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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
Luiz Roberto Ungaretti de Godoy
Crime organizado e seu tratamento jurídico penal
MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS
DIREITO PENAL
São Paulo
2009
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Luiz Roberto Ungaretti de Godoy
Crime organizado e seu tratamento jurídico penal
MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS
DIREITO PENAL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do tulo de Mestre em Direito penal, sob a
orientação do Prof. Doutor Dirceu de Mello.
São Paulo
2009
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Godoy, Luiz Roberto Ungaretti
O crime organizado e seu tratamento jurídico penal
Ungaretti de Godoy: orientador Dirceu de Mello – São Paulo: Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2009.
quantidade de fls. 201
Dissertação (Mestrado Programa de Mestrado de Direito das Relações
Sociais. Área de concentração: Direito Penal) – Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo.
1. Crime Organizado 2. Histórico 3. Crimes de concurso necessário 4.
Conceito 5. Legislação. 6. Cenário contemporâneo. 7. Tratados e convenções.
Banca examinadora
______________________________
______________________________
______________________________
RESUMO
Este estudo dedica-se à elaboração da evolução do crime organizado no cenário
nacional e internacional e seus principais reflexos no nosso País, amparado o na
legislação brasileira e comparada, na casuística, como também na indubitável
relevância dos tratados e convenções pertinentes à matéria. A legislação Pátria não
contempla a figura típica da organização criminosa, contudo, o ordenamento jurídico
brasileiro consolidou-a em diversas leis que disciplinam direta ou indiretamente o
crime organizado. Por ser de relevante importância, merece destaque a recepção pelo
ordenamento jurídico brasileiro da Convenção de Palermo, (Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional), a qual adotou uma definição para a
organização criminosa transnacional. No transcorrer desse estudo, será realizada uma
análise comparativa entre as diversas organizações, associações, quadrilhas, “máfias” e
outros grupos identificados no cenário mundial, com evidência à criminalidade
organizada brasileira. Convém ressaltar que cada um dos grupos criminosos possui
características próprias, levando-se em conta sua constituição e peculiaridades no
modus operandi; dessa forma, torna-se impossível traçar um perfil hermético sobre
cada um deles. O objetivo do presente estudo não se dirige à busca de uma definição
típica do que seria organização criminosa, mas sim demonstrar suas principais
características no cenário contemporâneo, com base no histórico, na evolução e nas
próprias condutas praticadas por esses grupos. Não se pode desconsiderar a seriedade
da matéria, diante dos reflexos das ações praticadas pelas organizações criminosas
transnacionais, bem como a aplicação da Lei Penal, uma vez que muitos atuam,
simultaneamente, em diferentes países.
Palavras- chave: Crimes de Concurso Necessário - Organização Criminosa
Legislação Nacional e Internacional – Facções Criminosas – Projetos de Lei
ABSTRACT
This study is devoted to the elaboration of the evolution of Organized Crime in the
national and international scenery and its main reflexes in our Country, based not only
on the Brazilian Law, but also in the Foreign Law the Judicial Precedent, as well as
the undoubtedly relevance of Treaties and Conventions linked to the subject. The
Brazilian legislation does not consider the typical profile of a criminal organization,
though the Brazilian Judicial ordainment has already consolidated in several laws
which discipline, directly or indirectly the Organized Crime, once it is extremely
important we should highlight the reception of the Brazilian Legal System of the
Palermo Convention (United Nations Convention against Transnational Organized
Crime).Which has adapted a definition for the transnational Criminal Organization. In
the course this study we would try to perform an analysis of several organizations,
associations, mafias, gangs, among others identified in the word scenery with a focus
in the Organized Crime in Brazil. It’s important to highlight that each of the criminal
groups has its own characteristics taking on account its constitution and its peculates in
the modus operandi, making it impossible to draw a draw a hermetic profile of each
one. This way the target of the present study is not a search for a typical definition of a
would be criminal organization, but to show the main characteristics of Organized
Crime in the current scenery, based on the history of development and in the act
themselves performed by these groups. At last we haven’t left aside the great
discussion which involves the subject which are the reflexes of the actions performed
by the criminal transnational organizations, as well as the question of which criminal
law to use once the groups mentioned act simultaneously in several different countries.
Key-words: Organized crime, International and National Law, Treaties and
Conventions, organized criminal gangs, Bill of Law.
SUMÁRIO
Introdução ............................................................................................................... 01
1. A Evolução do Ordenamento Jurídico Brasileiro................................................ 05
1.1 Panorama Histórico ...................................................................................... 05
1.1.1 Direito Penal Indígena ......................................................................... 06
1.1.2 Ordenações .......................................................................................... 08
1.1.3 Código Criminal de 1830 .................................................................... 11
1.1.4 Código Penal de 1890 .......................................................................... 13
1.1.5 Projetos de Código Penal ..................................................................... 17
1.1.6 Projeto Alcântara Machado ................................................................. 18
1.1.7 Código Penal de 1940 .......................................................................... 20
1.1.8 Código Penal de 1969 .......................................................................... 24
1.1.9 Reforma Penal de 1984 ....................................................................... 28
2. Crimes de Concurso Necessário ......................................................................... 31
2.1 Introdução...................................................................................................... 31
2.2 Quadrilha ou bando ...................................................................................... 34
2.3 Associações Criminosas ............................................................................... 46
2.3.1 Lei 2.889/1956 (Lei do Genocídio)...................................................... 46
2.3.2 Lei 7.170/1983 (Lei de Segurança Nacional) ...................................... 48
2.3.3 Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas) ........................................................ 51
2.3.4 Lei 9.613/1998 (Lei de Lavagem) ....................................................... 54
3. Organização Criminosa ...................................................................................... 57
3.1 Histórico ....................................................................................................... 57
3.1.1 As máfias do mundo ............................................................................ 63
3.2 Definição de organização criminosa ............................................................ 66
3.2.1 Direito Pátrio ....................................................................................... 77
3.2.2 Direito Comparado .............................................................................. 82
3.2.3 Convenção de Palermo ........................................................................ 92
3.3 Tipificação da Organização Criminosa ........................................................ 97
3.3.1 Princípio da Reserva Legal................................................................... 100
3.3.2 Princípio da Taxatividade..................................................................... 105
3.3.3 Projeto de Lei ...................................................................................... 107
4. O Crime Organizado no Cenário Brasileiro Contemporâneo ............................. 117
4.1. Introdução ................................................................................................... 117
4.2. As Facções Criminosas ............................................................................... 120
4.2.1 Primeiro Comando da Capital ........................................................... 122
4.2.2 Comando Vermelho ........................................................................... 134
4.3 Organizações Transnacionais ...................................................................... 138
4.4 Crime econômico e crime organizado ......................................................... 151
5. Os Tratados e Convenções Internacionais em matéria do Crime Organizado.... 158
5.1 Princípios ..................................................................................................... 158
5.1.1 Princípio da Legalidade ....................................................................... 158
5.1.2 Extraterritorialidade ............................................................................. 161
5.1.3 Princípio da Soberania ......................................................................... 162
5.14 Princípio da Complementariedade ........................................................ 171
5.2 Validade e Aplicação ................................................................................... 171
Conclusão ................................................................................................................ 176
Referências Bibliográficas....................................................................................... 179
1
INTRODUÇÃO
É da essência do ser humano o convívio em castas, grupos, associações, na
busca de uma identidade, objetivos comuns, aprimoramento e desenvolvimento de
suas habilidades.
Infelizmente, muitas vezes, a sordidez humana, a capacidade para o mal, a
destruição do bem comum e a humilhação são induzidas, instigadas, fortificadas com o
convívio entre os seres humanos, de forma que esse lado perverso acaba por ser
enaltecido principalmente no grupo ao qual o indivíduo pertence.
Por iguais razões, a busca incessante pelo poder, pelo dinheiro, a vantagem
a qualquer custo, ultrapassam as fronteiras da ética - moral e legalidade.
1
Diante desse quadro, a dignidade humana, a liberdade, a vida, entre outros
bens de valor supremo passam a ser ignorados e desprezados por pessoas que, muitas
vezes, utilizam-se do grupo para alcançar seus objetivos maléficos, que atingirão,
preponderantemente, a sociedade e a ordem pública
2
.
O cenário atual, de exacerbada criminalidade, demonstra grande
preocupação da sociedade mundial com a existência de grupos criminosos
organizados, voltados a uma gama de crimes de alto potencial ofensivo, afetando bens
1
José de Faria Costa, afirma: “Que vivemos em um tempo de crise – de crise das instituições, da ética, do direito
penal e da própria percepção da realidade não resta qualquer dúvida. No entanto, neste tempo de fractura e
de fragmentação de toda a realidade sobretudo do real construído emerge, em simultâneo, uma tendência
devastadora de homogeneização, uma perigosa inclinação para se pensar de jeito liofilizado, para se aceitar,
acriticamente, o absolutismo global”. (José de Faria Costa; Marco Antonio Marques da Silva, Direito Penal
Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais – Visão Luso-Brasileira, p. 92-93).
2
Jorge Miranda ao discorrer sobre “ordem pública”, menciona que: “Não raro, na experiência histórica, a
invocação da ‘ordem pública’ tem sido feita como conceito ou preceito beligerante contra a liberdade. Mas a
ordem pública conjunto de condições externas necessárias ao regular funcionamento das instituições e ao
pleno exercício dos direitos tem carácter instrumental, não se justifica de per si, vale na medida em que
propicia a realização da ordem contemplada no art. 28.°, n.° 2, da Declaração;” (in: José de Faria Costa;
Marco Antonio Marques da Silva, op. cit., p. 177).
2
jurídicos fundamentais
3
, tais como a vida, a liberdade, a ordem econômico-financeira,
a paz pública, a probidade administrativa, o meio ambiente, a liberdade sexual, a saúde
pública, entre outros.
Não só devido a problemas sócio-econômicos, mas principalmente devido à
grande instabilidade de valores e princípios que são questionados pela atual sociedade
mundial, surge campo nebuloso sobre a eficácia jurídica dos direitos fundamentais
consagrados pelas Constituições garantistas. Em decorrência disso, ocorre um choque
entre o Estado opressor, intervencionista, e o Estado garantista protecionista dos
direitos fundamentais
4
.
O Direito Penal, mecanismo de controle social subsidiário, surge então,
para alguns juristas, equivocadamente, como uma solução para todas as celeumas
políticas, éticas e sociais da sociedade globalizada
5
e como se fosse uma máquina”,
elaborada para garantir a paz e o bem estar do indivíduo.
3
“O crime adquiriu uma enorme capacidade de diversificação, organizando-se estrutural e economicamente para
explorar campos tão diferentes quanto o jogo, o proxenetismo e a prostituição, o tráfico de pessoas, de droga,
de armas ou veículos ou o furto de obras de arte, aparecendo invariavelmente o branqueamento de capitais
como complemento natural dessas actividades”. (in: Jode Faria Costa; Marco Antonio Marques da Silva,
op., p. 284).
4
Ao expor sua preocupação com o Estado Intervencionista x o Estado liberal no campo do Direito Penal, José de
Faria da Costa expõe sua preocupação da seguinte forma: “Por isso, salientamos este paradoxo como aquele
eixo em um paradoxo pode ser uma excelente placa giratória para o estudo e para a análise do que nos
preocupa sobre o qual em verdadeiro rigor, gira, hoje, toda a problemática da criminalidade, sobretudo
aquela que é causa e que é efeito da globalização. Tudo se encerra, a esta luz e de certa maneira, no
desdobramento compreensivo da própria nação de Estado punitivo”. (Ibid., p. 90).
5
Importante destacar a opinião de Alberto Silva Franco sobre o absolutismo global: “a globalização não é, na
realidade, um fenômeno novo. Grandes impérios em busca de vastas áreas territoriais. Estados nacionais
tendentes à prática de projetos hegemônicos e sistemas econômicos abrangentes envolvendo largas faixas
populacionais encontraram sempre registro na história. No atual milênio, ou seja, nos séculos XV e XVI, as
grandes descobertas abriram novos espaços geográficos até então desconhecidos e isso foi possível pela
conjugação de vários fatores: o aperfeiçoamento das técnicas de navegação, ‘o início do capitalismo comercial
e financeiro; a emergência dos Estados ainda vacilante, aprendendo porém a mobilizar seus recursos’. As
pessoas comprometidas nessas imensas aventuras eram movidas por vários motivos: a procura de lucros, de
ouro, de metais preciosos, de especiarias e de escravos (...)”. (Globalização e criminalidade dos poderosos,
p. 103).
3
A utilização desarrazoada dessa ciência social torna-se um meio
desproporcional
6
, uma fonte de injustiças e fracassos, principalmente, no combate ao
crime organizado, desestabilizando a paz e a ordem mundial.
Ante a ofensa a bens supra-individuais, o Estado busca uma norma de
emergência com a criação de tipos penais que em nada enfraquecem o poderio
econômico e opressor do crime organizado. Estabelece-se assim uma falsa noção de
efetivo combate
7
.
Paulatinamente, percebe-se que uma grande evolução histórica das
organizações criminosas, cuja estrutura, o poder, a intimidação, desestabilizam a paz
pública e, até mesmo, a segurança pública de nações politicamente instáveis.
Diante desse cenário, o presente trabalho pretende demonstrar a evolução
do crime organizado no cenário mundial e seus principais reflexos no Brasil, com base
não na legislação brasileira e comparada, como também nos tratados e convenções
pertinentes à matéria.
6
Segundo relata Anabela Miranda Rodrigues sob o risco da repressão da criminalidade pública com base na
opinião pública: “O facto de se estar avultadíssimos e cuja violência é bem conhecida, convoca um discurso de
encurtamento dos direitos, liberdade e garantias do delinquente, pretendendo-se que o respeito pelos direitos
fundamentais é, em larga medida, inconciliável com eficácia da perseguição deste tipo de criminalidade”.
(in:José de Faria Costa; Marco Antonio Marques da Silva, op. cit., p. 288).
7
Ao tratar da Proliferação das leis de emergência, José de Faria Costa disciplina que: “Quanto a este ponto basta
se referir, como seu elemento paradigmático, que a ideia de código está hoje posta em crise. Mais do que
leis para vigorarem durante certo tempo – não obstante a aceleração histórica -, o que verdadeiramente se é
proliferarem leis que, não sendo tecnicamente leis de emergência, são leis que emergem para levarem a cabo.
Uma política criminal à flor da pele. Por conseguinte, leis de circunstância, de solução de fenômenos efêmeros
que o eco dosa media transforma em essenciais para quem por ele se deixa seduzir, de ausência de qualquer
ideia de programação, de deserto de qualquer tênue veleidade de sistematicidade.
Toda a produção legislativa parece ser levada a cabo, não com o propósito sério e empenhado de uma solução
estável e consequente para um determinado problema, mas antes como remédio tópico que pode estancar
momentaneamente os efeitos mas não, por certo, as causas. As leis e a produção legislativa não são mas antes
erupções descoordenadas e motivadas por casos pontuais, quer da vida nacional, quer da vida internacional”.
(Ibid., p. 92-93)
4
De modo a iniciar o estudo da matéria dissertada, é de fundamental
importância analisar o histórico do ordenamento jurídico brasileiro, desde a época das
civilizações primitivas que aqui habitavam, até o período atual.
Após breve narrativa histórica, o presente estudo propõe-se a analisar os
crimes de concurso necessário contemplados pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Posteriormente, uma vez situada a matéria quanto aos crimes de concurso
necessário, passaremos ao estudo do tema central deste trabalho, ou seja, a figura da
organização criminosa.
A seguir, será realizado um estudo histórico-evolutivo dos reflexos do
crime organizado na sociedade, seus impactos no ordenamento jurídico pátrio e
estrangeiro, com base na análise da doutrina, jurisprudência, tratados e convenções.
Por fim, com fundamento no cenário nacional e internacional, procuraremos
realizar uma análise sobre a existência do crime organizado no Brasil, a partir de um
estudo científico e casuístico da matéria.
É nesse contexto contemporâneo que o presente trabalho está amparado,
sempre com o foco na análise dos institutos pertinentes à matéria dissertada, à luz da
máxima efetividade dos Direitos e Garantias Fundamentais do Homem, norteados pelo
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
5
1. A EVOLUÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO
SUMÁRIO: 1.1 Panorama Histórico; 1.1.1 Direito Penal Indígena; 1.1.2
Ordenações; 1.1.3 Código Criminal de 1830; 1.1.4 Código Penal de 1890; 1.1.5
Projetos de digo Penal; 1.1.6 Projeto Alcântara Machado; 1.1.7 Código Penal de
1940; 1.1.8 Código Penal de 1969; 1.1.9 Reforma Penal de 1984.
1.1 Panorama Histórico
Do ponto de vista metodológico, torna-se de fundamental importância para
o estudo do Direito, compreender a essência dos institutos contemplados pelo
ordenamento jurídico de um País.
Desse modo, a análise histórico-evolutiva do Direito Penal brasileiro
8
, com
base no estudo dos povos primitivos, das Ordenações, dos Códigos Criminal e Penais,
e das consequentes reformas, traduzem essa preocupação no início deste estudo.
Assim, o presente trabalho enriquece-se, para que possamos, no Capítulo
posterior, enfrentar o positivismo vigente, analisar os institutos pertinentes e a
casuística ligada ao crime organizado
8
Nesse sentido, Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha Bueno relata que: “Primeiramente, está-se ver que os
diversos institutos contidos na atual legislação, têm sua forma como conseqüência da experiência jurídico-
social observada ao longo do tempo, que evoluíram, como ainda evoluem, paulatinamente consoante as
necessidades que fizeram sentir na preservação dos penalmente tutelados.
Ao depois, é de se lembrar que ao lado dos diversos métodos de interpretação a que a doutrina sempre faz
referência, invariavelmente tem previsão a histórica, porquanto em determinadas situações a interpretação
gramatical ou literal, pura e simples, não se mostra, suficiente, sendo mister incursão mais profunda buscando-
se a vontade da lei, momento em que a observância do ângulo histórico assume seu lugar, como parte do
processo de interpretação teleológica”. (Breve notícia histórica do Direito Penal no Brasil, p. 192-193)
6
1.1.1 - Direito Penal Indígena
Antes mesmo da chegada dos colonizadores portugueses ao Brasil, em
1500, já havia aplicação de normas penais nesta terra.
João Bernardino Gonzaga, afirma que “para enfrentar as transgressões
praticadas, disporiam os íncolas do Brasil de um Direito Penal: mas a grande
dificuldade consiste em lhe estabelecer o conteúdo
9
.”
Sustentam alguns doutrinadores, que não havia normas expressamente
tipificadas, mas sim, a aplicação de regras consuetudinárias, carregadas de sanções,
motivo pelo qual eles lamentam a falta de escritos históricos para o estudo da
matéria
10
.
A dificuldade de se obter com precisão a história da aplicação do direito à
época, deve-se também à falta de documentos e registros, como a seguir é mencionado
por João Bernardino Gonzaga:
Imensas são as dificuldades para tentar reconstituir o Direito Penal daqueles
povos que se espalhavam pelo nosso território. Incultos como eram, não
deixaram documentos que lhes revelassem o pensamento e os costumes. Se
ao menos tivessem influenciado o Direito dos conquistadores, mesclando-lhe
instituições congeniais, estas nos poderiam tornar-se vias de acesso para,
retrocedendo, penetrarmos no mundo jurídico-social que as moldara. Mas
isso não sucedeu, porque o imenso desnível existente entre as duas
civilizações gerou em têrmos amplíssimos a ocorrência dêste fenômeno
sociológico
11
.
9
O direito penal indígena à época do descobrimento do Brasil, p. 55.
10
Ibid., mesma página.
11
Ibid., p. 12.
7
A doutrina clássica diverge quanto à evolução da matéria, segundo
observado por Nilo Batista:
A conhecida hipótese de Roberto Lyra, segundo a qual o direito dos
aborígenes era tão evoluído quanto dos conquistadores, comportando
inclusive definição de ramos, nunca foi demonstrada, como também nunca
foi demonstrada a suposição de Assis Ribeiro acerca de uma corte de justiça
à qual tocaria o julgamento de infrações graves
12
.
Da mesma forma, Aníbal Bruno relata a ausência de influências da cultura
indígena sob o ordenamento jurídico incorporado pela Coroa portuguesa no Brasil, nos
termos, in verbis:
As práticas punitivas das tribos selvagens que habitavam o país em nada
influíram, nem então, nem depois, sôbre a nossa legislação penal. Em grau
primário de cultura, êsses povos, que os conquistadores subjugavam
brutalmente, interrompendo o curso natural do seu desenvolvimento
autônomo, não poderiam fazer pesar os seus costumes sôbre as normas
jurídicas dos invasores, que correspondiam a um estilo de vida política muito
mais avançado
13
.
O papel do Direito Penal, portanto, torna-se prevalente em relação aos
outros ramos da ciência jurídica nas sociedades primitivas. As escassas relações
jurídicas entre o grupo fizeram com que as transgressões fossem consideradas graves
ofensas, no âmbito daquela tribo ou coletividade
14
.
A responsabilidade penal era extensiva ao grupo, ou seja, não havia o
caráter da individualização da pena
15
. Naquele tempo, a pena de morte era uma sanção
comum, muitas vezes realizada por golpes de tacape no crânio
16
. Curiosamente, a
12
Práticas penais no direito indígena, p. 81.
13
Direito Penal: Parte Geral – Tomo I, p. 155.
14
João Bernardino Gonzaga, op. cit., p. 57-58.
15
Nilo Batista, op. cit., p. 83-84.
8
privação da liberdade não era uma pena conhecida, salvo nas vésperas da execução da
pena de morte
17
.
A união da tribo era extremamente valorizada pelos índios brasileiros
18
. A
ofensa entre tribos distintas, como por exemplo, o “homicídio intergrupal”
19
, gerava
graves consequências, inclusive a própria guerra entre elas.
Diante da economia de subsistência, não era uma prática comum os crimes
contra a propriedade, uma vez que todos os bens eram compartilhados pelo grupo
indígena
20
.
Com a chegada dos colonizadores portugueses no Brasil, efetivamente,
passamos a ter um ordenamento jurídico codificado
21
.
1.1.2 - Ordenações
Durante o período da colonização portuguesa no Brasil, vigoraram as
Ordenações Afonsinas
22
, Manuelinas
23
e, por fim, as Filipinas. Estas permaneceram
16
Ibid., p. 84.
17
Ibid., p. 85.
18
Segundo Paulo Amador da Cunha Bueno: “Não se perdeu de vista, porém, que o comportamento social
primitivo era delimitado em função do binômio tradição-misticismo, sendo certo que cada um tinha sua
maneira de conduzir adstrita aos imperativos de sua tribo, estando os costumes penais sedimentados
justamente na forte solidariedade grupal, geralmente contida e restrita e somente aos limites da própria
tribo”. (op. cit., p. 194).
19
Será sempre necessário, pois, distinguir o homicídio intergrupal (que provocará perda da paz, e postulará
inexorável vingança, podendo levar à guerra), e o mais improvável homicídio intragrupal, que pode reduzir-se
a soluções não penais. (Nilo Batista, op. cit., p. 85)
20
Ibid., p. 86.
21
Segundo Magalhães Noronha: “É claro que esse direito consuetudinário nenhuma influência teria no
descobridor que para aqui veio, trazendo suas leis. Foram elas os nossos primeiros códigos”. (Direito Penal,
1º vol., p. 53).
9
em vigor, em nosso território, por mais de duzentos anos, até a promulgação do
Código Criminal de 1830, conforme esclarece Paulo Amador da Cunha Bueno:
Assim é que, em 11 de janeiro de 1.603, as “Ordenações Manoelinas”
ficaram revogadas, por determinação de El Rey, D. Felipe III de Espanha e
II de Portugal, que ordenou fossem respeitadas as disposições do novo
código cuja elaboração tivera início no reinado do seu genitor. Surgiam as
chamadas “Ordenações Filipinas” ou “Código Filipino”, cuja redação é
atribuída aos desembargadores Paulo Afonso e Pedro Barbosa, em parceria
com Damião de Aguiar e Jorge Cabedo, sendo por sem dúvida de
importância ímpar para história do direito no Brasil
24
.
Basileu Garcia destaca os defeitos que Cesare Bonesana, o Marquês de
Beccaria, apontava nas principais características das Ordenações Filipinas:
As Ordenações assinalavam-se pela exorbitância das penas, que alcançavam
ferozmente fatos às vezes insignificantes, pela desigualdade de tratamento
entre os vários agentes do delito, pela confusão entre o Direito, a Moral e a
Religião e por outros muitos vícios. Dentre as penas, a de morte era
prodigalizada. As execuções se efetuavam na fôrca e na fogueira. Em alguns
casos, eram precedidas de suplícios, como a amputação dos braços ou das
mãos do condenado
25
.
Nos termos da análise crítica de José Henrique Pierangeli, não era seguido,
na época, o princípio da legalidade nullum crimen nula poena sine lege. Desse modo, a
pessoa investida na função de aplicador da lei, muitas vezes, um mero “julgador”
22
Paulo Amador da Cunha Bueno, afirma que: “Das ordenações Afonsinas, não se tem remoto informe sobre sua
aplicação no território do Brasil recém-descoberto, até porque tiveram vida curta, vigorando somente até o
reinado de D. Manoel, o Venturoso, que logo ordenou fossem substituídas pelas ‘Ordenações Manoelinas’,
cuja elaboração incumbiu a Rui Boto, Rui da Grã e João Cotrim”. (op. cit., p. 196)
23
No mesmo sentido das Ordenações Afonsinas, o autor, descarta a aplicação das Ordenações Manoelinas,
conforme trecho a seguir transcrito: “Em terras brasileiras, das ‘Ordenações Manoelinas’, à guisa do que
ocorrera com seu diploma antecessor, não se teve registro de aplicação efetiva, até porque o processo de
colonização encontrava-se em estágio embrionário, e certamente se ocorreu qualquer julgado por este diploma
terá sido muito tímido, se é que houve”. (Ibid., mesma página).
24
Ibid., p. 196-197.
25
Instituições de Direito Penal, p.117-118.
10
sancionador, aplicava penas arbitrárias, ou seja, a critério político, muitas vezes
seguindo interesses obscuros e maliciosos
26
.
Nesse contexto, devemos apontar a existência do crime de assuada
27
, figura
típica encontrada em todas as Ordenações que vigoraram no Brasil.
De acordo com o Título XLV, Livro V, das Ordenações do Reino Código
Filipino:
Qualquer pessoa, que com ajuntamento de gente, além dos que em sua caza
tiver, entrar em caza de alguém para lhe fazer mal, e o ferir a elle, ou á
outrem, que na dita caza stiver, morra morte natural.
(...)
(...)
1. E se o ajuntamento de gente, que assi fez, fôr para fazer mal, ou dano a
alguma pessoa, e não entra em caza alguma, posto que com o ajuntamento
não faça mal, nem dano, se fôr fidalgo, seja preso e degregado quatro annos
para Africa, e pague cem cruzados, a metade para quem o accusar, e a outra
para nossa Camera.
Destaca-se, na oportunidade, a observação Antônio Sérgio Altieri de
Moraes Pitombo, quanto às características da assuada:
(i) a existência de um cabeça que assuasse e juntasse os mais; (ii) a
premeditação do ajuntamento pelo cabeça, o bastando, que casualmente
congregassem; (iii) o ajuntamento deveria ser de dez pessoas, sem contar os
familiares; (iv) o destino do chefe, e das pessoas converticuladas, seja para
fazer mal ao dono da Casa, ou a outra pessoa, que ali estiver, ainda que o
mal não se siga
28
.
26
Códigos Penais do Brasil, p. 58.
27
Joaquim José Caetano Pereira e Souza. Classe dos crimes: por ordem systematica, com as penas
correspondentes segundo a legislação actual, p. 75.
11
1.1.3 - Código Criminal de 1830
Após a independência do Brasil, em 1822, a Constituição Imperial de
1824
29
impôs a elaboração de um Código Criminal
30
, publicado em 16 de dezembro de
1830
31
. Essa legislação sofreu grande influência da Escola Clássica
32
.
Assim, as idéias iluministas foram acentuadas nos projetos elaborados por
José Clemente Pereira e Bernardo Pereira de Vasconcelos, que serviram como base
para o Código Criminal de 1830
33
.
É importante destacar que:
A Constituição de 1824, que aboliu os açoites que, pelo Código Criminal de
1830, continuaram, no entanto, para os escravos, que aboliu a tortura, a
marca de ferro quente, a transmissão da pena aos parentes do criminoso,
mandou que o quanto antes se organizasse um código civil e criminal
34
.
Apesar dos avanços da primeira nova legislação penal genuinamente
brasileira, que acolheu os princípios humanitários consagrados na obra de Cesare
Bonesana, criou-se uma antinomia entre os pressupostos consagrados e a realidade
35
,
conforme expõe, in verbis, Luiz Luisi:
28
Tipificação da organização criminosa, p. 35.
29
Art. 179. (...)
XVIII. Organizar–se-ha quanto antes um Codigo Civil, e Criminal, fundado nas solidas bases da Justiça, e
Equidade.
30
O artigo 179 da Constituição Imperial, segundo José Henrique Pierangeli: “fixou regras que teriam de ser,
posteriormente, observadas pelo legislador ordinário, e que, desde logo, alteravam todo o sistema penal”. (op.
cit., p. 65).
32
Ibid., mesma página.
33
Mário Hoeppner Dutra. Alguns aspectos do novo Código Penal, p. 299-300.
34
Alfredo Albuquerque. Algumas novidades do Código Penal, p. 39.
35
Ao tratar da influência das idéias iluministas em sua obra, Winfried Hassemer aponta com propriedade que o
Direito Penal, ao longo da sua história, jamais será uma ciência linear em busca dos referidos dogmas: “Desde
12
Em verdade, as acendradas manifestações de amor à liberdade, de afirmação
dos direitos naturais do homem encontravam uma antítese positiva uma
sociedade de economia dependente do braço escravo e de uma organização
patriarcal. Daí a presença do antagonismo aos postulados liberais, de um
tratamento legal profundamente desigualitário, mesmo entre os cidadãos,
sem falar da exclusão dos escravos ao alcance da proteção dos direitos civis
e políticos
36
.
Não podemos deixar de ressaltar que o Código Criminal de 1830 vigorou
durante 60 anos e influenciou diversos Códigos de da América Latina
37
.
Quanto ao tema, valido citar a opinião de Alfredo Albuquerque:
O primeiro Código Penal independente e autônomo da América Latina”, pois
que os que o precederam eram adoção dos Códigos da Espanha e da França,
caracterizou-se, no conceito de LADISLAU THÓT, pela clareza e concisão
de seu estilo e pela nova concepção dada a muitas idéias do direito penal
daqueles tempos, tornando-se assim um código de reforma, ‘sugestivo e
inspirador
38
.
Cabe ressaltarmos, ainda, alguns crimes contemplados pelo primeiro
Código genuinamente brasileiro. Entre eles, ressaltamos, in verbis, os tipos previstos
nos Capítulos II e III, da Parte IV, “Dos Crimes Policiaes”:
Sociedades Secretas
Art. 282. A reunião de mais de dez pessoas, em uma casa em certos e
determinados dias sómente se julgará criminosa, quando fôr para fim de que
se exija segredo dos associados, e quando neste ultimo caso não se
os termos da Filosofia do Iluminismo temos experimentado retrocessos no Direito penal do estado de Direito
e em suas teorias em tempos ruins. Também pudemos perceber que os princípios ideais do Direito Penal do
estado de Direito se concretizam aproximativamente, mesmo em tempos bons, e sua observância corre
perigo permanente”. (Direito Penal: fundamentos, estrutura, política, p. 37).
36
Os princípios constitucionais penais, p. 279.
37
Alfredo Albuquerque, op. cit., p. 40.
38
Ibid., p. 39.
13
communicar em fórma legal ao Juiz de Paz do districto em que se fizer a
reunião.
Penas – de prisão por cinco a quinze dias ao chefe, dono, morador, ou
administrador da casa; e pelo dobro, em caso de reincidência
39
.
Ajuntamentos illicitos
Art. 285. Julgar-se-ha commetido este crime, reunindo-se tres, ou mais
pessoas, com a intenção de se ajudarem mutuamente para commeterem
algum delicto, ou para privarem illegalmente a alguem do gozo, ou exercicio
de algum direito, ou dever
40
.
o artigo 286, do aludido Código, disciplinava o preceito secundário da
pena:
Art. 286. Praticar em ajuntamento illicito algum dos actos declarados no
Artigo antecedente.
Penas de multa de vinte a duzentos mil réis, além das mais em que tiver
incorrido o Réo
41
.
Diante da análise dos referidos tipos penais, notamos que o legislador
demonstrava a necessidade de punição dos crimes de concurso necessário, em especial
para a tutela da ordem e da paz pública, de forma a resguardar futuros atentados contra
outros bens jurídicos amparados pela Constituição Imperial e pelo próprio Código
Criminal do Império do Brasil.
1.1.3 – Código Penal de 1890
Em 1890, o contexto da época exigiu novamente transformações no sistema
jurídico brasileiro; consequentemente, o Ministro da Justiça Campos Salles, solicitou a
Batista Pereira a elaboração de um novo Código
42
.
39
José Henrique Pierangeli, op. cit., p. 267
40
Ibid., mesma página.
41
Ibid., mesma página.
14
O novo Código abandonou a denominação Criminal” e passou a adotar a
atual denominação, ou seja, a de “Código Penal”, incorporando, assim, a denominação
de grande parte dos códigos europeus.
A abolição da escravatura, juntamente, com os ideais da Escola Clássica,
fez com que o Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil, fosse
fortemente influenciado pelas idéias iluministas
43
.
Segundo Noronha dispôs:
Era ele de fundo clássico. Procurou suprir lacunas da legislação passada.
Definiu novas espécies delituosas. Aboliu a pena de morte e outras,
substituindo-as por sanções mais brandas, e criou o regime penitenciário de
caráter correcional
44
.
Já Alfredo de Albuquerque critica o conflito entre as Escolas, naquele
período:
Em derredor da escola clássica, a cujos princípios êste Código se amoldou, e
segundo a qual o crime não era propriamente “um fato”, mas uma entidade
jurídica; não uma ação, mas uma infração; que estudava antes o crime que o
criminoso; que tinha no livre arbítrio o fundamento moral da
responsabilidade, que punia, para castigar, vinham bater-se, em arremesso
destruidor, os postulados, da escola positiva, voltada antes para o criminoso,
que para o crime, considerado este não mais uma abstração jurídica, mas um
fato complexo, um produto de forças determinantes intrínsecas ou
42
Com muita propriedade, Pierangeli nos esclarece que: “a proclamação da República interrompeu o trabalho
que vinha sendo realizado por Batista Pereira. Todavia Campos Salles, Ministro da Justiça do Governo
Provisório, renovou-lhe o encargo de preparar o novo código.” (op. cit., p. 174).
43
Mário Hoeppner Dutra esclarece que: “De fundo clássico, padecendo de perto as conseqüências de uma
transição de regimes, limitou-se a reunir disposições esparsas vigorantes na lei anterior, expurgando-as das
falhas, abolindo a pena de morte, a prisão perpétua e a pena infamante. (op. cit., p. 300).
44
Op. cit., p. 58.
15
extrínsecas, agindo imperativamente nesse doentio ser anti-social, o
delinqüente
45
.
A sistemática do aludido Código tratava os agentes do crime como autores,
cúmplices e instigadores.
É importante destacarmos o crime de conspiração, previsto no Capítulo I,
do Título II, que tutelava os crimes contra a segurança interna da República,
disciplinado, in verbis, no art. 115, do Código Penal de 1890:
Conspiração
Art. 115. É crime de conspiração concertarem-se vinte ou mais pessoas para:
§1. Tentar, directamente e por factos, destruir a integridade nacional;
§2. Tentar, directamente e por factos, mudar violentamente a Constituição da
Republica Federal, ou dos Estados, ou a forma de governo por elles
estabelecida;
§3. Tentar, directamente ou por factos, a separação de algum Estado da
União Federal;
§4. Oppor-se, directamente e por factos, ao livre exercício das atribuições
constitucionaes dos poderes legislativo, executivo e judiciário federal, ou dos
Estados:
§5. Oppor-se, directamente e por factos, á reunião do Congresso e á das
assembléas legislativas dos Estados:
Pena - de reclusão por um a seis annos
46
.
O Código Penal de 1890 igualmente manteve, no Capítulo II, o crime de
ajuntamento ilícito
47
; entretanto, ampliou as modalidades de condutas praticadas por
grupo constituído por pelo menos quatro pessoas:
Artigo 119. Ajuntarem-se mais tres pessoas, em logar publico, com o
designio de se ajudarem mutuamente, para, por meio de motim, tumulto ou
assuada: 1.° commeter algum crime; 2.° privar ou impedir a alguem o gozo
ou exercício de um direito ou dever; 3.° exercer algum acto de ódio ou
45
Op. cit., p. 40.
46
José Henrique Pierangeli, op. cit., p. 284.
47
Art. 285, do Código Criminal do Império do Brasil.
16
desprezo contra qualquer cidadão; 4.° perturbar uma reunião publica ou a
celebração de alguma festa cívica ou religiosa:
Pena – de prisão cellular por um a tres mezes.
Torna-se oportuna, neste momento, a citação de Cezar Roberto Bitencourt,
quanto à comparação das figuras criminosas contempladas nos Códigos de 1830 e
1890, conforme acima discriminadas
48
, em relação ao crime de quadrilha ou bando,
previsto no Código Penal de 1940:
O ajuntamento ilícito que aqueles diplomas previam (arts. 285 e 119,
respectivamente), não exigiam permanência ou estabilidade, apresentando
apenas alguma semelhança com a definição atribuída pelo atualCódigo
Penal de 1940 ao crime de quadrilha ou bando: na verdade aquelas
tipificações prescreviam mais uma espécie sui generis de concurso eventual
de pessoas, distinta, por certo, da figura que acabou sendo tipificada em
nosso diploma codificado
49
.
Apesar das ideias iluministas terem prevalecido no Código Penal de 1890,
cabe destacar a opinião de Antonio Sérgio Altieri Moraes Pitombo, a respeito da
influência da Escola Positiva sobre o legislador brasileiro, uma vez que surgiu a
preocupação com as atividades das máfias e demais grupos criminosos estrangeiros
50
.
Por fim, é importante mencionar a opinião de Fragoso sobre as citadas
figuras criminosas, que se distinguem das atuais organizações associativas
51
,
tipificadas pela lei brasileira ora em vigor, conforme expôs: “Diferia ela, porém, do
crime que ora examinamos, por não exigir permanência ou qualquer organização
associativa, não passando de reunião ocasional de delinqüentes
52
.”
48
Ver também tópico anterior.
49
A confusão proposital do concurso eventual de pessoas: “a formação de quadrilha ou bando, p. 167.
50
Tipificação da organização criminosa, p. 47.
51
Ver Capítulo 3.
52
Lições de Direito Penal: parte especial, vol. II, p. 294.
17
1.1.5 – Projetos de Código Penal
Entre a promulgação do Código Penal dos Estados Unidos do Brasil de
1890 e a vigência do atual Código Penal de 1940, foram realizadas diversas tentativas
daquela legislação
53
.
A primeira tentativa foi o projeto Vieira de Araújo, cujo artigo 150
dispunha, in verbis, sobre o crime de associação para delinquir:
Da Associação para Delinquir
Artigo 150. Associarem-se tres ou mais pessoas para commetter crime:
Pena: prisão com trabalho por um a tres annos, a cada uma dellas.
I. Si alguns ou todos os associados percorrem os campos, ou caminhos
públicos, armados, ou tiverem armas em deposito comum.
II. Si a associação tiver promotores ou chefes, a pena será , para estes, de
prisão com trabalho por dous a seis annos no caso da primeira parte deste
artigo, e por tres a nove annos no caso do numero antecedente.
Paragrapho unico. Às penas comminadas neste artigo será sempre annexada
a sujeição à vigilância especial da policia.
Artigo 151. Sera punido como cúmplice todo aquelle que a estas associações
ou a qualquer membro dellas ministrar alimento, munição, arma,
instrumento, guarida ou logar para reunião.
Paragrapho único. Ficará isento de pena aquelle que fornecer alimento, ou
der guarida a algum dos delinquentes, uma vez que seja seu ascendente ou
descendente, quer consanguíneo, quer affim, cônjuge, irmão, tio, sobrinho,
tutor, pupillo ou cunhado durante o cunhadio.
A segunda tentativa de mudança do Código Penal de 1890 partiu de
Galdino Siqueira. Na alteração, o art. 132 disciplinava, in verbis, a conduta:
Artigo 132. Ajuntarem-se diversas pessoas, em logar publico, com a
intenção de se ajudarem para, mediante tumulto, assuada, ou outra
perturbação da ordem pública:
1° commeter algum crime;
2° privar ou impedir a alguem o gozo ou exercício de um direito ou dever;
3° exercer algum acto de odio ou desprezo contra qualquer cidadão;
53
Na acepção de Mario Hoeppner Dutra: “Mas como ressentia-se de muitos defeitos e deficiências, fazia-se
necessária uma reformulação dentro dos imperativos da prática, o que ensejou a aparição dos projetos João
Vieira, Galdino Siqueira e Virgílio de Sá Pereira”. (op. cit., p. 300).
18
Pena – reclusão de 2 mezes a 2 annos, além das mais em tiver ocorrido.
Seguindo a ordem cronológica, coube a Virgílio de Pereira uma nova
tentativa de reforma
54
. Ao analisar o Projeto, não houve menção ao crime do gênero
associação.
Convém registrarmos, por fim, que as inúmeras modificações do Código
Penal de 1890, no que diz respeito, principalmente à parte dos tipos penais, ensejaram
a promulgação de diversas leis extravagantes. Nesse contexto, Vicente Piragibe
encarregou-se de realizar a Consolidação das Leis Penais”, adotada pelo Decreto n.
22.213, de 14.12.1932
55
.
1.1.6 – Projeto Alcântara Machado
Em outubro de 1934, o Ministro da Justiça Vicente Ráo, convidou
Alcântara Machado para elaborar um projeto de código e leis penais. O projeto não
prosperou devido ao golpe de Estado.
Logo após o golpe de 1937, o novo Ministro da Justiça Francisco Campos,
reiterou o convite a Alcântara Machado
56
.
54
Nota-se que o projeto Pereira apresentava-se como obra notável, porque trazia em si as recentes
manifestações do movimento reformador das leis penais, notando-se certa influência do projeto do Código
suíço e do Código Penal argentino. Jiménez de Asúa, incluiu-os entre as melhores leis penais de seu tempo, a
despeito dos pequenos reparos que apontou. (Ibid., p. 299-300).
55
Leiam-se as palavras de Noronha: Quer por seus defeitos, quer pelo tempo que vigorou esse estatuto,
numerosas foram as leis extravagantes que o completaram, tornando, às vezes, aos homens de direito.
Embaraçosa a consulta e árdua a pesquisa. Foi o Des. Vicente Piragibe encarregado, então, de reunir em um
corpo o Código e as disposições complementares, daí resultando a Consolidação das Leis Penais, que se
tornou oficial pelo Decreto n. 22.213, de 14 de dezembro de 1932, e cuja vigência findou com o advento do
atual diploma, com a redação original de 1940”. (op. cit., p. 59).
56
Mário Hoeppner Dutra, op. cit., p. 300.
