aqui de forma dinâmica promovem uma infinidade de
encontros, transações, interações que ligam pessoas, recursos, atividades e mercados. Isso
está sendo chamado por Ploeg (2008) de rede de novidades, as quais suportam muitas
atividades de desenvolvimento rural ao mesmo tempo em que desencadeiam novas
82
. Na
realidade a produção de novidades assenta-se na capacidade de estabelecer novas conexões
e que envolvem negociações e novas relações institucionais. Esse é o caso, por exemplo,
das agroindústrias familiares articuladas em torno da rede formada pela CECAF, que
passam a fazer conexões com a Secretaria do Desenvolvimento Territorial do Ministério do
Desenvolvimento Agrário e conexões com outros atores locais na discussão de uma IGP da
produção familiar do Alto Uruguai Catarinense. A idéia é definir as características e as
normas que identifiquem a qualidade da produção a partir da sua origem geográfica. Toda
a discussão e o trabalho de geração de uma imagem de qualidade associada à origem
geográfica da produção corroboram com a afirmação de Ploeg et al. (2004) de que a
produção de novidades pode apoiar a distinção territorial. Conexões semelhantes estão
sendo feitas pela UCAF que preconiza uma produção de base agroecológica e a
certificação participativa pela Rede Ecovida de Agroecologia. Também a Ascooper vem
discutindo com os associados das cooperativas singulares a possibilidade de industrializar
uma parte da produção de leite que se destaque pela qualidade ambiental e social da forma
de produzir. Para isso, vem promovendo cursos de agroecologia, sobretudo relacionado à
produção de leite a base de pasto e ao uso da homeopatia e fitoterapia na produção animal.
Dessa forma vai se formando a rede de novidades e fortalecendo aquilo que está sendo
chamado de ‘capital territorial’, o qual é composto pelos bens materiais e imateriais de
uma comunidade local.
Cabe destacar que em geral essas novidades têm promovido o aumento da
endogeneidade regional, isto é, o grau em que a economia local é construída e organizada
sobre os recursos locais. Ao contrário da dinâmica agroindustrial que atualmente importa
de outras regiões a maior parte dos insumos que utiliza no processo produtivo (milho, soja,
semente, medicamentos, etc.) a dinâmica de desenvolvimento rural, representada pelas três
novidades organizacionais, em geral assenta os sistemas produtivos nos recursos
82
Ploeg ressalta, no entanto que pode levar alguns anos até que uma rede de novidades ou rede rural esteja
constituída e capaz de sustentar um processo de desenvolvimento rural.
218
produzidos internamente à propriedade ou produzidos na região, como é o caso da
produção agroecológica.
5.3.2 Efeitos no processo produtivo
Como destacou-se acima, em contraste com a dinâmica agroindustrial, o processo
produtivo das novidades aqui estudadas, em grande medida, baseia-se no uso dos recursos
disponíveis localmente. As agroindústrias familiares articuladas com a rede UCAF, por
exemplo, têm na agroecologia a base dos seus sistemas produtivos, inclusive com a
manifestação expressa para que as agroindústrias articuladas à rede industrializem ao
menos 80% de matéria-prima própria. A rede formada pela CECAF não se posiciona a
respeito do sistema produtivo que devem adotar as cooperativas que estão articuladas a ela.
Todavia, preconiza que a produção industrializada não supere ao volume que pode ser
produzido com mão-de-obra familiar.
A produção e o uso de matéria-prima própria para a agroindustrialização familiar
conferem autonomia e competitividade à unidade produtiva. Trata-se do domínio e o
controle da base de recursos e ao duplo processo de produção e reprodução desta base de
recursos (co-produção). No caso da agroindústria familiar, a título de exemplo, cita-se a
produção de cana-de-açúcar que vai servir como matéria-prima no ciclo de melado ou de
açúcar. Desta forma, os recursos financeiros que seriam utilizados como capital de giro se
transformam em renda. A disponibilidade da matéria-prima em quantidade e qualidade e a
sua proximidade diminui os custos de transação que juntamente com economias de escopo
confere à produção da agroindústria familiar condições para competir com a produção em
grande escala.
As cooperativas de comercialização de leite articuladas à Ascooper recomendam
que seus sócios utilizem os princípios agroecológicos para a produção de leite (a base de
pasto e com o uso da fitoterapia e homeopatia). A Coomilp, por outro lado, não se
manifesta quanto ao sistema produtivo que deve adotar seus associados. Todavia, vale
lembrar que a maioria dos agricultores se articulou em torno da Coomilp para fazer frente
ao regime sociotécnico que busca impor sua trajetória tecnológica através de um preço
diferenciado para os aderentes.
219
Mesmo aqueles agricultores que têm construído suas estratégias sem a participação
de mediadores externos, buscam se afastar de uma trajetória tecnológica produtivista e
baseada na intensificação do uso de insumos externos. Na realidade, como explica Ploeg
(2008, p. 60), no modo camponês de fazer agricultura os ambientes hostis são enfrentados
através da renda independente, usando basicamente os recursos autocriados e
automanejados, os quais se orientam para a “produção e crescimento do máximo de valor
agregado”.
...chegou uma época que eu não agüentei mais na suinocultura; me tirou todo o
capital de giro, me tirou toda a estrutura. Durante essa crise, ali, as sucessivas
crises. Faz 12 anos que eu tive que parar [de produzir suínos]. Ao poucos fui
tentando descobrir alguma coisa que nossa família podia fazer para conseguir
ganhar dinheiro e se manter no meio rural. Como aqui não era longe da cidade,
começamos a vender na feira livre. Ela [a esposa] fazia panificados e eu cuidava
da horta. [...] fui mudando a estrutura da propriedade: aos poucos passei para a
produção agroecológica. Plantei mais uns pés de fruta no pomar, produzindo sem
uso de adubo e veneno... agroecológico, sabe? Também, soltei umas galinhas
caipiras no pomar, elas comiam os bichinhos e ainda podia vender na feira a
produção de ovos e de carne. Aos poucos a gente foi diversificando, produzimos
de tudo um pouco. Assim a gente vai... Cada dia aprendendo um pouco.
(Entrevista nº 3, maio de 2008)
A estratégia utilizada pelo entrevistado representa um claro exemplo da trajetória
de desenvolvimento que Ploeg (2008, p. 23) chama de recampenização e que representa a
“expressão moderna para a luta por autonomia e sobrevivência em um contexto de
privação e dependência”. Analisando a estratégia do entrevistado, além da busca por
autonomia também se identificam outras características apontadas por Ploeg (2008) como
próprias do modo camponês de fazer agricultura. Uma delas é a dependência da quantidade
e qualidade do trabalho. A outra, diz respeito à relação com o mercado. Quando o
entrevistado diz que aos poucos passa a produzir de forma agroecológica, que deixa de
usar adubo ou veneno, significa dizer que, em primeiro lugar, ele se volta às interações
positivas existentes na natureza e, em segundo lugar, denota um afastamento dos mercados
de produtos e também uma diminuição na mercantilização. Nas palavras de Ploeg (2008, p.
41), a produção agrícola representa um dos principais campos de batalha. Enquanto
mostrava a diversidade do “campo de batalha” representado pela sua propriedade de 2,4
hectares, um agricultor agroecologista, que comercializa a sua produção na feira livre do
município de Chapecó, descrevia algumas das imensas tarefas envolvidas no processo de
trabalho.
220
É tudo muito simples. Só tenho 2,4 ha de terra. Nessa parte alta vai a fruticultura.
Um pouco de pêssego, uns s de figo, laranja e uma plantação de amora ali ao
lado [...] Aqui, no meio das frutas, vai a fava. Essa eu também vendo na feira.
Ela fornece nitrogênio para as frutas. Na parte da metade pra baixo tem a horta.
Ali, naquele canto, estou montando as estufas, reformando... aqui no meio da
horta plantamos essa fileira de citrus. É para o nosso consumo. Na verdade a
gente não deixa de comer, mas vende também. [...] a laranjeira atrai os
pássaros... eles vão comer os insetos. [...] fazer agricultura convencional
qualquer um faz... nem precisa ser agricultor... é ler a receita e o modo de
aplicação do produto. [...] aqui tem umas galinhas de posturas, elas comem os
restos da horta. Os ovos a gente vende os que sobram. [...] aqui é um minhocário.
[...] ali na divisa da terra plantei uma fileira de cana-de-açúcar. [...] aqui é uma
pequena agroindústria... faço doces, geléias e vedemos tudo na feira. Faz cinco
anos que construímos. Essa máquina é para extrair suco de laranja... comprei
usada no RS. Faço o suco e vendo na feira e também para a prefeitura de
Chapecó colocar no restaurante popular. Agora também faço o suco para outros
agricultores. Eles trazem as laranjas e cobro o serviço por tonelada esmagada [...]
isso pra mim é uma boa. Posso fazer nas horas vagas e ainda fico com todo o
bagaço da laranja para usar na adubação da horta (Entrevista nº 6, maio de 2008).
A produção com base nos princípios agroecológicos é uma estratégia que vem
ganhando adeptos entre os agricultores familiares do Oeste de Santa Catarina. Trata-se de
sistemas agrícolas desviantes quando comparado com o regime sócio-técnico da
agricultura convencional. Mais especificamente, a agroecologia representa um processo
produtivo que tem na co-produção um dos seus princípios fundamentais. Algumas de suas
características são citadas por Gliessman (2001): a) incorporação de processos de
reciclagem de nutrientes, fixação do nitrogênio atmosférico e relações predador-presa; b)
gestão dos agroecossistemas, com ênfase na conservação do solo, da água, da energia e no
incremento da agrobiodiversidade; c) redução no uso de inputs externos e não renováveis;
d) integração das práticas e conhecimentos locais com o conhecimento proveniente das
instituições técnico-científicas; e) promoção e a criação de relações de confiança e
interdependência entre os agricultores, a população urbana e a rural.
A entrevista com uma família que comercializa na feira-livre do município de
Chapecó frutas e hortaliças produzidas de forma agroecológicos, bem ilustra o esforço
dos agricultores em superar as dificuldades e construir novas trajetórias tecnológicas.
Nesta comunidade nós fomos os primeiros a abandonar a avicultura. Depois,
também abandonamos a suinocultura. Logo no começo, quando a gente vendeu o
aviário, os vizinhos comentavam que estávamos fazendo uma loucura.
‘Venderam o aviário e vão viver do quê? Da roça?’ Eles diziam que pela pouca
terra que temos não tínhamos condições de viver da lavoura. Agora, acho que
eles estão convencidos que fizemos a coisa certa. Muitos ficam observando e
vem perguntar como eles podem fazer também. (Entrevista nº 17, maio de 2008).
221
O objetivo principal das estratégias que lançam mão esses agricultores, é tornar os
estabelecimentos menos dependentes de recursos externos. Na prática, torna-se necessário
o desenvolvimento, por parte dos próprios agricultores, de uma infinidade de técnicas
adaptadas tanto ao seu ambiente imediato, como a realidade cambiante das normas e regras
exigidas pelo mercado, um bom exemplo são as constantes adaptações para acender às
certificações. Estas situações constituem-se, portanto, um nascedouro de inúmeras
novidades constituindo o que Ploeg (2008) chama de ‘constelações de novidades’.
5.3.3 Efeito na renda
A melhoria da renda e da qualidade de vida foi, de forma inconteste, uma das
principais razões que deflagrou o processo de produção das três novidades. Discutiu-se que
a constituição das cooperativas de comercialização de leite foi motivada pela insatisfação
dos agricultores pela forma injusta que as agroindústrias remuneravam o leite. Os
agricultores acreditavam que as agroindústrias pagavam maior valor para os agricultores
que vendiam maior volume por meio do achatamento do preço pago aos agricultores mais
pobres e que vendiam menor volume de leite. Grosso modo, a maioria dos agricultores
associados às cooperativas de comercialização de leite manifestou na pesquisa que não
estava disposta ou não tinha condições (terra, mão de obra, capital) para aumentar o
volume de produção do leite.
Em maio de 2008 a Coomilp comercializa em torno de 300 mil litros de leite por
mês. A diretoria da cooperativa avalia que em média cada sócio ganha em torno de 200
reais a mais por estar vendendo coletivamente. Avalia também que um pouco mais de
20% dos seus sócios nunca havia comercializado leite que teve que parar de comercializar
leite, porque não vendiam o volume mínimo exigido pelas empresas compradoras ou
porque o freteiro estava disposto a transportar. As 14 cooperativas ligadas à rede da
Ascooper somam 2,5 mil associados e um volume total comercializado de 3,2 milhões de
litros por mês.
A produção agroecológica do Oeste de Santa Catarina destina-se, majoritariamente,
ao abastecimento local (municipal) de alimentos como hortaliças, frutas, carne de aves,
ovos e laticínios. Essa característica resulta no descobrimento e no desenvolvimento de
222
antigas e novas formas de articulação com o mercado e na construção de canais de
comercialização utilizados tanto por agricultores individuais como por grupos, associações
e cooperativas de agricultores familiares. Esse mercado se caracteriza pela relação face a
face entre o agricultor e o consumidor, que acontece nas feiras livres municipais ou mesmo
na venda de ‘porta em porta’, no domicílio do consumidor, na beira da estrada e pequenos
mercados locais e na própria unidade produtiva.
Dessa forma, desde meados dos anos 1990 as feiras livres passaram a estar presente
em quase todos os 118 municípios da região. Em geral, essas feiras acontecem uma ou
duas vezes por semana onde a relação de proximidade e os laços de confiança entre
agricultores e consumidores são marcas que as caracterizam. Parece que os circuitos curtos
de comercialização, cujo potencial ainda não está completamente dimensionado, voltam a
recuperar o protagonismo perdido e têm se revelado em uma importante estratégia de
inserção ao mercado de uma parcela dos agricultores familiares da região. Em menor
escala, os agricultores agroecológicos também têm construído oportunidades de
comercialização nas redes de supermercados locais e, até mesmo, para mercados mais
distantes. No entanto, essa venda mais distante, em geral, requer alguma garantia de
conformidade que garanta a origem e a forma de produção, podendo se constituir em uma
barreira para a inserção de um maior número de agricultores familiares na atividade.
Recentemente, as aquisições institucionais têm ampliado o mercado da produção
agroecológica da agricultura familiar do Oeste de Santa Catarina. O Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA) do Governo Federal, por exemplo, adquire alimentos
produzidos de forma agroecológica pela agricultura familiar. Em alguns municípios o PAA
tem se constituído em oportunidades para muitos agricultores que tinham dificuldades de
acesso ao mercado. No ano de 2007, segundo os dados do Ministério de Desenvolvimento
Agrário, mais de 700 agricultores familiares de 32 municípios do Oeste de Santa Catarina
acessaram o PAA, tendo as vendas ultrapassado 1,3 milhões de reais. A esse respeito à
coordenadora da Apaco assim se manifestou:
Tem um grupo de agricultores pobres da beira do Rio Uruguai que trabalha no
Núcleo de Agroecologia. Elas demonstraram interesse de vender através do
PAA. Temos que pensar nessas pessoas que estão excluídas de tudo. Elas fazem
agroecologia e nem sabem. Mercado tem para inserir esse povo. Vamos começar
com o PAA. para vender um valor de até três mil e quinhentos reais por ano.
Pode não ser muito. quanto por mês? Faça as contas... trezentos pilas por
mês. Para uma família quase excluída de tudo esse valor significa muita coisa.
(Entrevista nº 17, outubro de 2007).
223
Com relação às agroindústrias familiares envolvidos com a atividade avaliam que o
mercado tem se mostrado promissor. Embora o espaço de mercado ainda seja ocupado por
uma parcela relativamente pequena dos agricultores familiares da região, essas
experiências de agroindustrialização familiar se revestem de grande importância quando
analisadas a partir da perspectiva da produção de novidades. Em primeiro lugar, as
agroindústrias familiares fazem um contraponto à idéia de que a agroindustrialização só é
possível de ser realizada em grande escala, no espaço urbano e por grandes organizações.
Por outro lado a agroindustrialização descentralizada e de pequeno, porte reduz os custos
de transportes pela proximidade das matérias-primas às agroindústrias, valoriza a riqueza
cultural das experiências de agroindustrialização, produz em pequena escala e de forma
descentralizada, evitando a concentração de resíduos poluidores (PREZOTTO, 2002).
Em segundo lugar, conforme constatou a pesquisa de Oliveira et al. (1999), os
produtos da agroindústria familiar suscitam entre os consumidores sinais de qualidade que
vão além daqueles associados às suas características materiais. Segundo os autores, além
de outras características os consumidores passam a valorizar atributos “imateriais
83
”que
encontram na produção da agroindústria familiar. Isso pode contribuir na reversão do
processo de commoditização da maioria dos produtos agrícolas do Oeste de Santa
Catarina e cria novas oportunidades dentro de um mercado em segmentação. A
agroindustrialização familiar, assim como a agroecologia, representa uma resposta à
invisibilidade da produção agrícola criada pelo “Império”, onde a produção é transferida
para “não lugares” e os produtores tomados como “anônimos e permutáveis” (PLOEG,
2008 p. 294). Neste sentido, recentemente aconteceu a inauguração, em um município da
região, de uma “Casa Colonial” que pretende ser um centro regional de comercialização da
produção oriunda da agricultura familiar. Nesse local serão comercializados diversos
produtos como pães, cucas, bolos, mel, geléias legumes, verduras, frutas que serão
produzidos e comercializados por mais de 200 agricultores familiares. A título de
ilustração de como a imagem que revela atributos imateriais da qualidade da produção
familiar começa a fazer parte do discurso de parte de alguns atores sociais,
transcrevemos abaixo parte do discurso de uma liderança local.
[...] a nossa vocação para produzir alimentos está avançando por novos
caminhos, buscando a agregação de valores que vão além do peso que a balança
83
Refere-se aos componentes simbólicos ou culturais relacionados com a qualidade, como o da identificação
com a região ou etnia, a imagem de ter sido preparado com carinho ou ainda de sua associação com
processos éticos e justos da produção.
224
registra. A Casa Colonial é uma conquista da cooperativa dos agricultores. Com
esta novidade, pretendemos inaugurar um novo jeito de vender as grandezas que
vem do campo. Queremos fomentar o Turismo. Qualificando as famílias rurais
para que elas possam abastecer os estabelecimentos turísticos de nossa região
com produtos regionais.
Portanto, para enfrentar os grandes mercados controlados e reestruturados pelos
grandes impérios alimentares, os agricultores passam a diversificar seus processos
produtivos, criando novos produtos, novos mercados e, criando e recriando novos circuitos
curtos de ligação com os consumidores.
Dessa forma, cria-se um espaço acadêmico e político para o debate sobre a
agroindústria familiar (assim como à produção agroecológica) como alternativa de trabalho
e renda em regiões rurais ameaçadas pelo esvaziamento populacional, como é o caso do
Oeste catarinense. “Atualmente a agregação de valor gerada pelo beneficiamento ou a
transformação dos produtos agrícolas ganha importância, determinando, freqüentemente, a
própria viabilização de inúmeras propriedades rurais” (OLIVEIRA et al., 1999, p. 8).
