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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Luiz Pereira de Souza
A Contribuição da Arte/Educação Comunitária para o atendimento técnico no abrigo infanto-
juvenil “Meu Guri”.
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
SÃO PAULO
2009
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Luiz Pereira de Souza
A Contribuição da Arte/Educação Comunitária para o Atendimento técnico no abrigo infanto-
juvenil “Meu Guri”.
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Dissertação apresentada à Banca Examinadora como
exigência parcial para obtenção do título de Mestre em
Ciências Sociais na área de Sociologia pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação
da Profa. Doutora Maria Margarida Cavalcanti Limena.
SÃO PAULO
2009
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Banca Examinadora
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
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À minha esposa, Olga e à meu filho, Daniel pela paciência, estímulo e amor.
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RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo refletir e compreender as implicações da Arte/Educação
Comunitária inserida no atendimento técnico do abrigo infanto-juvenil “Meu Guri” após a
promulgação do Estatuto da criança e adolescente. (Lei Federal n º 8069 de 13/07/1990).
Como se trata de uma disciplina nova neste tipo de atendimento, realizou-se uma revisão
bibliográfica baseada principalmente nos estudos de BARBOSA (1995, 1998, 1999) sobre a história
da Arte/Educação no ensino formal. Também foram analisados os fenômenos de caráter
interdisciplinar baseados nos projetos promovidos pela equipe de atendimento do abrigo.
A escolha da metodologia qualitativa buscou compreender a perspectiva dos sujeitos
participantes do cotidiano institucional do abrigo. Desta forma, tanto funcionários (educadores e
técnicos) como as crianças e adolescentes abrigados foram protagonistas nesse processo.
Assim, constatamos nessa pesquisa um panorama da dinâmica político-pedagógica do abrigo,
evidenciando também a necessidade da promoção de novos paradigmas interdisciplinares de
atendimento que preparem as crianças e adolescentes atendidas nesse tipo de regime de proteção para
uma sociedade mais complexa, solidária e inclusiva.
Palavras-Chaves: Arte/educação Comunitária, Interdisciplinaridade, Abrigo Infanto-juvenil, Estatuto
da Criança e do Adolescente.
6
ABSTRACT
The objective of this research paper is to reflect upon and comprehend the implications of the
program Community based Art Education, which has been implanted in a technical assistance of the
“Meu Guri” youth shelter, following the enactment of the Child and Adolescent Statute (Federal Law
nº 8069 de 13/07/1990).
As this is a new discipline for this kind of assistance, a bibliographical review, based mainly
on studies of BARBOSA (1995, 1998, 1999), was done about teaching the history of Art education
in formal studies. Phenomena of an interdisciplinary character, which were based on projects
promoted by the shelter’s assistance team, were also analyzed.
The choice of a qualitative methodology sought to understand the perspectives of the
participating subjects with regards to the everyday institutional life of the shelter. This way, the
shelter’s employees (both educators and technicians) were as much the protagonists in this process as
the sheltered children and adolescents were.
Thus, from our research we were able to come up with a panorama of the politico-
pedagogical dynamic at the shelter, which makes evident the necessity for the promotion of new
interdisciplinary assistance paradigms that prepare both the children and adolescents in this
protective regimen for a more complex, equitable, and inclusive society.
Keywords: Community based Art Education, Interdisciplinarity, youth shelter, The Child and
Adolescent Statute.
7
Agradecimentos
Agradeço primeiramente a Deus pela graça da vida e que levou meu pai, porém me deu um
filho, ambos durante a realização desta pesquisa;
À minha mãe, às minhas duas irmãs e às minhas sobrinhas queridas e amadas;
Aos meus parentes e amigos pelo incentivo e compreensão pelo tempo ausente;
À Profa. Doutora Maria Margarida Cavalcanti Limena por indicar de maneira afetiva,
tolerante, profícua e assertiva o caminho da produção cientifica;
Às Profas. Doutoras Maria Lucia Rodrigues e Lucia Helena Vitalli Rangel por colaborar para
o aperfeiçoamento desta pesquisa com seus apontamentos no exame de Qualificação;
Aos colegas e amigos do Centro Biopsicossocial Meu Guri por trilharmos junto à “aventura”
do atendimento em regime de abrigo;
À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo por propiciar um ambiente estimulante para
a produção de conhecimento;
À coordenação do programa Bolsa Mestrado do Estado de São Paulo pelo investimento e
especialmente ao colega “Seu João”, responsável pelas formalizações, que com muito humor e
competência agilizou a burocracia na Diretoria Regional Guarulhos-Norte;
À Elza da Costa Pereira, presidente do CENTRO BIOPSICISOCIAL MEU GURI, por
compartilhar e estimular a realização deste trabalho;
E certamente e o mais importante neste processo, às crianças e adolescentes abrigadas no
CENTRO BIOPSICOSOCIAL MEU GURI que representam também um universo de mais de 20 mil
crianças e adolescentes abrigados em nosso país.
Muito Obrigado!
8
Sentimento de uma criança
Aos três anos de idade
Entrei em um abrigo
Porque a minha mãe
Não tinha condições
Por isso estou aqui
Estudando pra ser mais pra frente
Um cantor de RAP
Sei que a vida não é só vitória
É luta e correria
Tem que ser assim
Pra sobreviver no dia-a-dia
No mundo lá fora
A gente tem que ter muita educação
(...)
Refrão
A educação é muito boa
Pra quem quer viver ao lado da sua coroa
É isso aí irmão
Nunca desista de alcançar os seus sonhos
Porque os seus sonhos
Serão a realidade do seu futuro.
Autor: Adolescente abrigado
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................................11
Centro Biopsicossocial Meu Guri...................................................................................21
CAPITULO IA Arte/educação no Brasil..........................................................................25
1.1. - A história da Arte/Educação..................................................................................25
1.2. - Ciência ou Arte.......................................................................................................28
1.3. - Arte/educação na área social..................................................................................31
CAPITULO II – O Trabalho Técnico do abrigo “Meu Guri”...........................................33
2.1. A Perspectiva da equipe de atendimento..............................................................33
2.1.1. A Relação entre Saber e Poder..............................................................................34
2.1.2. Postura Interdisciplinar..........................................................................................35
2.1.3. Experiência Artística Escolar................................................................................37
2.1.4. Juízo sobre o que é Arte........................................................................................39
2.2. A perspectiva das crianças e adolescentes abrigados..........................................40
2.2.1. Projeto de Vida......................................................................................................42
2.2.2. Identidade..............................................................................................................44
2.2.3. Abrigo....................................................................................................................46
2.2.4. Arte na Educação formal x Arte/Educação no abrigo...........................................49
2.3. A perspectiva do pesquisador: Acaso ou criação?...............................................51
CAPITULO III – Projetos em Arte/Educação desenvolvidos pelo abrigo Meu Guri......55
3.1. Conexões Criativas: Creative Connections..............................................................56
3.2. Escola da Família......................................................................................................70
3.3. Visitas externas monitoradas: a inclusão da comunidade na educação do abrigo...74
CAPITULO IV – Interdisciplinaridade: uma postura profissional...................................76
4.1. A história do trabalho técnico do abrigo...................................................................77
4.2. Arte/educação e atitude interdisciplinar....................................................................81
4.3. Ficção ou realidade....................................................................................................84
10
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................99
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................105
ANEXOS...............................................................................................................................115
Anexo I - Questionário Semi-estruturado...............................................................................116
Anexo
II
-
Grupo Focal..........................................................................................................117
Anexo III - Descrição dos casos das crianças e adolescentes que participaram da pesquisa..118
1
Introdução
“Se no início o Estado estético (lúdico) é apenas um recurso e meio para possibilitar a passagem do caráter físico
ao moral, pouco a pouco o meio se torna fim último. Até que surja, como ideal absoluto, o “homem estético”, o estado
lúdico, único em que o homem é integramente Homem.” (SCHILLER, 1991, p.24)
A presente pesquisa visa compreender as contribuições da Arte/Educação
1
na instituição que
atende o público infanto-juvenil em regime de abrigo. Portanto, este estudo prioriza como público
alvo crianças e adolescentes em risco pessoal e social cuja guarda
2
esteja sob a responsabilidade do
Estado. Buscou-se analisar quais são as ações desenvolvidas pelo profissional desta área e
principalmente, de que forma elas contemplam o Estatuto da Criança e do Adolescente ECA
3
(Lei
Federal 8069 de 1990) mais especificamente a partir da seguinte problematização: se a medida de
Abrigo preconiza a manutenção dos vínculos familiares e comunitários (artigo 100 do ECA ) quais
seriam as contribuições de um profissional da arte/educação no abrigo?
O ECA, em seu artigo 101, parágrafo único, descreve o regime de abrigo como: “[...] uma
medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família
substituta, não implicando em privação de liberdade.”. o Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada – IPEA interpreta essa definição como os locais que:
“[...] atendem crianças e adolescentes que tenham seus direitos violados e que, em razão disso e pela
especificidade do caso, necessitem ser temporariamente afastados da convivência com suas famílias.
Funcionam, assim, como moradia alternativa até o retorno à família de origem ou até colocação em
família substituta.”(SILVA, 2004, p.37)
Portanto, as crianças e adolescentes envolvidos nesta pesquisa estão abrigados devido a uma
determinação judicial provocada por denúncia a órgãos públicos de proteção, encaminhamentos dos
1
A Arte/Educadora Ana Mae Barbosa justifica a utilização da barra pelo hífen pelo seguinte motivo: “Prefiro a
designação Arte/educação (com barra) por recomendação de uma lingüística, a Lúcia Pimentel, que criticou o uso do
hífen como usávamos em Arte-Educação, para dar o sentido de pertencimento. a barra, com base na linguagem de
computador, é que significa “pertencer a” .Cf. Arte/Educação Contemporânea, 2005, p.21.
2
A Guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo
a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. (artigo 33 do ECA)
3
A partir desta citação irei referir-me ao Estatuto da Criança e do Adolescente (lei federal n° 8069 de
13/07/1990) através da abreviação “ECA”.
2
conselhos tutelares ou uma intervenção do próprio corpo técnico do judiciário em casos de violência
doméstica, maus-tratos ou negligência. Segundo a Lei, o abrigamento também pode ser efetuado
diretamente na instituição de abrigo caso uma criança ou adolescente esteja em flagrante risco
pessoal e social; entretanto, o Judiciário deve ser comunicado até dois dias após a ocorrência (artigo
93 do ECA).
Vale ressaltar que esta medida de proteção deve ser o último recurso a ser aplicado porque,
além do comprometimento no desenvolvimento psicossocial, o período de abrigamento inibe o
desenvolvimento intelectual e emocional, conforma afirma Silva:
“A institucionalização total e prolongada cria, para a criança e para o adolescente, um quadro de
referências que permeia toda a sua vida cognitiva, afetiva e emocional, que norteia todas suas relações e
que dita as suas respostas comportamentais.” (SILVA, 2002, p.19).
A partir desta cultura institucional tem-se uma outra constatação, que expressa uma ideologia,
o abrigamento pelo motivo de “pobreza”. Sabemos que ele não é determinante e suficiente para o
afastamento da criança ou do adolescente da convivência familiar (artigo 23 do ECA), entretanto,
paradoxalmente, o IPEA (2004) indica que a pobreza continua sendo o maior motivo de abrigamento
em um universo de 20 mil crianças que vivem em 589 abrigos em todo território nacional, conforme
abaixo:
“[...] carência de recursos (24,1 %); o abandono pelos pais ou responsáveis (18,8%); a violência
doméstica (11,6 %); a dependência química de pais ou responsáveis (11,3 %); a vivencia de rua (7,0
%); a orfandade (5,2%), a prisão dos pais ou responsáveis (3,3%). Todos os demais motivos referidos
apareceram como responsáveis pelo abrigamento de cerca de 15% das crianças e adolescentes[...].
(SILVA, 2004, p.55).”.
Cabe lembrar que a institucionalização de crianças e adolescentes pobres é também um
desdobramento da história social da infância no nosso país. Observando este processo histórico
percebe-se que a condição estigmatizadora foi uma característica marcante nas políticas públicas
voltadas para a infância e juventude vulnerabilizada, classificada por Silva
4
(1997) em cinco grandes
4
Prof. Dr. Roberto da Silva é pedagogo, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
(USP), passou a sua infância e parte da juventude entre abrigos e os chamados internatos durante as décadas de 60 e 70.
na fase adulta, conseguiu cursar um supletivo para concluir o ensino básico, ingressou no curso de pedagogia na
Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), logo depois da graduação ingressou no mestrado na Faculdade de
3
períodos:
I - Filantrópico (1500-1874): Criança-bastarda e Instituição-Benemérita
II - Filantrópico - Higienista (1874-1922): Criança-Exposta e Entidade-Sanitarista
III - Assistencial (1924-1964): Criança-Assistida e Instituição-Promotoria Social
IV - Institucional (1964-1990): Criança-Menor e Instituição - Institucionalizadora
V - Desistitucionalizador ECA (1990-?): Criança-Detentora de direito e Instituição -
Asseguradora de direitos.
Durante esse processo histórico e legal ressalta-se o fato da criança e adolescente em
risco social que viveram sob a guarda do Estado foram sempre as portadoras das mazelas sociais, ou
seja, elas corporificam o problema, eram vistas como a causa de sua situação de vulnerabilidade e a
instituição como a solução.
Ora, mesmo com os inúmeros progressos no desenvolvimento de instrumentais
técnicos para o atendimento em abrigos após a promulgação do ECA, ainda trata-se de um serviço da
área social fortemente marcado pela cultura institucional dos antigos orfanatos cuja premissa tendia
ao controle total da vida dos abrigados através principalmente da disciplina “... [fabricando] assim
corpos submissos e exercitados, corpos<<dóceis>>.” (FOUCAULT, 1984, p.127).
Do ponto de vista da Arte/Educação, eixo principal desta pesquisa, nos interessa compreender
esta dinâmica de controle da vida das crianças e adolescentes abrigados, e a partir desta análise,
buscar entender: como a Arte/Educação pode contribuir para um atendimento mais inclusivo que
contemple toda complexidade deste tipo de regime de atendimento à população infanto-juvenil?
É importante ressaltar que a Arte/Educação referenciada nesta pesquisa foi promulgada pela
lei 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases - LDB) no seu artigo 26, § que diz: “O ensino da arte
constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a
promover o desenvolvimento cultural dos alunos”.
Outro fato relevante para o desenvolvimento desta pesquisa trata-se da mobilização da
comunidade cientifica em torno da formulação de novos paradigmas de atendimento para esta
população, IPEA (2004). Pude constatar essa demanda também quando o governo federal decidiu
Educação da USP com um projeto de pesquisa cujo objeto de pesquisa era sua própria trajetória institucional, o resultado
desta pesquisa encontramos em seu livro “Os Filhos do Governo”.
4
realizar uma Consulta Pública a fim de formular um manual de “Orientações Técnicas para Serviços
de Acolhimento para Crianças e Adolescentes”, principalmente devido às diversas solicitações de
informações técnicas por parte dos abrigos conveniados.
Esta proposta governamental foi articulada de forma conjunta pelo CONANDA (Conselho
Nacional dos Direitos da Criança do Adolescente) com o CNAS (Conselho Nacional de Assistência
Social). O documento esteve aberto para contribuição pública até a data 10/08/2008
5
e visava a seu
aperfeiçoamento para posterior envio para as equipes dos abrigos conveniados.
Deve-se distinguir, também, o regime de Abrigo da Internação, que estes dois regimes
costumam ser compreendidos como similares, porém, legalmente, são destinados a situações
distintas.
A primeira situação trata-se de uma medida de Proteção e é aplicável, conforme o artigo 98
do ECA, “ [...] sempre que os direitos reconhecidos nesta lei forem ameaçados ou violados” :
por ação ou omissão da sociedade ou Estado;
por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis;
em razão de sua conduta.
a Internação é uma medida Sócio-Educativa, privativa da liberdade e é aplicada por
autoridade competente a partir de ato infracional praticado pelo adolescente, para estes casos o
aplicáveis quaisquer uma das medidas descrita no artigo 112:
advertência;
obrigação de reparar o dano;
prestação de serviço à comunidade;
liberdade assistida;
inserção em regime de semiliberdade;
internação em estabelecimento educacional.
Todavia, mesmo após a promulgação do ECA, a nova condição das crianças e adolescentes de
Detentoras de Direito, pude perceber, através da minha experiência profissional, que a cultura de
5
O endereço eletrônico
consultapublica-cnas@mds.gov.br
foi disponibilizado pelo CNAS para receber
contribuições e sugestões para a formatação deste documento até dia 10/10/2008.
5
institucionalização ainda é a principal características das políticas públicas com este perfil de
população, ou seja, normalmente tratam dos casos depois da denúncia (oficializada) e tendem a
encaminhar para o abrigo como primeira opção de atendimento.
Neste sentido Oliveira (2007) comenta que:
“[...] apesar de ser uma das últimas medidas de proteção elencadas no artigo 101 inciso II do ECA, o
abrigamento continua sendo largamente aplicado às situações que envolvem crianças e adolescentes
cujos direitos foram ameaçados e violados[...]
A precariedade da situação socioeconômica acrescida da falta ou insuficiência de políticas públicas que
viabilizem o acesso aos direitos básicos para grande parte da população brasileira é o que está na base
das situações que levam ao abrigamento da criança e do adolescente [...]”. (p.22).
Ora, o Poder Público e a Sociedade Civil Organizada devem considerar essas medidas
protetivas sem se omitirem da aplicação das ações preventivas cujos resultados são mais eficazes,
entretanto com percepção a médio e longo prazo. Quando existem, muitas destas ações configuram-
se em projetos sociais (com Arte, Cultura e Esporte) realizados nas comunidades de origem desta
população.
Por estes motivos, os Conselhos Municipais e Direito das Crianças e Adolescentes
(CMDCA)
6
orientam que os atendimentos em abrigos devem oferecer proteção provisória, devem
ser realizadas em pequenos espaços, com caráter residencial e no máximo com vinte crianças ou
adolescentes abrigados.
Assim, os grandes complexos de abrigos construídos em quase todo território brasileiro
durante o século XX tiveram como imperativo legal um parâmetro de adequação e mudança. Mas
não são somente os aspectos estruturais que precisam modificar-se, as atitudes no âmbito técnico
também devem fazer o mesmo.
Para isto, deve-se buscar romper e superar o pensamento fragmentado e cientificista, tão
fundamental quanto às alterações estruturais e concretas. Neste sentido Morin (2002) afirma que:
“Se quisermos um conhecimento segmentário, encerrado a um único objeto, com a finalidade única de
manipulá-lo, podemos então eliminar a preocupação de reunir, contextualizar, globalizar. Mas, se
quisermos um conhecimento pertinente, precisamos reunir, contextualizar, globalizar nossas
informações e nossos saberes, buscar, portanto, um conhecimento complexo.” (MORIN, 2002, p.566)
6
As deliberações do CMDCA da cidade de São Paulo costumam ser referência para os outros Conselhos do
Estado de São Paulo.
6
Porém, a última pesquisa nacional sobre Abrigos realizada pelo IPEA (uma referência
científica sobre o tema) utilizou como ponto de partida de levantamento para formulações, análises
advindas do pensamento tradicional, aquelas que separam e não articulam a complexidade dos
fenômenos. Em outros termos, utilizou a separabilidade dos locais que as crianças e adolescentes
vivem para a formulação do diagnóstico, da proposta de intervenções e dos possíveis prognósticos
técnicos.
De acordo com essa pesquisa, as situações polarizadas em “a”: instituição e “b”: lar substituto
são as únicas possibilidades de análise conforme os gráficos a seguir:
Tabela 01
Característica do atendimento - socialização
Instituição
Lar Substituto (ou acolhedor)
1. Admissão-"ansiedade de
separação";
(...), protesto, desespero e desapego;
1. Admissão - adaptação rápida;
2.Difícil identificação (rotatividade
de funcionários);
2.Identificação- membros da família;
3. Distribuição por faixa etária -
dificulta contato entre irmãos;
3.Convivência- grupo de irmãos;
4.Afastamento da vivência em
ambiente familiar e comunitário
4.Vivência em um ambiente familiar
e comunitário
Fonte: (SILVA, 2004, p.319)
7
Tabela 02
Característica do atendimento - emocional
Instituição
Lar Substituto
1. Carência afetiva;
1.Recebem afeto;
2.Baixa auto-
estima;
2.Elevada auto-estima;
3.Mudança no humor, brilho nos
olhos, sorriso;
4.Medo de retornar ao abrigo
(institucional)
Fonte: (SILVA, 2004, p.319)
Tabela 03
Característica do Atendimento - tratamento
Instituição Lar Substituto
1.Ambiente familiar, aconchegante;
2.Coletivo -
massificante;
2.Individualizado-personalizado;
3.Horários flexíveis, respeito ao
ritmo da criança;
4.Vestuário individualizado,
apropriado;
5.Sem direito a escolhas, gosto,
querer
5.Respeito aos gostos, escolhas e
desejos
Fonte: (SILVA, 2004, p.319)
8
Tabela 04
Característica do atendimento - desenvolvimento infantil
Instituição Lar Substituto
1. Atraso no desenvolvimento
biopsicomotor;
1. Bom desenvolvimento;
2. Saúde fragilizada;
2. Melhora do quadro de saúde;
3. Dificuldade de ganhar peso; 3. Aumento do peso;
4. Linguagem reduzida; 4. Aumento do vocabulário;
5. Dificuldades de compreender as
coisas comuns do cotidiano
5.Riqueza nas experiências do
cotidiano
Fonte: (SILVA, 2004, p.319)
Obviamente, os resultados assim apresentados possuem valor cientifico, mas esta pesquisa
procura evidenciar que é possível acrescentar novas intervenções que incluam outras abordagens
7
,
outras dimensões que contemplem uma postura interdisciplinar:
Assim, a partir do objetivo geral deste trabalho, anteriormente apresentado, entende-se que a
predominância da abordagem tradicional para com os casos/abrigamento também é um fator que
carece de uma abertura para a consolidação de uma postura interdisciplinar.
Desta maneira, para a equipe técnica do abrigo, trabalhar de forma interdisciplinar não seria
somente uma opção metodológica ou profissional. Quando não interação entre as diferentes áreas
do Saber e objetivos comuns para todos profissionais, perdemos em qualidade de serviço prestado
neste tipo de regime de atendimento.
7
Por exemplo, o programa de “Apadrinhamento Afetivo” que é desenvolvido em parceria entre a Vara da
Infância e o Abrigo busca a promoção da convivência (provisória) das crianças abrigadas em casa de famílias que eles já
possuem vínculos afetivos. Vale ressaltar que esta alternativa não consta na versão de 1990 do ECA, sendo atualmente
considerada positiva judicialmente devido os resultados satisfatório da sua aplicação e sendo uma terceira alternativa
para impossibilidade das opções família biológica ou abrigo.