19
José Henrique Pierangeli narra que o projeto definitivo possuía 390 artigos
e continha a seguinte advertência:
A eficácia plena da aplicação da nova lei dependerá de duas condições, que
estão nas mãos do Governo realizar: a preparação especializada da
magistratura e a criação de estabelecimentos destinados à readaptação de
certos delinqüentes, à reeducação de outros, ao tratamento de muitos
57
.
Como forma de desqualificar o trabalho de Alcântara Machado, alguns
críticos da época, infundadamente, atribuíram falta de originalidade ao projeto do
autor
58
.
E Alcântara Machado rebateu as críticas imputadas ao seu trabalho,
conforme trecho a seguir transcrito:
Outros motivos, igualmente ponderosos, justificam a influência, que fui o
primeiro a confessar na “Exposição” preliminar do anteprojeto da Parte
Geral, e de que não me pejo, nem me arrependo.
Antes de tudo, os laços espirituais, que advêm do caráter acentuadamente
latino de nossa cultura e que tendem a aumentar com a transfusão crescente
de sangue italiano em veias brasileiras.
(...)
Sem embargo de tudo isso, o projeto brasileiro está muito longe de ser cópia
ou adaptação da obra italiana
59
.
Ademais, o autor inovou, quanto ao nome do crime de autoria coletiva, ao
disciplinar no artigo 199 do seu projeto, a seguinte figura típica:
Art. 199. Aquadrilharem-se tres ou mais pessoas para a prática de crimes.
Pena reclusão por 3 a 7 anos para o cabeça ou organizador; e por 1 a 5
anos para os outros.
57
Op. cit., p. 78.
58
Para Alcântara Machado: “Acusa-se tão acerba, quanto infundadamente, o projeto de ser imitação do Código
italiano de 1930. A História se repete. Houve quem acusasse o legislador de 1830 de copiar o Código
Napolitano de 1819, o codificador de 1890 de plagiar o Código ZANARDELLI de 1889, o Projeto
PEREIRA de reproduzir o suíço”. (O projeto do Código Criminal perante a crítica, p. 293).
59
Ibid., p. 293-294.
20
1° Aumentar-se-á a pena, se, armados, os agentes percorrerem o sertão, ou as
estradas, ou outros logares em que se desenvolvam a sua atividade
criminosa; ou se a quadrilha se valer do concurso de menores de 18 anos.
Punir-se-á com detenção por 6 meses a 2 anos, ou multa de 1 a
5:000$000, ou ambas cumulativamente, aquele que, sabendo tratar-se de
membro de quadrilha, fornecer a um deles asilo ou viveres, sem participar de
qualquer fórma de sua atividade criminosa. Aumentar-se-á a pena, se os
viveres ou asilo forem fornecidos continuadamente. Não haverá logar a
aplicação da pena, se o beneficiário fôr ascendente, descendente, cônjuge,
irmão, cunhado, tio ou sobrinho do agente.
Por fim, merece destaque na disciplina do projeto, a previsão dos crimes
contra a economia pública, da fraude comercial, da venda de coisas nocivas à saúde,
da instigação de delinquir, da resistência, bem como de outras figuras delituosas,
igualmente previstas nas leis de segurança nacional
60
.
1.1.7 – Código Penal de 1940
Apesar de Alcântara Machado ter finalizado os seus trabalhos, o Projeto
não foi transformado em lei
61
, mas sim, submetido a uma comissão de revisão
composta por Nélson Hungria
62
, Narcélio de Queiroz, Vieira Braga e Roberto Lyra,
sob a presidência do Ministro da Justiça Francisco Campos
63
.
O atual Código Penal, de orientação liberal, não seguiu a Primeira, nem
tampouco, a Segunda Escola, mas sim foi de caráter eclético, como declara a
60
Ibid., p. 297-299.
61
Nos termos a Exposição de Motivos do Código Penal de 1940: “dos trabalhos da comissão resultou este
projeto, embora da revisão houvessem advindo modificações à estrutura e ao plano sistemático, nãodúvida
que o Projeto de Alcântara Machado representou, em relação aos anteriores, um grande passo no sentido da
reforma da nossa legislação penal”.
62
Importante destacar a lembrança de Noronha sobre uma menção de Hungria sobre o Código Penal de 1940: “o
projeto Alcântara Machado está, para o Código Penal, como o projeto Clóvis está para o Código Civil” (op.
cit., p. 60).
63
José Henrique Pierangeli, op. cit., p. 78.
21
Exposição de Motivos. Conforme citação de Noronha: “Acende uma vela a Carrara e
outra a Ferri”
64
.
Alfredo Albuquerque, assim explica: “O Código, à semelhança do direito
canônico, que levava em maior conta o elemento moral da delinquência, acabou com a
distinção entre co-autor e cúmplice
65
.”
Esther de Figueiredo Ferraz, a respeito da “tormentosa” e “complexa”
realidade da nova disciplina do Código Penal de 1940
66
, observa que:
No que tange ao direito penal brasileiro, é bem verdade que a partir de 1940
filiou-se ele declaradamente à tese da equiparação dos vários agentes do
crime, filiação essa reafirmada em termos enfáticos quase trinta anos mais
tarde ao ser promulgado o Código de 1969, objeto do decreto-lei n.° 1.004,
de 21 de outubro daquele ano. Essa tomada-de-posição não eliminou, porém,
as dúvidas de ordem doutrinária e as dificuldades de ordem prática comuns
no regime dos códigos e 1830 e 1890 em que imperava a tradicional
distinção entre autores e cúmplices
67
.
Já Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, mencionam que:
O código de 1940 optou por uma grosseira simplificação, criada no código
Rocco, de 1930
68
, e, sob a denominação de “Da co-autoria”, afirmava, com
64
Magalhães Noronha, op. cit., p. 61.
65
Op. cit., p. 43.
66
A Exposição de Motivos do Código Penal de 1940, assim dispôs: “Já não haverá mais diferença entre
participação principal e acessória, entre auxílio necessário e secundário, entre a societas criminis e a societas
in crimine”.
67
A co-delinqüência no direito penal brasileiro, p. 02.
68
Conforme observa Esther de Figueiredo Ferraz: “Esse aspecto da questão não passou despercebido aos
apresentadores do código italiano de 1930 e dos códigos brasileiros de 1940 e 1969. Assim, consta da Relação
do Ministro Rocco: ‘O modo de participar no crime pode ser tomado em consideração o para o efeito de se
atribuir às ações de cada concorrente uma diferente importância causal, mas para daí extrair elementos
sintomáticos a respeito da maior ou menor periculosidade do culpado(...)’”. (op. cit., p. 09).
22
singular simplicidade, que o projeto aboliu a distinção entre autores e
cúmplices: todos que tomam parte no crime são autores
69
.
Ao longo da vigência do Código Penal de 1940, intensificou-se um
movimento de reformas na legislação, devido ao crescimento exacerbado das
modalidades criminosas, como por exemplo, o tráfico de drogas
70
.
na Parte Geral do referido Decreto-lei, o legislador disciplinou, no art.
45, como uma agravante genérica, no caso de “concurso de agentes”, aquele que
“promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais
agentes”
71
.
É oportuno citar aqui a observação de Noronha, a respeito das
circunstâncias agravantes disciplinadas entre os arts. 44 a 48, naquela época:
Mas, as que os arts. 44 a 48 tratam são diferentes porque podem juntar-se a
qualquer tipo sem alterá-lo na essência, apenas aumentado ou diminuindo a
pena, e sem o fazer dentro dos limites previamente fixados. Traduzem,
consequentemente, maior ou menor gravidade do fato. o as denominadas
accidentali delicti, que se opõem às essentialia
72
.
O Decreto-lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940, disciplinou, ainda que
de forma tímida
73
, o crime de quadrilha ou bando. É oportuno, nesse contexto,
69
Op. cit., p. 664.
70
A Lei 4.451, de 4.11.64, e o Dec.-lei 385, 26.12.68, modificaram a redação do art. 281, do CP, para agravar a
pena do comércio, a posse ou a facilitação do uso de entorpecente ou substância que determine dependência
física ou psíquica. Posteriormente, a Lei 5.726, de 29.10.71, reformulou completamente o art. 281, do CP, até
a promulgação da Lei 6368, de 21.10.76, que vigorou por quase vinte anos, ou seja, até a vigência da atual Lei
n. 11.343, de 23.08.2006. (René Ariel Dotti, História da legislação brasileira (II) – A reforma do CP 1940:
de 1942 a 1984, p. 303).
71
Ver Tópico 3.3.3.
72
Direito Penal, p. 248-249.
73
O contexto da época exigia uma maior preocupação com os crimes praticados por grupos organizados. Na
Itália e nos Estados Unidos proliferavam os crimes praticados pelas máfias. Silvia Reiko Kakamoto afirma
que: “Nesta cidade até hoje atuam várias famílias independentes, que controlam as atividades criminosas, ao
23
ressaltar o dispositivo da Parte Geral sobre a periculosidade dos crimes praticados por
agrupamentos, conforme transcrição in verbis:
Art. 78. Presumem-se perigosos:
(...).
V - Os condenados por crimes que hajam cometidos como filiados a
associação, bando ou quadrilha de malfeitores.
O Código Penal de 1940 manteve a estrutura dos demais Códigos europeus,
quanto ao crime ora em estudo. Havia, como ainda há, dificuldade de conceituação
desses grupos criminosos, conforme transcrição literal do atual art. 288, do Código
Penal:
QUADRILHA OU BANDO
Art. 288. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o
fim de cometer crimes:
Pena: reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é
armado.
Torna-se oportuno citar o comentário de Cezar Roberto Bitencourt ao
comparar o crime de quadrilha ou bando sob a ótica do art. 31
74
, do atual Código Penal
de 1940:
Em síntese, o crime de quadrilha ou bando é uma criação do Código Penal
de 1940, constituindo, por sua definição, uma modalidade especial de
punição, como exceção, ao que se poderia denominar de atos preparatórios
de futura infração penal, que na ótica do art. 31 do referido diploma legal,
não são puníveis
75
.
passo que, desde 1931, por iniciativa de Lucky Luciano, criou-se uma comissão que reúne as 25 famílias mais
influentes.” (Breves Apontamentos sobre o crime organizado e a proteção à testemunha na Itália e nos
Estados Unidos, p. 424).
74
Ver Capítulo 3, subitem 3.3.3.
75
A confusão proposital do concurso eventual de pessoas: “a formação de quadrilha ou bando, p. 167.
24
1.1.8 - Código Penal de 1969
O anteprojeto do Código Penal ficou a cargo de Nélson Hungria
76
, também
contou com a participação de outros juristas, tendo recebido inúmeras críticas
77
da
doutrina
78
da época.
Contudo, cabe ressaltar a visão que Nélson Hungria sustentava naquela
época, ao ser criticado sobre o seu anteprojeto do Código Penal
79
, conforme ciclo
conferências proferidas na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em trecho
transcrito, in verbis:
Senhores, se há hoje um ideal definido no campo da ciência jurídico-penal, é
o de que todo o mundo civilizado tenha códigos penais idêntico,
homogêneos. Há toda uma ciência – não é possível que o Dr. Marco Antonio
ignore isso chamada Direito Penal Comparado, cujo único objetivo é êste:
promover a homogeneidade dos códigos penais do mundo atual
80
.
Devemos destacar alguns pontos inovadores do anteprojeto, como por
exemplo, a redução da idade penal, de 18 para 16 anos
81
; a manutenção das penas
76
Escreve René Ariel Dotti: “Em 1961, o Ministro da Justiça Pedroso Horta, solicitou a Nélson Hungria, Hélio
Tornaghi e Roberto Lyra a elaboração de anteprojetos de Código Penal, Código de Processo Penal e Código
de Execuções Penais, respectivamente. Os textos vieram a lume no ano de 1963. Aqueles documentos
sintetizavam as tendências nacionais e internacionais refletidas na teoria e na prática das ciências penais.
Compunham, também, parte do legado do efêmero Governo de Janio Quadros, posto que durante a sua gestão
aqueles destacados juristas foram convidados para o desafio da reforma global do sistema penal, diante das
novas necessidades sociais, econômicas e culturais que emergiram no final da década dos 50”. (op. cit., p.
303).
77
Para José Henrique Pierangeli: “O Anteprojeto Nélson Hungria mantinha, basicamente, a mesma estrutura do
Código de 1940, procurando apenas excluir os defeitos mais graves que aquele apresentava (op.cit., p. 82).
78
Nélson Hungria, afirma que seu anteprojeto do digo Penal sofreu críticas de diversos juristas, professores e
estudiosos, entre eles o Professor Heleno Fragoso, Basileu Garcia, Magalhães Noronha, entre outros.
(Respostas as objeções ao anteprojeto, p. 462–481).
79
Relata, ainda, o autor, que foi acusado pelo Dr. Américo Marco Antonio, insigne advogado do foro criminal,
que o seu projeto seria “uma espécie de colcha de retalhos.” (Ibid., p. 471).
80
Ibid., p. 471-472.
81
Ibid., mesma página.
25
extraordinariamente graves e as medidas de segurança com uma moldura autoritária
idealista
82
; a adoção no artigo 35 da teoria ampliativa, ou seja, não havia diferença
entre as formas de autoria e participação.
De acordo com René Ariel Dotti, o novo projeto não trazia muitas
novidades com relação ao Código Penal de 1940:
Não causava estranheza a circunstância do anteprojeto ter sido decalcado no
Código Penal de 1940, posto ter sido Nélson Hungria o líder e o principal
redator deste diploma. Seria compreensível, portanto, que a proposta de
reforma não afetasse os pilares sobre os quais se construiu o texto
monumental de 1940 e cuja Parte Especial ainda hoje se mantém
virtualmente inalterada
83
.
Luiz Luisi, apesar de criticar o projeto de Nélson Hungria, quanto às
influências do Código Rocco, elogiou o novo projeto, quando mencionou as
influências da legislação alemã no seu texto normativo:
O Código de 1969 acha-se influenciado, de um lado, pelo Código Rocco,
mas também pela moderna legislação penal alemã. Do código Rocco importa
as superadas figuras criminológicas, do criminoso habitual (presumindo em
certos casos a habitualidade) e por tendência e a chamada pena
indeterminada no seu máximo. Da parte geral do código penal alemão de
1969, adota a dualidade de estados de necessidade, um excludente de
antijuridicidade e outro a culpabilidade. Inclui também um tratamento mais
moderno da problemática da perigosidade e as medidas de segurança.
Inadmite como faz o moderno código penal teuto a possibilidade de
aplicação sucessiva de uma pena privativa de liberdade seguido de uma
medida de segurança pessoal detentiva
84
.
No art. 33 do Projeto de Hungria, não havia distinção entre o autor e o
partícipe, nos termos da transcrição do Anteprojeto de Código Penal, in verbis:
82
Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, Manual de direito Penal brasileiro: parte geral, p. 223.
83
Op. cit., p. 310.
84
Princípios constitucionais penais, p. 283.
26
Art. 33. Quem de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a
êste cominadas.
§ A punibilidade de qualquer dos concorrentes é independente da dos
outros, não se comunicando, outrossim, as circunstâncias de caráter pessoal,
salvo quando elementares do crime;
§ A pena é agravada em relação ao agente que promove ou organiza a
cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agente;
§ Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, a
pena, em relação a ele, é diminuída de um têrço ate a metade, não podendo,
entretanto, ser inferior ao mínimo da cominada ao crime
85
.
Outra matéria que merece destaque no pico ora em estudo é a figura do
criminoso habitual. Nesse contexto, notamos que códigos europeus e sul-americanos já
o contemplavam. Porém, no cenário pátrio, somente com o Anteprojeto de Hungria de
1963, foi previsto o criminoso reincidente ao lado do criminoso habitual.
Quanto ao tema, segue abaixo a opinião de Dirceu de Mello:
Em suma, considerados os projetos e Códigos da década de 1920, e depois
deles os projetos e diplomas da década de 1930, europeus e sul-americanos,
o que se pode aduzir, à vista do Código Penal Brasileiro de 1969, calcado no
Anteprojeto de Hungria de 1963, é que amanheceu tarde, para o Direito
Criminal pátrio, diferenciada da reincidência tradicional, a figura jurídica da
habitualidade criminosa. Talvez por atraso, porém, veio a novidade com
toque ausente na quase totalidade das legislações precedentes: a
consideração da criminalidade por tendência como entidade distinta da
criminalidade habitual
86
.
Por outro lado, o autor aponta o desacerto do novo diploma, o qual
confunde o criminoso habitual, com inclinação ao delito, com tendência criminosa
(“vocação natural para o crime”).
85
Anteprojeto de Código Penal, p. 10.
86
Criminoso por tendência, p. 266.
27
Dirceu de Mello, à luz do Código Penal brasileiro, afinal destaca o tema da
habitualidade e do profissionalismo delituoso:
O que se deseja, particularmente, enfatizar, é que, na habitualidade, qualquer
que seja o aspecto com que se apresente, diversamente do que acontece na
tendência, não traz o agente, em si, a vocação para o crime. O criminoso
habitual, por força das influências do meio ou de outras, contrai o costume
do delito
87
.
A análise do tema ora narrado torna-se culminante para o estudo da autoria
nos crimes de concurso necessário, conforme analisaremos nos Capítulos seguintes.
Com relação à Parte Especial do novo Código Penal, o Título IX, que
disciplinou: “Dos crimes contra a paz pública”, observa-se a previsão do crime de
quadrilha ou bando, nos termos do atual digo Penal 1940, conforme texto do art.
312, a seguir transcrito, in verbis:
Art. 312. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o
fim de cometer crimes:
Pena - reclusão, até 3 anos.
Parágrafo único. A pena aplica-se em dôbro, se a quadrilha ou bando se
mune de armas
88
.
Após o fechamento do Congresso Nacional a promulgação do novo Código
ficou suspensa e este, sem nunca estar vigente, foi derrogado pela Lei n. 6578, de 11
de outubro de 1978.
O Projeto não prosperou
89
.
87
Dirceu de Mello, op. cit., p. 267.
88
Hungria, Anteprojeto de Código Penal, p. 67.
89
Por força do Ato Institucional n. 5, em 1969, diante da impossibilidade de discussão do projeto no Congresso
Nacional. Contudo, no mesmo ano, com a morte de Hungria, o Ministério da Justiça não mais reuniu a
Comissão. (René Ariel Dotti, op. cit., p. 313).
28
1.1.9 - Reforma Penal de 1984
Sob a presidência de Francisco de Assis Toledo
90
, no dia 11 de julho de
1984, convertia-se em lei a nova parte geral do Código Penal e a Lei de Execução
Penal.
Com a reforma da Parte Geral foram introduzidas algumas inovações,
dentre as quais destacamos: a disciplina normativa da omissão; o surgimento do
arrependimento posterior; a nova estrutura sobre o erro; as novas modalidades de pena;
a extinção das penas acessórias; e a abolição de grande parte das medidas de
segurança, com o fim da periculosidade presumida
91
.
Um dos pontos de destaque da nova Parte Geral é a retomada da adoção da
teoria restritiva quanto à diferenciação entre participação e autoria, nos termos do atual
artigo 29 do CP, conforme abaixo disposto, in verbis:
TÍTULO IV
DO CONCURSO DE PESSOAS
Regras comuns às penas privativas de liberdade
Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a
este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Redação dada pela Lei
7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída
de um sexto a um terço. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-
lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na
hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. (Redação dada pela
Lei nº 7.209, de 11.7.1984).
90
A comissão era integrada por Francisco de Assis Toledo, Miguel Reale Júnior, Francisco Serrano Neves,
Ricardo Antunes Andreucci, Hélio Fonseca e Rogério Lauria e Tucci. (José Henrique Pierangeli, Códigos
Penais do Brasil, p.84).
91
Magalhães Noronha, op. cit., p. 63.
29
É importante destacar que o revogado art. 45, da antiga Parte Geral do
Código Penal de 1940, passou a ser disciplinado no artigo 62, do Diploma vigente, nos
exatos termos transcritos no tópico anterior
92
; contudo é oportuno ressaltar,
conforme exposto no parágrafo anterior, que a reforma modificou o título de
“concurso de agentes” para “concurso de pessoas”, tendo em vista a adoção da teoria
restritiva quanto à diferenciação entre o co-autor e o partícipe da conduta criminosa
93
.
A Parte Especial do Código Penal de 1940, não foi modificada, tendo
permanecido as disposições do crime de quadrilha ou bando, do artigo 288 do CP.
Finalmente, o próprio Francisco de Assis Toledo, ao dissertar sobre a
reforma de 1984, identifica uma série de efeitos ocasionados pelo Direito Penal
simbólico
94
:
No Brasil de hoje, esse Direito Penal simbólico chega aos limites extremos
da ficção. Diante de um crime de certa repercussão social e da pressão da
mídia, identifica-se, logo, simploriamente, a impunidade como causa única
ou principal do fato e, em seguida, edita-se mais outra lei agravando penas
ou reduzindo benefícios aos condenados.
(...)
Conclusivamente, mas sem a pretensão de indicar solução definitiva,
completa ou miraculosa, temos insistido na necessidade de abandonarmos a
retórica da pena criminal. Mas com a pena criminal é necessária,
insubstituível, devemos, pelo menos, selecionar melhor as hipóteses de sua
aplicação para que ela possa ser efetivamente executada, não fique apenas no
papel.
(...)
92
Ver Tópico 1.1.7.
93
Ver Capítulo 2.
94
Segundo Cezar Roberto Bittencourt: “Tradicionalmente as autoridades governamentais adotam uma política
de exacerbação e ampliação dos meios de combate a criminalidade, como solução de todos os problemas
sociais, políticos e econômicos que afligem a sociedade. Nossos governantes utilizam o direito penal como
panacéia de todos os males (direito penal simbólico); defendem graves transgressões de direitos fundamentais
e ameaçam bens jurídicos constitucionalmente protegidos, infundem medo, revoltam e ao mesmo tempo
fascinam a uma desavisada massa carente e desinformada. Enfim, usam arbitrária e simbolicamente o Direito
Penal para dar satisfação à população e, aparentemente, apresentar soluções imediatas e eficazes ao problema
da segurança e da criminalidade”. (op. cit, p. 168).
30
Mas a lei, por si só, não pode modificar. Quem pode fazê-lo é o destinatário
de seus mandamentos, ou seja, o homem que a torna eficaz no mundo social.
Por isso concluo afirmando que a verdadeira reforma, aquela que poderá
repercutir favoravelmente em prol de uma imagem melhor da Justiça
Criminal perante a opinião pública de nosso País, está uma boa parte nas
mãos dos senhores – membros do Ministério Público e magistrados
95
.
95
Alguns aspectos da reforma do código penal, p. 51-57
31
2. CRIMES DE CONCURSO NECESSÁRIO
SUMÁRIO: 2.1 Introdução; 2.2 Quadrilha ou bando; 2.3 Associações
Criminosas; 2.3.1 Lei 2.889/1956 (Lei do Genocídio); 2.3.2 Lei 7.170/1983 (Lei de
Segurança Nacional); 2.3.3 Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas); 2.3.4 Lei 9.613/1998
(Lei de Lavagem).
2.1 Introdução
Na ocasião, torna-se importante situar o presente trabalho em relação aos
crimes de concurso eventual e necessário, a começar pelo digo Penal vigente, para
logo em seguida, analisarmos os crimes de concurso necessário contemplados na
legislação extravagante.
O ponto de partida para o estudo do concurso eventual
96
encontra-se na
própria execução da prática criminosa, uma vez que a violação do tipo penal pode
resultar da ação ou omissão de um único ou diversos agentes. Na última hipótese,
embora a ação possa ser realizada por um único agente, haverá concorrência na
execução do delito, através da divisão de encargos.
Ao discorrer sobre o concurso eventual de agentes, Aníbal Bruno afirma:
O fato punível pode ser obra de um só ou de vários agentes, Seja para
assegurar a realização do crime, para garantir-lhe a impunidade, ou
simplesmente porque interessa a mais de um o seu consentimento, reúnem-se
os consócios, repartindo entre si as tarefas em que se pode dividir a emprêsa
criminosa, ou, então, um coopera apenas na obra do outro, sem acôrdo
96
Segundo Esther Ferraz: “A teoria da participação tem por objeto o concurso eventual ou contingente, que
representa no dizer de Antolisei “a hipótese comum”, ou seja, a dos crimes que, abstratamente considerados,
podem ser praticados indiferentemente por um só ou por rios indivíduos. Nessa hipótese que corresponde à
regra geral se enquadra a maioria dos crimes definidos nas leis penais”. (op. cit., p. 18-19)
32
embora, mas com a consciência dessa cooperação. Fala-se, então, em
concurso de agentes, participação ou co-delinqüência
97
.
Os crimes praticados em concurso de pessoas são disciplinados pelo artigo
29 e seguintes do Código Penal
98
.
Quanto ao concurso de pessoas, segue abaixo a definição de Magalhães
Noronha:
Existe co-delinqüência quando mais de uma pessoa, ciente e
voluntariamente, participa da mesma infração penal (crime ou
contravenção). convergência de vontades para um fim comum, aderindo
uma pessoa à ação de outra, sem que seja necessário prévio concerto entre
elas
99
.
Diante da definição do citado autor, é imperiosa a necessidade do conluio
de vontades para a prática da modalidade criminosa, caso contrário, jamais teremos a
modalidade co-delinquência.
Assim, o concurso de pessoas ocorre quando mais de uma pessoa, ciente e
voluntariamente, participa da mesma infração penal, sendo indispensável a
conspiração para um objetivo comum
100
.
Por sua vez, os crimes de concurso necessário, também conhecidos como
crime coletivo, plurissubjetivo ou de condutas paralelas, são aqueles que
necessariamente são praticados por mais de um agente, ou seja, o próprio tipo penal
exige a pluralidade de agentes para a execução do delito.
97
Direito Penal: Parte Geral. Tomo II, p. 257.
98
Ver Capítulo 2.
99
Op. cit., p. 199.
100
Noronha, op.cit., p. 207.
33
diversos dispositivos legais que contemplam a figura dos crimes de
concurso necessário, a começar pelo atual Código Penal de 1940, como também,
outros previstos na legislação extravagante.
Dentre esses crimes, podemos destacar o crime de rixa (art. 137), o furto
qualificado (art. 155, § 4°, IV), o roubo
101
(art. 157, § 2°, II), o esbulho possessório
(artigo 161, II, 2ª parte), a paralisação de trabalho, seguida de violência ou perturbação
da ordem (arts. 200 e 201), a quadrilha ou bando (art. 288).
Já na legislação extravagante encontraremos outros tipos penais, alguns
deles ligados ao tema central do presente estudo, conforme analisaremos
oportunamente nos tópicos seguintes
102
.
Torna-se oportuna, nesse contexto, a citação de Silvio Ranieri sobre os
delitos plurissubjetivos:
São, a seu ver, plurissubjetivos de condutas paralelas os delitos em que as
ações de cada um dos sujeitos necessários se desenvolvem, em colaboração,
no mesmo plano e na mesma direção, movendo-se do mesmo ponto em
direção ao mesmo resultado (exemplo, em nosso direito, o da paralização do
trabalho). Plurissubjetivos de condutas convergentes aqueles em que ditas
ações se desenvolvem, em colaboração, movendo-se de pontos opostos e
uma em direção à outra (exemplo, o adultério
103
e a bigamia). Finalmente,
plurissubjetivos de condutas contrapostas aqueles em que as referidas ações,
desenvolvendo-se sempre em colaboração, movem-se ainda de pontos
opostos mas já agora uma contra a outra (exemplo, a rixa)
104
.
101
Segundo Maximiliano R. E. her e Maximilianus C. A. Füher: “Há quem preferira a expressão ‘roubo
qualificado’. Mas, em boa técnica, o termo deve ser reservado para os tipos derivados, que realmente
apresentam um novo mínimo e um novo máximo de pena”. (Código Penal Comentado, p. 392).
102
Ver Capítulo 2.
103
Revogado pela Lei n. 11.106, de 28 de março de 2005.
104
Diritto Penale: parte generale, p. 312.
34
Noronha discorre sobre a ausência de co-autoria ou co-participação nos
delitos plurissubjetivos:
Advirta-se que nem sempre a participação de várias pessoas em um crime
importa co-participação. Assim, nos chamados delitos plurissubjetivos como
o de bando, ou quadrilha (art. 288), em que a pluralidade de agentes é
elemento do tipo, não se podendo falar em co-autoria
105
.
Todavia, com base em uma análise preliminar, podemos concluir que o
atual Código Penal encontra-se obsoleto e ultrapassado para cuidar da criminalidade
organizada, uma vez que se trata de um fenômeno altamente complexo e dinâmico.
Partilha desse entendimento, Maurício Antônio Ribeiro:
(...) os digos penais continuam adstritos às formulações tradicionais de
crime, que focalizam precipuamente os atos anti-sociais episódicos,
indicativos da criminalidade em pequena escala, ou, em outras palavras, a
microcriminalidade
106
.
Após essa breve exposição sobre os crimes de concurso eventual e
necessário, passamos a análise dos delitos em espécie, vinculados direta ou
indiretamente ao tema central deste estudo.
2.2 Quadrilha ou bando
Desde a Antiguidade, resquícios de que algumas formas de agrupamento
incomodavam a classe dominante. Segundo Heleno Cláudio Fragoso, já na Roma
Antiga havia o receio das associações ilícitas:
As associações ilícitas desde tempos remotos preocupavam os governantes,
por motivos puramente políticos, ou seja, pelo perigo da sedição ou
105
Direito Penal, 1º vol., p. 207.
106
Apontamentos sobre o crime organizado e notas sobre a Lei 9.034/1995, p. 171.
35
conjuração. Um texto de Marciano, inserto no Digesto (Lei n.° 47, tít. 22,1)
refere a proibição de confrarias ou sodalícios, e, de modo geral, de
congregações ilícitas. (illicitum collegium)
107
.
O referido autor relata que a periculosidade do agrupamento, inicialmente
estava muito mais ligada a uma questão política, do que a uma criminal, uma vez que
poderia subverter o sistema. Desde a Idade Média, havia registro das denominadas
conventiocola, conforme expõe: “Esse nome designava, a princípio, reuniões
eclesiásticas, tendo passado a corresponder a associações de homens armados, com o
propósito de praticar saques, depredações e outros crimes, sendo objeto de severa
repressão
108
”.
Por sua vez, Magalhães Noronha afirma que o crime de quadrilha ou bando
influenciou vários Códigos, como por exemplo, o italiano, o de Zanardelli e o alemão.
Foi definido pela primeira vez no Código Penal francês como: “Art. 265: Toute
association de malfaiteur envers lês personnes ou les proprietés est um crime contre La
paix publique”
109
.
Posteriormente, o conceito do tipo penal em questão foi modificado, tendo
hoje a seguinte redação: “Toda associação formada, qualquer que seja sua duração ou
o número de seus membros, todo acordo estabelecido com o fim de preparar ou
cometer crimes contra as pessoas ou as propriedades constituem crime contra a paz
pública”.
Conforme expôs Fragoso:
107
Lições de direito penal: parte especial, vol. II, p. 293.
108
Fragoso, op. cit., p. 294.
109
“Artigo 265. Toda associação de malfeitores envolvidas contra as pessoas ou propriedades é crime contra a
paz pública”. (Direito Penal,. 4° vol., p.107).
36
Introduzia-se, assim, a punição da quadrilha como crime por si mesma,
sistema que passou a vários códigos do século passado, com maior ou menor
amplitude. Na Itália, acolheram-no os códigos parmense, de 1820 (art. 264) ;
o albertino, de 1847; o toscano, de 1953 (art. 421) ; o sardo, de 1859 (arts.
426 e 430). Após a unificação, o código Zanardelli (1889) o previa nos arts.
248 a 251, e o vigente código italiano, no art. 416. Encontramos também esta
figura de delinot, entre outros, nos códigos alemão (§§ 127 a 129) e
argentino (art. 210)
110
.
Como abordado no subitem 1.1.3 (“Código Penal de 1890”), do Capítulo 1,
o Diploma de 1940, em matéria do crime de “quadrilha ou bando”, conservou a
estrutura dos Códigos europeus.
O histórico do crime ora abordado, remonta o próprio cenário da crescente
criminalidade ligada a grupos ou associações voltados para a prática de delitos.
111
Com a revolução industrial, surgiram verdadeiros conglomerados com
objetivos diversos da criminalidade clássica. Podemos citar como exemplo os
gangsters
112
.
Como modelo histórico-brasileiro, surgiram grupos de caráter permanente,
conforme citação de Magalhães Noronha:
Mais recente é Lampião, imperando no nordeste brasileiro. Cercado de
grande número de cangaceiros, durante anos viveu no crime, enfrentando as
expedições policiais e sempre levando a melhor, graças ao conhecimento
completo da região em que agia e valendo-se dos coiteiros, auxiliando-o e
homiziando-o, nas mais das vezes por medo à vingança que sabiam não
falhar
113
.
110
Lições de Direito Penal: parte especial, vol. II., op. cit., p. 294.
111
Ver Tópico 1.1.2, do Capítulo 1.
112
Segundo historiadores, gangster era o nome utilizado popularmente para denominar os integrantes da Máfia
ligada ao contrabando de bebidas nos Estados do Norte dos Estados Unidos principalmente. (Magalhães
Noronha, op. cit., p. 107).
37
Nesse contexto, oportuno ressaltar outro comentário do autor:
Operando em regiões distintas, esses bandos têm, entretanto, pontos de
contato. Sua origem é quase sempre o analfabetismo, a ignorância, a miséria,
como fatores sociais. Suas vidas se assemelham material e psiquicamente.
São nômades e vivem animados por sincretismo religioso: amálgama de
religião, superstição, fetichismo e macumba
114
.
Nelson Hungria demonstrava, na época, a sua preocupação com os
grupos de cangaceiros atuantes no sertão nordestino; contudo, posicionou-se pela
ocasionalidade dos demais crimes praticados pelos grupos associativos atuantes
naquele cenário, conforme trecho transcrito, in verbis:
No Brasil, à parte o endêmico cangaceirismo do sertão nordestino, a
delinqüência associada em grande estilo é fenômeno episódico. Salvo um ou
outro caso, a associação para delinqüir não apresenta, entre nós, caráter
espetacular. Aqui e ali são mais ou menos freqüentes as quadrilhas de
rapinantes noturnos, de salteadores de bancos em localidades remotas, de
abigeatores (ladrões de gado), de moedeiros falsos, de contrabandistas e,
ultimamente, de ladrões de automóveis
115
.
No mesmo sentido de Hungria, José Lafaieti Barbosa Tourinho, entende
que desde o século XVIII, a sociedade brasileira demonstrava grande preocupação
com relação aos crimes praticados por “bandos” estabelecidos em regiões rurais, em
especial na região do cangaço, localizado em Estados do Nordeste brasileiro. Esses
grupos eram extremamente violentos e contavam, muitas vezes, com a proteção de
governantes, uma vez que estes necessitavam daqueles em seu processo político
116
.
113
Ibid., p. 108.
114
Ibid., mesma página.
115
Comentário ao Código Penal, vol. IX, p. 175-176.
116
Crime de quadrilha ou bando e associações criminosas, p. 20.
38
Todavia, foi a partir da cada de 60, principalmente nas grandes
metrópoles brasileiras, que o crime de quadrilha ou bando começou a se destacar como
um grande problema sócio-político, tendo em vista a grande migração da
criminalidade clássica, para os crimes de roubo a bancos, sequestros, tráfico de drogas,
“chacinas”, praticados por agrupamentos relativamente estáveis, alguns com traços de
organização paramilitar.
Na década de 70, destacou-se o trabalho de Hélio Pereira Bicudo, Dirceu de
Mello e José Silvio Fonseca Tavares
117
, contra a ação de um grupo de extermínio
estabelecido no Estado de São Paulo, com repercussão em diversos Estados
brasileiros.
naquela época, poderíamos classificar o referido grupo de criminosos,
como uma espécie de organização paramilitar
118
. A organização era formada,
preponderantemente, por agentes públicos, em especial integrantes do aparelho
repressivo do Estado.
Hélio P. Bicudo relata em sua obra a periculosidade que atingia os agentes
envolvidos naquela prática criminosa, ao compará-los com a conhecida Máfia
americana:
A leitura da sindicância revelou que era exata a idéia de que o Esquadrão da
Morte, institucionalizado na Polícia, deixara de obedecer às instituições que
tinham aparentemente presidido à sua formação. Se, logo de início, parecia
que ele tomava a simpática atitude de defender as pessoas e os bens da
população desta cidade, eliminando bandidos, não tardou a impor-se nos a
conclusão de que semelhante instrumento também servia para favorecer
quadrilhas de traficantes de drogas em detrimento de outras pessoas,
117
Segundo relato de Hélio Pereira Bicudo: “Na procuradoria, depois de obter a aquiescência do Procurador
Geral, que para tanto me deu carta branca, selecionei dois representantes do Ministério Público destinados a
colaborar comigo nas investigações. Escolhi dos Promotores Públicos da Capital, os Drs. José Sílvio Fonseca
Tavares e Dirceu de Mello, que sempre se mostraram infatigáveis e intimoratos no cumprimento do dever.
De resto, às trocas de idéias que muitas vezes tivemos é que se deve grande parte do êxito da nossa missão.”
(Meu Depoimento sobre o Esquadrão da Morte, p. 16).
118
O art. 5°, XVII, da CF/1988, consagra a liberdade de associação, exigindo, para que se garanta tal liberdade,
que os associados desenvolvam atividades lícitas. É vedada a criação de associações de caráter paramilitar.
39
assegurar a prostituição organizada e vender proteção pura e simplesmente, a
exemplo do que fazia e ainda hoje faz nos Estados Unidos, a máfia
119
.
Após diversas dificuldades enfrentadas pelo grupo de atuação do Ministério
Público, no curso dos procedimentos investigatórios e processuais, concluiu Bicudo
que:
Depois deste triste episódio do Esquadrão da Morte, expurgada a Polícia de
elementos que a conspurcaram a praticar atos de violência e corrupção, é
perfeitamente válido supor um futuro mais promissor e mais digno a uma
instituição que em São Paulo sempre mereceu respeito da coletividade e que
não pode responder pelos erros de uns poucos. Possa o trauma que a
corporação sofreu ao choque de novas técnicas de crime para as quais não
estava preparada e que a levou à reação logo degradada das execuções de
criminosos, e da solidariedades compreensíveis, embora dignas de melhor
causa –, possa esse trama, repito, servir-lhe de exemplo, e de exemplo e
estímulo par encontrar os fundamentos necessários à sua reestruturação
plena, cabal, eis o voto com que, igualmente na qualidade de agente da Lei,
me é grato encerrar este despretensioso relato de meus 364 dias de luta
contra o Esquadrão da Morte, e dos fatos posteriores, que ainda toldam uma
visão de maior esperança, relativamente à integridade de nossa Justiça
120
.
Infelizmente, “o exemplo” não serviu para que acontecimentos similares
vivenciados por àquelas autoridades na época, não se repetissem mais no histórico
brasileiro. No capítulo IV, deste estudo, voltaremos a discutir o assunto, conforme o
cenário contemporâneo.
Passaremos agora para a análise doutrinária do art. 288 do Código Penal.
Inicialmente, cabe traçar algumas considerações preliminares sobre a imprecisão da
descrição legal do aludido tipo, bem como o conteúdo do objeto jurídico do crime
121
.
119
Op. cit., p. 17.
120
Fragoso, Lições de direito penal: parte especial, vol. II, p. 296.
121
Mirabete e Renato N. Fabbrini, Manual de direito penal, p. 161-162.
40
Torna-se, nesse momento, relevante o entendimento de Fragoso sobre o
significado que o legislador adotou com relação às expressões “quadrilha” e bando”,
de acordo com o trecho a seguir, in verbis:
Quadrilha ou bando são termos que a lei emprega como sinônimos,
definindo-se como associação estável de delinqüentes (societas
delinquentium), com o fim de praticar reiteradamente crimes, da mesma
espécie ou não, mas sempre mais ou menos determinados. Não se exige,
evidentemente, uma constituição formal ou organização formal, bastando
uma organização de fato e mesmo rudimentar, sem que seja necessária a
reunião em comum ou que todos os membros se conheçam
122
.
Igualmente, não podemos deixar de mencionar que apesar do legislador não
ter diferenciado as expressões anteriormente indicadas, é comum a referência ao
“bando” como um agrupamento rural. a “quadrilha” seria uma reunião de
criminosos que atuam nos grandes centros urbanos.
Nesse sentido, Marcelo Fortes Barbosa consigna que:
Quadrilha é organizada e dirigida a um fim, portanto, teleológica,
operacionalizada previamente e indicativa de societas sceleris racional.
Bando é difuso, inorgânico, de regra, ocasionalmente composto e sem
articulação, demandando racionalidade maior
123
.
Conforme a opinião de Figueiredo Dias uma antecipação da tutela na
proteção a bens jurídicos dispostos pela Lei Penal:
Bem jurídico protegido pelo tipo do crime de associação criminosa é a paz
pública no preciso sentido das expectativas sociais de uma vida comunitária
livre da especial perigosidade de organizações que tenham por escopo o
cometimento de crime. Não se trata de uma pois da intervenção da tutela
122
José Lafaiti Barbosa Tourinho, Crime de quadrilha ou bando e associações criminosas, p. 39.
123
Latrocínio, p. 94.
41
penal apenas quando foi posta em causa a segurança ou a tanquilidade
públicas pela ocorrência efectiva de crimes ou de violências (...).
Trata-se de intervir num estádio prévio, através de uma dispensa antecipada
de tutela quando a segurança e a tranquilidade públicas não foram ainda
necessariamente perturbadas, mas se criou um especial perigo de
perturbação que por si viola a paz pública; conformando assim a paz
pública; conformando assim a paz um conceito mais amplo que os de
segurança e tranqüilidade e podendo ser posta em causa quando esta ainda
não o foram
124
.
O legislador exigiu a presença de pelo menos quatro pessoas para definir o
crime de quadrilha ou bando. outros códigos, como o italiano, por exemplo,
dispõem de pelo menos três pessoas; o número maior de integrantes serviria apenas
como agravante. Para Hungria, o Código Penal Brasileiro não dispôs sobre
circunstâncias agravantes. Um maior número de agentes da conduta criminosa serviria
apenas como critério de fixação da pena
125
.
Ante o mencionado contexto histórico, não podemos deixar de narrar que o
legislador francês optou por um mero indeterminado de membros para a
configuração do crime ora em estudo. Além do número indeterminado de integrantes,
não há limite temporal para a configuração do tipo.
Apesar do estudo do crime de associação para o tráfico de drogas ser objeto
de referência posterior, torna-se oportuno, neste momento, destacarmos que o
legislador pátrio dispôs que para o referido tipo penal, bastam apenas duas pessoas
para a sua prática. no crime de associação para fins de genocídio, manteve-se o
mesmo número de integrantes previstos no artigo 288 do Código Penal.
A ação física é exteriorizada pelo verbo associação e, por consequência,
citamos diversos autores que descrevem o significado do termo associar-se. Contudo,
124
Jorge Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, p. 1.157.
125
Nélson Hungria, Comentário ao Código Penal. 9º vol., p. 179.
42
somente na análise do caso concreto, poderemos alcançar o real significado do termo
“associar-se”.
Nas lições de Noronha, associação nada mais é do que “a reunião, a
congregação, juntar-se com o fim cometer delitos”
126
.
Com o propósito de buscar um real entendimento do conceito do núcleo do
tipo, Nélson Hungria o definiu: “Reunião estável ou permanente (que não significa
perpétua), para o fim de perpetração de uma indeterminada série de crimes”
127
.
