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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
OSVALDO JOSÉ SOBRAL
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE SEXUALIDADE
DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL E
DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
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Goiânia
2008
OSVALDO JOSÉ SOBRAL
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE SEXUALIDADE
DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL E
DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em
Educação da Universidade Federal de Goiás, para
obtenção do título de Mestre em Educação.
Área de concentração: Formação e Profissionalização
Docente.
Orientador: Prof. Dr. Marcos Corrêa da Silva Loureiro.
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Goiânia
2008
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(GPT/BC/UFG)
Sobral, Osvaldo José.
S677r Representações sociais de sexualidade dos professores
da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental
[manuscrito] / Osvaldo José Sobral. – 2008.
130f. : il., figs., tabs.
Orientador: Prof. Dr. Marcos Corrêa da Silva Loureiro.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás,
Faculdade de Educação, 2008.
Bibliografia: f.114-120.
Inclui listas de ilustrações e de abreviaturas e siglas.
Apêndices e anexos.
1. Educação sexual – Ensino fundamental 2. Educação
sexual – Formação de professores 3. Identidade sexual na
educação 4. Sexualidade humana I. Loureiro, Marcos Corrêa da
Silva II. Universidade Federal de Goiás, Faculdade de
Educação III. Título.
CDU: 37.015.3:613.88
A meu pai, Edson Sobral
que partiu no início deste projeto –, que
tanto me amou e me ensinou, desde a
infância, a fundamental noção de
honestidade e decência. À minha querida
amiga Leila Amaral que partiu durante
este projeto que possuía uma alma
liberta e desprovida de preconceitos, e
compartilhou comigo sua alegria de viver,
seu prazer pela literatura e pelo cinema,
além do seu peculiar senso de humor. E,
a Paulo Jr. que partiu no final deste
projeto –, que me ensinou uma nova
forma de amar e compartilhou comigo os
melhores sete anos da minha vida, os
quais me possibilitaram ser uma pessoa
melhor.
AGRADECIMENTOS
Ao meu querido professor e orientador Marcos Loureiro, por
compartilhar comigo seu conhecimento e sabedoria durante a disciplina
Representações Sociais e Educação, e por me oferecer, desde a banca de
seleção, a atenção e o cuidado que eu precisei nesta trajetória, que devido à sua
orientação se constituiu uma experiência prazerosa de aprendizado e
desenvolvimento como estudante, pesquisador, professor e pessoa.
À minha querida professora Orlinda Melo, por sua atenção, carinho e
dedicação desde a banca de seleção e durante a disciplina Linguagem e
Educação: Bakhtin, que me estimularam a ousar na busca pelo diálogo e
intertextualidade entre os autores pesquisados, os sujeitos da pesquisa e eu. E,
ainda, pelas orientações fundamentais dadas na banca de qualificação e a honra
por aceitar participar da banca de defesa deste trabalho, que graças à sua
influência se tornou muito mais desafiador de se realizar.
À minha querida professora Dulce de Almeida, por sua calorosa
recepção na banca de seleção me fez sentir totalmente incluído neste programa e
pela oportunidade oferecida durante a disciplina Educação e Diversidade II de
participar do I Encontro Nacional de Pesquisadores em Educação Especial e
Inclusiva dos Programas de Pós-Graduação das IFES e ter publicado, juntamente
com seu nome, meu primeiro artigo sobre esta temática, em uma revista de
relevância. E, também, pelas orientações preciosas oferecidas na banca de
qualificação e a honra por aceitar participar da banca de defesa deste trabalho,
que devido a sua participação se tornou muito mais agradável de se realizar.
À minha querida mãe Maria José, que tem me dado a vida 40 anos,
por acreditar em minha capacidade de busca e superação, e ter demonstrado seu
amor incondicional e razões para que eu prossiga minha vida em paz e motivado.
Ao meu querido irmão, Francisco José, por cuidar de mim, desde
sempre, demonstrando seu amor em pequenos gestos domésticos e cotidianos, e
por se orgulhar de mim e ter se tornado um grande companheiro de jornada,
mesmo eu não sendo, exatamente, a pessoa que ele idealizou como o tão
esperado último irmão.
Às minhas queridas irmãs, cunhados, sobrinhas e sobrinhos, por me
amarem e torcerem pelo meu sucesso pessoal, acadêmico e profissional, além do
respeito que tem por mim e da solidariedade demonstrada nos últimos tempos.
À minha querida amiga Levy, por ter me incentivado sempre em
relação à minha formação intelectual, especialmente, neste projeto, e pelo bem
querer que compartilhamos há mais de duas décadas.
À minha querida amiga Silvana Levy, por seu olhar de artista, pela
lucidez e coerência que tanto me estimulam, além do carinho, respeito e
admiração mútuos.
À minha querida amiga Denise Deus, pela atenção e generosidade que
você dedica a todos os seus amigos e, especialmente, a mim nos últimos tempos,
além de compartilhar o prazer pelo cinema.
À minha querida amiga Rosana Moura, por seu carinho, gentileza e
compreensão, além de ser um modelo de intelectual, estudiosa e pesquisadora, a
ser seguido.
Ao meu querido amigo Alex Carvalho, pelo carinho e disponibilidade
para ajudar, sempre, no que for preciso.
À minha querida amiga Valéria Raquel por ter contribuído, dez anos
atrás, com meus primeiros escritos sobre a temática deste trabalho, e por ter
estado, ultimamente, com sua casa, coração, ouvidos e ombros abertos para me
confortar.
À minha querida amiga, e mãe substituta, Júlia Leão por cuidar de mim,
nos bons e nos maus momentos, e compartilhar comigo sua família, sua casa e
sua vida pessoal e profissional.
À minha querida amiga Elza Macedo pela amizade, representada por
muito carinho, idéias e outros prazeres.
À Luciana Hayashi pela acolhida e por estar me ajudando a seguir
adiante com mais lucidez e saúde.
A todos os familiares e outras pessoas que de alguma forma, seja pela
amizade, convivência acadêmica e/ou profissional, participam da minha história e
contribuíram para a realização deste projeto.
À direção da UEG – UnU/Inhumas, Profª Anália Cássia (diretora) e Prof.
Cleumar Moreira (vice-diretor), pela autorização para a realização desta pesquisa
e pela demonstração de solidariedade a mim dispensada neste final de projeto.
Aos meus queridos colegas, coordenadores, professores e pessoal
técnico-administrativo, pela simpatia e apoio cotidiano, além do interesse pelo
meu trabalho.
À colega e amiga Kátia Paiva, em especial, pelo interesse e boa
vontade em fazer a correção do abstract.
E, às minhas queridas alunas, por terem, muito gentilmente, se
disponibilizado a participar desta pesquisa.
Ser tolerante, a meu ver, não é agir, pensar e
falar conforme ordena a essência da tolerância,
ou a “essência” da idéia de tolerância ou o
conceito de tolerância. É agir, pensar e falar de
modo a evitar os exemplos de intolerância que
conhecemos: intolerância racial, sexual, étnica,
estética, religiosa, política, social etc. Assim, creio
eu, aprendemos a reconhecer o que é tolerância
e intolerância, e não lançando mão de critérios ou
regras de correspondência que permitam, em
qualquer tempo e lugar, aplicar corretamente tais
conceitos, independentemente do uso que se faz
deles. (COSTA, 2002, p. 74, grifado no original).
RESUMO
SOBRAL, Osvaldo José. Representações Sociais de Sexualidade dos
Professores da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental. Dissertação (Mestrado em Educação) Goiânia: Faculdade de
Educação, Universidade Federal de Goiás, 2008. 130f.
A sexualidade humana, historicamente, tem se constituído como campo de muitas
tenes, fazendo sobressaltar discórdias e sofrimentos em detrimento do que deveria ser sua razão de
existir: o prazer e a harmonia. Ao longo dos séculos as creas, as leis, os mitos e os valores de cada
sociedade têm imposto normas de comportamento, proibões e punições para quem ousou não seguir
as determinões de sua cultura. Neste trabalho, na qualidade de elemento importante do
desenvolvimento da sexualidade das criaas, as Representações Sociais dos professores da
educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental serão investigadas. O projeto, que es
inserido na linha de pesquisa “formação e profissionalizão docente”, foi desenvolvido por intermédio
de pesquisa bibliográfica que implicou na leitura e análise dos documentos oficiais do Minisrio da
Educação, e no estudo de bibliografia específica, como os autores, Marx, Bakhtin, Foucault, Chauí,
Moscovici, Madeira, Loureiro, dentre outros –, e empírica, com o levantamento de dados por meio de
questionários, com queses fechadas e abertas, e entrevistas com os professores, relativos às
histórias pessoais, acadêmicas e experncias diárias em sala de aula, tais como: caractesticas
sociais, formação moral religiosa, conceitos e preconceitos em relação à sexualidade, opines a
respeito da educação sexual” e seus papéis de “orientadores sexuais” na escola, dentre outras. A
investigação que se iniciou a partir da leitura da bibliográfica espefica, seguida da pesquisa emrica,
pretendeu realizar uma análise qualitativa dos dados, partindo da premissa de que uma
complementaridade necessária, entre os dois tipos de análise. Os objetivos deste trabalho foram:
compreender as representações sociais de sexualidade dos professores, a partir de suas posturas
pedagógicas frente a temas relacionados à sexualidade; perceber as contribuições dadas pelos cursos
de formação de professores na construção das suas representações sociais da sexualidade; contribuir
para a ampliação da área do conhecimento das Ciências Humanas, numa perspectiva de constrão
transdiciplinar; e constatar qual a necessidade de uma formação profissional continuada para o
educador, no tocante à educação sexual na escola. Portanto, no intuito de compreender tais
Representações Sociais, buscou-se analisar os discursos dos sujeitos investigados, por acreditar-se
que as suas vozes revelam, sobremaneira, as Representações Sociais dos grupos (ou categorias) aos
quais eles pertencem. Para tanto, foi necessário realizar um recorte histórico, numa perspectiva
histórica e cultural, no qual foram discutidos: a construção social do nero, a invenção” da
heterossexualidade, o homoerotismo, e, a prostituição, a promiscuidade e outras condutas sexuais; a
relação entre prazer e poder; e a constituição histórica das vozes produzidas pelas Representações
Sociais. Finalmente, constatou-se que: a sexualidade humana é multideterminada e de manifestão
plural; a formação inicial do professor não o prepara suficientemente para lidar com a educão sexual
na escola, o que já indica a necessidade de uma formação continuada; e que as Representações
Sociais de Sexualidade demonstraram discursos que intencionam ser respeitosos à pluralidade das
orientações sexuais e à liberdade sexual em geral, porém, em uma análise mais detida se revelam
conservadores e mantenedores do status quo, e por isso, contraditórios.
Palavras-chave: Sexualidade - Diversidade - Representações Sociais - Formação de Professores
- Educação - Discurso.
ABSTRACT
SOBRAL, Osvaldo José. Social Representations of Sexuality from Teachers
of “Kindergarten” and of Initial Years of Fundamental Teaching.
Dissertation (Master's degree in Education) - Goiânia: Federal University of
Goiás, 2008. 130f.
Human sexuality has been historically, subject of many tensions, causing suffering and
disagreement in opposite to what should be the reasons of its existence should be: pleasure and
harmony. Over centuries the ideas, laws, myths and values of every society have imposed norms
of behavior, prohibitions and punishment to those who dared not follow impositions of their culture.
In this inquiry, in the quality of an important element of children sexuality development, the Social
Representations of “kindergarten” teachers and of initial years of fundamental teaching will be
investigated. The project, that is in the field of “Teacher’s Education and Professionalization”
research, was developed by means of bibliographic research which involved reading and
analysis of MEC’s (Education Ministry) official documents and study of specific bibliography of
authors such as, Marx, Bakhtin, Foucault, Chauí, Moscovici, Madeira, Loureiro, and others, and
empirical research with data captured from questionnaires, with closed and opened questions, and
from interviews with the teachers, which investigated their personal biography, academic and every
day experiences in class-rooms, such as: social characteristics, moral formation, religious
concepts and prejudices about sexuality, opinions about “sexual education” and their role at
school, of “guides for sexual development” and so on. The investigation began with the specific
bibliography reading followed by the empirical research, which intended to perform a qualitative
analysis, based on the premise that both bibliographic and empirical studies complement one
another. The objectives this work were: to comprehend the Social Representations of sexuality,
taking for granted their pedagogical postures toward themes related to sexuality; to perceive the
contribution that courses on teacher’s education give to construction of their Social
Representations of sexuality; to contribute to the enlargement of the area of knowledge of the
Humans Science knowledge area, from a transdiciplinar construction perspective; and to perceive
if there is the need of a continuous professional growth to the educationalist, in concern to sexual
education in school. Hence, with the purpose of understanding such Social Representations an
analysis of the investigated people’s speeches was intended, because one believes that their
voices reveal greatly the Social Representations of the groups to which they belong. So it was
necessary to perform a cutting-out, from a historical and cultural perspective, of which it was
discussed: social construction of the gender, “invention” of heterosexuality, homoerotism,
prostitution, promiscuity and others sexual behavior. It was also necessary to analyze, from a
critical view of the speech, the relation between power and pleasure, to understand how the Social
Representations expressed in those voices were historically constituted. Finally, it was verified
that: the human sexuality is multi determinated and of plural manifestation; the initial majoring of
teachers does not prepare them sufficiently to deal with sexual education in school, which already
indicates the necessity of a continuous education. Furthermore, the Social Representations of
sexuality of the group researched demonstrates a speech that intends to be respectful to the
plurality of the sexual orientations and to sexual liberty in general, but, in a more deepened
analysis, it, still, shows to be conservative and, for that reason, contradictory.
Key words: Sexuality - Diversity - Social Representations - Teacher’s Education - Education -
Speech.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 – Gráfico do Tempo de Atuação como Docente................................90
Ilustração 2 – Gráfico da Atuação nos Níveis Escolares.......................................91
Ilustração 3 – Gráfico da Formação Anterior.........................................................91
Ilustração 4 – Gráfico da Faixa Etária....................................................................92
Ilustração 5 – Gráfico da Definição dos Estados Civis..........................................92
Ilustração 6 – Quadro das respostas da questão 6: Você recebeu informações
sobre sexualidade? De quem?.......................................................93
Ilustração 7 – Quadro das respostas da questão 7: Com quem é mais fácil
conversar sobre sexo?....................................................................93
Ilustração 8 – Gráfico das Religiões Freqüentadas...............................................94
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
a.C. antes de Cristo
AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
(Acquired Immunodeficiency Syndrome)
AMA Associação Médica Americana (American Medical Association)
CFP Conselho Federal de Psicologia
CID Código Internacional de Doenças
CEEB Conferência Estadual da Educação Básica de Goiás
CNS Conselho Nacional de Saúde
DSM-IV Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais
(Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders)
DST Doenças Sexualmente Transmissíveis
EB Educação Básica
EF Ensino Fundamental
EI Educação Infantil
ES Educação Sexual
FE Faculdade de Educação
GLTB Gays, Lésbicas, Transgêneros e Bissexuais
IES Instituição de Ensino Superior
MEC Ministério da Educação
MS Ministério da Saúde
OMS Organização Mundial de Saúde (World Health Organization)
OS Orientação Sexual
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PA Professoras-Acadêmicas
RS Representações Sociais
SEF Secretaria de Educação Fundamental
UnU/Inhumas Unidade Universitária de Inhumas
UCG Universidade Católica de Goiás
UEG Universidade Estadual de Goiás
UFG Universidade Federal de Goiás
LISTA DE APÊNDICES
Apêndice A – Termo de Consentimento..............................................................122
Apêndice B – Questionário..................................................................................125
Apêndice C – Roteiro da Entrevista Semi-Estruturada........................................128
LISTA DE ANEXOS
Anexo 1 – Resolução CFP nº 001/99...................................................................130
SUMÁRIO
RESUMO...............................................................................................................08
ABSTRACT............................................................................................................09
LISTA DE ILUSTRAÇÕES.....................................................................................10
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS.................................................................11
LISTA DE APÊNDICES.........................................................................................12
LISTA DE ANEXOS...............................................................................................13
APRESENTAÇÃO..................................................................................................16
INTRODUÇÃO.......................................................................................................20
CAPÍTULO 1 – SEXUALIDADE HUMANA: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA
E CULTURAL................................................................................31
1.1 A Construção Social do Gênero..................................................................36
1.2 A “Invenção” da Heterossexualidade..........................................................40
1.3 O Homoerotismo.........................................................................................43
1.4 Prostituição, Promiscuidade e Condutas Sexuais.......................................47
CAPÍTULO 2 – P R A Z E R E P O D E R : D I S C U R S O D O M I N A N T E E
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS....................................................55
2.1 O Homem: ser social, histórico e cultural....................................................56
2.2 A análise do Discurso e a teoria das Representações Sociais:
uma interlocução possível...........................................................................66
2.3 Discurso do Poder e Representações Sociais de Sexualidade..................71
CAPÍTULO 3 – FORMAÇÃO DE PROFESSORES, DIVERSIDADE HUMANA
E EDUCAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA..........................................76
CAPÍTULO 4 – REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE SEXUALIDADE E AS
VOZES DOS DISCURSOS QUE AS CONSTITUEM...................87
4.1 O Perfil das Professoras-Acadêmicas.........................................................90
4.2 A Análise dos Discursos Sobre a “Orientação Sexual”...............................96
4.3 Representações Sociais de Sexualidade dos Professores da Educação Infantil
e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental..................................106
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................110
REFERÊNCIAS....................................................................................................114
APÊNDICES........................................................................................................121
ANEXO.................................................................................................................129
APRESENTAÇÃO
“Entre o preto e o branco, existe o cinza.
E várias tonalidades de cinza...”
(Aguinaldo Silva)
O desejo de estudar a sexualidade humana teve início no ano de 1997,
quando participava de um grupo de estudos, formado por quatro colegas
psicólogas e eu, também, psicólogo. Na época, realizei apenas uma tímida
pesquisa bibliográfica, retomada em 2001, como tema da monografia A
Expressão da Diversidade Humana no Processo Educacional: uma reflexão sobre
a sexualidade relativa ao trabalho de conclusão do curso de Docência
Universitária, realizado na Universidade Católica de Goiás (UCG), minha
especialização e primeira investida oficial na área da Educação, cujas orientações
dadas pela Profª Ms. Teresa Cristina Barbo Siqueira (UCG), durante a orientação
do trabalho de conclusão do curso, entre os meses de setembro e novembro de
2001, foram fundamentais para este trabalho, em especial, no subtítulo 1.4 do
primeiro capítulo.
Seguiram-se a esses estudos, outras leituras e muitos filmes assistidos,
sobre a temática sexual. Até que, a partir do segundo semestre de 2002, por
ocasião de minha “estréia” como professor do ensino superior, na Universidade
Estadual de Goiás (UEG), emergiram as questões relacionadas à sexualidade,
especialmente a da criança, por intermédio, tanto dos estudos realizados a
teoria psicanalítica sobre o desenvolvimento psicossexual infantil, do
neuropsiquiatra, austríaco, Sigmund Freud (1856-1939) na preparação das
aulas das disciplinas relacionadas à Psicologia da Educação, dos cursos de
Pedagogia e Letras, quanto das dúvidas, inquietações e, mesmo, manifestações
de angústia por parte de minhas alunas (haja vista a presença maciça feminina,
com no máximo três, e na maioria das vezes, nenhum homem na turma),
professoras da Educação Infantil (EI) e do Ensino Fundamental (EF).
Além, disso, acreditava, e acredito, que um estudo mais detido e
verticalizado das diversas teorias que integram as Ciências da Educação e suas
respectivas fundamentações filosóficas propicia o crescimento de todos que
desejam exercer “o papel mediador do professor na dinâmica das interações
interpessoais e na interação [do aluno] com os objetos de conhecimento” (REGO,
2001, p. 115) acadêmico-científico.
São, pois, motivações desse estudo um novo desejo, e a necessidade
de ingressar em um curso de mestrado: um tema relevante para minha vivência
profissional e pessoal, e um problema de pesquisa que me instigasse a
curiosidade e a vontade de ler e investigar um assunto que pudesse oferecer
alguma contribuição para o desvelamento e compreensão, crítica da realidade
psicossocial e educacional.
Diante desse desafio, constatei que o Programa de s-Graduação em
Educação, da Faculdade de Educação (FE), da Universidade Federal de Goiás
(UFG), seria a melhor escolha, pois nele eu teria a possibilidade de efetivamente
contribuir, transdisciplinarmente, para o conhecimento científico.
Para tanto, no ano de 2005, requeri, na condição de “aluno especial”,
uma vaga na disciplina “Representações Sociais e Educação”. Fui aceito e cursei
a disciplina, que me ofereceu o embasamento teórico necessário para que eu
justificasse o tema que eu tanto desejava pesquisar. Sendo assim, em outubro de
2005, inscrevi-me para o processo seletivo, no qual, enfim, passei em todas as
etapas do mesmo, tornando-me aluno efetivo da 19ª turma do Mestrado em
Educação, da FE/UFG.
Durante o primeiro ano do curso, além do aproveitamento da disciplina
“Representações Sociais e Educação” ministrada pelo meu orientador neste
curso de mestrado, o Prof. Dr. Marcos Corrêa da Silva Loureiro, durante os meses
de março e junho de 2005 –, cursei outras três disciplinas: “Método Dialético em
Marx”, com as professoras Drª Anita Cristina Azevedo Resende e Profª Drª Marília
Gouvêa de Miranda, durante os meses de março e junho de 2006; “Linguagem e
Educação: Bakhtin”, ministrada pela Profª Drª Orlinda M. de Fátima Carrijo Melo e
“Educação e Diversidade II”, ministrada pela Profª Drª Dulce Barros de Almeida,
sendo ambas dos meses de agosto e novembro de 2006. Vale ressaltar que as
contribuições destes professores e suas disciplinas resultaram na ampliação do
meu conhecimento, bem como contribuíram, imensamente, para os referenciais
bibliográficos e em conceitos fulcrais para a consistência teórica da escrita desta
dissertação.
É preciso mencionar, também, que o projeto, por envolver uma
pesquisa empírica na qual foram aplicados questionários (vide apêndice B) e
entrevistas, teve que seguir os rigores da Resolução nº 196, de 1996, do
Conselho Nacional de Saúde (CNS), do Ministério da Saúde (MS), que aprova as
diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.
Assim, o projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética, da Pró-Reitoria
de Pós-Graduação da UCG sendo que, cada sujeito assinou um “termo de
consentimento” (vide apêndice A), do qual constam todos os esclarecimentos
acerca da pesquisa, da qual iriam participar.
Acredito que um estudo mais detido e verticalizado das Representações
Sociais (RS), da sexualidade humana, bem como da análise dos discursos que as
constituem, propiciará, ao meu desenvolvimento como educador, uma maior
compreensão da relação entre desenvolvimento humano e educação, mas,
principalmente, um entendimento do papel de mediador do conhecimento que
todo professor deve ter.
É preciso destacar, ainda, que em algumas passagens do texto
(dissertação) o discurso se apresenta com expressões que revelam concepções
oriundas das leituras e discussões acerca do Existencialismo e da
Fenomenologia, que compõem a fundamentação teórica e filosófica da Gestalt-
Terapia, na qual realizei minha primeira especialização. Tais estudos iniciaram-se
no ano de 1989 e duraram até o final do grupo de estudo, citado no início desta
apresentação, em 2000.
Não obstante, acredito que não existe verdade absoluta na ciência e
que nenhum método ou abordagem, teórica e/ou filosófica, consegue
compreender e explicar a realidade social, objetiva ou subjetiva. E, ainda, que o
caráter histórico de toda realidade humana e, portanto, cujo conhecimento é feito
a partir de sujeitos e objetos que se encontram em constante construção, acredito
que as idéias advindas de uma formação anterior podem ajudar a compor o
mosaico que, a despeito de seu intento de apresentar uma visão de totalidade,
não se finda nesta pesquisa, mas deixa aberta uma gestalt (possibilidade) de
nova incursão investigativa. Logo, mesmo não fazendo parte dessa nova
formação, elas podem ser entendidas como contribuições para o entendimento da
realidade.
Quanto à minha concepção de sexualidade humana, é preciso, antes
de qualquer tentativa de definição, remeter-me à sentença do teledramaturgo,
Aguinaldo Silva, epigrafada no início desta apresentação. Tal metáfora combina-
se, inteiramente, com minha percepção, que só fez aprimorar-se nesses dez anos
em que venho estudando a temática. Isto posto, acredito que na sexualidade está
presente uma das grandes manifestações da diversidade humana, tanto na
maneira de ser e de estar-no-mundo diversidade de comportamentos –, quanto
nas múltiplas formas de se relacionar com os outros e consigo mesmo e de
desejar aos outros e a si mesmo diversidade de relações independentemente
de gênero, idade, classe social, etnia, raça e doutrina, acompanhada, ou não, de
admiração, cumplicidade, fidelidade, respeito e responsabilidade, ou dito de outra
maneira, de amor.
INTRODUÇÃO
A capacidade de ver o tempo, de ler o tempo no espaço e,
simultaneamente, de perceber o preenchimento do espaço sob a forma
de um todo em formação, de um acontecimento, e não sob a forma de
uma tela de fundo imutável ou de um dado pronto. A capacidade de ler
em todas as coisas – seja na natureza ou nos costumes do homem e até
em suas idéias (em seus conceitos abstratos) –, os índices da marcha do
tempo. (BAKHTIN apud AMORIN, 2006, p. 112, grifado no original).
A sexualidade humana, historicamente, constituiu-se como campo de
muitas tensões, fazendo ressaltar sofrimentos e discórdias em detrimento do que
deveria ser sua razão de existir: o prazer
1
e a harmonia
2
. Ao longo dos milênios
“as crenças, as leis, os mitos e os valores de cada sociedade impuseram normas
de comportamento, proibições e punições para quem ousou não seguir as
determinações de sua cultura” (SOBRAL, 2006, p. 139).
1
“1. Causar prazer ou satisfação; agradar, aprazer, comprazer [...] 2. Sensação ou sentimento
agradável, harmonioso, que atende a uma inclinação vital; alegria, contentamento, [...] deleite
[...] 3. Disposição cortês, afável; agrado [...] 4. Distração, divertimento, diversão [...] 5. Gozo”
(FERREIRA, 1999, p. 1622).
2
“3. Acordo, conformidade. 4. paz”. (FERREIRA, 1999, p. 1028, grifado no original).
A sociedade “civilizada” organizou-se num processo histórico-dialético
que resultou na “construção social do gênero”
3
, que mediada, dentre outros
aspectos, pelas diferenças entre as estruturas biológicas de homem e mulher
determinou que as relações humanas fossem baseadas no domínio masculino,
pois no entendimento de Lins (2000, p. 26),
num determinado momento da história, os princípios masculino e
feminino se separaram. Na arte, na religião e na vida. O princípio fálico,
ideologia da supremacia do homem, condicionou o modo de viver da
humanidade.
Por sua vez essa dominação
4
proporcionou, também de forma mediada,
que as sociedades se estruturassem, no decorrer da história, sob o jugo da
exploração dos recursos naturais do planeta iniciando-se com a agricultura,
domesticação e criação de animais, até o extrativismo vegetal e mineral
depredatório –, do direito à propriedade privada, ao acúmulo de riqueza, à
herança, e, conseqüentemente, do patriarcado.
Portanto, cabe aqui destacar o conceito de patriarcado, que para Lins
(2000, p. 32) “é uma organização social baseada no poder do pai, e a descendência
e parentesco seguem a linha masculina. As mulheres são consideradas inferiores
aos homens e, por conseqüência, subordinadas à sua dominação”. E, esta forma
de organização dividiu a estrutura social em grupos controladores/controlados,
manipuladores/manipulados e superiores/ inferiores, porém “ao contrário do que
se pensa, essa divisão permitiu [...] a submissão de ambos os sexos, não das
mulheres” (LINS, 2000, p. 13). Ainda, de acordo com as afirmações de Lins (2000,
p. 32),
a ideologia patriarcal dividiu a humanidade em duas metades,
acarretando desastrosas conseqüências. É evidente que a maneira
como as relações entre homens e mulheres se estruturam dominação
3
“Margareth Mead, resolveu estudar essa questão na cada de 30. Seu livro: Sexo e
Temperamento (Mead, 1969) é uma das mais conhecidas obras antropológicas fora do gueto
acadêmico. Nele estão os resultados de sua pesquisa na Nova Guiné [1931] sobre o que então
se chamava de papéis sexuais, e que hoje em dia chamamos de construção social do gênero”
(HEILBORN, 2007).
4
“De um ponto de vista materialista-dialético, essa foi uma dominação determinada pela
dominação estrutural da produção, que se agrava com a produção capitalista para a qual a
produção imediata do lucro é o objetivo primordial” (Orientação dada, por escrito, pelo Prof. Dr.
Marcos C. da S. Loureiro, em novembro de 2007).
ou parceria tem implicações decisivas para nossas vidas pessoais,
para nossos papéis cotidianos e nossas opções de vida. Da mesma
forma, influencia todas as nossas instituições, valores e a direção de
nossa evolução cultural, se ela será pacífica ou belicosa.
Karl Heinrich Marx (1818-1883) e Georg Wilhelm Friedrich Engels
(1820-1895), na obra A Ideologia Alemã (1845), que dentre outros aspectos que
envolvem as relações sócio-econômicas, discorrem sobre a
divisão do trabalho, na qual estão dadas todas estas contradições, e a
qual por sua vez assenta na divisão natural do trabalho na família e na
separação da sociedade em famílias individuais e opostas umas às
outras, está ao mesmo tempo dada também a repartição, e
precisamente a repartição desigual tanto quantitativamente como
qualitativa, do trabalho e dos seus produtos, e portanto a propriedade, a
qual tem o seu embrião, a sua primeira forma, na família, onde a mulher
e os filhos são os escravos do homem. A escravatura latente na família,
se bem que ainda muito rudimentar, é a primeira propriedade, que de
resto aqui corresponde perfeitamente à definição dos modernos
economistas, segundo a qual ela é o dispor de força de trabalho alheia.