Em terceiro lugar, a agroindústria familiar rural cria de fato ocupações produtivas
no meio rural gerando uma nova dinâmica de desenvolvimento. Em quarto lugar, a
constituição e a consolidação das agroindústrias familiares estabelece novas conexões e
uma rede de complexas relações (no próprio processo produtivo, na industrialização, na
organização dos mercados, com outros atores sociais, por exemplo), isso resulta em novos
conhecimentos apropriados coletivamente pelos atores sociais.
Um agricultor associado de uma cooperativa que reúne 12 agroindústrias familiares
assim se manifestou em relação à renda gerada pela agroindústria e suas perspectivas,
sintetizando o que ouvimos de outros agricultores envolvidos com a agroindustrialização
familiar.
Pode se dizer que antes nos éramos agricultores de baixa renda. Mas agora todo
mundo se estruturou. Todos conseguiram construir uma casa. Crescemos
financeiramente. Acho que a tendência é ter mais agroindústria. Vai crescer... vai
crescer... as que existem vão ampliar. Ai vem os filhos. Já começaram também a
construir. Uns ficam em casa... outros casam e estão construindo para si.
Mercado tem. O que a gente produz vende tudo. Desde o começo a gente foi
aumentando a produção e nunca sobrou nada. Quer diz, tem tudo para irmos
“embora” [continuar produzindo]. O Berno (proprietário de uma agroindústria)
está fazendo uma parceria com um vizinho para poder produzir mais. Porque tem
um mercado que está pedindo. Quer dizer, vai juntando mais pessoas da
comunidade, da vizinhança, dos filhos e vai integrando. (Entrevista 31, junho
de 2009).
225
Distintamente ao que acontece com a trajetória agroindustrial, uma característica
comum às três iniciativas de desenvolvimento rural apresentadas aqui é o controle do
mercado pelos próprios agricultores. Isso se traduz diretamente em maiores rendas no
espaço rural, que de outra forma seria captado por outros segmentos da cadeia de
comercialização, em geral localizados nos centros urbanos.
5.3.4 Nas perspectivas pessoais
Quando se compara a perspectiva pessoal dos membros das famílias dos
agricultores inseridas na dinâmica das agroindustriais com aquelas envolvidas na dinâmica
de desenvolvimento rural percebem-se importantes diferenças. De uma maneira geral, há
certo desalento e uma visão pessimista em relação à agricultura e ao meio rural. Os jovens
manifestam esse descontentamento migrando ou se preparando para migrar
definitivamente para o meio urbano. Grande parcela das famílias incentiva seus filhos para
que construam sua vida profissional no meio urbano. O êxodo parece ser a expressão desse
desalento e descontentamento. Até mesmo naquelas unidades familiares consideradas bem
estruturadas dentro do modelo agroindustrial esse quadro não é diferente. Aos mais velhos
ou então quem não conseguiu uma melhor formação escolar sobra apenas a opção de
permanecer no meio rural para poder se aposentar como agricultor. De forma genérica,
esse foi o quadro percebido.
Em relação às famílias que estão apenas relacionadas com as cooperativas de
comercialização de leite não é possível identificar perspectivas muito diferentes daquelas
apresentadas pela dinâmica agroindustrial. Na realidade, parece que para aqueles
agricultores envolvidos mais fortemente com o processo de construção da cooperativa há o
entendimento que a organização coletiva pode ser e fazer a diferença, bem como, criar
espaço de manobra para acessar o mercado de forma mais autônoma. Aquelas cooperativas
que nasceram de um processo mais intenso de mobilização, organização e aprendizado
como é o caso da Coomilp parece que criaram laços sociais mais fortes. Os agricultores
relatam casos em que houve maior interação comunitária e intracomunitária. No caso da
Coomilp os associados demonstraram orgulho de ter construído em apenas quatro anos
uma empresa que apresenta o segundo maior movimento econômico do município.
Segundo os dirigentes da Coomilp, outro fato importante foi ter surgido no município três
226
transportadores de leite a partir das suas relações com a cooperativa. Também mencionam
que a organização coletiva dos agricultores permitiu gerar uma renda suplementar de mais
de 30 mil reais por mês, distribuídos entre 150 famílias, e que certamente entram
totalmente no ciclo econômico local uma vez não houve custo para a geração dessa renda
adicional.
Com relação àquelas famílias envolvidas com a produção agroecológica e com
agroindustrialização familiar, de forma geral, percebeu-se um otimismo e o desejo de
construir a vida no espaço rural. Os jovens estão trabalhando nas agroindústrias familiares
ou na produção e comercialização de alimentos agroecológicos com a perspectiva de
continuar no meio rural. Praticamente todos continuam estudando e realizando ou
prevendo realizar curso superior visando continuar a frente da propriedade no futuro.
Acredita-se que dessa forma dentro de alguns anos haverá no espaço rural do Oeste de
Santa Catarina uma nova geração de agricultores e agricultoras com melhor nível de
educação formal que tiveram seus pais. Não foi raro encontrar família onde os filhos,
depois de haver passado por experiências profissionais no meio urbano, voltaram para a
propriedade com o objetivo de se inserir na produção agroecológica e, sobretudo na
agroindustrialização familiar.
Esse interesse não se limita aos filhos homens. Pode-se observar um interesse das
mulheres de se inserirem no processo de agroindustrialização familiar, sobretudo de
panificados, onde elas dominam o conhecimento. Com relação à agroecologia observou-se
uma forte presença da mulher na produção agroecológica de plantas medicinais. Tanto na
agroindustrialização familiar quanto na produção agroecológica ficou evidente o interesse
e a capacidade das mulheres na área da comercialização, sobretudo nas feiras livres e casas
coloniais.
5.3.5 Na economia rural e local
O impacto das novidades na economia local é de difícil quantificação. Ainda mais
porque elas podem apresentar resultados intangíveis como novas formas de organização
dos atores locais, diminuição dos custos de transações, apropriação coletiva de novos
métodos, novos símbolos, construção ou recuperação de identidade.
227
A UCAF, a CECAF e as cooperativas de leite representam novidades engenhosas
encontradas pelos agricultores familiares e as organizações que os apóiam para obter
economia de escala e escopo através da ação coletiva e por isso elas têm um valor
intrínseco inestimável.
A geração de valor agregado pelas agroindústrias familiares se a partir matéria-
prima produzida no próprio estabelecimento o que se reveste de importância econômica
fundamental para a economia local. A título de estimar, grosso modo, o crescimento da
agroindustrialização familiar na região utilizou-se alguns dados da UCAF. Em setembro de
2006 estavam organizadas, em torno da UCAF, 12 cooperativas de agricultores familiares,
distribuídas em 19 municípios do Oeste de Santa Catarina. São 117 agroindústrias
familiares grupais que envolvem mais de 600 famílias e que produzem 784 itens como
embutidos em geral, laticínios, mel, derivados de cana de açúcar, ovos, panifícios,
conservas e doces. Contrastando com a observada em 2002, quando havia 30 cooperativas
e 157 famílias envolvidas (MIOR, 2005) percebe-se que houve um incremento
considerável mesmo levando-se em conta que se trata de um universo próximo a 80 mil
agricultores familiares. Embora ainda com alcance relativamente baixo, a produção de uma
infinidade de novidades produzidas no processo de constituição das agroindústrias familiar
rural desempenha um importante papel ao mostrar que os processos de desenvolvimento
rural estão enraizados em uma miríade de interações, transações e redes que ligam as
pessoas, as organizações, os recursos, as atividades, o mercado produzindo um efeito
sinérgico. Dessa forma conseguem revitalizar os recursos locais e construir novos arranjos
institucionais.
A transição da agricultura convencional para uma baseada nos princípios
agroecológicos em uma região fortemente marcada pela agricultura modernizada, como é o
caso do Oeste de Santa Catarina, não se torna realidade sem dificuldades e conflitos. A
presença de grandes empresas e cooperativas tradicionais com seu corpo técnico fazendo
um trabalho diário de convencimento e, sobretudo, de imposição do modelo tecnológico
convencional se constitui em um forte inibidor e entrave à implantação, estabelecimento e
expansão de uma proposta agroecológica.
As iniciativas que foram aqui discutidas cooperativas de comercialização do
leite, a produção de alimentos baseados na agricultura agroecológica e agricultura
econômica e a verticalização da produção e agregação de valores através da agroindústria
familiar – podem ser consideradas como novidade, na acepção de PLOEG et al. (1994). Os
228
processos de sua criação engendram a geração de múltiplas novidades que se encandeiam
entre si e formam as chamadas “teias de novidades” (PLOEG, 2008). Essas novidades
ainda são muito recentes na região e os laços sociais e econômicos que estão sendo
construídos ainda não estão completamente consolidados, mas apresentam resultados
promissores quando analisados sob a perspectiva do desenvolvimento rural. As
mobilizações e discussões que surgem em torno da formação e implementação dessas
novidades têm se mostrado uma experiência muito fértil, estabelecendo uma complexa
rede de relações que resulta em novas aprendizagens para os agricultores familiares e suas
organizações e que na região acaba sendo apropriada coletivamente.
Apesar da importância dessas promissoras novidades na deflagração de um
processo robusto de desenvolvimento rural, elas ainda permanecem “escondidas” e, por
isso, carecem de maior apoio político e o reconhecimento social e econômico para que
possam se estabelecer e disseminar na região. Como ressaltam Ploeg et al. (2004), pelo
menos na sua emergência, uma “novidade” em geral necessita de um ambiente (social,
político e institucional) conveniente para que possa se enraizar e estabelecer.
229
6 CONCLUSÕES
Esta tese investigou algumas transformações sociais e econômicas que estão em
curso no Oeste de Santa Catarina. Essas transformações, em grande medida, são
impulsionadas pela dinâmica agroindustrial e a mercantilização a ela subjacente e pela
reação dos agricultores por outro lado. Essas reações ou respostas dos agricultores
produzem práticas desviantes que, em muitos casos, podem levar a processos de
desenvolvimento rural. Por isso, o objetivo mais amplo foi tentar desvendar como são
construídas essas estratégias, quais as dificuldades que elas têm para se estabelecer e se
irradiar e os efeitos que produzem na organização do trabalho e na economia local. Isso é,
como essa realidade está sendo construída e se enraizando no território.
Sabia-se dos desafios que era investigar as mudanças sociais e econômicas que
emergem da reestruturação da agricultura, por um lado, e das reações e respostas colocadas
em prática pelos agricultores e suas organizações, por outro. Todavia, a realidade
encontrada a campo se revelou muito mais complexa e dinâmica do que o imaginado
inicialmente. Sobretudo porque se adentrou em um mundo formado por uma miríade de
relações sociais e econômicas que estão longe de serem lineares e se confinarem aos
limites do rural. A todo instante deparava-se com diversidade de situações que se
mostravam difusas e dispersas pelo território e de onde surgiam novos elementos a desafiar
a capacidade de interpretação. A multiplicidade de relações sociais, econômicas,
ambientais e culturais envolvidas exigia um esforço analítico que adentrava distintas áreas
do conhecimento. Embora se reconheça que tanto a pesquisa realizada em Coronel Freitas
como aquela onde se estudou o processo de produção de novidades em 12 distintos
municípios da região foram suficientes para atender os objetivos deste tese, ela apenas
capta “momentos” da vida dos entrevistados e por isso será sempre insuficiente para
retratar toda a dinâmica e diversidade presente no espaço rural. Por essa razão, cabe
admitir que essa tese não exaure, em absoluto, a imensa riqueza da temática que envolve os
processos de desenvolvimento rural.
Todavia, a conclusão mais geral dessa pesquisa é a necessidade de incorporar nos
estudos que analisam a natureza e a dinâmica do desenvolvimento rural, uma perspectiva
que leve em conta a forma em que os atores sociais percebem, interpretam e reagem à
realidade do seu cotidiano. Uma abordagem que analise como os indivíduos ou grupos
particulares criam “espaços de manobra” para implementar seus projetos de vida, os quais
230
tanto podem ir ao encontro de programas ou ações governamentais ou não-governamentais
ou ser projetos próprios que caminham paralelos àqueles. Neste sentido as abordagens
teórico-metodológicas da mercantilização, dos estilos de agricultura e da produção de
novidades, tributárias que são da Perspectiva Orientada ao Ator, se mostraram adequadas e
frutíferas.
Procurou-se demonstrar que, de forma mais intensa, desde os anos 1990, o Oeste de
Santa Catarina e o seu espaço rural, passam a experimentar uma crise socioeconômica e
ambiental, associada à abertura econômica e à trajetória sociotécnica da modernização da
agricultura, em construção desde a década de 1960. Ironicamente essa era a trajetória que
até então, majoritariamente, os atores sociais apostavam e acreditavam ser responsável
pelo vigor do desenvolvimento econômico da região. Tanto foi assim que todos os esforços
eram realizados no sentido de inserir os agricultores familiares na dinâmica de
desenvolvimento agroindustrial. De fato, não se pode negar que essa trajetória não tenha
promovido o desenvolvimento econômico da região e de alguns agricultores em particular.
Todavia, os efeitos negativos dessa trajetória e a emergência do conceito de
sustentabilidade levaram a percepção de que era necessário incorporar um conjunto mais
amplo de objetivos interrelacionados que também levassem em consideração aspectos
sociais, culturais e ambientais. A discussão do capítulo dois evidenciou que o
desenvolvimento agrícola presente na trajetória da modernização não produziu uma
apropriação social e territorialmente mais equânime e equilibrada dos seus resultados.
Muitas localidades empobreceram seus recursos ambientais, enfraqueceram o tecido social
e presenciaram um forte despovoamento.
O estudo de caso do município de Coronel Freitas permitiu identificar uma forte
presença da dinâmica agroindustrial cuja expressão é a mercantilização associada a uma
externalização dependente de mercados globais de commodities e de recursos mobilizados
por atores externos, cujo resultado é a crescente perda de autonomia dos agricultores
familiares e grandes dificuldades para escapar dessa trajetória. O resultado é que as
condições de inserção ao mercado e a situação econômica foram se deteriorando para
muitas famílias, levando algumas comunidades a um processo de empobrecimento e
despovoamento e poluição ambiental, de onde emerge uma paisagem marcada pelo
abandono social, a pecuariazação e a degradação.
Todavia, o que essa pesquisa conseguiu identificar na dinâmica agroindustrial,
fortemente presente em Coronel Freitas, é que algumas reações individuais são colocadas
231
em práticas pelos agricultores, sendo possível relacioná-las com o ciclo demográfico em
que se encontra a família. Assim, por exemplo, famílias jovens cujos filhos (as) têm menos
de 15 anos estão tentando se inserir em alguma atividade da dinâmica de desenvolvimento
agroindustrial (suínos, aves, fumo). De certa forma, as famílias desse grupo estão
incentivando os filhos a estudar e pensando e articulando possibilidades de uma futura
trajetória profissional fora da agricultura. Essa estratégia é absolutamente verdadeira para
as filhas, cujas mães manifestaram expressamente nesta pesquisa o desejo para que elas
não desenvolvam trabalhos na agricultura.
Para as famílias onde pelo menos um dos filhos (as) ultrapassou a idade dos 18
anos, constatou-se uma tendência a um forte engajamento na pluriatitividade. Neste caso,
um dos cônjuges, mas, sobretudo os filhos (as) buscam desenvolver estratégias autônomas,
ou negociada com a família, visando à inserção em mercado de trabalho não-agrícola. Em
geral esse trabalho não-agrícola localiza-se fora dos limites do rural e, onde é possível, os
filhos permanecem morando junto com a família e, com freqüência, também se ocupam de
algum trabalho agrícola ou doméstico na unidade familiar. Quando o trabalho não-agrícola
é realizado pelos filhos ou filhas, em geral a renda obtida é utilizada para formar seu
capital próprio (aquisição de moto, automóveis, terrenos, casa, etc.) desse membro da
família ou para o seu uso pessoal e, por isso, trata-se de um recurso financeiro que não
entra no “caixa único” da família. Mesmo que a renda obtida no trabalho não-agrícola não
contribua diretamente para a formação da renda familiar, ela tem o importante papel de
desonerar uma parte das despesas pessoais que antes eram arcadas pelo “caixa único” da
família. Cabe comentar que ao longo da pesquisa o tema da pluriatividade mostrou grade
riqueza de relações sociais e econômicas, mas tendo em vista nossos objetivos, não
conseguimos aprofundar o assunto. Fica a indicação para a realização de trabalhos futuro
que aprofundem esse tema no Oeste de Santa Catarina.
Por último as famílias cujo ciclo demográfico se encontra na fase em que os
filhos (as) já casaram ou que todos têm mais de 18 anos. Este grupo, é composto por 15,6%
dos entrevistados, é representado por unidades familiares cujos filhos (as) já não moram no
estabelecimento e, a maioria deles, não sabe se terão sucessores. Neste grupo de unidade
familiar, a aposentadoria dos cônjuges é uma importante renda que permite a gradativa
diminuição da intensidade das atividades até a saída por completo da dinâmica
agroindustrial. Como discutimos no capítulo quatro, a expressão de muitos agricultores de
que “tudo vai virar mato” é, em parte, reflexo dessa gradativa saída de alguns agricultores
232
da dinâmica agroindustrial. Isso não significa um processo de “desativação”, como
descreve Ploeg (2008), mas sim, a uma reorientação da produção, agora com base ao uso
dos recursos internos da propriedade. Nessas propriedades a produção de leite a base de
pasto e com o uso dos recursos internos é uma atividade comercial por excelência.
Também se dedicam a produção de mel, de peixe, de galinha caipira, de algumas frutas e
da industrialização artesanal. Essas propriedades também se voltam para a produção de
alimentos destinados ao autoconsumo, inclusive para atender a necessidade dos filhos que
moram nas cidades próximas. Muitos desses agricultores informam que não vão vender a
propriedade, pois os filhos manifestaram o desejo de voltar a viver no estabelecimento
assim que se aposentarem na cidade. Neste sentido, chegamos a entrevistar duas unidades
familiares onde as filhas, que trabalhavam de professora, se aposentaram e vieram com a
família viver na unidade paterna. Isso tudo leva a concluir que a agricultura familiar
presente no Oeste de Santa Catarina não é, de forma alguma, algo acabado, mas se trata de
um processo dinâmico em permanente transformação.
Os resultados da pesquisa mostram que mesmo em um local fortemente marcado
pela dinâmica agroindustrial, como é o caso de Coronel Freitas, parece que algumas
transformações sociais e econômicas começam a indicar o surgimento de uma dinâmica de
desenvolvimento rural e até mesmo da dinâmica s-produtivista. Como identificou
Marsden (2003) para as condições da Europa, tanto a dinâmica agroindustrial, como a pós-
produtivista e a do desenvolvimento rural estão coevoluindo e competindo ao mesmo
tempo. Essa pesquisa captou sinais, ainda tênues, mas que indicam que isso pode estar
acontecendo em Coronel Freitas e, acredita-se em todo o Oeste de Santa Catarina, o que
acaba aumentando ainda mais a diversidade do espaço rural.
Contudo, as reações coletivas dos agricultores familiares do Oeste de Santa
Catarina apresentam uma amplitude, um vigor e uma importância para o desenvolvimento
rural muito maior do que as reações individuais que relatamos acima. As reações coletivas
criam novos mecanismos de autonomia que vão além das unidades produtivas. Mostrou-se
que apesar da intensidade do êxodo rural registrado no Oeste de Santa Catarina, parte dos
agricultores familiares reage criativamente desenvolvendo inovações e novidades
organizacionais que têm se mostrado um mecanismo estratégico para superar a crise. Os
dados da pesquisa e a observação a campo permitem concluir que todo o processo
envolvido na produção de novidades tem a capacidade de adensar as redes de cooperação e
reciprocidade e criar ainda mais potencial para a inovação. Buscou-se compreender como
233
os agricultores familiares criam espaço de manobra para inovar e produzir novidades
visando resolver seus problemas cotidianos relacionados, sobretudo, com a organização da
produção e a inserção ao mercado. Mostrou-se que a construção de dispositivos coletivos
como as cooperativas em geral resultam em uma maior autonomia no uso e gestão dos
recursos e dos produtos da unidade de produção familiar.
Em termos gerais, os dados da pesquisa revelam que as “novidades” ou “iniciativas
de desenvolvimento ruralnascem em determinado contexto sociocultural. Por isso elas se
apresentam difusas e dispersas no território e, em muitos casos, são invisíveis e por isso
não recebem os apoios necessários para se estabelecer e se difundir. Em grande medida,
elas vão depender do estabelecimento de conexões, da construção de alianças e apoios
capazes de promover a aprendizagem coletiva. Embora se trate de experiências ainda
embrionárias elas fazem um contraponto à trajetória da modernização. Em primeiro lugar,
elas mostram que a modernização não é o único e inexorável caminho que pode ser
seguido, ele é apenas mais um. Em segundo lugar, elas também mostram que pode haver
uma reversibilidade nessa trajetória e a propriedade passar a trilhar outros caminhos, esse é
o caso das unidades familiares que estão fazendo a transição agroecológica. Em resumo,
pode-se concluir que as novidades pesquisadas e discutidas nesta tese podem criar
trajetórias diferenciadas e evidenciam que é possível desenvolver distintas formas de
produzir e organizar a unidade produtiva familiar, promovendo um reposicionamento em
relação aos mercados e à tecnologia.
A construção de novidades produtivas e organizacionais, como é o caso das
cooperativas de comercialização de leite, das redes formadas pelas agroindústrias
familiares ou da produção agroecológica representa inovações sociais de onde podem
germinar as “sementes da transição” e promover um processo de desenvolvimento rural.
Essas novidades conseguem ganhar economia de escala e de escopo, diminuir os custos de
transação e representam, em resumo, novos mecanismos para criar autonomia para além
das unidades produtivas. Como foi discutido no capítulo cinco, essas novidades que ainda
estão em processo de construção pelos agricultores familiares e outros atores que os
apóiam, representam formas eficazes de recampenização, aqui entendida como a busca
pela ampliação da autonomia no uso dos recursos naturais e sociais, em um esforço para
escapar do “aperto” sobre a agricultura.
Todavia, a recampenização está longe de ser a única tendência na região. A
presença de trajetórias opostas de desenvolvimento e, de certa forma, mutuamente
234
concorrente, cria um “campo de batalha” complexo onde competem diferentes projetos.
Portanto, trata-se de um processo que não está isento de contradições e conflitos. Como
acontece durante o processo de criação de novidade é preciso enfrentar oposições,
interesses adversos e oponentes pois, em geral, elas vão contra os regimes e interesses
técnicos e institucionais existentes. Por isso, confirma-se a necessidade de criar novos
conhecimentos e maneiras de inserção ao mercado. Para superar essa oposição em geral
difusa – é preciso desenvolver habilidades para agir coletivamente e promover novos
arranjos institucionais capazes de levar a uma transição ao regime sociotécnico dominante
como é o caso, por exemplo, da produção baseada nos princípios agroecológicos. Por esse
motivo é que o enraizamento e a consolidação dessas novidades no território dependem da
criação de alianças e conexões capazes de criar um ambiente sócio institucional favorável.
Os sócios da Cooperativa de Comercialização de Leite da Microbacia Lajeado
Perau de Tunápolis (Coomilp), por exemplo, aprenderam a dar os primeiros passos rumo a
um processo organizativo a partir da incorporação dos conhecimentos de outro grupo de
agricultor que vinha desenvolvendo experiências semelhantes. Esse fato também
mostrou a importância de realizar as conexões e alianças necessárias para que a
aprendizagem possa se processar e a iniciativa vigorar. Esse conhecimento coletivo se
insere no que tem sido denominado de capital territorial, o qual representa um bem público
que pode ser acionado pela população de determinada comunidade rural, por exemplo, para
solucionar problemas comuns.
Demonstrou-se que as discussões que culminaram com a criação e consolidação da
Cooperativa de Produção Agroindustrial da Agricultura Familiar de Seara (Coopafas) têm
suas origens ainda nos anos 1980. O processo de discussão e organização dos agricultores
familiares, promovidos pelos movimentos de mobilização e protesto realizados em
oposição ao projeto de modernização agrícola criou um capital intangível fundamental na
construção posterior de habilidades para a organização coletiva. Isso evoluiu para as
experiências da produção associativa materializada nos Grupos de Cooperação Agrícola ou
Associação de Agricultores Familiares chegando, por fim, no inicio dos anos 2000 na
constituição das agroindústrias familiares e na Cooperativa de Produção Agroindustrial da
Agricultura Familiar de Seara (Coopafas). Portanto, esse grupo de agricultores familiares
discutia alternativas ao modelo agroindustrial e desenvolviam habilidades para agir
coletivamente há mais de 15 anos.
235
Evidentemente que o conhecimento obtido durante um longo período de
aprendizagem coletiva, como foi o caso da Coopafas, se caracteriza como uma componente
chave do capital territorial e possibilita a construção de habilidades sociais para agir
coletivamente. Por isso a construção de novidades tem uma forte dependência ao
conhecimento contextual. Todavia, isso não significa que uma novidade somente possa
surgir em locais com veis de discussão e conhecimento semelhante ao que originou a
Coopafas. Na realidade, o conhecimento contextual vai sendo enriquecido ao longo do
tempo, criando novas conexões e desencadeando novas realidades. Isso parece que vem
acontecendo com a novidade representada pela Cooperativa de Comercialização de Leite
do Lajeado Perau (Coomilp) de Tunápolis. A concepção endógena de desenvolvimento
rural e o protagonismo dos agricultores, presente na proposta teórico-metodológica do
Projeto Microbacias 2, pode contribuir para aumentar a densidade dos ativos sociais e
humanos aumentando, assim, o conhecimento contextual da população local e, por
conseguinte, ampliando suas “liberdades de escolha”.
Os resultados desta pesquisa também evidenciaram que a verticalização da
produção, através da agroindustrialização familiar e o estabelecimento de formas
organizacionais autônomas capazes de agregar valor à produção primária e a criação de
uma rede de cooperativas voltadas à inserção ao mercado, são novidades que estão sendo
construídas pelos agricultores familiares e pode se constituir em importantes estratégias
que levam ao desenvolvimento rural. Vimos também, que a partir da idéia da
agroindustrialização familiar também emergem outros temas, como é o caso da produção
de alimentos que se caracterizam por apresentarem qualidades especificas. Um exemplo
disso é a discussão que vem sendo realizada no âmbito da rede da Central das Cooperativas
da Agricultura Familiar do Alto Uruguai (CECAF) visando estudar e discutir estratégias
voltadas à incorporação de qualidades imateriais à produção originada das cooperativas e
agroindústrias familiares e o reconhecimento social desses atributos. É a partir desse
entendimento que emerge no âmbito da CECAF a discussão formas de incorporar aos seus
produtos atributos referentes à procedência geográfica (IGP) da produção. A mesma
discussão acontece na rede da UCAF com o selo “Sabor Colonial” e que identifica seus
produtos. O mesmo pode ser dito da produção agroecológica que busca desenvolver um
selo de procedência garantida a partir de uma novidade representada pela certificação
participativa promovida pela Rede Agrovida. Essas iniciativas estão na base de processos
de construção de novas formas de interação mercantil ou do que tem sido chamado na
236
literatura de construção social de mercados. Neste sentido, fica indicada, como parte destas
conclusões, a necessidade da realização de estudos na região que contemplem essa
perspectiva teórica da construção social dos alimentos produzidos pela agricultura familiar.
Importa salientar, no entanto, que esta pesquisa permitiu identificar que a emergência
desses novos temas, como é o caso da construção social da qualidade dos alimentos
produzidos pela agricultura familiar do Oeste de Santa Catarina vai se irradiando pela
região e criando uma “dinâmica de desenvolvimento rural” a qual convive e evolui com a
“dinâmica agroindustrial”. Nesse “campo” heterogêneo e diversificado pode estar
germinando as “sementes da transição”. No entanto, essas novidades ainda não se mostram
completamente visíveis para as políticas públicas e às ações das organizações públicas,
como é o caso da Epagri e, por isso, elas têm dificuldades para ampliar sua abrangência
social e territorial.
A organização dos agricultores para a produção e comercialização é uma novidade
que está distribuída de foram dispersa em diversos locais do Oeste de Santa Catarina e
abrange um expressivo número de pequenos agricultores historicamente excluídos dos
principais circuitos agroindustriais da região e das cooperativas tradicionais. São práticas e
formas de organização utilizadas pelos agricultores para construir alternativas viáveis e
sustentáveis para sua sobrevivência material imediata e sua reprodução social, bem como
reforçar as relações de sociabilidade e de coesão social nas comunidades envolvidas. Os
casos que estudamos nesta tese são tipicamente representativos do que a literatura
internacional chama de embeddedness ou imersão das dimensões sociais nas econômicas e
culturais.
De um ponto de vista mais normativo, que aponte políticas e estratégias voltadas
para o desenvolvimento rural acredita-se que é preciso fazer um esforço das organizações
governamentais ou não governamentais no sentido de ampliar a abrangência dessas
iniciativas e, assim, possibilitar oportunidades para incorporar maior número de
agricultores familiares. Sabe-se, por exemplo, que para os agricultores verticalizarem a sua
produção, de forma individual ou coletiva, além de capital financeiro também é
imprescindível um mínimo de ativo humano e social. Portanto, pensar na
agroindustrialização comandada pelos próprios agricultores sem, de forma concomitante,
dotá-los do mesmo nível de ativos, é promover uma corrida desigual. Seguindo
Abramovay (2003), pode-se dizer que um dos principais desafios é dotar as populações que
237
vivem no campo das prerrogativas para que elas sejam as protagonistas do
desenvolvimento rural.
Certamente uma maior difusão e ampliação na abrangência dessas iniciativas
passam pela mediação de um conjunto de atores (governamentais ou não). Neste sentido, é
preciso que a extensão rural pública possa valorizar essas novidades, ampliando os espaços
de discussão, disseminação e abrangência dessas novidades. Da mesma forma, para a
irradiação dessas novidades é necessário realizar estudos que indiquem métodos de
trabalho com os agricultores, procedimentos técnicos, dispositivos regulamentares e
estratégias de inserção ao mercado. Neste sentido, a produção de alimentos que incorpora
atributos de qualidade diferenciada é um mercado em rápido crescimento e a agricultura
familiar tem plenas condições de se inserir dinamicamente nele. Contudo, é necessário um
esforço conjunto e concertado das várias organizações preocupadas com o
desenvolvimento rural e regional para ampliar a “liberdade de escolha” de mais de 30 mil
agricultores familiares da região que buscam novas formas de se inserir no mercado e
reproduzir a unidade familiar, inclusive através da criação de ocupações não-agrícolas.
Mesmo sendo iniciativas muito recentes, as novidades analisadas nesta pesquisa
mostraram vitalidade, entretanto, os laços construídos ainda se apresentam muito tênues e
seu estabelecimento, consolidação e difusão ainda dependem do fortalecimento das
configurações socioeconômicas e de arranjos institucionais capazes de fazer a ponte para
novos circuitos comerciais que ultrapassem as fronteiras da região.
238
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252
APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS AGRICULTORES
SEMENTES QUE BROTAM DA CRISE: inovação e produção de novidades na
agricultura familiar do Oeste de Santa Catarina
Entrevistador:.......................................................................................
Data:............................
Nome do agricultor Comunidade
1) Estrutura Fundiária.
Área Total (ha) Área (ha)
Em Parceria Arrendamento Outra forma Própria
De Terceiro
Para
Terceiro
De Terceiro Para
Terceiro
2) Quanto paga pelo arrendamento [informar em dinheiro ou produto]? ....................
3) Quanto ganha com arrendamento [informar em dinheiro ou produto]? ....................
4) Quanto paga na parceria [informar em dinheiro ou produto]? ...................................
5) Quanto ganha na parceria [informar em dinheiro ou produto]? .................................
6) O Senhor tem algum outro imóvel além da propriedade?
1 ( ) Não.
2 ( ) Casa/apartamento na cidade.
3 ( ) Terreno na cidade.
4 ( ) Outra propriedade rural.
7) Há quantos anos está nesta propriedade (.................anos)
8) Por que veio morar nesta propriedade
1 ( ) Casou;
2 ( ) Vendeu a terra que tinha e comprou esta;
3 ( ) Ficou para cuidar dos pais;
4 ( ) Veio para cuidar do sogro/sogra;
5 ( ) Ficou desempregado e comprou/arrendou esta terra;
6 ( ) Outro motivo.
253
9) Como o Senhor obteve suas terras – área própria? (Indicar ao lado a quantidade
em Hectares)
Quantidade de área
1 ( ) Através de herança; ................
2 ( ) Compra de parentes; ................
3 ( ) Compra de terceiros; ................
4 ( ) Através de doação; ................
5 ( ) As terras são de posse provisória; ................
6 ( ) Por atribuição (colonização, etc.); ................
7 ( ) Outra forma ___________________________________. ................
10) Se houve herança (parcial ou total da propriedade), assinalar quem foram os
herdeiros:
1 ( ) O marido herdou a terra de sua família;
2 ( ) A esposa herdou a terra de sua família;
3 ( ) Ambos, o marido e a esposa, herdaram partes que compõem a propriedade atual;
4 ( ) Outra forma _________________________________;
5 ( ) Não sabe.
FAMÍLIA E TRABALHO
11) Composição da família: (informar os membros/componentes da família que
moram na propriedade).
Nome
Relação
com o
chefe (1)
Idade
(anos)
Sexo
M/F
Tipo tra-
balho (2)
Estado
civil (3)
Escola-
ridade
(4)
Estuda
(5)
Dias
trabalho/
ano*
Trabalho integral = 300 dias
254
12) Pesquisa sobre as pessoas que saíram da propriedade: (do último ao primeiro
saiu).
FILHOS (AS)
Idade atual – anos
Sexo (M/F)
Estado civil (C/S)
Ano que saiu
Destino de sda (Tab. 9)
Residência atual (Tab. 9)
Saiu para trabalhar ou estudar (T/E)
Grau de Instrução ao sair (Tab. 4)
Grau de Instrução atual (Tab. 4)
Continua estudando (S/N)
Atividade que trabalha (Tab.11)
Manda dinheiro para a propriedade (S/N)
Quais razões manda dinheiro (Tab. 12)
Freência que envia dinheiro (Tab. 13)
Ano de retorno a região
Ano de retorno ao munipio
Ano de retorno ao meio rural
Ano retorno a propriedade
Por que retornou (Tab. 10)
13) Como é a relação de vocês com os filhos que já saíram da propriedade?
1) A família manda dinheiro para os filhos (as);
2) Os filhos (as) mandam dinheiro para os pais;
3) Alguns filhos (as) recebem dinheiro e alguns mandam dinheiro;
4) Os filhos (as) levam produtos da propriedade (carne, queijo, feijão, mandioca etc.) para
seu auto-abastecimento;
5) Os filhos (as) ajudam os pais com bens materiais;
6) Ainda existe filho (a) que depende exclusivamente da propriedade;
7) Não existe essa relação.
14) Se a família manda dinheiro, por quê?
1) Por que o filho (a) está estudando;
2) Para a construção de casa na cidade;
3) Para os filhos montarem seu próprio negócio;
4) Por que o filho (a) está desempregado;
5) Para investimentos na cidade;
6) Problemas de saúde;
7) Porque o filho (a) ganha pouco;
8) Não manda;
9) Outros motivos _________________________________.
15) Considerando a sua experiência e a perspectiva futura, o senhor:
1 ( ) Gostaria que algum filho ficasse na propriedade;
2 ( ) Gostaria que alguma filha ficasse na propriedade;
3 ( ) Gostaria que um filho e uma filha ficasse na propriedade;
4 ( ) Gostaria que todos os filhos e filhas ficassem na propriedade;
5 ( ) Não gostaria que os filhos/filhas seguissem a profissão de agricultor;
6 ( ) É indiferente;
7 ( ) Ainda não pensou sobre o assunto.
255
16) Por quê? (relacionada com a resposta anterior).
1 ( ) A vida é mais saudável na agricultura;
2 ( ) Gostaria que os filhos morassem perto da família;
3 ( ) Ser agricultor é melhor que ser assalariado;
4 ( ) Não tem terra para todos os filhos;
5 ( ) Alguém tem que ficar com os pais;
6 ( ) A agricultura e o meio rural não são valorizados;
7 ( ) As condições de vida na cidade são melhores que o meio rural;
8 ( ) Não gostaria que seus filhos fossem agricultores;
9 ( ) A atividade agrícola dá pouca renda;
10 ( ) Relacionamento familiar;
11 ( ) Outros.
17) Com relação a permanência dos filhos e/ou filhas na propriedade:
1 ( ) Um ou mais filho manifestou interesse em ficar na propriedade;
2 ( ) Uma ou mais filha manifestaram interesse em ficar na propriedade;
3 ( ) Um ou mais filho e filha manifestaram interesse em ficar na propriedade;
4 ( ) Não houve manifestação dos filhos/filhas com relação ao interesse de permanecer;
5 ( ) Todos (filhos e filhas) não querem permanecer na propriedade;
6 ( ) Não sabe/ainda não foi discutido.
18) Qual o destino da propriedade?
1 ( ) Ainda não foi definido;
2 ( ) Pretende vender e comprar outra terra;
3 ( ) Pretende vender e mudar para a cidade;
4 ( ) Vai ficar para os filhos.
19) Quem vai herdar a propriedade?
1 ( ) Ainda não foi definido;
2 ( ) O filho mais velho;
3 ( ) A filha mais velha;
4 ( ) O filho mais novo;
5 ( ) A filha mais nova;
6 ( ) Outro filho;
7 ( ) Outra Filha;
8 ( ) Vai ser repartido entre os filhos;
9 ( ) Vai ser repartido entre as filhas;
10 ( ) A propriedade vai ser vendida e o dinheiro apurado repartido entre todos os filhos e
filhas;
11 ( ) Outra situação.
256
20) Atividades não-agrícolas e pluriatividade.
Obs: Preencher este quadro se algum membro da família exerce atividades agrícolas e não-agrÍcolas fora da
unidade de produção.
Em atividades
agrícolas fora
da UP (*)
Em ativi-dades
Para-agricolas
(**)
Em atividades
Não-agrícolas
Nome
Sexo
M/F
Posição
(8)
Relação
com o
chefe
(1)
dias
Local
(6)
dias
Local
(6)
dias
Local
(7)
Setor
(11)
Valor
recebi-
do em
R$/mês
quanto
tempo
exerce
(anos)
(*) Atividades agrícolas: consideram-se todas aquelas que envolvem a participação direta não produção
vegetal/animal, como empregado ou prestador de serviço de maquinas e equipamentos.