Logo, a reunião de pelo menos quatro pessoas jamais pode ser eventual, sob
pena de configurar um mero concurso eventual de agentes, nos termos do artigo 29 do
Código Penal. O animus associativo pode refletir de várias formas; cabe ao julgado
analisar no caso concreto o liame subjetivo entre os membros.
Guilherme de Souza Nucci, ao expor precedente jurisprudencial, dispõe, in
verbis:
Associar-se significa reunir-se em sociedade, agregar-se ou unir-se. O objeto
da conduta é a finalidade de cometimento de crimes. O crime de formação
de quadrilha aperfeiçoa-se com o momento associativo, o qual pode
revelar pelas dimensões objetivas e subjetivas o modus operandi em único
cometimento de autoria múltipla, sem se condicionar à realização de mais de
um consumado ou tentado, pelos membros da sociedade de deliqüentes
128
.
126
Magalhães Noronha, op. cit., p. 110.
127
Nélson Hungria, op. cit., p. 178.
128
TJSP, Grupo de Câmaras, Ap. 254.056, Limeira, Relator Des. Gonçalves Nogueira, j. 03.11.1998, v.u.,
(JUBI 30/99), apud Guilherme de Souza Nucci, Código Penal Comentado, p. 998.
43
Noronha afirma que “a exigência de delinqüir indeterminadamente
poderia até levar à chocante conclusão da falta de tipicidade da associação, sempre que
houvesse planos estudados e predeterminados”
129
.
Mirabete e Fabbrini, por sua vez, opõem-se ao argumento de Noronha e
defendem que: “Evidentemente, requer-se instale a quadrilha antes de decidirem seus
componentes quais crimes pretendam executar, ou seja, depois de constituída a
associação resolvam sobe a prática de determinado delito
130
.
É Importante expor da mesma forma, a opinião de João José Leal sobre a
consumação do crime ora em estudo, uma vez que para o autor basta a reunião
informal e simples de seus membros, os quais se preparam, discutem e decidem em
comum, ou seja, não “necessidade de uma associação formalmente estabelecida
(estatutos, regimentos, contratos, organogramas ou qualquer documento escrito)”
131
.
Por sua vez, a ação típica é direcionada tanto contra a coletividade como
contra o Estado, uma vez que este tem a obrigação de garantir a segurança pública.
Ao mesmo tempo, o crime é de perigo abstrato, tendo em vista que a
própria redação do tipo prevê que a simples conduta, independentemente de qualquer
prova de perigo de dano, já tipifica a conduta criminosa.
Na ocasião, importante transcrever, in verbis, a decisão do Desembargador
Dirceu de Mello:
QUADRILHA OU BANDO Caracterização Crime que tem autonomia
jurídico-penal, independendo dos delitos que a quadrilha venha a praticar
129
Op. cit., p. 111-112.
130
Op. cit., p. 162.
131
Tratamento legal diferenciado aos crimes de quadrilha ou bando e associação criminosa para o tráfico
(...), p. 42.
44
Declaração de extinção da punibilidade quanto a um dos partícipes que não
interfere com a configuração do delito.
(...).
Afinal, se, com propósito criminoso, se uniram os réus, comprando juntos
armas na cidade de Aparecida e juntos embarcaram em ônibus de turismo
com destino a Foz do Iguaçu e Paraguai, que mais e poderia exigir para a
configuração do artigo 288 do Código Penal?
De todo os dias, com efeito, comportamento do tipo, onde quadrilheiros,
travestidos de turistas, se misturam a estes, para, na viagem ao centro de
compras paraguaio, roubar de algum modo os excursionistas.
(...).
“Anota HUNGRIA do parecer do Procurador de Justiça Doutor Arthur
Cogan – que ‘para que se exista o crime de ‘quadrinha ou bando’ é suficiente
o mero fato de se associarem mais de três pessoas (no mínimo quatro) para o
fim de cometer crimes, sem necessidade, sequer , do começo de execução
de qualquer destes, isto é, independentemente da atuação do mais ou menos
extenso plano criminoso que os associados hajam proposto’(‘Comentários ao
Código Penal’, vol.IX/177, 1979)’’.
132
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal também se posicionou a
respeito dos elementos que tipificam o aludido crime, in verbis:
(...).
1. O crime de quadrilha se consuma, em relação aos fundadores, no
momento em que aperfeiçoada a convergência de vontades entre mais de três
pessoas, e, quanto àqueles que venham posteriormente a integrar-se ao
bando formado, na adesão de cada qual; crime formal, nem depende, a
formação consumada de quadrilha, da realização ulterior de qualquer delito
compreendido no âmbito de suas projetadas atividades criminosas, nem,
conseqüentemente, a imputação do crime coletivo a cada um dos partícipes
da organização reclama que se lhe possa atribuir participação concreta na
comissão de algum dos crimes-fim da associação.
2. Segue-se que à aptidão da denúncia por quadrilha bastará, a rigor, a
afirmativa de o denunciado se ter associado à organização formada de mais
de três elementos e destinada à prática ulterior de crimes; para que se repute
idônea a imputação a alguém da participação no bando não é necessário,
pois, que se lhe irrogue a cooperação na prática dos delitos a que se destine a
associação, aos quais se refira a denúncia, a título de evidências da sua
formação anteriormente consumada
(...)
133
.
132
TJSP, 4ª Câmara Criminal, AC. 128.456-5, Rel. Des. Dirceu de Mello, j. 10-02-1994, v.u., in: JTJ 156/331.
133
STF, Tribunal Pleno, HC 81.260-1/ES, Rel. Des. Sepúlveda Pertence, v.m., j. 14-11-2001, pub. DJU 19-04-
2002, seção 1, p. 49
45
Ainda com relação ao crime ora em estudo, é importante destacar a Lei n.
9.080/1995, que acrescentou ao § 2º, do artigo 25 da Lei n. 7.492/1986, Lei dos
Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, bem como acrescentou no artigo 16, da
Lei n. 8.137/1990, Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica, a figura da
delação premiada, com a previsão de redução na pena para o agente que revelar aos
órgãos competentes a trama delituosa desenvolvida pela quadrilha ou bando, conforme
expomos, respectivamente, in verbis:
Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e
os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores,
gerentes (Vetado).
§ 1º (...)
§ 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o
co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à
autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida
de um a dois terços. (Incluído pela Lei nº 9.080, de 19.7.1995)
Art. 16. Qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa do Ministério Público
nos crimes descritos nesta lei, fornecendo-lhe por escrito informações sobre
o fato e a autoria, bem como indicando o tempo, o lugar e os elementos de
convicção.
Parágrafo único. Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou
co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea
revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena
reduzida de um a dois terços. (Parágrafo incluído pela Lei nº 9.080, de
19.7.1995).
Alguns juristas, talvez pela imprecisão da Lei n. 9.034, de 03 de maio de
1995, precipitaram-se ao equiparar o crime de quadrilha ou bando com uma suposta
figura típica de organização criminosa, conforme consta na obra de Mirabete e Renato
N. Fabbrini:
Por força da Lei 9.034/1995, de 3-5-1995, que dispõe sobre a utilização
de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por
organizações criminosas, o crime resultante de quadrilha ou bando é
considerado crime organizado
134
.
134
Manual de direito penal, vol. III, p. 168.
46
Entretanto, grande parte da doutrina brasileira entende que o tipo penal de
quadrilha ou bando não se amolda à figura da organização criminosa. Importante, na
ocasião, destacar a opinião de Luiz Luisi: A velha fórmula do bando ou quadrilha
para tipificá-lo, não é mais capaz de subsumir as sofisticadas organizações criminosas
atuantes hoje em todo o mundo
135
”.
No Capítulo 3, deste trabalho, analisaremos a Lei do Crime Organizado.
2.3 - Associações Criminosas
Ante a necessidade de criar de novas figuras típicas, para alcançar as ações
praticadas por grupos de indivíduos que se utilizam do animus associativo para
perpetrar suas ações criminosas voltadas a determinados delitos específicos, como por
exemplo, o genocídio, tráfico de drogas e lavagem de bens, direitos e valores, o
legislador ordinário entendeu pela tipificação destas condutas que, em tese, seriam
preparatórias para crimes principais.
Passaremos, neste momento, a analisar, nos termos propostos no presente
trabalho, as figuras criminosas correlatas aos referidos grupos qualificados.
2.3.1 – Lei 2.889/1956 (Lei do Genocídio)
Desde 1946, com a Convenção das Nações Unidas, as Resoluções 95 e 96,
da ONU, condenaram o genocídio
136
como crime nas leis internacionais, assim
definindo-o: “O genocídio é a denegação do direito à existência de grupos humanos
135
Os princípios constitucionais penais, p. 192.
136
Para Denise Caldas Figueira: “O crime de genocídio, por sua vez, teve sua expressão cunhada pelo advogado
judeu polonês Raphael Lemkim e foi declarado crime contra o Direito Internacional, contrário ao espírito e
aos fins das Nações Unidas”. (O Tribunal Penal Internacional: avanços e retrocessos para o
estabelecimento de uma jurisdição Penal Internacional, p. 634).
47
inteiros, assim como o homicídio é a denegação do direito à vida de indivíduos
humanos...”. Posteriormente o referido texto foi acatado pela Assembléia Geral da
ONU e resultou na Convenção para a Prevenção e repressão do Crime de
Genocídio
137
.
O Estatuto de Roma, promulgado pelo Decreto 4388, de 25 de setembro de
2002, prevê no seu art. 6°, o crime de genocídio
138
, conforme disposto, in verbis:
Artigo 6
o
Crime de Genocídio
Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "genocídio", qualquer
um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir,
no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto
tal:
a) Homicídio de membros do grupo;
b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo;
c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a
sua destruição física, total ou parcial;
d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo;
e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.
Todavia, o crime de associação criminosa surgiu no cenário brasileiro com
base no artigo 2°, da Lei 2.889, de 1°, de outubro de 1956, que define e pune o crime
de associação para fins de genocídio, conforme a seguir tipificado, in verbis:
Artigo 2º. Associarem-se mais de 3 (três) pessoas para prática dos crimes
mencionados no artigo anterior:
Pena: Metade da cominada aos crimes ali previstos.
Mais uma vez, encontramos um delito de autoria coletiva, plurissubjetivo.
Conforme leitura do tipo, o número de integrantes é o mesmo da quadrilha ou bando,
ou seja, a lei exige a presença de no mínimo quatro pessoas.
137
O Brasil é signatário da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, assinada em Paris
em 1948, aprovada pelo Decreto Legislativo n. 02 de 1951, ratificada em 1952, pelo Decreto n. 30.822 de
1952, e com base na Convenção foi elaborada a Lei 2.889, de 1°, de outubro de 1956.
48
Alberto Silva Franco, ao analisar a pena do art. 2°, da Lei 2.889/56, em face
do art. 8°, da Lei 8.072/1990, esclarece que:
A associação criminosa, quando se tratar de crimes hediondos, prática de
tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo, possui
uma sanção punitiva própria: a pena reclusiva variável entre três a seis anos.
Ora, a associação de mais de três pessoas pra o fim de praticar qualquer das
modalidades de genocídio, descritas no art. 1.° da Lei 2.889/56, será agora
punida com a pena cominada no art. 8.° da Lei 8.072/1990 e não mais de
acordo com as sanções previstas no art. 2.° da Lei 2.889/56.
139
Torna-se de valiosa importância mencionar que, nos termos da Lei
8.072/90, o tipo penal em exame, trata-se de prática criminosa considerada
hedionda
140
.
2.3.2 – Lei 7.170/1983 (Lei de Segurança Nacional)
Com o golpe de Estado, sob regime de exceção, foi promulgado o Decreto-
Lei n. 898, de 29 de setembro de 1969, que definia os crimes contra a segurança
nacional, a ordem política e social, estabelecia seu processo e julgamento e dava outras
providências.
O artigo 12, do referido decreto disciplinava, in verbis:
Art. 12. Concertarem-se mais de 2 (duas) pessoas para a prática de qualquer
dos crimes previstos nos artigos anteriores:
Pena: Reclusão, de 1 a 5 anos.
138
O art. 7° do Código Penal e o art. 208 do Código Penal Militar, também prevêem o crime de genocídio.
139
Crimes Hediondos, p. 398.
140
Dispõe Alberto Silva Franco: Os arts. 1.°, 2.°, 3° da Lei 2.889/56 foram incluídos, no art. 1.° da Lei
8.072/90, entre os ‘crimes hediondos’, não sofrendo nessa inclusão, nenhum acréscimo punitivo”. (Op. cit, p.
398-399).
49
Posteriormente, foi promulgada a Lei n. 7.170, de 14 de dezembro de 1983,
que define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece
seu processo e julgamento e outras providências. A aludida Lei disciplinou figuras
típicas com relação à formação de grupos subversivos ao regime de governo e contra a
formação de organizações de caráter paramilitar, nos artigos 16 e 24, respectivamente
descritos, in verbis:
Art. 16 - Integrar ou manter associação, partido, comitê, entidade de classe
ou grupamento que tenha por objetivo a mudança do regime vigente ou do
Estado de Direito, por meios violentos ou com o emprego de grave ameaça.
Pena: reclusão, de 1 a 5 anos.
Art. 24 - Constituir, integrar ou manter organização ilegal de tipo militar, de
qualquer forma ou natureza armada ou não, com ou sem fardamento, com
finalidade combativa.
Pena: reclusão, de 2 a 8 anos.
Atualmente, tramita no Congresso Nacional o projeto de Lei n. 6.764/2002,
cujo dispositivo acrescenta o Título XII, que trata dos crimes contra o Estado
Democrático de Direito, à Parte Especial do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro
de 1940 - Código Penal, e dá outras providências.
Segundo a exposição de motivos n. 109, do Ministério da Justiça, a
proposta visa à inclusão no digo Penal, de um Título específico para tratar sobre os
crimes contra o Estado Democrático de Direito, como também a respectiva revogação
da Lei de Segurança Nacional
141
.
141
A Portaria n. 413, de 30 de maio de 2000, criou a Comissão, cuja coordenação foi incumbida ao Ministro
Luiz Vicente Cernicchiaro, e com participação de Luiz Roberto Barroso, Luiz Alberto Araújo e José
Bonifácio Borges de Andrada.
50
Entre outros artigos, convém ressaltar o crime de “Conspiração”, previsão
anteriormente prevista no art. 115, do Código Penal de 1890
142
, segundo dispõe, in
verbis, o artigo 367, do referido Projeto:
Conspiração
Art. 367. Associarem-se, duas ou mais pessoas, para a prática de insurreição
ou de golpe de estado:
Pena – reclusão, de um a cinco anos.
Diante do caráter polêmico da matéria sobre a tipificação da conduta de
terrorismo
143
, convém também, destacar no mesmo Projeto, a previsão da definição
típica do referido crime, conforme disposição do Capítulo III, (“Dos Crimes contra o
Funcionamento das Instituições Democráticas e dos serviços essenciais”):
Terrorismo
Art. 371. Praticar, por motivo de facciosismo político ou religioso, com o
fim de infundir terror, ato de:
I - devastar, saquear, explodir bombas, seqüestrar, incendiar, depredar ou
praticar atentado pessoal ou sabotagem, causando perigo efetivo ou dano a
pessoas ou bens; ou
II - apoderar-se ou exercer o controle, total ou parcialmente, definitiva ou
temporariamente, de meios de comunicação ao público ou de transporte,
portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, instalações públicas
ou estabelecimentos destinados ao abastecimento de água, luz, combustíveis
ou alimentos, ou à satisfação de necessidades gerais e impreteríveis da
população:
Pena – reclusão, de dois a dez anos.
§ 1
o
Na mesma pena incorre quem pratica as condutas previstas neste
artigo, mediante acréscimo, supressão ou modificação de dados, ou por
qualquer outro meio interfere em sistemas de informação ou programas de
informática.
142
Ver Tópico 1.1.4, do Capítulo 1.
143
Ver Capítulo 3
51
2.3.3 – Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas)
A Convenção Única sobre Entorpecentes, promulgada com base no Decreto
54.216, de 27 de agosto de 1964
144
, dispôs em seu art. 36, sobre a necessidade de criar
um tipo penal específico com relação à “confabulação” de pessoas com o fim de
praticar o delito de tráfico de drogas e figuras equiparadas, conforme exposto, in
verbis:
Artigo 36º
Disposições Penais
1. Com ressalva das limitações de natureza constitucionais, cada uma das
Partes se obriga a adotar as medidas necessárias a fim de que o cultivo, a
produção fabricação, extração, preparação, posse, ofertas em geral, ofertas
de venda, distribuição, compra, venda, entrega a qualquer título, corretagem,
despacho, despacho em trânsito, transporte, importação e exportação de
entorpecentes, feitos em descordo com a presente Convenção ou de
quaisquer outros atos que, em sua opinião, contrários às mesma, sejam
considerados intencionalmente e que as infrações graves sejam castigadas de
forma adequada, especialmente com pena de prisão ou outras de privação da
liberdade.
2. Observadas as restrições estabelecidas pelas respectivas constituições,
sistema legal e legislação nacional de cada Parte:
a) I – (...)
II - serão considerados delitos puníveis na forma estabelecida no parágrafo
1, a participação deliberada a confabulação destinada à consumação de
qualquer dos referidos crimes, bem como a tentativa de consumá-los, os atos
preparatórios e as operações financeiras em conexão com os mesmos.
Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi observam que:
Atendendo a recomendação da Convenção Única Sobre Entorpecentes, foi
considerado pela lei anterior delito especial a associação de duas ou mais
pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer qualquer dos crimes
previstos no artigo e seus parágrafos
145
.
144
Diário Oficial da União, Brasília, seção: Poder Executivo, p. 01°/09/1964.
145
Lei de Drogas Anotada – Lei n. 11.343/2006, p. 126.
52
Essa conduta, consequentemente, foi tipificada na revogada Lei 6.368/1976,
que dispunha sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido
de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica, e
outras providências, da seguinte forma:
Artigo 14. Associarem-se 2 (duas) ou mais pessoas para o fim de praticar,
reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos Arts. 12 ou 13
desta Lei:
Pena - Reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a
360 (trezentos e sessenta) dias-multa.
Atualmente, no artigo 35, da nova Lei de Drogas, Lei 11.343, de 23 de
agosto de 2006, o legislador manteve a redação antiga do tipo penal do artigo 14, da
revogada Lei, contudo, inovou ao prever, no seu parágrafo único, a associação para
fins de financiamento do tráfico de drogas.
Artigo 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar,
reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e §
1
o
, e 34 desta Lei:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos)
a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se
associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.
Da análise do termo “associação”, poderíamos colacionar a esse estudo
diversas definições doutrinárias quanto a seu significado e abrangência. Contudo, neste
momento, optamos por realizar um exame semântico do seu significado, conforme
definição do Dicionário Houaiss, da Língua Portuguesa:
Associação s.f.: ato ou efeito de associar (-se); 1. ação de aproximar, de
combinar <de fatos>; 2. Agrupamento permanente de pessoas com objetivos
que não sejam esp. de ordem patrimonial; grupo de indivíduos que se unem
para uma finalidade específica e se mantêm coesos graças a procedimentos,
rotinas e também sanções que aceitam e aprovam de forma consciente e
racional; entidade que congrega pessoas de interesse comuns; 3. Com
53
sociedade organizada por dois ou mais indivíduos, com o fim de explorar
determinado ramo de negócios
146
.
A aludida transcrição, em termos jurídicos, não reflete com exatidão o
significado legal do termo “associação”. Essa denominação deve ser compreendida
como um vínculo subjetivo entre pessoas imputáveis ou não, que pretendem realizar
uma atividade voltada a um delito específico, independentemente, da aproximação, ou
mesmo da reunião física entre os seus membros.
É oportuno evidenciarmos a análise de Greco Filho e Daniel Rassi, quanto
ao elemento subjetivo do tipo, conforme transcrevemos, in verbis:
Jamais a simples co-autoria, ocasional, transitória, esporádica, eventual,
configuraria o crime de associação. Para este é mister inequívoca
demonstração de que a ligação estabelecida entre A e B tenha sido assentada
com esse exato objetivo de sociedade espúria para fins de tráfico, ainda que
este lance final não se concretize, mas sempre impregnada dessa específica
vinculação psicológica, de se dar vazão ao elemento finalístico da
infração
147
.
Grande parte da doutrina afirma que o termo “associação” compreende o
vínculo entre os seus membros e a estabilidade decorrente do mesmo, ainda que seja
para a prática de uma única conduta criminosa vinculada ao tipo que descreve.
A característica da associação é a permanência e a estabilidade do vínculo.
Tornando-se, portanto, necessário o animus associativo, isto é, um ajuste prévio no
sentido de formação de um vínculo associativo de fato, uma verdadeira societas
sceleri, caso contrário será mero concurso eventual de agentes, nos termos do artigo 29
do CP.
146
Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 323.
147
Lei de Drogas anotada – Lei n. 11.343/2006, p. 128.
54
2.3.4 – Lei 9.613/1998 (Lei de Lavagem)
A Lei 9.613, de 03 de março de 1998, dispõe sobre a seguinte figura típica:
Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,
movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes,
direta ou indiretamente, de crime:
148
I – (...)
II – de terrorismo e seu financiamento; (Redação dada pela Lei nº 10.701, de
9.7.2003).
149
III – (...)
IV – (...)
V – (...)
VI – (...)
VII - praticado por organização criminosa.
150
VIII praticado por particular contra a administração pública estrangeira (arts. 337-
B, 337-C e 337-D do Decreto-Lei n
o
2.848, de 7 de dezembro de 1940 Código
Penal).
151
Pena: reclusão de três a dez anos e multa.
§ 1º (...)
§ 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem:
I – (...)
II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que
sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos
nesta Lei.
A referida Lei menciona como crime antecedente aqueles também
praticados por organização criminosa.
148
Numerus Clausulus: “O intérprete deve estar atento ao princípio da reserva legal (art. 5°, inciso XXXV, da
Constituição Federal), não é possível considerar qualquer outro delito como antecedente da lavagem,
somente aqueles previamente descritos como tais, por mais gravosa ou socialmente repulsiva que seja a
conduta ou seus efeitos.” (José Paulo Baltazar Júnior; Sérgio Fernando Moro, Lavagem de dinheiro:
comentários à lei pelos juízes das varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp, p. 37).
149
Para parte da doutrina, não há ainda a tipificação do delito de terrorismo, pelo que resta esvaziado o inciso II
do art. da Lei 9.613/1998. Já, segundo Gerson Godinho da Costa: “Todavia, singela leitura do art. 20 da
Lei 7.170/1983 denota a impropriedade técnica do legislador, porquanto a norma não contém definição de
terrorismo. Simplesmente, em conjunto com outras condutas, estabelece sanção para a prática de atos de
terrorismo, sem entretanto definir exatamente no que consistem ou quando ocorrem. (Ibid., p. 43).
150
Tema desenvolvido no Capítulo 3.
151
Inciso incluído pela Lei nº 10.467, de 11.6.2002.
55
Percebemos, num primeiro momento, que a capitulação da conduta prevista
no inciso VII, do seu artigo 1°, não requer nenhum crime antecedente específico,
conforme previsão contida nos incisos anteriores, bem como no inciso VIII, uma vez
que caracterizada a conduta praticada por organização criminosa, conforme
analisaremos nos capítulos seguintes
152
.
Salienta-se que o Legislador inovou, ao contemplar no § 2º, a tipificação do
partícipe de grupo, associação ou escritório, cuja atividade seja destinada aos fins
ilícitos desta Lei.
Narra Rodolfo Tigre Maia, in verbis, que:
Trata-se, no caso de uma forma especial de concorrência que permitirá a
imputação típica mesmo que o sujeito ativo não esteja praticando atos
característicos da lavagem ou ocultação descritos pelo caput do art. e do
respectivo §1º
153
.
Quando da análise dos elementos objetivos, percebemos que o mesmo
doutrinador critica a redação do tipo penal, conforme transcrevemos, in verbis:
Na realidade, o dispositivo analisado, que pretendeu criar um delito
associativo de “lavagem” resultou bastante mal-elaborado.
Em primeiro lugar por alicerçar-se na conduta de participar, que
tecnicamente implicaria uma inegável restrição da pertinência subjetiva do
preceptivo, já que diante da atual dicção do artigo 29 do Código Penal é
possível optar-se no concurso de agentes pela teoria do domínio do fato ou
teoria objetivo material–final, distinguindo-se entre autor e partícipe
154
.
152
Ver Capítulo 3.
153
Lavagem de Dinheiro: lavagem de ativos provenientes de crime, p. 100.
154
Ibid., p. 101.
56
Destacamos a ausência no nosso ordenamento jurídico das figuras do
grupo
155
e escritório
156
. Contudo, a figura da associação está presente nas Leis de
Drogas e Genocídio, cujo exame foi realizado neste capítulo.
155
Com base no artigo 1°, da Lei dos Crimes Hediondos, encontramos no inciso I: ,I - homicídio (art. 121),
quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um agente, e
homicídio qualificado (art. 121, § 2
o
, I, II, III, IV e V); (Inciso incluído pela Lei 8.930, de 6.9.1994) a
figura do “grupo de extermínio” (Lei n. 8.072/1990, alterada pela Lei n. 8.930/1994).
156
Zaffaroni e Pierangeli, ao definir o crime de autoria de escritório, pressupõe uma “máquina de poder”, que
pode ocorrer tanto num Estado em que se rompeu com a toda legalidade, como numa organização paraestatal
(um Estado dentro do Estado), ou como uma máquina de poder autônoma “mafiosa”. (Manual de direito
penal brasileiro, p. 672).
57
3. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
SUMÁRIO: 3.1 Histórico; 3.1.1 As máfias do mundo; 3.2 Definição de
organização criminosa; 3.2.1 Direito Pátrio; 3.2.2 Direito Comparado; 3.2.3
Convenção de Palermo; 3.3 Tipificação da Organização Criminosa; 3.3.1 Princípio da
Reserva Legal; 3.3.2 Princípio da Taxatividade; 3.3.3 Projeto de Lei.
3.1 - Histórico
Com o surgimento do Estado e a consequente divisão da sociedade em
classes, principalmente, com o sistema de castas adotado pelo Império Romano, as
questões sócio-econômicas passaram a ter uma dinâmica completamente diferente da
economia de subsistência até então adotada.
Ao elencarmos as atividades criminosas que constituíram os tempos
remotos do Pré-Cristianismo, Idade-média, tempo dos desbravadores (Colonização),
transcrevemos especialmente as práticas da escravidão, a exploração da prostituição, a
pirataria no mar e o contrabando.
Desde o Século XIII e XIV, a pirataria pode ser vista como uma atividade
extremamente nociva para a época. Ela era constituída por grupos de mercenários, que
atuavam no comércio clandestino com o roubo de cargas, principalmente de
especiarias transportadas por colonizadores.
Importante o relato de Moisés Naím
157
, sobre a origem do crime organizado
no cenário mundial:
O comércio ilícito é antigo um aspecto contínuo e um efeito colateral das
economias de mercado ou do comércio em geral. Seu ancestral o
157
Ilícito: o ataque da pirataria, da lavagem do dinheiro e do tráfico à economia global, p 9.
58
contrabando remonta à Antiguidade, e muitos “mercados de ladrões”
sobrevivem nos centros comerciais do mundo.
Na Itália e nos Estados Unidos, formaram-se, muitas vezes, grupos
decorrentes de uma estrutura familiar. Paulatinamente, em decorrência da alta
lucratividade da atividade ilícita desenvolvida, houve um processo de reestruturação,
com a sua consequente profissionalização.
Algumas dessas atividades criminosas jamais deixaram de existir, muito
pelo contrário, elas se profissionalizaram, formaram conglomerados (verdadeiras
estruturas empresariais), fomentaram a lavagem de bens, direitos e valores, e criaram
estruturas globalizadas.
Oportuna a observação de Rodolfo Tigre Maia, sobre a evolução das
empresas constituídas para o crime organizado:
(...) as empresas criminosas “evoluíram” na busca de ilícitos mais rentáveis
economicamente. No início atuavam prioritariamente nas atividades de
extorsão (“venda de proteção” e nos crimes “sem vítimas” (e.g., os
empréstimos usurários, a prostituição, o fornecimento de bebidas ilegais e os
jogos de azar). Com o passar do tempo, assumiram a opção preferencial
pelos lucrativos tráficos de armas e entorpecentes, pela pornografia,
inclusive infantil; pelo controle dos sindicatos para incremento das
extorsões; pela corrupção de funcionários públicos e associação de agentes
políticos, para a consecução de garantias da tranqüilidade de suas operações,
inclusive financiando campanhas eleitorais e apresentando seus próprios
candidatos
158
.
Alguns países da África, Ásia e inclusive da América do Sul, tem entre suas
principais atividades de sustentabilidade econômica, os crimes ora expostos.
158
Op. cit., p. 25.
59
Por sua vez, atualmente, o terrorismo
159
ligado às organizações criminosas
é uma das principais preocupações no cenário internacional, tanto no aspecto sócio-
econômico, político e criminal.
Ante esse contexto, as principais potências mundiais direcionaram os seus
mecanismos de combate às organizações criminosas, que tinham por base a atividade
terrorista, momento em que, para muitos países, ela passou a ser tratada como
verdadeira questão de Estado, muitas vezes, suprimindo, ou mesmo eliminando
direitos fundamentais do indivíduo, de uma forma impensada e desarrazoada,
conforme leciona Francisco Rezek:
Entretanto, no plano da convivência entre as nações, da busca do ideal de
paz internacional e de segurança coletiva, não há como afirmar que as coisas
tenham evoluído da melhor maneira possível. As respostas estatais a
problemas de extrema gravidade, como o terrorismo, têm sido as menos
inteligentes. Não se investigam as causas do fenômeno. Faz-se uma
deliberada abstração de tudo aquilo que conduz pessoas ou comunidades a
determinadas formas de terrorismo. Se algumas são absolutamente
irracionais, há outras manifestações do fenômeno terrorista cujas causas
poderiam ser investigadas e neutralizadas, não se adotando uma atitude de
mera represália com os mesmo métodos
160
.
Poder-se-ia pensar que as ações praticadas por grupos terroristas não são
um problema ligado às atividades das organizações criminosas em atuação no Brasil,
uma vez que no nosso país tem uma boa aceitação e goza de boa convivência junto a
todas as nações, etnias e grupos religiosos.
159
Jorge Miranda nos afirma que “o terrorismo não é fenômeno só de agora. Tem havido surtos de terrorismo em
certas épocas (como no final do século XIX, de origem anarquista) ou em certos países, recentemente (na
Grá-Bretanha, no País Basco ou na Rússia). Os atentados de 11 de setembro último, apenas têm de singular
os meios utilizados, o número de vítimas e as suas repercussões globais.” (in: José Faria da Costa e Marco
Antonio Marques da Silva, op. cit, p. 184).
160
“Nova Ordem” e crise de Direito Internacional, p. 678.
60
Por outro lado, quem sustente que o terrorismo não é um problema
ligado ao crime organizado, conforme destaca Antonio Scarance Fernandes:
Por fim, é preciso distinguir crime organizado de terrorismo. A
discriminação é feita, essencialmente, com base na diversidade de seus fins,
embora os seus praticantes operem de formas semelhantes: enquanto uma
organização criminosa objetiva lucro, um grupo terrorista quer produzir
medo, insegurança, subverter a ordem, sendo movido por razões ideológicas,
políticas e ideológicas
161
.
Contudo, neste momento, não podemos realizar uma análise sociológica ou
cultural sobre o fenômeno do terrorismo no cenário brasileiro ou mundial. Por sua vez,
no aspecto criminológico, devemos ponderar quais são as atividades que os grupos
voltados a essa conduta nociva fomentam na ilegalidade.
Assim, para que os grupos terroristas possam alimentar suas células, ou
mesmo, patrocinar os atentados, tais como o ocorrido contra as “Torres Gêmeas”, em
11 de Setembro de 2001, torna-se necessária a prática de diversas outras atividades
ilícitas de alta periculosidade, como por exemplo, o tráfico internacional de drogas,
armas, explosivos e produtos químicos, a lavagem de bens, direitos e valores, crimes
contra o sistema financeiro, entre outros.
Nesse momento, oportuno lembrar a afirmação de Jorge Miranda:
O terrorismo globalizado não diz respeito somente a este ou àquele Estado,
por mais poderoso ou simultaneamente mais vulnerável que seja. Diz
respeito a toda comunidade internacional; é ela que também é ofendida. Por
isso, pode ser vencido a partir de instrumentos jurídicos desta mesma
comunidade internacional. Por isso, só pode ser vencido sem transigências
com qualquer desrespeito ou degradação dos direitos fundamentais
162
.
161
O equilíbrio na repressão ao crime organizado, p. 13.
162
In: José Faria da Costa e Marco Antonio Marques da Silva, op. cit,, p. 185
61
Digno de nota, igualmente é o Código Penal português, que tipifica a ação
praticada por grupos terroristas, conforme previsão do art. 300°:
(...) grupo, organização ou associação terrorista, todo o agrupamento de duas
ou mais pessoas que, actuando concertadamente, visem prejudicar a
integridade ou a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o
funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a
autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar
que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupo de pessoas ou a
população em geral, mediante a prática de crimes: (...).
Paulatinamente, percebemos que a atividade criminosa não se limita mais à
simples cadeia de atos interligados na preparação, execução e resultado do delito.
Assim, com a diversificação de funções em decorrência das diversas atribuições que
demandam às atividades ilícitas de um grupo estruturado, passamos a demandar um
processo dinâmico pré-crime e pós-crime.
No sistema pré-crime, exigem-se noções de Administração, Logística e
Contabilidade, ou seja, funções planejadas para o sucesso e a consequente preparação
e execução do crime.
O sistema pós-crime, contudo, envolve o próprio processo de lavagem de
bens, direitos e valores, nos termos da Lei n. 9.613/1998, de maneira que os
integrantes do grupo dependem de pessoas especializadas no dinâmico e complexo
processo de “lavagem de dinheiro”, ou seja, na conversão, ocultação e/ou dissimulação
e conseguinte integração do produto do crime à economia formal.
Frente às novas tecnologias, com o fim da Guerra Fria
163
(Estados Unidos x
ex-União Soviética), aliada a facilidade de locomoção e comunicação internacional,
163
Conforme ressalta Francisco Rezek: “Recordemos o que aconteceu nos últimos vinte anos. Havia antes um
mundo bipolar, um mundo contaminado largamente por um confronto ideológico que consumiu tantas
energias, a ponto de que as pessoas da minha geração hoje se perguntam se terá valido a pena debater tanto
em torno de algo que, quando desapareceu, praticamente não deixou vestígios. Ou seja, o confronto da época
da polaridade da guerra fria”. (op. cit., p. 676).
62
abertura e integração de mercados
164
e moedas, obteve-se grande favorecimento para a
integração e consequente profissionalização de grupos criminosos de caráter local, que
se tornaram verdadeiras “empresas transnacionais” do crime organizado.
Sobre os efeitos dessa evolução na nova criminalidade de Anabela Miranda
Rodrigues, afirma que:
A nova criminalidade é expressão deste novo modelo de organização social
para que tendem as sociedades contemporâneas. A mobilidade das pessoas e
dos capitais põe em causa a lógica territorial sobre a qual elas repousam.
Este movimento de fundo um pouco retardado pela confrontação Leste-
Oeste produz agora todos os seus efeitos. As grandes construções
institucionais e a concentração do poder dão lugar ao declínio dos Estados e
a um mundo onde proliferam as redes
165
.
Na presença desse novo fenômeno, de exacerbada e desenfreada
criminalidade, a ponto de alguns países tratarem a “questão” como “causas de Estado”,
houve um processo inverso à tendência das correntes iluministas da época
166
.
Jorge Miranda aponta que:
Em todas as épocas e em quaisquer Estados ocorrem situações de excepção
ou de necessidade, resultantes de perturbações de maior ou menor vulto, de
origem interna ou externa. Em tais circunstâncias têm de ser adoptadas
formas de organização e providências também de caráter excepcional; e a
história e a comparação mostra uma grande variedade de soluções, desde a
ditadura romana ao Rio Act inglês de 1714, ao etat de siege, da Revolução
Francesa, ao Notrecht do art. 48.° da Constituição de Weimar, aos poderes
extraordinários do art. 16° da Constituição Francesa de 1958, etc.
167
164
Mercosul, Alca, Mercado Comum Europeu etc.
165
Anabela Miranda Rodrigues, in: José de Faria Costa; Marco Antonio Marques da Silva, op. cit., p. 281.
166
Ibid., p. 180.
167
In: José de Faria da Costa; Marco Antonio Marques da Silva, op. cit. p. 180.
63
3.1.1 – As máfias do mundo
Como parte integrante da cultura mundial, ao tratarmos da acepção do tema
central deste trabalho, corriqueiramente a palavra “máfia”
168
será associada a ele.
No cenário brasileiro, tornou-se muito comum associarem-se grupos
criminosos, independentemente das qualidades e características que eles possuem.
Com a Máfia, por exemplo, temos: a) “máfia dos precatórios”; b) “máfia dos fiscais”;
c) “máfia dos perueiros”; e) “máfia dos bingos e máquinas caça-níquel”, entre outras.
Existem até mesmo aqueles que sustentam um ideal quase romântico para a
acepção da palavra máfia, ligando-a a um grupo admirado e respeitado em
determinada região
169
.
Apesar da dificuldade
170
da conceituação histórica do vocábulo máfia,
torna-se importante buscar num trabalho científico, um sentido específico para o termo
e, para isso, destacamos a opinião de Stanislao Rinaldi:
Em um sentido mais específico, o termo Máfia refere-se àquelas
organizações criminais que operam na região da Sicília onde
historicamente nasceu o modelo de criminalidade organizada aqui analisado
o termo Camorra à que atuam na região da Campanha, Ndrangheta, as
168
Juarez Cirino dos Santos dispõe: O objeto original do discurso italiano não é o chamado crime organizado,
mas a atividade da Mafia, uma realidade sociológica, política e cultural secular da Itália meridional: falar da
Mafia como a Cosa Nostra siciliana, ou de outras organizações de tipo mafioso, como a Camorra de Nápoles,
a Ndranghetta da Calábria, é falar de associações ou estruturas empresariais constituídas para atividades
lícitas e ilícitas, com o controle sobre certos territórios, em posição de vantagem econômica na competição
com outras empresas e de poder político no intercâmbio com instituições do Estado, que praticariam
contrabando, tráfico de drogas, extorsão, assassinatos etc. portanto, organizações passíveis de definição
como bandos ou quadrilhas, mas inconfundíveis com o conceito indeterminado de crimine organizzato,
embora a criminologia italiana também utilize esse conceito. (Crime organizado, p. 218).
169
Sérgio Altieri Moraes Pitombo relata que: “Há muitos anos, conserva-se um ideal, pode-se considerar quase
romântico, de máfia. Desde os escritores estrangeiros de 1800, os quais foram visitar a Sicília para vivenciar
o contraste entre a beleza natural e a pobreza da região, constrói-se um modelo de grupo criminoso, grande o
suficiente para substituir o Estado em funções relevantes para aquela coletividade”. (op. cit., p. 90).
170
Marcelo B. Mendroni, realiza um minucioso estudo sobre a máfia italiana e afirma que: “não se sabe a origem
exata da palavra ‘máfia’. Raras são as obras que arriscam identificá-la”. (Crime Organizado, p. 287).
64
que operam na Calábria, e finalmente, Sacra Corona Unita, fenômeno
relativamente recente, às organizações que atuam na Puglia
171
.
O aludido autor, na dissertação que elaborou sobre o tema, recorre às
principais características dos métodos e dos âmbitos de ão das organizações de tipo
mafioso, encontrado no Relatório Cattanei da Commissione Parlamentare Antimáfia
de 1972, conforme trecho a seguir transcrito:
As características constantes da máfia são a finalidade e o lucro, obtido
através de formas intermediação e de inserção parasitária, o uso sistemático
da violência e, sobretudo, a coligação com os poderes públicos. Outras
características mencionadas seriam: a ação simultânea nos planos lícito e
ilícito e a organização interna voltada à proteção da própria atividade e que
logra garantir formas de imunidade perante os poderes públicos
172
.
Convém salientar que no início do Século XX, as “máfias” italianas e
americanas passaram a ser o cerne do combate ao crime organizado, tendo em vista o
seu modelo corporativo estruturado, hierarquizado, violento e com alta lucratividade.
No cenário Americano, destaca-se a famosa organização criminosa
comandada por Alphonse Capone, vulgo “aka.” “Al”, “Scarface”. Filho de imigrante,
nascido em Nova York, no ano de 1899, passou a relacionar-se com integrantes de
gangues locais
173
.
Em 1920, na cidade de Chicago, Al Capone, aproveitou-se da proibição da
comercialização de bebidas alcoólicas, conhecida como Lei Seca, e montou uma
verdadeira rede criminosa de contrabando de destilados. Para ter liberdade e fomentar
171
Stanislao Rinaldi, Criminalidade organizada de tipo mafioso e poder político na Itália, p. 11.
172
Ibid., pág. 12.
173
Disponível em: <www.fbi.com> consulta em: 01/06/2009.
65
suas atividades ilícitas, organizou uma rede de contatos, cooptando setores da
sociedade civil e, principalmente, corrompendo as autoridades públicas
174
.
Fragoso destaca em sua obra o poder de influência desses agrupamentos,
denominando-os “sindicatos do crime”, bem como a dificuldade que as autoridades
americanas encontraram para o desmantelá-los, uma vez que, privilegiados pelo poder
econômico, exerciam grande influência sobre a vida política da Nação americana:
Nos Estados Unidos, a organização do crime começou ao tempo da “lei
seca”, para desenvolver-se logo após a crise de 1929, através de sindicatos
que operam em escala nacional, controlando o jogo, o tráfico de mulheres, e
de drogas, o roubo de automóveis etc. Alguns de tais sindicatos têm maior
número de membros do que o departamento de correios daquele país, com
organização perfeita e extraordinário poder, que se estende sobre a
administração pública e a vida política da nação.
175
A investigação desenvolvida por agentes americanos do FBI (Federal
Bureau Investigation), revelou que a estrutura da organização criminosa comandada
por Al Capone detinha hierarquia entre seus membros, estrutura empresarial,
infiltração de agentes públicos e alto poder de intimidação.
Juarez Cirino dos Santos aponta a origem do termo organized crime” no
sistema jurídico americano, como fonte de discriminação de grupos étnicos
decorrentes da imigração de estrangeiros para a América, de acordo com trecho
transcrito, in verbis:
O discurso americano do organized crime, originário das instituições de
controle social, nasce com o objetivo de estigmatizar grupos sociais étnicos
(especialmente italianos), sob o argumento de que o comportamento
criminoso não seria uma característica da comunidade americana, mas de um
174
The Godfather, direção: Francis Ford Coppola, produção: Albert S. Ruddy. Roteiro: Mario Puzzo e Francis
Ford Coppola: Paramount Pictures, 1972, DVD.
175
Op. cit. p. 295..
66
submundo constituído por estrangeiros, aqueles maus cidadãos que
ameaçavam destruir a comunidade dos bons cidadãos
176
.
Nesse contexto, ressaltamos que o modelo histórico de organização
criminosa passou a ganhar uma real dimensão mundial em termos de combate à
criminalidade com as ações violentas e midiáticas de alguns grupos organizados, como
por exemplo, os cartéis colombianos, as tongs chinesas, as tríades de Hong Kong, a
yakuza japonesa e a máfia russa.
