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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
O BANCO MUNDIAL E
A EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL
Christine Garrido Marquez
Orientadora: Profa. Dra. Ivone Garcia Barbosa
Goiânia-Goiás
2006
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CHRISTINE GARRIDO MARQUEZ
O BANCO MUNDIAL E
A EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
em Educação da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Goiás, para a obtenção
do título de Mestre em Educação.
Área de Concentração: Formação e
Profissionalização Docente
Orientadora: Profa. Dra. Ivone Garcia Barbosa
Goiânia-Goiás
2006
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Marquez, Christine Garrido.
O Banco Mundial e a Educação Infantil no Brasil/ Christine
Garrido Marquez. 2006.
215 f.; enc.
Referências Bibliográficas.
Dissertação (Mestrado) Universidade Federal de Goiás,
Faculdade de Educação, 2006.
1. Políticas públicas Educação Infantil. 2. Banco
Mundial Políticas Educacionais. 3. Banco Mundial
Educação Infantil. 4. Educação Infantil Financiamento. I.
Título.
CDD: 372.21
CDU: 372.3
3
Dedico esta pesquisa às crianças pequenas
brasileiras representadas na presença
inesquecível de Marcella, Marina e Maria
Eduarda na esperança de uma educação para
além do capital.
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
4
4
Agradeço a Deus que me concedeu a benção da vida.
Aos amigos espirituais que me apoiaram em todos os momentos.
Minha gratidão especial aos meus pais que me incentivaram sempre a lutar por
meus sonhos. Estes dias tornaram-se mais especiais porque vocês estavam presentes.
Agradeço a Christiane, Leonardo, Luciano, João Paulo, Marcella, Marina,
Maria Eduarda, vó Inorah, Leninha e Reinaldo pelo apoio incondicional em todos os
momentos desta conquista tão importante para mim.
A Divina e sua equipe pelo apoio e pela força constante.
À equipe profissional do Tempo de Infância, às crianças, pais, mães, por todas
as descobertas e aprendizagens compartilhadas nestes dezessete anos.
À Profa. Dra. Ivone Garcia Barbosa inspiração e estímulo à minha autonomia
intelectual, por sua compreensão e singular maneira de apontar horizontes e revigorar
a análise crítica.
À banca examinadora, no momento de qualificação e defesa, nas pessoas de
Andréia Ferreira da Silva, Angela Cristina Belém Mascarenhas e Sônia Margarida
Gomes Sousa pelas contribuições apontadas.
À Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás que representa as
melhores tradições do ensino público brasileiro pela qualidade de seus professores e
funcionários.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação pelos saberes compartilhados.
Impossível deixar de registrar a solidariedade e competência das secretarios
Ana Paula, Cislene, Nóbrega, Rosa Maria e Rosângela: autores de gestos tão
importantes!
A todos os colegas da décima oitava turma de Pós-Graduação e especialmente a
Laís, companheiros nos diferentes momentos de estudo e pesquisa.
A todos os colegas do grupo de estudos Políticas Públicas e Educação da
Infância em Goiás: história, concepções, projetos e práticas.
A Nancy Esperança pela sua presença marcante neste momento tão especial.
Ao apoio institucional da CAPES, imprescindível na elaboração desta pesquisa
científica.
RESUMO
5
Nossa pesquisa compõe um dos vários subprojetos que ora encontram-se em
desenvolvimento, integrados ao projeto Políticas Públicas e Educação da Infância
em Goiás: história, concepções, projetos e práticas, ligado à linha de pesquisa
Formação e Profissionalização Docente da Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Goiás. Investigamos o cenário brasileiro que se delineia em torno das
políticas públicas de Educação Infantil subsidiadas pelo Banco Mundial. Realizamos
uma reflexão crítica, buscando compreender as orientações conceituais e políticas do
Banco quanto à educação, especialmente, à Educação Infantil e identificar projetos
que visam sua implementação no Brasil, a partir dos anos noventa. Com base em uma
perspectiva sócio-histórico-dialética, desenvolvemos uma pesquisa documental e
bibliográfica. Partimos de uma visão organizacional do Banco Mundial e de suas
políticas educacionais presentes nos Documentos Setoriais de Educação (1971, 1974,
1980, 1995 e 2000) para, então, analisar as políticas públicas elaboradas,
implementadas e monitoradas para a educação de crianças de zero a seis anos.
Realizamos um resgate histórico da política pública de financiamento da Educação
Brasileira e da Educação Infantil, considerando a pulverização dos projetos, ações e
programas voltados para a primeira infância, disseminados pelas áreas de previdência
e assistência social, saúde, trabalho e educação. No âmbito da educação pública,
verificamos a materialização das proposições do Banco construídas no transcorrer da
história educacional brasileira, com o consentimento e a participação nacional. A
Educação Infantil vem ocupando espaço na agenda do Banco Mundial, desde os anos
noventa, monitorada pela visão economicista que fundamenta suas políticas globais,
setoriais, especialmente as políticas educacionais, pautada em preceitos econômicos e
na redução dos gastos públicos, incorporada como componente dos projetos
financiados, muitas vezes através de programas alternativos informais de baixo custo.
Palavras-chave: Políticas Públicas de Educação Infantil; Banco Mundial e
Educação Infantil; Financiamento da Educação Infantil.
ABSTRACT
6
6
This text is one of the several sub-projects that are in a development process
integrated to the project Public Politics and Childhood Education in Goiás: history,
conceptions, projects and pratices, linked to the research line Teacher Formation
and Professionalism Process at Education Faculty in Goiás Federal University. We
investigated the Brazilian scene that delineates around the public politics of
Childhood Education subsidized by the World Bank. We carried through a critical
reflection trying to understand the conceptual and political orientations of that Bank
about the education, mainly, the childhood education and to identify projects that
base their implementation in Brazil, since the 90s years. Based on a dialectic-
historical-social perspective, we developed a documental and bibliographic research.
We started from an organizational vision from World Bank and its educational
politics present in the Education Sector Documents (1971, 1974, 1980, 1995 and
2000) to, then, analyze the public politics elaborated, implemented and monitored for
the children education from zero to six years old. We carried through a historical
rescue of the financing public politics of the Brazilian and childhood educations,
considering the extinction of the projects, programs and actions directed toward the
first childhood, scattered by the social welfare and attendance areas, health, work and
education. In the scope of the public education, we verified that the proposals of the
bank became concrete constructed during the Brazilian educational history with the
national consent and participation. The Childhood Education is taking place in the
agenda of the World Bank, since the 90s years, monitored by the economic vision
that bases its global, particular, and mainly educational politics, enrolled in economic
principles and in the public expenses reduction, incorporated as a component of the
financed projects, through the informal alternative programs of low cost.
Keywords: Childhood Education Public Politics; World Bank and Childhood
Education; Childhood Education Financing.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
7
ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
AES - Associação Econômica Setorial
AID - Associação Internacional de Desenvolvimento
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD - Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
BM - Banco Mundial
CAPES - Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina
CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas
COEDI - Coordenação Geral de Educação Infantil
COEPRE - Coordenação de Educação Pré-Escolar
DIC - Desenvolvimento Inicial da Criança
DPI - Desenvolvimento da Primeira Infância
DNCr - Departamento Nacional da Criança
ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente
ECCD - Desenvolvimento e Cuidado da Primeira Infância
FAO - Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura
FUNABEM - Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
FUNDEB - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica Pública e
de Valorização dos Profissionais da Educação
FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério
GATT - Acordo Geral do Comércio Internacional
ICSID - Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos
IFC - Corporação Financeira Internacional
INAM - Instituto Nacional de Alimentação
LBA - Legião Brasileira de Assistência
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MDE - Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
MEC - Ministério da Educação
MIGA - Agência Multilateral de Garantia de Investimentos
MOBRAL - Movimento Brasileiro de Alfabetização de Adultos
8
8
MPAS - Ministério Previdência e Assistência Social
NEDESC - Núcleo de Estudos e Documentação de Educação, Sociedade e Cultura
OCDE - Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico
OI - Organização Internacional
OIT - Organização Internacional do Trabalho
OMEP - Organização Mundial de Educação Pré-Escolar
OMS - Organização Mundial da Saúde
ONG - Organização Não-Governamental
ONU - Organização das Nações Unidas
PEC - Proposta de Emenda Constitucional
PIB - Produto Interno Bruto
PNE - Plano Nacional de Educação
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PRODEM - Programa de Desenvolvimento da Educação Municipal
SAM - Serviço de Assistência a Menores
SDN - Sociedade das Nações
Swaps - Programa com Enfoque Setorial Amplo
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................ 12
9
CAPÍTULO 1
O BANCO MUNDIAL E A EDUCAÇÃO .........................................................24
1.1 Agenda do Banco Mundial: uma visão para o
desenvolvimento ........................27
1.1.1 Organizações Internacionais .......................................................................27
1.1.2 Grupo Banco Mundial .............................................................................. 36
1.1.3 Banco Mundial ..........................................................................................44
1.1.4 Administração ........................................................................................44
1.1.5 Finanças ................................................................................................48
1.1.6 Políticas, Planejamento e Pesquisa ...........................................................61
1.1.7 Agenda educacional do Banco Mundial: investindo no capital
humano ..............69
1.1.8 Documentos Setoriais de Educação:1971, 1974 e 1980 .................................69
1.2.2 Documentos Setoriais de Educação:1995 e 2000 ..........................................80
CAPÍTULO 2
DESAFIOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL BRASILEIRA ...........98
2.1 Política de financiamento da educação no Brasil: resgate
histórico .................100
2.1.1 Financiamento da educação pública brasileira: elementos
históricos .............100
2.1.2 Novos rumos para o financiamento da educação pública brasileira ...........110
2.2 Nas trilhas da política de financiamento da Educação Infantil ........................123
2.2.1 Trilhando velhos caminhos: trajetória histórica ...........................................123
2.2.2 Educação Infantil: velhos ou novos desafios? ...........................................141
CAPÍTULO 3
O BANCO MUNDIAL E A EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL .................154
3.1 A importância do desenvolvimento da criança: o futuro ancorado na primeira
infância .....................................................................................................157
3.2 Políticas setoriais de educação do Banco Mundial e a Educação Infantil
brasileira ...................................................................................................171
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................197
10
10
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................204
INTRODUÇÃO
11
Perseu precisava de um capacete da invisibilidade para
perseguir os monstros. Nós puxamos o capacete mágico a
fundo sobre nossos olhos e orelhas, para podermos negar a
existência de monstros.
Karl Marx
Iniciamos nossa dissertação, dedicando-a às crianças pequenas brasileiras
porque foi o desejo de investigar o cenário brasileiro que se delineia em torno das
Políticas Públicas de Educação Infantil subsidiadas pelo Banco Mundial que moveu o
nosso pensar e o nosso agir em busca de desenvolver a pesquisa e a produção de
conhecimentos na área de Educação, contribuindo na construção de uma reflexão e de
uma ação política.
A temática de nossa pesquisa O Banco Mundial e a Educação Infantil no
Brasil foi escolhida a partir de uma trajetória profissional na Educação Infantil que
inicia na docência na pré-escola, passa pela Biblioteconomia, área de nossa
graduação e caminha numa perspectiva que mescla conhecimentos dos cursos de
Especialização em Literatura Infantil e em Educação Infantil, e vivências
profissionais em creches e pré-escolas públicas e privadas, bem como em bibliotecas
públicas, escolares e especializadas. Estas experiências, no seu conjunto,
possibilitaram a construção de algumas reflexões críticas, formuladas diante do
conflito entre o processo de exclusão social e o discurso sobre igualdade de
oportunidades e de condições, conflito este que perpassa as lutas pela democratização
da educação infantil.
A inserção crítica na realidade e a necessidade de sistematizar
conhecimentos sobre a Educação Infantil, no seu caráter histórico amplo, motivou-
nos a participar do Grupo de Estudos e Pesquisas da Infância e sua Educação, o qual
reúne na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás pós-graduados,
alunos de pós-graduação e de graduação, e que desenvolvem, desde 2003, o projeto
Políticas Públicas e Educação da Infância em Goiás: história, concepções, projetos
e práticas. O referido Grupo integra o Núcleo de Estudos e Documentação em
Educação, Sociedade e Cultura (NEDESC). Este projeto possui vários subprojetos
com diferentes temáticas verticalizadas na área da Educação Infantil, entre eles o
projeto sobre as políticas públicas e educacionais e suas relações com a produção e
indicações das Organizações Internacionais, em que situo minha investigação.
12
12
No meio acadêmico e em nossa caminhada profissional aprofundamos
conhecimentos e atualizamos leituras sobre políticas públicas para a Educação
Infantil, buscando compartilhá-los, conhecimento e leituras, com outros profissionais
da área, ampliando daí nossas discussões e ações.
Os estudos realizados no período de 1999 a 2000, cursando a Especialização
em Formação de Professores de Educação Infantil, na Universidade Católica de Goiás
e, no período de 2001 a 2003, como aluna ouvinte do Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, possibilitaram-nos o
acesso a um quadro da trajetória da produção do conhecimento no campo da educação
da criança de zero a seis anos no Brasil. As diversas atividades realizadas, como as
leituras, aulas expositivas dialogadas, debates, seminários, participação de
professores convidados, discussão dos projetos de dissertação e de teses, participação
em eventos acadêmico-científicos, produção de leituras, questões e sínteses
reflexivas, pesquisas bibliográficas, trouxeram-nos contribuições significativas e um
amadurecimento sobre a pesquisa educacional.
No contexto das sociedades modernas, as diferentes dimensões envolvidas
na educação infantil têm apresentado imensos desafios para a investigação na área. A
educação, a tutela e a socialização da criança pequena, assumidas pela família ou
grupos sociais específicos passam paulatinamente a ser compartilhadas por diversos
segmentos públicos, deixando de ser exclusivamente uma tarefa privada, impondo
uma reflexão acerca da responsabilidade social do Estado sobre a criança e sua
educação.
Contemporaneamente, nos países onde o avanço da economia e as
conquistas sociais são uma realidade, a Educação Infantil é vista, como uma tarefa
pública socialmente compartilhada, refletindo-se em políticas públicas que assumem
a necessidade do respeito aos direitos da criança e associam-se às políticas sociais
voltadas para a família (ROSEMBERG, CAMPOS, 1998). Esta realidade contrasta
certamente com a situação da infância em vários países do planeta, onde as condições
reais de existência e/ou a formação cultural ainda não possibilitam a assunção das
crianças como seres de direitos amplos, tratando-as de modo inadequado, quando
13
não-violento, mantendo-as em tarefas impróprias à infância, explorando o trabalho
infantil.
No Brasil, ampliou-se o acesso a creches e pré-escolas mas, mesmo com o
consenso estabelecido desde 1987, com o movimento pré-Constituinte sobre a
importância social e o caráter educativo das instituições de Educação Infantil, não se
conseguiu ainda viabilizar um funcionamento razoável destes serviços ou oferecer
atendimento em instituições públicas. As pesquisas mostram que há uma tendência à
privatização do atendimento, mantendo-se uma lógica neoliberal na elaboração de
políticas para a infância e sua educação (BARBOSA, 1999, 2001; FARIA, 2005;
GUIMARÃES, 2002; MONLEVADE, 2004; ROSEMBERG, 2002a, 2002b).
A identificação da produção científica relativa à educação da criança
pequena, menor de sete anos, resultante do crescimento da área, tem se colocado
como uma necessidade, não só no sentido de orientar novas investigações, como
também no de ampliar o acesso à informação, em todos os âmbitos de atuação da
educação infantil. Nas últimas décadas, vários grupos de pesquisa, em todo o mundo,
têm investigado aspectos relativos à educação infantil e as produções científicas têm
produzido bases de conhecimento para subsidiar políticas educacionais e práticas de
educação e cuidado infantil de qualidade, capazes de favorecer a aprendizagem e o
desenvolvimento das crianças.
Nota-se que a pesquisa, refletindo as demandas práticas, assume
características particulares, passando a abordar em seu campo específico uma
dimensão pedagógica, orientada por uma consciência crítica sobre as relações
educativas vivenciadas nos espaços coletivos e institucionazados de Educação
Infantil.
Por outro lado, ao se tratar da produção de conhecimento sobre a educação
de crianças pequenas, podem ser apontadas algumas lacunas no conhecimento
teórico-metodológico e empírico, levantando-se a necessidade de se promover e
apoiar estudos que possam informar sobre a elaboração de uma política consistente
de atendimento à criança de zero a seis anos e orientar a reivindicação, implantação e
avaliação de programas de educação infantil (ROSEMBERG, 1989).
O mapeamento da produção nacional (BARBOSA, 1997, 1999, 2001;
BARRETO, 2003; CAMPOS, 1992, 1997; CORRÊA, 2002; FARIA, 2002, 2005;
GONDRA, 2002; GUIMARÃES, 2002; KRAMER, 2001; KUHLMANN JÚNIOR,
14
14
2000, 2004; MERISSE, 1997; OLIVEIRA, 1996, 1999; PRIORE, 2004) vem
indicando as perspectivas diferenciadas da pesquisa e da prática da educação infantil
no Brasil, revelando uma grande diversidade de temas e estudos referentes às várias
dimensões envolvidas na educação da criança pequena. Em períodos mais recentes,
constata-se que a riqueza e a diversidade das pesquisas nesta área têm sido reforçadas
pelas trocas internacionais e por redes de pesquisadores em plena expansão,
resultando, no plano internacional e nacional, num reconhecimento comum das
necessidades educativas da primeira infância e da necessidade de ser estabelecidos
critérios de atendimento que garantam os direitos fundamentais da criança (BRASIL,
2001b).
Este debate mais sistemático das políticas sociais, assistências e
educacionais tem, reconhecidamente, uma dinâmica ampla e reflete um conjunto de
prismas políticos e de interesses de diferentes grupos e instituições. Deste modo,
compreender a realidade exige de nós ir além do particular em que as intenções e
interesses se expressam. É justamente desta ótica que nos interessa o lugar que o
Banco Mundial, historicamente, assume no contorno daquelas políticas.
A leitura de algumas pesquisas (BANCO MUNDIAL, 1995, 1998, 2000a,
2002a; KRAMER, 2001; RAMON, 2003; REAL, 2004; ROSEMBERG, 1992, 1999,
2000, 2001a, 2001b, 2002a, 2002b; ROSSETTI-FERREIRA, RAMON E SILVA,
2002; PENN, 2002; TORRES, 2000, 2001; YOUNG, 1996) permite-nos concluir que,
as políticas propostas pelos governos e Organizações Internacionais Banco
Mundial, UNESCO, UNICEF têm concebido programas de educação e cuidado da
primeira infância, como uma forma de intervenção social para a superação das
desigualdades em países em desenvolvimento, como o Brasil, diferentemente das
propostas para os países desenvolvidos, quanto ao acesso à educação e aos bens
culturais.
Assim, a educação da primeira infância vem gradativamente ocupando
espaço na agenda internacional e segundo Rosa Maria Torres (2000), a partir dos
anos noventa, o Banco Mundial decidiu prestar maior atenção ao desenvolvimento da
criança e à educação inicial. O Banco vem adquirindo expressiva importância no
âmbito das políticas públicas brasileiras, desempenhando o papel, junto aos países
15
mais pobres, de estrategista do modelo neoliberal de desenvolvimento e articulador
da interação econômica entre as nações, ocupando desta forma posição nuclear no
processo de cooperação internacional.
O Banco Mundial, a partir dos anos noventa, tem investido na formulação,
implementação e monitoramento de políticas públicas para a primeira infância nos
países em desenvolvimento, especialmente no Brasil. É justamente sobre essa
problemática que nos propomos realizar uma reflexão crítica, buscando compreender
as políticas e estratégias do Banco Mundial para a Educação Infantil e identificar os
projetos que visam a sua implementação no Brasil. A nossa questão central a ser
respondida, ao longo da pesquisa, é: quais as orientações conceituais e políticas do
Banco Mundial para a Educação Infantil e que programas e projetos existem para sua
implementação no Brasil, a partir dos anos noventa?
Nesta investigação adotamos a expressão Educação Infantil que representa,
no caso brasileiro, a nomenclatura usada para delimitar a etapa da educação
responsável pela educação de crianças de zero a seis anos. No Brasil, após a
aprovação da Constituição Federal de 1988, a Educação Infantil foi designada como o
nível educacional que antecede o Ensino Fundamental (de sete a quatorze anos) e que
ocorre em creches (zero a três anos) e pré-escolas (quatro a seis anos). Por outro
lado, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/96) estabeleceu a
Educação Infantil como a primeira etapa da Educação Básica no sistema educativo
brasileiro. Adotamos também, várias expressões como sinônimas: educação da
primeira infância, educação de crianças pequenas, educação das crianças de zero a
seis anos ou menores de sete anos como referência à Educação Infantil. Optamos por
utilizar a expressão Educação Infantil, em maiúsculo, para significar a primeira etapa
da Educação Básica. Ao nos referirmos à educação da infância/da criança, de modo
genérico, utilizamos a expressão em letra minúscula educação infantil. Optamos
também por manter a expressão de zero a seis anos, incluindo as crianças menores de
sete anos, ainda que atualmente já tenha sido aprovado o Ensino Fundamental de
nove anos, que insere a criança de seis anos no Ensino Fundamental, pois não houve
uma mudança Constitucional para validar tal medida governamental.
Dentre as Organizações Internacionais escolhemos pesquisar as propostas
do Banco Mundial, em função da transformação do mesmo, nos últimos anos, na
principal agência internacional técnica em matéria de política educacional e de
16
16
financiamento para este setor. Suas políticas e estratégias vêm sendo universalizadas,
como receituário único, independentemente da história, cultura e condições de infra-
estrutura de cada um dos países em desenvolvimento que recorrem aos seus
empréstimos /orientações.
A intervenção sistemática do Banco nas políticas, estratégias, programas e
reformas da educação pública foram construídos no transcorrer da história
educacional brasileira, com o consentimento do governo federal, parte dos estaduais e
das elites dirigentes nacionais, alinhadas às políticas estabelecidas pelo modelo
neoliberal de desenvolvimento econômico, restaurando os mecanismos de
acumulação do capital e o favorecimento dos princípios do mercado em detrimento
das instituições nacionais, de amparo social e de proteção aos trabalhadores,
comprimindo os direitos sociais. Diante deste quadro, parece contraditório que o
governo brasileiro, em diferentes momentos históricos, anuncie uma autonomia de
suas políticas e de seus projetos para a educação. Em que medida as influências do
Banco Mundial traduzem perspectivas de cooperação ou intervenção internacional?
Só a pesquisa poderá contribuir para desvendá-la.
Sobre o processo de pesquisa
Propomos como referencial de análise nesta investigação, o método
dialético-histórico, enquanto postura ou concepção de mundo, enquanto método de
análise e de exposição da realidade, enquanto práxis transformadora. Inspirando-nos
em Karl Marx (2003), pensamos ser necessário perseguir nosso objeto de
investigação científica como fenômeno em movimento e, portanto, em constante via
de transformação. Assim, é preciso atentar para os processos de constituição das
relações no nosso caso específico, as relações do Banco Mundial e a Educação
Infantil – nas diferentes manifestações sociais, compreendendo da forma mais
rigorosa possível os fatos que lhe servem de base, de ponto de partida.
A concepção materialista histórica situa-se no plano da realidade, no plano
histórico, fixa-se no mundo real, no conceito, na consciência real, sob a forma da
trama de relações conflitantes, contraditórias, de leis de construção, desenvolvimento
17
e transformação dos fatos sociais (FRIGOTTO, 2002). Nesta perspectiva, podemos
assinalar que a questão da postura do investigador é definidora do método de
investigação, o qual está vinculado a uma concepção de realidade, de mundo e de
vida. O método dialético-histórico, neste sentido, admite que, conforme pontua Ivone
Garcia Barbosa (2006), sustentemos a construção de um dado conhecimento sobre
nosso objeto de investigação na e pela práxis, isto é, buscando estabelecer uma
unidade entre teoria (ou referências teóricas) e prática investigativa, tentando
perceber e fomentar transformações e construir novas sínteses nos planos do
conhecimento e da realidade histórica. Assume-se, portanto, que a preocupação é
refletir, pensar, analisar critica e sistematicamente a realidade com o objetivo de
transformá-la, sempre que assim for necessário.
Estas premissas se mostraram imprescindíveis para pesquisar, conhecer,
estudar, analisar e compreender as políticas e estratégias do Banco Mundial para a
Educação Infantil pública brasileira. Ainda aqui, retomando uma afirmativa de Fúlvia
Rosemberg, é importante destacar:
Quando se consideram as organizações intergovernamentais como atores
sociais, que contracenam com outros atores nacionais na arena de
negociações das políticas sociais, conhecê-las, estudá-las, pesquisá-las e
divulgar estas informações pode tornar-se uma ação política (2000, p. 66).
Procuramos desenvolver uma pesquisa documental e bibliográfica, com o
objetivo de investigar as orientações conceituais e políticas elaboradas,
implementadas e monitoradas pelo Banco Mundial quanto à educação, especialmente,
à Educação Infantil no Brasil, a partir dos anos noventa. Menga Ludke e Marli André
(2001) salientam que, a análise documental busca identificar informações nos
documentos, os quais constituem uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas
evidências e declarações pesquisadas. Este esforço investigativo deve ser duplamente
valorizado já que, como afirmam aquelas autoras, os documentos Não são apenas
uma fonte de informação contextualizada, mas surgem num determinado contexto e
fornecem informações sobre esse mesmo contexto (idem, p. 39).
Ao transitar pela produção sobre pesquisa na área da educação, notamos que
as técnicas, tanto quantitativas quanto qualitativas adquirem ou não significação e
dimensão diferentes, dependendo da abordagem na qual se inserem ou do paradigma
que as prioriza em relação aos outros elementos da pesquisa. Neste contexto, Silvio
18
18
Sanchez Gamboa (2002, p. 113) pontua que a técnica é a expressão prático-
experimental do método, e esse é, por sua vez, uma teoria em ação, e as teorias são
maneiras diversas de ordenar o real ou de explicitar uma visão de mundo.
Além disso, conforme ressaltam Ludke e André (2001), o rigor do trabalho
científico deve ser o mesmo, independentemente da utilização de técnicas mais
tradicionais ou mais recentes. O pesquisador deve sempre estar atento à acuidade e
veracidade das informações que vai construindo, colocando nessa construção toda a
sua inteligência, habilidade técnica e uma dose de paixão para temperar (e manter a
têmpera!) (p. 9). Entendemos, então, que é importante cercar nossa pesquisa com
maior cuidado e exigência, para merecer a confiança dos que necessitam dos seus
resultados, no entanto, sem exageros que imobilizem a construção do conhecimento
científico.
A revisão bibliográfica teve por objetivo iluminar nosso caminho de
pesquisadora, desde a definição do problema até a interpretação dos resultados. No
olhar de Alda Alves-Mazzotti (2002) esta revisão deve servir a dois aspectos
fundamentais: a contextualização do problema dentro da área de pesquisa e a análise
do referencial teórico. De fato, utilizamos dois tipos de revisão de literatura: aquela
necessária para nosso próprio consumo, esclarecendo as principais questões teórico-
metodológicas pertinentes ao nosso tema de investigação e outra que integrou,
efetivamente, a presente dissertação. Consideramos, um desafio a idéia de Alves-
Mazzotti (idem, p. 27) de que Quanto mais eficiente for a primeira, mais funcional e
focalizada será a segunda
Iniciamos nossa investigação, tendo como suporte bibliográfico os estudos
realizados no Grupo de Estudos e Pesquisas da Infância e sua Educação, nas
disciplinas do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Goiás, além de um levantamento bibliográfico mais
sistemático realizado em obras de referência, estados da arte, fontes primárias e
secundárias disponíveis nas bibliotecas da Universidade Federal de Goiás,
Universidade Católica de Goiás, Organização dos Advogados do Brasil e, em redes
de informação, através de programas de busca e portais acessíveis na Internet. Nesta
fase, aprofundamos a pesquisa bibliográfica para elaborarmos um referencial teórico
19
que desse suporte ao processo de construção da investigação e, simultaneamente, à
análise das informações obtidas ao longo da pesquisa documental.
Nas leituras realizadas (BARBOSA, 2006; BARBOSA et al., 2003;
FAZENDA, 2002; FRIGOTTO, 2002; GAMBOA, 2002; GATTI, 2002; LUNA, 2002;
OLIVEIRA, 2001; WARDE, 1990) observamos a importância dos esforços de
elaboração do referencial teórico. Este clarifica o racional da investigação,
orientando a definição de categorias analíticas e constructos relevantes e dando
suporte às relações antecipadas nas possíveis hipóteses, constituindo um dos
principais instrumentos para a interpretação dos resultados da pesquisa. É importante
destacar que ainda consideramos o fato de que, o nível de teorização depende do
conhecimento acumulado sobre o problema focalizado e da capacidade do
pesquisador para avaliar a adequação das disponíveis teorizações dos fenômenos por
ele observados.
A ausência de um quadro teórico criteriosamente selecionado tem sido
apontado, em avaliações da produção científica na área de educação como
responsável pela pobreza interpretativa de muitos estudos. A importância atribuída à
revisão crítica de teorias e pesquisas no processo de produção de novos
conhecimentos tornou-se, não somente uma exigência da academia, mas um aspecto
essencial na construção do nosso objeto de pesquisa, a fim de produzirmos
conhecimento para o desenvolvimento teórico-metodológico e para o crescimento da
pesquisa educacional.
Realizamos, então, simultaneamente, um percurso de visitas e pesquisas
periódicas às instituições governamentais situadas em Brasília – Ministério da
Educação, Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Saúde, Ministério do
Desenvolvimento Social e de Combate à Fome, Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão buscando informações, documentos e dados disponíveis junto
aos órgãos responsáveis pelo atendimento à primeira infância, pela assesssoria
internacional e suas respectivas bibliotecas.
Um fato ocorrido durante as visitas aos Ministérios, é que fomos orientados
a optarmos pelo estudo de outra Organização Internacional, particularmente o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Questionamo-nos,
desse modo, por que a sugestão/orientação de pesquisarmos as políticas do PNUD
para a Educação Infantil e não as do Banco Mundial?
20
20
Nos esclarecimentos recebidos, inicialmente, com base nos diálogos
estabelecidos e nas observações das instituições visitadas, percebemos uma ausência
e um desconhecimento de informações, documentos e dados sobre as políticas
educacionais do Banco Mundial para crianças pequenas e sobre programas e projetos
implementados ou em fase de implementação destinados a esta faixa etária no Brasil,
desde o início de sua atuação no país.
No intuito de obtermos informações mais precisas e ampliar o acesso aos
diferentes documentos, realizamos inúmeras visitas ao Centro de Informação Pública
do Banco Mundial e da Biblioteca Depositária do Banco Mundial do Instituto de
Pesquisas Econômicas Aplicadas durante o período de agosto de 2004 a junho de
2006. Nestas duas bibliotecas levantamos os documentos e as publicações do Banco
Mundial e sobre o Banco, o que enriqueceu o nosso referencial teórico e nos
possibilitou desvendar, parcialmente, a intrigante relação entre esta Organização
Internacional e a educação brasileira.
É preciso esclarecer que, na realização deste estudo, pelo fato das
bibliotecas pesquisadas não possuírem em seus acervos bibliográficos os Documentos
Setoriais de Educação de 1971, 1974 e 1980, não poderemos afirmar com precisão se
estes documentos trazem orientações para a educação da primeira infância. No
entanto, conforme os Documentos Setoriais de 1995 e de 2000 afirmam, o Banco
Mundial, a partir dos anos noventa, passou a investir parte do financiamento na
educação inicial da criança. Procuramos analisá-los, bem como outros documentos do
Banco que se referem à Educação Infantil e aos projetos implementados no Brasil
(BANCO MUNDIAL, 1998, 2000b, 2002a, 2002b, 2004b; YOUNG, 1996; PERRY et
al., 2006).
Desta busca complexa, é que resultou este trabalho dissertativo, no qual
expressamos as diversas reflexões realizadas. Partimos de uma visão organizacional
do Banco Mundial e de suas políticas educacionais para então analisarmos as
políticas públicas elaboradas, implementadas e monitoradas para a educação da
primeira infância brasileira a partir da década de noventa. Intencionamos conhecer os
fundamentos que sustentam o processo de cooperação internacional liderado pelo
Banco Mundial, desvelando sua intervenção e influência política-ideológica, a qual
21
não se impõe de forma unilateral, mas é compartilhada e pressupõe certo grau de
consentimento dos setores governamentais.
Compreender as articulações entre políticas educacionais e Organizações
Internacionais, no caso dos países em desenvolvimento, de acordo com Rosemberg
(2000) consiste em uma tarefa complexa, porque envolve três recortes temáticos que
carregam vários campos disciplinares correlatos:
. o primeiro é o próprio tema das organizações internacionais como
instituições sociais;
. o segundo é o campo de estudos do desenvolvimento econômico e social,
profundamente imbricado nas orientações e ações das organizações
multilaterais para os países subdesenvolvidos;
. o terceiro é o campo de conhecimentos setoriais educação, saúde,
ecologia, população, trabalho, segurança etc. recortado por temas
transversais, tais como nero, infância, raça/etnia, pobreza, direitos
humanos etc., focalizados na elaboração de pautas políticas setoriais
(ROSEMBERG, 2000, p. 66).
Tendo esta reflexão como referência, achamos conveniente estruturar nosso
trabalho dissertativo em três capítulos. Na primeira parte, partimos de um
esclarecimento baseado no Direito Internacional sobre as Organizações Internacionais
e resgatamos, de modo crítico, as informações sobre o Banco Mundial, buscando
descrevê-lo para compreender sua estrutura organizacional, suas políticas,
estratégias, projetos, programas e sua agenda de desenvolvimento, adotando inclusive
a sua terminologia. No tocante às políticas educacionais, analisamos os Documentos
Setoriais de Educação do Banco Mundial de 1971, 1974, 1980, 1995 e 2000, os quais
seguem o eixo central das políticas e estratégias globais e setoriais elaboradas,
implementadas e monitoradas pelo Banco nos países em desenvolvimento.
No segundo capítulo, realizamos um resgate histórico da política de
financiamento da educação pública brasileira, com base em obras de referência, nas
fontes primárias e secundárias disponíveis. Discutimos, também, o desenvolvimento
histórico das políticas de financiamento público da educação infantil, considerando a
pulverização de programas, projetos e ações educacionais para crianças de zero a seis
anos, disseminados pelas áreas da previdência e assistência social, saúde, trabalho e
educação.
Na terceira parte, procuramos realizar uma reflexão crítica sobre as
orientações conceituais e políticas do Banco Mundial presentes nos Documentos
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Setoriais de Educação de 1995 e 2000 para a Educação Infantil pública e identificar
programas e projetos existem para sua implementação no Brasil a partir dos anos
noventa.
Nas considerações finais destacamos as análises realizadas ao longo da
pesquisa, apontando para a materialização das proposições do Banco Mundial para a
Educação Infantil, fundamentadas em seus Documentos Setoriais de Educação e
construídas no transcorrer da história da educação pública brasileira com o
consentimento e a participação nacional.
CAPÍTULO 1
O BANCO MUNDIAL E A EDUCAÇÃO
Devemos apoiar nossa juventude por meio da educação para
criar um mundo melhor. E isso começa com o desenvolvimento
da primeira infância porque sabemos que o futuro de uma
23
criança é, em grande parte, determinado nos seis primeiros
anos de vida.
Estamos também empenhados ativamente na Meta de
Desenvolvimento do Milênio de levar todas as crianças à
escola até 2015. Mas temos de reconhecer que a educação
não significa apenas levar crianças à escola. O conteúdo e a
qualidade são a chave e as crianças precisam permanecer
na escola. Oferecer às crianças uma educação de qualidade
não é apenas certo, mas também tem um impacto enorme
sobre o desenvolvimento.
Lamentavelmente, não estamos cumprindo as promessas que
fizemos às crianças em Jomtien em 1990, em Dakar em 2000 e
novamente em Monterrey em 2002.
Banco Mundial
As tentativas de estabelecer as funções da educação e o papel da escola
vinculando-os às necessidades da economia e à formação da força de trabalho para o
mercado são cada vez mais freqüentes. Mariano Enguita (1989), no entanto, mostra-
nos que nem sempre tais tentativas e vinculações existiram, passando, a partir do
desenvolvimento das formas de produção capitalistas, a ficarem mais claras. Ao
ressaltar a consolidação das formas capitalistas de produção, via Revolução
Industrial, Enguita mostra-nos como foi rompido o predomínio do trabalho artesanal,
característico da cooperação simples e introduzida, na manufatura, a divisão técnica
do trabalho que subordina, ainda mais, o trabalho ao capital.
Mas a proliferação da indústria iria exigir um novo tipo de trabalhador. Já
não bastaria que fosse piedoso e resignado, embora isto continuasse sendo
conveniente e necessário. A partir de agora, devia aceitar trabalhar para o
outro e fazê-lo nas condições que este outro lhe impusesse. Se os meios
para dobrar os adultos iam ser a fome, o internato ou a força, a infância (ao
adultos das gerações seguintes) oferecia a vantagem de poder ser modelada
desde o princípio de acordo com as necessidades da nova ordem capitalista
e industrial, com as novas relações de produção e os novos processos de
trabalho (ENGUITA, 1989, p. 113).
Foi neste processo de consolidação da grande indústria que ocorreu a
subsunção completa do trabalho ao capital e que novos processos e relações de
produção acabariam por deslocar as funções da escola de educação religiosa para a
disciplina material, para a organização da experiência escolar de forma que gerasse
desde a infância os hábitos, as formas de comportamento, as disposições e os traços
de caráter adequados para a indústria.
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24
Ao examinar a conexão entre as relações sociais de trabalho e as relações
sociais de educação no capitalismo, somos instigada a refletir sobre as políticas
públicas educacionais e sobre o papel de projetos e programas destinados à primeira
infância orientados/financiados por Organizações Internacionais.
Parte-se aqui da premissa que para entender esta relação é necessário ser
cuidadoso. No caso do Banco Mundial, trata-se com muitas afirmativas, com hiatos,
lacunas ocasionadas, ora pelo sigilo de informações sobre a negociação dos projetos,
ora pela dificuldade, tanto no acesso às informações sobre os projetos de
empréstimos, como no conhecimento do processo de financiamento como um todo.
Para conhecê-lo, optamos por retratá-lo com base na orientação de Marx, quando
afirma que a investigação tem de apoderar-se da matéria, em seus pormenores, de
analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e de perquerir a conexão íntima
que há entre elas. Só depois de concluído esse trabalho é que se pode descrever,
adequadamente o movimento real (2003, p. 28). Para Marx, há uma distinção entre
os fenômenos tal como aparecem e tal como são na realidade, entre a forma de
manifestação do fenômeno e a sua real constituição ou uma diferença entre aparência
e essência.
Para o Banco Mundial, sua missão é lutar contra a pobreza e melhorar o
nível de vida dos habitantes dos países em desenvolvimento, considerando-se uma
das principais instituições do mundo. Com esse objetivo, afirma (2003a) que
proporciona financiamento, assistência técnica, serviços de assessoramento em
matéria de políticas e intercâmbio de informações. Neste caso, chamamos a atenção
para a atuação aparentemente desinteressada do Banco Mundial na ajuda aos
projetos dos países em desenvolvimento como o Brasil, que assumiram o
neoliberalismo como política orientadora de suas políticas educacionais.
Um banco internacional, o Banco Mundial (BM), transformou-se, nos
últimos anos, no organismo com maior visibilidade no panorama educativo
global, ocupando, em grande parte, o espaço tradicionalmente conferido à
UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura), a agência das Nações Unidas especializada em educação. O
financiamento não é o único nem o mais importante papel do BM em
educação (representando apenas 0,5% da despesa total pelos países em
desenvolvimento nesse setor); o BM transformou-se na principal agência de
assistência técnica em matéria de educação para os países em
desenvolvimento e, ao mesmo tempo, a fim de sustentar tal função técnica,
25
em fonte e referencial importante de pesquisa educativa no âmbito mundial.
Nos próprios termos do BM: no plano internacional, o Banco é a maior
fonte de assessoria em matéria de política educacional e de fundos externos
para esse setor (TORRES, 2000, p. 125-126).
A análise que nos propusemos realizar, no âmbito desta pesquisa, teve a
intenção de compreender de modo sistemático, a inserção do Banco Mundial no seio
das políticas públicas de educação, especialmente, da educação da pequena infância
brasileira.
Partimos de um esclarecimento inicial sobre as Organizações Internacionais
e seu papel na sociedade, segundo o olhar de autores da área do Direito Internacional
(JO, 2004; MATTOS, 2002; MELLO, 1992; OLIVEIRA, 1999; REZEK, 2000;
SILVA, ACCIOLY, 2002) e resgatamos, de modo crítico, as informações sobre o
Banco Mundial, em documentos e publicações do próprio Banco, disponíveis à
sociedade civil e, em obras científicas (ARAÚJO, 1991; CHOSSUDOVSKY, 1999;
CORRAGIO, 1999, 2000; DE TOMMASSI, 2000; FONSECA, 1995, 1997, 1998a,
1998b, 2000, 2001; GONZALEZ et al., 1990; LEHER, 1998; OLIVEIRA, 2000;
ROSEMBERG, 2000, 2002b; SILVA, 1999, 2002; SOARES, 2000; STIGLITZ, 2002;
TORRES, 2000, 2001; UGÁ, 2004). Procuramos retratar o Banco pela sua ótica, pelo
seu enfoque, como ele se vê, como ele descreve suas políticas, estratégias, programas
e projetos, adotando inclusive a sua terminologia.
No tocante às políticas educacionais, analisamos os Documentos Setoriais
de Educação do Banco Mundial de 1971, 1974, 1980, 1995 e 2000, os quais seguem
o eixo central das políticas e estratégias globais e setoriais elaboradas,
implementadas e monitoradas pelo Banco nos países em desenvolvimento. Os três
primeiros documentos foram analisados considerando-se os estudos de Maria Abadia
Silva (1999, 2000, 2002), Marília Fonseca (1995, 1997, 1998a, 1998b, 2000) e
Roberto Leher (1998). Na pesquisa, não obtivemos acesso direto aos três primeiros
documentos setoriais devido à ausência destes nas bibliotecas pesquisadas.
1.1 Agenda do Banco Mundial: uma visão para o desenvolvimento
1.1.1 Organizações Internacionais
26
26
O século XX presenciou dois fenômenos novos: a criação das Organizações
Internacionais, no primeiro pós-guerra mundial, e a codificação do Direito dos
Tratados, marcando a transformação de suas regras costumeiras em regras
convencionais, escritas, expressas no texto de um tratado.
Alguns milênios separam o Estado e a Organização Internacional, no tempo.
Enquanto se poderia conceber um esboço da teoria geral do Estado na antigüidade
clássica, a Organização Internacional é um fenômeno do século passado e uma
matéria não sedimentada suficientemente para permitir segura compreensão
científica, conforme mostra José Rezek (2000). Dessa linha de interpretação,
acredita-se que a proliferação das Organizações Internacionais (OIs) reflete a
necessidade crescente de cooperação entre os Estados para a solução dos problemas
transfronteiriços, constituindo-se tais Organizações como instituições
intergovernamentais criadas pelos Estados para facilitar a convivência pacífica
através da cooperação conjunta, visando solucionar os vários problemas da
diversidade cultural, histórica, social, legal, econômica, política e ideológica da
sociedade internacional.
Com base na experiência da Primeira Guerra Mundial, a sociedade cogitou
sobre o estabelecimento de uma Organização Internacional universal para o controle
das atividades dos Estados, visando garantir a mantença do sistema interestatal,
surgindo a Sociedade das Nações (SDN), e, após a Segunda Guerra Mundial, a
Organização das Nações Unidas (ONU).
É preciso destacar que, tais Organizações, apesar de serem uma realidade,
não possuem uma definição por uma norma internacional. No Direito Internacional
Público as definições são dadas pela doutrina, isto é, pelo estudo de caráter
científico que os juristas realizam a respeito do Direito, seja com o propósito
puramente de conhecimento e sistematização, seja com a finalidade prática de
interpretar as normas jurídicas para sua exata aplicação (OLIVEIRA, 1999, p. 108).
Hee Moon Jo (2004) definiu Organização Internacional como uma
organização intergovernamental, como uma pessoa internacional, tal qual o Estado,
constituída por tratado constitutivo, diferindo do Estado porque este possui uma
27
jurisdição ampla, enquanto a Organização Internacional tem uma jurisdição
funcional, limitada pelo tratado constitutivo.
Celso Mello (1992) e Adherbal Mattos (2002) consideram que a definição
mais exata seria a de Angelo Piero Sereni, para quem, conforme Mello:
organização internacional é uma associação voluntária de sujeitos de
direito internacional, constituída por ato internacional e disciplinada nas
relações entre as partes por normas de direito internacional, que se realiza
em um ente de aspecto estável, que possui um ordenamento jurídico interno
próprio e é dotado de órgãos e institutos próprios, por meio dos quais
realiza as finalidades comuns de seus membros mediante funções
particulares e o exercício de poderes que lhe foram conferidos (1992, p.
473).
É interessante notar que as Organizações Internacionais são constituídas
com base em um tratado multilateral chamado tratado constitutivo, que rege as regras
de constituição e operação desta Organização. Tratado é um acordo formal concluído
entre sujeitos, de direito internacional público, com o objetivo de produzir efeitos
jurídicos, exprimindo-se com precisão, em determinado momento histórico, cujo teor
tem contornos bem definidos. Para Geraldo Silva e Hildebrando Accioly, entende-se
por Tratado o ato jurídico por meio do qual se manifesta o acordo de vontades entre
duas ou mais pessoas internacionais (2002, p. 28). Inúmeras denominações são
utilizadas como sinônimas de Tratado, conforme sua forma, seu conteúdo, seu objeto
ou seu fim, algumas com sentido mais amplo e outras mais restrito, citando-se as
seguintes: acordo, convênio, ajuste, arranjo, convenção, protocolo, pacto, carta,
constituição, estatuto, declaração, ata câmbio de notas, compromisso, modus vivendi.
Ademais, os Tratados podem ser classificados conforme o número de partes
contratantes, ou seja, em bilaterais, quando celebrados entre duas partes, ou
multilaterais, se igual ou superior a três o número de pactuantes. Em todo Tratado, as
partes são necessariamente pessoas jurídicas de direito internacional público, tanto os
Estados soberanos como as Organizações Internacionais.
A ONU possui um poder de iniciativa para criação de Organizações
Internacionais especializadas e exerce uma função de coordenação e cooperação em
relação a estas, as quais gozam de uma certa autonomia, apesar de sujeitas à sua
autoridade. As Organizações desenvolvem atividades próprias no campo
internacional; têm sede diferente da ONU; possuem membros que não são da ONU;
sua estrutura administrativa é autônoma; têm orçamento próprio e personalidade
28
28
internacional; possuem o direito de pedir pareceres à ONU e atuam nos mais
diferentes setores da sociedade internacional econômico, social, comunicações,
cultural, técnico, sanitário, educacional.
A estrutura adotada pelas Organizações é tripartite semelhante, isto é,
possuem três órgãos integrados por todos os Estados-membros: Assembléia,
Conferência Geral ou Congresso; Conselho ou Board of Governs; e Secretário-
Geral ou Diretor-Geral. A Assembléia em que estão representados todos os
membros, se reúne uma vez por ano, para aprovar as linhas políticas gerais e o
orçamento, eleger o Secretário-Geral e os membros do Conselho. A este último que é
órgão executivo em que estão representados apenas alguns Estados, compete executar
as diretrizes recebidas e se reunir com maior freqüência de acordo com a agenda. O
Secretário-Geral é responsável pela administração do Secretariado, que é a parte
administrativa. O regime do pessoal administrativo é uniforme, as classes e os
salários são semelhantes; as questões administrativas são julgadas por tribunais
específicos. Alguns destes tribunais se ocupam dos problemas de duas ou mais
organizações.
O financiamento das Organizações é realizado por meio das contribuições
dos Estados-membros para o pagamento das despesas da organização. A quantia
fixada para a contribuição de cada Estado é determinada por um órgão competente
para isto ou pelo próprio tratado institutivo da organização.
De acordo com Hee Moon Jo (2004) as Organizações Internacionais são
classificadas em: organização universal (aceita como membro qualquer país e possui
âmbito de atuação mundial) e regional (aceita como membro os países de uma região
determinada); organização de competência limitada (têm como objetivos e funções
apenas algumas áreas delimitadas) e competência geral (envolve-se praticamente em
todas as áreas da sociedade internacional); organização de cooperação (pressupõe a
manutenção da independência e soberania entre os Estados-membros) e de integração
(limita o poder soberano dos Estados-membros). Enquanto a Organização
Internacional visa realizar seus objetivos através da cooperação funcional em uma
área determinada, sem modificar o estatuto do Estado-membro, a comunidade
regional procura a união ou a integração funcional, atuando os Estados-membros nas
29
áreas integradas como se fossem um Estado integrado, limitando seu poder soberano
nesta área.
Essa dinâmica é compreensível quando se resgata a história. O sistema do
comércio exterior, até o século dezenove, funcionava com base nas legislações
nacionais de cada Estado, entrando em colapso durante as duas guerras mundiais.
Assim, alguns países como os EUA e o Reino Unido desenharam um novo sistema
monetário dentro do contexto da reestruturação da então ordem econômica
internacional, visando entre outras coisas a redução de barreiras ao comércio
exterior, a liberalização do acesso ao mercado e da transação monetária, conforme
estabelecido na Conferência Bretton-Woods, de julho de 1944, resultando na criação
do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD) e, posteriormente, no Acordo Geral do Comércio
Internacional (GATT).
O sistema Bretton-Woods está assistido pela ONU, na área econômica e
social por organizações regionais de caráter integracionista, organizações
internacionais especializadas e cinco comissões econômicas regionais para a Europa,
Ásia e Pacífico, Extremo Oriente, América Latina e Caribe, África e Ásia Ocidental.
As principais organizações regionais são assim constituídas por continentes:
1) americanas: Organização dos Estados Americanos (OEA), Organização dos
Estados Centro-Americanos (ODECA), Organização dos Estados do Caribe Oriental
(OECO); 2) européias: Conselho da Europa, Organização de Cooperação e de
Desenvolvimento Econômico (OCDE), Conselho Nórdico, Organização do Tratado
do Atlântico Norte (OTAN), União Européia (UE); 3) asiáticas: Associação de
Estados do Sudeste Asiático, Organização de Segurança e Assistência entre a
Austrália, Nova Zelândia e EUA (ANZUS), Conselho de Cooperação dos Estados
Árabes do Golfo; 4) africanas: União dos Estados Africanos, Organização Comum
Africana-Malgache, Organização da Unidade Africana (OUA); 5) árabes: Liga dos
Estados Árabes (Mattos, 2002).
As grandes Organizações Internacionais especializadas, com amplas
responsabilidades internacionais, definidas em seus instrumentos básicos, nos
campos econômico, social, cultural, educacional, sanitários e conexos são:
Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Organização das Nações Unidas para a
30
30
Alimentação e a Agricultura (FAO), Organização Mundial da Saúde (OMS),
Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), União Postal Universal (UPU),
União Internacional de Telecomunicações (UIT), Organização Meteorológica
Mundial (OMM), Organização Marítima Internacional (OMI), Organização Mundial
de Propriedade Intelectual (OMPI), Organização Mundial do Comércio (OMC),
Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Internacional para a Reconstrução e o
Desenvolvimento (BIRD), Associação Internacional de Desenvolvimento (AID),
Corporação Financeira Internacional (CFI), Conferência das Nações Unidas para o
Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD), Organização das Nações Unidas para o
Desenvolvimento Industrial (UNIDO), Agência Internacional de Energia Atômica
(AIEA), Fundo Internacional para o Desenvolvimento da Agricultura (FIDA).
O sistema Bretton-Woods foi complementado pela Organização de
Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma organização regional
criada para coordenar as políticas econômica e monetária dos países-membros,
compreendendo vinte e seis Estados industrializados que, juntos, representam setenta
por cento do comércio internacional. Entretanto, He Moon Jo (2004) observa que, a
OCDE tornou-se um órgão de planejamento internacional e de coordenação das
posições dos países-partes, no sentido prático, em função do seu peso na economia
mundial. As temáticas debatidas e coordenadas pela OCDE, geralmente, são
discutidas nas negociações multilaterais de Organizações Internacionais,
posteriormente.
Se aparentemente esta importância das Organizações Internacionais existe
devido a uma necessidade de cooperação internacional entre os Estados para
solucionar os problemas transnacionais, pois estas desempenham, horizontalmente,
várias funções governamentais ad hoc na sociedade internacional, em essência não é
isso unicamente que se deve considerar.
Vale ressaltar que nos últimos vinte e cinco anos do século passado, houve
alterações na estruturação da sociedade capitalista-liberal que têm provocado grandes
transformações, mudando sua face e seu funcionamento, mas não suas estruturas e
leis fundamentais, segundo as análises de José Luís Fiori (2001). A primeira mudança
ocorreu no início do século XX, passou pela crise mundial dos anos trinta, pela
31
Segunda Guerra Mundial e originou o welfare state, o capitalismo regulado e os
Estados desenvolvimentistas. A segunda começou nos anos setenta e alcançou sua
maturidade na década de 1990, quando ficaram mais nítidas suas mudanças
fundamentais.
Fiori (2001) agrupou estas transformações em sete campos ou dimensões
fundamentais: campo geopolítico mundial, que consolidou o império anglo-saxão;
campo político, que consagrou a hegemonia do pensamento único neoliberal; campo
econômico, que provocou uma competição entre países pelo capital financeiro
internacionalizado; campo tecnológico, que gerou uma revolução na
microinformática e nas telecomunicações; campo do trabalho ou do emprego, que
provocou uma reestruturação produtiva no mundo do trabalho; o espaço de periferia
capitalista, em que os países da periferia se submeteram às orientações emanadas das
organizações internacionais; e a fragilização dos Estados nacionais, nas negociações
travadas na esfera internacional.
Diante das transformações em curso dos anos setenta, no atual estágio de
universalização do capitalismo, o capital entrou em territórios geográficos onde
anteriormente não operava, reorganizando socialmente as estruturas outrora
organizadas segundo racionalidade de natureza diferente da do capital, modificando
desta maneira o metabolismo social em nível planetário e impondo, por isso, um
largo movimento de reformas institucionais. Em acréscimo, passou a organizar
esferas sociais e políticas que se realizavam sob as diretrizes da lógica pública,
impondo, desta forma, novas relações entre o público e o privado, o que, articulado
ao movimento geográfico marcou mudanças estruturais na reprodução da formação
econômico-social capitaista.
