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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
CRISTINA YAMAZAKI
Edição de texto na produção editorial
de livros: distinções e definições
São Paulo
2009
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CRISTINA YAMAZAKI
Edição de texto na produção editorial
de livros: distinções e definições
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Comunicação, na
Área de Concentração Interfaces Sociais da
Comunicação, da Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do Título de
Mestre em Ciências da Comunicação, sob a
orientação da Profa. Dra. Maria Otilia
Bocchini.
São Paulo
2009
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FOLHA DE APROVAÇÃO
Cristina Yamazaki
Edição de texto na produção editorial de livros: distinções e definições
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Comunicação, na Área de Concentração Interfaces
Sociais da Comunicação, da Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo, como exigência parcial para
obtenção do Título de Mestre em Ciências da Comunicação,
sob orientação da Profa. Dra. Maria Otilia Bocchini.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr._______________________________________________________________
Instituição:_______________________________ Assinatura: ____________________
Prof. Dr._______________________________________________________________
Instituição: _______________________________ Assinatura: ____________________
Prof. Dr._______________________________________________________________
Instituição: _______________________________ Assinatura: ____________________
Aprovado em:______________________
Reproduzido de Primeiras estórias (1969).
Aos muitos galos que, com os fios da teia tênue
do diálogo cotidiano e da convivência
(em família, entre amigos, na universidade
e no ambiente profissional),
teceram comigo esta manhã.
Agradeço a todos que, nas mais diversas formas,
compartilharam comigo a origem e o desenvolvimento deste trabalho.
Ao Julio, pelo cuidado e pelo amor incondicional.
Aos meus pais, pelo cuidado hoje distante mas também
incondicional. Aos amigos, amigos editores e editores amigos:
Sergio Tellaroli, Claudia Maki, Livio Lima,
Alice Kyoko Miyashiro e tantos outros.
À professora Maria Otilia Bocchini, pela orientação carinhosa.
Resumo
Este trabalho estuda o campo da edição de texto na produção editorial de livros no Brasil.
O objetivo é apontar algumas distinções necessárias às pesquisas acadêmicas sobre edição de
textos, e importantes para a formação de pesquisadores e profissionais. A proposta centra-se nas
principais etapas (edição de texto, preparação de originais e revisão de provas) que compõem o
processo por que passa um texto a ser transformado em livro.
Parte-se de análise dos manuais de editoração e de pesquisas acadêmicas que tangenciam o
tema. E articula-se um diálogo entre alguns trabalhos acadêmicos das áreas de psicolinguística e
psicologia cognitiva sobre leitura em suas relações possíveis com os estudos em editoração e a
experiência empírica dos editores de texto.
Contribui-se, assim, para o aprimoramento dos conhecimentos sobre a edição de texto, entre
eles: as etapas, os objetivos principais e secundários, as estratégias, as tarefas e um conjunto de
elementos necessários para que um profissional atue como editor de texto consciente de sua
intervenção.
Palavras-chave
editoração, edição de texto, preparação, revisão de provas, edição de livros, produção editorial
Abstract
It is the purpose of this thesis to study the field of text-editing in the Brazilian book
publishing industry. Its main aim is to point out a few distinctions deemed necessary not only to
the academic research but also to the formation of researchers and professionals in this
particular field of study and work. In order to achieve this goal, the main phases the text goes
through on its way to becoming a book text-editing, copy-editing and proofreading are
here taken into account and characterized.
Examining the available manuals and academic papers on the book editing field is the
starting point of this research. It then goes on to promoting a dialogue between the book editing
field and other areas of expertise, such as psycholinguistics and cognitive psychology, that also
deal with the process of reading. The possible relationships this dialogue reveals and the actual
praxis of text editing are then analyzed.
Contributing to a better knowledge of what text-editing actually involves is therefore a
primary aim of this thesis. It intends to shed some light on the specific phases, primary and
secondary goals and strategies text-editing comprises, as well as on a series of elements needed
not only for the praxis of text-editing itself but also for a more conscientious practice of this
activity.
Keywords
book editing process, text editing, copy editing, proofreading
Sumário
Introdução 9
1. Questões antigas e permanentes na edição de texto 20
P
rofissionais invisíveis e curiosos 23
2. A edição de texto nos livros brasileiros 28
Editor, editor e publisher 28
Fundamentos dos pioneiros em editoração 33
Manuais: indicações de como editar 40
Elementos de bibliologia, de Antonio Houaiss 42
A construção do livro, de Emanuel Araújo 47
O
livro: manual de preparação e revisão, de Ildete Oliveira Pinto 49
Manual do revisor, de Luiz Roberto Malta, e Além da revisão:
critérios para revisão textual, de Aristides Coelho Neto 52
A abordagem acadêmica 64
Perspectivas da linguística 66
As distinções de cada um 81
3. Distinções e definições: um ensaio de proposta 83
As indistinções e indefinições 83
As etapas da intervenção no texto alheio 88
O senso comum: o que não é edição de texto 90
4. Edição de texto 94
A estrutura do texto 100
A estrutura visual 106
O código linguístico 108
Algumas observações sobre legibilidade 112
Além da intervenção estrutural e linguística 115
5. Preparação 117
N
ormatização ortotipográfica 118
Normatização gramatical 122
Normatização editorial 122
Normatização estilística 125
O porquê das normatizações 130
Os limites entre edição de texto e preparação 138
Competências enciclopédicas e textuais 138
Competências gramaticais 142
6. Revisão de provas 145
Os dois códigos envolvidos na revisão 148
Leitores profissionais e proficientes:
As intervenções no texto à luz dos processos de leitura 160
E
dição, preparação, revisão 167
7. Apontamentos sobre edição de textos informativos e literários 169
Quando não é possível dialogar com o autor 177
Quando o editor dialoga com o autor 182
Considerações finais 189
Referências bibliográficas 192
Anexos 202
9
Introdução
Este trabalho explora a edição de texto no contexto da produção editorial de livros
no Brasil. Nele, a expressão “edição de texto” foi usada para nomear uma das etapas
que compõem o tratamento editorial do texto durante a produção de um livro e também
como termo que pode abranger todo o processo de intervenção por que passa o texto até
virar livro, o que inclui, portanto, a preparação e a revisão de provas.
O objetivo é estudar o campo desse processo da edição de texto inicialmente
identificando as diferentes tentativas realizadas para distinguir e delimitar as etapas que
o constituem. Foram considerados a visão dos manuais brasileiros sobre editoração,
assim como os debates acadêmicos sobre o tema em universidades e organizações
profissionais estrangeiras, sobretudo no Canadá, e algumas produções acadêmicas
brasileiras que tangenciam a edição de textos.
Além desse objetivo inicial de procurar traçar os limites e as distinções das diver-
sas etapas pelas quais passa um texto antes de ser impresso em livro, também se visa,
com este trabalho, contribuir para o aprimoramento dos conhecimentos sobre a edição
de texto, entre eles: os objetivos de cada etapa envolvida no tratamento de texto, as tare-
fas mínimas que devem ser efetuadas para atingi-los e um conjunto de elementos
necessários para que um profissional atue como editor de texto de forma consciente de
sua intervenção. A psicolinguística, os trabalhos da psicologia cognitiva sobre leitura e
as pesquisas sobre educação, em suas relações possíveis com os estudos em editoração,
revelaram-se fundamentais para conhecer, compreender e analisar o campo da edição de
10
texto, ao oferecer alguns princípios que podem subsidiar a formação e também o
aperfeiçoamento desse leitor profissional que é o editor de textos.
No Brasil não cursos específicos para a formação de editores de texto. Em ge-
ral, os profissionais que atuam nessa área como funcionários de editoras de livros, prin-
cipalmente, e também como colaboradores freelancers, aprendem na prática o que é
preparar um original, revisar uma prova, copidescar um texto, editar um livro. A maio-
ria egressa dos cursos de graduação em comunicação social ou letras são esses os
cursos mais procurados por editoras que desejam contratar estagiários, assistentes edito-
riais, editores-assistentes, revisores ou colaboradores nas várias etapas de tratamento do
texto. Espera-se, assim, que para lidar com a língua a pessoa conheça bem a norma-pa-
drão, competência supostamente desenvolvida nas faculdades de comunicação social e
de letras. Essa noção quase sempre considera o profissional do texto como inspetor da
língua, talvez como mais um membro dos “comandos paragramaticais”
1
concepção
que este trabalho rejeita, mas que não será aqui explorada.
Na prática editorial, constata-se que o conhecimento linguístico formal não é sufi-
ciente: fato comprovado pela dificuldade em “encontrar” bons preparadores de texto ou
revisores, por exemplo. A graduação em editoração ou produção editorial procura
formar editores de texto, mas pouquíssimos cursos no Brasil e os currículos acabam
não cobrindo de forma aprofundada essa questão, pois a proposta dessas graduações é
oferecer um amplo panorama da atividade editorial, que forme desde editores, editores
de texto, editores de arte até produtores gráficos.
Desse modo, na formação em produção editorial é possível constatar, nas discipli-
nas que abordam a edição de texto, a escassez de bibliografia específica. Nas universi-
dades brasileiras que se propõem a formar revisores e preparadores em cursos de
1
Expressão usada pelo sociolinguista Marcos Bagno para designar o “arsenal de livros, manuais de
redação de empresas jornalísticas, programas de rádio e de televisão, colunas de jornal e de revista,
CD-
ROMs, ‘consultórioslinguísticos por telefone e por afora...” (1999, p. 76). Trata-se de uma pluralidade
de expressões que alimentam o ciclo vicioso do preconceito linguístico. O autor inspirou-se numa tira do
cartunista Quino, na qual a personagem Mafalda se sente reprimida pelos “comandos paramaternais”.
11
graduação ou pós-graduação, a lacuna é preenchida com alguns manuais — ou de edito-
ração ou de gramática, ambos obras de consulta para a prática cotidiana, e não obras de
formação.
Nesse contexto, a formação do editor de texto é quase sempre autodidata, desen-
volvida no próprio trabalho, na relação com outros profissionais mais experientes (e
também autodidatas). O trabalho diário com textos de todo tipo, a troca de experiências
com outros profissionais, a consulta constante aos colegas para tirar dúvidas e trocar
opiniões — o diálogo com o outro propiciaria o aperfeiçoamento prático.
Mas é possível outro modo de formar um editor de texto? Que competências se
esperam dele? Quais são os princípios que devem orientar sua intervenção no texto
alheio? Onde ele encontra respostas e fundamentos para suas escolhas? O que acontece
durante esse processo de intervenção? Quando as correções não são estritamente
gramaticais, são completamente subjetivas? Qual é de fato o papel da intuição (se é que
se pode falar em intuição nesse caso)? O que o editor de texto deve saber e conhecer
para fazer um bom trabalho? Essas indagações, que circundam o diálogo com outros
profissionais na prática editorial, instigaram o projeto desta pesquisa de mestrado, que
não pretende explorar todas elas, embora tenha germinado sobre essas inquietações em
torno da edição de texto.
A curiosidade a respeito do campo da edição possibilitou que se propusesse neste
trabalho um diálogo entre algumas pesquisas acadêmicas em especial sobre o
processo cognitivo da leitura e de sua aquisição, sobre o conceito de legibilidade e suas
implicações na compreensão de um texto e a experiência empírica dos editores de
texto. Na concepção deste projeto de pesquisa, as proposições de Bocchini (1994) para
um modelo de texto acessível a leitores pouco proficientes em leitura contribuíram para
as reflexões iniciais sobre edição de texto. Pois o acesso independente à informação está
sujeito tanto à redação como à edição de textos claros e perfeitamente legíveis, ou seja,
a uma comunicação centrada no leitor, seja ele experiente ou não. Essa abordagem de
Bocchini motivou a reflexão sobre os objetivos da edição de textos e também sobre os
conhecimentos mínimos necessários para a formação de um profissional do texto.
Ao longo deste trabalho, o aprofundamento de alguns estudos contribuiu para
compreender o processo da edição de texto e também ofereceu fundamentos para tentar
identificar distinções entre as etapas de tratamento do texto. Como as pessoas leem,
quais são as competências de leitura envolvidas nesse processo cognitivo, como é pos-
sível desenvolver o aprendizado da leitura, quais são as características do texto que
podem contribuir para uma leitura mais eficaz — esses aspectos, analisados pelas
pesquisas da psicolinguística aplicada, da psicologia cognitiva e de outras áreas que se
voltam para a leitura (como a educação) apresentaram oportunidades de diálogo com a
editoração. Diálogo que François Richaudeau, pesquisador francês que aliou a psicolin-
guística a teorias cognitivas para analisar profundamente a legibilidade textual e visual,
apontou em diversos estudos
2
.
Foi possível encontrar, em algumas universidades estrangeiras, grupos de pesqui-
sadores que não estudam campos afins ao da edição de textos como também anali-
sam especificamente esse objeto, sendo o mais profícuo o grupo Rédiger, no Centre In-
terdisciplinaire de Recherches sur les Activités Langagières (Ciral), na Universidade de
Laval (Quebec, Canadá). Também se encontrou no Canadá uma organização que
congrega os profissionais que atuam no tratamento editorial de textos, a Association
Canadienne de Réviseurs (
ACR). Tanto as investigações acadêmicas como os princípios
diretores das organizações profissionais (no Canadá, na França, na Espanha), além de
2
Graduado em engenharia de artes e ofícios e especializado na indústria gráfica, Richaudeau trabalhou
numa importante empresa gráfica no Norte da França. Depois, como diretor de um clube do livro,
começou a refletir sobre as edições que produzia e buscou produzir obras que fossem o mais agradáveis
possível para o leitor. Na década de 1960 criou, com outros pesquisadores, o Centro de Estudos e de
Promoção da Leitura (
CEPL), com o objetivo de fazer investigações sobre leitura e legibilidade. Foi ali que
fez os primeiros experimentos sobre o comportamento dos leitores em função das características
tipográficas das obras impressas, com microcâmeras que filmavam os movimentos oculares. Realizou
também várias pesquisas sobre a capacidade de memorização dos leitores e a relação da memória com a
compreensão do texto. Ver Richaudeau (1969, 1973, 1981, 1986, 1992, 2005).
13
apresentar um panorama da formação e da prática profissional dos editores de texto em
países diversos, mostram preocupação com a necessidade de distinções e delimitações
das etapas e das tarefas envolvidas no processo da edição de texto.
À medida que a autora deste trabalho se aprofundava nos estudos sobre o campo
da edição de texto, evidenciava-se uma lacuna: as indistinções e indefinições que ron-
dam o tema. É explícita a confusão de denominações e a falta de definição para cada
atividade envolvida no tratamento editorial dos textos, desde a formação universitária
em produção editorial, passando pela leitura e pelo estudo das obras e manuais sobre
editoração, até a experiência profissional e o diálogo com colegas editores no dia a dia.
Tanto na escassa bibliografia sobre o tema como na prática, foi possível constatar a
existência dessa lacuna constituindo ela, portanto, uma das justificativas deste
trabalho de dissertação.
A edição de texto, bem como a própria edição, [...] é um misté-
rio para muitos. Em primeiro lugar, os editores de texto ocultam-se
sob uma série de designações
3
sub editor, technical editor,
developmental editor, desk editor, manuscript editor, author's editor,
line editor, redactor e editorial assistant, entre outras. Em segundo
lugar, o trabalho é complexo e difícil de explicar a qualquer um que
esteja fora do universo editorial. (Maeve O’Connor, 1986, citado por
KOTZE; VERHOEF, 2003, p. 38)
4
As palavras de O’Connor, editor de publicações científicas e membro da Euro-
pean Association of Science Editors (Ease), reforçam as palavras dos pesquisadores
brasileiros que estudaram e estudam o campo da edição de textos. A indefinição extra-
pola a bibliografia e se concretiza nas práticas de tal forma que esse autor chega a quali-
3
Devido às indefinições na nomenclatura dos profissionais envolvidos no processo editorial, manteve-se
neste trabalho a nomenclatura original da bibliografia estrangeira. Adotar de forma automática a tradução
que parece mais próxima do português não daria conta da complexidade de cada concepção, na medida
em que, por exemplo, copydesk no contexto norte-americano é completamente diverso do copidesque
brasileiro, conforme se constatou na revisão da bibliografia.
4
As citações em língua estrangeira foram traduzidas por Alice Kyoko Miyashiro, a quem a autora
agradece a gentileza.
14
ficar a edição de textos como algo “misterioso”. Tão misterioso talvez não apenas para
“muitos” mas também para os próprios editores, que não raro consideram difícil expli-
car o que é edição de textos, o que faz o editor de texto e como formá-lo.
Além disso, nota-se na bibliografia brasileira sobre editoração uma tradição de
obras concebidas a partir da experiência. Elementos de bibliologia (1967), de Antonio
Houaiss, e A construção do livro (1986), de Emanuel Araújo, foram os pioneiros e
estabeleceram-se como referência obrigatória no assunto. Depois deles, inúmeros
manuais foram escritos e publicados por outros profissionais do setor editorial. Devido
ao caráter funcional desses livros, a pesquisa bibliográfica inicial sobre os estudos
voltados para a edição de texto ou que tangenciam esse tema revelou mais alguns
limites: as principais obras adotadas na formação acadêmica dos editores são manuais,
pois buscam sistematizar normas para aplicação na prática editorial. Mesmo as
pioneiras, que se destacam pela erudição, também foram concebidas como obras para
consulta. Não visavam debater nem refletir sobre o campo da edição de texto.
Com esse diagnóstico inicial, que revelou indefinições, limites e lacunas nos estu-
dos sobre edição de texto que por isso até foi denominada “misteriosa” —, revelou-
se importante procurar outros ares e áreas a fim de avançar alguns passos numa pesquisa
acadêmica em torno desse tema pouco explorado. Foi assim que, ao dialogar com
esforços acadêmicos externos ao campo específico da edição de texto, foi possível
construir saberes e tentar desenvolver e aprofundar conhecimentos sobre o objeto do
presente trabalho. Pesquisas de linguística e psicolinguística sobre leitura apresentaram
informações relevantes para a edição de textos, ainda que grande parte das estratégias e
práticas editoriais tenham sido estabelecidas muito anteriormente a esses estudos
5
. No
5
Ao longo da história do livro e da leitura, é possível notar que várias constatações científicas haviam
sido confirmadas empiricamente pelos leitores, que demonstrariam certas tendências de suas preferências
ao comprar, escolher e ler os textos. Um exemplo é o caso da Bibliothèque Bleue, analisada por Chartier
(1994, 2002). Sobre tradução também Eco (2007, p. 14) lembra que “quando ainda não existia teoria da
tradução, de são Jerônimo ao nosso século, as únicas observações interessantes sobre o tema foram feitas
exatamente por quem traduzia”.
15
entanto, embora mais recentes, as pesquisas fornecem contribuições importantes para o
estudo do tratamento editorial do texto. Pois se o compromisso permanente do editor de
texto é acima de tudo com os leitores, é fundamental compreender como o leitor pro-
cessa um texto. O conhecimento das teorias psicolinguísticas e dos processos cognitivos
da leitura pôde ajudar a encontrar formas de delimitar e definir melhor as atividades que
integram a edição de texto.
Para uma compreensão mais profunda do campo da edição de texto, partiu-se de
uma revisão da bibliografia brasileira sobre o tema
6
, a qual revelou de saída algumas
lacunas e limites: a escassez de produções e a falta de definições e de sistematização do
processo de intervenção no texto alheio.
Foram pouquíssimos os que se dedicaram ao tema. E os livros publicados, além
de apresentar uma abordagem funcionalista em vez de crítica e reflexiva —, expõem
as indistinções que rondam esse campo, o qual apenas em anos mais recentes tem sido
considerado como espaço para debates e pesquisa. Ainda assim, para compreender me-
lhor a edição de textos buscaram-se subsídios nas duas principais obras sobre editoração
(
HOUAISS, 1967; ARAÚJO, 2006), em alguns manuais mais breves e em estudos que
tocam no tema da edição de texto. No entanto, não foi possível identificar nessa bi-
bliografia um consenso nem em relação ao que se considera edição de texto.
A bibliografia específica limitada acerca do tema, sobretudo no Brasil, conduziu a
pesquisas acadêmicas entre estudiosos estrangeiros. Porém também elas revelaram
lacunas, e coincidentes, pois a imprecisão terminológica é recorrente em grande parte
dos estudos sobre edição de texto, assim como é recorrente o destaque para essa
indefinição.
A partir da pesquisa bibliográfica no Brasil e no exterior, constatou-se que a
edição de texto não se estabeleceu ainda como um domínio de pesquisa acadêmica,
6
Envolve também a bibliografia sobre preparação de texto, revisão de provas, que neste trabalho se
considerou como parte do processo da edição de texto.
16
embora na última década tenham sido feitos alguns estudos iniciais em áreas diversas
como linguística, educação, comunicação social e outras. Recorreu-se, assim, a outros
estudos que de alguma forma abordam o assunto, a fim de estabelecer nesta dissertação
um espaço para o diálogo com outros esforços acadêmicos nas áreas da
psicolinguística e psicologia cognitiva, e também nas pesquisas sobre legibilidade
(Richaudeau).
As lacunas e os limites encontrados ao longo da revisão bibliográfica, assim como
as reflexões iniciais suscitadas pela articulação entre os estudos de áreas diversas, foram
expostos em ambientes acadêmicos
7
e ensejaram debates que também ajudaram a firmar
alguns passos rumo a uma distinção do tema deste trabalho.
Desse modo, tanto as lacunas como as contribuições dessa bibliografia diversa
ofereceram contribuições para que se identificassem elementos a partir dos quais derivar
algumas categorias de edição de texto, distinguir objetivos e subobjetivos das etapas que
a compõem e reconhecer as principais estratégias envolvidas no processo. Foi a partir
desses elementos que se tornou possível tentar formular algumas definições mais
específicas.
Às percepções decorrentes da pesquisa bibliográfica, aliaram-se as curiosidades,
dúvidas e observações originadas na formação universitária em editoração, a troca de
experiências com muitos profissionais do texto
8
e as reflexões desentranhadas da prática
profissional da autora como editora de texto por quase quinze anos. Durante o percurso
deste trabalho, foi fundamental, portanto, a troca de impressões e opiniões com outros
profissionais da área, intercâmbio que foi se estabelecendo como uma arena de
formação das mais profícuas. Mesmo as conversas mais informais suscitaram reflexões
7
Houve discussões acaloradas e notou-se bastante interesse pelo tema nos eventos dos quais a autora
participou ao longo do desenvolvimento deste trabalho: Congresso Virtual de Edição de Texto (2007),
XXX Congresso da Intercom (2007), Colóquio Internacional de Comunicação para o Desenvolvimento
Regional — Regiocom (2008) e Jornada de Editoração na ECA-USP (2008).
8
Aqui incluídos editores de texto, revisores, preparadores, editores, produtores editoriais e tradutores,
entre outros profissionais envolvidos na edição e produção de livros.
que muito contribuíram para o esboço de delimitações que este trabalho propõe. Pois as
experiências profissionais, as informações sobre condições de trabalho, as opiniões
sobre a função dos editores de texto, sobre o lugar social e cultural da atividade editorial
ajudaram a construir os saberes explorados neste trabalho.
Para dialogar com a pesquisa bibliográfica sobre edição de texto, também se re-
velou imprescindível a trajetória pessoal da autora como editora de texto, desde o curso
de graduação em comunicação social com habilitação em produção editorial. Não fosse
a experiência profissional, não fosse a prática com diversos tipos de texto e de livro, de
autores nacionais e estrangeiros, vivos e mortos, estreantes e consagrados, como
freelancer e como funcionária de editora, sem esse percurso seria impossível conceber
este trabalho, na medida em que um dos papéis do pesquisador é desentrinçar da prática
elementos que possam dialogar com o campo científico: “Há detalhes técnicos que cabe
averiguar e também um conhecimento que o fazer do livro, nas suas diversas eta-
pas, revela. Esse conhecimento prático só se passa nos percursos do próprio fazer
editorial” (
FERREIRA J. P., 1999, p. 18).
A partir dessa trajetória, foi possível extrair alguns elementos que ajudaram a de-
limitar fronteiras entre as atividades editoriais do texto e compreender e sistematizar o
campo da edição de texto.
Algumas questões antigas e permanentes sobre o contexto e as relações en-
tre os protagonistas da edição de texto (autor e editor) abrem este trabalho de mestrado
na forma de “causos” da história da editoração brasileira, para iniciar o leitor nos
aspectos da edição de texto explorados nos capítulos seguintes.
Os principais autores de livros sobre editoração têm visões distintas sobre o
campo da edição, como se expõe no capítulo 2, que inicia com algumas considerações
18
sobre os termos editor e publisher, os quais influenciaram a nomenclatura usada por
Houaiss e Araújo nas obras consideradas “bíblias da editoração”, Elementos de biblio-
logia e A construção do livro. Após essa distinção inicial, para compreender a
abordagem desses autores, buscou-se a fundamentação teórica de ambos. Longe de
esgotar a revisão bibliográfica que toca no tema da edição de texto, procurou-se neste
capítulo avaliar quais foram as definições e delimitações esboçadas, em especial nessas
duas obras que são adotadas como referência fundamental nos cursos de editoração e
também nas editoras de livros. Além de obras de caráter funcional, por terem sido
concebidas como material de referência sobretudo para a prática profissional, são
expostas algumas pesquisas acadêmicas recentes que se voltam especificamente para o
tema deste trabalho. O capítulo explora, portanto, a perspectiva de alguns livros
brasileiros sobre editoração, além de contribuições das produções acadêmicas realizadas
no país nos últimos anos.
Na bibliografia nacional, evidencia-se o estado de indefinição terminológica no
campo da edição de texto nas obras de referência usadas na formação dos
profissionais editoriais, nos estudos acadêmicos e também na prática profissional.
Assim, após expor de forma breve o processo editorial recorrente nas editoras de livros
no Brasil, o capítulo 3 propõe algumas ideias para um esclarecimento mínimo: são
expostas propostas do que não poderia ser considerado edição de texto.
Os capítulos seguintes (4, 5 e 6) tratam das etapas principais que compõem a edi-
ção de texto. São apresentados os objetivos, as tarefas mínimas, algumas estratégias
cognitivas envolvidas nas atividades, os conhecimentos de outras áreas que propiciam
um diálogo com o campo da edição de texto. Como apenas descrever, ainda que de
forma minuciosa, talvez não fosse suficiente para expor o que é “mexer” no texto
alheio, foram selecionados alguns exemplos de textos editados, preparados e revisados
19
para ilustrar as descrições e a tentativa de definição e delimitação de fronteiras entre as
atividades de edição de texto.
No breve capítulo final, abordam-se alguns aspectos sobre a intervenção em textos
informativos e literários, assim como sobre o trabalho do editor de texto no diálogo (ou
ausência de diálogo) com o autor.
Este trabalho não tem a pretensão de se impor como definitivo. Expressa antes um
esforço de pesquisa no sentido de buscar compreender melhor o campo da edição de
textos, apontando algumas distinções necessárias para as pesquisas acadêmicas e
certamente importantes para a formação de profissionais e pesquisadores e também para
a prática profissional.
20
1
Questões antigas e permanentes
na edição de texto
É antigo o estereótipo de inimizade que marca a relação entre autores e editores.
Há inúmeros depoimentos que registram a imagem do editor avaro que explora o
escritor romântico. O empresário, do lado oposto ao do sonhador, que deseja acima de
tudo ver sua obra a público, ainda que esteja sujeito a exploração. O interesse comercial
e o altruísmo literário, o material e o simbólico, o lucro e a glória... As parelhas
insinuadas para descrever uma relação que deveria ser criada sobre o sentimento de
parceria são incisivas. E isso tudo poderia se limitar a um lugar-comum exagerado, que
persiste na história literária e cuja função fosse apenas causar algumas gargalhadas tanto
dos profissionais editores como dos escritores.
Essa imagem histórica do editor é revelada pela alcunha dada a um dos pioneiros
no Brasil, o francês Baptiste Louis Garnier, no século
XIX: Bom Ladrão. Essa era a
visão dos intelectuais contemporâneos de Machado de Assis a respeito do editor que
publicou traduções de Balzac, Walter Scott, Charles Dickens, Alexandre Dumas e Oscar
Wilde. Mesmo evitando correr o risco de lançar desconhecidos, Garnier acabou edi-
tando muitos de nossos escritores mais consagrados: José de Alencar, Joaquim Manuel
de Macedo, Gonçalves Dias, Graça Aranha, Álvares de Azevedo, Joaquim Nabuco,
Sílvio Romero, Olavo Bilac, José Veríssimo, Arthur de Azevedo, Bernardo Guimarães,
Paulo Barreto (o João do Rio), além de seu maior autor, Machado de Assis.
Apesar da relação conflituosa entre editor e autor, Alice Mitika Koshiyama
considera que existia uma simbiose entre determinadas editoras e determinados
escritores: “Editando livros de Machado de Assis, a editora, a importadora de livros e a
Livraria Garnier ganhava simultaneamente um divulgador de gabarito e escritor
respeitado no mundo literário” (2006, p. 50). A pesquisadora considera que os editores,
sobretudo os literários, não eram vistos como homens de negócios, mas sim como
mecenas. Seriam eles benfeitores dos intelectuais do país, desprovidos de interesses
monetários. Essa separação entre os domínios material e intelectual pode ser
identificada na crônica necrológica que Machado de Assis escreveu por ocasião da
morte de seu editor: “Editar obras jurídicas ou escolares não é mui difícil; a necessidade
é grande, a procura certa. Garnier, que fez custosas edições dessas, foi também editor de
obras literárias, o primeiro e o maior de todos” (
ASSIS, 1996, p. 312).
Baptiste Louis Garnier foi pioneiro ao separar as atividades de impressão e edição
no processo editorial de livros lançados no mercado brasileiro. Algumas de suas
primeiras publicações chegaram a ser impressas na América, mas logo ele passou a
enviar suas obras para as gráficas de Paris, especialmente com a introdução dos navios a
vapor nas rotas do Atlântico Sul. A preferência por Paris deveu-se a princípio à
conveniência de usar os serviços de empresas de sua família, embora muitas vezes
contratasse o serviço de tipografias que não eram ligadas aos Garnier. Um estímulo para
que o editor decidisse pela impressão no exterior era a luxuosa encadernação feita em
Paris, apelo que evidentemente destacava os livros de Garnier dos outros à disposição
do público leitor brasileiro da Belle Époque. Naturalmente, essa opção era criticada
pelos trabalhadores das gráficas brasileiras. Mas o editor mantinha até um revisor de
provas na França, que ficava responsável pela revisão das edições brasileiras.
22
Pode-se considerar que a regulamentação das relações profissionais entre autor e
editor só passou a vigorar com Garnier, na década de 1870
9
.
A oposição que marca essa caricatura do editor avaro, do “bom ladrão”, que
perseverou na história dos livros no Brasil, revela outro registro recorrente: o dos
relacionamentos fundados na amizade entre autor e editor. As correspondências e os
depoimentos testemunham também um diálogo que pode ser verdadeiro e extrapolar as
negociações comerciais.
Ambos os casos extremos, no entanto, tomam como base fontes que estão no
cerne das relações e, portanto, restritas a imposições sociais e de poder. Por isso, o re-
lato sincero sobre o “outro” pode ser feito na intimidade, entre amigos. Não são muitos
os autores que têm liberdade de mostrar as entranhas dessa relação como o fez Erico
Verissimo, com muito humor, a seu chefe e também editor de suas obras literárias.
Numa reunião social e íntima, certo dia ele me olhou e disse:
Seu Erico, me diga uma coisa. Nós, editores, empregamos
num livro um certo capital em dinheiro e trabalho. Se o livro não se
vende, temos um prejuízo total. Vocês, escritores, ganham dez por
cento mas não arriscam um vintém no negócio.
– Seu Bertaso — respondi — o seu ideal é irrealizável.
— Que ideal?
— O livro sem autor.
Ele desatou a rir. E a conversa tomou outro rumo.
(
VERISSIMO , 1973, pp. 90-91)
Nesse caso, que poderia ser anedótico, “livro sem autor” significa lucros
exclusivos ao editor, empresário que idealmente não dividiria um vintém com o autor.
Mas “livro sem autor” poderia indicar um desejo de não haver interferência do autor em
quaisquer decisões na produção e na edição. Aprovar as alterações a serem feitas no
9
Na Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, estão arquivados documentos
relativos a contratos assinados entre Garnier e seus autores.
23
original, selecionar a capa, redigir os textos publicados nas orelhas e na quarta capa
decerto seria muito conveniente que o autor não se envolvesse em questões práticas que
podem motivar conflitos ou gerar atraso no cronograma de publicação.
PROFISSIONAIS INVISÍVEIS E CURIOSOS
A tensão entre autor e editor envolve na prática outras pessoas, mediadores
editoriais que atuam no processo de edição e produção de livros: são editores de texto,
preparadores, tradutores, revisores, produtores editoriais, produtores gráficos, entre
outros possíveis nomes dados aos profissionais da cadeia produtiva do livro.
Mas na bibliografia brasileira sobre história do livro, não constam muitas
pesquisas sobre edição de textos nem sobre o editor de textos. A revisão é mencionada
em algumas das obras, mas em geral se limita à alusão a uma das etapas finais do
processo editorial de publicações impressas.
Não são apenas o editor e o escritor que participam desse
processo longo e angustiante de transformação do manuscrito em
livro, ainda outros intermediários. Não cabem ao editor, mas à sua
equipe ou a pessoas designadas por ele, os trabalhos gráficos, de
revisão, adaptação ou coordenação de textos. Idealmente, ao menos.
Na prática, no entanto, as fronteiras nem sempre são tão bem
delineadas. No início do século, se considerarmos o exemplo de
Lobato, a atividade editorial envolvia também a de revisor, adaptador
e coordenador de textos. Talvez o fato de ele ser um escritor antes de
ter se tornado editor explique essa diluição de fronteiras. (M. R.
MARTINS, 2003, p. 113)
Temos a impressão de que a inexistência de fronteiras entre as funções editoriais
não decorre da coincidência de escritor e editor numa única figura, como é o caso de
24
Lobato. E a indistinção tampouco pode ser limitada ao início do século XIX, pois
infelizmente permanece depois de cerca de um século, como será exposto no capítulo 2.
Quando o profissional de texto é lembrado quase sempre, o revisor —, com
frequência é em tom de crítica, pelos erros que deixou escapar no texto publicado ou pelas
interveões teimosas no texto do autor. Ou seja, o revisor é conveniente para aliviar do
autor a responsabilidade única pelo livro trazido a lume. Afinal, quem é o culpado pelos
erros senão o indivíduo que trabalha nas etapas finais da produção de um livro?
Sabe como se chama isso? Relaxamento, desordem,
organização. E foi bom que viesse num livro meu. [...] Minha
vergonha é daquelas que levaram os antigos a cobrir a cabeça de
cinzas. Na Índia parece que num caso assim o sujeito se besunta com
bosta de vaca. Aqui, o cínico permanece com a mesma cara de sempre
e embolsa os lucros da infâmia... (LOBATO, carta de 17 jan. 1920, p.
212 citado por M. L. MARTINS, 2003, p. 254)
Lobato sente vergonha dos erros cometidos pelos tipógrafos os quais,
supomos, devem ter passado despercebidos também pelos olhos ligeiros e proficientes
do revisor e do editor. Aqui, na posição de autor, Lobato se mostra furioso com os que
participaram do erro, embora em outras ocasiões testemunhe a dificuldade de detectar
os sacis que teimam em se esconder pelas letras de um texto
10
.
Segundo Koshiyama (2006), Monteiro Lobato costumava enviar seus textos a
Godofredo Rangel solicitando claramente que o amigo lhe apontasse os erros
gramaticais:
10
“A luta contra o erro tipográfico tem algo de homérico. Durante a revisão os erros se escondem, fazem-
-se positivamente invisíveis. Mas, assim que o livro sai, tornam-se visibilíssimos, verdadeiros sacis a nos
botar a língua em todas as páginas. Trata-se de um mistério que a ciência ainda não conseguiu decifrar.
Esse excerto costuma ser atribuído a Monteiro Lobato, porém não foi possível confirmar a autoria nem a
fonte.
25
Declarando seu desprezo pelas regras de gramática e ortografia
vigentes, Lobato explicitava, ao mesmo tempo, sua dívida com um
amigo revisor. Em abril de 1917, Monteiro Lobato registrava o quanto
era importante para ele a interferência de Godofredo Rangel revisor,
ao narrar que fora advertido por ter enviado um texto para a Revista
do Brasil sem a revisão rangeliana [...]. O meu lava-cachorro é você,
Rangel”. (KOSHIYAMA, 2006, p. 58)
Lobato tinha uma posição muito clara sobre a língua portuguesa e em seus textos
procurava manter sua independência em relação às normas abstratas preconizadas pela
gramática tradicional. Não se afligia em obedecer cegamente às regras de acentuação,
grafia e pontuação; deixava a seus amigos revisores a tarefa de corrigir o que fosse
considerado necessário pelas regras da gramática tradicional.
M. R. Martins (2003) informa que Jeca Tatu saiu publicado com diversos erros e
cogita a hipótese de que esses problemas tenham ocorrido por dois fatores: a tipografia e
a morte do revisor Adalgiso Pereira, que fizera a revisão de Urupês, conforme registro
no prefácio à segunda edição “[edição] augmentada, revista e com vários pronomes
recollocados pelo snr. Adalgiso Pereira, excelente amigo que a enriqueceu ainda de
numerosas virgulas, aspas, hyphens, e outras miudezas cuja auzencia afeiava o original”
(
M. R. MARTINS, 2003, p. 169).
No fim de 1919, Lobato lançou os contos de Cidades mortas, que saíram com
uma errata no fim do volume, tantos foram os sacis a saltar entre as páginas impressas.
Chama a atenção o tom de deboche requintado do escritor e editor, que redige uma
errata com “quase [uma referência literária] por erro encontrado. Uma boa média” (M. R.
MARTINS, 2003, pp. 252, 254):
Errare...
Na forma do mau costume, escaparam vários erros à revisão.
Alguns gravíssimos, que arrepiam o pelo sensível dos gramáticos,
26
fazendo-os sonhar com fogueiras do Santo Ofício onde se assem
criminosos de tão grandes crimes.
À página 14, por exemplo, linha 19, está obras em vez de
livros feminismo que determina um caos no período, como se
Miss Pankurst houvesse acampado ali.
À página 22, sempre linha 19, está um podem morderem-se
que pede para o autor todas as dentadas gramaticais dos Cérberos
vernaculistas.
Há dois umbilicaes — capenguíssimos, um com e e outro
com dois — ll.
na página 170 um que V. Excia. Incumbiu-me
merecedor de galés perpétuas em vida e um círculo de Dante depois
da morte.
E mais pecados veniais e mortais em barda.
A culpa disso? A gripe, está claro. O rato da gripe que nos
roubou o saudoso e preciosíssimo Adalgiso...
Medeiros e Albuquerque, em carta a seu editor Monteiro Lobato, expõe minúcias
técnicas sobre seus livros, como a disposição do texto e a cor da impressão. Ele pede
que no livro de sonetos os poemas iniciem sempre nas páginas pares, e não nas ímpares,
para que o leitor possa ler na dupla aberta todo o soneto: “Ha um requisito, na impres-
são dos Sonetos, a que, nos ultimos tempos, o Bilac ligava muita importancia: que co-
meçassem nas pajinas pares e acabassem nas ímpares. É justo. Assim não corta o fio do
pensamento enquanto se volta a pajina. Sem contar que de mais, muitas vezes a mão
erra e passa mais de uma folha”
11
(M. R. MARTINS, 2003, p. 138). E também solicitou
que o editor imprimisse em vermelho a letra capitular de seus sonetos: “Se fôr possível,
eu gostaria muito que a letra inicial do 1
o
verso de cada soneto seja em tinta vermelha.
Isso dá muito relevo à impressão”.
Em seguida, na mesma carta, toca na questão da ortografia, mostrando que não
está preocupado com eventuais intervenções em seu texto: “Ortografia? Aquela que
11
Conforme M. R. Martins (2003, p. 138), trata-se possivelmente de um rascunho de carta, porque
trechos rasurados e não consta nenhuma assinatura junto com o texto. O documento está na Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro, Seção de Manuscritos, 1-7, 25,1.
27
lhe parecer melhor. O mais simples é Acho aliás preferível adotar a dos seus revisores
habituais”. Além de expor uma atitude tranquila em relação a correções na grafia das
palavras em seus poemas, esses excertos da carta revelam uma visão do revisor como
alguém que se restringe a intervenções apenas na ortografia, ou seja, na forma correta de
escrever as palavras segundo a gramática normativa e no uso também correto dos sinais
de acentuação.
M. R. Martins (2003, p. 139) surpreende-se com o desprendimento de Medeiros e
Albuquerque, porém não se sabe se o autor recebia alguma das provas de revisão do
livro, nem se via alguma prova do texto composto letra a letra pelos tipógrafos. A
pesquisadora lembra que as máquinas de linotipo foram descritas na Revista do Brasil
como “aparelhos complicadíssimos que são verdadeiras maravilhas pela tarefa
complexa que realizam, mas que tornam quase impossível um longo trabalho sem erros”
(Revista do Brasil, n. 45, set. 1919, citado por
M. R. MARTINS, 2003, p. 139).
Com alguns breves casos curiosos, o escritor e editor Monteiro Lobato é trazido
neste capítulo para introduzir os personagens invisíveis que editam os textos e torná-los
partícipes concretos da produção de livros no Brasil.
28
2
A edição de texto nos livros brasileiros
Neste capítulo são apresentadas as perspectivas de alguns autores e pesquisadores
sobre o campo de edição de texto, em especial nos dois livros considerados referência
nos estudos de editoração no Brasil, Elementos de bibliologia, de Antonio Houaiss, e A
construção do livro, de Emanuel Araújo. Também são apresentados alguns manuais de
preparação e revisão e algumas pesquisas científicas que, por tangenciarem a edição de
texto, oferecem contribuições para as propostas de delimitações expostas nos capítulos
4, 5 e 6 deste trabalho.
EDITOR, EDITOR E PUBLISHER
vários termos usados para se referir às atividades relacionadas à intervenção
no texto a ser publicado: revisão, preparação (preparação leve e pesada), edição de texto
e copidesque são os mais comuns. E essa terminologia se naturalizou a tal ponto entre
os profissionais da área editorial e também entre os pesquisadores de editoração que, ao
longo da pesquisa bibliográfica realizada para este trabalho, não se notaram muitos
autores preocupados em conceituá-la
12
.
12
Com exceção de Ribeiro (2003), como será exposto adiante. Salgado (2007, cap. 4) também apresenta
debate sobre as funções dos diversos profissionais do texto.
29
A indefinição terminológica pode ser constatada na leitura de todas as obras sobre
editoração, mesmo nas que se tornaram manuais e livros de cabeceira para os editores,
como A construção do livro e Elementos de bibliologia.
Emanuel Araújo, na apresentação breve da primeira parte de A construção do
livro, abre seu texto declarando: “Aparentemente simples, o trabalho prévio com o
original é, todavia, quase sempre bastante complexo [...] (2006, p. 33). E, ao tentar
apresentar em seguida por que essa etapa de trabalho com os originais pode ser mais
complicada do que parece, lista o que está envolvido na tarefa de normatizar um texto,
porém não ousa oferecer uma lista completa e para depois de alguns itens com a
salvação do etc.
[...] da multiplicidade com que se apresentam, por exemplo,
critérios ortográficos díspares, sistemas de notas, de bibliografia, de
índices, de citações etc., o editor deverá imprimir ao original uma
normalização harmônica desses e entre esses sistemas, compatível
com a natureza mesma do texto. (ibidem, p. 33, destaque da autora)
Araújo adota o termo editor para denominar o profissional que concebe uma obra
segundo padrões literários e estético-gráficos, para divulgação comercial. Seu conceito
de editor restringe-se à concepção da palavra editor em ngua inglesa, que tem o
sentido de “pessoa encarregada de organizar, i.e., selecionar, normatizar, revisar e
supervisar, para publicação, os originais de uma obra e, às vezes, prefaciar e anotar os
textos de um ou mais autores” (ibidem, p. 35). Na língua inglesa, existe uma distinção
entre editor e publisher que não em português, pelo menos no aspecto semântico.
Dar à luz uma obra, parir uma publicação, apresentando um texto claro e coerente,
normatizado conforme os critérios estabelecidos pela editora, seria responsabilidade do
editor. o publisher é, segundo a etimologia em língua inglesa, aquele que “torna
público”; por isso, teria origem na atividade livreira no século
XVII. Um século depois,
30
passou a ser adotado para denominar o proprietário dos direitos autorais que financiava
e organizava a publicação de um livro ou um jornal (FEATHER, 1986, p. 223). Hoje, o
publisher é o responsável pelo livro em toda sua trajetória, incluindo aspectos materiais
e intelectuais. É ele quem responde pelos livros da editora, não com os recursos
materiais, mas em especial assumindo responsabilidades no plano político, moral,
intelectual e jurídico. O publisher é o maestro do processo editorial, pois rege e
acompanha tanto o processo intelectual da edição como “ocupa uma ‘posição social’,
seu trabalho individual e econômico tem uma função pública” (
UNSELD, 1986, p. 19).
Devido a essa responsabilidade como representante da editora, em muitos casos o editor
coincide com o proprietário da empresa. Editor e publisher: a um cabe editar, ao outro,
publicar. Em português, ambas as atividades são realizadas pelo que corriqueiramente
se chama editor.
Emanuel Araújo adota a concepção de editor que deriva do latim (editor, editoris)
e que parece ter sido mantida pelo inglês. Além disso, vincula ao editor o preparador de
originais, ao expor um histórico da edição de livros:
O editor, naquela acepção, entendido como preparador de
originais, caracteriza-se historicamente, no Ocidente, desde o século
III a. C., como responsável pela edição de um texto a ser divulgado
(transcrito) pelos copistas. (2006, p. 36)
na abordagem de Antônio Houaiss o editor é o publisher, aquele que divulga a
obra e a torna disponível para venda. Para ele, o termo se refere “ao seu sentido usual de
pessoa sob cuja responsabilidade, geralmente comercial, corre o lançamento,
distribuição e venda em grosso do livro” (1967, p. 3).
Aníbal Bragança ressalta que “essa diferença de perspectiva entre Houaiss e
Araújo faz com que as duas mais importantes obras sobre o tema, em nosso idioma,
acentuem diversamente os dois aspectos do conteúdo semântico do conceito de editor”
31
(2005, p. 221). Entretanto, embora exista essa distinção de concepções do editor, tanto
Araújo como Houaiss adotam o termo “editor de texto” quando se referem ao trabalho
realizado no texto antes da produção de um livro. A partir daqui se nota, portanto, um
entrelaçamento de conceitos, pois ambos, além de usar a expressão “editor de texto”,
eventualmente incluem nessa acepção o preparador de originais e também o autor da
obra. Araújo parece usar indiscriminadamente qualquer um dos termos (editor e editor
de texto) ao longo de A construção do livro:
O editor, no caso como editor-de-texto
13
, i.e., como preparador
de originais ele próprio, ou como diretor literário, como supervisor
dessa preparação [...] (2006, p. 55-56)
Houaiss mantém a distinção entre editor e publisher, mas para se referir a eles em
português usa os termos “editor de texto” e editor”, respectivamente. A confusão é
tanta nas nomenclaturas e definições que talvez não seja exagerado retomar e ressaltar:
“editor” para um é o publisher (Houaiss) e para outro é o editor (Araújo). Ou seja, para
o primeiro o editor é o editor de texto e para o segundo, é o editor...
Para tornar a tentativa de explicação um pouco mais complexa, Houaiss inclui a
noção de editor de texto no conceito de autor:
O conceito de autor [...] deve ser tomado em sentido amplo,
abarcando também o de diretor-do-texto ou editor-de-texto. Com
estas duas expressões, designar-seo neste livro os conceitos
expressos em inglês por chief editor e editor, opostos a publisher.
(HOUAISS, 1967, p. 3)
13
Em Elementos de bibliologia, Houaiss usa hifens na palavra composta “editor-de-texto”. Porém no
Dicionário Houaiss da língua portuguesa a expressão aparece sem os hifens, conforme locução registrada
no verbete “editor”.
32
É interessante notar essa ampliação na concepção de autoria e sobretudo o reco-
nhecimento do editor de texto como coautor da obra em que trabalha, em especial
quando se lembra que sua atuação costuma ser invisível aos leitores e por vezes até aos
autores
14
.
Apesar de Houaiss usar os termos “editor-de-texto” ou “diretor-de-texto” nos dois
volumes de Elementos de bibliologia, no Simpósio sobre Editoração, realizado pela
Fundação Getulio Vargas (
FGV) em 1970, ele apresenta uma comunicação intitulada
“Preparação de originais”. Nesse trabalho, discorre sobre o preparador de originais
também como revisor, editor de texto e editor
15
, reafirmando a imprecisão e indistinção
terminológica constatada na bibliografia sobre editoração.
Admitamos a hipótese de sermos um profissional cujo nome, através dos
tempos, tem sido nobremente de revisor, explica (HOUAISS, 1981, p. 67). E nesse
trecho inicial do parágrafo fica evidente a complexidade de explicar quem é esse
profissional do texto, que ora é revisor, ora é editor ou editor de texto, ora é
preparador. Ao afirmar que o editor de texto era o que historicamente se intitula
revisor, Houaiss parece assumir que o revisor, ao longo da história do livro, era
quem acompanhava o processo de preparação de originais, responsabilizando-se
também pelas condições formais dos textos até a impressão da obra. O revisor não
se detinha, como hoje, apenas na correção das provas (para identificar e eliminar
problemas no texto impresso) e no zelo pela disposição gráfica, pela composição
das páginas. Pode-se considerar que o revisor abarcava, portanto, o conceito de
editor no sentido primitivo da palavra, segundo Houaiss.
14
Entretanto, o conceito de autoria não será debatido, conforme os limites propostos para este trabalho.
15
Essa concepção é reafirmada na locução “editor de texto” apresentada no dicionário dirigido por
Antônio Houaiss: “indivíduo responsável pela preparação, organização e revisão dos originais de uma
obra para publicação; revisor, copy editor”.
33
FUNDAMENTOS DOS PIONEIROS EM EDITORAÇÃO
Após apresentar a distinção de terminologia entre os dois autores tomados como
referência para os estudos e também a prática de editoração, considerou-se importante
expor os apontamentos de Marcello Moreira a respeito das bases teóricas de Antonio
Houaiss e Emanuel Araújo. Além de serem os principais autores em editoração, ambos
também são autores de manuais introdutórios às teorias de edição crítica. Como
comprova Marcello Moreira em estudo minucioso realizado em seu doutoramento,
Critica textualis in caelum revocata? Prolegômenos para uma edição crítica do corpus
poético colonial seicentista e setecentista atribuído a Gregório de Matos Guerra
(2001), tanto Houaiss como Araújo são adeptos do método filológico de Karl
Lachmann, “exemplarmente dominante” nas pesquisas brasileiras sobre crítica textual e
nas edições críticas realizadas pelos filólogos:
Embora em nenhum dos parágrafos constituintes de Antonio
Houaiss [no texto “Tradição e problemática de Gregório de Matos”]
seja mencionado o nome do filólogo germânico [Karl Lachmann] ou
haja referência ao método que leva o seu nome, depreende-se o modus
operandi a ser seguido, a partir da exposição dos fins a que almeja a
edição crítica e da elucidação dos meios de alcançá-los. (p. 9)
A seleção de uma das variantes a “lição” —, por meio de
processo comparativo-hierarquizador, subministra-nos os dados
necessários à depreensão da teoria da edição e do método editorial que
lhe estão subjacentes o método lachmanniano e a restitutio textus
que o tipifica. (p. 82)
Para Moreira, não há dúvidas quanto à filiação de Houaiss a Lachamnn, sobretudo
após cruzar as proposições de Houaiss para uma edição de Gregório de Matos Guerra,
34
poeta do século XVII, com “o método e a teoria da edição com que nos brinda o
lexicógrafo brasileiro em seus Elementos de bibliologia” (2004, p. 7).
A filiação fica evidente e de forma constrangedora em uma comparação
realizada de forma minuciosa por Moreira e apresentada na primeira nota da Introdução
à sua tese de doutorado. O pesquisador constata que Houaiss, no capítulo “Textos
clássicos” de Elementos de bibliologia, inicia discorrendo sobre as fontes das edições
publicadas modernamente. E apresenta o objetivo da edótica para depois abordar as
etapas envolvidas na edição de textos clássicos. Reproduzem-se abaixo os três primeiros
parágrafos do capítulo:
Não se dispõe de autógrafos dos clássicos gregos ou latinos,
nem de apógrafos que tenham sido diretamente confrontados com o
original, mas apenas de cópias que derivam do original por intermédio
de um número desconhecido de cópias intermédias e por isso mesmo
de uma segurança mais ou menos duvidosa. O objetivo da edótica é
estabelecer um texto que se avizinhe o mais possível do original é
o que se chama a constitutio textus (“constituição do texto” ou mesmo
“reconstituição do texto”).
Um ditado, uma cópia alheia, revistos pelo autor, têm, em princí-
pio, o mesmo valor de um manuscrito do próprio punho do autor.
Um texto original é, conforme for o caso, transmitido aos póste-
ros ou não tradição ou não tradição. Se transmitido, a preli-
minar é saber como se verificou a tradição — é o que se chama
recensio (“recensão”, como conceito edótico, que não deve ser
confundido com “recensão”, conceito de crítica, noticiário ou infor-
mação literários relacionados com o aparecimento de um livro). De-
pois deve-se examinar se essa tradição, tal como verificada pela
recensio, deve valer como original é o que se chama examinatio
(“exame”); se se verificar que não vale, deve-se procurar reconstituir o
original por conjetura, por crítica conjetural é o que se chama divi-
natio (“conjeturação”) —, ou devem-se ao menos localizar os pontos
em que provavelmente houve dano, deformação, deterioramento ou
equivalentes, na tradição. (
HOUAISS, 1967, v. 1, p. 227)
35
Conforme constatou Moreira após análise detida de ambos os autores (2001, p. 2),
a longa citação reproduzida da obra de Houaiss é uma tradução do mesmo excerto de
Critica del testo, de Paul Maas, autor que apresentou o método lachmanniano de edição
crítica.
Essa pesquisa de Moreira, embora se debruce sobre os estudos filológicos e tenha
um objetivo específico de propor um método para a edição crítica de Gregório de
Matos, expõe considerações esclarecedoras sobre as bases teóricas dos dois autores que
fundamentaram e ainda fundamentam tanto a formação dos estudantes dos cursos de
editoração e produção editorial como a prática editorial nas empresas.
Saber que os autores de referência nos estudos editoriais possuem a mesma
influência teórica e identificar essa base contribuem para esclarecer a concepção
mesmo que imprecisa de editor, editor de texto, preparador e revisor nas pesquisas e
na prática de editoração.
Lachmann sistematizou e desenvolveu um método minucioso para estabelecer
textos, o qual exerceu grande influência nas edições críticas a partir do século XIX. O
princípio teórico-metodológico é a existência de um texto primordial autoral, que deve
ser restituído na edição crítica, como indica Moreira (2001, p. 21). Todas as cópias,
quanto mais afastadas desse original, seriam variações “cada vez mais corruptas e
decrépitas do Ur-text
16
(ibidem). Aos filólogos, portanto, caberia recuperar a
“linguagem pura emanada da mens auctoris, caso desejemos estudar o texto autoral e a
própria mens auctoris” (ibidem).
A esse desejo de restituir o original, à necessidade de restabelecer a genuinidade
do texto autoral, decorre a ideia da cópia como declínio e decadência (CERQUIGLINI ci-
tado por M. MOREIRA, 2001, p. 21). Dessa forma, os filólogos pretenderiam “instituir
uma hagiografia de autores e, como consequência dessa santificação, quanto mais pró-
16
Termo em alemão usado em crítica textual, remete à intenção de alcançar o texto original do autor.
36
ximos os textos estiverem do autor, mais preciosos e puros estarão, tornando-se verda-
deiras relíquias”, afirma Moreira (citando ironicamente Morse Peckam, ibidem, p. 22).
Além da recuperação de um ideal textual que se supõe ter existido, sem provas
materiais conclusivas dessa existência, Moreira aponta outro princípio do método
lachmanniano: a desmaterialização do texto a qual, em decorrência, também está
subjacente aos manuais de Houaiss e de Araújo. Ao deter-se na edição do texto como
“ente compreendido somente pelos conjuntos de grafemas apostos sobre o suporte”
(ibidem, p. 4), as teorias de edição crítica, influenciadas por Lachmann, acabaram por
estabelecer uma ruptura entre códigos linguísticos e códigos bibliográficos.
Todos os textos puderam ser submetidos a procedimentos ana-
lítico-interpretativos comuns, porque foram subsumidos em uma cate-
gorização que os unificava, sob o termo ‘texto’, retrospectivamente, a
partir de conceitos historicamente datáveis e de valores a muitos deles,
os ‘textos a serem editados’, extemporâneos. (p. 4)
Para compreender o livro como objeto cultural, determinado histórica e
socialmente, é preciso considerar outros códigos de percepção além dos linguísticos,
conforme destaca Moreira em sua Introdução a Critica textualis in caelum revocata?.
Os elementos relacionados ao caráter físico da escrita não podem ser ignorados em prol
de uma desmaterialização do texto, como se os textos fossem independentes de seu
suporte. O autor ressalta o mesmo em relação à oralidade e à gestualidade, a princípio
consideradas irrelevantes pela crítica textual. Desmaterializar o texto possibilitou que os
editores críticos eliminassem justamente os “caracteres históricos mais visíveis do
artefato cultural a ser ‘editado’” (2001, p. 4).
Moreira propõe uma edição crítica de Gregório de Matos que considere também
os códigos bibliográficos, ou seja, “sua historicidade como elemento a ser preservado
durante o labor editorial (2004, p. 15). O objeto passa a ser considerado não no
37
momento da gênese, mas analisado como artefato bibliográfico que deve ser visto
diacronicamente e compreendido historicamente. Não se poderia ignorar a situação do
objeto impresso no contexto e no fluxo de uma história sociocultural: formas de
reprodução do objeto, fruição estética, circulação entre os grupos sociais organizados de
modo hierárquico esses elementos e processos são fundamentais para estudar e esta-
belecer um texto.
Moreira segue a corrente de pesquisas inglesas sobre bibliografia material,
chamada de bibliography, a qual ainda é pouco influente nos estudos realizados no
Brasil, tanto sobre história do livro como em filologia. Um dos principais autores dessa
linha de pesquisa inglesa é D. F. McKenzie, que propõe o estudo da materialidade do
texto sob uma abordagem histórica e sociológica, que considere o objeto físico nos
processos sociais que dão sentido à sua produção, transmissão e recepção (
CERELLO,
2007, p. 9).
Segundo essa perspectiva, os textos não podem ser estudados como entes
abstratos e ideais, destituídos de materialidade: a forma afeta o sentido (McKENZIE
citado por
CERELLO, 2007, p. 9):
[...] as formas dos suportes de escrita sejam livros, jornais,
cartas etc. têm efeitos sobre seu sentido, uma vez que todos os
elementos não verbais de uma publicação atuam sobre a leitura e a
compreensão. [...] Simultâneos ao texto, encontramos vários
elementos materiais aos quais o leitor também sentido, de modo
que o discurso nunca é independente do suporte de escrita. (CERELLO,
2007, p. 9)
As formas materiais que servem de canal à veiculação da mensagem linguística
podem ter participação no sentido geral da mensagem veiculada (
M. MOREIRA, 2001).
Decorre dessa ideia que os códigos bibliográficos podem ser tão autorais quanto os
38
linguísticos. E que o editor crítico não poderia, dessa forma, ignorar elementos também
constituintes do sentido.
E quais são os elementos que compõem o código bibliográfico? Roger Chartier
nos aponta alguns (1994, p. 35), assim como a pesquisa de Moreira
17
: os dispositivos
próprios ao livro impresso (frontispício, divisão em capítulos, sumário, índices,
dedicatória, agradecimentos, prefácio, apresentação, posfácio, glossário, notas de
rodapé, entre outros), o material do suporte (tipo de papel e encadernação, por
exemplo), projeto gráfico ou apresentação visual (formato do livro, fonte, corpo,
entrelinha, comprimento das linhas de texto, iconografia, projeto da capa etc.).
Estes [os leitores], com efeito, o se confrontam nunca com
textos abstratos ideais, separados de toda materialidade: manejam
objetos cujas organizações comandam sua leitura, sua apreensão e
compreensão partindo do texto lido. Contra uma definição pura-
mente semântica do texto, é preciso considerar que as formas produ-
zem sentido, e que um texto estável na sua literalidade investe-se de
uma significação e de um estatuto iditos quando mudam os dispo-
sitivos do objeto tipográfico que o propõem à leitura. (
CHARTIER,
1991, p. 178)
No entanto, até agora predomina na filologia a noção de que os códigos
bibliográficos são extratextuais e de que a edição crítica e o estabelecimento de texto
dedicam-se exclusivamente ao texto como objeto semântico (M. MOREIRA, 2001). Essa
teoria de edição crítica reflete-se na prática editorial corrente no Brasil e também nos
poucos estudos em editoração, na medida em que os principais estudiosos da área se
fundamentaram nessa tradição filológica. O que pode ajudar a explicar a concepção
restrita e indefinida do editor — como prática e também como conceito.
17
Também a vivência prática entre editores e livros, além das leituras acumuladas sobre o tema, permi-
tem que a autora inclua alguns itens à lista.
39
Nesses últimos anos, a história do livro esforçou-se por
descobrir, em diversos níveis, tais efeitos de sentido das formas. São
muitos os exemplos que mostram como transformações propriamente
tipográficas (no sentido amplo da palavra) modificam profundamente
os usos, as circulações, as compreensões de um mesmo texto.
(CHARTIER, 1994, p. 193)
Recorreu-se a pesquisas realizadas em outras disciplinas, como crítica textual e
história cultural, por exemplo, a fim de encontrar subsídios, nesta dissertação, para a
reflexão e a proposta de definição de algumas funções relacionadas à produção de
livros. Moreira propicia uma análise minuciosa dos dois principais autores consultados
na pesquisa e na prática editorial
18
. Cerello nos apontou a abordagem histórica e
sociológica da bibliografia material ou bibliography, que se volta para a influência das
formas materiais na construção do sentido de um texto impresso. E a abordagem de
Roger Chartier, que propõe uma “ordem dos livros”, expôs debates sobre o suporte
material do texto, fundamental para as práticas de leitura.
Em todas essas leituras, apesar das distinções entre as linhas de pesquisa dos
autores, fica evidente que não se pode considerar o livro como um ente
desmaterializado, ignorando os inúmeros artefatos bibliográficos e seus usos, práticas e
contextos de produção, circulação e recepção. Assim, neste trabalho considera-se que a
edição de texto mesmo a edição atual, realizada de forma profissional no dia a dia
das editoras não pode ignorar nem subestimar os códigos bibliográficos em prol dos
códigos apenas linguísticos. Mesmo que “edição” seja definida pela locução “de texto”,
que à primeira vista pode limitar a concepção, a edição de texto vai muito além dos
signos gravados em um suporte e está intimamente vinculada ao objeto tipográfico,
conforme exposto no capítulo 3.
18
A autora agradece a indicação de Adriana Cerello, que apontou a contribuição da pesquisa de Marcello
Moreira para esta dissertação.
40
No espaço assim traçado se inscreve todo trabalho situado no
cruzamento de uma história das práticas, social e historicamente
diferençadas, e de uma história das representações inscritas nos textos
ou produzidas pelos indivíduos. Tal perspectiva tem muitos corolários.
De um lado, define um tipo de pesquisa que, necessariamente, associa
as técnicas de análise das disciplinas pouco afeitas a semelhante
proximidade: a crítica textual, a história do livro, em todas as suas
dimensões, a história sociocultural. Mais do que um trabalho
interdisciplinar que supõe sempre uma identidade estável e distinta
entre as disciplinas que firmam aliança —, é antes um recorte inédito
do objeto que está proposto, implicando a unidade do questionário e
do procedimento, qualquer que seja a origem disciplinar dos que os
partilham (historiadores de literatura, historiadores do livro, ou
historiadores das mentalidades na tradição dos Annales). (
CHARTIER,
1991, p. 179)
MANUAIS: INDICAÇÕES DE COMO EDITAR
Para tentar propor distinções entre os processos que ocorrem com o texto durante
a edição e a produção de um livro no Brasil, foi imprescindível usar como referência os
estudos publicados no país. A bibliografia sobre editoração não é vasta, contudo, em
especial se for considerada apenas a produção voltada para as questões específicas do
texto.
Os principais autores que se debruçaram sobre a edição de livros e se detiveram
na edição de textos, tentando defini-la e explicá-la foram Antonio Houaiss e Emanuel
Araújo. O primeiro publicou em 1966 uma obra metódica e didática com as
normas para fazer um livro, Elementos de bibliologia. O segundo é autor da “bíblia da
editoração”, A construção do livro: princípios da técnica de editoração, de 1986,
dividida em duas partes: uma sobre preparação de originais e normatização do texto e
outra sobre a produção industrial dos livros.
41
Ambas as obras visam orientar o leitor na prática da edição. Constituem, dessa
forma, guias práticos para ensino e consulta. Ensino porque até a década de 1980 quem
desejava iniciar-se na arte e na prática da edição dispunha apenas das lições de Houaiss
e Araújo, além de dicas e observações de alguns manuais breves. E consulta porque,
além de expor de forma metódica procedimentos e normas para quem prepara, revisa e
edita textos, os dois livros podem ser usados como obras de referência. As minúcias
técnicas de normatização estão presentes em ambos: quando usar caixa-alta, caixa-baixa
e caixa-alta-e-baixa, como padronizar as reduções, como grafar nomes próprios
estrangeiros, como usar os realces gráficos, como padronizar os números, quando usar o
parágrafo francês, que tipos de indexação existem... Essas são algumas questões
esmiuçadas nos dois principais manuais, que o por isso mantidos nas estantes das
editoras como livros de referência. Quais são as partes pré-textuais e em que ordem se
devem publicá-las: a dedicatória vem antes do sumário? O Araújo resolve a dúvida.
Como abreviar general e cônego? Há uma lista enorme no Houaiss.
Os dois manuais não se restringem à consulta eventual, constituem também obras
de erudição, produzidas por bibliófilos. A história do livro e dos processos de produção
desse artefato ao longo dos séculos perpassa as técnicas editoriais e as tabelas e
orientações a que o editor recorre em caso de dúvida, durante seu trabalho cotidiano. A
edição de textos clássicos, medievais e modernos é contemplada tanto por Houaiss
como por Araújo, que visam não apenas orientar a edição comercial realizada pelas
editoras, mas também contribuir para o trabalho minucioso de edição crítica sob
responsabilidade dos filólogos.
O editor que constitui o público pretendido dos dois autores é erudito, domina
inúmeros idiomas e sabe de cor datas, nomes e grande parte dos dados históricos que
podem ocasionar incorreções ou incoerências nos livros.
42
Elementos de bibliologia,
de Antonio Houaiss
A genealogia da obra Elementos de bibliologia é apresentada no prefácio do vo-
lume, por Thiers Martins Moreira: a origem do trabalho sistemático que resultou no
manual de Houaiss situa-se na produção de um documento burocrático, um manual para
o Itamaraty, na década de 1940. A partir dessa publicação, o setor responsável pelas
edições da Casa de Rui Barbosa encomendou ao filólogo, nos idos de 1958, o estabele-
cimento de Normas para a preparação de textos e publicações.
Queríamos coisa bem simples, ainda que complexa nas ciências
que a fundamentassem, à semelhança do que conhecíamos de univer-
sidades e instituições europeias, como as normas de Oxford e do Con-
selho de Investigações Científicas de Madrid. [...] A ideia o seduziu e,
prontamente, o vimos iniciar os arranjos para o que iria fazer. (T. M.
MOREIRA, 1967, p. xii)
Mas nada melhor que as palavras prévias do próprio autor para expor a proposta
dos Elementos de bibliologia: o objetivo subjacente era “a codificação possível de nor-
mas sobre a feitura de livros e a indicação de caminhos quando não os havia antes”.
Apesar de ampla — dois volumes que somam mais de 500 páginas —, a obra seria deli-
beradamente lacunosa, por constituir produto de apenas um autor, quando segundo
Houaiss a proposta “ultrapassa as possibilidades de domínio por parte de uma pes-
soa” e exigiria um colegiado, cada coautor redigindo sobre um tema específico
(
HOUAISS, 1981, p. xxi).
No entanto, ele deixa implícito que os recursos financeiros não eram suficientes
para contratar uma equipe que se dedicasse com o labor que a obra colegiada impõe. E
não haveria como um único autor dar conta de tudo que diz respeito a “técnicas, artesa-
nias e bibliografia” sobre livros. Assim, Houaiss oferece os dois volumes como um mo-
43
desto ensaio, um dos primeiros a tentar desempenhar a tarefa de escrever e publicar um
livro sobre como fazer livros
19
.
Por isso se pode tomar a obra como um manual, um guia prático para quem tra-
balha com livros. Por exemplo, no capítulo “Questões comuns aos diferentes originais”,
que se estende por mais de um terço do primeiro volume, Houaiss analisa pontos apa-
rentemente insignificantes, mas que encerram inúmeras dificuldades quando se tenta
sistematizá-los e normatizá-los é o que ele afirma a respeito do emprego das maiús-
culas (1967, vol. 1, p. 100) e aqui se considerou que pode ser aplicado a outras questões.
Como foi mencionado antes, listas extensas de abreviaturas, que se apresentam
como material para consulta a quem deseja saber a forma correta da redução de um vo-
cábulo. Mas o autor não se limita a oferecer um rol de abreviaturas, como ocorre em al-
guns manuais mais recentes (
COELHO NETO, 2008; MALTA, 2000) e também em manuais
de redação e estilo das empresas jornalísticas. O que Houaiss pretende é mais do que
apenas oferecer uma resposta ao consulente, e essa característica define a obra Elemen-
tos de bibliologia — assim como A construção do livro, que segue a mesma orientação.
Antes das listas, Houaiss explica o conceito de redução, propõe uma distinção
entre abreviação e abreviatura
20
“no fundo arbitrária, mas útil” (1967, vol. 1, p.
125), apresenta os princípios das abreviações e abreviaturas e revela um breve histórico
que explica a transição de algumas formas com ponto ou com tipos superpostos ou so-
brescritos para outras formas, sem ponto e sem superposição de partes do vocábulo
21
.
Somente após esse intróito Houaiss expõe as listas
22
.
19
Em Prefácio que redigiu para A construção do livro, Houaiss afirma que seu Elementos de bibliologia é
“pioneiro entre nós, mas elementar”, para ressaltar a importância do lançamento de Araújo.
20
As abreviações seriam reduções de uso circunstancial, variáveis de obra para obra e de autor para autor.
E as abreviaturas seriam formas de uso geral, fossilizadas em decorrência do emprego banal. (HOUAISS,
1967, pp. 121,122,152)
21
As condições tipográficas teriam dificultado a impressão de tipos sobrescritos: as máquinas eram
estrangeiras e nem sempre dispunham desses tipos. Além disso, os tipógrafos eram obrigados a fazer ma-
nobras especiais para compor uma mera abreviação. (Houaiss, 1967, p. 123)
22
Abreviações: axiológicas; autorais; bibliológicas; comerciais, industriais e afins; crononímicas; foren-
ses, judiciárias etc.; médicas, farmacológicas, posológicas; musicais; náuticas e teatrais. Siglas e abrevia-
turas diversas: de intitulativos do serviço público; de alguns bibliônimos; de intitulativos de organizações
44
O primeiro volume versa sobre os originais. Tudo o que é esmiuçado ali (como as
reduções) diz respeito à substância da mensagem do livro (1967, vol. 2, p. 4). O se-
gundo volume, por sua vez, concerne a aspectos que “informam a substância de sua
mensagem”, em outras palavras, do próprio Houaiss, trata do livro, “como conceito e
instrumento histórico-cultural da documentalística” (1967, vol. 2, p. ix).
Em linhas gerais, o primeiro volume seria obra de consulta sobretudo para
os profissionais do texto. E o segundo pode ser mais útil aos produtores
editoriais, responsáveis pelas etapas que fazem do original um livro. Não que
seja dispensável aos que lidam com o original, pois muitas questões a que
Houaiss se dedica no segundo volume também interessam aos que editam o texto
como substância que vai além do código linguístico.
Alguns dos aspectos expostos com minúcia no segundo volume:
particularidades da composição e normatização de certos livros técnicos ou
científicos, o conceito de livro, uma lista extensa da nomenclatura ligada ao
livro, as disciplinas relacionadas ao livro, a definição e a descrição das partes do
livro moderno, observações sobre a revisão e apresentação de seus procedimentos
básicos, histórico breve do livro e de seus processos de produção, apontamentos
sobre tipologia, os tipos de secionamento e indexação.
Quem é o editor, o revisor e o preparador a que Houaiss visa em sua obra? Algu-
mas observações sobre sua concepção para os profissionais de texto que atuam na edi-
ção de livros foram expostas no início deste capítulo, quando foram confrontados os
conceitos de editor nas duas obras pioneiras em editoração. Convém aqui retomar de
forma breve as distinções que puderam ser extraídas de seus textos.
O editor na concepção de Houaiss é o publisher, que acompanha tanto o processo
intelectual da edição como, em especial, o processo comercial e promocional dos livros.
internacionais e estrangeiras; de alguns corônimos; de partidos, associações, princípios, firmas e afins.
Símbolos: metrológicos; da rosa quadrantal e/ou da circular; dos elementos químicos. E os signos: astro-
nômicos e tipográfico-bibliológicos.
45
Por causa dessa escolha, para Houaiss o profissional cuja atuação se concentra no texto
é o editor de texto. Em Elementos de bibliologia, a expressão a que ele recorre é invari-
avelmente editor-de-texto ou diretor-de-texto com hífen, embora aqui não adotemos
essas formas, que não constam também no dicionário que ele compilou posteriormente.
Muitas vezes, esse profissional vem citado ao lado do autor, pois Houaiss de certa
forma incorpora a noção de autoria na função do editor (BRAGANÇA, 2005, p. 222).
O editor de texto em Houaiss é um erudito. Ao comentar as edições
realizadas no Brasil, ele lamenta as publicadas “sem a mais remota preparação
intelectual específica por parte dos editores de texto (1967, vol. 1, p. 201). A
preparação implica, como se depreende de seu extenso manual, conhecimento dos
prinpios da edótica e, provavelmente, domínio de idiomas estrangeiros,
conhecimento profundo da gramática do português, conhecimento de história,
geografia, religiões, política, arte, economia e ciência.
O preparador de originais é quem organiza, normatiza e atua diretamente no origi-
nal; trata-se do responsável pela “parte mais nobre” da confecção de livros (1981, p.
67). E é esse profissional nobre o tema de Houaiss no Simpósio sobre Editoração e no
curso Editoração hoje, promovidos no início da década de 1970 pela Fundação Getulio
Vargas. Nas duas participações, o título foi “Preparação de originais
I” e “Preparação de
originais II”. No entanto, em Elementos de bibliologia parece que Houaiss ainda não
adotava esse termo para definir o profissional que lida com a normatização dos
originais. Pois, mesmo entre os inúmeros profissionais que manuseiam direta ou
indiretamente o original, Houaiss não menciona o preparador:
coautor, colaborador, conselheiro, auxiliar; secretário, pesqui-
sador; estenógrafo, datilógrafo; editor, leitor editorial, conselheiro
editorial; chefe de oficina, tipógrafo-compositor, tipógrafo-corretor,
tipógrafo-paginador; revisor; impressor; costurador, capeador sem
46
contar artistas e técnicos gráficos outros, desenhistas, ilustradores, in-
diciadores... (1967, vol. 1, p. 5)
No manual lançado em 1967, o preparador parece estar incorporado na figura do
editor de texto. Alguns poucos anos depois, contudo, Houaiss adotou o termo, que pa-
rece ter lhe sido tão importante a ponto de merecer o centro de suas comunicações no
evento da FGV.
Quanto ao revisor, Houaiss cita um longo excerto de Seán Jennet, tipógrafo da
Faber & Faber e autor de The making of books, publicado na década de 1950:
As qualificações requeridas dele [revisor] são extensas. Deve
ter olho agudo e mente aberta para reconhecer num átimo as cacogra-
fias; e deve reconhecer os desenhos dos tipos que se lhe apresentam,
mesmo com uma só letra. Deve ser capaz de grafar quase tudo sem re-
curso ao dicionário num grupo de revisores seria apto para enfren-
tar quaisquer oponentes numa controvérsia ortográfica. Deve ser hábil
para ler o mais carunchoso e ilegível dos manuscritos, e lê-lo correta-
mente — e os autores, como os doutores, possuem notoriamente vezos
arbitrários e desarrazoados. Idealmente, deveria conhecer cada data de
livro de história e ter ademais íntimo convívio com a significação e a
feição de cada palavra do ou fora do Dicionário inglês de Oxford. De-
veria conhecer cada frase de Shakespeare ou da Bíblia e estar em con-
dições de pinçar qualquer falsa citação vertente. Deveria conhecer
tudo sobre religião comparada e tanto sobre economia, sobre política,
sobre ciência quanto possível e sobre arte também, por certo. De
fato, deveria ter o mais amplo conhecimento, cujo valor seria maior se
pudesse falar e escrever, digamos, uma dúzia de línguas. (
HOUAISS,
1967, vol. 2, p. 81)
Com tantas qualificações, um sujeito desses estaria fazendo revisão? O próprio
autor citado por Houaiss cuja imagem de revisor parece corroborada pelo brasileiro,
ao que nos parece zomba: “seria ele um louco se não encontrasse, ato contínuo, um
emprego mais rendoso do que numa casa impressora” (ibidem, p. 81).
47
Elementos de bibliologia pode ser considerado um manual, apesar de Houaiss não
se limitar a oferecer orientações pormenorizadas sobre o processo de editar e produzir
livros. O autor também discorre longamente sobre o histórico das técnicas e artesanias
do livro, indicando fontes e dando informações — no entanto sem consistir, por isso, em
obra histórica ou teórica. Os dois volumes são acima de tudo práticos, embora não
propiciem uma consulta fácil, devido à disposição das informações, por vezes
intercaladas com digressões históricas.
A construção do livro,
de Emanuel Araújo
Quase duas décadas após Elementos de bibliologia, veio à luz outra obra meticu-
losa sobre editoração de livros. O autor, Emanuel Araújo, era historiador e foi professor
titular na Universidade de Brasília (UnB), onde foi nomeado, post-mortem, professor
emérito. No início da década de 1970, deixou a carreira acadêmica para dedicar-se ex-
clusivamente à edição. E em 1986, por ocasião do lançamento de A construção do livro,
era supervisor das publicações do Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro. Também atuou
como editor na
FGV e na Bloch Editores e participou da equipe da Enciclopédia Mirador
Internacional e da Enciclopédia Ilustrada do Brasil
23
.
Na primeira linha do Prefácio do autor, Araújo faz o mesmo anúncio que Houaiss
apresentara em Elementos de bibliologia: a obra deveria ser de um colegiado, para cada
área ser contemplada por um especialista. Porém o autor desejava imprimir um cunho
pessoal ao livro e, além disso, considerava ter experiência suficiente para tratar de
assunto tão vasto.
Seguindo a divisão dos volumes de Houaiss, Araújo criou duas partes para sua
obra: na primeira, trata das questões concernentes à preparação do original, ou seja, à
23
Dados biográficos extraídos de A construção do livro e de gina do site da UnB: http://www.unb.br/
unb/titulos/emanuel.php. Acesso em: 25/11/2008.
48
normatização geral do texto; na segunda parte, discorre sobre o processo industrial,
apresentando os elementos essenciais para os profissionais que trabalham na fase de
produção do livro. Mas, embora a divisão geral lembre a obra de Houaiss, A construção
do livro é mais acessível na linguagem e na estrutura do conteúdo, por isso também fa-
cilita a consulta dos profissionais de editoras. O autor parece ter se preocupado em
construir uma obra prática, que possa ser usada no dia a dia, pois explica no Prefácio
que houve
esforço de combinar regras ditadas pelas instituições normali-
zadoras oficiais com certas tendências de padronização consagradas
pelo uso corrente dos editores. Quando houve necessidade de optar,
sempre me pautei pela convicção que tem permeado minha atividade
profissional: a regra básica da editoração é de quebrar qualquer regra
que prejudique a fluência da leitura. (ARAÚJO, 2006, p. 21)
A condição de historiador de Araújo fica explícita ao longo de todos os temas da
obra, mesmo nos capítulos relativos a questões de normatização editorial. E a prática
também se revela na exposição dos exemplos: apenas quem enfrentou as minúcias da
edição do texto pode apresentar casos que atormentam os profissionais e que podem ser
usados como referência para uma regra geral.
Além dos exemplos, a presença de iconografia torna a apresentação visual de A
construção do livro mais leve e agradável do que a de Elementos de bibliologia, que
oferece ao leitor uma mancha de texto com pouco espaço para descanso dos olhos.
O objetivo de Araújo é oferecer orientações para quem participa da construção de
um livro. Da edição dos originais à impressão dos exemplares, ele procurou contemplar
todas as fases, incluindo a produção industrial, que não fora abordada por Houaiss e que
Araújo esmiúça com histórico e iconografia.
49
A concepção geral de editor de texto, revisor e preparador
24
é semelhante à de
Houaiss. Com a diferença exposta em relação à figura do editor, que Araújo associa
ao editor da língua inglesa, e não ao publisher. Também para Araújo trata-se de
profissionais eruditos, que aplicam técnicas próprias à editoração mas possuem
conhecimento suficiente para solucionar quaisquer casos duvidosos referentes ao texto,
seja quanto ao conteúdo seja quanto à forma. Não são especialistas nem se exige deles
que conheçam profundamente o assunto no qual trabalham.
Também se considerou A construção do livro como um manual, ainda que ele ex-
trapole a função prática desse tipo de obra e forneça um histórico do livro e de seus pro-
cessos produtivos. Assim como Elementos de bibliologia, consiste num manual redigido
por um bibliófilo: essa característica dos dois autores concede a essas obras pioneiras
um prazer particular durante a consulta.
O livro: manual de preparação e revisão,
de Ildete Oliveira Pinto
Na década de 1990, outra obra se destaca na bibliografia disponível aos profissio-
nais que trabalham com texto, em especial a quem faz revisão, preparação, edição e co-
pidesque de livros. Não se trata de um bibliófilo, e a partir deste O livro: manual de
preparação e revisão, lançado em 1993, os manuais consistem em guias práticos para
orientação e consulta aos profissionais do texto.
O autor é um experiente preparador da editora Ática, Ildete Oliveira Pinto, que
continua trabalhando na empresa. A obra pode ser tomada como um manual:
basicamente, expõem-se de forma prática procedimentos para padronizar um livro. Um
manual que pode ser adotado por pessoas que trabalham em e para outras editoras, com
as devidas adaptações, quando necessário. O autor, na Introdução, esclarece o objetivo
24
Araújo usa a expressão preparador e preparação de originais, porém não se conseguiu distinguir clara-
mente em que seriam diversos de editor e edição de texto. Todos se dedicam às questões relativas à nor-
matização.
50
da obra e o identifica logo como um guia: “pode-se dizer que este livro é um manual de
estilo, cuja preocupação maior é sistematizar as normas editoriais aplicáveis com maior
frequência, sem a pretensão de ser exaustivo” (PINTO, 1993, p. 5). E por que é preciso
uma normatização textual, ou seja, a aplicação de “normas linguísticas e editoriais ao
texto”? Porque “na mensagem didática, técnica, científica e de informação geral impõe-
se [...] uma normalização textual que evite a língua de Babel, que faça com que a
mensagem flua tranquilamente, sem tensões ou contradições” (ibidem, p. 5).
Ocasionalmente Pinto se refere a textos literários, entretanto seu foco são os livros
de natureza não literária. A estrutura de O livro: manual de preparação e revisão expli-
cita a aplicação a textos informativos e didáticos, sobretudo. Os capítulos são organiza-
dos de forma prática para quem busca solucionar uma dúvida específica
25
e abordam
normatizações típicas de textos não ficcionais. O autor apresenta muitos exemplos para
explicar as regras propostas. O tom é didático, a linguagem, clara e acessível mesmo a
quem não está habituado a nenhum padrão editorial. Trata-se de uma obra direta e de
fácil consulta, um manual muito mais didático que os anteriores, Elementos de
bibliologia e A construção do livro. Porém seu objetivo é delimitado: ser um manual
que indique como sistematizar as normas editoriais em livros (em especial os
informativos, didáticos, técnicos e científicos). O autor não almeja orientar quem pre-
cisa editar textos clássicos ou medievais, por exemplo. Nem pretende ser um compêndio
gramatical, apenas algumas regras específicas são expostas uma vez ou outra (como a
concordância verbal com porcentagem, por exemplo, no capítulo sobre normatização de
numerais).
25
Os capítulos são: “Procedimentos gerais de preparação”, “As imagens do texto”, “Seções do texto”,
“Formas do discurso”, “Iniciais maiúsculas”, “Iniciais minúsculas”, “Nomes próprios”, “Numerais”,
“Divisão silábica”, “Abreviaturas, siglas e mbolos”, “Citações”, “Notas”, “Referências bibliográficas e
bibliografia”, “Padrões complementares”, “O processo de revisão de provas” e “A estrutura do livro
impresso”. um Apêndice com algumas informações complementares para consulta rápida: os
principais símbolos usados em preparação e revisão, lista de abreviaturas, tabela com a transliteração do
alfabeto grego e um vocabulário onomástico com a grafia correta de alguns nomes comumente citados em
livros.
51
O perfil e a função do revisor e do preparador de originais são definidos e as ob-
servações de Pinto sobre a atuação desses profissionais manifestam a experiência prá-
tica do autor em editora de livros.
Ildete Oliveira Pinto é apresentado como preparador
26
. E no tulo de seu manual
adota o termo preparação, em geral desconhecido fora do círculo editorial de livros.
Sua definição: “as atividades relativas à adequação do texto que dizem respeito à orga-
nização, normalização e revisão dos originais são chamadas de preparaçãoe “o profis-
sional encarregado de executar essa adequação é chamado aqui [em seu livro] generi-
camente de preparador de texto” (1993, p. 10).
Considerando-se o conteúdo do manual, no que consistiria essa adequação do
texto? Apenas padronizar a apresentação de informações em um livro? Onde o prepara-
dor encontra respostas para outras questões? Ou subsídios para refletir sobre as decisões
a tomar durante seu trabalho? O revisor deve se limitar a um “agente da homogeneiza-
ção”, como o chamou Aristides Coelho Neto (2008, p. 107)?
E o revisor de provas, a ele também cabe fazer essa adequação, a se considerar o
próprio subtítulo da obra de Pinto: manual de preparação e revisão. Padronizar um livro
segundo critérios editoriais seria uma das tarefas do revisor, portanto. No capítulo em
que o autor se detém sobre o processo de revisão de provas, contudo, fica mais explícito
o que é revisão para Ildete Oliveira Pinto: “O revisor de provas (daqui por diante
revisor) teria por incumbência o cotejo da prova com o original sem compromisso com
o conteúdo do texto e limitado apenas aos erros tipográficos” (1993, p. 125). A escolha
do tempo verbal (futuro do pretérito) para definir a função do revisor nos indica que
essa é a proposta do autor, mas que a prática não possibilita a delimitação sugerida.
O revisor não deveria, conforme a sugestão de Pinto, fazer alterações na prova, a
não ser em caso de erros estritamente tipográficos e emendas referentes à paginação do
26
Ver texto de Apresentação assinado por José Bantim Duarte, diretor editorial da Ática por ocasião do
lançamento do livro.
52
original (como remissões a outras partes do livro, por exemplo, e correções relacionadas
à revisão gráfica: cabeços, números de página, formatação de gráficos e tabelas etc.). As
editoras, porém, têm “uma expectativa que vai mais além”, afirma o autor (1993, p.
125). E para contrapor a seu ideal de revisor faz uma longa descrição do revisor erudito
proposto por Houaiss em Elementos de bibliologia
27
.
Entre esse revisor erudito idealizado e o modesto revisor de Ildete Oliveira Pinto,
restrito às querelas tipográficas, muitos perfis profissionais possíveis e reais, como
são propostos nos capítulos 4, 5 e 6 deste trabalho.
Manual do revisor,
de Luiz Roberto Malta,
e Além da revisão: critérios para revisão textual,
de Aristides Coelho Neto
Aproximando-se desse revisor real, a partir da virada desta década de 2000 alguns
editores de texto lançaram livros que vêm complementar a bibliografia brasileira de
editoração: Luiz Roberto Malta publicou Manual do revisor em 2000
28
e Aristides
Coelho Neto, Além da revisão: critérios para revisão textual, em 2008
29
. Eles fazem
companhia ao manual de Ildete Oliveira Pinto, por serem obras práticas redigidas por
profissionais do texto, porém ultrapassam um pouco o objetivo de apenas indicar como
proceder à normatização editorial.
Segundo a biografia impressa na primeira orelha do livro,
Malta atua na área editorial desde 1963. Trabalhou nas editoras
Madras, Nacional, Ática, Saraiva, Summus Editorial e Altair Brasil;
nas quatro últimas como gerente editorial. Paralelamente, sempre revi-
sou provas e originais. traduziu mais de cem livros do inglês, fran-
27
Ver página 46, na qual se expôs a noção de revisor para Houaiss em Elementos de bibliologia.
28
São Paulo: WVC Editora.
29
Brasília: Editora Senac Distrito Federal.
53
cês, espanhol e italiano. Em 1988 fundou sua própria empresa de
assessoria editorial e gráfica [...]. (MALTA, 2000)
A nota biográfica identifica Malta como um editor de texto com longa e
experiente trajetória profissional. Além disso, os agradecimentos revelam também a
longa convivência de Malta com um grande editor, Octalles Marcondes Ferreira, “fun-
dador e engrandecedor da Companhia Editora Nacional (“a Editora”), com quem traba-
lhei de 1963 a 1972. E logo na primeira nota o autor faz questão de citar e ressaltar: co-
nheceu pessoalmente Paulo Rónai, autor do dicionário referido na nota de rodapé. Essas
indicações indicam que Malta provavelmente é um representante do profissional erudito
descrito por Houaiss e Araújo, cujas obras foram lançadas quando o editor de texto ini-
ciava sua trajetória profissional. Dado o currículo profissional do autor de Manual do
revisor, pareceu importante analisá-la como uma das fontes bibliográficas desta
dissertação.
Já Aristides Coelho Neto tem uma experiência que parece bem distinta: “es-
pecialista em língua portuguesa, revisor de textos, professor, arquiteto, autor de Estágio
no planeta Terra (ficção espiritualista) e de Rio Preto, na rota dos asteroides (jorna-
lismo histórico). É tradutor e adaptador do romance Perdoo-te (
COELHO NETO, 2008).
O autor divulga seu trabalho no site www.aristidescoelho.com.br. É lá que se tem
acesso a uma descrição mais detalhada de seu percurso editorial, que evidencia uma
atuação circunscrita a Brasília, onde Coelho Neto reside. E mais recente, afinal o autor
antes atuava como arquiteto e professor de artes plásticas, e apenas em 2002 parece ter
mudado de área, ao fazer uma especialização em Língua Portuguesa (COELHO NETO,
2008, p. 13). Mais do que em livros comerciais, o autor de Além da revisão parece ter
uma experiência mais ampla em livros e publicações para órgãos oficiais e para
54
organizações como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)
30
.
Esse perfil poderia limitar o interesse do manual de Coelho Neto, porém não foi o
que se constatou. Nesse caso, embora o currículo do autor talvez não chamasse a
atenção como profissional com experiência relevante para produzir um manual, a obra
se destacou como fonte bibliográfica sobre edição de texto.
O objetivo de Malta é oferecer um guia profissional e realista, produzido por um
profissional tarimbado experiência que ele deixa clara logo nas primeiras páginas. O
tom da obra é professoral: um editor de texto experiente ensina como fazer revisão,
tanto a candidatos como aos que atuam em editoras de livros. inclusive inúmeros
exemplos de erros de revisão, com a indicação da “resposta”. Conforme a Apresentação,
trata-se de um manual para todos os que lidam com a palavra a ser impressa: revisores,
30
Arquiteto, professor de desenho/artes plásticas – UnB
Especialização em língua portuguesa – UniCEUB
Escritor, revisor de textos
ÁREA EDITORIAL Como revisor de textos, fez trabalhos para OAB, LGE Editora, Atual Propaganda,
Dimensão Propaganda, PAX Editora, LID Gráfica Editora, Inep/MEC, Intertexto, Abaré, Arko Advice,
Paralelo 15, Renctas, TNC, Secretaria de Direitos Humanos, Gráfica e Editora Brisa, Duda Mendonça,
PN-DST/Aids, Apae, Fenapaes, GAP/Ministério do Meio Ambiente, Unesco, Renctas, Editora Inede.
Clientela pessoa física Marielza Andrade (O Cerimonial nas Empresas), Emivaldo Sousa Zinho (Con-
tos de Verão e Ninguém Perguntou), Célia Silvério Vaz (Alimentação de Coletividade), Oswaldo Costa
(Orapronóbis), Lourival Lopes (Caminho Seguro), Gisele Mancini, Rafaela Céo, Júnia Caldeira, Ana
Lúcia R. Vasconcelos, Paulinho Branco de Araxá, Sandra Falcone, Elizena Rossy, Cleide David, Ernesto
Silva, Dener Giovanini, Gonzalo Henríquez.
Como escritor, é de sua autoria: livro
RIO PRETO Na Rota dos Asteroides (jornalismo histórico,
abordando fragmentos da história de S. J. Rio Preto, SP) livro Estágio no Planeta Terra (ficção espi-
ritualista) livro: Além da Revisão Critérios para revisão textual, pela Editora Senac-DF (1ª. edição:
março 2008 – 2ª. edição: agosto 2008).
Como tradutor e adaptador: romance Perdoo-te, de Amália Soler, do original espanhol Te Perdono (LGE,
10ª. edição).
Como coordenador de edição: boletins do Projeto Reconstrução e Reabilitação das Áreas Inundadas do
Nordeste publicação Seminário Habitação e Saneamento para Populações de Baixa RendaNatal,
1987 publicação Seminário Internacional “Estratégias e Ações em Desastres NaturaisSalvador,
1987 publicação Seminário Latino-Americano Alternativas Tecnológicas Para Habitação e Sanea-
mentoOlinda, 1987 publicação
Seminário Alternativas Tecnológicas de Baixo Custo Para Lim-
peza UrbanaOlinda, 1988 publicação Dez Tecnologias Alternativas Para Habitação Brasília,
1989.
Como copidesque e coordenação de edição: romance
Sinhá Amélia, de G. Ramos e Leda Vigier – 1998,
LGE livro infantil O Junco do Céu, de Leda Vigier 1998, LGE livro Clarões nos Céus de Anápo-
lis, de Waldete Braga – 2002, LID Gráfica.
55
copidesques, redatores, preparadores e editores. E palavra a ser impressa em livro, ainda
que as orientações possam ser adotadas por quem vai atuar em revistas, jornais, teses e
material publicitário.
Para ensinar uma atividade profissional, Malta não ignora aspectos inerentes a
qualquer ofício, os quais aproximam a revisão do dia a dia lembrando ao leitor, as-
sim, as possíveis agruras decorrentes das relações sociais de trabalho, embora o autor
não tenha a intenção de adentrar nesse tema espinhoso, como o fizeram Marcos Gomes
(1988) e José Muniz Jr. (2008). De qualquer forma, as condições ideais propostas por
Malta alertam um leitor mais atento, mesmo que ele não esteja familiarizado com o que
seja revisão de livros. Requisitos para ser um bom revisor, local de trabalho, instru-
mentos de trabalho, mercado, preços esses são alguns dos aspectos práticos apresen-
tados por Malta em seu guia, além das orientações mínimas sobre o tipo de intervenção
que o revisor faz.
Quanto ao local e aos instrumentos de trabalho, por exemplo, ele enumera alguns
requisitos: boa iluminação, cadeira confortável, mesa grande (na qual caiba o material a
ser revisado e as obras de referência) e isolamento acústico, além de canetas coloridas,
lápis, apontador, gua, clipes, corretivo e grampeador (recomendações para quem vai
trabalhar com provas em papel). Nem sempre os ambientes de trabalho correspondem a
esse ideal de recolhimento, em que impera o silêncio e a concentração dos revisores.
Então, o que fazer? Essa discussão não faz parte da proposta de Malta. E se não houver
bons dicionários nem lápis e canetas diversas? Nesse quesito, sim, o autor tem um con-
selho: leve seu dicionário e seu estojo. Para ele, levar os próprios apetrechos revelaria
autonomia e profissionalismo. Para a autora deste trabalho, soa como uma forma de
evitar um confronto ou um desgaste com o patrão. Que, além de não ser contrariado,
deve ser bajulado: ir além da revisão e fazer marcação de original, por exemplo, é um
56
“‘a mais’, uma gentileza que o revisor pode fazer desde que isso lhe seja pedido”, é
“uma colaboração gostosa de se dar”, ensina Malta (2000, p. 61).
Essa visão de que o freelancer não só pode — mas deve — ir além do serviço que
a editora contratou é bastante difundida como critério que distingue um “bom” profis-
sional e um profissional “desleixado”, preocupado apenas em ganhar, acabar logo o ser-
viço para fazer outro e assim ganhar mais dinheiro. O profissional competente estaria,
nessa visão, acima dessas questões comezinhas, como a produção e a remuneração, e
sentiria prazer ao extrapolar o serviço encomendado.
Rodrigues (1997), em sua pesquisa de mestrado, entrevistou um editor de texto
experiente que
julga-se um tipo diferente de profissional, uma vez que costuma
realizar atividades que vão além daquelas que lhe são exigidas e,
principalmente, para as quais foi pago. Mas ele procurou deixar claro
que trabalha assim porque gosta muito do que faz; diz, inclusive, que
só não trabalha por hobby porque precisa de dinheiro. (pp. 124-125).
Para esse mesmo entrevistado, “o revisor comum, simplesmente, cumpre suas ta-
refas”, ressalta Rodrigues (p. 125). Quem não deseja ser comum ou quem simplesmente
não é comum precisa pesquisar, ler outros livros da área, ir a bibliotecas, segundo esse
editor de texto. Chama a atenção o que ele considera ir além do contratado. Pesquisar,
ler e atualizar-se não constituem serviços contratados pela editora, porém estão subja-
centes à atividade profissional do editor de texto, pois lhe dão subsídios para sua prá-
tica. Ir além do contratado seria, portanto, fazer uma intervenção que não lhe foi
solicitada ou tomar decisões que caberiam a outro profissional, por exemplo. Por isso,
parece fundamental ficar muito alerta ao que cada pessoa considera que faz parte do
serviço contratado. Fazer revisão do texto das orelhas de um livro, sim, é um serviço
extra se a editora contratou o serviço de revisão do miolo. Realizar ou não essa tarefa
suplementar é uma decisão do profissional, que pode optar por fazer, sim, mas não
57
para agradar ou por receio de um confronto. É necessário estabelecer e oferecer
condições profissionais baseadas em relações de fato profissionais, e não apenas
cordiais.
Contudo algumas outras observações de Malta sobre questões práticas da edição
de texto, relacionadas por exemplo aos preços cobrados pelo revisor, reforçam
surpreendentemente a suposta necessidade do cordialismo nas relações entre contratado
e contratante: este é um erro cobrar caro demais a revisão de provas e originais”
(2000, p. 87). Depois de tentar ensinar como fazer revisão, em Manual do revisor Malta
completa a formação do candidato com orientações que o preparem para a realidade do
mercado: a tabela das editoras é baixa, você precisa se acostumar, não queira pedir mais
do que as empresas oferecem. Afinal, “sempre dizemos [...] que editora não é uma ‘cor-
nucópia da abundância’, [...] uma mina de ouro” (p. 87).
Além das matérias de ordem prática, Malta ilustra seu manual com dezenas de
exemplos extraídos principalmente da imprensa. É mediante os erros que ele se propõe a
mostrar o que é revisão e que tipo de intervenção se faz. E tudo complementado por
observações implacáveis, que demonstrariam a rigidez do autor.
58
O manual de Aristides Coelho Neto se propõe a suscitar alguma reflexão sobre a
atividade de revisão e oferece algumas contribuições para a formação e o aperfeiçoa-
mento dos revisores se lido de forma crítica, sem tomar todas as afirmações como
corretas e incontestáveis. O autor também prioriza os inúmeros exemplos do que o revi-
sor não deve deixar passar, assim como Malta, destacando as regrinhas e as pegadinhas
gramaticais, mas consegue ir um pouco além do “que erros corrigir”.
Coelho Neto adota a expressão revisão textual, indicando qual é sua perspectiva
dessa atividade. Não fala em revisão de prova, por exemplo, e tampouco aborda a
revisão gráfica, que cuida da padronização de elementos gráficos (tabelas, fios,
formatação de títulos, entre outros que compõem o projeto visual de um livro).
Espaçamento excedente, recuos de parágrafo, travessões a serem padronizados a
revisão vai no máximo até aqui, não extrapola os limites do código linguístico. A
revisão gráfica é ignorada entre as funções do revisor de provas e de texto, como vimos
nos três manuais recentes apresentados aqui.
Também nessas três obras parecem simples e válidas as distinções entre revisor,
preparador e copidesque. Mas na prática não é assim, como se constatou nas discussões
59
acaloradas suscitadas pelas comunicações apresentadas por Luciana Salazar Salgado,
José Muniz Jr. e Cristina Yamazaki na I Jornada de Editoração, em setembro de 2008,
na Escola de Comunicações e Artes
31
.
Coelho Neto reitera a definição breve que os outros autores ofereceram. Como em
todos os casos, a experiência profissional se reflete na proposta, e a atuação distante dos
grandes centros editoriais e centrada em publicações que não consistem em livros
comerciais resultou em uma distinção que parece estranha às práticas das editoras de
livros de São Paulo.
Revisor, para Coelho Neto, é quem “lima” os erros e problemas de uma
publicação. Sua função é normativa: “é na revisão textual consciente, detalhista,
competente, que o conteúdo vai ser aprimorado, no que diz respeito à coesão e à
coerência, aos erros ortográficos, aos erros conceituais, enfim, aos deslizes praticados
pelo autor” (2008, p. 61).
O copidesque constituiria uma atividade mais complexa que a revisão, por ser
realizada quando se necessitam reescrever trechos de um texto mal redigido. Se
repetições injustificáveis, ideias desconexas, falta de coesão e coerência, é preciso
copidescar, explica Coelho Neto recorrendo a Malta. Mais de uma dezena de exemplos
de textos copidescados ilustra esse processo (pp. 140-143).
A explicitação da figura do preparador pode causar estranhamento. Esse profis-
sional seria um agente com poder decisório sobre o texto, a quem os revisores deveriam
recorrer em caso de dúvida. Ele estaria no lugar do que neste trabalho se chamou de
editor de texto: “Tomadas de decisões devem caber ao preparador de originais (aquele
que tem poderes de decisão e de falar pelos autores, ou contatá-los)” (p. 160).
A experiência de Coelho Neto está presente em vários relatos e exemplos. Pois
além de expor excertos de textos que corrigiu, ele conta como foi a interação com o
31
A plateia, composta de cerca de sessenta pessoas, a maioria atuando em edição de texto, manifestou a
falta de uma nomenclatura que defina as funções e tarefas de cada profissional do texto.
60
editor ou com o autor em vários trabalhos realizados, documentando com trechos de
mensagens eletrônicas e de observações enviadas aos interlocutores. Coelho Neto
procura apresentar o processo da revisão, evitando o exemplo em si e recorrendo a
instrumentos que lhe permitam relatar como lidou com aquele texto e com aquele autor.
Dessa forma, explicita aspectos práticos da atividade, como a eventual tensão com o
autor, a negociação de preços e métodos de trabalho com os contratantes do serviço.
Num dos casos relatados e documentados (2008, pp. 160-168) e que o autor
afirma ser real —, fica evidente que a ausência de um editor (que Coelho Neto
denomina preparador) resulta na ampliação das tarefas do revisor de provas. É um
procedimento cada vez mais comum hoje em dia, principalmente quando o profissional
presta serviços para empresas que não são editoras de livros. Mas não nesses casos,
infelizmente. Nas grandes editoras comerciais, até a edição de texto como coordenação
dos processos tem sido uma função terceirizada e nem sempre identificada de forma
adequada procedimento que compõe o atual cenário de precarização de mão-de-obra
relatado por José Muniz Jr. (2008).
Entre as questões práticas, Coelho Neto não aborda um elemento imprescindível
porém pouco nobre: os preços. Contudo, assim como Malta, ensina que é preciso se
submeter às regras do mercado: “Mesmo que não tenha sido previsto no seu preço, não
cobre por tais serviços [revisar capa, orelhas e contracapa]. Não seja deselegante”. E,
além de não cobrar, é preciso esmerar-se, afinal está em jogo a reputação do profissional
cujo nome vai estampado na obra: “Especialmente em textos de capa, orelhas e
contracapa, capriche nas sugestões, para que o texto seja primoroso. Erros em capa,
contracapa e orelhas comprometem sobremaneira um revisor” (
COELHO NETO, p. 151).
61
Mas, como se enfatizou antes, há quem não concorde com essa submissão à lógica
do mercado, apresentada em Malta e Coelho Neto como aspecto intrínseco ao setor
editorial. Muniz Jr. adverte:
62
No discurso hegemônico que preconiza a polivalência e a
versatilidade profissional, essa problemática converte-se em virtude.
Vence a concorrência quem se dispõe a executar tarefas diversas por
preços competitivos (ou o que é pior: que se submete aos preços
abusivos que constam nas tabelas das editoras). Obtém sucesso aquele
que aceita trabalhar sem vínculo empregatício e assume sozinho, de
forma empreendedora, seus rumos profissionais.
[...] Não se trata, é claro, de abordar o problema de maneira
maniqueísta. Nem as editoras são entidades maléficas, comprometidas
com a degradação do trabalho humano, nem os trabalhadores são
pobres seres submissos, alijados do processo. Mas grita aos olhos que,
tanto em função das novas exigências de trabalho quanto pelo
servilismo com que essas regras são recebidas pelos profissionais, as
editoras diminuem drasticamente o número de empregados fixos,
regulares, e aumentam a carteira de “colaboradores” eufemismo
irônico para uma espécie de vínculo precário que, sob a aparência de
tornar a relação mais igualitária, aprofunda injustiças que os esquemas
fordistas ou pré-fordistas não faziam muita questão de esconder.
(2008, p. 10)
Um aspecto a ser destacado em Além da revisão é a exposição da existência de
uma gramática que não seja normativa, e de um debate sobre preconceito linguístico.
Coelho Neto parece procurar um meio-termo, mas acaba resvalando para o senso
comum entre os profissionais do texto: “convenhamos, a forma de Marcos Bagno expor
seus pontos de vista com o intuito de mover uma campanha de desconstrução do
‘preconceito linguístico’ (como ele preceitua) pode revelar-se como uma faca de dois
gumes. Ferrenho, protege a massa de pessoas consideradas por ele ‘sem-língua’ ao
tempo em que pode criar barreiras psicológicas para os ‘com-língua’” (pp. 46-47). A
expressão “sem-língua” parece ser uma inferência de Coelho Neto, porque causa
estranhamento supor que Bagno possa ter proposto a existência de pessoas “sem
língua”. O que Coelho Neto denominou “sem-língua” talvez sejam os falantes incultos,
os brasileiros não escolarizados ou que não dominam a gramática normativa. Como se
63
língua fosse sinônimo, provavelmente, de gramática tradicional ou de língua escrita na
variedade culta. E que barreiras psicológicas poderiam ser criadas para os seres que
estão isentos das ignorâncias gramaticais? O trauma psicológico de falar e escrever
como o outro: os enjeitados, condenados à denominação “sem-língua”?
Na cruzada linguística que se apresenta, confrontando permissivos que defendem
os “sem-língua” e puristas que lutam em prol da gramática normativa, como o revisor
deve se posicionar? Essa é a questão — que soa maniqueísta — que Coelho Neto parece
propor no capítulo em que trata do cenário linguístico do revisor. Posto dessa forma, o
debate apresenta um cenário sem alternativas: como o revisor, que deve eximir de erros
os livros, pode ser favorável a práticas que contrariem as prescrições gramaticais?
Discussões à parte, o risco que pode se apresentar com tanto
aprofundamento é a perda do cliente, que de um revisor quer
resultados, e não teorização além dos limites razoáveis. [...]
No imbróglio do enquanto, não houve por que não acolher com
parcimônia o que prescreveram os chamados comandos
paragramaticais. Quanto ao Houaiss e ao Aurélio, deixemos a
“traição” orquestrada para um enfoque posterior. “Enquanto
dicionaristas afinados com a dinâmica da ngua, respeitemo-los.
(
COELHO NETO, 2008, pp. 47-48)
Por fim, o autor procura mostrar uma posição um pouco mais neutra, apontando
que falta um mediador para resolver o impasse. E que o próprio revisor pode exercer
esse papel, ao conhecer as diversas correntes e, com base no bom senso e na visão
crítica, posicionar-se no contexto do trabalho. Assim, agradará a todos, inclusive o
cliente (pp. 48, 52).
Apesar de expor resquícios do preconceito linguístico dominante na sociedade
brasileira, sobretudo nos meios de comunicação, Coelho Neto procura conhecer e
apresentar os argumentos de alguns linguistas que discorrem sobre variedades
64
linguísticas, gramática, língua escrita e língua falada. Com o mesmo bom senso e visão
crítica recomendados aos revisores, os leitores de Além da revisão podem aprofundar a
leitura das fontes bibliográficas e posicionarem-se no debate. Com o intuito de atuar de
forma consciente na prática profissional.
Nem Malta nem Coelho Neto citam Elementos de bibliologia e A construção do
livro, embora ambas sejam consideradas referência em editoração, em especial no que
se refere ao trabalho com o texto.
A ABORDAGEM ACADÊMICA
As obras mencionadas neste capítulo (HOUAISS, ARAÚJO, PINTO, MALTA e COELHO
NETO) compartilham o objetivo de oferecer orientações práticas para quem edita textos
ou para candidatos a editor
32
. Além desses manuais, algumas pesquisas acadêmicas
expõem ao profissional do texto questões para reflexão sobre o ofício — além de
subsídios que contribuíram para que a autora proponha delimitações e definições para as
atividades profissionais do editor de texto.
No Brasil, como a editoração não se constituiu como um campo de estudo, a
p
esquisa sobre edição de texto tem sido realizada em áreas diversas, com perspectivas,
enfoques e experiências distintos. Em grande parte dessas pesquisas sobre edição de
livros, o processo de intervenção no texto não é privilegiado como objeto central, mas
sim abordado de forma oblíqua, quando se analisa algum outro aspecto da edição de
livros.
Como se constata no levantamento da bibliografia brasileira do século XX sobre os
estudos do livro e das editoras (
BRAGANÇA, 2005), predomina o viés histórico. Também
32
Os dois últimos talvez interessem mais aos iniciantes ou que vão se iniciar, devido à estrutura didática,
com proposta de exercícios e conselhos para a prática profissional.
65
é expressiva a vertente que privilegia a leitura. Ambos, história e leitura, congregam
pesquisadores de várias áreas estudos literários e linguísticos, sociologia, história,
educação e comunicação social e compõem o que Bragança denominou de “campo
interdisciplinar de estudos do livro e da história editorial”.
Como ressalta Muniz Jr.:
A variedade de temas e de disciplinas mobilizadas nesses
estudos [de editoração] é bastante positiva, embora faça transparecer
a falta de identidade entre os pesquisadores e a ausência de um
“lugar comum”. Esse é o papel que as Ciências da Comunicação
têm buscado suprir, na medida em que a editoração é vista de um
ângulo transdisciplinar, como um processo complexo de produção,
distribuição e recepção de artefatos simbólicos, implicando
variáveis sociais, culturais, políticas, cognitivas e econômicas.
(2008, p. 1)
Quanto à edição de texto, especificamente, a quantidade de estudos e as
disciplinas mobilizadas não são tão amplas
33
. Os pesquisadores preocupados com a
intervenção no texto e que se dedicam de forma sistemática a esse objeto estão
vinculados sobretudo aos estudos lingsticos e, mais recentemente, à comunicação
social. Todos parecem compartilhar uma característica que parece ter motivado suas
pesquisas: viveram ou vivem a experiência da edição, na prática.
Os pesquisadores que propiciaram reflexões e contribuições fundamentais a este
trabalho foram, em especial, Ana Elisa Ribeiro, doutora em linguística aplicada (
UFMG);
Luciana Salazar Salgado, doutora em linguística (Unicamp); José Muniz Jr., mestrando
em comunicação social (ECA-USP); Sumiko Ikeda, doutora em linguística aplicada e
estudos da linguagem (PUC-SP). Outros pesquisadores também tocam no tema, embora
33
Mesmo assim, nem de longe se intenciona esgotar a bibliografia acadêmica sobre o tema; como muitas
pesquisas apenas tangenciam a edição de texto e a nomenclatura adotada nesse campo é basatante
variada, a revisão da bibliografia depende de uma busca que ultrapassa os limites desta dissertação.
66
não tivessem como objetivo tratar exatamente da edição de texto: Maria Otilia Bocchini,
no doutorado Formação de redatores para a produção de textos acessíveis a leitores
pouco proficientes, defendido na ECA-USP em 1994, propõe reflexões que foram
essenciais para que se desenvolvesse a proposta deste trabalho sobre edição de texto;
sociolinguistas e psicolinguistas como Marcos Bagno, Sirio Possenti, Mary Kato e
Angela Kleiman também foram de importância inconteste para fundamentar a
concepção de edição.
Perspectivas da linguística
S
ob orientação do prof. dr. Sírio Possenti
34
, em 2007 Luciana Salazar Salgado de-
fendeu no Departamento de Linguística da Universidade Estadual de Campinas (Uni-
camp) a tese de doutorado Ritos genéticos no mercado editorial: autoria e práticas de
textualização. A pesquisadora analisa a relação estabelecida entre autor e editor de texto
sob a perspectiva da análise do discurso de linha francesa, em especial nos trabalhos de
Dominique Maingueneau, “de modo que a matéria textual seja entendida como lineari-
zação de discursos submetida a práticas sistemáticas de trabalho linguístico, as quais,
por sua vez, estão sujeitas a uma série de coerções institucionais” (2007, p. 26).
Salgado assume a criação como um processo cada vez mais coletivo e socialmente
partilhado, e a autoria como um lugar, “em termos de uma identidade social firmada
historicamente e manifestada em práticas que se reiteram, procurando legitimar-se”
(2007, p. 14; 2008, p. 528). Partindo desse princípio de que o processo autoral envolve
vários agentes e operações, ela inclui os profissionais editoriais como partícipes da auto-
ria; sem, contudo, falar em coautoria, como a pesquisadora explica no excerto abaixo:
34
Pesquisador da sociolinguística que publica no Terra Magazine textos ferinos sobre linguística, destina-
dos ao público leigo. O professor é uma das raras vozes a encontrar espaço na mídia para combater o pre-
conceito linguístico reafirmado pelos comandos paragramaticais.
67
Estes últimos são exemplos da etapa de tratamento editorial de
textos, que julgo ser uma etapa ainda autoral. Do lugar de editor de
textos (ou preparador ou copidesque ou mesmo revisor não
consenso sobre a designação desse ofício
35
), um outro vai tecendo, no
fio do texto do autor, certos sentidos e, embora não imponha ao autor
um texto que não é o seu, interfere discursivamente na sua tessitura.
Faz isso guiado por um conjunto de procedimentos a que propus cha-
mar ritos genéticos editoriais, com base na proposta de Dominique
Maingueneau para a abordagem dos ritos como procedimentos siste-
máticos destinados a consagrar certas práticas, e da gênese, em termos
discursivos, como convergências históricas que se condicionam e,
assim, estabelecem uma orientação semântica.
É importante notar que o profissional que trabalha sobre os
textos autorais não opera como coautor; antes, produz um descentra-
mento do texto-primeiro, que permite ao autor ser um outro desse ou-
tro de si que fez anotações pontuais como quem deixa rastros a serem
seguidos. Nessas trilhas de leitura explicitadas, são feitas correções
gramaticais, estabelecem-se padrões e seguem-se normas, mas esse
trabalho vai muito além da ideia de corrigir, padronizar e normalizar.
(
SALGADO, 2007, p. 16)
Luciana Salazar Salgado o profissional que atua na edição de textos como
alguém que pode revelar ao autor uma nova leitura de seu texto, ao lhe expor um novo
contato com o texto, que lhe é apresentado com alterações, sugestões e dúvidas do
preparador ou editor. O autor, diante de um leitor que lhe explicita leituras que ele não
havia feito nem imaginado, pode deparar com um texto que lhe parece outro. Dessa
forma, o profissional convida o autor a um processo que a pesquisadora denomina
“exercício de alteridade” e que enfatiza a “condição coletiva, plural e heterogênea de
toda autoria, que não comporta apenas o autor(p. 146). Distanciado de sua primeira
escritura, o autor pode então fazer mudanças em seu texto, aceitar ou rejeitar o
35
Ressalte-se a observação, que aparece invariavelmente nos trabalhos e debates sobre edição de texto.
68
trabalho
36
proposto pelo editor. “Ao percorrer uma leitura anotada, [o autor] pode
desdobrar outras, rever pontos, dar-se conta de aberturas e entraves, mudar ou mesmo
confirmar posições sobre as quais não tinha se detido” (p. 146).
Por isso, o trabalho com o texto poderia ser considerado uma etapa autoral do
processo editorial que expõe ao autor novas abordagens de seu texto. Após entregar o
original à casa editora, se iniciaria para o autor um novo processo de escritura, do qual
participam os editores de texto que não são, entretanto, coautores, como já foi
explicado, mas sim coenunciadores. “Não nesse momento um texto acabado, mas
uma proposta nuclear, um eixo que lastreia os movimentos de novas textualizações
possíveis (que não são necessariamente textos novos)”. O que dessa textualização será
considerado ou ignorado cabe ao autor, pois “[...]ao processo editorial caberá trabalhar
com o autor justamente para que se defina uma versão ‘final’ sobre a qual sempre se
poderá trabalhar mais uma vez” (p. 125).
Sob a perspectiva da análise do discurso, Salgado põe em foco um profissional
invisível, ressaltando a relevância de um ofício que a pesquisadora considera, mais do
que linguístico, “de linguista”. Pois, como ela ressalta e este trabalho corrobora, a
linguística não ofereceria meras ferramentas para o profissional, mas sim fundamentos
para refletir e “elaborar interpretações que a intuição não seria suficiente para produzir”,
expõe com uma citação de Maingueneau (Discurso literário, p. 39, citado por Salgado,
2007, p. 27).
Fica evidente em Ritos genéticos no mercado editorial que também para Salgado
o editor de texto (ou interlocutor editorial, como ela também usa) extrapola o consenso
do corretor gramatical
37
.
36
A esse trabalho, Salgado denomina “textualização”, retomando um termo que pretende “referir os tex-
tos em seus movimentos de construção ou a passagem do discurso ao texto”. A pesquisadora explica o
uso dessa palavra: “No caso do material autoral submetido ao processo de tratamento de textos, com o
termo textualização pretendo pôr em relevo o caráter dinâmico da produção dos sentidos e, assim, marcar
o quanto os originais de um autor estão ‘em processo’” (2007, p. 124).
69
Alguém sempre dirá que a correção gramatical tem de fazer
parte desse trabalho editorial. Em certa medida, é essa a razão pela
qual muitos autores procuram esse serviço. Não raro, porém, esses
mesmos autores descobrem, ao receberem as notas de leitura, que a
constituição de um texto obedece a muitas coerções, para além da
gramática normativa, e que mesmo esta, com sua força de lei, suscita
reflexões em muitos pontos, relativizando-se dentro de sua própria
lógica. (2007, p. 244)
O objetivo do tratamento de textos seria, na visão de Salgado, assegurar que serão
publicadas versões consistentes dos textos:
mesmo que um texto destinado a publicação, como todo texto,
por definição, não se feche nunca, sendo renovado a cada leitura, pa-
rece possível trabalhar para que certas leituras estejam mais autoriza-
das que outras, que certos caminhos textuais pareçam mais convidati-
vos, que certas memórias tendam a se atualizar amarrando o texto a
uma dada rede de dizeres, identificando-o. (pp. 16-17)
Com base nessa proposta, Salgado distingue “práticas editoriais linguísticas” e
“práticas linguísticas editoriais”
38
. As primeiras consistiriam em atividades rotineiras
nas editoras, envolvem padronização, correção linguística e procedimentos técnicos
quanto ao suporte e à circulação do produto. Já as práticas linguísticas editoriais são as
que atuam na matéria linguística, propondo novas textualizações ao autor. Devido a
restrições e limitações práticas como prazos e custos financeiros, elas não poderiam ser
sempre definidas a priori no cotidiano editorial, porque as necessidades dos textos é que
costumam guiar os preparadores (pp. 18, 110).
37
Essa posição também foi exposta e destacada na comunicação que a pesquisadora apresentou I Jornada
de Editoração, realizada na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP)
em 24 de setembro de 2008.
38
Apesar da distinção entre as práticas adotadas no setor editorial, Salgado não estabelece nenhum
julgamento que classifique uma ou outra como superior, não se trataria de hierarquia, portanto.
70
Tais procedimentos estão sempre estribados nas questões de
linguagem: por meio de manobras linguísticas, movimenta-se a
textualidade, a discursividade linearizada. A ideia é que, no próprio
texto autoral, uma leitura cooperativa e criteriosa se faça explicitar,
com vistas a oferecer ao autor uma nova perspectiva de seu texto, um
distanciamento propício à (re)apropriação do que em seu texto se
enuncia. É como se essa leitura profissional formulasse um arranjo
final que, no entanto, é ainda etapa autoral, anterior ao
estabelecimento da versão que efetivamente vai a público. (p. 112)
O “desenvolvimento das teorias linguísticas ao longo do século XX, como das
demandas que se configuraram quanto à formação de leitores, às teorias e práticas
decorrentes, e à expressiva multiplicação de títulos e autores” (p. 17) teria propiciado
um cenário novo para as práticas editoriais, refazendo-se os entendimentos sobre o texto
(como o conceito, suas funções sociais e outros aspectos).
Nesse cenário recente, a configuração da noção de autoria como processo cada
vez mais coletivo e socialmente partilhado possibilita que as práticas linguísticas edito-
riais
39
possam ser vistas como integrantes de um processo autoral. Mesmo que o trata-
mento editorial sugira numerosas e profundas intervenções num texto, não se costuma
questionar a autoria. “Por isso é interessante quando essas atividades o computadas
juridicamente (nos créditos de expediente editorial), atestando a corresponsabilidade
pela qualidade do texto publicado” (p. 178). Salgado chama a atenção para esse registro
que é um reconhecimento dos agentes que participam do tratamento de texto. Não raro,
a página de créditos é justamente o primeiro elemento interno do livro a ser analisado
pelos profissionais do setor editorial. Editores, preparadores, tradutores, revisores, edi-
tores de texto e outras pessoas que trabalham com livros, após apreciar a capa e
eventualmente ler os textos reproduzidos na quarta capa e nas orelhas, quase sempre
39
No presente trabalho de mestrado, considera-se que essas práticas estão incluídas no processo de editar
um texto.
abrem o volume e procuram essa gina na qual se registra o nome dos partícipes da
obra que têm em mãos. Porque essas pessoas sabem que importa quem trabalhou no
livro, como explica Salgado citando Possenti:
No caso dos profissionais que trabalham na textualização, eles
não fazem apenas correções gramaticais; às vezes, não fazem
nenhuma. A dimensão de seu trabalho é discursiva. Em suas práticas
de interlocução, mexer no texto” é “mexer no discurso”. E se,
concebidos como práticas, os discursos têm “suas dimensões mais
amplas do que o que ‘significam os textos’” e “não surgem apenas
se certas condições são satisfeitas mas também podem afetar essas
mesmas condições”
40
, quem “mexe num discurso” importa tanto
quanto quem traduz, tanto quanto a casa editora que seleciona o
original e elabora a publicação, ou o ilustrador que dialoga com o
material verbal. Faz diferença saber que esta ou aquela editora leva o
texto a público, que este ou aquele nome responde pela tradução ou
pela assessoria técnica. Provavelmente faz diferença que este ou
aquele profissional trabalhe na textualização, na coenunciação
editorial. (pp. 178-179)
Outro doutorado que tange ao tema deste trabalho e complementou a bibliografia
relacionada aos estudos linguísticos é Fatores de produção que interferem na
legibilidade de um texto em português, de Sumiko Nishitani Ikeda. Defendido em 1986
na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação da profa. dra. Mary
Kato, esse estudo da linguística aplicada lembrou-se da atividade de revisão de texto. A
apresentação desse trabalho, ainda que de forma sucinta e breve, justifica-se porque
Ikeda contribuiu para refletir sobre as intervenções realizadas pelos profissionais do
texto, complementando as leituras e apontamentos anteriores realizados com base em
alguns estudos linguísticos relacionados à leitura.
40
POSSENTI, Sirio. Observações esparsas sobre discurso e texto (notas de trabalho), Cadernos de Estudos
Linguísticos, n. 44, Campinas, jan.-jun. 2003, p. 221.
72
Ikeda busca, em seu doutorado, expor ao revisor e ao escritor não proficiente, de
forma objetiva, os problemas que prejudicam a legibilidade de um texto. Ela acredita
que, além de possível, é desejável propor algumas regras de produção que “diminuam
um pouco o clima de incerteza e subjetividade” em geral envolvidos na correção de
redações e na revisão de textos que visam à publicação. Assim como Bocchini (1994),
ela propõe orientações para a redação de textos, porém sem elaborar fórmulas e regras.
No estudo, Ikeda optou por textos espontâneos produzidos por redatores
graduados, ou seja, textos nos quais o autor escreve por vontade própria e dispõe de
tempo para planejamento, releitura e eventuais correções. São distintos dos textos não
espontâneos, escritos sob demanda em situações que a pesquisadora denomina
“desfavoráveis”, por pressionarem o autor com a urgência e a impossibilidade de
reflexão, o que “fazem resultar construções nem sempre condizentes com a real
capacidade de expressão linguística de seu autor” (1986, p. 10).
Para analisar os textos da amostra, a pesquisadora parte das categorias do
princípio de cooperação de Grice, que concernem a “o que dizer” e também a “como
dizer”. A violação a essas máximas, que ela constata interligadas em várias
transgressões, aponta os elementos que resultam em dificuldades na legibilidade textual.
Embora a autora se dedique à análise de textos redigidos para trabalhos
acadêmicos em nível de pós-graduação, também menciona textos destinados à
publicação em livro. E, ainda que ressalte o professor em sua proposta de explicar como
identificar as falhas de um texto, Ikeda também contempla o revisor em diversos trechos
de sua tese. É possível que sua experiência em revisão de teses e “material para
publicação”
41
tenha contribuído para a inclusão desse profissional nas reflexões de sua
pesquisa acadêmica.
41
Citada logo no primeiro parágrafo da Introdução (p. 2).
73
Os revisores entre os quais Ikeda inclui os professores efetuariam
basicamente dois tipos de correção linguística em textos dissertativos-argumentativos,
conforme a pesquisadora:
A correção objetiva, que se submete às regras da gramática normativa e
atua sobre questões relacionadas, por exemplo, a grafia, acentuação,
regência e pontuação. A objetividade explica-se porque essa correção “se
resume na aceitação ou não dessas regras” (p. 2).
A
correção subjetiva, que se volta para questões referentes a “seleção
lexical, concatenação lógica dos argumentos, funcionalidade dos períodos
e orações”, entre outros elementos. A inclusão da editoração de livros nas
considerações de Ikeda se explicita aqui: segundo ela, as correções
subjetivas não raramente constituem “focos de desentendimentos entre
autor e revisor” (p. 3).
Identificar se um texto está bem ou mal redigido não implica saber explicar por
que se chegou a tal parecer. Por isso, pode-se pensar que é meramente intuitiva essa
avaliação, resultado apenas do humor ou da disposição da pessoa, quem sabe até da
simpatia em relação ao assunto ou ao autor. Esses fatores estão, sim, envolvidos em
qualquer avaliação, que não como ser isenta de todo elemento subjetivo. No entanto,
um profissional que trabalhe avaliando, corrigindo e editando textos não pode se
fundamentar sobre opiniões e “achismos”. Ainda que pense fazer as intervenções com
base em avaliações apenas subjetivas, o profissional lança mão de sua experiência para
trocar uma palavra de lugar, substituir uma expressão, enfim, fazer quaisquer emendas
74
no texto. E essa experiência camufla o uso de estratégias cognitivas e metacognitivas de
leitura — em geral inconscientemente
42
.
Bocchini (1994) afirma que provavelmente os editores não tiravam “exclusiva-
mente dos bolsinhos de seus coletes as fórmulas de adaptação e intervenção nos textos.
Quero mais crer que ouvissem as observações de seus leitores, que dessa forma estariam
determinando ativamente como queriam ler” (p. 9). A autora se refere a editores que,
desde o século
XVIII, muito antes da constituição da linguística e da psicolinguística,
faziam cortes, mudanças de ordem, correções, substituições e acréscimos nos textos a
serem publicados. É o caso dos editores da coleção francesa Bibliothèque Bleue, que
adaptavam obras ficcionais para o público popular.
As obras que visam a um público leitor amplo “apostam no pré-conhecimento
desses leitores”, tanto no aspecto formal das edições (por exemplo: formato, número de
páginas e gravuras que resumiam o conteúdo) como no tratamento do texto (redução do
texto, simplificação das frases, inclusão de títulos e resumos, entre outros elementos),
afirma Roger Chartier ao analisar a edição das obras que compõem a Bibliothèque
Bleue, na França do século
XVIII (CHARTIER, 1994, p. 20). Dessa forma, o historiador
considera que a leitura dos livros dessa coleção tornava-se, assim, mais um
reconhecimento do que verdadeira descoberta ideia que vai ao encontro dos estudos
cognitivos sobre a leitura.
Suas intervenções [dos correctores que trabalhavam para os
editores de Champagne] são de três tipos. De um lado, elas transfor-
mam a própria apresentação do texto, multiplicando os capítulos,
mesmo que essa divisão não tenha nenhuma necessidade narrativa ou
lógica, e aumentando o número de parágrafos. Esse recorte é coman-
dado pela ideia que têm os editores das competências e dos hábitos de
42
Na avaliação inicial dos textos selecionados para sua pesquisa, Ikeda diz que sua análise era feita num
nível intuitivo, porque estava “a meio caminho do metacognitivo, que percebíamos que havia ‘algo
errado’” (p. 11).
75
leitura do público que procuram atrair uma leitura frequentemente
interrompida, que exige pontos de referência explícitos, que somente
se sente à vontade com sequências breves e fechadas sobre si mesmas.
(CHARTIER, p. 69, citado por SALGADO, 2007, p. 146)
Ao que parece, muito tempo o editor teria uma noção mesmo que intuitiva,
e não científica do processo de leitura de seu público. Editar, como se comprova
nesse excerto de Chartier e em pesquisas de outros historiadores do livro, não se limi-
tava a correções na composição. Tratava-se, desde há muito, de uma intervenção textual
como a edição de texto, justamente como ocorre nas práticas editoriais hoje. Chartier
continua a explicar as intervenções dos correctores:
De outro, as intervenções editoriais encurtam os textos, ampu-
tam fragmentos ou episódios considerados inúteis, comprimindo as
frases, suprimindo relativas e intercaladas, adjetivos e advérbios.
(ibidem)
O corte de texto não era aleatório. De alguma forma, os correctores e provavel-
mente os editores sabiam o que deveria ser cortado sem comprometer o texto e até faci-
litar a leitura. Pode-se considerar, portanto, que já se tratava de uma prática hoje
classificada como editorial, por se fundamentar (mesmo que intuitivamente) em conhe-
cimentos da gramática e também em princípios e estratégias que mais tarde são confir-
mados por teorias e pesquisas sobre processos de leitura e escrita.
Além de apontar o que deve ser alterado, um bom profissional editorial deveria
justificar suas escolhas, o que exigiria estratégias em nível metacognitivo, descritas por
Kato (2002, p. 51). Para esclarecer essas estratégias, ressalte-se que a leitura não é um
processo meramente automático realizado pelo leitor, mas sim um processo estratégico.
A leitura não se faz meramente com um correr de olhos pelas linhas de um texto, de
76
forma regular e linear, codificando letra por letra. Não é uma atividade automática
estimulada por letras soltas.
Para atingir a compreensão do texto escrito, o leitor procede a várias etapas:
reconhecimento visual de palavras e blocos de palavras, operações de análise e síntese,
estratégia de antecipar e confirmar o que está lendo, processamento descendente (ou
top-down) e ascendente (ou bottom-up)
43
. Porém em geral o leitor não se conta de
que emprega inúmeros recursos durante a leitura. Só ao deparar com um texto que
apresenta dificuldade seja por ser técnico, por apresentar um vocabulário que lhe é
estranho, por estar numa língua desconhecida , o leitor percebe algumas das
estratégias de leitura.
Quem trabalha com edição de textos, especificamente com revisão de originais e
provas (etapas em que é preciso atentar para as minúcias do texto, como erros de
digitação e letras com problema de impressão, entre outros detalhes) já constatou as
consequências de automatizar a leitura. A constatação de que uma palavra é apreendida
pelo contorno e com base em apenas algumas das letras, por exemplo, pode ser feita
logo nas primeiras experiências com revisão. Que revisor nunca deixou escapar um
pastel, um piolho, um pastel ou um gato
44
? Aliás, no Aurélio a definição de “piolho”
exemplifica a dificuldade de notar uma duplicação ou inversão de letras ou sinais:
“Pequeno erro tipográfico, que escapa à revisão”.
Leia-se o exemplo abaixo:
3M D14 D3 V3R40, 3574V4 N4 PR414, 0853RV4ND0 DU45
CR14NC45 8R1NC4ND0 N4 4R314. 3L45 7R484LH4V4M MU170
C0N57RU1ND0 UM C4573L0 D3 4R314, C0M 70RR35,
P4554R3L45 3 P4554G3NS 1N73RN45. QU4ND0 3575V4M QU453
43
Ver explicação sobre os tipos de processamento de texto no capítulo 6.
44
Termos usados em produção editorial para se referir a erros tipográficos.
77
4C484ND0, V310 UM4 0ND4 3 D357RU1U 7UD0, R3DU21ND0 0
C4573L0 4 UM M0N73 D3 4R314 3 35PUM4
45
.
Baseando-se em conhecimentos sobre a língua (como as possíveis combinações
entre as letras e os sons), o leitor pode inferir a palavra que está diante dos olhos.
Completa-se a palavra mesmo vislumbrando apenas parte dela. É por isso que se
consegue ler e compreender a mensagem acima, apesar de todas as vogais do texto
estarem trocadas.
O revisor de provas profissional desenvolve um treino especial para não se deixar
levar por essa leitura ideográfica e inferencial. Porque além de não ver errinhos de
digitação, ele pode simplesmente passar por cima de palavras inteiras que prejudicam o
sentido do texto
46
. Assim, conhecer como ocorre a leitura de um texto escrito é
importante para o editor de textos justamente porque propicia que ele explore
conscientemente as estratégias de leitura e consiga tirar o melhor proveito delas.
No artigo em “Em busca do texto perfeito: (in)distinções entre as atividades do
editor de texto e do revisor de provas na produção de livros” (2007), Ana Elisa Ribeiro
apresenta, como o título antecipa, a dificuldade de identificar o que é tarefa do editor e
do revisor. Ela expõe as tentativas de distinção realizadas por alguns manuais, e os
resultados de uma pesquisa de campo efetuada com alunos de graduação em letras e de
um curso de especialização em revisão de textos
47
, no qual ela leciona. Como se deduz
pelo título, as indistinções podem impedir as distinções.
45
Em dia de verão, estava na praia, observando duas crianças brincando na areia. Elas trabalhavam muito
construindo um castelo de areia, com torres, passarelas e passagens internas. Quando estavam quase aca-
bando, veio uma onde e destruiu tudo, reduzindo o castelo a um monte de areia e espuma.
46
Como será exposto no capítulo 6.
47
A pesquisa foi aplicada entre os alunos em 2007, com 21 estudantes do curso de letras da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG) e 37 alunos do curso de s-graduação são do Instituto de Educação
Continuada (IEC) da Pontifícia Universidade Católica.
78
O artigo de Ribeiro dialoga com a comunicação Editor de texto: quem é e o que
faz” (YAMAZAKI, 2007), no tema e nas referências teóricas, ainda que àquela altura
nenhuma das autoras tivesse conhecimento das pesquisas desenvolvidas pela outra. Essa
coincidência revela mais do que suposta sincronia acadêmica: evidencia o cenário
indefinido dos profissionais editoriais, apresentado no capítulo 3.
Entre os alunos de letras, a pesquisadora constatou o desconhecimento da
produção editorial e a confusão entre as tarefas dos profissionais envolvidos no
processo. No curso de pós-graduação, os alunos advindos de cursos de comunicação
social mostraram alguma noção sobre a produção editorial, mas aplicando os
conhecimentos que possuíam em relação à imprensa. “Para jornalistas e publicitários, a
função do editor de livros teria as mesmas características das do editor de jornais:
reescrever textos, modificar estrutura de obras, pesquisar temas, fazer programação
visual, cortar textos em função de espaços” (
A. E. RIBEIRO, 2007, p. 12).
Para Ribeiro, seria um equívoco essa transposição de funções, do jornalismo à
produção editorial. Mas a autora desta dissertação avalia que o editor de livros pode ser
considerado o responsável por essas tarefas enumeradas como próprias do editor de
jornais e revistas. Sobretudo em livros didáticos ou obras informativas, nos quais o
projeto gráfico determina o espaço reservado ao texto, cabe ao editor resolver os
buracos e cortar estouros, por exemplo. Como será exposto adiante (na proposta de
definição dos processos editoriais relacionados ao texto, nos capítulos 4, 5 e 6),
reescrever também faz parte do processo de editar um texto, em especial nos livros que
não pertencem ao âmbito literário, ou em que o autor assina a obra mas não acompanha
todo o processo, ou mesmo nas obras com autoria coletiva, quando os textos são
encomendados a vários redatores.
O revisor foi foco de outro artigo científico de Ribeiro publicado recentemente:
“Recados ao revisor de textos: representações do profissional de texto nas crônicas de
79
Eduardo Almeida Reis” (2008). A pesquisadora apresenta um personagem curioso (não,
não é o revisor): um cronista do caderno esportivo do Estado de Minas que se mete a
dar recados a seu revisor e sem papas na língua. É com base nessas mensagens ao
revisor que Ribeiro nos indica as representações desse profissional pelas lentes de um
membro da Academia Mineira de Letras.
Confirma-se nas crônicas de Almeida Reis a imagem do inspetor da ngua que
aplica de forma automatizada as normas da gramática tradicional que, segundo essa
representação, seria evidentemente a única gramática possível. Ou seja, o revisor seria
um leitor chato à caça de erros e que implica com o autor, como nos mostra Ribeiro
(2008) nos excertos abaixo:
Insisto na pergunta que tenho feito vezes sem conto (é conto
mesmo, jovem revisor): que diabo baixará nos palacianos para que
todos tenham aquele sorriso hebetado, bronco, obtuso, apalermado?
Seria a proximidade do poder? (4 jun. 2007)
pela metade do segundo tempo, bela morena, modelo 33,
com tudo nos lugares certos, virando-se para mim, foi cruel:
“Professor, não sei como o senhor se aguenta”. Genial, não negá-
lo. E o jovem revisor me fará o favor de conservar o “não há negá-lo”,
que é português de primeira água, uma espécie de Cristiano Ronaldo
do texto, enquanto “não como negar” é português de nova Era
Dunga. (9 fev. 2007)
Que dizer do narrador Cléber Machado? Bem-apessoado, boa
voz, boa dicção, bom filho, bom pai, bom genro, bom marido,
honesto, trabalhador, em dia com o INSS e a Receita Estadual, é
cidadão exemplar. Narrando Fórmula 1, contudo, é parecido comigo
dando aulas de grego clássico. Ambos de dois (conserve, jovem
revisor) nada manjamos dos assuntos, ele de automobilismo, eu de
grego clássico. Paciência. (10 out. 2005)
80
Notem-se os conselhos e as ordens: não diálogo com o revisor, como o autor
propõe para o leitor geral de suas crônicas. Os verbos, como Ribeiro destaca, são no
imperativo, e a representação é do revisor inexperiente.
Um apaixonado pelo texto escrito, Almeida Reis é feroz na defesa do que
considera língua portuguesa. Como a autora do artigo evidencia, o prescritivismo e o
preconceito linguístico dominam também este comando paragramatical, pois “o
brasileiro que escova os dentes e toma banho diariamente não se confunde com o
imundo falante de uma língua eivada de errores” (2008):
Sábado gordo é aquele que precede o domingo de carnaval. Por
isso, estive para escrever sábado obeso no título desta crônica. Temi,
contudo, que alguém pudesse pronunciar “obêso”, quando a pronúncia
correta de brasileiro que escova os dentes e toma banho todo santo
dia, sem exclusão dos dias santos — é obeso, com é aberto. Vá a gente
convencer disso alguns médicos, que vivem de prescrever
metanfetaminas, quando melhor fariam ensinando ao paciente que a
melhor receita para emagrecer é fechar a boca, depois de abrir o é de
obeso. (22 jul. 2006)
Apesar dos recados que denotam o preconceito linguístico por trás de uma
concepção particular de ngua, Almeida Reis é considerado com complacência por
Ribeiro, que conhece as crônicas e não se deixou influenciar apenas pelos excertos
cuidadosamente selecionados.
Não fossem as crônicas de altíssima qualidade e de grande teor
humorístico, talvez o prescritivismo do narrador apagasse sua graça.
Fosse esta apenas mais uma coluna de “dicas de português”, viesse a
norma solta, apenas referida como lei, Almeida Reis seria um zero à
esquerda. O curioso é que a norma e seus abonos e desabonos venha
muito bem vestida de inteligente e palatável texto, que pode, ao
mesmo tempo que causar certo estranhamento ao leitor “comum”, dar
81
a ele glossários e com quê mais se esclarecer. A figura do revisor,
muito mais do que ser de verdade, transforma-se em um personagem
dos de primeira grandeza, inclusive fixo e esperado, mesmo entre
crônicas desconexas. É o revisor um dos responsáveis pelo estilo
inconfundível do escritor. (RIBEIRO, 2008)
A invisibilidade do revisor ainda que de forma preconceituosa é rompida
por Almeida Reis, que traz à tona esse profissional num veículo de grande alcance
popular, o caderno esportivo de um dos jornais mineiros de maior circulação
48
.
A figura do revisor é o personagem de uma crônica divertida da própria Ana Elisa
Ribeiro, que expõe num site de grande circulação as agruras do revisor em “Trocar
ponto por pinto pode ser um desastre” (2008).
AS DISTINÇÕES DE CADA UM
Em 1970 e 1971, pouco depois de dar à luz Elementos de bibliologia, Houaiss
participou do Simpósio sobre Editoração e do curso Editoração Hoje, ambos
promovidos pela
FGV. Em uma das comunicações, iniciou sua fala assumindo que
mesmo a extensa obra lançada poucos anos antes não conseguira abarcar de forma
metódica um dos principais processos da publicação de um livro: a preparação de
originais. Esse processo foi o tema e também mereceu o título de sua participação nos
eventos: “Preparação de originais I” e “Preparação de originais II”.
Sob o título de preparação de originais”, encerra-se todo um
conjunto de problemas que representam a parte mais nobre da
preparação de livros, de uma preparação impressa. Em consequência
disso, abarcando essa parte um espectro enorme de questões, não tive
48
Em 2007, constava entre os 15 jornais brasileiros de maior circulação média diária, segundo informe do
Instituto Verificador de Circulação.
82
ainda como discipliná-la de forma metódica, de tal maneira que, sob a
aparência de uma teoria, enfrentasse todos os problemas práticos ou
pelo menos pudesse ordená-los e sugerir as possíveis soluções, quando
encerram soluções. (Houaiss, Preparação de originais II, 1981).
Fica explícito como é árdua a tarefa de esquadrinhar esse processo de intervenção
no texto a ser publicado como livro mesmo para um filólogo com experiência em
coordenação editorial de várias obras, incluindo a enciclopédia da Delta-Larousse e as
obras completas de Lima Barreto. Houaiss aponta as dificuldades, que são diversas: é
preciso haver método, uma teoria subjacente, experiência prática e proposta de soluções.
A favor da autora deste trabalho, constam esses ensaios iniciais de especialistas e
profissionais que tentaram sistematizar seus conhecimentos e sua experiência em
manuais e obras com informações práticas. Não são muitos, mas suficientes para terem
impelido a buscar outros, em contextos estrangeiros, e também a refletir sobre dúvidas,
hipóteses e práticas pessoais.
83
3
Distinções e definições:
um ensaio de proposta
Com este trabalho, adentra-se num campo volátil, que se adapta conforme as cir-
cunstâncias, as demandas, as necessidades e também as conveniências invariavel-
mente por parte do contratador. E um campo que se autodefine no cotidiano profissio-
nal, por não ter encontrado ainda nem fundamentação teórica nem delimitação e
sistematização, ao menos no Brasil. O objeto de pesquisa é complexo, na medida em
que, embora familiar à autora como ofício, ainda não foi estudado sistematicamente.
Mesmo assim, ousou-se considerar a edição de texto como um campo passível de se
constituir como objeto de uma dissertação de mestrado.
AS INDISTINÇÕES E INDEFINIÇÕES
O campo da edição de texto é frágil e informe, pois nem ao menos a terminologia
foi estabelecida e está definida. Em diversos textos consultados e usados como referên-
cia bibliográfica neste trabalho, o autor emprega adjetivos que revelam o ofício como
algo mal definido, instável, em construção (BUENO, 2005; CLOUTIER, 1999; KOTZE e
VERHOEF, 2003; A. E. RIBEIRO, 2003; HEURLEY, 2006). Também é recorrente o uso de
termos variados para denominar tanto o processo editorial de tratamento de texto como
os profissionais diretamente envolvidos.
84
Tratamento de texto, preparação de originais, preparação de texto, copidesque
(leve ou pesado), revisão de provas, revisão de texto, revisão de originais, revisão, ade-
quação de texto, adaptação, correção de texto são essas as expressões que costumam
ser adotadas para denominar o que neste trabalho se considerou “edição de texto”. Aos
profissionais, também se constata na bibliografia outra enumeração, um pouco mais
breve, como se apresentou no capítulo 2: revisor, corretor, interventor textual, editor,
copidesque, preparador, leitor profissional, interlocutor editorial.
A multiplicidade de nomes o constitui um problema em si, mas revela um pro-
blema quando evidencia que não se estabeleceram definições claras para nenhum deles. O
que distingue uma preparação de texto, um copidesque e uma edição de texto? E a correção
de texto e a revisão de texto? E o revisor, o preparador e o editor de texto? A indefinão
parece ubíqua: pode ser encontrada na bibliografia nacional e estrangeira e tamm na prá-
tica cotidiana em diversos contextos. muitos nomes para denominar o processo de me-
xer” no texto alheio e os profissionais responsáveis por essas “mexidas”.
A maior parte das definições ensaiadas na bibliografia brasileira parece funda-
mentar-se na experiência empírica do autor, o que em alguns casos fica muito próximo
do palpite e da opinião. Não foi possível identificar uma nomenclatura com fundamento
em critérios mais sistemáticos. E por que não estabelecer definições, que esses pro-
cessos editoriais são seculares? É provável que tenha sido conveniente manter esse im-
bróglio de nomes e funções, ao menos no campo da prática. Entretanto, a imprecisão se
apresenta nas obras que se propõem como manuais e também nas que se constituíram
como obras de referência e consulta em editoração, como foi apresentado no capítulo 2.
A ausência de um nome a cada processo e cada profissional do texto contribuiria
para a falta de profissionalização do mercado editorial. É comum que em cada editora o
editor exerça uma função e que cada empresa espere do preparador de originais ou do
revisor um tipo diferente de trabalho, como se observa na prática profissional. Como
85
nas grandes editoras comerciais muitas das etapas de tratamento de texto costumam ser
realizadas por prestadores de serviço terceirizados, que trabalham em casa, como
freelancers, e quase sempre para várias editoras, convém o profissional perguntar o que
se espera do trabalho dele. Isso pode ser dispensado quando se cria uma relação de
prestação de serviço constante com o contratante, pois nesse caso o profissional sabe
o que é mais ou menos esperado e exigido. Em geral as editoras não têm nenhum
documento que defina cada etapa, descrevendo objetivos e tarefas mínimos. Como cada
livro necessita de um tipo de intervenção e cada autor possibilita e demanda um tipo de
trabalho, não é fácil estabelecer um padrão embora seja possível delimitar alguns
elementos para orientar o contratado.
Esse problema da variedade de designações para nomear os profissionais do texto
e para definir suas funções pode ser considerado universal, segundo Althéa Kotze e
Marlene Verhoef, pesquisadoras da prática do editor de texto em universidade na África
do Sul:
Na verdade, a pesquisa empírica indica que tanto editores como
editores de texto ainda não estão seguros quanto à designação da ta-
refa efetuada por uma pessoa que deve transformar um original em
texto final. As informações sobre o problema referem-se não apenas à
confusão acerca do papel profissional e do status do editor de texto,
mas talvez bem mais especificamente à natureza complexa e indefi-
nida da tarefa de edição de texto. (2003, p. 38)
No Brasil, haveria ainda um agravante: a tendência de uma única pessoa acumular
funções que deveriam corresponder a diferentes profissionais do texto. Tendência esti-
mulada pelas editoras, que assim podem diminuir o orçamento destinado à edição de
texto.
Essa indefinição nas tarefas também colabora para reforçar a aura de que o traba-
lho de intervenção no texto é subjetivo e misterioso, fundamentado apenas no vago
“bom senso”. Como se qualquer um com bom senso pudesse ser editor de texto. E a
86
prática comprova que não é simples assim. As editoras de livros não possuem tantos
prestadores de serviço em cujo trabalho possam de fato confiar e estão sempre “à caça”
1
de editores de texto novos e competentes.
Desanuviar a imprecisão terminológica não é tarefa simples, pois para explicar o
que cada etapa implica é preciso considerar muitas variáveis. Ao encomendar uma pre-
paração de texto, por exemplo, cada editora tem sua concepção do que o trabalho en-
volve. É comum que em cada empresa o editor exerça uma função e que cada uma es-
pere do preparador de originais um tipo de trabalho. Para algumas, uma das tarefas da
preparação de um original traduzido é o cotejo com o original; para outras, isso não é
necessário, ao preparador cabe checar (ou “bater”) o início e o fim dos parágrafos para
ver se houve algum salto de tradução, mas não comparar os textos palavra a palavra.
editoras que esperam que o preparador apresente o arquivo do texto formatado con-
forme sua padronização interna: com versaletes no lugar de letras em caixa-alta, com
títulos e intertítulos seguindo a formatação da diagramação final, com a indicação das
páginas pré-textuais conforme serão publicadas na obra final. Mas outras editoras não
exigem esse trabalho do preparador, que nesses casos se preocupa estritamente com o
texto e pode ignorar aspectos de formatação do arquivo eletrônico.
[...] nas rotinas editoriais, muitas vezes ao revisor cabe o copi-
desque e também o preparo do texto, sobretudo nas contratações feitas
diretamente por autores, sem o intermédio de um editor [...]. Os prazos
também costumam ser exíguos, e eventualmente não como des-
membrar o trabalho em duas leituras diferentes, ou não é possível
custeá-las. Muito frequentemente também, os créditos de todas essas
etapas ou tarefas ficam supostos sob a designação revisão ou, mais ra-
ramente, numa tentativa de saída honrosa, trabalho com os textos. Ca-
dastros e contratos de editoras grandes costumam vir com a palavra
1
Esta expressão foi usada em uma mensagem eletrônica redigida pela funcionária de uma editora de li-
vros que entrou em contato com a autora deste trabalho em 29/6/2007: “Estamos com diversos títulos em
produção e ‘caçando’ pessoas competentes”.
87
revisão impressa, como um termo guarda-chuva. (SALGADO, 2007,
p. 142)
Esse cenário de confusão de denominações e falta de definição para cada tarefa
editorial decerto colaboram para aviltar o trabalho do editor de texto.
O editor Marcos Gomes (1988) denunciou as condições de trabalho no mercado
editorial brasileiro na década de 1980, no artigo “Radiografia do mercado de trabalho
em editoração”. Ele expôs vários exemplos documentados da exploração dos prestado-
res de serviços na indústria editorial, chamados de “boias-frias das editoras”.
A falta do vínculo empregatício traz insegurança às pessoas e as
sujeita ao aviltamento do preço de seu trabalho. É muito comum que,
nesse esquema, um profissional seja pago como revisor ou preparador
de originais quando na verdade a tarefa que lhe é exigida é de copi-
desque, de adaptação e mesmo de redação. Os profissionais da área
sabem que cada uma dessas tarefas exige tempo e habilidade diferen-
tes e por isso tinham preços diferentes no mercado. Hoje existe uma
perniciosa tendência a nivelar essas tarefas, por baixo quanto ao preço
e por cima quanto às exigências de qualidade. (p. 26)
Duas décadas depois, Muniz Jr. (2008) retoma a situação dos trabalhadores do se-
tor editorial num cenário mundial caracterizado por dois fenômenos: a concentração
empresarial, que integrou as empresas editoriais em conglomerados internacionais de
mídia, e a reestruturação no mundo do trabalho, que resultou na quase completa tercei-
rização de serviços, flexibilização de contratos e consequente precarização da mão-de-
obra. Cenário que compromete, inevitavelmente, a qualidade do texto publicado, como
ressalta a editora espanhola Silvia Senz Bueno (2005). O panorama é desolador, e não
se restringe às fronteiras brasileiras.
88
AS ETAPAS DA INTERVENÇÃO NO TEXTO ALHEIO
O autor pôs o ponto final no texto e vai entregar o arquivo à editora. Nesse mo-
mento, em que a concepção da obra parece ter chegado ao fim, inicia-se um longo pro-
cesso editorial até que o texto para uma estante e faça companhia a outros livros. As
diversas etapas, que envolvem tanto procedimentos artesanais como técnicos e industri-
ais, costumam ser invisíveis aos leitores e até aos autores. E podem variar conforme a
editora, o livro, o autor, o prazo de publicação, o orçamento ou outros fatores
prementes.
Numa editora de livros, em geral a trajetória por que passa o texto até se
transformar em livro (idealmente) é composta das seguintes etapas básicas:
Edição de texto
2
Preparação de texto
Revisões de provas, divididas em:
- Primeira prova: uma prova impressa é lida por um revisor
- Segunda prova: depois que as emendas
3
da primeira prova são
incorporadas ao texto, outra prova impressa é lida
por outro revisor
- Terceira prova: não leitura. Um terceiro revisor checa se as
emendas pedidas pelo revisor da segunda prova
foram incorporadas ao texto.
2
Esta etapa costuma ser corrente na edição de livros didáticos. Mas em textos literários e ensaísticos, nas
editoras não didáticas, não se adota a rotina de conceber um estágio de intervenção textual antes da
preparação. Isso não significa que a edição de texto seja ignorada, mas sim que ela não é reconhecida
nominalmente. Parte dela costuma ser esperada quando se contrata o preparador de textos, em especial a
intervenção linguística, a qual integra a edição de texto segundo a proposta deste trabalho (ver capítulo 4).
3
Emenda é o termo correntemente usado nas editoras para se referir às alterações nas diversas etapas de
edição do texto. Pode ser empregado, portanto, tanto na fase pré-diagramação como nas revisões de
prova, para alterações feitas no arquivo eletrônico e no papel.
89
Portanto, idealmente cinco etapas de cuidado com o texto e quatro pessoas
diferentes lidando com o mesmo texto. E, conforme a dificuldade do original
4
, outras
etapas ainda podem ser incluídas. No caso de obra traduzida, por exemplo, pode haver:
revisão de tradução, revisão técnica e edição de texto. Isso sem contar as etapas habi-
tuais: preparação e revisões. Se o texto for de autor nacional, também pode envolver
revisão técnica, edição de texto, pesquisa e checagem de dados, entre outras etapas.
Todo esse processo faz parte da edição de texto, que tanto pode ser o nome de uma
etapa da intervenção (ver capítulo 4) como pode denominar o processo integral por que
passa o texto, do original ao livro impresso. A coodenação desse processo textual, de
uma ponta à outra, pode ser feita por um editor-assistente, assistente editorial, gerente
editorial, coordenador editorial e outros profissionais responsáveis pelo que se
denomina neste trabalho edição de texto.
A terminologia usada acima e também no esquema básico a seguir é a adotada
pela maioria das grandes editoras de livros. O nome dessas etapas é quase sempre o
mesmo, porém o mesmo não se aplica quanto ao que se subentende como função ou
objetivo de cada uma delas.
4
Nas editoras de livros, chama-se original o texto que o autor entrega para publicação e que será o texto-
base a ser editado. Segundo a primeira definição do Dicionário do livro (Faria & Pericão, 2008), “docu-
mento primitivo onde está consignada pela primeira vez sob a sua forma definitiva a vontade do autor do
ato e que é destinado a fazer fé. Opõe-se a todas as suas cópias”.
Até meados da década de 1990, o autor levava à empresa o maço de folhas manuscrito ou datilografado,
hoje há raríssimos casos em que a editora recebe o material dessa forma. Depois de mais de vinte anos de
presença do computador doméstico nas residências brasileiras, tornam-se casos curiosos os que ainda es-
crevem seus textos à mão ou traduzem livros à mão. A escritora de livros infantis Tatiana Belinky conti-
nua criando suas obras no papel e entrega à editora os originais manuscritos, conforme entrevista ao su-
plemento Estadinho (O Estado de S. Paulo, 21 abr. 2007, p. 5). O escritor e tradutor Modesto Carone
traduziu e continua traduzindo as obras de Franz Kafka no papel pautado.
O mais comum, porém, é o autor enviar o arquivo do texto (redigido em um editor, geralmente o Micro-
soft Word) por e-mail. Quando entrega algum produto material, trata-se apenas do dispositivo que guarda
o arquivo e que muda conforme as inovações tecnológicas de armazenamento de dados: do começo ao
fim da década de 1990, usamos o disquete flexível, depois o disquete rígido e agora o CD e o pen-drive e
outros dispositivos portáteis.
Etapas da edição de texto
O SENSO COMUM:
O QUE NÃO É EDIÇÃO D
É quase inevitável que o processo de
erro. Revisar,
preparar, copidescar e editar estariam intrinsecamente ligados ao erro, na
medida em que ele seria uma das condições de existência dessas atividades.
definiria a necessidade da leitura feita por um profissional editorial, pois um texto
escoimado de problemas
estaria pronto para ser publicado, não precisaria de um par de
olhos atentos.
As formas verbais no futuro do pretérito assinalam
limita as atividades editoriais à correção gramatical. Mas o objetivo não seria então
c
orrigir os erros? Não. E essa resposta orienta
de texto.
Antes de expor uma proposta de distinções fundamentais em editoração, serão
apresentadas algumas afirmações do senso comum, inclusive senso comum entre os
pr
ofissionais. Num campo em que não uma delimitação sistemática da funções e da
Etapas da edição de texto
O QUE NÃO É EDIÇÃO D
E TEXTO
É quase inevitável que o processo de
“mexer”
no texto alheio seja associado ao
preparar, copidescar e editar estariam intrinsecamente ligados ao erro, na
medida em que ele seria uma das condições de existência dessas atividades.
definiria a necessidade da leitura feita por um profissional editorial, pois um texto
estaria pronto para ser publicado, não precisaria de um par de
As formas verbais no futuro do pretérito assinalam
a
discordância dessa visão que
limita as atividades editoriais à correção gramatical. Mas o objetivo não seria então
orrigir os erros? Não. E essa resposta orienta
esta
proposta de definições para a edição
Antes de expor uma proposta de distinções fundamentais em editoração, serão
apresentadas algumas afirmações do senso comum, inclusive senso comum entre os
ofissionais. Num campo em que não uma delimitação sistemática da funções e da
90
no texto alheio seja associado ao
preparar, copidescar e editar estariam intrinsecamente ligados ao erro, na
medida em que ele seria uma das condições de existência dessas atividades.
Ele
definiria a necessidade da leitura feita por um profissional editorial, pois um texto
estaria pronto para ser publicado, não precisaria de um par de
discordância dessa visão que
limita as atividades editoriais à correção gramatical. Mas o objetivo não seria então
proposta de definições para a edição
Antes de expor uma proposta de distinções fundamentais em editoração, serão
apresentadas algumas afirmações do senso comum, inclusive senso comum entre os
ofissionais. Num campo em que não uma delimitação sistemática da funções e da
91
nomenclatura, não se pode descartar o senso comum sem ao menos avaliar suas
considerações.
A revisão, a preparação e a edição de texto são atividades normativas: visam à
eliminação do erro.
O revisor, o preparador e o editor de texto são especialistas em gramática.
Sabem todas as regras de ortografia, pontuação e outros aspectos gramaticais, e
podem dar aulas de língua portuguesa.
Dessas ideias, decorre então que:
Qualquer pessoa com bom conhecimento da língua portuguesa, ou melhor, das
normas gramaticais, pode fazer revisão, preparação e edição de texto.
Além da gramática, o que seria preciso dominar?
É necessário ter uma cultura enciclopédica.
E também bom senso para decidir o que mudar ou corrigir no texto.
Trata-se de uma atividade guiada pela intuição. O revisor, o preparador e o
editor de texto intuem muitas das alterações.
Por meio dessas ideias do senso comum é possível tentar delinear essas atividades
linguageiras. Ou ao menos o que não é revisão, preparação e edição. Convém ressaltar a
negativa: todas as ideias expostas acima em itálico compõem um cenário restrito e
equivocado do processo editorial sobre o texto. Entre tantas indistinções que cercam
92
essas atividades, neste trabalho pareceu prático recorrer à eliminação, ao menos num
primeiro momento.
Revisar, preparar e editar um texto não é corrigi-lo. Não se trata de eliminar os
erros do texto.
O revisor, o preparador e o editor de texto não são obrigados a saber tudo de
gramática.
Dominar as normas gramaticais ou ter conhecimento enciclopédico não define se
alguém pode ser revisor, preparador ou editor de texto.
O que pode parecer intuição na verdade é prática e técnica, mesmo que aplicada
de forma inconsciente.
Se não se trata de corrigir um texto, então o que define essas atividades editoriais?
Nos capítulos 4, 5 e 6, serão esmiuçadas três atividades que compõem o processo de
tratamento do texto para publicação: a edição de texto, a preparação e a revisão.
Mas antes de adentrar nesse cenário marcado, como foi exposto, por
imprecisões de nomenclatura, impropriedades baseadas no senso comum e julgamentos
impostos por uma visão limitada de língua portuguesa é preciso esclarecer algumas
características mínimas que vinculam as atividades sobre as quais se discorrererá nos
próximos capítulos.
Na edição de texto, na preparação e na revisão, em todas elas um profissional
um texto redigido por outra pessoa e faz algumas intervenções. Este trabalho não
aborda, portanto, os casos em que um autor revisa, prepara ou edita o próprio texto.
Além disso, considerou-se aqui o contexto profissional, ou seja, de quem se formou
para essas atividades e/ou domina as tarefas envolvidas e realiza essas ocupações como
forma de tentar garantir sua subsistência e de sua família. A edição de texto neste nesta
93
dissertação é a realizada na produção de um livro, a qual envolve procedimentos e
processos específicos, distintos do que ocorre com anúncios, revistas e outros tipos de
publicação.
Para apresentar um esboço de aspectos que podem ajudar a delimitar as atividades
e apontar os conhecimentos mínimos para uma formação profissional em edição de
texto, foi preciso considerar neste trabalho o desenvolvimento ideal de um projeto de
edição de livro.
Ao apresentar esse ensaio de definições e delimitações de cada etapa editorial do
texto, são expostos os principais fundamentos teóricos que contribuíram para esta
pesquisa: os princípios da psicolinguística e da psicologia cognitiva, alguns aspectos
sobre legibilidade textual e também visual. Foram buscadas delimitações e distinções
que não se distanciassem do dia a dia editorial, na nomenclatura e nas funções, pois não
haveria utilidade numa proposta que fosse apenas teórica e não pudesse ser aplicada
empiricamente, já que se trata de atividades profissionais.
94
4
Edição de texto
1
Conforme o esquema de comunicação proposto por Roman Jakobson, pode-se
considerar que o editor de texto atua como um facilitador e mediador de dois esquemas
que em geral usam o mesmo código linguístico diferentemente do tradutor, que
também atua nos dois esquemas de comunicação, mas com dois códigos diferentes
(
KOTZE; VERHOEF, 2003, p. 41). O editor é de início o receptor da mensagem original;
não o receptor visado pelo texto, mas um membro da audiência. E, depois de trabalhar
no texto, se torna o emissor da mensagem.
O profissional do texto como mediador
2
1
Conforme exposto na Introdução, neste trabalho a expressão “edição de texto” denomina uma das etapas
por que passa o texto durante a produção de um livro e também abrange toda a trajetória de intervenção,
incluindo, portanto, a preparação e a revisão de provas. O objeto deste capítulo, porém, é apenas a edição
como etapa.
2
Reproduzido de KOTZE; VERHOEF (2003, p. 41).
95
Esse profissional age como um facilitador na tensão entre o significado
intencional e o significado recebido e deve reduzir essa tensão ao máximo para que o
significado possa ser transmitido da forma mais eficaz possível. Portanto, pode-se dizer
que o editor busca criar condições mais favoráveis ao esquema comunicativo não
presencial e a variáveis como distâncias geográficas e temporais. Sem a intervenção do
editor de texto, a compreensão da mensagem pode ficar comprometida.
O compromisso do editor de texto com “a precisão, o rigor, a legibilidade e a
compreensibilidade” está na essência da ação de editar um texto (
HOUAISS, 1967, p. 3).
Os editores de texto não teriam surgido, portanto, com o propósito de corrigir erros, mas
com o princípio de divulgar uma obra acessível aos leitores, sobretudo no caso de textos
informativos, não literários, em que a informação está acima da forma expressiva do
autor
3
. Por isso, este trabalho considera que a busca de legibilidade (textual e visual)
seria intrínseca a essa disciplina que Houaiss considera “gloriosa”
4
.
A supressão dos erros, a busca por um texto sem lapsos de nenhum tipo, também
faz parte da atividade de edição de texto, mas na medida em que o erro pode prejudicar
a legibilidade textual ou visual. Essa ideia é fundamental nesta dissertação, pois muda o
foco da edição de texto, que deixa de ser a obsessão pelo erro para se assumir como
obsessão pela legibilidade.
A edição de texto é realizada no original, ou seja, no texto que o autor entregou à
editora ou no texto traduzido. Pode ser feita em arquivo eletrônico, no computador, ou
3
Ver observações de Houaiss sobre o polo da multivocidade e da univocidade, no capítulo 7.
4
Para esse filólogo, quem prepara um texto segue uma disciplina milenar, que se iniciou no século III
a.C., com os alexandrinos. Os textos antigos só teriam perdurado graças a essa atividade, à qual se dedica-
ram também os primeiros grandes tipógrafos nos séculos XV, XVI E XVII, todos eles também preparadores
ou editores de texto. O impressor, que surgiu com a invenção dos tipos móveis por Gutenberg, em
meados do século xv, era mais do que simples tipógrafo ou impressor, afirma Emanuel Araújo. Aqueles
pioneiros da tipografia “eram também editores, responsáveis pela normalização do texto e pelo conjunto
da obra que imprimiam” (2006, p. 46). O autor cita os eruditos renascentistas como exemplos de editores
ou preparadores de originais: Erasmo de Roterdam (1466-1536), que preparou uma edição bilíngue
(grego e latim) do Novo Testamento em 1516; o cretense Marcus Musurus (c. 1470-1517), principal
editor da casa comercial de Aldo Manuzio, em Veneza; o belga Josse Bade (1462-1535), preparador de
originais na tipografia de Johann Trechsel; o francês Etienne Dolet (1509-1546), que foi editor de texto
do alemão Sebastian Greyff e depois se firmou como impressor (ibidem, p. 46).
96
em cópia impressa. O suporte determina a metodologia do trabalho, porque muda o
processo de leitura e de inclusão de emendas, mas não deveria alterar o tipo de
intervenção a ser feito nem a profundidade dessa intervenção.
O objetivo dessa etapa de tratamento do texto é explicitar ao leitor as marcas
formais da estrutura e progressão temáticas do texto, de modo a orientar o
processamento da leitura do livro. Dessa forma, em livros não literários uma das
propostas da edição de texto seria oferecer um texto claro, legível e acessível ao leitor
5
.
duas atividades envolvidas na edição de texto: uma intervenção estrutural e
uma intervenção linguística. Ambas atuam em várias dimensões do texto: redacional,
informativa, linguística, ortográfica e tipográfica, conforme o esquema comunicativo
particular a cada texto (CLOUTIER, 1999).
A classificação da edição em veis e dimensões do texto, proposta por grupos de
pesquisadores estrangeiros
6
e algumas associações profissionais internacionais
7
,
ofereceram subsídios para delimitar as atividades editoriais neste trabalho. Não são
classificações definidas pela profundidade da leitura ou das intervenções, mas sim pelo
objetivo e pelas tarefas mínimas envolvidas em cada etapa.
A distinção de tipos de intervenção com base em algumas dimensões do texto
seria necessária para dar conta da complexa rede de relações linguísticas e editoriais
implícitas nas atividades estudadas. O original qualquer original é rico demais
para uma percepção rápida, imediata e total
8
. Por isso, um esboço de definição e
delimitação das atividades editoriais relacionadas ao texto exige uma segmentação, o
5
Essa ideia é válida no caso de uma prática bem intencionada, ou seja, quando o autor visa transmitir uma
informação sem ruídos, porém a intenção comunicativa não se refletiu na redação do texto. Entretanto,
nem todos os textos, mesmo não literários, têm o propósito de serem claros e acessíveis por exemplo
para definir e delimitar um tipo de leitor. Isso também não implica que o texto esteja mal escrito ou com
problemas, a avaliação pode estar condicionada a fatores tão diversos como estilo ou intenção.
6
Como o grupo canadense Rédiger, pesquisadores da Universidade de Potchestroom e da Antuérpia.
7
Association Canadienne des Réviseurs (ACR), Editor’s Association of Canada (EAC), Unión de Correcto-
res (UniCo), Syndicat des Correcteurs et des Professions Connexes de la Correction, Syndicat National de
l’Édition (
SNE), entre outras.
8
Para falar da edição de texto, retomam-se, em uma paráfrase, as observações introdutórias de Kleiman
(2004, p. 11) quanto a seu objeto de pesquisa: a leitura.
97
estudo em separado dos dois tipos de intervenção na edição de texto (estrutural e
linguística).
98
99
100
A ESTRUTURA DO TEXTO
Na edição estrutural, o profissional faz intervenções para organizar o conteúdo
informativo do texto. O objetivo é apresentar as informações de forma coerente, de
modo que o texto desenvolva o tema global conforme o leitor avance na leitura. Nessa
etapa, a leitura observa o texto sobretudo em sua macroestrutura, porém sem ignorar a
microestrutura.
Antes de começar a fazer qualquer tipo de mudança, convém avaliar o original em
seus fatores intra e extralinguísticos. Para identificar se a organização do conteúdo está
coerente, seria conveniente conhecer elementos como natureza do texto, público, tipo de
publicação, formato da publicação, forma de distribuição, entre outros. É a avaliação
desses elementos em sua relação com o texto que ajuda a determinar as intervenções a
serem efetuadas no nível da intervenção estrutural.
Com esta tentativa de apontar elementos que possam ajudar a distinguir os diver-
sos processos de intervenção editorial num texto, retoma-se a abordagem de Cloutier
(1999 e 2007) de uma rédaction-révision orientada pelo princípio comunicativo da per-
tinência (Sperber e Wilson). O texto é abordado não como uma unidade formal, apenas,
e sim como uma unidade funcional, ou seja, uma unidade de comunicação na qual o
editor de texto deve ter participação fundamental (
KATO, 2002, p. 71).
É provável que durante a intervenção estrutural a leitura do editor de texto
não se concentre nos detalhes linguísticos, mas sim na organização do conteúdo
informativo. Os olhos não se deteriam portanto sobre cada palavra nem blocos de
palavras, mas sobre grandes blocos de parágrafos, pausando um pouco mais nos
textos que fornecem pistas e sugerem o conteúdo global, ou seja, que ofereçam
algum tipo de indicação que ajude o profissional a imaginar o original como um
todo. Esses textos, que podem ser denominados funcionais, são: títulos de capítulo,
intertítulos, legendas, olhos e blocos de texto curtos em destaque no original. O
101
processamento desses textos que Richaudeau (1986) denomina indicadores e
podem ser compostos de uma palavra ou de uma frase curta estimularia a
memória de longo prazo do leitor, contribuindo para que se ativem conhecimentos
prévios linguísticos, textuais e enciclopédicos (KLEIMAN, 2004). Assim, com base
em marcas formais do texto, constituídas por elementos que ajudam a estruturar o
conteúdo (textual e graficamente), automaticamente o editor aciona esquemas, ou
seja, “pacotes de conhecimentos estruturados, acompanhados de instruções para
seu uso, os quais formam redes de conhecimento (
KATO). Esse é um dos processos
inconscientes que ocorrem durante a leitura, conforme se constatou em pesquisas
cognitivistas (KATO, 2002; KLEIMAN, 2004; RICHAUDEAU, 1981, 1992).
Para tornar mais concreta essa interação entre o texto e o leitor, reproduz-se
abaixo um exemplo didático proposto por Kleiman
9
(2004, p. 21).
Com gemas para financiá-lo, nosso herói desafiou valentemente
todos os risos desdenhosos que tentaram dissuadi-lo de seu plano. “Os
olhos enganam”, disse ele, “um ovo e não uma mesa tipifica
corretamente esse planeta inexplorado”. Então as três irmãs fortes e
resolutas saíram à procura de provas, abrindo caminho, às vezes
através de imensidões tranquilas, mas amiúde através de picos e vales
turbulentos. Os dias se tornaram semanas, enquanto os indecisos
espalhavam rumores apavorantes a respeito da beira. Finalmente, sem
saber de onde, criaturas aladas e bem-vindas apareceram anunciando
um sucesso prodigioso.
Sem um título, é muito difícil identificar do que trata o texto. Quem é o herói?
Qual é seu plano? De que planeta se trata? Quem ou o que são as irmãs? Inúmeras
perguntas ficam sem respostas claras, mesmo após releitura atenta, ressalta Kleiman.
9
Conforme indicado por Kleiman, o excerto foi traduzido de pesquisa feita por Dooling e Landman,
publicada em Effects of comprehension on retention of prose, Journal of Experimental Psychology, 88,
1981.
102
A presença de um título pode alterar toda a leitura: “A descoberta da América por
Colombo” (KLEIMAN) ou simplesmente “A viagem de Colombo” (ASSUMPÇÃO;
BOCCHINI, 2002, p. 13).
Com um título informativo, o texto parece outro ao leitor, embora permaneça o
mesmo. O que mudou foi apenas a presença de um “texto indicador” que acionou os
conhecimentos do leitor sobre Cristóvão Colombo e a descoberta da América. “Para
haver compreensão, durante a leitura aquela parte do nosso conhecimento de mundo que
é relevante para a leitura do texto deve estar ativada, isto é, deve estar num nível ciente,
e não perdida no fundo de nossa memória” (
KLEIMAN, 2004, p. 21).
Quem já leu o texto enigmático esclarece o que havia lido sem entender, porque as
palavras passam a ter referentes identificados: o herói é Colombo, as três irmãs são as
caravelas, o plano é encontrar uma rota alternativa para as Índias, num planeta que ele
acreditava ser redondo, e não plano como supunham os indecisos e desdenhosos.
Kleiman explica esse processo, esclarecendo que é evidente que
esses referentes não estão no texto, eles são extralinguísticos (pois es-
tão fora do texto), e sua recuperação se deve ao conhecimento de ca-
ráter enciclopédico que o leitor tem sobre a descoberta da América.
Essa informação se torna acessível quando utilizamos esse conheci-
mento, quando o ativamos. O texto permanece o mesmo, entretanto há
uma mudança significativa na compreensão devido à ativação do co-
nhecimento prévio, isto é, à procura na memória (que é o nosso repo-
sitório de conhecimentos) de informações relevantes para o assunto, a
partir de elementos formais fornecidos pelo texto. (2004, p. 22)
Trata-se de um processo inconsciente que ocorre durante a leitura. Com base em
elementos formais, o leitor ativa seus conhecimentos prévios e procura em sua memória
de longo prazo informações relevantes (linguísticas, textuais e enciclopédicas) que lhe
permitem fazer inferências para relacionar diferentes partes do texto num todo coerente.
103
As inferências são fundamentais para que se compreenda um texto, pois ajudam o leitor
a estabelecer ligações entre as diversas partes do que está lendo e permitem a cons-
tituição de um significado. Elas são tão importantes que, conforme algumas experiên-
cias psicolinguísticas, após ler um texto as pessoas se lembram não do trecho textual,
mas sim das inferências. São elas que norteiam o processo de compreensão. É por isso
que, depois de decorar um texto como um papagaio, sem procurar nele um sentido glo-
bal, ou seja, sem compreendê-lo, é comum que as pessoas se esqueçam quase imediata-
mente do conteúdo.
A leitura, portanto, não é uma mera recepção passiva (
KLEIMAN, KATO, BOCCHINI).
Trata-se de uma atividade que envolve engajamento e uso do conhecimento do leitor,
que não é mero recipiente de conteúdo, pois a
leitura implica uma atividade de procura por parte do leitor, no seu
passado, de lembranças e conhecimentos, daqueles que são relevantes
para a compreensão de um texto que fornece pistas e sugere caminhos,
mas que certamente não explicita tudo o que seria possível explicitar.
(
KLEIMAN, 2004, p. 27)
Com o exemplo do texto sobre Colombo e essas observações breves sobre aspec-
tos cognitivos da leitura, torna-se evidente a função de um título e também de outros
textos indicadores. Se, antes de iniciar a leitura do texto principal, o leitor passear os
olhos por títulos, intertítulos, olhos, legendas e elementos em destaque, seus conheci-
mentos prévios serão ativados e ele poderá processar o texto ciente de seus referentes,
como se uma lanterna iluminasse a “pasta certa no porão da memória” (ASSUMPÇÃO;
BOCCHINI, 2002, p. 13). O contrário, tulos que não apresentem o tema logo de cara,
pode confundir o leitor:
104
Como, de fato, é comum tanto nos livros didáticos como em
outros textos, fornecer títulos que apelem para o interesse do leitor,
sem que reflitam necessariamente a informação mais alta na macroes-
trutura, então inúmeras possibilidades de o leitor menos eficiente
fracassar na depreensão do tema. (KLEIMAN, 2004, p. 59)
Por isso, títulos que apelem para o humor, a fantasia ou para recursos expressivos
poéticos podem prejudicar ou impedir a ativação dos conhecimentos prévios. Como
expõem Assumpção e Bocchini, sem um subtítulo descritivo em seguida o leitor ficaria
desorientado nos seguintes exemplos (2002, p. 21):
A
LMANAQUE DE BICHOS QUE DÃO EM GENTE
Vermes, vírus, bactérias, fungos e outros bichos. Como reconhecer, evitar e tratar
A LÍNGUA DE EULÁLIA
Novela sociolinguística
R
OSA, A VERMELHA
Vida e obra de Rosa Luxemburgo
O editor, ciente então de alguns processos inconscientes envolvidos na leitura de
um texto, ao fazer a intervenção estrutural deve tentar ajudar o leitor a compreender o
conteúdo de uma publicação, aplicando basicamente duas estratégias inter-relacionadas
(CLOUTIER, 2007):
Reduzir o esforço cognitivo para processar e compreender um texto.
Tentar produzir efeitos cognitivos que possam facilitar a leitura e a
compreensão.
105
Como o editor pode intervir no processo cognitivo do leitor? O exemplo do texto
sobre Colombo evidencia uma das formas: é preciso explicitar elementos eficientes para
que o leitor ative seus conhecimentos prévios. Na prática profissional do editor de texto,
isso pode ser feito com elementos indicadores que expressem de forma concisa o con-
texto.
O trabalho estrutural não se detém, entretanto, apenas em elementos de destaque,
os indicadores. Durante sua atividade, o editor de texto não pode perder de vista seu
objeto (o conteúdo geral do texto) para avaliar a forma mais eficiente de apresentar as
informações. Além de estrutural, a intervenção seria também informativa.
“Será que é mais adequado expor isto agora ou um pouco antes, junto com aquela
outra seção?” Essa abordagem que não pode perder de vista a macroestrutura é impres-
cindível. É preciso se pôr no lugar do leitor para imaginar o percurso que ele fará para
compreender o texto, é preciso atuar considerando o processo cognitivo de processa-
mento da leitura. Se o editor conhecer algumas estratégias automáticas envolvidas nesse
percurso, talvez possa avaliar de forma mais objetiva o que é eficiente na comunicação
verbal, portanto o que deve ser alterado, suprimido ou incluído no texto.
O desenvolvimento do conteúdo informativo do texto, para ser apreendido sem
grande esforço pelo leitor, deve seguir alguns princípios sistematizados pela psicolin-
guística, como os princípios de parcimônia ou economia, de canonicidade, de coerência,
de relevância (
KATO, 2002; KLEIMAN, 2004). Assim, a partir de marcas formais do texto
(linguísticas e gráficas) e de conhecimentos prévios, o leitor realiza automática e in-
conscientemente um processo modulado por princípios que ajudam a estabelecer a coe-
rência temática ou de conteúdo.
Também a microestrutura do texto é contemplada na intervenção estrutural-infor-
mativa, que visa a alterações no nível frasal e interfrasal para facilitar a compreensão
106
das informações. Os princípios que guiam a reconstrução de laços coesivos entre ele-
mentos contíguos no texto são basicamente os que atuam no nível macroestrutural: par-
cimônia, canonicidade, coerência e relevância.
A estrutura visual
Além da dimensão verbal abordada pela psicolinguística nas pesquisas sobre os
processos cognitivos da leitura, uma dimensão não verbal envolvida na intervenção
estrutural de um original. Gráficos, tabelas, boxes, quadros, ilustrações, fotos esses
e
lementos gráficos também ajudam a compor a macroestrutura de um texto e devem ser
considerados na edição. Muitas vezes, eles constituem instrumentos tão fundamentais
quanto os textos indicadores para a construção de um percurso de leitura e para o de-
senvolvimento coerente do tema.
A marcação formal da estrutura, tanto em nível macrotextual como microtextual,
não é obrigatória num texto. No entanto, ela pode orientar o leitor a efetuar um
processamento mais rápido, claro e eficiente do texto. Em se tratando de livros
informativos, não literários, nos quais haja intenção de facilitar a vida do leitor, as
considerações apresentadas podem orientar a formação do editor de texto, ajudar a
aprimorar sua prática e contribuir também para uma atuação consciente e reflexiva.
É claro que os mecanismos formais para a manutenção e para a
progressão temáticas não são uma exigência de boa formação textual;
no entanto, a leitura pode se tornar mais fácil, sem que haja necessi-
dade de desautomatização de estratégias, quando elementos lin-
guísticos que materializam esse desenvolvimento; de outra maneira,
pode ser o caso, especialmente tratando-se de leitores menos
proficientes, que estes encontrem dificuldades para relacionar os pará-
grafos. (
KLEIMAN, 2004, p. 56)
107
Considerada insignificante ou simplesmente ignorada, a intervenção estrutural é
responsável por problemas muito mais complexos do que falhas ortográficas ou mesmo
morfossintáticas, como apontam Negroni e Estrada (2006).
Os elementos mais visíveis agem como “lanternas” para o leitor,
conforme exemplo reproduzido de Assumpção e Bocchini (2002, pp. 16-17).
São eles, neste caso: título, subtítulos, antetítulo, legenda e olho.
108
O CÓDIGO LINGUÍSTICO
A outra abordagem de intervenção envolvida na edição de texto ocorre no ní-
vel do código linguístico, sobretudo no léxico, na sintaxe, na semântica, na orto-
grafia e na pontuação. As emendas feitas nesse processo visam garantir a legibili-
dade do texto a seus leitores, assim como atentar para a coerência linguística em
âmbitos como léxico e estilo.
Não se trata de corrigir um texto eivado de erros. A atuação do editor, nesta
intervenção linguística, extrapola a concepção normativa, na medida em que a edi-
ção de texto deve ir muito além desse lugar-comum associado às atividades de
tratamento do texto.
109
Um texto pode estar correto do ponto de vista gramatical, porém isso de forma
alguma descartaria o trabalho de edição de texto. Infelizmente, porém, o que em geral
chama a atenção dos leitores e também das empresas editoriais ainda é o erro orto-
gráfico, a regência que não segue a gramática normativa, as locuções que doem no ou-
vido por serem condenadas pelos gramáticos tradicionais
10
. É o equívoco de identificar
ortografia e língua, entre outros, que pode estar por trás da condenação severa dos erros
ortográficos, por exemplo, inaceitáveis em qualquer texto escrito por uma pessoa consi-
derada culta e que domina, portanto, a norma-padrão da ngua portuguesa brasileira.
Infelizmente, é a ortografia que parece denunciar um texto, um autor, um livro. Símbolo
prestigioso da norma-padrão, um livro que manifeste desvios ortográficos não intencio-
nais
11
está condenado a críticas, pois “depõe contra a editora e seus profissionais
além de representar um sério risco de prejuízo” (MARTINS FILHO; ROLLEMBERG, 2001, p.
86). No entanto, como destaca Bagno, “uma grande maioria do que as pessoas em geral
(e os fiscais da língua, em particular) chamam de ‘erro de português’ são, na verdade,
simples desvios da ortografia oficial” (2005, p. 28). E é assim que convém ser avaliados
pelo editor de texto. Pois quem atua profissionalmente mexendo no texto alheio apren-
deu na prática cotidiana que a correção ortográfica não garante a qualidade, a eficiência
nem a legibilidade. Em Comunicação em prosa moderna, Othon M. Garcia apresenta
uma “Explicação necessária”:
Estamos convencidos e conosco uma plêiade de nomes ilus-
tres de que correção gramatical não é tudo mesmo porque, no
tempo e no espaço, seu conceito é muito relativo — e de que a elegân-
10
Parece corrente a noção que não distingue a língua e as regras de ortografia oficial de um país, como se
constata em algumas manifestações publicadas na imprensa sobre o acordo ortográfico recém-adotado
nos países que falam a língua portuguesa. Como o sociolinguista Sirio Possenti manifesta em artigos pu-
blicados no Terra Magazine, é generalizada na mídia a confusão entre língua e ortografia, como se unifi-
car a ortografia das línguas portuguesas do Brasil, de Portugal e de outros países lusófonos implicasse a
unificação da língua portuguesa. Como se a língua se restringisse à língua escrita.
11
Nem todos os desvios ortográficos devem ser “corrigidos” no processo editorial, pois alguns podem ser
intencionais, em especial no caso de textos literários, mas não apenas neles.
110
cia oca, a afetação retórica, a exuberância léxica, o fraseado bonito,
em suma, todos os requintes estilísticos hedonistas e sibaríticos com
mais frequência falseiam a expressão de ideias dos que contribuem
para a sua fidedignidade. É principalmente por isso que neste livro in-
sistimos em considerar como virtudes primordiais da frase a clareza e
a precisão das ideias (e não se pode ser claro sem ser medianamente
preciso), a coerência (sem coerência não há legitimamente clareza) e a
ênfase (uma das condições da clareza, que envolve ainda a elegância
sem afetação, o vigor, a expressividade e outros atributos secundários
do estilo). (
GARCIA, 1978, p. IX)
Assim, as intervenções no código linguístico implicam análise de aspectos como
léxico, morfologia, semântica e estilo, além de uma avaliação de eventuais improprie-
dades que prejudiquem a apreensão do conteúdo. Também devem ser considerados
de forma crítica, e não mecânica os desvios da gramática normativa, como ambigui-
dades; anglicismos, galicismos e outros empréstimos injustificados e/ou excessivos no
lugar de palavras ou locuções brasileiras; falsos cognatos; pleonasmos; arcaísmos; re-
dundâncias e repetições desnecessárias; regionalismos e solecismos, entre outros pro-
blemas considerados “vícios de linguagem” pela gramática tradicional.
Quanto à ortografia e outras convenções estabelecidas pela gramática tradicional,
como a pontuação, convém ao editor de texto seguir as prescrições. Afinal, a norma-pa-
drão continua sendo referência do editor de texto, embora não apenas ela. Neste traba-
lho, considera-se importante a inclusão de uma gramática que se fundamente na língua
real, nas variações sociolinguísticas usadas no dia a dia pelos brasileiros, para evitar a
“asfixia de sua liberdade linguística” (
BAGNO, 2001, p. 179). Por isso, apesar de se pro-
por a inclusão das variações linguísticas na perspectiva da edição de texto, em nenhum
momento negam-se as emendas que visem às prescrições gramaticais da norma-padrão.
O fato de existirem regras gramaticais mais usadas pelos brasi-
leiros cultos do que as regras prescritas pela tradição gramatical não
111
nos autoriza a querer implantar um prescritivismo às avessas. O que
quer dizer isso? Quer dizer que não devemos acusar de “retrógradas”,
“reacionárias” ou “preconceituosas” as pessoas que preferirem conti-
nuar usando as regras tradicionais. O uso dessas regras mais conservadoras
tem que ser encarado como uma opção dentre as várias que o falante pode
fazer no momento de falar-escrever. (BAGNO, 2001, p. 67)
Cabe ao editor de texto avaliar a cada trabalho — considerando o leitor, o tipo e o
objetivo da publicação, entre outros elementos extralinguísticos se vai usar varieda-
des não padrão condenadas pelas gramáticas normativas.
Quanto à sintaxe, as intervenções podem seguir o princípio da canonicidade, ci-
tado na intervenção estrutural: segundo esse princípio, o leitor tem uma expectativa de
que a ordem natural das coisas no mundo se reflita na linguagem. Assim, espera-se que
a causa anteceda o efeito, a ação ocorra antes do resultado. Os elementos formais do
texto seguiriam essa mesma ordem natural: o antecedente precede o pronome (senão
não é possível identificar o referente), o indefinido depois passa a ser definido, o dado
precede o novo (
KATO, 2002, p. 52). Sintaticamente, a ordem canônica é sujeito, verbo e
predicado — conforme testado por Richaudeau em diversos experimentos (1973, 1981).
Estruturas que não sigam essa ordem tradicional, ou que apresentem intercalações lon-
gas interrompendo a oração principal, provavelmente exigirão grande esforço cognitivo
do leitor. É comum o editor de texto perceber esse princípio intuitivamente, na prática
diária de mexer e remexer nos textos.
Em alguns textos, a violação a esse princípio da canonicidade pode comprometer
ou dificultar a compreensão do conteúdo; nesses casos, às vezes apenas com emendas
que visem à ordem sintática direta, o editor pode contribuir para a maior legibilidade do
texto. No exemplos abaixo, nota-se que transferência de um elemento essencial visando
à ordem sintática mais direta propicia uma compreensão mais fácil do texto.
112
No terceiro caso, a aliança entre os gestores e a sociedade foi
possível, em grande medida, pelo trabalho ativo que parte da equipe
de coordenação da saúde realizou a fim de de mobilizarção e divul-
garção dos conselhos para um público mais abrangente por parte da
equipe de coordenação da saúde.
Um curso de História para o Ensino Médio não se articula em
conteúdos previamente determinados conforme indicam as Ori-
e
ntações Curriculares para o Ensino Médio (volume 3, “Ciências
Humanas e suas Tecnologias”, Brasília: Ministério da
Educação/Secretaria da Educação Básica, 2006), não se articula em
torno de conteúdos previamente determinados.
Algumas observações sobre legibilidade
Na intervenção linguística, acima da correção gramatical, é preciso considerar a
legibilidade, que orienta as manobras e articulações do editor de texto durante essa etapa
do trabalho.
A legibilidade está sendo considerada nesta pesquisa conforme a concepção de
François Richaudeau, que dedicou muitas pesquisas ao tema (1969, 1981, 1986, 1993).
Em Conception et production des manuels scolaires: guide pratique, concebido por
iniciativa da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco), no fim da década de 1970, ele distinguia dois tipos de legibilidade, a linguís-
tica e a tipográfica.
LEGIBILIDADE LINGUÍSTICA
Capacidade de um texto — independentemente de sua transcrição
tipográfica ser lido sem esforço extraordinário, sendo inteiramente
compreendido e memorizado de modo satisfatório. A legibilidade
linguística de um texto deve naturalmente corresponder ao nível
escolar e às características culturais e étnicas do leitor. A legibilidade
113
é função da escolha das palavras empregadas, da extensão das frases
e, mais exatamente, das subfrases e da estrutura sintática dessas
subfrases. Psicolinguistas norte-americanos estabeleceram testes e
fórmulas que permitem medir a legibildade. Esses testes e fórmulas
foram adaptados à língua francesa por pesquisadores francófonos.
LEGIBILIDADE TIPOGRÁFICA
Capacidade de um texto impresso independentemente de seu
conteúdo linguístico ser lido sem esforço extraordinário, sendo to-
talmente compreendido e memorizado de modo satisfatório. Assim
como no caso da legibilidade linguística que ela completa, a legibili-
dade tipográfica deve ser adaptada à idade e às características culturais
e étnicas do leitor. (1986, p. 286)
Nas pesquisas de Richaudeau, percebe-se a perspectiva ampla de seu conceito de
legibilidade, que considera os processos cognitivos envolvidos tanto na produção e re-
cepção de um discurso como na compreensão e memorização do leitor. Em sua noção
da legibilidade, ele vai além de um aspecto que pode ser medido apenas no próprio
texto; esse é um dos motivos que levaram à adoção da proposta de Richaudeau como
fundamental nesta abordagem de intervenção linguística, dentro do processo de edição
de textos.
Ao pôr a legibilidade como centro de uma das etapas envolvidas na edição de
texto, ressalta-se a importância de considerar o leitor (em suas competências textuais e
suas condições sociais, por exemplo) durante esse processo de intervenção no texto. O
texto a ser editado não deveria ser isolado de suas condições de produção e recepção,
pois a legibilidade não existe independente do leitor, como ressalta Richaudeau ao defi-
nir esse conceito.
Mas como avaliar a legibilidade de um texto antes de partir para as intervenções?
O conceito de legibilidade foi trazido a esta dissertação justamente para que se rejeite
114
uma atuação apenas intuitiva, para que se possa propiciar ao profissional uma forma de
orientá-lo em suas decisões.
Para o senso comum, mesmo entre os profissionais que atuam em editoras de li-
vros, a avaliação da legibilidade de um texto pode parecer bastante subjetiva. No en-
tanto, existem maneiras técnicas e mais precisas de determinar se um texto é legível ou
não, as quais foram pesquisadas e desenvolvidas desde as primeiras décadas do século
XX. Essas fórmulas — embora apresentem limitações (por avaliarem alguns aspectos do
texto e poderem até ser usadas como forma de forjar um texto legível) e não devam ser
tomadas como base para a redação de um texto ou mesmo para a edição
12
podem ser
instrumentos importantes sobretudo para quem lida diariamente com a comunicação
escrita: professores, editores, escritores e jornalistas, entre outros profissionais.
O francês Bertrand Labasse nos alerta que um resultado positivo nas fórmulas de
legibilidade pode não demonstrar grande coisa, porém um resultado negativo, ou seja,
pouca legibilidade, será quase sempre indício de algum tipo de problema na redação do
texto (1999, p. 102). Richaudeau também ressalta a contribuição dessas técnicas de me-
dir a legibilidade, apesar das limitações, porque
o conhecimento de minha fórmula obrigaria os profissionais do
texto a fazer reflexões úteis sobre seus textos (ou que eles editam);
eles conhecem suficientemente seu público-alvo? Os sujeitos abstratos
serão suficientemente elucidados por exemplos ou analogias? A ex-
tensão média das frases está adaptada ao nível cultural dos leitores?
As enumerações fastidiosas são raras? As estruturas das frases facili-
tam as leituras antecipatórias etc.? E, a título de pesquisa, o cálculo do
índice de eficácia sobre algumas passagens, ao confirmar ou inva-
12
muitas críticas a cada uma das fórmulas desenvolvidas nos Estados Unidos e também na França e
em outros países, pois é possível produzir uma “caricatura de texto eficaz” (RICHAUDEAU, 1981, p. 188) e
emular um bom resultado nos índices de legibilidade, sem que os textos sejam realmente legíveis e efica-
zes na comunicação. Mas, ainda que as críticas existentes sejam justificadas e devam ser levadas em
conta, os testes não podem ser ignorados. Ao menos, “é verdade que o baixo coeficiente de inteligibili-
dade [ou, segundo a concepção deste trabalho, legibilidade] servirá para mostrar que o leitor teve proble-
mas para processar o texto”, segundo Neide Mendonça, mesmo que o resultado não indique “quais os
problemas nem como resolvê-los” (1987, p. 27).
115
lidar esses julgamentos qualificativos, suscitaria eventualmente no-
vas reflexões críticas. (1981, p. 188)
A função das fórmulas não é apresentar uma receita de como redigir um texto
claro e acessível, pois não se deve redigir e editar para atender a critérios mensuráveis e
forjar um texto com bom índice de legibilidade. Porém as fórmulas podem oferecer in-
dícios para que autores e editores questionem se o texto está adequado a seu público e se
apresenta boa legibilidade. A função dessas técnicas seria, dessa forma, mais de alerta
do que de recomendação. Afinal, como afirma Labasse (1999, p. 103), a análise da
legibilidade pode oferecer dados apenas sobre a legibilidade, ou seja, sobre a facilidade
de aquisição do conteúdo de um texto. Nada mais do que isso. Mesmo assim, seria
motivo suficiente para não menosprezar essas fórmulas, assegura o autor ideia corro-
borada pela autora.
Além da intervenção estrutural e linguística
S
ubjaz às duas etapas de trabalho que compõem o processo de edição de textos
uma dimensão que não pode ser ignorada. A situação comunicativa, o gênero textual, o
leitor, a natureza da publicação estão envolvidos nessa perspectiva em que o texto é
uma unidade de linguagem em uso, e não uma entidade abstrata.
As considerações expostas até agora levaram em conta um texto genérico ideal,
ainda sem considerar a importância de alguns elementos extralinguísticos que, avaliados
pelo editor de texto, poderiam orientá-lo em sua atuação. Para qualquer intervenção
num texto, convém pensar no leitor, num leitor concreto que vai ter em mãos o material
em questão. Qual é sua habilidade de leitura? E seu conhecimento de mundo? E as con-
dições materiais para a leitura?
Além do leitor, também a natureza da publicação é um fator essencial a ser consi-
derado nas decisões do profissional de texto. Ao fazer suas emendas, seria importante
116
conhecer elementos relacionados ao produto final, como formato, distribuição, tiragem,
características gráficas (quatro cores, preto e branco, duas cores etc.) e motivação para a
leitura dessa obra (para consulta, para informação, para fruição pessoal etc.), entre ou-
tros. Pois a organização macroestrutural do conteúdo informativo e também a
microesturura textual de uma obra dependem de sua natureza: um livro paradidático
juvenil, um artigo científico, um livro a ser publicado em PDF na internet e um manual
não podem ser estruturados da mesma forma. A intervenção estrutural é um processo
intimamente vinculado às condições materiais da publicação e às condições materiais de
leitura.
Mesmo a intervenção linguística, que eventualmente poderia ser efetuada sem o
conhecimento da situação comunicativa, também está bastante vinculada a elementos
extralinguísticos. Por exemplo: manter ou incluir no texto uma variedade não padrão e
avaliar a coerência do registro linguístico são opções que o editor poderia fazer após
avaliar o leitor, a natureza da obra, a função e o objetivo do texto.
De todo modo, não se pode cair na armadilha de querer acertar tudo com todos
os leitores, pois a leitura sempre será individual. Apesar de aspectos uniformes do
processo de compreensão, existe “o caráter individual e único de cada leitura e de
cada leitor (
KLEIMAN, 2004, p. 29). Por isso, mesmo um leitor muito proficiente
pode não compreender um texto se estiver cansado, desinteressado, sem motivação
ou se não tiver um objetivo definido que o estimule a se esforçar no processo, como
Kleiman indica ao abordar os objetivos e as expectativas na leitura de um texto (ibi-
dem, p. 29-44).
117
5
Preparação
A preparação de originais ou preparação de texto é a transformação do original em
um dossiê operacional (
RICHAUDEAU, 1986, p. 240). O objetivo é uniformizar a
apresentação e a organização do texto editado, por meio de uma normatização ortotipo-
gráfica, editorial, gramatical e estilística. A intervenção se realiza após a edição de texto
e sempre antes da composição ou diagramação.
Entre as atividades editoriais ligadas ao texto, a preparação é privilegiada: foi a
que ganhou mais espaço na bibliografia brasileira. Houaiss tem dois textos intitulados
“Preparação de originais” (I e II) (1981) e quase metade de A construção do livro foi de-
senvolvida sob a rubrica “Preparação de originais” (
ARAÚJO, 1986). Em livros sobre
editoração, quando se cita algum processo editorial com o texto, a preparação
dificilmente é esquecida, ao lado da revisão (MALTA, 2000; MARTINS FILHO e
ROLLEMBERG, 2001; PINTO, 1993). Entretanto, como foi exposto no capítulo 2, con-
forme a bibliografia disponível a preparação abarca uma multiplicidade de atividades e
se apresenta ao leitor como um processo onde cabe de tudo um pouco. Dessa forma, po-
deria se considerar que qualquer trabalho realizado no texto antes da composição ou
diagramação caberia nessa concepção vaga e ampla de preparação.
Entretanto, parece fundamental distinguir os processos de intervenção que podem
e devem ser realizados no original. A edição de texto, composta da intervenção estrutu-
ral e da intervenção linguística, é um deles. A preparação é um processo posterior e in-
118
dependente, que não deve ser efetuado pelo mesmo profissional, por se tratar de uma
intervenção bastante distinta.
Nesta dissertação, apresenta-se o ensaio de uma mudança na proposta central da
preparação como ela parece concebida atualmente na prática profissional nas grandes
editoras de livros. Em decorrência da proposta de uma etapa prévia, a edição de texto, a
qual envolve uma intervenção estrutural e linguística, propõe-se aqui um desvio no ob-
jetivo da preparação.
Dessa forma, não se trata mais de fazer uma revisão linguística, como se costuma
associar a esse processo de intervenção editorial, mas sim de realizar uma intervenção
com propósito sobretudo normatizador em várias dimensões: ortotipográfica,
editorial, gramatical e também estilística.
NORMATIZAÇÃO ORTOTIPOGRÁFICA
Nas línguas espanhola e francesa, adota-se no setor editorial um neologismo para
designar a etapa que se detém sobre um tipo específico de ortografia, a dos elementos
tipográficos. A corrección ortotipográfica e correction orthotypographique definem as
normas para os signos tipográficos nos textos a serem impressos em determinada
língua
1
.
Embora a palavra ortotipografia não tenha sido encontrada na bibliografia em
língua portuguesa brasileira, considerou-se conveniente empregá-la neste trabalho, na
medida em que descreve com precisão uma das etapas envolvidas na preparação de
texto ou de originais.
1
Para Lacroux, autor de Orthotypographie, dicionário francês sobre a questão, a forma francesa
orthotypographie: [...] é um belo neologismo. Sua formação, muito diferente daquela de orthotypogra-
phia (singularidade latina forjada há quatro séculos: ortho + typographia = tipografia correta) nada deve à
prefixação. Trata-se de uma palavra-valise sutil: ortho[graphe] + typographie. Ela é perfeita para designar
o exército das prescrições ao mesmo tempo ortográficas e tipográficas [...]” (2007-2008, p. 40).
119
Em relação à ortotipografia, normatizam-se, por exemplo:
Caixa-alta, caixa-baixa e caixa-alta-e-baixa
Versal e versalete
Realces gráficos: itálico, negrito e sublinhado
Siglas, abreviaturas e símbolos
Numerais: números em geral, frações, porcentagens, ordinais, datas,
horários, quantias, algarismos romanos
Grafia de nomes próprios
Transliterações
Aspas (duplas, simples, redondas, retas)
Travessões (grande ou médio)
Parênteses, colchetes, chaves
Sinais matemáticos
As convenções ortotipográficas não são universais e fixas, elas devem ser
adaptadas nas traduções do texto para outra língua ou outro contexto. Em francês e
alemão, por exemplo, usa-se um tipo de aspas distinto do adotado em língua portuguesa
e inglesa:
« aspas francesas »
,,aspas alemãs”
“aspas inglesas” ou “aspas americanas” ou “aspas redondas”
Em língua francesa, também se observa a inserção de um espaço antes de alguns
sinais de pontuação, como ponto-e-vírgula, dois-pontos, ponto de interrogação e
exclamação. Exemplo:
120
[L’espace devant ? et ! en français ? n’est pas] une règle
exclusivement française. Il est vrai et c’est loin d’être le fruit du
hasard que les Français sont aujourd’hui quasiment les seuls à
défendre des conventions typographiques rationnelles… […] Des
milliers de livres composés jadis et même naguère en Allemagne et en
allemand sont à leur disposition : ils y verront des espaces devant le
deux-points et les autres ponctuations hautes. Ils y verront aussi,
après le point, des espaces beaucoup plus grandes qu’en français :
des cadratins ! Ils y verront des espaces qui ne furent jamais
employées en français : celles qui en Fraktur et même parfois en
romain remplacent l’italique par un interlettrage hypertrophié… Leur
« horreur » des espaces n’est pas due à des traditions qu’ils ignorent,
mais au conformisme ambiant. (
LACROUX, 2007-2008, p. 220)
2
A adequação ortotipográfica reflete-se nos elementos de destaque que ajudam a
explicitar a estrutura e a organização do texto, na etapa da preparação. Títulos, intertí-
tulos, boxes, tabelas, legendas, olhos e outros elementos podem ser diferenciados no
original (arquivo eletrônico ou cópia em papel) mediante convenções ortotipográficas
como itálico, versalete, caixa-alta, sublinhado etc.
Hoje em dia, com os inúmeros recursos informáticos, o preparador pode
transformar o original num dossiê operacional no mesmo programa usado para digitar
os textos. É possível indicar graficamente o peso dos títulos e intertítulos, os destaques
que se deseja aplicar no texto, onde as ilustrações devem ser inseridas, a disposição dos
textos, ou seja, fazer uma pré-diagramação no original, como um guia para a pessoa que
vai diagramar o livro.
2
[O espaço diante de ? e ! em francês não é] uma regra exclusivamente francesa. É verdade e está
longe de ser o fruto do acaso que os franceses são hoje quase os únicos a defender convenções
tipográficas racionais... [...] Milhares de livros compostos outrora e até recentemente na Alemanha e em
alemão estão à sua disposição: neles se verão espaços diante de dois-pontos e das outras pontuações altas.
Também se verão, depois do ponto, espaços bem maiores do que no francês: quadratins! Ver-se-ão
espaços que jamais foram empregados no francês: aqueles que em letra gótica e, por vezes, em romano
substituem o itálico por uma entreletragem hipertrofiada... Seu “horror” aos espaços não se deve a
tradições que desconhecem, mas ao conformismo que os envolve.
121
Os diversos elementos textuais são diferenciados no arquivo eletrônico com
recursos ortotipográficos, como corpo da fonte e diversos tipos de realce.
122
NORMATIZAÇÃO GRAMATICAL
Um dos propósitos do preparador é adequar o texto às normas da tradição
gramatical
3
. Por isso, faz parte aplicar as regras relativas a sintaxe, morfologia, léxico e
outros aspectos gramaticais.
Na perspectiva desta proposta de delimitações de atividades editoriais, a
padronização e a organização do original constituem as tarefas principais da preparação.
Porém, como esse processo exige uma leitura integral do texto, o profissional realizaria
concomitantemente a revisão normatizadora no nível gramatical.
Em alguns aspectos, pode parecer que essa intervenção se confundiria com a
edição de texto, contudo o foco de cada processo é bastante distinto, como será exposto
adiante (ver página 138). Por isso, durante a preparação, se o profissional notar
problemas ou inconsistências gramaticais convém que ele faça as devidas emendas ou
sugestões. E a mesma observação vale para a revisão de provas, que eventualmente
também se sobrepõe à preparação, embora constitua uma leitura com outro objetivo,
como será exposto no capítulo 6.
NORMATIZAÇÃO EDITORIAL
Nesta etapa, organizam-se os elementos pré-textuais, textuais e pós-textuais que
compõem o livro.
Na parte pré-textual, Araújo (2006, p. 430-431) indica a ordem ideal dos
elementos mínimos, a saber:
3
Com a restrição de que isso não seja efetuado de modo automático, mas sim reflexivo, com base numa
gramática internalizada desenvolvida após estudo e crítica. O sociolinguista Marcos Bagno propõe uma
mudança de atitude dos professores de língua portuguesa em relação a seu objeto de trabalho: a norma-
padrão: “De posse do conhecimento dos muitos usos possíveis das estruturas da língua, é que o indivíduo
poderá se posicionar diante da norma padrão, criticá-la, aceitá-la ou recusá-la e lutar por sua transforma-
ção” (
BAGNO, 2001, p. 293). A autora deste trabalho considera importante sugerir a mesma mudança entre
os profissionais que trabalham com edição de textos.
123
Falsa folha de rosto
Folha de rosto ou frontispício
Dedicatória
Epígrafe
Sumário
Lista de ilustrações
Lista de abreviaturas e siglas
Prefácio
Agradecimentos
Introdução
Cabe ao preparador organizar no arquivo eletrônico as informações que devem ser
impressas em cada um desses elementos, indicando a ordem de entrada e também
atentando para a normatização ortotipográfica mais adequada.
Na parte textual, é preciso seguir a normatização da coleção ou da editora para
organizar os elementos e aplicar um padrão ortotipográfico que oriente a estrutura do
livro. Por exemplo: os capítulos abrem sempre em página ímpar? O título das partes fica
em gina ímpar avulsa? Onde devem ser posicionadas as notas, no rodapé, no fim do
capítulo ou no fim do volume?
A parte pós-textual pode conter os seguintes elementos (
ARAÚJO, 2006, p. 465):
Posfácio
Apêndice
Glossário
Bibliografia
Índice
Colofão
124
Errata
Além disso, eventualmente também as notas, as tabelas e o sumário podem ser
impressos nas pós-textuais. Observa-se a tendência de evitar sumário no fim do volume,
ao menos nos livros impressos no Brasil, nas últimas décadas. Mas países em que é
mais frequente se imprimir o sumário no fim.
A normatização editorial segue as convenções estabelecidas com base na tradição
dos livros impressos em cada região e época. Grande parte dos livros brasileiros
publicados no início do século
XX seguia a tradição livreira francesa, devido à atuação
de grandes editores franceses no Rio de Janeiro, como os irmãos Garnier. A estrutura
dos elementos pré e pós-textuais do livro brasileiro, hoje em dia, é bastante diferente da
adotada naquele período. A normatização editorial, portanto, pode apresentar variações
regionais, culturais e históricas.
Também faz parte da normatização editorial uma etapa de checagem de
informações e de padrões:
Dados e informações apresentados no texto
Grafia de nomes próprios
Expressões em língua estrangeira
Remissões (do texto com iconografia, com outras partes do texto, com
outros textos)
Tabelas, gráficos e figuras (verificando a coerência com o texto)
Cálculos e outros dados numéricos (somas em tabelas, por exemplo)
Não se exige que o preparador tenha um conhecimento enciclopédico que envolva
todas as informações apresentadas no texto em que vai trabalhar. Mais do que saber e
125
conhecer os dados expostos, é preciso que o profissional saiba identificar o que deve ser
verificado em fontes seguras.
Se no texto são citados alguns livros, filmes, peças de teatro e pinturas, por
exemplo, espera-se que o preparador cheque se a grafia reproduzida está correta. Além
de verificar se o nome está correto, também é necessário adaptar a informação ao leitor:
no Brasil, é mais adequado apresentar um livro ou um filme não pelo título na língua
original, mas também na versão usada em português brasileiro. Talvez o leitor só
conheça a obra pelo título traduzido. Assim, nota-se, mais uma vez, como é
fundamental aplicar a normatização pensando no contexto do leitor e do livro.
NORMATIZAÇÃO ESTILÍSTICA
Pode parecer um desatino propor que se normatize o estilo. Aqui, estilo está sendo
considerado sobretudo quanto às variedades linguísticas relacionadas aos registros dos
textos escritos, que apresentam inúmeras gradações entre os polos formal e coloquial.
Fatores como variações históricas, geográficas, socioculturais, sociais e etárias,
além de características situacionais da linguagem, são determinantes para a coerência
estilística do texto e deveriam ser avaliados pelo preparador de texto ou de originais
antes das intervenções.
A adequação de pronomes de tratamento, por exemplo, é um elemento que pode
denunciar a incoerência estilística no registro do texto. Num romance que se passa na
Inglaterra de meados do século
XX, o mordomo não pode se dirigir a um lorde inglês,
seu patrão, usando um pronome de tratamento informal como você. Cabe ao preparador
notar impropriedades desse tipo, que denunciam no registro linguístico a mesma inade-
quação de vestir um terno para ir à praia, como descreve Camacho no excerto abaixo:
126
Um médico que se encontre entre amigos, no clube,
conversando banalidades como os últimos resultados do campeonato
brasileiro, não usará as mesmas formas de expressão quando em
situação de conferencista, versando sobre os efeitos do fumo nas vias
respiratórias a uma plateia seleta. Soaria estranha uma sentença do
tipo venho respeitosamente solicitar-lhe que pro diabo”, uma vez
que evidente mistura de estilos. O uso inadequado de estilo
linguístico é semelhante à visão de um indivíduo na praia trajando
smoking. Ou, ao contrário, um indivíduo trajando calças blue jeans
desbotadas, camisa esporte, numa recepção em palácio a uma alta
autoridade. O uso de formas tais como “cê” e “tá” não seria adequado
numa conferência ou numa circunstância em que se dirige a um
superior; são, todavia, perfeitamente plausíveis numa conversa
familiar, entre amigos, ou outra situação qualquer. Por outro lado,
seria inadequado, da mesma forma, o uso à mesa, de pai para filho, de
uma expressão do tipo “prezado filho, faça-me o obséquio de passar o
bule de chá”. (1988, pp. 33-34)
A coerência nos pronomes de tratamento, nas opções lexicais, na sintaxe, na
pontuação e no uso de caixa-alta a avaliação de todos esses elementos foi
fundamental na tradução do romance Mason & Dixon, do norte-americano Thomas
Pynchon
4
. O tradutor Paulo Henriques Britto se viu diante de um desafio: transpor para
a língua portuguesa brasileira um pastiche de inglês do século XVIII (BRITTO, 2005).
4
“O livro conta a história de Charles Mason e Jeremiah Dixon, dois cientistas ingleses, versados em
astronomia e agrimensura, que na década de 1760 traçaram a chamada ‘linha Mason-Dixon’, a divisa en-
tre os futuros estados de Maryland e Pensilvânia. Muitos anos depois, a linha seria usada metaforicamente
para designar a separação entre o Norte industrial e o Sul agrícola e escravista, que terminaram por entrar
em choque na Guerra de Secessão. Como em todos os seus romances, Pynchon mobiliza um número
imenso de personagens, uns baseados em figuras históricas, outros puramente fictícios, e entremeia à nar-
rativa central histórias secundárias, muitas delas fabulosas, com animais falantes e mecanismos que ga-
nham vida, além de inúmeras canções e poemetos. Porém um problema adicional: toda a longuíssima
narrativa é redigida num pastiche de inglês do século
XVIII” (BRITTO, 2005).
127
Ciente de que o editor e o preparador
5
talvez não compreendessem suas opções,
Britto redigiu um longo documento com orientações ao profissional que iria trabalhar
em sua tradução. O texto, reproduzido na íntegra no anexo desta dissertação, é um
registro primoroso não só do processo tradutório, mas também da relação entre o
tradutor e o preparador ou o editor. Além disso, evidencia como é fundamental a
coerência de diversos aspectos estilísticos, gramaticais e também ortotipográficos
na preparação de um texto literário em que o profissional editorial não poderia
automatizar a aplicação das normas. Era preciso considerar toda a normatização
diacronicamente.
5
Embora Britto denomine o profissional de “revisor” no documento, as observações foram remetidas ao
editor e ao preparador. Este último manteve um diálogo com o tradutor ao longo do trabalho, submetendo
todas as emendas a Britto.
A autora agradece a Britto pela autorização para reproduzir esse documento.
128
129
Variáveis históricas, geográficas, socioculturais, sociais e etárias, além de
características situacionais da linguagem, citadas anteriormente, todos esses aspectos
também devem ser avaliados no texto em sua relação com o leitor, considerando-se
portanto elementos extralinguísticos.
Para isso, é importante que o profissional tenha algum conhecimento sobre a
realidade linguística dos possíveis leitores do texto, para analisar se o texto está
adequado às competências, condições e situações de leitura. Portanto, retoma-se uma
ideia apresentada na edição de texto: também na preparação é importante o editor tra-
balhar pensando no leitor, e em especial conhecer a realidade de quem lerá o produto
final.
O Brasil, devido à extensão geográfica e à heterogeneidade social, econômica e
educacional, apresenta diversos quadros de desenvolvimento da escrita: há desde grupos
que desenvolveram habilidades de uma sociedade oral (nas zonas rurais analfabetas, por
exemplo) até grupos com condição de nações altamente letradas. Entretanto, parece que
alguns profissionais do texto só consideram essa última situação ao trabalhar nos livros.
Grande parte dos leitores brasileiros não consegue ler nem compreender muitas
das publicações que circulam por aí. A língua idealizada pela gramática tradicional está
muito distante da língua usada no dia a dia, tanto na fala como na escrita. Num país em
que apenas 28% da população entre 15 e 64 anos é considerada plenamente alfabeti-
zada
6
, ou seja, “tem capacidade de ler textos longos, localizar informações, relacionar
partes do texto, comparar textos, realizar inferências e sínteses”, convém as editoras ter
ciência de que público desejam atingir e que tipo de texto seria mais adequado publicar
para que suas obras sejam acessíveis e possam ser lidas por muito mais pessoas
7
.
6
Segundo o balanço dos resultados de 2007 do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) sobre as
habilidades de leitura e escrita, divulgado pelo Instituto Paulo Montenegro, braço social do grupo Ibope
(Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística).
7
Para tornar mais concreta essa pesquisa sobre habilidades de leitura e escrita, reproduz-se abaixo um dos
exercícios propostos na pesquisa do Inaf 2001. O indicador visa identificar o alfabetismo funcional
mediante testes semelhantes às tarefas e demandas que os brasileiros de várias classes sociais (15-64
Ciente da realidade lin
outros profissionais do texto, como redatores, editores de texto, tradutores e revisores
pode atuar de form
a mais consciente, produzindo
O
PORQUÊ DAS NORMATIZA
Todo original deve passar pela etapa da preparação, seja ele informativo ou
literário, longo ou breve. Nem os autores canônicos estão isentos de que seu t
preparado antes de ser diagramado pela editora.
Como explica Houaiss, esse processo é necessário porque
condições desejadas para a editoração. [...] Mesmo quando
lin
gu
rápido que seja, tem de ser feito: a normalização da editora.
Entretanto, em 90% dos casos, o texto entregue pelo autor não
corresponde àqueles requisitos mínimos exigidos para que possa ser
anos) vivenciam no cotidiano.
No ex
lado de uma cópia de RG e o endereço de uma pessoa. Pediu
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soais de um amigo, como se o estivessem indicando para uma promoção.
Menos da metade dos entrevistados (45%) conseguiu preencher corretamente o formulário.
Esse dado fornece uma dimensão da variedade do público leitor que
Não se deveria editar um folheto informativo, um manual de instruções ou um livro didático para um lei
tor idealizado, que dominaria
de forma plena
Ciente da realidade lin
gu
ística do leitor potencial, o preparador
outros profissionais do texto, como redatores, editores de texto, tradutores e revisores
a mais consciente, produzindo
livros
que levem a prelo a língua real.
PORQUÊ DAS NORMATIZA
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Todo original deve passar pela etapa da preparação, seja ele informativo ou
literário, longo ou breve. Nem os autores canônicos estão isentos de que seu t
preparado antes de ser diagramado pela editora.
Como explica Houaiss, esse processo é necessário porque
em 90% dos casos, os autores não apresentam os originais nas
condições desejadas para a editoração. [...] Mesmo quando
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exto esteja em situação ideal, um preparo prévio,
rápido que seja, tem de ser feito: a normalização da editora.
Entretanto, em 90% dos casos, o texto entregue pelo autor não
corresponde àqueles requisitos mínimos exigidos para que possa ser
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lado de uma cópia de RG e o endereço de uma pessoa. Pediu
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convém
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Não se deveria editar um folheto informativo, um manual de instruções ou um livro didático para um lei
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130
ística do leitor potencial, o preparador
— e também
outros profissionais do texto, como redatores, editores de texto, tradutores e revisores
que levem a prelo a língua real.
Todo original deve passar pela etapa da preparação, seja ele informativo ou
literário, longo ou breve. Nem os autores canônicos estão isentos de que seu t
exto seja
em 90% dos casos, os autores não apresentam os originais nas
condições desejadas para a editoração. [...] Mesmo quando
exto esteja em situação ideal, um preparo prévio,
rápido que seja, tem de ser feito: a normalização da editora.
Entretanto, em 90% dos casos, o texto entregue pelo autor não
corresponde àqueles requisitos mínimos exigidos para que possa ser
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preenchessem
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Menos da metade dos entrevistados (45%) conseguiu preencher corretamente o formulário.
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Não se deveria editar um folheto informativo, um manual de instruções ou um livro didático para um lei
-
131
submetido imediatamente à fase compositora e impressora, porque
apresenta uma série de defeitos orgânicos. (1981, p. 51)
Embora Houaiss tenha exposto essas ideias mais de três cadas e a produção
editorial tenha se modificado bastante ao longo desse período, sua afirmação permanece
válida. Os originais entregues pelos autores continuam exigindo um trabalho prévio
antes de serem publicados como livros. E não apresentam apenas “defeitos orgânicos”
8
,
mas também problemas linguísticos e talvez não se limitariam à porcentagem citada,
que já é alta, mas sim a 100% dos casos.
Se um editor, coagido por um cronograma apertado ou por limite de orçamento,
decidir pular a preparação de originais e avaliar desnecessário qualquer tipo de
intervenção que vise à normatização ortotipográfica, gramatical, editorial e estilística,
pode se preparar para três surpresas (
RICHAUDEAU, 1986, p. 239):
Atraso no cronograma previsto para a produção dos livros.
Queda na qualidade tipográfica e iconográfica, além de erros no texto.
Aumento no orçamento de produção do livro.
E por que haveria essas consequências, se a intenção seria justamente o contrário:
conseguir o livro pronto num prazo menor e com menos investimento? Como uma mera
preparação de originais poderia contribuir para minimizar os contratempos?
Retome-se o objetivo principal da preparação: a ideia de dossiê operacional, ou
seja, a confecção de um original suficientemente organizado e normatizado que não
ofereça dúvidas nem incoerências no momento em que o texto se transformar em livro.
Por muitos séculos, essa etapa foi imprescindível para orientar o tipógrafo no momento
da composição do texto e para evitar equívocos na interpretação da organização e da
hierarquia do conteúdo. O original não deveria suscitar a necessidade de interpretação:
8
Os “defeitos orgânicos” poderiam ser descritos como problemas sobretudo de ortotipografia e editoriais,
conforme a proposta deste trabalho.
132
era preciso ser suficientemente claro à pessoa responsável por compor o texto na oficina
tipográfica. Para essa clareza, era determinante o aspecto material e físico do original.
Um texto rasurado e cheio de alterações manuscritas inevitavelmente causaria
dificuldade de interpretação e erros na composição.
Pelo que conta a tradutora Rosa Freire d’Aguiar ao rememorar seus primeiros
trabalhos profissionais, podem-se imaginar as condições físicas do texto que o editor
costumava receber até meados da década de 1990, antes da incorporação dos processos
informáticos na produção editorial:
[...] minha estreia como tradutora [com o livro O inimigo
cordial do Brasil, de Georges Raeders], em 1987, [ocorreu nos]
tempos da velha máquina de escrever e do papel-carbono, e de muita
tesoura e cola, quando as correções a caneta raiavam o ininteligível e a
lauda da editora ficava com jeito de colcha de retalhos. (D'AGUIAR,
2004, pp. 26-27)
O tradutor Paulo Henriques Britto também confirma esse corta e cola no original
entregue à editora, na década de 1980:
Terminada a tradução de um livro, as etapas de revisão me
obrigavam a fazer acréscimos e riscar palavras a lápis; de vez em
quando, ao constatar que havia omitido todo um parágrafo, o jeito era
datilografar o trecho pulado numa outra folha de papel e realizar uma
operação nada virtual de cortar e colar, com tesoura e fita adesiva.
(2007, p. 196)
As condições concretas do original, sobretudo nesse período da bricolagem
(porém não só), implicavam um aspecto não menos importante, o psicológico, que
influencia de forma decisiva na leitura e é determinado pela higiene, organização e
133
clareza do original, conforme ressalta o especialista em tipografia Fernand Baudin
(RICHAUDEAU, 1986, p. 242).
Mesmo hoje em dia, quando o autor entrega à editora um arquivo digital no lugar
do manuscrito, não se pode eximir o original da preparação. Existem condições
mínimas de organização do arquivo num processador de texto que habitualmente não
são seguidas por todos os usuários de computadores pessoais. São detalhes que podem
parecer insignificantes, mas que comprometem a estética gráfica do texto e até a
compreensão da leitura.
Houaiss lembra que o original a ser transformado em livro
deve encerrar tais características que pelo menos tipografi-
camente possa ser compreendida fácil e imediatamente pelos pro-
fissionais por cujas mãos vai transitar, até fazer-se livro propriamente
dito, ainda que a substância nocional dela seja tão obscura ou hermé-
tica, que só o autor e Deus a percebam. (1967, vol. 1, pp. 4)
Como seria a edição e a produção de um livro a partir de um original bruto como
o descrito por d’Aguiar e Britto (e como o de muitos tradutores e autores que enviavam
originais datilografados e manuscritos, até a computação gráfica ser incorporada à
produção editorial)? Seria grande a probabilidade de comprometer a leitura dos
profissionais da editora, que poderiam ficar confusos com as rasuras e com toda a
bricolagem. Levaria-se muito mais tempo para uma avaliação e intervenção linguística,
pois antes de qualquer coisa seria preciso decifrar o original; depois, como incluir mais
alterações sobre um original que apresenta emendas do autor ou tradutor? A clareza
ficaria inevitavelmente comprometida: e pobre de quem tivesse que seguir as indicações
desse material para compor o texto.
Com tanta anotação no mesmo original, se exigiriam do profissional responsável
pela composição (em especial na época da composição manual e do linotipo ou ainda
134
hoje, em processos digitais) atenção e concentração redobradas, desgaste desnecessário
se o original estivesse em boas condições lembre-se o efeito psicológico apontado
por Richaudeau. O risco de leitura equivocada na composição é muito alto, assim como
a probabilidade de uma prova coalhada de pastéis e outros problemas.
Dessa forma, conviria fazer várias provas de revisão para sanar a ausência da
preparação ou uma preparação malfeita contrariando a intenção de pular a
preparação para apressar o andamento da produção do livro. Nessa situação, diante de
prazo e recursos financeiros apertados, poderia prosseguir-se o processo habitual, com
grande probabilidade de que os erros não constatados nas duas leituras de revisão
permaneçam no texto e sejam impressos em letra de forma.
Essas seriam as possíveis consequências de um original que não passou pelo
preparador. Como se pode constatar, Richaudeau salienta a importância da preparação
apelando sem rodeios para o bolso do editor.
Não importa a época ou o processo de produção de um livro: desde os primórdios
da imprensa, o original passa por uma preparação, que se adaptou conforme as
demandas de cada tecnologia.
135
O impressor Anton Koberger
(1445-1513), desde a impressão dos
incunábulos, realizava um trabalho
que Richaudeau aponta como parte do
processo de preparação de originais:
ele copiava o original num diagrama
antes de compor o texto nos tipos
móveis, para prever a disposição das
colunas de texto e das ilustrações. A
reprodução acima mostra o diagrama
manuscrito de uma página das
Crônicas de Nuremberg, impressa no
fim do século
XV. Ao lado, a mesma
página impressa conforme a
orientação da “preparação”.
136
Cinco séculos depois, embora os processos editoriais tenham se modificado
bastante, o livro permanece com a mesma estrutura fundamental do códice, desde quase
o início da era cristã (século II): folhas dobradas formando cadernos que, reunidos,
compõem o objeto livro como se conhece até hoje, passados quase dois milênios. A
suposta “revolução” da imprensa, com a invenção de Gutenberg, não ocasionou o
aparecimento do livro tampouco sua transformação, como ressalta Chartier: “O livro
impresso foi, até hoje, o herdeiro do manuscrito: por sua organização em cadernos, pela
hierarquia dos formatos [...], pelos auxílios de leitura: correspondências, index,
sumários etc.” (1994, pp. 97-98).
O livro manuscrito e o livro pós-Gutenberg mantêm, portanto, praticamente o
mesmo formato e a mesma estrutura. Talvez essa característica tenha determinado que
algumas práticas editoriais perdurassem ao longo dos séculos, mesmo com
transformações no processo produtivo.
Conforme se apresentou neste capítulo, com a ideia de olhar a preparação como a
etapa em que se confecciona um dossiê operacional, propõe-se resgatar um conceito
histórico de preparação de originais, que parece ter surgido com os incunábulos.
137
Um original com muitas emendas, embora datilografado, prejudica ou impede
a intervenção editorial na mesma cópia. Nesta figura, o texto foi transposto para
um diagrama que tenta planejar a diagramação final, no livro.
Trata-se do dossiê operacional descrito por Richaudeau.
138
OS LIMITES ENTRE EDIÇÃO DE TEXTO E PREPARAÇÃO
Pode parecer que existe alguma sobreposição e, portanto, redundância entre os
processos: por que realizar a edição de texto se a preparação de originais ou preparação
de texto também pode dar conta das questões linguísticas?
Neste trabalho, considerou-se fundamental fazer uma distinção, na medida em que
a edição de texto exigiria competências enciclopédicas e textuais do profissional,
enquanto a preparação demandaria sobretudo competências gramaticais.
Essa distinção foi concebida a partir das três grandes esferas de conhecimento
(enciclopédicas, gramaticais e textuais) propostas por Negroni e Estrada (2006)
9
. Para
analisar os conhecimentos técnicos do corrector de estilo, as pesquisadoras argentinas
apresentam as competências específicas desse profissional como
o conjunto de habilidades (isto é, procedimentos e recursos)
relacionado ao conhecimento da linguagem e de seu uso no contexto,
que um corrector deve possuir ou adquirir para poder emendar,
melhorar ou enriquecer um texto com perícia e resolução. (p. 29)
Competências enciclopédicas e textuais
As competências enciclopédicas (ou culturais) envolvem, para Negroni e Estrada,
os “conhecimentos implícitos sobre o mundo, tanto gerais como específicos, que
dependem muito da formação ou da bagagem cultural” da pessoa (2006, p. 29). E estão
intimamente vinculadas às competências linguísticas e ideológicas
10
. Ressalte-se que
9
Com base no conceito de Chomsky (competência linguística) e sobretudo na abordagem comunicativa
de Dell Hymes.
10
Estas, consideradas como o conjunto dos sistemas de interpretação e avaliação do universo referencial,
conforme Kerbrat-Orecchioni.
139
esses conhecimentos podem ser construídos mediante processos não formais de
educação, e não apenas por meio da formação na instituição escolar e universitária.
Explorando suas competências enciclopédicas ou culturais, o editor de texto pode
realizar sua leitura do original alerta para eventuais impropriedades (nos dados, nas
grafias, nas soluções linguísticas formais, entre outras). Mesmo que não saiba de cor ou
não tenha certeza de alguma informação, seu conhecimento de mundo liga uma “sirene
interna” que toca quando se aproxima de uma informação que precisa ser checada ou de
uma expressão que poderia ser substituída por outra mais adequada, por exemplo. O
fundamental não é conhecer tudo nem saber tudo, afinal não se define um editor de
texto competente pelo que ele sabe, mas sim pelo que ele está consciente de não saber
ou não saber totalmente, conforme nos alerta Brissaud (1998).
O outro tipo de competência requerido do editor de texto é o textual, que se
relaciona ao texto como unidade de linguagem em uso, e não como uma entidade
gramatical. Por isso, é interesante que o profissional tenha familiaridade e domínio de
elementos que organizam o texto como uma unidade comunicativa, e não apenas
formal.
Assim, além de fatores linguísticos e conceituais como a coesão e a coerência, é
possível considerar algumas propriedades pragmáticas que caracterizam o texto como
um processo sociocomunicativo, conforme proposto por Beaugrande e Dressler:
intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, intertextualidade e informatividade
(citados por
NEGRONI; ESTRADA, 2006, p. 34). Essas propriedades podem ser melhor
avaliadas e consideradas na edição de texto quando se conhece o contexto de produção e
sobretudo de recepção do livro a ser publicado. Não seria exagerado afirmar, portanto,
que mais do que as habilidades e competências do autor e do editor, são as habilidades e
competências do leitor que estão em jogo nesse processo.
140
Por isso, o domínio dos recursos que compõem os elementos textuais pode ajudar
o editor de texto a desenvolver uma estratégia de intervenção orientada no leitor, em vez
de se deixar guiar pela intuição e pelo bom senso do que imagina ser um texto bem
editado. Expôs-se anteriormente a importância do conhecimento prévio do leitor para
que ele possa compreender um texto (ver capítulo 3). E também foi citado o papel das
inferências quando os conhecimentos de mundo, linguísticos e textuais são ativados
pelas marcas formais do texto. Mais uma vez, ressalta-se neste trabalho a proposta de
que, se o editor de texto tem algum conhecimento sobre como funcionam os processos
cognitivos envolvidos na leitura, pode realizar sua intervenção de forma um pouco
consciente. Em sua atuação, pode propiciar, por exemplo, que as relações semânticas
entre as partes do texto estejam evidentes e que as conexões lógicas estejam garantidas
por meio da argumentação, de forma que o original não induza o leitor a interpretações
equivocadas (
NEGRONI; ESTRADA, 2006, p. 35).
Um exemplo que ilustra o manejo de recursos textuais para facilitar a
compreensão foi o relatório do ministro brasileiro do Supremo Tribunal Federal (STF),
Joaquim Barbosa, na abertura do processo sobre o mensalão, em setembro de 2007.
Embora se trate de um texto redigido para apresentação oral, constitui um caso
exemplar de exploração da estrutura expositiva e narrativa em um texto.
Barbosa foi amplamente elogiado pela surpreendente clareza num ambiente que
preza pelo hermetismo. Porém isso não significa que a linguagem de seu discurso tenha
sido simples e acessível a qualquer tipo de leitor: frases bastante longas, construções
sintáticas com intercalações compridas, vocabulário complexo para os leitores não
habituados à linguagem jurídica, entre outros fatores que tornam a leitura mais
complexa do que se supõe pela repercussão na imprensa. É pelo contraste com a maioria
dos documentos jurídicos que este se destaca. E, sobretudo, pela escolha de um recurso
fundamental para construir a exposição: a estrutura narrativa.
141
Em vez de se concentrar exaustivamente na carga informacional, o ministro
procurou elaborar um tipo de discurso que estimulasse a interação com o ouvinte.
Conforme explica Kleiman, “[...] o autor pede a palavra, por assim dizer, por um tempo
extenso, comprometendo-se, em troca, a contar algo que valha a pena ser contado”
(2004, p. 19). Essa estratégia narrativa foi intencional, como Barbosa afirma em
entrevista: “Vou costurar essa historinha para apresentá-la de maneira sintética e clara”.
E de fato os acontecimentos ficaram claros na exposição do ministro, que além de
contar uma história, escolheu deliberadamente não começar pelo começo para assim
envolver o ouvinte.
Como destaca o jornalista César Fonseca (2007), Barbosa decidiu começar pela
parte que considerou mais interessante e que poderia prender a atenção do leitor. A
partir dali, expôs com uma estrutura narrativa o desenvolvimento da história.
Mostrou o relator, de saída, para impressionar a plateia, a fonte
do dinheiro que abasteceu o valerioduto. Deu, assim, o tom do
julgamento, subvertendo, inteligentemente, a técnica da Procuradoria-
Geral da República, que, como acontece com o trabalho dos
advogados em geral, é a de começar tudo pelo começo, esmiuçando,
até chegar à composição final.
Ficou explícita a preocupação de Barbosa com a função didática. O ministro se
pôs no lugar do receptor para construir sua exposição e não restringiu o público a
seus pares
11
.
Trudeau ressalta que, para que se opere no leitor um reconhecimento linguístico-
semântico automático na leitura de um texto, o redator profissional, que domina os usos
da língua, pode explorar, com o subsídio das estratégias psicolinguísticas, as
11
As expressões latinas, que tornam fastidiosa a leitura de documentos jurídicos, estão admiravelmente
ausentes em seu relatório, na versão de pouco menos de 50 páginas disponível na internet em:
http://www.stf.gov.br/imprensa/pdf/relatorio2245.pdf. Acesso em 4/10/2007.
142
propriedades menos superficiais e mais complexas do texto. Para atingir esse objetivo, o
profissional “deve saber adaptar seus processos de escrita à situação comunicativa e,
consequentemente, ao público leitor” (2003, item 3.3). Entretanto, claro que “o redator
não exerce influência alguma sobre as competências em leitura e os conhecimentos
efetivos do destinatário; por isso, o que ele pode fazer é produzir um texto tão eficaz (ou
seja, acessível) quanto possível” (ibidem, 3.3) tudo isso seria igualmente válido para
o editor de textos.
A complexidade de relações a serem estabelecidas clara e formalmente no texto
não pode ficar sob responsabilidade de apenas um profissional, o preparador de textos
conforme se constata hoje em dia na prática profissional em editoras de livros. É
imprescindível haver um processo específico de intervenção textual que se dedique ao
trabalho nessa dimensão tocada pelas competências textuais e enciclopédicas envolvidas
na leitura.
Competências gramaticais
A
s competências gramaticais dizem respeito ao conhecimento das convenções que
regem os diversos elementos do código linguístico e à capacidade de o profissional
intervir nos níveis básicos da estrutura oracional: fonemático, morfológico e sintático
(NEGRONI; ESTRADA, 2006, p. 30, com base em Benveniste)
12
.
No nível fonemático, como proposto por Negroni e Estrada (2006), as regras
determinariam a acentuação, a pontuação, a ortografia oficial, o uso de maiúsculas e
minúsculas, as abreviaturas, entre outros aspectos. As pesquisadoras apontam também
outro tipo de convenção, relacionada especificamente a padrões tipográficos: a
ortotipografia, que determina padrões para o uso de versal e versalete, itálico,
12
Adota-se aqui a proposta das pesquisadoras argentinas, mas com a ressalva de que essas competências
seriam de uma gramática específica, a normativa, que fixa “regras de conduta” para a norma-padrão, e
não é algo natural às nguas. Para explicitar o que as competências gramaticais normativas envolvem,
será descrito brevemente o que apresentam Negroni e Estrada em seu trabalho.
143
sublinhado, aspas e outras minúcias tipográficas (mas não insignificantes), além de
orientar a normatização de notas, referências bibliográficas, índices, glossários e
quaisquer outros aparatos do livro (ver observações anteriores sobre ortotipografia, no
capítulo 5).
O profissional editorial deve dominar a competência fonemática para adequar os
textos à ortografia oficial, por exemplo, e às prescrições da gramática normativa, a qual
também orienta a intervenção dos profissionais editoriais no vel morfológico. Assim,
o preparador lida, nessa dimensão, com:
Concordância nominal e verbal
Uso de artigos, pronomes, preposições, advérbios, adjetivos
Morfologia verbal
Estrutura e formação das palavras
Neologismos, arcaísmos, barbarismos e “vícios de linguagem”
O terceiro nível de análise gramatical é o sintático, que trata da língua como um
instrumento de comunicação, e não mais como sistema de signos, conforme Benveniste
(
NEGRONI; ESTRADA, 2006, p. 33). É importante que o profissional editorial conheça e
saiba explorar as relações entre as palavras numa oração, dominando os processos
sintáticos, a concordância, a regência e a colocação dos termos numa oração. A
pontuação, embora vinculada a regras da norma-padrão, pode e deve ser manuseada de
forma expressiva, em relação estreita com a sintaxe. O domínio da sintaxe oracional e
da função sintática das classes de palavras constituem competências fundamentais nesse
nível de intervenção.
144
Algumas das regras que guiam os profissionais do texto teriam sido estabelecidas
para organizar a “materialidade gráfica da língua” (NEGRONI; ESTRADA, 2006, p. 31) ou
porque verba volant scripta manent e era preciso registrar de forma mais duradoura o
que se falava: “A ortografia foi um artifício inventado pelos seres humanos para poder
registrar por mais tempo as coisas que eram ditas. A ortografia oficial, em todos os
países, é uma decisão política, é uma lei [...]” (BAGNO, 2005, p. 28).
Na condição de convenções e também de leis, a ortografia oficial, as regras de
pontuação e a gramática normativa devem constar entre as competências gramaticais do
editor de texto. Embora se inclua neste trabalho de mestrado alguns aspectos da visão
linguística sobre a gramática e sobre outras convenções, não se trata de condenar a
gramática normativa, tampouco de defender um “prescritivismo às avessas”, como já foi
apontado. É por isso que não é contraditório afirmar que os preparadores de texto, assim
como outros normatizadores, devem seguir, sim, a gramática normativa no entanto,
sem se submeter a ela como se obedecesse a uma lei. Não se pode ficar alheio aos usos
reais da língua, mesmo que eles sejam ignorados ou abominados pela gramática
tradicional, pois
[...] o trabalho se apoia na norma, ou seja, a discriminação
adequada entre os usos corretos e incorretos é de importância vital
para o “bom corrigir”. No entanto, é necessário considerar que a
aceitação das normas varia não diacronicamente como de
comunidade em comunidade: o corrector deve ter consciência de que
muitos erros que se cometem em um momento histórico acabam enfim
sendo aceitos pela norma vigente porque o uso e o consenso social
assim o impõem. (NEGRONI; ESTRADA, 2006, p. 37)
145
6
Revisão de provas
A leitura e a checagem realizadas após a diagramação do original constituem a
revisão chamada de “revisão de provas”, porque são efetuadas sempre numa cópia
impressa do texto disposto na folha já no formato final, como será impresso no livro. Há
dois objetivos principais nessa intervenção: um deles é eliminar os problemas e erros
que escaparam à edição de texto e à preparação, o segundo é efetuar uma revisão
gráfica.
Os problemas e erros visados pela revisão podem estar relacionados à ortografia e
a questões gramaticais normativas (pontuação, morfossintaxe, léxico etc.), às normas de
padronização da editora (ortotipografia, normatização de citações, referências
bibliográficas, siglas e abreviaturas etc.) e a elementos gráficos (espaçamentos,
espessura de fios, formatação de elementos de destaque etc.).
É possível identificar também na revisão de provas algumas etapas, das quais
participam mais de um profissional, obrigatoriamente. Conforme se observou na
bibliografia nacional e estrangeira (
ARAÚJO, 2006; CLOUTIER, 1999; HOUAISS, 1981;
RICHAUDEAU, 1986, 2005) e também se constata na prática profissional, é habitual haver
três revisões de prova nas grandes editoras comerciais de livros: as duas primeiras são
lidas integralmente e na terceira o revisor faz a batida de emendas e uma checagem
gráfica (ver esquema exposto na página 88 deste trabalho). Pode haver mais etapas
conforme os imprevistos durante a produção do livro e a disponibilidade de prazo e
146
orçamento
1
. Fundamental é que cada prova dessa revisão fique sob responsabilidade de
um profissional diferente.
Quem desconhece o processo editorial pode estranhar a necessidade de tantas
leituras. Se o original já passou pelo editor e/ou pelo preparador, por que tantas revisões
de prova? Mais de um editor ajudam a responder:
Mas, que é quase um milagre que um livro com duas revisões
seja apresentável, é. Aliás, não se conhecem ainda livros sem erro ti-
pográfico, mesmo com várias revisões. (
HOUAISS, 1981, p. 54, vol. 1)
[...] por melhor que seja um revisor, ele é incapaz de encontrar
todos os erros de uma primeira prova. Por mais aplicado que seja e por
melhor preparado que esteja o original, sempre sobra ummero
razoável de erros que o encontrados nas segundas provas isso é
normal e faz parte do processo de preparação de um livro. (MARTINS
FILHO; ROLLEMBERG, 2001, p. 90)
É raro encontrar um corrector de pruebas que não detecte erros
que tenham passado inadvertidos por todos os que leram o manuscrito
antes. (
SHARPE; GUNTHER, 2005)
Não como detectar todos os erros durante uma leitura, como fica evidente nas
citações acima. É por isso que a revisão de provas implica uma leitura que, além de
bastante acurada, deveria ser desautomatizada e metacognitiva, na medida do possível.
O revisor não pode ler uma prova como se lesse um romance na praia ou na cama, pois
o objetivo e as expectativas que orientam o processo são muito distintos.
Em um manual norte-americano, The complete guide to editorial freelancing, de
Carol L. O’Neill e Avima Ruder, publicado em 1974, os autores expõem um exercício
1
Araújo (2006, p. 390) recomenda “três ou quatro seriam o mínimo aceitável”, e em alguns casos “até
oito ou dez revisões”. Muitas revisões podem ser necessárias e recomendáveis quando o livro tem remis-
sões internas que podem ser checadas nas etapas finais, por exemplo (remissões à iconografia, a um
trecho situado em determinada página, entre outras referências que podem ser indicadas pelo autor ou
pelo editor).
147
que revela a complexidade da leitura envolvida na revisão de provas e a dificuldade de
detectar pequenos erros (citado em SMITH, 1997).
Ler devagar a seguinte frase:
FROZEN FOODS ARE THE RESULT OF YEARS OF SCIENTIFIC
STUDY AND THE DEVELOPMENT OF REFRIGERATION.
Contar em voz alta o número de letras F. Contar apenas uma vez.
Não é raro que a resposta seja quatro ou cinco. A autora desta dissertação aplicou
esse teste com algumas pessoas, incluindo alguns revisores e editores de texto. Mesmo
entre eles, constatou-se que não é fácil detectar o número real de letras F na sentença: há
sete. O F na preposição “of” pode passar despercebido aos olhos numa leitura
automática.
Como brinca Brissaud, remetendo ao processo cognitivo da leitura,
O correcteur não lê. Ele fotografa visualmente a palavra e
identifica uma gralha quando seu cérebro lhe remete de modo quase
subliminar que “algo vai mal”. O revisor não como todas as
pessoas. O exercício de sua profissão pode ser descrito muito
justamente como uma “leitura angustiada”. (1998, p. 40)
E é justamente para evitar que todo mundo faça essa leitura “angustiada” que o
revisor se encarrega dessa tarefa. “Ele vive apenas para isentar os outros de culpa”,
instiga Brissaud.
148
OS DOIS CÓDIGOS ENVOLVIDOS NA REVISÃO
É possível identificar dois aspectos envolvidos no processo de revisão de provas:
um que se refere ao código linguístico e outro voltado ao código tipográfico, ou uma
revisão do texto e outra revisão tipográfica.
A revisão do texto envolve as competências descritas no capítulo 5, que discorre
sobre a preparação. Pois, ao ler, o revisor da primeira prova e também o revisor da
segunda prova podem detectar problemas e incorreções que escaparam ao preparador e
ao editor de texto.
Espera-se, entretanto, que não haja tantas intervenções no estágio das provas,
que o original passou por um processo anterior de intervenção mais profunda. Cada
emenda é um trabalho a mais para o operador que faz as mudanças no arquivo e também
para o revisor que depois vai bater as emendas. Além disso, na revisão de provas o
original está em uma etapa mais avançada do processo editorial e fazer muitas
alterações exigiria mais tempo e mais dinheiro. Nesse processo, muitas emendas podem
gerar novos problemas na prova. Por isso, o ideal é que os problemas do texto tenham
sido resolvidos antes, a edição de texto e a preparação, e que surjam à revisão apenas os
que não foram detectados, considerando as limitações humanas dos profissionais
envolvidos e as condições de trabalho.
Entretanto, na prática é habitual que as provas sejam “sujas”, canetadas, cheias de
marcas de revisão apontando emendas, na medida em que não se pode exigir do
preparador e do editor de texto que sejam infalíveis. Há casos, como apontado no
capítulo sobre as indefinições na terminologia e na prática editorial (capítulo 3), em que
o revisor faz uma preparação na prova, em especial quando o original foi diagramado
sem passar por um preparador ou quando esse trabalho anterior foi insuficiente ou
malfeito por inexperiência, incapacidade ou mesmo por falta de orientação, entre
outros possíveis fatores.
149
São as restrições econômicas, quanto a prazo e orçamento, que impedem que as
provas se realizem indefinidamente, surgindo emendas novas a cada nova revisão.
Afinal, “há interesse em evitar o processo [de realizar inúmeras provas de revisão]”
(HOUAISS, 1981, vol. 1, p. 54). Talvez tenham sido essas injunções práticas que levaram
ao padrão de três provas, em países e épocas distintos, como se constatou na pesquisa
bibliográfica e na experiência profissional da autora deste trabalho.
O segundo aspecto envolvido na etapa das provas é a tipografia. Como se trata
praticamente do primeiro olhar para o aspecto gráfico e visual do livro
2
, constitui uma
etapa fundamental no processo editorial.
Na prática, porém, não raro essa revisão tipográfica é ignorada pelos profissionais
que atuam como revisores de prova. Até porque a nomenclatura “revisão de texto”,
muito comum no setor editorial de livros, pode sinalizar a exclusão de uma dimensão
que não seria considerada parte do texto, por não ser verbal.
O que se entende hoje por revisão”, numa editora, é a pura e
simples revisão tipográfica ou revisão de provas (a revisão do
original, sua normalização ortográfica e tipográfica ocorrem por conta
do editor-de-texto), tarefa aliás deveras importante [...]. (ARAÚJO,
1986, p. 389)
Emanuel Araújo destaca que o revisor não deve fazer o que se espera do
preparador e do editor de texto (considerados segundo a proposta deste trabalho). Por
isso, chega a fazer uma afirmação que pode causar estranhamento aos profissionais que
2
Pode-se considerar que o olhar tipográfico orienta a intervenção estrutural da edição de texto e também
a normatização na fase da preparação, porém apenas nesta etapa, com o texto diagramado no formato
final do livro, parece viável realizar efetivamente uma revisão tipográfica.
150
atuam hoje na área editorial: ele diz o revisor não tem compromisso com o conteúdo do
texto (p. 389) — ideia reiterada por Ildete de Oliveira Pinto (1993, p. 125).
A princípio, parece mesmo estranha e até equivocada a declaração: como assim o
revisor não tem compromisso com o conteúdo? Mas, após avaliar de forma crítica as
práticas editoriais e sobretudo após identificar algumas delimitações entre os processos
de intervenção no texto, a posição de Araújo parece compreensível. O conteúdo é o
objeto de outros profissionais, e não dos que estão na ponta do processo editorial.
Nem por isso, contudo, pode-se subestimar esse trabalho do revisor de provas:
Dele se exige algo mais que simples alfabetização (muitos jor-
nais e editoras parecem contentar-se com isso); na realidade, requer-se
um bom conhecimento normativo da língua, extrema capacidade de
concentração, perícia suficiente para distinguir as principais famílias e
fontes de tipos, perfeito domínio da maior quantidade possível de sig-
nos com os quais assinala, nas provas, aquilo que discrepa do original,
além de razoável cultura geral para não cometer, ele mesmo, determi-
nados erros (por exemplo, mandar substituir “mercedários” por “mer-
cenários”, “românico” por “romântico” e assim por diante). Dadas as
subcondições de trabalho destinadas no Brasil ao revisor, sejamos
justos: ele convive com seu eterno fantasma, o erro, e faz o que pode e
quase sempre fá-lo bem. (
ARAÚJO, 2006, p. 390)
O revisor pode não ter compromisso com o conteúdo, mas, por ser o profissional
do processo editorial mais comprometido com a correção normativa do texto, é necessá-
rio que apresente competências não gramaticais, mas também textuais e enciclopédi-
cas ou seja, as mesmas competências necessárias ao editor de texto e ao preparador.
Pois a revisão de provas pode exigir um conhecimento gramatical, textual ou enciclopé-
dico para lidar com um erro aparentemente simples e óbvio.
O que distingue a revisão, a preparação e a edição de texto não são essas
competências, mas talvez a profundidade da intervenção e a quantidade também. O
151
que não significa, entretanto, um trabalho menor, menos qualificado. Embora haja
menos intervenção, na profundidade e na quantidade, a revisão de provas exige uma
competência linguística específica, relacionada ao processo cognitivo de leitura. É
preciso que o profissional faça uma “leitura angustiada”, como definiu Brissaud (1998),
e desejável que ele tenha algum domínio sobre os processos inconscientes e automáticos
envolvidos na leitura de um texto. É uma habilidade desenvolvida com esforço
metacognitivo e muita prática.
No excerto acima, há dois erros facilmente passam
despercebidos numa leitura corrente.
152
Na revisão denominada neste trabalho de tipográfica, é possível identificar duas
sub-revisões: a micro e a macrotipográfica. Essa proposta de separação retoma a distin-
ção feita por Richaudeau (2005): a microtipografia abrangendo o conjunto de signos e
palavras que compõem um bloco tipográfico (ou seja, um texto com certa homogenei-
dade visual ou de conteúdo), e a macrotipografia como o conjunto de blocos informati-
vos (ou seja, uma unidade autônoma na página, considerando texto e imagem).
A revisão microtipográfica envolve um olhar que desconstrua o reconhecimento
gestáltico do texto para verificar os elementos do bloco tipográfico, como se
explicado mais adiante.
Quanto à letra e outros signos, o revisor verifica a uniformidade de: fonte, corpo,
condensação ou expansão da fonte, espacejamento entre as letras (kerning), realces
(itálico, sublinhado, negrito)
3
, versal e versalete, as caixas (caixa-alta, caixa-baixa,
caixa-alta-e-baixa), hifens, travessões, espaços em branco aleatórios, aspas redondas (no
lugar das aspas retas), entre outros elementos.
3
Há, por exemplo, editoras que adotam restrições quanto a itálico em parênteses, aspas e outros sinais de
pontuação.
153
Quanto às palavras, o revisor volta sua atenção para o espacejamento entre as
palavras e a separação de sílabas, por exemplo. E, quanto às linhas, checa aspectos
como entrelinha, comprimento, alinhamento (centralizado, justificado, alinhado à direita
ou à esquerda), quebra etc.
Na revisão tipográfica, o olho precisa de treino para detectar, por exemplo, que
uma letra O no lugar do zero.
01.
02.
03.
O4.
05.
06.
Ou que há despadronização no espaço entre as linhas, por exemplo:
A revisão macrotipográfica pode ser apresentada com a metáfora usada por
Richaudeau:
154
As pedras, os signos da microtipografia; a casa, a diagramação
da macrotipografia. Não apenas os materiais precisam ser de
qualidade, mas os volumes, as proporções, o projeto da construção
devem ser agradáveis e adaptados à função da casa: ser habitada.
(2005, p. 76)
Para avaliar os elementos macrotipográficos, o revisor de provas analisa se as
páginas estão uniformes e se coerência tipográfica. Alguns elementos gráficos
verificados nessa etapa do trabalho editorial:
Cores (se há homogeneidade entre os elementos gráficos ao longo das
páginas)
Espessura de fios, molduras
Espaços em branco
4
e margens
Alinhamento de tabelas e elementos gráficos
Recuo de parágrafos
Quebra de linhas
Coerência no diagrama básico do projeto gráfico do livro (largura de
colunas, posição do número de página etc.)
Paralelismo indesejado de palavras ou expressões em linhas consecutivas
“Caminho de rato”, “rios de branco” ou “rios tipográficos”
5
Remissões de notas e notas de rodapé (se estão na mesma página)
Hierarquia de blocos tipográficos
Coerência nos elementos tipográficos de legendas, olhos, títulos e
intertítulos, notas de rodapé etc.
4
Richaudeau (2005, p. 93) alça o branco ao posto de 27
o
signo do alfabeto ocidental à disposição do
designer de livros, tal sua importância num projeto gráfico.
5
A irregularidade dos espaços entre as palavras compromete a fluência da leitura, por violar a textura
uniforme e unificada”, que é um “objetivo sagrado do design tipográfico tradicional” (LUPTON, 2006, p.
66).
155
São tantos os elementos, que a checagem pode se tornar mais prática e eficiente
com checklists (ver anexos).
Paralelismo visual
156
Caminho de rato, rio de branco
ou rio tipográfico
Reprodução de The telephone book: technology, schizophrenia, electric speech,
diagramado por Richard Eckersley. Aqui, os rios tipográficos são exagerados
e estão sendo explorados como recurso tipográfico.
(Extraído de
LUPTON, 2006, p. 66.)
157
algumas outras checagens realizadas durante as revisões de prova e que não
integram nem a sub-revisão linguística nem a sub-revisão tipográfica, mas uma sub-
revisão da estrutura do livro. É nesse momento que se avalia o livro como um conjunto
de partes coerentes: a parte pré-textual, a textual, a pós-textual e a extratextual,
conforme classificação de Araújo (2006, pp. 430-472) citada anteriormente no item
sobre normatização editorial como parte da preparação de originais (ver páginas 122-
125 deste trabalho e os anexos).
Nessa sub-revisão estrutural durante as provas, o revisor checa se regularidade
nos elementos impressos, por exemplo, no frontispício, na capa e na ficha catalográfica;
se os números de página apontados no sumário batem com a paginação do volume (e o
mesmo pode ser checado aleatoriamente em alguns itens do índice remissivo, por
exemplo); se as remissões internas estão corretas. São numerosas as checagens
possíveis ao revisor. Por isso, a intenção aqui não é apresentar uma lista com todos os
elementos a serem verificados nas revisões de prova, mas sim identificar algumas
formas de sistematizar o processo, além de apresentar que tipos de leitura distintos
envolvidos na revisão de provas.
Ao delimitar os tipos de sub-revisão na revisão de provas, constata-se que a leitura
do profissional não pode se deter apenas nos elementos do código linguístico. E também
se percebe que não é possível apreender todos esses detalhes numa leitura apenas. Nem
o mais treinado e experiente revisor conseguiria essa façanha.
158
159
160
LEITORES PROFISSIONAIS E PROFICIENTES:
AS INTERVENÇÕES NO TEXTO À LUZ DOS PROCESSOS DE LEITURA
A psicologia cognitiva, a psicolinguística e algumas pesquisas em educação
expõem contribuições importantes que podem ser associadas ao processo do leitor
profissional, que se fundamenta na leitura para realizar seu ofício.
Para demonstrar algumas conexões adotadas neste trabalho para relacionar as
atividades de tratamento de textos nas editoras de livros com algumas pesquisas
científicas sobre o campo da leitura, serão expostos a seguir alguns exemplos. Apesar de
parecerem meras brincadeiras, eles constituem uma forma eficiente e simples de expor
as reflexões que contribuíram para desenvolver as propostas deste trabalho.
De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não
ipomtra em qaul odrem as lrteas de uma plravaa etãso, a úncia csioa
iprotmatne é que a piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo. O
rseto pdoe ser uma ttaol bçguana que vcoê pdoe anida ler sem
pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa lrtea isladoa, mas a
plravaa cmoo um tdoo.
O texto pode ser lido praticamente sem dificuldade alguma, ainda que apresente
inúmeros pastéis. Isso porque os leitores proficientes são capazes de inferir as palavras
com base no conhecimento sobre a língua. E o editor, o preparador, o revisor de provas
e todos os profissionais que mexem no texto alheio durante o processo editorial são, a
priori, leitores proficientes, além de profissionais.
Para decodificar as palavras de um texto, todos eles usam como pistas a letra ini-
cial, o contorno e a extensão da palavra toda e as letras finais — quanto mais proficiente
o leitor profissional, mais essas estratégias serão usadas. Portanto, mediante um exem-
plo curioso, constata-se que para ler um texto não é necessário decodificar letra a letra,
em especial no caso de quem apresenta excelente competência de leitura. O leitor pro-
161
fissional, assim como os proficientes, fotografa uma palavra ou grupo de palavras e re-
vela em sua caixa preta o contorno, o formato das palavras, e não cada letra que compõe
aquela unidade que lhe é “visualmente significante” (RICHAUDEAU, 1992, p. 47).
As palavras são identificadas pela silhueta, que é memorizada pelos
leitores e ajuda no reconhecimento das unidades do texto.
Nesse reconhecimento visual das palavras, alguns experimentos comprovam que o
início e o fim são as partes mais salientes, porque o olhos costumam passar pela parte
medial das palavras sem se deter em suas letras. Essa comprovação ajuda a explicar por
que a maioria dos lapsos visuais que escapam à revisão se situa nessa posição medial, e
principalmente nas sílabas não tônicas (
KATO, 2002, p. 34). Os leitores profissionais,
cientes dessa tendência de o olhar não se deter nas sílabas mediais não tônicas, podem
tentar criar estratégias que visem impedir essa ação automática que reconhece cada
palavra como um signo da linguagem e dificulta o registro das palavras como soma de
letras.
Data de meados do século XIX
6
um experimento intrigante: a impressão de um
documento em que se suprimiu a metade inferior das letras, ao longo de todo o texto.
6
Em 1943, o tabelião Leclerc publicou esse documento, intitulado Réduction possible de moitié de tous
les frais d'impression papier brochure reliure des livres journaux etc. Para Leclerc, era uma forma de
economizar dinheiro na impressão das publicações.
162
Os olhos se concentram na parte superior das letras. Só com a metade superior é possível
reconhecer uma palavra ou expressão, mas o mesmo não ocorre com a metade inferior.
Essa constatação de que os leitores proficientes não têm dificuldade em ler um
texto mesmo que toda a metade inferior das palavras seja omitida contribuiu, por
exemplo, para o desenvolvimento do método de leitura dinâmica de Richaudeau (1969,
1992) e oferece elementos para refletir sobre a leitura dos profissionais editoriais, em
especial na etapa da revisão de provas.
Durante a leitura, o estímulo visual das palavras ativa alguns conhecimentos não
visuais do leitor, como o léxico mental e seu conhecimento sobre regras fonéticas e
ortográficas e sobre a formação das palavras. Essa leitura descendente
7
associa-se à
7
A ser explicada adiante, na página 164.
163
familiaridade da palavra, ou seja, à sua presença no esquema mental do leitor. A palavra
plantar, por exemplo, pode ser reconhecida instantaneamente pela maioria dos leitores
(conforme o contexto), enquanto cisalhamento pode exigir uma leitura que decifre letra
por letra ou sílaba por laba pelo menos na parte inicial, cisalha. Já o sufixo –mento
pode ser lido de forma global, sem necessidade de uma decifração analítica (KATO,
2002, p. 53).
Esse modo de processar as informações fica mais evidente na leitura de uma
criança em fase de alfabetização. Diante da palavra loquacidade, ela provavelmente vai
decifrar muito devagar as primeiras sílabas, mas pode ler com rapidez o final –idade,
que faz parte de seu léxico, tanto visual como auditivo. Afinal, ela conhece bem
algumas palavras com o mesmo final: amizade, cidade, felicidade.
Outro exemplo curioso (apresentado no capítulo 1, páginas 76-77), baseia-se no
reconhecimento gestáltico. O texto não é tão fácil ler como o anterior, mas o
reconhecimento de algumas palavras surpreende, que pouquíssimas letras originais
foram mantidas e muitos números que aparentemente prejudicam, mas de fato
auxiliam, pois foram escolhidos números cuja forma se assemelha à das letras
substituídas.
Com essas brincadeiras, pode-se constatar que o revisor de provas principal-
mente o revisor, mas sem excluir os outros profissionais do texto deve fazer um
exercício metacognitivo monitoramento de sua própria leitura para não se deixar
levar pela leitura ideográfica e inferencial, em que as palavras são lidas “como um todo
não analisado, isto é, por reconhecimento instantâneo e não por processamento analí-
tico-sintético” (
KATO, 2002, p. 33). Se ele aceitar a leitura automática típica da leitura
não profissional, pode não notar os erros de digitação no texto, além de passar por cima
de palavras inteiras que eventualmente prejudicam ou alteram o sentido do texto.
164
Reproduz-se abaixo um exemplo sobre o efeito do contexto no lapso durante o
reconhecimento (MORTON, 1970, p. 228, citado por KATO, 2002, p. 70). Os entrevistados
deveriam responder à questão proposta no fim do seguinte texto:
Um avião americano que voava de Boston para Vancouver caiu
exatamente na fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá. Em que
país os sobreviventes deveriam ser enterrados?
É comum que os leitores proficientes tentem responder à questão, sem estranhar a
palavra sobreviventes. Isso porque eles não decodificam o termo, mas sim o antecipam e
passam despercebidos por ele.
Esse exemplo explicita um dos processamentos de informação envolvidos na
leitura de um texto. Conforme os teóricos da cognição, podem-se identificar dois tipos
básicos de processamento de informação durante a leitura: o processamento descendente
ou top-down, dependente do leitor, e o ascendente ou bottom-up, dependente do texto. O
primeiro é “uma abordagem não linear, que faz uso intensivo e dedutivo de informações
não visuais e cuja direção é da macro para a microestrutura e da função para a forma”.
O segundo “faz uso linear e indutivo das informações visuais, linguísticas, e sua
abordagem é composicional, isto é, constrói o significado através da análise e síntese do
significado das partes” (
KATO, 2005, p. 50).
O leitor idealizado pelo modelo descendente usa mais seu conhecimento prévio do
que as informações apresentadas no texto. Ele faz muitas predições sobre o que o texto
dirá e se apoia nos dados visuais apenas para reduzir as incertezas; pode usar
excessivamente as adivinhações, sem confirmá-las com dados do texto. Esse tipo de
leitor apreende com facilidade as ideias principais e gerais do texto e é fluente e veloz.
O modelo ascendente idealiza um leitor que constrói o significado com base nos
dados do texto, analisando com minúcia as partes menores para obter o significado do
165
todo. Esse tipo de leitor faz pouca leitura nas entrelinhas e tem dificuldade em sintetizar
as ideias do texto, porque nem sempre consegue perceber as ideias mais importantes.
Sua leitura é vagarosa e pouco fluente, não explora as adivinhações e predições. Essas
características explicam por que esse leitor acaba detectando com mais facilidade os
erros de ortografia, por exemplo.
Os profissionais editoriais são leitores que tendem a usar de forma intensiva o
processamento descendente, mas que ao mesmo tempo deveriam aplicar o processa-
mento ascendente para não automatizar excessivamente a leitura dos textos com os
quais trabalham. Se abusarem das predições e não confirmarem todas as adivinhações e
hipóteses, correm o risco de não notar uma incoerência no texto como no exemplo
dos sobreviventes.
Ambos os processos de leitura descendente e ascendente podem se
interligar e complementar, não precisam ser abordados isoladamente. Essa é a
concepção do modelo interativo de leitura, proposto pela psicologia cognitivista. Dessa
forma, o leitor proficiente é aquele que aplica cada um dos dois modelos conforme o
grau de novidade do texto, o local do texto, o objetivo da leitura ou a motivação, entre
outros fatores. É importante ressaltar que, num mesmo texto, o mesmo leitor em
especial quando profissional e proficiente pode variar as estratégias, analisando com
mais cuidado trechos com informações novas ou imprevisíveis e decodificando quase
sem mediação sintática as frases previsíveis ou que apresentam alta redundância
semântica. A escolha das abordagens a serem aplicadas é uma estratégia metacognitiva,
na medida em que o leitor pode monitorar o próprio processo de compreensão,
mostrando “controle consciente e ativo de seu comportamento” (
KATO, 2005, p. 51).
Estar familiarizado com esses processos que ocorrem durante a leitura de um texto
escrito seria muito útil para quem atua na edição de textos. Pois mesmo que o
profissional experiente não tenha consciência de todos os processos que ocorrem ao
166
corrigir, adaptar e reescrever um texto, estratégias metacognitivas podem ajudá-lo em
sua tarefa. Conhecer aspectos como o reconhecimento visual por blocos semânticos
8
(RICHAUDEAU, 1961, 1981, 1992), e também o reconhecimento gestáltico das palavras,
por exemplo, pode ajudar o editor de texto, o preparador e o revisor nesse controle
metacognitivo, de modo que ele faça suas intervenções com algum controle consciente.
Assim, ter conhecimento das teorias e pesquisas psicolinguísticas e cognitivas sobre
leitura poderia ajudar o profissional a compreender as estratégias empregadas ao editar,
preparar e revisar um texto, além de instigá-lo a considerar a possibilidade de adquirir
novas estratégias. O debate e a sistematização desses conhecimentos forneceriam
contribuições para o aperfeiçoamento da formação do editor de texto, que hoje ocorre
quase sempre apenas na prática.
Esta parte sobre o diálogo entre estudos sobre processos cognitivos e a leitura dos
profissionais editoriais encerra-se com uma observação de Houaiss (1967, p. 214) sobre
os erros que devem ser reparados no estabelecimento de texto. Apesar de não abordar os
aspectos cognitivos do processo de leitura, ele também toca nessa leitura que não
codifica os textos letra a letra:
Erros há que se cometem e se corrigem na mais completa di-
gamos inconsciência; são os que, embora existam, não se veem
numa leitura correntia, normal, feita ainda que não raro duas e mais
vezes, por duas ou mais pessoas; são de regra os que se praticam por
verdadeiros lapsos da pena lapsos calami e suas variantes
atuais, os lapsos dactilográficos e os lapsos tipográficos, lapsos do
dedo lapsus digiti. Tais erros, assim como são cometidos, assim
também podem ser corrigidos, na tradição manuscrita ou na tradição
impressa porque, pelo mesmo fato de que se pode ler o que não
8
Termo usado por Richaudeau para designar agrupamentos de elementos que podem ser entendidos como
entidades semânticas. Exemplo: em uma série de palavras como casa mora João charmosa”, dois
blocos semânticos, “casa charmosa” e “João mora”. O leitor procura esses blocos semânticos ao ler um
texto, fazendo relações entre sintaxe e semântica.
1
67
está, a rigor, escrito, também se pode escrever ou compor o que, a ri-
gor, está “sendo” lido.
EDIÇÃO, PREPARAÇÃO, REVISÃO
Sem a intenção de apresentar definições a todos os processos editoriais por que
passa o texto, este trabalho se deteve sobre algumas atividades editoriais de tratamento
textual. São três processos avaliados como fundamentais e que ocorrem cotidianamente
nas editoras de livros, embora certas vezes camuflados em outros processos.
Os três processos, apesar de fundamentais na edição de um livro, não são
obrigatórios. Nem todos os textos precisam passar pela edição de texto, sobretudo pela
etapa de intervenção estrutural. Mas quase todos devem passar pela intervenção
linguística, além da normatização gramatical envolvida na preparação. E também os
que apenas depois de serem traduzidos se revelam com problemas e exigem a atuação
de um editor de texto.
O que define se é necessário encomendar a edição de texto ou apenas a preparação
não é apenas o estado do texto. Instâncias extralinguísticas também costumam ser
avaliados na rotina das editoras para essa decisão: público, formato, função, além de
elementos menos nobres mas decisórios, como prazo e orçamento.
168
169
7
Apontamentos sobre edição de textos
informativos e literários
As editoras de livros lidam basicamente com dois tipos de mensagens: as que tem
como vocação a univocidade e as que apresentam multivocidade (
HOUAISS, 1981).
Cerca de 80% dos casos tendem para o polo da univocidade, portanto “o pensamento
que está por baixo das palavras é o que importa”, afirma Houaiss (ibidem, p. 52)
expondo um dado estatístico que não parece, contudo, se basear em alguma pesquisa
quantitativa, mas sim em sua impressão como editor experiente e atuante no mercado
editorial brasileiro desde a década de 1940.
Em textos informativos, didáticos e científicos, por exemplo, a informação
costuma estar acima da forma expressiva do autor, pois deve ser clara e acessível ao
maior número possível de leitores. Se o texto não for suficientemente claro, pode não
atingir o objetivo de transmitir a mensagem do autor. Por isso, nesse tipo de texto, a
intervenção do editor pode ser orientada pelo propósito de obter uma comunicação clara
e inequívoca, mudando a sintaxe da frase, alterando a pontuação, reescrevendo algum
trecho quando julgar que o leitor pode ter dificuldade em compreender o que o autor
quis transmitir.
Considerando que “o revestimento das palavras passa a ser um mero vetor, um
mero condutor desse pensamento profundo [que está por baixo das palavras do autor]”
(ibidem, p. 52), o editor teria certa liberdade para mexer no texto quando desejar tornar
a mensagem mais clara e eficiente. Essas intervenções devem sempre buscar manter a
170
substância da mensagem original (não mudar nem incluir novas informações) e ao
mesmo tempo respeitar o estilo do autor. Houaiss afirma que, na condição de usuários
da normatização da língua, os autores costumam autorizar essas alterações, desde que
não haja subversão na sintaxe profunda — contudo nem sempre essa relação é tranquila
como o filólogo parece apresentar
1
.
Se na literatura quem tem privilégio absoluto é o autor, afirma Emanuel Araújo,
quando o essencial é a informação, existe uma “liberdade de redisposição dos originais”
em prol da clareza (2006, pp. 26-27). Para ele, trata-se de um princípio socialmente
reconhecido, que o editor de texto vive dia a dia no exercício profissional.
Araújo sugere uma forma de evitar desentendimentos entre o autor e a editora:
realizar um contrato comercial que explicite a “margem de padronização editorial”, no
caso de autores vivos e mortos. Outra sugestão é seguir o manual de estilo, que também
contribuiria para amenizar fontes de conflitos, um manual “que fixasse em definitivo
todas as possibilidades de normalização dos textos destinados à publicação” (ibidem, p.
26). Tal proposta parece, entretanto, um pouco idealizada: nenhum manual esgota todas
as possibilidades de normatização, e mesmo nos textos informativos não se pode
padronizar tudo. É preciso considerar o propósito, o leitor, o formato, o contexto e
vários elementos extralinguísticos até para definir critérios aparentemente indiscutíveis.
Além disso, a fonte de desentendimentos entre o auto
r e a editora não costuma ser a
padronização adotada pela empresa.
Jamais se chegou a um consenso sobre os critérios gerais para normatização,
porque não há critério absoluto para padronizar um texto, seja ele literário ou não
1
O trabalho do editor de texto exige um diálogo constante com o autor, porque toda alteração feita no
original pelo primeiro passa a ser incorporada à autoria do segundo. E, para evitar desentendimentos
futuros com o autor, é comum a editora se prevenir enviando ao autor uma prova com as alterações feitas
pelo preparador de texto, pelos revisores de provas, pelo editor e editor-assistente. Enfim, uma prova que
contenha as intervenções às vezes as mais substanciais, às vezes todas dos profissionais envolvidos
na edição de texto.
171
literário. Pode-se falar em dois tipos básicos de padronização, que em muitos aspectos
são excludentes entre si (ARAÚJO, 2006, p. 56; HOUAISS, 1981, pp. 55-56):
A padronização da editora (normatização empírica).
A padronização dos centros de normatização (normatização teórica), como
a International Standard Organization (ISO), da Unesco, fundada em 1946
e que congrega as instituições locais, como a brasileira Associação
Brasileira de Normas Técnicas (
ABNT).
Ao editor de texto cabe escolher um dos dois, ou seja, sua opção para cada
original ou para cada caso.
O preparador de originais, de fato, sempre oscilará entre as
dificuldades e inevitáveis adaptações caso por caso de
padronização para traduções, organização bibliográfica ou de índices
etc., até a aceitação, pura e simples, de certos critérios impostos pela
criação literária (em particular na poesia), em que a única tarefa nor-
malizadora, aliás muito difícil em alguns autores, consiste basica-
mente em infundir coerência gráfica ao texto impresso
2
. (ARAÚJO,
2006, pp. 56-57)
Na Obra completa de Castro Alves, publicada pela Aguilar, Afrânio Coutinho
afirma na nota editorial:
[...] tanto o modo de expressão quanto a mecânica da
apresentação da palavra impressa devem obedecer a um “estilo”. [...] a
palavra “estilo” é empregada com um sentido específico, e quer dizer
o conjunto de regras para a disposição material de um texto. (Citado
por ARAÚJO, 2006, p. 57)
2
Em textos literários, a autora considera que a tarefa normatizadora deve ser cuidadosa, mas não pode ser
automaticamente dispensada.
172
Para que um texto seja lido e compreendido pelo leitor, a apresentação é tão
importante quanto o que é expresso e como é expresso, pois “a sua eficiência [do texto],
inteligibilidade e boa qualidade resultam por igual de seu valor intrínseco e da mecânica
de sua arrumação e apresentação na página”, afirma Coutinho (ibidem, p. 57),
ressaltando o que foi apresentado no capítulo 4 sobre a intervenção estrutural como
parte da edição de texto.
Nessa nota editorial que abre a antologia de Castro Alves, Coutinho aponta alguns
problemas que a normatização pode resolver:
de abreviação, símbolos e palavras referenciais
de referências, citações, transcrições, documentação e notas de rodapé
de bibliografia
de uso de tipos, caixa-alta, títulos, espacejamento, margens, frontispícios
de sinalização diacrítica e pontuação
de anotações e índices
de sistema remissivo
de datação
Mesmo em elementos aparentemente unívocos como os citados acima, a
normatização não pode ser única e inflexível
3
. É preciso permitir adaptações e
concessões conforme o tipo de livro com que se trabalha: “Uma normalização única,
teoricamente aplicável a qualquer original, ou seria demasiado rígida ou demasiado
abstrata, de modo que não resolveria os problemas concretos suscitados no decorrer do
trabalho com o texto” (ARAÚJO, p. 58).
As obras literárias oferecem as maiores dificuldades para o trabalho do editor de
texto, pois a mensagem não submete-se apenas ao conteúdo. E não se trata de avaliar a
3
Como se constata na mensagem do tradutor Paulo Henriques Britto ao profissional que vai fazer a
preparação de texto (ver anexo).
173
legibilidade e clareza do texto literário, que pode ser completamente obscuro para uns e
ao mesmo tempo transparente para outros. As fissuras da linguagem em geral são
intencionais, e o editor de texto não deve priorizar meramente nem a substância da
mensagem nem a obediência às regras gramaticais. “Quando a forma se confunde com o
estilo não resta outra alternativa senão aceitá-los no todo” (ARAÚJO, 2006, p. 25).
Em alguns casos, o “corte” advém da ignorância ou desatenção
do autor, mas, por outro lado, no contexto, também pode significar um
simples esnobismo ou, em outro extremo, uma visão de mundo, um
dado importantíssimo a ser mantido, ou até uma criação (= recriação)
da linguagem. (ARAÚJO, 2006, p. 56)
Não é fácil identificar se as fraturas gramaticais decorrem de ignorância do autor e
devem ser corrigidas ou se, pelo contrário, indicam domínio tal do sistema da língua
que foram manipuladas conscientemente, com fins estéticos e poéticos. Araújo afirma
que os filólogos também debateram essa questão controversa, que no entanto não foi
resolvida por inteiro e volta a se apresentar hoje em dia aos editores de texto.
Em recente reedição do volume de contos Estas estórias, de Guimarães Rosa, o
editor da obra
4
confirma essa dificuldade em saber o que é recriação da linguagem e o
que foi modificado durante o processo editorial, sem anuência do autor: a “originalidade
do texto [de Guimarães Rosa] levou seus editores, algumas e registradas vezes, a
erros involuntários” (2001, p. 7). Em uma edição publicada cinco anos após o
lançamento da obra, Paulo Rónai revela a anuência do autor na incorporação de alguns
desses “erros involuntários” no texto impresso:
não entendendo uma de suas palavras ou frases, têm-nas
modificado involuntariamente; e que, ao rever as provas, tem-lhe
acontecido não emendar o erro por decorrer de uma compreensão
4
Não há assinatura e não foi possível identificá-lo.
174
aceitável dos antecedentes, e por se ajustar bem ao contexto. (RÓNAI,
1969, p. LVII)
Antônio Houaiss também conta a experiência de trabalhar num livro de
Guimarães Rosa e explicita a dificuldade e as particularidades de editar um autor que
tem liberdade ilimitada para, conforme Araújo, “fraturar o bom comportamento da
gramática” (2006, p. 61). Até mesmo questões ortográficas se tornam elementos
passíveis de dúvida e obrigam o revisor a consultar o autor:
Eu vi o que foi a proeza de editar Guimarães Rosa: desde
Sagarana, e daí para diante cada vez mais obsessivamente, os textos
eram respeitados passivamente pelo impressor tal como estavam. O
revisor timidamente perguntava a ele, às vezes, se esse Z era assim
mesmo (porque ele trocava S por Z) ou se esse J por G deveria
permanecer. Geralmente, ele dava um sorrisinho e dizia: “Pode
corrigir”.
No plano estritamente ortográfico dessas celebérrimas heterogra-
fias homofônicas — isto é, o mesmo som escrito com letras diferentes
em geral Guimarães Rosa concordava com as correções, porque
não era um bom ortógrafo. Mas, de repente, arrepiava-se com uma
palavra que, pela norma, não devia ter acento nenhum, mas a ele pare-
cia que sim. Achava que aquele acento estava com uma função não
apenas indicativa do timbre que a vogal devia ter. Achava aque o
circunflexo, o acento agudo ou o acento grave entravam no ritmo vi-
sual da linha do próprio texto. Para ele foi uma grande revelação o dia
em que lhe disse: você está com muitas preocupações grafemáticas.
Gostou da palavra, sentiu que era exatamente isso: tinha uma vivência
grafêmica das palavras.
É obvio, então, que preparar um texto de Guimarães Rosa seria
um trabalho tão infernalmente difícil que a única solução era ele
mesmo ser o árbitro final na medida em que o preparador tinha que
perguntar-lhe, a cada vez, se aquela alteração podia ou não ser feita.
Estou falando, entretanto, de um escritor que tinha tal consciência do
plano da sintaxe superficial, visível, que, evidentemente, essas
ocorrências eram relativamente pequenas. (
HOUAISS, 1981, p. 53-54)
175
Chama a atenção a palavra árbitro no depoimento. Quem arbitra durante a edição:
o autor ou o editor de texto? Ao dizer que no caso-limite de Guimarães Rosa a única
solução era ele mesmo ser o árbitro, Houaiss revelou uma fissura: casos em que o
editor de texto assume essa função. De fato, Araújo afirma que, embora não se espere
que o preparador de originais seja gramático ou filólogo, é imprescindível que tenha o
conhecimento necessário, como queria Erasmo
5
, para optar ou decidir em casos
duvidosos” (2006, p. 59). Com a experiência e não com a intuição, apenas —, o
editor de texto pode perceber a melhor solução em cada caso.
A maioria dos textos, entretanto, não se encontra apenas no plano da univocidade
ou da multivocidade, pois esses dois planos costumam se combinar num mesmo texto:
os livros editados puramente no plano da univocidade devem
representar uma pequena quantidade, assim como os livros editados
puramente no polo da multivocidade também. A grande massa tende
para cá ou para lá, em graus bastante variados. (HOUAISS, 1981, p. 53)
Cabe ao editor de texto identificar quando o texto se aproxima de um plano e de
outro. Se avaliar que predominam as fissuras de linguagem, Houaiss sugere que o
profissional deve se perguntar: até onde devo respeitar as fraturas que são de
multivocidade? Até onde posso decidir quando devo mudar as fraturas que não estão no
plano da multivocidade?
Longe de ser simples, a resposta pode ficar ainda mais complexa quando se
considera outro fator, já citado: não há como identificar quais são as fraturas conscientes
do autor e quais decorrem de lapsos ou intervenções no processo editorial.
5
Para Erasmo de Roterdam, o editor de texto devia conhecer várias disciplinas: história, numismática,
botânica, geografia, astronomia etc., “de modo a julgar, em questões duvidosas, sobre a propriedade da
escolha de termos e ideias que não desvirtuassem a harmonia da forma e do conteúdo”. As dúvidas que
afligem os preparadores de originais vêm, portanto, desde o Renascimento, ressalta Emanuel Araújo
(2006, p. 48).
176
“Como Cervantes pontuava bem/mal!”, propõe Millán (2005, p. 83-88), em tom
de brincadeira. A avaliação positiva ou negativa, entretanto, não pode ser atribuída ao
consagrado escritor espanhol, e sim aos compositores, tipógrafos e revisores de suas
primeiras edições. Tanto que o aspecto mais delicado da edição de Don Quixote é ainda
hoje a pontuação, conforme Francisco Rico, responsável pela edição publicada pela
Real Academia Espanhola (citado por MEDIAVILLA, 2000, p. 291). Nos manuscritos de
Cervantes, não consta vírgula, ponto-e-vírgula nem dois-pontos, tampouco parênteses
ou qualquer sinal gráfico para marcar os discursos diretos. Os autores do Século de
Ouro espanhol delegavam aos editores a responsabilidade pela pontuação; não
Cervantes, havia também outros autores que o costumavam pontuar seus originais
(
MILLÁN, 2005; MEDIAVILLA, 2000): “Na pontuação do manuscrito, a última palavra era
do corrector(MEDIAVILLA, 2000, p. 292). E o último a emendar o texto na composição
não raro também imprimia seu estilo pessoal, incluindo mais alterações na ortografia e
na pontuação — e nem sempre poucas, acrescenta Mediavilla.
Hoje, a pontuação é considerada um dos elementos que configuram o estilo
pessoal dos autores, porém por algumas cadas (talvez ante as discordâncias entre
gramáticos e estudiosos da ngua), eram os editores, compositores, tipógrafos e
revisores quem decidiam a pontuação a ser registrada na obra literária.
177
Reproduzido de Primeiras estórias (1969).
QUANDO NÃO É POSSÍVEL DIALOGAR COM O AUTOR
Não importa se a obra está no polo da multivocidade ou da univocidade, quando o
autor não pode ser consultado a edição de texto se torna muito mais complexa para os
interventores textuais, em qualquer etapa. Não há como consultar o autor, consequente-
mente a função de árbitro pesa mais sob os ombros do editor de texto (em alguns casos,
os herdeiros dos direitos autorais assumem a responsabilidade da aprovação de todas as
eventuais alterações do editor de texto).
É habitual assumir-se o princípio de que “não se mexe em texto de autor morto”.
Essa “superstição” (como denomina Houaiss) seria histórica: os incunábulos
reproduziam os manuscritos de forma tão idêntica que por vezes era difícil distinguir os
livros manuscritos dos impressos. No século
XIX, as primeiras reedições deram segui-
mento à crença de respeitar fielmente o livro original e criaram as edições diplomáticas,
178
que reproduziam o texto a ser reeditado em todas as suas particularidades físicas. Por
isso, “a reedição diplomática era muito mais problema de tecnologia, de desenhar o tipo
para reproduzir, do que propriamente problema de opção” (HOUAISS, 1981, p. 59). Era
um descompasso com os avanços da filologia, que havia instituído a normatização
das ortografias, por exemplo. “Ora, um texto diplomático retornava quase que à Idade
Média nas dificuldades da leitura” (ibidem, p. 60).
Em livros de autores mortos, o problema fundamental do editor de texto é a
opção.
Se o autor teve várias edições em vida, qual delas tomar como base?
Mesmo que o autor tenha revisado alguma dessas edições, a ortografia ofi-
cial na época pode não ser a mesma do período da nova edição. Como fa-
zer a atualização?
6
Se na edição-base houver desvios em relação à norma-padrão, devem-se
corrigi-los?
Como saber o que é erro” e o que foi opção do autor? Como saber se o
“erro” foi opção do autor ou se foi incluído involuntariamente por algum
profissional da editora?
Essas dúvidas indicam a complexidade da tarefa do editor de texto, que antes de
qualquer intervenção deve fazer opções que o orientarão durante todo o processo.
6
A Comissão Machado de Assis, instituída em 1958 com o objetivo de estabelecer critérios para a edição
da obra literária do autor, propôs que não se simplificasse toda a ortografia de Machado de Assis
aplicando indistintamente as averbações do vocabulário oficial. Determinou-se que algumas formas
deveriam ser respeitadas como no original (degladiar e digladiar, caranguejo e carangueijo etc.), e que
não se deveriam padronizar ocorrências sincréticas, mesmo quando estivessem próximas (cousa e coisa,
aspeto e aspecto etc.) (
HOUAISS, 1967, pp. 294-296). Essas orientações podem ajudar a estabelecer
critérios para a atualização ortográfica em procedimentos a partir de 2009, com a aprovação do acordo
que unifica a ortografia dos países de língua portuguesa.
179
Houaiss relata o caso da reedição das obras do filólogo brasileiro Manuel Said Ali
para expor como a atualização ortográfica, aparentemente um detalhe tão simples, pode
ser complexa.
Quando o indivíduo está morto há vinte, trinta ou quarenta
anos, não tenhamos dúvida de que traços físicos da língua falada e
escrita vinte, trinta ou quarenta anos no seu texto e, por mais que a
estrutura linguística seja aparentemente estática, houve modificação
nesse intervalo. Não tenho coragem, por exemplo, de reescrever, hoje,
com e final a palavra quasi, se ela foi escrita por um senhor de setenta
anos. (1981, p. 58)
Essa observação nos remete à explicação de edição crítica proposta por Houaiss:
É uma edição que procura interpretar todas as particularidades
de um texto, oferecendo-o na ortografia moderna vigente. Mas o que é
que se entende por ortografia moderna vigente? Tirar daquele texto
todas as excrescências sem valor linguístico, inclusive na diacronia. É
inconcebível que se faça um texto em que “dos teus fermosos olhos
nunca enxuitos”, enxuitos se transformasse em enxutos. Haveria uma
violência à linguagem. Aliás, a rima adiante iria mostrar o disparate
disso. A edição crítica preserva esses valores. (1981, p. 60)
As excrescências com valor linguístico remetem aos recursos linguísticos e
expressivos que marcam as mensagens tendentes ao polo da multivocidade. Enxuitos
não está grafado dessa forma apenas por determinação da ortografia oficial vigente na
época em que o texto foi escrito, mas também consta ali naquele trecho para dar
expressividade rítmica, e isso fica evidente com uma análise minuciosa que não se
limite ao conhecimento do vernáculo. Por isso, é preciso que o editor de texto, o
preparador e o revisor se policiem para não automatizar as intervenções, nem mesmo
quanto a aspectos ortográficos.
180
O critério de realces em palavras estrangeiras também é um detalhe que pode pa-
recer banal mas deve ser analisado em todas as minúcias durante a edição de obras de
autores mortos. É preciso que o editor de texto avalie de forma criteriosa: convém dei-
xar esses termos em itálico, aportuguesar ou manter na língua original mas sem realce
algum? Instâncias externas ao texto, como o perfil do leitor e a forma de circulação do
livro, podem interferir nessa decisão. E aqui se expõe uma diferença entre o trabalho do
editor e o do filólogo. O editor eventualmente explora princípios filológicos, mas por ter
compromisso com o leitor sua preocupação é acima de tudo com o texto claro e eficaz, e
não com o texto fiel.
Erico Verissimo, em sua vasta obra literária, usou muitas palavras estrangeiras
hoje habituais no vocabulário dos brasileiros, dos mais populares à elite, dos analfabetos
aos letrados. Alguns exemplos: whisky, cocktail, goal, chauffer, bâton. Na recente
reedição da obra completa de Verissimo, publicada pela Companhia das Letras a partir
de 2005, optou-se por aportuguesar todas as palavras estrangeiras dicionarizadas. A
decisão foi tomada durante a edição de texto dos primeiros volumes, tendo em vista que
os livros são destinados a um público que inclui muitos leitores adolescentes e por não
se tratar de uma edição crítica. Para uma edição que visa a um público leitor amplo, a
equipe responsável pela edição de texto entendeu não haver necessidade de manter
fidelidade à forma adotada pelo escritor, que na época usava a grafia estrangeira por não
haver a forma aportuguesada na ortografia oficial do Brasil.
em Crônicas da província do Brasil e em Crônicas inéditas 1, volumes de
crônicas de Manuel Bandeira publicados pela Cosac Naify, o filólogo Júlio Castañon
Guimarães, organizador dos livros, optou por manter todos os estrangeirismos, e sempre
realçados com itálico: sport, folklore, whisky, garçon e outros. Pelos exemplos nota-se
que a opção foi mantida mesmo nos casos em que hoje consta oficialmente a forma
aportuguesada. E a opção também foi aplicada nos homógrafos, como bar, o qual foi
181
realçado com o itálico para marcar a pronúncia inglesa, adotada no Brasil à época de
Bandeira.
Excertos de Crônicas da província do Brasil, de Manuel Bandeira
(2006, pp. 184, 210)
182
QUANDO O EDITOR DIALOGA COM O AUTOR
183
Essa mensagem eletrônica foi enviada pelo preparador
7
a um escritor consagrado
que costuma acompanhar o processo de intervenção textual em seus livros, da
preparação à última revisão de prova. A mensagem revela vários aspectos envolvidos na
edição de texto de uma obra literária.
A imagem do profissional de texto ranzinza e apenas ortográfico, que caça os
desleixos do autor, é apresentada logo no início como estereótipo a ser refutado
8
. Por
isso as observações seguintes tentam apresentar um interventor sensível, aberto às
fissuras gramaticais, além de experiente em edição de textos literários.
É complexa a tarefa de preparar textos literários que subvertem continuamente a
norma-padrão e que apresentam inovações em técnicas literárias, como o fluxo de
consciência e o discurso indireto livre. Em muitas ocasiões, o profissional sentiu-se
realmente tal qual o revisor de Guimarães Rosa: as indecisões — e inseguranças não
foram poucas, mesmo quando se tratava apenas de sugestões de meras vírgulas. O
mesmo sentimento voltou a assaltar-lhe também em detalhes como aspas, caixa-alta-e-
baixa, elementos que raros leitores notariam, mas que poderiam quem sabe alterar
até a fortuna crítica.
“Onde acaba esta frase? Em que lugar se pode quebrar esta? Como distinguir as
palavras de um personagem para que elas não se confundam com as de outro
personagem ou com as do narrador?” Algumas dúvidas que atormentaram o profissional
na primeira leitura do texto, enquanto se avaliavam as opções que orientariam na
intervenção, eram as mesmas hesitações que provavelmente acometiam os revisores,
compositores, editores e tipógrafos de um texto com mais de quatrocentos anos: O
7
Embora o contato com o autor não seja função do preparador de originais, e sim do editor de texto ou do
editor, considerou-se que seria importante um diálogo com o autor e a pessoa que o assessora, devido à
complexidade da eventual intervenção em seus textos.
8
Sobretudo considerando as manifestações públicas de escritores indignados ou receosos com os reviso-
res (em geral, para o senso comum os interventores do texto se circunscrevem a “revisores”): Jorge Coli,
professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Uni-
camp), divulgou certa vez um libelo contra os revisores, em defesa dos “autores oprimidos” (2006); Luis
Fernando Verissimo escreveu mais de uma crônica para falar especialmente desses profissionais (1982,
1995); Rubem Alves julga os revisores pessoas tristes, porque no fundo desejam ser escritores (2008).
184
engenhoso fidalgo d. Quixote de La Mancha
9
, cujo original, conforme foi apontado,
praticamente não apresenta pontuação.
As intervenções do preparador, manifestadas em alterações e/ou sugestões, foram
mínimas, embora o processo não tenha sido nem rápido nem fácil. Tal percepção revela
que a quantidade de emendas não pode ser identificada com o nível de dificuldade do
trabalho, tampouco com a qualidade do serviço. Em textos literários, o processo prévio
de avaliação é a etapa que mais demanda do profissional; seria recomendável ler todo o
texto ou boa parte dele para identificar o estilo do autor em todos os detalhes se o
prazo e o orçamento do contratante permitirem.
Por exemplo: antes de mas o autor parece não usar vírgula nunca, será que isso é
constante ou episódico na obra? Essa avaliação pode orientar as eventuais sugestões e
intervenções do profissional de texto.
Meu tapete é persa, todos os meus tapetes são persas mas não
sei o que fazem esses bastardos que não impedem que o frio se instale
na sala. (Lygia Fagundes Telles, “Apenas um saxofone”)
Podia mandar acender a lareira mas despedi o copeiro, a
arrumadeira, o cozinheiro despedi um por um, me deu um
desespero e mandei a corja toda embora, rua, rua! Fiquei só. lenha
em algum lugar da casa mas não é riscar o fósforo e tocar na lenha
como se no cinema, o japonês ficava horas mexendo, soprando
até o fogo acender. (ibidem)
Era enjoativo de tão doce mas se eu rompesse a polpa cerrada e
densa sentiria seu gosto verdadeiro. (Lygia Fagundes Telles, “Verde
lagarto amarelo”)
9
O trecho entre aspas, no início deste parágrafo, foi extraído da pesquisa de Mediavilla sobre a pontuação
dos livros espanhóis no Século de Ouro (2000, p. 9).
185
Certa vez usou-se a caixa-alta para marcar o discurso indireto livre, porém adiante
o mesmo recurso não foi empregado. Deve-se tentar padronizar?
Nossa vida foi tão maravilhosamente livre! E tão cheia de amor,
como nos amamos e rimos e choramos de amor naquele décimo andar,
cercados por gravuras de Fra Angelico e retratos dos antepassados
dele. “Não são meus parentes, achei tudo isso no baú de um porão”,
confessou-me certa vez. Apontei para o mais antigo dos retratos, tão
antigo que da mulher restava a cabeleira escura. E as sobrancelhas.
Esta você também achou no baú? perguntei. Ele riu e até hoje fiquei
sem saber se era verdade ou não. Se você me ama mesmo, eu disse,
suba então naquela mesa e grite com todas as forças, v
ocês são todos
uns cornudos, vocês são todos uns cornudos! e depois desça da mesa e
saia, mas sem correr. Ele me deu o saxofone para segurar enquanto eu
fugia rindo, Não, não, eu estava brincando, isso não! na esquina
ouvi seus gritos em pleno bar, Cornudos, todos cornudos!”. Alcan-
çou-me em meio da gente estupefata, Luisiana, Luisiana, não me ne-
gue, Luisiana!”. Outra noite saímos de um teatro não resisti e
perguntei-lhe se era capaz de cantar ali no saguão um trecho de ópera,
Vamos, se você me ama mesmo, cante agora aqui na escada um trecho
do Rigoletto! (Lygia Fagundes Telles, “Apenas um saxofone”)
O discurso direto às vezes pode estar marcado com aspas e travessão, seria o caso
de padronizar a indicação gráfica, usando sempre aspas?
“Você já é grande, você deve saber a verdade disse meu pai
olhando reto nos meus olhos. — É que sua mãe não tem nem... — Não
completou a frase. Voltou-se para a parede e ali ficou de braços
cruzados, os ombros curvos. eu e você sabemos. Ela desconfia
mas de jeito nenhum quer que seu irmãozinho saiba, está
entendendo?” Eu entendia. Na sua última festa de aniversário ficamos
reunidos em redor da cama. “Laura é como o rei daquela história
disse meu pai, dando-lhe de beber um gole de vinho. que ao
invés de transformar tudo em ouro, quando toca nas coisas, transforma
tudo em beleza.” Com os olhos cozidos de tanto chorar, ajoelhei-me e
186
fingindo arrumar-lhe o travesseiro, pousei a cabeça ao alcance de sua
mão, ah, se me tocasse com um pouco de amor. (Lygia Fagundes
Telles, “Verde lagarto amarelo”)
E nos casos em que as orações com verbo dicendi não estão indicadas como
elementos externos ao discurso direto, o que fazer?
“Este é o meu instrumento, disse ele deslizando a mão pelo
saxofone. Com a outra mão em concha, cobriu meu peito: e esta é a
minha música.” (Lygia Fagundes Telles, “Apenas um saxofone”)
Note-se que no exemplo acima a oração com verbo dicendi “submerge no bloco
gráfico da fala do personagem”, conforme aponta Araújo (2006, p. 65) sobre esse tipo
de pontuação.
Além de atentar para detalhes como esses, o profissional pode tentar identificar as
fissuras recorrentes, que indicariam a necessidade de manter os desvios da norma-
padrão, ou seja, de não corrigi-los automaticamente. E aqui encontram-se casos que
podem causar grande estranhamento no preparador e no revisor, em especial nos que
estão habituados a obedecer apenas a orientações da gramática tradicional.
Separar o sujeito do predicado com uma vírgula hoje é terminantemente proibido
— tal regra é ensinada nas primeiras lições sobre pontuação na escola. No entanto, nota-
-se que em textos literários essa vírgula tão condenada atualmente pela gramática
tradicional é recorrente em vários autores consagrados e consagrados inclusive pelos
gramáticos tradicionais como exemplos a serem seguidos:
Finalmente os que não podiam mandar vir, inteiravam-se de
tudo pelas revistas. (Manuel Bandeira, Crônicas da província do
Brasil)
187
O médico que consultara, não tardara a ir ao fundo do
problema. (Erico Verissimo, O prisioneiro)
Talvez essa vírgula entre sujeito e predicado nem sempre tenha sido considerada
um desvio gramatical ou um desvio tão grave —, o que mostra que na edição de
texto é recomendável analisar diacronicamente as prescrições gramaticais e o que pode
ser considerado “erro”, antes de qualquer alteração do editor de texto.
A ausência da vírgula para introduzir orações subordinadas adjetivas explicativas
também pode incomodar os profissionais do texto. Diante dessas infrações à norma-
padrão, é inevitável que o editor, o preparador e o revisor fiquem numa posição
delicada: se questionam o autor, parece que estão automatizando uma regra gramatical e
não percebem as nuances do texto literário; se não falam nada, pode parecer que não
notaram um eventual esquecimento do autor, que nem sempre atuou intencionalmente
ao deixar de pontuar uma oração.
Muitos autores acreditam firmemente que existe uma conspira-
ção de revisores contra eles. Quando os revisores não deixam passar
erros de composição (hoje em dia, de digitação), fazem pior: não cor-
rigem os erros ortográficos e gramaticais do próprio autor, deixando-o
entregue às consequências dos seus próprios pecados de concordância,
das suas crases indevidas e pronomes fora do lugar. O que é uma ig-
nomínia. Ou será ignomia? Enfim, não se faz. (
VERISSIMO, 1995)
Luis Fernando Verissimo, como escritor e gigolô das palavras”
10
, expõe a
posição ingrata dos profissionais de texto e revela que conta com a intervenção deles
para corrigir eventuais deslizes: “costumo atirar os pronomes numa frase e deixá-los
ficar onde caíram, certo de que o revisor os colocará no lugar adequado” (1995). No
entanto, apesar de esperar a atuação do revisor, ele também espera que não se adapte
10
Título de uma crônica em que ele diz abusar das palavras e ainda por cima viver à custa delas
(Verissimo, 1982).
188
seu texto à norma-padrão: “respeitadas algumas regras básicas da Gramática, para evitar
os vexames mais gritantes, as outras são dispensáveis” (1982), afinal “a Gramática
precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda” (ibidem).
O editor, o preparador e o revisor, além de lidar dia a dia com as indefinições e
indistinções quanto a suas tarefas e funções
11
, deparam com imprecisão também nas
regras gramaticais, que no período escolar lhes foram apresentadas como normas rígidas
e inquestionáveis.
Para lidar com textos literários, percebe-se que é preciso um profissional
experiente, que conheça tão bem a gramática normativa a ponto de compreender os
casos em que ela pode e deve ser desrespeitada, conforme o estilo do autor. Refuta-se,
assim, o senso comum (mesmo em editoras) de que é mais cil trabalhar com textos
literários ou, pior, de que não se deve mexer neles.
Um profissional menos experiente ou iniciante pode cair no erro apontado por
Verissimo e deixar o autor entregue à própria sorte, avaliando que sua intervenção é no
máximo ortográfica. Ou pode cometer o extremo de tentar corrigir tudo conforme a
norma-padrão apregoada nas gramáticas.
11
Conforme apresentado no capítulo 3.
189
Considerações finais
O fazer editorial no percurso do texto a ser dado à luz como livro. Delinear e
compreender esse processo da edição do texto, por meio da interpretação e da articula-
ção de saberes teóricos e técnicos com saberes empíricos, foi o objetivo da autora neste
estudo, que se propôs a oferecer uma contribuição para construir saberes sobre o campo
da edição de texto.
Num cenário marcado por indistinções na teoria e na prática —, espera-se que
a tentativa de mapear os esforços de definição, assim como de sistematizar os conheci-
mentos envolvidos na edição de texto, propiciem colaborações em três âmbitos: pes-
quisa, ensino e prática. E foi justamente aliando essas instâncias acadêmicas e empíricas
que se buscou identificar elementos que permitissem traçar delimitações para as
atividades de tratamento do texto e explorar alguns conhecimentos que podem ser de
grande valia para o exercício crítico da edição de texto. Com concepções mais claras,
objetivos definidos, conhecimentos mínimos esclarecidos, torna-se possível propor
alguns subsídios para futuros pesquisadores que venham a se dedicar a esse mesmo
objeto de estudo. E também propor rumos para a formação acadêmica e para o
aperfeiçoamento profissional de editores de texto.
A experiência de “fazer” livros e de “mexer” nos textos alheios está impressa na
gênese deste estudo, porém apenas a compreensão das práticas, na condição de editora
de textos, não seria suficiente para iluminar o campo da edição. Conhecimentos sobre os
processos cognitivos da leitura, experimentos sobre a legibilidade textual, informações
sobre a situação de letramento dos brasileiros, abordagens não normativas da gramática
190
esse amálgama conduziu a um espaço de convergência que revelou a edição de texto
sob outra perspectiva.
Invisível e desconhecida, a edição de texto merece outros esforços acadêmicos
que revelem esse processo quase sempre restrito à menção como “mera correção”.
Aponta-se, assim, com este trabalho, um campo fecundo para novos estudos sobre as-
pectos da produção editorial no Brasil além do olhar histórico sobre os livros e a leitura.
O campo é tão amplo que se fez necessário este estudo preliminar de esclarecer os pro-
cessos e os conhecimentos envolvidos, partindo-se mesmo do princípio, o esmiuça-
mento da nomenclatura.
Como desenvolvimentos futuros, após proposta a arena, pretende-se aprofundar e
explorar as contribuições dos grupos de pesquisa que se dedicam especificamente à edi-
ção de texto em universidades estrangeiras. As diretrizes das associações profissionais
que congregam profissionais do texto, trabalhadores do setor editorial ou editores, em
especial, também serão deslindadas, articulando-se os avanços e as propostas dessas
entidades com as singularidades do contexto brasileiro.
O preconceito linguístico e a questão das variedades linguísticas e da gramática
não normativa, na visão da sociolinguística, é outra perspectiva de abordagem em estu-
dos futuros que se vislumbra nesta dissertação de mestrado, por estar no fundamento
das concepções da autora sobre edição de texto e por compor um corpo de conheci-
mentos ainda pouco explorados em sua relação com os campos de pesquisa, ensino e
prática em produção editorial.
O trabalho aponta que o editor de texto, como um dos agentes responsáveis pelas
letras impressas nos livros literários, didáticos ou informativos e em outros produtos
editoriais (folhetos, manuais, relatórios, sites etc.) e por isso também responsável
pela língua escrita legitimada nessas obras —, pode e deve aprimorar sua formação e
assim evitar repetição de práticas que expõem os livros e os leitores à técnica da tenta-
191
tiva e erro. Dessa forma, a busca de distinções e definições empreendida contribui para
o aperfeiçoamento do ensino e da formação em produção editorial.
192
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198
Anexo
OBSERVAÇÕES DIVERSAS
QUE HÃO DE SER MUI
PROVEITOSAS
PARA QUEM QUER QUE VENHA A SER O REVISOR
DESTA TRADUÇÃO DA OBRA
MASON DIXON,
DE MR. THOMAS PYNCHON.
Estimado senhor, ou estimada senhora:
ão lhe invejo, devo confessar, a ingrata Tarefa de
rever o presente alentado Manuscrito. Trata-se,
decerto, duma Narrativa mui engenhosa, instrutiva e
edificante, em que pese uma frascarice aqui ou ali; porém é
Livro dificultoso, desses que por vezes dão ganas ao pobre
Tradutor,— e, imagino, também ao Revisor, ou Revisora,— de
lançá-lo contra a parede mais próxima, o que, dados o peso
e o volume do Tomo em questão, é cousa pouco recomendável.
Assim sendo, no intento de tornar menos árdua uma
Incumbência que lhe de consumir Dias e Noutes de
Trabalho estafante, venho por meio desta missiva enumerar
alguns dos Critérios que venho adotando em minha Tradução.
Longe de ser meu intuito lhe impor todas as soluções que
ora lhe ofereço, muitas das quais,— como quero ser o
primeiro a reconhecer,— lhe hão de parecer impróprias ou
mesmo errôneas, e desde prontificando-me humildemente a
aceitar quaisquer Alternativas ditadas por seu maior
Entendimento e mais refinada Arte, espero apenas clarificar
alguns Conceitos e expor algumas Convenções que tenho
havido por bem seguir, viz.:
N
199
I. Da Necessidade de se Proceder por Partes.
Quer-me parecer que o primeiro ponto a ser explicado é o
porquê de estar eu a lhe enviar este maço de cento e muitas
Laudas de Almaço Eletrônico antes mesmo de ter concluído o
Rascunho inicial. Como a Obra é muito extensa, igualmente
extensa de ser a Revisão, motivo pelo qual melhor será
lhe dar início tão cedo quanto antes. Tão-logo houver eu
concluído mais um maço, enviar-lho-ei para que o senhor ou
a senhora prosseguimento a seu trabalho enquanto eu dou
ao meu.
I
I. Da Antiguidade do Vocabulário e da Sintaxe.
Antes mesmo de dar início à presente Empreitada, nos idos
de 2000, recorri à Professora Doutora Cleonice
Berardinelli, a mais profunda conhecedora de Literatura
Portuguesa de quantas em Terras americanas, pedindo-
lhe que me indicasse umas Obras em Prosa lusa do século
XVIII para que eu pudesse me familiarizar com os Costumes
linguísticos desse período. Não sem um certo
constrangimento, deu-me a entender a douta Octogenária que
o Século dito das Luzes não foi período dos mais luminosos
na História das Letras Lusitanas,— que, fora um que outro
Relato Marítimo ou Documento Legal, praticamente não havia
cousa que merecesse ser lida, senão Poesia,— mas que, não
obstante, eu recorresse à Biblioteca da Pontifícia
Universidade, onde lecionamos os dous, que haveria de
encontrar alguns dos autores cujos nomes ela não se furtou
a escrever num pequeno Quaderno que eu adquirira para nele
anotar Termos, Expressões, Torneios de Frase e demais
Características, inclusive as de Pontuação— mas não as de
natureza Ortográfica,— que intentava salpicar sobre meu
Texto tardio, como quem esparge um poucochinho de Cominho,
Pimenta-do-Reino e outras Especiarias sobre uma Refeição
requentada para torná-la mais aprazível. Numa estante
poeirenta, em meio a Teias de Aranha, encontrei um vultoso
Compêndio em muitos volumes sobre Filosofia, Gramática,
Teologia e sabe-se o que mais, de autoria dum Jesuíta
Francês que, no último quartel do Século das Luzes, tomou
Portugal por País de adoção, tendo-se ocupado em trazer os
conceitos fundamentais da Ilustração Católica (se tal
200
Expressão não for uma Contradição em Termos) para o idioma
de Camões. Bastaram-me hora e meia a folhear as Páginas
amarelentas do velho Compêndio para me ver transportado
pelos braços de Morfeu para um Mundo mui distante deste;
antes que tal sucedesse, entretanto, logrei registrar no
meu Canhenho algumas curiosidades a respeito da língua de
nossos Ancestrais setecentistas,. Mas que me não censurem
os que encontrarem, em passagens várias desta Tradução,
alguns Anacronismos flagrantes, pois nisso não faço outra
cousa que não imitar um dos procedimentos diletos do Autor,
do qual se poderia dizer, sem injustiça, que prefere
sacrificar o Efeito de Época, a perder a oportunidade dum
Chiste.
I
II. Das Formas de Tratamento.//
As Personagens da História tratam-se por (i) Senhor e
Senhora, havendo deferência ou formalidade; (ii) Você, em
se tratando de iguais e em Situações menos formais; e (iii)
Tu, havendo familiaridade suficiente entre elas, ou sempre
que uma Personagem se dirija a uma Criança, um Criado, um
Escravo ou (como é menos incomum do que de supor quem
não seja frequentador dos Romances do sr. Pynchon) um
Animal ou mesmo um Mecanismo Falante. Nesta matéria de
Formas de Tratamento, de se dar destaque à questão de
como deverão se tratar mutuamente os Personagens centrais,
Mason e Dixon. O Revisor ou Revisora observará que os fiz
tratar-se de Senhor nas cartas que trocam, quando ainda não
se conhecem; que em pouco tempo passam a usar a forma Você;
e que, numa passagem crucial, ainda neste primeiro Arquivo,
em que os dous se falam francamente,— por assim dizer, põem
suas respectivas Cartas na mesa,— e pela primeira vez
trocam Pachouchadas (viz,, “Merda” e “Porra”) em sua
Conversação, naturalmente passam a tutear-se.
I
V. Dos Topônimos em Geral.
No caso dos Acidentes Geográficos, minha Política tem sido
manter em Inglês o Nome Próprio, porém traduzir o Acidente
(viz., Serra de Alarum, ribeirão Elk). Em se tratando de
Logradouros, contudo, mantenho minha costumeira e arraigada
Prática de lhes não traduzir cousa alguma (viz., Wall
201
Street). E quem me acusar de Incoerência, que se pergunte
com que cara hão de ficar os leitores que se depararem com
uma misteriosa Rua do Muro em Manhattan. Nomes de
Estalagens são traduzidos, (The Moon = A Lua), muitas vezes
utilizando a preposição “a” Pérola de Sumatra, Ao
Mineiro Folgazão), como era de costume nos tempos
d’antanho, prática adotada pelo ilustre e saudoso sr. Paulo
Rónai, que Deus o tenha em Sua Santa paz, na magnífica
Tradução por ele coordenada d’A comédia humana de M. Honoré
de Balzac, Obra tão lúbrica quanto caudalosa, em que
abundam as Tabernas, Lupanares e outros Estabelecimentos
afins.
V
. Do Motivo pelo Qual Não se Faz Aqui Tentativa Alguma de
Reproduzir as Peculiaridades do Falar Regional de Dixon.
Dizia um dos lendários Tycoons de Hollywood,— me não
lembro qual, se Goldwyn ou Mayer ou outro qualquer,— que “a
única Lei do Cinema é esta, que é impossível se fazer um
Filme passado no Egito dos Faraós ou na Idade da Pedra que
não fique ridículo”. eu digo, que “a única Lei da
Tradução Literária é esta, que é impossível se tentar
reproduzir em Tradução um Falar Regional sem cair no
ridículo”. Dixon, sabemos, é um Geordie, o que quer dizer,
um natural da Região Nordeste da Inglaterra, e por isso sua
Fala tem peculiaridades que em muito diferem do Inglês dito
d’El-Rei. Devo confessar que, ao me dar conta de que uma
boa tradução para Geordie seria esta que adotei, a de
“Nordestino”, por um Momento tive a Ideia insana de fazer
Dixon falar como falam os Naturais de São Salvador da
Bahia, ou talvez do Recife e Olinda, mas foi apenas um
curto Lapso no meu sólido Bom-Senso, do qual muito me
envaideço. E é esse o Motivo pelo qual não se faz neste
Livro Tentativa alguma de reproduzir em Língua Portuguesa
as saborosas Peculiaridades do Linguajar de Dixon, as
quais, quem quiser saborear, que ler o Original por
conta própria.
V
I. Do uso de Iniciais Maiúsculas
Tal como no Original, na minha Tradução ver-se-á que grande
cópia de Palavras aparecem com Iniciais Maiúsculas. Nisso
202
segui outrossim a Prática do Autor, que não se ao
trabalho sequer de parecer coerente no que diz respeito a
esse Quesito, sendo portanto tão irregular meu uso de
Iniciais Maiúsculas quanto o do Autor, e nem sempre
correspondendo ao dele com exatidão. Revendo, contudo, meu
Texto, pude observar que, ao menos sob um Aspecto, minha
Prática é um pouco menos ilógica do que a dele, pois que
tendo eu a usar as ditas I. I. M. M. quase exclusivamente
em se tratando de Nomes Substantivos, e não, como faz o sr.
Pynchon, também em Verbos, Nomes Adjetivos, e no que mais
lhe aprouver usá-las. As não poucas exceções deverão ser
postas na conta da Incoerência autoral, em relação à qual
tenho me esforçado por permanecer Fiel, se ser Fiel à
Incoerência não é mais uma Contradição em Termos.
C
om relação a qualquer um desses Pontos, e de outros
quaisquer, permaneço à disposição do Senhor Revisor ou
Senhora Revisora,
Seu Cr
do
Obr
do
,
Paulo Henriques Britto
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