9
Por exemplo, um dos indicadores desta qualidade está ligado diretamente à postura conceitual
dos encaminhamentos e relatórios técnicos produzidos pela equipe do abrigo. A partir do parecer
técnico expressado pela equipe do abrigo, possibilidade de diminuição ou não do período de
abrigamento.
Inclusive, a falta de uma interpretação da complexidade deste fenômeno leva a sociedade a
uma concepção enviesada sobre o tema, por exemplo, a ABTH (2003) afirma que pensar:
“Que toda criança institucionalizada é adotável trata-se de um mito. Na realidade, muitas crianças que
vivem em instituições mantêm vínculos com suas famílias de origem e, tanto quanto possível, esses
vínculos devem ser mantidos ou recuperados. Crianças nessas condições não são adotáveis. Apenas
quando se verifica a ruptura definitiva desses vínculos, com a conseqüente decisão judicial, é que a
criança se torna adotável.” (p.33)
Esta afirmação nos revela que uma forma de conceituar e refletir polarizada pode colaborar
em atuações reducionistas e excludentes. Ora, é evidente que nem “toda criança” institucionalizada é
adotável, mas quando se afirma com esta imprecisão, as conclusões tornam-se enviesadas e
imprecisas.
Além destes aspectos citados anteriormente, esta pesquisa buscou analisar a aplicação das
preposições elencadas no documento institucional nomeado Planejamento Estratégico 2005-2010,
apesar de não estar totalmente implementado este documento estabelece um parâmetro de mudança
de paradigma para a equipe de atendimento da instituição, segue no quadro abaixo as referências
analisadas.
10
Posicionamento Estratégico
De Para
Centro de Atendimento; Centro de Referência;
Atuação em âmbito local; Atuação em âmbito nacional;
Programa em regime de abrigo; Programa em regime de abrigo e
orientação e apoio sócio-familiar;
Assimilação e aplicação de
conhecimento;
Produção, sistematização e
disseminação de conceitos e práticas
inovadoras;
Operação concentrada em uma
única unidade de atendimento;
Operação baseada numa
organização em rede;
Foco nas carências e
vulnerabilidades do atendido;
Foco no potencial e capacidades
do atendido;
Atividades capacitadoras
esporádicas em diversos contextos;
Atividades capacitadoras
regulares, programadas sistemáticas;
Enquadramento no paradigma
vigente.
Busca pela implementação de
novos paradigmas.
Fonte: Arquivo da Entidade
A importância deste posicionamento estratégico está justamente em buscar a articulação entre
as práticas atuais da entidade, muitas vezes reducionistas e tradicionais, visando à alteração da ordem
paradigmática vigente para uma postura que visa ao potencial do indivíduo. Este tipo de
planejamento é imperioso, politicamente, devido à condição do status de abrigado não se alterar
somente pelo acompanhamento técnico, faz-se necessário ter como parâmetro que as:
“[...] garantias e proteção às crianças e adolescentes [...] não se converte, por si só, num meio de
assegurar garantias, sendo justamente no não-comprometimento ou na falha da aplicação da lei que
encontramos os adolescentes em situação de risco.” (ARPINI, 2003, p.14)
Ainda nesta direção, a inflexão entre Arte/Educação e risco social compõe uma das possíveis
plataformas de ação político-pedagógica para a expressão do cidadão:
11
“[...] a realidade social precisa ser mostrada no seu mecanismo de aprisionamento, posta sob uma luz
que devasse a ‘alienação’ do tema e dos personagens. A obra de arte deve apoderar-se da platéia não
através da identificação passiva, mas através de um apelo á razão que requeira ação e decisão.”
(FISCHER, 1983, p.15).
Desta forma, é necessário compreender o Abrigo Meu Guri, local desta pesquisa, cuja
dinâmica certamente influencia na concepção de qualquer obra artística realizada pelos moradores
deste local.
Centro Biopsicossocial Meu Guri
O local de investigação é o Centro Biopsicossocial Meu Guri na sua unidade de abrigo. A
instituição está organizada operacionalmente e conceitualmente através de um Programa Político–
Pedagógico (PPP) que está sub-dividido em três regimes de atendimento: O Abrigo em Mairiporã,
um projeto comunitário (Laços) localizado fisicamente na unidade da Serra da Cantareira, mas que
atua nas comunidades do entorno da cidade de Mairiporã e um Núcleo Comunitário situado no bairro
do Tucuruvi, na zona norte da cidade de São Paulo, onde atua na prevenção da violência doméstica e
institucional sob o regime de orientação e apoio sócio-familiar.
Trata-se de uma entidade civil, privada, sem fins lucrativos e sem qualquer tipo de vínculo
financeiro com órgão público, mantida pela Central Força Sindical, pelo Sindicato dos Metalúrgicos
de São Paulo e Região e também com contribuições mensais de pessoas físicas e jurídicas
denominados mantenedores. Sua Sede Administrativa, na Serra da Cantareira, possui 97 mil metros
quadrados, seis casas, um prédio utilizado para as atividades operacionais, quadra esportiva e uma
piscina, no total são 3.169,45 m² de área construída.
Atualmente o abrigo, local desta investigação, utiliza duas casas, cada uma delas com cerca
de 14 crianças, as outras quatro residências possuem cursos e oficinas artesanais para a comunidade
local.
Duas educadoras, uma cozinheira e uma faxineira mantêm a rotina em cada casa, com uma
equipe técnica composta por um guardião/coordenador (psicólogo), um arte-educador, uma
pedagoga, duas assistentes sociais e um psicólogo.
O município de Mairiporã, local do abrigo, localiza-se 31 km de São Paulo; faz divisa ao
norte com a cidade de Atibaia e Bom Jesus dos Perdões, ao nordeste com Nazaré Paulista, ao sudeste
com Guarulhos, ao sul com São Paulo e a oeste com Caieiras, Franco da Rocha e Francisco Morato.
12
Possui uma área de 321,480 km² rodeados pela maior floresta urbana do mundo, sendo 87% do
território de área manancial.
Segundo estudo realizado pela UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância (2006),
Mairiporã possui taxas de IDI (Índice de desenvolvimento Infantil) que exigem um estado de alerta
dos órgãos públicos: de um total de 60.109 habitantes em 2004, 24,24 % dos pais e 20,64 % das
mães possuem escolaridade precária (menos de quatro anos de estudo). Apesar de 95,02 % das
crianças menores de 1 ano estarem vacinadas,apenas 45,84% das gestantes possuem mais de seis
consultas de pré-natal.
A proposta deste índice é que ele seja usado como instrumento que:
“[...] contribui para a formulação e o monitoramento de políticas públicas orientadas à primeira infância
[...] é particularmente útil para mobilizar recursos e vontade política, no processo de descentralização e
municipalização das políticas e dos serviços destinados ao desenvolvimento infantil.” (UNICEF, 2006,
p. 108).
Devido sua extensão territorial, muitos bairros são distantes e isolados e a maioria não tem
serviços de fornecimento de água tratada e esgoto. Ironicamente o município serve de duto para
transportar 70% do volume de água consumido pela capital do Estado de São Paulo. Apesar do alto
padrão dos condomínios que ladeam o município, os bairros mais afastados apresentam escassez de
pavimentação, áreas de esporte e lazer
8
.
É importante constar que do total de crianças e adolescentes abrigadas no “Meu Guri”, com
exceção de cinco crianças (grupo de irmãos da cidade de São Paulo), todas as outras 23 viviam neste
município inseridos nestas características socioculturais.
A Arte/Educação Comunitária encontra seu repertório estético para o trabalho nesta condição
peculiar da comunidade local.
Neste trabalho a Arte/Educação Comunitária é compreendida essencialmente como uma
experiência estética familiar e comunitária, a luz deste conceito Bastos explica: “... o conhecimento e
o estudo da arte, da cultura e das raízes locais possibilitam a revitalização da identidade cultural dos
alunos [crianças e adolescentes abrigados] e a reflexão sobre as suas possibilidades na sociedade.”
(BASTOS, 2005, p.228)
8
Essas informações foram levantadas em pesquisa documental nos prontuários do CAB Meu Guri - Projeto
Laços, que realiza atividades nas comunidades do entorno da instituição.
13
Assim, esta pesquisa recupera a proposta de Arte/Educação Comunitária como disciplina,
considerando-a como outra forma de pensar o real, com diagnóstico, intervenção e proposta (se assim
for necessário) que transitam entre o cientifico e o estético sem necessariamente eximir as qualidades
e possibilidades de ambas as dimensões.
Por outro lado, não devemos omitir o fato da existência de poética pessoal, um estilo, uma
dimensão que se concretiza no cotidiano:
“(...) como referência fundamental a ontologia que a pessoa estabelece e seus anseios teleológicos,
temos acesso a sua semântica existencial. Suas palavras, seus gestos, suas metáforas, as suas
organizações de espaço e tempo, revelam-se em seus significados peculiares, colocando-nos em meio a
seu idioma pessoal.” (SAFRA, 2004, p.113)
Dito isto, então a Arte/Educação Comunitária seria capaz de propor diagnósticos,
intervenções e prognósticos além dos realizados pelas outras áreas do conhecimento?E como se
constituiria sua relação interdisciplinar com as outras áreas do conhecimento presentes no abrigo?
Desta forma, para alcançarmos os objetivos desta trabalho, desenvolvemos uma pesquisa
qualitativa, visando uma aproximação com as perspectivas dos sujeitos. Outro aspecto importante
deste trabalho trata-se dos diferentes instrumentos de pesquisa utilizados, é importante ressaltar que a
delimitação detalhada do objeto de pesquisa e a contribuição desses diversos aspectos nos permitiu
recorrer a estes procedimentos. Neste sentido, Vasconcelos indica que: “[...] pesquisa em ciências
humanas e sociais [...] de natureza eminentemente interdisciplinar [...] podem também interagir os
diferentes instrumentos específicos de pesquisa das mais diferentes ciências, quando relevantes para
apreender a complexidade do fenômeno.” (VASCONCELOS, 2002, p.217-218).
Por uma opção didática, dividiu-se esta pesquisa em quatro etapas, todas se estruturam no
seguinte questionamento:
“[...] Será que o estímulo a uma constante indagação a respeito de a quem pertence à noção de verdade,
nesta luta entre as diversas aparências produzidas sobre um tema e que nos remete necessariamente para
os meios e linguagens de representação [artística e estética] utilizados pelos autores dos trabalhos, sem
entretanto romper com a experiência e o contato com o mundo empírico, não poderia inspirar elementos
fundamentais para uma epistemologia da complexidade e da interdisciplinaridade?(VASCONCELOS,
2002, p.34)
Quanto a metodologia adotou-se os seguintes procedimentos: no capítulo I efetuou-se uma
revisão bibliográfica fundamentada nos estudos da arte/educadora Ana Mae T. Barbosa, ressaltando
14
inclusive os desafios institucionais e acadêmicos para a legalização da Arte/Educação no nosso país.
No Capítulo II, o foco voltou-se para as diferentes perspectivas dos sujeitos presentes no
cotidiano institucional, para o levantamento de dados foram utilizados os seguintes instrumentais de
pesquisa: questionário semi-estruturado e o grupo focal, para os funcionários e para as crianças e
adolescentes abrigados respectivamente.
no capítulo III analisou-se os três projetos de Arte/Educação presentes na instituição:
“Conexões Criativas ‘Creative Connections’”, “Escola da Família” e “Visitas externas monitoradas”,
estas análises se deram através principalmente dos registros de obras de arte criadas pelas crianças e
adolescentes abrigadas.
Finalmente, o Capítulo IV visou a compreensão dos trabalhos interdisciplinares realizados no
abrigo, essa reflexão engendra os limites, atribuições e interlocuções de cada área do conhecimento
no atendimento técnico na instituição a partir de três etapas: o contexto histórico do surgimento do
trabalho técnico em instituições de abrigo, da análise dos processos interdisciplinares da realização
de uma peça de teatro e da observação (estética) de obras de arte criadas pelo pesquisador.
Cabe lembrar que as conjecturas do pesquisador/artista relatadas sobre as suas obras não
restringem outras interpretações sobre as mesmas, ao contrário:
“[...] inspirar analogicamente a busca de alternativas entre as posições modernistas convencionais e as
perspectivas pós-modernas radicais, abrindo novas possibilidades na construção de teorias críticas dos
fenômenos humanos e sociais através da complexidade e da interdisciplinaridade.” (VASCONCELOS,
2002, p.34).
Assim, aproximar-se das teorias da complexidade não foi uma afinidade ou conveniência
instrumental, mas o encontro de estatutos científicos que viabilizaram uma intersecção entre Arte e
Ciência, sem hierarquizá-las ou eximir uma da outra. Neste sentido Medeiros (2005) afirma:
“Um sensibilizar para a aisthesis não forma nem deforma, apenas torna o ser mais vivo, isto é, fluido
para a continua transformação. A continua análise do ambiente cotidiano, das imagens, recantos e
paisagens contribui para a capacidade crítica e, estimula a criação de mais prazer estético, a busca do
prazer.” (MEDEIROS, 2005, p.97).
Obviamente, cabe citar que não pretendo com esta pesquisa concentrar ou mesmo esvaziar
todas as outras possibilidades de intervenção técnica no abrigo, cabe a ela ocupar o seu espaço de
questionar e compartilhar com outros pesquisadores também das outras áreas do conhecimento o
empreendimento científico com este tema.
15
CAPÍTULO I. A Arte/Educação no Brasil
“Oh, Jokerman, you know what he wants,
Oh, Jokerman, you don't show any response.”
Jokerman, Bob Dylan
1.1. A história da Arte/Educação
Historicamente, o início do ensino da Arte no Brasil foi marcado por um componente
político: a criação da Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro em 1826 que abriu suas
portas para sociedade através de uma ordem real. O príncipe regente foi o responsável por esta
empreitada como relata Barbosa: “D.João VI, porém, proporcionou a iniciação de um ensino artístico
no Brasil ao trazer a ‘Missão Francesa’, que criou, em 1816, para somente começar a funcionar dez
anos mais tarde, a instituição que seria a nossa primeira escola de Belas Artes.” (BARBOSA, 1995,
p. 41).
No final do século XIX, com a proclamação da República em 1889, influenciada pelo
liberalismo americano e pelo positivismo francês, o ensino da Arte sofreu sua primeira adaptação
pedagógica pautada nos valores neoclássicos vigente na Europa. Assim, com a Reforma educacional
de 22/11/1890 e a de Fernando Lobo (1892/1899), a geometrização do ensino do desenho tornou-se
definitivamente a técnica artística respeitada, sendo ela também um dos estigmas
9
que mais
perduraram no ensino formal da Arte.
Com a abolição da escravatura intensificou-se o preconceito contra as artes manuais, Arte
bela e culta era aquela de cunho literário ou a racionalizada, ou seja, geometrizada “[...] teve ela de
9
Ana Mae BARBOSA, Arte-Educação no Brasil, p.12 : [...] a idéia da identificação do ensino da Arte com o
ensino do Desenho Geométrico, compatível com as concepções liberais e positivas dominantes naquele período, ainda
encontra eco cem anos depois em nossas sala de aula e na maioria dos compêndios de Educação Artística, editados
mesmo depois da Reforma Educacional de 1971.
Perguntamos recentemente a uma professora de Educação Artística, que membros da Secretaria da
Educação nos informaram ser uma das melhores da rede escolar estadual, por que continuava dando Desenho Geométrico
em suas aulas de arte, ela nos respondeu que era a única forma dos outros professores e da maioria dos alunos
valorizarem a disciplina”.
16
se disfarçar tanto que se tornou descaracterizada e deixou de ser arte. Virou tudo: desenho
geométrico, arte manuais, artes industriais, artes domésticas, fanfarras, etc. Tudo, menos arte.”
(DUARTE JÚNIOR, 1996, p. 77-78).
Os ideais da Semana de Arte Moderna de 22, baseados nas teorias expressionistas (re)
valorizaram os trabalhos artísticos a partir do conceito da Livre-expressão (Laissez faire). Entretanto,
a valorização da Arte caminhava desde que alinhada à função terapêutica.
O resultado dessa visão foi a ampliação do preconceito contra o ensino da Arte a partir de um
profissional da área, legitimando-a como um luxo ou instrumento de outros saberes.
O ensino da arte voltou-se para a valorização do espontaneísmo, baseado em um dogma cujo
objetivo era preservar uma espécie de pureza artística produzida pelas crianças e adolescentes, uma
das personalidades mais emblemáticas desta vertente de pensamento foi Anita Malfatti:
“[...] como professora de arte, em seu atelier (e mais moderadamente na Escola Americana) inovaria os
métodos e as concepções de arte infantil, transformando a função do professor em espectador da obra
de arte da criança, e ao qual competia, antes de tudo, preservar sua ingênua e autentica expressão.
(BARBOSA, 1995, p.114).
O rompimento com este movimento surgiu por volta de 1948 com as Escolinhas de Arte que
ocuparam a função pioneira na formação de educadores de arte com os seguintes objetivos: “[...] o
desenvolvimento da capacidade criadora em geral [...] É necessário ensinar a ver, a analisar, a
especular, a investigar.” (BARBOSA, 1985, p.46 ).
Nas décadas de 60 e 70 surgiu nos Estados Unidos da América outro movimento que
conhecemos por DBAE (Discipline Based Art education), começava uma sistematização pedagógica
que lançaria os alicerces teóricos da Arte/Educação pós-moderna com as seguintes características:
atelier ou produção artística, fruição ou apreciação, história da arte e conhecimento sobre estética.
Entretanto, no Brasil, até os anos 70 a docência em Arte não possuía sequer uma graduação.
A lei de diretrizes e Bases de 1971 fazia uma distinção entre desenho técnico e artístico, a fim de
conciliar esses conteúdos e destinou a Arte um espaço específico na grade curricular “[...] no artigo
38, item V, como ‘atividade complementar de iniciação artística’, enquanto que o desenho sempre foi
exigido como matéria obrigatória [...]” (BARBOSA, 1995, p.101).
Neste mesmo ano, com a promulgação da lei federal 5692/71, as instituições de ensino
começaram a criar os primeiros cursos de graduação na então chamada “Educação Artística”, porém
acabaram por criar duas situações pedagogicamente inusitadas: a primeira, pelo fato dos cursos de
graduação possuírem um conteúdo baseado nas quatro linguagens artísticas (dança, música, artes
17
plásticas e teatro) entendia-se que um curso de graduação com todas as linguagens em seu conteúdo
programático formaria um professor polivalente, mas de fato, formava-se de forma superficial e
incompleta. A segunda situação advém de uma questão essencialmente ligada ao mercado de
trabalho, dividido em uma Licenciatura curta (habilitado para o ensino fundamental), de dois anos e
outra plena (para o ensino médio) de três anos, o curso de graduação em Arte foi concebido como
suficiente para suprir a recém criada profissão, mas:
“[...] a institucionalização, pelo governo, de um curso inadequado de graduação em Educação Artística
(1973), com o fim de preparar professores, está reforçando a marcha que leva o ensino de arte à
mediocridade. Esses cursos de graduação chamados “Licenciatura curta em Educação Artística” estão
produzindo professores inócuos, uma vez que os administradores pretendem formar em dois anos um
professor que, por lei (5692, de 1971) ensinará, obrigatoriamente e ao mesmo tempo, artes visuais,
música e teatro a alunos da primeira à oitava série e até mesmo alunos de segundo grau.” (BARBOSA,
2001, p.48)
O marco legal para essa mudança surgiu através da lei 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases -
LDB) e atualmente os desafios são outros, passado esse período histórico de legitimação, a
Arte/Educação adquiriu novas propostas:
“A Arte/Educação é uma área de estudos extremamente propícia à fertilização interdisciplinar e o
próprio termo que a designa denota pelo seu binarismo a ordenação de duas áreas num processo que se
caracterizou no passado por um acentuado dualismo, quase que uma colagem das teorias da Educação
ao trabalho de material de origem artística na escola, ou vice-versa, numa alternativa de subordinação”
(BARBOSA, 1995, p. 12-13)
Assim, o raciocínio da autora indica o futuro para os arte/educadores contemporâneos, cujas
práticas implicam em novos métodos de ensino de arte, “(...) não mais resultante da junção de arte à
educação ou de oposição entre ambas, mas de sua interpenetração (
IDEM
, p.13). Mas, para
enveredar por este caminho se faz necessário compreender o papel desta disciplina na produção do
conhecimento, principalmente em relação à Ciências Humanas.
18
1.2. Ciência ou Arte?
A separação destas duas dimensões decorre do seguinte pensamento iluminista: Arte e
Ciência pertencem a dimensões distintas e desta maneira devem ser constituídas para o progresso de
ambas. Sobretudo a partir da influência sócio-histórica fruto de: “[...] uma crise, que levou à
fragmentação da cultura em três esferas independentes a ciência, a moral e a arte [...]”.
(ROUANET, 1987, p.23).
Assim, a aceitação da disciplina de Arte/Educação como agente da produção do
conhecimento humano dependeu das adaptações que sofreu em sua relação com as estruturas
ideológicas das instituições (acadêmicas) formadas a partir destas três esferas.
No decorrer do século XX, como vimos no capítulo anterior, o ensino da arte passou por
diversos embates, principalmente no âmbito político para se constituir como disciplina.
O primeiro referencial Legal a tratar deste tema no Brasil foi à reforma educacional de
Benjamim Constant (1890):
“[...] a célebre reforma do positivista Benjamim Constant, que influenciou decisivamente a evolução do
ensino secundário durante a Primeira República, não deu à Arte a importância reclamada por Auguste
Comte e centrou o currículo desde cedo no ensino das ciências.” (IBIDEM, p.68).
Um dos motivos para a resistência do ensino da Arte (ou Arte/Educação) na escola foi à
concepção sobre a excelência da Ciência sobre as outras formas de saberes. Atualmente os
Parâmetros Curriculares Nacionais (2000), desenvolvidos pela Secretaria de Educação do Governo
Federal já admitem que:
“A manifestação artística tem em comum com o conhecimento cientifico, técnico e filosófico seu
caráter de criação e inovação. Essencialmente, o ato criador, em qualquer dessas formas de
conhecimento, estrutura e organiza o mundo, respondendo aos desafios que dele emanam, num
constante processo de transformação do homem e da realidade circundante. [...] Tanto a ciência como a
arte, respondem a essa necessidade mediante a construção de objetos de conhecimento que, juntamente
com as relações sociais, políticas e econômicas, sistemas filosóficos e éticos, formam o conjunto de
manifestações simbólicas de uma determinada cultura [...] A própria idéia de ciência como disciplina
autônoma, distinta da arte, é produto recente da cultura ocidental. (p.32-33).
