Download PDF
ads:
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Programa de Pós-Graduação em História Comparada
Wellington Barbosa Nébias
A greve geral e a insurreição anarquista de 1918 no Rio de
Janeiro: um resgate da atuação das associações de trabalhadores
Rio de Janeiro
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Wellington Barbosa Nébias
A greve geral e a insurreição anarquista de 1918 no Rio de
Janeiro: um resgate da atuação das associações de trabalhadores
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História Comparada da
UFRJ como requisito para a obtenção de
título de Mestre em História Comparada.
Orientador: Prof.Dr. José Roberto Franco
Reis
Rio de Janeiro
2009
ads:
NÉBIAS, Wellington Barbosa.
A greve geral e a insurreição anarquista de 1918 no Rio de
Janeiro: um resgate da atuação das associações de
trabalhadores/ Wellington Barbosa Nébias – 2009. 220f.: il.
Dissertação (Mestrado em História Comparada)
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia
e Ciências Sociais, Rio de janeiro, 2009.
Orientador: José Roberto Franco Reis.
1. Greves. 2. Anarquismo. 3. insurreição. 4. Sindicatos.
5. História – Teses.
I. REIS, José Roberto Franco (Orient.). II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências
sociais. III. Título.
Wellington Barbosa Nébias
A greve geral e a insurreição anarquista de 1918 no Rio de
Janeiro: um resgate da atuação das associações de trabalhadores
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História Comparada da
UFRJ como requisito para a obtenção do
título de Mestre em História Comparada.
Aprovada em
--------------------------------------------------------------------------------------------
Prof.Dr. José Roberto Franco Reis – Fiocruz/PPGHC-UFRJ (orientador)
---------------------------------------------------------------------------------------------
Prof.Dr. Silvio de Almeida Carvalho Filho - UFRJ
---------------------------------------------------------------------------------------------
Prof.Dr. Alexandre Fortes - UFRRJ
Agradecimentos.
Gostaria de agradecer ao Prof.Dr. Flávio dos Santos Gomes. Suas aulas
ministradas no curso de História da UFRJ, não ampliaram meus horizontes, mas
também me apresentaram as idéias de E. P. Thompson, que foram fundamentais na
minha formação acadêmica. Ele também contribuiu para a escolha do tema e para a
construção do problema dessa dissertação. Sua generosidade como professor foi sempre
um grande estímulo. Sou muito grato também ao Prof.Dr. Alexandre Fortes, com quem
cursei um laboratório sobre Thompson e a História do Trabalho, ainda na graduação. O
Dr. Alexandre fez a gentileza de ler e comentar esse trabalho, mais de uma vez, durante
sua construção. Suas críticas foram fundamentais. Elas permitiram a realização de
reflexões mais complexas, sobre o assunto tratado. Gostaria de registrar um
agradecimento especial ao meu orientador, o Prof.Dr. José Roberto Franco Reis. Ele
discutiu todos os assuntos abordados. Soube conduzir a orientação com muita paciência
e flexibilidade. Por último, gostaria de agradecer a minha esposa, Isabela Catarineli
Viana Nébias, que sempre me apoiou.
Resumo
NÈBIAS, Wellington Barbosa. A greve geral e a insurreição anarquista de 1918 no
Rio de Janeiro: um resgate da atuação das associações de trabalhadores. Rio de
Janeiro, 2009. Dissertação (Mestrado em História Comparada). Programa de Pós-
Graduação em História Comparada, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2009.
Este trabalho tem como objeto as relações entre a insurreição anarquista e a
greve geral, eventos ocorridos na cidade do Rio de Janeiro em novembro de 1918. Para
entender essas relações, estudamos as correntes ideológicas que influenciavam o
movimento operário. Dedicamos atenção especial ao anarquismo, pois a greve geral
tradicionalmente foi considerada, até certo ponto, subordinada à insurreição anarquista.
Analisamos os sindicatos e suas relações com as correntes ideológicas. Observamos a
organização dos sindicatos de trabalhadores que participaram da greve geral e
acompanhamos a atuação deles entre os anos de 1917 e 1918. As idéias do historiador
marxista E. P. Thompson são uma referência central nesse trabalho. Assim, temos
significativo interesse na cultura operária e no resgate dos trabalhadores como agentes
históricos.
Abstract
NÈBIAS, Wellington Barbosa. A greve geral e a insurreição anarquista de 1918 no
Rio de Janeiro: um resgate da atuação das associações de trabalhadores. Rio de
Janeiro, 2009. Dissertação (Mestrado em História Comparada). Programa de Pós-
Graduação em História Comparada, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2009.
The object of this paper are the existent relations between the anarchist
insurrection and the general strike, events that happened in Rio de Janeiro city in
November 1918. In order to understand these relations, we studied the ideological
currents that influenced the labor movement. Special attention is devoted to anarchism,
due to the fact that the general strike has traditionally been considered, to a certain
extent, subordinated to the anarchist insurrection. We examined the syndicates and their
relations with the ideological currents. We observed the organization of the worker
syndicates that participated in the general strike, and we also followed their
performances between the years 1917 and 1918. The theory of Marxist historian E. P.
Thompsom is a central reference in this work. Thus, we have interest significant in
working class culture and in bringing back of the workers as historical agents.
Sumário:
Introdução. 1
1) A situação dos trabalhadores, durante a Primeira República, e suas 8
relações com o Estado.
2) O anarquismo e as outras tendências do movimento operário 36
brasileiro na Primeira República.
2.1) As tendências do movimento operário na Primeira República. 36
2.2) O anarquismo e o sindicalismo revolucionário. 41
2.3) As razões da suposta hegemonia do anarquismo. 50
2.4) O anarquismo, uma estrela de segunda grandeza. 62
3) As associações de trabalhadores que participaram da greve 72
de novembro de 1918, no Rio de janeiro.
4) Os anarquistas que planejaram a insurreição de novembro de 1918, na 148
cidade do Rio de Janeiro.
5) A greve geral e a insurreição anarquista, em novembro de 1918. 171
Conclusão. 211
Fontes. 214
Bibliografia. 215
Introdução.
A preocupação central desse trabalho é a análise das associações de
trabalhadores e de suas relações com as correntes ideológicas, que buscavam influenciar
o movimento operário. Contudo, gostaríamos também de pensar sobre o mundo do
trabalho, ou seja, investigar quem eram os trabalhadores da cidade do Rio de Janeiro no
ano de 1918, como eles se relacionavam entre si e com outros grupos da sociedade.
Estamos interessados em estudar quais eram seus conflitos, suas experiências e suas
expectativas. Nós estamos querendo ressaltar a diversidade das experiências dos
trabalhadores, no seu ambiente de trabalho. Não nos aprofundaremos no estudo da
cultura operária. Vamos manter o foco na luta dos trabalhadores por melhores condições
de vida. Apesar disso, gostaríamos de observar que não entendemos a esfera do trabalho
como algo isolado, como um "pedaço" da vida dos trabalhadores, que pode ser
destacado e analisado separadamente. Um homem não deixa de ser um trabalhador,
quando está num ambiente familiar, ou numa atividade relacionada ao lazer, ou
discutindo os interesses da sua comunidade ou do seu bairro, por exemplo. Da mesma
forma, no ambiente de trabalho, ele não deixa de ser um pai de família, um membro de
sua comunidade, alguém que está em um lugar social. Assim, estudar a história do
trabalho é entendido, como algo bem mais abrangente do que observar os trabalhadores
executando suas atividades dentro das fábricas.
O tema deste trabalho é a mobilização dos trabalhadores na cidade do Rio de
Janeiro, nos anos de 1917 e 1918. Seu objeto, as relações existentes entre os eventos
tratados, pela historiografia, como a insurreição anarquista e a greve geral, ocorridos
simultaneamente no mês de novembro de 1918, na cidade do Rio de Janeiro. Queremos
descobrir quem eram os trabalhadores que participaram da greve geral. Interessa-nos
analisar as relações existentes entre os grevistas e o anarquismo, os objetivos dos
grevistas, as paralisações de fábricas, o movimento de rua e como a greve foi entendida
por diversos setores da sociedade. Para que possamos compreender o objeto construído,
faz-se necessário também uma análise do tema do anarquismo, já que tanto a insurreição
quanto a greve geral foram consideradas, pela historiografia, como tendo sido lideradas
e organizadas pelos anarquistas. A historiografia tradicionalmente considera os
anarquistas como o principal grupo a influenciar o movimento operário na Primeira
República. Um estudo sobre as outras correntes existentes no movimento operário se faz
2
necessário, para que possamos dimensionar a real importância do anarquismo, nos
eventos estudados.
Na cidade do Rio de Janeiro, no dia 18 de novembro de 1918, teve início uma
greve de grandes proporções, que envolveu trabalhadores de quatro categorias
profissionais: os trabalhadores em fábricas de tecidos, os metalúrgicos, os trabalhadores
da construção civil e os trabalhadores das pedreiras. Os trabalhadores em sua maioria
adotaram uma postura pacífica, mas houve conflitos em alguns estabelecimentos. Já
algum tempo, a polícia acompanhava de perto a atuação dos anarquistas, que
planejavam liderar uma insurreição, com o objetivo de derrubar o governo, para
viabilizar uma mudança radical na estrutura social. Os anarquistas tinham a intenção de
mobilizar o maior número possível de trabalhadores e de soldados. Por isso, eles
planejaram iniciar sua insurreição no dia em que tivesse início a greve geral. Devido ao
bom relacionamento dos anarquistas com as lideranças operárias, eles sabiam que uma
greve geral estava sendo planejada. O plano elaborado pelos anarquistas tinha como
objetivo a tomada de muitos prédios públicos e a prisão de muitas autoridades.
Decidiram que a insurreição teria inicio no Campo de São Cristóvão, pois próximo
desse local se situava o seu primeiro alvo, o prédio da Intendência da Guerra. Assim,
para criar condições para o início da insurreição, os anarquistas precisavam reunir no
Campo de São Cristóvão um grande número de trabalhadores.
No final da tarde do dia 18 de novembro, aproximadamente 400 trabalhadores
estavam reunidos no Campo de São Cristóvão. Um delegado, auxiliado por poucos
policiais, tentava dispersar os trabalhadores, com o intuito de garantir a manutenção da
ordem. Os trabalhadores se recusaram a abandonar o local e a situação foi se tornando
cada vez mais tensa. Então, os anarquistas decidiram colocar em prática o seu plano.
Tiros foram disparados da multidão. Os policiais reagiram, disparando suas armas.
Buscando se proteger, os policiais se abrigaram na delegacia, que se situava no Campo
de São Cristóvão. Houve intenso tiroteio. Bombas de dinamite foram explodidas. Uma
delas dentro da delegacia, que foi tomada pelos grevistas. Cabos telefônicos foram
cortados para impedir a comunicação. Um grupo de cavalaria do Exército chegou ao
local, para auxiliar os policiais. A cavalaria entrou em combate com os grevistas e
conseguiu restabelecer a ordem no Campo de São Cristóvão. Muitas pessoas ficaram
feridas. Em vários locais da cidade, pessoas foram presas, inclusive os líderes
anarquistas. A insurreição teve o seu início e o seu fim no dia 18 de novembro, mas os
trabalhadores continuaram com a greve geral.
3
O primeiro relato detalhado, dos eventos relativos à paralisação generalizada dos
trabalhadores, em novembro de 1918, no Rio de Janeiro, está no livro O ano vermelho:
a revolução russa e seus reflexos no Brasil, organizado por Muniz Bandeira e outros,
publicado em 1967. Tendo jornais como fonte, os autores procuraram relacionar os
eventos ocorridos em novembro de 1918 com a conjuntura internacional - marcada pela
Primeira Guerra mundial, pela Revolução Russa e por um grande crescimento do
movimento operário. Também procuraram relacionar esses eventos com a condição
nacional e local, dando ênfase ao agravamento das condições de vida dos trabalhadores.
Eles consideram a Revolução Russa como modelo inspirador do movimento. A greve
geral de julho de 1917 é considerada como um indicador da força do movimento
operário, e também como um tipo de ensaio geral da revolução social no Brasil. Para os
autores, o fracasso, da insurreição e da greve de 1918, ocorreu principalmente devido à
traição e à violenta repressão, desencadeada pelas autoridades policiais. Esta repressão
foi possibilitada pelo estabelecimento do estado de sítio. Eles consideravam que o
movimento operário se encontrava maduro, mas seus dirigentes não eram preparados
para abrir as perspectivas políticas. Os anarquistas não poderiam desempenhar essa
tarefa, devido às limitações de sua doutrina.
1
Sheldon Leslie Maram analisou os eventos de novembro de 1918, no Rio de
Janeiro, no seu livro, Anarquistas, imigrantes e o movimento operário brasileiro (1890-
1920). Ele atribuiu grande importância à sindicalização. A força do movimento operário
teria como fatores determinantes, o grau de organização deste movimento e o modo
como ele é organizado. Maram considerou que esses fatores estariam diretamente
relacionados à consciência de classe dos trabalhadores. Ele afirmou que o trabalhador
imigrante não teria consciência de classe, uma vez que este resistia a entrar nos
sindicatos, e mesmo quando entrava, de um modo geral, não participava assiduamente
de suas atividades. Ele deu atenção especial aos imigrantes, pois os considerava
trabalhadores qualificados. Os brasileiros eram considerados trabalhadores
desqualificados que ocupavam posições subalternas. Maram observou os anos
compreendidos entre 1917 e 1920, e considerou que este período marcou o fracasso do
movimento operário. Justificou isso dizendo que, neste período, várias greves foram
derrotadas, não conseguindo trazer novos benefícios aos trabalhadores. Chamou atenção
1
ADDOR, Carlos A. A insurreição anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Achiamé, 2002. (p. 17-
20); BANDEIRA, L.A.M. O ano vermelho: A Revolução Russa e seus reflexos no Brasil. São Paulo:
Expressão Popular, 2004.
4
também, para o fato de que os anarquistas, devido às prisões dos seus líderes e ao
fechamento de organizações operárias, perderam influência sobre os trabalhadores.
Segundo ele, os fatores responsáveis pelo fracasso do movimento operário foram: a
consciência do trabalhador imigrante, ou talvez fosse melhor dizer a falta dela; as
divisões étnicas da classe operária; a vulnerabilidade do trabalho organizado; as
deportações; as campanhas xenófobas do governo e a estrutura dos sindicatos
anarquistas. Esta estrutura, para ele, além de tolerar, também estimulava a falta de
compromisso dos trabalhadores para com o movimento operário, uma vez que
incentivava o voluntarismo, rejeitando todo tipo de regulamentação burocrático-
normativa. Maram dividiu cronologicamente o movimento operário brasileiro, e
afirmou que existiu entre 1890 e 1920 um primeiro movimento operário brasileiro. Este
teria sido destruído em 1920.
2
Acreditamos que esse tipo de divisão não é interessante, pois não parece
contribuir para aumentar o entendimento sobre o movimento operário. Além disso,
induz o pesquisador a cometer alguns erros. A idéia do fim de um primeiro movimento
operário, associada à diminuição da influência dos anarquistas, supervaloriza a atuação
destes. O movimento operário foi feito pelos trabalhadores como um todo e não
somente pelos anarquistas. Mesmo se considerarmos que estes tiveram um papel
importante, o movimento operário não se limitava à atuação deles. Esta divisão também
pode levar à valorização da idéia de ruptura, e defendemos que entre as décadas de 1910
e 1920 houve muito mais continuidades do que rupturas, no movimento operário
brasileiro. Consideramos um equívoco, partir da idéia de que os trabalhadores
imigrantes eram qualificados, e os trabalhadores brasileiros eram desqualificados. Se a
maioria dos imigrantes vinha de regiões rurais da Europa, por que deveriam ser mais
qualificados que os brasileiros? Outro problema na análise de Maram é a importância
exagerada dada à sindicalização. O fato do trabalhador não ser sindicalizado não
significa, que ele não tenha consciência da sua situação dentro da sociedade. Havia, sem
dúvida, grande diversidade de pensamento entre os trabalhadores, mas mesmo aqueles
que foram menos atuantes nas lutas por melhores condições de vida, não devem ser
tratados como trabalhadores dóceis ou ingênuos, que tinham suas atitudes orientadas
somente de acordo com os interesses dos patrões. Estes trabalhadores tinham interesses
próprios e variados que funcionavam para eles como referências. Os trabalhadores que
2
MARAM, Sheldon Leslie. Anarquistas, Imigrantes e o Movimento Operário Brasileiro (1890-1920).
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. (p. 11 e 159-167)
5
não são sindicalizados também podem participar de greves, discutir com seus
companheiros sobre as condições de trabalho, participar de associações mutualistas e
apoiar ou recusar práticas adotadas por parcelas dos trabalhadores. Estes trabalhadores
têm uma participação muito importante dentro do movimento operário, pois sua atuação
tem grande influência sobre os rumos que esse movimento irá seguir. Quanto à
consciência de classe do trabalhador, julgamos que é uma perda de tempo ficar se
preocupando com a consciência de classe “adjudicada”
3
, ou seja, a consciência de classe
a qual o trabalhador deveria ter, segundo algum teórico. O que nos interessa é a
consciência de classe que o trabalhador de fato tem, e como esta consciência influencia
suas atitudes. A consciência de classe é um fenômeno histórico que tem relação com a
cultura. A consciência de classe é o modo como os trabalhadores relacionam suas
experiências a práticas e valores pertencentes a uma cultura. A classe tem relação com
as experiências vivenciadas coletivamente pelos homens. Estas lhes permitem articular
a identidade dos seus interesses, em oposição a grupos que possuem interesses
conflitantes com os seus. Não existe classe sem a existência da consciência de classe,
pois a classe não é uma coisa, mas sim uma relação, que depende do estabelecimento da
identidade de interesses entre as pessoas. Para descobrirmos algo sobre a consciência de
classe temos que observar as práticas, os relacionamentos e os discursos dos indivíduos,
dentro de um período de tempo. A consciência de classe tem relação com o modo como
um grupo se comporta, enquanto busca atingir objetivos gerais que são comuns aos
membros desse grupo. Obviamente divergências entre os membros desse grupo, mas
isto não impede que eles organizem estratégias para atingir seus objetivos comuns e
também particulares. Estas estratégias são construídas cotidianamente pelas pessoas,
com base nos relacionamentos que elas estabelecem dentro da sociedade.
4
Carlos Augusto Addor acredita que a principal contribuição de Maram, ao
estudo dos eventos ocorridos em novembro de 1918, foi relacionar esses eventos à
conjuntura econômica. Para Maram, essa conjuntura econômica, marcada pela recessão,
seria a principal responsável pela derrota do movimento grevista, e talvez até pela
derrota da insurreição anarquista. O movimento grevista é considerado como tendo sido
mal planejado. A insurreição anarquista, para ele, trouxe conseqüências negativas para o
trabalho organizado, pois o Estado o utilizou como pretexto para legitimar a violenta
3
Georg Lukács, se preocupou com essa questão no livro História e consciência de classe.
4
THOMPNON, E.P. A formação da Classe Operária Inglesa. Vol. 1. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
(p. 9-14)
6
repressão. Os libertários, superestimando sua própria força, favoreceram a repressão da
parte de seus adversários
5
. Neste ponto, Addor discorda de Maram, considerando que o
levante anarquista mesmo tendo trazido conseqüências imediatas desfavoráveis aos
interesses do movimento operário, contribuiu para colocar a questão social em
evidência, estimulando o debate dessa questão pela sociedade, e colaborando para a
mudança de postura do Estado e do patronato, com relação ao trabalho organizado.
Mudança que vai se dando gradativamente nas décadas de 1920, 1930 e 1940.
6
Addor afirma que a greve generalizada que aconteceu no Rio de Janeiro, em
novembro de 1918, foi uma greve insurrecional. Dessa forma, acaba alinhando os
interesses dos grevistas com os interesses dos participantes da insurreição anarquista.
Para ele, os indivíduos que participaram da insurreição queriam, com base numa greve
geral, realizar a revolução social, com o objetivo de tornar real a utopia libertária. Eles
tinham como estratégia para derrubar o governo, a combinação de uma greve
generalizada com um levante armado. Após a derrubada do governo, pretendiam formar
uma junta de operários e soldados, tendo como referência a Rússia soviética, com o
objetivo de construir uma sociedade sem Estado e sem dominação. Ele considera que a
greve era, em alguma medida, independente do movimento anarquista, pois os grevistas
permaneceram parados após a prisão dos principais líderes anarquistas, e a União dos
Operários em Fábricas de Tecidos (UOFT) condiciona a volta ao trabalho ao
atendimento de certas reivindicações do movimento operário. Addor concorda com
Boris Fausto, quando este considera que a greve teve um reduzido grau de
espontaneidade, tendo sido organizada essencialmente pelos anarquistas, que haviam
assumido a direção da UOFT.
7
Estamos interessados em analisar o modo como a greve foi organizada.
Buscaremos identificar qual foi a importância dos anarquistas nessa organização. No dia
18 de novembro, houve paralisação do serviço em quatro categorias de trabalhadores.
No setor das fábricas de tecidos, os estabelecimentos paralisaram suas atividades
praticamente no mesmo horário. Muitos trabalhadores não sabiam explicar com clareza
as razões que tinham motivado a greve. Alguns afirmaram que interromperam o serviço
porque receberam ordens. Outros alegaram que iniciaram a greve por solidariedade de
classe. Isto evidencia como as lideranças operárias tinham significativa influência sobre
5
ADDOR, C. A. A insurreição anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Achiamé, 2002. (p. 20)
6
Idem. p. 145.
7
Idem. p. 123-130.
7
os trabalhadores. Essas lideranças tiveram um papel importante na organização da
greve. Contudo, temos dificuldade em entender um movimento popular, ou seja, a greve
como algo baseado em um grau reduzido de espontaneidade. Algumas fábricas já
haviam entrado em greve antes do dia 18 de novembro. Por outro lado, muitos
trabalhadores se recusaram a participar da greve. Dentro de um processo, os agentes
históricos atuam de formas variadas de acordo com as circunstâncias. Os agentes não
têm controle sobre as variáveis. sempre espaço para o imprevisível. Os participantes
da greve geral agiram de formas variadas. Algumas vezes com violência, outras
protestando de forma pacífica e até mesmo buscando dialogar com as autoridades, que
haviam desencadeado uma repressão violenta. Dessa forma, não podemos deixar de
analisar se a greve realmente foi insurrecional. Para isso precisamos descobrir quais
eram os diversos interesses dos trabalhadores, que se envolveram na greve. Partimos da
idéia de que os participantes da greve constituíam um conjunto heterogêneo, que não
estava necessariamente alinhado com as idéias de determinadas correntes do movimento
operário, a porque não havia homogeneidade, nem mesmo dentro de correntes
específicas desse movimento.
As relações existentes, entre a greve e a insurreição anarquista, são objeto de
nosso estudo, mas entendemos a análise dessas relações como o ponto de partida para
identificar qual era a realidade dos trabalhadores entre 1917 e 1921, período de maior
mobilização dos trabalhadores durante a Primeira Republica. Não pretendemos
obviamente esgotar esse assunto, mas somente contribuir para esclarecê-lo. O nosso
recorte cronológico vai somente de 1917 até 1919, pois estamos mantendo o foco nos
atores envolvidos na greve e na insurreição anarquista de 1918. Nossa pesquisa é
limitada e não pode dar conta de esclarecer totalmente a complexa realidade desse
período, mas pode contribuir nesse sentido. Consideramos que as análises que serão
feitas para determinados setores de trabalhadores, no ano de 1918, serão úteis para a
análise do período compreendido entre 1917 e 1921 e para a análise dos trabalhadores
de um modo geral.
8
1) A situação dos trabalhadores, durante a Primeira República, e suas relações
com o Estado.
No último quarto do século XIX, os países europeus aumentaram
significativamente seus investimentos na América Latina. Grande parte desses
investimentos foi destinada a empréstimos governamentais. O restante foi direcionado
principalmente para a implantação de uma infra-estrutura de transportes e para a
aquisição de bens de capital, para a instalação de indústrias. O Brasil foi um dos países
que recebeu grande quantidade desses investimentos. A construção de ferrovias, a
melhoria dos portos e o aumento da demanda européia por matérias-primas provocaram
um grande crescimento no comércio externo brasileiro. As importações, que eram pagas
com os recursos provenientes das exportações agrícolas, aumentaram bastante. O
principal produto de exportação brasileiro era o café.
8
No século XIX e na primeira
metade do século XX, não houve no Brasil um processo continuo de industrialização de
grandes proporções. Contudo, existiram surtos industriais. O primeiro desses surtos
ocorreu na década inicial da Primeira República. O segundo, que foi mais intenso que o
primeiro, ocorreu entre 1903 e 1913. Nesse período, o investimento industrial era
totalmente dependente das importações de bens de capital e de matérias-primas. Assim,
os surtos industriais eram dependentes do comportamento do comércio exterior. Quando
esse comércio entrava em crise, os surtos industriais eram interrompidos. Os efeitos da
crise internacional de 1913, que foram agravados pelo inicio da Primeira Guerra
Mundial em 1914, interromperam o segundo surto industrial brasileiro. A guerra
dificultou muito a importação de bens de capital. Assim, não foi possível realizar uma
grande ampliação do parque industrial. Os preços dos produtos exportados pelo país
caíram muito. Como as exportações financiavam as importações, estas tiveram que ser
reduzidas. A receita federal, na qual o imposto de importação tinha grande peso, caiu
muito. Isto provocou desequilíbrio nas contas do governo. Para pagar suas despesas, o
governo emitiu papel-moeda, gerando com isso um aumento da inflação. A Primeira
Guerra Mundial provocou uma alteração na pauta de exportação brasileira. Os europeus,
que estavam tendo muitos gastos com a guerra, diminuíram suas importações de café,
pois este não era um produto essencial. Em contrapartida, eles aumentaram suas
8
SEVCENKO, N. A literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República.
São Paulo: Companhia das Letras, 2003. (p. 61-63)
9
importações de alimentos básicos, pois precisavam alimentar suas tropas. Isto
contribuiu para o aumento do preço dos alimentos, no mercado interno brasileiro.
9
No Brasil, nas últimas décadas do século XIX, houve grande interesse pela
atividade industrial. A indústria têxtil foi pioneira no processo de industrialização
brasileiro. Parte dos lucros, obtidos com a venda de café, foram investidos nesse setor
industrial. Em 1885, a produção da indústria nacional de tecidos de algodão era
estimada em 20.595.375 metros. Em 1917, essa estimativa subiu para 548.120.000
metros. No final da Primeira Guerra Mundial a indústria têxtil nacional produzia
aproximadamente 80% dos tecidos de algodão consumidos no país. Nesse momento, o
setor têxtil era o setor industrial mais desenvolvido no Brasil. A maior parte das
indústrias têxteis se encontrava localizada no Distrito Federal, no Estado do Rio de
Janeiro, no Estado de São Paulo e no Estado de Minas Gerais. Durante a Primeira
República, o Estado de São Paulo foi a região do Brasil que teve o maior crescimento da
indústria têxtil. Na década de 1920, a produção industrial da Cidade de São Paulo
superou a produção industrial da Cidade do Rio de Janeiro. A Cidade de São Paulo
passou a ser o principal centro industrial do país. A crise econômica de 1913 e a
Primeira Guerra Mundial provocaram a falta de crédito no mercado brasileiro. Isto
prejudicou a indústria, mas o governo restabeleceu o crédito com a emissão de papel-
moeda. A guerra favoreceu a indústria têxtil, pois a desorganização do comércio
mundial dificultou a importação de produtos têxteis. Dessa forma, houve um grande
aumento do mercado para as indústrias nacionais, que por terem grande capacidade
ociosa, puderam aumentar significativamente sua produção. Pela primeira vez a
indústria têxtil exportou produtos para a Argentina e para o Uruguai. Apesar do grande
crescimento da produção da indústria têxtil, durante a Primeira Guerra Mundial, houve
um pequeno período de recessão, no final do ano de 1918. Isto ocorreu devido à
instabilidade da economia mundial e devido ao grande aumento da produção das
fábricas brasileiras.
10
Desde o final do século XIX, a cidade do Rio de Janeiro estava sofrendo um
processo acelerado de expansão demográfica. Ela era o principal pólo de atração para a
migração interna e para a imigração. As condições de vida da população pobre eram
9
VILELA, A. V; SUZIGAN, W. Política do governo e crescimento da economia brasileira (1889-1945).
Rio de Janeiro: Ipea, 1973. (p. 84-85, 136 e 148)
10
STEIN, S. J. Origens e evolução da indústria têxtil no Brasil (1850-1950). Rio de Janeiro: Campus,
1979. (p. 109,110 e 115-117); VILELA, A. V; SUZIGAN, W. Política do governo e crescimento da
economia brasileira (1889-1945). Rio de Janeiro: Ipea, 1973. (p. 146)
10
muito ruins. As condições de moradia eram péssimas. A maioria da população pobre
vivia em cortiços, estalagens e casas de cômodos superlotados. Estas pessoas eram
vítimas de constantes epidemias como a febre amarela e a varíola. A tuberculose, que é
uma doença mais diretamente ligada às condições de trabalho, também fazia suas
vítimas. Ao longo das duas primeiras décadas do século XX, os salários não
acompanharam o aumento do custo de vida. Poucos trabalhadores ganhavam o
suficiente para sustentar as necessidades básicas de suas famílias. As condições do
proletariado de um modo geral não eram boas. Os salários eram muito baixos e as
condições de trabalho nas fábricas eram ruins. Como não existia legislação sobre o
trabalho, a jornada de trabalho não era regulamentada, podendo chegar até mesmo a
quinze ou dezesseis horas de trabalho diário. A jornada diária podia ser aumentada de
acordo com as necessidades da produção. As crianças e as mulheres também eram
utilizadas como mão-de-obra pela indústria. Suas jornadas de trabalho eram longas,
sendo realizadas muitas vezes em turnos noturnos. Agressões eram freqüentes,
principalmente aos trabalhadores menores de idade. Quando não atingiam suas cotas de
produção ou eram apanhadas dormindo, as crianças muitas vezes sofriam castigos
físicos. Cada empresa determinava a forma como seriam feitas as contratações, as
demissões, os pagamentos e os descontos. Férias, descanso semanal remunerado,
aposentadoria e salário mínimo simplesmente não existiam. As empresas cometiam
arbitrariedades contra os trabalhadores. Estes estavam sujeitos a multas, descontos e
demissões não justificadas. Devido às longas e cansativas jornadas de trabalho e à
utilização de equipamento perigoso, os trabalhadores estavam sujeitos a acidentes de
trabalho. Normalmente as fábricas não se responsabilizavam pelos acidentes, colocando
toda a culpa pelo ocorrido nos funcionários. Dessa forma, os trabalhadores não
recebiam nenhum tipo de indenização.
11
Havia carência de moradias na cidade do Rio de Janeiro. Assim, o preço dos
aluguéis era alto. No final do século XIX, os industriais estavam tendo alguns
problemas, relacionados à mão-de-obra. Os altos custos dos aluguéis e os baixos
salários afastavam os trabalhadores das indústrias. Muitos industriais se queixavam que
trabalhadores, com freqüência, abandonavam o serviço. Havia significativa rotatividade
de mão-de-obra. A falta de casas, próximas a uma indústria, certamente dificultava a
11
ADDOR, C. A. A Insurreição Anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Achiamé, 2002. (p. 43-
56); MARAM, S. L. Anarquistas, Imigrantes e o Movimento Operário (1890-1920). Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1979 (p. 119-124)
11
atuação de um operário nessa indústria. Mesmo que ele desejasse o emprego, poderia ter
que recusá-lo, se não encontrasse uma casa para alugar. Buscando aglutinar a força de
trabalho nas proximidades das fábricas, com o objetivo de garantir a baixa rotatividade,
a pontualidade e a assiduidade dos trabalhadores, os industriais do setor têxtil
investiram em habitações para os operários. A indústria têxtil, ao contrário dos outros
setores industriais, utilizou de forma significativa os incentivos fiscais, oferecidos pelo
governo, para a construção de casas higiênicas para os trabalhadores. Dessa forma,
surgiram as vilas operárias, que assim como as fábricas foram inspiradas no modelo
inglês. Entre as fábricas que construíram suas vilas operárias, no final do século XIX,
estavam: a Cruzeiro, a Confiança, a Aliança, a Corcovado e a Bangu. Os grandes
estabelecimentos industriais, do setor têxtil, eram verdadeiros complexos, nos quais
trabalhavam e habitavam milhares de operários. Por exemplo, a fábrica Aliança,
fundada no ano de 1880 no bairro das Laranjeiras, possuía vários edifícios industriais.
Possuía também um armazém, uma escola, um posto médico e uma creche. Sua vila
operária, com casas higiênicas, abrigava aproximadamente 1800 trabalhadores. Esses
benefícios, oferecidos pela fábrica, sem dúvida interessavam aos trabalhadores, mas
existiam denuncias contra a direção da fábrica. A imprensa operária afirmava que os
benefícios concedidos aos operários, pela Aliança, na verdade eram mecanismos que
possibilitavam a ampliação da exploração dos trabalhadores. Muitos alegavam que o
armazém da companhia explorava os trabalhadores, cobrando preços mais altos que os
praticados pelo mercado. Os aluguéis das casas da vila operária também eram
considerados muito caros. A escola era sustentada com a contribuição dos
trabalhadores. Os trabalhadores acusavam a direção da fábrica de tentar controlar a vida
dos operários, que moravam na vila. Muitos desses moradores afirmavam que não
tinham liberdade. Não podiam receber ninguém em suas casas, sem licença prévia da
administração da fábrica. Brigas entre trabalhadores vizinhos, ocorridas na vila, eram
punidas com a demissão dos trabalhadores. A direção não aceitava que os trabalhadores
pertencessem a sociedades operárias. A direção só admitia que os trabalhadores se
associassem a sociedades, fundadas com o apoio da fábrica.
12
A posse sobre as casas,
nas quais moravam os trabalhadores, aumentava o poder dos industriais. Se um
trabalhador fosse demitido, ele ainda teria que abandonar a casa na qual morava.
12
AZEVEDO, Francisca N. de. Malandros Desconsolados: o diário da primeira greve geral no Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2005. (p. 44-45); SANTUCCI, Jane. Cidade Rebelde: as
revoltas populares no Rio de Janeiro no início do século XX. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2008. (p.
142-147)
12
O movimento dos trabalhadores enfrentou muitos desafios, na sua luta pela
organização e mobilização da classe operária em torno de objetivos gerais comuns. Um
grande desafio era o modo como se organizava a estrutura política do país. O número de
pessoas que participava das eleições era muito pequeno. A maior parte desses eleitores
pertencia ou estava relacionada às elites econômicas. Além disso, as eleições
normalmente eram fraudadas. Dessa maneira, as classes populares tinham dificuldades
em conseguir representantes dos seus interesses entre os políticos. No campo estava
não a base da produção econômica, mas também a base das oligarquias rurais que
controlavam a estrutura política formal do país. Com base nisso, podemos considerar
que existia certa limitação dos trabalhadores urbanos, no que diz respeito a sua
capacidade de pressionar uma elite liderada por oligarquias rurais. No entanto, esta
limitação não deve ser exagerada. Os protestos, as greves, a indisciplina, a resistência
dos trabalhadores urbanos, em princípio, afetavam mais os industriais do que os
fazendeiros, mas o Estado não representava unicamente os interesses das oligarquias
rurais. As demandas dos trabalhadores sensibilizavam muitas autoridades do Estado.
Também não devemos subestimar a importância da indústria na Primeira República. Os
grandes industriais tinham poder e bons relacionamentos com as autoridades. Apesar da
exportação de café ser a principal preocupação econômica dos políticos, convém não
desconsiderar a influência dos industriais junto ao governo. Os industriais conseguiam
que muitas de suas reivindicações fossem atendidas pelas autoridades do Estado. O
movimento operário, ao pressionar os industriais, conseguia chamar a atenção do
governo e da sociedade para suas demandas.
Os atritos entre grupos étnicos diferentes, também causavam problemas
para o movimento operário, pois contribuíam para enfraquecer os nculos de
solidariedade existentes entre os trabalhadores. Porém, a diversidade étnica existente
permitia uma grande troca de experiências. A composição étnica da classe trabalhadora
era bastante heterogênea devido à imigração. Os imigrantes europeus, sem dúvida,
contribuíram para a construção de ideologias que contestavam o sistema estabelecido no
Brasil. Eles também tiveram um papel importante na organização da classe operária. No
entanto, podemos considerar que a imigração não era a única forma de colocar os
trabalhadores nacionais em contato com idéias européias. O Atlântico era um
importante espaço não para a troca de mercadorias, mas também para a circulação de
pessoas e idéias. Os navios traziam livros, periódicos e pessoas, que possuíam idéias
novas e diferentes formas de analisar a realidade. Muitos anarquistas de origem
13
européia, que atuaram no Brasil, ao chegarem ao país não eram anarquistas. Eles
tiveram contato com a doutrina no Brasil e então se converteram. Muitos
trabalhadores de origem européia se tornaram mais atuantes no movimento operário,
somente depois de chegarem ao Brasil e conhecerem bem a realidade local. Os
trabalhadores nacionais não dependiam exclusivamente dos imigrantes para terem
contato com idéias novas. O inverso também ocorria. Os imigrantes aprendiam novas
idéias com os brasileiros, que conheciam muito melhor que eles a realidade local. O
movimento operário brasileiro foi construído dentro do próprio país, através das
experiências cotidianas dos trabalhadores. Não era a origem étnica do trabalhador que
determinava se ele seria ou não engajado, na luta do movimento operário por melhores
condições de vida. Isto era determinado pelas experiências e expectativas dos
trabalhadores. O contexto político, econômico e social, no qual os trabalhadores se
encontravam, também tinha influência nesse sentido. Devemos considerar também que
grande parte dos trabalhadores, tanto imigrantes quanto nacionais, tinham como
objetivo um projeto de ascensão social, baseado no esforço individual. Este objetivo não
deve necessariamente ser considerado conflitante com uma postura mais mobilizada,
com o objetivo de conquistar direitos para a coletividade. É perfeitamente possível lutar
por benefícios individuais e ao mesmo tempo lutar por direitos coletivos. O movimento
operário contou com a importante contribuição de imigrantes e brasileiros. Aqueles
tanto ensinaram como aprenderam com estes. Existiam identidades étnicas que em
muitos momentos geraram divisões entre os trabalhadores, mas consideramos que a
identidade de classe, apesar de suas limitações, tendeu a superar as diferenças étnicas.
Outra dificuldade para a classe trabalhadora era a existência de uma oferta muito
grande de força de trabalho nos centros urbanos, durante a Primeira República. O
excesso de oferta de mão-de-obra contribuía para a redução dos salários e para a
redução da amplitude das lutas operárias por melhores condições de vida. Quanto
menos qualificada era a mão-de-obra de uma determinada categoria, menor era a
estabilidade no emprego e maior a possibilidade de menores salários e piores condições
de trabalho. Os industriais podiam estabelecer relações paternalistas e exigir lealdade
dos seus empregados. Os trabalhadores que desafiavam seus empregadores corriam
sério risco de ficar desempregados. Durante as greves, os patrões tinham como
alternativa a contratação de novos trabalhadores. Isto facilitava a demissão de muitos
grevistas. Trabalhadores tachados de subversivos ou anarquistas geralmente tinham
dificuldades para conseguir trabalho, pois os empregadores evitavam contratá-los. Com
14
relação à organização sindical, esse excesso de oferta de mão-de-obra dificultava a
organização e a mobilização dos trabalhadores. Os trabalhadores, que atuavam nos
sindicatos, corriam o risco de perder seus empregos. A resistência dos patrões, aos
trabalhadores sindicalizados, criou dificuldades para que os sindicatos se
transformassem em órgãos representativos de grandes parcelas da classe trabalhadora.
13
O número de trabalhadores sindicalizados normalmente era baixo, apesar dos sindicatos
se esforçarem para aumentar o número de filiados. Mesmo com todas essas
dificuldades, no ano de 1917, na cidade do Rio de Janeiro, uma grande quantidade de
associações de trabalhadores havia atingido um significativo grau de organização.
Isto foi fundamental para o aumento da mobilização operária nos anos seguintes.
Os anos compreendidos entre 1917 e 1921 foram caracterizados pela grande
mobilização dos trabalhadores. No ano de 1913, chegava ao fim um período de grande
crescimento da economia brasileira. Uma queda nos preços dos produtos de exportação
provocou desequilíbrio na balança de pagamentos do país. Com o início da Primeira
Guerra Mundial a recessão se agravou. As camadas mais pobres da população foram as
mais atingidas pela recessão. Houve aumento do desemprego, redução de salários,
inflação e a perda de pequenas conquistas conseguidas pelos trabalhadores. No segundo
semestre do ano de 1918 no Rio de Janeiro, os setores mais afetados foram o têxtil e o
da construção civil. Segundo a Federação Operária, grandes empresas têxteis estavam
funcionando somente três dias por semana.
14
Em 1918, o mundo do trabalho estava
bastante agitado, devido à conjuntura mundial. Além das dificuldades econômicas
existentes relacionadas à Primeira Guerra Mundial, a vitória da Revolução Russa em
outubro de 1917 também contribuiu para o aumento da tensão, pois fortaleceu as
esperanças e os discursos dos grupos mais radicais que tentavam influenciar os
trabalhadores. No entanto, as principais greves que ocorreram nesse período tiveram a
carestia como uma de suas principais motivações imediatas. Os trabalhadores estavam
encontrando sérias dificuldades para atender às necessidades básicas de suas famílias,
como saúde e alimentação. A intensa mobilização deles, entre 1917 e 1921, estava
diretamente ligada à deterioração do seu poder aquisitivo. A maioria dos trabalhadores
não estava interessada em revolução social. A revolução social era uma expectativa de
alguns grupos, dentre eles os anarquistas, que representavam somente uma parcela
pequena do movimento operário. As principais preocupações do movimento operário
13
FAUSTO, B. Trabalho Urbano e Conflito Social. São Paulo: Difel, 1976. ( p.28)
14
FAUSTO, B. Trabalho Urbano e Conflito Social. São Paulo: Difel, 1976. (p. 157-166)
15
nesse período eram econômicas. Os trabalhadores queriam recuperar o poder aquisitivo
perdido devido à carestia. Eles lutavam por melhores condições de trabalho e por
melhores salários.
Alguns autores valorizaram excessivamente a importância liberalismo como
uma referência para o Estado, durante a Primeira República. Assim, consideraram que o
Estado evitava intervir nas relações entre patrões e empregados. Estes procurariam
resolver sozinhos os seus problemas. A hegemonia das idéias liberais implicaria na
existência de uma oposição radical à construção de uma legislação social e na defesa de
uma postura basicamente repressiva em relação aos trabalhadores. O tratamento,
dispensado aos trabalhadores, estaria relacionado às preocupações relativas à
manutenção da ordem. Neste caso, a intervenção do Estado não era admitida, mas
também era considerada uma necessidade. Na verdade o liberalismo tinha influência,
mas não era a única referência, no que diz respeito ao modo como deveriam ser tratadas
as relações de trabalho nesse período. Integrantes de vários setores da sociedade
defendiam a regulamentação das relações de trabalho. Este assunto era polêmico e foi
amplamente discutido pela sociedade. A expressão “liberdade de trabalho” era muito
utilizada, durante a Primeira República, por autoridades do Estado e pelos patrões. Ela
pode ter muitos significados. No entanto, nos textos da época, ela normalmente aparecia
significando a proibição de se coagir um trabalhador, com o intuito de que este aderisse
a uma greve. Com freqüência, autoridades do Estado se pronunciaram em defesa da
ordem pública e da liberdade de trabalho. Assim, as autoridades não estavam se
recusando a reconhecer o direito de greve, mas defendiam que a greve só seria legítima
se fosse feita de forma pacífica e respeitando a ordem estabelecida. Sem dúvida, em
muitos momentos, a defesa da ordem pública e da liberdade de trabalho serviu como
argumento para legitimar a postura arbitrária e repressiva da polícia com os
trabalhadores. Porém, baseados nisso, não devemos considerar a repressão como a única
estratégia que o Estado tinha para lidar com a “questão social”.
15
Indivíduos pertencentes a vários setores da sociedade, dentre eles políticos,
trabalhadores, intelectuais e membros da imprensa, defenderam a intervenção do
Estado, nas relações entre patrões e empregados. Eles de um modo geral consideravam
legítimas as reivindicações dos trabalhadores e defendiam que, devido à fragilidade dos
trabalhadores frente aos patrões, somente a intervenção do Estado poderia trazer
15
VARGAS, J. T. O Trabalho na ordem liberal: o movimento operário e a construção do Estado na
Primeira República. Campinas, São Paulo: UNICAMP, 2004. (p. 27-34)
16
harmonia a esses dois grupos. Os patrões e alguns políticos logicamente combatiam essa
idéia. Eles utilizaram vários argumentos para evitar a regulamentação das relações de
trabalho. Afirmaram, por exemplo, que essa regulamentação contrariava o princípio da
liberdade de trabalho, pois interferia na liberdade que os trabalhadores tinham para
vender sua força de trabalho. Outro argumento era que, devido a questões práticas, a
regulamentação não era viável, pois as indústrias brasileiras seriam muito frágeis. Como
o país se encontrava em um estágio inicial da industrialização, as indústrias não teriam
condições de arcar com os custos dessa regulamentação. Argumentavam também que a
“questão social” não fazia parte da realidade brasileira. No Brasil, ao contrário da
Europa, haveria certa harmonia entre os interesses dos patrões e os interesses dos
empregados. Estes se encontrariam em uma situação econômica muito melhor do que a
situação dos trabalhadores europeus. Essas idéias tinham alguma força, mas não eram
uma unanimidade na sociedade. Elas encontravam forte resistência em muitos setores,
inclusive entre os políticos, tanto na esfera federal quanto na esfera local. Havia fortes
pressões no Congresso Nacional e nos conselhos municipais para a aprovação de leis
que regulassem as relações de trabalho. Ao longo do período da Primeira República,
devido à organização e à mobilização dos trabalhadores, essas pressões foram ganhando
força. O período compreendido entre 1917 e 1921, caracterizado pela grande
mobilização dos trabalhadores e pela ocorrência de muitas greves, foi significativo
nesse sentido. A partir desse período ficou mais difícil tentar negar a existência da
“questão social” no Brasil. Este período, no entanto, não deve ser considerado como um
marco, que daria início as preocupações do Estado com relação às demandas dos
trabalhadores. Esta preocupação é anterior a esse período.
Um dos principais problemas, talvez o principal deles, para a aprovação de leis
sobre o trabalho, dizia respeito às dúvidas sobre a competência para legislar sobre o
assunto. Havia dúvidas se essa competência seria da União, dos estados ou dos
municípios. Essas dúvidas geravam confusões e muitas vezes inviabilizavam a criação
de leis sobre o trabalho. Os conselhos municipais, dentre eles o do Distrito Federal,
costumavam criar leis para regular o comércio, que na verdade também tinham o
objetivo de regular as relações de trabalho. Estamos falando de leis relativas à higiene e
ao horário de funcionamento de setores do comércio. Elas determinavam o horário de
abertura e de fechamento dos estabelecimentos, assim como os dias em que os
estabelecimentos não poderiam funcionar. Dessa forma, não somente regulavam o
funcionamento do comércio, mas também interferiam na jornada de trabalho e no
17
pagamento de horas extras. Apesar de alguns políticos, baseados no princípio da
liberdade de trabalho, defenderem que nenhuma esfera do poder público tinha
competência para regular as relações de trabalho, era consenso entre a maioria dos
políticos que o Congresso Nacional tinha competência para isso. Sobre se os conselhos
municipais tinham essa competência, as dúvidas eram maiores. Devido a isso, muitas
leis municipais foram recusadas, mas por outro lado muitas leis também entraram em
vigor. Estas, contudo, tinham uma abrangência limitada, pois se restringiam ao
município e não conseguiam regular todas as questões relativas ao trabalho. Embora não
fosse uma prioridade, a regulamentação das relações de trabalho foi amplamente
discutida entre os políticos, durante a Primeira República. Havia dificuldades para que
estas questões tramitassem, pois além de não serem uma prioridade eram polêmicas. No
entanto, os políticos em sua maioria não eram contrários à criação de leis sobre o
trabalho. A maior oposição a criação dessas leis vinha da bancada do Rio Grande do Sul
no Congresso Nacional. O líder do governo do Rio Grande do Sul, Borges de Medeiros,
influenciado por idéias positivistas, orientou sua bancada no Congresso nesse sentido.
16
O Conselho Municipal do Distrito federal, a partir de 1917, começou a fazer
esforços para regular o trabalho industrial. No mês de dezembro desse ano, o Conselho
Municipal aprovou uma resolução estabelecendo a jornada de oito horas, para os
operários da prefeitura e para os operários das fábricas e oficinas da cidade. Foram
fixadas multas, para quem desrespeitasse a lei, que variavam entre 200$ e 1:000$, e foi
estabelecida uma pena de cassação da licença fornecida pela prefeitura em caso de
reincidência. As associações de trabalhadores teriam uma função fiscalizadora, pois a
elas caberia denunciar o descumprimento desta lei. No entanto, com base no argumento
de que a competência para legislar sobre o trabalho pertencia ao Congresso Nacional, o
prefeito Amaro Cavalcanti vetou a resolução. Havia normalmente uma interpretação
mais flexível sobre a questão da competência, quando os poderes locais tentavam
regular o trabalho na esfera do comércio e dos serviços. Havia uma resistência maior
quando os poderes locais tentavam regular o trabalho fabril. O prefeito não estava
negando os direitos dos trabalhadores das fábricas, que haviam sido reconhecidos pelo
Conselho Municipal. Ele estava somente alegando que esses direitos deveriam ser
estabelecidos na esfera federal.
17
16
Idem. (p. 52-81)
17
Idem. (p. 38-39)
18
Vamos agora observar alguns trechos de artigos do Jornal do Brasil, os quais
mostram como os trabalhadores reagiram às tentativas de regulamentar o trabalho fabril,
feitas pelo Conselho Municipal em dezembro de 1917.
O projeto do Intendente municipal Sr. Ernesto Garcez estabelecendo as oito
horas de trabalho para os operarios, recentemente approvado pelo Conselho
e que se acha em mãos do Dr. Amaro Cavalcanti para S. Ex. sanccionar ou
não, está produzindo certa agitação no seio do proletariado, que
anciosamente espera seja ella sanccionada pelo Sr. Prefeito...
18
Descrevendo uma reunião da União dos Operários em Fábricas de Tecidos, o
Jornal do Brasil publicou o seguinte:
...Foi tratado também na assembléa de hontem, o caso da jornada de
oito horas: presentemente dependendo da sancção do Sr. Prefeito municipal.
Os nomes do Sr. Intendente Garcez e do Sr. Dr. Amaro Cavalcanti
foram carinhosamente acclamados...
19
Após o veto do prefeito, o Jornal do Brasil publicou:
Embora não fosse surpreza, não deixou, contudo, de causar
impressão nos circulos operários a resolução do Sr. Prefeito Municipal
vetando o projecto do Conselho que estabelece o dia de oito horas para a
modesta e laboriosa classe proletária.
Póde-se dizer mesmo que o acto do Dr. Amaro Cavalcanti já está
produzindo grande agitação no seio da numerosa classe que, appellará para o
Senado afim de obter ainda este anno a realização de uma de suas mais
justas aspirações o dia de oito horas e para cuja realização vem
trabalhando, sem cessar, há longos annos.
20
Algo que fica bastante claro é a preocupação dos políticos com relação às
reivindicações dos trabalhadores. O intendente municipal, Ernesto Garcez, conseguiu o
apoio de seus colegas do Conselho Municipal para aprovar uma lei que atendia uma das
principais reivindicações dos trabalhadores. Devemos observar que a jornada de
trabalho de oito horas encontrava grande resistência da maioria dos patrões. O Prefeito
vetou a lei não por considerá-la injusta, mas por entender que o Conselho Municipal não
tinha competência para legislar sobre o assunto. O Jornal do Brasil também demonstrou
apoio aos trabalhadores nessa questão, pois considerava suas aspirações justas. Como
18
Jornal do Brasil, 11 de Dezembro de 1917. (p. 8)
19
Jornal do Brasil, 02 de Dezembro de 1917. (p. 6)
20
Jornal do Brasil, 15 de Dezembro de 1917. (p. 6)
19
podemos observar, apesar da existência de limitações, havia algum espaço para o
diálogo entre o Estado e os trabalhadores, no que diz respeito à criação de leis sobre o
trabalho. Outra evidência disso era a agitação e a expectativa dos trabalhadores, com
relação à atitude que seria tomada pelo Prefeito. O Jornal do Brasil deixou claro que o
veto do Prefeito não trouxe surpresa, mas por outro lado causou decepção. Os
trabalhadores sabiam que a aprovação de leis sobre o trabalho não era uma prioridade
para a maioria dos políticos, mas mesmo assim tinham grandes expectativas com
relação à aprovação dessas leis. Parte dos trabalhadores tinha a intenção de apelar ao
Senado para a aprovação delas. Assim, o veto do prefeito era entendido como uma
derrota em uma batalha, de uma longa guerra que estava sendo travada pelos
trabalhadores. Guerra esta, que tinha o objetivo de fazer com que as reivindicações dos
trabalhadores fossem reconhecidas como legítimas, pelos patrões e pelo Estado. Muitos
trabalhadores estavam dispostos a adotar uma estratégia de luta, a qual se orientava por
um diálogo com os patrões e com o Estado, evitando um confronto direto com eles. Esta
estratégia se baseava no respeito às instituições e no respeito à ordem estabelecida,
tendo como característica a adoção de uma postura pacífica pelos trabalhadores. Muitos
líderes dos trabalhadores defendiam essa postura reformista e combatiam a adoção de
posturas mais radicais. Para eles, o diálogo com o Estado era considerado fundamental,
pois este seria o melhor caminho para que os trabalhadores conquistassem benefícios.
No mês de abril de 1918, havia grande agitação entre os trabalhadores, pois eles
estavam sofrendo devido à carestia. Existiam rumores que muitas categorias de
trabalhadores planejavam entrar em greve, na cidade do Rio de Janeiro. Neste contexto,
um grupo de trabalhadores, liderados pelo reformista Mariano Garcia, dirigiu uma
mensagem ao Presidente da República.
...“Exmo. Sr. Presidente da República – Commissionados por uma
assembléa de proletários, reunida em 14 do corrente, vimos á presença de V.
Ex. único poder que nos de acudir neste momento, solicitar providências
enérgicas contra a exploração que o commercio de gêneros alimentícios está
fazendo, accumulando esses gêneros nos armazéns e trapiches até que
apodreçam, podendo por esse meio criminoso, impor a elevação dos
preços...
...Tudo faz esse commercio ganancioso para nos reduzir á fome, para
nos vêr revoltados contra o vosso patriótico governo, no momento em que
V. Ex. necessita do apoio popular para poder concluir o vosso quadriennio
com o brilho com que o tem dirigido, no momento mais difícil da República
brasileira...
...e com certeza de que V. Ex. agirá em favor deste pobre povo, vos
asseguramos em toda vossa brilhante administração toda a nossa
20
solidariedade e voz desejamos paz, união e justiça. Rio, 14 de Abril de
1918.”
21
Interessante notar que esse grupo de trabalhadores não estava responsabilizando
nem o governo nem o sistema capitalista pela carestia. Eles culpavam os comerciantes.
Estes estariam especulando com os alimentos, com o propósito de se enriquecerem, sem
levar em consideração que isto estaria levando à miséria os trabalhadores. O grupo de
Mariano Garcia alegava que esses comerciantes não estavam prejudicando somente os
trabalhadores, mas também prejudicavam o Presidente da República. A carestia,
supostamente causada pelos comerciantes, estaria produzindo grande agitação entre os
trabalhadores. Muitos desses trabalhadores estariam dispostos a recorrer à greve. Esta
possibilidade gerava preocupação, pois o Brasil, desde outubro de 1917, estava em
guerra com a Alemanha. Muitos consideravam que, por uma questão de patriotismo, os
trabalhadores não deveriam recorrer à greve. Neste momento delicado em que o país se
encontrava, a harmonia entre as classes deveria ser preservada. Assim, tanto os
trabalhadores mais radicais quanto os comerciantes não estariam agindo como patriotas.
O grupo de trabalhadores, liderado por Mariano Garcia, buscava o apoio do Presidente,
pois julgava que a intervenção dele poderia resolver muitos de seus problemas. Eles
demonstraram apoio ao governo e se apresentaram como um grupo pacífico, que
respeitava a ordem e reclamava por justiça. Faziam isso, esperando conseguir o apoio
do Presidente da República. Esses trabalhadores não eram pessoas ingênuas, sem
nenhuma noção daquilo que acontecia a sua volta. Se eles buscavam dialogar com as
autoridades do Estado, devemos considerar que, mesmo com restrições, o Estado tinha
interesse nesse diálogo. O Estado não considerava as reivindicações dos trabalhadores
uma prioridade, mas também não desconsiderava completamente essas reivindicações.
Muitos políticos e deres operários mobilizavam os trabalhadores, com a promessa de
que eles iriam conseguir sensibilizar as autoridades do Estado.
Discordamos da hipótese que defende a existência de uma aproximação
exagerada entre os interesses da burguesia e os interesses do Estado, durante a Primeira
República. Esta hipótese embasaria o argumento de que o Estado atuaria sempre, tendo
como objetivo principal, garantir os interesses da burguesia, se necessário agindo em
21
Jornal do Brasil, 15 de Abril de 1918( p.4), Apud Carlos Augusto Addor. A insurreição anarquista no
Rio de janeiro. op.cit.,p.105.
21
detrimento dos interesses dos trabalhadores.
22
O Estado representava interesses variados
e não somente os interesses da burguesia. Com base na existência dessa aproximação
entre os interesses do Estado e da burguesia, muitos autores defenderam que, durante a
Primeira República, existia uma política de Estado voltada para a repressão aos
trabalhadores.
23
Contudo, a verdade é que não havia uma política de Estado para tratar
da questão dos trabalhadores, nesse período. Havia sim orientações, as quais podemos
considerar que foram permanentes. Neste caso, podemos citar a recusa do Estado em
aceitar o anarquismo como um interlocutor legítimo. Também podemos citar o
incentivo dado pelo Estado a formas de associação de trabalhadores, que não se
chocavam com a ordem estabelecida. Como havia uma indefinição institucional, sobre
como tratar a luta dos trabalhadores por melhores condições de vida, estes normalmente
tinham dúvidas sobre qual postura o Estado adotaria diante de suas reivindicações.
Havia possibilidade tanto de repressão quanto de diálogo, dependendo das
circunstancias nas quais as reivindicações ocorriam. A legislação existente reconhecia a
greve como um direito dos trabalhadores, logo o defendia o combate às greves, mas
somente aos excessos cometidos no decorrer destas.
24
Normalmente era preciso um
motivo diferente da greve para desencadear a repressão policial sobre os trabalhadores.
Devido à inexistência de uma política de Estado com relação ao operariado e
devido à existência de uma relativa autonomia da policia e dos policiais, era na polícia
que se encontravam os focos de decisão no que dizia respeito às ações repressivas. A
repressão aos trabalhadores se baseava em dois fatores: a instrumentalização da polícia
e as preocupações com a ordem pública. A instrumentalização da polícia permitia que
esta tivesse um uso privado. A força policial da cidade do Rio de Janeiro era
caracterizada pela falta de qualificação e pela falta de profissionalização de seus
integrantes. Os policiais recebiam baixos salários e eram oriundos das camadas mais
pobres da população. Os quadros superiores e intermediários da policia eram ocupados
mediante indicações políticas. Estes fatores contribuíam para a existência de
significativa rotatividade dos integrantes da polícia. Muitos policiais recebiam subornos.
Homens poderosos, dentre eles industriais, devido a seus bons relacionamentos com
22
VARGAS, J. T. O trabalho na ordem liberal: o movimento operário e a construção do Estado na
Primeira República. Campinas: CMU Publicações, 2004.
23
Entre estes autores estavam Sheldon Maram e John French. VARGAS, J. T. O trabalho na ordem
liberal: o movimento operário e a construção do Estado na Primeira República. Campinas: CMU
Publicações, 2004. (p. 199)
24
VARGAS, J. T. O trabalho na ordem liberal: o movimento operário e a construção do Estado na
Primeira República. Campinas: CMU Publicações, 2004.
22
pessoas poderosas e devido a ocupação de cargos públicos, conseguiam exercer
influência na atuação da polícia. Com relação à manutenção da ordem pública, esta era
uma das principais preocupações dos escalões superiores da polícia. Sempre que
julgavam que alguma greve poderia ameaçar a ordem pública, não exitavam em ordenar
a repressão aos trabalhadores.
Havia uma distância entre o comportamento da polícia e as diretrizes básicas do
governo, no que dizia respeito às ações policiais. Além disso, em muitos casos podia
existir alguma elasticidade na linha de comando, entre o Chefe de Polícia e o restante da
hierarquia policial. Embora normalmente os chefes de polícia tentassem ter um grande
controle sobre a atuação de seus subordinados, esta tarefa na prática era bastante difícil.
Os escalões superiores da polícia habitualmente condenavam a atitude violenta,
arbitrária e muitas vezes até mesmo ilegal dos policiais, mas não possuíam meios
eficazes para identificar e punir esses policiais. Não era incomum a associação entre
policiais e criminosos. Essas associações tinham o objetivo de garantir a impunidade.
Muitos industriais faziam questão de manter um bom relacionamento com a polícia. Os
industriais buscavam influenciar os escalões superiores da polícia, através de pressões
feitas por autoridades do Estado. Em muitos casos, os escalões médios e inferiores da
polícia eram influenciados mediante subornos e prestação de favores. Muitos policiais
agiam de forma ilegal, com o objetivo de garantir os interesses de determinados
industriais. Era comum a violação de direitos civis dos trabalhadores. Assim, ocorria o
desrespeito à liberdade de expressão, à liberdade de associação e ao direito de greve.
Prisões arbitrárias de trabalhadores sem que existissem evidências claras de crimes,
também eram muito comuns. Este tipo de atitude costumava causar atritos entre a
polícia e o poder judiciário. Advogados costumavam conseguir habeas-corpus para os
trabalhadores que haviam sido presos arbitrariamente. Muitos policiais se irritavam com
isso. Em alguns casos eles chegavam a mentir alegando que não haviam prendido esses
trabalhadores. Em outros casos alegavam que os trabalhadores não estavam presos, mas
somente detidos. Esses eram recursos empregados com o objetivo de não cumprir os
habeas-corpus decretados pelo Judiciário. Havia espaço para que os trabalhadores
apelassem aos poderes públicos, não somente ao Judiciário, mas também ao Executivo e
ao Legislativo. Deputados, intendentes municipais e até mesmo o Presidente da
República, em muitas ocasiões, devido à solicitação dos trabalhadores, atuavam junto à
polícia com o objetivo de beneficiar os trabalhadores que tinham sido presos. Os
trabalhadores não faziam uma associação direta entre a polícia e o governo. Eles sabiam
23
que, em muitos casos, podiam conseguir apoio em setores do Estado para combater
atitudes da polícia que consideravam injustas.
No ano de 1917, a polícia do Distrito Federal estava organizada da seguinte
forma: um Chefe de Polícia, três delegados auxiliares, trinta delegados de distrito, trinta
comissários de primeira classe, cem comissários de segunda classe, um administrador
do Depósito de Presos na Repartição Central, três auxiliares do Depósito de Presos, três
escrivões das delegacias auxiliares, três escreventes das mesmas, trinta escrivões das
delegacias de distrito, vinte escreventes das delegacias de terceira e segunda entrância,
vinte e oito oficiais de justiça, um Inspetor Geral da Polícia Marítima, cinco sub-
inspetores, dois auxiliares, um Inspetor de Veículos, dez auxiliares, dois escreventes,
um Inspetor de Investigações e Capturas, oitenta agentes, um Inspetor da Guarda Civil,
um sub-inspetor, um almoxarife, mil guardas, sendo quatrocentos de primeira classe e
seiscentos de segunda classe. A Brigada Policial era composta por 173 oficiais e 3015
praças. Além desses funcionários, a polícia contava com os integrantes da Secretaria de
Polícia, do Serviço Médico Legal e do Gabinete de Investigação e de Estatística.
Também pertenciam à polícia do Distrito Federal, a Colônia Correcional de Dois Rios e
a Escola Premonitória Quinze de Novembro. Os particulares atuavam no serviço
policial, mantendo guardas noturnas. A Companhia do Porto cuidava do policiamento
dos seus armazéns e áreas próximas.
25
No Brasil, as forças policiais foram organizadas na esfera estadual. A força
policial do Distrito Federal era uma exceção a essa regra, pois estava subordinada ao
governo federal. O serviço de polícia do Distrito Federal fazia parte do Ministério da
Justiça e Negócios Interiores e estava subordinado ao Presidente da República. Este
nomeava o Chefe de Polícia, mediante indicação do Ministro da Justiça.
Tradicionalmente as funções da polícia foram organizadas sem obedecer a um
planejamento definido. Assim, surgiram uma polícia civil e uma polícia militar. A
polícia civil tinha a função de coordenar o policiamento da cidade, manter a ordem e
instruir os processos criminais. Ela era comandada pelo Chefe de Polícia. A Brigada
Policial do Distrito Federal era comandada por um oficial do Exército e estava
diretamente subordinada ao Ministro da Justiça. Ela possuía uma organização e uma
estrutura hierárquica militar. O posto mais baixo era o de praça e o mais alto o de
tenente coronel. A principal responsabilidade da Brigada Policial era o patrulhamento
25
Primeira Tese da primeira seção – Organização da polícia – Conferência Judiciária-Policial. In: LEAL,
A. Polícia e Poder de Polícia Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1918.
24
da cidade. Era auxiliada nessa função pela Guarda Civil, que estava subordinada ao
Chefe de Polícia, e pela Guarda Noturna, organizada por particulares.
26
No território do
Distrito Federal havia trinta distritos policiais. Os distritos eram classificados em
entrâncias, de acordo com o movimento policial e com a população. Cada um deles
possuía um delegado e comissários designados pelo Chefe de Polícia. Cada delegado
tinha três suplentes. Os distritos de terceira e segunda entrâncias tinham pelo menos
quatro comissários. Os de primeira entrância tinham três.
27
A Inspetoria de
Investigações e Capturas era responsável pela investigação policial. Seus integrantes
atuavam à paisana exercendo a função de detetive. A Inspetoria era comandada por um
Inspetor, que estava subordinado ao Chefe de Polícia.
Vamos observar um artigo que evidencia os sérios problemas que existiam na
polícia da cidade do Rio de Janeiro.
O Jornal do Brasil provou hontem com a publicação da promoção do
Dr. Procurador Criminal da República que o Corpo de Segurança Pública de
não trepidou em iludir as autoridades superiores da policia para que
dessem o cunho de legalidade a um auto flagrante falso, que não expremia a
verdade, que attribuia ao negociante Sr. Manuel de Barros um crime
inexistente e imaginário.
Provamos com a publicação desse documento que agentes do Corpo
de Segurança illudiram a confiança e a boa fé do Major Bandeira de Mello a
tal ponto que sujeitaram esse Inspector do Corpo ao vexame de ser accusado
perante a Justiça Federal como um funccionário relapso, desidioso e o que é
mais grave capaz de fantasiar crimes e attribui-los a inocentes...
...Em todos os processos instaurados na policia as autoridades
superiores m necessidade de recorrer ao Corpo de Segurança,
encarregando os agentes da syndicancia dos factos, da apuração de provas e
de quem seja o autor do delicto.
Como pois encarregar desse mister indivíduos desclassificados,
mentirosos, achacadores e chantagistas?
Como é que os delegados auxiliares, o Inspector do Corpo de
Segurança, que já m sido victimas das consequencias das falsas
informações dos agentes de polícia consentem na permanência desses máo
elementos?
...Diz-se, porem, que esses indivíduos permanecem exercendo o cargo
de agentes de segurança unica e exclusivamente porque no dia em que forem
demittidos denunciariam os escandalos pavorosos occorridos na Chefatura
de Policia e que o pessoal dessa dependência do Ministério da Justiça
conhece.
Ha presos que morrem no xadrez e as familias não recebem o que lhes
pertencia, ha espancamentos effectuados em condições de não serem
houvidos os gritos e lamentos das victimas, ha prisões effectuadas em nome
do chefe de Policia sem sciencia desta autoridade, conforme occorreu com o
cozinheiro do vapor portuguez Macáo, que foi enviado por uma pseudo
ordem do Dr. Aurelino Leal para a Casa de Detenção e ahi se conservou até
que foi restituido á liberdade por concessão de um habeas-corpus, no qual o
Juiz Federal da 1ª Vara qualificou o Dr. Chefe de Policia de criminoso
passível de pena por ter informado não estar preso o paciente no mesmo dia
26
BRETAS, M. L. Ordem na Cidade: O exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro
(1907-1930). Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
27
LEAL, A. Polícia e Poder de Polícia. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1918.
25
em que a Casa de Detenção o apresentava em juízo com a declaração de
preso á ordem do Chefe de Policia. Este habeas-corpus subiu em gráo de
recurso ao Supremo Tribunal Federal e o Dr. Chefe de Policia sabe o
trabalho que teve para impedir que o tribunal confirmasse a severa sentença
do juiz federal...
28
O artigo nos mostra as grandes dificuldades que os escalões superiores da polícia
tinham para controlar a atuação dos seus subordinados. As atitudes destes em muitos
momentos lhes causavam sérios problemas. O major Bandeira de Mello, responsável
pela Inspetoria de Investigações e Capturas, anteriormente chamada de Corpo de
Segurança, devido à confiança na atuação de seus subordinados, foi exposto a um
grande constrangimento. Foi acusado perante a justiça de fantasiar crimes e atribuí-los a
inocentes. Situação semelhante ocorreu com Aurelino Leal, o Chefe de Polícia. Ele foi
acusado de mentir para um juiz federal, pois afirmou que não havia dado ordem para
prender na Casa de Detenção o cozinheiro do vapor Macáo. No entanto, este se
encontrava preso lá. Assim, pessoas eram presas em nome do Chefe de Polícia, sem que
ele tivesse conhecimento das prisões. O Jornal do Brasil relatou que o Chefe de Polícia
teve muito trabalho para impedir que o Supremo Tribunal Federal confirmasse a
sentença de prisão decretada pelo juiz. Como podemos perceber, a desorganização e a
corrupção existentes na polícia causavam muitos problemas para os escalões superiores.
O jornal também denunciou irregularidades como espancamento e roubo de presos. O
Chefe de Polícia e seus auxiliares tinham consciência que estes tipos de coisa
aconteciam. Porém, devemos observar que detectar problemas é muito mais fácil do que
resolvê-los. Segundo o Jornal do Brasil, os integrantes da Inspetoria de Investigações e
Capturas seriam mentirosos, achacadores e chantagistas. A polícia dependia desses
indivíduos para fazer as investigações. O Chefe de Polícia não possuía meios adequados
para corrigir o funcionamento da polícia. Demitir alguns policiais e substituí-los por
outros obviamente não resolveria o problema. Isto poderia ser resolvido a médio ou
longo prazo, caso o Estado considerasse a reforma da polícia como uma prioridade.
Apesar das limitações dos policiais, o Chefe de Polícia sabia que na maioria das
situações devia apoiá-los, pois dependia deles para que a polícia funcionasse. A lógica
era mais ou menos essa: ruim com eles, pior sem eles. Entre apoiar um policial corrupto
e arbitrário e apoiar um anarquista que estava sendo preso injustamente, optava-se pelo
primeiro caso. Isto era bastante razoável, pois os policiais eram considerados honestos,
pelos escalões superiores da polícia, até que se provasse o contrário. Os anarquistas
28
Jornal do Brasil, 26 de agosto de 1918 (p. 4)
26
eram considerados uma ameaça muito maior do que os policiais corruptos. Na dúvida,
era melhor prender os anarquistas para garantir. A manutenção da ordem era uma
prioridade para os dirigentes da polícia. A polícia era extremamente mal vista pela
imprensa e pela população, se o Chefe de Polícia não apoiasse seus comandados a
situação ficaria insustentável.
Aurelino Leal, durante os anos que esteve à frente da polícia, foi um grande
defensor da reforma da polícia do Distrito Federal. Para ele, a polícia tinha uma
organização deficiente que precisava ser reformada com urgência. Considerava que,
devido à complexidade do serviço policial, a polícia deveria ter mais autonomia. Por
isso, defendia a criação de uma Prefeitura de Polícia. Dessa forma, o Chefe de Polícia
teria os seus poderes aumentados, pois deixaria de estar subordinado ao Ministro da
Justiça e passaria a estar diretamente subordinado ao Presidente da República. Isto
evitaria a ocorrência de atritos entre o Chefe de Polícia e o Ministro da Justiça. As
decisões do Chefe de Polícia deixariam de ser questionadas administrativamente,
através de recursos feitos ao Ministro da Justiça. O Chefe de Polícia deveria ter mais
autonomia e a centralização do serviço policial deveria ser uma orientação fundamental.