O capitalismo é uma das formas possíveis de realização do capital, uma de
suas variantes históricas, como ocorre na fase caracterizada pela subsunção real do
trabalho ao capital. Para István Mézaros (2006), o sistema de sociometabolismo do
capital é mais poderoso e abrangente, tendo seu núcleo constitutivo formado pelo
tripé capital, trabalho e Estado, que são materialmente constituídas e inter-
relacionadas, sendo impossível superar o capital sem a eliminação do conjunto dos
elementos que compreende esse sistema.
32
32
[...] dada a inseparabilidade das três dimensões do sistema do capital, que
são completamente articulados capital, trabalho e Estado , é
inconcebível emancipar o trabalho sem simultaneamente superar o capital e
também o Estado. Isso porque, paradoxalmente, o material fundamental que
sustenta o pilar do capital não é o Estado, mas o trabalho, em sua contínua
dependência estrural do Capital [...]. Enquanto as funções controladoras
vitais do sociometabolismo não forem efetivamente tomadas e
autonomamente exercidas pelos produtores associados, mas permanecerem
sob a autoridade de um controle pessoal separado (isto é, o novo tipo de
personificação do capital), o trabalho enquanto tal continuará reproduzindo
o poder do capital sobre si próprio, mantendo e ampliando materialmente a
regência da riqueza alienada sobre a sociedade (MÉZAROS, 2006, p. 16).
Segundo Mézaros (2006) a universalização do capitalismo, particularmente
por meio do capital produtivo macrogerido pelo financeiro, impôs profundas
mudanças no metabolismo social do mundo todo, que impôs um novo processo de
reprodução social que, por sua vez, implicou alterações nas estruturas sociais. Isso
pôs em movimento reformas institucionais em várias áreas da atividade humana neste
modo de produção, inclusive na esfera educacional, constituindo-se estas reformas
em meios de implementação organizada das mudanças necessárias para o alcance dos
fins a que se propõe o capital na atual conjuntura, a consolidação da nova forma
histórica do metabolismo social capitalista.
As mudanças do capitalismo ocasionaram alterações significativas nas
configurações geográficas e geopolíticas em âmbito mundial, recrudescendo a crise
do Estado-nação pela intensificação da lógica de acumulação transnacional do
capital, pautada em novos processos de trabalho e de hábitos de consumo
dinamizados por estruturas complexas, mantendo inalterado o princípio organizador
do sistema de produção de mercadorias capitalista, ou seja, mantendo o lucro por
meio da exploração do trabalho e da incorporação de novas tecnologias. Segundo
Ricardo Antunes (2002):
Quanto mais aumentam a competitividade e a concorrência intercapitais,
interempresas e interpotências políticas do capital, mais nefastas são suas
conseqüências.
Duas manifestações são mais virulentas e graves: a destruição e/ou
precarização, sem paralelos em toda era moderna, da força humana que
trabalha e a degradação crescente, na relação metabólica entre homem e
natureza, conduzida pela lógica voltada prioritariamente para a produção
de mercadorias que destrói o meio ambiente.
Trata-se, portanto, de uma aguda destrutividade, que no fundo é a
expressão mais profunda da crise estrutural que assola a (des)sociabilização
33
contemporânea: destrói-se força humana que trabalha; destroçam-se os
direitos sociais; brutalizam-se enormes contingentes de homens e mulheres
que vivem do trabalho; torna-se predatória a relação produção/natureza,
criando-se uma monumental sociedade do descartável, que joga fora tudo
que serviu como ‘embalagem’ para as mercadorias e o seu sistema,
mantendo-se, entretanto, o circuito reprodutivo do capital (2002, p. 38).
As últimas três décadas do século XX retrataram um processo de
reestruturação produtiva no capitalismo, mostrando formas mais flexíveis e
globalizadas num regime de acumulação do capital, indicando novas formas de
regulação e destacando-se o papel das Organizações Internacionais. Desse modo, o
contexto educacional brasileiro, particularmente a Educação Infantil, pode ser
compreendido, sobretudo a partir da crise estrutural do capital, que se abateu sobre o
conjunto das economias capitalistas, a partir do início dos anos setenta (em especial
do Estado de bem-estar e do modelo fordista-taylorista de produção). Neste período
observa-se a intensificação do processo de mundialização do capital (especialmente
do capital financeiro) e da implementação do projeto econômico, social e político
neoliberal, que defende o mercado como principal fundador, unificador e auto-
regulador da sociedade global competitiva.
O neoliberalismo passou a ditar o ideário e os programas a serem
implementados pelos países capitalistas, contemplando: enxugamento do Estado;
privatização acelerada; políticas fiscais e monetárias, sintonizadas com as
Organizações Internacionais mundiais de hegemonia do capital, como Fundo
Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (BM) e Organização Mundial do
Comércio (OMC); reestruturação produtiva; combate cerrado ao sindicalismo
classista; desmontagem dos direitos sociais dos trabalhadores; propagação de um
subjetivismo e de um individualismo exarcebados (ANTUNES, 2001; 2002).
Neste cenário capitalista contemporâneo, foram promovidos ajustes
estruturais nos países periféricos e reformas no Estado e na educação, em sintonia
com o receituário das Organizações Internacionais e com as políticas neoliberais,
resultando na minimização do papel do Estado no tocante às políticas sociais, na
redução da esfera pública, e conseqüentemente, na ampliação da esfera privada. Cabe
ressaltar a assertiva de José Luis Coraggio (2000), sobre a função do Banco Mundial
que é:
34
34
[...] instrumentalizar a política econômica, mais do que para continuá-la ou
compensá-la. São [as políticas sociais] o Cavalo de Tróia do mercado e
do ajuste econômico no mundo da política e da solidariedade social. Seu
principal objetivo é a reestruturação do governo, descentralizando-o ao
mesmo tempo em que o reduz, deixando-o nas os da sociedade civil
competitiva a alocação de recursos, sem mediação estatal. Outro efeito
importante é introjetar nas funções públicas os valores e critérios do
mercado (a eficiência como critério básico, todos devem pagar pelo que
recebem, os órgãos descentralizados devem concorrer pelos recursos
públicos com base na eficiência da prestação de serviços segundo
indicadores uniformes etc.), deixando como único resíduo da solidariedade
a beneficência pública (redes de seguro social) e preferencialmente
privada, para os miseráveis. Em conseqüência, a elaboração das políticas
setoriais [como as políticas públicas para a educação, inclusive da
educação infantil] fica subordinada às políticas de ajuste estrutural, e
freqüentemente entra em contradição com os objetivos declarados (p. 78-
79; grifo do autor).
Estas argumentações alertam-nos para a necessidade de compreendermos,
segundo João dos Reis Silva Júnior (2002), que estes processos de ajuste estrutural
tiveram grande impacto no processo de reconfiguração da educação brasileira, uma
vez que foi atribuído (novamente) à educação um papel relevante no incremento da
produtividade, no crescimento econômico, na promoção do desenvolvimento
sustentado e na redução da pobreza. Os discursos governamentais, de Organizações
Internacionais e de empresários brasileiros reforçavam a importância estratégica da
educação para a nova ordem mundial, como investimento em capital humano, tanto
para a preparação para o trabalho capitalista como para a ascensão social, com base
na teoria do capital humano.
1. 1. 2 Grupo do Banco Mundial
O Grupo do Banco Mundial é uma Organização Internacional composta de
cinco organismos BIRD, AID, IFC, MIGA e ICSID que desempenham funções
diferentes e complementares para a redução da pobreza, enquanto o BIRD e a AID
juntos constituem propriamente o Banco Mundial, de propriedade dos países
membros, que detêm o poder de tomada de decisões. Portanto, os termos Grupo do
Banco Mundial e Grupo do Banco incluem as cinco instituições e, os termos Banco
Mundial e Banco referem-se somente ao BIRD e AID.
35
Quanto ao termo Banco Mundial, este foi utilizado pela primeira vez num
artigo do periódico The Economist, em 22 de julho de 1944, numa reportagem sobre a
Conferência de Bretton Woods, em referência ao BIRD. Esta expressão que foi
inicialmente utilizada como um apelido, transformou-se em 1975, em um termo da
documentação oficial para referir-se ao BIRD e AID (THE WORLD BANK, 2003).
Constatamos através da pesquisa que há uma divergência na utilização das
expressões Grupo Banco Mundial e Banco Mundial, tanto nas publicações do Grupo
Banco Mundial como nas obras científicas.
Em algumas publicações do Grupo Banco Mundial (2003a, 2004a, 2005a,
2005b), é explicitado na introdução que o termo Banco Mundial refere-se
coletivamente ao BIRD e à AID e quando se refere unicamente a um destes
organismos, tal organismo é explicitado. Outros documentos (2004b, 2005c)
apresenta o termo Banco Mundial, sem nenhuma explicação, referindo-se aos dois
organismos, o que difere de certas publicações (2003c, 2004b), que utilizam tanto a
expressão Grupo Banco Mundial como Banco Mundial, sem explicitar de quais
organismos se referem.
Em nossas leituras de obras científicas, percebemos que, alguns
pesquisadores (SILVA, 1999, 2002; SOARES, 2000) definem o termo utilizado,
referindo-se ao Banco Mundial, englobando os cinco organismos. Outros autores
utilizam a expressão Banco Mundial sem esclarecer a quem se referem, como
Corraggio (2000), De Tommasi (2000), Torres (2000). Fonseca (2000), utiliza o
termo Banco Mundial, formado pelo BIRD e AID, e usa ao longo do texto a
expressão BIRD. Já Gonzalez et al. (1990) utilizam a expressão Banco Mundial (sem
defini-lo) e BIRD. Araújo (1991), por sua vez, utiliza tanto o termo Banco Mundial
como o nome específico dos cinco organismos, especialmente do BIRD.
Nesta pesquisa, adotamos a mesma terminologia utilizada pelo Grupo Banco
Mundial, isto é, aqui os termos Grupo Banco Mundial e Grupo do Banco referem-se
às cinco instituições e os termos Banco Mundial e Banco referem-se ao BIRD e AID.
O Grupo do Banco Mundial é parte do Sistema das Nações Unidas e foi
concebido em 1944 sob a designação de Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD). Inicialmente auxiliou na reconstrução da Europa após a
Segunda Guerra Mundial e permaneceu com o enfoque de reconstrução devido aos
desastres naturais, emergências humanitárias e necessidades de reabilitação pós-
36
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conflitos. A missão do Grupo do Banco, segundo algumas de suas publicações
(2003a, 2004a, 2005b, 2005c, 2005d, 2005e) é combater a pobreza e promover o
desenvolvimento social e econômico nos países em desenvolvimento, por meio de
empréstimos, assessoramento às políticas, assistência técnica e serviços de
intercâmbio de conhecimento, abrangendo as cinco instituições que colaboram para
apoiar projetos de desenvolvimento no mundo inteiro.
Leher (1998), em sua pesquisa sobre o Banco Mundial, acrescenta:
Em um sentido lato, o Banco Mundial tem a atribuição de um grande
intelectual orgânico dos interesses representados pelo G-7, atuando como
um organizador das políticas dos países em desenvolvimento. Hoje não
resta dúvida de que o debate a propósito da governabilidade e das reformas
estruturais está sob a direção ideológica desta instituição. Por meio de seus
projetos e programas, ela exerce mais influência sobre a educação do que a
Unesco, sobre a saúde do que a OMS, sobre as condições dos trabalhadores
do que a OIT, sobre a agricultura do que a FAO, etc., (George & Sabelli,
1994:160). De fato, o Banco representa uma estrutura material da
ideologia da globalização com a função mediadora de organizar e difundir
a concepção de mundo que os Senhores do Mundo querem consolidar e
reproduzir, neste contexto de crise estrutural (LEHER, 1998, p. 9-10; grifos
do autor).
Notadamente, o Banco assumiu papel fundamental na internacionalização
das influências das grandes potências sobre diversos países. Dentre estes países que
impôem-se como mais ricos e civilizados, destacam-se os EUA, que lideram a
dominação dos aparatos de controle internacional.
Conforme já referido, com a Segunda Guerra Mundial, sob a inspiração e
orientação dos Estados Unidos, realizou-se em julho de 1944, na cidade de Bretton
Woods, no Estado de New Hampshire, EUA, a Conferência Monetária e Financeira
Internacional das Nações Unidas e Associadas. A reunião, com a participação de
quarenta e quatro países, teve por finalidade estruturar a ordem econômica
internacional a vigorar no pós-guerra, de forma a impulsionar o crescimento e evitar
a emergência de novas crises mundiais. Naquele momento, John Maynard Keynes,
assessor do Ministro da Fazenda britânico, assumiu o compromisso de definir e
instituir um banco, voltado não apenas para a reconstrução, mas também para o
desenvolvimento dos países do sul. Três instituições internacionais foram criadas sob
os Acordos de Bretton Woods, o Banco Internacional de Reconstrução e
37
Desenvolvimento (BIRD) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) subordinadas à
política americana, com o intuito de promover o investimento internacional e manter
a estabilidade do câmbio, além de tratar de problemas de balanças de pagamento
(HOBSBAWM, 1995, p. 269). A proposta de criação da Organização do Comércio
Internacional tornou-se o Acordo Geral do Comércio Internacional (GATT), criado
somente em 1947, numa reunião realizada em Havana, Cuba, sob a liderança dos
Estados Unidos, com a responsabilidade de estabelecer as normas de controle do
comércio mundial de mercadorias, zelando pelo livre comércio entre as nações,
substituído em 1995 pela Organização Mundial do Comércio (OMC).
Os governos de vinte e nove países assinaram o Convênio Constitutivo do
BIRD em 1945, em Washington, e em 1946, ocorreu a Reunião Inaugural das
Assembléias do BIRD e do FMI, com a participação de trinta e oito países membros.
Criados para realizar a reestruturação pós-guerra dos países europeus, ao FMI foi
confiado o papel de órgão normativo e político, encarregado de coordenar as políticas
de desenvolvimento e de promover a estabilidade da balança de pagamentos dos
países-membros. Ao BIRD foi atribuído o papel de órgão técnico e financiador de
projetos específicos, devendo ser mais ativo que normativo.
Discutindo os papéis dessas Organizações Internacionais, Fonseca (1998a)
assinala:
Observadas de um ângulo histórico, as duas agências tinham papéis bem
definidos. Ao FMI cabia a fixação de políticas e normas para o
desenvolvimento, enquanto o BIRD funcionava como agência de
financiamento e de assistência técnica para projetos setoriais específicos.
Ainda hoje, a dualidade de papéis existe formalmente: ao FMI cabe a
concessão de empréstimos de curto prazo para questões macroeconômicas,
a fixação de códigos de conduta política para os países credores e a
definição de pré-condições para os créditos do Banco. O BIRD atua como
agência de financiamento a longo prazo e de assistência técnica para
projetos econômicos e sociais específicos (p. 38).
Nota-se, por outro lado, que a divisão de papéis entre as duas organizações,
FMI e BIRD, vem sendo modificada nas últimas décadas. Fonseca (idem) chama a
atenção para a ampliação das funções do BIRD, o qual assume-se como órgão
político central, coordenando o processo global de desenvolvimento. Neste processo,
o Banco tem elaborado uma série de documentos político-econômicos, expressando
de modo claro suas concepções teóricas a respeito da política econômica e social,
indicando a direção de sua relação com as nações-membros.
38
38
Assim alguns temas como progresso, desenvolvimento sustentável,
realismo, autonomia, eqüidade, pobreza, passam a fazer parte do
discurso que fundamenta o seu processo de financiamento. A interpretação
desses conceitos é condição imprescindível para a compreensão do
verdadeiro papel que o Banco desempenha junto aos países membros
(FONSECA, 1998a, p. 39).
Nossa análise sobre o movimento e ações das diferentes organizações
permite afirmar que o Banco Mundial e o FMI tornaram-se instituições participantes
da economia mundial, ampliando suas respectivas autoridades originais, dilatando
seu raio de alcance e controle, impondo suas diretrizes econômicas, que refletem as
ideologias e teorias do mercado livre. Neste contexto, Joseph Stiglitz (2002) ressalta
que:
Subordinado aos problemas do FMI e das outras instituições econômicas
internacionais está o problema do controle: quem decide o que fazer e por
que fazer. As instituições são controladas não só pelos países
industrializados mais ricos do mundo, mas também pelos interesses
comerciais e financeiros desses países; as políticas das instituições refletem
isso. A seleção das instituições simboliza o problema destas e, muitas
vezes, contribui para sua disfunção. Embora quase todas as atividades
atuais do FMI e do Banco Mundial sejam no mundo em desenvolvimento
(com certeza, todas relativas a empréstimos), elas são conduzidas por
representantes das nações industrializadas. (Por acordo tácito ou de praxe,
o diretor do FMI é sempre europeu e o diretor do Banco Mundial, norte-
americano). Eles são escolhidos a portas fechadas e nunca foi considerado
pré-requisito que esse profissional tenha qualquer experiência no mundo em
desenvolvimento. As instituições não são representativas das nações que
servem (p. 45-46).
Esta realidade mostra que a aparência de soberania acoberta a seleção de
dependência. Ademais, a expansão e aperfeiçoamento deste sistema é notório.
Ao longo de seus sessenta anos de atividade, o Grupo do Banco Mundial expandiu-se
em escala e em número de países membros e passou por transformações, alterando
seu papel e suas políticas. Maria Clara Couto Soares (2000) observa que desde sua
fundação até o ano fiscal de 1994 mais de duzentos e cinqüenta bilhões de dólares
foram emprestados, envolvendo três mil seiscentos e sessenta projetos. No entanto, a
avaliação da performance do Banco é negativa, pois este financiou um tipo de
desenvolvimento econômico desigual e perverso socialmente, ampliando a pobreza
mundial, concentrando renda, aprofundando a exclusão social e destruindo o meio
39
ambiente. Segundo a mencionada autora (2000, p. 17) Talvez a mais triste imagem
desse fracasso seja a existência hoje de mais de 1,3 bilhão de pessoas vivendo em
estado de pobreza absoluta.
Michel Chossudovsky (1999) confirma a afirmação anterior, pontuando:
Desde o começo dos anos 80, os programas de estabilização
macroeconômica e de ajuste estrutural impostos pelo FMI e pelo Banco
Mundial aos países em desenvolvimento (como condição para a
renegociação da dívida externa) têm levado centenas de milhões de pessoas
ao empobrecimento. Contrariando o espírito do acordo de Bretton Woods,
cuja intenção era a reconstrução econômica e a estabilidade das principais
taxas de câmbio, o programa de ajuste estrutural (PAE) tem contribuído
amplamente para desestabilizar moedas nacionais e arruinar as economias
dos países em desenvolvimento. O poder de compra interno entrou em
colapso, a fome eclodiu, hospitais e escolas foram fechados, centenas de
milhões de crianças viram negado seu direito à educação primária. Em
várias regiões do mundo em desenvolvimento, as reformas conduziram ao
ressurgimento de doenças infecciosas, entre elas tuberculose, a malária e o
cólera. Embora a missão do Banco Mundial consista em combater a
pobreza e proteger o meio ambiente, seu patrocínio para projetos
hidrelétricos e agroindustriais em grande escala também tem acelerado o
processo de desmatamento e de destruição do meio ambiente, causando a
expulsão e o deslocamento forçado de vários milhões de pessoas
(CHOSSUDOVSKY, 1999, p. 26).
É interessante notar, porém, que em nossa investigação observamos que, na
ótica do próprio Banco Mundial, ele se considera uma das maiores fontes de apoio ao
desenvolvimento no mundo, atuando em mais de cem países em desenvolvimento,
provendo recursos e idéias para melhorar a qualidade de vida e eliminar as piores
formas de pobreza. De acordo com sua publicação:
O Grupo Banco Mundial utiliza seus recursos financeiros, seus técnicos
altamente qualificados e sua ampla base de conhecimentos para ajudar os
países em desenvolvimento a trilhar o caminho da estabilidade, da
sustentabilidade e do crescimento eqüitativo. Também auxilia os países a
fortalecer e manter as condições fundamentais e necessárias para atrair e
reter investimentos privados. Com as recomendações e empréstimos do
Banco, vários governos estão reestruturando suas economias, fortalecendo
seus sistemas bancários e investindo em recursos humanos, infra-estrutura e
proteção ambiental, para tornar mais atrativo e produtivo o investimento
privado (BANCO MUNDIAL, 2006a, p. i).
Existem alguns aspectos do Banco Mundial que possivelmente poucos
conhecem. Conforme ressalta a publicação anteriormente citada, o Banco é o maior
financiador mundial de programas de educação, de saúde, da luta contra o HIV/AIDS,
de projetos de biodiversidade. Coloca-se, ainda, como o maior parceiro no combate
40
40
internacional à pobreza, favorável ao alívio da dívida dos países pobres. Líder
mundial na luta contra a corrupção, auxilia os países que emergem de conflitos a
retomarem o desenvolvimento pacífico.
De acordo com o Relatório Anual do Banco Mundial de 2005 (2005b), o
Grupo é composto por cinco organismos diferentes e estreitamente associados com
uma única presidência, BIRD, AID, IFC, MIGA, ICSID , que estão entre as mais
importantes instituições dedicadas ao desenvolvimento do mundo. A seguir
apresentamos uma síntese de cada um dos organismos para que se possa perceber
melhor as intenções expressas nos documentos do Grupo do Banco Mundial.
O Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD)
criado em 1945, tem por finalidade reduzir a pobreza dos países de renda média com
bons antecedentes de crédito na América Latina, Ásia, África, Europa Oriental
promovendo o desenvolvimento sustentável por meio de empréstimos, garantias e
serviços (não-financeiros) de análise e assessoramento. O BIRD capta grande parte de
seus fundos, vendendo títulos nos mercados internacionais de capitais, a instituições
financeiras, a fundos de aposentadoria, a gestores de capitais institucionais e aos
bancos centrais. A diretoria do BIRD, com vinte e quatro membros, é composta de
cinco diretores executivos indicados e dezenove eleitos, representantes dos cento e
oitenta e quatro países membros. O poder de voto de cada país está vinculado às suas
subscrições de capital, baseadas no poder econômico de cada país.
A Associação Internacional de Desenvolvimento (AID) criada em 1960,
composta por cento e sessenta e cinco membros, desempenha um papel importante na
meta do Banco de reduzir a pobreza nos oitenta e um países mais pobres do mundo,
onde a maioria vive com menos de dois dólares por dia. A AID é um fundo que
concede doações e créditos, que são empréstimos sem juros, a países de baixa renda
per capita, que têm entre trinta e cinco e quarenta anos para os reembolsar, com um
período de tolerância de dez anos antes que sejam devidos quaisquer pagamentos.
Estes países têm pouca ou nenhuma capacidade de contrair empréstimos nos termos
do mercado. Os fundos da AID são provenientes das transferências de rendimentos
líquidos do BIRD, dos reembolsos à AID, da doação de cerca de quarenta países
41
doadores, que reconstituem de três em três anos os fundos, e de outras organizações
internacionais.
A Corporação Financeira Internacional (IFC), criada em 1956, conta
com cento e setenta e seis países membros, promove desenvolvimento econômico por
meio do setor privado, investindo em empresas privadas sustentáveis dos países em
desenvolvimento e que tenham acesso limitado ao capital, sem exigência de aval
governamental. A IFC presta assistência técnica e de assessoramento aos governos e
empresas e concede financiamento ao setor privado em mercados de risco por
intermédio de capital, empréstimos de longo prazo, produtos para a gestão
estruturada de finanças e risco. Funciona como uma entidade comercial, investindo
em projetos com fins lucrativos e cobrando taxas do mercado pela variedade de
serviços que presta.
A Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (MIGA), criada em
1988, é composta de cento e sessenta e quatro países membros, e encoraja o
investimento estrangeiro direto em países em desenvolvimento, propiciando garantias
aos investidores contra riscos não-comerciais expropriação, guerra, distúrbios civis,
quebra de contrato, inconversibilidade da moeda e restrições de transferência. A
MIGA proporciona serviços de consultoria e assistência técnica com o objetivo de
auxiliar os países a atrair e manter o investimento estrangeiro e a divulgar
informações para o empresariado internacional a respeito de oportunidades de
investimento. Este organismo é capitalizado pelos seus países membros e cobra
encargos relativos a alguns dos serviços que presta.
O Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre
Investimentos (ICSID) criado em 1966, possui com cento e quarenta membros,
auxilia a incentivar o investimento estrangeiro, promovendo uma atmosfera de
confiança mútua entre os Estados e os investidores estrangeiros, oferecendo
mecanismos internacionais de conciliação e arbitragem de controvérsias relativas a
investimentos. O ICSID publica documentos sobre arbitragem de controvérsias e leis
sobre investimentos estrangeiros.
O presidente do Grupo do Banco Mundial é também presidente da Diretoria
Executiva do Banco Mundial, preside as cinco agências do Grupo e é eleito pela
Diretoria Executiva. Seu Estatuto Constitutivo não especifica a nacionalidade do
Presidente, mas estabelece que a influência nas decisões e votações é proporcional à
42
42
participação no aporte de capital, assegurando aos Estados Unidos a presidência
desde a sua fundação. O mandato inicial é de cinco anos e pode ser renovado por até
cinco anos. O Presidente é responsável pela administração, em termos globais e
preside as reuniões do Conselho de Administração.
Segundo o Estatuto Constitutivo da AID e da IFC, a Diretoria Executiva do
BIRD serve ex officio como Diretoria Executiva da AID e como membros da diretoria
da IFC. A MIGA possui sua própria diretoria constituída de vinte e quatro membros
eleitos. Regularmente as eleições da Diretoria Executiva ocorre a cada dois anos, por
ocasião da Reunião Anual sob a coordenação da Secretaria do Grupo do Banco
Mundial (THE WORLD BANK, 2003).
A partir de 1997, o Grupo do Banco iniciou um processo de
descentralização de suas operações para os países membros, com o objetivo declarado
de aproximar suas operações da realidade destes países, de melhorar e agilizar a
implementação dos projetos da instituição. Em função disso, o poder decisório foi
transferido aos diretores e muitos deles passaram a trabalhar e residir naqueles países
(BANCO MUNDIAL, 2006a). Como resultado deste procedimento, o Grupo Banco
Mundial emprega, aproximadamente, dez mil profissionais de quase todos os países
do mundo, na sede e nos seus cem escritórios locais, inclui economistas, educadores,
cientistas ambientais, analistas financeiros, antropólogos, engenheiros e muitos
outros. Nos últimos anos, um maior número de funcionários foi encaminhado para
trabalhar nos países membros, em estreita colaboração com os clientes da instituição.
1.1.3 Banco Mundial
1.1.3.1 Administração
O Banco Mundial é formado pelo Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD) e pela Associação Internacional de Desenvolvimento (AID).
Estas Organizações Financeiras Internacionais definem suas missões como: combater
a pobreza no mundo e auxiliar os países clientes a alcançarem o desenvolvimento
43
sustentável, controlando os recursos e criando parcerias com outros interessados, em
particular instituições de crédito para o desenvolvimento e organizações da sociedade
civil .
A administração do Banco é realizada como uma cooperativa cujos
acionistas são cento e oitenta e quatro países membros tanto desenvolvidos como
em desenvolvimento. O número de ações que um dado país tem baseia-se,
aproximadamente, na dimensão da sua economia e o poder de voto de cada país está
vinculado às suas subscrições de capital, baseadas no poder econômico de cada um.
Atualmente, de acordo com o Banco Mundial (2004d, p. 11) os Estados Unidos são
o maior acionista, tendo 16,41 por cento dos votos, seguindo-se o Japão (com 7,87
por cento), a Alemanha (com 4,49 por cento), o Reino Unido (com 4,31 por cento e a
França (com 4,31 por cento). Os 62,61 por cento das ações restantes são divididas
entre os outros cento e setenta e nove países membros.
Embora a definição do modelo econômico e financeiro do Banco Mundial,
teoricamente resulte do consenso entre os diversos países-membros, fundamentando a
tese da interação dita interdependente, a prática mostra uma repartição de poder
extremamente concentradora onde os países mais ricos contribuem mais e,
conseqüentemente, detêm maior poder de decisão (FONSECA, 1995, p. 174).
Os governos acionistas são representados, conforme pontua o Banco
Mundial (2003a; 2004a; 2005b), por uma Assembléia de Governadores, o principal
órgão do Banco e reúnem-se uma vez por ano na Reunião Anual, para elaborar as
políticas gerais da instituição, tratar de questões dos membros e outros assuntos não
delegados à Diretoria Executiva. Visto que estes só se reúnem uma vez por ano, cada
governo é representado por um administrador, eleito a cada dois anos. O Estatuto
Constitutivo determina que os cinco maiores acionistas nomeiem um administrador
cada. No tocante aos outros dezenove administradores, são eleitos pelos demais
países membros, sendo que cada um deles é escolhido por um grupo de países,
segundo critério de proximidade geográfica, o que possibilita que um grupo de países
tenha um só representante. Este fato, de acordo com Fonseca (1995), pode ocasionar
divergências políticas no seio do grupo, que terá seus diferentes interesses
submetidos ao voto de um só representante.
O Conselho de Administração, formado por vinte e quatro administradores,
reúne-se duas vezes por semana, na sede em Washington, EUA, para superintender as
44
44
atividades do Banco: aprovar os empréstimos e garantias, as novas políticas, as
estratégias de apoio aos países; discutir o endividamento; definir o orçamento
administrativo e tomar as decisões financeiras. Os diretores executivos e o Presidente
do Grupo Banco Mundial – também presidente da Diretoria Executiva – são
responsáveis por conduzir as atividades gerais e por executar suas funções com os
poderes delegados pela Junta de Governadores. A Diretoria Executiva é responsável
pela formulação das políticas do Banco Mundial, sua evolução, condução das
operações gerais, análise das propostas de empréstimo e crédito do BIRD, e das
propostas de crédito, subsídio e garantia da AID. Nas Reuniões Anuais, a Diretoria
Executiva é responsável pela apresentação à Assembléia de Governadores de uma
auditoria contábil, um orçamento administrativo e um relatório anual sobre as
operações e políticas do Banco. O Departamento de Avaliação de Operações
assessora a Diretoria acerca da relevância, sustentabilidade, eficiência e efetividade
das operações, acompanhando as avaliações das políticas, estratégias e programas de
trabalho.
A Diretoria Executiva reúne-se regularmente em reuniões formais e
informais, na condição de Comissão Integral e os diretores atuam também em uma ou
mais Comissões assim denominadas: Auditoria, Orçamento, Eficácia do
Desenvolvimento; Governança e Assuntos Administrativos dos Diretores Executivos;
e Pessoal. A Diretoria ainda participa da preparação da agenda e divulga trabalhos
para as reuniões semestrais da Comissão Conjunta de Desenvolvimento do Banco
Mundial e do FMI. Periodicamente os Diretores Executivos Titulares e Suplentes
visitam os países mutuários para acompanhar a assistência do Banco e se reunir com
gerentes de projeto, autoridades governamentais, beneficiários, representantes de
organizações da sociedade civil e do empresariado, instituições financeiras e
funcionários do Banco Mundial. As comissões auxiliam a Diretoria a desempenhar
sua responsabilidade de supervisão por meio das análises das políticas e práticas
(BANCO MUNDIAL, 2004a).
Cabe ressaltar que, em 1987, o Banco Mundial foi reorganizado em quatro
complexos de vice-presidências sêniors: Administração; Políticas, Planejamento e
Pesquisa; Operações e Finanças. Nas regiões foram criados os Departamentos de
45
Países, combinando as funções antes divididas entre departamentos de projetos e
programas. Foi criado também o primeiro Departamento do Meio Ambiente.
A equipe do Banco Mundial, formada por aproximadamente oito mil e
oitocentos funcionários, de mais de cento e quarenta nacionalidades, mostra uma
diversidade de origem étnica, cultural, racial, educacional e profissional. Conforme
pontua em sua publicação Banco Mundial informe anual 2003 (2003a), os
profissionais trabalham na sede e em mais cem escritórios em operação em todo o
mundo, distribuídos da seguinte forma: cinqüenta e quatro por cento nos seis
escritórios regionais; dezessete por cento em unidades de coordenação de redes de
profissionais e em outras unidades operativas; vinte e nove por cento em unidades
financeiras, administrativas e institucionais; e setenta e cinco por cento estão filiados
a um ou mais redes profissionais. De acordo com os documentos do próprio Banco a
sua presença nos países clientes possibilita além de compreender melhor o contexto
histórico, social, econômico, cultural e político, trabalhar em colaboração mais
estreita e propiciar serviços com maior rapidez a seus clientes. Sessenta e oito por
cento dos diretores encarregados dos países e trinta por cento dos profissionais
trabalham nos escritórios dos países clientes e vinte e seis por cento do pessoal são
contratados em âmbito local.
Mas será que, de fato, a presença dos agentes do Banco Mundial nos
diferentes países garante esse conhecimento que o próprio Banco afirma ter? Stiglitz
(2002) esclarece que, apesar de o Banco ter trabalhado arduamente para garantir que
uma parte significativa de sua equipe resida no país que está tentando ajudar,
diferente do FMI, que possui um único representante residente, com poderes
limitados , os Programas costumam ser definidos em Washington e adaptados de
acordo com as breves missões internacionais (de três semanas) de equipes de
economistas. Stiglitz, ex-funcionário do Banco Mundial (onde atuou como
economista-chefe e vice-presidente sênior, no período de 1997 a 2000) alerta de
modo crítico para que:
[...] não se pode conhecer uma nação, e amá-la, a não ser que se vá para o
interior. Não se deve olhar para o desemprego apenas como uma estatística,
uma ‘contagem de baixas econômicas, os que caíram em combate na luta
contra a inflação ou para garantir que os bancos ocidentais sejam pagos. Os
desempregados são pessoas, com família, cujas vidas são afetadas muitas
vezes desvastadas pelas políticas econômicas que gente de fora
46
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recomenda e, no caso do FMI, impõe. A alta tecnologia nas guerras
modernas é projetada para excluir o contato físico: soltar bombas a uma
altura de 15 mil metros garante que ninguém sinta o que faz. A gestão
econômica moderna é semelhante: aboletados em um hotel de luxo, é
possível impormos políticas a respeito das quais pensaríamos duas vezes se
conhecêssemos as pessoas cujas vidas talvez estejamos destruindo
(STIGLITZ, 2002, p. 51-52).
Este quadro de pessoal constitui um aspecto significativo da sua
institucionalização. Segundo Rosemberg (2000), as decisões tomadas não dependem
apenas da correlação de forças entre os países-membros, de macromodelos
econômicos e políticos, mas da sua configuração, ou seja, da sua composição
nacional, étnico/racial, sexual, por tipo de especialidade, carreira, competição e
mobilidade interna. Atentando-se para a formação e a experiência profissional da
equipe do Banco, verifica-se, a predominância de pesquisadores formados em
Economia nas universidades norte-americanas, nem sempre provenientes dos centros
de excelência e com experiências profissionais anteriores nos EUA. Outra questão
diz respeito à captação de uma orientação teórica homogênea ao Banco Mundial,
envolvendo a contratação de funcionários, consultores, intelectuais de renome com
delineada posição progressista. Este fato:
[...] exerce uma certa influência em alguns aspectos do pensamento daquela
organização. Esta influência parece conferir, até certo ponto, uma posição
teórica eclética ao BM. Porém, advertem os autores, à medida que se
ascende na hierarquia da instituição, os conflitos de interesse de
funcionários desaparecem: ‘a presidência e seus quadros operacionais,
entre os quais encontra-se um grupo seleto de assessores, conformam o
centro de maior influência nas decisões do BM (ROSEMBERG, 2000, p.
77).
Um outro aspecto que consideramos digno de ressaltar é que a duração dos
contratos de trabalho e a rotatividade dos funcionários internacionais pelos
escritórios regionais e nacionais, aliadas a outros fatores, dificultam a construção de
uma história das relações entre as Organizações Internacionais e os países-membros.
Cabe assinalar que a superficialidade das interações pode gerar interpretações dúbias
de apoio e conhecimentos sobre a concretude da realidade existente nos países
mutuários, então não se parte do concreto, mas das abstrações e de idealizações.
47
1.1.3.2 Finanças
No Relatório anual do Banco Mundial de 2005 (2005b) é possível verificar
a perspectiva que se assume quanto à finalidade do Banco Mundial e seus
procedimentos operacionais quanto ao aspecto financeiro. As instituições
cooperativas que abrangem o Banco mobilizam financiamento de capital dos
membros acionistas, para beneficiar pessoas de baixa renda nos países mutuários,
tomando emprestado dos mercados de capital mundial para o BIRD e por meio de
contribuições diretas dos países membros mais ricos para a AID. Os clientes do BIRD
são os países de renda média e alguns países de baixa renda, considerados solventes
para tomar empréstimos, devido à limitação dos recursos da AID.
O BIRD é uma instituição financeira de primeira categoria, seus acionistas
são governos soberanos e seus mutuários participam das decisões de suas políticas.
Seus empréstimos e os créditos da AID são normalmente acompanhados de serviços
de assessoramento propiciando, conforme salienta o Banco Mundial informe anual
2004 (2004a), o uso mais eficiente do capital. O BIRD é orientado pelo impacto do
desenvolvimento e não pela maximização dos lucros como os bancos comerciais.
Como instituição cooperativa, busca ganhar um retorno sobre os ativos, suficiente
para garantir sua força financeira e manter suas atividades de desenvolvimento, ao
invés de maximizar os lucros. Seu poder financeiro baseia-se no apoio de seus
acionistas e na gama de políticas e práticas financeiras geradas para a manutenção de
uma posição excelente de risco creditício nos mercados financeiros mundiais. Os
riscos estão relacionados aos juros, as taxas cambiais são minimizadas e o Banco
oferece instrumentos financeiros com os termos mais adequados às necessidades dos
mutuários, permanecendo ativo nos mercados de crédito internacionais. Apesar de se
afirmar como agência que não está preocupada com a maximização dos lucros, é
preciso que percebamos as suas contradições. Fonseca (1995) assinala que a
comparação do Banco Mundial com os bancos privados mostra que, embora os juros
cobrados pelo BIRD sejam menos altos que a média dos bancos privados, o preço do
dinheiro cobrado pelo Banco será mais elevado em razão das taxas adicionais e
comissões referentes a seus serviços (p. 175).
É interessante atentarmos para que, os rendimentos do BIRD são
provenientes da margem de juros aplicada sobre seus empréstimos, da margem de
48
48
juros sobre seus investimentos, das taxas cobradas por alguns serviços e das
contribuições de seu patrimônio líquido. De acordo com o próprio Banco (2004a),
uma parte do rendimento líquido é retida para assegurar a integridade financeira do
Banco Mundial e outra atende os propósitos relacionados à sua missão: apoiar a AID,
à Iniciativa de Países Pobres Altamente Endividados, minimizar as crises
humanitárias imprevistas e suprir outras necessidades ocasionais para o
desenvolvimento.
A AID é a principal fonte mundial de assistência financeira concessional
para os países mais pobres do mundo e investe em projetos de desenvolvimento
econômico e humano, sob a forma de créditos, com juros a taxa zero. Os países
beneficiados pela AID são elegíveis por sua falta de capacidade de solvência perante
os recursos do BIRD e pelo nível de pobreza do país, avaliado pela renda per capita.
Naturalmente, trata-se de créditos bastante disputados, no entanto, de difícil
concessão devido a interesses políticos e financeiros. O principal critério de
habilitação é dado pelo nível de renda per capita do país, o que desqualifica quase
toda a América Latina e parte da Ásia e África. Neste sentido Aloíso Barboza Araújo
(1991) esclarece que:
Na verdade os países mais pobres (e menores), embora qualificados, não
logram sempre apresentar projetos financiáveis, de maneira que boa parte
dos recursos da Associação destina-se à Índia, Paquistão e Bangladesh,
países de baixa renda per capita, porém suficientemente grandes para
produzirem projetos de grande aceitabilidade. Observe-se, ademais, que se
trata de países com forte presença no Banco, não só no staff mas também a
nível político. Na verdade, trata-se de uma região politicamente importante
em que os Estados Unidos depositam grande interesse, o que explica
parcialmente o expressivo volume de ajuda.
O ponto mais importante, contudo, é o que diz respeito às dificuldades
inerentes aos próprios critérios de habilitação: a especialização nos países
mais pobres torna o Banco Mundial imune a possívéis contaminações no
que toca ao seu crédito e à sua credibilidade. Em contrapartida, são
escassas as oportunidades de aplicação, ainda que com as condições de
empréstimos bastante favoráveis, o que reduz a abrangência da IDA (p. 18).
Para Soares (2000, p. 19), a criação da AID deveu-se à constatação de que
os Estados nacionais recentemente independentes não teriam condições de se
tornarem mutuários do Banco segundo suas normas usuais, o que restringiria a sua
influência em áreas geopolíticas importantes. Leher (1998, p. 112) acrescenta que
49
era preciso ganhar os países pobres, muitos deles em processo de descolonização,
para o lado certo da guerra fria, independentemente de considerações econômicas e
éticas. Diante disto, percebemos que a solução seria a criação de uma ficção
contábil, possibilitando ao Banco Mundial estender sua presença a regiões e países
onde sua atuação seria improvável, com seus critérios rígidos e seletivos de
instituição bancária.
A qualidade das políticas para promover o desenvolvimento, o crescimento
e reduzir a pobreza, avaliadas anualmente, são determinantes na definição do
montante de recursos financiados pela AID. Segundo o Convênio Constitutivo da
AID, somente os recursos fornecidos com autorização específica da doação podem
ser utilizados para financiar as doações da Associação, alocadas para categorias
específicas, tais como desastres da natureza, HIV/AIDS, países pós-conflito, muito
pobres ou vulneráveis ao aumento da dívida. A AID e seus mutuários selecionam os
projetos que devem ser financiados totalmente por doações e os que serão
conjuntamente por doação e crédito.
No que concerne aos rendimentos da AID, cabe destacar que são
provenientes de seus próprios recursos e das contribuições dos doadores: principais
nações industrializadas; países em desenvolvimento e economias em transição;
alguns mutuários do BIRD e ex-mutuários da própria AID. Os governos doadores
reúnem-se a cada três anos para discutirem sobre as políticas de empréstimos,
prioridades e para determinar o montante dos recursos necessários para o
financiamento dos próximos programas de empréstimos. O apoio contínuo e forte dos
doadores e as amortizações de créditos concedidos propiciam a solidez financeira
daquela associação.
No que diz respeito aos fundos fiduciários, eles são acordos administrativos
e financeiros entre doadores externos e o Banco Mundial, independentes dos recursos
próprios do Banco, que contribuem com o objetivo de redução da pobreza, apoiando
propostas consideradas como inovadoras para projetos e expandindo o âmbito de
colaboração para o desenvolvimento. Muitos países industrializados, alguns dos
grandes países em desenvolvimento, o setor privado, as fundações e o Banco tornam
disponíveis fundos para fins específicos previamente definidos, como preparação de
projetos, assistência técnica, serviços de consultoria, alívio de dívidas, transição pós-
conflito, permitindo financiar diversas necessidades de desenvolvimento. Os fundos
50
50
administrados pelo Banco patrocinam parcerias, mobilizando e direcionando recursos
concessionais para apoiar a redução da pobreza em setores e regiões, auxiliando os
clientes a alcançarem resultados de âmbito mundial, regional e nacional.
Novos fundos fiduciários e programas vêm sendo criados com o apoio da
comunidade doadora, como o Fundo Fiduciário Catalisador da Iniciativa Acelerada
intitulada Educação para Todos; Fundo Fiduciário para a Reforma da Gestão
Financeira dos Setores Públicos da Cisjordânia e Gaza; Programa Global para a
Erradicação da Poliomielite; Fundo para a Mudança de Clima dos Países Menos
Desenvolvidos; Fundo Fiduciário para o Iraque; Iniciativa Países Pobres Altamente
Endividados; Fundo Global de Combate à AIDS, Tuberculose e Malária; Mecanismo
Global para o Meio Ambiente Global; Fundo Fiduciário para Reconstrução do
Afeganistão; Indonésia: Fundo Fiduciário com Vários Doadores para Aceh e Sumatra
do Norte; Sudão: Fundos Fiduciários Pós-Conflito com Vários Doadores; Vietnã:
Programa de crédito de apoio à redução da pobreza; Fundo Fiduciário para Países de
Baixa Renda em Situação de Estresse; Novos Acordos de Financiamento do Carbono,
em resposta aos novos desafios do desenvolvimento (BANCO MUNDIAL, 2004a,
2005b).
Nota-se que os fundos co-financiados por parceiros oficiais bilaterais e
multilaterais, agências de crédito de exportação e fontes privadas, permitem que o
Banco Mundial alavanque outros financiamentos, em termos concessionais, com o
compromisso de complementar projetos específicos patrocinados por ele,
beneficiando os países destinatários. O co-financiamento abrange qualquer acordo no
qual os fundos fornecidos por fontes externas ao país beneficiário são associados aos
fundos do Banco para um programa ou projeto específico. No exercício financeiro de
2005 foram co-financiados cento e vinte e três projetos, e os mais importantes co-
financiadores foram o Banco Internacional de Desenvolvimento, a Comunidade
Européia, o Departamento de Desenvolvimento Internacional do Reino Unido, que
beneficiam projetos de regiões como América Latina e Caribe, África e Sul da Ásia
(BANCO MUNDIAL, 2005b).
51
O Banco Mundial (2005a) oferece duas categorias de instrumentos de
empréstimos, conforme o Manual do serviço da dívida: empréstimos para
investimentos e empréstimos para políticas de desenvolvimento.
Os empréstimos para investimentos financiam bens, obras e serviços no
contexto de projetos de desenvolvimento social e econômico em diversos setores,
para mutuários do BIRD e AID que estejam em mora com o Banco Mundial, com
enfoque de longo prazo, de cinco a dez anos. O Banco disponibiliza sete tipos de
instrumentos de empréstimos para investimentos, os quais representaram em torno de
setenta e cinco a oitenta por cento dos empréstimos, nas últimas duas décadas:
Empréstimos Programáticos Adaptáveis; Empréstimos para Recuperação de
Emergência; Empréstimos Financeiros Intermediários; Empréstimos para
Aprendizado e Inovação; Empréstimos para Investimentos Específicos; Empréstimos
para Investimento e Manutenção Setoriais; Empréstimos para a Assistência Técnica.
Os empréstimos para políticas de desenvolvimento apóiam reformas
políticas e institucionais, com enfoque de curto prazo, de um a três anos, de rápido
desembolso. Em 2004, a Diretoria Executiva do Banco Mundial aprovou o
documento Empréstimos para Política de Desenvolvimento, que elimina as distinções
entre empréstimos para ajuste estrutural, ajuste setorial, ajuste subnacional, ajuste
estrutural programático e para reabilitação e todas as disposições prescritas sobre o
conteúdo das operações, possibilitando prestar assistência aos países em programas
apropriados e adaptados aos desafios de desenvolvimento. A expressão empréstimo
para ajuste foi renomeada empréstimo para políticas de desenvolvimento e foram
introduzidas mudanças nos documentos e procedimentos permitindo, conforme
pontua o Banco (2005a), o processamento mais rápido, de maneira que os mutuários
recebam fundos e possam abordar as necessidades mais prontamente. Este é o único
instrumento para empréstimos baseados em políticas, representando de vinte a vinte e
cinco por cento do total de financiamento do Banco.
Parece-nos importante resgatar neste ponto que, inicialmente os
empréstimos para políticas de desenvolvimento foram criadas para apoiar as reformas
de políticas macroeconômicas, comerciais e agrícolas, evoluindo para um enfoque
sobre reformas estruturais do setor financeiro, das políticas sociais e da
administração pública. Os propósitos das operações foram, nesse sentido: a promoção
da boa governança (reforma do setor público); estabelecimento de fundos de proteção
52
52
social; criação de um ambiente que promovesse o investimento privado
(privatizações e parcerias público-privadas); promoção de estruturas competitivas de
mercado (reformas legais e de regulamentação); correção das distorções em regimes
de incentivo (reformas tributárias e comerciais).
Chossudovsky (1999) alerta para que se arquitetou uma nova geração de
empréstimos condicionados à política, fornecidos para ajudar os países a se
ajustarem. Estes acordos do Banco Mundial incluíam rígidas condicionalidades: o
empréstimo só era garantido se o país cliente concordasse com as reformas de ajuste
estrutural e, ao mesmo tempo, respeitasse os prazos precisos para sua implementação.
As condicionalidades encontravam-se anexas aos empréstimos de rápido desembolso
condicionados à política, isto é, estes empréstimos
eram garantidos sob a condição de o tomador adotar um abrangente
programa de estabilização macroeconômica e de reforma econômica
estrutural, isto é, os acordos implicados não se relacionavam, de forma
alguma, com um programa de investimento como num projeto convencional
de empréstimo. Sua finalidade era apoiar mudanças políticas; estas eram
acompanhadas de perto pelas instituições de Bretton Woods, sendo
avaliadas com base no desempenho político. Em outras palavras, uma vez
que o acordo de empréstimo tivesse sido assinado, o desembolso poderia
ser interrompido se o governo não se ajustasse, havendo o risco de o país
ser colocado na lista negra pelo chamado grupo de coordenação da ajuda
dos doadores bilaterais e multilaterais (CHOSSUDOVSKY, 1999, p. 43-
44).
A partir dos anos oitenta, com a crise provocada pelo endividamento dos
países em desenvolvimento, as instituições de Bretton Woods orientaram seus
clientes, por meio das condicionalidades, a redirecionar apropriadamente suas
políticas macroeconômicas de acordo com os interesses dos credores oficiais e
comerciais. Portanto, percebe-se que, o novo modelo organizacional do Banco, além
das exigências econômicas, impôs condicionalidades para os seus empréstimos,
incluindo a sua participação na definição da política de longo prazo para os setores
financiados, influenciando as agendas setoriais dos países. A renegociação da dívida
externa ficou condicionada ao aval destas organizações, a partir da realização da
política de ajuste estrutural e de estabilidade econômica, sendo que, na essência deste
processo estava a reforma do Estado, na qual se insere a reforma educacional.
53
Stiglitz (2002), pontua que as condicionalidades referem-se às condições
que, muitas vezes, transformam o empréstimo numa ferramenta política e que boas
políticas não podem ser compradas. E comenta:
Durante o período em que trabalhei no Banco Mundial, havia uma certeza
cada vez maior de que a participação importava, de que não se podia impor
políticas e programas aos países. Dentro do Banco acreditava-se que, para
os países serem bem-sucedidos, era essencial a construção de um consenso,
as políticas e as estratégias de desenvolvimento tinham que ser adaptadas à
situação de cada região; era preciso haver uma mudança da
condicionalidade para a seletividade, recompensando com mais recursos
as nações que demonstrassem bom desempenho ao utilizarem corretamente
os recursos a elas destinados, confiando que continuariam a usar o dinheiro
de maneira adequada e dando-lhes incentivos substanciais. Isso se refletia
na nova retórica do Banco Mundial, articulada de modo contundente pelo
seu presidente, James D. Wolfensohn: O país deve ser colocado no banco
do motorista. Mesmo assim, muitos críticos dizem que esse processo não
foi longe o bastante e que o Banco ainda espera permanecer no controle. A
preocupação é que o país cliente esteja no banco do motorista de um carro
de direção dupla, no qual os controles estejam, na verdade, nas mãos do
instrutor (STIGLITZ, 2002, p. 80).
Kátia Regina de Souza Lima (2002), ressalta a garantia da influência
econômica e política-ideológica das instituições de Bretton Woods:
A história destas organizações está ligada ao aspecto financeiro, ao
fornecimento de empréstimos aos países periféricos, mas, sobretudo, ao
controle econômico, cultural e político que exercem com os países credores
a partir da exigência de cumprimento de condicionalidades, travestidas pela
imagem de assessorias técnicas. A cada empréstimo, o país tomador está
mergulhado em condicionalidades que expressam a ingerência do BM e do
FMI nas políticas macroeconômicas e nas políticas setoriais dos países
devedores, inclusive com condicionalidades cruzadas ou seja, a
articulação entre vários organismos (BID, BM e FMI) para concessão dos
empréstimos (LIMA, 2002, p. 43).
É preciso frisar que, desde a preparação do projeto de empréstimo, observa-
se a atuação do Banco Mundial junto ao país cliente, oferecendo assessoramento
técnico e assistência financeira, de acordo com suas políticas, prioridades, estratégias
e condicionalidades. A aprovação de empréstimo do Banco segue o Ciclo de Projetos
de responsabilidade conjunta do Banco Mundial e do mutuário, com exceção da fase
de Avaliação do Projeto responsabilidade exclusiva do Banco. O Ciclo conforme
divulga o Banco Mundial (2003a), percorre oito fases:
54
54
1. Estratégia de assistência aos países: o Banco oferece serviços de crédito
e assessoramento para a preparação de projetos quando há
probabilidade de aprovação de empréstimo;
2. Identificação: identificam-se os projetos que contribuem para alcançar as
estratégias de desenvolvimento e que sejam aprovados financeira,
econômica, social e ambientalmente;
3. Preparação: o Banco oferece assessoramento técnico e assistência
financeira à preparação do projeto. Os mutuários realizam estudos
técnicos, econômicos, sociais, financeiros e institucionais; elaboram
planos gerais e formulam o documento final do projeto;
4. Avaliação inicial: o Banco avalia os aspectos econômicos, técnicos,
sociais, financeiros, institucionais e ambientais do projeto. Prepara o
documento de avaliação inicial e o texto provisório dos documentos
jurídicos;
5. Negociação e apresentação à Diretoria Executiva: a Carta de Acordo
entre o Banco Mundial e o mutuário apresenta detalhadamente os
objetivos, termos, condições, convênios, licitações e planos de
operações. Após a aprovação do Acordo de Empréstimo/Crédito pela
Diretoria Executiva é publicado o Documento de Avaliação do
Projeto;
6. Implementação e supervisão: o mutuário é responsável pela
implementação do projeto, pelas licitações, compras de bens e
serviços, editais, contratação de consultores, supervisão de contratos e
pagamentos. O Banco é responsável pela supervisão do projeto, pelo
monitoramento do desempenho e aconselhamento, assegurando a
implementação dos recursos e procedimentos de conformidade com as
normas do Banco e do Acordo de Empréstimo;
7. Implementação e conclusão: com o objetivo de avaliação dos resultados
alcançados pelo mutuário e pelo Banco elabora-se o relatório final de
avaliação;
55
8. Avaliação: o Departamento de Avaliação de Operações, entidade
independente, avalia todos os aspectos do projeto e prepara o relatório de
avaliação ex-post. As análises realizadas deverão estar disponíveis para a
formulação de futuros projetos.
