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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
DENILSON GRECCHI
SAÚDE MENTAL EM SALA DE AULA: A PERCEPÇÃO DE
PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS
São Bernardo do Campo
2009
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DENILSON GRECCHI
SAÚDE MENTAL EM SALA DE AULA: A PERCEPÇÃO DE
PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Saúde da
Universidade Metodista de São Paulo como
requisito parcial para obtenção do Título de Mestre
em Psicologia da Saúde.
Orientador: Prof. Dr. Manuel Morgado Rezende.
São Bernardo do Campo
2009
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FICHA CATALOGRÁFICA
G799s
Grecchi, Denilson
Saúde mental em sala de aula: a percepção de professores
universitários / Denilson Grecchi. 2009.
214 f.
Dissertação (mestrado em Psicologia da Saúde) – Faculdade
de Saúde da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo
do Campo, 2009.
Orientação de: Manuel Morgado Rezende
1. Saúde mental 2. Professores universitários 3. Promoção da
saúde 4. Ambiente de sala de aula I. Título
CDD 157.9
DENILSON GRECCHI
SAÚDE MENTAL EM SALA DE AULA: A PERCEPÇÃO DE PROFESSORES
UNIVERSITÁRIOS
Banca Examinadora
___________________________________________
Presidente: Prof. Dr. Manuel Morgado Rezende
___________________________________________
Titular (UMESP): Profa. Dra. Hilda Rosa Capelão Avoglia
___________________________________________
Titular (UNICAMP): Profa. Dra. Soely Aparecida Jorge Polydoro
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde
São Bernardo do Campo
2009
AGRADECIMENTOS
Agradeço a DEUS, em primeiro lugar, por ter permitido que eu realizasse esse trabalho.
Agradeço à minha mãe por se preocupar e cuidar de tudo que aquilo que não pude cuidar
durante a realização deste trabalho.
Agradeço à minha namorada, pela compreensão nos momentos de ausência e força nos
momentos decisivos.
Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Manuel Morgado Rezende, por ter me acolhido, me
incentivado, me acalmado nos momentos de maior tensão e mantido o clima sempre leve e bem
humorado durante todo o processo.
Agradeço à Profa. Dra. Hilda Rosa Capelão Avoglia pelos primeiros incentivos para o início
desse processo.
Agradeço à Profa. Marília Martins Vizzoto pelo incentivo permanente e pelas conversas o
esclarecedoras e motivadoras.
Agradeço à Ivair José Taino pela compreensão e paciência nos momentos em que fui
solicitado pelos estudos.
Agradeço aos demais professores do programa de pós-graduação pela dedicação e paciência.
Agradeço aos colegas alunos do programa pelos momentos compartilhados que tornaram
todo o trajeto do mestrado muito mais agradável.
RESUMO
GRECCHI, D. Saúde mental em sala de aula: a percepção de professores universitários. 2009. 214f.
Dissertação (Mestrado em Psicologia da Saúde) Faculdade de Saúde, Universidade Metodista de
São Paulo, 2009.
A presente dissertação de mestrado aborda a percepção de professores universitários a respeito da
Saúde Mental no contexto da sala de aula. O objetivo geral do trabalho é compreender como o
professor universitário percebe e lida com a sua saúde mental e a dos seus alunos em sala de aula.
O autor utiliza as entrevistas de um total de 11 professores de primeiro e segundo semestres dos
cursos de fisioterapia, jornalismo e sistemas de informação da Universidade Metodista de São Paulo -
UMESP. Com base no método da Ground Theory, são realizadas as codificações aberta, axial e
seletiva dos dados que por final são agrupados em nove categorias, sendo essas: percepção da
saúde mental dos professores; percepção da saúde mental dos alunos; manejo da saúde mental do
professor; manejo da saúde mental dos alunos; conceito de saúde; conceito de promoção da saúde;
contextos promotores da saúde; contextos não promotores da saúde e manejo de alunos geradores
de desconforto. O fenômeno central levantado a partir dos dados observado indica uma prática
solitária, onde o professor considera apenas seus recursos psicológicos, seus valores e crenças
pessoais como instrumentos para lidar com as adversidades emergentes em sala de aula. Observa-
se também uma super valorização da aula expositiva e da cultura do dar aula, práticas que não
estimulam uma participação mais democrática, autônoma e ativa por parte dos alunos. Nesse
ambiente, o aluno surge como o maior problema à prática docente, na medida em que com sua
imaturidade e conflitos inerentes a adolescência não permite que o professor transmita os conteúdos
planejados sendo este motivo de frustrações e desmotivação no trabalho. A falta de um espaço
institucional onde os professores possam trocar experiências, expor suas angústias e buscar apoio
psicológico denuncia o distanciamento dos docentes das demais instâncias da instituição. A sala de
aula também não é entendida pelos docentes como um espaço possível para a promoção da saúde,
sendo esta compreendida mais como uma disciplina do que um conjunto de ações e práticas
passíveis de serem aplicadas e incentivadas em sala de aula.
Palavras-chave: Saúde Mental – Professor Universitário – Promoção da Saúde – Sala de Aula
ABSTRACT
This dissertation deals with the perception of academics about Mental Health in the context of the
classroom. The general objective of this study is to understand as the academical teachers discerns
and struggles with their mental health and the one of their students in classroom. The author uses the
interviews of 11 teachers of first and second semesters of the courses of the physiotherapy, journalism
and systems of information of the Methodist University of São Paulo - UMESP. With base in Ground
Theory method, the codes are accomplished opened, axial and selective of the data that they are
contained in nine categories by end, being those: perception of the teachers' mental health; perception
of the students' mental health; I handle of the teacher's mental health; I handle of the students' mental
health; concept of health; concept of promotion of the health; contexts promoters of the health;
contexts no promoters of the health and generating students' of discomfort handling. The central
phenomenon gotten up starting from the data observed indicates a lonely practice, where the teacher
just considers their psychological resources, their values and personal faiths as instruments to work
with the emerging adversities in classroom. It is also observed a super valorization of the expository
class and of the culture of giving class, practices that you/they don't stimulate a participation more
democratic, autonomous and active on the part of the students. In that it adapts, the student appears
as the largest problem to the educational practice, in the measure in that with his/her immaturity and
inherent conflicts the adolescence doesn't allow the teacher to transmit the planned contents being
this reason of frustrations and demotivation in the work. The lack of an institutional space where the
teachers can change experiences, to expose their anguishes and to look for psychological support
denounce the teachers' of the other instances of the institution estrangement. The classroom is not
also noticed by the teachers as a possible space for the promotion of the health, being this understood
more as a discipline than a group of actions and susceptible to practices be applied and motivated in
classroom.
Word-keys: Mental health - Academical Teacher – Health Promotion - Classroom
SUMÁRIO
1.
A
PRESENTAÇÃO
..................................................................................................................... 10
2.
I
NTRODUÇÃO
.......................................................................................................................... 11
2.1. Saúde, Saúde Mental e Promoção da Saúde ..................................................................................11
2.2. A Universidade Brasileira ..................................................................................................................23
2.3. Professor Universitário ......................................................................................................................27
2.4. Fenômenos grupais em sala de aula. ...............................................................................................37
3.
M
ÉTODO
................................................................................................................................ 40
3.1. Participantes .....................................................................................................................................40
3.2. Data e Local ......................................................................................................................................41
3.3. Instrumento .......................................................................................................................................41
3.3.1. Questionário de identificação ....................................................................................................41
3.3.2. Entrevista semi-estruturada .......................................................................................................41
3.4. Procedimento ....................................................................................................................................42
3.5. Tratamento dos Dados .....................................................................................................................42
3.6. Aspectos Éticos .................................................................................................................................44
4.
R
ESULTADOS E
D
ISCUSSÃO
.................................................................................................... 45
4.1. Categoria 1: Percepção da Saúde Mental dos Professores .............................................................45
4.2. Categoria 2: Percepção da Saúde Mental dos Alunos .....................................................................51
4.3. Categoria 3: Manejo da Saúde Mental do Professor ........................................................................56
4.4. Categoria 4: Manejo da Saúde Mental do Aluno ..............................................................................62
4.5. Categoria 5: Conceito de Saúde .......................................................................................................66
4.6. Categoria 6: Conceito de Promoção da Saúde ................................................................................69
4.7. Categoria 7: Contextos Promotores da Saúde ................................................................................70
4.8. Categoria 8: Contextos Não Promotores da Saúde .........................................................................75
4.9. Categoria 9: Manejo de Alunos Geradores de Desconforto .............................................................83
5.
C
ONSIDERAÇÕES
F
INAIS
......................................................................................................... 88
6.
R
EFERÊNCIAS
........................................................................................................................ 92
7.
A
NEXOS
................................................................................................................................. 99
Anexo A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ................................................................... 100
Anexo B - Declaração de Responsabilidade do Pesquisador ............................................................ 101
Anexo C - Declaração de Identidade de Conteúdo............................................................................. 102
Anexo D - Questionário de Identificação ............................................................................................. 103
Anexo E - Entrevista Semi-Estruturada .............................................................................................. 104
Anexo F - Entrevista Nr. 1 ................................................................................................................... 105
Anexo G - Entrevista Nr. 2 .................................................................................................................. 117
Anexo H - Entrevista Nr. 3 ................................................................................................................... 125
Anexo I - Entrevista Nr. 4 .................................................................................................................... 135
Anexo J - Entrevista Nr. 5 ................................................................................................................... 150
Anexo K - Entrevista Nr. 6 ................................................................................................................... 160
Anexo L - Entrevista Nr. 7 ................................................................................................................... 169
Anexo M - Entrevista Nr. 8 .................................................................................................................. 176
Anexo N - Entrevista Nr. 9 ................................................................................................................... 184
Anexo O - Entrevista Nr. 10 ................................................................................................................ 196
Anexo P - Entrevista Nr. 11 ................................................................................................................. 206
10
1. A
PRESENTAÇÃO
O meu interesse no contexto universitário e, primeiramente no estudante universitário, tem
início na minha experiência pessoal como estudante de graduação. A escolha de uma profissão que
não contemplava minhas expectativas pessoais e profissionais me conduziram a uma reavaliação do
caminho escolhido. Este foi, sem dúvidas, um longo e árduo percurso, repleto de dúvidas e angústias,
que não encontraram, na universidade que freqüentava, qualquer tipo de acolhida. A escolha por uma
nova profissão me consumiu alguns meses até que, finalmente, encontrei na Psicologia a
oportunidade de satisfazer minhas demandas pessoais e profissionais sem que para isso corresse o
risco de perder a minha identidade.
Durante o transcorrer da graduação, minhas inquietações a respeito da escolha de uma
profissão e da experiência universitária se fizeram presentes e foi nos estágios obrigatórios de
Psicologia Escolar e Psicologia Comunitária e da Saúde, que encontrei a oportunidade e o desafio de
melhor compreendê-las.
Os primeiros contatos com estudantes universitários e suas experiências acadêmicas
aconteceram no segundo semestre de 2005, no cumprimento do estágio obrigatório em Psicologia
Escolar nas Faculdades de Fisioterapia e Ciências Econômicas da UMESP. Durante a realização
destes estágios, deparei-me com questões subjetivas que permeavam as relações de ensino-
aprendizagem dos alunos e que, por não serem devidamente acolhidas e tratadas pela universidade,
se apresentavam como grandes barreiras no desenvolvimento acadêmico desses estudantes.
Posteriormente, por ocasião da realização do trabalho de conclusão de curso e da pesquisa
para obtenção do grau de bacharel, me aproximei novamente dos universitários e realizei outros dois
estudos nas Faculdade de Ciências Administrativas e Faculdade de Fisioterapia e Educação Física
da UMESP. Tais estudos tinham como objetivo compreender o sentido de aprender Psicologia para
alunos de graduação em Administração e Fisioterapia.
A oportunidade de vivenciar o contexto acadêmico e conviver com universitários de outros
cursos que não somente de Psicologia, me permitiu responder algumas das minhas inquietações
iniciais, mas por outro lado, me mostrou outro mundo, muito mais amplo e complexo. Naturalmente
muitas outras inquietações surgiram e me motivaram a aprofundar meus estudos sobre os aspectos
psicológicos intrínsecos ao contexto acadêmico, mas agora de outro ponto de vista: o do professor
universitário. Meu foco neste momento se volta para como o professor universitário se percebe e lida
com as adversidades de sua prática. A partir destas questões lanço-me em um novo desafio, na
tentativa de contribuir com um processo de formação acadêmica mais humano e adequado as
demandas atuais da nossa sociedade.
11
2. I
NTRODUÇÃO
2.1. S
AÚDE
,
S
AÚDE
M
ENTAL E
P
ROMOÇÃO DA
S
AÚDE
Vinculado a questões culturais e religiosas, o termo saúde assumiu inicialmente diferentes
significados para diferentes povos e sua compreensão se tornou ainda mais complexa com o passar
dos anos. Tomando como base sua etimologia, o termo saúde denota uma qualidade dos seres
intactos, indenes, com sentido vinculado às propriedades de inteireza e totalidade. No entanto, é
possível verificar outras vertentes que, encontram no mesmo termo, um sinônimo de solidez, firmeza
e força. Nas línguas ocidentais modernas, mais ligadas à religião, saúde assume conotações de
perfeição e santidade. Dessa forma, parece natural que historicamente a definição clara da idéia de
saúde tenha se mostrado um problema material, científico e social que tanto afeta a nossa população
mais carente por dificultar o estabelecimento de políticas públicas e ações efetivas para que se
alcance níveis satisfatórios de saúde (ALMEIDA FILHO, 2000).
No entanto, uma nova concepção de saúde surgiu com o fim da Segunda Guerra Mundial. Ao
término da guerra, novas configurações políticas e econômicas surgiram e impuseram o
estabelecimento de conceitos de direitos humanos, de igualdade social e de desenvolvimento
econômico. Neste momento surge a Organização das Nações Unidas – ONU, com seus vários
organismos especializados criados para manter a paz e a segurança no mundo, fomentar relações
cordiais entre as nações, promover progresso social, melhores padrões de vida e direitos humanos.
Em 1948, um desses órgãos especializados da ONU, a Organização Mundial da Saúde OMS, cria
sua primeira definição de saúde, levando em conta a cultura de toda a sociedade da época,
considerando especialistas e leigos, cultos e incultos, analfabetos e instruídos. Ficou definido então
um novo modo de conceber Saúde resultante da assembléia constituinte da OMS, no qual “saúde é o
estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou
incapacidade” (WHO, 1948).
Para Ribeiro (2005) essa nova visão de saúde chamava a atenção por romper com as idéias
tradicionais acerca da saúde que, em sua grande maioria, se originavam de categorias de doenças
ou mortalidades, que ocupavam um lugar importante nas estatísticas de saúde. A nova definição
coloca a saúde num contexto alargado de bem estar humano em geral. No entanto, essa mesma
definição tem sofrido muitas críticas pois, do ponto de vista prático, se mostra estéril, inócua e sem
efeito para os técnicos da área da saúde, constituindo-se mais como um ideal do que um instrumento
de trabalho. Para o autor, na definição da OMS está implícito ou explícito que a saúde:
1) é o estado habitual dos indivíduos, e está subjacente à capacidade das pessoas
executarem ações de rotina, como, por exemplo e entre outras, comer, fazer exercício,
relaxar, relacionar-se com os outros;
2) não é apenas ausência de doença;
12
3) exprime-se ao nível do bem-estar e da funcionalidade;
4) manifesta-se nos níveis mental, social e físico;
5) existe num contínuo temporal dinâmico, flutuando como resposta adaptativa, às
exigências percebidas pelo indivíduo, sejam as exigências internas ou externas, que
decorrem ao longo do tempo;
6) engloba os aspectos físico, mental e social, considerados numa coalescência sistêmica
que os torna independentes;
7) define-se por uma configuração de bem-estar resultante de uma auto-avaliação, ou seja,
da expressão da percepção do que o indivíduo sente sobre si próprio;
8) envolve a energia disponível para realizar determinadas tarefas com sucesso;
9) fica debilitada quando insuficiente energia e/ou perícias para satisfazer as exigências
da vida do dia a dia e para manter um sentimento de equilíbrio e harmonia.
10) Não pode ser compreendida sem ser como parte de um equilíbrio ecológico global que
abrange todos os elementos constituintes do planeta e a dinâmica existente entre eles.
Da mesma forma, Segre e Ferraz (1997) criticam a atual definição do termo saúde. Na visão
dos autores, a definição cunhada pela OMS, até avançada para a época de sua criação, foi, com o
passar do tempo e da ampliação da compreensão do que é saúde, tornando-se irreal, ultrapassada e
unilateral. Para os autores, alcançar a situação do perfeito bem-estar é algo inatingível, utópico.
Tamm, a própria condição do homem dentro da sociedade estabelece uma situação de tensão,
onde parte de seus desejos são renunciados em nome de certa segurança. A definição de saúde da
OMS também não leva em conta questões subjetivas, influenciadas em grande parte por um contexto
cultural dominante, que demonstra fragilidades na construção de vínculos saudáveis entre indivíduos,
especialmente entre os profissionais da saúde e seus clientes, principais protagonistas do contexto
popular vinculado a saúde. Assim, em busca de uma definição mais realista de saúde, os autores
sugerem uma nova definição, na qual “saúde é um estado de razoável harmonia entre o sujeito e a
sua própria realidade” (p.542).
Como visto, nas sociedades ocidentais a compreensão de saúde sempre se mostrou muito
diversa, raramente se chegando a algum consenso a respeito. Embora seja evidente o maior número
de pesquisas e documentos internacionais que tratem do tema, ainda se constata que o número de
estudos que privilegiam o saber sobre a doença prevalece, reafirmando a forte influência do modelo
médico de compreensão da saúde. O estudo da doença mostra-se mais objetivo e eficiente, enquanto
o conceito de saúde ainda mostra-se complexo, subjetivo e de difícil aplicação prática. Popularmente,
a compreensão da saúde tem assumido diferentes possibilidades, tais como: a ausência de mal estar
ou sintomas; a simples ausência de doença; algo que se deve ser estocado para uso futuro; como um
comportamento; como resultado de exercícios físicos; como vitalidade ou presença de energia; como
resultado de um estado mental de bem-estar psicossocial; como relacionamentos sociais ou como a
13
possibilidade de realizar tarefas do cotidiano, como caminhar ou trabalhar (LYONS; CHAMBERLAIN,
2006).
Segundo Lyons e Chamberlain (2006), o corpo assume um papel central no modo como se
deve entender saúde. Para as autoras, as experiências de saúde e doença vivenciadas pelo indivíduo,
suas características filogenéticas, sua cultura e posição social influenciam seu conceito e sua
percepção de saúde. Outros fatores exercem importante influência na construção individual e coletiva
do conceito de saúde. Os meios de comunicação freqüentemente estabelecem novos parâmetros de
saúde e afetam o modo como os indivíduos se percebem e se compreendem. Os avanços da
medicina que permitem uma melhor compreensão do corpo humano e dos agentes causadores de
enfermidades, permitindo assim o estabelecimento de novas regras de comportamento individual e
social.
Para Vieira e Jesus (2007), a saúde dos indivíduos também está relacionada a sua felicidade
ou ao modo como estes avaliam suas próprias vidas. Na literatura científica, a esta auto-avaliação da
própria vida é dado o nome de Bem-Estar Subjetivo (BES), cujo constructo teórico corresponde a um
dos conceitos centrais da Psicologia Positiva (SELIGMAN; CSIKSZENTMIHALYI, 2000). O BES pode
ser entendido como a análise dos indivíduos a respeito de seus aspectos emocionais, divididos em
afetos positivos (ex. alegria, entusiasmo, orgulho e felicidade) e afetos negativos (ex. culpa, vergonha,
tristeza, ansiedade e depressão) e cognitivos (ex. satisfação conjugal, satisfação com a vida). Embora
a BES possa sofrer variações a partir da personalidade de um indivíduo, questões circunstanciais e
culturais também podem ser responsáveis por variações a longo prazo no BES de uma população
(DIENER; SUH; OISHI; 1997; DIENER; OISHI; LUCAS, 2003).
Os afetos positivo e negativo são importantes elementos constituintes do conceito de bem-
estar. São independentes, de forma que, ao se conhecer o nível de um não se pode predizer o nível
do outro. Breadburn (1969) afirma que o afeto negativo parece estar primariamente relacionado a
variáveis associadas a questões de saúde mental. Variações em afeto negativo estão associadas a
dificuldades no casamento, adaptação ao trabalho, problemas de relacionamento interpessoal e
sentimentos de estar sofrendo um colapso nervoso, bem como alguns indicadores de ansiedade e
preocupação. Nenhuma dessas variáveis está associada a afeto positivo. Por outro lado, afeto
positivo parece estar associado a uma série de fatores condizentes ao grau de envolvimento que uma
pessoa possui com o contexto em que vive, com seus contatos sociais e o seu ativo interesse no
mundo.
A partir dos estudos de estrutura de afetividade de Watson et al (1988), emergiram duas
dimensões dominantes chamadas de afetos positivos e afetos negativos. Esses dois fatores de humor
correspondem a traços individuais de emotividade positiva e negativa.
Afeto Positivo (PA) reflete a extensão na qual uma pessoa sente-se entusiasmada, ativa e
alerta. Elevado afeto positivo é um estado de alta energia, plena concentração e prazeroso
14
envolvimento, enquanto baixo afeto positivo é caracterizado por tristeza e apatia. De forma
contrária, Afeto Negativo (NA) é uma dimensão geral de angústia e desprazeroso envolvimento
que inclui uma variedade de estados de humor aversivos, incluindo raiva, desprezo, desgosto,
culpa, medo e nervosismo, com baixo Afeto Negativo sendo um estado de tranqüilidade e
serenidade (p.1).
Outro fator que pode conduzir um indivíduo à felicidade ou a um alto índice de BES é sua
capacidade de estabelecer relações interpessoais. Os seres humanos são seres sociais por natureza
e dessa forma relações interpessoais, vida social e sentimentos de apego são componentes
essenciais da vida humana. Assim, entende-se que o relacionamento interpessoal tem uma
importância capital na saúde e na qualidade de vida dos indivíduos (VIEIRA; JESUS, 2007). Estudos
mostram que existe uma estreita associação entre relações interpessoais e felicidade, ao sugerirem
que pessoas mais felizes ou com um BES mais alto são pessoas que revelam maior facilidade de
relacionamento com os progenitores, família, amigos e grupos afins, manifestando-se mais acessíveis,
de fácil convívio, divertidas e mais direcionadas para o outro. Por outro lado, pessoas infelizes ou com
um BES mais baixo tendem a manifestar maior exclusão social, maior irritabilidade e se mostram
muito mais voltadas para si mesmas (COOPER; OKAMURA; GURKA, 1992; MYERS, 1999). Ao se
refletir a atuação do professor, verifica-se que a sua prática é marcada por diferentes atividades, cujo
ponto de interseção entre essas é o relacionamento interpessoal. A felicidade ou um alto vel de
BES dos professores mostra-se importante para o estabelecimento de uma relação professor-aluno
mais saudável e contribui positivamente com o processo de ensino-aprendizagem.
O conceito de BES mostra-se um conceito chave no campo de estudo e atuação da
Psicologia da Saúde ou Psicologia Positiva. Esta última teria como objetivo estudar o lado positivo do
ser humano e intervir para ajudar as pessoas a aumentar suas forças e desenvolver seu potencial
para uma maior alegria e satisfação com a vida. Outra vertente de bem-estar, o chamado Bem-Estar
Psicológico (BEP), também pode ser encontrada na literatura (RYFF, 1989; RYFF; KEYES, 1995).
Enquanto o BES é concebido a partir de avaliações de satisfação com a vida e num balanço entre
afetos positivos e afetos negativos que revelam felicidade, o BEP se estabelece a partir de
concepções acerca do desenvolvimento humano e dimensionadas em capacidades para enfrentar os
desafios da vida (SIQUEIRA; PADOVAM, 2008). O modelo de BEP proposto por Ryff e Keyes (1995)
se organizou a partir de seis componentes principais, sendo: auto-aceitação, relacionamento positivo
com outras pessoas, autonomia, domínio do ambiente, propósito de vida e crescimento pessoal. Uma
terceira vertente do conceito de bem-estar diz respeito ao Bem-Estar no Trabalho (BET). Segundo
Siqueira e Gomide Jr. (2004), o BET é concebido como um conceito integrado por três componentes:
satisfação no trabalho, envolvimento com o trabalho e comprometimento organizacional afetivo.
Esses três conceitos, representam vínculos positivos com o trabalho (satisfação e envolvimento) e
com a organização (comprometimento afetivo).
O conceito de bem-estar também é tido como um elemento essencial para a qualidade de
vida de um indivíduo (COMPTON, 2005; JESUS; REZENDE, 2009). O conceito de Qualidade de Vida
tornou-se um conceito muito popular, cuja divulgação tem se dado em larga escala, seja nos meios
acadêmicos ou no senso comum. Se por um lado, observa-se atualmente uma ampla discussão em
15
torno do tema, de outro é justamente a popularidade do conceito que aparece como um dos grandes
obstáculos para a sua discussão científica (RIBEIRO, 2009). De acordo com McGuire (1991, p.13),
“todos têm a sua própria idéia do que é a Qualidade de Vida, e é nisso que reside o problema”. Assim,
segundo Souza (2007, p.139),
Qualidade de Vida é a medida do grau de satisfação das pessoas com os aspectos físicos,
emocionais, bem-estar social, estilo de vida moradia e situação econômica. Envolve sistemas
de valores, expectativas e perspectivas pessoais que variam de acordo com a cultura e o grupo
e podem ser definidos como a sensação de bem-estar.
Como visto nos conceitos de saúde, bem-estar e qualidade de vida apresentados, o estado
geral de saúde de um indivíduo traz em si um componente subjetivo extremamente importante. A
capacidade de se auto-avaliar e expressar essa subjetividade pode contribuir, seja no nível individual
ou coletivo, para a modificação de um determinado contexto social, de forma a se alcançar níveis de
bem-estar e qualidade de vida cada vez maiores. Sendo assim, fica clara a importância de se obter
níveis adequados de saúde mental em uma população, com o quais poderão ser estabelecidas as
condições necessárias para uma postura ativa e participativa dos indivíduos dentro de suas
comunidades.
Mas, do que exatamente falamos quando nos referimos à saúde mental de um indivíduo ou
de uma população? A literatura mostra que conceituar saúde mental tem se mostrado uma difícil
tarefa para muitas áreas do conhecimento que, apesar de suas inúmeras formas de compreensão do
termo, não tem conseguido descrever saúde sem tomar como referência a doença. No entanto,
dentre as inúmeras maneira de se compreender saúde mental, encontra-se aquela que pretende
tornar a saúde um conceito de perspectiva transdisciplinar e totalizadora, na qual saúde mental
significa um
socius saudável; ela implica emprego, satisfação no trabalho, vida cotidiana significativa,
participação social, lazer, qualidade de redes sociais, equidades, enfim, qualidade de vida. (...)
O conceito de saúde mental vincula-se a uma pauta emancipatória do sujeito, de natureza
inapelavelmente política (ALMEIDA FILHO et al, 1999, p.101).
Da mesma forma, para efeitos deste estudo, adotaremos como conceito de Saúde Mental
aquele divulgado pela OMS, onde:
Saúde Mental não é somente a ausência de um transtorno mental. É definido como um estado
de bem-estar no qual cada indivíduo pode realizar seu próprio potencial, pode enfrentar o
estresse normal da vida, pode trabalhar de forma produtiva e frutífera e está apto a contribuir
com a sua comunidade (WHO, 2008b).
Apesar da importância do tema, observa-se que, especialmente nos países subdesenvolvidos
e em desenvolvimento, os recursos destinados aos serviços de saúde mental, sejam humanos ou
financeiros, são escassos. Dessa forma, acaba-se por priorizar os cuidados especializados com os
doentes mentais, abrindo-se mão de um sistema mais amplo e integrado de saúde mental, capaz de
realizar medidas de prevenção primária nos hospitais gerais e comunidades. Com cada vez menos
recursos disponíveis é necessário desenvolver estratégias para que se consiga um efeito positivo
16
sobre a saúde mental. Dentre as estratégias utilizadas estão o encorajamento de recursos e
competências individuais, além de melhorias no ambiente sócio-econômico. A promoção da saúde
mental requer ação multi-setoriais, envolvendo uma série de setores governamentais e não-
governamentais ou organizações de base comunitária. O foco deve ser na promoção da saúde
mental em toda a vida para garantir um começo de vida saudável para as crianças e para evitar
transtornos mentais na idade adulta e velhice (WHO, 2008 - site).
Além dos fatores biológicos e psicológicos, a saúde mental também pode ser afetada por
fatores socioeconômicos e ambientais. Nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, o risco de
saúde mental está associado a indicadores de pobreza, baixos níveis de educação e má habitação. A
maior vulnerabilidade das pessoas para doenças mentais em cada comunidade pode ser explicada
por fatores como a experiência de insegurança e desespero, a rápida mudança social e os riscos de
violência física e problemas de saúde. Sabe-se também que situações de abuso de substâncias
psicoativas, violência, abuso de mulheres e crianças, depressão e ansiedade são mais prevalentes e
mais difíceis de serem enfrentadas em situações de alto desemprego, baixa renda, baixa educação,
condições de trabalho estressantes, discriminação de gênero, estilo de vida o saudável e violação
de direitos humanos (WHO, 2005).
Por este motivo, acredita-se que políticas públicas de saúde isoladas não sejam o único
caminho para a melhoria das condições de saúde mental. Apesar de falta de dados mais confiáveis,
acredita-se que ões em áreas de não-saúde, como na área social, também possam colaborar para
a promoção da saúde mental. Da mesma forma é fundamental para a promoção da saúde mental um
ambiente onde sejam respeitados e protegidos os direitos civis básicos, os direitos políticos, sociais e
culturais. Assim, entende-se que a promoção da saúde mental requer esforços e políticas
intersetoriais, tanto do setor público como do setor privado, e que incluam as áreas da educação,
trabalho, justiça, transporte, meio-ambiente, moradia e bem-estar, bem como, ões específicas na
área da saúde destinadas a prevenção e tratamento de problemas de saúde. No entanto, todos
podem fazer algo no sentido de promover a saúde mental. Especialmente os tomadores de decisão
nos governos de nível local e nacional, cujas ações afetam a saúde mental de maneira indireta. Os
organismos internacionais também podem assegurar que os países em todas as fases de
desenvolvimento econômico estejam conscientes da importância da saúde mental para o
desenvolvimento da comunidade. Eles também podem incentivá-los a avaliar as possibilidades
e meios de intervir para melhorar a saúde mental da população (WHO, 2005).
Todo esse esforço para se promover saúde mental se torna ainda mais urgente quando
verificamos e comparamos o DALYs (Disability-Adjusted Life Year) de doenças neuropsiquiátricas no
mundo com as demais, ou seja, quando olhamos para a quantidade de anos perdidos de vida e os
anos vividos sob o espectro incapacitante de uma doença de severidade e duração específica na
população mundial. No último levantamento realizado pela OMS no ano de 2004 sobre as doenças
que mais mataram ou incapacitaram severamente os povos dos cinco continentes, observamos que
17
os distúrbios neuropsiquiátricos ocupam a segunda posição, representando cerca de 13,08% de
todos os anos perdidos devido a doenças, perdendo apenas para as doenças infecciosas e causadas
por parasitas, conforme demonstrado no Quadro 1 abaixo.
Quadro 1: Ten leading causes of burden of disease, world, 2004 (WHO, 2005)
CAUSE
DALYs*
% of
total
DALYs#
Infectious and parasitic
diseases
302.144 19,84
Neuropsychiatric disorders 199.280 13,08
Cardiovascular disorders 151.377 9,94
Unintentional injuries 138.564 9,10
Perinatal conditions 126.423 8,30
Respiratory infections 97.786 6,42
Sense organ disorders 86.883 5,70
Malignant neoplasms 77.812 5,11
Respiratory diseases 59.039 3,88
Digestive diseases 42.498 2,79
* DALY (Disability-Adjusted Life Year)
# Total de anos de vida perdidos para todas as doenças 1.523.259 em 2004.
Dos distúrbios neuropsiquiátricos mais relevates do ponto de vista estatístico para a OMS, os
distúrbios depressivos representam 4,30% do total de DALYs, denuncinado quase três vezes mais
anos perdidos de vida e anos perdidos sob o espectro incapacitante do que a segunda maior, os
distúrbios relacionados ao abuso de álcool, conforme demonstrado no Quadro 2.
18
Quadro 2: Neuropsychiatric disorders leading causes of disease, world, 2004 (WHO, 2005)
Neuropsychiatric disorders DALYs
% of
total
DALYs
Unipolar depressive
disorders
65.472 4,30
Alcohol use disorders 23.738 1,56
Schizophrenia 17.769 1,17
Bipolar affective disorders 14.425 0,95
Alzheimer and other
dementias
11.158 0,73
Drug use disorders 8.370 0,55
Epilepsy 7.854 0,52
Migraine 7.765 0,51
Panic disorder 6.991 0,46
Obsessive-compulsive
disorder
5.104 0,34
Insomnia (primary) 3.623 0,24
Post-traumatic stress
disorder
3.468 0,23
Parkinson disease 1.710 0,11
Multiple sclerosis 1.527 0,10
Como mencionado, vários fatores, tais como habitação, educação e renda, podem exercer
influência na saúde mental de uma população. Levando em conta as previsões socioeconômicas dos
próximos anos, a OMS calcula que os DALYs de doenças em nível mundial será reduzido dos atuais
1.53 bilhões (levantamento 2004) para 1.36 bilhões em 2030, um declínio geral da ordem de 10%.
Considerando que a previsão de crescimento da população mundial no mesmo período é da ordem
de 25%, tem-se uma redução significativa da carga de doenças per capita. No entanto, no que diz
respeito as doenças relacionadas à saúde mental, espera-se um crescimento de DALYs motivados
por depressão unipolar de 4.3% para 6.2%, deixando o terceiro lugar e ocupando o primeiro lugar,
como o transtorno que mais motiva anos de incapacidade dentre todas as outras doenças e
transtornos, conforme mostra o Quadro 3 abaixo.
19
Quadro 3: Ten leading causes of burden of disease, world, 2004 and 2030 (WHO, 2005, p.51)
2004
Disease or Injury
As % of
total
DALYS
Rank
Rank
As % of
total
DALYS
2030
Disease or Injury
Lower respiratory infections 6.2 1 1 6.2
Unipolar depressive
disorders
Diarrhoeal diseases 4.8 2 2 5.5 Ischaemic heart disease
Unipolar depressive
disorders
4.3 3 3 4.9 Road traffic accidents
Ischaemic heart disease 4.1 4 4 4.3 Cerebrovascular Disease
HIV/AIDS 3.8 5 5 3.8 COPD
Cerebrovascular Disease 3.1 6 6 3.2 Lower respiratory infections
Prematurity and low birth
weight
2.9 7 7 2.9 Hearing loss, adult onset
Birth asphyxia and birth
trauma
2.7 8 8 2.7 Refractive errors
Road traffic accidents 2.7 9 9 2.5 HIV/AIDS
Neonatal infections and
other
2.7 10 10 2.3 Diabetes mellitus
COPD* 2.0 13 11 1.9
Neonatal infections and
other
Refractive errors 1.8 14 12 1.9
Prematurity and low birth
weight
Hearing loss, adult onset 1.8 15 15 1.9
Birth asphyxia and birth
trauma
Diabetes mellitus 1.3 19 18 1.6 Diarrhoeal diseases
* COPD, chronic obstructive pulmonary disease.
Como vimos até aqui, a saúde é um fator crítico no desenvolvimento humano e deve estar
presente durante todo o ciclo de vida das pessoas. Visto do ponto de vista do desenvolvimento, a
saúde deve considerar a interação de dois importantes processos biológicos: os processos de
desequilíbrio, que se referem à estimulação do organismo, e os processos homeoréticos ou
heterostáticos, que diferente dos processos homeostáticos onde a idéia de um estado constante,
se referem às constantes reações adaptativas do corpo ao ambiente onde vive (RIBEIRO, 1998).
20
Nicholas e Gobble (1990), ao constatarem em seu estudo uma diferença considerável na
saúde de indivíduos que se mantinham ativos e de indivíduos inativos concluíram que, com o passar
do tempo e a chegada da velhice, o corpo parece demonstrar uma dificuldade na auto-regulação e
manutenção do equilíbrio de seus sistemas. Assim, sua freqüente estimulação provocaria
desequilíbrios que desencadeariam novos processos adaptativos restaurando e conduzindo o
equilíbrio corporal a um nível mais adequado do que se encontrava antes da estimulação.
O conceito de Promoção da Saúde tem implícita a idéia que esta pode desenvolver-se ao longo
do ciclo de vida, e que esta evolução é qualitativa. (...) Pressupõe a idéia que a saúde é um
processo em vez de um estado, processo dependente do jogo de estimulação-reacção
constante do organismo (RIBEIRO, 1998, p.19).
Considerando a importância das inter-relações entre os organismos e o seu meio ambiente,
para que a promoção da saúde seja possível num determinado contexto, deve-se observar que a
situação que conduz à saúde é influenciada por fatores físicos, como por exemplo, a geografia, a
arquitetura e tecnologia, por fatores sociais, como cultura, economia e política, e fatores pessoais,
como biologia e psicologia. Tal contexto deve também levar em conta a complexidade
multidimensional dos ambientes humanos, em seus componentes físicos e sociais, nas suas
qualidades objetivas e subjetivas, imediatas e de longo prazo, individual e coletiva. Da mesma forma,
deve considerar os ambientes em vários níveis, assim como o indivíduo também é visto em níveis de
agrupamento, do indivíduo, família, pequeno grupo, organizações, até os grandes aglomerados
populacionais (STOKOLS, 1992).
No sentido de alcançar as características de saúde mencionadas, o conceito Promoção da
Saúde é instituído em 1986, na I Conferência Internacional de Promoção da Saúde, e oficialmente
divulgado pela OMS através da Carta de Ottawa, como segue:
“Promoção da saúde é o nome dado ao processo de capacitação da comunidade para atuar na
melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste
processo. Para atingir um estado de completo bem-estar físico, mental e social os indivíduos e
grupos devem saber identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente
o meio ambiente. A saúde deve ser vista como um recurso para a vida, e não como objetivo de
viver. Nesse sentido, a saúde é um conceito positivo, que enfatiza os recursos sociais e
pessoais, bem como as capacidades físicas. Assim, a promoção da saúde não é
responsabilidade exclusiva do setor saúde, e vai para além de um estilo de vida saudável, na
direção de um bem-estar global” (OTTAWA, 1986, p.1).
A partir da definição acima, percebe-se a complexidade das alterações políticas e sociais
necessárias para que seja alcançado um estado de saúde adequado. Tais alterações devem ocorrer
não somente em um âmbito individual, mas também em um âmbito coletivo, através dos governos,
das organizações públicas e privadas. Muitas vezes, porém, os interesses capitalistas se sobrepõem
aos interesses coletivos e os investimentos necessários para uma melhor nos níveis de saúde da
população em geral são relegados à segundo plano. O conceito de Promoção de Saúde, deve ser
compreendido numa dimensão maior, cuja implantação requer uma profunda modificação nas
estruturas sociais, em todos os níveis, caracterizando-se como elemento instituinte de uma nova
realidade (Fernandez et al, 2008). Da mesma forma, a promoção da saúde representa uma estratégia
21
promissora para a melhoria da qualidade de vida e o enfrentamento dos problemas de saúde que
afetam as populações de todo o mundo nos dias atuais. Partindo de uma concepção ampla do
processo saúde-doença e de seus determinantes e, incorporando uma abordagem holística, a
promoção da saúde propõe a articulação de saberes técnicos e populares, a mobilização de recursos
públicos e privados no sentido de buscar novas alternativas e soluções para as complexas questões
da saúde pública (BUSS, 2000; RIOS et al, 2007).
De acordo com Carvalho (2004), as idéias contidas no conceito de Promoção da Saúde
contêm aspectos contraditórios, pois podem, ao mesmo tempo, promover mudanças profundas nas
estruturas e sociais e no sistema de saúde público, bem como privilegiar o status quo, uma vez que a
amplitude e indefinição de suas idéias possam ser interpretadas como tudo para todos”, reincidindo
no ineficiente modelo social e de saúde já existentes. No entanto, o autor fortalece a idéia da
promoção da saúde como agente de mudança social e alerta que seu sucesso depende, em grande
parte, da garantia de acesso pela população a bens e serviços de saúde de qualidade, da produção
de sujeitos autônomos e socialmente responsáveis e de uma democratização do poder político.
Colocar em prática a promoção da saúde não é tarefa somente da área da saúde, exige a
participação de toda a sociedade em seus diversos segmentos. As instituições de ensino têm um
papel fundamental neste processo, dada a importância que estas instituições assumem na formação
e no desenvolvimento dos indivíduos e da sociedade (IERVOLINO, 2000). A OMS reconhece a
importância da escola na promoção da saúde e incentiva esta prática através do conceito de Escola
Promotora de Saúde. Para a OMS, “uma escola promotora de saúde é aquela que constantemente
fortalece sua capacidade de estabelecer ambientes saudáveis para se viver, aprender e trabalhar”
(WHO, 2008a).
Ainda de acordo com a OMS, uma Escola Promotora de Saúde:
- Cuida da saúde e do aprendizado com todas as medidas à disposição;
- Envolve autoridades da saúde e educação, professores, associação de professores,
estudantes, pais, instituições de saúde e líderes de comunidade em esforços para fazer da escola um
lugar saudável;
- Empenha-se para prover um ambiente saudável, educação em saúde na escola e serviços
de saúde na escola com projetos ou disseminação de idéias da escola ou comunidade, programas de
promoção de saúde para funcionários, programas de nutrição e alimentação seguros, oportunidades
para educação física e recreação e programas de aconselhamento, suporte social e promoção de
saúde mental.
22
- Implementa políticas e práticas que respeitem o bem estar e a dignidade individuais,
proporcional múltiplas oportunidades para o sucesso e reconhece bons esforços e intenção bem
como a realizações pessoais.
- Empenha-se em melhorar a saúde dos funcionários, suas famílias e membros da
comunidade, bem como de seus alunos e trabalha com líderes comunitários para ajudá-los a
compreender como a comunidade pode contribuir ou prejudicar a saúde e a educação.
É também, a partir do conceito de Escola Promotora de Saúde, que encontramos na
universidade um agente de promoção da saúde. Tanto a escola (ensino fundamental e médio),
quanto a universidade (ensino superior) estão comprometidas com o ensino, com a formação de
cidadãos e a democracia. “Educação, democracia e cidadania estão tão intimamente vinculadas que
educação fora de um contexto democrático perde seu sentido essencial e que democracia e
cidadania sem muita educação se auto-contradizem” (SEVERINO, 2004, p. 27). No que diz respeito à
universidade, é a partir das suas três funções principais - ensino, pesquisa e extensão, que a
promoção da saúde deve ocorrer. Além do compromisso primordial com a geração de conhecimento,
sua disseminação no ensino e aplicação na extensão, a universidade também deve se comprometer
em estabelecer ambientes saudáveis para se viver, aprender e trabalhar.
Atualmente, temas relacionados aos jovens têm recebido cada vez mais atenção da
sociedade. No Brasil, a população entre 10 e 24 anos, representa um terço da população geral, o que
significa mais de 51 milhões de jovens. As estatísticas apontam um constante crescimento do número
de mortes decorrentes da violência, do aumento do desemprego, da gravidez precoce, do número de
casos de doenças sexualmente transmissíveis e do envolvimento dessa população com drogas e seu
tráfico. Qualquer estratégia direcionada a esta população que pretenda ter um alcance significativo
precisa estar associada à escola e as universidades (BRASIL, 2002).
“No entanto, a educação e a saúde, como campos de conhecimentos e de práticas, têm sido
consideradas a partir de suas especificidades, em que a educação está associada à escola e
aos processos de aprendizagem e a saúde é identificada com os serviços de saúde e
processos de adoecimento” (BRASIL, 2002, p. 534).
O Brasil aprovou, através da Portaria nr. 687, de 30 de março de 2006, sua Política Nacional
de Promoção da Saúde, com o objetivo de “promover a qualidade de vida e reduzir vulnerabilidade e
riscos à saúde relacionados aos seus determinantes e condicionantes modos de viver, condições
de trabalho, habitação, ambiente, educação, lazer, cultura, acesso a bens e serviços essenciais”
(p.17). Dentre as temáticas contempladas na política nacional, estão a alimentação saudável, prática
corporal/atividade física, prevenção e controle do tabagismo, redução da morbimortalidade em
decorrência do uso abusivo de álcool e outras drogas, redução da morbimortalidade por acidentes de
trânsito, prevenção da violência e estímulo à cultura de paz, promoção do desenvolvimento
sustentável (BRASIL, 2006).
23
Tentou-se esclarecer nesta seção os atuais conceitos de saúde, promoção da saúde e saúde
mental. A seguir, entendermos de que forma a estrutura do ensino superior no Brasil se constituiu e
qual a sua atual configuração, bem como seus principais problemas e desafios.
2.2. A
U
NIVERSIDADE
B
RASILEIRA
As primeiras atividades educacionais registradas no Brasil remontam ao período Colonial,
com a chegada da Ordem dos Jesuítas em 1549 e a tentativa de catequização dos índios. Nos quatro
séculos seguintes, a predominância de uma economia agroexportadora no país, privilegiou uma
educação voltada as camadas superiores da população, visando prepará-las para as atividades
político-burocráticas e para as profissões liberais, quase sempre a cargo ou sob influência da
“iniciativa privada” religiosa. Com a substituição do modelo econômico agrário-exportador por um
modelo parcialmente urbano-industrial, motivado por um incremento na industrialização e urbanização,
viu-se um aumento nos extratos médios e populares e conseqüentes aumentos das demandas
sociais pela educação, culminando anos mais tarde, na organização de um sistema nacional de
ensino. No entanto, mesmo após a promulgação da Primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, por João Goulart em 1961 foi, somente após 1990, durante os dois governos do ex-
presidente Fernando Henrique Cardoso, que a educação brasileira perde o seu caráter mais elitista e
promove uma ampla reforma educacional, na tentativa de oferecer acesso a toda a população aos
ensinos médio e superior (OLIVEIRA, 2004).
De acordo com Luchmann (2007) e Martins (2000), as ações do governo federal para atender
as demandas educacionais da população nos anos 90, o aumento de vagas em instituições de ensino
superior foram também patrocinados, em grande parte, pelo setor privado, juntamente com as
instituições laicas, deixando clara a limitação do poder público em investir e ampliar suas instituições,
especialmente aquelas que realizavam atividades de pesquisa. Embora tenha de fato havia um
aumento expressivo na oferta de vagas nas universidades, sejam elas públicas ou privadas, a cultura
educacional brasileira mantém traços de histórica falta de universalidade. Nos últimos anos, foram
introduzidos novos mecanismos de discriminação e distinção social, especialmente aqueles ligados
ao recorde blico/privado, universidade/instituição isolada, ensino de elite/ensino de massa, cursos
dominados por camadas privilegiadas socialmente/cursos de caráter mais heterogêneo,
graduação/pós-graduação, etc. Somando-se atualmente às estas questões, as atuais políticas de
cotas e inclusão/acesso de deficientes físicos nas universidades (BRANDÃO; MARINS, 2007; CRUZ;
DIAS, 2009; MANENTE et al, 2007; QUEIROZ; SANTOS, 2006;
Para além das questões quantitativas, foi também na metade da década de 90 que alterações
na política educacional criaram condições favoráveis para a diversificação institucional do ensino
superior, permitindo as instituições se desenvolverem em suas áreas de especialização, privilegiando
a qualidade do ensino superior brasileiro. No entanto, a demanda social por mais assentos nas
universidades é urgente, assim como, a continuidade de ações que melhorem sua qualidade e os
índices de permanência dos alunos nas mesmas (FELICETTI; MOROSINI, 2009; LUCHMANN, 2007;
24
MARTINS, 2000). Pois, o fato de estudantes de camadas sociais diferentes ingressarem em uma
mesma instituição de ensino o elimina as reais diferenças sociais presente entre eles, fato que
pode causar dificuldades no decorrer de suas vidas academias, em suas mais variadas dimensões,
de forma a, muitas vezes, inviabilizar a conclusão de um curso superior para os menos privilegiados
socialmente, aumentando as taxas de evasão e trancamento de matrícula (MESADRI, 2008;
POLYDORO, 2000; SILVA FILHO et al, 2007; ZAGO, 2006).
Segundo Severino (2002), a função de uma instituição de ensino superior se resume em três
práticas essenciais: pesquisa, ensino e extensão. Para o autor, a atividade de pesquisa é
fundamental para a geração de conhecimento, entendido também necessariamente como construção
dos objetos de que se precisa apropriar humanamente. Da mesma forma, a pesquisa tem uma
importância ímpar no processo de extensão dos serviços que esta deve prestar a comunidade,
diferenciando esse serviço de um mero assistencialismo. Obviamente, “o conhecimento produzido,
para se tornar ferramenta apropriada da intencionalização das práticas mediadoras da existência
humana, precisa ser disseminado e repassado, colocado em condições de universalização” (p.123).
Assim, a atividade de ensino também se torna essencial dentro do contexto universitário, pois é no
ensino que a universidade assegura a universalização de seus produtos e a reposição de seus
produtores. A atividade de extensão por sua vez deve ser encarada como uma exigência do processo
formativo do jovem universitário. É a partir do contato do estudante com a comunidade que poderá
desenvolver uma nova consciência social, além de ser este um dos caminhos que possibilitará a troca
entre instituição e comunidade, viabilizando assim as mudanças sociais desejadas.
A universidade ou, de forma mais ampla, o ensino superior, também é entendida como uma
via de acesso à cidadania. Nesse sentido, além de colaborar para o desenvolvimento do país
qualificando uma mão de obra mais especializada e competitiva no atual contexto socioeconômico
mundial, a universidade serve, muitas vezes, como elo entre as classes menos privilegiadas e sua
plena atividade cidadã, contribuindo diretamente para a formação de uma população mais crítica e
participativa, menos apática e dependente de programas assistencialistas governamentais (OLIVO,
2008).
Silva (2007) reforça o papel da universidade como ponte entre a realidade das classes menos
favorecidas e um futuro mais promissor. Segundo a autora, esta é a compreensão de universidade de
alunos ingressantes no ensino superior através de programas sociais como o ProUni, por exemplo.
Para os alunos entrevistados pela autora, a universidade é um campo de formação social, profissional
e pessoal, bem como portadora de um conhecimento e valores universais que ao serem
compartilhado, os instrumentalizará e os habilitará a alcançar sua realização pessoal (LOURENÇO,
2005).
Se uma das funções essenciais da universidade é servir de ponte à cidadania, podemos,
diante do atual quadro do ensino superior brasileiro, supor que esta instituição não tem cumprido este
25
objetivo a contento. Como afirma Martins (2009), a grande demanda nacional por uma
universalização do ensino superior foi, em partes, atendida pela iniciativa pública. Uma vez que as
instituições públicas continuaram, mesmo depois da Reforma de 1968, a privilegiar uma estrutura
seletiva, acadêmica e socialmente, a instituições de ensino privadas tornaram-se verdadeiras
empresas educacionais. Se por um lado a forte presença das instituições particulares aumentou
significativamente a oferta de assentos no país, por outro, a educação considerada um direito
inalienável do cidadão moderno foi transformada num privilégio individual, “convertendo sua clientela
em consumidores educacionais, impondo pesados custos financeiros e humanos a uma parte
expressiva de seus estudantes” (p.29). Na visão de Emerick (2006) a proliferação das instituições
particulares de ensino trouxe a tona uma importante discussão sobre a qualidade do ensino oferecido.
Estas instituições têm privilegiado a formação profissional, deixando a pesquisa, um dos pilares
básicos de sustentação de uma universidade, em segundo plano. Dessa forma, muito tem a perder o
país, que ainda continua a ver seu potencial de crescimento cada vez mais limitado por falta de
investimento em novas tecnologias e falta de mão-de-obra especializada.
Essa compreensão da atual situação do ensino superior brasileiro é também corroborada por
outros autores (FERNANDES, 2001; MORGADO, 2009; NUNES, 2007; SAVIANI, 2004; SEVERINO,
2008, SILVA, 2008) que, além de pontuar e reforçar as fragilidades das atuais políticas nacionais de
educação superior destacam alguns caminhos para que os atuais problemas sejam superados. Nesse
sentido, é sugerido uma urgente reversão nas tendências das atuais políticas educacionais, de forma
a priorizar a forma da universidade em sua essência, ou seja, num ambiente de pesquisa, em
detrimento das instituições isoladas. Também se sugere uma priorização dos investimentos nas
instituições públicas ao invés das privadas, bem como, que as instituições sejam apoiadas num
aparato supostamente neutro e acima da política e que as práticas acadêmicas sejam revistas.
Durhan e Sampaio (2000) constataram em seu estudo que o predomínio das instituições de
ensino particulares em detrimento as instituições públicas não é uma característica exclusivamente
brasileira, mas que também acontece em outros países da América Latina, tais como Argentina, Chile,
Colômbia e México. Para as autoras, a impossibilidade de se controlar a qualidade do ensino com os
instrumentos disponíveis, tem levado os Estados a adotarem novos instrumentos de controle da
qualidade do ensino superior, não meramente normativos, mas institucionais. No setor público, a
avaliação institucional além de controlar a qualidade, tem a função de orientar a política de
financiamento das instituições que compõe o setor, controlando o controle governamental sobre ele.
Da mesma forma no setor privado, tal controle visa diminuir o excesso de autonomia que caracteriza
as instituições de ensino particulares.
Dada a forte presença de instituições particulares de ensino superior no cenário nacional, e
considerando que em sua maioria não se tratam de instituições filantrópicas, é natural que essas
instituições se coloquem no mercado como empresas prestadoras de serviço, e como tal, e se
utilizem as mais variadas estratégias de promoção para atrair novos aluno ou clientes. Bronnemann
26
(2002) descreve em sua dissertação algumas das estratégias utilizadas por uma instituição particular
para promover seu vestibular. Segundo a autora, um plano de marketing adequado deve contemplar
uma pesquisa junto aos atuais alunos e os potenciais alunos, a fim de identificar suas percepções e
necessidades, bem como, outras ações junto à comunidade para que os pontos fortes das
instituições sejam percebidos pela comunidade. para Iotti Neto (2004), uma IES deve antes de
conduzir uma ação de promoção, o olhar apenas para dentro de si mesma, mas verificar junto às
suas esferas de relacionamento os pontos valorizados para que possa se concentrar em questões
cujo valor sejam percebidos pelo seu público de interesse. Gramani (2008) chama a atenção para a
relação entre qualidade e rentabilidade de uma instituição particular. Em primeiro lugar são elencados
os objetivos essenciais que uma IES deveria seguir a fim de colaborar com o desenvolvimento do
país. São eles: 1) geração de pesquisa alta qualidade, 2) geração de pesquisa aplicada e integração
com outros pesquisadores e usuários da pesquisa aplicada, 3) produção de ensino de alta qualidade
em ambos os níveis: médio e superior e 4) selecionar os melhores estudantes e pesquisadores a fim
de perpetuar o sistema. Para a autora, cinco itens podem influenciar a qualidade de uma IES: 1)
imagem institucional, 2) captação de recursos, 3) transparência, 4) gestão profissional e 5) avaliação
positiva do Ministério da Educação.
Em seu estudo sobre valor em serviços educacionais, Veludo-de-Oliveira e Ikeda (2006)
sugerem cinco maneiras pelas quais as IES podem agregar valor aos seus serviços: 1) proporcionar
trocas entre o aluno e diferentes públicos, 2) garantir as condições de aprendizado ao aluno e o
comprometimento do professor com a instituição e com o desenvolvimento do educando, 3) fomentar
a idéia de obtenção do título ou da certificação associada ao diferencial de imagem proporcionado
pela instituição, 4) evidenciar os motivos que justificam a boa reputação da instituição de ensino e 5)
reconhecer perante o educando o seu esforço em cumprir e administrar os compromissos para
realização do curso. Na visão das autoras, o valor não é criado somente em curto prazo, por este
motivo os profissionais da educação o devem render-se à idéia da satisfação momentânea do
estudante, pois passado o momento de sacrifício, o educando tende a reconhecer positivamente a
exigência a que foi submetido na escola, por associá-la por futuras recompensar advindas desse
esforço. “Quando um estudante se inscreve em um curso, não está simplesmente buscando as aulas,
o acesso à biblioteca ou o diploma; está buscando instrução, desenvolvimento pessoal, reputação,
possibilidades de ascensão social e de carreira” (p.20).
Em complemento ao estudo mencionado no parágrafo anterior, Guimarães (2006) analisa as
relações de trabalho e o ensino superior noturno. Sua conclusão corrobora com os achados de
Veludo-de-Oliveira e Ikeda (2006) no sentido de que para o trabalhador brasileiro, principal usuário
das IES particulares, concluir um curso superior significa uma “forma de ascenção social e financeira,
realização e valorização, as escolhas, da instituição e do curso são limitadas pelos mecanismos de
controle presentes na sociedade e o estudo superior é um meio de ascender à categoria mais bem
posicionada da classe trabalhadora” (p.8).
27
Vimos nos parágrafos anteriores um panorama geral e atual sobre o contexto universitário
brasileiro. Inserido nesta realidade está o professor universitário. Na seção seguinte, visitaremos
questões pertinentes à sua formação, sua prática e sua saúde nesta realidade mencionada.
2.3. P
ROFESSOR
U
NIVERSITÁRIO
No que diz respeito à pedagogia universitária, esta é hoje exercida no Brasil por professores
que não têm uma identidade única. Segundo Morosini (2001), suas características são extremamente
complexas, como complexo e variado é o sistema de educação superior brasileiro com instituições
públicas e privadas, universidade e não universidades.
Como visto na seção anterior, a necessidade de ampliação do número de vagas no ensino
superior imposta pelo modelo neoliberal, pôs fim à legislação que determinava o modelo único para a
educação superior no Brasil, assumindo e estimulando a diversidade institucional (especialização de
serviços). Desta maneira, as propostas de diferenciações de IES e a diversificação de fontes de
financiamento foram pautadas neste modelo. Na lógica proposta, os centros de excelência seriam
privilégio de poucos que constituiriam a elite intelectual, enquanto a maioria seria treinada para o
mercado de trabalho (MENEGHEL, 2002).
Assim, encontramos exercendo a docência universitária, conforme Morosini (2001),
professores com formação didática obtida em curso de licenciaturas; outros que trazem sua
experiência profissional para a sala de aula; e, outros sem experiências didáticas ou profissionais,
oriundos do curso de especialização e strictu sensu. Segundo Meneghel (2002) e Chauí (2001), este
contexto limita a formação de cientistas por estar desinteressado em realizar pesquisa de qualidade e
privilegia o treinamento de mão-de-obra.
Para Behrens (2002), o magistério nas universidades tem sido exercido por profissionais das
mais variadas áreas de conhecimento. O autor destaca que se encontram exercendo a função
docente na educação superior quatro grupo de professores:
a) os profissionais de várias áreas de conhecimento que se dedicam à docência em tempo
integral;
b) os profissionais que atuam no mercado de trabalho específico e se dedicam ao magistério
algumas horas por semana;
c) os profissionais docentes da área pedagógica e das licenciaturas que atuam na
universidade e, paralelamente, no ensino básico;
d) os profissionais da área da educação e das licenciaturas que atuam em tempo integral.
28
Rodrigues (2004) destaca que parece questionável o fato de os professores de licenciaturas
encontrarem um preparo mais adequado para a docência no ensino superior. A formação dos
licenciados ocorre para a instância do ensino básico, porém, visto que este apresenta muitas
diferenciações, parece pouco provável que o professor possa fazer uma ponte adequada para a
docência no ensino superior.
Para Vasconcelos (2002), qualquer um pode ter possibilidade de ser professor universitário, o
foco de seus questionamentos está concentrado no amadorismo pedagógico presente na maioria dos
professores que exerce a docência neste nível de ensino. Segundo a mesma autora, o perfil do
professor de ensino superior encontrado nas IES se assenta em quatro grupos:
a) transmissor de conhecimentos - transmite com competência aquilo que sabe;
b) conscientizador de seus alunos, perde-se na crítica excessiva (muitas vezes político-
partidária), deixando de lado sua função formadora e informadora;
c) pesquisador que dedica o máximo de seu tempo ao estudo e à pesquisa, porém com
resumida atividade docente;
d) e, por último, aquele que alia docência e pesquisa, este geralmente está nas IES privadas
e precisa de um número elevado de aulas para garantir um salário razoável.
Considerando a crescente expansão de ofertas para o ensino superior nos últimos anos, a
forte pressão da sociedade globalizada na lógica de formação universitária e o predomínio das IES
privadas, se pode inferir que surge uma tendência de perfil que irá delinear o professor universitário.
Tal tendência, no presente quadro, serão os profissionais que, além do exercício de sua profissão,
estarão acrescentando às suas atividades profissionais, a docência em um determinado curso
superior. O importante a ressaltar neste perfil está no fato de que a sua presença na docência,
acrescenta um valor inestimável aos cursos universitários, pois a articulação da teoria e prática é
imprescindível para a formação profissional. Porém, a supervalorização deste padrão pode fortalecer
o risco de subestimação do conhecimento teórico em detrimento do prático. (RODRIGUES, 2006).
Em sua dissertação de mestrado, Santos (2006) aponta para o despreparo dos docentes
acerca do manejo das demandas de sala de aula, uma vez que os professores dominam os
conteúdos de suas disciplinas, mas não demonstram saberes pedagógicos por não terem essa
formação. O autor conclui ainda que a titulação dos docentes contribui para o aumento dos seus
conhecimentos específicos, não interferindo na sua prática docente. Do mesmo modo, Marques
(2006), destaca que o despreparo pedagógico dos professores acadêmicos pode comprometer a
afiliação acadêmica e a permanência na IES de estudantes que buscam uma formação adequada ao
exercício de uma profissão. Segundo a autora, as dificuldades mais observadas entre os docentes
compreendem a seleção dos conteúdos de ensino, a organização, a dinamização e avaliação de
29
situações de aprendizagem e a gestão das atividades de ensino que são distribuídas em grupos de
trabalhos para auxiliarem na formação desejada.
As diferentes configurações por quais tem passado a profissão docente na educação superior,
sempre estiveram relacionados aos projetos idealizados para a sociedade onde o docente foi
considerado um concretizador de políticas culturais confirmando a perspectiva que a docência tem o
poder de formar para diferentes possibilidades e finalidades. As formas, as feições por quais
passaram o trabalho docente foram definidas no contexto das determinações políticas, culturais,
econômicas, sociais e históricas, assim como, o papel que vieram a desempenhar. Dessa forma, o
trabalho do ensino esteve inserido em nossa estrutura sócio-histórica participando ativamente da
construção identitária da sociedade brasileira e da formação dos quadros profissionais da
intelectualidade brasileira (DANTAS, 2006).
Sobre a identidade do docente universitário, Antolini (2008) afirma que a construção da
identidade de um professor universitário se inicia pela sua formação que não contempla somente
suas experiências profissionais, mas também experiências escolares e pessoais.
Estes diferentes momentos, processam experiências, que se transformam em conhecimentos
que servem de base para a atuação na profissão. (...) Cada um, a seu modo, retira significados
das situações de vida que formam um quadro de referência para suas concepções, interferindo
nas decisões e julgamentos realizados. Essa forma de pensar e agir, deve, necessariamente,
ser respaldada em princípios éticos e morais e fortalecer-se em conhecimentos
epistemológicos, científicos e filosóficos, de forma a assegurar uma atuação coerente e eficaz
na profissão” (p.129).
Neste sentido, além de um processo de formação, o professor tamm deve ter consciência
sobre as dimensões históricas, políticas, sócio-econômicas e pedagógicas da profissão,
compreendendo os efeitos atuais desses processos em sua carreira profissional. Da mesma forma, é
necessário que professor admita o pertencimento a uma categoria profissional, detentora de uma
cultura docente, que revela suas crenças e valores, suas reivindicações e conquistas. Ser professor,
é entender que sua ação não se isolada, fragmentada do contexto sócio-político-
administrativo da instituição, mas interligada ética e moralmente a uma filosofia que rege seus
fins. A qualificação desejada, como profissional, amplia-se, à medida que, na parceria, na
colegialidade, as expectativas ganham força, incitando a busca de soluções inovadoras. Esta
parceria, também, é favorável para a diminuição do sentimento de sufocação, sentidos pelo
acúmulo de tarefas e responsabilidades atribuídas a seu papel de professor. A legitimação do
processo reflexivo, apoio afetivo e intelectual são recursos fundamentais para a instauração de
uma cultura de colaboração (ANTOLINI, 2008, p.130).
Para Dubar (2005), as identidades profissionais estão em constante movimento, numa
constante desestruturação/reestruturação que, por vezes, toma a forma de uma “crise de identidade”,
onde uma antiga identidade entra em conflito com uma nova identidade, que busca estar com
consonância a um mundo em transformação. Para o autor, as identidades sociais e profissionais não
são nem expressões psicológicas de personalidade individuais nem produtos de estruturas ou de
políticas econômicas que se impõem, elas são construções sociais que implicam a interação entre
trajetórias individuais e sistemas de emprego, de trabalho e de produtos.
30
Considerando as influências socioeconômicas no mercado de trabalho, Siqueira (2006)
destaca como a identidade dos professores universitários, especialmente professores de IES
particulares, são afetados por essas influências. Segundo a autora, verificou-se que
a identidade dos docentes das IES particulares vai se constituir na interseção das relações
sociais, sendo que um dos elementos essenciais para o processo de sua construção é o
reconhecimento social. No entanto, constatou-se que elementos como o desencantamento e o
sofrimento são bastante comuns entre esses docentes no confronto do dia-a-dia das
instituições e da gestão educacional que operam mediante critérios de mercado que impactam
o trabalho desses docentes; e é nesse sentido que suas identidades vêm sendo construídas,
permeadas pela angústia em torno da questão da demissão associada ao fracasso em relação
à carreira ou ao exercício profissional. O espaço institucional onde exercem suas atividades
sinaliza a impossibilidade de construção de uma carreira e o aproveitamento de um conjunto de
qualificações (p. 810).
Garcia, Hypolito e Vieira (2005) destacam também que a heterogeneidade é uma
característica marcante da classe docente e que qualquer estudo sobre a categoria deve levar em
consideração estas diferenças, pois professores e professoras são sujeitos divididos entre éticas e
demandas distintas, e, muitas vezes, contraditórias: burocráticas, morais, pessoais, profissionais,
técnicas, etc.
Essa heterogeneidade é válida para as relações que se estabelecem em sala de aula entre
professores e alunos, onde o ato de se aproximar um do outro pode se mostrar como uma barreira
para o professor ou para o aluno, de forma que uma lacuna, um vazio, uma superficialidade se
estabelece nesta relação.
Em seu estudo sobre relações em sala de aula no contexto acadêmico, Bariani e Pavani
(2008) identificaram que uma diferença na qualidade da relação entre os professores de
disciplinas teóricas e disciplinas práticas, sendo a melhor relação esta última. Segundo as autoras,
essa diferença na relação entre professores e alunos aconteceria, basicamente, pela quantidade de
alunos presentes em cada situação. Na aula prática, devido a quantidade reduzida de alunos, a figura
do professor se faz mais presente, ao contrário das aulas teóricas, onde devido a grande quantidade
de alunos em sala, a presença do docente ficaria mais diluída, tendo que concorrer com uma gama
maior de variáveis.
O estudo alerta também sobre o processo ensino-aprendizagem que estaria sendo
prejudicado nas aulas teóricas pois, enquanto nas aulas práticas a metodologia adotada seria mais
prática e interativa, nas aulas teóricas o modelo pedagógico seria mais tradicional, onde o professor
transmite um corpo de conhecimento aos alunos. Outro ponto importante é o fato de os alunos
elegerem a postura atenciosa e preocupada do professor em contextualizar a matéria com as suas
vidas, por meio de exemplos práticos, como principal fator de motivação em aula, ao contrário dos
professores, Vê-se, desse modo, que os docentes, de maneira geral, o reconhecem a sua
verdadeira função no processo ensino-aprendizagem, acreditando serem profissionais que, por meio
de técnicas, devem apenas transmitir um determinado conteúdo. Assim, fica claro que os professores
31
parecem ainda não terem assimilado a importância das relações interpessoais no processo ensino-
aprendizagem (BARIANI; PAVANI, 2008).
Na visão de Nunes (2009), a qualidade da relação entre professor e aluno tem papel
determinante no processo ensino-aprendizagem. Para a autora
são as emoções que emprestarão um colorido novo ao aprender, primeiro sob a forma de
manifestações de afetividade do educador para com seu aluno, para que este possa assegurar
de que ali é bem recebido e considerado, conseqüentemente tornando os conteúdos
pedagógicos mais atrativos (p.17).
Da mesma forma, Leite (1997) também chama a atenção para a questão das relações
interpessoais como uma questão de fundamental importância nas relações de aprendizagem. O autor
compara as relações interpessoais que estabelecemos ao longo de nossas vidas ao ato de respirar,
dado seu caráter intrínseco e natural ao modo de vida do ser humano. Segundo o autor o professor
vence ou é derrotado na profissão não apenas pelo seu saber maior ou menor, mas principalmente
pela sua capacidade de lidar com os alunos e ser aceito por eles”. (p.304). Assim, é possível pensar
nas relações interpessoais como ponto central na educação de duas maneiras:
a) a educação como processo de formação, através de relações interpessoais;
b) a educação como processo de preparação para as relações interpessoais.
Sobre a primeira opção, o autor destaca algumas características peculiares à relação
professor-aluno numa sala de aula. Para o autor, a percepção do professor é diferenciada entre o
aluno “aprovado” e o aluno “reprovado”. O primeiro sempre será alvo de elogios, pois é passível ser
alvo de projeção do professor uma vez que ocorre a identificação. Já o aluno reprovado sempre será
alvo de crítica, pois é muito improvável que alguém projete algo em alguém com que não se identifica.
Leite (1997) menciona também que padrões ideais da sociedade são introjetados pelo professor, que
procura transmiti-los aos seus alunos, mesmo que não seja adepto ou praticante de dos mesmos. A
mudança da qualidade em relações interpessoais, do ponto de vista pedagógico, nem sempre é
tarefa fácil. O modo de agir de um indivíduo se configura para conseguir, muitas vezes, um precário
equilíbrio interno e sabe-se muito bem de como um indivíduo se defende na tentativa de uma possível
desestabilização desse equilíbrio interno.
Principalmente no caso dos professores das turmas iniciantes, torna-se importante que o
professor compreenda a realidade e o momento de vida em que seus alunos se encontram, ou seja,
quando se trata do aluno universitário ingressante, na grande maioria dos casos, o professor se
depara com um adolescente tardio, que ainda vive os conflitos próprios dessa sua fase de mudanças
físicas e psicológicas. Nesta fase de experimentações, o adolescente nem sempre tem conhecimento
e elaboração da complexidade que envolve a profissão escolhida e as vivências que essa profissão
lhe proporcionará. Dependendo dos traços de personalidade do aluno, considerando suas
32
potencialidades e fragilidades, os conflitos provenientes destas vivências podem dar origem a
distúrbios psíquicos que afetam a qualidade de vida e o desempenho acadêmico do aluno (ARRUDA,
2003; BOSSA, 1998; POLYDORO; PRIMI, 2003).
Outro tema representativo no que diz respeito ao contexto universitário é o uso de tabaco e
substâncias psicoativas (GRECCHI; REZENDE, 2009). Raramente se admite que o uso dessas
substâncias se dê no contexto acadêmico, sendo atribuído à eventos paralelos como festas ou outros
tipos de confraternizações realizadas entre os jovens. No entanto, o próprio meio universitário, repleto
de pressões, cobranças e expectativas pode torna-se um fator de risco para que um jovem inicie o
consumo de álcool ou outras drogas. É necessário mencionar que, tal contexto, deve encontrar uma
fragilidade do ponto de vista biológico ou psicológico no jovem para que se torne de fato um fator de
risco (INSTITUTO POLITÉCNICO DE BEJA, 2007). A Política Nacional de Promoção da Saúde
(BRASIL, 2006) prioriza a prevenção e o controle do uso de substâncias psicoativas e entende que
um contexto mais saudável, seja na universidade ou na sociedade de maneira geral, deve contemplar
essa questão.
Em sua pesquisa intitulada “A Motivação como forma de prevenção da indisciplina” Eccheli
(2008) conclui que o processo escolar requer que se desenvolvam simultaneamente dois traços:
disciplina e motivação pois, parte do que se aprende na escola é disciplina de trabalho, isto é, o
hábito de fazer o que precisa ser feito apesar de faltar vontade, sobrar desconforto e haver a
atração de coisas mais interessantes por parte dos alunos. Por outro lado, se o professor conseguir
desenvolver em sala de aula atividades adequadas que promovam a motivação dos alunos, terá
menos problemas de indisciplina, pois alunos motivados dirigem suas atenções e suas ações para a
execução da atividade e conseqüentemente sobra menos tempo para se envolver em atos que
comprometam o desenvolvimento do trabalho e gerem indisciplina. Esse contexto se configura como
uma tarefa complexa para o professor, que precisa ser capaz de perceber as dificuldades e
necessidades dos alunos, além de constantemente refletir sobre a sua prática pedagógica e planejar
atividades desafiadoras e motivadoras.
Dessa indisciplina podem emergir conflitos que, em alguns casos, de forma violenta, coloca
os professores diante da temática da violência em sala de aula e da crise de autoridade do professor.
Para Aquino (1998) o professor vivencia certa contrariedade em sua atuação uma vez que, como
representante institucional, vê-se no papel de mantenedor da ordem e da planificação do
conhecimento, perpetuando o caráter homogeneizador da escola. Por outro lado, o professor tem
como missão incentivar as diversidades e auxiliar o aluno a harmonizar suas características
individuais ou pessoais às demandas da profissão escolhida.
A crise da autoridade na educação guarda a mais estreita conexão com a crise da tradição, ou
seja, com a crise de nossa atitude perante o âmbito do passado. É sobremodo difícil para o
educador arcar com esse aspecto da crise moderna, pois é de seu ofício servir como mediador
entre o velho e o novo, de tal modo que sua própria profissão lhe exige um respeito
extraordinário pelo passado. (ARENDT 1992, p. 243)
33
Rozendo et al. (1999) destaca a importância do cuidado com as práticas pedagógicas
adotadas pelo professor. Somente o conhecimento técnico do professor sobre os conteúdos da sua
disciplina parece não garantir o sucesso da relação ensino-aprendizagem em sala de aula. O autor
chama atenção para uma prática de educação “bancária”, segundo a denominação de Paulo Freire,
caracterizada por ênfase na transmissão de informações, cargas horárias muito grandes, pouca
integração das disciplinas e aulas expositivas.
Em sua dissertação de mestrado sobre aprendizagem no ensino superior, Quintana (2006)
ressalta que os alunos pesquisados indicam as práticas docentes como estando mais centradas na
promoção da aprendizagem por repetição e associação, tendo o professor como centro do processo.
Adicionalmente, os alunos apontaram para uma valorização da relação teoria/prática, e os trabalhos
coletivos como condição necessária na promoção da aprendizagem. A autora propõe preparar os
professores do ensino superior para substituir os hábitos associativos, transmissivos, de repetição de
conhecimentos, pelas estratégias direcionadas a estimular a construção de significados em suas
práticas didáticas, de modo a permitir a passagem de uma estrutura de pensamento associacionista
para um pensamento centrado no aluno, mobilizando a organização e a reelaboração autônoma do
material de aprendizagem. No mesmo raciocínio, Rego (2001) identificou em seu estudo que os
estudantes valorizam fundamentalmente na prática docente: a) a linguagem simples e atrativa, a
ilustração da exposição lectiva com exemplos práticos, a postura participativa, o empenhamento e
apoio socioafetivo; b) a preparação das aulas, a organização das mesmas, e a competência no métier.
Entretanto, para Castro e Silva (2001), fica claro que os docentes valorizam a comunicação
como um dos elementos essenciais para a interação com os alunos em sala de aula e que o
capazes de citar a comunicação não-verbal como um aspecto importante da interação. Assim,
exemplificam e desenvolvem o raciocínio sobre a importância do olhar, da postura física do professor,
da distância a ser mantida em sala de aula, do uso do toque, mas desconhecem, muitas vezes, a
abrangência e o significado dos gestos adaptativos e do paraverbal ou paralinguagem. Segundo as
autoras, “o trabalho docente não pode limitar-se ao roteiro de sala de aula; requer um olhar ético,
político, cultural, técnico e psicológico. Ensinar é também interagir, aproximar e fazer dialogar dois
universos diferentes” (p.381). O aluno quer aprender, progredir e obter benefícios. O educador
informa, orienta, estimula e quer ensinar a pensar. Ambos interagem com o objetivo de adquirir e
construir conhecimento
Servilha e Monteiro (2007), também verificaram em seu estudo sobre estratégias para obter a
atenção discente o uso variado de técnicas de ensino, porém, com predomínio da expositiva. Tais
estratégias foram reunidas em três modalidades: a) recursos internos ao professor, como linguagem
bem estruturada, definição articulatória, variação de freqüência e intensidade vocal, uso de pausas e
ênfases, contato visual com os alunos, pedido de atenção ou silêncio, uso de gestos; b) recursos
externos ao professor, como a utilização de equipamentos audiovisuais e c) relação teoria-prática, na
qual os professores contextualizam o assunto para o aluno, trazendo para a sala de aula sua
34
experiência. Diante da ineficácia dessas estratégias, os docentes optavam por mudar a dinâmica da
aula, conversar com os alunos e suspender o discurso para criar um clima de expectativa. A partir dos
dados obtidos no estudo concluiu-se que os professores valorizaram os conteúdos, o tipo de aula e o
uso de recursos audiovisuais na relação professor-aluno e que os recursos vocais foram lembrados e
utilizados como estratégia para captar atenção discente.
Tamm a partir do seu estudo sobre grupos de aprendizagem, Silva e Villani (2009)
consideram que o conhecimento sobre o processo de aprendizagem dos alunos constitui uma
informação importante para o professor para regular as atividades de sala de aula e modificar suas
intervenções. Assim, quando o professor opta por uma dinâmica que envolve grupos, o conhecimento
do seu processo de desenvolvimento é muito importante para que as intervenções alcancem a meta
almejada. Para os autores, a exploração de grupos de aprendizagem em sala de aula de ciências
deve ser realizada quando o professor consegue ter um controle (relativo), cognitivo e afetivo, sobre
os mesmos, ou seja, quando ele consegue entender o que ocorre nos vários grupos e, sobretudo,
explorar a transferência pedagógica em favor do desenvolvimento dos mesmos. Sem essa noção
mínima, os resultados podem ser mais insatisfatórios do que a modalidade de instrução tradicional.
resultado retrata que os professores, independentemente da sua área de atuação, reconhecem tais
habilidades como importantes ou, talvez, essenciais no seu perfil profissional. Para Souza, Monteiro e
Elgues, (2007), é certo que não basta apenas os professores universitários reconhecerem a
importância do trabalho em grupo, é preciso mais do que isso. Desenvolver as competências
necessárias para esta prática, com certeza, permitirá que esses profissionais possam exercer sua
docência com maior e melhor qualidade.
Gonçalves (2006) identifica em seu estudo que os docentes pesquisados desempenham a
função com competência na sua área de conhecimento, competência pedagógica e compromisso
com a formação dos alunos. As respostas dadas pelos professores revelam que eles planejam suas
atividades conforme propostas curriculares dos cursos e na prática cotidiana da sala de aula. Os
resultados da pesquisa também indicam aspectos da prática pedagógica dos docentes da Educação
Superior que podem ser delineados partindo das necessidades dos docentes terem conhecimentos
em áreas específicas, terem habilidades para desenvolver o ensino e a pesquisa em benefício dos
alunos para a formação profissional, terem domínio de metodologias que ensinem os alunos a
aprender a aprender bem como assumirem o compromisso de formar seus alunos para a cidadania e
a participação plena na sociedade.
Ainda sobre a necessidade de uma formação pedagógica adequada para os professores
universitários, Chamilian (2003) destaca que a compreensão dos princípios que regem a atividade
universitária, no contexto específico em que se atua, pode auxiliar na formação do professor
universitário. Promover essa compreensão pode ser tão importante para o ensino quanto oferecer
uma formação pedagógica. Na visão da autora, a simples introdução de uma disciplina de caráter
pedagógico, sem ter claros os pressupostos dessa atividade e no que deveria consistir a prática,
35
significaria reduzir as possibilidades de reflexão sobre a natureza da atividade docente no ensino
superior, tarefa essencial para a formação do professor, cuja autonomia ainda representa o poder de
decidir sobre os rumos de sua atividade. Sua preocupação consiste em evitar que a introdução
indiscriminada de disciplinas pedagógicas em cursos de pós-graduação, possam produzir um novo
consenso, já presente nas licenciaturas, de que a formação pedagógica não passa de um receituário
rapidamente adquirido e que pouca influência produz na formação em nível de pós-graduação.
Por este motivo novas práticas educacionais são necessárias a fim de melhor preparar os
professores para os desafios que já se apresentam hoje em sua atuação e os que ainda estão por vir.
Faz-se também necessária revisão nas relações humanas e nas condições ambientais de trabalho, a
fim de uma melhora nas saúdes física e mental de docentes e discentes de maneira geral (LAGO,
2007).
Embora se saiba que um fluxo de boas interações entre professores e alunos, no
desenvolvimento da atividade de trabalho repercuta de modo favorável sobre a saúde de ambos
(SOUZA, 2005), para uma experiência pedagógica bem sucedida deve-se considerar também outros
fatores que podem influenciar de forma positiva ou negativa essa experiência (BARIANI; PAVANI,
2008), tais como as condições de trabalho na qual a atividade docente se desenvolve e as práticas
docentes adotadas pelo professor em sua atuação, como visto na seção anterior.
No que diz respeito às condições de trabalho dos professores, Servilha e Pereira (2008)
demonstram que em seu estudo às características do ambiente de trabalho, a boa iluminação e a
limpeza foram às características mais mencionadas como positivas (57,1%) dentre os professores
pesquisados e o ambiente cansativo e muito quente (47,6%) como negativos. Houve, segundo as
autoras, predomínio de aula expositiva com recursos audiovisuais (40,9%) e o microfone não foi
usado por 52,4% dos professores, devido à indisponibilidade deste recurso ou por desconforto dos
docentes. O dado de saúde mais indicado pelos professores foi o stress (47,6%). Com relação à
classificação da própria voz pelos professores, a voz clara foi o fator positivo mais citado (28,6%) e a
voz fraca (28,6%), o negativo. Concluiu-se no estudo que as condições físicas no geral são favoráveis,
porém o excesso de trabalho associado às aulas expositivas gera stress e requer cuidados para a
saúde e a voz do professor, que podem ser viabilizados por meio de assessoria fonoaudiológica.
Gasparini, Barreto e Assunção (2005) corroboram com estes dados e afirmam que embora seu
estudo não permita discriminar o número de professores participantes, possibilitou o conhecimento do
número de afastamentos entre os professores, sendo que os transtornos psíquicos ficaram em
primeiro lugar entre os diagnósticos que provocaram os afastamentos.
De forma semelhante, Araújo et al. (2005) identificou em sua pesquisa em uma IES no
nordeste do Brasil, condições inapropriadas de infra-estrutura do ambiente laboral, tais como
ausência de espaço para descanso/repouso, salas de aulas inadequadas e cargas de trabalho que
afetam a saúde e o desempenho do trabalho docente como ventilação inadequada, exposição ao
36
de giz e poeiras, carregar material didático, permanecer em e manter posição inadequada do
corpo. Seu estudo revelou que os docentes referiram elevadas prevalências de queixas de doença
associadas com as cargas de trabalho, apontando a necessidade de redefinição de aspectos
referentes às condições de infra-estrutura, do processo e organização do trabalho na IES.
Além das conseqüências físicas causadas pela atuação docente em ambientes
ergonomicamente desfavoráveis, sua saúde mental também constitui uma importante influência no
em seu desempenho dentro de sala de aula. Dentre os inúmeros transtornos mentais dos quais os
professores podem ser acometidos, está a síndrome de burnout. Burnout é um tipo de estresse
ocupacional que acomete profissionais envolvidos com qualquer tipo de cuidado em uma relação de
atenção direta, contínua e altamente emocional. As conseqüências não se limitam apenas ao âmbito
pessoal dos professores, mas se estendem também ao nível institucional. Professores com altos
níveis de burnout pensam com freqüência em abandonar a profissão. Esta situação ocasiona sérios
transtornos no âmbito da instituição escolar e tamm no sistema educacional mais amplo.
Geralmente, altos níveis de burnout fazem com que os profissionais fiquem contando as horas para o
dia de trabalho terminar, pensem freqüentemente nas próximas férias e se utilizem de inúmeros
atestados médicos para aliviar o estresse e a tensão do trabalho, assim como, tem dificuldade de
envolver-se, falta-lhe carisma e emoção quando se relaciona com estudantes, o que afeta não a
aprendizagem e a motivação dos alunos, mas também o comportamento destes (CARLOTTO, 2002;
MASLACH; JACKSON, 1981).
Segundo Mendes, Chaves e Santos (2007) a profissão de docente universitário possibilita
uma satisfação inquestionável, em que é possível “objetivar” todo conhecimento adquirido, em ensino
e pesquisa, assim como satisfazer as pulsões ligadas à “vontade de saber”. Mas, por outro lado, a
instituição burocrática, a falta de interesse dos alunos, a ambivalência das relações etc., e o excesso
de auto-exigência causam sofrimento pela incapacidade que os sujeitos de nossa pesquisa têm de
realizar mudanças nestes domínios, que são supostos independentes de suas vontades, inclusive a
sua própria auto-exigência.
Bragalda (2005) relata, em sua dissertação de mestrado, que a profissão de professor
universitário propicia uma quantidade maior de experiências e emoções positivas do que negativas, o
que torna o ambiente de trabalho acadêmico um importante local para a promoção da saúde mental
daqueles que nele estão inseridos. Segundo a autora, fatores externos a atividade específica de
professor, tais como a família e o lazer, exercem importante influência no modo como o professor se
relaciona com o seu trabalho. Portanto, ao entrar em sala de aula, o professor leva consigo mais do
que apenas o conhecimento técnico ou científico que possui, leva consigo também sua história de
vida e é, a partir dela, que construirá uma relação com os seus alunos. “Um professor de ensino
superior precisa ser alguém disposto a conhecer e compreender seus alunos, a realidade que
representam, os interesses e valores que defendem, mesmo que sejam muito distantes dos seus
próprios” (p.58).
37
2.4. F
ENÔMENOS GRUPAIS EM SALA DE AULA
.
Na visão de Osório (2000) a era da individualidade está chegando ao fim e cedendo espaço
para a era de grupalidade. Isto quer dizer que para atingir seus objetivos mais rapidamente, as
pessoas deverão somar seus esforços em um trabalho coletivo, em grupos. Essa necessidade de se
trabalhar em grupos torna-se cada vez mais urgente na medida em que surgem novos estudos e
aportes acerca da compreensão dos fenômenos grupais e um manejo mais adequado, mais preciso e
menos empírico. No entanto, esse modo de organização não é recente. Desde os tempos mais
remotos, o homem se agrupava com a finalidade de se proteger, bem como, estabelecer um
domínio sobre outros grupos. A solidariedade era um dos elementos que mantinham o grupo unido
frente as ameaças externas. Na compreensão do autor,
na medida em que os primitivos agrupamentos humanos consolidaram-se, ou seja,
institucionalizaram-se, deixaram de servir às necessidades de seus componentes para se
tornarem instrumentos de dominação e tirania sobre os mesmos. Isso ocorreu com a família,
unidade grupal nuclear da sociedade, como com todos os demais grupos surgidos ao longo do
processo evolutivo social. Assim, os grupos, de depositários dos desígnios humanos como
eram em suas origens, tornaram-se gradativamente agentes modeladores dos desejos,
pensamentos e conduta de seus membros (p.10).
Como mencionado, um importante fenômeno social observado nos mais diferentes tipos de
grupos é a sua institucionalização. Tal fenômeno pode assumir um caráter positivo, quando possibilita
o exercício das funções sociais das pessoas. No entanto, as instituições podem adoecer, desviando-
se de seu objetivo inicial e deixando-se corromper pelo narcisismo e pela busca de manutenção de
estados de poder entre seus membros, sofrendo um lento, insioso e gradativo processo de
degradação (GOFFMAN, 1974; OSORIO, 2000)
Se houve mudanças nas características básicas dos grupos ao longo de sua evolução social,
é natural pensar que suas compreensões e definições também mudaram ao longo dos tempos. Assim,
para efeito desse estudo, vamos assumir a definição de grupo de Osório (2000), na qual grupo seria
“um conjunto de pessoas em uma ação interativa com objetivos compartilhados” (p.11). Segundo o
autor, um grupo o se forma apenas com a reunião de algumas pessoas, como em uma fila por
exemplo, pois além da presença das pessoas é necessário que haja interação entre elas, ou seja, um
aspecto relacional para caracterizá-las como grupo.
Cada vez mais o trabalho em grupo é privilegiado. Seja nas escolas, a fim de fomentar uma
discussão ao invés de apenas transmitir uma informação, ou na área da saúde, a fim de se discutir
condutas, hábitos alimentares ou cuidados específicos com determinadas doenças. Atualmente, o
muitas as possibilidades de trabalho em grupo. Na visão de Fernandes (2003), os grupos constituem
um “espaço continente e facilitador da busca de condições para um futuro melhor” (p.9).
Emílio (2004) chama a atenção particularmente a escassez de atividades em grupo
realizadas nas escolas e instituições de ensino. Para a autora, a escola é um genuíno grupo de
grupos e constitui-se em um campo rico e fértil para o trabalho em grupo. No entanto, uma resistência
38
para este tipo de trabalho aliada à uma falta de estímulo à formação do corpo docente em fenômenos
grupais dificultam uma mudança de postura desses profissionais e uma alteração dessa realidade.
Tamm para Cunha (2000), Kodato e Santos (2005) esta mudança de realidade se faz
necessária. Os psicoterapeutas de grupos chamam a atenção para a mudança no perfil dos grupos
ou nas condições nas quais as atividades têm acontecido. O estilo de vida modermo e a violência tem
influenciado novos modos de se relacionar, como por exemplo as interaçãos mediadas pelo
computador (salas de bate-papo, etc.), e a partir dessa perspectiva questiona-se a adequação das
atuais teorias grupais a essa nova realdade e descreve sua preocupação em um melhor
compreensão das novas configurações grupais, de forma que não se perca a qualidade e os objetivos
dos trabalhos grupais.
Em sua reflexão sobre o que promove o crescimento nos grupos, Fernandes (2005) entende
que um grupo pode se beneficiar e crescer através da vivênvia e da troca de experiências entre seus
membros. Assim, viver o processo grupal, aprender com as experiências do outro e vivenciar outras
pode ampliar as perspectivas de um indivíduo e melhor instrumentalizá-lo para se defrontar com as
dificuldades do cotidiano.
Ampliando essa perspectiva para um contexto de trabalho em grupo, Capitão e Heloani
(2007) salientam que o papel do grupo é de essencial importância nas relações de trabalho, assim
como, a relação dialética entre a pessoa e a sociedade. Ainda para os autores,
o resultado da organização da produção sobre o grupo de trabalho, permite a criação de
defesas psíquicas, as quais têm por função controlar ou dissimular a ansiedade frente a perigos
de fatos reais ou fantasiados. Com estas formulações, seria impossível conceber qualquer
forma de cultura organizacional sem levar em consideração os afetos das pessoas que da
organização fazem parte” (p.11).
Como visto, muitos são os estudos acerca da saúde mental de estudantes universitários. No
entanto, pouco ainda se encontra na literatura científica sobre a saúde mental dos professores e
como estes percebem e lidam com o tema da saúde mental em sala de aula, seu principal local de
trabalho. Por este motivo, o presente estudo assume um caráter exploratório e pretende abordar uma
realidade pouco explorada e conhecida até os dias atuais.
Julgamos também que a importância deste estudo se dá na medida em que investigar como o
professor percebe e lida com a sua saúde mental e a dos seus alunos implica compreender o ser
humano em sua existência. É reconhecer que, assim como o aluno, o professor universitário es
submerso num mundo próprio, de experiências e vivências ímpares e que influenciarão o seu ser-
com-o-outro no mundo. Faz-se então necessário que a Psicologia, enquanto ciência que estuda o
humano e seu modo de ser no mundo, interaja com este humano, auxiliando-o a perceber quais
caminhos podem contribuir para a reintegração do ser humano consigo mesmo, com os seus
semelhantes e com o mundo.
39
Além disso, as informações provenientes deste estudo poderão auxiliar a IES participante na
elaboração e implantação de um programa de apoio ao desenvolvimento acadêmico docente e
discente, atual exigência do Ministério da Educação às IES do país.
Diante do acima exposto, esta pesquisa tem os seguintes objetivos:
Objetivo geral:
Compreender como o professor universitário percebe e lida com a sua saúde mental e a dos
seus alunos em sala de aula.
Objetivos específicos:
- Verificar conceitos de saúde e promoção de saúde;
- Identificar, a partir do ponto de vista dos professores, contextos promotores e não
promotores da saúde em sala de aula;
- Identificar estratégias de manejo com alunos considerados, pelos professores, como
geradores de desconforto.
40
3. M
ÉTODO
A presente dissertação foi elaborada através de uma pesquisa de levantamento de dados de
natureza qualitativa descritiva, cujos dados foram tratados pelo método Grounded Theory, que
caracteriza um tipo de pesquisa interpretativa situada como uma variante dentro do interacionismo
simbólico.O método Grounded Theory ou Teoria Fundamentada em Dados, como foi traduzida para a
língua portuguesa, dedica-se ao estudo de aspectos experienciais do comportamento humano, ou
seja, a maneira como as pessoas definem os eventos ou a realidade e como agem em relação as
suas crenças (LOWENBERG, 1993, CHENITZ e SWANSON, 1986 apud CASSIANI; CALIRI; PELÁ,
1996).
Os elementos da Teoria Fundamentada em dados são primeiramente as categorias e suas
propriedades conceituais e, a seguir, as hipóteses ou relações geradas entre as categorias e suas
propriedades (GLASER, 1978 apud CASSIANI; CALIRI; PELÁ, 1996)
A Grounded Theory utiliza-se do método da comparação constante para atingir os seus
objetivos. O método da comparação constante é um método indutivo e, para extrair sentido de tantos
dados e tão diverso o pesquisador é “forçado a desenvolver idéias de um nível de generalização mais
alto em termos de abstração conceitual do que o material que está a ser analisado. É obrigado a
identificar a uniformidade subjacente e também diversidade e usar conceitos mais abstratos para dar
conta da diferença nos dados” (p.55). Para tal, é necessário cumprir as quatro etapas do método de
comparação constante que são: Comparar os incidentes aplicáveis a cada categoria; integrar as
categorias e suas propriedades; delimitar a teoria e escrever a teoria (PIRES, 2001).
3.1. P
ARTICIPANTES
Participaram da pesquisa um total de 15 professores universitários. No entanto, apenas 11
entrevistas foram seleciondas para análise, sendo 4 do curso de Fisioterapia, 4 do curso de
Jornalismo e 3 do curso de Sistemas de Informação, com idades variando de 26 a 61 anos
(média=40,5 anos), tempo de docência no ensino superior variando de 2 a 33 anos (média= 12,8
anos), com titulações variadas (1 Pós-Doutor, 3 Doutores, 6 Mestres e 1 Especialista) e de ambos os
sexos. Utilizou-se como critério para a seleção das entrevistas a área de formação dos entrevistados,
sendo mantidas as entrevistas cujos docentes lecionassem em cursos correlatos ao de sua
graduação ou pós-graduação.
Os participantes foram escolhidos por conveniência. Fizeram parte deste estudo os docentes
que lecionavam nas disciplinas do primeiro ano dos cursos de graduação em Fisioterapia, Jornalismo
e Sistemas de Informação da Universidade Metodista de São Paulo. Foram também considerados
como critérios de escolha ou rejeição dos participantes a autorização por parte destes da gravação de
todo o conteúdo da entrevista, tempo mínimo de um ano como docente do curso e a assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
41
A relação dos docentes elegíveis a participação do estudo foi levantada junto à coordenação
de cada curso. O convite e a confirmação da participação dos docentes foram feitos através de e-mail
ou verbalmente pelo pesquisador durante o período letivo dos cursos mencionados e em dias e
horários definidos juntamente com os docentes e a coordenação dos seus respectivos cursos.
3.2. D
ATA E
L
OCAL
As entrevistas aconteceram no campus Rudge Ramos, nas dependências das faculdades dos
cursos mencionados, em salas definidas pela coordenação de cada curso, no segundo semestre
letivo de 2008 e em horários previamente concordados entre o pesquisador e os participantes.
3.3. I
NSTRUMENTO
Foram utilizados dois instrumentos de pesquisa:
3.3.1. Q
UESTIONÁRIO DE IDENTIFICAÇÃO
Tem como objetivo identificar o participante da pesquisa e coletar dados sócio-demográficos.
3.3.2. E
NTREVISTA SEMI
-
ESTRUTURADA
A entrevista semi-estruturada combina perguntas fechadas e abertas, e permite ao
entrevistado discorrer sobre o tema em estudo sem que o entrevistador
fixe antreriormente determinadas respostas ou condições. Alguns tópicos são selecionados a priori;
contudo, as questões reais não o são (BAILEY, 1982).
Gil (1993) aponta que a entrevista semi-estruturada é guiada por uma relação de questões de
interesse, tal como um roteiro, que o investigador vai explorando ao longo de seu desenvolvimento.
Para Triviños (1992) a entrevista semi-estruturada parte de alguns questionamentos básicos,
apoiados por teorias que interessam à pesquisa, e que, logo após, surgem outras interrogativas à
medida que se recebem as respostas dos informantes. Os informantes podem ser submetidos a
várias entrevistas para que se obtenha o máximo de informações e para se avaliar as mudanças das
respostas em momentos diferentes.
O papel do entrevistador na entrevista semi-estruturada é servir como catalisador da
expressão compreensiva dos sentimentos e crenças do entrevistado, bem como do referencial a partir
do qual aqueles sentimentos e crenças adquirem significação pessoal. Atingir esse objetivo requer a
criação de um clima no qual o entrevistado se sinta livre para exprimir-se, sem receio de
desaprovação, repreensão ou discussão, e sem receber conselhos do entrevistador (SELLTIZ et
al.,1974).
42
No caso deste estudo, será utilizada a entrevista semi-estruturada, pois entedemos que é o
tipo de entrevista que melhor atende aos objetivos propostos. Assim, a entrevista semi-estrutura aqui
utilizada teve como objetivo coletar, de modo mais amplo e geral possível, informações a respeito da
experiência do docente sobre o tema saúde mental em sala de aula. Primeiramente, foi apresentada
a questão “Fale-me, do modo mais amplo possível, sobre sua experiência em sala de aula como
professor do primeiro ano do curso de Fisioterapia/Jornalismo/Sistemas de Informação”. De acordo
com a resposta do participante, foram realizadas perguntas mais específicas a fim de verificar seus
conceitos sobre saúde e promoção de saúde, identificar práticas de promoção de saúde em sala de
aula, identificar comportamentos saudáveis e não saudáveis de professores e alunos e suas
estratégias de manejo com alunos considerados difíceis (ver Anexo E).
3.4. P
ROCEDIMENTO
Tão logo o projeto de pesquisa foi aprovado pelo CEP-UMESP, as coordenações dos cursos
de graduação em Fisioterapia, Jornalismo e Sistemas de Informação da UMESP foram contatadas
pelo pesquisador para a apresentação da pesquisa e obtenção da relação dos docentes elegíveis a
participação na mesma. Mediante a aceitação dos docentes em participar da pesquisa, foram
agendadas data e hora para a aplicação dos instrumentos. Antes de cada coleta dos dados, foi feita
uma breve apresentação da pesquisa ao docente, onde foram apresentados os seus objetivos e suas
condições de realização. O participante assinou então o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Em seguida, gravador foi ligado com o consentimento do participante e então lhe colocada a seguinte
solicitação: Fale-me, do modo mais amplo possível, sobre sua experiência em sala de aula como
professor do primeiro ano do curso de Fisioterapia/Jornalismo/Sistemas de Informação”. Não foi
estipulado tempo máximo para a fala do participante. De acordo com o conteúdo da resposta obtida,
perguntas adicionais foram ser feitas a fim de verificar os conceitos sobre saúde e promoção de
saúde do participante, identificar práticas de promoção de saúde em sala de aula, identificar
comportamentos saudáveis e não saudáveis de professores e alunos e suas estratégias de manejo
com alunos considerados difíceis. Concluída a entrevista, foi preenchido o questionário de
identificação. Foi permitido aos participantes anularem os conteúdos ou falas que julgassem
impertinentes. A entrevista apenas foi considerada encerrada quando o participante manifestou tal
desejo.
3.5. T
RATAMENTO DOS
D
ADOS
Os dados obtidos foram tratados de acordo com o método Grounded Theory que, para atingir
os seus objetivos, deveriam contemplar as seguintes etapas: coleta de dados empíricos,
procedimentos de codificação ou análise dos dados, codificação aberta, codificação axial ou
formação e desenvolvimento do conceito, codificação seletiva ou modificação e integração do
conceito e delimitação da teoria (STERN, 1980, GLASER e STRAUSS, 1967 apud CASSIANI;
CALIRI; PELÁ, 1996; STRAUSS; CORBIN, 2008).
43
a) Coleta de dados empíricos
Os dados são geralmente coletados através de uma entrevista. Comumente gravadas, as
entrevistas devem ser transcritas e lidas para que se proceda a sua codificação ou análise.
b) Procedimento de codificação ou análise dos dados
A codificação ou análise é o procedimento através do qual os dados são divididos,
conceitualizados e se estabelece suas relações. Todo o processo analítico que se inicia neste
momento, tem por objetivos: construir a teoria, dar ao processo científico o rigor metodológico
necessário, auxiliar o pesquisador a detectar os vieses, desenvolver o fundamento, a densidade, a
sensibilidade e a integração necessária para gerar uma teoria.
Após a obtenção dos dados, estes são examinados linha por linha e recortados em unidades
de análise. Cada uma dessas unidades é nomeada com uma palavra ou sentença que exprime o
significado desta para o pesquisador.
Os códigos gerados são de dois tipos: substantivos (conceitualizam a substância empírica da
pesquisa) e teóricos (aos quais se aplicam esquemas analíticos para aumentar sua abstração,
auxiliando o pesquisador a passar de uma estrutura descritiva para uma estrutura referencial)
A codificação substantiva é feita através da codificação aberta e codificação seletiva. A
codificação teórica é realizada através da codificação axial.
- Codificação aberta
Nesta fase, o pesquisador codifica os incidentes em tantas categorias quanto possível. Todos
os dados são passíveis, neste momento, de uma codificação. A codificação é o processo em que os
dados são codificados, comparados com outros dados e designados em categorias.
- Codificação axial (formação e desenvolvimento de conceito)
Neste estágio, um referencial conceitual tentativo é gerado usando os dados como referência.
O pesquisador procurar descobrir o principal problema na cena social, do ponto de vista dos
participantes do estudo e como eles lidam com o problema.
A codificação axial é o meio que auxilia o pesquisador a realizar a integração das categorias.
O objetivo é reunir os dados elaborando conexões entre as categorias e subcategorias.
- Codificação seletiva (modificação e integração do conceito)
44
Esta etapa pretende a emergência da variável central e de integração das categorias. A
categoria central emerge no final da análise e forma o pivô ou o principal tema ao redor do qual todas
as categorias giram.
As condições causais, o contexto, as condições intervenientes, as estratégias e
conseqüências formam as relações teóricas pelas quais as categorias são relacionadas uma a outra e
à categoria central. Esse procedimento força o investigador a desenvolver alguma estrutura teórica e
é denominado paradigma de análise.
c) Delimitação da teoria
A redução das categorias é o meio de se delimitar a teoria emergente, momento em que o
investigador pode descobrir uniformidades no grupo original de categorias ou suas propriedades e
pode, então, formular a teoria com um grupo pequeno de conceitos de alta abstração, delimitando a
terminologia e texto.
3.6. A
SPECTOS
É
TICOS
Os participantes desta pesquisa foram escolhidos por conveniência e por adesão espontânea,
ficando aberta a possibilidade de o participante desistir a qualquer momento. Os resultados deste
estudo serão utilizados exclusivamente para fins científicos e o autor assumirá total responsabilidade
ética pelos achados da pesquisa. Trata-se de um estudo realizado a partir das respostas a um
questionário e uma entrevista semi-estruturada. Nenhum dos instrumentos traz risco para os
participantes. Os instrumentos de coleta de dados somente foram aplicados após a assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos participantes.
45
4. R
ESULTADOS E
D
ISCUSSÃO
4.1.
C
ATEGORIA
1:
P
ERCEPÇÃO DA
S
AÚDE
M
ENTAL DOS
P
ROFESSORES
Esta categoria reúne trechos das entrevistas dos participantes que indicam as questões
percebidas como os que mais mobilizam emocionalmente os docentes, seja de forma positiva ou
negativa, ou seja, situações que podem afetar a saúde mental dos docentes. Consideramos aqui
saúde mental como um conceito de perspectiva transdisciplinar e totalizadora, na qual saúde mental
significa um
socius saudável; ela implica emprego, satisfação no trabalho, vida cotidiana significativa,
participação social, lazer, qualidade de redes sociais, equidades, enfim, qualidade de vida. (...)
O conceito de saúde mental vincula-se a uma pauta emancipatória do sujeito, de natureza
inapelavelmente política (ALMEIDA FILHO et al, 1999, p.101).
Na seqüência, apresentaremos trechos das entrevistas que ilustram a temática desta
categoria, juntamente com as análises e discussões pertinentes.
“Porque a comunicação não é aquilo que você fala, é aquilo que o outro entende. Então, você
está vendo que está nítido. Você não consegue sentir qual a comunicação que está sendo
efetiva. Então, no meu ponto de vista, o professor também precisa ser estruturado para poder
responder com rapidez e eficiência a essa geração que chega às nossas mãos aqui.” [P1]
“Alguns [professores] não conseguiram lidar com isso [graduação] porque é um universo muito
diferente, muito exigente. E com muitas pessoas pedindo coisas. É um ambiente muito ruim
mesmo [P6]
A atividade de professor exige dos docentes flexibilidade e capacidade de se adaptar a novos
contextos. Nas falas acima podemos observar a necessidade do professor em melhorar sua
comunicação com os alunos e responder as suas inúmeras e imediatas demandas. Fica claro aqui o
desafio do professor de conhecer cada vez mais o seu aluno de forma a saber utilizar uma linguagem
adequada para acessá-lo. Isso exige do professor um reconhecimento de suas limitações e um
movimento que o leve a superar barreiras e preconceitos.
“Por coincidência aconteceu esse ano da gente ter uma aluna surda aqui. E me trouxe um
pouco de receio. Eu nunca tinha trabalhado, nunca tinha estado perto de alguém desse nível.
Então eu fiquei muito preocupado com a questão da intérprete. Se a intérprete ia estar junto ou
não, mas me surpreendeu.” [P3]
As políticas de aumento de assentos nas universidades brasileiras na década de 90, foram
acompanhada pelas políticas de cotas e inclusão/acesso de deficientes físicos nas universidades
(BRANDÃO; MARINS, 2007; CRUZ; DIAS, 2009; MANENTE et al, 2007; QUEIROZ; SANTOS, 2006).
Assim, com o movimento de inclusão cada vez mais presente no ensino superior, é natural que a
freqüência de alunos portadores de deficiência física em sala de aula aumente com o passar do
tempo. A falta de preparação dos professores para lidar com essas situações, que exigem algum tipo
de mudança na rotina da sala de aula é motivo de ansiedade e preocupação por parte dos
46
professores. No trecho anterior observamos a reação de um dos professores ao saber que teria uma
aluna surda em sua turma.
“Raríssimos são os professores que conseguem observar todos esses fatores. Alguns
observam mais, outros menos, mas, você ter uma visão macroscópica disso é muito difícil. E aí
o que o professor geralmente faz? Ele vem para cumprir o seu trabalho. Vem, dá o seu
conteúdo e vai embora para casa. E aí, ou facilita na prova ou conversa com um, conversa com
outro. Isso depende de cada professor, mas eu estou generalizando.” [P1]
“O que deveria ser a relação mais importante que é essa ida e volta [professor-aluno e vice-
versa], essa estrada de mão dupla aqui, não está sendo, porque também o professor desanima
com a reação dos alunos, ou seja, com a não reação dos alunos.” [P1]
As falas acima exemplificam situações onde o professor sente-se desanimado com a falta de
participação dos alunos e então adota uma postura de distanciamento do trabalho, procurando não
mais se envolver de forma a evitar novas frustrações. Em muitos casos, uma possível compreensão
para este tipo de comportamento por parte dos professores, embora não tenha havia a pretensão de
se realizar um diagnóstico de fato, seria a síndrome de burnout. Geralmente, altos veis de burnout
fazem com que os profissionais fiquem contando as horas para o dia de trabalho terminar, pensem
freqüentemente nas próximas férias e se utilizem de inúmeros atestados médicos para aliviar o
estresse e a tensão do trabalho, assim como, tem dificuldade de envolver-se, falta-lhe carisma e
emoção quando se relaciona com estudantes, o que afeta não a aprendizagem e a motivação dos
alunos, mas também o comportamento destes (CARLOTTO, 2002; MASLACH; JACKSON, 1981).
“Ter que controlar 100 alunos conversando é extremamente complicado, é difícil. Então, acho
que o problema, no fundo, é de turmas. Às vezes, um professor para 100 alunos, para trabalhar,
é difícil.” [P2]
“É muito ruim você entrar em sala de aula e não saber o nome de alguns alunos. Sabe, todos
viram números, viram impessoais, como se fossem máquinas. Isso me choca bastante, me
incomoda bastante.” [P6]
“Porque o semestre normalmente é assim, é muita coisa para se dar, as salas são muito
grandes e a gente não tem tempo, não tem como fazer esse acompanhamento mais direto com
o aluno e tal. Então esse é um grande problema que acaba, às vezes, deixando o professor
preocupado (...).” [P8]
De acordo com Luchmann (2007) e Martins (2000), as ações do governo federal para atender
as demandas educacionais da população nos anos 90, o aumento de vagas em instituições de ensino
superior foram também patrocinados, em grande parte, pelo setor privado, juntamente com as
instituições laicas. Embora tenha de fato havia um aumento expressivo na oferta de vagas nas
universidades, sejam elas públicas ou privadas, a cultura educacional brasileira mantém traços de
histórica falta de universalidades. A partir dessa realidade, observa-se que a quantidade de alunos
em sala nos primeiros semestres dos cursos é motivo de desconforto para os docentes. A dificuldade
de controlar todos os alunos, necessidade que deriva da idéia de que o professor é o centro das
atenções e deve ter toda a atenção para si, faz com que seja necessário, por parte dos professores,
exercerem um controle disciplinar a fim de poder cumprir seu planejamento. O insucesso nessa
missão disciplinar é motivo de frustração para o professor e torna a tarefa de lecionar para turmas
iniciantes uma tarefa desprazerosa. Da mesma forma, a grande quantidade de alunos em sala
47
dificulta um contato mais próximo entre professor e alunos, tornando o momento da aula um encontro
impessoal, distante e sem afetividade.
“É um dos momentos em que me sinto perdido, quando os valores pessoais começam a se
misturar com o que eu estou falando em aula. Eu fico com receio de falar alguma coisa que
prejudique o aluno ou que o faça pensar de forma diferente ou de uma forma que eu não queria.
Então a minha maior dificuldade é essa.” [P3]
“Ele [aluno] te pára, espera o amigo dele sair, e aí joga o problema dele em cima de você. Aí é
onde eu sinto falta de um psicólogo. Porque quando ele joga o problema em cima de mim, ele
quer uma resposta.” [P3]
“Isso [discutir com uma aluna] foi uma coisa que me deixou muito nervosa, muito mesmo.
Nossa, depois eu saí até chorando da sala, depois que eu terminei a aula. Cheguei em casa
chorando.” [P8]
“É lógico que deve ter uma hora que eu não faço também [favorecer aluno por conta da
amizade]. Mas eu procuro fazer, eu tenho para minha consciência, eu tenho que eu faço isso.
Mas é difícil sim, muitas vezes é difícil sim. Você pega um cara e “puxa vida, o cara teve
esse monte de problemas e...” Mas não dá, não tem como.” [P10]
“Então, o que acontece muito, assim, que a gente nota em aula, é que existe muito aquela
tensão momentânea. É lógico que nós não somos assim, não tem como desligar, você vai para
casa e desliga e fala: “não, não aconteceu nada”. A gente tenta ao máximo deixar os
problemas, não levar os problemas para casa, mas criou-se uma espécie de desconforto o
aluno me responder (...).” [P11]
“Muitas vezes, eu me vejo despreparado para lidar com questões sociais graves, de alunos que
têm o pai preso porque é assassino. Esse tipo de coisa. Me sinto despreparado na questão da
assistência social que eu poderia dar ao aluno. A gente se impressiona com a situação, fica
chocado ali no momento e acaba tentando dar continuidade, tentando fingir que aquilo não
aconteceu.” [P11]
A falta de um espaço institucional onde os conflitos docentes possam ser discutidos torna a
prática do professor conflituosa e angustiante. Por outro lado, o paradigma de que o professor é o
dono do conhecimento e, portanto, não deve deixar o aluno sem resposta o coloca em uma situação
difícil e o impede de procurar os colegas ou outras instâncias institucionais para pedir ajuda.
uma preocupação muito grande por parte das instituições com a formação e
conhecimentos técnicos do professor para que este seja considerado apto para adentrar a sala de
aula. Mas e quanto à sua estrutura psicológica? Como saber se os professores têm recursos para
lidar com a carga emocional presente em sala de aula? Muitos professores se sentem impotentes
diante de questões pessoais colocadas pelos alunos, seja por não terem qualquer experiência naquilo
em que estão sendo solicitados ou por não terem clareza dos limites do seu papel de professor.
De acordo com Fernandes (2005) um grupo pode se beneficiar e crescer através da vivência
e da troca de experiências entre seus membros. Assim, no caso dos professores, viver o processo
grupal, aprender com as experiências do outro e vivenciar outras pode ampliar as perspectivas de um
indivíduo e melhor instrumentalizá-lo para se defrontar com as dificuldades do cotidiano. Ampliando
essa perspectiva para um contexto de trabalho em grupo, Capitão e Heloani (2007) salientam que o
48
papel do grupo é de essencial importância nas relações de trabalho, assim como, a relação dialética
entre a pessoa e a sociedade. Ainda para os autores,
o resultado da organização da produção sobre o grupo de trabalho, permite a criação de
defesas psíquicas, as quais têm por função controlar ou dissimular a ansiedade frente a perigos
de fatos reais ou fantasiados. Com estas formulações, seria impossível conceber qualquer
forma de cultura organizacional sem levar em consideração os afetos das pessoas que da
organização fazem parte” (p.11).
A personalidade dos professores ou a vivência de eventuais conflitos de ordem pessoal
também podem tornar a atividade docente mais árdua. Na próxima fala, um dos professores
entrevistados ressalta sua elevada autocrítica e de que forma essa característica pode influenciar sua
atuação.
“Dar aula pode ser mais ou menos tranqüilo a depender da cobrança que o próprio profissional
se faz. Eu, particularmente, sou muito estressado. Estressado comigo, não com os alunos.”
[P4]
A partir dessa questão, cabe uma reflexão sobre a necessidade de o professor conhecer suas
características de personalidade de forma a moderar como essas características influenciarão sua
relação com os alunos. Segundo Mendes, Chaves e Santos (2007) a profissão de docente
universitário possibilita uma satisfação inquestionável, em que é possível “objetivar” todo
conhecimento adquirido, em ensino e pesquisa, assim como satisfazer as pulsões ligadas à “vontade
de saber”. Mas, por outro lado, a instituição burocrática, a falta de interesse dos alunos, a
ambivalência das relações etc., e o excesso de auto-exigência causam sofrimento pela incapacidade
que os sujeitos de nossa pesquisa têm de realizar mudanças nestes domínios, que são supostos
independentes de suas vontades, inclusive a sua própria auto-exigência.
“Esses dias, uma colega minha da fisioterapia adoeceu depois de uma semana de certo
episódio. Exageradamente. Mas assim, uma aluna estava enrolando a gente no estágio.” [P4]
“Então isso mexe muito comigo, essa falta de, às vezes, ceder, do outro ceder. Porque eu
sempre falo para eles [alunos]: “você vai ganhar o quê?” “Mas professora, ele é sacana, ele é
isso, é isso.” “Mas você também está se comportando muitas vezes assim.” Isso me incomoda.
Quando acontece isso, me incomoda muito.” [P7]
“Essa turma em particular que eu estou, que é de segundo semestre, é uma turma com 85
alunos. É uma turma difícil. Você não consegue trabalhar. se consegue trabalhar depois
que você faz a chamada e metade vai embora, aí você consegue trabalhar com os que
sobram.” [P9]
“Eu estava já estressado com aquela turma, eu estava começando aqui na universidade e acho
que, sei lá, primeiro, segundo semestre, eu estava estressado porque eu não conseguia dar a
aula e eles não paravam de conversar.” [P10]
Para os professores, o aluno muitas vezes aparece, conforme mostram as falas acima, como
um ente dificultador da atuação do professor. Seja pela indisciplina, pela falta de interesse ou pela
falta de ética na relação professor-aluno, os alunos são considerados um problema dos professores
em sala de aula. Para Eccheli (2008), o professor deveria desenvolver em sala de aula atividades
adequadas que promovam a motivação dos alunos, tendo assim menos problemas de indisciplina,
49
pois alunos motivados dirigem suas atenções e suas ações para a execução da atividade e
conseqüentemente sobra menos tempo para se envolver em atos que comprometam o
desenvolvimento do trabalho e gerem indisciplina. Esse contexto se configura como uma tarefa
complexa para o professor, que precisa ser capaz de perceber as dificuldades e necessidades dos
alunos, além de constantemente refletir sobre a sua prática pedagógica e planejar atividades
desafiadoras e motivadoras.
A tentativa de tentar resolver o problema da indisciplina de forma isolada, individualizada ou
através de demonstrações de autoridade, quase sempre propiciam um sentimento de frustração e
impotência aos professores. A cultura do dar aula aparece de forma muito intensa e o aluno que, de
alguma forma atrapalhe o professor nessa sua tarefa, torna-se um dificultador, um vilão do processo
ensino-aprendizagem.
“Acho que ali o que está em questão é um desafio que coloca em xeque o meu papel de
professor. (...) Um desafio que ele não é um desafio que se no plano das idéias, mas ele é
um desafio de comportamento, que vem testar. Tem que estar muito bem preparado para isso.”
[P5]
“(...) a gente se sente meio que obrigatoriedade de mostrar para ele que ele [aluno] tem que
começar a adquirir uma certa responsabilidade, que muitas vezes ele não mostra, mas fica um
pouco nesse jogo de pressão. A gente sente essa pressão.” [P11]
Os relatos remetem ao papel do professor em sala de aula. A fala do professor 5 descreve
desafios que colocam em xeque o papel de professor. No entanto, um olhar mais atento a todo o
contexto nos remete ao questionamento da autoridade do professor em sala. Tem-se então um
paradigma entre a tentativa de certos docentes estabelecerem uma relação democrática com os
alunos e ao mesmo tempo agirem de forma autoritária quando se sentem ameaçados. Trata-se das
relações de poder vigentes no contexto acadêmico. Ainda sobre os limites do papel de professor,
seria permitido ao professor incutir um senso de responsabilidade em seus alunos? Qual o caminho
se deve perseguir para que os alunos considerados irresponsáveis possam se tornar responsáveis?
O caráter inexeqüível desta tarefa trás conseqüências psicológicas negativas aos professores, pois
estes se sentem responsáveis por incutir uma característica aos alunos que é eminentemente de
ordem interna, pessoal, vivencial e não pode ser simplesmente transmitida ou adquirida a partir da
experiência de outrem.
Um dos papéis da universidade, segundo Olivo (2008) ou, de forma mais ampla, o ensino
superior, é servir como uma via de acesso à cidadania. Nesse sentido, é compreensível a fala do
professor 11 acima quando descreve sua obrigação moral de incutir um senso de responsabilidade
em seus alunos, de forma a torná-lo mais crítica e participativo e menos apático e dependente.
“O aluno é vagabundo e ele [professor] vai ficar estressado porque ele não está conseguindo
fazer aquele aluno aprender. Eu já me senti assim também.” [P9]
“Eu, quando tenho uma aula ruim, eu saio muito mal.” [P10]
50
“Eu fico, às vezes, um pouco inconformado em ver um aluno que investe, está pagando um
curso, simplesmente entrar na aula para responder chamada. Você fez a chamada, 30% da
sala se levanta e se retira. Assim, discretamente, tentam sair pela tangente, mas acabam se
retirando. Então, você vê um desinteresse muito grande. Você fica um pouco chateado porque
você sabe da importância que tem aquela disciplina ali para ele e tenta trazer aquilo para ele e
você percebe que ele não se convenceu daquilo, da importância da disciplina, do conteúdo que
ele precisa aprender. Um pouco desse desconforto que a gente sente.” [P11]
As práticas pedagógicas dos professores exemplificadas nas falas abaixo aparecem como um
dos pontos centrais de tensão observados em suas falas. Dar uma boa aula para o professor, em
geral, corresponde a executar um planejamento prévio na sua totalidade. Quando isso não acontece,
um sentimento de frustração, como exemplifica uma das falas abaixo. Pensamos que cabe aqui
uma reflexão sobre o que se chama de boa aula. O raro suporte institucional acerca de questões
pedagógicas percebido pelo professor não o estimula e/ou suporta a desenvolver novas estratégias
de aula de forma que o processo de ensino-aprendizagem seja mais democrático, participativo e ativo
para o aluno. Observa-se assim uma super valorização da aula expositiva, sendo este modelo de aula
uma das principais estratégias pedagógicas de aula adotada pela maioria dos professores
entrevistados. Não se pode deixar de mencionar também que, historicamente, a cultura educacional
do país não tem estimulado modelos de aula mais participativos, elegendo a aula expositiva como
referência de aula, dessa forma, do ponto de vista dos alunos, outros modelos que porventura
possam ser sugeridos pelo professor correm o risco de serem rejeitados e, mais tarde, o professor
que o propôs poderá ser avaliado negativamente em uma avaliação institucional.
“Eu fiquei assim [mobilizada emocionalmente] no fim do semestre passado, no último dia de
aula, os alunos se mobilizaram e compraram um buquê de flores para mim e eu fiquei
emocionada. [P8]
Por outro lado, os professores percebem de forma muito positiva demonstrações de
reconhecimento por parte dos alunos. Fica claro, a partir das entrevistas, que é motivo de satisfação
para o professor perceber que sua atividade contribuiu de alguma forma para o desenvolvimento do
aluno e ser reconhecido por isso, seja no contexto acadêmico ou fora dele.
Nesta categoria foi apresentada e discutida a percepção da saúde mental dos próprios
professores sobre questões percebidas como as que mais os mobilizam emocionalmente, ou seja,
situações que podem afetar a saúde mental dos docentes de forma positiva ou negativa. Discutiu-se
também a importância da comunicação entre professor-aluno, a utilização de uma linguagem
adequada para acessar os discentes a fim de minimizar os impactos afetivos e emocionais intrínsecos
aos períodos iniciais da graduação. Ficou evidente nas discussões realizadas neste capítulo a
constante necessidade de adaptação dos professores para lidar com novos públicos, tais como
alunos portadores de deficiências físicas e alunos despreparados emocionalmente e intelectualmente
para ingressarem no ensino superior. O desânimo, a falta de participação e a indisciplina dos alunos,
bem como, sua presença em grande quantidade em sala de aula também se mostraram fontes de
frustração e dificultadores do estabelecimento de relações saudáveis e frutíferas entre professores e
alunos. Da mesma forma, a falta de um espaço institucional para troca de experiências entre os
docentes, a adoção de práticas pedagógicas pouco participativas e pouco reconhecimento do
51
trabalho docente por parte dos alunos o favorecem uma atuação prazerosa e promotora da saúde
em sala de aula. Vejamos na categoria seguinte, como a saúde mental dos discentes é percebida
pelos professores entrevistados.
4.2. C
ATEGORIA
2:
P
ERCEPÇÃO DA
S
AÚDE
M
ENTAL DOS
A
LUNOS
Esta categoria contém os trechos das falas dos docentes que indicam as questões
percebidas como as que mais mobilizam emocionalmente seus alunos, seja de forma positiva ou
negativa.
“Eu tive um caso esse ano aqui, nesse semestre, de uma excelente aluna, excelente aluna,
que chegou para mim e pediu uma ajuda para o que falar com os pais porque ela não queria
mais o curso de fisioterapia e ela queria o curso de educação física. Então até você chegar à
essência da coisa, você vê como é que é. A pessoa vem desfocada nisso. Isso é por que uma
chegou. Os outros, a maioria, ficam parados em silêncio, não são proativos. A gente isso
não é na fisioterapia, mas na maioria dos cursos. Como eu dou aula na maioria dos cursos
da área de saúde aqui dentro, você vê, eles ficam absolutamente estagnados.” [P1]
““Eu vim para fisioterapia porque meu pai é ortopedista e eu quero trabalhar com meu pai.”
Então na cabeça dele [aluno] fisioterapia é ortopedia e é até interessante quando ele, às vezes,
também se frustra um pouco quando percebe que não vai estudar só ortopedia.” [P4]
“(...) então você percebe que é o aluno que ele perdeu o interesse ou ele nunca se interessou,
não é o assunto pelo qual ele tenha qualquer tipo de simpatia. E aí, se ele perde o fio da
meada, ele vai ficando cada vez mais distante, a segunda aula já é mais complicada, a terceira,
e aí ele aparece muito de vez em quando.” [P5]
Bronnemann (2002) descreve em sua dissertação algumas das estratégias utilizadas por uma
instituição particular para promover seu vestibular de forma a atrair novos aluno ou clientes. Nesse
movimento mercadológico, as IES particulares não m se preocupado com a adequação vocacional
dos alunos aos cursos oferecidos, contribuindo assim para uma deficiência no processo de escolha
da profissão. Percebe-se então certa frustração e desmotivação do aluno ao tomar contato com a
realidade oferecida pelo curso escolhido, o que muitas vezes, pode ser corrigido com um novo
processo de orientação e uma transferência do aluno para um curso com o qual tenha maior
afinidade.
“O que eu percebo nos alunos de primeiro ano, é que eles têm uma dificuldade muito grande
de se adaptar no começo. Se adaptar ao local, se adaptar ao ambiente, se adaptar as
bagunças, as festas.” [P2]
“Então eu percebo que para o aluno, no contexto do aluno, eles têm toda essa problemática,
essa ansiedade, essa dificuldade em estar lidando com a nota, de achar que ele vale aquela
nota, então ele tem seis, mas: “ah, é seis? Eu sempre fui bem no colégio e agora estou
tirando nota baixa.” Isso para ele é um transtorno e ele começa a entrar num processo de auto-
imagem deprimida.” [P4]
“Alguns [alunos] (...) até são mais maduros, mas outros realmente nunca foram criticados. Você
percebe que nunca tiveram crítica nem em casa. A ponto de ter aluno que, às vezes, tem nota
baixa e fica revoltado com a nota baixa e pede para mãe vir conversar.” [P4]
Além das questões vocacionais, os alunos vivenciam um intenso processo de adaptação nos
primeiros semestres do curso universitário, no qual devem se familiarizar com as novas rotinas e as
52
práticas acadêmicas, deixando pra traz os antigos bitos adquiridos no ensino médio. Os trechos a
acima ilustram algumas questões pertinentes a esse processo adaptativo onde, além dos conteúdos
das disciplinas e suas etapas de avaliação, os alunos tem que se adaptar a um novo contexto social
que, se não for bem conciliado com a rotina de estudos, pode resultar em exames adicionais ou
reprovações, tornando o início da vida acadêmica ainda mais desafiador.
“(...) o cara [aluno] está acostumado a mandar uma mensagem rápida e entende até siglas etc.,
e não está acostumado a uma conversa dessa, como esta que a gente está tendo aqui. Não
consegue interagir, não consegue ter essa interação interpessoal.” [P1]
“Têm muitos deles [alunos] que a gente que se esforçam, mas têm dificuldade de encadear
um raciocínio, de entender o que é premissa, o que é conclusão. Eles têm esse tipo de
dificuldade. A gente faz até alguns jogos, algumas brincadeiras e você vê que eles têm
dificuldade em ter um raciocínio lógico por não ter exercitado isso, por talvez não terem
escolhido o curso certo (...).” [P10]
O processo adaptativo dos alunos ingressantes pode ser facilitado de inúmeras formas pela
instituição de ensino que os recebe, no entanto essa facilitação não isenta o caráter único e particular
que a experiência adaptativa assume para cada aluno, considerando suas histórias de vida e
características psicológicas. As falas anteriores trazem a tona algumas limitações cognitivas dos
alunos percebidas pelos docentes que dificultariam suas adaptações ao contexto universitário.
“Então, ou eu aplico imediatamente ou esse conteúdo não me serve muito. Por que eu estou te
dizendo isso? Porque eu trabalho no segundo semestre com disciplinas teóricas. Então há uma
resistência natural do aluno. Você passa uma boa parte do semestre tentando convencer o
aluno que isso é muito legal. E quando você consegue, então já está no final do semestre.” [P7]
“Uma professora outro dia estava comentando comigo que um aluno dela, o filho morreu e
assim, foi muito traumático, ele se desmotivou totalmente do curso e a professora não tinha
nem como chegar para ele e falar: “oh fulano, não, continua o curso e tal”, diante de uma
fatalidade dessas.” [P8]
“Então tudo é novidade, tudo ele [aluno ingressante] se empolga, tudo ele participa, então isso
é um aspecto muito bom.” [P8]
“Tem muito aluno nosso que trabalha. Rala o dia inteiro porque tem que pagar a faculdade e,
quando chega aqui, foi tão explorado durante o dia que o cara está querendo mais é curtir.
Porque ele não está querendo mais ter mais quatro horas de estresse. Ele teve 12 horas.”
[P9]
O modo como o aluno percebe e se relaciona com o curso escolhido também pode ser
preponderante para um processo adaptativo bem sucedido. Os trechos das entrevistas a seguir,
exemplificam essa relação entre o aluno e seu curso, que pode transitar de uma aparente
desconexão dos conteúdos apresentados nas disciplinas com a realidade do aluno até um momento
de descontração que o “ir para a faculdade” pode assumir. Também se observa o significado que o
curso superior pode assumir para um aluno frente a outros episódios ou a determinado momento de
sua vida, seja esse muito positivo ou negativo.
“(...) nós temos uma disciplina que, resumidamente, o aluno tem que tirar a roupa parcialmente,
tem que ficar desnudo. Para 30% da população da sala, tranqüilo, risada, brinca com a
situação. “Ih, vou ter que tomar sol essa semana”, aquelas coisas. Para outros 70%, aquilo é
um choque. Desses 70% uns falam: “ai meu Deus, eu vou ter que fazer depilação”, mas não é.
53
E outra parcela fala: “eu não vou vir nessa aula.” E aí você lida com o primeiro estresse. (...) E
aí é interessante porque é uma situação de estresse e, é até interessante, porque aí começa o
primeiro contato com a deficiência física. “Ah, eu não quero me expor porque estou gordo,
porque estou com estria, porque eu fiz uma cirurgia, está feio.” E é interessante a visão que
se tem justamente da deficiência. “Eu tenho uma deficiência e as pessoas vão rir de mim, vão
me analisar, vão caçoar”.” [P4]
“Mas uma coisa que a gente não deixa: “olha, sem você participar não dá.” Já aconteceu isso
uma vez mas a aluna desistiu do curso. Eu acho que ela era evangélica, se não me engano.
Não tinha jeito, não tinha jeito.” [P4]
“(...) ela [disciplina] introduz o sujeito numa relação mais saudável com o mundo: “eu
compreendo o mundo e, portanto, minha relação com o mundo não é uma relação doentia com
o mundo, a minha relação é uma relação de esclarecimento. Eu me distingo por conta de ter
absorvido esse conhecimento”. Isso é um instrumental; o conhecimento, a cultura - o manual
de sobrevivência no mundo em que eu vivo. Isso para mim é saudável.” [P5]
Ainda sobre a relação do aluno com o seu curso, é possível que suas crenças e valores
pessoais assumam um caráter facilitador ou dificultador nessa relação. São mostrados acima alguns
trechos das entrevistas que exemplificam como a visão de mundo do aluno pode influenciar a
experiência acadêmica do aluno. Os dois primeiros trechos trazem um conflito que se estabelece
quando uma exigência pedagógica do curso se choca com os valores e a crença religiosa da aluna.
o terceiro trecho traduz a compreensão de um professor que acredita que sua disciplina pode não
melhorar a relação do aluno com o seu curso, mas ampliar sua compreensão do mundo, tornando
este um lugar mais saudável para se viver.
“(...) não uma preocupação [com o tema saúde]. O que eles [alunos] fazem muitas vezes,
quando o menino [cego] tromba, é tirar as coisas meio que do lugar. “Ah, a gente esqueceu!”
Então, não existe nem esse preparo para essa convivência. Ou eles assumem aquela postura
paternalista (...).” [P7]
A relação do aluno com o curso compreende também seus colegas. Temos na passagem
acima uma situação onde é possível perceber de que modo se estabelece a relação entre um aluno
deficiente visual e seus demais colegas de sala. Gostaríamos de ressaltar aqui a falta de preparação
não dos alunos, mas do corpo docente e da instituição de modo geral para lidar com alunos
portadores de deficiências. A temática da inclusão no ensino superior vem sendo discutida com maior
freqüência nos últimos anos no meio acadêmico e mostra sua urgência no que diz respeito a sua
melhor compreensão e aplicabilidade para que possa propiciar um ambiente de ensino e
aprendizagem e convivência adequados para alunos e professores que não cause desconfortos ou
conseqüências psicológicas indesejadas para qualquer um dos envolvidos nessa relação.
“Você vê que esse [aluno] que está mais quieto, ele está ali mas vai começando a se isolar. Ele
vai vendo que o colega é mais descolado, que teve uma formação diferente da dele e que
tem uns pré-requisitos mais..., teve uma educação mais..., passou por um cursinho e
eventualmente ele não passou.” [P4]
No entanto, quando falamos de inclusão no ensino superior, não falamos somente do acesso
de portadores de deficiência, falamos também do acesso de alunos provindos de classes sociais
menos favorecidas ao meio acadêmico. Neste contexto é possível perceber que um aluno pode se
sentir excluído ou até mesmo enfrentar dificuldades de relacionamento com os colegas ao defrontar-
54
se com diferentes realidades, diferentes formações e experiências de vida, isolando-se assim do
grupo e eventualmente até deixando o curso. Na metade da década de 90 que alterações na política
educacional criaram condições favoráveis para a diversificação institucional do ensino superior
(FELICETTI; MOROSINI, 2009; LUCHMANN, 2007; MARTINS, 2000). No entanto, o fato de
estudantes de camadas sociais diferentes ingressarem em uma mesma instituição de ensino não
elimina as reais diferenças sociais presente entre eles, fato que pode causar dificuldades no decorrer
de suas vidas academias, em suas mais variadas dimensões, de forma a, muitas vezes, inviabilizar a
conclusão de um curso superior para os menos privilegiados socialmente, aumentando as taxas de
evasão e trancamento de matrícula (MESADRI, 2008; POLYDORO, 2000; SILVA FILHO et al, 2007;
ZAGO, 2006).
“E do outro professor eles [alunos] não gostavam, aí não gostam da disciplina. Aí você chega e
eles já têm umas pedras na mão.” [P2]
“Mas, às vezes, eles [alunos] se sentem super bem conversando com alguém que não está na
casa deles. Então, às vezes, eles acabam conversando bastante.” [P2]
“Mas eu diria, proximidade, eu sou próximo, mas ao mesmo tempo, acho que pela exigência
que eu faço eu afasto um pouco [os alunos]. Sou acessível, mas: “não sou aquele professor
que eu quero ter.” [P4]
“Nós somos assim, temos medo de mostrar que somos vulneráveis, que somos frágeis. Então
alguns [alunos] têm medo de chegar até o professor. Muitos vêem o docente como se fosse
autoridade, não tem essa proximidade mais íntima, então tem medo.” [P6]
“Ontem o aluno veio bater boca comigo. Eu falei: “não tem, não tem que bater boca.” Eu falei:
“meu amigo, você está errado e acabou. Não tem mais conversa.” Entendeu? Eu tive que ser
grosso também. Isso aconteceu ontem, tive que ser grosso. Falei: “Acabou, não tem papo. É
zero e pronto.” E o cara saiu xingando.” [P9]
“Você estar na sala de aula com certos alunos é uma situação de conflito. É um campo de
batalha. Você se sente num campo de batalha.” [P9]
“(...) se você uma nota baixa por que o cara ficou o final de semana inteiro vagabundeando
ao invés de ter estudado, veio para aula sem saber de nada e você uma nota baixa para o
cara, o cara ainda acha que você está perseguindo-o. Que você é o culpado. Então não
para construir saúde se você não tem bem clara essas regras.” [P9]
Outra relação de extrema importância para a vida acadêmica do aluno é a relação professor-
aluno. Leite (1997) chama a atenção para a questão das relações interpessoais como uma questão
de fundamental importância nas relações de aprendizagem. O autor compara as relações
interpessoais que estabelecemos ao longo de nossas vidas ao ato de respirar, dado seu caráter
intrínseco e natural ao modo de vida do ser humano. Segundo o autor “o professor vence ou é
derrotado na profissão não apenas pelo seu saber maior ou menor, mas principalmente pela sua
capacidade de lidar com os alunos e ser aceito por eles”. Aqui esta relação é compreendida do ponto
de vista do professor e os trechos das entrevistas abaixo exemplificam o modo como o professor
afeta e é afetado nessa relação.
55
Podemos observar que o professor é muitas vezes afetado por um conceito prévio que o
aluno possui com determinada disciplina, estendendo assim esse conceito ao professor que a leciona.
A relação professor-aluno pode assumir muitas outras formas e se estabelecer como um momento de
fortalecimento dos vínculos acadêmicos e que contribuam com a construção de um ambiente de
ensino-aprendizagem favorável, bem como assumir um caráter agressivo, desrespeitoso e
empobrecido no que diz respeito às relações humanas e que em nada contribuirá para o processo de
ensino-aprendizagem de alunos e professores.
“É uma deficiência para aluno, hoje, conseguir ficar um pouco mais tempo sentado estudando.
Ficar um pouco mais sentado assistindo aula.” [P1]
“Tem muitos alunos que estão confusos, mas não conseguem falar. Tem (...) aluno que tem
dúvida e tem vergonha de perguntar, porque outro dia ele fez uma pergunta e todo mundo tirou
sarro.” [P2]
“Antigamente era muito teórico. O professor falava: “procura tal livro, procura tal livro...” Para
mim, hoje, isso mudou. O aluno pergunta muito como você faz, para que você faz e “eu quero
ver você trabalhando”.” [P3]
“Mas ele [aluno ingressante] reproduz os padrões de uma idéia preconceituosa que nós vamos
chamar aqui de “os padrões da alienação jovem”.” [P5]
“A gente cada comportamento muito ruim que, às vezes, é resultado da imaturidade do
aluno.” [P6]
“Eles [alunos] falam muito, mas isso faz parte dessa idade. Se eles não falarem, se eles não te
desafiarem, não são jovens.” [P7]
“Mas eu acho que eles não têm essa capacidade ainda de distinguir isso [situações
desfavoráveis momentâneas ou definitivas], até por conta de serem jovens. Acho que isso
talvez, não sei, essa é a minha percepção, não sou nem especialista no assunto nem nada,
mas talvez isso os prejudique no sentido de contribuir para que eles fiquem chateados,
estressados, desmotivados e aí, sei lá, não sei.” [P8]
“Em sala de aula ela [indisciplina] aparece nos primeiros dias, quando a turma não se conhece.
Por ser uma turma de primeiro ano tem toda aquela questão que eles ficam quietos, parece ser
uma turma tranqüila, disciplinada e tudo mais até pelo fato de eles não se conhecerem.” [P11]
“Quando você chama a atenção a maioria dos alunos simplesmente abaixa a cabeça e
“desculpa” e tal.” [P11]
É também nessa relação professor-aluno que alguns comportamentos apontados pelos
docentes aparecem como um fator dificultador do exercício da sua atividade. Questões ligadas à
indisciplina, ao comportamento questionador característico da adolescência, a imaturidade ou falta de
experiência de vida, bem como um comportamento ou um padrão de pensamento formado a partir de
uma geração diferente e mais recente do que a grande maioria dos docentes são mencionados quase
sempre como problemáticos e rotulados como causa de parte dos problemas encontrados pelos
professores em sala de aula.
“Nós temos aqui na Metodista uma aluna que tem Síndrome do Pânico. Agora no final do ano
que nós conseguimos colocá-na na porta do laboratório para assistir aula teórica sem peça
nenhuma. Porque ela tinha surtos, não sei se é surto que chama, é você que deve saber, mas
ela não conseguia ficar. E acho que ela conseguiu entrar porque veio acompanhada da
56
psicóloga dela. (...) Não sei se isso é uma característica da turma, mas os alunos dão muita
força para ela: “você vai conseguir, vamos lá!” Algumas colegas ficavam sentadas com ela,
segurando a mão dela e tal.” [P2]
“Numa das salas que eu dou aula, um aluno que quando chega assim [sob efeito de
substâncias psicoativas], resolve opinar sobre os assuntos que estão sendo discutidos. Ele tem
um “transe participativo” Legal! Mas ele fala coisas desconexas, ele tem a voz pastosa porque
eu não sei se ele mistura com maconha e álcool então aquilo que ele fala fica difícil de
entender, e ele não articula bem as idéias, então a classe fica muito irritada com ele.” [P5]
Outras questões ligadas à saúde mental dos alunos também se mostram desafiadoras para
os docentes. Alunos com transtornos mentais ou com o hábito de consumirem substâncias
psicoativas nos períodos de aula exigem dos docentes uma gama de recursos psicológicos para
lidarem de forma adequada com as mais diversas situações propiciadas pelos alunos sem agravarem
a complexidade do fato em si.
A partir dos resultados e discussões apresentadas nesta categoria, ficaram evidentes alguns
dos principais motivos geradores conflitos nos alunos ingressantes. Em primeiro lugar surgem as
questões de ordem vocacionais, a escolha do curso e a relação dos alunos com o mesmo. Também
aqui nota-se certa falta de instrumentos por parte da instituição para auxiliar os discentes que
vivenciam dificuldades vocacionais a lidarem com o problema, como por exemplo, a facilitação da
troca do curso escolhido por outro, mais próximos as habilidades desses alunos. Outros pontos
igualmente relevantes discutidos aqui foram as dificuldades de adaptação dos alunos ingressantes à
rotina universitária, os conflitos de valores e crenças religiosas com conteúdos das disciplinas, o
convívio com colegas portadores de deficiência física e transtornos mentais. Ainda sobre o tema da
inclusão, falou-se das relações estabelecidas entre as diversas camadas sociais que se entrecruzam
no contexto universitário e que se intensificaram a partir dos programas de incentivo do governo para
o acesso ao ensino superior. Somam-se a estes fatores, as relações estabelecidas com os
professores, que podem contribuir de forma positiva ou negativa com o desempenho acadêmico dos
alunos quando bem ou mal estabelecidas, os conflitos próprios da adolescência e o consumo de
substâncias psicoativas. Percebeu-se por fim, pela fala dos próprios docentes, que não há um suporte
efetivo da instituição para o devido acolhimento e orientação em situações como as exemplificadas
acima ou, se esse suporte está disponível, parece não ser percebido pelos docentes. Veremos agora,
nas duas próximas categorias, como os docentes têm lidado com as adversidades mencionadas nas
categorias 1 e 2, presentes no dia-a-dia de sua prática.
4.3. C
ATEGORIA
3:
M
ANEJO DA
S
AÚDE
M
ENTAL DO
P
ROFESSOR
Esta categoria contém os trechos das entrevistas que ilustram o modo pelo qual os
professores entrevistados lidam com a sua própria saúde mental. Através de diferentes modos, seja
de forma isolada ou na sua relação com os pares, alunos ou com a instituição, tentam manter sua
saúde mental para responderem de forma adequada às solicitações de sua atividade docente.
A seguir, temos dois trechos que exemplificam essas realidades:
57
“(...) você pensa no modelo da universidade pública, lógico, não tem como comparar, mas são
salas bem menores. Trinta, 40 alunos, bem menores. É outra relação. Do ponto de vista da
qualidade de vida, o que é melhor pra você? Alguns colegas saem de particulares como aqui e
vão para o serviço público, porque preferem. Acham que tem qualidade de vida e aqui não
tem.” [P6]
“(...) eu fiquei de saco cheio [do antigo emprego] e falei: “não, vou fazer aquilo no qual eu
realmente me sinto bem.” Que era a academia. Realmente eu sempre gostei de dar aula na
academia. Então em 98, por decisão minha, eu pedi demissão da empresa. Me chamaram de
louco na época. E aí eu fiquei só com as aulas.” [P9]
A entrada para a docência é, para muitos docentes, fruto de um conflito estabelecido no
campo profissional do indivíduo. Tornar-se professor aparece então como uma alternativa
interessante para este profissional, pois além de continuar sendo uma fonte de renda, pode aproximar
o professor de seus ideais pessoais e profissionais alem de tamm representar uma melhoria em
sua qualidade de vida. O conceito de Qualidade de Vida tornou-se um conceito muito popular, cuja
divulgação tem se dado em larga escala, seja nos meios acadêmicos ou no senso comum. Se por um
lado, observa-se atualmente uma ampla discussão em torno do tema, de outro é justamente a
popularidade do conceito que aparece como um dos grandes obstáculos para a sua discussão
científica (RIBEIRO, 2009).
A partir de muitos casos como estes mencionados nas falas acima, é que se encontra,
exercendo a docência universitária, conforme Morosini (2001), professores com formação didática
obtida em curso de licenciaturas; outros que trazem sua experiência profissional para a sala de aula;
e, outros sem experiências didáticas ou profissionais, oriundos do curso de especialização e strictu
sensu. Segundo Meneghel (2002) e Cha(2001), este contexto limita a formação de cientistas por
estar desinteressado em realizar pesquisa de qualidade e privilegia o treinamento de mão-de-obra.
Para Behrens (2002), o magistério nas universidades tem sido exercido por profissionais das
mais variadas áreas de conhecimento. O autor destaca que se encontram exercendo a função
docente na educação superior quatro grupo de professores:
a) os profissionais de várias áreas de conhecimento que se dedicam à docência em tempo
integral;
b) os profissionais que atuam no mercado de trabalho específico e se dedicam ao magistério
algumas horas por semana;
c) os profissionais docentes da área pedagógica e das licenciaturas que atuam na
universidade e, paralelamente, no ensino básico;
d) os profissionais da área da educação e das licenciaturas que atuam em tempo integral.
Portanto, o que muitas vezes autentica esse profissional a tornar-se professor é o seu
conhecimento técnico que é supervalorizado em detrimento à sua capacidade de lidar com todo o que
envolve uma sala de aula. A partir desse cenário, configuram-se inúmeras possibilidades para o
estabelecimento de conflitos entre professores, alunos e instituição que não permitirão a criação de
um ambiente de ensino-aprendizagem adequado.
58
“(...) hoje em dia, eu consigo ter um jogo de cintura, mas também faz algum tempo que eu
dou aula. Eu acho que hoje em dia tenho jogo de cintura para não precisar me estressar e não
precisar brigar com ninguém e ser firme ao mesmo tempo.” [P2]
“Mas no meu caso particularmente, eu viso muito e procuro muito focar na prática, quais os
problemas que eles [alunos] vão encontrar. De uma forma subjetiva, guardadas as devidas
proporções, seria mais ou menos isso. Onde eu errei e que eu gostaria que meu aluno não
errasse.” [P3]
“Eu percebo que, algumas professoras, por terem filhos, por terem este instinto maternal
aguçado, então conseguem mais facilmente ver pessoas em dificuldade, vão e conversam
com eles. Tem até o papel de, entre aspas, de mãezona, que conversa, que pega no colo. Às
vezes até extravasando, exacerbando esse papel.” [P6]
Além do seu conhecimento técnico, o professor conta tamm com a sua experiência pessoal
e profissional para lidar com os fenômenos que emergem do contexto de sala de aula. Nas falas
acima, é possível observar como experiências pessoais e profissionais anteriores podem auxiliar o
professor no seu cotidiano em sala de aula.
Estes diferentes momentos, processam experiências, que se transformam em conhecimentos
que servem de base para a atuação na profissão. (...) Cada um, a seu modo, retira significados
das situações de vida que formam um quadro de referência para suas concepções, interferindo
nas decisões e julgamentos realizados. Essa forma de pensar e agir, deve, necessariamente,
ser respaldada em princípios éticos e morais e fortalecer-se em conhecimentos
epistemológicos, científicos e filosóficos, de forma a assegurar uma atuação coerente e eficaz
na profissão” (p.129).
Antolini (2008) afirma que a construção da identidade de um professor universitário se inicia
pela sua formação que não contemplam somente suas experiências profissionais, mas tamm
experiências escolares e pessoais.
“A intérprete, na minha concepção, no meu estágio, a intérprete podia ir embora porque eu me
dei muito bem com a menina e não sei libras, não sei absolutamente nada.” [P3]
“Uma aluna um dia ficou muito irritada por conta da aula que eu dei. “Puxa, isso está errado.
Você podia mudar mais o seu jeito de ser. Você é muito formal...”. Eu ouvi a pessoa
tranqüilamente e depois pensei com calma e disse: “onde é que ela estava com a razão?”. Fiz
alterações no programa, no meu modo de ser, onde eu pude é lógico... E depois avaliar.” [P6]
“Tentar levar [o semestre] com mais tranqüilidade possível, com maior planejamento, sendo
flexível o quanto der e respeitar o ritmo, tanto dos alunos como do professor mesmo.” [P8]
A experiência prévia dos professores pode ser uma importante ferramenta para superar os
desafios da rotina docente, no entanto, é necessário que novas respostas sejam dadas frente a
situações inéditas ou inusitadas. Assim é importante que o professor possa adaptar-se
adequadamente a novos cenários e produzir repostas que o habilitem a permanecer e realizar suas
funções. Nos trechos seguintes ilustramos algumas situações em que os professores identificaram a
necessidade de refletirem e alterarem o seu modo de ser para que pudessem continuar a exercer
suas atividades a contento.
“(...) ou o professor se revolta ou, depende do perfil dele, se acomoda e vem para dar o seu
conteúdo. Assina o ponto e vai embora. Não participa, não se envolve, não faz isso. Porque ele,
professor, não foi formado e não está acostumado a formar jovens dessa geração.” [P1]
59
Do mesmo modo que certos elementos na docência podem incentivar alguns profissionais a
se tornarem professores, esses mesmos elementos, tal como o intenso e conflitante contato com
jovens de gerações posteriores, podem se mostrar desmotivador e razão para que a atividade de
professor seja realizada de forma distante, acomodada e sem envolvimento. Principalmente no caso
dos professores das turmas iniciantes, torna-se importante que o professor compreenda a realidade e
o momento de vida em que seus alunos se encontram, ou seja, quando se trata do aluno universitário
ingressante, na grande maioria dos casos, o professor se depara com um adolescente tardio, que
ainda vive os conflitos próprios dessa sua fase de mudanças físicas e psicológicas (ARRUDA, 2003;
BOSSA, 1998; POLYDORO; PRIMI, 2003).
“O dia que não estou com vontade de dar aula, eu falo: “oh, moçada, como é que vocês estão?
Vocês querem ter aula?” Aí eles falam: “olha professor, mas tudo bem...” “Vamos fazer o
seguinte: vamos ficar meia hora aqui, uma hora” Sabe? Mesmo assim, a gente ainda cria
estímulo e vai fazer uma atividade e depois vai embora e tal.” [P1]
“Eu acho que a relação entre eles [alunos] é difícil com o passar do tempo, acho que
principalmente quando você pede trabalhos em grupo. Aí é que existem aqueles conflitos: “ah,
você não trabalha então você faz.” “Eu trabalho não tenho tempo.” “Ah, porque eu faço isso”,
“eu faço aquilo”. Tanto que eu deixei muito de fazer trabalho em grupo por causa disso. Porque
vinham trazer mais problemas para mim do que outra coisa.” [P2]
“Ah, colegas [professores] saíram de classe. Saíram, foram embora “eu não vou dar mais
aula pra vocês”.” [P5]
“Agora tem vez que a aula que não rola. Depois de 15 minutos de aula você fala: “mas ainda
falta mais uma hora e vinte para acabar. Essa aula não acaba?” Tem dia que a coisa sai
quadrada.” [P9]
Outros mecanismos como dispensar a turma ou evitar entrar em contato com determinadas
situações também fazem parte das possibilidades de enfrentamento utilizadas pelos professores para
a manutenção de sua saúde mental.
“Você está com uma massa na sua mão de jovens não têm um amadurecimento sexual
importante. Você precisa tomar muito cuidado com isso. Você tem muita gente que tira proveito
disso aos montes, aos montes. Isso em qualquer escola. São questões que precisam ser muito
bem trabalhadas, muito bem observadas pelo professor. Porque o aluno, nesse momento,
passa a ser uma criança na mão de um pedófilo (...).”. [P1]
A relação com os alunos, importante fonte de satisfação ou insatisfação na atividade docente,
pode tamm motivar comportamentos impróprios por parte do professor. O assédio sexual no
contexto acadêmico aparece aqui como uma forma de reação de alguns professores à imaturidade
sexual dos jovens com quem estabelecem vínculos.
“(...) aqueles alunos que vêm, que são receptivos, beleza. A gente trabalha numa boa. Quantas
vezes eu atendi aluno fora de horário sem cobrar nada. Vofaz pelo prazer. “Ah, vem
mais cedo. Vem seis horas da tarde que a gente está aí, tira dúvida na boa.” Entra na sala
de aula que está vazia, e vai lá e resolve exercícios e tal. Porque você vê aquele aluno que tem
dificuldade, mas está aberto. Ele está afim. Ele quer construir uma relação.” [P9]
“(...) depois de 10 minutos [em sala de aula] eu esqueci a dor de cabeça, esqueci o cansaço do
dia e fui embora na aula. Entendeu? Então é prazeroso. Quando você entra no ritmo é
prazeroso.” [P9]
60
“(...) eu procurei o aluno e procurei conversar e procurei conversar para poder quebrar um
pouco o clima [ruim da discussão], quebrar um pouco as coisas, senão fica difícil depois você
continuar a dar a disciplina na turma.” [P10]
“No ano passado eu achava que pelo fato de eu estar dando aula para alunos do ensino
superior eu precisava ter uma formalidade, um rigor, aquele padrão que eu vi em alguns
professores que eu tive (...).” [P11]
Foram observadas também outras formas pelos quais os professores podem lidar com seus
alunos no sentido de conseguirem desempenhar o seu papel em sala de aula. De forma geral,
segundo os professores entrevistados, o estabelecimento de um vínculo saudável com os alunos
colabora para a construção de um ambiente favorável para o ensino-aprendizagem. Dessa forma, é
natural que alguns docentes estejam preocupados em estabelecer e manter uma boa relação
professor-aluno e consigam também, ter momentos de satisfação oriundos dessa relação, como
podemos observar nos trechos a seguir:
Os comentários acima ilustram que os seres humanos são seres sociais por natureza e dessa
forma relações interpessoais, vida social e sentimentos de apego são componentes essenciais da
vida humana. Assim, entende-se que o relacionamento interpessoal tem uma importância capital na
saúde e na qualidade de vida dos indivíduos (VIEIRA; JESUS, 2007). Estudos mostram que existe
uma estreita associação entre relações interpessoais e felicidade, ao sugerirem que pessoas mais
felizes ou com um BES mais alto são pessoas que revelam maior facilidade de relacionamento com
os progenitores, família, amigos e grupos afins, manifestando-se mais acessíveis, de fácil convívio,
divertidas e mais direcionadas para o outro. Por outro lado, pessoas infelizes ou com um BES mais
baixo tendem a manifestar maior exclusão social, maior irritabilidade e se mostram muito mais
voltadas para si mesmas (COOPER; OKAMURA; GURKA, 1992; MYERS, 1999). Segundo Siqueira e
Gomide Jr. (2004), o BET é concebido como um conceito integrado por três componentes: satisfação
no trabalho, envolvimento com o trabalho e comprometimento organizacional afetivo. Esses três
conceitos, representam vínculos positivos com o trabalho (satisfação e envolvimento) e com a
organização (comprometimento afetivo), exatamente o que se vê na fala do professor 9.
“Ainda bem que eu não sou explosivo. Porque depois eu fico recapitulando e falo: “Pô, aquilo
eu poderia ter agido de outra maneira”.” [P5]
“Eu acho que o professor meio que vira um artista, muito mais do que atividade de educar, da
atividade de aprender e de ensinar, você desenvolve aquela coisa do artista. Porque é o tempo
inteiro você tem que fazer com que você seja a atenção central.” [P7]
No entanto, segundo alguns professores entrevistados, para que essa relação se mantenha
saudável, é necessário que o professor tenha certo autocontrole frente a comportamentos de
enfrentamento de alguns alunos e também uma postura de autoridade para poder chamar atenção
dos alunos para o conteúdo a ser transmitido. Não podemos deixar de mencionar aqui que o uso da
autoridade por parte do professor muitas vezes também parte da necessidade do mesmo de firma-se
como ente principal na sala de aula, para poder então “dar a sua aula”. A prática da aula expositiva
61
aparece ao longo da pesquisa como a prática mais utilizada e valorizada pelos professores
entrevistados.
“(...) eu poderia bater na suas costas e falar: “ó, tudo bem, legal, vofoi super bem, tirou sete
e não falo mais nada. Tudo bem, você está feliz comigo, eu estou feliz com você, você não
ouviu crítica, mas eu sinto que o meu papel não foi completo e eu sinto que você poderia ter
aprendido um pouco mais no final.” [P4]
Muitos docentes, com o objetivo de buscarem uma consonância interna no que diz respeito
as suas convicções sobre seus papéis de docente, valorizam uma relação franca e transparente com
seus alunos, mesmo que essa franqueza possa, eventualmente, causar-lhes algum problema de
relacionamento, como ilustrado na fala abaixo:
“(...) que o enxerguem [o professor] como uma pessoa que pode contribuir de alguma forma.”
[P10]
Como já mencionado, é também a partir dessa relação professor-aluno que os docentes
buscam sua realização profissional e, segundo os entrevistados, essa realização se dá a partir do
reconhecimento da contribuição do professor para o crescimento pessoal e profissional de seus
alunos.
“Ele [aluno] quer uma resposta e eu tenho que ser coerente para não assumir o papel de um
psicólogo para ele. Eu sou professor dele. Eu não posso passar desse papel. Porque se eu
passar desse papel eu não sei os limites, eu não sei delimitar.” [P3]
“(...) [eu] precisava chegar em casa, tomar um banho e esquecer essa pessoa, esquecer que
ele existe inclusive para não marcar esse aluno na minha memória.” [P4]
“Também é saber estratégias que os alunos utilizam. Uns elogiam você só para conseguir nota.
Entendeu? Faz parte da vida acadêmica. Então, tem que saber separar. Tem algumas alunas
que te provocam com microsaias. Tem que saber separar, não se envolver. Por mais que você
se sinta tocado.” [P6]
“Em 20 anos de sala de aula, eu aprendi alguns mecanismos, por exemplo, eu não guardo
nome de aluno. Então, para mim, todo mundo é bonito. Eu falo que é até uma forma de defesa
minha, porque na hora de avaliar eu não sei quem é. Se escrever João ou José, para mim, eu
vou avaliar da mesma forma.” [P7]
“Eu não sei se talvez isso seja um problema, eu não estabeleço relação individual, relação
com a turma.” [P7]
“Tempos atrás eu ficava muito mais frustrado, me estressei. Hoje eu não me estresso mais
não. Eu penso assim: o cara é maior de idade, não é mais criança. Eu acho que quando é
criança, você tem que ir lá, orientar e tal. O cara já é maior de idade então não é mais criança.
Do ponto de vista legal, teoricamente, ele deveria ser dono dos seus atos.” [P9]
Apesar de não haver vidas sobre a importância da relação professor-aluno no contexto da
sala de aula, os professores também reconhecem que é necessário impor alguns limites a essa
relação para que a mesma o extrapole as fronteiras de um contexto acadêmico e adentre a outra
esfera de relação que possa não ser mais interessante para o professor, seja em termos profissionais
ou pessoais ou mesmo para a manutenção da sua saúde mental. Temos acima alguns trechos que
exemplificam esses limites.
62
“E, às vezes, nós [professores] sentimos falta de um suporte, de um apoio por parte da própria
universidade. Seria muito bom que um curso de psicologia tivesse algum tipo de assistência
aqui no campus. Por que não? Seria muito bom. Aprenderiam alunos e também professores.
Evitar que aquilo estoure.” [P6]
“(...) você pega uma escola que não tem (...) regras, que o aluno sabe: “ah, se o professor me
reprovar, reprovar muita gente, você vai lá e reclama dele e ele vai se ferrar.” Entendeu? Então
o que um professor desses vai fazer? Não vai reprovar. Vai passar. Ele não vai querer dor de
cabeça.” [P9]
Estas falas demonstram situações onde um suporte institucional se faz necessário a fim de
melhor orientar/habilitar o professor para o exercício da docência, pois, além do limite estabelecido
pelos professores na relação professor-aluno para bem da sua atividade e manutenção da sua saúde
mental, é importante que haja um suporte institucional a fim de propiciar um auxilio psicológico ao
professor nos momentos em que este perceber que certas situações fogem ao seu controle ou que
não possui recursos psicológicos para lidar com determinados fenômenos. Em seu estudo sobre
grupos, Fernandes (2005) entende que um grupo pode se beneficiar e crescer através da vivência e
da troca de experiências entre seus membros. Assim, viver o processo grupal, aprender com as
experiências do outro e vivenciar outras pode ampliar as perspectivas de um indivíduo e melhor
instrumentalizá-lo para se defrontar com as dificuldades do cotidiano.
Discutimos nessa categoria alguns dos modos pelos quais os professores entrevistados
buscam manter sua saúde mental para a realização de suas atividades docentes. Uma alternativa
mencionada foi a própria entrada para a docência como um modo de lidar com insatisfações
referentes a outras áreas de atuação profissional de alguns dos entrevistados, buscando uma melhor
qualidade de vida. A experiência pessoa, profissional e a formação de modo geral do professor
também constituem ferramentas válidas para lidarem com o dia-a-dia da sala de aula. Outras
questões observadas foram a dificuldades de se aproximarem dos conflitos adolescentes próprios
deste período inicial de um curso superior e, ao mesmo tempo, a tentativa de se manter um vínculo
saudável com os alunos como estratégia pedagógica. Falou-se também do uso da autoridade pelo
professor para conter a indisciplina, a necessidade de um autocontrole emocional, da dispensa da
turma, dos limites utilizados para preservar a relação professor-aluno e da necessidade de um auxílio
psicológico para docentes e discentes. Na próxima categoria, discutiremos o modo como os
professores procuram lidar com questões relacionadas à saúde mental de seus alunos.
4.4. C
ATEGORIA
4:
M
ANEJO DA
S
AÚDE
M
ENTAL DO
A
LUNO
A partir dos trechos contidos nessa categoria, é possível verificar como os professores
entrevistados lidam com questões ligadas à saúde mental dos seus alunos.
“(...) é a vida do cara, é a vida dele [aluno]. “Então se você acha que não é isso, se você não
gosta disso, não gosta daquilo, veja se você está na área certa, veja se é isso que você quer
fazer mesmo. Acho que têm outros cursos aqui na Metodista muito bons em outras áreas”.”
[P10]
63
Como visto, a questão da orientação vocacional parece influenciar de forma efetiva a
experiência acadêmica dos alunos por todo o período de realização do curso superior. Assim, quando
os alunos apresentam um quadro crítico em seu desempenho acadêmico ou se mostram insatisfeitos
com o curso escolhido, os professores procuram orientar esse aluno para que reveja suas aptidões
de forma a se redirecionar para um curso mais afim com suas características pessoais, como
ilustrado no trecho a seguir:
Cabe salientar que essa orientação nem sempre é praticada de forma confortável pelo
professor, especialmente aqueles que possuem a função de coordenador, pois também devem se
preocupar com os índices de evasão de seus cursos. Assim, nem sempre aquilo que vai de encontro
aos interesses do aluno está alinhado com os interesses da instituição de ensino, em particular as
instituições de ensino particulares, culminando em um conflito de valores por parte do professor.
“Você imagina, caras que nunca se viram, no primeiro dia de aula, tendo que se abraçar, tendo
que se beijar, etc. Bom, para resumir, da onde eu saio daí? Da dificuldade que o ser humano
tem em interagir com o outro que ele não conhece. Se fosse o pai, a mãe, a tia, etc., estaria
muito fácil de fazer. Como é uma pessoa que ele viu agora, naquele momento, na primeira
semana de aula, ele não consegue interagir. E eu jogo isso para o futuro profissional dele.
Como ele vai interagir? Ele como profissional da área de saúde, dentro da especificidade da
sua profissão, como vai pedir licença para poder utilizar o corpo do indivíduo, para poder mexer
no corpo do indivíduo?” [P1]
Para Bariani e Pavani (2008), há uma melhor qualidade na relação professor-aluno em
situações de aula prática, devido ao número reduzido de alunos. Segundo as autoras, é o fato de os
alunos elegerem a postura atenciosa e preocupada do professor em contextualizar a matéria com as
suas vidas, por meio de exemplos práticos, como principal fator de motivação em aula, onde o
professor poderia então contribuir com seu aluno propiciando que este tome contato com as
exigências impostas pela profissão escolhida e então reflita sobre sua adequação ou não a esta
profissão, como ilustrado a seguir:
“(...) mesmo que o aluno não saiba nada, eu peço para ele: “não deixe o teu paciente perceber
nada. Seja extremamente seguro das coisas que você está falando. Depois você vem comigo,
senta e a gente conversa”.” [P3]
“Tento fazer com que eles [alunos] respeitem ao máximo os horários, os prazos. Então, no
primeiro dia de aula eu sempre dou uma amedrontada. Se a aula começa às 7h30 eu falo:
“7h15 estou trancando a porta e ninguém mais entra.” Mas não é assim. Depois a gente vai
pegando o jeito da classe e tal.” [P8]
Como mostram as falas acima, cabe tamm ao docente auxiliar o aluno em suas
experiências iniciais na profissão escolhida, bem como ajustar parâmetros de conduta e ética em
suas responsabilidades profissionais.
“Tenho que sair um pouquinho da condição de professor que está em cima para chegar
perto dele [aluno].” [P5]
“(...) para fazer essa conquista do livro [do aluno] eu tive que voltar ao início. Nada muito
especial, com gesto simples, você passa pelo cara e fala: “E aí, tudo bem?” Ou você descobre
algum tique que o aluno tem e você mexe com isso. No sentido de que ele se perceba como
uma pessoa que tem uma importância na vida do professor.” [P5]
64
“(...) eu acho fundamental na atividade docente você manter o controle, sempre. Ouvir o aluno...
Muitas vezes, o aluno fica nervoso e você tem que ouvir, deixar falar e depois você, com muita
calma, conversa com ele.” [P6]
“Eles [alunos] aproveitam [no exercício] para dizer das relações com os pais e eu nunca deixo
sem resposta. Eu sempre comento. Mas eu só vou até onde o aluno permite.” [P7]
A relação professor-aluno também pode ser um caminho no qual o docente pode investir de
forma a se aproximar do seu aluno e conseqüentemente auxiliá-lo na resolução de eventuais conflitos
de ordem psicológica. Da mesma forma, o professor pode se valer desse canal para fortalecer seus
vínculos com os seus alunos visando um ambiente de convívio e aprendizagem mais propícios. Na
visão de Nunes (2009), a qualidade da relação entre professor e aluno tem papel determinante no
processo ensino-aprendizagem. Para a autora “são as emoções que emprestarão um colorido novo
ao aprender, primeiro sob a forma de manifestações de afetividade do educador para com seu aluno,
para que este possa assegurar de que ali é bem recebido e considerado, conseqüentemente
tornando os conteúdos pedagógicos mais atrativos” (p.17).
“(...) eu procuro justamente, pelas dificuldades que eu passei na graduação, por ter uma
doença crônica degenerativa e pela falta de apoio da universidade que foi nula, embora seja
uma grande universidade até hoje, não é a Metodista, é uma grande faculdade de São Paulo.
Então, isso tudo me tocou bastante. Então quando eu percebo o aluno que tem aquele mesmo
tipo de distúrbio metabólico, eu falo com ele, eu converso, me aproximo.” [P6]
“Tanto a pressão de a gente [professor] ter que passar para ele [aluno] que ele tem que ter
essa responsabilidade, que ele precisa estudar, que ele precisa prestar atenção no assunto.
Por mais que ele não goste daquilo, é aquilo que vai dar base para ele estudar outras coisas
mais relacionadas à profissão que ele vai ter.” [P11]
Observa-se que em alguns casos, a relação professor-aluno pode assumir uma característica
paternalista de modo que o professor busca resolver os problemas ou conflitos de seus alunos ou
buscam poupá-los de um processo de amadurecimento onde por conta própria deverão perceber o
que lhes parece mais importante ou não para o exercício de sua profissão.
“Mesmo numa aula prática de genital masculino e feminino (...). Como é que você não vai
poder fazer brincadeira com gente que nunca viu aquilo ou que viu... Entendeu? Na flor da
idade, dos hormônios fervendo, como é que você vai não brincar com isso? Se você não
brincar, você se torna uma locomotiva que vai de frente aos caras.” [P1]
“Com os alunos (...) eu tento levar numa linguagem sempre muito próxima, uma linguagem de
cursinho mesmo. Brincar, cantar, fazer alguma coisa para que eles, de alguma forma, eles
aprendam.” [P4]
“(...) o filme foi muito bom para gente perceber como há indícios daquela cultura autoritária nos
dias de hoje. Isso permitiu fazer analogias que mexem com o estado em que o aluno se
encontra hoje. Quando eu percebo que isso acontece, eu percebo que a aula vai além do
conhecimento formal que permite que eles façam uma prova (...).” [P5]
O uso de uma linguagem adequada pode potencializar o acesso do docente ao seu aluno e
desse ao conhecimento. Para tanto é necessário que o professor esteja atento e considere a
diversidade sociocultural e o momento psicológico no qual seus alunos se encontram (ARRUDA,
2003; BOSSA, 1998; POLYDORO; PRIMI, 2003). Rego (2001) identificou em seu estudo que os
estudantes valorizam fundamentalmente na prática docente: a) a linguagem simples e atrativa, a
65
ilustração da exposição lectiva com exemplos práticos, a postura participativa, o empenhamento e
apoio socioafetivo; b) a preparação das aulas, a organização das mesmas, e a competência no métie.
“Tem alunos que também têm característica de liderança no grupo. Aquele aluno que te
bagunça um conceito, que bagunça uma aula, que te questiona. Por isso eu gosto de gente
assim, porque eu pego esse aluno e esse questionamento dele, esse senso de liderança que
ele tem que, se não for lapidado, pode virar uma liderança negativa. Isso vai prejudicá-lo pelo
resto da vida. Tento mostrar para ele que a liderança dele é legal, mas pode ser positiva se ele
pensar de outra forma.” [P3]
“(...) a gente faz um teatro no primeiro ano. “Olha, vamos fazer de conta que este paciente tem
isso, assim, assim, assado.” Voque a abordagem de cada aluno é diferente. a gente
tenta respeitar essas individualidades e tenta desenvolver o que há de bom.” [P3]
Além de uma adequação de linguagem, os docentes entrevistados também entendem que é
necessário realizar uma leitura individualizada dos seus alunos de forma que suas características ou
potencialidades possam ser trabalhadas e melhor utilizadas no exercício futuro de suas profissões.
“(...) não adianta você [professor] querer falar muito. É legal você tentar interagir com eles
[alunos], deixá-los participar também, deixá-los perguntar, direcionar um pouco para onde você
está querendo ir.” [P10]
“Quando você começa o semestre, as aulas, questionando, mostrando, tentando buscar deles
que eles [alunos] fiquem interessados, que eles fiquem curiosos para você trabalhar, então
acho esse esquema da motivação muito importante.” [P10]
“A gente [professores] tem até tentado algumas estratégias para tentar prender um pouco mais
a atenção dos alunos, fazê-los perceber que eles são agora, não são alunos dependentes do
professor. Eles têm que se tornar independente, tornarem-se estudantes.” [P11]
Especialmente nos primeiras semestres, é necessário que os professores considerem o uso
de uma didática que favoreça a adaptação dos alunos ingressantes ao contexto acadêmico,
reduzindo, na medida do possível, os conflitos pertinentes a esta fase da vida acadêmica.
“O pessoal encara o exercício e um aluno fala: “e se a gente mudasse tal coisa?” E essa
mudança, às vezes, gera um exercício totalmente diferente e você desenvolve e cria
interatividade. Então eu acho interessante quando você tem uma matéria da qual você gosta,
que você domina e que há uma interatividade com a turma.” [P9]
A boa relação do professor com sua prática parece também influenciar sua disponibilidade
para os alunos, que podem então se beneficiar de um professor motivado e disposto a praticar uma
aula mais participativa e construída em conjunto com o grupo.
“É a coisa [atividade em sala] mais simples do mundo o que eu te contei agora, mas é o
momento que, durante todo o semestre, contempla o bio, o psico e o social.” [P1]
É também através da aula que o professor pode contemplar temas essenciais para o
desenvolvimento do futuro pessoal e profissional dos alunos, abordando e praticando questões
pertinentes à promoção da saúde todos os seus níveis.
66
Até este ponto discutimos a percepção dos professores sobre a sua saúde mental e a dos
seus alunos e de que forma lidam com essa questão em sala de aula. Destacamos que os
professores buscam lidar com os conflitos observados em seus alunos através de uma espécie de
orientação vocacional informal, mostrando, pela sua própria experiência profissional, a realidade da
profissão escolhida. Investir no fortalecimento da relação professor-aluno, a utilização de uma
linguagem mais próxima aos alunos e adotar práticas docentes que valorizem a participação e
adaptação acadêmica também fazem parte das estratégias docentes para lidar com a saúde mental
de seus alunos. Na próxima categoria, discutiremos a compreensão da idéia de saúde dos
professores entrevistados.
4.5. C
ATEGORIA
5:
C
ONCEITO DE
S
AÚDE
Nesta categoria, estão agrupados os trechos das entrevistas que expressam a compreensão
dos participantes a respeito do conceito de saúde. Oficialmente, o conceito de Saúde foi criado na
assembléia constituinte da OMS, na qual ficou definido que “saúde é o estado de completo bem-estar
físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou incapacidade” (WHO, 1948).
“Se a gente for pela definição clássica da Organização Mundial da Saúde, (...) é o seu estado
do biopsicossocial de bem estar, de estar bem com você. Se você hoje em dia for ver,
perguntar, quem tem saúde nessa concepção, vai ser muito difícil você encontrar uma resposta
completa nesse sentido.” [P1]
“(...) falar de saúde, num contexto como esse [contexto mundial repleto de adversidades] é
querer quase que definir o impossível. A não ser que a pessoa consiga ter um equilíbrio muito
grande, consiga se manter inserida nesse sistema e tenha uma estrutura para conseguir
absorver todas essa intempéries, essas coisas que o mundo está nos colocando.” [P1]
Assim como apontado por Ribeiro (2005) a visão da definição de saúde criada pela OMS
chamou a atenção por romper com as idéias tradicionais acerca da saúde que, em sua grande
maioria, se originavam de categorias de doenças ou mortalidades, que ocupavam um lugar
importante nas estatísticas de saúde. No entanto, para o autor essa mesma definição tem sofrido
muitas críticas, pois, do ponto de vista prático, se mostra estéril, inócua e sem efeito para os técnicos
da área da saúde, constituindo-se mais como um ideal do que um instrumento de trabalho. Nessa
mesma linha, alguns participantes também acreditam ser utópico o atual conceito de saúde divulgado
pela OMS, como ilustrado nas falas acima.
“Você não consegue enrijecer esse alicerce [da saúde mental do aluno] por vários fatores que
a gente já falou aqui: família, drogas, religião, seja lá o que for. É multifatorial isso.” [P1]
“É um cabo de guerra [a saúde], então você puxa de um lado e os outros fatores puxam outro.”
[P1]
“O bem-estar físico, mental e social. A saúde na mais completa definição, não só a ausência de
doença. É muito mais que isso. É você ter acesso ao lazer, ser uma pessoa agradável,
equilibrada.” [P6]
“(...) se você conseguir equilibrar (...) sono alimentação, trabalho, lazer, família, eu acho que
tudo isso resulta em saúde.” [P10]
67
É possível também verificar nas falas dos professores, que o conceito de saúde deve ser
compreendido de um ponto de vista multifatorial, levando-se em consideração fatores como família,
drogas, religião, trabalho e lazer, corroborando com a idéia de uma saúde pensada a partir de uma
perspectiva biopsicosocial.
Segre e Ferraz (1997) tamm criticam a atual definição do termo saúde. Na visão dos
autores, a definição cunhada pela OMS, até avançada para a época de sua criação foi, com o passar
do tempo e da ampliação da compreensão do que é saúde, tornando-se irreal, ultrapassada e
unilateral. Para os autores, alcançar a situação do perfeito bem-estar é algo inatingível, utópico.
Assim, em busca de uma definição mais realista de saúde, os autores sugerem uma nova definição,
na qual “saúde é um estado de razoável harmonia entre o sujeito e a sua própria realidade” (p.542).
“As pessoas estão esquecendo um pouquinho, no meu ponto de vista, na concepção do
emocional, do psicológico realmente, porque isso é uma questão importantíssima no estado de
saúde. É um start. Não adianta você estar (...) muito bem em todos os quesitos se você não
tiver uma condição emocional muito legal.” [P1]
“Eu acho que saúde é você estar bem com você mesmo, é você... Não saúde física é
importante, mas a saúde mental também. Então você estar sempre tranqüilo, você estar
sempre disposta.” [P8]
“Do ponto de vista do corpo, [saúde] é você não estar sentindo dor nenhuma. (...) É você não
ter nenhum desânimo, cansaço, essas coisas. É levantar de manhã, respirar fundo e falar: “que
bom. Que dia bom hoje. Que dia feliz, acordei.” Isso é saúde.” [P9]
“E a saúde física, sempre estar cuidando. Eu acho que isso é essencial também. Porque a
saúde física não está boa a mental também vai ser comprometida.” [P8]
“É que nem na gente mesmo, como é que você vai estabelecer saúde se você não tem horário
para dormir, se você não tem horário para comer, se você come o que você quer, se você bebe
o que você quer, se você faz o que você quer. Você não vai ter saúde.” [P9]
“Se você não estabelecer regras bem claras vo nunca vai conseguir criar um ambiente
saudável.” [P9]
A partir da fala dos participantes acima é possível identificar um conceito de saúde mais
centrado no indivíduo, que privilegie sua condição emocional, seu nível de tensão e disposições
físicas e psicológicas, seu grau de bem-estar, sua saúde física e fisiologia.
Para Vieira e Jesus (2007), a saúde dos indivíduos também está relacionada a sua felicidade
ou ao modo como estes avaliam suas próprias vidas. Na literatura científica, a esta auto-avaliação da
própria vida é dado o nome de Bem-Estar Subjetivo (BES), cujo constructo teórico corresponde a um
dos conceitos centrais da Psicologia Positiva (SELIGMAN; CSIKSZENTMIHALYI, 2000).
“(...) minha compreensão de saúde ela vai um pouco além da questão física, da questão da
saúde como um processo de precaução de doenças que normalmente são tratadas pela
medicina tradicional. Saúde para mim é você ter uma vida com qualidade, de perspectivas de
existência e você ter uma relação fraterna com teu semelhante.” [P5]
68
“Se a gente for pensar em saúde do professor, em saúde do aluno, eu acho que tem muito a
ver com o relacionamento que existe.” [P10]
Identificou-se também junto aos professores conceitos de saúde mais centrados na relação
social do indivíduo, privilegiando essencialmente a qualidade dessas relações.
Para Lyons e Chamberlain (2006), a compreensão da saúde tem assumido diferentes
possibilidades, tais como: a ausência de mal estar ou sintomas; a simples ausência de doença; algo
que se deve ser estocado para uso futuro; como um comportamento; como resultado de exercícios
físicos; como vitalidade ou presença de energia; como resultado de um estado mental de bem-estar
psicossocial; como relacionamentos sociais ou como a possibilidade de realizar tarefas do cotidiano,
como caminhar ou trabalhar, compreensões comuns a muitas das encontradas nas falas dos
professores.
“(...) eu acho que saúde é você ter tempo para cuidar de você (...), é você ter tempo para
realizar atividades que te façam bem.” [P2]
O sujeito pode ser uma pessoa com um péssimo estado de saúde, mas, no entanto ser um
sujeito feliz porque se integra perfeitamente no meio em que ele vive. [P5]
“Quando ele está chegando aqui, eu acho que a relação da saúde dele [aluno] tem a ver com o
que ele está aprendendo, com o que ele está ganhando de liberdade.” [P10]
“(...) quando você fala de saúde mental você está falando um pouco da postura dele frente ao
ensino, frente ao ambiente (...).” [P11]
Uma compreensão mais focada na relação do indivíduo com o seu meio também pode ser
identificada. A saúde, nas falas dos participantes acima, estaria então ligada essencialmente ao
tempo, à integração do indivíduo ao meio em que vive, com a liberdade que o mesmo goza no meio
em que transita e de como se coloca frente a este mesmo meio.
“Isso [saúde] não é uma preocupação nem por parte do professor, nem por parte da instituição
como um todo. E nem por parte do aluno. Eu acho que é uma coisa que não passa pela
cabeça das pessoas. É como se fosse outro espaço. Como se a saúde não estivesse ligada ao
cotidiano das pessoas. Não há uma preocupação não.” [P7]
Especificamente no contexto da sala de aula, nem sempre a saúde é percebida para além de
uma disciplina ou um tema presente no programa de um curso. O exercício diário da saúde na
relação professor-aluno ou nas demais relações presentes em uma instituição de ensino parece ainda
não ter assumido uma forma definida.
No caso desta pesquisa, o termo saúde esteve mais ligado ao contexto da saúde pública e
que não encontra espaço no dia-a-dia de professores e alunos. Nesse sentido, gostaríamos de
reforçar a nossa impressão, adquirida no decorrer dessa pesquisa, de que o tema saúde não tem
atingiu todos os níveis da instituição e que sua compreensão e aplicação ficam ainda muito limitadas
aos cursos ligados a área da saúde. A seguir, discutiremos a compreensão do conceito de Promoção
da Saúde pelos professores entrevistados.
69
4.6. C
ATEGORIA
6:
C
ONCEITO DE
P
ROMOÇÃO DA
S
AÚDE
Nesta categoria estão agrupados os trechos das entrevistas que revelam o entendimento dos
participantes a respeito do conceito de Promoção da Saúde.
“Acho que promoção de saúde é você fazer bem para as pessoas, é ter condições de estar
fazendo o bem para as pessoas, estar divulgando o que é isso, trabalhar com prevenção. Acho
que isso é promoção de saúde.” [P2]
“E prevenção é aquela coisa. O tema saúde devia ser preventivo, mas normalmente a gente
não tem por hábito fazer nada preventivo. A gente espera o problema acontecer para depois
correr atrás e tentar uma solução. Então, a prevenção eu entendo essa coisa mesmo de você ir
acompanhando e observando os sinais antes efetivamente de virarem um sintoma (...).” [P7]
“Promoção de saúde eu acredito que seja uma tentativa de mostrar maneiras de a gente
preservar nossa saúde, nosso bem-estar.” [P11]
A compreensão mais freqüente de promoção da saúde verificada dentre os participantes
associa promoção da saúde a prevenção. Também foi associado ao fazer o bem para o outro e ao
bem estar. O Bem Estar Subjetivo (BES) pode ser entendido como a análise dos indivíduos a respeito
de seus aspectos emocionais, divididos em afetos positivos (ex. alegria, entusiasmo, orgulho e
felicidade) e afetos negativos (ex. culpa, vergonha, tristeza, ansiedade e depressão) e cognitivos (ex.
satisfação conjugal, satisfação com a vida). Embora a BES possa sofrer variações a partir da
personalidade de um indivíduo, questões circunstanciais e culturais também podem ser responsáveis
por variações em longo prazo no BES de uma população (DIENER; SUH; OISHI; 1997; DIENER;
OISHI; LUCAS, 2003).
“Enxergar que nós estamos num mundo totalmente em degradação e que isso não é um
discurso depressivo. Eu acho que é um discurso realista, mas que você consegue se manter
inserido nisso se você tiver uma base. sim você consegue começar a promover a sua
saúde.” [P1]
Aqui, Promoção da Saúde foi associada à adaptação ao meio, ou seja, neste caso a
capacidade do indivíduo de manter inserido no atual contexto social de uma forma equilibrada, o que
corrobora com o quanto dito por Ribeiro (1998) acerca do processo de Promoção da Saúde. Segundo
o autor, visto do ponto de vista do desenvolvimento, a saúde deve considerar a interação de dois
importantes processos biológicos: os processos de desequilíbrio, que se referem à estimulação do
organismo, e os processos homeoréticos ou heterostáticos, que diferente dos processos
homeostáticos onde a idéia de um estado constante, se referem às constantes reações
adaptativas do corpo ao ambiente onde vive. para Nicholas e Gobble (1990), com o passar do
tempo e a chegada da velhice, o corpo parece demonstrar uma dificuldade na auto-regulação e
manutenção do equilíbrio de seus sistemas. Assim, sua freqüente estimulação provocaria
desequilíbrios que desencadeariam novos processos adaptativos restaurando e conduzindo o
equilíbrio corporal a um nível mais adequado do que se encontrava antes da estimulação.
“Na promoção da saúde você tem que trabalhar realmente o biopsicossocial. Não esquecer o
espiritual, porque acho isso importantíssimo.” [P1]
70
O conceito de promoção da saúde também foi associado, segundo um dos participantes, a
necessidade de um cuidado espiritual.
Percebe-se através dos resultados que o conceito de Promoção da Saúde de ainda está
fortemente associado a ações de caráter preventivo. Outras concepções também aparecem, tais
como fazer o bem para o próximo e cuidar de si mesmo, revelando a heterogeneidade do tema. De
forma geral, verificou-se a pouca familiaridade que os participantes possuem com o conceito, ao
menos aquele assumido nesta pesquisa e não visualizam a necessidade de coordenação ações mais
amplas, não de vel pessoal, mas de níveis institucionais, sociais e políticos para que se possa,
de fato, alcançar uma situação de Promoção da Saúde mais efetivo. Na próxima categoria
discutiremos situações que caracterizam um ambiente universitário promotor da saúde.
4.7. C
ATEGORIA
7:
C
ONTEXTOS
P
ROMOTORES DA
S
AÚDE
Discutiremos nesta categoria os trechos das entrevistas que descrevem situações que
caracterizam um ambiente universitário promotor da saúde, ou seja, um ambiente propício para o
ensino-aprendizagem, para a criação de vínculos saudáveis e para o desenvolvimento humano de
modo geral.
Colocar em prática a promoção da saúde não é tarefa somente da área da saúde, exige a
participação de toda a sociedade em seus diversos segmentos. As instituições de ensino têm um
papel fundamental neste processo, dada a importância que estas instituições assumem na formação
e no desenvolvimento dos indivíduos e da sociedade (IERVOLINO, 2000). A OMS reconhece a
importância da escola na promoção da saúde e incentiva esta prática através do conceito de Escola
Promotora de Saúde. Para a OMS, “uma escola promotora de saúde é aquela que constantemente
fortalece sua capacidade de estabelecer ambientes saudáveis para se viver, aprender e trabalhar”
(WHO, 2008a). No que diz respeito à universidade, é a partir das suas três funções principais - ensino,
pesquisa e extensão, que a promoção da saúde deve ocorrer (SEVERINO, 2004).
“Os alunos terem interesse em aprender aquilo, ou porque ele gosta, ou porque ele sabe que
ele vai usar mais para frente.” [P9]
“A gente está numa universidade onde evasão é uma coisa que a gente não pode ter, vamos
dizer assim. A gente tem que diminuir ao máximo a questão da evasão. Mas não tem como
você não deixar de colocar de alguma forma isso. Não falando para sair, mas tipo: “oh, você
está com esse problema porque você tem muita dificuldade em aprender. Você tem que
estudar mais, tem que trabalhar mais. Veja, alguns assuntos primordiais você não entende.
Você tem que correr mais atrás, você tem que ver se é isso mesmo que você quer para você.”
Então acho que vale a pena você dar uns toques assim, nesse sentido, para os alunos.” [P10]
“Isso eu acho que seria bastante interessante, eu acho que esse tipo de orientação, depois que
o aluno começou... Porque tem a orientação vocacional antes, e o cara, às vezes, vai, faz o
teste, procura, mas o depois, diante da angústia dele, diante do que ele essentindo, o que
ele está procurando, do que ele gostaria, onde é que ele não está e que pudesse ser
orientado.” [P10]
71
Na visão dos professores entrevistados, uma instituição de ensino comprometida com a
promoção da saúde deve estar preocupada com a adequação vocacional do seu aluno. Os docentes
destacam a necessidade de o aluno estar freqüentando um curso que esteja alinhado com as suas
características pessoais e potencialidades. Neste sentido, além de assinalarem os alunos essa
possibilidade, sugerem que a instituição ofereça um serviço de orientação vocacional para auxiliar
aqueles estudantes que porventura se descubram em um curso com o qual o possuam afinidades
e que gostariam de uma reorientação. Não desconsiderando que por ser uma instituição particular, a
preocupação com a evasão se faz presente e muitas vezes cria certas barreiras para a configuração
de um serviço de orientação vocacional mais efetivo dentro da instituição.
“(...) o primeiro ano tem muita coisa de abertura de visão em relação até onde eles poderiam
estar atuando, explicando entre um assunto e outro, explicando o que é a profissão, mostrando
onde é que ele se encaixaria na profissão e você observa que para alguns aquilo é uma
grande surpresa e para outros nem tanto.” [P4]
Outra ação necessária, segundo um dos docentes entrevistados, é o esclarecimento da
profissão escolhida junto ao aluno. Muitas vezes, somente após algum tempo após ter vivenciado o
seu curso, o aluno tem uma melhor compreensão sobre a realidade da profissão escolhida. Neste
momento, autentica a sua decisão ou dá inicio a um processo de re-escolha, que pode ser
compreendido como um evento natural ou ser vivido com muita ansiedade e angústia. Nesse
momento, a presença do professor pode ser fundamental para tornar essa re-escolha mais tranqüila
para o aluno.
“Quando eu tenho poucos alunos eu costumo não usar muitas aulas expositivas. Eu chamo os
alunos e mostro para eles. Eu estou próximo. Bom, com 100 alunos, eu tenho que fazer uma
coisa mais expositiva, eu tenho que fazer uma coisa mais dinâmica. (...) E eu acho que precisa
ter esse feeling de sentir. Não é só você chegar lá, jogar a aula e começar a falar. Você precisa
sentir a sala.” [P2]
“(...) eu tenho uma turma do segundo intermediário que no começo eles meio que estrilaram
um pouco, então eu vou buscar uma forma de reverter isso. Ah, se eles não gostam da coisa
muito falada, então eu vou buscar um vídeo, entendeu?” [P7]
“O pessoal do primeiro ano, eu penso assim, a aula é diferente porque é outro público. Não tem
como negar. Quando a gente vai preparar uma aula para o pessoal do primeiro ano, a gente se
preocupa em prender a atenção deles e não dar textos tão maçantes, mas que sejam
importantes também.” [P8]
A adequação da didática ao seu blico pelo professor também aparece como uma ação
efetiva para auxiliar os alunos em seu período de adaptação no ensino superior. Em sua dissertação
de mestrado sobre aprendizagem no ensino superior, Quintana (2006) ressalta que os alunos
apontam para uma valorização da relação teoria/prática, e os trabalhos coletivos como condição
necessária na promoção da aprendizagem. A autora propõe preparar os professores do ensino
superior para substituir os hábitos associativos, transmissivos, de repetição de conhecimentos, pelas
estratégias direcionadas a estimular a construção de significados em suas práticas didáticas, de
modo a permitir a passagem de uma estrutura de pensamento associacionista para um pensamento
centrado no aluno, mobilizando a organização e a reelaboração autônoma do material de
aprendizagem. Assim, faz-se necessário que o professor esteja sensível as demandas do grupo e
72
faça os ajustes necessários em sua metodologia de aula para poder obter os resultados desejados
em sua aula.
“(...) quando entro em sala de aula e começo a dar aula, eu esqueço do mundo. Eu estou e
quando vejo, já deu a hora de ir embora. Mas como eu falei, quando as aulas são interessantes.
Você nem vê a hora passar.” [P9]
“Você ser reconhecido pelo trabalho que você fez. Esse é o principal ponto.” [P9]
Percebeu-se também, através das falas abaixo, que a relação do docente com a sua
atividade profissional pode impactar na sua relação com os seus alunos, tornando este mais ou
menos disponível às demandas dos estudantes. Sentir-se envolvido com o trabalho e além de ser
reconhecido pela suas realizações junto aos alunos configuram um ambiente agradável e frutífero
para a atuação do professor (SIQUEIRA; GOMIDE JR., 2004).
Na visão de Veludo-de-Oliveira e Ikeda (2006), o reconhecimento do valor de uma IES e,
conseqüentemente de seus professores, não é criado somente em curto prazo, por este motivo os
profissionais da educação não devem render-se à idéia da satisfação momentânea do estudante, pois
passado o momento de sacrifício, o educando tende a reconhecer positivamente a exigência a que foi
submetido na escola, por associá-la por futuras recompensas advindas desse esforço.
“Se a sala está indo mal a sala também precisa ver isso, mas o professor é que tem que ter
essa percepção.” [P4]
“Aquela relação de proximidade onde o aluno chega, conversa. Eu gosto. Eu gosto quando o
aluno percebe que eu não mordo ninguém, entendeu? Pode vir, vamos sentar aí, vamos bater
papo. (...) Então assim, isso é de certa forma o prêmio maior, quando eles gostam de você
como pessoa. Perceber você como pessoa. Porque assim, muitos que te olham ao mesmo
tempo chamam você de professor, professor, professor. Tudo bem, eu sou professor. Mas eles
continuam vendo você só como professor.” [P4]
“A primeira coisa que eu faço é me aproximar dele [aluno]. Às vezes até numa relação um
pouco paternalista. Não me aproximar de ficar adulando o aluno ou querendo fazer ele crer que
ele é uma coisa que ele não é. É me aproximar de alguma outra forma, da maneira como eu
cumprimento, criar uma confiança e a partir daí abrir um espaço para um diálogo.” [P5]
“Tem que ver o cara [aluno] como uma entidade com direitos que tem que ser muito bem
cuidados se não a relação fica muito pouco saudável.” [P5]
“Eu vi casos aqui de alunos deprimidos. O que é deprimido? Que você professor, acabou a
aula, chega lá, conversa com ele e veja por qual situação ele está passando. Por que ele está
deprimido? É tentar ajudá-lo da melhor maneira possível e evitar que isso gere algo muito mais
sério.” [P6]
“Você tem turmas mais disciplinadas, você tem turmas que, às vezes, você tem que fazer a
parte da educação mesmo, dar bronca. Porque eu acho que isso faz parte do contexto do
professor também. Não só ensinar o conteúdo, mas, às vezes, relembrá-los de que eles
aprenderam isso e de que eles têm que botar em prática.” [P7]
“O aluno tem que saber qual é o teu limite, para que ele não extrapole, para que ele não
problemas. Assim como você tem que conhecer qual é o limite dele. Têm alunos que admitem
brincadeira, que brincam e tal. E têm alunos que não. (...) Essa relação de transparência é
fundamental.” [P7]
73
“(...) não foi legal. Eu falo, entendeu? Sempre falo. E normalmente eles [alunos] param para
ouvir isso. Porque essas coisas quando acontecem, ou do legal ou do ruim, extrapolam a
própria relação professor-disciplina. Então aí você intervém como ser humano mesmo.” [P7]
“Eu entrei nesse ano como se tivesse zerado a turma. “Vamos começar a partir de agora e
vamos ver como é que eles se saem.” Seja o aluno que foi com o desempenho péssimo no
semestre anterior ou ótimo, a gente vai tentar tratar da mesma maneira, mesmo se um bom
aluno, notas boas. Então eu percebi que melhorou muito a relação.” [P11]
Grande parte dos docentes entrevistados concorda que uma relação saudável com os alunos
traz inúmeros benefícios para ambos além de contribuir para um ambiente de ensino-aprendizagem
mais saudável. As falas acima ilustram de que modo os docentes investem em suas relações com
seus alunos e tamm revelam, de certa forma, como o docente compreende os limites do seu papel
nessa relação (LEITE, 1997; NUNES, 2009).
“Então você tem que respeitar essa individualidade do aluno e, principalmente, as
potencialidades dele. Porque ninguém é igual a ninguém.” [P3]
“Para mim, eu adoro aluno que tenha temperamento forte, eu gosto de aluno que é crítico,
polêmico, eu adoro isso, porque é com essas pessoas que eu consigo, realmente, atingir mais
rápido o meu objetivo. Talvez por essa característica, talvez até por eu ser assim, sei lá, eu
consiga isso.” [P3]
“(...) no primeiro ano eles [alunos] são sonhadores, são às vezes até ingênuos. Mas essa é
uma ingenuidade que falta um pouco na universidade, porque você pode trabalhar com idéias;
eles estão sempre abertos a uma boa discussão.” [P5]
“Cobro bastante, exijo bastante, mas também tentando assim, respeitar todas as características
deles, o ritmo deles [alunos].” [P8]
A possibilidade de se aproximar dos alunos permite aos docentes tomar contato com suas
características pessoais. Assim, a atuação do professor pode ser mais personalizada no sentido de
melhor ajustar suas práticas docentes a fim de acelerar a adaptação dos alunos e atingir seus
objetivos da forma mais adequada possível. Vimos aqui algumas situações onde os decentes
declaram tomar contato com as particularidades de seus alunos.
“O que fazer? Fazer grupos de trabalhos para discutir (...), chamar gente da pedagogia, da
psicologia. Como resolver isso? Que exemplos bons temos? Que situações difíceis temos?
Como resolver isso? Porque muitas vezes o professor resolve por conta dele mesmo ou
conversando com algum colega. Mas não tem essa troca de experiências e isso poderia ser
muito positivo.” [P6]
Em um contexto promotor de saúde, a troca de experiências entre os entes envolvidos
também é valorizadas. No caso de uma instituição de ensino, a troca de experiências entre os
docentes da mesma área e de áreas diferentes, bem como de outros profissionais da instituição pode
contribuir para a construção de uma ambiente mais saudável, bem como diminuir o isolamento em
que o professor se encontra no dia a dia do seu exercício profissional. Cada vez mais o trabalho em
grupo é privilegiado. Seja nas escolas, a fim de fomentar uma discussão ao invés de apenas
transmitir uma informação, ou na área da saúde, a fim de se discutir condutas, hábitos alimentares ou
cuidados específicos com determinadas doenças. Atualmente, são muitas as possibilidades de
74
trabalho em grupo. Na visão de Fernandes (2003), os grupos constituem um espaço continente e
facilitador da busca de condições para um futuro melhor” (p.9).
“(...) a gente quer que [os alunos] se dêem bem, que tenha mais sociabilidade, que pessoas
com dificuldades tendem a ficar mais isolados. Então buscar a sociabilidade que é fundamental.
E tentar ser aceito também pela própria sala. Evitar que as pessoas façam gracejos, ironias,
piadinhas. Isso afeta muito a pessoa. A pessoa fica em silêncio mas sofrendo bastante.” [P6]
“(...) nós perdemos uma aluna, então a turma, o envolvimento da turma, a preocupação da
turma com a família, o cartaz que eles espalharam, a despedida. Eu acho tudo isso muito
emocionante.” [P7]
“Vamos supor, hoje eu coloquei, hoje é dia de prova, sexta-feira, “mantenha o ambiente
saudável”. Quer dizer, evitar as gritarias, as agressões. É mantê-lo saudável em todos os
aspectos, por exemplo.” [P6]
Da mesma forma, promover a socialização dos alunos tamm pode contribuir para uma
turma mais integrada e ativa. O professor pode ter um papel preponderante nesta tarefa,
especialmente para as turmas iniciantes, facilitando o contato entre os alunos e mantendo um
ambiente respeitoso e saudável. As falas acima traduzem as possibilidades de atuação do professor
na integração de seus alunos e na manutenção de um ambiente de ensino-aprendizagem saudável.
“Manter a saúde mental, isso é muito importante. Especialmente quando você diagnostica
algum tipo de aluno com algum desvio, com alguma dificuldade, saber encaminhá-lo para a
pessoa adequada, para o serviço adequado. E não deixar que a coisa estoure e que o aluno
pule da janela para se matar. Ou pessoas, alunos que sabem que tem dificuldade em se
relacionar com os demais colegas, xingam, brigam, partem para a agressão física.” [P6]
.“(...) tem que ter uma atitude da própria universidade. O que fazer quando acontece isso? Qual
a melhor estratégia a ser adotada? Porque dizer publicamente: “voé bêbado, não sei o que
faz aqui!”, não sei se resolve. Mas saber agir, chegar até a pessoa e falar. Se der para você
encontrar ele e também falar... Se a pessoa estiver sob o efeito de drogas, de álcool, falar
adianta? Não adianta. É esperar a pessoa estar em condições normais, sim, ele raciocina.
Mas saber fazer isso de maneira equilibrada, com orientação de alguém que entenda do
assunto. Eu acho que a universidade não pode fazer isso de você errar experimentando, ainda
mais por parte do corpo docente. Tem que saber agir de maneira bem orientada, experiente, eu
digo.” [P6]
Além de intervir diretamente, o professor também pode e deve utilizar recursos institucionais
disponíveis para ações de promoção da saúde em sua rotina. Ao perceber alguma dificuldade cuja
intervenção do próprio professor não seja pertinente, o docente pode atuar encaminhando o aluno
para algum serviço de saúde mental disponível na instituição. Para tal, é necessário que o docente
conheça tanto os serviços disponíveis quanto seus limites de atuação junto os alunos, não
ultrapassando os limites de suas competências. Como mencionado nos trechos abaixo, a utilização
dos recursos institucionais podem estar disponíveis para o encaminhamento dos alunos ou para a
orientação do professor, que pode se sentir muitas vezes despreparado para lidar com determinadas
situações em sala de aula, como por exemplo, lidar com alunos alcoolizados em sala de aula.
“(...) eu acho que primeiro a escola tem que oferecer regras claras de como ela funciona. O
aluno tem que saber direitinho o que ele deve e o que ele não deve fazer. O professor deve
saber direitinho o que ele deve e o que não deve fazer. Então essa é a primeira coisa que eu
vejo para você estabelecer uma saúde.” [P9]
75
Segundo um dos docentes entrevistados, a criação de um contexto promotor de saúde deve
considerar o cumprimento de suas regras. Para o professor, a noção de direitos e deveres é
fundamental para que se alcance um ambiente respeitoso e saudável.
“Então o aluno precisava ter, como nas empresas, um programa de ginástica laboral, de
ergonomia. Alguma coisa nesse sentido que pudesse mudar a estrutura da sala de aula, que
pudesse dinamizar o professor para poder também trabalhar essas questões.” [P1]
Além dos cuidados necessários para a manutenção da saúde mental de alunos e professores,
uma instituição promotora de saúde também deve considerar os aspectos ergonômicos do espaço de
aula, na tentativa de criar um ambiente mais adequado para todos aqueles que o utilizam
favorecendo as relações de ensino-aprendizagem.
É importante ressaltar que e a promoção da saúde mental requer ação multi-setoriais,
envolvendo uma série de setores governamentais e não-governamentais ou organizações de base
comunitária. No caso de uma IES, a promoção da saúde somente pode acontecer com a articulação
de seus recursos internos e de instâncias externas à instituição. O foco deve ser na promoção da
saúde mental em toda a vida para garantir um começo de vida saudável para as crianças e jovens
para evitar transtornos mentais na idade adulta e velhice (WHO, 2008). Na categoria 8 discutiremos
situações que caracterizam um ambiente universitário não promotor da saúde.
4.8. C
ATEGORIA
8:
C
ONTEXTOS
N
ÃO
P
ROMOTORES DA
S
AÚDE
Nesta categoria serão discutidos os trechos das entrevistas que revelam as situações, as
práticas e os contextos que os docentes entendem ser dificultadores de sua atuação e que não
contribuem para a constituição de uma instituição de ensino promotora da saúde.
Considerando a importância das inter-relações entre os organismos e o seu meio ambiente,
para que a promoção da saúde seja possível num determinado contexto, deve-se observar que a
situação que conduz à saúde é influenciada por fatores físicos, como por exemplo, a geografia, a
arquitetura e tecnologia, por fatores sociais, como cultura, economia e política, e fatores pessoais,
como biologia e psicologia. Tal contexto deve também levar em conta a complexidade
multidimensional dos ambientes humanos, em seus componentes físicos e sociais, nas suas
qualidades objetivas e subjetivas, imediatas e de longo prazo, individual e coletiva. Da mesma forma,
deve considerar os ambientes em vários níveis, assim como o indivíduo também é visto em níveis de
agrupamento, do indivíduo, família, pequeno grupo, organizações, até os grandes aglomerados
populacionais (STOKOLS, 1992).
A partir da definição acima, percebe-se a complexidade das alterações políticas e sociais
necessárias para que seja alcançado um estado de saúde adequado. Tais alterações devem ocorrer
não somente em um âmbito individual, mas também em um âmbito coletivo, através dos governos,
das organizações públicas e privadas. Muitas vezes, porém, os interesses capitalistas se sobrepõem
76
aos interesses coletivos e os investimentos necessários para uma melhor nos níveis de saúde da
população em geral são relegados a segundo plano. O conceito de Promoção de Saúde deve ser
compreendido numa dimensão maior, cuja implantação requer uma profunda modificação nas
estruturas sociais, em todos os níveis, caracterizando-se como elemento instituinte de uma nova
realidade para a melhoria da qualidade de vida e o enfrentamento dos problemas de saúde que
afetam as populações de todo o mundo nos dias atuais (BUSS, 2000; FERNANDEZ et al, 2008; RIOS
et al, 2007).
“É uma orientação que veio da família, ele foi pressionado a procurar uma carreira de futuro. E
o aluno de Jornalismo, às vezes, escolheu uma carreira equivocada e é questionado em casa
por conta disso.” [P5]
Segundo os docentes, o ambiente em que o aluno faz a escolha pelo seu curso e,
conseqüentemente, pela sua futura profissão, é muito relevante e pode, quando o aluno não conta
com o apoio do seu núcleo familiar, tornar a experiência acadêmica deste jovem mais desafiadora.
“Eles não vêm aqui para raciocinar, eles não estão vindo aqui para raciocinar. (...) você verifica
que o aluno hoje não tem preparo, nem emocional, no meu ponto de vista, nem familiar, nem
de conhecimento técnico para poder assumir uma profissão no seu primeiro ano de curso.” [P1]
“Eu sinto do aluno hoje em dia certa imaturidade que eu não observava, não sei se imaturidade,
mas eu vou chamar assim, de uma certa imaturidade, até para vencer alguns desafios.” [P4]
“Acho que essa mudança repentina de colégio para um ambiente universitário onde você está
explicando uma coisa e ainda o aluno fala: “professor, repete!”, e você já esperou cinco minutos
ele copiar e você repete pela quinta vez e ele tem a dificuldade de perceber, dificuldade, às
vezes, de escrever, dificuldade de entender. Você tem alunos que você diria que são
analfabetos funcionais mesmo.” [P4]
“Ele [aluno ingressante] vem com todos os vícios, todos os tiques, os cacoetes da garotada que
cresceu no meio da cultura de massa, cresceu vendo televisão, são os heróis deles.” [P5]
O despreparo aluno ingressante, de acordo com as falas dos docentes, constitui um dos
grandes fatores dificultadores de sua atuação em sala de aula. Imaturidade, imediatismo, vícios de
uma cultura de massa e muitas vezes, uma aparente limitação cognitiva, tornam a experiência
acadêmica inicial dos alunos ingressantes e de seus professores mais complexa e dificultosa.
“Durante o curso todo eles [alunos] estão lidando com questões de ansiedade, de pressão, de
cobrança que no início do curso é mais de um jeito e no final do curso é aquela cobrança (...).”
[P4]
“Eles [alunos] são também muito mimados, não sei se é porque acostumaram a ter tudo na
mão, o pai e a mãe sempre dando tudo ali então eles se frustram muito fácil. Isso é uma
coisa que eu percebo.” [P8]
“Então essa progressão continuada faz com que o aluno ache que a faculdade é que nem
quando ele estava na escola pública. Está e passa. Ele vai sendo empurrado, empurrado,
empurrado e um dia ele sai da faculdade, igual ele saiu do ensino fundamental e médio.” [P9]
“Mas o primeiro ano é bem assim mesmo, ele [aluno] acha que ele está lá na escola pública
ainda, que ele pode fazer o que ele quer, pode brincar, pode entrar e sair da sala a hora que
ele quer.” [P9]
77
“(...) têm muitos alunos que a gente percebe que não têm uma postura de estudante ainda, não
têm. Ele ainda é aquele aluno, realmente aquele indivíduo, que precisa, que depende
exclusivamente do professor e, se você não der aquele exemplo do que vai cair na prova, ele
não sabe, ele não pesquisa, ele não vai atrás.” [P11]
Os hábitos familiares somados aos hábitos advindos do ensino médio tornam, muitas vezes,
a adaptação do aluno ingressante ao ensino superior uma tarefa psicologicamente mais desgastante.
Para os professores, tais hábitos não estão alinhados com o que se espera de um aluno universitário
e deve-se então adquirir novos hábitos, sejam eles de estudo ou de convivência. A universidade
exige maior senso de responsabilidade e independência dos alunos e quando estas características
ainda não estão desenvolvidas nos jovens ingressantes, torna a vida acadêmica de alunos e
professores mais desafiadora e, eventualmente, se constituída de alguns insucessos.
“(...) tem alguns alunos que realmente não estão a fim, não sei o que se passa na cabeça deles,
vêm aqui gastar dinheiro e não estão a fim.” [P2]
“Muitos [alunos] fazem faculdade, passam aqui quatro anos, depois nos encontram e falam:
“puxa, se eu tivesse ficado mais em silêncio, prestando mais atenção, teria sofrido menos no
mercado.” Caiu a ficha, mas um pouquinho tarde. Passagem, rito de passagem.” [P6]
“Você percebe que há uma dificuldade natural do aluno também e, uma coisa que eu acho que
tem incomodado os professores de um modo geral, é essa coisa do imediatismo. Então: “pra
que isso vai servir agora, neste momento?” A gente perdeu um pouco aquela coisa da
formação para a vida.” [P7]
“Se o cara acha que: “ah, eu vou comprar um diploma em suaves prestações.” Entendeu? Que
não são tão suaves assim. E o cara vem para jogar bola, o cara vem para bagunçar, o cara
vem para ir fazer a social no boteco e depois que ele vem para sala de aula.” [P9]
“Bom, eu percebo assim, tem muito aluno que acha que um curso superior é simplesmente
uma formação profissional. Ele não entende o ensino superior como uma formação também
como ser humano, como um aperfeiçoamento daqueles conhecimentos que ele foi adquirindo
no ensino fundamental e médio.” [P11]
Com a impossibilidade da iniciativa blica em atender a grande demanda nacional por uma
universalização do ensino superior as instituições de ensino privadas tornaram-se verdadeiras
empresas educacionais. Se por um lado a forte presença das instituições particulares aumentou
significativamente a oferta de assentos no país, por outro, a educação considerada um direito
inalienável do cidadão moderno foi transformada num privilégio individual, “convertendo sua clientela
em consumidores educacionais, impondo pesados custos financeiros e humanos a uma parte
expressiva de seus estudantes” (MARTINS, 2009, p.29). Na visão de a proliferação das instituições
particulares de ensino trouxe a tona uma importante discussão sobre a qualidade do ensino oferecido
(EMERICK, 2006; MARTINS 2009).
A partir desse cenário, o modo como o aluno se relaciona com o curso que escolheu também
pode, na visão dos entrevistados, representar algumas barreiras para o exercício docente. De forma
geral, os professores reprovam a visão que alguns alunos possuem de seus cursos e se percebem
muitas vezes frustrados nesse processo por entenderem que suas aulas são preteridas em favor de
outras atividades presentes no ambiente acadêmico que não necessariamente estão relacionadas
78
com o ensino em sala de aula. Emerge aqui um conflito de valores, no qual os professores sentem
seu trabalho, seu esforço diminuído em função de algumas escolhas de seus alunos e, numa postura
paternalista, se sentem no dever de alertá-los sobre as conseqüências de seus atos.
Guimarães (2006) analisa as relações de trabalho e o ensino superior noturno e corrobora
com os achados de Veludo-de-Oliveira e Ikeda (2006) no sentido de que para o trabalhador brasileiro,
principal usuário das IES particulares, concluir um curso superior significa uma “forma de ascensão
social e financeira, realização e valorização, as escolhas, da instituição e do curso são limitadas pelos
mecanismos de controle presentes na sociedade e o estudo superior é um meio de ascender à
categoria mais bem posicionada da classe trabalhadora” (p.8).
“Essa situação [aluno enfrentando o professor], eu não me lembro de outras vezes que ela
tenha acontecido do jeito que aconteceu essa, é uma situação difícil e negativa, porque eu
perco um pouco o controle das minhas próprias atitudes. (...) E essa tensão explode quando
acontece alguma coisa que foge do controle, foge do plano, do previsto. E é imponderável qual
vai ser a reação.” [P5]
“O aluno chega muito cedo para nós, com várias deficiências da família, da sociedade com um
todo e nós somos obrigados a resolver isso tudo. Não temos um papel assim tão
preponderante. Ajudamos, fazemos parte, mas não somos a parte mais importante não. A
família é a mais importante. A família, a igreja, a escola e assim por diante. Mas a escola não
resolve tudo não, de forma alguma. É complementar a formação e não resolver tudo. Quem
resolve muito são os pais, esse é o papel deles.” [P6]
“Se você fala: “olha pessoal, hoje não tem aula.” “Legal, melhor.” Se eu falar: “hoje tem aula e
nós vamos até 11 da noite.” “Ah, esse cara é muito chato.” “Oh, pessoal, hoje não tem aula.
Podem ir para casa.” “Ah, que legal. Esse é um bom professor. Então para eles o bom
professor é o cara que não dá matéria, é o cara que não cobra na prova, é o cara que não
aula.” [P9]
“Tem aluno que não sabe nada e é arrogante. Esse tipo de aluno não para você construir
uma relação. Por quê? O cara não quer. Entendeu? Ele te vê sempre como inimigo. Não sei se
é porque ele não gosta do pai dele e ele você como sendo um cara que está cobrando-o
igual o pai dele o cobra. Então ele tem raiva de você. Professor nenhum presta. Então com
esse tipo de cara não para ter relação. O cara está fechado. Eu sinceramente, não dou tipo
que fica adulando não.” [P9]
“Então tem uma ou outra dificuldade que eu tenho com uma turma que antes era muito ruim,
era muito sofrido entrar na sala de aula, era muito difícil. “Puxa, eu vou ter aula com aqueles
caras de novo. você vai falar para as paredes, para as portas e depois ainda falam mal
então, assim, isso me marca sempre. Talvez até por isso eu tente me dar bem com as turmas,
porque é um sentimento muito ruim você ter que trabalhar, dar aula, sem querer, sem ter
vontade.” [P10]
Como visto na categoria 7, da mesma forma que investir e fortalecer a relação professor-
aluno pode trazer inúmeros benefícios para o processo de ensino-aprendizagem, uma relação
conflituosa entre professores e alunos pode estabelecer um ambiente pouco produtivo, onde se
privilegia ações isoladas em detrimento ao trabalho coletivo, prejudicando a saúde mental de todo o
grupo. Da indisciplina que emerge em sala de aula, podem emergir conflitos que, em alguns casos,
de forma violenta, coloca os professores diante da temática da violência em sala de aula e da crise de
autoridade do professor. Para Aquino (1998) o professor vivencia certa contrariedade em sua atuação
uma vez que, como representante institucional, vê-se no papel de mantenedor da ordem e da
planificação do conhecimento, perpetuando o caráter homogeneizador da escola. Por outro lado, o
79
professor tem como missão incentivar as diversidades e auxiliar o aluno a harmonizar suas
características individuais ou pessoais às demandas da profissão escolhida.
“No primeiro anos eles [alunos] tinham basicamente disciplina. O máximo de contato prático
que eles tinham era com lâmina de laboratório, microscópio e peça anatômica. Onde eles
tinham que começar as atividades mais práticas da fisioterapia era no segundo ano. Então no
segundo ano você já lidava com isso um pouquinho, mas ao longo do primeiro ano eles já meio
que já iam se preparando para o que vinha, mas agora esse conteúdo veio para o primeiro ano
então eles estão vendo anatomia.” [P4]
“(...) eu não tinha uma experiência em saber tratar com o aluno de ensino superior e com aluno
daquele perfil. Algumas atitudes diferentes, como a forma que eu me apresentei à turma, o
modo que usei para falar com os alunos que foi de uma maneira mais solta. Eu acho que isso
já fez uma grande diferença.” [P11]
A organização do curso, o conteúdo das disciplinas iniciais, também podem constituir uma
fonte de conflitos e dificultar a adaptação dos alunos ingressantes. Da mesma forma, adaptações
podem ser exigidas dos professores no sentido ajustaram sua prática a fim de acessarem os alunos
com maior efetividade.
“(...) eu dou aula para vários períodos, vários semestres. É que de fato, o primeiro ano, é mais
desafiador. Por quê? São muitos alunos em sala de aula. É uma coisa insalubre. Por quê? Não
tem condições físicas e você perde aquele contato mais próximo do aluno. É muito ruim você
entrar em sala de aula e não saber o nome de alguns alunos.” [P6]
“(...) é muito raro ter esse contato mais próximo e você poder ajudar, você poder ser professor
de fato. E não você ser meramente um formador de massas. É uma coisa anti-universitária e
deve ser muito bem pensado, aprimorado e evitar que aconteça isso (...).” [P6]
“(...) a pedagogia parece muitas vezes que caminha afastada da realidade em sala de aula.
Uma coisa é você ter uma sala com 40 alunos, 50, perfeito. Agora, quando você tem mais de
100, 110, 123, é algo seriíssimo, muito sério.” [P6]
“Para a universidade é ótimo, conseguiu muitos alunos, mas para os professores não, porque
falta o suporte. E até pensar melhor nisso, se é isso mesmo que queremos ou não.” [P6]
Um tema bastante complexo e que mobiliza grande parte dos entrevistados é a grande
quantidade de alunos em sala nos semestres iniciais. A partir das falas abaixo, é possível verificar
que a relação ensino-aprendizagem fica prejudicada com tais quantidades de alunos, e que a
sobrecargas de trabalho e psicológica tornam-se demasiadas para os docentes (BRANDÃO; MARINS,
2007; CRUZ; DIAS, 2009; MANENTE et al, 2007; QUEIROZ; SANTOS, 2006). Nesse contexto, as
relações individuais se empobrecem e exigem que o professor desenvolva uma visão coletiva, grupal
de sua sala, e aja a partir dessa visão.
“Eu acho legal que existem algumas turmas que se unem muito no começo e que depois
começam a adquirir algumas dificuldades. Eu acho que a relação entre eles é difícil com o
passar do tempo, acho que principalmente quando você pede trabalhos em grupo.” [P2]
Silva e Villani (2009) consideram que o conhecimento sobre o processo de aprendizagem dos
alunos constitui uma informação importante para o professor para regular as atividades de sala de
aula e modificar suas intervenções. Assim, quando o professor opta por uma dinâmica que envolve
grupos, o conhecimento do seu processo de desenvolvimento é muito importante para que as
80
intervenções alcancem a meta almejada. É necessário que o professor consiga ter um controle
(relativo), cognitivo e afetivo, sobre os mesmos, ou seja, quando ele consegue entender o que ocorre
nos vários grupos e, sobretudo, explorar a transferência pedagógica em favor do desenvolvimento
dos mesmos. Sem essa noção mínima, os resultados podem ser mais insatisfatórios do que a
modalidade de instrução tradicional. Para Souza, Monteiro e Elgues, (2007), é certo que não basta
apenas os professores universitários reconhecerem a importância do trabalho em grupo, é preciso
mais do que isso. Desenvolver as competências necessárias para esta prática, com certeza, permitirá
que esses profissionais possam exercer sua docência com maior e melhor qualidade.
Para Vasconcelos (2002), qualquer um pode ter possibilidade de ser professor universitário, o
foco de seus questionamentos está concentrado no amadorismo pedagógico presente na maioria dos
professores que exerce a docência neste nível de ensino. Segundo a mesma autora, o perfil do
professor de ensino superior encontrado nas IES se assenta em quatro grupos:
a) transmissor de conhecimentos - transmite com competência aquilo que sabe;
b) conscientizador de seus alunos, perde-se na crítica excessiva (muitas vezes político-
partidária), deixando de lado sua função formadora e informadora;
c) pesquisador que dedica o máximo de seu tempo ao estudo e à pesquisa, porém com
resumida atividade docente;
d) e, por último, aquele que alia docência e pesquisa, este geralmente está nas IES privadas
e precisa de um número elevado de aulas para garantir um salário razoável.
Considerando a crescente expansão de ofertas para o ensino superior nos últimos anos, a
forte pressão da sociedade globalizada na lógica de formação universitária e o predomínio das IES
privadas, se pode inferir que surge uma tendência de perfil que irá delinear o professor universitário.
Tal tendência, no presente quadro, serão os profissionais que, além do exercício de sua profissão,
estarão acrescentando às suas atividades profissionais, a docência em um determinado curso
superior. O importante a ressaltar neste perfil está no fato de que a sua presença na docência
acrescenta um valor inestimável aos cursos universitários, pois a articulação da teoria e prática é
imprescindível para a formação profissional. Porém, a supervalorização deste padrão pode fortalecer
o risco de subestimação do conhecimento teórico em detrimento do prático. (RODRIGUES, 2006).
Santos (2006) aponta para o despreparo dos docentes acerca do manejo das demandas de
sala de aula, uma vez que os professores dominam os conteúdos de suas disciplinas, mas não
demonstram saberes pedagógicos por não terem essa formação. O autor conclui ainda que a
titulação dos decentes contribui para o aumento dos seus conhecimentos específicos, não
interferindo na sua prática docente. Do mesmo modo, Marques (2006), destaca que o despreparo
pedagógico dos professores acadêmicos pode comprometer a afiliação acadêmica e a permanência
na IES de estudantes que buscam uma formação adequada ao exercício de uma profissão. Segundo
81
a autora, as dificuldades mais observadas entre os docentes compreendem a seleção dos conteúdos
de ensino, a organização, a dinamização e avaliação de situações de aprendizagem e a gestão das
atividades de ensino que são distribuídas em grupos de trabalhos para auxiliarem na formação
desejada.
A falta de uma compreensão de fenômenos grupais pode levar os docentes a não incentivar o
trabalho em grupo, na tentativa de evitarem conflitos em sala de aula que terão dificuldades de
resolver de uma forma harmoniosa.
“(...) a gente que trabalha com universidade semestral, curso semestral. Muda muito. Você está
numa turma num semestre e no outro você vai para outra. Aí a outra turma trabalhava com o
professor de uma maneira, então você também... Então eu falo que é uma constante
adaptação.” [P2]
A atividade de docente traz em si uma característica peculiar que é a necessidade de estar
sempre se renovando, especialmente em cursos semestrais. A cada nova turma, os professores
necessitam se reorganizar cognitiva e psicologicamente a fim de receber o novo grupo. O trabalho
realizado, os nculos formados devem ocupar outro espaço para que novas construções e novos
laços se estabeleçam. Essa característica da atividade docente pode constituir uma barreira que
exigirá diferentes níveis de esforços para ser transposta, considerando as características individuais e
recursos psicológicos de cada docente.
“Eu não me sinto preparado para abordar temas de promoção de saúde em aula.” [P11]
Especificamente sobre tema promoção da saúde, verificou-se a falta de familiaridade dos
docentes entrevistados com o conceito e este foi, em grande parte dos casos, compreendido como
uma disciplina, um conteúdo a ser ensinado e não um conjunto de práticas a ser incorporadas na
rotina acadêmica de professores e alunos.
“O cotidiano é muito maçante para gente [professores]. São sempre muitas coisas para fazer e
a gente nunca tem tempo e isso acaba gerando um cansaço grande, um estresse muito
grande.” [P8]
“(...) quanto menos pressão, e essa pressão como eu te disse, prejudica tanto os alunos
como a gente, é tentar contornar isso. Acho que esse é o principal ponto relacionado a saúde
na sala de aula.” [P8]
Um ambiente estressor, que comprometa a qualidade de vida dos professores, pode também
configurar um cenário não promotor da saúde.
“(...) vamos falar de posturas em sala de aula, a postura do andar, do sentar, do ligar os
equipamentos. começa pelo próprio ambiente de sala de aula que não é propício. Então o
professor meio que tem que abaixar. Muitas vezes a gente se de joelhos tentando ligar o
equipamento que está lá atrás. A lousa é extremamente alta, muito mais alta do que os
próprios braços. Estou te falando do ambiente físico. Depois, a cadeira muitas vezes é
inadequada, a gente não tem uma postura ideal.” [P7]
82
Problemas de ergonomia em sala de aula também podem trazer conseqüências indesejadas
à saúde física dos professores, comprometendo seu desempenho e também sua saúde mental.
“Eu tive uma experiência aqui, às nove e meia da manhã, com uns alunos na padaria. Eu fui
pegar um café com leite e pão e encontrei três alunos, cada um com uma dose de vodca e uma
latinha de coca-cola para misturar, no intervalo da minha aula.” [P1]
“(...) têm muitos [alunos] que você sabe que beberam, não estão alcoolizados. Turmas de
primeiro semestre têm muito disso. Os caras saem no intervalo, vão ali, tomam duas cervejas e
voltam e tal. Já voltam mais alegres.” [P10]
“Você tem que saber que existe isso, você tem que saber que isso é, para uma faixa muito
grande de jovens, uma rotina. “Fumar um pouquinho.”; nossa, isso deve ser muito disseminado
por aí. E que isso não é indício de marginalidade. Porque eu tenho colegas que vêem nisso um
indício de marginalidade: “são vagabundos!”. Não, não é isso. Eu posso ter um menino que faz
isso e é um tremendo trabalhador. Isso não é, para mim, um início de que ele é um
vagabundo.” [P5]
“É comum. É que eu não sei separar muito a questão da droga, enfim, a gente é leigo na área.
Mas aluno drogado ou bêbado é comum. Não é tão difícil não. Eu tive também aluno que
chegou bêbado para fazer prova.” [P9]
O consumo de substâncias psicoativas, mais especificamente o álcool e a maconha, são
mencionados pelos docentes como fatos desfavoráveis para o estabelecimento de um ambiente
promotor de saúde. Fica evidente a normalidade que o consumo dessas substâncias assumiu no
ambiente acadêmico. Segundo o relato dos professores, a abordagem e o manejo de situações que
envolvam este tema quase sempre é realizada a partir da experiência pessoal do professor, não
sendo mencionadas ações direcionadas ou algum tipo de orientação por parte da instituição.
“(...) temos aqui [na Metodista] um pessoal muito bom, muito competente, das mais diversas
áreas. O que falta é esse pessoal chegar mais, mais próximo desses cursos mais difíceis do
ponto de vista da saúde.” [P6]
“A própria universidade não nos ajuda a pensar a dificuldade, não nos ajuda e podia ajudar. O
que fazer? Fazer grupos de trabalhos para discutir isso, chamar gente da pedagogia, da
psicologia. Como resolver isso? Que exemplos bons temos? Que situações difíceis temos?
Como resolver isso? Porque muitas vezes o professor resolve por conta dele mesmo ou
conversando com algum colega. Mas não tem essa troca de experiências e isso poderia ser
muito positivo. Evitar que se chegue a uma situação em que não se resolve nada, muito pelo
contrário. É difícil. Ser professor hoje em dia não é fácil não.” [P6]
A partir desse contexto, fica evidente a necessidade de um maior suporte institucional para os
professores e alunos, para que atividade docente possa estabelecer um diálogo com outros entes
institucionais de forma a tornar a atividade docente menos onerosa do ponto de vista psicológico.
“(...) promover esse tipo de saúde hoje, essa saúde emocional vamos chamar assim, eu acho
muito difícil no mundo em que nós vivemos e na cidade que a gente vive, no ambiente que a
gente vive. Nessa agressividade que o mundo capitalista nos impõe. E, na verdade, se você for
ver, toda essa busca de alguma coisa é para alcançar o vento.” [P1]
Considerando que a instituição de ensino, bem como seus protagonistas, estão inseridos num
contexto maior, é necessário que ao falar em promoção da saúde se estabeleça não diálogos
internos, mas também externos, visando uma articulação social que permitam ações mais
abrangentes e efetivas.
83
Por este motivo, acredita-se que políticas públicas de saúde isoladas não sejam o único
caminho para a melhoria das condições de saúde mental. Apesar de falta de dados mais confiáveis,
acredita-se que ões em áreas de não-saúde, como na área social, também possam colaborar para
a promoção da saúde mental. Da mesma forma é fundamental para a promoção da saúde mental um
ambiente onde sejam respeitados e protegidos os direitos civis básicos, os direitos políticos, sociais e
culturais. Assim, entende-se que a promoção da saúde mental requer esforços e políticas
intersetoriais, tanto do setor público como do setor privado, e que incluam as áreas da educação,
trabalho, justiça, transporte, meio-ambiente, moradia e bem-estar, bem como, ões específicas na
área da saúde destinadas a prevenção e tratamento de problemas de saúde. No entanto, todos
podem fazer algo no sentido de promover a saúde mental. Especialmente os gestores dos governos
de vel local e nacional, cujas ações afetam a saúde mental de maneira indireta. Os organismos
internacionais tamm podem assegurar que os países em todas as fases de desenvolvimento
econômico estejam conscientes da importância da saúde mental para o desenvolvimento da
comunidade. Eles também podem incentivá-los a avaliar as possibilidades e meios de intervir para
melhorar a saúde mental da população (WHO, 2005).
Em síntese, esta categoria evidenciou alguns dos fenômenos que não favorecem o
desenvolvimento de um ambiente universitário na instituição estudada. Segundo os professores
entrevistados, o ambiente no qual a escolha da profissão é feita, o despreparo emocional e cognitivo
dos alunos, bem como, seu imediatismo e vícios familiares e culturais que o acompanham ao
ingressarem na universidade dificultam um ambiente promotor da saúde. Da mesma forma, uma
visão mercantilista da formação universitária que coloca o conhecimento como um produto a ser
adquirido, uma relação conflituoso entre professores e alunos, a organização do curso e o conteúdo
de algumas disciplinas iniciais não colaboram para a integração e adaptação dos alunos nos
primeiros semestres dos cursos. No que diz respeito aos professores, nota-se que a dificuldade em
trabalhar com grupos e seus respectivos fenômenos grupais, o despreparo pedagógico de muitos
docentes, o rompimento dos vínculos professor-aluno ao término de cada semestre, um ambiente
estressor e repleto de pressões por produtividade intelectual também criam barreiras a ser vencidas
para o estabelecimento de um ambiente promotor da saúde. A falta de ergonomia, o
desconhecimento do conceito de Promoção da Saúde e seus desdobramentos, bem como, o hábito
de consumir substância psicoativas de muitos discentes, completam a lista de impedimentos para o
estabelecimento de um ambiente acadêmico mais saudável e que favoreça o ensino-aprendizagem.