A Brigada Policial, que estava diretamente subordinada ao Ministro da Justiça, deveria
ser submetida imediatamente à autoridade do Chefe de Polícia. Isto tornaria a atuação
da policia mais harmônica, contribuindo para o aumento da eficiência. Os conflitos
entre integrantes da Polícia Civil e da Polícia Militar eram comuns. As duas forças
possuíam quadros hierárquicos diferentes. Os oficiais militares não precisavam se
submeter á autoridade dos delegados. As forças agiam de forma coorporativa,
protegendo seus integrantes, e até certo ponto conservando um sentimento de rivalidade
mútuo. Aurelino Leal desejava a profissionalização da polícia. A polícia de carreira
deveria ser adotada sem caráter de inamovibilidade. Deveria existir um sistema de
garantias que beneficiasse os policiais, mas o governo deveria dispor de meios fáceis
para afastar do serviço funcionários inúteis ou corruptos. Os funcionários não deveriam
ser demitidos apenas com base na vontade do Chefe de Polícia. Eles deveriam ter direito
a um processo administrativo, mas a decisão final do Chefe de Polícia não poderia ser
questionada. A polícia deveria atuar através de critérios técnicos. As nomeações dos
funcionários não seriam mais feitas mediante influência política. Está influência
continuaria existindo, mas precisava ser limitada. Os policiais passariam a ter a
expectativa de ascensão profissional. Isto, além de estimulá-los, contribuiria para
reduzir a rotatividade existente entre os integrantes da polícia. A permanência dos
27
policiais por um tempo longo, no serviço policial, permitiria que eles adquirissem
experiência. Isto era considerado fundamental para melhorar a qualidade desse serviço.
O ingresso na polícia somente poderia ocorrer mediante provas de habilitação e deveria
ficar vinculado à instrução técnica, obtida em escolas especiais. Aurelino Leal propunha
a criação de uma Escola de Polícia, para dar treinamento aos policiais. Também
considerava ser necessário a organização de um plano de carreira, no qual guardas civis
e soldados da Brigada Policial poderiam concorrer às vagas de agentes da Inspetoria de
Investigações e Capturas. Seria conveniente a instituição de pensões, para os policiais
que se tornassem inválidos, durante o serviço, e para as famílias dos policiais que
falecessem no cumprimento do dever. Apesar de seus esforços, Aurelino Leal não
conseguiu realizar a reforma da polícia, no período que atuou como Chefe de Polícia.
29
No dia três de maio de 1917, na Biblioteca Nacional, ocorreu uma sessão solene
para a instalação da Conferência Judiciária-Policial, organizada pelo Chefe de Polícia
do Distrito Federal, Aurelino Leal.
30
Esta conferência permaneceu em atividade até o
mês de agosto e tinha os seguintes objetivos:
1°, Estreitar os laços de harmonia entre os membros da magistratura e as
autoridades policiais;
2º Discutir a organização do serviço de polícia no Distrito Federal;
3°, Esclarecer as questões limitrofes ou de interesse commum á justiça e á
policia;
4°, Traçar com a possível claraza a linha de acção legal da policia,
diminuindo as possibilidades do poder arbitrario.
31
Como podemos perceber a Conferência tinha dois objetivos centrais: incentivar
e discutir a reforma da polícia e reformular o relacionamento existente entre a polícia e
o Judiciário. Aurelino na verdade desejava conseguir mais poder e maior autonomia
para a polícia. Queria se desvincular da supervisão do Ministério da Justiça. Porém, seu
objetivo principal era diminuir as restrições impostas à atuação da polícia, pelas leis que
garantiam as liberdades individuais. A Conferência havia sido organizada pelo Chefe de
Polícia, com o objetivo de solucionar problemas que este havia identificado, durante sua
atuação cotidiana no exercício do cargo, desde 14 de novembro de 1914. Aurelino Leal
conhecia muito bem os problemas que a polícia enfrentava e sabia também que a
29
Tese 1º da 1º Secção – Organização da Polícia – Conferência Judiciária-Policial. IN: LEAL, A. Polícia
e Poder de Polícia. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1918.
30
Jornal do Brasil, 04 de Maio de 1917. (p. 6)
31
Discurso proferido por Aurelino Leal no ato de inauguração da Conferência Judiciária-Policial, em 03
de maio de 1917. IN: LEAL, A. Polícia e Poder de Polícia. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1917. (p.
6)
28
reforma da polícia era algo que custaria muito dinheiro. Para que a reforma fosse
realizada, seria preciso conseguir apoio político. A Conferência era um meio de discutir
a reforma e ao mesmo tempo divulgar sua importância e utilidade, diante de políticos e
autoridades do Poder Judiciário. A Conferência também era uma oportunidade para
Aurelino exaltar os seus feitos no comando da polícia, para seus superiores. O cargo de
Chefe de Polícia do Distrito Federal, por permitir ao seu ocupante um contato próximo
com a elite política, gerava oportunidades para obter benefícios profissionais. A maior
expectativa normalmente era conseguir uma nomeação para o Supremo Tribunal
Federal. Algo que alguns chefes de polícia do Distrito Federal conseguiram, inclusive
Aurelino Leal.
Durante o período em que esteve comandando a polícia, Aurelino se esforçou
para aumentar os poderes dessa instituição, principalmente no que dizia respeito ao
combate às ameaças à manutenção da ordem. Ele havia tentado sem sucesso, tornar
crime a propaganda anarquista ou subversiva. Também não conseguiu que fossem
definidas as modalidades criminais do anarquismo perigoso, segundo ele qualquer
prática do anarquismo violenta ou que ameaçasse à ordem. Procurando controlar as
manifestações de rua, insistiu para que o Judiciário considerasse crime, a presença de
grevistas nas imediações das fábricas. Segundo ele, isso deveria ser considerado como
uma ameaça à liberdade de trabalho. Ele também não obteve sucesso nessa questão. Os
políticos se mostraram preocupados com relação à violação das liberdades individuais.
Eles temiam a concentração de poderes nas mãos do Chefe de Polícia.
32
Devido a isso,
Aurelino considerou que o assunto mais importante, que constava no programa da
Conferência Judiciária-Policial, dizia respeito às liberdades individuais e às suas
restrições. Ele defendia uma interpretação restritiva das liberdades individuais.
Liberdade não deveria ser confundida com licença. Argumentava que o limite de todas
as liberdades estava na necessidade de controlá-las, para que não comprometessem o
equilíbrio social. Para Aurelino, como o Estado era liberal, as autoridades deveriam
adotar uma postura conservadora. Isto seria necessário para garantir a manutenção da
ordem e o respeito aos valores da sociedade.
33
Durante a Conferência, Aurelino Leal demonstrou grande preocupação com a
manutenção da ordem, por isso procurou discutir sobre o poder de polícia. Ele defendia
32
LEAL, A. Polícia e Poder de Polícia. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1918. (p. III – VI)
33
Discurso proferido por Aurelino Leal, no ato de inauguração da Conferência Judiciária-Policial, em 3
de maio de 1917. IN: LEAL, A. Polícia e Poder de Polícia. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1918.
29
que a aplicação das leis continha um componente subjetivo. Estava se referindo ao
poder discricionário das autoridades. As leis deveriam ser cumpridas, mas as
autoridades deveriam decidir, de acordo com as circunstâncias, se uma lei estava ou não
sendo violada e o modo adequado de combater essa violação. Na verdade, Aurelino
queria um pouco mais de autonomia da polícia em relação ao Judiciário. Ele acreditava
que elementos subversivos se aproveitavam das leis, por estas serem brandas, e das
decisões do Judiciário, para escaparem da punição merecida. Eles utilizavam o habeas-
corpus para soltar os presos e recorriam ao Judiciário, alegando que a polícia violava as
liberdades individuais. Para Aurelino, a polícia deveria ter como referência o fim
pretendido pelas pessoas. Assim, em principio não devia proibir um meeting, mas seria
perfeitamente legítimo proibir um meeting criminoso. Não se devia perseguir os
estrangeiros, mas era justo expulsar do país os estrangeiros perigosos. As associações de
trabalhadores deveriam ser toleradas, mas as associações que pregavam a subversão da
ordem deviam ser fechadas. E quem deveria decidir se algo era legal ou não? Aurelino
reconhecia que isto era tarefa do Judiciário, mas considerava que parte desta tarefa
também era função da polícia. Ele defendia que o chefe de polícia devia ter mais poder
para combater os subversivos. Queria mais apoio do Judiciário nessa cruzada. Aurelino
queria poder agir com firmeza e rigor para manter a ordem, sem por isso ser acusado de
estar cometendo arbitrariedades e violações das liberdades individuais. Baseado nesses
argumentos, ele criticou também a atuação da imprensa. Considerava que a polícia era
excessivamente censurada e ridicularizada pela imprensa. Para evitar isso, sugeriu a
regulamentação da liberdade de imprensa. Dessa forma, ele julgava que o direito ficaria
assegurado e ao mesmo tempo ficaria coibido o abuso desse direito. Ele não entendia
isso como uma violação da liberdade de imprensa. Considerava a restrição desse direito
como algo muito razoável. Esta seria, segundo ele, uma postura conservadora, sem ser
arbitrária.
34
O aumento dos poderes da polícia, defendidos por Aurelino Leal, encontrou
algum apoio entre as autoridades, mas também foram duramente criticados por muitos.
Aurelino não conseguiu aprovar suas propostas. O advogado Joaquim Gonçalves da
silva considerou as conclusões da Conferência Judiciária-Policial como cômicas.
35
Elas,
na prática, representavam uma autorização, para a violação das liberdades individuais e
para a legitimação dos abusos cometidos pelas autoridades policiais.
34
Discurso proferido por Aurelino Leal,no ato de encerramento da Conferência Judiciária-Policial, em 9
de agosto de 1917. IN: LEAL, A. Polícia e poder de Polícia. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1918.
35
O Graphico: órgão da associação graphica do Rio de Janeiro, 16 de abril de 1919. (p. 2)
30
Aurelino Leal foi Chefe de Polícia do Distrito federal por aproximadamente
quatro anos, tendo ocupado esse cargo durante todo o ano de 1918. Os anos de 1917 e
de 1918 foram caracterizados pela grande mobilização dos trabalhadores, na cidade do
Rio de Janeiro. Muitas categorias de trabalhadores organizaram ou reorganizaram suas
associações nesse período. Aurelino teve que lidar com a eclosão de greves, inclusive
greves gerais. Ele adotou uma política conciliatória, na qual buscou atuar como
mediador nos conflitos entre patrões e empregados. No entanto, sempre que julgou
existir ameaça à ordem estabelecida, não exitou em reprimir o movimento dos
trabalhadores. Nessas ocasiões, a polícia normalmente agia de forma violenta e
arbitrária, violando direitos dos trabalhadores e tendo influência significativa no
fracasso das greves. Sobre uma reunião que foi feita no gabinete do Chefe de Polícia,
com o objetivo de conseguir um acordo entre a Resistência dos Trabalhadores de
Trapiche e Café e a Empresa de Transportes Comércio e Indústria, o Jornal do Brasil fez
o seguinte comentário:
Como succede em todos os momentos de attrictos entre operarios e
patrões ou negociantes, o Sr. Dr. Chefe de Polícia, se offerece para mediador
entre as partes interessadas e isto no empenho de evitar graves attrictos e
alterações da ordem pública...
36
Como podemos observar, Aurelino Leal tinha o hábito de atuar como mediador
nos conflitos entre operários e patrões. Ele não era contrário às reivindicações dos
trabalhadores. Sua preocupação consistia em tentar controlar o modo como essas
reivindicações seriam feitas. Temia que a falta de solução para os impasses existentes,
entre patrões e empregados, levasse os trabalhadores a adotar uma postura mais radical,
na qual a violência fosse um recurso empregado. Ele fazia um grande esforço para
evitar alterações da ordem pública. Como ele fazia esse papel de mediador com
freqüência, devemos considerar que tinha grande credibilidade, entre os patrões e os
operários. Como o Estado não possuía mecanismos eficientes para resolver as questões
relativas ao trabalho, as autoridades superiores da polícia, por necessidade, tentavam
criar esses mecanismos.
Em agosto de 1917, o Chefe de Polícia recebeu o seguinte ofício do Centro
Industrial:
36
Jornal do Brasil, 07 de Abril de 1918. (p. 6)
31
O Centro Industrial do Brasil vem trazer-vos os seus mais sinceros
agradecimentos pelos inolvidaveis e extraordinarios serviços que, em
caracter pessoal, prestastes, como esclarecido mediador, á boa causa da
indispensavel harmonia entre patrões e operarios, na recente greve das
fabricas de tecidos de algodão e de lã, deste districto, e, tambem, pela
maneira ao mesmo tempo prudente e energica, com a qual soubestes, em
dias tão agitados, manter a ordem publica, garantindo, assim, o effetivo e
pacifico exercicio de todos os direitos...
37
O Centro Industrial do Brasil, associação que representava os industriais, fez
elogios ao Chefe de Polícia, mostrando satisfação com a conduta adotada por ele,
durante as greves de julho de 1917, na cidade do Rio de Janeiro. Aurelino Leal havia
adotado uma estratégia que misturava repressão com negociação. Indivíduos que eram
considerados subversivos ou anarquistas eram presos, mesmo que não existissem
evidências claras de crimes cometidos por eles. Por outro lado, o Chefe de Polícia atuou
como mediador, entre patrões e operários, conseguindo acordos que terminaram com
greves em algumas categorias de trabalhadores. A repressão da polícia sobre os
trabalhadores normalmente era desejada pelos industriais, pois contribuía para
desorganizá-los, forçando-os a aceitar as propostas dos patrões ou a desistir da greve,
sem conseguir nada em troca. Porém, devemos observar que os patrões reconheceram a
importância do papel do Chefe de Polícia como mediador. Aceitar um acordo, tendo o
Chefe de Polícia como testemunha, significava reconhecer que ele tinha o direito de
zelar pelo acordo. Dessa forma, se violassem o acordo, forneceriam argumentos para a
reação dos trabalhadores. Reconhecer o Chefe de Polícia, como mediador, era até certo
ponto reconhecer que o Estado tinha o direito de intervir em negociações privadas. Os
industriais desejavam a repressão sobre os trabalhadores, mas sabiam que somente isto
não resolveria seus problemas. Os trabalhadores tinham muita desconfiança com relação
aos patrões, pois estes resistiam duramente à concessão de direitos. Os industriais
também desconfiavam dos trabalhadores, pois julgavam que eles estavam sendo
influenciados por elementos radicais, estranhos ao movimento operário. Eles temiam a
violência e ataques à propriedade privada. A presença do Chefe de Polícia como
mediador, era uma forma de conseguir um canal de negociação mais estável e confiável,
entre patrões e empregados. Ao aceitar o Chefe de Polícia como mediador, os
industriais mostraram que estavam dispostos, até certo ponto, a dialogar com os
trabalhadores, pois reconheciam que isto era inevitável. Ao adotarem a mesma postura,
37
Jornal do Brasil, 07 de Agosto de 1917. (p. 6)
32
os trabalhadores mostravam que não eram baderneiros violentos, mas homens que
exerciam legitimamente o seu direito de greve. Isto dificultava a repressão e aumentava
a pressão sobre os patrões. O diálogo entre patrões e trabalhadores era extremamente
difícil, pois a maioria dos patrões não considerava legítima a maior parte das
reivindicações dos trabalhadores. Eles também davam muito valor a princípios como
autoridade e hierarquia. Quando consideravam que esses princípios haviam sido
quebrados, tinham maior resistência em negociar com os trabalhadores. Os
trabalhadores, por outro lado, sabiam que normalmente os patrões procuravam
argumentos para legitimar e desencadear a repressão policial sobre eles. Diante de todas
essas desconfianças, a presença do Chefe de Polícia, como mediador, representava a
criação de um espaço para o diálogo, no qual poderiam ser feitos acordos, mesmo que
limitados. Mesmo com a existência da repressão da polícia sobre os trabalhadores,
algum tipo de entendimento entre patrões e operários sempre era necessário para
viabilizar essa difícil convivência.
Vamos agora observar a opinião de Aurelino Leal sobre o anarquismo. Sobre os
anarquistas ele declarou o seguinte:
...O anarchista não é asqueroso, não é nojento. Seria injusto tratal-o
assim. O anarchismo, em si, nada tem de imoral. E’ utopico, pelo menos no
actual estado da civilização humana. Anarchistas ha verdadeiramente
ideologos, incapazes de uma reacção contra a ordem, contra a segurança,
contra a liberdade alheia, contra a propriedade. Outros, porém,
provavelmente por um consorcio entre as concepções abstractas da doutrina
e as tendencias pessoaes são perigosos...
...O mal do anarchismo reside, principalmente no facto de ser elle
estudado nos meios de escassa cultura mental, e, por isso mesmo, por
homens de nullo poder de assimilação.
Aqui, um anarchista platino pregou em plena Federação Operaria a
subversão da patria, da familia, do governo e da burguezia! O arrojo dessa
concepçãp iconoclasta póde ser julgado inocuo, devido á propria extensão de
sua formula. Mas, senhores, predicas desta natureza não são innocentes em
meios inexpertos. A terra recolhe a semente da boa e da má arvore, e,
indifferentemente, a fecunda. O rebro recebe a idéa, grava-a, transforma-a
em suggestão e pratica-a. Este phenomeno se explica pelo gráo e natureza da
receptividade individual. Cérebros impetuosos, mal educados, tarados
talvez, são terrenos onde medra, na sua feição damninha, o anarchismo
feroz.
E esses terrenos não faltam nas classes operarias...
38
O Chefe de Polícia mostrou que tinha algum conhecimento sobre a doutrina
anarquista. Ele a considerava uma utopia. Em principio não era contra o anarquismo.
38
Discurso proferido por Aurelino Leal no ato de encerramento da Conferência Judiciária-Policial, em 9
de agosto de 1917. IN: LEAL, A. Polícia e Poder de Polícia. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1918.
(p. 58-59)
33
Não se incomodava com intelectuais que gastavam seu tempo filosofando. Sua
preocupação era com aquilo que chamou de anarquismo feroz. Preocupava-se com os
homens que estavam dispostos a recorrer à violência para concretizar sua utopia.
Preocupava-se principalmente com a possibilidade de aproximação entre anarquistas e
operários. A existência de anarquistas, dentro da Federação Operária, pregando aos
trabalhadores contra valores fundamentais; como a pátria, a família e o governo; era
para ele inaceitável. Isto representaria uma séria ameaça à manutenção da ordem e ao
progresso da sociedade, inclusive ao progresso dos trabalhadores. Os anarquistas não
poderiam pregar esse tipo de coisa, amparados pelo princípio da liberdade de expressão.
Neste caso, estaria ocorrendo um abuso desse princípio. Julgava que os trabalhadores,
pelo fato de terem pouca instrução, poderiam distorcer a doutrina e utiliza-la de forma
muito perigosa. Assim, os trabalhadores agiriam não contra os interesses do Estado,
mas também contra seus próprios interesses. Podemos perceber, através do raciocínio de
Aurelino, a postura preconceituosa que as elites tinham com relação aos trabalhadores.
Os trabalhadores eram vistos como indivíduos extremamente limitados, que tinham
dificuldade em compreender a realidade que os cercava. Assim, mesmo quando bem
intencionados, suas atitudes se caracterizavam pelo erro. Devido às suas limitações, eles
seriam também pessoas facilmente manipuláveis. Afirmar que o anarquismo podia ser
mal interpretado não significava afirmar nada novo. Qualquer idéia, princípio ou
doutrina, pode ser mal interpretado por qualquer pessoa, mesmo que ela seja culta. Por
esse raciocínio, os trabalhadores não teriam condição de assimilar nenhum
conhecimento complexo, por eles próprios. Eles precisariam sempre da mediação das
elites. Os homens “instruídos”, que supostamente levariam em consideração o bem estar
da sociedade como um todo, explicariam aos trabalhadores o que era certo e o que era
errado, evitando que estes, baseados em idéias mal compreendidas, adotassem uma
postura insensata e perigosa. Quando o diálogo fosse possível, tudo bem. Já se o diálogo
não fosse possível e alguma ameaça fosse identificada, devido à postura adotada pelos
trabalhadores, a utilização da violência seria legítima. A violência não seria praticada
somente para defender a coletividade, mas também pelo bem dos trabalhadores, que
estariam seguindo um caminho que lhes traria prejuízos. Aurelino aceitava a
existência do movimento operário, mas a associação entre anarquistas e operários era
considerada por ele como uma ameaça, pois isso além de não beneficiar os
trabalhadores, representava um perigo para a manutenção da ordem.
Sobre os anarquistas, Aurelino continuou argumentando:
34
...Quanto aos pregadores do anarchismo entre nós, si os conhecesseis,
rir-vos-eis á grande. Excepção de um velho agitado, que um litterato
talentoso, poucos dias atrás, denunciou em linda chronica, como burguez de
facto, proprietario e pai de filhas professoras, todos os outros são
ignorantissimos.
No meu gabinete, um lavador de pratos de hotel discutiu commigo as
efficiencias do anarchismo e as vantagens da parede geral...
39
Aurelino fez essa declaração em agosto de 1917, pouco depois de fechar a
Federação Operária, durante as greves de julho de 1917. Ele então considerava que a
maioria dos anarquistas era muito ignorante. Por isso mesmo eles seriam uma ameaça.
Contudo, muito em breve ele teria conhecimento da existência de anarquistas muito
cultos, como José Oiticica e Álvaro Palmeira, entre outros. Em função disso, ele não
mudaria muito o seu modo de entender o anarquismo. Os trabalhadores continuariam
sendo tratados como indivíduos ingênuos, que seriam facilmente manipulados segundo
os interesses dos anarquistas. Estes seriam considerados elementos estranhos ao
movimento operário, sendo a maioria dos seus militantes estrangeiros. A presença de
intelectuais entre os anarquistas contribuiria para tornar a atuação deles ainda mais
perigosa. A discussão com o lavador de pratos é uma ótima demonstração do
preconceito existente nas elites com relação aos trabalhadores. Foi considerada ridícula
a tentativa de discutir com o Chefe de Polícia, feita pelo lavador de pratos. Como
poderia um homem humilde querer discutir assuntos complexos com um homem culto?
Para Aurelino, isto não teria cabimento, pois seus argumentos seriam racionais e bem
elaborados, enquanto os argumentos do lavador de pratos estariam baseados em
sentimentos e em idéias mal compreendidas. O melhor que o lavador de pratos teria a
fazer era aceitar os bem intencionados conselhos do Chefe de Polícia. Aurelino Leal não
levava em consideração a possibilidade do lavador de pratos ter aprendido muito com
sua experiência de vida. Os trabalhadores lutavam cotidianamente pelo sustento de suas
famílias. Eles conheciam muito melhor do que as elites as dificuldades que
enfrentavam. O lavador de pratos talvez nem fosse um anarquista, mas somente alguém
que simpatizava com o anarquismo e o associava à idéia de parede geral. Afinal, não
devemos esquecer que no mês anterior ao discurso de Aurelino, em julho de 1917, os
trabalhadores da cidade do Rio de Janeiro tinham vivenciado a experiência da greve
39
Discurso proferido por Aurelino Leal no ato de encerramento da conferência Judiciária-Policial, em 9
de agosto de 1917. IN: LEAL, A. Polícia e Poder de Polícia. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1918.
(p. 59-60)
35
geral, e obtido resultados razoáveis. Assim, seria possível considerar que o lavador de
pratos tivesse argumentos, baseados na experiência, para discutir com Aurelino sobre a
greve geral. O Chefe de Polícia considerava que sua luta era para defender não o
Estado, mas também os trabalhadores ingênuos. Ele julgava que sabia, melhor do que os
trabalhadores, o caminho que estes deveriam seguir para poderem melhorar de vida. A
postura das elites, com relação aos trabalhadores, era caracterizada pela arrogância. O
trabalhador, que ousou discutir com Aurelino, talvez se chamasse Pedro, Paulo ou
Francisco. O Chefe de Polícia não lembrava seu nome, lembrava somente que era um
lavador de pratos. Isto o definia perante a sociedade.
36
2) O anarquismo e as outras tendências do movimento operário brasileiro na
Primeira República.
Inicialmente gostaríamos de fazer uma observação. Devemos estar atentos para
as diferenças existentes entre os termos História da classe operária e História do
movimento operário. O primeiro é mais abrangente do que o segundo. A História da
classe operária se refere a todos os aspectos da História dessa classe, enquanto o termo
História do movimento operário se limita ao estudo dos segmentos formalmente
organizados dessa classe.
40
o estamos interessados em fazer uma separação rígida
entre a classe operária e o movimento operário. Em função disso, vamos tentar analisar
as relações existentes entre os trabalhadores e as organizações por eles construídas.
2.1) As tendências do movimento operário na Primeira República.
Para Boris Fausto, entre os últimos anos do século dezenove e o início da década
de 1920, três correntes organizatórias tiveram significativa influência no movimento
operário. Essas correntes eram as seguintes: o anarquismo, o socialismo reformista e o
trabalhismo carioca.
41
Os trabalhistas cariocas almejavam a conquista de alguns direitos para os
trabalhadores. Eles não questionavam o sistema social vigente. Defendiam que o
movimento operário devia se orientar segundo os interesses que eram comuns a todos os
operários. Estes seriam interesses ligados à melhoria da condição econômica e
intelectual dos trabalhadores. A atuação dos trabalhadores devia estar voltada para a
conquista de direitos sociais, sendo considerado perda de tempo discutir e planejar a
derrubada do sistema e a construção de uma nova forma de organização social. Não
acreditavam na eficácia da ação direta como meio para obter direitos sociais. A ação
direta causaria muitos problemas aos trabalhadores que estariam sujeitos à perda do
emprego, à repressão policial e à expulsão do país, caso fossem estrangeiros. Além
disso, a luta através da ação direta exigiria um esforço contínuo e intenso, o que
desanimaria a maioria dos trabalhadores. O caminho a ser seguido deveria ser o político,
respeitando as instituições e mecanismos políticos estabelecidos. Defendiam o
40
BATALHA, C. H. M. A Historiografia da classe operária no Brasil: trajetória e tendências. In:
FREITAS, M. C. (org.). Historiografia Brasileira em Perspectiva. São Paulo: Contexto, 2005.
41
FAUSTO, B. Trabalho Urbano e Conflito Social. São Paulo: Difel, 1976. (p. 41)
37
estabelecimento de uma legislação que garantisse direitos aos trabalhadores, sendo que
as reivindicações deveriam ser feitas através do diálogo com as autoridades e através da
criação de partidos políticos, respeitando a ordem.
42
Segundo Boris Fausto, o trabalhismo carioca se baseava na existência de
trabalhadores dispostos a aceitar a dependência com relação ao Estado e a cooperação
entre as classes. Baseava-se também na existência de setores sociais dispostos a se aliar
à classe operária. Com base nisso, ele tenta explicar por que o trabalhismo, segundo sua
análise, é uma especificidade do Rio de Janeiro. Para ele, o Rio de Janeiro era a única
cidade brasileira, no período estudado, que tinha uma estrutura social diversificada.
Existiriam, nessa cidade, setores intermediários menos dependentes das classes agrárias,
como profissionais liberais, membros da burocracia e militares. Ao mesmo tempo,
existiriam trabalhadores do setor de serviços que não haviam sofrido influências dos
anarquistas, como por exemplo, os ferroviários e os marítimos. Essas classes
intermediárias, ainda que fracas, e esse grupo de trabalhadores seriam responsáveis pela
existência do trabalhismo no Rio de Janeiro.
43
Com relação à existência de trabalhadores que apoiavam o trabalhismo carioca,
Boris Fausto explica essa suposta singularidade do Rio de Janeiro com base em duas
circunstâncias: a maior presença de trabalhadores nacionais na composição da classe
operária e a significativa importância do núcleo estatal de serviços. Os trabalhadores
nacionais, dos quais havia um grande número no Rio de Janeiro, seriam mais acessíveis
às relações paternalistas que os estrangeiros, logo teriam maior interesse em se
subordinar ao Estado e a colaborar com os patrões. A existência de um setor de serviços
de importância considerável, no Rio de Janeiro, favoreceria a atuação dos trabalhistas
cariocas, pois negociar com Estado era menos difícil que negociar com os industriais. O
setor público seria mais sensível às reivindicações dos trabalhadores, pois podia operar
com baixas taxas de Lucro e até mesmo com prejuízo. Já os industriais orientados pela
lógica da acumulação ofereceram uma enorme resistência às reivindicações dos
trabalhadores.
44
Cláudio Batalha considera aquilo que Boris Fausto chamou de trabalhismo
carioca como uma das duas concepções de prática sindical existentes no período, o
sindicalismo reformista. Ele considera o termo trabalhismo anacrônico, pois remete ao
42
Idem. (p. 56-57)
43
Idem. (p. 41-42)
44
Idem. (p. 52-57)
38
sindicalismo oficial existente a partir da década de 1930. Mesmo que existissem
semelhanças, o sindicalismo reformista anterior a 1930 e o sindicalismo organizado
durante essa década eram muito diferentes. Assim, o termo trabalhismo pode provocar
confusão. Ainda mais problemático é considerar esse trabalhismo como carioca.
Cláudio Batalha considera que essa corrente do movimento operário teve uma atuação
muito mais ampla.
45
Por que deveríamos supor que somente na cidade do Rio de Janeiro
teriam existido trabalhadores dispostos a dialogar com as autoridades, com a finalidade
de obter melhores condições de vida? Somente no Rio de Janeiro existiram
trabalhadores que, além de rejeitarem a ação direta, estariam interessados no
estabelecimento de uma legislação que garantisse direitos aos trabalhadores? O
movimento operário era heterogêneo não na cidade do Rio de Janeiro, mas também
nas outras cidades onde estava presente. Podemos até considerar que o sindicalismo
reformista tinha maior força no Rio de Janeiro do que em outras cidades brasileiras, mas
isso não significa que ele estava restrito a essa cidade.
Vejamos os argumentos que Boris Fausto utilizou para justificar a restrição
dessa corrente do movimento operário à cidade do Rio de Janeiro. A existência de
classes intermediárias. Ora, é verdade que o Rio de Janeiro, pelo fato de ser a capital do
país, possuía um grande número de funcionários ligados à burocracia do Estado. No
entanto, outras cidades também possuíam esse tipo de profissional, principalmente as
capitais dos estados. Também havia ferroviários e marítimos fora do Rio de Janeiro e o
mesmo vale para os militares e membro das forças armadas estaduais. Assim, o que
Boris Fausto chama de classes intermediárias não era exclusividade do Rio de Janeiro.
Quanto ao fato da existência de trabalhadores que não haviam sido influenciados
significativamente pelo anarquismo, isso existia em todo lugar. Com relação às
características dos trabalhadores que os levariam a apoiar o sindicalismo reformista, a
afinidade com relações paternalistas obviamente não pode ser entendida como uma
característica exclusiva dos trabalhadores cariocas. O argumento, de que os
trabalhadores nacionais estavam mais acostumados às relações paternalistas que os
estrangeiros, não se sustenta. As relações paternalistas não eram uma exclusividade
brasileira. Seria razoável considerar que também existissem nas áreas rurais da Europa,
de onde se originavam a grande maioria dos imigrantes. Desta forma, concordamos com
45
BATALHA, C. H. M. O Movimento Operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
editora, 2000. (p. 32)
39
Cláudio Batalha quando este considera que o sindicalismo reformista não se restringia a
cidade do Rio de Janeiro.
Outra corrente organizatória citada por Boris Fausto foi o socialismo reformista.
Seus integrantes defendiam a mudança gradual do sistema social e a organização
autônoma dos trabalhadores. Segundo Boris Fausto, eles constituíam um grupo
pequeno, com indivíduos oriundos da classe média intelectual. Suas idéias tinham uma
reduzida penetração nos meios populares. Os socialistas reformistas defendiam a
atuação política e mostravam interesse na formação de partidos políticos. Eles
buscavam pressionar o Estado objetivando a ampliação da cidadania. Suas propostas
tiveram pouca difusão e não se concretizaram. Boris Fausto considerou que o fracasso
do projeto socialista reformista teve relação direta com as condições objetivas
brasileiras. A formação de um partido socialista dependia do apoio de parcelas das
camadas médias urbanas, do apoio de parte dos operários e do reconhecimento da
necessidade da existência desse partido por setores da classe dominante. Isso não
ocorreu. O sucesso do socialismo reformista dependia da ampliação da participação
política das classes populares, mas isto no Brasil não foi aceito pela classe dominante.
46
Para Boris Fausto, a corrente hegemônica no movimento operário brasileiro no
início do século vinte era o anarquismo. Os anarquistas queriam acabar com Estado e
construir uma sociedade sem dominação, na qual os homens fossem livres. Eles
recusavam a luta política parlamentar e defendiam a ação direta como estratégia de
atuação. Boris Fausto trabalhou com a idéia de anarco-sindicalismo. Este seria uma
corrente do anarquismo que teria se desenvolvido na década de 1890, com base nas
organizações sindicais francesas. O anarco-sindicalismo enfatizaria a importância do
sindicato não só como órgão de luta, mas também como núcleo básico da futura
sociedade que deveria ser construída. Para esses anarquistas, os sindicatos não deveriam
ter funções assistencialistas e deveriam estar abertos aos operários de todas as
tendências políticas.
47
Não concordamos com utilização do termo anarco-sindicalismo.
Mais adiante tentaremos explicar nossos motivos.
Vamos agora sintetizar algumas informações que foram fornecidas
anteriormente, com o objetivo de deixar claro nosso entendimento acerca das correntes
existentes no movimento operário, na Primeira República. Estamos nos baseando, em
grande parte, nas classificações apresentadas por Cláudio Batalha. Este considera terem
46
FAUSTO, B. Trabalho Urbano e Conflito Social. São Paulo: Difel, 1976. (p. 21-22)
47
Idem. (p. 63-67 e 75)
40
existido duas correntes ideológicas principais: o socialismo e o anarquismo. Além
dessas duas, havia outras correntes ideológicas de menor expressão, como o positivismo
e tendências católicas, por exemplo. Além das correntes ideológicas havia estratégias
sindicais. As duas estratégias sindicais eram o sindicalismo revolucionário e o
sindicalismo reformista. Segundo ele, o sindicalismo revolucionário foi a tendência
mais influente no movimento operário, durante a Primeira República. Neste trabalho
estamos procurando entender o sindicalismo revolucionário e o sindicalismo reformista,
não apenas como estratégias sindicais, mas também como correntes ideológicas. Com o
intuito da análise adotamos as categorias citadas, mas temos consciência que qualquer
trabalhador se encaixa nelas somente de forma parcial. As fronteiras existentes, entre as
correntes ideológicas do movimento operário, eram fronteiras borradas. Membros de
uma determinada corrente do movimento operário podiam adotar idéias oriundas de
outra corrente. Um trabalhador, que não se declarasse como pertencente a nenhuma
corrente, podia adotar idéias e práticas pertencentes a uma corrente e combina-las com
idéias pertencentes à outra corrente. O que deve ficar claro é a imensa diversidade
existente dentro do movimento operário. Os militantes "mais instruídos", ligados a
correntes ideológicas, também encontravam dificuldades quando tentavam aplicar suas
teorias à prática. Muitas vezes, devido ao desejo de conseguir avanços concretos para
movimento operário, entravam em algum tipo de contradição com suas concepções
teóricas. Isto acabava, em algumas situações, gerando um esforço no sentido da
flexibilização do referencial teórico de uma corrente ideológica, o que normalmente
gerava atritos entre os militantes.
O anarquismo foi tradicionalmente tratado pela historiografia como a corrente
hegemônica no movimento operário brasileiro, nas duas primeiras décadas do século
vinte. Temos interesse em relativizar a importância do anarquismo nesse período.
Consideramos que autores como Sheldon Leslie Maram, Boris Fausto e Carlos Augusto
Addor confundiram em parte o anarquismo com o sindicalismo revolucionário, porque
trabalhavam com a idéia de anarco-sindicalismo. Isto contribuiu para maximizar a
importância do anarquismo e reduzir a importância do sindicalismo revolucionário.
Defendemos que em muitos momentos o sindicalismo revolucionário teve mais força
dentro dos sindicatos que o anarquismo. Precisamos agora analisar comparativamente o
anarquismo e o sindicalismo revolucionário, para que possamos identificar a
importância dessas correntes dentro do movimento operário brasileiro, na Primeira
República.
41
2.2) O anarquismo e o sindicalismo revolucionário.
O sindicalismo revolucionário pode ser entendido de formas variadas. foi
considerado uma variação do socialismo, um socialismo operário. foi considerado
uma variação do anarquismo, um anarquismo operário. Pode ser considerado também
como uma corrente independente, tanto do anarquismo quanto do socialismo, que no
entanto sofreu influência dessas duas correntes. Adotamos esta última posição.
Contudo, estamos considerando que os trabalhadores estavam imersos numa cultura.
Havia uma cultura operária construída ao longo do tempo, com base no convívio
existente entre os trabalhadores, nos vários espaços que eles atuavam na sociedade.
Como exemplos desses espaços podemos citar: as fábricas, os sindicatos, as associações
mutualistas, as vilas operárias, entre outros. Essa cultura tinha relação com a noção de
identidade, construída entre os trabalhadores, e com a união deles com o objetivo de
combater opositores comuns. Tinha relação também com a luta cotidiana pela
sobrevivência, uma vez que eles estavam submetidos a condições de vida muito difíceis.
A luta pela sobrevivência gerava conflitos e entendimentos não entre trabalhadores e
patrões, mas também entre os próprios trabalhadores. Este convívio existente no mundo
do trabalho gerou uma cultura própria, que obviamente não estava desvinculada da
cultura da sociedade como um todo. Essa tradição de luta dos trabalhadores, que
atravessava gerações, lhes fornecia um conjunto de referencias importante.
Estamos tratando o anarquismo, o socialismo, o sindicalismo revolucionário e o
sindicalismo reformista como correntes ideológicas que influenciavam os trabalhadores.
Isto não quer dizer que estamos considerando o movimento dos trabalhadores como
uma soma de correntes ideológicas. Apesar de ser possível identificar grupos de
militantes que defendiam uma corrente ideológica específica, estamos mais interessados
nas idéias que essas correntes representavam, do que nos grupos que se declaravam
pertencentes a uma delas. Com isso não estamos dizendo que não nos interessamos
pelas pessoas. Estamos apenas reconhecendo que nesses grupos não existia pureza
ideológica. O ser humano tem a contradição como uma característica. Assim, ninguém
segue exatamente à risca as idéias que defende. Sempre existem desvios entre a teoria e
a prática. A grande maioria dos trabalhadores não se considerava como pertencente a
nenhuma corrente ideológica, mas sofria influência das idéias defendidas por algumas
dessas correntes. Para nós, mais importante, do que classificar os trabalhadores como
pertencentes a uma corrente ideológica, é identificar como as idéias divulgadas por
42
essas correntes influenciavam os trabalhadores. Normalmente eles eram influenciados
por idéias de mais de uma dessas correntes ideológicas. Essas idéias faziam parte da
cultura operária, na qual eles estavam inseridos. Dessa forma, as correntes ideológicas
são utilizadas aqui não com o objetivo de classificar rigorosamente os trabalhadores em
uma delas, mas com o objetivo de possibilitar a análise do movimento operário. Elas
nos permitem identificar e analisar diferenças e semelhanças existentes entre os
trabalhadores. Elas são construções arbitrárias, mas necessárias. Digo isto por que toda
referência construída é em algum grau arbitrária. No nosso caso, o sindicalismo
revolucionário e o sindicalismo reformista são referências mais subjetivas do que o
anarquismo e o socialismo. É muito mais fácil encontrar pessoas que se declaravam
como anarquistas ou como socialistas, do que encontrar pessoas que se declaravam
como sindicalistas de uma determinada corrente. O grupo de trabalhadores que atuava
nos sindicatos era bastante heterogêneo. Quando falamos em sindicalismo reformista e
sindicalismo revolucionário estamos querendo analisar e diferenciar idéias e atitudes
adotadas pelos trabalhadores e não rotulá-los. Além de ser uma referência para a análise
dos trabalhadores, o termo sindicalismo revolucionário tem o objetivo também de servir
como contraponto ao anarquismo, contribuindo para evitar o equivoco de considerar
trabalhadores que não eram anarquistas como anarquistas. A categoria sindicalismo
revolucionário é utilizada com o objetivo de evitar que os trabalhadores sejam rotulados
e não de rotulá-los.
Edilene Toledo analisou a presença do anarquismo e do sindicalismo
revolucionário no movimento operário no estado de São Paulo. Ela considerou o
sindicalismo revolucionário como uma corrente autônoma em relação ao anarquismo e
ao socialismo, não no Brasil, mas em vários países. O sindicalismo revolucionário
começa a se constituir a partir da década de 1890 em vários países. Ele surge com base
na luta cotidiana desenvolvida nos sindicatos ou a partir de uma dissidência do partido
socialista, dependendo do país. No Brasil, ele surge a partir da prática sindical
desenvolvida por militantes de tendências políticas diversas. Apesar de terem
semelhanças, o sindicalismo revolucionário e o anarquismo são diferentes.
48
Para
Edilene Toledo, as características do sindicalismo revolucionário são as seguintes:
É um fenômeno internacional, uma prática sindical que se constituí como
corrente política autônoma; é um movimento em defesa do sindicato como
48
TOLEDO, E. Anarquismo e Sindicalismo Revolucionário: Trabalhadores e militantes em São Paulo na
Primeira República. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2004. (p. 12-14)
43
único órgão capaz e suficiente para garantir as conquistas presentes e futuras
dos trabalhadores; defende a luta de classes, a ação direta dos trabalhadores, a
autonomia operária associada à autonomia sindical e a neutralidade política do
sindicato, ou seja, a não-associação deste último a qualquer corrente política, o
que se traduz em garantia de sua autonomia e da superação das divisões entre
os trabalhadores.
49
O sindicalismo revolucionário possuía duas dimensões: no curto prazo almejava
a conquista de direitos, no longo prazo, almejava uma revolução social que mudasse a
estrutura da sociedade, permitindo a construção de uma sociedade baseada na
propriedade coletiva e gerida pelos trabalhadores. Com relação aos seus objetivos, o
sindicalismo revolucionário se mostrou paradoxal. Seu objetivo de curto prazo parecia
estar em desacordo com seu objetivo de longo prazo. A conquista de direitos era algo
que contribuiria para a redução das tensões entre patrões e empregados. Isto favoreceria
a estabilidade do sistema social vigente, contribuindo para sua manutenção. Assim,
ficaria mais difícil fazer a revolução social. Contudo, esse paradoxo era a grande força
do sindicalismo revolucionário. Sua atuação estava focada na conquista de direitos para
os trabalhadores. A revolução social era algo que ficava em segundo plano. Isto
contribuía para a mobilização dos trabalhadores que normalmente estavam interessados
na conquista de direitos. Além de manter seu foco na conquista de direitos, o
sindicalismo revolucionário ainda mantinha o discurso da revolução social. Porém, essa
revolução era sempre apresentada no futuro. Não era tratada como uma prioridade. Isto
a tornava mais aceitável para muitos trabalhadores, que estavam dispostos a aceitar o
discurso revolucionário, desde que o foco de atuação dos sindicatos continuasse
orientado para a conquista de direitos. O sindicalismo revolucionário, ao mesmo tempo
em que lutava pelas demandas dos trabalhadores, mantinha a promessa de um futuro
novo, no qual a vida dos trabalhadores seria muito melhor. Isto tudo, sem ter que
submeter, no presente, os trabalhadores ao risco de uma ação revolucionária. Os
anarquistas normalmente assumiam uma postura contraria a luta por direitos para os
trabalhadores. Parte deles considerava isso uma perda de tempo, pois retardaria uma
mudança significativa na estrutura da sociedade. Outra parte dos anarquistas tolerava a
luta por direitos, apenas por considerar que isto era fundamental para atrair os
trabalhadores para os sindicatos. Os anarquistas, através da construção da nova
sociedade libertária, queriam acabar com a propriedade privada e com todas as formas
de dominação. Para eles, o Estado deveria ser destruído. A existência do Estado
49
Idem. p. 13
44
implicava na existência de dominação sobre os homens. Na sociedade anarquista, os
homens deveriam ser livres, mas isso seria possível se eles não se subordinassem de
nenhuma forma a outros homens. Os anarquistas normalmente tinham vínculos sólidos
com sua doutrina. Os sindicalistas revolucionários tinham referências teóricas menos
elaboradas, sendo mais sensíveis às referências acumuladas, durante a atuação prática
dos trabalhadores nos sindicatos. A revolução social proposta pelos sindicalistas
revolucionários não era algo que estava muito claro. Eles não tinham uma posição tão
claramente contrária à existência do Estado quanto os anarquistas. Eles eram contrários
à existência do Estado capitalista, que não representava os interesses dos trabalhadores.
Queriam criar, através da greve geral revolucionária, uma sociedade organizada e
conduzida pelos sindicatos de trabalhadores. Muitos anarquistas criticavam essa
postura, alegando que de nada adiantaria sair da dominação do Estado para entrar na
dominação dos sindicatos. Na verdade, os sindicalistas revolucionários pareciam estar
mais preocupados com a construção de uma sociedade, na qual os interesses dos
trabalhadores tivessem prioridade, do que com a construção de uma sociedade sem
Estado.
Assim como os anarquistas, os sindicalistas revolucionários defendiam a ação
direta. que os anarquistas defendiam a livre iniciativa dos indivíduos, enquanto os
sindicalistas revolucionários vinculavam a autonomia operaria à ação sindical. O foco
dos anarquistas estava nos indivíduos, enquanto o foco dos sindicalistas revolucionários
estava na classe. O sindicato permitiria que os trabalhadores exercessem sua autonomia.
A ação direta, defendida pelos anarquistas, tinha como objetivo a revolução libertária. A
ação direta defendida pelos sindicalistas revolucionários tinha como objetivo a
conquista de direitos para os trabalhadores, apesar deles possuírem um discurso
revolucionário. Em teoria, os objetivos desses dois grupos eram diferentes. Os
sindicalistas revolucionários pretendiam representar os trabalhadores. Os anarquistas
pretendiam mobilizar todos os explorados do mundo. Os sindicalistas revolucionários
não eram defensores de organizações hierárquicas, mas tinham menos resistência à
hierarquia do que os anarquistas, que tinham verdadeira repulsa a esse conceito. A
construção de uma sociedade sem nenhuma espécie de dominação ou hierarquia era
uma bandeira anarquista e não dos sindicalistas revolucionários, apesar destes
simpatizarem com essa sociedade anarquista.
Tradicionalmente a historiografia associou o movimento operário ao
anarquismo, durante a Primeira República. Segundo Edilene Toledo, este erro aconteceu
45
em parte devido a uma tendência de incorporar o sindicalismo revolucionário ao
anarquismo, através da idéia de anarco-sindicalismo. O anarquismo procura criar,
através da livre experimentação, uma sociedade sem Estado baseada em comunidades
autogeridas, onde seja possível prevalecer valores como a igualdade e a fraternidade. O
anarquismo em princípio é contra todo tipo de dominação sobre o indivíduo, inclusive a
dominação do sindicato. Por isso muitos anarquistas eram contrários à atuação nos
sindicatos, na melhor das hipóteses admitiam a participação nesses órgãos com o
objetivo de difundir as idéias anarquistas. Como se recusavam a fazer parte de qualquer
organização hierárquica e enfatizavam a importância da liberdade do indivíduo, os
anarquistas tinham dificuldades quando tentavam colocar suas teorias em prática.
Queriam derrubar o Estado e construir uma nova sociedade, mas ao mesmo tempo
queriam garantir a liberdade dos indivíduos. Essa ênfase na liberdade dificultava o
estabelecimento de consenso em torno de objetivos práticos comuns. Um grupo de
líderes não podia decidir o que os anarquistas iriam fazer, pois assim estaria violando a
liberdade dos indivíduos. Como os anarquistas poderiam se organizar sem a criação de
organizações com um mínimo de hierarquia e sem abdicarem, pelo menos em parte, de
interesses individuais? Colocar em prática suas teorias era um desafio para os
anarquistas. Buscando resolver esse problema, eles se dividiram e diversificaram as
leituras sobre o anarquismo.
50
Alguns anarquistas, na prática, abdicaram da defesa radical da liberdade
individual. Tradicionalmente, os anarquistas tinham como referência a idéia da
derrubada do sistema vigente, através da organização de insurreições. No entanto, essa
estratégia ao longo do tempo não se mostrou eficaz. A corrente dos anarquistas
conhecida como anarco-comunistas combateu essa idéia. Caso não quisessem ficar
limitados somente a uma atuação orientada no sentido de divulgar suas idéias, os
anarquistas se viam obrigados a ter uma atuação prática, até certo ponto, divergente de
suas teorias. A partir de certo momento, os sindicatos passaram a ser considerados, por
parte dos anarquistas, como o espaço fundamental de atuação. Isto não quer dizer que
esses anarquistas reconheciam estar em desacordo com as teorias anarquistas. Apesar do
conflito, eles procuravam conciliar a atuação prática e a teoria. Podemos considerar que
havia três tendências entre os anarquistas. Os que recusavam qualquer tipo de atuação
nos sindicatos. Os que aceitavam o ingresso dos anarquistas nos sindicatos, pois o
50
Idem. (p. 48-52)
46
reconheciam como um importante espaço de difusão de idéias. Estes, porém, não
aceitavam a neutralidade dos sindicatos. Havia também, os anarquistas que tinham o
anarquismo como doutrina, mas concordavam com a neutralidade política dos
sindicatos. Esses reconheciam o sindicato como fundamental para a construção da nova
sociedade. Absorveram em graus variados muitas idéias do sindicalismo revolucionário.
Eles consideravam o sindicato como espaço de unidade dos trabalhadores e de lutas por
melhores condições de trabalho e de vida.
51
Temos que considerar também a existência
de trabalhadores que não se converteram ao anarquismo, mas absorveram em graus
variados idéias anarquistas.
O sindicalismo revolucionário defendia que os sindicatos não deviam se associar
a nenhuma corrente política específica, porém ele se apropriou de idéias socialistas e
anarquistas. A idéia socialista de luta de classes teve grande força dentro do
sindicalismo revolucionário. Do mesmo modo, a idéia anarquista de destruição do
Estado também teve força. A diferença é que os anarquistas queriam destruir todas as
instituições existentes, enquanto que os sindicalistas revolucionários queriam substituir
o Estado capitalista por um outro tipo de organização, baseado nos sindicatos. O
sindicalismo revolucionário também trouxe idéias novas como a vinculação da
autonomia operária à ação sindical. Assim, os sindicatos possibilitariam a atuação
autônoma dos trabalhadores. Os sindicatos seriam os legítimos representantes dos
trabalhadores, pois seriam associações conduzidas pelos próprios trabalhadores. Os
sindicatos permitiriam a união e a mobilização conjunta da classe dos trabalhadores. O
sindicato passa a ser considerado um instrumento de autonomia das massas
trabalhadoras, permitindo que estas recusassem a delegação de poder a representantes
políticos. Para os sindicalistas revolucionários, o sucesso dos sindicatos dependia de sua
autonomia. O fato, do sindicato não adotar nenhuma linha política específica, permitiria
que trabalhadores de tendências políticas diferentes atuassem juntos nos sindicatos.
Também se recusavam a adotar uma linha religiosa. O sindicalismo revolucionário
buscava unir os trabalhadores. Dessa forma, no sindicato podíamos encontrar os mais
variados tipos de tendências: católicos, sindicalistas de várias tendências, socialistas,
anarquistas, e outros.
52
O sindicalismo revolucionário agiu no sentido de fortalecer uma
identidade de classe entre os trabalhadores. Enfatizava que, apesar das opções políticas
51
Idem. p. 51 e 88.
52
Idem. p. 59 e 64.
47
e religiosas, todos eram trabalhadores e deviam agir juntos buscando atingir interesses
gerais comuns.
Podemos agora fazer a seguinte pergunta: se o sindicalismo revolucionário era
tão parecido com o anarquismo, por que não chamá-lo de anarco-sindicalismo, alegando
que ele era o anarquismo adaptado aos sindicatos? Embora houvesse sindicalistas
adeptos do anarquismo, a grande maioria dos sindicalistas não se considerava como
filiado a uma corrente ideológica específica. Eles se consideravam trabalhadores que
lutavam por melhores condições de vida e por justiça. Neste trabalho, grupos
heterogêneos de sindicalistas estão sendo considerados como pertencentes ao
sindicalismo revolucionário, ou mais precisamente como grupos significativamente
influenciados pelas idéias dessa corrente. Se considerarmos que esses sindicalistas eram
anarquistas, vamos ser obrigados a considerar que grande parte do movimento operário
do Rio de Janeiro tinha como foco principal a construção da nova sociedade libertária,
que poderia ser alcançada de forma violenta através da revolução, ou de forma pacífica,
através da divulgação das idéias anarquistas e da gradativa conscientização das pessoas.
Isto não era verdade. Esses sindicalistas não executavam a principal tarefa dos
militantes anarquistas, que era a divulgação da doutrina anarquista, através de jornais,
panfletos e palestras. Devemos observar que um anarquista que atuava nos sindicatos,
como palestrante ou como filiado, era algo muito diferente de um sindicalista que
compartilhava algumas idéias com o anarquismo. Ele também compartilhava idéias com
outros grupos.
Segundo Edilene Toledo, o sindicalismo revolucionário teve um período curto
de existência.
O sindicalismo revolucionário foi uma corrente política autônoma somente até
a Primeira Guerra Mundial -- quando tantas mudanças, sobretudo, o sucesso da
primeira revolução socialista no mundo, levaram grande parte dos
trabalhadores a aceitar outros espaços e estratégias de luta. Entretanto muitas
de suas idéias e práticas seriam incorporadas a outros movimentos políticos. O
sindicalismo revolucionário abandonou a cena histórica, mas não sem deixar
marcas, influenciando a história posterior do movimento socialista, anarquista
e comunista.
53
Essa observação de Edilene Toledo é importante, pois nos ajuda a esclarecer
nosso entendimento sobre os sindicatos que participaram da greve geral de 1918, no Rio
de Janeiro. Consideramos que o anarquismo foi supervalorizado pela historiografia,
53
Idem. p. 123.
48
através da idéia de anarco-sindicalismo. Como observamos, dentro dos sindicatos
atuavam as mais variadas correntes ideológicas. A atuação prática dos sindicatos era
resultado do encontro dos trabalhadores influenciados por diferentes tendências. Se
falarmos em anarco-sindicalismo, somos levados a crer que os sindicatos tinham uma
orientação anarquista. Como explicaríamos então a forte presença da idéia marxista de
luta de classes nos sindicatos. Falar em anarco-sindicalismo é tão equivocado quanto
falar em algo como sócio-sindicalismo, uma espécie de união entre idéias socialistas e o
sindicato. Os sindicatos normalmente evitavam aderir a uma corrente ideológica
específica, pois isso provocaria divisões entre seus militantes. Estamos considerando o
anarquismo, o socialismo, o sindicalismo revolucionário e o sindicalismo reformista
como correntes ideológicas que atuaram dentro dos sindicatos. Essas correntes
disputavam espaço nos sindicatos. No entanto, a adoção de idéias de uma corrente
ideológica não anulava necessariamente as idéias de outras correntes. A combinação de
idéias pertencentes a correntes ideológicas variadas era comum. Essa combinação era
feita com base nas expectativas dos membros dos sindicatos, que estavam inseridos em
uma cultura operária.
Com base em um estudo feito sobre São Paulo, estamos considerando a
possibilidade do sindicalismo revolucionário ter tido, no Rio de Janeiro, uma influência
significativa. Isso não quer dizer que desconsideramos a importância do anarquismo. O
anarquismo foi importante, porém menos importante do que tradicionalmente a
historiografia o considerou. Os anarquistas ajudaram na organização dos sindicatos, mas
não foram os únicos a atuar nesse sentido. Mais importante ainda, os sindicatos no Rio
de Janeiro não tinham uma orientação anarquista. Como se organizavam então os
sindicatos no Rio de Janeiro em 1918, já que Edilene Toledo considera que o
sindicalismo revolucionário só foi uma corrente política autônoma até a Primeira Guerra
Mundial? No entanto, ela afirma que o sindicalismo revolucionário deixou marcas no
movimento operário. Defendemos que, nesse período, o sindicato era um espaço no qual
conviviam diversas correntes ideológicas que ganhavam ou perdiam força de acordo
com a conjuntura. Os sindicatos mesmo intercalando períodos de funcionamento com
períodos de inexistência, pois eram fechados pela polícia quando causavam problemas
às autoridades, tinham uma história. Os trabalhadores que atuavam nos sindicatos
traziam suas experiências e expectativas. Consideramos que o anarquismo, o
socialismo, e mesmo uma corrente que talvez já não existisse, como sindicalismo
revolucionário, influenciaram na formação dessas experiências. Edilene Toledo disse
49
que em muitos momentos o movimento operário foi mais "sindicalista do que
revolucionário"
54
. Defendemos que os sindicatos em 1918 no Rio de Janeiro não eram,
no que diz respeito a sua prática, revolucionários. Eles estavam fundamentalmente
preocupados em garantir melhores condições de vida e trabalho aos operários. Então
nos sindicatos não havia hegemonia nem do anarquismo nem do sindicalismo
revolucionário, apesar da atuação dos sindicatos estar mais próxima desta última
corrente. Porém, os sindicatos não atuavam no sentido de buscar a construção de uma
nova sociedade. Isto não quer dizer que membros do sindicato ligados ao anarquismo ou
a outra corrente ideológica não tivessem a revolução como referência, mas a prática
sindical não estava orientada nesse sentido. O sindicalismo reformista também tinha
grande influência nos sindicatos. O sindicalismo predominante era um sindicalismo
baseado na ação direta, que através das greves buscava forçar os patrões a aceitar as
reivindicações dos trabalhadores. No entanto, em muitos momentos, os sindicatos
aceitaram a atuação de autoridades do Estado como mediadores nas discussões, que
almejavam um acordo entre patrões e empregados. Para os trabalhadores, o objetivo
principal era a conquista de direitos. O modo como os objetivos iriam ser conquistados
não era irrelevante, mas ficava em segundo plano. Se a conjuntura indicasse que o
caminho mais proveitoso a ser seguido era o dialogo com as autoridades do Estado, os
sindicatos abririam mão da ação direta. Os sindicatos até certo ponto eram flexíveis,
com relação às suas estratégias de mobilização. Estas levavam em consideração as
demandas dos trabalhadores e a conjuntura.
Devemos estar atentos às diferenças existentes entre os interesses dos sindicatos
e os interesses dos trabalhadores. O sindicato é uma organização que pretende
representar os trabalhadores, mas a orientação seguida por um sindicato muitas vezes
pode estar em desacordo com as expectativas dos trabalhadores. Para que um sindicato
tenha sucesso, no que diz respeito à mobilização dos trabalhadores, é fundamental que
ele consiga captar de um modo geral quais são as expectativas da maioria dos
trabalhadores. Como o período compreendido entre os anos de 1917 e 1921 foi de
grande mobilização, consideramos que os sindicatos nesse período não conseguiram
perceber as expectativas dos trabalhadores, mas adotaram uma estratégia de atuação que
buscava realiza-las. Como o período em questão foi caracterizado pela recessão e pela
carestia, consideramos que os trabalhadores se sensibilizavam com propostas que
54
Idem. p. 11-12.
50
almejavam melhorar suas condições de vida. Com este raciocínio queremos reforçar o
argumento de que os sindicatos não estavam preocupados em planejar levantes, com o
objetivo de derrubar o sistema social vigente. Os sindicatos tinham concentrado todos
os seus esforços na luta pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores.
2.3) As razões da suposta hegemonia do anarquismo.
Como o anarquismo foi tradicionalmente considerado hegemônico, durante as
duas primeiras décadas do século vinte, no movimento operário brasileiro, alguns
autores se preocuparam em explicar as razões dessa hegemonia. Dentre esses autores se
encontram Sheldon Leslie Maram, Boris Fausto e Carlos Augusto Addor. Addor
utilizou as mesmas classificações das correntes do movimento operário apresentadas por
Boris Fausto: trabalhismo carioca, socialismo reformista e anarquismo. Para ele, o
anarco-sindicalismo era a tendência dominante dentro do anarquismo e a maioria dos
sindicatos no Brasil seguiu essa tendência até o início da década de 1920.
55
Inicialmente a explicação dada para justificar a predominância do anarquismo no
movimento operário teve como base a estrutura produtiva. O anarquismo seria forte nos
locais nos quais existisse uma estrutura com características semi-artesanais, baseada em
pequenas oficinas. Segundo este argumento, uma estrutura baseada na grande indústria
fabril não estimularia as idéias anarquistas. Essa hipótese, no entanto, não está bem
fundamentada. Ela foi construída através da associação entre as militâncias anarquistas
e as estruturas produtivas de determinadas regiões. Primeiro foram selecionados os
lugares nos quais se supunha que o anarquismo era forte, depois se procurou identificar
a base da estrutura produtiva desses lugares. Como o anarquismo foi considerado forte
em países como a Espanha e a Itália e como esses países eram menos industrializados
que os países do norte da Europa, a difusão das idéias anarquistas foi associada à
estrutura produtiva dos países com uma industrialização menos desenvolvida. No
entanto, não foram explicadas as relações entre uma estrutura produtiva semi-artesanal e
a predominância do anarquismo. Por que a difusão do anarquismo depende desse tipo
de estrutura? Além da associação entre o anarquismo e a pequena indústria semi-
artesanal, uma outra associação é feita quando consideramos países latino-americanos
que receberam imigrantes. O anarquismo seria influente porque uma quantidade muito
55
ADDOR, C. A. A Insurreição Anarquista no Rio de Janeiro.Rio de Janeiro. Achiamé, 2002. (p. 43-
166)
51
grande de imigrantes teria participado do processo de formação da classe operária. A
maioria desses imigrantes teria uma formação na qual o anarquismo seria uma
referência. Assim, o anarquismo seria a corrente predominante, no movimento operário
brasileiro, porque os principais organizadores desse movimento eram anarquistas
quando chegaram ao Brasil.
56
Sheldon Leslie Maram critica essa explicação tradicional. Para ele, a imigração
não explica a hegemonia do anarquismo, pois nos países de origem dos imigrantes o
anarquismo não era a única corrente ideológica do movimento operário. Havia outras
correntes influentes. Essas correntes não se tornaram tão fortes no Brasil quanto nos
seus países de origem. Maram discorda também da associação feita entre o grau de
desenvolvimento do capitalismo e a influência do anarquismo. Para desvincular a
expansão do anarquismo da necessidade de uma estrutura baseada na pequena produção
semi-artesanal, ele cita exemplos de locais nos quais a indústria fabril era desenvolvida
e ao mesmo tempo o anarquismo era predominante. Segundo ele, no caso brasileiro, os
anarquistas conseguiram um espaço significativo entre os trabalhadores da indústria
têxtil, setor no qual a grande unidade fabril era comum.
57
Embora considere relevantes as críticas feitas por Maram, Boris Fausto
continuou considerando importante, para explicação da hegemonia anarquista, a base da
explicação tradicional: a estrutura produtiva semi-artesanal e a presença do imigrante na
formação da classe operária. Por que manter argumentos que já sofreram críticas
contundentes? Primeiramente devemos observar que, em nenhum momento, Boris
Fausto coloca em questão a hegemonia do anarquismo. Para ele, o anarquismo era a
principal corrente organizatória do movimento operário, não só em São Paulo mas
também no Rio de Janeiro, apesar de reconhecer que os anarquistas tinham menos força
na última cidade citada. Assim, continua existindo a necessidade de justificar a
hegemonia anarquista. A influência dos imigrantes e a estrutura produtiva, segundo
Boris Fausto, ajudariam a explicar a disseminação do anarquismo, mas por si não
justificariam sua hegemonia. Explicar a hegemonia do anarquismo em uma determinada
região dependeria da análise de um conjunto de elementos.
58
Carlos Augusto Addor, que também admite a relevância dos argumentos
levantados pela explicação tradicional sobre a hegemonia anarquista, considera os
56
Idem. P. 71 e 72.
57
Idem. p. 72.
58
FAUSTO, B. Trabalho Urbano e Conflito Social. São Paulo: Difel, 1976. (p. 62 e 68-69)
52
novos elementos apresentados por Boris Fausto importantes para explicar essa
hegemonia. Esses elementos são as características do Estado brasileiro e de suas
relações com o movimento operário, o conteúdo utópico-milenarista e o
internacionalismo presentes no anarquismo. Para Addor, o primeiro elemento citado é o
mais importante. Como o Estado brasileiro era liberal, oligárquico, excludente e anti-
socialista, não havia muito espaço para o diálogo entre o Estado e o movimento
operário. Normalmente, quando intervinham nas relações entre patrões e empregados,
as autoridades atuavam de acordo com os interesses dos patrões. Atuavam no sentido de
garantir a ordem e a propriedade privada, mas não procuravam defender os interesses
dos trabalhadores. O liberalismo vigorava quando eram feitas, pelos trabalhadores,
reivindicações relativas a salários e a condições de trabalho, mas não vigorava quando
os interesses dos patrões estavam em jogo. Quando esses interesses eram ameaçados, o
Estado liberal intervinha sem constrangimento, mas procurava justificar sua atitude
dizendo que atuava no interesse da sociedade e não dos patrões. Dessa forma, operários
em greve eram presos e expulsos do país, enquanto patrões que não pagavam os salários
ou indenizações por acidentes ficavam impunes. O fato do movimento operário não ser
considerado um interlocutor legítimo, teria contribuído para a hegemonia do
anarquismo. A repressão ao movimento operário dificultaria o trabalho das correntes
ideológicas que defendiam algum tipo de diálogo com o Estado. O anarquismo, que
buscava combater o Estado, seria a única corrente capaz de apresentar resultados
concretos na luta dos trabalhadores por melhores condições de vida.
59
Os outros
argumentos apresentados por Boris Fausto, o conteúdo utópico-milenarista e o
internacionalismo dos libertários, seriam atrativos aos trabalhadores imigrantes. Para
Boris Fausto, o conteúdo utópico-milenarista do anarquismo compensaria as frustrações
dos imigrantes que não conseguiram ascender socialmente. O internacionalismo atrairia
os imigrantes pelo fato de contribuir para diminuir os conflitos étnicos dentro do
movimento operário, ou seja, contribuiria para que os imigrantes fossem aceitos pelos
trabalhadores nacionais e vice-versa.
60
O fato, do Estado liberal oligárquico brasileiro não ter tido interesse, ou pelo
menos ter tido certa resistência, em dialogar com o movimento operário, optando em
muitos casos pelo caminho da repressão, pode ser considerado como um elemento que
contribuiu para o fortalecimento do anarquismo. No entanto, devemos observar que esse
59
ADDOR, C. A. A insurreição Anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Achiamé, 2002. (p. 73-74)
60
FAUSTO, B. Trabalho Urbano e Conflito Social. São Paulo. Difel, 1976. (p. 70)
53
argumento, assim como os outros que defendem a hegemonia do anarquismo, também
apresenta problemas. O anarquismo não era a única corrente do movimento operário
que combatia o Estado. O sindicalismo revolucionário também o combatia. Ele defendia
a ação direta, a greve, a autonomia dos trabalhadores e o diálogo entre patrões e
empregados, sem a intervenção das autoridades do Estado. Se as características do
Estado brasileiro beneficiavam o desenvolvimento do anarquismo, temos que considerar
que também beneficiavam o desenvolvimento do sindicalismo revolucionário. Na
verdade, podemos considerar que essa situação contribuiria para uma radicalização do
movimento operário. Mas não devemos associar necessariamente essa radicalização
com uma opção dos trabalhadores pelo anarquismo. A participação de um trabalhador
na organização de uma greve não o torna necessariamente um militante anarquista. Ele
pode ser um trabalhador ligado a algum sindicato, ou ligado a outros trabalhadores que
em um determinado momento decidiram se mobilizar. Esses trabalhadores podem não
se considerar ligados a nenhuma corrente ideológica específica. Podem ter se
mobilizado porque companheiros foram demitidos injustamente ou porque crianças
sofreram acidentes de trabalho. A ação direta não é exclusividade de anarquistas ou de
sindicalistas revolucionários. Qualquer trabalhador que julgue apropriado, em uma
determinada circunstância, pode recorrer à ação direta. Os outros elementos citados por
Boris Fausto não contribuem para explicar a suposta hegemonia do anarquismo. Como
podemos garantir que o conteúdo utópico-milenarista do anarquismo traria conforto a
imigrantes que tiveram suas expectativas de ascensão social frustradas. Temos chamado
a atenção insistentemente para a diversidade de experiências e expectativas existentes
entre os trabalhadores. O fato de um trabalhador imigrante não ter alcançado a almejada
ascensão social não significa que ele passa a ter uma tendência ao anarquismo. O
trabalhador tem diante de si muitas possibilidades. Uma delas seria ficar eternamente
tentando ascender socialmente. Mesmo que resolvesse entrar para movimento operário,
poderia não escolher se juntar aos anarquistas. O anarquismo não é a única corrente do
movimento operário que promete dias melhores aos trabalhadores. Quanto ao
internacionalismo, devemos observar que não era uma característica exclusiva do
anarquismo. Tanto o socialismo quanto o sindicalismo revolucionário estavam presentes
em vários países. O sindicalismo revolucionário tinha a clara preocupação de viabilizar
a convivência dos trabalhadores de origem, religião e idéias diferentes. Os socialistas
também buscavam unir os trabalhadores em torno da idéia de luta de classes.
54
Maria Cecília Velasco e Cruz questionou a hegemonia anarquista no Rio de
Janeiro, no início do século vinte. Ela agrupou os sindicatos dos trabalhadores da cidade
em quatro grupos de associações e identificou a presença dos anarquistas em apenas um
desses grupos. Segundo a autora, os socialistas reformistas e os grupos ligados ao
chamado trabalhismo carioca disputavam o controle dos sindicatos com os anarquistas.
Com o objetivo de defender a idéia da hegemonia anarquista questionada por Marília
Cecília Velasco e Cruz, Carlos Augusto Addor considerou bons indicadores dessa
hegemonia: o fato dos anarquistas terem sido os principais responsáveis pela
organização dos mais importantes congressos operários realizados no Brasil, e o fato
das principais resoluções aprovadas nesses congressos terem um claro conteúdo anarco-
sindicalista.
61
Com o objetivo de sustentar esses argumentos, Addor analisou as teses
aprovadas no Primeiro Congresso Operário realizado no Rio de Janeiro em 1906, e no
Segundo Congresso Operário também realizado no Rio de Janeiro, em 1913. Vamos
agora identificar as observações feitas, por alguns autores, sobre o Primeiro Congresso
Operário Brasileiro, e analisar de forma geral o conteúdo das resoluções aprovadas
nesse congresso.
Aqui devemos fazer uma observação. Quando trataram dessas questões, Paulo
Sérgio Pinheiro e Michael M. Hall consideravam os termos anarco-sindicalismo e
sindicalismo revolucionário como sinônimos.
62
No entanto, para eles esses termos não
representavam uma corrente do anarquismo, mas sim a corrente do movimento operário
conhecida como sindicalismo revolucionário. Vou tentar ser mais claro, pois o que
acabei de dizer pode parecer confuso. Enquanto que para Boris Fausto, Sheldon Leslie
Maram e Carlos Augusto Addor o anarco-sindicalismo é entendido como uma corrente
do anarquismo, para Paulo Sérgio Pinheiro e Michael M. Hall o anarco-sindicalismo é
uma outra corrente ideológica do movimento operário. Para estes últimos, o anarquismo
e o anarco-sindicalismo são coisas diferentes, ou melhor, o anarco-sindicalismo e o
sindicalismo revolucionário são a mesma coisa. O termo anarco da palavra anarco-
sindicalismo não estaria indicando uma subordinação às idéias anarquistas. Ao contrário
dos outros autores citados, eles não cometeram o equívoco de subordinar o sindicalismo
revolucionário ao anarquismo. Para evitar dúvidas, quando tratar das idéias de Paulo
61
ADDOR, C. A. A Insurreição Anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Achiamé, 2002. (p. 74-75)
62
PINHEIRO, P. S. e HALL, M. M. A Classe Operária no Brasil. Documentos (1889 a 1930). Vol. I. O
Movimento Operário. São Paulo. Editora Alfa e Omega, 1979. (p.129)
55
Sérgio Pinheiro e Michael M. Hall, usarei o termo sindicalismo revolucionário e não
anarco-sindicalismo.
O Primeiro Congresso Operário Brasileiro foi realizado em abril de 1906 na sede
do Centro Galego, na cidade do Rio de Janeiro. Participaram do Congresso quarenta e
três delegados que representavam vinte e oito sindicatos de trabalhadores, de várias
regiões do país. Dezesseis dessas associações eram do Distrito Federal.
63
Paulo Sérgio
Pinheiro e Michael M. Hall analisaram brevemente as teses aprovadas neste congresso.
Segundo eles, não podemos perceber uma clara influência do sindicalismo
revolucionário nas teses, como dificilmente podemos encontrar alguma evidência do
anarquismo. Eles reconhecem que, nos anos anteriores à realização do congresso, o
sindicalismo revolucionário dominou a organização do movimento operário em São
Paulo e exerceu grande influência no movimento operário do Rio de Janeiro. Pelo fato
das resoluções do Congresso não se referirem à destruição do Estado e à construção de
uma nova sociedade, Paulo Sérgio Pinheiro e Michael M. Hall afirmaram que "as
resoluções do Congresso eram muito mais sindicalistas do que revolucionárias"
64
. Para
eles, as resoluções foram produzidas com a preocupação de solucionar dificuldades
enfrentadas cotidianamente pelos trabalhadores, como o direito de reunião e a questão
das multas impostas aos operários, por exemplo.
65
Dessa forma, poderíamos considerar
que a revolução não era uma questão central, para os participantes do Congresso, pelo
menos para a maioria dos participantes. As preocupações dos delegados estariam
orientadas no sentido de melhorar as condições de vida dos operários.
