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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Rodrigo Marques França
SEGURANÇA JURÍDICA E A MODULAÇÃO DE EFEITOS NAS
DECISÕES JUDICIAIS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA UMA PROPOSTA DE
APLICAÇÃO
Mestrado em Direito
São Paulo
2009
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Rodrigo Marques França
SEGURANÇA JURÍDICA E A MODULAÇÃO DE EFEITOS NAS
DECISÕES JUDICIAIS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA UMA PROPOSTA DE
APLICAÇÃO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para defesa de
Dissertação para obtenção do título de MESTRE
em Direito, na área de concentração de Direito
do Estado, sub-área de Direito Tributário, sob a
orientação do Prof. Doutor Estevão Horvath.
SÃO PAULO
2009
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BANCA EXAMINADORA:
____________________________________
____________________________________
____________________________________
4
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à memória do meu avô Esteliano e à memória do
meu padrinho Juninho, que mesmo nas suas respectivas ausências,
estavam presentes nos momentos mais difíceis. De onde estiverem,
obrigado por tudo, amo vocês.
5
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço aos meus pais, Heitor e Lena, por tudo, pelo amor,
carinho e paciência (haja paciência!!!), confesso que as palavras são poucas para demonstrar
toda a minha admiração por vocês. Aos meus tios Roque e Liane, por terem facilitado a
presente caminhada, me ajudando com as muitas pedras do caminho. À amada Dinda, que me
tem como filho. À Tia Aninha, coração do tamanho do mundo. À Olga, minha avozinha, com
sua simplicidade, me ensinou a ultrapassar as complexidades da vida.
Ao meu irmão David, pela confiança e perseverança em buscar seus sonhos,
demonstrando muitas vezes que o improvável, também é possível. Aos meus irmãos de
coração, Bruno Marques (―Quinda‖), por comprovar que música no direito (e tem
mesmo!!!) e Gustavo Sampaio Valverde (―MP‖), pelo apoio incondicional no início de tudo.
Aos amigos da Universidade Federal da Bahia, que resolveram estender seus
―domínios‖ por São Paulo: Ciro Cardoso Brasileiro Borges (―Mamute‖), Geraldo Vilaça
(Xerald), Cláudio Henrique Dias (―Crárdiu‖) e Bruno Ferreira (―Brunão‖). Aos ―Quebracocos
do Itaigara‖, por comprovar que a amizade não tem distância. Aos professores e hoje amigos,
Eurico Marcos Diniz de Santi e Tácio Lacerda Gama, por terem permitido que eu aprendesse
lecionando. À Joana Paula Batista (Popó), pelas oportunidades. À Kássia Reis (apelidada de
Kassita) por sem querer e sem saber, ter tornado a finalização desse trabalho mais fácil.
Ao Gantois, fonte inesgotável de paz e harmonia. À Bahia de todos os Santos e
Orixás: minha vida, minha paixão, minha origem. Aos amigos de sempre, pelas conversas,
vinhos e boas risadas: Adriana de Seixas Maia, Francisco Coni Brandão, Alfredo Sérgio
Gómez, Tetel (vulgo Carlos), Fernando Vasconcellos (Cotoco), João Lordello (Lôlo), Rodrigo
Sousa (Gordinho) e Guilherme Pereira.
Não poderia deixar de mencionar a professora Maria Garcia, pelas sugestões
ofertadas na banca de pré-qualificação.
Por fim, ao meu orientador Estevão Horvath, pela dedicação, oportunidade e
aprendizado, confesso que obtive do mesmo, o lições jurídicas, mas também de vida,
especialmente, por demonstrar que são nas dificuldades que surgem as oportunidades.
6
RESUMO
O presente trabalho que tem objetivo estabelecer parâmetros para uma correta aplicação da
segurança jurídica no controle de constitucionalidade, seja no difuso seja no concentrado,
levando em conta os princípios jurídicos, especialmente, os que delimitam a tributação no
País.
Tal problemática revela-se de grande importância, tendo em vista as constantes alterações
jurisprudenciais, inclusive, em matérias sumuladas pelo Superior Tribunal de Justiça (e.g.
Súmula 276), bem como as implicações que uma eventual declaração de inconstitucionalidade
pode revelar, especialmente, quando se atribui efeitos ex-tunc.
Deveras, o Supremo Tribunal Federal sempre adotou o entendimento que as normas
declaradas inconstitucionais deveriam ter seus efeitos anulados ab nitio, adotando a teoria de
nulidade das normas jurídicas. Contudo, muitas vezes tal posicionamento acaba por violar
diversas outras normas, de natureza valorativa mais caras à sociedade do que se os referidos
efeitos fossem limitados, desrespeitando, desta forma, a função primordial do direito que, no
presente trabalho, é a segurança jurídica.
Pretende-se para tanto, estabelecer premissas fundamentais visando facilitar o entendimento
das questões aqui propostas, tais como o conceito de sistema jurídico adotado, princípio,
regras jurídicas e outros, bem como o precípuo papel dos direitos fundamentais,
especialmente, identificando para quem estes são direcionados.
Dentre os resultados que se pretende atingir é identificar os limites da incidência do art. 27, da
Lei 9.868/99, que, teoricamente, introduziu no sistema jurídico brasileiro a modulação de
efeitos no controle de constitucionalidade e se antes mesmo da introdução do aludido
dispositivo normativo poderia o Supremo Tribunal Federal restringir os efeitos de uma
eventual decisão em controle constitucionalidade.
Palavras-chave: modulação, efeitos, segurança jurídica, constitucionalidade.
7
ABSTRACT
This work aims to establish parameters for the correct application of the legal certainty
principle, especially in the control of constitutionality of taxation rules by the Supreme Court.
The main issue in the present work has proved of great importance in view of the constant
changes in the rulings given by the Superior Court of Justice (e.g. Summary 276), and the
implications brought with the declaration of unconstitutionality, especially when it is given
ex-tunc effect.
The Supreme Court has always observed that the ruling about unconstitutionality makes null
and void all the effects of the standards so declared, since its very beginning (ab initio).
However, such understanding often ends up breaking several other standards, which may
represent more important values for society, disregarding the primary role of law which, in
this work, is legal certainty.
It is intended to establish basic prerequisites in order to facilitate the understanding of the
issues proposed here, such as the concept of legal system, and other legal rules, and the role of
fundamental rights, especially in order to identify who are its main beneficiaries.
Among the results to be achieved is the identification of the limits of article 27 of Law
#9.868/99, which is known as the legal vehicle to introduce in the Brazilian system the
possibility of modulating the effects of the rulings on constitutionality control and also if the
said modulation of effects was possible even before the introduction of the Law #9.868/99 in
our legal system.
Keywords:. modulation, effects, Law #9.868/99, constitutionality control, principle of legal
certainty.
8
LISTA DE SIGLAS
AC: Apelação Cível
ADC: Ação Declaratória de Constitucionalidade
ADIN: Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADPF: Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental
AGA: Agravo Regimental em de Instrumento
AGRRE: Agravo Regimental em Recurso Extraordinário
AGRESP: Agravo Regimental em Recurso Especial
AI: Agravo de Instrumento
CF: Constituição Federal
COFINS: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
CTN: Código Tributário Nacional
DJ: Diário de Justiça
DJU: Diário de Justiça da União
ERESP: Embargos de Declaração em Recurso Especial
ICMS - Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de
Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação
IPI: Imposto sobre Produtos Industrializados
Min: Ministro
PIS: Programa de Integração Social
REL: Relator
RESP: Recurso Especial
RE/REX: Recurso Extraordinário
STF: Supremo Tribunal Federal
STJ: Superior Tribunal de Justiça
TRF: Tribunal Regional Federal
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11
CAPÍTULO I - CONCEITO DE SISTEMA JURÍDICO (E DO DIREITO) E A
SEGURANÇA JURÍDICA COMO BASE DO SISTEMA
1. Problematização do Conceito de Direito e o seu conceito sob a perspectiva do presente
trabalho......................................................................................................................................16
1.1. Noção doutrinária de Sistema........................................................................................21
1.2. Proposta de interpretação no Sistema Jurídico..............................................................24
1.3. Valores, Princípios e Regras Jurídicas.......................................................................... 27
1.4. A segurança como princípio jurídico e sua natureza normativa (coercitiva)................33
1.4.1. Da proteção constitucional aos direitos fundamentais - a segurança jurídica
como direito fundamental.................................................................................................36
1.5. Regra da Legalidade.......................................................................................................41
1.5.1. Regra da Anterioridade...........................................................................................44
1.5.2. Regra da Irretroatividade e sua relação com a segurança jurídica Limite
Temporal......................................................................................................................... 47
1.5.3. Irretroatividade e sua incidência em relação às normas produzidas pelo Poder
Judiciário......................................................................................................................... 49
1.6.Da Proteção à Confiança e à boa-fé limites à irretroatividade
judicial..................................................................................................................................55
CAPÍTULO II - O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE -
HARMONIZAÇÃO DO SISTEMA JURÍDICO
2. Função do Controle de Constitucionalidade O Papel do Supremo Tribunal
Federal......................................................................................................................................59
2.1. Solução de Conflitos Normativos pelo Supremo Tribunal Federal.............................63
2.2. Ato nulo e anulável sob a perspectiva do Supremo Tribunal Federal.........................69
2.3. Da Jurisprudência consolidada no tempo e suas implicações O papel dos precedentes
judiciais.............................................................................................................................76
10
CAPÍTULO III - DA MODULAÇÃO DE EFEITOS NO CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE ALGUMAS HIPÓTESES
3. Modulação de Efeitos no Controle de Constitucionalidade Quando aplicar.................... 82
3.1. Da Coisa Julgada e o Conceito de Jurisprudência Predominante Introdução ao
Sistema Jurídico das Expectativas Normativas................................................................... 93
3.2. A Modulação na declaração de inconstitucionalidade sob o fundamento da ilegalidade
e seus conflitos com a irretroatividade manutenção da segurança jurídica, boa-fé e
confiança panorama jurisprudencial............................................................................... .96
3.3. Declaração de Inconstitucionalidade da Norma Sancionatória efeitos................... 101
3.4. Declaração de Inconstitucionalidade de Condutas anteriormente lícitas efeitos.... 103
CAPÍTULO IV - APLICABILIDADE DOS ARGUMENTOS DESENVOLVIDOS A
ALGUNS CASOS CONCRETOS DA TEORIA À PRÁTICA
4. Declaração de Inconstitucionalidade dos artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/91.....................105
4.1. Crédito-Prêmio de IPI.................................................................................................109
4.2. Isenção da COFINS das Sociedades Súmula 276 e atual posicionamento do Supremo
Tribunal Federal sobre a matéria........................................................................................115
4.3. Crédito de IPI alíquota zero......................................................................................120
4.4. (In) Constitucionalidade da Inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e COFINS
Caso de Modulação?..........................................................................................................127
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................131
BIBLIOGRAFIA...................................................................................................................137
11
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo estabelecer parâmetros, especialmente
com base na jurisprudência, para uma correta interpretação e aplicação da segurança jurídica
no direito tributário, especificamente, nos casos em que o Supremo Tribunal Federal recorre
à modulação de efeitos quando da declaração de inconstitucionalidade de uma norma jurídica
bem como nos casos de ―abrupta‖ alteração jurisprudencial, seja no controle difuso seja no
controle concentrado, especialmente, após o advento da Lei nº 9.868/99.
Trata-se de uma tarefa tormentosa eis que a delimitação dos aludidos efeitos,
mediante processo interpretativo, permeia diversos institutos jurídicos de alta
complexibilidade. A interpretação da segurança jurídica é, pois, uma das grandes
problemáticas dos juristas, tendo em vista a própria dificuldade em se definir a sua respectiva
natureza: trata-se de um mero valor, um princípio, uma regra?
Tal dificuldade foi revelada por Christine Mendonça
1
ao afirmar que ―ao
utilizarmos a expressão ‗segurança jurídicano âmbito tributário é preciso saber antes a que
queremos nos referir. Se a seu aspecto extrajurídico, pensamos que devemos descartar tal
termo ou qualificá-la como tal. Agora, se estivermos falando da segurança presente no
ordenamento jurídico, devemos saber se trata de previsibilidade juridicizada ou de garantias
constitucionais do contribuinte para que possamos, cada vez mais, atender o rigor que exige o
discurso científico‖.
Em que pese tais percalços é inegável o papel de um Estado Democrático de
Direito que tem como precípuo objetivo manter a ordem e especialmente a segurança jurídica.
José Joaquim Gomes Canotilho
2
ao tratar do princípio segurança e da proteção da confiança
afirma:
1
MENDONÇA, Christine. Segurança na Ordem Tributária Nacional e Internacional‖, in Segurança Jurídica
na Tributação e Estado de Direito. Coordenação Eurico Marcos Diniz de Santi. São Paulo: Noeses, 2005, p. 53.
2
CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra. 6ª Edição. Editora
Almedina, 1998, p.250.
12
―O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar
autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideram
os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança como elementos
constitutivos do Estado de Direito. Estes dois princípios segurança jurídica e
proteção da confiança andam estreitamente associados, a ponto de alguns
autores considerarem o princípio da proteção de confiança como um
subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em
geral, considera-se que a segurança jurídica está relacionada com elementos
objetivos da ordem jurídica garantia de estabilidade jurídica, segurança de
orientação e realização do direito enquanto a proteção da confiança se
prende mais com as componentes subjetivas da segurança, designadamente a
calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos
jurídicos dos actos‖.
Sabe-se da fundamental importância que é a fixação de premissas, com o
objetivo de reduzir as dificuldades acerca da segurança jurídica. Desta forma, entendemos no
presente trabalho que tais premissas, inexoravelmente, devem partir tanto do conceito de
sistema como do conceito de direito, tendo em vista que ambos têm como característica um
alto teor de subjetividade, haja vista as deficiências inerentes à própria linguagem.
Sobre o direito, cumpre salientar que desde E. Kant, os cientistas do direito
buscam um conceito definitivo para seu objeto de estudo, tendo em vista sua natureza
polissêmica, com muitas possibilidades de abordagem. A delimitação deste conceito é de
basilar importância para a abordagem do tema a ser desenvolvido, qual seja, um modelo,
melhor dizendo, uma proposta de aplicação da modulação de efeitos em relação às decisões
judiciais em matéria tributária, mesmo porque tal matéria em nenhum momento é
disciplinada pelo Código Tributário Nacional.
Deve-se lembrar que o Supremo Tribunal Federal, em suas decisões, sempre
se pautou pela teoria da nulidade das normas jurídicas atribuindo, desta forma, efeitos ―ex-
tunc‖, declarando nula a norma inconstitucional ab initio, contudo, pode-se inferir, como será
demonstrado, que muitas vezes tais decisões acabavam por violar princípios mais caros à
sociedade, como a irretroatividade das leis (um dos fundamentos da segurança jurídica) do
que se efetivamente estabelecesse parâmetros em relação aos efeitos de uma eventual
13
declaração de inconstitucionalidade. Aliás, muitas vezes, a limitação dos efeitos de uma
norma declarada inconstitucional pode também se constituir na preservação da Constituição
Federal.
Nessa visão, sobreleva-se a importância dos princípios jurídicos na
Constituição Federal, sendo correto afirmar que nenhuma norma jurídica poderá ser
interpretada e aplicada adequadamente sem a consideração desses princípios, que lhe
conferirão sustentáculo e firmeza sistemática para se impor diante de outras normas
construídas mediante interpretações que não os tenham tomado em conta.
As ferramentas fornecidas pela Teoria Geral do Direito são imprescindíveis,
na medida em que buscaremos nela o conceito de institutos que poderão ter seus efeitos
limitados em função de um eventual controle de constitucionalidade, tais como a validade,
eficácia e vigência, bem como os conflitos entre princípios, valores e regras jurídicas, que
deverão ser solucionados, ainda que de forma ―injusta‖ pelo Sistema Jurídico. Infere-se,
assim, ainda que de forma superficial, delimitarmos de uma forma precisa, em função da
subjetividade do tema aqui proposto um referencial de Sistema, definido com base em um
modelo interpretativo a ser adotado.
A modulação dos efeitos decorrentes de uma declaração de
inconstitucionalidade se interliga com todo o sistema jurídico, trazendo diversas implicações
tanto para os contribuintes como para a Fazenda Pública, nos levando mais uma vez a outros
questionamentos, que nada mais são do que pontos de partida para a elucidação da questão
aqui proposta.
Revela-se, desta forma, o relevante papel do Supremo Tribunal Federal como
fonte geradora de normas jurídicas, função teoricamente atípica, na regulação dos efeitos
decorrentes de eventual declaração de inconstitucionalidade, tendo sempre como norte
manter a coerção do Sistema Jurídico.
Entendemos ser o presente tema de grande relevância, tendo em vista as
seguidas alterações jurisprudenciais sobre matérias há muito e plenamente inseridas na
confiança e boa-fé dos contribuintes, aliás, sobre tal sentimento de insegurança se manifestou
14
o Min. Humberto Gomes de Barros
3
em notório voto-vencido sobre a editada súmula
276
4
que isentava as sociedades prestadoras de serviços profissionais da COFINS, em que
critica de forma contundente a descaracterização da função dos Tribunais superiores, in casu,
do Superior Tribunal de Justiça, que sob o manto dos mais diversos argumentos acaba por
3
AGRG NO RESP 382.736, DJU: 25/02/2004: Quando chegamos ao Tribunal e assinamos o termo de
posse, assumimos, sem nenhuma vaidade, o compromisso de que somos notáveis conhecedores do Direito, que
temos notável saber jurídico. Saber jurídico não é conhecer livros escritos por outros. Saber jurídico a que se
refere a CF é a sabedoria que a vida nos dá. A sabedoria gerada no estudo e na experiência nos tornou
condutores da jurisprudência nacional. Somos condutores e não podemos vacilar. Assim faz o STF. Nos últimos
tempos, entretanto, temos demonstrado profunda e constante insegurança. Vejam a situação em que nos
encontramos: se perguntarem a algum dos integrantes desta Seção, especializada em Direito Tributário, qual é o
termo inicial para a prescrição da ação de repetição de indébito nos casos de empréstimo compulsório sobre
aquisição de veículo ou combustível, cada um haverá de dizer que não sabe, apesar de já existirem dezenas, até
centenas, de precedentes. dez anos que o Tribunal vem afirmando que o prazo é decenal (cinco mais cinco
anos). Hoje, ninguém sabe mais. Dizíamos, até pouco tempo, que cabia mandado de segurança para determinar
que o TDA fosse corrigido. De repente, começamos a dizer o contrário. Dizíamos que éramos competentes para
julgar a questão da anistia. Repentinamente, dizemos que já não somos competentes e que sentimos muito.
O Superior Tribunal de Justiça existe e foi criado para dizer o que é a lei infraconstitucional. Ele foi concebido
como condutor dos tribunais e dos cidadãos. Em matéria tributária, como condutor daqueles que pagam, dos
contribuintes. Bem por isso, a Corte Especial proclamou que:
‗PROCESSUAL - STJ - JURISPRUDÊNCIA NECESSIDADE DE QUE SEJA OBSERVADA. O Superior
Tribunal de Justiça foi concebido para um escopo especial: orientar a aplicação da lei federal e unificar-lhe a
interpretação, em todo o Brasil. Se assim ocorre, é necessário que sua jurisprudência seja observada, para se
manter firme e coerente. Assim sempre ocorreu em relação ao Supremo Tribunal Federal, de quem o STJ é
sucessor, nesse mister. Em verdade, o Poder Judiciário mantém sagrado compromisso com a justiça e a
segurança. Se deixarmos que nossa jurisprudência varie ao sabor das convicções pessoais, estaremos prestando
um desserviço a nossas instituições. Se nós os integrantes da Corte não observarmos as decisões que
ajudamos a formar, estaremos dando sinal, para que os demais órgãos judiciários façam o mesmo. Estou certo
de que, em acontecendo isso, perde sentido a existência de nossa Corte. Melhor será extingui-la.‘ (AEREsp
228432).
Dissemos sempre que sociedade de prestação de serviço não paga a contribuição. Essas sociedades, confiando
na Súmula 276 do Superior Tribunal de Justiça, programaram-se para não pagar esse tributo. Crentes na
súmula elas fizeram gastos maiores, e planejaram suas vidas de determinada forma. Fizeram seu projeto de
viabilidade econômica com base nessa decisão. De repente, vem o STJ e diz o contrário: esqueçam o que eu
disse; agora vão pagar com multa, correção monetária etc., porque nós, o Superior Tribunal de Justiça, tomamos
a lição de um mestre e esse mestre nos disse que estávamos errados. Por isso, voltamos atrás.
Nós somos os condutores, e eu - Ministro de um Tribunal cujas decisões os próprios Ministros não respeitam -
sinto-me, triste. Como contribuinte, que também sou, mergulho em insegurança, como um passageiro daquele
vôo trágico em que o piloto que se perdeu no meio da noite em cima da Selva Amazônica: ele virava para a
esquerda, dobrava para a direita e os passageiros sem nada saber, até que eles de repente descobriram que
estavam perdidos: O avião com o Superior Tribunal de Justiça está extremamente perdido. Agora estamos a
rever uma Súmula que fixamos menos de um trimestre. Agora dizemos que está errada, porque alguém nos
deu uma lição dizendo que essa Súmula não devia ter sido feita assim.
Nas praias de Turismo, pelo mundo afora, existe um brinquedo em que uma enorme ia, cheia de pessoas é
arrastada por uma lancha. A função do piloto dessa lancha é fazer derrubar as pessoas montadas no dorso da
bóia. Para tanto, a lancha desloca-se em
linha reta e, de repente, descreve curvas de quase noventa graus. O jogo termina, quando todos os
passageiros da bóia estão dentro do mar. Pois bem, o STJ parece ter assumido o papel do piloto dessa lancha.
Nosso papel tem sido derrubar os jurisdicionados.
4
SÚMULA 276: ―As sociedades civis de prestação de serviços profissionais são isentas da Cofins,
irrelevante o regime tributário adotado.‖ *INSERIR JULGAMENTO DO STF SOBRE A MATÉRIA. O mérito
em si, conteúdo da referida súmula nº 276, no presente trabalho nos é irrelevante, mas serve para exemplificar o
tipo de dificuldade que nos é apresentada quando da alteração de jurisprudência já sumulada e suas implicações
temporais em relação às expectativas normativas da sociedade.
15
provocar ―ranhuras‖ intra-sistêmicas à sociedade, como a insegurança não para o futuro,
mas especialmente para o passado.
16
CAPÍTULO I - CONCEITO DE SISTEMA JURÍDICO (E DO DIREITO) E A
SEGURANÇA JURÍDICA COMO BASE DO SISTEMA
1. Problematização do Conceito de Direito e o seu conceito sob a perspectiva do presente
trabalho
O homem tem a necessidade de regular suas condutas impondo sanções (restrições)
àqueles que não as seguem. De fato, pela própria estrutura das antigas sociedades, estas
condutas eram reguladas, não por normas positivadas, mas por valores, como os de natureza
religiosa, moral (valores estes que eram muito vinculados aos fenômenos da natureza como
trovões, chuvas, secas), considerando que estes induziam as sociedades a determinados
comportamentos repetitivos, dando, mais uma vez, ênfase à previsibilidade. A segurança e a
previsibilidade das condutas eram essenciais para a manutenção e sucesso dessas sociedades.
A. L. Machado Neto
5
afirma com propriedade que:
―poderíamos caracterizar os povos primitivos como pequenos grupos
nômades ou sedentários, vivendo em relativo isolamento vicinal, sob a
forma de uma organização clânica ou de família extensa, baseada, via de
regra, numa linha de parentesco (patrilineal ou matrilineal) e dominados
pelo império do sagrado, que penetra suas vidas em todas as dimensões‖.
Havia, portanto, regras denominadas de normas de adaptação social ou normas de
controle social, que eram estabelecidas pela sociedade ao longo dos tempos, vinculando e
controlando o comportamento e as condutas humanas de diferentes formas e com variados
conteúdos.
Com a evolução do homem, as sociedades foram se tornando mais complexas,
necessitando também de instrumentos mais sofisticados para continuarem a garantir a
confiança e previsibilidade das condutas a serem reguladas. Com o passar dos tempos,
começou a haver uma multiplicação explosiva de possibilidades e de condutas a serem a
adotadas e, não havendo um instrumento adequado a regularizar tais possibilidades ou mesmo
5
NETO, A. L. Machado. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 6. ed. São Paulo. Editora Saraiva, 1988,
p. 101.
17
minimizá-las, a segurança do homem passou a ser relativizada mais acentuadamente do que de
costume.
O homem, na verdade, necessitava de um instrumento superior, de forte poder
sancionatório a fim de manter a sociedade coesa, na medida em que suas expectativas
normativas, por quaisquer motivos, eram frustradas. Desta forma, surge o Estado; um Estado
de direito. A. L. Machado Neto
6
é incisivo sobre o tema:
―O direito, centro de nossa atenção nesse trabalho é, pois, o modo mais
formal de controle social formal. Sua função é de socializador em última
instância, pois sua presença e sua atuação só se fazem necessárias quando as
anteriores barreiras que a sociedade ergue contra a conduta anti-social
foram ultrapassadas, quando a conduta anti-social se apartou da tradição
cultural aprendida pela educação para, superando as condições de mera
descortesia, simples imoralidade ou, mesmo, pecado, alcançar o nível mais
grave do ilícito ou, tanto pior, do crime‖.
Logo, tem-se um Estado regulado e fundamentado pelo próprio direito. O Estado,
quando coage, o faz pelo direito, o Estado quando regula condutas, o faz pelo direito. Surge,
portanto, o direito positivo, normatizando condutas, regulando-as, impondo-as e sancionando
aqueles que não as adota, como bem observou Hugo de Brito Machado
7
:
―Para que o direito seja seguro é necessária a positividade, que ao menos no
âmbito do que estamos aqui estudando significa estar estabelecido, ter sido
fixado, o que ocorre através de normas, que na medida do possível devem
ser enunciadas através de conceitos determinados‖.
Sendo o tributo uma norma de rejeição social, segundo Ives Gandra da Silva
Martins, uma vez que caso não houvesse sanção, provavelmente o mesmo não seria recolhido
instaura-se, também, a necessidade da normatização da segurança jurídica em matéria
tributária, da segurança de tributar e da segurança de ser tributado.
O Estado, portanto, é uma realidade social, política e jurídica, sendo inevitável a
presença de um poder jurídico positivado para a realização de suas outras duas facetas: a social
6
NETO, A. L. Machado. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 6. ed. São Paulo. Editora Saraiva, 1988,
p. 85.
7
MACHADO, Hugo de Brito. ―Limitações ao Poder Impositivo e Segurança Jurídica‖. Coordenação de Ives
Gandra da Silva Martins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 111.
18
e a política. O Estado administra os interesses coletivos através das esferas: Legislativa,
Executiva e Judiciária. Há, hoje, um Estado Social forte conferindo segurança às atividades
Estatais e dos contribuintes.
Tércio Sampaio Ferraz Junior
8
é exemplar ao afirmar que:
―O fato de o direito tornar-se escrito contribuiu para importantes
transformações na concepção de direito e de seu conhecimento. A fixação
do direito na forma escrita, ao mesmo tempo em que aumenta a segurança e
a precisão do seu entendimento, aguça também a consciência dos limites‖.
A premissa do presente trabalho parte de que a positivação, assim entendida como a
desconsideração das normas sociais, teológicas, econômicas e morais, que de alguma forma
poderiam macular a aplicação do direito
9
, é fator fundamental para a construção da norma da
segurança jurídica no sistema tributário.
A grande variedade de condutas possíveis, anterior à positivação do Direito,
causava grande insegurança, redução das complexidades
10
e variedades de atos que seriam
possíveis somente com o direito positivado a fim de estabelecer as expectativas normativas da
sociedade, além de inserir no sistema jurídico valores da confiança e segurança.
De fato, é imperioso desconsiderar as impurezas que, notadamente, vêm sendo
implementadas de forma inadequada ao sistema jurídico positivo. Deve-se, portanto, partir do
direito positivo (normatizado), tornando evidente a necessidade de se conceituar o direito em si,
antes de abordar o próprio sistema.
8
FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 2. ed. São
Paulo. Editora Atlas, 1994, p. 73.
9
É inegável que, nos atos de enunciação, entendidos como fontes do direito, clara influência quando da
inserção de novas normas nos ordenamentos jurídicos dos valores explicitados. Contudo, não se admite que
valores não positivados possam influir na aplicação das normas jurídicas sob pena de macular a segurança
jurídica, excluindo-se, obviamente, casos em que o próprio sistema jurídico admita a utilização daqueles valores
na solução de conflitos.
10
Trilhando pela Teoria luhmanniana, por ―complexidade‖ entende-se a existência de um conjunto de
possibilidades superiores às que de fato podem vir a ser realizadas, o que exige e implica uma necessidade de
seleção entre as várias opções, que se abrem para a ação. O papel do direito, enquanto conjunto de normas
positivadas é justamente estabelecer as referidas seleções, reduzindo, assim, a variedade e a complexidade das
condutas, conferindo-lhes, dentro do possível, segurança e previsibilidade.
19
Utilizando-se de algumas premissas presentes no movimento conhecido como
Neopositivismo Lógico
11
, infere-se que a linguagem, muitas vezes por não possuir um rigor
científico adequado, vem carregada de características que dificultam o estudo do objeto
como a vacância e a ambigüidade, constantemente demonstradas em estudos de Semiótica
12
.
Essas características trazem grande incerteza à aplicabilidade de algumas normas.
Alf Ross, citado por Paulo de Barros Carvalho
13
, inferia que: ―La mayor parte de las
palabras son ambuiguas, y que todas las palabras son vagas, esto es, que su campo de
referencia es indefinido, pues consiste em um núcleo o zona central y um nebuloso círculo
exterior de incertidumbre‖. Fato este que também ocorre com expressão linguística mais
conhecida como direito.
A dificuldade em conceituarmos o objeto direito é tamanha que o próprio Herbert
Hart
14
afirma que ―a especulação sobre a natureza do direito tem uma história longa e
complicada; todavia, vista em retrospectiva, é nítido que se centrou quase continuamente
sobre alguns pontos principais (...)aspectos do direito que parecem naturalmente dar origem a
incompreensões em todos os tempos, de tal forma que a confusão e uma necessidade
conseqüente de maior clareza acerca deles podem coexistir mesmo nos homens avisados,
dotados de firme maestria e conhecimento do direito. Assim, pesquisaremos mais alguns
conceitos, antes de fornecermos o nosso próprio, ainda que, admitimos preliminarmente, não
esgotemos toda a complexidade do tema‖.
Para os jusnaturalistas, por exemplo, o direito é algo inerente ao homem. O
verdadeiro direito é o direito justo (lex naturae), conjunto de valores (sociológicos, morais,
religiosos e etc) que norteiam as condutas humanas e que tem em vista o ideal de justiça.
Para Francesco Carnelutti
15
, o ―direito (objetivo, sistema jurídico) é o conjunto de preceitos
11
Movimento surgido na Europa (Viena, Áustria) que visava à realização de uma Ciência na qual havia a
necessidade de se depurar a linguagem natural, eliminando algumas abordagens semânticas que, por ventura,
viessem a dificultar a compreensão do objeto estudado.
12
GUIBORG, Ricardo; CHIGLIANI, Alejandro; GUARINI, Ricardo. Introducción al Conocimiento Científico.
Buenos Aires: EUDEBA, 1985.
13
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 131.
14
HART, Herbert L A. Conceito de Direito. Tradução de Armindo Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1994, p. 22.
15
CARNELUTTI, F. Instituições do Processo Civil. Tradução de Adrián Stero de Witt Batista. São Paulo: Classic
Book, 2000, v. 1, p. 71.
20
jurídicos (preceitos sancionados) que se constituem para garantir, dentro de um grupo social
(Estado), a paz ameaçada pelos conflitos de interesses de seus membros‖.
Noberto Bobbio
16
assimilava em breves palavras o Direito, na acepção mais
comum da palavra, como um ―tipo de sistema normativo‖ (conjunto de normas). Para Bobbio,
não existiam sistemas jurídicos por causa das normas, mas evidenciava-se a presença de
normas pela unicidade de um determinado sistema (direito positivo).
O presente trabalho tem por premissa que o direito deve ser positivado. Contudo,
este não escapa na sua elaboração dos valores que rodeiam as sociedades. De fato, o sistema
dos valores (morais, éticos, religiosos e outros) fundamenta o direito, em que a positivação
nada mais é do que a incorporação daqueles valores inerentes ao homem a um dado sistema
jurídico.
Diante dos breves conceitos apresentados e diante do objeto de estudo do presente
trabalho, pode-se afirmar que o direito nada mais é que o conjunto de normas jurídicas
presumivelmente válidas em um determinado país, que objetiva juridicizar situações de fato e
regular, através de suas normas, condutas humanas, mantendo as expectativas normativas da
sociedade decorrentes da exteriorização da segurança jurídica, via aplicação de sanções
normativas, quando for o caso.
A segurança jurídica é o nimo de previsibilidade necessária que o Estado de
Direito deve oferecer a todo cidadão, a respeito das normas de convivência, às quais deve
observar e confiar na medida em que um conjunto de relações jurídicas nas suas múltiplas
intensidades.
16
BOBBIO, Noberto. Teoria do Sistema Jurídico. 10. ed. Brasília: UNB, 1999, p. 27/30.
21
1.1. Noção doutrinária de Sistema
17
A noção do que seja um sistema é fundamental para nortear quais os parâmetros ou
limites devem ser explicitados para uma correta interpretação de um dado objeto, tendo em
vista a infinidade de elementos que existentes numa sociedade, independentemente da Ciência
a ser praticada, como advertiu Geraldo Ataliba
18
: ―Assim, o estudo de qualquer realidade - seja
natural, seja cultural quer em nível científico, quer didático, será mais proveitoso e seguro, se
o agente é capaz de perceber e definir o sistema formado pelo objeto e aquele maior, no qual
este se refere‖.
Outra alternativa não resta, senão entendermos que a interpretação e aplicação do
direito devem estar situadas dentro de um sistema, para alguns um sistema amplo, com a
inserção e aplicação de valores sociais, onde se sobreleva, desta forma, a eterna busca pelo
justo ou um sistema onde o número de possibilidades de condutas a serem efetuadas seja
reduzido de modo a possibilitar uma melhor compreensão por parte dos eventuais destinatários
das mensagens emitidas por aquele sistema.
O número elevado de conceitos sobre o signo do sistema revela a dificuldade em
defini-lo e, ao mesmo tempo, incita a buscar um conceito na medida em que há a necessidade
de se identificar o campo de atuação da limitação dos efeitos temporais de uma decisão de
inconstitucionalidade. A própria ideia de sistema implica em um limite de atuação por parte
do intérprete e aplicador do direito.
O limite do sistema a ser estabelecido, portanto, reside em reconhecer a infinidade
de sistemas existentes, como os sistemas de ordem social, política, econômica e jurídica, e,
ao mesmo tempo, perceber de que modo os referidos sistemas interagem, a fim de aplicar
17
No presente trabalho, utiliza-se apenas o conceito de sistema jurídico não abordando, assim, a eventual
diferença entre sistema e ordenamento. Ainda que não se desconheça que muitos doutrinadores trabalham com a
diferença de conceituação entre os mesmos. Gregório Robles, por exemplo, entende que o ordenamento é
concebido como ―o texto jurídico exatamente como produzido pelas autoridades, que são as pessoas que tomam
as decisões jurídicas. Os distintos poderes, a partir do constituinte e passando pelos constituídos, geram um texto,
que podemos texto jurídico bruto ou simplesmente material jurídico‖. Em relação ao sistema, Robles entende
como ser o mesmo ―em seu conjunto, [que] se expressa num texto elaborado paralelo e muito mais completo e
exato que o texto jurídico bruto. O sistema reflete e aperfeiçoa o ordenamento‖. (ROBLES, Gregório. O Direito
como Texto. Tradução de Roberto Barbosa Alves. Barueri. São Paulo: Manole, 2005, p. 9).
18
ATALIBA, Geraldo. ―Sistema Constitucional Tributário‖. Revista dos Tribunais. São Paulo: 1966, p. 04.
22
corretamente, nos termos propostos, a segurança jurídica, identificando de antemão o sistema
jurídico.
Geraldo Ataliba
19
concebe um sistema como ―o conjunto unitário e ordenado de
elementos, em função de princípios coerentes e harmônicos‖, e o sistema normativo como ―o
conjunto de unitário e ordenado de normas, em função de uns princípios fundamentais,
reciprocamente harmônicos, coordenados em tôrno de um fundamento comum‖
20
.
Para Lourival Vilanova
21
, um sistema, em breves palavras, pode ser visualizado:
―onde se encontrem elementos e relações e uma forma dentro de cujo âmbito, elementos e
relações se verifiquem‖. Já para Paulo de Barros Carvalho
22
, o sistema pode ser considerado:
―onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma
referência determinada, teremos noção fundamental de sistema‖.
Diante das breves noções de sistema até aqui mencionadas, podem-se identificar
alguns pontos em comum entre elas. Ou seja, a identificação de um sistema deverá partir da
identificação dos seus elementos e se ou não uma relação entre os mesmos, devendo,
ainda, serem os referidos elementos harmônicos e coerentes. Ludwig Von Bertalanfy
23
fornece, basicamente, três formas de se constituir um sistema com base em seus elementos:
―1) acordo com seu número; 2) de acordo com sua espécie; 3) de acordo
com as relações dos elementos. (...) Nos casos 1 e 2, o complexo pode ser
compreendido como a soma de elementos considerados isoladamente. No
caso 3 não somente os elementos devem ser conhecidos, mas também as
relações entre eles. As características do primeiro tipo podem ser
chamadas de somativas, as do segundo tipo constitutivas‖.
Partindo dos conceitos anteriormente mencionados, pode-se afirmar que um
sistema jurídico deve ser formado por elementos, entendam-se normas, capazes de se
relacionarem e constituírem o próprio sistema. de prevalecer a ideia de interação entre os
elementos desse sistema próprio, fazendo com que este mesmo sistema esteja também
19
ATALIBA, Geraldo. ―Sistema Constitucional Tributário‖. Revista dos Tribunais. São Paulo: 1966, p. 19.
20
ATALIBA, Geraldo. ―Sistema Constitucional Tributário‖. Revista dos Tribunais. São Paulo: 1966, p. 19.
21
VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Max Limonad, 1997,
p. 1997, grifos no original.
22
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 132.
23
BERTALANFFY, Ludig von. Teoria Geral dos Sistemas. Tradução de. Francisco M. Guimarães. São Paulo:
Vozes, 2008, p. 82-83.
23
sempre em interação com a sociedade, regulando-a. Deste modo, não se pode pretender
estudar um sistema a partir das suas unidades isoladas, mas e somente mediante a uma
interpretação sistemática de todos os seus elementos.