Em seus estudos sobre o Banco Mundial, ao analisar os projetos de
financiamento, Fonseca (1998b) conclui que, a experiência tem esbarrado em
dificuldades técnicas e políticas, comprometendo o sucesso dos acordos. Isso ocorre
devido a diversos fatores como: a pertinência dos financiamentos internacionais, a
ausência de informações que mostrem a real contribuição dos financiamentos, o
excesso de burocracia, os pesados encargos financeiros, a rigidez das exigências
técnicas e das precondições políticas inerentes ao processo de financiamento. Além
destes fatores, destacam-se: o modelo dos financiamentos, via unidades especiais de
gestão, as quais, ao serem concluídas, provocam o deslocamento das informações de
um órgão para o outro, senão seu arquivamento; a desarticulação entre as diferentes
instâncias de decisão sobre os projetos, facilitando a discrepância de orientações
sobre determinadas questões; a exigência de sigilo sobre a negociação dos acordos,
envolvendo todo o Ciclo de Projetos identificação, preparação, custos e avaliação
final do mesmo. Enfatizamos, outrossim, que a negociação de um novo projeto parte
de um recomeço em que cada projeto constitui um fato isolado, sem conexão com as
experiências anteriores, com as avaliações finais, com os resultados obtidos. A
exigência de sigilo limita a divulgação de informações referentes aos financiamentos
anteriores e aos atuais, facilitando a reiteração de equívocos na definição dos
projetos.
O desconhecimento dos projetos anteriores pode ser observado a partir da
seguinte constatação: a despeito de que os resultados de alguns projetos
não se tenham mostrado condizentes com as propostas de eficiência e de
impacto que apresentavam, a expectativa do quadro técnico em relação a
essas vantagens vem sendo renovada ao longo da negociação de sucessivos
acordos de financiamento. Desse modo, aqueles objetivos que não lograram
impor-se na prática, ao longo de vinte anos de experiência, são acolhidos
como propostas inovadoras (FONSECA, 1998b, p. 104).
Consideramos esse fato, analisado por Fonseca (1998b), como de grande
importância no debate sobre o financiamento, já que a fragmentação de projetos e a
sobreposição aparecem como problema na configuração de vários campos e setores
56
56
de investimentos entre eles está a educação. Cabe salientar que o Banco Mundial,
no percurso das oito fases do Ciclo de Projetos, torna-se detentor das informações
completas sobre o processo e os resultados da cooperação internacional. Fonseca
(1998b, 2000) assinala a dificuldade no conhecimento do processo como um todo, no
acesso às informações sobre os projetos de empréstimos nas instituições
governamentais responsáveis e o desconhecimento da história dos financiamentos,
por parte de dirigentes e de técnicos que participaram direta ou indiretamente dos
projetos.
Ao serem encerradas as atividades de um determinado acordo, as unidades
gerenciais são extintas e as informações se diluem na rotina administrativa,
limitando-se ao conhecimento de reduzido número de pessoas no âmbito do
Ministério ou que já se descolaram para outros órgãos, senão para o setor
privado. Por outro lado, a oscilação política do Ministério atinge também a
organização dos quadros técnicos, provocando o rodízio de equipes e o
deslocamento de centros de decisão de um setor para outro. Em
decorrência, as informações vão se fragmentando, o que explica que apenas
alguns segmentos técnicos e decisórios, além do próprio Banco, mantenham
o conhecimento sobre o processo como um todo (FONSECA, 2000, p. 248-
249).
A este aspecto, cabe registrar que, no transcorrer de nossa pesquisa
vivenciamos tais dificuldades tanto no acesso às informações sobre os projetos,
como no conhecimento do processo de financiamento como um todo. Nas diversas
visitas de pesquisa e estudo aos Ministérios da Educação; das Relações Exteriores;
do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do Planejamento, Orçamento e
Gestão observamos o desconhecimento sobre a história dos financiamentos, a
ausência de informações sobre as políticas, programas e projetos realizados ou em
andamento do Banco Mundial e, também, o sigilo sobre a negociação de projetos.
Em uma de nossas visitas ao Centro de Informação ao Público do Banco
recebemos a publicação intitulada Programas e projetos: o Brasil e o Banco Mundial
uma parceria que dá certo (2006b), a qual apresenta um resumo dos principais
programas e projetos apoiados pelo Setor de Desenvolvimento Humano do Banco no
Brasil, aprovados no período entre 1985 a 2003, implementados ou em fase de
implementação. O documento informa também, quanto aos estudos recentes
57
realizados sobre o Brasil e esclarece que cabe a este setor fornecer assistência técnica
aos governos Federal, Estadual e Municipal do nosso país.
Um dos projetos divulgados no documento é o Projeto Escola Novo
Milênio: Qualidade da Educação Básica no Ceará, que tem como objetivo elevar a
qualidade de ensino daquele Estado: com uma proposta ousada e inovadora, o
projeto Escola Novo Milênio abrange todos os níveis de aprendizagem, incluindo,
além do ensino fundamental e médio, a educação infantil, a educação de jovens e
adultos, a educação especial, a indígena e rural (BANCO MUNDIAL, 2006b, p. 16;
grifo do original). O referido projeto foi aprovado em 2000 e sua fase de conclusão
está prevista para 2006.
De posse desta publicação e embasada em leituras realizadas nos
documentos e publicações do Banco e sobre o mesmo, retornamos aos Ministérios da
Educação e do Planejamento, Orçamento e Gestão para buscarmos novas informações
e dados sobre o projeto. Grande foi a nossa surpresa! Mesmo com a publicação em
mãos, os funcionários a quem procuramos nos informaram seu desconhecimento
quanto ao fato de o projeto propor atender a Educação Infantil. Intrigante é que o
documento oficial assinado entre o Governo Federal, o Governo Estadual do Ceará e
o Banco Mundial, sob os auspícios do Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão informa sobre o componente que objetiva implementar programas formais e
informais de Educação Infantil (conforme mencionado no terceiro capítulo desta
pesquisa).
É interessante atentarmos para que, o Banco atua no Brasil desde 1949,
investindo e financiando programas e projetos em diversas áreas e na educação desde
1971. Cabe-nos, questionar, portanto: será que o que ocorre é o desconhecimento da
história dos financiamentos ou a ausência de informações sobre as políticas e
estratégias do Banco e/ou a exigência de sigilo?
Refletindo sobre as experiências vivenciadas no transcurso de nossas visitas
de pesquisa e estudo, percebemos que investigar as políticas educacionais do Banco
Mundial para a Educação Infantil era mais do que um desafio: era um compromisso
político-ideológico com as crianças pequenas brasileiras.
No que diz respeito ao financiamento dos projetos, nota-se que, além dos
custos diretos, ocorrem custos indiretos que correspondem aos gastos adicionais
como de identificação e preparação dos projetos que exigem a elaboração de estudos
58
58
e diagnósticos na área de atuação, além da recepção de missões do Banco; despesas
com a organização de equipes especiais de execução dos projetos, implicando no
deslocamento ou contratação de funcionários adicionais, tanto no nível de
administração central como em nível local; e o pagamento de consultores locais e
estrangeiros, cuja contratação deve ocorrer de acordo com diretrizes estabelecidas
pelo Banco. Vale registrar, como assinala Fonseca (1995, p. 177): Embora seja
fixada verba específica do próprio projeto para o atendimento dessas despesas,
muitas vezes o Ministério, os Estados ou os municípios devem cobri-las com seus
próprios recursos.
Outra questão relevante analisada pela autora citada é o não-cumprimento
das ações ou o atraso na execução de um projeto, no prazo acordado previamente,
significando o aumento considerável dos custos, pela cobrança da taxa de
compromisso e pela diminuição da captação de recursos externos. A desvalorização
da moeda local em face das moedas selecionadas pode ser considerada como
responsável pela fraca captação de recursos, pois os gastos são feitos em moeda local
e a contrapartida é calculada em dólar.
No tocante ao empréstimo, o BIRD oferece dois tipos de produtos
financeiros, cada um expresso na moeda ou moedas selecionadas pelo mutuário e
intermediada pelo Banco (2005a): o Empréstimo de Margem Fixa (Fixed-Spread
Loan) e o Empréstimo Variável (Variable-Spread Loan).
O Empréstimo de Margem Fixa, introduzido em 1999, oferece aos
mutuários um spread fixo, uma taxa de juros baseada na London Interbank Offering
Rate de seis meses e moedas selecionadas (dólar, iene, euro, libra e outras). O
spread fixo permanece constante durante todo o período de empréstimo e há
flexibilidade para conversão da moeda do compromisso, fixar ou limitar a taxa de
juros durante o período de empréstimo e ajustar os termos de pagamento de acordo
com as necessidades do projeto ou da estratégia de gestão ativos-passivos do
mutuário.
O Empréstimo de Margem Variável, antigo empréstimo a taxa variável em
uma única moeda, é oferecido na moeda selecionada (dólar, iene, euro, libra e outras)
59
pelo mutuário, possui um spread que varia semestralmente e taxa de juros baseada
na London Interbank Offering Rate de seis meses.
Os financiamentos têm normalmente prazo de pagamento de doze a vinte
anos com três a cinco anos de carência. O Banco Mundial permite ao mutuário
escolher os termos financeiros do empréstimo, tanto antes da aprovação pela
Diretoria Executiva do BIRD, quanto durante a vigência do Acordo de Empréstimo.
A AID concede empréstimos sob a forma de créditos de desenvolvimento,
denominados Direitos Especiais de Saque. Os encargos e pagamentos são efetuados
na moeda (dólar, euro e libra) especificada no Acordo de Crédito. As quantias
desembolsadas, os encargos do compromisso e do serviço e as amortizações são
calculadas em Direitos Especiais de Saque.
Um número cada vez maior de empréstimos do Banco Mundial, nos últimos
anos, apóia propostas de âmbito setorial, conhecidas como swaps, com intuito de
aumentar o impacto sobre o desenvolvimento. Os Programas com Enfoque Setorial
Amplo (swaps) são mecanismos que apóiam programas setoriais, focalizados em
resultados ao invés do controle das transações, no fortalecimento das parcerias e na
melhoria do desempenho das instituições envolvidas. Os swaps não são instrumentos
de doação ou de empréstimo, mas uma abordagem em parceria usada para apoiar um
setor de maneira abrangente, em prol de programas amplos executados pelo país. Nos
países de renda dia, os swaps têm contribuído para vincular o empréstimo do
Banco à estratégia e sistemas próprios de um país, reduzindo os custos de transações,
freqüentemente associados a projetos isolados; enquanto nos países de baixa renda,
têm auxiliado no melhoramento da coordenação dos recursos externos.
1.1.3.3 Políticas, Planejamento e Pesquisa
Ao longo de várias décadas de experiência, o Banco reconheceu inúmeros
fatores comuns associados com o processo geral de desenvolvimento. Esses fatores,
que constituem a base da estratégia do Banco Mundial são:
.Um Estado activo, con un sistema de gobierno adecuado tanto en el sector
público como el privado, contribuye a crear un entorno en que los contratos
se cumplen y los mercados pueden funcionar, la infraestructura funciona, se
60
60
prestan los servicios adecuados de salud, educación y protección social, y
la población puede participar en las decisiones que repercuten en su vida.
.La potenciación ofrece a todos la capacidad de orientar su propia vida,
brindando oportunidades y seguridad y fomentando una participación
eficaz, así como la integración social.
.El crecimiento económico es fundamental, ya que los países que han
reducido la pobreza de manera más eficaz son los que han crecido más
rápidamente. No há habido ningún ejemplo notable de desarrollo sin
períodos prolongados de alto crecimiento per cápita de la producción.
.Es necesario contar com un sector privado dinámico que impulse un
crecimiento económico sostenido, en que las pequeñas y medianas
empresas desempeñen un papel especialmente importante en la generación
de oportunidades para los pobres.
.Es imprescindible una política del sector financeiro que sea racional y esté
en consonancia con el país, lo mismo que la eliminación de obstáculos al
comercio internacional para que las exportaciones de los países en
desarrollo puedan contribuir al crecimiento.
.Finalmente, el país y la sociedade deben ser los verdaderos protagonistas
del programa de desarrollo, para que éste se adapte a la economía política
y las circunstancias específicas del país (BANCO MUNDIAL, 2003a; grifo
do original).
O reconhecimento destes fatores intensificou o apoio do Banco à agenda de
desenvolvimento por meio de uma estratégia de dois pilares para a redução da
pobreza que se baseia no fortalecimento do clima de investimento, empregos e
crescimento sustentável e, no investimento nas pessoas de baixa renda e no seu
empoderamento para participarem do desenvolvimento.
Para o Banco Mundial (2003a), um crescimento sólido requer um clima
econômico conducente ao investimento, criação de empregos e maior produtividade.
Para isso, concede empréstimos e presta assistência em política a diversos programas
que visam ajudar a manter a estabilidade financeira e econômica, melhorar os climas
de investimento, facilitar a boa governança, combater a corrupção, revitalizar a infra-
estrutura, promover o comércio internacional, capacitar o desenvolvimento do setor
privado e apoiar a sustentabilidade ambiental. Os documentos oficiais do Banco
(2003a; 2004a; 2004c; 2005b; 2005d) reafirmam a premissa de que, as
potencialidades das pessoas de baixa renda podem ser aumentadas por meio da
ampliação de seu acesso a uma educação de qualidade, aos cuidados de saúde, à
proteção social, à igualdade de gênero, à proteção ambiental, à inclusão, ajudando a
empoderá-las para participarem de decisões sobre projetos de desenvolvimento que
afetam sua vida e de suas famílias.
61
Nos anos setenta, um enfoque assistencial-compensatório motivou a decisão
do Banco Mundial de incluir o setor social no quadro dos seus créditos,
especialmente a questão da pobreza. O aumento da produtividade dos pobres passou a
ser a estratégia para garantir a distribuição dos benefícios do desenvolvimento. Neste
caso, a responsabilidade deveria ser transferida do âmbito do Estado para os
próprios indivíduos, isto é, a diminuição da situação de pobreza dependeria da
capacidade dos pobres em aumentar a sua própria produtividade (FONSECA, 1998a,
p. 41).
Neste contexto, as políticas de combate à pobreza presentes nos documentos
do Banco formam um conjunto de políticas sociais voltadas para a compensação, cujo
o alvo a pobreza é conceitualmente construído e faz parte de um modelo de
sociedade específico, no qual o mundo do trabalho é composto por dois tipos de
indivíduos: o competitivo e o incapaz, conforme os estudos de Vivian Ugá (2004). O
competitivo é o indivíduo capaz de atuar no mercado, tem competitividade para
conseguir e assegurar um emprego. O incapaz é o indivíduo que não tem
empregabilidade, nem é competitivo, pois não pôde e nem quis investir em seu
capital humano. A classe social que era composta por trabalhadores empregados e
desempregados passa a ser formada por indivíduos competitivos e incapazes, gerando
uma transformação no mundo do trabalho. Neste prisma, mostra Ugá:
O pobre é o indivíduo incapaz, que não consegue ou não garante o seu
emprego e nem mesmo a sua subsistência. Conseqüentemente, a pobreza
acaba sendo vista como um fracasso individual daquele que não consegue
ser competitivo.
Assim, de acordo com as propostas do Banco Mundial, é desse pobre que o
Estado deve cuidar. Com os outros indivíduos os competitivos , ele não
precisa se preocupar, pois são capazes de garantir seu próprio sustento. É
aos pobres, então, que a política social deve (e passa a) estar voltada. As
recomendações do Banco Mundial, como foi observado, são todas
focalizadas nos pobres, vistos como pessoas incapazes que necessitam de
ajuda para inserirem-se no mercado. Portanto, suas propostas de políticas
de combate à pobreza resumem-se apenas à transformação do indivíduo
incapaz em indivíduo capaz e competitivo, por meio do aumento de capital
humano (no relatório de 1990) ou de capacidade humana (no relatório de
2000-2001).
Se, por um lado, esse tipo de política reforça a idéia de atomização e
competitividade entre os indivíduos, por outro legitima a existência e a
implantação de um Estado mínimo no campo social e contribui, portanto
para a tentativa de destruição da democracia social alcançada pelo Estado
de Bem-estar Social (2004, p. 58).
62
62
A contínua relevância destes dois pilares da redução da pobreza: o
empoderamento das pessoas e a melhoria do clima de investimento, confirmados no
decorrer dos anos por uma série de documentos e pesquisas sobre o uso da estratégia,
sustentam as políticas do Banco Mundial presentes no Relatório sobre o
desenvolvimento mundial 2005: um melhor clima de investimento para todos,
Relatório sobre o desenvolvimento mundial 2006: eqüidade e desenvolvimento, nas
Estratégias de Assistência aos Países, nos Documentos de Estratégia para a
Redução da Pobreza nos países mais pobres e nas estratégias de desenvolvimento dos
países mais ricos.
As atividades do Banco em um país cliente são orientadas pelo plano de
negócios delimitado no documento intitulado Estratégias de Assistência aos Países,
que é a ferramenta utilizada pelo Banco para analisar as políticas propostas, orientar
e apresentar os programas de país e, medir o impacto do trabalho realizado. A
estratégia é preparada em consulta com autoridades do país, organizações da
sociedade civil, parceiros no desenvolvimento e outros grupos interessados; é
orientada para resultados de desenvolvimento eficazes; e sendo desenvolvidas várias
abordagens para os países de renda média, países de baixa renda e países de baixa
renda em situação de estresse.
A análise deste documento referente ao Brasil, conforme destaca Rosemberg
(2000) evidencia fragilidades que não seriam aceitas por qualquer comissão de
avaliação da CAPES. Por exemplo, notícia de jornal como referência bibliográfica
respaldando informações científicas sobre o Brasil, citação de citação sem que se use
o indicativo normatizado e informações desatualizadas.
O Documento de Estratégia para a Redução da Pobreza é uma ferramenta
para o apoio do Banco aos países de baixa renda e constitui a base para o
financiamento da AID. Destinado a servir de contexto para políticas internas e
programas transetoriais que reduzem pobreza e para o alcance das Metas de
Desenvolvimento do Milênio, é um plano abrangente, orientado para resultados,
elaborado pelos países com a participação ativa do Banco Mundial. A assistência da
AID inclui os Créditos de Apoio à Redução da Pobreza que focalizam a criação da
capacidade dos governos e instituições que atendam pessoas de baixa renda.
63
Esta meta está diretamente ligada à uma reunião realizada no ano de 2000,
em que os líderes mundiais reuniram-se na Cúpula do Milênio promovida pela
Organização das Nações Unidas em Nova Iorque e se comprometeram a reduzir a
pobreza pela metade até 2015. Com o objetivo de acelerar a agenda do
desenvolvimento, cento e oitenta e nove países assinaram a Declaração do Milênio,
adotando as Metas de Desenvolvimento do Milênio. Na Declaração constam oito
metas que são: erradicar a extrema pobreza e a fome; garantir educação básica
universal; promover a igualdade de gênero e o empoderamento da mulher; reduzir a
mortalidade infantil; melhorar a saúde materna; combater o HIV/AIDS, a malária e
outras doenças; assegurar a sustentabilidade ambiental; desenvolver uma parceria
global para o crescimento. O documento prevê que estas metas devem ser alcançadas
por meio de ões específicas de combate à fome e à pobreza, associadas à
implementação de políticas de saúde, educação, promoção de gênero, habitação,
saneamento, meio ambiente e desenvolvimento sustentável até 2015. Para cada um
dos oito objetivos foram estabelecidas metas, num total de dezoito, que podem ser
acompanhadas por um conjunto de quarenta e oito indicadores propostos por um
grupo de especialistas do Secretariado das Nações Unidas, do Banco Mundial, do
FMI e da OCDE.
Cabe salientar que, nas reuniões em Doha, Monterrey e Johannesburg, em
2002, a comunidade global formou uma estratégia compartilhada para o
desenvolvimento e criou um consenso sobre responsabilidades mútuas: os países
desenvolvidos são orientados a aumentar o apoio fornecido e facilitar o acesso a seus
mercados e os países em desenvolvimento são solicitados a melhorar a política e a
governança.
O primeiro Relatório de monitoramento global, publicado em 2004, foi
preparado pelo pessoal do Banco Mundial e do FMI, em colaboração com órgãos
parceiros, incluindo outros Bancos Multilaterais de Desenvolvimento, as Nações
Unidas, a OCDE e a OMC, servindo de base para o monitoramento regular do
progresso da Comissão de Desenvolvimento na agenda política voltada para alcançar
as Metas de Desenvolvimento do Milênio e para reforçar as responsabilidades dos
atores-chave.
O segundo Relatório de monitoramento global de 2005, Metas de
Desenvolvimento do Milênio: do consenso ao impulso, deu continuidade à avaliação
64
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das políticas e ações e examinou, entre outras coisas, a documentação sobre a
eficácia da ajuda e as modalidades de financiamento, a estrutura operacional para
adquirir a sustentabilidade da dívida e o apoio do Banco Mundial à agenda do
crescimento econômico. O Relatório recomendou a inclusão de ações de apoio em
estratégias de desenvolvimento; melhoria das condições para o crescimento do setor
privado; ampliação dos serviços de educação e saúde; desmantelamento de barreiras
ao comércio nos países em desenvolvimento e desenvolvidos; aumento do nível, da
eficácia e da qualidade da ajuda nos próximos cinco anos (BANCO MUNDIAL,
2005b).
Como podemos constatar, o Banco Mundial opera em estreita colaboração
com seus parceiros na abordagem de questões sobre o desenvolvimento, em projetos,
programas, planos e pesquisas globais e de país, exercendo diferentes papéis líder,
seguidor, consultor, ajudante, etc. conforme a necessidade. As instituições
internacionais como Nações Unidas, Bancos Multilaterais de Desenvolvimento,
União Européia, FMI, OCDE, OMC e as Organizações da Sociedade Civil, tais como
grupos comunitários, sindicatos, fundações, organizações não-governamentais,
grupos de caráter religioso e setor privado são considerados parceiros de
desenvolvimento do Banco para melhorar a coordenação da ajuda, integrando
esforços para a redução da pobreza.
Um outro aspecto que consideramos significativo abordar é que, no ano de
1955, o Banco implantou o Instituto de Desenvolvimento Econômico, com apoio das
Fundações Ford e Rockefeller, e estabeleceu-o formalmente em 1956, como centro de
formação dos funcionários do Banco. No ano de 1999 foi rebatizado como Instituto
do Banco Mundial, contribuindo na criação, compartilhamento e aplicação de
conhecimentos; na organização do processo de aprendizagem global; no
desenvolvimento de ferramentas de diagnóstico e análise que auxiliam os países a
avaliarem suas práticas de governança e sua preparação para competir na economia
do conhecimento global. O Instituto do Banco Mundial propicia aos países mutuários
um programa de desenvolvimento de capacidade que inclui assistência técnica,
seminários de trabalho de gabinetes, programas de desenvolvimento de liderança e
aprendizado temáticos. O Instituto vêm ampliando seu alcance por meio de ensino à
65
distância e via Internet, cursos, seminários, workshops, diálogos entre grupos
interessados, aprendizagem colaborativa, bases de dados e redes de informação
destinadas a partilhar os conhecimentos relativos ao desenvolvimento internacional,
descentralizando gradativamente seus programas para combinar esforços com
doadores e instituições de ensino e pesquisa, aproveitando as experiências locais.
Contudo, desde 2002, vem deixando de ser um instituto de treinamento e tornando-se
um prestador de serviços de informação, focando sua atenção em todas as regiões
representadas em um grupo de trinta e seis países.
Os Centros de Informação Pública disponibilizam e difundem informações
para o público, relativas ao desenvolvimento e documentação quanto a operações e
pesquisas produzidas pelo Banco Mundial sobre o Brasil, América Latina e o resto do
mundo. Os centros operam como biblioteca de referência, sala de leitura e centro de
distribuição de materiais bibliográficos, em aproximadamente setenta capitais, com
sessenta centros satélites. As pesquisas desenvolvidas culminam com diversos
produtos do conhecimento, como documentos de pesquisa sobre políticas, dados de
desenvolvimento, análises de perspectivas de desenvolvimento e uma variedade de
publicações sobre desenvolvimento, que são fontes de informação, pesquisa e análise
crítica para os formuladores de políticas, órgãos públicos, instituições acadêmicas,
organizações da sociedade civil, organizações internacionais, mutuários e para a
equipe do Banco.
Rosemberg (2000) retrata que uma visita à biblioteca do Banco ou da
UNESCO revela um abismo entre os referenciais bibliográficos universitários e os
das Organizações Internacionais. Enquanto as pesquisas científicas acadêmicas
referenciam as publicações da Organizações Internacionais, o inverso não ocorre. A
autora mostra que:
A circulação de fontes entre as OIs na área da educação, especialmente da
educação infantil (que conheço mais), lembra o poema de Manuel Bandeira:
o BM cita a UNESCO que cita o UNICEF que cita o BM. Prática habitual
nas publicações das OIs (possivelmente em decorrência da cultura
acadêmica norte-americana) constitui a citação de segunda mão sem que se
use o indicativo apud (ou equivalente), em discordância com os primeiros
ensinamentos que transmitimos a nossos estudantes de graduação e pós-
graduação. Na área da educação infantil, venho observando esse tipo de
procedimento especialmente quando são referidos trabalhos/pesquisas
efetuados por pesquisadores de terceiro mundo. A reciclagem destas
publicações tornam contemporâneas informações passadas, ressuscitando,
algumas vezes, experiências que já foram enterradas há muito tempo. A
66
66
utilização acrítica por pesquisadores nacionais de resultados de segunda,
terceira ou quarta mão, pode referenciar uma imagem, se não exótica, pelo
menos estereotipada, das mazelas nacionais (ROSEMBERG, 2000, p. 84-
85).
Cabe registrar que os documentos políticos e a série de estudos e pesquisas
sobre os diferentes setores constituem as informações utilizadas no momento da
negociação dos acordos, influenciando o desenho dos projetos e a agenda do setor
financeiro. Fonseca (1997) alerta para que os estudos de pré-investimento um dos
componentes financiáveis assegurados no interior dos projetos, constitui uma
forma de automatizar a continuidade dos empréstimos, isto é, no desenho de um
projeto são incluídos estudos capazes de detectar a possibilidade de um futuro acordo
entre o Banco e o país membro.
Constatamos através da pesquisa que o Banco Mundial desenvolve projetos
em países mutuários de cada uma das seis regiões: África, Leste Asiático e Pacífico,
Sul da Ásia, Europa e Ásia Central, Oriente Médio e Norte da África e América
Latina e Caribe. Alguns países são elegíveis somente a financiamento do BIRD,
outros somente da AID, e alguns são elegíveis a financiamento combinado do BIRD e
AID.
O financiamento, de acordo com o Banco (2003a) é classificado de acordo
com as onze categorias temáticas principais e com dez categorias setoriais principais
do novo sistema de codificação temático-setorial. A categorização temático-setorial
abarca sessenta e oito tópicos e cinqüenta e sete setores. Os onze tópicos principais
são: gestão econômica; gestão de recursos ambientais e naturais; desenvolvimento
financeiro e do setor privado; desenvolvimento humano; governança do setor
público; regime de direito; desenvolvimento rural; desenvolvimento social, gênero e
inclusão; proteção social e gestão de risco; comércio e integração; desenvolvimento
humano. As dez categorias setoriais principais são: agricultura, pesca e florestas;
energia e mineração; indústria e comércio; transportes; água, saneamento e proteção
contra inundações; finanças; leis, justiça e administração pública; saúde e outros
serviços sociais; informação e comunicações e educação.
1.2 O Banco Mundial e as políticas setoriais de educação
67
1.2.1 Documentos Setoriais de Educação: 1971, 1974 e 1980
A atuação global do Banco Mundial, desde sua criação em 1944, traduziu
numa trajetória onde as alterações nos objetivos a serem alcançados foram
modificando seu sentido ao longo do percurso histórico. Manuel José Forero
Gonzalez et al. (1990) identificaram quatro etapas do exercício de suas funções
associadas a modificações de enfoque quanto às estratégias de desenvolvimento
adotadas em cada momento histórico. Na primeira fase, que ocorreu desde sua
criação até a década de 1950, sua atuação concentrou-se na reconstrução das
economias européias. Na segunda fase, na década de 1960, suas ações foram voltadas
para a promoção do crescimento econômico dos países em desenvolvimento,
intensificando empréstimos para o financiamento de projetos de investimento em
infra-estrutura econômica (setores de energia, comunicações e transportes). A
terceira fase, nos anos setenta, caracterizou-se pela diversificação setorial de
empréstimos, destacando os projetos de investimento na área social. Na quarta fase,
nos anos oitenta, ocorreu o redirecionamento da política de empréstimos do Banco,
favorecendo os financiamentos de desembolso rápido, via políticas setoriais internas
e de ajuste estrutural, atendendo as necessidades do balanço de pagamentos dos
países em desenvolvimento.
No final dos anos sessenta, o Banco somou às suas metas quantitativas, que
caracterizavam os projetos econômicos, objetivos voltados para a igualdade e bem-
estar social, financiando o setor social, como medida para aliviar e reduzir a pobreza.
O setor educacional, a saúde e o desenvolvimento agrícola passaram a ser
considerados entre os mais importantes para o Banco Mundial, definindo os
princípios e as diretrizes de sua política de crédito e assistência aos países em
desenvolvimento. A ênfase conferida ao setor social estava relacionada com a
diretriz educação e saúde, as quais possibilitariam as condições prévias para a
produtividade das populações pobres, em trabalho informal ou por conta própria, em
zonas rurais e em periferias de centros urbanos. Os empréstimos para o setor social
adquiriram maior relevância, enquanto medida compensatória para proteger os
pobres contra as pressões do ajuste, ou seja, para aliviar as possíveis tensões
decorrentes de despesas públicas na área social (FONSECA, 1998a, p. 54).
68
68
Analisando de modo mais demorado a mudança na estratégia de atuação das
Organizações Internacionais, em particular do Banco Mundial, observamos que se
atribuiu à educação importância tanto para o crescimento econômico como para o
alívio da pobreza dos países em desenvolvimento. Isso relacionou-se à crise
estrutural do capitalismo que demandou novos meios para operar as contradições do
sistema. Então, é possível dizer que o processo de aparente valorização do campo da
educação não é algo desinteressado, como esclarece Leher:
A prioridade conferida à Educação, à primeira vista algo inusitado e
surpreendente, adquire sentido se investigado no âmbito do ajuste estrutural
e mais amplamente, no escopo da ideologia da globalização. A reforma dita
estrutural do sistema educacional constitui um dos pilares ideológicos do
neoliberalismo, cabendo à Educação o precioso papel de prover esta
ideologia, tão redutora de direitos sociais e do trabalho, de brechas para o
futuro das pessoas, das regiões e dos países. Em contradição com a
dinâmica concreta do mundo do trabalho, a Educação é concebida como o
meio por excelência para melhores empregos e maiores salários, não apenas
para uma minoria (como ocorre no mundo do trabalho real), mas para
todos. Em suma, é como se a Educação pudesse ser o principal meio para
a distribuição de renda no porvir. Se não houvesse brechas, ainda que
proclamadas, dificilmente o neoliberalismo teria força operatória de que
dispõe (1998, p. 84; grifo do autor).
O Banco inscreveu, pois, a educação como um requisito para a globalização,
cumprindo a função ideológica de operar as contradições advindas da exclusão
estrutural dos países em desenvolvimento. Em nossa opinião, construída com base na
investigação que desenvolvemos, o Banco usufruiu da tensão entre as ações
coercitivas e de consenso, estabelecendo uma política neoliberal. Como salienta
Leher (1998):
O Banco Mundial inscreve a educação nas políticas de aliviamento da
pobreza como ideologia capaz de evitar a explosão dos países e das
regiões periféricas e de prover o neoliberalismo de um porvir em que existe
a possibilidade de algum tipo de inclusão social (todo aquele que se
qualificar poderá disputar, com chance, um emprego), para isto, a coloca
no topo de seu programa de tutela nas regiões periféricas (p. 9; grifo do
autor).
A educação foi tida como uma condição necessária para a reprodução
econômica e ideológica do capital. Notamos que sobretudo a partir dos anos setenta,
o Banco Mundial passou a ter importância na definição das diretrizes políticas para
69
os países em desenvolvimento, destacando a política educacional. Em meados dos
anos oitenta, como resultado da crise da dívida dos países latino-americanos e da
hegemonia norte americana, o Banco foi, então, revitalizado para atuar como governo
mundial, definindo as políticas a serem adotadas e implementadas pelos países em
desenvolvimento, por meio de determinadas condicionalidades (LEHER, 1998).
Uma das condicionalidades imposta no processo de ajuste estrutural foi a
reforma do sistema educacional. É significativo ressaltar que as orientações do Banco
Mundial para a reforma educacional na América Latina, África e alguns países
asiáticos faziam parte dos acordos de ajuste estrutural, não sendo apenas sugestões.
La reforma educativa forma parte del programa político en casi todos los
países clientes del Banco debido a la consideración de que unos mejores
resultados del sistema educativo son essenciales para incrementar la
competitividade económico, reducir la pobreza y las desigualdades,
fortalecer las instituciones democráticas y aumentar la estabilidad social.
Se observan reformas importantes en todos los aspectos del sector de la
educación: se profesionaliza la docencia; se concede más autonomía a las
instituciones de enseñanza terciaria y se procura que éstas sean más
capaces de responder a las necessidades y que tengan s obligación de
rendir cuentas; se descentraliza la gestión de las escuelas hasta el nivel
local; se fomenta el establecimiento de instituciones de calidad para
enseñanza del niño en la primeira infancia; y se revisan los planes de
estudios de la enseñanza secundaria para hacerlos más acordos com el
mundo laboral (BANCO MUNDIAL, 2000a, p. 37).
No contexto destas orientações inscreveram-se as reformas educativas,
produzindo um ordenamento no setor educacional ao: adequar as políticas educativas
ao movimento de esvaziamento das políticas de bem-estar social, ao estabelecer
prioridades e estratégias de racionalização de custos e do sistema de ensino e, ao
subjugar os estudos, diagnósticos e projetos educacionais do Banco Mundial à lógica
do campo econômico. Observa-se o início do investimento do Banco na formulação,
implementação e monitoramento de políticas para a primeira infância nos países em
desenvolvimento. Suas orientações, ao longo dos anos, estão sendo universalizadas,
independentemente da história, da cultura e condições de infra-estrutura de cada país,
por meio de financiamentos, análises e assessoramento técnico.
Desde que el Banco concedió el primer préstamo para educación (a Túnez,
para formación profesional) há ido ampliando su financiamento para
proyectos de educación como parte de su misión de reducir la pobreza. Esta
ampliación há sido paralela al reconocimiento creciente de que la
educación es la piedra angular del crecimiento económico y de una
70
70
sociedad abierta y cohesionada; y de que la inversión en educación es
fundamental para el desarrollo de un país. El volumen total de nuevos
compromisos varia considerablemente cada año com una tendencia general
alcista (BANCO MUNDIAL, 2000a, p. 23).
O financiamento do setor educacional aumentou em todas as regiões, ainda
que em proporções distintas. A partir dos anos noventa o Banco definiu a Educação
Básica como alvo principal, incluindo a Educação Infantil (BANCO MUNDIAL,
1995, 2000; YOUNG, 1996) e foram propostas políticas homogêneas para os diversos
países clientes. Estas, por sua vez, têm influenciado a formulação e implementação
de políticas e estratégias de educação pública e a definição do modelo de
desenvolvimento a ser seguido pelos governos locais.
La parte del financiamiento que se dedica a la enseñanza primaria há sido
superior al 20% desde 1975 y al 30% desde 1990. [...]. La parte del
financiamiento dedicado a la enseñanza secundaria general disminuyó en
los decenios de 1970 y de 1980, pero aumentó de nuevo en el decenio de
1990 y ahora supone un 20%. El financiamiento para la capacitación
profesional aumentó con rapidez durante los decenios de 1960 y 1970, pero
disminuyó un poco después de haber alcanzado un nível máximo a
principios del decenio de 1980, sin duda a causa de la nueva importancia
que se concedió a la enseñanza básica y de que se cuestionaban los
enfoques tradicionales que se empleaban en el ámbito de la capacitación
profesional. Hubo un incremento constante, que se há frenado un poco en
los últimos años, tanto en el ámbito de la capacitación del profesorado
como el de la enseñanza terciaria. El desarrollo del niño en la primera
infancia es una esfera de financiamiento relativamente nueva, pero que
cada vez adquiere más importancia (BANCO MUNDIAL, 2000a, p. 24).
Com o objetivo de prestar apoio aos seus clientes na reforma do sistema
educacional, o Banco elaborou estratégias nacionais e regionais, segundo as
prioridades internacionais. As atividades conjuntas de elaboração dos projetos,
programas e reformas em nível nacional, regional e de todo o Banco, proporcionaram
um grupo de estratégias intervinculadas, monitoradas pela Junta Sectorial de
Educación del Banco Mundial.
Toda la iniciativa está bajo la dirección general de la Junta Sectorial de
Educación del Banco en consulta com toda la Red sobre educación (algo
más de 250 funcionários del Banco trabajan en el sector de la educación) y
el Grupo de Asesores Externos de la Junta Sectorial. Este liderazgo
colectivo, que está aún más fortalecido por el hecho de que los jefes
regionales de educación constituyen la mayoria de la Junta Sectorial, habría
71
sido mucho más difícil de lograr en el marco de los antiguos arreglos de
organización en los que los departamentos eran más independientes unos de
otros y estaban más distanciados (BANCO MUNDIAL, 2000a, p. 40).
Diante das disparidades e das diversidades existentes no setor educacional
tanto entre os distintos países, como dentro de um mesmo país, o Banco Mundial
classificou os países segundo seu nível de desenvolvimento, buscando assinalar as
possíveis prioridades educacionais de cada um deles e formular políticas, estratégias
programas e reformas orientadas para o progresso da educação, para o crescimento
econômico, o desenvolvimento sustentável e a redução da pobreza. Tal classificação
agrupa-os em diferentes categorias: sistemas maduros, sistemas de reforma, sistemas
emergentes, sistemas menos adiantados.
En los sistemas maduros (como las naciones de la OCDE y algunas otras
naciones del Oriente Medio y Asia oriental) se cuenta com una
infraestructura educativa bien desarrollada y generalmente hay un
rendimiento elevado, aunque existen problemas residuales de falta de
eficiencia y de equidad (com diferencias a veces muy acusadas entre los
ricos y los pobres y entre los niños y las niñas).
Los sistemas de reforma (como Rusia y gran parte de Europa Oriental y
la Comunidad de Estados Independientes) se enfrentan a exigencias
importantes en los ámbitos de la calidad y el crecimiento, si bien el nivel
de calidad de sus sistemas educativos puede parecer razonable (pero sus
posibilidades de manterse están seriamente amenazadas y, en algunos
contextos, en peligro de hundirse en el futuro).
Los sistemas emergentes (situados principalmente en América Latina,
África septentrional y Asia) tienen unas tasas elevadas de participación en
la educación pero presentan enormes desigualdades en el ámbito del acceso
y especialmente en el de la calidad, y en ellos es común la ampliación de la
participación del sector privado.
En los sistemas menos adelantados (que en su mayoria se encuentran en
África al sur del Sahara y en zonas de Asia meridional, aunque hay casos
aislados en la mayoría de regiones) el suministro de enseñanza básica
universal es la excepción y no la regla y se necesitarán intervenciones de
largo plazo a fin de crear sistemas educativos modernos (BANCO
MUNDIAL, 2000a, p. 15; grifo do original).
Uma das estratégias políticas do Banco na área social foi a elaboração, no
ano de 1962, do documento de política setorial denominado Menoranda e, em 1963,
o documento Memorandum, assumindo como prioridade o financiamento de parte dos
projetos do setor educacional, destinado à expansão do ensino secundário, formação
técnico-profissional, ensino superior, formação de docentes, com o intuito de
formação laboral que impulsionasse o desenvolvimento econômico. O Memorandum
de 1970, reafirmou o propósito de investimentos em educação e acrescentou a
72
72
necessidade de avaliação do sistema educacional e do potencial dos projetos para
melhorar a adequação, a eficiência e a economia dos sistemas de ensino, conforme
assinala Silva (1999). Desde o primeiro empréstimo em 1963 até 1990, o Banco
concedeu créditos de dez milhões de dólares, de acordo com Torres (2000), havendo
participado de trezentos e setenta e cinco projetos educativos em cem países do
mundo, abrangendo todos os níveis de educação desde o primeiro grau até a pós-
graduação, incluindo educação vocacional e não formal.
No período de 1970-2000, o Banco Mundial produziu Documentos Políticos
Setoriais (1971, 1974, 1980, 1995, 2000a) e conseguiu configurar a agenda mundial
da educação dos países em desenvolvimento. Nestes documentos definiu um corpo
teórico-conceitual, em que foram apresentados os princípios, as diretrizes e as
prioridades educativas norteadores para a concessão de empréstimos, evidenciando
uma concepção educacional integrada ao seu projeto de desenvolvimento. A
concepção político-educacional dos países dependentes sofreu as influências
profundas da concepção de desenvolvimento vigente à época. A teoria do capital
humano deixou o reduzido círculo acadêmico e passou a orientar as ações das
Organizações Internacionais e, como desdobramento, as políticas de vários países.
Nas palavras do Banco:
Hace bastante tiempo que es evidente para muchos educadores y padres que
la educación, además de producir beneficios inmediatos, es también una
forma de inversión que fomenta la capacidad de las personas para que sean
más productivas, ganen más y disfruten de una calidad de vida mejor. La
teoria del capital humano, que sirgió en el decenio de 1960 y que
actualmente, después de un profundo debate, goza de aceptación general,
há aportado una justificación conceptual y pruebas estadísticas. Las
estimaciones realizadas por economistas ganadores del Premio Nóbel han
demostrado que la educación es una de las mejores inversiones en capital
físico. Análisis conexos han demostrado que la reserva de capital humano
que hay en todo el mundo tiene un valor muy superior, por lo que se refiere
a su contribución a la producción, al de las existencias en capital físico
(2000a, p. 6).
É preciso chamar a atenção para o fato de que as orientações conceituais do
Banco Mundial estiveram presentes desde o primeiro documento de política
educacional Compreenhensive education policy paper (1971), no qual a educação foi
considerada como fator de crescimento econômico, como meio para o provimento de
73
técnicas para o setor produtivo, de formação de mão-de-obra qualificada,
especialmente no ensino técnico e vocacional de segundo grau. O Banco passou cada
vez mais a operar com uma formulação própria e estruturou um subsetor educacional,
ampliando sua equipe na área. A guinada do Banco Mundial para o lado político-
social foi determinante para que ele suplantasse o prestígio de outras Organizações
Internacionais como a UNESCO, por exemplo, as quais tiveram grande poder até os
anos setenta. A partir deste novo ângulo político,
o Banco produz um discurso de caráter humanitário, o qual corresponde às
aspirações de justiça social das nações mais pobres, ou, mesmo, daquelas
chamadas eufemisticamente de nações em desenvolvimento. Neste
sentido, o combate à situação de pobreza passou a ser o carro-chefe da
atuação do Banco a partir dos anos 70. Por definição teórica, este ideal
fundamentava-se nos princípios de igualdade e eficiência, significando que
a justa distribuição dos benefícios econômicos seria alcançada mediante a
atuação eficiente dos setores públicos. Para tanto, requeria-se a
incorporação de modelos gerenciais modernos e o estabelecimento de metas
realistas para o incremento da produtividade entre as nações (FONSECA,
1997, p. 47-48).
Neste contexto, o segundo documento Education: sector working paper
(1974), definiu os eixos norteadores das políticas educacionais dos países em
desenvolvimento: provisão de uma educação básica mínima, definição da necessidade
crítica da mão-de-obra, eficiência e eqüidade, propondo uma educação funcional de
baixo custo para capacitar a população pobre, garantindo a sua participação no
processo de desenvolvimento. O documento reiterou, conforme ressalta Fonseca
(1998a), a importância do desenvolvimento institucional, da gestão, do planejamento
educacional, assim como uma maior eficiência do sistema de ensino e seu
barateamento, mediante reformas nos programas escolares. Novas fontes de
financiamento foram propostas para diminuir os custos da educação, como a partilha
das despesas educacionais com a comunidade, sendo que algumas estratégias foram
apresentadas como a formação não-formal ou extra-escolar, o ensino de massas via
rádio e televisão e o ensino programado.
Nestes dois documentos, segundo Leher (1998), a educação foi tida como
uma das variáveis do desenvolvimento, como um instrumento privilegiado para a
mobilidade social e como um meio capaz de produzir eqüidade. A relação entre a
Educação e o Desenvolvimento não foi bem demonstrada nos citados documentos.
As orientações do Banco neste período podem ser sintetizadas no conceito de capital
74
74
humano, tendo como objetivo ampliar a produtividade do trabalhador e influir em sua
conduta sócio-política, partindo da educação elementar ou primária, promovendo a
alfabetização, a aptidão numérica funcional, as atividades cívicas, o planejamento da
família e da saúde.
É importante destacar que, as políticas propugnadas pelo Banco, de acordo
com Silva (2000), tinham como eixo o caráter distributivista-contencionista expresso
no disciplinamento para os investimentos no setor público, prescritas nas seguintes
medidas: mínimo de educação elementar ao alcance de todos, currículo
diversificado: técnico, vocacional e formação geral, formação profissional extra-
escolar, educação rural, educação não-formal, ensino de massa via meios de
comunicação, instrução programada via educação de longa distância, racionalização
da pirâmide educacional, incentivo à distribuição de insumos escolares, ênfase no uso
de equipamentos técnicos, promoção da avaliação institucional voltada para os
resultados, racionalização dos custos financeiros para a educação pública, mediante
adoção de medidas alternativas diferenciadas para os países e os indivíduos, além de
treinamento individual e controle do crescimento da demanda escolar.
Nota-se que, a organização dos sistemas educacionais, nos anos sessenta e
setenta, revelou as marcas da perversidade da política de equilíbrio forçado entre a
formação escolar e a formação para o trabalho, com o objetivo de qualificar a
pobreza para inseri-la nos setores informais da economia e para a garantia da saúde
familiar, compreendida como redução das taxas de natalidade e maior inserção das
mulheres pobres no mercado de trabalho.
Porém, na metade da década de 1970, ocorreu uma mudança nas orientações
do Banco: a relação causal educação/crescimento/igualdade foi substituída pelo
enfoque adaptativo de educação para a pobreza no contexto da segmentação do
mercado de trabalho e pela diretriz de barateamento dos custos do ensino público
(FONSECA, 1997, p. 51). Foram elaborados programas educativos em zonas rurais e
periferias urbanas, com o objetivo de oferecer ensino profissionalizante ao aluno
carente, ensinando-o a transformar o produto do seu trabalho em renda para si e para
a sua família, relacionando a educação com o trabalho produtivo. Foram programadas
ações educativas de conteúdo não-formal, incentivando as experiências locais na
75
linha da educação para a pobreza e para a geração imediata de renda, isto é,
educação-produção.
A mudança de orientação, presente no terceiro documento setorial
Education: sector working paper (1980), retomou a discussão sobre a relação
educação-trabalho, buscando equacionar o desequilíbrio entre educação e trabalho
através de uma política diferenciada de créditos educacionais para os países. Para as
nações mais pobres, o Banco recomendou programas de baixo custo para o ensino
primário e para o ensino secundário, a educação rural e a formação profissional extra-
escolar, direcionando a demanda profissional para o setor mais tradicional (trabalho
informal ou por conta própria) em periferia urbana ou zona rural. Para os países
europeus não totalmente desenvolvidos, recomendou a formação de trabalhadores
para o futuro mercado de alta gerência, nos níveis secundários e superiores de
educação formal.
A educação voltada para o trabalho retomou a linha redutora de formação
de hábitos e atitudes para a produtividade, a qual fundamentou o enfoque de mão-
de-obra nos anos 60 e continuou valendo como orientação para a década de 80
(FONSECA, 1998a, p. 53). O enfoque de mão-de-obra foi concebido
complementarmente à teoria do capital humano, conforme exigia a proposta de
desenvolvimento da época, com o intuito de regular o equilíbrio entre necessidade do
mercado de trabalho e capacitação profissional.
A análise histórica mostra que o Banco Mundial realizou um processo de
reestruturação organizacional, nos anos oitenta, definindo políticas de ajustes
econômicos como base para a implantação do projeto global de desenvolvimento,
ganhando importância estratégica nas reformas neoliberais, transformando-se na
principal instituição de formulação do ajuste estrutural. O Banco, conforme destaca
Soares (2000), passou a impor uma série de condicionalidades estruturais não
mais setoriais, como na gestão anterior para a concessão de financiamentos,
passando a intervir na formulação da política interna e a influenciar a legislação dos
países em desenvolvimento. Por meio de condicionalidades, implementou um amplo
conjunto de reformas estruturais, atendendo às necessidades do capital internacional
em processo de globalização. Tais políticas foram batizadas como Consenso de
Washington. Soares (2000, p. 23) as sintetiza em cinco eixos principais:
76
76
[...] 1. equilíbrio orçamentário, sobretudo mediante a redução dos gastos
públicos;
2. abertura comercial, pela redução das tarifas de importação e eliminação
das barreiras não-tarifáricas;
3. liberalização financeira, por meio da reformulação das normas que
restringem o ingresso de capital estrangeiro;
4. desregulamentação dos mercados domésticos, pela eliminação dos
instrumentos de intervenção do Estado, como controle de preços, incentivos
etc.;
5. privatização das empresas e dos serviços públicos.
Na ótica do Banco, estas medidas possibilitariam o desenvolvimento
sustentável, permitindo o retorno da estabilidade econômica e dos investimentos
externos, além de promoverem o crescimento dos países em desenvolvimento, mesmo
que inicialmente implicassem em recessão e aumento da pobreza.
Neste contexto, o Banco tornou-se o centro da formulação de políticas
educacionais para os países em desenvolvimento, triplicando o volume total de
empréstimos e duplicando a fração do orçamento para o setor. No ano de 1984, o
Banco sobrepôs-se à UNESCO nas decisões de caráter educacional, transformando-se
em ministério da educação dos países em desenvolvimento. A educação é tida, então,
[...] como instrumento para que os pobres se ajustem às mudanças sociais
próprias do capitalismo, provendo novos valores culturais para que as
pessoas possam reconhecer as escolhas disponíveis (e, portanto, dadas) na
sociedade e abraçar os seus papéis. Em outras palavras, a Educação deverá
levar os indivíduos a adaptarem-se às mudanças e a tomarem parte delas,
conformando-os ao tempo hegemônico. Mas que Educação? Vocacional?
Não formal? Elementar? (LEHER, 1998, p. 206-207; grifos do autor).
No Documento Setorial de 1980, foi explicitada a vantagem de se financiar
o ensino primário regular, visto como capaz de incrementar a produtividade do
trabalhador e a eqüidade social, por ser mais flexível, permitindo futuras
requalificações e por ter a taxa de retorno econômico mais alta de todos os níveis. O
ensino primário adquiriu importância também, pela sua possibilidade de preparar a
população feminina para a aceitação das políticas de planejamento familiar, de
diminuição do número de filhos e de estímulo à intensificação de sua participação na
vida produtiva, em especial no setor agrícola.
77
O ensino profissionalizante e a profissionalização do segundo grau foram
criticados em vista de empobrecerem os currículos e deteriorarem os sistemas de
ensino. Entretanto, permaneceu a idéia de uma educação minimalista para as classes
populares. Certamente, estas propostas do Banco impossibilitaram a expansão do
ensino secundário e superior público e gratuito. O desenvolvimento institucional
também foi enfatizado naquele documento, partindo do pressuposto que a eficácia
educacional seria atingida através do desenvolvimento da gestão deste setor. A
preocupação com a gestão eficiente do sistema de ensino, em moldes empresariais,
contribuiria para a redução dos gastos financeiros com o setor educacional.
Os dados relativos ao financiamento para o setor educacional do Banco
Mundial, segundo Fonseca (1995), mostram que, de 1963 a 1969, cerca de quarenta e
quatro por cento dos créditos concedidos, concentravam-se no ensino técnico,
chegando a alcançar o patamar de cinqüenta por cento nos anos setenta. A educação
geral absorveu mais de sessenta por cento dos créditos nos anos setenta, enquanto o
ensino profissional contou com trinta e um por cento. A educação primária contou
com quarenta e três por cento nos anos oitenta, sendo que nos anos setenta só
participava com um por cento. No período de 1990 a 1994 a educação primária
contou com trinta por cento dos empréstimos.
1.2.2 Documentos Setoriais de Educação: 1995 e 2000
O quarto documento Prioridades y estrategias para la educación: estudio
sectorial del Banco Mundial (1995) foi a primeira análise global do setor desde a
publicação do documento de política educacional de 1980. O documento sintetizou os
principais estudos sobre educação publicados pelo Banco Mundial na última década:
Education in Sub-Saharan África (1988), Educación primaria (1992), Educación
técnica y formación profesional (1992), Educación superior (1994) e informes
mundiais que assinalaram a importância da educação como: La pobreza (1990), La
tarea acuciane del desarrollo (1991) e Invertir en salud (1993).
É importante frisar que estes documentos de política educacional publicados
pelo Banco, constituíram a confirmação das diretrizes postuladas desde os anos
sessenta, conforme pontua Fonseca (1998a). Percebe-se que a linha de combate à
pobreza, seus corolários de educação seletiva e de apoio à privatização, passou a ser
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78
reforçado em virtude das restrições da política de recuperação de custos, imposta
pelos ajustes econômicos.
O Documento Setorial de 1995 examinou a contribuição da educação formal
para o crescimento econômico, para o desenvolvimento sustentável da sociedade e
para a redução da pobreza e sua relação com o objetivo do Banco Mundial de ajudar
os países em desenvolvimento a melhorar os níveis de vida. O documento explicitou
as opções políticas para os países de baixa e média renda para fazer frente aos
problemas educacionais à medida que avançava o século XXI.
La educación tiene un papel decisivo en el crecimiento económico y la
reducción de la pobreza. La evolución de la tecnología y las reformas
económicas están provocando cambios extraordinarios en la estructura de
las economías, las industrias y los mercados de trabajo de todo el mundo.
La velocidad con que se adquiren los nuevos conocimientos y se producen
los cambios tecnológicos plantea la posibilidad de lograr un crecimiento
económico sostenido y que los cambios de empleo sean más frecuentes
durante la vida de las personas. Esas circunstancias han determinado dos
prioridades fundamentales para la educación: ésta debe atender a la
creciente demanda por parte de las economías de trabajadores adaptables
capaces de adquirir nuevos conocimientos sin dificultad, y debe contribuir
a la constante expansión del saber (BANCO MUNDIAL, 1995, p. iii).