Carlos Augusto Addor discorda de Paulo Sérgio Pinheiro e Michael M. Hall
quando estes defendem a proeminência do caráter sindicalista e a pouca influência do
anarquismo no Primeiro Congresso Operário Brasileiro. Para ele, apesar das questões da
destruição do Estado e da construção de uma nova sociedade não terem sido discutidas,
as principais resoluções aprovadas pelo Congresso têm uma clara influência anarco-
sindicalista. Essa influência ficaria evidente nas seguintes orientações: a recusa à ação
política, o destaque dado à ação direta e o incentivo à luta econômica e
63
ADDOR, C. A. A insurreição Anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Achiamé, 2002. (p.75);
SAMIS, A. R. “Minha Pátria é o Mundo Inteiro”: Neno Vasco, o anarquismo e as estratégias sindicais
nas primeiras décadas do século XX. Tese de Doutorado. Prof.Dr. Daniel Aarão Reis Filho. Niterói:
Universidade Federal Fluminense, 2006. (p. 167)
64
PINHEIRO, P. S. e HALL, M. M. A Classe Operária no Brasil. Documentos (1889 a 1930). Vol. I. O
Movimento Operário. São Paulo. Editora Alfa Omega, 1979. (p. 41)
65
Idem. p. 41-42.
56
ideológica.
66
Ora, essas orientações representam bandeiras tanto do anarquismo quanto
do sindicalismo revolucionário. Com base nelas não podemos afirmar que o Congresso
era anarquista.
Concordando com Paulo Sérgio Pinheiro e Michael M. Hall, Edilene Toledo
considera que o Primeiro Congresso teve clara influência do sindicalismo
revolucionário e quase nenhuma influência do anarquismo. Ela cita um trecho das
resoluções aprovadas no Congresso que evidencia a influência do sindicalismo
revolucionário.
Considerando que o operariado se acha extremamente dividido pelas suas
opiniões políticas e religiosas; que a única base sólida de acordo de ação são os
interesses econômicos comuns a toda classe operária, os de mais clara e pronta
compreensão; que todos os trabalhadores, ensinados pela experiência e
desiludidos da salvação vinda de fora da sua vontade e ação, reconhecem a
necessidade iniludível da ação econômica direta de pressão e resistência, sem a
qual, ainda para os mais legatários, não há lei que valha; o congresso aconcelha
o proletariado a organizar-se em sociedades de resistência econômica,
agrupamento essencial e, sem abandonar a defesa pela ação direta, dos
rudimentares direitos políticos de que necessitam as organizações econômicas,
a pôr fora do sindicato a luta política especial de um partido e as rivalidades
que resultariam da adoção, pela associação de resistência, de uma doutrina
política ou religiosa, ou de um programa eleitoral.
67
A primeira observação importante é que os delegados do Congresso
reconheceram que o operariado se encontrava bastante dividido por opiniões políticas e
religiosas. Essa informação vai de encontro à idéia de hegemonia de um grupo dentro
do movimento operário. Afinal de contas, a palavra hegemonia denota grande
superioridade de um grupo em relação aos demais. Provavelmente nenhum grupo tinha
hegemonia no movimento operário, tinha sim uma maior influência num determinado
período. Mesmo a corrente de maior influência dentro do movimento operário
dificilmente alcançaria seus objetivos se agisse isoladamente. Um mínimo consenso,
pelo menos entre as correntes mais fortes, seria necessário para conseguir enfrentar os
patrões e as autoridades do governo. Segundo o documento citado, os interesses
econômicos comuns eram a única base sólida de acordo. Podemos perceber um esforço,
dos membros do Congresso, no sentido de promover a união dos operários. Esta é sem
66
ADDOR, Carlos A. A Insurreição Anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Achiamé, 2002. (p.
84-85)
67
PINHEIRO, Paulo S. e HALL, Michael M. A Classe Operária no Brasil. Documentos (1889 a 1930).
Vol. I. O Movimento Operário. São Paulo. Editora Alfa e Omega, 1979. (p. 46-47); TOLEDO, E.
Anarquismo e sindicalismo revolucionário: Trabalhadores e molitantes em São Paulo na Primeira
República. São Paulo: Editora Perseu abramo, 2004. (p. 89)
57
dúvida uma preocupação do sindicalismo revolucionário. Outras recomendações
contidas no texto também têm clara influência dessa corrente. Eles não esperam a
salvação vinda de fora, ou seja, julgavam que os próprios trabalhadores deviam agir
buscando resolver seus problemas. A defesa da autonomia operária era uma idéia
fundamental do sindicalismo revolucionário. A defesa da ação direta e da neutralidade
dos sindicatos também eram idéias do sindicalismo revolucionário. Assim,
consideramos que a influência do sindicalismo revolucionário fica evidente nas
resoluções do Primeiro Congresso Operário.
Segundo Edilene Toledo, os operários participantes do congresso sentiam-se
parte de um movimento sindicalista internacional. Os jornais operários de São Paulo
mostravam que o movimento sindicalista francês tinha grande influência no movimento
operário brasileiro. Além disso, os participantes do Congresso expressaram por escrito
sua simpatia e solidariedade ao operariado francês. O Congresso aconselhou como meio
de ação, para os sindicatos, a greve, o boicote, a sabotagem e as manifestações públicas.
Recomendou também que os trabalhadores concentrassem seus esforços na luta pela
redução da jornada de trabalho e na fundação de bibliotecas e instituições de ensino.
68
Com objetivo de evidenciar o clima de otimismo e solidariedade que contagiou
os congressistas, Carlos Augusto Addor cita como a comissão redatora do Primeiro
Congresso Operário Brasileiro se referiu à sessão que fechou a discussão do último
tema, no dia vinte de abril no Centro Galego.
Todos estavam exaustos, estafados pelas lutas travadas, pelos debates em
renhidos; não obstante, quando a Mesa declarou não haver mais nada a tratar e
disse que o Congresso ia ser encerrado, parece que o coração de todos se
dilatou em saudade e pena pela separação que se ia fazer dos obreiros da
emancipação operária. Quase todos então quiseram dizer duas palavras de
amor e concórdia, abraçando-se com a maior sinceridade e entusiasmo,
companheiros que durante os debates pareceram adversários. Todos, sem
nenhuma exceção, podemos dizer, se confessavam satisfeitos, contentes com a
obra a que se acabava de dar a última demão. E parece que se lia viva nos olhos
de todos a calma feliz e serena, que a consciência do dever cumprido,
dissolvendo-se a reunião na mais perfeita harmonia.
69
O trecho acima citado fala de companheiros que durante o debate pareceram
adversários, mas que se consideravam satisfeitos com o resultado do Congresso. Quem
68
TOLEDO, Edilene. Anarquismo e sindicalismo revolucionário: Trabalhadores e militantes em São
Paulo na Primeira República. São Paulo. Editora Perseu Abramo, 2004. (p. 99)
69
PINHEIRO, Paulo S. e HALL, Michael M. A Classe Operária no Brasil. Documentos (1889-1930).
Vol. I. O Movimento Operário.São Paulo. Editora Alfa e Omega, 1979. (p. 187-188); ADDOR Carlos A.
A Insurreição Anarquista no Rio de janeiro. Rio de Janeiro. Achiamé, 2002. (p. 84)
58
eram os companheiros? Eram todos representantes de sindicatos. Então, a primeira
observação que deve ser feita é que estamos falando de um congresso que foi
organizado e realizado por sindicalistas. Não havia a presença de partidos políticos, de
autoridades do governo ou de representantes de correntes específicas do movimento
operário. Mesmo que os delegados estivessem ligados a correntes ideológicas, eles se
apresentavam como representantes de sindicatos. Podemos considerar que, apesar de
terem opiniões próprias, pelo menos até certo ponto estavam comprometidos com os
interesses dos sindicatos que representavam. Os sindicatos possuíam membros ligados a
diversas correntes ideológicas, mas eles tinham interesses gerais comuns. Consideramos
que os sindicatos não eram criados com o intuito de derrubar o Estado ou criar uma
nova sociedade. Dependendo das circunstâncias, essas idéias até podiam ganhar algum
espaço, mas o objetivo principal dos sindicatos era melhorar as condições de vida do
grupo de trabalhadores que eles representavam. A idéia de classe operária estava
presente. No congresso havia representantes de sindicatos de várias partes do país que
representavam categorias profissionais variadas. A comissão redatora se referiu a todos
como obreiros da emancipação operária. Que emancipação era essa? Como observamos,
não era a emancipação baseada na construção de uma nova sociedade sem dominação.
Era uma emancipação que se baseava na união dos trabalhadores em torno de objetivos
econômicos comuns. Esses trabalhadores buscavam se unir para se contrapor aos
interesses dos patrões. Estamos falando de um congresso de sindicalistas e não de um
congresso de anarquistas. Um congresso onde as idéias do sindicalismo revolucionário
tiveram grande influência, mas não tiveram hegemonia. Este não era um congresso de
sindicalistas revolucionários. Paulo Sérgio Pinheiro e Michael M. Hall tinham razão. O
congresso era mais sindicalista do que revolucionário. Que sindicalismo era esse? Um
sindicalismo que se baseava na ação direta, buscando conseguir melhores condições de
vida para os trabalhadores. Um sindicalismo que estava mais preocupado com as
conquistas econômicas do que com uma revolução. Um sindicalismo que buscava
dialogar com as diversas correntes ideológicas do movimento operário, com o intuito de
estabelecer um mínimo consenso entre elas.
O Primeiro Congresso Operário Brasileiro aconteceu num contexto de disputa
entre revolucionários e reformistas. Em 1905, o reformista Pinto Machado, dirigente da
União Operária do Engenho de Dentro, havia anunciado a intenção de realizar um
congresso nacional operário, com o apoio de algumas associações de trabalhadores do
interior do estado do Rio de Janeiro. Pinto Machado declarou publicamente que neste
59
congresso poderiam participar os socialistas, sendo proibida a participação de
elementos revolucionários. A Federação Operária Regional Brasileira, reagindo à
iniciativa da União Operária do Engenho de Dentro, teve a iniciativa de organizar um
congresso. Este não deveria ter um caráter particularista, sendo aberto a todas as
correntes do movimento operário. Pinto Machado inicialmente criticou a iniciativa da
Federação, mas como o congresso planejado por ele acabou não acontecendo por falta
de adesão, a União dos Operários do Engenho de Dentro aderiu ao congresso
organizado pela Federação.
70
Estavam presentes no Primeiro Congresso Operário Brasileiro os seguintes
anarquistas: Luigi Magrassi, Caralâmpio Trillas, Giullio Sorelli, João Arzua, Motta
Assunção, João Benevenuto, Edgard Leuenroth, Ulisses Martins, Carlos Dias, Manuel
Moscoso, Jo Santos Marques, Eduardo Vassimon e Augusto Altro. Entre os
reformistas estava presente Mariano Garcia, representante da União dos Manipuladores
de Tabaco. Mesmo possuindo profundas divergências com os anarquistas, Pinto
Machado presidiu algumas sessões do Congresso e fez parte da sua comissão
preparatória. Para ilustrar as discordâncias existentes entre anarquistas e reformistas
podemos citar o jornal paulista anarquista Terra Livre. Os militantes que organizaram
esse jornal eram defensores da participação dos anarquistas nos sindicatos. Desde seu
primeiro número, em dezembro de 1905, este jornal publicou artigos divulgando o
sindicalismo revolucionário e criticando socialistas franceses como Jean Jaurés. Entre
seus organizadores estavam Neno Vasco, Edgard Leuenroth e Manuel Moscoso. Estes
dois últimos participaram como delegados do Primeiro Congresso Operário Brasileiro.
Em dezembro de 1905, Magrassi, que também seria delegado no Congresso, publicou
um artigo no Terra Livre, sobre o Rio de janeiro. Ele criticava políticos que se
relacionavam com as organizações de trabalhadores. Para ele, o Centro das Classes
Operárias e a União Operária do Engenho de Dentro, lideradas respectivamente por
Vicente de Souza e Pinto Machado, prejudicavam a emancipação dos trabalhadores,
devido à sua orientação reformista. Magrassi combatia a negociação com os políticos e
autoridades do Estado. Ele defendia que os operários não deveriam se desviar do
caminho da ação direta.
71
70
SAMIS, A. R. “ Minha Pátria é o Mundo Inteiro”: Neno Vasco, o anarquismo e as estratégias
sindicais nas primeiras décadas do século XX. Tese de Doutorado. Orientador: Daniel Aarão Reis Filho.
Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2006. (p. 167)
71
Idem. (p. 147, 164 e 168)
60
Alguns meses depois do Congresso, no dia treze de agosto de 1906, o anarquista
Neno Vasco fez a seguinte observação, no jornal Terra Livre.
O Congresso não foi, de certo, uma vitória do anarquismo. Não o devia ser.
A Internacional, desfeita por causa das lutas de partido no seu seio, deve ser
memorável lição para todos. Se o Congresso tivesse tomado caráter
libertário, teria feito obra de partido, não de classe. O nosso fim não é
construir duplicatas dos nossos grupos políticos. Mas se o congresso se não
o foi, a vitória do anarquismo, foi, porém, indiretamente útil à difusão das
nossas idéias. Muita gente, graças a uma lenda, filha da ignorância e da
malícia, formam dos anarquistas um conceito estranho e supersticioso:
fisicamente, imagina-se como monstros, de pêlo hirsuto, olhos esgazeados,
berros atroadores, com as mãos cheias de dinamite.
72
Ao contrário do jornal anarquista paulista La Battaglia, organizado por Oresti
Ristori, Tobia Boni e Ângelo Bandoni, o jornal anarquista Terra Livre defendia a
participação dos anarquistas nos sindicatos. Para os seus organizadores, o Terra Livre
deveria ser um jornal explicitamente sindicalista, que abordasse assuntos de interesse
das classes trabalhadoras. O jornal deveria defender as idéias libertárias, mas ao mesmo
tempo colaborar com indivíduos que pudessem introduzir nos sindicatos propostas
radicais compartilhadas com os anarquistas. O movimento operário era visto como o
espaço ideal para a difusão das idéias libertárias.
73
Neno Vasco não participou do
Congresso, mas convivia com homens que participaram dele como delegados. Neno
acompanhou os debates ocorridos no Congresso. Ele reconheceu publicamente que o
Congresso não representou uma vitória do anarquismo. Ele considerava que as idéias
libertárias não deveriam regular os trabalhadores através de um conjunto de normas e
regras. Dessa forma o Congresso estaria fazendo a obra de um partido. Isto seria
contrário à liberdade individual, que era considerada fundamental pelos anarquistas.
Contudo, Neno Vasco estava satisfeito com o resultado do Congresso. Este não havia
representado a vitória do anarquismo, mas tinha sido útil à difusão das suas idéias. Os
anarquistas se mostravam muito preocupados em dissipar a imagem negativa que
grande parte da sociedade fazia deles.
Como anteriormente observamos, o anarquismo e o sindicalismo revolucionário
eram coisas diferentes, mas possuíam idéias em comum. Havia muito mais afinidade
72
A Terra Livre 13/08/1906. Apud Alexandre Ribeiro Samis. “Minha Pátria é o Mundo Inteiro”: Neno
Vasco, o anarquismo e as estratégias sindicais nas primeiras décadas do século XX. op. Cit.,p.170-171.
73
SAMIS, A. R. “Minha Pátria é o Mundo Inteiro”: Neno Vasco, o anarquismo e as estratégias
sindicais nas primeiras décadas do século XX. Tese de Doutorado. Orientador: Daniel Aarão Reis Filho.
Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2006. (p. 138 e 147)
61
entre as idéias do anarquismo e do sindicalismo revolucionário do que entre as idéias do
anarquismo e do sindicalismo reformista. Anarquistas e sindicalistas revolucionários
defendiam a ação direta e a revolução, apesar da revolução significar coisas diferentes
para os dois grupos. Tanto anarquistas quanto sindicalistas revolucionários defendiam a
autonomia. A diferença é que os anarquistas defendiam a autonomia dos indivíduos,
enquanto os sindicalistas revolucionários defendiam a autonomia da classe dos
trabalhadores, através dos sindicatos. Esses dois grupos defendiam também que os
sindicatos fossem exclusivamente de resistência, ou seja, estivessem voltados para a
defesa dos interesses dos trabalhadores, através do combate aos interesses dos patrões.
Aqui havia influência da idéia de luta de classes. Ao contrário, o sindicalismo
reformista recusava a ação direta e a idéia de revolução. Em oposição a idéia de
revolução eles defendiam uma política de reformas graduais, feitas dentro do sistema
estabelecido. Eles defendiam a presença do Estado, atuando como árbitro, nos conflitos
entre os patrões e os trabalhadores. Não tinham a luta de classes como referência, mas
sim a idéia de harmonia entre as classes. Por isso não defendiam o sindicato de
resistência, mas sim um sindicato baseado no diálogo com os patrões e as autoridades
do Estado, no qual havia espaço para práticas mutualistas.
Se os anarquistas percebessem que não tinham forças para controlar o
Congresso, devido a pouca penetração de suas idéias junto ao movimento operário, qual
seria a estratégia a adotar? Os anarquistas ligados ao jornal Terra Livre consideraram
que a melhor estratégia a ser adotada era apoiar o sindicalismo revolucionário. Neno
Vasco considerou positivo o Congresso ter tido grande influência do sindicalismo
revolucionário, pois isso contribuiria para a difusão das idéias anarquistas. Uma vitória
do sindicalismo reformista traria maiores dificuldades para a divulgação das idéias
libertárias, devido às grandes divergências existentes entre essas duas correntes. A
proximidade existente entre as suas idéias facilitava o diálogo entre anarquistas e
sindicalistas revolucionários. Com isso não queremos dizer que esse diálogo não fosse
cheio de problemas. No entanto, devemos considerar que dentro das associações de
trabalhadores, essas duas correntes não disputavam espaço, mas também agiam em
conjunto de acordo com as circunstâncias. As idéias do sindicalismo reformista deviam
incomodar bastante tanto anarquistas quanto sindicalistas revolucionários. Entretanto,
devemos observar que nem todos os anarquistas tinham uma postura tolerante com
relação ao sindicalismo revolucionário. Os militantes que aceitavam a participação dos
anarquistas em associações de trabalhadores eram mais tolerantes, ao contrário dos
62
militantes que recusavam qualquer tipo de participação dos anarquistas nessas
associações.
2.4) O anarquismo, uma estrela de segunda grandeza.
Até agora, temos tratado das tendências do movimento operário brasileiro e de
suas relações com os sindicatos e a classe operária, buscando relativizar o papel do
anarquismo. Tentaremos agora dimensionar a importância do anarquismo para a classe
operária, durante a Primeira República.
Paulo Sérgio Pinheiro e Michael M. Hall reconheceram que determinar a
influência das doutrinas anarquistas no movimento operário é uma coisa difícil. Porém,
de uma coisa eles não tinham dúvidas, essa influência não era grande. Consideravam
que, pelo fato de muitos autores terem confundido o anarquismo com o sindicalismo
revolucionário, houve uma supervalorização do anarquismo. Segundo eles, os próprios
militantes anarquistas sabiam que suas idéias tinham pouca penetração junto aos
operários.
74
Para evidenciar isso, vamos citar um trecho de um artigo publicado, em
1913, no jornal paulista La Barricata.
A nossa propaganda não é ainda bem entendida pela maior parte dos
companheiros. Se é bem entendida certamente é muito negligenciada. [...]
A maior parte dos trabalhadores têm medo das nossas idéias porque não as
conhecem e também pelo que apregoa o padre no púlpito, pelo que escrevem
os jornais burgueses, pelas calúnias que contra nós vomitam os nossos
adversários interessados.
Quando, entretanto, esses mesmos trabalhadores souberem por meio da nossa
palavra e dos nossos escritos o que a anarquia é realmente, vereis que os nossos
ideais farão progressos gigantescos e que o número dos companheiros se
tornará infinito.
75
O trecho do jornal mostra um militante anarquista se lamentando. Ele reconhece
que os operários desconheciam as idéias anarquistas, ou o que talvez fosse pior, os que
as conheciam não as praticavam. Esta realmente é uma imagem diferente daquela que
tradicionalmente foi pintada pela historiografia. Os anarquistas foram considerados, por
muitos autores, como possuidores de um grande poder de organização e mobilização
dos trabalhadores, durante a Primeira República. Isto realmente é verdade, mas não
significa que as idéias libertárias tiveram grande penetração junto aos trabalhadores.
74
PINHEIRO, P. S. e HALL,M. M. A Classe Operária no Brasil. Documentos (1889-1930). O
Movimento Operário. São Paulo: Editora Alfa e Omega, 1979. ( p. 127)
75
Idem. p.128.
63
Devemos observar que o artigo está se referindo à realidade da cidade de São Paulo. Se
havia dificuldades para divulgar o anarquismo em São Paulo, podemos supor que as
dificuldades para divulgá-lo no Rio de Janeiro fossem ainda maiores. Digo isto porque a
historiografia considerou o anarquismo como tendo menos força no Rio de Janeiro do
que em São Paulo, o que consideramos ter sido razoavelmente demonstrado. O militante
anarquista faz uma revelação importante. Ele afirmou que a maior parte dos
trabalhadores tinha medo das idéias anarquistas e responsabilizou os adversários dos
anarquistas por isso. No entanto, podemos supor que a Igreja e os jornais burgueses não
eram os únicos responsáveis por esse medo. Talvez a maioria dos trabalhadores fosse
conservadora, ou seja, fosse contrária a mudanças radicais. Eles podiam querer
mudanças e ao mesmo tempo ter preocupações relativas à segurança. Poderiam essas
pessoas que pareciam não ter nada a perder, trabalhadores mal alimentados e
submetidos a condições péssimas de trabalho e de moradia, terem preocupações com
segurança? Claro que sim. Em princípio, podemos considerar que tudo que é novo ou
estranho causa certa preocupação. Mesmo o trabalhador que vive em condição ruim tem
algo que deseja preservar. Ele possui valores e costumes que preza. Ele possui uma
pequena remuneração, o que é muito diferente de nenhuma remuneração. Os padres e os
jornais têm certo potencial para amplificar os medos e as rejeições das pessoas. No
entanto, criar medos e rejeições é muito mais difícil do que amplificá-las. Mais difícil
ainda é criar medos com base em argumentos sem nenhum fundamento. É claro que as
idéias anarquistas eram distorcidas pelos seus adversários, mas somente isso seria
suficiente para criar o medo na maioria dos trabalhadores? É razoável afirmar que não.
Nesse caso, poderíamos usar o dito popular: onde fumaça fogo. O receio com
relação as idéias anarquistas existia, entre os trabalhadores, e era explorado pelos
adversários dos anarquistas.
Entretanto, temos que considerar que o desconhecimento até certo ponto pode
gerar medo. As pessoas normalmente têm medo do desconhecido. Poderíamos então
concordar com o militante anarquista, que considerou que o medo do anarquismo estaria
relacionado ao fracasso da propaganda anarquista. Mas se por hipótese considerássemos
uma situação em que a propaganda anarquista foi bem sucedida? Os trabalhadores então
tomariam conhecimento das idéias anarquistas. E que idéias seriam essas? Ora, de modo
geral podemos dizer que seriam a defesa do fim do Estado e a construção de uma nova
sociedade sem dominação, juntamente com a defesa radical da liberdade do indivíduo.
Como um operário reagiria a isso? Obviamente reagiria de formas variadas, mas
64
consideramos que a maioria teria grandes dificuldades para absorver positivamente
essas idéias. Primeiramente, podemos admitir que o Estado seja uma referência para as
pessoas, mesmo quando estas não são consideradas cidadãos plenos por esse Estado. As
pessoas interagem com as autoridades do Estado. A polícia não atuava somente na
repressão aos trabalhadores, quando havia um roubo ou um assassinato as pessoas
recorriam a ela. O Estado zelava por valores que não pertenciam somente aos patrões,
mas também aos trabalhadores. Quem disse que os trabalhadores estavam dispostos a
abandonar a idéia de propriedade privada? Um militante anarquista sem dúvida teria
muita dificuldade em convencer um trabalhador, que sonhava com a ascensão social, a
abandonar a idéia de propriedade privada. E como ficaria a questão da hierarquia? A
hierarquia não existe no ambiente de trabalho, ela existe em todo lugar onde as
pessoas se relacionam. Um chefe de família estaria disposto a acabar com a hierarquia
dentro da sua casa? Provavelmente seria muito difícil convencer muitos chefes de
família a abdicar da autoridade sobre suas esposas e filhos. No entanto,
aproximadamente quarenta por cento dos trabalhadores da indústria têxtil eram
mulheres. Essas mulheres não seriam mais sensíveis que os homens à idéia de quebra de
hierarquias? Aqui recorremos aos ensinamentos de Bourdieu que, em seu livro A
Dominação Masculina, considera que os dominados também são responsáveis pela
manutenção das relações de dominação.
76
Assim, defendemos que a grande maioria
dessas mulheres considerava certo, que os homens ocupassem a posição de chefe de
família, pois esse era o papel atribuído pela sociedade aos homens. Com relação à
hierarquia entre os trabalhadores no ambiente de trabalho, esta poderia ser formal ou
informal. Formal quando o cargo ocupado pelo operário dava a ele algum tipo de
autoridade sobre outros operários. Informal, quando a autoridade de um operário em
relação a outros se baseava em relações construídas ao longo do tempo. Por exemplo,
um operário por ter conquistado a confiança do patrão, pode ter estabelecido algum tipo
de autoridade sobre os outros operários. Essas relações hierárquicas, de um modo geral,
eram consideradas legítimas pelos trabalhadores.
77
A construção da futura sociedade
também era um problema, pois nem os anarquistas conseguiam chegar a um acordo
sobre como ela deveria ser construída. Muitos trabalhadores poderiam considerar que
essa futura sociedade não daria certo. Essas observações foram feitas, com objetivo de
76
BOURDIEU, P. A Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
77
THOMPSON, E. P. A Economia Moral da Multidão Inglesa no Século XVIII. In: THOMPSON, E. P.
Costumes em Comum: Companhia das Letras, 1998.
65
mostrar o tamanho do desafio que os anarquistas tiveram que enfrentar. Muitos
militantes, em algumas situações, devem ter se sentido como pregadores no deserto.
Como observamos, divulgar a doutrina anarquista estava muito longe de ser uma tarefa
fácil. Consideramos que a grande maioria dos militantes anarquistas tinha consciência
disso.
Apesar da limitada penetração da doutrina anarquista junto à classe operária, os
militantes anarquistas eram bastante atuantes. Faziam um grande esforço no sentido de
divulgar suas idéias e com freqüência denunciavam o sindicalismo revolucionário,
alegando que esta corrente não trazia benefícios à classe operária. Vamos agora analisar
trechos de um artigo, publicado em 1913, no jornal de tendência anarquista La
Barricata. Segundo Paulo Sérgio Pinheiro e Michael M. Hall, o artigo pode ser
entendido como uma crítica às idéias do sindicalismo revolucionário, que haviam tido
influência no Segundo Congresso Operário realizado em 1913.
78
[...] Eu não hesito em afirmar e demonstrarei com a minha exposição que o
sindicalismo nada tem de comum com o anarquismo, ou melhor tem de mais:
o caráter efetivo de ação do sindicalismo é uma negação do anarquismo.
Ideologicamente o sindicalismo almeja a constituição, no campo do trabalho,
de uma casta predominante de proletários organizados. Isto é, aspira à
constituição de uma aristocracia de classe, ou, para ficar em termos mais
claros, à dominação do sindicato, seja no campo da produção seja no campo do
consumo.
Na prática, o sindicalismo luta para melhorar o regime do trabalho assalariado.
Como melhorar uma coisa significa também conservá-la, sucede que, como
conseqüência lógica, o sindicalismo trabalha para a consolidação do regime
burguês.
O fato de haver-se declarado partidário da ação direta e dos métodos violentos
de conquista, não implica de forma alguma que o sindicalismo conseba a
revolução em um sentido anarquista ou social. [...] Para saber com quem
estamos tratando é portanto necessário atentar-mos não somente para os
métodos de luta dos partidos, mas também para suas finalidades vizinhas e
distantes.
O sindicalismo não é mais do que uma vasta burocracia fanfarrona e
dominadora, bastante faminta de fama e de comida. O dinheiro, a infame
moeda que o anarquismo odeia, é o ideal das suas batalhas. Greves, greves,
greves, para fazer aumentar os salários, para melhorar, para que se conserve até
o fim dos séculos o regime de trabalho assalariado, que nós os loucos da
anarquia queremos destruir
.
79
O autor do artigo estava preocupado em deixar claro que o anarquismo e o
sindicalismo revolucionário eram coisas diferentes. Como havia a preocupação do
esclarecimento, podemos supor que estava existindo confusão. Em alguns casos, os
78
PINHEIRO, P. S. e HALL, M. M. A Classe Operária no Brasil. Documentos (1889-1930). Vol. I. O
Movimento Operário. São Paulo: Editora Alfa e Omega, 1979. (p. 129.)
79
Idem. p. 129.
66
membros da classe operária podiam estar considerando as duas correntes como a mesma
coisa. Com certeza havia anarquistas que atuavam nos sindicatos. A entrada dos
anarquistas nos sindicatos causou muita polêmica entre os anarquistas. No entanto, o
artigo não fala dos anarquistas que atuavam nos sindicatos e que até certo ponto
toleravam o sindicalismo revolucionário. Ele procura criar uma oposição entre
anarquistas e sindicalistas. Assim, os sindicalistas revolucionários atuariam nos
sindicatos, enquanto os anarquistas estariam fora deles, atuando na divulgação de suas
idéias. Os sindicatos normalmente não tinham uma orientação política definida. Assim,
muitos anarquistas atuavam em sindicatos que não tinham uma orientação anarquista. O
autor do artigo evita apresentar essa divisão existente entre os anarquistas. Ele
provavelmente era um militante que combatia a presença dos anarquistas nos sindicatos,
que não possuíam uma orientação libertária, por considerar que esta atuação os
desviaria da doutrina anarquista. Os anarquistas estavam divididos sobre a postura a
adotar com relação ao sindicalismo revolucionário. Alguns toleravam o sindicalismo
revolucionário, pois consideravam que sua influência nos sindicatos, contribuiria para a
difusão das idéias libertárias, entre os trabalhadores. Outros combatiam duramente o
sindicalismo revolucionário, pois consideravam que suas idéias afastavam os
trabalhadores da doutrina anarquista. Estes anarquistas consideravam o sindicalismo
revolucionário como uma ameaça à difusão do anarquismo. O autor do artigo pertencia
a esse grupo. Devemos aqui fazer uma observação. Os anarquistas que atuavam nos
sindicatos, mesmo quando tolerantes com o sindicalismo revolucionário, não se
abstiveram de criticá-lo sempre que julgaram necessário. O autor do artigo combatia
vigorosamente o sindicalismo revolucionário. Ele não se limitou a diferenciar o
anarquismo do sindicalismo revolucionário, mas procurou desqualificar essa última
corrente. Acusou os sindicalistas de serem uma burocracia fanfarrona que se
preocupava em conseguir sucesso e bens materiais. Por que a imprensa anarquista faria
esforços no sentido de desqualificar o sindicalismo revolucionário? Provavelmente
porque essa corrente do movimento operário estava incomodando ou atrapalhando os
anarquistas de alguma forma. Caso contrário, é provável que o sindicalismo
revolucionário não merecesse a significativa atenção que recebeu da imprensa
anarquista. Apesar de possuírem afinidades, o sindicalismo revolucionário e o
anarquismo disputavam espaço dentro do movimento operário. A grande preocupação
dos anarquistas com os sindicalistas revolucionários indica que esses últimos estavam
ganhando a disputa, ou pelo menos davam sinais de que poderiam ganhar.
67
Voltemos ao artigo:
O sindicalismo é o ideal da gente prática, o anarquismo é o ideal dos utopistas,
que não crêem na grande utilidade de se conquistar dois vinténs à custa do
sacrifício de pobres coitados que na praça pública combatem policiais[...] O
partidão sindicalista é uma vasta armadilha onde foram colocados os princípios
fundamentais do socialismo e da anarquia para enjaular o elemento proletário e
lançá-lo em seguida à gloriosa conquista do sagrado aumento de dois vinténs
para o dia de trabalho.
80
O autor anarquista associou os sindicalistas revolucionários à gente prática e os
anarquistas aos utopistas. Esta é uma informação importante, pois nos ajuda
dimensionar a importância do anarquismo. Os anarquistas demasiadamente presos a
suas teorias não conseguiam perceber, ou melhor, nem se interessavam pelas
expectativas da maioria dos trabalhadores. Eles não eram “gente prática”, como indica o
trecho supracitado. E os anarquistas que percebiam isso e entraram nos sindicatos? É
verdade, muitos anarquistas perceberam que se ficassem fechados em suas teorias, não
conseguiriam mobilizar a sociedade. Estes militantes se encontraram diante de um
impasse. Para mobilizar a sociedade era necessário participar de organizações
hierárquicas e dialogar com outras correntes do movimento operário, abdicando de
alguns valores libertários quando necessário. Os anarquistas que atuavam nos sindicatos
fizeram isso. Como normalmente os sindicatos não adotavam uma linha política
específica, eles podiam continuar sendo anarquistas, mas tinham uma atuação dentro
dos sindicatos que até certo ponto estava em desacordo com suas idéias. Esse era o
preço a se pagar caso quisessem se tornar "homens práticos". Eles eram anarquistas que
atuavam em sindicatos que não tinham uma orientação anarquista. O autor do artigo
criticava essa postura. Se por um lado uma limitada colaboração entre anarquistas e
sindicalistas revolucionários poderia contribuir para o enfraquecimento do sindicalismo
reformista, por outro lado poderia contribuir para o fortalecimento do sindicalismo
revolucionário. Muitos anarquistas consideravam esse fortalecimento como algo muito
prejudicial à difusão do anarquismo. A ênfase dada, pelo sindicalismo revolucionário, à
conquista de direitos para os trabalhadores, era duramente criticada pelos anarquistas.
Neste ponto o sindicalismo revolucionário se aproximava do sindicalismo reformista.
Devemos ter em mente que em muitos momentos havia espaço para a cooperação entre
o sindicalismo revolucionário e o sindicalismo reformista. Vamos retornar as
80
Idem. p. 130.
68
observações do autor do artigo. Ele fala em um "partidão sindicalista" onde havia
espaço para idéias socialistas e anarquistas. Esse era o sindicalismo revolucionário que
tinha grande influência na maioria dos sindicatos. Os sindicalistas revolucionários
ganharam força justamente porque estavam atentos às expectativas da maioria dos
trabalhadores. Foi por isso que deram grande ênfase à luta por melhores condições de
vida para o trabalhador. O sindicalismo revolucionário surgiu a partir da experiência
cotidiana de trabalhadores que atuavam no movimento sindical. O fato, do sindicalismo
revolucionário ter sido um fenômeno internacional, pode nos levar a pensar que suas
idéias estavam rigidamente ligadas a uma ideologia, não tendo muita ligação com os
interesses e expectativas dos trabalhadores. Contudo, o sindicalismo revolucionário
surgiu a partir da prática sindical. Consideramos que melhorar de vida era um interesse
predominante entre os trabalhadores de várias partes do mundo. Inclusive entre os
trabalhadores do Rio de Janeiro. Os sindicalistas de um modo geral, tanto
revolucionários quanto reformistas, eram mais sensíveis às expectativas dos
trabalhadores do que os anarquistas, devido ao fato desses últimos estarem mais
fortemente vinculados a uma doutrina. Mesmo os anarquistas que atuavam nos
sindicatos tinham sua doutrina como uma referência fundamental.
Vamos relembrar agora como alguns autores dimensionaram a importância do
sindicalismo revolucionário na Primeira República. Paulo Sérgio Pinheiro e Michael M.
Hall consideraram que essa doutrina dominou o movimento operário paulista e teve
grande influência no movimento operário carioca, nos anos imediatamente anteriores a
1906.
81
Para Cláudio Batalha, o sindicalismo revolucionário foi a tendência mais
influente no movimento operário durante a Primeira República. Segundo ele, esta
corrente do movimento operário foi a que mais teve iniciativas na área das lutas sociais
e na criação de organizações. Foi também a corrente que fez o esforço mais sistemático
e consistente de propaganda de suas idéias, tendo publicado vários jornais.
82
Para
Edilene Toledo, o sindicalismo revolucionário teve mais influência que o anarquismo
no movimento operário em São Paulo, durante a Primeira República. No entanto, o
sindicalismo revolucionário teria sido uma corrente política autônoma somente até a
Primeira Guerra Mundial. Nesse período, muitas mudanças, principalmente o sucesso
da primeira revolução socialista no mundo, teriam influenciado os trabalhadores no
81
Idem. p. 41.
82
BATALHA, C. H. M. O Movimento Operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
editora, 2000. (p. 31)
69
sentido de adotarem outras estratégias de luta. Então, o sindicalismo revolucionário teria
desaparecido como corrente política, mas suas idéias continuaram influenciando o
movimento operário.
83
Consideramos que para podemos afirmar com segurança que o
sindicalismo revolucionário desapareceu do cenário como corrente ideológica, no
período da Primeira Guerra Mundial, são necessárias mais pesquisas. Porém, o
importante para nós são as idéias do sindicalismo revolucionário. Consideramos que
suas idéias continuaram tendo influência, no movimento operário, nos anos posteriores
a Primeira Guerra Mundial.
Como se organizava o movimento operário no ano de 1918, no Rio de Janeiro?
A primeira coisa que gostaríamos de esclarecer é que não eram as correntes
organizatórias do movimento operário, termo utilizado por Boris Fausto, que
organizavam os trabalhadores. Os trabalhadores é que se organizavam, com base em
suas experiências e expectativas. Os trabalhadores não ficavam esperando a chegada de
militantes anarquistas ou de outra corrente qualquer, para perguntar a eles se deveriam
ou não fazer uma greve. Onde os trabalhadores se organizavam? Em organizações
formais, como jornais e sindicatos, ou informalmente. A organização dos trabalhadores
não dependia exclusivamente dos sindicatos. Todos os trabalhadores sindicalizados ou
não estão de alguma forma organizados. Os trabalhadores se comunicavam. Eles
trocavam experiências e compartilhavam expectativas. Os trabalhadores se organizavam
informalmente no ambiente de trabalho e fora dele. Por exemplo, os trabalhadores de
uma fábrica, que montam um time de futebol, ao se reunirem não estão apenas jogando
bola. Eles conversam uns com os outros sobre seus problemas, suas tristezas e suas
alegrias. O encontro dos trabalhadores no ambiente de lazer contribui para que eles se
organizem dentro e fora do ambiente trabalho. O time de futebol nesse caso pode ser
entendido com uma organização de trabalhadores. Vinicius de Morais dizia que a vida é
a arte do encontro embora nela haja tanto desencontro. Ao permitir o encontro dos
trabalhadores, um time de futebol também se torna um espaço onde decisões variadas
podem ser tomadas. Talvez nesse momento, o leitor esteja achando graça do autor. Este
está falando em correntes organizatórias que não organizavam os trabalhadores. O
termo, corrente organizatória, utilizado por Boris Fausto, pode provocar erros nas
análises sobre o movimento operário. Ele induz o leitor a crer que os trabalhadores
dependiam dessas correntes para se organizarem. Essas correntes não organizavam os
83
TOLEDO, E. Anarquismo e sindicalismo revolucionário: Trabalhadores e militantes em São Paulo na
Primeira República. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2004. (p. 122-123)
70
trabalhadores, mas contribuíam para sua organização. Na verdade, estamos preocupados
em não considerar os trabalhadores como passivos. Os trabalhadores dialogavam com
as correntes do movimento operário e não eram conduzidos passivamente por elas. Os
trabalhadores tinham um papel ativo. Eles eram capazes de tomar suas próprias
decisões. Eram sujeitos de sua própria história. Por isso, preferimos usar os termos
tendências ou correntes ideológicas do movimento operário, no lugar de correntes
organizatórias.
Como vimos, havia várias correntes ideológicas atuando no movimento operário.
Este era resultado da atuação de todas elas, dentro de um ambiente no qual havia uma
cultura operária. Essas correntes disputavam espaço dentro do movimento operário, mas
cooperavam entre si em muitas situações. As correntes ideológicas não devem ser
entendidas como blocos homogêneos. Entre elas existiam fronteiras borradas. A prova
disso é a dificuldade que muitas vezes encontramos para classificar um operário dentro
de uma corrente ideológica. Ele possui normalmente elementos que o aproximam de
mais de uma dessas correntes. Isto mostra como os relacionamentos estabelecidos
dentro do movimento dos trabalhadores eram complexos. Defendemos que o
sindicalismo teve mais influência que as outras correntes no movimento operário,
durante a Primeira República. Assim como o sindicalismo revolucionário, o
sindicalismo reformista também exerceu grande influencia sobre os sindicatos. Muitas
associações de trabalhadores tinham um discurso que estava mais próximo do
sindicalismo revolucionário, mas tinham uma atuação prática que mesclava, com ênfase
semelhante, elementos do sindicalismo revolucionário e do sindicalismo reformista. A
busca do dialogo com autoridades do Estado e o foco na conquista de direitos
evidenciam a influência do sindicalismo reformista. Os sindicatos estavam orientados
no sentido de melhorar as condições de vida dos trabalhadores, e tinham muito pouco
interesse em fazer uma revolução. Os anarquistas eram muito atuantes e contribuíram
significativamente para a organização de muitos sindicatos, mas ao mesmo tempo sua
doutrina tinha pouca penetração junto aos trabalhadores. O anarquismo tinha sua
importância, mas de forma alguma pode ser considerado como corrente hegemônica no
movimento operário, durante a Primeira República. A maioria dos trabalhadores não
seguia rigorosamente as idéias de uma corrente ideológica. Com base em suas
experiências e expectativas e imersos numa cultura operária, eles analisavam a realidade
a sua volta e tomavam suas decisões. O movimento operário no Rio de Janeiro era
71
marcado pela diversidade. Nele havia espaço para os utopistas e para os pragmáticos.
Defendemos que estes últimos foram os mais influentes.
72
3) As associações de trabalhadores que participaram da greve de novembro de
1918, no Rio de Janeiro.
Cinco associações de trabalhadores participaram da greve geral de novembro de
1918. Estas eram a União dos Operários em Fábricas de Tecidos (UOFT), a União
Geral dos Metalúrgicos (UGM), a União Geral da Construção Civil (UGCC), o Centro
dos Operários em Pedreiras (COP) e a União Geral dos Trabalhadores do Rio de Janeiro
(UGT). Nosso objetivo é analisar as associações de trabalhadores que participaram da
greve. Contudo, daremos ênfase ao estudo das associações, que foram relacionadas pela
polícia à insurreição anarquista, ocorrida simultaneamente à greve. Por isso, trataremos
do COP de forma menos detalhada. Estamos interessados na postura política e na
estratégia de mobilização adotadas por essas associações. Para que possamos entender
essas associações e assim explicar suas participações na greve de 1918, temos que
regressar ao ano de 1917, pois todas elas, menos a UGT, foram criadas nesse ano.
Vamos procurar identificar e analisar o contexto no qual essas associações foram
criadas e observar seus processos de desenvolvimento, até novembro de 1918.
Em agosto de 1903, ocorreram greves na cidade do Rio de Janeiro. Houve
mobilização de várias associações de trabalhadores. As seguintes categorias estavam
envolvidas: têxteis, canteiros, pintores, chapeleiros, alfaiates e estivadores. Os
trabalhadores em fábricas de tecidos fizeram uma greve de grandes proporções,
chegando a paralisar milhares de trabalhadores. Eles desejavam a jornada de trabalho de
oito horas e um aumento de 40% nos salários. Os trabalhadores da fábrica Cruzeiro,
pertencente à Companhia América Fabril, e da Aliança foram os responsáveis pelo
início da greve na categoria. Tiveram também a iniciativa de mobilizar seus
companheiros das outras fábricas de tecidos. A greve fracassou e teve como
conseqüência a demissão de um grande número de funcionários. Após o fim das greves
de agosto, os trabalhadores continuaram mobilizados. Em outubro de 1903, com o
objetivo de coordenar as reivindicações dos trabalhadores, foi fundada a Federação das
Associações de Classe. A criação da Federação foi inspirada na Confederação Geral do
Trabalho, fundada na França no ano de 1895. Em 1905, devido à influência da
Federação Operária Regional Argentina, a Federação das Associações de Classe mudou
seu nome para Federação Operária Regional Brasileira. Durante o Primeiro Congresso
Operário Brasileiro, a Federação Operária Regional Brasileira novamente mudou seu
73
nome. Ela passou a se chamar Federação Operária do Rio de Janeiro.
84
Desde o início
do ano de 1917, a Federação Operária do Rio de Janeiro (FORJ) atuou intensamente
junto aos trabalhadores, com o objetivo de combater a carestia e de contribuir para a
organização do movimento operário.
85
A Federação buscava viabilizar a atuação
conjunta e a solidariedade entre as diversas categorias profissionais existentes na
capital. Ela buscava incentivar as categorias, que não estavam organizadas em
associações, a criarem suas associações.
86
A Federação Operária do Rio de Janeiro teve
papel fundamental na mobilização dos trabalhadores na cidade do Rio de Janeiro, no
ano de 1917. Ela era uma espécie de central sindical, pois reunia associações de várias
categorias de trabalhadores. Os surgimentos da UOFT, da UGM, da UGCC e do COP
estão relacionados à atuação da Federação Operária junto aos trabalhadores. O COP foi
criado em janeiro de 1917, a UGCC em abril de 1917, a UGM em maio de 1917 e a
UOFT em agosto de 1917. Todas surgiram num contexto de grande mobilização dos
trabalhadores. Estes buscavam se organizar, com o intuito de pressionar os patrões por
melhores condições de trabalho. O combate à carestia também foi uma preocupação
constante dos trabalhadores ao longo dos anos de 1917 e 1918.
No mês de Março de 1917, a Federação Operária do Rio de Janeiro, através do
seu Comitê de Agitação contra a Carestia da Vida, organizou vários comícios.
87
As
manifestações contra a carestia prosseguiram nos meses seguintes. No dia primeiro de
maio de 1917, houve um grande comício, organizado pela FORJ, para comemorar o dia
do trabalho e para protestar contra a carestia. Compareceram ao comício, que ocorreu
no local no qual ficava o antigo morro do Senado, aproximadamente 20 000 pessoas.
Este comício vinha sendo preparado a certo tempo. A polícia estava dificultando a
realização de comícios, pois estava preocupada com a manutenção da ordem. Um
contingente de 30 praças de cavalaria e 20 de infantaria, subordinados ao tenente
Marcio Limoeiro, um grupo de 30 guardas civis, comandados pelo major Bandeira de
Melo, auxiliados por muitos agentes de polícia, ficaram responsáveis pela manutenção
da ordem. O comício havia sido autorizado pelo Chefe de Polícia. Vários oradores
84
SAMIS, Alexandre R. “Minha Pátria é o Mundo Inteiro”: Neno Vasco, o anarquismo e as estratégias
sindicais nas primeiras décadas do século XX. Tese de Doutorado. Orientador: Daniel Aarão Reis Filho.
Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2006. (p. 160,162 e 171); AZEVEDO, Francisca N. de.
Malandros Desconsolados: o diádio da primeira greve geral no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume
Dumará, 2005.
85
Jornal do Brasil, 12 de março de 1917 (p. 5); Jornal do Brasil, 13 de março de 1917 (P. 9); Jornal do
Brasil, 27 de março de 1918. (P. 8)
86
Jornal do Brasil, 05 de abril de 1917. (p. 6)
87
Jornal do Brasil, 30 de março de 1917. (p. 11)
74
discursaram, responsabilizando os políticos e os comerciantes pela carestia. Paschoal
Gravina, secretário da Federação Operária, discursou. Ele defendeu que os
trabalhadores fossem aos armazéns, que se encontravam cheios de mantimentos, exigir
os gêneros de primeira necessidade. Criticou também os políticos, afirmando que estes
iludiam os trabalhadores com falsas promessas. Bento Alonso, trabalhador de origem
espanhola, representante do Centro Cosmopolita, defendeu que os trabalhadores
estrangeiros, assim como os nacionais, tinham o direito de lutar pelos interesses da
categoria e de protestar contra a carestia. José Caiazzo, militante anarquista, falou
representando o sindicato dos sapateiros. Ele fez um discurso seguindo a mesma linha
de raciocínio de Bento Alonso. Após o discurso, Maximiliano de Macedo, membro da
FORJ, declarou o comício encerrado. Os trabalhadores, tendo à frente os organizadores
do comício, percorreram de forma organizada e pacífica um trajeto pelo centro da
cidade. Quando chegaram à Rua do Senado nº. 215, local no qual funcionava a sede do
Centro Cosmopolita, pararam para ouvir um discurso de Raimundo Rodrigues Martins.
Este, na sacada do prédio do Centro Cosmopolita, defendeu a obra do anarquismo e
criticou a guerra na Europa, que contribuía para a carestia. Em seguida os trabalhadores
continuaram sua marcha pela cidade, até chegarem à sede da FORJ. Neste local, às 8
horas, se realizaram as comemorações do dia do trabalho. Neste dia houve comícios em
outros pontos da cidade, também organizados pela FORJ. Os trabalhadores mantiveram
uma postura pacífica.
88
No dia 5 de maio de 1917, os trabalhadores da fábrica Corcovado, no Jardim
Botânico, entraram em greve. Os grevistas estavam protestando contra as atitudes
arbitrárias dos contramestres e principalmente do novo mestre James Smith. Os horários
da jornada de trabalho estavam sendo alterados e os trabalhadores estariam sendo
ameaçados de demissão em massa. Os grevistas exigiam que os regulamentos das
fábricas fossem cumpridos. Eles desejavam a demissão do mestre geral James Smith.
Mestre Smith havia assumido recentemente o cargo de mestre geral. Suas ordens
iniciais desagradaram muito os trabalhadores. Uma das mudanças que mais
incomodaram os trabalhadores dizia respeito ao trabalho das mulheres. Mestre Smith
alterou a quantidade de trabalho que as mulheres normalmente executavam. Segundo os
grevistas, ele sobrecarregou as mulheres com uma quantidade de serviços que estava
além de suas forças. Os trabalhadores procuraram mestre Smith e solicitaram que sua
88
Correio da Manhã, 02 de maio de 1917 (p. 1 e 3)
75
ordem fosse revogada. Contudo, ele manteve sua posição. No dia seguinte, mestre
Smith foi agredido por cinco operários. A diretoria da fábrica agiu rapidamente
demitindo os agressores. Isto causou revolta entre os trabalhadores. Como a diretoria se
recusou a readmitir os funcionários demitidos, os trabalhadores se declararam em greve.
No dia 11 de maio de 1917, os trabalhadores da fábrica Carioca, que tinham aderido à
greve, foram proibidos de se reunir na Chácara do Fonseca, local no qual os grevistas
tinham se reunido nos dias anteriores. Assim, os grevistas decidiram convidar para a
greve os trabalhadores das outras fábricas. Vários comícios foram realizados. Os
oradores acusavam a polícia de cercear-lhes os direitos relativos às manifestações e aos
protestos. Alguns defendiam que os grevistas adotassem uma postura violenta. Dentre
os principais oradores estavam Joaquim Campos, Pedro Matera e Paschoal Gravina.
Este chamou o delegado José de Moraes de beleguim policial. Os grevistas se dirigiram
à fábrica Corcovado, mas no caminho encontraram a polícia. Entre os grevistas e a
polícia houve um grande conflito. Pedras foram lançadas e tiros foram disparados. No
fim os grevistas, incluindo mulheres, foram dispersos. Muitos policiais e trabalhadores
ficaram feridos. Vários trabalhadores das fábricas Corcovado e Carioca foram presos.
Alguns trabalhadores alegaram que a polícia havia sido a responsável pela violência.
Ela teria recebido de forma hostil os grevistas, agredindo e ferindo muitos deles. À
noite, a situação estava mais calma. Foram presos, e recolhidos ao xadrez da Central de
Polícia, Paschoal Gravina, Pedro Matera e Joaquim Campos.
89
Em meados do mês de julho, a Federação Operária manifestou apoio à greve dos
trabalhadores de São Paulo
90
e desenvolveu propaganda pela greve no Rio de Janeiro,
apesar de ter deixado a critério dos sindicatos a decisão de entrar em greve ou não.
91
No
dia 24 de julho o número de trabalhadores em greve chegava a cinqüenta mil, apesar de
apenas algumas categorias de trabalhadores terem decidido pela greve. Os trabalhadores
tinham várias reivindicações, mas as principais eram o aumento de salário e a redução
89
Correio da Manhã, 12 de maio de 1917 (p. 3)
90
Essa greve teve relação com o agravamento das condições de vida dos trabalhadores. A greve teve
início no setor têxtil, no dia 09 de junho. No início do mês de julho, ela se generalizou, provocando uma
reação violenta da polícia. Houve muitos confrontos entre a polícia e os trabalhadores. Num desses
confrontos, o sapateiro Antônio Martinez morreu. Sua morte provocou intensa mobilização. O movimento
grevista, que já tinha atingido grandes proporções, ganhou muita força e paralisou totalmente a cidade de
São Paulo. As autoridades cederam e aceitaram negociar com os trabalhadores. Muitas das reivindicações
dos grevistas foram aceitas. Dessa forma, os operários decidiram voltar ao trabalho e a greve terminou.
ADDOR, C. A. A Insurreição Anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Achiamé, 2002. (p. 94-96)
91
Jornal do Brasil, 15 de julho de 1917 (p. 7); Jornal do Brasil, 18 de julho de 1917 (p. 6); Jornal do
Brasil, 20 de julho de 1917 (p. 6)
76
das horas de trabalho.
92
A greve prosseguiu ganhando força e a polícia começou a
prender várias pessoas, acusando-as de anarquistas. A sede da Federação Operária do
Rio de Janeiro foi fechada pela polícia.
93
No final do mês de julho e início do mês de
agosto, devido à pressão policial e a negociação de acordos entre trabalhadores e
patrões, as greves foram gradativamente acabando. Os membros da Federação Operária
continuaram se reunindo em outros locais, pois sua sede estava fechada. No dia vinte e
dois de setembro a sede da Federação Operária foi reaberta. Seus representantes no
entanto tiveram que assumir o compromisso, junto ao Chefe de Polícia, de não permitir
a reunião de anarquistas conhecidos em sua sede.
94
A Federação Operária do Rio de Janeiro foi fechada, porque a polícia
considerava que esta promovia a desordem e estava ligada aos anarquistas. Estas
acusações seriam verdadeiras? O Jornal do Brasil publicou o seguinte, no mês de julho,
sobre o grupo anarquista Renovação.
Pedem-nos os anarchistas do grupo Renovação para declarar que esse grupo
não está ligado á Federação Operária, carecendo por issso de fundamento a
notícia, dada por alguns jornaes, de que ante-hontem depois do meeting
realizado em frente ao Teatro Municipal, foram a sede da Federação
informal-a dos resultados obtidos com o mesmo meeting.
95
No dia vinte e dois de julho temos uma nova declaração de anarquistas sobre a
Federação Operária.
Declaração como alguns jornaes insistem em demonstrar que o movimento
da Federação Operária é prestigiado pelos anarchistas, temos a dizer, por nossa
parte, que a dous annos e meio nos encontramos afastados dessa instituição,
não tomando parte na sua propaganda, fazendo conta que não existe e
considerando-a prejudicial aos ideaes que a todo momento estamos dispostos a
propagar e defender. – O. Castinheira, J. Buela.
96
Baseados nessas declarações, podemos afirmar primeiro que, durante as greves
de julho de 1917, muitas pessoas estavam associando a atuação da Federação Operária à
atuação dos anarquistas. Podemos afirmar também que muitos anarquistas não não
concordavam com isso, mas também faziam questão de deixar claro publicamente as
92
Jornal do Brasil, 23 de julho de 1917 (p. 5); Jornal do Brasil, 24 de julho de 1917 (p. 5)
93
Jornal do Brasil, 25 de julho de 1917 (p. 5); Jornal do Brasil, 26 de julho de 1917 (p. 5)
94
Jornal do Brasil, 16 de agosto de 1917 (p. 10); Jornal do Brasil, 23 de setembro de 1917 (p. 9)
95
Jornal do Brasil, 17 de julho de 1917 (p. 5)
96
Jornal do Brasil, 22 de julho de 1917 (p. 8)
77
diferenças existentes entre eles e a Federação. O grupo anarquista Renovação afirmou
que agia de forma independente, sem nenhum tipo de subordinação à Federação
Operária. O grupo anarquista representado por O. Castinheira e J. Buela, nos
informações mais interessantes. Eles afirmam estarem afastados da Federação Operária
por considerarem a atuação dela prejudicial aos ideais que defendiam. Os anarquistas
defendiam o fim da dominação sobre os homens, o fim do Estado e a criação de uma
nova sociedade na qual o homem seria livre e feliz. Assim, pregavam a destruição do
sistema capitalista. Por que a Federação Operária seria prejudicial a esses ideais? Pelo
fato de defender as diversas demandas dos trabalhadores das categorias que
representava. Ao lutar por melhores condições de vida e trabalho, a Federação
contribuiria para a manutenção do sistema capitalista e não para o seu fim. A melhoria
das condições de vida dos trabalhadores reduziria as tensões inerentes ao sistema
capitalista, contribuindo dessa forma para sua manutenção. Esses grupos de anarquistas
eram mais ortodoxos e parece que se recusavam a atuar nos sindicatos que não tinham
uma orientação anarquista. No entanto, devemos lembrar que outros anarquistas eram
mais flexíveis nessa questão, aceitando atuar nos sindicatos mesmo que estes não
tivessem uma orientação anarquista.
Havia grupos anarquistas ligados à Federação. Em maio e junho de 1917, os
grupos Jovens Libertários e Centro Libertário fizeram reuniões na sede da Federação
Operária. Joaquim Campos foi representante do grupo anarquista Jovens Libertários
junto ao Comitê de Agitação da Federação Operária.
97
Fica clara a existência de uma
ligação entre a FORJ e vários grupos anarquistas. Mesmo o grupo anarquista
Renovação, que afirmou não ter ligações com a Federação, tinha ligações com
associações de trabalhadores. A sede do grupo era no Centro Cosmopolita, associação
que representava os trabalhadores de bares, hotéis e restaurantes.
98
Este Centro teve
importante atuação, durante as greves de julho de 1917, tentando organizar e mobilizar
os trabalhadores de diversas categorias. O Centro Cosmopolita tinha boas relações com
a FORJ. Ele foi fechado pela polícia no mesmo dia do fechamento da Federação, para
evitar que os trabalhadores que estavam sendo expulsos da Federação se dirigissem para
lá. As acusações da polícia não eram totalmente desprovidas de fundamento. O
relacionamento existente entre a Federação e grupos anarquistas, levou a polícia a
97
Jornal do Brasil, 02 de abril de 1917 (p, 7); Jornal do Brasil, 01 de maio de 1917 (p. 7); Jornal do
Brasil, 25 de junho de 1917 (p. 8)
98
Jornal do Brasil, 05 de abril de 1917 (p. 6)
78
considerá-la uma associação anarquista, ou pelo menos uma associação que dava
cobertura à atuação dos anarquistas.
A FORJ era uma associação anarquista? No dia vinte e seis de março de 1917,
houve uma reunião no salão da Federação Operária. O número de trabalhadores
presentes foi muito grande. Representantes de várias associações de trabalhadores
também estavam presentes. Nesta reunião foi lido um manifesto que explicava a difícil
situação econômica em que se encontravam os trabalhadores. As reivindicações dos
trabalhadores também estavam relacionadas neste documento. Após a leitura do
manifesto, vários oradores se pronunciaram.
99
Lustosa de Aragão fez o seguinte
discurso:
...Uma vez que está publicado o manifesto em que os operários neste
momento pretendem reivindicações immediatas, julga-se no dever de dar
sobre o assumptuo explicações que orientem os interessados. A hora da
campanha está na organização de syndicatos organizados de accordo com
seus interesses...
...Aproveita o orador o ensejo para declarar que o movimento actual é
todo no terreno economico. Não tem nenhuma feição anarchista, embora
anarchistas façam parte da Federação...
...Disse o orador que se o socialismo europeu não se desviasse do seu
programma, em vez da guerra tremenda que emociona o mundo, ter-se-ia
dado a revolução social.
Fallou sobre as conquistas que o operariado póde alcançar, se agir
intelligentemente dentro das normas do syndicalismo...
...A guerra, termina o orador, talvez venha precipitar a solução do
problema social: o operariado deve organizar-se tendo por divisa um por
todos e todos por um. dessa forma elle poderá caminhar para a victoria
que almeja.
O orador foi muito applaudido...
100
Lustosa de Aragão declarou que o movimento liderado pela Federação Operária
era econômico e não político. Com isso queria dizer que seu objetivo era a conquista de
direitos para os trabalhadores. Ele reconhecia a existência de anarquistas dentro da
Federação, mas afirmava que esta não tinha uma orientação anarquista. O esforço da
Federação estava voltado para a organização das associações de trabalhadores. Lustosa
defendia o sindicalismo, pois considerava que este caminho permitiria a melhoria das
condições de vida dos operários. No entanto, este sindicalismo não estava orientado
somente para a conquista de direitos econômicos e sociais. Ele permitiria, no futuro, a
realização da revolução social. Segundo Lustosa, a concretização desses objetivos
dependeria sobretudo da união dos trabalhadores. Essa união deveria se dar através dos
99
Jornal do Brasil, 27 de março de 1917 (p. 7)
100
Jornal do Brasil, 27 de março de 1917 (p. 7)
79
sindicatos. Os líderes da Federação Operária tinham consciência que a busca do
consenso entre os trabalhadores era fundamental, pois sem isso não poderia haver união.
Estas idéias estavam presentes também em um manifesto distribuído pela
Federação Operária, no início de abril de 1917. O manifesto tinha como alvo os
operários em fábricas de tecidos. Era um convite sugerindo que estes trabalhadores
fundassem sua associação de classe.
Operários – O momento de tormentos e agruras para a classe operaria,
veio despertar em seu meio a necessidade premente da “organização”, a qual
agora freneticamente iniciaremos levando a effeito nos centros productores
do Rio de Janeiro...
...Por tanto esta luta de operários deve imprescindivelmente travar-se
contra os patrões, abatendo o privilegio, nascido e creado com o trabalho
insano e infamemente remunerado dos operarios.
São dous antagonistas inconciliaveis que têm de se degladiarem até o
momento decisivo, onde desapparecerão as causas da luta: - A exploração e
a oppressão dos trabalhadores...
Preparando-se tambem para a luta tremenda; para a luta final que ruirá
esta sociedade agonisante, fazendo ressurgir sobre os escombros de suas
ruínas uma sociedade de homens emancipados e livres...
...Livres trabalhadores! Fundae a vossa sociedade de resistencia, que
será tambem a vossa escola de acção e em torno do pavilhão luminoso dessa
collectividade, lutar como verdadeiros homens pelos vossos interesses que
tambem são os interesses de nossa família e de nossa sociedade...
A acção syndical é a mais pratica e solida para a acção directa do
direito operário.
E’ no syndicato que se ventilam e resolvem as questões operarias. E’
no syndicato de resistencia que vamos reforçar o nosso espírito rebelde com
as lamentações continuas de nossos companheiros de infortúnios, dizendo
que a sua esposa esta tuberculosa, que seus filhos agonizam de fome e que
não têm um real para lhes comprar pão...
...Vinde e não fiqueis em casa contemplando a vossa miseria! Vinde
construir forças para combater os vossos potentados algozes!...
101
No manifesto podemos perceber que a situação de miséria, em que se
encontravam os trabalhadores, contribuía em muito para a mobilização destes. A FORJ
tinha consciência disso e defendia que só a organização dos trabalhadores poderia
modificar sua difícil situação. As associações de trabalhadores teriam então algo
concreto a oferecer. A Federação estava tentando colaborar para a organização do maior
número de categorias de trabalhadores possível. Haveria uma luta inevitável entre
trabalhadores e patrões. O caminho para a vitória dos trabalhadores era a união, através
dos sindicatos. Estes deveriam ser associações de resistência, com sua prática baseada
na ação direta. A luta dos trabalhadores deveria ser feita por eles mesmos, sem a
interferência de pessoas estranhas à classe, como os políticos por exemplo. Essas
101
Jornal do Brasil, 28 de março de 1917 (p. 8)
80
associações eram vistas também como escolas. No convívio diário com seus iguais,
dentro das associações, os trabalhadores aprenderiam como se organizar e a melhor
maneira de preparar a luta contra os patrões. O sindicalismo baseado na ação direta era
considerado o melhor caminho. As associações eram o espaço ideal, no qual deveriam
ser resolvidos e discutidos os problemas dos trabalhadores. Nas associações seria
possível encontrar conforto na hora do sofrimento e conseguir apoio na hora da luta. A
Federação Operária não estava somente fazendo um grande esforço para contribuir com
a criação das associações dos trabalhadores, ela tentava também influenciar os
programas e as estratégias de mobilização que essas futuras associações adotariam. A
FORJ tentava assumir e manter um papel de liderança dentro do movimento dos
trabalhadores.
Vamos agora observar uma declaração feita pelo Jornal do Brasil durante as
greves. Este jornal considerava legítimas as reivindicações dos trabalhadores, desde que
essas fossem feitas sem violência e respeitando o sistema legal.
Fechados os principais centros operários, os obreiros se m
reunido de acordo com deliberações tomadas de momento, de modo a
impedir que a policia contra elles exerça constantemente sua força e seu
poder.
Não quer o Jornal do Brasil occupar-se do caracter profundamente
odioso e deplorável do cancelamento do direito de reunião
constitucionalmente assegurado.
Não cremos, dado o aspecto pacífico da greve, que teria seguido seu
curso sem derramamento de uma gotta de sangue não fora a própria
policia, fosse necessário recorrer ao golpeamento de um direito para
solucionar a questão formulada pelos operários...
102
O Jornal do Brasil condenou duramente a atitude da polícia durante as greves. A
polícia estaria agindo de forma violenta e arbitrária. O jornal considerou inaceitável a
violação do direito de reunião dos trabalhadores. Estaria ocorrendo até mesmo um
desrespeito à Constituição. A atitude dos trabalhadores, durante as greves, estava sendo
pacífica. Os excessos da polícia é que teriam gerado confusões e violências. O erro
estava sendo atribuído às autoridades do Estado e não aos trabalhadores. Como essas
autoridades não conseguiam dar uma solução às justas reivindicações dos trabalhadores,
a violência era utilizada para conter a agitação operária inevitável.
O Jornal do Brasil também publicou a carta de um conhecido publicista. Esta
também tratava das greves.
102
Jornal do Brasil, 28 de julho de 1917 (p. 6)
81
... A nossa policia, com aquella segura e inabalável decisão que caracterisa
as autoridades que acima de sua força não reconhecem juizes nem
instâncias, declara que afastará sempre que encontrar. “O elemento
anarchista, que é todo elle alheio ao operariado.
... A policia investe-se de poderes para, sem aggravo nem appellação,
considerar anarchista e, pois, em condições de ser “afastado” pelos meios
menos brandos, todos os que ella entenda que como taes devam ser
considerados.
... Enquanto não forem decretadas medidas que estabeleçam um justo
equilíbrio entre os interesses dos patrões e os dos proletários, teremos
greves, tumultos, reacções ainda que a policia chegue a perfeição de
abarrotar de “anarchistas” todas as enxovias existentes nesta capital.
103
Como podemos perceber, a polícia novamente é criticada por agir com violência
e com autoritarismo, sob o argumento de manutenção da ordem. Não era fácil, para os
membros da força policial, identificar com clareza as diversas correntes ideológicas
existentes entre os trabalhadores. Eles faziam uma associação automática entre
desordem e anarquismo. Se existisse algum tipo de desordem, entre os trabalhadores,
esta teria provavelmente sido provocada pelos anarquistas. Estes eram considerados por
muitos, como homens que procuravam influenciar negativamente os operários, com o
intuito de se beneficiar da agitação deles. Os anarquistas eram considerados pelas
autoridades elementos estranhos ao operariado. Seriam pessoas que não trabalhavam
como operários, mas buscavam se aproveitar da ingenuidade destes. Seriam também na
sua grande maioria estrangeiros. O anarquismo significava uma ameaça à ordem
estabelecida. Trabalhadores que adotassem uma postura radical durante as greves,
facilmente seriam confundidos com anarquistas. Até mesmo os que adotavam uma
postura pacífica, apenas pela opção de terem recorrido à ação direta, costumavam ser
confundidos. O simples fato de ter um diálogo e um convívio com anarquistas podia ser
suficiente para transformar uma pessoa ou associação em anarquista, aos olhos das
autoridades. Segundo o Jornal do Brasil, o fechamento dos centros operários foi uma
arbitrariedade, pois a greve era pacífica. Os centros operários representavam os
trabalhadores e não os anarquistas. A polícia estava vendo anarquistas em todos os
lugares. A Federação Operária do Rio de Janeiro sem dúvida dialogava e tinha contato
com conhecidos anarquistas, mas não era uma associação anarquista. Durante as greves,
a Federação Operária defendeu as demandas dos trabalhadores e não o fim do Estado,
apesar de ter defendido no futuro uma revolução social. A atuação da FORJ estava
voltada para a organização dos trabalhadores. O objetivo principal era que os patrões
103
Jornal do Brasil, 30 de julho de 1917 (p. 5)
82
atendessem às reivindicações deles. No entanto, a polícia não entendeu dessa forma. O
Chefe de Polícia considerou a associação não como um órgão representante dos
trabalhadores, mas como um núcleo anarquista que promovia a desordem, com o
objetivo de manipular os trabalhadores de acordo com seus interesses. Os trabalhadores,
de forma indiscriminada, foram acusados de anarquistas e presos. A polícia prendia os
trabalhadores sem possuir provas ou pelo menos razoáveis evidências da culpa deles. O
publicista condenava a atitude da polícia, pois considerava que ela não contribuía para
resolver o problema da agitação operária. Para ele, este tipo de atitude complicaria ainda
mais a situação. A solução do problema dependia da ação das autoridades, que deveriam
adotar medidas que estabelecessem o equilíbrio entre os interesses dos patrões e os
interesses dos trabalhadores. As autoridades estavam sendo duramente criticadas, por
não se empenharem para a criação de condições, para um relacionamento harmônico
entre patrões e operários. A crítica ia mais longe, pois a polícia não estaria sabendo lidar
com a agitação operária. Sua postura arbitrária e violenta até certo ponto funcionava,
pois em muitos casos desmobilizava os trabalhadores, mas gerava cada vez mais
revolta. Isto fornecia argumento aos grupos mais radicais, que defendiam que os
trabalhadores adotassem uma postura menos pacífica.
A União dos Operários em Fábricas de Tecidos surgiu como resultado da
mobilização dos trabalhadores, durante as greves de julho de 1917 no Rio de Janeiro.
No dia 22 de julho de 1917, quando várias categorias de trabalhadores se
encontravam em greve na capital, os operários, representando vinte e sete fábricas de
tecidos da cidade Rio de Janeiro, se reuniram na sede da Federação Operária. Seu
objetivo era discutir se a categoria deveria entrar em greve ou não. Estes trabalhadores
decidiram tornar públicas algumas reivindicações que consideravam justas. Eles
enviaram um ofício, aos diretores das fábricas de tecidos, com as seguintes exigências:
jornada de trabalho de oito horas, trinta por cento de aumento dos salários, abolição do
trabalho noturno e reconhecimento do direito de associação. Deram um prazo de
quarenta e oito horas para a resposta dos patrões e solicitaram que esta fosse enviada
para a sede da Federação Operária.
104
No dia 26 de julho, um comitê dos operários das
fábricas de tecidos levou ao Conselho Municipal uma lista com a relação das
reivindicações da categoria. Suas reivindicações foram as mesmas comunicadas
anteriormente aos patrões, porém acrescentaram a responsabilização do patronato pelos
104
Jornal do Brasil, 23 de julho de 1917 (p. 5)
83
acidentes de trabalho e a manutenção dos empregos dos operários. Como a sede da
Federação havia sido fechada, os trabalhadores têxteis conseguiram a autorização do
Chefe de Polícia para se reunirem na sede da União dos Estivadores, na rua Acre
número setenta e oito.
105
No dia seguinte, no Conselho Municipal, uma comissão de
cinco intendentes intermediou uma negociação entre os patrões e comissões de
operários, que foram recebidos separadamente. As comissões de operários eram ouvidas
e suas reclamações eram levadas por escrito aos patrões que podiam se manifestar
livremente. A comissão de operários das indústrias têxteis foi uma das comissões
ouvidas.
106
Gradativamente ao longo dos últimos dias do mês de julho, muitas fábricas de
tecidos foram entrando em greve. No dia trinta e um, o total de fábricas paralisadas
chegava a vinte e uma. A comissão de operários têxteis se reunia na sede da União dos
Estivadores, aguardando a resposta dos industriais para decidir sobre o destino da
greve.
107
Neste mesmo dia, um numeroso grupo de trabalhadores chegou à sede da
União dos Estivadores e comunicou que os operários da fábrica Andaraí haviam aderido
à greve. Os poucos operários que ainda trabalhavam na fábrica Botafogo também
paralisaram os trabalhos. Os patrões não deram respostas às reivindicações feitas pelos
operários e sugeriram que cada fábrica negociasse em separado com seus trabalhadores.
Essa proposta foi debatida e recusada, ficando decidido que a defesa da classe como um
todo ficava confiada ao comitê de operários de fábricas de tecidos.
108
No dia primeiro
de agosto, o major Bandeira de Melo, Chefe do Corpo de Segurança, foi até o prédio da
União dos Estivadores e comunicou ao comitê dos operários de fábricas de tecidos, que
se achava em sessão permanente, que o Chefe de Polícia, Aurelino Leal, desejava
exercer mediação entre patrões e operários. Mais tarde o Chefe de Polícia comunicou,
através da imprensa, que os industriais das fábricas de tecidos de algodão aceitaram sua
mediação e nomearam uma comissão para dar andamento às negociações.