A consideração de Estevão Horvath
24
sobre o tema é exemplar:
―À vista das noções até aqui colhidas, temos para nós que uma das suas
implicações é a de que o ‗método‘ interpretativo mais completo é aquele
denominado sistemático, porquanto, para mais de levar em consideração
os três planos de linguagem (sintático, semântico e pragmático). (...) Para
se falar em sistema, é mister que os elementos que o compõem (repertório)
estejam unificados em torno de algum (uns) elemento (s) comum (uns).
No caso do Direito, estes elementos, pode-se afirmar, são os princípios
jurídicos‖.
Diante das breves premissas apresentas, tem-se que a Constituição Federal
Brasileira não pode ser considerada apenas como um conjunto de normas que permanecem
estáticas no tempo. Na verdade, de se constatar uma espécie de ordenamento paradoxal, de
natureza estática e, ao mesmo tempo, admitindo-se um caráter dinâmico em constante evolução
a partir de relacionamento entre seus elementos.
Busca-se, por mais complexo que seja, no Digesto Constitucional as soluções
propostas para a realidade social, rejeitando-se, de antemão, quaisquer argumentos
extrajurídicos por mais ―justos‖ que sejam, sob pena de ingressamos na penumbra da
insegurança.
Concebe-se, portanto, um sistema jurídico que de um lado pode ser formalmente
fechado, admitindo-se apenas como solução para os conflitos a utilização das normas jurídicas
e, ainda, semanticamente aberto na medida em que o próprio sistema admite normas com
conceitos indeterminados, mas que, impreterivelmente, deverão ser preenchidas ante os casos
concretos, constitui-se, desta forma, como um sistema que produz seus próprios elementos
dentro dos limites que se propõe.
24
HORVATH, Estevão. O princípio do não confisco no Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 14.
24
1.2. Proposta de interpretação no Sistema Jurídico
Como anteriormente constatado, a dificuldade de se interpretar e aplicar o direito
advém muitas vezes do próprio aspecto semântico de suas unidades, sendo necessário,
portanto, delimitar o conteúdo e alcance das normas jurídicas, principalmente, quando se tem
em mente o art. 27
25
, da Lei 9.868/99, que utiliza para fins de aplicação da modulação de
efeitos conceitos indeterminados como ―segurança jurídica‖ e ―excepcional interesse social‖,
sendo necessário, portanto, limitar a interpretação de forma a alcançar a melhor aplicação da
referida norma.
de se admitir que todos os sistemas, independentemente da sua natureza são
complexos, ou seja, tendem apresentar um número maior de possibilidades do que os seus
destinatários podem conceber. A sociedade se depara cotidianamente com situações em que
os valores de justiça, equidade e outros se colocam em conflito e que, em função do seu
grande teor de subjetividade, alcançam um número infinito de alternativas, como
asseverava Luhamann
26
: ―Desta forma o mundo apresenta ao homem uma multiplicidade de
possíveis experiências e ações, em contraposição ao limitado potencial em termos de
percepção, assimilação de informação, e ação atual e consciente‖.
A função do direito deve ser entendida, a fim de sistematizar sua atuação, como a
seleção de determinadas situações de natureza social, reduzindo-as e simplificando, desta
forma, sua comunicação com seus destinatários. Com o objetivo de conferir segurança, cabe
ao direito delimitar seu campo de atuação com o objetivo de diminuir as incertezas. Contudo,
e de certa forma paradoxal, uma certa indeterminação quanto às possibilidades existentes
diante do intérprete, ainda que a aludida complexidade seja inerente aos outros sistemas,
como o social, por exemplo.
Tal problemática deve ser enfrentada em casos nos quais a regra jurídica não basta,
devendo o Poder Judiciário buscar em normas de alto valor axiológico (princípios) a solução
para cada caso concreto. Embora este trabalho adote algumas premissas Kelsenianas, não se
25
―Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança
jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de
seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito
em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado‖.
25
pode refutar a ideia de que o direito, muitas vezes, fundamenta-se em valores, mas que tal
fundamentação e aplicação deve ser somente permitida pelo próprio sistema. Sobre tal
premissa esclarece Gustavo Valverde
27
:
―O que não estiver previsto nas normas do sistema, permanecerá como
comunicação meramente social, passível de processamento por outro
subsistema, porém irrelevante para o direito. Os problemas sociais
passam a ser problemas jurídicos quando o próprio sistema jurídico os
seleciona e lhe confere tratamento por meio de suas estruturas. Para a teoria
de Luhmann, o sistema jurídico toma os fatos externos em consideração,
mas tão-somente como informações geradas internamente. Destarte, as
mudanças do sistema podem ser atribuídas à própria aplicação do
direito‖.
Aliás, infere-se claramente o próprio sistema jurídico introduzindo e admitindo no
ordenamento a utilização de valores, especialmente quando nos deparamos com termos vagos
e ambíguos como ―segurança jurídica‖ e ―excepcional interesse social‖, fundamentos
utilizados pelo art. 27 da Lei 9.868/99. Como afirmado, todo um trabalho interpretativo
pode dar vazão a argumentos meramente retóricos se os limites do sistema não forem levados
em conta.
A justificativa de Kelsen, ao desenvolver seu método hermenêutico, aponta o
próprio sistema jurídico como aquele que fornece os limites e os fundamentos para a
interpretação das leis, premissa aqui adotada. Aliás, a interpretação de uma lei não deve
necessariamente conduzir a uma única solução, mas a várias soluções possíveis. Não uma
interpretação única, correta, justa, acertada, mas algumas possíveis, desde que se mantenham
dentro de uma moldura delimitada.
Kelsen classifica seu método hermenêutico
28
basicamente em: interpretação
autêntica e não autêntica. No caso da interpretação autêntica, esta é realizada pelo Poder
competente para tanto, referindo-se a produção de normas jurídicas. Segundo o autor, tal forma
de interpretação cria direito, coage uma determinada conduta, proveniente de uma norma,
produzida por um Poder já definido.
26
LUHMANN, Nicklas. Sociologia do Direito I. Tradução de Gustavo Bayer, Rio de Janeiro: Edições Tempo
Brasileiro, 1983, p. 45.
27
VALVERDE, Gustavo. Coisa julgada em Matéria Tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 68.
28
Tendo em vista a amplitude do tema, a eventual divergência semântica entre as expressões hermenêutica e
interpretação não será abordada.
26
Outra abordagem Kelseniana refere-se à interpretação não autêntica, que é aquela
realizada pelos indivíduos que visam o cumprimento de um mero dever jurídico, não sendo
vinculada ao órgão que aplica a referida disposição normativa, podendo, inclusive, ser
desconsiderada por aquele órgão. Tem-se, também, como interpretação não autêntica, as
realizadas pelos cientistas do direito, visto que a doutrina, produzida por estes, também não
tem poder vinculador.
As normas jurídicas, compostas por unidades menores, possuem uma pluralidade
de significações, tendo em vista a alta ambiguidade que carregam. Contudo, é possível dentro
de um campo de possibilidades delimitar o campo de incidência de tais normas, dispondo-se a
minimizar a alta complexidade de sua aplicação. A moldura, segundo Kelsen, são os limites
normativos implementados pelo legislador, para uma interpretação possível, dentre as várias
possibilidades:
―O Direito a aplicar forma, em todas estas hipóteses, uma moldura dentro da
qual existem várias possibilidades de aplicação, pelo que é conforme ao Direito
todo o acto que se mantenha dentro deste quadro ou moldura, que preencha esta
moldura em qualquer sentido possível‖
29
.
de se ter em mente a grande importância da aplicação da estrutura modular
apresentada por Kelsen quando da aplicação da segurança jurídica na esfera tributária, sob
pena de precipitar-se em um subjetivismo fálico e sem qualquer delimitação. Surge, então, a
necessidade de se estabelecer um marco objetivo e preciso para a limitação de efeitos
temporais. Aqueles que defendem que a segurança jurídica é maleável e que se deve buscar
nos valores presentes na sociedade o seu conceito, acabam gerando uma distorção do sistema.
Ao pretender-se apresentar a segurança jurídica como um mero valor, sem qualquer
delimitação da sua área de atuação, acaba-se constituindo um círculo vicioso recheado de
vagueza e ambiguidade que a própria expressão ―segurança jurídica‖ possui.
Deve-se ter em mente que a segurança jurídica é bem delimitada pela Constituição
Federal, sobretudo na área tributária para dar certa previsibilidade e planejamento aos
contribuintes, evitando-se, assim, arbítrios por parte do Fisco, especialmente em relação
àqueles que agem com boa-fé e confiança.
27
A aludida ―moldura‖, no presente trabalho, é configurada normativamente por
regras constitucionais que possibilitam ao aplicador do direito identificar, dentro de possíveis
aplicações, a correta incidência da segurança jurídica, reduzindo-se assim o alto grau de
complexidade de sua atuação com o objetivo de interpretar corretamente a modulação de
efeitos em decisões que gerem conflitos entre princípios.
Desta forma, tem-se um Sistema Jurídico estático que prevê uma série de condutas
a serem observadas, sejam pelos contribuintes, sejam pelos entes públicos, mas que se torna
dinâmico ao incidir nos fatos da vida social, regulando-os e fundamentando-se tanto em
princípios como em regras jurídicas e, ao mesmo tempo, rejeitando valores não positivados,
que, muitas vezes, são utilizados como argumentos meramente retóricos.
1.3. Valores
30
, Princípios e Regras Jurídicas
A presença dos valores no direito é inegável, uma vez que o próprio direito busca a
realização dos anseios da sociedade, contudo a presença dos aludidos valores é limitada pelo
próprio sistema jurídico.
A noção do valor, do certo ou do errado, irá nortear o destinatário da conduta a
certa referibilidade a uma determinada sociedade. Uma conduta que seja de certo modo
reprovável em um lugar, poderá não ser em outro; há sempre a necessidade de uma referencial,
por este motivo, a complexidade da sua operacionalização.
Não se vislumbra qualquer dificuldade em relacionar os valores aos princípios
31
.
Aliás, aqueles se confundem com os princípios, conceitualmente falando, conduzindo a um
norte para a realização de condutas, por mais abrangente que sejam, tal qual agir com justiça,
29
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 5. edição. Coimbra: Editora Coimbra, 1979, p. 466.
30
REALE, Miguel. Introdução à Filosofia. 2. edição. São Paulo: Saraiva, 1989.
31
Sobre o tema, Humberto Ávila assevera: ―Logo se que os princípios, embora relacionados a valores, não se
confundem com eles. Os princípios relacionam-se aos valores na medida em que o estabelecimento de fins
implica qualificação positiva de um estado de coisas que se quer promover. No entanto, os princípios afastam-se
dos valores porque, enquanto os princípios se situam no plano deontológico e, por via de conseqüência,
estabelecem a obrigatoriedade de adoção de condutas necessárias à promoção gradual de um estado de coisas, os
valores situam-se no plano axiológico ou meramente teleológico e, por isso, apenas atribuem uma qualidade
28
lealdade, ética. Contudo, quando ainda não normatizados, não passam de normas de conduta
interior sem qualquer tipo de coerência, o que efetivamente não passou despercebido por
Kelsen
32
:
―O Direito só pode ser distinguido essencialmente da Moral quando –
como mostramos se concebe como ordem de coacção, isto é, como
uma ordem normativa que procura obter uma determinada conduta humana
ligando à conduta oposta um acto de coerção socialmente organizado,
enquanto a Moral é uma ordem social que não estatui quaisquer sanções
desse tipo, visto que apenas consistem na aprovação da conduta conforme
às normas e na desaprovação da conduta contrária às normas, nela não
entrando sequer em linha de conduta, portanto, o emprego da força física‖.
Desta forma, o presente trabalho arrisca-se a proferir que valor é uma qualidade
de percepção inerente ao homem, tratando-se de uma preferência por um determinado
comportamento, ou mesmo por uma conduta, simplesmente norteado por convicções pessoais,
sejam estas advindas ou não da sociedade à qual pertence; é algo que se revela na história, no
decorrer do processo evolutivo humano. Valor é ser e estar; é um estado de espírito.
Quanto aos princípios, estes são valores positivados, portanto, normas jurídicas de
observância obrigatória como já advertia Ataliba
33
:
―Ora, como deixar de reconhecer caráter jurídico a uma disposição
constitucional? Na pior das hipóteses a disposição constitucional mais
abstrata e vaga possui, no mínimo, a eficácia paralisante de todas as
normas inferiores, se contrastantes com seu sentido, bem como
determinadora de importantíssimas conseqüências na compreensão do
contexto constitucional e de cada disposição que o integra, bem como
relevantes conseqüências exegéticas, relativamente a todo sistema
normativo (incluídas as leis ordinárias e normas inferiores)‖.
muita divergência sobre a conceituação dos princípios na doutrina, valendo
trazer algumas dessas abordagens. Celso Antônio Bandeira de Melo
34
entende princípio
como:
positiva a determinado elemento.‖ (In: Teoria dos Princípios, da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 72.)
32
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 5. edição. Coimbra: Editora Coimbra, 1979, p. 99.
33
ATALIBA, Geraldo. ―Lei Complementar na Constituição‖. Revista dos Tribunais. São Paulo: 1971, p. 18.
34
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. ―Ato administrativo e direito dos administrados‖. Revista dos Tribunais.
São Paulo: 1981, p. 87/88.
29
―a disposição expressa ou implícita, de natureza categorial em um sistema,
que informa o sentido das normas implantadas em uma dada ordenação
jurídico-positiva. Vale dizer: mandamento nuclear de um sistema,
verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre
diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para
exata compreensão e inteligência delas, precisamente porque define a
lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que
lhe outorga sentido harmônico...‖.
J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira
35
discorreram sobre o tema dos princípios
conceituando-os como:
―núcleos de condensações, nos quais confluem valores e bens
constitucionais (...). Os princípios, que começam por ser base de normas
jurídicas, podem estar positivamente incorporados, transformando-se em
normas-princípio e constituindo preceitos básicos da organização
constitucional‖.
Para Paulo de Barros Carvalho
36
, os princípios ―aparecem como linhas diretivas
que iluminam a compreensão de setores normativos, imprimindo-lhes caráter de unidade
relativa e servindo de fator de agregação num dado feixe de normas‖. Infere-se,
preliminarmente, que os princípios são a base do sistema jurídico, conferindo-lhe uma
unidade ao mesmo tempo em que estabelece relações; pode-se dizer que os princípios
definem um norte a ser seguido aos destinatários das normas (contribuintes e Estado -
Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo), ou seja, parte-se da premissa que os princípios
possuem um conteúdo finalístico com alta carga valorativa, que visam dar fundamento ao
sistema jurídico.
O princípio jurídico
37
não contém qualquer especificação de previsão ou de
consequência jurídica, mas possui um imperativo a ser seguido, justamente, por estar
representando um valor positivado e presente na sociedade. O princípio é dirigido,
primordialmente, na esfera tributária, ao legislador, de forma prospectiva, a fim de
estabelecer maior proteção ao contribuinte nessa relação jurídica de poder (Estado x Súdito);
respaldando a abordagem aqui referida.
35
CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada. 3. ed. Coimbra:
Editora Coimbra, 1993, p. 84.
36
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 259.
37
ATIENZA, Manuel; MANERO, Juan Ruiz Manero. Las piezas del derecho Teoria de los enunciados jurídicos.
3. ed. Barcelona: Ariel, 2005; DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Massachusetts: Harvard University
Press, 2001.
30
Em relação às regras jurídicas derivadas dos princípios são menos abrangentes
por tentarem atingir um número limitado de fatos sociais e, de certa forma, são de aplicação
imediata e retrospectiva, subsumindo-se aos acontecimentos do mundo social, previstos
normativamente em seus antecedentes quase infalível
38
.
Desta forma, é a linha de Humberto Ávila
39
que contempla a proposta seguida
neste trabalho, quanto ele afirma que:
―as regras são normas imediatamente descritivas, primariamente
retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja
aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na
finalidade que lhes suporte ou nos princípios que lhes são
axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição
normativa e a construção conceitual dos fatos‖.
As normas jurídicas, denominadas stricto sensu, são aquelas que o legislador
utiliza para emitir mensagens deônticas completas, sempre regulando e prescrevendo um
comando inserido na estrutura da mensagem normativa um dos modais deônticos. Deve-se
ponderar, que os modais deônticos utilizados para a elaboração de uma regra jurídica são
interdefiníveis, ou seja, possibilitam transformar uma regra baseada em um dos modais em
outra regra equivalente e com o mesmo sentido. Desse modo, entende-se que tais normas
jurídicas podem ser denominadas de regras jurídicas que visam também regular um
comportamento seja este do legislador (Poder Tributante) ou do particular.
Em detrimento disso, cabe uma ponderação: as regras derivadas diretamente da
norma-princípio da segurança jurídica, assim aqui defendidas, possuem maior poder de
coerção em relação às demais normas do sistema, que, de alguma forma, não sejam derivadas
daquela. Eis que, a função do direito é a segurança; e a segurança do direito é a plena
observância às suas normas, em todos os sentidos.
38
Ao dizer que a incidência da norma se de forma ―quase infalível‖, uma referência direta à Teoria de
Paulo de Barros Carvalho, na medida em que este afirma ser necessário o relato do acontecimento social no
antecedente normativo, via linguagem competente, (e.g. auto de infração) a fim de que aquele acontecimento
seja formalizado em linguagem jurídica, pois, caso contrário, permanecerá excluído do mundo jurídico.
39
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 4ª. Ed. São Paulo: Editora Dialética, 2004, p. 70.
31
Humberto Ávila sustenta que as regras são descritivas ―na medida em que
estabelecem obrigações, permissões e proibições, mediante a descrição da conduta a ser
cumprida‖
40
. O conceito aferido, primordialmente, subsume-se no presente trabalho, pois as
regras que dele derivam são verdadeiras normas deônticas, ou seja, imprimem uma conduta a
ser implementada, não pelo particular, mas pelo Poder Tributante. O princípio da segurança
jurídica (art. 5º, caput, da Constituição Federal) possui, por sua vez, uma natureza de uma
norma com caráter finalístico, apesar da mencionada discrepância, ambas são normas. J. J.
Gomes Canotilho
41
leciona de forma semelhante:
―Os princípios interessar-nos-ão, aqui, sobretudo na sua qualidade de
verdadeiras normas, qualitativamente distintas das outras categorias de
normas, ou seja, das regras jurídicas. As diferenças qualitativas traduzir-
se-ão, fundamentalmente, nos seguintes aspectos. Em primeiro lugar, os
princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização,
compatíveis com vários graus de concretização, consoante os
condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que
prescrevem imperativamente uma exigência (impõe, permitem,
proíbem)...‖
42
.
Portanto, mediante a utilização de um processo interpretativo
43
, construímos o
sentido e real alcance dos ―denominados princípios‖ que limitam o Poder Tributante. Na
realidade, tais princípios, dentro das referências implementadas, são verdadeiras regras que
vêm a reforçar mais o princípio normativo da segurança jurídica, impondo condutas a serem
adotadas pelo legislador. Normas jurídicas, não são mais do que esquemas de interpretação.
Kelsen
44
assevera que: ―a norma funciona como esquema de interpretação. Por outras
palavras: o juízo em que se enuncia que um acto de conduta humana constitui um acto
jurídico (ou antijurídico) é o resultado de uma interpretação específica, a saber; de uma
interpretação normativa‖.
Assim, considera-se como autênticas regras decorrentes do princípio normativo da
segurança jurídica: a legalidade, anterioridade e a irretroatividade. Outras disposições que
visem implementar limites à tributação possuem um conteúdo semântico muito abrangente,
40
ÁVILA. Humberto. Teoria dos Princípios. 4. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2004, p. 129.
41
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6. ed. Coimbra: Editora Almedina,
1998, p. 1034.
42
Grifos do autor.
43
Utiliza-se o termo ―interpretação‖ como sendo o ato de construir um sentido deôntico em uma determinada
norma.
44
KENLSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 5ª. ed. Coimbra: Editora Coimbra, 1979, p. 8.
32
impregnados pelas características de vagância e ambiguidade, entre os quais a vedação ao
confisco, conforme afirma Paulo de Barros Carvalho
45
sobre sua problemática:
―Intrincado e embaraçoso, o objeto da regulação do referido art. 150,
inciso IV, da CF, acaba por oferecer unicamente um rumo axiológico,
tênue e confuso, cuja nota principal repousa na simples advertência ao
legislador dos tributos, no sentido de comunicar-lhes que existe limite para
a carga tributária. Somente isso (...). ―
Paulo de Barros Carvalho, em poucas palavras, reduziu toda a dificuldade do tema,
definindo de forma contundente seus caracteres vagos e imprecisos, portanto, não como
considerar a referida norma como uma regra jurídica, nos termos da proposta do presente
trabalho, tendo em vista que este não oferece a segurança objetivamente clara, a fim de
constituir-se uma regra. continuamente o risco de desvio para o subjetivismo que uma
regra jurídica, como anteriormente definido, não comportaria.
A referida norma (da vedação ao confisco) tem um forte cunho axiológico e
finalístico, sendo considerado um princípio norteador de condutas legislativas, indicando,
apenas, um caminho a ser seguido. Assim, em função da objetividade semântica de algumas
normas presentes no Digesto Constitucional, deve-se considerar apenas as normas que
prescrevem a legalidade, anterioridade e irretroatividade como verdadeiras regras jurídicas,
como limites ao Poder de Tributar, como verdadeiras regras de natureza deôntica, derivadas
do princípio segurança.
As premissas apresentadas são de grande importância para a identificação da
natureza do princípio da segurança jurídica e o modo pelo qual o instituto pode ser aplicado
ao se limitar os efeitos em eventual declaração de inconstitucionalidade, sobretudo, quando
em conflito com outros princípios.
45
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16. ed. São Paulo. Editora Saraiva, p. 163.
33
1.4. A Segurança como Princípio Jurídico e sua natureza normativa (coercitiva)
O homem, por si só, é um ser inquieto, que busca em suas relações certa
previsibilidade em seus atos e, na ausência da previsibilidade, visa a imutabilidade do
passado a fim de evitar surpresas no futuro. Contudo, a insegurança presente na atual
sociedade é de tal ordem que as leis não são mais confiáveis, tendo em vista a qualidade das
mesmas. Mas, as inseguranças não param somente por ai. Estas se encontram presentes na
própria aplicação do direito, especialmente, pelas profícuas e indecisas decisões judiciais que
oscilam ao sabor dos mais diversos fatores.
Aliás, a segurança, ousa-se afirmar, é um desejo inerente ao homem, encontra-se
no plano dos valores, mas também inserida de forma incontestável no sistema jurídico. José
Souto Maior Borges
46
sobre o tema afirma:
―A segurança jurídica pode ser visualizada como um valor transcendente
ao ordenamento jurídico, no sentido de que a sua investigação não confina
ao sistema jurídico positivo. Antes, inspira as normas que, no âmbito do
Direito Positivo, lhe atribuem efetividade. Matéria a ser abordada pela
Filosofia do Direito. Sob essa perspectiva, a investigação filosófico-
jurídica incide sobre a ordenação jurídico-positiva. Não coincide, porém,
com ela. Porque a esta última interessa a segurança jurídica enquanto
valor imanente ao ordenamento jurídico. De conseguinte, a segurança
jurídica é, sob este último aspecto matéria de Direito posto. Valor
contemplado e consignado em normas de Direito Positivo‖.
De fato, é válida a afirmação do insigne professor pernambucano, pois, apesar da
segurança também ser um valor, o estudo sob este enfoque, em função da metodologia aqui
desenvolvida não interessa, apenas sua abordagem por uma perspectiva positivista. Desta
forma, do caput do art. da Constituição Federal, pode-se depreender a segurança sob a
seguinte perspectiva: o da garantia, da tutela de outros direitos previstos nos incisos
decorrentes do caput, ou ainda, como proteção dos direitos previstos no próprio Digesto
Constitucional
47
.
46
BORGES, JoSouto Maior. Princípio da Segurança Jurídica, (In) Revista de Direito Tributário. São Paulo:
Malheiros, 1993, nº 63, p. 206.
47
SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Segurança Jurídica e Jurisprudência. São Paulo. Editora Livraria dos
Tribunais, 1996, p. 75.
34
A segurança é, pois, a paz jurídica, a confiabilidade e a previsibilidade dos
cidadãos de que as condutas por eles praticadas serão garantidas, desde que, obviamente,
previstas como condutas lícitas pelo sistema jurídico. No mesmo sentido, é a contribuição
doutrinária de Karl Larenz
48
, que tem na consecução da paz jurídica um elemento nuclear do
Estado de Direito material e também concebe como aspecto do princípio da segurança o da
confiança:
―O ordenamento jurídico protege a confiança suscitada pelo
comportamento do outro e não tem mais remédio que protegê-la, porque
poder confiar (...) é condição fundamental para uma pacífica vida coletiva
e uma conduta de cooperação entre os homens e, portanto, da paz
jurídica‖.
49
O autor prossegue afirmando que o princípio da confiança tem um componente de
ética jurídica, que se expressa no princípio da boa fé. Diz: ―Dito princípio consagra que uma
confiança despertada de um modo imputável deve ser mantida quando efetivamente se creu
nela. A suscitação da confiança é imputável, quando o que a suscita sabia ou tinha que saber
que o outro ia confiar. Nesta medida é idêntico ao princípio da confiança. (...) Segundo a
opinião atual, [este princípio da boa fé] se aplica nas relações jurídicas de direito público‖
50
O princípio da segurança jurídica é, pois, derivação e fundamento do Estado de
Direito. Diva Malerbi
51
assevera que:
―qualquer construção jurídica tributária terá necessariamente de levar em
consideração a cadeia de sentido e a sede sistemática em que a norma
vem inserida, e ainda, a função por ela exercida no contexto da regulação
jurídica em causa, isto é, no ‗sistema‘ tributário. Todo o sistema tributário
se desenvolve a partir de um único princípio jurídico: o da segurança
jurídica‖.
A segurança jurídica protege o indivíduo de mudanças inesperadas em posições
consolidadas no tempo, prevenindo-se a situação de perplexidade, nociva à previsibilidade
por parte dos contribuintes, pois, o contrário molesta a confiança que o cidadão depositou na
persistência de regras jurídicas, das decisões dos Tribunais Superiores, sobretudo nas
48
LARENZ, Karl. Derecho Justo - Fundamentos de Etica Jurídica. Madrid: Civitas, 1985, p. 91.
49
LARENZ, Karl. Derecho Justo - Fundamentos de Etica Jurídica. Madrid: Civitas, 1985, p. 91.
50
LARENZ, Karl. Derecho Justo - Fundamentos de Etica Jurídica. Madrid: Civitas, 1985, p. 95 e 96.
51
MALERBI, Diva. Segurança Jurídica e Tributação. Dissertação de Mestrado. São Paulo: PUC/SP, Inédita,
1992.
35
proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, quando este assumiu obrigações e realizou
dispêndios vinculados às expectativas normativas previstas pelo próprio sistema jurídico.
Esse princípio tem óbvia implicação para a tarefa de definir os efeitos de uma mudança de
jurisprudência que encontra situações de boa-fé e confiança constituídas anteriormente com
base no Tribunal e no Superior Tribunal de Justiça.
A segurança jurídica é, sem dúvidas, um direito fundamental e seu preenchimento
valorativo, para fins de aplicação, torna-se claro partindo-se da premissa de que a segurança
abordada é a previsibilidade e a confiança dos contribuintes nas normas presumivelmente
válidas, existentes no sistema jurídico e, especialmente, quando estes sentimentos são
corroborados por reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal.
Contudo, como se verificará em capítulo específico o conceito de excepcional
interesse social, também presente no art. 27, da Lei nº 9.868/99 é de difícil operacionalização,
tendo em vista a extrema vagueza conceitual inerente ao vocábulo, o que efetivamente não
passou despercebido por Ana Paula Ávila
52
:
―Já o conceito de excepcional interesse social
53
é um caso diverso. Seu
conteúdo é bem mais fluído, contrastando com a própria necessidade de
proteção da previsibilidade, exigidas pelos ditames da segurança jurídica.
Esse contraste, como se verá mais adiante, torna altamente questionável a
constitucionalidade do emprego dessa expressão no art. 27, uma vez que a
adoção de um conceito, de certa forma, imprevisível, viola os próprios
fundamentos do princípio do Estado de Direito‖.
Cumpre ainda afirmar que, por ser a segurança jurídica um fundamento do
próprio Estado de Direito, e ser qualificada como uma norma jurídica, sua observância é
obrigatória, devendo, portanto, ser aplicada pelo Supremo Tribunal Federal toda vez que os
contribuintes tiverem violadas as suas expectativas normativas, desde que sustentadas por
decisões reiteradas do Supremo, bem como do Superior Tribunal de Justiça, que podem ter
suas validade e aplicabilidade questionadas, tornando violável o passado, o que,
evidentemente, é questionável do ponto de vista da preservação do Estado de Direito.
52
ÁVILA, Ana Paula. A Modulação de Efeitos Temporais pelo STF no Controle de Constitucionalidade. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 88.
53
Grifos no original.
36
1.4.1. Da Proteção Constitucional aos Direitos Fundamentais dos Contribuintes no
Direito Tributário A segurança jurídica como direito fundamental
A partir da Declaração Universal dos Direitos do homem, cujas normas
influenciaram e foram transladadas para as cartas constitucionais dos Estados, os direitos
individuais vieram representar um grande avanço na concepção do direito e na conformação
de um novo pensamento, não só do papel do dirigismo estatal, mas, também, da lei em relação
entre homem e esfera jurídica.
Desta forma, torna-se inegável que a organização do homem em sociedade
implique na renúncia de parte de cada liberdade individual em troca do Poder do Estado para,
através dos representantes do povo, gerir e administrar buscando o bem comum.
Assim, partindo de tal premissa, liberdade e poder são fenômenos antagônicos que
merecem regulamentação por parte do direito, a fim de que se evite a anarquia ou a
arbitrariedade; razão pela qual é traço comum das Leis Maiores, da maioria dos países
conhecidos na atualidade, a organização e definição dos poderes e funções estatais, assim
como a declaração e a consagração daqueles direitos e garantias tidos como fundamentais do
ser humano.
Por direitos fundamentais do homem, pode-se entender aqueles que são inerentes a
própria condição de ser humano, aqueles direitos que constituem a base da vida e da
dignidade humana. Sobre o tema melhor explica Alexandre de Moraes
54
:
―o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que
tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua
proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições
mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser
definido como direitos humanos fundamentais.‖
Por se tratar de valores, ainda que positivados, é certo que a concepção do que
seriam estes direitos tem variado em razão do momento histórico e das condições sócio,
políticas e econômicas de cada sociedade, em especial a grega e a romana, que de forma mais
ordenada, conceberam a necessidade da igualdade e da liberdade do homem e de sua
37
participação da vida política. Contudo, é relevante que se ressalte que essas ideias convivam
com a situação de escravidão em que vivia grande parte da população das cidades-estados,
que não possuíam a condição de cidadãos.
Durante a Idade Média e Idade Moderna, pôde-se notar a existência de diversos
documentos que reconheciam a existência de direitos humanos e procuravam, em certa
medida, limitar o poder estatal. Dentre eles, cita-se a Magna Carta de 1215, na Inglaterra,
primeiro documento de que se tem notícia impondo restrições à tributação, prevendo a reserva
legal, a liberdade de locomoção, o livre acesso à Justiça e o devido processo legal.
Em 1689, com o Bill of Rights e, mais tarde, com a Constituição Americana de
1787 e a Francesa de 1793, implantou-se irrevogavelmente o processo de consolidação, do
que hoje é chamado de direitos fundamentais, e a limitação substancial ao poder estatal, que
culminou com o fim das monarquias absolutas e com o nascimento do Estado Democrático de
Direito.
Hodiernamente, deve-se entender como direitos fundamentais humanos, sendo
estes expressamente consagrados pela Constituição Federal Brasileira de 1988, o direito à
vida, assim entendido o direito à integridade física e moral, à igualdade, à reserva legal, à
liberdade de locomoção, de pensamento, de expressão, de informação e de religião, à
intimidade e à vida privada, de livre profissão e de associação, de propriedade, de direitos
autorais, de herança, de certidão e de petição, o livre acesso ao Judiciário à ampla defesa, ao
contraditório e do devido processo legal, do juiz natural, do direito adquirido, do ato jurídico
perfeito, ao princípio penal da pessoalidade e individualização da pena, princípio da
presunção de inocência, dentre outros.
Note-se, ainda que, conforme se pode extrair dos ensinamentos de Alexandre de
Moraes
55
, os direitos humanos fundamentais vinculam-se diretamente com a garantia da não
ingerência estatal na esfera individual e particular de forma exarcebada. Os direitos
fundamentais ocupam elevada posição hermenêutica em relação aos demais direitos previstos
no ordenamento jurídico, apresentando diversas características: imprescritibilidade,
54
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: Teoria Geral. São Paulo: Editora Atlas, p.39.
55
Moraes, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: Teoria Geral. São Paulo: Editora Atlas, 2005, p. 41.
38
inalienabilidade, irrenunciabilidade, inviolabilidade, universalidade, efetividade,
interdependência e complementaridade.
Ademais, esses direitos fundamentais somente serão integralmente preservados no
Estado Democrático de Direito, como explicita Jorge Miranda
56
:
―não direitos fundamentais sem reconhecimento de uma esfera própria
das pessoas, mais ou menos ampla, frente ao poder político; não direitos
fundamentais em Estado totalitário ou, pelo menos, em totalitarismo
integral. Em contrapartida, não verdadeiros direitos fundamentais sem
que as pessoas estejam em relação imediata com o poder, beneficiando de
um estatuto comum e não separadas em razão dos grupos ou das condições
a que pertençam; não direitos fundamentais sem Estado ou, pelo menos,
sem comunidade política integrada.‖
Não obstante, a mera declaração formal dos direitos fundamentais humanos não
basta para a simples constitucionalização de tais direitos que nada representa sem que haja a
criação de mecanismos capazes de garantir a realização material de tais direitos, sendo um
destes mecanismos a existência da tripartição de poderes do Estado entre órgãos
independentes e harmônicos entre si, repartindo as funções estatais e criando um sistema de
controles recíprocos capazes de garantir o Estado democrático de Direito.
A positivação desses direitos, como representação da preocupação de resguardar a
esfera jurídica individual do ser humano, ganha importância na visão do direito, que prioriza
cada vez mais o indivíduo como cidadão ao colocá-lo no centro das relações jurídicas. Deste
modo, não mais um direito unicamente inerente ao Estado, mas, também, direcionado ao
cidadão.
Noberto Bobbio
57
afirmava que:
―A afirmação dos direitos do homem deriva de uma radical inversão de
perspectiva, característica da formação do Estado moderno, na
representação da relação política, ou seja, na relação Estado/cidadão ou
soberano/súditos: relação que é encarada, cada vez mais, do ponto de vista
dos direitos dos cidadãos não mais súditos, e não do ponto de vista dos
56
MIRANDA, Jorge. Retirado de: http://www.bibliojuridica.org/libros/1/113/24.pdf, p. 500.
57
BOBBIO, Noberto. A era dos Direitos, Rio de Janeiro: Campos, 1992, p.4.
39
direitos do soberano, em correspondência coma visão individualista da
sociedade (...) no início da idade moderna‖.
A assertiva acima colacionada é, de fato, a idéia de direitos e garantias concedidos
pela Constituição, nos quais as garantias e direitos devem vir em primeiro lugar para somente
se falar em deveres. E a função do Estado está justamente em garantir e possibilitar o exercício
desses direitos, como lembra Alda Bastos
58
:
―Os princípios fundamentais normatizados figuram no ápice superior de
todas as norma e sua dúplice qualificação lhe é inerente, pois ao mesmo
tempo em que reconhecem os direitos fundamentais, automaticamente
dimensionam os padrões e limites da conduta do Estado.‖
A Constituição Federal Brasileira tratou, mais do que qualquer outra,
exaustivamente dos Direitos dos cidadãos, sobretudo, em seu art. 5º, vedando comportamentos
ilegítimos do próprio Estado governante.
Foi estabelecido no início do trabalho que os direitos fundamentais são garantias ao
cidadão que poderá invocá-los quando o Poder Público restringi-los de forma inadequada (e.g.
criação de tributos com efeito de confisco) e que são direcionados aos mais diversos campos
do direito: civil, tributário, administrativo, constitucional etc. Entre estes direitos,
inegavelmente está a segurança jurídica
59
, que é defendida como a própria essência do Direito
enquanto fim.
58
BASTOS, Alda. ―Algumas Ponderações sobre os Princípios Constitucionais Fundamentais‖. In: ROSAS, Roberto.
Princípios Constitucionais Fundamentais. São Paulo: Lex Editora, 2005, p. 59.
59
Flávio Bauer sobre o tema: ―A segurança é direito fundamental, enquanto situação subjetiva protegida
explicitamente pela Constituição... É evidente que a segurança que a Constituição protege não é a segurança
individual... É também, ou é até mesmo em primeiro lugar, a segurança do direito enquanto pressuposto e
fundamento daquela outra. Este entendimento me parece digno de consideração, particularmente no que se refere
ao Direito Tributário, uma vez que o exato respeito dessa disposição, em todos os seus desenvolvimentos e
implicações, poderá ter conseqüências significativas, quer no momento da edição da lei tributária, quer no
momento a sua interpretação‖. (Ob. Citada. p. 164. Cf. tb. SARLET, Ingo. ―A eficácia do Direito Fundamental à
Segurança Jurídica: Dignidade da Pessoa Humana, Direitos Fundamentais e Proibição de Retrocesso Social no
Direito Constitucional Brasileiro‖. In: ANTUNES, Carmén Lúcias (coord). Constituição e Segurança Jurídica:
Direito Adquirido, Ato Jurídico Perfeito e Coisa Julgada. Estudos em Homenagem a José Paulo Sepúlveda
Pertence. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 87.
40
Ainda que o art. 5º da CF/88 seja exaustivo em relação aos direitos ali consagrados,
entende-se que o aludido artigo não tem um caráter taxativo, mas meramente exemplificativo,
como ressalta Paulo Roberto Lyrio Pimenta
60
:
―A constituição Federal estabeleceu um conjunto de ‗direitos e garantias
fundamentais‘ em título II. No entanto, há outros direitos fundamentais
situados em outras partes do Texto Magno. Sendo assim, a enumeração do
art. não é taxativa. Aliás, o próprio dispositivo reconhece o seu caráter
exemplificativo, ao admitir em pra. 2º a existência de outros direitos pela lei
fundamental.‖
Os direitos e as garantias fundamentais têm caráter vinculante em relação ao poder
de legislar, devendo este atentar para as disposições constitucionais, pois, caso contrário, a
norma que foi introduzida no sistema sem a observância daqueles valores positivados
constitucionalmente estará eivada de inconstitucionalidade.
Os direitos fundamentais são garantias intransponíveis pelo Estado e oponíveis
pelos contribuintes ao ente tributante, segundo o próprio E. Supremo Tribunal Federal
61
:
―(...) - Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos
e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de
tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à
observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem,
constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na
realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias
individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar
ilícito constitucional.