O Banco Mundial definiu neste documento a educação como instrumento de
promoção do crescimento econômico e elemento fundamental da estratégia aplicada
para a redução da pobreza mediante:
[...] a) una mayor utilización productiva del trabajo, que es el bien
principal de los pobres, y b) la prestación de servicios sociales básicos a
los pobres. La inversión en educación lleva a la acumulación de capital
humano, que es fundamental para aumentar el nivel de ingresso y lograr un
crescimiento económico sostenido. La educación sea cual fuere su nivel
aumenta el crecimiento, pero no puede generarlo por sí sola. El crecimiento
requiere no sólo inversión en capital humano sino también en activos
físicos; ambos tipos de inversión contribuyen al máximo al crecimiento en
economías abiertas y competitivas que se encuentran en equilibrio
macroeconómico (BANCO MUNDIAL, 1995, p. xv).
Ainda no documento, priorizou a educação básica :
La educación, especialmente la primaria y la secundaria de primer ciclo
(educación básica), ayuda a reducir la pobreza aumentando la
productividad del trabajo de los pobres, reduciendo la fecundidad y
79
mejorando la salud, y dota a la gente de las aptitudes que necesita para
participar plenamente en la economia y la sociedad. De modo más general,
la educación contribuye a fortalecer las instituciones de la sociedad civil y
ayuda a fomentar la capacidad nacional y el buen gobierno, elementos
esenciales para la implementación de políticas económicas y sociales
racionales (BANCO MUNDIAL, 1995, p. xv).
No entanto, para atingir os propósitos definidos, os sistemas de ensino dos
países em desenvolvimento, teriam quatro desafios importantes pela frente:
incrementar o acesso à educação em alguns países; aumentar a eqüidade que afeta as
meninas, os pobres, as minorias lingüísticas e étnicas, os nômades, os refugiados, os
meninos de rua e os trabalhadores infantis; melhorar a qualidade da educação,
escassa em todos os níveis de ensino em todos os países em desenvolvimento; reduzir
a distância entre a reforma educacional e a reforma das estruturas econômicas.
No que concerne à submissão da esfera educacional à econômica, vale
lembrar que:
Os documentos elaborados pelos organismos internacionais na primeira
metade dos anos 1990 circunscrevem-se, portanto, ao binômio pobreza e
segurança, tendo como eixo articulador a imprescindível necessidade de
adequação subordinada dos países periféricos à lógica da mundialização
financeira [...]. Nesta lógica, a educação passa a ser o principal instrumento
para o alívio da pobreza e para a garantia de desenvolvimento
(subordinado) dos países periféricos (LIMA, 2002, p. 45).
O Banco apresentou também, no Documento Setorial de 1995, as políticas e
estratégias para a reforma do financiamento e da administração no setor educacional,
redefinindo a função do governo em seis aspectos essenciais, cuja ordem de
prioridade depende das circunstâncias de cada país em desenvolvimento: priorizar a
educação; prestar atenção aos resultados do ensino (estabelecendo normas e medindo
o rendimento escolar mediante avaliação da aprendizagem) e ao mercado de trabalho;
centrar o investimento público na educação básica (ensino primário ou elementar) e
recorrer ao financiamento familiar para a educação superior; prestar mais atenção à
eqüidade; convocar os pais e a comunidade a participarem da educação; dar mais
autonomia às instituições escolares.
O referido documento de política educacional tinha por objetivo auxiliar os
responsáveis pelas políticas dos países em desenvolvimento, os encarregados de
alocar os recursos públicos destinados à educação, os membros dos sistemas de
80
80
ensino e os funcionários do Banco que estabeleciam relações profissionais com estes
países. Consideramos essencial salientar a análise de Silva (1999) sobre a
intervenção sistemática do Banco Mundial nas políticas econômicas dos países em
desenvolvimento, com a participação e o consentimento dos setores governamentais.
São os gestores do Banco Mundial e as equipes dos ministérios da
Economia, do Planejamento, da Educação e do Banco Central dos governos
nacionais que, sob a indignação e resistência das entidades, deliberam as
políticas desconsiderando os processos de democratização. Nas duas
últimas décadas, apesar dos esforços da sociedade civil, têm prevalecido
enfoques restritos, antidemocráticos e sem transparência. De fato, tem-se
tornado prática o favorecimento ao setor privado, a desvalorização dos
profissionais da educação, a contenção dos investimentos públicos para
educação pública, mensuração da produtividade acadêmica, a imposição de
uma política de avaliação institucional qualitativa, uma estreita visão
política de que os recursos financeiros, no ensino superior, sejam
transferidos para os veis inferiores, a revisão do crédito e bolsas de
estudo seletivas, a descentralização financeira e recentralização dos
controles os quais constituem os pilares desta política (SILVA, 2002, p.
88).
Observa-se no transcurso do processo de negociações entre os gestores das
duas equipes que são formuladas exigências básicas, avaliado a capacidade creditícia
e o potencial de desenvolvimento do país. O desenvolvimento do modelo econômico
proposto pelas elites financeiras internacionais exige reformas educacionais com um
viés economicista. A educação passa a ser definida como um serviço e não como um
bem social, como um direito universal de todos. Corragio (2000) pontua que:
[...] não seria de estranhar que sua proposta básica para o sistema educativo
consista em (até onde for possível) deixar a atividade educacional à mercê
do mercado da concorrência para que a interação entre consumidores e
fornecedores de serviços educacionais defina a quantidade de educação,
seus conteúdos e pedagogias, suas formas de estruturação, em que áreas e a
que preços deve ser oferecida (p. 103).
Torres (2000), na sua análise sobre o Documento Setorial de 1995, destacou
alguns elementos do pacote de reformas como: a prioridade depositada sobre a
educação básica; a melhoria da qualidade (e da eficiência) da educação como eixo da
reforma educativa; a prioridade sobre os aspectos financeiros e administrativos da
reforma educativa, no contexto mais amplo da reforma administrativa do Estado; a
81
descentralização e instituições escolares autônomas e responsáveis por seus
resultados; a convocação para uma maior participação dos pais e da comunidade nos
assuntos escolares; o impulso do setor privado e dos organismos não-governamentais
(ONGs) como agentes ativos no terreno educativo, tanto nas decisões como na
implementação; a mobilização e a alocação eficaz de recursos adicionais para a
educação de primeiro grau como temas principais do diálogo e da negociação com os
governos; um enfoque setorial e a definição de políticas e prioridades baseadas na
análise econômica.
É interessante atentarmos para que, as propostas do pacote de reformas do
Banco Mundial para o setor educacional, foram elaboradas por economistas dentro da
lógica e da análise econômica, tendo como categorias centrais a relação custo-
benefício e a taxa de retorno, a partir das quais se definiu a tarefa educativa, as
prioridades de investimento, os rendimentos e a qualidade. A necessidade de diminuir
os custos financeiros com o ensino público presente no documento setorial de 1970,
denominado inovações educacionais meios instrucionais mais baratos foram
retomados no documento de 1995, tendo como estratégias: avaliação externa,
descentralização administrativa, flexibilização da estrutura de ensino, elevação do
número de alunos por sala, tempo de instrução, desregulamentação dos critérios
legais para facilitar a ampliação do setor privado no nível superior de ensino e na
formação profissional de nível médio, transferência gradativa dos serviços
educacionais para este setor, cobrança de taxas escolares. A preocupação com o
desenvolvimento institucional permaneceu, acrescentando a colaboração entre o setor
público e o privado como estratégia de desenvolvimento de padrões de qualidade e de
eficiência no treinamento profissional.
No modelo educativo orientado pelo Banco, percebe-se, segundo Torres
(2000), duas grandes ausências: os professores e a pedagogia. O discurso educativo
foi formulado por economistas para ser implementado por educadores que não
participaram das definições, discussões e tomadas de decisões quanto às políticas
educacionais. A educação foi analisada com critérios próprios de mercado econômico
e a escola foi comparada a uma empresa. O ensino resumiu-se a um conjunto de
insumos (biblioteca, livros didáticos, laboratórios, material didático) e a
aprendizagem foi vista como resultado da presença destes insumos. Assim, os
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insumos educacionais foram privilegiados em detrimento de fatores humanos como:
formação, experiência e salário do professor.
No documento, percebemos uma compreensão e um conhecimento
insuficientes do educativo, da teoria e da pesquisa científica acumuladas neste
campo, e inclusive da terminologia específica. Neste sentido Torres é categórica:
As análises setoriais continuam pouco se beneficiando dos avanços da
pesquisa educativa e da contribuição de ciências afins a lingüística, a
psico e a sociolingüística, a antropologia, a história às modernas
concepções e teorias da aprendizagem. Predomina a visão da educação
como um campo sem especificidade, sem antecedentes nem história, órfão
de tradição teórica e discussão pedagógica, no qual confluem e interatuam
insumos ao invés de pessoas, resultados ao invés de processos, quantidades
ao invés de qualidades (2000, p. 141).
As análises setoriais e o pacote de reformas educacionais traduzem um
conjunto de estudos, promovidos pelo Banco e extraídos de sua atuação ao longo dos
anos. No entanto, observam-se fragilidades e vazios importantes, lacunas e omissões
intencionais na fundamentação das políticas setoriais educacionais, tanto nos estudos
quanto na experiência, conforme assinalado pelas autoras Silva (1999, 2002) e Torres
(2000, 2001) em suas pesquisas na área. Desconsideram-se os estudos comparativos
em educação, fundamentados em princípios filosóficos, a história política,
econômica, social e cultural dos países e omitem-se as particularidades, as
experiências, as necessidades, a memória e a cultura de cada país.
Ao longo das três últimas décadas, o Banco Mundial tem modificado suas
políticas de financiamento, entre elas, as do setor educacional. Na década de 1960, os
empréstimos privilegiaram a estrutura física e a educação secundária, especialmente
técnica e vocacional, com o intuito de formação laboral que impulsionasse o
desenvolvimento econômico. Na década de 1970, como estratégia de redução da
pobreza, houve uma priorização da educação primária, uma redução de empréstimos
para o ensino secundário e um incremento do papel do Banco na assistência técnica.
Na década de 1980 aconteceram mudanças no setor educativo como: incremento dos
empréstimos para a educação; importância crescente concedida à educação primária
ou elementar; extensão do financiamento a todas as regiões do mundo; atenção à
83
educação das meninas; transição do enfoque estreito de projeto para um amplo
enfoque setorial.
Na década de 1990, um marco no financiamento do Banco para o setor
educacional foi a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em
Jomtien, Tailândia, convocada e organizada pelo próprio Banco Mundial (BM), pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO),
pelo Fundo das Nações para a Infância (UNICEF) e pelo Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). A magnitude do evento evidenciou-se pela
participação de cento e cinqüenta e cinco nações e cento e cinqüenta entidades não-
governamentais, sendo que os governos assinaram uma Declaração Mundial e um
Marco de Ação, comprometendo-se a garantir uma educação básica de qualidade,
firmando o compromisso no âmbito das políticas internacionais, regionais e nacionais
para a educação, de satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem (NEBA) de
todas as crianças, jovens e adultos. A Educação para Todos foi um marco para o
delineamento e a implementação de políticas educacionais no mundo inteiro,
propondo uma visão ampliada de educação básica que incluia crianças, jovens e
adultos, começando com o nascimento e estendendo-se pela vida toda. Neste
contexto, Lima (2002) ressalta que:
O seu lema, educação para todos, articula-se à conjuntura política e
econômica que marca o início da década, diante dos reordenamentos
internacionais do capital. Os vários organismos que constituíram a
comissão organizadora do evento expressaram concepções diferenciadas
sobre a relação entre educação e desenvolvimento econômico e social,
assim como sobre a implementação de uma política de universalização da
educação básica.
Contudo, tais divergências, principalmente entre UNESCO e BM, não
expressaram rupturas profundas na posição destes organismos, na medida
em que ambos partem de vários pontos em comum: a mesma concepção de
necessidade de integração dos países periféricos na dinâmica global do
capital; a utilização da mesma lógica que concebe a educação como mola
propulsora do desenvolvimento/crescimento econômico; o estímulo à
diversificação das fontes de financiamento expressa na defesa da
necessidade de gerar o impulso do setor privado e dos organismos não-
governamentais (ONGs) como agentes ativos no terreno educativo tanto nas
decisões como na implementação. Esse conceito se insere numa proposta de
diversificação da oferta educativa, a fim de introduzir a concorrência no
terreno educativo (concorrência esta considerada como mecanismo chave
da qualidade) (p. 44-45).
84
84
O Banco foi um dos patrocinadores do evento e colocou-se como
coordenador da cooperação técnica internacional em educação. Reassumiu a
prioridade de investimento na educação básica, focalizando a educação elementar, já
expresso em seus documentos da década de oitenta, retomando o aspecto social deste
nível de ensino, no que se refere à taxa de retorno econômico e à formação de
hábitos, atitudes, valores, conhecimentos e capacidades para o desempenho
profissional. As divergências entre a UNESCO e o Banco Mundial residem na
concepção de educação básica, que para o primeiro, refere-se à educação elementar e
ensino médio; para o segundo está restrito a educação elementar. Como podemos
notar, o ideal democrático de universalização do ensino foi reduzido à oferta da
educação primária, para o qual o Banco recomendou prioridade na concessão dos
empréstimos e na distribuição dos recursos financeiros públicos dos países em
desenvolvimento.
A Declaração Mundial sobre Educação para Todos definiu amplos
compromissos em um texto sob a forma de objetivos, uma visão abrangente e um
compromisso renovado e requisitos, distribuídos em um conjunto de artigos. As
estratégias e objetivos definidas em Jomtien foram: satisfazer as necessidades
básicas de aprendizagem de todos, universalizar o acesso à educação e promover a
eqüidade, concentrar a atenção mais na aprendizagem que em aspectos formais,
valorizar o ambiente para a aprendizagem, fortalecer a articulação das ações, ampliar
o alcance e os meios da Educação Básica, adotando uma visão ampliada da Educação
Básica.
Entre as metas definidas na Conferência destacam-se: expansão da
assistência e das atividades de desenvolvimento da primeira infância, incluindo
intervenções da família e da comunidade, especialmente para crianças pobres,
desamparadas e excluídas; acesso universal à educação primária e conclusão da
mesma até o ano 2000; melhoria dos resultados da aprendizagem; redução da taxa de
analfabetismo dos adultos; ampliação dos serviços de Educação Básica; aumento da
aquisição por parte dos indivíduos e das famílias de conhecimentos, capacidade e
valores necessários para viverem melhor e conseguirem um desenvolvimento racional
e sustentável por intermédio de todos os canais da educação.
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Na Conferência concluiu-se que, para alcançar esses objetivos e metas era
necessário uma série de requisitos: gerar um contexto de políticas de apoio nos
setores social, cultural e econômico; mobilizar recursos humanos e financeiros,
públicos, privados e voluntários voltados para a Educação Básica, lembrando que a
educação constitui, certamente, o investimento mais importante que se pode fazer na
população e no futuro de um país; fortalecer a solidariedade internacional.
É interessante notar que a iniciativa da Educação para Todos encontrou eco
em todo o mundo, principalmente entre os governos e aqueles que decidem as
políticas nos países em desenvolvimento. No entanto, segundo Torres (2001) as
orientações de Jomtien não tiveram penetração nas esferas intermediárias do setor
educacional, e não chegaram a tocar os docentes, nem a população em geral. De
modo contraditório, apesar de a Educação para Todos em essência ter contribuído
para suscitar um movimento de expansão e reforma em torno da Educação Básica, no
final da década, era evidente a distância entre o que se avançara e o que se deveria ter
avançado, para aproximar-se das metas estabelecidas para o ano 2000, de acesso e
conclusão do ensino primário e de redução do analfabetismo. Diante da urgência dos
prazos e da pressão internacional e nacional por mostrar resultados, foi se voltando
para os enfoques minimalistas, a solução fácil e rápida, a curto prazo, privilengiando
a quantidade acima da qualidade.
No que concerne à Educação Infantil, Torres pontua (2000, 2001) que no
marco das novas políticas educacionais, esta vem perdendo a identidade e objetivos
próprios, passando a ser vista e valorizada como estratégia de compensação da
escolaridade infantil, especialmente entre a população pobre. Concordando em parte
com a autora, podemos afirmar efetivamente que esta função compensatória reforça
na verdade uma falta de identidade que historicamente ainda está em construção. Os
programas de educação inicial em creches e instituições similares e pré-escolar
passaram a ser promovidos desde seu surgimento, nem tanto em função do
desenvolvimento infantil, mas como estratégia preventiva do fracasso escolar, por
diminuírem o índice de evasão e repetência escolar e possibilitarem o melhor
aproveitamento escolar.
Torres (2001) assinala ainda que, a prioridade definida para a Educação
Básica foi fruto de razões sociais, de políticas de eqüidade e de justiça para com as
populações mais pobres e vulneráveis, tendo como objetivo a educação para aliviar a
86
86
pobreza. No entanto, observa-se que a Educação Básica certamente cresceu e se
expandiu nos países em desenvolvimento, mas a pobreza também cresceu e se
expandiu.
Neste contexto, o Fórum Consultivo Internacional para a Educação para
Todos foi criado como o órgão interagencial encarregado do acompanhanhamento da
Educação para Todos em nível mundial. O Fórum vêm realizando este
acompanhamento através de documentos, relatórios, pesquisas, estudos e reuniões em
diversos países, relembrando a seriedade dos compromissos e a urgência em acelerar
as medidas para alcançar as metas planejadas na Conferência Mundial sobre a
Educação para Todos.
O estudo de Leher (1998) sobre a educação como estratégia do Banco
Mundial para alívio da pobreza, trabalha com a suposição de que:
[...] a escola elementar é concebida hodiernamente pelos grandes
intelectuais’ como importante aparelho de hegemonia, sendo uma das
instâncias mais sistemáticas e abrangentes de difusão da concepção
dominante de mundo, unificando e orientando a prática quotidiana.
Portadora de múltiplos sentidos, opera esta visão de mundo dominante de
forma implícita nos conteúdos e no seu funcionamento, atingindo
eficazmente o plano histórico de uma concepção de mundo orgânica
(LEHER, 1998, p. 235).
Embora existam contradições entre a teoria e a prática do Banco Mundial, o
estudo de Leher (1998) sustenta que a primazia do Banco à educação é real,
compondo o âmago das ideologias dominantes. Ideologias que não são vazias, pelo
contrário, são operantes. O fato de uma política ser colocada em destaque, não
implica coincidência com sua prática aparente. Isto sugere que o conteúdo
proclamado e imediato pode não corresponder ao seu conteúdo real.
O investimento em educação elementar tem raízes profundas no Banco. Na
virada neoliberal dos anos oitenta, a orientação educacional do Banco ganha
prioridade quanto ao ensino elementar. Nos anos noventa esta prioridade permaneceu
válida, porém, conforme assinala Leher (1998, p. 203) a reforma, além de estrutural
como nos anos 1980, assume uma feição mais marcadamente ideológica, centrada nas
conexões pobreza-segurança-domínio/direção. O Banco concluiu que, tanto a
educação como outras políticas voltadas para a pobreza, contribuem para a
87
manutenção duradoura da hegemonia dos países do núcleo (sobretudo dos EUA) nas
áreas em desenvolvimento.
Ao analisar os aspectos ideológicos da cooperação internacional, Fonseca
(1998a) pontua algumas incoerências entre os enunciados e as propostas concretas,
como por exemplo: a convivência de dois princípios antagônicos de educação para
todos e seletividade voltada para a contenção do ciclo continuado de ensino; o
princípio da neutralidade entre o Banco Mundial e os países mutuários, que é
carregado de ideologias, desde que impõe a precedência da razão sistêmica sobre a
vontade política. A interdependência é substituída pela promoção da subordinação do
setor da educação à influência das Organizações Internacionais, por meio não
somente de condicionalidades políticas impostas na negociação dos acordos, mas
também na indução à dependência por recursos externos e pelo aumento da dívida
externa.
Dando continuidade às políticas, às estratégias, aos programas e às reformas
prescritas desde 1971, o Banco Mundial publicou em 2000, o documento de política
Estrategia sectorial de educación, o qual analisou as mudanças fundamentais
produzidas no mundo contemporâneo, suas conseqüências na esfera educacional,
avaliou os progressos realizados e os necessários, descreveu o conjunto de associados
nas atividades educacionais, bem como a evolução das funções do Banco Mundial
neste setor, reiterando a perspectiva da educação para o novo milênio.
La educación afecta el nivel de bienestar de las personas, las comunidades
y las naciones. Contribuye a mejorar los niveles de vida y la calidad de
vida, y puede proporcionar oportunidades esenciales para todos. La mayor
parte de los Estados del mundo, mediante convenciones y compromisos,
han reconocido que la educación es uno de los derechos humanos. Es un
mundo que cambia com rapidez, la educación há pasado a ser más
importante que nunca. Com el crecimiento de la mundialización, la rápida
expansión de la democracia, la innovación tecnológica, la emergencia de
las nuevas economías de mercado y la transformación de las funciones del
sector blico y del sector privado, los países necesitan que su población
esté mejor educada y más capacitada, y las personas necesitan más
conocimientos y s información para competir y progresar (BANCO
MUNDIAL, 2000a, p. vii).
No referido documento, constaram os objetivos educacionais do Banco
Mundial a serem alcançados a longo prazo e os objetivos internacionais específícos
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definidos no Marco Integral de Dessarrollo, na Conferência Mundial sobre
Educação para Todos e no Comite de Asistencia para el Desarrollo da OCDE.
Para el Banco Mundial cuyo mandato consiste en trabajar com
colaboradores a fin de luchar contra la pobreza y mejorar la calidad de vida
la educación es un componente de sus tareas de desarrollo. La educación
es una parte crucial del Marco Integral de Dessarrollo, en el que se
reconoce que el desarrollo sostenible necessita muchos elementos sociales
y estructurales además de unos buenos resultados económicos.
El objetivo de largo plazo en la esfera de la educación no es outro que
asegurar que todas las personas terminen unos estudios de enseñanza
básica de calidad suficiente, adquiren los conocimientos fundamentales
(alfabetización, conocimientos básicos de aritmética, capacidades para
razonar y técnicas para la vida en sociedad, como la aptitud para trabajar
en equipo) y tengan la oportunidad de seguir estudiando durante toda vida
en distintos entornos de la enseñanza postbásica para poder adquirir
conocimientos avanzados. Se han acordado objetivos internacionales
específicos en la esfera de la enseñanza primaria universal, la
alfabetización de adultos y la igualdad entre los sexos en la enseñanza
básica en el marco de la iniciativa Educación para Todos y de los objetivos
del Comitê de Asistencia para el Desarrollo (CAD) de la OCDE. El Banco
está comprometido a trabajar para alcanzar esos objetivos y há elaborado
un conjunto de programas especiales como respuesta a esas necesidades.
Incluso dentro de un decenio los objetivos no se habrán alcanzado en todos
los países. Sin embargo, aspirar a menos sería aspirar a poco (BANCO
MUNDIAL, 2000a, p. vii; grifo do original).
Assim pois, para alcançar os objetivos educacionais definidos, todos os
países devem assegurar:
[...] 1) que la enseñanza primaria se encuentre al alcance de todos y sea de
buena calidad; 2) alcanzar poco después los mismos objetivos para la
enseñanza secundaria, primero para la elemental y a continuación para
todos los niveles; y 3) empezar a satisfacer las necessidades de la primera
infancia, teniendo en cuenta las pruebas cada vez más claras de la
importancia que tienen los primeros años de vida del niño en su futuro
bienestar. Los países que todavía no han logrado satisfacer esas
necesidades básicas deben conceder una prioridad a hacerlo tan pronto
como sea posible. Los países que ya hayan progresado considerablemente
deben seguir adelante (BANCO MUNDIAL, 2000a, p. 8).
Convém considerar, segundo Fonseca (2001) que, o discurso social do
Banco incorpora uma retórica humanitária, respaldada por princípios de combate à
pobreza, busca da eqüidade na distribuição da renda e dos benefícios sociais, na
justiça e igualdade social, destacando o setor social, especialmente a educação e a
saúde. No entanto, no processo de desdobramento destes princípios em políticas, os
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ideais humanitários são reduzidos a estratégias políticas que tendem a marcar mais as
diferenças entre as classes sociais, assim como a sua participação nos benefícios
sociais e econômicos (p. 26). As políticas do Banco incorporaram o setor
educacional ao processo de ajuste econômico, impondo a oferta de certa quantidade e
qualidade de escolaridade para alívio da pobreza, destinadas às populações mais
atingidas pelos efeitos da globalização em geral. Neste sentido, Silva (2002) afirma
que,
O Banco Mundial explicitamente expõe políticas antidemocráticas e anti-
sociais desconsiderando as múltiplas realidades nacionais e culturais, na
medida em que trata de forma superficial e simplista questões sabidamente
complexas e conflituosas em sociedades de classes. Técnicos economistas,
guardiões dos interesses das instituições financeiras internacionais,
prosélitos da teoria do capital humano, apregoam uma concepção de
melhoramento de qualidade em educação reduzida a conjunto de
regulamentos econômicos do mercado que, gradualmente, deverão ser
introduzidos no setor educacional para que este obtenha, automaticamente,
autofinanciamento e qualidade (p. 75).
A análise documental e dos dados que temos construído ao longo de nossa
pesquisa indica que, apesar dos progressos realizados no setor educacional nos
últimos trinta anos, as disparidades e as diversidades no âmbito educacional entre os
países e dentro dos países são enormes e seguem-se graves desafios. De acordo com o
Banco Mundial (2000a), apesar do aumento do número de matrículas nos países em
desenvolvimento, desde a primeira infância até o nível terciário; de três quartos das
crianças destes países freqüentarem a escola e trinta por cento dos adultos serem
analfabetos em 1995, para trinta e nove por cento em 1985, as desigualdades
persistem:
El acceso a la educación há fluctuado o declinado en algunos países,
principalmente en África al sur del Sahara, donde el incremento de la
matrícula no há sido paralelo al crecimiento demográfico. Las
desigualdades persisten y determinados grupos (especialmente las mujeres,
las minorías y los pobres) están excluidos de manera desproporcionada. Las
tasas de abandono son altas en muchas regiones, donde sólo dos tercios de
los niños que empiezan a ir a la escuela permanecen en ella hasta el quinto
grado. Muchos niños que van a la escuela reciben una enseñanza de poca
calidad basada en unos planes de estudios anticuados e inapropiados. El
resultado son unos niveles deficientes y unos graduados sin empleo cuyos
conocimientos no son los que se necesitan. Las instituciones educativas con
frecuencia están mal equipadas para ocuparse de los múltiples problemas a
que se enfrentan y para satisfacer los desafios que depara el futuro (p. vii).
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Diante das disparidades internacionais e nacionais, para que os países
alcançem a longo prazo o acesso universal a educação básica de qualidade e as
oportunidades de adquirir conhecimentos avançados, o Banco propõe que estes
invistam no desenvolvimento de instituições de ensino eficazes e de qualidade.
Pero sean cuales fueren la situación y las necessidades de la educación en
un país, el acceso a una enseñanza y un aprendizaje de calidad debe
constituir una preocupación primordial. No merece la pena ampliar el
acceso a la educación si ésta no es de calidad aceptable. Si las personas no
obtienen los conocimientos, las capacidades y los valores que necesitan, los
recursos invertidos en la enseñanza y el aprendizaje se desperdician.
Es necesario que las políticas y las actuaciones se concentren tenazmente
en el aprendizaje. La calidad es la clave para lograr el imperativo del nuevo
milenio: una población con educación y capacitación, preparada para actuar
en sociedades democráticas y responder a la transformación de las
necesidades del mercado laboral. Para lograr una educación de buena
calidad se necesitan unos sistemas eficazes que proporcionen un ambiente
de aprendizaje propicio, un personal motivado que domine su campo de
especialización, un acceso adecuado a los recursos y unos estudiantes sanos
y dispuestos a aprender. La atención a instituciones eficaces y de calidad
no es nada nuevo, pero convertir la calidad en la preocupación más
importantes de la estrategia de educación sí que lo es (BANCO MUNDIAL,
2000a, p. viii).
O objetivo de desenvolvimento institucional, conforme afirmou o
Documento Setorial de 2000, permaneceu ao longo dos anos, alterando o enfoque. O
Documento de 1974 reiterou a importância do desenvolvimento institucional, de
forma a imprimir novos padrões de eficiência no desenvolvimento dos programas
educacionais, reforçando a relevância da gestão e do planejamento educacional como
base para as reformas dos sistemas de ensino. O Documento de 1980 enfatizou que a
eficácia educacional seria atingida através do desenvolvimento da gestão autônoma
do setor educacional. Enquanto o Documento de 1995, acrescentou a colaboração
entre o setor público e o privado como estratégia de desenvolvimento de padrões de
eficácia e qualidade no treinamento laboral. O Documento Setorial de 2000 enfatizou
a qualidade do sistema de ensino como a preocupação mais importante, reforçando a
relevância das políticas e ações no acesso ao ensino e a aprendizagem de qualidade.
A tendência de orientar as políticas educacionais não é nova no âmbito do Banco,
sendo possível perceber que
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[...] a cooperação técnica e financeira do Banco Mundial não é uma
interação neutra, mas constitui um mecanismo de difusão de concepções
oriundas de instâncias internacionais, especialmente aquelas que emanam
do próprio órgão financiador. Estas incluem desde aspectos instrumentais,
como modelos de planejamento e de gestão de projetos, até formulações
ideológicas, capazes de orientar a agenda política do setor sob
financiamento (FONSECA, 2001, p. 25).
O Banco Mundial (2000a) nos seus trinta e cinco anos de experiência no
setor educacional financiou seiscentos projetos em cento e quinze países por um
valor de vinte e seis milhões de dólares. O volume da carteira de projetos ativos é de
quatorze milhões de dólares repartidos em cento e oitenta e sete projetos em oitenta e
sete países. As mudanças nos compromissos do Banco para alcançar os objetivos
internacionais com a educação, refletiram no aumento do tamanho, do alcance e da
diversidade dos valores. Atualmente, o foco do Banco deslocou-se da produção de
infra-estrutura física e da freqüência escolar dos estudantes para a melhoria dos
resultados da aprendizagem nas diversas instituições escolares, nos diversos locais.
El cambio más notable se há producido en la menor importancia de la
infraestructura física (el volumen destinado a obras públicas y a material se
há reducido desde casi 100% en el decenio de 1960 hasta el 45% a finales
del decenio de 1990) en relación com los aspectos intangibles
(capacitación, asistencia técnica, libros y reformas del sistema). También
há habido una transformación del enfoque restringido de los proyetos en un
enfoque amplio de carácter sectorial, un cambio en la distribución regional,
más préstamos para la enseñanza primaria y un incremento de la
autoevaluación, todo lo cual constituye un conjunto de medidas positivas.
La reciente disminución de la labor de investigación y la labor analítica
sectorial es preocupante. Se están buscando métodos para contrarrestar el
desplazamiento de la investigación y el análisis com el fomento de las
relaciones de colaboración y recurriendo a otras fuentes de financiamiento,
integrando la investigación y la evaluación en los proyetos, y centrando la
atención en la pertinencia operacional de nuevos temas de investigación
(BANCO MUNDIAL, 2000a, p. viii).
No documento o Banco descreveu as prioridades e os programas mundiais
para auxiliar os países a alcançarem os objetivos internacionais de educação e
melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem. O Banco Mundial (2000, p. ix)
se ocupará de la educación de forma inclusiva y trabajará de forma selectiva en
todas las esferas de la educación con arreglo a las prioridades de cada país (grifo do
original). As quatro prioridades estratégicas mundiais definidas seriam:
a) para alcançar os objetivos internacionais de educação básica:
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92
investir na educação básica da população mais pobre e das meninas;
a) para melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem:
investir em programas para o desenvolvimento da criança desde a primeira
infância e em programas de saúde escolar;
investir em métodos de inovação educacional: ensino à distância, aprendizagem
aberta, uso de novas tecnologias;
reforma do sistema de ensino: estabelecer níveis de conhecimento e saberes
para as distintas etapas do sistema educativo, planos de estudo e sistemas de
avaliação dos resultados do rendimento escolar; empreender reformas
educativas com base na gestão eficiente, descentralizada e na prestação de
contas dos resultados alcançados; vincular provedores e financiadores privados,
distintos do governo.
Diante dos desafios, das limitações, das divergências e das disparidades
dentro dos países e entre os países clientes, o Banco descreveu os processos e os
princípios operativos que auxiliariam a sua equipe a contribuir com maior eficiência
na obtenção de resultados satisfatórios em cada país e na supervisão da aplicação
com êxito das estratégias mundiais. Os princípios operativos definidos foram:
centrar-se no cliente, escutar e aprender, respeitando o contexto cultural; analisar de
forma integral e atuar de forma seletiva; concentrar-se nos efeitos sobre o
desenvolvimento, a partir do estabelecimento de um conjunto de indicadores de
desenvolvimento sólidos; utilizar corretamente os conhecimentos sobre educação; e
trabalhar com colaboradores em associações produtivas.
Em nossa leitura dos Documentos Setoriais de Educação (1971, 1974, 1980,
1995, 2000a) ficou óbvia a distância entre o discurso político-ideológico e a prática
do Banco Mundial. Há um distanciamento entre o discurso presente em documentos e
publicações do Banco e as orientações político-educacionais implementadas nos
países clientes, especialmente, nos países em desenvolvimento. É possível perceber
que, o alinhamento organizacional das políticas educacionais dos países em
desenvolvimento está sob a égide das políticas setoriais do Banco, que prescrevem
políticas, estratégias, programas e reformas com o objetivo de consolidar a
93
hegemonia ideológica, militar e financeira norte-americana, confinando estes países à
submissão e dependência sempre renovadas.
As ações políticas concebidas e aplicadas pelo Banco Mundial e
burocracias locais tuteladas supõem alinhamento das economias que
caminham em diferentes ritmos, mas reduzem a capacidade emancipatória
dos Estados, restringem os direitos universais e sociais, escravizam sua
gente. Pior ainda, em documentos de ampla circulação externa, menciona
argumentos de combate à pobreza e de justiça social, não remove governos,
mas os domina por cooptação e servilismo, não invadem os poderes, mas
colocam as decisões institucionais nos burocratas nomeados pelo bom
desempenho na proteção do mercado e do capital (SILVA, 2002, p. 68).
Esta afirmativa de Silva (2002), reforça alguns aspectos que se mostram
visíveis quando examinadas algumas proposições do Banco Mundial, por exemplo,
aquelas ações e metas configuradas na Declaração do Milênio (2000). É possível
observar uma tendência estratégica que abrange, simultaneamente, indicativos de uma
política baseada em posições consensuais e subliminarmente em prenúncio coercitivo
nestas mesmas políticas. Ou seja, sob a denominação de ajuda técnica e financeira se
ocultam os interesses do capital internacional, que se realizam pelas relações
concretizadoras da dominação ideológica, política e cultural e da expropriação
econômica.
Cabe abordar que, a presença e a participação da equipe do Banco Mundial
no Brasil pode ser observada desde os estudos preliminares para a elaboração e
aprovação de empréstimos até a conclusão do relatório final, propiciando cooperação
técnica, assessoramento e ajuda externa. Neste processo, o governo federal subscreve
as políticas dos gestores do Banco e trabalha em equipe com o Ministério e as
Secretarias de Educação para viabilizá-las na prática: oferecem inicialmente
cooperação técnica, seguida da sedução dos recursos humanos, e criam, se necessário,
estruturas paralelas para operacionalizar e fiscalizar o cumprimento do projeto. As
políticas do Banco chegam ao interior das escolas públicas e das instituições de
educação da primeira infância por meio de programas, projetos e planos elaborados
por seus técnicos e conselheiros, fundamentados nos Documentos Setoriais de
Educação, e são endossados pelo Ministério da Educação e pelas Secretarias de
Educação, separando o pensar e o fazer. A equipe escolar somente é informada e
orientada sobre os procedimentos burocráticos a serem cumpridos em relação aos
programas, projetos e planos em andamento.
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94
Nota-se, também, que os profissionais da educação, geralmente,
desconhecem as mediações políticas que antecedem as reformas, os programas e
projetos de reorganização do ensino público, uma vez que são restritas as
possibilidades de acesso e manuseio dos documentos elaborados pelos gestores do
Banco e a equipe dos ministérios e secretarias de educação, os responsáveis pela
configuração política dos acordos. Além disso,
[...] ao fixar um corpo de representantes como seu grupo de trabalho em
determinada região, o Banco Mundial colhe diagnósticos de situações
específicas, divulgando-os como modelos a serem seguidos. E mais, a sua
presença diária permite uma constante avaliação do devedor, no que se
refere a sua capacidade de pagamento da dívida, monitoramento e
fiscalização quanto ao uso correto dos recursos, além de pressioná-lo para
adotar comportamentos adequados aos princípios do Banco, mas lesivos
para o país. Com estes procedimentos e com o discurso de colaboração, os
técnicos passam a monitorar e fiscalizar os empréstimos. A posse de
diagnósticos locais permite que se apropriem das singularidades e as
generalizem, e que se suprimam a história local e a cultura da população
local (SILVA, 2003, p. 287).
O preocupante não é apenas a presença das políticas educacionais, dos
empréstimos e dos técnicos do Banco Mundial nos países em desenvolvimento, mas a
receptividade e a materialização de uma estrutura organizacional pelos sistemas de
ensino em todos os níveis para canalizar seus objetivos, ideologias, estratégias e
concepção de educação. É gritante a presença das forças aparentemente ocultas que
definem as políticas educacionais e o papel que o Banco exerce ao ajudar os governos
locais com recursos acompanhados sempre de condicionalidades, que funcionam
como verdadeiras algemas. Os competentes e subservientes defensores do capital
local e internacional recebem as condicionalidades e a intervenção em nome de toda
a sociedade, com consentimento do governo federal, parte dos estaduais e das elites
dirigentes que, se subscreveram e alinharam às políticas estabelecidas pelo modelo
neoliberal de desenvolvimento econômico, comprimindo os direitos sociais de
crianças, jovens e adultos, especialmente de acesso à educação.
Constatamos, através da pesquisa que, os Documentos Setoriais de
Educação revelam a adaptabilidade e a continuidade das orientações conceituais e
políticas do Banco Mundial em todos os níveis de ensino, nas diferentes esferas
institucionais e pedagógicas, possibilitando-nos observar sua capacidade para
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formular conceitos constituintes de seu pensamento e orientar os países mutuários a
adotarem suas políticas, estratégias, programas e reformas, com o objetivo de
reordenamento político, organizacional, institucional e curricular da educação
pública.
No próximo capítulo poderemos observar a presença das forças
aparentemente ocultas que definem as políticas educacionais e a materialização das
proposições do Banco Mundial construídas no transcorrer da história da educação
pública brasileira.
CAPÍTULO 2
DESAFIOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL BRASILEIRA
A educação infantil de qualidade é essencial para o saudável
desenvolvimento de nossas crianças. Atualmente, menos de um
quarto das crianças brasileiras tem acesso à educação
infantil. Isso afeta o rendimento escolar, principalmente nas
famílias mais pobres. Se não for bem estimulada nessa fase da
vida, a criança dificilmente alcançará todo o seu potencial e
o Brasil não pode desperdiçar tal riqueza. A educação infantil
é um investimento pequeno que resulta em mais renda,
melhores profissionais, menos violência e crianças mais
felizes.
A educação infantil, primeira etapa da educação básica, é um
direito constitucional das crianças brasileiras. Além disso, é
uma das estratégias mais efetivas e eficazes para a promoção
do desenvolvimento humano, econômico e social.
Banco Mundial
Nas relações históricas entre trabalho e educação no modo capitalista de
produção sistema este que tem tentado priorizar a função da educação como
formadora de recursos para o mercado de trabalho , a questão do financiamento
público da educação é vista como parte integrante das políticas sociais e
educacionais, dependendo, portanto, da ação do Estado e da relação deste com a
sociedade. Desta forma, a política de financiamento tem se modificado de
acordo com o valor atribuído à educação como motor do crescimento econômico e
96
96
conforme as mudanças econômico-sociais que condicionam as relações entre
educação e trabalho no capitalismo.
Na história do Brasil, a construção das políticas públicas de educação,
inclusive de Educação Infantil, só pode ser entendida na medida em que for remetida
às determinações da atividade material e ao conjunto de relações sociais que se
articulam para legitimar a inserção e/ou exclusão das classes trabalhadoras na
redistibuição da riqueza socialmente produzida. As políticas sociais constituem, para
José Willington Germano (2005), uma síntese de múltiplas determinações (MARX,
2003) que, no caso das políticas educacionais, corporificam-se através de um
conjunto de relações sociais pertinentes ao aparelho de ensino, por vezes, atendendo
efetivamente necessidades e demandas das classes subalternas e atuando de forma a
aliviar os conflitos e tensões. Este processo vem acompanhado por uma série de
justificativas construídas no plano histórico, político e ideológico e que perpassam o
percurso de vida e de escolarização das crianças, inclusive nas experiências na etapa
da Educação Infantil.
Na discussão sobre políticas sociais públicas, uma das questões
periodicamente levantadas diz respeito às fontes de financiamento dos gastos na área
social, especialmente na educação. Assim, como as demais dimensões sociais para as
quais são elaboradas políticas públicas, a educação tem em sua estrutura de
financiamento um importante instrumento que amplia ou limita as possibilidades de
formulação e implementação de ações e programas estatais.
No presente capítulo, realizamos um resgate histórico da política de
financiamento da educação pública brasileira, com base em obras científicas dos
pesquisadores da área (AMARAL, 2003; BRASIL, 1995a, 1995b, 1996, 2000;
CASTRO, 2001; CHAUÍ, 1999, 2001; DAVIES, 2004; MELCHIOR, 1987;
MONLEVADE, 2003, 2004; OLIVEIRA, 1998, 2002; PINTO, 2000, 2002), tratando
da sistemática de financiamento público e de suas mudanças, destacando a vinculação
constitucional de recursos para a educação. A começar do resgate das primeiras
preocupações com a construção de um sistema público de ensino, adentramos nos
aspectos históricos do financiamento da educação brasileira, onde se identificam os
97
momentos em que os gastos com educação passaram a ser determinados pela
Constituição Federal.
Analisamos, também, o desenvolvimento histórico das políticas de
financiamento público de programas educacionais para crianças brasileiras menores
de seis anos (BARRETO, 2003; BRASIL, 1993, 2001a, 2001b, 2004, 2005;
CAMPOS, 1992, 1997; CASSIOLATO, 2004; CÔRREA, 2002; GUIMARÃES, 2002;
KRAMER, 2001; KUHLMANN JUNIOR, 2000, 2004; MARTINS, 2004; MERISSE,
1997; RODRIGUEZ, 2001; ROSEMBERG, 1992, 1999, 2001a, 2001b), considerando
que os programas existentes sofrem os efeitos do percurso histórico deste
atendimento, definidos a partir de sua dimensão assistencial e de saúde preventiva,
além de uma dimensão educacional, espalhados por uma variedade de órgãos
federais, estaduais e municipais. Para seguir as trilhas das políticas de financiamento
público da Educação Infantil no Brasil, não basta examinar as políticas e os
mecanismos de financiamento adotados nas várias esferas governamentais, na área
educacional, mas é necessário analisar os mecanismos disseminados pelas áreas da
previdência e assistência social, saúde, trabalho, entre outras.
2.1 Política de financiamento da educação no Brasil: resgate histórico
2.1.1 Financiamento da educação pública brasileira: elementos históricos
Realizamos um breve resgate histórico da política de financiamento da
educação pública brasileira, abordando-o em termos econômicos, políticos e
ideológicos e entendendo-o como uma forma de intervenção do Estado com o intuito
de assegurar a dominação política existente, a manutenção do processo de
acumulação de capital e, por vezes, afastar focos de conflito e tensão, para obter
hegemonia.
Partimos da obra de José Marcelino Pinto (2000) que ressaltou as grandes
linhas que nortearam o financiamento da educação pública brasileira,
contextualizando esta história em três fases. Em um primeiro momento, de 1549 a
1759, o Estado delegou aos jesuítas a exclusividade do exercício do magistério
público no país que, a princípio, tinha como objetivo a catequese e a instrução dos
indígenas e dos filhos dos colonos, cedendo lugar, gradativamente em importância, à
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98
educação da elite. Dela estava excluído o povo e foi graças a ela que o Brasil se
tornou, por muito tempo, um país da Europa, com olhos voltados para fora,
impregnado de uma cultura intelectual transplantada, alienada e alienante
(ROMANELLI, 2003, p. 35).
A organização escolar no Brasil Colônia esteve estreitamente vinculada à
política colonizadora dos portugueses que tinha como objetivo o lucro. A função da
população era propiciar lucros às camadas dominantes metropolitanas. A estrutura
social era organizada à base de relações predominantemente de submissão externa,
em relação à metrópole, e de submissão interna da maioria negra ou mestiça pela
minoria branca, não só nas relações de trabalho, como também nas relações
familiares. Os recursos para o financiamento da educação provinham de algumas
transferências feitas pela Coroa, retiradas do quinto. O ensino, em tese, era gratuito.
Contudo, na prática, os jesuítas tratavam de obter concessões de terra e privilégios de
comércio. A Coroa assegurava o oferecimento do ensino na colônia sem nenhum
custo.
Em um segundo momento, que iniciou-se com a expulsão da Companhia de
Jesus pelo Marquês de Pombal até o fim da República Velha, buscaram fontes de
financiamento da educação, como a criação do Subsídio Literário, através da Carta
Régia de 10 de dezembro de 1772 (extinto em 1835), ou deixou-se por conta das
dotações orçamentárias a definição dos recursos para o ensino. Novamente, a maioria
da população foi excluída pelos interesses econômicos e pela ausência de uma
política educacional que fixasse as bases para o desenvolvimento de um sistema
educacional próprio. Os episódios ligados à proscrição da Companhia de Jesus
explicitavam a primeira tentativa portuguesa de promover a educação pública estatal,
que se contrapunha à educação religiosa, até então ministrada, na tentativa de
instituir um Estado laico.
O período entre a Independência do Brasil e a Proclamação da República
representou um campo fértil para a análise da política educacional: a partir do
Império o país começou a reconhecer a importância da instituição escolar e foram
concebidas as primeiras leis e reformas com intenções de corrigir um sistema escolar
nascente, configurando-se como tendência o formalismo das medidas propostas e a
99
tradição de nem sempre se traduzir em feitos as promessas dos dirigentes
governamentais. Apesar da Constituição do Império, outorgada em 1824, determinar
a instrução primária gratuita a todos os cidadãos, colocando o Brasil entre os
primeiros países do mundo a fazê-lo, o Poder Público não desenvolveu esforços para
transformar a educação em política pública. A situação continuou a mesma, isto
devido à exclusão do direito à educação aos escravos, ao analfabetismo que era a
condição de falta de instrução da maioria da população e à promulgação do Ato
Adicional de 1834, que transferiu para as províncias o direito de legislar e a
obrigação de manter os ensinos primário e secundário por meio da cobrança de
imposto sobre o consumo de mercadorias, cabendo ao governo central cuidar apenas
das escolas da capital do Império e do ensino superior.
Verificamos que, em 1827 foi promulgada a primeira lei geral de educação
do país, assinalando um traço marcante da política educacional: a preocupação com
os aspectos legais. Nesta lei estavam presentes as idéias da educação como dever do
Estado, da distribuição das escolas de diferentes graus por toda a nação e a graduação
do processo educativo. Vigorou, porém, somente a distribuição racional por todo o
território nacional das escolas de primeiras letras. Maria Luisa Ribeiro (2001, p. 45)
pontua que analisando-se a lei de 15 de outubro de 1827, a única lei geral relativa ao
ensino elementar até 1946, mais uma vez se tem a comprovação dos limites com que
a organização educacional era encarada. As Constituições de 1824 e de 1891 não
fazem referência ao financiamento da educação. O governo, neste período,
descentralizou os compromissos financeiros com a educação, num esquema de
divisão de responsabilidades, permitindo que as instituições religiosas fundassem
uma rede de escolas comunitárias, com dois tipos de financiamento: os ricos e
remediados pagavam mensalidades e os pobres pagavam contribuições ou tinham
bolsas de estudo públicas ou privadas (MONLEVADE, 2003).
A Proclamação da República reforçou a política oficial de alheamento frente
aos assuntos educacionais, atribuindo mais à família que ao Estado os compromissos
da educação. A Constituição de 1891 instituiu o sistema federativo de governo,
concedeu autonomia aos Estados, apegou-se à centralização cultural, mantendo o
ensino secundário e superior dentro da sua esfera jurisdicional, descentralizou o
ensino primário e secundário, mantendo o modelo elaborado no Império, consagrando
o sistema dual de ensino: a educação da classe dominante (escolas secundárias
100
100
acadêmicas e superiores) e a educação do povo (escola primária e profissional),
refletindo, assim, o próprio retrato da organização social brasileira. Inúmeros
projetos de reforma, nos tempos da Primeira República, traduzem os anseios de
mudança na educação: Reforma Benjamin Constant (1890), Reforma Epitácio Pessoa
(1901), Reforma Carlos Maximiliano (1915), Reforma João Luis Alves (1925).
A intensificação do processo de urbanização gerado pela deterioração das
formas de produção no campo e pela industrialização crescente modificou o perfil da
demanda social de educação, introduzindo um contingente de estratos médios e
populares e incluindo novas necessidades de recursos humanos, pressionando a
expansão do sistema escolar. Nas três primeiras décadas do século XX, segundo
Pinto (2000), surgiram as tentativas dos trabalhadores, sob a influência do
movimento anarquista, de fundarem escolas públicas independentes do Estado, e as
iniciativas dos reformadores da educação, articulados na Associação Brasileira de
Educação, instituição concebida como um espaço social em defesa da escola pública.
O entusiasmo pela educação e o otimismo pedagógico atribuíram
importância ao tema da instrução, nos seus diversos níveis e tipos, incluindo os
assuntos educacionais nos programas de diferentes organizações, segundo Jorge
Nagle (2001). O pensamento escolanovista começou a se firmar como ideário
pedagógico, gerando circunstâncias propícias ao movimento dos Pioneiros da
Educação Nova e a publicação do Manifesto de 1932, reivindicando a laicidade do
ensino público, a gratuidade, a obrigatoriedade e a co-educação, reconhecendo
pertencer ao cidadão o direito à educação, e ao Estado o dever de assegurá-la de
forma igual, única, para todas as camadas sociais.
É preciso registrar que as lutas que se desenrolaram nas Conferências
Nacionais de Educação, promovidas pela Associação Brasileira de Educação, e as
lutas ideológicas que enfrentava, no início do novo regime, a sociedade brasileira,
refletiram-se no setor educacional. Aflorou uma descoberta de valores nacionais
manifesto em movimentos culturais, artísticos e pedagógicos em favor de reformas
mais profundas. Mesmo neste período histórico, quando se alteram os diversos
setores da sociedade brasileira e, em função disso, se transformam o pensamento e as
101
realizações educacionais, o Estado se colocou, como não poderia deixar de acontecer,
a serviço da classe dominante (NAGLE, 2001, p. 372).
A Revolução de 1930 marcou o ápice de uma série de mudanças e reformas
significativas no plano do Estado, da economia e da política, no entanto, não
constituiu efetivamente uma ruptura com a velha ordem social oligárquica. Estes
movimentos, em seu conjunto e pelos objetivos afins que possuíam, caracterizaram,
de acordo com Otaíza Romanelli (2003, p. 47), a Revolução Brasileira, cuja meta
maior tem sido a implantação definitiva do capitalismo no Brasil, buscando um
reajustamento dos setores novos da sociedade ao setor tradicional e destes ao setor
internacional.
A Revolução trouxe consigo a promessa de modernização do Brasil,
conjeturando a construção e o fortalecimento do Estado, consolidando a perspectiva
que atribuiu um papel à educação na constituição da nacionalidade educada,
refletindo-se na estruturação do Conselho Nacional de Ensino, centralizado e
articulado com os interesses políticos governamentais e na criação do primeiro
Ministério da Educação e Saúde. As políticas educacionais implementadas foram
formuladas com o objetivo de promover reformas de ensino de caráter nacional, de
longo alcance, homogêneas e coesas, como instrumento de persuasão para preparar e
formar a população para se integrar às relações sociais existentes, especialmente ao
mercado de trabalho, submetendo-se aos interesses do capital, o que se objetivava no
país. Neste ideário reformista, para o qual a educação da sociedade era considerada
patamar fundamental, a concepção de educação salvacionista enfatizava a
importância da criação de cidadãos, de reprodução e modernização das elites, e da
função da escola no trato das questões sociais (SHIROMA; MORAES;
EVANGELISTA, 2004).
O terceiro momento do financiamento da educação brasileira configurado no
estudo de Pinto (2000), encontra-se marcado pela Constituição Federal de 1934 e se
estende até hoje. Nele buscou-se a vinculação de um percentual mínimo de recursos
tributários para a educação, marcando a trajetória histórica da escola pública
brasileira. A Constituição Federal de 1934, de cunho mais democrático, acrescentou
três títulos, não contemplados nas anteriores: da ordem econômica e social; da
família, educação e cultura; e da segurança nacional. Pela primeira vez, um texto
constitucional brasileiro dedicou um capítulo à educação, tratando de temas que
102
102
foram incorporados a todas as demais, a partir de então. Destinou, também, pela
primeira vez, de acordo com João Monlevade (2003), recursos vinculados a impostos
para a educação em nível federal, buscando aumentar e garantir recursos financeiros
para tornar efetivo um investimento prioritário naqueles tempos de otimismo
pedagógico, viabilizando um Plano Nacional de Educação. A vinculação aparece, em
termos legais, vinculando dez por cento da receita de impostos da União e dos
Municípios e vinte por cento da dos Estados e Distrito Federal. Esses recursos não
eram suficientes para efetivar o direito de todos à educação, todavia, a estipulação
em lei da obrigatoriedade, revelava um certo grau de preocupação em assegurar esse
direito.
Cabe ressaltar que o período histórico vivido pelo país sob a égide do
Estado Getulista repercutiu na política educacional, sendo marcado por dois traços
fundamentais: centralização e autoritarismo, e pela concepção de documentos legais:
duas Constituições (1934 e 1937) e duas Reformas (Francisco Campos e Gustavo
Capanema). No debate educacional ganharam maior visibilidade duas correntes já
existentes: uma tradicional, representada pelos educadores católicos, que defendiam a
educação religiosa, privada, em separado para os sexos masculino e feminino, como
também a responsabilidade da família quanto à educação; e outra, representada pelos
educadores escolanovistas, que defendiam a laicidade, a co-educação, a gratuidade e
o ensino público. Os dois textos constitucionais expressavam o favorecimento ao
ensino religioso e à escola privada. Enquanto a idéia de gratuidade do ensino foi
firmada no texto constitucional de 1934, no texto de 1937 se restringiu aos mais
necessitados, substituindo um direito legal, por uma exceção, sujeita a critérios a
serem definidos, regidos pela lógica do favor. Estabeleceu, também, o ensino de
trabalhos manuais em todas as escolas e implantou o programa de política escolar em
termos de ensino pré-vocacional e profissional para as classes menos favorecidas,
reforçando a dicotomia entre trabalho intelectual e manual e a dualidade entre a
escola de ricos e de pobres (RIBEIRO, 2001). Depois de 1934, a vinculação de
recursos aparece e desaparece sistematicamente nos sucessivos textos constitucionais
e na legislação educacional decorrente. Na Constituição da ditadura do Estado Novo
(1937), de cunho autoritário, foi suprimida e reintroduzida, em 1941.
103
Por sua vez, a Constituição Federal de 1946, de inspiração ideológica
liberal-democrática, baseada nas doutrinas sociais do século XX, defendeu a
liberdade e a educação em todos os níveis, como direito de todos, juntamente com a
iniciativa privada. Recriou não só os impostos federais vinculados com alíquotas de
dez por cento para a União e vinte por cento para os Estados, Distrito Federal e
Municípios, como incorporou a expressão, atualmente em uso, manutenção e
desenvolvimento do ensino. Instituiu, ainda, os impostos municipais carimbados para
a educação: uma percentagem do Fundo de Participação dos Municípios e outra das
receitas tributárias próprias. Este período, que vai até fins da década de cinqüenta, é
caracterizado pela expansão dos grupos escolares e ginásios e pela presença da classe
média e de parte da elite que descobrem a escola pública, seja como local de estudo,
seja como local de trabalho. No entanto, a maioria da população que se encontrava na
zona rural e os segmentos mais pobres da zona urbana continuavam excluídos do
ensino público pela sua organização e dinâmica. Esta escola risonha e franca, bem
como rara e seletiva durou pouco, consumida pela progressiva urbanização do país,
pelos crescentes déficits do Estado e pelas políticas restritivas preconizadas, já então,
pelos organismos financiadores internacionais (PINTO, 2000, p. 55).
Durante as cadas de 1950 a 1970, no ápice do ideário nacional-
desenvolvimentista, foi significativa a preocupação do Estado com a educação como
meio propulsor do progresso técnico, através da formação e qualificação dos
trabalhadores dentro dos padrões de exigência do modelo do desenvolvimento
econômico que então se intensificava no Brasil. À educação foi atribuído o papel de
formar o capital humano, vinculado às necessidades do mercado de trabalho e à
modernização dos hábitos de consumo, moldado pela ideologia da segurança
nacional. Segundo Frigotto (2000), Theodoro Schultz elaborou o conceito de capital
humano, vinculando-o a uma função agregada macroeconômica, para explicar as
diferenças de desenvolvimento econômico-social entre as nações e as diferenças e
desigualdades entre grupos sociais ou entre os indivíduos (p. 36). Nas décadas de
sessenta e setenta, a teoria do capital humano teve um amplo uso político e
ideológico na definição de macropolíticas educacionais orientadas pelos organismos
internacionais e regionais, por refletir a idéia que de a educação aumentaria a
produtividade do trabalhador.
104
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A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), lei 4.024/61, na
tentativa de conciliar interesses divergentes favoreceu a escola privada, eliminando o
princípio da gratuidade do ensino oficial e abrindo caminho para subvenções,
assistência técnica e financiamento estatais a estabelecimentos privados, em
detrimento do aprimoramento da escola pública. Criou-se a contribuição adicional do
salário-educação (Lei 4.420/64), e ampliou para doze por cento a vinculação da
União. O salário-educação, que parecia ser mais uma fonte de recursos para a
educação pública, constituiu-se em objeto de corrupção e de incentivo à privatização
do ensino. As matrículas na rede pública cresceram inversamente aos recursos
públicos, que se tornaram objetos de disputas eleitorais e políticas com os
proprietários das escolas confessionais e com os empresários do ensino. O Imposto
sobre Circulação de Mercadorias dos Estados e o Fundo de Participação dos
Municípios tornaram-se as principais fontes de financiamento da educação pública,
em valores nominais cada vez maiores e valores reais cada vez menores.
Conseqüentemente, as verbas dos impostos eram insuficientes ante a demanda escolar
para todos os níveis.
O golpe de Estado de 1964, fruto de uma coalizão civil e militar, configurou
a ascensão de um novo bloco de poder, que envolveu uma articulação entre o
conjunto das classes dominantes, da burguesia industrial e financeira nacional e
internacional, o capital mercantil, latifundiários e militares, e uma camada de
intelectuais e tecnocratas, qualificados por Germano (2005) como uma elite. O
Estado Militar foi encarado como expressão de uma fase do capitalismo no Brasil, a
qual ocorreu sob a égide dos monopólios e expressou os interesses dos
conglomerados internacionais, das empresas estatais e de grupos econômicos
nacionais. O Estado concorreu para o desenvolvimento das forças produtivas do país
e foi responsável pela perversa concentração de renda e de riqueza no período de
1964 a 1985, atuando de forma persistente, segundo Germano (2005, p. 23), no
sentido de reprimir, destroçar e aniquilar os setores mais avançados da sociedade
civil brasileira. A ditadura militar procurou despolitizar as questões da vida social e
assumiu uma dimensão de fraca mobilização popular ou de total desmobilização.
105
Como podemos verificar, a política educacional privilegiou o topo da
pirâmide social e se desenvolveu, conforme ressalta Germano (2005), em torno do
controle político e ideológico da educação em todos os níveis; do estabelecimento de
uma relação direta e imediata entre educação e produção capitalista, segundo a teoria
do capital humano; do incentivo à pesquisa vinculada à acumulação de capital; do
descomprometimento com o financiamento da educação pública e gratuita e do
incentivo à corrupção e privatização do ensino, desqualificando a escola pública e
negando, na prática, o discurso de valorização da educação escolar. Para Germano
(2005, p. 106) a política educacional resulta da correlação de forças sociais
existentes em determinado contexto histórico e no Brasil pós-1964, ela foi uma
expressão da dominação burguesa, viabilizada pela ação política dos militares,
constituindo-se num mecanismo de exclusão social dos despossuídos da escola,
apesar do aumento da matrícula em todos os níveis. O Estado promovia a
desigualdade social, contudo proclamava a eqüidade.
É interessante atentarmos para que, o planejamento educacional foi exercido
por economistas, subordinando-o aos imperativos de uma concepção econômica de
desenvolvimento. O que parece se repetir nos anos de 1990. A centralização foi
retomada na gestão educacional através do planejamento setorial de cunho técnico e
científico, em estreita articulação entre as iniciativas nos âmbitos federal e estadual,
assim como global e setorial, buscando imprimir uniformidade à política educacional
em curso no país.
Novos instrumentos legais orientaram o Estado militar, ditatorial e
excludente: a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969. No campo
educacional, os rumos foram ditados por duas leis e um conjunto de decretos-lei: a
Lei 5.540/68 (regulamentou a Reforma Universitária) e a Lei 5.692/71 (fixou as
Diretrizes e Bases para o Ensino de Primeiro e Segundo
Grau).
A Constituição de 1967, revelando o descompromisso do Estado com
relação ao financiamento da educação pública e o incentivo à privatização do ensino,
suprimiu a vinculação dos percentuais mínimos de recursos a serem aplicados em
educação pela União, Distrito Federal e Estados. Os estudos de José Carlos Melchior
(1987) apontam que, no período após 1964, a política geral para a área social era a
busca de fontes autônomas de financiamento devido `a desvinculação de impostos.
Várias foram as fontes complementares, como: o Fundo de Apoio ao
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Desenvolvimento Social, cujas as fontes básicas eram a Loteria Federal de Bilhetes,
Loteria Esportiva e Loteria de Números; o Fundo de Investimento Social; Royalties
sobre petróleo e/ou gás extraído da plataforma continental; as bolsas dos Ministério
da Educação e do Ministério de Previdência e Assistência Social; o Crédito
Educativo, entre outros. Contudo, de uma forma geral, após um breve momento de
destaque, estas fontes foram substituídas por outras, que assim como vinham,
também partiam. O financiamento das políticas sociais foi relegado a um plano
secundário, denotando a exclusão econômica e política da maioria da população
brasileira, projetando-se, também, no campo dos direitos sociais (direito à educação,
saúde, habitação, previdência etc.). O Estado privilegiou as áreas ligadas diretamente
à reprodução do capital, ao aparelho burocrático central e à segurança nacional.
No período de 1968 a 1973, a economia brasileira caracterizou-se pela fase
do chamado milagre econômico. Vários fatores favoreceram a expansão econômica
como: investimento em saneamento da economia e das finanças públicas, estabilidade
sócio-política, expansão e lucratividade dos empreendimentos econômicos,
restauração da confiança dos investidores, aumento dos investimentos estrangeiros.
Além disso houve um amplo programa de investimento do Estado financiado com
recursos de Organizações Internacionais de crédito, uma delas o Banco Mundial.
No que diz respeito ao financiamento, cabe abordar que a Emenda
Constitucional n.1, de 1969, retomou a vinculação para os municípios. Na Lei
5.692/71, art. 59, a vinculação para os municípios foi mantida, com alíquota de vinte
por cento da receita tributária é mais ampla que a receita de impostos, engloba além
de impostos, taxas e contribuições de melhoria e aplicação vinculada ao ensino de
primeiro grau (OLIVEIRA, 1998). A lei instituiu a obrigatoriedade escolar para a
faixa etária entre sete e quatorze anos, assegurou espaço para o ensino religioso e
ampliou o princípio privatizante, garantindo amparo técnico e financeiro à iniciativa
privada.
As reformas, que se traduziram em fatos no regime militar, diferentemente
de outros momentos históricos, foram temas da agenda da política educacional. As
reformas do ensino assimilaram elementos do debate ocorrido desde 1950, das
reformas de base e da implantação de uma sociedade menos submissa ao grande
107
capital transnacional, e às oligarquias e, portanto, mais democrática. Contudo, estas
reformas foram balizadas por orientações advindas das Organizações Internacionais,
especialmente de uma série de convênios entre o MEC e a Agency for International
Development, conhecidos como Acordos MEC-USAID, para assistência técnica e
cooperação financeira à reorganização do sistema educacional brasileiro. Conforme
assinala Ely Guimarães dos Santos Evangelista (1997), a ação da USAID não se
restringiu ao ensino universitário, mas atuou no planejamento do ensino primário e
secundário. Atuou, também, em outros campos, como a merenda escolar, construção
de escolas, edição de livros didáticos e modernização dos meios de comunicação de
massa, com o intuito de extrapolar o sistema formal de ensino e atingir a sociedade
como um todo, a partir do desenvolvimento das condições educacionais extra-
escolares. Os convênios situaram o problema educacional na estrutura geral de
dominação, lançaram as bases das reformas que se seguiram e serviram de
fundamento para a Comissão Meira Matos que completaria a definição da política
educacional.
No final do ano de 1983, com o processo de abertura democrática iniciada
no final da década de 1970, o Congresso Nacional promulgou a Emenda
Constitucional 24/83, conhecida como Emenda Calmon que se caracterizou pela volta
da vinculação de recursos, com alíquotas de treze por cento para a União e de vinte e
cinco por cento para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Um grande passo
foi dado no sentido de explicitar o que fossem gastos com manutenção e
desenvolvimento do ensino, com a aprovação da Lei 7.348/85, de autoria do senador
João Calmon.
2.1.2 Novos rumos para o financiamento da educação pública brasileira
O país foi palco de mudanças em sua ordem política, econômica, social,
cultural, ideológica e educacional no processo de construção da democracia
iniciadas desde o final dos anos setenta com os movimentos sociais e as lutas
políticas pelo direito a uma cidadania plena. Neste contexto de passagem de um
momento político autoritário para outro democrático, a política educacional percorreu
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uma trajetória de desafios, de buscas e de grande efervescência na organização
societária.
A Constituição Federal de 1988 foi um marco na tentativa de
reconhecimento de vários direitos sociais, assegurando algumas conquistas
educacionais importantes, tais como: educação como direito público subjetivo,
gratuidade do ensino oficial em todos os níveis, princípio da gestão democrática do
ensino público, dever do Estado de prover creche e pré-escola às crianças de zero a
seis anos, ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não
tiveram acesso em idade própria, perspectiva da obrigatoriedade do ensino médio,
oferta de ensino noturno regular, atendimento educacional especializado aos
portadores de deficiências, e outras conquistas sociais.
No que se refere à receita de impostos, principal fonte de financiamento da
educação no país, a Constituição manteve a redação da Emenda Calmon, ampliando,
contudo, o índice mínimo a ser aplicado pela União que passou de treze para
dezoito por cento , e pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios vinte
e cinco por cento, no mínimo, de receita resultante de impostos, compreendida a
proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. Outra
novidade significativa do texto constitucional, como afirma Castro (2001), foi o art.
60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que determinou
que cinqüenta por cento dos recursos vinculados a que se refere o art. 212 da
Constituição Federal, seriam aplicados pelo poder público na eliminação do
analfabetismo e na universalização do Ensino Fundamental, durante os dez primeiros
anos da Constituição.
Constatamos através da pesquisa que vasta documentação e publicações de
Organizações Internacionais, de empresários e de intelectuais renomados, exerceram
importante influência na definição das políticas públicas para a educação no país.
Objetivando orientar políticas de fortalecimento da Educação Básica, aprimorar os
processos de aprendizagem com reorientação do crédito internacional, constituiu-se
um compromisso de ação coletiva a Educação para Todos, com o intuito de garantir
o direito à educação de todos os cidadãos de todas as sociedades.
109
No que tange à operacionalização das idéias, os momentos e os eventos
mais marcantes e decisivos nas políticas e gestão da Educação Básica na década de
noventa começaram com a Conferência Mundial sobre a Educação para Todos,
realizada em Jomtien, Tailândia, em março de 1990. A Educação para Todos serviu
de marco para o delineamento e a execução de políticas educativas no mundo inteiro,
principalmente em Educação Básica. Sofia Lerche Vieira (2001) pontua que
É a partir da Conferência de Jomtien que o Brasil passa a integrar um grupo
de países em desenvolvimento com problemas de universalização da
educação básica e de analfabetismo (Education for All-9, ou EFA-9,
referindo-se o número nove ao total de países [Bangladesh, Brasil, China,
Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão] integrantes deste
acordo), no âmbito do qual são estabelecidas várias diretrizes. Se bem
lembrarmos, a Constituição Federal (CF) de 1988 antecipara compromisso
no sentido firmado pelo EFA-9, através do dispositivo que estabelecera
orientação de reservar cinqüenta por cento dos recursos vinculados à
educação num período de dez anos, com o objetivo de eliminar o
analfabetismo e universalizar o ensino fundamental (CF, ADCT, Art. 60).
Percebe-se, assim, uma sintonia entre as metas perseguidas pelo país e o
debate que se travava no âmbito dos organismos internacionais desde o
final da década anterior (p. 63).
Deste ponto de vista, parece-nos relevante explicitar que, as recomendações
veiculadas nos documentos internacionais postularam a universalização do acesso à
Educação Básica e atuaram como arautos das reformas que se efetivaram nos países
em desenvolvimento, inclusive no Brasil, na década de 1990. Podemos citar alguns
documentos importantes neste contexto analisado, como: o documento econômico da
Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), Transformación productiva
com equidad (1990) e Educación y conocimiento: eje de la transformación
productiva com equidad (1992); Relatório da V Reunião do Comitê Regional
Intergovernamental do Projeto Principal de Educação para a América Latina e Caribe
(1982; 1993); Declaração de Nova Delhi (1993); Declaração de Salamanca (1994); o
documento setorial de educação Prioridades y estrategias para la educación (1995)
do Banco Mundial; Relatório Jacques Delors (1996) elaborado pela UNESCO; o
Relatório do Fórum Capital-Trabalho (1992) na Universidade de São Paulo; entre
outros. Este conjunto de documentos inaugurou a política de priorização sistemática
do ensino fundamental, em detrimento dos demais níveis de ensino e de defesa da
relativização do dever do Estado para com a educação, tendo por base o postulado de
que a tarefa de assegurar a educação é de todos os setores da sociedade.
110
110
É significativo observar que o conjunto daqueles documentos convocavam
as Organizações Internacionais a renovarem e reverem suas atuações e estratégias, de
acordo com os planos e prioridades nacionais, desenvolvendo planos de ações
coordenados, objetivando proporcionar assistência técnica e financeira internacional
para a educação de qualidade de todos. Solicitaram também às Organizações
Internacionais que explorassem formas inovadoras e mais flexíveis de cooperação,
isentando os países da imposição de tetos preestabelecidos, sob o prisma de ajuste
estruturais.
Nesta linha de argumentação, Lima (2002) é enfática:
O discurso sobre a universalização da educação básica é apresentado como
um elemento significativo para criar o fetiche da democratização e do
aumento da escolarização, mascarando um fenômeno que vem ocorrendo
nos países periféricos: o processo de certificação em larga escala. Esse
discurso, portanto, omite: a) um processo de focalização dos investimentos
educativos nos níveis mais baixos, especialmente no ensino fundamental; b)
uma concepção etapista do processo educativo: primeiro a educação
fundamental, depois a secundária e daí a expansão do nível superior; e c)
uma concepção de que esta expansão/democratização deverá ser efetivada
através da ampliação do processo de participação dos setores privados no
financiamento e execução da política educacional (p. 46).
Como podemos verificar, a centralidade da Educação Básica, como
elemento indispensável para a formação da força de trabalho e de produção e para a
integração social foi, tática e estrategicamente, reafirmada nos documentos e na
definição das políticas educacionais. As políticas públicas educacionais
implementadas foram cuidadosamente planejados, sinalizadas ao longo dos anos,
conforme assinalam Shiroma, Moraes e Evangelista (2004, p. 115), foram se
infiltrando pela mídia, minando o senso comum, cooptando intelectuais e
formadores de opinião pública. Às ocultas, progressivamente, busca-se a
mercantilização da educação.
A análise deste processo permite-nos concluir que a relação entre o Estado e
as políticas públicas nos anos de 1990 sofreu novas medidas decorrentes, dentre
outros fatores, de alterações substantivas nos padrões de intervenção estatal,
resultando na emergência de novos mecanismos e formas de regulação e gestão,
redirecionando as políticas públicas, particularmente as políticas educacionais.
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Marcado pelas transformações ocorridas no cenário internacional, o Brasil,
nos anos 1990, adota medidas para a reforma do aparelho de Estado, o que
significa um redirecionamento da concepção de Estado e dos parâmetros de
suas ações no campo econômico, político, social, cultural e educacional.
Ao modelo de Estado interventor sucede um Estado que diminui suas
funções no campo social e atribui à iniciativa privada as funções que eram
de sua responsabilidade. Apesar deste aparente antiestatismo, esta proposta
de reforma defende a manutenção de um Estado forte para garantir as
condições adequadas à expansão do mercado e ao alívio da pobreza dos
mais necessitados (NASCIMENTO, SILVA, ALGEBAILE, 2002, p. 94).
Neste contexto, o Plano Diretor da Reforma do Estado (1995b), apresentado
no início do governo Fernando Henrique Cardoso, traz um diagnóstico que credita ao
avanço da atuação do Estado na esfera produtiva o desequilíbrio entre Estado e
mercado, e que, portanto, seria necessário diminuir a presença do Estado no setor,
transformando-o em regulador e fiscalizador. A chamada crise do Estado é definida,
no Plano Diretor da Reforma do Estado (1995b, p. 3), como: uma crise fiscal,
definida pela perda do crédito público e por uma poupança pública que se torna
negativa, e como uma crise do modo de intervenção burocrático e planejador do
Estado.
Apresentam-se como inadiáveis as políticas promotoras de :
[...] (i) o ajustamento fiscal duradouro; (ii) reformas econômicas orientadas
para o mercado, que, acompanhadas de uma política industrial e
tecnológica, garantam a concorrência interna e crie as condições para o
enfretamento da concorrência internacional; (iii) a reforma da previdência e
a inovação dos instrumentos de política social, proporcionando maior
abrangência e promovendo melhor qualidade para os serviços sociais; e (iv)
a reforma do aparelho do Estado, com vistas a aumentar sua governança,
ou seja, sua capacidade de implementar de forma eficientes políticas
públicas (BRASIL, 1995b, p. 3).
Em seu novo papel, o Estado assume um papel menos executor ou prestador
direto de serviços, mantendo-se entretanto no papel de regulador e provedor destes.
Propõe-se, assim, transferir para o setor privado todas as atividades produtivas e para
um chamado setor público não-estatal a produção dos serviços competitivos ou não-
exclusivos de Estado, estabelecendo-se um sistema de parceria entre Estado e
sociedade para seu financiamento e controle. Nesta definição, o Plano Diretor
(1995b) incluiu os serviços educacionais.
112
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O setor chamado de público não-estatal pelo Pano Diretor se materializa por
meio das chamadas organizações sociais, ou seja, de
[...] pessoas jurídicas de direito privado, constituídas sob a forma de
fundações ou da sociedade civil sem fins lucrativos, às quais será atribuída
a prestação de serviços sociais de natureza pública sob novas bases,
compreendendo autonomia financeira e administrativa e novos instrumentos
de controle e avaliação de desempenho, permitindo que o cumprimento de
sua missão seja realizada com maior eficiência e eficácia (BRASIL, 1996,
p. 3).
A fundação ou sociedade civil de direito privado se habilitaria a administrar
os recursos humanos, as instalações e os equipamentos pertencentes ao poder público
e a receber os recursos orçamentários para seu funcionamento. Seriam celebrados
contratos de gestão (BRASIL, 1995a) com o Poder Executivo para a execução da
parceria entre o privado e o público. Consideram-se, como serviços sociais aqueles
que asseguram à sociedade civil bens inestimáveis como: a educação, a saúde, a
cultura, o desenvolvimento cientifíco e tecnológico.
Neste contexto histórico, o Brasil intensificou as ações políticas e reformas
educacionais, sintonizado com a orientação de Organizações Internacionais, cuja
tradução mais efetiva foi expressa pela nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB/96). A Lei 9.394/96, em sintonia com premissas neoliberais,
redireciona o paradigma da educação e da escola no Brasil, enfatizando o trinômio
produtividade, eficiência e qualidade total (DOURADO, 2001, p. 50). Suas
orientações redirecionam as formas de gestão, os padrões de financiamento, a
estruturação dos níveis de ensino, a estrutura curricular, formas de
profissionalização, o estabelecimento de mecanismos de descentralização por parte
do poder público, a centralização e o controle por parte do poder central, e a
implementação de políticas focalizadas na Educação Básica, especialmente no Ensino
Fundamental. A LDB/96 regulamentou os princípios constitucionais relativos à
educação e estabeleceu que a Educação Infantil, incluindo creches e pré-escolas, é a
primeira etapa da Educação Básica, devendo integrar-se ao sistema de ensino.
Dentre as políticas públicas de regulação, indicadoras dos compromissos
governamentais com as Organizações Internacionais, destacaram-se também: a
formação inicial e continuada do professor, sua profissionalização e valorização que,
113
articulando-se aos efeitos das políticas de aligeiramento na formação docente, de
diversificação e diferenciação dos espaços de formação, da mitificação da educação a
distância e da interpenetração das esferas pública e privada, afetaram e provocaram a
precarização do trabalho docente; a avaliação do sistema, das escolas e dos alunos; a
reorganização do espaço e tempo escolar em suas diferentes dimensões (projetos
pedagógicos, parâmetros curriculares nacionais, ciclos escolares, classes de
aceleração, gestão).
Do ponto de vista de Torres (2000) e Dourado (2001), este cenário revela
projetos, intenções e ambigüidades das políticas educativas em curso, bem como a
sua sintonia com as orientações das Organizações Internacionais, particularmente, do
Banco Mundial. É possível perceber que o alinhamento organizacional das políticas
educacionais brasileiras estão sob a égide das orientações prescritas pelo Banco
presentes nos seus documentos de políticas setoriais de educação (1971, 1974, 1980,
1995, 2000), que prescrevem políticas, estratégias, programas e reformas com o
intuito de consolidar a hegemonia ideológica, militar e financeira norte-americana,
confinando o Brasil à submissão e dependência. A avaliação da assistência do Banco
Mundial (2003d) ao setor educacional brasileiro, no período de 1990 a 2002, retrata a
influência de suas políticas educacionais.
No início dos anos 90, a conturbação política e o fracasso dos programas
de estabilização afetaram negativamente todos os setores, inclusive a
educação. Desde 1995, a estabilidade econômica e a continuidade política
propiciaram um fértil terreno para reformas educacionais. Entre elas, pode-
se listar a introdução de sistemas de avaliação para a educação
fundamental, média e superior, (SAEB, ENEM e PROVÃO), a melhoria dos
sistemas de informação, o estabelecimento de Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), a adoção de uma fórmula para redistribuir recursos entre
municípios, garantindo um nível mínimo de gastos por unidade em todas as
escolas (FUNDEF), mudanças nos processos de compras, controle de
qualidade e distribuição de livros texto, e a promulgação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que provê a flexibilidade necessária
para as reformas. Muitos Estados e municípios também fizeram esforços
substanciais para melhorar a gestão e acomodar a expansão das matrículas
(BANCO MUNDIAL, 2003d, p. 88).
Vale registrar que, de acordo com Torres (2000, p. 126), o Banco apresenta
uma proposta articulada uma ideologia e um pacote de medidas para melhorar o
acesso, a eqüidade e qualidade dos sistemas escolares, particularmente do ensino de
primeiro grau, nos países em desenvolvimento, implicando em mudanças no
114
114
financiamento e na gestão do sistema educativo, abrangendo um amplo conjunto de
aspectos vinculados ao setor educacional, das macropolíticas até a sala de aula,
destes países, inclusive do Brasil.
Conforme assinalado pelo Banco Mundial (2003d, p. 88), a LDB/96 provê
a flexibilidade necessária para as reformas, inclusive na esfera financeira, ao
orientar o financiamento da melhoria da qualidade e da expansão do acesso à
educação. No entanto, sem onerar a carga fiscal e fortalecendo a racionalização de
gastos, conforme a orientação do Banco (2003d, p. 88) para as políticas públicas de
educação brasileira de adoção de uma fórmula para redistribuir recursos entre
municípios, garantindo um nível mínimo de gastos por unidade em todas as escolas
(FUNDEF).
Sem perder de vista este contexto, é oportuno ressaltar que a LDB/96 em
seu art. 68, além das fontes definidas na Constituição de 1988, relacionou a
possibilidade de serem destinados à educação recursos originários da receita de
outras contribuições sociais, além do salário-educação, assim como de incentivos
fiscais e de outras transferências além daquelas asseguradas constituicionalmente.
Apesar de as novas fontes para o financiamento, conforme afirma Pinto
(2000), serem importantes no montante dos recursos atualmente aplicados em
manutenção e desenvolvimento do ensino, os valores per capita praticados no Brasil
são insuficientes para assegurar um ensino de qualidade. As metas e os padrões de
qualidade propostos são factíveis do ponto de vista dos recursos disponibilizados de
forma efetiva pelo nosso sistema tributário, contudo a arrecadação tributária teria
significativos ganhos com uma política consistente de combate à sonegação e de
distribuição de renda e de terra. É interessante atentarmos para que o problema da
obtenção de recursos públicos não está no sistema tributário brasileiro, mas no
modelo social e econômico que é excludente, e que, ao vedar o acesso ao capital e ao
trabalho à maioria da população, impede o consumo, o desenvolvimento e condena o
futuro do país.
Nota-se, também, que no art. 69, a LDB/96 introduziu uma modificação
importante quanto ao índice mínimo a ser aplicado na manutenção e desenvolvimento
do ensino público, prevendo para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
115
índices que podem variar de acordo com o que conste nas respectivas constituições
ou leis orgânicas, reconhecendo a possibilidade de estes entes federados ampliarem o
valor mínimo fixado na Constituição Federal. Ao se preocupar em estabelecer
mecanismos que permitam um fluxo constante e o mais real possível dos recursos
financeiros, estabeleceu-se que as diferenças entre despesas e receitas deveriam ser
apuradas e corrigidas a cada trimestre, e não mais anualmente como era antes;
fixaram-se também datas preestabelecidas para o repasse dos recursos dos órgãos
arrecadadores para os órgãos diretamente responsáveis pela educação. Com isso,
diminuiu a possibilidade de manobras governamentais, envolvendo atraso na
liberação de recursos para o processo de execução orçamentária e financeira. Nos
artigos 70 e 71, redefiniu o que se enquadra no conceito de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino (MDE) que havia sido definido na Lei 7.348/85.
Estabeleceu, também, no art. 77, restrições na destinação de recursos públicos ao
setor privado.
Atentando-se para as orientações presentes nos documentos setoriais de
políticas de educação do Banco Mundial (1971, 1974, 1980, 1995), cabe assinalar
que, quatro dias após a aprovação da LDB, o governo federal instituiu outros
mecanismos de financiamento da Educação Básica. O Fundo de Manutenção e de
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério
(FUNDEF), criado pela Emenda Constitucional n. 14/96 e regulamentado pela Lei
9.424, de 24 de dezembro de 1996. O princípio do FUNDEF, conforme esclarece
Davies (2004) é disponibilizar um valor nacional anual mínimo por matrícula no
ensino fundamental de cada rede estadual e municipal, possibilitando o que o
governo federal considera suficiente para um padrão mínimo de qualidade.
O FUNDEF reafirmou a vinculação de vinte e cinco por cento da receita de
impostos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das receitas que foram
transferidas para o MDE, além de obrigar os entes federados a alocar sessenta por
cento destes recursos no Ensino Fundamental, subvinculando quinze por cento
daquelas receitas para este nível de ensino, cabendo à União somente uma
complementação aos Estados, cujo custo dio aluno/anual o alcançasse o valor
mínimo. O FUNDEF é um fundo automático de natureza contábil e tem prazo de
duração até 31 de dezembro de 2006, caso não venha a ser substituído pelo Fundo de
116
116
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica Pública e de Valorização dos
Profissionais da Educação (FUNDEB) antes.
De fato, o FUNDEF foi inspirado na orientação das Organizações
Internacionais, em especial o Banco Mundial, priorizando o Ensino Fundamental e a
racionalização de gastos financeiros com o setor educacional. Ele não traz recursos
novos para o sistema de ensino como um todo, pois apenas redistribui entre o
governo estadual e os municípios, em âmbito estadual, uma parte dos impostos que
já eram vinculados à MDE antes da criação do FUNDEF, com base no número de
matrículas no ensino fundamental regular das redes estaduais e municipais
(DAVIES, 2004, p. 24). Contudo, esta subvinculação provocou um desestímulo dos
investimentos para a Educação Infantil e o Ensino Médio, níveis educacionais em que
existe uma grande demanda não atendida no país.
O FUNDEB abrange uma proposta de criação de um novo modelo de
financiamento da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio. Em 1999, os
parlamentares do Partido dos Trabalhadores no Congresso Nacional apresentaram
uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 112/1999), visando ao resgate das
propostas de universalização e integralidade da Educação Básica de qualidade para
todos. A PEC 112/1999 representava o enfrentamento de problemas cruciais do
FUNDEF, como o veto à Educação de Jovens e Adultos, o desestímulo em relação à
Educação Infantil e à falta de recursos para o atendimento aos jovens no Ensino
Médio. As várias alternativas de financiamento da Educação Básica podem ser
reunidas em quatro propostas, segundo Vital Didonet (2005):
[...] a) manter e aperfeiçoar o Fundef, assegurando que os 100% dos
recursos da receita líquida de impostos vinculados à MDE não incluídos no
Fundo sejam aplicados pelos Estados no ensino médio e, pelos Municípios,
na educação infantil;
b) criar três fundos: um para educação infantil - Fundei; um para o ensino
fundamental - Fundef e outro para o médio - Fundem;
c) criar dois fundos: um para creche, de 0 a 3 anos, e outro para educação
infantil a partir de 4 anos, o ensino fundamental e o ensino médio;
d) criar um fundo único e geral para toda a educação básica - Fundeb. (p.
32).
O FUNDEB constituiu-se em uma reivindicação de parte dos atores sociais
ligados à área da educação, principalmente, à Educação Infantil e ao Ensino Médio. O
117
projeto de Emenda de criação do FUNDEB foi analisado no âmbito do Governo por
um Grupo de Trabalho Interministerial criado pelo Decreto de 21 de outubro de 2003,
formado por representantes dos Ministérios da Educação, da Fazenda, do
Planejamento, Orçamento e Gestão da Casa Civil. No entanto, Mariza Abreu (2004)
pontua que de nada adianta a ampliação dos mecanismos redistributivos em vigência
se não existir, por parte do governo federal, as condições reais e a vontade política de
assegurar um maior investimento da União, no exercício de suas funções
constitucionais redistributivas e supletivas, no financiamento da educação básica
pública em todo o Brasil.
Desse modo, apesar de ter sido aprovado no Senado em 2006, ainda devem
ocorrer muitos debates econômico-políticos. No caso da Educação Infantil, discute-se
nacionalmente a luta por sua manutenção de uma educação de crianças de zero a seis
anos, havendo já propostas de Emendas Constitucionais que querem tornar a
educação de zero a cinco anos.
Verificamos que, nas discussões sobre políticas sociais, uma das questões
periodicamente levantadas, diz respeito ao volume, à eficiência e eficácia dos gastos
sociais. O fundo público de um país reúne os recursos financeiros, segundo Nelson
Amaral (2003), advindos dos impostos, das contribuições e taxas pagos por toda a
população, colocados à disposição dos seus dirigentes, dos Poderes Executivo e
Legislativo, para implantar políticas públicas. Os recursos do fundo público
financiam as atividades da burocracia do Estado e também de duas vertentes: a
social, vinculada ao mundo dos trabalhadores, e a econômica, associada ao mundo
dos capitalistas. A vertente econômica subsidia a agricultura, indústria, ciência,
tecnologia etc.; e a vertente social financia programas relacionados à educação, à
cultura, ao lazer, à saúde, ao saneamento, à habitação e à assistência social. O fundo
público caracteriza-se por permitir o financiamento de ações públicas tanto na linha
que favorece a acumulação de capital, como na reprodução da força de trabalho,
conforme a análise de Marilena Chauí:
Como opera o fundo público? De duas maneiras principais: 1. Pelo
financiamento simultâneo da acumulação do capital (os gastos públicos
com a produção, desde subsídios para a agricultura, a indústria e o
comércio, até subsídios para a ciência e a tecnologia, formando amplos
setores produtivos estatais que desaguaram no célebre complexo militar-
industrial, além da valorização financeira do capital por meio da dívida
118
118
pública); e 2. Pelo financiamento da reprodução da força de trabalho,
alcançando toda a população por meio dos gastos sociais (educação
gratuita, medicina socializada, previdência social, seguro-desemprego,
subsídios para transporte, alimentação e habitação, subsídios para cultura e
lazer, salários-família, salário-desemprego etc.) (2001, p. 179).
Na perspectiva de Amaral (2003), os Poderes Executivo e Legislativo, se
decidirem implementar políticas que priorizem o setor social, têm ao seu alcance
mecanismos eficientes a serem utilizados em relação ao fundo público.
Um deles é constituir um Fundo Público contendo um volume de recursos
financeiros tal que permita realizar intensas atividades relacionadas a
aspectos amenizadores do sofrimento de grande parte da população,
chegando até mesmo a diminuir a enorme desigualdade social. O outro é
distribuir os recursos do Fundo Público de maneira que as atividades
sociais sejam priorizadas e adequadamente contempladas (AMARAL, 2003,
p. 60).
Quanto aos recursos utilizados no setor educacional, Chauí (1999) alerta:
[...] a luta pela qualidade do ensino, pela boa formação dos professores e
dos alunos, pela ampliação da rede pública escolar, pela dignidade dos
salários de professores e funcionários, assim como a luta pela gratuidade da
universidade pública e pela qualidade da formação e da pesquisa não são
lutas de uma minoria barulhenta, nem de lobistas e corporativistas, mas a
disputa democrática pela direção da aplicação do fundo público (p. 20).
Neste breve resgate histórico da política de financiamento da educação
pública brasileira, observamos que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu que a
educação é um direito social e definiu a família e o Estado como responsáveis pelo
seu provimento, estabelecendo fontes de financiamento que gerariam recursos, dos
quais o Estado disporia para garantir o pleno gozo do direito do cidadão. A LDB/96,
também, preocupou-se em estabelecer fontes de financiamento para a educação,
vinculando-a ao mundo do trabalho e à prática social. Considerando que a política de
financiamento, estabelecida após 1996, induziu maior autonomia, descentralização de
gestão, adoção local de projetos e programas formulados centralmente, contudo
apresentou baixa capacidade de redução das desigualdades educacionais e fiscais,
contribuindo para a perpetuação dos espaços sociopolíticos e culturais de exclusão.
119
Constatamos que as normas legais, no que tange à ação pública pela
educação, atribuíram à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, a
responsabilidade pela manutenção e expansão do ensino e consagraram uma estrutura
de financiamento para tanto. O regime de financiamento entre os entes federados é o
de colaboração e a ação supletiva e redistributiva da União e dos Estados está
condicionada à plena capacidade de atendimento e ao esforço fiscal dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios. Notamos, também, que a estrutura de
financiamento da educação é mista e complexa, com a maior parte dos recursos
provenientes da vinculação de impostos, e uma parte razoável das contribuições
sociais, principalmente da seguridade social e do salário-educação. Outra parte
provém de operações de crédito com agências internacionais e tem-se outras fontes
em que entram desde as aplicações financeiras do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação até os recursos arrecadados diretamente pelas
instituições vinculadas.
A este respeito, observamos que a vinculação de recursos de impostos para a
educação é, historicamente, uma das medidas políticas mais importantes de alocação
de meios para o cumprimento do vasto elenco de responsabilidades do poder público
na área educacional. Apesar do grande impulso que a vinculação representou, sua
capacidade atual de assegurar recursos para os novos desafios da política educacional
está comprometida. Este fato decorre do pequeno crescimento econômico do país nos
últimos anos e de uma política tributária que foi esvaziando a participação dos
impostos na composição da carga fiscal do país.
Importante destacar neste ponto que a grande expectativa no que se refere à
garantia de recursos financeiros suficientes para uma educação de qualidade é o
cumprimento do dispositivo presente no Plano Nacional de Educação (Lei n.
10.172/2001), que estabelece uma ampliação dos gastos públicos no setor
educacional, até atingir o patamar de sete por cento do PIB. No momento, o Brasil
aplica em torno de quatro por cento do PIB na educação pública (AMARAL, 2003).
Este resgate histórico do financiamento, em geral, da educação pública no
Brasil revela o que realmente a política educacional oficial está impondo-nos: numa
questão que pareceria eminentemente técnica, escondem-se e debatem-se visões
políticas e ideológicas diferentes e disputam-se poder e interesses de classes e
grupos. Instiga-nos, tomar como desafio, agora, desvendar o intrincado e vital campo
120
120
da política de financiamento público da Educação Infantil, percorrendo sua trajetória
histórica.
2.2 Nas trilhas da política de financiamento da Educação Infantil
2.2.1 Trilhando velhos caminhos: trajetória histórica
As crianças brasileiras mulatas, brancas, pardas, negras, indígenas e
mestiças estão por toda parte: nas ruas, creches, pré-escolas, escolas, abrigos,
internatos, hospitais, praças, praias, rios, favelas, subúrbios, condomínios. Crianças
concretas, capazes de estabelecerem múltiplas relações, pertencentes a uma
determinada classe ou camada social, criaturas e criadoras da história e da cultura em
condições dadas e existentes. Seus destinos são variados: há aquelas que estudam,
que trabalham, que brincam, que roubam, que sonham, que são amadas, que são
usadas, que são abandonadas, que são aprisionadas. Seus rostinhos desfilam nas
obras de arte, nas obras literárias, na televisão, nos rótulos de produtos de consumo,
nas revistas, nos outdoors, nas campanhas de crianças desaparecidas, no
pornoturismo.
Mary Del Priore (2004) pontua que tanto a história sobre a criança feita no
Brasil como nos demais países retrata que existe uma enorme distância entre o mundo
infantil no qual a criança encontra-se imersa e aquele descrito pelas Organizações
Internacionais, pelas autoridades e organizações não-governamentais. O mundo que
ela deveria ter difere daquele onde ela vive ou sobrevive. O primeiro é feito de
termos como a criança precisa de, seria oportuno que, e no segundo, ela é
enfaticamente orientada para o trabalho, para o ensino, para a submissão, para o
adestramento moral e físico, sobrando-lhe pouco tempo para a imagem que
normalmente a ela está associada: a brincadeira e o riso. A sociedade contemporânea
vem presenciando profundas mudanças que fazem das crianças também suas tenras
vítimas: a fragilização dos laços conjugais; a explosão urbana; a globalização
cultural; o desemprego estrutural; a crise do ensino ante os avanços cibernéticos,
modificando as relações entre pais e filhos e entre crianças e adultos. Pensar a
121
infância e seus antecedentes históricos vem sendo uma preocupação para estudiosos,
pesquisadores e especialistas, acumulando-se consideráveis estudos (BANCO
MUNDIAL, 1998; BARBOSA, 1997, 1999, 2001; BARRETO, 2003; CAMPOS,
1992, 1997; FARIA, 2002, 2005; GONDRA, 2002; KRAMER, 2001; KUHLMANN
JÚNIOR, 2000, 2004; MERISSE, 1997; PENN, 2002; PRIORE, 2004;
ROSEMBERG, 1992, 1999, 2002a, 2002b; ROSSETTI-FERREIRA, RAMON,
SILVA, 2002; YOUNG, 1996) em níveis nacional e internacional.
Como decorrência das inúmeras transformações sociais, econômicas,
políticas, culturais e ideológicas verificadas nas últimas décadas, juntamente com as
pressões feministas e de movimentos sociais de lutas por creches e apoiadas em
pesquisas advindas das ciências que investigaram a história da infância e o processo
de desenvolvimento infantil, cresceu a consciência sobre a importância do cuidado e
da educação de crianças de zero a seis anos, no mundo inteiro, em estabelecimentos
específicos com orientações e práticas pedagógicas apropriadas.
No Brasil, apesar de a educação de crianças menores de sete anos ter uma
história de aproximadamente cento e cinqüenta anos, infelizmente, ainda, não temos
conseguido viabilizar um razoável funcionamento e financiamento destes serviços ou
oferecer este atendimento, preferencialmente em espaços públicos coletivos de
educação institucionalizada diferentemente de outros países mais desenvolvidos em
que a educação infantil é concebida como uma tarefa pública socialmente
compartilhada, que respeita os direitos da criança e que freqüentemente associa-se a
outras políticas sociais voltadas para a família (BRASIL, 2001b).
A educação infantil brasileira, considerada como campo de conhecimento, de
atuação profissional e de política educacional pública, vem ganhando contornos mais
nítidos e, consequentemente, os debates e embates que emanam de seu interior
adquirem maior visibilidade e consistência. A partir da promulgação da Constituição
Federal de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1996, das Diretrizes Curriculares
Nacionais em 1999, do Plano Nacional de Educação em 2001 e da legislação
educacional em nível estadual e municipal, mudanças significativas vêm sendo
introduzidas nas áreas administrativa e pedagógica da Educação Infantil. Verificamos
que as novas proposições legais enfatizam, dentre vários aspectos, a integração das
instituições coletivas que atendem a crianças menores de sete anos aos sistemas de
122
122
ensino, a formação específica dos profissionais, a implementação de projetos
político-pedagógicos que considerem a criança pequena na sua totalidade, a
integração cuidar e educar nas atividades cotidianas e a articulação com as famílias e
a comunidade.
Cabe ressaltar que, com a Constituição de 1988 e com a LDB de 1996,
alguns municípios foram repassando, num processo moroso e difícil de integração, a
gestão das creches das Secretarias de Assistência Social, Promoção Social e
Desenvolvimento Social para as Secretarias de Educação. A partir daí,
[...] a educação formal em creches e pré-escolas não seria mais restrita aos
programas governamentais de assistência às crianças pobres, na modalidade
de creches ou programas pré-escolares em forma de jardim-de-infância para
as crianças de mais alto nível socioeconômico, que continuam existindo ao
lado de programas não-governamentais, filantrópicos e privados.
Até então, todas as formas de educação e/ou atendimento conviveram de
maneira despreocupada quanto ao caráter de educação formal. Em outras
palavras, é somente com a LDB que se falará em educação infantil como
primeira etapa da educação básica e esta conviverá com outras formas de
educação, gerida por vias não-formais e com uma política plural, para
podermos dizer como os italianos: a mais e não em vez de (FARIA, 2005,
p. 1025; grifo da autora).
Barbosa (1999) alerta-nos para que precisamos ser cautelosos ao afirmarmos
o reconhecimento da educação infantil como parte da Educação Básica, isso porque:
[...] se observarmos atentamente os termos usados para designar as
diferentes etapas da mesma, verificaremos que a palavra ensino só é
utilizada para ensino fundamental e médio. Para as propostas educativas
voltadas às crianças menores de 7 anos, fica mantida a idéia mais geral de
educação, o que, se de um lado é positivo por permitir fugirmos do uso
mais tradicional da palavra ensino, isto é, um processo meramente
impositivo ou de treinamento de habilidades e conhecimentos, por outro,
nos coloca em situação melindrosa, na medida que favorece a negação da
existência de situações de ensino no processo de aprendizagem e
desenvolvimento daquelas crianças em contextos não familiares, como
Creches, Pré-escolas e Centros de Educação Infantil (BARBOSA, 1999, p.
1).
Parece-nos importante resgatar que a Educação Infantil diz respeito ao
atendimento, em instituições coletivas, da criança de zero a seis anos, mas nem
sempre foi assim. Apesar de algumas regulamentações legais e do reconhecimento
123
atual do caráter educativo das creches e pré-escolas, os programas existentes sofrem
os efeitos do percurso histórico deste atendimento, programas estes definidos muito
mais a partir de sua dimensão assistencial e de saúde preventiva, espalhados por uma
variedade de órgãos federais, estaduais e municipais ligados às áreas de saúde, bem-
estar social e outras, além da área educacional. Se a creche esteve historicamente
vinculada a diferentes órgãos públicos e fontes de financiamento, a pré-escola
desenvolveu-se mais claramente no âmbito educacional. Esta é uma das maiores
debilidades das políticas sociais brasileiras: a compartimentação. Com efeito, os
programas para crianças de zero a seis anos continuam fragmentados e antagônicos,
vivenciando os embates educação e assistência, criança de zero a três anos versus
criança de quatro a seis anos, cuidar e educar, recursos financeiros próprios, público
e privado, direito só da mãe (e não do pai), priorizados com relação aos direitos da
criança. Embora ainda convivamos com estas questões, Ana Lúcia Goulart de Faria
(2005, p. 1021-1022) pontua que:
[...] o direito de todas as crianças pequenas, não só das pobres, de serem
educadas em instituições coletivas na esfera municipal da área educacional,
não significa obrigatoriamente que elas vão ser apenas ensinadas e
preparadas para a primeira série, para não se acostumarem a ficar à toa,
como dizia Comenius, antecipando a escola obrigatória. Educar e cuidar
são objetivos da educação infantil, assim colocados para dar ênfase na
centralidade da criança e na sua especificidade em relação ao ensino
escolar. O que não quer dizer que a creche e a pré-escola também não
tenham o objetivo, como a escola, de reproduzir e coagir, e também de
transformar e libertar e, como toda educação, tem sempre o objetivo de
cuidar. Também não quer dizer que a educação nessas instituições não
tenha conteúdos escolares e o professor não ministra as disciplinas
escolares formais: o professor é um professor de crianças (grifos da
autora).
Como conseqüência, para seguir as trilhas das políticas de financiamento
público da educação infantil, não basta examinar as políticas e os mecanismos de
financiamento adotados na área educacional, nas várias esferas governamentais. É
necessário analisar, também, de acordo com Maria Malta Campos (1992), estes
mecanismos nas áreas da saúde, assistência social e trabalho, entre outras. Outro
aspecto a observar é que nem sempre o poder público atua diretamente na prestação
de serviços à população, ocorrendo o repasse de recursos públicos através de
convênios para as entidades privadas. Muitos destes convênios pagam apenas parte
124
124
dos custos com a manutenção dos serviços prestados, sendo que o restante dos custos
são financiados pelas entidades filantrópicas ou pela população.
Outro mecanismo a ser observado refere-se ao atendimento prestado por
empresas privadas a filhos de seus empregados, as quais abatem vários tipos de
despesas com esses serviços em seus impostos. Além disso, conforme observa
Campos (1992), os problemas ligados ao financiamento de políticas educacionais
para crianças de zero a seis anos ocorrem dentro de um quadro institucional e a partir
de especificidades na origem dos recursos muito diferentes dos demais níveis
educacionais.
Na medida em que tanto a situação da infância como a realidade dos
serviços a ela destinados têm implicações, com a situação geral do país, com sua
trajetória política ou sócio-econômica e com a história da produção e reprodução da
vida social, alguns períodos da história oficial são referências importantes para
analisar as mudanças nas concepções e práticas relativas às crianças e ao seu
atendimento.
Embora não seja possível, como ressalta Antonio Merisse (1997), fazer uma
correspondência exata entre datas marcantes da história brasileira e os momentos
precisos em que ocorreram mudanças significativas nas políticas públicas dirigidas à
infância, observa-se que tanto a situação das crianças como a das instituições
voltadas para elas revelam, em seus diferentes momentos, a organização do Estado e
da sociedade. Assinala, ainda, que a trajetória do atendimento infantil vivenciou
diversas fases interligadas e, às vezes, simultâneas e conjuntas filantrópica,
higiênico-sanitária, assistencial e educacional que envolveram uma série de ações
vinculadas a diferentes áreas de atuação governamental, tais como: educação,
assistência social, saúde, justiça e trabalho.
O período marcado pela filantropia iniciou-se no século XVI, com um
atendimento extremamente reduzido e precário, feito em nome da caridade, por
instituições não-governamentais, com a completa ausência do Estado, quer na sua
regulamentação jurídica, quer no oferecimento dos serviços e no seu financiamento.
A intervenção pedagógica foi inaugurada com a atuação da Companhia de Jesus, em
1549, marcada por educar para a fé católica e para a submissão. Os curumins foram
125
considerados os alvos ideais para o processo de aculturação, catequização.
Difundiam-se duas representações da infância: a da criança mística e da criança que
imita Jesus. A alma infantil era considerada uma tabula rasa, papel em branco,
facilmente moldável. Por outro lado, a criança escrava possuía uma inserção social
diferente da criança branca abastada e era usurpado seu direito à infância. O modelo
de atendimento no período colonial foi o da Casa da Roda, também chamada Casa
dos Expostos ou Casa dos Enjeitados, onde se ofereciam abrigo e alimentação a
crianças abandonadas, através de um trabalho de caráter filantrópico sob a égide da
caridade. O relato do imperador Pedro I à Assembléia Constituinte, em maio de 1823,
retrata a realidade da infância brasileira no Império:
[...] a primeira vez que fui à Roda dos Expostos, achei, parece incrível, sete
crianças com duas amas; sem berço, sem vestuário. Pedi o mapa e vi que
em 13 anos tinham entrado perto de 12 mil e apenas tinham vingado mil,
não sabendo a Misericórdia verdadeiramente onde elas se achavam (apud
PASSETTI, 2004, p. 348).
Sobreviver continuou sendo tarefa difícil para a maioria da população, de
acordo com Edson Passetti (2004), tanto no Império como na República. Foi o
período das filantropias e políticas sociais que valorizaram a internação sem
encontrar soluções efetivas para as crianças e jovens, deslocando-os dos orfanatos e
internatos privados para a tutela do Estado, retornando-os para os particulares,
inalterando as condições de abandono e infração.
O período marcado pelo higienismo constituiu um forte movimento,
segundo Merisse (1997), ao longo do século XIX e início do século XX, formado por
sanitaristas e filantropos, com um caráter médico, que buscavam impor-se aos centros
de decisão do Estado para obter investimentos e intervir na regulamentação da área
da saúde e no ordenamento de outras esferas da vida social. O higienismo conseguiu
influenciar a emergência de novas concepções e novos hábitos diante dos altos
índices de mortalidade infantil, das condições precárias de saúde dos adultos, da
disseminação de novos conhecimentos e técnicas científicas. A idéia de infância e de
educação escolar foram constituídas simultânea, solidária e dependentemente, com
isso,
126
126
[...] ao representar a infância como o porvir do amanhã, acionando o
argumento de religião-caridade, da prevenção, da economia, da eugenia ou
mesmo do direito, tal esforço colabora para se construir a representação da
escola higiênica higienizada e higienizadora como incubadora de um
amanhã regido e controlado pela racionalidade comprometida com uma
ordem que produzia seus engeitados e incluídos, tanto como enunciava
dispositivos voltados mais para a redução dos efeitos das desigualdades
existentes entre uns e outros do que propriamente para a erradicação de
suas efetivas motivações (GONDRA, 2002, p. 124).
No final do século XIX, surgiram as primeiras creches no Brasil,
semelhantes às instituições asilares, como as de Anália Franco, que foram instaladas
em São Paulo. Anália Franco e um grupo de senhoras, em sua maioria professoras,
fundaram a Associação Feminina Beneficente e Instrutiva, uma sociedade destinada
ao amparo e educação da mulher e da infância. O primeiro passo da instituição foi
criar um Liceu Feminino destinado a preparar professoras para as escolas chamadas
maternais e uma escola noturna destinada à alfabetização da mulher A clientela das
instituições destinadas à infância, quer fossem creches, escolas maternais ou
orfanatos, era constituída por crianças órfãs e abandonadas e alguns filhos de
jornaleiras, e contavam com atividades pedagógicas planejadas e com a participação
de professoras. Anália Franco foi a primeira educadora brasileira a utilizar as
expressões creches e escolas maternais para as instituições coletivas de atendimento
infantil.
Com a República instalou-se a educação pré-escolar para filhos das camadas
médias e superiores da sociedade, e para os filhos de ex-escravos, operários e
trabalhadores em geral, em entidades do âmbito da assistência social e da saúde
pública. Maria Luiza Marcilio (1998) pontua que, neste período ficou bem delineada
a distinção entre a criança rica e a criança pobre.