109
No dia
seguinte, o comitê de operários de fábricas de tecidos enviou ao Palácio da Polícia uma
comissão, composta por um operário de cada fábrica em greve, para negociar com a
comissão de industriais. Não os industriais de tecidos de algodão, mas também os de
aceitaram algumas reivindicações dos trabalhadores. As fábricas passariam a
105
Jornal do Brasil, 27 de julho de 1917 (p. 5)
106
Jornal do Brasil, 28 de julho de 1917 (p. 7)
107
Jornal do Brasil, 31 de julho de 1917 (p. 6)
108
Jornal do Brasil, 01 de agosto de 1917 (p. 7)
109
Jornal do Brasil, 02 de agosto de 1917 (p. 6)
84
funcionar cinqüenta e seis horas por semana, haveria um aumento de dez por cento nos
salários, houve um acordo sobre limitações do trabalho noturno, ficava reconhecido o
direito dos operários fundarem associações, desde que não fosse permitida a
participação de pessoas estranhas à classe. Também ficou determinado que operários
não fossem dispensados de nenhuma fábrica. Patrões e trabalhadores concordaram que
questões como a adoção das oito horas de trabalho, a limitação do trabalho dos menores
e a responsabilização pelos acidentes de trabalho deveriam ser decididas pelo Congresso
Nacional. O Chefe de Polícia empenhou sua palavra, como garantia do acordo e
solicitou a volta imediata dos operários ao trabalho. Os operários concordaram com
isso.
110
No dia quatro de agosto, os operários em fábricas de tecidos se reuniram na sede
da União dos Estivadores, para tratar da organização da classe. Alguns operários
denunciaram que certas fábricas não estavam respeitando o acordo recentemente
celebrado. No entanto, este acordo foi considerado pela maioria como uma grande
vitória dos operários. Comunicados estavam sendo preparados para serem enviados às
fábricas, com cópia do acordo celebrado, pois assim todos os patrões ficariam cientes
dos detalhes do acordo. Líderes operários aconselharam a todos que mantivessem uma
postura pacífica e honrassem os compromissos assumidos. O Chefe de Polícia havia
empenhado a sua palavra. Caso os patrões não cumprissem o acordo, ele deveria
resolver o problema. Os operários em fábricas de tecidos fundaram sua associação e a
chamaram de União dos Operários em Fábricas de Tecidos. Em seguida foi escolhida a
seguinte diretoria interina para a associação: presidente, José Pereira de Oliveira; vice-
presidente, Rafael Garcia; primeiro secretário, Joaquim Moraes; segundo secretário,
Guilherme Leite Nery; primeiro tesoureiro, Adolfo P. da Silva; segundo tesoureiro,
Hidelbrando de Carvalho e procurador, Manuel da Costa. A União também decidiu
manter uma delegação de três dos seus representantes em cada fábrica.
111
No final do mês de agosto, com o apoio da UOFT, os operários das fábricas de
tecidos Botafogo e Progresso se encontravam novamente em greve. Eles alegavam
que os patrões não estavam cumprindo o acordo celebrado com os trabalhadores. O
principal motivo de reclamação era a demissão de vários funcionários. A fábrica
Botafogo chegou mesmo a fixar um boletim na sua porta de entrada, na Rua Barão de
Mesquita, com os nomes dos funcionários dispensados por indisciplina. Os
110
Jornal do Brasil, 03 de agosto de 1917 (p. 6)
111
Jornal do Brasil, 05 de agosto de 1917 (p. 6)
85
administradores das fábricas Botafogo e Progresso afirmavam que estavam cumprindo
rigorosamente o acordo feito recentemente. Eles argumentavam que alguns operários, se
garantindo no item do acordo que proibia demissões, estavam aproveitando para adotar
uma postura de indisciplina. Desrespeitavam as ordens da gerência e os regulamentos
das casas, também desafiavam constantemente os mestres. Os patrões alegaram que
buscaram o diálogo com o intuito de que estes trabalhadores mudassem sua conduta,
mas seu esforço de nada adiantou. Assim, o último recurso dos patrões para manter a
hierarquia e a disciplina em seus estabelecimentos teria sido a demissão destes
funcionários. Segundo os administradores, os trabalhadores indisciplinados estavam
ligados à UOFT. O presidente da fábrica Progresso fez acusações contra um de seus
funcionários e o demitiu. Este era Manuel Costa, membro da direção da UOFT. Ele foi
acusado de promover a greve e andar armado, ameaçando e obrigando os companheiros
a aderirem à greve. Manuel também foi acusado de planejar um ataque ao
estabelecimento. Foi registrada uma queixa na polícia contra Manuel Costa, que estava
sendo procurado. Na reunião da UOFT, na sede da União dos Estivadores, houve várias
manifestações de apoio à greve. Trabalhadores de várias fábricas doaram dinheiro para
ajudar a sustentar os grevistas. Muitos trabalhadores defenderam Manuel Costa das
acusações sofridas. Eles declararam que os trabalhadores que participavam das reuniões
da UOFT estavam sendo perseguidos, pelos administradores das fábricas.
112
No dia vinte
e um de agosto, os operários da fábrica Progresso retornaram ao trabalho, mas os da
Botafogo permaneceram em greve. Uma comissão da UOFT foi até a Polícia Central e
solicitou novamente a mediação do Chefe de Polícia, numa negociação entre
trabalhadores e patrões. A comissão queria a readmissão dos funcionários e que as
fábricas fixassem em lugar visível seus regulamentos internos. No entanto, as tentativas
do Chefe de Polícia fracassaram, pois os patrões se recusaram a aceitar essas novas
condições e a greve continuou. A UOFT distribuiu regularmente alimentos para os
trabalhadores em greve, da fábrica Botafogo.
113
No dia vinte e três de outubro, apoiando a atitude dos trabalhadores menores de
idade que reivindicavam um aumento anteriormente prometido, os trabalhadores da
fábrica Aliança, nas Laranjeiras, entraram em greve. Eles receberam o apoio dos
trabalhadores da fábrica Cruzeiro, que já se encontrava em greve. Em represália à
atitude dos grevistas, no dia vinte e três, a fábrica Aliança foi fechada por ordem de sua
112
Jornal do Brasil, 21 de agosto de 1917 (p. 9)
113
Jornal do Brasil, 22 de agosto de 1917 (p. 8); Jornal do Brasil, 14 de setembro de 1917 (p. 7)
86
diretoria. Os diretores afirmaram que a fábrica permaneceria fechada até que os
funcionários voltassem ao trabalho, sem terem nenhuma de suas reivindicações
atendidas. No dia seguinte, em reunião da UOFT, os trabalhadores consideraram o
fechamento da fábrica como uma afronta à classe em geral. Em outra reunião da UOFT,
no final de outubro, membros da direção da associação protestaram contra os
proprietários das fábricas Aliança e Cruzeiro. Estes estariam pedindo garantias à polícia,
com relação às suas fábricas. Eles estavam afirmando que os trabalhadores
representavam uma ameaça para suas propriedades. A direção da União considerou que
os proprietários das fábricas acusavam os trabalhadores, de apedrejadores, com a
intenção que a polícia os reprimisse com violência.
114
Muitos oradores, dentre eles
Manuel Castro, defenderam a greve. A direção da UOFT mais uma vez recorreu ao
Chefe de Polícia para que este fosse um intermediário entre trabalhadores e industriais.
O Chefe de Polícia concordou novamente em assumir esse papel.
115
Em assembléia
extraordinária na UOFT, no dia oito de novembro, ficou decidido o fim da greve nas
fábricas Cruzeiro, Marviles e Bonfim, todas pertencentes a Companhia América Fabril.
Muitos oradores haviam se manifestado contrários à greve, devido à situação que o país
passava, Estado de Guerra com a Alemanha. Os operários resolveram atender a um
apelo, feito pelo Presidente da República às classes operárias, pedindo apoio. O
presidente da UOFT também se declarou contrário à continuação da greve. Contudo a
postura adotada pelos patrões trouxe problemas. Os trabalhadores da Cruzeiro voltaram
ao trabalho, mas os trabalhadores da Marviles e da Bonfim não retornaram, pois os
patrões se recusaram a aceitar de volta os trabalhadores demitidos. A direção da UOFT
enviou um ofício, ao Chefe de Polícia, explicando os motivos que os tinham levado à
greve. Queriam deixar claro que respeitaram a ordem e lutaram por reivindicações
justas.
116
O presidente da UOFT censurou os trabalhadores da fábrica Cruzeiro, por
terem voltado ao trabalho sem a autorização da União. No dia dezessete de novembro,
os industriais enviaram um ofício à UOFT, solicitando a volta ao trabalho dos operários
da Marvilles e Bonfim. Eles alegaram que as greves nessas fábricas haviam sido
decretadas em solidariedade aos trabalhadores da Cruzeiro. Como esses trabalhadores
haviam retornado ao trabalho, as greves na Marviles e Bonfim teriam perdido o motivo.
A direção da UOFT recomendou que os operários voltassem ao trabalho, quando os
114
Jornal do Brasil, 25 de outubro de 1917 (p. 7); Jornal do Brasil, 28 de outubro de 1917 (p. 6); Jornal do
Brasil, 09 de novembro de 1917 (p. 7)
115
Jornal do Brasil, 25 de outubro de 1917 (p. 7); Jornal do Brasil, 28 de outubro de 1917 (p. 6)
116
Jornal do Brasil, 09 de novembro de 1917 (p. 7)
87
trabalhadores demitidos fossem aceitos de volta. As fábricas Aliança, Marviles e
Bonfim continuavam em greve. A UOFT estava distribuindo regularmente alimentos e
dinheiro para os grevistas. Os funcionários da fábrica Aliança estavam sendo retirados
de suas casas e sendo presos, por se recusarem a trabalhar. No início de dezembro uma
comissão de trabalhadores foi recebida por um assessor do Presidente da República. A
comissão solicitou que os trabalhadores demitidos da Aliança fossem readmitidos e os
operários presos injustamente fossem postos em liberdade. Finalmente, em meados de
dezembro, os trabalhadores da Aliança e os patrões chegaram a um acordo. No dia
vinte, em assembléia na UOFT, os trabalhadores decidiram pelo fim da greve na fábrica
Alliança. Eles tinham permanecido em greve por aproximadamente dois meses.
117
No mês de dezembro, houve eleição para a nova diretoria da UOFT, que
exerceria mandato durante o ano de 1918. Aproximadamente cinco mil operários
votaram. A nova diretoria tomou posse no dia primeiro de janeiro de 1918. A diretoria
era a seguinte: presidente, Manuel Ignácio de Castro; vice-presidente, Albino Dias
Moreira; primeiro secretário, Joaquim Moraes; segundo secretário, Guilhermino Leite
Nery; primeiro tesoureiro, Adolfo Pereira e procurador, Rafael Garcia.
118
Interessante
notar, com relação a nova direção da UOFT, que apesar do presidente e do vice-
presidente terem mudado, os outros quatro membros restantes eram oriundos da direção
anterior. O primeiro secretário, o segundo secretário e o primeiro tesoureiro mantiveram
os cargos. O antigo vice-presidente se tornou o novo procurador.
No dia seis de julho de 1918, aproximadamente dois mil operários da fábrica
Confiança, em Vila Isabel, entraram em greve. Os motivos foram reivindicações
relativas ao valor pago pelos serões e ao tempo de duração destes. Os operários também
exigiam a readmissão de trinta e dois funcionários demitidos por recusarem o trabalho
extraordinário. Estava ocorrendo nessa fábrica um disputa entre patrões e operários, em
torno da jornada de trabalho. A diretoria da brica instituiu serões das dezessete às
vinte e uma horas, oferecendo sessenta réis por hora. Os operários não concordaram e
solicitaram mais quarenta réis. Como os patrões não atenderam à reivindicação, cerca de
novecentos operários decidiram não comparecer aos serões. A diretoria da fábrica em
represália decidiu demitir os líderes dos operários. Isto motivou a greve. Os operários
decidiram que voltariam ao trabalho, quando fosse adotado o horário de trabalho de
117
Jornal do Brasil, 09 de novembro de 1917 (p. 7); Jornal do Brasil, 18 de novembro de 1917 (p. 6);
Jornal do Brasil, 27 de novembro de 1917 (p. 7); Jornal do Brasil, 05 de dezembro de 1917 (p. 7); Jornal
do Brasil, 20 de dezembro de 1917 (p. 7)
118
Jornal do Brasil, 18 de dezembro de 1917 (p. 7); Jornal do Brasil, 02 de janeiro de 1918 (p. 5)
88
cinqüenta e seis horas por semana, o aumento de cem réis para a hora de serão e a
readmissão dos operários demitidos.
119
Durante as reuniões feitas nos dias seguintes, membros da diretoria da UOFT
solicitaram que os trabalhadores se mantivessem calmos e unidos. Manuel de Castro,
numa das reuniões, pediu que os operários evitassem se aglomerar nas esquinas e se
mantivessem em suas casas. Joaquim de Morais, em outra reunião, recomendou que os
operários mantivessem a mesma conduta pacífica dos dias anteriores. Eles queriam
evitar que a polícia conseguisse argumentos, para reprimir com violência o movimento
dos trabalhadores. Os diretores da Confiança inicialmente se recusaram a atender as
reivindicações dos trabalhadores, mas gradativamente foram cedendo. Primeiro
demitiram o contra-mestre Mathias Vilalongo, que havia indicado ao gerente do
estabelecimento os nomes dos operários demitidos. Isto porém não foi suficiente para
fazer com que os operários retornassem ao trabalho. O Segundo Delegado Auxiliar, com
o consentimento da direção da fábrica, assumiu a responsabilidade de negociar o fim da
greve com a direção da UOFT. No dia onze de julho, a direção da UOFT e a direção da
fábrica, com a ajuda do delegado, chegaram a um acordo. Os trinta e dois trabalhadores
demitidos seriam readmitidos e os serões seriam suspensos, até a realização de um
futuro acordo sobre eles. Os operários concordaram em retornar ao trabalho no dia
seguinte. Para que os trinta e dois trabalhadores fossem readmitidos, Manuel de Castro,
presidente da UOFT, teve que assinar uma declaração se responsabilizando pela conduta
deles. Esta declaração teve como testemunha, o Segundo Delegado Auxiliar, Ozório de
Almeida, e os diretores da fábrica Confiança.
120
Em meados de julho de 1918, havia rumores sobre o possível início de uma
greve geral. Os motivos para essa greve seriam: a carestia de vida e os baixos salários
pagos aos trabalhadores. Os operários em fábricas de tecidos foram apontados como
uma das categorias em preparação para a greve. O presidente da UOFT declarou que as
reivindicações de melhores salários, feitas pelos trabalhadores aos industriais, estavam
sendo ignoradas. Haveria motivação, entre os trabalhadores das fábricas de tecidos, para
a greve geral. Estes acreditavam contar com o apoio de todos os companheiros
agregados à União Geral dos Trabalhadores, associação que substituiu a Federação
119
Jornal do Brasil, 07 de julho de 1918 (p. 6)
120
Jornal do Brasil, 09 de julho de 1918 (p. 7); Jornal do Brasil, 10 de julho de 1918 (p. 8); Jornal do
Brasil, 11 de julho de 1918 (p. 6); Jornal do Brasil, 12 de julho de 1918 (p. 6)
89
Operária.
121
No início de agosto, Manuel de Castro, Presidente da UOFT, criticou a
carestia e alegou que os trabalhadores estavam passando por grandes dificuldades. Os
industriais afirmaram que a atual situação da indústria não permitia aumento, no salário
dos trabalhadores em fábricas de tecidos. A UOFT fez uma pesquisa por conta própria,
com o objetivo de identificar se as indústrias tinham ou não condição de reajustar os
salários. A União afirmou que buscou fazer a pesquisa baseada em critérios técnicos.
Manuel de Castro declarou, através do Jornal do Brasil, que o resultado da pesquisa se
encontrava fixado na sede da UOFT e era acessível a todos. A pesquisa concluía que as
reivindicações dos trabalhadores poderiam ser atendidas.
122
Com base nisso, a UOFT
fez as seguintes reivindicações: aumento de trinta por cento sobre os salários, jornada de
oito horas de trabalho, fixação de ordenado mínimo para os adultos, limitação do
número de teares por tecelão, não admissão de trabalhadores menores de quatorze anos,
licença relativa a parto de dois meses para mulheres, abolição das lançadeiras que
requeriam o esforço da aspiração para funcionar, aumento para os contra-mestres e
abolição de todos os descontos nos salários dos funcionários.
123
A mobilização dos trabalhadores e os boatos de greve geral continuaram. Assim
o Chefe de Polícia, Aurelino Leal, e o Secretário do Centro Industrial
124
, Costa Pinto, se
reuniram no Palácio da Polícia, com o objetivo de evitar uma possível greve geral dos
operários em fábricas de tecidos.
125
No dia primeiro de setembro foi celebrado um
acordo entre o Centro Industrial, representante dos donos de fábricas de tecidos, e a
UOFT. Nesse acordo os industriais reconheceram a UOFT como representante dos
trabalhadores em fábricas de tecidos. Ficou determinado que nenhum trabalhador seria
obrigado a treinar os aprendizes e o adicional sobre os salários em vigor passou a ser de
trinta por cento. A semana de cinqüenta e seis horas deveria ser adotada por todas as
fábricas. Houve uma proposta para a criação de cooperativas de consumo, instituições
de beneficência e escolas primárias e profissionais. A criação destas instituições era um
assunto bastante polêmico, dentro da UOFT. Muitos eram a favor, outros tantos eram
contra. Alguns aceitavam a criação dessas instituições, mas consideravam que elas de
forma alguma deveriam estar vinculadas aos patrões. Foi organizada então uma
comissão para consultar os trabalhadores sobre essa proposta. Esta comissão era
121
Jornal do Brasil, 15 de julho de 1918 (p. 4)
122
Jornal do Brasil, 02 de agosto de 1918 (p. 8)
123
Jornal do Brasil, 02 de agosto de 1918 (p. 8)
124
O Centro Industrial do Brasil era a associação que representava os industriais do setor têxtil.
125
Jornal do Brasil, 17 de agosto de 1918 (p. 6)
90
composta pelos seguintes trabalhadores: Antônio Escambo, Pereira de Oliveira,
Joaquim Moraes, Ernesto Fernandes, Targino Costa, Rafael Garcia, Cláudio Soares e
José Torres.
126
Vamos analisar a estratégia de mobilização da UOFT. Essa associação declarou
explicitamente, nos seus estatutos, que era defensora da ação direta.
127
Contudo, um fato
relevante é que, apesar de apoiar muitas greves, a União não priorizava a ação direta.
Ela não recusava a presença de intermediários nas negociações entre patrões e
empregados. Muito pelo contrário, a União desejava a atuação de mediadores. Em julho
de 1917, antes mesmo da UOFT ser criada, o Conselho Municipal atuava como
mediador entre os industriais e os trabalhadores em fábricas de tecidos. Posteriormente,
as direções da UOFT solicitaram sistematicamente a atuação do Chefe de Polícia como
mediador. Até mesmo delegados fizeram esse papel. Para atender as expectativas dos
trabalhadores, normalmente a União privilegiava o diálogo com os patrões, recorrendo à
greve quando os patrões se recusavam a negociar. O mediador não deveria somente
facilitar as negociações, mas devia atuar também como um fiador, garantindo que
ambas as partes cumpririam suas promessas. Daí a preferência por autoridades do
Estado, como mediadores. A União tinha uma enorme preocupação em passar uma
imagem positiva para a sociedade de um modo geral, inclusive para a polícia. Eles
afirmavam que faziam reivindicações justas e que respeitavam as leis. A direção da
União chegou até mesmo a enviar, por iniciativa própria, explicações ao Chefe de
Polícia, esclarecendo os motivos que os levaram a fazer uma determinada greve. As
direções da União normalmente recomendavam que os trabalhadores, durante as greves,
adotassem uma postura pacífica. A União estava lutando para que as reivindicações dos
trabalhadores fossem reconhecidas como legítimas, pelo maior número de segmentos da
sociedade possível. Discursos a favor de uma revolução social sem dúvida existiam
dentro da associação, mas suas direções não atuaram tendo isto como referência central
na organização da estratégia de mobilização da União.
Após as greves e a insurreição anarquista de novembro de 1918, a polícia
prendeu muitos trabalhadores. No mês de dezembro, líderes da UOFT estavam sendo
procurados. O Jornal do Brasil escreveu o seguinte a esse respeito.
126
Jornal do Brasil, 02 de setembro de 1918 (p. 5)
127
Estatutos da União dos Operários em Fábricas de Tecidos. Arquivo Nacional. Fundo: Primeiro Ofício
de Registros de Títulos e documentos do Rio de Janeiro. Série: Estatutos de Sociedade Civil. Notação: V-
61. Registro n°.910. 24 de janeiro de 1918. (art. 4º)
91
... – Mas a polícia continua pesquisando?
- A’s tontas como sempre. Imagine V. que ella procura Manuel
Castro, presidente da União dos Operários de Tecidos, e Jo Pereira de
Oliveira, ex-presidente desta associação.
Este é visto quase que diariamente nas ruas e praças mais centraes da
cidade e até a dous dias estava em um botequim do Largo São Francisco de
Paula, com um amigo tomando um refresco. Pois bem todo mundo vê menos
a polícia e elle mesmo não liga ao interesse policial, porque garanto-lhe que
elle nada tem que ver com os últimos acontecimentos.
- Então como explica o afinco com que a polícia os procura?
- Diz ella que apurou que a União dos Operários de Tecidos foi quem
forneceu o dinheiro para a fabricação das bombas.
- E que fundamento tem taes supposições?
- Eu sei lá! Não é só esta, são muitas outras...
128
A polícia estava procurando Manuel Castro e José Pereira de Oliveira porque
estava associando a atuação destes à atuação dos anarquistas. Bombas de dinamite
tinham sido explodidas pela cidade. A polícia responsabilizou os anarquistas, embora
nenhum dos responsáveis por esses atos tenha sido identificado. A UOFT foi acusada,
apesar da ausência de provas, de financiar os supostos atos terroristas dos anarquistas. O
jornalista considerou esta acusação absurda, pois não existia evidência nesse sentido.
Ele foi mais longe, pois considerou que todos, menos a polícia, sabiam que os
trabalhadores procurados não tinham nenhuma relação com os atentados. O jornalista
provavelmente acompanhava o movimento operário do Rio de Janeiro, e sabia que estes
trabalhadores atuavam como sindicalistas e não como revolucionários. Ele não defendeu
os anarquistas das acusações, mas defendeu os líderes da UOFT delas. O que estava
sendo recusado era a associação feita pela polícia entre sindicalismo e anarquismo. A
atuação da polícia estava sendo criticada. Parece que a história construída por esses dois
trabalhadores, dentro do movimento operário, deixava claro que eles não eram
anarquistas. Não devemos esquecer que a direção da UOFT defendeu constantemente
que os operários adotassem uma postura pacífica. Não parece razoável supor que um
grupo, que se esforçava para que a sociedade reconhecesse a legitimidade de suas
reivindicações e buscava o diálogo com o Estado e com os patrões, apoiasse atos
terroristas. Atos que eles tinham clara consciência que poderiam prejudicar muito a
imagem da associação perante a sociedade, dificultando uma luta que vinha sendo
travada, com os patrões, aproximadamente um ano e meio. O histórico construído
por esses líderes operários, no movimento dos trabalhadores, embora não contribua para
classificá-los como indivíduos radicais, também não garante nenhuma previsão com
128
Jornal do Brasil, 05 de dezembro de 1918 (p. 7)
92
relação a suas condutas. Nada impede que indivíduos que tradicionalmente mantiveram
uma postura pacífica, numa determinada conjuntura, adotem uma postura radical. Isto
causaria certa surpresa, mas é perfeitamente possível.
Os principais objetivos, da luta travada pela UOFT, eram: o reconhecimento da
associação como representante dos trabalhadores da categoria, e o reconhecimento das
reivindicações desses trabalhadores como legítimas. As principais reivindicações dos
trabalhadores em fábricas de tecidos, que inclusive estavam expressas nos seus
estatutos, eram: a regulamentação e a melhoria das condições de trabalho nas fábricas, o
aumento progressivo dos salários, a diminuição das horas de trabalho, a abolição
completa dos extraordinários e indenização para os trabalhadores que sofressem
acidentes de trabalho. A UOFT também tinha a intenção de criar cooperativas de
consumo e cooperativas de produção, nos bairros nos quais existissem fábricas de
tecidos.
129
A direção da UOFT sabia que seu relacionamento com líderes anarquistas,
assim como a existência de trabalhadores anarquistas filiados à associação, lhe trazia
problemas. A presença de anarquistas na UOFT era usada como argumento, pela polícia
e pelos patrões, para legitimar a repressão sobre a associação. Embora houvesse
conflitos ideológicos dentro da UOFT, os trabalhadores anarquistas, e até mesmo
divulgadores do anarquismo que não pertenciam à categoria profissional dos
trabalhadores em fábricas de tecidos, eram considerados mais como companheiros de
luta, do que como partidários de uma corrente ideológica específica. A UOFT não
adotava oficialmente uma corrente ideológica como referência.
130
Ela buscava a união
de todos os trabalhadores, independente de suas influências ideológicas. Apenas uma
pequena parcela dos trabalhadores se declarava como partidário de uma corrente
ideológica específica. A maior parte deles sofria influências de várias correntes, mas
não se considerava como membro de nenhuma delas. Eles se consideravam homens que
lutavam por justiça. Assim, para a direção da UOFT, a presença dos anarquistas na
associação era algo natural. Contudo, as direções da UOFT procuravam esclarecer a
sociedade sobre a postura política da associação. Não queriam que a UOFT fosse vista
como uma associação anarquista, pois sabiam que o rótulo de anarquista traria
problemas. Isto prejudicaria a concretização dos objetivos almejados pela associação.
129
Estatutos dos Operários em Fábricas de Tecidos. Arquivo Nacional. Fundo: Primeiro Oficio de
Registro de Títulos e Documentos do Rio de Janeiro. Série: Estatutos de Sociedade Civil. Notação: V-61.
Registro n°. 910. 24 de Janeiro de 1918. (art. 3º e art. 5°)
130
Idem. (art. 4°).
93
No dia quatro de agosto de 1918, a UOFT organizou vários eventos para
comemorar um ano de sua fundação. Houve festas no teatro Maison Moderne, na sede
central e nas sucursais. O acadêmico Álvaro Palmeira fez uma conferência pregando a
substituição do regime operário vigente pelo regime libertário, no qual não se daria a
exploração do homem pelo homem.
131
Esta sem dúvida é uma informação muito
importante. Por que Álvaro Palmeira, conhecido anarquista, na festa de um ano de
fundação da UOFT, pregaria a adoção do regime libertário, diante de uma platéia de
operários de fábricas de tecidos? Pelo simples fato da grande maioria desses operários
não seguir o regime libertário. Apesar da existência de idéias anarquistas na UOFT, o
que vigorava era justamente aquilo que ele chamou de regime operário. A preocupação
principal dos trabalhadores dizia respeito à melhoria das suas condições de vida. Apesar
da presença anarquista na UOFT, esta associação não tinha a doutrina anarquista como
referência central. Poucos dias antes desse discurso, a UOFT havia feito reivindicações
perfeitamente compatíveis com o sistema capitalista, pois contribuíam para melhorar a
vida dos trabalhadores dentro do sistema. Álvaro Palmeira era um professor e não um
operário. Ele era um militante anarquista oriundo da classe média, que pregava a
doutrina anarquista aos trabalhadores. Ele provavelmente conseguiu certo sucesso nesse
sentido. Suas idéias devem ter influenciado muitos trabalhadores, e até mesmo levado
alguns à adoção do anarquismo. Contudo, com relação à tentativa de fazer com que a
UOFT adotasse uma postura política, ele não foi bem sucedido. Ele tinha esperança que
a UOFT adotasse uma orientação anarquista, mas isto não ocorreu em momento
nenhum, entre 1917 e 1918.
A UOFT era dirigida por uma Diretoria Executiva. Esta era eleita anualmente e
tinha a seguinte composição: presidente, vice-presidente, e secretários, e
tesoureiros e procurador. A diretoria era fiscalizada por um Conselho Fiscal eleito,
composto por sete membros. O Conselho Fiscal deveria fiscalizar todos os atos
administrativos da União, apresentando trimestralmente um relatório sobre essa
fiscalização. A UOFT também possuía delegados nas fábricas. A nomeação de um
delegado era feita por aclamação, da maioria dos funcionários da fábrica na qual ele
trabalhava, em assembléia convocada para esse fim. Os delegados, além de
representarem a UOFT em cada estabelecimento, também tinham a obrigação de cobrar
as mensalidades dos filiados. Estes podiam pagar suas mensalidades aos delegados ou
131
Jornal do Brasil, 05 de agosto de 1918 (p. 8)
94
diretamente na sede da associação, quando estes não estivessem temporariamente
trabalhando em fábricas de tecido. Quando esse pagamento era feito na sede, o
secretário era responsável pelo recebimento e pelo repasse do dinheiro ao tesoureiro.
Os delegados deviam repassar o dinheiro das mensalidades ao tesoureiro, até cinco
dias após o pagamento das fábricas.
132
Devemos considerar, para se entender o movimento dos trabalhadores em
fábricas de tecidos, a existência de um grande número de mulheres trabalhando nesse
setor. Isto diferenciava a categoria dos têxteis da grande maioria das categorias
profissionais. A grande presença feminina dentro das fábricas gerava problemas e
demandas específicas. Em muitos casos, as fábricas se tornavam um espaço de atuação
conjunta das famílias. Trabalhavam ao mesmo tempo em uma fábrica, o pai, a mãe e os
filhos. Neste caso, o trabalho das crianças tinha um duplo objetivo: contribuía, assim
como o trabalho das mulheres, no aumento da renda familiar e permitia que as mães
trabalhassem, pois assim as crianças não ficariam sozinhas em casa. Assim, podemos
considerar que alguns trabalhadores foram criados dentro das fábricas. Muitos desses
trabalhadores estavam criando seus filhos da mesma forma que foram criados, por uma
questão de necessidade. Muitas crianças trabalhavam com seus pais desde muito jovens
e foram criadas dentro de uma cultura fabril. A educação de uma criança é naturalmente
algo complicado. A “educação” feita em um ambiente de trabalho fabril é algo ainda
mais complicado. Nesse ambiente, não os pais, mas as crianças estão submetidas à
autoridade dos mestres e dos contra-mestres. Devemos considerar que, em muitos casos,
a autoridade dos mestres sobre as crianças entrava em conflito com a autoridade dos
pais. Havia problemas também com relação à subordinação das mulheres aos superiores
hierárquicos. Muitos chefes de família deviam se incomodar com as relações
hierárquicas de trabalho existentes entre os mestres e as esposas dos operários. Como
os operários reagiriam a agressões físicas feitas contra as crianças e a repreensões feitas
de forma grosseira às mães de família? Normalmente isto geraria muita insatisfação,
complicando ainda mais as relações, muitas vezes tensas, existentes entre trabalhadores
e patrões.
Além da significativa presença das mulheres nas fábricas têxteis, a presença das
mulheres também era um traço marcante na UOFT. As reuniões dessa associação
132
Estatutos dos Operários em Fábricas de Tecidos. Arquivo Nacional. Fundo: 1° Ofício de Registro de
Títulos e Documentos do Rio de Janeiro. Série: Estatutos de Sociedade Civil. Notação: V-61. Registro nº.
910. 24 de janeiro de 1918. (art. 15°, art. 19°, art. 24° e art. 25°)
95
contaram com uma presença constante e significativa das trabalhadoras do setor. No dia
trinta de julho de 1917, alguns dias antes da criação da UOFT, os operários em fábricas
de tecidos estavam reunidos na sede da União dos Estivadores. Eles discutiam sobre os
rumos da greve, enquanto aguardavam que os patrões respondessem às suas
reivindicações. Nessa ocasião, uma operária da fábrica do Caju obteve a palavra e
propôs que os trabalhadores se dirigissem ao Presidente da República, solicitando a
análise das suas reivindicações. Sua proposta foi amplamente discutida, obtendo o apoio
de muitos trabalhadores e oposição de outros tantos. Ao final das discussões, a proposta
da trabalhadora não obteve o apoio da assembléia. Por esse motivo, a operária da fábrica
do Caju se retirou, apesar dos pedidos dos companheiros para que não tomasse tal
atitude.
133
Os operários em fábricas de tecidos estavam reunidos em sessão permanente
na União dos Estivadores. As assembléias estavam ocorrendo com grande número de
trabalhadores. A presença das trabalhadoras foi muito significativa. Em outubro de
1917, devido à greve da fábrica Aliança, houve uma assembléia na sede da UOFT.
Nesta, compareceram grande número de trabalhadores, predominando os trabalhadores
da Aliança. Várias senhoras estavam presentes. A operária Elisa Gonçalves obteve a
palavra e fez um vibrante discurso, no qual demonstrou inteligência e dotes oratórios.
Ela defendeu a greve da fábrica Aliança e pediu a solidariedade dos trabalhadores, para
a unificação da classe e o prestígio da sociedade de resistência.
134
A greve na Aliança
havia sido iniciada pelos trabalhadores menores de idade e obteve o apoio dos
trabalhadores adultos de ambos os sexos. A greve na Aliança evidenciou a importância
da atuação tanto dos trabalhadores menores de idade quanto das trabalhadoras. Os
interesses dos trabalhadores menores eram também os interesses das famílias. Havia
mais do que solidariedade de classe. Os pais estavam apoiando seus filhos. A
significativa presença de mulheres, nas fábricas e na UOFT, influenciava os objetivos e
a estratégia de mobilização dessa associação. Não foi por acaso que a direção da UOFT
reivindicou, em agosto de 1918, o estabelecimento de licença de dois meses para
mulheres, devido ao parto.
No dia 18 de novembro de 1918, dia da insurreição anarquista e dia em que se
iniciou a greve da qual participaram têxteis, metalúrgicos, trabalhadores da construção
civil e trabalhadores em pedreiras, aproximadamente às quatro horas da tarde, os
trabalhadores da fábrica de tecidos Confiança do Brasil, situada em Vila Isabel, pararam
133
Jornal do Brasil, 01 de agosto de 1917 (p. 7)
134
Jornal do Brasil, 25 de outubro de 1917. (p. 7)
96
as máquinas em todas as seções. O gerente da fábrica, Sr. Braga Neto, supondo que uma
greve havia sido iniciada, saiu do escritório para descobrir o que realmente estava
acontecendo. Contudo, ele não teve tempo de conversar com os funcionários, pois uma
grande confusão teve início. Temendo por sua segurança, ele se escondeu no
almoxarifado. Assim que as máquinas pararam, os funcionários haviam se dirigido para
a parte de fora do pátio. Eles estavam reunidos em grandes grupos, que travavam
intensas discussões. Um grupo de grevistas liderado pelo operário Miguel Martins, que
empunhava um revólver, invadiu o escritório da fábrica. Miguel Martins atirou várias
vezes contra o mestre Felipe Avelino Moraes, que foi atingido na perna. Mestre Felipe
tentou abrigar-se, enquanto Miguel continuava atirando. Um desses tiros atingiu o
ventre de Julio Moraes, filho do mestre, que caiu gravemente ferido. A partir desse
momento o conflito tomou um caráter generalizado. Laura Moraes, caixa da fábrica que
também era filha de mestre Felipe, também estava na linha de tiro de Miguel Martins.
Num gesto ousado ela atacou Miguel e conseguiu desarmá-lo. O conflito, entre vários
trabalhadores, continuou. Em certo momento, os agressores pararam o ataque, devido a
um acontecimento que os deixou perplexos. Miguel Martins, atingido por duas facadas,
caia morto. O delegado do 16º distrito, Dr. Coelho Gomes, junto com uma força de
polícia, comandada pelo tenente Madureira, chegou ao local e dispersou os grupos de
grevistas, prendendo mais de quarenta trabalhadores. Mais tarde, policiais, liderados
pelo tenente Montenegro, dispersaram os grupos de trabalhadores que se encontravam
nas proximidades da fábrica. Um grupo de grevistas resistiu, disparando tiros de
revólver contra o soldado Moacir Magalhães da Silva. Mais alguns trabalhadores foram
presos. No bolso da calça de Martins foi encontrada uma bomba de dinamite.
135
No dia
19 de novembro foi realizado o enterro do operário Miguel Martins. O enterro foi pago
e organizado pela UOFT. O caixão saiu do necrotério coberto com a bandeira dessa
associação. No cemitério São Francisco Xavier compareceram muitos trabalhadores e
falaram vários oradores. Os operários não permitiram que os coveiros cobrissem de
terra o caixão de Martins. Os próprios operários fizeram questão de realizar essa tarefa.
Alguns trabalhadores, que se encontravam nas proximidades da fábrica Confiança,
declararam que Miguel Martins foi morto devido à traição de um companheiro, também
operário.
136
No dia 22 de novembro, Julio Avelino de Moraes, filho do mestre Felipe
135
Correio da Manhã, 19 de novembro de 1918 (p. 1); Jornal do Brasil, 19 de novembro de 1918 (p. 5)
136
Correio da Manhã, 20 de novembro de 1918 (p. 1); Jornal do Brasil, 20 de novembro de 1918 (p. 5)
97
que havia sido gravemente ferido no dia dezoito, morreu.
137
Os operários da Confiança
apresentaram a seguinte justificativa para os conflitos ocorridos:
...os operários como justificativa ao ataque feito ao mestre Felippe Avelino
de Moraes, que tudo teve como origem o mau procedimento do mestre, que
era odiado pelos trabalhadores, devido á maneira de tratar á todos,
principalmente ás operárias mães de família, que tinham necessidade de ,
nos dias de plantão, suspender um pouco o serviço, as 8 ½ da noite, para
amamentar seus filhos. Essas operárias dizem os que assim explicavam os
motivos do conflicto eram alvos de pilherias grosseiras da parte do mestre
Moraes.
Além disso, que o tornava mal visto, o mestre hontem annunciou que
haveria abono, e esse abono tanto demorou em ser dado, que veio o
conflicto, originado da atitude violenta do operario Miguel Martins...
138
Podemos observar que alguns operários se aproveitaram de uma situação
específica, uma greve, para ajustar contas com um superior. Segundo a declaração dos
grevistas, mestre Moraes normalmente tratava mal os operários. No entanto, os
grevistas fizeram questão de destacar um determinado comportamento de mestre
Moraes que causava grande descontentamento. Ele debochava das operárias, mães de
família. Ele fazia isso com freqüência no momento em que elas paravam o serviço para
amamentar seus filhos, nos dias de plantão. Essas mulheres exaustas, por terem
trabalhado o dia todo, tinham que ouvir caladas as grosserias de mestre Moraes, pois
este era superior hierárquico delas. Ficava evidente o desrespeito e a inexistência da
mínima consideração, com mulheres que tentavam conciliar sua função de operária com
seu papel de mãe de família. Não é de admirar que isso causasse um sentimento de
revolta entre os operários. Se observarmos os acontecimentos, podemos supor que
mestre Moraes não era somente mal visto. Ele na verdade devia ser odiado por muitos
operários. Caso contrário, como justificaríamos a atitude extremamente radical de
Miguel Martins e seus companheiros. O atraso do abono prometido, num momento de
agitação operária, deve ter sido somente o estopim que desencadeou a atitude violenta
dos trabalhadores. Nos incidentes ocorridos na fábrica Confiança, podemos observar a
existência não de conflitos de classe, mas também a existência de conflitos
familiares. A freqüente atitude desrespeitosa de mestre Moraes, com as famílias
operárias, era algo que estava vivo na mente dos trabalhadores. Outra observação
importante é que a família de mestre Moraes trabalhava junto com ele na fábrica. Os
137
Correio da Manhã, 23 de novembro de 1918 (p. 1)
138
Correio da Manhã, 19 de novembro de 1918 (p. 1)
98
operários não atacaram somente mestre Moraes. Eles atacaram também sua família, que
estava junto dele no momento do ataque. Seu filho foi morto e sua filha correu risco de
vida. Assim, podemos considerar que a fábrica era também um espaço de atuação das
famílias. Além da solidariedade de classe, havia também a solidariedade baseada nas
relações familiares. Essas relações devem ser entendidas de forma mais abrangente, de
modo que englobe várias formas de vínculos criados entre os operários. Não devemos
esquecer que entre os trabalhadores devia haver filhos, primos, tios, noivos, afilhados,
compadres, comadres e amigos que conviviam juntos no mesmo ambiente de trabalho.
Sem duvida também existia inimizade e desentendimentos entre os trabalhadores.
Alguns trabalhadores defenderam a família de mestre Moraes. Foi um operário,
considerado por muitos como traidor, quem matou Miguel Martins. Dessa forma,
conflitos, entre superiores e subalternos ou entre operários do mesmo nível hierárquico,
eram situações que envolviam direta ou indiretamente um numero significativo de
pessoas. Devemos observar que as relações dos mestres e contramestres com os
operários nem sempre eram ruins. Havia espaço para a solidariedade e até mesmo união
entre eles. Uma evidencia disso foi uma das reivindicações feitas por Manuel de Castro,
Presidente da UOFT, em agosto de 1918. Além de fazer várias reivindicações em
benefício dos operários, ele também reivindicou aumento de salário para os contra-
mestres. Para ser admitido na UOFT era necessário ter mais de 14 anos e exercer
qualquer atividade em uma fábrica de tecidos. Os diretores e mestres das fábricas não
podiam se filiar à União, mas os contramestres e encarregados eram admitidos. Porém,
os contra-mestres , os encarregados, os empregados de escritório e os portadores de
patentes militares, não podiam se candidatar a cargos eletivos na associação.
139
Na cidade do Rio de Janeiro, no início do século vinte, os laços de solidariedade
construídos pelas pessoas das classes populares tinham grande importância. Devido à
pobreza e às difíceis condições de vida, os laços de solidariedade, que se baseavam na
ajuda mútua entre homens e mulheres, eram fundamentais para a estratégia de
sobrevivência dessas pessoas. A miséria unia solidariamente os humildes. As
obrigações de solidariedade eram muito valorizadas, sendo consideradas importantes as
manifestações constantes de hospitalidade e respeito mútuo, que reafirmavam o
compromisso de todos com a luta em conjunto pela sobrevivência. Estas relações entre
139
Estatutos dos Operários em Fábricas de Tecidos. Arquivo Nacional. Fundo: 1° Ofício de Registro de
Títulos e Documentos do Rio de Janeiro. Série: Estatutos de Sociedade Civil. Notação: V-61. Registro n°.
910. 24 de janeiro de 1918. (art. 7° e art. 9°)
99
membros das classes populares eram entendidas como relações entre pessoas iguais,
entre pessoas que se encontravam na mesma situação. Todos eram pobres, buscando
sobreviver e melhorar de vida. Estes laços de solidariedade eram construídos entre
parentes, compadres e amigos. Os compadres e amigos, assim como os parentes, eram
pessoas com que se esperava poder contar nos momentos difíceis da vida.
140
Embora nenhuma mulher tenha pertencido às direções da UOFT, as
trabalhadoras participaram ativamente do cotidiano do sindicato e da mobilização da
categoria em busca de melhores condições de vida. Elas atuaram de muitas formas, em
alguns casos tendo uma atuação complementar à atuação dos homens. Em dezembro de
1917, quando trabalhadores da fábrica Aliança estavam sendo presos dentro de suas
casas pelo simples fato de se recusarem a trabalhar, um grande grupo de trabalhadores
se reuniu. Este grupo se dirigiu para o Palácio do Catete, com o objetivo de falar com o
Presidente da República. Esse grupo era composto na sua maioria por mulheres e
crianças. Nas proximidades do palácio, a polícia bloqueou a passagem dos grevistas.
Houve grande confusão. Dezesseis operários que estavam mais exaltados foram presos.
O Major Bandeira de Melo, Chefe do Corpo de Segurança, chegou ao local e conseguiu
acalmar os grevistas. Estes, seguindo a orientação do major, formaram uma comissão
para se encontrar com o Presidente da República. Os outros grevistas voltaram para suas
casas. Nesta comissão havia algumas mulheres. A comissão foi recebida pelo Dr. Raúl
Sá, oficial de gabinete do chefe da nação, e fez suas reclamações.
141
Quando julgava
necessário, a polícia não exitava em prender tanto operários quanto operárias. No
entanto, havia certo constrangimento em usar de violência contra senhoras. Muitos
setores da sociedade reprovavam tal atitude, inclusive parte da imprensa. Era menos
provável que a polícia usasse violência excessiva contra uma multidão composta de
mulheres e crianças, do que contra uma multidão composta por homens. Assim, em
determinadas situações, a presença das mulheres facilitava a mobilização da categoria.
Nos momentos críticos, nos quais normalmente havia grande repressão policial, a
atuação das mulheres contribuía para o restabelecimento do diálogo, entre os
trabalhadores e as autoridades. Porém, nem sempre a atuação das mulheres era
moderada. Elas também assumiram posições radicais, chegando mesmo a praticar
140
CHALHOUB, S. Trabalho, Lar e Botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle
époque. Campinas: Editora UNICAMP, 2001. (p. 185 e 194-197)
141
Jornal do Brasil, 05 de dezembro de 1917 (p. 7)
100
atitudes violentas. O seguinte episódio, ocorrido durante a greve de novembro de 1918,
nos mostra isso.
A operária Georgina Alvarenga trabalha numa das fábricas de tecidos
da Gávea e ao toque da sineta hontem compareceu proptamente.
A saída para o almoço foi a operária Georgina apedrejada pelas
grevistas Antonia e Assunta Paty, Izabel Rita, Margarida de Freitas e
Josephina Galbarda. As pedras não attingiram o alvo. As operárias
aggressoras foram presas e postas em liberdade depois de um grande susto
que lhes passou a policia.
142
Podemos notar pelo sobrenome que Assunta Paty e Antônia Paty eram parentes.
Podiam ser mãe e filha ou talvez irmãs. Dessa forma, podemos observar novamente a
coexistência entre relações familiares e relações de classe. As grevistas lançaram pedras
contra uma funcionária que estava furando a greve. Essas grevistas tiveram uma postura
independente dos homens. Elas consideraram provavelmente Georgina como uma
traidora. Talvez tivessem alguma rixa antiga com essa funcionária. Talvez a
considerassem desunida e aliada dos patrões. Seja como for, elas se mobilizaram em
defesa do movimento grevista. As operárias foram presas, mas não permaneceram nessa
condição. Elas foram duramente repreendidas e soltas em seguida. Muito provavelmente
se homens tivessem sido presos por esse motivo, nessa conjuntura de greve geral, não
teriam sido soltos logo em seguida. Normalmente seriam considerados, pela polícia,
como uma ameaça à ordem. As autoridades julgaram que o susto que essas grevistas
haviam sofrido seria suficiente para mantê-las sob controle. Assim, elas foram soltas,
podendo continuar contribuindo ativamente no movimento grevista. Para que uma greve
geral fosse bem sucedida no setor têxtil, a participação das mulheres era fundamental.
Elas representavam grande parte da mão-de-obra desse setor. Tanto elas quanto os
homens tinham consciência disso. Elas não se omitiram e participaram das mais
variadas formas, do movimento dos trabalhadores organizado pela categoria. A
significativa presença das mulheres tornava a repressão contra os trabalhadores em
fábricas de tecidos algo ainda mais difícil e complexo. A luta dos trabalhadores em
fábricas de tecidos não era travada diretamente somente pelos chefes de família, mas
pelas próprias famílias de trabalhadores.
142
Correio da Manhã, 27 de novembro de 1918 (p. 3)
101
O número aproximado de operários, por estabelecimento, que trabalhavam nas
principais fábricas de tecidos de lã, algodão e malha da cidade do Rio de Janeiro, em
novembro de 1918, era:
Confiança, em Villa Isabel, 1800 pessoas.
Cruzeiro, á rua Barão de Mesquita, 1500.
Marville, na ponta do Cajú, 900.
Bonfim, no Cajú, 600.
Carioca, no Jardim Botânico, 2000.
Alliança, nas Laranjeiras, 1900.
Botafogo, á rua Barão de Mesquita, 950.
Bangu, 3950.
Corcovado, no Jardim Botânico, 1300.
Sapopemba, em Deodoro, 1800.
Aurora, á rua Real Grandeza, 60.
Minerva, na Tijuca, 270.
Corvilhã, na Tijuca, 50.
Esperança, á rua Francisco Eugênio, 250.
Manufactura Progresso, á rua Alegria, 30.
Tecidos de Juta, em São Christovam, 300.
Babylonia, á rua Major Ávila, 250.
Aldeia Campista, na Aldeia Campista, 80.
Bocheu, na Tijuca, 120.
Santo Antonio, em São Christovam, 200.
Santa Heloisa, no Mattoso, 500.
S. Felix, na Gávea, 550.
143
Em novembro de 1918, nas 22 principais fábricas de tecidos da cidade do Rio de
Janeiro, havia aproximadamente 19 360 trabalhadores. Em julho de 1917, o Jornal do
Brasil informou que existiam 34 fábricas de tecidos no Distrito Federal.
144
Dessa forma,
podemos afirmar com segurança que o número de trabalhadores em fábrica de tecidos
em 1918, na cidade do Rio de Janeiro e proximidades, era superior a 20 000. Outro fator
importante era que grande parte das fábricas de tecidos, no que diz respeito ao número
de funcionários, era de médio ou grande porte. Dezesseis fábricas possuíam mais de 250
funcionários. Algumas destas possuíam mais de 1000 funcionários. A Bangu empregava
aproximadamente 4000 trabalhadores. Esta grande concentração de trabalhadores por
estabelecimento diferenciava o setor têxtil dos setores metalúrgico, da construção civil e
das pedreiras. Outra diferença era que o trabalho no setor têxtil era menos especializado
que o trabalho nesses outros três setores. Não estamos dizendo que não havia trabalho
especializado no setor xtil. Estamos apenas afirmando que os setores metalúrgico, da
construção civil e das pedreiras necessitavam de uma porcentagem de trabalhadores
143
Jornal do Brasil, 28 de novembro de 1918 (p. 8)
144
Jornal do Brasil, 29 de julho de 1917 (p. 6)
102
especializados, em relação ao total de trabalhadores empregados, significativamente
superior ao setor têxtil. A presença de grande número de mulheres e crianças
trabalhando no setor têxtil tinha relação com isso. As mulheres e crianças normalmente
executavam tarefas que não demandavam trabalho especializado. As mulheres e as
crianças recebiam um salário ainda pior que o salário dos homens. Não evidência de
um número significativo de mulheres trabalhando na metalurgia, na construção civil e
nas pedreiras. Esses setores exigiam um trabalho, que envolvia grande esforço físico.
Este tipo de trabalho normalmente não era considerado adequado para as mulheres.
Havia crianças trabalhando nesses setores, mas em número inferior ao número de
crianças que trabalhavam nas fábricas de tecidos. Num primeiro momento, sem a
reflexão necessária, podemos supor que os setores metalúrgico, da construção civil e das
pedreiras empregavam, em sua maioria, profissionais com baixa qualificação. Porém,
um pedreiro, um canteiro ou um fundidor, por exemplo, era um trabalhador
especializado, mesmo possuindo normalmente baixa escolaridade. Pedreiros
desqualificados podiam sem dúvida comprometer a construção de um prédio. Seus erros
podiam causar aumento dos custos e o não cumprimento dos prazos de conclusão das
obras. A UOFT, diferentemente da UGM, da UGCC e do COP, não era um sindicato de
ofício. Os trabalhadores não se agrupavam, dentro do sindicato, de acordo com os
ofícios que exerciam. A grande quantidade e a significativa concentração, dos
trabalhadores em fábrica de tecidos, facilitavam a mobilização de grande número de
trabalhadores da categoria. Devido à grande quantidade de trabalhadores existentes e
pelo significativo grau de organização deles, os trabalhadores em fábrica de tecidos e
seu sindicato eram muito respeitados no movimento dos trabalhadores do Rio de
Janeiro. Por outro lado, a pouca especialização exigida para trabalhar no setor era um
ponto fraco. Isso facilitava a demissão dos trabalhadores, pois os patrões tinham certa
facilidade para substituí-los por outros funcionários. A grande oferta de mão-de-obra,
característica de setores que utilizam trabalho pouco especializado, dificultava a luta dos
trabalhadores por direitos. Caso tivesse a pretensão de controlar o mercado de trabalho,
vinculando a admissão de trabalhadores nos estabelecimentos à indicação do sindicato,
a UOFT provavelmente teria muito mais dificuldade que a UGM, que a UGCC e que o
COP para realizar tal intento. O grupo de trabalhadores aptos ao trabalho no setor têxtil
era muito maior que nos outros três setores. Dessa forma, controlar esse mercado de
trabalho era muito mais difícil.
103
No mês de abril de 1917, a Federação Operária estava tentando mobilizar os
trabalhadores metalúrgicos, para que estes se organizassem. A Federação organizou
reuniões em sua sede e convidou os metalúrgicos.
145
No dia quatro de abril em
assembléia na Federação Operária, foi criada uma comissão de oito membros para
dirigir provisoriamente os trabalhos para a organização da associação dos
metalúrgicos.
146
A União Geral dos Metalúrgicos foi fundada no dia primeiro de
maio.
147
Durante os meses de maio e junho os metalúrgicos tiveram alguma dificuldade
para mobilizar os trabalhadores.
148
Isto criava dúvidas com relação ao futuro da
associação. Em meados de julho, a comissão de metalúrgicos ainda estava tentando
marcar uma reunião para eleger uma direção para sua associação. No entanto, as greves
de julho, que aconteceram de forma repentina e inesperada, desviaram a atenção dos
metalúrgicos. Eles agora se mobilizavam, junto com as outras categorias, com o
objetivo de terem suas reivindicações atendidas pelos patrões. A organização da
associação teria que esperar mais um pouco. No dia quinze de julho, dia marcado para
uma reunião dos metalúrgicos, foi feita na sede da Federação Operária uma grande
reunião de trabalhadores, com o objetivo de decidir que postura adotar com relação às
greves de São Paulo. Os trabalhadores do Rio de Janeiro estavam mobilizados e a
possibilidade de greve era muito grande.
149
No dia vinte e dois de julho, a comissão
operária da UGM lançou aos metalúrgicos o seguinte apelo:
Aos metallurgicos – Companheiros:
Custa a crer que vós, que sois com todos os outros egualmente
explorados, espezinhados, não vos levanteis ao clamor da revolta que agita
todas as classes trabalhadoras.
Por que esperaes? Acaso quereis ficar nessa apathia mórbida e
intolerante? Sede homens e vinde, como todos os outros trabalhadores,
reclamar os direitos que nos assistem, vinde assistir á reunião que se realiza
hoje, ás 7 horas da noite, na praça Tiradentes 71...
150
O comunicado da comissão de operários metalúrgicos deixa claro que mobilizar
os trabalhadores metalúrgicos estava sendo uma tarefa difícil. A comissão encontrava
dificuldade não para organizar a associação de classe, mas também para mobilizar os
145
Jornal do Brasil, 04 de abril de 1917 (p. 7)
146
Jornal do Brasil, 05 de abril de 1917 (p. 6)
147
Estatutos da União Geral dos Metalúrgicos. Arquivo Nacional. Fundo: Primeiro Ofício de Registros de
Títulos e Documentos do Rio de Janeiro. Série: Estatutos de Sociedade Civil. Notação: V-60. Registro nº
902. 21 de dezembro de 1917.
148
O Metallurgico: orgão official da união geral dos metallurgicos, 01 de maio de 1918 (p. 1)
149
Jornal do Brasil, 13 de julho de 1917 (p. 8); Jornal do Brasil, 16 de julho de 1917 (p. 5)
150
Jornal do Brasil, 23 de julho de 1917 (p. 6)
104
metalúrgicos, para que esses se unissem à agitação operária das demais categorias.
Buscando atrair os trabalhadores para o sindicato, os líderes metalúrgicos utilizaram a
inteligente estratégia de apelar para a masculinidade dos trabalhadores. Essa estratégia
parece ter surtido algum efeito, pois um numeroso grupo de metalúrgicos atendeu ao
apelo e compareceu à Federação Operária, para debater sobre a possibilidade de
greve.
151
No dia vinte e quatro de julho, grande parte dos metalúrgicos havia aderido à
greve. No dia vinte e oito, a comissão de metalúrgicos compareceu ao Conselho
Municipal. Este conselho estava tentando mediar as negociações entre patrões e
empregados. A comissão organizada pelo comitê grevista da classe dos metalúrgicos
entregou ao intendente Garcez a seguinte proposta:
1º. Oito horas de trabalho, começando ás 7, terminando ás 16 horas, uma
hora de almoço;
2º. – Aumento de 10% aos operários que ganham mais de 6$000;
3º. – Aumento de 20% aos que ganham menos de 6$000;
4º. Abolição do trabalho por hora, percebendo no entanto o mesmo
ordenado que actualmente percebem e o augmento respectivo;
5º. – Abolição das sociedades beneficentes creadas pelos patronatos;
6º. Aos aprendizes cabem as mesmas horas de trabalho, e o augmento de
30% nos seus salários;
7º. – Não será permitida a entrada de aprendizes menores de 14 annos e que
não saibam ler e escrever, permitindo-se conservar os que estão;
8º. – Aos que trabalham de empreitada terão o augmento de 20% na mão de
obra, não podendo trabalhar mais de oito horas;
9º. – Só será permittido o serão com pagamento duplo;
10º. – O trabalho aos domingos será egualmente pago duplo;
11º. O trabalho que por sua natureza requer constancia do operário no
mesmo dia e noite será dividido em tres turmas de oito horas cada uma, não
sendo incluído no extraordinário;
12º. O pagamento será feito pontual em todas as officinas, fabricas ou
companhias;
Paragrapho único Os operários envolvidos no movimento grevista não
poderão ser demittidos, sob pena de greve geral da classe.
152
No início de agosto, a greve dos metalúrgicos havia fracassado. A comissão
dos metalúrgicos considerou que este fracasso se deu principalmente devido à falta de
organização da classe. Assim, eles marcaram uma reunião com o objetivo de organizar
sua associação de classe.
153
A UGM foi fundada no dia primeiro de maio, mas a
categoria não se mobilizou de forma significativa. Uma coisa é fundar uma associação,
outra é torná-la uma realidade na prática. Isto exigia a participação significativa dos
151
Jornal do Brasil, 24 de julho de 1917 (p. 5)
152
Jornal do Brasil, 28 de julho de 1917 (p. 7)
153
Jornal do Brasil, 07 de agosto de 1917 (p. 6)
105
trabalhadores da classe. Por isso, a comissão convocava os metalúrgicos através da
imprensa, para participarem da sua associação. No dia oito de agosto, foi feita uma
reunião, na sede da União dos Alfaiates, com o objetivo de reorganizar a UGM. Nesta
reunião compareceram oitenta e sete sócios. Paschoal Gravina sugeriu a reforma dos
estatutos. Sua sugestão foi aprovada e a comissão criada para a reforma dos estatutos foi
a seguinte: Paschoal Gravina, Olinto R. de Moraes, Albino P. de Carvalho, Estevam
Boni, Luiz Vinardi, Delphim P. de Abreu, Guilhermino Marques de Sá, Manoel
Brandão, José Cardoso Bessa e Antônio Cardoso. Os estatutos foram definitivamente
aprovados e reconhecidos pela lei do país, no mês de dezembro.
154
No dia nove de
setembro, na rua Teófilo Otoni 81, sede da Associação dos Gráficos, foi realizada uma
assembléia para eleger a diretoria da UGM. No mesmo local, no dia dezesseis, foi
realizada uma reunião para dar posse à diretoria eleita. Esta tinha mandato com
encerramento em janeiro de 1918. A diretoria era composta pelos seguintes membros:
presidente, Paschoal Gravina; vice-presidente, Estevam Boni; primeiro tesoureiro,
Albino Pinto de Carvalho; segundo tesoureiro, Guilhermino Marques Sá; secretário
geral, Atanagildo Pereira; primeiro secretário, Olinto Rabelo de Moraes; segundo
secretário, João José Malaquias; primeiro bibliotecário, Manuel Gonçalves; segundo
bibliotecário, José Viegas da Silva. A comissão fiscal era a seguinte: Apolinário Costa,
Manuel Brandão e Luiz Vinardi.
155
No entanto, durante esta administração, por motivo
de saúde, o primeiro bibliotecário e o segundo tesoureiro renunciaram aos cargos.
Foram substituídos por José Esteves e Lucio Pinto Nunes respectivamente. O primeiro
tesoureiro, Albino Pinto de Carvalho, desviou dinheiro da União em benefício próprio.
Isto impediu que a União conseguisse honrar alguns de seus compromissos. Ele foi
afastado e suas funções foram assumidas por Estevam Boni.
156
No mês de outubro houve reuniões, entre o Centro Protetor dos Fundidores e
Classes Anexas e a União Geral dos Metalúrgicos, com o objetivo de evitar a divisão
dentro da classe. Estas reuniões resultaram na dissolução do Centro.
157
Em janeiro de
1918, houve eleição para a nova diretoria da UGM, que tomou posse no dia treze desse
mês, com mandato para o ano corrente. A nova diretoria era a seguinte: presidente,
Estevam Boni; vice-presidente, Manuel M. dos Santos; primeiro secretário, Joaquim
154
O Metallurgico: orgão official da União Geral dos Metallurgicos, 01 de maio de 1918 (p. 3)
155
Jornal do Brasil, 07 de setembro de 1917 (p. 10); Jornal do Brasil, 15 de setembro de 1917 (p. 8); O
Metallurgico: orgão official da União Geral dos Metallurgicos, 01 de maio de 1918 (p. 2)
156
O Metallurgico: orgão official da União Geral dos Metallurgicos, 01 de maio de 1918 (p. 2)
157
Jornal do Brasil, 15 de outubro de 1917 (p. 7); O Metallurgico: orgão official da União Geral dos
Metallurgicos, 01 de maio de 1918 (p. 3)
106
Alves Carneiro; segundo secretário, Zeferino F. da Silva; primeiro tesoureiro,
Atanagildo Pereira; secretário geral, Paschoal Gravina; primeiro bibliotecário, Olinto
Rabelo. Infelizmente não conseguimos identificar os nomes do segundo tesoureiro e do
segundo bibliotecário, que também tomaram posse. Tomaram posse no Conselho Fiscal:
Manuel da Costa Ribeiro, Antonio Tavares e José Pinto Carneiro.
158
No mês de Março,
devido a demissão dos secretários e do tesoureiro, foram nomeados Felipe Alves Lopes,
Afonso Viana e José Gomes Fernandes respectivamente para os cargos de primeiro
secretário, segundo secretário e tesoureiro.
159
Em junho, a UGM fundou sucursais em
Niterói e no Méier. A sede da UGM passou a funcionar na Rua Senador Pompeu,
número 160.
160
Em meados do mês de julho de 1918, o presidente, o vice-presidente, os
tesoureiros e os delegados da UGM junto à UGT pediram demissão de seus cargos. No
final do mês de agosto, foram eleitos, para ocupar os cargos de presidente e vice-
presidente, Antonio Agostinho Tavares e Joaquim Alves Carneiro. Desde julho, eles
estavam ocupando provisoriamente esses cargos.
161
No mês de setembro, houve um
debate na UGM sobre um memorial que deveria ser enviado aos industriais. A UGM
desejava o seguinte: estabelecimento de uma tabela de salários com aumentos relativos,
jornada de oito horas de trabalho e o reconhecimento da União Geral dos Metalúrgicos
como órgão oficial da classe.
162
A carestia continuava sendo um problema grave para os
trabalhadores. Em outubro, a UGM declarou apoio moral e material à UGT, caso esta
resolvesse conduzir os trabalhadores a uma greve geral. Foi feito também um protesto
contra o Chefe de Polícia e o Major Bandeira de Melo, considerados responsáveis pela
prisão de Antônio Fernandes, Secretário Geral da UGT. A prisão foi considerada pela
UGM como sem fundamento e motivada por perseguição política.
163
Vamos agora analisar estas informações apresentadas sobre o sindicato dos
metalúrgicos. Como podemos observar, Paschoal Gravina foi um líder operário que teve
um importante papel na organização da UGM. Ele não foi seu primeiro presidente,
durante os últimos quatro meses de 1917, como também foi secretário geral desta
associação, durante o ano de 1918. Paschoal teve importante atuação junto ao
158
Jornal do Brasil, 14 de janeiro de 1918 (p. 7)
159
Jornal do Brasil, 13 de março de 1918 (p. 7)
160
Jornal do Brasil, 12 de junho de 1918 (P. 7); Jornal do Brasil, 18 de junho de 1918 (p. 6); Jornal do
Brasil, 02 de julho de 1918 (p. 2)
161
Jornal do Brasil, 19 de julho de 1918 (p. 7); Jornal do Brasil, 23 de Julho de 1918 (p. 7); Jornal do
Brasil, 31 de agosto de 1918 (p. 7)
162
Jornal do Brasil, 05 de setembro de 1918 (p. 6)
163
Jornal do Brasil, 01 de outubro de 1918 (p. 9)
107
movimento dos trabalhadores de um modo geral, nos anos de 1917 e 1918. Ele foi
membro do Comide Agitação Operária contra a Carestia, organizado pela Federação
Operária. Assim, participava da coordenação da mobilização de vários grupos de
trabalhadores. Discursou em vários comícios e manteve contatos com as lideranças de
várias categorias de trabalhadores, como por exemplo os trabalhadores da construção
civil e os gráficos.
164
Visto isto, torna-se interessante perguntar, qual seria a orientação
política adotada por Paschoal Gravina? Seria ele um anarquista? Em julho de 1917, o
Jornal do Brasil publicou a seguinte carta enviada por Paschoal Gravina.
Pouco habituado a acompanhar o debate nas duas casas do Congresso
por não me sobrar para isso o tempo preciso, atarefado como vivo pelos
encargos de minha profissão, passar-me-ia despercebido o facto de haver
merecido a honra de ter sido o meu nome humilde proferido na mara pelo
Sr. Deputado Álvaro de Carvalho, se para isso não fosse a minha atenção
chamada por um amigo.
Esse deputado no entanto, revelou não me conhecer nem saber da
minha attitude na sociedade, que, em verdade, não pode ser mais franca.
Disse-me anarchista. Não é verdade. Nunca fiz profissão de
anarchista nem á S. Ex. a quem não tenho a honra de conhecer, nem ás
associações a que pertenço, nem na praça pública onde tantas vezes tenho
estado para protestar contra todas as injustiças e iniqüidades.
Parece que S. Ex. não me negará o direito de franca manifestação do
pensamento, não pelo facto de ser brasileiro nato, mas pela faculdade que
para esse fim é assegurada pela constituição de meu paiz.
Não sou anarchista; se o fosse teria a hombridade de declaral-o com todo o
desassombro. – Paschoal Gravina.
165
Na carta, Paschoal Gravina declara publicamente que não é um anarquista.
Como prova disso não usa somente a sua palavra, mas também chama a atenção para
sua atuação junto aos trabalhadores. Paschoal apresentava publicamente suas idéias, de
forma constante, pois participava de reuniões com várias categorias de trabalhadores e
fazia muitos comícios em praça pública. Qualquer um, que acompanhasse de perto o
movimento operário, conheceria suas idéias e poderia constatar que ele não era um
anarquista. Ele defendia o combate à carestia e a organização dos trabalhadores, com o
objetivo de melhorar as condições de vida destes. Isto de modo algum pode ser
considerado como defesa do anarquismo. Fica evidente a dificuldade que muitas
autoridades tinham em identificar corretamente a orientação política dos líderes dos
trabalhadores. A mobilização em praça pública pela defesa da greve podia ser associada
com desordem, que era relacionada por muitos ao anarquismo. Paschoal se pronunciou,
164
Jornal do Brasil, 29 de março de 1917 (p. 8); O Metallurgico: orgão official da União geral dos
Metallurgicos, 01 de maio de 1918 (p. 3)
165
Jornal do Brasil, 20 de julho de 1917 (p. 6)
108
através da imprensa, não para esclarecer sua orientação política, mas também para
não permitir que a repressão sobre o movimento operário, fosse legitimada pelo
argumento de combate ao anarquismo. A Federação Operária do Rio de Janeiro
mantinha sim diálogo constante com muitos anarquistas e alguns desses faziam parte
dessa associação. Muitos deles provavelmente eram conhecidos de Gravina. No entanto,
a existência de anarquistas filiados a uma associação não torna essa associação
anarquista. Reconhecer anarquistas, como parte do movimento operário, e aceitar o
apoio e a solidariedade destes não torna anarquista uma pessoa ou uma associação.
Em março de 1917, em comício contra a carestia na Praça Sete de Março,
Paschoal Gravina fez um discurso:
...Em seguida fallou o Sr. Paschoal Gravina, o orador dirigiu-se aos
homens de trabalho para pedir-lhes que não dessem ouvidos a política; não
tratassem de política; que odiassem a política como a causa de todas as
desgraças que affligem as classes laboriosas. Disse o orador que há completa
incompatibilidade entre o homem de trabalho e a política; entre o diploma e
a ferramenta com que é conquistado o pão cotidiano...
166
Neste discurso, Paschoal Gravina estva defendendo que a melhoria da situação
de vida dos trabalhadores dependia dos próprios trabalhadores. Isto ia ao encontro do
esforço para organizar os trabalhadores, feito pela Federação Operária. Assim, os
trabalhadores deveriam apostar na luta feita pelos seus sindicatos, e não nas promessas
de políticos, que normalmente não se concretizavam. Ele falou na existência de uma
incompatibilidade entre o diploma e a ferramenta. Para ele, os interesses dos políticos
da elite eram diferentes dos interesses dos trabalhadores. Dessa forma, o caminho da
política não seria adequado aos trabalhadores. Seria uma perda de tempo, um desvio
daquilo que realmente interessava, a luta feita pelos próprios trabalhadores e por suas
associações. Porém, em seis de janeiro de 1918, Gravina parecia não manter
exatamente esta posição. Ele foi empossado na diretoria do Partido Socialista do Brasil,
em evento realizado na Praça Tiradentes nº. 71, no edifício no qual havia funcionado até
recentemente a sede da Federação Operária. Na hora marcada para a abertura da sessão
solene, na qual ocorreria a posse da administração desse novo partido, o grande salão
estava repleto de operários filiados e de representantes da maioria das associações de
classe, existentes na cidade do Rio de Janeiro. A mesa dirigente dos trabalhos foi
formada por Toledo de Loyola, exercendo a função de presidente, Mariano Garcia,
166
Jornal do Brasil, 12 de março de 1917 (p. 5)
109
Cândido Costa, Nestor Peixoto, Isaac Isekshon, Paschoal Gravina e Domingos Gomes
Barbosa. Foram empossados como diretores: Nestor Peixoto de Oliveira, Isaac
Isekshon, Paschoal Gravina, Toledo de Loyola, Murilo de Araújo, José Kosky e
Francisco Santos. O Conselho fiscal empossado era composto por: Cândido Costa,
Alonso Costa e Francisco Leite. Ao final do evento vários oradores, dentre eles Mariano
Garcia e Paschoal Gravina, discursaram. Eles solicitaram a participação dos
trabalhadores na construção do novo partido.
167
O Partido Socialista do Brasil foi
fundado em primeiro de maio de 1917, no Rio de Janeiro, por Nestor Peixoto de
Oliveira e alguns outros intelectuais. O partido tinha uma orientação socialdemocrata.
168
Paschoal Gravina era então um socialista. Provavelmente já não possuía mais aquele seu
antigo ódio com relação à política, mas isto não impedia que continuasse se
considerando um adversário das elites. Provavelmente ele considerava o Partido
Socialista do Brasil, ao contrário dos demais partidos, como um partido identificado
com os interesses dos trabalhadores. Gravina era socialista, mas a UGM não era. O
partido Socialista não falava em nome da União. Os socialistas eram sim mais um grupo
solidário aos interesses dos trabalhadores, que mantinha boas relações com a UGM. Os
socialistas, assim como os anarquistas e membros de outras correntes ideológicas,
tentavam exercer influência no programa e na estratégia de mobilização da UGM.
A UGM, assim como a UOFT, sofreu grande influência das greves de
1917, no período de sua criação. A associação dos metalúrgicos foi criada em maio, mas
conseguiu se organizar de forma mais consistente, após as greves de julho. A causa
do fracasso da greve dos metalúrgicos, em 1917, foi associada pela UGM à falta de
organização da classe. Nesta greve, os metalúrgicos haviam reivindicado melhores
condições de trabalho e melhor remuneração. Assim, a organização dos trabalhadores
em torno da UGM permitiria o alcance dessas metas. A expectativa dos organizadores
da UGM era que no futuro ela contribuiria para melhorar as condições de vida dos
trabalhadores. Nos Estatutos da UGM, que foram debatidos durante todo o ano de 1917,
constava como fins da associação: a obtenção de melhores condições higiênicas nas
oficinas, a diminuição das horas de trabalho, o aumento do salário e a criação de leis
167
Jornal do Brasil, 07 de janeiro de 1918 (p. 6)
168
GURGEL, A.de P. Socialistas no Brasil: partidos, programas e experiências: Editora thesaurus, 1984.
(p. 25)
110
sobre os acidentes de trabalho.
169
Em nenhum lugar, nos estatutos da UGM, a mudança
da estrutura social estava prevista como um dos objetivos da associação. Apesar disso
provavelmente ser uma condição para o registro da associação, os anarquistas
certamente teriam dificuldade em concordar com essa declaração de intenções, que não
mencionava mudanças estruturais na sociedade. A UGM não foi fundada pelos
anarquistas, embora eles tivessem dado sua colaboração. Reivindicações, como o
estabelecimento da jornada de trabalho de oito horas e o aumento de salários, não eram
consideradas prioridades para os anarquistas. Isto não resolveria, segundo eles, os
principais problemas dos trabalhadores: a existência de um sistema social baseado na
autoridade e na exploração do homem pelo homem. Como podemos ver, as idéias,
defendidas pelos criadores da UGM e estabelecidas nos estatutos da associação, eram
diferentes das idéias pregadas pelos anarquistas. Contudo, isto não quer dizer que essas
idéias não poderiam ser aceitas e apoiadas pelos anarquistas.