- A administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito,
não pode tudo. É que, ao Estado, é somente lícito atuar, "respeitados os
direitos individuais e nos termos da lei" (CF, art. 145, § 1º), consideradas,
sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas
decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja
eficácia - que prepondera sobre todos os órgãos e agentes fazendários -
restringe-lhes o alcance do poder de que se acham investidos,
especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da
República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura
constitucional e que, por tal razão, não podem ser transgredidas por
aqueles que exercem a autoridade em nome do Estado. (...)‖.
60
PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. A Razoabilidade das Leis Tributárias: Direito Fundamental do Contribuinte.
In: FISCHER, Octavio Campos. Tributos e Direitos Fundamentais. São Paulo: Dialética, 2004, p. 300.
61
Site do Supremo Tribunal Federal. HC 93050 / RJ - RIO DE JANEIRO. Ministro Relator Celso de Mello,
DJU: 31/07/2008.
41
Infere-se, portanto, apoiados no firme entendimento do Supremo Tribunal Federal,
que os direitos fundamentais são e devem ser oponíveis ao Estado Soberano, obedecendo a
certos limites. Contudo, tais direitos, como anteriormente argumentado, muitas vezes entrarão
em conflito, devendo o Poder Judiciário definir a melhor solução diante do caso concreto por
meio da ponderação entre os princípios envolvidos, conforme exemplos que se seguirão. Tais
casos, de difícil solução, são denominados de hard cases, bem conceituados por César
Rodriguez
62
que, em breves palavras, identifica-os quando as normas em conflito permitem ou
apontem para mais de uma solução possível.
Entre os aludidos direitos fundamentais está a segurança jurídica. Em verdade, a
proteção dos direitos e as garantias dos contribuintes são a proteção da própria segurança
jurídica, isto porque o próprio texto constitucional menciona em seu preâmbulo a segurança
como um direito inviolável.
De fato, em nenhum momento menciona o texto constitucional como sendo a
segurança jurídica um direito fundamental. Porém, em diversas passagens, pode-se inferir a
sua presença de forma implícita, como nos art. 5º, II (princípio da legalidade), 5º, XXXVI
(princípio da irretroatividade), 5º, LV (princípio da ampla defesa e do contraditório), dentre
outros.
Desta forma, dentro desse contexto de incertezas que se vive, torna-se
inquestionável a importância da segurança jurídica em todo o âmbito do direito em na sua
aplicação, criação e interpretação
63
.
1.5. Regra da legalidade limite formal
Um poder é legal e somente atua legalmente na medida em que se constitui em
conformidade com um determinado conjunto de normas, inseridas em um sistema jurídico,
62
RODRIGUEZ, César. El Debate Hart-Dworkin. Santafé de Bogotá: Siglo del Hombre Editores, 1997.
63
De acordo com a lição de Ricardo Lobo Torres, a qual se está de pleno acordo, os princípios vinculados à
segurança jurídica na esfera tributária, dentre outros, são: legalidade, tipicidade, irretroatividade, proibição de
analogia, anterioridade e anualidade e proteção da confiança do contribuinte. (In: Princípios e Limites da
Tributação, coord: Roberto Ferraz. o Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 443.
42
relacionando-se, desta forma, com a legitimidade
64
; produz normas válidas aquele que é
legitimado normativamente para tanto.
Todo ato dos órgãos do Estado deve encontrar-se fundado e legitimado pelo
Direito posto. Estado Democrático de Direito não é aquele, com convicção afirmamos isso,
onde os Governantes se confundem com as leis; o Estado do qual falamos e que aqui
sustentamos é onde o Poder deriva do povo, ainda que por via dos seus representantes.
A instituição do princípio normativo da legalidade no Estado Democrático de
Direito vem a positivar o valor confiança e segurança ao cidadão. Tal positivação assegura
que o particular não será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei,
que assim determine.
Desta forma, o Brasil, como um Estado Democrático de Direito, incorpora o
referido princípio, no seu Digesto Constitucional, artigo 5º, inciso II:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei;‖.
65
Depreendemos da norma-princípio, acima reproduzida, que a produção de novas
regras no sistema jurídico sempre deve derivar ou se originar do Parlamento, órgão onde o
povo deposita sua vontade e é representado legitimamente. O referido princípio da legalidade
impõe ao Estado o dever de instituir obrigações e direitos, sempre por meio de Lei. O
referido princípio norteia e fundamenta uma regra constitucional diretamente dirigida ao
legislador ordinário:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I -
exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça‖.
64
Não será abordado o tema da legitimidade, pois, além da complexidade do mesmo, este não é um dos
objetivos deste trabalho.
65
Grifamos.
43
É de uma clareza hialina a vinculação da regra da legalidade em relação à
atividade do legislador ordinário, na medida em que veda uma conduta diversa que não a
utilização da Lei para instituir ou criar tributos. Assim, mediante um processo de formulação
lingüística de interpretação
66
, visualizamos a regra jurídica dirigida ao legislador ordinário da
seguinte forma: Se o Poder Estatal for exercido para criar ou majorar tributos, então estará
obrigado o referido Poder a fazê-lo mediante lei
67
.
Temos na hipótese da regra jurídica a descrição de um fato (―criar ou majorar
tributos‖) e na proposição-tese a prescrição de uma conduta a ser seguida pelo legislador
ordinário (―deverá fazê-lo mediante lei‖). entre o fato descrito e a conduta prescrita um
elo de suma importância: o modal deôntico OBRIGATÓRIO. É da forma que Paulo de
Barros Carvalho
68
leciona: ―Entre a descrição factual e o regramento da conduta incide o laço
imputativo - a imputação deôntica‖.
69
Apreendemos, sob uma nova perspectiva interpretativa, que a regra da legalidade
não se trata apenas de uma limitação objetiva ao Poder de Tributar, mas é também uma
disposição normativa que vem, ainda mais, concretizar o princípio da segurança jurídica,
para que esta não tenha um conteúdo tão abstrato, na medida em que disciplina conduta de
natureza legislativa, como bem lembra Alberto Xavier
70
:
―O princípio da legalidade tributária, nos quadros do Estado de Direito,é
essencialmente um critério de realização da justiça; mas é, do mesmo
passo, um critério da sua realização em termos seguros e certos. A idéia de
segurança jurídica é, decerto, bem mais vasta do que a de legalidade; mas
posta em contato com esta não pode deixar de a modelar, de lhe imprimir
um conteúdo, que de necessariamente revelar o grau de segurança ou
certeza imposto, ou pelas concepções dominantes, ou pelas peculiaridades
do setor que a respeita‖.
E de fato, como lembra o autor acima citado, a ideia de segurança jurídica é
mais vasta do que a de legalidade como se verá, eis que muitas vezes poderá haver conflitos
66
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
67
Grifamos.
68
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 342.
69
Grifamos.
70
XAVIER, Alberto. ―Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação‖. Revista dos Tribunais. São
Paulo: 1978, p 43.
44
entre os referidos princípios, devendo o Poder Judiciário decidir qual deve prevalecer,
mediante severo juízo de ponderação.
1.5.1 Regra da Anterioridade limite temporal
O homem, como exaustivamente assentado, necessita da segurança e
previsibilidade nas suas relações, sejam estas positivadas ou não. Assim o é, nas suas
atividades financeiras onde há, normalmente, um certo planejamento no decorrer de um ano-
calendário.
Portanto, também se tornou imperioso, em função de valores normatizados, vedar
que alguns tributos venham a ser cobrados no mesmo exercício financeiro em que foram
criados ou majorados. A anterioridade das normas jurídicas ilumina as regras de edificação
das normas, o procedimento da Administração Pública, as decisões judiciais e o
comportamento dos seus destinatários.
Tal regra jurídica confere aos contribuintes a certeza da natureza da exação e seu
quantum a ser recolhido, planejando suas atividades, em razão do que a lei tributária não
poderá retroagir em seu prejuízo, atingindo fato imponível que teve seu início ou estava
em formação, justamente, sob pena de frustrar as expectativas normativas da sociedade.
O legislador constituinte consagra a regra da anterioridade, de forma geral
71
, da
seguinte forma:
―art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado
à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III - cobrar tributos: b)
no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu
ou aumentou, c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido
publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea‖.
Com a relação de poder estabelecida entre Fisco e Contribuinte, fez necessário
vedar a incidência dos tributos criados ou majorados, tendo em vista a segurança inserida no
sistema jurídico constitucional (art. 5º, caput, da Constituição Federal). A regra da
anterioridade pressupõe uma certa previsibilidade nas ações dos contribuintes na medida em
45
este inicia um ano (exercício financeiro) prevendo todos os seus custos em matéria fiscal
podendo, desta forma, otimizar suas condutas financeiras.
O regularmente princípio da anterioridade é característico do direito tributário e
relaciona-se diretamente ao conceito de exercício financeiro, sendo que este se inicia em
de janeiro e finda-se em 31 de dezembro.
Na verdade, o que a anterioridade proíbe é que a lei incida sobre fatos ocorridos
no mesmo exercício financeiro em que foi editada. Esses fatos, no mesmo exercício em que
tiver sido editada a lei, permanecem juridicamente irrelevantes. Assim, não basta postergar a
cobrança dos tributos para o exercício seguinte para respeitar o princípio. O princípio da
anterioridade é decorrência normativa do princípio da segurança jurídica e visa evitar que o
contribuinte seja surpreendido pela criação de um tributo novo, ou a elevação de uma exação
preexistente, no curso de um mesmo exercício financeiro. Pela aplicação desse princípio, a
Constituição Federal pretende garantir ao contribuinte a existência de regras tributárias claras,
estáveis e seguras, para que possa planejar convenientemente suas finanças.
Por exemplo, o fato gerador do Imposto sobre a Renda é composto por diversos
eventos que ocorrem ao longo do ano e que são unitariamente considerados ao final do
exercício para o efeito de constituir-se a relação jurídica tributária, caso se tenha realmente
configurado o aumento patrimonial no período. Por essa razão, a lei que aumenta esse
imposto não pode incidir sobre fatos ocorridos no próprio exercício de sua publicação. O fato
da cobrança do tributo, por meio da declaração de ajuste, somente ocorre no exercício
financeiro seguinte não altera esse raciocínio.
O princípio da segurança jurídica e o da anterioridade permitem que a lei seja bem
cumprida pelo fisco e pelo contribuinte, bem como que o virtual contribuinte organize suas
atividades, inclusive para escapar da tributação (elisão fiscal).
também em algumas exações especiais, como as contribuições sociais para a
seguridade social, que não estão livres do princípio da anterioridade, mas apenas se
submetem a uma regra especial, a teor do artigo 195, § 6º, da Constituição. Dessa forma elas
71
algumas exceções, também disciplinadas constitucionalmente, que retiram da eficácia da referida regra:
impostos de importação, exportação, operações de crédito, câmbio, seguro, títulos e valores mobiliários e outros.
46
somente incidem sobre fatos ocorridos noventa dias após a entrada em vigor da lei,
independentemente do exercício financeiro.
Os impostos que venham a ser criados com o uso da competência residual da
União (artigo 154, I, da Constituição Federal) devem também obedecer à regra da
anterioridade. A regra da anterioridade constitui um direito fundamental do cidadão de não
ser tributado por fatos ocorridos no mesmo exercício da edição da norma impositiva, direito
esse que, por constituir cláusula pétrea, não pode ser alterado nem por meio de emenda
constitucional.
O princípio da anterioridade também impede que sejam alteradas no mesmo
exercício financeiro a forma e os prazos de pagamento do tributo (v.g. tornar os prazos de
recolhimento de um determinado tributo mais exíguos). O contribuinte deve saber de
antemão com base em que critérios irá pagar o tributo. Entendimento contrário importaria em
retirar a própria substância da regra.
É preciso ter em conta que o aumento do tributo pode ocorrer tanto de forma
direta como por via indireta, ambas sendo vedadas pela anterioridade. É por esse mesmo
motivo, aliás, que alguns autores (Roque Antônio Carraza) entendem que a revogação de
isenções também devem submeter-se ao princípio da anterioridade, isto é, somente produzem
efeito no exercício seguinte ao da edição da lei revogadora. Isso porque o encargo que essa
lei cria para o contribuinte é o mesmo de uma lei que institui um tributo, devendo, por isso,
atender igualmente ao princípio da segurança jurídica e da não surpresa.
Após essas breves considerações sobre a anterioridade e com base nas premissas
estabelecidas, podemos afirmar também que ao comumente chamado ―princípio da
anterioridade‖, na verdade, possui muito mais uma estrutura de uma regra jurídica do que a
de uma norma, chamadas de princípio, com alto teor axiológico, e que tem a função de
nortear condutas legislativas como, por exemplo, o princípio da moralidade, previsto no art.
37 do Digesto Constitucional.
Assim, a regra jurídica da anterioridade é prescrita da seguinte forma: dado o fato
de instituir nova Lei, majorando ou criando tributos, é PROIBIDO ao legislador cobrá-los
no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou
47
aumentou‖ ou antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que
os instituiu ou aumentou‖
72
.
na hipótese da norma a descrição de um fato (originar lei que majore ou crie
tributos, que uma vez ocorrido, implicar-se-á, infalivelmente sua consequência, mediante
omodal deôntico proibido, ou seja, de cobrar o novo ou majorado tributo no mesmo exercício
financeiro em que foi publicada a lei.
1.5.2. Regra da irretroatividade e sua relação com a segurança jurídica limite
temporal
O direito visando, justamente, reduzir a complexidade das condutas, normatizou os
valores anteriormente mencionados, consagrando no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição
Federal que: ―art. (...), XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada‖.
De sorte, o referido dispositivo direciona as demais normas previstas, no sentido de
que estas não poderão ferir a segurança que os cidadãos têm na prática dos seus atos; nenhuma
lei posterior poderá desqualificá-los juridicamente, sob pena de desconsiderar o valor
normatizado no artigo supracitado. Vicente Rao
73
, em passagem magistral sobre o tema,
escreve:
―A inviolabilidade do passado é princípio que encontra fundamento na
própria natureza do ser humano, pois, segundo as sábias palavras de Portalis,
‗o homem, que não ocupa senão um ponto no tempo e no espaço, seria o
mais infeliz dos seres, se não se pudesse julgar seguro nem sequer quanto à
sua vida passada. Por esta parte de sua existência, não carregou todo o
peso de seu destino? O passado pode deixar dissabores, mas não põe termo
a todas as incertezas. Na ordem da natureza o futuro é incerto e esta
própria incerteza é suavizada pela esperança, a fiel companheira de nossa
fraqueza. Seria agravar a triste condição da humanidade, querer mudar,
através do sistema da legislação, o sistema da natureza, procurando, para o
tempo que já se foi, fazer reviver as nossas dores, sem nos restituir as nossas
esperanças‘‖.
72
Esta disposição se aplica também quando a lei que aumenta ou majora tributos é instituída, faltando menos de
90 dias para o término do ano fiscal, qual seja, 31/12. Por exemplo, em de dezembro de 2008 foi instituído
novo tributo no país. Contudo, a incidência da nova regra só ocorreu em 1ª de março de 2009.
73
RAO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. São Paulo: Resenha Tributária, 1977, vol. I, tomo III, p. 355.
48
É tão eloquente a norma-princípio da irretroatividade, decorrente, evidentemente do
direito à segurança, que além de ser um direito fundamental (art. 5º, inciso XXXVI, da
Constituição Federal), é um dos valores básicos do Estado Democrático Brasileiro, como se
do próprio preâmbulo
74
do nosso Digesto Constitucional.
Concordamos com o saudoso jurista, na medida em que é da própria natureza a
impossibilidade de se reverter o passado, garantindo-lhe assim, a segurança e a certeza do seu
papel na história e decorrer do tempo. O direito, na qualidade de objeto cultural que é, cumpre
também essa função e inferimos isso com a própria normatização dos valores envolvidos no
tema.
Temos, assim, uma regra jurídica decorrente do princípio que veda a retroatividade
das leis na esfera tributária e esta se encontra disciplinada no art. 150, III, letra ―a‖, da
Constituição Federal. Veja-se:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III -
cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da
vigência da lei que os houver instituído ou aumentado‖.
A mensagem constitucional é hialina, a regra normativa da irretroatividade
determina que a lei nova não pode incidir sobre fatos ocorridos antes de sua vigência. Isto
porque, via de regra, a norma tributária deve dispor para o futuro, não podendo alcançar (salvo
casos excepcionalíssimos benefício do contribuinte) fatos pretéritos, que devem ser regidos
pela lei vigente ao tempo em que se sucederam.
É tão eloqüente a estrutura da regra jurídica da irretroatividade, que é inegável,
assim pensamos, que sua formulação se expressa da seguinte forma: Dado o fato de instituir
nova lei, majorando ou criando tributos, é PROIBIDO ao legislador cobrá-los ―aos fatos
geradores ocorridos antes da vigência da Lei que os houver instituído ou aumentado‖.
74
―Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um
Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança,
o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com
49
na hipótese da norma a descrição de um fato (originar lei que majore ou crie
tributos, que uma vez ocorrido, implicar-se-á, infalivelmente sua consequência, mediante o
modal deôntico ―proibido‖). A construção lógico-formal da presente regra jurídica é clara,
como também o é, as relações de derivação e subordinação entre a norma-princípio da
irretroatividade (norma de caráter finalístico) e sua regra jurídica, corporificada pelo art. 150,
inciso III, letra ―a‖ (norma de conduta).
Evidencia-se, portanto, quem em virtude da pluriunivocidade da norma-princípio da
irretroatividade, fez-se necessário, sob a perspectiva do Constituinte Brasileiro, a elaboração
de uma norma-conduta (regra jurídica) a fim de se eliminar a complexidade e a variedade de
possibilidades de condutas legislativas no campo tributário. A disposição normativa clara e
objetiva contida na norma supracitada veda qualquer discricionariedade por parte do legislador,
com a intenção de burlar a irretroatividade da lei tributária, ferindo, pois, os valores da
confiança e segurança que, justamente, impregnam, normativamente, nossa Constituição.
Os princípios até aqui abordados de forma específica, ainda que brevemente, nos
fornecem alguns fundamentos para delimitarmos corretamente a segurança jurídica, uma vez
que o Sistema deve fornecer todos os elementos à sua correta interpretação e aplicação.
1.5.3. Irretroatividade e sua incidência em relação às normas produzidas pelo Poder
Judiciário
Dúvidas não restam em relação à aplicabilidade do princípio da irretroatividade em
relação às leis, tendo em vista que o aludido princípio decorre do sobreprincípio da segurança
jurídica, contudo, abordaremos no presente a aplicabilidade também do referido princípio às
decisões judiciais em que se declara a inconstitucionalidade de lei.
A premissa aqui a ser estabelecida centra-se na questão da possibilidade do Poder
Judiciário, ainda que de forma atípica, introduzir normas no sistema.
a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL‖.
50
Nas decisões de natureza vinculante (súmulas) ou mesmo as jurisprudências
consolidadas (precedentes) sempre no mesmo sentido, têm como um dos seus objetivos o
preenchimento de lacunas nas normas vigentes. Como se sabe, as leis produzidas no país têm
uma natureza polissêmica muito grande, muitas vezes com a presença de ambiguidade e
vagueza em alguns casos, devendo o Poder Judiciário se pronunciar a fim de esclarecer tais
entendimentos, Lourival Vilanova
75
é enfático sobre o assunto:
―Posta a norma geral e abstrata, através do ato jurisdicional, da ‗sentença com
efeitos normativos‘ (ato materialmente legislativo praticado por órgão que não o
legislativo em sentido estrito), o ato propriamente jurisdicional funciona
seguindo suas etapas: a norma geral, criada antes da sentença, a constatação da
situação contenciosa e a decisão. Manifesto que a decisão jurisdicional é singular,
como observa Seabra Fagundes, recaindo no caso concreto litigioso; o que se
estende a outros casos, formando uma classe ou gênero, não é a sentença como
tal: é a norma geral, com eficácia erga omnes, saída de ato materialmente não-
judicante, mas substancialmente legislativo, ainda que a função e órgão não se
correspondam, como no modelo da divisão de poderes.
Com isso, o órgão jurisdicional vai completando o sistema do Direito Positivo,
não apenas preenchendo com maior ou menor margem de discricionariedade os
quadros genéricos postos pelas normas substantivas e adjetivas, como Kelsen
considera, mas fora ou além dos esquemas das normas gerais, intercalando no
sistema outras normas gerais, que servirão, como qualquer outra norma geral,
de fundamento ou premissa maior para a decisão dos casos concretos‖.
O juiz ao proferir sentença sobre um determinado caso, acaba por disciplinar
situações jurídicas ainda não consolidadas, mas que poderão ter uma certa estabilidade com
um maior número de decisões no mesmo sentido. Desta forma, o contribuinte ao se deparar
com uma norma geral e abstrata que de tal forma seja vaga e ambígua, sendo do seu interesse,
pleiteará ao Poder Judiciário o direito que entender devido.
A incompletude do sistema é facialmente assimilável partindo-se do conceito de
norma jurídica estabelecido por Paulo de Barros Carvalho
76
, ―verbis‖:
―A norma jurídica é exatamente o juízo (ou pensamento) que a leitura do
texto provoca em nosso espírito. Basta isso para nos advertir que um único
texto pode originar significações diferentes, consoante as diversas noções
que o sujeito congnoscente tenha dos termos empregados pelo legislador.
Ao enunciar os juízos, expedindo as respectivas proposições, ficarão
75
VILANOVA, Lourival. ―Estruturas Lógicas e Sistemas do Direito‖. Revista dos Tribunais. São Paulo: p.
208/209.
76
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16. ed. São Paulo: Saraiva, p. 8.
51
registradas as discrepâncias de entendimento dos sujeitos, a propósito dos
termos utilizados.
(...)
Às vezes, os dispositivos de um diploma definem uma, algumas, mas nem
todas as noções necessárias para a integração do juízo e, ao tentar enunciá-
lo verbalmente, expressando a correspondente proposição, encontramo-lo
incompleto, havendo a premência de consultar outros textos do direito em
vigor.‖.
O aludido autor afirma que, embora o texto normativo, muitas vezes não esclareça
a completude de uma determinada norma jurídica, deve o intérprete buscar em outros textos
normativos o seu real sentido, entendemos que a referida busca, na verdade, deve se estender
por todo o sistema jurídico, utilizando-se de todas as ferramentas possíveis existentes, entre
elas o Poder Judiciário.
Há, de fato, inúmeros exemplos em relação à insuficiência semântica das normas,
vejamos: o contribuinte ao verificar certa dubiedade em relação à norma expedida pelo Poder
Executivo, na esfera tributária, ingressa com uma consulta perante o órgão fazendário com o
objetivo de que o mesmo esclareça a eventual dúvida, ou ainda, trata-se do contribuinte que
ingressa com um pleito judicial, requerendo ao Poder Judiciário uma declaração no sentido de
esclarecer a sujeição passiva em relação ao tributo ―X‖, por exemplo.
Tanto o órgão fazendário como o Poder Judiciário ao expedirem normas
individuais e concretas estarão completando o sistema jurídico. Ora, ao termos normas gerais
e abstratas que geram controvérsias e com o contínuo posicionamento do Poder Judiciário
sempre no mesmo sentido, explicitando o conteúdo das aludidas normas, inegavelmente,
temos normas gerais e abstratas com o sentido conferido não mais pelo seu destinatário, mas
pelo Poder Judiciário que ao ser ―convocado‖ esclareceu o conteúdo da norma questionada
77
.
É inegável que as alterações jurisprudenciais fazem parte da dinâmica do direito,
bem como as mudanças legislativas, tendo em vista as mutações sociais, como lembra Tércio
Sampaio Ferraz
78
:
77
A premissa exposta vale, obviamente, para contribuintes que pleitearam ao Poder Judiciário um
determinado direito que, em função de uma interpretação conferida pelo Ente Tributante, obstacularizava seu
exercício, trata-se, portanto, de efeitos ―inter partes‖. Exceto no caso do controle concentrado, no qual suas
decisões têm efeito erga omnes.
78
FERRAZ, Tércio Sampaio. Efeitos Ex Tunc e a Jurisprudência do STJ. 2. ed. São Paulo: Manole, 2009, p.4.
52
―Alterações jurisprudenciais fazem parte da dinâmica do direito. Se o
processo de mudança legislativa é mais ou menos rígido, se a produção
normativa da administração tem uma flexibilidade limitada pela legalidade
estrita, é, sem dúvida, na atividade jurisdicional, que o direito conhece o
seu mais alto grau de adaptabilidade à mudança social, econômica, cultural,
no espaço e no tempo. Isso tem muito haver com a independência do
Judiciário num sistema de tripartição de poderes e com a singela submissão
do juiz à constituição e à lei nos termos da própria convicção.‖
Mas, também, é inegável que o direito deve proteger as situações consolidadas no
passado. Desta forma, o que se pretende no presente trabalho é aplicar o mesmo entendimento
em relação à irretroatividade das leis à jurisprudência. Tal premissa é corroborada por Roque
Antônio Carraza
79
:
―Por força do dispositivo constitucional que manda respeitar o direito
adquirido e o ato jurídico perfeito, a lei antiga, o ato administrativo antigo
e a jurisprudência antiga, posto que revogados, sobrevivem, continuando a
disciplinar as situações que se consolidaram enquanto vigorantes. A lei
nova, o ato administrativo novo e a jurisprudência nova absolutamente o
podem prejudicar tais situações pré-constituídas.‖
Note-se que nem mesmo as emendas constitucionais podem violar direitos
adquiridos, atos jurídicos perfeitos, a coisa julgada, sempre por força da norma protetora
destas situações jurídicas (art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal), que é verdadeira
cláusula pétrea, a teor do art. 60, par. 4º, IV, da Lei Maior.
Enfatize-se que o art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, incide não sobre as
normas infraconstitucionais, como também sobre as futuras manifestações do poder
constituinte derivado.
No mesmo sentido Misabel Derzi
80
:
―O princípio (da irretroatividade) não deve ser limitado às leis, mas
estendido às normas e atos administrativos ou judiciais. O que vale para o
legislador precisa valer também para a Administração e os tribunais. O que
79
CARRAZA, Roque Antônio. Efeitos Ex Tunc e a Jurisprudência do STJ, edição. São Paulo: Manole, 2009,
p. 51. Grifos do autor e no original.
80
DERZI, Misabel. Notas à Limitação ao poder de Tributar‖. In: Notas à Limitações Constitucionais ao Poder
de Tributar. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 811.
53
significa que a Administração e o Poder Judiciário não podem tratar os
casos que estão no passado de modo que se desviem da prática até então
utilizada (...)‖.
Há de se ter em mente, além dos argumentos aqui expostos, que a eventual
alteração jurisprudencial consolidada no tempo, como por exemplo, a discussão do crédito-
prêmio do IPI, introduz no sistema norma, ainda que individual e concreta
81
, restritiva de
direitos, portanto, desfavorável ao contribuinte, o que é vedado pela Constituição.
Não se chega ao ponto de afirmar ser a jurisprudencia fonte do direito, mas é
inegável seu papel com o objetivo de completar o sistema, nestas linhas, vale colacionar
entendimento de Cândido Rangel Dinamarco
82
:
―Pergunto: serão tão grandes e significativas as diferenças entre a edição de
lei nova e a alteração de uma linha jurisprudencial de bem mais de uma
década, a ponto de se reputar sempre legítima a imposição imediata da
jurisprudência nova, quando notoriamente a lei nova é constitucionalmente
impedida de atingir de atingir situações já consolidadas (direitos adquiridos,
atos jurídicos perfeitos, coisa julgada material Constituição, art. 5º, inc.
XXXVI)? Mesmo negando que a jurisprudência seja fonte do direito (como
eu nego), é inquestionável que ela se insere entre os meios informais de
alteração da Constituição e da lei (...).‖
De fato, trata-se a jurisprudência como meio informal de alteração da legislação,
diga-se função atípica do Poder Judiciário, em todo caso, é inegável a introdução de norma no
sistema, seja em função de omissão legislativa, seja em função de conferir interpretação à Lei
eventualmente questionada.
É claro que a clareza de uma norma vem reforçar a segurança jurídica e
confiabilidade do contribuinte na prática dos seus atos, mas nem sempre as normas são claras,
como leciona Paulo de Barros Carvalho, sendo muitas vezes vaga e imprecisa. Nestes casos,
cabe ao Poder Judiciário restabelecer a referida segurança, esclarecendo o efetivo alcance da
norma questionada.
81
Até o presente momento, não ocorreu manifestação definitiva do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.
82
DINAMARCO, Cândido Rangel. Mutações Jurisprudenciais e as Expectativas dos Jurisdicionados. A Garantia
Constitucional de Acesso à Justiça e a Irrelevância da Inexistência de Instrumentos Processuais Específicos‖. In:
TROIANELLI, Gabriel Lacerda. Crédito-Prêmio de IPI, Estudos e Pareceres. São Paulo: Manole, 2005, p. 87.
54
Deve-se ter em mente que a construção doutrinária aqui afirmada não confunde a
criação de normas jurídicas pelo Poder Legislativo com as normas produzidas pelo Poder
Judiciário, contudo, é inegável o papel deste Poder na configuração final do arquétipo
normativo criado pelo Poder Originalmente competente.
O próprio Sistema Jurídico tem diversos exemplos referente à irretroatividade da
norma jurídica como, por exemplo, o art. 146 do CTN, ―verbis‖:
―Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de
decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela
autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser
efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador
ocorrido posteriormente à sua introdução.‖
Em relação ao referido artigo, cabe trazer à baila as palavras de Souto Maior
Borges
83
:
―Antecipando-se à vigência do CTN, Rubens Gomes de Sousa ensinou que,
se o Fisco, mesmo sem erro, tiver adotado uma conceituação jurídica e
depois pretender substituí-la por outra, não mais poderá fazê-lo. E não o
poderá por que, se fosse admissível que o Fisco pudesse variar de critério
em seu favor, para cobrar diferença de tributo, ou seja, se à Fazenda
Pública fosse lícito variar de critério jurídico na valorização do fato
gerador, por simples oportunidade, estar-se-ia convertendo a atividade do
lançamento em discricionariedade, e não vinculada‖.
Se a irretroatividade é exigida para o Poder Legislativo e para o Poder Executivo
(vide art. 146 do CTN), com muito mais razão deverá ser aplicável também ao Poder
Judiciário, eis que este tem a ―última palavra‖ em termos de poder coercitivo e restritivo de
direitos.
Logo, nos parece plenamente aplicável no presente caso a incidência do princípio
da irretroatividade nas alterações de jurisprudências consolidadas e que se inseriram na
boa-fé e na confiança dos contribuintes, tendo em vista que as decisões reiteradas sempre com
o mesmo entendimento, integram e de certa forma, completam o conteúdo das normas
expedidas pelo Poder Legislativo.
83
BORGES, Souto Maior. Lançamento Tributário Tratado de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro:
Forense, 1981, pág. 322.
55
1.6. Da Proteção à Confiança e à boa-fé limites à irretroatividade judicial
Concluiu-se no tópico anterior que a irretroatividade, princípio este expresso pela
Constituição Federal, é aplicável não somente à atividade legislativa, mas também e
principalmente ao Poder Judiciário.
Tais conclusões vêm a corroborar um aspecto fundamental do direito, a proteção à
boa-fé e à confiança
84
referente às relações entre contribuinte e Estado, princípio este que está
intrinsecamente ligado à segurança jurídica, na medida em que revelam a crença na validade
dos atos do poder estatal.
Trabalha-se aqui com a ideia de boa-fé relacionada à confiança dos atos não da
Administração, como também do Poder Judiciário, atos que de tal forma impliquem em uma
presunção de legitimidade, Weida Zancaner
85
disserta sobre o tema:
―Ademais, a multiplicidade das áreas de intervenção do Estado moderno na
vida dos cidadãos e a tecnicização da linguagem jurídica tornaram
extremamente complexos o caráter regulador do Direito e a verificação da
conformidade dos atos concretos e abstratos expedidos pela Administração
Pública com o direito posto. Portanto, a boa-fé dos administrados passou a
ter importância no Estado Intervencionista, constituindo, justamente com a
segurança jurídica, expediente indispensável à distribuição da justiça
material. É preciso tomá-lo em conta perante situações geradas por atos
inválidos.
Com efeito, atos inválidos geram conseqüências jurídicas, pois se não
gerassem não haveria qualquer razão para nos preocuparmos com eles. (...).
Estes fatos posteriores à constituição da relação jurídica inválida, aliados
ao tempo, podem transformar o contexto em que esta se originou, de modo
a que fique vedado à Administração Pública o exercício do dever de
invalidar, pois fazê-lo causaria ainda maiores agravos ao Direito, por
afrontar à segurança jurídica e boa-fé.‖
Tem-se em mente que toda a invalidação de ato administrativo deve sempre levar
em conta, a boa-fé daqueles que se planejaram de acordo com os aludidos atos. A boa-fé, na
84
Abordar-se-á de forma conjunta os princípios de boa-fé e confiança.
85
ZANCANER, Weida. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos. 2. ed. São Paulo: Malheiros,
1993, p. 62-63.
56
seara tributária, pode ser caracterizada como a atuação do contribuinte sem qualquer intuito
ou objetivo de lesar o fisco. Em alguns ordenamentos, como o Suíço, o aludido princípio está
positivado em seu art. 9º, ―verbis‖:
Art. 9º. Proteção contra arbitrariedades e preservação da boa-fé.
Toda pessoa tem direito a ser tratada pelos órgãos estatais sem
arbitrariedade e segundo o princípio da boa-.‖
86
Sobre o tema Paulo Roberto Pimenta
87
adverte:
―De igual modo, o contribuinte não pode atuar visando enganar a Fazenda,
dificultando ou impedindo a aplicação da lei tributária, frustrando, dessarte,
a perseguição do interesse da coletividade‖.
Aqui, os atos praticados sob a tutela da boa-fé e confiança, inserem-se nos sistema
jurídico, principalmente, na presença de decisões reiteradas e favoráveis ao contribuinte que
seguindo a orientação jurisprudencial.
E age com boa-fé e confiança, enfatizamos, o contribuinte que confia na
jurisprudência dominante e pacífica sobre determinado tema, planejando-se. Frustra a boa-fé e
a confiança, não só a Administração Pública, bem como o próprio Poder Judiciário ao,
subitamente, reverter sua própria jurisprudência, fazendo retroagir os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade em determinada matéria, ferindo, desta forma, também a irretroatividade
também aplicável às decisões judiciais.
Humberto Ávila
88
entende que para a boa-fé possa ser aplicada é necessária a
concorrência de alguns requisitos, ―verbis‖:
―1. relação entre o Poder Público e o contribuinte baseada em ato ou
contrato administrativo cuja validade seja presumida;
2. relação concreta envolvendo uma repetição de comportamentos, de
forma continuada, uniforme e racional por uma pluralidade de agentes
fiscais que executam o ato ou contrato administrativo como se válido fosse;
3. relação de confiança envolvendo as partes e terceiros;
86
―Art. 9º. Jede Person hat Anspruch darauf, von den ataatlichen Organen ohne WillKür und nach Treu und
Glauben behandelt zu werden‖.
87
PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade em Direito Tributário. São Paulo:
Dialética, 2002, p. 60.
88
ÁVILA, Humberto. Benefícios fiscais inválidos e a legítima expectativa dos contribuintes‖. Revista Tributária
e de Finanças Públicas. Jan./fev, 2002, v. 42, ano 10, p. 42.
57
4. relação de causalidade entre a confiança do Poder Público e os atos por
ele
praticados;
5. situação de conflito entre o comportamento anterior e o atual por parte
do Poder Público;
6. continuidade da relação por período inversamente proporcional à
importância do ato ou contrato administrativo aplicado.‖
Percebe-se, portanto, que segundo Humberto Ávila, cuja assertiva concordamos,
que a proteção ao princípio da boa-fé sempre deverá ocorrer nos casos de uma relação, melhor
dizendo, comportamentos reiterados entre as partes.
Vamos além, as conclusões delineadas por Ávila nos levam a contextualizar suas
premissas não só à Administração, mas também ao Poder Judiciário que não poderá se excluir
em limitar a atuação da Administração Fazendária nos casos em que o contribuinte, agindo de
boa-fé e confiante em decisões proferidas, anteriormente se planejou fundamentando-se nas
referida decisões, como decidiu, valendo aqui colacionar parte de acórdão proferido pelo
Tribunal Constitucional Português
89
:
―(...)
24 O n.º 4 do artigo 282.º da Constituição confere a faculdade ao
Tribunal Constitucional de fixar os efeitos da inconstitucionalidade com
alcance mais restrito do que o previsto nos n.
os
1 e 2 desse artigo, quando a
segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional
relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem.
No presente processo, considera-se que a segurança jurídica exige que os
efeitos de inconstitucionalidade sejam limitados, produzindo-se apenas a
partir da publicação deste acórdão, a fim de evitar que tenha de haver
reposição por terceiros de prestações remuneratórias percebidas de boa
.‖
A relação entre o princípio da confiança e a boa é deveras estreita. Aquele se
mostra como princípio fundamental para a concretização deste, ao passo que, nas relações
jurídicas deve-se ter a certeza de que veracidade nos atos dos indivíduos. Ou seja, o
princípio da confiança promove a previsibilidade do direito a ser cumprido, assegurando que a
na palavra dada não é infundada. A confiança pode ser exteriorizada por atos praticados
pelos contribuintes baseados em leis que até então reputam-se legítimas e assim, como a boa-
fé, está plenamente ligada à ideia de segurança e certeza do direito.
89
Retirado de: www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19950637. Acórdão nº 637/95. Grifamos.
58
Desta forma, em relação aos atos da administração, os princípios da confiança e da
segurança pública indicam a ideia de força dos atos administrativos. Assim, o ato
administrativo desfruta de uma propensa imutabilidade traduzida pela autovinculação da
administração na qualidade de autora do ato e como consequência da obrigatoriedade de tal
ato, protegendo-se os interesses dos indivíduos destinatários dos atos, atendendo à proteção da
confiança, bem como da segurança jurídica.
Nesse sentido, os órgãos do Poder Executivo estão sujeitos a uma autovinculação
em relação aos seus atos anteriores, incluindo-se também o Poder Judiciário, como corolário
do princípio da confiança, não podendo, fazer retroagir os efeitos de uma eventual invalidade
do ato normativo, antes considerado válido.
Decerto, que também os aludidos princípios confiança e boa-fé decorrentes da
segurança jurídica, como afirmado, deverão ser preservados a fim que os contribuintes
estejam propensos só às intempéries do futuro, mas não e especialmente as do passado.
59
CAPÍTULO II O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE HARMONIZAÇÃO DO SISTEMA
JURÍDICO
2. Do Controle de Constitucionalidade O Papel do Supremo Tribunal Federal
Muito se escreveu sobre o controle de constitucionalidade no Brasil
90
, dissertando-
se sobre as formas de controle, inclusive no direito comparado. Assim sendo, no presente
capítulo apenas abordaremos de forma breve seus principais aspectos.