Paradoxalmente encontramos ações excludentes em órgãos ligados a academia; um exemplo
contundente é a nova proposta do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
19
(CNPQ) para a reformulação das áreas do conhecimento visando seu aperfeiçoamento, disponível no
site da respectiva instituição. Na atual versão, a área denominada “Educação artística” faz parte da
grande área: Lingüísticas, Letras e Artes, inclusive com a seguinte referência numérica: 8.03.010.00-
1. na versão futura (aberta para discussão), a área foi excluída e nenhuma colocada em
substituição, obviamente, a categoria (Arte/Educadores) se mobilizou e uma petição pública foi
encaminhada para o respectivo órgão responsável
10
, porém este fato demonstra a necessidade da
constante vigilância.
Porém, é reconhecida a importância do universo artístico para a o avanço do Conhecimento
Humano. Tanto Coli (2006) quanto Eisner (1999) concordam que a maior colaboração da Arte para a
produção do Saber reside em suas características: sensíveis, ambíguas e principalmente
questionadora.
Ora, se por um lado temos o reconhecimento da Arte para o avanço na produção do
conhecimento, mesmo que “fora” da ciência e por outro uma resistência para com a Arte/Educação,
deve-se procurar compreender a origem deste conflito.
Do ponto de vista desta pesquisa caberia a Arte/Educação o papel da produção de
conhecimento, via Ciência, que esta possui não somente uma teoria (do ensino da arte), mas
também objetivos, metodologia e instrumentos de pesquisa específicos. Neste sentido Freire afirma:
“Se acreditamos que o sujeito constrói, produz conhecimento (sujeito cognitivo), vive em grupo (sujeito
social) com sua afetividade, seus sentimentos (sujeito afetivo) e sua sensibilidade (sujeito estético),
temos que assumir em sua formação o acompanhamento instrumentalizador de todos esses aspectos
constituidores desse sujeito.”(FREIRE- b, 1996, p.8)
Sua aplicação também se desdobra a favor dos objetivos pedagógico das instituições, seja ela
de ensino ou social. Neste sentido Ferreira afirma:
“Sem dúvida, um dos mais importantes objetivos da educação é contribuir para o desenvolvimento da
autonomia, ajudar os alunos a se tornarem moral e intelectualmente livres, aptos a pensar e agir de
forma independente. Nesse campo, a contribuição das artes poderia ser grande, já que elas, mais do que
qualquer outro componente curricular, deveriam incentivar os alunos a uma produção que não
dependesse de modelos.”(Ferreira, 2001, p.22)
10
Cf. consta no site http://www.petitiononline.com/artecnpq/ acessado em 29/11/2007.
20
No entanto, a dimensão da Arte tende a também ser autorreferencial, ou seja, sua essência
está localizada no desenvolvimento de uma técnica. Mesmo aqueles mestres nas artes que possuem
discípulos produzem uma relação de ensino-aprendizagem predominantemente em torno do
aperfeiçoamento profissional das linguagens artísticas (dança, teatro, música, artes plásticas e etc),
sendo realizada de maneira singular, livre e autônoma.
Essas características da Arte foi transmitida para a Arte/Educação, a universidade possuía
uma aversão para a admissão delas em sua estrutura, Barbosa relata que nos Estados Unidos da
America durante a primeira metade do século XX:
“Muitas universidades aprovaram cursos de história da arte, mas não permitiram nenhum curso de
atelier nos programas acadêmicos formais. Não se acreditava que a produção artística pudesse
proporcionar um treino intelectual equivalente ao cálculo ou à lógica. (BARBOSA, 1985, p.18)”
Desta forma, penso parte da resistência do meio acadêmico para com a disciplina de
Arte/Educação citada no capítulo anterior vinculou-se ao nivelamento conceitual entre o universo da
Arte e a disciplina de Arte/Educação.
No âmbito Político, também existiu resistência para com a Arte/educação, a arte/educadora
Ana Mae Barbosa (1998) ressalta que no ano de 1986, num encontro de secretários Estaduais de
Educação, foi sugerida a exclusão da então Educação Artística do currículo, provavelmente para
corte de orçamento, o que foi aceito pela maioria dos secretários presentes. Essa ação demonstrou
que o caminho para a promulgação da lei exigiu uma postura articulada da categoria, e também
política, pois as ações contrárias se davam em diferentes instâncias e dimensões.
Antes mesmo da promulgação de uma nova lei sobre o assunto, durante as décadas de 80 e
90, a utilização dos recursos da Arte/Educação ultrapassava o âmbito da educação formal e
proliferava no chamado Terceiro Setor.
21
1.3. Arte/Educação na área social
Pudemos observar anteriormente que o ensino da arte na escola é um tema recorrente entre os
pesquisadores, temos alguns exemplos como BARBOSA (1985, 1995, 1998, 1999, 2001, 2005),
DUARTE (1996), FERREIRA JUNIOR (2001), MARTINS; PICOSQUE; GUERRA (1998),
OSTROWER (1995, 1998) entre outros que se dedicaram a compreender a função da Arte na
Educação.
Mas, de que forma esses conceitos da Arte/Educação advindas do ensino formal estão sendo
articulados na área social e principalmente no chamado terceiro setor?
Devemos nos ater a uma reflexão pormenorizada destes projetos que utilizam a
Arte/Educação como instrumento de “educação e inclusão social”, sobretudo devido à literatura
especializada do próprio chamado Terceiro Setor admitir que a relação (na área cultural) entre o
dever público e privado já está estabelecida no Brasil.
Observa-se que dentre as diversas opções, empresários, como os ligados ao GIFE (Grupo de
Institutos, Fundações e Empresas) têm expressado uma vontade política a favor das Artes e Cultura
na área social. Uma pesquisa realizada entre seus associados demonstrou aspectos relevantes sobre o
direcionamento de aportes financeiros: 87% dos optaram de promover ações na área da Educação, a
área de Cultura e Artes é contemplada com 54 % e Desenvolvimento Comunitário, Assistência Social
e Apoio a Gestão de Organização do Terceiro Setor com 48%,43% e 36% respectivamente.
(INTEGRAÇÃO;, 2008, p.1).
Por outro lado, o do Poder Público, a condição dos recursos oferecidos à área é precária. A
despeito dos incentivos da lei Rouanet (Lei Federal de Incentivo à Cultura - 8.313/91), dados de
uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas - IBGE (1999)
demonstraram quase que a ausência total de oferta cultural por parte do poder público: 82% dos
municípios brasileiros não possuíam museus, 84,5 % não tinham teatro, 92% não tinham sequer uma
sala de cinema e cerca de 20% não tinham bibliotecas públicas. Nos municípios com até cinco mil
habitantes, a presença de livrarias e lojas que vendem discos, fitas e CDs era muito rara, com
percentuais de 13,6% e 5,6%, respectivamente. (Apud. REVISTA NOVA ONDA, 2005, p. 41).
22
um conflito institucional no âmbito das atribuições, em que o Estado transfere a
responsabilidade social de promover a cultura sistematicamente para o Terceiro Setor:
“[...] esta parceria entre Estado e as organizações sociais (instituídas mediante a Lei nº. 9.790, de 23 de
março de 1990), mais do que um estímulo estatal para a ação cidadã, representa desresponsabilização
do Estado da resposta à questão social e sua transferência para o setor privado (privatização), seja para
fins privados (visando o lucro), seja para fins públicos.” (MONTANO, 2005, p. 47).
Diante deste “vácuo” de responsabilidade do poder público, as chamadas instituições
filantrópicas cada vez mais assumem esse papel do Estado carregando também suas práticas,
ideologias e políticas filantrópicas.
Pode-se observar a utilização da experiência artística na área social como instrumento
institucional, e, muitas vezes realizada de forma promocional. O fascínio gerado pelos projetos que
possuem como objetivo o atendimento de criança em risco social através da Arte/Educação numa
instituição filantrópica é uma atrativo para empresas e investidores que buscam plataforma de
promoção social.
Essa tendência é essencialmente fruto da ausência de uma política pública adequada para
área. Wu afirma que: “... as políticas de cultura são fundamentais, e, quando o Estado se retrai
naquilo que é seu desempenho em favor dos interesses públicos , avançam os interesses de mercado,
que em síntese são corporativos e provados, portanto, de benefício restrito (WU, 2006, p.17).”
Por estes motivos citados acima, cabe ao Arte/Educador especificar detalhadamente
objetivos, metodologia e metas, preferencialmente num Projeto Político Pedagógico (PPP) antes de
iniciar seu trabalho numa instituição.
O Arte/Educador como técnico do abrigo deve atentar a uma agenda institucional que, além
de contemplar o universo cultural dos indivíduos, contemple as reuniões técnicas, orientações
pedagógicas, atendimento coletivo e individualizado, a produção de relatórios e pareceres técnicos e
todas as atribuições em que as outras áreas do conhecimento que atuam na equipe participam. Desta
maneira, o arte/educador tende a evitar pedagogias enviesadas e caricatas como: a confecção em
série de camisetas ou produtos institucionais, a promoção de corais musicais comemorativos somente
durante o período que antecede as datas festivas e a promoção negligenciada de mera atividade
recreativa visando “ocupar o tempo” durante eventos oficiais.
Enfim, para promover esta agenda é imperativo o foco nas diferentes perspectivas dos sujeitos
que participam da dinâmica institucional.
23
CAPITULO II – O trabalho técnico no Abrigo Meu Guri
2.1. A perspectiva da equipe de atendimento
Durante o mês de julho de 2008, a instituição definiu que todos os funcionários participariam
de um curso interno de capacitação, esta tem sido uma prática durante os últimos anos, entretanto
devido à mudança de regime de atendimento
11
, havia na equipe de funcionários uma apreensão sobre
o futuro das crianças e adolescentes abrigados e evidentemente dos seus empregos. Assim, a
coordenação técnica decidiu incluir neste curso um esclarecimento sobre o assunto, mas essa
expectativa permeou todo o curso inclusive nas conversas informais entre o preenchimento das
respostas deste questionário.
Essa capacitação realizou-se na unidade do Tucuruvi na cidade de São Paulo, o intento desta
ação foi o de retirar os educadores do espaço familiar para outro distinto e com um ambiente
estruturado para a ação educativa.
Prevendo a dificuldade logística em reunir todos os funcionários da instituição para a
participação nesta pesquisa foi solicitado um momento dentro deste curso. Esta estratégia aspirava a
maior participação dos funcionários nesta pesquisa, já que a adesão era opcional
12
.
As quatro categorias de analises criadas visaram contemplar tanto as relações
interdisciplinares quanto a experiência artística dos funcionários.
11
A presidência do CAB Meu Guri decidiu alterar o regime da unidade de abrigo para Núcleo Sócio Educativo
em março de 2009, esta decisão foi informada para os órgãos públicos competentes em meados de Junho de 2008, assim
como para os funcionários.
12
Foram respondidos trinta e um questionários de cinqüenta dois possíveis com as seguintes participações: 4
Auxiliares de Desenvolvimento Infantil (ADIs), 2 Auxiliares de Limpeza (A.L), 1 Faxineira (FX), 5 Educadores (EDU),
1 Agente de Relacionamento (A.R), 2 Motoristas (MTR), 2 Auxiliares Administrativas (A.A), 5 Assistentes Sociais
(A.S), 4 Psicólogas (PSI), 1 Oficineiro (OFN), 1 Arte/Educador (A.E), 1 Nutricionista (NUT) , 1 Cozinheira (COZ) e 1
Gerente Administrativa.(G.A)
.
24
2.1.1. Relação entre Saber e Poder
Durante o desenvolvimento desta pesquisa, o item citado como o maior obstáculo do trabalho
interdisciplinar foi a “falta de comunicação”, por 11 funcionários, esse relato veio atrelado a outros
adjetivos que evidenciam o real significado para cada profissional.
Por exemplo, para as três Auxiliares de Desenvolvimento Infantil, falta de comunicação
advém da: “(...) em algumas ocasiões, distância dos técnicos e educadores, fofocas, falta de
compromisso, não conseguir ser uma equipe.” (ADI-1), “Conceitos e imagens que temos como
certo.” (ADI-2) e a “ [falta de] Comunicação entre todos os funcionários” (ADI-3).
Neste mesmo sentido, o Oficineiro relata outro aspecto: Delegação das funções pré-
estabelecida (...)(OFN), outro relato que reforça a separação entre técnicos e educadores esta
expresso pelo relato de uma das educadoras: No trabalho hoje tem a equipe e as educadoras, é
difícil de interagir, fica uma separação que não deveria ter. Todos juntos o trabalho seria mais
aproveitado.”(EDU-9).
Esses cincos relatos demonstram duas situações: um desejo implícito por parte dos
funcionários educadores de contribuírem com outras abordagens; ir além das “funções pré-
estabelecidas”, a outra, sobre a faceta do Poder que o Saber possui, ou seja, “uma separação que não
deveria existir”.
Ademais, percebo que essa relação em que o Poder piramidal é determinado pela formação
acadêmica também possui uma forma de domínio difusa, dispersa no cotidiano da instituição que por
sua vez nasce do excesso de procedimentos e registros da instituição. Desta forma conclui-se que:
“Ninguém é, propriamente falando, seu titular; e, no entanto, ele sempre se exerce em determinada
direção, com uns de um lado e outros do outro; não se sabe ao certo quem o detém; mas se sabe
quem o possui.” (FOUCAULT, 1979, p.75).
Apesar de afirmações como a da cozinheira da instituição que diz: “Eu tenho um pouco de
dificuldade em trabalhar com outros profissionais, pois sempre trabalhei só, então isso dificulta um
pouco.”(COZ-31) em que demonstra um aspecto de dificuldade pessoal para a interação, percebo que
a maioria das respostas dos funcionários “não graduados” revela a existência deste Poder, ou ao
menos, é desta forma que eles, educadores, percebem as relações.
Por outro lado, os chamados Técnicos demonstram uma inquietação mais voltada para uma
ênfase ao discurso interdisciplinar. Três assistentes sociais verbalizaram essa preocupação: Respeito
à diversidade de opiniões, respeitar e aceitar as diferenças e de não ter verdade única(AS-18) e
também outra quando diz que o desafio está em superar as: “Abordagens com verdades absolutas
25
(AS-21), uma delas chega a detalhar o processo: “Pensamentos distintos acabam por gerar pequenos
conflitos desnecessários e tumultos em situações banais em algumas ocasiões (AS-20).
Ademais a ausência de questões relacionadas a um tipo de Poder hierárquico, o mote deste
grupo evidencia uma preocupação intensa com os limites das atribuições de cada área. Em outros
termos, as respostas deste referem-se: “A dificuldade [que] existe quando os membros da equipe não
estão dispostos a dialogar e fragmentam os conhecimentos” (PSI-24), “Trabalhar em equipe traz à
tona a disponibilidade interna de cada um, como se as flexibilidades ou rigidez vivenciados por
cada integrante do grupo. Penso que a partir do momento que não se coloca aberto para o que é
novo ou não for humilde para admitir que podemos errar e melhorar, o profissional interfere
negativamente na relação com o grupo e, principalmente, na ação do trabalho a ser
desenvolvido.(PSI-25)”.
Desta forma, percebe-se que quando o protagonismo da ação técnica tende ao universo
discursivo, a valorização de uma determinada área ou conceito prevalece sobre o indivíduo. Embora
a dimensão científica seja importante, deve-se atentar para o fato que:
“O maior desafio então tem se constituído em como cuidar das pessoas recém-saídas destas instituições,
com todas as dificuldades induzidas tanto por condição existencial intrínseca como pelos efeitos da
longa institucionalização e segregação, sem reproduzir a mesma lógica do cuidado institucionalizado e,
ao mesmo tempo, como ajudá-los a recuperar parte de suas habilidades pessoais potenciais para uma
vida mais independente.” (VASCONCELOS, 2003, p.117)
Enfim, o cotidiano no abrigo pode até nos familiarizar com as crianças e adolescentes, com os
casos, mas o imperativo da excepcionalidade e provisoriedade devem nortear e provocar todas as
ações e teorias.
Aos profissionais envolvidos no atendimento cabe promover sistematicamente novas
abordagens, principalmente para aqueles casos de abrigamento tidos como “irreversíveis”, sem
ousadia e criatividade dificilmente ultrapassaremos os tradicionais modelos de atendimento com seus
resultados também previsíveis. Afinal, desta postura depende a efetivação do artigo 19 do ECA, que
prediz: “Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e,
excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em
ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.”
Ainda neste sentido, os novos paradigmas preconizados nas agendas institucionais (públicas
ou privadas) devem se desdobrar em novas intervenções , caso contrário, de acordo com Freire
(2001) além de incorremos no risco de realizar ou verbalismo inoperante ou um ativismo cego,
também não realizaremos uma práxis autêntica cujo pressuposto é a mudança da realidade.
26
2.1.2.
Postura Interdisciplinar
É interessante ressaltar que mesmo considerando o indivíduo como alvo da ação
interdisciplinar, os discursos técnicos constatados durante esta pesquisa voltaram-se de forma mais
intensa para a defesa de suas respectivas áreas.
Este modo de atuar, acima de evidenciar qualquer característica pessoal ou profissional,
enseja o vértice de duas correntes ideológicas presentes no trabalho técnico dos abrigos: a primeira,
aquela cujas as teorias se baseiam em um modelo social Sólido, ou seja: [...] os sólidos têm
dimensões espaciais claras, mas neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a significação do
tempo (resistem efetivamente a seu fluxo ou o tornam irrelevante), [...] suprimem o tempo.”
(BAUMAN, 2001, p.8). Em outras palavras, essas posturas técnicas costumam classificar, ordenar e
conseqüentemente diagnosticar considerando as instituições com seus valores e atribuições
“clássicos” inflexíveis.
A outra ideologia, de certa forma advém da primeira porque elege o discurso médico (no caso
do abrigo os conceitos psiquiátricos) como o único e legitimo da atuação técnica:
“Em relação a isso, temos como elemento-chave a relação com os modelos e paradigmas médico-
psiquiátricos convencionais, que são dominantes e difundem-se em todo o tecido social, sendo
reproduzidos muitas vezes automaticamente pelos atores sociais que também abordam as questões que
constituem o objeto da prática médica [...] Esta postulação não significa negar a contribuição específica
da teoria e dos recursos terapêuticos oferecidos pela medicina e psiquiatria, o que seria problemático,
mas apenas considerar como abordagem proposta pelo grupo ou associação acaba limitando ou sendo
dominada apenas pelo discurso e pelos interesses da corporação médica” (VASCONCELOS, 2003,
p.39-40).
Desta forma não é surpresa de que entre 31 funcionários participantes desta pesquisa, entre
eles 12 técnicos, a única resposta que citou as crianças como ponto de partida do aprendizado
interdisciplinar foi um dos motoristas da entidade: “Aprender com as crianças e ajudar no trabalho
diário”(MTR-14).Todas as respostas técnicas tendiam a compreender melhor a sua área ou a do
outro, nenhuma delas tinha outra orientação comum.
27
2.1.3. Experiência Artística Escolar
Desde meados de 1990, os professores de Arte da educação pública vêm se empenhando em
consolidar os objetivos da Arte/Educação. Com a promulgação da Lei de diretrizes e Bases em 1996
estabeleceu-se parâmetros pedagógicos e legais para esta disciplina. Porém, ainda persiste nas
escolas uma corrente ideológica que se expressa em responsabilizar o professor de Arte pelo enfeite,
festas juninas, confecção de bandeirinhas e realização de festas das datas comemorativas oficiais. Em
outros termos, aqueles professores de arte que se enquadram nesta ideologia suspendem seus
conteúdos programáticos (produção, estética, história da arte e apreciação) a fim de realizar as
chamadas “festas”, sendo inclusive avaliado neste trabalho pela gestão escolar. Ironicamente, todos
os professores de outras disciplinas acompanham e até contribuem com o responsável pela festa, mas
não assumem nenhuma responsabilidade já que esta não é sua “área”.
Ora, não é área de ninguém, ao realizar uma festa em casa, de modo familiar todos buscam
contribuir de alguma forma, inclusive valorizando o vínculo afetivo com o homenageado como o
aspecto mais importante do empenho de todos envolvidos, na instituição (escolar e muitas vezes
no abrigo) esta característica se perde, e realizar a festa transmuta-se numa responsabilidade
profissional, perdendo o mais importante deste processo, o vínculo.
Paradoxalmente, as intervenções escolares, de caráter efetivamente estético e artístico, como
as chamadas instalações, esculturas, modelagem, exposições encontram uma resistência na sua
aplicação escolar uma resistência, ora logística, estrutural e de material, que a maioria das escolas
não possui sequer sala de Arte, material específico e, ora, devido às aulas de arte serem mínimas na
grade oficial.
Assim é fato que em: “[...] nossa organização escolar a poesia é deixada de lado. Note-se que
é possível achar felizmente numerosos exemplos que desmentem esta afirmação. Mas,
considerando o conjunto, eles representam uma ínfima minoria.” (POSCHER, 1982, p.54).
Para compreender a dimensão da influência desta corrente ideológica escolar (sobre a
Arte/educação) na vida profissional da equipe de atendimento, partimos dos seguintes pressupostos:
uma relação entre a experiência escolar pregressa e o repertório estético pessoal atual? E de que
maneira isto se desdobra na forma de pensar Arte nos profissionais do abrigo. Por outro lado, nestas
descrições teremos também um panorama real sobre o ensino da arte no currículo formal.
Do total de 31 participantes, 24 assinalaram que tiveram como conteúdo somente o
desenvolvimento de técnicas como Desenho ou Pintura, desses especificamente 4 apontaram que
eram com temas livres: “Desenho geométrico e letra de forma.(AL-7); “Desenho livre, pintura
28
livre e com temas, craquelagem, trabalhos manuais com barbante.” (AS-22); Desenho livre, temas
relacionados à época, estações do ano, feriados e datas comemorativas.” (PSI-30), expressando
uma ausência de temas ligados à estética ou à história da arte que são imperativos do ensino da arte.
Assim, é interessante notar que tanto a escola como o abrigo tendem a promoverem
institucionalmente essas atividades, de caráter muito mais consumista do que cultural ou folclórica.
Cabe ao Arte/Educador reivindicar a aplicação adequada dos objetivos de sua disciplina na
instituição.
29
2.1.4. Juízo sobre o que é Arte
A princípio para dimensionar o juízo que a equipe de atendimento fazia sobre arte, utilizou-se
como hipótese o seguinte conceito, se: “Ando à procura do universo em que habita o ser da poesia
presente-escondido no adulto-educador. Universo que, em regra, tem sido banido da sua vida pessoal
e profissional, marcada pela falta de experiências estéticas, de fruição de arte.” (OSTETTO, 2004,
p.121).