Devemos agora nos perguntar se em algum momento, entre 1917 e 1918, os
anarquistas assumiram o controle da UGM? Neste período a UGM teve três presidentes:
Paschoal Gravina, Estevam Boni e Antônio Agostinho Tavares. Boni foi vice-presidente
na gestão de Gravina. Este foi secretário geral na gestão de Boni. Vários membros da
primeira direção também fizeram parte da segunda direção. Houve, na verdade, uma
continuidade na orientação adotada pela UGM nessas administrações. Em meados de
julho de 1918, houve uma divisão na UGM. Esta divisão estava relacionada com a
postura que deveria ser adotada com relação à UGT. A UGM estava filiada a UGT,
desde o período da criação desta. A UGT enviou uma mensagem ao Congresso que
gerou muita polêmica na UGM. Nesta mensagem, a UGT se declarava contrária à
guerra com a Alemanha e fazia reivindicações. Queria a imediata regulamentação de
horários e de salários, enquanto aguardava a criação de um Código do Trabalho.
170
O
tema da guerra dividia os trabalhadores. O Presidente da República havia pedido o
apoio deles. Muitos trabalhadores consideravam que não era correto condenar a guerra
ou fazer greve num momento tão difícil para o país. Isto seria falta de patriotismo.
Outros consideravam que a guerra era prejudicial aos trabalhadores, pois esta fortalecia
a idéia de harmonia entre as classes, paralisando temporariamente a luta por melhores
169
Estatutos da União Geral dos Metalúrgicos. Arquivo Nacional. Fundo: 1º. Ofício de Registros de
Títulos e Documentos do Rio de Janeiro. Série: Estatutos de Sociedade Civil. Notação: V-60. Registro nº.
902. 21 de dezembro de 1917. (p. 4)
170
Anais da Câmara dos Deputados, 18 de julho de 1918 (p. 121) Biblioteca Nacional (5-084, 4, 14);
Cronica Subversiva, 20 de julho de 1918 (p. 1)
111
condições de vida. Assim, parece que parte dos metalúrgicos apoiou a atitude da UGT e
outra parte condenou. Esta divisão dentro da UGM parece ter resultado na demissão do
presidente, Estevam Boni, e de membros de sua diretoria.
171
Boni e seus diretores
provavelmente apoiavam a postura da UGT. Um forte indício disto é que os delegados
da UGM junto à UGT também pediram demissão. Estes delegados tinham apoiado a
decisão da UGT de enviar a mensagem ao Congresso Nacional. Além disso, a direção
da UGM estava ligada à UGT e dava suporte a ela. Boni parece ter se ofendido com as
críticas e falta de apoio que recebeu, por parte dos trabalhadores filiados à UGM. Os
desentendimentos parecem ter sido significativos. Não devemos considerar
necessariamente que os críticos da direção da UGM tenham sidos contagiados por um
sentimento patriótico. A questão podia estar ligada à estratégia de luta adotada pela
associação. A condenação da guerra abria espaço para que os patrões e autoridades do
governo condenassem publicamente a UGM. Isto além de dificultar o diálogo entre a
UGM, os patrões e o governo, também podia legitimar a repressão policial contra a
associação. A UGM poderia perder o apoio de parte da sociedade que apoiava sua luta,
inclusive parte da imprensa. Outro motivo para desentendimentos pode ter sido a
questão da ação direta. Sem dúvida muitos membros da UGM, inclusive indivíduos
pertencentes a sua direção, eram defensores da ação direta. Uma solicitação formal,
feita pela UGT, para que o Estado regulasse as relações entre patrões e trabalhadores,
pode ter incomodado os defensores mais rigorosos dessa postura. Cabe destacar que,
apesar de tudo, Estevam Boni era muito respeitado dentro da UGM. Muitos
trabalhadores se mostraram contrários a sua demissão, mas ele se mostrou irredutível.
172
Antônio Agostinho Tavares assumiu a presidência da UGM, mas não fez grandes
alterações na política adotada pela associação. A UGM continuou ligada à UGT, sendo
que em outubro chegou a declarar apoio moral e material a ela. A UGM também não
alterou o conteúdo de suas reivindicações. As reivindicações continuaram sendo, de um
modo geral, o combata à carestia, a melhoria das condições de trabalho dos
metalúrgicos e o reconhecimento da UGM como representante legitima dos
metalúrgicos, junto ao Estado e aos patrões. Em nenhum momento, entre 1917 e 1918, a
UGM adotou como referência principal a doutrina anarquista. Neste período os
anarquistas também não assumiram o controle da UGM, apesar de existirem
trabalhadores anarquistas filiados à associação e apesar de líderes anarquistas
171
Jornal do Brasil, 19 de julho de 1918 (p. 7); Jornal do Brasil, 23 de julho de 1918 (p. 7)
172
Jornal do Brasil, 19 de julho de 1918 (p. 7)
112
divulgarem suas idéias com freqüência nesta associação. As três direções da UGM
nesse período apresentaram uma significativa continuidade, alterando muito pouco o
conteúdo de suas reivindicações, de acordo com a conjuntura. A estratégia de
mobilização era baseada na busca do diálogo com o Estado e com os patrões. A greve
era utilizada como recurso quando consideravam necessário. Estas práticas estavam de
acordo com os interesses da maioria dos trabalhadores. Havia diálogo da UGM com o
anarquismo e outras correntes ideológicas, mas a UGM não adotou uma corrente
ideológica específica como referência principal. A UGM sofreu influência dessas várias
correntes. As demandas dos metalúrgicos podem ser consideradas a referência principal
da UGM. Estas demandas é que permitiram não a mobilização dos trabalhadores,
mas também a união de militantes com diversas orientações políticas em torno da
UGM. A idéia de revolução sem dúvida estava presente dentro da associação, mas
mesmo sendo uma idéia importante para muitos, não foi central na atuação prática do
sindicato.
A União, desde sua criação, se deparou com o grande desafio de mobilizar os
metalúrgicos. Sem esta mobilização, a existência da UGM não teria sentido. De que
serviria um sindicato que não conta com o apoio dos trabalhadores? A mobilização dos
metalúrgicos era o objetivo principal da UGM, assim como o objetivo da Federação
Operária era mobilizar os trabalhadores do maior número de categorias possível. Nos
primeiros meses de sua existência a UGM não obteve muito sucesso nesse sentido, mas
gradativamente a mobilização dos metalúrgicos foi ganhando força. Mesmo assim, isto
nunca deixou de ser uma preocupação central da UGM. Estevam Boni, em 1918,
escreveu no jornal O Metallurgico, o seguinte:
...Agora, para que a União siga em progresso e possa ser o baluarte de
nossas reivindicações, é necessário que todos os metallurgicos, sem
distinção de classe ou de nacionalidade, saibam cumprir o seu dever,
irmanando-se como um só homem, deixando de parte algumas questões
individuaes que existam ou possam surgir, para que uma cousa possa
existir entre nós: a União Geral dos Metallurgicos...
173
Estevam Boni defendia a união dos metalúrgicos em torno da UGM. Os
trabalhadores deviam tentar se manter unidos, apesar das suas diferenças. Estas
diferenças seriam questões menores perto daquilo que realmente interessava, a melhoria
das condições de vida dos metalúrgicos. Esta melhoria seria conseguida somente pela
173
O Metallurgico: orgão official da União Geral dos Metallurgicos, 01 de maio de 1918 (p. 1)
113
organização dos trabalhadores, através da UGM. Para ele, não eram doutrinas, como por
exemplo o anarquismo, que iriam resolver o problema dos metalúrgicos. A UGM iria
possibilitar a resolução desses problemas. Outro ponto interessante é que a UGM não
queria resolver o problema dos explorados, mas sim dos trabalhadores metalúrgicos. Ela
representava um setor bem específico da sociedade. Sua luta estava atrelada às
demandas dos metalúrgicos. Olinto Rabelo escreveu um artigo seguindo a mesma linha
de pensamento de Boni:
...E’ preciso que todos reconheçaes que a união faz a força e que se de
conseguir alguma cousa com a cooperação de todos.
A nossa União acha-se fundada e reconhecida como entidade jurídica
e defensora dos direitos dos seus associados; portanto vinde cooperar
conosco, combinar e estudar os meios, sem prejuízo nosso, sem afronta aos
interesses patronaes, visto que é mais fácil mudar-mos de amos que
desembaraçarmo-nos delles.
174
Mais uma vez fica claro o esforço para mobilizar os metalúrgicos. Rabelo
observa que a União era reconhecida como entidade de direito jurídico. A luta contra os
patrões era entendida como algo muito difícil, por isso a união dos trabalhadores era
fundamental. Ele queria deixar claro para os metalúrgicos que a UGM era uma
organização séria, que agia dentro da lei. A UGM seria fundamental na luta dos
trabalhadores por melhores condições de vida. Buscava-se afastar uma possível relação
entre a UGM e a idéia de desordem. Ele defendia que a UGM tinha todo o direito de
existir, pois representava os interesses legítimos dos metalúrgicos, sem desrespeitar os
interesses do restante da sociedade. A UGM fazia oposição aos patrões, mas esta
oposição seria justa. Rabelo deixa claro também que a UGM era um espaço para o
diálogo. Ele convidou os metalúrgicos para participarem desse espaço. Ali existiam
várias linhas de pensamento que deviam somar forças, para alcançar um objetivo geral
comum: o reconhecimento da UGM como representante da categoria dos metalúrgicos e
a melhoria das condições de vida destes. Uma idéia de revolta também estava presente,
pois ele considerava que se livrar dos patrões era mais fácil que se desembaraçar deles.
Assim, havia espaço também para a existência de uma postura mais radical.
Rabelo não abria mão do caráter revolucionário que considerava necessário estar
presente no sindicato. Podemos observar isso em outro trecho do seu artigo:
174
O Metallurgico: órgão official da união Geral dos Metallurgicos, 01 de maio de 1918 (p. 4)
114
Os syndicatos ou sociedades de resistência são associações operárias
destinadas á defesa dos interesses dos trabalhadores contra a exploração dos
capitalistas. Recebem diversos nomes, conforme os paizes: syndicatos, ligas
de resistência, uniões de officios, associações de classe, trade-unions, etc.
E’ o conjunto de idéas e de systemas sobre a organização operaria, a sua
acção e os seus methodos de luta. Essas disposições empregam-se por vezes,
em sentido um tanto distincto, em virtude da diferença de methodos e
tendências de diversas organizações...
A sociedade de resistência mais perfeita, embora não sem defeitos, é o
syndicato francez, adherente á Confederação Geral do Trabalho. E’
puramente de resistência facilitando a entrada de todos, procurando agrupar
o maior numero possível, mas sem por isso deixar de agir constantemente
pelos meios mais directos.
Trata de conquistar melhoramentos (sobretudo reducção de horas),
fazendo assim ensaios para a gréve geral revolucionaria...
175
Para Rabelo, o sindicato francês ligado à Confederação Geral do Trabalho,
embora tivesse seus problemas, era uma referência. Ele relaciona as virtudes deste
sindicato, nos permitindo identificar como deveria ser um sindicato, segundo suas
idéias. Os sindicatos deveriam ser puramente de resistência, não abrindo espaço para o
mutualismo e para o cooperativismo. Assim, os sindicatos não correriam o risco de se
desviarem de sua verdadeira função, a luta contra os patrões, buscando melhorias para
as categorias que representavam. O sindicato ideal também deveria ser acessível a todos
os trabalhadores, pois a união de todos fortaleceria a luta operária. Outra característica
defendida era a ação direta. Os sindicatos não deveriam buscar intermediários para
resolver seus problemas. Para isso, os trabalhadores deveriam negociar diretamente com
os patrões ou recorrer à greve. A greve é entendida como tendo uma dupla função. No
curto prazo, permitir a conquista de direitos para os trabalhadores. No longo prazo,
através da greve geral revolucionária, permitir uma grande mudança na organização da
sociedade. A Confederação Geral do Trabalho francesa foi responsável pelo texto,
aprovado em 1906, que deu base e fundamento ao sindicalismo revolucionário. Os
objetivos centrais desse texto eram a organização dos trabalhadores na defesa de seus
interesses, sem relacionar essa luta a qualquer tendência política. Esses princípios
poderiam ser aceitos por militantes de várias correntes políticas diferentes. O sindicato
seria um espaço de união, no qual deveria ser tolerada a divergência doutrinária.
176
Poderíamos então afirmar que a UGM era um sindicato baseado no sindicalismo
revolucionário? Não. A UGM sofria influência de várias correntes ideológicas. Sofria
175
O Metallurgico: orgão official da União Geral dos Metallurgicos, 01 de maio de 1918 (p. 4)
176
TOLEDO, E. Anarquismo e sindicalismo revolucionário: Trabalhadores e militantes em São Paulo na
Primeira República. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004. (p. 49-50)
115
também forte influência dos trabalhadores que buscava mobilizar. A idéia de greve
geral revolucionária poderia ser aceita por grupos diversos. Os anarquistas, por
exemplo, poderiam aceita-la. Apesar das greves que buscavam direitos para os
trabalhadores estarem em desacordo com a doutrina anarquista, elas podiam ser
toleradas e exploradas por eles. O fracasso das greves poderia fortalecer o discurso
anarquista, que defendia que somente uma revolução resolveria o problema dos
explorados. Os anarquistas poderiam utilizar a greve geral revolucionária como meio
para estabelecer a futura sociedade libertária. A idéia de greve geral revolucionária é
algo muito vago, pois sugere mudanças significativas, mas não especifica quais
mudanças seriam essas, ou seja, não esclarece como funcionaria a nova sociedade.
Assim, vários grupos diferentes poderiam abraçar essa idéia transferindo conflitos
doutrinários para o futuro. Contudo, nem todos dentro da UGM eram favoráveis à idéia
de greve geral revolucionária. Esta idéia não era uma unanimidade. Esta era uma idéia
defendida por Olinto Rabelo. Além disso a ação direta, que era uma idéia defendida
tanto pelo sindicalismo revolucionário quanto pelo anarquismo, não foi a única
estratégia de mobilização adotada pela UGM. Esta recorreu em alguns momentos a
intermediários que pudessem mediar suas negociações com os patrões. Como
observamos, até mesmo os intendentes do Conselho Municipal fizeram esse papel. A
utilização de autoridades do Estado, como mediadores, era uma postura defendida pelo
sindicalismo reformista, que também tinha influência na UGM, e por muitos socialistas.
Agora precisamos voltar nossa atenção para uma diferença relevante. Uma coisa
era o sindicato defendido por Olinto Rabelo, outra coisa era o sindicato que realmente
existia. Vamos observar mais um trecho do artigo de Rabelo:
O mutualismo ( e com elle o cooperativismo) não serve senão para
mascarar a acção economica da sociedade, e para attrahir como uma isca
traiçoeira, uma multidão de apathicos e inconscientes, que pensam no
subsidio, que se associam com a mira no socorro e que, depois de
associados, apparecem na séde social quando se trata de reclamar o cobre
providencial.
Essa gente não constitui uma força, a não ser negativa: é um
embaraço, um peso morto, uma bola aos pés da associação.
A união faz a força, mas é... a união de forças: forças que devem ser
concordantes e, portanto, conscientes. Pergunto: são conscientes do
verdadeiro fim da associação a resistencia os que se associam com o fito
do subisidiosinho? [...]
Quando a sociedade se põe a fazer mutualismo e a arregimentar por
este meio rebanhos de resignados e de cobardes, sem nenhum intuito de
116
resistencia, sem nenhuma idéa de protesto, está perdida para toda a
actividade fecunda...
177
Rabelo defendia rigorosamente que a UGM fosse unicamente uma sociedade de
resistência. Ele considerava que o mutualismo e o cooperativismo somente
atrapalhavam a luta dos trabalhadores, afastando o sindicato do seu verdadeiro fim. Esta
crítica não era gratuita. Rabelo estava incomodado com a presença de idéias e práticas
mutualistas e cooperativistas dentro da UGM. Ele combatia essas idéias, pois queria
impedir que o sindicato fosse fortemente influenciado por elas. Ele não se limitou a
criticar o mutualismo e o cooperativismo no plano teórico, mas criticou principalmente
os trabalhadores. Para ele, os trabalhadores atraídos pelo mutualismo eram um peso
morto, até mesmo um embaraço para o sindicato. As direções da UGM sabiam que as
práticas mutualistas interessavam aos trabalhadores. Elas ajudavam os militantes, na sua
luta com o objetivo de atrair trabalhadores para o sindicato. A ajuda fornecida, através
do sindicato, aos trabalhadores, nos momentos em que estes passavam por situações
difíceis, contribuía para a criação de vínculos entre os trabalhadores e o sindicato. A
direção da UGM tinha consciência disso, apesar de existirem membros da diretoria
contrários às práticas mutualistas. As direções da UGM combateram as iniciativas
beneficentes criadas pelos patrões. A UGM queria evitar a “concorrência”, com estas
associações, pelos trabalhadores. Os patrões tinham certa influência sobre os
trabalhadores ligados às associações beneficentes patronais. Isto poderia dificultar a
filiação desses trabalhadores ao sindicato, enfraquecendo as mobilizações dos
trabalhadores mais agressivas, como as greves por exemplo.
Como observamos anteriormente, a UGM estava fazendo um grande esforço
para mobilizar os trabalhadores. Este esforço atraiu um grupo heterogêneo de
trabalhadores para o sindicato. Não necessariamente para se filiar a ele, mas mantendo
alguma espécie de vínculo. Durante uma greve, a UGM não recorria somente aos
trabalhadores filiados, mas sim a todos os metalúrgicos. Para mobilizar esses
metalúrgicos era preciso atender de alguma forma a suas expectativas. Sem dúvida,
muitos trabalhadores eram receptivos às idéias do mutualismo e do cooperativismo. A
UGM recorreu a práticas mutualistas. Por exemplo, a União arrecadou dinheiro para
socorrer as famílias das vítimas do desastre de Mocanguê.
178
A união estava preocupada
177
O Metallurgico: orgão official da União Geral dos Metallurgicos, 01 de maio de 1918 (p. 4)
178
O Metallurgico: orgão official da União Geral dos Metallurgicos, 01 de maio de 1918 (p. 2-3)
117
em socorrer famílias de trabalhadores que sofreram acidentes de trabalho. Este tipo de
atitude recebia a aprovação de muitos trabalhadores. Num ambiente, no qual os
trabalhadores praticamente não tinham proteção social, é natural que o mutualismo
ganhasse espaço.
Podemos considerar como normal que alguém como Rabelo, defensor da ação
direta e da greve revolucionária, se incomodasse com o mutualismo. De certa forma, o
mutualismo era contrário aos seus princípios. As práticas mutualistas colocavam a
responsabilidade da proteção social nos ombros dos trabalhadores. Para Rabelo, o
trabalhador consciente saberia que mais importante que os direitos, seria a mudança das
relações existentes entre trabalhadores e patrões. Para ele o mutualismo não contribuía
em nada nesse sentido. Se os trabalhadores gastassem seu tempo e sua energia buscando
construir práticas mutualistas, a resistência, considerada prioridade para Rabelo, poderia
ficar em segundo plano. Por considerar a resistência como a razão da existência dos
sindicatos, Rabelo considerava que a resistência e o mutualismo eram incompatíveis.
Interessante notar que o preconceito contra os trabalhadores não era exclusividade de
parte das elites. O preconceito existia entre os próprios trabalhadores. Rabelo dividia os
trabalhadores em conscientes e inconscientes. Os conscientes participavam ativamente
dos sindicatos, defendiam a ação direta e a revolução. Os inconscientes eram
acomodados, submissos e estavam presos a questões menores, como a conquista de
benefícios. Estes últimos, considerados covardes, Rabelo queria ver fora do sindicato.
Estes ditos acomodados, no entanto, participavam da UGM, ou como filiados ou em
momentos que esta precisava do apoio dos trabalhadores. Eles, na verdade, não eram
acomodados, apenas tinham interesses e expectativas diferentes das de Rabelo. Muitos
podiam não participar tão ativamente do dia a dia do sindicato, mas todos eles tinham
que lutar cotidianamente pela sobrevivência.
A UGM tinha duas finalidades centrais. Ela deveria defender e auxiliar os seus
membros. A idéia de defesa parece estar associada à luta de classes. Os metalúrgicos
unidos através da associação seriam mais fortes, na luta contra os patrões. A idéia de
auxilio é algo muito geral. Parece estar ligada a união dos trabalhadores para enfrentar
as dificuldades encontradas cotidianamente. Os metalúrgicos eram em sua maioria
pessoas pobres, submetidas a duras condições de trabalho. Assim, a idéia de auxilio
mútuo, através da sua associação, era algo que interessava à maioria deles. A UGM
estava comprometida com essa preocupação dos trabalhadores. No artigo 1º. dos
estatutos da associação, que tratava de seus fins, encontramos a idéia de auxilio.
118
Art.1º. A União Geral dos Metallurgicos com sede no Rio de Janeiro,
fundada em . de Maio de 1917, para defeza e auxilio de seus associados,
compõe-se de illimitado numero de artistas metallurgicos, desde a edade de
14 annos, sem distincção de nacionalidade e religião.
179
Em seus estatutos, art.3º.item f, a UGM declara, como um de seus fins, o
objetivo de criar uma caixa beneficente, para o auxilio dos associados quando doentes.
A UGM também tinha a intenção, art.3º.item a, de fornecer aos trabalhadores, em sua
sede, aulas noturnas sobre português, aritmética, desenho e geometria. Assim, as
práticas mutualistas ou beneficentes tinham não somente grande ressonância dentro da
UGM, mas eram na verdade uma preocupação fundamental da associação, que chegava
mesmo a estar explicitada nos seus estatutos. Dessa forma, para a grande maioria dos
metalúrgicos, não devia haver grandes problemas em conciliar as práticas mutualiatas
com a luta travada com os patrões, por melhores condições de vida. A defesa do
mutualismo, feita dentro da UGM, não impedia que os metalúrgicos a considerassem
como uma associação de resistência. Devemos lembrar que a UGM era filiada à UGT,
que só aceitava como membros associações de resistência.
A UGM, assim como a UGCC e o COP e ao contrário da UOFT, era uma
associação de ofício. Ela representava categorias profissionais variadas, que eram
agrupadas como pertencentes à área da metalurgia. No artigo 1º. Parágrafo único dos
estatutos da União constava:
§ unico São considerados metallurgicos: Ferreiros, Serralheiros,
Machanicos, Torneiros, Segeiros, Fundidores, Caldeireiros de ferro e cobre,
Galvanisadores, Bombeiros Hydraulicos, Funileiros, Electricistas,
Modeladores, Ourives, e todos aquelles cujas occupações se relacionem com
a technica metallurgica.
180
Por ser um sindicato de ofício, a UGM representava um grupo de trabalhadores
bastante heterogêneo, com expectativas variadas. Cada ofício tinha sua especificidade.
Assim, a União precisava fazer um grande esforço, caso quisesse acompanhar a
mobilização de cada ofício. Por exemplo, as demandas dos serralheiros poderiam ser
179
Estatutos da União Geral dos Metalúrgicos. Arquivo Nacional. Fundo: 1º. Oficio de Registro de
Títulos e Documentos do Rio de Janeiro. Série: Estatutos de Sociedade Civil. Notação: V-60. Registro nº.
902. 21 de dezembro de 1917. (p. 3)
180
Estatutos da União Geral dos Metalúrgicos. Arquivo Nacional. Fundo: 1º. Ofício de Registro de
Títulos e Documentos do Rio de Janeiro. Série: Estatutos de Sociedade Civil. Notação: V-60. Regirtro nº.
902. 21 de dezembro de 1917. (p. 3)
119
diferentes das demandas dos fundidores. Os torneiros poderiam ser mais propícios ao
diálogo com as autoridades, enquanto os funileiros poderiam ter uma postura mais
favorável à ação direta. A UGM tinha a opção de tentar mobilizar separadamente cada
ofício ou podia tentar mobilizar o conjunto dos metalúrgicos. Neste ultimo caso, ela
precisaria buscar certo consenso entre as categorias de trabalhadores. Devemos lembrar
que, além de divergências entre trabalhadores de categorias profissionais diferentes,
também havia divergências entre trabalhadores da mesma categoria, que atuavam em
estabelecimentos diferentes. Cada estabelecimento tinha características próprias.
A UGM mantinha delegados nos estabelecimentos metalúrgicos. Podia haver um
ou mais delegados em cada estabelecimento, de acordo com o numero de seções. Os
delegados eram eleitos, pelos seus companheiros de oficina, para o período de um ano.
Os delegados tinham duas funções principais. Deviam manter a UGM informada sobre
todos os acontecimentos, relacionados à classe dos metalúrgicos, ocorridos nos
estabelecimentos. Deviam também facilitar a cobrança da mensalidade dos filiados. Os
delegados deveriam prestar contas das mensalidades recebidas no dia primeiro de cada
mês. Garantir o pagamento freqüente das mensalidades não era tarefa fácil. A presença
dos delegados nos estabelecimentos metalúrgicos facilitava essa cobrança. Dessa forma,
os filiados não precisavam se deslocar até a sede da UGM para efetivar o pagamento.
Caso os trabalhadores se esquecessem de pagar as mensalidades, os delegados deveriam
reavivar-lhes a memória. Isto podia ser feito inclusive nos dias de pagamento dos
funcionários dos estabelecimentos. A direção da UGM não precisava então cobrar os
filiados da associação, bastava que cobrasse os delegados. Esta estratégia facilitava a
cobrança, mas não resolvia totalmente o problema. A UGM solicitava com freqüência,
através do Jornal do Brasil, o comparecimento dos delegados à sede, com o objetivo de
receber as mensalidades. A UGM tinha certa dificuldade em receber as mensalidades,
através dos delegados. Os delegados deviam também fazer a propaganda da União,
procurando ampliar o número dos sócios. Eles tinham a obrigação de manter uma
postura correta, cumprindo seus deveres profissionais e morais. Eles deviam intervir,
sempre que necessário, para manter a harmonia entre os operários. Tinham a obrigação
de comparecer às reuniões da diretoria da UGM.
181
181
Estatutos da União Geral dos Metalúrgicos. Arquivo Nacional. Fundo: 1º. Ofício de Registro de
Títulos e Documentos do Rio de Janeiro. Série: Estatutos de Sociedade Civil. Notação: V-60. Registro nº.
902. 21 de dezembro de 1917. (p. 14-15)
120
Em maio de 1918, a UGM possuía 59 delegados que atuavam em 49
estabelecimentos. No Loyd Brasileiro havia seis delegados da União, atuando nas
seguintes seções: seção de máquinas, seção de caldeireiro, seção de caldeireiro de ferro
da oficina flutuante, oficina flutuante, seção de caldeireiro de cobre e Ilha do Viana.
Devemos destacar que na Fábrica de Tecidos Botafogo, na seção de máquinas, havia um
delegado da UGM, chamado Rogério Lemos.
182
Assim, em um estabelecimento têxtil
havia trabalhadores têxteis e trabalhadores metalúrgicos. Mais que isso, na Botafogo
havia representantes da UGM e da UOFT. Dois sindicatos atuavam ao mesmo tempo
em um mesmo estabelecimento. Dessa forma, uma greve na Fábrica Botafogo acabaria
envolvendo dois sindicatos diferentes. Pelo fato da Fábrica Botafogo ser um
estabelecimento têxtil, a UOFT tinha muito mais influência do que a UGM. Uma
evidencia disto foi que na greve realizada na Botafogo, no mês de agosto de 1917, a
direção da UOFT falou em nome dos grevistas e pediu o auxilio do Chefe de Polícia,
como intermediário entre os trabalhadores e os patrões. No entanto, a presença dos
metalúrgicos no estabelecimento nos permite levantar questões. Como esses
metalúrgicos, que representavam um número reduzido de trabalhadores da Botafogo,
reagiriam a uma greve iniciada pelos têxteis? Eles acatariam as decisões da UOFT,
mesmo estando filiados a outro sindicato? Essas perguntas são difíceis de serem
respondidas, pois os metalúrgicos agiriam de formas variadas, de acordo com a
conjuntura. Parece que, em agosto de 1917, os metalúrgicos da Fábrica Botafogo foram
solidários com os trabalhadores têxteis. A imprensa cobriu esse acontecimento e não
relatou nenhum desentendimento entre os metalúrgicos e os têxteis. Se os metalúrgicos
tivessem boicotado a greve, isso provavelmente teria provocado grande
descontentamento nos têxteis, que provavelmente teriam se manifestado repudiando tal
atitude. Outro fato relevante era que a UOFT e a UGM tinham bom relacionamento.
Contudo devemos ressaltar que os trabalhadores agiam de acordo com as circunstâncias.
Seu comportamento podia variar bastante. A UGM tinha o objetivo de representar todos
os trabalhadores metalúrgicos. A associação tinha a ambição de exercer certo controle
sobre as atitudes dos trabalhadores, mas essa influência da UGM sobre os trabalhadores
tinha limitações. Em muitos casos, os trabalhadores tomavam decisões sem antes
consultar a UGM. Os delegados tinham dois tipos de vínculos diferentes. Estavam
vinculados à diretoria da União, mas ao mesmo tempo representavam os operários dos
182
O Metallurgico: orgão official da União geral dos Matallurgicos, 01 de maio de 1918 (p. 2)
121
estabelecimentos, nos quais atuavam. Se houvesse algum tipo de desacordo entre a
postura da UGM e a postura dos trabalhadores de um determinado estabelecimento, o
delegado teria que assumir uma posição. Esta normalmente devia ser uma posição
conciliadora, pois muitos delegados também fizeram parte das direções ou dos
conselhos fiscais da UGM. Por exemplo, José Viegas da Silva era delegado na firma L.
B. de Almeida, Estevam Boni era delegado na firma Ângelo Boni, Olinto R. de Moraes
era delegado na Cafeteria Brasileira e Atanagildo Pereira era delegado na Garage
Laucie.
183
A UGM declarou em seus estatutos, art. item j, o objetivo de organizar um
serviço de estatística e de colocação nas oficinas, com a finalidade de se tornar a única
intermediaria direta entre patrões e empregados.
184
Isto mostra que a UGM tinha o
interesse de controlar o mercado de trabalho na área da metalurgia. Se este objetivo
fosse alcançado, o sindicato seria muito fortalecido. A UGM teria maior poder para
atrair os trabalhadores, pois a obtenção de um emprego na área da metalurgia
dependeria de indicação da associação. A UGM se fortaleceria também diante dos
patrões, pois teria maior poder de mobilização e mais comprometimento da parte dos
trabalhadores.
No dia vinte e oito de março de 1917, realizou-se uma assembléia geral, na sede
da Federação Operária, para tratar da fundação de uma associação dos trabalhadores da
construção civil. Nessa assembléia compareceram aproximadamente trezentas pessoas.
A mesa que presidia os trabalhos era composta por Antônio Ribeiro, Paschoal Gravina e
Juvenal Leal, respectivamente presidente e secretários. Paschoal Gravina consultou a
assembléia para saber se a associação que seria fundada deveria manter o nome antigo,
União Geral da Construção Civil. A assembléia concordou com o nome. Na verdade,
estava ocorrendo a reorganização de uma associação que havia existido no passado.
José Madeira foi escolhido para dirigir os trabalhos da assembléia. Foi eleita uma
comissão para dirigir a UGCC. Foram escolhidos: primeiro tesoureiro, Antônio
Oliveira; segundo tesoureiro, José Luiz Ferreira; secretários, José Rodrigues Gonçalves
e Antônio Sá. Paschoal Gravina sugeriu que a assembléia nomeasse uma comissão para
a criação dos estatutos da UGCC. A comissão nomeada era composta por: Francisco
Pinto Ferreira, José de Almeida, Augusto Joaquim de Castro, Juvenal Leal, Bernardino
183
O Metallurgico: orgão oficial da União geral dos Metallurgicos, 01 de maio de 1918 (p. 2)
184
Estatutos da União Geral dos Metalúrgicos. Arquivo Nacional. Fundo: Primeiro Ofício de Registro de
Títulos e Documentos do Rio de Janeiro. Série: Estatutos de Sociedade Civil. Notação: V-60. Registro nº.
902. 21 de dezembro de 1917. (p. 4)
122
Dias e Wenceslao Areal.
185
A UGCC foi fundada no dia 3 de abril de 1917.
186
No dia
quatro de abril, os operários da construção civil se reuniram em assembléia geral
extraordinária, para aprovar os estatutos da UGCC. A assembléia foi presidida por José
Madeira e teve como secretários José Rodrigues Gonçalves e Antônio Sá. Os estatutos
foram lidos pelo presidente da comissão de estatutos e aprovados por unanimidade pela
assembléia.
187
Contudo, esses estatutos continuaram sendo debatidos durante todo o ano
de 1917. Eles só foram aprovados de forma definitiva no mês de dezembro de 1917.
No início do mês de julho, a UGCC estava recolhendo dinheiro, para ajudar as
famílias dos trabalhadores que foram vítimas do desmoronamento do hotel York.
188
No
dia sete de julho, o hotel York que estava em construção, na rua da Carioca esquina com
a Silva Jardim, desabou fazendo muitas vítimas. A obra estava sendo conduzida pela
firma Jannuzzi, Filhos & C.
189
No dia vinte e dois de julho, a agitação operária era
enorme na cidade do Rio de Janeiro. Muitos comícios e reuniões de trabalhadores
estavam sendo realizados. A greve de São Paulo influenciava os trabalhadores do Rio de
Janeiro. Eles discutiam que postura tomar frente à greve que havia sido decretada
pelas classes dos marceneiros, entalhadores e sapateiros. Foi feita uma reunião da
UGCC, na sede da Federação Operária, na qual os trabalhadores da construção civil se
declararam em greve geral. Ficou decidido que a greve teria início imediatamente e que
os operários voltariam ao trabalho, quando os patrões atendessem às suas
reivindicações.
190
No dia seguinte, em assembléia geral da UGCC, a carestia foi
duramente criticada e os trabalhadores da construção civil apresentaram suas
reivindicações, que eram as seguintes:
- Adopção da jornada de 8 horas de trabalho normal principiando ás 7 e
terminando ás 16, com uma hora para almoço, sendo que aos sabbados e
feriados terminem ás 15 e domingos ás 14 horas.
Na mesma reunião ficou tambem deliberado que o prazo maximo do
pagamento da feria aos operários seja de 15 dias não excedendo do dia 17 e
2 de cada mez.
- Fixação dos salários mínimo em 8$ para todos os officiaes dos diversos
officios de que se compõe a associação e 5$ para os serventes e 4$ para os
aprendizes menores de 18 annos e maiores de 14.
185
Jornal do Brasil, 29 de março de 1917 (p. 8)
186
Estatutos da União Geral da Construção Civil. Arquivo Nacional. Fundo: Primeiro Ofício de Registro
de Títulos e Documentos do Rio de Janeiro. Série: Estatutos de Sociedade Civil. Notação: V-62. Registro
n°. 922. 22 de março de 1918. (art. 1°)
187
Jornal do Brasil, 06 de abril de 1917 (p. 11)
188
Jornal do Brasil, 12 de julho de 1917 (p. 10); Jornal do Brasil, 01 de outubro de 1917 (p. 8)
189
Jornal do Brasil, 08 de junho de 1917 (p. 7)
190
Jornal do Brasil, 23 de julho de 1917 (p. 5)
123
- Em caso de accidentes de trabalho, o operário terá direito ao seu salário
integral, durante o tratamento, assim como ás despesas resultantes do
mesmo.
4° - As horas extraordinárias serão pagas pelo dobro.
- Abolição completa dos menores de 14 annos e analphabetos, nas
fabricas, obras e officinas.
- Melhoramento das condições hygienicas nas officinas, fabricas e
habitações collectivas.
7° - Exclusão completa, no que concerne ao mister de outro officio ou
profissão.
- Em caso de falta de operários de que se compõe a associação, podem
ser admittidos ao trabalho os operarios que sejam filiados á União Geral da
Construcção Civil.
191
Uma comissão de intendentes apresentou as reivindicações dos operários da
construção civil aos patrões, no Conselho Municipal. Os patrões se recusaram a
conceder a jornada de trabalho de oito horas, mas concordaram com um salário mínimo
de 5$500 (cinco mil e quinhentos réis). No dia vinte e oito de julho, os trabalhadores da
construção civil, em assembléia geral realizada no teatro Maison Moderne, recusaram a
proposta dos patrões. Os operários declararam que seu movimento era pacífico e não
tinha o objetivo de perturbar a ordem. Eles alegaram que a greve, além de justa, era um
direito dos trabalhadores. O deputado Maurício de Lacerda fez um discurso
emocionado, no qual protestou contra o modo como os trabalhadores vinham sendo
tratados. A polícia estava agindo de forma arbitrária e os patrões resistiam em atender às
reivindicações dos trabalhadores.
192
No dia trinta e um de julho, foi feita uma reunião da UGCC, na sede do Jornal
do Brasil, na qual compareceu grande número de trabalhadores. Depois do discurso de
vários oradores, os trabalhadores decidiram terminar com a greve da construção civil.
Apesar da grande maioria das reivindicações dos trabalhadores não terem sido
atendidas, muitos consideraram que a greve teve um efeito moral positivo para o
movimento operário. Na ocasião, houve um protesto contra a atuação do Chefe de
Polícia. Os trabalhadores o criticaram por agir como mediador nas negociações entre
operários e patrões. Muitos desconfiavam que Aurelino Leal agia dessa forma com o
intuito de controlar o movimento dos trabalhadores. A assembléia também decidiu pela
191
Jornal do Brasil, 25 de julho de 1917 (p. 5)
192
Jornal do Brasil, 29 de julho de 1917 (p. 6)
124
retomada dos trabalhos, com o objetivo de reorganização da classe.
193
A direção da
UGCC considerou que a greve foi somente em parte vitoriosa, devido a pequena
organização existente entre os trabalhadores da classe. Ela solicitou que os
trabalhadores retomassem a propaganda em defesa da associação. O número de
trabalhadores ligados à UGCC era considerado pequeno. Atrair novos trabalhadores
para a União era considerado fundamental.
194
No dia cinco de agosto de 1917, em reunião realizada no Centro Cosmopolita, a
UGCC decidiu enviar um ofício para a Câmara dos Deputados. Este foi endereçado aos
deputados Adolfo Gordo, Maximiniano de Figueiredo, Álvaro de Carvalho e Maurício
Lacerda. O ofício tratava do projeto sobre a legislação operária, que abordava a questão
da jornada de trabalho entre outras coisas. As discussões sobre este projeto, na Câmara,
estavam paralisadas. Os trabalhadores queriam que os deputados colaborassem para o
debate e a aprovação do projeto o mais rápido possível.
195
Em setembro, a UGCC
inaugurou sua nova sede, em um sobrado no Largo de Santa Rira n°. 6. No dia vinte e
seis, o senhor Madeira foi eleito Secretário Geral da UGCC e Antônio Ribeiro Souza foi
aclamado Primeiro Secretário.
196
No mês de outubro, a direção da UGCC escreveu uma carta para o Prefeito do
Distrito Federal, Amaro Cavalcanti, explicando a difícil situação em que se
encontravam os pintores, devido à falta de trabalho. A UGCC queria que o prefeito
ordenasse a realização de obras em prédios que se encontravam em mau estado de
conservação. Solicitavam o cumprimento de um decreto de 1903. A União se
prontificou a esclarecer os engenheiros dos distritos sobre o assunto.
197
Ela estava assim
tentando aumentar a oferta de trabalho para a classe. No dia 19 de outubro, alguns
membros da UGCC, dentre eles Juvenal Leal, José Madeira, Antônio Valente, Antônio
Venâncio e Rafael Domingues, convocaram os trabalhadores para uma reunião. Eles se
mostraram muito preocupados com o futuro da União. Para eles, a UGCC corria o risco
de ser desviada do fim para o qual foi criada, a defesa dos interesses coletivos. Isto
estaria ocorrendo devido a divergências internas e devido ao afastamento de pessoas que
haviam contribuído de maneira significativa para a organização da associação. Eles
consideravam a possível mudança de rumo da União um grave erro. Querendo evitar
193
Jornal do Brasil, 01 de agosto de 1917 (p. 7)
194
Jornal do Brasil, 10 de agosto de 1917 (p. 7)
195
Jornal do Brasil, 06 de setembro de 1917 (p. 8)
196
Jornal do Brasil, 06 de setembro de 1917 (p. 8); Jornal do Brasil, 08 de setembro de 1917 (p. 6); Jornal
do Brasil, 28 de setembro de 1917 (p. 9)
197
Jornal do Brasil, 15 de outubro de 1917 (p. 7)
125
isso, apelavam para a mobilização dos trabalhadores ligados à associação.
198
É provável
que os anarquistas estivessem conseguindo aumentar sua influência dentro da UGCC.
Contudo, isso não significa que eles controlavam a União. Como observamos, muitos
líderes do sindicato resistiram ao aumento da influência dos anarquistas. Devemos
destacar que os anarquistas tinham significativo espaço para a atuação dentro dessa
associação. Mesmo no início da terceira década do século vinte, quando os anarquistas
haviam perdido um pouco de espaço dentro das associações de trabalhadores em que
tradicionalmente atuavam, a UGCC continuou sendo um importante espaço de atuação
dos anarquistas, que tentavam combater o aumento da influência dos comunistas sobre o
movimento operário.
No mês de novembro, a UGCC estava se esforçando para negociar com os
patrões reivindicações específicas de cada estabelecimento. Ela estava focando sua
atenção em casos particulares. Buscava defender as demandas dos trabalhadores de cada
empresa de forma separada. Por exemplo, defenderam as reivindicações dos
trabalhadores do construtor Jeno Germano. Reuniram separadamente os trabalhadores
da firma Jannuzzi e Filhos, para discutir sobre suas reivindicações. Um ofício foi
enviado ao senhor Antônio Jannuzzi. As reivindicações diziam respeito à jornada de
trabalho e aos descontos sofridos pelos operários. A União transferiu sua sede para a rua
General Gomes Carneiro, n°. 14.
199
No dia primeiro de dezembro, a UGCC inaugurou a Escola Racionalista e
Primária, que tinha o objetivo de fornecer um ensino básico para os operários e seus
filhos. A escola oferecia aulas de português elementar e aritmética geral. As aulas de
aritmética ficaram sob a responsabilidade de Álvaro Palmeira. Este jovem professor não
era apenas um atuante anarquista, mas também foi um dos líderes da insurreição
anarquista, de novembro de 1918. A presença de anarquistas em uma escola, criada por
uma associação de trabalhadores com o intuito de fornecer ensino sico para os
trabalhadores e seus filhos, nos ajuda a analisar as complexas relações existentes entre
trabalhadores e anarquistas. A direção da UGCC considerava que grande parte dos
trabalhadores da construção civil era inconsciente. O principal motivo disso seria a falta
de instrução dos trabalhadores. Assim, uma escola contribuiria para tornar os
trabalhadores conscientes, tornando mais coeso e mais forte o movimento dos
198
Jornal do Brasil, 19 de outubro de 1917 (p. 7)
199
Jornal do Brasil, 02 de novembro de 1917 (p. 7); Jornal do Brasil, 12 de novembro de 1917 (p. 7);
Jornal do Brasil, 23 de novembro de 1917 (p. 8)
126
trabalhadores da categoria. Muitos operários começavam a trabalhar durante a infância,
logo não tinham a oportunidade de estudar. A maioria deles tinha muito pouca instrução
e o número de analfabetos era grande. A existência de uma escola, mantida pela
associação, era uma oportunidade para esses trabalhadores. Muitos trabalhadores,
adultos, poderiam se alfabetizar, ou melhorar seu domínio do português e da matemática
elementar. A escola também permitiria que filhos de trabalhadores tivessem a
oportunidade de estudar, algo que muitos deles nunca tiveram. A educação até certo
ponto estava associada a idéia de ascensão social. Assim, é razoável considerar que
muitas famílias de trabalhadores apoiavam a existência da escola. Para os anarquistas, a
escola era uma oportunidade de difundir sua doutrina, entre os trabalhadores e suas
famílias. Os anarquistas aceitavam trabalhar como professores gratuitamente. Isto era
interessante para a UGCC que possuía poucos recursos e tentava viabilizar a existência
da escola. Os anarquistas, os trabalhadores e a UGCC tinham interesses específicos que
em determinadas situações se complementavam, permitindo que todos caminhassem
juntos. Os trabalhadores aceitavam a colaboração dos anarquistas, não porque tinham
aceito a doutrina libertária, mas porque os anarquistas contribuíam para que eles
alcançassem parte dos seus interesses. Com essa afirmação não estamos dizendo que
não existiam trabalhadores anarquistas ou trabalhadores influenciados em vários graus
pelas idéias libertárias. Estamos somente mostrando como trabalhadores com
influências políticas variadas podiam conviver bem com intelectuais anarquistas, que
não eram homens filiados ao sindicato e nem mesmo eram operários.
Em meados de dezembro, houve uma reunião na sede da UGCC para a
nomeação de uma nova diretoria. No início de janeiro de 1918, em assembléia geral
extraordinária, tomou posse a seguinte diretoria: secretário da correspondência,
Valentim de Brito; primeiro secretário, Júlio Moreira da Costa, segundo secretário,
Avelino Dominguez; primeiro tesoureiro, Galeano Tostões; segundo tesoureiro,
Francisco Fernandes. Neste dia tomou posse também o Conselho da Classe. Este era
composto, pelos pedreiros, Manuel Fernandes de Castro, Alfredo Mesquita e José de
Almeida, pelos estucadores, Licinio de Almeida, Jerônymo de Brito e Frederico do
Nascimento, pelos carpinteiros, Manuel Fernandes, Manuel Victoria e Zeferino Antônio
Reis, pelos pintores, José da Silva Varandas, Abílio Lobo e Clementino Galhardo. A
nova diretoria e o novo conselho tinham mandato para o ano de 1918.
200
200
Jornal do Brasil, 17 de dezembro de 1917 (p. 5); Jornal do Brasil, 02 de janeiro de 1918 (p. 5)
127
Nos meses de janeiro e fevereiro de 1918, a UGCC se manifestou contra o pouco
comprometimento dos trabalhadores da categoria e contra a perseguição de
trabalhadores ligados à União, feita pelos patrões. Segundo a UGCC, delegados seus
junto às obras estavam sendo perseguidos e demitidos. A União apelava aos patrões
para que mudassem essa postura. Outro problema que incomodava a associação era o
apoio que muitos trabalhadores estavam dando aos patrões. Este apoio estaria
prejudicando a luta pela defesa dos interesses da classe. A União considerava estes
trabalhadores como inconscientes, e recomendava que eles buscassem se informar e
mudassem sua conduta. A UGCC considerava que seu principal problema estava sendo
a mobilização dos trabalhadores. Primeiro, havia divergências dentro da associação que
dificultavam a criação de um consenso. Segundo, muitos trabalhadores eram
considerados acomodados. Estes considerariam que a luta por melhores condições de
vida era tarefa da União, e não deles. A UGCC fez um apelo aos trabalhadores, pedindo
que eles abandonassem os botequins e fossem participar do dia a dia da associação. A
União declarava que a obrigação de lutar por melhores condições de vida era de todos
os trabalhadores. Ela nada poderia fazer sem a colaboração e o comprometimento
deles.
201
No início do mês de março, realizou-se, na sede da UGCC, uma conferência do
senhor Urich D’Avila, com o tema “A burla eleitoral”. O conferencista criticou o modo
como foram feitos os pleitos na capital e nos estados. Seu discurso contou com o apoio
dos trabalhadores presentes. O sistema eleitoral não inspirava confiança em grande parte
dos trabalhadores.
202
Desde a criação da UGCC, a jornada de trabalho de oito horas era uma de suas
bandeiras. No dia três de junho de 1918, reuniram-se na sede da União, os fundidores e
formadores do serviço de estuque. Eles decidiram reivindicar a jornada de trabalho de
oito horas. Ficou marcado que futuramente seria decidido o modo como eles iriam fazer
isso.
203
Nesse mês a União também instalou uma sucursal no bairro da Piedade, com o
objetivo de mobilizar os trabalhadores dos subúrbios.
204
No final do mês, de acordo com
os estatutos da União Geral dos Trabalhadores, foi realizada a eleição para a nova
diretoria da UGCC. Esta ficou assim constituída: primeiro secretário, Júlio Madeira;
segundo secretário, José Madeira; primeiro tesoureiro, Felix Gomes; segundo
tesoureiro, Galeano Tostões e bibliotecário, Clementino Galhardo. Esta nova diretoria
201
Jornal do Brasil, 21 de janeiro de 1918 (p. 6); Jornal do Brasil, 18 de fevereiro de 1918 (p. 7)
202
Jornal do Brasil, 06 de março de1918 (p. 6)
203
Jornal do Brasil, 04 de junho de 1918 (p. 8)
204
Jornal do Brasil, 20 de junho de 1918 (p. 6)
128
tomou posse no dia quatro de julho.
205
No dia dez de julho, em assembléia geral, o
primeiro tesoureiro, Galeano Tostões, pediu e obteve sua demissão. A demissão foi
aceita devido à insistência de Galeano. Manuel Victorio foi aclamado para o cargo de
primeiro tesoureiro.
206
Em meados de julho houve grandes desentendimentos dentro da UGCC. O
motivo foi o mesmo que parece ter causado a demissão de Estevam Boni, presidente da
UGM. A mensagem enviada pela UGT ao Congresso Nacional. A mensagem, como
observamos anteriormente, criticava a guerra e reivindicava leis que regulassem o
trabalho. Em reunião na sede da UGCC houve um caloroso debate, no qual se
manifestaram oradores contrários e a favor da mensagem da UGT. A sessão foi bastante
agitada e muitos se exaltaram. Houve alguns pedidos de demissão, mas estes foram
recusados pela assembléia. Em nova reunião, no dia doze, a discussão continuou. O
senhor Samurano fez uma proposta solicitando a retirada dos delegados da UGCC que
atuavam junto à UGT. Estes delegados haviam apoiado o conteúdo da mensagem
enviada pela UGT ao Congresso. A retirada desses delegados deixaria claro que a
UGCC não concordava com o conteúdo dessa mensagem. Esta proposta que causaria
um afastamento entre as associações, foi rejeitada por uma diferença de apenas quatro
votos. Em seguida, depois de muito combatida, foi aprovada uma moção do senhor J.
Madeira. Esta aplaudia a atitude dos delegados da UGCC junto à UGT, afirmando que a
UGCC estava de acordo com a redação, da mensagem enviada pela UGT ao
Congresso.
207
J. Madeira era membro da direção da UGCC. Esta direção fez um esforço
muito grande para apoiar a UGT, num momento em que esta estava sendo duramente
questionada. Isto mostra como a direção da UGCC dava suporte à atuação da UGT.
No dia vinte e três de outubro de 1918, a UGCC decidiu em assembléia geral
criar o Comitê Pró-Combate à Fome, para atuar junto às outras classes, com o objetivo
de combater a situação de miséria em que se encontravam os trabalhadores. Estes além
de sofrerem com a carestia habitual, também estavam sendo timas da epidemia de
gripe espanhola. Foram feitas várias reuniões com outras categorias. No final de
outubro, a sede da UGCC foi invadida por policiais. Estes, na ausência dos diretores da
União, ameaçaram o funcionário da limpeza e fizeram uma busca na sede, com o intuito
de encontrar manifestos. A UGCC protestou considerando a busca ilegal e
205
Jornal do Brasil, 27 de junho de 1918 (p. 7); Jornal do Brasil, 05 de julho de 1918 (p. 8)
206
Jornal do Brasil, 12 de julho de 1918 (p. 7)
207
Jornal do Brasil, 19 de julho de 1918 (p. 7); Jornal do Brasil, 20 de julho de 1918 (p. 6)
129
completamente desnecessária, uma vez que os manifestos eram distribuídos ao público
em geral, logo não eram secretos. A União considerou que esta busca, feita pela polícia,
tinha como motivação combater a atuação que a UGCC vinha tendo entre as outras
categorias, através de seu Comitê Pró-Combate à Fome. Sua diretoria considerou que
isto também não fazia sentido, pois a UGCC além de atuar pacificamente e dentro da
legalidade, também informava regularmente a todos, através de notas na imprensa,
sobre o conteúdo de suas reuniões. Para eles, a atitude correta seria a polícia aguardar a
chegada de membros da diretoria, e então efetuar sua busca. A atitude da polícia foi
considerada ilegal, arbitrária e uma provocação aos trabalhadores.
208
No mês de
novembro, o Comitê Pró-Combate à Fome da UGCC continuou organizando atividades
e convidando os trabalhadores e o povo para participar.
209
Vamos observar agora um trecho do protesto feito pela diretoria da UGCC,
contra a invasão da sua sede pela polícia.
Esta União legalmente constituída e registrada, vem por meio deste
jornal fazer o seu vehemente protesto contra as violencias policiaes
praticadas em sua sede...
...A busca a que procederam sem a minima formalidade legal, sem o
minimo escrupulo à propriedade alheia não foi mais do que o inicio de um
assalto á séde na ausencia dos responsaveis pela sua guarda, abusando da
fraqueza de um simples empregado que nada poderia fazer nem se oppor
mostrando a esses policiaes o caminho legal a seguirem...
210
Estes trechos do protesto são esclarecedores. Aqui valores caros à direção da
UGCC ficam evidentes. Eles afirmaram que a União era legalmente constituída e
registrada. Com isso queriam mostrar que atuavam dentro da lei. A estratégia de
mobilização da UGCC prezava a legalidade. A polícia era mostrada como uma
instituição que atuava fora da legalidade, causando prejuízos aos interesses legítimos
dos trabalhadores. O discurso da direção da UGCC chega até mesmo a defender a
propriedade privada. Para a associação, a polícia, ao invadir de maneira arbitrária sua
sede, estaria desrespeitando a propriedade alheia. A UGCC estava invertendo o discurso
habitual da polícia, que dizia que usava a força para manter a ordem, defender a
propriedade e garantir os direitos individuais. A direção da UGCC afirmava ser
defensora da legalidade. Ela se julgava defensora dos direitos legítimos dos
208
Jornal do Brasil, 30 de outubro de 1918 (p. 5)
209
Jornal do Brasil, 02 de novembro de 1918 (p. 6)
210
Jornal do Brasil, 30 de outubro de 1918 (p. 5)
130
trabalhadores, que eram violados pelas arbitrariedades das autoridades do Estado e pela
exploração feita pelos patrões. A União também deixava clara sua preocupação em
conseguir apoio da opinião pública. Esta postura estava muito distante de uma postura
anarquista. Os libertários sempre defenderam abertamente o fim do Estado e a
subversão da ordem estabelecida. Sem duvida havia disputas políticas dentro da União.
Como observamos anteriormente, em outubro de 1917, importantes líderes da UGCC
manifestaram publicamente preocupação, com a possibilidade da associação ser
desviada do fim para o qual foi criada, a defesa dos interesses coletivos. No entanto,
esta possibilidade não se concretizou. As direções seguintes que foram eleitas eram
compostas por homens que estiveram, desde a fundação da associação, comprometidos
com a defesa dos interesses coletivos. José Madeira, por exemplo, assumiu o cargo de
segundo secretário em julho de 1918. Entre 1917 e 1918, os anarquistas atuaram dentro
da UGCC e tiveram influência nessa associação, mas as direções da UGCC não eram
compostas por anarquistas, nem tinham o anarquismo como referência central.
Como podemos observar, no parágrafo único do art. dos seus estatutos, a
UGCC era um sindicato de ofício. Ele afirma que a União:
Procurará agremiar todos os operários que se empregam em construcção
civil, taes como: pintores, carpinteiros, estucadores, pedreiros, serventes,
etc.
211
Em algumas ocasiões, a UGCC defendeu as demandas de ofícios específicos que
pertenciam à área da construção civil. Em outubro de 1917, a União lutou pelos
interesses dos pintores. Solicitou a intervenção do Prefeito do Rio de Janeiro, para a
realização de obras em prédios que se encontravam em mau estado de conservação.
Com isso a União desejava aumentar a oferta de emprego, principalmente para os
pintores. Nesse momento, o numero de desempregados entre os pintores era grande. Em
julho de 1918, se reuniram, na sede da UGCC, os fundidores e os formadores do serviço
de estuque. Eles desejavam reivindicar a jornada de trabalho de oito horas. Essa era uma
reivindicação de toda a área da construção civil, mas nessa ocasião se reuniram
estucadores e fundidores. A UGCC tinha o objetivo de mobilizar em conjunto todas as
categorias de trabalhadores da construção civil, mas com freqüência atuava focando
211
Estatutos da União Geral da Construção Civil. Arquivo Nacional. Fundo: Primeiro Ofício de Registro
de Títulos e Documentos do Rio de Janeiro. Série: Estatutos de Sociedade Civil. Notação: V-62. Registro
n°. 922. 22 de março de 1918. (art. 1°)
131
interesses de ofícios específicos ou interesses de trabalhadores de estabelecimentos
específicos.
Os estatutos da UGCC determinavam que a diretoria dessa associação fosse
composta por nove membros: presidente, vice-presidente, secretário geral, e
secretários, e tesoureiros e e bibliotecários.
212
No entanto, nas diretorias da
UGCC, parece que não existiram pessoas ocupando os cargos de presidente e vice-
presidente entre 1917 e 1918. O Conselho Fiscal tinha a função de fiscalizar a diretoria.
Este conselho era eleito trimestralmente e seus membros não podiam ser reeleitos. Na
UGCC, além da diretoria e do Conselho Fiscal, também existia um Conselho de Classe.
Este conselho tinha o dever de sugerir medidas que pudessem contribuir para o
engrandecimento da União. Devia também organizar e fiscalizar as obras e oficinas,
solucionando questões de interesse específico de uma determinada oficina. O Conselho
de Classe era constituído pelos delegados das obras e oficinas. Este conselho deveria se
reunir regularmente às segundas-feiras e extraordinariamente sempre que necessário. Os
delegados das obras e oficinas eram eleitos por seus companheiros de trabalho, para um
período de três meses. Eles podiam ser reeleitos. Os delegados tinham a obrigação de
fiscalizar as condições de segurança das obras e cobrar as mensalidades dos filiados da
UGCC. Os delegados deviam prestar contas, das mensalidades cobradas dos associados,
ao 1° tesoureiro.
213
A UGCC tinha interesse no mutualismo e no cooperativismo. Como
mencionamos anteriormente, a União criou uma Escola Racionalista e Primária. Nos
seus estatutos, a União declarou ter como objetivos, entre outros, a criação de uma
Dispensa Operária de Consumo e a criação de um Instituto Profissional, para seus
associados e seus filhos. Consideramos que o interesse na criação dessas instituições
não estava relacionado somente com o desejo de auxiliar os trabalhadores. Isto fazia
parte da estratégia de mobilização da UGCC. O acesso a esses benefícios estaria ligado
à filiação dos trabalhadores ao sindicato. A aprovação de leis que garantissem direitos
para os trabalhadores também era uma preocupação central da União. Ela declarou, nos
seus estatutos, que iria trabalhar pela regulamentação da jornada de trabalho de oito
212
Estatutos da União Geral da Construção Civil. Arquivo Nacional. Fundo: Primeiro Ofício de Registro
de Títulos e Documentos do Rio de Janeiro. Série: Estatutos de Sociedade Civil. Notação: V-62. Registro
n°. 922. 22 de março de 1918. (art. 5°)
213
Estatutos da União Geral da Construção Civil. Arquivo Nacional. Fundo: Primeiro Ofício de Registro
de Títulos e Documentos do Rio de Janeiro. Série: Estatutos de Sociedade Civil. Notação: V-62. Registro
n°. 922. 22 de março de 1918. (art. 2°, art. 5°, art. 6°, art. 8°, art. 10°)
132
horas e pela regulamentação do salário mínimo.
214
Parece que a UGCC tinha o interesse
em obter algum controle sobre o mercado de trabalho, no setor da construção civil. Os
sócios da União, além de pagarem uma mensalidade de 1$000 (mil réis), deviam
também pagar no ato da admissão 1$000 (mil réis), para a obtenção de uma caderneta
profissional. A União se propunha a conseguir emprego para seus associados, quando
esses se encontrassem desempregados.
215
Uma das reivindicações da UGCC, durante a
greve de julho de 1917, foi o compromisso dos patrões de aceitarem em seus
estabelecimentos trabalhadores ligados à associação.
216
Durante o mês de janeiro de 1917, os operários em pedreiras estavam
mobilizados. Eles realizaram várias reuniões na sede da FORJ, na Praça Tiradentes, nº.
71. Nessas reuniões foram tratados diversos assuntos. Entre os temas mais discutidos
estavam o desemprego e a carestia. O Sindicato dos Operários das Pedreiras foi
reorganizado no final do mês de janeiro e manteve sua sede no prédio da FORJ.
217
Ele
foi registrado somente no mês de outubro do ano seguinte, com o nome de Centro dos
Operários em Pedreiras (COP). O Sindicato dos Operários das Pedreiras era um
sindicato de ofícios. Seus estatutos especificavam as categorias de trabalhadores que
poderiam pertencer ao sindicato.
Poderão fazer parte do Centro todos os operários de pedreiras, a saber:
ferreiros e ajudantes de ferreiros, cavouqueiros, ancunhadores, canteiros,
macaqueiros, serventes, marmeiros e aprendizes da mesma arte.
218
O COP declarava explicitamente não ter interesse em questões políticas ou
religiosas.
219
Suas finalidades eram as seguintes:
O Centro tem por fim:
a) Defender os direitos econômicos e moraes dos sócios;
214
Estatutos da União Geral da Construção Civil. Arquivo Nacional. Fundo: Primeiro Ofício de Registro
de Títulos e Documentos do Rio de Janeiro. Série: Estatutos de Sociedade Civil. Notação: V-62. Registro
n°. 922. 22 de março de 1918. (art. 2°)
215
Estatutos da União Geral da Construção Civil. Arquivo Nacional. Fundo: Primeiro Ofício de Registro
de Títulos e Documentos do Rio de Janeiro. Série: Estatutos de Sociedade Civil. Notação: V-62. Registro
n°. 922. 22 de março de 1918.
216
Jornal do Brasil, 25 de julho de 1917. (p. 5)
217
Jornal do Brasil, 07 de janeiro de 1917. (p. 8); Jornal do Brasil, 15 de janeiro de 1917. (p. 5); Jornal do
Brasil, 01 de fevereiro de 1918. (p. 7).
218
Estatutos do Centro dos Operários em Pedreiras. Arquivo Nacional. Fundo: 1º Oficio de Registro de
Títulos e Documentos do Rio de Janeiro. Série: Estatutos de Sociedade Civil. Notação: V-65. Registro nº.
967. 17 de outubro de 1918. (art. 4º)
219
Idem. (art. 3º)
133
b) Intervir diretamente em todas as questões que possam surgir entre
operários e patrões;
c) Cuidar de tudo que diga respeito á dignidade e decôro da classe;
d) Educar e instruir moralmente seus associados;
e) Combater qualquer divergência de nacionalidade ou raça;
f) Manter inalterado o horário de 8 horas de trabalho e o pagamento mensal
e quinzenal.
220
Assim como as outras associações de trabalhadores estudadas, o COP estava
interessado em questões econômicas. A jornada de trabalho de oito horas, assim como o
estabelecimento de datas para os pagamentos, era uma questão que interessava à grande
maioria dos trabalhadores da cidade do Rio de Janeiro. O desenvolvimento educacional
e moral dos operários também era uma preocupação da maioria das associações de
trabalhadores da cidade. Contudo, entre todas as associações estudadas, o COP foi a
única que se preocupou em citar nos seus estatutos, de forma enfática, o combate a
divergências de nacionalidade ou de raça. A UGM mencionou a intenção de não fazer
distinções com base na nacionalidade ou na religião, mas parece que dava menos
atenção a essa questão do que o COP. Conflitos étnicos não eram incomuns no
movimento operário, mas na maioria dos casos a solidariedade de classe prevalecia.
Consideramos que esses conflitos estavam ocorrendo com significativa freqüência no
setor de pedreiras. Por isso, o combate a esses conflitos foi citado, nos estatutos do
COP, como uma das finalidades da associação. A associação buscava a união entre os
trabalhadores, pois sabia que isto era fundamental para o progresso da categoria e para o
fortalecimento do sindicato.
A direção do COP era aclamada em assembléia geral. Ela era composta por sete
membros, que deveriam ocupar os seguintes cargos: um secretário geral, dois
secretários auxiliares, dois tesoureiros e dois bibliotecários. Os mandatos dos diretores
tinham duração de um ano. Em outubro de 1918, os diretores do COP eram os
seguintes: secretário geral, Albino Ferreira Monteiro; primeiro secretário auxiliar,
Alfredo Silva; segundo secretário auxiliar, Benanço Moreira; primeiro tesoureiro,
Manoel Ribeiro da Costa; segundo tesoureiro, Guilherme Barroso; primeiro
bibliotecário, Agostinho Moreira Gonçalves e segundo bibliotecário, Francisco
Henrique. Os diretores deviam apresentar trimestralmente um balancete, explicando as
despesas e as receitas do Centro, a uma assembléia geral. Nesta, deveria ser nomeada
uma comissão para revisar o balancete. Os membros da administração não podiam ser
220
Idem. (art. 2º)
134
reeleitos. Também não podiam exercer cargo algum no período de seis meses após o
término dos seus mandatos.
221
O COP possuía delegados nas oficinas. Eles tinham a obrigação de fazer a
cobrança das mensalidades dos cios. Deviam também distribuir avisos e manifestos.
Os delegados eram nomeados pela diretoria. Quando um sócio se recusava a respeitar as
decisões dos delegados, estes deveriam comunicar o fato à diretoria da associação, que
deveria impor ao sócio infrator uma punição correspondente a sua falta. Para que um
operário fosse inscrito no COP, ele precisava apresentar-se ao delegado da oficina em
que trabalhava e ser abonado por dois sócios do Centro. Ele deveria contribuir com a
quantia mensal de mil réis. Para ocupar um cargo na associação, o sócio deveria ter
mais de dezoito anos. Os encarregados e feitores podiam pertencer ao COP, mas não
tinham o direito de votar ou serem votados.
222
Como podemos observar, ao
compararmos as associações de trabalhadores estudadas, o COP era a associação que
designava mais atribuições aos delegados. Isto estava relacionado com o grande esforço,
feito pelo COP, para subordinar os trabalhadores da categoria à autoridade da
associação. Os delegados das associações deviam representar os trabalhadores de cada
estabelecimento. Deviam também representar as associações nos estabelecimentos e
cobrar as mensalidades dos associados. Com base nos estatutos, podemos afirmar que
delegados do COP, além de terem todas essas funções, também tinham o dever de
contribuir para o fortalecimento e para a manutenção da autoridade da associação, sobre
os trabalhadores dos estabelecimentos. Os estatutos do COP buscavam garantir que os
delegados tivessem vínculos mais fortes com a direção da associação, do que com os
trabalhadores dos estabelecimentos que representavam. Por isso os delegados eram
nomeados pela diretoria da associação e não eleitos por seus companheiros de trabalho,
como era feito nas outras associações de trabalhadores estudadas. O COP buscava
fornecer significativo poder aos delegados, pois assim eles poderiam contribuir, para o
fortalecimento da autoridade da associação, sobre os trabalhadores da categoria. Por
isso, os trabalhadores para entrarem na associação dependiam dos delegados, e os
trabalhadores associados podiam ser punidos, mediante denuncia dos delegados.
O COP estava interessado nas práticas mutualistas. A associação tinha a
intenção de criar escolas racionalistas, para educar os trabalhadores. O Centro pretendia
também criar uma Caixa de Socorros Mútuos, desvinculada dos cofres da associação.
221
Idem. (art. 16º, 17º, 18º e 22º)
222
Idem. (art. 5º, art. 6º, art. 7º, art. 30º, art. 33º, art. 36º e art. 37º)
135
Em julho de 1918, o COP forneceu auxilio a operários que haviam sofrido acidentes de
trabalho e desejavam se tratar. Nessa ocasião, foram feitas duras críticas à falta de apoio
dos patrões a esses operários. O COP era filiado à UGT e especificou em seus estatutos
que, no caso de sua dissolução, seus bens deveriam ser entregues à UGT. Esta deveria
organizar uma nova associação para representar a classe.
223
O COP desejava controlar o mercado de trabalho da categoria. Defendia em seus
estatutos que, caso um operário fosse demitido por falta de serviço, outro poderia ser
contratado após a readmissão do funcionário demitido, se este ainda estivesse
desempregado. O COP também desejava punir o operário que atuasse como espião dos
patrões. Este deveria ser expulso da oficina, na qual trabalhava, e somente após cumprir
15 dias de suspensão poderia trabalhar em outra oficina. O sócio que deixasse de pagar
três meses de mensalidade, salvo por motivo de desemprego ou doença, deveria ser
expulso do sindicato. O Centro deveria também auxiliar os companheiros, perseguidos
injustamente pelas autoridades e pelos patrões, durante conflitos coletivos.
224
No mês de
julho de 1918, o atraso na cobrança das mensalidades estava causando embaraços à
agremiação. O COP então pediu aos seus delegados, que não deixassem trabalhar os
associados que devessem ao sindicato mais de dois meses.
225
Parece que o COP tinha
um maior controle sobre o mercado de trabalho da categoria que representava, do que as
outras associações estudadas. Dessa forma, o Centro ganhava força para barganhar com
os patrões melhores condições de trabalho. Quanto maior fosse o controle de uma
associação sobre o mercado de trabalho, maior seria seu controle sobre os trabalhadores
da categoria. Estes, por serem mais dependentes da associação, teriam maior dificuldade
para entrar em conflito com ela. Um trabalhador que entrasse em conflito com o
sindicato poderia ter suas chances de arrumar trabalho significativamente reduzidas. Isto
geraria maior fidelidade e maior comprometimento com as resoluções aprovadas pelo
sindicato. Isto daria maior poder ao sindicato para pressionar os patrões.
Durante o ano de 1917 foi criada uma Comissão Central de Melhoramentos. Ela
era composta por operários e patrões. Esta comissão tinha o objetivo de harmonizar os
interesses dos patrões e dos operários. Tinha também o objetivo de contribuir para o
desenvolvimento do setor das pedreiras. Em fevereiro de 1918, foram empossados os
223
Idem. (art. 32º, art. 40º e art. 41º); Jornal do Brasil, 08 de julho de 1918. (p. 6)
224
Estatutos do Centro dos Operários em Pedreiras. Arquivo Nacional. Fundo: 1º Oficio de Registro de
Títulos e Documentos do Rio de Janeiro. Série: Estatutos de Sociedade Civil. Notação: V-65. Registro nº.
967. 17 de outubro de 1918. (art. 10º, art. 12º, art. 14º e art. 15º)
225
Jornal do Brasil, 06 de julho de 1918. (p. 6)
136
novos diretores da Comissão Central de Melhoramentos. Representando os industriais,
foram empossados: José Ferreira Ribeiro, Antônio Ferreira Monteiro (reeleito), Alberto
Magalhães, Américo Pinto dos Santos e Manuel Gomes Vieira. Representando os
operários, foram empossados: Marcelino da Costa Ramos, Antônio Silva (reeleito),
Mathias de Figueiredo, Álvaro Dias Duarte e Antônio José Moreira.
226
A Comissão
Central de Melhoramentos era um importante espaço para o diálogo entre os industriais
e os operários do setor de pedreiras. Esta comissão, além de contar com o
reconhecimento de ambas as partes, possuía diretores eleitos, representando tanto os
operários quanto os industriais, que mantinham contato permanente. Isto contribuía para
a solução de conflitos existentes entre industriais e operários. Em outros setores, as
associações de trabalhadores encontravam muita dificuldade para manter um diálogo,
permanente e produtivo, com as associações que representavam os industriais.
Normalmente os patrões resistiam em reconhecer as associações de trabalhadores como
legítimas representantes dos operários. No setor das fábricas de tecidos, a UOFT tinha
muita dificuldade para estabelecer um diálogo com o Centro Industrial, associação que
representava os industriais do setor. Normalmente o estabelecimento do diálogo entre as
duas associações era alcançado em momentos de tensão, através da intervenção de um
intermediário. Este, com freqüência, era um representante da polícia.
Consideramos que o movimento operário no setor das pedreiras tinha duas
características marcantes, que diferenciavam esse setor dos demais setores envolvidos
na greve. Primeiro, a associação de trabalhadores tinha grande influência sobre um
significativo número de trabalhadores, porque possuía algum controle sobre o mercado
de trabalho. Consideramos que as outras associações de trabalhadores, que participaram
da greve, também tinham significativa influência sobre os trabalhadores. No entanto,
elas tinham menos influência sobre os trabalhadores das categorias que representavam,
do que o COP tinha sobre os trabalhadores do setor das pedreiras. Apesar de terem
mobilizado um grande numero de operários, elas não conseguiram evitar que um
razoável número de trabalhadores se recusasse a aderir à greve, em novembro de 1918.
Os trabalhadores de muitas fábricas de tecidos e de muitas oficinas metalúrgicas se
recusaram a participar da greve. Na construção civil, muitos trabalhadores também
adotaram a mesma postura. Defendemos que no setor de pedreiras, houve um apoio
mais abrangente dos operários à greve e à associação de trabalhadores, do que nos
226
Jornal do Brasil, 02 de fevereiro de 1918. (p. 7); Jornal do Brasil, 21 de novembro de 1918. (p. 6)
137
outros setores que também estavam envolvidos na greve. Segundo, ao contrário dos
outros setores estudados, existia no setor de pedreiras significativo espaço para o
dialogo, entre a associação de trabalhadores e a associação dos industriais. A Comissão
Central de Melhoramentos era um mecanismo muito importante, para a viabilização e
manutenção desse diálogo. A identificação dessas características, específicas do setor
das pedreiras, é fundamental para que possamos entender o sucesso da greve, iniciada
pela categoria em novembro de 1918.