Temos a Constituição Federal como fundamento de validade de todas as normas
de hierarquia inferior no país. A noção de inconstitucionalidade deflui diretamente da posição
sobranceira que as normas constitucionais ocupam dentro da ordem jurídica nacional. Na
Constituição encontram-se plasmados, na forma de normas jurídicas, os princípios, bens e
valores mais caros ao povo. Assim, se uma lei, ou outro ato estatal, vulnera tais princípios,
bens ou valores o que implica a violação de uma norma constitucional sobrepuja-se a
Constituição à Lei, fazendo com que feneça a segunda e reafirme-se a primeira.
O sistema jurídico constitucional impõe a presunção da validade das normas, tendo
em vista que estas ingressaram no sistema, supostamente, por autoridade competente e por
meio de procedimento adequado. Qualquer questionamento quanto a (in) validade de dada
norma restringe-se a uma suposição, tanto teórica como numa mera expectativa em termos do
judiciário, ou seja, decisões do Poder Judiciário de e graus implementam uma mera
expectativa (ainda não normatizada) em relação aos contribuintes de que seus
questionamentos irão lograr êxito, em caráter definitivo, no tribunal competente, como o
Supremo Tribunal Federal, pois este tem a palavra final em termos de (in) validar uma
norma de natureza constitucional.
Devemos partir da presunção de que todas as normas são válidas
91
e, portanto,
deverão ser observadas pelos seus destinatários. Contudo, consubstancia um direito subjetivo
90
Sobre o tema vide os excelentes trabalhos do Ministro Gilmar Mendes (Controle de Constitucionalidade:
aspectos jurídicos e políticos, São Paulo: Saraiva, Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas no
Brasil e na Alemanha. 2ª.ed. São Paulo: Saraiva, 1996, Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade:
estudos de Direito Constitucional. São Paulo: C. Bastos: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998,
dentre outros).
91
O sistema normativo brasileiro não admite a desobediência civil.
60
do contribuinte ver afastada norma eivada de inconstitucionalidade, ainda que, a priori, toda
norma inserida no ordenamento jurídico brasileiro seja, como afirmado, presumivelmente
constitucional, na medida em que o intérprete ou aplicador da lei devesempre buscar uma
interpretação que se coadune com a Constituição Federal.
Todavia, tal presunção não é absoluta na medida em que o próprio ordenamento
jurídico brasileiro prevê o afastamento de norma inconstitucional de lei pelo Poder Judiciário,
sem qualquer restrição a que isto ocorra em sede de cognição sumária.
Sobre o tema, André Parmo Folloni
92
leciona de forma esclarecedora:
Não pode o juiz, portanto, deixar de refletir acerca da constitucionalidade
ou não de uma norma em nome da presunção de constitucionalidade das
leis. Isso acaba com o controle de constitucionalidade, relegando-o,
desterrando-o, banindo-o do sistema (...). A presunção de
constitucionalidade das leis existe, é certo. Mas, não impede, ao contrário,
pressupõe o efetivo controle de constitucionalidade, tanto o concentrado
quanto o difuso. É dever funcional de qualquer juiz, no nosso sistema,
sempre que houver pedido nesse sentido, verificar se a norma questionada
é ou não adequada à Constituição e, se o juiz entender pela inadequação, é
seu dever funcional afastar a aplicação da norma naquele caso concreto, em
nada impedindo pela presunção de constitucionalidade (...).
A declaração final de eventual inconstitucionalidade é de competência da mais alta
corte do país, Supremo Tribunal Federal. Imaginemos o caos que seria se as normas pudessem
ser questionadas particularmente pelos contribuintes, prescindindo-se, assim, do Poder
Judiciário. De fato, tomamos uma posição de que o direito é, na verdade, decisão, quem diz o
direito é o Poder Judiciário.
Ranhuras ou incongruências existem e de certa forma são recorrentes no sistema,
sendo que tais desarmonias podem ser solucionadas mediante uma interpretação sistemática, a
fim de eliminar possíveis contradições. No caso de as mencionadas contradições não serem
passíveis de serem solucionadas via interpretação, de natureza não-autêntica (Kelsen), o
sistema outorga a um poder da sua tríade, Poder Judiciário, a competência para eliminar tais
controvérsias. Tais situações podem denotar que uma lei é inconstitucional.
92
Constitucionalidade: Presunção ou Controle?‖, in Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo; Dialética,
2006, pág. 18.
61
Por inconstitucionalidade, a doutrina é fértil em conceituá-la de forma a abranger
situações de contradição material ou formal entre um ato normativo e uma disposição da
Constituição. Assim dispõe Marcelo Neves
93
sobre o assunto:
―A definição de lei inconstitucional deve denotar não a
incompatibilidade resultante de contradição ou contrariedade entre
conteúdos normativos (legal e constitucional), mas também a proveniente
da desconformidade entre procedimento de produção normativa (legislativa)
e conteúdo normativo (constitucional).‖
A verificação de constitucionalidade abrange, inclusive, as normas veiculadas
por Emenda Constitucional, pois tais normas podem violar preceitos considerados como
imutáveis na vigência de uma Constituição, que o direito brasileiro denomina de cláusulas
pétreas, tais como os direitos e garantias fundamentais.
A constatação de constitucionalidade das normas ocorre tanto no plano formal
quanto no plano material. No plano dos requisitos formais, verifica-se se a norma foi
produzida, por exemplo, conforme o processo legislativo disposto na Constituição.
De fato, o sistema jurídico brasileiro pode ser considerado como uma pirâmide,
onde inferimos um escalonamento entre as normas. Temos assim, de forma geral, no ápice da
pirâmide as normas constitucionais, posteriormente, as leis complementares, leis ordinárias e
assim por diante. Como solucionar um aparente conflito entre normas que estão no ápice da
pirâmide, ou seja, entre as normas constitucionais? Daí e mais uma vez afirmamos, que é
imprescindível ao Supremo Tribunal Federal verificar os princípios envolvidos antes de
declarar a inconstitucionalidade de uma norma, especialmente, em relação aos seus efeitos.
O direito brasileiro admite duas formas de se controlar a (in) constitucionalidade
das normas: via difusa ou concentrada.
No controle difuso discute-se o caso concreto, é o contribuinte questionando a
validade de uma norma jurídica desde a primeira instância, cujas decisões não possuem
93
NEVES, Marcelo. Teoria da Inconstitucionalidade das Leis. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 74.
62
efeitos erga omnes
94
, mas apenas entre as partes. Dessa forma, nesse tipo de controle, também
denominado concreto, incidental ou descentralizado, ocorre no âmbito de um caso concreto
submetido à análise do Poder Judiciário e se efetiva de forma incidental em qualquer processo
que é posto à apreciação dos magistrados de primeira instância ou dos Tribunais, inclusive
superiores.
Declarada incidenter tantum a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo pelo
Supremo Tribunal Federal, desfaz-se o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas
as consequências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos e, portanto,
destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica, desde que, evidentemente, não violem a
segurança jurídica das relações já implementadas com base na boa-fé das partes envolvidas.
A Constituição Federal previu um mecanismo de ampliação dos efeitos da
declaração incidental de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (CF/88, art. 52,
inciso X). Assim, ocorrendo essa declaração, o Senado Federal poderá editar uma resolução
suspendendo a execução no todo ou em parte, da lei ou ato normativo declarado
inconstitucional por decisão definitiva do STF, que terá efeitos erga omnes.
O controle concentrado de constitucionalidade é exercido pelo Supremo Tribunal
Federal, que deve observar a cláusula de reserva de plenário estatuída no art. 97 CF/88. O
controle concentrado é realizado através das ADIs, ADCs e ADPFs, cujo rol de legitimados é
exposto no art. 103, I a IX, para o caso de lei ou ato normativo federal, estadual ou distrital
em face à Constituição Federal.
Por essa forma de fiscalização, o controle dá-se perante o Supremo Tribunal
Federal, através da instauração de um processo objetivo em que se busca a declaração de
constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo de forma
abstratamente considerada, que esteja em desacordo com a Carta Magna. Tal controle é
efetivado, como se disse, no âmbito de Ação Declaratória de Constitucionalidade, Ação
Direta de Inconstitucionalidade ou, ainda, através de Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental, e seus efeitos atingem a todos, são erga omnes, e, em regra, opera-se
ex tunc (retroativamente).
94
As referidas decisões passam a ter efeito erga omnes quando sumuladas (súmulas de natureza vinculante),
ou por meio de resoluções do Senado Federal.
63
O propósito desse tipo de controle de constitucionalidade é a declaração de
inconstitucionalidade em tese, independente de caso concreto, de lei ou de ato normativo
federal ou estadual, visando-se à invalidação da lei ou ato normativo. Ou seja, assim, é
absolutamente possível ao Supremo Tribunal Federal analisar a constitucionalidade ou não de
uma norma, de modo a verificar se o legislador reformador respeitou os parâmetros fixados,
notadamente, no art. 5º, que implementou os direitos e garantias fundamentais. O mencionado
controle de constitucionalidade possui efeito erga omnes e ex tunc‖, ou seja, efeito que
atinge a todos e opera a desconstituição dos atos jurídicos praticados na vigência da lei
95
.
Inferimos, portanto, que normalmente e independentemente da espécie de
controle de constitucionalidade a ser utilizado, uma vez constatada a inconstitucionalidade de
uma norma, esta será invalidada desde a sua vigência, extinguindo todas as relações
porventura estabelecidas, o que obviamente critica-se, no presente trabalho, como se verá no
próximo capítulo.
2.1. Solução de Conflitos Normativos pelo Supremo Tribunal Federal
A ponderação, no caso concreto, segundo Karl Larenz
96
, ―é um método de
desenvolvimento do Direito que se presta a solucionar colisões de normas, bem como para
delimitar as esferas de aplicação das normas que se entrecruzam e, com isso, concretizar
direitos cujo âmbito ficou aberto‖, estabelecendo-se uma clara prevalência valorativa dos bens
tutelados pela Constituição Federal.
O Poder Judiciário, ao se deparar com um conflito normativo de natureza
principiológica, deverá utilizar o critério da ponderabilidade para encontrar a melhor solução
para o caso concreto; eis que de um lado, poderá haver, por exemplo, o princípio da
95
Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de
descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional
interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os
efeitos daquela declaração ou decidir que ela tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro
momento que venha a ser fixado.
96
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução José Lamego. 3.ed. [Portugal]: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1997, p. 587.
64
legalidade e do outro, o princípio da irretroatividade, que visa manter situações muito
consolidadas no tempo. Como solucionar tal conflito?
As normas acima mencionadas possuem a mesma hierarquia. Contudo, deve o
intérprete buscar os melhores fundamentos para tentar solucionar o caso, como adverte
Larenz
97
:
―Os fundamentos, para atingirem este fim, têm de ser conformados de tal
modo que convençam os participantes da discussão, cuja existência se
pressupõe, e que permitam suplantar os contra-argumentos por eles
aduzidos‖.
Diante de tais casos, temos como premissa identificar quais os princípios
envolvidos no caso concreto e se estes princípios possuem a mesma natureza de um direito
fundamental, uma vez que estes têm prevalência em relação aos demais, que possuem
natureza de cláusulas pétreas. A própria Constituição nos fornece os critérios de
hierarquização, como leciona Souto Maior Borges
98
:
―Fora do ordenamento jurídico constitucional não há solução: nenhum
outro critério para a hierarquização dos princípios constitucionais.
Princípio fundamental, em contraposição aos demais, é o que a
Constituição Federal diz que assim o é. Impossível, portanto caracterizar
aprioristicamente princípios de direito constitucional positivo, isto é, com
prescindência de critério ofertados pelo próprio texto constitucional.
Conclusão que vale inclusive para a hierarquização dos princípios
constitucionais. Essa solução não poder ser ofertada por nenhum direito
alternativo‖.
99
Decerto, os princípios aqui abordados, muitas vezes possuem a mesma hierarquia,
podendo-se, inclusive, conceber que para se solucionar um determinado caso concreto, deve-
se fazer incidir um dado princípio em detrimento de outro, ainda que ambos sejam
considerados direitos fundamentais.
No Supremo Tribunal Federal discutiu-se, em breve síntese, a criação de
município no Estado do Mato Grosso que foi criado por meio de Lei estadual, mesmo com a
97
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste GULBENKIAN, 1989,
P. 179.
98
BORGES, Souto Maior. Pró-Dogmática: por uma hierarquização dos princípios constitucionais. In: Revista
Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 129.
65
ausência de Lei Complementar sobre o assunto, conforme determina a Emenda
Constitucional 15/1996
100
; requereu-se, assim, por meio de uma Ação Declaratória de
Inconstitucionalidade a nulidade da Lei que criou o referido município.
Nesse caso o Supremo Tribunal Federal entendeu que não caberia anular a criação
do referido município, tendo em vista que já existiam situações de fato consolidadas no tempo
e que efetivamente não poderiam ser desconsideradas por aquele Tribunal
101
, especialmente
porque, naquele caso, trata-se de uma exceção não prevista no ordenamento jurídico, devendo,
99
Grifamos.
100
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § do art. 60 da Constituição
Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional:
Artigo Único. O § 4º do art. 18 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
"art. 18 ..............................
§ a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro
do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às
populações dos municípios envolvidos, após divulgação dos estudos de viabilidade municipal, apresentados e
publicados na forma de lei.(grifamos)
101
ADI 3.316/MT (DJU: 29.06.2007): ―EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N.
6.893, DE 28 DE JANEIRO DE 1.998, DO ESTADO DO MATO GROSSO, QUE CRIOU O MUNICÍPIO DE
SANTO ANTÔNIO DO LESTE. INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI ESTADUAL POSTERIOR À EC
15/96. AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR FEDERAL PREVISTA NO TEXTO CONSTITUCIONAL.
AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 18, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. OMISSÃO DO
PODER LEGISLATIVO. EXISTÊNCIA DE FATO. SITUAÇÃO CONSOLIDADA. PRINCÍPIO DA
SEGURANÇA DA JURÍDICA. SITUAÇÃO DE EXCEÇÃO, ESTADO DE EXCEÇÃO. A EXCEÇÃO NÃO
SE SUBTRAI À NORMA, MAS ESTA, SUSPENDENDO-SE, LUGAR À EXCEÇÃO --- APENAS
ASSIM ELA SE CONSTITUI COMO REGRA, MANTENDO-SE EM RELAÇÃO COM A EXCEÇÃO. 1. O
Município foi efetivamente criado e assumiu existência de fato, como ente federativo. 2. Existência de fato do
Município, decorrente da decisão política que importou na sua instalação como ente federativo dotado de
autonomia. Situação excepcional consolidada, de caráter institucional, político. Hipótese que consubstancia
reconhecimento e acolhimento da força normativa dos fatos. 3. Esta Corte não pode limitar-se à prática de mero
exercício de subsunção. A situação de exceção, situação consolidada --- embora ainda o jurídica --- não pode
ser desconsiderada. 4. A exceção resulta de omissão do Poder Legislativo, visto que o impedimento de criação,
incorporação, fusão e desmembramento de Municípios, desde a promulgação da Emenda Constitucional n. 15,
em 12 de setembro de 1.996, deve-se à ausência de lei complementar federal. 5. Omissão do Congresso Nacional
que inviabiliza o que a Constituição autoriza: a criação de Município. A não edição da lei complementar dentro
de um prazo razoável consubstancia autêntica violação da ordem constitucional. 6. A criação do Município de
Santo Antônio do Leste importa, tal como se deu, uma situação excepcional não prevista pelo direito positivo. 7.
O estado de exceção é uma zona de indiferença entre o caos e o estado da normalidade. Não é a exceção que se
subtrai à norma, mas a norma que, suspendendo-se, lugar à exceção --- apenas desse modo ela se constitui
como regra, mantendo-se em relação com a exceção. 8. Ao Supremo Tribunal Federal incumbe decidir
regulando também essas situações de exceção. Não se afasta do ordenamento, ao fazê-lo, eis que aplica a norma
à exceção desaplicando-a, isto é, retirando-a da exceção. 9. Cumpre verificar o que menos compromete a força
normativa futura da Constituição e sua função de estabilização. No aparente conflito de inconstitucionalidades
impor-se-ia o reconhecimento da existência válida do Município, a fim de que se afaste a agressão à federação.
10. O princípio da segurança jurídica prospera em benefício da preservação do Município. 11. Princípio da
continuidade do Estado. 12. Julgamento no qual foi considerada a decisão desta Corte no MI n. 725, quando
determinado que o Congresso Nacional, no prazo de dezoito meses, ao editar a lei complementar federal referida
no § 4º do artigo 18 da Constituição do Brasil, considere, reconhecendo-a, a existência consolidada do Município
de Luís Eduardo Magalhães. Declaração de inconstitucionalidade da lei estadual sem pronúncia de sua nulidade
13. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade, mas não pronunciar a nulidade pelo
prazo de 24 meses, Lei n. 6.893, de 28 de janeiro de 1.998, do Estado do Mato Grosso.‖.
66
assim, ponderar entre o princípio da nulidade e o da segurança jurídica, estabelecendo a
melhor solução para o caso concreto.
O Ministro Gilmar Mendes, em voto proferido neste julgado, bem esclarece:
―Portanto, o princípio da nulidade continua a ser regra também no direito
brasileiro. O afastamento de sua incidência dependerá de um severo juízo
de ponderação que, tendo em vista análise fundada no princípio da
proporcionalidade, faça prevalecer a ideia de segurança jurídica ou outro
princípio constitucional manifestado sob a forma de interesse social
relevante. Assim, aqui, como no direito português, a não aplicação do
princípio da nulidade não se há de basear em consideração de política
judiciária, mas em fundamento constitucional próprio.
(...)
No presente caso, o Tribunal tem a oportunidade de aplicar o art. 27 da Lei
7 9.868/99 em sua versão mais ampla. A declaração de
inconstitucionalidade e, portanto, de nulidade da lei instituidora de uma
nova entidade federativa, o Município, constitui mais um dentre os casos
como os anteriormente citados, retirados de exemplos do direito
comparado em que as conseqüências da decisão tomada pela Corte
podem gerar um verdadeiro caos jurídico.‖
102
Neste caso, o Supremo Tribunal Federal, julgou procedente a ação direta de
inconstitucionalidade. Contudo e por maioria, decidiu não pronunciar a nulidade do ato
impugnado por razões de segurança jurídica. Trata-se de um caso emblemático, na medida em
que um determinado município foi criado por lei estadual, porém, a referida lei não estava
fundamentada em lei complementar, que à época era a legislação competente para disciplinar
o tema. Ou seja, apesar de a lei estadual ter ferido o princípio da legalidade, o Supremo
entendeu que valores mais caros à sociedade, como o princípio federativo, segurança jurídica
e outros, deveriam prevalecer em relação à legalidade.
Outro caso emblemático é o dos vereadores Mira Estrela (RE 197.917-8), em
que a lei orgânica municipal não atendeu ao disposto no art. 29 da Constituição Federal, que
se refere ao sistema proporcional de eleição parlamentar, segue ementa:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE
VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL.
102
Grifamos.
67
LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES
PROPORCIONAL À POPULAÇÃO. CF, ARTIGO 29, IV. APLICAÇÃO
DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO DOS
PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE.
INCOMPATIBILIDADE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE
VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDENTER
TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO.
SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. 1. O artigo 29, inciso IV da Constituição
Federal, exige que o número de Vereadores seja proporcional à população
dos Municípios, observados os limites mínimos e máximos fixados pelas
alíneas a, b e c. 2. Deixar a critério do legislador municipal o
estabelecimento da composição das Câmaras Municipais, com observância
apenas dos limites máximos e mínimos do preceito (CF, artigo 29) é tornar
sem sentido a previsão constitucional expressa da proporcionalidade. 3.
Situação real e contemporânea em que Municípios menos populosos têm
mais Vereadores do que outros com um número de habitantes rias vezes
maior. Casos em que a falta de um parâmetro matemático rígido que
delimite a ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao
postulado da isonomia. 4. Princípio da razoabilidade. Restrição legislativa.
A aprovação de norma municipal que estabelece a composição da Câmara
de Vereadores sem observância da relação cogente de proporção com a
respectiva população configura excesso do poder de legislar, não
encontrando eco no sistema constitucional vigente. 5. Parâmetro aritmético
que atende ao comando expresso na Constituição Federal, sem que a
proporcionalidade reclamada traduza qualquer afronta aos demais
princípios constitucionais e nem resulte formas estranhas e distantes da
realidade dos Municípios brasileiros. Atendimento aos postulados da
moralidade, impessoalidade e economicidade dos atos administrativos (CF,
artigo 37). 6. Fronteiras da autonomia municipal impostas pela própria
Carta da República, que admite a proporcionalidade da representação
política em face do número de habitantes. Orientação que se confirma e se
reitera segundo o modelo de composição da Câmara dos Deputados e das
Assembleias Legislativas (CF, artigos 27 e 45, § 1º). 7.
Inconstitucionalidade, incidenter tantun, da lei local que fixou em 11 (onze)
o número de Vereadores, dado que sua população de pouco mais de 2600
habitantes somente comporta 09 representantes. 8. Efeitos. Princípio da
segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade,
com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema
legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em
caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de
inconstitucionalidade. Recurso extraordinário conhecido e em parte
provido‖.
Embora, o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido a inconstitucionalidade
da lei que ampliou de forma desproporcional o número de vereadores do município de Mira
Estrela, com base no art. 29 da CF/88, modulou os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade, que a violação aos princípios envolvidos no caso de uma declaração
68
com efeitos ex-tunc seria mais prejudicial à sociedade do que a simples aplicação do art. 29 da
CF/88.
Há, neste caso, uma supremacia tanto quantitativa como qualitativa de
argumentos que fundamentam a manutenção dos efeitos do ato inconstitucional, uma vez que
se encontram presentes direitos fundamentais, como os direitos políticos dos eleitores, a
manutenção da boa-fé e confiabilidade das normas inseridas no sistema. Entendeu a Suprema
Corte que, neste caso, promove-se mais intensamente a Constituição, de uma forma mais
coesa, aquele Tribunal a prevalência da norma inserida no art. 29 da CF/88.
Já, especificamente, em relação à segurança jurídica, ainda que em caráter
provisório, o Min. Gilmar Mendes, nos autos da MC 2.900/RS (DJU: 01/08/2003), deferiu
efeitos suspensivos contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal a Região que
reformou a sentença que possibilitou a uma estudante o direito de transferência à
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, quando aquela estava na iminência de concluir
seu curso. Eis que sem adentrar no mérito da legalidade da transferência autorizada em
primeira instância, o eminente Ministro concedeu medida cautelar, fundamentando-se no
princípio da segurança jurídica e na confiança legítima da estudante em concluir seu curso.
Infere-se, portanto, a importância da ponderação dos princípios jurídicos
envolvidos em determinado caso concreto, neste último caso segurança jurídica ―versus‖
legalidade - com o objetivo de verificarmos a possibilidade ou não da restrição dos efeitos em
uma eventual declaração de inconstitucionalidade.
Deve-se ter em mente, portanto, que a segurança jurídica, como princípio
fundamental que é, deve prevalecer em relação aos outros, tendo em vista a finalidade
precípua do Estado Democrático de Direito, ou seja, atribuir a previsibilidade e a certeza
jurídica aos atos dos contribuintes contrapondo-se ao Poder Tributante estatal, preservando-se
o passado
103
.
103
Cabe aqui registrar a lição Rui Medeiros sobre a aplicação do princípio da proporcionalidade ao se analisar o
conflito entre normas constitucionais:
―A proporcionalidade nesta terceira vertente tanto pode ser perspectivada pelo lado da limitação de efeitos como
pelo lado da declaração de inconstitucionalidade. Tudo se reconduz, neste segundo caso, a saber se à luz do
princípio da proporcionalidade as conseqüências gerais da declaração de inconstitucionalidade são ou não
69
2.2. Ato nulo e anulável sob a perspectiva do Supremo Tribunal Federal
104
A doutrina sempre trabalhou com a perspectiva de atos nulos e anuláveis,
sendo os efeitos de uma eventual declaração de nulidade dependentes do grau de imperfeição
que os atos jurídicos podem apresentar.
Atos nulos, em breve ntese, são aqueles que, por se constituírem de tal
forma viciados, não chegam a produzir efeitos no mundo jurídico e, caso os produzam, devem
ser extintos ab initio, podendo ainda ser caracterizados como atos insanáveis, irratificáveis. A
estes atos sempre faltam um elemento essencial, como a capacidade do agente, a ilicitude do
objeto que se refere ou mesmo o desrespeito à forma prescrita em lei, trata-se, enfim, de uma
nulidade de pleno direito, podendo ser declarado, inclusive, de ofício.
A nulidade do ato normativo, aqui no Brasil, foi concebida com base no
direito norte-americano, onde se afirmava que ―the inconstitucional statute is not law at all‖
105
,
apesar de o referido entendimento ter sofrido temperamentos nos termos do caso Linkletter
v. Walker
106
.
excessivas. Impõe-se, para o efeito, ponderação dos diferentes interesses em jogo, e, concretamente, o confronto
entre interesses afectados pela lei inconstitucional e aqueles que hipoteticamente seriam sacrificados em
conseqüência da declaração de inconstitucionalidade com eficácia retroactiva e represtinatória.
Todavia, ainda quanto a esta terceira vertente do princípio da proporcionalidade, não é constitucionalmente
indiferente perspectivar o problema das conseqüências da declaração de inconstitucionalidade do lado da
limitação de efeitos ou do lado da própria declaração de inconstitucionalidade. A declaração de
inconstitucionalidade com eficácia ex tunc tem, manifestamente prioridade de aplicação. Todo o sistema de
fiscalização de constitucionalidade português está orientado para a expurgação de normas inconstitucionais. É,
aliás, significativa a recusa de atribuição de força obrigatória geral às decisões de não inconstitucionalidade. Não
basta, pois, afirmar que o ‗Tribunal Constitucional deve fazer juízo de proporcionalidade, cotejando o interesse
na reafirmação da ordem jurídica - que a eficácia ex tunc da declaração planamente potencia com o interesse
na eliminação do factor de incerteza e de insegurança que a retroatividade, em princípio, acarreta (Acórdão do
Tribunal Constitucional 308/93‘. É preciso acrescentar que o Tribunal Constitucional deve declarar a
inconstitucionalidade com força obrigatória e geral, a menos que uma tal solução envolva o sacrifício excessivo
da segurança jurídica, da equidade ou de interesse público de excepcional relevo‖. ( MEDEIROS, Rui. Os efeitos
da Decisão de Inconstitucionalidade. Lisboa: Universidade Católica de Lisboa, 1999, p. 703/704.)
104
Defendemos, no presente trabalho, a correlação entre a existência e a validade. Ora, a norma inserida no
Sistema Jurídico, ainda que imperfeita, tanto é válida e existente, que propaga seus efeitos até que seja retirada
tanto pelo Poder Judiciário como pelo Legislativo.
105
WILLOUGHBY, Westel Woodbury. The Constitucional law of the United States. New York, 1910, v. 1, p.
9/10
106
381 US. 618 (1965). Neste caso, a Suprema Corte Americana entendeu pela não retroatividade dos efeitos da
sua decisão, embora tenha considerado a lei inconstitucional, por ferir garantias e direitos dos cidadãos.
70
No caso dos atos anuláveis, esclarece Federico de Castro Bravo que estes têm sua
validade dependente tão-só do exercício da ação de impugnação pelos interessados
107
, ou seja,
sua nulidade depende do interesse em contestá-la das pessoas envolvidas no negócio, podendo
o mesmo ser convalidado pela confirmação entre as partes ou mesmo pelo decorrer do tempo.
No presente trabalho, de se ter em mente que é muito mais relevante verificar
os efeitos dos atos entre as partes envolvidas, notadamente os princípios que regem as
situações porventura estabelecidas, nesse caso, entre contribuintes e o Estado,
independentemente dos mesmos serem caracterizados como nulos ou anuláveis. Mesmo os
atos nulos, e assim defendemos, devem perdurar, pelo menos em relação ao passado, se as
implicações do seu desfazimento à sociedade foram mais danosas do que a sua simples
manutenção. Sob essa perspectiva temos que todos os atos ou normas, na verdade, serão
sempre anuláveis, na medida em que produziram efeitos, já que inseridos no sistema jurídico.
Cabe aqui ponderar sobre um importante aspecto em relação à declaração de
nulidade de uma determinada norma. Na verdade, essas decisões têm um caráter não
declarativo, mas também e especialmente constitutivo, na medida em que se desconstituem
todas as relações jurídicas ocorridas sob a égide da lei inconstitucional, é exemplar a lição de
Kelsen
108
sobre o tema:
―A decisão tomada pela autoridade competente de que algo que se
apresenta como norma é nulo ab initio, porque preenche os requisitos da
nulidade determinados pela ordem jurídica, é um ato constitutivo; possui
um efeito legal definido; sem esse ato e antes dele o fenômeno em questão
não pode ser considerado ‘nulo’. Donde não se tratar de decisão
‗declaratória‘, não constituindo, como se afigura, declaração de nulidade: é
uma verdadeira anulação, uma anulação com força retroativa, pois se faz
mister haver legalmente existente a que a decisão se refira. Logo o
fenômeno em questão não pode ser algo nulo ab initio, isto é, o não ser
legal. É preciso que esse algo seja considerado como uma força anulada
com força retroativa pela decisão que a declarou nula ab initio.‖
109
107
BRAVO, Federico de Castro. El Negócio Jurídico, Madrid: Instituto Nacional de Estudios Jurídicos, 1971, p.
497.
108
KELSEN, Hans. Teoria Geral do Estado. Traduzido por Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes,
1993, p. 162.
109
Grifamos.
71
E com tal afirmação, concordamos integralmente, pois a norma, ainda que
posteriormente declarada nula, produziu efeitos e constituiu relações que só serão afetadas por
eventual controle judicial.
Daí a conclusão de que toda norma nula, na verdade, é uma norma anulável e que
a depender do grau do seu vício normativo, poderá ter seus efeitos extintos desde a sua
introdução no sistema jurídico. Na verdade, podemos ter, por exemplo, uma situação
hipotética em que um determinado tributo é introduzido por meio de Instrução Normativa.
Ora, por mais fantasiosa que seja a referida situação, enquanto a norma o for questionada e
quiçá anulada pelo Poder Judiciário, a mesma permanecerá produzindo efeitos e atribuindo
sanções a quem desrespeitá-la.
Sob a perspectiva do Supremo Tribunal Federal, este sempre se pautou, nas
decisões que envolvam a declaração de inconstitucionalidade, na Teoria da Nulidade das
normas, ou seja, sempre se atribuía efeitos ex-tunc, retirando-se toda e qualquer eficácia da
norma declarada inconstitucional, como se mesma nunca tivesse existido no ordenamento.
Aliás, ao se declarar nula uma determinada norma, pune-se a incompatibilidade
desta com o Sistema Jurídico, notadamente, quando se trata do tema no âmbito do direito
privado, como bem assevera Roberto de Ruggiero
110
:
―A nulidade do acto é a mais grave imperfeição, não lhe permitindo que
produza qualquer dos seus efeitos próprios; o negócio jurídico é, pelo
ordenamento, considerado como se não se tivesse feito e se alguns efeitos
dele resultaram, estes não são efeitos do negócio, como tal mas
conseqüência dos factos aos quais foi dada existência ao concluir o acto
nulo (...)‖.
Sustenta o autor que o ato nulo é tão grave que o é capaz de produzir efeitos, é
como se não estivesse existido. No entanto, faz uma importante ressalva, admitindo, ainda que
com alguma restrição, a existência de efeitos decorrentes do ato nulo. O mesmo entendimento
é aplicável às normas inseridas no sistema jurídico que, por mais imperfeitas que sejam,
produzem efeitos que devem ser observados.
110
RUGGIERO, Roberto de. Instituições de Direito Civil, Vol 1. São Paulo: Saraiva, 1935, pág. 303/304.
72
J. Cretela Júnior
111
é mais enfático em relação à nulidade ao afirmar que:
―O pronunciamento da nulidade pelo juiz tem caráter meramente
declarativo. O ato administrativo nulo não merece, em geral, obediência,
mesmo antes de tal pronunciamento. A nulidade é insanável. Dado o
interesse público que se contém no ato administrativo, a qualidade do
interessado, que legitima o pedido de anulação, deve ter aplicação mais
ampla do que em direito privado‖.
Depreende-se dos ensinamentos de J. Cretella Júnior que um ato que de tal forma
esteja viciado deve ter seus efeitos extintos e quiçá, sem qualquer observância pelo seu
respectivo destinatário, mesmo antes de eventual declaração judicial. Contudo, em que pese a
afirmação do autor, discordamos integralmente da aludida afirmação, pelos motivos
expostos, ou seja, que todo ato nulo, na verdade, é um ato anulável. Enquanto não houver a
revogação do aludido ato, seja por quem o introduziu, seja pelo Poder Judiciário, o mesmo
permanece válido.
E o Supremo Tribunal Federal, em relação à nulidade das normas, reiteradamente
vinha aplicando entendimento da nulidade normativa, como se pode inferir nos autos do
Recurso Extraordinário nº 61351, Min. Relator Amaral Santos (DJU: 20.09.68), ―verbis‖:
Ementa. REVOGAÇÃO DA LEI INCONSTITUCIONAL. E LICITO AO
LEGISLATIVO ANULAR SEUS PROPRIOS ATOS, QUANDO OS
CONSIDERE INCONSTITUCIONAIS. A ANULAÇÃO NESTE CASO
OPERA 'EX TUNC': DO ATO NULO NÃO NASCE QUALQUER
DIREITO. ESTÁGIO PROBATÓRIO NÃO PROTEGE O
FUNCIONÁRIO CONTRA A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE SUA
NOMEAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. EMBARGOS
RECEBIDOS E PROVIDOS.‖.
Sem adentrarmos no mérito da questão, infere-se que o Supremo Tribunal Federal
declarou a inconstitucionalidade de norma com efeitos ex-tunc, justificando que ―do ato nulo
não nasce qualquer direito‖, afirmando ainda o eminente Relator, em seu voto, que não
direito adquirido em virtude de lei inconstitucional. No mesmo sentido, o Ministro Celso de
Mello
112
decidiu:
111
CRETELLA Jr., José. Controle Jurisdicional do Ato Administrativo. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p.
292.
112
ADIQO 652/MA. Relator Ministro Celso de Mello, DJU: 02.04.1993.
73
―(...) atos inconstitucionais são, por isso mesmo, nulos e destituídos, em
conseqüência, de qualquer carga de eficácia jurídica. (...) A declaração de
inconstitucionalidade de uma lei alcança, inclusive, os atos pretéritos com
base nela praticados, eis que o reconhecimento desse supremo vício
jurídico, que inquina de total nulidade os atos emanados do Poder Público,
desampara as situações constituídas sob sua égide e inibe ante sua
inaptidão para produzir efeitos jurídicos válidos a possibilidade de
invocação de qualquer direito.‖.
Merece reparos o referido entendimento, pois, como já afirmado no presente
trabalho, o nosso sistema jurídico parte do pressuposto de que todas as normas jurídicas são
presumivelmente válidas e que, portanto, salvo decisão em contrário, deverão ser observadas
pelos seus respectivos destinatários. Logo, não corroboramos a afirmação de que os atos
inconstitucionais são, por isso mesmo, nulos e destituídos, em conseqüência, de qualquer
eficácia jurídica (...)‖.
Tais atos, ainda afirmamos, tanto têm eficácia jurídica, ainda que eivados com os
mais elevados vícios (produzidos por autoridade incompetente, v.g.), que somente o Poder
Judiciário, como no caso do recurso relatado pelo eminente Ministro Celso de Mello, pode
retirar seus efeitos do mundo jurídico, aplicando-lhe a maior sanção cabível que é a anulação,
decorrente da declaração de inconstitucionalidade (efeitos ex tunc).
Vale mencionar que, antes de eventual declaração de inconstitucionalidade, deverá
sempre o Poder Judiciário verificar os princípios envolvidos no litígio com o objetivo de
aplicar ou não, a teoria da nulidade.
Contudo e apesar da posição, outrora pacificada pelo Supremo Tribunal Federal,
que se guiava pela declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex tunc, nem sempre a
referida posição era de sentimento unânime, como depreendemos do voto do Ministro Leitão
de Abreu
113
:
―(...) a lei inconstitucional é um ato eficaz, ao menos antes da determinação
da inconstitucionalidade, podendo ter conseqüências que não lícito ignorar.
A tutela da boa-fé exige que, em determinadas circunstâncias, notadamente,
quando, sob a lei ainda não declarada inconstitucional, se estabelecerem
relações entre o particular e o Poder Público, se apure, prudencialmente,
até que ponto a retroatividade da decisão, que decreta a
113
RE nº 79.343/BA, Relator Min. Leitão de Abreu, DJU: 04.05.1981.
74
inconstitucionalidade, pode atingir, prejudicando-o, o agente que teve por
legítimo o ato e, fundado nele, operou na presunção de que estava
procedendo sob o amparo do direito objetivo‖.
Transportando-nos do mundo dos atos para o mundo das normas e com base nos
breves esclarecimentos aqui expostos, entendemos que toda norma inserida no sistema é
válida e existente, pois por maior que seja a sua deformidade estará sempre apta a produzir
efeitos, salientando ainda que, caso a referida norma não seja retirada do sistema, não
como se alegar que a mesma seja nula ou inexistente.
Assim, que nem sempre o binômio inconstitucionalidade/nulidade deve prevalecer,
tendo em vista as nefastas implicações que podem decorrer do referido entendimento,
especialmente, em relação aos contribuintes que agiram de boa-fé e em função de reiteradas
decisões proferidas, sempre no mesmo sentido, pelos Tribunais Superiores.
Aliás, partir da premissa de que toda norma declarada inconstitucional é norma
nula é desconsiderar todos os direitos e garantias fundamentais outorgados pelo Poder
Constituinte, podendo-se inferir, inclusive, e aqui cabe uma crítica ao Supremo, que nos
julgados proferidos antes do advento da Lei nº 9.868/99, não via grandes debates em relação à
boa-fé, confiança e a segurança jurídica, como se esses institutos fossem meras figuras
retóricas e doutrinárias.
De fato, a teoria da nulidade deve ser aplicada com temperamentos como já
advertia Regina Maria Nery Ferrari
114
:
―Isso porque a sanção de nulidade tem no direito privado finalidade distinta,
já que neste campo visa apenas restaurar o equilíbrio individual. Já no ramo
do direito não privado, a finalidade é a proteção do interesse público, o que
nos leva a considerar o tema com maior ou menor flexibilidade, conforme
o exige o interesse a proteger‖.
de se ter em mente que o mais importante ao se declarar uma determinada
norma como inconstitucional é verificar-se os princípios envolvidos na lide e se realmente, a
eliminação de todas as relações jurídicas estabelecidas sob a égide da norma inconstitucional
114
FERRARI, Regina Maria Macedo. Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade. 5ª ed. rev. atual. e ampl. .
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
75
não provocará efeitos de tal ordem mais inconstitucionais, se assim é possível se falar, do que
se os aludidos efeitos fossem modulados prospectivamente.
Caso exemplar, especialmente porque se deu antes do advento do art. 27, da Lei nº
9.868/99 foi o do Recurso Extraordinário 122.202 (DJU: 08.04.94), cujo Relator Min.
Francisco Rezek, afastou os efeitos ex tunc, ao declarar uma norma inconstitucional, pois caso
contrário, a retroação dos efeitos feriria o direito adquirido
115
.
Nesse caso, questionava-se os pagamentos de gratificação efetivados aos
magistrados do Estado de Minas Gerais. Contudo, ao declarar inconstitucional a norma que
instituiu os aludidos pagamentos, modulou o Supremo Tribunal Federal os respectivos efeitos
sob pena de violação do princípio da irredutibilidade dos vencimentos.
Intui-se, portanto, que mesmo antes do advento do art. 27 da Lei 9.868/99 que
supostamente introduziu no sistema jurídico a possibilidade de restrição dos efeitos em
eventual declaração de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal defendia, ainda que
em julgados esparsos, que os efeitos decorrentes da norma inconstitucional deveriam
prevalecer.
Sustentamos, assim, que o Supremo Tribunal Federal, ainda que na ausência da
Lei 9.868/99, como guardião dos direitos e garantias fundamentais outorgados
constitucionalmente, deveria, em seus julgados, sempre levar em conta que nem sempre a
retroatividade dos efeitos de eventual declaração de inconstitucionalidade da norma jurídica é
a única solução possível, que os princípios da boa-fé, confiança, irretroatividade e
segurança jurídica devem sempre prevalecer em relação a outros princípios envolvidos, como
por exemplo, a legalidade.
115
EMENTA: - RECURSO EXTRAORDINÁRIO. EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE EM TESE PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ALEGAÇÃO DE
DIREITO ADQUIRIDO. Acórdão que prestigiou lei estadual a revelia da declaração de inconstitucionalidade
desta ultima pelo Supremo. Subsistência de pagamento de gratificação mesmo após a decisão erga omnes da
corte. Jurisprudência do STF no sentido de que a retribuição declarada inconstitucional não e de ser devolvida no
período de validade inquestionada da lei de origem - mas tampouco paga após a declaração de
inconstitucionalidade. Recurso extraordinário provido em parte.‖.
76
Sendo assim, cumpre papel de suma importância os precedentes judiciais que vêm
a consubstanciar as expectativas normativas dos contribuintes que, com base nos referidos
precedentes, planejam jurídica e economicamente, suas atividades.
2.3. Da Jurisprudência consolidada no tempo e suas implicações O papel dos
precedentes judiciais
Todo sistema jurídico tem como objetivo básico estabelecer normas jurídicas para
todas as situações que possam acontecer no mundo social, fazendo incidir a norma prevista
para aquele caso específico, havendo assim, uma ideia de completude do sistema jurídico.
A ideia de completude, contudo, não se esgota unicamente nas normas gerais e
abstratas, há a necessidade da atuação de um outro Poder que não o Legislativo: o Poder
Judiciário. Lourival Vilanova
116
já afirmava:
―O ato jurisdicional que tira regra nova para o caso sub judice, que elabora
o dever-ser concreto para a situação concreta, nem sempre encontra no
sistema a regra geral, onde o fato individual está previsto como fato-
espécie. Se o juiz deixa de julgar alegando inexistência de norma para o
caso, o sistema será, para o caso, incompleto. O sistema vai se
completando através da decisão jurisdicional integrativa‖.
117
E é exatamente esse o papel dos precedentes judiciais, entre outros, ou seja,
conferir completude ao sistema e de fato, o órgão judicante participa da produção normativa
que vai se tornando mais importante a partir do momento que vão produzindo-se decisões, a
fim de preencher as eventuais lacunas do sistema.
Como se sabe, todas as normas jurídicas introduzidas no sistema, em regra,
possuem efeitos prospectivos, não podendo, salvo raras exceções, reportarem-se ao passado.
Contudo, o mesmo não ocorre com as decisões judiciais, especialmente, as de controle de
constitucionalidade que normalmente reportam-se ao passado, desfazendo todas as relações
116
VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e Sistemas do Direito, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 208.
117
Grifamos.
77
jurídicas fundamentadas na norma declarada inconstitucional, como bem adverte Luís
Roberto Barroso
118
:
―A lógica do raciocínio é irrefutável. Se a Constituição é a lei suprema,
admitir a aplicação de uma lei com ela incompatível é violar sua
supremacia. Se uma lei inconstitucional puder reger uma dada situação e
produzir efeitos regulares e válidos, isto representaria a negativa de
vigência da Constituição naquele mesmo período, em relação àquela
matéria. A teoria constitucional não poderia conviver com essa contradição
sem sacrificar o postulado sobre o qual se assenta. Daí porque a
inconstitucionalidade deve ser tida como uma forma de nulidade, conceito
que denuncia o vício de origem e a impossibilidade de convalidação do
ato‖.
Porém, como já ressaltado, tal premissa vem sofrendo temperamentos, que de
forma alguma vêm a denotar a ruptura ou desconsideração da supremacia constitucional.
Neste sentido e mais uma vez, Luis Roberto Barroso
119
:
―Trata-se, na verdade, de uma ponderação a ser feita entre a norma
constitucional violada e outra norma constitucional: a que protege os
efeitos já produzidos pela lei declarada inconstitucional, postulando mantê-
los, e.g., em nome da boa-fé, da moralidade ou da segurança jurídica‖.
Contudo, no presente caso, de se considerar também as situações que vinham
sendo consolidadas, situações estas reveladas por meio de decisões judiciais, sempre no
mesmo sentido e que, com o decorrer do tempo, foram sendo inseridas na boa-fé e confiança
dos contribuintes, inclusive, sem o devido trânsito em julgado
120
. Todavia, em alguns casos,
como se verá, a necessidade da irrecorribilidade da decisão, pois entendemos que somente
com a existência do instituto da coisa julgada é que se revelará como válido o argumento da
118
BARROSO, Luis Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2004,
p. 15.
119
BARROSO, Luis Roberto. Mudança da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em Matéria Tributária.
Segurança Jurídica e Modulação dos Efeitos Temporais das Decisões Judiciais. Parecer Inédito.
120
―Tal circunstância torna o equacionamento da questão mais simples. Com efeito, se na hipótese extrema de
reconhecimento da inconstitucionalidade de uma lei, o STF admite a possibilidade de não se dar à decisão efeitos
retroativos, com muito mais razão deverá admiti-la no desempenho da jurisdição ordinária, que não envolve a
declaração de nulidade de qualquer norma em face da Constituição. Portanto, os mesmos elementos de
ponderação a serem levados em conta nos casos de inconstitucionalidade deverão ser considerados aqui.‖
(BARROSO, Luis Roberto. Mudança da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em Matéria Tributária.
Segurança Jurídica e Modulação dos Efeitos Temporais das Decisões Judiciais. Parecer Inédito.)
78
segurança jurídica, nos termos aqui propostos. Cabe, contudo a modulação em outros casos,
em função das peculiaridades existentes, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal.
Deveras, os Tribunais vêm reconhecendo essa excepcionalidade, especialmente
quando já consolidadas as relações jurídicas:
Mandado de Segurança. 2. Acórdão do Tribunal de Contas da União.
Prestação de Contas da Empresa Brasileira de Infraestrutura
Aeroportuária INFRAERO. Emprego público. Regularização das
admissões. 3. Contratações realizadas por processo seletivo sem concurso
público, validadas por decisão administrativa e acórdão anterior do TCU.
4. Transcurso de mais de dez anos desde a concessão da liminar no
mandado de segurança. 5. Obrigatoriedade da observância do princípio
da segurança jurídica enquanto subprincípio do Estado de Direito.
Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 6.
Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica.
Presença de um componente de ética jurídica e sua aplicação nas relações
jurídicas de direito público. 7. Concurso de circunstâncias específicas e
excepcionais que revelam: a boa dos impetrantes; a realização de
processo seletivo rigoroso; a observância do regulamento da Infraero,
vigente à época da realização do processo seletivo; a existência de
controvérsia, à época das contratações, quanto à exigência, nos termos do
art. 37 da Constituição, de concurso público no âmbito das empresas
públicas e sociedades de economia mista. 8. Circunstâncias que, aliadas
ao longo período de tempo transcorrido, afastam a alegada nulidade das
contratações dos impetrantes. 9. Mandado de Segurança deferido.
121
Mandado de Segurança. 2. Cancelamento de pensão especial pelo
Tribunal de Contas da União. (...) Pensão concedida vinte anos. (...) 7.
Aplicação do princípio da segurança jurídica, enquanto subprincípio do
Estado de Direito. Possibilidade de revogação de atos administrativos que
não se pode estender indefinidamente. Poder anulatório sujeito a prazo
razoável. Necessidade de estabilidade das situações criadas
administrativamente. (...) 9. Princípio da confiança como elemento do
princípio da segurança jurídica."
122
Na avaliação da nulidade do ato administrativo é necessário temperar a
rigidez do princípio da legalidade, para que ele se coloque em harmonia
com os princípios da estabilidade das relações jurídicas, da boa-fé e
outros valores essenciais à perpetuação do Estado de Direito
123
.
Esta Corte firmou entendimento no sentido de que, havendo situação
fática consolidada pelo decurso do tempo, não pode o estudante
beneficiado com a transferência sofrer com posterior desconstituição das
121
STF, DJU 5.nov.2004, MS 22357-0/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes.
122
STF, DJU 17.set.2004, MS 24268/MG, Rel. Min. Ellen Gracie, Relator para acórdão Min. Gilmar Mendes.
Em linha similar, veja-se também, STF, DJU 1.ago.2003, QO em Pet 2900/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes.
123
STJ, DJU 16.set.1991, REsp 6518/RJ, Rel. Min. Gomes de Barros.
79
decisões que lhe conferiram tal direito. Hipótese em que a recorrente
encontra-se prestes a colar grau.
124
Essas pequenas digressões nos levam a sustentar a importância dos precedentes
judiciais no controle de constitucionalidade brasileiro, especialmente, quando inseridos na
boa-fé dos contribuintes e tutelados pela segurança jurídica.
O stare decisis ou a teoria dos precedentes foi desenvolvida no seio da common
law. A referida teoria determina que uma vez estabelecido um determinado direito por uma
Corte, este mesmo direito deverá ser reafirmado pelos Tribunais inferiores em causas futuras
e de natureza semelhante.
Tal sistemática confere maior previsibilidade nas decisões judiciais, conferindo,
assim, maior confiança e segurança nos cidadãos. Charles D. Cole
125
sobre o stare decisis
afirma:
―Stare decisis é a política que requer que as Cortes subordinadas à Corte de
segunda instância que estabeleceu o precedente sigam o precedente e que
não disturbem um ponto estabelecido‖.
E de fato, a experiência na common law, com base nos precedentes judiciais, vem
sendo incorporada ao poucos pelo ordenamento jurídico, como se pode inferir, por exemplo,
do art. 105, III, ―c‖, da CF/88, em que a divergência jurisprudencial tem sido fundamento para
a interposição de recurso especial, bem como a súmula vinculante, introduzida pela Emenda
Constitucional nº 45/2004, entre outros
126
.
124
STJ, DJU: 07.03.2005, REsp 653383/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki.
125
COLE, Charles D. Precedente Judicial A experiência americana. (In). Revista de Processo, São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1998, p. 72.
126
Podemos citar ainda o texto constitucional que confere efeitos vinculantes a precedentes do STF em ação
direta de inconstitucionalidade e em ão declaratória de constitucionalidade: CF/88, art. 102, § ; a decisão
proferida pelo STF na argüição de descumprimento de preceito fundamental também terá efeito vinculante,
conforme determinação legal: Lei nº 9.882, de 3.12.99; o texto constitucional, em inovação introduzida pela EC
nº 45 04, passou a prever a súmula vinculante: CF, art. 103-A; o relator poderá, monocraticamente, negar
seguimento ou dar provimento a recurso, conforme a decisão impugnada haja observado ou esteja em confronto
com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do STF ou de tribunal superior: CPC, art.
557 e § 1º; a sentença proferida contra a Fazenda Pública produzirá seus efeitos, independentemente do duplo
grau de jurisdição, se estiver fundada na jurisprudência do plenário do STF ou em súmula deste tribunal ou do
tribunal superior competente: CPC, art. 475, § 3º.
80
A repetição dos precedentes judiciais, cujas soluções sejam idênticas, embora não
se confundam com a criação de normas pelo Poder Legislativo, passa a deter, inegavelmente,
um status normativo. O próprio ordenamento jurídico brasileiro vem realizando essa
aproximação entre a civil law e a common law: basta verificarmos as normas previstas nos
seguintes textos legais
127
: art. 475, par. 3º, do CPC, art. 543-A, par. 3º, CPC; art. 544, par. 3º;
art. 557, par. 1º, entre outros.
O modelo brasileiro, embora não tenha adotado a teoria do ―stare decisis‖, preferiu,
uma vez consolidada a jurisprudência pelo Supremo Tribunal Federal, outorgar ao Senado
Federal a possibilidade de suspensão da lei declarada inconstitucional, nos termos do art. 52,
X, da Constituição Federal, o que, de forma alguma inviabiliza a premissa aqui estabelecida,
uma vez que se leva em conta a relação dos precedentes judiciais com princípios como a
segurança jurídica, boa-fé, irretroatividade e outros, não se restringindo, portanto, a uma
interpretação pura e simples da lei.
Ressaltamos, contudo, que não defendemos no presente trabalho a imutabilidade
das decisões judiciais: temos, é fato, um ordenamento jurídico rígido, mas não imutável. O
que pretendemos, na verdade, é criticar as alterações jurisprudenciais repentinas, sem
qualquer atenção à segurança jurídica e à boa-dos contribuintes que praticaram seus atos
127
Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo
tribunal, a sentença:
(...)
3
o
Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do
plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.
Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário,
quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.
(...)
§ 3
o
Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a mula ou jurisprudência
dominante do Tribunal.
Art. 544. Não admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo de instrumento, no prazo de
10 (dez) dias, para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso.
(...)
§ 3
o
Poderá o relator, se o acórdão recorrido estiver em confronto com a súmula ou jurisprudência dominante do
Superior Tribunal de Justiça, conhecer do agravo para dar provimento ao próprio recurso especial; podeainda,
se o instrumento contiver os elementos necessários ao julgamento do mérito, determinar sua conversão,
observando-se, daí em diante, o procedimento relativo ao recurso especial.
Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em
confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal,
ou de Tribunal Superior.
§ 1
o
- A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do
Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.‖.
81
com base em legislações presumivelmente válidas, mas que com alteração da jurisprudência
vêm a desconsiderar todas as relações jurídicas implementadas entre contribuintes e Estado.
O fundamento do quanto exposto está justamente no relevante e crescente papel
que o próprio legislador constitucional vem concedendo aos precedentes judiciais, na medida
em que estes, cada vez mais, vêm completando as lacunas do sistema jurídico pátrio e que
suas normas, ainda que, em muitos casos, sejam individuais e concretas, vêm dando sentido
aos textos cada vez mais vagos e imprecisos, especialmente, na esfera tributária. Concluindo
de forma didática sobre a força normativa dos precedentes, assevera Misabel Derzi
128
:
―Partimos do pressuposto de que o juiz aplica, mas também cria Direito.
Daí ser cediço afirmar que lei não se confunde com Direito, ou norma
jurídica. Lei é apenas fonte, uma das mais importantes, é verdade, de onde
promana o Direito. Mas, também, circularmente, voltamos aos
pressupostos. Se a sentença cria Direito, ela, da mesma forma que a lei,
sem com ela se confundir, é fonte de onde promana o Direito. Ela ganha
força normativa, quando se consolida como expectativa e se desloca para o
passado em relação às decisões judiciais futuras como precedente.
Doravante, os juízes olham para os precedentes, buscando informações,
como olham para as leis.
(...)
Se, supervenientemente, o Poder Judiciário altera e muda a sua decisão,
escolhendo uma outra alternativa (antes possível, em razão do leque de
significados da cadeia de signos), cria nova norma, específica e
determinada. Tal norma nova equivale a uma nova lei, pois a lei anterior,
ainda vigente no sentido formal, tinha sido dotada de um conteúdo,
unívoco, pois sofrera o esvaziamento dos demais sentidos alternativos, por
decisão do próprio Poder Judiciário.‖.
Inegável, assim, a estrutura normativa das decisões judiciais, uma vez que,
efetivamente, e assim consideramos, o Poder Judiciário ao conferir uma interpretação aos
dispositivos normativos, também cria norma, preenchendo, inclusive, regra-matriz de
incidência de determinados tributos ao, por exemplo, definir o real contribuinte de uma
determinada exação.
128
DERZI, Misabel. Modificações da Jurisprudência: Proteção da Confiança, Boa-e Irretroatividade como
Limitações ao Poder de Tributar. Tese Inédita (Concurso para Titularidade no Departamento de Direito Público
da Universidade Federal de Minas Gerais, 2008, p.231/232.
82
CAPÍTULO III DA MODULAÇÃO DE EFEITOS NO CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE ALGUMAS HIPÓTESES
3. Modulação de Efeitos no Controle de Constitucionalidade Quando Aplicar
Cumpre-nos ressaltar inicialmente que, partindo da premissa que o papel do
Supremo Tribunal Federal é manter supremacia e harmonia da Constituição Federal, parece-
nos claro que este Tribunal sempre deteve o poder de restringir os efeitos de eventual
declaração de inconstitucionalidade, independentemente da sua modalidade de controle.
Deve-se estar atento para o fato de que a limitação dos efeitos, ainda que no controle concreto,
não poderá ser sempre considerada em termos absolutos, tendo em vista a presença de outros
princípios envolvidos.
Sobre tal problemática se posicionou Lúcio Bittencourt
129
:
―Assim, por exemplo, quanto às leis anteriores à Constituição, os efeitos da
sentença não afetam a lei no seu berço, mas, apenas, a invalidade a partir
da data em que se estabeleceu a nova ordem constitucional.
Da mesma sorte as relações jurídicas que se constituírem, de boa-fé, à
sombra da lei não ficam sumariamente canceladas em conseqüência do
reconhecimento da inconstitucionalidade, nem a coisa soberanamente
julgada perde, por esse motivo, os efeitos que lhe asseguram a
imutabilidade.
(...)
É manifesto, porém, que essa doutrina da ineficácia ab initio da lei
inconstitucional não pode ser entendida em termos absolutos, pois que os
efeitos de fato que a norma produziu não podem ser suprimidos,
sumariamente, por simples obra do decreto judiciário‖.
E a função do Tribunal Constitucional é manter a harmonia, independentemente da
introdução no ordenamento jurídico brasileiro, da Lei 9.868/99, art. 27, que teoricamente
possibilitou ao Supremo Tribunal Federal atribuir limitações temporais às suas decisões de
inconstitucionalidade.
129
BITTENCOURT, Lúcio. O Controle da Constitucionalidade das Leis, Rio de Janeiro: Cia. Forense de Artes
Gráficas, 2ª ed, 1968, pág. 147/148.
83
Aliás, o próprio Supremo Tribunal Federal reconheceu essa possibilidade, mesmo
antes do advento da Lei 9.868/99, nos autos do HC 70.514
130
(23.03.1994), quando
proferiu entendimento de que deveria ser considerada a constitucionalidade da lei que
concedia o prazo em dobro para a defensoria pública enquanto estes órgãos ainda não
estivessem estruturados para atenderem às demandas pelas quais eram solicitados.
A flexibilização do entendimento em que se afasta a teoria da nulidade das
normas, a fim de preservar situações já consolidadas pelo tempo, também vinha sendo
adotada em outros casos, demonstrando, assim a capacidade constitucional do Supremo
Tribunal Federal para adotar o mecanismo da modulação, tendo em vista a verificação de
outros princípios envolvidos.
É o caso, por exemplo, do Recurso Extraordinário 78.594
131
, onde os atos
praticados por funcionários de fato foram considerados válidos, mesmo com a declaração de
inconstitucionalidade da Lei que os ―investiu‖ como oficiais de justiça. Neste caso, embora
não tenha sido aventado o argumento da segurança jurídica, manteve o Supremo Tribunal
Federal a validade dos atos praticados, mesmo tendo sido a norma declarada
inconstitucional, como se infere do voto do saudoso Min. Bilac Pinto:
130
EMENTA: - Direito Constitucional e Processual Penal. Defensores Públicos: prazo em dobro para
interposição de recursos (§ 5 do art. 1 da Lei n 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871, de
08.11.1989). Constitucionalidade. "Habeas Corpus". Nulidades. Intimação pessoal dos Defensores Públicos e
prazo em dobro para interposição de recursos. 1. Não é de ser reconhecida a inconstitucionalidade do § 5 do art.
1 da Lei n 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871, de 08.11.1989, no ponto em que confere prazo
em dobro, para recurso, às Defensorias Públicas, ao menos até que sua organização, nos Estados, alcance o nível
de organização do respectivo Ministério Público, que é a parte adversa, como órgão de acusação, no processo da
ação penal pública. 2. Deve ser anulado, pelo Supremo Tribunal Federal, acórdão de Tribunal que não conhece
de apelação interposta por Defensor Público, por considerá-la intempestiva, sem levar em conta o prazo em
dobro para recurso, de que trata o § 5 do art. 1 da Lei n 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871, de
08.11.1989. 3. A anulação também se justifica, se, apesar do disposto no mesmo parágrafo, o julgamento do
recurso se realiza, sem intimação pessoal do Defensor Público e resulta desfavorável ao réu, seja, quanto a sua
própria apelação, seja quanto à interposta pelo Ministério Público. 4. A anulação deve beneficiar também o co-
réu, defendido pelo mesmo Defensor Público, ainda que não tenha apelado, se o julgamento do recurso
interposto pelo Ministério Público, realizado nas referidas circunstâncias, lhe é igualmente desfavorável. ‗Habeas
Corpus‘ deferido para tais fins, devendo o novo julgamento se realizar com prévia intimação pessoal do
Defensor Público, afastada a questão da tempestividade da apelação do réu, interposto dentro do prazo em
dobro‖.
131
DJU: 04.11.1974 Ementa. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. EXERCÍCIO DA FUNÇÃO. DE OFICIAL
VALIDADE DO ATO PRATICADO POR FUNCIONÁRIO DE FATO. APESAR DE PROCLAMADA A
ILEGALIDADE DA INVESTIDURA DO FUNCIONÁRIO PÚBLICO NA FUNÇÃO DE OFICIAL DE
JUSTIÇA, EM RAZÃO DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI ESTADUAL QUE
AUTORIZOU TAL DESIGNAÇÃO, O ATO POR ELE PRATICADO E VALIDO. - RECURSO NÃO
CONHECIDO‖.
84
―Ainda que se pretenda que os efeitos da decisão desta Corte, pela sua
própria natureza, tem efeito retroativo, para atingir todas as nomeações de
oficiais de justiça feitas com apoio na lei Estadual de 3.12.71, não se
poderá daí concluir que os atos praticados por esses oficiais de justiça são
nulos.
(...)
O acórdão recorrido rejeitou a argüição de nulidade por não ter recorrente
sofrido qualquer prejuízo com a realização da penhora, cujo ato assinou,
defendendo-se amplamente no processo‖.
Assim, nos parece claro ser inquestionável que, independentemente da previsão
contida no art. 27, da Lei 9.868/99, detinha o Supremo Tribunal Federal a competência
para afastar a teoria da nulidade, ainda que com a declaração de inconstitucionalidade da
norma questionada. No mesmo sentido, afirma de forma objetiva Paulo Roberto Lyrio
Pimenta
132
:
―Parece-nos que esse dispositivo é de grande inutilidade no direito
brasileiro, eis que a possibilidade de mitigação da eficácia temporal da
pronúncia de inconstitucionalidade encontra-se implicitamente admitida no
texto da Constituição, como examinado anteriormente; sendo desnecessária,
portanto, a previsão em lei infraconstitucional.‖
133
A modulação em si relaciona-se basicamente com o aspecto temporal das
normas e diz respeito ao termo inicial em que a norma deverá ter a sua eficácia suspensa, ou
seja, ao se declarar uma norma inconstitucional o Supremo Tribunal Federal determinará a
partir de quando cessarão os seus efeitos, ou seja, se a partir da publicação do acórdão que
acolher a modulação ou se em algum momento futuro.
Assim, é necessário investigar que tipo de precedentes tem o papel relevante de
se inserir na confiança e expectativas normativas dos contribuintes. Ora, que tipo de
jurisprudência pode ser considerada como consolidada ou mesmo suficiente ao ponto de levar
o Supremo Tribunal Federal a modular e limitar os efeitos das suas decisões?
132
PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade em Direito Tributário. São
Paulo: Dialética, 2002. p. 99.
133
Sobre a inconstitucionalidade do art. 27, da Lei n○ 9.868/99, Paulo Pimenta afirma que o mesmo padece de
vício, eis que não cabe à norma de natureza infraconstitucional dispor sobre os aspectos materiais da decisão de
inconstitucionalidade e que, além do mais, não poderia o Poder Legislativo que edita norma infraconstitucional,
restringir ou mesmo ampliar competência do Poder controlador, Judiciário.
85
Misabel Derzi
134
, citando Heiki Pohl afirma:
―A partir desses pressupostos, Heiki Pohl distingue entre os precedentes
judiciais, que configuram: (a) precedentes, que são jurisprudência,
verdadeiros mandamentos de aplicação e de respeito, com caráter
vinculativo
135
, ou seja, proibição de desvio, de divergência. Essa espécie de
jurisprudência vinculativa configura a decisão uniformizadora da Corte
hierarquicamente superior, que obriga os tribunais inferiores, sem
possibilidade de modificação pelas primeiras instâncias. Sua decisão
advém tão-somente das decisões da Corte Superior; e (b) precedentes como
jurisprudência estabilizada
136
, que não supõem necessariamente o princípio
hierárquico, nem tampouco configuram a proibição de divergência, mas
são singelos mandamentos de recomendação para a consideração na
solução de conflitos normativos do mesmo grupo de casos similares.‖
Há, dessa forma, certos graus de observância em relação aos precedentes pelos
Tribunais inferiores, como no exemplo previsto no item ―b‖, onde se não obrigatoriedade
de seguir a decisão do Tribunal Superior, que pelo menos a referida decisão, mediante um
juízo de ponderabilidade, deverá ser levada em conta para a solução de determinado caso
concreto, sem que necessariamente deva-se modular os efeitos da referida decisão.
Deveras, toda decisão judicial tem ao mesmo tempo o papel de vincular seus
efeitos às partes envolvidas no litígio, mas também de possuir notas, características de caráter
geral, quando se inferir que outras decisões, cujos fundamentos são idênticos, vêm sendo
proferidas, se estendendo, como vimos, a outros casos.
De fato, esses casos, quando ainda discutidos pelos Tribunais inferiores, também
têm o papel de se inserir de forma relativa (mas não de forma absoluta) na confiança e boa-
dos contribuintes.
Decerto, o referido entendimento se reforça quando tais discussões são ―travadas‖
nas últimas instâncias, ou seja, quando se têm decisões proferidas pelo Supremo Tribunal
Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, cujas decisões possuem notas idênticas a outros
134
DERZI, Misabel. Modificações da Jurisprudência: Proteção da Confiança, Boa-e Irretroatividade como
Limitações ao Poder de Tributar. Tese Inédita (Concurso para Titularidade no Departamento de Direito Público
da Universidade Federal de Minas Gerais, 2008, p.190.
135
Como as súmulas de caráter vinculativo presentes no ordenamento brasileiro.
136
Como a jurisprudência outrora consolidada do Superior Tribunal de Justiça em relação ao crédito-prêmio de
IPI.
86
casos julgados
137
. Há, assim, uma jurisprudência capaz de induzir uma expectativa normativa
nos contribuintes, ainda que contrária aos seus anseios.
Mais uma vez, nos valemos dos ensinamentos de Misabel Derzi
138
sobre o tema:
―Então, se a uma pergunta geral (que se estende a vários conflitos
individuais) é encontrada uma nova resposta, diferente daquela dada pela
jurisprudência anterior, teremos uma alteração, uma reviravolta
jurisprudencial. Não é necessário que a ‗revogação‘ do entendimento
anterior seja expressa, pode ser implícita. Para a configuração técnica da
modificação temos o seguinte objeto da modificação: se toda
jurisprudência se firma em torno da mesma questão ou problema, fixando
uma norma judicial, uma ‗diretriz‘, uma ‗ratio decidendi‘, para a solução
de uma série de casos similares, estaremos em face de uma nova
jurisprudência se aquela ‗diretriz‘ ou ‗ratio decidendi‘ (isto é, se aquela
norma judicial e concreta) da jurisprudência velha, anterior, for alterada.
(...)
Portanto, é a resposta geral (a uma pergunta ou questão) que caracteriza a
jurisprudência.
(...)
Tomemos como exemplo, novamente, a Súmula 670: ‗O serviço de
iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa‘. A primeira
decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, não sendo para isso
necessário duas, publicada e passada em julgado, que considerar
constitucional (no futuro) remunerar-se por meio de taxa o serviço de
iluminação pública, marcará a reviravolta jurisprudencial.‖
139
Logo, o direito ―criado‖ pelo Tribunal nada mais é que uma solução que restringe,
dessa forma, um grande número de possibilidades passíveis de serem aplicadas a um caso
concreto, criando uma expectativa de que a referida solução também seja a aplicada a outros
casos que contenham argumentos semelhantes.
Como mencionado no decorrer do presente trabalho, o principal fundamento da
modulação é a manutenção das expectativas normativas, consolidadas por decisões proferidas
seja pelo Supremo Tribunal Federal seja pelo Superior Tribunal de Justiça. Mas quando tais
expectativas devem ser levadas em conta para fins de modulação?
137
A efetiva introdução ao sistema jurídico, capaz de ensejar uma eventual modulação, deverá ter como
parâmetro a coisa julgada nas decisões proferidas pelos Tribunais superiores.
138
DERZI, Misabel. Modificações da Jurisprudência: Proteção da Confiança, Boa-e Irretroatividade como
Limitações ao Poder de Tributar. Tese Inédita (Concurso para professor titular no Departamento de Direito
Público da Universidade Federal de Minas Gerais, 2008, p.194 grifos no original).
87
Desde o início do presente trabalho, afirma-se que a positivação é fundamental
para a implementação da segurança jurídica, cujo ordenamento jurídico brasileiro deverá
repelir quaisquer formas de fundamentos que não estejam presentes no sistema
140
, sendo
assim inegável que a busca para a indagação acima formulada deverá ser encontrada no
direito positivo.
E o próprio sistema, sem grandes digressões, nos fornece tais requisitos a fim de se
identificar em quais casos as decisões dos Tribunais Superiores devem ser observadas de
forma obrigatória (e não como mera recomendação), que inseridas na confiança e boa-fé
dos contribuintes.
Ainda baseando-nos nas lições de Misabel Derzi, expressas em sua Tese para a
Titularidade apresentada ao departamento de Direito Público da Universidade Federal de
Minas Gerais, entendemos que a limitação dos efeitos temporais é de observância obrigatória,
quando da alteração de uma jurisprudência consolidada, não quanto a declaração de (in)
constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, mas também nos casos em que haja
alteração de interpretação conferida por este Tribunal de forma reiterada.
Em relação a essas decisões, entendemos que somente as decisões proferidas de
forma definitiva pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça
(Corte Especial
141
) têm o condão de gerar a confiança nos contribuintes, tendo em vista que
esses Tribunais são as instâncias máximas, respeitando-se, obviamente, a competência de
cada um.
Nesses requisitos inserem-se também as decisões proferidas, em controle
concreto, quando da publicação de resoluções pelo Senado Federal (art. 52, X, da
Constituição Federal), que possuem efeito erga omnes, gerando legítimas expectativas.
139
Grifamos.
140
Gustavo Valverde afirma que ―A positivação traz conseqüências muito relevantes para a estruturação dos
sistema. A estabilização de expectativas não pode mais ser buscada na crença numa ordem verdadeira, baseada
em fundamentos morais‖. VALVERDE, Gustavo. Coisa Julgada em Matéria Tributária. São Paulo: Quartier
Latin, 2004, p. 125.
141
A Corte Especial é órgão máximo do Superior Tribunal de Justiça (STJ). É dirigida pelo presidente do
Tribunal e formada pelos 15 ministros mais antigos do STJ.‖ (fonte: www.stj.gov.br)
88
As referidas resoluções são decorrentes de decisões reiteradas pelos Tribunais,
sempre no mesmo sentido e são proferidas pelo ―poder‖ senatorial, a fim de suspender a
eficácia das normas declaradas inconstitucionais. As decisões, muito embora reconheçam a
inconstitucionalidade da norma efetivamente questionada, somente geram efeitos concretos
entre as partes litigantes no alcance dos respectivos acórdãos.
No mesmo sentido, temos as súmulas, especialmente as vinculantes, que visam
estabilizar as ranhuras que podem advir de decisões contrastantes entre os Tribunais
Superiores e os de primeira e ―segunda‖ instância.
Entendemos, também, que mesmo as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal
Federal, ainda que em sede de controle difuso, induzem a uma expectativa legítima dos
cidadãos, ainda que de forma relativa, em relação aos seus atos de planejamento jurídico-
econômico, confiando na manutenção daquelas decisões que lhes foram favoráveis. Aliás,
cumpre-nos ressaltar que o ordenamento jurídico brasileiro inseriu normativamente a
importância de jurisprudência dominante, como mencionado, na apreciação de recursos, ao
dispor no art. 557 do Código de Processo Civil o seguinte:
―Art. 557 - O relator negará segmento a recurso manifestamente
inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou
com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal
Federal, ou de Tribunal Superior.‖
142
Ou seja, deverá ser levado em conta pelo julgador se os fundamentos do recurso
interposto estão de acordo com o entendimento do respectivo Tribunal, pois caso contrário, o
relator, monocraticamente, poderá negar seguimento ao aludido recurso, demonstrando,
indubitavelmente, a importância da jurisprudência no ordenamento jurídico brasileiro.
Ponto crucial é identificar quando as expectativas são inseridas no sistema jurídico,
ou seja, quando se pode afirmar que, de fato, os contribuintes possuem legítima confiança a
fim de ter reconhecida a limitação dos efeitos temporais na declaração de
inconstitucionalidade. Este será o ponto do próximo subcapítulo.
89
A modulação em si é a possibilidade de se restringir a eficácia temporal das
decisões do Supremo, em qualquer espécie de controle de constitucionalidade, limitando a
eficácia retroativa dessas decisões, de modo a observar a segurança jurídica, bem como
diversos outros princípios de natureza constitucional.
Registre-se que a modulação não deve ter como justificativa a idéia de política
judiciária, como entende, por exemplo, Luis Roberto Barroso
143
, porque todo o fundamento
da modulação deverá estar presente na própria Constituição Federal, onde não se admite
qualquer espécie de argumentação extrajurídica, como bem lecionam Gilmar Mendes e Ives
Gandra da Silva Martins
144
:
―Assim, aqui, como no Direito Português, a não-aplicação do princípio da
nulidade não se de basear em consideração de política judiciária, mas
em fundamento constitucional próprio‖.
E de fato, o próprio ordenamento prevê, como se sabe, com base na Lei
9.868/99, art. 27, que poderá o Supremo Tribunal Federal limitar os efeitos de uma eventual
declaração de inconstitucionalidade quando houver um fundado receio de violação à
segurança jurídica, abordada em capítulo específico, ou quando estiver presente o
excepcional interesse social.
Cumpre-nos uma crítica a esse fundamento, tendo em vista sua alta
indeterminação conceitual; a doutrina é escassa em relação ao tema, como lembra José
Cretella Júnior
145
: ―a expressão interesse social não se define, exemplifica-se. (...) interesse
social é tudo aquilo que, num dado momento histórico da vida de um povo, o legislador rotula
como tal.‖
142
Entendemos que a regra inserida no art. 557 do Código de Processo Civil possui uma natureza de mera
recomendação e não de caráter obrigatório, tendo em vista que, muitas vezes os Tribunais vêm considerando
como jurisprudência dominante decisões que ainda não transitaram em julgado.
143
Parecer apresentado quando da apreciação pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) de embargos de
declaração nos RE‘s 377457/PR.
144
MENDES, Gimar e MARTINS, Ives Gandra da Silva. Controle Concentrado de Constitucionalidade
Comentários à Lei nº 9.868, de 10-11-1999. 3ª edição, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 565.
145
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à lei de desapropriação: Constituição de 1988 e leis ordinárias.
Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 522/3.
90
O excepcional interesse social também aparece na Constituição Portuguesa, em
seu art. 282, 4
146
, sendo provavelmente o exemplo incorporado pelo legislador brasileiro.
Ana Paula Ávila
147
é incisiva ao criticar a utilização da referida expressão como fundamento
da modulação no caso brasileiro:
―A ausência de suporte na Constituição, por si só, permite que se questione a
possibilidade de modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade
com base no excepcional interesse social.
(...)
No entanto, é fato que falece ao excepcional interesse social previsão
constitucional que lhe sirva de fundamento, ao contrário do que ocorre com a
segurança jurídica, que, como foi visto, trata de princípio que conta com ampla
fundamentação constitucional e com conteúdo bem delineado‖.
de se concordar com a autora acima citada, tendo em vista que a própria
indeterminação do conceito de excepcional interesse social vem violar a própria segurança
jurídica, na medida em que o cidadão não tem como antever um comportamento a ser adotado,
dada a ambiguidade e vagueza do aludido signo linguístico.
Pode-se, contudo, (mediante uma interpretação conforme a Constituição) atribuir
uma íntima relação entre a segurança jurídica e o excepcional interesse social, ou seja, a fim
de se manter este vocábulo inserido no sistema, vislumbramos que, na verdade, o excepcional
interesse social está inserido na própria segurança jurídica, ou seja, ao se violar a coisa
julgada, ato jurídico perfeito, irretroatividade, pode se visualizar também uma violação do
excepcional interesse social, na medida em que os citados princípios são de grande relevância
para a sociedade e passíveis de serem mais bem processados pelo sistema jurídico. Eles, de
certa forma, incorporam o excepcional interesse social.
Resta-nos, dessa forma, como efetivo fundamento da modulação de efeitos, a
própria segurança jurídica (sendo o excepcional interesse social tutelado pela segurança),
baseada na prática de atos envolvidos pela boa-fé e confiança dos contribuintes, vedando, com
146
―Artigo 282 (...):
4. Quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional interesse, relevo que
deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade
ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos nºs 1 e 2‖.
147
ÁVILA, Ana Paula. Modulação de Efeitos Temporais pelo STF. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p.
167.
91
base na irretroatividade das decisões judiciais, a extinção de relações jurídicas já consolidadas
pelo tempo. Neste sentido decidiu Supremo Tribunal Federal:
―O RE 92.757. O poder desses fatos não despiciendo. Em certa época,
multiplicaram-se mandados de segurança contra a exigência de idade
mínima de aprovação no ensino superior. Deram-se liminares e
concederam-se as seguranças que propiciaram a continuação dos cursos e a
graduação dos impetrantes. Muito tempo depois, quando firmado o
entendimento de que era legítima a exigência, cassaram-se tais concessões.
Mas o Supremo Tribunal Federal, em atenção às situações de fato criadas
pelo deferimento liminar ou inicial dos mandados de segurança, foi levado
a restaurá-los em vários casos.
(...) Desconstituí-lo agra, seria não homenagear a Súmula 473 mas
praticar ato iniciado por desvio de finalidade (Lei nº 4.717/65). Seria
praticar ato lesivo ao interesse público. Eis que a desconstituição do
certame resultaria na troca de candidato bem classificado por outro,
presumivelmente de qualidade inferior‖
148
.
―EMENTA: Mandado de Segurança.
2. Acórdão do Tribunal de Contas da União. Prestação de Contas da
Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária - INFRAERO.
Emprego Público. Regularização de admissões.
3. Contratações realizadas em conformidade com a legislação vigente à
época. Admissões realizadas por processo seletivo sem concurso público,
validadas por decisão administrativa e acórdão anterior do TCU.
4. Transcurso de mais de dez anos desde a concessão da liminar no
mandado de segurança.
5. Obrigatoriedade da observância do princípio da segurança jurídica
enquanto subprincípio do Estado de Direito. Necessidade de estabilidade
das situações criadas administrativamente.
6. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica.
Presença de um componente de ética jurídica e sua aplicação nas relações
jurídicas de direito público.
7. Concurso de circunstâncias específicas e excepcionais que revelam: a
boa dos impetrantes; a realização de processo seletivo rigoroso; a
observância do regulamento da Infraero, vigente à época da realização do
processo seletivo; a existência de controvérsia, à época das contratações,
quanto à exigência, nos termos do art. 37 da Constituição, de concurso
público no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista.
8. Circunstâncias que, aliadas ao longo período de tempo transcorrido,
afastam a alegada nulidade das contratações dos impetrantes.
9. Mandado de Segurança deferido.‖
149
148
Resp nº. 92.7578. RTJ. 1995, p. 476.
149
MS 22357 / DF, DJU: 05.11.2004.
92
Sustentamos, assim, que os fundamentos para que os Tribunais Superiores
apliquem a limitação de efeitos com base no controle de constitucionalidade sejam a
segurança jurídica, a boa-fé (que decorre da própria segurança jurídica), na medida em que o
contribuinte pratica atos em face de lei e jurisprudência até então vigentes (envolve-se ai
também o princípio da confiança), não podendo ter suas relações, já estabelecidas e
consolidadas, afetadas, além do princípio da irretroatividade que visa proteger o passado.
Nos casos citados, embora o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido a
precariedade das decisões anteriormente proferidas (liminares, por exemplo), preferiu
entender pela presença relevante da segurança jurídica. Nesses casos, assim pensamos, não se
trata de uma modulação de caráter obrigatório, uma vez que, efetivamente, poderia a Corte
Suprema desconstituir os atos anteriormente praticados.
Tais princípios estarão aptos a irradiar seus efeitos, ou seja, poderão ser
consideradas como presentes a segurança jurídica e suas outras formas de exteriorização
(irretroatividade, boa-fé e a confiança) quando as decisões transitadas em julgado e proferidas
pelo Supremo Tribunal Federal forem provenientes do seu órgão máximo (o Pleno), podendo,
inclusive, ser apenas uma decisão solitária, mas que uma vez proferida pelo Plenário expande-
se por todo o sistema, gerando expectativas legítimas nos contribuintes.
Em breve resumo e corroborados pela objetiva exposição de Misabel Derzi
150
,
podemos considerar uma jurisprudência como consolidada e de observância obrigatória nos
seguintes casos:
a) sentenças declaratórias de constitucionalidade ou inconstitucionalidade
proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (seja no controle abstrato seja no
controle concentrado), bem como as decisões que interpretem de forma
definitiva a Constituição Federal proferidas por aquele órgão (decisões
Plenárias), que se interpenetram pela sociedade. Mencione-se ainda a
necessidade do trânsito em julgado das referidas decisões para legitimar
150
DERZI, Misabel. Modificações da Jurisprudência: Proteção da Confiança, Boa-Fé e Irretroatividade como
Limitações ao Poder de Tributar. Tese Inédita (Concurso para Titularidade no Departamento de Direito Público
da Universidade Federal de Minas Gerais, 2008, p.204.)
93
normativamente as expectativas, incluindo-se ai as decisões proferidas pela
Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, e
b) as resoluções senatoriais, as súmulas, especialmente, as vinculantes.
3.1. Da Coisa Julgada e o Conceito de Jurisprudência Predominante Introdução ao
Sistema Jurídico das Expectativas Normativas
A positivação das expectativas normativas do contribuinte é de fundamental
importância na identificação de um ponto de partida para que se possa visualizar o real
alcance da modulação. A mera argumentação com base na boa-fé, proteção da confiança e
segurança jurídica pode nos levar a um discurso vazio e meramente retórico, desaguando em
lugar comum, lugar este muito presente na discussão dos valores, como moral, justiça e outros.
E foi dessa forma que o Constituinte positivou a segurança jurídica, pelo menos
uma das suas expressões, com a introdução do art. 5º, XXXVI, da CF/88, ao dispor que ―a lei
prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisas julgada‖.
De fato, a coisa julgada foi erigida ao mais alto ―status‖ no sistema jurídico,
constituindo-se como direito fundamental, cláusula pétrea, portanto, nos termos do art. 60, 4º,
da CF/88.
A coisa julgada visa à paz jurídica ao estabelecer que um litígio foi extinto, sem
possibilidade de recurso, sendo a respectiva decisão justa ou injusta, como afirma o ex-
Ministro do Supremo Tribunal Federal Sydney Sanches
151
, com apoio na lição de Gustav
Radbruch:
―o instituto da coisa julgada e sua intangibilidade resultam da necessidade
humana de paz e segurança. ‗As injustiças que possa acarretar determinado
mecanismo de realização do Direito vêm a ser apenas o preço do bem-estar
e da tranqüilidade gerais‖.
Na mesma linha de raciocínio, afirma José Carlos Barbosa Moreira
152
:
151
SANCHES, Sydney. Da ação rescisória por erro de fato. In: Revista dos Tribunais. São Paulo. V. 501, 1977.
152
MOREIRA. José Carlos Barbosa. A eficácia preclusiva da coisa julgada material.Rio de Janeiro: Forense. V.
238, 1972.
94
―os litígios devem perpetuar-se (...) entre os dois riscos que se deparam o
de comprometer a segurança da vida social e o de consentir na eventual
cristalização de injustiças prefere o ordenamento assumir o segundo‖.
O aspecto temporal dos litígios processuais não pode ser indefinido, visto que a
função primordial do direito é a realização da segurança jurídica e não a busca indefinida pela
justiça
153
, tendo em vista o alto grau de indeterminabilidade do conceito do que seja
efetivamente o ―justo‖. Assim, defendemos que somente com a ocorrência da coisa julgada
em um caso concreto é que se operam num contexto, agora normativo, a segurança jurídica e
as expectativas normativas dos cidadãos em relação a uma matéria em discussão. Nesses
casos, havendo eventual alteração jurisprudencial, deverá o Tribunal, obrigatoriamente,
modular os efeitos da sua decisão.
Não importa o número de decisões judiciais que se tenha proferido, inclusive pelo
Supremo Tribunal Federal, pois se não há coisa julgada, não há o que se falar, pelo menos em
princípio em legítima expectativa normativa. Assim leciona Ives Gandra da Silva Martins
154
sobre a importância da definitividade das decisões judiciais:
―Desta forma, a ‗segurança‘, a que se refere a Carta Magna, adquire
‗certeza‘ absoluta quando o Poder Judiciário oferta a decisão definitiva, a
interpretação última, aquela que permite seja a interpretação seguida pelos
cidadãos com confiança.
É de se admitir, portanto, que a ―segurança jurídica‖ se completa com a
‗certeza‘ da interpretação pelo Poder que a determina, e o Supremo
Tribunal Federal, como guardião da Constituição, é aquele que oferta a
interpretação última, definitiva, que orienta, sinaliza, mostra a todos os
cidadãos o caminho correto a seguir.
Sumulado ou não, o precedente, quando sucessivamente reiterado pela
Suprema Corte, a meu ver, vincula a Suprema Corte, como guardiã da Lei
Maior‘, como orientação a todos jurisdicionados, servindo como guia
seguro, de guia certo de como proceder perante o texto legislativo
interpretado, de forma definitiva‖.
155
153
Moacyr Amaral Santos assevera que a procura pela justiça ―não pode ser indefinida, mas deve ter um limite,
por uma exigência de ordem pública, qual seja a estabilidade dos direitos, que inexistiria se não houvesse um
termo além do qual a sentença se tornasse imutável‖. (SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de direito
processual civil. 17ª ed. São Paulo: Saraiva. V. 1, 1994, p. 45.
154
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Efeito Prospectivo de Decisões da Suprema Corte sobre Matéria
Constitucional Sua Admissibilidade tanto em Controle Concentrado quanto em Controle Difuso - Parecer‖. In:
Revista Dialética de Direito Tributário, n. 124, jan/2006, p.120.
155
No mesmo sentido afirma Misabel Derzi: a vigência geral do precedente, como norma judicial e
expectativa normativa para terceiros que não integram o processo, se inicia com o trânsito em julgado da
decisão que forma o precedente consolidado. Não importa se a sentença tem natureza declaratória, constitutiva
95
A irrecorribilidade de uma determinada decisão judicial traz a certeza ao cidadão,
conferindo segurança jurídica a suas ações. Priscila Kei Sato
156
nos fornece uma solução de
sistematização da matéria, apontando critérios dos quais devem se servir o Supremo Tribunal
Federal para considerar predominante a sua jurisprudência e, com isso, traçar contornos mais
definidos para o conceito vago trazido pela do art. 557.
Sustenta a autora basicamente dois critérios: o primeiro prevê a existência ―de
mais de um acórdão que reflita aquele entendimento, ou unicidade de decisão‖. O segundo
critério, em seu sentir, exige a decisão do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, ainda
que não tenha havido unanimidade de votos no julgamento da matéria, incluindo-se o
trânsito em julgado da matéria.
Sendo assim, somente com a defitividade de uma determinada decisão (coisa
julgada), como por exemplo, uma decisão proferida pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal,
é que se pode considerar como marco inicial a gerar legítimas e robustas expectativas
normativas, inserido-se na boa-fé e confiança dos contribuintes, como afirmado no tópico
anterior.
Sem isso, voltamos a afirmar que, de tal forma é a complexidade dos valores
(ainda que positivados) como a boa-fé e confiança que, sem a ocorrência efetiva da coisa
julgada, não se teria um marco satisfatório de forma a delimitar o correto manejo da limitação
temporal decorrente da declaração de inconstitucionalidade ou mesmo de uma brusca
alteração jurisprudencial.
ou condenatória inter partes, o marco separatório entre o passado e o futuro será exatamente o momento do
trânsito em julgado. O precedente vigora para as partes e , como precedente, cria legítima expectativas de
conduta para terceiros, que integram o mesmo grupo de casos.‖ (DERZI, Misabel. Modificações da
Jurisprudência: Proteção da Confiança, Boa-Fé e Irretroatividade como Limitações ao Poder de Tributar. Tese
Inédita (Concurso para professor titular no Departamento de Direito Público da Universidade Federal de Minas
Gerais, 2008, p.417 negritos no original).
156
SATO, Priscila Kei. Jurisprudência (pre) dominante, Aspectos polêmicos e atuais dos recursos, Coord.
Eduardo Pellegrini de Arruda Alvim, Nelson Nery Júnior e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2000, p. 583
96
É por isso que estamos de acordo com Ada Pelegrini Grinover
157
ao observar que:
―se um dos escopos da jurisdição o social - consiste em restabelecer a paz social pela
eliminação das controvérsias, parece correto afirmar que esse objetivo é também alcançado na
medida em que são imutáveis os efeitos das decisões judiciais‖. E tal imutabilidade ocorre
com o trânsito em julgado
158
.
3.2. A Modulação na declaração de inconstitucionalidade sob o fundamento da
ilegalidade e seus conflitos com a irretroatividade manutenção da segurança jurídica -
panorama jurisprudencial
Como afirmado no decorrer do presente trabalho, muitas vezes o órgão julgador
deverá levar em conta os princípios envolvidos em litígio para evitar que uma eventual
declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex tunc possa violar o princípio da segurança
jurídica em função de outros.
O temperamento e a ponderação ao aplicar a teoria das nulidades são
imprescindíveis, tendo em vista o modelo baseado em uma interpretação sistemática do nosso
sistema jurídico, ou seja, muitas vezes o Poder Judiciário deverá buscar no sistema os
princípios mais adequados à solução de um determinado caso concreto, afastando-se, dessa
forma, a simples declaração de nulidade da lei questionada.
Por exemplo, uma norma inserida de forma inadequada no sistema e
posteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, por ter sido violado
o princípio da legalidade, nem sempre nos levará a uma declaração dos efeitos retroativos. Ao
se deparar com os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, deverá o órgão julgador
verificar as situações consolidadas pelo tempo, bem como os princípios envolvidos,
evitando-se, assim, a pura e simples declaração de nulidade fazendo extinguir os efeitos das
relações jurídicas já constituídas.
O Ministro Humberto Gomes de Barros atentou para o tema como se infere do
voto proferido nos autos do Resp nº 6.518
159
:
157
Parecer Inédito.
158
Decerto, o sistema admite a desconstituição da coisa julgada por meio de ação rescisória, mas trata-se de uma
exceção à regra geral. Sobre o tema vide a excelente obra de Gustavo Sampaio Valverde (Coisa Julgada em
Matéria Tributária).
159
DJU: 16.09.1991.
97
―Essa vitoriosa corrente jurisprudencial gerou-se de uma constatação: em
tema de nulidade do ato administrativo, é necessário temperar e rigidez do
princípio da legalidade formal, para que ele se coloque em harmonia com
outros valores essenciais à perpetuação do Estado de Direito. O princípio
da legalidade gerou outro: o do primado dos interesses públicos sobre os
particulares. Este princípio, erigido em preceito maior do direito
administrativo foi, desgraçadamente a exageros e deformações. Assim, os
superiores objetivos da Administração foram muitas vezes confundidos
com os subalternos interesses do príncipe. O sagrado postulado, vítima de
solentes fraudes, transformou-se em caldo de cultura, onde proliferaram e
se desenvolveram o Fascismo e tantas outras espécies de tiranias. A
necessidade de colocar freios a tão dolorosos exageros trouxe à evidência
antigos valores, até então relegados ao discreto plano do direito privado.
Constatou-se que a estabilidade da ordem jurídica depende de que se
prestigiem entidades da boa-fé e a segurança das relações jurídicas. Em
lenta e segura evolução, a Doutrina e Jurisprudência aproximam-se de
uma solução de equilíbrio entre aqueles valores simétricos.‖
160
No mesmo sentido foi o entendimento proferido nos autos do AI 20344/MG, de
relatoria do Ministro Octávio Gallotti:
―Ementa. MESMO RECONHECIDA A ILEGALIDADE DA
INVESTIDURA, SE A AUTORIDADE A EXERCEU COM TODA A
APARENCIA DE LEGITIMIDADE, NÃO SE ANULAM OS ATOS QUE
PRATICOU. E HOMENAGEM QUE SE PRESTA A BOA DE
TERCEIROS QUE RECEBERAM E ACEITARAM A PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL.‖
161
De fato, embora decorrente da própria segurança jurídica, o princípio da legalidade,
em muitos casos, não poderá se sobrepor a outros princípios que, mediante um severo juízo de
ponderação, se encontram mais relevantes para uma melhor solução da lide.
E foi dessa forma, em notório caso, que o Supremo Tribunal Federal nos autos da
Ação Direta de Inconstitucionalidade 2240-BA, embora tenha declarado a
160
No mesmo sentido julgado do Supremo Tribunal Federal:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REMUNERAÇÃO:
GRATIFICAÇÃO CONCEDIDA COM BASE NA LEI 1.762/86, ART. 139, II, DO ESTADO DO
AMAZONAS. INCONSTITUCIONALIDADE FRENTE À CF/1967, ART. 102, § 2º. EFEITOS DO ATO:
SUA MANUTENÇÃO. I. - A lei inconstitucional nasce morta. Em certos casos, entretanto, os seus efeitos
devem ser mantidos, em obséquio, sobretudo, ao princípio da boa-fé. No caso, os efeitos do ato, concedidos com
base no princípio da boa-fé, viram-se convalidados pela CF/88. II. - Negativa de trânsito ao RE do Estado do
Amazonas. Agravo não provido‖
161
AI 20344 / MG, Min. Relator Otávio Gallotti. DJU: 11.06.1959.
98
inconstitucionalidade da Lei estadual baiana 7.619/00
162
, manteve válida a norma
questionada por razões de segurança jurídica, como restou julgado, nos termos da ementa
parcialmente transcrita, ―verbis‖:
―EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N.
7.619/00, DO ESTADO DA BAHIA, QUE CRIOU O MUNICÍPIO DE
LUÍS EDUARDO MAGALHÃES. INCONSTITUCIONALIDADE DE
LEI ESTADUAL POSTERIOR À EC 15/96. AUSÊNCIA DE LEI
COMPLEMENTAR FEDERAL PREVISTA NO TEXTO
CONSTITUCIONAL. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 18, § 4º,
DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. OMISSÃO DO PODER
LEGISLATIVO. EXISTÊNCIA DE FATO. SITUAÇÃO
CONSOLIDADA. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA DA JURÍDICA.
SITUAÇÃO DE EXCEÇÃO, ESTADO DE EXCEÇÃO. A EXCEÇÃO
NÃO SE SUBTRAI À NORMA, MAS ESTA, SUSPENDENDO-SE,
LUGAR À EXCEÇÃO --- APENAS ASSIM ELA SE CONSTITUI
COMO REGRA, MANTENDO-SE EM RELAÇÃO COM A EXCEÇÃO.
1.O Município foi efetivamente criado e assumiu existência de fato,
mais de seis anos, como ente federativo.
2. Existência de fato do Município, decorrente da decisão política que
importou na sua instalação como ente federativo dotado de autonomia.
Situação excepcional consolidada, de caráter institucional, político.
(...) 13. Ação direta julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade, mas não pronunciar a nulidade pelo prazo de 24
meses, da Lei n. 7.619, de 30 de março de 2000, do Estado da Bahia.‖
163
Realmente, é imperiosa a aplicação de um juízo de ponderação para que se possa
averiguar a necessidade de se afastar a eventual nulidade de uma norma, pois numa norma
declarada inconstitucional com a atribuição de efeitos retroativos, privilegia-se, decerto, o
princípio da legalidade aventado em um caso qualquer, mas se, efetivamente, restar
comprovada violação do primado da segurança jurídica, entendemos que esse princípio é que
deverá prevalecer. E o Tribunal Constitucional Português
164
apresenta a mesma linha de
raciocínio:
―(...).Assim, ao limitar os efeitos de uma declaração de
162
Ainda nesse caso, cumpre ressaltar que, embora o Supremo Tribunal Federal não tenha declarado a nulidade
da norma, prorrogou sua validade e eficácia por mais 24 meses, uma vez que reconheceu a omissão do Poder
Legislativo, no caso, em constituir lei complementar que disciplinasse o assunto. Na respectiva lide, foi criado o
município Luis Eduardo Magalhães sem a devida atenção ao período mencionado no art. 18, § 4º, da
Constituição Federal, período este que deveria ser estabelecido por lei complementar, mas que, efetivamente,
não o foi.
163
DJU: 03.08.2007.
164
Acórdão nº 621/99, fonte: www.tribunalconstitucional.pt.
99
inconstitucionalidade, o Tribunal Constitucional deve fazer um juízo de
proporcionalidade, cotejando o interesse na reafirmação da ordem jurídica
- que a eficácia ex tunc da declaração plenamente potencia - com o
interesse na eliminação do factor de incerteza e de insegurança - que a
retroactividade, em princípio, acarreta. Nesta ponderação, o Tribunal
Constitucional deve atender às exigências da segurança jurídica (entendida
em sentido estrito), da equidade (como solução justa a aplicar aos efeitos
concretamente produzidos pela norma declarada inconstitucional) e do
interesse público (de excepcional relevo), cumprindo o mandamento do
4 do artigo 282º da Constituição. 8. No caso sub judicio, o interesse na
reafirmação da ordem jurídica concretiza-se no interesse na fiscalização da
legalidade das despesas públicas por um órgão jurisdicional, com
competência para o efeito: o Tribunal de Contas. Por outro lado, os riscos
da incerteza e da insegurança resultantes de uma eventual declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral e eficácia ex tunc iriam
materializar-se na invalidação de contratos celebrados durante a vigência
do artigo do Decreto Legislativo Regional 22/89/A, de 13 de
Novembro, com dispensa de visto prévio da Secção Regional dos Açores
do Tribunal de Contas. Trata-se de contratos celebrados antes da entrada
em vigor da norma revogatória contida no artigo único do Decreto
Legislativo Regional 8/92/A, de 20 de Março, porventura executados,
e em que intervieram, provavelmente, particulares, aos quais não é exigível
o conhecimento da eventual inconstitucionalidade da norma ao abrigo da
qual foi dispensado o visto prévio do Tribunal de Contas.
9. Não há dúvida de que razões de equidade e de segurança jurídica
justificariam, no caso vertente, a restrição dos efeitos da
inconstitucionalidade, de modo a salvaguardar os contratos celebrados e,
provavelmente, executados antes da declaração. Tais contratos geraram
direitos, para as partes neles envolvidas, cuja afectação contenderia com as
exigências de equidade e de segurança jurídica. Tal nem seria necessário
para quem entenda que as situações ou relações jurídicas consolidadas por
cumprimento de obrigações merecem tratamento análogo ao que é previsto
para o caso julgado no nº 3 do artigo 282º da Constituição (...).‖
A Corte Constitucional Portuguesa, tendo em vista a presença da segurança
jurídica decidiu afastar, com base na eventual declaração de inconstitucionalidade, cujos
efeitos são ex tunc, a nulidade dos contratos celebrados durante a vigência do artigo do
Decreto Legislativo Regional 22/89/A, que de certa forma foram validados sem a anuência
do Tribunal de Contas competente - Secção Regional dos Açores do Tribunal de Contas.
Privilegiou-se, no caso, a confiança e boa-fé daqueles que efetivaram os contratos, ainda que
sem a chancela da legalidade.
Também nossa Corte Constitucional, aliás, bem antes da Constituição Federal de
1988, já vinha aplicando entendimento semelhante:
100
―EMENTA. Suspensão de obra pela autoridade administrativa. Esta não
pode, por ato próprio, suspender a obra, sem recorrer a via judicial por
meio da ação cominatória, que e o remédio especifico concedido pela lei,
no caso. Código de Processo Civil, artigos 302, XI, e 305. Leva-se ainda
em conta que a construção fora licenciada pela autoridade competente,
estava em fase adiantada (tivera inicio onze meses antes) e que, com base e
confiança na licença da autoridade, haviam surgido interesses de terceiros
de boa-fé (muitos dos adquirentes de unidades no edifício). Os parágrafos
do citado artigo 305, embora referentes a hipótese de demolição,
claramente traduzem o espírito da lei, no sentido de conciliar o interesse
público com os demais interesses em causa, ordenando que a construção
não seja demolida, mesmo quando contraria as condições legais, se por
outro meio se puder evitar o dano ao bem comum. Recurso extraordinário
do Estado não conhecido. Recurso ordinário da impetrante provido, para
conceder a segurança.‖
165
Nesse caso antigo (DJU: 16.12.1964) e de relatoria do saudoso Ministro Luiz
Gallotti, apreciou-se uma demanda, cuja empresa, embora e inicialmente autorizada pela
autoridade competente a iniciar uma determinada construção, viu-se compelida a ingressar
com Mandado de Segurança ao tomar ciência de Edital, cujo conteúdo determinava o
embargo da aludida obra, sendo justificado para tanto que a concessão era ilegal.
E mais uma vez, embora tenha sido efetivamente considerada a ilegalidade da
concessão, entendeu o Supremo Tribunal Federal, de forma correta, diga-se de passagem, que
a empresa havia confiado na Administração Pública, praticado atos de boa-fé e que desta
forma, o princípio da legalidade deveria ser afastado, uma vez presente a segurança
jurídica.
166
165
Recurso em Mandado de Segurança nº 13.140 - DJU: 16.12.1964. (www.stf.jus.br).
166
No mesmo sentido a decisão proferida nos autos do RE 22.357 0/DF (DJU: 05.11.2004), cuja ementa ora
se transcreve:
EMENTA: Mandado de Segurança.
2. Acórdão do Tribunal de Contas da União. Prestação de Contas da Empresa Brasileira de Infra-estrutura
Aeroportuária - INFRAERO. Emprego Público. Regularização de admissões.
3. Contratações realizadas em conformidade com a legislação vigente à época. Admissões realizadas por
processo seletivo sem concurso público, validadas por decisão administrativa e acórdão anterior do TCU.
4. Transcurso de mais de dez anos desde a concessão da liminar no mandado de segurança.
5. Obrigatoriedade da observância do princípio da segurança jurídica enquanto subprincípio do Estado de
Direito. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente.
6. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de
ética jurídica e sua aplicação nas relações jurídicas de direito público.
7. Concurso de circunstâncias específicas e excepcionais que revelam: a boa fé dos impetrantes; a realização de
processo seletivo rigoroso; a observância do regulamento da Infraero vigente à época da realização do processo
seletivo; a existência de controvérsia, à época das contratações, quanto à exigência, nos termos do art. 37 da
Constituição, de concurso público no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista.
8. Circunstâncias que, aliadas ao longo período de tempo transcorrido, afastam a alegada nulidade das
contratações dos impetrantes.
9. Mandado de Segurança deferido‖ grifamos.
101
de se falar em incompatibilidade entre as decisões, ora apresentadas e
proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e os argumentos aqui expostos? Evidentemente que
não. A suposta incompatibilidade entre os precedentes citados e os argumentos desenvolvidos
vem demonstrar toda a complexidade do tema ora tratado.
Os acórdãos mencionados, em que pese terem aplicado a modulação de efeitos,
mesmo sem representar qualquer alteração abrupta da jurisprudência, demonstram que a
restrição de efeitos também é determinada em função da peculiaridade de cada caso concreto.
Diante daqueles julgados, temos o fator tempo (grande decurso de tempo entre a decisão
favorável ao impetrante e a decisão definitiva pelo Supremo Tribunal Federal) e os atos
praticados envolvendo terceiros, que podem ensejar uma modulação ou não.
Tais casos também demonstram uma ausência de um padrão objetivo ao se aplicar
a modulação, o que evidentemente, não é objeto do presente trabalho, que, efetivamente, o
que buscamos é identificar de que forma o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal
de Justiça deverão, obrigatoriamente, aplicar a limitação temporal em seus julgados. O que
buscamos aqui é um marco, a fim de eliminarmos, ainda que de forma parcial, o subjetivismo
em relação à matéria.
Ainda assim, repita-se, embora se tenha em mente a regra geral, fundada na
nulidade ab initio das leis declaradas inconstitucionais, tal premissa merece temperamentos,
ainda que desconsiderando o importante princípio da legalidade, mas privilegiando-se a
segurança, confiança e boa-fé dos cidadãos.
3.3. Declaração de Inconstitucionalidade da Norma Sancionatória efeitos
A grande diferença entre as normas de natureza normativa e as demais (morais,
por exemplo) está em seu caráter sancionatório, ou seja, quando não cumprida aquela primeira
espécie, o próprio Estado com seu poder de coerção, deverá estabelecer uma conduta de
caráter sancionatório.
A imposição de sanção às condutas que são praticadas em desacordo com o que
estabelece o ordenamento jurídico é de fundamental importância. A sanção visa manter a
102
própria segurança jurídica e conseqüentemente o próprio Estado Democrático de Direito,
tendo em vista que a ausência de qualquer sanção em um sistema jurídico, decerto, violaria
diversos princípios e tornaria inexeqüível a segurança, enquanto função primordial do Direito.
Partindo das premissas até então desenvolvidas, temos que uma sanção, porventura
instituída normativamente pelo Estado, deverá ser aplicada, no campo tributário, a todo e
qualquer contribuinte que não atente para a conduta a ser praticada (ausência, por exemplo, de
uma determinada obrigação acessória e que implique na aplicação de uma multa de caráter
pecuniário).
Contudo, tendo o contribuinte se insurgido de forma litigiosa em relação a uma
sanção que lhe foi aplicada e tendo decisão favorável transitada em julgado em última
instância, seja no controle difuso ou concentrado, deverá o Estado abster-se de manter a
referida sanção, uma vez que houve a desjurisdização da norma questionada.
É pacífico o entendimento que in casu não se deve falar em limitação de efeitos,
tendo em vista que a manutenção dos efeitos da norma inconstitucional, violaria a própria
segurança jurídica.
Aliás, nesse caso em comento, a segurança jurídica está estritamente ligada ao
princípio da legalidade o que, evidentemente, nem sempre ocorrerá. Inquestionável, nestas
hipóteses, a possibilidade do contribuinte em repetir o valor indevidamente recolhido, quando
a sanção tiver caráter pecuniário.
Colocação interessante sobre o tema faz Octávio Campos Fischer
167
ao abordar
duas situações relativas às normas sancionatórias: a inconstitucionalidade de norma
sancionatória mais gravosa e a inconstitucionalidade de norma sancionatória mais benéfica.
De fato, é possível a instituição de sanções mais gravosas aos contribuintes em
relação às existentes. No entanto, e assim concordamos com Octávio Campos Fischer, no
caso das novas sanções exacerbarem os limites impostos constitucionalmente (como a
vedação ao confisco, por exemplo), deverá o Supremo Tribunal Federal fazer retroagir seus
103
efeitos, fazendo valer a norma antes revogada, tendo em vista ser mais benéfica ao
contribuinte.
Aliás, nesses casos um importante ponto a ser abordado é que, efetivamente,
deverá prevalecer o princípio da nulidade, uma vez que diversos princípios, como a
segurança jurídica, confiança, retroatividade benigna e legalidade caminham juntos, sem
qualquer tipo de conflito.
Nos casos em que, ocorrendo a instituição de sanção menos gravosa ao
contribuinte e que, posteriormente seja a referida sanção declarada inconstitucional em função
da ilegalidade, por exemplo, de se considerar também a não aplicação da limitação dos
efeitos temporais, isto porque não há que se falar em segurança jurídica ou mesmo em
confiança por parte do contribuinte, uma vez que este tinha uma conduta com base em norma
precária, eivada de inconstitucionalidade.
168
Nesse caso, não que se falar em modulação, pois não estão presentes seus
requisitos (jurisprudência consolidada sobre a matéria, com decisão transitada em julgado);
essa é a regra geral, todavia, uma vez reconhecida a presença dos fundamentos inerentes à
modulação (a depender da peculiaridade do caso), esta deverá ser aplicada.
3.4. Declaração de Inconstitucionalidade de Condutas anteriormente lícitas - efeitos
A boa-fé e a confiança devem nortear as relações jurídicas entre o Estado e os
cidadãos, ou seja, ao se introduzir uma norma jurídica pelo Poder Competente, confia o
referido Poder que a aludida norma será observada pelos seus destinatários.
Para melhor exteriorizar a teoria aqui abordada, mister se faz introduzir um
hipotético caso, como também o fez Paulo Roberto Lyrio Pimenta
169
ao tratar de semelhante
167
FISCHER, Octávio Campos. Os Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade no Direito Tributário
Brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 303.
168
O entendimento aqui exposto não deverá será aplicado, insistimos mais uma vez, se houver decisão proferida
seja pelo Supremo Tribunal Federal seja pelo Superior Tribunal de Justiça, de natureza irrecorrível e favorável
ao contribuinte. Ou seja, caso o Tribunal altere seu entendimento de forma abrupta, deverá modular os efeitos da
sua decisão, com base nos princípios da confiança, boa-fé, irretroatividade e segurança jurídica, ainda que em
detrimento ao da legalidade.
169
PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio Pimenta. Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade em Direito
Tributário. São Paulo: Dialética, 2002.
104
tema. Introduzida norma no sistema que isentava determinada contribuinte de recolher o
tributo ―X‖ em suas operações, mas que, posteriormente, a referida norma é declarada
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, tendo a respectiva decisão transitado em
julgado, questiona-se se há a possibilidade de a Fazenda Pública efetuar lançamento tributário
a fim de cobrar o tributo não recolhido no período compreendido pela isenção.
Pensamos que sim, primeiro porque o Poder Judiciário não deverá modular os
efeitos da referida decisão, tendo em vista que não se encontram presentes as razões de
segurança jurídica, boa-fé e a confiabilidade do contribuinte em relação às normas inseridas
no sistema. Aqui, a confiança e boa-fé não restaram caracterizadas, os contribuintes deixaram
de recolher tributo sob a égide de norma inconstitucional.
170
Difícil sustentar a segurança
jurídica no caso de norma contestada e sem qualquer tipo de harmonia entre a norma que
concedeu a isenção e Constituição Federal.
De fato, muitas vezes o Supremo Tribunal Federal entendeu, como nas hipóteses
do subcapítulo 3.2. que a eventual ilegalidade de uma norma jurídica não teria o condão de
fazer retroagir seus efeitos de norma declarada inconstitucional.
Não havendo decisão transitada em julgado proferida pelo Supremo Tribunal ou
pelo Superior Tribunal de Justiça, favorável ao contribuinte, inaplicável será a modulação.
Lembremos que o instituto da modulação deverá ser utilizado com grande parcimônia e que a
regra geral é a da nulidade da norma declarada inconstitucional. Embora as garantias e
direitos sejam direcionados aos contribuintes, especificamente, no campo tributário, os
mesmos têm limites de aplicabilidade. O contribuinte, no caso de vir a ser declarada a
inconstitucionalidade da norma isentiva, somente será responsável pelo pagamento do
principal, sem aplicação de multa e da correção monetária, uma vez que a conduta, antes de
ser declarada inconstitucional, era tida como lícita, nos termos do art. 100, parágrafo único do
CTN
171
.
170
Posição diversa adotam Paulo Roberto Lyrio Pimenta e Octávio Campos Fischer.
171
Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:
(...)
Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança
de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo‖.
105
CAPÍTULO IV APLICABILIDADE DOS ARGUMENTOS DESENVOLVIDOS A ALGUNS CASOS
CONCRETOS DA TEORIA À PRÁTICA
4. Declaração de Inconstitucionalidade dos artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/91
Informamos inicialmente que não adentraremos no mérito das questões aqui
estudadas, tendo em vista que não é o objetivo do presente trabalho rediscutir as matérias em
si, mas apenas e com base no panorama jurisprudencial, analisar os efeitos de uma alteração
na jurisprudência que se acreditava consolidada. Dessa forma, a abordagem em relação ao
mérito terá apenas uma natureza histórica.
Discute-se na presente tese, que não caberia à lei ordinária disciplinar prazo
prescricional ou decadencial em relação às contribuições sociais, como o fez a Lei ordinária
de 8.212/91, em seus artigos 45 e 46
172
. Sendo assim, os contribuintes insurgiram-se em
relação à aludida norma, argumentando basicamente a violação ao art. 146, III, alínea ―b‖, da
Constituição Federal
173
, que determina a competência da lei complementar em disciplinar,
entre outras coisas, a prescrição e decadência em matéria tributária.
Desta forma, o Supremo Tribunal Federal vinha apreciando, desde 1992 (decisão
Plenária nos autos do RE 138.284-8
174
, a inconstitucionalidade em relação à disciplina da
172
Art. 45. O direito de a Seguridade Social apurar e constituir seus créditos extingue-se após 10 (dez) anos
contados:
(...)
Art. 46. O direito de cobrar os créditos da Seguridade Social, constituídos na forma do artigo anterior, prescreve
em 10 (dez) anos.
173
Art. 146. Cabe à lei complementar:
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;‖ (grifamos)
174
―EMENTA. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. CONTRIBUIÇÕES
INCIDENTES SOBRE O LUCRO DAS PESSOAS JURIDICAS. Lei n. 7.689, de 15.12.88.
I. - Contribuições parafiscais: contribuições sociais, contribuições de intervenção e contribuições corporativas.
C.F., art. 149. Contribuições sociais de seguridade social. C.F., arts. 149 e 195. As diversas espécies de
contribuições sociais.
II. - A contribuição da Lei 7.689, de 15.12.88, e uma contribuição social instituída com base no art. 195, I, da
Constituição. As contribuições do art. 195, I, II, III, da Constituição, não exigem, para a sua instituição, lei
complementar. Apenas a contribuição do parag. 4. do mesmo art. 195 e que exige, para a sua instituição, lei
complementar, dado que essa instituição devera observar a técnica da competência residual da União (C.F., art.
195, parag. 4.; C.F., art. 154, I). Posto estarem sujeitas a lei complementar do art. 146, III, da Constituição,
porque não são impostos, não necessidade de que a lei complementar defina o seu fato gerador, base de
calculo e contribuintes (C.F., art. 146, III, "a").
III. - Adicional ao imposto de renda: classificação desarrazoada.
IV. - Irrelevância do fato de a receita integrar o orçamento fiscal da União. O que importa e que ela se destina ao
financiamento da seguridade social (Lei 7.689/88, art. 1.).
106
prescrição e decadência das contribuições, sustentando o eminente Relator, Ministro Carlos
Veloso, naqueles autos, que ―a questão da prescrição e da decadência, entretanto, parece-me
pacificada. É que tais institutos são próprios da lei complementar de normas gerais (art. 146,
III, b; art. 149)‖.
No RE 138.284-8, embora o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido a
possibilidade de instituição de contribuição social, nos termos do art. 195 da Constituição
Federal, por meio de lei ordinária, entendeu aquele Egrégio Tribunal que a matéria referente
à prescrição e decadência deve ser disciplinada por meio de lei ordinária.
No mesmo sentido foi mantido o entendimento nos autos do RE 396.266-3
(DJU: 07/05/2004), cujo Relator também era o Ministro Carlos Velloso. Tendo em vista, o
panorama da jurisprudência amplamente favorável aos contribuintes, os Ministros do
Supremo Tribunal Federal vinham, com base no art. 557 do Código de Processo Civil,
negando seguimento aos recursos interpostos pela União
175
.
Até que, por meio de decisão Plenária, nos autos do Recurso Extraordinário
559.943
176
, a Egrégia Corte se pronunciou pela efetiva inconstitucionalidade dos artigos 45 e
46 da Lei nº 8.212/91, nos termos do acórdão ora transcrito:
EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONALIDADE
FORMAL DOS ARTIGOS 45 E 46 DA LEI N. 8.212/1991. ARTIGO 146,
INCISO III, ALÍNEA B, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. MATÉRIA
RESERVADA À LEI COMPLEMENTAR. ARTIGOS 173 E 174 DO
CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO
QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. A Constituição da República de 1988
reserva à lei complementar o estabelecimento de normas gerais em matéria de
legislação tributária, especialmente sobre prescrição e decadência, nos termos
do art. 146, inciso III, alínea b, in fine, da Constituição da República. Análise
histórica da doutrina e da evolução do tema desde a Constituição de 1946. 2.
Declaração de inconstitucionalidade dos artigos 45 e 46 da Lei n. 8.212/1991,
por disporem sobre matéria reservada à lei complementar. 3. Recepcionados
V. - Inconstitucionalidade do art. 8., da Lei 7.689/88, por ofender o princípio da irretroatividade (C.F., art, 150,
III, "a") qualificado pela inexigibilidade da contribuição dentro no prazo de noventa dias da publicação da lei
(C.F., art. 195, parag. 6). Vigência e eficácia da lei: distinção.
VI. - Recurso Extraordinário conhecido, mas improvido, declarada a inconstitucionalidade apenas do artigo 8.
da Lei 7.689, de 1988.‖ (DJU: 28.08.1992)
175
RE 552855 (DJU: 12.09.2007), RE 542909 (09.08.2007), RE 540704 (09.08.2007).
176
Foram julgados também na mesma seção os recursos extraordinários nº 556.664, 559.882 e 560.626.
107
pela Constituição da República de 1988 como disposições de lei complementar,
subsistem os prazos prescricional e decadencial previstos nos artigos 173 e 174
do Código Tributário Nacional. 4. Declaração de inconstitucionalidade, com
efeito ex nunc, salvo para as ações judiciais propostas até 11.6.2008, data em
que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade dos artigos
45 e 46 da Lei n. 8.212/1991. 5. Recurso extraordinário ao qual se nega
provimento.‖
Independentemente, do acerto ou não da decisão ora transcrita, o que
evidentemente é despiciendo nos termos do objeto do presente trabalho, cumpre esclarecer
que foi aventado pelo Ministro Gilmar Mendes, após ser provocado por uma das partes, a
possibilidade da modulação de efeitos no presente caso. Neste sentido manifesta-se o
Ministro Gilmar Mendes:
―Diante da repercussão que o assunto e a insegurança jurídica que se pode ter
na hipótese; mas estou tentando delimitar esse quadro de modo a afastar a
possibilidade de repetição de indébito de valores recolhidos nestas condições
com exceção das ações propostas antes da conclusão do julgamento.
Neste sentido, eu diria que o Fisco está impedido, fora dos prazos de
decadência e prescrição previstos no CTN, de exigir as contribuições da
seguridade social. No entanto, os valores recolhidos nestas condições, seja
administrativamente, seja por execução fiscal, não devem ser devolvidos ao
contribuinte, salvo a ação ajuizada antes da conclusão do presente julgamento.
Em outras palavras, são legítimos os recolhimentos efetuados nos prazos
previstos nos arts. 45 e 46 e não impugnados antes da conclusão deste
julgado.‖
177
A tese de modulação no caso ora analisado foi acolhido pela maioria, restando
vencido o Ministro Marco Aurélio.
Contudo, diante das premissas apresentadas no presente trabalho, não teríamos,
sob nenhuma hipótese, como corroborar com o entendimento dos ilustres Ministros do
Supremo Tribunal Federal, vejamos porquê.
Infere-se do referido julgado que a principal razão pela qual foram limitados os
efeitos temporais em relação à declaração de inconstitucionalidade foi a segurança jurídica.
177
Grifamos.
108
A modulação, nos termos aqui propostas, somente deverá ser aplicada quando
houver decisão anterior à alteração jurisprudencial transitado em julgado, proferida pelo Pleno
do Supremo Tribunal Federal.
Sendo assim, conclui-se que a segurança jurídica decorre, no presente caso, da
previsibilidade dos contribuintes em se planejarem jurídica e economicamente com base na
jurisprudência consolidada (decorrente de vários trânsitos em julgado) sobre determinada
matéria. E analisando o histórico dos julgados, inclusive com decisões plenárias proferidas
favoravelmente ao contribuinte, não se pode falar na hipótese sobre ―insegurança‖ ou em
alteração jurisprudencial, isto porque a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sempre
caminhou no mesmo sentido, qual seja, de considerar inconstitucional os arts. 45 e 46 da Lei
nº 8.212/91.
Manifestou-se o Ministro Marco Aurélio no mesmo julgamento:
―A matéria versada não é nova e o primeiro pronunciamento do Tribunal
quanto à necessidade de lei complementar recordo que a Lei 8.212/91
é de 24 de julho de 1991 ocorreu em 1992. Este Plenário estava
inclusive compondo-o -, sem voto discrepante, assentou, na dicção do
relator, ministro Carlos Velloso, a indispensável observância do
instrumento lei complementar para alcançar-se a disciplina da
prescrição e da decadência. Assim, repito e aqui não se pode cogitar de
surpresa para quem quer que seja, muito menos para o Estado -, decidiu o
Pleno no Recurso Extraordinário nº 138.284-8, em 1º de julho de 1992.‖
Concordamos integralmente com o Ministro Marco Aurélio e embora não tenha
ficado claro no voto do Min. Gilmar Mendes que foi no sentido de limitar os efeitos da
declaração de inconstitucionalidade, parece-nos, ainda que de forma hipotética, que as reais
razões foram de caráter financeiro, ou seja, as inúmeras ações de repetição de indébito que
poderiam os contribuintes ingressar a fim recuperar os valores recolhidos indevidamente.
Aliás, a insegurança jurídica mencionada no voto do Ministro Gilmar Mendes, na
verdade, é voltada ao contribuinte, uma vez que este teve frustrada sua expectativa de que,
após o julgado, poderia ter o retorno dos valores recolhidos em prazo superior aos 5 anos.
Frustra ainda a confiança e boa-fé, pois na verdade, o que fez o Supremo Tribunal Federal,
data máxima vênia, foi desconfigurar a própria segurança jurídica.
109
Diante do panorama apresentado, é inegável não se aplicar o instituto da
modulação, uma vez que seus requisitos não estavam presentes.
4.1. Crédito-Prêmio de IPI
Em 05 de março de 1969 foi publicado o Decreto-Lei 491
178
, cujo objetivo era
incentivar a exportação de produtos brasileiros, conferindo créditos tributários sobre o valor
das vendas para o exterior. O valor dos créditos era calculado sobre o valor FOB das
mercadorias exportadas, tendo como base as alíquotas previstas na Tabela do IPI, com um
teto máximo de 15%.
Posteriormente, o art. 3º do Decreto-Lei nº 1.248/72 estendeu o benefício fiscal em
comento ao produtor-vendedor do produto, desde que este fosse destinado às empresas
exportadoras.
Com o Decreto-Lei 1.894/81, alterou-se a redação do art. do Decreto-Lei
1.248/72, restringindo a fruição do crédito-prêmio do IPI apenas para as empresas comerciais
exportadoras e para as empresas industriais-exportadoras, excluindo, deste modo, as empresas
industriais vendedoras de produtos destinados à exportação.
Vale destacar que o art. 1º do Decreto-lei nº 1.658/79 estabeleceu a redução
gradual do benefício fiscal em comento, para que sua extinção ocorresse em 30/06/1983.
Todavia, antes do referido termo final, sobreveio o citado Decreto-Lei
1.894/81, que expressamente conservou, segundo argumentação dos contribuintes, o crédito-
prêmio de IPI, nos termos abaixo:
―Art Às empresas que exportarem, contra pagamento em moeda
estrangeira conversível, produtos de fabricação nacional, adquiridos no
mercado interno, fica assegurado:
178
ART.1º - As empresas fabricantes e exportadoras de produtos manufaturados gozarão, a título de estímulo
fiscal, créditos tributários sobre suas vendas para o exterior, como ressarcimento de tributos pagos internamente.
(O estímulo fiscal do art. 1º é extinto pelo Decreto-Lei nº 1.658, de 24/01/1979)‖
110
I omissis.
II- o crédito de que trata o artigo 1º do Decreto-lei nº 491, de 5 de março de
1969.‖
Desta forma, sustentam os contribuintes, que a norma criada através deste
dispositivo normativo revogou tacitamente o art. 1º do Decreto-lei 1.658/79, que estipulava
termo final para fruição do crédito-prêmio de IPI, permanecendo vigente tal benefício fiscal.
E como a União não vem reconhecendo a vigência do aludido crédito-prêmio do
IPI até os dias atuais, os contribuintes buscaram no Poder Judiciário seu direito a usufruir os
referidos créditos. E o Superior Tribunal de Justiça vinha julgando favoravelmente aos
contribuintes, como se infere dos julgados a seguir transcritos:
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO - JULGAMENTO
DO AGRAVO REGIMENTAL EQUIVOCADAMENTE TIDO COMO
PREJUDICADO - SÚMULA 126/STJ NÃO APLICÁVEL - CRÉDITO-
PRÊMIO DO IPI - JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO STJ.
1. Inaplicável a Súmula 126/STJ, se o acórdão recorrido não contém
fundamento constitucional suficiente para mantê-lo.
2. Regimental provido, para julgamento de agravo anterior que,
equivocadamente, se teve como prejudicado.
3. Confirmação da decisão monocrática, que seguiu a jurisprudência
dominante desta Corte, no sentido de que, declarada a
inconstitucionalidade do Decreto-Lei 1.724/79, ficaram sem efeito os
Decretos-leis 1.722/79 e 1.658/79, tornando-se aplicável o Decreto-lei 491,
expressamente referido no Decreto-lei 1.894/81, que restaurou o benefício
do crédito-prêmio do IPI, sem definição de prazo.
4. Agravo regimental provido, para julgamento do agravo anterior e
improvido este.‖
(AgRg nos EDcl no RESP 380575/RS. Órgão Julgador: Turma do STJ.
Rel: Ministra ELIANA CALMON. Publicado no DJ 5/03/2004.)
―EMENTA: TRIBUTÁRIO. IPI. CRÉDITO-PRÊMIO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido que o
benefício denominado Crédito-Prêmio do IPI não foi abolido do nosso
ordenamento jurídico tributário.
2. Precedentes: RE 186.359/RS, STF, Min. Marco Aurélio, DJ de
10.05.02, p. 53; AGA 398.267/DF, Turma, STJ, DJU de 21.10.2000,
p. 283; AGA 422.627/DF, Turma, STJ, DJU de 23.09.2002, p. 342;
111
AGREsp nº 329.254/RS, 1ª Turma, STJ, DJ de 18.02.2002, p. 264; REsp nº
329.271/RJ, 1ª Turma, STJ, DJ de 08.10.2001, p. 182, entre outros.
3. Recurso da Fazenda Nacional conhecido, porém, improvido.‖
(RESP 576873 / AL. Órgão Julgador: 1ª Turma do STJ. Rel: Ministro
JOSÉ DELGADO. DJ 16.02.2004)
Na mesma linha cabe mencionar diversos outros julgados: Agravo de Instrumento
239.716/DF (DJU: 28.02.2000, Turma), Recurso Especial 449.471/RS (DJU:
16.02.2004, Turma) e Recurso Especial 361.352 (DJU: 15.10.2002). De tal forma se
tornara pacífica a jurisprudência sobre o tema que o próprio Superior Tribunal de Justiça
vinha negando seguimento aos recursos fazendários de forma monocrática nos termos do AG
nº 484.819
179
, cujo relator foi o Ministro Luiz Fux.
179
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 484.819 - DF (2002/0145002-0) RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX
AGRAVANTE : FAZENDA NACIONAL PROCURADOR : FABRÍCIO DA SOLLER E OUTROS
AGRAVADO : CARROCERIAS NIELSON S/A ADVOGADO : ANTÔNIO CARLOS DE BRITO DECISÃO
CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IPI. CRÉDITO-PRÊMIO. DECRETOS-LEIS NºS 491/69, 1.724/79,
1.722/79, 1.658/79 E 1.894/81.
1. Em face da declaração de inconstitucionalidade do Decreto-lei 1.724/79, os Decretos-leis nº1.722/79 e
1.658/79, ali referidos, restaram inaplicáveis. Consectariamente, por disposição expressa do Decreto-lei nº
1.894/81, impõe-se a aplicação do Decreto-lei 491/69, que restaurou o benefício do crédito-prêmio do IPI, sem
qualquer definição acerca de prazo. Precedentes da 1ª Seção.
2. Agravo de instrumento conhecido para negar provimento ao próprio recurso especial, nos moldes do artigo
557, caput c.c. artigo 544, § 3º, 1ª parte do CPC.
Vistos.
Trata-se de agravo de instrumento interposto pela União com fulcro no artigo 544 do CPC contra decisão de fl.
123 que não admitiu seu recurso especial, porquanto a tese adotada no acórdão recorrido apresenta-se em
harmonia com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que é aplicável o Decreto-Lei
491/69, expressamente mencionado no Decreto-Lei 1894/81 que restaurou o benefício do crédito-prêmio do IPI,
sem definição de prazo.
Presentes as peças essenciais e preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade do recurso, impõe-se a
análise do seu mérito. Noticiam os autos que Carrocerias Nielson S/A, ora agravada, ajuizou ão de natureza
declaratória em face da União, visando ao reconhecimento da existência de relação jurídico-tributária entre as
partes, no sentido de continuar a fruir o incentivo fiscal do crédito-prêmio do IPI, nos termos do artigo do
Decreto-Lei 491de 05 de março de 1969, bem como para compensar o referido crédito com outros impostos
federais.
A sentença ateve-se em declarar a inconstitucionalidade do artigo 1º do Decreto-Lei nº 1724/79, conforme
noticiado no relatório do acórdão recorrido, constante à fl. 45 dos autos. Em remessa oficial, foram os autos ao
TRF-1ª Região, tendo o acórdão mantido a sentença, declarando ser pacífico o entendimento de que é
inconstitucional o artigo do Decreto-Lei 1724/79, devendo o autor, ora agravado, continuar a usufruir do
incentivo fiscal do crédito-prêmio do IPI, conforme preconizado no artigo 1º do Decreto-Lei 491/69. A União
opôs embargos de declaração, os quais foram rejeitados, nos
seguintes termos, verbis:
-‗ (...)
Decido.
O recurso especial preencheu os requisitos de admissibilidade, o tema está devidamente prequestionado e o
dissídio obedeceu às exigências regimentais. Com efeito o STJ tem corroborado o entendimento de que com a
declaração de inconstitucionalidade do Decreto-lei nº 1.724/79, os Decretos-leis nº1.722/79 e 1.658/79, ali
referidos, restaram inaplicáveis. Assim sendo, por disposição expressa do Decreto-lei 1.894/81, impõe-se a
aplicação do Decreto-lei 491/69, que restaurou o benefício do crédito-prêmio do IPI, sem qualquer definição
acerca de prazo. Neste sentido foi a posição do Pleno do Colendo STF, quando do julgamento do RE
186.359/RS, assim ementado: "TRIBUTO - BENEFÍCIO - PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA. Surgem
inconstitucionais o artigo do Decreto-lei 1.724, de 7 de dezembro de 1979, e o inciso I do artigo do
Decreto-lei 1.894,de 16 de dezembro de 1981, no que implicaram a autorização ao Ministro de Estado da
112
Conclui-se, desta forma, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
conferiu aos contribuintes a plena previsibilidade e segurança no sentido de que estes
poderiam se planejar a fim de incrementar suas exportações com base nos aludidos incentivos
fiscais, inclusive com a ocorrência do trânsito em julgado de diversos acórdãos.
Entretanto, o supracitado entendimento pacífico de ambas as Turmas do Superior
Tribunal de Justiça foi contestado por um acórdão, não unânime, da Turma, nos autos do
RESP 591.708/RS, publicado em 09/08/2004, que entendeu que o crédito-prêmio de IPI
fora extinto em 1983. Abaixo colacionamos a ementa do acórdão referido:
Fazenda para suspender, aumentar, reduzir, temporária ou definitivamente, ou extinguir os incentivos fiscais
previstos nos artigos 1º e do Decreto-lei 491, de 5 de março de 1969." (Rel. Min. Marco Aurélio, DJ,
10.05.02, pág. 00053). Nesse sentido, colaciona-se os seguintes precedentes do STJ: "PROCESSUAL CIVIL.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CRÉDITO-PRÊMIO. IPI. MOMENTO.
EXTINÇÃO. MATÉRIA PACÍFICA. Inviável o recurso especial que visa discutir matéria pacificada no
âmbito desta Corte, no sentido de que com a declaração de inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 1.724/79,
também restaram inaplicáveis os Decretos n.º 1.722/79 e 1.658/79, os quais eram referidos pelo primeiro
diploma. Dessa forma, é aplicável o Decreto-lei 491/69, expressamente mencionado no Decreto-lei 1.894/81,
que restaurou o benefício do crédito-prêmio do IPI, sem definição de prazo. Precedentes. Agravo regimental
improvido." (AGA nº 398.267/DF, 1ª Turma, rel. Min. Francisco Falcão, DJ 21/10/2002, PG:00283) "AGRAVO
REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CRÉDITO-PRÊMIO DO IPI. DECRETO-LEI 1.658/79.
INAPLICÁVEL. PRECEDENTES. A jurisprudência desta Corte consolidou-se no sentido de que os Decretos-
leis 1.722 e 1.658/79 restaram inaplicáveis com a declaração de inconstitucionalidade do Decreto-lei n. 1.724/79,
que a eles se reportava. Agravo regimental a que se nega provimento." (AGA nº 422.627/DF, 2ª Turma, rel. Min.
Franciulli Netto, DJ 23/09/2002, PG:00342)
"TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. CRÉDITO-PRÊMIO. IPI. DECRETOS-
LEIS NºS 491/69, 1.724/79, 1.722/79, 1.658/79 E 1.894/81. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR.
1. Agravo Regimental contra decisão que deu provimento ao recurso especial ofertado pela agravada. 2. Acórdão
a quo que considerou que o crédito-prêmio do IPI, previsto no Decreto-Lei 491/69, extinguiu-se em junho de
1983, por força do Decreto-lei 1.658/79. 3. Declarada a inconstitucionalidade do Decreto-Lei 1.724/79,
conseqüentemente ficaram sem efeito os Decretos-Leis s 1.722/79 e 1.658/79, aos quais o primeiro diploma se
referia.
4. É aplicável o Decreto-Lei 491/69, expressamente mencionado no Decreto-Lei 1894/81, que restaurou o
benefício do crédito-prêmio do IPI, sem definição de prazo. 5. Precedentes das e Turmas e da Seção
desta Corte Superior. 6. Agravo regimental improvido.‖ (AGRESP 329.254/RS, Turma, rel. Min. José
Delgado, DJ 18/02/2002, PG:00264) "TRIBUTÁRIO. CRÉDITO-PRÊMIO. IPI. DECRETOS-LEIS NºS 491/69,
1.724/79, 1.722/79, 1.658/79 E 1.894/81. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR.
1. Recurso Especial interposto contra v. Acórdão segundo o qual o crédito-prêmio previsto no Decreto-Lei
491/69 se extinguiu em junho de 1983, por força do Decreto-Lei 1.658/79. 2. Tendo sido declarada a
inconstitucionalidade do Decreto-Lei 1.724/79, conseqüentemente ficaram sem efeito os Decretos-Leis s
1.722/79 e 1.658/79, aos quais o primeiro diploma se referia. 3. É aplicável o Decreto-Lei 491/69,
expressamente mencionado no Decreto-Lei nº 1.894/81, que restaurou o benefício do crédito-prêmio do IPI, sem
definição de prazo. 4. Precedentes desta Corte Superior. 5. Recurso provido."(RESP 329.271/RS, Turma,
rel. Min. José Delgado, DJ 08/10/2001, PG:00182) Desta forma,o acórdão recorrido decidiu em sintonia com a
jurisprudência firmada neste E. S.T.J., razão pela qual o direito de a empresa ser beneficiada pelo crédito-prêmio
do IPI deve ser reconhecido, como declarado pelo acórdão recorrido que manteve a sentença de grau. Ex
positis, CONHEÇO do agravo de instrumento para NEGAR PROVIMENTO ao próprio recurso especial, nos
moldes do artigo 557, caput c.c. artigo 544, § 3º, 1ª parte do CPC. Intimem-se.
Brasília (DF), 21 de maio de 2003.
MINISTRO LUIZ FUX
Relator.‖
113
―EMENTA: TRIBUTÁRIO. IPI. CRÉDITO-PRÊMIO. DECRETO-LEI
491/69 (ART. 1º). INCONSTITUCIONALIDADE DA DELEGAÇÃO DE
COMPETÊNCIA AO MINISTRO DA FAZENDA PARA ALTERAR A
VIGÊNCIA DO INCENTIVO. EFICÁCIA DECLARATÓRIA E EX
TUNC. MANUTENÇÃO DO PRAZO EXTINTIVO FIXADO PELOS
DECRETOS-LEIS 1.658/79 E 1.722/79 (30 DE JUNHO DE 1983).
1. O art. 1º do Decreto-lei 1.658/79, modificado pelo Decreto-lei 1.722/79,
fixou em 30.06.1983 a data da extinção do incentivo fiscal previsto no art.
do Decreto-lei 491/69 (crédito-prêmio de IPI relativos à exportação de
produtos manufaturados).
2. Os Decretos-leis 1.724/79 (art. 1º) e 1.894/81 (art. 3º), conferindo ao
Ministro da Fazenda delegação legislativa para alterar as condições de
vigência do incentivo, poderiam, se fossem constitucionais, ter operado,
implicitamente, a revogação daquele prazo fatal. Todavia, os tribunais,
inclusive o STF, reconheceram e declararam a inconstitucionalidade
daqueles preceitos normativos de delegação.
3. Em nosso sistema, a inconstitucionalidade acarreta a nulidade ex tunc
das normas viciadas, que, em conseqüência, não estão aptas a produzir
qualquer efeito jurídico legítimo, muito menos o de revogar legislação
anterior. Assim, por serem inconstitucionais, o art. do Decreto-lei
1.724/79 e o art. do Decreto-lei 1.894/81 não revogaram os preceitos
normativos dos Decretos-leis 1.658/79 e 1.722/79, ficando mantida,
portanto, a data de extinção do incentivo fiscal.
4. Por outro lado, em controle de constitucionalidade, o Judiciário atua
como legislador negativo, e não como legislador positivo. Não pode, assim,
a pretexto de declarar a inconstitucionalidade parcial de uma norma, inovar
no plano do direito positivo, permitindo que surja, com a parte
remanescente da norma inconstitucional, um novo comando normativo,
não previsto e nem desejado pelo legislador. Ora, o legislador jamais
assegurou a vigência do crédito-prêmio do IPI por prazo indeterminado,
para além de 30.06.1983. O que existiu foi apenas a possibilidade de isso
vir a ocorrer, se assim o decidisse o Ministro da Fazenda, com base na
delegação de competência que lhe fora atribuída. Declarando
inconstitucional a outorga de tais poderes ao Ministro, é certo que a decisão
do Judiciário não poderia acarretar a conseqüência de conferir ao benefício
fiscal uma vigência indeterminada, não prevista e não querida pelo
legislador, e não estabelecida nem mesmo pelo Ministro da Fazenda, no
uso de sua inconstitucional competência delegada.
5. Finalmente, ainda que se pudesse superar a fundamentação alinhada, a
vigência do benefício em questão teria, de qualquer modo, sido encerrada,
na melhor das hipóteses para os beneficiários, em 05 de outubro de 1990,
por força do art. 41, § 1º, do ADCT, que o referido incentivo fiscal
setorial não foi confirmado por lei superveniente.
114
6. Recurso especial a que se nega provimento.
(RESP 591.708/RS. Órgão Julgador: Primeira Turma do STJ. Rel: Ministro
TEORI ALBINO ZAVASCKI. Publicado no DJ: 09.08.2004).‖
Informe-se ainda que o Superior Tribunal de Justiça se negou a modular os efeitos,
apesar da sua nova orientação jurisprudencial, como deixa claro o Ministro José Delgado no
sentido de que: ―Deveras, a aplicação da ‗modulação temporal‘ é situação excepcional,
somente cabível no caso da declaração de inconstitucionalidade, porquanto as decisões
judiciais da natureza da pleiteada in casu, têm eficácia ex nunc.‖
180
Ora, tal assertiva do ilustre Ministro é descabida, uma vez que, embora disponha o
art. 27 da Lei 9.868/99 de que somente seria a aplicável a modulação nos casos em que se
declara a inconstitucionalidade de lei (desde que presentes a segurança jurídica ou
excepcional interesse social), tal artigo, a nosso ver, é inócuo diante da Constituição Federal,
uma vez que a Carta Magna privilegia a segurança jurídica, devendo ser modulada a decisão
judicial também nos casos de nova interpretação, ainda que não haja a declaração de
inconstitucionalidade
181
. Competência esta também aplicada ao Superior Tribunal de Justiça,
como também entende Tércio Sampaio Ferraz
182
:
―Assim, partindo-se não necessariamente da Lei (Leis n. 9.868/99 e n.
9.882/99, mas, ao levá-las em consideração, partindo-se da decisão
paradigmática supra mencionada anterior a elas e do princípio da
razoabilidade que a informa, é possível ampliar-lhes o sentido, de modo a
fazer compreender, também na competência do STJ, a hipótese de conferir
efeito ex nunc às suas decisões‖.
183
Aliás, como já afirmado, partir do pressuposto previsto no art. 27 da Lei nº
9.868/99 que a limitação dos efeitos temporais seria aplicado quando da declaração de
180
AgRg no Ag 886162 / PR, DJU: 04/09/2008.
181
Aliás, em relação à vigência ou não do crédito-prêmio do IPI, a matéria deverá ser analisada pelo Supremo
Tribunal Federal que, inclusive, reconheceu a repercussão geral em relação ao caso, nos termos do RE-
RG 577302, cujo Relator é o Ministro Ricardo Lewandowsky (DJU: 30.04.2008).
182
FERRAZ, Tércio Sampaio. Irretroatividade e Jurisprudência Judicial. (In) Efeito Ex Tunc e as Decisões do
STJ. 2ª ed. São Paulo: Manole, 2009, p. 25.
183
No mesmo sentido Roque Antônio Carraza: ―Agora respondemos que sim, em que pese a inexistência de
autorização em meio técnico-processual expresso. Sempre o auto-aplicável princípio da segurança jurídica impõe
a fixação do período de transição a que estamos a aludir. Basta que esteja presente um dos supracitados
pressupostos: ‗razões de segurança jurídica‘ ou ‗excepcional interesse social‘. Segurança Jurídica e eficácia
temporal das alterações jurisprudenciais (In) Efeito Ex Tunc e as Decisões do STJ. ed. São Paulo: Manole,
2009, p. 68.
115
inconstitucionalidade, implica na inadequação da referida Lei com a própria Constituição
Federal, que outorga como direito e garantia fundamental a irretroatividade, segurança
jurídica, boa-fé e a proteção da confiança, não cabendo, nem à Emenda Constitucional limitar
o exercício daqueles princípios, nos termos do art. 60, par. 4º, da CF/88.
Fazer retroagir os efeitos de uma eventual alteração jurisprudencial há muito
consolidada é fazer tabula rasa de diversos princípios constitucionais como a proteção da
confiança, boa-fé e irretroatividade, sendo que este último se aplica inclusive às decisões
judiciais. No mesmo sentido leciona Clemerson Merlin Cléve
184
:
―Por isso, independentemente das decisões judiciais concretas, a
jurisprudência presta-se a orientar a conduta do Poder Público (aqui,
inclusive, do Judiciário) e dos particulares.‖
E é inegável que ao manter, com base na jurisprudência pacífica do Superior
Tribunal de Justiça, a confiabilidade e previsibilidade dos contribuintes, não poderia este
Tribunal desconsiderar o seu entendimento, ainda que já ultrapassado, a fim de fazer retroagir
os efeitos do seu novo entendimento, o que vem, mais uma vez, desrespeitar a segurança
jurídica.
4.2. Isenção da COFINS das Sociedades Súmula 276 e atual posicionamento do
Supremo Tribunal Federal sobre a matéria
A contribuição para o financiamento da seguridade social COFINS foi instituída
pela Lei Complementar n. 70, de 1991, cujo art. 6º, II, dispunha sobre a isenção das
sociedades civis, nos termos do art. 1º do Decreto-Lei nº 2.397/87. Contudo, em 1996 a União
publicou a Lei 9.430/96, cujo art. 56 determinou que: ―As sociedades civis de prestação de
serviços de profissão legalmente regulamentada passam a contribuir para a seguridade social
com base na receita bruta da prestação de serviços, observadas as normas da Lei
Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991‖.
Portanto, não entrando no mérito da possibilidade de Lei Ordinária revogar
disposição normativa de Lei Complementar, cuja matéria não era de competência desta
última, extinguiu a isenção disciplinada pela Lei Complementar nº 70/91. Diante do panorama
184
CLÉVE, Clémerson Merlin. Credito-Prêmio de IPI Estudos e Pareceres. São Paulo: Manole, 2005, p. 143.
116
normativo, os contribuintes passaram a ingressar com diversas ações judiciais, sustentando em
breve síntese que não poderia uma lei ordinária disciplinar o que estava regulamentado por lei
complementar.
As ações começaram a ser apreciadas pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo
que, em seus primeiros julgados entendeu
185
, com base na hierarquia das leis, que uma lei
ordinária não poderia revogar isenção concedida por lei complementar. Tanto foram os
julgados
186
que o Superior Tribunal Justiça editou a Súmula nº 276, nos seguintes termos:
―As sociedades civis de prestação de serviços profissionais são isentas da
Cofins, irrelevante o regime tributário adotado.‖
Nem se alegue, que o Superior Tribunal de Justiça, na verdade, nunca chegou a
enfrentar a questão da hierarquia normativa posta na matéria em discussão, mas apenas, como
sugere uma superficial leitura da Súmula, que a questão foi debatida unicamente com base no
regime adotado pelo contribuinte para se beneficiar ou não da isenção, ou seja, lucro
presumido ou real. De fato, a questão da natureza normativa das leis em debate foi,
efetivamente, apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça nos termos do AgRg no Resp
747196
187
.
E a Fazenda Pública inconformada, mesmo após a publicação da referida súmula,
por diversas vezes tentou que seus recursos fossem admitidos e apreciados pelo Supremo
Tribunal Federal, o que, contudo, vinha sendo negado por entender aquele Tribunal, em breve
185
Entendemos que no presente caso, caberia, de fato, à lei ordinária revogar a aludida isenção, ainda que
disciplinada por lei complementar, tendo em vista que a instituição de norma isentiva não é de sua competência,
nos termos do art. 146 da Constituição Federal. Além do mais, a matéria, tal como posta, também deveria ser
analisada, o que foi efetivamente feito, pelo Supremo Tribunal Federal.
186
REsp 227939 SC 1999/0076239-8, DJ: 12/03/2001; REsp 260960 RS 2000/0052961-3,
DJ :26/03/2001, AgRg no REsp 297461/PR 2000/0143771-2, DJ: 03/09/2001, AgRg no REsp 297461/PR
2000/0143771-2, DJ: 03/09/2001, AgRg no REsp 422741/MG 2002/0035148-1; DJ DATA:09/09/2002 .
187
―RECURSO ESPECIAL - TRIBUTÁRIO COFINS SOCIEDADES CIVIS DE PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS ISENÇÃO RECONHECIDA PELA LEI COMPLEMENTAR N. 70/91 (ART. 6º, II)
REVOGAÇÃO PELA LEI ORDINÁRIA N. 9.430/96 MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL
COMPETÊNCIA DO STJ.
O Tribunal de origem não utilizou em sua fundamentação dispositivos constitucionais que, por si só, fossem
suficientes para mantê-la. Não falar em competência da Suprema Corte nem de aplicação da Súmula 126 do
STJ. A disposição contida no artigo 56 da Lei n. 9.430, de 27.12.1996, não detém a virtude de revogar a isenção
da COFINS conferida pela Lei Complementar n. 70/91 às sociedades civis de profissão regulamentada, sob
pena de se desconsiderar potencialidade hierarquicamente superior da lei complementar frente à lei ordinária.
Súmula 276 deste Sodalício.
Agravo regimental desprovido.‖ (DJU: 05.09.2006 grifamos)
117
síntese, que ―A matéria, portanto, não se reveste de conteúdo constitucional que o agravante
insiste em lhe atribuir, a impedir a admissão do recurso extraordinário‖.
188
E de fato, a insistência do órgão fazendário acabou logrando êxito, eis que por
decisão nos autos dos Recursos Extraordinários 377.457/PR
189
e 381.964/MG, o Plenário
do Supremo Tribunal Federal decidiu pela incidência da Cofins sobre as sociedades
prestadoras de serviço, entendimento diverso, portanto, ao do Superior Tribunal de Justiça,
que inclusive já revogou a Súmula nº 276, acompanhando o entendimento do Supremo.
Ora, tendo em vista a alteração do panorama jurisprudencial, foi protocolada
petição pelos contribuintes no sentido de ser atribuído à matéria em discussão a limitação dos
efeitos temporais.
Manifestou-se o Ministro Gilmar Mendes sobre o assunto, afirmando inicialmente
que a questão não comportava a modulação que o Supremo Tribunal Federal havia
consolidado a questão quando do julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade 1
190
,
insurgindo-se o Ministro Marco Aurélio, sustentando que naquele julgado a matéria em si não
havia sido tratada de forma específica, mas apenas e tão somente decidiu que a lei
complementar nº 70/91 era apenas formalmente complementar, mas materialmente deveria ser
considerada como lei ordinária.
188
AgRg no Re nº 274.362-3/RS, DJU: 08.02.2002.
189
Segue Ementa do Recurso Extraordinário nº 377.457/PR (DJU: 19.12.2008):
EMENTA: Contribuição social sobre o faturamento - COFINS (CF, art. 195, I). 2. Revogação pelo art. 56 da
Lei 9.430/96 da isenção concedida às sociedades civis de profissão regulamentada pelo art. 6º, II, da Lei
Complementar 70/91. Legitimidade. 3. Inexistência de relação hierárquica entre lei ordinária e lei complementar.
Questão exclusivamente constitucional, relacionada à distribuição material entre as espécies legais. Precedentes.
4. A LC 70/91 é apenas formalmente complementar, mas materialmente ordinária, com relação aos dispositivos
concernentes à contribuição social por ela instituída. ADC 1, Rel. Moreira Alves, RTJ 156/721. 5. Recurso
extraordinário conhecido mas negado provimento.‖
190
EMENTA. Ação Declaratória de Constitucionalidade. Artigos 1º, 2º, 9º (em parte), 10 e 13 (em parte) da Lei
Complementar nº 70, de 30.12.91. COFINS. - A delimitação do objeto da ação declaratória de
constitucionalidade não se adstringe aos limites do objeto fixado pelo autor, mas estes estão sujeitos aos lindes
da controvérsia judicial que o autor tem que demonstrar. - Improcedência das alegações de inconstitucionalidade
da contribuição social instituída pela Lei Complementar 70/91 (COFINS). Ação que se conhece em parte, e
nela se julga procedente, para declarar-se, com os efeitos previstos no parágrafo 2º do artigo 102 da Constituição
Federal, na redação da Emenda Constitucional 3, de 1993, a constitucionalidade dos artigos 1º, e 10, bem
como das expressões "A contribuição social sobre o faturamento de que trata esta lei não extingue as atuais
fontes de custeio da Seguridade Social "contidas no artigo 9º, e das expressões "Esta lei complementar entra em
vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir do primeiro dia do mês seguinte nos noventa dias
118
Os debates continuaram, chegando a decidir a Egrégia Corte que no caso, para fins
de uma eventual modulação, haveria de se considerar a hipótese do quorum previsto no art. 27
da Lei nº 9.868/99 (maioria de dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal).
Ora, defendemos no presente trabalho que o art. 27 da Lei 9.868/99, além de
desnecessário é inconstitucional por se sobrepor a normas de natureza constitucional, entre
outros motivos, por limitar de forma descabida a possibilidade de modulação, especialmente
ao se referir apenas à hipótese da ―declaração de inconstitucionalidade‖.
Também nos casos de alteração abrupta de entendimento jurisprudencial deve-se
aplicar a modulação, tendo em vista as razões de segurança jurídica e de todos os princípios
que dela derivam, mediante um prévio juízo de ponderação, mesmo porque em diversas
situações, como demonstrado, o Supremo Tribunal Federal, mesmo antes do advento da
Lei nº 9.868/99, já se manifestava no sentido de manter a segurança jurídica.‖
191
posteriores, aquela publicação,..." constantes do artigo 13, todos da Lei Complementar 70, de 30 de dezembro
de 1991.‖ (DJU: 1.06.1995)
191
EMENTA: CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA JUDICANTE EM RAZÃO DA MATÉRIA. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DO
TRABALHO, PROPOSTA PELO EMPREGADO EM FACE DE SEU (EX-)EMPREGADOR.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 114 DA MAGNA CARTA. REDAÇÃO ANTERIOR
E POSTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/04. EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROCESSOS EM CURSO NA JUSTIÇA COMUM DOS ESTADOS.
IMPERATIVO DE POLÍTICA JUDICIÁRIA. Numa primeira interpretação do inciso I do art. 109 da Carta de
Outubro, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as ações de indenização por danos morais e patrimoniais
decorrentes de acidente do trabalho, ainda que movidas pelo empregado contra seu (ex-)empregador, eram da
competência da Justiça comum dos Estados-Membros. 2. Revisando a matéria, porém, o Plenário concluiu que a
Lei Republicana de 1988 conferiu tal competência à Justiça do Trabalho. Seja porque o art. 114, em sua
redação originária, assim deixava transparecer, seja porque aquela primeira interpretação do mencionado inciso I
do art. 109 estava, em boa verdade, influenciada pela jurisprudência que se firmou na Corte sob a égide das
Constituições anteriores. 3. Nada obstante, como imperativo de política judiciária -- haja vista o significativo
número de ações que tramitaram e ainda tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o relevante interesse
social em causa --, o Plenário decidiu, por maioria, que o marco temporal da competência da Justiça trabalhista é
o advento da EC 45/04. Emenda que explicitou a competência da Justiça Laboral na matéria em apreço. 4. A
nova orientação alcança os processos em trâmite pela Justiça comum estadual, desde que pendentes de
julgamento de mérito. É dizer: as ações que tramitam perante a Justiça comum dos Estados, com sentença de
mérito anterior à promulgação da EC 45/04, continuam até o trânsito em julgado e correspondente execução.