Entretanto, o mais interessante foi à constatação de que a maioria das respostas expressou um
conceito do caráter filosófico da Arte e não somente das suas linguagens comumente estudadas na
escola, observe: Tudo que vivemos é uma arte.”(ADI-3), Acho que a arte tem que fazer parte da
vida de todo ser humano. assim não perderemos a beleza da vida e a força para viver.” (FX-6),
“Arte está em tudo. Viver é uma arte e um grande presente. Arte é levar vida da melhor maneira
possível, dentro dos nossas limitações e condições é claro.” (ADM-16).
Algumas destas respostas sintetizaram inclusive conceitos aqui descritos como o da Arte
como experiência: “Hoje a arte está presente em tudo, acredito que qualquer tipo de expressão seja
arte. A arte está presente quando uso minha criatividade no trabalho, quando cozinho, danço e etc.”
(PSI-24).
Também houve relatos afirmando as possibilidades da Arte no convívio familiar: “Na música,
como ouvinte, literatura, que junto com meu filho aproveito para manter ligada ao universo infanto-
juvenil.(PSI-23).
Percebe-se pelas respostas que a tese da ligação direta entre repertório artístico escolar
influencia na concepção estética da vida adulta o se confirmou totalmente, já que os participantes,
em sua maioria, conseguiram desenvolver um conceito estético sobre a importância do ensino da
arte, mesmo possuindo uma experiência escolar precária nesta área.
Então, se não uma relação direta da ação dos portadores de repertórios escolares artísticos
empobrecidos com a formação da concepção atual sobre a Arte/Educação, podemos presumir que
não é da ordem conceitual a valorização da aplicação da Arte/educação no abrigo, mas sim
institucional.
30
2.2. A Perspectiva das crianças e adolescentes abrigados
Para obter uma expressão das crianças e adolescentes abrigados, utilizou-se do instrumental
de Grupo Focal visando: “[...] a obtenção de perspectivas diferentes sobre uma mesma questão, [e]
permite também a compreensão de idéias partilhadas por pessoas no dia-a-dia e dos modos pelos
quais os indivíduos são influenciados pelos outros.” (GATTI, 2005, p.11).
Segundo a autora, este instrumental é indicado também, devido a sua amplitude, para a
compreensão de idéias, sentimentos, representações e valores dos sujeitos da pesquisa.
A preparação para a realização dos grupos exigiu uma persistência por parte do pesquisador,
mesmo este trabalhando muito tempo na instituição, a mobilização e logística para concretização
efetiva exigiram muita articulação.
Primeiramente, houve uma reunião com o guardião do abrigo e a equipe técnica para
esclarecer os objetivos da pesquisa, além disso, foram apresentados os critérios de escolha dos
sujeitos de pesquisa. Depois das devidas explicações, foi informado o dia e hora e quais seriam os
possíveis participantes, já que ainda haveria uma conversa para explicar o objetivo aos mesmos.
Acertada a data, os participantes não compareceram ao local. Ao buscar informações sobre o
ocorrido, descobri que apesar do guardião, dos técnicos, dos educadores e do encarregado dos
transportes estarem ciente sobre o grupo, a recepcionista não sabia da atividade e isso culminou na
não-organização da rotina dos participantes para o evento. Vejo neste fato o quanto às vidas das
crianças abrigadas estão burocratizadas e institucionalizadas, cerca de dez funcionários sabiam do
evento, mas numa instituição de abrigo a rotina documental (institucionalização) é, infelizmente,
imprescindível para a dinâmica do local.
que a maioria dos participantes possuía irmãos também abrigados, realizamos dois grupos,
conforme Gatti (2005). Durante a realização do primeiro grupo, depois da explicação resumida sobre
os objetivos, alguns participantes saíram do grupo, justamente aqueles que optaram deliberadamente
em participar.
Os dois grupos
13
foram realizados no próprio abrigo, em uma das casas utilizada para oficinas
comunitárias, em um determinado dia em que não haveria aula. No primeiro grupo tivemos a
participação de quatro crianças e no outro de cinco.
13 Visando o sigilo e a preservação da identidade dos participantes utilizei aleatoriamente as letras do
alfabeto (D, B, H,...) seguido de “m” ou “f” indicando o sexo e o número com a idade na transcrição da gravação
do grupo focal.
31
Quanto a Caracterização dos sujeitos houve um interesse em especial por aqueles de alguma
maneira estão (ou foram) estigmatizado pela sociedade. Estigma, segundo Goffman (1975) entendido
como: “[...] tipo especial de relação entre atributo e realidade [...].” (p.13). Para delinear essa
caracterização busquei nos documentos institucionais elementos que manifestassem algum
diagnóstico, ou até fatos e relatos registrados de alguma forma que revelassem este tratamento
diferenciado com as crianças e os adolescentes abrigados, comportamentos inusitados ou até
preconceituosos que os vissem como estranhos, no sentido defendido por BAUMAN (1998), ou seja,
aqueles que não se encaixam nos comportamentos e padrões (cognitivos, afetivos e estéticos)
vigentes.
Desta forma, buscando a contemplação da diversidade dos sujeitos desta pesquisa determinei
quatro perfis organizadores dos participantes: i) os mais antigos na instituição, ii) os mais novos, iii)
aqueles que possuem algum diagnóstico institucional (psiquiátrico, evasão escolar, medida sócio–
educativa) ou iv) os que gostariam de participar. Foi com essa constituição que procurei mensurar a
interação entre os participantes, observando o caráter sigiloso
14
, que este tipo de atendimento exige.
D
o ponto de vista da Arte/Educação cabia ao pesquisador compreender nestes sujeitos qual
foi a extensão do impacto do período de abrigamento sobre a identidade familiar e comunitária, ou
seja, de que forma a instituição promoveu ou limitou essas singularidades e principalmente como as
próprias crianças e adolescentes lidaram com essas situações institucionais.
É importante ressaltar que os relatórios dos prontuários técnicos utilizados como fonte desta
pesquisa descrevem com muita propriedade a trajetória institucional das crianças e adolescentes, a
ênfase recai, na maioria dos casos, sobre as negligências, impossibilidades e descuidos por parte
destas famílias. Desde o abrigamento, realizado pela Vara da Infância ou pelo Conselho Tutelar local
até os acompanhamentos interinstitucionais raramente ou muito pouco são descritas e registradas as
potencialidades e vocações (profissionais, estéticas ou comunitárias) dos indivíduos.
Dito isto, institui quatro categorias para esta análise: a) projeto de vida; b) identidade
(familiar e comunitária); c) abrigo (instituição) e d) Arte na Educação formal x Arte/Educação no
abrigo.
14
Verificar a descrição dos casos no anexo III.
32
2.2.1. Projeto de Vida
São comuns nos abrigos as desavenças em torno dos objetos pessoais, direitos e atribuições
de cada um no cotidiano institucional. Todas essas situações remetem à idéia de indivíduo e como
quase tudo é administrável institucionalmente no abrigo, freqüentemente nesta área ocorrem conflitos
que exige uma intermediação por parte da equipe de atendimento.
Mas, o fato é que essa situação nos indica também um anseio, mesmo que ocasionalmente
apareça na sua forma agressiva: todos desejam sua individualidade, e mais do que isso, um valor,
sobretudo a ser conquistado, Bauman (2008) afirma que: “[...] a individualidade é um ‘valor’ na
medida em que não se apresente como uma ‘amostra grátis’, se for algo pela qual se deva e que exija
um esforço para ser obtido.” (p.51). Se apropriar (ou retomar) um projeto de vida, principalmente
para os adolescentes, passa a ser o grande desafio quando se encontra institucionalizado, ou seja, o
desejo de alcançar as metas pessoais e profissionais está sempre na agenda do dia.
A partir disto, questionei Im13 sobre seus planos, desejos e projetos para o futuro e depois de
um silêncio entre todos participantes, como se tivesse avançado a algo sagrado, que não poderia ser
dito em grupo, ele respondeu: “Eu vou ser o que Deus quiser!”, neste mesmo sentido respondeu
Ef15: “Ainda vou pensar no que eu vou ser!”. Percebi em suas reações que este assunto era sensível,
mas tratava-se de um assunto conhecido que constantemente, em entrevista com a equipe técnica
do Fórum, era tema de pauta.
Fm17, que esta preste a completar dezoito anos, procura outros sentidos: Eu acredito que
o projeto... nós temos um projeto desde quando a gente nasce, nê, que é encaminhar, crescer. Sa
(sic) quem é a mãe, o pai. Todos nós temos que ter um projeto de vida para alcançar alguma coisa
boa, tem que ter meta.E completa quando questionado sobre qual seria a sua meta : Ajudar o
próximo e ajudar a minha própria família, eles fazem parte do meu dia-a-dia. Querendo ou não é
[silencio] tirar esse sofrimento que eu tive, e o que tenho agora e transferir tudo para as coisas
boas. Isso é minha meta. Faze uma faculdade que renda ou não debate de igual para igual.”
No entanto, comumente estes chamados projetos de vida são “solicitados” pelo judiciário aos
abrigos em moldes tradicionais, ou seja, com metas quantificáveis para serem alcançadas pelas
crianças abrigadas em cada período da vida. Paradoxalmente são outros medos que se instalam sobre
as vidas destes sujeitos, são os perigos e fenômenos não-calculáveis e seus riscos para a vida que,
sobretudo, os preocupam, Bauman (2008).
Ora, as posturas profissionais que buscam uma explicação predominantemente unilateral do
fenômeno tendem a imprimir um caráter teleológico às intervenções técnicas dos abrigos. Porém,
33
esse excesso de controle institucional sobre as vidas dos abrigados adquiriu efeitos insuficientes para
a promoção da autonomia do sujeito, por exemplo, um dos participantes chegou a dizer que durante
as visitas a casa de sua família: “Sempre tem alguém na bota! (sic)”Cm16.
“É nessa linha de considerações que o problema interdisciplinar se redimensiona. Não se trata tanto de
contrapor Epistemologia à Epistemologia, mas de reavaliar o papel da Ciência e do Saber em suas
relações com o poder. Daí, se uma visão interdisciplinar, unificada e convergente se faz necessário no
âmbito da teoria, ela será exigida igualmente no âmbito da prática, seja esta prática da intervenção
social a prática pedagógica ou a prática da pesquisa.” (MARTINS DE SÁ, 2006, p. 17).
Em suma, o chamado projeto de vida” tanto defendido e até exigido pelo judiciário aos
abrigos devem ser estimulado em função de uma sociedade fluída, pois cabe a equipe de atendimento
mediar ações para os moradores do abrigo que resulte em uma postura consciente sobre uma
sociedade constantemente em trânsito.
34
2.2.2. Identidade
Um das obrigações legais do abrigo (guardião) é providenciar os documentos públicos
(Carteira de vacina, certidão de nascimento, registro geral entre outros). Entretanto, a consolidação
da identidade efetiva se dá de maneira ininterrupta desde o nascimento e constantemente, não
somente mediante a posse desses documentos.
Assim podemos afirmar que o termo Identidade utilizado nesta pesquisa comporta uma
ambigüidade, se por um lado temos uma sociedade que fomenta nos indivíduos uma busca pelo lugar
seguro, a promoção de uma cultura (familiar, comunitária, nacional) na qual estejam ligados, e
eventualmente protegidos até economicamente, no outro extremo, essa mesma sociedade, inibi a
expressão das subjetividades, ou seja, instituições com atribuições estanques, concisas e inflexíveis
muitas vezes determinaram e orientaram os percursos pessoais e profissionais dos indivíduos.
Assim, para pensar na preservação da identidade familiar ou da singularidade individual
teremos que nos reportar a esse tipo de sociedade, Bauman (2005) afirma: “Numa sociedade que
tornou incertas e transitórias as identidades sociais, culturais e sexuais, qualquer tentativa de
‘solidificar’ o que se tornou líquido por meio de uma política de identidade levaria inevitavelmente o
pensamento crítico a um beco sem saída.” (p.12).
Desta forma, temos que ter um enfoque na singularidade sem eximir de considerar dois
aspectos transitórios: o indivíduo e a sociedade. Se por um lado temos o sujeito portador de história e
desejante, no outro temos uma sociedade cada vez mais inconstante, variável e planetária.
No nosso caso, da perspectiva da arte/educação, os novos paradigmas apontam para uma
atuação predominantemente comunitária que abarque essas características.
Fm17 entende dessa forma sua individualidade no cotidiano institucional: “Eu tenho
privacidade, eu tenho meu próprio quarto. Eu posso pedi para o individuo se retirar para eu ficar
sozinho.”, entretanto ele mesmo quando questionado sobre o seu cotidiano pondera: “[...] eu
gostaria de ter a minha vida um pouco mais particular porque esta dentro de um abrigo é bom e
tudo mais, mas a partir do momento que a gente sai é que a gente tem muita dificuldade.”
A aparente contradição se devido serem respostas a perguntas diferentes, a primeira levou
o jovem a refletir sobre sua privacidade do ponto de vista objetivo, seus objetos pessoais e espaços
físicos; à medida que é provocado a pensar sobre o cotidiano, ele traz à tona questões da ordem
subjetiva, no nosso caso à expectativa da vida “fora” da instituição.
O fato é que tanto na instituição como fora dela teremos que se deparar com fenômenos
imprevistos. Até por uma questão legal devemos registrar, documentar e oficializar detalhadamente
35
cada caso, porém o conflito, a desordem e a paixão fazem parte do Humano, não é possível
menosprezar essa dimensão, afinal, conforme o pensamento de Balandier (1997), nenhuma sociedade
pode ser purgada disso.
A Efm15 confirma essas ambigüidades neste relato: Bom, queria falar que, tio, esse
abrigo...Ficar no abrigo, mesmo que se tenha ...que seja o melhor abrigo, mas é horrível ficar no
abrigo.Porque você próprio tem uma família e não conhece esta família, ela é desconhecida para
você. Porque para conhecer uma família tem que conviver junto, então é horrível.
A dor expressa nesses relatos se intensifica sabendo que a adolescente pertence um grupo de
irmãos que estão quase oito anos abrigados que se enquadram em uma lógica perversa, fruto da
nossa sociedade preconceituosa identificada por Silva (2004): quanto mais velho e com a pele mais
escura, mais tempo permanece nos abrigos.
36
2.2.3. Abrigo
A classificação determinada pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS) para o abrigo
como um regime de alta complexidade não se trata de exagero. Muitas vezes, os agentes envolvidos
no atendimento de um caso são de diversas profissões e instâncias, as famílias são assistidas por uma
rede social extensa. Entretanto, é de dentro da instituição que parte a maioria das ações que poderá
culminar em um desabrigamento adequado e eficaz.
Um dos aspectos que requer atenção dos profissionais constitui-se nas relações de poderes
existentes nas estruturas e principalmente de que forma estas podem causar morosidade no trabalho
técnico.
A dinâmica do fluxograma do Poder configura-se de forma requintada neste tipo de
instituição, ou seja: “[...] as pessoas que operam as alavancas do poder de que depende o destino dos
parceiros menos voláteis na relação podem fugir do alcance a qualquer momento para a pura
inacessibilidade.” (BAUMAN, 2001, p.18).
A ausência dos atores sociais efetivamente engajados nos casos das crianças e adolescentes
abrigados é determinante para superação desta condição de abrigado. Diante disso, penso que a
predominância das ações comunitárias, interdisciplinares e compartilhadas inter-institucionalmente
podem compor as bases para posturas e soluções profissionais mais criativas, humanistas e eficazes.
Paradoxalmente, também são destas três dimensões que advém as principais omissões para
com as crianças e adolescentes abrigados: da comunidade local através do estigma, ações
fragmentadas das diferentes áreas do Saber e as relações de Poder entre as instituições. Neste sentido,
os próprios adolescentes abrigados possuem uma concepção: “Tudo passa pelo processo,
nê?Depende da forma que você ta tratando a família. Tem aquela família que precisa um pouco
mais de ajuda e tem aquela família que você vai para participar junto: a mãe, saudade,
curiosidade. Então, tem aquela parte que é a democrática [burocrática], nê, que eles falam, que é
onde o psicólogo pra saber, pra saber como tá, se a situação do dia-a-dia em casa. Então,
varia muito, nê, depende muito do que se trata.”Fm17.
Este próprio adolescente aponta para as possibilidades comunitárias e as mudanças que
causou em sua vida quando participou sistematicamente em uma atividade comunitária,
principalmente em termos de auto-estima: “Conhecia. Conhecia. Conhecia e Conheci! No entanto,
tinha muitos colegas. Fiz um projeto legal também que se chamava Remo, nê. Fiz ‘Navega São
Paulo’. Através disso aí, eu não conhecia eles, eles me conheceram. Por incrível que pareça, pela
minha capacidade. Meu nome até mudou, não era Fm17, era [nome no superlativo]! (entusiasmado)
37
Por causa do Remo, foi onde eu adquiri o meu respeito, o meu conhecimento, e também
aprendi a saber que eu tenho valor.”
Assim, segundo Áries (1981 ) apesar de historicamente as instituições separarem as crianças e
adolescentes em vulnerabilidade social, tanto em espaço como em tratamento diferenciado, os
parâmetros empíricos e legais atuais nos demonstram que esta postura se tornou ultrapassada e
arcaica.
Dito isto, cabe destacar outro aspecto pertencente ao universo do abrigo: a cultura jovem.
Sendo moradia física deles, o espaço simbólico desta faixa etária também estará presente, por isso
programas de televisão, vídeo game, moda e evidentemente bailes farão (ou deveriam fazer) parte da
preocupação profissional institucional.
Assim, organizar a ida dos jovens a bailes, principalmente fora da instituição, comprar roupas
nas grandes galerias da moda, receber a turma do colégio para preparar a festa de aniversários são
situações corriqueiras
,
digo isso, pois presenciei situações no abrigo conflituosas advindas da falta de
habilidade profissional de lidar com essas questões.
Para Glória Diógenes, em seu estudo sobre o Ethos e Habitus dos jovens durante os Bailes,
nas torcidas de futebol e lutando em tatames, esse movimento é uma característica intrínseca da
juventude:
“Estar em público, fora da condição de ser da turma, ser da galera, provoca uma estranheza conjunção
de corpos: intensa proximidade e profunda distância. Estar em público pode representar uma situação
de profunda ausência, de isolamento. Por outro lado a esfera pública moderna exige um a permanente
exibição de corpos, uma necessidade constante de produção de imagens, signos que circulam e revelam
histórias da cidade e de seus moradores.”(DIOGENES, 2003, p.154)
Aqui, é imprescindível mencionar a necessidade da mediação do profissional nessas ocasiões,
seja ele do abrigo ou de outra instituição, ao organizar essas atividades deve-se considerar aspectos
como segurança, horário e limites. No que tange ao caráter educativo, sabemos que a massificação
tanto do atendimento quanto da exposição excessiva á mídia leva a uma alienação que impede o
desenvolvimento da capacidade reflexiva (Chauí, 2006). Desta forma, cabe ao abrigo verificar
previamente toda atividade que as crianças e adolescentes estejam envolvidos.
Chamo a atenção para um aspecto do ambiente da atividade de pesquisa, no momento que
Fm17 terminava seu argumento a favor de morar num abrigo, Bf15, que possui um diagnóstico
psiquiátrico, praticamente o interrompeu e disse: “Eee...Prefiro assim, não morar num abrigo!
Queria morar eee (pausa) com a minha família. Para eu ficar brincando [...].Assim [morando num
abrigo] ela [mãe] sente saudade de mim.Aí, bom... quando vou [para casa] assim... ela vai ficando
38
chorando, assim... fica tudo triste. Aí, todo mundo da família fica confundido.”
Assim, as famílias em suas chamadas vulnerabilidades, devem ser acompanhadas e
possibilitadas de exercer o Direito de permanecer com seus filhos, com exceção de casos específicos
de proeminente risco à vida e de saúde mental, que são a minoria (Silva, 2004). Neste sentido,
Llongueras afirma:
“Acontece que o foco da crítica é a família, mas se constata que a escola, a creche, os núcleos de
crianças e adolescentes e outros programas e centros não m cumprido a sua função, esquecendo com
demasiada freqüência o caráter educativo, concentrando-se na alimentação, limitando-se ao
assistencialismo. A revalorização da família e de suas potencialidades não pode vir acompanhada de
omissão por parte do Estado.” (LLONGUERAS, 2000, p.114)
A família tem que ser o foco das políticas públicas e atuações formais e informais dos mais
diversos profissionais. Um dos caminhos trata-se de descobrir sua vocação e seu potencial, buscando
um diagnóstico também vocacional, não somente aqueles baseados em suas fragilidades e falhas.
39
2.2.4. Arte na Educação formal x Arte/Educação no Abrigo
“No quarto quando a gente brincava de monstro”
(Depoimento de um adolescente abrigado de 14 anos)
A frase acima exemplifica a distinção enunciada no título acima. Foi a resposta a um
questionamento realizado pelo pesquisador a um adolescente abrigado sobre as preferências das
atividades artísticas desenvolvidas na instituição. Ela é no mínimo inusitada, pois não foram as
atividades planejadas e executadas de acordo com as propostas elencadas no projeto político
pedagógico que ele lembrou, o adolescente citou justamente aquela atividade desprovida de
planejamento, aquela espontânea que surgiu da interação entre arte/educador e criança após o
termino das atividades “oficiais”.
Estes momentos de afeto, contato físico e envolvimento fazem parte do trabalho de qualquer
educador, evitá-los em prol de um empenho burocrático ou resistir ao envolvimento afetivo tende a
perpetuar a hierarquização na instituição, Pereira (2004).
Esse é um dos aspectos que compõe as atividades comunitárias, outro indicador da qualidade
se revela nas próprias declarações dos jovens: a concepção entre atividades (artísticas)
institucionalizadas e as não-institucionalizadas.
Para Cm16: Na escola são mais aquele lance de desenho, aqui você faz marcenaria,
quadro.A expressão “aquele lance” foi dita com menosprezo, como algo irrelevante ou rotineiro.
Ao contrário das atividades promovidas pelo Abrigo, o próprio Cm16 ressalta: Algumas coisas que
eu produzo [nas oficinas de marcenaria], eu vendo, outras vão para a minha casa.”.
Neste sentido Fm17 afirma: Uma das diferenças do professor de arte da escola e do
professor de arte de um abrigo, é que o professor do abrigo fica mais próximo das suas dificuldades
familiares e com isso ele acaba, como é ... adquirindo um conhecimento. Talvez ele tenha passado
por isso também.
E na escola, você vai com o objetivo de fazer uma matéria, Então, agora no abrigo, não
significa que ele não é o professor de arte, significa que ele tá ali para modificar a sua própria vida.