(MARX; ENGELS, 2002, p. 36-37, grifado no original).
Sendo assim, em conformidade com as concepções de Marx e Engels
(2002, p. 35), dessa forma desenvolve-se a “divisão social do trabalho”, que na
sua gênese nada mais “era senão a divisão do trabalho no ato sexual, e depois a
divisão espontânea ou ‘natural’ do trabalho em virtude da disposição natural
(p. ex., a força física), de necessidades, acasos etc., etc” (grifado no original).
Desde então a divisão social do trabalho constituiu-se, historicamente,
como a forma de estruturação das sociedades humanas, tanto as formações
sociais pré-capitalistas como as capitalistas. Cabe, aqui, uma análise realizada
por Marilena Chauí, sobre as conseqüências da divisão social do trabalho para a
humanidade, na qual a autora descreve que
[...] a divisão social do trabalho, iniciada na família, prossegue na
sociedade e, [...] à medida que, numa formação social, uma forma
determinada da divisão social se estabiliza, se fixa e se repete, cada
indivíduo passa a ter uma atividade determinada e exclusiva, que lhe é
atribuída pelo conjunto das relações sociais, pelo estágio das forças
produtivas e pela forma da propriedade. Cada um, por causa da fixidez e
da repetição de seu lugar e de sua atividade, tende a considerá-los
naturais (por exemplo, quando alguém julga que faz o que faz porque
tem talento ou vocação natural para isso; quando alguém julga que, por
natureza, os negros foram feitos para serem escravos; quando alguém
julga que, por natureza, as mulheres foram feitas para a maternidade e o
trabalho doméstico). (CHAUÍ, 2001, p. 220-221).
Nesta perspectiva, os sentimentos e as representações do homem
estão sujeitas a uma determinação ontológica, que está, inevitavelmente,
subjugado às peculiaridades da história. Portanto, é possível afirmar, que toda
subjetividade humana é oriunda do trabalho e constituída, historicamente, por ele.
Eric J. Hobsbawm na introdução acrescentada à obra de Karl Marx, Formações
Econômicas Pré-Capitalistas (1857/1858), pela tradução inglesa de 1964 –, afirma
que
a base objetiva do humanismo de Marx e, simultaneamente, de sua
teoria da evolução social e econômica é a análise do homem como um
animal social. O homem ou melhor, os homens realizam trabalho,
isto é, criam e reproduzem sua existência na prática diária, ao respirar,
ao buscar alimento, abrigo, amor, etc. Fazem isto atuando na natureza,
tirando da natureza (e, às vezes, transformando-a conscientemente) com
este propósito. Esta interação entre o homem e a natureza é e ao
mesmo tempo produz a evolução social. Retirar algo da natureza, ou
determinar um tipo de uso para alguma parte da natureza [inclusive o
próprio corpo] pode ser considerado e é o que acontece na linguagem
comum, uma apropriação, que é, pois, originalmente, apenas um
aspecto do trabalho. (HOBSBAWM, 1991, p. 16).
Nesse sentido, é possível conceber que são as condições materiais de
vida numa sociedade que determinam, além do avanço da história, o pensamento
e a consciência dos sujeitos históricos. Em última instância, são as forças
econômicas, a economia, que determinam a divisão e as relações de trabalho, os
modos de produção, enfim, as modificações em todos os setores da vida, pública
e privada, em sociedade e, conseqüentemente, são responsáveis pelos rumos do
curso da história. Por conseguinte, o controle social exercido na divisão do
trabalho, estende-se para todas as instâncias da sociedade, determinando, assim,
não apenas as relações entre os gêneros, mas, também, o controle sobre a vida
pública e privada dos sujeitos, inclusive a vivência da sexualidade.
É possível, então, afirmar que a questão da sexualidade perpassa
várias instâncias da vida social por estar implícita em temáticas as mais diversas
como cidadania, dignidade, educação, ética, felicidade, liberdade e saúde, o que
deixa entrever os aspectos políticos e pedagógicos inerentes ao tema. Some-se a
isso o viés mercadológico suscitado pelo capitalismo e, nas últimas décadas, pela
mídia, que em última instância é regulada pelo mercado, os quais ditam as regras
de comportamento sexual para a grande maioria da população mundial.
Ao estudar um assunto tão controverso e polêmico, a atenção volta-se,
inevitavelmente, para as RS que são construções histórico-culturais dinâmicas da
realidade, advindas da “interação social na vida cotidiana” (BERGER;
LUCKMANN, 2002, p. 46), e podem ser apreendidas pela própria estrutura
educacional seja ela informal, que é tudo que se aprende nos relacionamentos
familiares e sociais, ou formal, que é o resultado do processo de ensino-
aprendizagem estabelecido nas relações que ocorrem dentro das diversificadas
instituições de ensino sistematizado. De acordo com Brandão (1985, p. 100; 110),
a educação existe em toda parte e faz parte dela existir entre opostos.
[...] o ato humano de educar existe tanto no trabalho pedagógico que
ensina na escola quanto no ato político que luta na rua por um outro tipo
de escola, para um outro tipo de mundo.
Portanto, a Educação, em seu sentido amplo, não é, necessariamente,
ciência, mas, sim, uma dimensão essencialmente humana e uma prática social,
inserida na cultura. E, consoante à afirmação de Sá (1998, p. 39),
a rigor, os temas relacionados à educação, em sentido amplo, são quase
co-extensivos da própria vida cotidiana, onde é amplamente mobilizado
o conhecimento das representações sociais. Dentre estes temas, cabe
mencionar, por sua onipresença e por suas manifestações
freqüentemente metafóricas (o que faz conhecidos principalmente em
termos de representações): o sexo, o relacionamento amoroso, as
relações de gênero, a maternidade e os papéis parentais, a gravidez e a
contracepção, a prostituição, etc.
Contudo, a realidade externa não existe fora da prática social, pois ela é
constituída a partir das RS que os sujeitos históricos possuem, ao mesmo tempo
em que são, dialeticamente, determinadas pela mesma prática social. E, o estudo
das RS concede importância aos elementos subjetivos na construção da
sociedade, pois “a subjetividade passa a ser entendida dentro do contexto
dinâmico das produções sociais [...]” (BOCK, 2006, p. 5). Na concepção de
Madeira (2001, p. 130), “a realidade em si não existe para o homem, mas sim
enquanto objeto culturalizado do qual se apropria pela prática. O homem não
existe senão enquanto sujeito de cultura, de relação”. E, ainda, segundo a autora,
as representações sociais são caracterizadas como fenômenos
complexos que dizem respeito ao processo pelo qual o sentido de um
dado objeto é estruturado pelo sujeito, no contexto de suas relações.
Esse processo não se opera no vazio: especializa e temporaliza o
binômio sujeito-objeto, nas relações mutuamente constitutivas indivíduo-
sociedade. (MADEIRA, 2001, p. 127).
A teoria das RS foi elaborada por Serge Moscovici, psicólogo social
romeno, radicado na França em 1961, ano de publicação de sua tese de
doutorado intitulada A Representação Social da Psicanálise, na qual ele afirma
que:
As representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam,
cruzam-se e se cristalizam incessantemente através de uma fala, um
gesto, um encontro, em nosso universo cotidiano. A maioria das relações
sociais estabelecidas, os objetos produzidos ou consumidos, as
comunicações trocadas, delas estão impregnados. Sabemos que as
representações sociais correspondem, por um lado, à substância
simbólica que entra na elaboração e, por outro, à prática que produz a
dita substância, tal como a ciência ou os mitos correspondem a uma
prática científica e mítica. [...] São conjuntos dinâmicos, seu status é o de
uma produção de comportamentos e de relações com o meio ambiente,
de uma ação que modifica aqueles e estas, e não de uma reprodução
desses comportamentos ou dessas relações, de uma reação a um dado
estímulo exterior. [...] Elas determinam o campo das comunicações
possíveis, dos valores ou das idéias presentes nas visões
compartilhadas pelos grupos, e regem, subseqüentemente, as condutas
desejáveis ou admitidas. (MOSCOVICI, 1978, p. 41; 50; 51, grifado no
original).
De acordo com Loureiro (2003, p. 9), “apesar da dominação de classe,
um mesmo objeto social possui significados diferentes para diferentes grupos
que, por isso têm dele diferentes representações”. E, a pesquisa pioneira de
Moscovici (1978), acerca da RS da Psicanálise, “revela para a sociedade francesa da
cada de 50, a se julgar pelas representações encontradas,o se tratava de uma,
mas de várias Psicanálises, muito embora o objeto da representação fosse um
(LOUREIRO, 2003, p. 9).
Nessa direção, esta dissertação é o resultado de pesquisa bibliográfica,
documental e empírica incluída na linha de pesquisa “Formão e
Profissionalização Docente –; que implicou a leitura e a análise dos documentos
oficiais do Ministério da Educação (MEC), estudo de bibliografia específica,
relacionada ao tema pesquisado e levantamento de dados por meio de
questionário, com questões fechadas e abertas (vide apêndice B), e entrevistas
com professores. Estes sujeitos são acadêmicos do curso regular de licenciatura
plena em Pedagogia, na UEG, unidade universitária de Inhumas (UnU/Inhumas),
residentes e com trabalho nessa cidade e em cidades circunvizinhas além de
cidades da região metropolitana de Goiânia. Os questionários versaram sobre
suas histórias pessoais/acadêmicas e experiências diárias em sala de aula, tais
como: características sociais, formação religiosa, concepções em relação à
sexualidade, opiniões a respeito da “educação sexual” e seus papéis de
“orientadores sexuais” na escola, dentre outras. E, as entrevistas indagaram
sobre as representações que tais sujeitos têm sobre conceitos que em conjunto
possam fornecer uma perspectiva de suas RS sobre a sexualidade. Os dados
coletados foram submetidos a uma análise qualitativa que buscou compreender
como a RS da sexualidade dos professores da EI e dos anos iniciais do EF
determina as suas atuações na escola, e em que medida as suas formações, nos
cursos superiores de licenciatura, lhes fornecem condições para lidarem com a
Educação Sexual (ES), na escola.
A amostra da população pesquisada foi escolhida entre um grupo de
sujeitos que representassem os professores da EI e dos anos iniciais do EF
atuantes em Inhumas, cidades circunvizinhas e região metropolitana de Goiânia,
que estivessem na formação inicial, especificamente, fossem acadêmicos do
Curso Regular de Pedagogia da UEG, UnU/Inhumas. Para tanto, com a
autorização da direção da UEG, UnU/Inhumas que disponibilizou uma sala de
aula não utilizada durante a semana, no período noturno –, foram convidados os
acadêmicos do 1º ao 4º ano do Curso Regular de Pedagogia que exerciam a
função de professor há um ano ou mais, para participar da pesquisa, em dias
separados para cada turma. Sendo assim, apenas as acadêmicas que se
dispuserem, voluntariamente, a participar, compõem “os sujeitos” da pesquisa,
pois, nenhum acadêmico (do sexo masculino, que no ano letivo de 2007 eram
apenas dois, representando apenas 1,35% dos acadêmicos matriculados) era,
também, professor.
A partir das disponibilidades, as alunas foram encaminhadas para a
sala destinada à aplicação coletiva dos questionários. Na sala, elas foram
esclarecidas sobre o motivo e conteúdo da pesquisa, e as que concordaram em
continuar no processo leram e assinaram o “termo de consentimento”. Em
seguida, cada uma respondeu às questões em carteiras separadas e no final, ao
entregarem o questionário, foram convidadas a participar da entrevista individual,
em um momento posterior. Ao final de quatro dias, foram aplicados vinte
questionários (vide apêndice B) em vinte professoras-acadêmicas, doravante
denominadas PA1 a PA20. as entrevistas, com roteiro semi-estruturado (vide
apêndice C) foram realizadas, individualmente, com apenas duas PA que se
disponibilizaram a conceder uma entrevista, gravada em fitas cassete, as quais
foram classificadas como Discurso X e Discurso Y.
Dito isso, pode-se adiantar uma constatação verificada imediatamente
pela pesquisa, que se refere à construção social, erguida historicamente, da
“feminização” do magistério (SILVA, 2006, p. 27) ou do ensino (FERRE, 2001,
p. 209), fica evidenciada na amostra populacional desta pesquisa. No entanto,
como a tentativa de aprofundar a compreensão ou, mesmo, a discussão de tal
fenômeno social não é um dos objetivos desta investigação, cabe apenas
destacar a experiência de Ferre (2001, p. 210), que relata sobre o fato de que
trabalhando com mulheres professoras, é fácil dar-se conta de que é a
relação o que mais as preocupa e mais as satisfaz; é a importância que
elas dão às relações que as faz se interessarem pelo bem estar dos
meninos e meninas na escola, se preocupam em buscar o prazer na vida
cotidiana escolar, [...] que encontram, com muito mais facilidade
poderíamos dizer: habilidade –, as meninas que os meninos, as
professoras que os professores. Essa preocupação e essa busca não
procedem [...] dos conhecimentos acadêmicos, senão que procede de
um saber propriamente feminino, porque nasce da [...] experiência do
cotidiano, do efêmero, dos pequenos prazeres e da importância do amor.
Amor, esse, que é fundamental para o desenvolvimento e sucesso do
processo de ensino e aprendizagem, especialmente, na EI e anos iniciais do EF.
No entanto, o amor em questão não deve ser “piegas, açucarado, mas [...] um
amor sincero, ligado ao prazer de fazer o que se está fazendo, um amor que sorri
com o sorriso da criança, que sente sua tristeza, que respeita, que ama” (BOATO,
2002).
Diante disso, é preciso ressaltar que a proposta de uma investigação
qualitativa, que utilizou dados empíricos, partiu da premissa de que uma
complementaridade necessária entre teoria e prática. Pois, conforme afirma
Robert Farr (apud SÁ, 1998, p. 80),
a teoria das representações sociais não privilegia nenhum método de
pesquisa em especial [...]. É preciso, entretanto, esclarecer essa
afirmação, porque ela pode dar margem a uma interpretação errônea [...]
a adoção de diferentes quadros teóricos específicos de referência ou
seja, as chamadas teorias complementares resulta em opções
preferenciais por diferentes métodos, de modo que a teoria geral das
representações social não se vincula obrigatoriamente ela própria a
nenhum método.
Para tanto, recorreu-se às teorias sobre o Discurso, como método
complementar de análise, buscando uma contribuição teórico-prática para a
produção acadêmica que, conseqüentemente, ampliasse e pudesse auxiliar na
consolidação do conhecimento científico por intermédio de uma vertente de
pesquisa “transdiciplinar”, no intuito de acrescentar subsídios da Psicologia da
Educação para o “desenvolvimento sociopsicoeducacional”. Esta vertente,
segundo Gatti (2003, p. 110),
problematiza aspectos da própria Educação sob uma ótica mais
complexa, integrando várias áreas e selecionando então tema que
necessita de uma abordagem psicológica, a qual, no processo
investigativo, é densamente integrada à ótica educacional e social, numa
perspectiva de construção transdiciplinar. Esses estudos colocam-se em
uma corrente que tenta superar os fortes reducionismos que enfoques
absolutamente psicologizantes impuseram ao campo educacional em
alguns momentos e por políticas específicas [...]. Esses trabalhos trazem
contribuições, por exemplo, [...] estudos sobre valores e atitudes de
alunos e professores e seu revestimento nas ações educacionais e
relações pedagógicas; pesquisas sobre representações sociais [...].
Na pesquisa em Ciências Humanas, especificamente, em Psicologia, a
relação entre pesquisador e sujeito da pesquisa não é neutra, ou seja, por ser o
homem o próprio sujeito de seu estudo, as motivações do investigador orientam a
busca do tema e a formulação do problema. No entanto, apesar do forte caráter
de subjetividade decorrente deste fato, a preocupação que preside o estudo é a
de deixar “falar” o “objeto”, pelo que, no presente texto, os verbos serão
conjugados na terceira pessoa do singular, às vezes na voz reflexiva, não por
uma tentativa, inglória, de fazer calar a subjetividade ou ocultar a voz do
pesquisador tanto devido à “leitura” teórica como à “presença” empírica –, mas
pela convicção de que, como discurso científico, esta é a melhor opção de
linguagem para marcar a objetividade buscada pela investigação. De acordo com
Bock, Furtado e Teixeira (2002, p. 21),
[...] o objeto de estudo da Psicologia é o homem, e neste caso o
pesquisador está inserido na categoria a ser estudada. Assim, a
concepção de homem que o pesquisador traz consigo “contamina”
inevitavelmente a sua pesquisa em Psicologia. Isso ocorre porque
diferentes concepções de homem entre os cientistas (na medida em que
estudos filosóficos e teológicos e mesmo doutrinas políticas acabam
definindo o homem à sua maneira, e o cientista acaba necessariamente
se vinculando a uma destas crenças). (grifado no original).
É com base nesta concepção, portanto, que se almejou compreender a
RS da sexualidade dos professores da EI e dos anos iniciais do EF, a partir de
suas posturas pedagógicas frente aos temas relacionados à sexualidade e suas
escolhas didático-metodológicas, para trabalhar tal temática em sala de aula, que
são manifestadas por seus discursos, escritos e falados. E, ainda, a análise do
discurso expresso, nas orientações dadas pelos objetivos dos documentos oficiais
do MEC editados pela primeira vez em 1997 para os professores do EF, os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
5
, relativos ao tema transversal
6
5
Para o MEC/SEF, a função dos PCN “é orientar e garantir a coerência dos investimentos no
sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando a
participação de técnicos e professores brasileiros, principalmente daqueles que se encontram
mais isolados, com menor contato com a produção pedagógica atual. Por sua natureza aberta,
configuram uma proposta flexível, a ser concretizada nas decisões regionais e locais sobre
currículos e sobre programas de transformação da realidade educacional empreendidos pelas
autoridades governamentais, pelas escolas e pelos professores. Não configuram, portanto, um
modelo curricular homogêneo e impositivo, que se sobreporia à competência político-executiva
dos Estados e Municípios, à diversidade sociocultural das diferentes regiões do País ou à
autonomia de professores e equipes pedagógicas. [...] a fim de garantir que, respeitadas as
diversidades culturais, regionais, étnicas, religiosas e políticas que atravessam uma sociedade
múltipla, estratificada e complexa, a educação possa atuar, decisivamente, no processo de
construção da cidadania, tendo como meta o ideal de uma crescente igualdade de direitos entre
os cidadãos, baseado nos princípios democráticos. Essa igualdade implica necessariamente o
acesso à totalidade dos bens públicos, entre os quais o conjunto dos conhecimentos socialmente
relevantes. Entretanto, se [...] podem funcionar como elemento catalisador de ações na busca de
uma melhoria da qualidade da educação brasileira, de modo algum pretendem resolver todos os
problemas que afetam a qualidade do ensino e da aprendizagem no País. [...] Mas esta
qualificação almejada implica colocar também, no centro do debate, as atividades escolares de
ensino e aprendizagem e a questão curricular como de inegável importância para a política
educacional da nação brasileira” (BRASIL, 2000a, p. 13).
6
“Por tratarem de questões sociais, os Temas Transversais têm natureza diferente das áreas
convencionais. Sua complexidade faz com que nenhuma das áreas, isoladamente, seja suficiente
para abordá-los. Ao contrário, a problemática dos Temas Transversais atravessa os diferentes
campos do conhecimento. [...] Por outro lado, nas várias áreas do currículo escolar existem,
implícita ou explicitamente, ensinamentos a respeito dos temas transversais, isto é, todas educam
em relação a questões sociais por meio de suas concepções e dos valores que veiculam. [...]
Diante disso optou-se por integrá-las no currículo por meio do que se chama de transversalidade:
pretende-se que esses temas integrem as áreas convencionais de forma a estarem presentes em
todas elas, relacionando-as às questões da atualidade. As áreas convencionais devem acolher as
questões dos Temas Transversais de forma que seus conteúdos as explicitem e seus objetivos
sejam contemplados” (BRASIL, 2000b, p. 29).
“Orientação Sexual” (OS), além da pesquisa em torno da necessidade de uma
formação profissional continuada para o educador, no tocante à educação sexual
na escola. Pretende-se que o conhecimento propiciado por este estudo possa, em
último caso, contribuir com aqueles que se dedicam tanto à formação inicial
(graduação) como à formação continuada em cursos de aperfeiçoamento e de
pós-graduação, lato e stricto sensu.
Assim sendo, no intuito de estabelecer uma melhor discussão, didática
e metodologicamente eficiente, esta dissertação foi dividida em quatro capítulos,
que por sua vez foram estruturados da seguinte forma:
Capítulo 1 Sexualidade Humana: uma perspectiva histórica e cultural, no qual
são apresentados os temas: a construção social do gênero; a “invenção” da
heterossexualidade; o homoerotismo; e, prostituição, promiscuidade e as
condutas sexuais.
Capítulo 2 – Prazer e Poder: discurso dominante e representações sociais, que se
propõe a analisar como as vozes produzidas pelas representações sociais foram,
historicamente, constituídas, pautando-se nos seguintes tópicos: o homem: ser
social, histórico e cultural; a análise do discurso e a teoria das RS: uma
interlocução possível; discurso do poder e RS de sexualidade.
Capítulo 3 Formação de Professores, Diversidade Humana e Educação Sexual
na Escola: que discute sobre a importância e necessidade de se formar
profissionais habilitados a atuar como educadores sexuais, por intermédio de uma
formação inicial de qualidade, e que possibilite a capacidade crítica e reflexiva a
respeito da dimensão biopsicossocial e histórico-cultural da sexualidade, na
perspectiva da diversidade humana.
Capítulo 4 Representações Sociais de Sexualidade e as Vozes dos Discursos
que as Constituem que se configura no tema, propriamente dito, deste trabalho
– apresentando uma tabulação dos dados coletados por intermédio dos
questionários, com o perfil das PA; suas concepções sobre o tema transversal
OS, no intento de verificar qual a compreensão, que o público alvo (professores
do EF) das orientações propostas pelos PCN, têm a respeito desta temática; e
uma análise qualitativa, que se propõe a identificar as RS da sexualidade dos
professores da EI e dos anos iniciais do EF, por intermédio dos discursos
proferidos durante as entrevistas.
CAPÍTULO 1
SEXUALIDADE HUMANA:
UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA E CULTURAL
O animal é imediatamente um com a sua atividade vital. Não se
distingue dela. É ela. O homem faz da sua atividade vital mesma um
objeto da sua vontade e da sua consciência. Ele tem atividade vital
consciente [...] Quando o homem está frente a si mesmo, defronta-se
com ele o outro homem. O que é produto da relação do homem com o
seu trabalho, produto de seu trabalho e consigo mesmo, vale como
relação do homem com outro homem, como o trabalho e o objeto do
trabalho de outro homem. (MARX, 2004, p. 84; 86, grifado no original).
Num primeiro momento da humanidade, o homem primitivo, mesmo
encontrando-se no início do que hoje percebemos como sua escalada rumo ao
topo da escala evolutiva possuía, basicamente, seu “instinto” de sobrevivência,
situação que o enquadrava na condição de mais uma das espécies animais, com
a habilidade manual
7
de explorar os recursos naturais de alimentação, disponíveis
7
“A preensão em nível da mão, outra das aquisições filogenéticas da motricidade, [...] é garantida
através da oponibilidade do polegar em relação aos restantes dígitos” (FONSECA, 1998, p. 56-
57). Tal habilidade, numa fase posterior, possibilitou ao homem primitivo a confecção e utilização
de instrumentos de trabalho.
na natureza. De acordo com Engels em sua obra A Origem da Família, da
Propriedade Privada e do Estado (1884) –, nesta etapa, o homem encontrava-se
na “fase inferior” de seu “estado sevalgem”, era a
infância do gênero humano. Os homens viviam, pelo menos
parcialmente, nas árvores, única forma de explicar sua sobrevivência no
meio de grandes feras. Permaneciam em seus locais de origem, nas
florestas tropicais e subtropicais. Frutos, nozes e raízes serviam de
alimento. O principal progresso desse período é a formação da
linguagem articulada. (ENGELS, s/d, p. 32).
E, portanto, o ser humano o havia se organizado, ainda, em uma
sociedade composta de papéis sociais, valores morais, padrões culturais, muito
menos condutas éticas e sexuais, que apenas surgiram com o desenvolvimento
das normas sociais, criadas durante o processo de civilização. No entanto, como
afirma Vygotsky, em sua obra A Formação Social da Mente,
o controle da natureza e o controle do comportamento estão
mutuamente ligados, assim como a alteração provocada pelo homem
sobre a natureza altera a própria natureza do homem. Na filogênese,
podemos reconstruir uma ligação através de evidências documentais
fragmentadas, porém convincentes [...]. (VYGOTSKY, 2000, p. 73).
A despeito de o homem ter iniciado sua caminhada sobre a Terra,
acerca de 100.000 anos atrás (FONSECA, 1998, p. 31), a Humanidade apenas
começou sua forma de registros escritos acerca dos princípios de conduta nos
três últimos milênios. Partindo dessa premissa, é possível apenas inferir que nas
primeiras manifestações sexuais do ser humano, as proibições e os tabus
8
como o sexo praticado, somente, entre pessoas de idades equivalentes e sexos
opostos e, mesmo, a noção de incesto
9
– não existiam.
Ao refletir sobre as leis que regiam as condutas daquele contexto,
algumas questões podem ser levantadas: “como se comportavam eticamente os
homens das cavernas [...]? Como era a sua ética sexual, que tipos de normas
8
“[...] falta cuja gravidade não pode ser reparada de modo algum, senão pela morte do infrator,
porque seu ato põe em risco a vida de um grupo inteiro, de uma sociedade inteira. A
peculiaridade do pavor gerado pelo tabu está em que a morte do infrator, na maioria dos casos,
não precisa sequer da intervenção física ou direta do grupo, pois o transgressor morre de culpa,
medo, isolamento, loucura. O tabu é interdição sagrada e divinizada, tanto mais respeitada
quanto mais distante no tempo estiver sua origem e quanto mais invisível forem os poderes que
o decretaram” (CHAUI, 1991, p. 10-11).
9
“Lévi-Strauss considera que a passagem da Natureza à Cultura ocorre quando é estabelecida a
proibição do incesto e, com ela, as regras do parentesco ou das alianças, fundamentais na
constituição de todas as sociedades arcaicas” (CHAUI, 1991, p. 74).
políticas vigoravam na pré-história?” (VALLS, 1991, p. 12). Segundo Valls (1991,
p. 14), “certamente deve haver um princípio ético supremo, que perpassa a pré-
história e a história da humanidade. Não seria, quem sabe, o princípio que proíbe
o incesto [...]?”. Não obstante, o autor argumenta que mesmo essa regra, de
tempos remotos, fundamental para a organização da sociedade civilizada, requer
acertada “formulação” e real “concreção”. Pois, como afirma o autor, a descrição
exata e material das ocorrências de casos de incesto diversificou-se,
continuamente, no decorrer da história, e “como mostram os estudos
antropológicos e históricos, o incesto não recai sobre as mesmas relações em
todas as sociedades” (CHAUI, 1991, p. 10). No entanto, Lins (2000, p. 17-18)
afirma que, há quase 35.000 anos atrás,
desconhecia-se o vínculo entre sexo e procriação. Os homens não
imaginavam que tivessem alguma participação no nascimento de uma
criança, [...] A fertilidade era característica exclusivamente feminina,
estando a mulher associada aos poderes que governam a vida e a
morte. Embora tudo indique que tivesse mais poder do que o homem,
não havia submissão. A idéia de casal era desconhecida. Cada mulher
pertencia igualmente a todos os homens e cada homem a todas as
mulheres. O matrimônio era por grupos. Cada criança tinha vários pais e
várias mães e só havia a linhagem materna.
Quando o homem primitivo tornou-se sedentário, desenvolvendo a
agricultura por volta de 10.000 anos atrás (FONSECA, 1998, p. 31) e a
domesticação de animais, ele percebeu “dois fatos surpreendentes: as ovelhas
segregadas não geravam cordeiros nem produziam leite, porém, num intervalo de
tempo constante, após o carneiro cobrir a ovelha, nasciam filhotes” (LINS, 2000,
p. 22). Tal acontecimento fez com que a humanidade, em constante
desenvolvimento de sua capacidade cognitiva, compreendesse a participação do
macho na concepção de uma criança. A partir dessa descoberta e, mais ainda, de
que o homem poderia fecundar não apenas uma mulher, mas todas com quantas
ele fosse capaz de copular, o poder de dominação masculino e,
conseqüentemente, a estrutura patriarcal que ainda hoje é uma realidade na
maioria das culturas – prevaleceu na história da humanidade.
Portanto, determinado principalmente pelo poder masculino, o
patriarcado predominante inclusive de um homem, mais “racional”, sobre outro
homem, mais “emocional” –, a humanidade não encontrou um equilíbrio entre
seus dois aspectos psicológicos fundamentais: razão (cognição) e emoção
(afetividade). Logo, um paradoxo fez-se inevitável: no desenvolvimento do
processo civilizatório, quando os limites da organização social foram se
estabelecendo, o se humano limitou-se, também, como ser de infinitas escolhas e
possibilidades de comportamentos, relações e orientações no mundo, especial e
principalmente, na expressão de sua sexualidade, que envolve sobremaneira sua
sensibilidade. De acordo com Chauí (1991, p. 228), “numa sociedade que
separou espírito e corpo, [e] fez do primeiro algo superior ao segundo, valoriza[-
se] a razão contra a paixão, [e] a inteligência contra a sensibilidade [...]”.