Quanto àquelas cujo mérito ainda não foi apreciado, hão de ser remetidas à Justiça do Trabalho, no estado em
que se encontram, com total aproveitamento dos atos praticados até então. A medida se impõe, em razão das
características que distinguem a Justiça comum estadual e a Justiça do Trabalho, cujos sistemas recursais, órgãos
e instâncias não guardam exata correlação. 5. O Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição
Republicana, pode e deve, em prol da segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões, com a
delimitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez que proceder a revisões de jurisprudência definidora de
competência ex ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de alterações jurisprudenciais que
ocorram sem mudança formal do Magno Texto. 6. Aplicação do precedente consubstanciado no julgamento do
Inquérito 687, Sessão Plenária de 25.08.99, ocasião em que foi cancelada a Súmula 394 do STF, por
incompatível com a Constituição de 1988, ressalvadas as decisões proferidas na vigência do verbete. 7. Conflito
de competência que se resolve, no caso, com o retorno dos autos ao Tribunal Superior do Trabalho.‖ (CC 7204 /
MG, DJU: 09.12.2005 grifamos).
119
Ademais, ainda que se entenda constitucional o atual dispositivo que trata das
hipóteses de modulação, o que se admite apenas por amor à dialética, ele se refere
exclusivamente às hipóteses de declaração de inconstitucionalidade de lei, que segundo o
mesmo, exige quorum qualificado.
Contudo, no presente caso não é essa a hipótese como registra de forma magistral
Luis Roberto Barroso
192
:
Pois bem. Em se tratando de modulação por mudança de jurisprudência,
data máxima venia, não que se falar na aplicação do art. 27 da Lei
9.868/99 e, por conseqüência, no quorum de dois terços nele previsto. Com
efeito, o dispositivo invocado versa sobre a declaração de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo proferida em abstrato pelo
STF. No presente caso, porém, - e o ponto dispensa maiores considerações
- em momento algum se pronunciou a inconstitucionalidade de lei. Ao
revés, o entendimento dessa Eg. Corte quanto ao mérito, em última análise,
foi no sentido da validade da alteração produzida pela Lei n° 9.430/96.‖
Na presente questão tem-se em vista uma jurisprudência consolidada, inclusive
com a existência de Súmula sobre o assunto (Súmula 276), não havendo como argumentar,
que não havia uma real e justa expectativa dos contribuintes em não mais pagarem a Cofins
(independentemente de ser justou ou não a aludida isenção). E o Supremo Tribunal Federal
considerou, diversas vezes (reforçando a ideia de confiança), que a matéria tinha natureza
infraconstitucional.
Acompanhamos, desta forma, o Min. Celso de Melo (RE nº 377.457-3) ao afirmar
que:
1. Mandado de segurança contra ato do Presidente da Câmara dos Deputados. Vacância dos cargos de Deputado
Federal dos litisconsortes passivos, Deputados Federais eleitos pelo partido Impetrante, e transferidos, por
vontade própria, para outra agremiação no curso do mandato.
(...)
10. Razões de segurança jurídica, e que se impõem também na evolução jurisprudencial, determinam seja o
cuidado novo sobre tema antigo pela jurisdição concebido como forma de certeza e não causa de sobressaltos
para os cidadãos. Não tendo havido mudanças na legislação sobre o tema, tem-se reconhecido o direito de o
Impetrante titularizar os mandatos por ele obtidos nas eleições de 2006, mas com modulação dos efeitos dessa
decisão para que se produzam eles a partir da data da resposta do Tribunal Superior Eleitoral à Consulta n.
1.398/2007. 11. Mandado de segurança conhecido e parcialmente concedido.‖ (Mandado de Segurança nº
26604/DF, DJU: 03.10.2008).
192
BARROSO, Luis Roberto. Parecer apresentado em Embargos de Declaração protocolado nos autos do
Recurso Extraordinário nº 377.457.
120
―Essa diretriz jurisprudencial, consolidada na Súmula 276/STJ, veio a
prevalecer no âmbito do Superior Tribunal de Justiça após ampla
discussão sobre a controvérsia jurídica em questão.
Esse dado assume, a meu juízo, Senhor Presidente, extrema importância,
pois coloca em pauta a questão relevantíssima da segurança jurídica, que
de prevalecer nas relações entre o Estado e o contribuinte, em ordem a
que as justas expectativas deste não sejam frustradas por atuação
inesperada do Poder Público, como sucederia em situações, como a ora
em exame, em que se registra clara ruptura de paradigmas, com a
prolação de decisão que evidentemente onera a esfera jurídica do sujeito
passivo da obrigação tributária‖.
193
Não interessa, portanto, se na presente ação houve ou não ―declaração de
inconstitucionalidade‖ ou que não haveria o quorum previsto no art. 27 da Lei 9.868/99,
mas, o que evidentemente importa é se verificar se teriam os contribuintes legítimas
expectativas em relação à isenção do tributo.
E no caso, certamente há, com base em Súmula, ainda que não vinculante,
decisões do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a matéria não era de sua
competência, sendo, assim, imperativo a concessão dos efeitos modulatórios.
4.3. Crédito de IPI alíquota zero
Outro notório caso na esfera tributária, em que também o Supremo Tribunal
Federal foi obrigado a se posicionar em relação à modulação é a tese defendida pelos
contribuintes de que na aquisição de insumos tributados à alíquota zero, tais operações
gerariam direito ao crédito do Imposto sobre Produtos Industrializados IPI.
Sustentam os contribuintes que o não creditamento violaria o princípio da não-
cumulatividade, previsto no art. 153, II, da Constituição Federal que assim dispõe:
Art. 153 - Compete à União instituir impostos sobre:
(...)
IV - Produtos industrializados;
(...)
§ 3º - O imposto previsto no inciso IV:
(...)
193
grifos no original.
121
II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada
operação com o montante cobrado nas anteriores;
(...)‖.
Afirmam ainda, que o entendimento contrário da Secretaria da Receita Federal ao
vedar o aludido creditamento anularia a cadeia de créditos e débitos, previstos nos impostos
indiretos, tais como o próprio IPI e o ICMS
194
, devendo, portanto, ser reconhecido o direito ao
respectivo creditamento pelo Poder Judiciário.
Os litígios foram se acumulando até que, começaram a ser apreciados pelo
Supremo Tribunal Federal
195
. Desta forma, em 18.12.2002, a Egrégia Corte acatou a tese
aventada pelos contribuintes, possibilitando o efetivo creditamento nas operações que
envolvessem a aquisição de insumos tributados à alíquota zero, nos termos do acórdão
proferido nos autos do Recurso Extraordinário nº 350.446/PR
196
:
Ementa.CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. CREDITAMENTO.
INSUMOS ISENTOS, SUJEITOS À ALÍQUOTA ZERO. Se o
contribuinte do IPI pode creditar o valor dos insumos adquiridos sob o
regime de isenção, inexiste razão para deixar de reconhecer-lhe o mesmo
direito na aquisição de insumos favorecidos pela alíquota zero, pois nada
extrema, na prática, as referidas figuras desonerativas, notadamente quando
se trata de aplicar o princípio da não-cumulatividade. A isenção e a
alíquota zero em um dos elos da cadeia produtiva desapareceriam quando
da operação subseqüente, se não admitido o crédito. Recurso não
conhecido.‖
Um ponto de ser destacado na presente ação e que é de fundamental
importância para o correto deslinde da questão; é que até a presente data a referida decisão
ainda não transitou em julgado, bem como os outros acórdãos proferidos no mesmo sentido.
194
No caso do ICMS, não há a referida possibilidade de creditamento, tendo em vista que a própria Constituição
Federal veda seu aproveitamento, nos termos do art. 153, 2º, II, ‗a‘.
―Art. 155 (...)
Par. 2º(...)
II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:
a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes‖
195
Não abordaremos todo o histórico dos julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal, mas apenas os
mais relevantes a fim de delimitarmos um marco referencial para identificar se houve ou não uma efetiva
―ruptura‖ entre a jurisprudência passada e atual a ensejar uma modulação dos efeitos temporais.
196
DJU: 06.06.2003.
122
Sobre o tema foram proferidas diversas decisões, inclusive monocráticas
(Recursos Extraordinários 353668, DJ 13-06-2003, 357.277, DJ 13-06-2003 e 358493,
DJU: 13.06.2003), com base no entendimento supracitado, contudo em nenhuma delas houve
o trânsito em julgado, tendo em vista os diversos recursos interpostos pela União.
De fato, e diante do breve histórico aqui mencionado, poderia se supor que a
matéria em questão estaria consolidada no âmbito do Supremo Tribunal Federal, mas apenas
parecia, na medida em que em novo julgamento a Egrégia Corte, nos autos do Recurso
Extraordinário 370.682
197
proferiu entendimento divergente, negando, portanto, a
possibilidade de creditamento nas hipóteses de alíquota zero, conforme a ementa a seguir
transcrita:
EMENTA: Recurso extraordinário. Tributário.
2. IPI. Crédito Presumido. Insumos sujeitos à alíquota zero ou não
tributados. Inexistência.
3. Os princípios da não-cumulatividade e da seletividade não ensejam
direito de crédito presumido de IPI para o contribuinte adquirente de
insumos não tributados ou sujeitos à alíquota zero.
4. Recurso extraordinário provido.‖.
Como nas outras hipóteses abordadas, não será objeto de análise o mérito da
discussão em si, mas somente se nos casos analisados, poderia o Supremo Tribunal Federal
modular os efeitos da decisão proferida, em face da existência de outros princípios em jogo.
Em relação à alteração da jurisprudência sobre o tema, manifestou-se o
Ministro Ricardo Lewandowski no seguinte sentido:
―Senhor Presidente, antes de terminar o julgamento, tendo em conta a
alteração na jurisprudência até agora assentada por esta Corte e por uma
estreita maioria hoje - , indago a Vossa Excelência se seria oportuno
suscitar, desde logo, a eventual concessão de efeitos prospectivos a essa
decisão hoje proferida.
(...)
Por tal motivo, e considerando que não houve modificação no contexto
fático e nem mudança legislativa, mas sobreveio uma alteração substancial
no entendimento do STF sobre a matéria, possivelmente em face de sua
nova composição, entendo ser conveniente evitar que um câmbio abrupto
197
19.12.2007
123
de rumos acarrete prejuízos aos jurisdicionados que pautaram suas ações
pelo entendimento até agora dominante.‖
No referido julgamento surgiram alguns pontos a serem abordados, ainda que de
forma sucinta, vejamos. Primeiro sustentou o Ministro Sepúlveda Pertence que no caso não
haveria uma declaração de inconstitucionalidade em si, mas apenas uma alteração da
jurisprudência
198
e que tal mudança, não ensejaria a modulação.
Em sentido semelhante se posicionou o Ministro Eros Roberto Grau:
―O preceito respeita à declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo, quando se manifestem razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse social. Cuida dos efeitos de declaração de
inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade. Repito: Inconstitucionalidade.
O preceito visa minimizar eventuais efeitos perniciosos decorrentes da
retroatividade dos efeitos de declaração de inconstitucionalidade.
Declarações de inconstitucionalidade não geram efeitos perniciosos ao
operarem retroativamente. Para tanto devem existir. Declarações de
inconstitucionalidade de qualquer porção do ordenamento apenas o
confirmam, positivamente. Não se modulam declarações de
constitucionalidade de leis ou atos normativos toda a gente sabe
disso.‖
199
Ousamos discordar dos ilustres Ministros, pois, além de não se tratar de uma
efetiva declaração de inconstitucionalidade, também não se trata de uma declaração de
constitucionalidade, mas apenas de uma interpretação a ser conferida a dispositivo
constitucional. Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal vem adotando o entendimento que
no caso de alterações jurisprudenciais bruscas, há, de fato, a possibilidade de limitação dos
efeitos, inclusive, nas hipóteses de controle difuso.
Aliás, reconheceu o próprio Ministro Gilmar Mendes nos autos do processo aqui
comentado (Recurso Extraordinário 353. 657/PR), a possibilidade do Supremo Tribunal
Federal em aplicar a modulação de efeitos na hipótese de uma ruptura jurisprudencial:
198
―No caso não há a questão de constitucionalidade. Parece que é interpretação direta da Constituição. O
problema é de reversão de jurisprudência. Susta-se a proclamação. Não é?
199
Grifamos.
124
―O Tribunal tem dado mostras, em larguíssima jurisprudência, no caso de
eventual revisão de interpretação constitucional ou, ocasionalmente, de
revisão de interpretação de caráter legal.‖
200
Segundo, e esta sim a questão mais relevante, foi observada pelo Ministro Joaquim
Barbosa:
―Senhora Presidente, a questão começou a ser apreciada pela Corte na
sessão plenária de 18.12.2002, por ocasião do julgamento do RE 350.446,
do RE 353.668, do RE 357.277 e do RE 358.493; (...).
O primeiro acórdão a ser publicado foi o RE 350.446 (DJ de 06.06.2003).
Nenhum dos acórdãos dos casos-líder transitou em julgado, já que
pendia julgamento de embargos de declaração em todos eles.
Contudo, cerca de três meses após a sessão de julgamento do caso-líder
(RE 350.446 18.12.2002), e mesmo antes da publicação do respectivo
acórdão (06.06.2003), a Primeira Turma decidiu, na sessão de 25.02.2003,
reexaminar a matéria no Plenário da Corte, como se no despacho
proferido nos autos do RE 363.777 (DJ de 14.05.2003).‖
Pelo que se infere da leitura dos votos proferidos, observa-se que a ausência de
uma autêntica expectativa normativa, tendo em vista a inocorrência do trânsito em julgado
(especialmente em função do constante inconformismo Fazendário), levou o Supremo
Tribunal Federal a rejeitar a proposta de modulação, inicialmente, sugerida pelo Ministro
Ricardo Lewandowski.
Em relação ao referido entendimento insurgi-se Misabel Derzi
201
:
―Esse fato inegável, ausência de coisa julgada, a estabilizar o entendimento
do Supremo, efetivamente não permite a formação de uma expectativa
normativa, de jurisprudência, sob a vigência da qual tivessem acontecido
fatos jurídicos, a merecerem proteção contra a retroação, a partir da
200
No mesmo sentido profere entendimento semelhante Paulo de Barros Carvalho:
―A modulação dos efeitos em benefício da Segurança jurídica é tema conhecido pela Suprema Corte que se
manifestara, em 1977, pela possibilidade de concessão de efeitos ex nunc diante de hipótese de mudança
substancial da jurisprudência assentada sobre o assunto. Ora, de ver está, não seria justo surpreender aqueles
jurisdicionados que seguiram as diretrizes vigentes ao tempo da lei, agravado pelas sanções da ilicitude,
precisamente quando da mudança de entendimento jurisprudencial, pela nova orientação deste Egrégio
Tribunal.‖ (CARVALHO, Paulo de Barros. Segurança Jurídica e Modulação de Efeitos. In: Direito Tributário
em Questão, nº 1, 2008, p. 215.
201
DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da Jurisprudência: Proteção da Confiança, Boa-Fé Objetiva
e Irretroatividade como Limitações do Poder Judicial de Tributar. Tese apresentada para o Concurso para
Professor Titular - Departamento de Direito Público, faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais, 18.11.2008, p. 435.
125
vigência da nova decisão. Em tais circunstâncias com propriedade
evidencia-se
1.Inaplicabilidade plena do princípio da irretroatividade, pois ele não
seria também aplicável para as leis que não chegam a nascer, não são
definitivas ou não entram em vigor.
2.Mas existe a plena responsabilidade pelas declarações feitas, até
mesmo por informações fornecidas por servidores públicos, muito mais
razoável supor a responsabilidade por despachos e decisões monocráticas
de Ministros da Corte Suprema, que aplicam a jurisprudência anterior,
como se fosse precedente consolidado. Em decorrência não se pode falar
em irretroatividade, não será a hipótese, mas em proteção da confiança,
casada com a boa-fé objetiva.
(...)
Nessas circunstâncias, se não podemos falar em irretroatividade,
certamente será totalmente adequado falar-se em proteção da confiança,
por meio da boa-fé objetiva.‖
202
Trilhando pelo mesmo caminho, Ives Gandra da Silva Martins
203
sustenta que no
presente caso havia se configurado a certeza e segurança dos contribuintes em se planejarem
econômica e juridicamente, com base nas decisões judiciais consolidadas, especialmente as do
Supremo Tribunal Federal e que este Tribunal não poderia frustrar as referidas expectativas.
Em que pese os argumentos apresentados, não corroboramos com a idéia de que
no presente caso haveria uma legítima expectativa normativa. Aqui se ponderou sobre a
necessidade de se estabelecer critérios objetivos para a limitação temporal dos efeitos no
controle de constitucionalidade. Há de se ter em mente que a ausência de critérios claros pode
nos levar, tal como os argumentos valorativos, a um discurso meramente retórico.
Tanto Misabel Derzi como Ives Gandra sustentam, em breve síntese, a necessidade
de modulação no caso concreto, tendo em vista a jurisprudência ―consolidada‖ e favorável aos
contribuintes que possibilitava o creditamento do IPI nas operações envolvendo insumos
tributos à alíquota zero.
Divergimos, pois não o que se falar em expectativas normativas, segurança
jurídica, confiança e boa-fé, mas apenas uma mera possibilidade de que o Tribunal
Constitucional decidisse de forma definitiva a questão do creditamento do IPI.
202
Grifos nossos e no original.
203
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Alíquota Zero e Crédito Escritural de Tributos Incidentes em Operações
Anteriores Efeito Prospectivo de Decisões da Suprema Corte sobre Matéria Constitucional sua
126
Como ressaltado no capítulo inicial o sistema jurídico repele quaisquer discursos
de natureza meramente valorativa, tendo em vista a dificuldade de operacionalização de
argumentos daquela natureza, é preciso que a ―esperança‖ se constitua em legítima
expectativa normativa. É necessário que este o valor seja introduzido no sistema jurídico,
sendo mais preciso, isto ocorre somente com o trânsito em julgado, pois caso contrário
permanecerá como mero valor.
Gustavo Valverde
204
é enfático ao afirmar que:
―Os problemas sociais passam a ser problema jurídico quando o próprio
sistema jurídico os seleciona e lhes confere tratamento por meio de suas
estruturas. Para a teoria de Luhman, o sistema jurídico toma os fatos
externos em consideração, mas tão-somente como informações geradas
internamente. Destarte, as mudanças do sistema podem ser atribuídas à
própria aplicação do Direito‖.
Decerto, os valores da confiança, segurança são operacionalizados pelo sistema
jurídico quando inseridos neste, que para nós ocorre com a coisa julgada que visa por
termo de forma definitiva aos litígios. De tal sorte, se torna difícil a operacionalização e a
aplicação dos argumentos expostos tanto por Ives Gandra da Silva Martins e como por
Misabel Derzi.
Ora, quantas decisões monocráticas seriam necessárias para se conferir uma real
segurança aos contribuintes (os autores falam, no caso do crédito do IPI alíquota zero, que
ocorreram mais de 60 decisões monocráticas sobre o tema)? Mais uma vez, afirmamos que
não importa o número de decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, na medida em
que tais decisões criam, tendo em vista que não transitaram em julgado, apenas uma mera
expectativa, uma espécie de esperança que poderia ser concretizada normativamente caso o
Supremo Tribunal Federal confirmasse de forma definitiva as decisões anteriormente
proferidas a favor dos contribuintes.
Admissibilidade tanto em Controle Concentrado quanto em Controle Difuso. In. Revista Dialética de Direito
Tributário nº 124, São Paulo: Dialética, 2006.
204
VALVERDE, Gustavo. Coisa Julgada em Matéria Tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 68.
127
Desta forma, é inconcebível afirmar que no caso houve violação, ao se negar a
modulação dos efeitos, da segurança jurídica, eis que o sistema jurídico trabalha com
valores normatizados, inseridos no mundo jurídico, caso contrário, permanecem como meros
valores e mais nada. Tércio Sampaio Ferraz
205
é exemplar:
―Na determinação do jurídico e, pois, na obtenção da segurança, a certeza é
um elemento primordial. Por certeza entende-se a determinação
permanente dos efeitos que o ordenamento jurídico atribui a um dado
comportamento, de modo que o cidadão saiba ou possa saber de antemão a
conseqüência das suas próprias ações.‖
4.4. (In) Constitucionalidade da Inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e COFINS
Caso de Modulação?
Caso de grande repercussão no cenário jurisprudencial e tributário nos dias atuais é
a discussão sobre a (in) constitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e
da COFINS
206
. Em breve síntese, alegam as empresas que o ICMS, por não se constituir em
faturamento, uma vez que apenas transita pelo patrimônio do contribuinte sem, contudo,
pertencer-lhe, não poderia aquele tributo estar incluído na base de cálculo das contribuições
sociais.
Ou seja, os valores atinentes ao ICMS não se caracterizam como receita, mas sim
como mera entrada transitória de dinheiro, que não tem efeitos sobre o patrimônio do
contribuinte, seguida de saída e destinação de tais valores aos entes políticos competentes
para arrecadá-los. Desta forma, haveria uma incongruência entre a Lei nº 9.718/98, que dispôs
sobre a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e do COFINS e o que dispõe o art. 195, I,
da Constituição Federal, em relação ao conceito de faturamento.
Desconsiderando os breves argumentos apresentados, vamos à jurisprudência
sobre o assunto. Inicialmente, ressalte-se que o Superior Tribunal de Justiça tem
jurisprudência consolidada sobre o tema, vejamos:
205
FERRAZ, Tércio Sampaio. Segurança Jurídica e normas gerais tributárias. In:
www.terciosampaioferraz.com.br, publicado em 15.08.2006.
206
Não vamos nos ater, como já informado, ao mérito da questão em si, tendo em vista não ser objeto do
presente trabalho, mas apenas e tão somente a questão dos efeitos modulatórios.
128
TRIBUTÁRIO - PIS E COFINS: INCIDÊNCIA - INCLUSÃO NO ICMS
NA BASE DE CÁLCULO.
1. O PIS e a COFINS incidem sobre o resultado da atividade econômica
das empresas (faturamento), sem possibilidade de reduções ou deduções.
2. Ausente dispositivo legal, não se pode deduzir da base de cálculo
o ICMS.
3. Recurso especial improvido.‖
207
Tal tema se consolidou de tal forma que foram editadas Súmulas, definindo a
questão da impossibilidade de exclusão em relação à base de cálculo das contribuições:
―SÚMULA 94: A parcela relativa ao ICMS inclui-se na base de cálculo do
FINSOCIAL;
SÚMULA 68: A parcela relativa ao ICM inclui-se na base de cálculo do
PIS‖.
Apenas um registro, pois apesar da Súmula 94 tratar do Finsocial, entendemos
que os temas e argumentos denotam características/notas semelhantes, logo, plenamente
aplicável às discussões atuais.
Os contribuintes, apesar de terem seus recursos especiais improvidos pelo Superior
Tribunal de Justiça, tiveram êxito em ter os respectivos recursos extraordinários admitidos
pela Egrégia Corte. Desta forma, em 1999 o recurso excepcional de nº 240.785 começou a ser
apreciado pelo Plenário daquela corte, sendo proferido voto favorável aos contribuintes pelo
Ministro Marco Aurélio, após o referido voto, pediu vistas o Ministro Nelson Jobim. Após 7
anos, em 2006, o Plenário retomou o julgamento sendo proferido mais 5 votos, todos
favoráveis à tese dos contribuintes
208
.
Inferindo a possibilidade de perda, tendo em vista a panorama amplamente
desfavorável no âmbito do controle difuso, a União ingressou com uma Ação Direta de
Constitucionalidade ADC nº 18, requerendo a declaração de inconstitucionalidade do art. 3º,
parágrafo 2º, inciso I, da Lei nº 9.718/98, subsidiariamente, foi requerido também, em caso de
inconstitucionalidade, que os efeitos da decisão tivessem natureza prospectiva ―preservando-
207
REsp 501626 / RS, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJU: 15.09.2003. Vide também os acórdãos no mesmo
sentido: RESP 501626-RS, AGRG NO RESP 463629-RS, AGRG NO AG 551806-PR, AG 529878.
208
Votaram favoravelmente aos contribuintes os Ministros: Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Ricardo
Lewandowski, Carlos Britto, Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence. Foi contra a tese dos contribuintes o Ministro
Eros Roberto Grau.
129
se a validade de todos os créditos tributários constituídos ao tempo do trânsito em julgado
deste processo‖.
Fundamentou ainda a União, para fins de modulação, tanto a abrupta‖ alteração
jurisprudencial, bem como os ―nefastos‖ efeitos de uma eventual declaração de
inconstitucionalidade aos cofres públicos
209
. Para nós, o alegado efeito financeiro, é
irrelevante para o Direito, trata-se, mais uma vez de um argumento meramente retórico.
Assim, que também consideramos como argumento da mesma natureza os contribuintes que
ingressem com medida judicial, de natureza tributária, justificando para o não pagamento de
determinado tributo que a negativa do pleito poderá gerar demissão de empregados, ―quebra‖
de caixa e outros.
Retornando aos argumentos jurídicos, temos que atualmente o Supremo Tribunal
Federal, acatou a tese fazendária (não em relação ao mérito, pelo menos por enquanto) no
sentido de privilegiar o julgamento da ADC em detrimento do Recurso Extraordinário de
240.785, suspendendo, desta forma, todas as demandas em relação à matéria até o seu
término
210
.
Logo, toda a apreciação da matéria se dará em torno da ADC 18.Voltando ao
tema central do presente trabalho, entendemos que a matéria, baseando-se em toda a
jurisprudência relatada, merece a modulação
211
. Isto porque, mais uma vez, encontra-se a
presente a segurança jurídica voltada tanto ao Estado, como ao contribuinte.
Em relação ao contribuinte, a manutenção das expectativas normativas, de forma
alguma, traduz-se sempre em benefício dos contribuintes; segurança jurídica neste caso,
significa que, tendo em vista a jurisprudência pacificada sobre o tema e contrária aos
209
Segundo a União, os cofres públicos poderão perder até R$ 60.000.000.000,00 (sessenta bilhões de reais).
210
EMENTA Medida cautelar. Ação declaratória de constitucionalidade. Art. 3º, § 2º, inciso I, da Lei nº
9.718/98. COFINS e PIS/PASEP. Base de lculo. Faturamento (art. 195, inciso I, alínea "b", da CF). Exclusão
do valor relativo ao ICMS. 1. O controle direto de constitucionalidade precede o controle difuso, não obstando o
ajuizamento da ação direta o curso do julgamento do recurso extraordinário. 2. Comprovada a divergência
jurisprudencial entre Juízes e Tribunais pátrios relativamente à possibilidade de incluir o valor do ICMS na base
de cálculo da COFINS e do PIS/PASEP, cabe deferir a medida cautelar para suspender o julgamento das
demandas que envolvam a aplicação do art. , § , inciso I, da Lei 9.718/98. 3. Medida cautelar deferida,
excluídos desta os processos em andamentos no Supremo Tribunal Federal.‖ (ADC 18, Ministro Relator
Menezes Direito, DJU: 23.10.2008)
211
Apenas para registro, entendemos que in casu, é inconstitucional a inclusão na base de cálculo das
contribuições sociais do ICMS, trilhando pela tese apresentada pelos contribuintes.
130
contribuintes, estes tinha a previsibilidade de sempre recolherem o PIS e COFINS com a
respectiva inclusão do ICMS. Tinha-se além dos julgados proferidos pelo Superior Tribunal
de Justiça, duas súmulas em relação ao tema.
O inconformismo dos contribuintes não ensejou uma jurisprudência conflituosa, ao
contrário e como já dito, a jurisprudência era totalmente favorável à tese fazendária.
Desta forma, ao decidir favoravelmente à tese de inconstitucionalidade dos
dispositivos normativos que determinam a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e
COFINS (e assim esperamos), deverá o Supremo Tribunal Federal modular os efeitos da sua
decisão, determinando que os seus efeitos só produzam efeitos a partir do trânsito em julgado,
em razão da segurança jurídica e da previsibilidade da questão, ainda que contrárias aos
contribuintes.
131
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das premissas apresentas e desenvolvidas no decorrer do presente trabalho,
considera-se que:
CAPÍTULO I
a) A função do direito é manter as expectativas normativas da sociedade, que tem
como valores inerentes a segurança, a confiança e a previsibilidade em suas condutas;
b) A segurança é o valor que impulsionou a criação de um direito positivo,
objetivando a redução das possibilidades de conduta que, por sua vez, poderiam criar um
clima de insegurança e caos, reduzindo-as mediante normas jurídicas;
c) Embora os valores incidam nos atos de enunciação (fontes do direito),
considerando-se que o direito é um objeto cultural, não se admite a sua presença na aplicação
do direito (obviamente, desde que não normatizados), sob pena de criar-se um sentimento de
insegurança à medida que valores não operacionalizados são utilizados pelo sistema;
d) Normas jurídicas não são somente aquelas compostas mediante uma estrutura
hipotético-condicional, mas, também, são consideradas normas jurídicas as que qualificam
juridicamente (atribuem valor de juridicidade) fatos, pessoas ou situações;
e) A segurança jurídica não é mero valor; encontra-se positivada na qualidade de
norma jurídica, caput do art. 5º da Constituição Federal, tratando-se de norma-princípio;
f) A segurança jurídica é reforçada e exteriorizada por regras jurídicas, entendidas
como normas estruturadas mediante a presença de um dos modais deônticos (proibido,
obrigatório e permitido);
g) As regras jurídicas da irretroatividade, da legalidade e da anterioridade são
estruturadas mediante os modais deônticos ―proibido‖ e ―obrigatório‖, vedando, desta forma,
condutas legislativas que venham a ferir a norma-princípio da segurança jurídica;
h) Os limites ao poder de tributar, previstos na Constituição Federal, objetivam
estabelecer o conceito e o alcance do princípio da segurança jurídica, visto que seu conteúdo
é vago e ambíguo;
i) A segurança jurídica, como regra geral, é voltada aos cidadãos e deve ser
invocada toda vez que for violada, contudo tal entendimento deverá sofrer temperamentos;
132
j) Embora não seja sua precípua função, admite-se no presente trabalho que o
Poder Judiciário insere normas jurídicas no sistema jurídico, efetivamente, ao aplicar sua
interpretação em casos concretos;
k) Assim sendo, é inegável que princípio da irretroatividade não pode ser limitado
apenas às leis, mas, também, às decisões proferidas pelo Poder Judiciário quando restar
violado a segurança jurídica, a boa-fé e a confiança;
l) A boa-fé e a confiança são princípios intrinsecamente relacionados e que visam
conferir maior segurança aos planejamentos efetuados pelos contribuintes.
CAPÍTULO II
a) Toda norma jurídica inserida no sistema é presumivelmente válida, cabendo ao
Poder Judiciário afastar a referida validez nos casos de incongruência com o sistema jurídico;
b) A inconstitucionalidade de uma norma jurídica deve ser verificada toda vez que
estiver em desacordo com os dispositivos constitucionais;
c) O sistema de controle de constitucionalidade brasileiro admite duas formas: a
difusa e a concentrada;
d) No controle difuso ocorre com o questionamento de uma norma desde a
primeira instância, sendo que os efeitos gerados pela eventual declaração de
inconstitucionalidade operam, a princípio, entre as partes em litígio. As referidas decisões
passarão a ter eficácia erga omnes após a edição de Resolução Senatorial ou com a
publicação de Súmula, sobretudo as de natureza vinculante;
e) O controle concentrado de constitucionalidade é exercido pelo Supremo
Tribunal Federal, realizado através das ADIs, ADCs e ADPFs, cujo rol de legitimados é
exposto no art. 103, I a IX, para o caso de lei ou ato normativo federal, estadual ou distrital
face à Constituição Federal;
f) O Poder Judiciário deve, mediante um severo juízo de ponderação, solucionar
conflitos entre normas de mesma hierarquia, afastando a norma que venha a ferir o princípio
da segurança jurídica, ainda que se afaste o princípio da nulidade absoluta;
g) O próprio Supremo Tribunal Federal vem atenuando, em diversos julgados, a
teoria da nulidade absoluta das normas jurídicas;
h) Pode-se inferir que toda norma nula, na verdade, é uma norma anulável que
depende do grau do cio normativo e que pode ter seus efeitos extintos desde a sua vigência
ou postergados em razão da segurança jurídica;
133
i) Embora o Direito Constitucional Brasileiro não tivesse admitido inicialmente, a
teoria do stare decisis é de irrefutável importância, atualmente, na composição da
jurisprudência das instâncias inferiores, especialmente pelo advento do art. 557 do Código de
Processo Civil.
CAPÍTULO III
a) Partindo da premissa que a função primordial da Corte Constitucional é manter
a harmonia do sistema jurídico, entende-se que, mesmo antes do advento do art. 27, da Lei
9.868/99, o Supremo Tribunal Federal poderia modular os efeitos de suas decisões, seja no
controle difuso, seja no controle concentrado, a fim de manter a supremacia dos interesses
relevantes e presentes na sociedade;
b) Os precedentes variam em graus de obrigatoriedade e observância pelos
Tribunais inferiores;
c) Deve-se levar em conta um determinado precedente para avaliar o grau de
observância e a respectiva similaridade (notas e/ou características) com outros casos em
discussão. O grau de obrigatoriedade em se decidir de acordo com a jurisprudência deve ser
avaliado em função das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior
Tribunal de Justiça. Ou seja, se as decisões transitaram em julgado, ou se Súmula, ainda
que não tenha natureza vinculante ou se há Resolução senatorial sobre o tema;
d) Outras decisões, ainda que não tenham transitado em julgado ou que não se
enquadrem nas hipóteses anteriormente mencionadas, podem ser observadas pelos Tribunais
inferiores, mas sem qualquer vínculo de obrigatoriedade em segui-las;
e) A modulação pode ser conceituada como uma limitação temporal, determinada
pelo Tribunal competente, ao ser declarada a inconstitucionalidade de uma norma, afastando,
desta forma, o princípio da nulidade, bem como nos casos em que haja ―ruptura‖ de uma
jurisprudência já consolidada sobre determinado tema;
f) A modulação, em si, não deve ter como fundamento uma questão de política
judiciária. Sua aplicação deverá estar baseada, exclusivamente, em normas presentes no
próprio sistema jurídico;
134
g) O sistema jurídico não tem condições de se basear, em suas decisões, nos
valores
212
, por estes serem de difícil operacionalização. Todo fundamento, ao se apreciar
casos concretos, deve estar previsto em normas jurídicas;
h) Enquanto as decisões, ainda que no mesmo sentido, não se inserirem na
confiança e boa-fé dos contribuintes (o que só se constitui / alcança com o trânsito em julgado
e com os efeitos dele decorrentes: resolução senatorial, súmula, etc), não como se falar em
jurisprudência consolidada, podendo o Tribunal alterar seu entendimento sem ser obrigado a
modular os efeitos no controle de constitucionalidade;
i) As legítimas expectativas normativas só são introduzidas no sistema com a
irrecorribilidade das decisões proferidas no controle de constitucionalidade;
j) Nos casos em que o princípio da legalidade e o princípio da segurança jurídica,
exteriorizado pelo princípio da irretroatividade, estejam em conflito, estes últimos devem
prevalecer, uma vez que a própria segurança é principal fundamento do direito, atentando-se,
contudo, às peculiaridades de cada caso concreto;
k) Havendo a instituição de sanção mais gravosa ao contribuinte, na qual os limites
impostos constitucionalmente (como a vedação ao confisco, por exemplo) são violados, o
Supremo Tribunal Federal deve retroagir seus efeitos ao fazer valer a norma antes revogada,
tendo em vista ser mais benéfica ao contribuinte, prevalecendo a teoria da nulidade das
normas jurídicas;
l) O STF ao declarar inconstitucional isenção concedida, como regra geral, deverá
aplicar o princípio da nulidade ab initio, devendo os contribuintes recolher o tributo de forma
retroativa. Contudo, os contribuintes, nos termos do art. 100, parágrafo único do CTN,
deverão recolher apenas o principal, sem a incidência de penalidades, juros ou correção
monetária;
CAPÍTULO IV
a) O Supremo Tribunal Federal declarou, pelo controle difuso, a
inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91, decidindo pela modulação no caso
concreto em relação aos contribuintes que não questionaram as referidas normas antes do
término daquele julgado, sob o fundamento da segurança jurídica;
212
Admite-s premissa diversa, apenas se os valores estiverem inseridos no sistema jurídico.
135
b) No caso em espécie, a legalidade, a boa-fé, a confiança e a segurança jurídica,
voltadas ao contribuinte, estão entrelaçadas de forma a ser aplicada à teoria da nulidade,
sendo extinto os efeitos desde o início;
c) A insegurança jurídica, fundamento utilizado pelo Ministro Gilmar Mendes, é
voltada, a princípio, ao contribuinte e não ao Estado. O contribuinte teve sua expectativa
frustrada quando, após o julgado, poderia ter o retorno dos valores recolhidos em prazo
superior aos 5 anos. Decisão esta, evidentemente, passível de críticas;
d) Em relação ao crédito-prêmio do IPI, tendo em vista os diversos julgados
transitados em julgado (jurisprudência pacífica e consolidada sobre o tema), o Superior
Tribunal de Justiça deveria, efetivamente, ter modulado os efeitos, devido ao seu novo
entendimento, uma vez que a utilização do crédito-prêmio do IPI estava inserido de forma
legítima na boa-fé e na confiança dos contribuintes;
e) A interpretação equivocada do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema da
modulação, sob a justificativa de que seria aplicada a limitação de efeitos somente quando
houvesse a declaração de inconstitucionalidade é infundada. A modulação, aqui defendemos,
deverá ser sempre aplicada, independentemente de haver ou não declaração de
inconstitucionalidade, basta, nestes casos, haver alteração de entendimento anteriormente
consolidado;
f) O argumento acima citado é aplicável ao tema da isenção das sociedades civis
em relação à Cofins, visto que a matéria estava, inclusive, sumulada (SÚMULA N.º 276);
g) Em relação à possibilidade da constituição de créditos, decorrentes da aquisição
de insumos tributados à alíquota zero pelos contribuintes, entende-se que, embora requerida a
modulação em função do Supremo Tribunal Federal, na reversão de sua jurisprudência
supostamente consolidada, a mesma é inaplicável porquanto que nenhuma das decisões
favoráveis aos contribuintes transitou em julgado até a presente data, não havendo uma
legítima expectativa normativa, mas, apenas e tão somente, em mera probabilidade;
h) de se acolher integralmente o entendimento proferido pelo Supremo
Tribunal Federal ao se negar em aplicar o instituto da modulação, uma vez que não estavam
presentes seus requisitos, como a segurança jurídica, a boa-fé e a confiança;
i) Caso seja acatada a tese de inconstitucionalidade em relação à inclusão do ICMS
na base de cálculo do PIS e COFINS, o Supremo Tribunal Federal deve modular os
respectivos efeitos, tendo em vista a existência de legítimas expectativas normativas inseridas
no sistema por meio de diversos acórdãos (transitados em julgado), como pela edição de
súmulas (63 e 98), que, efetivamente, rejeitaram a tese dos contribuintes;
136
j) Por fim, a segurança jurídica, nesse caso, está baseada na pacificação da matéria,
no âmbito do Superior Tribunal de Justiça; segurança esta no sentido de que os contribuintes
tinham a previsão do recolhimento com a inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS e
do PIS.
137
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