A primeira é alvo de atenções e das políticas da família e da educação, com
objetivo de prepará-la para dirigir a sociedade. A segunda, virtualmente
inserida nas classes perigosas e estigmatizada como menor, deveria ser
objeto de controle especial, de educação elementar e profissionalizante,
que a preparasse para o mundo do trabalho. Disso cuidaram com atenção os
médicos higienistas e o juristas das primeiras décadas deste século
(MARCILIO, 1998. p. 224).
127
É interessante atentarmos para que as creches também foram destinadas a
minimizar os problemas decorrentes do grande número de crianças e mulheres em
condições de miséria. Segundo Maria Vittoria Civiletti (1991), a creche liberou a
mão-de-obra feminina e garantiu a sobrevivência das crianças da classe trabalhadora,
tornando-se um lugar privilegiado de controle sobre esta classe, assumindo, com
raras exceções, o caráter controlador que a filantropia delegou à escola. Neste
sentido, Moysés Kuhlmann Junior (2004) assinala que
A creche não era defendida de forma generalizada, pois trazia à tona
conflitos, tais como a defesa da atribuição de responsabilidade primordial à
mãe na educação da criança pequena. [...] No entanto, se a proposta de
constituição das creches foi objeto de controvérsias, a afirmação da sua
necessidade pressupunha que essas instituições poderiam colaborar para
conciliar a contradição entre o papel materno defendido e as condições de
vida da mulher pobre e trabalhadora, embora esta não deixasse de ser
responsabilizada por sua situação (p. 87-88).
Constatamos através da pesquisa que três influências básicas médico-
higienista, jurídica-policial e religiosa podem ser identificadas na composição de
forças presentes na elaboração das políticas assistenciais, em nosso país, nas
primeiras décadas do século XX, conforme esclarece Kuhlmann Junior:
As novas instituições não eram apenas um mal necessário, mas
representavam a sustentação dos saberes jurídico, médico e religioso no
controle e elaboração da política assistencial que estava sendo gestada, e
que tinha na questão da infância o seu principal pilar. Cada saber
apresentava as suas justificativas para a implantação de creches, asilos ou
jardins-da-infância, e seus agentes promoveram a constituição de
associações assistenciais privadas, [...]. Essas influências se articularam,
em nosso país, tanto na composição das entidades, como na participação e
organização de congressos sobre os temas da assistência, da higiene, da
educação, etc., que ocorreram em número expressivo durante o período
estudado (2004, p. 87-88; grifo do autor).
A este respeito, cabe assinalar que, enquanto faltava interesse da
administração pública pela infância brasileira, principalmente a pobre, existiam
algumas alternativas provenientes de grupos privados. O Estado, conforme salienta
Merisse (1997), começou a atuar como agente que regulamenta e fiscaliza as
atividades realizadas pelas entidades, sendo as mesmas particulares e geralmente
vinculadas a associações filantrópicas ou religiosas e algumas poucas ligadas a
empresas.
128
128
Dentre estes grupos, encontrava-se o grupo fundador do Instituto de
Proteção e Assistência à Infância do Brasil, criado em 1899, com sede no Rio de
Janeiro. Foi criado e implementado por este Instituto, em 1919, o Departamento da
Criança no Brasil com a tarefa de organizar o arquivo histórico sobre a situação da
proteção à infância brasileira; de fomentar iniciativas de amparo à mulher grávida e a
criança pobre; de promover eventos, publicar boletins e divulgar conhecimentos; de
acompanhar as estatísticas sobre mortalidade infantil; e concorrer a aplicação das leis
de amparo à criança. Embora a responsabilidade do Departamento coubesse ao
Estado, não recebeu nenhum financiamento deste, nem da municipalidade
(KRAMER, 2001).
O primeiro Congresso Brasileiro de Proteção a Infância foi realizado em
1922, congregando participantes ligados à vida pública e à iniciativa privada. Neste
evento a temática discutida a favor da higienização da infância ampliou-se,
articulando os argumentos médico-religiosos ao econômico. Com esse deslocamento,
José Gonçalves Gondra (2002) observa que o cuidado com a infância passou a ser
representado como investimento, tendo em vista gerar/produzir sujeitos que
pudessem ser integrados produtivamente ao mundo do trabalho (p. 113; grifo do
autor).
Particularmente, no início do século XX, o Estado passou a ter sua
presença cada vez mais exigida no enfrentamento direto dos problemas relacionados
à infância, a partir da articulação de um conjunto de práticas que tanto ofereciam
assistência social quanto propunham medidas de controle jurídico sobre a infância
dos mais pobres. A concepção da assistência científica, formulada neste período, em
consonância com propostas das instituições de educação popular difundidas nos
congressos e exposições internacionais, promovia uma pedagogia da submissão,
preparando os pobres para aceitar a exploração social. O atendimento da pobreza não
deveria ser realizado com grandes investimentos, cabendo ao Estado repassar os
recursos, sem gerir diretamente as instituições. Em 1927 foi ordenado o Código de
Menores quando a infância dos pobres passou a ser segregada, diferenciada e
identificada como a infância dos delinqüentes e abandonados, conduzindo até meados
129
dos anos oitenta o padrão brasileiro de proteção social. É com características de
culpabilização/vitimização e subalternização, de acordo com Deise Nunes:
[...] que o padrão de proteção social vai se legitimando entre nós e
legitimando olhares e práticas sociais que oscilam entre a compaixão e a
culpabilização, que são reprodutoras de uma mesma lógica: a lógica da
repressão aos pobres, que são associados ao perigo e à ameaça. Em síntese,
essa lógica se traduzia em dois tipos de práticas: uma voltada para os que
já haviam penetrado nos circuitos da criminalidade e da exclusão social
os menores delinqüentes , tutelados pelo Estado e submetidos à reclusão
social e outra para aqueles que eram vistos com possibilidades de se
integrarem à sociedade através do trabalho os menores abandonados
que ficavam sob responsabilidades das ações da área da assistência social e
filantrópica (2005, p. 75).
Enquanto no Brasil as instituições coletivas de atendimento a crianças
menores de sete anos foram criadas no século XX, na Europa desde o século XVIII
havia creches e do século XIX, jardins de infância. Kuhlmann Junior (2000) analisa
que, no período de 1930 a 1980, as políticas para a infância permaneceram baseadas
na assistência, na filantropia e na religiosidade, e que não foram implementadas, no
plano estatal, políticas efetivas para a infância brasileira. Como novidade, houve o
atendimento em instituições governamentais nas esferas federal, estadual e
municipal, ocorrendo de modo dicotomizado, isto é, por meio de programas ligados à
área da saúde e da assistência, vinculados indiretamente à área educacional, e em
parte ligado aos sistemas de educação, especialmente no atendimento de crianças de
quatro a seis anos. Estas medidas revelam a ausência de uma política clara, com
superposição e fragmentação de ações, pulverização de recursos e parceria entre
público e privado.
Como podemos verificar, com a industrialização e a urbanização crescentes
e com a lenta formação de uma classe média e de um operariado, nos anos vinte e
trinta do século passado, assistiu-se, no contexto educacional, a uma intensa
movimentação em defesa da escola pública. Em 1932, o Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova apresentou uma proposta para a educação brasileira sem excluir as
crianças de zero a seis anos, propondo o desenvolvimento das instituições de
educação e de assistência física e psíquica à criança em idade pré-escolar (creche,
escolas maternais e jardins de infância) e de todas as instituições complementares
peri-escolares e pós-escolares. A preocupação com a educação anterior à escola
130
130
primária apareceu e refletiu-se na obra de Mário de Andrade, que criticou a burguesia
e realizou um projeto incluindo a classe operária; na obra de Anisio Teixeira, que não
referiu-se às classes sociais, mas propôs a educação de crianças pequenas e de suas
famílias; e na obra de Lourenço Filho que criou e coordenou uma campanha nacional
de educação para a infância que teve como tônica a criança como futuro da nação
(FARIA, 2002).
Mário de Andrade colocou em prática quase todos os itens reivindicados no
Manifesto de 1932, através do Departamento de Cultura da Prefeitura Municipal de
São Paulo, inaugurando uma rede municipal de educação não-escolar para menores de
sete anos. Os parques infantis foram uma proposta de educação infantil nos anos de
1935 a 1938, a primeira iniciativa oficial de maior escala, visando atender as crianças
de famílias trabalhadoras da cidade, filhos de pais e es operários. Estes foram
concebidos como um dos espaços públicos brasileiros para as crianças de três a sete
anos, apesar de atender crianças até doze anos, com atividades educacionais, não
escolares, centradas nos jogos, brincadeiras e no folclore brasileiro. As atividades
desenvolvidas garantiram, segundo a pesquisa de Faria (2002, p. 19), um trabalho
integrado em vários níveis: a criança, o jogo, a cultura, a educação e a saúde estavam
ali sempre juntos. O fio condutor das atividades era delineado por meio de objetivos
estéticos e artísticos, possibilitando às crianças se expressarem das mais diferentes
formas possíveis, propiciando educação de qualidade, específica para a criança
pequena, sem escolarizá-la, tratando-a como um ser diferente do adulto, como um
outro, como alguém que cria uma determinada cultura, a cultura infantil. O olhar
voltado para a criança contribuiu para a construção de um projeto cultural-educativo
em que não estavam antagonizados assistência e educação, mas contemplada
plenamente a infância. O projeto cultural-educativo foi condensado em dois blocos
por Faria:
[...] 1) a pré-escola enquanto melhoria da qualidade de vida das camadas
populares, e 2) a pré-escola como um espaço para o adulto conhecer a
criança nesta fase da vida (portanto, melhoria também da formação
profissional dos educadores), onde o folclore e os jogos tradicionais
infantis contribuem para o sucesso dessa tarefa, dando oportunidade para as
crianças criarem a cultura infantil e conhecerem a diversidade da cultura
brasileira (portanto, o ser criança integral/completo, um outro diferente
131
do adulto aprendendo a conviver com a diversidade, com os outros)
(2002, p. 203).
A Constituição de 1934 incorporou as contribuições do Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova, e ouviu os educadores que, comprometidos com a
democratização da educação brasileira, advogavam a escola pública para todos. No
entanto, o Estado não assumiu a educação infantil como sua responsabilidade e as
iniciativas continuavam a ter, segundo Sônia Kramer (2001), uma perspectiva de
medicalização da assistência à criança até seis anos, por um lado, e a psicologização
do trabalho educativo, por outro lado, imbuídos de uma concepção abstrata de
infância (p. 55). O governo dividia os custos com os órgãos particulares, mas
centralizava a direção e o controle do atendimento, atuando como órgão fiscalizador,
imprimindo uma tendência assistencialista e paternalista à proteção à infância, em
que o atendimento não se constituía em direito, mas em favor.
Neste momento histórico concretizaram-se trabalhos de assistência social e
educacional à infância e foram criados órgãos estatais destinados ao atendimento
infantil, como: o Ministério da Educação e Saúde, em 1930; o Departamento
Nacional da Criança (DNCr), em 1940; e o Serviço de Assistência a Menores (SAM),
em 1941. Posteriormente, foram criados também, no âmbito nacional, o Instituto
Nacional de Alimentação (INAM), em 1972 e a Coordenação de Educação Pré-
escolar (COEPRE), em 1975. No âmbito internacional foram criados o Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF), em 1946 e a Organização Mundial de
Educação Pré-Escolar (OMEP), em 1948.
O DNCr foi criado em 1940, vinculado, inicialmente, ao Ministério da
Educação e Saúde Pública e, posteriormente, em 1951, ao Ministério da Saúde, até o
ano de 1970, quando foi substituído pela Coordenação de Proteção Materno-Infantil.
Durante quase trinta anos, o DNCr foi o principal formulador da política oficial para
a infância no Brasil, propondo um atendimento materno-infantil basicamente médico,
denominado de puericultura, de responsabilidade oficial, sem descartar a iniciativa
particular. A puericultura buscava reduzir a mortalidade infantil e formar um novo
homem brasileiro, compatível com o desenvolvimento industrial e a nova ordem
capitalista vislumbrada para o país, podendo ser vista como uma atualização do
movimento higienista do século dezenove (MERISSE, 1997, p. 40).
132
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O SAM foi criado em 1941, vinculado ao Ministério da Justiça e Negócios
Interiores e articulado ao Juizado de Menores, destinado ao atendimento de menores
de dezoito anos, abandonados e delinqüentes. No ano de 1942, passou a subordinar-se
à Legião Brasileira de Assistência (LBA). Durante aproximadamente vinte anos, a
LBA consolidou-se como o órgão central de ação assistencial, sendo a formuladora e
executora da política governamental da assistência destinada à família e ao
atendimento da maternidade e da infância. Proporcionava, ainda, subvenções
financeiras e apoio técnico para a implantação e a manutenção pelos estados,
municípios e pelas entidades não-governamentais, de centros de atendimento e
proteção à criança e à mãe.
Durante esse mesmo período histórico há outra esfera de ação do Estado que
é significativa para a educação infantil. O governo instituiu a Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT), em 1943, tornando obrigatório, a todas as empresas que
empregassem mais de trinta mulheres, o oferecimento de um local apropriado onde
fosse permitido às empregadas guardar sob vigilância e assistência seus filhos no
período de amamentação. Além disso, no período de 1946, foram criados o Serviço
Social da Indústria e o Serviço Social do Comércio, cujos recursos (dois e meio por
cento da folha de pagamento dos funcionários) financiariam diferentes tipos de
serviços para os filhos de industriários e comerciários, inclusive creches e pré-
escolas Estas iniciativas foram oferecidas como um benefício ou uma concessão
trabalhista para a mulher trabalhadora, e não como um direito do trabalhador ou
mesmo da criança.
É interessante atentarmos para que o cenário nacional mergulhou na
repressão e no fechamento político, com a ditadura do Estado Novo. Em relação às
políticas direcionadas à infância, em particular de zero a seis anos, observou-se a
criação pelo Estado de muitas instituições, mantendo a ênfase no atendimento
médico, acrescida do caráter assistencial, tratando de proteger, tutelar, salvar uma
infância que se considerava abandonada pela família e que deveria ser abrigada pelo
Estado. Ao longo das décadas de quarenta e cinqüenta, surgiu um grande
número de creches. No entanto, conforme os estudos de Merisse (1997), se
inicialmente o objetivo principal das primeiras creches era reduzir o índice de
133
mortalidade infantil, estas, com o tempo, passam a apresentar características de uma
instituição destinada a permitir a utilização da força de trabalho feminina.
As Organizações Internacionais de atendimento à infância, como a OMEP e
o UNICEF, passaram a influenciar e a direcionar o atendimento às crianças pequenas,
viabilizando uma concepção compensatória de educação, implementada como medida
de promoção social, buscando suprir as deficiências sociais, econômicas e culturais
das crianças carentes e equalizar as oportunidades educacionais. Sem perder de vista
este contexto, é oportuno ressaltar que, a disseminação da teoria da privação
cultural, a partir dos anos sessenta, explicitou um caráter compensatório nas
propostas didático-pedagógicas das instituições infantis, atribuindo a estas a função
de preparar para a alfabetização, prevenindo o fracasso escolar, desenvolver a
estimulação cognitiva, e compensar não somente as carências afetivas, mas também o
déficit cultural das camadas menos favorecidas. Vale salientar a análise de Kramer
que critica esta visão:
Supor que os problemas econômicos podem ser superados sem
modificações nas relações de produção existentes, ou seja, sem mudanças
na infra-estrutura econômica, reflete uma concepção idealista e liberal do
mundo. Significa, ainda, que a sociedade de classes não é vista enquanto
tal. É falsa a crença na educação, na escola ou na pré-escola, como motores
da revolução social, porque esta acontece quando são transformadas as
relações de produção existentes, e o papel da educação (no caso, também
da educação pré-escolar) pode ser o de contribuir para manter ou mudar
uma dada realidade social em função de sua conjuntura política e
econômica, não o de ser responsável pela transformação dessa conjuntura
(2001, p. 30).
Cabe abordar que a industrialização e o crescimento econômico nacional se
insurgiram com o processo de democratização vivido no pós-guerra, tanto no
contexto internacional como também no Brasil. No plano político, o país viveu o
intenso movimento pela Constituição de 1946 e, no campo educacional,
confrontaram-se privatistas e publicistas, eclodindo novamente a defesa da escola
pública. Eram intensas as lutas em torno da LDB, que acabaria só sendo promulgada
em 1961 com amplas vantagens para o setor privado, entre elas a subvenção de
escolas particulares com recursos públicos e a conseqüente expansão do ensino de
segundo grau privado. A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a lei
4.024/61, discretamentemente refere-se à Educação Infantil, segundo Romanelli
134
134
(2003, p. 181), considerando-a Ensino pré-primário, composto de escolas maternais
e jardins de infância.
O golpe militar de 1964 produziu uma mudança na ação governamental
dirigida à infância e adolescência com a extinção do SAM e criação da Fundação
Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), implantando um modelo de
atendimento assistencialista e repressor à faixa pré-escolar e a jovens marginalizados
compreendidos como menores carentes. Parte dos problemas de falta de recursos foi
equacionada com uma nova fonte de receita: recebimento de uma proporção da renda
líqüida obtida pela Loteria Esportiva Federal (KRAMER, 2001).
No final da década de sessenta, a Educação Infantil passou a integrar a
agenda das políticas de desenvolvimento econômico e social elaborada pelos
Organismos Internacionais vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU) para
os países em desenvolvimento. Estes ampliaram o atendimento como via para
combater a pobreza e melhorar o desempenho do ensino fundamental por meio de
modelos que minimizassem os investimentos públicos, apoiados pelos recursos da
comunidade através de programas denominados não-formais, alternativos, não-
institucionais, acarretando uma educação para a subalternidade. Esta concepção,
salienta Rosemberg (1999, 2001b), foi elaborada gradualmente e divulgada
inicialmente pela UNESCO e UNICEF através de diferentes canais e atingiu o Brasil
durante o período militar, encontrando terreno fértil para sua proliferação e recriação
conforme o ideário da Guerra Fria, da Doutrina de Segurança Nacional, que incluía
o combate à pobreza, à participação da comunidade na implementação de políticas
sociais, estratégia de atuação junto aos governos nacionais e entrada da UNICEF na
esfera da educação.
Essa nova estratégia acarretou a expansão da ação da UNICEF para além
do binômio saúde-nutrição que constituíra a prioridade daquela instituição
até então, envolvendo-se, de início, em projetos educacionais e,
posteriormente, voltando sua atenção para a ‘transmissão de valores às
novas gerações, até ocupar-se da criança como um todo. É nesta
caminhada globalizante que a UNICEF voltou sua atenção para a educação
pré-escolar, e investiu em terreno que, até então, era competência da
UNESCO (Myers, s/d). Ou seja, uma instituição que vinha atuando na área
da assistência à infância, borra os contornos de sua competência e entra em
seara alheia, a educação escolar, da alçada da UNESCO (ROSEMBERG,
1999, p. 15-16).
135
Vale registrar que dois grandes programas federais de massa foram criados
absorvendo as recomendações anteriormente citadas: um assistencial, através da
LBA, o Projeto Casulo; outro, o Programa Nacional de Educação Pré-Escolar,
implantado pelo Ministério da Educação, através do Movimento Brasileiro de
Alfabetização de Adultos (MOBRAL). Pelo que se pode notar, tanto a LBA como o
MEC adotaram modelos convergentes de Educação Infantil, sendo que as creches e
pré-escolas, instituições coletivas distintas até o início dos anos setenta, pouco ou
nada, se diferenciaram. Ambas as instituições, de acordo com Rosemberg (1999),
subordinaram a educação à assistência, visaram a compensação de carências,
definiram as mesmas zonas e regiões para intervenção (região Nordeste e periferias
urbanas), e o modelo pedagógico foi baseado na redução de investimentos
governamentais. As avaliações dos programas retratavam as implicações deste
modelo a baixo investimento governamental: inadequação na formação de pessoal,
precariedade das instalações físicas, insuficiência de materiais pedagógicos e de
alimentação. É significativo destacar que, apesar disso, os programas se expandiram.
Os documentos que lançaram as diretrizes internacionais ou nacionais do
modelo de educação pré-escolar de massa, na década de sessenta, eram extremamente
vagos a respeito de financiamento: não havia propostas de abertura de alíneas
orçamentárias específicas; a pré-escola devia autofinanciar-se, via comunidade ou
aproveitar os recursos disponíveis, via articulação de programas. Observa-se que o
atendimento ainda era muito reduzido e concentrava-se no setor privado.
Neste contexto, Rosemberg (1992) pontua que uma das decorrências deste
modelo de massa foi a situação indefinida da pré-escola, situada tanto dentro como
fora do sistema educacional. Esta era tratada não como um nível educacional, mas
como um programa, um pacote, destinada a suprir as necessidades contingenciais,
temporárias ou emergenciais, como retratou o documento do DNCr, citado por
Rosemberg (1999, p. 16):
O plano do DNCr de 1967 é explícito ao especificar que se trata de uma
política de assistência ao pré-escolar e não de uma política educacional
para a pré-escola, especificidade que se perde, porém, em planos
subseqüentes que se autodenominaram programas nacionais de educação
pré-escolar. O documento do DNCr é sóbrio, sinalizando tratar-se de um
plano de emergência, sobriedade que também se perde em propostas
136
136
subseqüentes: nas décadas de setenta e oitenta o qualificativo emergência
foi substituído por alternativo, não convencional, informal em
oposição à educação tradicional, ‘institucional ou formal. Aquilo que,
inicialmente, era determinado pela falta de recursos passou a ser
teorizado tornando-se, muitas vezes, nos textos, um ideal a ser
perseguido, um modelo a ser imitado. Esse modelo foi propagado no
território nacional para o atendimento blico ou subconvencionado com
verbas públicas.
Além disso, a autora (2002b) ressalta a importância de avaliar os gastos
diretos ou indiretos decorrentes da implantação destes programas desvendando quem
se beneficiou com o investimento da verba pública, pois tais programas,
possivelmente retardaram o processo de construção nacional de um modelo de
educação infantil democrático, de qualidade, centrado na criança, isto é, em suas
necessidades e cultura (p. 39).
No decorrer dos anos setenta, vários movimentos sociais das diferentes
camadas da população, entre eles o movimento das feministas e das mulheres
trabalhadoras, reivindicaram aos poderes públicos seus direitos sociais e de
cidadania, alterando e acrescentando significados à instituição de atendimento à
criança de zero a seis anos. Esta, segundo Merisse:
[...] começa a aparecer como um equipamento especializado para atender e
educar a criança pequena, que deveria ser compreendida não mais como um
mal necessário, mas como uma alternativa que poderia ser organizada de
forma a ser apropriada e saudável para a criança, desejável à mulher e à
família. A creche irá, então, aparecer como um serviço que é um direito da
criança e da mulher, que oferece a possibilidade de opção por um
atendimento complementar ao oferecido pela família, necessário e também
desejável (1977, p. 49; grifo do autor).
As propostas dos vários movimentos sociais das diferentes camadas da
população contribuíram para a ampliação e a melhoria do atendimento às crianças
pequenas de baixa renda, influenciando as concepções e práticas das camadas médias,
que buscaram também alternativas para a educação de seus filhos, compatíveis às
novas exigências do mundo do trabalho e da vida em centros urbanos. Uma nova
identidade começou a emergir deste processo histórico, gerando transformações na
esfera da família e dos papéis sociais, configurando a instituição de atendimento
infantil como um direito da família e da criança. Nesta nova ótica, buscou-se romper
137
com o estigma das antigas entidades asilares, parecidas com depósitos de crianças
pobres.
Na sanção da Lei 5.692/71, que fixou as diretrizes e bases para o ensino de
primeiro e segundo
grau, observou-se ainda a omissão do Estado na efetivação da
educação infantil, cabendo sua prescrição em um único parágrafo dentro do artigo
dezenove, referindo-se aos sistemas de ensino que velarão para que as crianças
menores de sete anos recebam conveniente educação em escolas maternais, jardins de
infância e instituições equivalentes. O termo velarão representava a concepção
implícita no texto da lei, pressupondo uma educação simbólica, paliativa e
coadjuvante, pois a educação infantil não contribuiria no contexto histórico da época,
de forma imediata, no processo de industrialização, e sim o ensino de segundo grau.
Como podemos observar, o início da década de oitenta foi marcado pela
discussão acerca do papel das instituições coletivas de Educação Infantil. O meio
acadêmico fez críticas às teorias de privação cultural e ao caráter compensatório ou
preparatório da pré-escola. Os movimentos sociais organizados pela sociedade civil
e pelos profissionais da área defenderam o que entendiam por caráter educacional ou
pedagógico para estas instituições, contrapondo-se ao que, então, se considerava
como meramente assistencial. Da mobilização participaram, além dos atores sociais
tradicionais, o Movimento de Mulheres e o Criança Pró-Constituinte, os quais
elaboraram uma proposta para a Constituição Federal de 1988, reconhecendo a
Educação Infantil como uma extensão do direito universal à educação de crianças
menores de sete anos, e um direito de homens e mulheres trabalhadores de terem seus
filhos pequenos cuidados e educados em creches e pré-escolas. Estes direitos foram
escritos, tanto no capítulo da educação quanto no dos direitos à assistência social,
sendo a primeira constituição na história do Brasil a afirmar a cidadania da criança ao
estabelecer que ela é sujeito de direitos (CORRÊA, 2002).
Romualdo Portela Oliveira (2002), ao analisar as variações no tratamento
dado ao direito à educação nas Constituições brasileiras de 1824, 1891, 1934, 1937,
1946 e 1967, observou que não se menciona a educação infantil como integrante do
direito à educação nas prescrições educacionais das Constituições analisadas (p. 24).
No entanto, na Constituição Federal de 1988, além de formalizar qualitativamente a
declaração de direito à educação em relação às constituições anteriores, ampliou-o
138
138
em muitos aspectos, inclusive no atendimento em creche e pré-escola das crianças de
zero a seis anos de idade.
2.2.2 Educação Infantil: velhos ou novos desafios?
Mudanças ocorridas na legislação brasileira, nas duas últimas décadas do
século XX, ampliaram o sistema de proteção social à infância, ganhando centralidade
a Educação Infantil e configurando-se num ordenamento legal: a Constituição
Federal de 1988, na qual houve a vinculação do atendimento institucional em creches
e pré-escolas no capítulo da Educação; o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), Lei 8.069/90, que atribui ao Poder Público prioridade na efetivação dos
direitos das crianças; a Lei Orgânica da Assistência Social, Lei 8.742/93, que definiu
a assistência social como direito do cidadão e dever do Estado e teve por objetivo a
proteção à família, à maternidade, à infância à adolescência e à velhice e o amparo às
crianças e adolescentes carentes; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), Lei 9.394/96, que definiu a Educação Infantil como um direito da criança e
dever do Estado; o Plano Nacional de Educação (PNE), Lei 10.172/01, que
estabeleceu diretrizes, objetivos e metas, por um período de dez anos, para as
políticas educacionais, em todos os níveis e modalidades de ensino.
Parece-nos importante resgatar, neste ponto que, apesar de a Declaração
Universal dos Direitos da Criança, promulgada em 1959, pela ONU, ser um marco
no reconhecimento da infância como sujeito de direitos, somente foi legislada no
Brasil com a Constituição de 1988 e com o ECA. Segundo Marcilio (1998) pela
primeira vez em nossa história, seguindo a tendência já instaurada em outros países
ditos avançados, as crianças deixam de ser objeto e passam a ser sujeitos de Direito
(art. 227 da Constituição Federal) (p. 228, grifo da autora). Hoje, de acordo com
Faria (2005, p. 1027), sabemos que a criança é um ser humano competente, capaz de
múltiplas relações, portador de história, produzido e produtor cultural, e assim é
sujeito de direitos.
Nesta mesma direção, a LDB/96, pela primeira vez na história da legislação
brasileira, proclamou a Educação Infantil como direito das crianças menores de sete
139
anos e dever do Estado, passando a ser pensada no âmbito da Educação Básica.
Proclamou também que, embora a matrícula não seja obrigatória, todas as famílias
que optarem por partilhar com o Estado a educação e o cuidado de seus filhos
deverão ser contempladas com vagas nas instituições de Educação Infantil.
Com relação aos profissionais da Educação Infantil, a LDB/96 proclamou
que todos deverão até o ano de 2007 final da Década da Educação ter formação
em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena e institutos
superiores de educação, podendo ser aceita formação mínima em nível médio, na
modalidade Normal. A criação dos Institutos Superiores de Educação e do Curso
Normal Superior (Decreto Federal n. 3.276 de 06 de dezembro de 1999) acentuou o
polêmico debate na luta por um projeto hegemônico de formação de professores. A
exclusividade do Curso Normal Superior e as mudanças no curso de Pedagogia, que
deixaria de formar professores para habilitar especialistas em gestão e administração
escolar, desencadeou ampla mobilização do movimento em defesa da formação de
professores que conduziu à alteração do primeiro artigo do Decreto, substituindo o
termo exclusivamente por preferencialmente.
A gestação dos documentos relativos à formação das professoras tem se
dado em meio a embates políticos entre dois projetos distintos: de um lado,
o projeto defendido pelo movimento organizado dos educadores, que
entende a formação como parte da luta pela valorização e
profissionalização do magistério, considera a universidade como lugar
privilegiado para essa formação; defende uma sólida formação teórica;
assume a pesquisa como princípio formativo e elemento articulador entre
teoria e prática e concebe o professor como intelectual; de outro, o projeto
defendido pelo Conselho Nacional de Educação, que se submete às
políticas neoliberais impostas pelos organismos internacionais com a
retirada da formação das professoras das universidades e propondo uma
formação técnico-profissionalizante com amplas possibilidades de
aligeiramento, sem espaço para uma reflexão profunda sobre os processos
educativos, reduzindo o papel da professora a mera executora de tarefas
pedagógicas e restringindo a concepção de pesquisa e de produção de
conhecimento à esfera do ensino (CERISARA, 2002, p. 35).
Precisamos considerar as críticas de vários educadores e alguns segmentos
organizados (FREITAS, 1999; KUENZER, 1999; VEIGA, 2002; dentre outros) no
que se refere ao locus de formação dos profissionais da educação. As críticas
levantadas pontuam as implicações negativas de realizar a formação de professores,
tendo como eixo central o ensino, fora das universidades, em instituições
140
140
educacionais sem pesquisa e extensão como os Institutos Superiores de Educação, os
quais são orientados somente para a capacitação docente.
Nesta linha de reflexão, observa-se que, certamente, a orientação econômica
foi a base para a criação dos polêmicos Cursos Normais Superiores, que podem isolar
os professores da reflexão científica e crítica que se dá no espaço universitário. Nota-
se que as políticas orientadas pelo Banco Mundial e regulamentadas pela LDB/96,
para a formação do magistério, foram monitoradas pela visão economicista de
racionalização dos custos e sua estratégia de capacitação em serviço, como meio
eficiente e menos oneroso de preparo docente.
Em relação à formação dos profissionais da Educação Infantil, observa-se
um número acentuado de cursos emergenciais, geralmente pagos, com redução do
tempo de formação do curso, pouca exigência quanto ao nível de formação dos
professores docentes, e o seu isolamento em relação à formação em nível superior
dos demais profissionais nas universidades. Como podemos verificar, mais uma vez o
governo delega a estes profissionais a responsabilidade por sua formação, sem
assumir como seu o papel de fornecer as condições básicas para que eles se
profissionalizem.
Neste período de significativos marcos legais, o Ministério da Educação
criou, em 1993, a Coordenação Geral de Educação Infantil (COEDI), agregada à
Secretaria de Educação Fundamental, cujos objetivos eram: viabilizar uma política
nacional de Educação Infantil no Brasil buscando a participação da sociedade civil na
formulação das políticas públicas, rompendo com o modelo puramente
assistencialista que predominava no país; expandir a oferta de vagas para as crianças
pequenas; fortalecer, nas instâncias competentes, a concepção de Educação Infantil
definida no documento Política nacional de educação infantil; além de promover a
melhoria da qualidade do atendimento em creches e pré-escolas. Dentre as várias
diretrizes gerais propostas, destacam-se a equivalência de creches e pré-escolas,
ambas com a função de cuidar e educar, e a formação equivalente para o profissional
de creche e pré-escola em nível dio ou superior (BRASIL, 1994). Uma série de
documentos foi elaborada, publicada e distribuída em todo território nacional,
especialmente junto às secretarias estaduais e municipais de educação, no período de
141
1994 a 1998, com intuito de propor diretrizes para uma política nacional para a
infância.
No contexto internacional, é oportuno ressaltar que as políticas neoliberais,
chamadas de minimalistas com relação à educação, mostraram-se ainda menores para
a Educação Infantil: muitas vezes não têm a criança pequena como alvo, nem
pronunciam-se a respeito da primeira etapa da Educação Básica, sendo que, somente
em alguns documentos recebeu destaque na agenda internacional. Vale ressaltar a
Conferência Mundial sobre Educação para Todos realizada em Jomtien, Tailândia,
em março de 1990, que definiu a educação básica como prioridade para a década,
ampliando e redefinindo o seu alcance, iniciando a aprendizagem com o nascimento.
Isto implica cuidados básicos e educação inicial na infância, proporcionado através
de estratégias que envolvam as famílias, comunidades ou programas institucionais,
como for mais apropriado. Cabe registrar, também, o recente Marco de Ação de
Dakar proposto no Fórum Mundial de Educação para Todos, em abril de 2000, no
Senegal, que adotou como meta expandir e melhorar o cuidado e a educação da
primeira infância, de modo integrado, especialmente para as crianças mais
vulneráveis e desfavorecidas.
É importante frisar que, na década de 1990, os Organizações Internacionais
entraram em cena novamente, via Banco Mundial já que nos anos oitenta pouco
atuaram na Educação Infantil , recuperando propostas eqüivalentes às da UNESCO
e UNICEF dos anos 70, desconsiderando o pequeno percurso brasileiro na construção
de uma EI democrática (ROSEMBERG, 2002b, p. 11). As influências do Banco
Mundial na educação de crianças de zero a seis anos foram percebidas através de dois
eixos complementares: o da reforma educacional geral, focalizando os investimentos
no Ensino Fundamental, e o da retomada da proposta de programas alternativos
informais a baixo investimento público para crianças pequenas pobres. Conforme
ressalta o presidente do Banco Mundial, James D. Wolfensohn, na proposta do
Marco Integral de Desarrollo, em 1999:
[...] en los programas debe atribuirse plena importancia a la educación
preescolar. Esto puede ser fundamental para el desarrollo del niño, el nivel
de educación que alcance y, por lo tanto, del ulterior rendimiento (BANCO
MUNDIAL, 2000a, p. iii).
142
142
No cenário mundial, o Banco Mundial incrementou o financiamento da
Educação Infantil, através de empréstimos destinados a duas linhas de ação: uma para
o pré-escolar, numa estratégia preventiva do fracasso escolar, mais do que
habilitadora do êxito escolar, denominada educação inicial; e uma outra linha de
ação, específica para crianças pequenas, geralmente denominada Desenvolvimento
Infantil, expressão que tanto pode significar uma ampliação do enfoque para saúde,
nutrição e educação, quanto pode significar o privilegiamento de modelos informais
de atendimento da primeira infância.
No que diz respeito ao financiamento da Educação Infantil brasileira,
constatamos, através da pesquisa (BANCO MUNDIAL, 2002a; GUIMARÃES, 2002;
MONLEVADE, 2004; ROSEMBERG, 1999) que, as informações consolidadas sobre
os recursos financeiros destinados aos serviços para crianças menores de sete anos
são bastante deficientes. Em primeiro lugar, porque os recursos aplicados pelo setor
da educação estão vinculados ao nível municipal, não existindo levantamento
nacional sobre os mesmos. Em segundo lugar, porque, apesar de a responsabilidade
oficial ser do Ministério da Educação, no nível federal, a maior alocação de recursos
para o atendimento em creches e pré-escolas está no Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome. Em terceiro lugar, porque não há informações sobre o
financiamento dos serviços informais.
Vale lembrar, no tocante ao financiamento, que na legislação brasileira, a
Educação Infantil não é atribuição exclusiva dos municípios, mas a sua oferta e
manutenção comportam um regime de cooperação e colaboração técnica e financeira
entre parceiros, envolvendo o poder público municipal (como uma das atribuições
prioritárias), o poder público estadual e o poder público federal (subsidiariamente),
além da sociedade civil, nas suas variadas formas de organização (GUIMARÃES,
2002, p. 45).
Diante da Lei do FUNDEF, fica explicitado que, na legislação, atualmente,
nenhuma instância tem como prioridade a Educação Infantil, pois cabe à União o
Ensino Superior, aos Estados o Ensino Médio e aos Municípios o Ensino
Fundamental. A legislação brasileira insinua uma parceria entre municípios, estado
e governo federal que acaba diluindo as responsabilidades em relação à Educação
143
Infantil. A implantação do FUNDEF ao priorizar o Ensino Fundamental acabou
prejudicando a Educação Básica no seu conjunto, impedindo o financiamento da
Educação Infantil e do Ensino Médio e a realização das políticas educacionais em
nível municipal, regional e estadual, acarretando uma retração na oferta de vagas na
Educação Infantil.
Nos Municípios, de acordo com Monlevade (2004), prosperou um perverso
e bem sucedido mecanismo de acomodação: as famílias com crianças menores de sete
anos matricularam seus filhos em creches e pré-escolas privadas, formais e informais,
segundo sua capacidade financeira; e, para os excluídos, restaram os esquemas
precários de mães crecheiras ou de entidades filantrópicas, muitas delas apoiadas por
gastos públicos. As estatísticas da Educação Infantil, a partir das pesquisas do autor
nos censos do MEC, revelam e escondem os fatos:
[...] revelam um pequeno crescimento de matrículas na educação infantil
municipal de 1998 a 2002; escondem um aumento maior de alunos nas
escolas privadas, formais e informais, de educação infantil. Esses anos,
seguramente, aceleraram a privatização da educação infantil no País
(MONLEVADE, 2004, p. 160).
Segundo Vicente Rodriguez (2001), o FUNDEF introduziu uma fratura entre
os diferentes níveis de Ensino Básico, definido pela LDB, gerando uma tensão no
sistema educacional, pois os municípios que concentravam suas atividades na
Educação Infantil, instalando sistemas municipais de alta qualidade (com suporte
educacional e pedagógico, atendimento em período integral, saúde, alimentação e
outros benefícios) com um gasto elevado em torno de vinte e cinco por cento da
receita de impostos do orçamento das secretarias municipais, perderam parte dos
recursos que foram alocados no Ensino Fundamental. Todos os níveis de ensino
deveriam ser planejados e articulados no seu crescimento, de forma integrada, pelo
sistema público.
A este respeito, observa-se que o Ministério da Educação presta assistência
financeira a municípios que contam, entretanto, com recursos bastante limitados.
Esses recursos financiam ações de capacitação de professores e aquisição de material
didático para os alunos, atendendo apenas alguns municípios com menores índices de
desenvolvimento humano, beneficiando somente as pré-escolas municipais, não
incluindo as creches.
144
144
No tocante ao setor Assistência Social, este destina recursos financeiros
para as instituições de Educação Infantil públicas ou conveniadas com o setor
público para o atendimento de crianças de famílias pobres, com renda per capita
inferior a meio salário mínimo. O repasse de recursos da União é feito pelo Fundo
Nacional de Assistência Social para os Fundos Estaduais e Municipais da área,
mensalmente, para atendimento em tempo integral (cerca de oito horas) e tempo
parcial (quatro horas diárias).
Cabe assinalar que o debate entre educação e assistência ocorre num
momento histórico complexo na Educação Infantil: de um lado, a busca de
regulamentação sob a responsabilidade do sistema educacional; de outro, a
reintrodução da concepção de modelos assistenciais informais ou alternativos, sob a
orientação da assistência social, passando, aparentemente, a política da Educação
Infantil a ser subsidiária da política de Desenvolvimento Infantil da Criança.
Enquanto nos municípios ocorre um maior concernimento das instâncias
educativas com a Educação Infantil, no âmbito federal há um fortalecimento da
assistência social (ROSEMBERG, 2002a).
Neste sentido, o Ministério da Previdência e Assistência Social, com a
edição das Portarias n. 2.854/00 e 2.874/00, buscou compor novas ações dirigidas às
crianças de zero a seis anos e ressuscitou os modelos alternativos: creche volante,
brinquedotecas, atendimento domiciliar e ações socioeducativas de apoio às famílias.
Martins (2004) alerta para que o orçamento destinado às crianças menores de sete
anos tem um importante peso dentro do conjunto dos serviços assistenciais de caráter
continuado do Ministério da Previdência e Assistência Social, inclusive o
estabelecimento de um novo per capita para o atendimento das modalidades citadas
nas portarias.
O Governo Federal, por exemplo, no período de 2000-2003, não contemplou
a Educação Infantil com um programa específico, mas concebeu um programa
multissetorial com ações da assistência social e da educação, dando maior ênfase às
ações de cunho assistencial. O objetivo do programa Atenção à Criança era assegurar
o atendimento a crianças de zero a seis anos em creches, pré-escolas ou outras
alternativas comunitárias, sob a gerência da Secretaria de Assistência Social, e
145
alocar oitenta e cinco por cento das dotações orçamentárias para creches e outras
alternativas comunitárias, que utilizavam recursos oriundos do Fundo Nacional de
Assistência Social; e cinco por cento para as ações sob a responsabilidade do
Ministério da Educação destinados apenas às pré-escolas. Maria Martha Cassiolato
(2004) pontua que este programa caracteriza-se como um serviço assistencial de
duração continuada, executado de forma descentralizada pelos municípios, estados e
pelas instituições com eles conveniados, os quais recebem assistência financeira da
União na forma de um valor monetário fixo por criança atendida.
Além disso, conforme observa Angela Barreto (2003), a ação de apoio
financeiro da União ao atendimento em creches vivencia atualmente um momento
delicado na administração pública federal e, conseqüentemente, nas demais esferas
do governo, em razão da ainda precária articulação entre setores de assistência social
e de educação, observando embates entre as duas áreas sobre gestão e financiamento
das ações. O Brasil passa, portanto, por um momento de indefinição quanto à política
de Educação Infantil, pois, apesar de reconhecidas pela LDB como primeira etapa da
Educação Básica, as creches e pré-escolas não contam com recursos suficientes no
orçamento do Ministério da Educação; a instância de âmbito federal que possui
recursos financeiros para o atendimento continua sendo o Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Cassiolato (2004) salienta que
programas multissetoriais que compreendem ações desenvolvidas em ministérios
distintos do tipo proposto para a Educação Infantil, enfrentam o desafio de
equacionar deficiências de gestão devido à inexistência de esquemas de coordenação
intersetorial consolidados, impedindo a convergência e a sinergia das ações
implementadas em unidades separadas da administração pública federal.
Parece-nos importante resgatar outro marco legal da política de Educação
Infantil: o Plano Nacional de Educação (PNE), instituído através da Lei n. 10.172,
de 09 de janeiro de 2001. Esse plano estabelece diretrizes, objetivos e metas de curto,
médio e longo prazos para a educação, por um período de dez anos. As vinte e seis
metas/objetivos para a Educação Infantil tratam: da ampliação da oferta de creches e
pré-escolas; da elaboração de padrões mínimos de qualidade de infra-estrutura para o
funcionamento adequado das instituições coletivas de Educação Infantil públicas e
privadas; da autorização de funcionamento dessas instituições; da formação dos
profissionais da área em universidades, institutos superiores de educação e
146
146
organizações não-governamentais; do estabelecimento de programas de orientação e
apoio aos pais com filhos menores de três anos; da implantação de conselhos
escolares e outras formas de participação da comunidade local; da garantia da
alimentação escolar para crianças atendidas em estabelecimentos públicos e
conveniados; do fornecimento de materiais pedagógicos adequados às faixas etárias;
do estabelecimento de padrões de qualidade como referência para a supervisão, o
controle, a avaliação e o aperfeiçoamento da Educação Infantil, entre outros aspectos.
O Plano Nacional de Educação definiu algumas metas de principal impacto
para o financiamento da Educação Infantil, no entanto, segundo Pinto (2002, p. 122),
o Executivo federal vetou todos os itens que implicassem um aporte adicional de
recursos, por parte do governo federal, como se fosse possível atender o seu conjunto
de metas sem a alteração dos valores atualmente gastos com ensino no Brasil. E para
que o país possa, de fato, cumprir as metas quantitativas e qualitativas fixadas no
Plano Nacional de Educação, precisará ampliar os gastos públicos em educação
destinando recursos equivalentes a dez por cento do PIB nos próximos dez anos.
Nesta fase de transição, a Coordenação Geral de Educação Infantil (COEDI)
do Ministério da Educação, iniciou o processo de elaboração dos documentos
nacionais da política para a primeira etapa da Educação Básica com a criação em
2003 do Conselho de Políticas para a Educação Básica, em cumprimento aos
compromissos do governo com o Movimento Interfóruns da Educação Infantil do
Brasil. Entre 2004 e 2005 foram realizados oito seminários pelo COEDI, nas diversas
regiões brasileiras para a elaboração, publicação e distribuição do documento
Política nacional de educação infantil: pelo direito das crianças de zero a seis anos
à educação (BRASIL, 2005), contendo as diretrizes, objetivos, metas e estratégias
para a área. Foram encomendados dois documentos preliminares (BRASIL, 2004), em
fase de discussão a acabamento, para o Grupo Ambiente Educação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro sobre Padrões de infra-estrutura para o espaço físico
destinado à educação infantil e para Maria Lúcia Machado e Maria Malta Campos,
da Fundação Carlos Chagas, sobre Parâmetros de qualidade para a educação
infantil.
147
Apesar dos avanços significativos no processo de democratização e,
conseqüentemente, de reconhecimento de direitos sociais na trajetória histórica das
políticas e do financiamento público da Educação Infantil, seguimos com grandes
dificuldades, distantes de atingir patamares adequados às reais necessidades de nossa
realidade, conforme retratados por Faria (2005, p. 1028):
Da possibilidade de exclusão das crianças de 0-3 anos no FUNDEB à
possibilidade de extinção dos cursos de pedagogia e privatização da
universidade pública, a educação infantil está de fato correndo sérios riscos
e as crianças de 0 a 6 anos, que recentemente adquiriram o direito de ser
educadas em creches e pré-escolas, vivem um momento instável de possível
perda de direitos: as de 6 anos perdem a pré-escola e vão para a 1
a
. série, as
de 0 a 3 anos dependerão de o município ter ou não ter verba para creches,
pois poderão estar fora do FUNDEB. Ademais, se a educação infantil se
reduzir à educação das crianças de 4 e 5 anos, corre o risco de, nos moldes
de hoje, ser antecipatória, comportando-se apenas como classe de
alfabetização e/ou preparatória, comportando-se como pré-alfabetização
mesmo o Plano Nacional de Educação tendo as extinguido.
Ao seguirmos as trilhas da política de financiamento público da Educação
Infantil, procuramos resgatar brevemente o tratamento dispensado pelo Estado,
especialmente pelas políticas sociais, quanto à responsabilidade na condução da
política educacional, considerando o processo, por um lado transitório, e de outro, a
intersetoralidade na responsabilidade do atendimento. É certo que desde a
Constituição Federal de 1988 e a legislação complementar anteriormente citada
buscou-se superar as visões filantrópicas, higienistas e assistencialistas da benesse,
do favor, da não cidadania, do não direito, que predominou ao longo da história do
Brasil no atendimento aos direitos sociais das crianças pequenas, particularmente,
das mais pobres. Nesta direção, precisamos reafirmar o compromisso ético, político,
institucional e técnico que trilhe caminhos na concretização de uma efetiva política
de Educação Infantil, recordando a afirmativa de Frigotto (2002) que, no processo
dialético de conhecimento da realidade, o que importa não é o conhecimento pelo
conhecimento, a crítica pela crítica, mas a crítica e o conhecimento crítico para uma
prática que transforme a realidade anterior no plano histórico-social e do
conhecimento.
Nas leituras realizadas para se conhecer as políticas de financiamento
público da Educação Infantil no Brasil, tivemos o prazer de trilhar a esteira deixada
148
148
pelo pensamento de pesquisadores, tanto da área de políticas de financiamento da
educação e, especificamente, da Educação Infantil.
O quadro geral esboçado pelos dados disponíveis caracteriza-se por uma
grande instabilidade e por sérios desencontros, ao longo da história do Brasil, na
formulação, implementação, direção e gestão das políticas públicas de financiamento
da educação. As análises sobre o impacto das políticas de financiamento
implementadas pelo Estado revelam que, seus resultados têm sido pouco
significativos junto às populações mais pobres, especialmente junto às crianças de
zero a seis anos, que sofrem os efeitos mais adversos das distorções e dos
desequilíbrios identificados nestas políticas.
Em nossas análises sobre as propostas de políticas públicas de
financiamento constatamos que ainda há um paralelismo de projetos e propostas
voltados para a infância, em especial à Educação Infantil. Desse modo, concordamos
com Barreto (2003) sobre a necessidade de integrar as políticas de modo horizontal,
articulando os diferentes setores governamentais responsáveis pelas crianças menores
de sete anos. Além disso, a integração vertical entre as esferas federal, estadual e
municipal deve ser assumida, já que a ausência de assistência financeira da União ao
atendimento da Educação Infantil é um risco que as crianças pequenas, suas famílias
e a sociedade não podem correr. Assim é fundamental a presença da União assumindo
seu papel suplementar e de articulação das políticas regionais.
Na perspectiva de José Luiz Guimarães (2002), é necessário que a sociedade
civil se conscientize dos mecanismos de controle previstos na própria legislação que
criou a sistemática de financiamento para a educação, e fiscalize, cobre e denuncie,
enquanto continua perseguindo o objetivo de participação e de gestão das políticas
públicas de interesse coletivo.
Diante da encruzilhada projetada pelas discussões, consideradas científicas,
da atualidade, não há como não lembrar de Davies (2004, p. 26), quando afirma que a
questão central do financiamento da educação estatal é a falta de vontade política
dos governantes, da burocracia e das várias frações da classe dominante que
representam, de oferecer uma educação estatal em quantidade e qualidade para todos
os brasileiros, possível somente numa sociedade regida pela lógica do atendimento
149
das necessidades materiais e culturais de todos e não pela do capital. A qualidade
desigual do ensino público é fator estrutural, entre outros, para a reprodução desigual
das sociedades de classes e para a manutenção da dominação sobre as classes
populares/exploradas.
Ainda, no tocante ao financiamento, observamos que o que falta é
disposição por parte do governo para investir ou gastar com educação pública. O
embate para que a Educação Básica seja um direito, incluindo a Educação Infantil,
passa, entre outras questões, pela discussão e pelo acompanhamento das fontes de
financiamento e das formas de sua utilização. Não basta retornar o crescimento
econômico e aumentar a receita pública, sendo necessário inverter a lógica que tem
guiado a política de financiamento da educação, ampliando a utilização dos fundos
públicos, publicizando os serviços básicos e restringindo a participação privada no
sistema de ensino, assim como (re)definindo o papel do Estado no sentido oposto
àquele que vem ocorrendo desde os anos noventa. É importante alertar a sociedade e
os diversos atores sociais sobre a necessidade de rearticulação da luta em defesa da
escola pública, gratuita e de qualidade, pois enquanto faltam recursos para a
educação, sobram para outros fins.
Rosemberg (2002b) afirma que, resta a nós, pesquisadores, profissionais,
políticos, mães e pais, militantes da área, engajados em prol da Educação Infantil
democrática e de qualidade, criar barreiras sólidas para impedir um novo retrocesso
da Educação Infantil no Brasil.
Nesse caso, é preciso avançar na estruturação e implementação de políticas
plurais que contemplem as diversidades culturais das crianças brasileiras e que sejam
orientadas por práticas transformadoras, na direção da construção de um novo espaço
público que poderá forjar a cidadania emancipatória.
Para isto, se faz imprescindível pesquisar, conhecer, estudar, analisar e
compreender o cenário brasileiro que se delineia em torno das políticas públicas de
Educação Infantil subsidiadas por Organizações Internacionais, especialmente o
Banco Mundial, contribuindo na construção de uma reflexão e de uma ação política.
No próximo capítulo buscaremos refletir, pensar e analisar as orientações
conceituais e políticas do Banco Mundial para a Educação Infantil no Brasil e
identificar os projetos existentes para sua implementação, a partir dos anos noventa.
150
150
CAPÍTULO 3
O BANCO MUNDIAL E A EDUCAÇÃO INFANTIL BRASILEIRA
A primeira infância é a melhor janela de oportunidades de
uma pessoa, de uma comunidade, de um país. Da gestação ao
sexto ano de vida, as crianças descobrem e inventam seus
mundos. Os espaços de educação infantil, formais e não
formais, são portanto lugares essenciais para que essa
descoberta aconteça de maneira segura e estimulante. Com a
participação de suas famílias, dos educadores e o apoio dos
gestores municipais, a educação de crianças de 0 a 6 anos
deve ser uma prioridade nos municípios. E mais, deve ser
vista como investimento e nunca como um gasto porque hoje
conhecemos os enormes impactos desse investimento em cada
uma das crianças, e nas políticas públicas.
Banco Mundial
Numa análise sobre o desenvolvimento da organização do trabalho e a
institucionalização da educação no modo capitalista de produção, Enguita (1989)
151
resgata a história de como a transformação do trabalho pré-capitalista em trabalho
assalariado foi significativo para o surgimento da escola enquanto formadora de
recursos humanos para o mercado de trabalho. O autor citado, com base numa análise
das relações históricas entre trabalho e educação demonstra como o artesão foi sendo
expropriado do conhecimento sobre o processo de produção, submetendo-se a um
trabalho parcelado e alienado, que vai encontrar na escola uma aliada. Até a Idade
Média, na Europa, por exemplo, o artesão controlava não só o tempo, mas o processo
e meios de trabalho, sendo que a aprendizagem, o domínio do conhecimento e das
habilidades para o desempenho das atividades davam-se na família, em grupos sociais
ou na comunidade. O treinamento para o labor ocorria nas oficinas artesanais
organizadas em corporações de ofícios. Neste período foi instituído para as crianças
pobres e para os adultos mendigos o internamento em casa de trabalho ou orfanatos.
Entretanto, foi o desenvolvimento das manufaturas que converteu
definitivamente as crianças na guloseima mais cobiçada pelos industriais:
diretamente, como mão-de-obra barata, e indiretamente, como futura mão-
de-obra necessitada de disciplina. O momento culminante dos orfanatos e,
em geral, do internamento e disciplinamento das crianças em casas de
trabalho e outros estabelecimentos similares foi o século XVIII
(ENGUITA, 1989, p. 109).
Neste contexto, observamos que desde o século XVIII esperava-se adestrar
a futura mão-de-obra fabril, sugerindo que as crianças pobres deveriam ser treinadas
em diferentes instituições, o que significava serem submetidas a muitas horas de
trabalho e algumas de instrução. Quando as crianças tivessem quatro anos, deveriam
ser enviadas a uma casa de trabalho e, ali, ensinadas a ler por duas horas ao dia e
mantidas ocupadas em qualquer manufatura nas dez horas restantes. O essencial não
era a criança realizar um trabalho útil com vistas a sua manutenção, mas educá-la na
disciplina e nos hábitos necessários para trabalhar posteriormente.
Nesta linha de reflexão, é interessante atentarmos para que, sem dúvida, a
transmissão de valores, de formas de conduta e de habilidades às populações infantis
para a conservação e reprodução das classes sociais e das relações dominantes foi e
continua sendo uma das funções do sistema educacional, requeridas pela atual forma
societária, em todos os níveis de ensino desde a Educação Infantil. Este debate se
mostra fundamental, quando se percebem as contraditórias posições em relação à
infância brasileira, hoje afirmada em discursos como criança cidadã.
152
152
Em nossa pesquisa observamos que, no Brasil, durante toda a história da
educação escolar e, especialmente, após o início do século XX, tem se manifestado o
apelo à ampliação e à manutenção do ensino como forma de viabilizar a formação do
capital humano, indispensável ao crescimento econômico e à modernização
tecnológica. Nota-se que, é a partir daí que os poderes públicos vão demonstrar um
certo grau de preocupação com a educação pública e particularmente, com seu
financiamento.
Sem perder de vista este contexto, é oportuno ressaltar que, ao longo da
história do Brasil podem ser encontrados elementos elucidativos da sua aproximação
com as Organizações Internacionais, especialmente as instituições financeiras,
guardiãs dos interesses do capital financeiro como o Banco Mundial ,
principalmente a partir da década de 1990, quando o capitalismo entrou em sua fase
aguda de transnacionalização.
Ao observarmos a trajetória do Banco Mundial em suas políticas para o
setor da educação, é perceptível a ampliação de suas funções técnicas e financeiras,
assumindo um papel político e ideológico, mediante a formulação de políticas globais
e setoriais, influenciando a agenda dos países credenciados para seu financiamento,
inclusive o Brasil.
O projeto de construção de uma nova era não é fortuito, mas deliberado. O
principal arquiteto e artífice deste empreendimento é o Banco Mundial.
Combinando medidas de ajuste estrutural à decidida ação ideológica, esta
instituição se transformou no ministério da educação dos países periféricos,
redesenhando as suas instituições e redefinindo o conteúdo educacional das
mesmas, em consonância com a polarização da economia. Deste modo, a
reforma educacional em curso no Brasil e na América Latina, sob a direção
do Banco Mundial, está carregada de valores apologéticos ao mercado,
hipertrofiando a escola elementar e o treinamento da mão-de-obra em
detrimento dos demais níveis, em prejuízo dos conceitos de escola unitária
e politécnica (LEHER, 1998, p. 5).
Mediante as pesquisas de Arruda (2000), De Tommasi (2000), Fonseca
(1995, 1997, 1998a, 1998b, 2000), Leher (1998), Silva (1999, 2000, 2002) e Soares
(2000) pudemos conhecer e analisar as políticas para a educação pública procedentes
do Banco Mundial nas últimas décadas, que estão sendo incorporadas gradualmente
na sociedade brasileira. Assim, pudemos também observar a longevidade histórica da
153
intervenção do Banco na formulação, implementação e monitoramento das políticas
educacionais com a participação e o consentimento da equipe brasileira.
Apresentamos no referido capítulo uma reflexão sobre as orientações
conceituais e políticas presentes nos Documentos Setoriais de Educação de 1995 e
2000 e em outros documentos do Banco Mundial (1998, 2000b, 2002a, 2002b, 2004b)
para a Educação Infantil pública e identificamos os projetos e programas existentes
para sua implementação no Brasil a partir dos anos noventa. Discutimos também, a
intervenção política e ideológica na Educação Infantil brasileira, de acordo com as
pesquisas de Campos (1997), Coraggio (2000), Cruz (2004), Cunha (2002), Lauglo
(1997), Penn (2002), Ramon (2003), Real (2004), Rosemberg (2002a, 2002b),
Rossetti-Ferreira, Ramon e Silva (2002), Torres (2000), Vieira (2001) a partir do
momento em que o Banco Mundial passa a investir nesta área, parte do seu
financiamento.
3.1 A importância do desenvolvimento da criança: o futuro ancorado na
primeira
infância
A análise dos Documentos Setoriais de Educação do Banco Mundial
(2000a, p. 24) mostra que a partir dos anos noventa, para o Banco El desarrollo del
niño en la primeira infancia es una esfera de financiamento relativamente nueva, pero
que cada vez adquire más importancia.
Apesar da importância concedida a educação elementar, o Banco referencia
no seu quarto documento Prioridades y estratégias para la educación: estudio
sectorial del Banco Mundial (1995), a relevância da adoção de programas integrados
dirigidos à primeira infância, tendo como base de sustentação teórica das políticas de
educação infantil a mesma dos demais níveis de ensino: a teoria do capital humano,
que busca a reprodução e a acumulação do capital, em contraposição ao
desenvolvimento humano e social da primeira infância.
154
154
O desenvolvimento inicial da criança (DIC) é um poderoso investimento no
futuro, tanto em termos sociais quanto econômicos. Estimular o
desenvolvimento das crianças e ajudá-las a realizar todo o seu potencial
beneficia não só as crianças e sua família, mas também a sociedade e toda a
comunidade global. As crianças bem desenvolvidas se tornam adultos bem-
sucedidos e produtivos, que são mais capazes de contribuir para a economia
do país e instigar um ciclo de efeitos positivos, ao se tornarem pais (e avós)
da próxima geração (BANCO MUNDIAL, 1998, p. 59).
Neste contexto, em abril de 1996, o Banco organizou uma conferência
global sobre Desenvolvimento Inicial da Criança: Investindo no Futuro, em Atlanta,
Geórgia. Participaram representantes de governos, organizações não-governamentais,
instituições acadêmicas, entidades multilaterais e bilaterais. A conferência reafirmou
a importância da promoção de um compromisso mundial com os direitos da criança e
com a satisfação de suas necessidades de desenvolvimento. Definiram uma lista de
necessidades básicas para o crescimento da criança, reconhecendo a importância e o
efeito sinérgico de um desenvolvimento físico, cognitivo e emocional sadio.
Para uma criança, a capacidade de pensar, formar relações e realizar todo
seu potencial está diretamente relacionada com o efeito sinérgico da boa
saúde, boa nutrição, estímulo apropriado e interação com outras pessoas.
Um grande volume de pesquisa demonstra a importância do
desenvolvimento inicial do cérebro e a necessidade de boa saúde e
nutrição.
Esses insumos formam a base de um sadio desenvolvimento cognitivo e
emocional que se traduz em retorno econômico tangível. As pesquisas
sobre projetos de DIC demonstram que as crianças que participam de
programas bem elaborados tendem a ser mais bem-sucedidas na escola, são
mais competentes social e emocionalmente e mostram maior
desenvolvimento verbal e intelectual durante a infância do que as que não
participam desses programas (BANCO MUNDIAL, 1998, p. 7).
Cabe ressaltar que o Banco apresentou suas propostas de educação da
primeira infância partindo de justificativas econômicas e científicas denominando-as
Desenvolvimento e Cuidado da Primeira Infância (Early Child Care and
Development-ECCD) e Desenvolvimento da Primeira Infância (DPI) ou
Desenvolvimento Inicial da Criança (DIC). Este é tido como um campo relativamente
novo de pesquisas para o Banco Mundial, sendo que:
Um amplo corpo de pesquisa demonstra que os programas de DIC
beneficiam a criança, a família e as comunidades. Reduzindo as taxas de
desistência escolar, aumentando a produtividade e obtendo níveis mais
altos de funcionamento social e emocional, os programas de DIC são um
155
meio econômico de fortalecer a sociedade, assegurando que cada indivíduo
realize seu potencial (BANCO MUNDIAL, 1998, p. 17).
Como podemos observar, as justificativas econômicas para o investimento
na educação da primeira infância pautam-se na premissa de que é importante investir
desde o nascimento no desenvolvimento infantil para que, na fase adulta, elas possam
inserir-se no mercado de trabalho e produzir satisfatoriamente, reduzindo gastos
financeiros futuros com educação e saúde. Portanto, investir na primeira infância, na
perspectiva econômica do Banco, seria investir no capital humano do futuro, pois
[...] assegurar um desenvolvimento infantil sadio é um investimento na
futura força de trabalho de um país e na sua capacidade de progredir
economicamente e como sociedade.
Assim, os benefícios do DIC promovem maior eqüidade social, aumentam a
eficácia de outros investimentos e atendem às necessidades das mães
enquanto ajudam seus filhos. Os programas integrados para crianças podem
modificar os efeitos de desigualdades socioeconômicos e entre sexos, que
são algumas das causas mais arraigadas da pobreza (BANCO MUNDIAL,
1998, p. 7).
Helen Penn (2002) critica as fontes científicas usadas pelo Banco Mundial
para apoiar seu discurso sobre o desenvolvimento humano, pontuando que as
justificativas são afirmativas baseadas em dados exclusivamente norte-americanos e
indevidamente generalizados, comprometendo a fidedignidade destes. Neste
contexto, a autora questiona: Que conceito de primeira infância subsidia as políticas
orientadas pelo Banco?
O modelo de desenvolvimento humano utilizado para promover o ECD
(Early Child Care and Development) Desenvolvimento e Cuidado da
Primeira Infância reflete o modelo de desenvolvimento econômico. A
teoria do capital social sustenta grande parte da atenção recente do Banco
Mundial ao tema do bem-estar social: aumentar o capital social de uma
pessoa, sua capacidade de vincular-se a redes sociais e compartilhar riscos
levaria a maior competitividade e produtividade (IDS, 2000). As metáforas
econômicas e tecnocráticas da teoria do capital social são usadas para
explicar e justificar o interesse do Banco Mundial pelas crianças e pela
infância. Para o Banco, o objetivo da infância é tornar-se um adulto
plenamente produtivo, o capital humano do futuro (PENN, 2002, p. 12-
13).
A justificativa científica parte de pesquisas médicas realizadas nos Estados
Unidos, baseadas nas neurociências, que demonstraram que o período mais pido
156
156
de desenvolvimento do cérebro ocorre nos primeiros anos de vida e que as
experiências da infância têm efeito duradouro sobre a futura capacidade de
aprendizagem do indivíduo (BANCO MUNDIAL, 1998, p. 9). O Banco apropriou-se
do discurso segundo o qual o investimento no desenvolvimento inicial da criança
abre janelas de oportunidades, que são os períodos cruciais de desenvolvimento
infantil, entre o período pré-natal e os seis anos de idade, quando se estabelece a
capacidade de funcionamento físico, emocional, social e cognitivo (verbal e
espacial). Se essas oportunidades forem perdidas, isto é, não receberem os estímulos
apropriados durante os períodos cruciais, dificilmente, embora não impossível,
possam futuramente se reativar por si mesmas.
Para o Banco Mundial, conforme esclarece Penn (2002), o que define a
primeira infância é a capacidade cerebral, baseado na suposição de que as crianças
pequenas passam pelos mesmos estágios de desenvolvimento nas mesmas idades,
tanto nas regiões distantes do Nepal como em Chicago. A cultura produziria apenas
pequenas variações pois, os estágios de desenvolvimento e as práticas associadas são
semelhantes em toda parte, devendo ser propostas por programadores esclarecidos
práticas adequadas ao desenvolvimento da primeira infância.
A infância é o período de mais rápido desenvolvimento na vida humana.
Embora cada criança tenha um ritmo próprio de desenvolvimento, todas as
crianças passam por uma seqüência de crescimento e mudança física,
cognitiva e emocional. A abordagem do Desenvolvimento Inicial da
Criança baseia-se no fato comprovado que as crianças respondem melhor
quando as pessoas que cuidam delas utilizam técnicas específicas
destinadas a incentivar e estimular o progresso para o próximo nível de
desenvolvimento (BANCO MUNDIAL, 1998. p. 3).
Quanto às etapas do desenvolvimento infantil, o Banco Mundial orienta:
Cada criança é uma pessoa singular, com um temperamento, estilo de
aprendizagem, antecedentes familiares e padrão de crescimento específicos.
Contudo, há sequências universais e previsíveis de crescimento e mudança
que ocorrem durante os primeiros nove anos de vida. À medida que se
desenvolve, a criança necessita de diferentes tipos de estímulo e interação
para exercitar suas aptidões e desenvolver aptidões novas. Em qualquer
157
idade, o essencial é satisfazer as necessidades básicas de saúde e nutrição
(BANCO MUNDIAL, 1998. p. 4).
Na visão do Banco, o investimento em Programas de Desenvolvimento
Inicial da Criança (DIC) propicia inúmeros benefícios como: a promoção do
desenvolvimento sadio do cérebro, influindo sobre a futura capacidade de
aprendizagem da criança; maior inteligência; melhor nutrição e saúde; aumento das
chances de sobrevivência infantil; aumento do índice de matrículas escolares;
preparação da criança para a escola, melhorando seu desempenho e reduzindo a
necessidade de repetência; atendimento às necessidades das mães enquanto ajudam
seus filhos; liberação da mão de obra feminina (mãe trabalhadora); liberação das
irmãs mais velhas da tarefa de cuidar dos mais novos, podendo voltar à escola;
auxílio aos pobres e desfavorecidos; maior eqüidade social (BANCO MUNDIAL,
1998; YOUNG, 1996).
Uma das medidas orientadas para melhorar a educação foi o investimento
em programas pré-escolares.
Los programas que centran la atención en el desarrollo físico, cognoscitivo
y emocional de los niños pequeños aumentan la probabilidad de que se
matriculen posteriormente en la escuela, mejoran su rendimiento en la
escuela y reportan beneficios más amplios para el individuo y la sociedad.
Los datos obtenidos de investigaciones realizadas en Brasil, Estados
Unidos, India, Perú y Turquía demuestran que las intervenciones
preescolares pueden aumentar la preparación para la escuela y reducir las
deserciones y repeticiones (BANCO MUNDIAL, 1995, p. 53).
A Conferência Mundial de Educação para Todos, em Jomtien, Tailândia,
em 1990, propôs uma visão ampliada de educação básica, iniciando-se com o
nascimento e estendendo-se pela vida toda, incluindo igualmente crianças, jovens e
adultos, não se limitando à educação escolar nem à escola de ensino fundamental,
nem a um determinado número de anos ou níveis de estudo, mas definida por sua
capacidade de satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem de cada ser
humano. No entanto, nas propostas do Banco Mundial, que foi uma das agências
patrocinadoras e organizadoras do evento, a educação básica refere-se à educação
primária e secundária, centrada no ensino formal e na educação das crianças, sendo
que as propostas de políticas educativas movimentam-se dentro dos limites das
158
158
políticas escolares. Nesta perspectiva, Torres (2000) alerta-nos sobre a visão de
educação infantil do Banco Mundial.
Enquanto na visão ampliada da educação básica proposta em Jomtien o
desenvolvimento infantil e a educação pré-escolar (0-6 anos) eram vistas
como parte e por sua vez alicerces da referida educação básica, na
concepção do BM, desenvolvimento infantil e educação inicial constituem
um apêndice e uma prolongação antecipada da escolarização, uma
estratégia preventiva ao fracasso escolar (mais do que habilitadora do êxito
escolar) e, nessa medida, efetiva em termos de custo (economizando
recursos que, de outro modo, seriam investidos em repetência, evasão e
fracasso escolar). Sua necessidade e lógica definem-se no governo central a
partir de sua incidência sobre a escola e sobre o futuro rendimento escolar
dos alunos. Em outras palavras, tudo o que a criança é, aprende e sabe
antes de entrar na escola aparece como educação pré-escolar, como uma
educação cujo objetivo é preparar a criança (particularmente a criança
proveniente de setores pobres) para ir à escola e melhor se adaptar a ela. A
qualidade e a eficácia da educação pré-escolar mede-se, então, em função
do desempenho e do rendimento posteriores das crianças na escola
(TORRES, 2000, p. 175).
Para Torres (2000), a visão do Banco não é somente um retrocesso em
relação às orientações de Jomtien, mas também, uma negação da teoria e das
experiências mais avançadas no campo do desenvolvimento e da educação infantil.
Atentando-se para a continuidade das políticas, estratégias, programas e
reformas prescritas desde 1971, o Banco Mundial publicou em 2000, o quinto
documento de política Estrategia sectorial de educación, no qual descreveu as
prioridades e os programas mundiais para auxiliar os países a alcançarem os
objetivos internacionais de educação e melhorar a qualidade do ensino e da
aprendizagem. Para alcançar a prioridade estratégica mundial de
desenvolvimento da criança desde a primeira infância, o Banco propõe investir em
programas que resolvam as deficiências de aprendizagem das crianças e de êxito
escolar.
Los problemas que sufren los niños pobres en sus primeros años, como
desarrollo físico y mental deficiente y la falta de preparación para la
escuela, son precursores del redimiento académico insuficiente, las tasas de
abandono elevada, el analfabetismo funcional, la poca produtividad en la
fuerza de trabajo, e incluso la delincuencia y la dependencia de la sociedad.
Programas para resolver estas importantes deficiencias son fundamentales
para el aprendizaje de los niños y su éxito en la vida. El desarrollo del niño
en la primera infancia que comporta una combinación de elementos de
159
distintos sectores como la enseñanza preescolar, la nutrición y la atención
básica de la salud, en los que intervienen los niños y sus padres y otros
encargados de su cuidado tiene un papel fundamental en la interrupción
de los ciclos intergeneracionales de inequidad y en la mejora del
rendimiento educativo, siempre que vaya seguido por intervenciones que se
mantengan después de los primeros años (BANCO MUNDIAL, 2000a, p.
34).
O Banco Mundial vem financiando dois tipos de projetos de
desenvolvimento inicial da criança: projetos autônomos e projetos do setor social
com componentes de desenvolvimento infantil. Estes projetos incluem diversas
modalidades de programas formais e informais, com diferentes objetivos,
denominações e maneiras de serem implementados, adaptados ao contexto dos países
clientes. Neste sentido, o Banco esclarece que:
Os projetos de DIC atendem às necessidades das crianças no contexto das
necessidades e recursos de suas comunidades. Como as diferenças culturais
e econômicas impossibilitam a aplicação de uma só abordagem ao
desenvolvimento inicial da criança, é importante identificar uma série de
modelos eficazes em vez de enfatizar um só modelo de programa. A
prioridade da comunidade deve ser a prestação de cuidado infantil para que
as mães possam trabalhar, sugerindo a necessidade de prestar serviços
diretamente às crianças, em condições formais ou informais. Outra
comunidade talvez já tenha resolvido essa questão ou não tenha
necessidade de creche, mas precisa melhorar o desenvolvimento na
infância, sugerindo o uso de um programa de educação dos pais ou
professores (BANCO MUNDIAL, 1998, p. 33).
Desde os anos noventa, o Banco Mundial (1998, p. 86) vem financiando em
vários países diversas modalidades de programas formais e informais, presentes nos
projetos autônomos de desenvolvimento inicial da criança. Dentre estes poderemos
citar: na Bolívia: Desenvolvimento infantil integrado (1993-1999); na Colômbia:
Atenção e Nutrição Infantil (1990-1995); na Índia: Desenvolvimento Infantil
Integrado I (1991-1995), Desenvolvimento Infantil Integrado II (1993-1999),
Segundo Projeto Tamil Nadu (1990-1998); no Quênia: Desenvolvimento Inicial da
Criança (1997-2001); no México: Educação Inicial (1993-1997) e na Nigéria:
Comunicações (1993-1997).
O Banco Mundial também financiou programas formais e informais de
desenvolvimento infantil componentes de outros projetos sociais (1998, p. 86) em
diversos países como: na Argentina: Saúde e Nutrição Materno-infantil (1994-1998);
no Brasil: Desenvolvimento Municipal no Paraná (1989-1995), Desenvolvimento
Municipal no Rio Grande do Sul (1990-1995), Inovação no Ensino Básico (1991-
160
160
1998); no Cazaquistão: Proteção Social (1995-1999); no Chile: Educação Primária
(1992-1998); em El Salvador: Educação Básica (1996-2001), Reabilitação Social
(1991-1996); no Equador: Fundo de Investimento Social (1994-1999), Primeiro
Projeto de Desenvolvimento Social (1992-2000); na Guiana: Saúde, Nutrição e
Saneamento (1992-1996); no Marrocos: Educação SPI (1996-2004); na Nicarágua:
Educação Básica (1995-2000); no Panamá: Setor de Educação (1996-2002); no
Paraguai: Saúde Materna e Desenvolvimento Infantil (1997-2003); em Trindad e
Tobago: Educação Básica (1996-2003); no Uruguai: Melhoria da Qualidade da
Educação Básica (1994-2000) e na Venezuela: Desenvolvimento Social (1991-1997).
Como podemos constatar, a elaboração de um projeto de empréstimo
geralmente se concentra numa das abordagens: prestação de serviços às crianças,
formação de professores, educação de pais, e educação através dos meios de
comunicação. A intervenção do tipo prestação de serviços às crianças atua com
programas de satisfação das necessidades de educação, saúde e nutrição das crianças
de maneira integrada Programas Head Start e Atenção Materno-Infantil, dos
Estados Unidos; Centros Comunitários Salvam Crianças, na Índia; Racionalização
do Sistema de Jardins-de-Infância, no Cazaquistão; Planejamento para Satisfazer as
Necessidades das Crianças, nas Filipinas ; e em intervenções de saúde para a
prevenção de doenças e o controle ativo da doença quando esta ocorre, em parceria
com a OMS e a UNICEF Atenção de Saúde Preventiva; Tratamento Integrado da
Criança Enferma, nos países em desenvolvimento.
A intervenção formação de professores é tida pelo Banco como a base
sobre a qual repousa a qualidade das técnicas de DIC e que o estabelecimento de um
treinamento eficaz deve ser um objetivo primordial de qualquer programa de
enriquecimento pré-escolar (BANCO MUNDIAL, 1998, p. 42). Alguns Programas
foram selecionados como por exemplo: Trindad e Tobago: Projeto de Educação
Básica; Europa Oriental e Rússia: Programa de Desenvolvimento Infantil Soros; e
Quênia: Projeto Piloto de Desenvolvimento na Infância. No entanto, na mesma
publicação, com o intuito de manter os custos dos programas em um nível baixo, a
orientação do Banco é contraditória à orientação anterior.
161
As pessoas que provêm atenção às crianças menores podem ser professores,
funcionários de creches, mães ou outras mulheres da comunidade, com ou
sem treinamento. Algumas recebem um salário; outras o consideradas
voluntárias e recebem pequenos honorários. Contudo, não se pode esperar
que os voluntários mostrem os mesmos padrões elevados dos funcionários,
e muitos insatisfeitos com a falta de remuneração, acabam exigindo um
salário (BANCO MUNDIAL, 1998, p. 33).
Nas análises de Rossetti-Ferreira, Ramon e Silva (2002) sobre as políticas
do Banco, as quais se pautam por um discurso da necessidade de atender
pobremente a pobreza, uma das discrepâncias maiores diz respeito à formação das
pessoas responsáveis pela educação da primeira infância.
As políticas fundamentadas em concepções compensatórias, geralmente
propõem o uso de mão-de-obra barata, explorando o trabalho de mulheres
de baixa escolaridade. Baseiam-se na suposição de que, por meio de suas
habilidades, elas podem realizar a prática educacional com crianças
pequenas, mesmo na ausência de formação prévia e com reduzida
supervisão em serviço. Esse fato é ainda mais problemático quando se
considera o segmento creche, uma vez que para o período de 0 a 3 anos
ainda prevalecem formas de atendimento fragmentadas, pouco flexíveis e
segregadas, refletindo uma cisão entre as ações de cuidar e educar,
conforme aponta Haddad (1997). Além disso, nessa faixa etária, é ainda
mais recente o desafio de educar/cuidar coletivamente de crianças, exigindo
criatividade na superação, seja de antigos modelos, seja ao adotar novas
formas de educar as crianças mais velhas (ROSSETTI-FERREIRA;
RAMON; SILVA, 2002, p. 91).
Quanto à intervenção educação de pais, o Banco Mundial orienta que os
pais são os primeiros professores dos filhos e o fortalecimento da capacidade das
mães de estimular e incentivar seus filhos a aprender pode promover o êxito na vida
adulta. Os programas informais de Formação dos Primeiros Professores de
Crianças, em Israel, e Trabalho de Educadores Comunitários com Pais, no México,
exemplificam a modalidade de atendimento do tipo mãe-crecheira, lares comunitários
ou lares de cuidado diário. Rosemberg (2002b) alerta para que, apesar de as
Organizações Internacionais e os estados nacionais apoiarem outros programas que
visam a igualdade de oportunidades de gênero, estes tipos de programas do Banco
[...] criam, recriam e sustentam-se em subordinação de gênero: consideram
que as mulheres o destinadas a permanecer em casa, cuidando de seus
filhos ou dos filhos de outras mulheres, sem receberem formação e titulação
profissional; que mulheres com escolariedade incompleta merecem cursos
para as mães, com verbas da educação infantil e não uma formação
162
162
completa como cidadãs no contexto da educação de jovens e adultos; que
homens são seres inadequados para educar e cuidar de crianças
(ROSEMBERG, 2002b, p. 58).
A intervenção educação através dos meios de comunicação tem como
objetivo divulgar em grande escala, as estratégias de aprendizagem ativa, de maneira
imediata, atrativa e precisa, podendo ser utilizadas em cursos de treinamento, centros
de saúde e grupos de pais. Um exemplo é o Programa Produzindo TV para Criança,
na Nigéria. Novamente, Rosemberg (2002b) destaca as insuficiências de alguns
programas incompletos como o de educação de mães e os divulgados por TV.
É necessário assinalar que, nos países subdesenvolvidos em que foram
implantados, geralmente esses programas não completam, mas substituem
os programas completos. Ora, ambos programas não prevêem um
componente importante para a socialização de crianças pequenas destacado
pela literatura acadêmica, especialmente européia e norte-americana
contemporânea: interações entre pares, inerentes aos programas
institucionais (Dahlerg, Moss, Pence, 1999) e que, de acordo com
conhecimentos atuais, parecem constituir um elemento essencial para o
desenvolvimento e o bem-estar infantil (ROSEMBERG, 2002b, p. 58).
A equipe do Banco Mundial atuante na área de desenvolvimento da primeira
infância estabeleceu como objetivo, no Documento Setorial de Educação (2000a),
aumentar para quatorze o número de projetos autônomos e programar novos projetos
para Bangladesh, Brasil, China, Etiópia, Índia, Jamaica, México, Samoa, Túnisia e
Yemen.
Para atingir os objetivos propostos, a equipe de técnicos e conselheiros do
Banco Mundial se propõem a trabalhar em estreita colaboração com os governos, as
organizações não-governamentais, os organismos de desenvolvimento bilaterais e
multilaterais, os estudantes, as famílias, a comunidade, os professores, as fundações,
as instituições filantrópicas e empresas privadas. Conforme salienta o Banco (2000a),
a educação da primeira infância está quase completamente no setor privado e os
principais provedores em todas as regiões são as organizações não-governamentais.
Las organizaciones no governamentales son pioneras desde hace tiempo en
la esfera del desarrollo del niño en la primera infancia. La Federación de
Salvación de Los Niños, por ejemplo, es una organización no
governamental que ha trabajado com niños y familias en situaciones de
163
riesgo desde 1932 y que actualmente tiene actividades en 40 países en todo
el mundo. La Aga Khan Foundation trabaja en partes del Pakistán y con
comunidades musulmanas de la costa de Kenya. Unos programas piloto que
promovió la Fundación Bernard van Leer en Colombia se han ampliado
hasta convertirse en un programa nacional de desarrollo del niño en la
primera infancia cuyo objetivo es la cobertura universal. La Soros
Foundation orienta una gran parte de sus recursos a la enseñanza preescolar
en Europa oriental e Asia central, mientras que el Fondo Cristiano para la
Infancia es muy activo en Asia oriental.
El Banco trabaja cada vez más en estrecha colaboración com estos y otros
socios en el diseño y aplicación de proyectos particulares, así como en
redes mundiales de intercambio de conocimientos (por ejemplo, el Grupo
Consultivo sobre el desarrollo del niño en la primera infancia) (BANCO
MUNDIAL, 2000a, p. 19).
A participação das organizações não-governamentais, que para o Banco, são
as entidades privadas sem fins lucrativos que executam programas sociais, está
prevista no componente de desenvolvimento da primeira infância, buscando
beneficiar as chamadas atividades alternativas ou programas informais organizadas
pela comunidade, como creches comunitárias e outros serviços educativos,
selecionados pelas Secretarias de Educação, priorizando os municípios onde existam
este tipo de instituição. Segundo De Tommasi (2000), são oferecidos apoio técnico,
recursos financeiros para a melhoria de infra-estrutura, material didático e
capacitação profissional para os professores. Estes projetos sociais seguem as
orientações políticas do Banco sobre a necessidade de racionalizar os custos da
educação, retirando a responsabilidade do Estado e delegando à população a solução
de seus problemas.
José Adelson da Cruz (2004) pontua que as relações entre ONGs e Estados
faz com que a participação da sociedade civil aconteça em um campo minado, um
campo denominado de relação perversa, com o crescente estreitamento das relações
Estado e ONGs, o abandono de vínculos orgânicos com os movimentos sociais,
gerando uma situação de esvaziamento nas organizações sociais, com a
autonomização política das ONGs. A ênfase dada à independência das ONGs, ao
mesmo tempo que afasta o Estado da esfera social, aproxima a sociedade civil do
mercado. Cruz (2004) analisando os procedimentos adotados pelas ONGs que acenam
para a possibilidade de criar uma tecnoburocracia na esfera da sociedade civil,
assinala:
164
164
A institucionalização dos diversos espaços e temáticas político-sociais com
base no monopólio do saber, o condicionamento da publicização dos
conflitos sociais a seu leque de serviços localizados e fragmentados
resultam na redução das políticas públicas universais e na efetivação de
ação focalizadas junto a grupos vulneráveis como materialidade das
perversas relações entre ONGs, Estado e sociedade civil. Assim, a
propalada democratização do setor público por meio do trabalho das ONGs,
conselhos, companhias e associações de ajuda mútua tem criado uma
aparência de participação democrática e logrado, inclusive, cooptar
direções de movimentos sociais populares. A sociedade, nessa concepção, é
apenas um conjunto de grupos de interesse desprovidos de sentido político
e de qualquer identidade capaz de articular uma transformação global, pois
os valores unificadores são os mesmos da empresa capitalista:
flexibilização, competitividade etc (p. 164-165).
Os diferentes programas desenvolvidos tem sido pretensiosamente, de
acordo com Cruz (2004), encampados pelo setor governamental, tendo como
princípio a focalização de ações nos segmentos populacionais mais pobres. Os
programas implementados são articulados com os ministérios da área social e
desenvolvidos em parceria entre as três esferas do governo e a sociedade civil,
apresentando como metas a redução da pobreza, a continuidade do ajuste fiscal e do
crescimento econômico.
As condicionalidades impostas aos projetos de financiamento, como a
participação da família e da comunidade, apoio à privatização, presença das
organizações não-governamentais, seguem as orientações do Banco sobre a
necessidade de realizar políticas educacionais de baixo custo, inclusive de educação
da primeira infância. Na leitura dos documentos do Banco percebem-se contradições
em suas orientações políticas, especialmente quando se referem aos recursos
financeiros, como nos trechos abaixo sobre a eficácia dos programas de
desenvolvimento inicial da criança em função dos custos e a estimativa destes custos.
O impacto a longo prazo das intervenções na infância influencia
enormemente a sua efetividade em função do custo. Calcula-se que o
projeto pré-escolar High/Scope Perry tenha economizado US$7,16 para
cada dólar investido, devido a reduções nos gastos de educação primária e
previdência social, combinadas com aumento da produtividade ao longo do
tempo.
A participação em programas de DIC também reduz os custos porque: a)
diminui as deficiências dos sistemas escolares ao reduzir as taxas de
repetência e desistência [...]; b) diminui as perdas de trabalho ao assegurar
que as crianças são bem cuidadas, eliminando uma preocupação e tornando
165
menos necessário que os pais tirem licença do trabalho [...]; e c) diminui os
custos de saúde, na medida em que uma boa atenção e educação envolvem
medidas preventivas (BANCO MUNDIAL, 1998, p. 27).
O documento pontua também a relação custo/benefício e a diferença entre
um serviço de qualidade e um serviço deficiente.
Embora o custo da prestação de serviços de atenção à criança tenha sido
estudado nos países industrializados, existem poucas informações sobre o
custo desses serviços nos países em desenvolvimento. Tampouco se
conhece o valor dos benefícios que as crianças, mães e comunidades
recebem em relação ao custo dos diversos serviços de atendimento às
crianças.
Contudo, há fortes indicações de que os projetos de DIC são acessíveis e de
que é mínima a diferença de custo entre um serviço de qualidade e um
serviço deficiente. Segundo um estudo recente, somente um em cada sete
centros dos EUA proporciona atendimento de qualidade que promove o
desenvolvimento sadio e a aprendizagem, e quase metade das crianças nas
401 dependências observadas passa o dia em sala de qualidade abaixo do
padrão mínimo. Como era de esperar, os estados com normas menos
rigorosas apresentam mais creches e escolas de qualidade inferior. Mas o
mesmo estudo constatou que um serviço de melhor qualidade custa, em
média apenas 10% mais que um serviço medíocre. Estes resultados sugerem
que um investimento modesto, combinado com uma regulamentação
razoável, pode melhorar significativamente a eficácia das intervenções de
assistência ao desenvolvimento inicial da criança (BANCO MUNDIAL,
1998, p. 74).
Apesar de estudos longitudinais realizados nos Estados Unidos sobre os
benefícios dos programas de desenvolvimento infantil proporcionarem um volume
considerável de dados que confirmaram o impacto dos programas de qualidade, o
documento prossegue, apresentando medidas para contenção dos custos.
O Grupo Consultivo sobre Atenção e Desenvolvimento Inicial da Criança
sugere as seguintes medidas para manter baixos os custos:
Focalizar os serviços em populações limitadas e desfavorecidas.
Usar agentes comunitários treinados ou membros da família como
professores ou provedores de atenção.
Usar todos os recursos disponíveis (pessoas de todas as idades,
instalações disponíveis, material reciclado).
Usar infra-estrutura existente mediante a incorporação de elementos de
DIC em programas de saúde, nutrição, desenvolvimento regional e
educação de adultos.
Usar os veículos de massa e todos os outros meios de comunicação
(BANCO MUNDIAL, 1998, p. 76).
166
166
Contudo, no mesmo documento, o Banco afirma que essas medidas em
geral não reduziram os custos tanto quanto se esperava, e em alguns casos
comprometeram a qualidade (1998, p. 76). Cabe, portanto, perguntar, quais
resultados, diante dos objetivos delineados pelo próprio Banco, se esperam dos
programas de baixo custo para o desenvolvimento inicial da criança com tais
compomentes de infra-estrutura, de instalação, de recursos humanos e pedagógicos
que possam ir além de uma educação compensatória, para a submissão e a exclusão
social. É importante, neste estudo, ressaltar a crítica de Rosemberg (2002), ao
comparar a formalização e a institucionalização dos serviços desenvolvidos pelo
Banco Mundial e a informalidade, a não institucionalização e a desregulamentação
dos serviços de educação da primeira infância propostos por ele.
Aponto, também, o equívoco quanto ao caráter ‘não formal’ ou não
institucionalizado dessas experiências: a formalização e a
institucionalização são intensas nos níveis técnico-burocráticos dos que
elaboram, financiam, implantam e administram tais projetos; o técnico do
BM que trabalha em Washington bem como seu colega brasileiro usam
tecnologia dura e cara, são altamente especializados, têm vínculo
empregatício, recebem bom salário, usufruirão de benefícios de
aposentadoria, viajam em aviões, usam computadores de última geração.
Não aceitariam, em seu trabalho, o que propõem para o trabalho da
educadora na creche: os restos do consumo, a sucata. Os projetos e
empréstimos são avaliados por técnicos ministeriais, pelo Congresso,
instâncias altamente formalizadas e regulamentadas. O governo e o BM
assinam contrato, com respaldo jurídico; o empréstimo, e seu pagamento,
são objeto de regulamentação minuciosa, nem um pouco informal ou
alternativa, com taxas de juro estipuladas e demais componentes desse
menu. O não institucional ou não formal ocorre apenas na ponta da linha,
na relação educadora/criança, no espaço improvisado, no material
pedagógico inadequado, geralmente, em que se desenvolvem esses
programas (ROSEMBERG, 2002b, p. 57-58).
Parece-nos significativo salientar que as orientações conceituais e políticas
presentes nos Documentos Setoriais de Educação de 1995 e 2000 e, no Manual de
desenvolvimento inicial da criança (1998) nos possibilitam observar a adaptabilidade
e a continuidade das políticas educacionais para a primeira infância, as quais seguem
o eixo central das políticas e estratégias globais e setoriais do Banco Mundial.
167
É interessante atentarmos para que os documentos globais, setoriais e
específicos do Brasil propõem e materializam as políticas de Educação Infantil
formuladas, implementadas e monitoradas pelo Banco, presentes nos projetos
financiados.
3.2 Políticas setoriais de educação do Banco Mundial e a Educação Infantil
brasileira
A região da América Latina e Caribe, apesar de seus recursos naturais
abundantes e de rendas médias, é marcada por profunda desigualdade, pobreza e
exclusão social. De acordo com os estudos do Banco Mundial sobre esta região,
retratado no sumário executivo da publicação Reducción de la pobreza y
crecimiento: círculos virtuosos y círculos viciosos (2006), ao longo dos últimos
cinqüenta anos a desigualdade tem sido muito alta, gerando obstáculos dobrados para
a redução da pobreza.
Las dos decepciones que se observan en los países de América Latina de un
crecimiento económico relativamente débil, por una parte, y de la pobreza
y desigualdade persistentes, por la outra, son de larga data y están
estrechamente vinculadas. Que el aumento de los niveles de ingreso mitiga
la pobreza, y que el crecimiento económico puede ser más o menos eficaz
para logralo, es un aspecto bien conocido por todos que há recebido
considerable atención en la squeda de un crecimiento favorable a los
pobres. Se há estudiado mucho menos el canal inverso quizás la pobreza
sea, en realidad, parte de la razón del desempeño bajo de una región en
cuanto a su crecimiento, lo que crea círculos viciosos en los cuales el
crecimiento bajo genera mayor pobreza y la mayor pobreza, a su vez,
ocasiona un crecimiento bajo. En este informe se abordan formas de
convertir este ciclo negativo en un círculo virtuoso de reducción de la
pobreza, en el que los ataques de amplia base a la pobreza se traducen en
un mayor crecimiento, que a su vez, reduce la pobreza (PERRY et al.,
2006, p. 1).
O Relatório (2006) assinala ainda, que é necessário investir em políticas
sociais coordenadas para reverter os círculos viciosos de pobreza em círculos
virtuosos, nos quais a redução da pobreza e o crescimento elevado se reforcem
mutuamente. O acesso das famílias pobres às políticas sociais é considerado um dos
fatores essenciais para o aproveitamento das oportunidades de crescimento
econômico. Dessa maneira, uma das estratégias integradas para o desenvolvimento
econômico a longo prazo é o investimento em políticas educativas para a formação
168
168
do capital humano. Isto requer, desta ótica, a tomada de medidas para corrigir as
deficiências no desenvolvimento das crianças pobres desde a primeira infância,
fortalecer a culminância dos estudos para obter um título acadêmico, aumentar a
qualidade da educação para os pobres e melhorar a fluência do mercado de trabalho.
As principais conseqüências concretas para as políticas de formação do capital
humano são: oferecer atendimento às crianças em situação de risco para que tenham
condições favoráveis de desenvolvimento desde os primeiros anos de vida; fortalecer
as oportunidades de ascensão para os pobres na escala educacional; e aumentar o
nível de retorno dos investimentos educativos para os pobres através de medidas
fundamentadas para melhorar o rendimento escolar das crianças pobres.
Observamos que as prioridades dos empréstimos que o Banco concede à
região visam reduzir a pobreza por meio de crescimento sustentável e eqüitativo,
melhoria do clima de investimento e produtividade, redução da volatilidade
econômica, ampliação do acesso a serviços, crédito e terra, e do fortalecimento da
infra-estrutura, das instituições e da governança. O Brasil é um dos trinta países da
região, clientes do Banco Mundial nos diversos setores financiados pelo BIRD.
Ao analisar as fases de atuação do Banco Mundial no Brasil, tomando como
referência a evolução da distribuição setorial dos empréstimos para projetos de
investimento, Gonzalez et al. (1990) observa que a formulação de políticas globais e
setoriais torna transparentes tais políticas e influencia, com semelhante ênfase, a
agenda dos países clientes, inclusive do Brasil. A intervenção sistemática do Banco
nas políticas, estratégias, programas e reformas da educação pública foram
construídos no transcorrer da história educacional brasileira, com o consentimento e
a participação dos setores governamentais. A atuação do Banco no Brasil não
obedeceu uma trajetória linear ao longo do tempo, pelo contrário, refletiu as
inflexões da instituição desde o início de suas atividades até os dias atuais.
O Banco Mundial iniciou sua atuação no Brasil nos anos de 1949 a 1959,
investindo em infra-estrutura econômica, financiando especialmente dez projetos de
expansão do fornecimento de energia e três projetos para o setor de transportes. Na
década de 1960, manteve a ênfase no setor energético, concedendo no final da
década, os primeiros empréstimos para a agricultura e indústria. Neste período, o
169
Banco financiou quatorze projetos, sendo onze de energia elétrica, um de transporte,
um de agricultura e um no setor industrial.
Já nos anos setenta, consolidou-se a tendência à diversificação da alocação
setorial dos recursos do Banco, merecendo destaque a inserção de projetos sociais,
com ações dirigidas aos setores de educação, saúde, nutrição, desenvolvimento
urbano, abastecimento de água e saneamento básico. Soares (2000) mostra que esta
foi a época de melhores relações entre o governo brasileiro e o Banco, sendo que o
Brasil tornou-se, nestes anos, o maior tomador de recursos do Banco Mundial.
Durante o período de 1970 a 1979, foram assinados sessenta e quatro projetos, sendo
vinte e três para investimentos em infra-estrutura econômica, dezenove para
agricultura, oito para a indústria, dois para bancos de desenvolvimento e doze para a
área social. No campo educacional, os três projetos assinados concentraram-se na
formação profissional treinamento agrícola e industrial e na implementação da
reforma educacional de 1971 que instituiu a compulsoriedade do ensino técnico-
profissionalizante de segundo grau.
A reorientação política do Banco nas relações econômicas com os países em
desenvolvimento, propôs uma redefinição da estratégia adotada para a obtenção do
crescimento econômico, em favor de projetos de natureza social, não se contrapondo
à sua lógica global. Em decorrência da controvérsia suscitada entre os temas
crescimento econômico e distribuição de renda, o investimento em projetos sociais
apresentavam-se como solução para o desejado aumento de produtividade e de renda
dos segmentos marginalizados da população. Sob esse clima, pontua Gonzalez et al.:
[...] ganhou evidência a teoria do capital humano, a qual atribuía às
imperfeições na oferta de trabalho a razão para os desequilíbrios
verificados no mercado de trabalho. Defendia-se, por conseguinte, a
ampliação e melhoria dos atributos e qualificação individuais via, por
exemplo, ensino profissionalizante enquanto formas de garantir a
elevação dos níveis de emprego e renda (1990, p. 38).
A disseminação da teoria do capital humano, como panacéia das
desigualdades econômicas entre países desenvolvidos e em desenvolvimento e entre
indivíduos, segundo Frigotto (2003), foi rápida nos países em desenvolvimento,
mediante as Organizações Internacionais e regionais, que representam a visão e os
interesses do grande capital.
170
170
A idéia-chave de que a um acréscimo marginal de instrução, treinamento e
educação, corresponde um acréscimo marginal de capacidade de produção.
Ou seja, a idéia de capital humano é uma quantidade ou um grau de
educação e de qualificação, tomando como indicativo de um determinado
volume de conhecimentos, habilidades e atitudes adquiridas, que funcionam
como potencializadora da capacidade de trabalho e de produção. Desta
suposição deriva-se que o investimento em capital humano é um dos mais
rentáveis, tanto no plano geral do desenvolvimento das nações, quanto no
plano da mobilidade individual (FRIGOTTO, 2003, p. 41).
Foi na crença nesta solução, ao largo das relações de poder na sociedade,
que no Brasil, esta teoria foi alçada ao plano das teorias do desenvolvimento e da
equalização social no contexto do milagre econômico. Para os representantes da
escola econômica neoclássica, o país havia encontrado um caminho para o
desenvolvimento e eliminação das desigualdades sociais, não pelo conflito de classes,
mas pela equalização do acesso à escola e pelo investimento em educação
(FRIGOTTO, 2003).
Nos anos oitenta, o Banco Mundial intensificou o movimento de
desconcentração setorial dos empréstimos, contando com a presença marcante dos
programas setoriais nas áreas de agricultura, energia, transportes, indústria e
desenvolvimento social. No setor educacional, observou-se um deslocamento na
política do Banco: da atenção a projetos dirigidos ao ensino técnico, passou-se a
enfatizar projetos de melhoria da qualidade do ensino de nível básico e adequação da
estrutura física às necessidades de atendimento integrado. Com um total de oitenta e
cinco projetos assinados no Brasil, nos anos de 1980 a 1989, o Banco atendeu a
seguinte ordem de prioridades: agricultura (30); setor social (26); setor de
transportes (12); setor de energia (11); indústria (2); bancos de desenvolvimento (2);
ciência e tecnologia (1); e gerenciamento do setor público (1) (GONZALEZ et al.,
1990, p. 33). Neste período, conforme ressalta Soares (2000), o Brasil manteve uma
relação difícil com o Banco, cedendo e recuando parcialmente às suas pressões e às
do FMI para adotar as políticas de ajuste estrutural, as quais se revelavam
incompatíveis com a complexa estrutura econômica brasileira.
Durante os anos de 1990 e no início dos anos 2000, o alívio da pobreza foi
o principal objetivo da assistência do Banco Mundial ao Brasil, estabelecido no
documento Estratégia de assistência ao país de 1993 e reiterado nas Estratégias de
171
1995, 1997 e 2000. O Banco tornou-se mais seletivo e concentrou seus recursos em
setores e regiões nos quais fosse mais forte seu impacto sobre o alívio da pobreza,
privilegiando os setores sociais e o meio ambiente. Durante o período de 1990-2002
o Banco financiou e concluiu noventa e quatro projetos, representando compromissos
de aproximadamente treze bilhões de dólares nas áreas: agricultura (32); educação
(9); energia (6); meio ambiente (6); finanças (2); saúde e nutrição (6); petróleo e gás
(3); setor privado (1); administração do setor público (4); proteção social (3);
transporte (10); desenvolvimento urbano (6); água e saneamento (6) (BANCO
MUNDIAL, 2004b, p. 55).
Os setores de educação e saúde foram elevados à condição de prioritários,
considerando-se sua capacidade de contribuir para o alívio da pobreza e para o
crescimento. De acordo com o Banco (2004b, p. 6), a assistência à educação deveria
estar direcionada para o desenvolvimento do pré-escolar e do ensino fundamental,
enquanto que a assistência à saúde deveria centrar-se no combate às doenças
transmissíveis e na melhoria do acesso dos pobres aos serviços de saúde. A
participação na carteira total de educação, saúde e meio ambiente cresceu
substancialmente, de cerca de seis por cento nos anos oitenta para cerca de vinte e
cinco por cento no período 1990-2002. O financiamento de projetos de infra-estrutura
continuou, mas com algumas mudanças: o Banco apoiou os programas de
descentralização e privatização, assistindo os Estados e municípios e encorajando a
participação do setor privado em infra-estrutura.
É significativo frisar, conforme observa Soares (2000, p. 30), que no setor
social, o Banco vem dando ênfase especial à educação, vista não apenas como
instrumento de redução da pobreza, mas principalmente como fator essencial para a
formação de capital humano adequado aos requisitos do novo padrão de
acumulação. Também as políticas de alívio da pobreza têm caráter instrumental,
subordinando-se,
[...] ao objetivo de evitar a emergência de tensões sociais que possam
comprometer a continuidade das reformas econômicas, e o próprio Banco
Mundial admite o seu baixo desempenho no combate à pobreza. Por outro
lado, a retórica do social convive lado a lado com as propostas de
flexibilização do mercado de trabalho (com impacto direto na redução dos
salários e dos direitos trabalhistas), de privatização do sistema
previdenciário (que exclui parte significativa da população dos benefícios,
já precários, oferecidos) e do ajuste (SOARES, 2000, p. 30).
172
172
Nota-se que, as reformas propostas pelo Banco não alteram o eixo central de
suas políticas e estratégias, um dos responsáveis pela promoção do atual padrão de
crescimento da desigualdade e da exclusão social. As orientações políticas continuam
subordinadas à lógica econômica, tendo como objetivo apoiar as políticas
macroeconômicas de ajustamento, calcadas no processo de desregulamentação e
abertura econômica, iniciado nos anos oitenta, e aliadas à implementação de
programas sociais focalizados na população mais pobre.
No período de 1990 a 1994, houve uma contração de empréstimos e uma
mudança de financiamentos para os setores sociais e meio ambiente. Foram
financiados no setor social cinco projetos para o Ensino Fundamental, um para a
saúde e três para o meio ambiente. No período de 1995 a 1998 ocorreu a recuperação
dos empréstimos, a consolidação da Estratégia de assistência ao país e o apoio
inicial às reformas estruturais. O Banco lançou treze novos projetos direcionados
para o alívio da pobreza rural. O novo projeto de educação foi o primeiro de um
programa de três projetos destinados a apoiar melhorias na administração escolar e na
qualidade do ensino nas regiões pobres. Os projetos eram consistentes com a
estratégia orientadora, mas a ausência de assistência do Banco na área de nutrição e
desenvolvimento da primeira infância foi decepcionante, já que as Estratégias do
Banco vinham propondo um projeto nessa área desde início dos anos 90 (BANCO
MUNDIAL, 2004b, p. 10).
Durante o período de 1999 a 2002, os financiamentos expandiram,
acompanhados por uma mudança na direção de empréstimos de ajuste com o intuito
de apoiar a estabilização econômica e as reformas estruturais. Os empréstimos de
ajuste foram acompanhados de empréstimos de assistência técnica para apoiar a
implementação das reformas. O Banco iniciou quatro projetos de educação
fundamental nas regiões pobres, incluindo uma maior preocupação com o treinamento
de professores. De acordo com o Banco (2004b), o financiamento do setor
educacional tornou-se um significativo componente da estratégia geral de assistência
ao Brasil durante os anos noventa, retratados no aumento do número de projetos,
valor dos mesmos e número de estudos analíticos realizados.
173
Enquanto que nos anos 80 houve apenas 5 projetos de educação,
totalizando US$ 239 milhões em compromissos e representando apenas 2%
da carteira, após 1990 o Banco lançou 12 projetos de educação, no total de
mais de US$ 1,8 bilhões em compromissos, e representando mais de 11%
da carteira. A maior atenção que vem sendo dada pelo Banco ao setor de
educação está também refletida no esforço analítico: oito estudos tratando
de questões específicas de educação e um material analítico adicional sobre
levantamentos da pobreza e outros estudos relacionados (BANCO
MUNDIAL, 2004b, p. 89).
Mesmo havendo avanços no setor educacional, influência da transferência
da Unidade de Gerenciamento de Projetos para Brasília em 1997 e contratação de
especialistas em educação no escritório central, resultando em melhor desenho dos
projetos e supervisão mais eficiente, o Banco Mundial questionou sua atuação na
assistência à área de educação infantil, isto é, a atenção ao desenvolvimento da
primeira infância.
Um aspecto decepcionante da assistência do Banco nas áreas de educação e
saúde foi a ausência de um projeto destinado ao desenvolvimento na
primeira infância e às questões nutricionais. Esses dois pontos foram
examinados na Análise Econômica e Setorial (AES) do Banco, mas o
programa não inclui sequer um projeto piloto, a despeito de ser conhecido
o impacto positivo da atenção ao desenvolvimento na primeira infância
sobre os resultados educacionais, e do fato de que diversas Estratégias
propuseram assistência nessa área. Um recente projeto de educação no
Ceará abordou essa questão pela primeira vez, mas não com o foco e a
intensidade que ela merece (BANCO MUNDIAL, 2004b, p. 26).
No referido documento o Banco reafirma que, pela primeira vez, são
realizadas ações de desenvolvimento do pré-escolar no Projeto Escola Novo Milênio
no Ceará e elaborado um estudo analítico sobre o assunto, intitulado Brasil-
desenvolvimento da primeira infância: foco sobre o impacto das pré-escolas (2002a).
No entanto, as recomendações para futura assistência do Banco são que este deve
preparar estudos que enfoquem, especificamente, o desenvolvimento da primeira
infância e que um projeto piloto sobre desenvolvimento e nutrição na primeira
infância tem que ser considerado no futuro imediato, especialmente para a região
Nordeste.
De acordo com o documento Um Brasil mais justo, sustentável e
competitivo: estratégia de assistência ao país 2004-2007 (2003d) o apoio à educação
teria prioridade e as melhorias na qualidade e nos resultados continuariam a ser
174
174
direcionadas para o ensino fundamental, com crescente abrangência do ensino médio,
desenvolvimento da primeira infância e ensino superior, conforme orientado no
documento Estratégia sectorial de educación (2000a). O objetivo de longo prazo do
Brasil de alcançar maior eqüidade incluía melhorias no conhecimento e na
capacitação profissional, maior longevidade e saúde, bem como a eliminação
progressiva da vulnerabilidade e da pobreza extrema. Um dos resultados de médio
prazo que contribuiriam para alcançar estes objetivos seria o maior acesso e
qualidade dos programas destinados à primeira infância, contribuindo para a criação
novos modelos de desenvolvimento desta fase nos municípios. O Banco Mundial
selecionou duas atividades a serem realizadas (elaboradas, aprovadas e
implementadas no futuro), para apoiar suas contribuições: Projeto de
Desenvolvimento da Primeira Infância para o Rio de Janeiro e Projeto Municipal de
Desenvolvimento da Primeira Infância. Mediante o projeto piloto na cidade do Rio de
Janeiro, o Banco poderia auxiliar na criação de um modelo educacional no nível
local, com vistas a outros municípios: se esse modelo for bem-sucedido, será
ampliado e levado a outras cidades e integrado a um programa nacional (BANCO
MUNDIAL, 2003d, p. 79).