Então, isso já é uma arte.”
Desta forma, para que o profissional de arte/educação e os oficineiros compartilhem as
informações reveladas em seus atendimentos, penso que é salutar promover duas estratégias de
interação: a primeira para a equipe, procurando relatar e descrever em registros nos prontuários as
atividades desenvolvidas com as crianças e adolescentes, isto deve-se a infinidades de informações
40
que podem servir de subsídio para uma intervenção mais adequada por parte da equipe técnica.
Obviamente que não devemos omitir as outras formas de linguagem, a proposta é criar estratégias de
religação e proteção na relação inter-institucional (Vasconcellos, 2002).
A outra ação visa ao próprio ato estético, diferente da escola, como pudemos observar nas
declarações dos adolescentes, as atividades do arte/educador ou do Oficineiro requerem um intenso
caráter comunitário. Ressalto isto devido alguns profissionais do ensino da arte possuírem um
trabalho personalíssimo, quase um artista solitário. Apesar de seu valor social, no abrigo não
precisamos de artistas, que desenvolvem seus trabalhos predominantemente sozinhos, precisamos de
um Arte/Educador.
Dentro deste segundo aspecto, o pedagogo Antonio Carlos da Costa em seu livro A
Pedagogia da Presença (2001) prediz três características essenciais para os educadores que lidam
com famílias, crianças e adolescentes: “[...] uma inclinação sadia pelo conhecimento dos aspectos da
vida do adolescente [...] capacidade de auto-análise [...] capacidade de deixar penetrar sua vida pela
vida dos outros, de modo a captar seus apelos e responder a suas dificuldades e impasses.” (COSTA,
2001, P. 83).
Esta última competência entendo como a mais importante, porque transmite para os atendidos
uma percepção de igualdade fundamental para o estabelecimento de vínculo afetivo e confiança
mútua.
41
2.3. A Perspectiva do pesquisador: acaso ou criação?
“Como, então, compreender, compreender a si mesmo, compreender os outros?
Como aprender a compreender?
Três procedimentos devem ser conjugados para engendrar a compreensão humana: a compreensão
objetiva, a compreensão subjetiva, a compreensão complexa.” (MORIN, 2005, p.112)
Minha trajetória na entidade vincula-se à história da própria Arte/Educação na instituição.
Foram quase quatro anos ininterruptos de trabalho voluntário e seis trabalhando como o único
Arte/Educador da instituição. Esta relação tende a produzir um ponto de vista restrito sobre a atuação
deste profissional por falta de alternativas. Desta forma, penso que ao criar um paralelo analítico
entre essas duas dimensões biografia profissional e Arte/Educação no Abrigo proporciono, além
de uma contextualização e sentido para alguns caminhos seguidos, também uma autocrítica, uma
avaliação passível de ser revelada cientificamente, como afirma Costa:
“[...] o homem não é um ser puramente determinado pelas condições de seu meio. Se ele é produto das
relações sociais vigentes, não podemos ignorar que ele é também produtor dessas mesmas relações,
cabendo-lhe, através de uma prática crítica e transformadora, instaurar um mundo propriamente
humano.” (COSTA, 2001, p. 27).
Esta trajetória profissional iniciou-se em 1999, era recém-formado em Educação Artística
(atualmente Arte/Educação) e acreditava que a proximidade da entidade da minha residência e a
disponibilidade de trabalhar doze horas semanais, sob regime de voluntariado, seriam os únicos
motivos de estar naquele espaço. Nesta época também exercia a função de caixa em um banco.
Atualmente, acredito que o fato de ter nascido em uma família pobre, ser negro e de viver a
infância e juventude na periferia da cidade de São Paulo (bairro do Jardim Brasil) também me
provocou uma identificação com a situação das crianças e dos adolescentes abrigados. Essa
subjetividade do educador certamente precisa ser cuidada, ou seja, capacitação contínua, reflexão
sobre sua prática e objetivos político-pedagógicos claros são premissas para a entidade, educador e
de qualquer trabalho voluntário:
“Assim, tais habilidades tornam-se observáveis, mensuráveis, transmissíveis e treináveis, contribuindo
decisivamente para que a capacidade de ajudar deixe de ser uma qualidade pessoal inata, que só pessoas
[ou disciplinas] dotadas de dons especiais são capazes de ter e de exercer plenamente.” (IDEM, p. 124)
42
É interessante dizer que até junho de 2003 fui voluntário na entidade, seguindo
sistematicamente uma rotina em Arte/Educação proposta por mim. Devido a este regime, não
partilhava com a equipe técnica, naquela época, qualquer atividade ou discussão que não fosse as
referentes às atividades artísticas.
Em julho deste mesmo ano, fui contratado, em regime de autônomo, e assumi o cargo de
Arte/Educador. Cabe ressaltar que a iniciativa para a contratação foi minha e a direção administrativa
da entidade, na época, não aceitou a idéia de imediato. Acredito que houve dois fatores determinantes
para a minha contratação como técnico autônomo: i) o reconhecimento e a intervenção, por parte da
equipe técnica, da importância da Arte/educação e ii) a repercussão institucional dos eventos
realizados pela Arte/Educação.
Neste período a equipe técnica possuía, além de mim, uma psicóloga e uma assistente social.
Apesar do respeito à Arte/Educação, havia pouca interação interdisciplinar de fato, somente em
reuniões pontuais ou casos específicos a troca de informações ocorria.
Em meados de 2004 recebemos um prêmio internacional, “Special Award”, pelo conjunto de
quadros artísticos realizados pelas crianças da entidade. Este fato colaborou para a consolidação do
espaço da Arte/Educação na instituição.
Naquele momento não compartilhava outros tipos de informações técnicas sobre as crianças.
Hoje posso perceber os aspectos positivos e negativos das oficinas artísticas no abrigo: por um lado,
a instituição investia de forma mais consistente e sistemática nos projetos de Arte/Educação, além do
fato das crianças participarem ativamente das atividades. Neste sentido, sempre procurei criar
espaços de aprendizagem, ou seja, minha proposta consistia em utilizar o universo infanto-juvenil
brincadeiras, jogos, músicas, danças, valores familiares e comunitários como potencial educativo.
Toda proposta de atividade era realizada com as crianças e os adolescentes. Aqui ainda penso como
Costa (2001)
15
que afirma que o educador em instituição que acolhe crianças e adolescentes deve ser
um criador de acontecimentos.
Em 2004, surgiu à oportunidade de trabalhar como palestrante (normalmente aos finais de
semana), autônomo no CECIF - Centro de Capacitação e Incentivo à Formação de profissionais,
voluntários e organizações que desenvolvem trabalho de apoio à convivência familiar. Trata-se de
uma organização não-governamental de interesse público (OSCIP) que tem como missão
implementar e promover ações que visem à preservação dos direitos da Criança e do Adolescente à
15
Cf.Antonio Carlos da Costa. Pedagogia da presença. p.
31
43
convivência familiar e comunitária
16
.
Neste período, tive a oportunidade de visitar vários abrigos no Estado de São Paulo e também
em outros Estados. Além do desafio profissional, outro fato interessante ocorria durante as palestras.
Sempre eram feitas perguntas como: “Afinal, você é técnico ou educador?”, É possível utilizar a
nossa experiência de vida na educação das crianças abrigadas ?” e como tratava de um tema ligado à
Arte, antes das palestras, ironicamente nas conversas informais, o assunto era em torno do possível
descanso e divertimento que haveria na palestra devido o tema.
Trabalhei no CECIF durante três anos.
Mas, foram destas observações que começaram a surgir as primeiras preocupações
conceituais desta pesquisa. Percebia que na maioria dos abrigos em que realizei as palestras a
experiência do educador era praticamente desconsiderada pela equipe cnica do abrigo; toda sua
experiência profissional (e de vida) estava literalmente subordinada à área técnica, isso sem levar em
consideração que a separação hierárquica entre educador e técnicos era evidente. Outra consideração:
o desconhecimento sobre a Arte/Educação, os educadores ficavam surpresos com outras
possibilidades de desdobramento do conhecimento cultural e estético como a promoção da
convivência familiar e comunitária.
Os educadores que participavam destas palestras compreendiam a Arte/Educação pelo viés do
Lazer ou somente no sentido terapêutico, a medida que apresentava para eles as possibilidades da
Arte/Educação para a família e na comunidade, surpreendia-os, pois estas “funções”, no
entendimento deles, caberiam somente aos técnicos, não para os educadores e voluntários.
Em fevereiro de 2004 também assumi o cargo de professor efetivo na disciplina de Arte e
comecei a ministrar aula para o ensino médio noturno em uma escola estadual na cidade de
Guarulhos. Em seguida deixei o emprego de bancário, depois de dezessete anos de trabalho.
Concomitantemente progredia a minha carreira no abrigo, em julho de 2005, a equipe técnica
decidiu participar de um curso de especialização: Combate à Violência Doméstica contra a Criança e
o Adolescente no Laboratório de Criança da Faculdade de Psicologia da Universidade de São Paulo
(LACRI-USP). Tratava-se de um curso desenvolvido metade em forma presencial e a outra metade
via internet, profícuo e bem sistematizado, o aluno que cumpria todas as propostas da internet
concluía o curso se aprovado em uma prova escrita presencial. Havia duas avaliações, se o candidato
fosse reprovado na primeira, poderia realizar outra prova após um mês. Fui reprovado na primeira
avaliação e após muito estudo fui aprovado na segunda tentativa.
16
Cf. informação institucional contida no site www.cecif.org.br
44
Durante o curso nossa equipe foi bem participativa, ganhamos a assinatura da revista “Serviço
Social & Sociedade” por um ano devido o expressivo número de assinaturas recolhidas por nós a
favor da moção para aprovação do projeto de lei 2654/2003 (Câmara Federal) contra a palmada
educativa. Também concebi e organizei uma peça de teatro sobre o tema, que foi apresentada durante
a etapa presencial do curso em São Paulo, mas essas ações precisavam caminhar de maneira
complementar a dimensão cientifica, ou seja, a aprovação na prova do curso.
Depois desta especialização, a equipe do abrigo se empenhou em transmitir estes
conhecimentos para os educadores do abrigo através de capacitação interna, e cogitei de forma mais
intensa na importância da continuidade nos meus estudos.
Cabe ressaltar que a maior parte da minha vida acadêmica foi realizada através de algum tipo
de incentivo financeiro. Na graduação participei do extinto programa CREDUC (credito educativo
para universitário) do governo federal, tendo setenta e cinco por cento de desconto no valor integral
do curso, meu curso de inglês o conclui em parte por meio do programa com bolsa integral e a
outra parte com cinqüenta por cento de desconto, enfim no mestrado, integro a nova modalidade de
bolsa da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo para professores Bolsa Mestrado- também
com desconto integral.
Finalmente, percebe-se que apesar do desejo do aperfeiçoamento cientifico esse intento se
realizou através da escolha e busca por determinado caminho acadêmico, além disso, foi a convicção
da importância da reflexão sobre as ações e práticas realizadas que permitiu sedimentar uma postura
interdisciplinar.
45
CAPITULO III - Projetos em Arte/Educação Comunitária desenvolvidos pelo
Meu Guri/Abrigo
“O princípio Dialógico [que] une dois princípios ou noções que aparentemente deveriam se repelir
simultaneamente, mas são indissociáveis e indispensáveis para a compreensão da mesma realidade. [...]
O princípio da recursão organizacional [que] vai além do princípio da retroação (feedback); ele ultrapassa a
noção de regulação para aquele de auto-produção e auto-organização. É um círculo gerador no qual os produtos
e os efeitos são eles próprios produtores e causadores daquilo que os produz. [...]
O terceiro princípio, o hologramático, enfim, coloca em evidência esse aparente paradoxo de certos sistemas nos
quais não somente a parte esno todo, mas o todo está na parte. [...] Da mesma maneira, o indivíduo é uma
parte da sociedade, mas a sociedade está presente em cada indivíduo enquanto todo através da sua linguagem,
sua cultura, suas normas.” (MORIN, 2000, p.204-205).
No início de 2003 as atividades de Arte/Educação eram realizadas em um quarto pequeno na
antiga moradia do abrigo na cidade de São Paulo, adaptado para ateliê. Com o decorrer anos
verificou-se a necessidade para uma sala especificamente projetada para este fim, com mesas,
armários embutidos, pias e iluminação especifica, em meados de 2004 alcançamos este fim.
Os projetos desenvolvidos a partir deste ano sempre possuíram como público alvo as crianças
e os adolescentes abrigados, porém quando as famílias estavam presentes na instituição durante as
visita, as mesmas eram convidadas a participarem das atividades na comunidade local.
Devido à permanência sistemática na grade de atividades do abrigo durante mais de cinco
anos e a efetiva participação das crianças e adolescentes abrigados, escolhi três projetos em
Arte/Educação para analisar nesta pesquisa: i) Creative Connections, trata-se de um intercâmbio
internacional através de troca de trabalhos artísticos, ii) Escola da Família que é uma política pública
do governo do Estado de São Paulo realizada na cidade de Mairiporã e iii) Visitas externas
monitoradas visando a inclusão da comunidade no processo educativo do abrigo.
46
3.1. Conexões criativas (Creative Connections)
Trata-se de um intercâmbio cultural, a ação é promovida por uma instituição norte-americana,
Creative Connections, cujo objetivo principal é promover a interação entre diversos países através da
troca de trabalhos artísticos produzidos por crianças e adolescentes. Os trabalhos produzidos devem
ser inspirados por temas organizadores propostos anualmente pela instituição e enviados para aquele
país. Eles organizam uma exposição com as instituições americanas participantes e exibem os
trabalhos na Internet.
No ano de 2003, após pesquisa e cadastramento via internet em projetos de Arte/Educação
internacional fomos contatados por esta entidade para participar deste intercâmbio, até então somente
um projeto social brasileiro participava deste empreendimento, localizado em Minas Gerais na
cidade de Corvelo.
No primeiro ano de participação do abrigo Meu Guri foi desenvolvido uma série de telas
artísticas pintadas com a técnica de tinta acrílica pelas crianças do abrigo. A linguagem das artes
plásticas foi critério de participação da instituição norte-americana promotora do intercâmbio, o
professor escolhe com seus alunos a técnica: desenho, pintura, aquarela, guache entre outras.
O projeto foi analisado através dos documentos institucionais e conceitualmente, por meio
das preposições da Arte/Educação contemporânea:
“Processos de criação, revendo como foram vividos a percepção, a imaginação, o acaso, o diálogo
com a matéria, as relações forma-conteúdo, entre outros processos;
Linguagens artísticas, investigando as especificidades das linguagens e o hibridismo entre elas;
Saberes estéticos e culturais, pinçando os conceitos estudados, especialmente em relação aos criadores
e produtores de arte e cultura, às práticas e políticas culturais, à história, à estética e à filosofia da arte;
Mediação cultural, verificando a relação entre as produções e quem as vê, os cuidados do expor, a
curadoria educativa, os espaços sociais da arte, as possibilidades de formação do público;
Patrimônio cultural, alimentando a percepção sobre os bens simbólicos, sua preservação e sua
memória, que foram possíveis de ser tangenciados dos processos vividos. “( FINI ET ALII, 2008, p.9 ).
Desta forma, pode-se observar o alcance da experiência estética nestes dois projetos, os
instrumentais de trabalho da Arte/Educação e seus desdobramentos no cotidiano do abrigo.
47
Trabalhos artísticos
A primeira obra é da garota Df
17
, na época da produção com 14 anos, ela descreveu uma
tradição da cultura brasileira com uma representação de acrílico sobre tela com o tema
“Carnaval”(figura 1).
Figura. 1
(fonte: www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
O relato da adolescente sobre sua obra diz: “Eu Estou do lado direito da bateria. As cores do
carnaval são bonitas e ele representa a cultura brasileira. Eu estou participando desta festa.”
(fonte: www.
creativeconnections.org/international_art_exhibits
)
Podemos observar a influência da temática escolhida voltada para a cultura local. A
adolescente participa dos festejos e tradições comunitárias e depois reflete sobre esta ão em suas
produções artísticas. Caracteriza-se, assim, uma proposta que busca a diversificação do repertório
estético. Um dos imperativos pedagógicas defendido nesta ação trata-se de evitar uma atuação que:
“ [...] confina a infância em locais apartados dos interesses gerais da cidade, como também, ao estender
o período de permanência nas instituições especializadas até fases adiantadas da vida, codiciona as
bases de formação de repertórios praticamente a esses locais.” (PERROTTI, 1990, p.95)
o trabalho abaixo, cujo tema é “Circo” (figura 2), foi realizado pela menina Df., com então
9 anos. Atento para o fato da utilização de inusitados recursos visuais, como um pedaço de palha
17
Um dado metodológico foi à identificação dos participantes através de uma letra aleatória do alfabeto
seguido do sexo identificado com as letras “m” masculino e “f” feminino.
48
para realizar o trapézio. Mesmo com a proposta da utilização de tinta acrílica como técnica principal,
houve uma disposição por parte da garota em “arriscar” novas possibilidades visuais.
Figura. 2
(fonte: www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
Em seu relato sobre a obra ressalto a descrição do prazer de ir ao circo com os amigos:
“Eu estou vestindo um vestido vermelho. Eu estou visitando o circo com os meus melhores amigos. Eu
escolhi esta cena porque me sinto feliz quando eu vou passear com meus amigos.”
(fonte: http:www.creativeconnections.org/international_art_exhibits).
Observa-se nestas ações, exemplos concretos da inserção comunitária preconizada no ECA, a
Lei recomenda não somente o local físico da atividade, mas também o desenvolvimento de
competências coletivas como a amizade, solidariedade e a tolerância. O vínculo afetivo estabelecido
nestes espaços nos interessa tanto quanto o planejamento e as ações praticadas.
Podemos destacar também nestas atividades aspectos terapêuticos, no exemplo abaixo, o
garoto Pm, de 10 anos, produz uma cena, “Capoeira” (figura 3), onde ele relata o tipo de relação que
possui com o seu tio. É interessante constar que a criança foi desabrigada logo depois e foi conviver
com este parente, observe sua descrição sobre o evento:
“Eu estou do lado direito da pintura. Eu estou dançando com o meu tio. A capoeira é um tipo de dança
que veio da África. Eu escolhi esta cena porque quando me lembro deste momento eu fico feliz. Eu
moro (sic) com o meu tio R.. Eu gosto de dançar e não gosto de pegar ônibus porque me sinto mal. Eu
gosto de brincar com carrinhos. Quando eu crescer eu quero ser um policial.”
(fonte:www.creativeconnections.org/international_art_exhibits).
49
Figura. 3
(fonte: www.creativeconnections.org/international_art_exhibits.)
É importante salientar que estar abrigado faz parte de uma situação traumática, elaborar essas
vivências de forma verbal não é tarefa cil, envolve descrever momentos dolorosos e de difícil
compreensão, a linguagem não-verbal e artística podem ser instrumentos facilitadores para esta ação,
aliado com outros instrumentos avaliativos.
Também no quadro abaixo, a obra do garoto Cm., nomeada The Parent s House”(figura 4)
percebe-se uma expressividade do real significado das visitas a casa dos parentes:
“Eu estou do lado direito, perto das árvores. Eu estou jogando futebol durante minhas férias. Eu escolhi
esta cena porque eu gosto muito quando vou visitar a minha família. Eu tenho duas irmãs mais novas e
um irmão mais velho. Eu gosto de futebol, de natação e de cavalos. Eu desejo ajudar meus pai.”(fonte:
www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
Figura. 4
(fonte: www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
Obviamente todas as interpretações são contextualizadas e analisadas com a equipe, os relatos
também são outras evidências para possíveis intervenções técnicas.
Vejamos agora outro aspecto ligado a uma questão da fase da adolescência: a menina Cf, com
então 12 anos, confeccionou uma obra chamada “Beauty Saloon”(figura 5), são dois quadros que
50
representam uma estante com espelho e material de maquiagem. Em seu relato sobre a obra, a
adolescente diz: “Eu estou no centro da pintura. Eu estou maquiando o meu rosto nesta cena. Eu
escolhi esta cena porque eu gosto de cuidar de mim”.
(fonte: www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
Figura. 5
(fonte: www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
A importância desta representação encontra-se principalmente no processo de elaboração
plástica do trabalho, foi necessária a compra de objetos específicos para composição, antes da pintura
final foi realizado um esboço procurando o equilíbrio entre forma - conteúdo além da simbologia das
cores.
Este fator técnico, composição, norteou todos os trabalhos, apesar de haver um tema
organizador, a composição plástica predominava como alvo principal das crianças e adolescentes.
Este foi o principal motivo que os trabalhos das crianças e adolescentes do Meu Guri neste ano de
2003 ganharem o Prêmio “Special Award”
18
da instituição Creative Connections.
Como destaque entre eles, elegeu o quadro do garoto Jm, com o tema Soccer Game and
Art”(figura 6),na época com 14 anos.
Os critérios para essa escolha foram: representatividade identitária com o país de origem,
composição plástica, identidade pessoal. Ao criar uma pintura cujo tema futebol estilizava a
bandeira brasileira e incluía além dos principais jogadores da seleção, o autor discretamente mostrava
a si mesmo (parte de baixo a esquerda do quadro) e seu nome dividindo a cena, os selecionadores
18
Esta premiação é oferecida anualmente para duas entidades participantes que se destacaram durante o
intercâmbio, uma norte-americana e outra escolhida entre os mais de 50 países participantes. O Meu Guri foi
contemplado, segundo o site da entidade, pela qualidade e variação estilística das pinturas produzidas pelas crianças e
adolescentes abrigados.
Devido este prêmio o pesquisador esteve por uma semana visitando escolas de Arte nos Estados Unidos na
cidade de Nova Iorque visando à troca de informação sobre metodologias de Arte/Educação
51
internacionais concluíram que era uma produção portadora de valores nacionais e, ao mesmo tempo,
singular.
Percebe-se que são aspectos e critérios similares que buscamos no trabalho técnico em
abrigo.
Figura 6. Meu Guri
(fonte: www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
No ano de 2004, o tema do intercâmbio foi
Traditions...Where I Come From”, devido o
sucesso da entidade da versão anterior, houve uma grande mobilização da instituição para realização
do intercâmbio deste ano.
Um dos primeiros trabalhos desta turma foi o da garota If, de 14 anos, ela criou uma
representação pictórica de uma tradição católica ainda muito presente nas pequenas cidades do
Brasil, o “Malhar o Judas”(figura 7).
O ritual descrito na cena trata-se de caracterizar um boneco de palha com uma fotografia de
uma pessoa pública, depois de amarrá-lo em um poste, ateia-se fogo nele. Logo depois, as crianças
são convidadas a malhar com pauladas o infeliz boneco. A pintura com este tema foi um dos
destaques do ano.