Vamos tratar agora da União Geral dos Trabalhadores do Rio de Janeiro. No dia
dezenove de março de 1918, a Federação Operária do Rio de Janeiro publicou um
comunicado no Jornal do Brasil. Neste, ela fazia um sintético histórico de suas
atividades. A FORJ declarava ser uma associação com doze anos de existência, que
atuava desde a época do Primeiro Congresso Operário do Rio de Janeiro, em 1906.
Durante sua existência, ela alternou momentos de grande sucesso na mobilização dos
trabalhadores com momentos de apatia. Segundo a direção da Federação, o ano de 1917
representou um período de sucesso na mobilização, pois as agitações contra a carestia,
iniciadas em janeiro desse ano, resultaram nas greves do mês de julho. A FORJ
considerou que o movimento dos operários em julho, apesar de moralmente bem
sucedido, não teve boa orientação e coesão entre os trabalhadores, devido a carência
numérica de operários conscientes. No segundo semestre de 1917, a Federação
lamentava que muitas categorias de trabalhadores que foram iniciadas na organização
por ela neste ano, depois de organizadas se recusaram a se federar. Elas buscaram um
caminho de independência com relação à FORJ. Isto foi visto pela Federação como
prova da falta de consciência de grande parte dos trabalhadores. A união das
associações em torno de uma federação era considerada como fundamental, para o
sucesso da luta dos trabalhadores. Em outubro de 1917, preocupadas com essa questão,
algumas associações de trabalhadores ligadas à FORJ, dentre elas a UGCC, criaram
uma comissão que convidou todas as associações não federadas para uma reunião. O
objetivo dessa reunião era encontrar a melhor forma de unificar em um bloco as
sociedades de resistência do Rio de Janeiro. Esta reunião aconteceu no dia vinte e cinco
de outubro de 1917. Nesta ocasião constituiu-se um entendimento para a criação de um
novo organismo federativo.
227
227
Jornal do Brasil, 19 de março de 1918 (p. 9)
138
Durante o ano de 1918, esse novo organismo se tornou uma realidade, a União
Geral dos Trabalhadores do Rio de Janeiro. No dia quatorze de março de 1918, a FORJ
deixou de existir, pois se incorporou a UGT. A UGT substituiu a FORJ. Não interessava
a existência de duas federações de associações de trabalhadores. Isto poderia dividir os
trabalhadores em dois blocos, criando conflitos entre eles. A criação da UGT foi
motivada pela dificuldade que a FORJ estava encontrando, para atrair grande parte das
associações de trabalhadores. Esta tarefa não era fácil, pois dentro do movimento dos
trabalhadores havia muitas divergências. As disputas pelo poder entre diferentes grupos
de trabalhadores também devem ser consideradas. Na verdade, a criação da UGT era
uma tentativa de estabelecer um consenso entre um grupo maior de associações de
trabalhadores. Esta tentativa foi bem sucedida. A UGT foi criada com base no debate
entre várias associações de trabalhadores que tinham suas diferenças. Para a criação da
UGT, foi necessário que ressentimentos existentes, entre associações, fossem colocados
de lado. Este esforço tinha o objetivo de unir as classes trabalhadoras em um organismo
federativo, organizado de baixo para cima, com métodos e critérios de ação próprios. A
UGT deveria contribuir para o fortalecimento dos laços de solidariedade entre os
trabalhadores. Ela deveria possibilitar a existência de uma federação de associações de
trabalhadores maior, mais unida e mais forte.
228
Como não poderia deixar de ocorrer, a criação da UGT encontrou resistência em
parte dos trabalhadores, que fizeram duras criticas à nova federação. Vamos observar
um comunicado da assembléia de delegados da UGT, rebatendo algumas dessas críticas.
Esta assembléia estava reunida na sede da UOFT.
...A assembléa de delegados da União Geral dos Trabalhadores
resolveu:
- Protestar contra a villissima infamia do Sr. H. de Olinda de que
nesta União havia dinheiro de patrões;
- Declarar categoricamente que os fins a que esta associação se
propõe são os expressos nos seus estatutos não se tratando em seu seio de
quaisquer doutrinas políticas, religiosas ou philosoficas sendo por isso
insidiosa a exclamação do mesmo senhor. “Não queremos anarquistas aqui
dentro”.
229
A UGT, no início de suas atividades, sofreu todo tipo de críticas. Até mesmo
críticas que pareciam o ter muito fundamento. Era bastante improvável que a UGT
recebesse dinheiro dos patrões. Não podemos esquecer que a UGT incorporou a FORJ,
228
Jornal do Brasil, 19 de março de 1918 (p. 9)
229
Jornal do Brasil, 23 de março de 1918 (p. 8)
139
logo parte dos membros de sua direção provavelmente pertenceu à antiga direção da
FORJ. Esta nunca teve uma postura submissa aos patrões, pelo contrário sempre os
desafiou. A UGT tinha a FORJ como referência, por que então os patrões lhe dariam
dinheiro? Esta parece ter sido uma acusação infundada, inspirada por disputas existentes
no movimento operário. Se observar-mos as acusações de H. de Olinda, perceberemos
que elas parecem ser incompatíveis. Uma sugere subordinação aos patrões enquanto
outra sugere adesão ao anarquismo. Temos que reconhecer que os anarquistas
normalmente não eram acusados de receber dinheiro dos patrões. Isto não teria sentido.
De qualquer forma, essas acusações além de ofenderem, também preocuparam os
dirigentes da UGT. Esta era uma associação nova, que estava se esforçando para ganhar
o apoio e o respeito dos trabalhadores. Ao rebater essas críticas, a Assembléia de
Delegados da UGT afirmou publicamente que a nova instituição não queria ter relações
com os anarquistas. Os anarquistas não eram mal vistos somente pelas autoridades, mas
também por parte dos trabalhadores. Se a imagem da UGT ficasse fortemente associada
aos anarquistas, isto poderia dificultar a união entre os trabalhadores, que era o principal
objetivo da UGT. Importante observar que entre os delegados das associações de
trabalhadores, que faziam parte da assembléia da UGT, estavam os delegados da UOFT,
da UGM, da UGCC e do Sindicato dos Operários das Pedreiras, que mais tarde adotaria
o nome de COP. Com o objetivo de esclarecer os trabalhadores sobre as idéias que
orientavam a UGT, a Assembléia citou os estatutos desta. Vamos tratar desses estatutos.
Capitulo - Fins Art - A União Geral dos Trabalhadores do Rio de
Janeiro, organizada de accordo com os presentes estatutos, tem por fim:
A) Promover o levantamento moral e intellectual dos trabalhadores;
B) Empregar todos os esforços para melhorar as condições economicas,
profissionaes e sociaes dos mesmos.
[...]
Art - A União Geral dos Trabalhadores do Rio de Janeiro, não pertence a
nenhuma escola, facção ou doutrina política ou religiosa, não podendo tomar
parte collectivamente em eleições, manifestações partidarias ou religiosas,
nem tampouco qualquer de seus membros, individualmente livres e
autonomos poderá servir-se de um titulo ou funcção da U. G. dos
Trabalhadores do Rio de Janeiro, com esse intuito.
230
A finalidade da UGT era a melhoria das condições de vida dos trabalhadores.
Em nenhum item dos seus estatutos se defendia uma mudança radical da estrutura
social. Isto é um indício forte de que esta associação não era liderada por anarquistas.
230
Jornal do Brasil, 26 de março de 1918 (p. 6)
140
Os anarquistas não deixariam de mencionar algo que consideravam fundamental, a
derrubada do regime vigente para a construção da nova sociedade livre. O artigo
terceiro evidencia a preocupação da UGT com a união entre os trabalhadores. Este
artigo afirma explicitamente que a união não pertencia a nenhuma escola, facção,
doutrina política ou doutrina religiosa. A União pertencia aos trabalhadores, não
importando a doutrina política ou religiosa que eles adotassem. Em outros artigos dos
seus estatutos, a União esclareceu o modo como pretendia alcançar seus objetivos. Para
melhorar o grau de instrução dos trabalhadores, a União pretendia promover palestras e
conferências nas sedes das associações federadas. Pretendia também criar bibliotecas,
escolas e cursos, para o ensino primário, secundário e profissional. A UGT desejava
promover a união dos trabalhadores do Rio de Janeiro, através das associações de
classe. Estas permitiriam que eles lutassem pela defesa dos seus interesses. A União
afirmou interesse em manter relações apenas com sociedades exclusivamente operárias,
organizadas sobre o terreno econômico. Só poderiam pertencer a UGT associações
formadas exclusivamente por trabalhadores assalariados, que tivessem como base de
ação a resistência direta aos patrões. Outro requisito para se associar à UGT era a
obrigatoriedade da associação aceitar, em assembléia geral dos seus membros, os
estatutos da União.
231
Estes estatutos mostram claramente que a UGT não tinha um
projeto anarquista. A sua orientação era explicitamente sindicalista.
Joaquim Alves Carneiro, primeiro secretário da UGM, publicou um artigo que
revelava que os estatutos da UGT foram aceitos pela UGM e por mais quinze
associações de trabalhadores. Ele também declarava que, como constava em seus
estatutos, a UGT pretendia criar um jornal diário.
232
Joaquim saudava esta proposta,
pois tinha uma opinião ruim sobre os jornais do Rio de Janeiro.
...Devemos ter em vista que a maioria dos jornaes desta cidade deturpa as
razões que nos assistem, appellidando-nos de anarchisadores e outras coisas
mais, porque lhe convém defender o capitalismo. Porém, enquanto não vem
esse campeão, que divulgará todas as nossas verdades e protestará contra
todas as prepotencias praticadas contra nós, devemos comprar sempre
aquelles que vão noticiando com mais imparcialidade a nossa causa...
233
Joaquim Alves Carneiro considerava que a maioria dos jornais da cidade era
defensora do capitalismo. Isto os levaria a fazer uma campanha contra os interesses dos
231
Jornal do Brasil, 26 de março de 1918 (p. 6)
232
O Metallurgico: orgão official da União Geral dos Metallurgicos, 01 de maio de 1918 (p. 3)
233
O Metallurgico: órgão official da União Geral dos Metallurgicos, 01 de maio de 1918 (p. 3)
141
trabalhadores. Eles além de deturparem seus objetivos, também procuravam difamar as
associações dos trabalhadores. Joaquim rejeitou o rótulo de anarquisadores, posto nos
trabalhadores ligados às associações. Assim ele defendia que tanto a UGT quanto a
UGM não eram associações anarquistas. Elas estariam sendo acusadas de adesão ao
anarquismo, por aqueles que tinham interesse em impedir que os trabalhadores
conseguissem os justos direitos que reivindicavam.
Como observamos anteriormente, a Assembléia de Delegados da UGT havia
afirmado não ter interesse em manter relações com os anarquistas, mas na prática isto
não aconteceu. Em outubro de 1918, a UGT convidou os trabalhadores para assistirem a
uma sessão solene, no teatro Maison Moderne, no qual falaram vários oradores. Entre
esses oradores estavam Álvaro Palmeira e José Elias, anarquistas muito conhecidos. A
UGT também convidou, através da imprensa, os trabalhadores para uma conferência
que se realizaria no mesmo dia. A União comunicou que a conferência seria feita pelo
companheiro Carlos Dias e o tema seria: “A grandeza da obra de Ferrer e sua
interpretação entre os trabalhadores”.
234
No final do século dezenove e início do século
vinte, dentro do anarquismo, surgiu um movimento que defendia a criação de escolas
libertárias. Francisco Ferrer foi um anarquista que atuou na área da educação. Ele criou
a Escola Moderna na região da Catalunha. Na verdade, a escola de Ferrer era uma das
muitas experiências desse tipo existentes na região. Seu objetivo principal era a
alfabetização de camponeses adultos e trabalhadores da indústria. Ele não apresentava
idéias inovadoras, era um racionalista ortodoxo. Apesar disso, Ferrer desafiou o
domínio que a Igreja possuía sobre a educação na Espanha. Em 1909, Ferrer foi preso e
fuzilado, pelo governo conservador, sob a falsa acusação de ter fomentado um levante
na Catalunha. Após sua morte, ele se tornou um mártir para os anarquistas. Estes,
procurando difundir a educação libertária, exageraram muito suas qualidades como
pedagogista.
235
Carlos Dias, Álvaro Palmeira e José Elias da Silva além de serem
anarquistas conhecidos e muito atuantes junto ao movimento operário, também estavam
entre os principais líderes da insurreição anarquista, que aconteceria em novembro de
1918, no Rio de Janeiro. Era de conhecimento público o relacionamento da UGT com
anarquistas. Sua direção tratou Carlos Dias não como um conferencista, mas como
um companheiro. Isto mostra que Carlos Dias era respeitado na UGT.
234
Jornal do Brasil, 12 de outubro de 1918 (p. 8); Jornal do Brasil, 13 de outubro de 1918 (p. 10)
235
WOODCOCK, G. História das idéias e movimentos anarquistas Vol. 2. Porto Alegre: L&PM, 2006.
142
Vamos agora observar a opinião que a polícia tinha sobre a UGT. Em novembro
de 1918, após a insurreição anarquista, foi decretada a dissolução da UGT. Aurelino
Leal, Chefe de Polícia, enviou o seguinte ofício ao Ministro da Justiça:
...Existiu nesta Capital uma sociedade intitulada Federação Operária,
que era um foco de anarchistas, quasi todos estrangeiros...
Numa greve promovida pela referida Federação Operária, greve que
tomou largas proporções e trouxe a cidade um grande panico, resolvi fecha-
la. Mais tarde surgiu uma outra associação, com o nome de União Geral dos
Trabalhadores do Rio de Janeiro, e, segundo a polícia apurou, ella reproduz
a “Federação”; foco de anarchistas, centro de propaganda das chamadas
idéias libertárias e, conseguintemente, de subversão da ordem jurídica e
legal...
236
Aurelino Leal reconhecia que a UGT havia substituído a FORJ. Para ele, as duas
associações tinham o mesmo objetivo. A UGT reproduziria a FORJ. Aurelino afirmou
que, assim como a Federação, a UGT era um foco de anarquistas que funcionava como
centro de propaganda libertária. Isto era em parte verdadeiro. Muitos anarquistas
freqüentavam a UGT e buscavam difundir suas idéias nesse espaço. No entanto, muitas
outras idéias diferentes do anarquismo eram divulgadas na União. O Chefe de Polícia
parecia ter consciência disso. O problema estava no fato do diálogo, entre anarquistas e
trabalhadores, ser para ele inaceitável. Os anarquistas estariam manipulando os
trabalhadores, considerados ingênuos, de acordo com seus interesses. Isto justificaria o
fechamento da associação. Aurelino deixou claro que sua preocupação central era a
manutenção da ordem jurídica e legal. Ele estava disposto a tolerar a existência de
associações de trabalhadores que não mantivessem relações com os anarquistas. Estes
deveriam ser combatidos a todo custo.
José Oiticica, que posteriormente seria o principal líder da insurreição anarquista
de novembro de 1918, escreveu uma carta aberta ao Chefe de Polícia, meses antes da
UGT ser fechada, na época em que Aurelino havia aberto um inquérito sobre a UGT.
Nesta carta, Oiticica fazia comentários sobre a FORJ e a UGT.
...Diz V. E que a Federação Operaria Brasileira, violentamente
extinta por V. Exª, o ano passado, era “um antro de anarchistas e velhacoito
ostensivo e audacioso da vasa internacional atirada às nossas praias, aqui
vivendo em perene abuso da nossa índole hospitaleira e da liberdade de
nossas leis”...
...Se V. Exª quer salvar o Brasil, comece pela vasa nacional, e se não
tem animo nem fôrças para começar de cima, inicie seu trabalho pela
estrebaria da Chefatura de Polícia. É realmente indecoroso, nauseante,
236
Jornal do Brasil, 23 de novembro de 1918 (p. 5)
143
repulsivo, esse corpo de agentes que V. Exª sustenta e ouve.nêle desde o
delator mentiroso, falso, até o assassino criminosamente indultado. São
espiões a quem faltam as extraordinárias qualidades de um espião de guerra.
São covardes, mexeriqueiros, gatunos. Servem pelo dinheiro que lhes dão,
sem nenhuma nobreza de alma, sem nenhum sentimento de dignidade
humana. Humilham-se a tôdas as concessões, agacham-se às mais tristes
ordens. É a vasa mais miasmenta. Faz pena -los arredios, envergonhados
de si mesmos ou inconscientes do seu papel indigno, a ouvirem, sem reagir,
as palavras de repulsa dos trabalhadores espionados. Por essa escória
humana é que V. Exª é instruído do que se passa entre os trabalhadores, do
que se passava na Federação Operária, nessa Federação onde eu fiz
numerosas conferências, um curso inteiro de sociologia, aulas de ciências
naturais e muitas preleções sôbre higiene...
...Assevera V. Exª que se pregou, na Federação Operária, “a subversão
da ordem jurídica e legal”. Esse é realmente o fulcro da revolução social
moderna. Mas, note V. Exª, não é a Federação que a prega. V. Exª ignora
que a Federação não é uma “sociedade”, mas a agremiação de várias
“sociedades operárias”, nenhuma delas, veja bem V. Exª, “nenhuma delas”
anarchista, V. Exª teria o direito de fechar a Federação, se a Federação
incluísse nos seus estatutos e pregasse sistemàticamente a subversão social.
Ora, isso nunca se deu. V. Exª teria tal direito, se a Constituição o
permitisse, de enclausurar apenas os pregadores das tais doutrinas. Por isso o
ato de V. Exª, extinguindo uma associação a que se achavam filiadas
sociedades legalmente constituidas, como a dos marmoristas, foi uma
arbitrariedade, aliás muito comum entre os homens do poder...
...O inquérito ordenado por V. Exª é trabalho inútil. Posso informar a
V. Exª que a atual União Geral dos Trabalhadores é a mesma antiga
Federação Operária com os antigos elementos e outros muitos novos. Os
cinco mil trabalhadores de hontem, graças a V. Exª, são hoje trinta mil,
sòlidamente arregimentados. Não constituem uma “sociedade”, mas
representam a solidariedade de vários grupos operários unidos para um
mesmo fim de defesa mútua. Nenhuma dessas associações, posso garantir a
V. Exª, é anarchista. Os elementos anarchistas que entre elas há, ou são
brasileiros ou estrangeiros “residentes no Brasil”, que se fizeram anarchistas
no Brasil.
237
O inquérito solicitado por Aurelino Leal, sobre a UGT, motivou José Oiticica a
escrever essa carta. Ela é muito esclarecedora, pois trata das relações existentes entre as
associações de trabalhadores do Rio de Janeiro e os anarquistas. Oiticica considerava
que os policiais, que auxiliavam Aurelino Leal, eram despreparados e mal
intencionados. Assim, a liderança da polícia teria construído uma impressão equivocada
sobre as associações de trabalhadores. Oiticica conhecia muito bem tanto a FORJ
quanto a UGT, pois fazia conferências e dava cursos nessas associações. Ele considerou
que o inquérito pedido por Aurelino era desnecessário, pois a UGT era a FORJ com os
mesmos elementos antigos e mais alguns novos. A UGT substituiu a FORJ e tinha a
mesma função dela. Tanto a UGT quanto a FORJ eram a reunião de um conjunto de
237
A Rua, 19 de abril de 1918. In: OITICICA, J. Ação Direta – antologia dos melhores artigos
publicados na imprensa brasileira – meio século de pregação libertária: Editora Germinal,1972. (p.52-
57)
144
associações, unidas com o objetivo da defesa mútua.
238
Segundo ele, a FORJ, a UGT e
as associações federadas a elas não eram associações anarquistas. Estas associações não
defendiam de forma sistemática a subversão da ordem jurídica e legal. Seus estatutos
também não apontavam esse objetivo. Os anarquistas presentes nessas associações é
que defendiam essas idéias. Então, as associações não eram anarquistas, mas nelas havia
espaço para a atuação dos anarquistas. As associações não defendiam o anarquismo,
mas permitiam que os anarquistas divulgassem sua doutrina no seu interior.
Em julho de 1918, Astrogildo Pereira, outro importante líder da insurreição
anarquista de novembro de 1918, escreveu no seu jornal, Crônica Subversiva, sobre a
mensagem enviada pela UGT ao Congresso Nacional. Esta mensagem, como
observamos anteriormente, causou muita polêmica na UGM e na UGCC. Na declaração
de Astrogildo, podemos observar claramente as divergências existentes, entre os
interesses da UGT e os interesses dos anarquistas.
...A mensagem da UGT é o mais ndido e modesto dos programas
proletarianos que se apresentaram nesses dias sanguinolentos de guerras e
revoluções. O Sr. Álvaro de Carvalho, e com ele a Câmara, o Congresso, o
Governo, se tivessem uma visão exata dos acontecimentos formidáveis que
agitam o mundo, teriam recebido a representação da comissão federal da
UGT como um presente de amigos e, amigavelmente (...) tratariam de
concretizar, com uma série de decretos, as medidas apontadas e reclamadas.
Evidentemente, os graves problemas do momento não ficariam solucionados
com isso: mas seriam anteparados, suavizados, disfarçados por algum tempo
mais. Para as classes trabalhadoras, seria a maior das desgraças a sua
aceitação pelos governantes. Seria o triunfo da colaboração de classes,
colaboração, se sabe, de benefícios unilaterais, de exclusivos benefícios
para a burguesia. (...) Temos um século de democracia e de industrialismo a
provar-nos, com provas continuas, invariáveis, repetidas, na Europa como na
América, que as poucas e verdadeiras conquistas realizadas pelo
proletariado são devidas a uma luta cotidiana, a uma guerra constante,
mantidas pelo proletariado contra a burguesia. Todas as vezes,
absolutamente todas as vezes, que a trégua se estabelece e a burguesia,
abnegadamente, distribui favores e melhorias, o resultado final para os
melhorados e favorecidos tem sido um único: negativo. Os tais
indispensáveis paliativos imediatos, vindos de cima, atirados do alto, são
bálsamos que, ao em vez de curar, mais alimentam e cultivam as chagas
abertas... Fosse a mensagem da UGT aceita e fossem decretadas as suas
reclamações, e isso fatalmente viria, de um lado amortecer as energias
combativas do operariado em organização, e de outro lado reforçar o
238
Carlos Augusto Addor citou as seguintes associações de trabalhadores, como filiadas da UGT:
Sindicato dos Operários das Pedreiras, União Geral dos Metalúrgicos, União dos Alfaiates, Sindicato
Federal dos Manipuladores de Tabacos, Sindicato dos Entalhadores, Sindicato dos Marceneiros e artes
Correlativas, Centro Internacional dos vendedores de Pão, União geral dos Trabalhadores em Calçado,
Sindicato dos Operários Vassoureiros e Artes Correlativas, Centro dos Operários Marmoristas, União dos
Operários em Fábricas de Tecidos, União dos Chapelriros, União dos Oficiais Barbeiros e o Centro
Cosmopolita. ADDOR, C. A. A Insurreição Anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Achiamé,
2002. (p. 102 e 104); A União Geral da Construção Civil também era filiada à UGT. Jornal do Brasil, 23
de julho e 1918 (p. 7)
145
prestígio do Estado burguês, retardando a hora do choque decisivo, numa
palavra prolongando a exploração capitalista e a tirania estatal... Esta é a
enérgica panacéia receitada pela comissão federal da UGT...
239
Astrogildo estava irritado com a UGT porque esta não tinha como referencia
para sua atuação a revolução social. Dentro da UGT a idéia de revolução tinha espaço
em alguns discursos, mas não era, nesse momento, referencia para a estratégia de
mobilização da associação. Ele considerava que a UGT tinha um cândido e modesto
programa proletário. Para ele, esse programa não não contribuiria para a revolução
social, como ajudaria a retardá-la. Segundo Astrogildo, o único remédio que poderia
acabar com os males que afligiam os trabalhadores era a revolução social. A conquista
de direitos para os trabalhadores somente contribuiria para a criação de maior harmonia,
nas relações entre patrões e empregados. A harmonia não contribuía para a revolução. O
aumento dos conflitos é que favoreceria a adoção de uma postura mais radical, pelos
trabalhadores. Isto era fundamental para a revolução, que para os anarquistas iria
resolver a maioria dos problemas do mundo. A comissão da UGT estaria propondo uma
panacéia que não produziria efeito. As diferenças entre as idéias anarquistas de
Astrogildo e a linha de atuação adotada pela UGT ficaram claras. O problema não era
que as medidas sugeridas pela UGT não produziriam efeitos. Elas produziriam efeitos,
mas estes não seriam os esperados por Astrogildo. Produziriam sim os efeitos esperados
pelos trabalhadores e pela UGT. As medidas tinham o objetivo de melhorar as
condições de vida dos trabalhadores. A UGT por representar os trabalhadores estava
muito mais comprometida com os interesses destes do que Astrogildo, que tinha
compromisso com a doutrina anarquista. Os trabalhadores tinham necessidades básicas
e urgentes, como alimentar e vestir suas famílias. Na visão dos trabalhadores, a
conquista de direitos poderia ajudar a garantir essas demandas. A revolução era algo
vago, muito menos concreto que os direitos. Quem saberia com certeza o que a
revolução poderia garantir? Os trabalhadores provavelmente não se incomodariam com
o discurso revolucionário e talvez até o apoiassem, desde que as associações
mantivessem o foco na luta por direitos. Este que na verdade era um comportamento
extremamente inteligente da parte dos trabalhadores, era visto como falta de consciência
pelos anarquistas.
239
ADDOR, C. A. A insurreição anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Achiamé, 2002. (p.20)
146
Nenhuma das associações de trabalhadores, estudadas nesse capítulo, adotou
uma orientação política específica. Elas tiveram como objetivo principal a mobilização
dos trabalhadores, para a conquista de direitos. Dentro delas houve espaço para a
atuação de várias correntes ideológicas, que lutaram entre si para influenciar as
associações. Essas correntes tiveram maior ou menor influência de acordo com a
conjuntura. Contudo, as referências principais para essas associações eram as
expectativas dos trabalhadores. Isto ajuda a explicar a significativa mobilização
alcançada no período estudado. No que diz respeito à estratégia de mobilização,
nenhuma dessas associações esteve comprometida exclusivamente com a ação direta.
Todas elas, em maior ou menor grau, aceitaram as autoridades do Estado como
mediadores, entre patrões e trabalhadores.
Nos anos de 1917 e de 1918, entre as associações estudadas, que foram fechadas
pela polícia em novembro de 1918, aquela que estava menos comprometida com a ação
direta era a UOFT. Ela solicitou sistematicamente a atuação das autoridades do Estado
como mediadores, na solução de conflitos entre trabalhadores e industriais. O Chefe de
Polícia fez esse papel em várias ocasiões. Durante esse período, a UOFT normalmente
atuou da seguinte forma: os operários de alguma fábrica se declaravam em greve e
comunicavam sua situação à UOFT. Esta procurava negociar com os patrões, em nome
dos operários, o fim da grave. As direções da UOFT com freqüência solicitavam a ajuda
do Chefe de Polícia, nas negociações entre patrões e empregados. A iniciativa para
envolver o Chefe de Polícia, nessas negociações, a maioria das vezes partia da UOFT.
Assim, nestes casos, os trabalhadores das fábricas que declaravam greves se orientavam
pela ação direta, mas a direção da UOFT não. A presença do Chefe de Polícia era vista,
pela direção da UOFT, como algo positivo, pois contribuía não para evitar a
repressão policial sobre os trabalhadores, mas também para dar maior legitimidade aos
acordos firmados. Não queremos dizer que a UOFT não recorria à ação direta. Ela
apoiou e incentivou muitas greves. Suas direções, com freqüência, se dirigiam aos
patrões para apresentar as reivindicações dos trabalhadores. No entanto, as direções da
UOFT estavam dispostas a abrir mão da ação direta, sempre que julgassem que isso
contribuiria para a conquista de direitos para os trabalhadores. Se as autoridades do
Estado pudessem ajudar, essa ajuda era bem vinda.
As outras associações também desejavam que as autoridades do Estado
interviessem nas relações existentes no mundo do trabalho. A UGT enviou carta ao
Congresso Nacional solicitando leis que regulassem as relações de trabalho. A UGM,
147
nas greves de julho de 1917, aceitou a mediação dos intendentes do Conselho
Municipal. A UGCC criticava a atuação do Chefe de Polícia como mediador, mas
aceitava a mediação de outras autoridades. Ela enviou carta à Câmara dos Deputados
solicitando urgência na aprovação de um Código do Trabalho. O COP estava mais
comprometido com a ação direta, pois buscava alcançar as suas reivindicações através
da Comissão Central de Melhoramentos, que colocava em contato direto os
representantes dos trabalhadores e os representantes dos patrões.
Além das influências do anarquismo, do socialismo e do sindicalismo
revolucionário, essas associações de trabalhadores também sofreram forte influência do
sindicalismo reformista. A busca do diálogo com as autoridades do Estado e a ênfase
dada à conquista de direitos são fortes evidências disto. Em momento algum, entre 1917
e 1918, os anarquistas possuíram o controle dessas associações. O sindicalismo teve
mais influência sobre elas do que o anarquismo. Os sindicalistas de um modo geral
eram mais sensíveis às demandas dos trabalhadores do que os anarquistas. Não é que os
anarquistas ignorassem essas demandas, mas eles julgavam que a satisfação delas não
era fundamental. Não contribuiria para resolver o verdadeiro problema dos explorados.
Para eles, as relações de exploração, existentes entre os homens, deixariam de existir
com a realização da revolução libertária. Aquilo que os principais militantes anarquistas
da cidade do Rio de Janeiro realmente valorizavam, no movimento dos trabalhadores,
não era a conquista de direitos, mas a organização e a mobilização necessárias para lutar
por esses direitos. Esses anarquistas tinham a expectativa de contar com os
trabalhadores, mobilizados e organizados pelos sindicatos, na sua revolução libertária,
que permitiria a construção de um novo mundo. Como os interesses desses anarquistas e
os interesses da grande maioria dos trabalhadores eram diferentes, houve dificuldades
para que eles estabelecessem objetivos comuns, apesar da aproximação entre esses
anarquistas e as associações de trabalhadores ter sido significativa. Parte dos anarquistas
colaborava com os sindicalistas, enquanto mantinha o sonho de converter os
trabalhadores ao anarquismo. Eles obtiveram certo sucesso na divulgação das idéias
libertárias, apesar de terem convertido somente um número muito reduzido de
trabalhadores ao anarquismo. Os trabalhadores dependiam muito da conquista de
direitos, pois lutavam cotidianamente pela sobrevivência de suas famílias. Nesta luta,
aceitavam a ajuda de todos, inclusive dos anarquistas. As idéias revolucionárias tiveram
alguma influência sobre os trabalhadores, no período estudado, mas não foram a
referência principal para a mobilização deles.
148
4) Os anarquistas que planejaram a insurreição de novembro de 1918, na cidade
do Rio de Janeiro.
Neste capítulo, em alguns momentos, estaremos tratando dos anarquistas de um
modo geral, mas nosso foco estará voltado, principalmente, para a análise dos
anarquistas que planejaram a insurreição de novembro de 1918, no Rio de Janeiro. Os
principais líderes da insurreição foram: José Oiticica, Manuel Campos, Agripino
Nazaré, Astrogildo Pereira, Álvaro Palmeira, João da Costa Pimenta, Carlos Dias e José
Elias da Silva.
240
José Rodrigues Leite Oiticica foi considerado o principal líder da insurreição.
Era filho de um Senador, proprietário de terras em Alagoas. Ele se formou em Direito,
na Faculdade de Ciências Jurídicas do Rio de Janeiro, em 1902. Também estudou
Medicina por quatro anos, mas não concluiu o curso. Oiticica era um homem muito
culto e conhecia bem vários idiomas, dentre eles: latim, grego clássico, francês, inglês,
alemão, espanhol, italiano, russo e o esperanto. Converteu-se ao anarquismo em 1912 e
passou a atuar no movimento operário no ano de 1913. Assumiu o cargo de professor de
português no Colégio Pedro II, em 1916, mediante concurso público.
241
Astrogildo
Pereira nasceu na cidade de Rio Bonito, no Estado do Rio de Janeiro. Era oriundo da
classe média. Estudou em um colégio de jesuítas, chamado Colégio Anchieta, em
Friburgo. Estudou posteriormente no Colégio Abílio, em Niterói. Converteu-se ao
anarquismo ainda muito jovem, em 1907, provavelmente devido à leitura do livro A
Conquista do Pão, de Kropotkin. Esta obra teve muita influência sobre ele. Aos vinte e
três anos, participou ativamente do Segundo Congresso Operário Brasileiro, que
aconteceu na sede do Centro Cosmopolita, em setembro de 1913, no Rio de Janeiro. Em
1915, contribuiu significativamente para a realização do Congresso Anarquista Sul-
Americano e do Congresso da Paz, ambos realizados na sede da Federação Operária do
Rio de Janeiro.
242
Carlos Simões Dias era brasileiro e exercia a profissão de tipógrafo.
Ele começou a militar no movimento operário bem no inicio do século vinte. Dias
também foi jornalista, escritor e grande orador. Ele colaborou em vários jornais. Em
1904, junto com o sapateiro Manuel Moscoso, publicava o periódico anarquista, O
240
Jornal do Brasil, 19 de Novembro de 1918. (p. 5); Jornal do Brasil, 24 de Dezembro de 1918. (p. 7)
241
OITICICA, J. Ação Direta – Antologia dos melhores contos publicados na imprensa brasileira – Meio
século de pregação libertária. Rio de Janeiro: Editora Germinal, 1972.
242
DULLES, J. W. F. Anarquistas e Comunistas no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. (p. 34);
RODRIGUES, E. Os companheiros 1. Rio de Janeiro: Editora VJR associados, 1994. (p. 43)
149
Libertário. Carlos Dias foi delegado no Primeiro Congresso Operário Brasileiro, em
1906, e participou da comissão que reorganizou a Confederação Operária Brasileira, em
1913.
243
José Elias da Silva nasceu em Pernambuco e tinha uma origem humilde. Ele foi
um autodidata. No Nordeste, trabalhou em fábrica de tecidos. Depois atuou na Marinha
Mercante, mas foi mandado embora por espalhar idéias anarquistas, entre os
marinheiros embarcados. Em seguida, aprendeu o ofício de sapateiro para senhoras.
Assim como Astrogildo, participou do Segundo Congresso Operário Brasileiro.
244
João
da Costa Pimenta era operário gráfico. Anteriormente, em Campos no estado do Rio de
Janeiro, havia atuado como padeiro. Ele era considerado um competente organizador de
trabalhadores. Atuou no Centro Cosmopolita e ajudou significativamente na
organização dessa associação.
245
Álvaro Palmeira era brasileiro. Ele era um jovem
professor que tinha influência sobre os operários da construção civil. Era um excelente
orador. Agripino Nazaré era um advogado, nascido na Bahia e Manuel Campos era um
espanhol, que trabalhava como estivador.
246
Muitas autoridades, dentre elas o Chefe de Polícia Aurelino Leal, normalmente
acusavam os anarquistas de serem indivíduos “estranhos” ao movimento operário. Se
considerarmos alguns dos principais líderes da insurreição, teremos que reconhecer que
até certo ponto, Aurelino tinha razão. José Oiticica, Astrogildo Pereira, Agripino Nazaré
e Álvaro Palmeira não eram operários. Eles conheciam muito bem o movimento
operário, mas não estavam submetidos às mesmas condições de vida dos operários.
Manuel Campos, Carlos Dias, José Elias da Silva e João da Costa Pimenta eram
operários. No entanto, nenhum deles fazia parte das categorias envolvidas na greve de
novembro de 1918. Dois deles estavam ligados à categoria dos gráficos, um era
sapateiro e o outro era estivador. Esses homens faziam com freqüência palestras e
conferências para várias categorias de trabalhadores. Esse grupo de anarquistas possuía
uma média de instrução muito superior à média de instrução dos trabalhadores. Entre
esses anarquistas, mesmo os que eram operários tinham um grau de instrução
considerável. José Elias da Silva era um homem simples, mas tinha uma cultura
reconhecida pelos colegas. Carlos Dias possuía uma longa história de militância entre
os trabalhadores. Era, sem dúvida, muito respeitado. Manuel Campos era estivador e
243
RODRIGUES, E. Os companheiros 1. Rio de Janeiro: Editora VJR associados, 1994. (p. 159-162)
244
DULLES, J. W. F. Anarquistas e Comunistas no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. (p. 34)
245
DULLES, J. W. F. Anarquistas e Comunistas no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. (p. 66)
246
DULLES, J. W. F. Anarquistas e Comunistas no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. (p. 36 e
67); RODRIGUES, E. Os companheiros 1. Rio de Janeiro: Editora VJR associados, 1994. (p. 71)
150
João da Costa Pimenta era operário Gráfico, mas também atuaram como jornalistas
anarquistas. Em 1918, já fazia algum tempo que esses homens militavam no movimento
operário. Eles aprenderam muito nas reuniões, palestras e comícios que participavam
com freqüência. Além das doutrinas anarquistas, eles estudavam outros assuntos, para
poderem criticar o sistema estabelecido. Astrogildo Pereira era um homem
extremamente bem informado. Ele dominava as línguas inglesa e francesa, pois
utilizava constantemente expressões e transcrições nesses idiomas, em seus jornais. Lia
compulsivamente jornais anarquistas, jornais da grande imprensa e também jornais
estrangeiros. Muitos desses homens tinham uma condição financeira precária.
Precisavam conciliar o trabalho pela sobrevivência com a militância anarquista, que
tomava muito tempo. Carlos Dias, além de ter poucos recursos financeiros, tinha uma
saúde frágil e uma numerosa prole para sustentar. Astrogildo, apesar de sua família ter
uma condição financeira razoável, vivia com os poucos recursos que conseguia, com a
publicação dos seus jornais anarquistas.
247
Os principais líderes da insurreição eram homens que se conheciam algum
tempo. O Centro de Estudos Sociais, fundado em 1914 no Rio de Janeiro, forneceu um
espaço no qual os anarquistas puderam realizar palestras e conferências. Esse espaço
permitiu o encontro entre intelectuais e trabalhadores. José Oiticica, Fábio Luz, Manuel
Campos e José Elias da Silva participaram de reuniões nesse centro. Eles debatiam
várias questões com socialistas. Entre esses socialistas estavam os intelectuais Pedro do
Couto e Silva Marques. José Elias da Silva foi secretario da Comissão Organizadora do
Congresso Anarquista Sul-Americano, que por contar somente com dois delegados
estrangeiros passou a se chamar Congresso Anarquista Nacional do Rio de Janeiro. Ele
foi realizado na sede da Federação Operária do Rio de Janeiro, no ano de 1915. Nesse
congresso, entre outros assuntos, foram discutidos os principais fundamentos do
anarquismo, o movimento em defesa da paz e o desenvolvimento da imprensa
anarquista. Os membros do Congresso convidaram seus camaradas a organizarem pelo
menos um semanário exclusivamente anarquista, pois consideraram que não existia
nenhum jornal desse tipo, no Rio de Janeiro. Orlando Correia Lopes e João Gonçalves
da Silva cederam seu jornal Na Barricada para um grupo de redatores. Estes deveriam
lhe dar uma orientação exclusivamente anarquista. Os redatores eram os seguintes:
Astrogildo Pereira, José Alves Diniz, João da Costa Pimenta, José Elias da Silva e
247
Cronica Subversiva, 07 de setembro de 1918. (p. 2)
151
Manuel Campos. Este último ficou sendo o novo administrador.
248
Os anarquistas sem
dúvida deram uma significativa contribuição para a organização do movimento operário
no Rio de Janeiro. Eles atuaram em vários sindicatos. Publicaram jornais anarquistas e
artigos em jornais da grande imprensa, que abordavam com freqüência questões
relativas aos trabalhadores. Eles também deram importante contribuição para a
organização da Federação Operária do Rio de Janeiro. Esta associação foi fundamental
para a organização e mobilização dos trabalhadores, entre os anos de 1917 e 1918.
Como podemos perceber, os principais líderes da insurreição eram antigos
companheiros de militância anarquista junto aos operários. A maioria deles, entre os
anos de 1917 e 1918, atuou sistematicamente nas associações de trabalhadores do Rio
de Janeiro, realizando cursos, palestras e conferências. Muitos deles atuaram com
freqüência na União dos Operários em Fábricas de Tecidos, na União Geral dos
Metalúrgicos, na União Geral da Construção Civil e na União Geral dos Trabalhadores.
Contudo, os homens que planejaram a insurreição anarquista não pertenciam à estrutura
organizacional dessas associações. Eles atuavam nos sindicatos divulgando suas idéias.
Buscavam converter os trabalhadores ao anarquismo e influenciar na estratégia de
organização e mobilização das associações de trabalhadores. Com certeza, conseguiram
converter alguns operários filiados aos sindicatos ao anarquismo, apesar destes serem
minoria. Esse pequeno grupo, de deres citados, não planejou a insurreição sozinho.
Eles contaram com a ajuda de trabalhadores, ligados principalmente à categoria dos
têxteis.
Como observamos anteriormente, o ano de 1917 foi um período de grande
mobilização dos trabalhadores, na cidade do Rio de Janeiro. Aconteceram muitas
greves, inclusive uma greve geral, envolvendo grande número de operários de diferentes
profissões. Muitas categorias de trabalhadores organizaram ou reorganizaram suas
associações. Embora essas associações não tivessem uma orientação anarquista, muitas
delas solidificaram laços de amizade e solidariedade com anarquistas. Dentro dessas
associações havia muitas criticas à atuação dos anarquistas, mas também havia espaço
para que estes divulgassem as suas idéias. Alguns militantes anarquistas eram muito
respeitados em muitas dessas associações. Eles atuavam com freqüência, em
associações de trabalhadores, realizando palestras e cursos. No início do ano de 1918, os
anarquistas comemoravam o aumento da agitação, entre os trabalhadores, e a
248
DULLES, J. W. F. Anarquistas e Comunistas no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. (p. 35-
38)
152
consolidação da atuação dos anarquistas nos sindicatos. Eles não precisavam mais
oferecer seus serviços às associações de trabalhadores. Muitas delas organizavam
conferências e com freqüência convidavam os anarquistas para atuarem como
conferencistas.
249
Em janeiro de 1918, muitos anarquistas da cidade se reuniram e
resolveram acabar com as discussões sobre anarquismo e sindicalismo. A polêmica,
sobre se os anarquistas deveriam ou não atuar nos sindicatos de trabalhadores, gerava
atritos e divisões entre os militantes. Eles consideraram que essas discussões eram
estéreis e fizeram um esforço para promover a união entre os anarquistas. Como fruto
desse esforço, foi criada a Aliança Anarquista do Rio de Janeiro. A Aliança tinha como
objetivo ser um órgão de união e de entendimento entre todos os anarquistas do Rio de
Janeiro. Sua finalidade era agrupar esforços para ampliar a propaganda anarquista.
250
Para que possamos identificar quais eram as referências que estavam orientando
os anarquistas que planejaram a insurreição, precisamos analisar os assuntos que eles
estavam debatendo e as idéias que eles tentavam divulgar, nos meses que antecederam a
insurreição. A Revolução Russa, de outubro de 1917, causou grande impacto nos
anarquistas, inclusive nos que atuavam na cidade do Rio de Janeiro. A revolução social
era até então algo que eles vislumbravam somente através da imaginação. A Revolução
Russa dava-lhes a impressão de que seus sonhos estavam se materializando.
Inicialmente as intenções dos revolucionários russos não estavam muito claras. Devido
à guerra e às disputas ideológicas, a imprensa européia sofria censura. A situação na
Rússia também estava bastante conturbada. Assim, era difícil conseguir informações
confiáveis sobre o que realmente estava acontecendo lá. Os anarquistas, durante os anos
de 1918 e 1919, consideravam que a Revolução Russa era uma revolução libertária, que
inevitavelmente iria contagiar o resto do mundo.
251
Astrogildo Pereira pensava dessa
forma. Para ele, a Revolução Russa iria contribuir para a eclosão de uma revolução
mundial, que iria resolver definitivamente os problemas dos trabalhadores. A Revolução
Russa era considerada um exemplo e um incentivo para os explorados de todo o mundo.
Astrogildo considerava que o mundo estaria então se dividindo em dois blocos, que
inevitavelmente entrariam em choque. Os trabalhadores do mundo, ao lado dos
revolucionários russos, combateriam as burguesias. Estaria chegando a hora do
confronto decisivo. Os explorados iriam derrubar o atual sistema social, orientado pela
249
Boletim da Aliança Anarquista, nº2, Março de 1918. (p. 4)
250
Boletim da Aliança Anarquista, nº1, Fevereiro de 1918. (p. 1)
251
Boletim da Aliança Anarquista, n°1, Fevereiro de 1918. (p. 4)
153
burguesia e baseado na propriedade e na autoridade. A Revolução Russa era vista como
o início de uma revolução muito mais ampla, que abrangeria todo o mundo.
Este trecho
de
um artigo de Astrogildo evidencia esse pensamento:
...A revolução russa não é um motim qualquer, que se esmague assim
com tanta facilidade: ela em si mesma contém inesgotáveis forças de
resistência e, além disso, levanta sobre o mundo o lábaro supremo das
grandes reivindicações definitivas, vindo ao encontro, como um exemplo e
um incentivo, das velhas aspiraçõis proletarianas, de liberdade e bem-estar.
E’ natural que as burguezias do mundo, ante o espectro temerozo da
revolução social iniciada na Rússia, organizem a reação, lançando mão, para
isso, de todos os meios, desde a calunia, a mentira, o confuzionismo, até á
intervenção armada. Isso constitui mesmo uma prova de que a revolução
russa é uma verdadeira revolução libertária contra o atual sistema social
burguez, de propriedade e autoridade... A’ ação conjunta das burguezias do
mundo contra os revolucionários moscovitas responderá forçozamente a
ação dos proletariados do mundo e então... veremos!...
252
Outro assunto muito abordado pelos anarquistas era a Primeira Guerra
Mundial.
Os anarquistas, desde o início, criticaram duramente a guerra. Isto não
surpreende, pois eles tinham uma postura internacionalista. Não estavam interessados
na guerra entre as nações, mas sim na guerra contra os exploradores. Defendiam não
os explorados do Brasil, mas os explorados de todo o mundo. Consideravam que a
guerra trazia benefícios aos burgueses e aos trabalhadores só trazia prejuízos. Um
exemplo disso era a carestia, que tanto sofrimento trazia aos pobres. A guerra
contribuiria para o aumento da carestia, pois o volume dos alimentos exportados
aumentou depois do início da guerra. Isto provocou escassez de alimentos no mercado
interno. A guerra também teria criado oportunidades para os burgueses fazerem
negócios, à custa do sofrimento dos humildes. Assim, os negociantes de armas estariam
enriquecendo. As pessoas estariam morrendo para satisfazer a cobiça das burguesias que
controlavam os estados beligerantes. A partir de outubro de 1917, as críticas se
intensificaram, pois o Brasil entrou na guerra contra a Alemanha. Os trabalhadores se
encontravam mobilizados, e já há algum tempo vinham travando uma luta com os
patrões, por melhores salários e melhores condições de trabalho. Com a declaração de
guerra à Alemanha e a declaração do Estado de Sítio que a acompanhou, os anarquistas
consideravam que o Estado usaria a segurança pública e a defesa nacional, como
argumentos para legitimar a repressão aos trabalhadores e aos militantes libertários.
253
Havia também a possibilidade do governo brasileiro decidir enviar soldados para a
252
Cronica Subversiva, 03 de Agosto de 1918. (p. 2-3)
253
Boletim da Aliança Anarquista, nº2, Março de 1918. (p. 1)
154
guerra. Com relação a isso, os anarquistas eram intransigentes. Eles alegavam que esta
não era uma guerra dos trabalhadores. Por isso, eles não deveriam morrer lutando, pelos
interesses da burguesia. Caso o governo decidisse enviar soldados para a guerra, eles
defendiam abertamente a deserção. Devido a sua postura contrária à guerra, os
anarquistas estavam sendo acusados de falta de patriotismo. No momento em que o
Brasil se encontrava em guerra, as declarações contra a guerra eram extremamente mal
vistas por grande parte da população. O nacionalismo estava em alta e o combate à
guerra era visto, por muitos, como prova evidente de falta de patriotismo. Parte da
imprensa, extremamente assustada com o discurso radical adotado pelos anarquistas,
alegava que eles eram traidores, pois seriam indivíduos vendidos e favoráveis à
Alemanha.
254
Com isso buscavam desqualificar os anarquistas perante a sociedade, pois
isso legitimaria a repressão policial contra eles. Tentaram também mostrar aos
trabalhadores, que os anarquistas não tinham boas intenções. Os dirigentes da “grande
imprensa” estavam preocupados com a possibilidade de aproximação, entre
trabalhadores e anarquistas. Obviamente os anarquistas não eram defensores da
Alemanha. Grande parte da imprensa sabia disso. No entanto, parte da imprensa, devido
à ignorância ou devido a uma postura radical de oposição aos libertários, fazia críticas
que não eram fundamentadas. O discurso radical dos militantes libertários e da imprensa
anarquista estava se tornando mais intenso, em um momento no qual as condições de
vida dos trabalhadores estavam piorando rapidamente. Nesta conjuntura de aumento da
instabilidade, parte da imprensa radicalizou seu discurso habitual de combate ao
anarquismo. Em alguns momentos, esse combate era orientado, mais pelas posições
políticas e pelas emoções do que pelos fatos. Apesar das calúnias e do aumento da
oposição legítima da imprensa de um modo geral, os anarquistas não se intimidaram e
continuaram criticando duramente a guerra. Porém, o clima de tensão entre eles e seus
opositores sem dúvida aumentou.
A Primeira Guerra Mundial foi um acontecimento que surpreendeu a
humanidade. O mundo nunca havia visto uma guerra de tamanha amplitude, em vários
aspectos. O número de mortos era impressionante. Havia uma grande quantidade de
países envolvidos na guerra. Os conflitos duraram aproximadamente quatro anos.
Houve problemas econômicos para vários países, inclusive paises que não estavam
diretamente envolvidos na guerra. Como conseqüência da guerra, houve uma epidemia
254
Boletim da Aliança Anarquista, n°2, Março de 1918. (p. 1)
155
de gripe, conhecida como gripe espanhola, que matou muitas pessoas e se espalhou para
muitos países, inclusive o Brasil. Devido a esse contexto, os anarquistas em sua maioria
acreditavam que o mundo estava passando por um período de grandes transformações.
A guerra era entendida como algo que poderia acelerar o processo revolucionário.
Seguindo essa linha de raciocínio, Astrogildo Pereira afirmou:
...Ha quatro anos quazi que se verifica esse interminavel fluso e
reflucso das ondas guerreiras. Tudo nos mostra que ele continuará enquanto
durar a guerra. E’ o empate. Outra solução, que não a militar, tem, pois, de
ser dada ao conflito. Ora, a não ser pelas armas, com o esmagamento dum
dos grupos belijerantes pelo outro, a unica solução possível será a rezultante
da ação revolucionaria dos povos, sobrepondo-se ao Estado e ás burguezias
e dinastias dirijentes. Foi o que fez e esta fazendo o povo russo. E’ o que,
parece, está o povo austro-hungaro a ponto de iniciar... Que este espirito de
revolta se alastre e dinamize em potencia acionadora irrezistivel, e a
revolução popular subjugará e esmagará a camarilha dinastica, militar,
politica e industrial da Austria-Hungria, inaugurando, a exemplo da Rússia,
um novo período de organização social, bazeada nos reais interesses
coletivos do povo e não no interesse monopolizador das pretensas elites. E
não é presizo possuir vizão de profeta, para prever a deciziva influencia que
isso ezercerá na Alemanha e na Italia... Será o juízo final da burguezia...
Porque eu espero que o juizo final chegue tambem por cá, por estes Brazis
amados. Ah! Não me sai da mente esta luminoza idéa: subir as escadas do
Catete e pegar pela gola o patife que estiver a prezidir e arremessal-o das
janelas do segundo andar, a esborrachar-se integralmente no asfalto...
255
Astrogildo Pereira considerava que a Revolução Russa era o estopim de um
processo, que seria dinamizado pelas convulsões sociais provocadas pela Primeira
Guerra Mundial. Este processo teria como conseqüência a derrubada do sistema social
existente e sua substituição pela nova sociedade libertária. Muitos dos anarquistas da
cidade pensavam como Astrogildo. Para eles, a hora da revolução social estava
próxima. O processo que levaria a ela havia começado. A partir da Rússia, a
revolução se espalharia pela Europa, abrangendo posteriormente todo o mundo. Eles
aguardavam ansiosos o momento em que a revolução eclodiria no Brasil. Esta crença
incentivou e mobilizou muitos anarquistas do Rio de Janeiro, no ano de 1918.
Provavelmente isso contribuiu para a criação da Aliança Anarquista. Esta era um
esforço para unir os anarquistas do Rio de Janeiro. Neste momento decisivo, os
anarquistas não poderiam cometer o erro de permanecerem desunidos. Eles precisavam
fortalecer os laços de solidariedade, não somente entre si, mas com os trabalhadores.
Por isso, para muitos deles, não faziam mais sentido discussões, sobre se os anarquistas
deviam ou não atuar nos sindicatos. Para realizar a revolução, os anarquistas iriam
255
Cronica Subversiva, 29 de Junho de 1918. (p. 1-2)
156
precisar dos trabalhadores. Assim, a divulgação das idéias anarquistas nos sindicatos
deveria ser intensificada. Os líderes anarquistas que planejaram a insurreição estavam
ligados à Aliança Anarquista. Esta informou sobre conferências e cursos que foram
realizados por eles nos meses de fevereiro e março. José Oiticica apresentou uma
conferência intitulada de A Revolução Russa, na UOFT. Carlos Dias discursou na União
Geral dos Operários em Calçados, sobre a educação operária. José Elias da Silva
também realizou uma conferência na UOFT, com o título: A Situação Universal. Álvaro
Palmeira iniciou um curso de sociologia, com aulas semanais, na sede da UGCC.
256
Muitos anarquistas não estavam dispostos a adotar uma postura passiva. Diante dos
acontecimentos, eles queriam agir, com o intuito de criar as condições para que a
revolução libertária acontecesse o mais rápido possível. José Oiticica seguia a mesma
linha de pensamento adotada por Astrogildo:
...Os despedaçamentos inenarráveis da hedionda guerra atual hão de
emover todas as vontades para a supressão definitiva dos exploradores de
homens, e o destino humano não sairá das conferências colossais, nem das
fórmulas mais ou menos fraudulentas de jurisconsultos e chefes de nação; há
de irromper dos sovietes, dos sindicatos libertários, das agremiações dos
proletários, porque a dor humana, avolumada com os morticínios
gigantescos, as tragédias formidáveis dêsses três anos, tem agora para
dirigir-lhes os ímpetos de reivindicações, essa consciência clareadora que o
século 19 nos legou e vai ser, no século 20, a luz guiadora da humanidade
em marcha.
257
Oiticica também considerava que as conseqüências da guerra impulsionariam o
processo revolucionário. A consciência do século dezenove, a que se refere, é a doutrina
anarquista desenvolvida nesse período. Essa doutrina seria referência, no século vinte,
para a caminhada da humanidade rumo ao progresso. A Revolução Russa, considerada
no momento como uma revolução libertária, seria uma prova disso. Ele considerava que
a humanidade estava em marcha, rumo ao estabelecimento da sociedade anárquica.
Existiriam forças, as quais estariam orientando a humanidade nesse sentido. Estas, em
grande parte, independeriam da vontade humana. Tinham sua origem na estrutura
social, baseada na autoridade e na propriedade. Esta estrutura social provocaria
inevitavelmente o conflito, entre dominadores e dominados. Quanto mais rápido os
trabalhadores tomassem consciência da exploração a que estavam submetidos, mais
rápido ocorreria o colapso do sistema de dominação. Os exploradores poderiam resistir,
256
Boletim da Aliança Anarquista, n°2, Março de 1918. (p. 4)
257
Correio da Manhã, 27 de Julho de 1918. In: OITICICA, J. Ação Direta: Antologia dos melhores
artigos publicados na imprensa brasileira – meio século de pregação libertária: Editora Germinal, 1972.
157
mas o máximo que conseguiriam era retardar o início da revolução. Não teriam como
evitá-la. Muitos anarquistas tinham a certeza de que a revolução aconteceria, não
sabiam quando isso ocorreria. A revolução social seria feita pelo povo. Como
revolucionários, Oiticica citou os anarquistas e os trabalhadores. Ele também citou os
sovietes, mostrando estar claramente influenciado pela Revolução Russa. Os sovietes
eram associações compostas por camponeses, operários e soldados. Os anarquistas
pensavam na possibilidade da formação de um soviete, na cidade do Rio de Janeiro.
Astrogildo Pereira, por exemplo, era um militante que aguardava ansiosamente a
formação desse soviete.
Em agosto de 1918, os trabalhadores da Companhia Cantareira e Viação
Fluminense entraram em greve. Esta companhia operava as barcas que ligavam a cidade
do Rio de Janeiro à cidade de Niterói, através da Baía de Guanabara. Ela operava
também os bondes da cidade de Niterói. Os operários da seção de carris tinham tido
aumento, mas os marítimos não obtiveram esse aumento. Por esse motivo entraram em
greve. Os motorneiros e os condutores de bonde da Cantareira, em Niterói, entraram em
greve por solidariedade aos marítimos. Ao longo da primeira semana de greve,
operários de várias firmas de Niterói aderiram à greve, exigindo o aumento dos salários.
Grupos enormes de grevistas andavam pelas ruas, obrigando o comércio a fechar as
portas. Houve confrontos entre os grevistas e a polícia. Vários soldados do 58° Batalhão
de Caçadores do Exército, comandado pelo coronel Estilac Leal, desertaram e se uniram
à multidão, que apedrejou o carro que conduzia o Comandante da Polícia Militar. No
dia sete de agosto, uma multidão, composta por grevistas e por vários soldados do 58°
Batalhão do Exército, entrou em choque com a polícia. Muitas pessoas ficaram feridas,
inclusive policiais. Nestor Pereira da Silva, soldado do 58° Batalhão, e José Oliveira do
Amaral, civil, morreram no local. No dia seguinte, devido aos ferimentos, morreu
Antônio Lara França, cabo do 58° Batalhão. Grupos grandes de trabalhadores
compareceram aos enterros dos militares do Exército mortos. Várias homenagens e
discursos foram feitos. Eles foram considerados, pelos trabalhadores, heróis que
tombaram lutando ao lado do povo, contra a opressão da polícia. No dia nove de agosto,
os funcionários da Cantareira voltaram ao trabalho, sem que suas reivindicações fossem
atendidas.
258
258
ADDOR, C. A. A insurreição anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Achiamé, 2002. (p. 100);
DULLES, J. W. F. Anarquistas e Comunistas no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1977. (p. 64-66)
158
Este episódio, no qual soldados do exército morreram lutando, junto com
trabalhadores, contra a polícia, provavelmente causou grande impacto no grupo de
anarquistas que planejaria a insurreição de novembro. Era possível fazer uma
comparação direta da união entre soldados e trabalhadores, em Niterói, e os sovietes
russos. Isto aumentava a expectativa para a criação do soviete do Rio de Janeiro. Os
anarquistas puderam constatar que a união entre trabalhadores e soldados, no Brasil, era
algo possível na prática. A população de um modo geral tinha uma impressão ruim
sobre a polícia, mas tinha simpatia pelo Exército. As autoridades mostraram muita
preocupação com a participação dos soldados no movimento grevista. Elas
responsabilizaram os anarquistas pelos problemas ocorridos.
Durante o mês de agosto, por causa da greve, dezessete pessoas foram presas por
serem consideradas agitadores perigosos. Entre elas estavam Astrogildo Pereira e João
da costa Pimenta. Junto com eles foram presos quinze trabalhadores, dos quais alguns
eram anarquistas e outros não. Eles ficaram presos em salas no Corpo de Segurança.
Foram bem tratados e tiveram contato diário com os policiais que trabalhavam no local.
Astrogildo foi preso por causa de um bilhete apreendido pela polícia. Nesse bilhete um
conhecido de Astrogildo, chamado Alexandre e residente em Niterói, lhe pedia que
enviasse “aquela encomenda”. Na verdade, Alexandre queria que Astrogildo lhe
enviasse manifestos anarquistas, mas a polícia achou que a expressão “encomenda”
poderia significar algo perigoso, como armas e bombas talvez. Assim Astrogildo foi
preso no dia seis de agosto e permaneceu preso por vinte e cinco dias. Em favor de
Astrogildo havia sido feito um pedido de habeas-corpus, que foi recusado pelo Chefe
de Polícia. Aurelino Leal, amparado pelo estado de sítio, alegou que Astrogildo não
estava preso, mas sim detido. Ele seria solto somente quando a polícia julgasse
conveniente. A polícia temia a atuação desses homens, que estavam presos, junto aos
grevistas de Niterói.
259
Alguns deles, como os sapateiros Antonio Maçãs e José Caiazzo,
eram anarquistas conhecidos que haviam sido presos anteriormente.
260
Nesse
momento, apesar de prender muitos trabalhadores que não eram anarquistas, a polícia
conhecia muito bem os anarquistas mais atuantes da cidade do Rio de Janeiro. A
259
Jornal do Brasil, 27 de Agosto de 1918. (p. 4); Crônica Subversiva, 07 de Setembro de 1918. (p. 1, 2 e
4)
260
A Rua, 19 de Abril de 1918. In: OITICICA, J. Ação direta – antologia dos melhores artigos
publicados na imprensa brasileira – meio século de pregação libertária. Rio de Janeiro: Editora
Germinal, 1972. (p. 52-57)
159
seguinte descrição de Astrogildo sobre seu contato com os policiais, no período em que
esteve preso, evidencia isto.
...Uma tarde, por volta de sete horas, o Major, e estava então em
companhia do Dr. Autran, veio fazer-nos a sua visita habitual... O Raimundo
em mangas de camisa, recostara-se na cadeira e dormia, vencido pela
dispepsia. O Pimenta e eu líamos, cada qual com o seu livro. O Major
gostava de fazer as suas ironias, conosco, rindo-se e fazendo rir. Assim,
naquela tarde, ao encontrar o Raimundo dormindo a sono solto, apontou-o,
dirijindo-se a nós: - “Como dorme, o Raimundo!” esclamou. E o Pimenta: -
“Dorme o sono dos justos, Major!” O Major riu-se e retrucou, rindo-se
mais ainda: - “Dos justos e dos quimericos!” Ao que eu atalhei, cerce: - E
não serão os quimericos os justos?” Novas risadas amplas...E, batendo em
retirada, o Major replicou, por fim: - “Pelo menos enquanto estão
dormindo... E foi-se, em companhia do Dr. Autran... O Raimundo
continuava a dormir. O Pimenta tornou á sua brochura. E eu ruminava esta
resposta grave, que queria dar ao Major Bandeira de Melo, ajente massimo,
ali, do Estado prepotente que nos privava da liberdade: - “E vós outros, nem
mesmo quando dormis sois justos”.
261
Com relação à participação dos trabalhadores na revolução, Astrogildo
comentou o seguinte:
Gréve de tecelõis. Gréve de leiteiros. Greve de trapicheiros. Greve de
carvoeiros. Greves nas oficinas Trajano de Medeiros. Gréves, gréves,
gréves... , continuas, diarias, crescentes, em todas as classes operarias, em
todos os ramos de trabalho... E’ o sintoma decizivo para a caracterização do
mal estar prezente. Estas greves de agora são movimentos absolutamente
espontaneos, surjidos irrezistivlmente aqui e ali, num ponto e noutro: prova
material da jeneralização da angustia e do descontentamento que minam as
classes proletarias. Soluçõis? Remedios? Ha quem espere remedios e
soluçõis vindos do alto, das alturas governamentais. E’ impossivel. Pois si as
gréves são rezultantes duma situação social de que os governantes são parte
e são os naturais defensores como esperar seja o mal curado por quem tem
nele responsabilidade? Mais: o dezaparecimento do mal estar prezente se
dará com uma transformação do rejimem em que vivemos. Ora, essa
transformação implica necessariamente na anulação completa da ação
governamental – portanto na desnecessidade de governantes. Impossivel,
pois, esperar que estes se anulem por si mesmos. Não: a transformação do
rejimem, de que rezultará a cura dos males de agora, tem que ser feita contra
a vontade dos governantes, por esses que sofrem dirétamente as
consequencias do mau rejimem atual, pelo proletariado...
262
Astrogildo reconheceu que não eram os anarquistas que organizavam as greves,
pois estas eram movimentos espontâneos, surgidos devido à generalização do
descontentamento dos trabalhadores. Existiria então um clima de mal estar, entre os
261
Cronica Subversiva, 07 de setembro de 1918. (p. 4); O Raimundo citado no texto era o garçom
Raimundo Rodrigues Martins.
262
Cronica Subversiva, 03 de agosto de 1918. (p. 3)
160
proletários. No entanto, trabalhadores descontentes e trabalhadores dispostos a fazer
uma revolução são duas coisas muito diferentes. Apesar do discurso revolucionário ter
ganhado força, junto aos trabalhadores no ano de 1918, devido à conjuntura
internacional, a grande maioria dos trabalhadores não esperava que seus problemas
fossem resolvidos por uma revolução social. Eles esperavam melhorar suas condições
de trabalho. Os sindicatos dos têxteis, dos metalúrgicos e dos trabalhadores da
construção civil, desde meados de 1917, estavam empenhados na luta, para que a
sociedade reconhecesse como legítimos, os direitos pleiteados pelos trabalhadores.
Pressionaram continuamente o Estado e os patrões, para que reconhecessem as
associações de trabalhadores e as reivindicações feitas por elas. Os líderes anarquistas
que planejaram a insurreição criticavam duramente esse tipo de postura, pois
consideravam o Estado como parte do problema social, logo ele nada poderia resolver.
A conquista de direitos relativos ao trabalho, segundo eles, não solucionaria os
problemas dos trabalhadores, pois não alteraria o modo como se organizava a estrutura
social. Esses anarquistas tentavam convencer os trabalhadores, que o único caminho
para a solução definitiva de seus problemas era a revolução social. Os anarquistas
sabiam que a maioria dos trabalhadores não tinha a revolução como uma referência,
para sua atuação. Apesar disso, estavam empolgados com o fortalecimento do discurso
revolucionário entre os trabalhadores. Eles reconheciam que a revolução deveria ser
feita pelo proletariado. Assim, era fundamental, para os anarquistas, que o
descontentamento dos trabalhadores fosse amplificado ao máximo, para que pudesse ser
convertido em desejo de revolução. A greve era um instrumento que os trabalhadores
tinham para pressionar os patrões, por melhores salários e melhores condições de
trabalho. Por outro lado, as greves violentas eram temidas pelas autoridades, pois
ameaçavam a ordem. Durante uma greve, as possibilidades de confronto, entre os
trabalhadores e as autoridades, aumentavam bastante. Assim, muitos anarquistas
consideravam que movimentos grevistas poderiam acabar resultando em revolução.
Dessa forma, o aumento do número de greves e o aumento da mobilização operária
eram vistos com bons olhos pelos anarquistas que planejaram a insurreição. José
Oiticica considerava que a postura adotada pela polícia, com relação aos trabalhadores,
contribuía para o aumento da insatisfação destes. Em carta aberta para o Chefe de
Polícia, ele declarou:
161
... V.Ex.ª está cooperando excelentemente com os propagandistas na
obra tenebrosa e assustadora. A Federação Operária era uma agremiação
frágil, hesitante, com cinco mil cios, mais ou menos, entre as sociedades
componentes. O ato arbitrário de V.Ex.ª, fechando-a, foi laço forte para a
união dos trabalhadores...
... Eu, porém, interessado nos problemas sociais do mundo, desejo
intimamente que V.Ex.ª leve avante uma perseguição tenaz contra a União
Geral dos Trabalhadores. Peço, imploro, rogo a V. Ex.ª êste serviço
extraordinário, que pagarei com a idéia de erguer a estátua de V. Ex.ª ao
lado da de Floriano, com os primores de arte que a superornam. Foi V.Ex.ª
que elevou de cinco mil a trinta mil o mero de operários federados. Com
mais um toquezinho, V.Ex.ª elevará o número a cem mil. Cem mil aqui,
outros cem mil em São Paulo! Que beleza!
263
José Oiticica considerava que a perseguição aos trabalhadores, movida pelo
Chefe de Polícia, era responsável direta pelo aumento da organização e mobilização
deles. Oiticica atribuía a Aurelino Leal um mérito que ele não tinha. As perseguições e
atitudes arbitrárias da polícia não foram responsáveis pelo aumento do número de
filiados à UGT. Este aumento tinha relação com o esforço de mobilização, feito pelas
associações de trabalhadores ligadas à Federação Operária. As perseguições não
ajudavam, mas sim prejudicavam este esforço das associações, pois criavam novos
problemas para os trabalhadores, que tinham que se preocupar com a sobrevivência
de suas famílias. No entanto, o importante é notar que os anarquistas consideravam que
a violência, praticada pela polícia, iria provocar uma reação dos trabalhadores. Os
anarquistas tinham a expectativa que, em algum momento, essa reação iria se tornar
mais radical e violenta, possibilitando a realização da revolução. Este era um dos
motivos pelos quais muitos anarquistas eram contrários a criação de leis sobre o
trabalho. Estas contribuiriam para reduzir as tensões existentes, entre o capital e o
trabalho, atrasando a realização da revolução. Os anarquistas que planejaram a
insurreição anarquista de novembro de 1918, no momento decisivo, esperavam poder
contar com os trabalhadores mobilizados e organizados, pelas associações de
trabalhadores, mesmo sabendo que eles na sua grande maioria não eram anarquistas. Se
eles não podiam agir em conjunto em função de um objetivo comum, pelo menos que
agissem de forma complementar, orientados por interesses diferentes. Para os
anarquistas o importante era que uma revolução popular acontecesse, pois essa, segundo
eles, naturalmente no decorrer do processo, se tornaria uma revolução libertária. A
Revolução Russa seria uma prova disso. A expectativa de poder contar com os
263
A Rua, 19 de abril de 1918. In: OITICICA, J. Ação Direta: Antologia dos melhores artigos publicados
na imprensa brasileira – meio século de pregação libertária. Rio de Janeiro: Editora Germinal, 1972. (p.
56-57)
162
trabalhadores, no momento decisivo, era um dos motivos pelos quais esses anarquistas
defendiam a sindicalização dos trabalhadores. O desinteresse, de grande parte dos
trabalhadores pelos sindicatos, era considerado como algo que dificultava a
conscientização dos trabalhadores, retardando assim a revolução social. Oiticica
considerava que os anarquistas não tinham apoio dos trabalhadores que não eram
sindicalizados.
A Revolução russa despertou a atenção do mundo inteiro para o
anarquismo...
...Foi uma revelação. A utopia se realizava. As federações de operários
governavam com milhões de homens no trabalho, os Sovietes
demonstravam ser possível e desejável a eliminação do Estado e do
capitalismo, fomentadores de guerras e perturbadores da produção e
distribuição justa das riquezas, aparelhos de exploração, compressão e
desperdício de energia aproveitável.
No Brasil viam isso os anarquistas e a massa proletária
sindicalizada. O resto, os proletários inconscientes, a imprensa na quase
unânimidade, os dirigentes sem excepção, profligavam o maximalismo,
detestavam-lhe as pretensas atrocidades, viam nêle o maior perigo atual,
conjuravam a plutocracia aliada a despachar tropas sustadoras da sua
marcha, aniquiladoras do Exército Vermelho triunfador.
264
Ao contrário da maioria dos trabalhadores, os anarquistas que planejaram a
insurreição não estavam preocupados com a conquista de direitos. Eles estavam
interessados na possibilidade de revolução. A luta, pelo reconhecimento de direitos
sobre o trabalho, era considerada como um meio de atrair os trabalhadores para os
sindicatos. Assim, em seguida, eles poderiam receber esclarecimento, através do
convívio com a coletividade nos sindicatos e através do contato com a doutrina
anarquista, que era divulgada nesse espaço. O trecho seguinte de um artigo de Oiticica
confirma esta forma de pensar.
...No regime anárquico, tanto faz ao trabalhador o horário de seis horas
como o de dez, desde que êle saiba que o excesso de serviço é para o bem
comum. Pois oito horas não são dogma de operários; são reivindicação atual,
no regime estatal-capitalista, porque o operário sente que o excesso de
serviço não lhe traz vantagem, é usurpação do capitalista. Mesmo assim, os
anarquistas hão mostrado, muitas vêzes e em tôda parte, e eu mesmo o expus
aqui, faz poucos dias, que a conquista das oito horas nada vale...
...Todos êsses expedientes que o Dr. Lima denuncia são, para nós
outros, meros paliativos. Não é isso o que almejamos. A utilidade dessas
campanhas é fomentar a organização sindicalista, mover a massa
264
Jornal do Brasil, 08 de maio de 1919. In: OITICICA, J. Ação Direta: Antologia dos melhores artigos
publicados na imprensa brasileira – meio século de pregação libertária. Rio de Janeiro: Editora
Germinal, 1972. (p. 65-66)
163
inconsciente para despertá-la, interessá-la na questão social, dar-lhe certeza
da sua força pela união...
265
Os anarquistas que planejaram a insurreição eram militantes que atuavam
muito tempo nos sindicatos de trabalhadores. Eles atribuíam muita importância a essas
associações. Suas idéias sobre a organização social, que deveria ser criada após a
revolução, até certo ponto se aproximava das idéias de muitos sindicalistas
revolucionários. Para eles, na futura sociedade, os sindicatos teriam um papel
fundamental. Astrogildo Pereira considerava que a organização da nova sociedade
libertária não era algo tão difícil de ser feito, como alguns consideravam. Segundo ele, o
órgão legítimo de administração da sociedade deveria ser constituído pelo povo, ou seja,
pelos operários, pelos lavradores e pelos soldados. O povo deveria se organizar em
assembléias, nas quais todas as decisões seriam tomadas. Essas assembléias seriam
organizadas com base nos sindicatos. A reunião dessas assembléias formaria os
conselhos municipais. Cada um desses conselhos possuiria uma comissão executiva,
que deveria executar as deliberações das assembléias do conselho municipal. Cada
conselho municipal deveria escolher representantes para formar o Congresso Federal
dos Conselhos de Operários e Soldados. Este também deveria possuir uma comissão
executiva. O Congresso poderia cuidar de questões gerais, não tendo poder para
intervir em questões locais. Segundo Astrogildo, a solução para os grandes problemas
da humanidade dependia da união entre trabalhadores e soldados.