3.2 – Definição de organização criminosa
Atualmente, uma das matérias mais controversas na doutrina e na
jurisprudência é a busca por uma definição legal do conceito de organização
criminosa, a começar pelo processo de elaboração da atual Lei n. 9.034, de 03 de maio
de 1995, que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e
repressão de ações praticadas por organizações criminosas.
O art. , do Projeto de Lei 3.516
177
, de 24 de agosto de 1989, de autoria do
Deputado Federal Michel Temer, que deu origem à atual Lei de combate ao crime
organizado - Lei n. 9.034/1995, definia organização criminosa.
Art. 2º. Para os efeitos desta Lei, considera-se organizações criminosas
aquela que, por suas características, demonstre a exigência de estrutura
criminal, operando de forma sistematizada, com atuação regional, nacional
e/ou internacional
178
.
176
Op. cit., p. 215.
177
Diário do Congresso Nacional, 24/08/1989, Seção I, p. 8555.
178
Ibid., 19/09/1989, Seção I, p. 9651.
67
Por sua vez, após quase seis anos de tramitação no Congresso Nacional,
somente no dia 06 de abril de 1995, foi apresentado o Substitutivo do Senado ao
Projeto de Lei n. 3.516-A, de 1989. Nos termos do parecer do Deputado Miro
Teixeira, com a tardia aprovação no Senado Federal, a sociedade brasileira reclamava
por mudanças drásticas nos mecanismos de combate ao crime organizado, uma vez
que a legislação se encontrava obsoleta e superada, limitando a liberdade
constitucional de ir e vir do indivíduo, conforme citamos, in verbis:
A idéia inicial do projeto, Sr. Presidente, data de 1989 e àquela época não
era difícil perceber que caminhos acabariam tolhendo da sociedade brasileira
o direito de ir e vir pela ação criminosa de quadrilhas ou bandos. Mas o
hábito é de se botar tranca na porta depois de arrombada.
Depois de termos aprovado o projeto rapidamente na Câmara dos
Deputados, ficou ele no Senado durante três anos, e somente o clamor
público conseguiu tirar de lá esse projeto, que deu lugar a um substitutivo.
(...)
Portanto, Sr. Presidente, este é o parecer. E podemos celebrar, pelo acordo
de Liderança feito em torno deste texto, um grande momento desta Casa,
numa hora em que a sociedade brasileira reclama velocidade na utilização de
instrumentos para combater a criminalidade que não tem código de ética,
não tem limites, não tem territorialidade demarcada pelos códigos, uma
criminalidade que avança e que tolhe o cidadão no seu direito de ir e vir
repito – enquanto o Estado fica à mercê de uma legislação processual arcaica
e superada
179
.
O aludido Substitutivo modificava a definição da proposta inicial do Projeto
do Deputado Michel Temer, cuja redação do art. passou a ter a seguinte redação, in
verbis:
Art. Considera-se crime organizado o conjunto de atos delituosos que
decorram ou resultem das atividades de quadrilha ou bando, definidos no §
do art. 288 do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 Código
Penal
180
.
179
Ibid., 06/04/1995, Seção I, p. 5632.
180
Ibid., p. 5633.
68
Nessa oportunidade, expomos que o art. do Substitutivo do Senado
disciplinou o crime de quadrilha ou bando, cuja transcrição segue, in verbis :
Art. 288. Participar de quadrilha ou bando ou organização que se serve das
estruturas ou é estruturada ao modo de sociedades, associações, fundações,
empresas, grupos de empresas, unidades ou forças militares, órgãos,
entidades ou serviços públicos, concebidas, qualquer que seja o princípio,
pretexto, motivação ou causa, para cometer crimes ou alcançar objetivos
cuja realização implica a prática de ilícitos penais
181
.
Todavia, em continuidade às sucessivas modificações do Substitutivo do
Senado, o texto do art. 3°, foi novamente alterado e passou a ter a seguinte redação, in
verbis:
Artigo 288. Participar de quadrilha, bando ou organização que se serve das
estruturas ou é estruturada ao modo de sociedades, associações, fundações,
empresas, grupos de empresas, unidades ou forças militares, órgãos,
entidades ou serviços públicos, concebidas, qualquer que seja o princípio,
pretexto, motivação ou causa, para cometer crimes ou alcançar objetivos
cuja realização implica a prática de ilícitos penais.
Pena: reclusão, de um a três anos.
§ 1° Se a quadrilha ou bando serve-se de estruturas ou é estruturada ao modo
de sociedades, associações fundações, empresas, unidades ou forças
militares, órgãos ou entidades públicas ou que prestem serviço público.
Pena: reclusão, de dois a cinco anos.
§ 2° A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado
182
.
No entanto, a nova alteração do artigo 288 do Código Penal não prosperou,
permanecendo sua redação original, nos termos do Código Penal de 1940.
É oportuno destacar que a Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, em seu artigo
183
, alterou o preceito secundário da pena do crime do artigo 288, quando se tratar de
181
Ibid., mesma página.
182
Ibid., p. 5634.
183
Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de
crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo”.
69
crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou
terrorismo.
Ainda assim, a Câmara dos Deputados modificou novamente o Substitutivo
do Senado Federal e suprimiu da lei a expressão “crime organizado”, tendo em sua
redação o seguinte texto: “ação praticada por organização criminosa”. Diante disso, a
ementa ficou redigida, in verbis: “Dispõe sobre a utilização de meios operacionais para
a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas
184
”.
Em seguida, o material foi submetido à sanção presidencial e,
consequentemente, em 03 de maio de 1995, foi promulgada a Lei 9.034, que “Dispõe
sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações
praticadas por organizações criminosas”.
Diante desses textos, diversos juristas opinaram sobre a falta de técnica
legislativa na elaboração do conceito de crime organizado, uma vez que apesar de o
legislador ter optado por um sistema anacrônico consoante a redação da questionada
Lei, restou claro que ele não decidiu por uma definição sistêmica do que seria
compreendido por crime organizado e alçou o crime capitulado no artigo 288, do
Código Penal à condição de organização criminosa.
Antonio Scarance Fernandes posicionou-se sobre o assunto:
De modo geral, são três as linhas doutrinárias e legislativas formadas sobre o
conceito de crime organizado:
1ª) parte-se da noção de organização criminosa para definir o crime
organizado, o qual, assim, seria aquele praticado pelos membros de
determinada organização;
2ª) parte-se da idéia de crime organizado, definindo-o em face de seus
elementos essenciais, sem especificação de tipos penais, e normalmente,
incluindo-se entre os seus componentes o fato de pertencer o agente a uma
organização criminosa;
3ª) utiliza-se o rol de tipos previstos no sistema e acrescentam-se outros,
considerando-os como crimes organizados.
184
Diário do Congresso Nacional, 06/04/1995, p. 5635.
70
(...)
A lei seguiu um caminho próprio. Não definiu a organização criminosa,
desprezando a linha inicial do projeto. Não definiu, através de seus
elementos essenciais, o crime organizado. Não elencou condutas que
constituiriam crimes organizados. Preferiu deixar em aberto os tipos penais
configuradores de crime organizado, mas, ao mesmo tempo, admitiu que
qualquer delito pudesse se caracterizar como tal, bastando de decorresse de
ações de bando ou quadrilha. É o que se depreende da leitura do art. 1º,
segundo o qual é organizado o "crime resultante de ações de bando ou
quadrilha”
185
.
Como foi demonstrado, o legislador optou em fazer menção apenas à
expressão “crime organizado”, sem delinear os contornos da definição do que se
compreenderia sobre o termo. Deste modo, Alberto Silva Franco destaca que a norma
“não definiu forma nem figura do tipo penal”
186
.
Além do indagado texto legal não definir o que vem a ser crime organizado,
bem como elevar à sua categoria o tipo quadrilha ou bando, surgiu grande polêmica no
sentido dos métodos “meios de provas e os procedimentos investigatórios” atingirem
as ações praticadas pelo delito do artigo 288, do Código Penal.
Apesar daquela norma, definir os meios de prova e os procedimentos
investigatórios, diante da ausência da definição de crime organizado, surgiu uma
grande polêmica: se os referidos métodos alcançariam também as ações praticadas por
“quadrilha ou bando”.
Ao elevar o crime de quadrilha ou bando à condição irrestrita de crime
organizado o legislador acabou por ferir dispositivos consagrados na Constituição
Federal brasileira. O crime de quadrilha ou bando, nos termos disciplinados pelo
Código Penal de 1940, jamais poderia caracterizar uma conduta praticada por
organização criminosa nos limites delineados pela doutrina nacional e estrangeira.
185
O conceito de crime organizado na Lei 9.034, p. 3.
186
Leis Penais Especiais e sua interpretação jurisprudencial, p. 575.
71
O autor, ao criticar o texto legal e aponta a dificuldade na equiparação da
conduta de quadrilha ou bando com o crime organizado, quando discorre sobre o
assunto ora tratado, in verbis:
Não foi boa essa orientação.
É ao mesmo tempo ampliativa e restritiva. Abrange crimes que, pelo simples
fato de serem resultantes de bando ou quadrilha, serão "crimes organizados",
e que, na realidade, podem representar pequena ofensa social, não
merecendo especial preocupação. Mas o preceito também restringe, pois, em
certos casos, os delitos praticados por determinadas pessoas poderiam se
caracterizar como "crimes organizados", contudo, por estarem desvinculados
de bando ou quadrilha, ficarão fora da órbita da lei
187
.
Raúl Cervini e Luiz Flávio Gomes consideram que o legislador “criou uma
nova tipologia”, dando-lhe “o conteúdo mínimodo delito de quadrilha ou bando e
deixando ao intérprete o complemento conceitual
188
.
No entanto, convém destacar que, ao seguirmos o posicionamento
doutrinário de permitir que o intérprete amolde o tipo “quadrilha ou bando” ao
conceito jurídico de crime organizado, acabaremos por enfrentar uma celeuma jurídica
diretamente ligada à desobediência do princípio da reserva legal garantido pela Carta
Magna.
É apropriado citarmos, nessa ocasião, o relato de Silva Franco que
demonstra a problemática jurídica causada pela nova acepção terminológica da lei, ao
dispor, in verbis:
Pela primeira, quer dizer explicitar com marcos precisos os contornos de um
tipo para que não se confunda com outro, nem sirva de parâmetro para
situações fáticas avizinhadas. definir, na segunda acepção, significa
estruturar com clareza as condutas criminosas para que possam ser, com
facilidade, compreendidas por seus destinatários. Se o legislador desavisado
ou malicioso, emprega, na construção pica, termos indefinidos para a
187
Ibid., 575.
188
Crime organizado, p. 100.
72
descrição do comportamento humano, corre-se o sério risco de estabelecer a
insegurança do cidadão e transferir-se ao juiz incumbência do legislador,
com a possibilidade de que a arbitrariedade judicial possa campear à solta,
sem rei, nem roque.
Nesse sentido, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Adhemar
Ferreira Maciel, ao expor o tema, entende que não cabe ao legislador conceituar o que
seria “crime organizado” e que jamais poderá equiparar o crime de “quadrilha ou
bando” às organizações criminosas:
Embora a lei não esclareça, seu objetivo é a grande criminalidade, e não as
“quadrilhas de bagatela”. O número de associados me parece indiferente,
não obstante o próprio artigo 1.° falar em “ações de quadrilha ou bando”.
Mas, na prática é impensável um “crime organizadocom pouca gente. O
fato é que toda a exegese legal deve ser feita no combate das grandes
organizações criminosas, evidentemente sem ofensas aos direitos
fundamentais. Para o combate às pequenas, a denominada “criminalidade
tradicional ou clássica”, a legislação anteriormente existente é o
bastante
189
.
Conseguinte, assentada no Projeto de Lei 3.275, apresentado em 23 de
junho de 2000, foi promulgada a Lei n. 10.217, de 11 de abril de 2001, cuja ementa
altera a redação dos artigos 1° e 2°, da atual Lei 9.034, de 3 de maio de 1995
190
.
Nos termos da ementa do aludido Projeto, a redação original do art. 1°, da
Lei n. 9.034/1995, passaria a ser disciplinada da seguinte forma:
Art. Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos
investigatórios que versem sobre a garantia da segurança e estabilidade
institucional, ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando
ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo
191
.
189
Observações sobre a lei de repressão ao crime organizado, p.99.
190
Diário da Câmara dos Deputados, 24/06/2000, p. 33931.
191
Ibid., p. 33931.
73
Entretanto, com base no Substitutivo do Projeto, apresentado pelo Deputado
Federal José Genuíno, o artigo foi alterado e passou a ser redigido nos termos, in
verbis:
Art. 1
o.
Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos
investigatórios que versem sobre crime praticado por quadrilha ou bando ou
organizações criminosas de qualquer tipo
192
.
O termo “sobre a garantia da segurança e estabilidade institucional”
193
, foi
suprimido em votação na Câmara.
Com fundamento em novo Substitutivo apresentado pelo Senado Federal,
finalmente a redação do mesmo artigo foi concluída, in verbis:
Art. 1
o
Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos
investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por
quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer
tipo
194
.
Noutra via, antes mesmo da vigência da nova Lei, diversos doutrinadores
insurgiram-se contra a sua constitucionalidade.
192
Ibid., 12/08/2000, p. 42467.
193
Conforme dispôs publicação do Diário do Congresso Nacional: “Requeremos, nos termos do art. 161, inciso I
e § do Regimento Interno, destaque para votação em separado da expressão ‘sobre a garantia da segurança
e estabilidade institucional’, constante da proposta do art. 1° da Lei n. 9.034, de 1995, do art. 1° do Projeto de
Lei n. 3.275, do ano de 2000, suprimindo-se, em conseqüência, a mesma expressão ‘ou de segurança
institucional’ do inciso V”. (Ibid., 14/09/2000, 55576).
194
Ibid., 29/11/2000, p. 61947.
74
Uma das críticas elaboradas àquela Lei, que alterou a Lei n. 9.034/1995, foi
a distinção entre os crimes decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando, ou
organizações criminosas e associações criminosas de qualquer tipo.
Após a promulgação da Lei 10.217/2001, Luiz Flávio Gomes, manifestou-
se pela inconstitucionalidade da nova disposição, in verbis, transcrito:
Não existe em nenhuma parte do nosso ordenamento jurídico a definição de
organização criminosa.
Cuida-se, portanto, de um conceito vago, totalmente aberto, absolutamente
poroso. Considerando-se que (diferentemente do que ocorria antes) o
legislador não ofereceu nem sequer a descrição típica mínima do fenômeno,
nos resta concluir que, nesse ponto, a lei (9.034/1995) passou a ser letra
morta. Organização criminosa, portanto, hoje, no ordenamento jurídico
brasileiro, é uma alma (uma enunciação abstrata) em busca de um corpo (de
um conteúdo normativo, que atenda o princípio da legalidade)
195
.
Por sua vez, a argumentação de Luiz Flávio Gomes não pode mais
prosperar com a mudança da Lei do Crime Organizado, uma vez que o delito de
quadrilha ou bando deixou de servir como molde para definir a figura da organização
criminosa.
Assim, o texto da Lei de 2001 acabou por equiparar os conceitos de “crime
organizado”, “quadrilha ou bando” e “associações criminosas de qualquer tipo”
Diversos juristas manifestaram-se contrários a real alteração dos artigos 1º e
daquela Lei, haja vista que para eles, mesmo com os novos textos, o legislador
pátrio não teria definido o que seria crime organizado e, ao mesmo tempo, teria trazido
novas figuras de autoria coletiva para serem, com rigor, disciplinadas pelo novo
preceito.
195
Crime organizado: que se entende por isso depois da lei 10.217, de 11.04.2001? (...), p. 489.
75
Não obstante à atual redação, Silva Franco demonstra, mais uma vez, sua
preocupação com o artigo 1º da Lei 9.034/1995:
Seja com que nome for organização criminosa, crime organizado,
criminalidade organizada, máfia etc. –, o que na realidade, se pretende
incriminar? Para uma resposta adequada, é mister, como premissa básica,
que se separem com clareza, os conceitos de organização criminosa e de
criminalidade de massa
196
.
A insegurança da coletividade aliada ao apelo midiático faz com que
qualquer ação, seja a praticada por pequenos aglomerados ocasionais (criminalidade
de massa) ou que cause temor referencial à sociedade, tornem-se antecipadamente
caracterizadas como ões praticadas por organização criminosa, quando na realidade
não passam de crimes ocasionais, sem qualquer característica de permanência e
estabilidade, bem como de demais requisitos exigidos pelas doutrinas e pelas leis,
sejam elas brasileiras e/ou comparadas, tratados e convenções condizentes com a
matéria.
Apesar de no Capítulo 2, do presente trabalho, apontarmos que parte da
doutrina defende a equiparação do crime de quadrilha ou bando, com a suposta figura
típica da organização criminosa
197
; e, desta forma, existiria uma definição de
organização criminosa no próprio artigo 288, do Código Penal, adiante examinaremos
que o legislador pátrio optou por apontar alguns elementos caracterizadores do crime
organizado.
Descartada a hipótese de encontrarmos no ordenamento jurídico o crime de
organização criminosa, passaremos a analisar no contexto jurídico nacional, a busca
por uma definição da matéria ora em estudo.
196
Op., cit., p. 577.
197
Ver Tópico 3.2.1, do Capítulo 3.
76
O legislador brasileiro optou por não defini-lo em Lei Ordinária. Somente
com a vigência do Decreto n. 5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou a
Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado, também conhecido como
Convenção de Palermo é que nosso ordenamento jurídico passou a dispor sobre uma
definição de organização criminosa transnacional, conforme transcrição do artigo 2, da
aludida Convenção:
Artigo 2
Terminologia
Para efeitos da presente Convenção, entende-se por:
a) "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais
pessoas, existente algum tempo e atuando concertadamente com o
propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na
presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um
benefício econômico ou outro benefício material.
Com a recepção da Convenção de Palermo, o Supremo Tribunal Federal se
pronunciou no sentido de adotar os critérios daquela definição para o julgamento de
casos relacionados à matéria crime organizado, conforme pode ser verificado, in
verbis, no trecho do v. acórdão da Ministra Ellen Gracie:
(...). 1. A questão de direito tratada neste writ diz respeito à possível
nulidade da decisão que decretou a prisão preventiva do paciente por suposta
ausência de fundamentação idônea e adequada. 2. A denúncia imputa ao
paciente e aos co-réus terem se associado em quadrilha para a prática do
tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, na forma de uma organização
criminosa estrutura hierarquicamente com divisão de tarefas e funções de
seus membros. 3. No caso concreto, a noção de periculosidade concreta
do paciente, acusado de integrar a facção criminosa intitulada "PCC"
(Primeiro Comando de Capital) que seria responsável por ataques violentos
ocorridos em maio de 2006 contra civis, unidades prisionais, agências
bancárias e veículos, em claro confronto com as forças de segurança pública
do Estado de São Paulo. 4. Registro que houve fundamentação idônea à
manutenção da prisão processual do paciente. Atentou-se, portanto, para o
disposto no art. 93, IX, da Constituição da República. A decisão proferida
pelo juiz de direito - que decretou a prisão preventiva - observou
estritamente o disposto no art. 1°, da Lei 9.034/95 e no art. 312, do CPP,
eis que elementos indicativos no sentido de que as atividades criminosas
eram realizadas de modo reiterado, organizado e com alta poder ofensivo à
ordem pública. 5. A garantia da ordem pública é representada pelo
imperativo de se impedir a reiteração das práticas criminosas. 6. A regra do
art. 7°, da Lei 9.034/95, consoante a qual o será concedida liberdade
provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva
77
participação na organização criminosa, com efeito, revela-se coerente com o
disposto no art. 312, do CPP. 7. Habeas corpus denegado
198
.
A decisão ora transcrita, da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal,
proferida pela Ministra Ellen Gracie, Relatora do processo, torna evidente o
posicionamento daquela Corte, quanto ao conceito da expressão “crime organizado”
nas ações praticadas pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), ao discriminar sua
estabilidade, permanência, periculosidade e o alto grau de ofensa à ordem pública,
ensejando, inclusive, a permanência da prisão cautelar dos pacientes.
Não obstante a posição da adotada pela Ministra, é de grande importância
colocarmos que o seu entendimento contraria o princípio da presunção da inocência,
garantido constitucionalmente e defendido pela maioria dos Ministros daquela Corte.
3.2.1 – Direito Pátrio
algumas décadas, a sociedade brasileira passou a viver num cenário de
grande instabilidade, quando o assunto são ações praticadas por grupos, quadrilhas,
associações e organizações criminosas.
A criminalidade e a grande violência ocupam atualmente o centro da
preocupação da sociedade. Antes o crime era uma preocupação limitada aos agentes
do Estado. Hoje, a segurança pública tornou-se um dos principais pontos de debate,
inclusive no meio social.
A ação dos grupos organizados passou a ter destaque e reflexos diários na
sociedade brasileira e nesse sentido, merece destaque o relato de Anabela Rodrigues:
198
Segunda Turma. HC 94739 /SP, j. 07.10.2008, publ. DJ 14/11/2008, p. 00442.
78
Hoje, a segurança tornou-se uma preocupação permanente, os agentes da
administração da justiça estão na boca da cena e a criminalidade organizada,
ao mesmo tempo encoberta e ameaçadora, é em larga medida responsável,
conjuntamente com a criminalidade de massa, por esta alteração do estado
de coisas e por uma transformação da atitude social face ao crime. A
sociedade não oferece mais um direito penal que realmente seja uma garantia
de liberdade: à “magna carta do delinquente" a sociedade opõe a “magna
carta do cidadão”, o reclamo por um arsenal de meios efectivos de luta
contra o crime e a repressão da violência.
199
Paulatinamente, o assunto crime organizado, em parte influenciado pelas
ações de grupos estrangeiros estabelecidos fora do País, passou a ganhar destaque no
cotidiano da população de nossa Nação.
Até então, os crimes ligados à criminalidade clássica, como por exemplo, o
homicídio, os crimes contra o patrimônio e a liberdade sexual, eram notícias diárias no
caderno criminal dos principais jornais. Contudo, como demonstraremos no Capítulo
seguinte deste trabalho, as ações praticadas por facções criminosas e grupos
criminosos transnacionais passaram a criar um estado de terror no seio do povo
brasileiro.
Por sua vez, os mecanismos de combate à “nova” criminalidade organizada
mostravam-se inoperantes para a prevenção e a repressão dos crimes praticados,
conforme expõe a referida autora:
No pressuposto de que os institutos processuais se devem adequar aos
contextos de actuação do comportamento intoleravelmente desviado,
defende-se a revisão das regras tradicionais de investigação e intervenção da
administração da justiça. Criticam-se, assim, designadamente, aqueles que
recusam a modernização tecnológica do processo penal por o converter,
dizem, num mecanismo de polícia do Estado de segurança (a chamada
tendência da Verpolizeichung do processo penal), alertando para a
inviabilização da perseguição penal efectiva das modernas formas de
criminalidade
200
.
199
In: José de Faria Costa; Marco Antonio Marques da Silva, op. cit. p. 281
200
Anabela Rodrigues, O Direito penal Europeu Emergente, p. 185.
79
Os especialistas da área de segurança pública, clamavam por novas medidas
penais e investigatórias, de modo a tentar equilibrar as “armas”
201
, em relação às ações
praticadas por esses grupos criminosos. Contudo, jamais deveremos deixar de observar
os princípios do Estado Democrático de Direito, uma vez que a política de repressão
deve respeitar as regras do Estado de Direito.
Desde a promulgação do Código Penal de 1940, foram diversas as
tentativas de coibir os altos índices de criminalidade com a exasperação de penas e a
criação de novos tipos penais.
O artigo 45, I, do Código Penal, originalmente, contemplou a figura da
organização como forma de agravamento da pena no concurso de pessoas, conforme
disposto, in verbis:
Art. 45. A pena é ainda agravada em relação ao agente que:
I - promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos
demais agentes;
(...).
Atualmente, após a reforma de 1984, a referida causa de majoração encontra-se
disciplinada no artigo 62, I, do Código Penal, com uma pequena alteração no caput do
referido artigo, ou seja, foi substituída a palavra “é”, por “será”, consoante transcrição,
in verbis:
Artigo 62 - A pena será ainda agravada em relação ao agente que: (Redação
dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos
demais agentes;
Podemos mencionar como modelo das ações típicas realizadas por grupos
organizados as seguintes leis: a) Lei de Proteção dos Crimes contra Economia Popular;
201
Princípio da “equiparidade de armas”.
80
b) Lei de Prevenção e Repressão ao Tráfico Ilícito de Substâncias Entorpecentes e
Psicotrópicas
202
; c) Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional; d) Lei dos
Crimes Hediondos; e) Lei 9.034/1995; f) Lei dos Crimes Ambientais; g) Lei de
Lavagem de Bens, Direitos e Valores; h) Lei 10.217/2002 i) Lei 10.409/2002
203
; e i)
Lei de Drogas.
Em 1989, o Deputado Federal Michel Temer apresentou o Projeto de Lei
3.516, cujo preâmbulo tratava: “sobre a utilização dos meios operacionais para a
prevenção e repressão do crime organizado
204
”, que foi aprovado pela Câmara dos
Deputados.
O projeto era dividido em cinco capítulos:
a) “Das Definições e das Disposições Processuais;”
b) “Do acesso a documentos e informações;”
c) “Das Ações Controladas;”
d) “Da Infiltração Policial;”
e) “Das Disposições Gerais”.
Atentamos que o referido Projeto de Lei não conceituou, nem tampouco,
tipificou a conduta de crime organizado ou organização criminosa. O seu art. 1°
somente considerava que a persecução penal deveria voltar-se para a apuração de
crime decorrente de organização criminosa”.
Notamos, assim, que o Projeto de Lei foi elaborado com o objetivo de
dispor de mecanismos de combate aos crimes praticados por organização criminosa,
uma vez que, conforme a sua própria exposição de motivos, o atual Código Penal e o
202
Revogada pela Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006.
203
Revogada pela Lei 11.343/2006.
204
Diário do Congresso Nacional, Brasília, seção I, p. 9.651-9.652,19/09/1989.
81
de Processo Penal brasileiro mostravam-se obsoletos para tratar da repressão a essa
modalidade criminosa.
Após sucessivas idas e vindas em ambas as casas do Congresso Nacional,
no dia 03 de maio de 1995, entrou em vigor a Lei 9.034, que dispôs “sobre os meios
operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações
criminosas”. Disciplinando no seu artigo 1º, in verbis:
Art. 1
o
Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos
investigatórios que versem sobre crime resultante de ações de quadrilha ou
bando.
A apresentada Lei, conforme demonstrado na transcrição literal do seu art.
1°, optou por não definir a organização criminosa, como também não disciplinou um
rol de condutas que poderiam ser consideradas crimes organizados
Somente depois de um período de seis anos, por iniciativa do Ministro de
Justiça José Gregori, foi encaminhado o Projeto de Lei 3.275/2000, sugerindo a
alteração da Lei de 1995. Da mesma forma foram realizadas inúmeras tentativas de
alteração, modificação e supressão deste Projeto, por iniciativa de congressistas de
ambas as casas.
Após as sucessivas discussões, finalmente, no dia 11 de abril de 2001, foi
publicada a Lei 10.217, cujo artigo 1°, dispôs que: “Esta lei define e regula meios de
prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações
praticadas por quadrilha ou bando ou organizações criminosas de qualquer tipo”.
Ressalta-se, contudo, que o projeto foi aprovado com algumas alterações do seu texto
original, acrescentando medidas de caráter investigativo, como por exemplo, a
captação ambiental e a infiltração policial.
82
A nova Lei não tranquilizou o meio jurídico quanto à sua aplicação e
consequente validade, acabou tornando-se objeto de discórdia tanto quanto a sua
abrangência, como a sua constitucionalidade.
A Constituição Federal, em seu art. 5°, XLIII, determinou que a lei
considerasse “crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de
tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos
como crimes hediondos”.
Merece destaque o relato de Antônio Scarance Fernandes, feito antes da
entrada em vigor da Lei 10.217/2001, sobre a dificuldade que o legislador criou
quando promulgou a Lei 9.034/95:
Não foi boa essa orientação.
É ao mesmo tempo ampliativa e restritiva. Abrange crimes que, pelo simples
fato de serem resultantes de bando ou quadrilha, serão “crimes organizados”,
e, por estarem desvinculados de bando ou quadrilha, ficarão fora da órbita da
lei
205
.
Ao contrário do que dispõe Luiz Luisi sobre a inaplicabilidade pelos
operadores do direito da Lei 9.034/1995, conforme recomendação da Professora Ada
Pelegrini Grinover, os Tribunais Superiores têm aplicado com eficácia a referida
Lei
206
.
3.2.2 – Direito Comparado
Poderíamos começar este tópico, citando o conceito de crime organizado ou
organização criminosa em diversos ordenamentos jurídicos de diferentes nações.
205
Scarance Fernandes, op. cit., p. 38.
206
Luiz Luisi, op. cit., p. 200.
83
Entretanto, nos países europeus e até mesmo nos Estados Unidos, que possuem um
estudo avançando sobre crime organizado, o um consenso sobre uma definição
concreta dessa matéria e, dificilmente haverá, devido ao dinamismo que a envolve.
Juarez Cirino dos Santos, ao analisar o enfoque dado à matéria, entende
que:
Na verdade, existem dois discursos sobre crime organizado estruturado nos
pólos americano e europeu do sistema capitalista globalizado: o discurso
americano sobre organized crime, definido como conspiração nacional de
etnias estrangeiras, e o discurso italiano sobre crimine organizzato, que tem
por objeto de estudo original a Mafia siciliana. O estudo desses discursos
pode contribuir para desfazer o mito do crime organizado, difundido pela
mídia, pela literatura de ficção, por políticos e instituições de controle social
e, desse modo, reduzir os efeitos danosos do conceito de crime organizado
sobre os princípios de política criminal de direito penal do Estado
Democrático de direito
207
.
Na opinião de Anabela Miranda Rodrigues, ao citar em seu artigo Jean
Ziegler, relata que:
Não há acordo em torno de uma definição de crime organizado. Jean Ziegler
indica que a biblioteca do palácio das Nações Unidas em Genebra é, de
longe, a maior biblioteca de ciências sociais na Europa [e que] o seu
computador central, em relação ao conceito de criminalidade organizada
internacional, não aponta menos de vinte e sete definições diferentes
208
.
Dando seguimento, enumera a autora, com fundamentos em estudos
recentes, seis das principais características das atuais organizações criminosas
internacionais
209
:
207
Crime organizado, p.215.
208
In: José de Faria Costa; Marco Antonio Marques da Silva, op. cit., p. 281.
209
Ibid., p. 282.
84
a) Organização hierárquica;
b) “Leis” e sanções internas;
c) Branqueamento de capitais criminosos;
d) Intimidação;
e) Compra de funcionários públicos;
f) Diversidade de crimes cometidos.
Antônio Scarance Fernandes, igualmente se pronunciou quanto à
dificuldade da tipificação da matéria no âmbito internacional, principalmente, com
relação à observância dos direitos e garantias fundamentais do homem:
O campo problemático para o legislador e para a doutrina é o da
criminalidade grave ou organizada, em que as soluções e propostas não são
as mais variáveis. Têm os países dificuldades em enfrentar essa
criminalidade. Não sabem nem mesmo como criar um corpo legislativo que,
permitindo eficiência ao sistema regressivo, não fira os direitos e garantias
dos indivíduos, assegurados nas Constituições e Convenções de Direitos
Humanos. Enquanto isso, o crime violento cresce assustadoramente,
alastrando o medo e a insegurança entre os cidadãos
210
.
Alguns países optaram por definir em sua legislação o conceito de
organização criminosa. outras nações utilizam modelos e características para
orientar a repressão ao crime organizado.
No ano de 2003, foi elaborado pela União Européia um documento sobre a
criminalidade organizada, que discrimina algumas das características das organizações
criminosas, conforme transcrevemos:
a) Os grupos são formados por poucas pessoas e não têm uma estrutura
hierárquica muito rígida, não sendo possível, portanto, identificar a
cadeia de comando; esses grupos parecem mais células, com poucas
210
Op. cit., p. 32.
85
pessoas comandando; além disso, é comum a entrada ou a saída de
integrantes;
b) Relação/comunicação com outras células/outros grupos organizados;
c) As atividades são concentradas geralmente em mais de um tipo de
delito;
d) Lavagem de dinheiro;
e) Corrupção de agentes estatais.
Importante ressaltar que as atuais organizações criminosas internacionais,
não necessariamente possuem as características dos grupos mafiosos italianos e
americanos.
Nesse contexto, notamos o aparecimento de uma nova composição de
organização criminosa internacional, onde se formam diversos grupos não
necessariamente ligados como membros de uma estrutura piramidal e hierárquica, mas
sim com a divisão de diversas células que interagem, conforme o momento da prática
criminosa.
Anabela Miranda Rodrigues, ao citar G Kellens, afirma que:
Os estudos mais recentes, efectivamente, tendem sobretudo a colocar em
evidência a acção de redes trabalhando em mercados criminais, onde grupos
e indivíduos mais ou menos interligados oferecem e procuram a realização
de acções criminosas
211
.
Esse novo modelo de organização criminosa traz uma série de
conseqüências tanto no campo interno, como no externo.
211
G Kellens.Elements de criminologie, p. 239, apud Anabela Rodrigues, in: José de Faria Costa; Marco
Antonio Marques da Silva, op. cit., p. 282.
86
No campo interno da organização criminosa, notamos que a divisão em
células proporciona uma série de consequências que facilitam a prática criminosa,
tendo em vista que, cada grupo será responsável por uma tarefa.
Podemos expor como exemplo atual, a organização criminosa internacional
comandada pelo narcotraficante colombiano Juan Carlos Ramirez Abadia
212
.
As investigações sobre o grupo revelaram que esta organização era dividida
em diversas células, no Brasil e no Exterior; cada uma delas possuía uma função
específica, sem necessariamente haver contato entre elas
213
.
A ação do grupo não se limitava apenas na exportação de drogas do “Cartel
Vale del Norte” para os Estados Unidos da América
214
e Europa. Dessa forma, para a
execução das diversas ações criminosas do grupo de Abadia, foram criadas várias
redes internacionais de logística, apoio, coordenação, financiamento e lavagem de
valores, de modo que cada uma delas atuasse de forma individual e especializada.
A ação do grupo não se limitava apenas à exportação de drogas do “Cartel
Vale del Norte” para os Estados Unidos da América
215
e Europa. Dessa forma, para a
execução das diversas ações criminosas do grupo de Abadia, foram criadas várias
212
Consta da acusação o seguinte: “Segundo se apurou ABADIA é um dos principais líderes do “Cartel do Vale
del Norte” da Colômbia organização criminosa de narcotráfico e está sendo processado nos Estados
Unidos da América pela prática de tráfico internacional de entorpecentes (fls. 1232/1273)”. (Processo n.
2007.61.81.011245-7, Sexta Vara Federal Criminal Especializada em Crimes Contra o Sistema Financeiro
Nacional e em Lavagem de Valores, p. 4491).
213
A Sentença proferida no Processo n. 2007.61.81.011245-7, demonstrou que a organização criminosa de
Abadia praticava diversos crimes, desde a corrupção de agentes públicos, falsificação de documentos,
lavagem de bens, direitos e valores, quadrilha ou bando, entre outros crimes, cada uma das atividades
delituosas era desenvolvida por uma célula determinada (Idem, p. 4488-4807).
214
Segundo Representação do Governo Americano ao Supremo Tribunal Federal, Abadia era investigado pela
prática de crime de conspiração no tráfico internacional de drogas.
215
Segundo Representação do Governo Americano ao Supremo Tribunal Federal, Abadia era investigado pela
prática de crime de conspiração no tráfico internacional de drogas.
87
redes internacionais de logística, de apoio, de coordenação, de financiamento e de
lavagem de valores, atuando cada uma delas de forma individual e especializada.
A seguir, destacamos parte do Relatório Anual sobre a Política de
Repressão a Drogas do Governo Americano, sobre a ação conjunta entre a Polícia
Federal e o Departamento de Drogas Americano (DEA):
United States-Brazilian cooperation led to the 2007 capture of Juan Carlos
Ramirez-Abadia, aka ‘la Chupeta,’ one of the leaders of Colombia’s Norte
del Valle cartel. Following his conviction and sentencing in Brazil, Ramirez-
Abadia was extradited to the United States in 2008 and faces federal murder,
drug trafficking, and money laundering charges in the Eastern District of
New York. DEA agents in Brazil and Colombia, working with the DPF and
Colombian National Police, have subsequently seized more than $700
million in cash and other assets from his organization
216
.
O aludido modelo permite que cada uma delas atue não só de maneira
independente como também autônoma. Todavia, ao mesmo tempo com um controle
final, ou seja, do próprio Abadia.
A “falência” de uma das células não implicaria, necessariamente, na
inoperância das demais, mesmo que um dos organismos fosse, por exemplo,
desarticulado. Com a continuidade das demais práticas delitivas, rapidamente as
demais células supririam a “falida”, ou então, uma nova célula poderia substituir
aquela já inoperante.
216
A cooperação entre o Brasil e os Estados Unidos levou a prisão de Juan Carlos Ramire Abadia, conhecido
como “o Chupeta”, um dos líderes do um dos líderes do Cartel do Vale do Norte da Colômbia. Depois de
processado e condenado no Brasil, em 2008 Ramirez-Abadia foi extraditado para os Estados Unidos, devido
a acusação de envolvimento em homicídios, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, responde a processo no
Distrito Leste de Nova York. Os agentes da DEA estabelecidos na Colômbia e no Brasil, trabalharam com o
DPF e a Polícia Nacional colombiana, posteriormente, foram apreendidos mais de US$ 700 milhões em
dinheiro e outros ativos de sua organização. (Relatório Internacional Estratégico sobre Drogas, (2009
International Narcotics Control Strategy Report)
<http://www.state.gov/p/inl/rls/nrcrpt/2009/vol1/116520.htm
>, consulta realizada em 24/08/2009.
88
Em se tratando da repressão aos referidos grupos, esse novo modelo de
organização criminosa dificulta não só a identificação dos próprios envolvidos na
prática criminosa, como também as ações de combate, uma vez que eles não atuam
concertadamente.
Assim, mesmo com a prisão do líder do grupo, as demais células não
ficariam, em tese, desarticuladas, tendo em vista a independência no comando de cada
uma delas, apesar do controle final estar sempre na mão de poucos indivíduos.
Fica claro, portanto, que a separação das células e a consequente ocultação
dos seus membros, torna a ação mais segura para os criminosos, que muitos deles,
apesar de pertencerem, em tese, à mesma organização, acabam o se conhecendo,
garantindo, dessa forma, a impunidade em caso de eventual colaboração nas
investigações, de membros envolvidos no mesmo grupo.
Consecutivamente, poderemos até encontrar uma espécie de “terceirização”
de serviços, de forma a evitar o contato entre diversos membros do grupo.
Quando da participação de seminário promovido pelo Setor de Inteligência
da Polícia Real Montada Canadense - Projeto “Sleipnir”
217
, foi possível identificarmos
um novo modelo de organização criminosa, caracterizado pelos atributos classificados
e definidos na seguinte ordem
218
:
217
Na mitologia nórdica, Sleipnir é um lendário corcel de oito patas, o ser mais rápido entre os planos. É a
montaria de Odin, o maior dos deuses vikings e senhor de todas as magias. Seu nome significa suave ou
aquele que plana no ar. Ele também é associado com as palavras esguio e escorregadio.
218
O projeto “Sleipinir foi concluído em 1999 e desenvolvido pela RCMP” (Royal Canadian Mounted Police)
apresentado durante conferência realizada no Peru, cujo objetivo é apresentar recomendações e inteligência
corroborativa de forma consica, informando as deliberações de gerentes superiores no estabelecimento de
prioridades em nossos eforços contra o crime organizado. (Seminário CICAD/RCMP Seminário de
capacitacion sobre operacionaes de infiltracion. Lima, Peru (23 a 26/02/2004).
89
1. Corrupção: esforços contínuos para corromper figuras públicas,
representantes do sistema judiciário e líderes comerciais, por meio de práticas de
influência ilícita, exploração dos mais fracos e chantagem. Define-se como a
habilidade de infiltrar criminosos da organização em “posições-chave";
2. Violência: caracteriza-se pela disposição clara de usar informações
obtidas com a aplicação da violência, bem como com a intimidação, ou também por
meio de ameaças de violência para a consecução dos objetivos de determinada
organização;
3. Infiltração: define-se como esforços contínuos para ganhar a confiança
não só de instituições públicas e privadas, como também de organizações e instituições
comerciais legítimas, com o objetivo é de lavar dinheiro e esconder propriedades. A
fachada de legitimidade é usada para proteger e ocultar iniciativas criminosas, bem
como para a coleta de informações de inteligência;
4. Experiência: adquire-se experiência em química, lavagem de dinheiro ou
uso de armas, para aumentar suas habilidades para cometer atividades criminosas;
5. Sofisticação: as operações demonstram habilidades em desenvolver e
empregar métodos complexos, nas áreas de comunicação, tecnologia, gerenciamento
de bens, funções jurídicas/policiais e penetração em agências de execução da lei;
6. Subversão: clara disposição e experiência para subverter procedimentos
legislativos e leis da sociedade em seu interesse próprio, por meio de corrupção,
intimidação, violência ou manipulação das forças da lei, do governo, dos tribunais ou
de outros órgãos de controle, bem como de comissões e de agências reguladoras;
7. Estratégia: intenção de criminosos organizados em manter ou aumentar
seu tamanho em esfera de operações e influência, bem como para manter ou aumentar
seu poder e prestígio resultando em acumulação de riquezas;
90
8. Disciplina: práticas de obediência coercitiva, que mantém a organização
unida. Caracteriza-se por intimidação e violência, executadas com brutalidade e sem
respeito à vida e à propriedade;
9 Isolamento: os principais líderes protegem-se atrás de subordinados,
“laranjas” e do uso de corrupção;
10. Uso de Inteligência: é a capacidade de Inteligência e Contra-Inteligência
de criminosos organizados. Usada para defender-se de forças da lei e de grupos rivais,
bem como para identificar novos alvos;
11. Múltiplas Frentes: atividades ilícitas diversificadas. Componentes-
chave: controle e lucro;
12. Mobilidade: disponibilidade e habilidade de se mover e operar empresas
criminosas em jurisdições e em fronteiras municipais, nacionais e internacionais;
13. Estabilidade: manutenção do equilíbrio e da solidez da estrutura
organizacional e pessoal dos grupos criminosos;
14. Âmbito: esfera geográfica de operações e influência da organização
criminosa;
15. Monopólio: controle de uma ou mais atividades criminosas dentro da
área geográfica de operações, sem tolerância para competição – o que não evita
parcerias de conveniência lucrativa entre as organizações. Violência ou intimidação
são métodos usuais aplicados para estabelecer ou manter o monopólio;
16. Coesão do Grupo: fortes laços são fomentados nos âmbitos indivíduo-
indivíduo e indivíduo-organização, a fim de criar solidariedade criminosa e proteção
91
em comum. Os laços podem ser criados por meio de fatores comuns, como vidas
pregressas, relações consanguíneas, financeiras e origens geográficas. Estes laços são
frequentemente instituídos com ritos de iniciação e atos “obrigatórios” de lealdade
criminosa;
17. Continuidade: manutenção, com o passar do tempo, das atividades
criminosas, assim como das práticas que sustentam tais atividades;
18. Vínculos com outros grupos do crime organizado: estabelecimento de
relações entre grupos estáveis de crime organizado no país da investigação e no
exterior; e
19. Vínculos com grupos criminosos extremistas: estabelecimento de
relações estáveis com grupos do crime organizado com os grupos criminosos
extremistas ou terroristas.
Para analisar a existência, ou mesmo, a periculosidade de um determinado
grupo organizado, os 19 atributos são avaliados em uma escala graduada entre os graus
alto, médio, baixo, nulo, ou desconhecido. Assim, é possível traçar o perfil de cada
uma das organizações criminosas investigadas, de modo a identificar os pontos fracos
e fortes de cada uma delas.
A graduação, ora indicada, é estabelecida tendo-se por base as organizações
criminosas-modelo, como por exemplo, a máfia italiana, os cartéis colombianos,
grupos extremistas, entre outros grupos criminosos.
92
3.2.3 – Convenção de Palermo
Conforme narrado no início do Capítulo,
219
demonstramos que o
ordenamento jurídico brasileiro não definiu nas leis 9.034/1995, nem tampouco na Lei
10.271/2001, a definição de crime organizado.
Contudo, com a promulgação da Convenção das Nações Unidas contra o
Crime Organizado Transnacional, conhecida como “Convenção de Palermo”,
recepcionada pelo Decreto 5.015, de 12, de março de 2004, finalmente surgiu no
ordenamento jurídico brasileiro, com força de lei ordinária,
220
um conceito sobre grupo
criminoso organizado, conforme anteriormente transcrito no artigo 2 da aludida
Convenção.
A Convenção, além de definir o conceito de Crime Organizado
Transnacional”, relacionou os crimes decorrentes da criminalidade organizada. Assim,
acabou por estabelecer em diversos dispositivos, normas para a Cooperação
Internacional e previsões legais a serem adotadas pelos Países que a recepcionaram.
O caráter transnacional do crime, hoje é uma realidade presente em diversas
investigações realizadas pelos órgãos de repressão brasileiros.
Atualmente, a título de exemplo, a Polícia Federal brasileira criou em sua
estrutura grupos especializados no combate ao crime organizado
221
.
219
Ver item 3.2.1.
220
Ver item 5.1.1.
221
Desde de ano de 2004, o Departamento de Polícia Federal criou a Diretoria de Combate ao Crime Organizado
(DCOR), cuja atribuição é coordenar as ações de inteligência e repressão às organizações criminosas,
direcionando suas atividades conforme a realidade de cada Estado-membro.
93
As jurisprudências dos Tribunais Superiores, ao enfrentar o conceito de
crime organizado nos termos da Convenção de Palermo
222
, chega a recepcioná-la ao
reconhecer determinado grupo criminoso voltado a atividade de lavagem de bens,
direitos e valores, em crimes praticados por organizações criminosas, nos moldes
delineados pelo artigo 2 da Convenção, disciplinado pela Lei n. 9.034/1995 e
amparado pela redação da Lei n. 10.217/2001, conforme transcrição, in verbis, do v.
acórdão, proferido pela Ministra Laurita Vaz:
1. Hipótese em que a denúncia descreve a existência de organização
criminosa que se valia da estrutura de entidade religiosa e empresas
vinculadas, para arrecadar vultosos valores, ludibriando fiéis mediante
variadas fraudes mormente estelionatos –, desviando os numerários
oferecidos para determinadas finalidades ligadas à Igreja em proveito
próprio e de terceiros, além de pretensamente lucrar na condução das
diversas empresas citadas, algumas por meio de “testas-de-ferro”,
desvirtuando suas atividades eminentemente assistenciais, aplicando
seguidos golpes.
2. Capitulação da conduta no inciso VII do art. 1.º da Lei n.º 9.613/98, que
não requer nenhum crime antecedente específico para efeito da configuração
do crime de lavagem de dinheiro, bastando que seja praticado por
organização criminosa, sendo esta disciplinada no art. 1.º da Lei n.º
9.034/95, com a redação dada pela Lei n.º 10.217/2001, c.c. o Decreto
Legislativo n.° 231, de 29 de maio de 2003, que ratificou a Convenção das
Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada pelo
Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004. Precedente.
3. O recebimento da denúncia, que se traduz em mera admissibilidade da
acusação diante da existência de sérios indícios de autoria e materialidade,
mostra-se adequado, inexistindo a alegada inépcia, porquanto preenchidos
todos seus pressupostos legais.
4. Nesta fase inaugural da persecução criminal, não é exigível, tampouco
viável dentro do nosso sistema processual penal, a demonstração cabal de
222
Conforme decisão unânime da Quinta Turma do STJ, sob relatoria da Ministra Jane Silva, ao julgar Habeas
Corpus impetrado em benefício de integrantes de organização criminosa investigada pela Polícia Federal,
(Operação Anaconda) ficou decidido que: “(...) E, contrariamente ao que defende a Impetrante, penso que a
discussão acerca da existência ou não de definição do que seja organização criminosa já foi inteiramente
superada com a adesão do Brasil à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional
(Nova York, 15 de novembro de 2000), por meio do Decreto 5.015, de 12 de março de 2004, o qual,
considerando que o Congresso Nacional havia aprovado, por meio do Decreto Legislativo 231, de 29 de
maio de 2003, o texto da mencionada convenção, estabeleceu, em seu artigo 1°, que esta “será executada e
cumprida tão inteiramente como nela se contém”. Dentre outros objetivos, a convenção pretende a
criminalização, nos Estados signatários, da participação em um grupo criminoso organizado, da lavagem do
produto do crime, da corrupção e da obstrução à justiça, e, de sorte a uniformizar a terminologia, definiu, em
seu artigo , que grupo criminoso organizado é: Grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente
algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou
enunciadas na presente convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício
econômico ou outro benefício material (...)”. (Quinta Turma. HC 63716/SP, j. 28.11.2007, publ. DJ
17/12/2007, p. 237).
94
provas contundentes pela acusação. Esse grau de certeza é reservado para a
prolação do juízo de mérito. Este sim deve estar calcado em bases sólidas,
para eventual condenação.
5. Mostra-se, portanto, prematuro e temerário o acolhimento do pedido da
defesa de trancamento da ação penal, de maneira sumária, retirando do
Estado, de antemão, o direito e, sobretudo, o dever de investigar e processar,
quando há elementos mínimos necessários para a persecução criminal.
6. Ordem denegada
223
.
A decisão da Corte Superior
224
, também menciona como precedente o
Inquérito Judicial n. 2245/MG
225
, cuja investigação destina-se à apuração de desvio de
recursos públicos para o pagamento de dívidas de campanhas de partidos políticos,
entre outros crimes. Tornando-se valiosa, na ocasião, a exposição da decisão proferida
pelo Ministro Joaquim Barbosa, quando do recebimento da denúncia elaborada pelo
Procurador Geral da República:
Capítulo II. Da denúncia. Imputação do crime de formação de quadrilha ou
bando (artigo 288 do CP). Circunstâncias de tempo, modo e lugar do crime
adequadamente descritas. Elemento subjetivo especial do crime devidamente
indicado. Estabilidade da suposta organização criminosa constatada.
Comunhão de desígnios demonstrada na inicial. Tipicidade, em tese, das
condutas narradas. Individualização das condutas. Existentes suficientes
indícios de autoria e materialidade. Denúncia recebida
226
.
Oportuno, neste momento, transcrevermos a Recomendação n. 03, do
Conselho Nacional de Justiça, que se manifesta sobre a adoção do conceito de crime
organizado transnacional, disciplinado pela Convenção de Palermo, para o julgamento
das ações praticadas por organizações criminosas, in verbis:
223
Quinta Turma, HC 77771/SP, j. 30.05.2008, publ. DJ 22/09/2008, p. 1120.
224
Idem, p. 1120.
225
O referido Inquérito Judicial por foro privilegiado, foi objeto de investigação pela Comissão Parlamentar de
Inquérito, conhecida como CPI do “mensalão”, termo que foi definitivamente incorporado ao vocabulário
político e cotidiano do país com a identificação de um suposto esquema de pagamentos mensais a deputados
federais.
226
Tribunal Pleno. Inq. 2245/MG, j. 28.08.2007, publ. DJ 09/11/2007, p.0038.
95
RECOMENDAÇÃO 3, DE 30.05.2006:
Recomenda a especialização de varas criminais para processar e julgar
delitos praticados por organizações criminosas e dá outras providências.
1. Recomenda ao Conselho da Justiça Federal e aos Tribunais Regionais
Federais, no que respeita ao Sistema Judiciário Federal, bem como aos
Tribunais de Justiça dos Estados, a especialização de varas criminais, com
competência exclusiva ou
concorrente, para processar e julgar delitos praticados por organizações
criminosas.
2. Para os fins desta recomendação, sugere-se:
a) a adoção do conceito de crime organizado estabelecido na Convenção das
Nações Unidas sobre Crime Organizado Transnacional, de 15 de novembro
de 2000 (Convenção de Palermo), aprovada pelo Decreto Legislativo 231, de
29 de maio de 2003 e promulgada pelo Decreto 5.015, de 12 de março de
2004.
Importante, ainda, trazer à colação os elementos descritivos da aludida
Convenção:
a) Grupo estruturado de três ou mais pessoas:
A Convenção inovou ao disciplinar o número mínimo de três pessoas para a
configuração do grupo. Dessa forma, optou por um mero intermediário em relação
aos crimes de associação da atual Lei de Drogas, em que bastam apenas dois agentes,
em relação ao crime de Quadrilha ou Bando, em que se exige um mínimo de quatro
agentes. Dessa forma, o art. 2, da Convenção, utilizou o mesmo critério do crime de
associação, da Lei de Genocídio, a qual exige o número mínimo de três pessoas para a
tipificação inicial da conduta.
O mesmo diploma, igualmente estabeleceu o conceito de “grupo
estruturado”, com a seguinte redação:
(...) grupo formado de maneira não fortuita para a prática imediata de uma
infração, ainda que os seus membros não tenham funções formalmente
definidas, que não haja continuidade na sua composição e que não disponha
de uma estrutura elaborada;
(...).
b) Existente há algum tempo:
96
O fator temporal era um pré-requisito para a tipificação dos crimes de
associação ou de quadrilha ou bando, uma vez que não basta uma mera reunião
eventual de agentes, mas sim, o propósito de animus associativo (societas sceleris) e a
estabilidade.
c) Propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na
Convenção:
A própria Convenção, em seu art. 2, “b”, conceitua o termo “infrações
graves”, conforme a seguir disciplinado, in verbis:
Artigo 2
Terminologia
Para efeitos da presente Convenção, entende-se por:
a) (...);
b) "Infração grave" - ato que constitua infração punível com uma pena de
privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com
pena superior;
O critério adotado pela Convenção foi a pena mínima atribuída ao crime
praticado, independentemente, da gravidade da conduta criminosa, como poderíamos
pensar em uma leitura precipitada do tópico acima tratado.
Na sequência, notamos que o texto do artigo 3, da Convenção de Palermo,
remete-se às outras infrações por ela tutelada, conforme disposto, in verbis:
Artigo 3
Âmbito de aplicação
1. Salvo disposição em contrário, a presente Convenção é aplicável à
prevenção, investigação, instrução e julgamento de:
a) Infrações enunciadas nos Artigos 5, 6, 8 e 23 da presente Convenção; e
b) Infrações graves, na acepção do Artigo 2 da presente Convenção;
sempre que tais infrações sejam de caráter transnacional e envolvam um
grupo criminoso organizado;
97
3.3 – Tipificação da Organização criminosa
A imperativa necessidade de agravamento e criação de novos tipos penais,
como imaginária solução para a crise da segurança pública e como uma resposta aos
anseios da sociedade, fomenta no legislador a necessidade de criação de uma norma
incriminadora para a figura da organização criminosa
227
.
Conforme analisado, o ordenamento jurídico brasileiro não contempla,
atualmente, a figura típica da organização criminosa. Na questão conceitual, a própria
doutrina tria e estrangeira não chega a um consenso e oscila no quanto aos seus
elementos e características, conforme expõe Antonio Scarance Fernandes:
Por várias razões, considera-se difícil tipificar em lei o crime organizado ou
enunciar os elementos essenciais de uma organização criminosa. É comum
os autores apontarem muitas características para explicar a organização
criminosa, o que dificulta sintetizá-las em alguns caracteres fundamentais:
associação permanente e estável de diversas pessoas; estrutura empresarial,
hierarquizada e piramidal, com poder concentrado nas mãos dos líderes, os
quais não mantêm contato diretamente com as bases; poder elevado de
corrupção; uso de violência e de intimidação para submeter os membros da
organização e para obter a colaboração ou o silêncio de pessoas não
participantes do núcleo criminoso; finalidade de lucro; uso de sistemas de
lavagem de dinheiro para legalizar as vultuosas somas obtidas com as
práticas delituosas; regionalização ou internacionalização da organização; o
uso de modernas tecnologias
228
.
Todavia, René Ariel Dotti tem uma opinião mais enfática a respeito das
tentativas e das frustrações do direito pátrio, em buscar uma tipificação para a conduta
de organização criminosa, transcrito in verbis:
É notório o fracasso das tentativas para tipificar taxativamente um fato social
que se assemelha a um caleidoscópio pela mutação contínua na composição
227
Segundo Luiz Luisi: “No Brasil, - onde, diga-se na passant, a neocriminalização vem sendo feita pelo
Parlamento de forma desvairada e com incompetência e irresponsabilidade, - a criminalidade organizada tem
sido objeto de preocupação de numerosos penalistas. (op. cit., p. 193)
228
Crime Organizado: aspectos processuais, p. 12-13.
98
de seus membros, na estratégia de ação, nos processos de corrupção e de
intimidação, além de outros componentes
229
.
No Brasil, um considerável movimento cio-político para a criação de
leis, com base no exacerbado crescimento da criminalidade. Ao mesmo tempo em que,
de um lado existe o apelo social pela maior segurança da sociedade, devido à
repercussão de crimes praticados por grupos criminosos, do outro lado, a reação
política a esse apelo, aproveita-se, assim, da ciência penal para dar uma resposta
imediata à coletividade.
Ante a situação, importante relatar trecho da obra de Manoel Pedro
Pimentel: “É sabido que o fato social sempre caminha adiante das leis. É justamente o
reclamo da realidade que impulsiona o legislador a editar normas para coibir abusos
que atentam contra bens ou interesses dignos de proteção”
230
.
Ao mesmo tempo, em função dos compromissos internacionais, o Brasil
obrigou-se a reprimir determinados comportamentos e se impor na necessidade de
tipificar certas condutas pelo imediatismo. No próximo tópico deste estudo,
examinaremos melhor esta questão.
Surge, contudo, um intenso movimento midiático na doutrina penal,
sustentado por alguns “aventureiros”, que pregam a flexibilização dos direitos
fundamentais para o efetivo combate à criminalidade organizada
231
.
Os princípios limitadores do Direito Penal, entre eles, o da
subsidiariedade
232
, da fragmentariedade
233
e o da intervenção mínima
234
são por eles
229
IBCCRIM, A organização criminosa é uma forma qualificada no concurso de pessoas, p. 06-07.
230
Direito Penal Econômico, p. 34
231
Jorge Miranda, Semana Luso-Brasileira, DVD.
232
“Entende-se, por este princípio, que o direito penal é o último recurso a ser utilizado diante da desorganização
social, e somente será válido quando fracassarem ou não estiverem disponíveis outras medidas de controle
99
desconsiderados, em razão da distorção da natureza da ultima ratio
235
do Direito
Penal. Acreditam que, com a criação de leis penais mais severas, poder-se-ia dar uma
resposta à sociedade, garantindo a paz pública e a segurança do cidadão.
Por sua vez, Winfried Hassemer opõe-se à criação de novos tipos penais,
quando do anseio político e social, em decorrência de novas situações ameaçadoras da
sociedade moderna, sem que haja uma reflexão sobre a real necessidade de tutelar
determinados bens jurídicos, uma vez que acabará colidindo com os princípios
limitadores consagrados pelo Direito Penal Constitucional:
As situações para as quais uma regulação penal é justificável o devem ser
livremente determinadas pelo legislador penal. Antes, elas devem ser-lhe
predispostas, pelo menos como molduras de suas decisões. Com efeito,
como objetivo de política criminal, deve entrar em cogitação a proteção
de interesses humanos (bens jurídicos). Meras concepções morais ou idéias
de ordem, ainda que partilhadas por toda a sociedade, não merecem uma
valoração penal. O Direito penal passa a ser domesticado: é fragmentário,
subsidiário; em caso de dúvida, deve-se abdicar da regulamentação penal
(...)
236
.
Defronte dos motivos que afastam a dogmática jurídico-penal, surgiram,
precipitadamente, diversos projetos, alguns ainda em andamento no Congresso
social.” (Marco Antonio Marques da Silva, Acesso à Justiça Penal e o Estado Democrático de Direito, p.
09).
233
“O uso deste instrumento de intervenção somente deve ser aplicado nos casos de ataques intoleráveis que
impedem a manutenção da ordem social.” (Ibid., mesma página).
234
“O princípio da intervenção mínima, que se reconhece um défict de legitimação do Direito Penal, pretende
que este controle social atinja somente aqueles fatos de gravidade insuportável para a sociedade, com sanções
adequadas, como o último recurso de aplicação das normas penais, dado que ficou demonstrado o fracasso
da política social, o controle não jurídico ou outro subsistema jurídico”. (Ibid., mesma página).
235
Ibid., p. 08.
236
Direito Penal: fundamentos, estrutura, política, p. 36.
100
Nacional, cujo objetivo é tipificar a conduta do crime organizado
237
, bem como dos
crimes modernos, atingindo, conforme expõe Hassemer, “bens jurídicos universais”
238
.
Para melhor exame da tipificação da organização criminosa, torna-se
necessário estudar os princípios limitadores do Direito Penal.
3.3.1 – Princípio da Reserva Legal
De caráter basilar no estudo do Direito Penal, o princípio da Reserva Legal
jamais poderá deixar de ser mencionado, quando analisarmos o ordenamento jurídico
que vigora no Estado de Direito Democrático, da República Federativa do Brasil
239
.
Luiz Luisi destaca a presença deste importante princípio em todas as
Constituições brasileiras:
Ressalte-se que o princípio em causa tem historicamente gabarito
constitucional. A nossa primeira Constituição, a de 1824, em seu artigo 179,
XII, a de 1891 no artigo 72, parágrafo 15, a de 1934, no inciso 26 do artigo
113, a de 1946 no artigo 141, parágrafo 25 a de 1967, no parágrafo 16 do
artigo 150 e no parágrafo 16 do artigo 153 da Emenda Constitucional n° 1 de
17/10/69, consagram o postulado da Reserva Legal
240
.
237
Ver tópico 3.3.3.
238
“Trata-se de bens jurídicos universais (que seriam aceitáveis em conexão com a proteção de interesses
individuais), e eles ainda são formulados tão genericamente que podem dar suporte a qualquer
criminalização. Eles já não possuem a potencialidade crítica original. A forma de descrição corrente e
preferida dessa criminalidade moderna é a figura do crime de perigo abstrato. Concretamente, isso significa
uma drástica redução nos requisitos clássicos da punibilidade: não mais é necessário um resultado lesivo
da conduta, nem sequer a produção de um perigo palpável. Conseqüentemente, renuncia-se a qualquer tipo de
relação de causalidade: a punibilidade torna-se inevitável já com a mera prática de uma conduta que o
legislador incriminou, por considerá-la em tese perigosa. E a redução dos requisitos da punibilidade significa,
para o acusado, uma redução de suas possibilidades de defesa”. (Direito Penal: fundamentos, estrutura,
política, p. 40)
239
Artigos 1º e 5º da Constituição Federal do Brasil.
240
Os princípios constitucionais penais, p. 18.
101
Desde a Independência, todas as nossas Constituições contemplaram o
princípio da reserva legal. Atualmente, está previsto no Título II (Direitos e Garantias
Fundamentais), do Capítulo I, (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos), artigo
5°, inciso XXXIX
241
da Carta Magna, in verbis:
Art. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
I. (...)
XXXIX. não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem
prévia cominação legal.
Fica claro, que o princípio da legalidade, disciplinado pela Constituição
Federal, somente permite que se puna, quando uma lei anterior definir a conduta como
crime
242
, de modo que os seus elementos sejam claramente descritos pelo legislador
243
,
para que não haja ofensa a este preceito.
Digna de consideração a citação de Francisco de Assis Toledo, in verbis:
Lex praevia significa proibição de edição de leis retroativas que
fundamentem ou agravem a punibilidade. Lex scripta, a proibição da
fundamentação ou do agravamento da punibilidade pelo direito
consuetudinário. Lex stricta, que é a proibição da fundamentação ou do
agravamento da punibilidade pela analogia (analogia in malam partem). Lex
certa a proibição de leis penais indeterminadas
244
.
241
Segundo Luiz Luisi: “Registre-se ainda, que o postulado da Reserva Legal, além de arginar o poder punitivo
do Estado nos limites da lei, dá ao direito penal uma função de garantia, posto que tornando certos o delito e
a pena, asseguram ao cidadão que por aqueles fatos previamente definidos como delituosos, e naquelas
penas previamente fixadas pode ser processado e condenado”. (op.cit., p. 23).
242
Segundo Francisco de Assis Toledo: “O princípio da legalidade costuma ser enunciado por meio da expressão
latina nullum crimen, nulla poena sine lege, esta última construída por Feurbach, no começo do século XIX”.
(Princípios básicos de direito penal, p. 21).
243
Ver tópico 4.3.3.
244
Op. cit., p. 22.
102
Igualmente, torna-se importante citar Jorge Miranda, quanto ao preceito ora
analisado:
Nenhuma restrição pode ser definida ou concretizada senão por lei; a regra é
de reserva absoluta de lei; não pode haver regulamentos restritivos de
direito, nem a Administração pode agir para esse efeito a não ser com
fundamento na lei e no exercício de um poder vinculado
245
.
Na atualidade, quando tratamos do princípio da legalidade, principalmente,
na questão da segurança pública, encontraremos opiniões diversas sobre a crise
enfrentada por este preceito constitucionalmente garantido, entre elas a de Alberto
Silva Franco:
Vale ressaltar, por fim, que se apregoa, na atualidade, a existência de uma
crise do princípio da legalidade, crise essa que se origina dos problemas, em
nível de segurança pública, exigidos pela sociedade em processo de
contínuas transformações
246
.
Logo em seguida, o autor cita as considerações quanto ao tema, de Antonio
García-Pablos de Molina, in verbis:
O princípio da legalidade se vê hoje também sutilmente ameaçado pelo
antigarantismo da sociedade da sociedade pós-industrial de nosso tempo, que
bem poderíamos denominar sociedade da segurança.
(...)
A sociedade pós-industrial do risco professa um perceptível antigarantismo.
Não teme o ius incertum, nem os possíveis excessos do “Estado, do Leviatã,
mas sim reclama deste as maiores cotas de eficácia na luta contra o delito e
não tem dificuldade em renunciar a tudo quanto possa supor ser um
obstáculo ao exercício do poder punitivo e ao controle expedito da
criminalidade. Do legislador espera e exige resposta severa e pronta ao
delito, encontrando lógica satisfação no Direito Penal simbólico que a
tranqüilizará. Dos Juízes, uma aplicação da lei sem considerações nem
formalismos, que confirme a seriedade das cominações legais. Do
procedimento penal, uma via flexível e ágil que assegure a eficácia da
245
A dignidade da Pessoa Humana e a unidade do sistema de direitos fundamentais, p. 170.
246
Crimes Hediondos, p. 57
103
persecução e castigo da criminalidade, livre de prejulgamentos garantísticos.
No Estado da Contra-ilustração, o cidadão não se considera destinatário e
eventual alvo do ius puniendi, porque pensa que delinqüente potencial
somente pode ser outro
247
.
Contudo, as restrições estão sujeitas ao princípio da razoabilidade
248
e da
proporcionalidade
249
, devendo somente ser estabelecidas quando os fins, os interesses
e os valores constitucionais, puderem ser protegidos por estes princípios corolários da
legalidade. Devem, portanto, em cada caso, realizar esses fins e não os outros, de
forma a corresponder à justa medida, conforme análise do caso concreto
250
.
O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, discorre a
respeito da incompatibilidade de restrições infundadas com os direitos fundamentais,
com base no princípio da proporcionalidade, in verbis:
A doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de
restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a
admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva
legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com
o princípio da proporcionalidade. Essa nova orientação, que permitiu
converter o princípio da reserva legal (Gesetzesvorbehalt) no princípio da
reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen Gesetzes),
pressupõe não a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos
pelo legislador, mas também a adequação desses meios para consecução dos
objetivos pretendidos (Geeignetheitz) e a necessidade de sua utilização
(Notwendigkeit oder Erforderlichkeit)
251
.
247
Alberto Silva Franco, op. cit., mesma página.
248
Segundo Carlos Roberto de Siqueira: “a moderna teoria constitucional tende a exigir que as diferenciações
normativas sejam razoáveis e racionais. Isto quer dizer que a norma classificatória não deve ser arbitrária,
implausível ou caprichosa, devendo, ao revés, operar como meio idôneo, hábil e necessário ao atingimento de
finalidades constitucionalmente válidas”. (O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova
Constituição do Brasil, p. 157).
249
Este princípio é de suma importância no Estado Democrático de Direito, uma vez que obriga a ponderar a
gravidade da ação típica com relação ao bem jurídico protegido e as consequências do delito. (Carlos Roberto
de Siqueira, op. cit., p. 14)
250
Jorge Miranda, op. cit. p. 173 -185
251
Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 39.
104
De imensurável importância, devemos no estudo do tema ora apresentado,
diferenciarmos o sistema anglo-americano que é baseado preponderantemente em
precedentes jurisprudenciais, dos sistemas codificados que são amparados no princípio
da reserva legal. Hassemer, ao expor a diferença entre os dois sistemas, demonstra a
preocupação e o cuidado que o legislador deve ter, ao elaborar uma norma penal:
Uma vez escolhida como forma de organização de regras jurídicas
fundamentais, a codificação produz conseqüências graves e extensas para o
significado da linguagem no Direito. É que a lei ganha uma função
padronizadora com a qual o papel dos precedentes (quer dizer, das decisões
antecedentes e similares de casos concretos), nos sistemas neles fundados, só
de longe se pode comparar: a lei não é apenas prévia a decisão, mas também
é produzida num processo específico, construído com competências
especiais; ela é publicada segundo regras especiais num local destacado; os
representantes do povo eleitos devem (de iure) trabalhá-la e votá-la
cuidadosamente. Por isso, é coerente que uma ordem jurídica assim
organizada coloque todas as decisões fundamentais sob a “reserva legal”: a
lei escrita e produzida de acordo com procedimentos próprios constitui
padrão central para o julgamento da juridicidade
252
.
O princípio da reserva legal exerce um efetivo controle sobre o poder
punitivo e normativo do Estado e sempre seuma garantia da dignidade da pessoa
humana, conforme narra, com propriedade, José Renato Nalini:
Ancorar a Carta Política sobre o princípio da dignidade da pessoa humana é
reconhecer que ele inspira a descoberta de todas as demais exigências
reclamadas para o potencial crescimento das criaturas. Não é apenas a
dimensão filosófica de humanidade a pretender que a primícia da espécie
alcance patamares diferenciados de bem estar em todos os sentidos. É o
direito posto a proclamar a vocação perene do ser humano para concretizar
seus objetivos, até alcançar a plenitude possível
253
.
252
Op. cit., p. 48-49.
253
Duração Razoável do Processo, p. 192.
105
3.3.2 – Princípio da Taxatividade
Nas lições da doutrina, o princípio da taxatividade, que é um dos
desdobramentos do princípio da reserva legal
254
, impõe que os tipos penais sejam
fechados, ou seja, sem margem de discricionariedade para o julgador.
Diante dessa afirmação, especialmente no âmbito do Direito Penal, não
basta que o legislador, ao elaborar uma norma penal incriminadora, atenda aos
pressupostos do devido processo legislativo constitucional, mas também que as
referidas normas sejam claras e objetivas, de forma que ao interpretá-la reduza ao
máximo, ou mesmo, elimine a dúvida ou dubiedade quanto ao seu alcance. O
magistério de Luiz Luisi nos elucida a questão:
O postulado em causa expressa a exigência de que as leis penais,
especialmente as de natureza incriminadora, sejam claras e o mais possível
certas e precisas. Trata-se de um postulado dirigido ao legislador vetando ao
mesmo a elaboração de tipos penais com a utilização de expressões
ambíguas, equivocas e vagas de modo a ensejar diferentes e mesmo
contrastantes entendimentos. O princípio da determinação taxativa preside,
portanto, a formulação da lei penal, a exigir qualificação e competência do
legislador, e o uso por este de técnica correta e de uma linguagem rigorosa e
uniforme
255
.
O legislador ao elaborar a lei não pode, simplesmente, atender ao clamor
público e aos discursos políticos, muitas vezes, decorrentes de um único
acontecimento que gerou aquele sentimento de aparente falência dos órgãos estatais
competentes. A lei não deve ser vista como uma solução para as mazelas da segurança
pública.
254
Para Luiz Luisi: “O segundo corolário lógico do princípio da legalidade é o postulado da ‘determinação’,
também dito da ‘taxatividade’, a que prefiro chamar de determinação taxativa”. (op. cit., p. 24).
255
Op.cit., mesma página.
106
André Callegari expõe sua preocupação com relação aos tipos penais
abertos:
Isso pode ser visto claramente nos discursos políticos e nos debates sobre
segurança pública. Também se revela na hora da aprovação de novas leis
penais imbuídas de caráter repressivo com supressão de garantias ou
ampliação das condutas típicas. Dito de outro modo, a revelação dessa nova
legislação muitas vezes de imediato não demonstra este viés, porém, nunca
se viu uma abertura tão grande nos tipos penais, onde o princípio da
taxatividade que norteava o Direito penal foi olvidado
256
.
Por conseguinte, o mesmo autor, indica com precisão a implicação da
criação dos referidos tipos penais ao tratarmos do conceito de “organização
criminosa”, problemática na questão dogmática da segurança jurídica penal:
Os problemas da nova tendência da nova política criminal recaem em dois
aspectos na hora da configuração dos tipos penais. Em primeiro lugar, em
face dos problemas pra tornar concreto legislativamente o conceito de
“organização criminosa”, opta-se por definições abertas, com traços
próximos ao do crime habitual ou da formação de quadrilha. Em segundo
lugar, mediante estas figuras delitivas, es se impondo na doutrina e na
legislação um modelo de transferência da responsabilidade de um coletivo a
cada um dos membros da organização, que se afasta dos critérios dogmáticos
de imputação individual de responsabilidade que vigem normalmente para o
Direito Penal
257
.
Oportunamente, Alberto Silva Franco, com base no art. , XXXIX, da
Constituição Federal, rechaça com contundência a criação de um tipo penal para a
conduta ora em estudo. A instabilidade que o legislador pode alcançar com a
tipificação despropositada e emergencial, não ocasiona apenas problemas de
interpretação, mas também, um enorme perigo à própria segurança do cidadão, de
acordo com o exposto, in verbis:
256
Crime Organizado: tipicidade política criminal investigação e processo: Brasil, Espanha e
Colômbia, p. 12.
257
Op. cit., p. 18-19.
107
Definir uma figura criminosa, nos termos do art. 5º, inc. XXXIX, da
Constituição Federal, tem duas acepções. Pela primeira, quer dizer explicitar
com marcos precisos os contornos de um tipo para que não se confunda com
outro, nem sirva de parâmetro para situações fáticas avizinhadas. definir,
na segunda acepção, significa estruturar com clareza as figuras criminosas
para que possam ser, com facilidade, compreendidas por seus destinatários.
Se o legislador, desavisado ou malicioso, emprega, na construção típica,
termos indefinidos para a descrição do comportamento humano, corre-se o
sério risco de estabelecer a insegurança do cidadão e transferir-se ao juiz a
incumbência do legislador, com a possibilidade de que a arbitrariedade
judicial possa campear à solta, sem rei nem roque
258
.
3.3.3 – Projetos de Lei
Tramitam no Congresso Nacional, diversos projetos relacionados ao crime
organizado, desde assuntos que contemplam a tipificação da conduta de “organização
criminosa”, alteração do Decreto-Lei 2.848, de 07/12/1940 Código Penal, até a
criação de regimes diferenciados de cumprimento de penas e a mudança das atuais
disposições processuais, que disciplinam o as medidas relacionadas na fase pré-
processual, como também outras que implicam mudanças, após o transito em julgado
da decisão
259
.
André Callegari demonstra, com propriedade, a sua preocupação diante
desta situação:
Esse fato fica demonstrado através do aumento de projetos apresentados em
matéria de leis penais e processuais, cujo discurso é sempre o de melhorar o
sistema já existente. Assim, estaria justificado o uso político do Direito
Penal, porque vários deputados e senadores trabalhando para uma suposta
melhoria na segurança pública e na proteção de bens jurídicos, ainda que isto
não seja verificado na prática
260
.
258
Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial, p. 576.
259
Podemos citar como exemplo a Lei n. 10.792, de 01°, de dezembro de 2003, que instituiu na Lei de Execução
Penal, o regime disciplinar diferenciado. No § 2°, do art. 52, da referida Lei, entre outras disposições,
instituiu o regime excepcional para “o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas
suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer tulo, em organizações criminosas, quadrilha ou
bando".
260
Op. cit., p. 19.
108
Conforme analisamos, muitas vezes o legislador age de modo precipitado à
dogmática jurídico-penal, enfraquecendo o próprio objetivo da norma penal que visa a
real tutela de bens jurídicos consagrados na proteção ao homem. Caso contrário, a
própria sociedade pode sofrer os efeitos de uma legislação prematura e violadora das
garantias fundamentais do indivíduo.
Na ocasião, Hassemer critica a política criminal que impera em nossa
sociedade moderna, nos termos do trecho, in verbis:
Com isto, as necessidades de legitimação desaparecem furtivamente: o que
antes exigiria uma complexa elaboração, brilha hoje imediatamente como
atual, necessário, sem alternativa ou simplesmente eficiente. No debate sobre
a direção correta da política do Direito penal, sobressaem, antes de tudo,
interesses políticos e de apuração dos crimes; ouve-se pouco sobre
considerações filosófico-penais, e a teoria do Direito penal se apresenta mais
para aprovar do que para criticar
261
”.
Notamos que hoje a tendência contempla a exacerbação das penas
cominadas e a criação de novos tipos penais. O insigne, diante dessa observação,
demonstra preocupação acerca da atuação meramente simbólica do Direito Penal:
Essas novas criminalizações não têm mais qualquer relação com a tradição
do Direito penal iluminista: na dúvida acerca da legitimidade e efetividade
de uma proibição, decide-se pela criminalização. Esta passa a ser abrangente
e generalizada, e não mais fragmentária, e se serve de uma terminologia
imprecisa. O Direito penal, de ultima ratio, converte-se em prima ou sola
ratio: onde quer que surja um problema digno de alguma atenção, logo
aparece o legislador munido do Direito penal
262
.
261
Direito Penal: fundamentos, estrutura, política, p. 38.
262
Ibid., p. 39.
109
Em ordem cronológica, cabe destacar o Projeto de lei 724-A, de 1995
263
,
encaminhado pelo Poder Executivo à Câmara dos Deputados, por intermédio das
Mensagens nºs. 723, 724, 725. O aludido Projeto altera dispositivos da parte geral e da
parte especial do Código Penal.
René Ariel Dotti nos afirma que:
O Ministro da Justiça Nelson Jobim instituiu comissão integrada por
Francisco de Assis Toledo, Elizabeth Sussekind, René Ariel Dotti, Vicente
Greco Filho, Juarez Tavares, Miguel Reale Júnior, Antônio Lucho Ferrão E
Alceu loureiro Ortiz (Portaria 215 (sic) “315”, DOU DE 10.04.95)
264
.
É o
portuno destacar, o trecho da Mensagem 783, elaborada pela
mencionada comissão, encaminhada aos membros do Congresso Nacional:
Os fatos sociais, entretanto, não esperam. Precipitam-se. Novas formas de
criminalidade manifestam-se trazendo intranqüilidade aos habitantes das
cidades, especialmente das grandes concentrações urbanas de si mesmas
sobrecarregadas de problemas. A isso acrescente-se a superveniência de uma
vasta gama de normas penais constantes de leis esparsas ou complementares
ao Código estabelecendo incongruências no interior do sistema penal, em
prejuízo da fácil compreensão e aplicação de preceitos e, portanto,
estimulando debates intermináveis, em prejuízo de um eficiente e mais ágil
julgamento do feitos criminais
265
.
Adotando esse caminho, a comissão optou por alterar dispositivos do atual
Código Penal, em especial os crimes de alta periculosidade social, com destaque para
os tipos de quadrilha ou bando armados, tráfico de drogas e armas, contrabando,
extorsão mediante sequestro, genocídio, associação para o fim de terrorismo, criando,
assim, uma nova categoria de crimes, denominados “de especial gravidade”.
263
Diário da Câmara dos Deputados, 19/01/1996, p. 01895.
264
IBCCRIM, Propostas de alterações setoriais do Código Penal, p. 01.
265
Diário da Câmara dos Deputados, 19/01/1996, p. 01898.
110
O Projeto encontra-se sobrestado desde 12 de dezembro de 2001
266
.
O Projeto de lei do Senado 67, de 1996, cuja ementa dispõe: “sobre as
organizações criminosas, os meios de obtenção da prova e o Procedimento criminal”,
foi apresentado no dia 11 de abril de 1996, e, atualmente, encontra-se na Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania.
267
Dispõe o Projeto não sobre as medidas investigatórias e procedimentos
processuais relacionados ao combate as organizações criminosas, como também prevê
a própria definição de organização criminosa, estipulando critérios como a quantidade
de pessoas e demais critérios.
Nos seus termos, tem-se a seguinte definição de organização criminosa, in
verbis:
Associação de três ou mais pessoas, por meio de entidade jurídica ou não
estruturada de forma estável, visando obter, direta ou indiretamente,
vantagem de qualquer natureza, para a prática dos crimes especificados nos
incisos I a XVII do mesmo artigo
268
.
Quando do exame deste Projeto, verificamos que sua opção, até o presente
momento, foi elaborar um rol taxativo de condutas criminosas.
Na redação do documento, podemos destacar as seguintes condutas típicas:
a) terrorismo; b) contrabando ou tráfico ilícito de armas de fogo, acessórios, artefatos,
munições, explosivos ou materiais destinados à sua produção; c) extorsão mediante
sequestro e suas formas qualificadas; d) crimes contra a administração pública; e)
crimes contra o sistema financeiro nacional; f) crimes contra a ordem tributária e
266
Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/proposicoes> Acesso em: 01º/07/2009.
267
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/detalhes.asp?p_cod_mate=1232> Acesso
em: 01º/07/2009.
268
Ibdem.
111
financeira, g) lenocínio e tráfico de mulheres, h) tráfico internacional de criança ou
adolescente; i) lavagem de dinheiro, ocultação de bens, direitos e valores; j) tráfico
ilícito de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano; k) homicídio qualificado, l)
falsificação, adulteração ou alteração de produtos destinados a fins terapêuticos ou
medicinais; m) crimes contra o meio ambiente e patrimônio cultural. Por fim, dispõe
sobre outros crimes previstos em tratados e convenções internacionais que o Brasil faz
parte
269
.
Aparentemente, ele demonstra de uma forma ampla e vaga, os elementos
que caracterizam uma suposta organização criminosa. Entretanto, discrimina
taxativamente os crimes que poderiam ser englobados por aquelas condutas dentro da
tipificação da sua definição.
Merece destaque, segundo o tema abordado, a crítica elaborada por And
Callegari. Devendo-se compará-la ao sistema de repressão das nações afetadas prima
facie pelos atentados terroristas, em relação à efetiva resposta jurídica que deve
orientar o combate ao crime organizado em geral:
Este tipo de resposta de emergência ou excepcional se aproxima à política
criminal contra o terrorismo de alguns países, assimilando-se o tratamento
penal da criminalidade organizada ao do terrorismo, como se não importasse
nada que a eficácia na repressão possa comportar a perda de eficácia do
pacto social. Questão é se é legítimo aceitar erosões ao Estado de Direito
impostas pela normativa particular da criminalidade organizada para
combater fenômenos criminais que não são dominados por grupos
complexos e estruturados, mas que podem ultrapassar os confins da
microcriminalidade, igualmente difusa. Existe o risco de que a legislação
dirigida especificamente ao crime organizado se transforme em um cavalo
de Troya” capaz de anular os princípios do Direito Penal liberal
270
.
269
Rodrigo Carneiro Gomes, O crime organizado na Convenção de Palermo, p. 204-205.
270
Op. cit., p. 22-23.
112
No que diz respeito à alteração da Parte Geral do digo Penal, é
importante destacar o Projeto de Lei n. 3.473/2000
271
, uma vez que acrescenta o “art.
31-A” ao referido diploma, de acordo com transcrição, in verbis:
Causa de aumento de pena
Art. 31-A. A pena será aumentada de um sexto a dois terços em relação ao
agente que:
I promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos
demais agentes;
II – (...)
III – (...)
IV – (...)
Convém lembrar que o atual art. 62, I, do Código Penal, dispõe de uma
agravante genérica para aquele que “promove, ou organiza a cooperação no crime ou
dirige a atividade dos demais agentes
272
.
O objetivo do referido Projeto de Lei, que altera diversos dispositivos da
Parte Geral do atual Código Penal, é precisamente ajustar a referida circunstância
agravante com às disposições legais do “Concurso de Pessoas”, além de auferir uma
causa de aumento em balizas (“de um sexto a dois terços”) para aqueles que Noronha
classificava como “cabeça do crime”
273
.
É imperioso ressaltar outra mudança pontual, contemplada no Projeto de
Lei n. 2.858/2000
274
, cuja redação altera o art. 1º, da Lei 9.034, de 03 de maio de
1995, ao dispor no art. 1º do referido projeto, sobre a conduta de “Organização
Criminosa”, conforme transcrição in verbis, que também acrescenta o art. 288-A, à
Parte Especial do Código Penal:
271
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/PL/2000/msg1107-00.htm.
272
Var Capítulo 1.
273
Direito Penal, Vol.1: 10. Ed: Saraiva, SP, 1973; vol. P.202.
274
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/PL/2000/msg496-00.htm
113
Art. 1
o
O Decreto-Lei n
o
2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal),
fica acrescido do seguinte artigo:
"Organização criminosa
Art. 288-A. Associarem-se mais de três pessoas, em grupo organizado, por
meio de entidade jurídica ou não, de forma estruturada e com divisão de
tarefas, valendo-se de violência, intimidação, corrupção, fraude ou de outros
meios assemelhados, para o fim de cometer crime:
Pena - reclusão, de cinco a dez anos, e multa.
§ 1
o
Aumenta-se a pena de um terço à metade se o agente promover,
instituir, financiar ou chefiar a organização criminosa.
§ 2
o
O participante e o associado que colaborar para o desmantelamento da
organização criminosa, facilitando a apuração do delito, terá a pena reduzida
de um a dois terços." (NR)
Art. 2
o
O inciso III do art. 1
o
da Lei n
o
7.960, de 21 de dezembro de 1989,
passa a vigorar acrescido da seguinte alínea:
"p) organização criminosa (art. 288-A do Código Penal)." (NR)
Art. 3
o
O art. 1
o
da Lei n
o
9.034, de 3 de maio de 1995, passa a vigorar com
a seguinte redação:
"Art. 1
o
Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos
investigatórios que versarem sobre crime resultante de ações de quadrilha ou
bando e de organização criminosa (art. 288 e 288-A do Código Penal)."
(NR)
Dessa forma, o referido projeto, ao tipificar a conduta de “organização
criminosa”, não engessa o conceito do crime, uma vez que enumera algumas
características de forma exemplificativa, de acordo com o disposto ao final do,
citado art. 288-A (“ou de outros meios assemelhados”). Assim, o aplicador da lei
poderá atribuir outras características que não as discriminadas no tipo em referência,
àquela associação de pelo menos quatro pessoas, de acordo com a análise da conduta
típica.
Por outro lado, possibilita ao intérprete discutir o real alcance do tipo, uma
vez que poderia ferir o princípio da taxatividade
275
, permitindo ao aplicador da lei,
grande margem de arbitrariedade na tipificação da conduta de organização criminosa.
275
Ver Capítulo 5
114
Paralelamente, tramita no Senado Federal, o Projeto de Lei n. 118/2002,
que dispõe sobre as organizações criminosas, os meios de obtenção de prova, o
procedimento criminal e o regime especial de cumprimento de pena de líderes de
organizações criminosas.
O conceito atribuído à organização criminosa é similar ao do Projeto n.
2.858/2000, contudo elenca em rol taxativo as infrações a serem praticadas pela
associação de pelo menos três pessoas
276
.
Por sua vez, também encontra-se em andamento, o Projeto de Lei do
Senado n. 150/2006
277
, de 23 de maio de 2006, apresentado pela Senadora Serys
Slhessarenko, que dispõe sobre a repressão ao crime organizado e outras
providências.
Segundo Parecer 264/2007, da Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania, de autoria da Senadora, o Projeto em questão pretende revogar a Lei
9.034/1995, de modo que a nova lei seja harmonizada com o texto da Convenção das
Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo).
Uma das alterações adotadas é a troca da expressão "crime organizado" por
"organização criminosa", devendo ser definida como:
associação, de três ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e
caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o
objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza,
mediante a prática de um ou mais dos crimes previstos nos incisos I a XVIII,
do art. 1º, do referido Projeto.
276
Diário do Senado Federal, 07/05/2002, p. 07399.
115
Conforme sua análise, a nova lei passaria a tipificar a conduta organização
criminosa para a prática de determinados delitos taxativamente previstos, entre eles,
podemos destacar os crimes de tráfico de drogas, nos termos da Lei nº. 11.343/2006;
terrorismo; extorsão mediante sequestro; crimes contra a ordem tributária, entre outros,
levando-se em conta a sua gravidade.
Por sua vez, seu artigo prevê a conduta de “promover, constituir,
financiar, cooperar, integrar ou favorecer, pessoalmente ou por interposta pessoa,
organização criminosa”.
Destacamos que nele estão previstas causas de aumento de pena, quando a
organização criminosa possuir mais de vinte integrantes, emprego de arma de fogo,
concurso de agente público responsável pela repressão ao crime ou colaboração de
criança ou adolescente; participação de agente que se valha dessa condição; destinação
ao exterior do produto ou proveito da infração penal; e para quem exerce o comando,
individual ou coletivo do crime organizado.
Diante dos efeitos nocivos da infiltração ilegal de agentes públicos em
organizações criminosas, podemos destaca, ainda, o afastamento cautelar do agente
envolvido em caso de recebimento de denúncia.
Tendo em vista a apresentação de emendas, este Projeto se encontra em
tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal.
Os estudos sobre os Projetos em tramitação no Congresso Nacional
demonstraram que o legislador brasileiro busca a incriminação a qualquer custo da
conduta organização criminosa. Com exceção ao Projeto de Lei 3473/2000, todos os
277
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=77859>, Acesso
em: 16/06/2009.
116
demais buscam a incriminação da referida conduta, sem enfrentar o impacto futuro de
tão complexa questão que atualmente se reflete no cenário mundial.
Cabe ressaltar a postura tomada de Moraes Pitombo, sobre a necessidade de
se buscar outras soluções para o tratamento das organizações criminosas:
Sugere-se a inserção de causa de aumento de pena no tipo de concurso de
pessoas (art. 29, do CP) a fim de que o juiz de direito possa majorar a pena
de um sexto a dois terços quando estiver diante de fato em que mais de três
pessoas tenham se associado em organização, cuja atividade seja a prática de
crimes
278
.
René Ariel Dotti concorda com a opinião de Moraes Pitombo e faz menção
a diversos precedentes históricos da legislação estrangeira, para justificar essa posição:
Em meu entendimento, tal proposta atende ao primado do direito penal da
culpa e constitui solução de lógica jurídica porque grande parte dos projetos
interessados na formatação da fattispecie associativa remetem-se ao Código
de Napoleão de (1810). O art. 265 e seguintes inspiram os estatutos italianos
vigentes no período anterior à unificação e posteriormente, como o Código
Zanardelli, de 1989 (arts. 248/251), o Codice Penale em vigor (art. 416) e os
diplomas de outros países, a exemplo da Alemanha, Argentina e Chile
279
.
278
Tipificação da organização criminosa, p. 169.
279
A organização criminosa é uma forma qualificada no concurso de pessoas, p. 07
117
4. O CRIME ORGANIZADO NO CENÁRIO BRASILEIRO
CONTEMPORÂNEO
SUMÁRIO: 4.1. Introdução; 4.2. As Facções Criminosas; 4.2.1 Primeiro
Comando da Capital; 4.2.2 Comando Vermelho; 4.3 Organizações Transnacionais; 4.4
Crimes econômicos e crime organizado.
4.1 Introdução
A grande celeuma que envolve o crime organizado no cenário
contemporâneo brasileiro é pela existência ou não de modelos como os demonstrados
nos capítulos anteriores nos termos das legislações comparadas, ou mesmo, conforme
os moldes estabelecidos pela “Convenção de Palermo”, conforme recepcionada pelo
ordenamento jurídico brasileiro.
O objetivo deste capítulo é demonstrar que o crime organizado no Brasil é
uma realidade. Que não se trata de mais uma questão ligada somente à repressão
policial, mas sim a um grande problema sócio-político, que atinge não a segurança
da população brasileira, como também a estabilidade econômica e o próprio Estado de
Direito.
Procuraremos demonstrar ao longo deste tema que não se pode ignorar o
crescimento e a organização de grupos como o Primeiro Comando da Capital e o
Comando Vermelho, uma vez que são figuras que, na atualidade, aproximam-se de
estruturas pré-mafiosas e dos cartéis.
O crescimento da violência nas grandes cidades brasileiras, ataques
esporádicos das facções criminosas, principalmente nas cidades do Rio de Janeiro e
118
São Paulo. O último grande atentado presenciado no primeiro semestre de 2006, que
culminou na morte de diversos policiais e autoridades
280
, são ocorrências que
fortalecem o pensamento sobre a existência de grupos similares as máfias italianas,
russas, americanas.
Nessa ocasião, Ives Gandra da Silva Martins relata, in verbis, que:
Os acontecimentos que culminaram com a luta campal entre criminosos do
PCC e a polícia estadual têm sido comentados por especialistas, autoridades
e pessoas de renome, à luz das causas que levaram ao movimento, dos erros
da política carcerária e penal do Brasil, da permissividade da legislação, da
lentidão da Justiça, cujas leis processuais permitem que se retardem
julgamentos e possibilitam a prescrição e a impunidade, e diversos outros
aspectos relacionados ao diagnóstico da crise, suas causas com soluções de
médio e longo prazo, mais do que para a premente necessidade de um novo
comportamento dos governos e da sociedade sobre a questão
281
.
Com razão a sociedade tende a sentir o só um total desamparo, como
também percebe um descontrole entre os órgãos de segurança pública, ao presenciar
fatos graves como o último grande atentado do Primeiro Comando da Capital. Assim,
a população passa a constatar a inoperância do Estado, a falta de mecanismos de
controle e, principalmente, a necessidade de mudança do cenário contemporâneo.
Do ponto de vista político, muitas vezes o legislador aproveita-se da
comoção social para a sua promoção perante o eleitorado, acenando algumas
possibilidades de salvação na luta por “justiça”, utilizando-se de mecanismos inócuos,
tais como a criação de CPI’s (Comissões Parlamentares de Inquérito)
282
, bem como a
280
Segundo o jornalista Fernando Canzian: “Mas, assim como deseja Marcos Willians Camacho, o Marcola,
líder do PCC, vários ‘capos’ italianos controlavam prisões no país. Da mesma forma, o PCC também ensaia
‘eliminar’ autoridades, como no caso do assassinato do juiz-corregedor de Presidente Prudente, Antônio
Machado Dias, morto em emboscada encomendada pela facção em 2003. (Crime Organizado. Será que não
já temos um Estado mafioso? Folha de São Paulo, 17 de maio de 2006, p. C11).
281
O Crime Organizado. Folha de São Paulo, 22 de maio de 2006, p. A3.
282
Segundo Relatório Final da CPI do narcotráfico sob a relatoria do Deputado Federal Morani Torgan: As
atividades do crime organizado são altamente lucrativas. O faturamento do tráfico de drogas é avaliado entre
300 e 500 bilhões de dólares (ou seja, de 8 a 10 por cento do comércio mundial). Somadas outras atividades
criminosas, o produto criminal mundial bruto ultrapassa largamente 1 trilhão de dólares anuais
119
elaboração de leis emergenciais que, invariavelmente, criam emaranhados jurídicos
que somente beneficiam a marginalidade.
Destaca Carlos A. G. de Sequeira que:
Na realidade, levando-se em consideração o modelo mafioso de crime
organizado, com as características que foram anteriormente expostas, não
em São Paulo evidências de sua existência. O que há, no Estado, deixando
de lado a contravenção do jogo do bicho, é, conforme se analisará adiante, a
presença de quadrilhas mais ou menos estruturadas, algumas delas com
envolvimento de policiais, modalidades delinquenciais que buscam avançar
para um modelo de organização (ainda distinto da estrutura mafiosa) e
crimes que podem ser transformar, se não fossem alvo como já vem sendo
– de combate específico, em embriões de máfias no futuro.
283
Infelizmente, conforme demonstraremos ao longo deste estudo, o
dinamismo e a constante evolução da criminalidade organizada desmentem a
afirmação do referido autor.
Por esse lado, observamos que, pelo menos, o crescimento do crime
organizado não reflete no Brasil.
Ademais, conforme relato do jornalista Marcelo Auler
284
:
Ao longo destas três décadas em que o tráfico de drogas ingressou no Rio de
Janeiro e ocupou a maioria das comunidades carentes da cidade, não resta
dúvida de que a violência aumentou consideravelmente. As estatísticas
indicam isto claramente. Mas, ao contrário do que se fala, os traficantes se
aglutinaram em facções, mas não conseguiram constituir uma organização
criminosa.
(correspondentes a quase 20 por cento do comércio mundial). Admitindo-se que os custos representem 50 por
cento dessa movimentação financeira, restam 500 bilhões de dólares a serem legalizados anualmente.
283
Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol.16, p.263
284
Enjaulados. Presídios, Prisioneiros, Gangues e Comandos, p. 198
120
Na cidade do Rio de Janeiro, podemos citar alguns grupos que teriam o
suposto controle sobre a distribuição de drogas, por exemplo, o Comando Vermelho,
Terceiro Comando e Amigos dos Amigos, todos também conhecidos pela mídia
jornalística e pela sociedade, através das siglas, “CV”, “TC” e “ADA”,
respectivamente.
na cidade de São Paulo, o estudo será concentrado sobre o principal
grupo criminoso em atuação nesse Estado, conhecido como Primeiro Comando da
Capital, ou seja, “PCC”, famoso pelas diversas condutas criminosas ocorridas no ano
de 2006, o qual desencadeou uma série de rebeliões em presídios, atentados contra
autoridades públicas, causando um verdadeiro estado de terror, principalmente na
população paulista.
Preliminarmente, torna-se de fundamental importância analisar a origem
desses grupos, uma vez que, diferentemente de organizações narcoterroristas ou
mesmo transnacionais, a origem dos grupos acima discriminados é decorrente de
subdomínios em estabelecimentos prisionais e favelas cariocas.
Em um segundo momento, ainda neste capítulo, será examinado a ligação
do crime organizado brasileiro com as organizações transnacionais e também a
presença de grupos estrangeiros em atuação no território brasileiro.
Por derradeiro, realizaremos uma análise dos crimes econômicos praticados
por organizações criminosas e seus efeitos na estabilidade econômica e social na nação
brasileira.
4.2 - As Facções Criminosas
Se anteriormente eram, um problema circunscrito às duas principais cidades
do Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro, hoje as facções Criminosas tornam-se um
121
grande problema de caráter criminológico, cujo crescimento exacerbado atinge toda a
Nação Brasileira.
Desde os anos 60 e 70
285
, a superlotação dos presídios e distritos policiais já
era um grande problema, não só no cenário penitenciário, como também trazia reflexos
negativos na política repressiva criminal, conforme observou Re Ariel Dotti, ao
comentar o Projeto de Lei 2, de 1977
286
, que se converteu na Lei 6.416/1977
287
:
A exposição de motivos que introduzia o projeto, salientava que um dos
graves problemas determinantes do pensamento de reforma se devia à
superlotação dos estabelecimentos prisionais gerando, além da situação de
promiscuidade, o acúmulo de tensões, principalmente nas prisões obsoletas
de grande porte. Os órgãos da administração penitenciária têm conseguido, a
muito custo, conter a situação, em atmosfera de apreensão constante, que
cria problemas de toda espécie para os que lidam com a justiça penal
288
.
É interessante notar, como foi observado pelo referido doutrinador, que
desde àquela época, os efeitos colaterais eram uma grande preocupação das
autoridades e ocasionavam a superlotação de presídios:
285
Em 1975, diante da crise do sistema prisional, a Câmara dos Deputados, foi criada A Comissão Parlamentar
de Inquérito, que em seu relatório concluiu: “A deterioração do caráter resultante do da influência corruptora
da subcultura criminal, o hábito da ociosidade, a alienação mental, a perda paulatina da aptidão para o
trabalho, o comprometimento da saúde, são conseqüências desse tipo de confinamento promíscuo, já definido
alhures como sementeira de reincidência, dados os seus efeitos criminógenos.” (René Ariel Dotti, op. cit., p.
317).
286
O Projeto n. 2/77, reconheceu a moderna tendência em se reservar a privação da liberdade somente para os
agentes de crimes mais graves e para as categorias de sujeitos que revelam especiais características de
periculosidade. (Ibid., p 305).
287
a Lei 6.416/77, alterou profundamente o sistema de penas dando nova redação ao caput do art. 30 do
Código Penal, alterando os parágrafos existentes e criando outros. Com destaque: a) a supressão do
isolamento celular contínuo; b) a instituição dos regimes de execução (fechado, semi-aberto, aberto),
adotando-se como referências a quantidade de pena e a não periculosidade do condenado; c) a
institucionalização da prisão-albergue, como espécie de regime aberto; d) a regulação do trabalho externo
para os condenados em qualquer regime, entre outros direitos, todos como princípio a individualização da
pena. (Ibid., p. 306).
288
Ibid., p. 305.
122
Sob outro ângulo, o aumento dos índices de criminalidade em larga escala
preocupava extraordinariamente os poderes públicos, diante da constatação
de que um grande número de condenados ou acusados sujeitos à prisão
provisória e medidas de internamento não estavam recolhidos, por falta de
capacidade dos estabelecimentos penais
289
.
No cenário contemporâneo, notamos que aqueles pequenos grupos
criminosos, cuja origem e capacidade de influência se limitavam a uma comunidade,
ou até mesmo a um determinado estabelecimento prisional, passaram a se disseminar
para outros setores do submundo da criminalidade, frente à necessidade de uma nova
organização, buscando profissionalizar suas atividades ilícitas, aumentar o seu poder
de “comando” e intimidação, bem como, principalmente expandir a sua capacidade de
captação de recursos econômicos.
Assim, no próximo assunto, de modo a traçar um perfil da criminalidade
organizada genuinamente brasileira, passaremos a analisar o Primeiro Comando da
Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), com suas principais características e
reflexos no panorama internacional.
4.2.1 Primeiro Comando da Capital
Após uma série de atentados desencadeados a partir do início do século
XXI
290
, autoridades públicas passaram a ter plena consciência de que o Primeiro
Comando da Capital deixava definitivamente de ser um problema ligado à falta de
estrutura do sistema penitenciário brasileiro, ou mesmo, pequenas modalidades
criminosas ligadas à estrutura de uma quadrilha ou bando
291
.
289
Ibid., mesma página.
291
No maior ataque já realizado contra as forças de segurança de São Paulo, a facção criminosa PCC (Primeiro
Comando da Capital) provocou a morte de 30 pessoas, feriu outras 24, bombardeou delegacias, metralhou
carros e bases da Polícia Militar, de guardas municipais e até do Corpo de Bombeiros, e ainda promoveu 24
rebeliões simultâneas em presídios da região metropolitana e do interior do Estado, segundo o governo.
(Maior ataque do PCC faz 30 mortos em SP. Folha de São Paulo, 14.05.2006, p. A1).
123
O Primeiro Comando da Capital foi fundado em 1993, durante uma
rebelião na Casa de Custódia de Taubaté. Alguns presos que articularam a rebelião,
criaram a facção com o nome inspirado no time de futebol do presídio, ou seja,
“Primeiro Comando”
292
.
Em um primeiro momento, o PCC foi uma facção reduzida aos muros dos
presídios e, a própria comunicação entre os presos e o mundo exterior era restrita às
visitas, aos advogados e às correspondências.
Posteriormente, com base nos atentados praticados pelo PCC, surgiram
diversas opiniões de juristas e especialistas da área de segurança pública. Alguns
opinaram alegando total inoperância e despreparo do Estado no combate às ações do
crime organizado, uma vez que por muito tempo as autoridades blicas omitiram-se,
ao não reconhecer a dimensão do problema que representava aquele pequeno grupo em
escala crescente que se insurgia contra as mazelas do sistema penitenciário brasileiro.
Contudo, outros profissionais ligados aos altos escalões da segurança
pública do Estado de São Paulo, negavam a existência do PCC como uma organização
criminosa, uma vez que não passava de um grupo que apenas era conhecido como uma
“facção” criminosa que praticava pequenos delitos e rebeliões em presídios, e não
oferecia risco à sociedade, pois era uma “organização falida”, conforme trecho da
entrevista concedida pelo Delegado de Polícia Civil Godofredo Bittencourt, ao jornal
Folha de São Paulo:
Em 2002, após a divulgação pelo Deic de um organograma da facção na
qual Marcola aparecia no topo da hierarquia-, Bittencourt afirmou, em tom
de ironia e vitória, que o PCC era uma “organização falida”.
293
292
O presidiário César Augusto Roriz da Silva, vulgo Cesinha, fundou o PCC em 1993, junto com sete
criminosos, no anexo da Casa de Custódia de Taubaté. (Folha de São Paulo, Fundador do PCC é assassinado
na prisão, 14/08/2006, p. C4).
293
Folha de São Paulo, Justiça rejeita provas contra líderes do PCC, 16-04-2006, p. C7.
124
Em contraposição s essa opinião, algumas autoridades da área de segurança
pública chegaram a comparar o PCC com as máfias” e com os cartéis de drogas,
principalmente após os atentados desencadeados simultaneamente pelo grupo, que
culminaram com a morte de autoridades públicas, rebeliões em presídios, deixando a
sociedade em estado de terror, conforme trecho em destaque:
O PCC (Primeiro Comando da Capital já pode ser considerado uma
organização pré-mafiosa, um embrião similar às estruturas criminosas
italianas e colombianas, conhecidas na América Latina como cartéis.
(...)
As máfias e cartéis estão apenas alguns passos à frente. O Brasil está em um
nível intermediário, e não apenas com o PCC. É olhar o controle que
algumas organizações exercem no Rio, afirma o norte-americano William
Perry, ex diretor do Conselho de Segurança Nacional (1981-1989)
294
.
o Secretário de Assuntos de Segurança Nacional do Centro de Estudos
para Defesa do Hemisfério de Washington, Thomaz Costa, acredita que “Já uma
violência aberta que desafia as autoridades a barganhar
295
com o crime”. Num segundo
estágio, o crime deve sobrepor à área de atuação do Estado, o que é muito caro
296
”.
Baseando-nos na opinião do citado autor americano, não podemos deixar de
mencionar que, atualmente, o PCC, não coordena rebeliões, atentados e praticas
criminosas localizadas, mas sim, através do controle territorial e político, alimenta
todo um setor terciário ligado a atividades econômicas controladas direta ou
294
Folha de São Paulo. Justiça rejeita provas contra líderes do PCC, 16/04/2006, p. C7.
295
Em entrevista ao Jornal Folha de São Paulo, o então Governador Cláudio Lembo negou qualquer tentativa do
Estado ceder as exigências da organização PCC, mas confirmou que houve uma reunião com o líder do PCC
(Willians Herbas Camacho), de modo a facilitar o diálogo e impedir uma escalada maior da violência,
conforme trecho a seguir em destaque: “A opinião pública imagine o que achar oportuno. O que devo dizer é
que não houve acordo.” (Ibid., mesma pag.).
296
Ibid, mesma página.
125
indiretamente pelo Estado, como por exemplo, o transporte público e a distribuição de
combustíveis
297
. Também não podemos deixar de destacar a lavagem de dinheiro
decorrente dos benefícios materiais e econômicos das atividades ilícitas do “Partido”.
É importante destacarmos que, segundo o Conselho de Controle de
Atividades Financeiras (COAF), entre o mês de novembro de 2005 e setembro de
2006, o PCC movimentou pelo menos 36,6 milhões no sistema financeiro
298
. o
segundo relatório produzido pelo mesmo órgão do Poder Executivo Federal,
identificou um crescimento exacerbado na movimentação do PCC, que passou para a
cifra dos 63 milhões de reais, entre os meses de novembro de 2005 a julho de 2007,
por meio de 686 contas correntes
299
.
Como forma de tentar controlar as rebeliões no interior dos presídios,
diversos líderes do PCC foram transferidos para outros Estados do Brasil. Nesse
momento, ocorreu um dos maiores equívocos da política de Segurança Pública e
Penitenciária do País
300
, uma vez que houve uma grande disseminação
301
do “Partido”
entre outros detentos e facções presentes nas prisões brasileiras.
297
Segundo inquérito policial presidido pelo Delegado Ítalo Zaccaro Neto, o PCC comprou 44 postos de
gasolina na região do ABC para facilitar o processo de lavagem de dinheiro obtido decorrente das ações
ilícitas da organização. (O Estado de São Paulo. 60 indiciados por lavagem, 12/12/2006, Caderno
Metrópole).
298
O Estado de São Paulo. Nas contas bancárias do PCC, 36 milhões,13/12/2006, Caderno Metrópole.
299
Folha de São Paulo, Governo afirma que facção movimentou R$ 63 milhões, 04/03/2008, p. C6.
300
Segundo relato do Delegado de Policia Federal Orlando Rincon, responsável pelas investigações da CPI do
tráfico de armas: “a transferência de presos do PCC para outros Estados foi uma experiência negativa, esta
formando uma escola do crime. A solução são os presídios federais, os líderes ficam isolados”
(...)
“No Rio Grande do Sul, o PCC está voltado para a aquisição de armas. Em Mato Grosso do Sul, os
criminosos contam com a frágil fiscalização da fronteira para adquirir e transportar armas e drogas. “O
Paraná entrou como rota do PCC pela fronteira com o Paraguai. Algumas pessoas foram presas nesse trajeto
e ficaram no Estado, o que começou a disseminação, alimentada pelo remanejamento de presos. Os
transferidos levaram a ideologia do PCC, diz o policial. (O Estado de São Paulo. Transferência criou filiais
do PCC. 28.05.2006, Caderno Metrópole)
301
(...) outra forma de disseminação do PCC é uma espécie de pregação feita pelos integrantes da facção presos
fora de São Paulo. Segundo o Delegado Rincon: “eles costumam levar com eles o estatuto da facção, é sinal
de status andar com pia. Se são presos, passam a disseminar a cultura nos presídios aonde vão”. (Ibid.,
Caderno Metrópole p.)
126
Assim, aqueles líderes, além de aliciarem novos integrantes para o
“Partido” passaram a contar com uma gama de contatos para divulgar as suas idéias e,
principalmente, pontos de apoio para a concretização de suas atividades criminosas.
Como se já não bastasse à experiência negativa anteriormente citada, alguns
detentos do PCC também dividiram celas com presos estrangeiros, entre os quais,
muitos haviam sido condenados por tráfico internacional de drogas e sequestro
302
.
A título de exemplo, o qual comprova suposta influência entre as
organizações criminosas estrangeiras, como por exemplo, a Máfia da Camorra
303
,
sobre o PCC, foram relatados documentos, em uma reportagem publicada pelo jornal
O Estado de São Paulo
304
, enviados pelos irmãos mafiosos Bruno e Renato Torsia
Mizael Aparecido da Silva, vulgo “Miza”
305
.
Destaca-se que o “Miza” foi um dos oito fundadores da “facção” criminosa
e hoje se encontra preso na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté.
Ainda, nesse contexto, é oportuno salientar, que os irmãos camorristas
Renato e Bruno Corsi foram extraditados a pedido do Governo italiano, com base em
302
Segundo investigações dos serviços de inteligência das secretarias da Segurança Pública e da Administração
Penitenciária, em reportagem publicada pelo jornal Folha de São Paulo: “Condenado a 30 anos de prisão pelo
seqüestro do publicitário Washington Olivetto, em 2001, o chileno Maurício Hernandes Norambuena ensinou
, na cadeia, táticas de terrorismo a aos líderes do PCC. (Folha de São Paulo. Seqüestrador de Olivetto
ensinou PCC, 14/07/2006, p. C7.)
303
Roberto Saviano relata que: (...) a Camorra é a maior organização criminosa da Europa. Para cada filiado
siciliano cinco da Campânia, para cada ndrangheta, até mesmo oito, ou seja, quase o triplo, o quádruplo
das outras organizações.(Gomorra, p. 60).
304
O Estado de São Paulo. Documentos revelam a influência da Camorra na criação do PCC, 25.01.2009,
Caderno Metrópole.
305
Conforme documento apreendido pelas autoridades penitenciárias, Mizael escreveu uma carta aos fundadores
do PCC, cujo conteúdo revela que apreendeu os ensinamentos dos irmãos Torsi: propôs rebeliões em série
nos presídios e sequestros de políticos e jornalistas. (O Estado de São Paulo. Documentos revelam a
influência da Camorra na criação do PCC, 25/01/2009, Caderno Metrópole)
127
diversas condenações naquele País, tais como associação criminosa de tipo camorrista,
extorsão mediante sequestro, porte ilegal de armas, detenção de munições e
receptação
306
.
Diante da afirmação de uma autoridade do governo italiano ligada ao setor
de extradições, os irmãos camorristas orientaram os integrantes do PCC a fortalecer a
facção paulista como uma empresa, nos termos a seguir:
Aprendeu graças ao contato com os camorristas na prisão brasileira. Assim
como a Camorra, o PCC hoje investe em várias atividades, lava o dinheiro
com o lucro obtido principalmente com o tráfico de drogas. Logo, logo o
vai dar para saber qual o investimento e lícito ou ilícito, advertiu
307
.
Portanto, além da rede de contatos criados em âmbito nacional, o PCC
passou a contar com uma nova realidade, ou seja, a possibilidade de adquirir drogas
308
e armas diretamente dos fornecedores estrangeiros, em especial traficantes
colombianos, bolivianos e paraguaios.
Já no final do século XX, a telefonia móvel celular, aliada às centrais
telefônicas clandestinas, foi incorporada à comunicação entre os presos e o mundo
exterior, fato esse que ocasionou um grande crescimento na continuidade das
atividades criminosas A partir desse momento, dentro dos presídios, uma vez que os
líderes continuavam com o seu poder de comando, agora de dentro da prisão.
306
STF, Tribunal Pleno, Ext. 528/ IT - Itália, Rel. Min. Néri da Silveira, v.u., j. 18-09-1991, pub. DJU 08-11-
1991, seção 1, p. 14
307
O Estado de São Paulo. Documentos revelam a influência da Camorra na criação do PCC, 25.01.2009,
Caderno Metrópole.
308
Segundo o promotor Marcio Christino, segundo “Relatório de Análise e Sugestões”, desenvolvido em
conjunto pelo Ministério Público e Polícia Civil, o PCC trafica cerca de 200 quilos de cocaína a cada 40 dias,
com faturamento entre 800 mil e 1 milhão de reais. Folha de o Paulo. Tráfico é o principal negócio do
PCC, indica investigação, 13/08/2006, p. C1.
128
Nos termos dos dados colhidos junto ao Serviço de Inteligência da
Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, o PCC contava no ano de
2006, com 5.012 filiados, atuando preponderantemente no tráfico de drogas e armas,
seqüestros, roubos a bancos e cargas
309
.
As ações criminosas do PCC demonstram que os integrantes do grupo
respeitam uma rígida hierarquia com características “mafiosas”. No topo da estrutura,
encontraremos o núcleo decisório: são os criminosos conhecidos como “torres”. Por
meio deles, as instruções chegam a centenas de membros do “partido
310
.
A estrutura da organização é dividida em diversas áreas e funções, como
modelo citamos, os “pilotos”, os quais, por sua, vez são divididos em dois subgrupos:
os pilotos-detentos, responsáveis pelas rebeliões e o contato com outros presos; e os
pilotos gerentes, criminosos que estão fora dos presídios, responsáveis por monitorar
cada região do Estado de São Paulo, retransmitindo ordens e articulando ações
criminosas
311
.
Em outro plano, encontraremos também a base operacional, responsável
pelos crimes e atentados; são os chamados “soldados”
312
.
O PCC também possui em seus quadros tesoureiros, encarregados de
receber a contribuição dos criminosos soltos, ou mesmo, checar o depósito dessas
quantias
309
Folha de São Paulo. Polícia Identifica 5.012 filiados do PCC, 22/07/2006, p. C9.
310
Segundo dados colhidos junto ao Setor de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São
Paulo, Willians Herbas Camacho, vulgo “Marcola”, detêm o controle centralizado e a logística financeira do
“partido do crime”. Revista Veja. O poder nas mãos dos bandidos, 19/07/2006, p. 44-55
311
Folha de São Paulo, Promotoria vê PCC ‘poderoso e eficaz’, 13/07/2006, p. C10.
312
Folha de São Paulo. Promotoria vê PCC ‘poderoso e eficaz. 13/07/2006, p. C10.
129
Não podemos deixar de mencionar a participação de advogados, não só
como “pombos correios”
313
do PCC, mas também como integrantes da organização, ao
permitir que suas contas sejam utilizadas para a lavagem de dinheiro
314
.
Segundo o promotor José Reinaldo Carneiro, “os advogados confessaram o
envolvimento com integrantes do PCC”. A operação do Ministério Público de São
Paulo flagrou através de escutas telefônicas, o envolvimento dos advogados na
organização de rebeliões, tráfico de celulares para dentro dos presídios e corrupção de
agentes penitenciários
315
.
Cabe ressaltar outras características marcantes do PCC, tais como o poder
de corrupção, a intimidação, a violência e a participação de agentes públicos na
organização.
Mediante investigações da Polícia Civil e do Ministério Público do Estado
de São Paulo, a corrupção é uma marca presente nas ações criminosas do “partido”. As
interceptações telefônicas revelaram que o custo de um agente penitenciário para
introduzir um aparelho de telefonia celular no presídio pode chegar à quantia de até
5000 reais
316
.
313
Segundo reportagem do Jornal o Estado de São Paulo três advogados foram presos em Presidente Prudente e
Presidente Venceslau, interior do Estado de São Paulo, sob a suspeita de participação no PCC. Eles são
acusados de levar celulares para presos e retransmitir ordens da cúpula da facção. O Estado de São Paulo,
Presos três advogados do PCC, 29/06/2006, Caderno Metrópole
314
Segundo reportagem do Jornal Folha de São Paulo: “A CPI do Tráfico de Armas quebrou o sigilo bancário,
fiscal e telefônico de 14 advogados suspeitos de trabalhar para o crime organizado. Ao todo a comissão
investiga 34 advogados, a maioria deles por possível ligação com o PCC”. Folha de São Paulo. CPI quebra
sigilos de 14 advogados sob suspeita de elo com o crime organizado. 13/07/2006, p. C8
315
Revista Veja. 19/07/2006, p. 50.
316
A cada mês são apreendidos por volta de 200 aparelhos de telefonia celular nos presídios do Estado de São
Paulo. Revista Veja, 19.07.2007, p. 48
130
A intimidação e a violência também são utilizadas como forma de garantir a
“lei do silêncio”, dentro e fora das penitenciárias
317
.
No tocante à participação de agentes públicos nas atividades da
organização, cabe destacar o suposto envolvimento de uma juíza de direito da comarca
de Mauá, Grande São Paulo, flagrada em interceptações telefônicas, envolvida em
atividades relacionadas à lavagem de dinheiro. Em sessão do Órgão Especial do
Tribunal paulista, os desembargadores votaram de forma unânime pelo afastamento da
magistrada
318
.
Podemos compreender, portanto, que o PCC possui uma estrutura
verticalizada, organizada como uma empresa, com tesouraria, almoxarifado, setor de
crédito e departamento pessoal. É a opinião de Adriano Oliveira, do Núcleo de Estudo
de Instituições Coercitivas, da Universidade Federal de Pernambuco, conforme
transcrito:
A estrutura verticalizada ao PCC vantagens competitivas em relação a
outras facções criminosas conhecidas, como o Comando Vermelho, do Rio
de Janeiro. A centralização favorece a tomada de decisões e fortalece o senso
de unidade em torno das lideranças do PCC
319
.
É essencial registrarmos que cada um dos integrantes do grupo, também
contribui com uma mensalidade
320
. O dinheiro é destinado a um fundo de reserva
utilizado para o pagamento de honorários advocatícios, compra de celulares,
317
Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, entre os meses de maio a agosto
de 2006, o PCC assassinou 59 pessoas, entre as vítimas havia policiais militares e civil, agentes
penitenciários e seguranças particulares. O Estado de o Paulo. Em três meses, facção teve 769 baixas,
20/08/2006
318
Folha de São Paulo. Juíza suspeita de ajudar facção é afastada, 22/06/2007, p. C13.
319
Revista Veja, 19/07/2009, p. 48.
320
De acordo com a polícia, quem está preso paga uma mensalidade de R$ 50, em troca de proteção. Criminosos
em liberdade contribuem com R$ 1000. (Revista Veja. O poder nas mãos dos bandidos, 19/07/2006, p. 47).
131
manutenção das famílias dos integrantes e, principalmente, para o financiamento do
tráfico de drogas e armas
321
.
Nos moldes da máfia” italiana, o PCC possui um “estatuto”, contendo
normas rígidas sobre condutas, contribuições, bem como as respectivas penalidades
em caso de descumprimento delas, em alguns casos, como por exemplo, a colaboração
do integrante com a polícia, ou mesmo, a traição a um líder do “partido”; o culpado,
após um julgamento sumário, será punido com a pena capital
322
.
Oportuno transcrever, sobre o tema, a opinião de Silvio Luiz Martins de
Oliveira:
“Uma das preocupações das organizações criminosas é a de , na medida do
possível, se manter nas sombras. A visibilidade de suas operações, como
mencionamo, é uma característica indeseijável vez que atrai a cobiça de
outros grupos e a possibilidade de repressão mais intensa de suas atividades
pelos órgãos de Estado. Assim, as organizações criminosas mais tradicionais
possuem códigos de conduta caracterizados pela absoluta exigência de
fidelidade de seus membros (...) Para os membros dessas organizações, o
descortinamento, acidental ou proposital, de suas operações é falta grave,
normalmente punidas com morte. (...) Este é apenas um exemplo da brutal
sanção aplicada àqueles que ousam infringir a lei do silêncio, ou omertà,
forma alterada de umiltà (humildade), usada na Itália setentrional para
indicar submissão, deferência, consideração ou respeito às regras da
Camorra.
323
A título de exemplo, citamos que durante uma operação de combate àquele
grupo, além da apreensão de um míssil (artefato de uso bélico), a Polícia Civil do
321
O dinheiro ilícito da organização tem destino certo, conforme documentos apreendidos em poder da
Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, inclusive parte do capital do O PCC era utilizado
em uma “cooperativa de créditoque financia as “operações pessoais” de seus integrantes, com empréstimos
de até 118.000 reais. (Ibid., p. 48).
322
O artigo 7º do estatuto do PCC dispões que: “Aquele que estiver em liberdade, bem estruturado, mas esquecer
de contribuir com os irmãos que estão na cadeia, será condenado à morte sem perdão”. O Estado de o
Paulo. Como empresa, PCC tem atas de reunião e relatórios disciplinares, 07/07/2008, Caderno Metrópole.
323
Silvio Luiz Martins de Oliveira. Direito Público Atual, ed. Quartier Latin, São Paulo. 2003, p. 265-266.
132
Estado de o Paulo também encontrou documentos que demonstram a organização
do PCC, conforme trecho destacado da reportagem do Jornal Folha de São Paulo:
Um estatuto com os 11 mandamentos do PCC (Primeiro Comando da
Capital) e os nomes de seus “padrinhos” dentro da organização criminosa
foram encontrados no bolso da camisa de Roberto Ramos, o Beto Bomba,
quando foi preso (...).
(...)
A ajuda de Ramos aos integrantes do PCC presos tem uma de suas
justificativas no sétimo mandamento do estatuto. Nele, está definido que
“aqueles que estiverem em liberdade (...) e esquecerem de contribuir com os
irmãos que estão na prisão serão condenados à morte
324
Diante do quadro de terror social e do crescimento exacerbado da
criminalidade, o Governo Federal, realizou um estudo de mapeamento das
organizações que atuam nos presídios dos Estados. Perante os resultados assustadores
do domínio do PCC e outras “facções”, o governo decidiu investir na criação de
presídios federais de segurança máxima, como forma a isolar os principais líderes,
como “Marcola” e “Beira Mar”
325
.
O cenário contemporâneo demonstra que o PCC possui táticas que
recordam as utilizadas por organizações terroristas, apesar da ausência de uma
ideologia, conforme encontramos nos grupos criminosos fundamentalistas
326
.
Conforme sustentado no início deste tópico, uma das grandes falhas da
política penitenciária brasileira foi permitir que presos brasileiros e estrangeiros
compartilhassem o mesmo estabelecimento prisional.
324
Folha de São Paulo, Polícia afirma ter apreendido míssil do PCC, 13/07/2005, p. C4.
325
O isolamento dos principais líderes do PCC e do Comando Vermelho, não propiciaram o efeito desejado
pelas autoridades públicas, conforme demonstraremos no tópico seguinte.
326
Segundo analistas ouvidos pelo jornal Folha de São Paulo, as ações do PCC tem elementos de ligação com
atos terroristas, mas não se encaixam perfeitamente nessa definição, embora não se trate de criminalidade
“tradicional”. Folha de São Paulo. Ação Criminosa indica traços de terrorismo, mas sem ideal, 16/07/2006,
p. C7.
133
Na esteira das organizações criminosas transnacionais, os membros da
organização criminosa “PCC” estão cada vez mais profissionais. Como forma de evitar
a aproximação entre os líderes e financiadores do grupo e os executores, abandonaram
a estrutura clássica verticalizada, ou seja, passaram a articular-se em células
compartimentadas, independentes, sem contato entre elas, nos moldes das
organizações comandadas pelos narcotraficantes colombianos Pablo Rayo Montano e
Juan Carlos Ramirez Abadia
327
.
Por intermédio de dados obtidos junto à Inteligência da Polícia Federal, no
ano de 2006, foram realizadas 175 operações somente no Estado de São Paulo, sendo
85 delas contra o PCC. O referido relatório revela que integrantes do “partido”
possuem contatos no Paraguai e na Bolívia, local em que buscam a droga para
abastecer o mercado nacional
328
.
Já, no ano de 2008 foi realizada uma operação pela Polícia Federal que
apurou a ligação de traficantes colombianos e bolivianos com integrantes do PCC. A
investigação resultou na apreensão de toneladas de cocaína e na prisão de 41 suspeitos
de integrar a organização
329
.
De acordo com artigo publicado em periódico: “o PCC não usa mais
intermediários para comprar cocaína e maconha na Bolívia e Paraguai. Eles agora
compram diretamente dos traficantes nestes dois países
330
”.
327
Ver Capítulo 4.
328
Folha de São Paulo. Mapa indica as áreas de atuação do PCC, 24/07/2006, p. C1.
329
Folha de São Paulo. Presos 41 suspeitos de fornecer droga ao PCC, 13/12/2008, p. C1.
330
Folha de São Paulo. Para promotor, PCC ‘internacional’ é exagero, 04/03/2009, p. C3.
134
Nesse contexto, o Juiz Federal Odilon Oliveira afirma que: “Há muitos
[PCC] atuando no território paraguaio, cumprindo ordens da facção, como seqüestros e
homicídios. Outros são encarregados de buscar cocaína na Bolívia
331
”.
O relatório anual do Departamento de Estado Americano, que trata sobre a
situação do tráfico de drogas em âmbito mundial, destaca que as organizações
Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV), passaram a atuar em
outros países, tais como Paraguai, Bolívia e “possivelmente” Portugal
332
.
No relatório final da CPI do Tráfico de Armas concluiu-se que o PCC
possui representantes na Argentina, Uruguai e Paraguai
333
.
4.2.2 Comando Vermelho
Posterior ao seu estabelecimento em favelas da Baixada Fluminense, o
Comando Vermelho acabou por demarcar territórios nas principais comunidades
cariocas, disseminando suas atividades ilícitas em diversas cidades do interior do
Estado do Rio de Janeiro.
Adriano Oliveira, ao citar Julita Lemberg, ex-diretora do Sistema
Penitenciário e ex-ouvidora de Polícia do Rio de Janeiro, discorre que:
A compreensão do Comando Vermelho requer uma revisão da história,
particularmente do Instituto Penal ndido Mendes, conhecido como
Presídio da Ilha Grande. Desde os anos 70, nessa penitenciária havia um
331
Folha de São Paulo. Cresce ação do PCC no exterior, dizem EUA, 04/03/2009, p. C1.
332
Dados obtidos através do Volume I: Drogas e Controle Químicos, Relatório Internacional Estratégico sobre
Drogas, (2009 International Narcotics Control Strategy Report)
<http://www.state.gov/p/inl/rls/nrcrpt/2009/vol1/116520.htm, consulta realizada em 24/08/2009.
333
A referida conclusão somente foi possível após um ano e meio de investigações, com base no depoimento de
156 pessoas. (O Estado de São Paulo. No arsenal do PCC, rifles e fuzis, 06/08/2009)
135
grupo que se auto-intitulava Falange Vermelha, Outro grupo, localizado na
terceira galeria, decidiu criar o Terceiro Comando.
(...).
Com o passar dos anos, os grupos foram adquirindo representação nas
comunidades, consequentemente, obtendo controle de territórios
conquistados com grande influência do comércio de drogas. Diante disso,
foram criados espaços geográficos, alguns conhecidos como pertencentes ao
Comando Vermelho; outros ao Terceiro Comando, além de outros
grupos/facções, como Amigos dos Amigos
334
.
Além do domínio do Comando Vermelho sobre diversas comunidades na
Capital daquele Estado, como, por exemplo, na “Rocinha” (zona sul do Rio), no
Complexo do Alemão, no Jardim Esperança, no Buraco do Boi, no Jardim Peró, bem
como na Praia da Siqueira, os últimos levantamentos realizados, fundamentados em
atuações da Polícia Federal e Civil local, o Comando Vermelho passou a deter o
monopólio concernente à distribuição de drogas e armas em cidades como Angra dos
Reis (cidade a 150 km do Rio de Janeiro), Campos dos Goytacazes (278 km do Rio),
Itaperuna (356 km do Rio), Cabo frio (154 km do Rio), Macaé (a 188 km do Rio),
Volta Redonda (a 129 km do Rio), entre outras
335
.
O contato entre membros do PCC e do Comando Vermelho ocorreu no
início do Século XXI, no momento em que José Márcio Felício, vulgo “Geleião”,
César Augusto Roris da Silva, vulgo “Cesinha”, então líderes do “partido”, foram
transferidos para o presídio Bangu 1, na zona oeste da capital fluminense.
Até aquele momento a entrada do “crack” era proibida pelos traficantes dos
morros cariocas, tendo em vista o seu baixo valor no mercado consumidor, bem como
o poder destrutivo da droga, ou seja, os narcotraficantes dependem de sua clientela,
portanto optavam por mantê-la viva.
334
Tráfico de drogas e crime organizado: peças e mecanismos, p. 150..
335
Facções se expandem para litoral e interior. Folha de São Paulo, p. C4
136
Em Bangu 1, os dois aludidos condenados estreitaram ligações com o
Comando Vermelho, fato que possibilitou a entrada do “crack” no Rio de Janeiro
336
. A
parceria também fomentou o tráfico de armas entre os dois grupos criminosos
337
.
O delegado titular da Delegacia de Combate às Drogas do Rio, Marcos
Vinícius Braga, afirma que: “a entrada do crack nas favelas cariocas foi a condição
imposta pela facção criminosas Primeiro Comando da Capital (PCC) para continuar a
vender cocaína para o Comando Vermelho”
338
.
Nos termos do relatório da Secretaria da Segurança Pública do Rio de
Janeiro, uma forte ligação entre o PCC e o Comando Vermelho. O documento
revela que não subordinação entre as duas facções, mas um intercâmbio de rotas
para o tráfico de armas e drogas, aliada a utilização de entrepostos para o
armazenamento dos produtos ilícitos comuns às duas facções
339
.
Curioso ressaltar que o Comando Vermelho ainda não possui uma estrutura
empresarial como o PCC. Sobre o assunto, válido o relato de Adriano de Oliveira: “No
Rio, o Comando Vermelho disputa o poder com várias facções. Por isso, as lideranças
não permanecem muito tempo no comando, como ocorre em São Paulo”.
336
Conforme depoimento do Delegado de Polícia Civil Rodrigo de Oliveira: “é certo que existe uma ligação
entre as duas facções, tanto que o crack no Rio se encontra nas favelas do Comando Vermelho. O PCC
abria portas para o Comando Vermelho buscar (a droga em São Paulo)”. (O Estado de São Paulo, PCC levou
a cracolândia para o Rio, 26/09/2008, Caderno Metrópole).
337
A última prisão de integrantes da facção criminosa no Rio ocorreu no ano passado, quando três criminosos
foram flagrados da Favela do Jacarezinho, zona norte, comandada pelo CV, tentando negociar a venda de
fuzis. (Ibid., mesma data)
338
O Estado de São Paulo, PCC levou a cracolândia para o Rio, 26/09/2008, Caderno Metrópole.
339
O relatório entre a CPI do Tráfico de Armas: “Na comparação das duas facções, o relatório diz que o CV,
criado em 1979, no Presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande, em Angra dos Reis, é uma organização com
estrutura horizontal, com o poder de mando exercido por rios integrantes que formam sua cúpula, mas que
nem sempre seguem ou concordam em todas as decisões”. (O Estado de São Paulo, Polícia apura coligação
do PCC-CV, 12/09/2006, Caderno Metrópole).
137
No mesmo sentido da opinião de Oliveira, o sociólogo Ignácio Cano
defende que:
As quadrilhas do Rio precisam disputar áreas de atuação porque sua
sustentação principal é o tráfico de drogas, que tem por base o controle de
pontos-de-venda. Em São Paulo, o crime organizado atua em várias
atividades ao mesmo tempo.
Não podemos deixar de recordar que o narcotraficante Luiz Fernando da
Costa, conhecido como Fernandinho Beira-Mar, estabeleceu-se na cidade de Pedro
Juan Caballero e fez contatos com membros das Forças Armadas Revolucionárias
Colombianas, local em que foi preso pelas autoridades daquele País
340
.
Mesmo detido em um presídio federal de Segurança Máxima, “Beira-Mar”
não deixou de atuar no tráfico internacional de drogas. Em recente operação de
combate ao narcotráfico, a Polícia Federal conseguiu apurar novamente a ligação entre
o Comando Vermelho e o PCC, conforme relato do jornalista Marcelo Auler:
Para a PF, a aproximação de Beira-Mar com representantes do PCC e de
outros Estados foi facilitada pela convivência dele com bandidos que não
conhecia no presídio federal de Catanduvas (PR). ficou confinado, por
exemplo, na mesma ala de José Claudio Arantes, o Tio Arantes, de Mato
Grosso do Sul, e Sidney Romualdo, paulista de Diadema. A aproximação
incluiu o pagamento do aluguel de duas casas em Catanduvas para familiares
de presos de outros Estados. Uma cortesia de Beira-Mar para os colegas
341
.
340
Segundo o relato de um integrante do PCC, estabelecido na cidade de Pedro Juan Caballero, ao lado da cidade
brasileira de Ponta-Porá, o PCC se estabeleceu 5 anos no Paraguai, 3 anos depois do Comando Vermelho,
a facção criminosa de Beira-Mar. (O Estado de São Paulo, No Paraguai, uma base do PCC, 27/08/2006,
Caderno Metrópole).
341
O Estado de São Paulo, Apreensão mostra ligação de Beira-Mar com o PCC, 10/02/2008, Caderno
Metrópole
138
4.3
Organizações Transnacionais
Na definição de crime organizado transnacional não devemos nos limitar ao
complexo intercâmbio entre grupos de criminosos estabelecidos em diversas Nações.
Devemos, ainda, considerar os outros fatores que impulsionaram aqueles grupos a
interagir integrada e harmonicamente, principalmente, nas últimas décadas no cenário
internacional.
Quanto às origens das organizações transnacionais podemos citar, em um
sentido amplo, a globalização, uma vez que esta propiciou a imigração entre diversos
povos, a integração econômica e política, o progresso dos sistemas de comunicação,
entre outras facilidades que favoreceram o agrupamento
342
.
Apesar dos avanços sócio-econômicos e até políticos proporcionados pela
globalização, não podemos deixar de relatar as mazelas ocasionadas por esse grande e
complexo intercâmbio de dados, pessoas e tecnologia, as quais trouxeram excessivo
prejuízo à segurança pública mundial.
Merece destaque a opinião de Anabela Miranda Rodrigues, sobre os
malefícios proporcionados pela globalização em relação ao crime organizado:
A globalização consistiria, assim, numa nova desordem mundial ou numa
ordem caótica que caracteriza a nova organização planetária, em que ilhas de
ordem emergem de uma espécie de magma desorganizado. Em volta desta
ilhas crescem regiões com estatutos diversos. Umas, de economias
geralmente destroçadas e com instituições políticas frágeis ou inexistentes,
abaladas por múltiplas perturbações que a anomia social provoca e em que
342
Segundo relato de Moisés Naím: “Negócios de todos os tipos surgiram nos anos 90 à medida que, um após
outro, os países derrubavam suas barreiras às importações e exportações e eliminavam regulamentações que
inibiam investimentos estrangeiros. A mudança foi dramática. Em 1880, a tarifa média – ou o imposto que os
governos cobravam sobre importações e exportações era de 26,1%. Em 2002, caiu para 10,4%. Alguns
fatos de destaque dessa nova orientação foram a aprovação do Tratado de Livre Comércio da América do
Norte (Nafta), que reunião os Estados Unidos, o Canadá e o México, em 1994; o estabelecimento da
Organização de Comércio em 1995 e a adesão da China a essa organização, após longas negociações, em
2002; a expansão da União Européia de 15 para 25 países membros na primavera de 2004 (...). (Ilícito: o
ataque a pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia global. p. 22-23.
139
as mergulha a sua instabilidade, são as que valorizam as matérias primeiras
do crime: drogas, armas, seres humanos (prostituição, escravatura, tráfico de
pessoas, etc.)
343
.
Por sua vez, diante da política adotada pelo governo americano, como
também por alguns países da Europa, um grande controle sobre a atividade
financeira internacional, como forma de evitar a livre circulação de dinheiro,
proveniente de atividades ilícitas. Em contrapartida, surgem os paraísos fiscais,
conforme parecer formulado pela referida doutrinadora:
Estes paraísos financeiros fiscais, que o um pouco a mão esquerda dos
países desenvolvidos, cuja mão direita ignora o que a esquerda faz, servem
ao mesmo tempo de válvula de escape à rigidez das regras nacionais e de
reguladores das relações entre as economias destes países e a sua
criminalidade interna e externa. As zonas cinzentas são aquelas onde é
produzida e reciclada a criminalidade que será consumida nos pólos de
estabilidade
344
.
Atualmente, há diversas nações que favorecem o cenário nocivo que a
globalização proporciona para o fomento das organizações criminosas. Podemos
mencionar como exemplo, no cenário brasileiro, os grupos formados por nigerianos,
colombianos, bolivianos, chineses e, mais recentemente, estrangeiros provenientes do
leste europeu, destacando-se, entre estes, os provenientes da Sérvia, da Croácia e da
Bulgária
345
.
343
O direito penal europeu emergente, p. 169.
344
Ibid., mesma página.
345
Conforme o histórico de investigações desenvolvidas pelas autoridades sérvias, cidadãos de países formados
com a dissolução da República Socialista Federativa Iugoslávia e posteriormente República Federal da
Iugoslávia (Sérvia, Croácia, Kosovo - protetorado da ONU - Montenegro,snia e Herzegovina, Eslovênia e
Macedônia), estão associados num esquema de tráfico de drogas que compreende a aquisição de quantidades
significativas de cocaína na América do Sul e posterior remessa para países da Europa.
Como meio de transporte são utilizados navios de carga que exploram a rota comercial América do Sul
Europa, contudo, contrariando prática usual, a droga não é transportada dissimulada em contêineres com
produtos objeto de exportações legais, mas transportada a bordo sob responsabilidade de membros da
tripulação dos navios.
140
O movimento migratório tende a fomentar e facilitar o intercâmbio multi-
cultural entre as organizações criminosas. A imigração de pessoas de diferentes
nacionalidades e culturas, bem como a miscigenação entre as diferentes raças, etnias, e
classes fizeram com que o nosso País, gradativamente se tornasse uma nação
significativa para o aporte das organizações criminosas.
Em Recente reportagem publicada no jornal “O Estado de São Paulo”,
percebe-se que uma houve uma mudança sensível no cenário da imigração com o fim
da Guerra Fria e o declínio do regime comunista. A ausência de “barreiras” fomentou
a mão de obra para as organizações criminosas, nos termos, in verbis
Nos anos da Guerra Fria, a fronteira entre Leste e Oeste era formada por
arames farpados, muros, tanques, soldados e minas. O perigo para o
Ocidente não era a invasão de imigrantes, mas um eventual ataque militar.
Além disso, quem se ocupava de evitar a fuga de seus nacionais eram os
próprios regimes ditatoriais. Hoje, o medo não é de uma invasão de um
Exército. Imigração, armas, drogas e contrabando estão no centro das
atenções. No lugar de minas e tanques, a UE investiu na instalação de
sensores, barreiras eletrônicas e um sistema informatizado ligado aos dados
da Interpol e das agências de inteligência dos países europeus
346
.
Ratificando as informações contidas na reportagem anteriormente citada,
ressaltamos que devido à grande dificuldade de controlar as fronteiras, em decorrência
de problemas sócio-econômicos, tais como o desemprego, guerras, e em virtude
também da dificuldade do controle migratório, surgiu um novo contingente de
indivíduos, que não tendo perspectivas, em virtude dessa situação de clandestinidade,
buscou amparo junto às organizações criminosas, constituindo-se em mão-de-obra
atuante no mercado ilícito, muitas vezes como medida de sobrevivência.
Diante desse quadro, houve uma inversão do foco de repressão a esses
grupos.
346
O Estado de São Paulo, União européia levanta sua cortina de ferro, pub. 12/04/2009, Caderno Metrópole.
141
Importante destacarmos a reportagem de David Crossland, que mostra essa
mudança, ao citar o relato de autoridades competentes do Governo alemão e da
Europol sobre o tema, in verbis:
FRANKFURT AN DER ODER, Alemanha (Reuters) - A expansão da União
Européia para o leste do continente, marcada para 1o. de maio, vai permitir
que quadrilhas trafiquem drogas e imigrantes ilegais para a Europa Ocidental
com mais facilidade, disse a polícia alemã na quinta-feira.
Após a ampliação, essas máfias devem se beneficiar dos controles menos
rígidos do que os atuais em fronteiras como a do leste da Alemanha, disse a
polícia em uma conferência sobre a criminalidade na cidade de Frankfurt an
der Oder, na fronteira com a Polônia.
A polícia disse que, com a adesão dos dez novos países, a maior parte deles
da Europa Oriental, a fronteira leste do bloco ficará menos segura, apesar da
impressionante rede de torres e equipamentos de observação que está sendo
instalada.
O problema é o fator humano. Um guarda de fronteira que ganha pouco vai
achar uma propina de cem euros muito atraente", disse Uwe Kranz,
especialista em crime organizado do Leste Europeu na Europol. "A nova
fronteira oriental da UE não é tão fechada quanto a atual", afirmou ele,
acrescentando que vai levar alguns anos até que os novos países se adaptem
ao padrão. "Apesar disso, o progresso já feito é impressionante", declarou.
Depois da adesão dos novos países, ainda haverá controles migratórios entre
os novos e os antigos países membros, mas os controles alfandegários
habituais serão eliminados.
Ingmar Weitemeier, chefe do departamento de polícia criminal do Estado
alemão de Mecklenburg-Vorpommern, que faz fronteira com a Polônia,
disse ver "um potencial seguro para o crime organizado" com a expansão.
"Formaram-se nos países que vão aderir vários grupos que querem explorar a
situação."
Apesar disso, a polícia disse que os temores sobre uma onda de
criminalidade após a expansão são infundados, principalmente porque ela já
aconteceu há mais de uma década, com o fim do comunismo no Leste
Europeu. A polícia considera que as organizações criminais de todo o bloco
ex-comunista já estão firmemente arraigadas no oeste do continente.
De acordo com Weitemeier, a polícia alemã se acostumou, na década de
1990, com os métodos mais violentos usados no Leste. "Enquanto um
criminoso alemão usa um cortador de vidro, um do Leste Europeu age com
mais violência, jogando um carro contra uma janela."
347
347
O Estado De São Paulo, União Européia Levanta sua Cortina de Ferro, p. 12-04-2009, Caderno Internacinal.
142
Esse cenário foi identificado em diversas investigações realizadas pela
Polícia Federal brasileira, em conjunto com outros órgãos estrangeiros de repressão ao
crime organizado.
No ano de 2005, em uma ação conjunta envolvendo as autoridades
brasileiras, alemãs e americanas
348
, a Polícia Federal deflagrou uma operação que
culminou na desarticulação de uma organização criminosa transnacional, cujo
resultado foi à prisão simultânea de 19 pessoas, entre elas, 15 eram estrangeiros de
origem libanesa preponderantemente
349
, bem como a apreensão de grande quantidade
de cocaína.
É imperioso destacar, também, que durante os quase dois anos de
investigação sobre o referido grupo, em virtude da ação controlada sobre os
integrantes da organização, foram presas diversas mulas” e apreendia grande
quantidade de drogas.
É oportuno destacar, em especial, in verbis, trecho da sentença condenatória
que classifica o grupo como:
A associação delituosa em foco constitui verdadeira organização criminosa
transnacional, tal como definida pelo Decreto 5.015/2004, que
promulgou em nosso país a Convenção das Nações Unidas contra o Crime
Organizado Transnacional, uma vez que voltada para a consecução de
crimes considerados graves tráfico de drogas (art. 2º, letra “b” da citada
348
A agência Anti-Drogas dos Estados Unidos da América (Drug Enforcement Administration- DEA), em
documento datado de 30.06.04, noticiou a prisão, na Turquia, de dois cidadãos norte-americanos, envolvidos
com o tráfico internacional de “cocaína”, e alertou que estes, colaborando com as investigações, afirmaram
que receberam o entorpecente em São Paulo, de fornecedores de origem libanesa. Com base nestas
informações e com supedâneo ainda em apurações preliminares da Polícia Federal, foi instaurado
procedimento criminal visando apurar a prática de tráfico internacional de drogas (Processo n.
2005.61.81.007476-9. Nova Vara Criminal Federal j. 20/04/2006 (operação Tâmara, p. 4324-4325).
349
Processo n. 2005.61.81.007476-9. Nova Vara Criminal Federal j. 20/04/2006 (operação Tâmara, p. 4297-
4395).
143
Convenção) e praticados em mais de um Estado (art. 3º, §1., letra “b” e §2.,
letra “a” da citada Convenção
350
.
Ressalvamos que essas investigações foram desenvolvidas ao longo de dois
anos, uma vez que os suspeitos formaram três diferentes células de atuação no tráfico
internacional de drogas.
A primeira das células era responsável pela arregimentação das “mulas”,
responsáveis pelo transporte da droga para a Europa e Oriente Médio.
A segunda era responsável pelo contato com traficantes colombianos,
paraguaios e bolivianos, fornecedores da cocaína. Durante toda a investigação a
negociação droga obtida naqueles países eram encaminhadas sem intermediários, ou
seja, diretamente para a organização.
Por sua vez, a terceira e última, era constituída por um restrito grupo de
financiadores, que não tinham contato com as “mulas” e que, muitas vezes, sequer
conheciam seus aliciadores. Alguns deles eram responsáveis pelos contatos com os
receptadores e financiadores da droga. Eram criminosos estabelecidos principalmente
no Líbano, Alemanha e Suíça.
O modus operandi da organização criminosa revelou que os
narcotraficantes não utilizavam o Brasil como uma rota para a exportação de drogas
para outros países, mas que também, passaram a investir o dinheiro obtido em diversas
atividades da economia formal, como por exemplo, na compra de imóveis,
supermercados e restaurantes.
Relatamos parte da decisão que demonstra a organização transnacional dos
condenados:
350
Processo n. 2005.61.81.007476-9. Nova Vara Criminal Federal j. 20/04/2006 , operação Tâmara, p. 4327.
144
O alentado e minucioso trabalho de investigação policial revelou que o
grupo criminoso é complexo e estende suas atividades a mais de um Estado
da Federação, havendo um trabalho ordenado de aquisição de entorpecentes,
em geral oriundo de Foz do Iguaçu e de Ponta Porã, ambos na região sul do
país; armazenamento e escoamento do tóxico por aeroportos internacionais
de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Pernambuco; recrutamento de
pessoas para a realização do transporte da droga (“mulas”); recepção do
entorpecente na Europa (especialmente em Portugal e Alemanha) e por fim,
remessa de vultosos lucros produzidos com o comércio ilegal de
entorpecentes ao país, para ser distribuído aos integrantes do bando
reinvestido no tráfico de cocaína
351
.
Alguns deles chegaram inclusive a constituir família no nosso País,
demonstrando a vontade de perpetuar a atividade criminosa em terras brasileiras.
Assim, a falta de uma política imigratória de determinados países, ligada à
facilidade de atravessa as fronteiras brasileiras, fomentou a entrada de criminosos,
tornando-se o Brasil um pólo atrativo e seguro para desenvolvimento de suas
atividades ilícitas, transformando-se, de acordo com a citação de Marques da Silva, em
um “paraíso jurídico penal
352
”.
Anabela Rodrigues afirma que a problemática criminal está na ausência de
uma política séria de controle, sobre os novos rumos de intercâmbio de pessoas e
informações. A autora preocupa-se com a invocação de tendências securitárias que
alimenta atitudes “anti-europeistas” no âmbito penal, conforme citação in verbis:
A nova criminalidade é expressão deste novo modelo de organização social para
que tendem as sociedades contemporâneas. A mobilidade de pessoas e dos capitais
põe em causa a lógica territorial sobre a qual elas repousam. Este movimento de
fundo um pouco retardado pela confrontação Leste-Oeste produz agora todos
os seus efeitos. As grandes construções institucionais e a concentração do poder
dão lugar ao declínio dos Estados e a um mundo onde proliferam as redes
353
.
351
Processo n. 2005.61.81.007476-9, Nova Vara Criminal Federal, j. 20/04/2006, operação Tâmara, p. 4325-
4326.
352
Ibid., p. 428
353
Op. cit. p. 171.
145
O desemprego e a marginalização fornecem mão de obra farta e, muitas
vezes, qualificada para o recrutamento das organizações criminosas. Para esta
afirmação temos como exemplo, as organizações criminosas de narcotraficantes, que
se utilizam de “mulas”
354
para o transporte de drogas.
Temos também como modelo, a operação Oceanos Gêmeos, como uma
organização criminosa transnacional estabelecida no Brasil, com ramificações em
outros oito países, entre eles, os Estados Unidos, o Panamá, a Colômbia, a Venezuela,
a Argentina, o Equador e o México
355
O Brasil era utilizado como o centro das atividades ilícitas do grupo, uma
vez que o narcotraficante Colombiano, Pablo Joaquim Rayo Montano
356
, o líder da
organização, montou uma rede de contatos na cidade de São Paulo, sendo que grande
parte das pessoas envolvidas sequer tinham antecedentes em qualquer outra
modalidade criminosa.
Através dessas pessoas, Pablo Rayo investiu o seu dinheiro proveniente do
narcotráfico, em atividades propícias à lavagem de dinheiro, tais como, investimento
em galerias de arte, joalherias, cavalos, restaurantes e empresas de eventos.
354
O termo “mulas” passou a ser incorporado pejorativamente no cenário brasileiro como uma alusão aos
animais que transportam cargas.
355
Procedimento Criminal nº 2006.61.81.005518-4, Segunda Vara Criminal Federal de São Paulo.
356
Com base em informações do Departamento de Drogas Americano (DEA) sobre a existência de Pablo
Joaquim Rayo Montano no Brasil foi representado pelo Governo americano um pedido de extradição, com
base nos crimes de tráfico e associação para fins de trafico de drogas. A Ação foi julgada procedente por
unanimidade. (STF, Tribunal Pleno, Ext. / 1.051 Estados Unidos da América, Rel. Min. Marco Aurélio,
v.u., j. 21-05.2009, pub. DJU 07-08-2009, seção 1, p. 63).
146
Por outro lado, a organização de Abadia, também narcotraficante
colombiano, não utilizava o Brasil como rota para o tráfico de drogas, mas sim para
“limpar” a origem ilícita do dinheiro obtido.
A transnacionalidade da organização não serviu de empecilho para que
todos os países envolvidos na investigação pudessem desarticular as ações do grupo.
Pela primeira vez na história brasileira, os mandados de busca e apreensão, bem como
as prisões dos principais suspeitos foram cumpridos simultaneamente, devido à eficaz
cooperação internacional entre as autoridades estrangeiras e brasileiras.
Conforme dados obtidos em decorrência de flagrantes e apreensões
realizados pela Polícia Federal, entre os anos de 2001 a 2009, houve um sensível
incremento na prisão e apreensão de traficantes, com posse de cocaína no Aeroporto
Internacional de Guarulhos. No ano de 2001, foram presas 38 pessoas e apreendidos
aproximadamente 402 kg de cocaína. No ano de 2009, (janeiro a 11 de agosto),
foram presas 269 pessoas e apreendidos 738 kg da mesma droga
357
.
As ações da Polícia Federal no combate às organizações de
narcotraficantes, entre outras modalidades criminosas de alta periculosidade, tais como
o tráfico de armas, de pessoas, o contrabando e o descaminho, revelam que os
referidos grupos possuem uma grande rede de contatos
358
, localizada em diversos
países.
Logo, aliada à farta o de obra para a operacionalização das referidas
atividades criminosas, uma grande facilidade de aliciamento de pessoas dispostas a,
357
Ibid., mesma página.
358
Segundo dados colhidos junto a Polícia Federal: A Europa responde pela maior fatia de “funcionários” do
narcotráfico presos em Guarulhos até este mês: 37%. Em 2008, europeus estavam na terceira posição. Antes,
a liderança pertencia à América do Sul, que foi para o segundo lugar, com 30%. Os africanos vêm em
seguida, com 24%. Asiáticos aparecem em último. (Ibid., mesma pág.)
147
efetivamente, compor a base da estrutura organizacional, como forma de possibilitar a
execução das tarefas, como verdadeiros “soldados” do crime.
Anabela Rodrigues aponta a problemática
dessa farta mão de obra que se
submete aos encantos dos aliciadores do crime organizado, diante da oportunidade de
ascensão social e financeira:
Trata-se, portanto, de uma forma de divisão do trabalho entre a economia
legal e a economia criminal, que externaliza a produção criminosa para fora
das regiões estáveis, mas que reintegra aqui os seus benefícios, ao mesmo
tempo que submete (...) as populações marginais destes pólos estáveis à
lógica do desenvolvimento criminoso
359
.
Após transitória exposição sobre os reflexos do crime organizado
transnacional no cenário brasileiro e internacional, cabe buscar na legislação uma
conceituação da transnacionalidade do delito.
O artigo 3, da Convenção de Palermo, traça alguns parâmetros para definir
o crime transnacional, nos termos, in verbis:
Artigo 3
Âmbito de aplicação
1. Salvo disposição em contrário, a presente Convenção é aplicável à
prevenção, investigação, instrução e julgamento de:
a) (...)
b) (...)
sempre que tais infrações sejam de caráter transnacional e envolvam um
grupo criminoso organizado;
2. Para efeitos do parágrafo 1 do presente Artigo, a infração será de caráter
transnacional se:
a) For cometida em mais de um Estado;
b) For cometida num Estado, mas uma parte substancial da sua
preparação, planejamento, direção e controle tenha lugar em outro Estado;
c) For cometida num Estado, mas envolva a participação de um grupo
criminoso organizado que pratique atividades criminosas em mais de um
Estado; ou
d) For cometida num Estado, mas produza efeitos substanciais noutro
Estado.
359
Op. cit., p. 169.
148
Torna-se oportuno destacar que o artigo 40, inciso I, da Lei 11.343/2006
360
,
disciplinou como causa de aumento das penas dos artigos 33 a 37 da mesma Lei, o
caráter transnacional do delito de tráfico de drogas e figuras equiparadas, reproduzido,
in verbis:
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de
um sexto a dois terços, se:
I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as
circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito;
(...).
O examinado dispositivo veio corrigir uma lacuna da antiga causa de
aumento prevista no artigo 18, I, da Lei 6.368/1976
361
, uma vez que esta revogada
norma somente abrangia o tráfico internacional de drogas ou extra-territorialidade da
Le penal, dispondo, in verbis:
Art. 18. As penas dos crimes definidos nesta Lei serão aumentadas de 1/3
(um terço) a 2/3 (dois terços):
I - no caso de tráfico com o exterior ou de extra-territorialidade da lei penal;
Notamos, assim, que o legislador intensificou a abrangência do artigo que
aumenta a pena dos crimes praticados fora do território nacional, ainda que o delito
não alcance o território de outra Nação.
Na opinião de Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi:
O correspondente revogado referia o tráfico com o exterior e os casos de
extraterritorialidade. A disposição atual é mais ampla, abrangendo situações
360
A Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas -
Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e
dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de
drogas; define crimes e dá outras providências.
361
Ver Capítulo 2.
149
antes não previstas, porque o conceito é mais aberto. Estarão nas hipóteses
de aumento e, consequentemente, de competência da Justiça Federal (art.
70), de tráfico no exterior
(...)
Os critérios para se saber se o delito tem caráter de transnacionalidade são: a
natureza da droga, a procedência da substância ou do produto apreendido e
as circunstâncias do fato. A natureza da droga, por exemplo, se se trata de
droga não produzida no Brasil; a procedência, se, por exemplo, a droga é
apreendida em embarcação ou aeronave em trânsito para o Brasil ou se a
embalagem denuncia a origem estrangeira; outras circunstâncias, também
poderão levar à convicção da transnacionalidade do crime
362
.
A natureza da droga ou mesmo sua procedência não bastam para a
caracterização da transnacionalidade do delito ora em estudo
363
. Devemos analisar
faticamente se provas de que pelo menos o início da execução da conduta ocorreu
fora do território brasileiro.
As jurisprudências dos Tribunais Superiores, consolidaram o tema
relacionado ao caráter transnacional do delito de tráfico de drogas, nos precedentes
ressaltados, in verbis:
PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS TRÁFICO
TRANSNACIONAL DE DROGAS ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO
DEMORA PARA O JULGAMENTO DO WRIT IMPETRADO
PERANTE A CORTE A QUO SUPERVENIÊNCIA DO JULGAMENTO
PEDIDO PREJUDICADO ADITAMENTO DA INICIAL
CONHECIMENTO DO PEDIDO COMO HABEAS CORPUS
SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO – EXCESSO DE PRAZO –
INSTRUÇÃO ENCERRADA – SÚM. 52/STJ – COMPLEXIDADE DO
FEITO – TRINTA E SETE DENUNCIADOS – EXPEDIÇÃO DE VÁRIAS
CARTAS PRECATÓRIAS PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
PRISÃO PREVENTIVA DECISÃO DE GRAU NÃO JUNTADA AOS
AUTOS ÔNUS DO IMPETRANTE RESGUARDO DA ORDEM
PÚBLICA VULTOSA ASSOCIAÇÃO PACIENTE TIDO COMO UM
DE SEUS LÍDERES MODUS OPERANDI PERICULOSIDADE
CONCRETA RESIDÊNCIA FIXA E OCUPAÇÃO LÍCITA
362
Lei de Drogas Anotada – Lei n. 11.343/2006, p. 143.
363
Conforme observa Sidio Rosa de Mesquita Júnior: “Certamente o tráfico internacional é mais grave, em face
de suas consequências, mas a apuração de suas circunstâncias e de todas as provas de sua concretização
dependerá da instrução criminal e do convencimento do Juiz, não sendo razoável pretender vincular a prova
da internacionalidade do crime à natureza do produto ou qualquer outro elemento” (Comentários à Lei
antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.08.2006, p. 101).
150
IRRELEVÂNCIA MANUTENÇÃO INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
FEDERAL INDÍCIOS DA TRANSNACIONALIDADE DO DELITO
ESTREITA VIA DO HABEAS CORPUS COMPETÊNCIA DA
SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE ARARAQUARA-SP POR PREVENÇÃO
ORDEM DENEGADA.
1. Evidenciando-se que o writ impetrado perante a Corte Regional já foi
julgado, prejudica-se o pedido de constrangimento ilegal em razão da
demora para seu processamento. 2. A superveniência do julgamento do
mérito do dito remédio constitucional possibilita o conhecimento do presente
habeas corpus como substitutivo de recurso ordinário, tendo em vista o
aditamento à inicial. 3. “Encerrada a instrução criminal, fica superada a
alegação de constrangimento por excesso de prazo” (Súm. 52/STJ). 4. A
pluralidade de réus na ação penal de conhecimento (trinta e sete), bem como
a necessidade de serem realizadas várias diligências imprescindíveis,
autoriza a aplicação do princípio da razoabilidade a fim de permitir dilação
no prazo para o término da instrução. Precedentes. 5. A concreta
periculosidade do agente, revelada pelo modus operandi com que teria
supostamente agido, porquanto tido como um dos líderes de vultosa
associação destinada ao tráfico transnacional de drogas, é suficiente para
motivar a necessidade da manutenção de sua prisão preventiva, a bem do
resguardo da ordem pública. Precedentes. 6. Ademais, ausente dos autos
cópia da decisão de Grau que determinou a prisão preventiva do paciente,
cuja juntada era ônus do impetrante, mostra-se dificultado o exame da
quaestio. 7. Unicamente a residência fixa e ocupação lícita do paciente,
ainda que comprovados estivessem, não são aptos a garantir-lhe a revogação
da prisão preventiva, notadamente quando presentes os requisitos do artigo
312 do Código de Processo Penal no caso concreto. Precedentes. 8. “Salvo
ocorrência de tráfico para o exterior, quando, então, a competência será da
Justiça Federal, compete à Justiça dos Estados o processo e julgamento dos
crimes relativos a entorpecentes” (Súm. 522/STF). 9. Evidenciando-se a
existência de indícios dando conta de que o suposto tráfico possua natureza
transnacional, a competência para o processamento e julgamento da ação
penal é da Justiça Federal. Precedentes. 10. A estreita via do habeas corpus,
carente de dilação probatória, não comporta o exame de questões que
demandem o profundo revolvimento do conjunto fático-probatório colhido
nos autos do inquérito policial instaurado contra o paciente, bem como da
ação penal que sobreveio. Precedentes. 11. Quando incerto o local em que
teria sido praticado o último ato de execução, a competência se firma pela
prevenção. 12. Evidenciando-se que o primeiro Juízo a tomar conhecimento
do feito foi o da Subseção Judiciária de Araraquara - SP, perante o qual foi
requerida a quebra do sigilo telefônico dos investigados, ele se mostra
prevento para conhecer da ação penal. 13. Pedido parcialmente prejudicado
e, no restante, denegada a ordem
364
Em consonância com o abordado, assevera Luiz Flávio Gomes que o
legislador pátrio passou a atender as recomendações dos tratados e convenções
internacionais:
364
http://www.stj.gov.br/SCON/pesquisar.jsp?b=ACOR&livre=transnacional
151
A Lei nova, diferentemente da anterior, preferiu a expressão transnacional
(situação ou ação além das nossas fronteiras) ao invés de internacional
(situação ou ação concernente a duas ou mais nações). Com a mudança,
foram atendidas as recomendações internacionais, em especial da Convenção
de Palermo
365
.
4.4 - Crimes econômicos e o crime organizado
O fenômeno da macrocriminalidade econômica vem, cada vez mais,
crescendo no mundo atual, principalmente no que diz respeito ao crime organizado,
que se trata de crimes que movimentam volumosa quantia de ativos e muitas vezes
praticados com apenas o uso de um telefone ou de um computador ligado à internet.
Na ocasião, torna-se de fundamental importância diferenciar a
criminalidade clássica, conhecida como microcriminalidade, da criminalidade
avançada ou macrocriminalidade.
Na década de 70, Manoel Pedro Pimentel tratava do avanço da
macrocriminalidade. Ao traçar o panorama da época, aponta os fatores que fomentam
as suas condutas criminosas, distintas da criminalidade clássica:
A criminalidade refinada, técnica hábil, se desenvolveu paralelamente com o
aumento da complexidade da vida moderna, especialmente no campo da
economia. Disfarçada aqui, em grupo de homens de negócios, ali em
empresas de vulto, acolá em sociedade comercial, a criminalidade prosperou
largamente; impunemente, valendo-se das falhas da legislação, das
deficiências do sistema, da corrupção, da pressão política, da exploração das
mais diversas formas de prestígio social
366
.
365
Nova Lei de Drogas comentada artigo por artigo: Lei 11.343/2006, de 23.08.2006, p. 183.
366
Direito Penal Econômico, p. 04-05.
152
Entretanto, torna-se evidente que, em função do período de sua elaboração,
o Código Penal Brasileiro de 1940, não possuía mecanismos legais para reprimir a
macrocriminalidade econômica.
Nesse momento, é imperioso destacar a citação de Marco Antonio Marques
da Silva, a respeito do impacto da criminalidade econômica, frente aos instrumentos
fornecidos pelo Código Penal de 1940:
Os impactos desta idéias no mundo globalizado são objeto de estudo para
encontrar formulas harmônicas para o combate e prevenção da criminalidade
econômica, no âmbito dos Estados, bem como, nas suas relações
internacionais, tendo em vista que o fator econômico é a base destas
relações, que se utilizam de todo avanço tecnológico, impedindo, com isto
que se utilizem dos instrumentos do direito penal clássico, para enfrentar
estes problemas
367
.
A doutrina estrangeira oscila na criação de uma sistematização ampla dos
crimes econômicos. Na Alemanha, por exemplo, houve uma tentativa de sistematizar
os delitos econômicos. na Itália, os delitos econômicos são regulamentados em
legislação esparsa
368
.
Coube ao legislador elaborar leis extravagantes para tentar corrigir as
lacunas do nosso ordenamento jurídico penal clássico. Por consequência, como critério
meramente exemplificativo e em ordem cronológica, foram elaboradas as seguintes
leis: a) A legislação sobre os crimes contra a economia popular, consubstanciada à
época no Decreto-lei 869, de 18 de novembro de 1938, posteriormente deu ensejo a
Lei 1.521, de 26 de dezembro de 1951
369
, Lei dos crimes contra a economia popular;
367
Ibid., p. 402.
368
Antonio Luis Chaves Camargo, nos ensina que: Assim, não há unanimidade quanto ao tratamento dos crimes
econômicos no âmbito do Código Penal, ou numa legislação especial, ou em ambos, como ocorre em alguns
países. (In: José de Faria Costa; Marco Antonio Marques da Silva, op. cit., p. 262-263).
369
Segundo Juary C. Silva, ao enfrentar a matéria sobre a macrocriminalidade e o ordenamento jurídico
brasileiro vigente, elabora severa crítica a referida Lei dos crimes contra a economia popular, conforme relato
153
b) Lei 7.492, de 16 de junho de 2006, que define os crimes contra o Sistema
Financeiro Nacional e dá outras providências
370
; c) Lei nº. 8.078/1990 que dispõe
sobre a proteção do consumidor; d) Lei nº. 8.137/1990 - Lei dos Crimes contra a
Ordem Tributária e Financeira; e) Lei nº. 9.613/1998 Lei de Lavagem de Dinheiro e
Ocultação de Bens e Valores; f) Lei Complementar nº. 105/2001 que trata do sigilo das
operações das instituições financeiras.
Não a legislação extravagante contém os crimes econômicos. No Código
Penal, nos deparamos com diversos artigos, como por exemplo: a) artigo 334,
contrabando e descaminho; b) artigo 172, duplicata simulada; c) artigo 175, fraude no
comércio; d) artigo 177, fraudes e abusos na fundação ou administração de sociedade
por ações; c) artigos 197 a 207, que tratam dos crimes contra a organização do
trabalho, entre outros.
Por força da determinação constitucional, de forma a garantir uma
economia justa e equilibrada, o legislador pátrio, muitas vezes, caminha no sentido de
buscar no Direito Penal os mecanismos para proteger a estabilidade da ordem
econômico-financeira
371
.
que segue: “Pela sua imprecisão e estreiteza, e máxime pelo seu ponto de vista microcriminal, essa lei está
longe de oferecer condições adequadas para o combate à macrocriminalidade econômica [...], porém é
interessante observar que ela não nasceu de uma sistematização da matéria, porém ao que parece de uma gafe
do então Presidente da República, Getúlio Vargas. Instado a explicar o sentido de frase usada por ele em
público (‘o povo fará justiça pelas próprias mãos’), o Presidente teria dito que a punição dos crimes contra a
economia do povo far-se-ia através do Júri, e não de juízes togados”. (A Macrocriminalidade, p. 115 - 116).
370
As condutas praticadas contra o sistema financeiro, durante longo lapso temporal, não foram prevista como
delito no Brasil. A razão dessa lacuna está intimamente ligada à evolução do mercado ocorrida no País, e,
como no período de vigência das Ordenações do Reino e do Código Criminal do Império (1830)
predominava o trabalho escravo e não existiam instituições financeiras, empresas pelo menos não da forma
como hoje se apresentam -, não havia necessidade de previsão dessa espécie de delito. Os Códigos
subseqüentes (1890 e 1940) também foram silentes a esse respeito.” (Luiz Regis Prado, Direito Penal
Econômico, p. 209).
371
Constituição Federal de 1988 acabou por impor freios ao avanço do poder econômico, no Título VII “Da
Ordem Econômica e Financeira”, arts. 170 a 174. Tais princípios e objetivos deverão estar presentes na
análise de todos os dispositivos constitucionais. Assim, os princípios fundamentais deverão informar o
entendimento exegético de todos os tópicos pertinentes à constituição econômica.
154
O desequilíbrio econômico gera consequências gravíssimas, não na
economia, mas também reflete diretamente no equilíbrio político e social. Como
modelo, podemos citar: a) falência de empresas; b) consequente desemprego em
massa; c) inflação; d) fuga de capitais; e) recessão, entre outros efeitos nefastos para a
ordem econômico-financeira, demonstrados no relator de Anabela Miranda Rodrigues:
De um ponto de vista material, a criminalidade organizada é uma actividade
econômica em sentido amplo (ou em todo caso lucrativa, embora possa ir
para além disso), caracterizada por efeitos danosos avultadíssimos,
normalmente econômicos, mas também políticos e sociais. Destacam-se a
sua capacidade de desestabilização geral dos mercados, bem como a
corrupção de funcionários e governantes. Trata-se de crimes qualificados
criminologicamente como “crimes of the powerful” (crimes dos poderosos),
com uma configuração jurídica imprecisa e significativamente diversa da dos
tipos de crimes do direito penal clássico (da delinquência passional ou dos
“crimes of the powerless”)
372
.
Oportuno, neste momento, destacar o conceito elaborado por Manuel Pedro
Pimentel, sobre os delitos econômicos
:
“condutas típicas sancionadas penalmente pelas
leis editadas com o fim de prover a segurança e a regularidade da política econômica
do Estado”
373
.
O Direito Penal Econômico protege bens jurídicos supra-individuais, ou
seja, àqueles que ultrapassam os bens ligados ao Direito Penal clássico e que são
ligados ao patrimônio individual e, até mesmo, da coletividade. Na opinião de
Goldschimidt, citado por Figueiredo Dias, o autor chega ao ponto de concluir que
inexistem os bens jurídicos nos delitos econômicos, visto que são simples bens
materiais e sem sujeitos.
No entanto, Figueiredo Dias contradiz a afirmação anterior. No seu
entendimento, enquanto o Direito Penal Clássico é ligado aos direitos, liberdades e
372
In: José de Faria Costa e Marco Antonio Marques da Silva, op. cit., p. 283.
373
A organização criminosa é uma forma qualificada no concurso de pessoas, p. 25.
155
garantias fundamentais do cidadão, os bens jurídicos do Direito Penal Econômico são
ligados aos direitos sociais e à organização econômica
374
.
O objeto jurídico preservado pelo Direito Penal Econômico não pode e nem
deve ser aquele conferido à economia popular, mas sim, visa proteger bens e interesses
relacionados à proteção econômica do Estado, além do patrimônio de indefinido
numero de pessoas, do comércio em geral, da troca de moedas, da pública e da
administração pública.
Anabela Rodrigues, ao citar I. Blanco Cordeiro e I.S. Garcia de Paz,
descreve, in verbis, que:
Esta nova criminalidade utiliza as lógicas e as potencialidades da
globalização para a organização do crime, permitindo que grupos criminosos
homogêneos “aproveitem as vantagens que oferece o novo espaço mundial,
com a criação de zonas de livre comércio em algumas regiões do mundo, nas
quais se produz uma permeabilidade econômica das fronteiras nacionais e se
reduzem os controles”. Neste “mercado gigantesco” para que evoluiu a
economia mundial, existe uma procura de bens proibidos que, agora por este
motivo, o converte em idôneo para a proliferação de organizações
criminosas. Para o satisfazer, surge um mercado de bens e serviços ilegais
que coexiste com o mercado global
375
.
Importante, na ocasião, destacar, ainda, a atual facilidade de recrutamento
de novos integrantes para atuarem nas examinadas organizações, nos termos relatado
pela aludida autora:
A globalização exclui segmentos de sociedades e economias das redes de
informação disponíveis para as sociedades e economias dominantes.
Desemprego e marginalização – criando o que Castells chama “buracos
negros” do capitalismo da informação fornecem o mercado ilegal para o
recrutamento de delinquentes (...)
376
.
374
Comentário Conimbricense do Código Penal, p. 59-71.
375
In: José de Faria Costa e Marco Antonio Marques da Silva, op. cit., p. 284.
376
Anabela Miranda Rodrigues, mesma página.
156
É pertinente ainda citar alguns precedentes do Supremo Tribunal Federal
sobre a matéria crime organizado, no sentido de demonstrar como a corte máxima tem
se posicionado sobre o assunto.
DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO
PREVENTIVA. ORDEM BLICA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
INOCORRÊNCIA. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ALTAMENTE
ESTRUTURADA. TRÁFICO DE ENTORPECENTES E OUTROS
CRIMES GRAVES. DENEGAÇÃO. 1. A questão de direito tratada neste
writ diz respeito à possível nulidade da decisão que decretou a prisão
preventiva do paciente por suposta ausência de fundamentação idônea e
adequada. 2. A denúncia imputa ao paciente e aos co-réus terem se associado
em quadrilha para a prática do tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, na
forma de uma organização criminosa estrutura hierarquicamente com divisão
de tarefas e funções de seus membros. 3. No caso concreto, a noção de
periculosidade concreta do paciente, acusado de integrar a facção criminosa
intitulada "PCC" (Primeiro Comando de Capital) que seria responsável por
ataques violentos ocorridos em maio de 2006 contra civis, unidades
prisionais, agências bancárias e veículos, em claro confronto com as forças
de segurança pública do Estado de São Paulo. 4. Registro que houve
fundamentação idônea à manutenção da prisão processual do paciente.
Atentou-se, portanto, para o disposto no art. 93, IX, da Constituição da
República. A decisão proferida pelo juiz de direito - que decretou a prisão
preventiva - observou estritamente o disposto no art. 1°, da Lei n° 9.034/95 e
no art. 312, do CPP, eis que elementos indicativos no sentido de que as
atividades criminosas eram realizadas de modo reiterado, organizado e com
alta poder ofensivo à ordem pública. 5. A garantia da ordem pública é
representada pelo imperativo de se impedir a reiteração das práticas
criminosas. 6. A regra do art. 7°, da Lei 9.034/95, consoante a qual não
será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança, aos agentes que
tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa, com
efeito, revela-se coerente com o disposto no art. 312, do CPP. 7. Habeas
corpus denegado
377
.
A transcrita decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a
relatoria da Ministra Ellen Gracie, demonstra claramente o seu posicionamento pela
recepção do conceito da expressão “crime organizado” nas ações praticadas pelo
Primeiro Comando da Capital (PCC), ao discriminar a estabilidade, permanência,
periculosidade e o alto grau de ofensa à ordem pública, ensejando inclusive a
377
Segunda Turma, HC 94739/SP, Relatora Ministra Ellen Gracie, j. 07.10.2008, publ. DJU 14.11.2008, p.
00442.
157
permanência da prisão cautelar dos pacientes. Todavia, a posição da Ministra mostra-
se contraposta ao princípio da presunção de inocência, defendido por Ministros
daquela Corte que defendem a posição garantista.
158
5. OS TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS, EM
MATÉRIA DO CRIME ORGANIZADO
SUMÁRIO: 5.1 Princípios; 5.1.1 Princípio da Legalidade; 5.1.2
Extraterritorialidade; 5.1.3 Princípio da Soberania; 5.1.4 Princípio da
Complementariedade; 5.2 Validade e Aplicação.
5.1 - Princípios
Gradativamente, conforme tendência mundial adotada pela cooperação
internacional, notamos um considerável crescimento do número de acordos bilaterais,
multilaterais e, principalmente, a implementação de Tratados e Convenções
relacionados ao crime organizado.
A recepção e a consequente validade desses instrumentos no ordenamento
jurídico brasileiro necessitam de certas formalidades, principalmente no que diz
respeito aos princípios, preservados pela Carta Magna, garantidores do Direito Penal
Constitucional.
5.1.1 – Princípio da Legalidade
Os Tratados e Convenções são igualmente submetidos ao princípio da
legalidade, para serem aplicados no nosso ordenamento jurídico. É oportuno ressaltar
que o próprio processo de incorporação de uma norma internacional no nosso País é
extremamente complexo, tanto no ponto de vista político como no legal.
No Estado Federal Brasileiro, a competência para celebrar os acordos ou
tratados bilaterais ou multilaterais é da União, nos termos descritos no artigo 21, inciso
I, da Constituição Federal, in verbis:
159
Artigo 21 - Compete à União:
I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações
internacionais.
Contudo, o artigo 49, inciso I, da Lei Maior, submete aos instrumentos à
cláusula de resolução exclusiva do Congresso Nacional, no qual expomos, in verbis:
Art. 49 - É da Competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais
que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.
A orientação é seguida pelo Pretório Excelso, expressa, in verbis, em
julgamento do Agravo Regimental em uma Carta Rogatória da República da Argentina
(Carta Rogatória n. 8279), julgado pelo Supremo Tribunal Federal:
(...) A recepção dos tratados internacionais em geral e dos acordos
celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL depende, para efeito de
sua ulterior execução no plano interno, de uma sucessão causal e ordenada
de atos revestidos de caráter político-jurídico, assim definidos: (a)
aprovação, pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, de tais
convenções; (b) ratificação desses atos internacionais, pelo Chefe de Estado,
mediante depósito do respectivo instrumento; (c) promulgação de tais
acordos ou tratados, pelo Presidente da República, mediante decreto, em
ordem a viabilizar a produção dos seguintes efeitos básicos, essenciais à sua
vigência doméstica: (1) publicação oficial do texto do tratado e (2)
executoriedade do ato de direito internacional público, que passa, então - e
somente então - a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno
378
.
Nos termos da relatada decisão unânime da Suprema Corte, a Constituição
Federal não consagra o princípio do efeito direto e nem o da aplicabilidade imediata
dos tratados ou convenções internacionais. Torna-se válido complementar este estudo,
transcrevendo, in verbis, parte do v. acórdão proferido pelo Ministro Celso de Mello:
378
Tribunal Pleno, CR 8279 Agr/AT Argentina, Relator Ministro Celso de Mello, j. 17.06.1998, publ. D.J.
10.08.2000, p. 00006.
160
(...) A Constituição brasileira não consagrou, em tema de convenções
internacionais ou de tratados de integração, nem o princípio do efeito direto,
nem o postulado da aplicabilidade imediata. Isso significa, de jure constituto,
que, enquanto não se concluir o ciclo de sua transposição, para o direito
interno, os tratados internacionais e os acordos de integração, além de não
poderem ser invocados, desde logo, pelos particulares, no que se refere aos
direitos e obrigações neles fundados (princípio do efeito direto), também não
poderão ser aplicados, imediatamente, no âmbito doméstico do Estado
brasileiro (postulado da aplicabilidade imediata).
Assim, concluímos que nos termos do artigo 84, VIII, da Constituição
Federal, compete privativamente ao Presidente da República celebrar tratados,
convenções e atos internacionais. Posteriormente, o instrumento é enviado ao
Congresso Nacional, cuja aprovação é realizada por decreto legislativo, nos termos do
artigo 49, I, da Lei Maior e, no final, submete-se à promulgação por decreto
presidencial.
Cabe consignar que, após a aprovação em nosso País, estes instrumentos
são depositados no órgão competente responsável pelo seu registro e, somente com sua
publicação é que o instrumento passa a ter eficácia no ordenamento jurídico
brasileiro
379
.
Por derradeiro, importante ressaltar que os tratados e convenções
internacionais possuem a mesma força que as leis ordinárias. Novamente, o Ministro
Celso de Mello, quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
1480/DF
380
, posicionou-se a respeito:
O Poder Judiciário - fundado na supremacia da Constituição da República -
dispõe de competência, para, quer em sede de fiscalização abstrata, quer no
âmbito do controle difuso, efetuar o exame de constitucionalidade dos
tratados ou convenções internacionais já incorporados ao sistema de direito
positivo interno. Doutrina e Jurisprudência. PARIDADE NORMATIVA
379
Rodrigo Carneiro, O Crime Organizado na Visão da Convenção de Palermo, p. 32-33.
380
Tribunal Pleno, ADI 1480/DF, Relator Ministro Celso de Mello, j. 14.09.1997, publ. D.J. 18.05.2001, p.
00429.
161
ENTRE ATOS INTERNACIONAIS E NORMAS
INFRACONSTITUCIONAIS DE DIREITO INTERNO. - Os tratados ou
convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito
interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de
validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias,
havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional
público, mera relação de paridade normativa. Precedentes. No sistema
jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia
hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos
tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de
direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o
ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação
alternativa do critério cronológico ("lex posterior derogat priori") ou, quando
cabível, do critério da especialidade.
Ressalva-se, contudo, que os tratados internacionais sobre direitos humanos
são aprovados em cada uma das Casas do Congresso Nacional, em dois turnos, por três
quintos dos votos dos respectivos membros, possuem força de norma constitucional,
nos termos do artigo 5°, § 3°, da Constituição Federal de 1988
381
.
5.1.2 – Extraterritorialidade
O nosso País adotou como regra geral o princípio da territorialidade
382
, na
aplicação da lei penal brasileira para os crimes praticados dentro do território nacional,
incluídos aqui os casos considerados fictamente como sua extensão territorial.
Todavia, cabe consignar que temos o princípio da extraterritorialidade que
se preocupa com a aplicação da lei brasileira às infrações penais cometidas além de
nossas fronteiras, ou seja, nos países estrangeiros.
381
O parágrafo terceiro do artigo 5°, da CF de 1988, foi introduzido por força da Emenda Constitucional n. 45,
de 08 de dezembro de 2004.
382
A Exposição de Motivos do Ministro Francisco Campos ao Código Penal de 1940 dispõe: “aplica-se a lei
brasileira não ao crime, no todo ou em parte, cometido no território nacional, como ao que nele, embora
parcialmente, produziu ou devia produzir seu resultado, pouco importando que a atividade pessoal do
criminoso se tenha exercido no estrangeiro. A cláusula ‘ou devia produzir seu resultado’ diz respeito à
tentativa”.
162
No artigo 7°, II, a, do Código Penal, encontramos o princípio da justiça
universal ou cosmopolita. Significa que, o Brasil atendendo às determinadas condições
julgará os crimes que, por tratado ou convenção, obrigou-se a reprimir.
O Brasil é signatário de diversos acordos, Tratados e Convenções na
matéria de crime organizado, em especial no combate ao tráfico internacional de
drogas e pessoas, o genocídio, a prática de tortura, o terrorismo, a lavagem de bens,
direitos e valores
383
.
5.1.3 – Princípio da Soberania
A relação entre os estudos das jurisdições internas e internacionais
demandam a adoção do princípio da complementariedade presente nos países que
submeteram parte de sua jurisdição ao Tribunal Penal Internacional, assim, torna-se
imperiosa a abordagem do conceito de soberania e sua evolução no cenário
contemporâneo.
O fato de as teorias contemporâneas sobre o julgamento de crimes
praticados no território de uma nação serem submetidas a um órgão externo, implicam
em mudanças de interpretação no próprio conceito do princípio da soberania, bem
como a sua relação e influências no próprio ordenamento jurídico pátrio.
Nessa ocasião, torna-se imperiosa a análise histórica das origens do
princípio da soberania, cujo conceito e interpretação sofreram uma intensa mudança
perante a doutrina jurídica nacional e internacional, conforme destaca Marrielle Maia:
383
O Brasil é signatário dos seguintes instrumentos internacionais: a) Convenção de Substâncias Psicotrópicas,
1971; b) Convenção das Nações Unidas contra as drogas, 1991; b) Convenção das Nações Unidas contra o
Crime Organizado e Corrupção; c) Convenção Interaamericana de Assistência Mútua em Matéria Criminal;
d) Convenção Interamericana sobre o Terrorismo; Convenção Interamericana sobre o tráfico ilícito de drogas
e armas de fogo; e) Acordos de cooperação internacional.
163
“a noção de soberania existia na Antiguidade e na Idade Média. O conceito
conhecido estava ligado à posição hierárquica, ou seja, posição daquele que era
superior num bem definido sistema hierárquico”
384
.
A referida autora evidencia a evolução histórica do conceito de soberania,
situando-a perante a noção de Estado. Na sua significação moderna, o termo
“soberania” apareceu no final do século XVI, com a formação e a consolidação do
Estado moderno, que teve sua construção marcada pela centralização administrativa,
concentração e territorialização do poder político e pela criação de exércitos
permanentes.
O moderno sistema de Estados, que surgiu em 1648, com a Paz de Westfália,
baseava-se no pressuposto de que os Estados são os únicos detentores de
direitos e deveres no direito internacional. São eles os únicos legítimos
agentes para o uso da força, dotados de direito de jurisdição sobre seus
territórios e populações
385
.
Ao analisarmos amplamente o cenário jurídico contemporâneo
internacional perante a ordem política doméstica de uma nação, notamos uma sensível
mudança no exato conceito do termo soberania, uma vez que a necessidade de abertura
sócio-econômica, a qual inevitavelmente implicou uma mudança sensível no cenário
do crime organizado, tornou-se quase que uma obrigação para os Estados, em suas
relações internacionais, que abrissem uma parcela de seu poder unitário perante uma
autoridade supra-estatal.
De acordo com Marriele Maia, multiplicaram-se os instrumentos
internacionais, principalmente, após o final das grandes guerras, no trecho, in verbis::
384
Tribunal Penal Internacional: aspectos institucionais, jurisdição e princípio da complementariedade,
p. 31-32.
385
Ibid, p. 32.
164
Com efeito, após a Segunda Guerra Mundial, reconheceu-se a necessidade de
reconstrução do direito internacional com atenção aos direitos do ser humano,
como resposta às atrocidades cometidas durante os conflitos e pelo nazismo (...)
Um dos elementos do relacionamento internacional que, durante a evolução do
direito internacional, precisou ser suplantado para dar lugar à garantia coletiva e ao
interesse público foi o da reciprocidade (...).
386
Desta feita, o Estado deixa de ser o foco das atenções e o indivíduo passa a
ser beneficiário de uma garantia baseada na primazia da pessoa humana, com base no
sistema internacional de proteção aos direitos humanos.
Portanto, de forma a evitar conflitos entre as normas internas e externas, os
tratados, convenções e acordos entre nações passam a compatibilizar e harmonizar as
legislações de diversos países.
O Brasil, paulatinamente, passou a recepcionar em seu ordenamento
jurídico os tratados, as convenções e ou estatutos, ou seja, as normas de caráter
internacional, cuja aplicação, muitas vezes, reflete-se diretamente na própria jurisdição
do País.
Inauguraremos a matéria, com o conceito de soberania nos termos políticos,
bem como no âmbito jurisdicional, assentado pelo ilustre jurista Dalmo de Abreu
Dallari:
De fato, porém, apesar do progresso verificado, a soberania continua a ser
concebida de duas maneiras distintas: como sinônimo de independência, e
assim tem sido invocada pelos dirigentes de Estados que desejam afirmar,
sobretudo ao seu povo, não serem mais submissos a qualquer potência
estrangeira; ou como expressão de poder jurídico mais alto, significando
que, dentro dos limites da jurisdição do Estado, este é que tem o poder de
decisão em última instância, sobre a eficácia de qualquer norma jurídica
387
.
386
Ibid, p. 36
387
Elementos de Teoria Geral do Estado, p. 84.
165
Com base em uma análise preliminar, poderíamos chegar à conclusão de
que a atuação dos tribunais internacionais e das demais normas supra-estatais seria
uma ingerência, um aparente conflito de normas e o fim do poder soberano de um país.
Contudo, novamente invocamos o princípio da complementariedade, de forma que as
aludidas normas seriam uma nova garantia da pessoa humana, aperfeiçoando os
mecanismos de proteção e garantias consagrados na Constituição Federal Brasileira.
Nesse ponto, Marriele Maia destaca a necessidade da criação de uma
jurisdição penal internacional, como garantia à proteção internacional dos direitos
humanos, consoante disposto, in verbis:
A criação de uma corte internacional com jurisdição penal, nesse contexto,
reveste-se de muitas dificuldades políticas e de grandes complexidades
jurídicas, e seu estatuto somente veio a ser discutido em Roma em
decorrência da superação da alegação do domnínio reservado do Estado,
pautado no princípio da soberania, graças ao desenvolvimento das relações
internacionais e à expansão da proteção internacional dos direitos humanos e
do direito internacional humanitário.
388
Os Tratados e Convenções incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro,
expressamente preveem o respeito ao ordenamento jurídico interno. De acordo com o
disposto na Convenção de Palermo, in verbis:
Artigo 4
Proteção da soberania.
1. Os Estados Partes cumprirão as suas obrigações decorrentes da presente
Convenção no respeito pelos princípios da igualdade soberana e da
integridade territorial dos Estados, bem como da não-ingerência nos assuntos
internos de outros Estados.
2. O disposto na presente Convenção não autoriza qualquer Estado Parte a
exercer, em território de outro Estado, jurisdição ou funções que o direito
interno desse Estado reserve exclusivamente às suas autoridades.
388
Op. cit., p. 43.
166
Outro ponto de real importância para este estudo, diz respeito à soberania
dos julgamentos, bem como a aplicação no Direito Pátrio do Tribunal Penal
Internacional, criado em 17 de julho de 1998, pelo Estatuto de Roma e promulgado, no
Brasil, pelo Decreto n.° 4388, de 25 de setembro de 2002
389
. O artigo , do Estatuto
de Roma, disciplina, in verbis, que:
Artigo 1
o
O Tribunal
É criado, pelo presente instrumento, um Tribunal Penal Internacional ("o
Tribunal"). O Tribunal será uma instituição permanente, com jurisdição
sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance
internacional, de acordo com o presente Estatuto, e secomplementar às
jurisdições penais nacionais. A competência e o funcionamento do Tribunal
reger-se-ão pelo presente Estatuto.
O art. 5°, do Estatuto prevê que o Tribunal Penal Internacional possui
personalidade jurídica internacional para julgar os crimes de genocídio, os contra a
humanidade, os de guerra e os de agressão
390
, dispondo, in verbis:
Artigo 5
o
Crimes da Competência do Tribunal
1. A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves, que
afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do presente
Estatuto, o Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes:
a) O crime de genocídio;
b) Crimes contra a humanidade;
389
“(...) Mas findo o conflito, e com a criação e funcionamento dos Tribunais de Nuremberg e de quio,
decorrentes do Tratado de Londres, de 08 de agosto de 1945, o direito internacional penal ganhou grande
incremento. Mas com a guerra fria novamente as condições se mostraram desfavoráveis a continuidade do
projeto em causa. Todavia na última década deste século, sob os auspícios da Organização das Nações
Unidas, a idéia tomou significativo impulso. Em 1995, a Assembléia Geral das Nações Unidas, criou um
Comitê preparatório para tratar de um Estatuto de uma Corte Penal Internacional, com base em um projeto
que fora preparado pela Comissão de Direito Internacional. (...). A aprovação do Estatuto da Corte Penal
Internacional em junho de 1998 na Conferência dos plenipotenciários das Nações Unidas realizada em Roma,
constitui um fato da mais alta significação, e um passo relevante para a implantação de uma Justiça Penal
Internacional”. (Luiz Luisi, Princípios Penais Constitucionais, p. 240)
390
Conforme previsão do Item 2, do art. 5°, “O Tribunal poderá exercer a sua competência em relação ao crime
de agressão desde que, nos termos dos artigos 121 e 123, seja aprovada uma disposição em que se defina o
crime e se enunciem as condições em que o Tribunal te competência relativamente a este crime. Tal
disposição deve ser compatível com as disposições pertinentes da Carta das Nações Unidas”.
167
c) Crimes de guerra;
d) O crime de agressão.
As práticas criminosas anteriormente descritas, quando atendidas
determinadas condições, poderão ensejar o deslocamento da jurisdição brasileira para
julgamento de nacionais que praticaram esses delitos em território nacional, ou
mesmo, aqueles que, após a prática criminosa, vierem aqui refugiar-se, conforme
disciplina o artigo 17, in verbis:
Artigo 17
Questões Relativas à Admissibilidade
1. Tendo em consideração o décimo parágrafo do preâmbulo e o artigo 1
o
, o
Tribunal decidirá sobre a não admissibilidade de um caso se:
a) O caso for objeto de inquérito ou de procedimento criminal por parte de
um Estado que tenha jurisdição sobre o mesmo, salvo se este não tiver
vontade de levar a cabo o inquérito ou o procedimento ou, não tenha
capacidade para o fazer;
b) O caso tiver sido objeto de inquérito por um Estado com jurisdição sobre
ele e tal Estado tenha decidido não dar seguimento ao procedimento criminal
contra a pessoa em causa, a menos que esta decisão resulte do fato de esse
Estado não ter vontade de proceder criminalmente ou da sua incapacidade
real para o fazer;
c) A pessoa em causa tiver sido julgada pela conduta a que se refere a
denúncia, e não puder ser julgada pelo Tribunal em virtude do disposto no
parágrafo 3
o
do artigo 20;
d) O caso o for suficientemente grave para justificar a ulterior intervenção
do Tribunal.
2. A fim de determinar se há ou não vontade de agir num determinado caso,
o Tribunal, tendo em consideração as garantias de um processo eqüitativo
reconhecidas pelo direito internacional, verificará a existência de uma ou
mais das seguintes circunstâncias:
a) O processo ter sido instaurado ou estar pendente ou a decisão ter sido
proferida no Estado com o propósito de subtrair a pessoa em causa à sua
responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal, nos
termos do disposto no artigo 5
o
;
b) Ter havido demora injustificada no processamento, a qual, dadas as
circunstâncias, se mostra incompatível com a intenção de fazer responder a
pessoa em causa perante a justiça;
c) O processo não ter sido ou não estar sendo conduzido de maneira
independente ou imparcial, e ter estado ou estar sendo conduzido de uma
maneira que, dadas as circunstâncias, seja incompatível com a intenção de
levar a pessoa em causa perante a justiça;
3. A fim de determinar se incapacidade de agir num determinado caso, o
Tribunal verificará se o Estado, por colapso total ou substancial da
respectiva administração da justiça ou por indisponibilidade desta, não estará
em condições de fazer comparecer o acusado, de reunir os meios de prova e
depoimentos necessários ou não estará, por outros motivos, em condições de
concluir o processo.
168
Com base na análise dos artigos e 17, concluímos que o Tribunal Penal
Internacional somente vai exercer a sua jurisdição, no momento em que as Nações
signatárias deixarem de observar os critérios acima estabelecidos. Dessa forma, o
aludido Tribunal tem competência complementar
391
.
Assim sendo, o Tribunal Penal Internacional responsabiliza os indivíduos,
não os Estados e somente atuará no momento em que verificar a ausência da
disposição de punir, ou mesmo, pela incapacidade de uma nação em garantir eficácias
ao seu próprio ordenamento jurídico.
Aparentemente, do ponto de vista teórico, a questão parece simples,
contudo, ao realizarmos o estudo das condutas praticadas por organizações criminosas
transnacionais, ou seja, àquelas cuja execução ou mesmo o resultado ocorreu em mais
de uma nação soberana, podem surgir dúvidas quanto à aplicação do Direito Penal,
conforme a opinião de Marco Antonio Marques da Silva:
Diante destes fatos, surge a questão sobre a abrangência do direito penal
num sistema internacional, em especial no âmbito econômico, quando se
confrontam de um lado aqueles que pretendem manter a expansão da
dogmática jurídico-penal, atingindo fatos internacionais, e os que
propugnam a redução dos efeitos do direito penal a um mínimo
392
.
391
Segundo Denise Caldas Figueira: “O Estatuto define rigorosamente a competência do TPI. Este Tribunal foi
instituído com base no princípio da complementariedade, o que significa que pode exercer a sua jurisdição
quando um tribunal nacional não puder ou não estiver de fato – disposto a fazê-lo. Este princípio determina
sejam submetidos a julgamento perante o Tribunal Penal Internacional os casos em que o tribunal nacional
afastou sua jurisdição ou o julgamento não obedeceu aos princípios de independência e imparcialidade”. (O
Tribunal Penal Internacional: avanços e retrocessos para o estabelecimento de uma jurisdição Penal
Internacional, p. 636).
392
Ibid., p. 419.
169
O mencionado autor destaca, nesse ponto o caráter expansionista do Direito
Penal, de forma que determinadas práticas delituosas devem passar a ser de
preocupação internacional:
O caráter expansionista do Direito Penal é apontada por Winfried Hassemer,
que apresenta três características, referentes à parte especial: a primeira
como sendo a proteção a bens jurídicos universais e não individuais; a
segunda, recurso à técnica do perigo abstrato, que ampliam enormemente o
âmbito de aplicação do direito penal e, uma terceira, a estas características
conduzem à construção de delitos sem vítimas ou de vítimas difusas, não se
exigindo um dolo
393
.
É imperioso ressaltar que a matéria ainda é bastante duvidosa na doutrina,
principalmente, quando se trata de “flexibilização” de soberania, desse modo, um
grande choque de interesses entre Estados soberanos.
Para melhor elucidação do ora visto, podemos citar como exemplo, a
grande dificuldade que envolve o julgamento dos grupos criminosos conhecidos como
“piratas somalis”. Tal organização criminosa, formada preponderantemente por ex-
combatentes das Forças Armadas da Somália, atua no sequestro em alto mar, de
tripulantes de navios de transporte de mercadorias de grande valor. Para efetuarem a
liberação da tripulação e das mercadorias exigem milhões de dólares americanos,
segundo trecho, in verbis, da reportagem publicada pelo Jornal Folha de São Paulo:
Na falta de alternativa melhor, alguns dos piratas responsáveis por 61
ataques no golfo de Áden e no mar Vermelho entre janeiro e março deste
ano voltaram à liberdade. Convenção da ONU de 1982 permite que o país
dono da bandeira do navio atacado julgue o pirata capturado segundo suas
leis. Entretanto, não a legislação sobre pirataria marítima costuma ser
muito antiga, como poucos países queremos piratas em seu território. O
somali Abduwali Muse está sendo julgado em Nova York pelo sequestro, em
abril, de uma embarcação americana. A primeira audiência apontou alguns
dos desafios do caso: o réu não fala inglês, sua idade é incerta (embora tenha
393
Ibid., p. 419–420.
170
sido denunciado como adulto), e será julgado conforme lei que está sem uso
há mais de um século
394
.
A globalização pode ser um ponto de interseção entre diversas nações, mas
jamais devemos desprezar os costumes, as tradições e a própria cultura jurídica de
cada País. Dessa forma, a adoção de um ordenamento penal único para tratar de crimes
transnacionais
395
, ainda é uma matéria bastante prematura, tendo em vista o atual
estágio de evolução da sociedade mundial.
A criação de uma Justiça Penal Internacional, ou mesmo de um Código
Penal Internacional para julgamento de crimes graves, somente terá eficácia, no plano
material e processual, a partir do momento em que garantias consagradas, desde a
época das correntes iluministas que influenciaram a Declaração Francesa dos Direitos
do Homem e do Cidadão de 1889, no que diz respeito à dignidade da pessoa humana,
sejam observadas pelos estatutos internacionais, como uma forma de assegurar um
direito penal humanitário.
É imperioso observar, nessa oportunidade, o cenário europeu, conforme
destacado na obra de Marques da Silva:
Na União Européia, existe uma integração econômica e política que
aproxima os Estados membros. A integração econômica supõe políticas
comuns, mas não se consegue um acordo com relação à política criminal e
muito menos com a uniformização das leis penais
396
.
394
Países enfrentam impasses para julgar piratas somalis. Folha de São Paulo, Paula Adamo Idoeta. 10, de
maio de 2009, Caderno Mundo. (Acesso em: www1.folha.uol.com.br/folha/.../ult94u563312.shtml, consulta
realizada em 19/06/2009).
395
Luiz Luisi destaca em sua obra que a tentativa de criar uma codificação internacional é uma aspiração
antiga: “Todavia em 1924 foi criada a Associação Internacional de Direito Penal (AIDP) que em seus
Estatutos dispôs, como uma de suas finalidades ‘favorecer o desenvolvimento teórico e prático do Direito
Penal Internacional visando a elaboração de um direito penal internacional e a harmonização das regras de
procedimento criminal’. A partir de então numerosas foram as propostas, levando Vespasiano Pella, um dos
juristas mais empenhados no assunto a escrever em 1928, que a proposta da criação de um Código Penal
Internacional se constituía em uma manifestação concreta de um poderoso desideratum da consciência
jurídica contemporânea”.
396
Ibid., p. 423.
171
Torna-se de fundamental importância, a incorporação nos ordenamentos
jurídicos de Tratados e Convenções, acordos bilaterais
397
e, principalmente,
cooperação internacional, entre as diversas Nações.
5.1.3 – Princípio da Complementariedade
A Conferência de Roma disciplinou que o Tribunal Penal Internacional terá
caráter complementar frente às jurisdições nacionais. Assim, aquele Tribunal somente
destina-se a intervir nas situações em que os Estados signatários deixarem de atender
os mandamentos consagrados, frente à total inoperância do sistema persecutório, ou
mesmo, por falta de vontade política.
Nesse momento é importante concluirmos que o julgamento pelo Tribunal
Penal Internacional jamais atenderá a um critério discricionário ou político dos
Estados-membros e dos respectivos órgãos componentes, mas sim, a um critério pré-
estabelecido de princípios e normas complementares e garantidoras aos direitos
fundamentais do indivíduo.
5.2 – Validade e Aplicação
Os dois vocábulos ora apresentados ligam-se à idéia de efetiva vigência no
ordenamento jurídico, bem como à sua recepção pela Constituição Federal de 1988.
397
A realização de acordos bilaterais torna-se uma das soluções viáveis para solucionar o problema de
julgamentos de integrantes de organizações criminosas transnacionais, como o acordo celebrado pelos países
que foram vítimas destes grupos, conforme trecho de reportagem a seguir transcrita: “Na tentativa de
minimizar os dilemas que envolvem os piratas somalis capturados em alto-mar, EUA, União Européia e
Reino Unido assinaram, em março, acordos bilaterais com o Quênia, vizinho à Somália, dando ao país
africano competência para julgar os casos”.(Folha de São Paulo, 10/05/2009, Seção: Mundo. Acesso em:
www1.folha.uol.com.br/folha/.../ult94u563312.shtml, consulta realizada em 19/06/2009).
172
Com relação ao específico, é importante tentar responder duas importantes
indagações:
a) As normas e os princípios do Direito Internacional fazem parte
integrante do Direito Pátrio?
b) Os tratados e convenções internacionais vigoram na ordem
interna sem necessidade de qualquer ato do ordenamento jurídico
brasileiro?
Para a solução da primeira indagação, faz-se necessário recorrer à doutrina
constitucional, uma vez que se tratarmos de normas ligadas aos direitos e garantias
fundamentais, como por exemplo, a dignidade humana, a vida, a liberdade, a
intimidade, a validade e aplicação é de caráter imediato.
Quanto à aplicação de normas e princípios, José Joaquim Gomes Canotilho
disciplina que:
A diferenciação de self-executing e non self executing é muitas vezes,
identificada com o problema da necessidade ou não de “normas de
conversão” do direito internacional em direito interno. Outras vezes, como
se verifica nos casos tipificados, o problema relaciona-se com a própria
estrutura da norma de direito internacional.
(...)
a) Aplicabilidade imediata e vigência imediata
Uma norma internacional vale na ordem jurídica interna (tem validade)
quando ela se considera incorporada num determinado sistema jurídico
interno. E vale imediatamente quando não necessita de sistema de
transformação (incorporação) no plano interno, ou seja, não carece de um
acto que lhe dê força e valor de norma jurídica.
(...)
Consequentemente, uma norma de direito internacional directamente
aplicável será aquela que, vigorando na ordem interna, pode servir como
norma de decisão num caso concreto.
b) Aplicabilidade directa e auto-execução
Embora os conceitos aplicabilidade directa e auto-execução surjam, muitas
vezes, como sinônimos, eles transportam teleologias diferentes. Assim:
173
(1) Norma internacional de aplicabilidade directa é aquela que vincula os
aplicadores do direito a um dever de aplicação dessa norma, sem garantia de
qualquer direito subjectivo aos particulares;
(2) Norma internacional auto-executiva é aquela que permite aos
particulares reivindicar, com base nela, uma determinada pretensão
subjectiva.
Neste sentido, seriam as normas internacionais auto-executivas que
corresponderiam ao sentido constitucional de aplicabilidade directa das
normas garantidoras de direitos e liberdades e garantias
398
.
No que se refere à validade dos tratados e convenções celebrados pela
Nação brasileira, em matéria de cooperação internacional, em especial com relação à
Convenção de Palermo, manifestou-se a Corte Superior quando cita o “princípio da
efetividade” do poder jurisdicional no combate ao crime organizado transnacional, na
Carta Rogatória 438, representada pelo Governo da Bélgica, in verbis, relatado pelo
Ministro Luiz Fux:
A Lei 9.613/98 (Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro), em seu art. e
parágrafo 1°, assinala a necessidade de ampla cooperação com as
autoridades estrangeiras, expressamente permite a apreensão ou seqüestro de
bens, direitos ou valores oriundos de crimes antecedentes de lavagem de
dinheiro, cometidos no estrangeiro. 7. Destarte, a Lei Complementar
105/2001, por sua vez, em seu art. 1°, parágrafo 4°, dispõe que as
instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e
passivas e serviços prestados, sendo que a quebra de sigilo poderá ser
decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito,
em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos
seguintes crimes: (...) VIII – lavagem de dinheiro ou ocultação de bens,
direitos e valores; IX praticado por organização criminosa. 8. Deveras, a
Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional
(Decreto 5.015/2004) também inclui a cooperação judiciária para "efetuar
buscas, apreensões e embargos", "fornecer informações, elementos de prova
e pareceres de peritos", "fornecer originais ou cópias certificadas de
documentos e processos pertinentes, incluindo documentos administrativos,
bancários, financeiros ou comerciais e documentos de empresas",
"identificar ou localizar os produtos do crime, bens, instrumentos ou outros
elementos para fins probatórios", "prestar qualquer outro tipo de assistência
compatível com o direito interno do Estado Parte requerido" (art. 18,
parágrafo 3, letras a até i). Parágrafo 8 do art. 18 da Convenção ressalta que:
"Os Estados Partes não poderão invocar o sigilo bancário para recusar a
cooperação judiciária prevista no presente Artigo". 9. In casu, A célula de
tratamento das informações financeiras (CETIF) denunciou no dia 16 de
398
Métodos de Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias, p. 139-140.
174
Julho 2002 ao Escritório do Procurador Geral em Bruxelas a existência de
índices sérios de branqueamento de capitais (...) entre as pessoas envolvidas
no presente processo. 10. Princípio da efetividade do Poder jurisdicional no
novo cenário de cooperação internacional no combate ao crime organizado
transnacional
399
.
Na exposição do tema, o Supremo Tribunal Federal vai além daquela
decisão. A Corte Suprema disciplina que em matéria de cooperação internacional, para
a satisfação do pleito, basta que haja o pedido feito pela Justiça do País rogante. Nos
termos da decisão do Tribunal Pleno, exposta, in verbis, de lavra do Ministro Marco
Aurélio:
CARTA ROGATÓRIA - COLABORAÇÃO - INEXISTÊNCIA DE
TRATADO. A inexistência de tratado entre o país no qual situada a Justiça
rogante e o Brasil não obstaculiza o cumprimento de carta rogatória,
implementando-se atos a partir do critério da cooperação internacional no
combate ao crime. CARTA ROGATÓRIA - OBJETO - DADOS DE
PROCESSOS EM CURSO NO BRASIL E COLETA DE DEPOIMENTOS.
O levantamento de dados constantes de processos em andamento no Brasil
não implica a quebra do sigilo assegurado pela Carta da República, ante a
publicidade que os reveste. No tocante à coleta de depoimentos, descabe
examinar o envolvimento, ou não, no processo em curso no estrangeiro,
daqueles que devem ser ouvidos, sob pena de mesclagem de jurisdições
400
.
Com base na decisão da Suprema Corte, podemos concluir que devemos,
antes de tudo, respeitados os princípios da soberania e dignidade da pessoa humana,
ampliar o conceito de colaboração, evitando que criminosos deixem de ser punidos,
devido á ausência de instrumentos e mecanismos pré-estabelecidos no ordenamento
jurídico de uma Nação, de forma a permitir somente a Justiça da decisão.
399
Superior Tribunal de Justiça, CR 438/BE, Corte Especial, Relator Ministro Luiz Fux, j. 15.08.2007, publ.
DJU 24.09.2007, p. 224.
400
Tribunal Pleno, CR 9854/UK, Relator Ministro Marco Aurélio, j. 28.05.2003, publ., D.J. 27.06.2003, p.
00029.
175
Não podemos deixar de mencionar ao final deste estudo que, antes de
convenções, tratados e acordos multi ou bilaterais entre Países, devemos sempre ter em
mente a matéria da cooperação internacional.
A cooperação internacional consagrada por diversos diplomas em
vigência pelo ordenamento jurídico brasileiro, como por exemplo, a Lei de Drogas, a
Lei de Lavagem de Dinheiro, a Lei dos Crimes Ambientais, a Convenção de Viena,
entre outros, possibilita a efetiva resposta ao combate à criminalidade organizada.
As investigações sobre a criminalidade organizada, cuja prática é envolvida
por um notório dinamismo, não permitem que sejam utilizados os mecanismos
tradicionais previstos no Código de Processo Penal, tais como a Carta Rogatória; pelo
contrário, demandam uma atuação direta e imediata dos órgãos de repressão, como
também do Ministério Público e do Poder Judiciário.
Dessa forma, podemos concluir que o intercâmbio de informações entre os
diversos órgãos de repressão à criminalidade organizada, seja a título de informações
de inteligência, ou mesmo, de empréstimo de provas, como também objetivando a
atuação conjunta entre os órgãos de repressão e, principalmente, a efetiva aplicação
dos acordos internacionais, permitirá um grande avanço no combate à criminalidade
organizada.
176
CONCLUSÃO
Toda coletividade, por mais rudimentar que sejam suas condições de vida e
sobrevivência, preocupa-se com condutas que perturbam a paz e a ordem social.
Assim, desde o Direito Penal indígena, notamos um maior rigor em atentados
praticados em grupo contra a coletividade, pela maior capacidade de causar danos ao
homem.
A legislação brasileira, desde o Código Criminal do Império de 1830,
contemplou a figura dos crimes praticados em concurso necessário. Posteriormente, os
demais Códigos, de 1890 e 1940, como também a Consolidação e Projetos de
alteração da Lei Penal, também dispuseram sobre a aludida conduta de perigo abstrato.
Posteriormente, leis especiais foram agregadas ao ordenamento jurídico penal,
dispondo sobre condutas típicas específicas quando praticadas por pelo menos mais de
um agente, onde o perigo ao bem jurídico tutelado é presumido, permitindo, assim,
grande dificuldade de interpretação e aplicação daqueles tipos penais pelos órgãos de
repressão.
Atualmente, o Código Penal vigente contempla a figura da Quadrilha ou
bando” (art. 288 CP), com apenas uma causa de aumento de pena, ou seja, na hipótese
do “grupo armado”. Por outro lado, igualmente dispõe, em alguns outros dispositivos
específicos, sobre outras majorantes, quando o delito for praticado por mais de um
agente, ainda de forma tímida e abstrata.
Por conseguinte, com a vigência da Lei 9.034/1995, que regulamentou os
meios de prova e procedimentos investigatórios, alterada pela Lei 10.217/2001, que
acabou por diferenciar o crime de quadrilha ou bando da figura não definida de
organização criminosa e associação de qualquer tipo, surgiram diversas controvérsias
no mundo jurídico, sendo que algumas delas persistem até hoje.
177
Com a recepção da Convenção de Palermo, pelo Decreto 5.015/2004, houve
uma considerável inovação no ordenamento jurídico, no que diz respeito aos crimes
praticados por organização criminosa transnacional, uma vez que, finalmente o sistema
jurídico brasileiro adotava um conceito para o referido grupo. Contudo, mesmo com a
vigência do referido instrumento internacional, ainda dúvidas sobre a sua eficácia e
âmbito de aplicação, tendo em vista que a ausência de um conceito para crime
organizado, ou mesmo, a ausência de uma definição típica para a referida figura,
atingiria alguns princípios consagrados pela Constituição Federal de 1988, como o da
legalidade e taxatividade.
O cenário contemporâneo demonstra que o Brasil não é mais um País
apenas de passagem para as organizações criminosas transnacionais. Por outro lado,
temos nossas próprias organizações, como o “PCC” e o “CV”, que o na realidade
“associações” em constante crescimento e profissionalismo, genuinamente brasileiras.
Atualmente, diante da precária política de repressão a esses grupos, percebemos que
“eles” ocupam espaços em que o Estado mostra-se inoperante, ou mesmo ausente, seja
no campo Penal, Penitenciário, Processual Penal, Político e Social.
A criação de um tipo penal que contemple a figura da organização
criminosa, nos termos, por exemplo, do conceito adotado pela Convenção de Palermo,
Projetos de Lei em andamento, ou mesmo, com base no Direito Comparado, pecaria
pela dificuldade de tipificação da conduta criminosa, tendo em vista o dinamismo e a
dificuldade de um conceito hermético do tema estudado, podendo engessar a própria
classificação típica.
Sugere-se, assim, juntamente com a necessária reforma do digo Penal, a
inserção de causas de aumento específicas, disciplinadas na Parte Geral do próprio
Código, como uma forma qualificada de “concurso de pessoas”, em que seja
disciplinado, naquele “grupo” associado, de forma estável e permanente, as principais
características da criminalidade organizada, como por exemplo, o número elevado de
agentes, a corrupção, a violência, a participação de agentes públicos, a vantagem
178
material e econômica, a transnacionalidade, entre outras a serem expressamente
previstas. Isso deverá ocorrer para que o aplicador da lei possa, com os elementos
fáticos apresentados, classificar a conduta estudada, conforme as características
“legais” pertinentes a cada caso concreto.
Concluímos, portanto, que o Direito Penal não pode ser utilizado como
instrumento de salvaguarda de questões políticas e apelos sociais. A mera aprovação
dos Projetos de Lei, atualmente em andamento nas respectivas Casas Legislativas,
seria novamente, um grande retrocesso; apenas uma resposta inócua à sociedade,
amparada no Direito Penal de emergência, contrária aos princípios da legalidade e,
principalmente, da dignidade da pessoa humana.
179
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Mario Puzzo e Francis Ford Coppola: Paramount Pictures, 1972. 175 min. DVD.
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