A descrição da obra mostra em detalhes e revela como a cultura local permanece na memória
desta adolescente:
“Nesta cena um grupo de criança bate no boneco do Judas. Eu escolhi esta cena porque esta brincadeira
é muito divertida e todas as crianças querem bater no Judas. É uma tradição da religião Católica que
escolha alguém ‘mau’ e cole seu rosto no boneco. Depois você coloca o boneco em um poste e as
crianças começam a bater nele.
Eu tenho minha querida mãe, dois irmãos mais novos e uma irmais nova. Eu gosto de estar com a
minha família. Eu não gosto de verduras. No meu tempo livre de comprar bijuterias e conversar com os
meus amigos. Quando eu crescer eu quero ser uma executiva.No quadro eu estou do lado da luz
amarela perto do poste.” (fonte:http://www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
52
Figura. 7
(fonte: www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
Paulo Freire, na sua obra Pedagogia do Oprimido (1987) também apresenta a proposição
temática como forma de mensurar e fomentar o repertório cultural do participante, com o objetivo
que eles: “[...] sintam sujeitos de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão de mundo,
manifestada implícita ou explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus companheiros.” (FREIRE,
1987, p.120).
Percebe-se que ao transpor diferentes fenômenos para uma linguagem artística, seja ela qual
for, requer não somente sensibilidade, como comumente é entendido como pressuposto para a
realização dos processos artísticos; faz se necessário o domínio da linguagem escolhida e através de
um estudo precedente (esboço) buscar o resultado (que não encerra a obra e suas interpretações).
Os projetos aqui apresentados, além de muito diálogo e interação, promovem um
envolvimento intenso com as histórias de vidas dos participantes.
Em relação aos vínculos estabelecidos durante os processos artísticos, estes tendem a saírem
fortalecidos. Desta forma os educadores envolvidos devem ter consciência da importância da
preservação dos mesmos para um processo educativo saudável e transparente. “Se as intenções
educativas não estiverem claras, o educador fica na questão comportamental, moralista e maniqueísta
(bom/mau); daí a substituição do conceito de disciplina, pelo conceito de atitude.” (VILANOVA,
2000, p.148). Trata-se uma orientação salutar para qualquer educador ou técnico que trabalhe com
crianças, adolescentes e famílias em vulnerabilidade social.
Outra obra que revela estratégias pictóricas para revelar aspectos da biografia pessoal está
expressa na obra garoto Vm, de 10 anos. Ele descreve sua ligação com um tio materno através de
uma temática religiosa, um ritual que ele e seu tio freqüentemente realizavam aos finais de ano na
praia, observe na pintura abaixo:
53
Figura. 8
(fonte: www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
Deve-se atentar, também, para outros aspectos, como a questão étnica e afetiva presentes no
relato sobre o ritual religioso:
“Nos finais de ano as pessoas vão até a praia, á meia-noite elas pulam sete ondas para atrair ‘boa sorte
no ano que está nascendo. Este é um costume das religiões africanas. Eu escolhi esta cena porque eu fui
com o meu tio até a praia e pulei sete ondas.”.
(fonte: www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
Nesta outra obra (figura 9), uma referência constante à origem da cidade natal da família,
as suas histórias, seus percursos, itinerários e a migração para a cidade de São Paulo são lembranças
que povoam a memória de todos, do ponto de vista infanto-juvenil elas tornam-se cores, gestos e
personagens.
Figura. 9
(fonte: www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
54
O garoto Jm de 14 anos descreve esta experiência folclórica da seguinte forma:
"Bumba Meu Boi" é uma festa popular no Brasil. Um homem veste uma fantasia de boi que costuma
ser decorado de forma bem colorida. Canta e dança com outras pessoas. Eu escolhi esta cena porque ela
é popular, uma tradição famosa de origem dos estados nordestinos do Brasil. ”
(fonte: www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
No quadro “SAMBA”(figura 10) podemos perceber um estilo pessoal da adolescente Df.,
aliás, desenvolver uma marca pessoal trata-se de uma proposta estética indicada a qualquer abrigo.
Nas suas primeiras composições visuais seus traços eram esquemáticos, estereotipados, quase
sempre fruto de cópia, este quadro inaugurou uma nova fase da adolescente. Percebemos um
movimento e uma articulação entre os personagens, fruto de um esboço prévio, o equilíbrio
cromático assim como a diagramação transmite uma tensão entre as diversas formas, assim temos
uma elaboração visual além da simples representatividade, percebe-se uma [...] consciência estética
[que] é a do arranjo da esteticidade dos próprios elementos da linguagem plástica. (BUORO, 2003,
p.145), confira abaixo:
Figura. 10
(fonte: www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
A autora explica sua obra como: “O casal está dançando samba. O samba veio da África e é
muito popular aqui especialmente durante o carnaval (...).”
(fonte:
www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
Outra adolescente, Df, focou a cultura e desenvolveu uma imagem pictórica (figura 11) sobre
55
um evento religioso tradicional que ocorre no Estado da Bahia, a lavagem das escadas das igrejas que
é realizada pelos seguidores das religiões espírita e católica. Destaca-se desta obra o contraponto
visual entre o colorido das casas populares do fundo com a imagem em preto e branco da frente.
Se considerarmos a imagem em sua totalidade como dois textos visuais, percebemos uma
separação entre fundo, colorido, povoado, dinâmico e uma frente estática, de certa forma irregular.
Essa variedade plástica (visual) é uma ação deliberada cujo objetivo reside essencialmente em
provocar uma reflexão desta dinâmica (frente e fundo).
Em sua descrição a adolescente a descreve desta forma: “Esta cena é uma tradição nas igrejas
da Bahia. Na cultura africana a prática de lavar as escadas significa pureza. Eu pintei esta cena
porque vi este ritual e minha mãe nasceu na Bahia.”
(fonte:
www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
Apesar da aparente simplicidade do relato sabemos que durante o processo de criação de uma
obra, sua interpretação é compartilhada entre todos os presentes. A partir da exposição da obra, as
diferentes interpretações, dos amigos, dos parentes e da própria autora incrementaram o repertório e
o universo lúdico provoca novas reflexões sobre sua biografia, neste sentido Rancière afirma:
“O real precisa ser ficcionado para ser pensado [...] Não se trata de dizer que tudo é ficção. Trata-se de
constatar que a ficção da era estética definiu modelos de conexão entre apresentação dos fatos e formas
de inteligibilidade que tornam indefinida a fronteira entre razão dos fatos e razão da ficção [...].”
(RANCIÈRE, 2005, p.58)
Figura. 11
(fonte: www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
Na figura 12, a criança se inspirou em uma cena comum no abrigo, a divisão de tarefas entre
56
as crianças e adolescentes conforme as normas e regras acordadas. A protagonista da cena é uma
educadora/cozinheira, evidente que a medida que o período de abrigamento se estende, os vínculos
entre crianças e educadores tendem a ser fortalecidos, assim é comum nas descrições verbais e não-
verbais a figura de educadores , motoristas entre outros.
Figura. 12
(fonte: www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
Figura. 13
(fonte: www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
Enquanto na figura 12 temos uma representação baseada no cotidiano do abrigo, na figura 13
a adolescente Df continua criando imagens que remetem à cultura de seu Estado natal.
No ano seguinte, 2006, essa provocação cultural desencadeou novas “rodas de conversas”,
consulta aos dicionários e até visitas a comunidades para verificação de paisagens e fatos para a
elaboração dos novos trabalhos artísticos, um exemplo disso está na figura 14, um emaranhado de
etnias e raças sobre o mapa da cidade de São Paulo compõe a obra.
57
Figura. 14
(fonte: www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
Muitas das cenas escolhidas pelos adolescentes tratavam de assuntos desconhecidos pelos
técnicos da entidade, ou até mesmos pelos pais. A figura 15 revela o conhecimento por parte do
adolescente do desejo familiar de “ganhar a vida” na cidade de São Paulo.
Além disso, esta obra foi inspirada em um quadro do artista brasileiro Candido Portinari, ele
representa uma família migrando para outro estado devido às dificuldades financeiras. O adolescente
se identificou com essa cena e lembrou que no momento da partida de sua cidade natal, sua família
vivia em uma situação similar.
Figura. 15
(fonte: www.creativeconnections.org/international_art
_exhibits)
Chama atenção a memória do adolescente em relação a um fato ocorrido há anos: “Nesta cena
minha família migrou para a cidade de São Paulo. Eu escolhi esta cena porque minha família
acreditava que na cidade alcançaríamos melhores condições e viveríamos melhor.”
(fonte: www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
58
Figura. 16
(fonte: www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
Cabe salientar que em termos técnicos, no processo criativo no campo das artes visuais,
elementos como o Tempo e Espaço são representados através de linhas, formas, cores e composição.
Sendo uma linguagem bidimensional, sua expressividade e criatividade residem nas soluções
técnicas encontradas pelo autor para transmitir sua mensagem.
Na figura 16, a adolescente procura demonstrar a liturgia católica com a repetição e
sobreposição de imagens. Neste sentido, Buoro afirma: O tempo do pensamento poético, o tempo
da reflexão, o tempo da criação: não [é] um tempo qualquer, fugaz, superficial, sem liames com a
realidade, mas [é] um tempo comprometido com o conhecimento, com a experiência. (BUORO,
2003, p.53).
Figura. 17
(fonte: www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
Na figura 17, o adolescente descreve com delicadeza e poesia um desses momentos: “Na
minha cena, eu estou dando pedaços de pão para os pássaros. Eu escolhi esta cena porque eu gosto do
59
pôr do sol que, quando os pássaros descem ao chão para comer pedaços de pão”.
Em 2007, o Arte/Educador do abrigo utilizou uma variação maior nas linguagens artísticas
para a condução deste intercâmbio. Além da pintura, houve dança, música e até animações foram
produzidas.
Figura. 18
(fonte: www.creativeconnections.org/international_art_exhibits)
A autora da figura 18 relata uma experiência biográfica, ela é uma adolescente que passou a
maior parte de sua vida em instituições de abrigo. Devemos nos atentar para incompletude do
conhecimento científico, ao lidar com informações visuais e poéticas que se sobrepõem à descrição
analítica da ciência clássica. Neste sentido Morin afirma que:
“[...] se atentarmos para o fato de que somos seres ao mesmo tempo físicos, biológicos, sociais,
culturais, psíquicos e espirituais, é evidente que a complexidade é aquilo que tenta conceber a
articulação, a identidade e a diferença de todos esses aspectos, enquanto o pensamento simplificante
separa esses diferentes aspectos, ou unifica-os por uma redução mutilante.” (MORIN, 2005, p.176)
Enfim, é importante ressaltar como a Arte/Educação pode contribuir para a inclusão de
outras abordagens sobre os fenômenos complexos da dimensão humana, para a autonomia da atuação
institucional do Arte/Educador é necessário que ele parta dos pressupostos predominantemente
estéticos tanto no âmbito disciplinar quanto no interdisciplinar.
60
3.2. Escola da Família
A proposta desta etapa da pesquisa reside na análise da parceria estabelecida entre o abrigo e
o poder público local através do projeto “Escola da Família” que possui como objetivo: “(...) a
abertura, aos finais de semana, de 2.334 escolas da Rede Estadual de Ensino, transformando-as em
centro de convivência, com atividades voltadas às áreas esportiva, cultural, de saúde e de trabalho
19.
Por ser uma política pública estadual atuando na comunidade local, devem ser explicitados os
desafios pedagógicos para a efetivação da parceria, e também os desencontros operacionais como as
constantes alterações na grade de atividades, ausência dos voluntários e não funcionamento sem
aviso prévio para a comunidade.
O fato de ser uma política pública escassa e a falta de informação por parte da população
local sobre os seus Direitos propiciava aos gestores locais deste projeto um entendimento de que os
participantes eram “privilegiados”, desta forma, apesar das diversas solicitações de planejamento e
informação para comunidade local sobre eventuais mudanças no calendário, os problemas logísticos
não eram sanados. A insistência em exigir tal procedimento, muitas vezes, era vista como uma
“traição” à comunidade. Neste sentido Bauman afirma:
“[...] a diferença que existe entre a comunidade dos nossos sonhos e a ‘comunidade realmente
existente’: uma coletividade que pretende ser a realizada, e (em nome de todo o bem que se supõe que
essa comunidade oferece) exige lealdade incondicional e trata tudo o que ficar aquém de tal lealdade
incondicional como um ato de imperdoável infração” (BAUMAN, 2003, p.9).
Alguns indicadores qualitativos orientam este tipo de ação, por exemplo, a opção de escolha
por parte das crianças e adolescentes, os vínculos afetivos entre os participantes e a interação
realizada a partir de uma atividade artística ou esportiva na escola local promovida pelo poder
público local. Assim: “[...] a garantia do Direito à convivência familiar e comunitária precisa se
traduzir em ações concretas de pavimento de serviços e benefícios sociais públicos, cuja vocalização
e reivindicação encontram nas organizações locais comunitárias um aliado fundamental.”
(MOREIRA, 2006, p.97).
Em análise documental pode-se constatar na “Avaliação área de arte-educação-2005”
19
Informação oficial baseada no site do governo do Estado de São Paulo, ressalto que este projeto está vinculado
à Secretaria de Educação.
61
alguns destes indicadores. Por exemplo, durante o ano de 2005, a escola em que os adolescentes
abrigados estudavam promovia atividades artísticas e de reciclagem, como consta citado na avaliação
institucional do Meu Guri: “Atividades artísticas realizadas na Escola estadual Ozilde Passarelli,
nesta foto estão participando alunos da escola, a professora S., de matemática e a adolescente do Meu
Guri, D. S.” (Avaliação Meu Guri, XI, 2005).
Figura. 19 (Fonte: Avaliação Meu Guri, XI, 2005)
Assim, a professora de matemática da escola local, os colegas de classe e as crianças do
abrigo interagem através das atividades e todos como participantes, vale dizer que as atividades são
conduzidas por um voluntário.
Ao contrário da semana em que a relação entre os mesmos participantes é assimétrica, aos
finais de semana professor e aluno possuem uma relação mais igualitária.
Figura. 20 (Fonte: Avaliação Meu Guri /2005)
Figura. 21 (Fonte: Avaliação Meu Guri /2005)
É importante salientar que essas ações foram desenvolvidas a partir da prévia identificação da
62
cultura local, algumas das atividades foram introduzidas pelos voluntários, entretanto o planejamento
do projeto “Escola da família” parte de um diagnóstico inicial realizada pelos organizadores deste
projeto.
Uma das atividades mais populares entre os jovens foi a produção de máscara de gesso, o fato
de “tocar” o rosto do colega e de visualizar tridimensionalmente o resultado artístico promovia um
envolvimento intenso entre os participantes, que na sua maioria eram do público infanto-juvenil.
Vale destacar que, em termos artísticos, a materialidade é parte intrínseca da obra, formando
um significado/significante possível somente através da especificidade da matéria escolhida. Desta
forma, acredito que o envolvimento positivo do público com esta técnica adveio também das
possibilidades táteis que ela proporcionou, este processo de conhecimento corpóreo é uma marca
estética singular.
Figura.22 (Fonte: Avaliação Meu Guri 2005)
Figura. 23 (Fonte: avaliação Meu Guri 2005)
Apesar da freqüente participação das crianças e dos adolescentes abrigadas no programa
“Escola da Família” na escola local, deve ressaltar que nos finais de semana eram priorizados a
agenda do abrigo, ou seja, quando havia visitas de familiares agendadas no abrigo ou eventuais
passeios, a criança permanecia na instituição.
As parcerias com as Políticas Públicas locais devem ser promovidas, porém é necessário
persistência e articulação por parte da instituição (abrigo), inclusive do educador, para o
desenvolvimento de um trabalho sistemático e produtivo. Por exemplo, um dos desafios enfrentados
pelo abrigo junto ao programa “Escola da Família” na cidade de Mairiporã, foram as constantes
mudanças de local.
Somente no ano de 2004, o programa transitou por três escolas diferentes com no mínimo três
quilômetros de distância uma da outra, culminando também na troca do gestor e dos voluntários.
Para o abrigo, que possui um meio de transporte, a adaptação requereu uma grande mobilização
63
institucional, vale lembrar que a população local também precisou se adequar a estas mudanças caso
quisesse participar.
Outro dado interessante foi a atitude interdisciplinar que este projeto possuía, não entre
técnicos, mas com as educadoras da instituição; foram posturas interdisciplinares produtivas. O
técnico responsável pelos plantões de finais de semana precisa compreender a importância do
educador nestas atividades.
Se pensarmos em uma proposta que visa à interdisciplinaridade em sua plenitude, com a
inclusão de todos os atores que participam do cotidiano do abrigo como: porteiros, educadores,
cozinheiras entre outros, temos que nos atentar para a importância do vínculo como forma de
inclusão. Neste sentido Moreira (2006) afirma:
“Nossa experiência demonstra que os vínculos afetivos o a base da efetividade de toda intervenção
social e educativa. Assim, em certo momento, o educador do transporte ou da alimentação pode ser a
pessoa que será melhor recebida em uma orientação familiar, por exemplo.” (MOREIRA, 2006, p.57)
Ou seja, este conhecimento informal, que no paradigma tradicional vigente não possui valor,
deve ser fomentado e inserido no cotidiano dos profissionais do abrigo, principalmente os técnicos, já
que:
“Desde a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente ampliou-se muito o sistema formal de
proteção à infância. De certa maneira em substituição aos laços de vizinhança e parentesco, que
cumpriam função semelhante e que atualmente se encontram cada vez mais frágeis. Na verdade, os dois
tipos de proteção, o formal e o informal, são necessários.” (MEDEIROS FILHO, 2005, p.58)
É mister referendar os portadores deste tipo de conhecimento como importantes
colaboradores do atendimento com posturas interdisciplinares.
64
3.3. Visitas externas monitoradas: A inclusão da comunidade na educação
no abrigo
Observa-se que, tradicionalmente, o lúdico, assim como quaisquer atividades artísticas, são
classificadas como atividades complementares no atendimento em abrigo IPEA (2004), ou seja, no
que tange à rotina de trabalho da instituição essas atividades não compõem a prioridade técnica e
orçamentária.
Pude constatar também nesta pesquisa que os abrigos reservam para este tipo de atividade,
prioritariamente, os recursos humanos voluntários que: “[...] por mais dedicados que sejam os
voluntários, de maneira geral não devem dispor do tempo necessário ao atendimento satisfatório das
crianças e adolescentes abrigados, que cumprem funções que são essenciais no programa de
abrigo.” (SILVA, 2004, p.265)
Percebe-se que isoladamente esta postura não é um problema, mas cabe a instituição
responsabilizar essa atribuição para funcionários devidamente contratados, afinal a dimensão do
Estético, do Jogo e do Brincar são essenciais para o desenvolvimento integral do Homem.
Dito isto, ao analisar o documento institucional “Avaliação Meu Guri 2006)”, um dos
projetos inseridos que contempla esta proposta estética trata-se da inclusão de visitas a espaços
culturais e artísticos. Dentre as diversas visitas realizadas pela instituição nos últimos anos considero
uma exemplar devido aos resultados e envolvimento das crianças e adolescentes: a 27ª Bienal de
Artes de São Paulo.
Como objetivo institucional, a Bienal compartilhava das mesmas preposições dos objetivos
políticos-pedagógicos do abrigo, ou seja:: “O fio condutor perceptivo desta bienal era de confrontar
visualmente as narrativas conformistas da sociedade provocando a todo tempo uma postura crítica
diante todo tipo de intolerância.” (Fonte: Avaliação Meu Guri 2006 Meu Guri/Arte/Educação).
O tema da 27ª bienal de Artes de São Paulo, "Como viver junto", inspirado nos seminários do
sociólogo e filósofo francês, Roland Barthes no Collège de France, realizados nos anos 70, provocou
de forma assertiva a reflexão sobre um dos assuntos mais delicado num abrigo, a liberdade e o
respeito ao espaço do outro.
A monitoria da Bienal, por sua vez, provocava os participantes incisivamente a utilizar novas
abordagens diante do cotidiano, muitas vezes socialmente opressor. O desdobramento deste tipo de
experiência percebeu-se na gradativa elaboração das reflexões e questionamentos sobre a própria
história de vida por parte das crianças e adolescentes abrigados.
65
Figura. 24 (Fonte: Avaliação Meu Guri/ 2006)
Figura. 25 (Fonte: Avaliação Meu Guri/2006)
Finalmente, propor novas formas de inserção da comunidade nas atividades educativas do
abrigo perpassa pela articulação entre objetivos institucionais e disponibilidade de recurso humano,
este último desde que esteja inserido e capacitado nas orientações político-pedagógicas da
instituição.
É importante pensar uma opção para a tradicional ação passageira como voluntariado
descomprometido aos finais de semana, visitas escolares para doação entre outros. Planejar
efetivamente uma alternativa de caráter político-pedagógico é uma forma de alternativa para estes
chamados “guetos”, pois estes, segundo Bauman: “(...) não é um viveiro de sentimentos
comunitários. É, ao contrário, um laboratório de desintegração social, de atomização e de anomia.”
(BAUMAN, 2003, p.111).
66
CAPÍTULO IV. Interdisciplinaridade: uma postura profissional
“Isto quer dizer que, para conhecer o conhecimento cientifico e, em princípio, todo conhecimento, é
necessário conhecer esta espécie de universo que se pode chamar noosfera, com sua noologia, ou
seja, o modo de existência e de organização das idéias.” (MORIN, 1996, p.19)
5... 4... 3... 2... Parem! Esperem aí.
Onde é que vocês pensam que vão?
Plunct, Plact, Zum,
Não vai a lugar nenhum!!
Plunct, Plact, Zum,
Não vai a lugar nenhum!!
Tem que ser selado, registrado, carimbado, avaliado, rotulado se quiser voar!
Se quiser voar....
Pra Lua: a taxa é alta,
Pro Sol: identidade
Mas já pro seu foguete, viajar pelo universo.
É preciso meu carimbo dando o sim,
Sim, sim, sim...
Carimbador Maluco
Composição: Raul Seixas
67
4.1. A história do trabalho técnico nos abrigos
Para uma análise adequada do trabalho técnico realizado no abrigo Meu Guri, uma
contextualização histórica do atendimento técnico junto ao judiciário faz-se necessária,
principalmente para a compreensão das possibilidades interdisciplinares no cotidiano institucional.
Desta forma, é interessante observar que a proposta de inclusão de cnicos no atendimento
judiciário nasceu justamente para combater a idéia limítrofe e fragmentada de um atendimento
focado em um único ponto de vista, no caso, o do judiciário.