A proposta de contribuir para novos modelos de desenvolvimento da
primeira infância nos municípios e a afirmação de transformá-lo em modelo
educacional, integrado a um programa nacional, nos possibilita observar a capacidade
que o Banco Mundial tem para formular conceitos constituintes de seu pensamento e
orientar os países clientes a adotarem suas políticas, estratégias e programas, com o
objetivo de reordenamento político, organizacional, institucional e curricular da
educação pública, inclusive da educação da primeira infância. Os documentos
globais, setoriais e específicos dos países mutuários revelam a continuidade e
adaptabilidade das políticas educacionais, em todos os níveis de ensino, incluindo a
educação infantil, em fase de implantação desde os anos noventa, as quais seguem o
eixo central das políticas e estratégias do Banco Mundial.
É significativo observarmos que, nos dois documentos de Políticas
Setoriais de Educação (1995, 2000a) e nos documentos referentes ao Brasil (2002a,
2002b, 2003b, 2003c, 2003d, 2004b) o Banco Mundial afirma, com semelhante
175
ênfase, a relevância e a necessidade de implementação de programas de
desenvolvimento da primeira infância, em função destes serem um investimento no
futuro, tanto em termos sociais como econômicos. Outros documentos do Banco
(2001, 2005e, 2005d) também ressaltam a importância do investimento no
desenvolvimento da primeira infância, baseado nas políticas e estratégias setoriais de
educação, num norteamento homogêneo que configura os contextos diversos para a
implementação destas políticas.
O documento Reducción de la pobreza y crecimiento: círculos virtuosos y
círculos viciosos (2006), analisa o desempenho econômico da América Latina e
ressalta a necessidade de adotar políticas públicas coordenadas para reverter os
círculos viciosos de pobreza, investindo em políticas educacionais e no
aproveitamento das sinergias do processo de acumulação do capital humano ao longo
do ciclo da vida, no qual, tanto as famílias, como a instituição escolar, desempenham
um papel fundamental. Isto requer políticas de formação de capital humano como:
Velar por que los niños en situación de riesgo tengan condiciones
favorables en los primeros años de vida. Es necesario atender los efectos
generadores de desigualdad que tienen las deficiencias en el desarrollo
infantil temprano y las fallas en la crianza, sobre el logro educativo y los
retornos de la educación en la edad adulta. Casi la mitad de los países de la
región están rezagados en el cumplimiento del Objetivo de Desarrollo del
Milenio emanado de las Naciones Unidas, de haber reducido la
desnutrición a la mitad en el año 2015. Debería prestarse más atención a la
intervención en edades tempranas y a otras políticas que refuercen las
capacidades de las familias para crear capital humano en los primeros años
de vida (PERRY et al., 2006, p. 25; grifo dos autores).
O Relatório sobre o desenvolvimento mundial 2006: eqüidade e
desenvolvimento (2005e) analisa os efeitos adversos de oportunidades e força política
desiguais sobre o desenvolvimento, e pontua que a ação pública tem um papel
legítimo de tentar ampliar as oportunidades daqueles que se deparam com as opções
mais limitadas.
Em muitos países em desenvolvimento, as ações do Estado para a prestação
de serviços agravam-se em vez de atenuar as desigualdades entre os
recém-nascidos. Um princípio básico é moldar a ação pública de modo que
a aquisição de capacidades humanas não seja orientada pelas suas
circunstâncias no nascimento, embora possa refletir as preferências, gostos
e talentos das pessoas.
Como as diferenças de desenvolvimento cognitivo começam a ampliar-se
precocemente, as iniciativas de desenvolvimento na primeira infância
176
176
podem ser essenciais para oportunidades mais igualitárias. As evidências
comprovam a idéia de que o investimento na primeira infância tem grande
influência na saúde das crianças e em sua aptidão para o aprendizado, além
de trazer importante retorno econômico na idade adulta geralmente maior
do que os investimentos em educação formal e treinamento (BANCO
MUNDIAL, 2005e, p. 12).
No estudo setorial Prioridades y estrategias para la educación (1995) ao
afirmar a importância dos programas integrados de saúde, nutrição e
desenvolvimento físico, cognitivo e emocional dirigidos às crianças pequenas, o
Banco pontua:
Debido a que los primeros años de vida son fundamentales para la
formación y el desarrollo de la inteligencia, la personalidad y el
comportamiento social, los programas integrados de salud, nutrición y
estímulo de las facultades cognoscitivas al niño pequeño pueden permitir a
los niños desfavorecidos comenzar la escuela en mejores condiciones. Los
programas preescolares deben vigilar el estado de salud del niño además
proporcionar distintos suplementos cuando se necesitan; determinan planes
de estudio, actividades y materiales apropriados para la edad de los niños,
orientados a estimular el desarrollo cognoscitivo; utilizar instalaciones
seguras, limpias y bien iluminadas; selecionar, capacitar, motivar, retener y
supervisionar al personal; tener una estrutura que permita que cada niño
reciba atención todos los días; y fomentar la participación de los padres y
la comunidad (BANCO MUNDIAL, 1995, p. 53).
Jon Lauglo (1997), ao analisar o documento acima citado, levanta várias
críticas, entre elas:
[...] a cultura institucional do Banco é influenciada pelos princípios
econômicos neoclássicos, princípios que definem o ser humano como um
ator racional, que procura informação, mede custos e benefícios e que se
engaja em relações de troca com outros, por meio dos mercados, a fim de
maximizar preferências. Este modelo traduz-se facilmente em uma visão de
educação que dá lugar de destaque ao conhecimento cognitivo, à
informação. Preferências tendem a ser tratadas como um dado, que está
fora do objetivo da análise. Educação social, moral e estética, que visa
formar tais preferências, receberão pouca atenção. A ênfase do documento
em um núcleo curricular sem sentido, composto de linguagem, matemática,
ciência e comunicação, enquadra-se em tal modelo racionalista de ser
humano (LAUGLO, 1997, p. 30; grifo do autor).
Nota-se que as concepções e bases conceituais do Banco Mundial sobre a
política educacional e social é influenciada pela teoria do capital humano, conforme
177
mencionado ao longo da análise por nós delineada em nossa pesquisa. O Banco vê a
educação, segundo Lauglo (1997), como:
[...] um investimento na futura produtividade do trabalho, tanto para a
sociedade quanto para o indivíduo que procura educação. Os retornos a
esse investimento são medidos por fluxos de ganhos durante a vida dos
indivíduos, descontando-se o presente valor investido. Conhecimento e
habilidades são resultados cruciais da educação, mesmo que características
menos observáveis e não-cognitivas, tais como iniciativa, autonomia e
hábitos de trabalho pesado, possam também ser considerados fatores que
afetam a produtividade do trabalho. E há efeitos sociais ou externos que
são percebidos como benéficos para a produtividade, além de constituírem
valores em si: boa saúde, bons hábitos nutricionais, controle populacional
efetivo, bom governo (p. 30-31).
Quanto a este aspecto, cabe lembrar que o Banco Mundial é uma instituição
financeira e, como tal, sua cultura institucional é de um banco, cujos acionistas são
governos soberanos. Conseqüentemente, é regido pela lógica econômica, tendo como
objetivo assegurar a reprodução e a acumulação do capital, e não o desenvolvimento
humano e social, o que provavelmente possibilita que os especialistas do Banco e os
educadores, em geral, tenham a tendência de ver a educação através de lentes
diferentes.
As orientações políticas e conceituais do Banco Mundial para a educação
mencionadas na análise delineada neste capítulo estão presentes também numa
proposta homogênea e articulada, no estudo analítico Brasil desenvolvimento da
primeira infância: foco sobre o impacto das pré-escolas (2002a) que reafirma a
importância de se investir nos primeiros anos de formação de uma criança. Neste
estudo analítico (2002a), o termo desenvolvimento da primeira infância (DPI) inclui
serviços devotados ao crescimento físico e intelectual de crianças de zero a seis anos
em creches, pré-escolas, visitas domiciliares por profissionais treinados, serviços de
saúde e nutrição e educação de pais. Conforme o documento:
[...] o desenvolvimento da primeira infância abrange intervenções em
saúde, nutrição e educação nos primeiros anos de vida de uma criança (do
nascimento até a escola primária). Intervenções importantes feitas no início
da vida são vistas como pequenos investimentos que trarão altos retornos
em termos de bem-estar físico, mental e econômico durante a vida da
criança e do adulto. Portanto, programas de DPI são tipicamente benéficos
na redução das taxas de mortalidade infantil, aumentando as matrículas
escolares, reduzindo os índices de repetência e evasão e aumentando a
178
178
capacidade de ganhos futuros no mercado de trabalho (BANCO MUNDIAL,
2002a, p. 7).
O relatório apresenta diversos estudos da experiência internacional citados
pelo Banco Mundial (1995, 1998, 2000a) e por Young (1996), os quais descobriram
que as crianças pequenas expostas a programas de desenvolvimento da primeira
infância têm melhores resultados na escola do que as que não participaram destes
programas. Os principais resultados citados foram: melhor saúde e nutrição; índices
mais altos de inteligência; maior número de matrículas escolares; menores índices de
repetência e evasão; maior participação de mulheres na força de trabalho e
desenvolvimento das funções de linguagem, pensamento e sociabilidade. Segundo a
literatura de desenvolvimento, estudada pela equipe educacional do Banco, um
programa nacional abrangente de serviços para a primeira infância é uma forte arma
contra a pobreza ao construir o capital humano, um dos melhores investimentos que
um país pode fazer em seu desenvolvimento (BANCO MUNDIAL, 2002a, p. viii).
No entanto, apesar da análise sobre os benefícios dos programas de
desenvolvimento da primeira infância, o estudo analítico (2002a) focalizou a pré-
escola, tendo como justificativa a limitação de dados referentes ao atendimento de
crianças de zero a seis anos, analisados na elaboração do mesmo. Apesar desta
justificativa, ao longo do documento são citados dados sobre creches e pré-escolas
brasileiras distintamente e dados em que não há distinção entre creche e pré-escola.
Além disso, o estudo ressalta que os dados detalhados fornecidos por um dos
documentos analisados Pesquisa sobre Padrões de Vida 1996/97 do IBGE (1997)
tornaram possível, pela primeira vez, mensurar os efeitos de longo prazo da educação
precoce. Um outro aspecto que consideramos digno de ressaltar é que, os estudos
operacionais citados pelo Banco Mundial (1998, 2002a) demonstram a importância
das condições ambientais e dos estímulos apropriados nos primeiros anos de vida,
pois a maioria das ligações neurais se formam durante os três primeiros anos de vida
e o desenvolvimento do cérebro tem impacto direto sobre a capacidade cognitiva. O
efeito da desnutrição nas crianças de zero a oito anos, também, pode ser devastador e
duradouro, prejudicando o desenvolvimento cognitivo e comportamental, a
educabilidade e a saúde reprodutiva, debilitando a produtividade da força de trabalho.
179
Segundo o Banco já que as falhas do crescimento ocorrem quase exclusivamente
durante o período intra-uterino e nos dois primeiros anos de vida, a prevenção de
impedimentos ao crescimento, da anemia ou da xeroftalmia exige a concentração de
intervenções nesses períodos (1998, p. 11).
Cabe-nos questionar, contudo, se a limitação de dados seria realmente a
razão para focar o estudo na pré-escola, já que ao longo do documento são
apresentados dados, tanto referentes à creche como à pré-escola, ou se a razão seria a
lógica econômica, que restringiria o atendimento à pré-escola, devido às
orientações presentes nos documentos do Banco (1986, 1995, 1998, 2000a) , com
vistas à racionalização dos gastos públicos com educação, inclusive, educação
infantil e de fomentar a expansão das escolas privadas e das financiadas pelas
comunidades.
Neste contexto, é significativo analisarmos uma outra crítica de Lauglo
(1997) às políticas educacionais do Banco Mundial que refere-se aos resultados dos
estudos e pesquisas contratados ou conduzidos pelos seus consultores. Observa-se um
risco de relações íntimas entre os formuladores da política do Banco e os
pesquisadores cujos trabalhos são utilizados como base para decisões, bem como
ignoram-se as pesquisas cuja hipóteses, metodologias e resultados estão distantes das
orientações globais e setoriais que prevalecem no Banco. Este tem tanto força
financeira quanto poder de informação, apesar de limitar-se a prestar atenção seletiva
aos estudos quantitativos que consideram a educação dentro de um paradigma de
função produtiva. O modelo, particularmente presente nos estudos realizados,
encomendados ou publicados pelo Banco, tem como indicador chave a avaliação
custo-benefício, incluindo nos benefícios principalmente as taxas de retorno.
A afirmação de Lauglo (1997), também presente nas análises de Coraggio
(2000) e Torres (2000), possibilita-nos observar que o desenho dos estudos de
diagnóstico/avaliação dos documentos referentes ao desenvolvimento da primeira
infância (1995, 1998, 2000a, 2002a) foram orientados por uma análise econômica,
buscando avaliar a cobertura, custo e impacto medidos através de aferição do estado
de nutrição, de inteligência, de habilidades cognitivas, e através dos resultados
educacionais, porém, raramente, do desenvolvimento social. A análise econômica
opera, comparando os benefícios dos custos, tanto no nível de cada criança, como da
sociedade como um todo, calculando a taxa de retorno, medida em termos do
180
180
potencial de empregabilidade e dos ganhos futuros de quem se educa. A relação
custo-benefício e a taxa de retorno constituem as categorias de análise dos
documentos citados, a partir das quais definiram-se a proposta educativa, as
prioridades de investimento, os rendimentos e a qualidade dos programas de
desenvolvimento da primeira infância.
Tanto nas pesquisas referenciadas pelo Banco, como nos seus documentos
(1995, 1998, 2000a, 2002a), o principal objetivo que vem sendo proposto para o
desenvolvimento da primeira infância, particularmente nos países em
desenvolvimento, é o da prevenção do impacto da desigualdade econômica,
especialmente prevenção do fracasso escolar mais do que habilitadora do êxito
escolar , uma estratégia para o aumento da eficiência, conforme salientam
Rosemberg (2001a, 2002b) e Torres (2000). Na concepção do Banco, a qualidade e a
eficácia da educação da primeira infância são medidas em função do desempenho e
do rendimento posteriores da criança na escola, efetivando-se em termos de custos
financeiros, com economia de recursos que seriam investidos em repetência, evasão e
fracasso escolar.
O Banco Mundial, baseado em seus documentos setoriais de educação e
estudos realizados, propôs a implantação de, no estudo analítico (2002a) para as
políticas e programas de educação da primeira infância brasileira, programas
informais e serviços de desenvolvimento da primeira infância prestados por
organizações não-governamentais. Além disso, questionou as políticas de educação
infantil que favorecem programas formais.
Dados os recursos insuficientes do governo, é viável examinar o papel de
sistemas informais alternativos e de sistema de ONGs que podem ajudar a
fortalecer, ou que podem até mesmo agir como substitutos para as creches e
pré-escolas tradicionais.
Avaliações de programas informais de DPI e de programas de ONGs bem
direcionados também sugerem que vale à pena dar uma avaliada na política
brasileira de educação da primeira infância, que favorece serviços de
primeira infância centralizados e exclui outros modelos (BANCO
MUNDIAL, 2002a, p. 30).
De acordo com o Banco (1998, 2002a), diversos estudos retratam que a
diversidade e a disparidade de condições econômicas, políticas, sociais e culturais
181
variam entre os países e dentro dos países, de forma que não se pode promover de
maneira universal uma única abordagem para o desenvolvimento da primeira
infância, sendo importante identificar uma série de modelos eficazes em vez de
enfatizar um só modelo. Em muitos países, diferentes tipos de programas formais e
informais coexistem lado a lado. Uma pergunta é sempre formulada por parte dos
países clientes ao Banco: será que os programas informais são efetivos em promover
o desenvolvimento da criança nos países em desenvolvimento? Para o Banco Mundial
(2002a):
[...] os programas informais para a primeira infância podem ser
extremamente custo-efetivos. De formato flexível e de administração mais
barata que o jardim de infância formal, os programas informais podem
trazer múltiplos benefícios. Se usados para melhorar as habilidades das
mães, eles podem beneficiar, além da criança que visam, os parentes mais
jovens. Programas informais de DPI geralmente modelam-se de forma a
suprir as necessidades individuais da comunidade e aparecem em diversos
formatos, tais como creches em casa, jardins de infância comunitários
dirigidos por mães ou lições de rádio. Os programas informais são
geralmente gerenciados por para-profissionais treinados, com assistência
das mães participantes. Muitos programas fornecem principalmente
serviços de cuidados de até 40 horas por criança por semana. Em
conclusão, ao trazer os serviços de DPI para casa, os programas informais
dão a muitas crianças o acesso a serviços que trazem um benefício visível e
aos quais elas não teriam acesso de outra forma (p. 31-32).
Rosemberg (2002b) questiona as orientações políticas do Banco para a
educação da primeira infância e a sua incorporação pelos governos nacionais, pois
seu discurso sobre a eqüidade social, de gênero e raça, redunda, na maioria das vezes,
em atendimento incompleto e de baixa qualidade, provocando novos processos de
exclusão social, pois destinam-se, especialmente, aos segmentos mais pobres da
população.
A crítica que interponho aos programas ‘não-formais não decorre de sua
informalidade, nem do baixo custo em si, mas do fato de que são
programas incompletos implantados como soluções de emergência, porém
extensivas, o que redunda, geralmente, em atendimento de baixa qualidade
e de grande instabilidade, sendo destinados, exatamente, a populações
pobres que, da ótica de políticas afirmativas, necessitam de e têm direito a
programas completos e estáveis como medidas de correção das injustiças
que vêem sofrendo histórica e sistematicamente (ROSEMBERG, 2002b, p.
57).
182
182
Além disso, Rosemberg (2002b) ressalta que nem sempre os programas
informais são baratos, pois envolvem custos indiretos, por vezes altos, sendo que o
caráter de emergência e improvisação destes programas tende a aumentar seus custos
quando perduram por um longo período de tempo. O próprio Banco (1998) ao
analisar a relação custo/benefício e a diferença entre um serviço de qualidade e um
serviço deficiente pontua que medidas para contenção dos custos, implementadas
pelo Banco, em geral não reduziram os custos e comprometeram a qualidade de
alguns programas informais de desenvolvimento da primeira infância.
O Banco Mundial vem financiando dois tipos de projetos de
desenvolvimento da primeira infância: projetos autônomos e projetos do setor social
com componentes de desenvolvimento infantil. Estes projetos incluem diversas
modalidades de programas formais e informais, com diferentes objetivos,
denominações e estratégias de implementação, adaptados aos contextos diversos dos
países mutúarios. Desde os anos noventa, o Banco Mundial (1998, p. 86) tem
financiado no Brasil programas formais e informais de desenvolvimento infantil
componentes de outros projetos sociais como: Desenvolvimento Municipal no Paraná
(1989-1995), Desenvolvimento Municipal no Rio Grande do Sul (1990-1995) e
Inovação no Ensino Básico de São Paulo (1991-1998).
De acordo com o Banco (2001), em consonância com seus objetivos de
melhorar a aprendizagem e diminuir a retenção escolar de crianças pobres, estes
projetos ampliaram os serviços de desenvolvimento inicial da criança, considerado de
baixo custo, proporcionados pelos municípios em áreas pobres, atendendo
respectivamente o de São Paulo, para crianças na pré-escola e nos dois primeiros
anos do ensino fundamental; o do Paraná, para crianças de três meses a seis anos e
ensino fundamental nas quatro séries iniciais; e o do Rio Grande do Sul, para
crianças de zero a seis anos, pré-escola e ensino fundamental nas quatro séries
iniciais.
De Tommasi (2000) analisa os projetos de São Paulo e do Paraná. Quanto a
este, ela não faz referência ao atendimento da primeira infância, apenas afirma que
passou por uma formulação mais próxima do projeto de São Paulo, incluindo os
componentes de pré-escola e saúde escolar. A autora cita o Projeto do Estado do
183
Espírito Santo, do qual consta o componente pré-escolar. No entanto, não
encontramos nenhuma referência a este projeto, nem nos documentos disponíveis no
Centro de Informação ao Público do Banco Mundial, nem no seu site. Supomos que o
mesmo não deve ter sido aprovado, pois, no texto citado a autora não apresenta a data
de aprovação e nem de depósito dos recursos financeiros, conforme cita em relação
aos demais projetos analisados. As análises e críticas elaboradas por De Tommasi
(2000), relacionadas aos projetos, são similares às realizadas por Fonseca (1995,
1997, 1998a, 1998b, 2000), Leher (1998), Silva (1999, 2000, 2002) e Soares (2000)
no item anterior, por isso não as retomaremos. Cabe-nos assinalar que nenhuma
análise foi realizada no estudo de De Tommasi (2000), referente ao componente
educação da primeira infância.
O documento Brasil: avaliação da assistência do Banco Mundial ao país
(BANCO MUNDIAL, 2004b) ressalta que, pela primeira vez, são realizadas ações de
desenvolvimento do pré-escolar no projeto Escola Novo Milênio-Projeto Melhoria da
Qualidade na Educação Básica. Este projeto está em fase de implementação, previsto
para o período de 2001 a 2006, sendo seu mutuário o Governo do Estado do Ceará,
coordenado pela Secretaria de Educação Básica, com financiamento de noventa
milhões de dólares. Segundo o Banco (2004b), o projeto do Ceará é muito recente,
assim sua avaliação tem de se limitar ao seu desenho. Para o Banco, o desenho do
projeto é satisfatório, revelando uma acumulação de lições e experiências derivadas
dos projetos anteriores. As perspectivas de resultados favoráveis do projeto são
positivas, apesar de o Banco pontuar a necessidade de estas atividades serem
supervisionadas de perto, sem mencionar por quem.
O objetivo principal do Projeto Escola Novo Milênio (2000b) é incentivar a
qualidade nos serviços educacionais públicos, de forma integrada ao contexto
estadual, financiando atividades que proporcionem o aumento do desempenho
acadêmico e proporcionem um ambiente propício ao aprendizado, especialmente nas
áreas mais pobres. Alguns aspectos importantes do projeto são a implantação de
programas inovadores de treinamento e atualização continuada de professores da rede
estadual e municipal, paralelos às suas atividades educacionais, com vistas ao
contínuo crescimento de suas qualificações profissionais, e a introdução de novas
práticas de ensino. Também serão apoiados programas de desenvolvimento infantil,
de aceleração para alunos acima da idade média de suas classes e de educação
184
184
complementar à distância através de programas televisivos para jovens que deixaram
a escola, para pais e para jovens trabalhadores. Nos cinqüenta e quatro municípios
mais pobres do Ceará, o projeto financiará uma completa reformulação da educação,
através de programas de educação infantil e do ensino fundamental, visando aumentar
o desempenho escolar. O projeto estimulará estratégias de autonomia escolar e
buscará auxiliar o fortalecimento e a definição dos laços institucionais entre escolas,
comunidades, municípios e o Estado, com participação e mobilização social.
Quanto às políticas de Educação Infantil, o projeto (2000b) propõe a
expansão e a melhoria da qualidade das atividades de desenvolvimento da primeira
infância e da pré-escola a nível municipal, auxiliando os municípios a cumprirem a
regulamentação exigida pela LDB, com ênfase nos centros urbanos pobres e nas áreas
rurais. O projeto tem como desafio a melhoria da qualidade da educação da primeira
infância, o aumento do número de matrículas escolares, menores índices de evasão e
repetência escolar, e maior realização do potencial da criança. A Secretaria de
Educação sica atuará, de acordo com o projeto, em parceria com as Secretarias
Estaduais de Ação Social, de Saúde e do Trabalho. Durante o período de preparação
do projeto, a equipe participou do Grupo Consultivo da Primeira Infância e da
preparação dos estudos do Banco Mundial, contribuindo na definição das políticas
educacionais a serem implementadas.
Um dos componentes do projeto é o incentivo à melhoria da qualidade e da
eficiência dos serviços educacionais. Este tem como subcomponentes: o treinamento
e a atualização continuada dos professores da pré-escola e do ensino fundamental e a
implantação de programas de desenvolvimento da primeira infância. A
implementação destes inclui programas de formação no nível dio e superior de
professores; programas de formação e atualização em serviço de professores;
expansão dos programas informais de desenvolvimento da primeira infância por meio
da formação de agentes comunitários de saúde, com atuação junto às famílias e à
comunidade, preparando-as para implementarem os programas informais de educação
inicial. As estratégias elencadas são: formação no ensino superior; formação no nível
médio através do Proformação, supervisionado pelo Ministério da Educação;
185
programas de formação em serviço; programas de formação de educação inicial para
agentes de saúde; monitoramento e avaliação das estratégias planejadas.
Um outro componente do projeto é a melhoria dos serviços educacionais nos
municípios mais pobres através do Programa de Desenvolvimento da Educação
Municipal (PRODEM), tendo como um dos objetivos, a implementação de programas
formais e informais de educação infantil, de acordo com as orientações disponíveis
no manual de execução do projeto intitulado PRODEM Guidelines.
No Projeto Escola Novo Milênio (2000b), alguns dados referentes ao
PRODEM o contraditórios: ao apresentar os objetivos, afirma-se educação inicial
informal; no mesmo item, ao referir-se à implementação do projeto, destaca-se
programas de educação inicial e pré-escola formais e informais; e no sumário anexo
dos setores e atividades do projeto, aborda-se educação inicial e pré-escola com
programas formais nos cinqüenta e quatro municípios pobres e programas informais
em todos os municípios. Portanto, cabe-nos questionar, se nos municípios pobres
serão implementados programas formais ou informais. Outra questão é que não
aparece explicitado no projeto qual programa ou quais programas informais serão
implementados. A única referência a um programa informal consiste na formação de
agente de saúde para atuar junto às famílias e comunidades.
No relatório Brasil: estratégias de redução da pobreza no Ceará (2003b) as
recomendações para as políticas educacionais estão centradas na expansão e na
qualidade da educação pública, planejada para proporcionar um maior acesso dos
pobres a este serviço, com o intuito de romper a transmissão da pobreza inter-
gerações. Uma das recomendações compreende aumentar o acesso e melhorar a
qualidade dos serviços de desenvolvimento da primeira infância e pré-escolares,
através do aumento do financiamento estadual, do treinamento dos prestadores de
serviços e da parceria com as ONGs prestadoras de serviços (p. 50). No cronograma
das ações potenciais, a dio prazo, propõe-se aumentar o financiamento para os
serviços voltados para o desenvolvimento da primeira infância e pré-escolar,
vinculado aos agentes de saúde comunitária” (p. 40). Atentando-se para estas
recomendações e proposições, é possível formular a hipótese de que além dos agentes
de saúde, existe a probabilidade de prestadores de serviços e ONGs estarem
participando do Projeto Escola Novo Milênio, apesar de o documento não citar a
forma de atuação dos mesmos.
186
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É interessante observarmos a utilização da terminologia: educação e
desenvolvimento da primeira infância, educação inicial e pré-escola no Projeto
Escola Novo Milênio. O Banco Mundial, ao apresentar suas propostas de educação da
primeira infância vem denominando-as conforme citado neste capítulo – de
Desenvolvimento e Cuidado da Primeira Infância, Desenvolvimento da Primeira
Infância ou Desenvolvimento Inicial da Criança, as quais, em linhas gerais,
especificam a educação de crianças de zero a seis anos. No entanto, no projeto
(2000b) a terminologia educação da primeira infância ou desenvolvimento da
primeira infância, em alguns trechos, é citada focalizando a educação de zero a seis
anos, mas em outros trechos, é referenciada como se indicasse somente o atendimento
de crianças de zero a três anos, propiciando uma certa dubiedade quanto à clientela e
aos programas a serem implementados.
Rosemberg (2002b) alerta para que a literatura reserva a expressão
Educação Infantil para países desenvolvidos, e Desenvolvimento Infantil para países
em desenvolvimento. Em países como o Brasil, o conceito ou a expressão
Desenvolvimento Infantil pode driblar a regulamentação educacional que preconiza
padrões institucionais e profissionais para a Educação Infantil, como formação
profissional prévia dos professores, proporção adequada adulto-criança, instalações,
equipamentos, respeito à legislação trabalhista, possibilitando a racionalização dos
custos dos projetos e programas em detrimento da qualidade. Neste sentido
Rosemberg (2002a) ressalta:
Ora, no campo da educação infantil, o Banco Mundial entra no Brasil com
uma nova concepção: a de desenvolvimento infantil, que, a meu ver, não
significa apenas alteração de terminologia. Significa, sim, alteração de
concepção, pois programas para desenvolvimento infantil podem ser
implantados pelas mães, por visitadoras domiciliares, no contexto da casa,
da rua, da brinquedoteca sob a responsabilidade de qualquer instância
administrativa. E mais: no bojo de programas focalizados para o combate
à pobreza corre-se o risco (já conhecido) de que eles não sejam
complementares mas substitutos dos programas setoriais universais. Isto é,
a despeito dos avanços das concepções, de teorias e leis de assistência
social contemporânea, a prática de sua implantação em programas para
crianças pequenas pobres atesta que os recursos alocados são poucos
significativos para cobrir a complexidade das propostas de
desenvolvimento integrado (bio-psíquico-social) (p. 66).
187
Neste âmbito, observa-se que o Banco Mundial inclue a educação da
primeira infância, também no Brasil, nas políticas de combate à pobreza através do
investimento no capital humano. Atribui à educação infantil uma visão instrumental,
visando a prevenção ou a compensação de carências de crianças pobres, buscando
maior eficiência no ensino fundamental, de modo a combater o círculo vicioso da
pobreza. Vivemos um momento histórico complexo na consolidação da Educação
Infantil brasileira: de um lado, a busca de regulamentação sob a responsabilidade do
setor educacional; de outro, a reintrodução de modelos alternativos informais, sob a
orientação da assistência social, passando a política da Educação Infantil a ser
subsidiária da política de desenvolvimento da primeira infância.
Cabe-nos ressaltar, também, que o Banco questiona, no seu estudo analítico
(2002a), a política de Educação Infantil brasileira, a qual favorece e regulamenta os
serviços de educação da primeira infância centralizados e exclui outros modelos
alternativos informais e salienta que com direcionamento apropriado, programas
informais de DPI podem ter retornos tão bons quanto, ou até melhores, que as pré-
escolas formais (p. 34) e em particular, os serviços comunitários de DPI, se
direcionados de maneira adequada, podem ter retornos tão grandes, ou até maiores,
que os retornos da pré-escola formal(p. 44).
Diante destas afirmações do Banco Mundial e de suas propostas de
programas informais implementados, em fase de implementação e aprovação,
observa-se a indicação da modalidade de programas informais como forma alternativa
de atendimento de crianças menores de seis anos, em oposição a outras que seriam
tradicionais e/ou convencionais. Na perspectiva de Rosemberg (1989), esta
modalidade de programas informais prevê um atendimento de emergência e
provisório, desempenhando apenas uma função de guarda e de provisão, atendendo
particularmente às necessidades nutricionais e garantindo a sobrevivência física da
primeira infância, sendo um programa incompleto, que deixa de lado outras funções
extremamente importantes, como por exemplo, a educativa.
É interessante retomar as afirmações de Campos (1997),
Penn (2002), Ramon (2003) Rosemberg (1989, 1999, 2002b), Rossetti-Ferreira,
Ramon e Silva (2002), ao pesquisarem os efeitos do investimento em programas
informais de desenvolvimento da primeira infância no Brasil e dos investimentos do
Banco Mundial e das instituições parceiras, formulados e implementados para redimir
188
188
a pobreza, que promovem, na realidade, modelos de educação infantil inferiores aos
aceitáveis para as crianças mais prósperas. A necessidade de expansão da educação
infantil brasileira, principalmente do atendimento às crianças das camadas pobres,
consideradas pelas Organizações Internacionais e pelo governo como populações em
situação de risco, vem se tornando a justificativa para a implantação de políticas
compensatórias/informais que propõem programas descentralizados de baixo custo.
Conforme ressaltam Rossetti-Ferreira, Ramon e Silva (2002):
Nos países da América Latina, como demonstram as pesquisas, os
programas ditos ‘alternativos acabam por reforçar a exclusão social de
populações infantis provenientes de camadas pobres. Cabe lembrar que essa
política faz parte de uma política maior, em que nem mesmo as instituições
formais, e, principalmente, as creches conseguiram cumprir as funções de
inclusão, conforme demonstram pesquisas. Na verdade, há que se buscar a
fundamentação dos discursos que norteiam a proposta desses programas,
com base em aspectos macrossociais e culturais (p. 95).
Além disso, as autoras observam o seguinte, numa reflexão crítica sobre as
políticas para a infância nos países em desenvolvimento que:
No caso de países da América Latina, não se trata de negar propostas ditas
alternativas, mas de redefini-las e compreendê-las de modo crítico. Em
relação ao atendimento às crianças pequenas, é importante que exista uma
variedade de projetos, capaz de dar conta da diversidade cultural presente
nesses países. Entretanto, essas propostas devem assumir muito mais o
caráter de complementaridade em relação às ações educativas do que de
alternativas ou substitutivos a elas. A superação de uma política assentada
na perspectiva de necessidade e dos processos de exclusão só ocorrerá
mediante um maciço investimento que de fato promova a qualidade do
atendimento em instituições de educação infantil e não no desvio desse
investimento para programas com qualidade questionável (ROSSETTI-
FERREIRA; RAMON; SILVA, 2002, p. 95-96).
Apesar de o Banco Mundial (1998) assinalar a necessidade de se formular
políticas de desenvolvimento da primeira infância que proporcionem atenção à saúde,
atenção primária à infância e à educação, necessárias para que realizem todo o seu
potencial, pois sem uma intervenção apropriada, o ciclo da pobreza que as envolve
permanecerá e contunuará nas gerações seguintes, observa-se um distanciamento
entre o discurso presente nos seus documentos (1995, 2000a) e nas suas publicações
(1986, 1998, 2000b, 2002a, 2002b, 2004b) e as orientações políticas implementadas
189
na educação infantil brasileira. É possível perceber que, o alinhamento
organizacional das políticas educacionais para a primeira infância brasileira estão sob
a égide das políticas setoriais do Banco, que orientam propostas educativas,
prioridades de investimento e a qualidade dos programas baseados na relação custo-
benefício e na taxa de retorno.
No que concerne às políticas de Educação Infantil brasileiras, vale lembrar a
orientação de Campos (1997) de que o fato de programas de melhor qualidade
apresentarem um impacto mais duradouro precisa ser considerado por aqueles que
têm o poder de formulação e de decisão, diante das orientações e condicionalidades
de adotar programas de baixo custo e baixa qualidade para as crianças pobres, que
são justamente as que mais se beneficiam de uma educação de qualidade. Segundo a
autora (1997, p. 125-126), seria fundamental que nas decisões políticas e estratégicas
não ignorassem o que as pesquisas vêm demonstrando: a educação de crianças
pequenas talvez seja uma das áreas educacionais que mais retribuam à sociedade os
recursos nela investidos. Importante analisarmos a complexidade da Educação
Infantil e as suas respectivas demandas políticas baseadas na análise dos vários
aspectos envolvidos e numa abordagem sistemática realizada por especialistas de
diversas áreas de conhecimento, estabelecidas por investigações sérias e apropriadas,
podendo contribuir para o desenvolvimento de políticas educacionais e de programas
mais relevantes e socialmente mais significativos e eficazes.
Diante do desenho do componente de Educação Infantil do Projeto Escola
do Novo Milênio uma questão torna-se imprescindível: em que medida as orientações
do Banco Mundial influenciam as definições de políticas de educação da primeira
infância brasileira? Concordamos com De Tommasi (2000), Fonseca (1995, 1997,
1998a, 1998b, 2000) e Silva (1999, 2000, 2002). Parece, de fato, existir uma
fundamental consonância de orientações entre o governo federal, estadual e
municipal e a equipe do Banco que, em parceria, seguiram o Ciclo de Projetos do
Banco Mundial e definiram o desenho do projeto, segundo as orientações conceituais
e políticas desta instituição, no nível global, setorial e especificamente na educação
da primeira infância.
Neste contexto, Vieira (2001) questiona:
190
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[...] em que medida essas influências traduzem perspectivas de cooperação
ou intervenção? Na verdade, por contraditória que pareça, a análise do
amplo conjunto de iniciativas examinadas fornece elementos para supor que
estejamos atravessando um processo onde existe uma articulação mútua
entre cooperação e intervenção. Ou seja, seria simplista supor que um
organismo internacional dita as regras do jogo de fora e o país
simplesmente as acata sem restrições. As coisas não se passam exatamente
assim; mais oportuno seria, talvez, observar que há uma sintonia entre esses
organismos e os governos, acentuada pela globalização das agendas
educacionais (p. 85).
Portanto, observa-se que a influência política do processo de cooperação
internacional, liderado pelo Banco Mundial, não se impõe de forma unilateral, sem
consentimento nacional, mas é compartilhada com setores governamentais, sendo
alimentada pelo sigilo e pelo desconhecimento de sua existência por parte de alguns
profissionais da educação e dos que atuam nas instituições de educação da primeira
infância. A própria condição de sigilo que envolve a cooperação internacional do
Banco tem sido percebida como uma forma neutra e eficaz de parceria técnica e como
meio de canalizar recursos financeiros para o setor educacional, acarretando
conseqüências políticas, técnicas e financeiras para este setor.
Quanto à afirmação de imposição de fato do Banco Mundial em matéria
educacional, Luiz Antônio Cunha é esclarecedor:
Muitos dos que falam da ingerência das agências internacionais jamais
leram um relatório delas sobre algum segmento da educação brasileira. Se o
tivessem feito veriam que é comum eles conterem, logo no início, a lista
das pessoas ouvidas no Brasil sobre o tema em questão. É claro que estão
incluídas na lista ocupantes de cargos governamentais, federais e estaduais,
membros dos conselhos de educação, assim como alguns acadêmicos de sua
confiança, maior ou menor. Cada um deles responde a perguntas e procura
fazer incluir no relatório elementos de suas próprias opiniões e interesses.
É sabido, há muito tempo, que a inclusão num relatório de entidade
internacional de posição de um grupo internacional faz com que essa
posição fique reforçada (2002, p. 3).
Também nesta linha de argumentação, Cunha (2002) é enfático:
Não bastasse isso, essas agências adotam a prática de encomendarem
estudos prévios sobre temas específícos a pesquisadores nacionais de sua
confiança, é claro. O relatório final vai incluir, em alguma medida, as
opiniões dos nacionais consultados ou contratados, assim como a dos
técnicos da sede da agência. Como um relatório de entidade internacional
só é divulgado se aprovado pelo governo do país concernente, a inclusão
191
de opiniões governamentais é um procedimento indispensável. Como falar,
então, de imposição? De ingerência? De intromissão? (p. 3)
Na suposição de Cunha (2002) não há imposição de fato do Banco Mundial
ao Brasil, pois que banqueiro financiaria projetos que não estejam de acordo com seu
ideário? Cunha desconhece projetos educacionais implementados ou abandonados
pelo governo brasileiro por exigência do Banco. No entanto, ele conhece projetos
implementados ou abandonados em que havia grupos brasileiros (classes, frações de
classe, famílias) que têm identidade tendencial de interesses com o que o Banco
orienta para a política econômica e social brasileira, que gostaram da implementação
ou do abandono.
Nesta linha de reflexão, torna-se evidente que o Banco Mundial vem
afirmando, desde os anos noventa, a relevância e a necessidade de financiar a
educação da primeira infância, por ser este um investimento no futuro, tanto em
termos sociais como econômicos. As orientações educacionais do Banco são
apresentadas como uma proposta articulada uma ideologia e um pacote de medidas
revelando a continuidade e a adaptabilidade de suas políticas e estratégias de
atuação, em todos os níveis de ensino, incluindo a Educação Infantil. As políticas e
estratégias do Banco são de intervenção sistemática, definindo uma racionalidade
técnico-instrumental, firmadas nos padrões de financiamento, de estudos preliminares
e de condicionalidades a serem cumpridas satisfatoriamente pelos países clientes,
com consentimento e a participação nacional. A prioridade do Banco é financiar a
melhoria da qualidade e expansão do acesso à educação da primeira infância, sem
onerar a carga fiscal do investimento em educação, centrada na racionalização de
gastos financeiros, na eficiência operacional e na busca de resultados. A base de
sustentação teórica das políticas de educação infantil segue o eixo central,
homogêneo e comum das políticas educacionais do Banco Mundial, baseada na teoria
do capital humano, com o objetivo de assegurar a reprodução e a acumulação do
capital, comprimindo os direitos de desenvolvimento humano e social da primeira
infância.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Certo dia Nasrudin encontrou um falcão sentado no parapeito
da janela. Ele nunca havia visto um pássaro desta espécie em
sua vida. Pobre criatura!, exclamou compadecido. Como
puderam te deixar chegar a este estado! Cortou as garras do
falcão, aparou o seu bico, e podou as suas penas. Agora,
exclamou Nasrudin satisfeito, agora você está com mais cara
de pássaro.
Idries Shah
193
A Educação Infantil brasileira, como o falcão da epígrafe, também vêm
sofrendo os cortes, as aparas e as podas das orientações conceituais e políticas do
Banco Mundial. Ao pesquisarmos a trajetória do Banco na educação da primeira
infância, é perceptível a ampliação de sua atuação técnica e financeira, a partir dos
anos noventa, assumindo um papel político-ideológico, mediante a formulação,
implementação e monitoramento de políticas globais e setoriais, orientando a agenda
dos países em desenvolvimento.
Pobre criatura, poderíamos também dizer, ainda tão jovem e frágil e já
combalida nas estruturas que lhe deveriam dar estabilidade e assegurar pertinência
social, tão aparada em sua precária autonomia e desfeita em sua imagem. A Educação
Infantil vem ocupando espaço na agenda do Banco, desde os anos noventa,
monitorada pela visão economicista que fundamenta suas políticas globais e setoriais,
especialmente as políticas educacionais. À diferença de Nasrudin, seus aparadores
estão pesquisando a espécie e, propõem e materializam os cortes, as aparas e as
podas de acordo com as políticas setoriais de educação formuladas, implementadas e
monitoradas pelo Banco Mundial, presentes nos projetos financiados de educação da
primeira infância.
O falcão no parapeito da janela há de ser domesticado, não mais deve voar:
sua identidade deve ser construída segundo o desenho orientado pelo Banco. A
Educação Infantil, como todo o sistema de ensino público brasileiro, deve ser
redefinida, transformada em uma educação que precisa ser útil às demandas imediatas
do mercado. Nada de grandes portes e de altos vôos. A educação da pequena infância
deve ser um instrumento da lógica da produção, que domina todos os âmbitos do
cotidiano, cujas atividades devem poder ser quantificadas e cujas necessidades
precisam reduzir-se às demandas mercantis.
Nesta linha de reflexão, constatamos através da pesquisa que o Brasil
ingressou no rol dos países que, na última década do século XX, monitorados pelas
Organizações Internacionais como Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial
, promoveram os ajustes estruturais e fiscais e, as reformas orientadas para a lógica
da mundialização do capital, em acordo com estes organismos ou por eles
recomendados. É neste contexto que, a partir dos anos oitenta, uma reforma do
Estado está em andamento, na qual insere a reforma da educação pública,
implementada sob o comando do Ministério da Educação.
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Observamos que o Banco Mundial tornou-se uma Organização Internacional
de visibilidade no panorama educacional global, atuando tanto no financiamento
como na assistência técnica, sendo também considerado um referencial de pesquisa
em educação no âmbito mundial. O Banco vem adquirindo, nestes sessenta anos de
atuação, significativa importância no âmbito das políticas educacionais,
desempenhando o papel junto as nações mais pobres, de estrategista do modelo
neoliberal de desenvolvimento e articulador da interação econômica entre os países,
ocupando posição nuclear no processo de cooperação internacional.
Apesar de o Banco Mundial afirmar que sua missão é combater a pobreza e
promover o desenvolvimento social e econômico nos países em desenvolvimento, por
meio de empréstimos, assessoramento às políticas, assistência técnica e serviços de
intercâmbio de conhecimento, percebemos que sua atuação é questionada por
diversos pesquisadores. Nossas análises mostram que o Banco exerce influência em
diversas áreas como educação, saúde, agricultura, entre outras, representando uma
estrutura material da ideologia da globalização, com a função mediadora de organizar
e difundir a concepção de mundo que os senhores do mundo querem consolidar e
reproduzir neste contexto de crise estrutural. Notamos ainda que, a avaliação de sua
performance é negativa, pois de acordo com as pesquisas mencionadas, o Banco vem
financiando um tipo de desenvolvimento econômico perverso e desigual socialmente,
aumentando a pobreza, aprofundando a exclusão social e destruindo o meio ambiente.
O Banco vem ampliando suas funções, nas últimas décadas, atuando como
órgão político central, como coordenador do processo global de desenvolvimento,
como agência de financiamento a longo prazo e de assistência técnica para projetos
econômicos e sociais específicos. Tornou-se uma instituição participante da
economia mundial, ampliando sua autoridade original, dilatando seu raio de alcance e
controle, impondo suas diretrizes econômicas, que refletem as ideologias e teorias do
mercado livre, as quais estão no cerne do projeto de globalização que circunda o
discurso neoliberal.
Como podemos constatar, a hegemonia do Banco Mundial vem se
expressando através de condicionalidades e da capacidade de impor aos governos os
princípios de reprodução financeira do capital, com o consentimento e a participação
195
dos setores governamentais dos países clientes. Ele vem prescevendo para os países
em desenvolvimento, particularmente o Brasil, a adesão às macropolíticas
deliberadas, desregulação e abertura para o capital transnacional, estabilidade
econômica, segurança, um Estado forte e máximo para o capital, um Estado mínimo
para os trabalhadores, especialmente para as políticas sociais. Neste contexto,
percebemos que se acirram os embates políticos com vista à minimilização do Estado
da promoção e sustentação das políticas sociais universais.
A intervenção do Banco Mundial na formulação, nas decisões e na
implementação das políticas expressa-se no ajuste estrutural e nos planos de
estabilização, nas reformas institucionais, nas exigências de resultados satisfatórios,
condicionados às cláusulas contratuais e a aprovação de empréstimos, na privatização
dos serviços públicos, na incorporação da lógica empresarial da produtividade ao
sistema de ensino, na concepção compensatória dos programas oficiais dirigidos aos
grupos de excluídos, na restrição dos serviços de proteção social (seguridade social,
saúde e educação) aos trabalhadores, na política de subordinação dos interesses e
demandas sociais.
Na análise dos cinco Documentos Setoriais de Educação (1971, 1974, 1980,
1995, 2000a), observamos que as políticas e estratégias do Banco são de intervenção
sistemática, definindo uma racionalidade técnico-instrumental, firmada nos padrões
de empréstimos, de pesquisas preliminares e de condicionalidades a serem cumpridas
satisfatoriamente, pelos países mutuários. A base de sustentação teórica das políticas
educacionais está posta na teoria do capital humano, em que a educação propicia
maior produção e maiores investimentos, com o objetivo de assegurar a reprodução e
a acumulação do capital, e não do desenvolvimento humano e social.
No âmbito da educação pública, verificamos a materialização das
proposições do Banco fundamentadas em seus Documentos Setoriais de Educação e
construídas no transcorrer da história educacional brasileira, com o consentimento e a
participação nacional. As políticas prescritas desde o Documento Setorial de 1971 e
aprofundadas nos documentos subseqüentes, presentes tanto nos projetos financiados
como nas políticas públicas foram: empenho no ensino fundamental, privatização do
ensino e novas fontes de financiamento, racionalização dos recursos públicos,
intransigência quanto ao aumento dos percentuais do PIB destinados ao
financiamento da educação, descentralização da gestão educacional, recentralização
196
196
dos controles através da institucionalização dos exames nacionais e dos parâmetros
curriculares, flexibilização do contrato de trabalho docente, efetivação de
procedimentos legais na carreira profissional voltados para resultados, desvalorização
dos profissionais da educação em todos os níveis, ajuste da educação profissional às
demandas do mercado, ênfase na formação continuada em detrimento da formação
inicial.
A prioridade do Banco na esfera educacional é financiar a melhoria da
qualidade e expansão do acesso à instituição escolar, sem onerar a carga fiscal do
investimento em educação, fortalecendo uma visão gerencial estratégica, centrada na
racionalização de gastos, na eficiência operacional e na busca de resultados. Na
lógica do Banco, a educação pública básica é prioridade a ser monitorada e regulada
com o intuito de evitar estrangulamento nos níveis posteriores.
No tocante à Educação Infantil, vale ressaltar a continuidade e
adaptabilidade das políticas educacionais presentes nos Documentos Setoriais a este
nível de ensino, observando a capacidade que o Banco têm para formular conceitos
constituintes de seu pensamento e orientar os países clientes a adotarem suas
políticas, estratégias, programas e reformas, com o objetivo de reordenamento
político, organizacional, institucional e curricular da educação da primeira infância.
A este respeito, cabe destacar a materialização das proposições do Banco Mundial,
numa visão economicista, pautada em preceitos econômicos e na redução dos gastos
públicos, incorporada como componente dos projetos financiados, através de
programas alternativos informais de baixo custo.
As propostas do Banco Mundial de atendimento alternativo retomam a
separação entre creche e pré-escola, quando propõem programas informais para as
crianças de até três anos e atendimento em pré-escola para as crianças de quatro a
seis anos, como prevenção do impacto da desigualdade econômica, especialmente
prevenção do fracasso escolar, mais do que habilitadora do êxito escolar e em função
do desempenho e do rendimento posteriores das crianças no Ensino Fundamental,
economizando recursos financeiros que seriam investidos em repetência, evasão e
fracasso escolar. Cabe ressaltar que estas propostas alternativas retomam a concepção
de políticas diferenciadas para as diferentes camadas sociais, com propostas de
197
implementação de modelos informais de atendimento para os mais pobres, retomando
a concepção de que a creche objetiva compensar carências nutricionais, sociais,
emocionais, cognitivas e culturais.
É preciso compreender que o desmantelamento da educação pública
brasileira é parte do movimento produzido pelos governos e seus intelectuais, pelos
grandes proprietários e pelas Organizações Internacionais, entre elas o Banco
Mundial, para a área social. Os pesquisadores e estudiosos ao abordarem os
diferentes aspectos dos novos desafios, mostram-nos a mercantilização da educação
produzida no contexto da mudança de paradigma do Estado o atual Estado gestor,
supervisor ou avaliador como quer o Banco Mundial, com o consentimento
nacional. Mostram-nos, por outro lado, a mudança das políticas sociais públicas: de
políticas de demanda da sociedade civil para política de oferta, segundo a
disponibilidade orçamentária acordada com o Banco Mundial, entre outros.
Parece-nos significativo frisar que o inquietante não é apenas a presença no
Brasil, das orientações conceituais e políticas, dos empréstimos e dos profissionais
do Banco Mundial, mas a receptividade e a materialização de uma estrutura
organizacional pelos sistemas de ensino em todos os níveis, inclusive pela Educação
Infantil, para canalizar suas ideologias, objetivos, estratégias e concepções de
educação. É importante atentarmos para a presença das forças aparentemente ocultas
que definem as políticas educacionais e a intervenção que o Banco exerce ao auxiliar
os governos locais com recursos acompanhados sempre de condicionalidades e da
produção e gestão de informações que funcionam como verdadeiras algemas.
Neste processo de definição das políticas educacionais brasileiras,
observamos que o governo federal subscreve as orientações conceituais e políticas
dos gestores do Banco e trabalha em equipe com o Ministério e as Secretarias de
Educação para viabilizá-las na prática, chegando ao interior das escolas públicas e
das instituições coletivas de Educação Infantil por meio de programas, projetos e
planos elaborados por seus técnicos e conselheiros, fundamentados nos Documentos
Setoriais de Educação e endossados pelo Ministério da Educação e pelas Secretarias
de Educação. Cabe salientar que, os profissionais da educação, geralmente,
desconhecem essas mediações políticas, uma vez que são restritas às possibilidades
de acesso e participação deste processo e de manuseio dos documentos elaborados
198
198
entre os gestores do Banco e a equipe dos ministérios e secretarias de educação, os
responsáveis pela configuração política dos acordos.
Parece-nos importante resgatar que, historicamente, o sistema de ensino
brasileiro que foi seletivo e excludente, desde o período colonial, aumentou ainda
mais suas disfunções e fragmentações provocadas na operacionalização de políticas e
estratégias que aprofundam os níveis de injustiça social, naturalizam as
desigualdades e comprometem as conquistas da democracia.
Retomando a nossa epígrafe: Agora, exclamou Nasrudin satisfeito, agora
você está com mais cara de pássaro. Agora, a Educação Infantil brasileira está com
mais cara de educação, segundo o Banco Mundial, pois está seguindo a sua lógica
hegemônica orientada por este desde 1971: formar o capital humano, e acrescida nos
anos noventa, da formação do capital humano do futuro desde a primeira infância.
Infelizmente, por um lado, as novas faces da Educação Infantil brasileira
estão sendo orientadas por programas informais de baixo custo financeiro.
Felizmente, por outro lado, a creche e a pré-escola são instituições educativas,
científicas e sociais, seu reconhecimento e sua legitimidade social estão vinculados,
historicamente, à sua função social de educar, comprometida com a construção de
uma sociedade democrática e justa. A creche e a pré-escola são contextos
educativos, constituindo-se em espaços privilegiados de aprendizagens das crianças
de zero a seis anos, nos vários aspectos físico, motor, afetivo, social, intelectual,
cognitivo, cultural, ético e estético. Ao abrir o do reconhecimento histórico, das
lutas e reivindicações sociais, em especial da classe trabalhadora, dentre as quais
certamente está o direito à Educação Infantil em instituições públicas coletivas, a
Educação Infantil corre o risco de servir, não a sua transformação, mas a propósitos
de reprodução do poder e das suas estruturas existentes.
A educação no Brasil não pode perder sua finalidade essencial: a produção
do conhecimento autônomo para o bem estar coletivo e para a emancipação social. O
falcão citado no início da reflexão, há de ter reservas de forças para restaurar suas
garras, seu bico e as penas cortadas, superando o processo de violência a sua
identidade, quando forçaram a sua transformação em um pássaro como todos os
outros.
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