Desse modo, as diferenças entre os gêneros, masculino e feminino, e
as manifestações sexuais sempre representaram e, hoje, representam um
“instrumento” de dominação por parte de quem detém o controle dos modos de
produção na sociedade capitalista. Tal poder manifesta-se desde os líderes de
pequenos grupos, como a família e as diversas instituições sociais, passando
pelos donos do capital, até a classe dos governantes. Paradoxalmente, a
sexualidade é uma das mais autênticas, espontâneas e genuínas manifestações
da diversidade humana. E, enquanto humana, ela é imprevisível, multiforme,
surpreendente e, sobretudo, uma necessidade vital na existência do ser humano.
Assim, “[...] a sexualidade se caracteriza por grande plasticidade, invenção e
relação com a história pessoal de cada um de nós. [...] Ela é polimorfa, polivalente,
ultrapassa a necessidade fisiológica e tem a ver com a simbolização do desejo”
(CHAUÍ, 1991, p. 14; 15). Contrariamente à concepção Chauí (1991) sobre
sexualidade humana, as respostas das PA, nos questionários, de maneira geral
demonstram que elas compreendem a sexualidade de forma mais limitada e
“didática”, ou mesmo, restritiva quanto às possibilidades de manifestação da
pluralidade estética e da diversidade na expressão do desejo, como pode ser
percebido nas seguintes respostas:
Sexualidade é conhecer o próprio corpo, saber seus limites e suas
necessidades. (PA2).
Sexualidade abrange os sentimentos de prazeres, opção sexual, vida
sexual, órgãos genitais, valores, DTS, anticoncepcionais, caminha etc.
(PA3).
Sexualidade é a descoberta do nosso corpo e do outro e sua relação ao
se encontrarem. (PA5).
Sexualidade é individual que tem o momento certo para ser praticada.
(PA6).
Tudo que envolve de um certo modo todos os instintos sexuais tanto de
crianças como de adultos. (PA7)
É tudo que se refere ao corpo humano, principalmente sobre os órgãos
que formam o sistema reprodutor e suas funções. (PA8).
Informações, que envolvem sexo, saúde, conscientização, prevenção,
entre outros. (PA9).
São todos assuntos relacionados com o nosso corpo. Desde as
mudanças do nosso corpo, até as relações sexuais. (PA13).
Eu entendo como algo natural, manifestações do corpo que pode se
manter em equilíbrio ou não em determinado período da vida. (PA14).
É um termo abrangente que engloba comportamento do indivíduo, até o
sexo em si, ou ato sexual, as doenças, a gravidez, os prazeres. (PA18).
Sexualidade para mim é sentir atração, prazer pelo sexo oposto. (PA20).
Na dinâmica da sua condição humana – de criador e, ao mesmo tempo,
criatura de sua cultura –, o homem tornou-se escravo de seus próprios valores
arcaicos e/ou reacionários, além de dogmas religiosos, mitos, superstições etc.
Tal condição paradoxal foi reforçada, na grande maioria das sociedades mundiais,
pela tradição religiosa, judaico-cristã, que inicialmente “não explicava bem o que
entendia por carne (sinônimo de pecado), em muitas épocas [e, ainda hoje, em
muitas seitas] foram responsáveis por um moralismo centrado nas questões do sexo”
(VALLS, 1991, p. 37, grifado no original). De acordo com a afirmação de
Moscovici (1978, p. 44),
enquanto que o mito constitui, para o chamado homem primitivo, uma
ciência total, uma “filosofia” única em que se reflete sua prática, sua
percepção da natureza das relações sociais, para o chamado homem
moderno a representação social constitui uma das vias de apreensão do
mundo concreto, circunscrito em seus alicerces e em suas
conseqüências. Se os grupos ou indivíduos a ela recorrem – na condição
de que não se trate de uma escolha arbitrária é certamente para tirar
proveito de uma das múltiplas possibilidades que se oferecem a cada
um. (grifado no original).
Para um melhor entendimento das questões relativas à sexualidade
humana, fez-se necessário uma discussão a respeito de alguns temas, ao mesmo
tempo, formadores e polêmicos, e, na maioria dos casos, envoltos em
preconceitos, como: a construção social do gênero, a “invenção” da
heterossexualidade, o homoerotismo, e as condutas sexuais a prostituição, a
promiscuidade e as parafilias.
1.1 A Construção Social do Gênero
A construção social do gênero é um processo que se inicia quando o
sexo biológico do sujeito é reconhecido pelo grupo social ao qual ele ou ela
pertence, e desenvolve-se do nascimento ao final da adolescência e, em muitos
casos, até a idade adulta. Portanto, o que estabelece o gênero, masculino ou
feminino, do sujeito “não são conformações biológicas, mas dimensões
historicamente construídas nas relações sociais, nas trocas simbólicas, no
cotidiano familiar, nas relações profissionais e tantos outros espaços sociais”
(SILVA, 2006, p. 122). Tal processo se expressa, em última instância, na
identidade, que segundo Costa (2002, p. 153), “designa tudo aquilo que o sujeito
experimenta e descreve como sendo ou fazendo parte do eu”. Todavia, no bojo
desse desenvolvimento de identidade, é possível falar, ainda, em “papéis
sexuais”, haja vista que cada pessoa exerce um papel sexual, na sociedade à
qual pertence, independentemente de ter formado sua “identidade sexual” que,
por sua vez, pode ser definida como uma percepção cognoscitiva e sentimental
de pertencer a um gênero, masculino ou feminino (CAVALCANTI, 2000, p. 228).
Nesse sentido, é necessário perceber que em todas as sociedades as
pessoas são classificadas em grupos, sendo os mais primários, que têm
fundamentos biológicos, os que são subdivididos por sexo e idade. Estabelecidos
os grupos, a sociedade começa a ter expectativas de que cada pessoa
desempenhe a conduta específica de seu agrupamento. Tais expectativas
comportamentais são o que se pode chamar de “papel social”. De acordo com
Berger e Luckmann (2002, p. 103), “ao desempenhar papéis, o indivíduo participa
de um mundo social. Ao interiorizar estes papéis, o mesmo mundo torna-se
subjetivamente real para ele”.
Entretanto, na interação social, o sujeito pode desempenhar diversos
papéis, sendo que não obstante à sua subjetividade alguns são passíveis de
certa liberdade de escolha, tais como: profissão, estado civil, dentre outros.
Porém, outros que, em função das restrições sociais que os envolvem, devem
ser conquistados ou desenvolvidos com muita determinação pela pessoa que
por motivos que talvez ela mesma tenha condições de descobrir resolve, ao
longo de sua vida, desafiar o determinismo social. Quem não se enquadra nesses
padrões e manifesta um comportamento e/ou desejo seja tal conduta ou
“atração erótica: sensual, estética ou terna” (COSTA, 2002, p. 154) considerado
desviante, costuma pagar um alto preço, na hipótese mais branda, a exclusão
social. Conforme é esclarecido por Heller (2004, p. 101),
no caso daquele que recusa um papel, [...] trata-se sempre de um
rebelde, ainda que não necessariamente de um revolucionário. É
evidente que existem recusas de papel que são uma questão puramente
privada. Nesses casos, quem consuma essa recusa não se preocupa
absolutamente com o problema de saber se, para os outros, os
comportamentos do tipo “papel” são ou não obrigatórios. Ele se limita a
negar essa obrigatoriedade para si mesmo. (grifado no original).
O desenvolvimento da sexualidade do indivíduo sugere um destino
praticamente sem escolhas, imposto e cobrado, direta ou indiretamente, pela
sociedade que estabelece o poder normativo de masculinidade nos homens e
feminilidade nas mulheres. Na atual lógica “globalizada” das identidades de
gênero
10
e sexual
11
, que é possível ser caracterizada como burguesa, capitalista e
patriarcal, é principalmente a heterossexualidade que ocupa a primazia, o lugar
de representante de sua “identidade essencial”.
Segundo Katz (1996, p. 105), “[...] o estabelecimento histórico de uma
identidade heterossexual como universal, presumida e normativa favorece a
formação da supremacia heterossexual” (grifado no original). E, dentro dessa
supremacia, o homem, o macho da espécie, o “reprodutor”, o que tem “maior”
10
“A forma culturalmente elaborada que a diferença sexual toma em cada sociedade, e que se
manifesta nos papéis e status atribuídos a cada sexo e constitutivos da identidade sexual dos
indivíduos”. (FERREIRA, 1999, p. 980, grifado no original).
11
Atualmente, é possível falar em uma diversidade sexual: “GLTB Gays [homossexuais
masculinos], Lésbicas [homossexuais femininos], Transgêneros [transexuais e travestis] e
Bissexuais” (BRASIL, 2004, p. 30-31), e Heterossexuais.
força muscular, continuou sendo, como ao longo de toda a história, o único que
deve, pode e precisa obter prazer sexual. Todavia,
por outro lado, o estabelecimento histórico de uma identidade
heterossexual feminina incentivou as mulheres do século XX a buscarem
prazeres eróticos desconhecidos para muitas das suas antepassadas do
século XIX. Ao mesmo tempo, a busca das mulheres modernas pela
felicidade heterossexual tem sido freqüentemente depreciada pelo
sexismo, incentivada pelo comércio (Você fez muitos progressos,
querida!) e tornada perigosa pelo assédio sexual e pela violência dos
homens. (KATZ, 1996, p. 105, grifado no original).
Money e Tucker (1981, p. 35-36), referindo-se às diferenças entre os
sexos, apontam aspectos associados aos determinantes biológicos da natureza
humana afirmando que
a pesquisa científica do sexo, que teve um começo promissor um
século atrás, às vezes tem afundado num pântano de discussões
cabeludas e insolúveis a respeito de quem seria o responsável pelas
diferenças entre os sexos: a natureza ou a educação. Freud deu aos
nativistas o seu slogan quando disse: “anatomia é destino”. De maneira
geral, isto foi tomado como significando que na concepção estabeleciam-
se limites muito restritos sobre como a pessoa pode sentir e pensar,
comportar-se e reagir, para o resto da vida. “Verga, sacola, pedras” era a
antiga expressão para designar pênis, escroto e testículos. Hoje, muita
gente, inclusive alguns médicos e biólogos, acredita que tudo que torna
uma pessoa masculina ou não está escrito nas tábuas das pedras.
(grifado no original).
Esses autores, também, descrevem aspectos ligados à educação
informal e geral, os quais são aprendidos no cotidiano da convivência social,
segundo os quais na hipótese “educacionista”, mulheres e homens adquirem
as condutas e os papéis dos gêneros, feminino e masculino, respectivamente, a
partir do nascimento. Tal concepção praticamente desconsidera as distinções
anatômicas e fisiológicas, óbvias desde os bebês recém-nascidos, e atribuem a
elas somente um mínimo grau de importância. De acordo com os autores, para os
“educacionista”, as condições ambientais e o meio sócio-cultural determinam o
comportamento e as formas de relacionamento humano. (MONEY; TUCKER,
1981, p. 36).
A respeito dos papéis sexuais e sua influência no comportamento e na
sexualidade dos homens e das mulheres, Money e Tucker (1981, p. 36)
acreditam, ainda, que as teorias existentes até então, não conseguiram esclarecer
completamente a relação entre as pessoas, em sua totalidade.
Katz (1996, p. 191), por sua vez, posiciona-se imperativamente
contrário às concepções baseadas no “determinismo biológico”, acreditando que
elas incorrem em equívocos de ordem política e intelectual. Para o autor, tais
entendimentos situam as questões de nero e sexuais na ordem
anatomofisiológica, ou seja, carrega-se o problema dentro dos próprios corpos, e
não na forma de organização social, historicamente dada, pois geralmente pensa-
se: Bem, é claro que a biologia e a sociedade determinam juntas os nossos
destinos. Mas isso apenas coloca o velho fatalismo bio dentro de uma estrutura
sociobiológica (KATZ, 1996, p. 191, grifado no original). E, dentro dessa linha de
pensamento, Laraia (1988, p. 19-20) concebe que
a espécie humana se diferencia anatômica e fisiologicamente através do
dimorfismo sexual, mas é falso que as diferenças de comportamento
existentes entre pessoas de sexos diferentes sejam determinadas
biologicamente. A antropologia tem demonstrado que muitas atividades
atribuídas às mulheres em uma cultura podem ser atribuídas aos
homens em outra. A verificação de qualquer sistema de divisão sexual
do trabalho mostra que ele é determinado culturalmente e não em
função de uma racionalidade biológica. [...] o comportamento dos
indivíduos depende de um aprendizado, de um processo que chamamos
de endoculturação. Um menino e uma menina agem diferentemente não
em função de seus hormônios, mas em decorrência de uma educação
diferenciada.
Não obstante, apesar de toda essa discussão, é possível elencar,
dentro de uma visão biopsicossocial, aspectos gerais que organizariam os
núcleos de estrutura, conduta e orientação da “identidade sexual”, os quais se
desenvolveriam como:
a) uma identidade do núcleo morfológico: autopercepção do indivíduo
de que pertence ao sexo masculino e feminino;
b) um comportamento de papel sexual: padrões dimórficos de conduta
que discriminam homens e mulheres em uma dada cultura, durante
um determinado segmento de tempo;
c) uma orientação sexual: preferência erótica e romântica por pessoas de
determinado sexo, configurando uma eleição heterossexual, homo ou
bissexual. (MONEY; TUCKER apud CAVALCANTI, 2000, p. 229).
Para Berger e Luckmann (2002, p. 230), “a identidade é um fenômeno
que deriva da dialética entre um indivíduo e a sociedade”. Nesta compreensão,
“na dialética entre a natureza e o mundo socialmente construído, o organismo
humano se transforma. Nesta mesma dialética o homem produz a realidade e
com isso se produz a si mesmo” (BERGER; LUCKMANN, 2002, p. 241). E,
corroborando com a concepção da construção social dos gêneros, numa
perspectiva histórica e cultural, Cavalcanti (2000, p. 242), acredita que
“[...] o comportamento masculino e feminino varia no indiduo de acordo com a
idade, nas diferentes sociedades, de acordo com a cultura e em cada cultura,
durante os distintos períodos históricos de sua exisncia”.
Cabe referenciar, ainda, Berger e Luckmann (2002), a respeito de sua
teoria sobre a “institucionalização” das atividades e organismos humanos que
criam uma cultura e são criados por ela, numa relação dialética, na qual a
sociedade é compreendida como
um produto humano. A sociedade uma realidade objetiva. O homem é
um produto social. Torna-se desde evidente que [...] a plasticidade do
organismo humano e sua susceptibilidade às influências socialmente
determinadas o melhor ilustradas pela documentação etnológica
referente à sexualidade. Embora o homem possua impulsos sexuais
comparáveis aos de outros mamíferos superiores, a sexualidade
humana caracteriza-se por um grau muito alto de flexibilidade. Não é
relativamente independente dos ritmos temporais, mas é flexível tanto no
que diz respeito aos objetos a que se dirige quanto em suas
modalidades de expressão. As provas etnológicas mostram que em
questões sexuais o homem é capaz de quase tudo. (BERGER;
LUCKMANN, 2002, p. 87; 72, grifado no original).
E, no atual contexto histórico, a velocidade que impõe a mudança
material, dada pelo desenvolvimento acelerado da tecnologia, também afeta os
valores éticos, morais e, conseqüentemente, as relações sociais, de gênero e
sexuais. Conforme atesta Katz (1996, p. 172), “[...] o mundo está passando por
mudanças contínuas. Muitas coisas antes consideradas eternas estão sendo
declaradas construções sociais e invenções portanto, mutáveis” (grifado no
original). É possível inferir, portanto, que tais mudanças contribuem para a
ampliação do debate sócio-político a respeito das transformações e dos limites da
diversidade e das diferenças entre o masculino e o feminino, além das
possibilidades de preferências e/ou inclinações eróticas e/ou afetivas.
1.2 A “Invenção” da Heterossexualidade
Ao longo da história, as práticas homo e heterossexual alternaram-se
em fases proibitivas e repressivas com momentos de maior liberdade, sendo tais
oscilações determinadas pelo contexto histórico-cultural e circunstâncias sociais,
políticas, econômicas e religiosas, de cada sociedade. Segundo Martins e
Soldatelli (1998, p. 29), a história da sexualidade consiste de
[...] épocas em que fazer sexo e falar sobre ele não requeriam muitas
restrições, passando pela ascensão da burguesia, quando tornou-se
notória uma mudança nos discursos sobre sexualidade. Época esta em
que a Igreja e o Estado, através dos mecanismos do poder, tentaram
controlar as vivências sexuais com o auxílio da ciência. No início do
século XX ocorre uma nova revolução no pensamento da psicologia. É
reconhecida a sexualidade das crianças e os conceitos sobre sexo
tomam novos rumos. No entanto, sexo e poder nunca se anularam,
seguem entrelaçados e parece que sempre andarão juntos.
Até meados de 1920, como afirma Katz (1996), as palavras
heterossexualidade e homossexualidade eram termos médicos utilizados apenas
no meio científico e designavam distúrbios em pessoas que não tinham controle
de seu desejo sexual, que praticavam o sexo para a obtenção de prazer e não
para fins reprodutivos, ou seja, tinham uma conduta fora dos padrões de
adequação. De acordo com Katz (1996, p. 94),
nos primeiros anos do século XX, heterossexual e homossexual ainda
eram termos médicos obscuros, não usados corretamente na língua
inglesa. Na primeira edição de 1901 do volume ‘H’ do grande Oxford
English Dictionary, heterossexual e homossexual ainda não tinham sido
incluídos. (grifado no original).
O sexo como fonte de prazer era condenado como pecado pela
Religião e como inadequação social pela Ciência, concepção que ainda hoje
persevera, principalmente por parte da Igreja. Portanto, os termos heterossexual e
homossexual, como se concebe hoje, passaram a ser utilizados no vocabulário
popular em meados do século passado, sendo a heterossexualidade o padrão de
sexualidade adulta normal e saudável e a homossexualidade a conduta desviante
e perversa, uma aberração sexual. De acordo, também, com Katz (1996, p. 52),
a origem do princípio pró-heterossexual não pode então ser explicada
simplesmente como um rompimento brusco com um passado vitoriano
anti-sexual. Embora os historiadores recentes nem sempre distinguem
adequadamente os acontecimentos do início e do final do culo XIX,
suas análises podem nos ajudar a compreender as origens sociais de
heterossexual como um termo e um relacionamento historicamente
específico.
Nessa direção, a conduta heterossexual tornou-se, no início do culo
passado, o parâmetro de normalidade e, conseqüentemente, de saúde física e
mental. Ainda, conforme a afirmação de Katz (1996, p. 90),
nos primeiros anos do século XX, com ajuda de Freud e outros médicos,
o conceito heterossexual ambíguo e experimental do século XIX foi
firmado e amplamente difundido como a ortodoxia sexual dominante A
Mística Heterossexual –, a idéia de uma heterossexualidade essencial,
eterna e normal. Quando o termo heterossexual saiu do pequeno mundo
do discurso médico para o grande mundo dos meios de comunicação de
massa americanos, a idéia heterossexual passou de anormal para
normal, e de normal para normativa. (grifado no original).
Apesar da velocidade com que as mudanças sociais se processam, a
heterossexualidade, ainda, pode ser concebida como a “invenção” de um
discurso, que a coloca como algo que está posto, dado exteriormente, em uma
realidade externa aos sujeitos (KATZ, 1996). Tal discurso possui a capacidade de
transformar o singular em universal, o recente em antigo, o simples em complexo,
o abstrato em concreto, a aparência em essência, a parte em todo, a
representação em conceito. A representação capta a expressão imediata da
realidade, tomando-a como conceito definitivo. Nesse sentido, uma tendência
da sociedade a apoiar “três argumentos”, que colocam a heterossexualidade
como condição antiga, advinda dos primórdios da humanidade. Seriam eles:
(1) a sobrevivência da espécie humana torna a heterossexualidade uma
necessidade constante;
(2) todas as sociedades reconhecem as diferenças sicas entre os
seres humanos dos sexos masculino e feminino essas diferenças
biológicas e culturais são a fonte de uma sexualidade perpétua que é
hetero;
(3) o prazer físico proporcionado pela união entre um homem e uma
mulher continua a ser a base imutável de uma heterossexualidade
eterna. (KATZ, 1996, p. 25).
Diante das idéias apresentadas até aqui, é possível perceber que na
relação dialética entre o que boa parte das publicações científicas e da mídia
divulgam e a sociedade assimila, existe uma tendência à concepção biológica,
sobre a “natureza” das condutas humanas. Tal percepção é reforçada, por
exemplo, pelo comentário de Lisa Duggan no epílogo de A Invenção da
Heterossexualidade quando ela afirma que de tempos em tempos é possível a
leitura de “[...] manchetes anunciando a existência de um cérebro gay, mas não
reportagens sobre os estudos históricos, cada vez em maior número, que
mostram que a identidade sexual é variável cultural e historicamente” (DUGGAN,
1996, p. 195, grifado no original).
1.3 O Homoerotismo
Existem poucos registros históricos sobre a “permissão” às relações
homossexuais masculinas, que o lesbianismo
12
, ou melhor, o comportamento
feminino em geral, até meados da segunda metade do século XX, nunca fora de
grande interesse para a comunidade científica, não por acaso, formada
basicamente por homens, até então. O principal registro de tal “orientação” é o da
antiga sociedade grega, quando os cidadãos adultos podiam, na condição de
tutores, relacionar-se íntima e sexualmente com seus efebos (amantes/pupilos).
Segundo Lins (2000, p. 225),
a efebia [...] se dava entre um homem mais velho e um mais jovem. O
mais velho admirava o mais jovem por suas qualidades masculinas:
força, velocidade, habilidade, resistência e beleza, e o mais jovem
12
Derivação de Lesbos “ilha grega ao norte do Mar Egeu. Lá, no século VII a.C., viveu a
poetisa Safo. Seus poemas são ardentes, sensuais e dirigidos às mulheres, fato sempre
destacado na sua obra. As mulheres homossexuais são chamadas de lésbicas em referência
ao lugar onde ela nasceu” (LINS, 2000, p. 226).
respeitava o mais velho por sua experiência, sabedoria e comando. O
efebo [...] era entregue a um tutor, que o transformaria num cidadão [...].
O tutor deveria treinar, educar e proteger o efebo. Ambos desenvolviam
uma paixão mútua, mas deveriam saber dominar essa paixão. Aprender
a controlar as próprias paixões, na verdade, era a base desse sistema
[...]. Havia sexualidade, mas o tutor impunha ao jovem a desilusão de
uma paixão que não podia se realizar. Quando crescia, tendo então se
tornado um cidadão grego, deixava de ser o amante-pupilo e tornava-se
amigo do tutor; casava-se, tinha filhos e buscava seus próprios efebos.
Essa atividade, socialmente aceita e respeitada, era uma prática
considerada normal e dentro das regras de convívio social, e não, como
compreendemos hoje, uma OS definidora de identidade sexual. “Na Grécia a verdade
e o sexo se ligavam, na forma da pedagogia, pela transmissão corpo-a-corpo de
um saber precioso; o sexo servia como suporte às iniciações do conhecimento”
(FOUCAULT, 2006, p. 70). Como indica Costa (2002, p. 78-79),
na Grécia clássica, [...] as éticas sexuais eram sobretudo referidas aos
chamados amores masculinos e tinham como modelo não a
conjugalidade mas as relações pederásticas
13
. Com pequenas variantes,
[...] o mesmo poderia ser dito dos costumes romanos, pelo menos
aqueles vigentes no apogeu da República e do Império. [...] O
casamento não existia entre homens, pelo menos na Grécia. Em Roma,
os poucos casos [...] não chegam a demonstrar a relevância das uniões
conjugais masculinas. O laço conjugal era, portanto, um contrato entre
homens e mulheres, informalmente regido pelas obrigações religiosas e
pelas necessidades próprias à reprodução da família e ao bom governo
da casa. [...] Assim, a ética sexual grega era uma ética masculina, que
discriminava mulheres, crianças, escravos e estrangeiros, voltando-se
exclusivamente para os cidadãos livres e iguais diante da cidade. A
conjugalidade entrava em cena para ilustrar o direito do senhor sobre
os sujeitos privados de cidadania. [...] Além disso, não se tratava, como
modernamente, de discutir a mutualidade ou equivalência de direitos
entre adultos dos dois sexos, mas que tipo de reciprocidade deveria
haver entre desiguais na ordem das gerações e iguais na ordem política.
(grifado no original).
Sendo assim, a homofilia
14
que consistia na relação homoerótica entre
homens, adultos e livres, era rejeitada por ser considerada ilegítima, imoral,
“infame e designada como ‘contra a natureza’. Não porque houvesse
impossibilidade biológica, anatômica, animal para essa relação e sim porque
13
“A palavra pederasta define hoje a atração sexual de um adulto por um menino imaturo, mas
para os gregos significava o amor de um homem por um jovem que passara pela puberdade,
mas não atingira a maturidade”. (LINS, 2000, p. 224).
14
homo = o mesmo; filia = amizade” (CHAUI, 1991, p. 22, grifado no original).
contrariava a natureza do homem livre adulto, isto é, do cidadão”. (CHAUI, 1991,
p. 23, grifado no original).
Nesse sentido, conforme o entendimento de Elizabeth Badinter (apud
LINS, 2000, p. 234), “tudo isso faz pensar que a homossexualidade não foi criada
por uma forma particular de orientação social, mas seria antes uma forma
fundamental de sexualidade, que se exprime em todas as culturas”. Por isso, vale
lembrar que os “registros”, anteriormente citados, são apenas da história
convencional, estudada nos livros “didáticos”, e o ser humano é o criador e mestre
da clandestinidade. E, segundo Kautz (1998, p. 162),
como em todas as sociedades em que o comportamento sexual é
reprimido e tolhido em sua espontaneidade, o contato homossexual,
historicamente era promovido de forma velada. [...] Dificilmente
encontramos relatos históricos sobre relacionamentos estritamente
homossexuais. A bissexualidade foi mais presente. [...] A possibilidade
da expressão e vivência da homossexualidade feminina, assim como a
masculina, é muito recente. A liberdade da relação homossexual e sua
luta, data da mesma época em que a mulher heterossexual começou a
buscar seu direito de escolher em relação à sua sexualidade.
Via de regra, historicamente, qualquer tipo de prática considerada
homossexual sempre foi rotulada de desvio, transtorno ou perversão sexual.
Somente no ano de 1973, a homossexualidade perdeu seu Código Internacional
de Doenças (CID), sendo retirada pela Associação Médica Americana (AMA) da
categoria de doença mental (LINS, 2000, p. 239). No entanto, somente duas
décadas mais tarde, em 1991, a Organização Mundial de Saúde (OMS) deixou de
considerar a homossexualidade como doença (CONDE, 2004, p. 82). Contudo,
mesmo perdendo seu status de distúrbio da conduta sexual, o homoerotismo,
ainda hoje chamado homossexualismo, é tratado pela sociedade em geral e por
muitos profissionais como algo que precisa de cura, tratamento ou cuidados
especiais, o que no Brasil contraria a Resolução do Conselho Federal de
Psicologia CFP nº 001/99 (BRASIL, 1999, 232-233, vide anexo A). Dentro desta
perspectiva, Helen Fisher (apud LINS, 2000, p. 233) faz a seguinte afirmação:
“Na verdade, a homossexualidade é tão comum em outras espécies e ocorre
em circunstâncias tão variadas que a homossexualidade humana chega a ser
notável, não por sua prevalência, mas por sua raridade”.
Até o final do século XIX, conforme a afirmação de Lins (2000, p. 232),
“o homossexual era considerado ameaça à nação e à família, e um traidor do
ideal masculino da nossa cultura. Falava-se também das conseqüências da
redução da natalidade”. Sendo assim, o comportamento homoerótico por
contrariar os ideais sociais de perpetuação da espécie e preservação do nome e
patrimônio familiar, era condenado e punido, ou “permitido” desde que não
ameaçasse a “ordem e progresso” sociocultural. Segundo Costa (2002, p. 127),
[...] a crença na existência de uma sexualidade homossexual
naturalmente dada, fosse ela instintiva ou psicológica, era indissociável
da crença trans-histórica ou culturalmente universal que, por sua vez,
estava vinculada à maneira preconceituosa como as práticas
homoeróticas eram pensadas, vividas e “agidas” pelos sujeitos nelas
implicados. (grifado no original).
De acordo com os dados estatísticos oficiais, datados do final no século
XX, de cinco a dez por cento da população, do mundo ocidental, teve ou tem
alguma “prática homossexual sistemática” (LINS, 2000, p. 233). No Brasil,
estimava-se, naquela data, que dez por cento da população era formada por
homossexuais. Porém, é importante considerar que mesmo em pesquisas nas
quais os instrumentos utilizados garantam a não identificação do pesquisado, é
muito difícil assumir uma orientação sexual, ainda, tão rejeitada e marginalizada
por uma organização social, supostamente, heterossexual. Por isso, “sair do
armário” expressão, popularizada, que representa a atitude de revelar ou
admitir em público a própria homossexualidade é uma atitude que requer muita
coragem e despojamento da pessoa, com orientação homoerótica, não só perante
os outros, mas perante si mesmo.
Costa (2002, p. 11) defende a palavra “homoerotismo”, em substituição
dos termos homossexualismo ou, mesmo, homossexualidade, por acreditar que
estes termos
remetem quem as emprega ao vocabulário do século XIX, que deu
origem à idéia do “homossexual”. Isto significa, em breves palavras, que
toda vez que as empregamos, continuamos pensando, falando e agindo
emocionalmente inspirados na crença de que existem uma sexualidade
e um tipo humanos (sic) “homossexuais”, independentes do hábito
lingüístico que os criou. Eticamente, sugiro que persistir utilizando tais
noções significa manter costumes morais prisioneiros do sistema de
nominação preconceituoso que qualifica certos sujeitos como
moralmente inferiores pelo fato de apresentarem inclinações eróticas por
outros do mesmo sexo biológico. (grifado no original).
Para tanto, como foi mencionado, a organização da sociedade
historicamente determinada por classes sociais e grupos bem definidos a partir
da divisão social do trabalho e dos papéis sociais de homens e mulheres, cujo
padrão de identidade sexual deve ser a heterossexualidade – e por suas condutas
e origens culturais, étnicas e geográficas, prevalece desde o início da civilização
até os dias atuais com raríssimas exceções, como a cultura da antiga Grécia.