266
Observando o
modo como Astrogildo pensou a organização da futura sociedade, fica cil perceber a
grande influência que a Revolução Russa exercia sobre ele nesse momento. Os sovietes
eram claramente uma referência para ele.
Como almejavam a criação de uma nova sociedade, livre da exploração e da
dominação, os anarquistas eram severos críticos do sistema estabelecido. Como esse
sistema era em grande parte legitimado pela democracia, eles eram também contrários a
ela. Sobre a democracia, José Oiticica escreveu:
Jean Gravé definiu o sufrágio universal: “êsse recrutador de
mediocridades”. Essa definição exata condena a democracia. Os inventores
265
Jornal do Brasil, 21 de maio de 1919. In: OITICICA, J. Ação Direta: Antologia dos melhores artigos
publicados na imprensa brasileira – meio século de pregação libertária. Rio de Janeiro: Editora
Germinal, 1972. (p. 71-72)
266
Manuscrito redigido por Astrojildo Pereira, no período em que esteve preso na Casa de Detenção. Rio
de Janeiro, 15 de fevereiro de 1919. Arquivo Edgard Leuenroth (PP05P6).
164
dessa burla conheciam bem a massa rude que tinham de engodar, e
ergueram-na a ídolo, para substituir, na consciência ludibriada dos escravos,
o ídolo do poder real, de emancipação divina. Os oprimidos viam bem os
reis devassos, cruéis ou mentecaptos, e não se conformavam com a teoria
que os arvorava em porta-vozes da Providência oculta. Era já difícil repetir a
farsa da escolha de um Saúl...
... E o sufrágio universal se alçou como principio da revolução
triunfante. A massa contentou-se, submeteu-se à aparência de sua
autonomia. O republicanismo, o parlamentarismo, o sistema representativo,
em suma, teve seus apóstolos, seus teoristas, seus executores fiéis,
desafogou um pouco a ânsia de rebeldia e logrou, como resultado principal,
iludir o proletariado, dar-lhe a crença da libertação com a velha moeda do
sufrágio...
... O sufrágio universal foi um recurso hábil da politicalha velha como
as eras. É a garantia da dominação dos menos tolos sôbre os mais tolos, dos
parasitas sôbre os parasitados, com o aniquilamento certo, pressuposto,
previsto, precalculado, de todos os perturbadores do disfarce. As almas
insubmissas hão de ser apeadas; os insubordinados às chefias hão de ser
desaprumados, alijados, depurados. Quer-se a mediocridade ou menos que a
mediocridade, de inteligência, de capacidade, de caráter.
267
Para Oiticica, a democracia era um meio bastante inteligente, encontrado pela
burguesia, para manter a dominação sobre a maioria da população. A Revolução
Francesa teria acabado com o domínio dos reis, que foi substituído pelo domínio da
burguesia. O sufrágio universal seria fundamental para a manutenção desse domínio,
que para existir teve que se tornar mais sofisticado que a forma de domínio anterior,
baseada no direito divino dos reis. Segundo Oiticica, a burguesia se proclamaria
defensora das liberdades, para na prática exercer uma cruel dominação sobre os
proletários. Esta liberdade seria uma ficção, sustentada em grande medida pela idéia do
sufrágio universal. Ao elegerem seus representantes, os trabalhadores teriam a falsa
impressão de que seus interesses estariam sendo representados. Para Oiticica, os
políticos somente representavam seus próprios interesses e os interesses da classe
dominante, a burguesia. Dessa forma, a democracia servia somente para iludir o povo.
Os anarquistas eram contrários a qualquer tipo de Estado, inclusive o Estado
democrático. Segundo eles, os homens não deveriam delegar seu direito de decidir a
outros homens, pois isto implicaria sempre em subordinação. Segundo Oiticica, os
anarquistas seriam perseguidos porque denunciavam a farsa representada pela
democracia. Estes, por esclarecerem o povo, representariam uma grande ameaça ao
sistema estabelecido. Isto explicaria por que as autoridades tentavam combatê-los a todo
custo.
267
Correio da Manhã, 28 de Agosto de 1918. In: OITICICA, J. Ação Direta: Antologia dos melhores
artigos publicados na imprensa brasileira – meio século de pregação libertária. Rio de Janeiro: Editora
Germinal, 1972. (p. 61-63)
165
Outro assunto que era abordado com freqüência pelos anarquistas era a questão
da carestia. Este não era um problema novo, os trabalhadores o enfrentavam há
muitos anos. A guerra contribuiu para agravar o problema. Os anarquistas sabiam que o
combate à carestia era um tema que mobilizava os trabalhadores. Durante os anos de
1917 e 1918, o movimento operário reivindicou sistematicamente o combate à carestia.
Sobre isto, o atuante anarquista Astrogildo Pereira pensava o seguinte.
...A carestia tem, assim, como causa direta, o jogo desses abutres do alto
comercio. Contra eles, portanto, é que o povo deve ajir. O governo é
impotente, e confessa-se impotente: o povo nada mais tem que esperar dele e
lhe resta, ou ajir por suas proprias mãos e resolver definitivamente a
crize, ou estiolar-se á mingua de alimentação, morrer literalmente de
fome...Mas como ajir? Simples: ajindo. Indo aos depozitos, aos armazens, e
arrancando o que eziste. E’ claro que, indo izoladamente, cada homem, a
policia o agarrará e o trancafiará na cadeia. Necessario é que o povo se reuna
em multidão e em multidão aos lugares em que se amontoam os jeneros
de que preciza... De antemão se sabe que os policiais atacarão o povo
porque lhes ordenam que ataquem. E quem lhes ordena? A autoridade
superior, ou, numa palavra, o governo. Porque o governo compõi-se de
pessoas que, diréta ou indirétamente, tambem fazem parte dos trusts e das
ligas de açambarcadores. Portanto, não mente contra os policiais terá o
povo que lutar, mas contra todas as forças do governo, até botal-o abaixo,
derrotado e esmagado. Botal-o abaixo e não deixar que mais nenhum
governo autoritário e centralizador se constitua... Nesse dia estará acabada a
carestia... E eis ai está, em termos simples, claros, concretos, a solução
anarquica e revolucionaria para o até hoje insolúvel problema... A cauza
imediata da carestia peza sobre os hombros dos açambarcadores, mas estes,
por sua vez, são um produto do sistema economico e politico que nos reje.
Inutil, por conseguinte, querer estirpar os açambarcadores, conservando-se
intacto o rejimem da propriedade monopolizada e deixando-se a
administração centralizada nas unhas da burguesia.
268
Os anarquistas, de um modo geral, consideravam que a revolução libertária seria
uma panacéia. Assim, entre outros problemas, resolveria também o problema da
carestia. A insatisfação popular, causada pela carestia, era vista pelos anarquistas como
um fator que contribuiria diretamente para a revolução social. A carestia estaria levando
os trabalhadores ao desespero. Submetidos à fome, eles estariam mais suscetíveis à
adoção de atitudes radicais. Os anarquistas que planejaram a insurreição tentavam então
canalizar a insatisfação popular de acordo com seus interesses. Tentavam transformar a
insatisfação generalizada em intenção de revolução. Astrogildo incitava a população
faminta ao saque. Isto seria legítimo, mesmo sendo ilegal. Ele considerava que as leis
existiam não para defender o povo, mas sim para garantir os interesses da burguesia.
Considerava que as leis deveriam ser desobedecidas. Enquanto a revolução social não
268
Cronica Subversiva, 08 de Junho de 1918. (p. 1-2)
166
chegava, o melhor meio de amenizar o problema da carestia, segundo os anarquistas, era
através da ação direta. Isto, no entanto, deveria ser combinado com o desrespeito às leis
e a valores fundamentais da sociedade burguesa. Os anarquistas não incitavam o
povo à violência, como sugeriam que violassem a propriedade privada. Este tipo de
atitude, adotada por eles, numa conjuntura de grande insatisfação popular, causava uma
enorme preocupação às elites e às autoridades do Estado. Os adversários dos
anarquistas, ao considerarem que o discurso libertário aumentava parcialmente sua
influência sobre os trabalhadores, adotaram uma postura mais agressiva. A maior parte
da imprensa criticava duramente a defesa da violência, feita pelos anarquistas. As
autoridades estavam alarmadas e buscavam se preparar para combater movimentos
populares violentos, que poderiam acontecer a qualquer momento. As autoridades,
preocupadas com a insatisfação popular e com os problemas que em função disso
poderiam surgir, tentaram resolver o problema da carestia. Para isso criaram o
Comissariado de Alimentação Pública. Leopoldo Bulhões foi nomeado chefe do
Comissariado, que tinha o objetivo de encontrar soluções para o problema da carestia.
Apesar dos seus esforços, o Comissariado não obteve sucesso nesse intento. A cada
fracasso do governo no combate à carestia, mais intensas se tornavam as críticas dos
anarquistas. No mês de setembro de 1918, Astrogildo Pereira sobre esses fracassos
comentou:
Quando, ha trez mezes, se criava o Comissariado de Alimentação
Publica, eu fui talvez a primeira voz que se levantou duvidando da eficacia
da nova maquina burocratica, em contraste com o côro unanime e
esperançozo dos aplauzos da primeira hora. Não tardou que a unanimidade
alviçareira se transmudasse, dezanimada, em ataque virulento ou em
chasqueio ironico. eu fiquei onde estava, e os fatos posteriores provaram
que eu estava com a razão: o Comissariado mostrou logo o que era e o que
não poderia deixar de ser - uma repartição pública a mais, com um ezercito
de funcionarios a inundar de mais papelorio esta democracia ja atulhada no
papelorio e que no papelorio se vai afogando. A ação da pompoza
engrenajem, montada para combater a carestia, deu os rezultados mais
paradocsais: o preço dos jeneros disparou a subir com uma vertijinozidade
nunca vista até então. Vertijinozidade tal, que elevou ao dezespero a
paciencia popular, arrastando ao saque a população de Juiz de Fora, de
Petropolis, de Palmira e ameaçando rebentar em bernarda aqui na capital do
paiz. E foi diante da ameaça tremenda, cercado de greves parciais e na
iminencia da greve jeral, que o governo, pelo orgam do espalhafatozo
Comissariado, estabeleceu uma tabela arbitrarissima de preços que
conseguiu esta vantajem notavel: criar para o governo uma nova classe de
inimigos, os varejistas, e trazer mais uma desiluzão ao povo... Não creio na
eficacia da ação do Comissariado. E não creio por este motivo fundamental:
que o Comissariado (ou o governo) ataca os efeitos da crize sem tocar nem
de leve nas suas cauzas. A sua ação é, pois, ineficacissima. E de rezultados
167
perigozissimos, segundo teremos ocasião de verificar... Tão certo como trez
e dous são cinco!
269
O Comissariado de Alimentação Pública se mostrou impotente para resolver o
grave problema da carestia, que tanto afligia os trabalhadores. O problema além de não
ser resolvido, ainda se agravou. A insatisfação dos trabalhadores se tornava maior à
medida que suas condições de vida pioravam. Em algumas cidades a população havia
recorrido ao saque. Havia possibilidade de saque também na capital do país. Greves
parciais já aconteciam e havia a possibilidade de uma greve geral. O cenário negativo de
desordem, que era uma hipótese para as autoridades, começava em parte a se
materializar. A polícia tentava permanecer alerta vigiando de perto a atuação do
movimento operário e dos anarquistas. Estes criticavam o governo, alegando que ele era
incapaz de resolver os problemas que afligiam os trabalhadores. Ao mesmo tempo os
trabalhadores travavam uma luta com os patrões, tentando forçá-los a melhorar os
salários e as condições de trabalho. O clima era tenso. Os anarquistas não tinham
controle sobre o movimento operário. Assim, tentavam tornar a situação mais tensa
quanto fosse possível, para que os atores envolvidos radicalizassem suas posições.
Quando o confronto se tornasse iminente, os anarquistas tentariam direcionar a atuação
dos trabalhadores, de acordo com seus objetivos. Eles faziam uma intensa propaganda
com o intuito de desmoralizar o Estado. Queriam mostrar aos trabalhadores que o
Estado não poderia resolver seus problemas. Defendiam que os trabalhadores seriam os
únicos que poderiam resolver seus próprios problemas. Para isso, eles precisavam agir,
não em colaboração com o Estado, mas contra ele. Esta postura dos anarquistas, em um
momento tão conturbado, devia estar levando o Chefe de Polícia ao desespero.
Enquanto Aurelino Leal se esforçava para garantir a manutenção da ordem, os
militantes libertários faziam de tudo para desestabilizar essa ordem. Aurelino esperava a
chance de botar um fim na campanha a favor da revolta, promovida pelos anarquistas.
Sua tarefa, nesse momento, não era nada fácil. Ele estava tendo que lidar com um
movimento operário, que estava bastante organizado e mobilizado. As associações de
trabalhadores, refletindo o descontentamento geral, estavam exercendo uma pressão
significativa sobre os patrões. Estes, por outro lado, se mostravam muito resistentes a
essa pressão. Aurelino Leal atuava como intermediário, nas negociações entre os
patrões e as associações de trabalhadores. Ele queria evitar impasses, que poderiam
269
Cronica Subversiva, 07 de Setembro de 1918. (p. 2-3)
168
resultar em greve geral. Os anarquistas, como era de se esperar, não estavam facilitando
em nada a sua vida.
Vamos agora observar a opinião dos anarquistas, que planejaram a insurreição
de novembro, sobre os trabalhadores. José Oiticica, em carta aberta para Rui Barbosa,
revelou seu pensamento sobre o assunto:
... Li a expressiva carta de V.Exª. ao senhor Evaristo de Morais, candidato
popular, candidato, ainda mais, do operariado. Rogo de V.Exª. permissão
para lamentar, antes de tudo, o operariado brasileiro. Disse, poucos dias,
numa conferência ante operários, que o maior mal dêles é a ignorância
crassa, e eles me saudaram com palmas atroadoras, confirmando,
confessando essa verdade triste. Poderá V.Exª. , poderão os operários
informar-me que tem feito o Sr. Evaristo de Morais em prol dêsses
infelizes?...
... Os operários de hoje, menos os brasileiros, sabem muito bem que a base
da sociedade é a exploração, da minoria dos acumuladores dos frutos do
trabalho contra os produtores de tais frutos, que ficam na miséria...
270
Podemos ver claramente como o principal líder da insurreição anarquista tinha
uma visão preconceituosa, com relação aos trabalhadores. Oiticica havia declarado
diante dos próprios trabalhadores que os achava ignorantes, e eles concordaram com a
afirmação. Contudo, devemos notar que a linha de pensamento de Oiticica era diferente
da linha de pensamento dos trabalhadores. Aquele era um anarquista, estes em sua
maioria não. Os trabalhadores tinham consciência que possuíam pouca instrução. Ao
mesmo tempo, reconheciam José Oiticica como um homem extremamente culto. Em
sua grande maioria, tinham respeito e admiração por ele. Isto não quer dizer que
concordavam com tudo que ele falava. Eles aproveitavam, do seu discurso, aquilo que
lhes interessava, e desconsideravam o resto. Oiticica se incomodava com a falta de
instrução dos trabalhadores, mas aquilo que realmente o incomodava era a falta de
adesão deles ao anarquismo. Para ele, isto só poderia ser justificado pela falta de
instrução. Segundo o pensamento de Oiticica, tinha sentido um burguês instruído ser
contrário ao anarquismo, pois isto seria necessário para que ele mantivesse sua
dominação. um explorado, contrário ao anarquismo, não fazia sentido, pois isto
contribuiria para que ele permanecesse na sua posição de dominado. Para explicar tal
fato, restava o argumento da ignorância. Oiticica não reconhecia que a adesão ao
270
Correio da Manhã, 26 de Fevereiro de 1918. In: OITICICA, J. Ação Direta: Antologia dos melhores
artigos publicados na imprensa brasileira – meio século de pregação libertária. Rio de Janeiro: Editora
Germinal, 1972.
169
anarquismo dependia de crença, assim como a religião, tão criticada por ele, também
dependia. Para Oiticica, a adesão ao anarquismo dependeria somente de uma escolha
racional. Dessa forma, os anarquistas associavam instrução à adesão ao anarquismo.
Para Oiticica, se os trabalhadores fossem instruídos, eles seriam anarquistas, pois ficaria
evidente para eles, que este seria o único modo de saírem da sua condição de
explorados. Segundo ele, os trabalhadores brasileiros seriam menos preparados do que
os trabalhadores do resto do mundo, que teriam clara consciência da existência da
luta de classes. No Brasil, o número de trabalhadores filiados aos sindicatos ainda era
proporcionalmente pequeno. Isto, para muitos, evidenciaria a falta de consciência deles.
Para os anarquistas, as expectativas dos trabalhadores, com relação à intervenção do
Estado para a solução de seus problemas, eram a maior prova da sua ignorância. Os
anarquistas que planejaram a insurreição acreditavam que os trabalhadores, devido a sua
ignorância, eram facilmente manipulados por políticos e por reformistas interesseiros.
Eles não reconheciam que os trabalhadores, apesar de sua pouca instrução, quando
discordavam das doutrinas anarquistas, podiam tomar decisões extremamente sensatas,
baseadas em suas experiências e expectativas. Se a atuação dos trabalhadores
contrariasse aquilo que eles consideravam essencial na doutrina anarquista, os
trabalhadores estariam errados. A origem desse erro estaria na sua ignorância. Os
anarquistas, assim como as elites, julgavam saber melhor do que os trabalhadores,
aquilo que estes deveriam fazer para melhorar de vida. As elites e os líderes anarquistas
tinham, no fim das contas, algo em comum. Eles eram arrogantes com relação aos
trabalhadores. É realmente impressionante como grupos que se consideravam tão
diferentes, em determinadas questões, podiam pensar de forma tão parecida.
Esses dois grupos na prática tentavam manipular os trabalhadores de acordo
com seus interesses. Eles obviamente não acreditavam estar fazendo isso. Consideravam
que estavam agindo em benefício dos trabalhadores. As elites tentavam afastar os
trabalhadores dos anarquistas. Segundo eles para o próprio bem dos trabalhadores, pois
julgavam que os anarquistas queriam explorá-los. Os anarquistas queriam evitar que os
trabalhadores negociassem com o Estado, também para o próprio bem dos
trabalhadores, pois julgavam que o Estado era a causa principal dos problemas
existentes. Quando os trabalhadores discordavam deles, surgiam os atritos. Em muitos
momentos, devido à postura independente dos trabalhadores, tanto as elites quanto os
anarquistas os criticavam, embora o discurso normal fosse de exaltação das qualidades
dos trabalhadores. As elites afirmavam que os trabalhadores eram ingênuos, por isso
170
eram facilmente manipulados pelos anarquistas ou por outros grupos subversivos. Os
anarquistas alegavam que os trabalhadores, por buscarem a negociação com o Estado e
não adotarem uma postura mais radical, baseada na ação direta, eram indivíduos sem
consciência, que agiam contra seus próprios interesses. Esta postura o era
exclusividade dos anarquistas, muitas lideranças das associações de trabalhadores
também utilizavam esse discurso. Os trabalhadores não eram passivos. Eles tinham
interesses próprios e agiam baseados em suas experiências e expectativas. Era
justamente pelo fato dos trabalhadores terem uma postura ativa, não sendo facilmente
manipuláveis, que eles eram criticados, tanto pelos anarquistas que planejaram a
insurreição quanto pelas elites. Alguns trabalhadores se converteram ao anarquismo,
mas a maioria deles não. Isto não impediu que grande parte dos trabalhadores
considerasse muitos anarquistas como camaradas, mesmo quando discordavam deles.
Os trabalhadores não eram reféns das disputas existentes, entre as elites e os
anarquistas. Eles tinham seus próprios objetivos e se mobilizavam de formas variadas
para concretizá-los. A diferença de objetivos entre os anarquistas que planejaram a
insurreição e as direções das associações de trabalhadores, que participaram da greve de
novembro de 1918, é uma evidência clara disso.
171
5) A greve geral e a insurreição anarquista, em novembro de 1918.
Durante o segundo semestre do ano de 1918, houve vários boatos sugerindo que
algo sério vinha sendo planejado, com o objetivo de perturbar a ordem publica na
cidade do Rio de Janeiro. Com freqüência, agentes do Corpo de Segurança apreenderam
panfletos redigidos em termos violentos, convidando os soldados e marinheiros a
participarem da revolução. Esses panfletos afirmavam que operários e soldados eram
irmãos. Assim, estes deveriam se unir, para combater os políticos e os poderosos que os
exploravam. A polícia vinha desmentindo publicamente os boatos sobre a possibilidade
de perturbação da ordem, pois planejava criar uma armadilha para os agitadores. A
polícia acompanhava de perto a atuação dos anarquistas e sabia que estes planejavam
um golpe. Ela esperava que eles agissem para poder desmascará-los e prendê-los.
271
No dia 18 de novembro de 1918, aproximadamente às 15 horas, os operários de
várias fábricas de tecidos da cidade do Rio de Janeiro pararam o serviço e entraram em
greve. Muitos deles não souberam explicar os motivos que os levaram a tomar tal
atitude. Uns alegaram que haviam recebido ordens. Outros afirmaram que entraram em
greve por solidariedade de classe. Os operários da fábrica São Félix, que se
encontravam em greve certo tempo, declararam seu apoio ao movimento grevista.
Muitos trabalhadores se aglomeraram nas imediações das fábricas. Os trabalhadores de
um modo geral mantiveram uma atitude pacífica, mas em algumas fábricas houve
tumultos. Na fábrica Confiança, em vila Isabel, houve confusão e confronto entre os
trabalhadores. Vários tiros foram disparados. Julio Moraes ficou gravemente ferido.
Miguel Martins, o operário autor dos disparos, foi morto. Alguns trabalhadores da
fábrica de tecidos Sapopemba, que se encontrava paralisada, manifestaram receio de
que alguns operários, influenciados por companheiros mais exaltados, tentassem
realizar um atentado contra o edifício da fábrica. Entre os trabalhadores, circulava a
informação de que muitos grevistas possuíam significativa quantidade de dinamite.
272
Aproximadamente às 17 horas, começaram a chegar ao Campo de São Cristóvão
grupos de operários, que se mantiveram em atitude pacífica. A policia do 10° distrito,
que teve conhecimento antecipado dessa reunião, se encontrava no local. Quando a
quantidade de grevistas reunidos chegava a aproximadamente 400 pessoas, o delegado
Dr. Benedito da Costa Ribeiro, tendo recebido por telefone ordens de Aurelino Leal,
271
Jornal do Brasil, 19 de novembro de 1918. (p. 5); Correio da Manhã, 19 de novembro de 1918. (p. 1)
272
Jornal do Brasil, 19 de novembro de 1918 (p. 5)
172
reuniu seus homens e se aproximou dos operários. Ele, alegando falar em nome do
Chefe de Polícia, ordenou que os trabalhadores se dispersassem. De forma generalizada
irromperam gritos de protesto: Não pode! Não pode! Não pode! Costa Ribeiro procurou
dialogar com os grevistas, deixando claro que caso seu pedido não fosse atendido, seria
obrigado a recorrer à violência. Os grevistas indignados novamente manifestaram o seu
protesto: Não pode! Não pode! Não pode! Assim, os policiais se espalharam e tentaram
prender os trabalhadores mais exaltados. Esta atitude provocou grande revolta nos
trabalhadores que continuaram protestando. A situação se tornou tensa, pois os
policiais, que agora recuavam, ficaram envolvidos pela multidão. Um soldado
empunhou sua pistola. Nesse momento, alguém escondido na multidão disparou um tiro
de revólver. Em seguida, vários tiros foram disparados. A polícia, batendo em retirada,
também disparou suas armas. Os policiais se abrigaram dentro da delegacia do Campo
de São Cristóvão. Eles tentaram defender a delegacia que estava sendo invadida pelos
grevistas. A confusão se tornou generalizada. Havia intenso tiroteio entre os policiais e
os trabalhadores. Um operário subiu no poste para cortar as linhas telefônicas. Uma
bomba de dinamite explodiu no Campo de São Cristóvão. Em seguida, outra bomba
explodiu dentro da delegacia. Esta foi invadida pelos trabalhadores, que causavam
grande destruição. Nesse momento, chegaram ao local vinte praças de cavalaria do
Exército. Eles dispararam contra a delegacia, que se achava em poder dos grevistas.
Estes, de forma desesperada, fugiram. Os operários estavam recuando, quando ouviram
a sirene do automóvel de socorro da 10° Brigada Policial. Os operários foram em sua
direção e o dinamitaram, ferindo levemente quatro policiais. Os policiais reagiram e os
operários correram tentando abandonar o Campo de São Cristóvão. A força de cavalaria
do Exército, agora auxiliada pela polícia, perseguiu os operários que desorganizados
fugiam, correndo em várias direções. Os trabalhadores lançaram outra bomba de
dinamite que explodiu próximo ao automóvel de socorro, que estava destruído. A
cavalaria novamente se lançou contra os grevistas, que continuaram sua fuga
desesperada. Finalmente a ordem foi restabelecida no Campo de São Cristóvão. A
delegacia ficou completamente destruída. As famílias que moravam próximas ao
Campo de São Cristóvão, ficaram em pânico durante o confronto. Muitos trabalhadores
tentaram fugir do local. Como resultado do confronto, alguns policiais ficaram feridos.
O delegado Dr. Costa Ribeiro teve um ferimento leve na perna.
273
273
Jornal do Brasil, 19 de novembro de 1918. (p. 5); Correio da Manhã, 24 de dezembro de 1918 (p. 3)
173
Durante o dia, muitas prisões de grevistas foram feitas pelos agentes do Corpo
de Segurança e pelos delegados. Manuel Domingues, operário de nacionalidade
espanhola empregado na fábrica São Félix, foi preso. Ele possuía um revolver carregado
e uma caixa de balas. Na Vila Militar, foi preso um operário que fazia distribuição de
boletins anarquistas. Um embrulho que estava no meio da Rua Francisco Eugênio
chamou a atenção de três menores de idade que por ali passavam. Eles eram
trabalhadores de uma fábrica de chapéus em São Cristóvão. Quando um dos menores
pegou o embrulho, houve uma grande explosão. No embrulho, havia uma bomba de
dinamite. Os menores gravemente feridos foram levados para a Santa Casa. No final da
noite, a cidade já se encontrava em completa calma, mas ainda circulavam boatos
alarmantes.
274
As autoridades associaram o movimento de rua, feito pelos grevistas, a um plano
anarquista para derrubar o governo e tomar o poder. O Chefe de Polícia, Aurelino Leal,
comunicou ao Vice-Presidente da República em exercício, Delfim Moreira, que a
cidade estava sendo ameaçada por um movimento subversivo, no qual operários de
várias fábricas eram liderados por alguns anarquistas. A policia possuía um espião
infiltrado entre os anarquistas, o tenente do Exército Jorge Elias Ajus. Dessa forma, as
autoridades conseguiram saber com antecedência dos planos para a insurreição
anarquista e se prepararam para combatê-la. A mobilização dos trabalhadores, ocorrida
no dia 18 de novembro, era esperada pela polícia, que vinha se mantendo de
prontidão vários dias. Segundo a policia, os anarquistas pretendiam utilizar os
trabalhadores e os soldados do Exército e da Marinha para derrubar o governo. O plano
dos anarquistas seria o seguinte: no dia 18 de novembro, após o início da greve, os
trabalhadores deveriam se dirigir para o Campo de São Cristóvão. Quando houvesse um
grande número de trabalhadores reunidos nesse local, os anarquistas conduzindo os
trabalhadores atacariam a Intendência de Guerra e se apossariam de armamento e de
fardamento. Os anarquistas esperavam que, quando as forças do Exército chegassem, os
soldados confraternizassem com os trabalhadores. Assim, soldados e trabalhadores
unidos deveriam marchar pela cidade. O prédio da prefeitura deveria ser dinamitado.
Em seguida, eles deveriam atacar o Palácio da Polícia e a Câmara dos Deputados,
prendendo o maior numero possível de deputados. O Presidente da República e alguns
274
Jornal do Brasil, 19 de novembro de 1918. (p. 5); Correio da Manhã, 19 de novembro de 1918. (p. 1)
174
generais deveriam ser presos. Então seria proclamado o Conselho de Operários e
Soldados do Rio de Janeiro.
275
Tendo conhecimento do local no qual os anarquistas se encontravam reunidos, o
Chefe de Polícia ordenou que fossem presos. Assim, o major Reis seguiu para a casa da
Rua da Alfândega nº. 22. Chegando neste local, prendeu José Oiticica, Manuel Campos,
Astrogildo Pereira, Fernandez e outros. O comissário Júlio Rodrigues também esteve no
local e efetuou prisões. Os presos foram conduzidos ao Palácio de Polícia,
permanecendo incomunicáveis. José Oiticica foi levado à presença do Chefe de Polícia.
Os dois tiveram uma breve conversa.
...Foram ter ao gabinete do Chefe de Policia.
Este convidou o Dr. Oiticica a sentar-se dizendo-lhe:
- Então o Sr. quer ser o salvador brasileiro, o Lenine?
- Não senhor.
- Abusa da sua cultura para pregar ideas subversivas a honrados
operários que se deixam empolgar por taes doutrinas?
- São idéas... idéas
- Idéas anarchistas, mas o senhor está enganado; não conseguirá seus
intentos. Major Reis faça conduzir o doutor para o Corpo de Segurança,
concluía o Chefe de Policia...
276
Mais tarde, o Dr. Oiticica foi transferido do Corpo de Segurança para o Quartel
General da Brigada Policial. Como podemos observar, o Chefe de Polícia associou os
acontecimentos, envolvendo os operários no Campo de São Cristóvão, ao plano
anarquista para derrubar o governo e tomar o poder. O discurso da polícia afirmava que
os operários eram indivíduos ingênuos, que estavam sendo manipulados pelos
anarquistas. Dessa forma, a polícia estaria combatendo um movimento grevista que na
verdade fazia parte de uma insurreição planejada pelos anarquistas. A repressão policial,
além de justificável, era também necessária para garantir a manutenção da ordem.
No dia 19 de novembro a UGM se declarou solidária à UOFT. A UGM, através
de um comitê, publicou um manifesto dirigido à classe, defendendo a greve geral. Este
mesmo comitê comunicou ao Jornal do Brasil que o movimento grevista dos operários
metalúrgicos não obedecia a fins políticos ou subversivos da ordem pública. Segundo
eles, seus objetivos eram econômicos. A principal justificativa para a greve era a
carestia e o fato dos industriais não terem respondido ao memorial dos metalúrgicos.
277
Os metalúrgicos afirmaram que a dois meses tinham enviado um memorial aos patrões.
275
Jornal do Brasil, 19 de novembro de 1918. (p. 5)
276
Jornal do Brasil, 19 de novembro de 1918. (p. 5)
277
Jornal do Brasil, 20 de novembro de 1918, (p. 5)
175
Neste, eles faziam reivindicações que não foram atendidas. As reivindicações dos
metalúrgicos eram as seguintes:
- Que seja reconhecida a União como única intermediária entre patrões e
empregados.
2º - Que seja estabelecido o dia normal de 8 horas.
- Que seja estabelecido o salário mínimo para todos os operários, desde o
official ao aprendiz
a) Para officiaes, 8$000.
b) Para meios officiaes, 6$000.
c) Para ajudantes e serventes, 5$000.
d) Para aprendizes maiores de 14 annos, com seis mezes de officina,
2$000.
4º - Aumento proporcional ao ordenado de cada um.
- Que sejam abolidos os extra-ordinários, ficando, porém, ao alvitre do
operário, quando por força das circunstancias o exigir, que sejam pagos á
razão de 300%, isto é, percebendo 3 horas, por cada hora, de trabalho
extraordinario.
6º - Abolição completa de todo e qualquer trabalho de empreitada.
278
Os trabalhadores da construção civil também se uniram ao movimento grevista.
Eles alegaram que desejavam o dia de oito horas de trabalho e garantias contra acidentes
de trabalho.
279
A maioria dos grevistas pertencia ao setor têxtil, devido à existência de
um grande numero de trabalhadores nesse setor. No entanto, a greve também foi de
proporções significativas nos setores metalúrgico, da construção civil e de pedreiras.
Durante o dia 19 de novembro, muitas fábricas de tecidos estavam paralisadas,
mas muitas continuavam funcionando. Nas seguintes fábricas o serviço estava
paralisado: Corvilhã e Manchester, na Tijuca; Esperança, em São Cristóvão; Santa
Heloisa, na Rua Saldanha da Gama; Aliança, nas Laranjeiras; São Felix, Carioca,
Aurora e Corcovado, na Gávea; Confiança, em Vila Isabel; Botafogo e Cruzeiro, no
Andaraí, Babilônia, na Aldeia Campista; Sapopemba, em Deodoro e Bangu, na Estação
de Bangu. Todas essas fábricas estavam sendo vigiadas pela polícia. A polícia recebeu
queixas, informando que os trabalhadores de várias fábricas de tecidos receberam
intimação dos grevistas, exigindo a paralisação do serviço. O comissário Américo
Ribeiro, do 21º distrito, prendeu várias pessoas consideradas suspeitas, que se
encontravam nas imediações das fábricas Carioca e Corcovado. Em São Cristóvão, o
operário Oswaldo Ferreira Mendes foi preso. Ele foi acusado de intimar, com um
revolver em punho, os operários da fábrica Silveira Machado & Cia. a abandonarem o
serviço. Na fundição do senhor João Torino, na Rua da Gamboa 118, diversos
278
Jornal do Brasil, 20 de novembro de 1918. (p. 5)
279
Jornal do Brasil, 20 de novembro de 1918. (p. 5)
176
grevistas intimaram os trabalhadores desse estabelecimento a abandonarem o serviço.
Como esses trabalhadores se recusaram a entrar em greve, os grevistas ameaçaram
dinamitar a oficina. Muitos grevistas estiveram na cidade de Niterói, buscando a adesão
dos trabalhadores dessa cidade à greve. Os trabalhadores da Companhia Manufatura
Fluminense, localizada no Barreto, entraram em greve. No entanto, a maioria dos
trabalhadores de Niterói se recusou a aderir à greve. Houve a explosão de uma bomba
de dinamite. Nos terrenos do Morro do Senado, um trapeiro que apanhava papéis mexeu
em um embrulho, que se encontrava embaixo de uma pedra. Nesse momento, houve
uma explosão que o atirou longe, com o ventre esfacelado e o braço direito fraturado. O
infeliz faleceu.
280
No dia 20 de novembro não houve muita agitação nas ruas da cidade. A polícia
continuou efetuando algumas prisões. Três associações de trabalhadores foram
fechadas: a UOFT, a UGM e a UGCC. Em nota oficial o Chefe de Polícia declarou:
O acto da autoridade policial fechando homtem as sedes das três
associações operárias, inspirou-se em motivos de segurança pública. Os
operários em tecidos em uma minoria despótica que domina, por meio de
ameaças, a grande maioria da classe, foram os principais auxiliares dos
dynamiteiros que pretenderam assaltar a Intendência da Guerra para
estabelecer na Capital da Republica o truculento regimem dos “soviets”.
Procurada a polícia por uma comissão que lhe declarara estar foragida
a directoria da sociedade, e lhe confessa-ra o propósito de depol-a por um
golpe de força, acclamando uma junta governativa. O Sr. Chefe de Polícia
resolveu fechar a sede, nem só como garantia dos direitos da directoria
ausente, como por medida de segurança.
Quanto ás sociedades dos operários metallurgicos e da construção
civil, a polícia fechou-as porque suas directorias estavam fazendo violenta
pressão sobre consócios que trabalhavam pacificamente, obrigando-os a
abandonar o serviço, sob ameaças de bombas de dynamite.
Foram innumeras as reclamações particulares recebidas contra essa
coacção, praticada até tal foi a ousadia dos coactores contra operários
empregados nas obras do Quartel General do Exército. Todos esses
operários violentos reduzem os companheiros a verdadeiros escravos seus, e
é por isso que o Governo corre em socorro dos oprimidos, garantindo a
liberdade de trabalho...
281
A direção da UOFT foi associada aos anarquistas. Também foi acusada de
obrigar, através de ameaças, os trabalhadores em fábricas de tecidos a auxiliarem a
insurreição dos anarquistas. A polícia havia responsabilizado os anarquistas pelas
explosões das bombas que ocorreram na cidade, apesar dos responsáveis pelas
explosões não terem sido identificados. Os membros da direção da UOFT foram
280
Jornal do Brasil, 20 de novembro de 1918. (p. 5); Correio da Manhã, 20 de novembro de 1918 (p. 1)
281
Jornal do Brasil, 21 de novembro de 1918. (p. 6)
177
considerados anarquistas ou cúmplices dos anarquistas. A defesa da sociedade da
ameaça anarquista foi o principal argumento, utilizado pelas autoridades, para justificar
a repressão ao movimento grevista. Outro argumento importante, utilizado com essa
finalidade, foi a defesa da liberdade de trabalho. Esse argumento habitualmente era
utilizado pela polícia, durante as greves, assim como o argumento da manutenção da
ordem. Segundo a polícia, a UGM e a UGCC foram fechadas porque essas associações
estavam fazendo forte pressão sobre os trabalhadores dessas categorias, para que eles
entrassem em greve. A polícia recebeu muitas queixas, de trabalhadores das três
categorias em greve, que tiveram suas associações fechadas pela polícia. Muitos
trabalhadores que se recusaram a aderir à greve, afirmaram ter recebido ameaças dos
grevistas. Estes estariam dispostos a recorrer à violência e até mesmo a utilizar bombas
de dinamite. Em Copacabana foram presos, e recolhidos ao xadrez da delegacia do
trigésimo distrito, Domingos Soares, Francisco Fernandes e Adriano de tal. Eles foram
acusados de incentivar a desordem, pressionando os trabalhadores desse bairro a
aderirem à greve.
282
Desde suas fundações, as três associações de trabalhadores, que
foram fechadas, recomendavam que os trabalhadores se mantivessem unidos, agindo em
bloco, e adotassem uma postura pacífica. As direções das associações de trabalhadores
desejavam que os operários seguissem suas recomendações. Como elas não tinham,
obviamente, o controle sobre os trabalhadores que representavam, muitos operários se
recusavam a aderir às greves. Não podemos esquecer que, apesar das associações serem
muito importantes na organização das greves, quem fazia as greves não eram elas, mas
sim os trabalhadores. Muitos destes, em muitos casos, possuíam opiniões diferentes das
opiniões das direções das associações de trabalhadores. Grevistas, mais exaltados,
costumavam recorrer à violência, muitas vezes entrando em conflitos com os “fura-
greves”. A polícia tendo evidências de violências praticadas pelos grevistas, sempre que
julgasse conveniente, podia acusar as associações de trabalhadores de incentivar a
violência e desrespeitar a liberdade de trabalho. Em defesa desse princípio, greves
podiam ser reprimidas e associações de trabalhadores podiam ser fechadas. Podemos
perceber que as divergências existentes entre os trabalhadores, em muitos momentos,
enfraqueciam o movimento operário. Por isso, as associações de trabalhadores lutavam
tanto pela união dos operários em torno delas. Consideramos que outra informação
muito importante foi fornecida, pelas declarações do Chefe de Polícia. Ele informou que
282
Jornal do Brasil, 21 de novembro de 1918. (p. 6)
178
foi procurado por uma comissão de operários em fábricas de tecidos, que lhe confessou
a intenção de depor a diretoria da UOFT. Essa atitude radical evidencia a existência de
uma séria divisão, entre os integrantes da UOFT. Trataremos desta questão mais
adiante.
Os metalúrgicos procuraram o Jornal do Brasil para protestar contra o
fechamento da sua associação.
Membros do comitê de operários metallurgicos procuraram hontem, á
noite, o “Jornal do Brasil” para protestarem contra o acto do Sr. Chefe de
Polícia, fechando a sede da União Geral dos Metallurgicos, á Rua Senador
Pompeo n°. 160.
Esse acto, affirmaram elles, é mais uma inqualificável violência do Dr.
Aurelino Leal, pois os operários metallurgicos não têm nenhuma
coparticipação nos graves acontecimentos destes últimos dias e não têm
mesmo qualquer ligação com os tecelões. Arbitrariamente, dizem elles, a
policia invadiu a sede social e prendeu nove associados que alli se
encontravam em palestra, levando-os para o xaderez da Policia Central.
Disseram mais que o facto dos metallurgicos se recusarem ao trabalho
é devido aos industriaes ainda não terem respondido ao Memorial que a
União lhes enviou a dous meses, pedindo o dia de oito horas de trabalho...
283
Os metalúrgicos acusaram Aurelino Leal de agir de forma injusta. O fechamento
da UGM foi considerado uma arbitrariedade. Eles afirmaram que não tinham nenhuma
relação com os atos violentos praticados recentemente na cidade. Eles queriam a todo
custo não serem associados aos anarquistas, pois sabiam que isso legitimaria a repressão
violenta sobre a categoria. Por isso afirmaram, mesmo não sendo totalmente verdade,
não terem nenhuma relação com os operários em fábricas de tecidos. Estes estavam
sendo, pelas autoridades, diretamente relacionados ao movimento dos anarquistas. Os
metalúrgicos declararam que a greve no seu setor tinha motivações exclusivamente
econômicas. Em setembro de 1918, a UGM enviou um memorial aos industriais. Neste,
os metalúrgicos reivindicavam: o estabelecimento de uma tabela de salários com
aumentos relativos, a jornada de oito horas de trabalho e o reconhecimento da UGM
como órgão oficial da classe. havia aproximadamente dois meses que o memorial
havia sido enviado e ainda não tinha sido respondido. Nesse período, devido à carestia e
a epidemia de gripe espanhola, a situação econômica dos trabalhadores havia piorado.
No dia 22 de novembro, o Presidente da República decretou a dissolução da
UGT. Esta foi considerada uma associação anarquista que explorava as associações de
283
Jornal do Brasil, 21 de novembro de 1918. (p. 6)
179
trabalhadores. Ela foi considerada a principal responsável pela adesão da UOFT, da
UGM e da UGCC à greve. A greve estava sendo considerada uma greve violenta, não
como conseqüência da violenta repressão policial, mas pela influência da UGT. Os
operários honestos e pacíficos estariam sendo forçados a participar da greve, por
elementos desordeiros que existiriam nessas associações citadas. Esses desordeiros
seriam anarquistas violentos e descontrolados, em sua maioria estrangeiros, que não
exitavam em utilizar bombas de dinamite. Metalúrgicos, ligados à UGM, protestaram
contra as acusações feitas pela polícia. Eles afirmavam que os metalúrgicos estavam
sendo rotulados como anarquistas e destruidores. Eles alegaram que os operários eram
em sua maioria chefes de família e respeitadores da ordem pública.
284
Os operários em pedreiras iniciaram sua greve no dia 18 de novembro. Eles
mantiveram uma postura pacífica. Os trabalhadores tinham se desligado da Comissão
Central de Melhoramentos. Esta tinha o objetivo de harmonizar os interesses dos
patrões e dos operários. Tinha também o objetivo de desenvolver, em benefício de
ambas as partes, esse setor industrial. No dia 20 de novembro, aproximadamente 30
oficinas estavam com os serviços paralisados. Nesse dia, o Centro de Indústrias de
Pedreiras, associação que representava os patrões, decidiu mandar um ofício ao Centro
dos Operários em Pedreiras, informando que concedia um prazo de 48 horas para os
operários voltarem ao trabalho. Se a greve continuasse, o Centro de Indústrias de
Pedreiras ameaçava romper o acordo firmado, extinguindo a Comissão Central de
Melhoramentos. O Centro também se recusou a adotar a jornada de trabalho de 8 horas,
reivindicada pelos grevistas. Os industriais decidiram, por unanimidade, que
adotariam a jornada de 8 horas, quando a construção civil a adotasse ou quando o
governo estabelecesse essa medida. Os trabalhadores não cederam à pressão e
continuaram em greve. No dia 25 de novembro, o Centro dos Operários em Pedreiras
divulgou um manifesto, dirigido à classe, solicitando a manutenção da greve pacífica.
Apesar da polícia, de forma violenta, perseguir e prender os operários em pedreiras, a
greve da categoria não foi associada pelas autoridades à insurreição anarquista. O COP
não foi fechado na ocasião em que foram fechadas a UOFT, a UGM e a UGCC. A greve
dos operários em pedreiras teve longa duração. Ela durou mais de três meses. Os
industriais estavam sendo pressionados a assinar uma tabela de salários, organizada
pelos trabalhadores. Apesar da forte resistência dos patrões, no mês de março de 1919,
284
Jornal do brasil, 23 de novembro de 1918. (p. 5)
180
os grevistas haviam conseguido a aceitação da jornada de trabalho de 8 horas e da
tabela de salários, pelas principais firmas da cidade. Cinqüenta e uma firmas haviam
aceitado essas reivindicações. Dentre estas, se encontrava a firma do construtor
Jannuzzi. Ao contrário das outras categorias envolvidas na greve geral, a greve dos
operários em pedreiras foi considerada um sucesso.
285
Por que o COP, ao contrário da UOFT, da UGM e da UGCC, não foi fechado
pela polícia? A UOFT foi diretamente associada aos anarquistas, pela polícia. Seus
líderes foram até mesmo acusados de financiar as bombas de dinamite, que explodiram
pela cidade. As autoridades sabiam que líderes dos operários em fábricas de tecidos e
dos metalúrgicos tinham participado da reunião, ocorrida no dia 15 de novembro, na
qual foi decidida a realização da insurreição. Segundo a polícia, a UOFT foi fechada por
participar diretamente da insurreição. A UGM e a UGCC foram fechadas, porque a
polícia considerou que trabalhadores desses setores participaram das desordens,
ocorridas no Campo de São Cristóvão. Outro motivo seria o fato dessas associações
estarem pressionando os trabalhadores, através de ameaças, a aderirem à greve. Dessa
forma, elas estariam violando a liberdade de trabalho. Os líderes da UGCC não
participaram de nenhuma reunião, na qual a insurreição foi planejada. No entanto, a
associação tinha um contato muito freqüente com líderes anarquistas. A UGCC
recentemente também havia se envolvido em desentendimentos com a polícia. A
associação, nos meses de outubro e novembro, através de seu Comitê Pró-Combate à
Fome, estava tentando mobilizar várias categorias de trabalhadores. Eles tentavam
organizar protestos contra a carestia e o desemprego. Em outubro, a sede da UGCC foi
invadida pela polícia. A associação criticou publicamente tal atitude. Parece que o COP
seguia uma estratégia diferente, das outras associações de trabalhadores envolvidas na
greve. Enquanto essas associações criticavam publicamente às autoridades e tentavam
organizar manifestações públicas, que na visão da polícia podiam ameaçar a
manutenção da ordem, o COP dava ênfase ao diálogo com os patrões, através da
Comissão Central de Melhoramentos. O COP tentava convencer os patrões a
concordarem com suas reivindicações. Esta estratégia de atuação, além de não ameaçar
a ordem, era considerada legítima pelas autoridades. Assim, quando o COP rompeu com
a Comissão Central de Melhoramentos e entrou em greve, por não ter suas
285
Jornal do Brasil, 21 de novembro de 1918 (p. 6); Jornal do Brasil, 26 de novembro de 1918 (p. 5); O
Graphico: orgão da associação graphica do Rio de Janeiro, 01 de fevereiro de 1919 (p. 1); O Graphico:
orgão da associação graphica do Rio de Janeiro, 16 de fevereiro de 1919 (p. 2); O Graphico: orgão da
associação graphica do Rio de Janeiro, 01 de abril de 1919 (p. 2)
181
reivindicações atendidas, os trabalhadores do setor foram duramente reprimidos, mas a
associação não foi fechada pela polícia. Parece que também contribuiu nesse sentido, o
fato de não ter existido no setor de pedreiras, como existiram nos outros setores, grande
quantidade de trabalhadores que se recusaram a entrar em greve, se queixando às
autoridades de ameaças feitas pelos grevistas. O apoio à greve no setor de pedreiras foi
mais abrangente que nos outros setores. Além disso, o COP estava menos ligado aos
anarquistas, que as associações das outras categorias de trabalhadores envolvidas na
greve. Isto também contribuiu para que a greve, liderada pelo COP, não fosse vinculada
à insurreição.
Por que a greve no setor de pedreiras, ao contrário das greves iniciadas em
novembro de 1918 nas outras categorias, foi um sucesso? Havia maior união dos
trabalhadores do setor das pedreiras em torno da sua associação de classe, do que nas
outras categorias de trabalhadores que participaram da greve geral. Enquanto a greve
nas outras categorias durou aproximadamente apenas uma semana e meia, a greve no
setor de pedreiras durou mais de três meses. Uma paralisação tão longa, mesmo numa
conjuntura econômica recessiva, na qual as indústrias provavelmente possuíam
significativa quantidade de produtos acabados estocados, causou sérios problemas aos
industriais. No setor de pedreiras, havia uma cultura de dialogo entre os trabalhadores e
os industriais, estabelecida durante os anos de 1917 e 1918, através da Comissão
Central de Melhoramentos. Os trabalhadores e os industriais do setor haviam criado
condições, para a existência de um dialogo permanente e produtivo, entre ambas as
partes. Ao contrário das outras categorias envolvidas na greve, os trabalhadores e os
industriais do setor das pedreiras, para chegar a um acordo que desse fim à greve, não
precisavam criar mecanismos que viabilizassem o diálogo entre eles. Bastava que
utilizassem os mecanismos já existentes, dos quais haviam temporariamente se afastado.
A Comissão Central de Melhoramentos havia estabelecido um conjunto de
procedimentos para a manutenção do diálogo, que era reconhecido tanto pelos operários
quanto pelos patrões. A Comissão Central de Melhoramentos possuía um espaço físico,
no qual representantes dos operários e dos patrões podiam se reunir com freqüência,
para resolver os conflitos existentes. As lideranças dos industriais e dos trabalhadores se
conheciam bem e estavam acostumadas com a realização de encontros, que tinham o
objetivo de equacionar seus interesses. Os industriais reconheciam a legitimidade dos
representantes dos trabalhadores. Estes fatores contribuíram para a realização dos
acordos que terminaram com a greve na categoria. Cada estabelecimento decidiu
182
separadamente se aceitaria ou não as reivindicações dos grevistas, mas o Centro das
Indústrias das Pedreiras tinha influência entre as direções dos estabelecimentos
industriais.
Os donos das fábricas de tecidos se mostraram muito irritados com a greve geral,
feita pelos trabalhadores da categoria. Eles alegavam terem tido uma decepção, pois
julgavam que tinham feito um grande esforço para ajudar os trabalhadores, apesar da
situação econômica difícil. Eles afirmaram que recentemente tinham dado um aumento
de 30% nos salários dos trabalhadores. Tinham também reconhecido a UOFT como
órgão oficial da classe. Assim, a atitude dos trabalhadores foi entendida como um ato de
ingratidão.
286
O Centro Industrial publicou uma declaração com suas resoluções. A
primeira elogiava a atuação da polícia. A segunda rompia relações com a direção da
UOFT.
...Segunda O Centro Industrial do Brasil assegurando-se que a diretoria da
“União dos Operários em Fábrica de Tecidos” não preenche de maneira
alguma os fins para que foi eleita pois que em vez de ajudar o operariado e
defender-lhe os seus direitos só o tem prejudicado e compromettido por
todas as formas, resolve declarar nulo o ajuste celebrado entre o “Centro” e
os representantes daquella aggremiação em 1° de setembro do corrente anno,
e não mais tratar com aquella directoria.
287
Um dos diretores da UOFT comentando sobre a postura dos industriais declarou
o seguinte:
... Elles teimam em recusar-se a cumprir o acordo firmado entre nós, por
intermédio da União e do Centro. Esse accordo, como o Jornal do Brasil
noticiou, se refere a fiel execução do horário de 56 horas de serviço na
semana, á concessão de 30% sobre os salários, mas sem os sophismas
grosseiros que tem sido feitos, e ao exacto cumprimento da cláusula que diz:
- “o Centro Industrial do Brasil, único e legítimo representante de todas as
fábricas de tecidos brasileiras, reconhece na União dos Operários em
Fábricas de Tecidos a única representante dos operários dessa industria e,
portanto, com direito de intervir em qualquer pendência entre operários e
patrões.”
No entanto, a União por mais que officiasse ao Centro, solicitando
uma conferência das respectivas directorias para a solução de irregularidades
e abusos praticados na vigência do referido accordo, jamais conseguiu ser
attendida.
Como resposta, talvez, as suas constantes solicitações o Centro
Industrial declarou-lhe que a partir do dia 1 de Outubro ultimo o trabalho
nas fabricas de tecidos de algodão passariam a ser de 28 horas na semana... e
que os salários dos diaristas seriam reduzidos. Uma outra coisa foi feita. Não
contentes com isso, os industriaes prosseguiram na violação do accordo,
286
Jornal do Brasil, 21 de novembro de 1918. (p. 6)
287
Jornal do Brasil, 24 de novembro de 1918. (p. 6)
183
dispensando das fabricas centenas e centenas de operários que, com razão,
pediam o aumento de 30% sobre os salários...
...Relativamente as lamentáveis occurrencias em que, dizem, se viram
envolvidos alguns de nossos companheiros, podemos garantir ao Jornal do
Brasil que a União dos Operários em Fábricas de Tecidos jamais pensou em
attentar contra a propriedade alheia ou contra a vida de quem quer que seja,
e menos ainda pretendeu ou pretende agir com fins políticos.
Composta unicamente de trabalhadores, amigos da ordem e
respeitadores das leis e das autoridades, a União não deixará de pugnar pelos
direitos e interesses de seus associados, mas sem quebra da norma de
conducta que adoptou para esse fim, não se prestando de forma alguma a
servir aos interesses dos que m no operário um instrumento para a
satisfação dos seus ódios, das suas paixões ou ambições condemnaveis.
288
Como podemos observar, a associação da UOFT ao anarquismo e à violência lhe
causou grande prejuízo. Isto desmoralizou a direção da União e legitimou a repressão
policial, num momento em que os trabalhadores travavam uma queda de braços com os
patrões. Estes se aproveitaram para quebrar o acordo firmado com a UOFT em
setembro, alegando que a direção dessa associação, agora influenciada pelos
anarquistas, não representava mais os interesses dos trabalhadores da categoria. Por
isso, o diretor da UOFT em seu discurso fez um grande esforço, para desvincular essa
associação de trabalhadores dos anarquistas. Desde sua fundação, apesar da resistência
dos patrões, a UOFT reivindicou constantemente direitos e melhores condições de
trabalho para os operários. Em setembro de 1918, devido a grande pressão da União que
ameaçava declarar greve geral na categoria, os industriais mesmo contrariados
acabaram cedendo. O Centro Industrial firmou um acordo com a UOFT. Neste acordo, o
Centro Industrial reconheceu a UOFT como legítima representante dos trabalhadores
em fábricas de tecidos, concedeu 30% de aumento nos salários e determinou que todas
as fábricas adotassem a semana de 56 horas.
289
Os trabalhadores alegavam que o acordo
não vinha sendo cumprido de forma adequada. Segundo eles, as fábricas não estavam
adotando a semana inglesa, ou seja, não estavam funcionando 56 horas distribuídas em
seis dias na semana. Além disso, ao contrário do que fora acordado, estavam adotando o
trabalho por hora. Isto provocava uma redução nos pequenos salários dos trabalhadores.
Os industriais informaram que o acordo estava sendo cumprido, mas reconheceram que
o número de horas trabalhadas diminuiu. Eles negavam que tinham intenção de reduzir
os salários, mas como o número de encomendas havia diminuído, eles não tinham como
não diminuir o número de horas trabalhadas.
290
288
Jornal do Brasil, 24 de novembro de 1918. (p. 6)
289
Jornal do Brasil, 02 de setembro de 1918. (p. 5)
290
Jornal do Brasil, 20 de novembro de 1918. (p. 5)
184
Durante o mês de outubro de 1918, a cidade do Rio de Janeiro foi assolada pela
epidemia de gripe espanhola. No inicio de novembro, o numero de novos casos de
pessoas infectadas na cidade havia diminuído, mas nos subúrbios ainda era
significativo. A epidemia de gripe e a sua conseqüência, a fome, estavam causando
muitas mortes entre a população pobre. Os trabalhadores doentes não conseguiam
trabalhar. Eles não recebiam remuneração pelos dias não trabalhados. As fábricas,
devido à conjuntura de crise econômica, também haviam reduzido o mero de horas
trabalhadas. Isto reduzia o salário dos trabalhadores. Doentes e sem dinheiro eles
agonizavam. Em outubro, algumas fábricas de tecidos entraram em greve. A UOFT
estava afirmando que os industriais não estavam cumprindo o acordo celebrado em
setembro. No dia 30 de outubro, a UOFT encaminhou um ofício ao Centro Industrial.
Neste, ela reivindicava um abono de 30% no salário dos operários parados por causa da
epidemia, a dispensa dos aluguéis das casas de propriedade das indústrias e o retorno do
funcionamento das fabricas por 56 horas semanais. No dia 9 de novembro, os
industriais, que haviam se reunido no Centro Industrial, informaram que não poderiam
atender às reivindicações da UOFT, devido à conjuntura recessiva e a existência de
grande quantidade de produtos estocados.
291
Essa resposta dos industriais irritou
profundamente os trabalhadores, que a consideraram uma demonstração de grande
insensibilidade dos patrões. Durante o mês de outubro e o início do mês de novembro,
as relações entre os industriais e os trabalhadores em fábricas de tecidos foram se
tornando mais tensas. A significativa deterioração da situação econômica dos
trabalhadores, nesse curto período, foi fundamental para a ocorrência da greve em
novembro.
No dia 24 de novembro, o comitê dos metalúrgicos se reuniu para avaliar o
andamento do movimento grevista. Os membros do comitê decidiram consultar os
operários dos principais estabelecimentos que estavam paralisados, sobre se deviam ou
não acabar com a greve. Os líderes metalúrgicos consideraram que a polícia utilizava,
de forma generalizada, falsas acusações contra os operários. Sob os rótulos de
baderneiros ou anarquistas, os operários estavam sendo duramente reprimidos e presos.
Os metalúrgicos decidiram que os operários, tanto dos estabelecimentos que adotaram
as recomendações do memorial da UGM quanto dos estabelecimentos que não se
manifestaram, deveriam retornar ao trabalho. Dessa forma, esperavam deixar claro para
291
Jornal do Brasil, mês outubro de 1918; Jornal do Brasil, 09 de novembro de 1918. (p. 6); ADDOR, C.
A. A insurreição anarquista do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Achiamé, 2002. P. 118-119)
185
a sociedade que os metalúrgicos não tinham nenhuma relação com políticos e com as
desordens ocorridas recentemente. Planejavam aguardar o término das discussões sobre
o Código do Trabalho, que estava muito tempo em andamento na Câmara dos
Deputados. Caso o Código não fosse aprovado ou caso suas resoluções não agradassem
aos trabalhadores, a UGM deixava em aberto a possibilidade de uma nova greve.
292
Os industriais informaram que iriam reabrir as fábricas de tecidos e solicitaram
que todos os operários voltassem ao trabalho. A UOFT publicou um manifesto
abordando esse assunto.
...O dever dos operários de tecidos é prosseguir na greve pacífica até
que seja dada, com o nosso pleno assentimento, uma solução honrosa a
nossa pendência com os industriaes.
Fomos levados á luta, não por simples capricho ou por um acto de
irreflexão, mas porque estávamos, como estamos, reduzidos a mais negra
miséria.
E assim, depois de serem satisfeitas as nossas justas reclamações,
que se cifram nos seguintes pontos: . Completa liberdade de pensamento;
2º. Seis dias de trabalho por semana; 3º. Salário mínimo; 4º. Oito horas de
trabalho por dia, é que devemos voltar ao trabalho.
Na reunião secreta realizada no Centro Industrial ficou resolvido,
conforme conseguimos saber que na próxima segunda-feira, 25 do corrente
as fabricas apitarão, para chamar os operários ao serviço.
É um laço que pretendem armar contra nós, pois serão admittidos
aquelles que os industriaes julgarem conveniente e os outros serão,
naturalmente, seguros pela polícia e incontinenti promovidos a
“anarquistas”.
É um “truc” dos patrões e para elle a attenção de todos os
companheiros afim de nelle não cahirem.
Devem portanto estar alerta, e só voltarem ao trabalho de cabeça
erguida e ao lado de todos os companheiros.
Não appareçam pois ao trabalho na segunda-feira, porque o
apparecimento será a nossa morte moral e a da União, e o regresso á fome e
á escravidão, ficando a classe para sempre desprestigiada e entregue de
mãos atadas á vontade egoísta dos industriaes...
293
No dia 25 de novembro, todas as fábricas de tecidos reabriram no horário normal
e apitaram suas máquinas, chamando os operários para o trabalho. Segundo a polícia,
apenas um terço dos operários compareceu ao trabalho. Grande parte dos trabalhadores
se recusou a voltar ao serviço, pois nenhuma das suas reivindicações havia sido
atendida. No dia seguinte, o número de operários que compareceram ao serviço foi bem
maior. No dia 27 de novembro, o trabalho já havia sido normalizado no setor da
292
Jornal do Brasil, 25 de novembro de 1918. (p. 4)
293
Jornal do Brasil, 25 de novembro de 1918. (p. 4)
186
construção civil.
294
Quase todas as fábricas estavam dispensando trabalhadores de
ambos os sexos. Durante a tarde, na Avenida Pedro Ivo, alguém atirou uma bomba que
explodiu, matando uma criança.
Logo nos primeiros dias da greve, a polícia havia prendido o conhecido
anarquista, de origem espanhola, Pedro Matera. A polícia o prendeu por considerá-lo,
além de anarquista, um dos principais líderes dos conflitos ocorridos na cidade. Matera
era proprietário e diretor do semanário A Liberdade, publicado na cidade do Rio de
Janeiro e orientado às classes populares. Como não obteve do preso nenhuma
declaração que o comprometesse, a polícia realizou rigorosa busca em sua casa, no dia
25 de novembro. Foram encontrados muitos boletins sediciosos e carretéis de fios, os
quais normalmente eram utilizados nas fábricas de tecidos. Todo o material foi
apreendido. Querendo descobrir se os carretéis de fio tinham sido roubados, a polícia os
levou até a fábrica Confiança para verificar se seriam reconhecidos. A polícia estava
tendo dificuldade em provar as acusações feitas contra os anarquistas.
295
No dia 28 de
novembro, estavam presos na Casa de Detenção aproximadamente duzentas pessoas.
Havia rumores de que a polícia iria deportar os estrangeiros e desterrar os trabalhadores
nacionais para Fernando de Noronha e outros lugares. A polícia procurava por vários
trabalhadores, considerados perigosos. Entre esses procurados se encontravam Manuel
Castro, Joaquim Moraes, Raimundo Martins e João da Costa Pimenta.
296
Outro desses
procurados era Paschoal Gravina. Este, apesar de não ser, era visto pelas autoridades
como um anarquista perigoso. A polícia foi informada que Gravina se encontrava
gravemente doente, atacado pela tuberculose pulmonar.
297
No dia 30 de novembro, a UOFT publicou um comunicado informando que
liberava os trabalhadores, para que eles decidissem se queriam se manter em greve ou
não. Alegava que esta atitude foi tomada, em virtude da violenta repressão policial. A
UOFT, na verdade, estava reconhecendo publicamente o fracasso da greve. Como a
maioria dos operários tinha voltado ao trabalho, a minoria que se mantinha em greve
corria sério risco de perder o emprego e de ir para a prisão. Os jornais continuavam
recebendo muitas queixas de trabalhadores, que alegavam que a polícia permanecia
prendendo grevistas, sob a falsa acusação de serem anarquistas. No dia 02 de dezembro,
294
Jornal do Brasil, 26 de novembro de 1918. (p. 5); Jornal do Brasil, 27 de novembro d 1918. (p. 5);
Jornal do Brasil, 28 de novembro de 1918. (p. 8)
295
Jornal do Brasil, 26 de novembro de 1918 (p. 6)
296
Correio da Manhã, 24 de dezembro de 1918 (p. 1)
297
Correio da Manhã, 28 de Novembro de 1918. (p. 3)
187
todas as fábricas de tecidos da cidade, com exceção da Aliança, estavam
funcionando.
298
A polícia não conseguiu provar que os anarquistas e os trabalhadores presos
tinham participado de uma insurreição anarquista, que almejava derrubar o governo. As
evidências existentes contra os acusados eram muito frágeis. As duas únicas
testemunhas de acusação eram o comissário Júlio Rodrigues e o tenente Ajus. Ambos
atuavam a serviço da polícia. Ajus como espião infiltrado entre os anarquistas. Júlio
Rodrigues como funcionário do Corpo de Segurança, encarregado de acompanhar a
atuação dos anarquistas. Durante o inquérito, aberto pelo Chefe de Polícia, José Oiticica
alegou inocência. Os advogados de defesa dos acusados, dentre eles Evaristo de Moraes
e Nicanor Nascimento, não negaram as acusações, mas também fizeram duras
criticas e graves acusações contra Chefe de Polícia. O Dr. Joaquim Gonçalves da Silva
acusou Aurelino Leal de corrupção, considerando que este utilizava o cargo que
ocupava com o objetivo de enriquecer. Também acusou Aurelino de, quando esse ainda
atuava na Bahia, ter se apropriado de dinheiro destinado para a fundação de um
orfanato. Aurelino Leal foi acusado, por vários advogados, de inventar um plano para a
perturbação da ordem, com o objetivo de se valorizar. Segundo os advogados de defesa,
seguindo ordens de Aurelino Leal, o tenente Ajus, auxiliado pela polícia, seria o
responsável pelos conflitos ocorridos no Campo de São Cristóvão. Júlio Rodrigues teria
sido o responsável pela distribuição das bombas de dinamite, que teriam sido utilizadas
pelos próprios policiais. Aurelino Leal teria ficado com a responsabilidade de fornecer
notas sensacionalistas à imprensa. O Chefe de Polícia pretenderia com isso se valorizar
diante dos seus superiores e se manter no cargo de Chefe de Polícia por mais tempo. A
recente mudança de Presidente da República teria ameaçado a sua posição. Rodrigues
Alves havia sido eleito para substituir Wenceslau Brás. No dia 15 de novembro, o Vice-
Presidente Delfim Moreira assumiu o cargo, pois Rodrigues Alves se encontrava
doente. Os advogados terminaram a defesa solicitando que os denunciados não fossem
pronunciados. Até meados de março de 1919, para a tristeza do Chefe de Polícia,
nenhum juiz havia aceitado os autos do processo instaurado, contra os acusados de
planejarem as desordens ocorridas em 18 de novembro de 1918.
299
No entanto, ainda no
mês de março, 14 pessoas foram pronunciadas como incursas nas penas do artigo 107
298
Jornal do Brasil, 30 de novembro de 1918 (p. 5); Jornal do Brasil, 03 de dezembro de 1918 (p. 7)
299
O Graphico: órgão da associação graphica do Rio de Janeiro, 16 de fevereiro de 1919 (p. 1 e 2); O
Graphico: órgão da associação graphica do Rio de Janeiro, 01 de março de 1919 (p. 1)
188
do Código Penal, crime de atentado. José Rodrigues Leite Oiticica foi denunciado como
líder do atentado. Como co-autores foram denunciados: Agripino Nazaré, Álvaro
Palmeira, Ricardo Corrêa Perpétua, Astrogildo Pereira, Carlos Dias, Manuel Campos,
João da Costa Pimenta, Gaspar Gigante, Manuel Castro, Joaquim Moraes, Manuel
Domingues, Oscar Silva e Adolfo Buste.
300
As pessoas pronunciadas recorreram. O Juiz
Federal da Primeira Vara, Dr. Raul Martins, aceitou o recurso, tornando sem efeito a
pronuncia que classificava, como criminosos, os implicados no movimento de
novembro de 1918.
301
Em fevereiro de 1919, a UGM e a UGCC voltaram a funcionar. Durante
aproximadamente três meses, Claudino José Soares foi presidente da Junta Governativa
da UOFT. No dia 8 de março de 1919, houve uma imponente solenidade, na qual tomou
posse a nova direção da UOFT. Muitos trabalhadores e representantes de associações de
trabalhadores estavam presentes. Entre as associações, que haviam mandado
representantes à solenidade, estavam a UGM, a UGCC e o COP. Em homenagem à
memória de Miguel Martins, operário morto em 18 de novembro, foi inaugurado um
retrato na sede social da associação. Ele foi considerado, por alguns na ocasião, um
mártir do movimento operário do Brasil. A diretoria que tomou posse foi a seguinte:
presidente, José Pereira de Oliveira; vice-presidente, Francisco Dias de Oliveira;
primeiro secretário, Rafael Garcia; segundo secretário, Antenor da Silva Faria; primeiro
tesoureiro, Servan Heitor de Carvalho; segundo tesoureiro, Francisco Castilho;
procurador, João Correia da Costa. Tomaram posse no Conselho Fiscal: Antônio Souza
Dias, Pedro Scorceli, João Reis Caldeira e Antônio Duarte Bento.
302
As autoridades e a imprensa de um modo geral condenaram os conflitos
ocorridos a partir do dia 18 de novembro. O Jornal do Brasil comentou sobre o assunto:
... Não é certamente com a dynamite, com o assalto aos edifícios públicos,
com o ataque á propriedade particular que o proletariado ha de conseguir o
que pretende. Outros elementos possue, dentro da lei e da ordem, para
alcançar aquilo a que julga com direito.
Agora mesmo esta o Congresso a legislar sobre o assumpto,
discutindo o Código do Trabalho e a commissão respectiva, na Camara,
marcou prazo para os próprios interessados, os operarios, levarem a essa
casa do Congresso as suas reclamassões e suggestões, pleiteando assim os
seus interesses. Com o Código do Trabalho, que regulariza as horas de
serviço, o trabalho das mulheres e dos menores e os accidentes de trabalho,
terá alcançado o proletariado uma grande vitória.
300
ADDOR, C.A. A insurreição anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Achiamé, 2002. (p. 129)
301
O Grafico: órgão da associação graphica do Rio de Janeiro, 01 de maio de 1919. (p. 2)
302
O Graphico: órgão da associação graphica do Rio de Janeiro, 16 de março de 1919 (p. 3)
189
Vê, pois, o operariado que trilha o caminho errado deixando-se levar
pelos demagogos e arruaceiros, pelos anarchistas e pseudo libertários que,
no fim, outra coisa não fazem senão explorar a boa fé dos proletários. E
tanto é isso verdade que, no momento presente, no movimento em boa hora
reprimido pela policia, os operários não sabiam ao certo do que se tratava.
Deixaram o trabalho, abandonaram as officinas, “porque tiveram ordem para
isso”, segundo as próprias expressões de alguns delles.
303
A maioria dos trabalhadores tinha muitas expectativas com relação à aprovação
de leis que regulassem as condições de trabalho. O Jornal do Brasil apresentou como
solução dos problemas dos operários a aprovação do Código do Trabalho, que estava
sendo discutido na Câmara dos Deputados. Os trabalhadores e principalmente às
associações dos trabalhadores acompanhavam de perto as discussões sobre o Código do
Trabalho, feitas no Congresso. No entanto, a demora na aprovação desse Código
causava certa tensão e desapontamento entre os trabalhadores. O Código estava
muito tempo no Congresso e as discussões sobre ele pareciam intermináveis. Os
trabalhadores tinham pressa, pois consideravam a aprovação do Código uma grande
conquista, que poderia melhorar de forma significativa suas condições de vida. Parte das
elites, políticos e empresários, resistia em aprovar esse Código, pois se recusava a
reconhecer as reivindicações dos trabalhadores como direitos. Mas seria um equivoco
considerar que essa posição representava a posição da maioria da sociedade. Entre os
empresários realmente a resistência era muito significativa. Entre os políticos e na
imprensa, havia um grande apoio à aprovação de leis que regulassem o trabalho.
Como podemos observar no artigo do Jornal do Brasil, a greve geral foi
associada à insurreição anarquista. A violência foi duramente condenada. Ao mesmo
tempo, grande parte da imprensa e mesmo muitos políticos reconheceram que muitas
das reivindicações dos trabalhadores eram justas. Não condenavam a luta por direitos.
Condenavam sim a violência como meio para alcançar esses direitos. Por outro lado, os
anarquistas eram duramente criticados. Eram vistos como exploradores dos operários.
Eram considerados homens violentos que representavam uma ameaça à sociedade. A
união entre trabalhadores e anarquistas preocupava as elites, que sempre aconselharam
os trabalhadores a não darem ouvidos às promessas dos libertários. Entre as elites,
prevalecia o discurso que considerava os trabalhadores em sua maioria como pacíficos e
ordeiros. Os agitadores seriam quase todos estrangeiros influenciados por idéias
anarquistas. O discurso não era contrário aos trabalhadores e a suas reivindicações. O
303
Jornal do Brasil, 20 de novembro de 1918. (p. 5)
190
problema era que, nos momentos de tensão social, a polícia taxava grande número de
trabalhadores, que estavam em greve pacífica, de desordeiros anarquistas. A afirmação
de que a maioria dos anarquistas era composta de estrangeiros também era equivocada.
Pelo contrário, no Rio de Janeiro, os anarquistas eram em sua maioria brasileiros ou
estrangeiros que residiam no Brasil muitos anos, tendo entrado em contato com as
idéias libertárias no país.