21) Qual o principal motivo que levou os membros da família a trabalhar em
atividades não agrícola?
1 ( ) A agricultura não proporcionava renda suficiente para satisfazer as necessidades da
família;
2 ( ) Porque surgiu essa oportunidade;
3 ( ) Porque o membro da família que desenvolve trabalho não-agrícola não desejava sair
da propriedade;
4 ( ) Obtenção de renda mais segura;
5 ( ) Trabalho menos penoso;
6 ( ) Diminuição dos riscos;
7 ( ) Sobrava mão-de-obra familiar na propriedade;
8 ( ) Outros motivos.
22) Os membros da família que trabalham em atividades não-agrícolas fornecem
algum tipo de ajuda nas atividades agrícolas da unidade de produção?
1 ( ) Sim;
2 ( ) Não;
3 ( ) Não se aplica;
4 ( ) Não respondeu.
23) Se sim, com que freqüência?
1 ( ) Regularmente.
2 ( ) As vezes;
3 ( ) Quando sobra tempo;
4 ( ) Quando há demanda específica de trabalho agrícola (colheita, plantio, etc.);
5 ( ) Outra situação ____________________________________________________.
257
24) Como são utilizados os recursos obtidos em atividades não agrícolas e
pluriatividade?
1 ( ) Todo investido na propriedade;
2 ( ) Todo investido na família;
3 ( ) Parte investido na família e parte na propriedade;
4 ( ) Aplicação financeira para uso familiar;
5 ( ) Aplicação financeira para uso exclusivo do membro familiar que pratica a atividade
não-agrícola;
6 ( ) Não sabe ou não respondeu.
25) Quais as mudanças que o trabalho não-agrícola e a pluriatividade acarretou na
organização da propriedade?
1 ( ) Diminuiu a área plantada com lavouras; _________________________________
2 ( ) Diminuiu a criação de animais; Quais___________________________________
3 ( ) Diminuiu a área plantada e a criação de animais;
4 ( ) Manteve a área plantada mas mudou o sistema de produção;
5 ( ) Manteve a área plantada com a contratação de máquinas;
6 ( ) Manteve a área plantada com a contratação de mão-de-obra;
7 ( ) Manteve a área plantada com a utilização de herbicida;
8 ( ) Mudou o tipo de lavoura ______________________________________________;
9 ( ) Praticamente não houve mudanças no sistema de produção.
26) Quais as mudanças que o trabalho não-agrícola e a pluriatividade acarretou na
organização do trabalho familiar?
1 ( ) Cada membro da família ficou responsável por determinadas tarefas;
2 ( ) As mulheres tiveram que trabalhar mais nos serviços da propriedade;
3 ( ) Aumentou o trabalho na propriedade para todos os membros da família;
4 ( ) Não houve mudanças na organização do trabalho familiar;
5 ( ) Não sabe/ não opinou.
27) Na sua avaliação quais as modificações que a pluriatividade causou no modo de
vida da família?
1 ( ) Aumentou a participação da família nas atividades sociais comunitárias;
2 ( ) Aumentou a participação da família em atividades sociais fora da comunidade;
3 ( ) Diminuiu a participação da família nas atividades sociais comunitárias;
4 ( ) Diminuiu a participação da família nas atividades fora da propriedade;
5 ( ) Não aumentou a participação das atividades sociais fora da comunidade e diminuiu
aquelas realizadas na comunidade;
6 ( ) Não houve mudanças nas relações sociais;
7 ( ) Não sabe/ não opinou.
258
28) Produção vegetal (julho de 2006 a junho de 2007).
Destino da Produção (quantidades e preço obtido)
Venda e/ou Comércio
Especificação
Superfície
plantada
(ha)
Quantidade
Total
Colhida
Quantidade
Valor/
Unidade
(R$)
Para o
Consumo
Familiar
Para o
Consumo
Animal
Cana-de-Açúcar
Feijão safra
Feijão safrinha
Fumo
Mandioca
Milho
Milho safrinha
Soja
Trigo
Legumes e Verduras (apenas registrar se houve venda. Se forem para autoconsumo registrar em horta).
Frutas (somente especificar se houver venda. Se forem produtos para autoconsumo registrar em pomar).
Uva
Pêssego
Pastagem Plantada
Milho silagem
Aveia
Azevém
Pastagem Permanente
Potreiro
Pasto melhorado
Reflorestamento e extração de madeira
Eucalipto
Uva Japão
Pinus
Araucária
S A U Total
Matas e Florestas
Naturais
Benfeitorias (casa,
estábulo, etc.)
Terras
inaproveitadas
Área Total
259
29) Qualidade da maior parte da terra:
1) Boa;
2) Satisfatória;
3) Regular;
4) Ruim;
5) Péssima.
30) tipo de trabalho desenvolvido nas lavouras:
1) Totalmente mecanizado;
2) Parte mecanizado;
3) Tudo manual.
31) Insumos para produção vegetal (ano agrícola julho de 2006 a junho de 2007).
Especificação Quantidade/unidade Valor Pago por Unidade
Sementes
Mudas
Adubos
Adubo químico (NPK)
Adubo químico menos solúvel (agricultura
orgânica)
Adubo orgânico (esterco, estrume, etc.)
Uréia
Calcário (dividir pelo número de anos sem
aplicar)
Combustíveis
Óleo diesel na unidade de produção
Gasolina para interesses de produção
Gasolina para motoserra
Agrotóxicos
Dessecante
Fungicida
Herbicida
Inseticida
Formicida
32) Há terras na propriedade que foram definitivamente deixadas de cultivar nos
últimos 5 anos?
1 ( ) Não 2 ( ) Sim Área _________.
260
33) Por quê deixou de cultivar? (anotar o motivo que o agricultor considera mais
importante).
1 ( ) Falta de mão de obra;
2 ( ) Muito pedregoso;
3 ( ) Baixa fertilidade;
4 ( ) Muita declividade;
5 ( ) Para transformar em potreiro;
6 ( ) Está diminuindo a área de lavoura.
34) Para quem vende a maior parte dos produtos vegetais.
( ) Venda direta: 1( ) na casa consumidor; 2( ) feiras livres;
3 ( ) Para cooperativa;
4 ( ) Para o intermediário – atravessador;
5 ( ) Empresa privada: Agroindústria ou Cerealista;
6 ( ) Venda institucional (PAA, PM, Escola, etc.);
7 ( ) Para armazém da
comunidade ou município;
8 ( ) Não vende;
9 ( ) Outro;
10 ( ) Não se aplica
__________.
35) Possui HORTA?
1 Sim ( ) 2 Não ( )
36) A Horta é suficiente para atender as necessidades da família?
1 Sim ( ) 2 Não ( ) 3 Não se aplica ( )
37) Na sua avaliação quanto valem os produtos colhidos da horta (por semana ou
mês) em R$?...................
38) Assinale os principais produtos/variedades que possui na horta. (Não = 0 e Sim =
1).
( ) Alface
( ) Beterraba
( ) Cebola
( ) Cenoura
( ) Couve
( ) Salsa
( ) Repolho
( ) tomate
( ) Alho
( ) Radite
( ) Rúcula
( ) Couve-flor
( ) Pimentão
( ) Moranga
( ) Brócoli
( ) .................
( ) .................
( ) .................
39) Possui POMAR?
1 Sim ( ) 2 Não ( )
40) O pomar é suficiente para atender as necessidades da família?
1 Sim ( ) 2 Não ( ) 3 Não se aplica ( )
41) Na sua avaliação quanto valem os produtos colhidos do pomar (por semana ou
mês) em R$?.................
42) Assinale os principais produtos/variedades que possui no pomar. (Não = 0 e Sim =
1).
( ) Uva
( ) Pêssego
( ) Maçã
( ) laranja
( ) Bergamota
( ) Abacate
( ) Pera
( ) Goiaba
( ) Caqui
( ) Figo
( ) Limão
( ) Tangerina
( ) ....................
( ) ....................
( ) ..................
( ) ....................
( ) ....................
( ) ....................
43) Antigamente o Senhor plantava/produzia mais alimentos para o autoconsumo?
1( ) Não 2( ) Sim 2.1 ( ) Verduras 2.2 ( ) Frutas 2.3( ) Transformação
caseira
Por quê? ...............................................................................................................................
261
44) Por que o Senhor produz para o autoconsumo?
..................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................
45 Qual o principal problema enfrentado atualmente para produzir e obter renda
1 ( ) Falta de terra;
2 ( ) Falta de água;
3 ( ) Falta de mão-de-obra;
4 ( ) Legislação ambiental;
5 ( ) Exigências das agroindústrias para investimentos de melhorias nas instalações;
6 ( ) Falta de mercado para os produtos agrícolas;
7 ( ) Legislação sanitária;
8 ( ) Outros motivos ______________________________________________________.
46) Efetivos animais disponíveis (ano agrícola 2006/2007).
Inventário das Criações
Efetivo
Valor/
Unidade
Vendidos
Preço Animais
Vendidos
Consumo
Familiar
Bovinos
Touros
Vacas
Novilhas
Novilhos
Terneiros
Bois para trabalho
Aves
Frango de corte
Galinha caipira
Gansos, Marrecos e/ou
Patos
Peru (aviário)
Suínos (ciclo completo)
Matrizes (ciclo completo)
Suínos (produtor de
leitão)
Matrizes (produtor leitão)
Terminação
Ovinos
Eqüinos / Muares
262
47) Produção animal (ano agrícola 2006/2007).
Especificação Unid. Quant. Prod. Quant. Vend. Preço de Venda
Consumo
Familiar
Leite
Ovos
Mel
Peixes
48) Insumos das atividades de produção animal (ano agrícola 2006/2007).
49) Para quem vende a maior parte da produção animal?
( ) Venda direta: 1( ) na casa consumidor; 2( ) feiras livres;
3 ( ) Para cooperativa;
4 ( ) Para o intermediário – atravessador;
5 ( ) Empresa privada: Agroindústria ou Cerealista;
6 ( ) Venda institucional (PAA, PM, Escola, etc.);
7 ( ) Para armazém da
comunidade ou município;
8 ( ) Não vende;
9 ( ) Outro;
10 ( ) Não se aplica
__________.
Especificação Unidade Quantidade Valor Pago por
Unidade
Sal mineral
Sal comum
Rações
Gado
Frango
Suíno
Peixe
Componentes para rações
Milho/Sorgo
Farelos
Vitaminas
Produtos veterinários
Antibióticos
Vacinas
Carrapaticidas
Vermífugo
Desinfetante
Outros insumos animais
(____________)
263
50) Produtos processados ou beneficiados.
Produto produzido Quantidade
vendida
Unidade
Preço Médio de
Venda por
Unidade
Margem de
lucro
Quantidade
Consumida
p/Família
Queijo
Salame
Vinho
Banha
Schmier
Conservas
Melado
Açúcar mascavo
Manteiga
Massa caseira
Pão
Sabão
Ervas e produtos
medicinais
51) Para quem vende a maior parte dos produtos da transformação caseira ou da
agroindústria familiar.
( ) Venda direta: 1( ) na casa consumidor 2( ) feiras livres
3 ( ) Para cooperativa
4 ( ) Para o intermediário – atravessador
5 ( ) Empresa privada: Agroindústria ou Cerealista
6 ( ) Venda institucional (PAA, PM, Escola, etc.)
7 ( ) Para armazém da comunidade
ou município
8 ( ) Não vende
9 ( ) Outro
10 ( ) Não se aplica
___________
52) Descrever as principais transformações da produção da propriedade nos últimos 10
anos (atividades que abandonou, atividades que passou a executar, uso de insumos, uso de
máquinas, aspectos de organização da propriedade, etc.).
...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
264
53)Benfeitorias e instalações
54) Máquinas e equipamentos
Especificação Quantidade Ano Valor atual
Caminhão/Veículo utilitário
Mercedes 608
Caminhonete Ford F1000 até F4000
Tração Animal em Juntas (Bois, Cavalos e Mulas)
Trator
Trator > 80 Hp
Trator < 80 Hp
Microtrator
Equipamentos
Arado de tração animal
Arado de tração mecânica
Capinadeira de tração animal
Grade aradora de tração animal
Grade de tração mecânica
Semeadora de tração mecânica
Plantadeira de tração mecânica para o plantio direto
Semeadora de tração animal
Ensiladeira
Roçadeira
Carreta agrícola
Pulverizador tracionado
Pulverizador costal motorizado
Pulverizador costal manual
Ordenhadeira
Especificação Quantidade
(1) alvenaria
(2) madeira
(3) mista*
Idade do bem ou
ano de construção
Área construída em
m
2
Açudes
Aviários
Casas de empregados
Estábulo
Estufa plástica
Galpãode fumo
Galinheiro
Galpões/armazéns/pai
ol
Pocilgas/chiqueiro
Poços artesianos
Silo
Outros (especificar)
265
Resfriador de leite
Motor elétrico
Bomba de água
Engenho de cana
Triturador de cereais
Carroça
Picador de pasto (forrageiras)
Máquina de costurar fumo
55) Despesas com mão-de-obra contratada e aluguel de máquinas.
Formas de contratação Nº de pessoas ou
horas/maquina
Nº de dias
trabalhados/ano
Valor pago (R$)
1 assalariado permanente agrícola
2 trabalho agrícola temporário
3 empreitada agrícola
4 contratação de serviço de plantio
5 contratação de trator para lavração
6 contratação trator para cultivo ou
pulverização
7 contrataçaão de serviços de colheita
8 contratação de trator distribuição de esterco
9 outros
56) Outros gastos.
Discriminação Valor (R$/ano)
ITR
Contribuição sindical
Energia elétrica
Gás (GLP) somente para a propriedade
Água encanada (taxa)
Telefone
Conserto de maquinas e equipamentos
57) Quais outras fontes de renda a família contou no último ano agrícola (julho 2006
a julho de 2007).
Tipos de rendas Valor (R$) total recebido
Aluguéis recebidos de imóveis residenciais/comerciais
Aluguéis recebidos de máquinas e equipamentos
Remessas em dinheiro recebido de familiares de forma periódica
Pensões judiciais
Juros recebidos de empréstimos para terceiros
Juros de aplicações financeiras ou poupança
Outras rendas (especificar)
266
58) Investimentos feitos no último ano agrícola.
Investimento Valor investido (R$)
Investimento Valor investido (R$)
Aquisição de terras
Construção e reforma da
casa
Aquisição de veículos
Construção e reforma
benfeitorias
Aquisição de máquinas e
equipam.
Outros (especificar)
Aquisição terreno/casa na
cidade
59) Financiamentos no último ano agrícola.
Finalidade
(A)
Fonte
(B)
Indicar
produto ou
finalidade do
financiamento
Valor
financiado (R$)
Taxa de juros
(mês/ano)
Valor da
prestação (R$)
[Indicar se por
mês/ano]
(A) (B)
1 Custeio 1 Bancos 4 Agroindústria 7 Pronaf
2 Comercialização 2 Cooperativas 5 Vizinhos 8 Projeto Microbacias
3 Investimentos 3 Fundo Municipal 6 Parentes 9 Programa do Estado
60) Benefício recebido do INSS no ano agrícola 2006/2007.
Nome Tipo de benefício (A) Meses que recebeu Valor mensal (R$)
(A) 1) Aposentadoria 2) Pensão 3) Pensão e aposentadoria 4) Licença médica 5) Outras
61) Onde foi utilizada a maior parte dos benefícios recebidos do INSS.
1 ( ) Despesas da família (alimentos, roupas, divertimentos).
2 ( ) Compra de medicamentos;
3 ( ) Custeio da atividade produtiva;
4 ( ) Compra de máquinas e/ou equipamentos;
5 ( ) Poupança;
6 ( ) Não sabe;
7 ( ) Outros: __________________________________.
267
RACIONALIDADE ECONÔMICA
62) O que o Sr.(a) considera em primeiro lugar quando planeja mudanças na
produção? (No modo como produz, no sistema de produzir). Assinale apenas 1
alternativa.
1 ( ) As oportunidades de mercado para os produtos (vender mais e melhor);
2 ( ) Aumento da produtividade (produzir mais);
3 ( ) Busca diminuir/reduzir o uso de agrotóxicos;
4 ( ) Diminuição dos custos de produção;
5 ( ) Melhorar as condições de trabalho da família (diminuir o trabalho);
6 ( ) Não sabe/não respondeu;
7 ( ) Outros, citar qual?__________________________________________.
63) Se tivesse algum dinheiro sobrando hoje, no que investiria? Assinale apenas 1
alternativa.
1 ( ) Na própria atividade e propriedade (tecnologias, máquinas, etc.);
2 ( ) Na compra de mais terras;
3 ( ) Na melhoria das condições da moradia;
4 ( ) Ajudaria os filhos;
5 ( ) Atividade fora da agricultura;
6 ( ) Não sabe/não respondeu.
AMBIENTE SOCIAL E ECONÔMICO
64) Participação social da família na comunidade local e/ou no município.
Tipo de associação Quem participa (tab. 1)
1( )associação comunitária de produtores e/ou agricultores
2 ( ) Cooperativas tradicionais de produção
3 ( )Sindicato de trabalhadores
4 ( )Associação de mulheres/clube de mães
5 ( ) Cooperativa do leite
6 ( ) Associação vinculada a igreja (pastoral, canto, etc.)
7 ( ) Clube de futebol, bocha, etc. ligado ao lazer
8 ( ) Outros tipos de entidade (____________________)
9 ( ) Associação de captação de água
10 ( ) Associação de máquinas
12 ( ) Grupo de jovens da comunidade/igreja
13 ( ) Cooperativa de crédito
65) Em quem o senhor deposita mais confiança e credibilidade.
1 ( ) Nos técnicos da Epagri;
2 ( ) No pessoal da Prefeitura (funcionários, agentes de saúde, etc.);
3 ( ) Nos Vereadores do município;
4 ( ) Nos dirigentes do seu sindicato;
5 ( ) No pastor e/ou padre da Igreja que freqüenta;
6 ( ) Nos técnicos e/ou pessoas ligadas as agroindústrias e cooperativas com as quais
trabalha;
7 ( ) Nos compradores e intermediários que adquirem sua produção agrícola;
8 ( ) Nos vizinhos;
9 ( ) Não sabe/não respondeu.
268
66) Qual é seu nível de satisfação em relação à educação e as escolas de seu município
ou comunidade:
1 ( ) Muito satisfeito 2 ( ) Satisfeito 3 ( ) Insatisfeito 4 ( ) Não sabe/não respondeu
67) O porquê da sua opinião...
...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
68) Na sua opinião, qual deveria ser o ensino fornecido aos filhos e filhas de
agricultores?
1 ( ) Uma educação voltada para a agricultura;
2 ( ) Uma educação geral;
3 ( ) Uma educação mista;
4 ( ) Não sabe.
REPRESENTAÇÕES DOS AGRICULTORES SOBRE A RURALIDADE E SEU
FUTURO
69) Em relação à época em que seus pais trabalhavam na agricultura, o Senhor
considera que o período atual: (anotar a alternativa que considera mais importante).