Toda esta organização e hierarquização foram mediadas, inicialmente, por
necessidades de sobrevivência proteger o grupo e preservar a espécie e,
posteriormente, por exigências sociais proteger a família e preservar o
patrimônio mas, na proporção que “evoluiu”, passou a representar o poder de
líderes, religiosos e políticos, e de classes sociais privilegiadas. No entendimento
de Gore Vidal (apud KATZ, 1996, p. 106),
não existe algo como uma pessoa homossexual ou heterossexual.
apenas atos homo ou heterossexuais. A maioria das pessoas é uma
mistura de impulsos, se não práticas, e o que é feito de comum acordo
com um parceiro não tem qualquer importância social ou cósmica. Então
por que toda essa confusão? Para uma classe dominante governar,
devem haver proibições arbitrárias. De todas as proibições, o tabu
sexual é a mais útil, porque o sexo envolve todos... nós temos permitido
que os nossos governantes dividam a população em dois times. Um é
bom, divino, straight; o outro é mau, doentio, vicioso. (grifado no
original).
Nesse entendimento, a possibilidade de uma pessoa desenvolver uma
identidade sexual que possibilite a ela identificar-se como heterossexual,
homossexual, bissexual, transexual ou qualquer outra possibilidade, tem a ver
com a construção de sua história pessoal, que em última análise é,
inevitavelmente, repleta de experiências sociais. Desta forma, as escolhas que
vão possibilitando ao sujeito definir sua identidade sexual estão intimamente
relacionadas a uma orientação dada, em última instância, pelo social. Sendo que,
definida sua identidade, as escolhas de parcerias sexuais deveriam ser orientadas
pela afinidade, afetividade, desejo e prazer de estar com outra pessoa,
independentemente do sexo, idade, raça, etnia ou qualquer outra característica
biogenética ou sócio-cultural.
1.4 Prostituição, Promiscuidade e Condutas Sexuais
Considerada, “a mais antiga das profissões” (NEUBER, 1994, p. 178), a
prostituição é uma prática universal, que persevera até os dias de hoje, cada vez
mais aperfeiçoada, atualizada e intensificada. Ela não delimita o sexo, a raça, a
idade, a cor, o credo ou a classe social da pessoa que deseja ou precisa, seja por
qual motivo for, prostituir-se. Ao discutir sobre “a prostituição de ontem e de hoje”,
Neuber (1994, p. 178), afirma que “ela remonta a era a.C.. Foi, e é, palco das
mais empolgantes estórias de amor. Relembra desde os amores famosos de um
não longínquo ‘Casa Nova’, até as mais tristes cenas de um sub-mundo hodierno”
(grifado no original).
De acordo com Cavalcanti (1990, p. 58), o legislador grego, Solon, foi o
primeiro a ter “a idéia de instalar casas de meretrício na Grécia. Ele foi altamente
louvado por conseguir, simultaneamente, esgotar o desejo sexual dos homens e,
ainda por cima, encher os cofres do tesouro”. A prostituição era uma profissão
oficialmente reconhecida e, até certo ponto, respeitada. As casas de prostitutas
eram repartições públicas mantidas pelo governo, dirigidas por “severos
magistrados, denominados de Pornoboscion (CAVALCANTI, 1990, p. 58, grifado
no original).
A prostituição, no decorrer da história, manifestou-se em momentos de
total aprovação, passando pela tolerância e até ao isolamento social, quando os
prostíbulos eram “permitidos” fora das cidades. Consoante ao estudo de Chauí
(1991, p. 80),
inúmeros estudos têm mostrado como, na geografia das cidades
(anteriores às megalópolis (sic) contemporâneas), o bordel é tão
indispensável quanto a igreja, o cemitério, a cadeia e a escola,
integrando-se à paisagem, ainda que significativamente localizado na
fronteira da cidade, quase seu exterior. Nas grandes cidades
contemporâneas, a localização torna-se central, mas sob a forma de
guetos e, portanto, de espaço segregado, significativamente designado
em São Paulo como “boca do lixo”. (grifado no original).
Conforme revela Margareth Rago, em sua obra Do Cabaré ao Lar: a
utopia da cidade disciplinar Brasil: 1890-1930 (1985), quando ela trata sobre as
explicações das causas do “fenômeno da prostituição” e lembra como a primazia
do “instinto natural” é colocada acima da “miséria econômica”,
o retrato da mulher pública é construído em oposição ao da mulher
honesta, casada e boa mãe, laboriosa, fiel e dessexualizada. A prostituta
construída pelo discurso médico simboliza a negação dos valores
dominantes, “pária da sociedade” que ameaça subverter a boa ordem do
mundo masculino. Seu objetivo principal é a satisfação do prazer e,
nesta lógica, prazer e trabalho são categorias antinômicas. Por isso, ela
deve ser enclausurada nas casas de tolerância ou nos bordéis, espaços
higiênicos de confinamento da sexualidade extraconjugal,
regulamentados e vigiados pela polícia e pelas autoridades médicas e
sanitárias. (RAGO, 1987, p. 90, grifado no original).
Não obstante, as prostitutas foram, em alguns períodos históricos,
consideradas como a cura das mazelas sociais e, em outros, a doença que
dizimava a sociedade. Sendo assim, a prostituição pode ser entendida como uma
das manifestações da sexualidade humana, constituída historicamente e
necessária à manutenção do equilíbrio social. E, de acordo com Lins (2000,
p. 221; 222),
sendo as prostitutas as guardiãs da moral sexual da sociedade, o seu
verdadeiro crime é revelar a hipocrisia dessa dupla moral. No dicionário
encontramos a seguinte definição: “mulher que pratica o ato sexual por
dinheiro.” Então, quantas mulheres casadas, respeitadas e valorizadas
socialmente se prostituem com seus próprios maridos? Quantas moças
são educadas para se casar com homens que lhes possam dar
conforto e dinheiro? Quantas mulheres solteiras aceitam ir para um
motel com um homem se antes ele pagar o jantar num restaurante caro?
[...] A prostituta é desprezada, mas a única diferença é que seu jogo é
claro. [...] Quando o patriarcado se estabeleceu, a mulher tornou-se um
objeto que podia ser comprado, trocado ou repudiado. Instalada a
relação opressor/oprimido, a mulher não encontrou outra alternativa.
Usou a única arma que tinha para se defender: o seu corpo. (grifado no
original).
No ano de 2005, o governo dos Estados Unidos da América
conservador, especialmente, em questões relativas à sexualidade negou-se a
fazer a “doação” de algumas dezenas de milhões de dólares ao programa
brasileiro de combate à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outras
Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) porque ele seria utilizado em
campanhas dirigidas às prostitutas. No entanto, apesar de abrir mão do dinheiro
americano e de estar discutindo, na época, sobre um projeto de lei que visava a
regulamentação da prestação de serviços sexuais, a moral conservadora e
religiosa do Brasil, bem como da maior parte dos países, ainda, emperra a
tentativa de permitir que, segundo Petry (2005, p. 103),
as prostitutas saiam do abandono a que são condenadas por uma
suposta ilegalidade [...] manter a prostituição sem regularização, tal
como está hoje, não ajuda sua filha, seu filho, sua família, não torna o
mundo mais puro ajuda apenas uma figura do submundo, o
abominável traficante de sexo. Só ele.
Assim como “a prostituição é um problema complexo, que está
condicionada a vários fatores que a tornam inextirpável da sociedade” (NEUBER,
1994, p. 184), a promiscuidade, também, parece não ter sido “detida” e
distanciada do “corpo” social, nem mesmo com o horror provocado pela AIDS nos
últimos vinte e cinco anos. Conforme afirma Costa (2002, p. 127),
no início dos anos 80, a AIDS veio a público como “doença de
homossexuais”. Hoje essa crença caiu em desuso. O avanço do
conhecimento científico e a alteração do perfil epidemiológico da
ndrome, se não romperam, pelo menos afrouxaram os laços ideológicos
com o chamado “homossexualismo”. (grifado no original).
A questão de maior relevância, tanto nos aspectos que envolvem o
promíscuo que segundo Ferreira (1999, p. 1.648), “diz-se de pessoa que se
entrega sexualmente com facilidade” como aquele que se prostitui, não é o
comportamento em si ou a quantidade de parceiros envolvidos na situação,
principalmente se as pessoas escolheram tal prática por prazer ou por livre
iniciativa e vontade, mas sim, de ordem individual, que envolve a integridade
física e emocional, e de ordem social, que engloba a cidadania e os direitos
humanos. Individualmente, uma pessoa pode ter problemas causados por um
desequilíbrio emocional, devido a uma baixa auto-estima e/ou autopreservação.
Socialmente, a questão está intimamente ligada à desinformação e políticas
ineficazes, de saúde e educação especialmente, no que tange à formação de
professores –, que podem levar às DST e à AIDS, à gravidez precoce e
indesejada, à problemática do aborto, e à falta de condições dignas de criar e
educar uma criança. Seguindo, ainda, com a análise de Costa (2002, p. 167),
[...] a “promiscuidade”, que antes era apenas condenada, agora passou
a ser vista como algo que deve ser regulado, que não se pode abolir.
Porém, higienizar a “promiscuidade” quer dizer, num certo nível, tolerá-
la, desde que não seja portadora de riscos sanitários. (grifado no
original).
No bojo dessa discussão, podem ser encontradas algumas condutas
sexuais, vinculadas ou não à prostituição e promiscuidade, que são consideradas
patológicas e cientificamente denominados de parafilias. As parafilias indicam a
necessidade irresistível, urgente e súbita que o sujeito possui de realizar uma
atividade sexual. Tal ação parafílica envolve, na maioria das vezes, fantasias com
objetos, dominação ou submissão, com o consentimento ou não de parceiros
(FERREIRA, 1999, p. 1495). Em outras palavras, para obter prazer sexual, a
pessoa que manifesta uma parafilia, imagina ou realiza atos inusitados ou
extravagantes de modo quase exclusivos. Conforme indica Ballone (2007),
as Parafilias são caracterizadas por anseios, fantasias ou
comportamentos sexuais recorrentes e intensos que envolvem objetos,
atividades ou situações incomuns e causam sofrimento clinicamente
significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em
outras áreas importantes da vida do indivíduo.
Dentre as inúmeras parafilias estudadas pela psiquiatria e descritas
pela psicopatologia algumas das mais recorrentes, de acordo com o Ballone
(2007), que se fundamentou no Manual de Diagnóstico e Estatística das
Perturbações Mentais – DSM-IV
15
, são:
a) exibicionismo a característica parafílica do exibicionista pode ser entendida
por intermédio do desejo incontrolável de exibir, em público, os órgãos genitais
e/ou as demais partes do corpo, que se acham geralmente encobertas;
b) masoquismo “o foco parafílico do Masoquismo Sexual envolve o ato (real,
não simulado) de ser humilhado, espancado, atado ou de outra forma submetido
a sofrimento. [...] ”;
c) pedofilia “o foco parafílico da Pedofilia envolve atividade sexual com uma
criança pré-púbere (geralmente com 13 anos ou menos). O indivíduo com Pedofilia
deve ter 16 anos ou mais e ser pelo menos 5 anos mais velho que a criança”;
15
Manual de referência mundial para desordens, disfunções, distúrbios e transtornos mentais.
d) sadismo “o foco parafílico do Sadismo Sexual envolve atos (reais, não
simulados) nos quais o indivíduo deriva excitação sexual do sofrimento
psicológico ou físico (incluindo humilhação) da vítima”;
e) voyeurismo –[...] ato de observar indivíduos, geralmente estranhos, sem suspeitar
que estão sendo observados, que estão nus, a se despirem ou em atividade
sexual. O ato de [...] ‘espiar’ serve à finalidade de obter excitação sexual [...]”
(grifado no original);
f) hipererosia (sexo compulsivo) “pessoas que sentem uma necessidade
sexual maior podem estar incluídas nesta denominação, ou seja, podem ser
portadoras do Transtorno de Sexo Compulsivo”, porém, não são todos os casos,
pois tal distúrbio presume traços específicos de personalidade. Rodrigues Jr.
(apud BALLONE, 2007), informa que
a expressão feminina
16
deste fenômeno já recebeu nomes do tipo
ninfomania (para lembrar das ninfas dos bosques greco-romanos que
estariam sempre disponíveis ao sexo) ou messalina (para lembrar da
imperatriz romana de quem se dizia que saia às noites disfarçada para
orgias nas tavernas, além de manter escravos sexuais em casas para
satisfazer suas necessidades sexuais).
Posto isso, o que deve ser evidenciado, realmente, é que o significado
de cada parafilia, identificada no indivíduo, deve ser compreendido como único,
porém, inserido em um tempo, histórico, e um espaço, cultural. As parafilias
devem merecer atenção e tratamento quando envolverem a prática sexual com
violência e sem as devidas condições de consentimento, escolha, precaução,
responsabilidade e integridade emocional, física e intelectual da outra parte
envolvida na circunstância. À vista disso, de acordo com o que afirma o DSM-IV
(apud SILVA, 2007, p. 352), “[...] o diagnóstico de parafilias entre as várias
16
A expressão da sexualidade feminina como sinônimo de pecado, luxuria, pode ser atribuída à
estrutura patriarcal prevalente no mundo e evidenciada tanto na mitologia greco-romana quanto
nos livros “sagrados” das religiões, ocidentais e orientais. Segundo Lins (2000, p. 45; 55),
“a origem da natureza feminina seria uma sensualidade desenfreada, impossível de ser
satisfeita por um homem. [...] A mulher representava a porta do inferno, a mãe de todos os
males humanos. Devia envergonhar-se da própria idéia de ser mulher. Devia viver de
penitência contínua, por causa das maldições que havia atraído sobre o mundo”. E, para Chauí
(1991, p. 91), “[...] sendo a mulher a culpada do pecado original, é mais sensual e mais sexuada
do que o homem, mais fraca e sujeita a sucumbir a tentações [...]”.
culturas ou religiões é complicado pelo fato de que aquilo que é considerado um
desvio em um contexto cultural pode ser mais aceitável em outro”.
O que precisa ser compreendido é que em cada ser humano, está
contido o potencial para se comportar e ser, dentro do que cada um considera
fundamentado pelas RS do grupo a que pertence bom e mau, certo e errado,
normal e anormal, doente e saudável. Portanto, todo modo de ser e estar-no-
mundo varia de acordo com o grau de desenvolvimento da atitude ou
comportamento repetitivo, ou melhor, o que muda é a quantidade ou a
intensidade da manifestação comportamental, dentro de um contexto existencial e
das relações estabelecidas entre as pessoas. Entretanto, o que é, socialmente,
considerado “desviante” vai depender da proximidade do “problema”, ou seja,
quanto mais distante das relações sócio-familiares de cada um, tal
comportamento torna-se mais estigmatizado mais doentio é concebido e com
mais preconceito é tratado.
Enfim, faz-se mister uma reflexão sobre a generalização e a intolerância
para com as condutas sexuais humanas. Quando, por exemplo, se ensina uma
criança a comer, não se está infligindo-lhe a gula; uma pessoa que toma bebidas
alcoólicas não é necessariamente alcoólatra. O obeso voraz e o alcoolista
refletem alterações de comportamento mais profundas, reflexos de uma
insatisfação do indivíduo com seu corpo, sua personalidade e com suas relações
familiares e sociais. Dessa forma não como se colocar os transtornos sexuais
(parafilias) num mesmo invólucro, junto aos desejos e as escolhas eróticas.
É interessante pensar que a imagem formulada em torno do corpo
possibilita ao sujeito criar um conceito próprio da sua sexualidade, da sua
masculinidade, da sua feminilidade ou, amesmo, de ambos. Foi o que Giddens
(1993) denominou de “auto-identidade”, como constituinte da sexualidade
humana. Quando o sujeito tem a auto-imagem
17
, o “esquema corporal”
18
e
17
“A imagem do corpo não esta pré-formada, mas é uma ‘estrutura estruturante’ [...] que se forma a
partir das relações mútuas entre organismo e meio (atividade motora e psicomotora) organizando-
se como núcleo central da personalidade” (CHAVES, 1990, p. 12, grifado no original).
18
“O termo ‘esquema corporal’ foi proposto em 1911 pelo neurologista Henry Head, ao se referir
às informações que chegam da periferia corporal e que são registradas continuamente na forma
de esquema, de forma que, a cada momento, se conhece o estado do organismo, sua postura,
sua imagem” (CHAVES, 1990, p. 11, grifado no original).
a identidade sexual, saudavelmente, desenvolvidos, certamente é provável
encontrá-lo mais equilibrado, feliz e saudável.
Atualmente, no contexto mundial, as condutas relacionadas,
indiretamente, à sexualidade humana, como namoro, casamento, família, divórcio,
dentre outros, vêm sendo afetadas pelas transformações da realidade social,
decorrentes das alterações dos princípios éticos, valores morais e normas de
comportamento, historicamente, estabelecidas. De acordo com a análise de Katz
(1996, p. 186-187),
a idéia e a realidade da família estão se ampliando diante dos olhos
atônitos americanos [e da maioria das sociedades mundiais]. Casais de
lésbicas e gays criam seus filhos de casamentos anteriores, ou os
adotam; mulheres heterossexuais solteiras, assim como muitas lésbicas,
engravidam, com a ajuda de um homem obsequioso e tubos de plástico
condutores de esperma. Enquanto a lacuna do gênero entre mulheres e
homens diminui, ocorre o mesmo com a lacuna de orientação sexual. A
convergência da heterossexualidade e da homossexualidade se torna
ainda mais visível. A instabilidade dos relacionamentos homossexuais
(não apoiados pela lei e pela cultura dominante [com exceção de alguns
paises europeus, estados americanos e decisões isoladas de juízes
brasileiros]) não serve mais para distingui-los essencialmente dos muitos
relacionamentos heterossexuais desestabilizados pelo divórcio. (grifado
no original).
Portanto, numa perspectiva histórico-social é possível compreender que
a sexualidade, em sua multideterminação, ainda que vinculada às estruturas
biológicas neuro-anatomo-fisiológicas do homem e da mulher, é uma
construção cultural e histórica, erguida na prática social do viver cotidiano,
estruturando e sendo estruturada pelas RS, e manifestando-se em uma complexa
diversidade do humano.
CAPÍTULO 2
PRAZER E PODER:
DISCURSO DOMINANTE E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
Prazer e poder não se anulam; não se voltam um contra o outro;
seguem-se, entrelaçam-se e se relançam. Encadeiam-se através de
mecanismos complexos e positivos, de excitação e de incitação.
(FOUCAULT, 2006, p. 56).
A Rússia, do início do século XX, foi pródiga na contribuição para a
consolidação do conhecimento, especialmente, das Ciências Sociais. Teóricos
fundamentados no Materialismo Dialético de Marx e Engels como Mikhail
Mikhailovitch Bakhtin (1895-1975), nos estudos sobre a linguagem humana, e Lev
Semenovich Vygotsky (1896-1934) e o seu grupo da escola de Psicologia
Interacionista, Alexander Romanovitch Luria (1902-1977) e Alexei Nikolaevich
Leontiev (1903-1979), deixaram um legado inestimável para os estudiosos e
pesquisadores das Ciências Humanas, em especial, da Educação, Lingüística e
Psicologia.
Bakhtin revolucionou a maneira de se compreender a linguagem e os
estudos e pesquisas nas áreas da lingüística, psicolingüística, sociolingüística e
sociologia da linguagem. O autor apresentou revelações fundamentais sobre as
relações entre ideologia, linguagem e sociedade, e como a linguagem determina a
consciência e atividade mental humana, como um todo. De acordo com Freitas
(1996, p. 134-135),
Bakhtin via a linguagem numa perspectiva de totalidade, integrada à vida
humana. A comunicação verbal não pode dessa forma ser compreendida
fora de sua ligação com uma situação concreta. Essa realidade
multifacetada não pode ser objeto, portanto, de uma simples ciência a
lingüística e ser compreendida através de métodos exclusivamente
lingüísticos. Ao aspecto lingüísticonecessário, mas não suficiente para
a dialogicidade ele acrescenta o contextual. Assim Bakhtin cria uma
disciplina, a metalingüística ou translingüística, para estudar o
enunciado.
Já as pesquisas de Vygotsky, associadas e continuadas por Luria, após
a sua morte em 1934, postularam de forma incontestável, não somente para a
Psicologia, mas para o conhecimento cientifico, em sua globalidade, o
entendimento do homem como ser eminentemente social. Ainda conforme Freitas
(1996, p. 116),
esse pensador marxista que, numa visão de totalidade, integrou os
conhecimentos de um pensamento dialético a princípios da Arte,
Semiótica e Educação, construindo uma Psicologia que concebe o
homem como um sujeito concreto cuja consciência é construída a partir
de sua relação com um meio cultural mediado pela linguagem, parece
que, em muitos aspectos, se adiantou ao seu próprio tempo e, mesmo,
ao nosso.
Ante o exposto, pretende-se realizar uma discussão a respeito do
homem, como ser social, histórico e cultural, e uma interlocução com a teoria de
Bakhtin, Paul-Michel Foucault (1926-1984) e outros pesquisadores da análise do
discurso, e as idéias de diversos autores sobre as RS.
2.1 O Homem: ser social, histórico e cultural
A história social do homem tem sua gênese no feixe de mediações
constituído a partir de necessidades básicas (biológicas), que evoluem para novas
necessidades especiais (sociais). Luria (1991, p. 71) acredita que “via de regra, a
atividade do homem é regida por complexas necessidades, freqüentemente
chamadas de ‘superiores’ ou ‘intelectuais’” (grifado no original). Essas
necessidades sociais diferenciam a espécie humana (homo sapiens) das demais
espécies do reino animal, das quais
a ciência histórica destaca dois fatores, que servem de fonte à transição
da história natural dos animais à história social do homem. Um desses
fatores é o trabalho social e o emprego dos instrumentos de trabalho, o
outro, o surgimento da linguagem. (LURIA, 1991, p. 75, grifado no
original).
No entanto, como em sua forma atual de desenvolvimento lingüístico,
que permite ao ser humano utilizar a língua falada e escrita, o dialogismo, a
polifonia e o enunciado, conforme Bakhtin (2002) concebeu em sua obra
primordial Marxismo e Filosofia da Linguagem (1929-1930) –, a linguagem
aparece em determinado momento da história e na biografia
individual porque as relações que os homens vinham estabelecendo com
o mundo e entre si resultaram na construção de estruturas mentais que,
sustentando a intervenção de uma função semiótica, simbolizadora,
tornaram possíveis ao homem representar mentalmente as situações
vividas (no exato sentido de representar, ou seja, trazer de novo ao
presente). (LOUREIRO, 2003, p. 8, grifado no original).
Nesse processo, resultado da aquisição da linguagem articulada, a
capacidade de representação do mundo, da realidade externa, converte-se no
modo de obtenção e produção do conhecimento, que anteriormente restringia-se
à atividade prática, que os homens “compartilhavam com os outros animais e que
as crianças, antes da aquisição da linguagem, ainda hoje compartilham”
(LOUREIRO, 2003, p. 8). Portanto, a ação representativa do homem, tornou-se a
“marca” do processo evolutivo (filogenético) e desenvolvimental (ontogenético)
humano, para mediar o conhecimento entre as gerações: “ele não necessita
repetir a experiência dos outros homens para beneficiar-se dela como forma de
organizar o seu mundo” (LOUREIRO, 2003, p. 8). Assim sendo, no instante em
que a “função semiótica” começa a agir, ainda que os sujeitos históricos
“continuem utilizando o conhecimento prático, possuem agora a possibilidade do
conhecimento representativo, que amplia ao infinito as suas possibilidades de
organizar o meio para nele viver satisfatoriamente” (LOUREIRO, 2003, p. 8).
Sobre as origens filogenéticas da palavra, que trilhou um caminho
desde a estrutura “simpráxica” à estrutura “sinsemântica” das palavras, Luria
(1987, p. 28) elaborou o chamado Sistema Simpráxico, com o qual explica que
[...] a palavra, nascida do trabalho e da comunicação por este gerada,
nas primeiras etapas da história encontrava-se estreitamente enlaçada
com a prática; isolada desta não teria ainda uma verdadeira existência
independente. [...] nas etapas da pré-história humana, a palavra recebia
sua significação somente inserida na atividade prática concreta. Quando
o sujeito realizava algum ato laboral concreto, elementar, juntamente com
outros indivíduos, a palavra entrelaçava-se com este ato. (LURIA, 1987,
p. 28).
Nesse percurso, na filogênese da aquisição e do desenvolvimento da
linguagem da espécie humana, compreendida numa perspectiva interacionista,
Luria (1991, p. 79-80) acredita que havia uma
[...] estreita ligação com o gesto e o ato e por isto o mesmo complexo de
sons (ou “protovocábulo”) podia designar o objeto para o qual a mão
apontava, a própria mão e a ação produzida com esse objeto. depois
de muitos milênios a linguagem dos sons começou a separar-se da ação
prática e a adquirir independência. É a essa época que pertence o
surgimento das primeiras palavras autônomas, que designavam objetos
e bem mais tarde passaram a servir para distinguir as ações e as
qualidades dos objetos. Surgiu a língua como um sistema de códigos
independentes, que durante um longo período histórico posterior de
desenvolvimento assumiu a forma que distingue as nguas atuais.
(grifado no original).
E, define a Estrutura Sinsemântica (LURIA, 1987, p. 29), como um
conjunto de signos lingüísticos que foram entrelado-se um a um, por intermédio
de seus significados”, e que nesse processo vêm construindo um sistema de
digos e sinais, os quais permitem ser apreendidos ainda que em situações
desconhecidas. Para tanto, Luria (1991, p. 78) entende a linguagem como um
sistema de códigos por meio dos quais são designados os objetos do
mundo exterior, suas ações, qualidades, relações entre eles, etc. [...] as
palavras, unidas em frases, são consideradas os principais meios de
comunicação mediante os quais o homem conserva e transmite
informação e assimila a experiência acumulada por gerações inteiras de
outras pessoas. (grifado no original).
Em relação à ontogênese da linguagem, Bakhtin (2002, p. 95; 106),
também, chama a atenção para a importância da “palavra” e a distinção entre os
conceitos de “significação” e “sentido”, que nela estão contidos, pois
a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido
ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e
somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias
ideológicas ou concernentes à vida. [...] O sentido da palavra é
totalmente determinado por seu contexto. De fato, tantas
significações possíveis quantos contextos possíveis. No entanto, nem
por isso a palavra deixa de ser una. Ela não se desagrega em tantas
palavras quantos forem os contextos nos quais ela pode se inserir.
(grifado no original).
Conforme acredita Bakhtin (2002), a existência da palavra é o seu
movimento de passagem entre locutores e interlocutores, de contextos diversos,
de grupos variados, de geração para geração. Sendo que a palavra jamais
“esquece” seu percurso, fato que não permite que ela se desenlace inteira e
totalmente das circunstâncias concretas, dinâmicas e reais, nas quais está
inserida. Para Bakhtin (apud CLOT, 2006, p. 226),
se interessa-se pela polissemia da palavra é como reavaliação
permanente de sua unicidade. Para ele, a significação real da palavra se
libera de sua significação literal no contato com a vida; mas, longe de
anular essa significação formal, ela a coloca em movimento, a deforma,
a transforma, a povoa de reavaliações sucessivas no decorrer de uma
evolução histórica da qual a palavra, finalmente, guarda a memória.
Luria (1987), concorda com as noções de “significação” e “sentido” em
Bakhtin (2002), apontando para o valor do desenvolvimento da palavra durante a
existência do sujeito histórico, ao afirmar que “significado” é um
sistema de relações que se formou objetivamente no processo histórico
e que está encerrado na palavra. [...] sistema estável de generalizações,
que se pode encontrar em cada palavra, igualmente para todas as
pessoas. Este sistema pode ter diferente profundidade, diferente grau de
generalizações, diferente amplitude de alcance dos objetos por ele
designados, mas sempre conserva um “núcleo” permanente, um
determinado conjunto de enlaces. (LURIA, 1987, p. 45, grifado no
original).
E, juntamente ao conceito de “significado”, distingue o termo “sentido”,
designando-o como o significado individual da palavra, separado deste sistema
objetivo de enlaces; este está composto por aqueles enlaces que têm relação
com o momento e a situação dados” (LURIA, 1987, p. 45, grifado no original).
Na vivência das verbalizações dialógicas por intermédio das quais,
historicamente, a humanidade vem produzindo significação generalizada e
sentido contextualizado das palavras, Clot (2006, p. 222-223) acredita que
a experiência verbal do homem é um processo de assimilação mais ou
menos criativo das palavras de outro e não das palavras da língua em si
mesmas. Nossa fala é repleta das palavras do outro e nossos
enunciados se caracterizam, em diferentes graus, pela alteridade ou pela
assimilação, por um emprego idêntico ou demarcado, retrabalhado ou
desviado das palavras do outro. Para agir no mundo, vivemos no
universo das palavras do outro e toda a nossa vida consiste em
orientarmo-nos nesse universo, a enfrentarmos um duro combate
dialógico nas fronteiras flutuantes entre as palavras do outro e as
palavras próprias.
Mais uma vez, em referência à ontogênese do desenvolvimento e
aquisição da linguagem, especificamente sobre o processo de comunicação da
língua falada e escrita, materna ou estrangeira, assimilado de geração após
geração, Bakhtin (2002, p. 108) afirma que
na verdade, a língua não se transmite; ela dura e perdura sob a forma de
um processo evolutivo contínuo. Os indivíduos não recebem a língua
pronta para ser usada; eles penetram na corrente de comunicação
verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que
sua consciência desperta e começa a operar. É apenas no processo de
aquisição de um língua estrangeira que a consciência constituída
graças à língua materna – se confronta com uma língua toda pronta, que
lhe resta assimilar. Os sujeitos não “adquirem” sua língua materna; é
nela e por meio dela que ocorre o primeiro despertar da consciência.