Na próxima categoria, serão apresentados os trechos que descrevem como os professores lidam com
alunos que, em suas opiniões, lhe causam algum tipo de desconforto.
4.9. C
ATEGORIA
9:
M
ANEJO DE
A
LUNOS
G
ERADORES DE
D
ESCONFORTO
Nesta categoria foram reunidos os trechos das entrevistas que ilustram o modo como os
docentes participantes da pesquisa lidam com alunos que, do ponto de vista dos entrevistados, lhes
geram algum tipo de desconforto ou situação problema em seu cotidiano.
84
“Eu acabei pegando esse aluno, levando para o banheiro, sentando-o no banheiro, deixando
passar o porre dele. Deixando passar o ponto mais crítico da coisa. Eu assumi o problema. Não
fiz absolutamente nenhum comentário pejorativo, até porque eu o sou pai dele, tentei ajudar
e a partir do momento que ele estava bem, aí sim, eu liguei para os pais, chamei e no outro dia
ele até me agradeceu, numa boa.” [P3]
“Não é minha função falar: “garoto, você vai beber? Não pode beber.” É o pai que tem que
olhar essas coisas. Eu acho que também vem um pouco da família.” [P9]
Diante de uma situação que exija uma efetiva intervenção do professor, foi possível identificar
que os docentes reagem de diferentes formas. Um dos modos encontrado por um dos docentes para
lidar com um aluno alcoolizado foi assumir a responsabilidade sobre o mesmo até considerar a
situação sobre controle e então transferir a responsabilidade para os pais do aluno. Já numa situação
semelhante, outro docente se isenta de qualquer responsabilidade, transferindo diretamente a
responsabilidade para os pais do aluno.
“(...) é muito melhor você tirar essa iniciativa dele [aluno alcoolizado]: “vem cá, não faz mais
isso”. no outro dia você explica: “olha, estava ridícula a situação, todo mundo rindo da sua
cara. É isso que você quer para sua vida?” Conversa numa boa e tal, mas nada pejorativo ou
íngreme de forma que a gente crie problemas.” [P3]
“Eu tento ser o mais próximo possível [do aluno], só que eu sou daquele que cobra, não tenho
medo de cobrar, e num aspecto eu sou um pouco crítico. Então eu critico, se eu acho que
tenho que falar então eu critico. Mas eu tento criticar da forma mais doce possível. [P4]
“(...) é muito raro um aluno realmente chegar e abrir tudo. E isso exige um tempo, uma
dedicação muito forte. Aí se for o caso, você a pode abordar assim, muito de maneira
genérica, algum assunto semelhante, matéria e tal. Sem tocar diretamente no caso dele.
Preservando, é lógico, a sua individualidade como ser humano. Então isso também é possível.
Ou encaminhando a um serviço que você saiba que funcione. Ou também dando dica de
leituras, filmes, músicas. Isso é muito bom, eu percebo isso. Quando falamos em filmes,
músicas, pronto! Universo deles. Então é saber o que é que a pessoa tem como... As
preferências... Deve chegar por aí e não chegar já com um discurso.” [P6]
“Com relação aos [alunos] depressivos, não sei, é comum a gente chegar e, às vezes, tem
aluno na sala, tem aluno chorando, mas é porque está com problema com o namorado, não
é que o aluno é depressivo e tal, às vezes eu chego, passo a mão no cabelo, pergunto se
está tudo bem e tal. “Ah professora, briguei com a minha mãe e não sei o que e tal.” “Ah, mas
isso acontece.” Mas é um bate papo mesmo, não é um professor-aluno. converso um
pouquinho, falo que é natural e tudo.” [P8]
Outros docentes preferem orientar os alunos, acreditando que ao mostrar-lhes outra
possibilidade possam então corrigir um comportamento ou uma situação que julgam não estar correta
ou até mesmo proporcionar algum suporte emocional para o aluno em questão.
“Eu me lembro que eu pedi uma resenha de um livro, a classe foi bem, mas ele [aluno] tinha
um texto muito bom. Mas acho que ele se sentia uma coisa que eu acho perigoso, muito auto-
suficiente. Portanto, ele tratava tudo aquilo com desprezo, com uma indiferença, e tinha relação
a uma postura meio cínica. Mas não tem problema, vamos em frente. Aos poucos a gente se
aproxima e cuida dessa relação.” [P5]
“Se a pessoa está a fim de que eu tenha um contato com ela, eu me abro. Mas se o cara é
fechado, o cara não está afim, o cara não gosta de mim, eu também não vou ficar atrás dele
não. Eu não fico lambendo não.” [P9]
Investir numa aproximação individual, de forma a fortalecer os vínculos com determinados
alunos pode ser uma alternativa válida para alguns docentes. No entanto, para alguns docentes o
85
sucesso dessa aproximação parece estar mais centrado na disponibilidade do aluno enquanto que
para outros o sucesso depende da persistência do próprio professor.
“Eu ando o tempo inteiro na sala e ponho a mão. Eu gosto muito dessa coisa do contato físico.
Até uma vez me alertaram que isso não deve ser feito. Eu tenho muito mania de o cara está
conversando e eu chego, continuo falando, mas eu chego e coloco a mão. Quando eu ponho a
mão ele pára e presta atenção naquilo que eu estou falando.” [P7]
O contato físico parece ser a alternativa para outro docente. Através do toque consegue
impor a sua presença e, no seu ponto de vista, restabelece o controle da situação. Para Castro e
Silva (2001), fica claro que os docentes valorizam a comunicação como um dos elementos essenciais
para a interação com os alunos em sala de aula e que são capazes de citar a comunicação não-
verbal como um aspecto importante da interação. Assim, exemplificam e desenvolvem o raciocínio
sobre a importância do olhar, da postura física do professor, da distância a ser mantida em sala de
aula, do uso do toque, mas desconhecem, muitas vezes, a abrangência e o significado dos gestos
adaptativos e do paraverbal ou paralinguagem.
“Outro dia eu estava com uma turma aqui que tinha três meninas alcoolizadas, absolutamente
impossível de se negociar. Até que eu pedi, falei: “gente, vamos fazer o seguinte: guardem
essas suas perguntas para o final porque são perguntas específicas e não podem generalizar
com o tema.” É claro que tinha a ver um pouco com o tema, mas eu quis dar um cala a boca
porque senão você pede a classe. Em todos os sentidos. Perde a classe na educação e perde
a classe no sentido de estar com ela nas mãos.” [P1]
A dissuasão foi o recurso utilizado por outro docente para lidar com as falas de alunas
alcoolizadas em sala de aula e tentar manter o controle da sala.
“Eu não coloco nenhum tipo de atenção sobre ele [aluno] que permita, a ele ou a classe,
deduzirem que eu sei que ele está drogado. Porque eu criaria, em relação a esse menino, um
problema cuja dimensão eu não teria condições de acompanhar. Primeiro, que eu tenho que
respeitar a individualidade dele, eu não tenho nenhum papel de crítico da atitude dele. Não sou
um cara que dou atendimento para ele desse tipo.” [P5]
“(...) tem aquela aluna que chega na classe vestida de maneira absolutamente provocante,
seminua. Não posso ter nenhum tipo de atitude nem insinuante e nem de crítica. Você tem que
ficar indiferente, é como se não tivesse acontecido.” [P5]
Muitas vezes os docentes entendem que a melhor forma de lidarem com determinadas
situações é tornando-se indiferentes a elas. Acreditam que assim não depositam a atenção da sala
sobre o fato evitando que o mesmo ganhe uma notoriedade indesejada.
“Isso é uma coisa que eu falo no primeiro dia de aula: “você não está a fim, vem, conversa
comigo e pode ir embora. Eu quero que você tenha a responsabilidade depois de pegar a
matéria e vir conversar comigo e tal”.” [P2]
“[quando não se gosta da turma] Você trabalha o mínimo possível. Você para os caras o
mínimo que você pode dar para eles. Então você fala só o que você precisa falar, você passa o
mínimo para ser profissional. Você não vai dar nada a mais para o cara, você não vai conseguir
despertar nada, então você trabalha o mínimo possível.” [P10]
Mais freqüentemente observa-se que a dispensa de um aluno ou até mesmo da sala toda se
tornam possibilidades de manejo para o docente lidar com uma situação problema. Quando da
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impossibilidade da dispensa, o docente pode procurar abreviar o máximo possível seu contato com a
sala, falando só o que julgar essencial e transmitindo o mínimo de conteúdo possível a fim de
minimizar sua ansiedade e desconforto frente à determinada situação.
“Eu tive que peitar aluno. Eu tive que peitar aluno a ponto de quase catar o cara pelo
pescoço mesmo. Foi quase uma briga mesmo. Você preparado para o cara te dar um murro e
você ter que defender.” [P9]
“Tem hora que você tem que dar uma de: “eu sou o rei, eu mando aqui e você cala a boca.” Às
vezes, você tem que partir para uma situação dessas. Tem que mostrar autoridade, como se
fosse um policial. “Olha, está aqui o meu distintivo. Aqui eu sou eu e acabou.” É uma situação
difícil.” [P9]
“Então, a priori, a gente começou com uma chamada de atenção e até por serem alunos,
alguns deles chegaram a maioridade e tudo mais. A gente tenta então dizer que eles não
são mais as crianças que eles eram no ensino médio e tal, mas muitas vezes essa estratégia
não tem funcionado (...).” [P11]
“(...) algumas estratégias envelhecem e eles começam a tentar burlar sua estratégia um pouco,
mas a gente uma pausa na estratégia e depois volta um pouco. Bom, a turma melhorou
consideravelmente, pelo menos nas minhas aulas.” [P11]
Num outro momento, o docente pode partir para um enfrentamento verbal com o aluno,
ficando bem próximo de um enfrentamento físico. Destaca-se aqui uma imposição das relações de
poder presente em sala de aula. O professor faz uso de sua autoridade para controlar e manter a
ordem. Em uma situação menos extrema, os docentes se utilizam das mais variadas estratégias para
manter o controle dos alunos e a ordem em sala de aula.
“Tem aquele [aluno] que não tem jeito. Tem aquele que você, faça o que fizer, ele vai sempre
ser uma lástima. Não quer estudar, é desorganizado, não quer nada com a vida. E para
frente vai descobrir, algum dia, se for um mal profissional, vai descobrir que não era bem isso.”
[P4]
O docente também pode manifestar sua descrença em relação a um determinado aluno,
isentando-se da responsabilidade de se debruçar sobre o caso na tentativa de compreendê-lo melhor
e auxiliá-lo ou então encaminhar o caso para outras instancias da instituição.
Leite (1997) destaca algumas características peculiares à relação professor-aluno numa sala
de aula. Para o autor, a percepção do professor é diferenciada entre o aluno “aprovado” e o aluno
“reprovado”. O primeiro sempre será alvo de elogios, pois é passível ser alvo de projeção do
professor uma vez que ocorre a identificação. o aluno reprovado sempre será alvo de crítica, pois
é muito improvável que alguém projete algo em alguém com que não se identifica. O autor menciona
também que padrões ideais da sociedade são introjetados pelo professor, que procura transmiti-los
aos seus alunos, mesmo que não seja adepto ou praticante de dos mesmos. A mudança da
qualidade em relações interpessoais, do ponto de vista pedagógico, nem sempre é tarefa fácil. O
modo de agir de um indivíduo se configura para conseguir, muitas vezes, um precário equilíbrio
interno e sabe-se muito bem de como um indivíduo se defende na tentativa de uma possível
desestabilização desse equilíbrio interno.
87
“Você conseguir ter atenção de alunos, numa sala com 100 alunos, tentar aprender a atenção
deles, por mais que você faça malabarismo, strip-tease, não dá. Em alguns casos, eu conheço
exemplo de pessoas que, de fato, partem para a violência mesmo. Quebram cadeiras e assim
por diante, para tentar chamar a atenção dos alunos e conseguir reter a atenção deles.” [P6]
Percebe-se aqui, por parte de alguns professores, uma supervalorização da aula expositiva.
Especialmente quando se tem um número grande de alunos na mesma sala, como é o caso nas
turmas de primeiro ano, os docentes podem não medir esforços no sentido de conseguir reter a
atenção da turma para si a fim de viabilizar a sua aula.
Servilha e Monteiro (2007), também verificaram em seu estudo sobre estratégias para obter a
atenção discente o uso variado de técnicas de ensino, porém, com predomínio da expositiva. Tais
estratégias foram reunidas em três modalidades: a) recursos internos ao professor, como linguagem
bem estruturada, definição articulatória, variação de freqüência e intensidade vocal, uso de pausas e
ênfases, contato visual com os alunos, pedido de atenção ou silêncio, uso de gestos; b) recursos
externos ao professor, como a utilização de equipamentos audiovisuais e c) relação teoria-prática, na
qual os professores contextualizam o assunto para o aluno, trazendo para a sala de aula sua
experiência. Diante da ineficácia dessas estratégias, os docentes optavam por mudar a dinâmica da
aula, conversar com os alunos e suspender o discurso para criar um clima de expectativa. A partir dos
dados obtidos no estudo concluiu-se que os professores valorizaram os conteúdos, o tipo de aula e o
uso de recursos audiovisuais na relação professor-aluno e que os recursos vocais foram lembrados e
utilizados como estratégia para captar atenção discente.
Nesta categoria verificamos quais estratégias foram mencionadas pelos docentes
entrevistados para lidar com aqueles alunos que, nas suas opiniões, geravam algum tipo de conflito
ou desconforto em sala de aula. Percebe-se que uma grande variedade de estratégias foram
mencionadas, desde uma orientação até um enfrentamento verbal. Gostaríamos de ressaltar aqui que
as estratégias adotadas são selecionadas a partir dos recursos psicológicos de cada docente, uma
vez que o parecem ter um suporte oficial da instituição para discutir com seus pares e outros
profissionais as melhores maneiras de lidar com as situações mencionadas.
88
5. C
ONSIDERAÇÕES
F
INAIS
Este estudo teve como objetivo geral compreender como o professor universitário percebe e
lida com a sua saúde mental e a dos seus alunos em sala de aula e como objetivos específicos
verificar conceitos de saúde e promoção de saúde; identificar, a partir do ponto de vista dos
professores, contextos promotores e o promotores da saúde em sala de aula e identificar
estratégias de manejo com alunos considerados pelos professores como geradores de desconforto.
A partir das entrevistas foi possível compreender como ocorre a atividade docente no
contexto universitário, bem como, de que forma essa atuação é percebida e vivenciada pelos
professores entrevistados. Algumas limitações contextuais impuseram certa dificuldade na obtenção
dos dados. Acreditamos que a realização das entrevistas no próprio espaço da universidade não
permitiu o distanciamento necessário para uma fala mais isenta e espontânea. Percebe-se em muitos
momentos certa inibição na fala dos entrevistados que mostraram dificuldade em abordar os conflitos
vivenciados em sua profissão de forma mais crítica e direta.
O método escolhido possibilitou um contato mais próximo com os docentes além de permitir
uma maior flexibilidade na escolha dos participantes. A constante intercomparação dos dados
coletados ofereceu-nos a oportunidade de nos apropriarmos dos fenômenos observado, bem como,
nos ajudou a visualizar possibilidades de intervenções. Faz-se necessário informar que o método
escolhido, a Ground Theory, não pôde aqui ser aplicado em sua totalidade, pois entendemos que
esta pesquisa teve um caráter exploratório, inicial, daí nosso compromisso de melhor compreender
uma realidade antes de propor alguma teoria ou hipótese que explicassem os fenômenos nela
encontrados.
Os professores revelaram expectativas de que o aluno, ingressante na universidade,
estivesse mais maduro, mais consciente de suas obrigações acadêmicas e melhor informado das
responsabilidades que sua profissão lhe exigirá. Assim, o aluno aparece por diversas vezes como o
“problema” dos docentes, que os responsabilizam por muitas das adversidades ocorridas em sala de
aula. Assim, a falta de maturidade, o despreparo vocacional e intelectual dos alunos ingressantes
parece, a partir das falas dos professores, serem os grandes dificultadores da atuação dos
professores.
A relação entre docentes e alunos mostra-se oscilante, variando de momentos de amizade
extra-sala até momentos de expressão de franco descontentamento. Assim, são observadas
situações nas quais os professores demonstram total impotência frente ao comportamento de certos
alunos até demonstrações de poder e autoritarismo entre ambos, que beiram a agressão física em
sala de aula. A fim de evitar um aumento nos índices de evasão ou mesmo de serem motivo de
reclamação junto à coordenação, os professores sentem-se pressionados a serem aceitos pelas
turmas e muitas vezes se percebem tendo que se calarem quando confrontados pelos alunos que,
89
considerando-se clientes da instituição, tomam a liberdade de se manifestar das mais variadas formas
sem admitir serem repreendidos por isso.
Observou-se nas entrevistas dos professores o desejo por um aluno mais ativo e participativo,
no entanto, foram mencionadas poucas demonstrações de estímulo para que essas atitudes fossem
desenvolvidas nos estudantes. Identificou-se que rigidez dos planos de ensino e das práticas de
aulas que limitam o espaço para o desenvolvimento de estratégias de ensino e aprendizagem que
sejam acordadas entre alunos e professores.
Um dos fenômenos centrais identificados a partir dos relatos dos professores diz respeito à
prática docente. A partir de uma postura centralizadora, o professor empenha-se em preparar uma
aula de qualidade, mas seu trabalho diminuído ou pouco valorizado pelos alunos que preferem,
muitas vezes, jogar futebol ou irem para os bares da região a participar das aulas. Outra questão
observada foi a demasiada valorização da aula expositiva por parte dos professores que tem nessa
modalidade de aula uma das suas principais estratégias pedagógicas. A recorrente expressão “dar
aula” utilizada pelos professores denuncia uma falta de interatividade na relação entre professores e
alunos, pois supõe uma comunicação de direção única e não valoriza uma construção coletiva na
sala de aula, anulando muitas vezes o saber do aluno. A aula “dada” parece também ser o modo pelo
qual o professor oferece o seu bem mais precioso, o seu conhecimento, ao seu aluno, que não
raramente rejeita este bem ao fazer escolhas que desconstroem o modelo de aula e aluno
idealizados pelo professor.
A esse respeito, o professor parece não perceber a classe como uma coletividade e privilegia
tanto a produção individual, a fim de evitar os conflitos inerentes às atividades grupais, quanto o
estabelecimento de relações pessoais individuais. E é também de forma isolada que o professor
procura lidar com todas as dificuldades vivenciadas em sala de aula.
A atividade de professor foi percebida como uma atividade solitária, onde o docente conta
com os próprios recursos psicológicos e age a partir de seus valores pessoais e suas crenças para
enfrentar as adversidades que sua prática lhe proporciona. Dessa forma, os professores empregam
as próprias experiências, adquiridas na universidade ou em outros contextos, pois estas os auxiliam
no manejo da sala de aula.
Ao considerar-se como o responsável por tudo que ocorre em sala de aula, são freqüentes os
momentos em que o professor se frustra ao considerar os insucessos da sala como insucessos
pessoais. Raramente os professores se referem a outros entes institucionais com os quais pudessem
dividir suas responsabilidades. Pouco se relatou a cerca do projeto pedagógico do curso, reuniões
pedagógicas ou de um suporte mais efetivo oferecido pela coordenação dos cursos. Embora esses
recursos estejam disponíveis, os professores parecem não considerar outras instâncias acadêmicas
90
como uma possibilidade de suporte, seja para dividir a responsabilidade ou para melhor se
prepararem para sua atuação.
Do mesmo modo que os alunos não são considerados prontos pelos professores, fica-nos a
dúvida se os professores podem ser considerados prontos, do ponto de vista psicológico, para
realizarem suas atividades. A falta de uma visão mais integrada das instâncias acadêmicas,
começando pela própria sala de aula que não é percebida e manejada de forma coletiva e chegando
até os recursos oferecidos pela instituição que poderiam servir de apoio ao professor em casos que
estivessem além das suas possibilidades de intervenção, como por exemplo, ao lidar com casos de
alunos alcoolizados ou drogados em sala. Nesses casos verificou-se que não entre uma
orientação que auxilie os docentes a lidar com esses casos, cabendo a cada um decidir o que fazer.
fortes evidências de que é necessário desenvolver mecanismos que ajudem os docentes a lidar
com a frustração de uma atuação isolada, onde este responde por todos os sucessos e insucessos
ocorridos em sala. A necessidade em ser aceito pela sala e a dificuldade em ser contrariado pelos
alunos também se mostra um grande desafio psicológicos aos docentes.
É importante ressaltar a estranheza causada nos docentes pela idéia da promoção da saúde
em sala de aula. O tema pareceu não pertencer ao contexto de sala de aula, soando muito mais
como uma disciplina do que um conjunto de ações efetivas, realizadas pelos próprios professores, de
forma a tornar seu espaço de trabalho um ambiente mais saudável. Entendendo que para haver
promoção de saúde são necessárias ações articuladas entre todas as instâncias institucionais.
Diante das questões abordadas neste estudo, sugerimos algumas ações que podem
favorecer a construção de um contexto acadêmico com a atuação mais integrada do corpo docente:
- A criação de um espaço de discussão permanente, onde os professores pudessem trocar
experiências, expor suas angústias e dificuldades, bom como, pudessem encontrar um suporte
emocional e psicológico para sua prática;
- Maior aproximação dos conflitos presentes nos alunos em seus estágios iniciais, de forma
que o professor possa atuar mais no sentido de preparar o aluno para a vida acadêmica e não
somente exija um aluno pronto e totalmente receptivo aos conteúdos comunicados;
- Valorização de outras formas de aula em detrimento a aula expositiva, a fim de propiciar um
ambiente mais democrático e que permita um contato mais ativo do aluno para com os conteúdos
ministrados.
- Mudança da cultura do dar aula” para uma prática mais interativa, que incentive o aluno a
se desenvolver e a aprender a aprender.
91
- Maior diálogo entre professores, seus pares e instituição, de forma que o docente não se
sinta isolado em sala de aula, numa busca frenética por soluções individuais.
- Desenvolvimento de uma visão e uma compreensão coletiva da sala de aula que permita ao
professor lidar melhor com os fenômenos grupais emergentes e que o estimule a realizar trabalhos
em grupo sem medo de lidar com os conflitos intrínsecos a este tipo de atividade;
- Uma atuação mais efetiva por parte de todas as instâncias da instituição orientada à
promoção da saúde de todos os protagonistas da cena acadêmica, tornando sensível a professor e
alunos a viabilidade e necessidade de se promover um ambiente promotor de bem estar.
Gostaríamos de ressaltar que, mesmo diante de um cenário tão diverso e repleto de
contextos não promotores da saúde, o professor universitário muito tem feito para a manutenção de
um ambiente saudável, promotor da saúde e da aprendizagem. Sendo também vítima da uma
herança elitista e excludente que por muitos anos caracterizou o ensino universitário no Brasil, o que
se nota em sua maioria é que os professores muito tem se esforçado para se adaptar a uma nova
realidade, a um novo perfil de alunado que hoje chega aos bancos universitários. Seria injusto de
nossa parte desconsiderar a iniciativa de tantos docentes para a implementação de novas práticas
pedagógicas, de um investimento na relação professor-aluno e ma busca constante da troca de
informações com seus pares para melhor lidarem com o seu cotidiano acadêmico.
Para futuras pesquisas sobre a compreensão acerca da saúde mental na sala de aula,
sugerimos estudos que contemplem docentes e discentes dos cursos de graduação das diversas
instituições universitárias brasileiras.
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99
7. A
NEXOS
100
Anexo A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
ANEXO A
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA DA SAÚDE
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu,_______________________________________________________________, consinto em
participar do estudo “Saúde mental em sala de aula: a percepção de professores universitários” que
tem por objetivo compreender como o professor universitário percebe e lida com a sua saúde mental
e a dos seus alunos em situação de aula. Fui informado(a) que será utilizado para coleta de dados
um questionário de identificação e uma entrevista semi- estruturada que poderá ser gravada.
Tamm é de meu conhecimento que este estudo tem caráter acadêmico e será conduzido por
Denilson Grecchi, RG 24.445.818-2 e será coordenado pelo Professor Doutor Manuel Morgado
Rezende, professor da Universidade Metodista de São Paulo. Declaro, ainda, ter compreendido que
não sofrerei nenhum prejuízo de ordem psicológica ou física e que minha privacidade será
preservada. Concordo que os dados sejam publicados com fins acadêmicos ou científicos, desde que
seja mantido o sigilo sobre a minha participação. Estou ciente de que poderei, a qualquer momento,
comunicar a minha desistência em participar do presente estudo.
São Bernardo do Campo, ____ de ____________ de ______.
Doc: _________________________ _______________________________
Assinatura do participante
101
Anexo B - Declaração de Responsabilidade do Pesquisador
ANEXO B
DECLARAÇÃO DE RESPONSABILIDADE DO PESQUISADOR
Eu, Denilson Grecchi pesquisador responsável pela pesquisa denominada “Saúde em sala de aula: a
percepção de professores universitários”, declaro que:
- assumo o compromisso de zelar pela privacidade e pelo sigilo das informações que serão obtidas e
utilizadas para o desenvolvimento da pesquisa;
- os materiais e as informações obtidas no desenvolvimento deste trabalho serão utilizados para se
atingir o(s) objetivo(s) previsto(s) na pesquisa;
- os materiais e os dados obtidos ao final da pesquisa serão arquivados sob a responsabilidade do(a)
Universidade Metodista de São Paulo;
- os resultados da pesquisa serão tornados públicos em periódicos científicos e/ou em encontros,
quer sejam favoráveis ou não, respeitando-se sempre a privacidade e os direitos individuais dos
sujeitos da pesquisa, não havendo qualquer acordo restritivo à divulgação;
- o CEP-UMESP será comunicado da suspensão ou do encerramento da pesquisa, por meio de
relatório apresentado anualmente ou na ocasião da interrupção da pesquisa; assumo o compromisso
de suspender a pesquisa imediatamente ao perceber algum risco ou dano, conseqüente à mesma, a
qualquer um dos sujeitos participantes, que não tenha sido previsto no termo de consentimento.
São Bernardo do Campo, 23 de abril de 2008.
___________________________________
Denilson Grecchi
102
Anexo C - Declaração de Identidade de Conteúdo
ANEXO C
DECLARAÇÃO DE IDENTIDADE DE CONTEÚDO
Eu, DENILSON GRECCHI, RG 24.445.818-2 declaro que o projeto de pesquisa SAÚDE MENTAL EM
SALA DE AULA: A PERCEPÇÃO DE PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS do qual sou pesquisador
responsável, aqui apresentado para obtenção de parecer do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP-
UMESP1), possui conteúdo idêntico ao projeto de mesmo título apresentado à COORDENAÇÃO DE
APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR – CAPES, para obtenção de apoio
financeiro a sua execução. Através desta também me comprometo a comunicar ao CEP-UMESP
quaisquer modificações ou interrupção da proposta do projeto, ora apresentada, que aconteçam
durante seu julgamento.
São Bernardo do Campo, _______ de ______________ de 2008
__________________________________________________
Denilson Grecchi
103
Anexo D - Questionário de Identificação
ANEXO D
QUESTIONÁRIO DE IDENTIFICAÇÃO
Dados de identificação:
1. Nome:
2. Data de nascimento: ____/____/____ Sexo:_________
3. Há quanto tempo é professor(a)?
4. Em qual faculdade leciona?
5. Qual disciplina leciona?
6. Qual área de formação acadêmica e titulação?
7. Área de atividade profissional fora da academia? Se sim, qual?
104
Anexo E - Entrevista Semi-Estruturada
ANEXO E
ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
Questão Principal:
Fale-me, do modo mais amplo possível, sobre sua experiência em sala de aula como professor do
primeiro ano do curso de Fisioterapia/Jornalismo/Sistemas de Informação.
Questões complementares:
- O que você entende por saúde e promoção de saúde?
- Mencione práticas de promoção de saúde em situação/sala de aula.
- Mencione comportamentos saudáveis e não saudáveis de professores e alunos.
- Fale, de modo geral, sobre a sua relação com seus alunos.
- Você sente mais dificuldade em se relacionar com algum aluno(a) em particular? Como você o(a)
descreveria e como lida com ele(a)?
- Você sente mais facilidade em se relacionar com algum aluno(a) em particular? Como você o(a)
descreveria e como lida com ele(a)?
- Qual a sua percepção sobre a saúde mental dos seus alunos?
- Você vivenciou algum episódio em sala de aula que tenha lhe mobilizado emocionalmente?
Descreva o fato e como lidou com ele?
- Você teve que lidar, em sala de aula, com algum aluno(a) alcoolizado(a), sob efeito de drogas ou
com alterações de comportamento? Relate a experiência.
105
Anexo F - Entrevista Nr. 1
ANEXO F
ENTREVISTA Nr. 1
Identificação do Entrevistado:
Curso: Fisioterapia
Área de formação e titulação: Fisioterapia / Mestrado em Reabilitação
Tempo de magistério no ensino superior: 20 anos
Disciplina(s) que ministra: Morfologia humana (anatomia, citologia e fisiologia)
Entrevista:
E) Bom, professor, eu vou pedir para você falar, de modo mais amplo possível, sobre a sua
experiência como professor do primeiro ano do curso de fisioterapia.
P1) Deste ano ou de todos os anos?
E) De todos os anos.
P1) Olha, Denilson, a gente percebe que o aluno não está preparado com as suas decisões. Então eu
vou um pouco mais para frente para depois voltar para trás. Nós temos um público aqui de 18..., de
17 a 21, 22 anos, no máximo, tirando algumas experiências com pessoas mais velhas,
definitivamente, não sabem o que estão fazendo, o que definiram. E você fala assim: “Mas isso
está errado? Isso está correto?” Eu acho absolutamente normal. Porque nós com 40 anos, com 30,
chegamos em momentos da vida que nós não sabemos também o que nós vamos fazer, qual é o
caminho. Como é que nós vamos exigir de um jovem de 18 anos, de 17 anos, alguma situação de
decisão. Você soma esse fator: decisão quanto à vida profissional mais uma baixíssima capacidade
técnica do ensino médio de interpretação de texto, de cálculo matemático, de raciocínio realmente.
Eles não vêm aqui para raciocinar, eles o estão vindo aqui para raciocinar. Você tem que citar
outros fatores: ausência da família e etc. E no demais, é mais a condição técnica. Mas se você somar
esses três fatores a equação é muito ruim. Então assim você verifica que o aluno hoje não tem
preparo, nem emocional, no meu ponto de vista, nem familiar, nem de conhecimento técnico para
poder assumir uma profissão no seu primeiro ano de curso. Talvez aí, você tenha que mostrar para
ele, num primeiro momento, como é que é essa profissão, o que é que ele vai fazer, no primeiro
semestre, para que ele possa sentir o cheiro disso. É interessante porque ou você tem alunos que
vão comprar isso e vão embora ou alunos que estão saindo. Eu tive um caso esse ano aqui, nesse
semestre, de uma excelente aluna, excelente aluna, que chegou para mim e pediu uma ajuda para o
que falar com os pais porque ela não queria mais o curso de fisioterapia e ela queria o curso de
educação física. Então até você chegar à essência da coisa, você como é que é. A pessoa vem
106
desfocada nisso. Isso é por que uma chegou. Os outros, a maioria, ficam parados em silêncio, não
são proativos. A gente vê isso não é só na fisioterapia, mas na maioria dos cursos. Como eu dou aula
na maioria dos cursos da área de saúde aqui dentro, você vê, eles ficam absolutamente estagnados.
Eles vêm aqui, recebem informação e etc., mas você que a informação não está sendo absorvida.
Não sei se é pelo motivo dessa moçada, dessa juventude estar hoje com um conhecimento superficial
que faz a internet, que fazem os meios que com os quais se comunicam, sms, torpedo, entendeu? É
aquilo que a gente falava, então, o cara está acostumado a mandar uma mensagem rápida e entende
até siglas etc., e não está acostumado a uma conversa dessa, como esta que a gente está tendo aqui.
Não consegue interagir, o consegue ter essa interação interpessoal. E eu acredito que isso esteja
refletindo na sala de aula, porque não é um meio de comunicação que ele está acostumado. Ele vem
para um meio de comunicação que não é aquele que ele está lá, que é na internet, que é unilateral, e
aqui a coisa tem que ser bi-lateral. Se não for bi-lateral, não funciona, não vai. E até ele se acostumar
a realizar isso, foi embora o primeiro semestre. E foram embora alunos com sonhos, alunos que
não sabiam o que queriam. E aí você tem algumas explicações dos motivos da evasão.
E) E como fica o professor nisso tudo? Ele tem que lidar com todas essas variáveis que você colocou.
Ele está preparado? Como é que ele lida com isso?
P1) Raríssimos são os professores que conseguem observar todos esses fatores. Alguns observam
mais, outros menos, mas, você ter uma visão macroscópica disso é muito difícil. E aí o que o
professor geralmente faz? Ele vem para cumprir o seu trabalho. Vem, o seu conteúdo e vai
embora para casa. E aí, ou facilita na prova ou conversa com um, conversa com outro. Isso depende
de cada professor, mas eu estou generalizando. O que deveria ser a relação mais importante que é
essa ida e volta, essa estrada de mão dupla aqui, não está sendo, porque também o professor
desanima com a reação dos alunos, ou seja, com a não reação dos alunos. Então, ou o professor se
revolta ou, depende do perfil dele, se acomoda e vem para dar o seu conteúdo. Assina o ponto e vai
embora. Não participa, não se envolve, não faz isso. Porque ele, professor, o foi formado e não
está acostumado a formar jovens dessa geração. Por mais que ele tenha, às vezes ajuda quando o
professor tem filho em casa, nessa idade, etc., ele liga o que o filho faz para tentar colocar em sala de
aula. “Pô, meu filho está na internet, não sei o que. Olha a gíria dele...” Então, às vezes, isso facilita a
comunicação. Porque a comunicação não é aquilo que você fala, é aquilo que o outro entende. Então,
você está vendo que está nítido. Você o consegue sentir qual a comunicação que está sendo
efetiva. Então, no meu ponto de vista, o professor também precisa ser estruturado para poder
responder com rapidez e eficiência a essa geração que chega às nossas mãos aqui.
E) Quer dizer, é uma geração, um público jovem, que vai ficando cada vez mais distante do perfil do
professor que se especializa cada vez mais e tem diante dele uma superficialidade...
P1) Total. E que você chega e quer entrar em algum aspecto de maior profundidade, que é a
especificidade da disciplina do módulo, e o aluno não consegue. Porque o sistema nervoso dele não
está acostumado com esse tipo de coisa. Outro dia fui a uma festinha de uma criança de um ano,
num Buffet, e observei um fato inacreditável. Primeiro que festa para criança dessa idade não é para
ela, é para os adultos, mas o nível de volume do som, a rapidez das músicas... Eu comecei a
107
comentar com a minha esposa e falei assim: “olha, isso aqui é o que a criança está tomando no
primeiro ano de vida. Então, essa velocidade das coisas faz com que...” Se pegar um neurofisiologista,
alguém que realmente entenda da área, vai explicar que o cérebro se acostuma a essa velocidade e
que ele vai tê-la para o resto da vida. Só que na hora do raciocínio, na hora de parar, de perceber, de
observar, de conservar, de interagir ele o consegue porque ele está trabalhando numa casca,
nessa superficialidade e, quando você quer entrar num nível um pouco mais profundo, o aluno não
tem nem sinapses suficientes para conseguir fazer essas comunicações. Entendeu?
E) Entendi. Vamos agora aprofundar um pouco mais o tema. O que você entende por saúde e
promoção da saúde?
P1) Se a gente for pela definição clássica da Organização Mundial da Saúde, que isso não interessa
aqui, é o seu estado do biopsicossocial de bem estar, de estar bem com você. Se você hoje em dia
for ver, perguntar, quem tem saúde nessa concepção, vai ser muito difícil você encontrar uma
resposta completa nesse sentido. Então, acho que o estado de saúde hoje do ser humano, além
dessa definição clássica que a gente tem, deveria ser aberto para outro espectro. O que é que cada
item desses, o biológico, o psicológico ou social podem ser mudados para que você possa ter
realmente um estado de saúde. Se estiver muito bem com a família, financeiro, profissional, tudo bem,
mas você chega em casa e liga uma televisão, você vai ver crianças morrendo, eu não sei... É uma
degradação. É quase impossível hoje você dizer que alguém realmente tenha um estado de saúde
muito legal. E para falar de promoção da saúde eu acho que, promover essa saúde, promover este
estado de saúde no mundo atual, é muito difícil e voas campanhas que se tem em todos os
sentidos, de alimentação, de atividade física, etc. As pessoas só estão esquecendo um pouquinho, no
meu ponto de vista, na concepção do emocional, do psicológico realmente, porque isso é uma
questão importantíssima no estado de saúde. É um start. Não adianta você estar, como eu te falei,
estar muito bem em todos os quesitos se você não tiver uma condição emocional muito legal. Então,
promover esse tipo de saúde hoje, essa saúde emocional vamos chamar assim, eu acho muito difícil
no mundo em que nós vivemos e na cidade que a gente vive, no ambiente que a gente vive. Nessa
agressividade que o mundo capitalista nos impõe. E, na verdade, se você for ver, toda essa busca de
alguma coisa é para alcançar o vento. O cara hoje vive numa empresa. Quando que a gente podia
imaginar que um mês você falaria que uma empresa como a GM está ameaçada de falência.
Então, para você ver como isso é uma bolha de sabão muito tênue, muito superficial, e que nós
estamos inseridos dentro dela. Então, falar de saúde, num contexto como esse é querer quase que
definir o impossível. A não ser que a pessoa consiga ter um equilíbrio muito grande, consiga se
manter inserida nesse sistema e tenha uma estrutura para conseguir absorver todas essa intempéries,
essas coisas que o mundo está nos colocando. Então eu vejo assim. A saúde hoje com essa
observação. Na promoção da saúde você tem que trabalhar realmente o biopsicossocial. Não
esquecer o espiritual, porque acho isso importantíssimo. Enxergar que nós estamos num mundo
totalmente em degradação e que isso não é um discurso depressivo. Eu acho que é um discurso
realista, mas que você consegue se manter inserido nisso se você tiver uma base. sim você
consegue começar a promover a sua saúde. É um cabo de guerra, então você puxa de um lado e os
outros fatores puxam outro.
108
E) Vamos fazer um recorde nesse sistema todo e levá-lo para o contexto de sala de aula. Como você
entende que todos esses princípios possam ser aplicados ou colocados em prática dentro da sala de
aula, na relação professor-aluno?
P1) Você que os alunos, assim como nós, estão inseridos nesse contexto. Claro que num outro
patamar talvez, alguns mais e outros menos. Alguns bancados pelo pai, pela família. Outros suando
para conseguir trazer uma maçã para conseguir comer. Você tem um espectro muito grande dentro
da sala de aula. É conseguir utilizar ferramentas para trabalhar esses três aspectos, o biológico, o
psicológico e o social dentro da sala de aula, sem esquecer que isso deve estar inserido na sua
questão técnica, na sua disciplina, no seu conhecimento. Ou seja, hoje, o professor que vai se
destacar, na minha opinião, por promoção de saúde em sala de aula, é aquele que conseguir ter esta
visão, essa experiência, conseguir dar o seu conteúdo destacando esses três pontos. Independente
da disciplina existem mecanismos e ferramentas que se possa usar para que o aluno, aqui dentro,
neste pequeno mundo que ele vive, tenha promoção de saúde e adquira conhecimento técnico. Eu
acho que está o caminho de você tirar da estagnação aquele aluno, aquelas pessoas que não
sabem o que estão fazendo ainda, que tem problemas familiares. Se a escola conseguir fazer isso
efetivamente, você vai conseguir ter um excelente professor, ter um excelente aluno e uma excelente
escola. O grande problema que não podemos esquecer é que o professor também tem suas
limitações, está inserido nisso e etc., etc., etc. Existe capacitação para isso? Eu acho que não. o
sei se tem. Talvez você com o seu trabalho, do jeito que você é focado neste tipo de coisa, consiga
sensibilizar as pessoas para poder promover isso. Não sei se eu fui claro na resposta? Se o cara
conseguir, dentro do conteúdo técnico dele, estando eu, por exemplo, dentro da disciplina de
anatomia, se eu conseguir citar dentro de uma aula esses três fatores e mostrar a importância disso,
dessa disciplina, desse conteúdo para esse aluno no mundo lá fora, na concepção de saúde, eu acho
que a gente consegue ter um bom profissional sendo formado e um bom formador de profissionais
que é o professor.
E) Entendi.
P1) É difícil? Eu conheço alguns professores que têm essa visão. E hoje o mercado está pedindo
profissionais assim. Tanto o que sai da escola, como o educador aqui. A gente precisa trabalhar muito
essas questões. Porque ninguém está preparado para isso.
E) É verdade.
P1) A gente consegue ver um futuro a médio, longo prazo, mas não conseguimos ter hoje as
ferramentas de como utilizar esse futuro. Mesmo sabendo que esse futuro, para essa molecada,
chegou. Não sei se fui rápido. Eles já estãona frente. Então nós precisamos acompanhar esse tipo
de situação.
E) Entendi. Fale um pouco da sua relação com os alunos.
P1) Olha, a relação técnica eu deixaria para a avaliação institucional dizer. Vou me restringir à
avaliação da qual a gente está falando, de relação. Eu consigo ter com eles uma relação muito franca,
muito transparente. Isso eu sempre tive, o com aluno. Acho que na vida algumas pessoas
109
representam alguns papéis em alguns momentos. Vivem a vida como se fosse, realmente, uma peça
de teatro. Eu faço, não digo esforço, mas para mim é tão natural ser o que eu sou. É claro que isso
tem um preço. Você ser, dentro da sua casa, do seu trabalho, na rua, um só, hoje em dia, é um pouco
difícil e você paga um preço, mas tudo bem. A gente paga esse preço, mas consegue manter uma
linha mais correta, mas reta, aliás, não correta. Consegue ter uma retidão um pouco maior. Os alunos
percebem isso nessa relação comigo. Eu vejo isso nesses 20 anos que eu dou aula. Eu sempre agi
assim. Eles conseguem ter uma relação comigo que, às vezes, não têm com os pais. Existem
perguntas dentro de sala de aula, com o aluno, com a aluna, que eu tenho absoluta certeza que ele
não faz nem para o pai e nem para a mãe. Ou seja, às vezes, ele vê o professor mais do que vê pai e
mãe. O pai e a mãe trabalham, aquela correria etc. E aqui na escola, onde ele está no momento dele,
eu acho que ele consegue quebrar um pouco essas cascas, essa barreiras e chegar até uma pessoa
com mais idade. Que representa entre aspas, um pai, uma mãe. Por isso eu falei da importância do
papel do professor nesse momento. A hora que o professor sacar esse negócio e tiver essa relação,
você vai ter um menor número de evasão, você vai ter um monte de coisa. É que a escola ainda não
sacou isso. O dirigente da escola ainda não viu isso e a hora que ele vir isso, vai ser importante. A
maior prova do que eu estou dizendo, uma das provas, é o ensino a distância. Está na moda. E
qual é o momento mais ovacionado pelos alunos que fazem o EAD? A videoconferência. Onde você
tem uma, entre aspas, uma relação com aquele professor, com aquele cara que você manda e-mail.
É da essência do ser humano isso. Não adianta você querer tirar isso. E se ele não estendo em
casa, ele consegue ter com alguns professores dentro de sala de aula. que você precisa tomar
cuidado nas vertentes que essa relação pode ter. O interesse de notas, às vezes, o interesse sexual.
Você está com uma massa na sua mão de jovens não têm um amadurecimento sexual importante.
Você precisa tomar muito cuidado com isso. Você tem muita gente que tira proveito disso aos montes,
aos montes. Isso em qualquer escola. São questões que precisam ser muito bem trabalhadas, muito
bem observadas pelo professor. Porque o aluno, nesse momento, passa a ser uma criança na mão
de um pedófilo, no meu ponto de vista. E não estou exagerando. Existem tantos casos, segundo a
rádio-peão do professor, que se a gente for conversar vai de hoje até sábado. Então esses cuidados
precisam ser muito bem trabalhados. Porque você tem que ter uma visão muito humana, muito séria
de qual é o seu papel aqui na frente. Eu resumo assim: o cara não está aqui só para dar aula. Ele não
veio aqui para falar de anatomia, de biologia ou de fisiologia, seja o que for, ele veio aqui para
formar um cidadão e num contexto totalmente diferente do mundo que a gente foi formado, que a
gente estudou, com uma base familiar etc. O papel da escola hoje é muito mais importante do que ela
pode imaginar.
E) Muito se fala dessa questão dos alunos não terem tidos bons conteúdos no ensino médio e
chegarem aqui com muitas deficiências técnicas, com problemas em suas estruturas familiares etc.
Vemos isso acontecer a todo o momento. E o professor, é o ente que vai ter que dar conta de tudo
isso?
P1) Eu acho que é. Eu tenho certeza disso, Denilson. Se o professor não tiver essa visão, se ele não
for capacitado para isso, ele não consegue. Por mais que ele fale “eu conheço Fulano de Tal, Fulano
de Tal...” “Na minha família...” Mas uma coisa é a relação dele com o mundo pessoal dele e outra
110
coisa é a relação dele com o mundo profissional dele aqui. É o mesmo mundo, é o mesmo contexto,
que eu acho que é um dos pontos que precisaria ser muito bem trabalhado com o professor.
Você teria um maior estímulo da sala de aula, uma relação interpessoal importante entre professor
e aluno, respeitando, claro, todos os preceitos éticos que essa relação exige.
E) Você teve dificuldade em se relacionar com algum aluno em particular? Ou com uma turma?
Algum caso que foi complicado e que essa relação não aconteceu e que, de alguma forma, tenha te
marcado negativamente?
P1) Olha Denilson, você vai falar que é estranho. Mas eu, nesses vinte anos, nunca tive nenhum
problema desses. Nunca. Obviamente que você tem alguns problemas isolados com alguns alunos. O
que a gente sabe que é absolutamente natural. Problemas assim do dia-a-dia, mas nada que me
marcou, que me fizesse falar “olha esse momento, essa turma, etc., etc., etc.” Eu nunca tive essa
rotulação. Eu acho que se a pergunta for inversa, para o lado dele, do aluno, eu acho que ele deve ter
tido alguns problemas comigo nesse sentido. Mas a relação é tão aberta, o transparente, que o
aluno sai daqui... Quando está reprovado, vamos falar de contexto equacional de matemática, de
avaliação, etc. Quando ele sai reprovado, a grande maioria, você pode perguntar, sabe o porquê saiu
reprovado e não sai daqui dizendo:“olha, porque o professor isso, o professor aquilo.” Esse tipo de
coisa. Entendeu? O comentário, o corredor, geralmente de um professor que esse tipo de
problema é: “ah, me reprovou por que...” o aluno sai daqui quieto, sai daqui triste, ele o sai daqui
ouvindo aquilo o que ele quer. Mas ele sabe o porquê disso. Então assim, é um sistema que eu
adotei nesses 20 anos que faz com que o aluno mesmo perceba onde está a sua deficiência. Onde
está o erro. A hora que ele percebe então ele fala: “é, realmente não podia esse ano. Eu tenho que vir
aqui e fazer e tal...” É claro que isso não é agradável, porque envolve dinheiro, envolve outras
questões. Mas eu não tive, até hoje, nenhuma experiência nesse sentido, nenhuma. Eu vou dizer
assim, a pior experiência, se eu puder chamar assim, que talvez tenha, não digo marcado, foi numa
outra universidade onde eu trabalho. Ocorreu não na minha sala de aula, mas tive que fazer
enquanto coordenador. Uma menina que caiu em sala de aula. Eles levaram bebidas, naqueles
squeezes. Levavam Coca-Cola com pinga e bebiam em sala de aula. Três alunas. Caíram, tombaram
bêbadas na sala de aula. E aí? Menores. Eu fui à sala de aula e falei: “eu queria que aparecessem na
minha sala as pessoas responsáveis por isso por dois motivos: por se tratar de menor, eu vou ter que
chamar o pai; e álcool não é permitido em sala de aula e vou ter que recorrer à polícia.” Então,
quando falei isso a coisa ferveu um pouco. Mesmo assim eles resolveram não identificar as pessoas
e nem os causadores foram até mim. O que é que eu fiz? Eu dei uma advertência por escrito a toda a
sala. Então, na hora da presença, eu chamava “número um”. o aluno vinha e assinava a
advertência. Obviamente alguns odiaram aquilo porque não tinham culpa do que estava acontecendo.
Foi uma decisão generalizada. E hoje, para você ver, essa turma está no quarto ano de fisioterapia
de uma outra instituição aqui do ABC. Eu já nem lembrava que isso tinha acontecido. Mas eles nunca
esqueceram. E outro dia uma aluna falou: “é, realmente professor, a gente tinha que corrigir daquela
forma porque hoje as pessoas não estão aqui e etc.” Você entendeu? Então, se for uma experiência
para dizer que me marcou, se é que isso tem aderência ao trabalho que você está fazendo, essa é
única que pode ser assim, a mais relevante. Mas do resto, absolutamente tudo tranqüilo, muito
111
tranqüilo, como a gente está conversando aqui, sem problemas. O dia que não estou com vontade de
dar aula, eu falo: “oh, moçada, como é que vocês estão? Vocês querem ter aula?” Aí eles falam: “olha
professor, mas tudo bem...” “Vamos fazer o seguinte: vamos ficar meia hora aqui, uma hora” Sabe?
Mesmo assim, a gente ainda cria estímulo e vai fazer uma atividade e depois vai embora e tal. Essa
relação é como a que você tem em casa, é como a que você tem com pai, com mãe e mulher. “Olha,
hoje eu não quero comer isso aqui, hoje eu...” Eu tento fazer a mesma coisa e acho que isso tem
dado muito resultado.
E) Estou vendo que experiências muito mais positivas. Você poderia dar exemplo de uma relação
que tenha dado muito certo, que tenha te marcado positivamente?
P1) Eu vou dizer uma relação... Você quer uma relação individual ou com uma sala específica?
E) Pode ser com um aluno ou com uma sala. O importante é que tenha te marcado positivamente.
P1) Eu aprendi e o sei se comentei isso com você. Desde o meu primeiro ano de faculdade, em
1989, eu sofri um trote que foi uma brincadeira muito legal, onde a gente sentava em círculo e com
uma mochila a gente tinha que se apresentar. Pegava-se a mochila e fingia-se que era uma criança.
Então eu pegava a mochila e falava: “Meu nome é X e vou dar um beijinho na bochecha esquerda do
neném.” E fingia que beijava a criança e passava essa mochila para o colega ao lado, fingindo que
era uma criança. E todo mundo ia se apresentando e beijava e fazia qualquer coisa que você
pudesse fazer a um recém-nascido. Não podia repetir. Então você imagina isso numa classe de 70,
80 alunos, fazendo tudo isso, os absurdos que saem. Então, quando vim e comecei a dar aula, em 91,
92, percebi que essa brincadeira, para disciplina, tinha outra conotação. Para disciplina de anatomia,
tinha outro fundamento. Então, o que eu fazia? Eu observava a criatividade, se o aluno era
introvertido ou extrovertido. Em alguns alunos se notava até a utilização de droga no discurso. Eu,
como fisioterapeuta, fica mais fácil de entender a leitura do corpo. Então, eu comecei a adotar essa
dinâmica, é assim que eu a chamo, em todo primeiro dia de sala de aula e depois ela se desdobra.
vem o trote. Recolho a mochila e falo: “bom gente, agora a criança cresceu, o neném cresceu e está
sentado a direita de vocês. Tudo que vocês fizeram na mochila, vocês vão ter que fazer no colega.” E
é uma maluquice. Você imagina, caras que nunca se viram, no primeiro dia de aula, tendo que se
abraçar, tendo que se beijar, etc. Bom, para resumir, da onde eu saio daí? Da dificuldade que o ser
humano tem em interagir com o outro que ele não conhece. Se fosse o pai, a mãe, a tia, etc., estaria
muito fácil de fazer. Como é uma pessoa que ele viu agora, naquele momento, na primeira semana
de aula, ele não consegue interagir. E eu jogo isso para o futuro profissional dele. Como ele vai
interagir? Ele como profissional da área de saúde, dentro da especificidade da sua profissão, como
vai pedir licença para poder utilizar o corpo do indivíduo, para poder mexer no corpo do indivíduo?
eu vou para uma sala de dissecção, onde tem várias peças cadavéricas, tem um cadáver, etc. Para
mim, essa experiência, e é uma experiência generalista vamos chamar assim, é o momento da
disciplina ou do módulo, mais importante. E não sou que digo isso. São os alunos que dizem. Os pais
querem vir conhecer o laboratório, querem vir conhecer o professor. Querem vir saber o que é isso.
Porque é uma sensibilização absurda o que acontece nesse primeiro dia. Isso comprova tudo aquilo
que a gente falou até agora, da superficialidade, da rapidez, da informação, etc. É o único momento
112
da sala de aula que não tem aula, que a gente pára duas horas, três horas para conversar, para
dialogar, para poder chamar essa molecada do balão que eles vivem em cima para a terra e falar:
“olha, a partir de agora...” E aí você fala do toque, fala do respeito, fala de um monte de coisas. Então,
se eu for pontuar para você uma experiência positiva, obviamente eu diria que é essa e que todo
professor, dentro da sua especificidade, deveria fazer algo nesse sentido. Você fala: “professor, você
está sendo muito arrogante. Você acha que isso aqui é a melhor coisa.” É a coisa mais simples do
mundo o que eu te contei agora, mas é o momento que, durante todo o semestre, contempla o bio, o
psico e o social. Então eu percebo isso nos olhos dessas crianças, no como é que eles fazem isso,
qual é a reação que eles sentem nesse sentido. Esum dos motivos pelos quais eu nunca tive
nenhum problema de disciplina dentro de sala de aula, nunca. Mesmo numa aula prática de genital
masculino e feminino, onde eu brinco com eles. Como é que você não vai poder fazer brincadeira
com gente que nunca viu aquilo ou queviu... Entendeu? Na flor da idade, dos hormônios fervendo,
como é que você vai não brincar com isso? Se você o brincar, você se torna uma locomotiva que
vai de frente aos caras. Entendeu? Então eu nunca tive nenhum problema. Talvez, você pode me
dizer: “você está sendo muito pontual só numa experiência.” Você como psicólogo pode me dizer até
mais que isso tecnicamente. Se numa experiência única, no primeiro momento da aula, num primeiro
dia de aula, você consegue disseminar isso. Para mim, é o momento que eu considero o mais
importante dentro da disciplina. Você vê, né? É uma coisa que não tem nada a ver com técnica, com
a disciplina, nada. Você trabalha realmente aquilo que a gente que não está sendo feito hoje no
dia-a-dia de todos nós. Não só dos alunos, mas dos professores.
E) Entendi.
P1) Se cada professor conseguisse fazer uma experiência, relativamente parecida com essa, ou
experiências durante o seu semestre, eu garanto a você, Denilson, nós teríamos um sucesso muito
grande em todos os sentidos.
E) Parece que você tem uma facilidade muito grande para se relacionar e, conseqüentemente, para
falar de relacionamento.
P1) Sim.
E) Para falar de relações.
P1) Sim.
E) Mas se olharmos, por exemplo, para um professor que tem uma dificuldade de estar, de lidar, de
interagir com o aluno, imagina como é...
P1) Eu falei no começo. É raríssimo o professor que, sem falsa modéstia, consiga ter hoje essa visão
integrativa, essa visão macroscópica de tudo isso. Acho que as experiências dos professores,
pessoais e profissionais, deveriam ser trabalhadas. Porque cada um tem, usando um jargão que está
sendo muito utilizado hoje, competências e habilidades para desenvolver um trabalho como eu
desenvolvo. Até com muito mais capacidade de técnica e de conhecimento específico para se
trabalhar dentro da área de saúde. Porque eu penso que o cliente desses alunos, se a gente usar
uma linguagem comercial de marketing, é o ser humano. Então se ele não estiver acostumado a
113
interagir com o ser humano, ele não vai conseguir ser um excelente profissional. Não adianta. Eu
tenho uma frase que é até um pouco dura. Respeito muito as pesquisas, respeito muito os
pesquisadores, mas a grande maioria desse pessoal, e é um perfil desse profissional, está parado
dentro de um laboratório matando rato. Então, acho que de rato eles entendem bastante. Agora de
ser humano eu tenho minhas dúvidas. Por isso que, talvez esteja uma explicação, se trazer um
cara que tenha uma alta titulação, uma tamanha experiência, para uma sala, dá isso aí, é isso aí que
acontece. Ele não tem, ele não consegue interagir didaticamente, porque ele não está preparado para
isso. sim valeria um trabalho, como você dentro de uma escola, conseguir pleitear isso. Talvez um
curso de capacitação aqui para Metodista. Sempre abrem no recesso, nas férias, alguma coisa nesse
sentido, não sei nem o nome, mas sei lá. Vamos contar sua experiência, sensibilização, alguma coisa
que você, da área de psicologia, consiga promover. Fica uma sugestão. Eu garanto uma coisa para
você: vai ser difícil você começar a trazer, mas a hora que você trouxer e isso começa a disseminar e
esses resultados venham parar dentro da sala de aula, vai ter fila para fazer capacitação no seu curso
e o EAD vai ficar um pouquinho mais a distância. Eu vejo isso. Porque é isso que está faltando no ser
humano, Denilson. É essa a interação que está faltando em qualquer relação que você tenha. Isso
não é só o aluno. É que aqui é uma obrigação nossa fazer isso. Eu acho. É uma obrigação fazer isso.
E) Nós já falamos sobre isso, mas como você definiria a saúde mental dos alunos?
P1) Se você falar especificamente em saúde mental, eu vejo que eles têm hoje uma desruptura,
vamos chamar assim, da saúde mental. Eles o conseguem construir algo muito concreto, muito
sólido, que dê a eles sustentação de vida. Talvez esse alicerce deles não esteja sendo concretizado.
Você não consegue enrijecer esse alicerce por vários fatores que a gente já falou aqui: família,
drogas, religião, seja lá o que for. É multifatorial isso. Mas eu percebo que, de uma forma geral, se eu
tivesse que responder: eles têm ou eles não têm saúde mental? Eu diria que eles não têm. Porque
falta a eles, falta ao jovem, um alicerce mais importante desse sistema nervoso, dessas relações
construídas na vida dele, no qual se dissemina essa saúde mental. Isso se reflete no corpo. Está
claro. Você vê vários casos de jovens com 20, 20 e poucos anos com tumor de tireóide. Se
contarmos nesse ano, acho que conheço quatro garotas, cinco meninas, que tiveram que fazer
cirurgia, fazer biópsia, para você ter uma idéia. Fora o fator genético, que não podemos contar. Eu
dou uma disciplina que não é aqui, é no IMES, que é Ciência da Fisioterapia. A gente faz um
trabalho corporal e ensina o aluno de primeiro ano a avaliar o que ele consegue avaliar no ser
humano. Então ele altura do ombro, o quadril, a coluna, etc. Eu sempre pego um caso ou outro.
Este ano peguei três casos de jovens de 17, 18 anos com hérnia de disco e com escoliose gravíssima.
Então, o que eu estou dizendo para você é que, a saúde mental não está boa e que essa saúde
mental está tendo um reflexo tão grande no corpo do indivíduo, no biótipo do indivíduo, na construção
desse indivíduo que, nós estamos indo para um país mais velho e com uma maior expectativa de vida.
Isso para mim tem que ser muito discutido. Por que com que qualidade esse idoso está chegando
nessa terceira idade, como eles dizem aí? É claro que eu tento um pouco fugir da minha resposta
como professor de anatomia, como fisioterapeuta, mas de uma forma geral, eu vejo isso. A saúde
mental esruim, está refletindo no físico. É uma deficiência para aluno, hoje, conseguir ficar um
pouco mais tempo sentado estudando. Ficar um pouco mais sentado assistindo aula. Você
114
entendeu? Não sei se deu para captar a resposta que eu quis dar. Está deficitário. Então o aluno
precisava ter, como nas empresas, um programa de ginástica laboral, de ergonomia. Alguma coisa
nesse sentido que pudesse mudar a estrutura da sala de aula, que pudesse dinamizar o professor
para poder também trabalhar essas questões. Porque nós estamos trabalhando aqui com um
paciente em potencial. Esses alunos que vem nos procurar, hoje no primeiro ano, são pacientes em
potencial, pelo menos, na área da fisioterapia. Até a própria concepção da palavra, se você não for
um terapeuta de si mesmo, um auto-terapeuta, você não conseguirá interagir com o ser humano,
você não conseguirá curar, você não conseguirá tratar, tirar a dor daquele outro indivíduo. Então acho
que isso tem um reflexo muito importante. Além das questões emocionais que nós falamos, a
estrutura da saúde mental desse indivíduo está muito pobre. Vamos dizer assim, muito frágil.
E) Entendi. Bom, nós falamos de episódios positivos e negativos, mas num balanço, qual episódio
mais te mobilizou dentro do contexto sala de aula? Positiva ou negativamente, um que ficou marcado.
Tem algum que você poderia me falar?
P1)Engraçado... Eu falei da experiência que a gente tem num primeiro momento. Eu sempre, no final
do semestre, nas últimas aulas mostro ou coloco uma frase na lousa ou no computador ou mando
pela internet ou passo um vídeo que me sensibilizou durante o ano. Alguma coisa que tenha alguma
relação com esse tipo de coisa. E eu tenho, nos últimos três anos, passado nas turmas um vídeo
chamado Gesto de Amor. É um vídeo de dois, três minutos, de uma garotinha, não sei se você já viu.
Começa com uma música maravilhosa. Uma garota de quatro, cinco anos está na janela de um
quarto olhando, ela percebe alguém chegar e corre para o banheiro. Pega a tesoura da mãe e corta
todo o cabelo. O cabelo cai no chão. ela corre para porta, os pais e o irmão estão chegando, ela
abre a porta primeiro e a família a criança com o cabelo todo picotado. E ela, segurando assim a
camisetinha com a... Até emociona de falar, depois eu te mostro se você quiser, com os cabelos aqui.
E o menino agacha, tira o boné e ela põe os cabelos dentro do boné. O menino tem câncer e está
fazendo quimioterapia. É um vídeo tão marcante que os alunos ficam parados, e não é um parado da
sala de aula. É um parado, parado. Eu falo: “oh gente, tudo que a gente aprendeu etc., etc., a coisa
técnica, se a gente não tiver o tempero disso...” E aí eu ponho o vídeo. Sem isso, nada acontece.”
Então parece que naquele momento, o semestre poderia começar de novo. Desculpe não focar uma
experiência ruim ou uma experiência boa. Eu considero essa experiência do final do semestre talvez
a segunda mais importante. Você está entendendo? Você pode falar assim: “professor, você está
viajando, você deve estar em outra estratosfera”, mas eu não estou deixando de lado a técnica, o que
foi aprendido durante o semestre. Mas se a técnica tivesse um tempero disso, momentos disso,
durante o estudo do aluno, o resultado seria outro. O resultado seria outro. Então, naquele momento
eu até fico pensando: “será que alguns alunos agora perceberam que o semestre acabou?” Para
uns ele nem começou. Você entendeu a maluquice que eles estão colocados neste espaço físico? Eu
vejo isso.
E) Você teve que lidar em sala de aula com algum aluno alcoolizado, sob efeito de drogas ou com
alguma alteração de comportamento muito grave?
115
P1)Já. Eu já tive alunos aqui que muito comumente chegavam alcoolizados. Não vou citar curso
nenhum até por uma questão ética, mas é muito difícil isso porque interrompem a aula teórica,
principalmente. Na prática, causam alguns problemas de disciplina etc. Mas você tem que saber
conduzir isso de uma forma muito delicada e tentar afastar o cara de dentro da sala de aula para que
ele possa se retirar, naquele momento, sem ele perceber que você está pedindo para ele se retirar.
Porque ele pode reagir de uma outra forma. Eu tive alunos aqui que entraram drogados para fazer
prova, roubaram osso e botaram no bolso, uns até já quase morderam um pedaço do sistema
nervoso. Para você ter uma idéia de como é a coisa. Morder mesmo, de pegar o cérebro formolizado
e morder. O cara estava maluco. E não os homens. Outro dia eu estava com uma turma aqui que
tinha três meninas alcoolizadas, absolutamente impossível de se negociar. Até que eu pedi, falei:
“gente, vamos fazer o seguinte: guardem essas suas perguntas para o final porque são perguntas
específicas e não podem generalizar com o tema.” É claro que tinha a ver um pouco com o tema, mas
eu quis dar um cala a boca porque senão você pede a classe. Em todos os sentidos. Perde a classe
na educação e perde a classe no sentido de estar com ela nas mãos. Mas isso é muito freqüente
acontecer. É cada vez mais freqüente isso acontecer. Principalmente com as mulheres. O que na
nossa sociedade é ainda um pouco, vamos chamar assim, machista. O homem pode beber e tal...”
Eu tive uma experiência aqui, às nove e meia da manhã, com uns alunos na padaria. Eu fui pegar um
café com leite e pão e encontrei três alunos, cada um com uma dose de vodca e uma latinha de coca-
cola para misturar, no intervalo da minha aula. Eu falei: molecada, vocês estão malucos?” “Não
professor, é para agüentar o formol.” Para você ter uma idéia, sete e meia da manhã, vindo para cá,
duas vezes, não eram alunos, mas eu vi jovens descendo a rua, indo pro trabalho com latinha de
cerveja. Para te ajudar na resposta. Tem uma pesquisa que foi feita, não lembro agora de cabeça, se
foi um TCC ou o que foi, de análise alimentar dos jovens no laboratório de uma escola. Fizeram essa
pesquisa e na primeira entrevista perguntaram: “você consome álcool?” “Não.” Responde e vai
embora. no dia-a-dia, no que a pessoa volta: “o que você comeu hoje?” “Arroz, feijão, não sei o
que e uma lata de cerveja” “E de noite?” “Arroz, feijão...” “Ué, mas você não falou que o consumia
álcool?” “Mas cerveja não é álcool”. Para você ter uma idéia que álcool para eles é tequila, vodca, são
coisas que para comprar. Uísque, é um pouco mais difícil. Então para você ter uma idéia que a
cerveja, estou vendo isso agora, virou água com gás. Daqui a pouco vira água com gás. Isso é um
fator altamente corrosivo da saúde mental. Corrosivo, é como um ácido, literalmente, no sentido
neurofisiológico e no sentido emocional. Aqui que você percebe isso.
E) Quer dizer, mais uma vez, se o professor não está preparado para lidar com o aluno sóbrio, quanto
mais um aluno...
P1) Você não tenha dúvida disso que você está falando. É isso mesmo. O cara não tem. Não vai ter.
E isso tem aumentado. Principalmente nos cursos da noite, principalmente nos cursos da noite.
E) E como é que você observa os colegas? Você escuta comentários, como é que eles lidam com
esse tipo de situação? O que você tem observado?
P1) Os caras mandam para fora da sala de aula ou ignoram a pergunta ou a participação do indivíduo.
O que é ruim. É perigoso porque você pode estar potencializando alguma coisa. Você tem que tentar
116
tratar isso como um aluno inserido num contexto de sala de aula. Mas os professores não têm agido
muito dessa forma não. Alguns querendo mostrar autoridade vão e tiram. Eu acho que esse não é
o caminho. Esse não é o caminho. Porque senão você vai ter problemas sérios. Principalmente
porque você tem hoje um contexto em que está matando por qualquer coisa. Então você precisa
tomar muito cuidado com o que reagir, como reagir e de que forma. Como eu falei, tem que ser uma
coisa muito sutil. Tratar como aquele segurança de hotel sete estrelas. Você chega devagarzinho e
fala: “você não acha melhor ir ao banheiro e lavar o rosto? Vamos lá, te pago um café. Alguma coisa
assim.” Com muita sutileza. Como a gente faz no dia-a-dia. É que aqui tem um desdobramento
diferente. O aluno é visivelmente notado pela turma quando ele está neste estado. E é um fator que
vem se multiplicando. Essa é uma pergunta muito importante que você colocou e que nem me
ocorreu comentar aqui. Mas é um fator muito importante.
E) Certo professor. Alguma última colocação que o senhor queira fazer a respeito do tema?
P1) Denilson, você tem uma avenida na sua frente. Sem sinalização, com alguns buracos e, em
alguns momentos, ela vai ficar muito estreita para você passar. Porque avenida larga é mais tranqüila,
você vai de uma faixa para outra. Em alguns momentos ela vai estar muito estreita, com maior grau
de dificuldade para você fazer isso. Mas eu acho que você tem um diamante na mão. Se você
conseguir entrar nesse mundo com o seu conhecimento técnico e interagir com esse professor e com
este aluno, você transforma uma escola. Pode ter certeza absoluta do que eu estou te falando.
Experiência. Você transforma uma escola. Porque isso é o que está faltando. A coisa está alinhavada,
mas muito frágil. E eu sempre tenho uma frase: a força da corrente sempre se pelo elo mais
fraco.” Então esse elo precisa ser fortalecido. Quer dizer, ele precisa ser, por mais, por melhor que
seja a escola, por melhor que sejam os professores, por melhor que seja o ambiente, se você não
tiver a preocupação com as pessoas e não com paredes, você não está falando a língua, a linguagem,
vamos falar assim, de comunicação que esses jovens hoje estão precisando. E nós também mais
velhos, os professores. Eu vejo isso como um desafio muito grande para você. Te parabenizo pelas
perguntas de alto nível, perguntas difíceis de responder, e eu estou falando agora com o cara da
pesquisa. Espero ter contribuído. Você tem um grande diamante para ser lapidado. Não vai ser
fácil, vai ser mais difícil, trazendo o exemplo aqui da Metodista, do que inserir o módulo dentro das
escolas e fazer com que o cara se sensibilize. Muito mais difícil.
E) Ok professor. Obrigado pela sua participação.
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Anexo G - Entrevista Nr. 2
ANEXO G
ENTREVISTA Nr. 2
Identificação do Entrevistado:
Curso: Fisioterapia
Área de formação e titulação: Fisioterapia / Especialista
Tempo de magistério no ensino superior: 9 anos
Disciplina(s) que ministra: Anatomia
Entrevista:
E) Bom professor, eu queria começar, pedindo para o senhor falar, de modo mais amplo possível,
sobre a sua experiência como professor do primeiro ano do curso de fisioterapia.
P2) Eu dou aula no curso de fisioterapia faz oito anos. Com relação a este curso de fisioterapia, acho
que na verdade, na graduação, principalmente nos primeiros anos, cada curso tem o seu perfil. Então
por mais que venha para exatas, para humanas, para saúde cada um tem o seu perfil. O que eu
tenho percebido nesses anos, uma coisa que nunca muda, é o porquê o aluno escolheu aquele curso.
Ou porque ele gosta da área de saúde, ou porque ele nunca quis fazer, ou porque ele quis fazer
medicina e não pôde.
E) Tem muito disso?
P2) Tem muito, tem bastante. Com relação ao egresso, eu acho que isso é interessante e nisso não
tem tido muitas alterações. O que eu percebo nos alunos de primeiro ano, é que eles têm uma
dificuldade muito grande de se adaptar no começo. Se adaptar ao local, se adaptar ao ambiente, se
adaptar as bagunças, as festas. Acho que é uma coisa que ele o consegue é otimizar o próprio
tempo. Então o que eu percebo é aquele aluno que até presta atenção na aula, se esforça um
pouquinho, mas deixa de estudar mais para fazer outras coisas ou trabalha e ainda não se adaptou.
E aí, chega ao final do ano, arrebenta com a sua saúde. Vai tomar guaraná para não dormir, vai ficar
uma semana estudando direto quase sem dormir, estuda a madrugada inteira para fazer a prova. Fica
aquele desespero. Ele acaba não pensando na frente, deixa tudo para o final, aquele jeitinho
brasileiro. Todo mundo deixa tudo para o final e acaba não andando.
E) E o professor nesse processo todo?
P2) Para mim, que pego as turmas de primeiro ano, uma dificuldade grande. Muitos deles estão
entrando, às vezes, sem ter condições de entrar pelos diversos modos de vestibular que a gente tem,
que existem por aí. Outros entram sem realmente saber o que querem fazer, sem realmente saber se
118
“é isso mesmo” e se assustam no começo. Eu vejo que hoje em dia a gente tem muitos alunos de 16,
17 anos que entram na faculdade sem ter uma noção exata do que é, de como fazer e até de como
administrar essa gama de informações que eles vão receber. O aluno de primeiro ano é aquele que
chega e começa a escutar um monte de nomes que ele nunca escutou na vida e ele tem que guardar
em três semanas porque depois ele vai ter uma prova. No meu caso mais ainda porque eu dou aula
de anatomia e trabalho com cadáver. Então o aluno sai do colegial e na primeira semana de aula ele
entra num laboratório e já vê um cadáver.
E) O que você pensa a respeito disso? Você acha que é por aí mesmo?
P2) Na verdade é um processo. Você apresenta a disciplina em sala de aula, faz uma visita ao
laboratório e existe todo um planejamento para essa visita, não é só o aluno entrar e ficar olhando
para o que está exposto. Existe um processo “preparatório”, para que ele adentre, principalmente, no
laboratório de anatomia. Acho que das disciplinas de primeiro ano, é a disciplina que mais pode
causar impacto no aluno, porque biologia e biofísica eles já tiveram contato no colegial. Mas
anatomia não são todos. O que eu acho que ajuda muito são esses esquemas de algumas escolas
virem visitar as universidades, virem conhecer. Aqui na Metodista, a gente tem uma série de visitas
que são feitas por alunos de colégios técnicos, de escolas particulares. Acho que isso ajuda. É um
modo de eles estarem conhecendo o ambiente que depois, se realmente eles forem adentrar nesse
ambiente, não será tão novidade assim. Então eu acho que isso ajuda. Mas para alguns alunos é um
impacto. Nós temos aqui na Metodista uma aluna que tem Síndrome do Pânico. Agora no final do ano
que nós conseguimos colocá-na na porta do laboratório para assistir aula teórica sem peça nenhuma.
Porque ela tinha surtos, não sei se é surto que chama, é você que deve saber, mas ela não
conseguia ficar. E acho que ela só conseguiu entrar porque veio acompanhada da psicóloga dela.
E) E como a turma reagia a isso?
P2) Não sei se isso é uma característica da turma, mas os alunos dão muita força para ela: “você vai
conseguir, vamos lá!” Algumas colegas ficavam sentadas com ela, segurando a mão dela e tal. Acho
que os alunos torcem bastante até porque não é uma coisa que os atrapalha.
E) Esse seria um caso mais extremo?
P2) Exatamente, totalmente extremo.
E) Então como é que esses alunos de primeiro ano reagem aos cadáveres, ao laboratório?
P2) Eu acho assim, na verdade, vai de pessoa para pessoa. Em todas as turmas você tem aqueles
alunos que na primeira vez ficam meio assim e na segunda vez que vão, na terceira estão
basicamente adaptados. Então eu acho que facilita muito o fato de eles usarem luvas e quem quiser
pode usar máscara. Com relação ao manuseio das peças isso facilita bastante. Mas existem alguns
alunos que realmente têm um impacto, que têm uma dificuldade de tocar nas peças, mesmo de luva e
de máscara. Alguns alunos acabam, não sei se seria uma fobia, não sei o nome, mas, às vezes, eles
têm muita dificuldade. tive até alunos que fizeram transferência de curso por terem essa
dificuldade.
119
E) E dentro desse contexto o professor tem que lidar com todas essas situações, desde pânico até...
Como é isso?
P2) Sim. Por exemplo, eu conheço uma aluna que faz as provas práticas com figuras numa outra sala.
Então a gente faz uma prova impressa para ela, com figuras coloridas e tal. Ela faz trabalho com
relação às aulas. Ela consegue assistir as aulas teóricas na sala de aula. As aulas práticas ela
ainda não fez nenhuma. Estamos no final do ano e foi bem difícil. A gente tenta ir adaptando da
maneira que ela pode. Então ela fala: “professor, assim eu consigo, assim eu não consigo.” O dela,
por ser um caso extremo, que não tinha condições nenhuma, segundo ela, trabalhou-se assim. Mas
para alguns outros alunos a gente trabalha com peças plásticas. A gente começa o semestre com um
conteúdo um pouco mais fácil. Os ossos são mais fáceis de manusear, então sempre a gente começa
com os ossos para facilitar. Tem tudo isso que facilita. Na verdade, a gente tem que ir se adaptando.
Então, por exemplo, Biologia é um curso interessante. Eu tenho essa aluna e tenho uma outra aluna
que é deficiente auditiva e ela tem um rapaz que a acompanha e que vai traduzindo o que a gente vai
falando para ela. Então, na verdade, a gente tem que ir se adaptando. Na Educação Física tem uma
deficiente visual. Então, na verdade, a gente vai se adaptando. Cada aluno é um. Você tenta buscar
uma coisa mais homogênea e para algumas pessoas você muda algumas coisas.
E) Como é para o professor lidar com essa diversidade, ter que se adaptar a todo o momento?
P2) Tem que ter paciência para preparar a aula. Realmente, acho que para o trabalho do professor
tem que se adaptar bastante. Uma coisa que, por exemplo, eu não via muito quando eu fiz faculdade,
era a possibilidade dessas pessoas estarem fazendo curso superior. Hoje já existe. Então o professor
tem que se adaptar, tem que ter paciência. Acaba sendo função do próprio professor. Se ele está
aqui para ensinar, ele não tem que escolher ensinar para quem não tem “nenhuma deficiência,
nenhuma dificuldade.” Ele tem que se adaptar sim a cada um.
E) Você se sente preparado para lidar com este tipo de público, com esses alunos?
P2) Eu trabalhei diversas vezes e nunca tive nenhuma dificuldade. Eu não sei se é uma
característica minha, mas eu me adapto muito fácil. Isso é uma característica minha. Assim, e isso
não só aqui mas na vida pessoal também. Eu nunca fui de colocar dificuldade. Tem que fazer, vamos
tentar fazer, tem que mudar, vamos tentar mudar. Eu acho que é uma característica minha.
E) O que você entende por saúde e por promoção de saúde?
P2) A gente é meio teórico, eu pelo menos, sou meio teórico em relação a saúde. Aquele conceito de
bem-estar psicossocial. Saúde para mim é um pouco subjetivo. Se você perguntar sobre saúde para
dez pessoas, cada uma vai falar uma coisa. Ainda mais hoje em dia que a gente tem uma diversidade
muito grande. Mas eu acho que saúde é você ter tempo para cuidar de você, é você ter tempo para
realizar atividades que te façam bem. Acho que promoção de saúde é você fazer bem para as
pessoas, é ter condições de estar fazendo o bem para as pessoas, estar divulgando o que é isso,
trabalhar com prevenção. Acho que isso é promoção de saúde.
120
E) Quando a gente leva esse conceito para sala de aula, para dentro da universidade, como é que
você visualiza isso sendo praticado em sala de aula? Que práticas podem ser exemplificadas ou
poderiam servir para colocar isso em prática?
P2) Por exemplo, hoje a gente vai ter aula às 19h30, então o técnico tirou as peças do formol e
está alfinetando. A gente deixa fora para o odor não incomodar os alunos. A gente tem exaustão. Eu
peço para os alunos manusearem com luva. Estes são os métodos porque a gente trabalha com
formol que é uma substância tóxica. Então, se você ensinar os alunos a trabalharem direitinho e eles
entenderem isso e eles virem com roupas adequadas. Têm regras para entrar no laboratório. Essas
regras não são por bobeira, são para proteger. Meninas virem de cabelo preso, meninos não virem de
regata, estar sempre de avental, são as formas de trabalhar.
E) Entendi. Isso está ligado mais a uma proteção da saúde física. E quando a gente fala da saúde no
que diz respeito à relação entre professor-aluno, como se poderia aplicar o conceito de saúde?
P2) Eu acho assim. Uma coisa que é diferente é você trabalhar com as turmas do período matutino e
do período noturno. Normalmente quem estuda a noite trabalha o dia inteiro, a maioria, e eles
chegam aqui um pouco cansados. Então, eu acho que a aula tem que fluir de uma maneira diferente.
Eu tenho perfil, acho que você não precisa brigar com o aluno, levantar a voz para o aluno. Acho que
você precisa trabalhar o aluno e tentar voltá-lo para aquilo que você quer passar para ele. Tentar
mostrar para o aluno que o que você está falando é importante sem você precisar obrigá-lo. Acho que
tudo que o aluno faz por prazer, porque ele está a fim, se torna até benéfico para ele, inclusive para
própria saúde mental dele. Se ele tiver que fazer alguma coisa forçada e cansado é bem difícil.
E) De modo geral, como você descreveria sua relação com os alunos?
P2) Eu sempre tive uma relação tranqüila. Eu sempre tive uma relação muito próxima, no sentido de
conversar: “oh, você está com algum problema? Estudo bem?” De brincar. Eu tenho onze anos de
formado e eu tive alguns professores extremamente “antigos”. Eu tinha professor que quando ele
entrava na sala nós tínhamos que levantar. Isso foi onze anos, também não é tanto tempo
assim. Com o professor de anatomia eu o podia entrar no laboratório se eu não tivesse feito a
barba. Porque ele olhava, ficava na porta do laboratório olhando um por um. Então eu acho que
assim, hoje, o perfil do aluno de hoje, acho que você pode, isso é uma característica minha, eu gosto
de estar próximo do aluno, eu gosto de brincar com o aluno para descontrair, eu gosto de fazer o
aluno aprender de uma maneira diferente. E gosto de ser verdadeiro com o aluno. Isso é uma coisa
que eu mudei com relação à minha graduação e que achei legal. Tinha alguns professores que eram
assim, mas eu sempre me dei melhor com os alunos.
E) Isso ajuda na aprendizagem?
P2) Acho que sim, na minha opinião, sim. Porque se eu, de repente, tentar falar para eles: “as peças
estão aí, pega o atlas e se vira.” Eu acho que, de repente, você falar alguma coisa ou outra: “oh,
estuda assim, abre o atlas assim, posiciona assim o material que você vai usar.São coisas simples
mas que ajudam.
121
E) Entendi. Você já sentiu uma dificuldade maior em se relacionar com algum aluno em particular? Ou
com alguma turma?
P2) Eu acho assim, tem turmas que são mais difíceis ou, às vezes, a gente que trabalha com
universidade semestral, curso semestral. Muda muito. Você está numa turma num semestre e no
outro você vai para outra. a outra turma trabalhava com o professor de uma maneira, então você
também... Então eu falo que é uma constante adaptação. E do outro professor eles não gostavam,
não gostam da disciplina. você chega e eles já têm umas pedras na mão. Mas assim, eu sou um
pouco privilegiado, eu nunca tive problemas específicos com alunos. Então, hoje em dia, eu consigo
ter um jogo de cintura, mas também faz algum tempo que eu dou aula. Eu acho que hoje em dia
tenho jogo de cintura para não precisar me estressar e não precisar brigar com ninguém e ser firme
ao mesmo tempo.
E) Mas você lembra, mesmo lá do passado, de algum episódio que tenha te marcado?
P2) Assim, conflito não, mas você tem alguns alunos que realmente não estão a fim, não sei o que se
passa na cabeça deles, vêm aqui gastar dinheiro e não estão a fim. Então, eu peço: “olha, eu estou
dando presença, não está a fim vai descansar, o precisa ficar na aula, atrapalha os outros alunos.”
Eu cheguei a dar aula em outra universidade e uma turma tinha uns 100 alunos. Ter que controlar
100 alunos conversando é extremamente complicado, é difícil. Então, acho que o problema, no fundo,
é de turmas. Às vezes, um professor para 100 alunos, para trabalhar, é difícil.
E) E quais estratégias se utiliza com essa quantidade de alunos?
P2) Você muda. Quando eu tenho poucos alunos eu costumo não usar muitas aulas expositivas. Eu
chamo os alunos e mostro para eles. Eu estou próximo. Bom, com 100 alunos, eu tenho que fazer
uma coisa mais expositiva, eu tenho que fazer uma coisa mais dinâmica. Então quanto mais alunos
eu posso, por exemplo, colocar as peças nas bancadas, alfineto e eles vão ter que fazer o gabarito.
Eles têm que passar por todas as bancadas e têm que entregar uma atividade no final da aula. Então
eu preciso utilizar o tempo para que eles não fiquem muito parados. Se ficar um grupo muito parado,
começa a conversar, outro começa a conversar e tem 50 conversando. não tem quem segure.
Com turmas muito grandes você tem que montar estratégias para fazer com que eles trabalhem. Se
eles ficarem parados e só você ficar falando lá na frente vai ficar difícil.
E) E algum exemplo de relação com alguma turma que tenha dado muito certo e que tenha te
marcado positivamente? Um exemplo de boa relação professor-aluno, uma coisa nesse sentido, você
tem algum exemplo? Como seria essa relação?
P2) Eu tive e tenho ainda, graças à Deus. Como eu dou aula em quatro universidades, sempre tem
duas ou três turmas que vão fluindo. Você pega, às vezes, turmas que você aula, você fala algum
assunto e na outra semana eles já vêm com algumas coisas sobre o assunto. E você discute de
uma maneira diferente, não fica aquela coisa maçante. Eu tive turmas que não davam trabalho de
você ensiná-los, não tinha trabalho. Eram alunos interessados e alunos conscientes que quando não
estavam a fim, vinham e falavam comigo. Isso é uma coisa que eu falo no primeiro dia de aula: “você
não está a fim, vem, conversa comigo e pode ir embora. Eu quero só que você tenha a
122
responsabilidade depois de pegar a matéria e vir conversar comigo e tal.” Mas eu sempre acho que,
não sei o que os outros professores têm falado para você, mas eu sempre tive muita facilidade de
trabalhar com as turmas. Mesmo sendo uma disciplina difícil para eles. Eu sempre tive muito mais
facilidade do que dificuldade. Tive muito mais facilidade do que dificuldade. Eu gosto de estar próximo
do aluno, de conversar...
E) Que tipo de sentimento ou gratificação essa proximidade te traz?
P2) Olha, poder estar conversando algumas vezes. Você tem alguns alunos que estão confusos,
você percebe. Tem muitos alunos que estão confusos, mas não conseguem falar. Tem algum aluno
que tem dúvida e tem vergonha de perguntar, porque outro dia ele fez uma pergunta e todo mundo
tirou sarro. Então, eu percebo... Quando termina a aula eu chego: “você escom alguma dúvida,
quer perguntar alguma coisa, alguém quer falar?” Algumas vezes eu falo em sala de aula: olha
pessoal, acabou a aula, boa semana, se alguém tiver ainda alguma dúvida vem aqui conversar
comigo e tal.”
E) E eles vêm?
P2) Alguns vêm, alguns vêm sim. Eu vejo hoje, embora eu não seja tão velho assim, mas eu vejo hoje
uns jovens com uma barreira, às vezes, para conversar certas coisas, não sei se isso é característica
das famílias de hoje em dia ou alguma coisa da vida que eles levam, não sei. Mas, às vezes, eles se
sentem super bem conversando com alguém que não está na casa deles. Então, às vezes, eles
acabam conversando bastante.
E) Mesmo sobre assuntos que não têm nada a ver com a disciplina?
P2) Sim.
E) E como é que fica o professor? Há algum problema em transpor essa barreira?
P2) Não, desde que você saiba. Se você perceber o dia em que o aluno está mais cansado ou no dia
que o aluno não está legal, você diz: “poxa, vai lá, depois você estuda, tira dúvida.” Você que um
dia a turma está arrebentada porque teve a semana inteira de prova. você fala: “vou acabar a aula
uns 20 minutos, uma meia-horinha mais cedo.” Acho que de fazer isso você já ajuda bastante. E
eu acho que precisa ter esse feeling de sentir. Não é só você chegar lá, jogar a aula e começar a falar.
Você precisa sentir a sala.
E) Como você descreveria, de maneira geral, a saúde mental dos seus alunos?
P2) Olha, do que eu entendo de saúde mental, eu acho que no geral, são alunos extremamente
cobrados no dia e que têm pouco tempo para se dedicar às vezes. Acho que isso influencia bastante
na vida deles, no como é que eles vão trabalhar, no como é que eles vão desenvolver. Eu acho que
seria assim. Eu não sei exatamente o que você quer saber sobre saúde mental.
E) Eu acho que vai um pouco na questão da relação entre eles, na relação professor-aluno. Eles
conseguem, de alguma forma, se adaptar?
123
P2) Eu acho legal que existem algumas turmas que se unem muito no começo e que depois
começam a adquirir algumas dificuldades. Eu acho que a relação entre eles é difícil com o passar do
tempo, acho que principalmente quando você pede trabalhos em grupo. é que existem aqueles
conflitos: “ah, você não trabalha então você faz.” “Eu trabalho não tenho tempo.” “Ah, porque eu faço
isso”, “eu faço aquilo”. Tanto que eu deixei muito de fazer trabalho em grupo por causa disso. Porque
vinham trazer mais problemas para mim do que outra coisa. Mas acho que o primeiro impacto, a
adaptação deles, eu acho que é o mais difícil. Se adaptar ao horário, se adaptar aos professores.
Tem professor que é mais rigoroso quanto algumas coisas, têm professores que não são tanto. Acho
que eles têm que ir se adaptando, não tem jeito.
E) Tem algum episódio em sala de aula, na tua experiência de 11 anos como professor, que mais
tenha te sensibilizado, positiva ou negativamente? Alguma coisa que te marcou mesmo?
P2) O que sempre me sensibiliza muito é você observar todas as dificuldades que o aluno passa para
conseguir vir estudar.
E) Por exemplo...
P2) Por exemplo, numa outra universidade onde eu dava aula, eu dava aula no curso de enfermagem
e eu tinha alguns técnicos, que já eram técnicos lá e que o hospital pediu para eles fazerem um curso
senão seriam mandados embora e tal. E eles estavam fazendo o curso e algumas senhoras, que
tinham 30 anos de formadas técnicas e tal. Tinham filhos fazendo faculdade e estavam tendo que
fazer também. Em certa ocasião, uma senhora que você percebe que da profissão dela ela sabe
muito, muito, mas ela tinha muita dificuldade, até pelo próprio tempo, para aprender. E certa vez eu a
questionei: “pô, você tem uma profissão, tem uma vida, um emprego, porque você não vai
descansar? Você já tem suas coisas.” E para ir embora, acho que ela andava seis ou sete
quilômetros a para conseguir chegar no metrô, para economizar o passe, para poder dar pro filho
que também fazia faculdade e tinha que estudar e ela chegou a me falar: “professor, é o meu sonho.
Na minha idade, um sonho é uma coisa considerável. Então eu preciso correr atrás dele.” Então você
se sensibiliza muito em ver as dificuldades que os alunos passam, não são todos, é lógico, a
dificuldade que alguns alunos têm para conseguir completar um curso superior.
E) Você teve que lidar em sala de aula com algum aluno alcoolizado, sob efeito de drogas ou com
alguma alteração de comportamento mais evidente?
P2) Já, já. Eu acho que não com pessoas agressivas, essas pessoas eu nunca tive... Mas, evidente
pelas atitudes, pela forma como trabalhava ou até pelos sinais clínicos que a gente observa. Eu
tive que lidar bastante.
E) Principalmente o alcoolizado?
P2) Isso, exato.
E) E como você resolveu isso, como você lidou com isso?
124
P2) Sempre numa boa, eu já tive uma aluna que caiu da cadeira em sala de aula. “Então, vai embora,
não precisa ficar na aula não.” Depois, no outro dia, ela veio pedir desculpa e tal, de maneira super
tranqüila.
E) Então foi tranqüilo.
P2) Foi, foi. Eu nunca tive problema.
E) Alguma coisa mais que o professor gostaria de dizer.
P2) Não, só que eu achei extremamente interessante. Super legal.
E) Ok, professor. Então muito obrigado.
125
Anexo H - Entrevista Nr. 3
ANEXO H
ENTREVISTA Nr. 3
Identificação do Entrevistado:
Curso: Fisioterapia
Área de formação e titulação: Fisioterapia / Mestre em Ciências da Reabilitação Neuromotora
Tempo de magistério no ensino superior: 12 anos
Disciplina(s) que ministra: Fisioterapia Esportiva e Supervisão de Estágio
Entrevista:
E) Eu queria começar a entrevista pedindo para o professor falar, de modo mais amplo possível,
sobre a sua experiência como professor do primeiro ano de Fisioterapia.
P3) Desde quando eu comecei?
E) É. De modo geral, um panorama da sua experiência.
P3) Eu comecei em 1997 não com o primeiro ano, mas com os outros anos também, onde a
realidade era muito diferente de hoje. Com tantas universidades aparecendo meio que se jogou muita
informação que não era da fisioterapia e se misturou muita coisa. De 97 para cá, a gente vem
percebendo algumas coisas, principalmente, no aluno. Ele gosta muito que o professor, além de dar a
teoria, coloque a mão e atenda o paciente. Ele quer ver o professor trabalhar, ele quer ver como que
o professor faz, ou seja, ele fica meio que focando você como referência. Você é a referência dele
para fazer determinadas coisas, determinadas técnicas. O pessoal hoje esmuito mais crítico em
relação às técnicas, de onde vêm, para que faz, onde faz, os autores e a veracidade de tudo isso que
se fala e se compra no mercado. Então um dos grandes males da Fisioterapia é o que a gente
compra no mercado que, às vezes, não é fidedigno com a ciência. Então, em termos de pesquisa, a
gente cresceu bastante. Nós estamos muito mais críticos. Eu, particularmente, desde 97 sou um
professor muito crítico e muito polêmico. Por que? Porque eu gosto das coisas nos mínimos detalhes.
Eu gosto de falar para o meu aluno de onde veio, para que veio e por que eu estou fazendo isso e
para quê. Em 97 o empirismo dominava tudo. Eram explicações erradas do RPG, eram técnicas que
saiam de não sei o que e, no meio desse ciclo, a gente teve um boom de cursos. Fulano dando curso
disso, daquilo, é curso de elevar o dedo, curso de abaixar o dedo, curso de um monte de coisas. Na
realidade a gente não via resultado produtivo nisso. Era muita coisa, muita informação. Era volume e
não qualidade. Então de 97 para cá, graças a Deus, para ser mais preciso, desde 2002 / 2001 para
cá, a gente se preocupou muito em solidificar tudo isso em termos de ciência. A partir disso tudo, o
que a gente fez: procurou, além de dar teoria para o aluno, colocar a mão, mostrar a prática e,
126
principalmente, os problemas que ocorrem em determinados locais ou problemas que ocorrem
durante X terapia ou Y terapia, como é que a gente pode tratar o paciente. Principalmente isso. A
gente não trata o paciente como um braço ou um joelho. A gente trata o paciente como um todo,
porque se a gente fizer um paralelo, por exemplo, com um médico, a gente vai ver que o médico vê o
paciente a cada 15 dias, no máximo, aliás, no mínimo. E quando ele opera esse paciente, quando ele
faz uma cirurgia nesse paciente, o paciente está sedado, está de boca calada, então ele não interfere
em absolutamente nada. Só que as principais queixas e problemas que esse paciente tem, ele vem
falando no dia a dia com a gente. Então, nesse dia a dia, você acaba sentindo falta da psicologia. Por
que? Tem muita coisa que acontece durante o processo fisioterapêutico no qual o psicólogo cairia
como uma luva. Nós não temos formação nem condição de falar e nem fazer isso. Então, se a gente
conseguisse fazer isso e, eu ia até viajar um pouco e falar de transdisciplinaridade, que é o quê? É o
que o psicólogo faz que vai me ajudar diretamente na prática da minha terapia. Eu consigo um
resultado melhor, eu consigo trabalhar melhor desde que eu tenha um feedback do psicólogo, onde
ele me dê, pelo menos, caminhos para eu abordar esse paciente. Porque a técnica fisioterapêutica
em si não nos essa condição e cada ser humano é um ser humano. A gente não pode nem
comparar nem igualar ninguém a ninguém. Então essa foi a grande preocupação do que a gente
achou de 97 para cá e a partir de 2002 para cá. Nós começamos, além de sermos críticos, pegarmos
revistas científicas e dizer: isso vale a pena ler e aquilo não vale a pena ler.” Mas no meu caso
particularmente, eu viso muito e procuro muito focar na prática, quais os problemas que eles vão
encontrar. De uma forma subjetiva, guardadas as devidas proporções, seria mais ou menos isso.
Onde eu errei e que eu gostaria que meu aluno não errasse. Eu sempre passo as coisas na intenção
de que o meu aluno seja muito melhor do que eu, que ele consiga algumas coisas que eu não
consegui. Por que? Porque daqui a 10 ou 20 anos eu quero estar em Londres, tranqüilo, comendo
meu caviar e quero que meu aluno esteja continuando aquilo que eu plantei, aquilo que eu fiz na
intenção de fazer alguma coisa pela Fisioterapia.
E) Eu percebo então que nesse meio tempo tem uma mudança de postura do professor.
P3) Sem dúvida.
E) Como é que o professor se adequou ou se preparou para atender a esse perfil mais prático na
Fisioterapia e para as demandas do seu novo aluno?
P3) Eu acho que pelas experiências diárias. É na troca diária que você tem com o aluno. Não tem um
mecanismo pré-determinado que te consiga isso. Eu acho que a tua própria experiência que você vai
acumulando. São os feedbacks que você vai tendo a partir do contato com o aluno que te permitem
formar um núcleo de informações que você vai usando.
E) Ok professor. Vamos começar a ser um pouco mais específicos. O que o senhor entende por
saúde e por promoção de saúde?
P3) Eu vou até tentar te responder em um tom não tão acadêmico.
E) É uma resposta bem exploratória mesmo. É a sua opinião a respeito desses temas.
P3) Eu posso falar, por exemplo, mais voltado para minha área, para o esporte?
127
E) É claro.
P3) Existe uma grande mentira, e vou começar chutando o balde, existe uma grande mentira em
termos de saúde em fisioterapia esportiva. A gente vai dividir entre o indivíduo que é atleta de alto
nível e o que não é de alto vel. Para o atleta de alto nível não existe promoção de saúde e não
existe saúde. Ponto final. Por que isso? Porque você trabalha com uma carga exacerbada de
estímulos e essa carga exacerbada de estímulos vai te trazer problemas, com certeza. Ponto final.
Esporte de alto nível o é saúde porque com certeza, posteriormente, ou muito antes do que você
imagina você começa a ter problemas. Então, como é isso na prática? Você pega um atleta de 16
anos, ele é um atleta que se destaca, vamos chamar assim, o Pelé do time. Então você o coloca para
treinar com o juvenil, com o júnior e com adulto, no mesmo dia. Então ele faz três treinos diários e ele
vai bem nos três. a gente fala que é como motor de Fórmula 1, no máximo vai durar uma ou dias
corridas e estoura, daí você tem que jogar fora esse motor. Então esse cara, esse atleta, ele vai fazer
o quê? Quando ele chegar na idade que ele tem que estourar mesmo, de 21, de 22 anos, que ele
vai ter uma maturidade em termos de performance, não vou nem falar psicológica, apesar que isso
tem uma influência muito grande se não for a maior, ele está estourado.
E) Fisicamente estourado?
P3) Fisicamente estourado. Ele está com tendinite, ele está com as “ites” da vida, ele está com dor,
ele escom problema de cartilagem, que é uma coisa seriíssima e irreversível. Imagina um atleta
com 28 anos sem cartilagem no joelho? Ele está condenado a uma prótese daí a vinte anos. Ele vai
ter uma prótese com 40 anos.
E) Vai comprometer a qualidade de vida dele.
P3) Muito, mas compromete bastante, compromete bastante. E vamos além, se a gente vai para a
psicologia, imagina o estresse que ele passou. Porque você tem cobrança de treinador, você tem
cobrança de torcida, cobrança de patrocinador. A sua cobrança interna também é muito grande.
Imagina como vai estar o psicológico desse atleta daqui a alguns anos? O que essas informações
fizeram com a cabeça dele? Então, se eu pensar também em saúde mental, esporte de alto nível não
é saúde na minha concepção. Não existe equipe profissional, sem membros específicos para fazer
cada um o seu papel. E eu acho que, por exemplo, nutricionista, psicólogo e assistente social no
futebol são essenciais. São três profissionais extremamente importantes, senão, esse atleta vai ter
sérios prejuízos. Agora, com o atleta de final de semana, com o atleta que não faz esporte de alto
nível a gente consegue trabalhar com saúde e promoção de saúde. Por que? Porque esse cara
não tem uma quantidade de exercícios exacerbados além daquilo que ele pode fazer, então você
consegue dosar isso. você consegue pensar na definição da OMS que se encaixa bonitinha.
você já promove. Agora, no esporte de alto nível não existe saúde. É mentira falar que esporte de alto
nível é saúde. Esporte, se a gente for levar no conceito da palavra, se você pedisse uma frase sobre
esporte eu ia te falar: “esporte pode ser saúde”. Ponto final.
E) Não é igual à saúde.
P3) Não, de maneira alguma.
128
E) Bom, trazendo agora essas questões de saúde e promoção de saúde para sala de aula, em um
contexto acadêmico, que práticas o professor visualiza para que essas questões possam ser
colocadas em prática? Como esse contexto de saúde pode ser abordado dentro de um contexto
acadêmico na relação professor-aluno?
P3) Acho que a todo o momento. A todo o momento você pode falar isso e por um único motivo. Nós,
quando caímos no mercado de trabalho, trabalhamos contextualmente com tudo isso. Então, nada
mais justo e nada mais coerente do que você começar a trabalhar isso desde o primeiro ano.
]E) Como é que o senhor visualiza isso com relação ao aluno, no seu contexto, no seu ambiente de
aprendizagem, ou seja, o que seria um ambiente saudável para aprendizagem?
P3) Você precisa relevar um fator importante que é o domínio do próprio conceito. Eu sempre falo:
levar isso para prática. Nós temos um enfoque que se chama fisioterapia preventiva. A fisioterapia
preventiva trabalha contextualmente com tudo isso. Agora você precisa saber como, você precisa
saber os fatores que influenciam. Agora, em termos da relação aluno-professor, depende muito da
administração do curso, do que você proporciona, o que você tem na mão na tua grade curricular e
o que você pode fazer. Porque se te colocam para falar de sociologia, infelizmente, tem que ter
alguma coisa a ver.
E) Ok, professor. E a sua relação com os alunos? Como é que o senhor descreveria, também de um
modo geral, essa relação?
P3) Eu procuro sempre ser o mais honesto possível. Toda aula eu costumo falar, eu costumo mostrar
a fonte de onde eu tirei as coisas. Enfatizo muito que não sou eu que estou falando, estou apenas
discutindo o que está na literatura, o que o mundo hoje fala sobre determinado assunto. sim, a
partir disso, eu falo: “bom, agora na experiência profissional é isso...” é que eu coloco que eu não
quero que o aluno cometa os mesmo erros que eu cometi. “Essa patologia, onde ela vai te enganar
vai ser nesse ponto. Então você precisa prestar atenção nesses tópicos aqui para isso e puxar muito
para a prática.” Em 97 eu era mais teórico do que prático. Agora, a partir de 2001/2002, até pela
necessidade que eu senti do aluno que te cobra. Ele olha na sua cara e diz: “faz para eu ver”. Então,
o não entender do aluno numa aula ou quando ele olha para você e diz: “eu não entendi” hoje foi
substituído por: “faz para eu ver, me faz, eu quero ver você trabalhando para eu saber se é realmente
isso.” Então a pergunta mudou muito. Antigamente era muito teórico. O professor falava: “procura tal
livro, procura tal livro...” Para mim, hoje, isso mudou. O aluno pergunta muito como você faz, para que
você faz e “eu quero ver você trabalhando.”
E) Isso, de alguma forma, não é perigoso? O aluno poderia adotar um modelo e também não ter, de
certa forma, uma liberdade para poder elaborar, pensar sobre como fazer, como seria possível
implementar determinado procedimento.
P3) Eu acho perigosíssimo. Mas eu estou falando por mim, obviamente. O professor tem que ter
muito discernimento para não se envolver em conceitos pessoais e dar a liberdade para o aluno
desenvolver a mão dele. Na prática, como isso acontece? Chegou o paciente aqui, o aluno atende, o
aluno faz a avaliação, o aluno é o fisioterapeuta. Eu olho o aluno como fisioterapeuta. O que eu
129
cobro dele? Conceitos? Não, eu cobro atitude, eu cobro postura. Então, mesmo que o aluno não
saiba nada, eu peço para ele: “não deixe o teu paciente perceber nada. Seja extremamente seguro
das coisas que você está falando. Depois você vem comigo, senta e a gente conversa.” Então, eu
nunca passo o tratamento, eu nunca prescrevo o tratamento. Eu dou caminhos para o aluno pensar
que vão dar em um ponto comum. Ou ele vai reto, ou ele faz uma parábola, ou ele vai pela esquerda,
ou pela direita, mas ele sempre tem que ir num ponto comum. Então, seria como se eu tivesse
ensinando alguns atalhos para ele. Mas se ele quiser o caminho dele, ele pode. Então eu dou essa
liberdade para ele e faço questão que ele pense sobre. Por isso, dentro do estágio, eu não discuto
técnica. Eu discuto o que é melhor para o meu paciente. Eu até brinco e falo assim: “na universidade,
quando você entra no primeiro ano, é como se você entrasse no Carrefour. Então você entra lá e tem
o supermercado inteiro para você encher o teu carrinho. Você encheu, passou pelo caixa. O caixa
é quando você se forma. Passou pelo caixa, você não pode mais voltar para pegar nada. Então você
tem que trabalhar com aquilo que você pôs no seu carrinho. Então cada coisa que você pôs no seu
carrinho você tem que saber como é que funciona.” eu faço a analogia: “é como você saiu da
universidade, você está cheio de informação, tem muita coisa. No quarto ano o que eu faço? Eu te
ajudo como usar, porque usar o que você tem no seu carrinho do seu jeito, nada mais que isso.”
Então eu brinco com eles, faço essa analogia, mas a minha maior preocupação é justamente para
que eu não seja um modelo padronizado. Até porque todos os protocolos foram feitos para não serem
seguidos. Senão seria fácil tratar todo mundo. Você pega todo mundo desse jeito: vou aplicar tal
técnica.” Aí bota um fax em casa e recebe informação do paciente e devolve.
E) E esse modo de trabalhar com os alunos, como é que se dá? Existem muitos conflitos ou não?
P3) Tem conflitos quando você não respeita a individualidade do aluno e as potencialidades dele. Por
exemplo, fica muito difícil você avaliar se você colocar um 100% para todo mundo. Cada um tem o
seu 100%. Então você tem que achar nesse aluno o 100% dele. Onde é? Ele chegou nesse 100%?
Não chegou? Você bota uma menina aqui que adora gineco-obstetrícia e tem aluno que gosta de
esportiva. Eu estou no estágio da esportiva. É óbvio que o moleque da esportiva vai ter uma técnica
melhor, é óbvio que ele vai ter um approach melhor em cima das técnicas e essa menina não. Mas só
que a menina chegou nos 100% dela que é X. Agora esse menino vai chegar num patamar um
pouquinho melhor. Por que? Porque ele tem afinidade. Então você tem que respeitar essa
individualidade do aluno e, principalmente, as potencialidades dele. Porque ninguém é igual a
ninguém.
E) Ainda falando sobre as relações, houve alguma relação em particular com algum aluno que foi
difícil de acontecer ou não aconteceu e que tenha te marcado negativamente?
P3) Por coincidência aconteceu esse ano da gente ter uma aluna surda aqui. E me trouxe um pouco
de receio. Eu nunca tinha trabalhado, nunca tinha estado perto de alguém desse vel. Então eu
fiquei muito preocupado com a questão da intérprete. Se a intérprete ia estar junto ou o, mas me
surpreendeu. Por que? Não é tão difícil trabalhar a partir do momento que você enxerga essa pessoa
como se ela não tivesse deficiência. Como se você a tratasse igual, normal, exigindo igual, exigindo
normal. você consegue todos os resultados e, por incrível que pareça, foi uma das melhores
130
alunas que eu tive. Em cima disso, o relacionamento dela com o paciente era totalmente normal. A
intérprete, na minha concepção, no meu estágio, a intérprete podia ir embora porque eu me dei muito
bem com a menina e não sei libras, não sei absolutamente nada. Foi contextualmente em cima da
matéria, o que fazer, o que não fazer e para ir ainda mais além, essa menina hoje chega até ser
minha amiga.
E) É uma relação que parecia que seria difícil mas...
P3) Impossível, até. Como é que eu vou falar com essa menina fazendo sinais?
E) Ou seja, teve um desfecho positivo.
P3) Sem dúvida nenhuma.
E) Marcou positivamente.
P3) Mais do que eu esperava. Eu esperava ter muitos problemas. Mas não por deficiência na menina.
Por falta de ferramentas que me fizessem chegar onde eu queria com ela. No fim das contas, ela
tinha muito mais ferramentas que eu. Ela me ajudou muito mais e eu aprendi muito mais com ela.
E) E uma relação que não tenha funcionado? Teria algum exemplo?
P3) Eu acho que uma coisa que tenha marcado negativamente para mim, eu não tenho lembrança.
Eu acho que o grande diferencial que eu tenho para não ter esses problemas é que eu trabalhei 5, 6
anos antes de dar aula. Então eu tenho uma bagagem muito grande para dar aula. Eu já sabia fazer
uma analogia crítica em cima do que estava escrito. Até por ter vindo do futebol, que é um meio
extremante sui generis no mundo. Quem trabalha com futebol tem uma escola de vida porque é outro
ambiente, são outras pessoas, é um ambiente muito promíscuo, é um ambiente onde rola muito
dinheiro, tem muita sacanagem, tem gente de péssimo caráter. Tem do melhor ao pior. Então você
acaba aprendendo a viver no meio disso. Então quando você cai dentro da sala de aula que é um
ambiente mais clean, é um ambiente que as pessoas te respeitam mais, ou pelo menos, acreditam
em alguma coisa do que você fala, fica mais fácil. O único problema que eu tive com aluno, foi o
aluno não gostar da matéria e passar, transferir isso para o professor. Mas isso é uma coisa assim de
estágio, de tempo. A partir do momento que ele começa a perceber que ele sabe a matéria, ele
também faz a ligação positiva. Mas no começo, é claro que os alunos que tem um temperamento um
pouco mais forte dificultam. Para mim, eu adoro aluno que tenha temperamento forte, eu gosto de
aluno que é crítico, polêmico, eu adoro isso, porque é com essas pessoas que eu consigo, realmente,
atingir mais rápido o meu objetivo. Talvez por essa característica, talvez até por eu ser assim, sei lá,
eu consiga isso. Alguma coisa de briga, de discussão, de não ter atingido, não, não, eu não tive.
E) De alguma forma, eu entendo que essa sua experiência no futebol te proporcionou um repertório
de possibilidades, de maneiras de lidar com situações e pessoas difíceis que podem ter sido muito
úteis neste no contexto acadêmico.
P3) Exatamente, até porque, por exemplo, existem algumas situações no futebol que são situações,
eu não digo promíscuas com relação a sexo, mas promíscuas em relação a interesses e onde você
fica no meio e tem que agradar gregos e troianos. Tem que ser ético e tem que fazer valer o
131
juramento que fez na universidade. Se você tiver um pouquinho de dignidade, um pouquinho de
caráter, você vai ver que muita coisa no futebol você vai jogar fora na sua vida. Não vai valer
absolutamente nada, apenas como não devo fazer isso, não posso fazer isso e quero distância disso.
Então talvez o meu convívio com o futebol tenha me trazido uma caixa de ferramentas muito grande,
que eu pude usar. No começo é óbvio que eu usava 10% daquilo que eu realmente poderia usar.
Hoje eu uso tranquilamente a caixa inteira, numa boa. A experiência também foi muito grande.
E) E para o aluno que está indo para este contexto, como é que você procura transmitir esta sua
experiência?
P3) Eu procuro ser um pouco enfático, eu procuro não amedrontar o aluno, mas mostrar para ele
aquilo que ele vai achar no conceito da palavra. Eu não tento amenizar a situação. Se eu puder piorar
a situação eu pioro. Para que? Para colocá-lo dentro da realidade. “Mas acontece isso mesmo,
professor? Você o está brincando?” Eu falei: “não, vai acontecer com você”. Para o cara ficar
esperto, para o cara já começar a se ligar e a pensar sobre aquilo que vai acontecer com ele. Porque
se ele vem ainda mais, se ele quer entrar no futebol, se ele quer trabalhar de alguma forma, eu tiro
esse aluno de lado e falo: “olha, você vai encontrar isso, isso, isso, isso, isso...” Tem alunos que
também têm característica de liderança no grupo. Aquele aluno que te bagunça um conceito, que
bagunça uma aula, que te questiona. Por isso eu gosto de gente assim, porque eu pego esse aluno e
esse questionamento dele, esse senso de liderança que ele tem que, se não for lapidado, pode virar
uma liderança negativa. Isso vai prejudicá-lo pelo resto da vida. Tento mostrar para ele que a
liderança dele é legal, mas pode ser positiva se ele pensar de outra forma. Digo para olhar isso aqui,
isso aqui, isso aqui e deixo ele exercitar isso, e vou lapidando, vou lapidando, para ele chegar aonde
eu quero.
E) De uma forma geral, como é que o senhor percebe a saúde mental dos alunos, principalmente os
iniciantes do curso de fisioterapia?
P3) É bastante heterogênea. Não sei se pelas próprias características socioeconômicas do país hoje
ou até pelo ensino médio que esses alunos têm, eu não consigo te falar assim exatamente: olha,
eles vêm assim ou vêm assado.” É muito heterogêneo o grupo. O grupo vem com várias, várias, mas
várias diferenças, características de abordar os temas da fisioterapia de uma forma que você fala:
“onde ele enxergou isso?”, “aonde que ele viu isso?”, por que ele esagindo dessa forma?”, “por
que ele abordou o paciente desta forma?” Por exemplo, a gente faz um teatro no primeiro ano. “Olha,
vamos fazer de conta que este paciente tem isso, assim, assim, assado.” Você que a abordagem
de cada aluno é diferente. Aí a gente tenta respeitar essas individualidades e tenta desenvolver o que
há de bom.
E) Como você percebe o aluno na relação com o paciente? uma dificuldade de estabelecer
relações, em lidar com um corpo doente, uma pessoa que, como você falou, não é um braço, um
joelho, é mais que isso e tem uma reclamação e, muitas vezes, tem uma resistência?
P3) Têm alunos que têm uma resistência muito grande a isso. Têm alunos que não sabem trabalhar,
que tiveram problemas na família talvez relacionados à morte, relacionados a alguma coisa que você
132
está falando na aula. Com esses alunos é um pouco complicado e é aí que eu falo que é fundamental
a ão do psicólogo. É um dos momentos em que me sinto perdido, quando os valores pessoais
começam a se misturar com o que eu estou falando em aula. Eu fico com receio de falar alguma
coisa que prejudique o aluno ou que o faça pensar de forma diferente ou de uma forma que eu não
queria. Então a minha maior dificuldade é essa. Abordar determinado tema com esses alunos de uma
forma homogênea, mas que, por serem heterogêneos, fica muito difícil. você acaba esperando um
feedback do aluno, individualmente ou em grupo, mas geralmente é individual. Ele te pára, espera o
amigo dele sair, e aí joga o problema dele em cima de você. Aí é onde eu sinto falta de um psicólogo.
Porque quando ele joga o problema em cima de mim, ele quer uma resposta.
E) Ele tem uma expectativa...
P3) Ele quer uma resposta e eu tenho que ser coerente para não assumir o papel de um psicólogo
para ele. Eu sou professor dele. Eu não posso passar desse papel. Porque se eu passar desse papel
eu não sei os limites, eu não sei delimitar. que eu falo que o psicólogo caberia como uma luva. E
inclusive não só para o aluno, mas para mim. Exatamente para mim.
E) Como você fica quando isso ocorre?
P3) Eu precisaria muito do psicólogo. Eu não tenho bagagem suficiente para lidar de uma forma
ordenada e coerente com o aluno que me traz esses problemas. eu precisaria conversar com um
psicólogo para me direcionar. Como eu devo pensar, como eu devo abordar. Porque muitas vezes a
gente olha de um lado do prisma e quando você cai na mão de um psicólogo, ele fala: “mas veja
bem, você prestou atenção nisso ou naquilo” e você não fala: “caramba, é verdade!”
E) Ele amplia o seu olhar.
P3) Sem dúvida nenhuma. Eu acho que esse é o caminho.
E) Agora, falando em momentos marcantes, qual seria o momento mais marcante de toda a sua
experiência como professor de primeiro ano ou de último ano, não importa o período, que tenha te
marcado positiva ou negativamente? Algo que ficou até hoje, que tenha te mobilizado.
P3) Graças a deus, eu sempre tive momentos bons, sempre fui um professor homenageado, até
porque eu sou um professor que está sempre junto do aluno fora da sala de aula. Eu não estou só em
sala de aula, eu estou no churrasco, vai ter aniversário de não sei quem, eu vou, a gente vai. Então
eu costumo ter essa convivência extra com 90% dos meus alunos. É porque eu gosto, eu gosto de
estar no meio deles, eu gosto de conversar, eu gosto papear. Recentemente eu tive uma homenagem
de um aluno que hoje, graças a Deus, é meu colega de profissão e professor da casa. Foi a única
que eu tive na minha vida e que me reconheceu como: “olha, esse cara aqui foi o cara que me ajudou,
eu estou aqui há porque esse cara me ajudou.” Ele parou o congresso que a gente estava e me
presenteou com uma camisa simples, mas o valor para mim que aquela camisa tem é talvez maior
do que tudo que eu já ganhei na fisioterapia. Porque, literalmente, foi uma pessoa que reconheceu de
coração aquilo que eu realmente quis dar para ele, que eu quis mostrar para ele. Se você me
perguntar um negativo? O negativo seriam as pessoas que passam por você e literalmente te
esquecem. Você fez o que na vida profissional delas? Você realmente contribuiu com alguma coisa?
133
quando você percebe que essa pessoa o fala nada, não te sinal nenhum, isso deixa a gente
um pouco chateado. Mas eu tive muito mais momentos bons do que ruins, isso com aluno.
E) Para um professor essa situação acaba fazendo parte da sua rotina, assim como um paciente que
você trata e nunca mais vai ver também haverá o aluno que vai passar pelas suas mãos, vai conviver
contigo um período e depois também vai embora.
P3) E querendo ou não o aluno toma você como referência, por mais cuidado que você tome, por
mais criterioso que você seja, ele sempre vai se espelhar, não em você como pessoa, mas como que
você foi na profissão. “O professor fez o que na fisioterapia?” O professor começou aqui e terminou
aqui, eu também quero fazer este caminho, eu também quero ser igual a ele, eu também quero...” O
aluno bom, muito quer fazer isso. A gente tem que ter o cuidado. Aí, é onde eu falo: “você quer fazer?
Tudo bem, a decisão é sua, o é minha. Eu cometi erros aqui, aqui, aqui, aqui. Então tome cuidado
e não cometa os mesmos erros. Você vai chegar aos seus objetivos muito mais rápido do que eu.”
E) O senhor teve que lidar em sala de aula com algum aluno alcoolizado, sob efeito de drogas ou
que tivesse uma alteração de comportamento muito evidente?
P3) Já. Já, tive.
E) Com qual substância?
P3) Com álcool.
E) E como foi isso?
P3) Graças a Deus ele não era violento. Era um aluno até que razoável, mas realmente ele começou
a ser inconveniente dentro da sala de aula. Eu encostei perto dele, devagarzinho, dei uma atividade
para sala, encostei perto dele e disse: “sai dois minutos comigo, vem cá”. Mas de uma forma... “Mas
por quê?” Eu falei: “Mas vem cá, você confia em mim? Vem cá, dois minutinhos. Eu não vou brigar
com você , o vou fazer nada.” Tirei o aluno e falei: “puxa, você está... Você bebeu, você não sei o
quê, você está passando bem? Como é que você está?” Ele falou: “puxa professor, não dá. Eu estou
meio zonzo e tal. Estou tentando ficar alerta, mas não estou conseguindo.” Eu acabei saindo com o
aluno pra fora da sala e para esperar passar o ponto mais crítico da coisa. Eu assumi o problema.
Não fiz absolutamente nenhum comentário pejorativo, até porque eu não sou pai dele, tentei ajudar e
a partir do momento que ele estava bem, sim, eu liguei para os pais, chamei e no outro dia ele até
me agradeceu, numa boa. Foi o único momento. Drogas assim eu nunca tive.
E) Como foi para você para lidar com isso, tomar essa iniciativa? Você entende que era assim que
deveria ter conduzido essa situação?
P3) Foi tranqüilo. Porque se eu olhasse gritando e chutando o balde e o mandasse sair da sala de
aula, seria motivo para ele voltar para o bar o beber. “Ah, já está tudo arrebentado mesmo, vou voltar
e acabar de fazer o serviço.” Então, é muito melhor você tirar essa iniciativa dele: “vem cá, não faz
mais isso”. no outro dia você explica: “olha, estava ridícula a situação, todo mundo rindo da sua
cara. É isso que você quer para sua vida?” Conversa numa boa e tal, mas nada pejorativo ou íngreme
de forma que a gente crie problemas.
134
E) Da minha parte era isso professor. Há mais alguma coisa que o senhor gostaria de dizer?
P3) Eu acho que é fundamental e vou puxar a sardinha para o meu lado agora, na fisioterapia
esportiva, uma psicologia muito mais atuante. A gente psicólogo trabalhando muito em esporte de
alto nível. E eu acho que até os parâmetros científicos, ou ferramentas científicas de avaliação que
se tem na psicologia hoje são muito mais para esporte de alto nível. Mas a gente precisa disso em
todo o contexto. O problema não está em cima. Quando o psicólogo chega só em cima, quando
o cara é adulto, além de achar que o psicólogo tem mais problemas, eu acho que não aquela liga
legal. O psicólogo tem que vim desde aqui de baixo, desde quando esse cara começa a fazer esporte
e vai indo. Eu acho que o acompanhamento psicológico dele é fundamental. Por que? Vou falar de
futebol de novo. O futebol degrada as pessoas por causa do dinheiro. É muito dinheiro em jogo, é
muita fama, é muita cobrança. entra ego, entra um monte de coisa que, obviamente eu não vou
discutir porque eu não sou especialista na área, mas que atrapalha. Atrapalha o desenvolvimento
psicológico dessa pessoa. E eu acho que a intervenção do psicólogo, não aqui em cima, porque aqui
em cima é uma coisa muito técnica. Eu dou o perfil do atleta para o meu treinador. Ah, tudo bem, mas
quem vai trabalhar com o atleta é o treinador, mas e aqui, como é que eu formo esse atleta? Como eu
desenvolvo esse atleta? Que caminho eu posso tomar?
E) É menos um trabalho de avaliação e mais de desenvolvimento, certo?
P3) Os dados que a gente tem na psicologia são do alto nível, mas e aqui embaixo? Por exemplo,
se eu quiser pedir para um aluno: “olha, procura alguma coisa, algum trabalho psicológico que, pelo
menos, me mostre alguma coisa, que me norteie.” Não tem. E eu acho que essa é a grande falha do
esporte brasileiro. Não ter os profissionais característicos no seu lugar de direito. Quando a gente
pensar dessa forma vamos ser uma potência olímpica. Mas enquanto a gente não estiver dando valor
ao nosso professor de educação física, a psicologia, que é fundamental no trabalho de base, a gente
não vai ser nunca uma potência olímpica, além de não formar um cidadão legal. Essa história
também de que o esporte forma cidadão, eu acho isso extremamente relativo. Eu acho que quando a
gente tem uma equipe transdisciplinar trabalhando desde a base até o adulto, sim eu acho que a
gente forma um cidadão melhor, com conceitos melhores, pensando melhor, evitando problemas de
uso de drogas, evitando problemas de uso abusivo, não de drogas, mas se viciando em algumas
coisas que vão trazer problemas para ele. E na minha visão, o profissional para fazer isso, é o
psicólogo.
E) Ok, professor. Muito obrigado pela sua participação.
135
Anexo I - Entrevista Nr. 4
ANEXO I
ENTREVISTA Nr. 4
Identificação do Entrevistado:
Curso: Fisioterapia
Área de formação e titulação: Fisioterapia / Mestre em Ciências do Movimento
Tempo de magistério no ensino superior: 10 anos
Disciplina(s) que ministra: Análise do movimento humano, Biomecânica, Avaliação, Cinesioterapia,
Ortopedia, Estagio supervisionado de ortopedia e hidroterapia
Entrevista:
E) Bom Professor, eu queria começar a entrevista pedindo para você falar, do modo mais amplo
possível, sobre a sua experiência em sala de aula como professor do primeiro ano do curso de
fisioterapia.
P4) Você diz como experiência profissional, quanto tempo eu estou...
E) Não, sua experiência pessoal como professor de fisioterapia.
P4) Bom, no primeiro ano, com primeiroanistas, eu tenho um contato restrito. Eu comecei com aula
de primeiro ano agora, este ano, e em outra universidade eu peguei também uma turma de primeiro
ano. Então eu tenho uma experiência de basicamente dois anos só. Em relação aos alunos de
primeiro ano, o que a gente mais sente num primeiro momento, e no primeiroanista isso é muito mais
calmo, é aquela imagem ou expectativa alta ou baixa que eles criam em relação ao curso que eles
estão entrando, entende? Às vezes, muita coisa de que você está falando, então o primeiro ano tem
muita coisa de abertura de visão em relação até onde eles poderiam estar atuando, explicando entre
um assunto e outro, explicando o que é a profissão, mostrando onde é que ele se encaixaria na
profissão e você observa que para alguns aquilo é uma grande surpresa e para outros nem tanto.
“Já sabia disso.” Alguns inclusive chegam, às vezes, até com a cabeça pronta daquilo que eles
querem. “Eu vim para fisioterapia porque meu pai é ortopedista e eu quero trabalhar com meu pai.”
Então na cabeça dele fisioterapia é ortopedia e é até interessante quando ele, às vezes, também se
frustra um pouco quando percebe que vai estudar ortopedia. Na faculdade ele vai ver muita coisa
que ele, num primeiro momento, ele até fala: isso eu não gosto”, mas como ele está o fixado na
idéia de que ele vai trabalhar com o pai e já tem uma porta aberta, então ele está muito aderido ao
processo e nada para ele choca. Tudo está vindo muito legal para ele. Agora tem aquele, por
exemplo, que realmente ele não tem uma idéia ampla do que ele vai ser, pelo que ele vai ter que
passar como fisioterapeuta ou como estudante, então esse normalmente começa tendo um
136
problema. Até na semana passada, nós temos uma disciplina que, resumidamente, o aluno tem que
tirar a roupa parcialmente, tem que ficar desnudo. Para 30% da população da sala, tranqüilo, dá
risada, brinca com a situação. Ih, vou ter que tomar sol essa semana”, aquelas coisas. Para outros
70%, aquilo é um choque. Desses 70% uns falam: “ai meu Deus, eu vou ter que fazer depilação”, mas
não é. E outra parcela fala: “eu não vou vir nessa aula.” E aí você lida com o primeiro estresse. Aí na
hora você tem que explicar: o que acontece é isso...” E outro detalhe interessante, então, aquela
coisa. Ele vai ter que se expor? Ele o sabia que logo de cara ele teria que se expor um pouquinho
e a gente delicadamente mostra para ele que assim, ele vai ter que ser expor, mas se a gente abrir
um precedente para que ele não se exponha esse precedente vai ter que ser aberto à todos. E
quem que vai se expor? E é interessante porque é uma situação de estresse e, é até interessante,
porque começa o primeiro contato com a deficiência física. “Ah, eu não quero me expor porque
estou gordo, porque estou com estria, porque eu fiz uma cirurgia, está feio.” E é interessante a
visão que se tem justamente da deficiência. “Eu tenho uma deficiência e as pessoas vão rir de mim,
vão me analisar, vão caçoar.” E aí você fica pensando: “e o seu futuro paciente que tem deficiências
muito piores do que você. Será que eles também não pensam nisso?” Será que o que você vai
passar com isso, será que é tão grande comparado ao que os seus futuros pacientes irão passar? E
como é que você fica numa situação assim, num outro contexto? Então quando você vai à praia como
é que você faz com essa deficiência? Você esconde? Você mostra abertamente?” Então você
aquela aluna, eu peguei três alunas que eu tive que conversar. As três acabaram conversando e eu
falei: “olha, fica tranqüila, é uma atividade em dupla, você vai fazer com a sua dupla, uma dupla que
você tenha mais confiança. Embora seja numa sala aberta eu vou cobrar da sala muita
responsabilidade e respeito.” E aí teve uma que falou um detalhe: “em relação àquele professor, ele é
bonzinho?” E eu entendi no seguinte aspecto: ah, não sei, ele tem uma cara de que ele pode
ser alguém que não traga uma confiança.” E fica até uma questão até em relação ao professor.
Ah, mas ele vai pedir para eu tirar a roupa e será que ele vai estar me analisando e depois ele vai
chegar na sala dos professores e vai falar: nossa, você viu aquela aluna, que coisa maravilhosa, e
pápápápá...?” Então ela fala: “eu não quero me expor, eu sou casada.” Então entra um monte de
conceitos, pré-conceitos que a gente tem que... No primeiro é bastante... no segundo ano, isso
acontecia e já não era muito fácil. É que a grade curricular da fisioterapia mudou um pouquinho. No
primeiro anos eles tinham basicamente disciplina. O máximo de contato prático que eles tinham era
com lâmina de laboratório, microscópio e peça anatômica. Onde eles tinham que começar as
atividades mais práticas da fisioterapia era no segundo ano. Então no segundo ano você já lidava
com isso um pouquinho, mas ao longo do primeiro ano eles meio que iam se preparando para o
que vinha, mas agora esse conteúdo veio para o primeiro ano então eles estão vendo anatomia.
Então o que eles vêem na peça eles têm que tocar neles mesmos. Agora é uma disciplina que
envolve anatomia, então ele a peça, ele o exame e mistura com a radiologia. Então ele a
peça, ele aquilo no Raio-X, na ressonância e o que para palpar ou visualizar. Então para
apalpar não para ficar de roupa, tem que tirar, mesmo que seja parcial. Então: “eu não vou tocar
no seu ombro, então você pode ficar de camisa, mas eu vou tocar no seu joelho, então você tem que
tirar a tua calça.” E para isso eles são preparados: olha, você vai vir com um shorts ou com um
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biquíni assim, assim...”, coisa que, às vezes, na avaliação de um paciente não acontece. Ele chegou:
o senhor poderia tirar a calça?” Ah, mas eu estou de calcinha.” “Vai ter que ser com a calcinha
mesmo.” E a gente fala normalmente na situação de ginecologista: mas vocês não vão ao
ginecologista?” Muitas vezes é homem, a maioria deles é homem. “Você vai ao ginecologista
esperando que vai acontecer o quê?” Até você mesmo meio que já se prepara. “Ah, então você
coloca uma roupa mais discreta, talvez ele peça para olhar alguma coisa muito íntima.” E, às vezes, o
fisioterapeuta não sabe exatamente. Ah, mas o fisioterapeuta vai pedir para eu tirar a camisa, para
quê? Por que ele quer ver?” você tem que explicar que tem questões que a gente avalia que o
questões posturais e isso precisa estar sem a camisa para poder enxergar. No primeiro ano eu noto
que eu não posso brincar. Eu tenho que fazer cara de sério, até de bravo. Qualquer brincadeira eu
dou um esculacho. E aí no segundo ano eles já se conhecem um pouco melhor, eles criam mais
liberdade entre eles e eventualmente aquele aluno que você que ainda tem uma certa resistência,
você tenta trabalhar da seguinte forma: “olha, existem técnicas de manuseio que você não precisa se
despir, você pode usar de um lençol, você desnuda parcialmente”, então você vai tentando dar
alternativas. Mas uma coisa que a gente não deixa: “olha, sem você participar não dá.” aconteceu
isso uma vez mas a aluna desistiu do curso. Eu acho que ela era evangélica, se não me engano. Não
tinha jeito, não tinha jeito. Eu lembro que a frase dela foi assim: “eu posso ficar desnuda para o
meu marido em raras situações e para mais ninguém.” Eu falei: “bom, tudo bem. Se você fosse uma
paciente minha eu diria assim: “olha Dona Maria, o prejuízo disso é o seguinte: eu não avaliando a
senhora assim, assim, assado, eu posso tratar a senhora, no entanto, eu precisaria levar a senhora
para uma piscina, mas a senhora não pode por um maiô, então eu não vou levar a senhora para a
piscina. Eu precisaria leva a senhora para... Eu precisaria fazer uma avaliação da postura da senhora,
mas eu não vou poder. Então, algumas coisas na minha avaliação, no meu tratamento, podem ficar
um pouco prejudicados. A senhora concorda mesmo assim? Tudo bem, tudo bem.” Agora, com o
aluno é difícil.” Então, ela pode apalpar a colega que vai estar desnuda, mas ela não vai se submeter
a isso. Teve uma outra também que aconteceu a mesma coisa. Ela tinha o mesmo problema, mas a
gente conseguiu achar um meio. Inclusive no próprio quarto ano ela teve que fazer um estágio de
hidroterapia. Ela sabia que teria um estágio e a gente conversou desde o primeiro ano.
Falamos: “olha, usa uma roupa assim... Hoje em dia existem bermudões que o pessoal que faz surf
usa e esse pano está a venda.” ela falou assim: tudo bem, acho que não tem problema”. “Na
nossa avaliação aqui a gente tenta fazer de uma outra forma.” E até ela abriu: “com aquela pessoa eu
faço.” “Então está bom. Com aquela pessoa pelo menos você faz?” “Faço.” “Então ela vai ser sempre
a tua parceira, tudo bem?” “Tudo bem?” “Na prova você faz com ela.” Acho que é isso o que mais me
chamou a atenção nos primeiroanistas. Claro que vem toda aquela ansiedade de início de curso.
“Ah, mas o que a gente faz?” Um monte de perguntas que até certo ponto acho que é normal. Nem
todos têm um conhecimento tão grande de onde vai chegar. Têm muitos que prestam faculdade sem
ter a noção clara do que é exatamente. Tem gente que realmente não faz a mínima idéia. Nós
estamos com uma aluna agora, que está no segundo ano agora, mas eu cheguei a conhecê-la no
primeiro ano. Ela é uma senhora de 60 anos. Ela falou: “ah, eu sou educadora física, mas eu queria
138
conhecer mais sobre a fisioterapia.” Ela tem uma vaga noção. vinte anos que ela não é mais
educadora física, ela quer conhecer uma outra área, meio como um hobby, um complemento.
E) O que você entende por saúde e promoção de saúde nesse contexto todo que você mencionou?
P4) Saúde. Não pode responder que é o bem estar físico?
E) Pode responder o que você quiser. Fique à vontade.
P4) Nesse contexto, no contexto do aluno na visão.
E) No contexto em que você está inserido. É a tua percepção de saúde e de promoção de saúde.
P4) Vamos ver se eu vou caminhar para onde for bom para você e você me direciona. Eu sinto do
aluno hoje em dia certa imaturidade que eu não observava, não sei se imaturidade, mas eu vou
chamar assim, de uma certa imaturidade, até para vencer alguns desafios. Durante o curso todo eles
estão lidando com questões de ansiedade, de pressão, de cobrança que no início do curso é mais de
um jeito e no final do curso é aquela cobrança em relação...: “Putz, o que eu vou fazer, no que eu vou
trabalhar.” Mas no início do curso é muito aquilo: “nossa, estão me cobrando isso.” Nossa professor,
não para dar uma apostila para gente?” Sabe aquela coisa que vem um pouco de colégio, aquela
coisa que eles não estão muitos acostumados a administrar algumas críticas? O quarto ano deles
basicamente é o ano das críticas. Então nesse contexto têm alguns alunos que têm muita dificuldade
de assimilar essa questão, de se colocar para a análise pública. Senão para uma análise pública,
para a análise de um professor que vai dizer: “se eu sou, se eu sou isso, isso e isso.” Acho que essa
mudança repentina de colégio para um ambiente universitário onde você está explicando uma coisa e
ainda o aluno fala: “professor, repete!”, e você já esperou cinco minutos ele copiar e você repete pela
quinta vez e ele tem a dificuldade de perceber, dificuldade, às vezes, de escrever, dificuldade de
entender. Você tem alunos que você diria que são analfabetos funcionais mesmo. Você vê que o
aluno está sofrendo, num determinado aspecto, para conseguir entender e, às vezes, ele não tem a
condição de chegar e dizer: “professor, estou totalmente perdido, tenho tal dificuldade”, e aí você vai
perceber isso na primeira prova. chega a primeira prova e você que o cara o sabe
escrever.Você vê que o cara não consegue se expressar na escrita e, ao mesmo tempo, você
percebe que ele não consegue se manifestar. Mesmo que seja com uma linguagem bem juvenil:
“professor, eu puto, boiando cara, fogo”. Você que esse que esmais quieto, ele está ali
mas vai começando a se isolar. Ele vai vendo que o colega é mais descolado, que teve uma
formação diferente da dele e que já tem uns pré-requisitos mais..., teve uma educação mais...,
passou por um cursinho e eventualmente ele não passou. Então eu percebo que para o aluno, no
contexto do aluno, eles têm toda essa problemática, essa ansiedade, essa dificuldade em estar
lidando com a nota, de achar que ele vale aquela nota, então ele tem seis, mas: “ah, é seis? Eu
sempre fui bem no colégio e agora estou tirando nota baixa.” Isso para ele é um transtorno e ele
começa a entrar num processo de auto-imagem deprimida. Tem um aluno nosso, um japonês que
disse: “oh, professor, eu sou burro.” “Não, não é isso.” E aí você tem que comentar: “você já percebeu
que você é bastante desatendo?” “É, acho que eu sou.” ele foi fazer uma avaliação psicológica e
veio um retorno justamente falando em déficit de atenção e indicando até medicação também.
139
E) E o professor neste contexto todo?
P4) Aqui na Metodista a gente tem uma possibilidade de trabalho muito legal. A gente tem a
possibilidade de trabalhar, na maioria das vezes, com mais de um professor em sala de aula, pelo
menos por enquanto ainda continua isso, e então a gente pode dividir um pouco as tarefas. É claro
que nem todos os professores têm a mesma visão. Então tem professor que é muito mais acomodado
com o aluno. Tem professor que é muito mais desorganizado com o aluno. Então dependendo da
parceria que você forma, às vezes, você tem que assumir coisas que o outro, às vezes, você que
não faz. Então delicadamente você tenta contornar isso, mas se, às vezes, o aluno tem dificuldade
em ouvir críticas, você percebe que o próprio professor não percebe que ele tamm tem algumas
coisas para estar mudando e ele não muda. Às vezes, para um ou para ambos os lados, tem sempre
que acaba fazendo mais, sofrendo um pouco mais porque vai sobrando uma carga maior. Mas acho
que o que pesa mais é a própria consciência dele. Então quando você faz uma correção de prova e
você percebe que 60% da sala foi muito mal, você começa a falar: “onde está errado o negócio?”
Você poderia deixar batido. Tem professor que tem a maior tranqüilidade de ver que 90% da sala está
de exame e se orgulha. A universidade também não cobra que: “não, você tem que ter uma
porcentagem.” Já trabalhei em faculdade que teve isso. O limite máximo de exame era 30%. Se você
ultrapassar, alguma coisa está errada e eles te chamam. Você começa a ter uma conversa e se
aquilo não mudar, no próximo ano você é mandado embora. “Poxa, você esreprovando mais da
metade da sala? Isso é um absurdo! Então tinha. Eu acompanhei a coordenação e tinha essa
questão. “Olha, esse professor aqui já há dois anos que todo mundo está fazendo exame com ele.” Aí
tem os dois lados. Eu acho que isso não é uma coisa que deve ser cobrada do professor. Se a sala
está indo mal a sala também precisa ver isso, mas o professor é que tem que ter essa percepção. Dar
aula pode ser mais ou menos tranqüilo a depender da cobrança que o próprio profissional se faz. Eu,
particularmente, sou muito estressado. Estressado comigo, não com os alunos. Com os alunos, pelo
contrário, eu tento levar numa linguagem sempre muito próxima, uma linguagem de cursinho mesmo.
Brincar, cantar, fazer alguma coisa para que eles, de alguma forma, eles aprendam. Muda o método
se não está aprendendo, vamos tentar mudar um pouco. Mas eu me cobro muito. Quando dou prova,
eu analiso a prova que eu estou elaborando para ver se a prova está clara de se entender. Então é
muito comum nas minhas questões eu perguntar assim: “explique tal, tal, tal, tal. Isto quer dizer que
eu quero que você fale por aí, por aí, por aí...” Para ver se ficou claro, para ver se na aula: “professor,
o que o senhor quer nesta questão?” eu falo: “lê de novo. Você tem que ler. Você o entendeu
ainda?” “Não entendi ainda.” Aí você fala: “caramba, ele não está conseguindo entender.” E aí você lê,
você você fala: “mas está claro o que estou perguntando.” tem vezes que o professor faz uma
pergunta que não está clara, só que ele não fica perguntando: “e aí, vocês entenderam?” Ele deu e
acabou. Responde!” Ele pode ser até mais autoritário: “silêncio aí, vamos lá...” Então ele não se
estressa tanto. Na consciência dele está tudo muito tranqüilo. Acho que isso é muito variável, essa
cobrança também de uma ética muito grande. Eu estou lidando com pessoas que tem que tirar a
roupa e você tem que ser muito cauteloso. Eu trabalho também dentro da piscina no quarto ano e um
gesto que você faça... Então a menina esde maiô e, às vezes, ela está saindo pelo corredor e
você está olhando para o vaso que está do lado dela, mas alguém pode falar: “olha, ele está olhando
140
para bunda da moça.” Eu não posso deixar que alguma coisa, em nenhum momento, transpareça.
Por mais eu possa achar, eventualmente, alguém bonito, eu não posso deixar transparecer isso. Isso
fica comigo guardado a sete chaves. Essa questão de você se cobrar: “será que estou fazendo certo,
será que não, isso e aquilo. O horário...” Tem gente que 7h30 começa a aula, 7h50 diz: “relaxa”. Eu
não, eu estou lá. Não que eu seja um profissional perfeito, pelo contrário, sou estressado. Mas eu
me cobro muito e acabo, às vezes, até cobrando e, como supervisor de estágio, eu cobro muito deles
também. Então na hora de escrever eu falo: “olha, isso aqui que você escreveu na sua evolução, eu
não entendi. Não estou entendendo.” Eu falo na cara. O terapeuta não é o técnico: “ah, você usou
o aparelho de ultra-som muito certo, usou direitinho, mas o que está me preocupando é a forma com
você atendeu esse teu paciente.” E ele começa falar: “ah, mas isso é pessoal.” “Sim, é pessoal
claro, eu estou analisando você como terapeuta e você durante a terapia inteira não abriu a boca com
o paciente. Achei péssimo isso. Isso demonstra até uma falta de interesse sua. Eu não posso dizer o
que é, mas o fato de você não conversar com o paciente é no mínimo, no mínimo, uma falta de
interesse. Eu não sei o que pode ser. Acho que pode ser timidez, pode ser medo, mas não me
interessa. Isso você tem que conversar comigo. Se isso está acontecendo, o paciente não tem que
ficar mudo. Você mudo, e aí? O que está rolando? O que você está pensando? A forma de lidar com
o paciente: “ah, do jeito que você falou você foi grosso com o seu paciente. Você tem que tomar
cuidado. Ou você deixou seu paciente falar uma coisa para você e ele foi desrespeitoso com você e
você fez o quê? Você precisava ter tido uma atitude.” “Ah, mas isso é pessoal, é que eu sou assim,
eu sou tímido.” “Então, mas como terapeuta nem sempre para você ser muito tímido. Então se
você fosse artista de TV, a sua timidez não ia poder valer. Você é um profissional, o paciente eslá,
com dor, às vezes, com um quadro depressivo, pré-depressivo, está desanimado. E aí? Você não é a
visão da reabilitação dele? Então você tem que: vamos sr. João, vamos lá, o sr. esbem, o sr.
está sentindo isso?” Tem um aluno da pós-graduação nosso, do estágio de pós-graduação, que o
sabe falar com o paciente. Então assim, até para você passar um exercício pro cara, você vai falar:
“sr. João, isso, dobra a cabeça.” o sr. João: “mas o que é dobra a cabeça?” É até fácil o termo,
mas ele não está entendendo. Aí, faz assim, seu João.” o sr. João faz assim, e ele fica quieto.
Então, ele dobrou a cabeça e é para sentir o quê quando dobra a cabeça? É para sentir alguma
coisa? É para puxar alguma coisa, para respirar?” Não fala nada. “Dobra a cabeça.” “Dobrei.” “E aí?”
Ele fica assim?” Aí você fala: “então fala com ele. Como você vai orientar sua terapia, seu exercício?”
Então nesse ponto a gente acaba se estressando um pouco. No dia-a-dia, eu me estresso muito
quando vejo terapeutas ou pseudo terapeutas em formação não tendo aquele carinho, cuidado,
atenção. Ao ponto de a gente instituir, em alguns estágios que eu percebi que a coisa estava muito
feia, eu falei: “antes de começar o seminário de hoje nós vamos fazer uma oração, agradecendo e
pedindo força a Deus, nós estamos numa instituição religiosa então acho que é bem pertinente, a
oportunidade que nós temos de poder ajudar o nosso semelhante, beleza? Faz uma oração, dá as
mãos e agora a gente está pronto para começar o dia.” Para ver toca alguma coisa. É..., minha
responsabilidade não é pequena”. Tem uns que eu acho que, às vezes, estão brincando. Então nesse
aspecto vai depender muito de profissional para profissional, entendeu? Até no estágio você tem que
chegar no aluno e dizer: “olha, tua nota foi tal, tecnicamente tua prova foi boa, tua prova de estágio,
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isso foi bom, mas tem questões pessoais que não foram boas e eu preciso te falar, você goste ou
não.” E eu vou falar da forma mais doce possível. Então você fala assim: “você é tímido.” Eu falo:
“olha, parece que você tem demonstrado isso. Você já percebeu isso?” Aí você tenta colocar para ver
se ele... “Não, não sou assim.” Aí você fala: “ferrou!” Tudo que você está vendo ele fala que ele não é.
E aí, mas de qualquer forma: “a gente percebeu que você não fala com o teu paciente, que você
atrasa.” “Não, eu nunca atraso.” “Atrasa, tal dia...” “Então assim, a tua nota foi cinco.” “Ah, mas eu não
concordo.” Ok, você quer que eu te explique de novo?” Assim, no tete-a-tete. Porque uma prova, às
vezes, é fácil. O aluno vem: “o que está errado?” Você pega e explica. “Ah, então está bom.” Agora
quando você começa a falar de questões que o são objetivas, ele entra, muitas vezes, num
embate. Ele o gostou da nota. Ela acha que ele merecia mais ou pior. Fala assim: “mas o fulano
aqui chegou atrasado em todos os seminários e ficou com oito. Por que eu fiquei com seis?” “Então,
no atraso ele perdeu, realmente, mas ele ganhou em outro ponto e acho você não tem que discutir o
dele, nós estamos discutindo o seu.” E é isso a todo momento e ninguém gosta de fazer avaliação.
Normalmente o que fez a avaliação com o aluno o é que vira, para o aluno, o carrasco. “Ah, porque o
professor foi isso, ele falou que eu era isso e eu acho um absurdo...” Ele fica guardando aquela
mágoa a ponto de no dia seguinte você ver o mesmo aluno sair do teu estágio sem olhar mais para
você. você fala: “tudo bem, né? Não vim aqui para fazer amizade, mas seria bom se a gente
pudesse deixar o profissional e dizer: agora somos colegas. Oi, tudo bem?”
E) Diante dessa questão, como você descreveria sua relação com os alunos?
P4) Eu tento ser o mais próximo possível, só que eu sou daquele que cobra, não tenho medo de
cobrar, e num aspecto eu sou um pouco crítico. Então eu critico, se eu acho que tenho que falar
então eu critico. Mas eu tento criticar da forma mais doce possível. Mas, às vezes, não é isso que o
aluno está querendo. Para uns ele fala: “que bom que você falou isso porque eu melhorei.” Alguns
têm essa visão, até são mais maduros, mas outros realmente nunca foram criticados. Você percebe
que nunca tiveram crítica nem em casa. A ponto de ter aluno que, às vezes, tem nota baixa e fica
revoltado com a nota baixa e pede para mãe vir conversar. Aí você fala: pô, você está numa
universidade, não precisa da tua a mãe para conversar. Vamos conversar a gente.” Acho que isso
tem acontecido muito pouco, mas eu acho que minha relação é de proximidade. No meu caso, eu
percebo que muitos alunos acabam, muito no fundo, no fundo, no fundo, apesar de gostando muito
de mim, chegam ao quarto ano, que é época de fazer TCC ou passar pelo estágio, duas coisas
acontecem: “eu não quero fazer TCC com esse professor porque ele vai me cobrar demais”, e: “eu
agora ferrou! Vamos passar pelo estágio tal com o esse professor. Ferrou!” Aí isso gera um pouco de
medo, um pouco de aflição que o era o que eu gostaria que gerasse. Mas eu percebo também
que acaba sendo, eu te falo, a diferença na atuação do corpo docente. Não é homogênea. Então
eu tento segurar mais o aluno mais no ponto, mas o meu colega libera. Então ele fala: “beleza, aquele
professor é legal, que fulano é crica. Fulano fica controlando o horário que a gente entra.” eu
falo: “gente, se vocês foram trabalhar, chegou 10 minutos atrasado, vai bater o ponto, você vai perder
dinheiro. Aqui você vai perder pontinho.” Ah, porque isso não é justo, pápá...” Mas eu diria,
proximidade, eu sou próximo, mas ao mesmo tempo, acho que pela exigência que eu faço eu afasto
um pouco. Sou acessível, mas: “não sou aquele professor que eu quero ter... Tanto que eu tenho um
142
pouco de receio porque eu vou perguntar e se falar bobagem é capaz dele falar: “olha...” Quando
chega a prova, o cara: “ah, o que eu errei aqui professor?” E já está corrigido, já está com a nota. “Ah,
o que eu errei?” eu viro a prova e falo: ”o que você errou? Me diz, leia...” Ah, é que eu não estou
entendendo o que está errado.” “Tenta descobrir e me diz você... Por que acha que eu te dei meio?”
Eu não dou a resposta: “olha, não, veja, olha e tal...” “Não, eu corrigi, está anotado, está riscado
aqui. E eu já coloquei até um qual, o quê, por quê. Está aqui, é isso aqui que está errado. O que você
acha que é?“ “Ah não, porque eu coloquei.” “Ali de novo, qual que é a resposta certa?” E aí não gosta,
eu jogo um pouco para ele falar: “ó, fala você o que eserrado...” Então, não sei. Acho que não é
muito atrativo.
E) Você se lembra de alguma relação com algum aluno em particular que te marcou, que te mobilizou,
que te marcou negativamente? Se houve como é que foi como é que você lidou com isso?
P4) Ah, teve pelo menos, que eu me lembre, umas duas alunas. Uma aluna que no início do curso no
laboratório. Quando está, por exemplo, aquele pessoal desnudo eu não deixo mais ninguém entrar na
sala. Por razões simples. Você abre e tem gente passando pelo corredor. Daqui a pouco es
passando alguém do curso publicidade e: “nossa! O que está acontecendo dentro? Todo mundo
desnudo...” Eu falo assim: “quinze minutos e ninguém mais entra, eu vou trancar essa porta quando
tiver em aula prática.” Na teórica você entra quando quiser, sai a hora que quiser, o precisa nem
dar satisfação, mas a aula prática, quem esaqui dentro fica e quem está fora fica fora até
acabar a aula. A gente uma pausa se precisar ir ao banheiro tudo bem, mas... Porque está todo
mundo numa situação... É uma sala enorme e está todo mundo pelado. Não é um box que a pessoa
está lá no cantinho. Aí teve uma aluna que uma vez bateu na porta, estava cinco minutos atrasada, a
aula tinha começado 7h30 da noite e ela chegou às 8h00. bateu na porta. Primeiramente eu não
ouvi, porque já havia sido avisado, deixei. estavam sabendo, estrancada. começou a mexer
no trinco, bater. Começou a socar a porta. eu tive que parar e falei: “oi, o que foi?” Aí ela: “está
trancada a porta.” E eu falei: “então, está trancada como a gente tinha conversado na aula passada.
A gente ia dar uma tolerância de 15 minutos porque é aula prática está todo mundo desnudo.” “Não,
mas é porque eu peguei trânsito.” “Eu entendo. Você está de roupa já?” “Não, não” “Então, pois é...”
“Você vai entrar agora, vai colocar suas coisas, vai ficar todo mundo pelado aqui na frente do
corredor.” “Ah, mas isso não está certo, isso o é justo, eu pago.” Eu falei: “olha querida, você
espera, você vai entrar depois do intervalo.” “Ah, mas eu não aceito isso.” “Mas você vai ter que
aceitar porque essas são as regras da disciplina que foram colocadas desde o primeiro dia e você
inclusive foi umas das que aceitou e não teve nada contra.” ela veio... Acabou a aula eu pensei
que tinha acabado e eu pensei: “bem, deixa ela espernear um pouco.” Acabou a aula ela veio para
cima e começou a falar um monte. “Quem você pensa que você é?” Ela era um pouquinho mais velha.
“Quem você pensa que você é, isso é um absurdo.” E gente do lado. E aí se juntou a ela mais um que
também chegou atrasado, um grandão. Falou assim: “é pô, você sabe, você mora em São Paulo.” Os
caras querendo ir para o embate. eu comecei a falar o seguinte: “olha, está conversado. Eu
conversei com você e eu não vou falar mais sobre isso.” E começaram até já querer partir para
ofensa pessoal e eu falei: “olha, dão licença, porque eu não vou responder na mesma moeda e é bom
vocês se controlarem porque vocês vão ter que conviver comigo ainda um ano pela frente e acho que
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não vai ser boa essa relação se a gente começar ela desse jeito.” foi, passou um mês, foi...
na próxima aula já chegou no horariozinho e nunca mais atrasou também. E no final virou amiga,
colega, participativa. Descobri que era minha vizinha ali onde eu moro. Uma senhora já. No fim deu
tudo certo. A maioria dos caso que eu tive problema, como essa aluna, foi mais ou menos nesse
sentido. De uma aparente intransigência minha em relação a algumas regras que a gente tinha
colocado e eles achavam que eu não era muito maleável e eu falei: “não vou ceder porque eu acho
que isso é o certo.” Então, se você vai a um consultório e você chega atrasada, você avisa, você faz
alguma coisa ou se o médico te atende atrasado você fica louca da vida, não fica? Então, aqui é a
mesma coisa. Você tem colegas seus que estão desnudos e durante essa parte da aula que ocorrer
isso eu vou trancar a sala. Eu vou dar uma tolerância, então a gente vai adotar uma tolerância mínima
de uns 15 minutos, 20 minutos, para que atrasos eventualmente aconteçam. Evidentemente, se um
dia acontecer da a gente descobrir que a cidade está parada porque teve um dilúvio na cidade,
choveu, evidentemente a gente vai dar um crédito para isso, como várias vezes aconteceu. “Mas
atrasei?” Paciência, espera um pouco, não fica batendo na porta, atrapalhando a aula. Aguarda e
daqui a pouco você entra. Vai dar o intervalo, vai dar um intervalinho e logo você já entra.” Então
houve alguns problemas nesse sentido. Nesse sentido com correção de prova e estágio. A última do
estágio a aluna sentou na mesa e a primeira coisa que ela falou foi: “olha, eu não gosto de ouvir
crítica, já preciso te falar”.
E) A aluna te falou isso?
P4) Sim, de cara. Ela sentou e falou: “eu o gosto de ouvir crítica, eu já preciso te dizer isso.” Meio
rindo assim, mas meio que do tipo: “olha o que você vai falar.” na hora, a minha atitude foi falar:
“bom, então acho que eu não vou te falar nada! Você quer sabera nota? Sua nota foi essa e você
passou, tá bom? Você tirou isso na prova e isso na prova”. “Não, que você fale.” “Ué, você acabou de
falar que você não quer ouvir crítica?” “Não, mas espera aí. Você vai falar como é que eu fui ou você
vai criticar?” “Não, crítica não é necessariamente algo negativo, vou te explicar o que você pode
melhorar. Você está se formando uma profissional. Você quer ouvir?” “Sim.” “Então está bom.” A
primeira que eu fiz, ela disse: “eu não concordo!” eu falei: “ai cacete, putz grilo...” E isso que ainda
é uma coisa que a gente decide entre três supervisores. Então a gente conversa: “você achou isso
também?” “Achei.” “Você achou isso também?” “Também achei.” “Então a gente concorda que ela foi
assim?” E ela não concordou, e eu falei: “bom, tudo bem. Eu respeito o fato de você não concordar,
mas você lembra aquele dia?” “Ah, mas foi só aquele dia.” Não, teve mais dias e pápápá...” foi
indo meio assim, no: “ah tá bom, isso eu concordo. Isso é verdade. Nisso eu sou assim mesmo.” “Que
bom...”
E) Quando há essa contrariedade por parte do aluno, como é que o professor fica? Como é que você
fica emocionalmente falando?
P4) Num primeiro momento você fica muito mal. Você sai desgastado. Eu me desgastei muito,
muito, muito. Um colega meu da fisioterapia, que é professor também, é totalmente diferente nesse
aspecto. O aluno fala, algum paciente briga e ele fala: “calma, não precisa...” Ele tem uma postura
totalmente diferente. Ele fala: “você está vendo que você está ficando muito bravo? Não precisa fazer
144
isso.” que na hora da emoção, nem todo mundo consegue levar desse jeito. Eu no começo, eu
realmente me controlava para não xingar a mãe da pessoa. Então eu ficava..., eu saia..., precisava
chegar em casa, tomar um banho e esquecer essa pessoa, esquecer que ele existe inclusive para
não marcar esse aluno na minha memória. Hoje já lido com mais calma. Então eu falo assim: “você
não quer ouvir crítica?” Eu falo: “posso falar ? Posso falar o que eu penso de verdade? Você vai
ouvir? bom, eu vou falar da forma mais delicada porque a gente quer que você melhore, que é
para o teu bem.” você sempre começa com aquela conversa de que amigo verdadeiro é aquele
que fala as coisas que acha importante para você melhorar. Porque eu poderia bater na suas costas
e falar: “ó, tudo bem, legal, você foi super bem, tirou sete e não falo mais nada. Tudo bem, você está
feliz comigo, eu estou feliz com você, você o ouviu crítica, mas eu sinto que o meu papel não foi
completo e eu sinto que vopoderia ter aprendido um pouco mais no final.” Esses dias, uma colega
minha da fisioterapia adoeceu depois de uma semana de certo episódio. Exageradamente. Mas
assim, uma aluna estava enrolando a gente no estágio. Ela faltou porque ela disse que estava com
problema de pele, ela não trouxe atestado, depois descobrimos que ela viajou um dia, e depois
faltou, depois ela marcava uma prova substitutiva, depois ela falava que tinha um problema,
ligava para outro professor: “aí então...” E falava uma outra coisa: “eu queria marcar uma outra
prova.” E essa professora começou a pegar todas as sacadas da aluna e ela começou a ficar por aqui.
Até um dia que ela entrou na sala da supervisão e estava a aluna lá dentro: “eu quero conversar com
você.” ela falou que subiu o sangue, e disse que a aluna dizia: “porque você precisa me entender,
você não está me entendendo, eu estou nervosa e não sei o que lá” e começou a segurar nela assim,
nervosa mesmo. Aí a professora falou para ela: “me solta agora, me larga, larga de mim.” Diz que ela
ficou... E ela saindo, eu a vi saindo, ela veio falar comigo: “ai, eu estou muito nervosa, eu preciso
falar”, mas estourando. Eu falei: “calma, o que você falou para aluna? Você não bateu na aluna?
Não? Então está bom, menos mal... Mas então, você conversou sozinha com ela? Porque tem um
problema. Depois a aluna vai dizer que conversou com você, que você o deu atenção. Pode falar
qualquer coisa. Então espera, vamos conversar junto com mais outro professor, para a gente notar
bem o que está acontecendo.” E a aluna estava se considerando numa posição de injustiçada, que
ela faz tudo e ninguém olha o problema que ela está tendo. Na verdade, a gente percebe que ela está
com algum problema, que ela está quase que pedindo ajuda. Mas ela estava usando esse problema
um pouco para tentar minimizar as coisas. Ela tinha as obrigações do estágio e estava fazendo os
supervisores de tonto mesmo. Falava que veio fazer a prova, mas não encontrou ninguém, a
professora falou: “como não encontrou ninguém? Eu estava aqui.” “Nossa, acho que eu procurei a
senhora pela faculdade inteira.” “Mas como, eu estava aqui. Como pela faculdade inteira?” “Então
professora, não sei, procurei, falei com a secretária, ninguém sabia onde a senhora estava. tive
que ligar para outra professora.” ela falava: não é possível um negócio desses!” “Eu estava com a
prova te esperando, você não veio na sala. Eu estava te esperando, nós combinamos.” “Então, agora
não sei. Agora não estou preparada para fazer.” Então ela começou a ficar louca. “Você está de
brincadeira comigo?” E aí ela explodiu. Isso aconteceu algumas vezes comigo isso, de ficar assim, de
você não conseguir assimilar bem aquilo, sabe? Hoje, com um pouquinho mais de maturidade, um
tempo depois, a gente consegue contornar um pouco. Mas ainda eu levo muito para casa aquela
145
questão de puxa..., eu não assimilei bem como o aluno... Acho que da mesma forma que, às vezes, a
gente fala alguma coisa pro aluno que quando não assimila bem ele fica meio assim, a gente também
tem um outro lado. Às vezes, você está na aula e diz: “professor, não é isso não.” Aí você fala: “tá, e o
que você acha que é?” Então é não sei o que lá, não sei o que lá.” É uma forma de se colocar que...
Eu, na época da faculdade, não falava nem tanto. Seu eu fosse levantar a mão eu falava: “mas
professor, eu vi outro dia que...” Você coloca de um jeito, você não vai dizer: não é isso não.” “Se
não é isso então o que é?” Daí você fala “olha, é isso e tal...” Que nem essa aluna. Esses dias
mesmo, eu falei um negócio e a aluna disse: “não é, não é isso”, aquela educadora física. Aí eu falei:
por que o é isso?” “Porque eu tenho 60 anos e não é assim comigo.” “Eu sei, eu entendo. Mas
assim, você faz atividade física hoje?” “Não, o...” E aí tiveram uns cinco com ela que falaram:
“tamm não é isso não, não é isso não.” Eu nem dormi aquela noite. Eu puxei todos os artigos
científicos que eu tinha e disse: olha um para você, um para você...” Fiquei até meio assim. O
pessoal falou: “você ficou até meio pálido.” Eu falei: “é que eu passei a aula inteira falando levanta
uma e fala: “não, não é isso.” Você fala: “caramba!uma coisa até de ego, de orgulho e você
fala: “pô, então eu estou aqui falando bobagem?” Mas você tem que descer um pouquinho do
pedestal e falar: “bom, vou tentar fazer de uma outra forma. Então eu vou trazer uma literatura para
vocês lerem para ver se vocês concordam com a literatura então. Porque eu me baseio na literatura e
assim vocês não vão falar que eu estou falando errado, vocês falam que a literatura é que está
errada.” você tenta buscar outras alternativas. Mas tem dia que você não está tão bem assim,
então...
E) E você se lembra de alguma relação com aluno que te marcou positivamente?
P4) Têm vários.
E) Como era essa relação. Fale um pouco sobre isso.
P4) Todo ano tem pelo menos três ou quatro alunos que se tornam monitores, professores voluntários
e que ficam próximos. São alunos que você percebe com se fosse amigo mesmo. Que chega e te
trata pelo nome: “olha, eu estava vendo isso...”, brinca com você, te ajuda: “quer que eu te ajude?”
Sempre tem um aluno assim. Eu diria que os alunos que mais me marcaram foram alguns alunos
com os quais eu acabei aprendendo. Eles tiveram até a paciência de perceber que eu não dei o que
eles esperavam. Eram alunos acima da média. Ano passado, por exemplo, tinha uma aluna que eu
orientei TCC e ela era fantástica. Sempre foi excelente aluna, dedicada, inclusive uma aluna do Pro-
Uni com dificuldades financeiras e tudo. Mas ela é um amor de pessoa, dedicada, estudiosa, educada
com os pacientes, um amor de pessoa. Muito na dela, não é aquela coisa de confundir: “agora eu sou
amigo do professor!” E abraça... Não, muito na dela. Ano passado eu estava tão enrolado com um
monte de coisas que eu não consegui dar atenção ao TCC dela. Muita gente passa por isso. A gente
observa isso. Ela vinha me cobrar as coisas, mas sutilmente. “Você já leu o artigo que eu te mandei?”
“Então, ainda não li. Me cobra, me lembra.” eu ia falar uma coisa para ela... “Olha, eu ia te pedir
para fazer uma coisa...” Ela falava: “então...” Aí ela tirava super delicadamente... “Eu não sei se é isso,
veja se é isso que eu fiz.” Ela nunca falava: “você falou mas...” Nossa, no dia da apresentação do
TCC dela, ela me agradeceu. A apresentação dela foi magnífica, inclusive o coordenador estava na
146
banca dela e bateu palma, eu chorei. Falei: “essa menina é demais.” Ela veio me agradecendo e eu
quase disse: “poxa, eu que tenho que te agradecer. Eu não fiz nada.” E ela me ensinou... “Olha, eu li
esse artigo...” E ela não inglês. Ela traduziu tudinho. Ela pegava dicionário, lia, traduzia. De uma
organização... Olha, realmente me marcou, eu acho, que porque acabou ensinando positivamente.
Então assim, realmente tem aluno que por mais que você faça, o que você for fazer, ele vai ser bom
de qualquer jeito. Às vezes, você até atrapalha ele. O cara é bom e já está andando com as próprias
pernas. Você até tenta fazer e diz: “você essabendo o caminho, continua. Não precisa tanta
orientação. Você já está se orientando bem.” Ela eu acho que mais atrapalhei do que ajudei,
entendeu? Ela me mostrou que tem aluno diferenciado e esse aluno tem que deixá-lo voar. Tem que
tomar cuidado para não subir o orgulho na cabeça, mas tem aluno que você acaba atrapalhando.
Tem aquele que não tem jeito. Tem aquele que você, faça o que fizer, ele vai sempre ser uma lástima.
Não quer estudar, é desorganizado, não quer nada com a vida. E para frente vai descobrir, algum
dia, se for um mal profissional, vai descobrir que não era bem isso. Mas, para mim, essa daí me
surpreendeu. Uma aluna que me marcou não por ser uma boa aluna, mas por ser uma pessoa muito
delicada, dedicada. Para gente é muito gratificante. Você fala: “é o aluno que todo mundo gostaria.”
Então ela eu nunca critiquei. Não precisava dar muitas críticas. As críticas, normalmente, eram
positivas. Olha, continua assim, isso está ótimo. Mantenha isso.” Nesse aspecto me impressionou.
Teve vários, vários alunos, turmas, mas são outros casos. Turma que gosta de você e que te
homenageia como paraninfo, mas é outra história. Mas a aluna, a relação com aluno, eu acho
super legal. Aquela relação de proximidade onde o aluno chega, conversa. Eu gosto. Eu gosto
quando o aluno percebe que eu não mordo ninguém, entendeu? Pode vir, vamos sentar aí, vamos
bater papo. Às vezes, pode ser que eu cobre demais e isso afaste um pouquinho. Mas eu falo: “mas
gente, às vezes, o que eu estou fazendo não é nem 10% do que vocês vão tomar na cabeça por aí
de um médico grosseiro que te pega aí numa clínica e fala torto com você e você vai ter que assimilar.
Então assim, até para preparar. Porque o estágio também é um pouco um preparo para a vida. Isso
não significa que eu vou te maltratar, mas significa que você tem que ouvir onde está o seu erro
porque pode ser que para frente nem ouvir erro você vai. Alguém vai chegar para você e falar:
“olha, melhora isso, melhora aquilo.”
E) Pode ser também uma demissão.
P4) É uma demissão. “Vai embora que não gostamos do seu serviço e tchau.”
E) Você relatou inúmeros casos, mas qual mais te mobilizou emocionalmente? Positiva ou
negativamente?
P4) Do ponto de vista emocional...
E) Sim, aquele que mais te marcou. Se for um desses que você já contou, ok.
P4) São tantos alunos que...
E) Talvez em algum outro período do curso, não somente no inicial.
P4) Marcante mesmo... Na verdade eu tive uma turma de alunos que, às vezes, calha de acontecer
isso. Mas uma turma de alunos que, não foi a única, das que eu lembro eu tive umas quatro turmas
147
que eram turmas assim que eu... Acabou, quando eles saíram da faculdade eu chorei de saudade.
“Puxa, eu não vou mais ver vocês.” Porque assim, eles eram fantásticos. A turma. E dentro dessa
turma tinham dois ou três que eram os principais. Vou citar uma mais recente, uma turma de outra
faculdade, do ano retrasado, uma turma que ainda o se formou. Eles estão indo para o quarto ano
agora, mas eu não dou mais aula para eles. Desde que eu saí da faculdade, desde que saíram
comigo da faculdade na verdade, um ano e meio, todo mês eles me ligam e cada hora um. São
basicamente três. Me ligam e falam: “o pessoal vai sair para comer uma pizza, vamos?” “Ah, não dá,
agora não vai dar.” Ligam para pedir opinião, ligam para saber: “o professor fulano que está dando
aula para gente deu um trabalho, você ajuda a gente?” Ajudo...” Então, você como um amigo.
“Posso ligar?” “Pode, claro!” É uma relação de uma proximidade, que se estabeleceu em questão de
um ano só. Uma coisa assim realmente, de um carinho. Claro, às vezes as pessoas que estão por
fora, às vezes, vêem muita maldade, interesse, mas não era. Era realmente uma coisa de carência,
um pessoal que assim...: “e aí, como é que você está? Você falou na última aula que seu cachorro
estava morrendo, como é que ele está?” E queria saber, e vem, conversa e bate-papo. E ao mesmo
tempo, são muito organizados, estudiosos e assim, isso é uma coisa que me marca. Mas a relação...
Eu guardo muito mais o positivo. O negativo teve, tem todo ano uma coisa assim muito marcante.
Mas a ponto de me mobilizar, de me fazer chorar e de me emocionar, umas quatro turmas aconteceu
isso com alguns alunos que eram muito próximos. Que olham para você cara-a-cara, te
cumprimentam com um abraço e é um abraço assim, caloroso, você que não tem nada mais do
que isso. Você sente que não é uma coisa: “estou interessado no professor.” É uma coisa quase que
pura mesmo: “eu gosto de você.” Eu falo: “eu também gosto de você, só que a gente tem uma relação
professor-aluno. É meio esquisito essa nossa relação agora mas... Gosto muito de você, nossa, se
um dia a gente puder vamos sair para tomar um chopp. Agora não dá, mas um dia vamos sair e
tomar um chopp.” Mas o que me marcou foi isso. Uma vez que eu fui paraninfo, dessa turma de outra
instituição, que falaram que possivelmente eu vou ser paraninfo deles e tal. Então assim, isso é de
certa forma o prêmio maior, quando eles gostam de você como pessoa. Perceber você como pessoa.
Porque assim, muitos que te olham ao mesmo tempo chamam você de professor, professor,
professor. Tudo bem, eu sou professor. Mas eles continuam vendo você como professor. Então
chega num momento de prova a coisa já muda. Esse grupo mesmo, até num dia de prova, eles falam:
“puxa, lembra ontem do meu cachorro? Pois é... Não deixou eu, estudar, não dormi. Eu não quero
nem ver como vou fazer essa prova.” E faz: “fui mal.” Sabe? Conversando. Tem a responsabilidade
dele, mas ele sabe. “Eu não vou mentir: oh professor, mais nota. Não, está certo.” E teve até
assim: “vou reclamar: oh amigo...” E aí, com todo o cuidado ele diz: “olha, eu estava somando aqui e
acho que você esqueceu de dar 0,25.” E você fala: “caramba!” “Não, mas tudo bem, deixa aí. Estou
com oito, não precisa.” Sabe, coisa assim. Estão gente de bom coração até o ponto de falar, nesse
grupo teve uma lá, são três meninas e um rapaz. Uma que falou lá: “está errado minha nota.” “Quanto
é que deu? Eu dei oito, quanto é que deu? Oito e meio?” Ela falou: “não, deu sete. Você somou um
ponto a mais.” “Tá, fica com nove pela sua honestidade.”
E) Você teve que lidar em sala de aula com algum aluno alcoolizado, sob efeito de drogas ou com
alguma alteração de comportamento muito aparente?
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P4) Já.
E) E como foi isso?
P4) Pedi para sair. Pedi para sair. Só percebi que estava assim no meio da aula e não dava para... E
era ainda uma época da faculdade numa outra instituição. Tinha turmas de 120 alunos, salas muito
grandes e só um professor por disciplina. Eu percebi várias vezes que tinham uns moleques da turma
da noite que estavam no bar enchendo a cara e chegavam lá para sei lá, fazer o quê. “Oh, moçada...”
E nem falei nada de: “oh, vocês estão bêbados.” “Oh moçada, vocês estão atrapalhando, para
sair?” Acabou. Saia e ia embora, entendeu? Já teve caso de um aluno que a gente percebia que ele
era usuário de drogas, numas duas aulas isso ficou muito tido. “Realmente...” Você fala: “isso é
droga.” Quando você chegava mais perto, não tinha bafo de álcool, nada. Mas pelo comportamento
era droga. Parecia ser maconha mesmo pelo cheiro e tal. uma hora você tem que chegar junto.
eu cheguei para o coordenador e falei: “o cara chega aqui chapado, o que a gente faz?” Eu perguntei
para o coordenador e ele disse: “vamos conversar com ele. Está atrapalhando a aula?” “Tem aula que
o cara vem e dorme e tem aula que o cara fica meio esquisito. Dá risada... Você fala assim: A é igual
a B e o cara começa a rir.” chamamos o garoto e batemos um papo com ele e aparentemente...
Todas as piores situações aconteceram nessa universidade. Alunos alcoolizados... Num primeiro
momento só..., mas não houve nenhum encaminhamento, entendeu? Eu não lembro se depois o
coordenador, porque aí isso ficou... Eu não sei o que houve depois, eu não lembro agora. Mas eu não
lembro se o coordenador chegou a conversar com os pais ou... Eu não sei. Honestamente eu não sei.
Hoje, aqui na Metodista, como meu contato é muito mais próximo, a conversa ia ser direta. Nunca
aconteceu isso aqui, mas se eu percebesse aqui, eu ia chegar e falar: “fica aqui um pouquinho. No
final da aula eu quero conversar com você.” É chegar e falar: “o que esacontecendo? Você está
bebendo, você esesquisito.” Ia tentar alguma coisa. Ia falar: “olha, tudo bem, eu o vou interferir
na tua vida, mas para você beber depois da aula então?” Mas algum tipo de conversa ou... Você
está precisando de algum auxílio ou alguma coisa?” Aqui, nós temos muito mais liberdade para isso,
liberdade de tomar ões. Na outra universidade era muito punitivo. Então, está com problema, a
sala é grande, manda para fora e se for muito grave manda para fora para procurar a coordenação e
a coordenação faz o que tem que fazer.” Tinha bedel no corredor, coisas assim. Então era outro
sistema. E foi logo no início de carreira e era meio esquisito. Eu aprendi a lidar com manada. Então
assim: “está enchendo o saco, é a segunda vez que eu chamo a atenção?” Então eu fazia assim, às
vezes, na lousa: “você aí do fundo...”, e fazia um negocinho na lousa, “é a segunda vez que você está
me atrapalhando, que esfazendo bagunça. A próxima você vai sair, tudo bem?” “Tudo bem.” “Ele
fazia, eu pedia para sair.” Então com relação à droga, à álcool, aconteceu isso nessa sala. Em
relação à desrespeito, você mandar aluno para fora da sala de aula. Aqui na Metodista, uma vez só
eu disse: “olha, vocês não querem sair? Vocês estão me atrapalhando, não dá. uma saída.” E os
caras saíram numa boa. E nunca teve esse negócio de: olha, está me atrapalhando e vai procurar
coordenação.” Nessa faculdade acontecia direto. Acho que era o sistema da universidade e eu acabei,
inicialmente, acostumando com isso. Mas depois, não. Eu peguei outra instituição, com a cabeça um
pouquinho mais aberta, não tinha esse negócio de tudo manda para a coordenação e toma
advertência. Era tudo mais tratado no tete-a-tete. Nessa segunda instituição, o coordenador dizia:
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“por favor, não me traz problema. Eu tenho 50 mil alunos. Resolvam os problemas.” Então na sala de
aula, você falava: “vem cá, vai. Chega aqui.” Bebedeira nunca teve, agora na primeira instituição teve,
desrespeito teve, de aluno gritar em sala de aula. “É, por que não sei o quê lá...” Uma vez estava
dando aula com uma professora, aí o menino levantou da sala e falou: “eu não vou fazer isso.” “Não,
você vai ter que fazer, porque eu estou pedindo para você fazer.” “Mas eu não vou, eu vou sair.” O
cara levantou, ele tinha uns três metros de altura, e veio vindo na direção da porta. Eu estava sentado,
eu não estava dando aula, eu olhando. a baixinha da professora que dava aula comigo foi na
frente da porta e disse: “você vai sair daqui se você passar por cima de mim.” Eu falei: “nossa
senhora! É agora. O que eu faço? Não seu se eu levanto e fico do lado dela.” Fiquei quieto, olhando.
Ele falou: “eu quero sair professora.” Ela falou: “não, não vou deixar.” “Você volta para a tua carteira e
a gente vai conversar.” Nossa, e o clima? Todo mundo calado, ele voltou, acabou voltando. Mas
era um esquema meio assim, meio rude. Infelizmente foi o meu primeiro contato com o ensino, que
eu acho que não é bem por aí o negócio.
E) Ok professor. Mais alguma coisa que você gostaria de colocar?
P4) Não. Era só isso mesmo.
E) Então obrigado pela entrevista professor.
150
Anexo J - Entrevista Nr. 5
ANEXO J
ENTREVISTA Nr. 5
Identificação do Entrevistado:
Curso: Jornalismo
Área de formação e titulação: História / Doutorado em Jornalismo
Tempo de magistério no ensino superior: 33 anos
Disciplina(s) que ministra: História, História da Cultura e Processos Comunicacionais
Entrevista:
E) Então professor, gostaria que o senhor falasse, de modo mais amplo, mais abrangente possível,
sobre sua experiência como professor do primeiro ano do curso de Jornalismo.
P5) Eu sou professor das turmas de primeiro ano de Jornalismo aqui da Metodista e da PUC São
Paulo. Faço isso na PUC dez anos e aqui na Metodista acho que, talvez, onze ou doze anos.
Eu fui professor da Metodista nos anos oitenta. Saí, fui fazer as minhas pesquisas, fiz o Mestrado, fiz
Doutorado e quando eu fiz Doutorado fui convidado para vir aqui para a pós-graduação. E a minha
ligação com a Metodista nessa segunda etapa foi com a pós. Mas aí, quando apareceu a
oportunidade de lecionar para a graduação eu logo quis porque a minha relação com os alunos de
primeiro ano é muito boa, muito enriquecedora, para mim, principalmente. Acho que eu tiro mais
proveito deles do que eles da minha presença. Por quê? Porque o aluno de Jornalismo tem uma
característica que eu sempre enfatizo: ele fez essa escolha de curso por conta de uma série de
utopias que a carreira de jornalismo alimenta nele. Embora seja uma carreira com muita dificuldade
no campo do mercado de trabalho, uma idealização do jornalismo em termos de ser uma carreira
que permite você manifestar a sua indignação com as coisas erradas, como se você fosse adotar na
sua profissão uma postura reformadora do mundo; você é o cara que tem a informação, você tem o
poder de comunicar para as pessoas. Então você transforma tua carreira numa plataforma de ação.
Não é verdade que todos os alunos de jornalismo pensam assim, mas uma boa parte deles. E
certamente essa boa parte é que dá o clima da classe. Então no primeiro ano eles são sonhadores,
são às vezes até ingênuos. Mas essa é uma ingenuidade que falta um pouco na universidade, porque
você pode trabalhar com idéias; eles estão sempre abertos a uma boa discussão. Eu dou História
Contemporânea, História da Cultura Contemporânea, então é um território muito fértil e tem dado
certo. Eu até sou criticado aqui pelo meu coordenador de pós-graduação que diz que eu ocupo muito
meu tempo com a graduação. Mas isso me muita satisfação pessoal, muita satisfação intelectual,
e a minha relação com os primeiros anos de jornalismo, o que eu falo em relação à Metodista, eu falo
a mesma coisa em relação à PUC, o padrão do aluno de jornalismo é um padrão muito positivo, muito
151
cheio de energia intelectual, com muita vontade de aprender. Então a minha sensação numa sala de
aula de primeiro ano é a melhor possível. Eu o tenho nenhum tipo de desgaste, não venho para a
aula contrariado. É um momento de enriquecimento mesmo. E a relação pessoal tem facilitado isso
porque no final eu acabo me dando bem com a classe, é uma empatia. Eles entendem qual é o
projeto do curso, que é um problema de esclarecimento para permitir que eles tenham um horizonte
cultural mais sólido e possam depois ir melhor na profissão. A primeira resposta é essa aí. É muito
saudável dar aula no primeiro ano de jornalismo. Muito mesmo!
E) Falando então sobre o saudável, o que o senhor entende por saúde e por promoção de saúde?
P5) Eu vou falar para você assim, evidentemente eu sou um leigo na área, não tenho nenhum
conhecimento especializado, mas a minha compreensão de saúde ela vai um pouco além da questão
física, da questão da saúde como um processo de precaução de doenças que normalmente são
tratadas pela medicina tradicional. Saúde para mim é você ter uma vida com qualidade, de
perspectivas de existência e você ter uma relação fraterna com teu semelhante. O sujeito pode ser
uma pessoa com um péssimo estado de saúde, mas, no entanto ser um sujeito feliz porque se integra
perfeitamente no meio em que ele vive. Então eu tenho impressão que essa questão dessa relação
saudável com o mundo é fundamental para situar o que você é. Você pode ser uma pessoa com
sérios problemas físicos, mas você tem uma abertura, uma postura inteligente diante da vida, uma
postura às vezes até irônica e sarcástica e repleta de refinamento contestador. Isso para mim é um
sinônimo de saúde.
E) Certo. E no que diz respeito à promoção da saúde?
P5) Promoção? Me fala um pouquinho o que você quer dizer com isso?
E) Promoção da saúde é um conceito bem amplo e inclui algumas ações que visam melhorar a
qualidade de vida e a saúde das pessoas. Para entendermos melhor como isso se dá, poderíamos
então avançar para a próxima questão, que é sobre práticas de saúde em situação de aula.
P5) Mas é essa saúde que eu defini ou a que você trabalha aí na sua área?
E) A partir do conceito de saúde que o senhor definiu. Como se leva a saúde para a sala de aula?
Como é que se coloca esse conceito em prática?
P5) Eu acredito muito nessa descrição que eu fiz, nesse meu conceito de saúde. Como é que eu
poderia ilustrar isso melhor? Como é que eu trabalho com isso na aula?
E) Isso mesmo.
P5) Como é que eu vou colocar isso em miúdos? Porque eu lido com um público que vem recém
egresso do colegial e invariavelmente é um público que veio mal formado. Ele vem com todos os
vícios, todos os tiques, os cacoetes da garotada que cresceu no meio da cultura de massa, cresceu
vendo televisão, são os heróis deles. Raramente eu encontro um aluno que diverge, que é dissidente
desse tipo de orientação. É uma orientação que veio da família, ele foi pressionado a procurar uma
carreira de futuro. E o aluno de Jornalismo, às vezes, escolheu uma carreira equivocada e é
questionado em casa por conta disso. Mas ele reproduz os padrões de uma idéia preconceituosa que
152
nós vamos chamar aqui de “os padrões da alienação jovem”. Quando eu encontro os alunos, eu
percebo que isso o é totalmente verdade. No caso do jornalismo isso acontece com bastante
freqüência. O indivíduo está ali em busca de alternativas que em vazão para essas outras
perspectivas que ele quer da vida. Então ele tem uma postura saudável diante do conhecimento.
Quando eu encontro isso, eu encontro um elemento muito favorável ao desenvolvimento da minha
atividade como professor, embora eu não encontre isso na classe inteira. Mas esse assunto
invariavelmente vem à tona porque se eu dou Cultura Contemporânea esses padrões de
comportamento são apontados pelo professor. Então eu trabalho com alguns conceitos que são
consolidados na cabeça deles, por exemplo, o conceito de liberdade. Eles compreendem liberdade a
partir de um senso comum, não pensam liberdade em termos de uma ousadia maior do pensamento.
A liberdade de ir e vir o é a liberdade que esgota todo o potencial do ser humano; existe outro
campo da liberdade que precisa ser entendido. E quando nós tratamos de questões da história
contemporânea, esse assunto aparece. Eu analisei, outro dia com eles, um documentário sobre a
Alemanha nazista “Arquitetura da Destruição”. Para mim o melhor documentário sobre o tema,
porque o Peter Cohen, que é o diretor do documentário, aborda o nazismo do ponto de vista artístico,
do ponto de vista estético no plano das artes plásticas e no plano da arquitetura. E o filme foi muito
bom para gente perceber como indícios daquela cultura autoritária nos dias de hoje. Isso permitiu
fazer analogias que mexem com o estado em que o aluno se encontra hoje. Quando eu percebo que
isso acontece, eu percebo que a aula vai além do conhecimento formal que permite que eles façam
uma prova; ela introduz o sujeito numa relação mais saudável com o mundo: “eu compreendo o
mundo e, portanto, minha relação com o mundo não é uma relação doentia com o mundo, a minha
relação é uma relação de esclarecimento. Eu me distingo por conta de ter absorvido esse
conhecimento”. Isso é um instrumental; o conhecimento, a cultura o manual de sobrevivência no
mundo em que eu vivo. Isso para mim é saudável.
E) Na sua opinião então, a saúde em sala de aula vai muito além das quatro paredes?
P5) Claro, com certeza. Eu tenho a impressão, e não é que eu tenha essa obsessão, não é isso, eu
tenho impressão que essa disciplina e a maneira como eu tenho trabalhado com eles é uma lição
para vida mesmo. A questão da tolerância com a diferença cultural, diferença racial, diferença de
gêneros, diferença étnica, diferença religiosa. Porque eles vêm carregados desses preconceitos. A
aula não é uma aula paternalista que explica: “olha, hoje não vamos discutir o preconceito”. Isso vai
aparecendo ao longo do curso e a gente vai desmistificando, tanto em relação à sociedade brasileira
como em relação ao mundo. Agora acabo de ver uma notícia no site da UOL: há novecentos milhões
de pessoas nesse mundo que passam fome. Isso vai chegar na sala de aula na próxima segunda-
feira, que é o dia que dou aula. Eu quero perguntar para o aluno: “Onde é que estão esses
novecentos milhões de pessoas?”. Quando eles descobrirem que uma boa parte delas está na África,
nós vamos poder discutir algumas questões relativas à capacidade de uma sociedade de promover o
seu desenvolvimento, quais são os obstáculos para isso, a dominação imperialista, a dominação
externa, o preconceito racial. Isso para mim significa construir uma relação saudável com o mundo.
E) Entendi.
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P5) Embora eu nunca tenha pensado nisso. Estou pensando nisso em torno do que você foi
perguntando. Eu nunca pensei nisso antes. Mas eu acho que é isso mesmo.
E) Talvez esta seja uma outra forma de compreensão sobre a saúde, certo?
P5) Acho que é isso mesmo. Eu saio da classe respirando melhor. o eu, o aluno. Ele leu um
capítulo de um livro e entendeu um trecho só. Mas aquele trecho é um gancho para abrir uma
perspectiva mais generosa da relação dele com os outros, com a política, com a economia. Eu acho
que isso é uma relação saudável com o mundo.
E) E isso, de alguma forma, está ligado com as características do curso, com aquilo que profissão de
jornalista...
P5) Exige!
E) Certo!
P5) Do bom jornalismo. uma perspectiva de que o jornalismo é apenas um sujeito com a função
de natureza técnico-burocrática. A informação como um elemento quase que matemático de
demonstração de um acontecimento: “isso aconteceu tal hora”.
E) Apenas um jornalismo informativo, certo?
P5) É. Mas hoje o jornalismo é uma doutrina inspirada no Liberalismo no século XVIII, da qual ele
nunca se apartou, nunca se afastou, que é a doutrina do esclarecimento. O jornalismo existe para
esclarecer as pessoas; a informação é um instrumento de esclarecimento. Portanto, a informação tem
que ser sempre contextualizada. Para o esclarecimento não basta você saber a hora e o local do
acontecimento. Para o esclarecimento é necessário você contextualizar os principais fatos, porque
tem fatos que se limitam a isso mesmo. Agora para poder contextualizar isso, o aluno de jornalismo, o
jornalista, tem que ter uma bagagem cultural muito sólida, os referentes deles têm que ser muito
amplos e ele tem que lidar com eles de forma muito ágil, muito dinâmica, para ele não cometer os
mesmo erros que o cidadão que vai ler a matéria que ele escreveu comete. Porque se o jornalismo
for feito do mesmo nível do senso comum ele não agrega. Ele tem que permitir ao cidadão um degrau
acima do senso comum em que ele vive. Eu observo o meu cotidiano, mas o jornalista me mostra que
no meu cotidiano uma série de implicações. Não significa fazer política, significa aprofundar o
conhecimento. E o jornalista tem que ter esse capital. Se o jornalista tem esse capital, ele tem uma
relação saudável com a profissão. Não é? Ou ele vai ser apenas um reprodutor daquilo que ele
recebe pela internet, do que o assessor de imprensa diz.
E) Certo! Professor, me fale um pouco mais sobre a sua relação com os alunos no dia-a-dia da sala
de aula.
P5) É uma relação muito legal. Eu fico muito contente de perceber que a minha relação com eles é
uma relação de confiança. Vou falar uma coisa para você: eu nunca fiz uma chamada; nunca na
minha vida de professor eu fiz uma chamada em sala de aula. Nunca fiz: “número um, numero dois...”.
Não tenho esse problema e eu percebo que minha aula está cheia. Inclusive quando tem algum aluno
que está desatento eu falo: “Olha, presta atenção. Você tá aqui por exclusiva vontade sua e para
154
comprar o serviço pelo qual você está pagando. Tem uma relação de mercado; você pagou a
mensalidade”. E eu não tenho, raramente acontece uma coisa assim, mas eu não tenho essa relação
de autoridade, que se mantém através de algum instrumento verificador. Não tem isso. É uma relação
de confiança. Quando chega no final do mês e eu tenho que fechar o diário, eu falo: “quem foi que
faltou?”. Aí: “eu faltei, eu faltei...”. E eu registro as faltas.
E) É uma relação de muita clareza, de muita transparência?
P5) É. Quando acontece, por exemplo, de ter que reprovar um aluno porque ele não teve nenhum
desempenho positivo, e nesse caso que eu reprovo, ele não gosta, mas ele se sente justificado.
Eu falo: “olha, sua situação é essa, essa, essa por conta desses fatos, ou seja, não está legal e você
precisa fazer esse curso de novo.” E isso é recebido de maneira cordial, não tenho tido problema.
Não me lembro de ter tido problema.
E) O senhor já viveu alguma experiência de relacionamento difícil com aluno? Se sim, como é que o
senhor lidou com isso?
P5) Então, já vivi aqui na Metodista.
E) Como foi? Como é que o senhor lidou a situação?
P5) Eu estou me lembrando de uma relação muito difícil que eu vivi com um aluno. É que o aluno, ele
tinha uma postura bastante arrogante, bastante assim “nariz empinado”, um menino muito bonito
inclusive, muito inteligente. Eu me lembro que eu pedi uma resenha de um livro, a classe foi bem,
mas ele tinha um texto muito bom. Mas acho que ele se sentia uma coisa que eu acho perigoso,
muito auto-suficiente. Portanto, ele tratava tudo aquilo com desprezo, com uma indiferença, e tinha
relação a uma postura meio cínica. Mas não tem problema, vamos em frente. Aos poucos a gente se
aproxima e cuida dessa relação. Mas com ele não deu muito certo não porque eu me lembro que no
dia em que eu dei a prova ele chegou muito atrasado, coisa de uma hora depois que a prova tinha
começado. Eu falei para ele: “Olha, você não vai poder fazer a prova. Porque, inclusive, alunos
entregaram. Não é legal.” Ele falou: “Mas eu vou fazer a prova.” Eu falei: “Não! Estou falando para
você, acho que você não entendeu. Você vai fazer a prova, uma prova substitutiva. Essa prova você
não vai fazer mais.” E ele já tinha sentado, ficou bravo, saiu. Então a prova substitutiva era para todos
os alunos que tinham ou não tinham conseguido nota ou tinham perdido a prova. no dia da prova,
eu espero ele chegar lá e o que acontece com esse menino? Ele chega atrasado de novo.
E) Na prova substitutiva também?
P5) Na substitutiva. Mais ou menos com o mesmo tempo. Eu falei: “Você não vai fazer a prova. Você
vai fazer o exame, agora final, porque você tem nota para poder entrar em exame, mas você não vai
fazer a prova, você chegou atrasado.” Ele falou: “Vou na coordenação porque eu sou aqui um
cliente.” Eu falei: “Então use a sua postura de cliente, na coordenação e ao PROCON. Se você
entende isso aqui como uma mercadoria, faça isso.” Foi muito complicado porque esse menino fez
exame, ele passou, mas isso me deixou muito chateado. Raramente acontece. Ali era uma questão
de idiossincrasia entre ele e eu que era mal resolvida. E eu confesso para você que nesse momento
eu me percebo um pouco autoritário.
155
E) E como agir quando há esse impasse?
P5) Acho que ali o que está em questão é um desafio que coloca em cheque o meu papel de
professor e eu preservo muito esse papel. Eu acho que, eu sou meio tradicionalista, meio
conservador, sou um profissional que acumulou um volume de conhecimentos e, da maneira mais
democrática e livre possível, procuro transmitir, e esse papel eu vou preservar. E, claro, ao preservar
esse papel, quebra uma regra de comportamento que é tácita. Os outros colegas compreenderam e
não ficaram infelizes por causa disso. Ele, por algum motivo, resolveu enfrentar isso de uma maneira,
na minha opinião, equivocada. No final, todas às vezes que eu me encontrei com esse menino, nossa
relação foi amistosa. Eu me lembro que isso me machucou. Eu não me lembro de ter acontecido
outra vez.
E) E o senhor teria também algum exemplo de uma relação com algum aluno que tenha lhe marcado
de forma positiva?
P5) Ah, tem, tem. Eu tenho um aluno que hoje é editor de uma revista importante aqui de São Paulo.
E ele foi meu aluno nos anos 70, 80. Na primeira época que eu trabalhei aqui na Metodista. Esse
menino tinha uma relação comigo de uma afinidade intelectual. Pena que na época não tínhamos e-
mail. Poderia ter estabelecido com ele uma forma de correspondência muito produtiva. Mas ele era
um aluno que quando eu entrava na classe e falava alguma coisa mais complexa, eu percebia pelas
reações dele que ele era um cara que compreendia aquilo que eu tava colocando e ele já fazia outras
relações. Mas para não parecer pedante em aula, ele me procurava depois da aula, entende?
E) Sim.
P5) Para apresentar, para não ficar isolado com os colegas. Eu compreendia isso. Mas esse é um
caso em que é o outro lado. É uma relação de entendimento sem a necessidade de muita conversa.
O entendimento é empático.
E) Na sua opinião professor, o estudante que chega no primeiro ano, consegue dar conta das
exigências do curso? Ou seja, consegue responder à necessidade de transitar em muitas áreas do
conhecimento, por tantos temas diferentes, como foi mencionado? Como é a saúde mental desse
aluno? Ela é positiva?
P5) Eu acho que é. Mesmo aquele aluno que eu poderia considerar como um aluno que teve um
aproveitamento ruim, porque tem isso também, tem aluno que não está nem aí. Ele assiste metade
de aula e sai. Não vou obrigar ninguém a ficar na aula. Não obrigo ninguém a vir, não obrigo ninguém
a ficar , então você percebe que é o aluno que ele perdeu o interesse ou ele nunca se interessou, não
é o assunto pelo qual ele tenha qualquer tipo de simpatia. E aí, se ele perde o fio da meada, ele vai
ficando cada vez mais distante, a segunda aula é mais complicada, a terceira, e ele aparece
muito de vez em quando. Eu percebo isso quando a gente pega um texto para ler que o cara
escreveu, a gente percebe que ele não tem estrutura pra acompanhar. Como é que eu vou colocar
para você? Os colegas, às vezes, têm em relação a esses alunos uma postura crítica. Porque o cara
fica marginalizado no grupo que está trabalhando. Se eu puder dizer que esse aluno então não tem
uma relação muito saudável com a classe, com o conhecimento, com o curso, é um caso. Eu vejo
156
muitas meninas assim. Isso acontece mais com as alunas do que com os alunos. Se você me
perguntar por que, eu vou ter dificuldade em responder, mas eu vou me aventurar! É que eu o sei
se as meninas são mais deslumbradas com a sua condição de pós-adolescente. Elas são muito
bonitas. A mais feia das meninas é linda pela maneira como se comporta, pela graça, pela juventude,
pelo estilo como ela vem vestida. E esse deslumbramento, eu acho que, às vezes, se torna um
excesso de razão de ser da aluna. No final é um comportamento muito saudável. Eu percebo muito
isso. A aluna fica mais irritada com a cobrança do estudo. “Olha, presta atenção, isso aqui que eu
estou te falando agora é importante.” Os alunos não, eles encaram isso com um pouco mais de fair
play.
E) Entendi. E qual que é o papel do professor nesse contexto? Nesta situação?
P5) Ah, sim. A primeira coisa que eu faço é me aproximar dele. Ás vezes até numa relação um pouco
paternalista. Não me aproximar de ficar adulando o aluno ou querendo fazer ele crer que ele é uma
coisa que ele não é. É me aproximar de alguma outra forma, da maneira como eu cumprimento, criar
uma confiança e a partir daí abrir um espaço para um diálogo. Tenho que sair um pouquinho da
condição de professor que está em cima para chegar perto dele. Tem um caso que aconteceu
semestre passado comigo. Ah, esse menino era fogo! Teve um dia que eu quebrei um dente. Eu dou
duas aulas na segunda-feira. Quebrei o dente na primeira e tinha que ir ao dentista na segunda. Não
tinha condições, estava me incomodando. Cheguei e falei: “Pessoal, eu vou dispensar vocês porque
vou ao dentista.” Esse menino falou: Porra professor, mas o senhor vai ao dentista e não vai dar
aula?” Acho que ele entendeu que eu ia ao dentista não por uma questão de urgência. “O professor
marcou o tratamento dentário no dia da aula” Como se eu dissesse: “Agenda numa segunda-feira”.
Ele ficou bravo. Desse dia para frente ele teve dificuldade de se relacionar comigo e eu tive que
recuperar a aproximação com esse menino. Agora no segundo semestre ele me deu um livro que ele
escreveu. Ele tem um livro de histórias, que mistura história em quadrinhos com televisão, uma
loucura. Mas ele escreveu um volume. Ele falou que tem três livros escritos e ele me deu o primeiro e
ele falou: “Eu quero que você leia e você diga o que você pensa.” Então para fazer essa conquista do
livro eu tive que voltar ao início. Nada muito especial, com gesto simples, você passa pelo cara e fala:
“E aí, tudo bem?” Ou você descobre algum tique que o aluno tem e você mexe com isso. No sentido
de que ele se perceba como uma pessoa que tem uma importância na vida do professor. “Pô, que
legal! O professor me cumprimentou, me deu um tapa na cabeça, passou brincando.” E essa relação
é uma relação saudável. É uma relação des... Ela é des alguma coisa. Ela é descomprometida, ela é
descortinada, ela é aberta. Isso realmente nunca me atrapalhou.
E) Eu gostaria de saber qual foi o episódio que mais te mobilizou em sala de aula até hoje,
positivamente ou negativamente. E como o senhor lidou com ele?
P5) É difícil. Para lembrar disso é difícil. Acho que a situação, talvez não essa em específico, mas
eventualmente outras que aconteceram no mesmo estilo desse aluno que chegou duas vezes
atrasado. Um desafio que ele não é um desafio que se no plano das idéias, mas ele é um desafio
de comportamento, que vem testar. Tem que estar muito bem preparado para isso. Eu acho que
nunca se está preparado.
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E) E o quê seria estar preparado?
P5) Estar preparado significa encarar aquilo como uma coisa natural de um jovem que está querendo
marcar posição. A demonstração de força dele; encontrou esse caminho para dar essa manifestação.
Essa reflexão vem depois, porque na hora, o que prevalece é um dado emocional de irritação. “Por
que isso que eu estou colocando não está sendo levando em conta por esse cara? E por que ele vai
me desafiar?” “Não, eu vou fazer prova agora!“Não, você não vai fazer prova agora!Esse “não vai
fazer prova agora” mostra que você perdeu a frieza da análise. é um confronto. Essa situação, eu
não me lembro de outras vezes que ela tenha acontecido do jeito que aconteceu essa, é uma
situação difícil e negativa, porque eu perco um pouco o controle das minhas próprias atitudes. Ainda
bem que eu não sou explosivo. Porque depois eu fico recapitulando e falo: “Pô, aquilo eu poderia ter
agido de outra maneira.” Como o resultado final foi bom, eu fico mais tranqüilo, mas o professor está
numa sala de cento e vinte alunos, que é o que eu tenho, a sua presença ali é muito tensionada. E a
garotada é muito educada, eles prestam atenção, ninguém conversa, legal. Mas você tem o controle
de cem pessoas que estão ali para te ouvir e você tem que dar um recado durante uma hora e meia.
Não é uma sala que você pode propor uma discussão em grupo. Eventualmente eu falo: “Pessoal,
alguma dúvida?”. Dois, ou três, ou quatro levantam a questão e depois, em função dessa questão,
outros levantam. Mas a situação é sempre tensa. E essa tensão explode quando acontece alguma
coisa que foge do controle, foge do plano, do previsto. E é imponderável qual vai ser a reação.
E) E como os outros professores costumam reagir a estas situações? O senhor teria algum exemplo?
P5) Ah, colegas saíram de classe. Saíram, foram embora “eu não vou dar mais aula pra vocês”. E
criou um problema porque se tem uma boa parte dos alunos que não tem nada a ver com aquilo. E o
professor passa e é isso que fragiliza mais ainda. Então essa busca de equilíbrio é uma coisa muito
difícil de ser conseguida. Você está ali numa relação cheia de energia humana. Não tem nada
filtrando, o tem nenhum instrumento frio que reduza o impacto da tua presença e a deles. Numa
aula à distância, isso não acontece. Mas numa aula presencial, onde o assunto que você está
colocando é polêmico, uma coisa fugiu do controle você fica... Eu acho que, e acho mesmo, que
quando eventualmente eu percebi que tava acontecendo alguma coisa assim, eu transitei bem por
isso. Mas nesse dia aí, que eu me lembro, a coisa ficou desagradável por conta do assente do aluno
“não, eu vou fazer, vou sentar aqui...”; “não, você não vai fazer.” A classe fica: “bom, quem o
primeiro tapa?” Felizmente a coisa ficou resolvida da melhor maneira possível, mas tem essa tensão.
E uma situação positiva eu não saberia dizer.
E) vivenciou alguma situação mais extrema, por exemplo, onde o aluno chegasse à sala
alcoolizado, sob efeito de drogas, ou que estivesse visivelmente mais alterado?
P5) Ah, isso eu tenho. Eu tenho vários casos assim, que o aluno fumou maconha e entrou na sala de
aula e eu percebo pelo olhar dele que ele está, ou não está nem aí. Você quer saber o que eu faço?
E) Sim.
P5) Eu não coloco nenhum tipo de atenção sobre ele que permita, a ele ou a classe, deduzirem que
eu sei que ele es drogado. Porque eu criaria, em relação a esse menino, um problema cuja
158
dimensão eu não teria condições de acompanhar. Primeiro, que eu tenho que respeitar a
individualidade dele, eu não tenho nenhum papel de crítico da atitude dele. Não sou um cara que dou
atendimento para ele desse tipo. Segundo, porque eu não sei qual é o problema que ele vive, porque
ele fuma maconha. Ele pode ser um sujeito underground, que a maconha para ele é um elemento de
conta-cultura, ou ele pode estar com um problema dramático na vida pessoal, com a namorada, com
a família, ou ele pode ser um marginal. Mas eu não tenho direito de chegar e interferir nisso. Falar “oh
aqui meu, você vai fumar, você não vem na aula” ou qualquer tipo indício que coloque ele em
evidência. Eu tenho muitos alunos que fazem isso. Aqui na Metodista, pouquíssimos. Na PUC, muitos,
muitos, muitos que chegam na classe assim. E o que eu quero dizer com muitos: numa sala de aula
de cinqüenta eu tenho três. É muito. Ou que chegam bêbados por causa da cerveja no bar, e tal. Isso
acontece com muita freqüência entre os alunos de jornalismo de graduação e de graduação em geral.
E tem que administrar isso.
E) E esse aluno não atrapalha a aula?
P5) o, não. Nunca aconteceu, nunca aconteceu. Acontece um caso que eu enfrento hoje. Numa
das salas que eu dou aula, um aluno que, quando chega, assim resolve opinar sobre os assuntos que
estão sendo discutidos. Ele tem um “transe participativo” Legal! Mas ele fala coisas desconexas, ele
tem a voz pastosa porque eu não sei se ele mistura com maconha e álcool então aquilo que ele
fala fica difícil de entender, e ele não articula bem as idéias, então a classe fica muito irritada com ele.
E ao mesmo tenho eu não tenho como falar para ele: “olha, você está equivocado”. Eu posso até falar
“você está equivocado” mas eu não posso desqualificar o que ele tá dizendo. É muito complicado. Ou
tem aquela aluna que chega na classe vestida de maneira absolutamente provocante, seminua. Não
posso ter nenhum tipo de atitude nem insinuante e nem de crítica. Você tem que ficar indiferente, é
como se não tivesse acontecido. Porque se você chama atenção para isso, você cria um problemão.
Você vai manifestar algum tipo de conceito em relação àquela pessoa e isso eu acho isso muito
perigoso.
E) E aparentemente fica tudo bem?
P5) Ah, tudo bem, não tem problema.
E) Mas, e quanto a sua saúde?
P5) Ah, sim. Isso prejudicou. A minha relação com a classe naquele instante, até que eu absorva isso.
Acho que até de maneira imperceptível.
E) Quer dizer, talvez para os alunos isso não transpareça?
P5) É, acho que eu não devo passar. Mas eu estou percebendo que está acontecendo alguma coisa
estranha ali e sobre aquilo eu não tenho como agir. A não ser tratando o menino ou a menina, nessa
brincadeira que eu fiz, tratando de maneira igual. Fala: Vou ignorar isso aí”. Eu tive vontade de
falar para o aluno: “olha, você precisa fazer isso que você faz, mas põe colírio.” Mas não, não posso.
Mesmo que fosse uma brincadeira, como certamente seria, é uma brincadeira que faz uma
insinuação sobre ele que, muito justificadamente, ele poderia se revoltar contra ela. Tem que ver o
159
cara como uma entidade com direitos que tem que ser muito bem cuidados se não a relação fica
muito pouco saudável.
E) Mas para fazer isso o professor tem que estar ciente dessas questões, certo?
P5) Ah, sim, claro, claro. Você tem que saber que existe isso, você tem que saber que isso é, para
uma faixa muito grande de jovens, uma rotina. “Fumar um pouquinho.”; nossa, isso deve ser muito
disseminado por aí. E que isso não é indício de marginalidade. Porque eu tenho colegas que vêem
nisso um indício de marginalidade: “são vagabundos!”. Não, não é isso. Eu posso ter um menino que
faz isso e é um tremendo trabalhador. Isso não é, para mim, um início de que ele é um vagabundo.
E) Ok, professor. Há algo mais que gostaria de acrescentar?
P5) Não, acho que é só isso!
160
Anexo K - Entrevista Nr. 6
ANEXO K
ENTREVISTA Nr. 6
Identificação do Entrevistado:
Curso: Jornalismo
Área de formação e titulação: Jornalismo / Mestrado e Doutorado em Comunicação Social
Tempo de magistério no ensino superior: 13 anos
Disciplina(s) que ministra: Assessoria de imprensa, Sistema da Comunicação, Legislação e Ética
Entrevista:
E) Bom professor, eu gostaria de começar pedindo ao senhor que me falasse, do modo mais amplo
possível, sobre a sua experiência em sala de aula como professor de primeiro ano do curso de
jornalismo.
P6) Então, porque eu dou aula para vários períodos, vários semestres. É que de fato, o primeiro ano,
é mais desafiador. Por que? São muitos alunos em sala de aula. É uma coisa insalubre. Por que?
Não tem condições físicas muitas vezes e você perde aquele contato mais próximo do aluno. É muito
ruim você entrar em sala de aula e não saber o nome de alguns alunos. Sabe, todos viram números,
viram impessoais, como se fossem máquinas. Isso me choca bastante, me incomoda bastante.
Porque eu gosto de conhecer a pessoa, ver a sua deficiência e, se for o caso, tentar ajudar e, dessa
forma, não tem condição. A menos que o aluno venha até você, fale com você, aí ok. Caso contrário,
é muito raro ter esse contato mais próximo e você poder ajudar, você poder ser professor de fato. E
não você ser meramente um formador de massas. É uma coisa anti-universitária e deve ser muito
bem pensado, aprimorado e evitar que aconteça isso, especialmente no primeiro ano, no período
noturno, especialmente. Aqui mesmo, tivemos a situação definida, foi mudada em algumas disciplinas
e ficou bem melhor. Ficou uma coisa menos absurda.
E) E o que é que foi mudado? O que se alterou?
P6) Uma matéria prática. Em uma matéria prática não faz sentido você ter a sala toda dividida, vamos
supor, em duas turmas só. Tem uma divisão, a divisão em três turmas. Todos os alunos, vamos supor,
no laboratório para fazer texto. Antes, como era feita a correção? Por amostragem. Então, você aluno,
tinha que ter sorte de naquela semana ser sorteado. E os demais não se aplicam na sua aula. Isso é
muito ruim, muito ruim. Por sorte, quer dizer, o por sorte, mas por reivindicação, prevaleceu o bom
senso. Não em todas as matérias, nas práticas, eu fui chamado para ajudar. Mas é muito
preocupante. Porque a pedagogia parece muitas vezes que caminha afastada da realidade em sala
de aula. Uma coisa é você ter uma sala com 40 alunos, 50, perfeito. Agora, quando você tem mais de
161
100, 110, 123, é algo seriíssimo, muito sério. cabe a você manter a calma e buscar uma solução
mais adequada possível. É um desafio. que muitos colegas meus ficaram nervosos ou tiveram
doenças por conta disso.
E) Como foi isso? Que tipo de doença? O que o senhor observou?
P6) Alguns não conseguiram lidar com isso porque é um universo muito diferente, muito exigente. E
com muitas pessoas pedindo coisas. É um ambiente muito ruim mesmo, então a pessoa pode ter
algumas patologias, vamos chamar assim. Ficar travado, não conseguir falar... Tem coisa por sim.
Ou a pessoa fica muito nervosa e xinga, perde o controle. Porque eu acho fundamental na atividade
docente você manter o controle, sempre. Ouvir o aluno... Muitas vezes, o aluno fica nervoso e você
tem que ouvir, deixar falar e depois você, com muita calma, conversa com ele. Experiência própria.
Eu peguei muita sala nervosa, irritada. Ouvi, conversei, ponderei se, de fato, eles tinham razão ou
não. Acho que tem que usar o bom senso. O fundamental é você manter o controle, o que nem
sempre é fácil.
E) O que o senhor entende por saúde e promoção de saúde?
P6) Eu posso pegar o conceito da OMS...
E) Fique à vontade...
P6) O bem-estar físico, mental e social. A saúde na mais completa definição, não a ausência de
doença. É muito mais que isso. É você ter acesso ao lazer, ser uma pessoa agradável, equilibrada.
Isso é muito bom. E passar isso, transmitir isso para as pessoas ao seu redor também, especialmente
em sala de aula. Todos os alunos percebem quando você está nervoso, inseguro, irado, eles
percebem. Você não pode passar essa coisa de desequilíbrio porque afeta o aprendizado. Assim que
eu vejo.
E) Como o senhor entende esse conceito de saúde sendo aplicado dentro de sala de aula. Que tipo
de práticas podem ser adotadas? Como se pode aplicar isso?
P6) Você mesmo pode explicar para os alunos a sua metodologia. Vamos supor, hoje eu coloquei,
hoje é dia de prova, sexta-feira, “mantenha o ambiente saudável”. Quer dizer, evitar as gritarias, as
agressões. É mantê-lo saudável em todos os aspectos, por exemplo. Essa é uma forma. A gente
cada comportamento muito ruim que, às vezes, é resultado da imaturidade do aluno. O aluno chega
muito cedo para nós, com várias deficiências da família, da sociedade com um todo e nós somos
obrigados a resolver isso tudo. Não temos um papel assim tão preponderante. Ajudamos, fazemos
parte, mas não somos a parte mais importante não. A família é a mais importante. A família, a igreja,
a escola e assim por diante. Mas a escola não resolve tudo não, de forma alguma. É complementar a
formação e não resolver tudo. Quem resolve muito são os pais, esse é o papel deles.
P6) Nesse sentido, o que compete a escolar? Até onde ela pode ir? Como ela pode atuar, tanto na
saúde do aluno quanto na saúde do professor?
P6) Eu já vi casos aqui de alunos deprimidos. O que é deprimido? Que você professor, acabou a aula,
chega , conversa com ele e veja por qual situação ele está passando. Por que ele está deprimido?
162
É tentar ajudá-lo da melhor maneira possível e evitar que isso gere algo muito mais sério. Por
exemplo, têm alguns alunos com síndrome do pânico. Sério? Sério. Tivemos alunos com tendências
suicidas. Sério, seriíssimo. Alunos que tiveram, por exemplo, morte, acidente na família. Então você
tem que ter esse tipo de suporte para tentar falar com o aluno, tentar ajudá-lo. Em alguns casos você
percebe que o aluno não tem condições de freqüentar aquele curso, então fale com ele: “por tal
motivo, talvez não seja conveniente você continuar a freqüentar esse curso, pense em outra área, na
qual você tenha mais habilidade”. Tem gente que pensa: “jornalismo é muito fácil. É chegar lá,
fazer a matrícula e pronto”. Não é assim não, exige muito. Então, saber trabalhar sobre pressão.
Claro, você pode até fazer uma pressão não tão desumana assim. Porque a vida vai ser assim, o
mercado vai ser assim. Lamentavelmente vai ser assim. Você pode o quê? Aliviar essa pressão,
lógico, mas não na questão de horário, leituras... É um absurdo a pessoa passar pela faculdade e se
gabar de não ter lido nenhum livro. Alguns diziam isso: “oba, me formei sem ler nenhum livro”.
E) E que características são essas do jornalismo? Que tipo de situações, de particularidade o aluno
vai encontrar dentro desse contexto de curso que, de repente, possam lhe causar algum tipo de
incômodo?
P6) É uma carreira muito difícil, tal como medicina. Eu digo: “olha, vocês que escolheram jornalismo,
não é fácil. Qual é a realidade? É o estresse. Saber correr contra o relógio, saber ouvir gritos, às
vezes, algo desumano. Em alguns casos você pode reagir, em outros casos, você pede demissão.
Em outros casos, muita gente fica deprimida e leva isso pra si mesmo. Então, tem que saber a melhor
forma possível. E você, muitas vezes, não se deixar impregnar com este tipo de atitude. Tem pessoas
que fumam demais por conta da pressão, tem pessoas que vão usar drogas por conta da pressão. Já
tive amigos que tiveram infarto dentro da redação. Por que? É a pressão, é o estresse. Ou você
convive com isso ou você faz natação, yoga, terapia ou você estoura um dia. Então, qual é a idéia?
Que você não chegue ao extremo, mas que você possa se tratar. Também tem muita gente que já na
faculdade coloca esse tipo de pressão nos alunos. E, às vezes, nós sentimos falta de um suporte, de
um apoio por parte da própria universidade. Seria muito bom que um curso de psicologia tivesse
algum tipo de assistência aqui no campus. Por que não? Seria muito bom. Aprenderiam alunos e
também professores. Evitar que aquilo estoure. Se estourar, vai ser bem pior. Porque geralmente as
pessoas deixam a coisa evoluir de uma certa forma que, quando se diagnostica, fica pior, fica difícil a
recuperação. Então nesse quesito eu acho que a universidade falha.
E) Falha na promoção da saúde?
P6) Exatamente.
E) Ou de fazer até mesmo uma própria prevenção ou o que estamos falando, uma promoção.
P6) A prevenção é muito importante. Eu vejo pouca preocupação em relação a isso, pouca
preocupação. E temos aqui um pessoal muito bom, muito competente, das mais diversas áreas. O
que falta é esse pessoal chegar mais, mais próximo desses cursos mais difíceis do ponto de vista da
saúde. Manter a saúde mental, isso é muito importante. Especialmente quando você diagnostica
algum tipo de aluno com algum desvio, com alguma dificuldade, saber encaminhá-lo para a pessoa
163
adequada, para o serviço adequado. E não deixar que a coisa estoure e que o aluno pule da janela
para se matar. Ou pessoas, alunos que sabem que tem dificuldade em se relacionar com os demais
colegas, xingam, brigam, partem para a agressão física. Isso é ruim. Não podia acontecer isso, de
chegar a agressão física, mas já vi situações assim.
E) Agora para o professor poder chegar nesse aluno, que tipo...
P6) Ele tem que estar bem...
E) É isso que eu queria perguntar. Como é esse professor que chega no aluno e conversa e, às
vezes, até encaminha? Isso não é uma regra?
P6) Não...
E) Como é que o senhor percebe isso? Quem é o professor que chega e quem é o professor que não
chega?
P6) O professor tem que ter sensibilidade. Eu percebo que, algumas professoras, por terem filhos, por
terem este instinto maternal aguçado, então conseguem mais facilmente ver pessoas em
dificuldade, vão lá e conversam com eles. Tem até o papel de, entre aspas, de mãezona, que
conversa, que pega no colo. Às vezes até extravasando, exacerbando esse papel. Mas muita gente
faz isso. Vamos supor uma pessoa que tenha passado, ela mesma, professor, por dificuldades na
graduação, no ensino fundamental, etc. Ele mesmo é capaz de compreender a deficiência do aluno e
ele vai te dar, vai buscar ajuda. Entendeu? Eu tenho visto muito isso. Em alguns casos é importante
que o professor conheça os alunos, nome a nome e não número. Número é impessoal. Mas o que é
bom? Que própria universidade reforce essas campanhas de promoção da saúde. Pensando que
aqui no campus tem pessoas que fazem por conta do trabalho, do estresse, são pessoas difíceis e
também pode comprometer o trabalho, a comunidade como um todo. Pensar atividades, qualquer
coisa que possa ajudar. A Pastoral Universitária também tem um papel muito importante e nem
sempre chega até os alunos o que ela faz. Mas tem papel importante. Vamos supor, você perdeu
alguém querido, fica deprimido, então porque não ter um apoio mais constante. Tanto a pastoral
quanto os estudantes de psicologia.
E) E os alunos de alguma forma, o senhor percebe, não só os alunos, mas os professores, essa
demanda? Os alunos perguntam sobre, gostariam que tivesse? Sentem falta? Se expressam nesse
sentido? “Professor, como seria bom se tivesse. O senhor não conhece?”
P6) Uma pequena parte se expressa, talvez por medo de mostrar a sua fragilidade. Nós somos assim,
temos medo de mostrar que somos vulneráveis, que somos frágeis. Então alguns têm medo de
chegar até o professor. Muitos vêem o docente como se fosse autoridade, não tem essa proximidade
mais íntima, então tem medo. Depende muito como o professor se apresentar e o que ele permite
dessa troca, desse diálogo, que é muito importante. Eu dou muito valor a isso, mas tem pessoas que
não. “Eu sei, eu sou doutor, dane-se o resto”. Tem muito isso. São dois comportamentos díspares: a
pessoa que quer ser manter distante e a pessoa que não tem medo disso e se aproxima. Aí conhece
mais o aluno, conversa mais e pode ajudar muito mais também.
164
E) Já aprofundando nisso, eu queria que o senhor falasse um pouquinho mais da sua relação com os
alunos. A gente falou um pouco mais dos colegas e tal, mas a sua relação. Como é que o senhor
procura estabelecer isso no dia-a-dia, mas como é que é a sua relação, principalmente com os alunos
iniciantes.
P6) Então, eu procuro justamente, pelas dificuldades que eu passei na graduação, por ter uma
doença crônica degenerativa e pela falta de apoio da universidade que foi nula, embora seja uma
grande universidade ahoje, não é a Metodista, é uma grande faculdade de São Paulo. Então, isso
tudo me tocou bastante. Então quando eu percebo o aluno que tem aquele mesmo tipo de distúrbio
metabólico, eu falo com ele, eu converso, me aproximo. Tamm quando eu percebo que o aluno tem
potencialidades, mas fica acanhado, tímido, eu também converso, tento ajudar. Mas depende do
aluno querer essa ajuda. Você não pode, de maneira autoritária, querer impor essa ajuda, tem que
conquistar, ele tem que saber que você pode ajudar. Que você não está como se fosse um polidor,
mas sim alguém que quer colaborar com ele. Então é uma relação muito difícil, exige o quê? Muita
sensibilidade, saber o momento de falar, o que falar, para que ele possa ter confiança em você, não é
fácil, não é fácil. Ele, às vezes, te como se fosse o pai e não é nada disso. Ou professor que não
pode ter contato com ele porque é autoridade, aquele que vai determinar o futuro dele com as notas.
Não é isso, é muito mais na relação. No fundo, é você ser o educador de maneira integral. O que
nem todos conseguem entender, nem todos. Eu tenho colegas da pós, por exemplo, que vieram pra
e não conseguiram. Por quê? São muitos alunos... Na pós não, é um contato mais próximo. A
gente conversa, ajuda a pessoa, mantém contato. Na graduação, em alguns cursos, não. Por quê?
Por conta da demanda. É um sucesso que vira um que vira um desafio. Para a universidade é ótimo,
conseguiu muitos alunos, mas para os professores não, porque falta o suporte. E até pensar melhor
nisso, se é isso mesmo que queremos ou não. você pensa no modelo da universidade pública,
lógico, não tem como comparar, mas são salas bem menores. Trinta, 40 alunos, bem menores. É
outra relação. Do ponto de vista da qualidade de vida, o que é melhor pra você? Alguns colegas
saem de particulares como aqui e vão para o serviço público, porque preferem. Acham que tem
qualidade de vida e aqui não tem. Até por conta desses novos desafios.
E) O senhor comentou de algumas estratégias que os professores talvez tenham para poder lidar
com isso. Que estratégias o senhor usa para poder lidar, muitas vezes, com esse sentimento todo
que o senhor está falando, do resultado dessa relação com os alunos e com esse contexto todo.
P6) O básico é tentar conhecer o aluno. Tentar pesquisar a vida do aluno por meio de contato com
professores, etc., para ver se de fato aquela desconfiança que você teve se confirma. Se confirmando
você então busca essa aproximação sucessiva, de passo em passo, até que você conquiste o aluno.
Aí, é tentar ajudá-lo. Saber de fato se ele vai abrir para você ou não. Porque é muito raro um aluno
realmente chegar e abrir tudo. E isso exige um tempo, uma dedicação muito forte. se for o caso,
você até pode abordar assim, muito de maneira genérica, algum assunto semelhante, matéria e tal.
Sem tocar diretamente no caso dele. Preservando, é lógica, a sua individualidade como ser humano.
Então isso também é possível. Ou encaminhando a um serviço que você saiba que funcione. Ou
também dando dica de leituras, filmes, músicas. Isso é muito bom, eu percebo isso. Quando falamos
165
em filmes, músicas, pronto! Universo deles. Então é saber o que é que a pessoa tem como... As
preferências... Deve chegar por aí e o chegar com um discurso. Assim que eu vejo. Porque a
gente quer que se dêem bem, que tenha mais sociabilidade, já que pessoas com dificuldades tendem
a ficar mais isolados. Então buscar a sociabilidade que é fundamental. E tentar ser aceito também
pela própria sala. Evitar que as pessoas façam gracejos, ironias, piadinhas. Isso afeta muito a pessoa.
A pessoa fica em silêncio mas sofrendo bastante.
E) O senhor já teve dificuldade em lidar com algum aluno em particular. Uma relação que fosse difícil,
enfim, ao longo da sua experiência como professor universitário. Se houve, como é que foi e como o
senhor lidou com essa situação?
P6) Assim, um caso...
E) Um caso que tenha marcado negativamente. Uma relação que tenha sido difícil, que não tenha
ficado um resultado ou uma lembrança positiva. Que foi difícil a ponto do senhor falar “Puxa, como foi
difícil me relacionar com esse aluno”.
P6) Um caso em particular eu não tenho. Por incrível que pareça, os conflitos que houve eu tentei
resolver conversando com os alunos. Então não tenho um caso que tenha ficado bem resolvido. Às
vezes, você até pensa: “Puxa, quatro anos, aquela pessoa, eu podia ter conhecido mais, eu podia ter
ajudado mais”. Ou tentar entender porque aquela pessoa foi tão agressiva comigo. Por quê? Às
vezes tem isso, agressividade em sala de aula. Aluno contra professor e vice-versa. Então, evitar que
chegue a um ambiente muito estressante, de agressão, porque é ruim para ambos os lados. Eu
conheço casos de colegas meus que passaram por momentos muito desagradáveis.
E) É? Por exemplo...
P6) Falta de respeito, xingar a pessoa publicamente, perder as estribeiras. Isso é ruim. Ainda mais
para quem vai ser jornalista, é péssimo. Por que envolve respeito. Você pode discordar da pessoa,
discordar do que ela falou, mas manter o respeito sempre. Jamais xingar, jamais agredir a pessoa
fisicamente. o é uma atitude correta. Ou seja, é preciso ter equilíbrio. Hoje está muito difícil
encontrar pessoas equilibradas. Quem vive mosteiro, ok. Quem vive em terapias, ok. E quem não
vive? E quem vive nesse mundo estressante? É difícil. Do relógio, da competitividade...
E) E a situação oposta, professor. O senhor teve alguma situação oposta? Um caso particular de
uma relação muito positiva com um aluno? Um caso que te marcou positivamente? Se houve, com
foi?
P6) Uma aluna um dia ficou muito irritada por conta da aula que eu dei. “Puxa, isso está errado. Você
podia mudar mais o seu jeito de ser. Você é muito formal...”. Eu ouvi a pessoa tranqüilamente e
depois pensei com calma e disse: “onde é que ela estava com a razão?”. Fiz alterações no programa,
no meu modo de ser, onde eu pude é lógico... E depois avaliar. Eu consegui atender. Tanto que eu fui
convidado para ser paraninfo da turma. Então, isso foi uma surpresa sim. Ou seja, peguei uma
situação bem dramática e consegui reverter. É fazer da adversidade uma oportunidade para você
crescer, de se mostrar também. É ter a capacidade de pensar. Pensar, ponderar e ver até onde você
pode alterar aquilo. É até comum que você faça um programa e depois mude. Tendo razão a pessoa
166
é possível mudar. Mas isso envolve você ter humildade, saber que você erra. Não importa se você
tenha título em Harvard, Sorbonne, a gente pode errar. Então é estar aberto ao diálogo. Acho isso
importante: a abertura do diálogo. Saber que eles também pensam. Talvez não tenham a maturidade
que nós tenhamos, eles não têm a experiência, melhor dizendo. Convém pensar, convém ponderar o
que eles colocam como sugestões.
E) Bom, dentro de tudo isso que o senhor falou sobre os alunos e tudo mais. O quê o senhor falaria
sobre a saúde mental desses alunos do primeiro ano de jornalismo?
P6) Então, tem uma questão do rito de passagem mesmo. Porque alguns entram com 17anos, 18
anos. Eles vêm com outra expectativa do curso e tudo. Querem conversar, se envolver, fazer essa
comunidade nova é difícil. Você conseguir ter atenção de alunos, numa sala com 100 alunos, tentar
aprender a atenção deles, por mais que você faça malabarismo, strip-tease, não dá. Em alguns casos,
eu conheço exemplo de pessoas que, de fato, partem para a violência mesmo. Quebram cadeiras e
assim por diante, para tentar chamar a atenção dos alunos e conseguir reter a atenção deles. Eu
questiono isso.
E) Quer dizer, isso usado como uma estratégia...
P6) Para prender a atenção.
E) Quer dizer, agressão não como resultado de um conflito de uma situação que emergiu,
emocionalmente difícil, mas como estratégia para chamar a atenção dos alunos...
P6) Por conta da pouca idade que os alunos têm quando vem pra cá. Dezessete, 18 anos, e não tem,
portanto, essa possibilidade de pensar melhor, de ser mais responsável. Não tem, não tem. Então
alguns ficam perdidos e falam: “Aqui tem autoridade, quem manda aqui sou eu”. fazem as mais
diversas estratégias. A própria universidade não nos ajuda a pensar a dificuldade, não nos ajuda e
podia ajudar. O que fazer? Fazer grupos de trabalhos para discutir isso, chamar gente da pedagogia,
da psicologia. Como resolver isso? Que exemplos bons temos? Que situações difíceis temos? Como
resolver isso? Porque muitas vezes o professor resolve por conta dele mesmo ou conversando com
algum colega. Mas não tem essa troca de experiências e isso poderia ser muito positivo. Evitar que
se chegue a uma situação em que não se resolve nada, muito pelo contrário. É difícil. Ser professor
hoje em dia não é fácil não. E mesma coisa quando você dá aula virtual. Por que? Os alunos não têm
essa autodisciplina. Você fala: “leia tal texto, veja tal filme”. E pessoa acaba não vendo. Por que?
“Porque é assim que eu sou”. Não certo... Talvez explique porque essa questão de ensino virtual
mais resultado para alguns alunos que estão distantes da universidade, tem outra idade, vamos
supor, 25 anos em diante. Tem família, filhos, necessitam daquilo. Então talvez isso explique em
parte o sucesso de alguns cursos quando têm essa característica, em parte. Resposta eu não tenho,
mas observação de professor. Têm pessoas muito humildes que estudam, se esforçam e têm
outras que não. Pensam que a faculdade é uma eterna balada. Você pode ir a balada depois, mas
não durante a aula. Tem que saber separar as coisas. É uma fase de maturação dos próprios alunos.
Muitos fazem faculdade, passam aqui quatro anos, depois nos encontram e falam: “puxa, se eu
167
tivesse ficado mais em silêncio, prestando mais atenção, teria sofrido menos no mercado.” Caiu a
ficha, mas um pouquinho tarde. Passagem, rito de passagem.
E) O senhor vivenciou algum episódio em sala de aula que tenha te mobilizado emocionalmente,
positiva ou negativamente? Talvez um fato que o senhor possa lembrar e que o senhor pudesse
descrevê-lo e dizer como lidou com a situação.
P6) Então, eu busco manter sempre o equilíbrio, a homeostase. Tento manter o equilíbrio...
E) Mas houve uma situação que, de fato, te tirou desse ponto equilíbrio?
P6) Que tenha me tirado? Tem um episódio ou outro, mas menores, que depois a gente consegue
resolver. Mas algo forte que tenha me tirado... Que eu me recorde agora não. Que me recorde não.
E) Em toda a sua experiência como professor?
P6) Que eu me recorde agora não. Também é saber estratégias que os alunos utilizam. Uns elogiam
você só para conseguir nota. Entendeu? Faz parte da vida acadêmica. Então, tem que saber separar.
Tem algumas alunas que te provocam com microsaias. Tem que saber separar, não se envolver. Por
mais que você se sinta tocado. Que tenha me chamado a atenção, por enquanto, não.
E) O senhor teve que lidar em sala de aula com algum aluno alcoolizado, sob o efeito de drogas ou
com alguma alteração de comportamento mais aparente? Como foi essa experiência caso o senhor
tenha tido?
P6) Olha, há alguns anos eu tive sim. Fiquei desconfiado do comportamento do aluno porque ele veio
com os olhos vermelhos e não falando de maneira adequada. “Olha, esse aluno está com
dificuldade.” Tentei ver com alguns amigos se eles sabiam o que havia acontecido. Alguns diziam:
“ele bebeu mesmo. Ele bebe assim mesmo. Hoje é sexta feira e ele bebe.” Só que isso é ruim. Então
tentei só entender o assunto, entender a situação e ver se depois ele repetia essa mesma conduta ou
não. Então eu tentei falar... Eu não fui e dei bronca nele, porque não é meu papel. Se de fato ele
tivesse essa conduta, sim, eu iria conversar com ele. Explicar que beber é depois da aula.
Durante a aula é muito ruim. É como um jornalista que bebe durante o trabalho, não certo. Ele
trabalha com a cabeça, com os neurônios funcionando. Isso afeta o trabalho, a qualidade do trabalho.
Mesma coisa o aluno que bebe e vem para aula, não funciona, não funciona e atrapalha. Isso é ruim.
Eu fico preocupado com isso. Mas ultimamente eu tenho encontrado alunos assim.
E) O senhor percebe se os seus colegas também encontram alunos nesta situação? E se encontram,
como é que lidam com essa situação?
P6) Alguns colegas me relataram que sim. Já encontraram alunos sob efeito de drogas. Eles pediram
que eles retirassem. Por que? Para a aula se desenvolver faz mais sentido ter alunos interessados,
você faz chamada e manda-os para casa para não criar uma situação que possa contaminar os
outros alunos também. Então alguns fizeram isso. Acho que é sério. Se bebe, por que vem pra aula?
Fique logo direto no lugar adequado, não venha para aula. Tem que ter uma postura do professor sim,
caso a situação seja constante. Porque atrapalha todo mundo, todo mundo, mais do que o professor,
tem que ter uma atitude da própria universidade. O que fazer quando acontece isso? Qual a melhor
168
estratégia a ser adotada? Porque dizer publicamente: “você é bêbado, não sei o que faz aqui!”, não
sei se resolve. Mas saber agir, chegar até a pessoa e falar. Se der para você encontrar ele e
também falar... Se a pessoa estiver sob o efeito de drogas, de álcool, falar adianta? Não adianta. É
esperar a pessoa estar em condições normais, aí sim, ele raciocina. Mas saber fazer isso de maneira
equilibrada, com orientação de alguém que entenda do assunto. Eu acho que a universidade não
pode fazer isso de você errar experimentando, ainda mais por parte do corpo docente. Tem que saber
agir de maneira bem orientada, experiente, eu digo.
E) Agora para encerrar, o senhor gostaria de colocar mais alguma coisa acerca do tema?
P6) Acho que é importante os diretores de faculdade, a reitoria e as pró-reitorias pensarem nisso.
Que tipo de jornalista, que tipo de médico, que tipo de psicólogo você quer no mercado. Porque se
universidade é inclusiva, é cidadã, isso tem que estar presente também em sala de aula, na própria
filosofia da universidade. Não só nos cafés, mas também na vida prática. É muito difícil. Pensar nisso,
tentar conhecer mesmo para que isso possa ser resolvido. Não deixar a coisa ficar mais aguda, mais
difícil. Quanto mais você prorrogar o assunto, pior vai ser. Fica uma coisa impossível de ser resolvida.
Isso exige investimento. Investimento em pessoal, especialmente em pessoal. E investimento com
inteligência. Porque você lida com alunos cada vez mais imaturos em salas grandes. Tem que pensar
isso tudo. Não é uma equação fácil.
E) O perfil do aluno muda e o perfil do professor, de alguma forma, vai ter que se adequar.
P6) Tem que ter uma forma que ele possa discutir o assunto e resolver. É difícil. Eu creio que aqui
temos condições de resolver. Outros lugares não, mas aqui temos essa abertura. O que falta é definir
alguns programas que possam realmente ser aplicados e avaliados depois. Porque é muito ruim,
vamos supor, nós aqui no campus Rugde Ramos e tem um pessoal no campus Planalto. Não pode
dar certo... Um certo apartheid acadêmico. Falta aproximação. Porque a universidade é isso, você ser
capaz de conviver com as mais diversas áreas de maneira multidisciplinar. o uma coisa apartada
uma da outra. Está errado isso. Espero que esse modelo possa ser aprimorado.
E) Ok, professor. Muito obrigado pela sua participação.
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Anexo L - Entrevista Nr. 7
ANEXO L
ENTREVISTA Nr. 7
Identificação do Entrevistado:
Curso: Jornalismo
Área de formação e titulação: Matemática / Mestrado, Doutorado e Pós Doutorado em Comunicação
Social
Tempo de magistério no ensino superior: 20 anos
Disciplina(s) que ministra: Teoria da Comunicação, Pesquisa de Mercado, Metodologia, Projetos
Experimentais, Atividades Complementares e Estágio Supervisionado de Ciências Contábeis
Entrevista:
E) Eu gostaria de começar pedindo para a senhora falar, de modo mais amplo possível, sobre a sua
experiência como professora do primeiro ano do curso de jornalismo.
P7) Do segundo semestre?
E) Do primeiro e do segundo.
P7) Olha, eu acho que é uma experiência... Você diz em termos de quê? De qualquer coisa?
E) Da sua experiência como professora.
P7) Olha, eu gosto muito da sala de aula. Então eu me sinto muito à vontade dentro da sala de aula.
O que a gente tem percebido ao longo do tempo é que houve uma queda na formação básica do
aluno de um modo geral. Uma aula que eu dava há dez anos atrás, eu não consigo estabelecer hoje.
Você percebe que uma dificuldade natural do aluno também e, uma coisa que eu acho que tem
incomodado os professores de um modo geral, é essa coisa do imediatismo. Então: “pra que isso vai
servir agora, neste momento?” A gente perdeu um pouco aquela coisa da formação para a vida.
Então, ou eu aplico imediatamente ou esse conteúdo não me serve muito. Por que eu estou te
dizendo isso? Porque eu trabalho no segundo semestre com disciplinas teóricas. Então uma
resistência natural do aluno. Você passa uma boa parte do semestre tentando convencer o aluno que
isso é muito legal. E quando você consegue, então já esno final do semestre. E lógico, depois eu
pego esse aluno no sétimo semestre, no oitavo semestre, e aí ele te dá esse feedback: “ai professora,
se a gente tivesse ouvido... Se a gente tivesse...” Porque ele está mais maduro, enfim. Então, eu
acho que a coisa do imediatismo é o maior problema, que é característica, sempre foi característica
da juventude, mas agora, não sei se talvez pelo acesso à informação que é muito mais rápido e a
170
universidade que, de alguma forma, não acompanha isso, enfim. Eu acho que isso é a coisa que mais
me chama a atenção, digamos assim.
E) Entendi. O que a senhora entende por saúde e por promoção de saúde?
P7) Na verdade, por saúde eu entendo o bem-estar em todos os aspectos, tantos físicos como
psicológicos, mental. E prevenção é aquela coisa. O tema saúde devia ser preventivo, mas
normalmente a gente não tem por hábito fazer nada preventivo. A gente espera o problema acontecer
para depois correr atrás e tentar uma solução. Então, a prevenção eu entendo essa coisa mesmo de
você ir acompanhando e observando os sinais antes efetivamente de virarem um sintoma, que
normalmente a gente não faz por n razões, mas é isso.
E) Como a senhora observa a aplicação desse conceito de saúde e promoção de saúde que a
senhora mencionou no contexto de sala de aula?
P7) E acho que isso, de modo geral, não existe. Você fala com relação aos alunos?
E) Com relação aos alunos e aos professores também. Na verdade, que práticas, que
comportamentos poderiam colocar esses conceitos em prática?
P7) Por exemplo, vamos falar de posturas em sala de aula, a postura do andar, do sentar, do ligar os
equipamentos. Já começa pelo próprio ambiente de sala de aula que não é propício. Então o
professor meio que tem que abaixar. Muitas vezes a gente se vê de joelhos tentando ligar o
equipamento que está atrás. A lousa é extremamente alta, muito mais alta do que os próprios
braços. Estou te falando do ambiente físico. Depois, a cadeira muitas vezes é inadequada, a gente
não tem uma postura ideal. Estou te falando do físico. Os alunos também, o aluno está sempre...
Então isso não existe. Isso o é uma preocupação nem por parte do professor, nem por parte da
instituição como um todo. E nem por parte do aluno. Eu acho que é uma coisa que não passa pela
cabeça das pessoas. É como se fosse outro espaço. Como se a saúde não estivesse ligada ao
cotidiano das pessoas. o uma preocupação não. Inclusive, em uma das minhas turmas, eu
tenho um deficiente visual. Isso deveria, de alguma forma, permear mais a preocupação da turma em
relação a qualquer fator ligado a saúde. Mas não, ao contrário, não uma preocupação. O que eles
fazem muitas vezes, quando o menino tromba, é tirar as coisas meio que do lugar. “Ah, a gente
esqueceu!Então, não existe nem esse preparo para essa convivência. Ou eles assumem aquela
postura paternalista ou enfim... Mas não existe nenhum comentário, nada.
E) E a sua relação com os alunos, professora, o que a senhora diria a respeito?
P7) No relacionamento pessoal professor-aluno?
E) Interpessoal.
P7) Interpessoal? Olha, de um modo geral é muito bom. Eu não sou muito estressada não. Eu falo
para os meus alunos assim: ah, eu sou bem casada, bem amada, ganho bem e faço o que gosto.”
Então eu sempre brinco com eles na primeira aula. Então assim, não sou aquela professora que tudo
é muito quadrado porque eu acho que a vida não é assim. As pessoas, na verdade, têm que se
ajeitar, digamos assim, àquilo que está sendo oferecido. Existe uma variação muito grande das
171
turmas. Você tem turmas mais disciplinadas, você tem turmas que, às vezes, você tem que fazer a
parte da educação mesmo, dar bronca. Porque eu acho que isso faz parte do contexto do professor
também. Não ensinar o conteúdo, mas, às vezes, relembrá-los de que eles aprenderam isso e de
que eles têm que botar em prática. Mas de modo geral, não é uma relação ruim não. Têm alguns
alunos que reclamam porque é muita disciplina, muita matéria, e eles queriam uma coisa mais suave.
Mas o feedback de modo geral é bom. Por exemplo, eu tenho uma turma do segundo intermediário
que no começo eles meio que estrilaram um pouco, então eu vou buscar uma forma de reverter isso.
Ah, se eles não gostam da coisa muito falada, então eu vou buscar um vídeo, entendeu? Porque eu
acho que essa relação é fundamental, senão você não consegue atingir o teu objetivo no final. Acho
que toda unanimidade é burra, então você não pode dizer que isso é uma coisa unânime. Mas, de um
modo geral, eu consigo conduzir bem. Eles falam muito, mas isso faz parte dessa idade. Se eles não
falarem, se eles não te desafiarem, não são jovens.
E) Que tipo de sentimentos essa relação desperta na senhora? Como a senhora entra em sala de
aula e como a senhora sai da sala de aula?
P7) Normalmente eu entro muito bem. Porque eu falo que quando eu entro em sala de aula todos os
problemas que eu tenho ficam fora, e eles ficam fora mesmo. Lógico que, às vezes, você está com o
humor um pouco mais ácido, você dormiu menos, por exemplo. A gente percebe isso. Mas eu tenho o
cuidado de ficar me policiando. Eu tenho muito medo de, às vezes, dar uma resposta atravessada
para um aluno. Às vezes o aluno até merece, o estou dizendo que não, mas não porque eu não
estou bem. Então, sempre que eu falo alguma coisa quando eu não estou bem e eles observam. Eles
falam: “ih, professora, hoje você não está legal.” Porque eu falo menos, eu brinco menos e então eles
percebem. Isso é interessante. Eu acho que é uma relação bastante interessante. “O que é
professora, aconteceu alguma coisa? Eu falo: “não gente, nada. Hoje eu estou mais cansada.” Então
eles percebem porque eu mudo o meu ritmo mesmo. Eu sou muito transparente e acredito que isso é
uma relação muito legal em sala de aula. O aluno tem que saber qual é o teu limite, para que ele não
extrapole, para que ele não problemas. Assim como você tem que conhecer qual é o limite dele.
Têm alunos que admitem brincadeira, que brincam e tal. E têm alunos que não. Então eu acho que
isso é importante. Essa relação de transparência é fundamental. Às vezes eu falo para eles: “então
moçada, hoje menos.” Então, de modo geral é assim.
E) A senhora se lembra de alguma relação, de algum aluno em específico, com quem tenha sido
difícil estabelecer uma relação ou com o qual tenha vivenciado uma experiência que tenha te
marcado negativamente?
P7) Não, não tem mesmo. Eu tenho alguns alunos que são mais complicados, eles são menos
disciplinados. Em 20 anos de sala de aula, eu aprendi alguns mecanismos, por exemplo, eu não
guardo nome de aluno. Então, para mim, todo mundo é bonito. Eu falo que é até uma forma de
defesa minha, porque na hora de avaliar eu não sei quem é. Se escrever João ou José, para mim, eu
vou avaliar da mesma forma. Porque a nossa avaliação, infelizmente, é quantitativa. Não pra você
dizer que esse aluno é mais empenhado do que aquele porque é completamente subjetivo. Então eu
não marco. Às vezes, você tem algumas relações que, por exemplo, esse menino deficiente visual.
172
Ele é um menino difícil. No começo ele, sabe? Meio que... E aí foi, foi... Normalmente eu vou tentando.
Mas que tenha me marcado, negativa ou mesmo positivamente. “Ah, aquele aluno...” Não, não tem
mesmo. Eu não me lembro de ninguém assim, mesmo na atualidade.
E) Mesmo positivamente? Nem de uma relação que tenha dado muito certo?
P7) É, eu tenho algumas turmas muito legais. Eu o sei se talvez isso seja um problema, eu não
estabeleço relação individual, relação com a turma. Isso normalmente isso fica muito latente. Eu
tenho turmas das quais tenho excelentes lembranças. Turmas muito envolvidas, muito participativas.
Não sei se é você e a classe ou então aquela classe está pré-disposta, não sei. E tem turmas que
seguem o curso normal. Mas é muito difícil eu estabelecer relação individual com aluno. Isso é uma
característica minha mesmo. Eu converso com todos os alunos, atendo todos os alunos então eles se
sentem muito à vontade para falar assim... Que nem agora, eu acabei de responder um e-mail: ah
professora, estou há tantos anos no jornal e agora está difícil a relação lá. Se você souber de alguma
coisa me indique.” Ou então: “oh professora, eu estou tão desanimada, tão desgostosa.” Então eu
percebo que eu crio para eles essa possibilidade de relação, mas se eu te falar: “ah, eu saio, vou
tomar um café com o aluno, saio com aluno para...” Não tenho, eu não tenho isso. Eu faço tudo no
âmbito da academia mesmo. Eu não estabeleço relação pessoal. Enfim, eu respondo, dou conselhos.
Eles falam que eu sou alto astral para escrever as coisas para eles. Eu nunca coloco para baixo. Mas
eu não estabeleço relação pessoal não. Ouço, converso, mas não faço isso. Gozado, né? Eu nunca
tinha pensado nisso.
E) Talvez a relação pessoal até nem precise ir até esse ponto de sair, tomar um café, mas, às vezes,
perceber um aluno que está diferente naquele dia e conseguir chegar, se aproximar.
P7) Isso eu faço e, talvez por isso, eles me mandem tantos e-mails e, às vezes, falam algumas coisas,
alguns problemas, volta e meia eu recebo. Te dou um exemplo de uma aluna fazendo uma
reclamação que estava desanimada com relação ao curso, porque não atendia as expectativas, me
perguntado o que eu achava disso... Então, às vezes, me relatam problemas pessoais deles mesmos.
Tem um trabalho que eu peço que eles fazem uma autobiografia. E aí, nessa autobiografia, por
exemplo, eu falo que é acadêmico/profissional, mas eles aproveitam para dizer das relações com os
pais e eu nunca deixo sem resposta. Eu sempre comento. Mas eu vou até onde o aluno permite.
Então, por exemplo, eu faço encaminhamento, que nem a aluna: “ah professora, eu o sei o que eu
faço, desesperada, não consigo uma empresa pra fazer estágio, vou reprovar na matéria.” “Ah, vai
procurar a pastoral, talvez tenha um espaço, uma área...” Isso eu faço, entendeu? Mas ela é, não sei
te dizer, não é restrita. Eu não invado a área do aluno. Eu o faço isso. Às vezes eu falo: “você não
está bem, aconteceu alguma coisa? Eu posso te ajudar? Ai professora, hoje eu não estou legal
mesmo. Briguei com a minha mãe e tal...” Ai eu falo: então, vale a pena repensar e tal...” Então eu
sempre faço uma coisinha assim. Mas se ele não se abre, eu não vou fundo não.
E) Entendi. Como a senhora percebe a saúde mental dos seus alunos, principalmente dos alunos do
primeiro ano?
173
P7) Olha, eu acho que estressados pela própria cobrança, pela mudança. Eles saem do colégio e
estão entrando na faculdade. A cobrança é outra. Então, são alunos assim que querem descobrir o
mundo em uma semana. Então eu os acho muito estressados. Tudo é motivo para eles protestarem,
eu não sei, isso também é uma característica da juventude, mas eles são muito agitados, de modo
geral, eles são agitados. Eles o param. Isso é uma característica da juventude sim, mas é muito
forte. É uma coisa muito interessante porque eles estão ligados em absolutamente tudo o tempo
inteiro. É naquilo que você está falando, no papo do amigo do lado, em quem entrou na sala. É
aquela coisa de o tempo inteiro o cérebro funcionando a milhão. Eu falo para eles: “gente, vamos,
tomar um chazinho...” Porque realmente eles são bastante agitados o tempo inteiro. Parece que a
qualquer momento eles não vão mais poder fazer aquilo então eles vão fazer tudo naquele momento.
Eles talvez ainda não aprenderam a dividir o dia, então cada momento é vivido muito intensamente. E
o poder de concentração deles é absolutamente nulo porque eles estão sempre ligados em mil coisas.
E você fala: “eu acabei de falar.” Acabo de explicar eles falam: “professora, a senhora poderia
falar sobre isso?” “Acabei de falar!falam: “ah professora, desculpa, eu não estava prestando
atenção. Entendeu? Então assim, eles estão ligados, mas não absorvem. São flashes. O tempo
inteiro só flashes.
E) E o professor? Como fica o professor diante dessa característica dos alunos?
P7) Eu acho que o professor meio que vira um artista, muito mais do que atividade de educar, da
atividade de aprender e de ensinar, você desenvolve aquela coisa do artista. Porque é o tempo inteiro
você tem que fazer com que você seja a atenção central. Então têm alguns professores que têm
certas características, contam boas piadas... Têm professor que o conteúdo dele prende o aluno, tem
professor muito carismático, entende? Eu acho que o professor vai criando mecanismos ou o
professor acaba transformando a sua aula mas para reter a atenção. Porque o tempo inteiro você tem
que ser centro se não você perde a turma, e perde mesmo. Numa sala de 130 alunos, 120 alunos, 90
alunos ou você é o centro ou... Eu ando o tempo inteiro na sala e ponho a mão. Eu gosto muito
dessa coisa do contato físico. Até uma vez me alertaram que isso não deve ser feito. Eu tenho muito
mania de o cara está conversando e eu chego, continuo falando, mas eu chego e coloco a mão.
Quando eu ponho a mão ele pára e presta atenção naquilo que eu estou falando. E eu falo: “oh
bonito!” E falo para eles que isso é concorrência desleal porque são 120 concorrendo comigo que
estou tentando falar. Enfim, mas eu acho que você vai criando mecanismos sim para chamar a
atenção. Então o professor meio que vira um artista. Por si só, é muito difícil que o conteúdo dele,
nessa faixa etária, que realmente...
E) Que só o conteúdo prenda a atenção...
P7) Prenda a atenção. E eu acho que você tem que usar mecanismos que eles, mais ou menos,
estão acostumados. É complicado... É uma música, um vídeo, fazer uma brincadeira um pouco mais
assim em sala. Então eu acho que mudaram alguns conceitos, bem diferente da forma como a gente
aprendeu. O professor o estava muito preocupado com isso. Ele chegava, dava o seu conteúdo e
você se virava para aprender. Não tinha essa relação. Agora para o professor é complicado.
174
E) A senhora vivenciou algum episódio em sala de aula que tenha te mobilizado muito
emocionalmente? Positiva ou negativamente? Uma lembrança que a senhora tenha vivenciado,
experienciado e que, como professora, te marcou?
P7) Já. Eu acho que várias positivamente. Assim, algumas relações entre os alunos, algumas
situações que eles criam entre eles. Por exemplo, a preocupação deles com o outro. Então tem
alguns fatos que você acompanha. Por exemplo, nós perdemos uma aluna, então a turma, o
envolvimento da turma, a preocupação da turma com a família, o cartaz que eles espalharam, a
despedida. Eu acho tudo isso muito emocionante. Porque eles querem parecer que não têm
sentimentos e quando eles manifestam esses sentimentos é sempre uma coisa muito interessante.
Eu gosto muito disso. E no outro extremo, brigas entre grupos, por coisas tão pequenas. Isso mexe
comigo. Então, várias vezes eu presenciei um aluno maltratar o outro. Porque eles são cruéis. Eu
falo que eles conseguem pegar aquele ponto que realmente incomoda o outro e eles são cruéis.
Quando eles querem, eles são cruéis. Então isso mexe muito comigo, essa falta de, às vezes, ceder,
do outro ceder. Porque eu sempre falo para eles: “você vai ganhar o quê?” “Mas professora, ele é
sacana, ele é isso, é isso.“Mas você também está se comportando muitas vezes assim.” Isso me
incomoda. Quando acontece isso, me incomoda muito.
E) Como lidar com isso? Como a senhora lida com esse sentimento?
P7) Eu vou falar. Eu vou falar. É aquilo que eu falei para você, eu tenho uma relação muito aberta
com eles. O que eu acho legal eu digo para eles. E o que eu não acho legal eu digo. E digo sempre
isso, que são dois posicionamentos muito separados. Um é a professora falando e eu acho que
você exerce outro papel, enfim. O outro é a pessoa falando. Então eu falo para eles assim: “não me
coloco nem no papel de mãe, nem no papel de irmã mais velha, nem no papel de nada. É o papel do
ser humano. Então assim, não foi legal.” Eu falo, entendeu? Sempre falo. E normalmente eles param
para ouvir isso. Porque essas coisas quando acontecem, ou do legal ou do ruim, extrapolam a própria
relação professor-disciplina. Então você intervém como ser humano mesmo. Lógico que usando a
sua experiência, o seu conhecimento e a tua própria relação com eles. Por exemplo, eu vou voltar
esse exemplo desse menino que me chamou muito a atenção porque ele é deficiente visual. Então a
classe, algumas pessoas da classe, assumiram com ele uma atitude paternalista no sentido da
proteção ao extremo. Então o menino não pode nem respirar que eles... E eu fui conversar com
eles dizendo que eu não sabia se era bem dessa forma que devia ser conduzido o processo. Porque
se nós estamos possibilitando a inserção dele, essa inserção tem que se dar em vários âmbitos.
Inclusive formando competências. Então, a partir do momento que eu não o deixo agir, não o deixo
errar, não o deixo acertar, eu estou impedindo que ele se inclua. Ele sempre vai ser aquele menino
que a turma vai ter que levar pela mão e eu não sei se é bem isso. Então a minha postura é sempre
assim, eu nunca falo nada muito fechado. Eu falo o que eu acho e peço sempre para eles pensarem,
repensarem na atitude. Então, eu falei: “eu não sei se é dessa forma que você deveria conduzir o
processo. Se você não deveria possibilitar que ele te desse alguma coisa.” Então, a minha relação
com eles é sempre essa de me colocar, mas sem fazer um papel que eu acho que não é meu. Não
sou mãe, não sou irmã mais velha, mas estou acompanhando. Então é sempre assim.
175
E) Isso de alguma forma te permite dar conta desse sentimento?
P7) Sim. Talvez por eu não guardar. Eu falo mesmo. Às vezes, eu até me arrependo depois. Eu falo:
“ih, me meti onde não era da minha competência.” Eu falo para eles: “pô gente, desculpe. Estou me
metendo onde não devia. Mas se eu não falar eu vou morrer”, eu falo pra eles. Sempre eu tenho essa
relação muito tranqüila. Eu falo mesmo. E, às vezes, se eles não concordam, eu falo: “de qualquer
forma eu manifestei a minha opinião. Assim como vocês estão manifestando a de vocês eu manifestei
a minha. Acho que valeria a pena a gente repensar um pouco. Eu vou pensar nas coisas que vocês
estão me dizendo e vocês pensam nas coisas que eu estou comentando.” É sempre assim e encerro
essa relação dessa forma, sem mais.
E) Você teve que lidar em sala de aula com algum aluno alcoolizado, drogado ou com alguma
alteração de comportamento?
P7) Muito forte?
E) É, mais forte.
P7) Você sabe que, não em sala de aula, um tempo atrás, quando a gente presenciava essas
cenas, por exemplo, para mim o aluno entrava e falava: “professora, não vou assistir a tua aula
porque eu não estou bem.” Mas assim que eu tenha presenciado, participado, não. Do aluno fazer
alguma coisa e eu ter que tomar alguma atitude em função disso, não. Quando se trata de drogas,
principalmente, o comportamento dele é muito quieto, fica muito lá, abaixa a cabeça e dorme. Enfim,
o que a gente observa é isso. E quando é álcool, eles vêm para falar, eles vêm te dar uma satisfação.
“Olha professora, hoje...” “Criatura, vai para casa.” Enfim, entendeu. “Es de carro aí?” “Não
professora, com meu amigo.” “Então está bom.” Eu morro de medo. Normalmente eu não tenho
nenhum problema.
E) Alguma coisa mais que a senhora gostaria de acrescentar?
P7) Não. Acho que não.
E) Então muito obrigado pela entrevista.
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Anexo M - Entrevista Nr. 8
ANEXO M
ENTREVISTA Nr. 8
Identificação do Entrevistado:
Curso: Jornalismo
Área de formação e titulação: Jornalismo / Mestrado em Comunicação Social
Tempo de magistério no ensino superior: 3 anos
Disciplina(s) que ministra: Produção de Texto, Técnicas jornalísticas, Jornalismo digital, Comunicação
regional e Jornalismo, Projetos em Jornalismo
Entrevista:
E) Bom professora, eu gostaria que a senhora falasse um pouco da sua experiência como professora
do primeiro ano do curso de jornalismo.
P8) O primeiro ano é sempre bem mais diferente do que os outros. Tem as vantagens e tem as
desvantagens. As vantagens eu vejo como assim, o aluno chega muito motivado. Ele chega
querendo aprender bastante. Ele não conhece nada daquela realidade, ele quer descobrir. Então tudo
é novidade, tudo ele se empolga, tudo ele participa, então isso é um aspecto muito bom. Por outro
lado, por ser tudo muito desconhecido, ele não tem muita noção do que é o trabalho de jornalista, do
que é a realidade, principalmente na nossa área que tem lidar muito com o glamour que a imprensa
tem. Chegam achando que vão ser a Fátima Bernardes, o Willian Bonner, no mínimo, vão apresentar
o Jornal Nacional. E não é assim. Ou que escrever é uma inspiração, ele vai fazer uma obra literária e
não é assim, têm todas as técnicas. A gente até costuma dizer para eles que escrever é mais
transpiração do que inspiração. Então, isso é uma matéria que deixa assim desse primeiro ano. Se
por um lado ele chega motivado a querer aprender, por outro ele, às vezes, desconhece muito o que
é a profissão. Tanto é que quando a gente pega um aluno do sétimo isso totalmente
desapareceu, alguns estão até frustrados, não era aquilo que esperavam. Outros se adéquam então
à realidade e percebem que era um sonho do aluno de primeiro ano que não se concretiza, mas por
outro lado abrem-se novas portas e abre-se outro mundo, não aquele que ele esperava, mas um
mundo que também é gostoso, é gratificante, que tem todas as suas qualidades. Eu acho que essa é
a característica que eu vejo do aluno de primeiro ano que chega. Eles chegam também, não se em
aspectos pessoais assim, são alunos que estão com a cabeça no colégio ainda e não tem aquela
mentalidade de aluno universitário, o tem ainda uma formação intelectual, uma formação
acadêmica e que bom que é assim, senão o teria o porquê pegar o aluno pronto, não teríamos o
porquê. Então a gente sente também o amadurecimento deles durante o processo do curso, isso é
177
muito importante e muito nítido e assim, são crianças que chegam e depois, quando saem do sétimo,
são adultos. Acho que essa é a percepção que dá para se ter.
E) E o professor diante de todas essas características, como é que fica?
P8) O pessoal do primeiro ano, eu penso assim, a aula é diferente porque é outro público. Não tem
como negar. Quando a gente vai preparar uma aula para o pessoal do primeiro ano, a gente se
preocupa em prender a atenção deles e não dar textos tão maçantes, mas que sejam importantes
também. Há um cuidado com a bibliografia para que indiquemos um texto que eles sejam capazes de
entender, de assimilar, que a bagagem cultural que eles têm, que todo o sistema de referência que
eles têm, que ainda é pequeno, até porque não tem a leitura, não a leitura dos livros relacionados
ao jornalismo, mas leitura para formação de vida mesmo. Então a bagagem cultural deles é pequena,
não são todos os textos que eles entendem. Então um cuidado muito grande com essa parte da
bibliografia. Outro cuidado também muito grande com a parte da disciplina. Eeles acham que é igual
ao colégio, tudo pode, que o professor vai estar ali o tempo todo “fulano, você não entregou o
trabalhinho de hoje e não sei o quê..., Não fez a tarefa de casa” e o é assim. Então um cuidado
com a disciplina a gente tem que ter porque eles são muito avoados e essa parte da empolgação que
eu te disse. Mas então assim: “olhem o SIGA, deixem tudo por escrito, cobrem o tempo todo. “Oh
fulano, tente acompanhar na medida do possível.” As turmas são muito grandes, mas tentamos estar
bem em cima. Fala, repete várias vezes a mesma até que eles assimilem. Então esse é outro ponto
também. Eu costumo, além de dar aula oral, passar no PowerPoint, colocar os principais tópicos,
deixar no SIGA para que possam acompanhar porque, às vezes, eles não têm muita prática de
escrever e prestar atenção no que o professor está falando. Essa é uma coisa que vem com o tempo.
Então, eu sempre tomo cuidado de colocar todos os principais tópicos no PowerPoint, disponibilizar
no SIGA. Tento também trazer muita coisa, e aí é óbvio que é o foco do nosso curso, mas muita coisa
de jornal, muita coisa de televisão, de rádio, para tornar um pouco mais dinâmico, nesse sentido de
prender a atenção deles mesmo. Não podar essa empolgação que eles têm, porque isso é importante,
mas mostrar da maneira mais didática, mais lúdica possível a realidade como é para prender a
atenção mesmo. Acho que é isso.
E) O que você entende por saúde e por promoção de saúde?
P8) Eu não sei...
E) Diga exatamente a idéia que você tem desse tema.
P8) Saúde e...?
E) Promoção da saúde.
P8) Eu acho que saúde é.... Não sei, eu vou, eu posso fazer uma coisa bem de achismo e do
conhecimento comum, não sou dessa área.
E) Sinta-se à vontade.
P8) Eu acho que saúde é você estar bem com você mesmo, é você... Não só saúde física é
importante, mas a saúde mental também. Então você estar sempre tranqüilo, você estar sempre
178
disposta, você estar sempre... O cotidiano é muito maçante para gente. São sempre muitas coisas
para fazer e a gente nunca tem tempo e isso acaba gerando um cansaço grande, um estresse muito
grande. Mas eu acho que a saúde é isso, é você tentar controlar isso e viver da melhor maneira
possível. Nesse caso entra o esporte que sempre dá uma grande ajuda, o descanso que é necessário.
Não tem como a gente fugir disso. No meu caso, muitas horas de sono porque eu gosto de dormir
bastante e quando eu não durmo nada eu já fico irritada e meu dia-a-dia fica complicado, fica
comprometido. E a saúde física, sempre estar cuidando. Eu acho que isso é essencial também.
Porque a saúde física não está boa a mental também vai ser comprometida. Não sei, eu entendo isso.
E) Levando isso para a sala de aula, como você entende esse estar bem no contexto de sala de aula.
Não o estar bem, mas tudo o que você mencionou? Que práticas são possíveis, do ponto de vista
do professor e aluno, para que se alcance essa saúde que você mencionou?
P8) Olha, eu acho que o importante é levar sempre tudo com a máxima tranqüilidade possível.
Porque o semestre normalmente é assim, é muita coisa para se dar, as salas são muito grandes e a
gente não tem tempo, o tem como fazer esse acompanhamento mais direto com o aluno e tal.
Então esse é um grande problema que acaba, às vezes, deixando o professor preocupado desse
ponto de vista: “ah, será que vai dar tempo de passar todo o conteúdo? Será que eles vão aprender?
Será que eles vão assimilar tudo?” Pelo lado do aluno eu acredito que ele se sinta assim pressionado.
“Ah, tanta coisa que eu tenho que ler, é tanto trabalho que eu tenho que entregar, eu tenho que
aprender isso e tal...” Então assim, é estressante para os dois lados, eu vejo dessa maneira. Agora,
manter a calma, levar com tranqüilidade. Ser flexível, tanto no conteúdo e tal, na medida do possível
claro, eu acho que é fundamental. Então não adianta quere dar para eles estudarem a bíblia num
semestre, não é por aí que vai. É respeitar o ritmo do aluno e respeitar o ritmo do próprio professor. E
entender que nesse processo do semestre, acontecem imprevistos. Então é um dia que não tem aula
porque, sei lá, teve um protesto na Anchieta ou acabou a luz do campus, pronto. o tem aula. Aí, a
gente não pode se desesperar e falar: meu Deus, e agora o vai ter tempo de dar o que eu não
dei na aula!” Então assim, sempre ser o mais flexível possível nesse ponto e trabalhar com
planejamento. Isso eu acho fundamental para garantir... Assim, quanto menos pressão, e essa
pressão como eu te disse, prejudica tanto os alunos como a gente, é tentar contornar isso. Acho
que esse é o principal ponto relacionado a saúde na sala de aula. Tentar levar com mais tranqüilidade
possível, com maior planejamento, sendo flexível o quanto der e respeitar o ritmo, tanto dos alunos
como do professor mesmo.
E) E sobre a sua relação com os alunos, como você a descreveria.
P8) Aí... Eu sou uma professora nova. Comecei a dar aula faz três anos. Eu gosto, eu os adoro.
Adoro mesmo. Eu me sinto uma pessoa muito mais velha trabalhando com outra geração, apesar de
não ter tanta diferença de idade. Eu tenho alunos até que são mais velhos do que eu. Mas assim,
eles são ótimos. A relação com eles é boa. Eu falo para eles, no primeiro dia que eu chego na sala de
aula, que eu estou do lado deles. Estou ali para ser uma aliada deles e o estou contra, não estou
para cobrar, é claro, tem o papel de cobrar, de ser o professor e tal, mas eu estou sempre do lado dos
alunos. Então a nossa relação é muito boa. Cobro bastante, exijo bastante, mas tamm tentando
179
assim, respeitar todas as características deles, o ritmo deles. Então tem sala que eu me dou melhor,
tem sala que não, não tanto. Tem sala que eu tenho mais uma abertura para conversar, para bater
um papo, tem outras que eu imponho outra postura, não aquela coisa de ditadura “eu falo e vocês
escutam”, mas uma coisa mais firme. Tento fazer com que eles respeitem ao máximo os horários, os
prazos. Então, no primeiro dia de aula eu sempre dou uma amedrontada. Se a aula começa às 7h30
eu falo: “7h15 estou trancando a porta e ninguém mais entra.” Mas não é assim. Depois a gente vai
pegando o jeito da classe e tal. Mas a relação é boa. É uma relação de amizade. É uma relação
assim como qualquer empresa você tem a relação com o colega de trabalho. Eles o colegas de
trabalho. Eu aprendo muito com eles, todos os dias e bastante.
E) Você teve dificuldade em se relacionar com um aluno específico nesse seu tempo de
experiência? Quer dizer, alguma relação que por algum motivo não deu certo e ficou marcado de uma
forma negativa? Se houve, como foi? Como você lidou com isso?
P8) É, teve um. Tivemos um caso no semestre passado, dois casos aliás, que eu quero comentar.
Um deles foi o seguinte: uma das disciplinas, mas não é com o primeiro ano... Não tem problema?
E) Não tem problema.
P8) A gente tem uma disciplina que é jornalismo on-line e o exercício que eles têm que fazer é, toda
semana, eles têm que fazer uma matéria sobre a região e mandar aqui para a gente publicar no
nosso site, no nosso portal. E aí eles ficam à vontade para definir a pauta, para ir atrás dos
entrevistados e fazer todo o planejamento do texto. E aí uma aluna fez uma matéria e me mandou no
sábado. Eles mandam de casa. Eles mesmos acessam o publicador, é como se fosse um blog a
plataforma que a gente usa, então se acessa o publicador, coloca-se a notícia e um professor fica
para liberar. E a gente pede para quando eles forem publicar no sábado, avisar o professor antes por
e-mail e tal, porque não é sempre que um dos professores fica de plantão esperando texto de aluno
chegar no sábado e no domingo. Mas se avisa a gente se programa e fala: “oh, fulano vai mandar
texto. Você vai conseguir liberar?” E ela não liberou, não fez esse processo e mandou o texto no
sábado. Não tinha nenhum professor de plantão ali naquele sábado e ele o foi para o ar. Quando
chegamos aqui na segunda feira, o texto já tinha vencido porque era uma matéria que ia acontecer no
domingo, então não tinha mais o porquê a gente dar aquela matéria na segunda-feira, ela já estava
velha. E no dia da aula, ela veio questionar porquê que a matéria dela não entrou no ar e ela já
estava assim um pouco exaltada. Ela falou: “era o dia do meu aniversário, eu passei o dia inteiro
fazendo o texto, mandei no sábado e ele o foi no ar?” E eu expliquei para ela justamente o
porquê não foi no ar. Que ela teria que ter avisado, que ia ter um professor de plantão e tal e ela não
entendeu isso. Então ela ficou bem nervosa, bem exaltada. Falou que não ia mais fazer e não fez
mais nada o semestre inteiro. Ficou de DP e falou que nesse sistema ela se recusava e eu falei para
ela que nós somos as nossas escolhas. Tudo bem, a gente escolhe não fazer, mas depois a gente
que arque com as conseqüências. E ela não entendeu também e enfim, ela estava um pouco
irritada e tinha o histórico dela com a instituição também que sempre tinha dado problema e tal.
Então foi isso. Esse foi um caso que me deixou chateada porque foi uma aluna numa sala de 100 que
não entendeu o propósito da disciplina e não entendeu que isso foi uma coisa que acontece. Num
180
jornal seu texto não vai ser publicado sempre. Se tiver ruim, se o seu editor achar que está ruim, não
vai para o jornal ou sei lá, por n motivos seu texto não é publicado. E aqui foi um, eu tentei ainda
argumentar e ela não foi compreensiva. Acho que esse foi um dos casos que me deixou um pouco
chateada. E o outro, foi o caso de um aluno, também do sétimo semestre que não fez nada na
mesma disciplina, não fez nada a disciplina inteira e fez uma prova e conseguiu ir para
complementar. Ele não conseguiu a nota e aí conclusão: ficou de DP. Aí o aluno veio, conversou com
a coordenação, o coordenador falou que a decisão era dos professores. Aí eu conversei com outro
professor que essa disciplina comigo e ele falou: “não vamos passar aluno. Ele não fez nada, não
tirou a nota na atividade complementar. Não tem como. E passá-lo seria abrir um precedente.” E o
aluno enfim, veio, chorou, fez aquele escândalo e tal e eu falei: “fulano, não dá, não sei o que e tal.”
Daí quando eu tinha argumentado com ele, ele foi conversar com outro professor. O professor
argumentou com ele. Foi na coordenação, não resolveu. Aí trouxe a mãe dele aqui. Aí tivemos que ter
uma reunião, eu, o outro professor, o coordenador do curso e a mãe do menino e o menino. Foi uma
coisa com a qual eu fiquei muito chateada, muito mesmo. A mãe também era professora e falou que
entendeu nossa parte, mas ficou uma situação tão constrangedora, que a mãe ali e o que eu ia falar?
Que o filho dela não fez nada? Mostrei as planilhas, falei que não tinha nota e tal. Ele tinha que
passar na disciplina porque ele ia fazer um intercâmbio na Itália então por conta desse DP ia atrasar e
assim, eu me sinto muito mal em prejudicar uma pessoa nesse nível. Eu falei: “puxa vida fulano, você
tinha que ter tido mais responsabilidade. Eram 20 textos para fazer e ele não fez nenhum. Você não
fazer um acontece, uma semana não deu, na outra semana aconteceu outra coisa, não deu. Mas 20
vezes, o semestre todo? Então são coisas assim que eu fiquei chateada. Mas assim, são coisas que
fazem parte do dia-a-dia e eu não vejo como nenhum problema além do que não acontece com
nenhum outro professor. Acho até que acontecem coisas mais graves. Deve acontecer.
E) E o contraponto disso. Alguma experiência, alguma relação que foi muito bem e que tenha te
marcado positivamente?
P8) Eu tenho uma turma nesse semestre de comunicação regional. Então a gente decidiu no
semestre inteiro o que a gente ia fazer. A gente ia ver a parte teórica da disciplina tal, mas como uma
parte prática a gente ia fazer a cobertura das eleições no ABC. Então eles foram fazendo matérias
sobre a política no ABC ao longo do semestre e agora no último domingo, que foi a votação, a gente
deu plantão aqui para fazer a cobertura. Eu assim, sinceramente, ainda mais que era uma classe que
todos os professores falavam: “aí, eles não são muito empenhados e não sei o quê e tal ..., você vai
ter dificuldades.” Quando eu propus mesmo, na própria reunião de planejamento do curso que eu ia
fazer isso, todo mundo falou: “toma cuidado, eles não são tão assim, tão bons assim. Depois eles não
vão se interessar e tal.” Aí eu falei: “vamos tentar, se não der não deu.” Isso foi uma coisa com a qual
eu me surpreendi. Eles participaram, não deixaram de fazer nenhum texto e no domingo estavam em
peso, a classe inteira aqui, para ajudar na cobertura. Mandamos gente para acompanhar os
candidatos votando em todas as cidades. Mandamos gente para acompanhar a apuração e demos
um show na cobertura. Nenhum jornal da região fez o que a gente fez e tal. E isso me deixou muito
satisfeita. Quer dizer, foi com uma classe, não foi com um aluno específico. Porque toda classe
participou, mas assim, eu não esperava. Eu ative aula com eles hoje de manhã e elogiei, dei 10
181
para todo mundo e tal. Fiz questão de dar os parabéns pela motivação. É difícil chegar ao sétimo
semestre e ter um aluno motivado assim. Ainda mais eleições, que não é todo mundo que gosta, que
se interessa por política, não é todo mundo daqui. Isso dificulta bastante pois não conhecem a
realidade daqui e tal. Então isso foi bem gratificante. É uma coisa assim que, nossa, até a reitoria
elogiou o trabalho, a cobertura. Então foi bem, foi uma coisa que me marcou. Mas não com um aluno
específico, aqui foi uma classe mesmo.
E) Voltando a falar um pouco da saúde mental, falamos agora dos alunos e da sua relação com eles,
qual a sua percepção sobre a saúde mental deles?
P8) Que pergunta difícil... Saúde mental? vai muito também do perfil da classe, do primeiro ano e
do sétimo. Eu acho assim, eles são muito ativos, alguns são até além da conta, são muito agitados.
Não que isso seja alguma doença, não, não é isso, mas é a característica deles. Eu acho assim, eles
querem tudo para ontem, tudo para ontem, não tem paciência nenhuma e eu acho que isso acaba
prejudicando eles no sentido de se estressarem um pouco, como a gente diz, uma pessoa muito...,
que quer tudo para ontem, muito imediatistas. Isso acaba gerando muitas frustrações também. Igual o
caso dessa menina que porque a matéria dela o foi pro ar ela ficou frustrada. Não é assim.
Eles são também muito mimados, não sei se é porque acostumaram a ter tudo na mão, o pai e a mãe
sempre dando tudo ali então eles se frustram muito fácil. Isso aí é uma coisa que eu percebo. Eles se
decepcionam muito fácil e talvez até pela idade deles, eles são imaturos também. “Ah, uma coisa
não deu certo, então: “ah, minha vida é um lixo, uma desgraça, nada nunca dá certo”, e não é assim.
Mas eu acho que eles não têm essa capacidade ainda de distinguir isso, até por conta de serem
jovens. Acho que isso talvez, não sei, essa é a minha percepção, não sou nem especialista no
assunto nem nada, mas talvez isso os prejudique no sentido de contribuir para que eles fiquem
chateados, estressados, desmotivados e aí, sei lá, não sei. Depende se é uma pessoa, um aluno que
tenha um quadro um pouco mais depressivo, mais hiperativo, alguma coisa assim, agravar nesse
sentido. Mas eu acho que também por outro lado é o perfil deles, são jovens como eu disse.
E) E, por exemplo, quando você se defronta com um quadro desses como você falou, de um aluno
mais depressivo e tal, qual é o papel do professor aí, quer dizer, como reagir diante dessa situação?
Como você reage? Como os seus colegas reagem?
P8) Olha, eu tenho um aluno no primeiro ano que ele, eu acho, tem aquele déficit de atenção. O
menino é impossível, é impossível mesmo. E não sei também se tem, como eu te disse, não sou
especialista. Eu acho. E aí é um aluno que, na classe ele quer aparecer a todo momento, a todo
momento. Ele quer falar alto, ele chama os colegas sempre por apelidos, entra dançando, entra
fazendo festa e a todo o momento eu tenho que falar: “fulano, menos. Você precisa se concentrar
mais na atividade, você sente muita dificuldade de se concentrar nos exercícios. Então faça isso...”
Então ele é um aluno que eu tenho que ficar de olho o tempo todo. Ele requer mais atenção da minha
parte do que os outros. Então ele é um aluno que a gente identifica que tem um problema. Eu até já
conversei com os outros professores e eles sentem a mesma coisa. Por exemplo, eu dou aula no
laboratório, toda aula eu tenho que passar no computador dele: “fulano, está fazendo?” “Não, não
estou conseguindo. Não consigo começar o texto.” você tem que sentar do lado dele, ver o porquê
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ele não está conseguindo, começar a escrever o texto, ver qual a dificuldade. eu fico ali, aí sai. Ele
quer chamar um pouco de atenção também, né? Mais eu saio, vou ver o que os outros alunos
estão fazendo e ele já se dispersou de novo. “Então fulano, e aí? E o texto? Veio? o veio? Saiu?
Não saiu?” Ele precisa desse acompanhamento mais intenso. Com relação aos depressivos, não sei,
é comum a gente chegar e, às vezes, tem aluno na sala, tem aluno chorando, mas é porque está
com problema com o namorado, não é que o aluno é depressivo e tal, aí às vezes eu chego, passo a
mão no cabelo, pergunto se está tudo bem e tal. “Ah professora, briguei com a minha mãe e não sei o
que e tal.” “Ah, mas isso acontece.” Mas é um bate papo mesmo, não é um professor-aluno.
converso um pouquinho, falo que é natural e tudo. Mas assim, de identificar um aluno depressivo
nunca aconteceu. Uma coisinha, às vezes, eles chegam chateados eles mesmos vêm comentar e
tal, mas eu não consigo perceber se é uma situação pontual ou se é um caso depressivo.
E) Bom, além desses episódios todos que você mencionou, tem algum outro que tenha te
mobilizado emocionalmente? Uma experiência marcante na tua experiência como professora que
tenha te mobilizado muito, positiva ou negativamente? Houve algum além desses que você já
comentou?
P8) Acho que não. Eu fiquei assim, no fim do semestre passado, no último dia de aula, os alunos se
mobilizaram e compraram um buquê de flores para mim e eu fiquei emocionada. Eu não esperava.
Chorei no meio da sala e enfim, foi uma coisa assim que me mobilizou emocionalmente, mas não foi
um aluno específico ou um caso específico, foi uma classe também. Foi o que eu te falei, eu dou aula
a pouco tempo, então não tenho muitas experiências assim.
E) Com os colegas, por exemplo, há algum caso que você tenha ouvido que te marcou?
P8) Com os colegas professores?
E) Sim.
P8) Agora assim eu não lembro. Uma professora outro dia estava comentando comigo que um aluno
dela, o filho morreu e assim, foi muito traumático, ele se desmotivou totalmente do curso e a
professora não tinha nem como chegar para ele e falar: “oh fulano, não, continua o curso e tal”, diante
de uma fatalidade dessas. Foi uma coisa que eu o sei se saberia lidar com isso e tal. E diz que a
classe ficou muito abalada e tal. Mas esse foi um caso que ela me contou, nem sei os detalhes, mas
depois eu até fiquei pensando: “nossa, deve ser mesmo difícil”, porque você tem que tentar motivar o
aluno, para ele aprender, para tentar ser um bom profissional e tal e acontece uma tragédia dessas
no âmbito pessoal, mas que abala qualquer um. De outro caso que aconteceu comigo eu não estou
lembrada, acho que não, porque senão eu acho que lembraria.
E) Você teve que lidar em sala de aula com algum aluno alcoolizado, sob o efeito de drogas ou
com uma alteração de comportamento mais evidente?
P8) Graças à Deus não. Tem esse menino que eu te falei que ele é muito agitado, além da conta,
mas não, nada assim tão extremo. É uma coisa assim que dá para levar na sala, é um aluno bom. Eu
dei aula no semestre passado para ele e agora estou dando de novo. Então, acho que não. Ainda
bem que não. Não sei também como eu saberia. Ah, eu tenho uma coisa, olha aí. Lembrei, mas não
183
era nem minha aluna. Eu ia começar uma aula no laboratório e aí quando começa a aula no
laboratório é aquela loucura. Você tem que tirar todos os alunos do laboratório para os alunos
poderem entrar. Então a monitora tinha mandado a mensagem que o laboratório ia ser usado para
aula e eles já começaram a sair e eu aí eu fui passando de baia em baia falando que eu ia começar a
aula e nisso os alunos estavam entrando e tal e uma menina falou que não ia sair. E essa foi uma
reação que eu ao esperava. Aí eu falei assim: “olha, eu preciso do laboratório e eu vou dar aula agora
e eu preciso que você saia. A classe é lotada, não cabe todo mundo nem da classe, ainda mais se
tiver gente de outras classes.” ela falou assim: “não, porque a senhora é uma folgada, porque se
quisesse mesmo dar aula teria chegado aqui no horário da aula.” Isso era 9h30 e a aula começa 9h20,
e eu cheguei 9h30. “Não, porque se a senhora quisesse dar aula mesmo a senhora ia começar no
horário e eu não vou sair daqui.” eu fiquei sem ação. Eu fiquei assim muito sem graça. Eu não
sabia o que falar para menina. “Não, você precisa sair.” “Não, porque você...” ela começou a
discutir comigo e falou coisas que eu é que estava errada de estar ali pedindo para ela sair. Que eu
não era ninguém, quem eu era para pedir para ela sair e ela não ia sair. Aí eu falei: “se você não sair,
eu vou ter que chamar o segurança.” “Você pode chamar até o reitor se você quiser, daqui eu não
saio. E você não é ninguém. Nem cara de professora você tem.” Eu vi que o negócio estava
começando a chamar a atenção e aí eu falei assim: “aí meu Deus, o que eu faço? Chamo os alunos?”
E aí ela levantou e começou a gritar, os alunos perceberam e foram lá ver se eu estava precisando de
ajuda e não sei o quê. pedi para um deles chamar o segurança, que nisso, quando estavam
chamando o segurança, o coordenador do curso passou na porta eu o chamei e ele pediu para
menina sair. E eu falei assim para menina: de que curso você é?” na hora que eu estava tentando
conversar com ela e tal. “Eu não vou falar nada porque eu sei que você vai me reprovar e tal.” “Mas
eu nem sou professora sua.” “É, mas vocês são todos iguais...” ela começou a falar muito e o
coordenador entrou e ai conseguiu controlar a situação e a menina por fim foi embora e não precisou
chamar o segurança. Isso foi uma coisa que me deixou muito nervosa, muito mesmo. Nossa, depois
eu saí até chorando da sala, depois que eu terminei a aula. Cheguei em casa chorando. Foi uma
coisa que eu não soube lidar. o sei se é porque eu tenho pouca experiência, mas não consegui
mesmo. Aquele dia foi complicado. E eu fiquei com vergonha dos alunos, porque os alunos vendo
o que estava acontecendo e a menina me desrespeitando e o que eu ia fazer? Então, com isso eu
fiquei chateada bastante, bastante chateada mesmo. Não sei porqela agiu dessa maneira. Acho
que ela tinha algum problema. Até hoje eu faço assim: “fulano, para liberar o computador? Vamos
começar a aula e nunca tive problema. Foi só esse caso. Ok.
E) Ok professora, muito obrigado pela sua colaboração.
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Anexo N - Entrevista Nr. 9
ANEXO N
ENTREVISTA Nr. 9
Identificação do Entrevistado:
Curso: Sistemas de Informação
Área de formação e titulação: Engenharia Elétrica / Doutorado em Tecnologia Nuclear
Tempo de magistério no ensino superior: 14 anos
Disciplina(s) que ministra: Eletricidade, Circuitos Elétricos, Lógicas Digitais, Circuitos e Sistemas
Digitais, Arquitetura de Computadores e Processamento de Sinais
Entrevista:
E) Bom professor, eu queria começar pedindo para o senhor falar, de modo mais amplo possível,
sobre a sua experiência em sala de aula como professor do primeiro ano do curso de Sistemas de
Informação.
P9) Minha experiência em sala de aula?
E) Sim. Como é ser professor do primeiro ano de um curso de Sistemas de Informação?
P9) Eu acho que o é diferente de nenhum, é igual aos outros. Não tem diferença nenhuma. Do
ponto de vista sala de aula, o. A matéria que eu ministro nesse curso, eu ministro também em
outros cursos em séries mais avançadas. Então desse ponto de vista eu não vejo diferença. Não tem
nenhuma diferença. Mas as turmas variam de uma para a outra. Geralmente o aluno de primeiro ano
é um aluno mais inexperiente, está chegando agora. Muitos vícios ainda do colégio, do ensino médio.
São alunos bem imaturos. Não quer dizer que os últimos anos são maduros também não. Tem muito
cara lá que parece jardim da infância, lá no último semestre.
E) Então essa característica não é exclusividade do primeiro ano?
P9) Não é exclusividade do primeiro ano. Mas geralmente é um grupo mais jovem que ainda vem
com muitos vícios do ensino médio. A principal característica deles é essa.
E)E isso ajuda ou atrapalha? Torna as coisas mais fáceis ou mais difíceis? Como o senhor entende
esses vícios? Como é que isso chega para o professor na universidade?
P9)Eu acho que o aluno chega muito despreparado. Então, do ponto de vista da preparação
acadêmica, tem alunos que chegam zerados, semi-analfabetos. Isso graças à progressão continuada
que foi estabelecida no governo FHC. Então essa progressão continuada faz com que o aluno ache
que a faculdade é que nem quando ele estava na escola pública. Está e passa. Ele vai sendo
185
empurrado, empurrado, empurrado e um dia ele sai da faculdade, igual ele saiu do ensino
fundamental e médio. E o aluno se depara com a diferença de perfil. Fazer ele entender isso é
complicado. Fazê-lo mudar essa postura, que agora ele tem que estudar, que agora ele tem que se
dedicar, é difícil. Isso é uma característica que eu vejo, principalmente, no aluno do primeiro ano.
Depois, conforme os semestres vão passando, eu acho que isso, essa idéia, vai mudando um pouco.
Mas o primeiro ano é bem assim mesmo, ele acha que ele está na escola pública ainda, que ele
pode fazer o que ele quer, pode brincar, pode entrar e sair da sala a hora que ele quer.
E) E o professor diante dessa situação? Como ele lida com isso? Como ele recebe esse
comportamento do aluno?
P9) É complicado... É bastante complicado porque isso atrapalha o rendimento da sala. Essa turma
em particular que eu estou, que é de segundo semestre, é uma turma com 85 alunos. É uma turma
difícil. Você o consegue trabalhar. se consegue trabalhar depois que você faz a chamada e
metade vai embora, aí você consegue trabalhar com os que sobram. Isso não é uma característica só
do primeiro ano não. Essa turma tem um problema, é grande demais. Particularmente, eu acho que é
uma turma muito grande. Oitenta e cinco alunos é muita gente, mas eu tenho notado isso como uma
característica geral de todos os alunos da faculdade. Eu digo que eles pagam caro para ir ao cinema
e não querem assistir ao filme. Eles pagam uma nota bem cara e não querem assistir ao filme que
eles estão pagando. É a mesma coisa aqui. Eles pagam caro pela escola e não querem estudar, não
querem assistir à aula, não querem participar da aula, vêm para brincar, coisas bizarras que
acontecem. Por exemplo, no dia da minha prova tinha um jogo de futebol que eles tinham agendado.
É a turma do segundo semestre desse ano. Eles tinham agendado um jogo de futebol contra uma
outra sala no dia da minha prova. Teve cara que entrou, assinou a lista, ficou 15 minutos e foi embora.
Quer dizer, o cara é tão burro que ele podia não ter entrado e deixado para fazer a prova substitutiva.
Ele entra, assina a lista, põe o nome na folha, escreve umas abobrinhas e vai embora jogar futebol. O
cara paga 800 paus por mês, sei quanto é, deve estar em torno disso, 700 a 800 Reais por mês,
para vim jogar bola. Era mais barato ele ter contratado uma quadra. Saia mais barato do que ele
pagar 800 paus para vir aqui jogar bola, entendeu? E é um absurdo isso. Tem aluno que chega
embriagado em sala de aula. Eu vou falar o que cara? O cara chega bêbado em sala de aula. Você
vai falar o que para ele? Vou falar: “meu filho, você não pode beber...” Isso quem tem que fazer é o
pai dele. Não é minha função falar: “garoto, você vai beber? o pode beber.” É o pai que tem que
olhar essas coisas. Eu acho que também vem um pouco da família. Tem uns caras que são largados
no mundo. O pai acha que é pagar a faculdade ou pagar a escola e está bom. Para ele não ficar
em casa. E o cara está aí, pelos botecos e pelos pastéis da vida.
E) É comum o aluno chegar alterado, seja por efeito do álcool ou alguma outra substância, professor?
O senhor observa muito isso em sala de aula?
P9) É comum. É comum. É que eu não sei separar muito a questão da droga, enfim, a gente é leigo
na área. Mas aluno drogado ou bêbado é comum. Não é tão difícil não. Eu tive também aluno que
chegou bêbado para fazer prova. O cara chega você fala: “oh meu, vai para casa. Você não tem
condições nem de estar aqui. Vai para casa.”
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E)E aí, qual foi a sua postura? Como o senhor lidou com a situação?
P9) Eu o puxei de canto e disse: “oh, meu, você está sendo impertinente.” Eu dei uma de segurança
de boteco: você está sendo impertinente. Queira se retirar.” E o cara: “ah, blablablabla.” Mas saiu e
foi embora. Saiu trançando as pernas e foi embora. Na realidade, eram dois alunos, um saiu
segurando o outro. Quer dizer, um saiu escorando o outro. Os dois travados. O cara chega para fazer
prova travado. São posturas que eu não entendo. O aluno não esaqui. Eu não sei qual é a idéia.
Se o cara acha que: “ah, eu vou comprar um diploma em suaves prestações.” Entendeu? Que não
são tão suaves assim. E o cara vem para jogar bola, o cara vem para bagunçar, o cara vem para ir
fazer a social no boteco e depois que ele vem para sala de aula. Eu não sei o que esse aluno espera.
E) E o professor? Que sentimento desperta no professor toda essa situação? O senhor sabe que ele
vai sair dali e vai para um jogo de futebol, certo? Como é que se sente o professor neste momento?
P9) É complicado. É uma sensação difícil. Tempos atrás eu ficava muito mais frustrado, já me
estressei. Hoje eu não me estresso mais não. Eu penso assim: o cara é maior de idade, não é mais
criança. Eu acho que quando é criança, você tem que ir lá, orientar e tal. O cara é maior de idade
então não é mais criança. Do ponto de vista legal, teoricamente, ele deveria ser dono dos seus atos.
O cara paga e não quer assistir? Eu fico com pena desse cara, eu fico com pena. Eu acho que ele
está jogando dinheiro no lixo. Eu sou um cara muito econômico, eu sou muito ponderado, muito
seguro nos meus gastos. O pessoal diz que, traduzindo para o português claro, que eu sou pão duro.
Mas eu sou um cara que não gosta de jogar dinheiro fora. Eu acho que trabalho ganhar e jogar
fora não é bom. E eu vejo que esses caras estão jogando dinheiro fora. Quer dizer, o cara vem para
cá, ele paga e não assiste aula. Eu, como aluno pagante, exigiria o máximo do meu professor. Eu
cobraria o cara de tudo. Eles não cobram. Se você fala: “olha pessoal, hoje não tem aula.” “Legal,
melhor.” Se eu falar: “hoje tem aula e nós vamos até 11 da noite.” “Ah, esse cara é muito chato.” “Oh,
pessoal, hoje o tem aula. Podem ir para casa.” Ah, que legal. Esse é um bom professor.” Então
para eles o bom professor é o cara que não matéria, é o cara que não cobra na prova, é o cara
que não aula. A sensação que eu tenho é que eles estão comprando um diploma e o professor
que é exigente está atrapalhando o processo de compra do diploma. Não é que a escola esteja
vendendo o diploma, não quero dizer isso. A Metodista não vende diploma. Mas o aluno acha que ele
está comprando o diploma e o professor esatrapalhando o processo. Então aquele professor que
cobra, o professor que fica em cima, esatrapalhando. Um exemplo é essa turma que eu estou.
Tamm tive problema com essa turma, mas como eles são iniciantes, estou relevando um pouco.
Mas o pessoal que já está em grupos mais avançados, semestres mais avançados, a gente passa um
trabalho para o cara: olha, eu quero que você faça uma pesquisa assim, assim.” Você fala: “as
regras são essas, tal, tal. Quem fizer cópia de Internet é zero. Isso é regra da escola. A escola não
aceita cópia de trabalho. E se o trabalho for cópia, vai ser zerado.” a gente pega os trabalhos para
ler e não precisa procurar muito. Você entra no Google digita três ou quatro palavras e acha o
trabalho pronto. O cara pega da primeira a ultima linha e faz um copy e paste e entrega. E você
zero para o cara e ele ainda fica bravo. “Ah, por que vai dar zero? O senhor quer me reprovar, o
senhor quer me reprovar.” Como se eu fosse culpado de ele estar fazendo uma coisa ilegal. Porque
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hoje a gente sabe que cópia é crime. Você pegar um trabalho, fazer um copy e paste é plágio. Isso é
crime. E o cara ainda fica bravo, achando que eu sou o chato na história. Eu que estou atrapalhando-
o porque eu vou dar zero e ele vai ficar de exame. Vai ficar ade DP. Quer dizer, eu que estou
trabalhando certinho, estou tentando ser o correto, sou o errado.
E) Que sentimento isso desperta no senhor, professor? Esse aluno vir reclamar que o senhor está
querendo reprová-lo e tal?
P9) Indignação. Você fica indignado. Dependendo do caso, você fica até bravo. Ontem o aluno veio
bater boca comigo. Eu falei: “não tem, não tem que bater boca.” Eu falei: “meu amigo, você está
errado e acabou. Não tem mais conversa.” Entendeu? Eu tive que ser grosso também. Isso
aconteceu ontem, tive que ser grosso. Falei: “Acabou, não tem papo. É zero e pronto.” E o cara saiu
xingando. É estressante. É uma situação estressante. Eu diria que, em algumas situações, é uma
situação de conflito. Você estar na sala de aula com certos alunos é uma situação de conflito. É um
campo de batalha. Você se sente num campo de batalha. Tem turmas que são muito boas. Tem
turma que é tranqüila. Mas em certas turmas são três ou quatro espíritos de porco que transformam a
sala num campo de batalha. E aí você tem que ir armado. Você tem que ir com a faca na mão. Senão
você é engolido.
E)Qual foi a pior situação que o senhor vivenciou, nisso que o senhor chama de campo de batalha?
P9) Eu tive que peitar aluno. Eu tive que peitar aluno a ponto de quase catar o cara pelo pescoço
mesmo. Foi quase uma briga mesmo. Você preparado para o cara te dar um murro e você ter que
defender. Situações desse tipo. Ultimamente, graças a Deus, eu não tenho tido problemas assim,
mas anos atrás, eu tive situações dessas. Eu tive que peitar o cara e estar preparado para, se fosse o
caso, sair no braço. Porque tem aluno que vem para cima como se ele estivesse na rua, querendo
briga mesmo.
E) Que tipo de instrumentos ou ferramentas o professor tem para lidar com esse tipo de situação?
Porque a princípio imagina-se que o professor vai lidar mais com a questão intelectual, com a
informação, com a troca de conhecimento e, de repente, o professor está ali envolvido num conflito
em sala de aula. Como é isso professor?
P9)É complicado.
E) Que recursos psicológicos o professor tem para lidar com isso?
P9) Tem hora que você tem que dar uma de: “eu sou o rei, eu mando aqui e você cala a boca.” Às
vezes, você tem que partir para uma situação dessas. Tem que mostrar autoridade, como se fosse
um policial. “Olha, esaqui o meu distintivo. Aqui eu sou eu e acabou.” É uma situação difícil. Tem
situações de vários tipos. Tem situação que para você negociar, tem situação que para você
apaziguar os ânimos, mas tem situação que você tem mesmo que sair no peito. Você tem que gritar
mais alto e mandar o cara calar a boca. Então depende da situação. Eu já enfrentei todos os tipos. Eu
enfrentei situação onde você tem que ir lá, conversar, bater um papo, pôr panos quentes. Então
você consegue iniciar com a turma. E houve situação que eu tive que peitar os caras mesmo e gritar
mais alto, senão eu seria engolido. Então é essa a situação do conflito.
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E) Ser engolido? Como o senhor entende isso? O que é exatamente isso? Como é esse ser
engolido?
P9) Ser engolido é algo do tipo: ou você bate ou você corre, entendeu? Tem situação que ou você
grita ou os caras vem para cima e te ganham na força bruta. Isso é ser engolido. Te cercam ali e você
fica acuado. E aí você tem que fazer que nem gato. Gato quando fica acuado sai e parte para cima.
E) O senhor já se sentiu ameaçado fisicamente?
P9)Sim.
E) Com medo de tomar um safanão?
P9) Ao ponto de aluno levantar a mão para me ameaçar dar um soco. E eu preparado para defender
o soco dele. Por sorte, um colega segurou o cara e o levou para fora. Mas chega-se a esse ponto.
Então hoje, um professor dentro da sala de aula, vive isso. Ele tem que estar preparado até para sair
no braço, se for o caso.
E) E como o senhor se sente depois desse tipo de situação?
P9)É chato. É estressante. Você fica estressado. Extremamente estressado. É uma briga, uma
discussão. É a mesma coisa que você brigar com uma pessoa qualquer. Mesmo você tendo razão,
você sai desgastado. Você pensa: “amanhã eu o estou a fim de voltar para aquela sala.” houve
caso de professor aqui que ameaçou: “eu não volto para aquela sala.” De tão estressante que é a
situação. o coordenador foi e pediu calma. O cara falou assim: “se você me der essa turma,
semestre que vem eu peço demissão.” tivemos caso de professor que falou isso. Eu, na época,
era coordenador, eu fui coordenador de curso, e na época o professor falou assim: “no próximo
semestre, se você me der essa turma, eu peço demissão. Eu prefiro pedir demissão a pegar essa
turma de novo.” Então, quer dizer, a situação de conflito chega a este ponto. Mas não quer dizer que
todas as turmas sejam assim. Essa turma do segundo semestre mesmo é uma turma difícil. Tem
alguns espíritos de porco dentro, mas, a partir do instante que os caras o embora a aula flui
normal, flui bem. Então, quando essa turma se retira para se trabalhar tranquilamente, numa boa.
Às vezes, eu acho que são algumas maçãs podres que estão ali e que acabam contaminando o resto
da cesta.
E) Essa situação de quase agressão física que o senhor descreveu foi a pior que o senhor viveu?
Foi a mais emblemática?
P9) Essa foi a mais emblemática. Graças a Deus faz tempo que não tem acontecido isso.
E) Vamos pensar no contraponto. Alguma situação positiva em sala de aula. Vamos pensar tamm
que possam existir situações boas. Como seria isso? O senhor teria um exemplo de um
relacionamento positivo com um aluno ou uma turma em particular?
P9) Tem, tem situações boas como eu te falei. Tem turmas que são excelentes. Você entra na sala
de aula, você trabalha bem, você tem um relacionamento 100 por cento. Isso é normal. Não, sei se a
sua pesquisa é ligada a Metodista, eu dou aula em outras universidades também e eu tenho
trabalhado com uma turma na outra universidade, que é uma turma brincalhona. Os caras são
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tagarelas para caramba. Mas nossa, é tranqüilo. Você chega na sala de aula, você entra no esquema
com os caras e no fim a matéria anda. Por quê? O pessoal é brincalhão, é mais extrovertido, mas não
tem aquele espírito de porco agressivo. É um pessoal que faz brincadeiras sadias. É uma aula
animada. Você fala: “oh pessoal, agora aqui, aqui...” O pessoal pára e começa a trabalhar. Então eles
sabem o momento que tem que parar e trabalhar. Entendeu? É diferente. É um ambiente tranqüilo.
E) E que sentimentos dar aula para essa turma despertam no senhor?
P9) É gratificante. É gratificante. Quando você sai de uma aula bem dada, cara, é show. É muito bom.
Isso é comum. Eu já tive várias experiências dessas. Você sai, você vai lá, entra na sala de aula,
você desenvolve a matéria, você que o pessoal participou, que houve um crescimento, é bacana.
Você vai para casa dizendo: “oh, dever cumprido.” Isso acontece mais vezes, graças a Deus, do que
os conflitos.
E) E se fosse o contrário?
P9) Se fosse o contrário tinha mudado de ramo. Mas sobre os conflitos, eu diria que, anualmente,
a cada 100 aulas que você dá, por exemplo, uns 10 por cento são de conflitos. De 10 a 15 por cento
de conflito. A maioria tem sido de aulas boas. Eu diria que excelente, aquelas maravilhosas, uns 30
por cento. Outros 30 ou 40 por cento na média, uns 10 por cento meia boca e uns 10 por cento de
conflito. Está nessa média.
E) Professor, agora focando um pouco no tema principal da pesquisa, o que o senhor entende por
saúde e promoção de saúde?
P9)Saúde? Saúde é você estar bem. Saúde é muito complexo. Você pode ter saúde mental, saúde
física. Saúde para mim é você estar bem tanto na cabeça quanto no corpo. Isso é saúde. Sei lá, o
que posso dizer de saúde? Do ponto de vista do corpo, é você não estar sentindo dor nenhuma. É
você não ter nenhum desânimo, cansaço, essas coisas. Isso para mim é saúde. É levantar de manhã,
respirar fundo e falar: “que bom. Que dia bom hoje. Que dia feliz, acordei.” Isso é saúde.
E) Agora pensando em um contexto de sala de aula. O senhor acredita que seja possível falar, não
em termos pedagógicos, de saúde em sala de aula? Criar condições para que o aluno se sinta da
forma que o senhor descreveu em sala de aula? É possível construir um ambiente saudável? É
possível ter esse mesmo sentimento tamm em sala de aula?
P9) Eu acho que dá. Eu acho que começa pela própria escola, pela postura da escola. Quando a
escola deixa bem claro para os seus alunos que ali é um ambiente de estudo e que ele está lá porque
precisa cumprir tarefas. Ele tem que seguir regras. Eu sou um cara que gosta muito de regras. Eu
acho que as coisas deixadas ao acaso tendem a ir de mal a pior. Então se você não estabelece
regras claras você gera o caos. Então, eu acho que primeiro a escola tem que oferecer regras claras
de como ela funciona. O aluno tem que saber direitinho o que ele deve e o que ele não deve fazer. O
professor deve saber direitinho o que ele deve e o que não deve fazer. Então essa é a primeira coisa
que eu vejo para você estabelecer uma saúde. É que nem na gente mesmo, como é que você vai
estabelecer saúde se você não tem horário para dormir, se você não tem horário para comer, se você
come o que você quer, se você bebe o que você quer, se você faz o que você quer. Você não vai ter
190
saúde. A partir do momento que você estabelece regras de higiene, de comportamento, de
alimentação, de convívio, você consegue ter saúde. Eu acho que na escola é a mesma coisa. Se
você não estabelecer regras bem claras você nunca vai conseguir criar um ambiente saudável. Já
pensou, a gente esaqui conversando, chega o aluno ou alguém aqui e acha que ele pode vir
aqui e, sei lá, sair dançando, sair bagunçando aqui no meio da sala. Sabe, isso é uma regra de
convívio. Você tem que saber que: “não, tem pessoas aqui trabalhando, eu tenho que me comportar.
Eu tenho que chegar e ficar quieto ou eu não posso entrar.” Entendeu? São regras que eu acho que
não são nem da escola, isso vem de casa. Isso é um problema que já vem de casa. Quer dizer, isso é
aquilo que eu falei do filho largado. O pai acha que botar dinheiro no bolso do filho, comprar presente
e mandar ele para escola, é ser um bom pai. E vai criando de qualquer jeito. E esse moleque não
tem limites, não tem regras, faz o que quer, acha que todo mundo tem que atender o que ele quer.
Isso eu vejo que é pior até nas classes mais ricas. O aluno acha que em casa ele pode xingar a
empregada e ele pode vir na escola e xingar o professor. Entendeu? Então é complicado. um
parêntese. Minha esposa tem formação de bibliotecária e uns tempos atrás ela falava: “vou fazer
pedagogia, com especialização em educação infantil e tal.” Porque ela achou que trabalhar com
criança ia ser mais fácil do que trabalhar com adulto. Ela descobriu que o problema não eram as
crianças, mas os pais das crianças. Entendeu? Por quê? Se o moleque vem e chuta a sua canela e
você diz para ele que não pode e que aquilo eserrado ele vai e fala para o pai que você deu uma
bronca nele e o pai vem reclamar de você na escola. Quer dizer, em vez do pai agradecer que você
está ensinando o moleque que aquilo é errado, ele ainda vem brigar com o professor. Então o
problema não é nem o aluno, a criança, é o pai. O erro começa em casa. Isso são vícios que vão
sendo trazidos para escola. Se a escola não deixar bem claro que as regras da instituição, o que ele
vai querer fazer? Ele vai achar que do mesmo jeito que ele pode xingar a empregada ele pode xingar
o professor. E você não consegue construir saúde em lugar nenhum. Você vai criar esse ambiente
que eu falei, que o aluno vem achando que pode levantar a mão e brigar com o professor ou xingar o
professor. E se você uma nota baixa por que o cara ficou o final de semana inteiro
vagabundeando ao invés de ter estudado, veio para aula sem saber de nada e você uma nota
baixa para o cara, o cara ainda acha que você está perseguindo-o. Que você é o culpado. Então não
para construir saúde se você não tem bem clara essas regras. Porque você veio aqui e aqui você
não vai comprar o seu diploma. Você veio aqui porque para aprender, você veio buscar conhecimento,
aprender técnicas, aprender ferramentas que vão ser úteis para sua vida profissional. Se isso não
ficar bem claro para o aluno, se ele acha que esvindo aqui, que pode fazer o que quiser e mesmo
assim vai ganhar o diploma, você não constrói saúde. Você vai gerar esses conflitos todos que eu te
falei. Eu acredito que as regras, a definição de regras claras é uma das bases. E que essas regras
sejam cumpridas, sejam respeitadas. Quer dizer, que o professor saiba que ele tem o respaldo da
direção da escola para que, quando ele tiver que colocar um aluno para fora da sala, a escola
entenda. E o que acontece, é que tem muito professor que não põe o aluno para fora da sala porque
fala: “depois o aluno vai lá reclamar e aí eu vou ser demitido.” “Ah, o aluno vai inventar uma historinha
para o diretor e eu vou ser demitido.” Ou: “ah, eu não vou reprovar muito porque se eu reprovar mais
de 30 por cento, a turma de cima vai dar bronca em mim.” Entendeu? Então esse tipo de postura
191
eu acho que complica. Têm muitas escolas de ponta que são concorrentes nossos até, que o aluno
sabe que vai entrar e vai se ferrar. Quer dizer, entrar é fácil. Sair é difícil. Mas por quê? Porque a
escola construiu uma postura que diz: “o cara que sai daqui, da minha faculdade, é um engenheiro
formado.” Eu sou engenheiro de formação. Então: “o cara que sair daqui é engenheiro.” Então ele
não está preocupado com aqueles alunos que entram e vão repetir. Não, o cara vai sair e tem que
sair bom. Aí você fala: “ah, uma escola dessas está se matando.” Por quê? Porque ela está
reprovando muito, reprova 50 por cento. que se você for olhar o índice de vestibular lá, muito
mais do que nós aqui. Por quê? Porque o aluno sabe que: “eu vou fazer aquela escola porque aquela
escola tem nome.” “Ah, eu sei que para eu sair vai ser difícil, eu vou ter que ralar muito.” Mas o aluno
que vai para essa escola ele vai com essa idéia e ele sabe que se ele não fizer isso ele vai ser
reprovado. Agora, você pega uma escola que o tem essas regras, que o aluno sabe: “ah, se o
professor me reprovar, reprovar muita gente, você vai lá e reclama dele e ele vai se ferrar.”
Entendeu? Então o que um professor desses vai fazer? o vai reprovar. Vai passar. Ele não vai
querer dor de cabeça.
E)E o que isso pode causar para esse professor no decorrer do tempo? Trabalhar nessas condições...
P9) Isso é constante. É extremamente frustrante um professor trabalhar numa situação dessas. Eu
acho que ninguém gostaria. Eu acho que isso pode gerar um monte de coisas. Um estresse contínuo
que pode levar a uma hipertensão, um colesterol ou coisa do tipo. Causar um infarto talvez. Pode
gerar uma apatia. Quer dizer, o cara fala: “ah, eu vou lá, vou ganhar meu dinheiro. Pronto! Vou
para ganhar o meu dinheiro e tudo bem.” Entendeu? Ah, tudo bem, se o cara aprender bem, se não
aprender bem também. Estou indo para ganhar o meu dinheiro.” o cara virou um mercenário. Ou
aquele cara que jogou tudo para cima e falou: “eu vou embora que não é aqui a minha praia.”
Entendeu? Aí o cara desiste. Então são várias situações, do cara desistir, do cara jogar tudo, sei lá, o
apático ou aquele cara que vai se estressar porque ele não está conseguindo cumprir o seu trabalho
e vai assimilar aquela frustração. Na realidade, a frustração que ele vai assimilar é a frustração do
aluno. O aluno não passa porque o quer passar. Ele não quer aprender. O aluno é vagabundo e
ele vai ficar estressado porque ele não está conseguindo fazer aquele aluno aprender. Eu já me senti
assim também. Como se você tentasse arrastar uma pedra de 500 quilos sozinho. Ela não vai se
mexer. Então, se o aluno não quiser andar, você vai quere arrastar? E você se sente frustrado
porque você não conseguiu fazer aquele aluno andar. Isso gera uma frustração, isso gera colesterol,
isso gera estresse, gera hipertensão, gera um monte de coisas.
E) Pegando o exemplo da pedra, o senhor acha que passa também pela responsabilidade do
professor tentar construir outro tipo de relação com esse aluno? Por exemplo, retomando a questão
da saúde. Os alunos que chegam com certa característica. Aquela característica da família, dos pais
etc. que ele acaba trazendo para escola. Essas características passam por uma questão de saúde.
Caberia ao professor tentar reconstruir outro tipo de relação, uma relação mais saudável, uma relação
que tenha outro sentido para aquele aluno?
P9) Eu penso o seguinte. Dizem que quando um não quer dois não brigam. Eu acho o seguinte. Tem
aluno que chega aqui que tem problema, que tem dificuldades e tal, mas é um cara que está aberto.
192
Ele está querendo. Você que o cara está pedindo ajuda. Numa situação dessas para você
gerar um diálogo. Você vê que o aluno tem problemas, tem carências de conhecimento ou mesmo até
afetivas, mas é um cara que vem e até encosta em você e você acaba sendo um tutor para o cara,
certo? Essa é uma situação em que para construir uma boa relação. Tem aluno que não sabe
nada e é arrogante. Esse tipo de aluno não para você construir uma relação. Por quê? O cara não
quer. Entendeu? Ele te sempre como inimigo. Não sei se é porque ele não gosta do pai dele e ele
você como sendo um cara que está cobrando-o igual o pai dele o cobra. Então ele tem raiva de
você. Professor nenhum presta. Então com esse tipo de cara não para ter relação. O cara es
fechado. Eu sinceramente, não dou tipo que fica adulando não. Se a pessoa esa fim de que eu
tenha um contato com ela, eu me abro. Mas se o cara é fechado, o cara não esafim, o cara não
gosta de mim, eu também não vou ficar atrás dele não. Eu não fico lambendo não. Então, aqueles
alunos que vêm, que são receptivos, beleza. A gente trabalha numa boa. Quantas vezes eu atendi
aluno fora de horário sem cobrar nada. Você faz pelo prazer. “Ah, vem mais cedo. Vem seis
horas da tarde que a gente está aí, tira dúvida na boa.” Entra na sala de aula que está vazia, e vai
e resolve exercícios e tal. Porque você vê aquele aluno que tem dificuldade, mas está aberto. Ele está
afim. Ele quer construir uma relação. E agora tem aquele outro que não, que acha que você é o cara
que está atrapalhando ele, você é um chato. Então com esses alunos é difícil você construir uma
relação. É que nem amizade. Você chega, sei lá... Aquela menininha bonitinha, você chega nela e tal,
e a menina te um sai para lá. Não vai dar namoro. Agora se você chega nela e tal ou a menina
chega e tal e... Pode dar casamento. Eu acho que a relação aluno-professor é bem isso. É um
namoro também. Tem uns que você chega e já toma uma invertida que você fala: “com esse cara não
dá. Não para conversar.” Tem outros alunos que não. Graças a Deus, na maioria os casos, eu
tenho encontrado alunos do primeiro exemplo que são do tipo receptivo. Tem alunos que a gente se
torna amigo. Você encontra o cara depois de cinco anos fora e: professor e tal, não sei o que
lá...” Você criou uma relação de amizade com o cara. Agora tem uns que passam por você e mudam
até de calçada. Graças a Deus, ultimamente, eu não precisei mudar de calçada nenhuma vez. Mas
essa questão de construir a saúde depende também da reciprocidade. Eu, particularmente, sou uma
pessoa assim. Eu não fico adulando. Se a pessoa quer ter um bom relacionamento, eu sou um cara
de bom relacionamento. Mas se não está afim, tudo bem, não está afim. Eu não vou ficar atrás,
perguntando por que ele não está afim. Essa já é uma característica minha como pessoa.
E) Bom, ainda falando de saúde, como o senhor percebe a saúde mental dos alunos?
P9) O que você chama de saúde mental?
E) O senhor já falou alguma coisa a respeito quando falou sobre saúde. Vamos retomar a sua própria
definição. Entre outras coisas, seria o acordar de manhã e ter aquela disposição, como o senhor
mencionou. É ter um sentido naquilo tudo. É estar preparado psicologicamente para lidar com as
questões que surgirem durante o dia e tudo mais. Dessa forma, como os seus alunos lidam com esse
contexto todo de universidade, de sala de aula?
P9) Eu diria o seguinte. Eu não sei se é uma característica geral das condições modernas, mas eu
acho que hoje, de modo geral, os jovens vivem o agora. Eles estão vivendo o agora. Se ele tiver que
193
tomar uma decisão entre uma coisa séria e uma brincadeira, a diversão, ele vai preferir a diversão à
coisa séria. É quase do tipo: “eu quero viver toda a minha vida agora porque eu não sei se amanhã
eu vou estar vivo.” É como se o cara soubesse que vai morrer amanhã, então ele quer viver hoje tudo
o que ele ainda não viveu. Porque amanhã ele não sabe se estará vivo. Eu vejo que a a garotado
hoje vive muito isso. “Eu quero viver o agora porque eu não sei se amanhã eu vou estar vivo.” Então
entre a: ah, vai ter a balado hoje e vai ter uma prova amanhã.” “O quê você prefere?” Eu vou para
balada hoje. Que pode ser que amanhã eu não acorde, então seu eu não acordar amanhã, e eu não
fui à balada hoje também, eu perdi a balada e vou perder a prova. Porque eu vou morrer mesmo,
então eu não vou fazer a prova. Então deixa eu garantir a balada de hoje.” Eu observo muito isso.
Eles vivem o momento, eles vivem o agora. E vivem o agora, mas o agora que dá prazer. Então eles
vivem o prazer do momento. Eu acho que do ponto de vista da saúde, se você chama isso de saúde
mental, eu não sei, é o que eu sinto da garotada que está chegando. Eu não sei se é porque muitos
deles trabalham. Tem muito aluno nosso que trabalha. Rala o dia inteiro porque tem que pagar a
faculdade e, quando chega aqui, foi tão explorado durante o dia que o cara está querendo mais é
curtir. Porque ele o está querendo mais ter mais quatro horas de estresse. Ele já teve 12 horas.
Desde a hora que saiu de casa, pegou trânsito, enfrentou ônibus, chegou no trabalho, chefe chato,
não sei o que lá, aí pegou mais ônibus e veio para cá. Aí o cara senta na carteira e vai enfrentar mais
três horas e meia, quatro horas de encheção de saco. Talvez seja essa a situação que muitos alunos
nossos vivem. Eu acho que não dá para ter saúde um cara que vive assim. O cara está 100 por cento
do tempo estressado. Então, entre ele ficar naquela aula chata, ele vai para o boteco que lá ele vai se
divertir, tentar se descarregar um pouco do estresse do dia. Então tem muito aluno que vem para
assim, nessa situação. Talvez essa questão dos alunos que chegam na sala de aula até bêbados,
talvez seja por isso. O cara está tão de saco cheio que ele diz: “eu prefiro ir tomar umas a ir lá para
sala de aula.” Ou: “eu prefiro ficar zoando, batendo papo, botando a conversa em dia até para relaxar
do dia estressante.” Entendeu? A gente encontra isso principalmente nos cursos noturnos. Do ponto
de vista de saúde mental, eu acho que pela condição de estresse do dia-a-dia, significa que não só
os nossos alunos, mas nós todos estamos doentes. Muitos alunos acham: “ah, o cara vem para cá,
vem para sala de aula...” Mas ele não viu que durante o dia você passou por um monte de coisas. Eu
mesmo. O meu ritmo de trabalho é das 8 da manhã às 11 da noite, todos os dias. De segunda à sexta,
e sábado até as 5 da tarde. Eu dou aula em outra escola. Então a gente também entra em sala de
aula depois de um dia estressante. Então, você está fazendo o seu terceiro turno também. É
complicado. Mentalmente eu não sei como é uma situação dessas.
E) Mas ainda sim, com toda essa carga de trabalho, como o senhor enxerga essa atividade como
professor? Ainda é uma atividade prazerosa ou gratificante? Como é que o senhor enxerga isso hoje?
P9) é que está. É uma questão de escolha. Eu trabalhei durante 12 anos na indústria. Numa
indústria de telecomunicações aqui da região mesmo. Em 98 eu dava aula na Metodista. Comecei
em 94. Mas aula aqui para mim era bico. O meu trabalho principal era na empresa onde eu trabalhei.
As aulas começaram à noite, como um bico, uma diversão mesmo. Depois as aulas começaram a
aumentar e na empresa onde eu trabalhava, que foi vendida para um grupo estrangeiro, eu deixei de
ser engenheiro de laboratório e passei a ser engenheiro de papel. Ficava administrando planilhas de
194
custo ou de qualidade, essas coisas que não precisa ser engenheiro para fazer. Isso é papel de
administrador. eu fiquei de saco cheio e falei: “não, vou fazer aquilo no qual eu realmente me sinto
bem.” Que era a academia. Realmente eu sempre gostei de dar aula na academia. Então em 98, por
decisão minha, eu pedi demissão da empresa. Me chamaram de louco na época. E eu fiquei
com as aulas. Como dizem os alunos, hoje eu só dou aula. Não trabalho. depois disso eu fui fazer
doutorado e tal. Mas tudo por opção. Então se você fala em questão de prazer, sim, eu me sinto bem
dando aula. Para mim, é prazeroso dar aula. Senão eu teria continuado lá, atrás de uma mesa de
escritório, mexendo com papel. Então, desse ponto de vista, é prazeroso. situações bastante
interessantes. Por exemplo, quando entro em sala de aula e começo a dar aula, eu esqueço do
mundo. Eu estou lá e quando vejo, já deu a hora de ir embora. Mas como eu falei, quando as aulas
são interessantes. Você nem a hora passar. Teve uma vez um caso, já faz bastante tempo,
cheguei na sala de aula com uma dor de cabeça de ralar mesmo, sabe? Enxaqueca brava. falei
para os alunos: olha pessoal, hoje eu estou mal, estou mal mesmo. Se a aula não rolar legal você
relevem porque eu estou cansado, com dor de cabeça”. Aí comecei a dar aula. No fim da aula o aluno
falou assim: “pô professor, ainda bem que hoje o senhor não estava bem. Se o senhor estivesse bem
a gente ia encher mais umas 10 folhas de caderno”. Entendeu? Quer dizer, depois de 10 minutos eu
esqueci a dor de cabeça, esqueci o cansaço do dia e fui embora na aula. Entendeu? Então é
prazeroso. Quando você entra no ritmo é prazeroso. Agora tem vez que a aula que não rola. Depois
de 15 minutos de aula você fala: “mas ainda falta mais uma hora e vinte para acabar. Essa aula o
acaba?” Tem dia que a coisa sai quadrada. Mas ultimamente, na grande maioria dos casos, eu diria
que 90 por cento dos casos, têm sido prazeroso. Tem vez que eu entro cansado e saio descansado.
Não aqui na Metodista, na outra turma que eu dou aula sábado à tarde, essa turma que eu falei que é
legal, eu entro na aula a uma da tarde e sai às quatro e meia, cinco horas. Eu saio da aula como se
tivesse saído de um jogo de futebol. Como se tivesse ido jogar bola com os colegas, entendeu? De
tão tranqüilo que é o negócio. É uma das matérias que eu mais gosto. Então isso ajuda. Eu saio da
aula mais tranqüilo do que quando ela começou.
E) Que elementos o senhor acha que existem nesse encontro com essa turma que faz a aula se
tornar tão prazerosa assim? A que o senhor atribui essa situação tão positiva?
P9) Eu não sei. É uma seqüência de combinações. Primeiro a matéria em questão é uma das que eu
mais gosto. Essa é o tipo de matéria que eu não preciso me preparar em nada para entrar em sala de
aula. É daquele tipo que eu chego e ela rola. Entendeu? Se um aluno inventar: “ah professor,
vamos fazer um exercício?”, assim atravessado, mesmo um que eu nunca fiz, acredito que rola
tranquilamente. Então é uma matéria que não gera estresse. Porque tem matérias que você tem que
se preparar muito. Têm muito conceito, muitas coisas, às vezes. É mais desgastante. Essa não. É
uma coisa que é da minha formação básica. Então eu venho ministrando essa matéria muitos
anos e é tranqüila. Então isso é um fator. Quer dizer, você ter a tranqüilidade total do assunto. Então
isso é uma coisa interessante. Outra coisa é o interesse dos alunos. Você está na aula e promove
um exercício. O pessoal encara o exercício e um aluno fala: “e se a gente mudasse tal coisa?” E
essa mudança, às vezes, gera um exercício totalmente diferente e você desenvolve e cria
interatividade. Então eu acho interessante quando votem uma matéria da qual você gosta, que
195
você domina e que uma interatividade com a turma. Esses três fatores eu acho que são
primordiais para você ter uma aula maravilhosa. É aquele tipo de aula que você fala: “poxa, deu
cinco horas da tarde. Vamos embora pessoal.” Entendeu? Você está lá, o cinco horas da tarde e
ainda tem aluno na com você. Você dispensou a turma e ainda tem aluno lá, trabalhando em cima do
que você propôs. Então esse é o tipo de aula 100 por cento. Acho que três fatores, para concluir: ter
o domínio, gostar daquele assunto e a interatividade com o grupo de alunos. Os alunos terem
interesse em aprender aquilo, ou porque ele gosta, ou porque ele sabe que ele vai usar mais para
frente. Entendeu? Eu acho que isso é um fator importante.
E) Bom professor, qual foi o momento mais marcante da sua experiência como professor até hoje?
Qual a experiencia que mais te mobilizou, mais tenha te marcou? Seja de forma positiva ou negativa.
P9) Mais marcante?
E) Sim. Que mais tenha te mobilizado emocionalmente.
P9) Vamos achar alguma coisa positiva. Senão você vai achar que eu sou um cara negativo. Eu acho
que de positivo é quando você é realmente reconhecido.
E) Algum momento em particular com algum aluno ou com alguma turma? Alguma coisa mais
pontual?
P9) Não que eu me lembre. Pontual, não. Eu acho que é legal. Uma coisa que te gratifica é quando
você encontra alunos que se formaram muitos anos e o cara ainda se lembra de você. Uns
tempos atrás eu encontrei um aluno no supermercado, sei quando foi. Se formou uns quatro ou
cinco anos. Me apresentou para família. isso é legal. É como eu te falei, se o cara não gosta de
você, ele muda de calçada. Eu acho que isso é legal. O que mais me marca é isso. É quando você
encontra os seus ex-alunos na rua, que às vezes você nem lembra mais, porque são tantos alunos e
o cara se lembra de você. E acaba até criando um laço de amizade depois. Isso é legal. Como eu
falei, têm alunos que a gente tem amizade, que deixaram de ser alunos e viraram colegas. Eu acho
que como ponto marcante é isso. Eu acho que esse é o ponto forte. Você ser reconhecido pelo
trabalho que você fez. Esse é o principal ponto.
E)Bom, o senhor gostaria de deixar uma última mensagem, dizer mais alguma coisa sobre o tema
para encerrarmos? Para fecharmos?
P9)Não, eu acho que já falei bastante. Eu já falei bastante.
E) Então obrigado pela sua participação, professor.
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Anexo O - Entrevista Nr. 10
ANEXO O
ENTREVISTA Nr. 10
Identificação do Entrevistado:
Curso: Sistemas de Informação
Área de formação e titulação: Tecnólogo em Processamento de Dados / Mestrado em Ciência da
Computação
Tempo de magistério no ensino superior: 5 anos
Disciplina(s) que ministra: Técnicas de Programação, Pesquisa e Ordenação de Dados, Inteligência
computacional e Trabalho de Conclusão de Curso
Entrevista:
E) Bom professor, eu gostaria que o senhor me falasse, do modo mais amplo possível, sobre a sua
experiência como professor do primeiro ano do curso de sistemas de informação.
P10) Os alunos de Sistemas de Informação são alunos muito novos, cada vez mais novos, parece.
Eles entram com 17, 18 anos, a maioria deles está nessa faixa etária e são muitos que entram. Turma
de 80 entrou na primeira turma e não tem entrado menos que isso nas outras turmas. Teve 89
nessa última turma. Então assim, a experiência de trabalhar em sala de aula tentando expor alguma
coisa é bastante complicada. Eles estão chegando, parece que estão meio deslumbrados com a
universidade e a gente tem muita dificuldade em conseguir falar 10 ou 15 minutos em seqüência sem
ouvir ruído, sem ouvir as conversas. Então nesse sentido é bastante complicado. Mas por outro lado,
é um público que está novo, está chegando à universidade, que está ávido por novos conhecimentos
e isso é bastante interessante. Dificulta bastante a questão do número deles, porque você quer fazer
alguma coisa diferente, a história de você ter produção nas aulas, eu insisto nisso ainda. Eu faço, eu
dou aula de lógica matemática para eles e dou programação e a gente ainda faz alguma coisa
semanalmente, quinzenalmente, para que eles façam e a gente tenha o retorno e eles saibam como
eles estão indo. Mas é bastante complicado porque tem que reduzir bastante o teu universo para
poder, teu escopo, para poder passar alguma coisa que você consiga avaliar e consiga corrigir
também, para que você consiga dar o retorno para eles. Eu gosto de turma de primeiro ano, eu gosto
de turma grande. Em algumas aulas a situação começa a ficar difícil quando eles estão, sei lá,
conversando muito, mas fora disso, é bem legal.
E) Além dessas atividades, que outras estratégias você usa para poder manter a atenção de todos
esses alunos?
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P10) Então, não adianta você querer falar muito. É legal você tentar interagir com eles, deixá-los
participar também, deixá-los perguntar, direcionar um pouco para onde você está querendo ir. Mas
não adianta você programar uma aula expositiva de 45, 50 minutos que dificilmente você vai
conseguir ter sucesso nisso. Então, a estratégia no tipo de disciplina que eu trabalho é colocá-los
para trabalhar, para fazer exercício, os exemplos. Eles fazem, a gente corrige no quadro ou coisa
parecida. A idéia é colocá-los para fazer. É dar uma explicação rápida e esperar que eles tenham as
dificuldades para que você o atendimento individualizado ali ou quando você começa e que 5
ou 6 estão perguntando a mesma coisa, você uma retomada: “olha pessoal, todo mundo está...”
Você retoma 5 ou 10 minutos a explicação, aí eles se interessam porque eles não estão conseguindo
fazer o que está acontecendo lá, então eu trabalho dessa forma. Como no começo é bem matemática
ou programação, então eu trabalho dessa forma, eu trabalho com bastante coisa prática para eles
fazerem e geralmente é individual. Eu não trabalho muito em grupos não porque o tipo de disciplina,
de conteúdo, é um conteúdo que eles vão ter que trabalhar individualmente. Têm outras disciplinas
que são mais em equipe, mas essa é uma coisa que acaba tendo que fazer individualmente, mesmo
no trabalho lá fora, no mercado.
E) E por ser uma matéria muito ligada à matemática que, de alguma forma, é sempre uma matéria
que muitos alunos sempre sentem uma maior dificuldade, essa matéria é receptiva? É diferente dar
uma aula de matemática do que dar outra disciplina, por exemplo? Como é isso?
P10) Essa disciplina, apesar de ser lógica matemática, não precisa muito de pré-requisitos, você
trabalha a parte de lógica, tem as proposições... Você começa com eles alguma coisa, um pouco de
conjunto e tal, mas se ele não tiver trazido isso, que geralmente eles não trazem, não vai dificultar o
aprendizado, desde que ele tenha o raciocínio lógico. Isso é um pré-requisito. Têm muitos deles que a
gente que se esforçam, mas têm dificuldade de encadear um raciocínio, de entender o que é
premissa, o que é conclusão. Eles têm esse tipo de dificuldade. A gente faz até alguns jogos,
algumas brincadeiras e você que eles têm dificuldade em ter um raciocínio gico por não ter
exercitado isso, por talvez não terem escolhido o curso certo: “eu gosto de computador, eu gosto de
internet, eu gosto de Word, Excel e vou fazer computação”, e às vezes, não é isso. Então, às
vezes, não tem aquela aptidão. Nesse sentido, é bastante, às vezes fica bastante dificuldade, muitos
deles têm dificuldade. Mas muitos gostam também, porque é tipo um jogo de raciocínio e você acaba
trabalhando nesse sentido e mostrando para eles que formalmente você consegue, a partir de
determinadas premissas, concluir certas coisas. Então é uma formalização de coisas que eles fazem
intuitivamente. Muitos acham interessante, muitos gostam da aula sim.
E) Eu gostaria agora que o senhor falasse o que o senhor entende por saúde e promoção da saúde.
P10) Num nível bem geral você fala?
E) A sua concepção, a sua idéia a respeito desse tema.
P10) Eu acho que saúde do ser humano é equilíbrio. Eu acho que saúde tem muito a ver com
equilíbrio. Você ter uma vida equilibrada. Então se você conseguir equilibrar isso, sono alimentação,
trabalho, lazer, família, eu acho que tudo isso resulta em saúde. Bem geral seria isso. Se a gente for
198
pensar em saúde do professor, em saúde do aluno, eu acho que tem muito a ver com o
relacionamento que existe. Eu acho que, pelo menos para mim, isso faz muita diferença. Quando eu
consigo me relacionar bem, quando eu consigo trabalhar a aula da forma que eu programei ou que eu
consigo ter a receptividade dos alunos, eu me sinto muito bem. Acho que isso ajuda nesta questão da
saúde do professor. Eu acho que o aluno também, a gente que quando ele consegue atingir os
objetivos, quando ele consegue entender, quando ele consegue ver que está progredindo, que ele
está conseguindo, ele também se sente mais estimulado, se sente melhor. Então eu acho que, nesse
sentido, essa parte do relacionamento, do entendimento faz muita diferença na saúde. Eu, quando
tenho uma aula ruim, eu saio muito mal. Quando não consigo acertar algumas coisas, mesmo se
você vai fazer uma prova e erra uma questão e você tem que anular, isso me faz muito mal.
E) Agora, esse é um ambiente que acontece de forma natural ou o professor pode, de alguma forma,
ajudar a criar esse ambiente? O aluno também pode ajudar? Como o senhor vê isso?
P10) Eu acho que os dois podem ajudar, mas o professor tem talvez a responsabilidade de mostrar
para o aluno que isso é importante. Eu acho que o professor tem que se importar com isso porque o
aluno não está preocupado com isso, eu acho. Ele espelos mais diversos motivos e gostar ou
não gostar da aula, gostar ou não gostar de se relacionar, de assistir, o sei se importa muito para
ele. Mas o professor eu acho que sim. O professor tem que se preocupar com isso, o professor tem
que se preocupar em criar uma empatia com a turma, o professor tem que se preocupar em trabalhar
de uma forma que seja aceito pela turma, que consigam escutar, que o enxerguem como uma pessoa
que pode contribuir de alguma forma. Mesmo que não seja mais aquela visão anterior que a gente
tinha de ensinar e aprender, de mestre e discípulo, mas que seja uma pessoa que consegue fazer
esse funcionamento certo, apontar as leituras certas, mostrar o que ele tem que tentar fazer para
atingir o objetivo dele. Eu acho que é importante essa relação e depende bem mais do professor do
que do aluno.
E) E como o senhor acha que é isso para o professor?
P10) Eu acho que tem uns que se preocupam e outros acabam não se preocupando. “A minha aula é
assim e eu vou e vou dar a minha aula e se quiser assiste, se não quiser não assiste, se quiser
escutar escuta, se quiser conversar converse, eu dou aula para quem quiser escutar.” Tem professor
assim também, eu acredito. Mas têm outros que não, têm outros que se preocupam com isso sim,
que se preocupam em se relacionar com a turma, em fazer, em motivar a turma. Eu acho que essa
palavra bastante interessante: “motivar a turma.” Motivar para eles aprenderem. Quando você
começa o semestre, as aulas, questionando, mostrando, tentando buscar deles que eles fiquem
interessados, que eles fiquem curiosos para você trabalhar, então acho esse esquema da motivação
muito importante. Eu acho que têm muitos professores que fazem isso sim, têm outros que não ou
deixam para lá e disciplinam, então “ninguém fala, não pode, se falar sai.” Acho que têm uns que não
se preocupam com o relacionamento em si, se preocupam em manter uma disciplina ou não se
preocupam com nada, acho que isso também existe.
E) O senhor percebe alguma diferença nesse tipo de professor que se preocupa em estabelecer uma
boa relação com os alunos e o outro professor que parece não estar tão preocupado com esta
199
relação? É possível observar alguma diferença mais objetiva, de como esses professores se
relacionam com a própria função de professor e com o trabalho?
P10) Eu acho que sim, até pelo número de reclamações contra o professor. Às vezes, você vê que o
professor, não é pelo tanto de aluno que ele reprova ou que ele deixa de reprovar que vai dar
reclamação aqui, muitas vezes é pela maneira como ele age, pela maneira como ele responde uma
pergunta, a maneira como ele trata um aluno, o retorno que ele dá. Os alunos vêm muito mais
reclamar desse tipo de coisa do que quando eles são bem tratados. É explicado, é mostrado e ele
não conseguiu atingir, o professor consegue mostrar: “não atingiu, estou te mostrando onde você
errou, onde você falhou e não tem muito que fazer.” Então, muitas vezes não é isso. Eu acho que faz
muita diferença. Isso tem que estar na vida do professor também, eu acho que ele deve sair mal
humorado, andar mal humorado por quando ele tem esse tipo de coisa, porque eu fico, quando eu
não consigo me relacionar direito, eu me sinto mal. Eu acho que o professor que não está nem aí,
não é uma coisa legal e acho que isso reflete, com certeza, na maneira como os alunos o enxergam.
Acho que quando ele consegue atingir os objetivos na disciplina dele, eu acho que isso, com certeza,
acontece sim. A gente tinha um professor ou professora aqui que estava sempre com a cara fechada,
era o seu jeito de responder as coisas. Parece que ela estava sempre de mal humor e tal. Todo
mundo achava que ela não gostava deles, que ela não gostava de dar aula para eles e que era uma
coisa particular com eles e tal. Era o jeito dela. Mas eu acho que faz diferença sim.
E) O que o senhor diria da sua relação com os alunos? Como é o dia-a-dia com os alunos? Como o
senhor constrói essa boa relação que o senhor procura ter?
P10) Então, eu acho que a gente acaba, durante as aulas, criando algumas coisas por conta de você
dar essa oportunidade deles estarem fazendo os exercícios, estarem perguntado, estarem tirando
dúvidas individuais. Então, nesse momento, você acaba criando um relacionamento. Eles conseguem
enxergar que podem chegar e podem falar e não tem problema nisso. E eu acho que, fora disso
também, você escutar o aluno quando ele vem falar alguma coisa, mesmo que ele venha te justificar
porque ele faltou, porquê foi mal. Não vai resolver muita coisa você escutar isso, você entender, você
falar: “tudo bem, eu entendo, aceito, não vai mudar tua nota mas está explicado o que aconteceu.” Eu
acho que esse tipo de relacionamento individual, não o coletivo, acho que faz bastante diferença.
Têm muitos alunos que fazem questão de te encontrar, de te cumprimentar, de falar, de chamar e tal.
E o fato de eles virem aqui também, muitas vezes, para reclamar ou reivindicar alguma coisa faz com
a gente acabe se aproximando um pouco mais. Mas eu acho que é por aí, é mais nos contatos
individuais mesmo do que no coletivo que você acaba conseguindo criar esse vínculo maior.
E) Como o senhor disse, às vezes, os alunos acabam sentindo o professor como alguém com quem
ele pode dividir um problema de ordem pessoal e, naturalmente, acabam envolvendo o professor no
seu problema na medida em que o relatam. Como lidar com isso? Como o senhor costuma lidar com
essa informação que os alunos trazem e que, geralmente, vem acompanhada de uma emotividade?
P10) Isso acontece sim. Teve um aluno que veio aí, um semestre atrás, dizendo que a mãe dele
estava hospitalizada com câncer, e ele teve que ficar com ela e tal. Assim, eles sempre vêm com o
intuito de se explicar para tentar conseguir alguma coisa, não para dar muita explicação do porquê
200
esteve ausente, porque foi mal, de se colocar. A postura nesse momento, em termos da disciplina,
tem que ser profissional. Eu sempre falo para eles: “eu não posso ter dois pesos e duas medidas.
Existe uma série de normas na instituição e a gente tem que procurar seguir isso. Então, se eu der
para você eu tenho que dar para os outros também.” Eu sempre procuro colocar dessa forma, mas
tentando apontar alguma solução, alguma forma de dele seguir, dele conseguir, dele continuar a
buscar e, a gente fica bastante condoído ou penalizado por não ter conseguido, de alguma forma,
ajudar na questão da disciplina porque não tem muito o que eu possa fazer. Mas pessoalmente a
gente que tem mais idade do que eles e passou por tanta coisa na vida, tenta sempre falar alguma
coisa no sentido de mostrar para eles que isso acontece, acontece com todo mundo e a vida continua.
Eu acho que tudo isso ocorre sim, o que eu tento não fazer, é deixar isso afetar o lado profissional, no
sentido de como eu vou avaliar aquele aluno, como eu vou avaliar aquilo lá. Então têm muitos deles
que são meus amigos, que se encontram comigo, falam, brincam, não sei o que e tal, mas reprovam
na disciplina. E depois: “puxa professor...” “Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. A gente
está trabalhando, você fez o que tinha que fazer, não atingiu os objetivos e você vai ter que fazer de
novo, até você atingir.” “Ah, você me deixou de avaliação final?” Meu, vai e faz a avaliação final.
Você não sabe? Estuda!” Então assim, eu procuro separar muito isso, na hora em que vou avaliar o
aluno. Eu procuro separar bastante a amizade, os problemas dele, daquilo que eu estou. Tanto que
procuro nem olhar o nome do cara que eu estou avaliando o trabalho, que eu estou avaliando a prova.
Mas com certeza a gente se envolve.
E) É difícil separar? Por mais que o senhor diga que faça, é difícil?
P10) É lógico que deve ter uma hora que eu não faço também. Mas eu procuro fazer, eu tenho para
minha consciência, eu tenho que eu faço isso. Mas é difícil sim, muitas vezes é difícil sim. Você pega
lá um cara e “puxa vida, o cara teve esse monte de problemas e...” Mas não dá, não tem como.
E) A história vem junto, né?
P10) É. A gente faz as avaliações e depois a gente junta para lançar as notas, para fechar a coisa e
você vê que: “pô, o cara não conseguiu”. Você sabe quem é o cara, mas não tem muito jeito. Eu acho
que nesse ponto eu consigo dividir bem. Mesmo aqueles que, ao contrário, sempre estão brincando
comigo, sempre estão falando, participam até das aulas, aí me encontram e tal, não tem... Já reprovei
vários deles, infelizmente, o tem muito jeito. Acho que tem que separar, é difícil, mas tem que
separar.
E) E aí, perdeu a amizade?
P10) Não. Até hoje não. É isso que eu te falo. Você pode falar não de uma forma sem ser de uma
forma agressiva. Você pode dizer para o cara: “não, eu o posso.” Ah professor!” “Não, eu não
posso tirar essa falta, eu não posso, por isso e isso, é um princípio meu, eu acredito nisso e eu
trabalho dessa forma. É com todo mundo que eu ajo assim, não é só com você, não é nada pessoal.”
Então você pode dizer não para o cara sem dizer não, não quero, não converso, o me procura
mais, não quero saber”. Não precisa disso. “Oh, você o atingiu a nota e eu procurei em toda parte
da sua prova ver se achava alguma coisa, veja se tem alguma dúvida aí, mas eu não tenho de onde
201
tirar mais ponto daqui.” “Ah, deixa quieto, o senhor tem razão.” Ah, o aluno deve ficar bem bravo, mas
talvez aquele que vem até a gente. Talvez o que não venha reclamar ou que não venha conversar,
talvez fique chateado lá. Mas quando vem, a gente procura explicar que não deu, mas, paciência.
E) Falando nesses episódios mais tristes ou mais difíceis da relação professor-aluno, tem algum que
mais te marcou, alguma relação com aluno em particular, um episódio desse tipo, com aluno ou com
uma turma?
P10) Teve um episódio que eu tentei botar um aluno para fora da sala, acho que te contei da outra
vez também, tentei colocar o aluno para fora da sala. Eu estava estressado com aquela turma, eu
estava começando aqui na universidade e acho que, sei , primeiro, segundo semestre, eu estava
estressado porque eu não conseguia dar a aula e eles o paravam de conversar e uma hora eu
falei: “o próximo vai sair.” Aí ele cochichou alguma coisa lá e eu falei: “você, sai fora!” “Não, professor,
eu não vou sair não.” “Não vai sair não?” “Não, não vou sair.” eu chamei o segurança e fiz o maior
caso. Eu fiquei me sentindo muito mal, pegou mal com a turma. Mas depois dei outras aulas para eles
e fomos até jogar bola juntos. Eles tiram sarro de mim quando me encontram: “Ah, professor, se
precisar botar o colega para fora, chama a segurança.” Eles estão se formando agora, estão no oitavo
semestre do curso. Mas por um tempo ficou ruim entrar naquela sala, ficou ruim dar aula naquela sala.
Foi bastante complicado porque acabou criando um clima com todo mundo, não com ele. Ainda
bem que, por sorte, ele era um cara tranqüilo e não levou isso para frente também.
E) E como lidar com isso, qual a sua estratégia para lidar com esse tipo de situação?
P10) Quando a situação está muito ruim? Ah, eu procurei o aluno depois, eu procurei falar com ele:
“olha, não é nada pessoal, você deu azar que naquela hora, naquele momento, a tua atitude...”. Ele
disse: professor, o senhor também me desculpe, eu não deveria ter agido daquela forma e tal.” E
assim, eu procurei o aluno e procurei conversar e procurei conversar para poder quebrar um pouco o
clima, quebrar um pouco as coisas senão fica difícil depois você continuar a dar a disciplina na turma.
Depois, você fica super preocupado em fazer aquilo de novo na mesma turma, então, tem que
arranjar outras estratégias, uma forma diferente de trabalhar: “oh, ou vocês ficam quietos ou eu não
dou mais aula”, ou às vezes eu mudo. Mas no final, foi uma turma que não se importou com isso não.
E) E uma experiência boa, seja com um aluno ou com uma turma. O senhor tem alguma lembrança
de uma relação em particular, um momento em particular que deu muito certo. Como foi essa
realação?
P10) Eu o sei assim se existe uma relação, mas a gente tem alguns retornos dos alunos que são
muito legais, algumas coisas que são muito interessantes. O aluno chega para você depois e: “olha
professor, o senhor me reprovou duas vezes, mas valeu, acho que o senhor escerto, tem que
manter essa postura mesmo. Eu não estava querendo nada, quando eu estudei, eu passei.” Então eu
acho que tem uns retornos que são bem legais. Tem um outro que também não tinha passado na
primeira vez na matéria de Inteligência Artificial, na segunda vez ele começou a estudar, levou o
livro no trabalho e estava com o livro e ele disse: oh, professor, meu chefe viu esses livros aqui e
disse: “você está envolvido com isso aqui?”, e me arranjou um projeto bem legal e, pelo fato de eu
202
estar trabalhando isso, por eu estar estudando isso.” Então assim, tem uns retornos bem legais. Tem
outra que orientanda minha de TCC que nossa! Deu trabalho. Ela teve muita dificuldade. Ela não é
aluna, ele estava sempre aqui nas reuniões e vinha e tal, procurava fazer e tal, mas a coisa não
rendia. Acho que essa não estava muito na área certa, não vai para frente. Não passou, reprovou,
refizemos de novo e foi e tal. E quando ela terminou, ela veio, agradeceu. Ela é angolana. Me trouxe
até uma espátula de Angola. Então, você tem um “obrigado, professor”, e que ela não tinha
conseguido com outros orientadores, e nem ninguém que quisesse orientar mais ela por causa da
dificuldade que ela tinha. Então assim, eu acho que mais os momentos legais são os retornos que
você tem depois daquilo , porque parece que é quando o aluno enxerga, é quando ele termina, é
quando ele sai, é quando ele não esenvolvido. Quando ele está dentro daquilo, ele quer muito
passar, ele quer muito nota, depois que ele começa a enxergar um pouco melhor no que o professor
está contribuindo com ele. Mas eu tenho turmas também que eu me relaciono super bem, que eu
adoro dar aula. Tem uma turma que eu assumi no meio do semestre passado, desse semestre agora,
a turma do quarto da engenharia, que mandaram pegar os mesmos semestres com eles é bem legal,
a gente entra lá, é super animado, a gente conversa, na hora de parar, pára, na hora de brincar,
brinca. Então tem algumas turmas que são bem legais.
E) O senhor falou de uma aluna que talvez não estivesse no curso certo ou alguma coisa nesse
sentido. Como é isso? Como o professor deve fazer quando percebe isso?
P10) O que fazer é bastante complicado. A gente está numa universidade onde evasão é uma coisa
que a gente não pode ter, vamos dizer assim. A gente tem que diminuir ao máximo a questão da
evasão. Mas não tem como você não deixar de colocar de alguma forma isso. Não falando para sair,
mas tipo: “oh, você está com esse problema porque você tem muita dificuldade em aprender. Você
tem que estudar mais, tem que trabalhar mais. Veja, alguns assuntos primordiais você não entende.
Você tem que correr mais atrás, você tem que ver se é isso mesmo que você quer para você.” Então
acho que vale a pena você dar uns toques assim, nesse sentido, para os alunos. Porque é a vida do
cara, é a vida dele. Então se você acha que não é isso, se você não gosta disso, não gosta daquilo,
veja se você está na área certa, veja se é isso que você quer fazer mesmo. Acho que têm outros
cursos aqui na Metodista muito bons em outras áreas.” E têm alunos que vão. Tem um aluno que
está fazendo Publicidade e Propaganda, começou em Sistema de Informações e está fazendo
Publicidade e Propaganda e encontrei com ele e: “ah, professor, agora me achei, estou fazendo o
que eu quero. Tenho uma outra inspiração”. Tem um outro que foi para a Filosofia. Acontece, o cara é
muito novo para decidir, gosta de internet e acha que é isso. Eu acho que a gente tem certa
obrigação de dar uns toques, de mostrar ou de pelo menos fazer as perguntas com que ele reflita.
E) Como o senhor acha que a universidade, de maneira geral, poderia contribuir nesse sentido?
P10) Eu acho que sim. Eu penso poderia haver alguém para quem a gente pudesse encaminhar, que
a gente pudesse fazer, também não sei se o professor iria encaminhar, se seria interessante. Mas
que os alunos pudessem procurar. Isso eu acho que seria bastante interessante, eu acho que esse
tipo de orientação, depois que o aluno começou... Porque tem a orientação vocacional antes, e o
cara, às vezes, vai, faz o teste, procura, mas o depois, diante da angústia dele, diante do que ele está
203
sentindo, o que ele está procurando, do que ele gostaria, aonde é que ele não está e que pudesse
ser orientado. Eu acho que não só ser orientado, eu acho que a orientação é importante, mas
encaminhamentos também. Eu acho que a universidade tinha que ter portas para fazer esses
encaminhamentos. “Ah, o cara quer passar para aquele curso, para aquela área, não é o que ele
estava, encontrou um profissional e esdando um parecer que realmente é isso ele também acha
que o cara não é por aí, você tem que mudar.” Eu acho que a universidade tinha que ter caminhos
também para fazer isso aí. Porque existem caminhos de transferência internas, mas de cursos afins,
que a gente faz uma relação dos cursos que são afins e pode transferir para quê. Mas se o cara
quiser sair daqui para comunicação, eu acho que ele não consegue. Ir daqui para filosofia ele não vai
conseguir. Então eu acho que, além de ter esse tipo de apoio, que eu acho que seria uma parte
super importante, eu acho que teriam encaminhamentos também, para esses alunos internamente.
Para não perder o aluno, se o objetivo é não ter evasão.
E) Isso causa um conflito e mobiliza o aluno e o professor. Essa certa inadequação do aluno gera
uma dinâmica psíquica para todo mundo. Como o senhor entende, de uma maneira geral, a saúde
mental dos alunos? Não só desses, mas falando de toda a turma. Como fica isso?
P10) Eu acho que a gente tem vários... Depende muito o ano que ele está, eu acho que faz bastante
diferença nesse sentido. Quando ele está chegando aqui, eu acho que a relação da saúde dele tem a
ver com o que ele está aprendendo, com o que ele está ganhando de liberdade. Eu acho que, às
vezes, o que faz muito mal para ele, o que afeta muito a saúde mental dele é eles se sentirem livres
de bedel e tudo mais e eles irem lá para o Pastel e não entrarem nas aulas, e chegarem atrasados e
saírem mais cedo. Enganarem pai e mãe. Eles são muito jovens ainda e acabam fazendo isso. Então
eu acho que, nesse momento, isso é o que faz mais mal para eles. Eles demoram bastante para
entender que eles estão numa universidade e eles vão ter que estudar, que precisam passar, e vai
ser cobrado isso deles no final do semestre e que o pai vai ficar sabendo que ele reprovou de outras
três disciplinas. Então eu acho que isso faz bastante mal para eles e acabam utilizando de uma forma
inadequada a liberdade que eles têm. No começo, isso é o principal ponto para eles abusarem. Mais
para frente, quando eles se acertam, começam a entender, eles começam a ter o conceito de um
trabalho. Na nossa faculdade, todos eles trabalham. Eles começam muito cedo com o trabalho. “Eu
dou prioriadade ao trabalho ou ao estudo?” Eles acabam optando pelo trabalho porque enxergam
o presente, não enxergam como aquele conteúdo, aquela disciplina vai contribuir com o futuro deles.
“Ah, eu trabalho com banco de dados então o que interessa agora é banco de dados e aquele outro
conteúdo não vai me interessar”, e não enxergam que para crescer, para ter um cargo de chefia ele
tem que ser abrangente, que é o que a gente está trabalhando no curso, um curso abrangente para
que ele possa ter um cargo de gestão. Então eu acho que isso acaba criando um conflito neles, eles
chegam atrasados. o cara tem a oportunidade de conseguir um emprego melhor em Alphaville,
mas ele vai chegar aqui oito horas da noite e o que ele faz? Ele consegue ou o consegue? Ele
vai ou ele não vai? Uns aceitam e acabam perdendo aula e reprovando. Então, eu acho que isso faz
bastante mal para eles, esse conflito que eles ficam, mesmo que digam: “ah não, eu estou priorizando
o meu trabalho.” Mas acho que com o tempo eles acabam desistindo, eles acabam se acostumando.
Eu acho que tudo isso acaba fazendo mal para eles. E no geral, com o professor. Eu acho que,
204
conflito com o professor, se desentender com o professor, isso acho que faz bastante mal. Ontem
entrou um na minha sala revoltado com um professor que tinha feito a avaliação final e tinha feito
quatro páginas de texto que o professor pediu e o professor deu 2,5 na prova dele, acho que 2,0. Eu
acho que esse desgaste, essa frustração de não conseguir. Muitas vezes tentam da forma errada, na
hora errada, na última semana e tal, mas ele acha que está fazendo certo. Então eu acho que tem
isso tamm. Essa situação de não ser aprovado faz mal para ele também.
E) Qual episódio mais te mobilizou na sua trajetória como professor? Qual foi o que mais te deixou
marcado positiva ou negativamente?
P10) Não sei, acho que o que me marca bastante, é relacionamento positivo e negativo que eu tenho
com a turma como geral, não com os alunos. Então tem uma ou outra dificuldade que eu tenho com
uma turma que antes era muito ruim, era muito sofrido entrar na sala de aula, era muito difícil. “Puxa,
eu vou ter aula com aqueles caras de novo.” você vai falar para as paredes, para as portas e
depois ainda falam mal então, assim, isso me marca sempre. Talvez até por isso eu tente me dar bem
com as turmas, porque é um sentimento muito ruim você ter que trabalhar, dar aula, sem querer, sem
ter vontade. Eu gosto de ser professor, então a parte que eu mais gosto é estar dentro da sala de
aula. Porque corrigir prova, preparar aula é chato, mas você estar lá, conversando, passando,
sentindo que você esse relacionando e conseguindo despertar alguma coisa nos alunos é bem
legal. Então isso me marcou bastante, o fato de eu não conseguir com essa turma de jeito nenhum.
Terminou o semestre lá e não foi, não aconteceu. Então eu acho que é mais nesse sentido. E quando
tem uma turma legal, essa turma do oitavo semestre da engenharia. Acho que foi a primeira turma
que eu trabalhei aqui, engraçado isso. Eu comecei a trabalhar aqui e tive aquele episódio, mas são as
duas turmas, uma da engenharia e uma das ciências que eu me relaciono muito bem. “Ah, professor,
a gente vai ter aula com o senhor no semestre que vem, a gente vai trabalhar junto de novo.” Eu acho
que isso me marca mais, a questão de gostar muito de dar aula naquela turma e não gostar.
E) E, às vezes, gostando ou não deve-se fazer. Como sustentar uma situação dessas durante um
semestre todo?
P10) Você trabalha o mínimo possível. Você dá para os caras o mínimo que você pode dar para eles.
Então você fala o que você precisa falar, você passa o mínimo para ser profissional. Você não vai
dar nada a mais para o cara, você o vai conseguir despertar nada, então você trabalha o mínimo
possível. Você fala: “oh, é isso que você tem que saber, é isso que eu vou cobrar” e trabalha desse
jeito. É complicado. Muitas vezes não é porque os caras ficam atrapalhando a sua aula, é porque não
reagem.
E) O senhor teve que lidar em sala de aula com algum aluno alcoolizado ou que estivesse sobre o
efeito de drogas ou com alguma alteração de comportamento?
P10) Não sei se drogas ou álcool, mas sim, já houve isso. Quando eu dava aula sexta-feira à noite,
no segundo horário, sempre acaba aparecendo um ou outro que vem. Tem um caso bastante
recorrente de um aluno da engenharia que eu dei pela primeira vez. Eu sei porque tinha aula sexta à
noite com ele e sábado de manhã, as últimas da sexta e as primeiras do sábado. Sexta à noite eles
205
sempre se viam no barzinho, respondiam chamada e ficavam lá. Tinha um deles, que toda, toda, toda
semana ele esta e ficava alcoolizado. Então de manhã eles chegavam, muitas vezes chegavam
ainda sobre efeito de álcool ou alguma coisa parecida. Mas era engraçado. Eles começaram a pegar
no meu pé da seguinte forma: eles começaram a me trazer frutas. um trouxe uma maçã no dia da
prova eu dei risada, brinquei, na outra semana me trouxeram mais não sei o que, trouxeram até
uma melancia, um dia lá. Era divertido, mas tinha esses que vinham alcoolizados aí. Eu não sei se
alcoolizados ou drogados, mas tinha sim. Aqui também no ano passado, na turma da computação,
um senhor já, ele deve ter metade dos cabelos . É um cara legal, mas vira e mexe ele entrava na
sala bêbado. “Do jeito que você vem na aula como é que você vai passar?” Depois ele até passou
mesmo, quando ele pegou mesmo, ele terminou. Mas nunca tive nenhum problema assim de por
causa de estar alcoolizado querer agredir ou querer... Às vezes atrapalhada, fazia aquela gracinha
que não tinha nada a ver com a aula e tudo. Mas nunca expulsei da sala. Eu sempre falava: “vai
descansar, vai tomar um café quente.” Eles saiam e tal. Mas nunca tive problemas com isso não. Um
deles chegava e ficava quietinho na dele, acabava a aula e dormia, cochilava um pouquinho. Eu
nunca tive problemas não, mas existem sim. E têm muitos que você sabe que beberam, não estão
alcoolizados. Turmas de primeiro semestre têm muito disso. Os caras saem no intervalo, vão ali,
tomam duas cervejas e voltam e tal. voltam mais alegres. No teste do bafômetro não passariam,
mas não chegam a estar bêbados, vamos dizer assim. Tem bastante.
E) Bom professor, mais alguma questão que o senhor gostaria de colocar, mais algum comentário,
alguma observação sobre o tema ou até alguma proposta.
P10) Eu acho que aquilo que você me perguntou antes, se tem algum jeito da instituição, eu acho que
você até tem um trabalho desse tipo já, eu acho que é bastante interessante sim, conseguir esse tipo
de envolvimento de professores, de coordenadores, de mais setores da universidade para que
possam ter esses encaminhamentos. Os alunos são muito novos quando eles entram aqui e eles são
muito novos para decidir e não tem nada de mais eles mudarem de idéia, eles mudarem de curso,
eles mudarem de faculdade. Então, eu acho que esse tipo de orientação vai fazer bem para saúde
mental deles, não aqui, mas para o resto da vida. Se formar numa coisa que ele o gosta de
fazer ou ele não vai trabalhar naquilo ou vai ser infeliz o resto da vida. Então eu acho que este tipo de
apoio, conseguir esse tipo de divulgação, os alunos conseguirem saber que eles podem procurar, se
sentirem à vontade para isso, os professores saberem encaminhar, serem conscientizados o quão
importante seria eles tratarem disso também é bastante legal. Eu acho que é uma coisa que vale à
pena.
E) Ok professor. Muito obrigado pela sua participação.
206
Anexo P - Entrevista Nr. 11
ANEXO P
ENTREVISTA Nr. 11
Identificação do Entrevistado:
Curso: Sistemas de Informação
Área de formação e titulação: Matemática / Mestre em Educação Matemática
Tempo de magistério no ensino superior: 2 anos
Disciplina(s) que ministra: Matemática Discreta, Cálculo e Aplicações, Sistemas de numeração e
lógica, Geometria, Estatística Aplicada à Administração.
Entrevista:
E) Eu gostaria de começar pedindo para o senhor falar, de modo mais amplo possível, sobre a sua
experiência em sala de aula como professor do primeiro ano da turma de sistemas de informação.
P11) Bom, eu trabalho com essa turma de sistema de informação, com turmas de sistema de
informação, desde o início do ano passado, quando dei uma disciplina no 1º semestre, isso no início
de 2007. Esse ano eu estou já há dois semestres com essa mesma turma, dei essa mesma disciplina
que eu havia dado o ano passado que é Matemática Discreta no primeiro semestre e agora no
segundo semestre estou dando uma disciplina lculo e Aplicações que tem disciplinas da área
específica matemática, que são disciplinas acadêmicas, não são disciplinas muito técnicas. E a
experiência que, até compartilhando com alguns colegas, que a gente costuma conversar um pouco a
respeito do desempenho da turma, desenvolvimento, são turmas que, em geral, são turmas grandes,
cheias. O vestibular, abarca bastante gente, bastante alunos e de uma faixa etária jovem. São alunos
que recém saíram do ensino médio. Poucos alunos são de uma faixa etária maior, então a gente tem
uma visão que existem algumas dificuldades na aula que a gente percebe que é um pouco de
indisciplina por parte de alguns alunos e que a gente tem alguns problemas que são alguns
problemas corriqueiros do ensino médio. A gente percebe que acontece no ensino médio. Eu tenho
até certa experiência nisso porque eu também atuo, desde 2003, no ensino fundamental e médio.
Dou aula em outro período em escola de ensino fundamental e médio. Então a gente percebe que
tem essa diferença porque eu também dou aula para outros cursos, por exemplo, tecnologia em
análise, matemática, engenharia, que são alunos que tem um perfil um pouco diferente. Então a
gente um pouco essa questão da indisciplina que é um fator que atrapalha um pouco as aulas. A
gente tem até tentado algumas estratégias para tentar prender um pouco mais a atenção dos alunos,
fazê-los perceber que eles são agora, não o alunos dependentes do professor. Eles têm que se
tornar independente, tornarem-se estudantes. Então a gente sente um pouco essa questão da
indisciplina apenas e o desempenho é meio que na média. As disciplinas de matemática têm um
207
parcela de alunos que têm um desempenho baixo mesmo, a gente já verifica isso em outros cursos. É
uma coisa até comum.
E) Como essa indisciplina aparece? Como isso vem? Como isso aparece em sala de aula?
P11) Em sala de aula ela aparece nos primeiros dias, quando a turma não se conhece. Por ser uma
turma de primeiro ano tem toda aquela questão que eles ficam quietos, parece ser uma turma
tranqüila, disciplinada e tudo mais até pelo fato de eles não se conhecerem. Ao ponto em que eles
vão se conhecendo, criando aquele vínculo de amizade a gente percebe que eles começam com uma
conversa aqui, uma conversa ali e se a gente deixa, não toma uma atitude um pouco mais firme de
uma chamada de atenção, alguma coisa do tipo, eles, assim, vão desenrolando na aula até algumas
coisas mais, problemáticas, como aluno mexendo em equipamento eletrônico, fazendo barulho,
incomodando. Então a gente tem tido que tomar algumas atitudes para tentar parar um pouco isso.
Então é mais ou menos isso...
E) Que estratégias? O que se tenta fazer? Chamar a atenção do aluno, repreendê-lo? Como é isso?
P11) Então, a priori, a gente começou com uma chamada de atenção e até por serem alunos, alguns
deles chegaram a maioridade e tudo mais. A gente tenta então dizer que eles não são mais as
crianças que eles eram no ensino médio e tal, mas muitas vezes essa estratégia não tem funcionado,
então alguns professores, eu fiquei sabendo, que adotaram algumas estratégias de penalização por
pontos, em trabalhos. Como é que se essa penalização? Na verdade não é simplesmente você
chegar para o cara que está conversando, para menina que esconversando e falar: “olha, você
perdeu um ponto”, não é bem assim. Na estratégia que eu adotei, quando estou explicando o
conteúdo e, de repente, tem um aluno conversando, chamo a atenção desse aluno e pergunto algo
que está sendo trabalhando em aula, o que o força a tentar prestar atenção da próxima vez. Se ele
não responde, perde pontos. Se ele responde, continua com o ponto dele. Então é mais ou menos
essa a estratégia que eu adotei, para não ser simplesmente uma penalidade, mas para mostrar que
ele precisa prestar atenção porque, a qualquer momento, se ele estiver conversando e o souber o
que está se passando ele perde.
E) Entendi...
P11) Mais ou menos isso. Tem funcionado, lógico que algumas estratégias envelhecem e eles
começam a tentar burlar sua estratégia um pouco, mas a gente dá uma pausa na estratégia e depois
volta um pouco. Bom, a turma melhorou consideravelmente, pelo menos nas minhas aulas.
E) Depois que você adotou essa...
P11) Exatamente, depois dessa estratégia mesmo.
E) Ok, professor. O que o senhor entende por saúde e promoção de saúde?
P11) Saúde? Saúde é estar de bem com o seu físico, tanto com a sua parte física, corpórea como
mental também. É estar em harmonia com o seu corpo. Seria isso que eu entendo como saúde. A
outra pergunta que você falou?
E) Promoção de saúde
208
P11) Promoção de saúde? Promoção de saúde eu acredito que seja uma tentativa de mostrar
maneiras de a gente preservar nossa saúde, nosso bem-estar. É isso que eu entendo.
E) Partindo do seu conceito de saúde, quando a gente pensa no contexto de sala de aula, no
contexto acadêmico, é possível professor e alunos adotarem práticas que possam valorizar esse tipo
de conceito e colocá-lo em prática? Não falar sobre saúde de forma conceitual, não é isso, mas
colocá-lo na relação, no contexto de sala de aula, no dia-a-dia. Seria possível promover saúde e ter
uma aula abordando ou considerando essas questões?
P11) Eu acredito que sim, mas eu acho que é algo que não é possível de ser freqüente, digamos
assim. Porque nós temos assim um turbilhão de assuntos a abordar, né? E muitas vezes, nem com
toda a carga horária que a gente tem, é possível abordar todos os assuntos que a gente acha
pertinente para formação do aluno. Então eu acredito que seja possível, até de repente, no meio do
desenvolvimento de algum assunto, de alguma aula, estar abordando isso sim, mas eu acho que não
é possível abordar isso com uma freqüência muito grande. Eu acredito que é necessário que haja
uma preparação nossa até que isso aconteça. Não para acontecer assim de qualquer maneira.
Temos que ser preparados para abordar determinados temas. E não me sinto preparado para
abordar temas de promoção de saúde em aula.
E) E na relação com o aluno, no ambiente? É possível criar um ambiente saudável em sala de aula?
P11) A sim, eu acredito que sim.
E) Não na questão teórica do que é saúde, mas no dia-a-dia, na prática, enquanto a aula acontece.
Quer dizer, no contexto, no ambiente da aula, é possível que se coloque...
P11) Que seja um ambiente saudável? Com saúde, com promoção de saúde?
E) Que seja um ambiente saudável, com saúde, com promoção de saúde?
P11) Eu acredito que sim, que é possível sim. Vai muito da relação que você estabelece inicialmente
com os alunos. Isso é uma coisa que pesa muito. Por eu ter pouca experiência no ensino superior,
comecei no início do ano passado, eu comecei a ter uma experiência um pouco melhor no início
desse ano. As primeiras aulas que a gente dá, seja no ensino superior, sejam no ensino fundamental
e médio, são um pouco traumáticas porque a gente não tem muita experiência de como entrar, de
como falar com o aluno e eu acredito que com essa turma eu tenho feito de uma maneira bem melhor,
um ambiente bem mais saudável, bem melhor do que o ambiente que eu tinha com a turma do ano
passado. Até pela abordagem inicial que foi feita, até por conhecer o perfil do aluno que vem para
esse curso que eu não conhecia anteriormente, então eu acredito que é possível melhorar muito.
Ainda dá para melhorar muito.
E) Como você identifica essa diferença? O que foi feito anteriormente ou não foi feito anteriormente e
que você passou a fazer que melhorou esse contato, melhorou esse ambiente? O que mudou com
essa experiência acumulada?
P11) Bom, uma das coisas que muda muito é a segurança que você tem ao falar com o aluno, que no
ano passado, por ser meu primeiro ano, eu não tinha uma experiência em saber tratar com o aluno de
209
ensino superior e com aluno daquele perfil. Algumas atitudes diferentes, como a forma que eu me
apresentei à turma, o modo que usei para falar com os alunos que foi de uma maneira mais solta. Eu
acho que isso já fez uma grande diferença. Não tentar ser tão formal. No ano passado eu achava que
pelo fato de eu estar dando aula para alunos do ensino superior eu precisava ter uma formalidade,
um rigor, aquele padrão que eu vi em alguns professores que eu tive, sendo que, pelo fato do aluno
ter um perfil de ensino médio, às vezes, uma descontração, uma brincadeira, uma piada, uma coisa
ajuda a melhorar o ambiente. A gente percebe isso, então, algumas coisas eu acredito que ajudam
bastante. Mas ainda sinto que não atingi a totalidade que é muito difícil, mas uma boa parte eu
consegui atingir sim.
E) Hoje, como você descreveria a sua relação com os alunos?
P11) Eu tenho, não diria que é uma relação de amizade, mas têm muitos aluno que a gente tem uma
relação mais próxima. Existe aquele problema de turma muito grande, que você não tem muito
contato com alunos que sentam muito ao fundo da sala. Isso dificulta um pouco esse contato, porque
a proximidade está aí, você chegar e ver o que o aluno está fazendo e falar na hora de fazer exercício
em sala, e você vai acompanhar esse exercício e essa proximidade acontece mas assim, é rara.
Agora com os alunos mais próximos da gente, no decorrer da aula, a gente tem uma proximidade
maior. Têm alguns alunos que após o término a aula, às vezes, ficam o intervalo inteiro conversando
comigo e eu chego na outra aula em cima da hora, depois do intervalo, porque estou conversando
com os alunos. Então acontece muito esse tipo de coisa. Essa relação é uma relação tranqüila. Existe
uma parcela, que eu diria que é em torno de uns cinco a dez por cento da turma que, quer queira,
quer não, acaba não gostando de você, seja porque reprovou no semestre anterior ou então eu
não sei, tem alunos que chegam e falam que não gostam de matemática. Eles fazem curso de exatas
e dizem que: “não, não gosto de matemática.” Eu falo: “você escolheu o curso errado.” Entendeu?
Então, tem um pouco disso mas a relação é mais ou menos assim. A gente não tem como
generalizar a relação porque a turma é muito heterogênea. Então você tem essas diferenças, você
tem alguns grupos que você se identifica mais e outros não.
E) Entendi. Você conseguiria identificar algum aluno com o qual teve uma dificuldade em particular de
se relacionar? Talvez uma relação que tenha sido difícil de se estabelecer?
P11) Foi interessante você ter comentado porque no semestre passado teve um aluno que, quando
eu chamei atenção dele, ele retrucou, respondeu e aí eu respondi, falei, dei uma resposta assim meio
atravessada para ele e a turma ficou até assustada com a situação e criou-se até um pouco uma
cisma em relação a esse aluno. Eu o tinha como um aluno ruim e esse aluno acabou se relacionando
na sala com outros alunos que eu considerava bons alunos. Mas a relação hoje é super tranqüila com
esse aluno. Ele cumprimenta, ele participa da aula, responde. Então eu acredito que melhorou muito.
A gente teve esse desentendimento, a relação ficou meio manchada no semestre passado, mas
depois teve essa melhora. Acho até que por conta do envolvimento dele com outros alunos, com
grupos de outros alunos dentro da própria sala. E um pouco também da parte de eu o ter agido
com esse aluno com preconceito. Eu entrei nesse ano como se tivesse zerado a turma. “Vamos
começar a partir de agora e vamos ver como é que eles se saem.” Seja o aluno que foi com o
210
desempenho péssimo no semestre anterior ou ótimo, a gente vai tentar tratar da mesma maneira,
mesmo se um bom aluno, notas boas. Então eu percebi que melhorou muito a relação.
E) E como foi esse momento, o episódio em si? Que tipo de sentimento despertou ali na hora? Como
você ficou depois da aula? Como foi isso?
P11) Então, o que acontece muito, assim, que a gente nota em aula, é que existe muito aquela
tensão momentânea. É lógico que nós não somos assim, não tem como desligar, você vai para casa
e desliga e fala: “não, não aconteceu nada”. A gente tenta ao máximo deixar os problemas, não levar
os problemas para casa, mas criou-se uma espécie de desconforto o aluno me responder assim.
Quando você chama a atenção a maioria dos alunos simplesmente abaixa a cabeça e “desculpa” e
tal. Criou-se um pouco esse ambiente ruim. O que eu senti na hora foi um pouco de indignação. É
lógico que eu, que estou acostumado a ver situações em ensino fundamental e médio, que são muito
mais graves do que uma situação como essa, não foi uma situação que me abalou, que eu falei: “ah,
nossa, isso é terrível”. É lógico que me deixou, de certa forma, indignado, por ver um aluno do ensino
superior tendo uma atitude com essa, mas assim, não é uma atitude que me chocou muito, mas
gerou certa indignação no momento, uma vontade de chamar alguém e falar para ele se retirar da
sala. Mas aí você esfria um pouco a cabeça, tenta se controlar. Mas depois foi também uma
observação que eu fiz, marcou um pouco de certa forma, porque eu até observei que o rapaz
melhorou. Se não tivesse marcado, não teria observado a melhora. Então, acho que de certa maneira,
marcou um pouco.
E) E alguma relação em particular, algum aluno, que tenha te marcado positivamente? Alguma
relação que tenha dado muito certo, que tenha sido muito positiva? Você consegue identificar?
P11) Existem sim. Como eu te disse, na maioria das vezes, o aluno que fica próximo, que senta na
frente não quer estabelecer relação nenhuma, ele quer simplesmente aprender, acabou ali, vai
embora. Agora têm alunos que a gente percebe que estabelecem vínculos, não se posso dizer que
de amizade porque você não tem um relação assim de fim de semana, de conversar, sair. Mas achei
interessante que até semana passada um aluno falou assim: “oh, professor, vamos jogar um
basquete aí? Vamos marcar no ginásio?” Falei: “quando você quiser, meu. Marca aí que eu vou e tal.”
Quer dizer, então você percebe que têm alguns vínculos que começam a se formar, até por, às
vezes, ter afinidade em relação a alguns assuntos, esporte, automobilismo. Eu estava conversando
esses dias com os alunos sobre Fórmula 1, aluno que vai no autódromo e tal. Então algumas coisas
comuns assim, às vezes, trazem proximidade. Têm alguns alunos em particular, que você percebe
que têm essa proximidade.
E) E agora falando dos alunos de maneira geral, como é que você percebe a saúde mental dos
alunos?
P11) Existe, até pelo fato da sua pesquisa ser com alunos de primeiro ano, em relação a turmas de
primeiro ano, quando você fala de saúde mental você esfalando um pouco da postura dele frente
ao ensino, frente ao ambiente, e têm muitos alunos que a gente percebe que não têm uma postura de
estudante ainda, não têm. Ele ainda é aquele aluno, realmente aquele indivíduo, que precisa, que
211
depende exclusivamente do professor e, se você não der aquele exemplo do que vai cair na prova,
ele não sabe, ele não pesquisa, ele não vai atrás. Ele está muitas vezes preocupado com outras
coisas, com o campeonato de futebol que existe na própria Metodista. Eu estou a três aulas de uma
prova e tive alunos que na aula passada falaram assim: “oh, professor, a gente vai ficar uns 40
minutos a gente vai precisar sair porque a gente tem um campeonato que a gente está
participando.” “Ah, tudo bem, a presença a gente até se para colocar para vocês, mas vocês
vão perder conteúdo.” Não, a gente se vira e tal.” As preocupações o estão muito focadas naquilo
que eles estão estudando. A gente tenta conscientizar muitas vezes, até pelo profissional que ele vai
se tornar ou que ele precisa ser e pelo que ele está investindo, está pagando, está gastando, mas
tem muito aluno que a postura dele é aquela postura, às vezes, infantil. Não tem maturidade. Muito
aluno não tem maturidade ainda e a gente percebe isso. Em contrapartida, você vê uma divisão muito
grande dentro da sala. Vomuito aluno que tem essa problemática de rebeldia ainda, esse tipo
de coisa, e tem aluno que se sai muito bem. Você até fica surpreendido na aula de responder
algumas questões que você não esperava. Esse tipo de coisa.
E) Entendi. Você falou que também leciona no ensino médio. Então, de alguma forma, você percebe
essa característica do aluno antes dele entrar na universidade.
P11) Exatamente.
E) Como é falar de maturidade para um aluno que está em um momento de desenvolvimento da vida
dele, está em um período importante de transição ainda. Como é que se administra? Como é que se
lida com isso em sala de aula? Como cobrar uma postura de um garoto de 17, 18 anos que está
agindo de uma forma considerada característica para a sua idade? Como fica o professor diante das
questões da adolescência?
P11) Então, a gente se sente meio que obrigatoriedade de mostrar para ele que ele tem que começar
a adquirir uma certa responsabilidade, que muitas vezes ele não mostra, mas fica um pouco nesse
jogo de pressão. A gente sente essa pressão. Tanto a pressão de a gente ter que passar para ele
que ele tem que ter essa responsabilidade, que ele precisa estudar, que ele precisa prestar atenção
no assunto. Por mais que ele não goste daquilo, é aquilo que vai dar base para ele estudar outras
coisas mais relacionadas à profissão que ele vai ter. Então, fica um pouco essa pressão sempre de
passar para o aluno, isso também no ensino médio, de você querer passar pro aluno essa maturidade,
você querer mostrar para ele que ele precisa mudar de postura. Pelo menos naquele ambiente ele
precisa ter uma postura diferente. Apesar de a gente saber que ele está numa fase transitória, uma
fase difícil, eu acredito que a gente não faz esse papel, de mostrar para ele que ele tem que ter essa
responsabilidade. a situação acaba se tornando pior ainda. O que parece é que, no momento da
aula, quando você está naquela tensão da aula, você tem que mostrar para a pessoa que ela precisa
mudar de postura. Eu acho que a gente acaba sendo um fator que vai influenciar nesse
amadurecimento do aluno.
E) Faz um pouco parte do papel mesmo do professor?
P11) Exatamente.
212
E) Você leciona disciplinas de matemática, certo?
P11) Sim, disciplinas relacionadas a matemática.
E) Matemática é sempre uma disciplina controversa. Alguns gostam muito, mas de maneira geral, se
percebe que os alunos têm dificuldade, talvez por conta de uma falta de preparação.
P11) É, tem a questão do pré-requisito, do aluno que vem sem ter aquele conhecimento. Tem, a
gente percebe, é lógico, sempre tem as pessoas que tem aptidão. Têm alunos que se eu ensinasse
bem ou ensinasse mal ele ia aprender. A gente sabe que ele ia aprender porque ele é praticamente
um aluno autodidata, que tem a capacidade de pesquisar e tudo mais. Agora tem essa questão que
você falou, tem muito bloqueio em relação a matemática.
E) E como é que fica o professor que, de repente, identifica na sala um bloqueio ou certo
desinteresse pela sua disciplina?
P11) Bom, eu percebo assim, tem muito aluno que acha que um curso superior é simplesmente uma
formação profissional. Ele não entende o ensino superior como uma formação também como ser
humano, como um aperfeiçoamento daqueles conhecimentos que ele foi adquirindo no ensino
fundamental e médio. Um curso superior como Sistema de Informação é um curso que trás a
formação na área de tecnologia da informação e, ao mesmo tempo, o que dá suporte para toda essa
tecnologia da informação é o conhecimento que ele tem e o conhecimento acadêmico que ele vai ter
em disciplinas relacionadas a matemática e lógica. Todo o conhecimento matemático está envolvido,
que existem algumas disciplinas que a gente ministra que não se uma aplicação imediata, por
mais que você tente tornar, trazer um exemplo, esse exemplo vai parecer muito artificial para ele no
momento. Talvez porque ele não usa aquilo ainda e talvez vai só vai usar no final do curso, se ele
fizer uma pós-graduação. Mas é um conhecimento base que ele precisa ter. Às vezes, até para o
raciocínio lógico dele, para se desenvolver nas disciplinas mais voltadas para tecnologia. Fui
questionado na semana passada mesmo por uma aluna desse curso. Ela chegou e questionou: “para
que serve? Para que serve?” Eu cheguei nela e falei: “é difícil eu te dizer para que serve. Serve? Tem
utilidade? É claro que tem.” Ainda mais uma disciplina como cálculo e aí eu mostrei para ela a função
de calcular áreas. Nós estamos aprendendo integral e a aluna não pareceu ficar convencida. E tem
que mostrar também essa questão de que é uma formação acadêmica, de que não é um curso
profissionalizante apenas. É um curso superior, um bacharelado. Então eu sinto um pouco isso aí.
E) E o aluno que deixa de assistir a aula de matemática, que foi preparada pelo professor , para ir
para o campeonato de futebol? Que sentimento desperta no professor?
P11) Um pouco indignação. Eu fico, às vezes, um pouco inconformado em ver um aluno que investe,
está pagando um curso, simplesmente entrar na aula para responder chamada. Você fez a chamada,
30% da sala se levanta e se retira. Assim, discretamente, tentam sair pela tangente, mas acabam se
retirando. Então, você um desinteresse muito grande. Você fica um pouco chateado porque você
sabe da importância que tem aquela disciplina ali para ele e tenta trazer aquilo para ele e você
percebe que ele não se convenceu daquilo, da importância da disciplina, do conteúdo que ele precisa
aprender. Um pouco desse desconforto que a gente sente.
213
E) Dentro dessa sua experiência de ensino superior e tudo mais, o senhor já vivenciou algum
episódio que tenha te mobilizado muito emocionalmente, positiva ou negativamente? Algo que tenha
realmente te marcado.
P11) Olha, existem algumas situações que a gente que a gente fica surpreendido. A experiência
não é exatamente no ensino superior...
E) Ok, pode abrir...
P11) Por exemplo, algumas situações que a gente vivenciou nas Olimpíadas de Matemática que
acontece entre escolas públicas. Eu apliquei a olimpíada numa escola em uma outra cidade e
apliquei a segunda fase do ano inteiro, que já é uma seleção dos 5% melhores alunos do Brasil.
Alguns alunos com problemas, como deficiência visual, como uma aluna que era completamente
cega, deficiente visual total, que passou para segunda fase e foi medalhista na olimpíada. São coisas
que surpreendem, quer dizer, uma aluna que não enxerga e responde uma questão de geometria,
que é uma área do conhecimento que, para maioria, é quase que exclusivamente visual e ela
entende conceitualmente aquilo, que é o que se espera de um aluno, que ele entenda o conceito. O
aluno vidente, o que enxerga, ele é totalmente viciado na figura e, às vezes, responde errado porque
é viciado na figura. A gente pega, às vezes, aluno de matemática que não consegue responder tão
bem quanto a aluna que era de oitava série. Algumas coisas que surpreendem positivamente. E
alguns casos que a gente vê, de alunos também da olimpíada de matemática. Inclusive um aluno
meu na escola pública que eu dava aula, não é um caso de aluno deficiente, mas é um caso de aluno
que era excepcional. Ele discutia com professores de matemática no nível do professor.
E) No ensino médio ou no fundamental?
P11) Ensino fundamental, 8° série. Aluno que falava sobre questões assim que grandes matemáticos
estudaram, como George Boole, Cantor, que falaram sobre questões de infinito e o aluno tem aquela
noção. Então a gente fica impressionado com algumas coisas positivamente. Negativamente, a gente
não chega a ver aqui na universidade porque o público aqui é um público, de certa maneira, de classe
média, que tem condições de pagar uma faculdade e tal, mas no ensino público a gente algumas
situações, às vezes, que impressionam. A situação miserável que algumas pessoas vivem, por
exemplo. Então, essas situações impressionam negativamente.
E) Como você costuma lidar com essas situações que mais te mobilizam?
P11) Muitas vezes, eu me vejo despreparado para lidar com questões sociais graves, de alunos que
têm o pai preso porque é assassino. Esse tipo de coisa. Me sinto despreparado na questão da
assistência social que eu poderia dar ao aluno. A gente se impressiona com a situação, fica chocado
ali no momento e acaba tentando dar continuidade, tentando fingir que aquilo o aconteceu. Depois
discute com os outros professores em reunião e o que pode ser feito. Algumas pessoas têm mais
condição emocional de chegar e falar com o aluno, mas eu me sinto despreparado emocionalmente
para lida com algumas situações como essas mais comoventes.
E) Você teve que lidar em sala de aula, aqui na universidade, com algum aluno alcoolizado, sob
efeito de drogas ou com alguma alteração marcante de comportamento?
214
P11) Marcante assim não. Eu cheguei a notar alguma coisa. Você suspeita que o aluno talvez tenha
passado do ponto, foi ao bar no intervalo e voltou meio que... Mas nunca que tenha tido que enfrentar
algum aluno, me indispor com algum aluno numa situação como essa. Não ocorreu ainda, graças a
Deus.
E) Alguma coisa mais que o professor gostaria de colocar, de falar para fechar a entrevista?
P11) Acho que não. Só desejar boa sorte na sua pesquisa e que o desenvolvimento seja positivo.
E) Ok, professor. Obrigado.
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