1 ( ) Melhorou muito, em todos os aspectos;
2 ( ) Melhorou, em algumas coisas;
3 ( ) Está pior do que antes, nada melhorou;
4 ( ) Não sabe/ não respondeu;
5 ( ) Não se aplica (os pais não eram agricultores).
70) O Senhor vê futuro para sua família na agricultura?
1 ( ) Sim 2 ( ) Não 3 ( ) Não sabe/ não respondeu
71) Existe algum membro da família (filho ou outro) que o Senhor prevê que
continuará a trabalhar na propriedade depois que o Senhor não puder mais
trabalhar nela?
1 ( ) Sim 2 ( ) Não 3 ( ) Não sabe/ não respondeu
72) Caso haja uma piora na renda e na agricultura de modo geral nos próximos anos,
o Senhor pensa em fazer o quê. (Assinalar só uma alternativa).
1 ( ) Continuar a fazer as mesmas coisas e esperar que a crise passe ou volte ao normal;
2 ( ) Deixar de trabalhar na agricultura e vender a terra;
3 ( ) Buscar aperfeiçoamentos tecnológicos para melhorar a produção na propriedade;
4 ( ) Procurar emprego em alguma atividade não-agrícola, sem vender a terra;
5 ( ) Não sabe/ não respondeu.
269
73) Qual é o grau de satisfação do Senhor e de sua família em relação á agricultura
(explorar aspectos do trabalho e produção)?
1 ( ) Muito satisfeito 2 ( ) Satisfeito 3 ( ) Insatisfeito 4 ( ) Não sabe/não
respondeu
74) Qual é o grau de satisfação do Senhor e de sua família em relação AO MEIO
RURAL? (perguntar sobre espaço/ambiente e a comunidade onde vive).
1 ( ) Muito satisfeito 2 ( ) Satisfeito 3 ( ) Insatisfeito 4 ( ) Não sabe/não
respondeu
75) Quando o Senhor pensa no meio rural ou no espaço rural em que vive, o que mais
valoriza ou associa? (assinalar a alternativa que considera mais importante).
1 ( ) A paisagem;
2 ( ) Os animais e as plantas;
3 ( ) O trabalho na agricultura e a importância de produzir alimentos;
4 ( ) A tranqüilidade;
5 ( ) Os vizinhos e a comunidade em que vive;
6 ( ) Não sabe/não respondeu.
MIGRAÇÃO
76) Alguém de sua família gostaria de mudar para a cidade?
1 ( ) Sim 2 ( ) Não 3 ( ) Não sabe/ não respondeu
77) Se sim, apontar os motivos (Assinale uma ou mais opções):
1 ( ) Acredita que o salário da cidade será maior;
2 ( ) Pouco trabalho no campo;
3 ( ) Não tem interesse na atividade rural;
4 ( ) Por não ter acesso a terra;
5 ( ) A renda atual não é suficiente para o sustento da família;
6 ( ) consegue trabalhar no estabelecimento e morar na cidade;
7 ( ) Para estudar;
8 ( ) Para tratamento de saúde;
9 ( ) Para gozar a aposentadoria;
10 ( ) Outro motivo (especificar) _
________________________.
79) Alguém de sua família gostaria de mudar para outro lugar no campo?
1 ( ) Sim 2 ( ) Não 3 ( ) Não sabe/ não respondeu
80) Se sim, apontar os motivos: (Assinale uma ou mais opções).
1 ( ) Melhores condições de produção/comercialização;
2 ( ) Acesso à terra;
3 ( ) Melhores oportunidades de renda externa;
4 ( ) Porque casou;
5 ( ) Outros motivos (especificar)_____________________________.
270
81) O que seria preciso acontecer para melhorar a qualidade de vida de sua família?
(Destacar aspectos que considera mais importante).
...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
82) Qual a melhoria que mais lhe chamou a atenção nos últimos 5 anos ? (Destacar o
aspecto mais importante).
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...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
.............................................................................................................................................................................
83) No futuro (horizonte de 10 a 15 anos) como o senhor pensa em organizar a
produção e a propriedade?
..............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
TRANSFORMAÇÕES NA COMUNIDADE
84) Fazer um breve histórico das transformações porque passou a comunidade nos
últimos anos (nº famílias, comércio, grupo de jovens, clube de mães, grupo de idosos,
comitê de cooperativas, associações de agricultores, sociedade da comunidade,
escolas, lazer, saúde):
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...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
..............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
85) Existe na comunidade famílias em que todos os filhos foram embora?
1) Não;
2) Sim;
3) Quantas? ______.
86) Quantos jovens solteiros acima de 25 anos existem na comunidade?
1) Rapazes _________;
2) Moças _________.
87) Houve (nos últimos dois anos) casamentos/união na comunidade em que o casal
ali se estabeleceu como agricultor?
1) Não;
2) Sim;
3) Quantos: ____________________.
271
88) Houve (nos últimos dois anos) venda de propriedade onde toda a família foi
embora?
( ) Não;
( ) Sim; Quantas_______.
89) Se houve, quem comprou a propriedade?
( ) Agricultor da comunidade;
( ) Agricultor de fora da comunidade;
( ) Uma pessoa da cidade.
90) Como ela está sendo explorada?
( ) Foi anexada a outra unidade familiar;
( ) Está sendo utilizada por outra família de agricultores;
( ) Está sendo utilizada para criação de gado;
( ) Está sendo utilizada como sítio de lazer.
91) Como vocês pensam que será a comunidade no futuro (horizonte de 10 a 15
anos):
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...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
.....................................................................................................................................................................
..............................................................................................................................................................................
TABELAS
(1) (2) (3) (4)
1 Resp/chefe família
1 Tempo integral na UP 1 Casado 1 Analfabeto – nunca
estudou
2 Cônjuge 2 Tempo parcial na UP 2 Solteiro 2 Apenas lê e escreve
3 Filho 3 Tempo parcial na UP + trabalho
doméstico
3 Viúvo 3 1ª a 4ª série
4 Filha 4 Tempo parcial na UP + estuda 4 Separado 4 5ª a 8ª série
5 Genro 5 Tempo integral fora da UP 5 Divorciado 5 2º grau incompleto
6 Nora 6 Somente trabalho doméstico 6 Outros 6 2º grau completo
7 Netos 7 Somente estuda 7 Nível técnico
8 avós 8 Criança menor de 7 anos
8 Superior incompleto
9 Primos 9 Idoso: apenas tempo parcial na UP 9 superior completo
10 Irmão 10 Desempregado 10 Sem idade escolar
11 Irmã 11 Não trabalha porque é deficiente ou
invalido
(5)
12 Pai 1 Sim
13 Mãe 2 Não
99 Outros
272
(6) Local de exercício das atividades
para-agrícolas
(7) Localização das atividades
não-agrícolas
(8) Posição na ocupação
1 No domicílio ou na UP 1 No domicílio ou na UP 1 Empregador
2 No domicílio de vizinhos 2 Na comunidade que reside 2 Empregado
3 Na própria unid. de processamento 3 No centro urbano do município 3 Ocupação p/ conta própria
4 Na unid. processamento coletivo 4 Em outros municípios 4 Outra ocupação
5 Na unid. Processamento de 3ºs
6 Prestação serviços de máquinas
7 Outro local
* Exemplos de prestação de serviços especializados: Veterinário, advogado, economista, agrônomo, técnico,
** Ex. de prestação de serviços: trabalho doméstico, mecânico, jardineiro, caseiro, barbeiro, carpinteiro,
pedreiro, etc.
Tabela 12 Tabela 13
1 Para pagamento de dinheiro que lhe foi adiantado (estudos, aquisição de
bens pessoais, etc.)
1 Só mandou uma vez
2 Para ajudar na propriedade (atividades agropecuárias) 2 Manda de vez em quando
3 Para ajuda na manutenção dos pais 3 Manda regularmente
4 Para investir em atividades conjunta (sociedade) com os pais ou irmãos que
permanecem na propriedade
5 Para pagamento de empréstimo
6 Outros motivos
TAB. 9
TAB. 10
TAB. 11
Cód.
Destino dos que saíram
Cód.
Por que retornou
Cód.
Setor de atividade
1 Comunidade do município
1 Perdeu o emprego
1 1 Indústria
2 Sede do município
2 Estava ganhando pouco
2 2 Comércio
3 Cidade da região
3
Para exercer outra atividade
na região
3 3 Serviços especializados*
4 Outra cidade do Estado
4
Não quis ficar longe da
família/amigos
4 4 Construção civil
5 Cidade de outro estado
5 Para ser agricultor
5 5 Transformação artesanal
6 Meio rural outro município
6 Aposentou
6 6 Transporte
7 Permanece no mesmo local
7 Faliu
7 7 Serviço público
8 Outro
8 8 Prestação de serviços**
9 9 Outros
273
APÊNDICE B – ROTEIRO DA ENTREVISTA SOBRE AS INICIATIVAS DE
DESENVOLVIMENTO RURAL (NOVIDADES) COM AGRICULTORES
Nome do agricultor
Município
Comunidade
1) Área
Total: Própria: Arrendada:
2) Há quantos anos está nesta propriedade (.................anos)
FAMÍLIA E TRABALHO
3) Composição da família (informar os membros/componentes da família que moram na
propriedade)
Nome Relação
com o
chefe (1)
Idade
(anos)
Sexo
M/F
Tipo
trabal-
ho (2)
Estado
civil (3)
Escola-
ridade
(4)
Estu-
da (5)
Dias
traba-
lho/ano
LEGENDA 1
(1) (2) (3) (4)
1 Resp/chefe
família
1 Tempo integral na UP 1 Casado 1 Analfabeto – nunca estudou
2 Cônjuge 2 Tempo parcial: trabalha fora e dentro
da UP
2 Solteiro 2 Apenas lê e escreve
3 Filho 3 Tempo parcial na UP + trabalho
doméstico
3 Viúvo 3 Primeira a quarta série
4 Filha 4 Tempo parcial na UP + estuda 4 Separado 4 5ª a 8ª série
5 Genro 5 Tempo integral fora da UP 5 Divorciado 5 2º grau incompleto
6 Nora 6 Somente trabalho doméstico 6 Outros 6 2º grau completo
7 Netos 7 Somente estuda 7 Nível técnico
8 avós 8 Criança menor de 7 anos
8 Superior incompleto
9 Primos 9 Idoso: apenas tempo parcial na UP 9 superior completo
10 Irmão 10 Desempregado 10 Sem idade escolar
11 Irmã 11 Não trabalha (deficiente, invalido)
(5)
12 Pai 1 Sim
13 Mãe 2 Não
99 Outros
274
1. Quando e como surgiu a idéia da iniciativa?
2. Como aconteceu na família a discussão sobre a iniciativa?
3. Quando e por que a iniciativa começou a ser executada na propriedade?
4. Quem (organizações) contribuiu para por em prática a idéia? Por que?
5. Quais as dificuldades iniciais para colocar em funcionamento a iniciativa?
6. Quais as mudanças que a iniciativa (novidade) trouxe na organização da propriedade?
7. Quais mudanças que a iniciativa trouxe na organização do trabalho familiar?
8. Quais as modificações que a iniciativa causou no modo de vida da família?
9. Qual a opinião dos membros da família a respeito da iniciativa?
11. Como se dá a inserção no mercado? (fazer um relato desde o inicio da iniciativa)
12. Quais as dificuldades encontradas ao longo da existência da iniciativa?
13. Quais as articulações (apoio) que foram estabelecidas e quais se pretendem fazer?
14. Qual a sua avaliação e a dos membros da família a respeito da iniciativa? Por que?
15. Quais as perspectivas futuras da propriedade e para a própria iniciativa (o que a família
planeja)? Por que?
16. Aquilo que a família planeja (ou pensa) em relação a iniciativa (novidade) é
semelhante ao que planeja o grupo de atores envolvido? Quais as diferenças?
17. Qual a opinião dos vizinhos a respeito da iniciativa?
18. Os vizinhos aderem à idéia? (por que?)
19. Na sua opinião a iniciativa (novidade) dinamiza e promove o desenvolvimento do meio
rural? Por que?
20. O que o Sr. E a sua família pensa a respeito da agricultura e do meio rural? Por quê?
21. Em relação a pergunta anterior, a sua opinião difere daqueles agricultores que não estão
envolvidos com a iniciativa (novidade)? No que?
275
APÊNDICE C – ROTEIRO DA ENTREVISTA SOBRE AS INICIATIVAS
(NOVIDADES)COM INFORMANTES-CHAVES (MEDIADORES)
1. Descreva a iniciativa (coletar dados secundários: informações escritas, relatórios,
reportagens, etc.)
2. Quando, como e por que surgiu a idéia?
3. Como a idéia foi discutida com os agricultores e outros atores?
4. Como foi a “escolha” (adesão) dos agricultores para participar?
5. Quais as dificuldades iniciais para colocar a idéia em prática?
6. Ao longo da existência da experiência como foi a evolução do número de famílias
inseridas na iniciativa?
7. Qual o quadro atual (número) das famílias envolvidas em torno da idéia?
8. Houve famílias que desistiram da idéia? Por quê?
9. Quais as articulações (apoios) que foram construídas? Quais estão sendo construídas?
10. Qual a importância dessas articulações?
11. Essa novidade dinamiza o desenvolvimento do meio rural e local? Por que?
12. Na sua opinião, qual o impacto econômico, social e ambiental que a iniciativa
proporciona ao meio rural e ao local?
13. Na sua opinião quais as dificuldades atuais para que a novidade se estabeleça?
14. Na sua opinião, pode haver um alargamento da amplitude da inciativa? Como? Quais
as dificuldades?
15. Quais políticas públicas favorecem a ampliação da novidade? Quais prejudicam?
16. Cite e comente alguns resultados obtidos?
17. O que pensa (perspectivas) a sua organização sobre a atividade (novidade)?
18. Quais as diretrizes que sua organização tem para a atividade e o fortalecimento da
agricultura familiar?
19. Quais políticas públicas seriam necessárias para ampliar e consolidar essa iniciativa?
Por que? Essa é a mesma opinião da sua organização? O que esta sendo feito para
concretizar essa opinião?
276
ANEXO A – REGIMENTO INTERNO COOPERATIVA DOS PRODUTORES
AGROINDUSTRIAIS DO MUNICÍPIO DE IPIRA - CPAMI
CAPÍTULO I
DA DENOMINAÇÃO, SEDE, FORO, PRAZO, ANO SOCIAL E ÁREA DE AÇÃO
Art. 1 – A Cooperativa dos Produtores Agroindustriais do Município de Ipira – CPAMI,
constituída no dia 01 de setembro de 2.004, rege-se pelos valores e princípios do
cooperativismo, pelas disposições legais, pelas diretrizes da autogestão e por este estatuto
tendo:
a) Sede administrativa na Rua Edmundo Wolfart, s/n, cidade de Ipira, foro
jurídico na Comarca de Capinzal Estado de Santa Catarina;
b) Prazo de duração indeterminado e exercício social coincidindo com o ano
civil;
c) Área de ação, para efeito de admissão de associados, concentrada no
Município de Ipira, e, quando conveniente, nos demais Municípios do Estado
de Santa Catarina.
CAPÍTULO II
DA IMPLEMENTAÇÃO DAS AGROINDÚSTRIAS
Art. 2 – Todas as agroindústrias serão construídas com capital do associado, pessoa física.
Toda e qualquer dívida contraída na implementação, reforma e ou manutenção da unidade
será de inteira responsabilidade do associado pessoa física.
CAPÍTULO III
DA MISSÃO, CREDO E OBJETIVOS SOCIAIS
Art. 3 – A CPAMI, como sociedade e empresa cooperativa, tem por missão promover o
desenvolvimento sustentável das famílias rurais associadas e das comunidades onde as
mesmas se inserem, através da produção, industrialização e comercialização dos produtos
agroindustriais e artesanais produzidos.
Único: A CPAMI atuará sem discriminação política, racial, religiosa ou social e não visará
lucro.
Art. 4 – A CPAMI, como sociedade e empresa cooperativa, acredita:
Na capacidade das pessoas para conseguir seus objetivos;
No trabalho cooperativo como forma de organização da sociedade;
Nas atividades agroindustriais no meio rural como forma de desenvolvimento sustentável
das comunidades onde se inserem os agricultores familiares associados;
Na tecnologia e na qualificação como instrumento de competitividade da agricultura
familiar.
Art. 5 – A CPAMI, como sociedade e empresa cooperativa, tem como objetivo:
277
I – Desenvolver atividades e operações que garantam a defesa e o desenvolvimento da
produção agroindustrial de seus associados;
II – Garantir a distribuição eqüitativa, tanto de seus custos e encargos quanto de seus
excedentes;
III – Prestar assistência educacional e social para o aprimoramento humano e profissional
dos associados e colaboradores.
§ único - A Cooperativa, para o desempenho de suas atividades empresariais, poderá ainda:
Realizar operações comerciais e financeiras visando à comercialização dos produtos
produzidos pelos associados:
Realizar operações comerciais e financeiras visando o abastecimento, com insumos e
equipamentos, das propriedades e unidades industriais dos associados;
Adiantar valores da produção recebida ou a receber dos associados, bem como
salvaguardar o valor pecuniário da mesma;
Contratar agentes ou representantes e instalar unidades no País e no Exterior;
Promover registros de marcas e patentes para seus produtos;
Operar com não-associado, nos termos da legislação em vigor;
Agenciar propaganda, publicidade e afins;
Operar com transportes;
Contratar parcerias.
CAPÍTULO IV
DOS COOPERADOS
SECÇÃO I
DA ADMISSÃO DAS AGROINDÚSTRIAS NA COOPERATIVA E DOS
ASSOCIADOS
Art. 6 – Poderá ser admitido como associado o artesão, pequeno produtor e ou agricultor,
que se dedique a uma ou mais atividades de produção agroindustrial e ou agropecuária,
desenvolvida de forma individual, familiar ou coletiva, em imóveis de sua propriedade ou
ocupados por processo legítimo, e que aceite as disposições legais, estatutárias e
regimentais, e que contribua para a realização dos objetivos sociais.
§ 1° - Não será admitido como associado, nem permanecerá como tal, a pessoa que,
mesmo atendendo as exigências deste Artigo, se dedique também a qualquer atividade que
possa prejudicar os interesses da Cooperativa, ou colidir com seus objetivos, bem como
pela impossibilidade da prestação do serviço requerido;
§ 2° - No ato do ingresso, o candidato comprovará as exigências deste Artigo mediante um
cadastro inicial, e renovado a cada ano, apresentado e aprovado em reunião do Conselho
Administrativo;
§ 3° - Para adquirir a qualidade de sócio, o interessado deverá ter seu nome
aprovado pelo Conselho Administrativo, subscrever e integralizar mais 100% das quotas -
partes sociais na forma prevista no Estatuto e assinar o livro ou ficha de matrícula,
recebendo um número de matrícula, pelo qual exercerá seus direitos e cumprirá seus
deveres e obrigações junto à cooperativa;
278
§ 4° - O número de associados não será limitado quanto ao máximo, não podendo
ser inferior a 20 (vinte) associados, pessoas físicas.
§ 5° - A cooperativa fará a admissão ao quadro social o homem, a mulher e os jovens
membros da mesma família, motivando-os ao processo de participação nas decisões da
cooperativa.
§ 6° - Poderão ingressar na cooperativa, excepcionalmente, pessoas jurídicas que
satisfaçam as condições estabelecidas neste capítulo.
Parágrafo Único: A representação da pessoa jurídica junto à cooperativa se fará por meio
de pessoas naturais especialmente designadas, mediante instrumento específico que, nos
casos em que houver mais de um representante, identificará os poderes de cada um.
CAPÍTULO V
DA ADMISSÃO E EXCLUSÃO DAS AGROINDÚSTRIAS NA COOPERATIVA
Art. 7 – Somente serão admitidas as agroindústrias, empreendimentos que estejam
legalmente constituídas (ou em vias de constituição), considerando parte fiscal, sanitária e
ambiental, aprovado por órgão competente;
Os custos da legalização ficarão por conta do(s) sócio(s) proprietário(s) dos
estabelecimentos.
§ 1° - ADMISSÃO DE NOVAS AGROINDÚSTRIAS - Na admissão de
novas agroindústrias serão observadas as seguintes condições:
I – Respeitar na integra o Artigo 6;
II – Os empreendimentos que não fazem parte dos sócios fundadores e que
queiram se associar à cooperativa deverão ser aprovados pelo conselho de administração
quando a unidade a ser instalada não tiver similar no quadro de associados.
III – Para os empreendimentos que tiver similar já associado à cooperativa,
só será admitido se:
A avaliação de mercado por profissional habilitado, juntamente com o Conselho de
Administração, comprovar a possível ampliação da oferta do mesmo produto, sem
prejuízos para quem já estava na cooperativa;
Nesta condição o empreendimento deverá ser aprovado também pela assembléia geral;
È compromisso de a Cooperativa buscar novos mercados, como forma de incluir e dar
oportunidades ao maior número possível de agricultores, negociar formas de inclusão de
outros agricultores com outros produtos sem ocorrer prejuízos para os associados.
IV – Para que a cooperativa seja realmente um instrumento inclusão, é
importante considerar um limite máximo de produção por unidade de produção, que tenha
como parâmetro para este limite, a mão-de-obra familiar própria.
§ 2° - DA EXCLUSÃO DE AGROINDUSTRIAS -As agroindústrias
poderão ter seu Contrato de Comodato cancelado quando a qualquer momento as mesmas
ou os associados das mesmas infringirem o regulamento do estatuto e ou do regimento
interno. A decisão será da assembléia.
279
§ 3° - DA ADMISSÃO DE NOVOS ASSOCIADOS - Na admissão de
novos associados, deve-se respeitar os termos do Estatuto e do Regimento Interno e, deve-
se seguir as mesmas condições impostas para novos empreendimentos, considerando ainda
a obrigatoriedade de passar por cursos de associativismo e cursos profissionalizantes na
área em que irá desenvolver suas atividades.
Art. 8 – São direitos do cooperante:
Tomar parte nas Assembléias, discutindo e votando os assuntos que nela forem tratados,
solicitando, para tanto, informações sobre os negócios da Cooperativa;
Votar e ser votado para membro dos órgãos estatutários da Cooperativa, observando os
dispositivos legais;
Realizar com a Cooperativa as operações constantes de seus objetivos;
Demitir-se da cooperativa quando lhe convier;
Solicitar informações sobre seus débitos e créditos, consultar os livros e peças do balanço
geral, que devem estar à disposição do cooperante, na sede da cooperativa.
Art. 9 – São deveres e obrigações do cooperante:
Subscrever e integralizar as quota-partes do capital nos termos deste estatuto e contribuir
com as taxas de serviços e encargos operacionais que forem estabelecidos;
Comercializar seus produtos agroindustriais através da Cooperativa;
Cumprir os Direitos eem umerados no artigo anterior, bem como com a disposição da lei e
do estatuto, respeitar as resoluções tomadas pelo conselho de administração e as
deliberações das assembléias gerais;
Satisfazer pontualmente os compromissos assumidos com a Cooperativa, dentre os quais o
de participar ativamente da sua vida societária e empresarial;
Prestar esclarecimento à Cooperativa sobre atividades relacionadas com os objetivos
sociais;
Acusar o seu impedimento nas deliberações sobre qualquer operação em que tenha
interesse oposto ao da Cooperativa
Cumprir as disposições da Lei e deste Estatuto, as Resoluções tomadas pela
Administração, inclusive sobre planejamento, controle e comercialização da produção, as
Deliberações da Assembléia Geral e zelar pelo patrimônio moral e material da
Cooperativa.
Cobrir as perdas do exercício, quando houver, proporcionalmente às operações que
realizou com a cooperativa, se o fundo de reserva não for suficiente.
§ 1° - É expressamente vedado aos associados comercializarem através da Cooperativa, em
seu nome, produtos adquiridos de outras pessoas, a qualquer título, ainda que de associado,
assim como repassar serviços prestados pela Cooperativa em seu nome a outras pessoas.
§ 2° - O não cumprimento destes Deveres e Obrigações implica na perda automática de
todos os Direitos de Associados, acarretando sua eliminação do quadro de associados.
Art. 10 – O associado responde subsidiariamente pelos compromissos da Cooperativa até o
valor do capital por ele subscrito e o montante das perdas que lhe couber.
§ único - A responsabilidade dos associados perante terceiros, pelos compromissos da
Cooperativa, bem como em relação a seus Direitos e Deveres sobre resultados do
exercício, perdura, para os demitidos, eliminados ou excluídos, até quando aprovadas as
Contas do exercício em que se deu o desligamento.
280
Art. 11 – As obrigações dos cooperantes falecidos, contraídas com a cooperativa, e as
oriundas de sua responsabilidade como cooperante, em face de terceiros, passam aos
herdeiros, prescrevendo, porém após um ano do dia da abertura da sucessão.
Art. 12 – Em qualquer caso de desligamento – por demissão, eliminação ou exclusão – o
associado terá direito à restituição de suas Quotas Partes.
§ 1°- Os herdeiros do associado falecido tem direito às Quotas Partes e demais créditos que
a este caibam, ficando-lhes assegurado o ingresso na Cooperativa, desde que preencham as
condições estabelecidas neste Estatuto.
§ 2° - A restituição das Quotas Partes somente poderá ser exigida em qualquer caso por
demissão, eliminação ou exclusão – após a aprovação do Balanço do ano em que o
associado deixou de fazer parte da Cooperativa.
§ 3° - Ocorrendo demissões, eliminações ou exclusões em número que a devolução das
Quotas Partes possa afetar a estabilidade financeira da Cooperativa, esta poderá devolvê-
las mediante créditos que resguardem a sua continuidade.
Art. 13 – Os atos de demissão, eliminação ou exclusão acarretam o vencimento e pronta e
exigibilidade das dívidas dos associados na Cooperativa.
SECÇAO II
DA DEMISSÃO, ELIMINAÇÃO E EXCLUSÃO
Art. 14 – A perda da qualidade de associado poderá se dar por demissão, eliminação ou
exclusão, mas somente será efetivada após o cumprimento das exigências dos Artigos 9 a
12 e seus parágrafos, deste Estatuto.
Art. 15 – A demissão do associado, que não poderá ser negada, dar-se-á unicamente a seu
pedido, formulado por escrito e assinado, e será requerida ao Conselho de Administração,
que verificará o cumprimento das exigências e o encaminhará para o desligamento.
Art. 16 – A eliminação do associado e do empreendimento, que será realizada em virtude
de infração de lei deste regimento e do Estatuto, será feita por decisão da Assembléia
Geral , depois de reiterada notificação ao infrator, devendo os motivos que a determinam
constar do termo lavrado no Livro de Matrícula e assinado pelo Presidente da Cooperativa.
§ único – Da eliminação cabe recurso, com efeito suspensivo, à primeira Assembléia
Geral.
Art. 17 – A exclusão da pessoa associada ocorrerá:
I – Por dissolução da pessoa jurídica;
II – Por morte da pessoa física;
III – Por incapacidade civil não suprida;
IV – Por deixar de atender os requisitos estatutários de ingresso ou permanência na
Cooperativa.
§ único - A exclusão será processada automaticamente nos casos dos itens I, II e III, mas,
quando fundada no item IV dependerá de decisão do Conselho de Administração,
aplicando-se então, as normas deste Estatuto.
281
CAPÍTULO VI
DO CAPITAL
Art. 18 – A Cooperativa reconhece a necessidade de capital para a obtenção de seus
objetivos, e exige de todos, de modo especial de seus administradores, o máximo empenho
em:
Garantir a sua suficiência para o desenvolvimento das atividades necessárias para seu
funcionamento;
Zelar pelo bom uso, evitando perdas, desgastes, aplicações desnecessárias ou qualquer
tratamento que implique em sua deterioração;
Tratar o capital do associado, dentro das normas legais, de tal forma que sirva de
instrumento de incentivo às suas atividades.
Art. 19 – O capital da Cooperativa será subdividido em quota-partes, subscritas pelos
associados não poderá ser inferior a R$ 860,00 (oitocentos e sessenta reais). As quota-
partes são formadas pelo capital mínimo que o associado integraliza, acrescidas de
eventuais taxas e sobras;
§ 1º - O capital social é subdividido em quota-partes no valor de R$ 1,00 (um real) cada
uma.
§ 2º - O valor unitário da quota-parte não poderá ser superior ao maior salário mínimo
vigente no país.
§ 3º - A Quota Parte é indivisível, intransferível a não associados, e não poderá ser
negociada, de modo algum, nem dada em garantia, e sua subscrição, integralização,
transferência ou restituição será sempre escriturado no livro de matrículas;
§ 4º - A transferência de quota-partes, total ou parcial, só será permitida de pai para filho
até o limite do capital mínimo de ingresso, desde que o cedente não fique com suas quotas
abaixo do mínimo exigido, ou em sua totalidade quando da troca de proprietário, devendo
tal cedência ou transferência ser escriturada no livro de matrícula mediante termo que
conterá as assinaturas do cedente, do cessionário e do presidente da cooperativa.
§ 5º - O cooperante deve integralizar as quota-partes à vista , de uma só vez.
§ 6º - Para efeito de admissão de novos cooperados ou novas subscrições, a assembléia
geral atualizará anualmente, com a aprovação de 2/3(dois terços) dos cooperantes presentes
com direito a voto, o valor da quota-parte, consoante proposição do conselho de
administração, respeitados os índices de desvalorização da moeda publicados por entidades
governamentais.
§ 7º - Nos ajustes periódicos de contas com os cooperantes, à cooperativa pode incluir
parcelas destinadas à integralização de quota-partes do capital, quando se fizer necessário;
§ 8º - Os Fundos são constituídos por exigências da lei ou por determinação da Assembléia
Geral, que determinará as modalidades de sua realização e suas finalidades.
§ único – Para a realização de suas atividades, a Cooperativa poderá contratar recursos de
outras fontes, a qualquer título e para qualquer finalidade, no atendimento dos seus
objetivos.
Art. 20 – Ao ser admitido o associado deverá subscrever e integralizar no ato o capital
mínimo, equivalente a 20 (vinte) Quotas Partes.
§ 1º - A Assembléia Geral, atendida as necessidades da Cooperativa e observadas às
disposições legais, poderá criar outros mecanismos de subscrição ou devolução de Capital.
CAPÍTULO VII
DA ASSEMBLÉIA GERAL
282
a) Definição e Funcionamento
Art. 21 – A assembléia geral dos cooperantes, ordinária ou extraordinária, é o órgão
supremo da Cooperativa, podendo, nos limites da lei e deste estatuto, tomar toda e
qualquer decisão de interesse da Cooperativa. Suas deliberações vinculam a todos os
associados, ainda que ausentes ou discordantes.
§ Único: A Assembléia Geral Ordinária para eleição e posse do Conselho de
Administração, do Conselho Fiscal e de outros, será realizada a cada dois anos, nos 3 (três)
primeiros meses após o término do exercício social.
Art. 22 – A Assembléia Geral será habitualmente convocada e dirigida pelo presidente,
após deliberações do conselho de administração.
§ 1° - A Assembléia Geral poderá ser convocada também pelo Conselho Fiscal, se
ocorrerem motivos graves e urgentes, ou ainda, pós-solicitação não atendida por 1/5(um
quinto) dos cooperantes em pleno gozo de seus direitos.
§ 2° - A Assembléia Geral será convocada com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias
se tratar da eleição do Conselho de Administração, e nos demais casos de 15 (quinze) dias,
em primeira convocação, uma hora após em segunda e mais uma hora em terceira.
§ 3° - As 3 (três) convocações poderão ser feitas em um mesmo Edital, desde que dele
constem, expressamente, os prazos de cada uma delas.
Art. 23 – Não poderá participar da Assembléia Geral, de votar e ser votado o associado
que:
Tenha sido admitido após a convocação; ou
Infringir qualquer disposição do Art.9 deste regimento, e das obrigações contidas em lei
Qualquer associado não poderá votar nas decisões sobre assuntos que a ele se refiram de
maneira direta.
Art. 24 – Não havendo quorum, conforme o Art 27, deste estatuto, para instalação de
assembléia geral. Convocada nos termos do artigo anterior, será feita nova convocação,
com antecedência mínima de 10(dez) dias.
§ único: Se ainda assim não houver quorum para a sua instalação, será admitida a intenção
de dissolver a cooperativa, fato que deverá ser comunicado o órgão de Organização das
Cooperativas do Estado de Santa Catarina.
Art. 25 – Dos editais de convocação das assembléias gerais deverão constar:
I – A denominação da Cooperativa e o CNPJ, seguidas da expressão: Convocação da
Assembléia Geral, Ordinária ou Extraordinária, conforme o caso;
II – O dia e a hora da reunião, em cada convocação, bem como o endereço do local da
realização;
III – A sequência ordinal das Convocações;
IV – A ordem do dia dos trabalhos, com a devida especificação;
V – O número de associados existentes, na data de sua expedição para efeito de cálculo de
quorum de instalação;
VI – Data e assinatura do responsável pela Convocação.
§ 1º - No caso da Convocação ser feita por associados, o edital será assinado, no mínimo,
por 5 (cinco) signatários do documento que a solicitou.
§ 2º - As Assembléias Gerais serão convocadas com antecedência mínima de 10 (dez) dias,
em primeira convocação, mediante editais afixados em locais apropriados das
dependências da Cooperativa, comumente mais freqüentadas pelos associados, publicação
283
em jornal e comunicação aos associados por intermédio de circulares. Não havendo no
horário estabelecido, quorum de instalação, as assembléias poderão ser realizadas em
segunda ou terceira convocações desde que assim permitam os estatutos e conste do
respectivo edital, quando então será observado o intervalo mínimo de 1 (uma) hora entre a
realização por uma ou outra convocação.
Art. 26 – É de competência das Assembléias Gerais, ordinárias ou extraordinárias a
destituição dos membros do conselho de administração, do conselho fiscal ou de outros.
§ único - Ocorrendo destituição que possa comprometer a regularidade da administração
ou fiscalização da cooperativa, poderá a Assembléia Geral designar administradores e
conselheiros fiscais provisórios, até a posse dos novos, cuja eleição se realizará no prazo de
30 (trinta) dias.
Art. 27 – O quorum para a instalação da Assembléia Geral é o seguinte:
Dois terços (2/3) do número de associados em condições de votar, em primeira
convocação;
Metade mais um dos associados em segunda convocação;
Mínimo de 10 (dez) associados em terceira convocação.
§ 1° - Para efeito de verificação do quorum de que trata este artigo, o número de associados
presentes, em cada convocação, será contado por suas assinaturas, seguidas dos respectivos
números de matrícula, apostas no livro de presença.
§ 2° - Constatada a existência de quorum no horário estabelecido no edital de convocação,
o presidente instalará a Assembléia e, tendo encerrado o livro de presença mediante termo
que contenha a declaração do número de associados presentes, da hora do encerramento e
da convocação correspondente, fará transcrever estes dados para a respectiva ata.
Art. 28 – Os trabalhos da Assembléia Geral serão dirigidos pelo Presidente, em sua
ausência ou impedimento pelo vice-presidente, auxiliado pelo Secretário da Cooperativa,
sendo por aquele convidado os ocupantes de cargos sociais a participarem da mesa. Após
lida e aprovada, será assinada por ele, por quem a presidiu e pelos associados, em um
mínimo de 10 (dez).
§1º - Na ausência do secretário e de seu substituto o presidente convidará outro cooperante
para secretariar os trabalhos e lavrar a respectiva ata.
Art. 29 – Quando a Assembléia Geral não tiver sido convocada pelo Presidente, os
trabalhos serão dirigidos por um associado, escolhidos na ocasião, e secretariado por outro,
convidado por aquele, compondo a mesa dos trabalhos os principais interessados na
Convocação.
Art. 30 – Nas Assembléias Gerais em que forem discutidos os Demonstrativos Contábeis e
as Contas da Cooperativa, o Presidente, logo após a leitura do Relatório do Conselho de
Administração, as peças contábeis e o Parecer do Conselho Fiscal, solicitarão ao plenário
que indique um associado para coordenar os debates e a votação da matéria.
§ único - Transmitida à direção dos trabalhos, o presidente e demais conselheiros de
administração e fiscal, deixarão a mesa, permanecendo no recinto, à disposição da
Assembléia Geral para os esclarecimentos que lhes forem solicitados.
Art. 31 – As deliberações das Assembléias Gerais somente poderão versar sobre assuntos
constantes do edital de convocação, e os que com eles tiverem direta e imediata relação.
284
Art. 32 – O que ocorrer na assembléia geral deverá constar de ata circunstanciada, lavrada
no livro próprio, aprovado e assinada ao final dos trabalhos pelos administradores e fiscais
presentes, por uma comissão de 10(dez) associados designados pela Assembléia Geral.
Art. 33 – As deliberações nas Assembléias Gerais serão tomadas por maioria simples de
votos, qualquer que seja o número de suas quota-partes.
§ 1º - Em regra, a votação será por voto secreto, mas a Assembléia poderá optar pelo voto
a descoberto.
§ 2º - Caso o voto seja a descoberto, deve-se averiguar os votos a favor, os votos contra e
as abstenções.
Art. 34 – Prescreve em 4 (quatro) anos a ação para anular as decisões da Assembléia Geral
viciadas de erro, dolo, fraude ou simulação, ou tomadas com violação da Lei ou deste
Estatuto, contado o prazo da data em que a Assembléia Geral tiver sido realizada.
Reuniões Preparatórias
(Pré-assembléias)
Art. 35 – Antecedendo a realização das Assembléias Gerais, a Cooperativa fará reuniões
preparatórias de esclarecimento, nos núcleos de cooperantes, de todos os assuntos a serem
votados.
§ único - As Reuniões preparatórias não tem poder decisório.
Art. 36 – As reuniões preparatórias serão convocadas pelo Conselho de Administração,
com antecedência mínima de 05 (cinco) dias, através de ampla divulgação, informando as
datas e os locais de sua realização.
Art. 37 – Deverá constar na ordem do dia do edital de convocação da Assembléia um item
específico para a apresentação do resultado das reuniões preparatórias.
c) Assembléia Geral Ordinária
Art. 38 – A Assembléia Geral Ordinária, que se realizará obrigatoriamente uma vez por
ano, no decorrer dos 3 (três) primeiros meses após o término do exercício social, deliberará
sobre os assuntos, que deverão constar da ordem do dia:
Resultado das pré-assembléias (reuniões preparatórias);
Prestação de contas dos órgãos de administração, acompanhada do parecer do Conselho
Fiscal, compreendendo:
1 – Relatório de gestão;
2 - Balanço geral;
3 – Demonstrativo das sobras apuradas, ou das perdas, e parecer do conselho fiscal;
4 – Plano de atividade da cooperativa para o exercício seguinte:
c) Destinação das sobras apuradas ou o rateio das perdas, deduzindo-se, no primeiro caso,
as parcelas para os fundo obrigatórios;
d) Eleição e posse dos componentes do Conselho de Administração, do Conselho Fiscal e
de outros, quando for o caso;
e) Fixação dos horários, gratificações e da cédula de presença para os componentes do
Conselho de Administração e do Conselho Fiscal;
285
f) Quaisquer assuntos de interesse social, excluídos os eem umerados no Art.42 deste
estatuto;
§ 1º - Os membros dos órgãos de administração e fiscalização não poderão participar da
votação das matérias referidas nos itens “b” e “e” deste artigo.
§ 2º - A aprovação do relatório, balanço e contas dos órgãos de administração não desonera
seus componentes da responsabilidade por erro, dolo, fraude ou simulação, bem como por
infração da lei ou deste estatuto.
Art. 39 – Compete a Assembléia Geral:
Estabelecer as políticas e metas para a orientação geral das atividades da Cooperativa;
Aprovar os Planos de Ação, anual e plurianual, bem como os ajustes quando necessário;
Deliberar sobre a prestação de Contas da Administração, compreendendo:
1 - Relatório da gestão;
2 - Demonstrativos Contábeis, tais como: Demonstração dos Resultados do Exercício,
Balanço Patrimonial, Demonstração das Mutações do Patrimônio Líquido, Demonstração
das Origens e Aplicações de Recursos;
3 - Parecer do Conselho Fiscal.
d) Tomar qualquer decisão de interesse geral da Cooperativa;
e) Dar atribuições específicas ao Conselho de Administração e ao Conselho Fiscal;
f) Autorizar o Conselho de Administração a adquirir, vender, alienar ou onerar imóveis;
g)Autorizar o Conselho de Administração a contratar financiamentos em estabelecimento
de crédito.
d) Assembléia Geral Extraordinária
Art. 40 – A Assembléia Geral Extraordinária, realizar-se-á sempre que necessário, podendo
deliberar sobre qualquer assunto de interesse da Cooperativa, desde que mencionado no
edital de convocação.
Art. 41 – É de competência exclusiva da Assembléia Geral Extraordinária deliberar sobre
os seguintes assuntos:
Reforma estatutária;
Fusão, incorporação ou desmembramento;
Mudanças de objetivo da sociedade;
Dissolução voluntária da sociedade e nomeação de liquidantes;
Contas dos liquidantes.
§ único - São necessários votos de 2/3(dois terços) dos associados presentes para tomar
válidas as deliberações de que trata este artigo.
CAPÍTULO VIII
DAS ELEIÇÕES
Art. 42 – Para a condução da eleição do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal,
será constituída uma Comissão Eleitoral, composta por 3 (três) membros Efetivos e 2
(dois) membros Suplentes, sócios ativos ou dirigente de Cooperativa, indicados pelo
Conselho Administrativo da Entidade e que terá por finalidade a coordenação de todo o
processo eleitoral.
286
§1º - Os membros da Comissão Eleitoral escolherão entre seus pares 1 (um)
Presidente e 1 (um) Secretário.
§2º - São atribuições da Comissão Eleitoral:
Apreciar, publicar, indeferir e declarar registrados os candidatos inscritos;
Julgar as impugnações recebidas pelo Conselho de Administração no prazo de 30 dias
previsto podendo decidir de ofício pelo indeferimento do registro da candidatura, na
hipótese de constatação de inelegibilidade comprovada pelo não preenchimento dos
requisitos obrigatórios para registro, não argüida por qualquer Cooperativa registrada no
gozo de seus diretos;
Organizar mesa (s) eleitoral (is) quando for o caso;
Julgar os casos omissos no Estatuto Social e no Regimento Interno relativos ao processo
eleitoral, cabendo ao Conselho Administrativo e ou à Assembléia Geral reformar decisões
ou procedimentos que julgar ordenadores do processo.
SEÇÃO III
DA CONVOCAÇÃO
Art. 43 – As eleições serão convocadas na forma do Estatuto Social e Regimento Interno,
mediante Edital público, com antecedência mínima de 30 (trinta) dias da data da
Assembléia, devendo constar, entre outros:
Ordem do Dia;
Data, horário e local da Assembléia, na sede da Entidade ou outro local, desde que
especificado;
Quem esta convocando;
Prazo para inscrição dos candidatos;
Prazo final para impugnações dos candidatos;
Menção ao regulamento eleitoral constante do presente Regimento Interno.
§ 2º - Qualquer associado da cooperativa e em dia com suas obrigações, poderá
impugnar o(s) candidato(s), desde que justificadamente, devendo constar as razões de tal
iniciativa e as provas de suas alegações.
SEÇÃO IV
DOS CANDIDATOS AO CARGO DE PRESIDENTE
Art. 44 – Poderá candidatar-se a Presidente da Entidade, observado o seu Estatuto Social, o
Associado que cumulativamente preencha os seguintes requisitos:
seja sócio ativo que esteja em dia com suas obrigações sociais, no exercício anterior à
realização da Assembléia, sendo sócio a mais de 6 meses da data de aprovação da diretoria;
esteja em gozo com os direitos sociais em sua Cooperativa;
não esteja impedido por Lei, não esteja condenado por crime falimentar, de prevaricação,
peita ou suborno, concussão, peculato ou ainda, contra a economia popular e a fé pública.
SEÇÃO V
287
DOS ASSOCIADOS APTOS A VOTAR
Art. 45 – Para verificação de quorum das Assembléias, os associados da Cooperativa
deverão estar no gozo de seus direitos até 30 (trinta) dias antes da publicação do Edital de
Convocação da Assembléia Geral.
Art. 46 – Será assegurado 1 (um) voto para cada associado não podendo este se fazer
representar.
SEÇÃO VI
DA INSCRIÇÃO DOS CANDIDATOS
Art. 47 – Os candidatos aos cargos eletivos da Entidade, devem possuir credibilidade,
conduta ilibada e reconhecida atuação no Sistema Cooperativista.
Art. 48 – Para candidatar-se aos cargos do Conselho de Administração/diretoria/Conselho
Fiscal da Entidade a inscrição deverá ser protocolada na Secretaria da Entidade, até as 18
(dezoito) horas, no período compreendido da data da publicação do Edital de Convocação
para a respectiva Assembléia Geral, até 10 (dez) dias antes da sua realização.
SEÇÃO VII
DA ELEIÇÃO E APURAÇÃO DOS VOTOS
Art. 49 – Para Presidente da Entidade, e demais membros da diretoria,a eleição será
secreta, através de cédula única ou urna eletrônica, constando o(s) nome(s) do(s)
candidato(s), legalmente registrado(s) com base no Estatuto Social e neste Regimento
Interno.
§ 1º - O sufrágio é direto e o voto é secreto podendo, em caso de inscrição de um
único candidato, optar-se pelo sistema de aclamação.
§ 2º - Será considerado eleito o candidato que auferir a maioria dos votos válidos.
§ 3º - Em caso de 3 (três) ou mais candidatos, se nenhum atingir 50% (cinqüenta
por cento) os votos ou 45% (quarenta e cinco por cento) e o segundo diferença maior de
5% (cinco por cento), haverá eleição em segundo turno, na mesma Assembléia.
§ 4º - Persistindo o empate técnico no segundo turno, considerar-se-á eleito o
candidato com maior idade.
Art. 50 – Para todos os casos havendo escrutínio, este será procedido imediatamente após o
encerramento da votação, acompanhando por um fiscal de cada candidato concorrente.
SEÇÃO VIII
DA POSSE E MANDATO DOS ELEITOS
288
Art. 51 – Quando da eleição do Presidente da Entidade e demais membros da diretoria e
dos membros do Conselho Fiscal, uma vez apurados os votos, ou na hipótese de aprovação
por aclamação em virtude de chapa única, a Comissão Eleitoral comunicará o resultado à
Assembléia Geral, cabendo-lhe coordenar a posse e transmissão de cargos dos eleitos.
Art. 52 – A duração do mandato do Presidente, dos Vice-Presidentes e dos Conselheiros
membros dos Conselhos da Entidade será de 2 (dois) anos, com início e término
simultâneos.
CAPÍTULO IX
DA COMUNICAÇÃO
Art. 53 – Os Instrumentos de Comunicação Administrativa...
Carta ou Correspondência Externa: instrumento que tem por finalidade a comunicação
entre a Entidade e terceiros e seus associados;
Comunicação Interna ou Mensagem: instrumento que tem por finalidade
comunicar/informar assuntos de natureza específica. . Quando transmitida através do
“Correio Eletrônico”, denomina-se “Mensagem”;
Nota Técnica (Ata): tem como finalidade registrar as decisões estabelecidas em reuniões
dos Conselhos, Diretoria Executiva e demais Órgãos da Entidade.
Art. 54 – Sempre que for prevista a ocorrência de eleições em Assembléia Geral, o
conselho fiscal, com antecedência, pelo menos, idêntica ao respectivo prazo de
convocação, criará um comitê Especial composto de três dos seus membros, todos não
candidatos a cargos eletivos na Cooperativa, para coordenar os trabalhos em geral,
relativos à eleição dos membros dos conselhos de administração e fiscal, quando for o
caso.
Art. 55 - No exercício de suas funções, compete ao comitê especialmente:
Certificar-se dos prazos de vencimento dos mandatos dos conselheiros em exercício e do
número de vagas existentes;
Divulgar entre os associados, através de circulares e ou meios adequados, o número e a
natureza das vagas a preencher;
Solicitar aos candidatos a cargo eletivo que apresentem certidão negativa em matéria civil
e criminal e de protestos dos cartórios das Comarcas em que tenham residido nos últimos
05(cinco) anos, bem como certidão do registro de imóveis que possuam;
Registrar os nomes dos candidatos, pela ordem de inscrição, verificando se estão no gozo
de seus direitos sociais;
Verificar se por ocasião da inscrição, se existem candidatos sujeitos as incompatibilidades
previstas no parágrafo único do artigo 60, fazendo com que assinem declaração negativa a
respeito;
Organizar fichas contendo o currículo dos candidatos, das quais constem, além da
individualização e dados profissionais, as suas experiências e práticas cooperativistas, sua
atuação e tempo de associado na cooperativa e outros elementos que os distingam;
Realizar consultas e promover entendimento para a composição de chapas ou unificação de
candidaturas, se for o caso;
289
Estudar as impugnações prévias ou posteriormente formuladas por associados no gozo de
seus direitos sociais, bem como as denúncias de irregularidades nas eleições,
encaminhando suas conclusões ao Conselho de Administração, para que ele tome as
providências legais cabíveis.
§ 1º- O comitê fixará prazo para a inscrição de candidatos de modo que possam ser
conhecidos e divulgados os nomes 5 (cinco) dias antes da data da Assembléia Geral que
vai proceder às eleições.
§ 2º- Não se apresentando candidatos ou sendo o número insuficiente, caberá ao comitê
proceder à seleção entre interessados que atendam ás condições exigidas e que concordem
com as normas e formalidades aqui previstas.
Art. 56 – O presidente da Assembléia Geral suspenderá o trabalho desta para que o
coordenador do comitê dirija o processo das eleições e a proclamação dos eleitos.
§ 1º- O transcurso da eleição e os nomes eleitos constarão da ata da Assembléia.
§ 2º- A posse ocorrerá sempre na Assembléia Geral em que se realizarem as eleições,
depois de encerrada a ordem do dia.
Art. 57 – Não se efetivando nas épocas devidas à eleição de sucessores, por motivos de
força maior, os prazos dos mandatos dos administradores e fiscais em exercício
consideram-se automaticamente prorrogados pelo tempo necessário até que se efetive a
sucessão, nunca além de 90 (noventa) dias.
Art. 58 – São inelegíveis, além das pessoas impedidas por lei, os condenados a pena que
vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos, ou por crime familiar, de
prevaricação, suborno, concessão, peculato ou contra a economia popular, a fé pública ou a
propriedade.
CAPÍTULO X
DA ADMINISTRAÇÃO
a) Conselho de Administração
Art. 59 – O conselho de Administração é o órgão superior na hierarquia administrativa,
sendo de sua competência privativa e exclusiva responsabilidade a decisão sobre todo e
qualquer assunto de ordem econômica ou social, de interesse da Cooperativa ou de seus
associados, nos termos da lei, deste estatuto e de recomendações da Assembléia Geral.
§ único – No exercício de suas funções, o Conselho de Administração poderá contratar
outros profissionais especializados, que atuarão como assessores, de forma permanente ou
não.
Art. 60 – O Conselho de Administração, eleito pela Assembléia Geral e a ela subordinado,
é órgão deliberativo, composto por 6 (seis) associados, com títulos de Presidente, Vice –
Presidente, Secretário e 3 (três) Conselheiros, eleitos para um mandato de 2 (dois) anos,
sendo obrigatória à renovação de no mínimo 1/3 (um terço) dos seus componentes a cada
mandato.
§ único - Não poderão fazer parte do mesmo Conselho, além dos inelegíveis e
remunerados nos casos referidos no Art.47 deste estatuto, os parentes entre si até 2º
(segundo) grau, em linha reta ou colateral, nem os que tenham exercido, nos últimos seis
meses, cargo público eletivo.
290
Art. 61 – O quorum mínimo para o funcionamento do Conselho de Administração será de
4 (quatro) de seus componentes e as deliberações tomadas por maioria simples dos votos
dos presentes e registradas em Livro de Atas, lavradas pelo Secretário.
§ único - O Conselho de Administração reúne-se ordinariamente duas vezes por mês, ou
sempre que necessário, por auto convocação ou por convocação do Conselho Fiscal.
Art. 62 – O Conselho de Administração rege-se pelas seguintes normas:
a) Reúne-se ordinariamente duas vezes por mês e extraordinariamente sempre que
necessário, ou sempre que necessário, por convocação do presidente, da maioria do
conselho, ou, ainda, por solicitação do Conselho Fiscal;
b) Delibera validamente com a presença da maioria dos seus membros, proibida a
representação, sendo as decisões tomadas pela maioria simples de votos dos presentes,
reservado ao presidente o voto de desempate;
c) As deliberações serão consignadas em atas circunstanciadas lavradas em livro próprio,
lidas, aprovadas e assinadas no fim dos trabalhos pelos membros do conselho presentes.
§ único - Perderá automaticamente o cargo o membro do conselho de Administração quem,
sem justificativa, faltar duas reuniões ordinárias consecutivas ou a três reuniões durante o
ano.
Art. 63 – Cabem ao Conselho de Administração, dentro dos limites da lei e deste estatuto,
as seguintes atribuições:
Propor à assembléia Geral as políticas e metas para orientação geral das atividades da
Cooperativa apresentando programas de trabalho e orçamento, além de sugerir as medidas
a serem tomadas;
Avaliar as necessidades e as possibilidades financeiras da Cooperativa e os recursos
técnicos disponíveis, tendo em vista as operações e os serviços a realizar;
Estimar previamente a rentabilidade das operações e serviços, bem como a sua viabilidade;
Estabelecer as normas para funcionamento da Cooperativa;
Elaborar, juntamente com lideranças do quadro social, proposta de regimento interno para
a organização do quadro social;
Estabelecer sanções ou penalidades a serem aplicadas nos casos de violação ou abuso
cometidos contra disposições de lei, deste regimento, ou das regras de relacionamento com
a entidade que venham a ser estabelecida;
Deliberar sobre admissão, demissão, eliminação e exclusão de associados e suas
implicações, bem como sobre a aplicação ou elevação de multas;
Estabelecer a estrutura operacional da administração executiva dos negócios, criando
cargos e atribuindo funções, reservando a si a contratação de servidores graduados, e
fixando normas para a admissão e demissão dos demais empregados;
Fixar as normas disciplinares;
Fixar as despesas de administração em orçamento anual que indique a fonte dos recursos
para a sua cobertura;
Exercer o controle sobre as atividades empresariais, acompanhando a execução do Plano
de Ação, verificando mensalmente no mínimo, o estado econômico-financeiro da
Cooperativa e o desenvolvimento das operações e serviços;
Contrair obrigações, transigir, adquirir, alienar, e onerar bens móveis, ceder direitos,
constituir mandatários e contratar financiamentos com quaisquer estabelecimentos de
crédito, com expressa autorização da Assembléia Geral;
Fixar anualmente taxas destinadas a cobrir depreciação ou desgastes, dos valores que
compõem o Ativo Permanente da entidade;
291
Zelar pelo cumprimento da legislação do cooperativismo e outras aplicáveis, bem como
pelo atendimento da legislação trabalhista e fiscal;
O Conselho de Administração poderá contratar outros profissionais especializados, que
atuarão como assessores, de forma permanente ou não.
Aprovar os programas de operações e serviços, bem como as normas para a administração
e funcionamento da Cooperativa;
Apresentar o relatório da gestão e os demonstrativos contábeis ao Conselho Fiscal e à
Assembléia Geral;
Dar outras atribuições, não previstas neste estatuto, ao presidente, bem como estabelecer a
sua forma de expediente;
Convocar a Assembléia Geral.
Art. 64 – Compete ao Presidente:
Presidir o Conselho de Administração e a Assembléia Geral, supervisionando todas as
atividades da cooperativa;
Baixar os atos de execução das decisões do Conselho de Administração;
Assinar juntamente com o secretário, ou outro conselheiro designado pelo conselho de
administração, contratos e demais documentos constituídos de obrigações;
Convocar e presidir as reuniões do Conselho de Administração, bem como as Assembléias
Gerais dos associados;
Apresentar à Assembléia Geral:
Relatório da Gestão;
Demonstrativos Contábeis;
Demonstrativo da sobras ou das perdas verificadas no exercício e o parecer do conselho
fiscal.
Apresentar ao Conselho de Administração e a quem por direito solicitar, cópias e peças dos
Demonstrativos Contábeis, Planos e Projetos, e outros documentos sobre os quais tenham
que se pronunciar;
Representar a Cooperativa, ativa e passivamente, em juízo ou fora dele;
Representar os associados, como solidários com os financiamentos efetuados por
intermédio da cooperativa, realizados nas limitações da lei e deste estatuto;
Elaborar o plano anual de atividades da cooperativa;
Verificar periodicamente o saldo de caixa;
Assinar os cheques bancários junto com o Secretário;
Outras atribuições que lhe determinar o Conselho de Administração ou a Assembléia
Geral.
Art.65 – Compete ao Vice- Presidente:
a) Interessar-se permanentemente pelo trabalho do presidente, substituindo-o em seus
impedimentos inferiores a 90(noventa) dias;
b) Assumir a Presidência em caso de vacância.
Art. 66 – Compete ao Secretário, entre outras, as seguintes atribuições:
a) Secretariar os trabalhos, fazer a lavratura das atas das reuniões do Conselho de
Administração e da Assembléia Geral, responsabilizando pela Guarda dos livros,
documentos e arquivos pertinentes;
b) Assinar, juntamente com o presidente, contratos e demais constitutivos de obrigações,
bem como cheques bancários.
292
Art. 67 – Os administradores, eleitos ou contratados, não serão pessoalmente responsáveis
pelas obrigações que contraírem em nome da Cooperativa, mas responderão solidariamente
pelos prejuízos resultantes da desídia e omissão, ou se agiram com culpa ou dolo.
§ 1° - A Cooperativa responderá pelos atos a que se referem este Artigo, se os houver
ratificado ou deles logrado proveito.
§ 2° - Os que participarem de ato ou operação social em que se oculte à natureza da
sociedade podem ser declarados pessoalmente responsáveis pelas obrigações em nome dela
contraídas, sem prejuízo das sanções cabíveis.
§ 3° - O membro do Conselho de Administração que, em qualquer momento referente a
essa operação, tiver interesse oposto ao da cooperativa, não poderá participar das
deliberações relacionadas, com essa operação, cumprindo-lhe declarar seu impedimento.
§ 4° - Os componentes do conselho de administração, do conselho fiscal ou outros, assim
como os liquidantes, equiparam-se aos administradores das sociedades anônimas para
efeito de responsabilidade criminal.
§ 5° - Sem prejuízos da ação que possa caber a qualquer cooperante, a cooperativa, por
seus dirigentes, ou representada por cooperantes escolhidas em Assembléia Geral, terá
direito de ação contra os administradores, para promover a sua responsabilidade.
§ 6° - As normas estabelecidas pelo Conselho de Administração serão baixadas em forma
de RESOLUÇÕES ou INSTRUÇÕES, e constituirão o Regimento Interno da Cooperativa.
CAPÍTULO XI
DO CONSELHO FISCAL
b) Administração Executiva
Art. 68 – Os negócios e atividades da Cooperativa serão fiscalizados, assídua e
minuciosamente, por um Conselho Fiscal, constituído de 3 (três) membros efetivos e 3
(três) suplentes, todos cooperantes, eleitos anualmente pela Assembléia Geral Ordinária,
sendo permitida a reeleição apenas 1/3 (um terço) de seus membros.
§ 1°- Não podem fazer parte do Conselho Fiscal, além dos inelegíveis eem umerados no
Art. 47 deste regimento, os parentes dos Conselheiros Administrativos até o segundo grau,
em linha reta ou colateral, bem como os parentes entre si até esse grau.
§ 2° - Os associados não podem exercer cumulativamente cargos nos Conselhos de
Administração e Fiscal.
Art. 69 – O Conselho Fiscal reúne-se, ordinariamente, uma vez por trimestre e,
extraordinariamente, sempre que necessário, com a participação mínima de 3 (três) de seus
membros.
§ 1° - Em sua primeira reunião, os conselheiros escolherão, entre seus membros, um
secretário, para a lavratura de atas e um coordenador, este incumbido de convocar e dirigir
as reuniões
§ 2° - As reuniões do Conselho Fiscal poderão ser convocadas, ainda, por qualquer de
seus membros, por solicitação do Conselho de Administração ou da Assembléia Geral.
§ 3° - Na ausência do Secretário do conselho fiscal, será escolhido um substituto para
dirigir os trabalhos.
§ 4° - As deliberações serão tomadas por maioria simples de votos e constarão em
Ata, lavrada em livro próprio, lida, aprovada e assinada ao final dos trabalhos pelos fiscais
presentes.
293
Art. 70 – Ocorrendo 3 (três) ou mais vagas no Conselho Fiscal a Comissão Eleitoral
solicitará a Convocação da Assembléia Geral para o devido preenchimento.
Art. 71 – Ao Conselho Fiscal compete exercer assídua fiscalização sobre as operações,
atividades e serviços da Cooperativa, examinando livros, contas e documentos, relativos ao
exercício do ano para o qual foram eleitos, cabendo-lhe, entre outras, as seguintes
atribuições:
Conferir mensalmente, o saldo do em umerário existente em caixa, verificando, inclusive,
se o mesmo está dentro dos limites estabelecidos pelo Conselho de Administração;
Verificar o volume de em umerários existente em Bancos, nos depósitos à vista e nas
aplicações de liquidez imediata, certificando-se de que seus saldos conferem com os
extratos bancários, e com a escrituração contábil da cooperativa;
Examinar se o montante das despesas, e inversões realizadas estão, de conformidade com
os planos de decisões do Conselho de Administração;
Verificar se as operações realizadas e serviços prestados correspondem em volume,
qualidade e valor às conveniências econômico-financeiras da cooperativa;
Certificar-se se o Conselho de Administração vem se reunindo regularmente, e se existem
cargos vagos na sua composição;
Averiguar se existem reclamações dos associados quanto aos serviços prestados;
Inteirar-se se o recebimento dos créditos é feito com regularidade e se os compromissos
sociais são atendidos com pontualidade; averiguar se há problemas com empregados;
Certificar-se se há exigências ou deveres a cumprir junto a fornecedores, associados,
instituições financeiras e obrigações fiscais, sociais, trabalhistas, ou administrativa e
quanto aos órgãos do cooperativismo, inteirando-se das inadimplências;
Averiguar se os estoques de materiais, equipamentos e outros estão corretos, bem como se
os inventários periódicos ou anuais são feitos com observância das regras próprias;
Examinar os Demonstrativos Contábeis anuais, bem como o relatório anual do Conselho
de Administração, emitindo parecer sobre estes para a Assembléia Geral;
Dar conhecimento ao Conselho de Administração das conclusões dos seus trabalhos,
denunciando a este, à Assembléia Geral OESC, as irregularidades constadas, e convocar a
Assembléia Geral, se ocorrerem motivos graves e urgente;
Conduzir o processo eleitoral, coordenando os trabalhos de eleição, proclamação e posse
dos eleitos, fiscalizando também o cumprimento do estatuto, regimento interno, resoluções,
decisão de Assembléia Geral e do Conselho Deliberativo.
§ 1° - Para desempenho de suas funções, terá o conselho fiscal acesso a quaisquer livros,
contas e documentos, a empregados, a cooperantes e outros, independente de autorização
prévia do conselho de administração sem que, contudo, lhe caiba o direito de interferir no
cumprimento das determinações deste órgão.
§ 2° - Poderá o conselho fiscal ainda, com anuência do conselho de administração,
contratar o necessário assessoramento técnico especializado, correndo as despesas por
conta da Cooperativa.
§ 3° - A responsabilidade do Conselho Fiscal encerra-se no ato da aprovação das Contas
do Exercício pela Assembléia Geral Ordinária, salvo quando viciadas de erro, dolo, fraude
ou simulação, ou tomadas com violação da Lei ou deste Regimento ou do Estatuto.
Art. 72 – O Conselho de Administração e o Conselho Fiscal não serão remunerados.
294
CAPÍTULO XII
DOS LIVROS E DA CONTABILIDADE
Art. 73 – A Cooperativa deverá, além de outros, ter os seguintes livros:
a) Com termos de abertura e encerramento subscritos pelo Presidente:
1. matrícula;
2. presença de cooperantes nas Assembléias Gerais;
3. atas das Assembléias Gerais;
4. atas do Conselho de Administração;
5. atas do Conselho Fiscal.
b) Autenticados pela autoridade competente:
1. livros fiscais;
2. livros contábeis.
§ único - É facultada a adoção de livros de folhas soltas ou fichas, devidamente em
umeradas.
Art. 74 – No Livro de Matrícula os cooperantes serão inscritos por ordem cronológica de
admissão, dele constando:
a) o nome, idade, estado civil, nacionalidade, profissão e residência dos cooperantes;
b) a data de sua admissão, e quando for o caso, de sua demissão a pedido, eliminação ou
exclusão;
c) a conta corrente das respectivas quota-partes do capital social.
CAPÍTULO XIII
DO BALANÇO GERAL, DESPESAS, PERDAS E FUNDOS
Art. 75 – A cooperativa criará, nas suas Demonstrações Financeiras, as provisões
necessárias e correspondentes aos direitos sociais assegurados aos trabalhadores com
vínculo empregatício, todas elas incidentes sobre os valores pactuados na fixação e
pagamento de honorários no corpo social:
§ único - Toda prestação de serviço que a Cooperativa vier a realizar junto a terceiros, só
poderá ser iniciada após a assinatura de contrato, no qual deverá estar previsto, além das
obrigações sociais diretas, também os indiretos.
Art. 76 – A apuração dos resultados do exercício social e os levantamentos do Balanço
Geral serão realizados no dia 31 (trinta e um) de dezembro de cada ano.
Art. 77 – Os resultados serão apurados segundo a natureza das operações, pelo confronto
das respectivas receitas com as despesas, diretas e indiretas.
§ 1° - As despesas administrativas serão rateadas na proporção das operações, sendo os
respectivos montantes computados nas apurações referidas neste Artigo.
§ 2°- Os resultados positivos, apurados por setor de atividade nos termos deste Artigo,
serão distribuídos da seguinte forma:
Dez por cento (10%) ao Fundo de Reserva;
Cinco por cento (5%) ao Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social – FATES;
295
O restante à disposição da Assembléia Geral, que serão rateadas proporcionalmente às
operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembléia Geral;
§ 3° - Além do Fundo de Reserva e Fates, a assembléia poderá criar outros fundos,
inclusive rotativos, os recursos destinados a fins específicos, fixando o modo de formação,
aplicação e liquidação;
§ 4° - Os resultados negativos, serão rateados entre os cooperantes, na proporção das
operações de cada um realizadas com a Cooperativa, ou abatidos das Quotas Partes, se o
Fundo de Reserva não for suficiente para cobri-lo.
Art. 78 – O Fundo de Reserva destina-se a reparar as perdas e atender ao desenvolvimento
das atividades, revertendo em seu favor, além da taxa de 10% das sobras:
Os créditos não reclamados pelos associados, decorridos 5 (cinco anos);
Os auxílios e doações sem destinação específica.
Art. 79 – O Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social – FATES destina-se à
prestação de serviços aos associados e seus familiares, que tenham como finalidade a
melhoria e o incremento dos serviços e da produção, podendo ser prestados mediante
convênios com entidades especializadas, oficiais ou particulares.
§ único – Revertem a favor do FATES, além dos percentuais referidos anteriormente, os
resultados eventuais de qualquer natureza, resultantes de operações ou atividades nas quais
os associados não tenham tido participação.
Art. 80 – A Assembléia Geral poderá criar outros Fundos, permanentes, temporários ou
rotativos, destinando-lhes percentuais e outras receitas, com finalidades específicas.
CAPÍTULO XIV
DA DIRETORIA
Art. 81 – A diretoria não terá cargos remunerados, mas terá a garantia das despesas pagas
quando a mesma tiver que representar a cooperativa nos diferentes eventos que se fizer
necessário para defender os interesses da instituição, com devida comprovação sobre o
motivo do deslocamento. A ajuda de custos terá como valor máximo diário 10 % do salário
mínimo, mediante a comprovação com notas ficais, os casos atípicos como viagens mais
longas será decidido previamente pelo conselho de administração.
CAPÍTULO XV
DA VINCULAÇÃO COM A COOPERATIVA
Art. 82 – O vinculo da unidade fabril com a cooperativa se dará através de um contrato de
comodato entre as partes. Com este instrumento será permitido ao associado comercializar
os produtos fabricados na unidade com nota fiscal da cooperativa. O contrato prevê um
período de funcionamento que findo o qual o mesmo poderá ou não ser renovado.
CAPÍTULO XVI
DA COMERCIALIZAÇÃO
296
Art. 83 – A cooperativa é um instrumento a disposição do associado para facilitar a venda
dos produtos pro eles produzidos. Todo o associado é um potencial vendedor, podendo ou
não a cooperativa contratar um articulador de vendas para todos os empreendimentos e ou
associados.
O produtor faz a entrega no mercado em nome da cooperativa dos produtos que como
associado produziu na unidade fabril e faz a própria cobrança do produto que vendeu.
§ 1º - Todo o produto deverá passar pelo controle da cooperativa.
§ 2º - O preço de venda é discutido entre o articulador e os associados quando existir a
figura do articulador, quando não, deverá ser discutido entre os associados, por tipo de
negócio, e é com esse preço que o produto chega até o mercado , não se permitindo que se
venda o produto em outras condições sem antes consultar os associados. A prática da
venda desleal poderá levar o associado à exclusão dos quadros da cooperativa.
§ 3º - Quando tiver mais que uma unidade produzindo um mesmo tipo de produto, e que
tiver dificuldade de comercialização do mesmo, a venda deverá contemplar a todos,
indistintamente, de forma proporcional à produção de cada empreendimento.
Exemplificando: vende-se 70% de toda a produção de todos os associados. Se um
associado tiver 1000 kg para vender, estará vendendo 700 kg, outro associado tiver 100 kg,
estará vendendo 70 kg.
§ 4º - Como forma de conseguir preços mais favoráveis na compra de insumos, máquinas,
equipamentos e outros materiais necessários ao bom andamento das unidades de produção,
a cooperativa poderá fazer compras coletivas desde que o associado antecipe e deposite na
conta da cooperativa o valor correspondente à compra que deseje realizar.
CAPÍTULO XVII
DO RECOLHIMENTO DOS IMPOSTOS
Art. 84 – Cada associado de forma individual passará na sede da Cooperativa com a
tesouraria e ou com a contabilidade para acertar o recolhimento antecipado dos impostos
referentes à venda dos produtos que a sua agroindústria produziu e vendeu.
CAPÍTULO XVIII
DA COMISSÃO
Art. 85 – No final do período de um mês, todos os associados têm o compromisso de
passar na sede com o contador e ou com o tesoureiro da cooperativa e repassar a comissão
correspondente às vendas daquele período para a cooperativa. A comissão deverá ser
previamente definida em Assembléia Geral. A comissão tem a finalidade de cobrir os
custos com a manutenção da cooperativa e os proventos do articulador, quando existir.
§ 1º - A comissão deverá ser repassada para a cooperativa independentemente da venda ter
sido feita pelo Articulador ou se pelo próprio associado.
§ 2º - Este percentual poderá ser alterado, para mais ou para menos, de acordo com as
necessidades.
297
§ 3º - No caso de inadimplência do comprador, a cooperativa contribuirá com a cobrança,
seja ela administrativamente ou judicialmente, contudo os custos deste processo correrão
por conta do associado que forneceu o produto.
CAPÍTULO XIX
DO ARTICULADOR DE VENDAS
Art. 86 – A Cooperativa poderá adotar a figura do Articulador de Vendas, um associado
da cooperativa, que faz a pré-venda de todos os produtos produzidos pelas diversas
unidades pertencentes à cooperativa. O articulador trabalha por comissão não sendo um
funcionário da cooperativa.
§ 1º - Os associados são obrigados a manter informado Articulador sobre o volume e a
variabilidade de produtos que cada empreendimento produz mensalmente. O articulador
respeitará as decisões dos associados em relação aos preços a serem praticados na
comercialização dos produtos.
§ 2º - É compromisso do associado informar ao articulador e ou a diretoria da cooperativa,
quando ocorrer problemas com a produção da unidade e ou outros impedimentos que
venham a prejudicar a regularidade da oferta dos produtos ao mercado.
CAPÍTULO XX
DO FUNCIONAMENTO DAS UNIDADES AGROINDUSTRIAIS
Art. 87 – Cada estabelecimento define a sua forma de trabalhar, definirá o seu regimento
interno e ou seu estatuto. Cópia do estatuto e ou regimento deverá ser encaminhada para a
secretaria da cooperativa.
§ 1º - A cooperativa respeitará a forma de funcionamento interno de cada unidade, desde
que não as normas pré-estabelecidas sejam respeitadas.
§ 2º - A contratação de responsável técnico será pela cooperativa, sendo os custos pagos
pela(s) unidade(s), rateados em partes iguais ou proporcionais aos trabalhos necessários e
ou receitas geradas.
§ 2º - Para alteração do Regimento Interno necessita pelo menos dois terços dos associados
presentes. A não participação do associado em pelo menos em duas assembléias sem
justificativa, acarreta na exclusão do associado.
CAPÍTULO XXI
DO FUNCIONAMENTO DAS CASAS COLONIAIS
Art. 88 – A casa colonial se constitui em um dos pontos de comercialização a disposição
de todos os associados, que deverá ter sua forma de funcionamento regulamentada
independentemente do funcionamento da cooperativa. É de obrigação de cada associado
manter o mínimo de produtos para o bom funcionamento da casa.
CAPÍTULO XXII
DA DISSOLUÇÃO
298
Art. 89 – A Cooperativa se dissolverá de pleno direito:
Quando assim deliberar a Assembléia Geral, desde que os associados, totalizando um
número mínimo de 20 (vinte) associados presentes, com direito a voto, não se disponham a
assegurar a continuidade da cooperativa;
Devido à alteração de sua forma jurídica;
Pela redução do número de associados a menos de vinte pessoas físicas, ou do capital
social mínimo, se até a Assembléia Geral subseqüente, realizada em prazo não superior a
6(seis) meses, esses quantitativos não forem restabelecidos;
Pela paralisação de suas atividades por mais de 120 (cento e vinte) dias;
Pela consecução dos objetivos predeterminados.
Art. 90 – Quando a dissolução for deliberada pela Assembléia Geral, esta nomeará um ou
mais liquidantes e um Conselho Fiscal de 3 (três) membros para proceder à liquidação.
§ 1º - A Assembléia Geral, nos limites de suas atribuições, pode, em qualquer época,
destituir os liquidantes e os membros do Conselho Fiscal, designando seus substitutos.
§ 2º - O liquidante deve proceder à liquidação de conformidade com os dispositivos da
legislação Cooperativista.
Art. 91 – Quando a dissolução da Cooperativa não for promovida voluntariamente, nas
hipóteses previstas no Art. 89, a convocação poderá ser feita pelo Presidente, ou por
qualquer dos órgãos de administração, pelo Conselho Fiscal, ou após solicitação não
atendida, por 1/5 (um quinto) dos associados em pleno gozo dos seus direitos.
Art. 92 – Em caso de dissolução da Cooperativa, seus bens materiais, patrimoniais e
financeiros, respeitando os débitos contraídos, com terceiros, dentro do prazo de cento e
oitenta 180 dias a contar da data de sua extinção, será revertido em favor dos sócios
remanescentes.
CAPÍTULO XXIII
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 93 – Os casos omissos serão resolvidos de acordo com os princípios doutrinários e os
dispositivos legais, ouvido Organização das Cooperativas do Estado de Santa Catarina.
Este Regimento Interno foi aprovado em Assembléia Geral realizada em 29 de março de
2006.
Art. 94 – Os casos omissos e duvidosos no presente Regimento Interno serão resolvidos
pela Assembléia Geral, ressalvados os princípios legais.
Art. 95 – O presente Regimento Interno entrará em vigor na data de sua aprovação pela
Assembléia Geral para tanto convocada.
Ipira (SC), 29 de Março de 2006.
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