(grifado no original).
Para Bakhtin (2002), o mesmo sujeito (ser humano) que constitui a
linguagem é constituído por ela, numa relação dialética e histórico-cultural. E, de
acordo com Camargo (2006, p. 224-225),
sob a perspectiva de Bakhtin [...], a constituição do sujeito dá-se através
da linguagem, ancorada nas condições de produção e no domínio dos
signos, que coincidiria com o domínio do ideológico. Este autor discute a
respeito da dialogia e indeterminação do sujeito, além de trazer o
conceito de intersubjetividade e representação. Para ele, a constituição
do sujeito está diretamente relacionada à questão das relações
intersubjetivas, tendo em vista que os homens só existem nas interações
sociais e a dialogia é inerente à formação desse homem no grupo social,
a partir da representação que esse grupo faz dele. [...] Cada sujeito, para
Bakhtin, existe na relação com o outro, a partir dos processos
dialógicos. Ao incorporar as palavras dos outros transformando-as em
palavras próprias, os sujeitos vão se constituindo e isto ocorre
indubitavelmente nas relações.
Portanto, é na interlocução que se dão a produção dos sentidos e a
constituição do sujeito, sendo que os sentidos formam-se nos espaços
discursivos, que são constituídos socialmente em um determinado
momento histórico. Assim, o sentido e o sujeito são sempre
indeterminados e se completam no processo de interlocução, no espaço
discursivo e pela historicidade da linguagem [...].
na abordagem de Vygotsky (2000), é possível estabelecer um
paralelo entre o desenvolvimento filogênico e o ontogênico na aquisição da
linguagem humana. Ambos são processos dialéticos através dos quais o sujeito,
no convívio social, transforma e é transformado pelos objetos da realidade
externa (concreta) “instrumentos de trabalho” que o homem primitivo, movido
por necessidades biossociais, confeccionou e utilizou; e brinquedos, jogos e/ou
utensílios do cotidiano doméstico, para os bebês nascidos nas sociedades
dotadas de linguagem – que os representa em forma de símbolos, signos mentais
(abstratos). Todavia, o autor alerta que apesar da possível analogia, existe uma
distinção entre os dois processos. Na filogênese, a linguagem humana estava
sendo adquirida em decorrência da relação entre o desenvolvimento da
estruturada neuro-anatômica e fisiológica e as interações sociais, produzindo as
primordiais representações por símbolos. Enquanto que na ontogênese a
interação entre os sujeitos históricos é mediada por todo o patrimônio histórico-
cultural, material e de “significados” (BAKHTIN, 2002; LURIA, 1987), comunicado
dialeticamente de geração em geração, e por sua vez mediados pelos
“sentidos” (BAKHTIN, 2002; LURIA, 1987) que os adultos lhes atribuem, os quais
são internalizados pelas crianças no momento da aquisição lingüística. Para
Leontiev (apud CLOT, 2006, p. 235),
o indivíduo encontra diante de si todo um oceano de riquezas
acumuladas ao longo dos séculos por inumeráveis gerações de homens,
únicos seres sobre nosso planeta que são criadores. As gerações
desaparecem e se sucedem, mas o que criaram passa às seguintes que,
por sua vez, multiplicam e aperfeiçoam a herança da humanidade.
Portanto, é por intermédio dessa aptidão mental de “representar” a
realidade à sua volta e de refazê-la continuamente, condição essencialmente
humana que as inúmeras e distintas maneiras de criar “saberes”, são
produzidas: “o senso comum, a consciência filosófica, o conhecimento científico
como também a representação social” (LOUREIRO, 2003, p. 8). E, é calcado na
habilidade de “representação” que a humanidade tornou possível a preservação e
registro de todo o conhecimento – as crenças populares, as filosofias, as artes, as
ciências, dentre outras – e sua mediação entre os que vivem o momento presente
e a comunicação para as futuras gerações: “a partir do advento da linguagem,
possibilitada pela representação, não é necessário mais reinventar o que foi
inventado nem em espaços nem em tempos diferentes do aqui e agora [...]”
(LOUREIRO, 2003, p. 8-9).
Segundo Clot (2006, p. 235), é por intermédio de uma ação apropriada,
que o sujeito histórico se reapropria do patrimônio cultural produzido por todas as
gerações que o precederam. O que é real para o “instrumento”, também vale para
a linguagem como processo de intervenção da “mediação” de suas relações com
outras pessoas. Para Leontiev (apud CLOT, 2006, p. 235),
aprender uma língua não é outra coisa que aprender a efetuar com
palavras as operações que estão historicamente fixadas em suas
significações. [...] É por meio desse processo que o homem faz a
aprendizagem de uma atividade adequada. Portanto, esse processo é,
por sua função, um processo de educação. (grifado no original).
O processo histórico-dialético que possibilitou o surgimento da
linguagem, por sua vez, permitiu o desenvolvimento da chamada “atividade
consciente do homem” (LURIA, 1991) ou “funções psicológicas superiores”
(VYGOTSKY, 2000) ou “funções de representação” (GOULART, 2000)
19
, no
indivíduo que envolvem: pensamento, imaginação, intenção, memória, atenção,
concentração, percepção, capacidade de abstração, discriminação e
generalização, dentre outras e as representações “coletivas”
20
, de Émile
Durkheim (1858-1917), ou “sociais” (MOSCOVICI, 1978) nos grupos sociais, que,
conseqüentemente, desencadearam a estruturação da sociedade “civilizada”.
19
Fundamentada na teoria do biólogo e epistemólogo suíço, Jean Piaget (1896-1980),
considerado um dos maiores psicólogos, de todos os tempos.
20
(BARSA, 2002, p. 267; MOSCOVICI, 1978, p. 42).
“As representações individuais ou sociais fazem com que o mundo seja o que
pensamos que ele é ou deve ser. Mostram-nos que, a todo instante, alguma coisa
ausente se lhe adiciona e alguma coisa presente se modifica” (MOSCOVICI,
1978, p. 59). Segundo argumenta Freitas (2006, p. 173),
[...] a transformação do indivíduo se processa não por uma dotação
biológica inata nem por ações isoladas sobre os objetos do mundo, mas
pela dinâmica social característica de cada modelo histórico, por
intermédio das relações inter e intrapessoais que se estabelecem
reciprocamente. A internalização do conhecimento socialmente
construído e sua reelaboração individual são mediadas pela linguagem,
[...] pois modificam as ações da pessoa pela transformação que introduz
tanto em suas relações consigo, quanto nas relações com as demais
pessoas. É o constante entrelaçar da história social com a história
individual.
Em função do “caráter” eminentemente social da “natureza” humana,
que fundamenta as idéias de todos os autores mencionados até aqui, pode-se
argumentar uma “multideterminação do humano”, que descarta “três mitos
filosóficos”: “do homem natural”, possuidor de uma essência original; “do homem
isolado”, não-social; e “do homem abstrato”, possuidor de atributos ou
propriedades universais (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002, p. 167). Na
perspectiva de Marx (1991, p. 90-91),
naturalmente, é fácil imaginar uma pessoa poderosa, fisicamente
superior, que primeiro captura animais e depois captura homens para
fazê-los apanhar mais animais para si. Em suma, alguém que use os
homens como uma condição natural preexistente de sua reprodução,
como qualquer outro ser da natureza; o seu próprio trabalho esgota-se
no ato de dominação. Mas este modo de ver é estúpido, embora possa
ser correto do ponto de vista de uma dada entidade tribal ou comunal,
pois toma o homem isolado como ponto de partida. O homem é
individualizado, porém, mediante o processo histórico. Originalmente, ele
se mostra como um ser genérico, um ser tribal, um animal de rebanho
embora, de modo algum, como um “animal político” no sentido político
do termo. A troca, em si, é um agente principal desta individualização.
Torna supérfluo o caráter gregário e o dissolve. A situação é de tal
ordem que um homem, como pessoa isolada, mantendo relações
apenas consigo mesmo, não terá outro meio de estabelecer-se como um
indivíduo isolado senão através daquilo que lhe seu caráter geral,
comunal. (grifado no original).
Corroborando com essas idéias, a teoria das RS pode contribuir com a
compreensão da capacidade humana de naturalizar tudo aquilo que é uma
formação social, por meio das “duas operações essenciais” do “processo de
objetivação”: a “naturalização” e a “classificação” (MOSCOVICI, 1978). Na primeira
operação ocorre “um salto imaginário que transporta os elementos objetivos para
o meio cognitivo e prepara para eles uma mudança fundamental de status e
função. Naturalizados, [...] reproduzem a fisionomia de uma realidade quase física”
(MOSCOVICI, 1978, p. 113, grifado no original). O aspecto teórico, conceitual, do
conjunto de elementos no qual eles fazem parte deixa de ser relevante,
juntamente com sua dimensão social. E, na segunda operação, um empenho
em “classificar”,
que coloca e organiza as partes do meio ambiente e, mediante seus
cortes, introduz uma ordem que se adapta à ordem preexistente,
atenuando assim o choque de toda e qualquer nova concepção. Quer
seja adaptada aos seres, aos gestos ou aos fenômenos, a classificação
responde a uma necessidade fisiológica. Trata-se de cortar o fluxo
incessante de estimulações para se conseguir chegar a uma orientação
e uma decisão sobre quais os elementos que nos são sensorial ou
intelectualmente acessíveis. É imposta uma grade que permite
denominar os diferentes aspectos do real e, por seu intermédio, defini-lo.
Se aparece uma grade diferente, suas novas denominações são
associadas às entidades existentes, que elas ajudam a redefinir.
(MOSCOVICI, 1978, p. 113).
Nesse sentido, a compreensão de que a sexualidade e a Educação
Sexual (ES), formal, podem ser concebidas “naturalmene”, de forma “natural” ou
com “naturalidade”, são percebidos no discurso de algumas PA, sobre o trabalho
de “orientar”, sexualmente, os alunos na escola, conforme pode ser verificado nas
respostas que seguem:
Seriam as informações dadas pelo professor de maneira natural [...].
Tratando deste assunto de forma natural, pois faz parte nós como seres
humanos. (PA8).
[...] isso será um processo natural de transferência de experiência e
conhecimentos. (PA13).
Acho que devemos tratar o assunto com naturalidade [...]. Proporcionando
aos alunos a compreensão do tema com naturalidade. (PA16).
Se a criança pergunta ela tem naturalidade para receber a resposta. (PA17).
Deixar tudo ocorrer naturalmente [...]. (PA19).
Vivência saudável é propiciar um ambiente adequado para a criança
com respeito e com comportamento natural. [...] Eu entendo que se deve
agir de forma que atenda a todos sem distinção e pré-conceitos, de
forma natural. (PA14).
Vivência saudável seria tratar o assunto com naturalidade, [...] ensinar
que tudo tem seu tempo de acontecer. [...] esclarecendo somente aquilo
que seu aluno precisa saber naquele momento. (PA20).
Sendo assim, “a naturalização surge sob a forma de idéias que afirmam
que as coisas são como são porque é natural que assim sejam. As relações
sociais passam, portanto, a ser vistas como naturais [...]” (CHAUÍ, 2001, p. 221).
Do mesmo modo, é possível inferir que a tendência
21
humana à naturalização da
realidade social recai sobre todas as manifestações comportamentais por
intermédio do discurso dominante, ou seja, a ideologia, que pode ser definida por
um conjunto de idéias e representações que constituem o imaginário particular
alçado à condição de universal, o qual oculta a gênese histórica da sociedade.
Conforme afirma Chauí (2001, p. 220),
a inversão entre causa e efeito, princípio e conseqüência, condição e
condicionado leva à produção de imagens e idéias que pretendem
representar a realidade. As imagens formam um imaginário social
invertido um conjunto de representações sobre os seres humanos e
suas relações, sobre as coisas, sobre o bem e o mal, o justo e o injusto,
os bons e os maus costumes, etc. Tomadas como idéias, essas imagens
ou esse imaginário social constituem a ideologia. A ideologia é um
fenômeno histórico-social decorrente do modo de produção econômico.
Complementando a idéia de ideologia, que nasce dentro de cada
cultura humana, Roque Laraia recorrendo as contribuições de Alfred Kroeber
parte de uma concepção antropológica, na tentativa de ampliar o conceito de
cultura, e afirma que a dimensão cultural “[...] mais do que a herança genética,
determina o comportamento do homem e justifica as suas realizações” (LARAIA,
1988, p. 49). No entanto, apesar de a cultura ser ela própria “a natureza do
homem”, historicamente, as representações sociais, decorrentes desses
discursos, tendem a postular que o comportamento humano, em geral, é “natural”,
isto é, biologicamente determinado. Tal concepção tende a perpetrar o que é
socialmente considerado “normal”
22
como natural, normatizado, posto que, toda a
21
“Tendência compreensível, uma vez que se fundamenta no dado, no aparente, no perceptível.
A compreensão da historicidade não é dada à percepção, mas construída pelo pensamento”
(Orientação dada, por escrito, pelo Prof. Dr. Marcos C. da S. Loureiro, em maio de 2008).
22
“O que é uma continncia da condição humana: o homem toma o bonde da cultura ‘andando’, já
no caminho; desconhece sua origem e seus fins e, por isso, sua história, conferindo-os, assim, à
natureza. o conhecimento da história revela seu caráter de construção social e cultural
(Orientação dada, por escrito, pelo Prof. Dr. Marcos C. da S. Loureiro, em novembro de 2007,
grifado no original).
conduta humana, inclusive, a sexual é produção sociocultural, historicamente
estabelecida. Compete, para tanto, apresentar a afirmação de Berger e Luckmann
(2002, p. 73), que se segue:
se o termo “normalidade” tem de referir-se ou ao que é
antropologicamente fundamental ou ao que é culturalmente universal
então nem esse termo nem o antônimo dele pode ser aplicado com
sentido às formas variáveis da sexualidade humana. Ao mesmo tempo, é
claro, a sexualidade humana é dirigida, às vezes de maneira rigidamente
estruturada, em cada cultura particular. Toda cultura tem uma
configuração sexual distintiva, com seus próprios padrões especializados
de conduta sexual e seus pressupostos “antropológicos” na área sexual.
A relatividade empírica dessas configurações, sua imensa variedade e
exuberante inventividade indicam que são produtos das formações
sócio-culturais próprias do homem e não de uma natureza humana
biologicamente fixa. (grifado no original).
Posto isso, é possível compreender que o discurso determina e é,
dialeticamente, determinado pelas RS de prazer e poder. E que, histórica e
culturalmente, tanto o discurso como a RS de prazer/poder foram exercidos pelas
próprias relações, que mesclam, para mais ou menos, o prazer e o poder
vivenciados por homens e mulheres, geração após geração. Neste entendimento,
a partir deste ponto, iniciar-se-á uma discussão a respeito das possibilidades de
interlocuções entre as pesquisas que analisam o Discurso e a teoria das RS.
2.2 A análise do Discurso e a teoria das Representações Sociais:
uma interlocução possível
Neste ponto da discussão, é fundamental enfatizar a tentativa de se
“entrecruzar” a análise do Discurso com a teoria das RS, iniciando com o
entendimento de que Foucault (1998; 2001; 2006) é um observador crítico do
discurso do poder. Haja vista que em todas as suas obras ele analisa de maneira
incisiva as relações de poder e resistência à dominação, constituídas pelos
discursos das ideologias dominantes. Como assinala o autor,
[...] é necessária uma representação muito invertida do poder, para nos
fazer acreditar que é de liberdade que nos falam todas essas vozes que
tanto tempo, em nossa civilização, ruminam a formidável injunção de
devermos dizer o que somos, o que fazemos, o que recordamos e o que
foi esquecido, o que escondemos e o que se oculta, o que não
pensamos inadvertidamente. Imensa obra a que o Ocidente submeteu
gerações para produzir enquanto outras formas de trabalho garantiam
a acumulação do capital a sujeição dos homens, isto é, sua
constituição como “sujeitos”, nos dois sentidos da palavra. (FOUCAULT,
2006, p. 69, grifado no original).
Seguindo a discussão, agora sob o ponto de vista bakhtiniano, é
possível conceber que as RS são constituídas pelo “princípio da heterogeneidade”
dialógica ou discursiva, pois
[...] o discurso é tecido a partir do discurso do outro, que é o “exterior
constitutivo”, o “já dito” sobre o qual qualquer discurso se constrói. Isso
quer dizer que o discurso não opera sobre a realidade das coisas, mas
sobre outros discursos. Todos são, portanto, “atravessados”, “ocupados”,
“habitados” pelo discurso do outro [...]. Por isso, a fala é
fundamentalmente, constitutivamente heterogênea. Sob a palavra,
outras palavras. A palavra do outro é condição de constituição de
qualquer discurso [...]. Observe-se que o conceito de heterogeneidade é
uma maneira de precisar teoricamente o conceito bakhtiniano de
dialogismo. (FIORIN, 2002, p. 45, grifado no original).
Sendo assim, compreende-se que Bakhtin (2002), como atesta Lopes
(2003, p. 74), considera o existir “posições ideológicas abstratas”, e acredita,
ainda, que toda “enunciação” é uma prática coletiva, portanto, eminentemente social,
que expressa um sentido para as pessoas de um mesmo grupo (ou categoria). E,
esse “sentido” é possível graças às RS que atendem às “demandas da
cotidianidade”, pois um mesmo fenômeno social poderá ser representado de
acordo com sua maior ou menor relevância para a continuidade da existência
cotidiana da coletividade observada (LOUREIRO, 2003, p. 9-10). Para Loureiro
(2003, p. 11),
um conjunto de representações formado dessa maneira integra o núcleo
das representações que os homens fazem da realidade, que têm, por
isso, uma resistência muito grande à mudança. Exatamente porque se
formaram em um estágio da vida humana no qual a reflexão ainda não
era possível e continuam se mostrando úteis para a continuidade da vida
[...]. Integram esse conjunto de representações preconceitos, juízos e
valores, carregados de conteúdo afetivo, que se aprenderam como
formas únicas e definitivas de interpretar a realidade [...]. Por outro lado,
faz parte da própria continuidade da vida o pertencimento a grupos
sociais além da família, a partir da socialização secundária iniciada, por
exemplo, com a entrada na escola. Há, pois, significações oriundas de
outros grupos, que passam a compor os nossos sistemas de
significações, incorporando-se às originalmente aprendidas. [...] O
núcleo primitivo de representações constitui uma espécie de matriz à
qual são incorporadas novas representações, [...] que Moscovici (1978)
denominou a ancoragem do novo, que passa, assim, por uma
remodelação que o torne compatível com o existente, mesmo que
essa remodelação implique, às vezes, completa descaracterização do
novo. [...] Pela ação das representações sociais, os homens têm,
portanto, uma força insuspeitada de moldar à sua maneira os novos
conhecimentos com os quais se vêm confrontados e o fazem até que
esses novos conhecimentos se encaixem satisfatoriamente nos seus
próprios sistemas de explicação da realidade.
De acordo com Fiorin (2002) e Silva (2002), tanto Bakhtin quanto
Foucault poderiam ser descritos o primeiro como precursor e o segundo como
representante da análise do Discurso. Conforme afirma Silva (2002, p. 9-10; 11),
ambos os teóricos, demonstram
como o discurso é moldado pelas relações de poder e ideologia. Trata-
se de uma orientação em direção a um enfoque de língua, que associa a
análise de textos (orais e escritos) com a teoria de funcionamento da
linguagem em processos ideológicos, evidenciados nas práticas
discursivas. Entre as propostas teóricas que constituem uma
contribuição para análise do discurso enquanto método de estudo crítico,
bem como um aporte para a compreensão do conceito de discurso,
destaca-se a de Michael Foucault, cujas idéias contemplam aspectos
associados às maneiras com que as pessoas em geral produzem seus
textos quando falam ou escrevem. [...] as formações discursivas
delimitam aquilo que pode ou deve ser dito, obviamente em um dado
contexto. Pode-se afirmar que as palavras mudam de sentido conforme
as condições propícias dentro de uma repartição discursiva. Além disso,
evocando o conceito bakhtiniano do dialogismo na linguagem, cabe,
aqui, acrescentar que a palavra do outro implica uma condição para a
construção de qualquer discurso [...].
Não obstante, vale ressaltar, que as concepções de Foucault (1998;
2001; 2006) o excepcionalmente relevantes para a análise do Discurso, pois
consoante as descrições do pesquisador francês, um discurso é um conjunto de
enunciados que guarda preceitos de proporcionalidade numa mesma construção
discursiva. Todavia, é Bakhtin (2002) que revela a verdadeira natureza discursiva
da linguagem, pois, sendo assim, a língua, falada e escrita, renuncia à sua
característica monológica para adquirir um papel categórico, de caráter dialógico,
nas interações verbais. Bakhtin (2002) declara, ainda, que a verdadeira essência
da língua é constituída pelo fenômeno social da interação verbal, realizada por
meio das enunciações verbais, em cujas manifestações o discurso ideológico
começará a existir. O estudo das formações discursivas busca explicitar as
determinações sociais do discurso, bem como os seus efeitos sobre as diversas
manifestações discursivas.
Dada à sua característica multidisciplinar, os estudos do discurso não
se restringem a uma única disciplina ou área do conhecimento. Nesta direção, as
pesquisas acadêmico-científicas que encontram na análise do Discurso sua
fundamentação teórico-metodológica, buscam na língua, no texto e no contexto do
sujeito a sua reconstrução sócio-cultural e histórica. Neste sentido, ao reunir a
reflexão da linguagem à história, tal pesquisa torna o Discurso um objeto de
investigação não somente para estudiosos da lingüística, mas, também, para
historiadores, antropólogos, sociólogos, psicólogos e educadores de diversas
áreas do conhecimento. E possível inferir, também, que nos estudos da análise
do Discurso, o sujeito não é percebido somente como um agente do processo,
mas um ator (protagonista) que constrói e é construído pelos processos
discursivos, fundamentados na ideologia.
Os estudiosos do Discurso acreditam que o homem é julgado por sua
capacidade de socializar-se em certas estruturas sócio-culturais, nas quais a
linguagem constitui-se como o primordial meio de comunicação e manifestação
do caráter, eminentemente, social do ser humano. Neste entendimento, é possível
perceber que as subjetividades humanas e o uso lingüístico passam a ser
avaliados por sua expressão em contextos culturais, históricos e sociais, além de
serem orientados pelas relações de poder. Dessa maneira, tanto as crenças e o
conhecimento, como as relações e identidades, sociais e sexuais, são construídas
a partir dos resultados dos discursos, efeito este que, geralmente, não é evidente
aos enunciadores e interlocutores do discurso.
As pesquisas sobre o Discurso se propõem a examinar as condições
materiais e as conseqüências cognitivas e sócio-afetivas, nas quais estão
incluídas as formações discursivas de resistência à dominação, no intuito de
introduzir nova ética social e política na pesquisa acadêmico-científica. De acordo
com Eni Orlandi (1992, p. 101-102), ao colocar-se entre as investigações da
lingüística e das ciências sociais, a análise de discurso propõe-se a compreender
a importância das manifestações do silêncio
23
no movimento da formação dos
sentidos, além de procurar desmanchar
o falso dilema entre forma e conteúdo, criticando tanto o formalismo
como o conteudismo. Ela se propõe trabalhar a forma-sujeito, isto é, o
sujeito tal como é definido historicamente no imaginário da sociedade, e
a forma-do-sentido, considerando que os dois são determinados
historicamente em seus processos de constituição e funcionamento.
Não se privilegia, em discurso, nem a forma nem o conteúdo em si mas
se considera a “forma material” tanto do sujeito quanto do sentido.
Quando dizemos forma material, vale ressaltar que não pensamos na
forma abstrata, mas na forma que é lingüística e histórica.
Por não reproduzir essa dicotomia (forma/conteúdo) podemos nos instalar
na reflexão que trabalha a materialidade discursiva. (ORLANDI, 1992,
p. 184, grifado no original).
A pesquisa voltada para a análise do Discurso tem, ainda, por finalidade
um procedimento racional, um método científico, que opere em um
“descortinamento”, que por sua vez desvele a realidade, ou seja, interpretar o
“encoberto” nas formações discursivas que, por diversos motivos, não são
percebidas de imediato. Tal pesquisa almeja dar visibilidade àquilo que antes era
invisível e tido como “natural”. Em função disso, as investigações discursivas
costumam abrigam temas sociais e políticos de maior relevância como sexismo e
racismo, desigualdades sociais cuja natureza carece de estudos detalhados para
descobrir como se legitimam, como se naturalizam e como se reproduzem as
estruturas de poder nos textos falados e escritos. Dessa forma, a relação entre
discurso e estrutura social precisa obrigatoriamente ser dialética, para que não
haja a concentração imerecida na indeterminação social e/ou na construção do
discurso que não tem sua gênese somente em crenças e idéias, porém, nas
práticas sociais calcadas em concretas estruturas materiais.
Tais estudos possibilitam, em última análise, outras adesões aos
estudos críticos ao concentrarem suas investigações no poder institucional, na
dominação masculina, no racismo e em outros temas de relevância social. Por
isto, um grande quantitativo da produção científica, fundamentada na análise do
23
“O sentido do silêncio varia, isto é, ele é tão ambíguo quanto as palavras. O silêncio imposto
pelo opressor é exclusão, é forma de dominação enquanto que o silêncio proposto pelo
oprimido pode ser uma forma de resistência. Ambos produzem rupturas desejadas ou não
desejadas” (Orientação dada, por escrito, pela Prof. Drª. Orlinda M. de F. Carrijo Melo, em
dezembro de 2007).
Discurso, volta-se para o resgate de ideologias que desempenham um papel
relevante na reprodução e/ou na resistência à dominação.
Nesse sentido, qualquer “instrumento de produção”, inclusive o
acadêmico-científico, pode se “revestir de um sentido ideológico” (BAKHTIN,
2002, p. 32). Segundo Bakhtin (2002, p. 33; 34; 36),
cada signo ideológico é não apenas um reflexo, uma sombra da
realidade, mas também um fragmento material dessa realidade. [...] Um
signo é um fenômeno do mundo exterior. [...]. [...] a própria consciência
pode surgir e se afirmar como realidade mediante a encarnação
material em signos. [...] A consciência só se torna consciência quando se
impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e, conseqüentemente,
somente no processo de interação social. [...] Se privarmos a
consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada. A
imagem, a palavra, o gesto significante, etc. constituem seu único abrigo.
[...] Mas esse aspecto semiótico e esse papel contínuo da comunicação
social como fator condicionante não aparecem em nenhum lugar de
maneira mais clara e completa do que na linguagem. A palavra é o
fenômeno ideológico por excelência. (grifado no original).
De acordo com Marina Yaguello na introdão acrescentada a
Marxismo e Filosofia da Linguagem, de Bakhtin “a palavra veicula, de maneira
privilegiada, a ideologia; [...] as transformações sociais de base refletem-se na
ideologia e, portanto, nangua que as veicula. A palavra serve como ‘indicador’ das
mudanças” (YAGUELLO, 2002, p. 17, grifado no original). É uma relação dialética,
de reciprocidade. E, a proposta bakhtiniana justifica, portanto, que as alterações
na prática discursiva desencadeiam transformações na prática social, e,
reciprocamente, uma mudança na ação social promove alteração na prática dos
discursos.
2.3 Discurso do Poder e Representões Sociais de Sexualidade
O poder, enquanto discurso, está presente em todos os espaços e em
todas as instâncias sociais. E, ainda que não envolta tudo, ele é proveniente de
todos lugares. O poder não se configura em uma estrutura ou instituição, e nem é
uma dádiva ou dotação de que alguns poucos privilegiados o possuidores: “é o
nome dado a uma situação estratégica complexa numa sociedade determinada”
(FOUCAULT, 2006, p. 103).
a sexualidade, por ser uma manifestação que se conduz mais pela
emoção, em detrimento da razão, é algo muito mais passível de ser dominado e/ou
controlado por quem detém o poder, como mencionado na introdução desta
dissertação. De acordo com Michel Foucault, em sua obra, citada, História da
Sexualidade I – a vontade de saber (1977),
a sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não
à realidade subterrânea que se apreende com dificuldade, mas à grande
rede da superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação
dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos, o
reforço dos controles e das resistências, encadeiam-se uns aos outros,
segundo algumas grandes estratégias de saber e de poder.
(FOUCAULT, 2006, p. 116-117).
Cabe, aqui, destacar a idéia de Foucault, em sua outra grande obra,
Vigiar e Punir (1977), de que “houve, durante a época clássica, uma descoberta
do corpo como objeto e alvo do poder [...] corpo que se manipula, se modela, se
treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multiplicam”
(FOUCAULT, 1998, p. 117). E, sobre o tratamento dado ao corpo humano e às
formas de repressão à sexualidade, pela sociedade capitalista, Chauí (1991, p.
224), também, sentencia que
o corpo é uma abstração corpo é o que temos na relação com os
outros no interior de uma sociedade dividida em classes (isto é, os
discursos da libertação sexual do corpo são abstratos); os conflitos
interclasses (a luta de classes), interpessoais, intersubjetivos e
intersexuais são determinantes na repressão sexual [...]. (grifado no
original).
Com efeito, pode-se dizer que as instituições sociais, em especial as
capitalistas, exercem controle sobre o sujeito, ou melhor, que a disciplina imposta
pelos grupos sociais fabrica “os corpos dóceis” (FOUCAULT, 1998), disciplinados
e normatizados pela “ciência”, a serviço do poder político e da exploração
econômica. Não obstante, segundo o esclarecimento de Foucault (2006, p. 108-
109), não se deve
[...] considerar que existe um certo domínio da sexualidade que
pertence, de direito, a um conhecimento científico, desinteressado e
livre, mas sobre o qual exigências do poder – econômicas ou ideológicas
fizeram pesar mecanismos de proibição. Se a sexualidade se
constituiu como domínio a conhecer, foi a partir de relações de poder
que a instituíram como objeto possível; e em troca, se o poder pôde
toma-la como alvo, foi porque se tornou possível investir sobre ela
através de técnicas de saber e de procedimentos discursivos.
Dito isso, vale enfatizar que na sociedade capitalista, o “corpo” é um
ente privilegiado para o uso do poder, e as ciências médicas, jurídicas e
econômicas comprovam a freqüência de técnicas e teorias que buscam configurar
o corpo humano ao domínio do que pode ser observado, controlado,
experimentado, manipulado, treinado, enfim, condicionado (CHAUÍ, 1991, p. 167).
Segundo Chauí (1991, p. 167), o corpo é
considerado pelo direito civil como propriedade alienável num contrato
(de casamento, de trabalho); pela economia, como força de trabalho,
força produtiva ou instrumento; pela medicina, como conjunto de funções
e disfunções; pela escola e instituições “reformatórias” como
disciplináveis; pelo consumo, como espetáculo, o corpo é o lado menor,
a parte inferior, curiosamente útil (pelo trabalho), carente (pelo desejo) e
perigosa. (grifado no original).
Assim como essas ciências, a filosofia e a religião, ainda, fixam uma
distinção visível entre mente e corpo, espírito e matéria, pessoa e meio, sujeito e
objeto, e mantêm relações de dominação e hierarquia entre essas instâncias. Tais
vinculações de superioridade/inferioridade surgem tanto nas relações inter como
nas intrapessoais, quando as pessoas acreditam que a razão, a inteligência, e
mesmo a emoção, os afetos, instâncias superiores, comandam o corpo, inferior,
frágil e vulnerável. Logo, “ser adulto, normal e racional” é concretizar tal domínio
(CHAUÍ, 1991, p. 167-168). Novamente, de acordo com a afirmação de Chauí
(1991, p. 168),
de modo geral, filosofia e ciência distinguem entre os dois termos e as
duas realidades considerando o corpo coisa física e biológica (portanto,
mecânica e orgânica), submetido a leis necessárias e desprovido de
liberdade, enquanto a consciência ou espírito, imateriais, constituem o
que chamamos de sujeito ou subjetividade, isto é, a capacidade de
pensar, refletir (pensar-se a si mesmo) e decidir ou escolher, portanto
como vontade autônoma ou liberdade. (grifado no original).
Liberdade e aprisionamento, dominação e submissão, são
contingências paradoxais pelas quais o ser ontológico corpóreo, sexual, afetivo,
racional, espiritual e social –, está sujeito. No entanto, ao “poder” interessa o
ser corpóreo (o corpo), de preferência, assexuado, suscetível ao aprisionamento e
à submissão. Pois, de acordo com a compreensão de Gregolin (2006, p. 44),
o poder quer gerir, controlar, aumentar a produtividade dos corpos
(objetivo econômico e político). Para conseguir essa gestão e controle,
criaram-se as sociedades disciplinares, por meio da organização do
espaço e do controle do tempo. A vigilância é um dos seus principais
instrumentos de controle, pois ao mesmo tempo em que exerce um
poder, produz um saber.
Nesse sentido, para Foucault (2001) não existe, necessariamente, um
embate entre os que detêm o poder, “a classe dominante”, e o grupo dos
dominados, subjugados, “a classe dominada”. A “microfísica do poder”, isto é, os
“micropoderes” atuam de forma a minar as bases estruturais da sociedade.
“Do mesmo modo, a resistência não tem um ponto fixo, mas pontos móveis,
transitórios que também se distribuem por toda estrutura social, e há, no interior
das próprias ‘classes’, microlutas pelo poder” (GREGOLIN, 2006, p. 44, grifado no
original). Foucault (2001), também, não compreende “o poder e o saber”
constituídos a partir de uma relação direta com a estrutura econômica, “a infra-
estrutura”. Para o autor, “o saber” é percebido como fato material, prático e social,
interrelacionado com “o poder”. Portanto, partindo dessa premissa, Foucault
(2001) não distingue ideologia de ciência. Ele se esquiva de utilizar a palavra
“ideologia”, devido à polissemia do termo, o que não demonstra, no entanto, que
ele não explore a noção de “luta pelo poder” (GREGOLIN, 2006, p. 44).
Conforme, também, afirma Gregolin (2006, p. 44),
situando a ideologia como história do saber, Foucault afasta a idéia de
neutralidade objetiva da ciência e da ideologia como “falsa consciência”.
Todo conhecimento (científico ou ideológico) pode existir a partir de
condições políticas condições que determinam a possibilidade de
formação tanto do sujeito quanto dos domínios de saber. Todo saber é
político; não porque gerado pelo Estado, mas porque tem sua gênese
nas relações de poder. Saber e poder se implicam mutuamente. O poder
quer gerir, controlar, aumentar a produtividade dos corpos (objetivo
econômico e político). Para conseguir essa gestão e controle, criaram-se
as sociedades disciplinares, por meio da organização do espaço e do
controle do tempo. A vigilância é um dos seus principais instrumentos de
controle, pois ao mesmo tempo em que exerce um poder, produz um
saber. (grifado no original).
Continuando, mais uma vez, na perspectiva discursiva de Foucault
(1998; 2001; 2006), que segundo Gregolin (2006, p. 45), acredita que o sujeito é
uma criação do poder e do saber, portanto, o poder disciplinar e vigilante não
aniquila o sujeito, contrariamente o constrói e, devido a isso, o sujeito é,
essencialmente, um resultante do poder. E, para reafirmar este pensamento,
segue-se, novamente, a idéia de Gregolin (2006, p. 45):
Pensando o “sujeito” como essa fabricação, realizada, historicamente,
pelas práticas discursivas, é no entrecruzar entre discurso, sociedade e
história que poderemos observar as mudanças nos saberes e sua
conseqüente articulação com os poderes. Para Foucault, o sujeito é o
resultado de uma fabricação que se por intermédio de dispositivos e
suas técnicas. Portanto, se o objetivo fundamental de Foucault é
produzir uma história dos diferentes modos de subjetivação do ser
humano na nossa cultura e, se essa história é constituída pelo discurso,
a relação entre linguagem, história e sociedade está na base de suas
reflexões. Usando as palavras de Foucault, para analisar os diferentes
modos de subjetivação é preciso determinar e descrever “a proliferação
dos acontecimentos através dos quais, graças aos quais e contra os
quais se formaram as noções, os conceitos, os topoi que atravessam e
constituem os objetos e engendram os discursos que falam sobre eles”.
(grifado no original).
Nessa trama discursiva, e dialética, que constrói tanto as condutas
humanas quanto as RS existente sobre as relações entre sexo e prazer, prazer e
poder, poder e saber, e suas formas de domínio (do poder) e resistência (ao
poder), Foucault (2006, p. 112-113), em última instância, acredita que,
o discurso veicula e produz poder; reforça-o mas também o mina, expõe,
debilita e permite barrá-lo. Da mesma forma, o silêncio e o segredo dão
guarida ao poder, fixam suas interdições; mas, também, afrouxam seus
laços e dão margem a tolerâncias mais ou menos obscuras. [...] Não
existe um discurso do poder de um lado e, em face dele, um outro
contraposto. Os discursos são elementos ou blocos táticos no campo
das correlações de força; podem existir discursos diferentes e mesmo
contraditórios dentro de uma mesma estratégia; porém, ao contrário,
circular sem mudar de forma entre estratégias opostas. Não se trata de
perguntar aos discursos sobre o sexo de que teoria implícita derivam, ou
que divisões morais introduzem, ou que ideologia dominante ou
dominada representam; mas, ao contrário, cumpre interrogá-los nos
dois níveis, o de sua produtividade tática (que efeitos recíprocos de
poder e saber proporcionam) e o de sua integração estratégica (que
conjuntura e que correlação de forças torna necessária sua utilização em
tal ou qual episódio dos diversos confrontos produzidos).
Neste capítulo, tentou-se realizar um interdiscurso, uma
intertextualidade que, por seu turno, buscou-se promover um “diálogo” entre os
diversos teóricos pesquisados, acerca da relação entre prazer e poder, e o
discurso que constrói as RS e, dialeticamente, é produzido por elas, e que, em
última análise, determinam as concepções de naturalidade, normalização
24
e
sexualidade, como foi evidenciado tanto na introdução, desta dissertação,
como, anteriormente, neste capítulo.
CAPÍTULO 3
FORMAÇÃO DE PROFESSORES, DIVERSIDADE HUMANA
E EDUCAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA
Educar para a vivência da sexualidade sem preconceitos, sem medos,
sem culpas, sem “falsas verdades”. E educar para a sexualidade
saudável e feliz, é educar para a vida igualmente saudável e feliz [...].
(GOODSON; CAVALCANTI, 2000, p. 246, grifado no original).
Como foi informado na introdução, esta investigação de cunho
científico está inscrita na linha de pesquisa “Formação e Profissionalização
Docente”, de Programa de Pós-Graduação em Educação. Por isso, um dos
pontos fulcrais desta pesquisa é a tentativa de integrar os aspectos relacionados
à formação de professores e RS da sexualidade, que, conseqüentemente, conduz
24
“[...] normalização (de norma, de normalidade). [...] supõe ocultação da inclinação,
compensação do déficit, correção do desvio. Por fim, negação da diversidade”. (FERRE, 2001,
p. 205).
à uma discussão das questões relativas, no sentido amplo, à diversidade humana
e, no âmbito mais singular, à educação sexual na escola. Para tanto, é preciso
buscar em diversos teóricos, idéias que componham um mosaico dialógico e
esclarecedor, que uma sólida fundamentação teórica a esta dissertação.
Nesse intento, pode-se recorrer aos autores Lins e Santiago (2001, p. 414), para
esclarecer que
a crise dos paradigmas da ciência, bem como as mudanças atuais na
vida social, obriga-nos a olharmos a prática educativa, que têm suas
dificuldades aumentadas nesse contexto, além da forma como ela se
apresenta para nós. Há, portanto, crescente necessidade da pesquisa
em educação buscar o diálogo com outras áreas do conhecimento
tornando possíveis análises que extrapolem os modelos tradicionais que
não dão a devida importância ao caráter complexo das questões nas
quais está envolvido o campo educacional: a dimensão psicológica,
sociológica, histórica, econômica, antropológica, política e pedagógica. A
natureza do fenômeno educativo nos conduz a afirmar, sem receio, que
o seu entendimento é alargado no momento em que fazemos uso de
teorias e conceitos que se dispõem a reconhecer a trama de questões e
interações das diversas áreas do conhecimento que se entrecruzam e se
concretizam no campo educativo.
Nesse contexto, é importante destacar a necessidade de uma ênfase
na interlocução da perspectiva dialética, proposta pela Psicologia Interacionista,
acerca das “interações dialógicas” presentes nos discursos cio-educativos que,
de acordo com o que afirma Freitas (2006, p. 174),
constituem espaço privilegiado onde se processa o conhecimento. A
comunicação é um processo dinâmico, por meio do qual a fala de uma
pessoa sempre provoca uma resposta de seu interlocutor; resposta que,
em um processo contínuo, exige dos componentes de uma interação
dialógica a reestruturação de seus pensamentos com base nas
experiências vivenciadas e no modo como explicitá-los, dependendo dos
enunciados feitos na situação. Assim, cada interação é única. O
conteúdo poderá aparecer em outras interações, porém nunca se
repetirá da mesma forma, pelo caráter dinâmico das relações
interpessoais, marcadas pela experiência de cada interlocutor, na
interação de vozes que explicitam os valores culturais e ideológicos
entre seus membros.
Nessa direção, é possível compreender as RS dos diversos grupos
que compõem a totalidade da sociedade e pelas quais é possível compreender as
contradições internas dos mesmos e as concepções a respeito das mais diversas
temáticas da vida social –, por intermédio de suas formações e práticas
discursivas, enfoque que é confirmado por Lins e Santiago (2001, p. 438), quando
as mesmas definem que “o contexto, as práticas e as histórias grupais e
individuais; [...] admitem contradições e diferenças sem invalidar o discurso dos
sujeitos sobre determinado objeto social”.
Nesse sentido, pode-se conceber que o homem nasce “candidato” a
humano e, portanto, é um ser de infinitas formas de relacionamentos: consigo
mesmo, com os outros e com o mundo, de acordo ou mesmo em desacordo
com o seu tempo e seu espaço, que só torna-se, efetivamente, humano graças ao
processo de interação social. E é, também, um ser de possibilidades, cuja
condição existencial o obriga a “ser livre” para escolher entre, no mínimo, duas
opções, na maioria das instâncias de sua vida, pois, como afirma Forghieri et al.
(1984, p. 17),
o homem não é algo pronto, e sim um conjunto de possibilidades que vai se
atualizando no decorrer de sua exisncia. Ele é livre para escolher entre as
muitas possibilidades, mas a sua escolha é vivenciada com inquietude,
pois a materialidade de seu existir não lhe permite escolher tudo cada
escolha implica a renúncia de muitas possibilidades.
Contudo, tais escolhas se dão a partir da orientação que os diversos
campos da existência humana direcionam, conforme o histórico genético, cultural
e social de cada um. E essa liberdade o torna “condutor” em suas orientações de:
saúde (biopsicossocial); vocacional (que envolvem as aptidões, os interesses, a
personalidade e o contexto em que vive); e sexual (heterossexual, homossexual,
bissexual ou transgêneros). No entanto, ninguém escolhe, primariamente, as
orientações de sua vida, porém vai se tornando responsável pelas mesmas,
durante o seu constante desenvolvimento psicomotor, cognitivo e emocional.
Ao final da primeira década, do terceiro milênio da era cristã, a
humanidade parece ter chegado aos extremos de sua evolução “racional”,
enquanto ser que habita e “domina” este planeta. De um lado, uma moral
exacerbada, fundamentalismo religioso e uma imensa intolerância para com “o
diferente”, aquele que ameaça o status quo e a pseudocomodidade que a
“normalidade” oferece, numa atitude que pode desencadear sectarismo,
preconceito, discriminação, segregacionismo, violência e, em última e extrema
instância, o terrorismo. De outro lado, uma ausência de princípios éticos e anomia
parental que representa mais uma crise de identidade e de paradigmas, e que
configura uma atitude de abandono aos membros mais jovens por parte da
família, da escola e da sociedade como um todo que pode resultar no excesso
de indulgência (falta de limites); prostituição de menores (cada vez mais jovens);
promiscuidade; drogadição; violência física, psicológica e sexual de crianças,
mulheres e, até mesmo, de homens que não se encaixam no perfil do macho
man; tráfico de mulheres; rede de pedófilos, dentro e fora da internet; pedofilia
exercida por cuidadores da infância, como pediatras e sacerdotes, que ao
contrário disto, deveriam cuidar da saúde física ou espiritual das crianças,
respectivamente; dentre outros problemas sociais, psicológicos, jurídicos e de
saúde pública.
Tal reflexão abre espaço para se indagar: qual o futuro da sexualidade
humana? Uma possível resposta a esta questão pode ser apropriada de Katz
(1996, p. 190), quando ele diz que
[...] a forma do sexo futuro não pode ser conhecida agora, porque será
determinada por todos nós. Isto é, nós construímos a forma do sexo
futuro do modo como agimos no presente em resposta à AIDS, aos
direitos de gays e lésbicas, aos benefícios da parceria doméstica, à
educação sexual, ao aborto, ao controle da natalidade, à saúde
mundial, às oportunidades iguais de emprego e às definições de
homossexual e normal, lésbica e gay, homossexual e heterossexual.
Quando nos esforçamos para criar uma sociedade com menos
sofrimento e mais prazer, inventamos a sexualidade do futuro. (grifado
por mim).
Portanto, refletir sobre o futuro é viver ativamente no presente. Para
isto, é fundamental que as instituições de ensino, principalmente, as responsáveis
pela formação de professores, preocupem-se com as RS da sexualidade humana
dessa categoria profissional grupo social –, propiciando que esses educadores
reflitam sobre suas formações e concepções educacionais. E, também, que sejam
assistidos, capacitados, informados e orientados quanto à importância de se
saber lidar com a sexualidade, próprias e dos alunos. Além de desenvolverem
respostas criativas, porém fundamentadas teoricamente, no tocante às questões
sexuais suscitadas ou trazidas para dentro da sala de aula e para a escola, pelos
alunos, sem que suas próprias representações sobre a sexualidade possam
provocar constrangimentos, discriminações e exclusões, escolares e sociais. Para
tanto, é preciso que durante sua formação, os (futuros) professores sejam
instigados a se questionarem: “Quem sou eu? O que produz em mim a presença
do outro? Que pergunta em seus olhos, em seu gosto, em seu grito ou em seu
silêncio? O que diz a mim sua presença?” (FERRE, 2001, p. 204).
Nesse entendimento, é possível conceber que no processo de interação
promovido pela relação entre professor (modelo social) e aluno (aprendiz social),
a identidade (social/sexual) do sujeito é constituída sob o olhar do outro. Todavia,
a concepção de ser humano (visão de homem) e de sociedade (visão de mundo)
política, filosófica e ideológica do professor precisa estar voltada para a
inclusão educacional de todos os alunos, que passa pelo entendimento da
igualdade de direitos. Logo, no atual mundo “globalizado” a existência da escola
inclusiva é um ato de contravenção, contra-ideologia, é subverter a “ordem das
coisas”. De acordo com Almeida et al. (2007, p. 330),
a escola inclusiva deve ser uma escola que recebe e inclui a todos os
alunos sem discriminar cor, raça, etnia, gênero, orientação sexual e/ou
qualquer condição física e psicológica. [...] A escola inclusiva é aquela
que se prepara para atender, indistintamente, a todos aqueles que
desejam efetuar matrícula no sistema regular de ensino, proporcionando,
a todos, oportunidades e possibilidades de se construírem enquanto
seres humanos capazes de assumirem seus lugares na sociedade.
Por conseguinte, em conformidade com as idéias de Freitas (2006,
p. 170), “[...] discutir as questões relativas à função social da escola e à
importância de seu trabalho, considerar a diversidade e a heterogeneidade dos
alunos e a complexidade da prática pedagógica são dimensões essenciais [...]”
que a interação entre a teoria e a prática, promovida na formação iniciada, na
graduação, e continuada, posteriormente, deve garantir ao professor. Segundo
Cartolano (apud FREITAS, 2006, p. 170-171),
assim como homens do seu tempo, os educadores de hoje não podem
esquivar-se dessa realidade social e, muito menos, perder de vista a
viabilidade histórica de um projeto de transformação do real. Uma boa
formação teórica e prática, básica e comum a todos, independente da
clientela para a qual ensinarão no futuro, lhes garantirá uma leitura
crítica não da educação e das propostas de mudanças neste campo,
mas também uma consciência clara das determinações sociais, políticas
e econômicas nelas presentes. Isso significa, por exemplo, saber
analisar e criticar propostas oficiais ou institucionais da educação a fim
de reconhecer sua pertinência, ou não, às condições históricas
existentes.
É nessa perspectiva que a Universidade, como o lócus da “formação
inicial” dos professores de todos os níveis de ensino, deve atuar de
maneira a intensificar sua eficácia no papel de formadora de “profissionais
de ensino”, capacitados a exercer influência perante a diversidade na qual
seus alunos se apresentam e estão inseridos. Tal formação não deve se
encerrar ao final da graduação, mas deve ser processual, contínua e
integrada com a prática pedagógica, concomitante ou posterior, do
professor. E, para Martins (2006, p. 21),
não existe, porém, uma receita a ser seguida. É importante que o
professor seja apoiado e orientado, no cotidiano escolar, de maneira a
ser capaz de refletir de maneira crítica e constante sobre sua prática,
com base em recursos teóricos e metodológicos, a fim de recria-la
constantemente. Esta reflexão não deve se restringir apenas a uma
teorização para compreender e explicar a prática, mas ser efetivamente
crítica, de forma que sempre que necessário seja capaz de
reformular e recriar a realidade vivenciada em classe. (grifado no
original).
Para que esses objetivos sejam atingidos, são necessárias alterações
ou adaptações nas matrizes curriculares dos cursos de formação superior de
professores, de acordo com as seguintes respostas:
o currículo teria que incluir pesquisas, debates e leitura a respeito deste
tema. O educador poderia receber na faculdade essa formação. (PA1).
o currículo deve abranger todos os itens que envolvem a sexualidade e o
educador deveria receber essa formação específica desde o seu ano
na universidade (PA3).
[...] necessariamente deveria conter subsídios suficientes à atuação
prática do professor, incluindo, portanto, conhecimentos e habilidades
relacionadas, respectivamente, às manifestações de sexualidade desde
o início da vida dos sujeitos às diferentes possibilidades conscientes e
coerentes de lidar com as mesmas. [...] (PA4).
[...] estabelecendo os conteúdos relacionados com a sexualidade com os
demais conteúdos. (PA7).
o currículo dessa formação específica deveria atender às necessidades
básicas do problema. O educador deveria receber durante a sua
formação inicial para atuar adequadamente no contexto no qual esteja
inserido. (PA14).
Entretanto, não é preciso, necessariamente, estabelecer ampliações
excessivas e transformações radicais na estrutura do currículo, pode-se evadir da
implementação de “disciplinas específicas” sobre a temática da diversidade
humana, da pluralidade etno-cultural e sexual, e da inclusão sócio-educacional.
Poder-se-ia incluir tais assuntos em “[...] disciplinas do curso de formação dos
profissionais da educação, tentando ampliar e melhorar a discussão dos temas de
cada ementa” (AMARAL; RABELO, 2003, p. 214). Mais uma vez, em
conformidade com Amaral e Rabelo (2003, p. 220),
a existência de cursos de Pedagogia com total ausência referencial a
uma educação voltada para a diversidade, [...] se explica pela
inexistência de uma consciência social inclusiva, agravada pela
influência do modelo neoliberal individualista e excludente. Se, por um
lado, as instituições educacionais sofrem tal influência, por outro
acreditamos que a remodelação da política educacional de formação de
professores, nos cursos de Pedagogia, sob uma perspectiva inclusiva,
virá fortalecer a transformação para a construção de uma sociedade
mais humana.
Assim, “tais ajustes têm por objetivo dotar os futuros profissionais dos
elementos teóricos, metodológicos e técnicos necessários ao desenvolvimento de
uma prática profissional exitosa” (DENARI, 2006b, p. 36). Não obstante, o próprio
governo brasileiro demonstra concordar com essas idéias, ao afirmar que
é imprescindível, portanto, investir na criação de uma política de
formação continuada para os profissionais da educação. A partir dessa,
seria possível a abertura de espaços de reflexão e escuta sistemática
entre grupos interdisciplinares e interinstitucionais, dispostos a
acompanhar, sustentar e interagir com o corpo docente. (BRASIL, 2005,
p. 22)
Tais idéias vão ao encontro das reflexões propostas pelo “documento
referência” apresentadas na Conferência Nacional da Educação Básica de Goiás
(CEEB) realizada em Goiânia, entre os dias 22 e 24 de novembro de 2007 –,
especificamente, no eixo temático “Inclusão e Diversidade na Educação Básica”,
nas quais acredita-se que as políticas educacionais precisam de uma
estruturação que acrescente contribuições para as interrelações existentes entre
as temáticas referentes à diversidade humana e a formação de professores,
viabilizando a qualidade social da Educação Básica (EB). Para tanto, torna-se
essencial levantar os problemas relacionados a indagações como a elaboração
de currículos escolares, contextualizados, dentro das realidades regionais que
envolvam: a inclusão educacional de pessoas possuidoras de altas
habilidades/superdotação ou de limitações auditivas, visuais, físicas e/ou mentais;
educação indígena, rural e em espaços de privação da liberdade; diversidade
sexual; dentre outras temáticas emergentes e de relevância social. Neste sentido,
para avançar na discussão, é importante compreender que a luta pelo
reconhecimento e o direito à diversidade não se opõe à luta pela
superação das desigualdades sociais. Pelo contrário, ela coloca em
questão a forma desigual pela qual as diferenças vêm sendo
historicamente tratadas na sociedade, na escola e nas políticas
educacionais. Essa luta alerta, ainda, para o fato de que, ao
desconhecer a diversidade, pode-se incorrer no erro de tratar as
diferenças de forma discriminatória, aumentando ainda mais a
desigualdade, que se propaga via a conjugação de relações assimétricas
de classe, raça, gênero, idade e orientação sexual. (GOIÁS, 2007).
Portanto, a formação e profissionalização docente devem ser
entendidas como o cerne das reformas no cenário das políticas públicas
educacionais. E, em conformidade com as idéias de DENARI (2006b, p. 57; 59),
há que se atribuir ao professorado seu real papel como sujeito político na
transformação de sua carreira profissional, por meio da valorização de
sua trajetória, criatividade e conhecimento, além de condições dignas de
trabalho. [...] A prática pedagógica profissional como fonte permanente e
privilegiada de reflexão e atuação propicia a análise do complexo
movimento existente entre as construções teóricas e as atividades
práticas, promovendo uma compreensão da natureza e da especificidade
do conhecimento, desencadeando o desenvolvimento de um
compromisso ético e político com uma sociedade democrática.
Dessa maneira, uma formação de professores voltada para a EB EI,
EF e ensino médio que contemple temáticas abrangentes, torna-se cada vez
mais necessária. Uma formação que leve à discussão, reflexão, análise e
autodescoberta, mediada, sempre, pela investigação empírica dos conflitos e
entraves, e, também, das ações funcionais e bem sucedidas, através da pesquisa
acadêmico-científica, pautada nas questões relacionadas à diferentes formas de
manifestação da diversidade humana. Neste sentido, torna-se urgente a mudança
de paradigma e aquisição de novas concepções sobre a diversidade, pois
conforme afirmam Marques e Marques (2003, p. 229; 238),
a velocidade com que o mundo atual está mudando tem provocado uma
reação como que assustada das pessoas. A sensação que temos é que
a vida está cada vez mais à mercê do efêmero e do imprevisível. Na
verdade, experimentamos a transição de um novo modo de ser. Essa
nova ordenação característica de nossa atualidade se apresenta como
uma forte crise de concepções, decerto decorrente da coexistência de
velhos e novos valores. Como toda transição, a convivência do velho
com o novo, ao mesmo tempo que exige mudança, gera insegurança
naqueles que se vêem diante da necessidade de substituir o conhecido e
o seguro pelo desconhecido. Por conseguinte, concepções são postas
em xeque, e novas formas de encarar o mundo preenchem os espaços
deixados pela derrocada das antigas idéias. [...] O desafio está lançado.
Não receitas prontas, por isso não caminho a trilhar, mas a abrir.
O único instrumento que temos hoje para iniciar essa caminhada é a
certeza de que é preciso romper definitivamente com a idéia do absoluto,
do padrão homogeneizante de condutas e de corpos. Assumir a
diversidade é, em suma, assumir a vida como ela é: rica e bela na sua
forma plural.
E, a formação de professores voltada para a temática da diversidade
humana, que contemple a educação sexual na escola, precisa iniciar-se na
universidade e continuar na pós-graduação. Pois, de acordo com Furlani (2003, p.
68-69),
[...] a educação sexual em qualquer nível de ensino, deve se caracterizar
pela continuidade. Uma continuidade baseada em princípios claros de
um processo permanente porque o bombardeamento midiático de
informações recebidas por crianças e jovens é permanente... porque as
situações de exclusão social, decorrentes do sexismo e da homofobia,
são constantes... porque as representações hegemônicas que
hierarquizam as diferenças estão permanentemente sendo fixadas
mesmo com permanentes resistências... porque a subjetivação da
sexualidade (que talvez tenha um papel maior do que, até então, temos
considerado nessa dinâmica de mudança comportamental) está sendo
permanentemente posta em questão pelos aparatos discursivos de uma
cultura e precisa ter o contraponto reflexivo de uma educação sexual
sistemática, corajosa, honesta e politicamente interessada com a crítíca
desses modelos de desigualdade sexual, de gênero, de etnia, de raça,
de geração, de classe, de religião, etc.
É essencial que se perceba “o papel mediador do professor na
dinâmica das interações interpessoais e na interação das crianças com os objetos
do conhecimento” (REGO, 2001, p. 115), compartilhados na sala de aula, espaço
no qual espera-se que o aluno desenvolva-se individual e coletivamente. Em
âmbito individual, pode-se propiciar ao educando descobrir suas origens, seu
papel no grupo social e, conseqüentemente, a si mesmo. No plano coletivo, tem-
se a possibilidade de contribuir para a construção de uma sociedade mais fraterna
e justa, na qual os conceitos científicos subjetivados no processo de ensino-
aprendizagem, apresentados na escola, possam ser objetivados, manifestando-se
em RS que favoreçam a vida cotidiana e o senso comum, o que propiciaria que a
diversidade humana se expressasse com toda autenticidade e espontaneidade,
em um mundo plural e pacífico. Furlani (2003, p. 69) acredita que
o principal papel da educação sexual é primeiramente, desestabilizar as
“verdades únicas”, os restritos modelos hegemônicos da sexualidade
normal, mostrando o jogo do poder e de interesses envolvidos na
intencionalidade de sua construção; e, depois, apresentar as várias
possibilidades sexuais presentes no social, na cultura e na política da
vida humana, problematizando o modo como são significadas e como
produzem seus efeitos sobre a existência das pessoas. (grifado no
original).
Destarte, é preciso que a formação recebida pelos professores lhes
proporcione a compreensão da complexidade envolvida nos temas relacionados à
sexualidade humana. E, que os mesmos acreditem que, passados milhões de
anos da história de vida humana na Terra, seja possível um “retorno às coisas
mesmas” (ZUBEN, 1984), contribuindo para a formação de novas RS, as quais
possam conduzir a um processo de equilíbrio entre os aspectos biológicos,
psicológicos e sócio-afetivos, que compõem tanto as suas existências físicas
como suas consciências da realidade social. Segundo Madeira (2001, p. 140),
nesta perspectiva, a formação de professores não pode se reduzir a
informar ou repassar conhecimentos, pois implica num movimento de
reconhecimento, e a prática pedagógica não é a resultante de um
impulso individual que se poderia adjetivar como bom ou mau, mas uma
construção social e histórica. Têm-se, em presença, sínteses complexas
de múltiplas relações que cumpre apreender e considerar, se pretende
construir um processo formativo que potencialize a criticidade e a
criatividade de indivíduos ativos e participativos.
Nesse sentido, para se apreender as “vozes do discurso”, não somente
dos professores em formação inicial, mas, dos sujeitos de qualquer grupo social,
a respeito de suas RS da sexualidade humana, cabe, aqui, apresentar os
seguintes questionamentos elaborados por Chauí (1991, p. 27-28):
as interdições explícitas nos discursos (religioso, moral, jurídico, literário,
científico) correspondem efetivamente às práticas sociais, ou estas se
realizam de modo contrário e transgressor? Por quê? O que uma
sociedade diz e o que silencia sobre a sexualidade? Qual a qualidade
dessa fala e desse silêncio?
Para tanto, quando é proposto pesquisar as RS de um grupo, torna-se
fundamental investigar os discursos dos membros daquela categoria de pessoas,
no intuito de se apropriar do desempenho da RS no dia-a-dia dos sujeitos
pesquisados. De acordo com Moscovici (1978, p. 184-185),
quando se converte num sistema de interpretação, a representação
social serve de mediadora entre os membros de um mesmo grupo. Não
se trata de uma interiorização indefinida e precária, mas de uma
ordenação das condutas e percepções. As informações adquiridas
penetram a vida cotidiana e engendram comportamentos adequados,
colocando num contexto diferente as relações entre pessoas e a maneira
como elas são vividas. O mesmo movimento que torna uma teoria
“subjetiva” estabelece uma concordância com o que ela pode ter de
objetivo e, em suma, de exterior. É imprimindo sua marca aos
microcosmos que uma representação se torna efetivamente social. Se
não se apreende o seu papel na existência cotidiana, é impossível ter
dela uma concepção clara. (A menos que se suponha a existência de um
espírito de grupo especializado na edificação de modelos sociais).
(grifado no original).
Enfim, para esse empreendimento de analisar o discurso proferido por
profissionais da educação, que pela peculiaridade de uma profissão que exerce
imensa expectativa social, por acreditar-se serem os educadores da educação
básica (EI e EF) os responsáveis pela formação global das crianças, “futuro da
nação” responsabilidade muitas vezes delegada pela família e sociedade, como
um todo –, Brait (2006, p. 29) acredita que
as contribuições baktinianas para uma teoria/análise dialógica do
discurso, sem configurar uma proposta fechada e linearmente
organizada, constituem de fato um corpo de conceitos, noções e
categorias que especificam a postura dialógica diante do corpus
discursivo, da metodologia e do pesquisador. A pertinência de uma
perspectiva dialógica se pela análise das especificidades discursivas
constitutivas de situações em que a linguagem e determinadas
atividades se interpenetram e se interdefinem, e do compromisso ético
do pesquisador com o objeto, que, dessa perspectiva, é um sujeito
histórico. (grifado no original).
Desse modo, no próximo capítulo, serão apresentados os perfis das PA
e suas concepções sobre o “tema transversal” OS, a partir dos dados coletados
pela pesquisa empírica e a análise dos discursos acerca da sexualidade humana
identificados por intermédio das respostas dadas por professores da EI e EF, que
ainda estão em formação inicial, no intuído de se compreender suas RS.
CAPÍTULO 4
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE SEXUALIDADE E
AS VOZES DOS DISCURSOS QUE AS CONSTITUEM
Não era a idéia em si ou a história das idéias que lhe interessavam, mas
como os homens experimentavam as idéias e as traduziam em ação e
representação. [...] A surpresa que nos causa um de seus livros [...] se
deve ao fato de eles resultarem sempre de uma relação; de quem foi
aprender com aqueles que procurou conhecer. (Luiz Roncari, sobre
Mikhail Bakhtin, no prefácio da obra Dialogismo, Polifonia,
Intertextualidade em torno de Bakhtin”, de 1994).
Quando se propõe investigar a RS da sexualidade dos professores, fica
nítida a necessidade de se conhecer os seus discursos. Para este
empreendimento, seria necessário, então, ouvir as vozes desses professores.
Nesse percurso, é fundamental, também, buscar responder à questão formulada
por Moscovici (1978, p. 110): “Como se forma a representação de um objeto
social para obviar a ameaça que ele representa e restaurar a identidade que ele
questiona?”. Uma possível resposta, a esta pergunta, foi dada por Madeira (2001,
p. 138-139):
A representação social expressa a construção do conhecimento teórico-
prático de determinado grupo humano sobre um dado objeto, vivido e
construído em circunstâncias históricas precisas. Apreender esta
construção pressupõe considerar os grupos na dinâmica de suas
articulações à totalidade social mais ampla, a partir da qual, os contornos
de sua especificidade se anunciam como construção simbólica. Supõe
uma aproximação de seu cotidiano, de suas relações, práticas,
lembranças, necessidades e projetos. Supõe, portanto, a consideração
de movimentos e de relações, nos limites das condições de possibilidade
do pesquisador. Do contrário, estar-se-ia tomando a voz do sujeito,
desconhecendo a multiplicidade de vozes que nela se atualizam; seu
gesto, como um movimento que se faz independente do contexto e dos
gêneros de fala em ato; sua prática, como reprodução e não como
produção. E o estudo do objeto estaria reduzido ao esforço de somar ou
descrever partes, cujo sentido escaparia.
No que se refere à pesquisa em Ciências Humanas, Bakhtin apresenta
a importância do pesquisador colocar-se em um “lugar exterior” e desenvolver um
olhar “exotopo”. Tal entendimento advém do conceito de “exotopia”, que pode ser
definido como “a idéia de um lugar exterior, fundamental ao trabalho de criação e
de objetivação [...]. [Sendo que] a criação estética expressa a diferença e a
tensão entre dois olhares, entre dois pontos de vista” (AMORIM, 2006, p. 96).
Segundo a compreensão de Amorim (2006, p. 98; 100),
o conceito de exotopia é também muito importante para o trabalho de
pesquisa em Ciências Humanas. As Ciências Humanas são entendidas
por Bakhtin como ciências do texto, pois o que de fundamentalmente
humano no homem é o fato de ser um sujeito falante, produtor de textos.
Pesquisador e sujeito pesquisado são ambos produtos de texto, o que
confere às Ciências Humanas um caráter dialógico. Uma primeira
conseqüência disto é que o texto do pesquisador não deve emudecer o
texto do pesquisado, deve restituir as condições de enunciação e de
circulação que lhe conferem as múltiplas possibilidades de sentido. Mas
o texto do pesquisado não pode fazer desaparecer o texto do
pesquisador, como se este se eximisse de qualquer afirmação que se
distinga do que diz o pesquisado. O fundamental é que a pesquisa não
realize nenhum tipo de fusão dos dois pontos de vista, mas que
mantenha o caráter de diálogo, revelando sempre as diferenças e a
tensão entre elas. Importante ressaltar que esse diálogo não é simétrico
e aqui reaparece o conceito de exotopia. O pesquisador deve fazer
intervir sua posição exterior: sua problemática, suas teorias, seus
valores, seu contexto sócio-histórico, para revelar do sujeito algo que ele
mesmo não pode ver.
Portanto, quando se realiza um estudo de caráter acadêmico/científico,
fundamentado por pesquisa bibliográfica e, especialmente, empírica, torna-se
importante enfatizar o compromisso com os pressupostos epistemológicos,
filosóficos e metodológicos que pressupõem a verdade da ciência, que, por sua
vez, resulta no discurso científico. Para tanto, cabe aqui destacar o pensamento
de Fiorin (2002, p. 70), quando o autor afirma que
o discurso científico não atua [por exemplo] como o discurso religioso,
que apresenta uma explicação total e definitiva para o mundo, mas ao
contrário, faz aproximações sucessivas do objeto. Diferentemente do
discurso religioso, que não precisa da comprovação dos fatos, o discurso
científico precisa do teste da realidade e, por isso, é da sua natureza a
publicidade dos resultados, o debate, a crítica e a contradição, para que
esse conhecimento vá aproximando-se da verdade.
Dessa forma, no intuito de uma compreensão científica acerca dos
processos de objetivação e subjetivação que determinam a RS da Sexualidade
Humana, a partir do Discurso proferido pela Escola local privilegiado para a
ocorrência da educação formal, como foi elucidado anteriormente –, torna-se
necessário conhecer (estudar) o discurso oficial das leis específicas vigentes,
pertinentes ao tema. Não obstante, ao se estudar as orientações dadas pelos
PCN, elaborados pelo MEC, nas quais são apresentadas as sugestões para que
haja na educação formal, EF, a OS como tema transversal (BRASIL, 2000a), foi
possível relacioná-las às idéias de Denari (2006b), no tocante às políticas
públicas da educação brasileira, voltada para as questões da diversidade. Para a
autora, “o conhecimento dos termos das leis que regem as políticas de ações
educacionais é necessário quando se quer entender os meandros da construção
histórica e os modelos de atendimento a estes atrelados” (DENARI, 2006b, p. 40).
Nessa perspectiva, esta pesquisa procurou compreender, a partir das
orientações dadas pelos PCN, a RS da sexualidade dos professores em
formação inicial, porém, com experiência com a EI e os anos iniciais do EF
mediante suas concepções e vivências relacionadas às questões pertinentes à
suas própria sexualidade, bem como a de seus alunos. Para tanto, partiu-se
da noção básica de que uma representação social é uma forma de saber
prático que liga um sujeito a um objeto. Três perguntas podem então ser
formuladas acerca desse saber: (1) “Quem sabe e de onde sabe?”, cujas
respostas apontam para o estudo das condições de produção e
circulação das representações sociais; (2) “O que e como se sabe?”, que
corresponde à pesquisa dos processos e estados das representações
sociais; (3) “Sobre o que se sabe e com que efeito?”, o que leva a uma
ocupação com o estatuto epistemológico das representações sociais.
(SÁ, 1998, p. 32, grifado no original).
Posto isso, pode-se ir direto ao Discurso do documento, que dentre
outros aspectos, enfatiza a preocupação com o preparo de professores que
trabalham com o EF tanto os dos anos iniciais, quanto os da segunda etapa.
Para tanto, conforme afirma o MEC,
o professor transmite valores com relação à sexualidade no seu trabalho
cotidiano, na forma de responder ou não às questões mais simples
trazidas pelos alunos. É necessário então que o educador tenha acesso
à formação específica para tratar de sexualidade com crianças e jovens
na escola, possibilitando a construção de uma postura profissional e
consciente no trato desse tema. O professor deve então entrar em
contato com as questões teóricas, leituras e discussões sobre as
temáticas específicas de sexualidade e suas diferentes abordagens;
preparar-se para a intervenção prática junto dos alunos e ter acesso a
um espaço grupal de supervisão dessa prática, o qual deve ocorrer de
forma continuada e sistemática, constituindo, portanto, um espaço de
reflexão sobre valores e preconceitos dos próprios educadores
envolvidos no trabalho de Orientação Sexual. (BRASIL, 2000c, p. 123).
Mediante o discurso desse órgão federal, procurou-se verificar junto ao
público alvo das propostas desse documento oficial, ou seja, as professoras da
primeira etapa do EF, qual o entendimento que as PA possuem a respeito das
concepções e orientações dada pelos PCN.
4.1 O Perfil das Professoras-Acadêmicas
Na busca de se investigar a RS da sexualidade humana das PA
pesquisadas, com uma maior profundidade, foi fundamental conhecer a história
pessoal, ainda de forma breve e objetiva, das participantes da pesquisa. Para
tanto, é importante apresentar a tabulação de todos os dados coletados, no intuito
de identificar o perfil deste grupo profissional.
Nessa direção, tal perfil pode ser indicado pela apresentação do tempo
de atuação no magistério, entre elas, que tem a variação de um a três anos
(70%), de três a cinco anos (15%) e de cinco a onze anos (15%), conforme pode
ser mais bem visualizado na ilustração que segue.
Tem po de Atuão
1 a 3 anos
70%
3 a 5 anos
15%
5 a 11 anos
15%
Ilustração 1 – Tempo de Atuação Como Docente
Das vinte participantes da pesquisa, 65% trabalha em salas de aula dos
anos iniciais do EF e 35% atua em creches ou centros de EI.
Área de Atuação (Nível Escolar)
35%
65%
0% 20% 40% 60% 80%
Educação
Infantil
Ensino
Fundamental
Educação Infantil Ens ino Fundamental
Ilustração 2 – Gráfico das Atuações nos Níveis Escolares.
A formação anterior à entrada na Universidade está dividida entre as
que fizeram o Ensino Médio (70%) e, as demais, o Magistério (30%).
Ensino Médio
Magistério
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Formação Anterior
Ilustração 3 – Gráfico da Formação Anterior.
As idades das pesquisadas foram divididas em três faixas etárias: entre
dezoito e 22 anos (50%), 23 a 29 anos (30%) e trinta e cinqüenta anos (20%) de
idade, conforme indica a ilustração 4.
Faixa Étaria
30 a 50 anos
20%
18 a 22 anos
50%
23 a 29 anos
30%
Ilustração 4 – Gráfico da Faixa Etária.
Sobre a definição de seus estados civis, as PA os definiram da seguinte
forma: 55%, solteiras; 30%, casadas; 15%, divorciada ou separada, conforme é
ilustrado pelo gráfico da ilustração 5.
Estado Civil
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Solteiras Casadas Divorciada, Separada e
Vva
Ilustração 5 – Gráfico da Definição dos Estados Civis.
Quando questionadas sobre se receberam ou não informações sobre
sexualidade e de quem, 45% assinalou ter recebido informações tanto da família
como da escola, 20% apenas da escola, 15% da família, 10% de outros e 10 %
não recebeu, conforme é apresentado na tabela que se segue:
Informações Sobre Sexualidade
De
quem?
PA1 PA2 PA3 PA4 PA5 PA6 PA7 PA8 PA9 PA10 PA11 PA12 PA13 PA14 PA15 PA16 PA17 PA18 PA19 PA20
FAMÍLIA
ESCOLA
OUTRO
Ilustração 6 – Quadro das respostas da questão 6:
Você recebeu informações sobre sexualidade? De quem?
Perguntadas sobre com quem é mais fácil conversar sobre sexo, 45%
marcou a alternativa “amigo(a)”, 35% a opção “parceiro(a) sexual”, 10% assinalou
em “amigo(a) e parceiro(a) sexual”, 5% apenas “familiar” e o outro 5% em “familiar
e parceiro(a) sexual”, de acordo com o que demonstra a tabela a seguir:
Conversa Sobre Sexo
De
quem?
PA1 PA2 PA3 PA4 PA5 PA6 PA7 PA8 PA9 PA10 PA11 PA12 PA13 PA14 PA15 PA16 PA17 PA18 PA19 PA20
FAMILIAR
AMIGO(A)
PARCEIRO
OUTRO
Ilustração 7 – Quadro das respostas da questão 7: Com quem é mais fácil conversar sobre sexo?
Quanto à religião, 45% é composto de católicas, 35% de evangélicas
(protestantes), 15% de espíritas (kardecistas) e 10% declarou não freqüentar
nenhuma igreja ou estar afastada (adventista).
Religiões Freqüentadas
43%
33%
14%
10%
Católicas Evangélicas (Protestante)
Espíritas (kardecistas) Não Freqüenta ou Afastada
Ilustração 8 – Gráfico das Religiões Freqüentadas.
Segue uma resposta ilustrativa para cada resposta das PA à questão
sobre suas religiões, as concepções das religiões sobre sexualidade e se elas
concordam com tais concepções, as quais foram dispostas nas seguintes
categorias:
coerente (40%)
Protestante. É algo criado por Deus e abençoado por Ele. É algo que é
para ser vivido intensamente no matrimônio, sem culpa, para prazer
mútuo e também para procriação da raça humana. Sim eu concordo com
essa concepção. (PA17).
coerente-crítica (5%)
Evangélica. Na realidade, não discutimos muito a respeito, entretanto
pode-se dizer que a sexualidade é vista com ênfase no relacionamento
sexual entre dois parceiros e nos padrões sociais que os mesmos
necessitam assimilar. Minha concepção apenas transcende um pouco
esta visão, visto que sexualidade não se restringe a relações sexuais.
(PA4).
sem se posicionar (10%)
Católica, a sexualidade é tratada de uma forma muita fechada, tudo é
errado. Algumas vezes se faz comentários sobre o sexo, mas o que
sempre se fala é que tem que acontecer depois do casamento. (PA2).
com postura parcialmente contrária (15%)
Pertenço à Igreja Católica, e nela os ensinamentos que são dados é de
preservar a virgindade até o casamento; é contra o aborto, diante disso
acredito que o aborto é crime, o ato em si antes do casamento não
julga sua moral e seus valores. (PA11).
com postura contrária (30%)
Católica, de acordo com o catolicismo é permitido o ato sexual após o
casamento, é contra o aborto entre outras. Diante desse fato não
concordo que essa visão, seria melhor ter mais informações sobre a
sexualidade, do que proibir. (PA18).
Trata-se, pois, de grupo majoritariamente composto por membros de
atuação recente na profissão e também com atuação majoritária no ensino
fundamental, cuja formação anterior em sua maioria não incluiu a formação para o
magistério, obtida em nível de ensino médio. No que se refere à idade das
participantes, há um equilíbrio entre as muito jovens, que compreendem a metade
da amostra, e as de mais idade, sendo que as mais velhas, embora em número
significativo, constituem a minoria. Em sua maioria solteiras, embora as casadas
constituam um número significativo, seguidas por uma minoria que constituem o
sub-grupo das divorciadas, separadas ou viúvas. O maior sub-grupo no que se
refere à religião é o das católicas, que, no entanto, não são a maioria quando
comparadas à demais religiões no seu conjunto. As religiões, em seu conjunto,
têm, majoritariamente, uma posição que se pode chamar de coerente, em relação
à sexualidade, vista como criação divina, a ser vivida no casamento e com fins de
procriação. No que tange a informação sobre sexualidade, a maioria recebeu
informações de duas fontes combinadas, família e escola e é pequena, porém
significativa a parcela delas que não recebeu qualquer informação. Grande parte
delas preferem conversar sobre sexualidade exclusivamente com amigos seguida
daquelas que preferem falar sobre sexualidade com o parceiro sexual e com
amigos, sendo bem pequena a parcela daquelas cuja preferência recai sobre
membros da família, igual àquela das que preferem conversar com a combinação
de membros da família e parceiro sexual.
4.2 A Análise dos Discursos Sobre a “Orientação Sexual”
Iniciando-se a proposta de uma análise, mediada por questões crítico-
reflexivas, sobre o discurso do PCN tema transversal “Orientação Sexual” –, e
que ao mesmo tempo pudesse “revelar” a RS da sexualidade daquelas PA é
possível destacar, o seguinte trecho do documento: “É necessário então que o
educador tenha acesso à formação específica para tratar de sexualidade com
crianças e jovens na escola” (BRASIL, 2000c, p. 123). A indagação, que se tornou
inevitável, foi:
O que o legislador concebe por “formação específica”? E, onde o
professor, “educador (orientador) sexual”, terá acesso a esta formação?
Tal questão parte da premissa notória, especialmente, para quem
trabalha com professores em formação inicial, de que não existe na Universidade
nas matrizes curriculares dos cursos de formação de professores e nem por
iniciativa do governo, em cursos chamados de “formação continuada”, o que a lei
propõe que seja uma “formação específica”.
Questionadas sobre esse tópico, as professoras-acadêmicas divergem
nas opiniões sobre o que seria uma “formação específica para tratar de
sexualidade com crianças e jovens na escola” (BRASIL, 2000c, p. 123). No
entanto, 80% delas afirmam que o “educador deveria recebê-la na formação
inicial dada pelo curso de graduação em Pedagogia, o que demonstra a RS da
Universidade, por esse grupo, como o lócus de todo o saber e todas as
informações, talvez o único espaço capaz de lhes oferecer tal instrução, conforme
fica nítido nas respostas que seguem:
Ao meu ver, o único espaço suficientemente especializado para o
oferecimento dessa formação seria a Universidade. (PA4).
O currículo deveria ser bem generalizado e distribuído de acordo com a
idade. Nas universidades é claro, onde mais poderia ser? (PA20).
Na tentativa de se realizar uma reflexão aprofundada, a partir deste
ponto serão destacados trechos extraídos do documento federal que as
orientações sobre a temática de OS na escola, seguidos dos questionamentos
elaborados a partir da análise dos objetivos dos PCN, propostos pelo MEC, que
esta dissertação se propôs fazer:
Uma pesquisa do Instituto DataFolha, realizada em dez capitais
brasileiras e divulgada em junho de 1993, constatou que 86% das
pessoas ouvidas eram favoráveis à inclusão de Orientação Sexual nos
currículos escolares. (BRASIL, 2000c, p. 111).
Se uma amostragem tão significativa da população é favorável “à
inclusão de Orientação Sexual nos currículos escolares”, por que na
grande maioria das escolas tanto as da rede pública, como as
particulares –, não ocorre a chamada OS?
Eu vejo que apesar desta grande porcentagem da população ser
favorável à Orientação Sexual nos currículos escolares isto não vem
ocorrendo; pois no meu trabalho não nenhuma pauta sequer a
respeito de sexualidade. (PA1).
No espaço profissional em que realizo minhas práticas pedagógicas,
percebo o não consentimento dos pais no que se refere ao trabalho
explícito de Orientação Sexual. Quanto aos profissionais em atuação,
utilizam metáforas e mais metáforas, se omitem perante as
manifestações de sexualidade e contradizem o discurso atual de
introdução da Orientação Sexual nos processos curriculares. (PA4).
No contexto atual, eu vejo que o foi atendido, o foi aceito o resultado de
tal pesquisa, pois ainda não foi incluído nos currículos escolares. (PA14).
Na verdade estamos distantes dessa inclusão, hoje [...] adolescentes eso
engravidando e/ou estão sendo contaminadas pelo vírus HIV, entre outras,
por falta de informações tanto em casa, como na escola [...]. (PA18).
[...] ainda existe um grande tabu, pois os pais acham que seus filhos são
muito novos e não estão preparados para tal experiência. Inclusive
pedem para não realizar algumas atividades que são propostas em livros
didáticos. (PA19).
Tais respostas indicam que na avaliação das PA, a maioria dos pais de
alunos, em seus contextos educacionais, não é favorável à inclusão de OS nos
conteúdos escolares, nem tampouco suas escolas estão preocupadas em inclui-
los. Todas as demais pesquisadas, demonstraram não ter compreendido bem a
questão, devido às respostas desconexas.
O trabalho de Orientação Sexual também contribui para a prevenção de
problemas graves como o abuso sexual e a gravidez indesejada. As
informações corretas aliadas ao trabalho de autoconhecimento e de
reflexão sobre a própria sexualidade ampliam a consciência sobre os
cuidados necessários para a prevenção desses problemas. (BRASIL,
2000c, p. 114).
O que, exatamente, está sendo entendido por “as informações
corretas”? Quais são as “informações”, porque e quem determinou que
são “corretas”?
Relativo a essa questão, as respostas foram, também, organizadas em
quatro categorias, que a seguir serão ilustradas com apenas uma resposta para
cada categoria a respeito de quais seriam “as informações corretas”, relativas ao
“trabalho de Orientação Sexual” na escola:
1) fundamentadas no biológico ou natural (50%)
Falar sobre a pílula como ela deve ser usada para não ter uma gravidez;
cuidados e hábitos de higiene do nosso corpo. (PA2).
2) fundamentadas na “verdade” (15%)
São as de cunho científico, verdadeiras, comprovadas pela ciência,
medicina através de estudos do corpo e outros. São também as que
colocam o respeito a si mesmo e aos outros como foco. (PA15).
3) fundamentadas na moral (20%)
[...] acredito que toda orientação deve ser feita com limite, cuidado e
responsabilidade, partindo da realidade que estão aos olhos dos alunos,
para que não se forme neles curiosidades, pensamentos e atitudes
indesejáveis. (PA11).
4) fundamentadas na coerência acadêmico-profissional (15%)
As informações corretas não seriam verdades absolutas e
inquestionáveis, mas sim informações coerentes e não-metafóricas a
respeito da sexualidade. Não seriam informações fragmentarias, mas
uma abordagem ampla que propicie a auto-reflexão acerca das
conseqüências que atitudes inconscientes podem acarretar. (PA4).
Após abordar a necessidade do professor, na escola, oferecer “as
informações corretas”, o documento trata da importância da “vivência saudável”
como fator “fundamental” para o desenvolvimento humano. Todavia, em nenhum
momento ele indica quais seriam essas informações e no que se constitui uma
“vivência saudável”. Para o MEC/SEF, portanto,
a sexualidade infantil se desenvolve desde os primeiros dias de vida e
segue se manifestando de forma diferente em cada momento da
infância. A sua vivência saudável é fundamental na medida em que é um
dos aspectos essenciais de desenvolvimento global dos seres humanos.
(BRASIL, 2000c, p. 117).
Qual é a compreensão exata que se apresenta como “vivência
saudável”, em relação à sexualidade infantil?
Vivência saudável no sentido de que se a criança se toca e se percebe
quanto às sensações do seu corpo, ela passa a perceber o que o outro
deseja, aí então se relaciona melhor com o outro. (PA5).
A resposta anterior ilustra a opinião da maioria das PA, pois não houve
divergências consideráveis nas respostas à questão, que versaram sobre
aceitação, respeito e conhecimento sobre a descoberta do prazer sexual no
próprio corpo e no corpo do outro.
Apenas os alunos que demandem atenção e intervenção individuais
devem ser atendidos separadamente do grupo pelo professor ou
orientador na escola e, dentro desse âmbito, poderá ser discutido um
possível encaminhamento para atendimento especializado. (BRASIL,
2000c, p. 121).
Quais seriam os comportamentos que os alunos podem apresentar
que demandariam “atenção e intervenção individuais”, com atendimento
“separadamente do grupo pelo professor ou orientador na escola”? O
que se entende por “atendimento especializado” e quem seria o
“especialista”, para o qual seria feito o “encaminhamento”?
A maioria das respostas relacionou os comportamentos que
demandariam “atenção e intervenção individuais”, àqueles que se relacionam às
manifestações sexuais precoces e incontroláveis sobre o próprio corpo e,
também, sobre o corpo de outras crianças, além dos casos em que é sabido que
a criança sofre abuso sexual. Nenhuma das PA mencionaram o que entendem
por “atendimento especializado”. Entretanto, 60% das pesquisadas acreditam que
o “especialista” que encaminhariam seus alunos é o psicólogo, resposta que cabe
especular sobre uma certa tendenciosidade, que poderia ser determinada pela
“presença” do pesquisador, que é professor do curso e, também, um profissional
da psicologia.
O documento define “blocos de conteúdos” (corpo: matriz da
sexualidade relações de nero prevenção às doenças sexualmente
transmissíveis/AIDS), organizados a partir dos seguintes “critérios de seleção”:
relevância sociocultural, isto é, conteúdos que correspondem às
questões apresentadas pela sociedade no momento atual;
consideração às dimensões biológica, psíquica e sociocultural da
sexualidade, buscando contemplar uma visão ampla e não-
reducionista das questões que envolvem a sexualidade e o seu
desenvolvimento no âmbito pessoal;
possibilidade de conceber a sexualidade de forma saudável,
prazerosa e responsável. (BRASIL, 2000c, p. 137-138).
No que concerne ao “bloco de conteúdo” “Corpo: matriz da
sexualidade”, as orientações relativas aos dois últimos “conteúdos a serem
trabalhados” propõem:
o fortalecimento da auto-estima;
a tranqüilidade na relação com a sexualidade. (BRASIL, 2000c, p. 143).
A questão, relativa aos pontos acima, obviamente, é:
Como o professor pode promover a “auto-estima” e a “tranqüilidade
na relação com a sexualidade” de seus alunos?
Sobre a indagação a respeito do que seria a promoção da “auto-estima”
e “tranqüilidade na relação com a sexualidade” de seus alunos, nenhuma
resposta apresentou uma representação muito diferenciada uma da outra, sendo
que a resposta que segue, pode representar bem as respostas em geral:
A sexualidade deve ser mostrada aos alunos como uma realidade com
que todos convivem, e faz parte de suas vidas para [sempre]. E o
diálogo, a própria tranqüilidade do professor em falar, transfere para o
aluno a vontade de aprender, conhecer, de se gostar e de se cuidar.
(PA11).
A última parte do documento são as denominadas “orientações
didáticas”, as quais apresenta a seguinte orientação ao professor: “Sua postura
deve ser pluralista e democrática, o que cria condições mais favoráveis para o
esclarecimento e a informação sem a imposição de valores particulares” (BRASIL,
2000c, p. 153). Assim sendo:
Qual é a concepção de postura “pluralista e democrática”? Como o
professor deveria agir ao possuir uma postura com estas
características?
As respostas de todas as PA, unanimemente, concebem que uma
postura “pluralista e democrática” deve respeitar e valorizar a diversidade,
pluralidade cultural e liberdade de escolhas, opiniões e condutas, conforme indica
a seguinte resposta:
Uma postura flexível e sempre aberta ao diálogo. Uma postura que não
transmita um posicionamento determinado e que não objetive a
formação de identidades uniformes, mas que valorize e respeite as
diferenças e a pluralidade social, sexual e cultura. (PA4).
E, como último ponto desta análise reflexiva, não seria possível deixar
de aludir que existe uma difusão, tanto na literatura didática e/ou especializada e
até mesmo nas mídias, concebendo que
a orientação sexual é a forma como cada pessoa encontra para
relacionar-se sexualmente com as outras, a qual é desenvolvida de
acordo com as circunstâncias de vida e escolhas feitas, desde a infância,
pela mesma. Contudo, a orientação sexual torna-se uma opção
pessoal na fase adulta, após as possíveis vivências da adolescência.
(SOBRAL, 2006, p. 148, grifado por mim).
Outra confirmação que relaciona a terminologia OS, no sentido das
escolhas relativas aos tipos de relacionamentos que as pessoas desenvolvem ao
longo de suas vidas, é o da Resolução CFP nº 001/99, que “estabelece normas de
atuação para os psicólogos em relação a qualquer tipo de pronunciamento e
tratamento discriminativo, diferenciado ou especial, à questão da orientação sexual”
(BRASIL, 1999, p. 232).
Mais recentemente, o próprio governo federal brasileiro, através do MS,
em seu documento Brasil Sem Homofobia – Programa de combate à violência e à
discriminação contra GLTB e de promoção da cidadania homossexual, concebe que
orientação sexual é a atração afetiva e/ou sexual que uma pessoa sente
pela outra. A orientação sexual existe num continuum que varia desde a
homossexualidade exclusiva até a heterossexualidade exclusiva,
passando pelas diversas formas de bissexualidade. Embora tenhamos a
possibilidade de escolher se vamos demonstrar, ou não, os nossos
sentimentos, os psicólogos não consideram que a orientação sexual seja
uma opção consciente que possa ser modificada por um ato da vontade.
(BRASIL, 2004, p. 29, grifado no original).
Assim sendo, por que tal proposta de ensino é chamada de OS
25
, haja
vista as considerações anteriores e ao fato de que em nenhuma parte do
documento é explicada a opção por esse termo, ao invés de ES. Para tanto, o
texto, em questão, apenas informa que a OS na escola
[...] não substitui nem concorre com a função da família, mas antes a
complementa. Constitui um processo formal e sistematizado que
acontece dentro da instituição escolar, exige planejamento e propõe uma
intervenção por parte dos profissionais da educação. [...] é entendido
como problematizar, levantar questionamentos e ampliar o leque de
conhecimentos e de opções para que o aluno [...] escolha seu caminho.
[...] será circunscrita ao âmbito pedagógico e coletivo, não tendo portanto
caráter de aconselhamento individual de tipo psicoterapêutico. Isso quer
dizer que as diferentes temáticas da sexualidade devem ser trabalhadas
dentro do limite da ação pedagógica, sem serem invasoras da intimidade
e do comportamento de cada aluno. Tal postura deve inclusive auxiliar
as crianças e os jovens a discriminar o que pode e deve ser
compartilhado no grupo e o que deve ser mantido como uma vivência
pessoal. [...] A escola deve informar e discutir os diferentes tabus,
preconceitos, crenças e atitudes existentes na sociedade, buscando, se
não uma isenção total, o que é impossível de se conseguir, uma
condição de maior distanciamento pessoal por parte dos professores
para empreender essa tarefa. (BRASIL, 2000c, p. 121-122).
25
Fica claro no documento que a OS é um trabalho norteador das “questões que pertencem à
ordem do que pode ser apreendido socialmente, [ainda que] preservando [...] a vivência
singular das infinitas possibilidades da sexualidade humana, e pelas pertinentes à ordem do
que pode ser prazerosamente aprendido, descoberto e/ou inventado no espaço da privacidade
de cada um” (BRASIL, 2000c, p. 137).
Ao serem questionadas sobre qual a concepção que as mesmas teriam
sobre ES e OS, e para que estabelecessem uma distinção entre ambas
expressões, se assim considerassem necessário. Sendo assim, as opiniões se
dividiram entre 50% que não diferença entre ambas e 50% que concebe que
as expressões designam modos diferentes de se esclarecer, ou mesmo,
compreender a sexualidade, e que também podem ser exercidas, a primeira, pela
família e/ou sociedade e, a segunda, pela escola. Entretanto, nenhuma das
pesquisadas percebe a questão da OS relacionada à identidade sexual ou na
escolha de parceiros sexuais. Portanto, resta saber se as PA acatam a expressão
dos PCN, sobre a concepção de OS, restando-lhes definir o que seja ES a partir
de suas próprias representações da temática. Ou, ao contrário, se os PCN
“captaram” a RS dos professores sobre o que seria a OS.
É oportuno enfatizar que a expressão ES pode ser compreendida como
um entendimento mais amplo, que vai além da possibilidade de orientar alguém
em períodos cruciais de seu desenvolvimento psicossexual, como no final da
infância e em todas as etapas da adolescência. Neste sentido, o termo
“orientação” pode ser entendido como uma “oferta de informações”, de modo
formal, no âmbito da sexualidade; a ES pode ser concebida como um processo
mais amplo, “diferenciado da orientação sexual, pois esta inicia-se desde o
nascimento e diz respeito às atitudes e informações assimiladas na área da
sexualidade humana, em constante transformação” (FRANÇA RIBEIRO apud
DENARI, 2006a, p. 201).
Todavia, quando, ao final do questionário, foi perguntado às PA se a
OS do professor, no sentido de identidade sexual, influencia no seu desempenho
profissional, no que se refere ao conteúdo relacionado à sexualidade, 15%
demonstrou não ter compreendido a pergunta, oferecendo respostas não
pertinentes ao tema da questão. Porém, 40% acredita que “sim”, o que reforça a
RS de idéias, historicamente, preconcebidas, não apenas da categoria dos
professores, é mister esclarecer, mas da sociedade como um todo a respeito de
uma orientação não heterossexual, como pode ser verificado em algumas das
afirmações que seguem:
Sim, pois o professor é espelho do aluno, e até nesse sentido os
professores são espelhados pelos alunos. (PA6).
Para uma orientação sexual ser eficaz não deveria ter a influência da
educação e identidade sexual do professor, mas sabemos que acontece,
talvez não ficando explícito, mas implícito em falas e atitudes. (PA11).
Influencia sim. Eu acredito que a educação não é neutra e que o
professor transmite sim suas concepções a seus alunos. (PA12).
Sim, se eu não tenho uma sexualidade bem resolvida com certeza não
vou conseguir passar isso para os alunos. (PA16).
A resposta “não” foi dada por 35% das PA, o que por seu turno pode
indicar uma evolução na RS da sexualidade, não dos professores, mas,
também, da sociedade, sinalizando uma tendência à diminuição do preconceito e
estigma de quem apresenta uma conduta ou aparência diferente, ou mesmo, que
expõe, claramente, uma identidade sexual que não segue a do padrão sócio-
cultural. Como indicam as respostas a seguir:
Não, ele não está na sala para se mostrar intimamente e sim para
ensinar aos alunos a se relacionar com a sexualidade. (PA7).
Não, porque o que define o desempenho profissional é a sua formação e
não sua identidade sexual. (PA9).
Penso que não, pois a sexualidade que as pessoas vão desenvolvendo
não é algo que decorre somente das condições impostas, mas algo
maioral que parte de dentro dos indivíduos. (PA10).
Não acredito que influencia, pois o professor poderia não misturar as
coisas, ou seja sua opção de vida não modifica o seu comportamento
frente ao compromisso de ensinar. (PA14).
E, ainda, 10% respondeu “talvez”, o que pode sugerir uma possível
imparcialidade, o que demonstraria a mesma tendência das respostas anteriores,
indicando, ainda, um maior respeito à diversidade sexual, segundo pode ser
percebido nas seguintes respostas:
Pode influenciar, mas o professor deve ser ético e neutro. (PA8).
O professor é aquele que está ali e que é observado e muitas vezes até
copiado. Mas cabe ao professor mostrar sem medo o que ele é. E, orientar
bem seus alunos. Eu acredito que não, desde que haja respeito. (PA17).
Compete, também, levantar um questionamento sobre o que leva o
MEC/SEF a tratar esse assunto como “tema transversal”? Segundo estes órgãos
federais brasileiros
[...] assim como acontece com todos os Temas Transversais, estará
impregnando toda a prática educativa. Cada uma das áreas tratará da
temática da sexualidade por meio da sua própria proposta de trabalho.
[...] implica o tratamento de questões que nem sempre estarão
articuladas com as diversas áreas do currículo — seja porque se trata de
questões singulares que necessitam, então, de um tratamento
específico, seja porque permeiam o dia-a-dia na escola das mais
diferentes formas, surgindo de maneira emergente e exigindo, do
professor, flexibilidade, disponibilidade e abertura para trabalhar essas
questões. [...] Embora não sejam passíveis de serem programadas, elas
acontecem inevitavelmente e, para isso, o professor deverá estar
preparado: deverá se planejar para trabalhar essas situações no
momento em que elas acontecerem. (BRASIL, 2000c, p. 128-129).
Com base nesse argumento, fica clara a responsabilidade que o
MEC/SEF atribuem ao professor e à escola, a respeito da efetivação do trabalho
de OS, diretamente, e a quem forma o formador das crianças, isto é, as
Instituições de Ensino Superior (IES), indiretamente. Diante disto, cabe, então, às
três instâncias professor, escola e IES conceberem o que, realmente, seja o
ensino de OS na escola. O que implica, portanto, em decidir por conta própria,
haja vista que o texto apenas sugere, sem definir, detalhar ou elencar, dentre
outras orientações:
quais são “as informação corretas”, que “ampliam a consciência
sobre os cuidados necessários para a prevenção de problemas
graves como o abuso sexual e a gravidez indesejada”?
como é uma “vivência saudável” da sexualidade infantil, essencial
para o “desenvolvimento global dos seres humanos”?
quais seriam os comportamentos que os alunos podem apresentar
que demandariam “atenção e intervenção individuais”, com
atendimento “separadamente do grupo pelo professor ou orientador
na escola”, ou, ainda, para um “atendimento especializado”?
o que é um “atendimento especializado” e quem seria o
“especialista”, para o qual seria feito o “encaminhamento”?
como é a posturapluralista e democrática”, do professor?
qual é a noção exata de “auto-estima” e o que está sendo chamado
de “tranqüilidade na relação com a sexualidade”?
E é com as mesmas lacunas deixadas pelas orientações dos PCN em
relação ao papel da educação básica na formação da sexualidade do aluno
brasileiro, ou seja, é exatamente com essas questões sem respostas, que a
reflexão final desta discussão torna-se possível, haja vista a gama de expressões
empregadas aleatoriamente, informações limitadas e concepções superficiais ou
parcas de significação. Tais lapsos na legislação podem ser interpretados como
um silêncio significativo, talvez como um receio de, ao preencher essas lacunas,
apontar para direções a respeito das quais os próprios elaboradores do
documento não se sentiram à vontade para falar. Diante desta constatação é
importante frisar que parte das referências bibliográficas Cavalcanti, 2000;
Chauí, 1991; Costa, 2002 utilizadas tanto pelo documento oficial (BRASIL,
2000c) como por esta pesquisa, são as mesmas.
Todas essas constatações levam a crer que a “Orientação Sexual”,
proposta como “tema transversal”, não orienta e apenas oferece informações, fato
que por si mesmo se configura em uma (de)formação, que não transforma as RS
de sexualidade dos professores e, conseqüentemente, não avança para um
trabalho significativo de ES na escola.
4.3 Representações Sociais de Sexualidade dos Professores da
Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Por intermédio das entrevistas, com roteiro semi-estruturado (vide
apêndice C), foi possível obter os dados que foram considerados como a RS mais
específica a respeito da sexualidade humana que as PA possuem, até o atual
momento de suas formações.
A representação, aqui considerada social, que as PA possuem a
respeito das manifestações da sexualidade humana, como heterossexualidade,
homossexualidade, prostituição, promiscuidade e condutas sexuais saudável e
não saudável, foram analisadas a partir dos discursos falados durante as
entrevistas.
Discurso X:
Heterossexualidade são pessoas que se relacionam com o sexo oposto.
[...] E, homossexualidade são pessoas que se relacionam com o mesmo
sexo. [...] Eu acredito [...] que o certo seja aquilo que a pessoa se sente
realizada, não importa se ela vai ser hetero ou homo, mas que ela não
queira ao mesmo tempo impor às pessoas aceitarem isso. Se ela sente
feliz, se ela se sente realizada em ser um ou outro, é uma opção dela,
mas, também, não querer impor às pessoas aceitarem. Mesmo porque
todo mundo pensa de forma diferente, mas que ela assuma, se sinta
bem [...] Não tenho essa questão de discriminar. O que eu acredito é que
às vezes acaba sendo difícil, é que tem pessoas que tentam impor de
uma forma assim... do mesmo jeito que o hetero não aceita de forma
alguma o homo... e vice-versa.
A prostituição está muito ligada ao sexo. Quando você vende o seu
corpo a alguém [...] ou faz alguma coisa relacionada ao sexo em troca de
dinheiro. Acho muito difícil falar se é certo ou se é errado, porque de
repente pode até não ser saudável, mas, o que leva a pessoa a fazer
isso são coisas muito particulares. [...] Eu acredito que [...] a gente deve
ter muito cuidado com isso [...] até discriminando, rotulando, taxando as
pessoas, sem saber o que levou a pessoa a se prostituir.
Promiscuidade [...] deve ser analisado com calma, com cuidado,
também, pra gente não se precipitar, falar que “eu acho que é errado e
pronto...”, “não, uma pessoa nunca pode fazer isso...” eu acho que isso é
uma coisa muito pesada, principalmente, a gente como educador tem
que ter essa cuidado. [...] Conhecer os motivos. Porque qualquer forma
de julgamento ela precisa ser com muita cautela. É um julgamento que
você está fazendo, porque você pode estar condenando uma pessoa
sem saber os reais motivos que levaram uma pessoa a ser um
homossexual ou a ser uma prostituta [...] a gente não pode
simplesmente chegar e falar, por falar.
[...] normal seria quando um consentimento, independente de ser do
mesmo sexo ou sexo diferente. Agora quando passa a ser obrigado, tipo
um estupro, ou, então, com crianças ou [...] com animal, que nem sabe o
que está acontecendo, pra mim passa a ser anormal, principalmente,
com criança [...] passa a ser ao meu ver um caso doentio. [...] Eu
acredito que somente um especialista para estar falando sobre, porque
para mim é uma coisa anormal. Eu não saberia falar uma solução para
uma pessoa assim. [...] Porque seria uma série de estudos, para a
pessoa que conhecesse, realmente, sobre assunto. E ela com esses
estudos, com conversas, estudando a vida dessa pessoa ela poderia
estar falando mais sobre isso...
Discurso Y:
Heterossexualidade [...] ao mesmo tempo que tem um lado de
cumplicidade... Uma relação que primeiro tem que existir o diálogo, que
sem o diálogo não vai existir essa relação, e baseado na amizade,
também, porque partindo da amizade é que a gente vai iniciar essa
relação. [Homossexualidade]... acho que é uma escolha, talvez querer
experimentar coisas novas e gostar do que experimentou. Talvez uma
curiosidade, também, acredito que seja mais uma curiosidade ou uma
vontade. Porque as pessoas que eu conheço que são homossexuais,
elas dizem que deu uma vontade de experimentar uma coisa nova e
partiu para aquilo e gostou, e eu respeito essa decisão. Eu não tento
ignorar as pessoas. Eu sou amiga, convivo, contanto que não mexam
comigo. Me respeitando, eu respeito, também... Acho que vai da decisão
da pessoa. Acho que as duas formas são saudáveis. Respeitando a
opinião, o que cada um pensa, o que acha de tudo, acho que é saudável
os dois. Porque tem respeitar as pessoas, se elas gostam do fazem eu
não posso julgá-las, porque eu não sou ninguém para julgar. Então, eu
respeito, acho que seria legal que todo mundo respeitasse e visse com
outros olhos. Porque a maioria das pessoas acha um absurdo, eu não
acho assim... Eu respeito, mas contando que não mexam comigo...
Prostituição... eu acho que é uma escolha ou não... sei lá. As pessoas
escolhem a prostituição por não ter outra saída. Algumas sim, por não
ter outra saída, ou o que procurar, acha o caminho mais cil... e
escolhe aquele caminho e talvez depois se arrependam. Ou, senão, por
gostar de ficar com um ou com outro, de ter prazer em ganhar dinheiro
daquela forma.
[Promiscuidade],,, eu não concordo, de jeito nenhum. Eu não concordo
com isso não, para mim sexo tem que ser com amor.
Sexo com amor na prostituição, acho que não existe. Talvez exista
naqueles que procuram sempre as mesmas mulheres. Para mim, o
homem que procura uma prostituta está traindo a esposa, querendo ou
não ele está traindo. Porque tudo a gente resolve com diálogo, talvez se
ele conversasse com esposa dele e visse o que está errado, o que está
diferente, ele conseguiria ficar de boa com ela... Sem precisar procurar
outra mulher na rua.
A prostituição... acho que é uma coisa errada. Eu considero uma coisa
errada, mas, eu não posso condenar quem faz, mas, eu acho que eles
estão errados, sim... Eu não acho certo, principalmente, aquelas
menininhas novinhas, que vão para fora do país ou moças, mesmo, [...]
chega lá, se prostituindo, eu acho errado demais, eu não concordo.
[...] Partindo para a violência, acabou. As pessoas precisam ter a
consciência que a partir do momento que uma pessoa agride a outra,
não vai existir uma relação, mesmo que a gente goste, a gente não pode
aceitar. Penso que não poderia existir esse tipo de coisa não,
principalmente, quando é criança, porque elas são inocentes, até certo
ponto elas são inocentes [...] fazer alguma coisa contra uma criança é
um absurdo. [...]
A gente poderia estar trabalhando com essas pessoas ou com uma
comunidade, numa escola. Estar trabalhando nas escolas esse tipo de
assunto, fazendo reuniões mensais [...]. Porque, talvez, tenha crianças
que são abusadas em casa, e, talvez, eles achem isso normal [...]
Talvez... palestras ajudariam... [O agressor]... precisa de tratamento [...]
agora que tipo de tratamento? Porque em principio, conscientizar de que
ele está errado, mas depois um tratamento, talvez com um psicólogo...
Ao findar essa análise, a respeito dos discursos escritos e falados das
PA, percebe-se uma tendência ao discurso “politicamente correto”. Contudo,
assim como para Moscovici (1978, p. 62), “a noção de representação ainda nos
escapa”. Qual seria, então, a RS da sexualidade dos professores da EI e dos
anos iniciais do EF?
Partindo-se da máxima moscoviciana de que toda representação é uma
representação de alguma coisa, pode-se constatar que a herança cultural judaico-
cristã ainda é muito presente nos discursos, o que pode ser percebido nas
“entrelinhas” sobre aceitação do diferente. Percebe-se uma tolerância
hierarquizada, isto é, um “olhar de cima para baixo”, daquele que se considera
“normal” (dentro do padrão heterossexual e/ou de conduta sexual saudável) para
aquele considerado “anormal” (dentro da orientação homossexual e/ou de conduta
sexual não saudável). Esta percepção pode ser constatada no discurso X, quando
a PA diz: “[...], mas que ela não queira ao mesmo tempo impor às pessoas
aceitarem isso. Se ela sente feliz, se ela se sente realizada em ser um ou outro, é
uma opção dela, mas, também, não querer impor às pessoas aceitarem”.
Tal noção é enfatizada, mais ainda, nos discursos das PA que possuem
uma prática religiosa mais conservadora ou sem conflitos ideológicos. Outro
exemplo no discurso X é o de que parece haver uma identificação entre
homossexuais e prostitutas, ainda que a fala seja de não julgar “uma pessoa sem
saber os reais motivos que levaram [...] a ser um homossexual ou a ser uma
prostituta”.
no discurso Y, cabe questionar a real aceitação da
homossexualidade, pois de acordo com a PA: “Eu sou amiga, convivo, contanto
que não mexam comigo. Me respeitando, eu respeito, também... [...] Porque a
maioria das pessoas acha um absurdo, euo acho assim...”. Neste caso, o que
aparece como não dito, implícito, é que são os “outros” que acham um absurdo e
não ela. Os outros podem discriminar o “diferente”, mas, ela não. Pois, é
socialmente esperado que o educador seja “politicamente correto”, ou seja, as
representações “sociais” são as de que o professor tenha uma postura e um
discurso, acadêmico, de tolerância. E, ela repete: “Eu respeito, mas contando que
não mexam comigo...”, o que sugere uma contradição e/ou um distanciamento,
talvez um “olhar” hierarquizado, normatizado, de quem se sente saudável e
“confortavelmente” acomodado a uma identidade sexual padrão. É possível inferir,
ainda, que o “outro”, apesar de diferente, é um semelhante e, portanto, um
“espelho” que reflete uma imagem que causa estranhamento ou temor, pelo
próprio medo do desconhecido ou pela dificuldade de se ver aquilo que não pode
ser enxergado. Portanto, “não mexam comigo...”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao finalizar esta dissertação, é possível considerar, tanto pela mediação
dos subsídios teóricos como dos empíricos, que a sexualidade humana é
multideterminada biológica, cultural, psicológica e afetivamente. No âmbito
biológico, existem as estruturas neurológicas, anatômicas e fisiológicas, que se
desenvolvem desde a concepção (no útero materno), passando pela fase do bebê
(do nascimento aos dois anos de idade), a primeira infância (dos dois aos seis
anos de idade), a segunda infância (dos sete anos de idade à puberdade) e
chegando à maturidade gônado-genital da adolescência. No aspecto cultural, há o
desenvolvimento dos papéis sociais e sexuais, que se inicia nos primeiros anos
de vida, passa pelos momentos de tensão vividos na adolescência e podem vir a
ser exercidos, também, com tensão ou não, na fase adulta. No nível psicológico,
existe o processo de construção da identidade sexual. E, no campo afetivo ocorre
a “orientação sexual”, que é determinada pelas emoções, sentimentos e
sensações experimentos pelo sujeito e que vão orientando suas preferências
afetivas, eróticas e sexuais, ao longo de sua existência. Esta última vai
determinar, em última análise, o bem-estar biopsicossocial e, claro, sexual da
pessoa, em relação a si mesma e nas relações com as outras pessoas. Vale
ressaltar, no entanto, que tal multideterminação ocorre de forma imbricada, num
processo histórico e dialético, de interações constantes e complementares.
Utilizando-se o referencial de Chauí (1991) como uma concepção
científica de sexualidade humana, que referencia esta produção acadêmica a
qual seria a manifestação da pluralidade estética e de expressão do desejo, que
vai muito além dos aspectos de anatomia e fisiologia, e dos padrões
comportamentais, culturalmente estabelecidos –, e colocando-o em contraponto
com as respostas dos questionários, conforme foi apresentado na introdução do
Capítulo 1, é possível conceber as representações das PA sobre o conceito de
sexualidade humana como uma conduta que se manifesta de maneira bem mais
restritiva, numa perspectiva didática, e como um fenômeno que tende a ser mais
biológico, instintivo ou natural.
Tais respostas podem evidenciar o que Moscovici (1978, p. 173) chama
de “processo de amarração ou ancoragem
26
”, por intermédio do qual um grupo
transforma o “objeto social” em um recurso com o qual ele possa predispor,
colocando esse mesmo objeto dentro de uma linha graduada de predileção nas
redes sociais estabelecidas, e que pode, também, converter os conceitos
científicos em referenciais de novos significados. Para Moscovici (1978, p. 174),
não se trata de um processo de defesa, mas de um contato que permite
evitar uma ruptura intempestiva, antes da rejeição definitiva ou da
habituação ao objeto. No decurso dessa domesticação, o objeto é
associado a formas conhecidas e reconsiderado através delas.
Além disso, como foi mostrado no Capítulo 2, subtítulo 2.1, as PA
demonstraram a compreensão de que ES e sexualidade podem ser concebidas
“naturalmente”, de forma “natural” ou com “naturalidade”, em relação ao trabalho
de OS na escola.
Nesse sentido, foi possível perceber que as contribuições dadas pelos
cursos de formação de professores na construção das RS da sexualidade dos
professores da EI e dos anos iniciais do EF, ainda, são escassas e insatisfatórias
e, conseqüentemente, não lhes fornecem os fundamentos didático-pedagógicos
necessários ou suficientes para assumirem o papel de orientadores sexuais na
escola. Tal conclusão tem respaldo nas opiniões das pesquisadas a respeito do
tratamento dado ao tema sexualidade pela matriz curricular do curso de
Pedagogia, de acordo com o que já foi revelado no Capítulo 3.
Quanto ao objetivo específico que era o de se verificar a necessidade
de uma formação profissional continuada para o professor, habilitado a atuar na
EI e nos anos iniciais do EF, no que concerne à ES na escola, tal anseio foi
totalmente confirmado, tanto por intermédio das idéias apresentadas pelos
autores pesquisados, como pelo entendimento das respostas das PA
investigadas, que acreditam que o professor deve receber a formação específica
no curso de formação de professores, inicial e continuado.
26
Conforme foi descrito na citação de Loureiro (2003), no Capítulo 2, subtítulo 2.1, tal processo
juntamente com o “processo de objetivação” de idéias abstratas ou científicas, “que se
convertem em objetos do senso comum”, formam os “dois processos fundamentais” que
possibilitam a elaboração de uma RS. (MOSCOVICI, 1978, p.110).
No intuito de identificar e compreender as RS sobre sexualidade
humana dos professores da EI e dos anos iniciais do EF recorreu-se a um suporte
teórico-metodológico capaz de analisar o Discurso disseminado seja pela
legislação ou pelos próprios grupos de gestores e professores sobre as
questões pertinentes à temática sexual nos meios educacionais, sem reduzi-los
ou percebê-los mecanicamente, fragmentando-os e isolando-os do contexto
psicossocial e histórico. Para tanto, buscou-se uma fundamentação teórico-
metodológica capaz de esclarecer o “problema” enfocado por esta pesquisa,
reconhecendo em Marx, Engels e o Materialismo-Dialético, Bakhtin e sua teoria
sobre a linguagem humana, Vygotsky, Luria e a Psicologia Interacionista
(Histórico-Cultural), Foucault e sua teoria sobre o discurso e o poder. Vale
destacar, igualmente, Bock, Chauí, Costa, Loureiro e Madeira, além, é claro, de
Moscovici e a teoria das RS, “que caracteriza-se como um esforço para superar a
fragmentação, o reducionismo, o a-historicismo que marcavam construções
teóricas de diferentes disciplinas à época
27
e, ainda hoje, fazem sentir resquícios”
(MADEIRA, 2001, p. 127).
Espera-se, portanto, que esta produção científica tenha contribuído
para a ampliação da área do conhecimento das Ciências Humanas, como um
todo. E, que esta tentativa de uma construção transdiciplinar possa contribuir não
somente com a Psicologia da Educação, mas, com a Psicologia, a Educação e as
demais áreas que queiram se beneficiar com os dados empíricos, o diálogo
(intertextualidade) aqui estabelecido entre os teóricos e as idéias desenvolvidas a
partir destes interdiscursos.
À vista disso, a compreensão das RS como conhecimento
representativo da vida cotidiana, tem fundamental importância para conhecimento
científico delas nas intervenções relacionadas às condições materiais da
educação. As RS têm, da mesma forma, um papel subjetivo na produção da
prática social ao promover, dialeticamente, a interferência da realidade objetiva
sobre a realidade subjetiva. E, como a história vem demonstrando, que esse
entendimento seja em breve assimilado pela sociedade, pois de acordo com Dias
e Paula (2000, p. 199), “é necessário que a nossa sociedade evolua de forma tal
que se possa não apenas falar sobre sexo, mas viver a sexualidade”.
27
Desde a origem da formulação proposta por Moscovici, em 1961. (MADEIRA, 2001, p. 127).
Nesse ponto, é possível concordar, novamente, com Chauí (1991,
p. 229), de que a “liberdade sexual”, a não repressão sexual, é uma utopia do
“lugar feliz, lugar nenhum, lugar da felicidade impossível”. Para a autora,
talvez a utopia não seja o impossível, consolação que nos conforma para
a aceitação resignada do presente. A utopia é a afirmação de que uma
outra sociedade, uma outra vida humana, a liberdade e a felicidade são
possíveis. A utopia nasce do sentimento e da idéia do possível. (CHAUÍ,
1991, p. 229, grifado no original).
No entanto, ainda que seja lúcido perceber o caráter utópico envolvido
na concepção de que a vivência da sexualidade deve ser compreendida como
uma manifestação, ao mesmo tempo, libertadora e salutar, é necessário se
acreditar na mediação exercida pelo professor na interação promovida entre os
alunos e o conhecimento obtido por intermédio das pesquisas científicas, ou
mesmo, nas implicações educacionais mediadas pela leitura (estudo) dessas
produções acadêmicas. E, mesmo que tais contribuições somente sejam
assimiladas de forma paulatina, pela sociedade como um todo, Costa (2002, p.
73) afirma que:
[...] se procedermos assim, poderemos mais facilmente continuar
respeitando e cultivando outras crenças igualmente importantes para
nossas vidas. Continuaremos cultivando, por exemplo, a crença de que o
direito à vida, à liberdade e à felicidade são direitos inalienáveis de todos
os indivíduos; continuaremos cultivando a crença de que se a vida e a
liberdadeo problemas de todos e que por todos devem ser discutidos
e resolvidos, a busca da felicidade é problema de cada um; finalmente,
continuaremos cultivando a crença de que a busca da felicidade não
precisa justificar-se, exceto quando esbarra na dor e na humilhação do
outro.
assim existirá a chance da sexualidade humana manifestar-se de
modo espontâneo, sem ser irresponsável, e na sua melhor forma, de pluralidade e
diversidade, contrária à ideologia imposta pelo processo de civilização, que é a
tendência à singularidade e unicidade sexual. Para tanto, a sexualidade humana
precisa ser vivida na “relação” entre pessoas, manifestada de maneira genuína e
íntegra, sem que isto venha a se transformar em algum prejuízo de ordem
acadêmica, afetiva, corporal, financeira, moral, profissional, psicológica,
trabalhista, político-ideológica ou social para qualquer sujeito sexuado.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Dulce B. de et al. Política Educacional e Formação Docente
na Perspectiva da Inclusão. Educação. CE/UFSM. Santa Maria (RS), v. 32, n. 2,
p. 327-342, 2007.
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ANEXO
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