Assim, o relato da AASPTJ-SP (Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo) expressa o processo histórico de humanização dos atendimentos
familiares da seguinte forma:
“Historicamente, o atendimento às crianças e os adolescentes necessitados ficava a cargo da sociedade
civil e da igreja católica.
A historia dos abrigos no Brasil é tão antiga quanto a história do país. Não com o nome de abrigo, mas
orfanato, internato, casa de acolhimento, colégio interno, educandário, entre outros. (...).
Na década de 1920 esse atendimento passou a ser assumido como questão pública, porém, sob enfoque
legal e jurídico, sem vinculação com qualquer preocupação pedagógica.
No Brasil, o primeiro Juízo voltado para o atendimento exclusivo de crianças e de adolescentes foi
criado em 1923 com a concepção de que eram necessárias medidas especializadas para controlar,
reformar e educar aqueles que viviam em situação de pobreza, abandono ou infração, para que se
evitasse um mal futuro.
Em 1927 foi promulgada a primeira legislação – Código de Menores do Brasil, conhecido como Código
de Mello Mattos voltado para a assistência e proteção dos brasileiros menores de 18 anos de idade.
(...)
Em 1942 foi criado o Serviço de Assistência ao Menor SAM, ligado ao Ministério da Justiça, que
funcionou por vários anos, reproduzindo um atendimento precário às crianças e aos adolescentes que
acolhia, reproduzindo práticas violentas contra as quais surgiram intensas manifestações de segmentos
diversos da sociedade.
Para substituir esse sistema perverso de atendimento foi criado, em âmbito nacional (1964), a Fundação
Nacional do Bem Estar do Menor – FUNABEM e a partir dela, a Fundação Estadual do Bem Estar do
Menor – FEBEM, nas esferas estaduais. (...).
O Código de 1927 vigorou por 52 anos, até ser substituído em 1979 por outra legislação que legitimava
então a presença do assistente social e de equipe interprofissional na esfera judiciária, com a função
de realizar as avaliações que permitiriam ao juiz conhecer vários aspectos da vida da criança, do
adolescente e da família em questão.”. (OLIVEIRA, 2007, p.55-56).
68
Ora, os técnicos judiciários foram incluídos no sistema de atendimento familiar no final dos
anos 70 com o conceito de um atendimento mais humanista como também com a preposição de uma
atuação mais adequada na relação entre a família (e toda sua cultura) e o Sistema Judiciário.
Porém, apesar das mudanças introduzidas pelo ECA, ainda existe em diversos municípios
brasileiros uma relação hierárquica e condescendente dos técnicos dos abrigos às solicitações
burocráticas e pareceres judiciais que não contemplam a complexidade familiar, sendo que:
"Por mais que o Juizado tenha sofrido mudanças institucionais importantes desde o advento da Doutrina
da Proteção Integral, pertence à estrutura de um poder que tem raízes profundas no quadro institucional
do país e cuja cultura profissional está firmemente consolidada.".(SILVA, 2004, p.349)
Nesta perspectiva a relação rum e Abrigo deve retomar, prioritariamente, a contemplação
em seus pareceres técnicos visando singularidade familiar.
E, este processo inicia-se em repensar a fragmentação das áreas do conhecimento no trabalho
técnico realizado no abrigo, posturas como nomear incondicionalmente a ciência, com suas técnicas
e metodologias, como responsável pela legitimização oficial dos pareceres institucionais, geram de
forma inversa e proporcional uma inibição nas outras formas de interlocução interdisciplinar e
interinstitucional. Desta Forma, Foucault (1997) afirma que:
“Os níveis não são pois livres, uns em relação aos outros, e não se desenvolvem segundo um
autonomia sem limite: da diferenciação primária dos objetos à formação das estratégias discursivas,
existe toda uma hierarquia de relações.[...] Não foi a escolha teórica que regulou a formação do
conceito; mas ela produziu por intermédio das regras específicas de formação dos conceitos e pelo jogo
das relações que mantêm com esse nível.[...] Esses sistemas já insistimos nisso residem no próprio
discurso.” (FOUCAULT, 1997, p.81).
Temos que considerar que as recentes pesquisas apontam que os abrigos no Brasil, na maioria
das vezes, não possuem sequer um técnico para o atendimento, exigir a inclusão de outras formas de
conhecimento poderia ser um luxo neste contexto precário, porém afirmo que o CAB Meu Guri não
se enquadra neste perfil. Em toda existência do abrigo à equipe da instituição sempre possuiu, no
mínimo, um psicólogo, uma assistente social e um Arte/Educador, com uma média de permanência
de dois anos na instituição para os profissionais técnicos. As análises expressas nesta pesquisa são
quase que padrão dos técnicos, variando somente a linguagem técnica.
Ora, se a relação hierárquica entre as instituições e a postura técnica pode influenciar nas
69
intervenções de cada caso, para esta pesquisa é necessário um referencial empírico que demonstre
essa tendência.
Desta forma, ao analisar documentos institucionais
20
, pode-se verificar que o caso mais antigo
da entidade, cinco irmãos que estão há cerca de 10 anos abrigados, prevalece no total de relatórios e
registros posturas técnicas reducionistas, ou seja, além da repetição de discursos e conceitos nos
pareceres técnicos, do total de relatórios apontados nos prontuários desta família, 76 % são assinados
somente pela área do serviço social, 14 % são psicossociais, 7% psicológicos e somente 3% possuem
colaboração de outras áreas como a pedagogia, Arte/Educação e educadores. Isto era uma prática
recorrente até julho de 2007, desde então foi implantado uma postura com orientação interdisciplinar.
Cabe aqui uma explanação mais apurada, pois a eficácia desta proposta depende do seguinte
questionamento: A Arte deve ser compreendida somente como instrumento terapêutico
(normalmente este é o conceito utilizado pelo sistema judiciário) ou como uma disciplina autônoma
que promove novas abordagens para a produção do conhecimento?
Do ponto de vista da Arte/Educação que esta pesquisa está fundamentada, sua práxis se
essencialmente através do Impulso Estético, Schiller (1991), ou seja, o movimento na dança, a
pincelada na pintura, o enquadramento da câmera no cinema, a poesia na música ou na literatura são
fins em si mesmos, sua constituição, por si é significado e significante, por exemplo: o sorriso ou
choro do ator não quer dizer, ele esteticamente “é”. Nunes (2008) explica este conceito do filósofo
Friedrich Schiller assim:
“(...) na convergência do subjetivo com o objetivo, do sentimento com a forma, que esse impulso
determina. Força eminentemente livre, o jogo estético neutraliza tanto o rigor das formas abstratas,
produzidas pelo intelecto, quanto a imediatidade das sensações passageiras, e, ‘dando forma à matéria e
realidade a forma’, liberta o homem do jogo da Natureza exterior e das exigências racionais
exclusivistas.”(NUNES, 2008, p.55)
Neste sentido, chamo à atenção para este entendimento: Arte/Educação como meio”
instrumental para as outras áreas do Saber ou Arte/Educação como disciplina autônoma” porque
deste entendimento se estrutura conceitualmente duas proposta: se o Arte/Educador será um
colaborador para a atitude interdisciplinar da equipe técnica do abrigo ou simplesmente um luxo para
alcançar outros fins que já são promovidos por outras áreas do Saber.
Ironicamente, parte desta posição enviesada advém do Direito e da Jurisprudência ocidental,
20
Dados coletados nos prontuários do abrigo.
70
que ainda estão consolidando uma relação humanista com as famílias atendidas em suas repartições.
Cabe lembrar que o nosso sistema judiciário teve sua origem no sagrado e no jogo, “Na Grécia
antiga, o litígio judiciário era considerado um agon, uma competição de caráter sagrado submetida a
regras fixas, na qual os dois adversários invocavam a decisão de um árbitro.” (HUIZINGA, 2001,
p.87).
71
4.2. Arte/Educação e Atitude Interdisciplinar
Uma das medidas no sentido de compreender a postura interdisciplinar realizada pela equipe
técnica e de forma mais específica, por parte do Arte/educador, referiu-se à qualidade dos registros
institucionais. Existem várias ações chamadas “interdisciplinares” desenvolvidas pela equipe do
abrigo, mas além da participação da Arte/Educação na elaboração do projeto outros dois critérios
determinaram a escolha, o primeiro de ordem conceitual, ou seja, postura interdisciplinar trata-se de:
“[...] uma convergente colaboração dos especialistas das várias áreas das Ciências Humanas,
evitando-se assim uma hipertrofia, seja de uma fundamentação unidimensional, seja de uma
intervenção puramente técnico–profissional.” (DE SÁ, 2006, p.19 ). Quanto à ordem documental, o
projeto escolhido devia possuir encadeamento de registro que permitisse tratamento científico. Desta
forma um projeto interdisciplinar de teatro comunitário foi o escolhido.
De acordo com documentos institucionais (avaliações e registro técnicos) verifica-se que o
primeiro desafio da produção desta peça teatral foi a disposição do grupo. No início das atividades, o
grupo se dispersava constantemente, por ser uma equipe formada em parte de crianças e adolescentes
abrigados e a outra de adolescentes da comunidade, muito desta “dispersão” se dava devido à
novidade do encontro.
Mas cumpre ressaltar que à medida que os ensaios progrediam, os próprios alunos se
apropriaram da proposta e rejeitaram aqueles que não se envolvem de maneira séria com o trabalho,
notei essa postura no seguinte relato:
“A organização do grupo e da peça foi um desafio constante principalmente para os facilitadores (arte-
educador e pedagoga). Os jovens participantes ainda não tinham uma experiência educativa coletiva
que exigisse deles grande dedicação, a atividade foi opcional, no entanto todos sabiam que se
estivessem comprometidos com a peça seria cobrado empenho. Tivemos duas desistências e algumas
crianças trocaram de personagens (...).
Depois da apresentação oficial, no dia 21/12, os jovens reconheceram e desfrutaram do empenho
realizado, com a participação da comunidade, dos pais, visitantes e professores da escola local a
apresentação foi um sucesso, nesse sentido também recebemos dois telefonemas de mães da
comunidade as quais os filhos estavam participando que elogiaram o trabalho e afirmaram o
envolvimento dos filhos no trabalho. “(Avaliação Meu Guri 2006/Arte/Educação, p.15).
Outros desdobramentos da ordem comunitária ocorreram no decorrer do projeto como o
envolvimento dos pais das crianças da comunidade. Freqüentemente esses compareciam à entidade
para acompanhar os ensaios no abrigo e colaboraram na organização e no dia da apresentação.
72
Finalmente depois da apresentação aos convidados da sociedade local, a comunidade escolar,
parentes e amigos confraternizaram em uma festa.
Do ponto de vista pedagógico, houve uma tentativa de separar as ações das atividades, a área
da pedagogia estudava o texto teatral, sua gramática e semântica e a Arte/Educação se ocuparia da
marcação de cena, entonação de voz, expressão vocal e facial entre outros. Essa estratégia não
prosseguiu até o final devido gerar uma fragmentação no grupo e portanto mais dificuldade, já que
tinham que realizar concomitantemente duas peças teatrais, entendia-se que existiria um limite
funcional entre as áreas do conhecimento. Ora, qual seria a função do teatro?
O fato da apresentação teatral encerrar um ciclo de atividades não significa que ela fosse o
objetivo único e final; todo processo foi dinâmico, contribuições do grupo reorientavam a construção
de parâmetros para o roteiro, para os ensaios, que se desdobravam num processo de
ensino/aprendizado voltados para os textos que se desdobravam em novas “falas” para a peça teatral.
Figura 26
.
Ensaios da Peça: “Judá em Sábado de Aleluia” Figura 27”Ensaios da Peça: “Judá em Sábado de
Aleluia (Fonte: Avaliação Meu Guri/2006)
Em resumo, pode-se elencar algumas dificuldades apresentadas neste processo, por exemplo,
a princípio, a leitura era atribuição da pedagogia e os ensaios da Arte/educação, à medida que os
ensaios progrediam essa separação não produzia os resultados desejados. A “função” de cada área do
conhecimento era um discurso reiteradamente promovido durante todo processo, à medida que se
aproximava a data de apresentação, urgia a necessidade de uma nova postura diante do engessamento
metodológico criado entre os profissionais técnicos.
Assim, a solução encontrada foi determinar a peça teatral como objetivo comum, e, a partir
desta definição; trabalharmos com contribuições advindas de nossas formações para a realização
desta obra/experiência estética. Neste sentido, Vasconcelos (2002) explica que:
73
“Nesse campo, além das instituições cientificas, uma das maiores dificuldades e bloqueios às práticas
baseadas na complexidade e na interdisciplinaridade estão no profissionalismo, com seus mandatos
sociais legais incorporados na legislação, nos princípios e na prática das entidades corporativas
profissionais, bem como nas culturas e identidades profissionais compactas, voltadas para modelos
teóricos e de atuação muito padronizados e fechados à experimentação, aprendizagem mútua e ao
diálogo com outros campos do saber.”(VASCONCELLOS, 2002, p,100).
Esta última característica citada, que se encontra no âmbito pessoal, trata-se da auto-crítica,
aquela que depende exclusivamente do próprio profissional para alterá-la. Ainda mais diante de um
caso de uma produção coletiva de uma obra de arte cujos objetivos não são concretos nem constantes
(READ,2001), requer-se ainda mais dos profissionais: flexibilidade e disponibilidade para a
interação.
74
4.3. Ficção ou Realidade
“... a partir de um núcleo objetivo e válido para todos concretizado na própria estrutura
física e formal da imagem [ou de qualquer manifestação da dimensão estética] cada um de
nós possa em seguida elaborar outras interpretações subjetivas, de acordo com suas vivencias
pessoais, sem que o conteúdo expressivo da obra perca em justeza e precisão. E tampouco
perca sua validez intrínseca. Neste sentido, então, as imagens de arte podem se tornar
significativas para cada indivíduo e, ultrapassando o momento histórico ou pessoal, tornar-se
atemporais. [...]. Cabe frisar abrangência do ato de configurar e seu caráter sintético, não-
analítico. [...]
Por serem sínteses, as formas artísticas podem expressar algo que ultrapassa a verbalização
discursiva: elas captam a fluidez e riqueza de nossas vivências, a interpretação de sentimentos
e emoções por vezes contrastantes ou até mesmo opostos, sem reduzir ou esquematizá-los.”
(OSTROWER, 1998, p.201-202)
Tanto a linguagem de artes plásticas como a dança, teatro, música, poema e até cinema
fizeram parte das atividades de Arte/Educação desenvolvidas junto as crianças e adolescentes
abrigados, partindo de uma perspectiva essencialmente estética. Vale lembrar que a Arte/educação
contemporânea possui como base de conteúdo além do universo da arte, os campos da estética,
patrimônio cultura, assim como as próprias técnicas artísticas.
Desta forma, desde no início das atividades profissionais deste pesquisador na instituição, as
próprias obras artísticas foram inseridas como registro profissional e técnico dos atendimentos.
Incluir essas produções nas análises dos casos e nas discussões interdisciplinares tornou-se um
desafio de novas possibilidades reflexivas já que somente:
“Os modelos da lingüística geral, de fato, não podem explicar a arte, porque esta sempre mantém
algum resíduo resistente à análise. E, além disso, é impossível construir um sistema categorial rigoroso
como o da lingüística, na medida em que os sistemas artísticos se mostram irredutíveis à total
pertinência de suas partes.” (CALEBRESE, 1987, p.126)
Assim, se o universo científico busca a concepção detalhada e assertiva dos fenômenos e
75
costuma utilizar citações e obras artísticas como ilustração, procurando entender seu objeto com a
máxima precisão conceitual e instrumental, a Arte/Educação pode participar com a sua disciplina
fundada principalmente no universo da Arte, mas também na estética realizando um caminho inverso
e provocativo, ou seja:
“De fato, na arte o equilíbrio indica exatamente o sentido oposto do que tem na ciência. Nunca se trata
de abolir as tensões existentes e sim de compensá-las. A Arte não é terapia. A sublimação na arte
intensifica a experiência do viver em toda sua plenitude e vitalidade, nunca a diminui. Este ponto
precisa ser claramente entendido: o equilíbrio artístico absorve as tensões e as integra, não as anula.”
(OSTROWER, 1998, p.185)
Reitero que a proposição desta etapa visa à aproximação conceitual daquilo nomeado de
impulso estético defendido por SCHILLER (1991), não se trata apenas uma descrição terminológica.
Deve-se tomar as obras de Arte como base não somente através de uma interpretação analítica
definitiva, nem tampouco emotiva. A proposta desse tipo de registro contempla o não-descritivo, a
complexidade dos fenômenos que escapam da tipologia científica, mas que é tão essencial para a
compreensão da plenitude humana quanto ela, certamente possui aspectos racionais e emotivos mas
nasce essencialmente de uma dimensão autônoma: a estética.
Assim, as três primeiras obras são inseridas em um contexto “ilustrativo”, a seguir temos
outras quatro obras que possuem uma descrição técnica do processo de criação.
“Criando Mudos”
76
Criando Mudos
Máscaras de gesso, adesivo colorido e criado mudo
50x50x80 cm
2005
Autor: Luiz Pereira de Souza
“O navio errante”
(Para os meninos e meninas ainda abrigados)
77
Entre marinheiros, oficiais e soldados
Minha proa, meu convés e meu mastro foram forjados.
Com brindar destilado,
Um fluir molhado,
A ancora rompeu a água
Na qual tinha sido gerado.
No princípio estava no porto,
Tudo ao redor me pertencia.
O meu desembocador não se fazia presente.
Contudo ainda ancorado
Não percebia o guia ausente.
De repente, senti uma corda me amarrar
E para imenso mar fui arrastado.
Um estranho desembocador começou a anunciar
Que em outros portos tinha que atracar.
Depois desse dia ao meu porto nunca mais voltei,
Além do mais, passei carente a procurar
Um porto seguro para minha ancora lançar.
Foram dias de turbulência,
De maré alta, ressaca e vento forte.
As ondas açoitavam meu casco
E me faziam lembrar dos bons tempos ancorado ao norte.
E como é depois de toda tempestade
78
Veio a bonança e a calmaria.
Tomei o meu leme, icei as minhas velas
E descobri o que eu já sabia.
Que dentro de cada navio há uma ancora e uma bússola,
E serve para sua partida, chegada e busca,
Enquanto uma te firma
O outro, dentro de ti, pulsa.
Luiz Pereira de Souza
O Abrigo na Floresta em verso e prosa
79
Era uma vez uma grande floresta
Onde viviam famílias diversas:
O leão, o macaco, o sapo e o sagui
Diferentes famílias viviam ali
Nesse Lugar onde todos moravam,
Os filhotinhos nasciam e ficavam.
Para viver juntos e progredir,
Direitos e Deveres tinham que existir.
Um ambiente saudável e exemplar,
Os responsáveis teriam que dar.
Comida, carinho, apoio e amor,
Protegê-los de todo tipo de dor.
Mas lá na floresta nem tudo era perfeito,
Algumas famílias não conseguiam criar.
Aos seus filhotinhos negaram Direitos,
Proteção e cuidado começaram a faltar.
A coruja, que era o Juiz,
Foi informada do fato infeliz.
Os filhotinhos não podiam ficar expostos ao perigo!
Decidiu que eles tinham que ir para um abrigo.
O abrigo era um ambiente especialmente feito
Para o filhote morar e exercer seus Direitos
Cada família tinha a sua própria história,
E a estadia no abrigo era apenas provisória.
Era uma situação delicada e urgente:
80
Contribuir para família se emancipar.
Com paciência, trabalho e sendo persistente,
Para casa ajudamos alguns a voltar.
Mas ainda havia filhotes sem famílias na Floresta,
E famílias desejosas de ter uma prole à beça.
Promovemos encontros, visitas, passeios,
E outras famílias surgiram desse meio.
Alguns filhotinhos ainda ficaram no abrigo.
Preconceito?Desinformação?Sei não...
Os ensinamos a olhar sempre pra frente,
Pois algum dia novas famílias terão.
Luiz Pereira de Souza
Roda, roda, roda...
81
“Roda, Roda, Roda”
Óleo sobre tela
40 x 50
2005
Autor: Luiz Pereira de Souza
A deliberada utilização de uma linha de ação (braços dados no centro da imagem) em
primeiro plano conduz o olhar do espectador e transporta a atenção para o eixo temático principal
desta obra que é a atividade de brincar.
Para as crianças e adolescentes “estar brincando” é uma forma de apreender o seu universo e
conhecer o (seu) mundo, do ponto de vista psicanalítico, Rosa (1998), citando Winnicott, afirma que
existe um continuum no tempo entre a dimensão da ilusão do bebê, o brincar das crianças e a
experiência cultural adulta, porém o fato inspirador dessa obra nasceu de outra intenção, advindo de
outra instância, a político-pedagógica.
82
Com citado, o brincar não é uma atividade complementar, mas fundamental para a saúde
psicológica e certamente física do individuo, é conhecido o jargão popular que criança que não
brinca é que está doente. Ademais estas considerações, a utilização temática do brincar foi na sua
essência uma provocação artística.
Tendo como referência temática a obra “Roda Infantil” do pintor Cândido Portinari, cujo
estilo modernista remete à exaltação nostálgica dos valores locais e infanto-juvenil, nesta obra há um
exagero dos personagens assim como uma saturação da cor preta, reiterando uma proposta conceitual
inversa: um brincar desprovido de subjetividade.
Mesmo os personagens são despojados de cores, feições ou personalidade, seus aspectos
sombrios e o andar ritualístico remetem a proposta de atividade repetitiva e desinteressada. Indicando
uma crítica a qualquer tentativa infértil de ocupação coercitiva do cotidiano institucional.
Atentando para os personagens não fica claro se realmente são todos crianças, uma nítida
tensão entre eles, a figura menor do lado direito está praticamente parada, olhando para o espectador,
já a figura do lado direito em primeiro plano a puxa, quase como forçando uma brincadeira. Também
aqui uma alusão ao controle (do espectador?) que dependendo da dinâmica institucional culmina
numa relação hierárquica doentia.
A figura central está andando e visualmente equilibra a cena, mas nenhuma delas, apesar de
possuir a mesma cor de tinta, permite ser possuída totalmente pelo fundo, tendo em torno de cada
personagem, uma espécie de camada protetora.
Este segundo plano todo negro foi produzido por um pincel grosso, que à medida que cobria
as grandes áreas raspava nos contornos oblíquos e singulares dos personagens, mas esta imprecisão
pictórica não comprometeu a consistência deste invólucro, comum a todos deste lugar.
Assim, a apresentação desta obra para a equipe de atendimento do abrigo, visa um outro tipo
de abordagem temática para a prática reflexiva, conforme Iavelberg (2003). Sobretudo a partir das
próprias proposições acordadas em equipe, estabelecendo como parâmetro o contínuo exercício da
auto-crítica.
83
“Sagrada Família”
Sagrada Família
Óleo sobre tela
46 x 61 cm
2005
Autor: Luiz Pereira de Souza
O estilo das pinceladas aplicadas nesta obra procura uma composição suja. Aqui cabe uma
84
melhor definição deste termo, do ponto de vista pictórico, sujo é aquela pincelada que mistura as
tonalidades e cores sem se importar com as regras clássicas da pintura.
Por outro lado, este despojamento cria uma unidade visual onde o olhar, apesar de detectar
nuance de cores, arranjos e perspectivas, tende a fundir a imagem em um todo significativo. Essa
possibilidade subverte a lógica descritiva, contrariando a lógica, ora se debruçando para o
entendimento do processo de criação, ora fantasiando e conjecturando sobre as possibilidades
interpretativas da obra. O fato é que: “[...] a imaginação poética difere da imaginação racionalista,
isso ocorre, antes de tudo, porque a própria noção de espaço obedece a outras regras, distintas
daquelas presentes no campo da instrumentalidade política.” (LIMENA, 2006, p.49).
Embora o tema Sagrada Família possa remeter a diversos pressupostos e conceitos científicos
reducionistas como: família patriarcal, família estruturada, mito da boa família entre outros, a
questão expressa nesta obra possui uma concretude especulativa, ou seja, a própria obra indica
caminhos interpretativos através de seus recursos plásticos (linha, cor, volume, estilo, composição e
técnica).
Assim, uma das possibilidades de interpretação parte do fato de os dois elementos centrais da
obra (uma mulher adulta e uma criança) estarem “à lápis” e toda obra ser “óleo sobre tela”.Esta
polarização é deliberada, outra possibilidade interpretativa reside na indefinição destas imagens, o
espectador não consegue deduzir se eles estão “chegando” ou “saindo” da comunidade, e esta por sua
vez, continua (oni) presente e indefinida.
Não se sabe também se são mãe e filho (a) ou conhecidos, talvez a única certeza seja a que
estão em uma comunidade.
“Ditado”
85
Ditado
Óleo sobre tela
80 x 100 cm
2005
Autor: Luiz Pereira de Souza
Durante o ano de 2005 freqüentemente realizávamos grupos e reuniões com alguns
86
voluntários que prestavam serviço na unidade de abrigo. Em uma destas plenárias surgiu
questionamentos a respeito de quais eram as atribuições e responsabilidade dos voluntários no
abrigo.
Na ocasião essa obra estava no local para propiciar outras formas de diálogo com o tema,
logo chamou a atenção de uma das voluntárias que indagou sobre a mesma. Cabe ressaltar que ela
ainda não estava terminada, a proposta era a finalização coletiva.
O tema do encontro com os voluntários era os preceitos do artigo 92 do ECA que preconiza
os objetivos do atendimento em regime de abrigo. Então, decidimos escrever nesta obra os incisos
que cada voluntário mais se identificava.
Para a minha surpresa, à medida que uma das voluntárias escrevia sobre a tela, sua escrita
tornava se mais irregular. A princípio pensei em recomeçar, pois depois de tanto trabalho não poderia
“estragar” a obra. Porém, obtive um aprendizado com esta voluntária que cuidadosamente terminava
de transpor para tela, com muito cuidado e concentração, o inciso do ECA que mais lhe chamou a
atenção. Neste sentido, Harvey (1996) explica que:
“As práticas estéticas e culturais m particular suscetibilidade à experiência cambiante do espaço e do
tempo exatamente por envolverem a construção de representações e artefatos espaciais a partir do fluxo
da experiência humana. Estas sempre servem de intermediário entre o Ser e o vir a Ser.”. (p.293)
Assim, esta experiência ampliou minha compreensão sobre o valor da tolerância no trabalho
coletivo. Não existe alteridade sem um compromisso real e efetivo com o humano em sua
integridade, suas falhas, suas paixões e suas diferenças, qualquer planejamento ou meta deve
contemplar esses (im) previsto.
“A Lei”
87
A Lei
Óleo sobre tela
80 x 100 cm
2005
Autor: Luiz Pereira de Souza
Uma releitura da obra A Madona de Port Lligat, de Salvador Dali (1904-1989), esse painel
88
esta em exposição em uma das unidades do CAB Meu Guri, as cores da bandeira brasileira e a cor da
pele tanto da criança como da personagem central expressam nossa miscigenação tropical.
A metáfora poética representada pelo corpo vazado da Mulher/constituição alinha-se com a
incompletude dos braços e a inserção das figuras em uma atmosfera celestial.
Outro aspecto desta obra trata-se da sua semelhança com as imagens religiosas, isto,
evidentemente, não representa uma sacralização da Lei como instrumento único e determinante da
promoção da dos Direitos e Deveres da criança e adolescentes ali elencados.
O núcleo desta reflexão, para o artista, passa a existir a partir do momento que cada sujeito se
questione do porquê a Constituição/Mulher e o ECA/criança não olham para o espectador.
89
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Faz-se necessário, nesse sentido, detectarmos os paradigmas que têm estruturado a
compreensão do sujeito, da adolescência [...] em nossa sociedade, pois as formas como tratamos e
nos relacionamos com o problema são necessariamente decorrentes desse núcleo de princípios que
ordenam o paradigma, de modo que as mudanças ou transformações poderão ocorrer quando os
paradigmas entrarem em questão e forem problematizados”
(Dorian Mônica Arpini, 2003, p.68)
Da perspectiva da Arte/Educação, das raras ações que poderíamos classificar como
inadequadas, uma delas seria aquela que destitui o sujeito de produzir o seu próprio caminho, seu
estilo, seu pensar, independente da fase de desenvolvimento, do seu espaço e tempo.
Retomando os objetivos desta pesquisa, das contribuições mais significativas e relevantes da
Arte/Educação para o trabalho da equipe de atendimento em abrigo vale destacar quatro situações
constatadas nesta pesquisa, isto sabendo que o abrigo é uma instituição de caráter excepcional e
provisório (ECA- Artigo 92) sem deixar de: “[...] ser espaço de preservação da imagem, da
identidade, da autonomia, dos valores e idéias, de crenças e dos objetos pessoais.” (LLONGUERAS,
2000, p.115).
O primeiro aspecto trata-se da própria relação interinstitucional (judiciário e abrigo),
pudermos observar nos capítulos anteriores que dependendo do tipo de solicitação (de caráter
teleológico ou personalizada) as intervenções técnicas tendiam ora para um desdobramento mais
tradicional, ora mais inclusivo e complexo.
Um fato marcante e inesperado foi que depois do Abrigo Meu Guri oficializar a decisão de
mudança de regime de abrigo para Núcleo Sócio Educativo no primeiro semestre de 2008, a relação
entre Vara da Infância local e Abrigo tornou-se, por motivos óbvios, mais freqüentes e técnica, mas,
sobretudo voltou-se para o indivíduo, a família possível. Vale lembrar que esse consenso existia
entre a equipe de atendimento, mas outras preocupações faziam parte do cotidiano interinstitucional.
Em pesquisa documental pude constatar os principais temas do trânsito de ofícios entre Vara da
Infância e Abrigo antes do anúncio da mudança de regime:
90
Solicitações e Ofícios do Fórum para o Abrigo
21
Assunto
2005
2006
2007
Certificados e registros
12 %
-
------
-------
Vagas para abrigamento
12 %
20 %
4 %
Situação processual (resumo geral)
10 %
-
-----
4 %
Orientações diversas para os técnicos
17 %
40 %
20 %
Ciência sobre o número de abrigados
28 %
20 %
4 %
Autorização para visita e passeios
10 %
10 %
40%
Outros
11 %
10 %
28 %
Total
100 %
100%
100%
FONTE: ARQUIVO DA INSTITUIÇÃO
21
Esses dados referem às solicitações institucionais gerais, os relatórios específicos sobre a situação da família,
criança ou adolescente encontram-se em arquivo (prontuário) da entidade.
91
Anteriormente, devido à possibilidade institucional de permanência dos abrigados, os
pareceres técnicos tanto do judiciário quanto da equipe cnica do abrigo tendiam para aspectos
conceituais de controle, determinações, um tipo de intervenção profissional baseada na construção de
uma Saúde da família como pressuposto para o retorno das crianças e adolescentes abrigados. Termo
que segundo Bauman (2001):
“... demarca e protege os limites entre ‘norma’ e ‘anormalidade’. ‘Saúde’ é o estado próprio e desejável
do corpo e do espírito humanos um Estado que (pelo menos em princípio) pode ser mais ou menos
exatamente descrito e também precisamente medido. Refere-se a uma condição corporal e psíquica que
permite a satisfação das demandas do papel socialmente designado e atribuído e essas demandas
tendem a ser constantes e firmes.” (p.91)
Observe que a partir destas solicitações de caráter predominantemente teleológico, promovida
inicialmente no Judiciário, acabava por percorrer toda hierarquia da equipe de atendimento. Isto
culminou na morosidade do deferimento para o desabrigamento, pois o entendimento estava baseado
conceitualmente na Saúde familiar e desta forma ninguém poderia ser desabrigado sem estar
“plenamente saudável”.
Por outro lado, depois do imperativo do “fechamento do abrigo”, as concepções técnicas
interinstitucionais voltaram-se para a Aptidão, ou seja, aquele que:
“[...] é tudo menos ‘sólido’; não pode, por sua natureza, ser fixado e circunscrito com qualquer precisão
[...] ‘estar apto’ significa ter um corpo flexível, absorvente e ajustável, pronto para viver sensações
ainda não testadas e impossíveis de descrever de antemão [...], pois uma comparação objetiva de graus
de aptidão individuais não é possível.” (Idem, p.91-92)
.
Enfim, não foi possível o retorno ou a inserção de todas as crianças abrigadas nas famílias,
cerca de 40% das crianças e adolescentes abrigados foram transferidos para o abrigo público do
município depois do período de oito meses trabalhando os casos, entretanto outras propostas foram
acordadas, como acompanhamento sistemático dos egressos durante 1 ano e a inserção na rede
sócio– assistencial como alternativa ao abrigamento.
Desta maneira, Bauman (2001) nos alerta para uma nova realidade, uma realidade fluída onde
concepções estanques e fechadas não encontram mais guarida, é fundamental uma postura não
somente de reconhecimento das mudanças e necessidades, mas principalmente de uma autocrítica
92
profissional vigilante.
Em relação à postura interdisciplinar, uma equipe de funcionários do abrigo é composta por
psicólogos, assistentes sociais, eventualmente pedagogo e arte-educadores, mas é imprescindível a
efetiva participação dos educadores nas intervenções. aqueles que ocupam a função de motorista,
cozinheira, limpeza, porteiro entre outros, estes possuem o conhecimento informal do cotidiano
institucional e muitas vezes são até vizinhos das crianças e adolescentes abrigados, a colaboração
desses funcionários não deve ser somente na dimensão operacional.
Ora, devemos evitar posturas fragmentadas que colocam somente o conhecimento científico
(no abrigo, representado pelos técnicos) como proposta ideal e inquestionável. Nesta perspectiva
observei duas posturas de caráter cientificista que limitam a qualidade das intervenções técnicas, uma
formação fincada em conceitos onipotentes tidos como sólidos (Bauman, 2001), este por sua vez
impedem a integração entre as fronteiras das áreas do conhecimento (Vasconcelos, 2002).
A outra barreira se dá através do uso do Saber-Poder (Foucault, 1979), ou seja, uma condição
mantida pela formação, pelo cargo na instituição ou até pela personalidade impõe de forma coercitiva
e impositiva um ou mais ponto de vista, reduzindo a possibilidade de uma diversidade.
Ademais esses aspectos negativos, à medida que se aproximava a data limite da mudança do
regime, a equipe se integrava e buscava novas soluções técnicas de caráter interdisciplinar, tendo
atualmente cerca de quatorze atendimentos aos egressos sendo realizados de forma diferenciada e
acompanhados sistematicamente por uma equipe da instituição.
Em relação à compreensão do repertório escolar vivenciado pelos funcionários e crianças
abrigadas no campo da Arte e suas atuais implicações, a hipótese inicial de que haveria uma
reprodução da práxis vivenciada não se validou por completa, funcionários e crianças abrigadas, em
sua maioria, relataram situações precárias do ensino formal, entretanto conseguiram ampliar e
subverter esses conteúdos em concepções mais elaboradas em termos estéticos e filosóficos.
Por outro lado, os dados revelaram que institucionalmente, o Professor de Arte ou
Arte/Educador possui atribuições (pre) concebidas (principalmente entre os funcionários), a maioria
respondeu como conteúdo a ser ministrado por este profissional o Desenho Livre, pintura, releitura
de obra e artesanato.
Entretanto, para as crianças e adolescentes abrigados independe sua profissão (educador,
psicólogo, assistente social), eles indicaram que para “ajudar as crianças” deve-se ir além de suas
atribuições.
Este estudo evidenciou também que Arte pode ser meio instrumental para os objetivos das
outras áreas do conhecimento, ou seja, a utilização dos recursos artísticos estarão subordinadas a
93
objetivos de outras ciências através de instrumentais como: o sociodrama e psicodrama que utilizam
recursos da linguagem do teatro para fins psicológicos; desenho-história; arte- terapia com recursos
da área de artes plásticas para fins terapêuticos. Neste sentido, RIBEIRO (2002) e PAIN; JARREAU
(1996) confirmam que esta estratégia contribui determinantemente para o alcance dos objetivos das
outras ciências.
Porém, é importante salientar que para a disciplina de Arte/Educação, as linguagens artísticas
e seus recursos são fontes de inspiração e autorreferencial para a aplicação de sua metodologia de
trabalho, sua contribuição singular está no fato de a motivação inicial para a participação das
atividades serem fundadas na dimensão estética. Somente desta forma o Arte/Educador poderá
contribuir para uma equipe multidisciplinar.
Por fim, a função da Arte/Educação no abrigo engendra aspectos práticos como a manutenção
da história familiar, confecção de álbuns de foto, moda, e até a promoção das preferências musicais
familiares entre outros.
Quanto a isso, uma situação me chamou a atenção: um grupo de irmãos abrigados durante um
período de dois anos costumava receber semanalmente a visita de sua mãe na instituição, que em
uma das visitas na instituição me entregou uma fita cassete com músicas religiosas e pediu que assim
que tivesse oportunidade deveria executar a fita enquanto os filhos realizassem atividades.
O mais interessante deste caso foi que ao ser desabrigada, a irmã mais velha desse grupo de
irmãos voltou a usar as vestimentas e reassumiu sua antigas atividades religiosas, hábitos que ela não
realizava durante o período de abrigamento.
Esta ação da mãe, mesmo ela possuindo um diagnóstico psiquiátrico e freqüentando o CAPS
local (Centro de Atendimento Psicossocial), indicava para os filhos uma origem, uma maneira de
pensar, uma ideologia que permeava aquela família, e a e, mesmo distantes dos filhos, promovia
esse “cuidado” para com a Identidade familiar.
Estes acontecimentos estão muito mais vinculados ao um conhecimento informal da cidade,
da vizinhança e do local do que ao um conhecimento científico de uma área especifica do Saber.
Parafraseando o Educador Paulo Freire: o abrigo só é não sendo. Este posicionamento político
concebe um modelo para todas as áreas do conhecimento:
“O maior desafio então tem se constituído em como cuidar das pessoas recém-saídas destas instituições,
com todas as dificuldades induzidas tanto por sua condição existencial intrínseca como pelos efeitos da
longa institucionalização e segregação, sem reproduzir a mesma lógica do cuidado institucionalizado e,
ao mesmo tempo, como ajudá-los a recuperar parte de suas habilidades pessoais potenciais para uma
vida mais independente.” (VASCONCELLOS, 2003, p.117)
94
Sabe-se que grande parte das famílias que possuem crianças e adolescentes abrigados está
sujeita a um sistema negligente e omisso em suas obrigações com a Doutrina de Proteção Integral
preconizada pelo ECA, podemos estabelecer também através da Arte/Educação e também da Arte
uma provocativa expressão e demonstração do exercício de cidadania, ou seja, colaborar para
instituir um novo paradigma que : [...] não está voltada diretamente à ação [do desabrigamento],
mas adquire sentido enquanto forma de conhecimento e de consciência, propondo a reflexão e
compreensão do eu e do outro.” (CHAIA, 2007, p.87).
Sendo assim, ter um Arte/educador na equipe de abrigo propicia além das contribuições para
a manutenção do vínculo familiar e comunitário, um desdobramento na dimensão pedagógica como:
.
“[...] torná-lo um sujeito mais aberto e plural, mais atento ao outro; ampliará seu repertório e,
conseqüentemente, seu acervo para criação – uma vez que só se cria a partir da combinação de
elementos diversos que se tenha, tornando sua prática mais significativa, autoral e criativa.” (LEITE;
OSTETTO, 2004, p.23)
A forma de atuar desse profissional reforça a mobilização interdisciplinar e interinstitucional
para o caminho de uma atuação com uma postura mais abrangente e inclusiva.
95
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Revista institucional
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REVISTA ONDA JOVEN. Instituto Votorantin. Arte e Cultura. São Paulo, 2005.
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Obras de Arte
SOUZA, Luiz Pereira. Roda, Roda, Roda. Óleo sobre tela. 40 x 50 cm. Núcleo de
Atendimento Comunitário Meu Guri, 2005.
______.
Sagrada Família. Óleo sobre Tela. 46 x 61 cm. Núcleo de Atendimento
Comunitário Meu Guri, 2005.
______. A Lei (releitura da obra: A Madona de Port Lligat de Salvador Dali). Óleo sobre
Tela. 80 x 100 cm. Núcleo de Atendimento Comunitário Meu Guri, 2006.
______.Ditado. Óleo sobre Tela.80 x 100 cm. Núcleo de Atendimento Comunitário meu
Guri, 2005.
1
Anexos
2
Anexo I
Questionário Semi-estruturado
1) Quais são os benefícios profissionais do trabalho em equipe?
2) Quais são os desafios e dificuldades encontrados no trabalho multidisciplinar?
3) Durante sua fase escolar do ensino fundamental e médio, quais foram os principais
conteúdos da área de Arte?
4) Atualmente, qual é o significado de Arte para você?
3
Anexo II
Grupo Focal
Roteiro das idéias orientadoras
FASE 1 - Explicação sobre os objetivos da pesquisa, sigilo e sobre o funcionamento do
gravador;
FASE 2 – Questionamento sobre os motivos do abrigamento;
FASE 3 Questionamento sobre os limites e possibilidades na comunidade de uma criança
abrigada;
FASE 4 – Questionamento sobre pertences, objetos pessoais e privacidade;
FASE 5 – Questionamento sobre Projeto de vida, desejo e sonho;
FASE 6 – Questionamento sobre identidade familiar e comunitária;
FASE 7 – Questionamento sobre a promoção dos vínculos afetivos;
FASE 8 – Questionamento sobre a rotina institucional;
FASE 9 – Questionamento sobre função dos professores (de arte);
FASE 10 – Questionamento sobre função do Arte/Educador no Abrigo.
4
Anexo III
Descrição dos casos das crianças e adolescentes que participaram da
pesquisa
FAMÍLIA 1
O primeiro grupo de irmãos escolhidos é formado por 5 integrantes: um adolescentes de 17
anos, outra de 15, dois meninos de 14 e 13 anos e uma menina caçula de 9 anos. Este é um caso que
esta quase dez anos na instituição. Evidentemente é o grupo que mais conhece histórias da
instituição, costuma inclusive detalhar plantões, acontecimentos passados, funções, cargos e
principalmente atribuições dos funcionários do abrigo.
De acordo com os prontuários institucionais, existe vínculo familiar entre eles e a mãe, as
crianças são afetivas e carinhosas. Possuem uma expectativa de retorno ao lar, porém verbalizam que
somente quando a mãe possuir condições financeiras.
O pai faleceu pouco antes de eles serem abrigados e somente o irmão mais velho se lembra
dele, o qual freqüentemente recorre para explicar o seu abrigamento. Este mesmo jovem já trabalha e
costuma ser referência para as outras crianças, pois é o mais velho no abrigo.
Vale dizer que somente os quatro mais velhos participaram do grupo.
FAMÍLIA 2
Formada por dois irmãos adolescentes, um de 16 e outro de 13 foram abrigados cerca de 1
ano.Os pais possuem um histórico familiar de freqüentes separações e negligência com os cuidados
básicos com seus filhos como por exemplo, deixando as crianças pela vizinhança, sem alimentação e
encaminhamentos para freqüentarem a escola.
Os dois estiveram abrigados diversas vezes no abrigo público da idade e depois que entraram
no Meu Guri se especializaram nas atividades de marcenaria. Inclusive, junto com o oficineiro da
instituição fabricaram brinquedos e consertaram diversos móveis de sua própria residência.
O mais irmão mais velho possui um histórico de evasão escolar e de delinqüência. Mesmo
abrigado, cumpre Medida Sócio Educativa devido atos infracionais realizados na cidade. Entretanto,
encontrou nas atividades de marcenaria um potencial e incentivo pessoal. Atualmente sua família
reside em uma cidade próxima de Mairiporã.
5
FAMÍLIA 3
Outra adolescente de 15 anos possui outros irmãos, mas somente ela está abrigada, em seu
prontuário um diagnóstico de “comprometimento psicológico”, o que a implica em um
acompanhamento terapêutico e psicológico externo. Seus pais são separados, mas a adolescente
mantem vínculo familiar com os dois.
Sua mãe também possui um diagnóstico psiquiátrico, o que a levou a uma aposentadoria
precoce, freqüentemente visita a filha no abrigo em companhia da avó materna.
O pai possui uma nova companheira, e com os filhos desta nova união, possui interesse em
possuir a guarda da adolescente.
A instituição trabalha com a Vara da Infância esta possibilidade de desabrigamento.
FAMÍLIA 4
Dois irmãos adolescentes, de 15 e 13 anos, advindos de reincidentes abrigamentos no abrigo
público municipal. Lá possuíam um histórico de fuga e evasão escolar.
Desde quando chegaram no CAB Meu Guri demonstraram bastante interesse nas atividades
esportivas e culturais do local. Realizaram projetos de capacitação na área de meio ambiente e
informática.
Antes do abrigamento viviam com a mãe que não possui emprego nem moradia própria, seus
primeiros abrigamentos, ainda crianças, se deram devido à negligência dos pais.
Em contato com a guardiã do outro abrigo fomos informados que durante o período de
abrigamento deste grupo de irmãos eles costumavam ser os lideres na maioria das ocasiões, tanto
para os aspectos positivos quanto para os negativos.
Cabe ressaltar que o pai possui um histórico de alcoolismo, o que promove nos filhos rejeição
para com ele.
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