Durante a greve de novembro, foi publicado em alguns jornais, um comunicado
do gabinete do Inspetor do Corpo de Segurança:
O que os operários precisam saber Enquanto os operários pacíficos
passam privações os anarchistas estão providos de dinheiro. E’ assim que
Manuel Campos ao ser prezo trazia consigo mais de 400$, Galiano Tostões
cerca de 500$ e Raphael Garcia seiscentos e tantos mil reis.
Que prova mais clara de que os anarchistas exploram os trabalhadores
ordeiros?
Esse regimen de coação está acabando. Hontem voltaram ao
trabalho 8010 operários.
Voltem os demais sem receio porque a polícia está agindo e não dará
tréguas aos dynamiteiros.
304
O Inspetor do Corpo de Segurança, major Bandeira de Melo, tentava
desmoralizar os anarquistas junto aos operários, e restabelecer a normalidade do
trabalho nas fábricas. Fica claro que ele associava a greve ao movimento dos
anarquistas. Segundo ele, três trabalhadores ao serem presos possuíam significativa
quantia em dinheiro. Esses trabalhadores foram tachados de anarquistas. O Inspetor
sugeria que a única explicação, para esses trabalhadores possuírem tais quantias em
dinheiro, era a exploração dos trabalhadores pacíficos e honestos. Assim, os agitadores
anarquistas estariam manipulando e explorando os trabalhadores de bem. O Inspetor
também relacionou a coação à liberdade de trabalho aos anarquistas. Dessa forma, não
seriam os grevistas que teriam a iniciativa de pressionar os trabalhadores “fura-greves”.
Eles faziam isso por estarem sendo manipulados pelos anarquistas. Alem de exagerar
com relação à capacidade de influência dos anarquistas sobre os trabalhadores, o
Inspetor do Corpo de Segurança, assim como as autoridades em geral, tinham
dificuldade em identificar corretamente quem eram os trabalhadores anarquistas.
Manoel Campos, Galeano Tostões e Rafael Garcia não foram presos juntos. Eles foram
presos em situações diferentes. Manoel Campos, este sim conhecido anarquista
304
Jornal do Brasil, 27 de novembro de 1918 (p. 5)
191
trabalhador de trapiche de café, foi preso no dia 18 de novembro, na Rua da Alfândega
nº. 22, junto com outros líderes da insurreição anarquista. O dinheiro encontrado com
ele poderia talvez ser usado pelos conspiradores anarquistas. No dia 25 de novembro,
juntamente com Manuel Peres, Domingos Carreira e Luiz Martins, Rafael Garcia foi
preso, nas proximidades de fábricas de tecidos situadas na Tijuca. Ele e seus
companheiros, por serem apontados como membros do Comitê de Agitação, foram
conduzidos até a Polícia Central. Eles foram acusados de impedir que companheiros
voltassem ao trabalho. Nenhuma arma foi encontrada com eles.
305
Não temos
informações sobre as circunstancias nas quais Galeano Tostões foi preso.
Comentando as acusações contidas no boletim do Inspetor do Corpo de
Segurança, a UOFT solicitou ao Jornal do Brasil a publicação da seguinte declaração:
Pelo boletim publicado hontem pelo Corpo de Segurança, a Policia
deu conhecimento aos operários de que entre muitos trabalhadores presos se
acha o tecelão Raphael Garcia, em cujo poder foi encontrada a quantia de
600 e tantos mil réis. Diz a Policia que, enquanto os operários pacíficos
passam privações, os “anarchistas” estão cheios de dinheiro. Temos a
declarar, a bem da verdade, que sobre a allegação de “anarchista” já é
notório que a policia transformou o palácio da rua da Relação numa
verdadeira faculdade, tanto assim é que estão dando diploma de anarchista
seja a quem fór, sem mesmo esses agraciados terem idéas definidas, a não
ser que todos os trabalhadores que lhe cahem nas garras, pelo simples facto
de se rebelarem contra a fome e as privações que soffrem sejam todos
“anarchistas”!...
... Nós, trabalhadores sinceros nada temos com a opinião da policia.
Vimos a publico apenas para dizer a verdade e provamos como a policia
procura achincalhar as suas próprias victimas. Raphael Garcia é um
trabalhador sincero, honesto e, honrado, é um chefe de família exemplar. E a
prova, temol-a no seguinte fato, que a policia não pode desmentir: Esse
nosso digno companheiro mora a mais de 20 annos nesta capital e nunca
teve entrada na Policia. A não ser agora.
Na parte que a policia o chama de explorador de operários, toda classe
sabe que elle nunca recebeu ordenado em qualquer associação, vivendo
exclusivamente do seu trabalho e prestando gratuitamente seus bons serviços
á collectividade a que pertence, nas horas que lhe ficam de descanso da luta
diária pela existencia...
306
Rafael Garcia, operário em fábrica de tecidos, havia pertencido à diretoria da
UOFT. Ele já havia ocupado os cargos de vice-presidente e de procurador. Era um
trabalhador que atuava intensamente no movimento operário. Como era comum aos
operários que pertenciam às diretorias das associações de trabalhadores, ele não recebia
salário por isso. Precisava cumprir uma dupla jornada. Trabalhava de graça para a
UOFT e trabalhava em seu ofício para poder sustentar sua família. Não podemos
305
Jornal do Brasil, 26 de novembro de 1918 (p. 5)
306
Jornal do Brasil, 28 de novembro de 1918 (p. 8)
192
afirmar com certeza que Rafael Garcia não tenha tido nenhum envolvimento com a
insurreição anarquista. Alguns líderes da UOFT, mesmo não sendo anarquistas, estavam
envolvidos com a insurreição. Não sabemos se Rafael Garcia tomou parte nos conflitos
ocorridos no Campo de São Cristóvão. Também não sabemos se ele esteve presente na
reunião na qual foi decidida a realização da insurreição, no dia 15 de novembro de
1918. Esta reunião foi realizada no local no qual funcionava o curso de José Oiticica, na
Rua do Carmo, mero 71. Alguns líderes dos operários em fábricas de tecidos e dos
metalúrgicos estiveram presentes nessa reunião.
307
A insurreição anarquista teve seu
início e seu fim no dia 18 de novembro de 1918. Rafael Garcia foi preso no dia 25 de
novembro de 1918, em função de atos que teria praticado nesse dia. Mesmo que ele
tivesse tido algum envolvimento com a insurreição anarquista, ele não foi preso por esse
motivo. Rafael não foi preso junto com anarquistas, mas junto com outros grevistas que
atuavam em favor da greve e não em favor da insurreição. Com ele e seus companheiros
não foi encontrada nenhuma arma. Ele atuou em direções da UOFT que não tiveram em
momento nenhum uma orientação anarquista, embora mantivessem com os libertários
um dialogo constante. Dificilmente um anarquista seria eleito para um cargo na direção
da UOFT. Primeiro, devemos considerar que os anarquistas, em princípio, tinham
grande resistência com relação à participação na estrutura hierárquica de uma
associação de trabalhadores, apesar da hierarquia nessas associações ser muito pouco
acentuada. Isto violaria sua liberdade individual. Ele teria que pertencer a uma
associação que declarava publicamente, e também nos seus estatutos, não ter nenhuma
orientação política, mas somente objetivos econômicos. Mesmo que um anarquista
decidisse se candidatar a um cargo na diretoria, ele teria que ser eleito, dependendo
assim dos votos dos membros da associação. A maioria dos membros da UOFT tinha
uma orientação sindicalista, que buscava a união das diversas correntes ideológicas
existentes no sindicato. Dessa forma, para ser eleito, o anarquista teria que abdicar de
um discurso claramente baseado nas idéias libertárias. Isto não era algo simples, pois a
principal tarefa de um militante anarquista era a divulgação das idéias libertárias.
Rafael Garcia não era um anarquista, mas sim um operário que defendia a greve da
categoria. Galeano Tostões, carpinteiro, havia sido tesoureiro da UGCC. Ele, assim
como Rafael Garcia, o era um anarquista, mas sim um sindicalista. Não eram as
autoridades que tinham dificuldades em identificar os anarquistas. Muitos trabalhadores,
307
Correio da Manhã, 24 de dezembro de 1918 (p. 1); Correio da Manhã, 26 de dezembro de 1918 (p. 1)
193
procurando defender a greve e tentando desvinculá-la dos anarquistas, defenderam
Manuel Campos alegando que ele não era um anarquista. Campos era um anarquista
conhecido que atuava há muito tempo no movimento operário. Em função disso já havia
sido preso quatro vezes.
308
Ele defendia abertamente suas idéias libertárias.
A polícia acompanhava de perto a atuação dos anarquistas, no início do mês de
novembro de 1918. O comissário Júlio Rodrigues, chefe da Seção de Segurança Pública
e Ordem Social da Inspetoria de Investigações e Capturas, era o responsável por esse
acompanhamento. A Inspetoria de Investigações e Capturas era o novo nome atribuído
ao antigo Corpo de Segurança. Como a mudança de nome era recente, as pessoas
costumavam usar os dois nomes para se referir a esse departamento. O tenente do
Exército Jorge Elias Ajus conseguiu se infiltrar no movimento anarquista, através de
suas relações com Ricardo Corrêa Perpétua. Este era empregado da mãe do tenente.
Certa ocasião, Ajus viu Manoel Campos entregar um embrulho a Ricardo. Manoel
disse: devem ser distribuídos na Vila Militar. Quando foi possível, Ajus abriu o
embrulho e encontrou panfletos subversivos, os quais convidavam os soldados a se
juntarem aos operários, com a finalidade de derrubar o governo. Posteriormente, com a
autorização de seus superiores, Ajus comunicou o fato ao Chefe de Polícia.
309
Ajus foi apresentado a José Oiticica por Ricardo. Ele fingiu se unir aos
anarquistas, mas na verdade atuava como um espião da polícia. Mantinha contato diário
com o Chefe de Polícia, através do tenente Bustamente. Também foi apresentado ao
comissário Júlio Rodrigues. Dessa forma, conseguiu participar das reuniões de
preparação da insurreição, ocorridas no mês de novembro. Nessas ocasiões, conheceu
alguns dos principais líderes anarquistas, responsáveis pela organização da conspiração.
Durante o início do mês de novembro de 1918, compareceram a casa de José Oiticica,
com freqüência, Manoel Campos, Agripino Nazaré, Astrogildo Pereira, Álvaro
Palmeira, João da Costa Pimenta, Carlos Dias, José Elias da Silva, entre outros. Todos
esses eram conhecidos militantes anarquistas. Segundo o tenente Ajus, numa dessas
reuniões, José Oiticica declarou que o governo não atendia às aspirações nacionais. Para
corrigir isso, seria necessário derrubar o governo e substituí-lo por um governo popular,
inspirado no exemplo da Rússia. Oiticica também teria afirmado que contava com o
apoio de grande número de trabalhadores dos setores têxtil e metalúrgico. Estes,
armados com grande quantidade de bombas de dinamite, estariam dispostos a correr
308
Correio da Manhã, 26 de dezembro de 1918 (p. 1)
309
Jornal do Brasil, 24 de dezembro de 1918 (p. 7)
194
todo tipo de riscos. Os anarquistas pediram que o tenente Ajus organizasse um plano de
concentração e de ataque, para ser posto em prática no dia 18 de novembro. Ajus
sugeriu que a concentração fosse feita no Campo de São Cristóvão. Devido à
localização, a concentração nesse local facilitaria o ataque à Intendência da Guerra. José
Oiticica e Ajus assumiram a condição de chefes da insurreição.
310
No dia 15 de novembro, feriado da Proclamação da República, houve a mais
importante reunião dos conspiradores. Esta aconteceu por volta das treze horas, no curso
do professor Oiticica, na Rua do Carmo, número setenta e um. Nesta compareceram
aproximadamente quarenta pessoas. Além dos anarquistas envolvidos na conspiração,
compareceram alguns líderes dos operários em fábricas de tecidos e dos metalúrgicos.
Manoel Castro e Joaquim Moraes, respectivamente presidente e secretário da UOFT,
estavam presentes. O principal assunto tratado, nessa reunião, foi o plano de
concentração e ataque elaborado pelo tenente Ajus. O plano foi aprovado, sendo aceita a
proposta, feita por Ajus, de concentração em um único local. Este seria o Campo de São
Cristóvão, que era próximo ao prédio da Intendência da Guerra. O dia marcado para a
insurreição foi o dia 18 de novembro de 1918. Ficou combinado que as fábricas
deveriam ser paralisadas às quinze horas e trinta minutos. Os trabalhadores deveriam
estar concentrados no Campo de São Cristóvão às dezesseis horas. Então deveria ser
dado início ao ataque à Intendência da Guerra e também à delegacia de polícia, que se
situava nesse local. Os conspiradores aguardavam apenas o início da greve geral, que
estava marcada para o dia 18 de novembro, para dar inicio à insurreição. O tenente
Ajus, atendendo a um pedido do Chefe de Polícia, tentou transferir a data da insurreição
para o dia 20 de novembro.
311
Em reunião no dia 17 de novembro, na casa de José
Oiticica, Ajus fez esse pedido aos conspiradores.
... Nessa reunião procurou conseguir o adiamento do movimento para o dia
20, allegando que no dia 18 não estava de serviço no quartel, sendo assim
nulla sua coadjuvação no movimento. Isto não conseguiu apesar de estarem
quasi todos de accordo, porque o Doutor Agripino Nazareth lembrou não ser
possível mais deter os tecelões que faziam questão de iniciarem a greve no
dia seguinte...
312
310
Jornal do Brasil, 24 de dezembro de 1918. (p. 7); Correio da Manhã, 24 de dezembro de 1918. (p. 1)
311
Jornal do Brasil, 24 de dezembro de 1918. (p. 7)
312
Jornal do Brasil, 24 de dezembro de 1918. (p. 7)
195
Podemos perceber claramente que os trabalhadores em fábrica de tecidos não
recebiam ordens dos conspiradores anarquistas. Eles estavam comprometidos com o
movimento grevista e não com a insurreição anarquista. Por isso, os anarquistas
encontraram dificuldades ao tentarem influenciar os trabalhadores, para que esses
agissem de acordo com seus interesses. Apenas algumas poucas dezenas de
trabalhadores, principalmente do setor têxtil, influenciados em graus variados pelas
idéias libertárias, tinham algum comprometimento com a insurreição. Alguns líderes da
UOFT, inclusive membros de sua direção, estavam comprometidos com a insurreição,
liderada pelos anarquistas. Este era o caso de Manuel Castro e Joaquim Moraes. Estes,
embora provavelmente partilhassem algumas idéias com os anarquistas, não eram
anarquistas, mas sim sindicalistas. Como observamos anteriormente, o discurso
revolucionário não exercia influência somente entre os anarquistas, mas sobre todo o
movimento dos trabalhadores. A idéia de revolução dos líderes da UOFT, embora
tivesse pontos em comum, devia ser um pouco diferente da idéia dos anarquistas. Estes
eram fortemente influenciados pele idéia da construção de uma sociedade sem Estado e
sem qualquer espécie de dominação. Os líderes da UOFT, que aderiram à insurreição,
deviam estar mais preocupados com a construção de uma sociedade, na qual os
interesses dos trabalhadores fossem uma prioridade. Os trabalhadores de várias fábricas
de tecidos pararam o trabalho aproximadamente no mesmo horário, no dia 18 de
novembro, não porque os anarquistas mandaram, mas porque os líderes da UOFT assim
decidiram. Os anarquistas desejavam iniciar seu movimento quando tivesse início a
greve geral, pois imaginavam que isso permitiria que eles mobilizassem grande número
de grevistas. Alguns anarquistas, apoiados por três ou quatro dezenas de trabalhadores,
obviamente não teriam sucesso, na tentativa de derrubar o governo. Eles precisavam
mobilizar um número maior de trabalhadores e se possível também mobilizar os
soldados. Os anarquistas não controlavam os trabalhadores em fábrica de tecidos.
Também não controlavam a direção da UOFT. Porém, a maioria dos líderes anarquistas
envolvidos na insurreição tinha boas relações com os integrantes da UOFT. Eles
freqüentavam essa associação, na qual tinham feito palestras e cursos nos anos de 1917
e 1918. Eles sabiam que uma greve geral no setor têxtil estava para começar. Esses
anarquistas, líderes da insurreição, conseguiram o apoio de alguns líderes da UOFT,
inclusive de parte da sua direção. Contudo, não foram os líderes da UOFT,
comprometidos com a insurreição, que mobilizaram os trabalhadores, para o início da
greve. A UOFT nesse momento estava dividida, inclusive sua diretoria. Alguns líderes
196
tentaram iniciar uma greve com o intuito de fazer uma revolução. Outros estavam
comprometidos apenas com uma greve, que tinha o objetivo de melhorar a situação
econômica dos trabalhadores. Muitos trabalhadores declararam, no dia 18 de novembro,
não saberem exatamente as razões da greve. Afirmaram que pararam o serviço porque
receberam ordens. A grande maioria dos trabalhadores, mesmo não sabendo claramente
os motivos da greve, imaginava que ela tinha objetivos econômicos. Afinal, todas as
greves que a UOFT ajudou a organizar, desde sua fundação em 1917, tiveram esses
objetivos. Apesar disso, devemos ressaltar o fortalecimento do discurso revolucionário
nos meses que antecederam à greve. Os anarquistas, influenciados pelo sucesso da
Revolução Russa e imaginando que esta seria o estopim que desencadearia um processo
revolucionário em todo o mundo, foram fundamentais para o fortalecimento desse
discurso, nesse período, na cidade do Rio de Janeiro. Porém, eles não foram os únicos
que atuaram nesse sentido. A UGT, em novembro, aprovou a distribuição de boletins
que solicitavam que os soldados não combatessem os operários, quando esses
iniciassem a revolução. Defendiam a união entre operários e soldados. A UGT
mobilizou trabalhadores para a distribuição desses boletins. Oscar Silva, alfaiate
associado à União dos Alfaiates, foi um dos trabalhadores que os distribuiu a pedido da
UGT.
313
Como podemos perceber, a UGT, sob a influência do discurso revolucionário,
havia modificado sua estratégia de atuação. Em julho de 1918, a UGT havia enviado
uma mensagem ao Congresso, solicitando a regulamentação da jornada de trabalho e
dos salários. Nessa ocasião, os anarquistas criticaram duramente a associação. Eles
afirmaram que a estratégia da UGT, que buscava o diálogo com as autoridades do
Estado, contribuía para amenizar as tensões existentes entre trabalhadores e patrões. Isto
contribuiria para a manutenção do sistema social existente. Segundo os anarquistas,
somente a mudança da estrutura social existente resolveria definitivamente os
problemas dos trabalhadores. Entre os meses de julho e novembro, o discurso
revolucionário ganhou força dentro da UGT. Isto provocou uma mudança na estratégia
de atuação da associação. As autoridades, que consideravam a UGT como uma
associação anarquista, perceberam essa mudança. O discurso revolucionário não era
nenhuma novidade dentro da associação, mas ele havia claramente ganhado força. Não
devemos esquecer que enquanto a UOFT, a UGM e a UGCC foram somente fechadas, a
UGT foi dissolvida. As autoridades consideraram a UGT como o principal elo de
313
Correio da Manhã, 26 de dezembro de 1918 (p. 1)
197
ligação entre os anarquistas e os trabalhadores. A UGT, segundo o Chefe de Polícia,
teria uma influência negativa sobre as associações de trabalhadores ligadas a ela.
Apesar do fortalecimento do discurso revolucionário, consideramos que a grande
maioria dos grevistas estava comprometida com uma greve que tinha objetivos
econômicos. Apenas poucas dezenas de trabalhadores tinham adotado uma postura
revolucionária.
Por que líderes da UOFT, que estavam comprometidos, desde a fundação da
associação, com o reconhecimento, pela sociedade, das reivindicações dos trabalhadores
como algo legítimo, iriam se envolver com um movimento insurrecional? A direção da
UOFT sabia, por experiência, que para uma greve geral ser bem sucedida, esta dependia
do apoio dos trabalhadores e do apoio de outros setores da sociedade. Dependia também
que a polícia mantivesse uma postura moderada, sem a repressão sistemática dos
trabalhadores. O apoio da UOFT à insurreição significaria que meio caminho teria
sido andado rumo ao fracasso da greve. Desde sua fundação, a UOFT não se mostrou
interessada em derrubar o governo. Ela estava interessada em melhorar as condições de
vida dos trabalhadores. Em alguns momentos o discurso revolucionário teve alguma
força dentro da UOFT, mas a atuação prática da associação, em nenhum momento entre
1917 e outubro de 1918, seguiu essa linha. A UOFT defendia a greve pacífica, com o
intuito que as reivindicações dos trabalhadores fossem reconhecidas como legítimas.
Dessa forma, a decisão de apoiar uma insurreição; adotada por Manuel Castro, Joaquim
Moraes e outros; causa grande surpresa. Manoel Castro e Joaquim Moraes eram
membros da diretoria da UOFT que, em diversas ocasiões, tinha não apoiado, mas
solicitado a mediação do Chefe de Polícia, para resolver impasses entre patrões e
operários. Esses líderes operários tinham também solicitado que os trabalhadores
mantivessem uma postura pacífica, durante as greves. Ambos assim procederam na
greve da fábrica Confiança, em julho de 1918. É bem provável que esses líderes da
UOFT, que apoiaram a insurreição, estivessem influenciados, assim como os
anarquistas, pela conjuntura internacional. O sucesso da Revolução Russa e os
movimentos sociais que ocorriam na Europa, no final da Primeira Guerra Mundial,
tiveram significativo impacto no Brasil. A Revolução Alemã merece destaque. No dia
09 de novembro de 1918, a população de Berlim se mobilizou e saiu às ruas,
conseguindo a abdicação do Kaiser. Comissões de operários e soldados foram formadas.
Num primeiro momento, houve a possibilidade e a expectativa de que o poder ficasse
198
nas mãos dessas comissões.
314
A abdicação do Kaiser aconteceu poucos dias antes da
insurreição anarquista de 18 de novembro de 1918. Ela foi muito comentada pela
imprensa carioca. A conjuntura interna também deve ter contribuído para a mudança de
postura de parte dos líderes da UOFT. A difícil situação econômica havia aumentado
muito a tensão entre os patrões e os trabalhadores. Assim, alguns líderes da UOFT
passaram a acreditar que uma insurreição poderia realmente obter sucesso. O anarquista
Ricardo Corrêa Perpétua, em seu depoimento depois do fracasso da insurreição,
declarou que estava convicto que a insurreição seria um sucesso. Seu fracasso teria se
dado apenas por alguns pequenos erros de planejamento.
315
Precisamos agora resgatar uma importante informação que nos foi fornecida
pelo Chefe de Polícia, quando este, em nota oficial, explicou o fechamento das
associações de trabalhadores, no mês de novembro. Ele comunicou que foi procurado
por uma comissão de operários em fábrica de tecidos. Esta comissão lhe declarou a
intenção de depor a atual diretoria, que se encontrava foragida, e aclamar uma Junta
Governativa. Manuel Castro e Joaquim Moraes estavam sendo procurados pela polícia.
Essa comissão de operários obteve sucesso em seu intento. A Junta Governativa foi
formada, sendo liderada por Claudino José Soares. Essa Junta Governativa foi
responsável pela organização da solenidade, na qual tomou posse a nova diretoria eleita
da UOFT, em março de 1919. Por que essa comissão de operários em fábrica de tecidos
tomou essa posição tão radical, nesse momento? No início do mês de novembro de
1918, o comissário Júlio Rodrigues procurou Manuel Castro e Júlio Moraes. Ele os
comunicou que estava muito preocupado com os rumos que a UOFT estava tomando.
Para ele, a União estava se desviando do seu fim, que era a defesa dos interesses dos
trabalhadores em fabricas de tecidos, para trilhar o caminho da subversão da ordem.
Júlio Rodrigues avisou que a polícia acompanhava de perto a atuação da UOFT.
Considerou que seria um equivoco seus diretores confiarem no seu grande número de
associados, para realizar um movimento subversivo. O grande número de associados da
UOFT seria, segundo as palavras de Júlio Rodrigues, uma força platônica.
316
Queria
dizer com isso que a UOFT não conseguiria mobilizar e organizar os trabalhadores, de
forma eficiente, para realizar tal intento. A polícia havia percebido uma mudança na
postura da direção da UOFT. Foi justamente essa mudança de postura da direção, mais
314
LOUREIRO, I. M. A Revolução Alemã [1918-1923]. Revoluções do século XX. Direção da coleção:
Emilia Viotti da Costa. São Paulo: Editora UNESP, 2005. (p. 55-58)
315
Correio da Manhã, 26 de dezembro de 1918 (p. 1)
316
Correio da Manhã, 24 de dezembro de 1918 (p. 1)
199
precisamente de parte da direção, que motivou a atitude radical da comissão de
operários, que decidiu depor a diretoria. Não devemos estranhar essa decisão. Os
membros da comissão de operários, assim como muitos membros da UOFT, deviam
estar muito decepcionados e irritados, com a participação de parte da diretoria na
insurreição liderada pelos anarquistas. Manuel Castro e Joaquim Moraes adotaram uma
posição que colocava em risco todo o esforço feito pela UOFT, desde sua fundação em
1917. A associação vinha tentando ser reconhecida como a legítima representante dos
operários em fábrica de tecidos. Lutava também para que as reivindicações dos
trabalhadores fossem reconhecidas como legítimas, pela sociedade. A UOFT tinha
conseguido, no mês de setembro de 1918, que o Centro Industrial reconhecesse a
associação como representante dos operários em fábrica de tecidos. A partir de outubro
de 1918, devido à difícil situação econômica e devido à epidemia de gripe espanhola, a
tensão entre industriais e operários aumentou. A UOFT havia aumentado
significativamente a pressão sobre os patrões, com o objetivo de conseguir melhores
salários e melhores condições de trabalho. Os industriais resistiram vigorosamente e se
recusaram a atender as reivindicações dos trabalhadores. A greve de novembro era
entendida como um momento decisivo nessa queda de braços, que estava sendo travada
entre operários e industriais. Nesse momento, a grande maioria dos trabalhadores não
tinha nenhum interesse em derrubar o governo. Eles estavam interessados em forçar os
patrões a atenderem suas reivindicações. Na situação de miséria em que os
trabalhadores se encontravam, isto faria muita diferença. Seria fundamental na luta pela
sobrevivência de muitos trabalhadores. Assim, não causa admiração que a atitude, dos
membros da direção da UOFT que apoiaram a insurreição, tenha sido considerada por
muitos como uma traição. A associação corria sério risco de perder o apoio de vários
setores da sociedade. A imprensa condenava duramente o apoio da UOFT aos
anarquistas. A comissão de operários em fábrica de tecidos, que tinha decidido depor a
diretoria, fez questão de procurar o Chefe de Polícia para declarar sua intenção. Eles
queriam evitar a repressão policial sobre a categoria. Não tiveram sucesso. Os líderes da
UOFT, que não estavam envolvidos com a insurreição, quando perceberam que a greve
geral tinha sido associada a uma insurreição anarquista, fizeram um grande esforço para
mostrar às autoridades e à sociedade que a greve e a insurreição eram coisas diferentes.
O membro da diretoria da UOFT, que comentou no Jornal do Brasil a decisão do Centro
Industrial de romper com a diretoria da UOFT, fez questão de afirmar que a greve da
categoria tinha objetivos econômicos. Disse que a associação não tinha o objetivo de
200
agir com fins políticos. Afirmou também que a UOFT não tinha nenhum interesse em
atentar contra a propriedade alheia ou contra a vida de qualquer pessoa. Terminou
dizendo que os trabalhadores prezavam a ordem e respeitavam as leis e as
autoridades.
317
A UGM e a UGCC agiram da mesma forma. A associação, feita entre a
greve e a insurreição, permitiu que os trabalhadores fossem duramente reprimidos e
presos, sob a acusação de serem anarquistas.
As autoridades possuíam poucas evidencias que permitiam que a greve geral
fosse associada à insurreição anarquista. Dentre estas, as principais eram: o conflito
ocorrido no Campo de São Cristóvão e o depoimento do tenente Ajus. Consideramos
que essas evidencias são muito frágeis. Elas não provam que a greve e a insurreição
faziam parte de um mesmo movimento. Para analisar essas evidências, vamos observar
uma entrevista, concedida pelo Chefe de Polícia, tratando dos eventos ocorridos na
cidade. Nesta, ele relacionou a greve à insurreição anarquista.
... Digo-lhe que o movimento foi puramente anarchista, com intuitos
maximalistas, isto é, o estabelecimento dos soviets, com o seu cortejo de
saques, deshonra de virgens, de sangue e de demais praticas selvagens.
Como affirmei nas duas notas, que a propósito, enviei á imprensa, a policia
vinha acompanhando de perto o plano sinistro. Sabia a senha e contra-senha
dos scelerados, respectivamente os ns. 18 e 81, os logares aonde se reuniam,
num dos quaes foram presos alguns cabeças, e que o encontro no Campo de
São Cristóvão tinha por fim congregar os dynamiteiros para atacar a
Intendencia da Guerra, cuja guarnição surprehendida seria assassinada,
ficando o edifício e seus depositos entregues a cerca de quinhentos
bandidos...
... Por minha vez, em constante communicação com o 10º districto,
mandei que o delegado indagasse do numeroso grupo o que desejava. Um
anarchista estrangeiro respondeu que esperava outros companheiros para,
então, verem o que queriam”.
Era, evidentemente, uma resposta suspeita e ameaçadora. O delegado
fez ver que, de minha ordem, os meetings estavam prohibidos e aconselhou-
os a deixarem a praça. O mesmo estrangeiro respondeu desabridamente que
a rua era publica e que dali ninguém sairia”. A autoridade deu-lhe voz de
prisão, á qual o anarchista resistiu, já protegido por todo o grupo. Dahi o
tiroteio contra os representantes da policia e o ataque a dynamite, á
delegacia.
... Eis ahi o facto. No grupo, havia, principalmente, operários de
tecidos, metallurgicos e da construcção civil. E’ uma asseveração
absolutamente verídica.
Ainda ante-hontem, na Camara dos Deputados, tecelões confirmaram
a um representante da nação que haviam estado em S. Cristóvão, muito
embora se desculpassem dizendo que para foram attrahidos por
anarchistas, cujos intuitos não conheciam.
Junte-se a tudo quanto estou dizendo a coincidência de haverem
parado o trabalho, precisamente na hora da mashorca, os operários de
tecidos e respondam-me se o complot foi ou não obra de um punhado de
terroristas dessa classe. A elles adheriram vários metallurgicos e operários
317
Jornal do Brasil, 24 de novembro de 1918 (p. 6)
201
da construcção civil, motivo por que julguei a todos egualmente coniventes
na mashorca...
318
Segundo o Chefe de Polícia, a greve geral ocorrida em novembro de 1918 fazia
parte de um movimento anarquista, que planejava derrubar o governo. Para ele, a
atuação dos grevistas foi planejada pelos anarquistas. Estes estariam manipulando e até
mesmo forçando os trabalhadores ingênuos a agirem de acordo com seus interesses.
Assim, os operários em fábrica de tecidos teriam todos paralisado o serviço,
aproximadamente às 15 horas, por determinação dos anarquistas. Por ordens destes,
muitos operários teriam se dirigido para o Campo de São Cristóvão, com o objetivo de
iniciar a insurreição anarquista. Os anarquistas envolvidos na insurreição pertenceriam à
classe dos operários em fábrica de tecidos e teriam recebido o apoio dos metalúrgicos e
dos trabalhadores da construção civil. Contudo, esta versão dos acontecimentos,
sustentada por Aurelino Leal, está somente em parte correta. Os anarquistas, que
planejaram e lideraram a insurreição, eram oriundos da classe média e trabalhadores de
setores que não participaram da greve. Os trabalhadores em fábrica de tecidos não
obedeciam aos anarquistas. Eles pararam o trabalho em várias fábricas no mesmo
horário porque a UOFT assim determinou. Uma parte dos líderes da UOFT apoiava a
insurreição liderada pelos anarquistas, mas outra parte não apoiava. Estes mobilizaram
os trabalhadores para a greve com objetivos econômicos. Os líderes da UOFT, que
apoiaram a insurreição, não eram em sua maioria anarquistas. Eles eram sindicalistas
que compartilhavam algumas idéias com os anarquistas. Como podemos observar, ao
contrário do que falou o Chefe de Polícia, a greve geral não foi um movimento
puramente anarquista. Na verdade houve dois movimentos simultâneos que estavam
relacionados. Houve um movimento revolucionário, liderado pelos anarquistas. Houve
também um movimento grevista, com objetivos econômicos, que representava os
interesses da grande maioria dos trabalhadores.
Mas quais seriam os verdadeiros interesses dos trabalhadores reunidos no
Campo de São Cristóvão? As próprias declarações de Aurelino Leal nos ajudam a
entender, porque os trabalhadores se dirigiram para o Campo de São Cristóvão.
Aurelino declarou que alguns trabalhadores em fábrica de tecidos afirmaram que
compareceram ao Campo de São Cristóvão, por terem sido atraídos por anarquistas,
sem conhecer o intuito destes. O Campo de São Cristóvão era um local no qual os
318
Correio da Manhã, 24 de novembro de 1918 (p. 1)
202
trabalhadores normalmente faziam meetings. Dessa forma, é bem razoável supor que
muitos trabalhadores, após o inicio da greve geral, se dirigissem para lá achando que
haveria um meeting com a participação de líderes dos trabalhadores. Além desses, no
Campo de São Cristóvão, também se encontravam trabalhadores comprometidos com a
insurreição. Embora tendo reconhecido que havia dado ordens para que os trabalhadores
se dispersassem, pois os meetings estavam proibidos, o Chefe de Polícia considerou que
os grevistas entraram em choque com a polícia, com o objetivo de defender um
companheiro, que seria um anarquista estrangeiro. No entanto, a descrição do conflito,
feita pelo Jornal do Brasil, nos leva a pensar de forma mais complexa. Os grevistas não
se revoltaram somente com a tentativa, feita pela polícia, de prender o trabalhador
acusado de ser anarquista. Eles também se revoltaram com a tentativa feita pela polícia
de dissolver o suposto meeting. Os trabalhadores gritaram para a polícia: Não pode!
Não pode! Não pode! Este era o procedimento que os trabalhadores habitualmente
utilizavam para protestar contra a proibição de meetings, normalmente feita pelas
autoridades. O conflito em São Cristóvão ocorreu por dois motivos: o esforço dos
anarquistas para mobilizar os trabalhadores de acordo com seus interesses e o completo
despreparo da polícia para lidar com multidões de grevistas. Dos trabalhadores que se
encontravam no Campo de São Cristóvão, apenas alguns eram anarquistas ou estavam
comprometidos de alguma forma com estes. A maior parte dos trabalhadores era
composta por grevistas que buscavam informações sobre o andamento da greve. Alguns
trabalhadores, que eram anarquistas ou que estavam comprometidos com os anarquistas,
se encontravam armados. Eles se aproveitaram de um momento de tensão entre policiais
e grevistas, para dar início ao conflito. Quando os policiais tentavam acabar com a
reunião dos grevistas, alguém disparou contra os policiais. Este provavelmente era um
trabalhador comprometido com a insurreição anarquista. Os anarquistas, e alguns
trabalhadores principalmente ligados à UOFT, tentaram então conduzir os trabalhadores
rumo à Revolução. Não conseguiram a adesão de todos os trabalhadores presentes no
Campo de São Cristóvão. Grande parte desses trabalhadores não estava seguindo suas
ordens, mas agindo de acordo com as tumultuadas circunstâncias.
Outro fato relevante é que o numero de trabalhadores presentes no Campo de
São Cristóvão era muito pequeno. Algo entre 400 e 500 pessoas. Segundo o Chefe de
Polícia, a maioria era composta por trabalhadores em fábrica de tecidos, mas também
havia metalúrgicos e trabalhadores da construção civil. Segundo o depoimento do
tenente do Exército Coriolano Dutra, que se encontrava de serviço na Intendência da
203
Guerra e pode testemunhar o conflito ocorrido no Campo de São Cristóvão, apenas
aproximadamente 200 pessoas participaram do combate que resultou na destruição da
delegacia situada no Campo.
319
Dessa forma, podemos considerar que mais ou menos
metade dos grevistas que se encontravam no Campo de São Cristóvão não participaram
dos conflitos. Quando a explosão de violência começou, eles foram embora ou se
afastaram. Esta atitude não causa surpresa. Eles eram trabalhadores que estavam em
greve pacífica, com a finalidade de melhorar suas condições de vida. Queriam participar
de um meeting e não de combates com a polícia. Durante as greves, em muitas ocasiões
nas quais os ânimos estavam exaltados, os trabalhadores entraram em choque com a
polícia, mas eles normalmente tentavam evitar esses conflitos. Eles sabiam que lutar
com a polícia não lhes traria nenhum benefício, muito pelo contrário. Uma parte dos
trabalhadores que enfrentaram a polícia no Campo de São Cristóvão provavelmente não
era composta por indivíduos comprometidos com a insurreição, liderada pelos
anarquistas, mas sim de trabalhadores mais exaltados, que recorreram à violência
devido às circunstâncias. Uma pequena parcela dos trabalhadores que participaram dos
conflitos estava sim comprometida com a insurreição, liderada pelos anarquistas. Dessa
forma, podemos considerar que na melhor das hipóteses, havia apenas poucas dezenas
de trabalhadores comprometidos com a insurreição anarquista, no Campo de São
Cristóvão. Estes foram os responsáveis pelo tiroteio, pelos ataques com bombas de
dinamite e pelas tentativas de cortar os fios telefônicos. Na cidade do Rio de Janeiro,
havia mais de vinte mil trabalhadores em fábrica de tecidos. Apesar de algumas fábricas
de tecidos não terem aderido à greve, havia milhares de trabalhadores em fábricas de
tecidos em greve. Havia também uma grande quantidade de metalúrgicos e de
trabalhadores da construção civil em greve. Mesmo que considerássemos que todos
esses trabalhadores, que participaram dos conflitos no Campo de São Cristóvão,
estivessem comprometidos com a insurreição anarquista, não podemos afirmar, com
base nisso, que a greve geral de novembro era uma greve insurrecional. A atuação
localizada e circunstancial, de um grupo de operários que contava com
aproximadamente 200 trabalhadores, não representa boa referência para identificar os
interesses das categorias em greve.
A principal prova da polícia para incriminar os conspiradores anarquistas era o
depoimento do tenente Ajus. Nele constavam os nomes dos líderes da insurreição
319
Jornal do Brasil, 24 de dezembro de 1918 (p. 7)
204
anarquista e a descrição dos preparativos para a colocação em prática da insurreição. O
depoimento do tenente Ajus relacionava os conflitos, ocorridos em São Cristóvão, ao
plano anarquista para derrubar o governo. Denunciava também a participação de
trabalhadores têxteis e metalúrgicos nas reuniões que planejaram a insurreição.
320
Muitos trabalhadores alegaram que Aurelino Leal havia inventado uma insurreição
anarquista, com o objetivo de se destacar diante de seus superiores e de desorganizar o
movimento operário. A desorganização dos operários interessaria ao Centro Industrial,
que o estaria apoiando. Segundo alguns, ele ambicionava um cargo no Supremo
Tribunal Federal. Inventando uma insurreição, ele poderia reprimir a greve geral e
prender agitadores anarquistas que há muito tempo preocupavam as autoridades. Assim,
Aurelino poderia ganhar o reconhecimento dos seus superiores e das elites da sociedade.
Políticos e empresários lhe seriam gratos, por controlar a terrível ameaça anarquista.
321
No entanto, Aurelino Leal, durante seu mandato como Chefe de Polícia, sempre se
esforçou para através da negociação evitar conflitos entre a polícia e os trabalhadores.
Agiu inúmeras vezes como intermediário nas negociações entre patrões e operários.
Apesar da polícia ser mal vista e temida pelas classes populares, Aurelino Leal era
respeitado não pelos patrões, mas também por grande parte dos trabalhadores. Além
disso, os depoimentos do tenente Ajus e do comissário Júlio Rodrigues, junto com as
declarações do Chefe de Polícia, eram mais coerentes que os depoimentos dos acusados
de participarem da insurreição anarquista. A polícia descreveu detalhadamente os
preparativos para a insurreição e prendeu grande parte dos líderes anarquistas, que se
encontravam reunidos no escritório de José Oiticica, no dia em que ocorreu a
insurreição. José Oiticica e Manoel Campos, em seus depoimentos, foram contraditórios
ao tentarem explicar a reunião de anarquistas nesse local. José Oiticica disse que
Manoel Campos havia ido ao seu escritório, na Rua da Alfândega nº. 22, para lhe
informar sobre o início da greve dos metalúrgicos. Manoel Campos disse que havia
estado nesse local para pedir a Oiticica um remédio para nevralgia. Ele alegou não ter
participado da greve, e dela não ter nenhum conhecimento. José Oiticica alegou que,
assim como Astrogildo Pereira e Carlos Dias, nunca tinha incitado os trabalhadores à
violência. Muito pelo contrário, sempre tentou dissuadi-los dessa postura.
322
Esta
declaração, embora compreensível, chegava a ser risível. Oiticica havia defendido
320
Jornal do Brasil, 24 de novembro de 1918 (p. 7)
321
O Graphico: órgão da associação graphica do Rio de Janeiro, 01 de março de 1919 (p. 1)
322
Correio da Manhã, 24 de dezembro de 1918 (p. 1); Correio da Manhã, 26 de dezembro de 1918 (p. 1)
205
publicamente a radicalização da atitude dos trabalhadores. Astrogildo Pereira, em seu
jornal Crônica Subversiva, havia incitado os trabalhadores ao saque. Também declarou
que aguardava ansiosamente a formação do Soviete do Rio de Janeiro. Os anarquistas
estavam mentindo, para evitar a condenação à prisão. Contrariando essa atitude, Ricardo
Corrêa Perpétua reconheceu que a insurreição de fato havia ocorrido.
323
Seu depoimento
confirmou grande parte do depoimento do tenente Ajus. Apesar de reconhecermos que
existe a possibilidade, aliás muito provável, do tenente Ajus ter atuado como um agente
provocador, incitando os anarquistas a iniciarem uma revolução para que depois as
autoridades pudessem prendê-los, temos que lembrar que um agente provocador
estimula indivíduos a tomarem medidas radicais, mas não obriga ninguém a fazê-las.
Foram os anarquistas que tomaram a decisão de organizar uma insurreição. Apesar das
autoridades policiais terem interesses políticos relativos à possibilidade de ascensão
profissional, não acreditamos que Ajus e o Chefe de Polícia tenham inventado uma
insurreição, com o objetivo de se livrar dos anarquistas, que eram considerados uma
ameaça à ordem pública. Não evidências significativas nesse sentido. Estas
acusações parecem estar relacionadas à existência de certo rancor, com relação ao Chefe
de Polícia, da parte de alguns trabalhadores. Tem relação também com a estratégia de
defesa adotada pelos advogados, dos indivíduos implicados nos acontecimentos de 18
de novembro de 1918. O Chefe de Polícia, embora fosse um conservador, era um
homem sério, que agia de acordo com os valores nos quais acreditava. Ele poderia
realmente ter criado uma armadilha para os anarquistas, e tudo indica que fez isso, mas
não inventou simplesmente do nada a insurreição anarquista. A insurreição realmente
aconteceu, mas a interpretação dos acontecimentos foi feita de acordo com os
preconceitos das autoridades e de grande parte da imprensa.
As autoridades costumavam exagerar. Devido à grande preocupação com a
manutenção da ordem, durante as greves, elas costumavam enxergar anarquistas e
baderneiros em todo lugar. Grevistas que recorriam à ação direta eram associados aos
anarquistas. Por considerarem os trabalhadores como indivíduos ingênuos e
despreparados, julgavam que eles eram quase sempre manipulados por anarquistas mal
intencionados. Partindo dessas premissas, entenderam que a greve geral estava
subordinada à insurreição anarquista. Assim, reprimiram ambos os movimentos com o
mesmo rigor, com o objetivo de garantir a ordem pública. Devido aos preconceitos
323
Correio da Manhã, 26 de dezembro de 1918 (p. 1)
206
sociais, que impediam que os trabalhadores na maioria dos casos fossem vistos como
indivíduos ativos, capazes de tomar suas próprias decisões de forma racional e com base
em dados concretos, o movimento grevista foi duramente reprimido e fracassou, nas três
categorias de trabalhadores associadas à insurreição. Assim, não foram os anarquistas
que conduziram o movimento operário a uma greve fracassada. Os anarquistas não
controlavam o movimento operário. Os trabalhadores e suas associações conduziram
uma greve que fracassou, devido à conjuntura recessiva e devido à associação dessa
greve a uma insurreição liderada pelos anarquistas. A insurreição fracassou não pela
traição do tenente Ajus, mas porque não tinha significativo apoio em nenhum setor
social, nem mesmo entre os trabalhadores. A insurreição foi planejada por um pequeno
grupo de militantes anarquistas, que recebeu a adesão de alguns líderes dos
trabalhadores, principalmente do setor dos operários em fábrica de tecidos. Eles
estavam fortemente influenciado pela Revolução Russa e pelos movimentos sociais que
sacudiam a Europa, no final da Primeira Guerra Mundial. Eles julgaram
equivocadamente que a Revolução Russa era o estopim de um processo revolucionário
que derrubaria o Capitalismo em todos os paises do mundo.
Comentando um artigo de Maurício de Medeiros, José Oiticica em maio de 1919
fez um breve comentário sobre os acontecimentos de novembro de 1918.
... O movimento de 18 de novembro, tentativa de uma greve geral,
convertida logo aos olhos esbugalhados da Polícia, em subversão
maximalista, sacudiu a lerdice brasileira e fê-la inquirir melhor do que é, do
que pretende, do que propõe o anarquismo. Então sob a ameaça de
revolução, os pais-da-pátria saíram da madraçaria endêmica e votaram, de
afogadilho com uma celeridade que espantou o próprio Rui Barbosa, a lei de
acidentes de trabalho.
324
Para Oiticica, a Revolução Russa teria chamado a atenção do mundo para o
anarquismo. Este começava a deixar de ser considerado, por muitos, como uma utopia.
Devido à conjuntura internacional e à propaganda anarquista, a greve geral foi associada
uma insurreição liderada pelos anarquistas. A associação entre esses dois eventos teria,
até certo ponto, incentivado os políticos a fazerem reformas sociais. A rápida aprovação
da lei sobre acidentes de trabalho seria a prova disso. O medo, de que os trabalhadores
se unissem aos anarquistas, teria incentivado as autoridades a adotarem a política de
324
Jornal do Brasil, 08 de maio de 1919. In: OITICICA, J. Ação Direta - Antologia dos melhores artigos
publicados na imprensa brasileira meio século de pregação libertária. Rio de Janeiro: Editora
Germinal, 1972. (p. 66)
207
ceder os anéis para não perder os dedos. Assim, grande parte das autoridades que
considerava que a questão social era um problema exclusivo da Europa, passou a
reconhecer, em seus discursos, a existência da luta de classes no Brasil. As discussões
sobre o Código do Trabalho ganharam impulso e voltaram a ficar em evidência. Alguns
políticos e setores da imprensa defendiam que a aprovação desse código deveria ser
uma prioridade. Isto permitiria tornar as relações entre as classes sociais mais estáveis e
mais harmônicas.
No início do mês de dezembro, os metalúrgicos e os trabalhadores da construção
civil se mobilizavam para participar das discussões sobre o Código do Trabalho. A
greve feita por esses trabalhadores havia acabado de fracassar, mas eles mantinham a
esperança de que as reivindicações, que os tinham levado à greve, fossem atendidas
com a aprovação do Código. Diretores e delegados da UGM se reuniram para discutir
sobre um memorial, tratando das aspirações da classe sobre o Código do Trabalho. Uma
comissão da UGM, composta pelos metalúrgicos: Antônio Agostinho Tavares,
Atanagildo Pereira e José Esteves, entregou a Metelo Junior, no dia 4 de dezembro, na
Câmara dos Deputados, esse memorial.
325
No memorial havia as seguintes
reivindicações:
...
1º - Liberdade de planejamento e de associação, para todos os trabalhadores;
2º - Estabelecimento do dia normal de oito horas de trabalho;
3º - Estabelecimento do salário mínimo;
4º - Creação da lei dos accidentes no trabalho;
5º - Creação nas principais cidades da República, dos tribunaes arbitraes;
6º - Protecção á industria nacional;
7º - Creação do Instituto de Trabalho Nacional;
- Estabelecimento das caixas de pensões para a velhice sendo sustentada
pelos patrões e pelo Estado...
326
Os trabalhadores da construção civil se reuniram em assembléia geral da UGCC,
com o objetivo de elaborar um memorial sobre o Código do Trabalho, que deveria ser
enviado à Câmara dos Deputados. Essa assembléia foi realizada na sede do Centro
Cosmopolita, no dia 4 de dezembro. No dia seguinte, o memorial contendo as principais
reivindicações da categoria foi enviado à Comissão Especial dos Deputados, que estava
encarregada de elaborar o Código do Trabalho.
327
As reivindicações eram as seguintes:
325
Jornal do Brasil, 01 de dezembro de 1918 (p. 7); Jornal do Brasil, 05 de dezembro de 1918 (p. 7)
326
Jornal do Brasil, 05 de dezembro de 1918 (p. 7)
327
Jornal do Brasil, 03 de dezembro de 1918 (p. 7); Jornal do Brasil, 06 de dezembro de 1918 (p. 8)
208
...
1º - Liberdade de pensamento e de associação,
2º - Estabelecimento do dia normal de 8 horas sem prorogação,
3º - Estabelecimento do salario minimo e do pagamento quinzenal,
4º - Estabelecimento da lei de responsabilidade nos accidentes de trabalho,
5º - Abolição completa dos menores de 14 annos nas obras e officinas,
- Estabelecimento em lei de protecção á velhice por parte dos patrões e
Estado...
328
A UGM e a UGCC continuavam focadas naquilo que era o principal objetivo
dessas associações, desde suas criações no ano de 1917. Elas estavam interessadas na
melhoria das condições de vida dos trabalhadores das categorias que representavam. A
greve de novembro de 1918 tinha sido um momento dessa luta, por melhores condições
de vida, que agora tinha continuidade no mês de dezembro. A greve havia fracassado e
os operários tinham voltado ao trabalho, mas seus objetivos continuavam os mesmos.
Eles continuavam empenhados na longa luta que vinham travando com os patrões e com
as autoridades do Estado, pelo reconhecimento dos direitos que julgavam possuir. Em
novembro, utilizaram uma greve como estratégia nessa luta. A greve, que buscava
pressionar os patrões, fracassou. Em função disso, no mês de dezembro, analisaram a
conjuntura e mudaram de estratégia. Agora buscavam dar maior ênfase no dialogo com
as autoridades do Estado, buscando pressioná-las, de modo que suas antigas
reivindicações fossem contempladas pelo Código do Trabalho. Queriam garantir
também que este código, que vinha sendo aguardado por eles tanto tempo, saísse
finalmente do papel e fosse colocado em prática.
Não foram somente os metalúrgicos e os operários da construção civil que
tentaram restabelecer, o mais pido possível, o diálogo com as autoridades. Os
operários em fábricas de tecidos seguiram essa mesma linha de atuação. Através da
mediação do Deputado Federal Nicanor Nascimento, uma comissão de operárias em
fábricas de tecidos conseguiu uma audiência com o Vice-Presidente Delfim Moreira. A
comissão era composta por três operarias. Essa comissão, acompanhada por Nicanor
Nascimento, entregou a Delfim Moreira uma mensagem. Nessa mensagem, os
trabalhadores em fábricas de tecidos apresentavam sua versão, sobre os acontecimentos
ocorridos no mês de novembro. Eles afirmavam que a greve que começou no dia 18 foi
um movimento de iniciativa exclusiva dos operários, sem nenhuma ligação com outras
agitações políticas ou movimentos subversivos. Defenderam que os trabalhadores
recorreram à greve como último recurso. Segundo eles, os trabalhadores se encontravam
328
Jornal do Brasil, 06 de dezembro de 1918 (p. 8)
209
em uma situação muito difícil. Numa conjuntura de carestia e sofrendo com a epidemia
de gripe espanhola, os trabalhadores se encontravam na miséria. Como os patrões não
deram ouvidos aos justos apelos dos operários, a greve foi o único recurso, para
combater a fome e as injustiças praticadas pelos industriais. Segundo os trabalhadores, a
greve foi pacífica. Apesar disso, a polícia agiu com extrema violência, beneficiando os
interesses dos industriais. Os trabalhadores solicitaram a liberdade dos grevistas que
estavam presos, pois não havia nenhuma prova de culpa contra a grande maioria deles.
Eles também solicitaram que a UOFT fosse reaberta. Queriam a interferência do Vice-
Presidente, junto aos patrões, para que as reivindicações dos trabalhadores fossem
atendidas. A comissão também recomendava que os trabalhadores, que ainda estavam
em greve, voltassem ao trabalho. Delfim Moreira prometeu que se esforçaria para
atender às reivindicações feitas pela comissão.
329
Essa comissão de operárias fez um
discurso que ia ao encontro dos interesses da maioria dos trabalhadores do setor. Este
discurso estava de acordo com tudo que a UOFT vinha defendendo desde sua fundação
em 1917. A maioria dos trabalhadores em fábrica de tecidos havia participado da greve,
julgando que ela tinha objetivos econômicos. A comissão de operárias, no entanto, não
admitiu a participação de líderes da UOFT na insurreição liderada pelos anarquistas. A
atitude radical desses companheiros gerou constrangimento para os trabalhadores do
setor. Se admitissem que líderes da UOFT tivessem seguido o caminho da revolução,
ficariam desmoralizados frente às autoridades. Receberiam duras críticas de muitos
setores sociais. A UOFT tinha se dividido, mas os adeptos da postura revolucionária não
tinham o apoio significativo dos trabalhadores da categoria. Eles haviam mudado de
postura de maneira repentina, em função da conjuntura. A maioria dos trabalhadores
nem mesmo tinha conhecimento, que alguns de seus líderes tinham adotado o caminho
revolucionário. Julgavam realmente que a polícia utilizava contra eles falsas acusações.
Os acontecimentos de novembro de 1918 foram muito complexos, pois
envolviam vários atores com interesses diferentes. As autoridades e a imprensa estavam
preocupados com a manutenção da ordem. As associações de trabalhadores queriam o
reconhecimento de direitos, mas alguns de seus líderes adotaram o caminho
revolucionário. Os anarquistas queriam realizar uma revolução, com o objetivo de
mudar a estrutura da sociedade. Os trabalhadores, sofrendo com a conjuntura econômica
desfavorável, a carestia e a epidemia de gripe espanhola, lutavam desesperadamente
329
Jornal do Brasil, 07 de dezembro de 1918 ( p. ?)
210
pela sobrevivência e por melhores condições de vida. Eles tinham principalmente
reivindicações de caráter econômico. Os patrões, alegando a existência de um momento
econômico ruim, resistiam em atender às reivindicações dos trabalhadores. Apesar de
seus diferentes objetivos, esses atores eram interdependentes. Eles precisavam uns dos
outros para que seus objetivos se concretizassem. Com exceção das autoridades e dos
anarquistas que tinham interesses claramente antagônicos, os outros atores podiam
combinar esforços, de modo que os interesses das partes envolvidas fossem pelo menos
em parte atendidos. As dificuldades de negociação entre esses atores, associada a uma
mudança de postura de alguns deles, geraram os conflitos de novembro de 1918. A
polícia, os patrões e os trabalhadores mantiveram sua postura habitual. Os anarquistas,
numa atitude ousada, resolveram mudar sua postura. Parte dos líderes das associações
dos trabalhadores, principalmente membros da UOFT e da UGT, também mudou sua
conduta e apoiou os anarquistas. Os trabalhadores, através de uma greve, tentaram
pressionar os patrões, buscando melhores condições de trabalho. Os patrões resistiram
em atender as reivindicações dos trabalhadores. A polícia, com intolerância, tentou
manter a ordem, procurando evitar que as disputas entre patrões e operários resultassem
em violência generalizada. Os anarquistas não mantiveram sua postura habitual. Eles
não se limitaram a participar da greve, orientando e mobilizando os trabalhadores. Eles,
com a ajuda de alguns líderes dos trabalhadores, se aproveitaram do ambiente de tensão
existente entre a polícia, os patrões e os trabalhadores, para tentar realizar uma
revolução, com o apoio dos trabalhadores e dos soldados. A radicalização das atitudes
dos anarquistas, associada à adoção da postura revolucionária por parte dos líderes das
associações de trabalhadores, provocou uma radicalização das atitudes da polícia. A
policia e as autoridades reprimiram os anarquistas e os trabalhadores de forma
extremamente rigorosa. Para as autoridades, a manutenção da ordem justificaria alguns
excessos cometidos pela polícia. A associação da greve geral à insurreição liderada
pelos anarquistas foi fundamental para o fracasso da greve, nas três categorias de
trabalhadores associadas à insurreição. A greve dos operários em pedreiras não foi
associada à insurreição. Apesar dos operários em pedreiras terem sido duramente
reprimidos pela polícia, sua greve foi um sucesso. Logo após o fracasso da greve em
três categorias, os trabalhadores desses setores se reorganizaram. Eles mudaram de
estratégia e continuaram sua longa trajetória na luta por direitos.
211
Conclusão
Com relação ao mundo do trabalho, o liberalismo não foi uma referência
exclusiva para o Estado, durante a Primeira República. Embora não tenha sido adotada,
a legislação sobre o trabalho foi debatida pela sociedade. Muitos políticos e muitos
setores da imprensa reconheciam a necessidade da sua criação. Os interesses do Estado
não estavam alinhados com os interesses da burguesia. O Estado representava interesses
variados. Embora os patrões tivessem mais influência que os trabalhadores, as
demandas destes também eram levadas em consideração. Muitas autoridades
dialogavam com os trabalhadores e se esforçavam para, pelo menos parcialmente,
atender a suas reivindicações. Apesar do espaço para o dialogo entre os trabalhadores e
o Estado ser restrito, ele existia. Os trabalhadores tinham expectativas com relação ao
Estado. Eles lutaram pela regulamentação das relações de trabalho.
Tradicionalmente a historiografia considerou muito frágeis as associações de
trabalhadores, durante a Primeira República. Elas teriam um grau de organização muito
limitado e não funcionariam de forma ininterrupta. Concordamos que as associações de
trabalhadores com freqüência eram fechadas pela polícia. Contudo, houve certa
continuidade no funcionamento de algumas dessas associações. A Federação Operária
do Rio de Janeiro, alternando momentos de grande mobilização com momentos de
apatia, funcionou entre 1906 e 1918. Mesmo sendo fechada por alguns curtos períodos,
como por exemplo entre julho e setembro de 1917, esta associação manteve certa
continuidade. Ela foi substituída por uma nova associação, a UGT, que possuía em
linhas gerais as mesmas orientações que ela. A atuação da FORJ, junto aos
trabalhadores, foi muito expressiva no ano de 1917. Essa associação contribuiu de
forma significativa para a organização de várias categorias de trabalhadores. Organizou
vários comícios criticando a carestia e solicitando melhores condições de trabalho. Teve
papel fundamental nas mobilizações de trabalhadores, durante as greves de julho de
1917. A UOFT, a UGM e a UGCC também foram associações que mostraram grande
capacidade de organização e de mobilização dos trabalhadores. O COP, junto com os
operários em pedreiras, surpreendentemente conseguiu conduzir, em condições
adversas, uma greve vitoriosa. Apesar da conjuntura econômica recessiva e da repressão
policial, os operários em pedreiras conseguiram a jornada de trabalho de oito horas e o
aumento dos salários. Consideramos que, no ano de 1917, muitas associações de
trabalhadores já possuíam grande capacidade de organização e de mobilização dos
212
trabalhadores. Dentro dessas associações havia divergências que em muitos momentos
as enfraqueciam, mas elas representavam um importante espaço para o debate de idéias
e para a organização dos trabalhadores. Entre 1917 e 1918, os trabalhadores e suas
associações além de dialogarem com o Estado e com os patrões, também conseguiram
exercer sobre eles significativa pressão.
As associações de trabalhadores normalmente não adotavam uma orientação
política. Elas buscavam unir os trabalhadores, em torno da luta por melhores condições
de trabalho. As associações buscavam ser reconhecidas como representantes dos
trabalhadores, das categorias que representavam. Queriam também que as
reivindicações desses trabalhadores fossem reconhecidas como legítimas. Entre 1917 e
1918, o discurso revolucionário teve espaço dentro das associações de trabalhadores do
Rio de Janeiro, mas as estratégias de mobilização dessas associações não tiveram a
revolução social como referência predominante. Os anarquistas foram muito atuantes
dentro do movimento operário. Eles contribuíram de forma significativa para a
organização de muitas associações de trabalhadores, mas sua doutrina teve pouca
penetração junto aos operários.
Alguns autores defenderam que o fracasso das greves, organizadas pelos têxteis,
metalúrgicos e trabalhadores da construção civil, teve relação com a posição adotada
pelas lideranças dos trabalhadores. O primeiro motivo, para esse fracasso, seria a atitude
tomada pelas direções das associações de trabalhadores. Estas, que seriam controladas
por anarquistas, teriam cometido o equivoco de associar o movimento grevista a um
movimento insurrecional. Isto teria legitimado a dura repressão policial sobre os
trabalhadores. Como observamos, os anarquistas não controlavam as associações de
trabalhadores em greve. Os anarquistas não organizaram a greve geral. Esta foi
organizada pelos trabalhadores e por suas associações. A greve geral e a insurreição
anarquista, ocorridos em novembro de 1918, foram dois movimentos diferentes que
estavam relacionados. Apesar do fortalecimento do discurso revolucionário ocorrido no
período, a grande maioria dos trabalhadores tinha interesse em uma greve com objetivos
econômicos. Os anarquistas apoiados por alguns trabalhadores, pertencentes
principalmente à categoria dos operários em fábrica de tecidos, tentaram fazer uma
revolução, através da tentativa de transformar uma greve que tinha objetivos
econômicos em uma greve insurrecional. Isto não aconteceu e o movimento liderado
pelos anarquistas fracassou. Contudo, a associação da insurreição anarquista às greves,
nas três categorias citadas, foi fundamental para o fracasso dessas greves. O segundo
213
motivo, para os fracassos das greves, seria outro equivoco cometido pelas lideranças
operárias. Essas lideranças teriam errado ao organizar as greves numa conjuntura
econômica recessiva. Isto teria fortalecido os patrões que, com grandes estoques e
redução das vendas, podiam se dar ao luxo de ficar algum tempo com seus
estabelecimentos fechados. Dessa forma, eles ganhavam força para sustentar sua
posição, de resistência às reivindicações dos trabalhadores. A greve fracassou em três
categorias, mas surpreendentemente foi um sucesso no setor das pedreiras. Isto nos
mostra que uma conjuntura econômica recessiva, embora prejudique um movimento
grevista, não necessariamente o inviabiliza. O sucesso da greve dos operários em
pedreiras, liderada pelo COP, evidencia como os trabalhadores da categoria estavam
bem organizados. O início de uma greve não era algo decidido pelas lideranças
operárias, de forma isolada e arbitrária. Os líderes operários não se trancavam nas
associações, se isolavam do mundo, e então de forma arbitrária decidiam iniciar uma
greve. As lideranças, ligadas às associações de trabalhadores, refletiam em grande
medida os sentimentos das categorias que representavam. O início de uma greve,
mesmo quando essa acontecia de forma repentina, normalmente era algo debatido
coletivamente, durante um determinado período. Em novembro de 1918, as associações
de trabalhadores, apesar da existência de divergências internas, conseguiram identificar,
de forma satisfatória, as expectativas dos trabalhadores. Elas agiram buscando
concretizar essas expectativas. As greves aconteceram porque as lideranças operárias
tiveram o apoio de grande parte dos trabalhadores. As associações de trabalhadores
dependiam do apoio dos operários, para que suas estratégias de atuação fossem bem
sucedidas. Os trabalhadores não aceitavam passivamente as ordens das lideranças
operárias. Uma prova disso é que os trabalhadores de muitos estabelecimentos se
recusaram a entrar em greve, mesmo quando recebiam ameaças dos grevistas. As
associações de trabalhadores só se mobilizaram para dar início a uma greve geral,
porque perceberam que, nesse momento, isso teria boa receptividade entre grande parte
dos trabalhadores. Inclusive, algumas fábricas já se encontravam em greve. Se as
associações de trabalhadores não se posicionassem, uma greve geral poderia ter início,
até mesmo sem a aprovação delas.
214
Fontes
Biblioteca Nacional
- Jornal do Brasil (1917-1918)
- Correio da Manhã (1917-1918)
Arquivo Nacional
- Estatutos da União Geral dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos
- Estatutos da União Geral dos Metalúrgicos
- Estatutos da União Geral da Construção Civil
- Estatutos do Centro dos Operários em Pedreiras
- Estatutos da União Geral dos Trabalhadores
Arquivo Edgard Leuenroth
- O Graphico: órgão da Associação Graphica do Rio de Janeiro (1919)
- Crônica Subversiva (1918)
- Boletim da Aliança Anarquista (1918)
- Manuscrito redigido por Astrogildo Pereira (Período em que esteve preso na Casa de
Detenção do Rio de Janeiro. Início de 1919)
Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro (AMORJ)
- O Metallurgico: órgão official da União Geral dos Metallurgicos (01 de maio de 1918)
215
Bibliografia
ADDOR, Carlos Augusto. A insurreição Anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Achiamé, 2002.
ALVES, Paulo. Anarquismo e anarcosindicalismo: teoria e prática no movimento
operário brasileiro (1906-1922). Curitiba: Aos quatro ventos, 2002.
AZEVEDO, Francisca Nogueira de. Malandros Desconsolados: o diário da primeira
greve geral no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2005.
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O ano vermelho: A Revolução Russa e seus reflexos
no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2004.
BATALHA, Cláudio H. M. FORTES, Alexandre. SILVA, Fernando T. da
(Organizadores). Culturas de classe. Campinas: Editora da UNICAMP, 2004.
BATALHA, Cláudio H. M. Formação da classe operária e projetos de identidade
coletiva. In: FERREIRA. J. e DELGADO, L. A. N. (Org.). O Brasil Republicano: O
tempo do liberalismo excludente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
____. A Historiografia da Classe Operária no Brasil: Trajetória e Tendências. In:
FREITAS, M. C. (Org.). Historiografia Brasileira em Perspectiva. São Paulo:
Contexto, 2005.
____. O Movimento Operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
editora, 2000.
BRETAS, Marcos Luiz. A Guerra das Ruas: Povo e Polícia na cidade do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997.
___. Ordem na cidade, o exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro:
1907-1930. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
216
BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
CAMPOS, Cristina Hebling. O sonhar libertário. Campinas: Pontes: Editora da
Universidade Estadual de Campinas, 1988.
CARONE, Edgard. O Movimento Operário no Brasil(1877-1944). São Paulo: Difel,
1979.
___. O Pensamento Industrial no Brasil (1880-1945). Rio de Janeiro: Difel, 1977.
___. Introdução ao estudo do Movimento Operário no Brasil 1877-1944”. Ensaios e
opiniões, n° 2-8: São Paulo,1979.
CHALHOUB, Sidnei. Trabalho, Lar e Botequim. Campinas: Editora da UNICAMP,
2001.
CRUZ, Maria Cecília Velasco. Amarelo e Negro: matizes do comportamento operário
na República Velha. Tese de Mestrado. Rio de Janeiro: Instituto Universitário de
Pesquisa do Rio de Janeiro, 1981.
DEMINICIS, Rafael B. e FILHO, Daniel Aarão R. (organizadores). História do
Anarquismo no Brasil. Vol. 1.Niterói: EdUFF. Rio de Janeiro: MAUAD, 2006.
DULLES, John W. F. Anarquistas e Comunistas no Brasil. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1977.
ELEY, Geoff. Forjando a democracia: A historia da esquerda na Europa, 1850-2000.
São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2005.
FAUSTO, Bóris. Trabalho Urbano e conflito Social. São Paulo: Difel, 1976.
FORTES, Alexandre. Nós do Quarto Distrito: A classe trabalhadora porto-alegrense e
a era Vargas. Caxias do Sul, RS: Edusc; Rio de Janeiro: Garamond, 2004.
___. Da solidariedade à assistência: estratégias organizativas e mutualidade no
217
movimento operário de Porto Alegre na primeira metade do século XX. In: Cadernos
AEL: Sociedades operárias e mutualismo v. 6 n.10/11. Campinas, 1999.
FRENCH, John D. O ABC dos operários: conflitos e alianças de classe em São Paulo,
1900-1950. São Caetano do Sul, SP: Editora HUCITEC, 1995.
GÓES, Maria Conceição Pinto de. A Formação da Classe Trabalhadora: movimento
anarquista no Rio de Janeiro, 1888-1911. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor
Fundação José Bonifácio, 1988.
GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988.
GURGEL, Antônio de Pádua. Socialistas no Brasil: partidos, programas e
experiências. Editora Thesaurus, 1984.
HARDMAN, Francisco Foot. A Estratégia do Desterro: situação operária e
contradições da política anarquista/ Brasil, 1889-1922. Dissertação de mestrado em
ciência política. IFCH. UNICAMP. Campinas, 1980.
___. Nem pátria, nem patrão! Memória operária, cultura e literatura no Brasil. São
Paulo: Unesp, 2002.
HARDMAN, Francisco Foot e LEONARDI, Victor. História da Indústria e do
Trabalho no Brasil: das origens aos nossos dias. São Paulo: Global, 1982.
HOBSBAWM, Eric J. Mundos do trabalho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
KOWARICK, Lúcio. Trabalho e Vadiagem: A origem do trabalho livre no Brasil. São
Paulo: Editora Brasiliense, 1987.
LEAL, Aurelino. Polícia e Poder de Polícia. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1918.
LOPREATO, Christina da S. R. A semana trágica: a greve geral anarquista de 1917.
São Paulo: Museu da Imigração, 1997.
218
LOUREIRO, Isabel Maria. A Revolução Alemã (1918-1923). Coleção Revoluções do
século XX . COSTA, Emília Viotti da. (organizadora). São Paulo: Editora UNESP,
2005.
MARAM, Sheldon Leslie. Anarquistas, Imigrantes e o Movimento Operário Brasileiro
(1890-1920). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
MARTINS, Heloisa H. T. S. O Estado e a burocratização do sindicato no Brasil. São
Paulo: Hucitec, 1989.
MATTOS, Marcelo Badaró. (Coordenador). Trabalhadores em greve polícia em
guarda: greves e repressão policial na formação da classe trabalhadora carioca. Rio
de Janeiro: Bom Texto: FAPERJ, 2004.
OITICICA, José Rodrigues Leite. Ação Direta: Antologia dos melhores artigos
publicados na imprensa brasileira meio século de pregação libertária: Editora
Germinal, 1972.
PINHEIRO, Paulo Sergio e HALL, Michael M. A Classe Operária no Brasil.
Documentos (1889-1930). Vol. I. O Movimento Operário. São Paulo: Editora Alfa e
Omêga, 1979.
RAGO, Luzia Margareth. Sem fé, sem lei, sem rei: Liberalismo e Experiência
Anarquista na República. Dissertação de mestrado. Campinas. UNICAMP, 1984.
RODRIGUES, Edgard. Socialismo e Sindicalismo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora
Laemmert, 1969.
____. Trabalho e Conflito. Rio de Janeiro: Mundo Livre, 1978.
SAMIS, Alexandre Ribeiro. “Minha Pátria é o Mundo Inteiro”: Neno Vasco, o
anarquismo e as estratégias sindicais nas primeiras décadas do século XX. Tese de
Doutorado. Orientador: Prof. Dr. Daniel Aarão Reis Filho. Niterói: Universidade
219
Federal Fluminense, 2006.
SANTUCCI, Jane. Cidade Rebelde: As revoltas populares no Rio de Janeiro no início
do século XX. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2008.
SEVCENKO, Nicolau. A Literatura como missão: Tensões sociais e criação cultural na
Primeira República. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
SILVA, Fernando Teixeira da. Operários sem patrões: Os trabalhadores da cidade de
Santos no entreguerras. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2003.
SIMÃO, Azis. Sindicato e Estado: suas relações na formação do proletariado de São
Paulo. São Paulo: Dominus, 1966.
STEIN, Stanley J. Origens e evolução da indústria têxtil no Brasil (1850-1950). Rio de
Janeiro: Campus, 1979.
THOMPSON, Edward P. A Economia Moral da Multidão Inglesa no Século XVIII. In:
Thompson, E. P. Costumes em Comum: Companhia da Letras, 1998.
____. Economia moral revisitada. In: Thompson, E. P. Costumes em Comum:
Companhia da Letras, 1998.
____. A Formação da Classe Operária Inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
____. A miséria da teoria: ou um planetário de erros. Rio de Janeiro: Zahar editores,
1981.
TOLEDO, Edilene. Anarquismo e Sindicalismo Revolucionário. São Paulo: Editora
Fundação Perseu Abramo, 2004.
___. Travessias Revolucionárias. Campinas: UNICAMP, 2004.
VARGAS, João Tristan. O trabalho na ordem liberal: O movimento operário e a
220
construção do Estado na Primeira República. Campinas:UNICAMP/CMU, 2004.
VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 1999.
VILELA, Aníbal Vilanova; SUZIGAN, Wilson. Política do governo e crescimento da
economia brasileira (1889-1945). Rio de Janeiro: Ipea, 1973.
WOODCOCK, George. História das Idéias e Movimentos Anarquistas, vol. I. A Idéia.
Porto Alegre: L e PM, 2002.
___. História das Idéias e Movimentos Anarquistas, vol. II. O Movimento. Porto Alegre:
L e PM, 2006.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo