Download PDF
ads:
12
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DAS
RELAÇÕES POLÍTICAS
ALOIZA DELURDE REALI DE JESUS
DE PORTA ADENTRO A PORTA AFORA:
TRABALHO ESCRAVO NAS FREGUESIAS DO ESPÍRITO SANTO
(1850-1871)
VITÓRIA
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
13
ALOIZA DELURDE REALI DE JESUS
DE PORTA ADENTRO A PORTA AFORA:
TRABALHO ESCRAVO NAS FREGUESIAS DO ESPÍRITO SANTO
(1850-1871)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História Social das Relações
Políticas do Centro de Ciências Humanas e
Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo,
como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em História.
Orientadora: Profª. Drª. Adriana Pereira Campos.
VITÓRIA
2009
ads:
14
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Jesus, Aloiza Delurde Reali de, 1970-
J58d De porta adentro a porta afora : trabalho escravo nas
freguesias do Espírito Santo (1850-1871) / Aloiza Delurde Reali
de Jesus. – 2009.
172 f. : il.
Orientadora: Adriana Pereira Campos.
Dissertação (mestrado) Universidade Federal do Espírito
Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais.
1. Escravidão - Espírito Santo (Estado). 2. Trabalho escravo -
Espírito Santo (Estado). 3. Família. I. Campos, Adriana Pereira. II.
Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências
Humanas e Naturais. III. Título.
CDU: 93/99
15
ALOIZA DELURDE REALI DE JESUS
DE PORTA ADENTRO A PORTA AFORA:
TRABALHO ESCRAVO NAS FREGUESIAS DO ESPÍRITO SANTO
(1850-1871)
Dissertação apresentada ao Programa de s-Graduação em História Social das
Relações Políticas do Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade
Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em História.
Aprovada em _____ de agosto de 2009
COMISSÃO EXAMINADORA
___________________________________________
Profª. Drª. Adriana Pereira Campos
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientadora
___________________________________________
Prof. Dr. Manolo Garcia Florentino
Universidade Federal do Rio de Janeiro
___________________________________________
Prof. Dr. Sebastião Pimentel Franco
Universidade Federal do Espírito Santo
___________________________________________
Prof. Dr. Sérgio Alberto Feldman
Universidade Federal do Espírito Santo
16
AGRADECIMENTOS
Diz um ditado popular que para iniciar uma jornada é necessário dar o primeiro
passo. Dei o primeiro passo quando entrei para o grupo de iniciação científica
coordenado pela Prof.ª Drª Adriana Pereira Campos. Por meio do contato com os
arquivos históricos e das reuniões do grupo de pesquisa, eu pude aprender o que
significava o ofício do historiador. Nasceu, assim, a vontade de prosseguir nessa
jornada, e, após a graduação, finalizada no ano de 2007, ingressei no Programa de
Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), em
nível de Mestrado, mais uma vez, sob a orientação da Prof.ª Drª Adriana Pereira
Campos.
Aprendi, igualmente, que a pesquisa constitui-se de um ato coletivo, motivo pelo
qual agradeço a todos os professores e funcionários do Departamento de História e
do Programa de Pós-Graduação em História da UFES, porque lhes devo minha
formação acadêmica. Estendo meus agradecimentos aos funcionários do Arquivo
Público do Estado do Espírito Santo (APEES) e do Arquivo Geral do Município de
Vitória (AGMV), que me ensinaram os meandros da identificação das fontes nos
inúmeros catálogos e prateleiras de um acervo arquivístico.
Há ainda os amigos com os quais me reuni nessa jornada, compartilhando as
angústias geradas durante a estruturação de uma dissertação. Lembro-me,
especialmente, de minhas colegas de turma e orientação, Fabíola e Mariana, e em
seus nomes agradeço o carinho e solicitude. Nessa jornada pude contar com as
orientações e a mão firme da Prof.ª Dr.ª Adriana Pereira Campos, sempre pronta ao
incentivo e às correções de rumo. Sou grata, também, aos professores da Banca de
Qualificação e Defesa, Prof. Dr. Sebastião Pimentel Franco, Prof. Dr. Sérgio Alberto
Feldman e Prof. Dr. Manolo Garcia Florentino, pelas valorosas orientações. Outro
apoio fundamental, na forma de bolsa de mestrado, recebi do Fundo de Amparo à
Ciência e Tecnologia do Município de Vitória (FACITEC), instituição municipal
empenhada em desenvolver e incentivar a pesquisa acadêmica.
Deixo para o final, mas certa de poder colocar no início, o agradecimento aos meus
familiares, que suportaram minhas ausências mesmo quando estava em casa
absorta no empreendimento de escrever uma dissertação. Sem eles, certamente,
haveria menos motivação e força de prosseguir nessa jornada.
17
RESUMO
A presente dissertação, De porta adentro a porta afora: trabalho escravo nas
freguesias do Espírito Santo (1850-1871), possui o objetivo de apresentar os
principais aspectos do trabalho realizado por escravos em freguesias do Espírito
Santo, em especial Vitória, Capital da Província, e vilas vizinhas, no período de 1850
a 1871. Os principais grupos de fontes analisados foram os autos criminais da
Comarca de Vitória (divisão judiciária da Província) e os periódicos jornalísticos
Correio da Victoria, Jornal da Victoria e o Espírito-Santense. Analisou-se, também, o
Livro de classificação de escravos para serem libertos do município de Vitória e
os ofícios enviados por autoridades públicas à Câmara Municipal de Vitória. Por
meio do estudo desses documentos, verificou-se, primeiramente, que as escravarias
locais eram, em sua maioria, pequenas e médias, formadas por um número
equilibrado de homens e mulheres e uma significativa quantidade de crianças. Esses
aspectos levaram à constatação da importância fundamental do arranjo familiar na
formação e ampliação das escravarias localizadas no município de Vitória e
vizinhanças. Essa conformação dos plantéis de cativos possibilitou, também,
verificar que o trabalho escravo desenvolvido nessa região contava com a intensa
participação das mulheres e de crianças em todos os tipos de ocupações. O
cotidiano de trabalho desses cativos revelou, inclusive, que eles desenvolviam
quase indistintamente tarefas tipicamente rurais e urbanas, apontando para certa
ausência de diferenciação ou especialização entre os cativos ou seu emprego
exclusivo nessas modalidades. Finalmente, percebemos com esta dissertação, que
a modalidade de trabalho do escravo jamais impediu a viva sociabilidade entre os
cativos e outros estratos sociais, marcada por larga mobilidade espacial e laços que
ultrapassavam frequentemente os limites do cativeiro.
Palavras-chave: Escravidão, Trabalho escravo, Família escrava, Espírito Santo.
18
ABSTRACT
This dissertation, From door to door within: slave labor in the parishes of the Espírito
Santo (1850-1871),has the objective of presenting the main aspects of the work
performed by slaves in the parish of the Espírito Santo, in particularly Vitória,
principal of the province, and villages neighbors in the period 1850 to 1871. The main
groups of sources were analyzed for District Criminal Court of Vitória (Judicial
Division of the Province) and the regular newspaper of Victoria, Victoria and the
official The Espirito Santense. Consideration was also the 1st Book of the
classification of slaves to be freed of the City of Vitória and the letters sent by
authorities to City of Vitória. Through the study of these documents, there was, first,
that the slaves were local, mostly, small and medium, formed by a balanced number
of men and women and a significant number of children. These findings led to the
fundamental importance of family arrangement in the formation and expansion of
slaves located in Vitória and neighborhoods. This configuration of the captive stocks
has also found that slave labor had developed in this region with the intense
participation of women and children in all types of occupations. The daily work of
these captives showed even they developed almost indiscriminately tasks typically
rural and urban areas, pointing to a lack of differentiation or specialization among
captive or exclusive in their employment arrangements. Finally, we notice with this
dissertation, that the method of work of the slave never prevented the strong
sociability among the captives and other social strata, marked by great mobility and
spatial relations that often exceeded the limits of captivity.
Key-words: Slavery, Slave work, Slave family, Espírito Santo.
19
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Estimativa populacional da Província do Espírito Santo no ano de 1824,
1827, 1856 e 1872 .................................................................................................. 64
Tabela 2 - Estimativa populacional da Capital de Vitória e localidades vizinhas do
ano de 1856 ............................................................................................................ 67
Tabela 3 - Estimativa populacional da Capital de Vitória e localidades vizinhas do
ano de 1872 .............................................................................................................71
Tabela 4 - Estrutura de posse de cativos segundo faixas de tamanhos de plantéis -
Município de Vitória -1876 ....................................................................................... 72
Tabela 5 - Relação parcial de fábricas de açúcar de Viana do ano de 1852 .......... 75
Tabela 6 - Tipo de trabalho ..................................................................................... 82
Tabela 7 - Tipo de trabalho por tamanho de plantéis .............................................. 83
Tabela 8 - Proprietários com maiores escravarias Município de Vitória 1876
..................................................................................................................................83
Tabela 9 - Sexo dos escravos ................................................................................. 86
Tabela 10 - Faixa etária dos escravos .................................................................... 89
Tabela 11 - Frequência de pessoas na família ....................................................... 90
Tabela 12 - Estado civil dos cativos por tamanho de plantéis .................................91
Tabela 13 - Aptidão para o trabalho.........................................................................96
Tabela 14 - Ocupação do escravo .......................................................................... 97
Tabela 15 - Distribuição populacional da Capital de Vitória e das localidades
vizinhas do ano de 1872 ....................................................................................... 102
20
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Quatro maiores plantéis da região .......................................................... 84
Gráfico 2 - Senhor de escravos: João Batalha Ribeiro............................................. 85
Gráfico 3 - Faixa etária dos escravos ....................................................................... 95
Gráfico 4 - Trabalho doméstico .............................................................................. 116
Gráfico 5 - Trabalho rural........................................................................................ 116
Gráfico 6 – Trabalho: vários.................................................................................... 117
Gráfico 7 - Sexo do escravo - masculino ................................................................ 125
Gráfico 8 - Sexo do escravo - feminino .................................................................. 126
Gráfico 9 - Mão-de-obra: escravo ........................................................................... 127
Gráfico 10 - Mão-de-obra: livre ou escravo ............................................................ 127
21
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 12
2 ESCRAVIDÃO: DEBATES HISTORIOGRÁFICOS ............................................. 26
2.1 A ESCRAVIDÃO DISPENSA ADJETIVOS......................................................... 26
2.2 HISTORIOGRAFIA E ESCRAVIDÃO CAPIXABA............................................... 37
2.3 NOVAS PERSPECTIVAS INVESTIGATIVAS..................................................... 45
3 RIQUEZAS E ESCRAVIDÃO ............................................................................... 50
3.1 INTRODUÇÃO................................................................................................... 50
3.2 TODOS OS CAMINHOS LEVAM A VITÓRIA.................................................... 53
3.3 UNS COM POUCOS E OUTROS COM TANTO................................................ 61
3.4 ALÉM DAS PLANTAÇÕES................................................................................ 78
3.5 TRABALHO E FAMÍLIAS ESCRAVAS............................................................... 86
3.6 O TRABALHO DE INFANTES E CATIVAS..........................................................94
4 TRABALHO E COTIDIANO ESCRAVO ............................................................ 101
4.1 O ESCRAVO, O TRABALHO E A CIDADE.......................................................101
4.2 ORELHA POR ORELHA................................................................................... 114
4.3 ALUGA-SE UM ESCRAVO? ............................................................................ 122
4.4 TRANSGRESSÃO E PROTEÇÃO.................................................................... 129
4.5 O DIAMANTE DE MAXIMIANO........................................................................ 138
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 147
6 REFERÊNCIAS .................................................................................................. 153
FONTES PRIMÁRIAS............................................................................................. 153
LIVROS................................................................................................................... 156
CAPÍTULOS DE LIVROS........................................................................................ 159
ARTIGOS E REVISTAS ......................................................................................... 160
SUGESTÃO DE LEITURAS.................................................................................... 161
22
ANEXOS ................................................................................................................ 163
23
1 INTRODUÇÃO
Renovações historiográficas européias, principalmente as referentes à Escola dos
Annales
1
, introduzidas no meio acadêmico brasileiro a partir dos anos 1970 e 1980,
possibilitaram mudanças historiográficas profundas em relação ao estudo da
escravidão brasileira. A obra Ser escravo no Brasil
2
, de Kátia Mattoso, foi
considerada por Jacob Gorender
3
como um marco dessa nova corrente
historiográfica. Seguindo esses novos direcionamentos, estudos posteriores
4
abordaram regiões anteriormente preteridas e elencaram diferenciados temas como
a família escrava, resistência negra e cotidiano escravo. Contrariando os
pressupostos existentes na historiografia tradicional brasileira
5
, trouxeram à tona o
perfil de uma escravidão, em muitos pontos, diferenciada dessa visão clássica,
baseada no enfoque econômico.
Entre esses temas surgiu a escravidão nas cidades. Segundo Mary Karasch
6
tornou-
se necessário impor a formulação de uma série de questões específicas no que se
refere ao estudo da consciência, organização, relações sociais e controle social das
massas escravizadas dos centros citadinos, pois possuíam aspectos diferentes
quando comparadas à situação rural. Assim, além dos grandes engenhos e suas
senzalas, ganhou destaque o ambiente das cidades, mesmo as menores e remotas
como a cidade de Vitória e suas adjacências.
1
Em 15 de janeiro de 1929 Marc Bloch e Lucien Febvre fundaram a revista Annales d’Histoire
Économique et Sociale. Essa revista veio a se tornar referência básica para a chamada Escola dos
Annales. Os direcionamentos propostos por essa nova corrente historiográfica primavam, num
primeiro momento, por um enfoque sociológico e pela interdisciplinaridade. Ver: BURKE, Peter.
História e teoria social. São Paulo: Unesp, 2002. SOARES, Geraldo Antônio. História e vida
cotidiana: o programa da escola francesa dos Annales. Publicações CCJE, UFES, Revista Interface,
ano II, nº5, set./1999, p.51.
2
MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1982.
3
GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. São Paulo: Ática, 1990.
4
Alguns desses autores e obras foram abordados no primeiro capítulo da presente dissertação no
subtópico 2.1 - A ESCRAVIDÃO DISPENSA ADJETIVOS.
5
São autores expoentes dessa historiografia econômica tradicional: JÚNIOR, Caio Prado. Formação
do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo: Martins, 1942. FERNANDES, Florestan. Sociedade
de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Achiame, 1968. CARDOSO, Fernando
Henrique. Capitalismo e escravidao no Brasil meridional: o negro na sociedade escravocrata do
Rio Grande do Sul. -. 2. ed. - Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
6
KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro: 1808-1850. Tradução: Pedro Maia
Soares. São Paulo: Cia. das Letras, 2000, p. 259 a 291.
24
Um ponto em comum elencado por alguns autores
7
, presente na historiografia sobre
o cotidiano dos cativos nas grandes cidades imperiais brasileiras, como Salvador e
Rio de Janeiro, afirma que os escravos trabalhadores desses ambientes possuíam
mobilidade espacial maior que o escravo rural. Tanto os cativos que desenvolviam
alguma ocupação especializada quanto aquele carregador (o transporte em geral
tornou-se uma das principais funções escravas em uma cidade), devido às suas
ocupações, gozavam de maior liberdade, muitas vezes, também, porque se
encontravam longe da vigilância senhorial. Mesmo os domésticos, vivendo e
trabalhando na casa de seus senhores, por causa de seus afazeres, como a
lavagem de roupas em fontes públicas, necessitavam circular pelas cidades. Além
da mobilidade espacial a cidade oferecia condições para o cativo amealhar
economias, comprar sua alforria e permanecer, constantemente, em contato com
outros grupos sociais. Cabe destacar que a distância dos olhos senhoriais não
significava uma falta total de vigilância, o Estado procurava cumprir o papel de feitor
buscando controlar e limitar os passos dos cativos pelas ruas e vielas das cidades.
8
Por outro lado, cabe elencar o pressuposto por Hebe Maria Mattos
9
, ou seja, as
áreas rurais e suas propriedades também ofereciam aos cativos certa mobilidade
espacial, a possibilidade de acumular economias e de construir seus “espaços de
liberdade” com a venda de produtos retirados de suas roças (pequenos lotes de
terra cedidos pelo senhor) e a constituição de famílias. Inferimos, então, que essas
características da escravidão não deixavam de ocorrer tanto em espaços mais
afastados das cidades quanto nos seus ambientes centrais, mesmo que em maior
ou menor medida.
Da mesma forma, quanto à conformação das cidades no século XIX, observamos as
premissas de Mattoso, que afirma:
[...] nos séculos XVII, XVIII e mesmo no XIX, no Brasil, cidade e campo
eram estreitamente inter-relacionados. No espaço, seus limites eram
imprecisos; economicamente, viviam em estreita simbiose. Seus habitantes
não hesitavam em deslocar-se de um para o outro num contínuo vaivém de
7
Sobre a vida do escravo na cidade ver, entre outros: KARASCH, 2000, p. 259 a 291. CHALHOUB,
Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo:
Cia. das Letras, 1990.
8
ALGRANTI, Leila Mezan. O feitor ausente: estudo sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro:
1808-1822. Rio de Janeiro: Editora Vozes Ltda, 1988.
9
MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista -
Brasil, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
25
cavalos, mulas, palanquins e pedestres. As cidades eram “pomares”,
“hortas”, campos urbanizados.
10
Trazendo a presente discussão para a Província do Espírito Santo destacamos que
a imprecisão apontada por Mattoso, entre cidade e campo no século XIX, também
foi observada no espaço físico da cidade de Vitória e suas adjacências. Sítios e
pomares faziam parte do setor central da cidade. De acordo com Merlo
11
, grande
parte dos moradores de Vitória, apesar de possuírem bens fora da capital, morava
em seu âmbito citadino.
12
Quanto à economia dessa região, como comprovado por meio de recente
análise
13
, apesar de estar afastada das principais rotas, se integrava ao comércio
colonial como exportadora de produtos agrícolas para outras províncias brasileiras.
Essa análise contradiz o fracasso econômico abordado pela historiografia tradicional
capixaba, pois ela sempre avaliou a lucratividade da região em relação ao seu
comércio com a Metrópole portuguesa e o considerou a produção para o
abastecimento interno como fator de inserção na economia mercantil colonial. Por
outro lado, esse estudo corrobora com as análises tradicionais por abordar a
dependência da região pela mão-de-obra escrava.
Contudo, apesar de constatada a dependência regional da mão-de-obra escrava,
demonstrada também por outros autores
14
, não faz parte dessas análises discutirem,
especificamente, sobre as formas do trabalho escravo desenvolvidas no cotidiano da
cidade de Vitória e adjacências. Assim, acreditando contribuir com a historiografia da
escravidão produzida no Espírito Santo, constitui-se objeto desta dissertação,
10
MATTOSO, 1982, p.13.
11
MERLO, 2003, p. 23 a 40.
12
Como área urbana de Vitória, nesse período, pode-se considerar os quarteirões que ficavam de
frente para o mar e o morro do Penedo e se estendiam até a Santa Casa de Misericórdia e o
Campinho. A ocupação do espaço continental deu-se somente após a instauração da República. Ver:
BASTOS, Fabíola Martins. Relações sociais, conflitos e espaços de sociabilidade: formas de
convívio no município de Vitória, 1850-1871. Dissertação (Mestrado em História) Programa de Pós-
Graduação em História Social das Relações Políticas, UFES, Vitória, 2009, p.20.
13
CARVALHO, Enaile Flauzina. Política e economia mercantil nas terras do Espírito Santo - 1790
a 1822. 2008. 159f. Dissertação (Mestrado em Historia) - Programa de s-graduação em História
Social das Relações Políticas, UFES, Vitória, 2008.
14
Entre outros trabalhos ver: ALMADA, Vilma Paraíso Ferreira de. Escravismo e transição: o
Espírito Santo, 1850/1888. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984, p. 64 a 74. SALETTO, Nara.
Transição para o trabalho livre e pequena propriedade no Espírito Santo: 1888-1930. Vitória:
EDUFES, 1996, p.45. BITTENCOURT, Gabriel. A formação econômica do Espírito Santo: o roteiro
da industrialização, do engenho às grandes indústrias (1535-1980). Rio de Janeiro/ Vitória:
Cátedra/DEC, 1987.
26
precisamente, analisarmos o trabalho escravo realizado na cidade de Vitória, e nas
freguesias (termo que designava a divisão dos municípios) de Viana, Cariacica, Vila
do Espírito Santo, Queimado, Serra, Nova Almeida e Santa Cruz (conforme anexo
1). Procuramos caracterizar sua formatação quanto ao gênero, à idade, aos espaços
e às sociabilidades. Acreditamos ter encontrado um cotidiano escravo que não
afasta Vitória das grandes cidades do Império brasileiro em relação às principais
características do trabalho escravo, como a mobilidade espacial, a possibilidade de
angariar economias e as relações diversas com outros grupos sociais, guardando as
devidas proporções. Buscamos, então, elencar os aspectos constitutivos da
formação dessas escravarias e do trabalho escravo realizado no cotidiano desse
espaço social.
Em primeiro lugar, discutimos os caminhos percorridos pela historiografia da
escravidão brasileira, que permitiu a emergência de análises como a da presente
pesquisa. Em segundo lugar, especificamos a posse e a composição das
escravarias da região, as principais ocupações e ofícios dos escravos e
identificamos qual o papel da mulher e da criança na formação dessas escravarias e
no trabalho realizado nessa região. Por último, investigamos alguns aspectos do
trabalho escravo realizado no cotidiano da cidade de Vitória e suas adjacências,
especificamente o espaço no qual se desenvolvia esse trabalho. Abordamos,
também, o comércio de venda, compra e aluguel de cativos, e a relação desses com
seus senhores e com outros grupos sociais. A realização desses propósitos teve
como objetivo principal caracterizar, sob os aspectos relacionados acima, o trabalho
escravo desenvolvido na cidade de Vitória e adjacências, no período de 1850 a
1871.
Ao elencarmos o período para a delimitação desse estudo consideramos,
primeiramente, a importância da proibição definitiva do tráfico de escravos em 1850,
pela Lei Eusébio de Queirós, apesar de certo incremento do tráfico ilegal de
escravos após essa data, com desembarques em algumas províncias brasileiras,
entre elas, o Espírito Santo.
15
O ano de 1850 sinalizou, finalmente, um possível fim
da escravidão no Brasil. O preço do escravo tornou-se elevado, dificultando ainda
15
RODRIGUES, Jaime. O infame comércio: propostas e experiências no final do tráfico de africanos
para o Brasil (1800-1850). Campinas/SP: UNICAMP/CECULT, 2000, p.216.
27
mais o acesso à mão-de-obra escrava. Outros elementos considerados nessa
delimitação inicial da temporalidade do objeto foram as mudanças econômicas e o
aumento populacional advindos da imigração e da produção do café, que trouxeram
grandes transformações para a Província do Espírito Santo.
16
Quanto ao ano de
finalização, ou seja, 1871, deveu-se aos novos direcionamentos impostos à
escravidão brasileira, trazidos pela Lei do Ventre Livre, data em que o fim da
escravidão pareceu mais plausível. Sidney Chalhoub
17
esclareceu que as alforrias
dos escravos pelos senhores era uma decisão complexa, envolvendo tanto questões
de consciência individual quanto de percepções e avaliações críticas da sociedade.
O direito consuetudinário dava aos cativos a possibilidade de angariar economias e
comprar sua liberdade. Mas após o ano de 1871 os senhores perderam a
exclusividade das alforrias, ficando sujeitos aos acontecimentos, pois os cativos
passaram a angariar suas economias e utilizar o poder público para conquistar a
liberdade por meio de processos. Importou, então, considerar, na presente
dissertação, o período anterior a essas novas perspectivas, 1850 a 1871, no qual,
mesmo que o escravo angariasse pecúlio, não possuía um amparo legal para essa
prática. Quanto às fontes documentais utilizadas, o período proposto revelou um
conjunto de fontes homogêneo e de fácil acesso, facilitando a realização dos
objetivos da presente pesquisa.
Cabe esclarecer, também, que tomamos como referência para a delimitação do
espaço geográfico da presente análise a região da Província do Espírito Santo,
denominada pelos documentos de época como Central (conforme anexo 1). A
divisão da Província capixaba em região Norte, Sul e Central aparecem nos
relatórios presidenciais quando se referem à Comarca de Vitória localizada no
Centro, Comarca de São Mateus, ao Norte, e Comarca de Itapemirim, ao Sul da
Província do Espírito Santo. A divisão policial da Província também mantinha essa
mesma diferenciação espacial.
18
Utilizamos, assim, a configuração espacial exposta
na obra de José Marcellino Pereira de Vaconcellos, em 1856, segundo a qual Vitória
se constituía em uma cidade que encabeçava outras freguesias, tais como
16
ALMADA, 1984, p. 64 -74.
17
CHALHOUB, 1990, p.95 -173.
18
Por exemplo, ver o Relatório do Presidente de Província Antônio Alves de Souza Carvalho de 1861,
p. 9, Arquivo Público do Estado do Espírito Santo.
28
Cariacica, Viana, Carapina e os distritos de paz de Itapoca e Mangaraí.
19
Somaram-
se ainda as localidades de Serra, Queimado, Nova Almeida e Santa Cruz, pois se
encontravam estreitamente ligadas, econômica e socialmente, à Vitória. Não se
congregou as colônias de imigrantes estrangeiros, primeiramente por possuírem
uma soma irrisória de braços cativos e, em segundo lugar, pelo tema necessitar de
análises que fugiriam do enfoque desta dissertação, tal como a dinâmica da
imigração.
Quanto aos conceitos de espaços e agentes sociais, utilizamos, para o
embasamento teórico da pesquisa, as premissas da história comparada, tal como
proposto por Pierre Bourdieu
20
, cujo objetivo consiste em tomar como referência o
invariante na variante observada. Portanto, escolhemos, dentre as inúmeras
possibilidades de atuação dos escravos nos espaços sociais, estudá-los em relação
às atividades produtivas por eles realizadas. A delimitação, porém, considerou outra
premissa teórica enunciada por Bourdieu, segundo a qual cada sociedade, em cada
momento, possui um conjunto de posições sociais, vinculado por uma relação de
homologia a um conjunto de atividades ou de bens, eles próprios relacionalmente
definidos. Buscamos, assim, compreender as diversas posições sociais do escravo,
no cotidiano, em afinidade com o conjunto das relações produtivas da Província do
Espírito Santo. O conjunto relacional deste estudo obrigou-nos a considerar o
pequeno tamanho da economia provincial em relação ao Brasil e a perda de
importância da região central da província para a região sul, que crescia em
decorrência da expansão do norte fluminense e absorvia um número cada vez maior
de escravos em propriedade maiores do que as localizadas em Vitória. Tomando
ainda Bourdieu como referência, procuramos esclarecer que o espaço social da
escravidão na Província do Espírito Santo baseava-se tanto no capital econômico,
quanto no capital cultural e os agentes se posicionavam de acordo com o peso de
cada um. Neste estudo, portanto, além das relações produtivas, tentamos destacar
as sociabilidades que marcavam as relações do mundo da liberdade com o cativeiro,
proporcionadas, sobretudo, pela estreitas relações entre vizinhanças muito próximas
19
VASCONCELLOS, Jose Marcellino Pereira de. Ensaio sobre a História e Estatística da
Província do Espírito Santo. Victoria, Typografhia de P. A D’Azeredo, Rua da Praça Nova nº. 3,
1858, p.99.
20
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Tradução: Mariza Corrêa.
Campinas/SP: Papirus, 1996, p.15.
29
ou pela existência de escravarias extensas, do ponto de vista parental.
Consideramos as diferenciações sociais entre escravos, libertos e livres como fruto
de construções cotidianas. Como cotidiano entendemos a própria passagem do
tempo e uma dimensão fundamental da história. É nesse cotidiano que se
constroem os hábitos e os costumes, as igualdades e as diferenciações sociais.
21
Assim, na caracterização do trabalho de escravos, atentamos para os mecanismos
ou práticas sociais de diferenciação que delimitavam os espaços de liberdade do
cativeiro.
Cabe especificar que ao buscarmos traçar o cotidiano de trabalho dos cativos dessa
região capixaba, procuramos analisar não apenas o perfil econômico da produção
escravista, mas também e especificamente o processo social e o percurso dos
indivíduos no interior desse ambiente, como afirma Simona Cerutti “partindo dos
indivíduos, recompondo-lhes o percurso social e tentando reconstituir-lhes as
escolhas, o pesquisador se interroga [...], esforça-se por desenhar seu horizonte, e
para isso define seus interesses muito além da profissão ou do estatuto oficial”
22
.
Para o alcance dos objetivos da presente dissertação utilizamos entre outras fontes
o 1º Livro de classificação dos escravos a serem libertos pelo fundo de emancipação
do município de Vitória, do ano de 1876 (conforme anexos 2 e 3), localizado no
Arquivo Geral do Município de Vitória (AGMV). A Lei do Ventre Livre, de 28 de
agosto 1871, além de libertar os filhos nascidos de mulheres escravas, entre outras
disposições, criou o Fundo de Emancipação de escravos. O artigo dessa Lei é o
seguinte:
Art. 3º: Serão anualmente libertados em cada província do Império tantos
escravos quantos corresponderem à quota anualmente disponível do fundo
destinado para a emancipação.
§1º: O fundo da emancipação compõe-se:
1º: Da taxa de escravos.
2º: Dos impostos gerais sobre transmissão de propriedade dos escravos.
3º: Do produto de seis loterias anuais, isentas de impostos, e da décima
parte das que forem concedidas d’ora em diante para correrem na capital do
Império.
4º: Das multas impostas em virtude desta lei.
21
SOARES, 1999, p.51.
22
CERUTTI, Simona. A construção das categorias sociais. In: BOUTIER, Jean & JULIA, Dominique
(Org.). Passados recompostos: campos e canteiros da história. Tradução: Marcella Mortara &
Annamaria Skinner. Rio de Janeiro: FGV/UFRJ, [1988] 1995, pág.240.
30
5º: Das quotas que sejam marcadas no orçamento geral e nos provinciais e
municipais.
6º: De subscrições, doações e legados com esse destino.
§2º: As quotas marcadas nos orçamentos provinciais e municipais, assim
como as subscrições, doações e legados com destino local, serão aplicadas
à emancipação nas províncias, comarcas, municípios e freguesias
designadas.
23
O artigo da referida Lei obrigava a matrícula de escravos em todos os municípios
do Império. No município de Vitória, abriu-se o Livro de classificação em 23 de
agosto de 1876, sob as ordens do inspetor da Província do Espírito Santo - Torquato
Caetano Simões, conforme abaixo:
de servir este livro para a classificação dos escravos que possam ser
libertados pelo fundo de emancipação, no município desta capital, e leva no
fim o competente termo de encerramento. E para constar, lavrei o presente
termo que assino. Tesouraria de Fazenda da Província do Espírito Santo,
em 23 de agosto de 1876.
O Praticante
João Pinto das Neves
24
Todos os escravos, sem exceção, teriam de ser matriculados sob pena de multas e
de os senhores serem obrigados a libertar os escravos caso não se verificasse o
registro, após um ano do encerramento da matrícula. Os livros de classificação
deveriam conter a declaração do número de matrícula, nome, sexo, estado civil,
aptidão para o trabalho e filiação de cada cativo, se fosse conhecida. O Livro de
classificação dos escravos do município de Vitória foi confeccionado informando
matrícula, nome, cor, idade, estado civil, profissão, aptidão para o trabalho,
quantidade de pessoas da família, nome do senhor e observações. Cabe esclarecer
que o foi de interesse imediato da presente dissertação discutir a implantação do
Fundo de emancipação, após a Lei do Ventre Livre de 1871, e seu provável impacto
na sociedade escravista do município de Vitória. Coube a utilização dessa fonte
visando, especificamente, elencar características quantitativas em relação a essas
escravarias, para a caracterização da estrutura de posse e composição e do
23
Sobre essa fonte: os dados sobre o período escravocrata foram baseados no "Inventário Analítico:
A escravidão em São Carlos" do Prof. Álvaro Rizzoli, do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com material e documentos cedidos pelo autor. Pró-
Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da Universidade de São Paulo (USP) e da Comissão de
Cultura e Extensão Universitária do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP -
São Carlos (ICMC-USP). Disponível em: www.icmc.usp.br/ambiente/saocarlos/?historia/o-processo-
de-abolição-e-a-vinda-dos-imigrantes-europeus/lei-do-ventre-livre. Acesso em: 23 de agosto de 2008.
24
Livro de classificação de escravos para serem libertados pelo fundo de emancipação. Município
da Cidade de Victoria, 1876. Arquivo Geral do Município de Vitória.
31
emprego da mão-de-obra escrava. Pois consideramos que, mesmo pertencendo ao
ano de 1876, pôde contribuir para demonstrar esses contornos.
Os escravos existentes na região de Vitória no ano de 1876 perfaziam um total de
5.839 indivíduos.
25
O Livro de Classificação de escravos é do mesmo ano e
apresenta um total de 2.908 escravos, isto é, 49,80% dos escravos da região.
Assim, a fonte citada possibilitou levantar as características de quase metade das
escravarias e dos escravos existentes na cidade de Vitória e ao seu redor no ano de
1876. São os resultados do levantamento desses dados e posterior cruzamento
deles que serão demonstrados a seguir, além de serem, também, confrontados com
pesquisas relacionadas ao tema em questão.
O segundo corpo documental constituiu-se por um total de 53 autos criminais
(conforme anexo 4) de variados tipos de crimes, pertencentes à Comarca de Vitória.
Após a Independência do Brasil, em 1827, a denominação de Comarca devia-se a
uma divisão judiciária que reunia duas ou mais vilas ou cidades, sob a jurisdição de
um juiz de direito que presidia o Tribunal do Júri.
26
Inicialmente existia a Comarca do
Espírito Santo, estabelecida em 15 de janeiro de 1732.
27
No ano de 1828 essa
comarca abrangia a cidade de Vitória e seis vilas, a saber: Itapemirim, Benevente,
Guarapari, Espírito Santo (atual Vila Velha) e Nova Almeida. Abrangia também o
aldeamento de São Pedro D`Alcântara, em Comboios, no Rio Doce. Em 1828, a
Comarca do Espírito Santo englobava também as vilas de São Salvador e São João
da Barra, que foram, posteriormente, desanexadas pela lei de 31 de agosto de 1832
e incorporadas ao Rio de Janeiro.
28
A Lei Provincial de 23 de março de 1835 dividiu a antiga Comarca do Espírito Santo
em Comarca de Vitória, de São Mateus e de Itapemirim. A Comarca de Vitória
incluía, nesse período, os municípios de Serra, Nova Almeida, Espírito Santo,
Vitória, Santa Cruz, e as freguesias de Carapina, Queimado, Cariacica, Viana e
25
ALMADA, 1984, p.116.
26
VASCONCELLOS, J. M. P de. Cathecismo Histórico e Político seguido de Máximas e
Pensamentos de Diversos Autores. Victoria, Typografia de Pedro Antonio D`Azeredo, 1859, p.10.
27
VASCONCELLOS, 1858, p.75.
28
Ver: VASCONCELLOS Ignácio Accioli de. Memória Statistica da Província do Espírito Santo
escrita no ano de 1828. Transcrição do manuscrito original realizada por Fernando Achiamé, Arquivo
Público Estadual, Vitória, 1978. OLIVEIRA, José Teixeira. História do Estado do Espírito Santo. 3.
ed. Vitória: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo/Secretaria de Estado da Cultura, 2008,
p.328.
32
Linhares.
29
A vila da Vitória era a cabeça da Comarca e foi elevada à categoria de
cidade em 1823. Compunham a Comarca de Itapemirim as vilas de Itapemirim,
Benevente e Guarapari. Da Comarca de São Mateus participavam a cidade de São
Mateus e a vila da Barra de São Mateus.
30
Essa mesma divisão, formada por três comarcas, perdurou até o ano de 1860,
quando foi criada, pela Lei Provincial nº. 21, de oito de julho, a Comarca de Santa
Cruz, que passou a se denominar Reis Magos pela Lei Provincial de nº. 22, de julho
de 1862. Na divisão judiciária registrada por Brás da Costa Rubim
31
, no ano de
1862, havia, dessa forma, quatro comarcas: Vitória, que compreendia a cidade de
mesmo nome e as vilas de Viana, Espírito Santo e Serra; a Comarca de Itapemirim
compreendia as vilas de Itapemirim, de Guarapari e de Benevente; a Comarca de
Reis Magos englobava as vilas de Santa Cruz, de Linhares e de Nova Almeida; e a
de São Mateus representava a cidade de São Mateus e a vila da Barra de São
Mateus. Essa é a mesma divisão apresentada no relatório provincial do presidente
José da Costa Pereira Junior no ano de 1861.
32
Percebe-se que as vilas de Nova
Almeida, Santa Cruz e Linhares, anteriormente pertencentes à Comarca de Vitória,
passaram a pertencer, em 1862, à Comarca dos Reis Magos.
No fim do ano de 1871 a província capixaba mantinha as mesmas quatro comarcas.
Basílio Damon
33
, jornalista dos Oitocentos, que escreveu a história do Espírito Santo
em 512 páginas, explica em sua obra que no ano de 1879, a Província contava
com um total de sete comarcas: Vitória, Conceição da Barra, Santa Cruz, São
Mateus, Iriritiba, Itapemirim e São Pedro do Cachoeiro. Cabe inferir, portanto, que as
divisões judiciárias variavam de acordo com o aumento populacional e a
necessidade de desafogar os serviços das antigas comarcas.
29
VASCONCELLOS, 1858, p.81.
30
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, Relatório com que o Exm. Snr. Barão de Itapemirim,
primeiro vice-presidente da província do Espírito Santo, entregou a administração ao Exm. Snr. Dr.
Jose Mauricio Fernandes Pereira de Barros no dia 8 de março de 1856, Victoria, Typografia
Capitaniense de P A d’ Azeredo, 1856.
31
RUBIM. Brás da Costa. Dicionário Topográfico da Província do Espírito Santo. In: Revista do
Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, 1862, tomo XXV, p.597-648.
32
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, Relatório apresentado a Assembléia Legislativa
Provincial do Espírito Santo No Dia da Abertura da Sessão Ordinária de 1861 pelo Presidente Jose
Fernandes da Costa Pereira Junior, p.8.
33
DAEMON, Bazilio Carvalho. Província do Espírito Santo, sua descoberta, historia
chronologica, synopsis e estatística. Victoria: Typografia do Espírito Santense, 1879 (cópia do
Arquivo Público Estadual), p.484.
33
Após essas explicações, compreende-se melhor a região escolhida para os estudos
aqui propostos. A Comarca de Vitória, encabeçada pela Capital, abarcava em
grande parte as freguesias onde os escravos realizavam as atividades analisadas
nesta dissertação. Os autos criminais dessa comarca compõem um dos principais
grupos de fontes primárias destacados para a análise. Nesse conjunto de fontes
documentais transcreviam-se os depoimentos e todas as fases processuais
pertencentes aos trâmites judiciais de um crime. Por intermédio desses documentos,
as autoridades realizavam a investigação e o julgamento dos delitos. Analisamos os
autos criminais de forma prioritariamente qualitativa e partes consideradas
relevantes para o estudo foram transcritas. Esses documentos se encontram no
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (APEES).
Analisamos como terceiro grupo de fontes, os periódicos jornalísticos (conforme
anexos 5 e 6) localizados no APEES. Quanto ao nascimento da Imprensa nas terras
capixabas, podemos inferir, inicialmente, que representou um fator de extrema
importância social. De acordo com Maria Helena Capelato
34
, a Imprensa surgiu
tardiamente no Brasil devido aos esforços da Coroa portuguesa em impedir que as
críticas à dominação metropolitana se propagassem. A dispersão populacional dos
centros urbanos coloniais representava outro obstáculo. Contudo, apesar das
dificuldades, diários e panfletos circularam nos pequenos e grandes centros
urbanos. O analfabetismo era contornado pela comunicação oral. Por meio de
leituras em voz alta, nas esquinas, nas farmácias ou nos serões familiares se fazia a
divulgação das mensagens, muitas vezes de cunho político. O período que
antecedeu a Independência do Brasil cristalizou a luta entre a imprensa oficial e a de
oposição, e na segunda metade do século XIX, começaram a aparecer os jornais
republicanos.
O primeiro jornal a circular no Espírito Santo foi “O Estafeta”, fundado em 15 de
setembro de 1840 pelo alferes Ayres Vieira de Albuquerque Tovar. Ele circulou
somente uma vez e em 1848 sua tipografia foi vendida a Pedro Antonio de Azeredo.
De 1849 a 1899 foram publicados 33 jornais em toda a Província capixaba,
chegando a 34 devido à Coleção da “Folha da Victoria”, que se encontra na
34
CAPELATO, Maria Helena Rolim. A imprensa na história do Brasil. São Paulo: Contexto/EDUSP,
1998, p.38.
34
Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). A maioria
desses jornais era da cidade de Vitória. Apenas 13 foram publicados no interior da
Província do Espírito Santo, destacando-se “O Cachoeirano”, o qual existiu entre
1877 e 1923.
35
Utilizamos nessa presente dissertação os dados elencados na análise de três
periódicos jornalísticos do período, isto é, o Correio da Victoria, o Jornal da Victoria e
o Espírito-Santense. Em 1849 publicou-se o Correio da Victoria, segundo jornal
capixaba, propriedade de Pedro Antonio de Azeredo, que marca, de fato, o
aparecimento do jornalismo na Proncia capixaba. Segundo Daemon, outro
periódico de relevância foi o Jornal da Victoria, fundado no dia 2 de abril de 1864,
pertencia a uma associação composta de membros do partido liberal, possuía como
principal redator o engenheiro Manoel Feliciano Muniz Freire, coadjuvado pelo
Bacharel JoCorrêa de Jesus, o engenheiro Leopoldo Augusto Deocleciano de
Mello e Cunha e outros, e ainda pelo associado e diretor Delecarliense Drummond
de Alencar Araripe.
36
A primeira edição do Espírito Santense surgiu em 08 de
setembro de 1870. Seu fundador foi José Marcellino Pereira de Vasconcellos, e o
gerente e editor era Manoel Antonio de Albuquerque Rosa.
Dos periódicos jornalísticos indicados, os exemplares utilizados como fontes nesta
pesquisa foram os referentes ao Correio da Victoria dos anos de 1849, 1850, 1854,
1855, 1856, 1857, 1858, 1859, 1864, 1869, 1870 e 1871. Os exemplares referentes
ao Jornal da Victoria dos anos de 1864, 1867, 1868 e 1869 e os exemplares
referentes ao Espírito Santense dos anos de 1870 e 1871. Desses exemplares
analisados foram transcritos um total de 481 anúncios, geralmente inseridos na
página conservada apenas para esse tipo de publicação, sendo esse quantitativo
dividido entre 66 anúncios de aluguel, 86 de fuga, 19 de compra e 86 de venda,
todos esses referentes aos escravos, e 224 anúncios de temas variados. Os
anúncios foram transcritos conforme a relevância para essa análise. Evitamos
transcrever as repetições, pois, no caso dos negócios citados, isto é, aluguel,
compra e venda, e, da mesma forma, nos casos de fugas, publicava-se o mesmo
35
MESQUITA, Letícia Nassar Matos. A produção literária feminina nos jornais capixabas na
segunda metade do século XIX: a revelação de Adelina Lírio. Vitória: Instituto Histórico e Geográfico
do Espírito Santo, 1999, p.9.
36
DAEMON, 1879, p.389.
35
anúncio, no mínimo, três dias seguidos. Num primeiro momento, em relação aos
anúncios de compra, venda e aluguel de cativos realizamos uma análise quantitativa
por meio da inserção dos dados coletados em um banco de dados. Posteriormente
desenvolvemos uma análise qualitativa sobre o total de anúncios elencados
buscando analisar as informações pertinentes sobre o trabalho escravo na cidade de
Vitória e vizinhanças.
Como quarto grupo de fontes, utilizamos os ofícios e petições (conforme anexo 7),
esses documentos continham temas e pedidos diversos enviados à Câmara
Municipal de Vitória cobrando as devidas providências por parte do poder público. O
ofício tratava-se de uma comunicação entre as autoridades públicas enquanto as
petições se originavam dos pedidos de particulares. Desse grupo de documentos
elencamos um total de 25 exemplares. Dedicamos a esse grupo de fontes uma
análise preferencialmente qualitativa, mais uma vez com a transcrição de
documentos considerados relevantes para esta pesquisa. Esses documentos fazem
parte do AGMV.
Após a presente introdução, ao iniciarmos os capítulos da presente dissertação,
destacamos, num primeiro momento, num imenso campo historiográfico, apenas
alguns autores e obras e suas influências nos estudos sobre a escravidão brasileira
e Espírito Santense. Abordamos os caminhos historiográficos percorridos pela
escravidão brasileira, focando mudanças ocorridas na abordagem tradicional que
tornou a grande propriedade escravista e monocultora o único referencial de
desenvolvimento econômico na Colônia e no Império brasileiro. E, num segundo
momento, analisamos a historiografia capixaba da escravidão com base em algumas
obras e autores. Por fim analisamos o estudo da escravidão nas cidades brasileiras
e em regiões afastadas das áreas de maior intensidade econômica do período
Colonial e Imperial, como a cidade de Vitória e adjacências.
Dando seguimento à análise, no terceiro capítulo abordamos as características do
ambiente urbanizado da cidade de Vitória e de seus arredores, de sua economia e
população escrava, estabelecendo, assim, o reconhecimento do espaço econômico
e social em que os escravos estavam inseridos. Pretendemos analisar,
especialmente, a região Central da Província capixaba e para o alcance desse
objetivo utilizamos as informações estatísticas e históricas encontradas em
memórias oficiais e em pesquisas recentes que estão possibilitando uma abordagem
36
diferenciada para a história da escravidão e da sociedade capixaba. Analisamos da
mesma forma a posse e composição da escravaria do município de Vitória por meio
do Livro de classificação de escravos, fonte citada, comparando os resultados
com as pesquisas recentes sobre o tema. Apontamos o emprego da mão-de-obra
escrava e seus principais tipos de trabalho. Fizemos levantamentos e avaliações de
dados como idade, sexo e profissões dos cativos através de gráficos e tabelas,
proporcionando maior visibilidade do trabalho dos escravos no cotidiano da região,
base de análise.
No quarto capítulo delimitamos os espaços sociais da cidade de Vitória e
adjacências, ou seja, seu espaço central e seu entorno. Locais onde o escravo
labutava e vivia seu cotidiano. Demonstramos também as formas utilizadas por essa
sociedade para conviver, trabalhar e negociar seus cativos ou com seus cativos.
Constatamos a prática do aluguel de mão-de-obra escrava e o cotidiano dos cativos
“ao ganho” e a atuação deles em relação aos variados grupos sociais da região.
Enfim, após o último capítulo apresentamos as conclusões obtidas a partir das
referidas análises, procurando cooperar com o fazer historiográfico capixaba em sua
necessária ampliação e desenvolvimento.
2 ESCRAVIDÃO: DEBATES HISTORIOGRÁFICOS
2.1. A ESCRAVIDÃO DISPENSA ADJETIVOS
A escravidão africana no Brasil ainda hoje revela inúmeras questões que suscitam
muitas polêmicas nas diversas pesquisas dedicadas ao tema. O surgimento de
tantos questionamentos, tanto no passado quanto no presente, deve-se,
especialmente, à importância fundamental ostentada pela escravidão em sua
implantação na colônia brasileira e nos desdobramentos políticos, econômicos,
culturais e sociais advindos desse episódio.
Cabe esclarecer, inicialmente, que o objetivo destas limitadas páginas é sintetizar as
discussões que surgiram em torno de conceitos, posteriormente tidos como
limitados, utilizados pela historiografia brasileira para adjetivar a escravidão e,
consequentemente, os escravos. Entre os conceitos estão, principalmente, os
levantados pelo debate entre uma suposta escravidão que seria designada como
37
“amena” ou, por outro lado, “cruel”. Em relação aos cativos destacamos a teoria do
escravo-coisa e a inserção posterior deles como agentes históricos ativos, mas
sempre movidos pela violência exacerbada inerente à escravidão. Seria, segundo
Chalhoub
37
, a teoria do escravo-coisa na sua versão “progressista” de escravo-
rebelde.
Formada por jovens historiadores e sociólogos de São Paulo, uma corrente
historiográfica revisionista, denominada de Escola paulista, tornou-se fonte de
grande parte dos estereótipos atribuídos aos escravos e à escravidão brasileira.
Pode-se citar, como participantes desse movimento, entre outros, Florestan
Fernandes, Otávio Ianni, Emília Viotti da Costa, Fernando Henrique Cardoso, Roger
Bastide e Caio Prado Júnior.
38
O principal tema de estudo desses autores centra-se
na formulação de um modo de produção existente no Brasil, envolvendo a análise
do processo de acumulação do capital, no qual a escravidão era sempre
considerada como fundamental e geradora de mercado e lucro. A compulsão ao
trabalho era a garantia de lucratividade e, para obtê-la, o uso da violência era muito
comum para o controle dos escravos. Equiparados às mercadorias, os cativos
tornavam-se “coisas”, sendo seus atos de violência a única forma de expressarem a
indignação ante a exploração do trabalho e perante os constantes castigos. Essas
abordagens deram fruto a uma historiografia generalizada, calcada em uma análise
predominantemente econômica, distante do cotidiano e do percurso de vida dos
escravos. Mencionando em suas análises a coisificação do negro, a exploração
ilimitada do trabalho escravo e o uso constante da violência, os autores citados se
opuseram frontalmente às idéias de Gilberto Freyre.
No período no qual Freyre publicou sua obra, no ano de 1933, Casa Grande e
Senzala
39
, a miscigenação existente na sociedade brasileira era vista, como uma
herança que inviabilizaria, definitivamente, o futuro do país. Uma segunda posição
resgatava a miscigenação ocorrida no passado brasileiro, desde que, no futuro,
37
CHALHOUB, 1990, p.251.
38
Citados como partícipes da “Escola Paulista” por GORENDER, Jacob. A escravidão Reabilitada.
Editora Ática S.A, São Paulo: 1990, p.14, e SCHUARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes.
Trad: Jussara Simões-Bauru, SP: Edusc, 2001, p.25-26.
39
FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da
economia patriarcal. 25. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, [1933] 1987.
38
houvesse um constante processo de branqueamento racial, buscando-se erradicar
os traços da herança negra. Conforme Benzaquen Araújo,
[...] ambas as perspectivas avaliam de maneira profundamente negativa o
relacionamento com essa herança, posto que a maior divergência entre elas
parece consistir simplesmente em que a primeira julga os constrangimentos
que supostamente daí derivaram como totalmente insuperáveis, enquanto a
segunda, aparentemente, aposta na sua futura eliminação.[...]
40
Em busca de uma terceira alternativa, Araújo destacou que Gilberto Freyre não
conseguiu superar de forma definitiva o conceito de raça e separá-lo do conceito de
cultura. Contudo, utilizando a definição neolamarckiana de raça (na qual o homem
consegue se adaptar aos mais diversos meio-ambientes, além de incorporar,
transmitir e herdar suas características), esses conceitos tornaram-se relativamente
compatíveis entre si. Dessa forma, segundo Araújo, Freyre buscou valorizar a
facilidade de adaptação física dos grupos formadores da sociedade brasileira
(africanos, portugueses e índios) tentando se desvencilhar das concepções
monogenistas e poligenistas, que, em última instância, cultivavam ideais racistas.
41
Mas podemos observar contribuições fundamentais de Freyre. Podemos destacar
sua importante inovação metodológica, por exemplo. Pesquisando o cotidiano,
hábitos, costumes e usando fontes como os anúncios de jornais, os relatos de
viajantes estrangeiros, livros de receitas, fotografias e diários, entre outras, Freyre
resgatou, de forma positiva a tradição cultural brasileira. Além disso, ao tentar
percorrer os caminhos cotidianos de uma sociedade formada por famílias patriarcais,
sem deixar de atentar para a existência de outros tipos de arranjos familiares
42
, o
autor revelou que as relações entre senhores e escravos não eram baseadas,
exclusivamente, na dominação e na violência. Na vida diária o escravo se afirmava
como pessoa e sua influência lingüística, religiosa e seu papel sexual na
miscigenação era fundamental, e foi amplamente destacado pelo autor. Assim,
40
ARAUJO, Ricardo B. Guerra e paz: Casa-grande e senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos
30. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994, p. 29.
41
O monogenismo, visão dominante até meados do século XIX, congregou a maior parte dos
pensadores que, conforme as escrituras bíblicas, acreditavam que a humanidade era una. O homem
teria se originado de uma fonte comum. O poligenismo, a partir de meados do século XIX, tornou-se
uma alternativa plausível com o avanço dos estudos biológicos e, sobretudo, diante das contestações
ao dogma monogenista da Igreja. O homem seria originário de vários centros de criação que
correspondiam às diferenças raciais observadas. Ver: SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das
raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil: 1870-1930. São Paulo: Cia. das Letras, 1993.
42
FREYRE, 1987, p. 65.
39
Freyre demonstrou que o papel do escravo ia além da passividade e ultrapassava os
limites do controle senhorial.
43
Consideramos que, mesmo não conseguindo se desvencilhar totalmente das
concepções biológicas de raça, Freyre deu um grande passo para a percepção da
cultura como uma entidade autônoma, enaltecendo, assim, a miscigenação
brasileira e resgatando de forma positiva, a influência negra, indígena e portuguesa
na formação da sociedade brasileira. Cabe salientar, então, a inversão praticada por
Freyre quando destacou a importância do conjunto da influência negra, contrariando
as idéias pseudo científicas do período. No entanto, ao descrever as influências
sociais e culturais africanas, o relacionamento patriarcal e, principalmente, a
aproximação sexual entre senhores e escravos, Gilberto Freyre foi considerado
como conservador e propagador dos ideais saudosistas do século XIX.
44
Teria,
dessa forma, criado o mito da “democracia racial”, imagem permanentemente
criticada ou incorporada por nossa historiografia até os dias atuais. Ele foi
responsabilizado por difundir a ideia da existência de uma escravidão brasileira
“amena” em comparação com outras partes da América. Sua obra tornou-se um
marco dessa suposta concepção e influenciou futuros trabalhos de diversos autores
estrangeiros que buscavam comparar as formas de escravidão existentes nas
Américas.
45
Têm-se, assim, os desdobramentos historiográficos que deram origem a
visões antagônicas sobre a escravidão brasileira. Segundo Silvia Hunold Lara,
a partir da identidade entre paternalismo, benevolência da escravidão e
democracia racial, o debate sobre o caráter da relação entre senhores e
escravos no Brasil acabou se fixando em torno de binômios opostos e
quase irreconciliáveis. Tratava-se, em alguns casos, de saber se a
escravidão no Brasil tinha suas características essenciais ditadas pelas
necessidades econômicas do processo de acumulação do capital ou [...] até
mesmo a simples proximidade no contato entre cativos e senhores, levavam
a amenizar a relação de exploração e a suavizar o cativeiro no Brasil.
46
43
SOARES, Geraldo Antonio. Gilberto Freyre: historiador da cultura. In: Afro-Ásia, UFBA, 27,
2002, p. 223-248.
44
QUEIRÓZ, Suely Robles Reis de. Escravidão em debate. In: FREITAS, Marcos Cezar (Org.).
Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998, p.105.
45
Como exemplos de autores estrangeiros, Queiróz cita TANNENBAUM, Frank. El negro em las
Américas. Esclavo e ciudadano. Buenos Aires: Paidós, 1968. ELKINS, Stanley M. Slavery: a
problem in American Institucional and intelectual life. Chicago: The University of Chicago Press, 1959.
QUEIRÓZ, 1998.
46
LARA, Sílvia Hunold. Campos da violência: escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro:
1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p.99.
40
Seria, na visão de Lara, uma oposição entre uma leitura “econômica” e uma leitura
“social” da escravidão brasileira. Outros autores, a partir dos anos 1970, mesmo de
formas diferenciadas, procuraram uma maior proximidade entre os aspectos
econômicos e sociais e um questionamento sobre o próprio conceito de
paternalismo. Diante disso, novas influências teóricas foram fundamentando o
estudo da história no Brasil. Consoante Maria Yedda Leite Linhares,
Naquele momento reativava-se, em novas bases, a disposição de rever as
explicações relativas aos fundamentos da sociedade brasileira, como se
estivéssemos tentando dar por encerrados o debate de idéias sobre as
estruturas sócio-econômicas do Brasil, debate este que prevaleceu nos
anos 50 e 60. No final dos anos 70, levavam-se em conta propostas
concretas de investigação científica. As expansões então verificadas das
universidades brasileiras e a criação dos setores de pós-graduação com
amplo apoio das agências federais de financiamento deram o sinal de
partida para a renovação da pesquisa nos variados campos do
conhecimento [...].
47
Não se pode deixar de citar a crítica de Jacob Gorender, quem afirma ser esse
procedimento “o prenúncio da virada de retorno à linha de Gilberto Freyre”
48
.
Gorender se referiu ao livro de Kátia Mattoso, Ser escravo no Brasil
49
, com primeira
edição em 1982, como o marco dessa nova orientação designada por ele como
“neopatriarcalismo
50
. Segundo Gorender no período destacam-se as influências
advindas dos Estados Unidos, Paris e Londres, principalmente acerca do
culturalismo de Edward Thompson e da historiografia francesa dos Annales.
O revisionismo inglês, no qual se destacou Edward Thompson
51
, se deu pela
introdução de propostas antropológicas ao fazer histórico, pois consoante o autor,
[...] o estímulo antropológico se traduz primordialmente não na construção
de modelo, mas na identificação de novos problemas, na visualização de
velhos problemas em novas formas, na ênfase em normas (ou sistemas de
valores) e em rituais, atentando para as expressivas funções das formas de
47
FRAGOSO, João Luis Ribeiro. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça
mercantil do Rio de Janeiro: 1790-1830. 2. ed. rev. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
48
GORENDER, 1990, p.14.
49
MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1982.
50
Essa nova orientação historiográfica repensaria o conceito de violência do sistema e admitiria uma
escravidão de caráter consensual pela qual haveria a possibilidade de negociações entre senhores e
cativos, tornando o cotidiano mais brando, aproximando-se da linha interpretativa de Gilberto Freyre.
QUEIRÓZ, 1998, p.108.
51
THOMPSON, Edward P. Folclore, antropologia e história social. In: Antônio Luigi Negro & Sérgio
Silva (Org.). As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas/SP: UNICAMP, 2001. p.
305-352.
41
amotinação e agitação, assim como para as expressões simbólicas de
autoridade, controle e hegemonia.
52
Para Thompson, importavam a possibilidade de reconstituir os estados passados de
consciência e a textura das relações domésticas e sociais. O “seradquiriu, assim,
maior significado do que o “tornar-se” com o aumento do interesse no próprio
processo histórico e não apenas nas mudanças advindas dele. O autor afirma que a
História é uma disciplina do contexto e do processo social. No entanto, ele resiste à
influência da história social quando se diz inserido na tradição marxista e, sua
posição, apenas continha críticas às versões reducionistas e economicistas
atribuídas às teorias de Marx.
Quanto à escola francesa dos Annales, segundo André Burguière
53
, por meio de
fundos de arquivos públicos disponibilizados pelo Estado, os historiadores puderam
desenvolver uma pesquisa positiva baseada nas fontes. A história das sociedades
passou a se limitar à história da vida pública e das formações culturais, na medida
em que o homem adquiria dimensão social na vida blica. Esse quadro foi
alterado por meio da influência da antropologia, quando os estudos das formas da
vida cotidiana passaram a fazer parte do pensamento histórico que teve como
preocupação principal reconstituir o itinerário e os progressos da civilização.
Entretanto, no momento em que os Estados-nações recriaram a memória coletiva
para justificar pelo passado sua dominação esse estudo tornou-se supérfluo. Então,
contra uma concepção que reduzia o campo histórico ao domínio da vida blica,
enquanto concepção redutora e centralizadora do devir histórico e também da
sociedade, se constituiu a escola dos Annales. A partir dela passou-se a abordar a
sociedade com mais profundidade e se buscou uma concepção multidimensional da
realidade social, pois cada dimensão esboça sua própria história e procura um modo
de articulação com os outros, com o intuito de construir o movimento de uma
coletividade.
Assim sendo, Kátia Queirós Mattoso, em Ser escravo no Brasil
54
, abordou as
diferentes visões de mundo concebidas pelos diversos grupos sociais presentes na
52
THOMPSON, 2001, p. 229.
53
BURGUIÈRE, André. A antropologia histórica. In: LE GOFF, Jacques. A História Nova. Tradução:
Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
54
MATTOSO, 1982.
42
sociedade escravista e considerou a maior ou menor autonomia oferecida pelos
vários contextos econômico-sociais encontrados no Brasil de então. Indo além,
identificando estratégias empregadas pelos escravos para comprar a liberdade e
para ascender socialmente, Mattoso evidenciou “o desejo de tomar o próprio ponto
de vista do escravo” e “a vontade de acompanhar cada passo de sua vida intelectual
e coletiva”.
55
E destacou em sua obra, uma abordagem com ênfase na leitura social
da escravidão.
Em outro trabalho em que se abordou o cotidiano escravo, Silvia Hunold Lara, em
Campos da Violência, Escravos e Senhores na Capitania do Rio de Janeiro
56
,
analisou as várias formas de castigos impostas aos escravos e suas relações com a
disciplina do trabalho e a dominação e exploração senhorial e estatal. Mesmo
enfatizando o escravo como agente ativo de sua própria história, a autora não
conseguiu se desfazer da visão de uma sociedade escravista cruel, tendo em vista a
utilização de um conjunto de fontes primárias criminais do qual recortou relatos que
primaram pela descrição de atos violentos, por parte dos senhores e dos escravos.
Em 1989, outra obra, de João José Reis & Eduardo Silva, Negociação e Conflito: a
resistência Negra no Brasil Escravista
57
reforçou a necessidade de análise do
contexto social e do dia-a-dia do escravo. Os autores procuraram demonstrar a
limitação de estudos que deram ênfase à absolutização dos cativos, ora como
agentes ativos de sua história, ora como vítimas passivas. De acordo com os
autores,
Os escravos não foram vítimas ou heróis o tempo todo, se situando na sua
maioria e a maior parte do tempo numa zona de indefinição entre um e
outro pólo. O escravo aparentemente acomodado e até submisso de um dia
podia tornar-se o rebelde do dia seguinte, a depender da oportunidade e
das circunstâncias.
58
Desse modo, teve destaque a arte de negociar dos escravos como uma arma de
resistência e sobrevivência cotidiana e buscou-se como sugere Mattoso, a
observação da escravidão pela perspectiva do escravo, “um escravo real, não
55
MATTOSO, 1982, p. 12.
56
LARA, 1988.
57
REIS, João José & SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil
escravista. São Paulo: Cia das letras, 1989.
58
REIS & SILVA, 1989, p. 7.
43
reificado e nem mitificado”
59
. A negociação levada a um bom termo beneficiava
tanto senhores como cativos. Por outro lado, a ruptura poderia surgir em
conseqüência de uma negociação ou mesmo da falta dela. Não obstante, os
autores negaram enfaticamente a existência de relações harmoniosas entre escravo
e senhor, apenas sugerindo que “ao lado da sempre presente violência, havia um
espaço social que se tecia tanto de barganhas quanto de conflitos”
60
. Os autores,
portanto, não conseguiram se desvencilhar de pré-suposições sobre a escravidão
estabelecidas pela historiografia, que privilegiava o aspecto violento da escravidão,
sempre cruel e desumano.
Os esforços para a compreensão da escravidão brasileira continuaram avançando.
Em 1989, Sidney Chalhoub intencionou enfatizar, em seu trabalho Visões da
Liberdade
61
, um fazer histórico dependente das lutas dos próprios agentes sociais,
buscando “recuperar a indeterminação, a imprevisibilidade dos acontecimentos”
62
.
Ele investigou o sentido que as próprias personagens históricas atribuíam às suas
lutas. Usando a análise de indícios, conforme preconizado por Ginzburg, o
autorapontou a necessidade de se atentar para a existência de várias formas de
lutas em torno de diferentes visões e definições de liberdade.
63
O significado de
liberdade teria se forjado na experiência individual do cativeiro. Os escravos, com
visões próprias sobre a escravidão, influenciaram as transações de compra e venda
e a transformação de costumes em Leis, como o direito ao pecúlio e à alforria por
indenização de preço, ambos regulamentados pela Lei do Ventre Livre de 1871, e
finalmente, contribuíram decisivamente, nas últimas décadas da escravidão, atuando
no desmanche da instituição escravista. Chalhoub declara ainda que seu objetivo
principal foi tentar recuperar aspectos de experiência dos escravos na Corte,
conforme suas maneiras de pensar o mundo e atuar nele. Para tanto, o autor
trabalhou basicamente no “campo da interpretação de interpretações: o importante
era perceber o que os diferentes sujeitos históricos entendiam por escravidão e
59
MATTOSO, 1982, p. 8.
60
REIS & SILVA, 1989, p. 7.
61
CHALHOUB, 1990.
62
CHALHOUB, 1990, p. 20.
63
CHALHOUB, 1990, p. 16.
44
liberdade, e como interagiam no processo de produção dessas visões ou
percepções”
64
.
Ao observar os escravos na interação de suas relações cotidianas o autor percebeu
a movimentação deles na tentativa de conquistar benefícios e lutar contra a
intrincada política de dominação escravista expressa pela justiça do período,
“conseguindo politizar a rotina e, assim, transformá-la”
65
. Além disso, Chalhoub
conseguiu demonstrar que a ação dos escravos como agentes históricos ativos
dava-se no dia-a-dia. Essa ação diária era tão importante quanto as tentativas de
fugas, de rebeliões, a formação de quilombos, os assassinatos e os suicídios. A
imagem de escravos “coisificados” pela violência da escravidão ou agindo
irracionalmente contra essa violência foi contrabalançada pelo autor, que argumenta:
Algumas pessoas ficarão decepcionadas com as escolhas destes escravos
que lutaram pela liberdade, resolutamente por certo, mas sem nunca terem
se tornado rebeldes como zumbi. Essa é uma decepção que temos de
absorver, e refletir sobre ela, pois para cada Zumbi com certeza existiu um
sem-número de escravos que, longe de estarem passivos e conformados
com sua situação, procuraram mudar sua condição através de estratégias
mais ou menos previstas na sociedade na qual viviam. [...] afinal, combater
no campo de possibilidades largamente mapeado pelos adversários é
exatamente o que fazem ao insistirem em Zumbi e na rebeldia negra.
66
Seguindo o mesmo caminho de Sidney Chalhoub, Hebe Maria Mattos, em sua obra
Das Cores do Silêncio, Os significados da liberdade no Sudeste escravista
67
, de
1998, afirma que escravos e senhores possuíam concepções individuais do que era
ser escravo e da escravidão. As práticas políticas eram protagonizadas no cotidiano,
tanto pelos escravos como pelos senhores. Os primeiros tentando conquistar
espaços de liberdade para viverem melhor ou, quem sabe, conquistar a liberdade
definitiva, enquanto os segundos tentavam, de todas as formas, manterem o poder.
Para a autora, a noção de bom ou mau cativeiro deve ser analisada através da visão
dos próprios escravos, que percebiam essa diferenciação no seu cotidiano. Como
Chalhoub, Mattos assevera que por meio da politização das suas ações cotidianas
os escravos buscavam manter e conquistar espaços de autonomia que
proporcionavam uma vivência de liberdade, mesmo que limitada. Esses espaços de
64
CHALHOUB, 1990, p. 251.
65
CHALHOUB, 1990, p. 253.
66
CHALHOUB, 1990, p. 253.
67
MATTOS, 1998.
45
autonomia se apresentavam como uma desvinculação do cativeiro relativizando o
significado da escravidão e da liberdade.
O final da escravidão, segundo Mattos, além de representar determinações políticas
do Estado Imperial tomadas de cima para baixo, foi fruto, também, da luta cotidiana
dos escravos, a qual forçou mudanças jurídicas por parte do poder instituído, como a
Lei do Ventre Livre de 1871. As determinações legais, junto com a reivindicação
diária por parte dos escravos destruíram, aos poucos, as bases que sustentavam o
regime escravista.
Concordamos, seguindo os caminhos sugeridos por Sidney Chalhoub e Hebe Maria
Mattos, com a busca por uma história multifacetada fugindo de modelos e conceitos
pré-supostos. Uma história do cotidiano escravo e de suas relações sociais, dando
nova configuração ao individual e ao coletivo. Além do escravo passivo ou ativo,
vítima ou herói, o que deve ser buscado, no contato exaustivo com as fontes
históricas, o os diversos processos realizados por eles para a obtenção de
autonomia e liberdade.
Esses novos caminhos trilhados pelos estudos sobre a escravidão demonstraram
que dentro das intricadas teias de relações sociais, nas quais os escravos eram
absorvidos no seu dia-a-dia, uma se destacava, a familiar e seu desvendamento
descortinou um novo enfoque para os estudiosos da escravidão. Com a utilização do
instrumental desenvolvido pela demografia histórica, tornou-se possível esmiuçar um
novo conjunto de fontes que revelaram muitas nuances sobre os casamentos, as
relações familiares e de parentesco escravo.
Podemos destacar como exemplo a obra de Manolo Florentino & José Roberto
Góes, A Paz das Senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico
68
, de 1997. Nessa
obra os autores analisaram como a formação e manutenção de famílias escravas
trazia a paz para os senhores e suas senzalas ao criar laços de pertencimento e
comprometimento entre os escravos. Por outro lado, os cativos podiam usufruir de
uma renda política derivada dessas relações de parentesco que ampliavam seus
horizontes sociais e até econômicos.
68
FLORENTINO, Manolo & GÓES, José R. A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico,
Rio de Janeiro, c.1790-c 1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
46
Outra importante pesquisa sobre famílias escravas é Na senzala uma flor -
Esperanças e recordações na formação da família escrava
69
, de 1999, do autor
Robert Slenes. Apesar de não acreditar na família escrava como um pilar para a
sustentação do escravismo, como defendem Florentino & Góes, Slenes considera
que essa faceta da vida escrava, como várias outras, contribuiu para a formação de
uma identidade escrava diferenciada em relação aos senhores, e compartilhada por
um grande número de cativos.
Concomitantemente ao crescimento vertiginoso dos estudos sobre arranjos
familiares escravos, ascenderam as análises sobre as relações entre cidadania e
escravidão, hierarquização social, e, nos últimos anos, apreciações envolvendo
identidade étnica e gênero. Diante disso, abordamos outras três obras, escritas nos
últimos anos que apontam mais alguns caminhos percorridos pela historiografia
brasileira da escravidão.
A primeira obra, Escravidão e cidadania no Brasil monárquico
70
, de 1999, de Hebe
Maria Mattos, elenca as relações entre escravidão e cidadania nos oitocentos. A
autora estuda como as noções de raça e de cidadania foram articuladas no Império
para dar conta de duas realidades demográficas essenciais da época, ou seja, uma
das maiores populações escravas das Américas e a maior população de
descendentes livres de africanos do continente. Mattos verificou que a discussão
sobre cidadania, apesar de existente, nunca colocou em risco o direito à propriedade
privada, chegando, no limite, ao favorecimento dos vários grupos de descendência
escrava, mas sem colocar em “xeque” a própria escravidão.
A segunda obra aborda a identidade étnica e religiosa de um grupo de africanos,
procedentes da Costa da Mina, os quais fundaram uma irmandade na igreja de
Santo Elesbão e Santa Efigênia, na rua da Alfândega, no Rio de Janeiro. Trata-se da
obra Devotos da cor: identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro
71
, de Mariza de Carvalho Soares. A autora informa como foi construída uma nova
modalidade de identidade étnica por essa irmandade, reinterpretando, dentro dos
69
SLENES, Robert. Na senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
70
MATTOS, Hebe Maria. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico. 2.ed. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2004.
71
SOARES, Mariza de Carvalho. Devotos da cor: identidade étnica, religiosidade e escravidão no
Rio de Janeiro: século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
47
limites permitidos, o que sobrou da cultura de sua terra natal e apropriando-se,
também de forma limitada, da cultura da nova terra. A formação de irmandades
pelos cativos tornou-se uma forma de viver uma liberdade limitada, proporcionada,
inicialmente, pelo distanciamento do senhor e, posteriormente, pela autonomia e
auto-gestão derivadas da formação e manutenção de uma associação.
A terceira obra mencionada é Caetana diz não: histórias de mulheres da sociedade
escravista brasileira
72
, de 2005, de Sandra Lauderdale Graham. Discutindo
escravidão e gênero, ela analisa o caso de uma escrava chamada Caetana que na
obrigação de se casar com um escravo escolhido por seu senhor, preferiu dizer não.
É possível perceber, com base nessa obra, os limites impostos pelos cativos às
vontades de seus senhores. Códigos de conduta e valores sociais tornavam essa
sociedade eivada por intrincadas redes de relações sociais nas quais os escravos,
cotidianamente, buscavam mecanismos para obtenção de uma vida melhor.
Percebemos, assim, que o ponto em comum encontrado nas obras atuais sobre a
escravidão brasileira provém da vontade de compreender a escravidão pela visão
dos próprios atores sociais, sem nenhuma pré-determinação de adjetivações
limitadoras. Como assevera Mattos, “Não há escravidão ‘suave’ ou ‘cruel’, ela
dispensa adjetivos”
73
. Para complementar essa citação, basta citar Chalhoub, o qual
acredita que não como qualificar previamente a atuação dos escravos como
sujeitos históricos em termos de dualidades como passividade e atividade,
conformismo e resistência, coisificação e rebeldia. Vai-se de um discurso de
denúncia de uma extrema violência da escravidão e conseqüente vitimização do
negro, à reação escrava irracional por meio de fugas, assassinatos ou suicídios, ou,
à louvação dos feitos heróicos de alguns deles.
74
Não se podem tomar esses
adjetivos como absolutos. Mesmo afirmando a atuação do escravo em seu cotidiano
como agente ativo na transformação de sua história, cabe, principalmente, analisar
as várias formas de ocorrência desse processo. Para perceber o processo social
sem concepções históricas pré-determinadas, foi imprescindível a adoção de
múltiplos objetos de pesquisa e a alteração do olhar em relação ao papel das fontes
72
GRAHAM, Sandra Lauderdale. Caetana diz não: histórias de mulheres da sociedade escravista
brasileira. São Paulo: Cia. das Letras, 2005.
73
MATTOS, 1998, p.143.
74
CHALHOUB, 1990, p.250.
48
primárias, problematizando-as, primeiramente, com a introdução do percurso de vida
e das intrincadas relações sociais cotidianas ao fazer histórico. Uma vez que, antes
de tudo, os cativos eram seres-humanos, escravizados num determinado período
histórico, e não podem ser reduzidos a uma mera dualidade ou complementos de
adjetivos.
2.2. HISTORIOGRAFIA E ESCRAVIDÃO CAPIXABA
Escrever sobre a historiografia da escravidão no Espírito Santo é, realmente, um
agradável desafio. Principalmente, pelo fato de que uma historiografia voltada para a
escravidão como tema principal foi abordada por poucos autores. Devido a isso,
elencamos alguns autores e obras que contribuíram para a atual conjuntura da
historiografia capixaba da escravidão.
Cabe citar, inicialmente, o autor capixaba Afonso Cláudio e sua obra Insurreição de
Queimados: um episódio da história da Província do Espírito
75
. Nascido em 1859,
Afonso Cláudio conviveu com a escravidão. Tornou-se Bacharel em Direito e
integrou-se ao movimento abolicionista, que, no período de publicação de sua obra,
começava a se destacar na Capital da Província, Vitória. O autor era partidário de
uma ideia de abolição que conciliasse a instituição da propriedade privada com a
concepção de liberdade como direito “natural” do homem, ideia advinda da
Revolução Francesa. A abolição, para ele, deveria ser gradativa de modo que os
senhores de escravos não fossem prejudicados em seus interesses e posses. A
escravidão era encarada, menos como uma injustiça, do que como um obstáculo
para um país que precisava se modernizar.
76
José Murilo de Carvalho
77
utiliza a
expressão de “dialética da ambigüidade” para expressar a dinâmica das relações
entre a burocracia imperial e os proprietários rurais, pois, segundo o autor, tratava-
se de uma sociedade escravocrata agrária e analfabeta governada por uma elite
cosmopolita voltada para o modelo europeu de civilização, mesmo considerando as
diferenças existentes dentro desses grupos.
75
CLÀUDIO, Afonso. Insurreição de Queimados: um episódio da história da província do Espírito
Santo. Vitória: Fundação Ceciliano Abel de Almeida, 1979.
76
CAMPOS, Adriana Pereira. Abolicionistas, negros e escravidão. Dimensões: Revista de História da
UFES. Vitória: UFES/CCHN, nº 10, 2002. p.31 a 45.
77
CAVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a
política imperial/ José Murilo de Carvalho. – 4ª edi. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
49
Em relação ao episódio de Queimados, segundo Cláudio, tratou-se de uma
insurreição liderada por escravos que atuavam na construção de uma igreja, sob a
orientação do Frei Gregório de Bene. o é imprescindível neste momento
especificar os desdobramentos da revolta, cabe apenas demonstrar aqui algumas
questões abordadas acerca do episódio. Apesar de atribuir aos escravos a iniciativa
da revolta Cláudio considerou esse fato o causador do inevitável fracasso do
acontecimento. Adriana Pereira Campos, em um estudo sobre a obra de Afonso
Cláudio, afirma:
Tornando os negros como vítimas dos equívocos da sociedade escravista e
achando-os incapazes de lutar contra o julgo que os submetia, o autor
propagava a idéia de que somente os homens livres estavam habilitados a
dirigir o futuro, fato que revela sua visão romântica e preconceituosa das
iniciativas escravas.
78
Em consonância com as idéias abolicionistas da época, Afonso Cláudio negou a
capacidade de luta dos escravos de mudarem sua condição e prefere que a
liberdade seja conquistada na legalidade, evitando os excessos das revoltas
escravistas. De acordo com Campos,
A obra de Afonso Cláudio combatia a escravidão no país, ao mesmo tempo
que difundia o preconceito racial, através de conclusões depreciativas sobre
a condução do movimento pelos negros. O fato é que a tese” do escravo
como sujeito incapaz é fruto de uma ideologia muito antiga, colocada a
serviço de uma classe (que não mais existe) e ainda presente no imaginário
popular.
79
A obra de Cláudio, contudo, transformou-se em um dos primeiros esforços de
recuperar a história da escravidão capixaba.
O despertar para a preservação e uso das fontes históricas existentes no Estado do
Espírito Santo, que possibilitaram as produções regionais capixabas, todavia, se deu
com a realização do “I Simpósio de História” pelo Departamento de História da
Universidade Federal do Espírito Santo, no ano de 1972. Essa iniciativa, de alguns
professores, levou ao desenvolvimento de vários projetos visando o levantamento e
catalogação das fontes históricas em vários municípios. Podemos destacar, por
exemplo, a figura de Renato Pacheco
80
como importante participante nesses
78
CAMPOS, 2002, p.38.
79
CAMPOS, 2002, p.43.
80
Renato José da Costa Pacheco foi Bacharel em Direito e em História, mestre em Ciências pela
Escola de Sociologia e Política de São Paulo e livre-docente da UFES. Dedicou mais de 40 anos ao
magistério e quase vinte à magistratura estadual. Nasceu em Vitória/ES, em 16 de dezembro de
50
projetos. O movimento incentivou a produção de inúmeros trabalhos baseados em
fontes primárias locais.
Nas obras surgidas nesse período os escravos aparecem numa abordagem,
preferencialmente econômica, dentro dos moldes da “Escola Paulista”.
81
Mas, por
outro lado, essas produções já se encontravam dentro do contexto de regionalização
da história capixaba e representaram um avanço para a historiografia do Estado. Um
dos principais autores desse período foi Gabriel Bittencourt, com as obras Esforços
industrializantes na República do café
82
e a A formação econômica do Espírito
Santo
83
, de 1987. Três anos antes, Vilma Paraíso Ferreira de Almada publicou
Escravismo e Transição: o Espírito Santo (1850-1888)
84
, fruto do mesmo movimento
de preservação da história capixaba. No trabalho de Almada aparece a tradicional
referência ao crônico atraso econômico do Espírito Santo:
Esses depoimentos nos parecerão bastante plausíveis se considerarmos a
escassa população da Província, seus imensos territórios cobertos de
matas e habitados por indígenas - alguns antropófagos, como os botocudos
da região do Rio Doce -, sua agricultura decadente e um insignificante
comércio.
85
Da mesma forma, a autora destaca a importância da introdução do café na
província:
O café, introduzido na região desde o início do século XIX, conforme
referência do príncipe Maximiliano Wied (13), por suas características de
melhor cotação no mercado internacional, menor necessidade de capital
para beneficiamento, e, principalmente por tratar-se de cultura extensiva e
exigente de terras virgens, acabará por impor-se à economia do Espírito
Santo, em substituição à cultura da cana-de-açúcar, para o que irá valer-se
da mão-de-obra escrava disponível e atrair imigrantes livres e escravos das
regiões vizinhas, que aos poucos irão ocupar as imensas áreas
despovoadas da Província.
86
1928, e faleceu na mesma cidade, em 18 de março de 2004. Disponível em:
www.estacaocapixaba.com.br/indexmun.html. Acesso dia 19/08/2008.
81
Análise abordada no subtópico 2.1 - A escravidão dispensa adjetivos.
82
BITTENCOURT, Gabriel Augusto de Mello; MARTINS, Ismenia de Lima.. UNIVERSIDADE
FEDERAL FLUMINENSE. Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Esforços industrializantes na
Primeira Republica: o Espirito Santo -1889-1930. 1979. 131f. Dissertação (Mestrado) - Universidade
Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia.
83
BITTENCOURT, Gabriel. A formação econômica do Espírito Santo: o roteiro da industrialização,
do engenho às grandes indústrias (1535-1980). Rio de Janeiro/ Vitória: Cátedra/DEC, 1987.
84
ALMADA, 1984.
85
ALMADA, 1984, p.60.
86
ALMADA, 1984, p.60.
51
Os mesmos referenciais sobre a economia capixaba são encontrados na obra de
Bittencourt
87
que também destacou a decadência da Capitania/Província, fato
alterado somente com o advento da cultura do café. A escravidão foi abordada por
ele como um empecilho ao desenvolvimento do capitalismo, sendo esse o principal
motor que impulsionou a superação do trabalho escravo na sociedade brasileira.
Assim como Bittencourt, Almada abordou os temas dentro de seus contextos
historiográficos. Os dois autores procuraram inserir a Província capixaba à
historiografia econômica brasileira vigente em seu período. Mas suas obras foram
ainda mais inovadoras por introduzirem a análise de fontes primárias locais.
No caso da obra de Almada, houve também a tentativa de realizar uma interpretação
social da história capixaba, dando ênfase ao cotidiano dos escravos. Utilizou-se,
para isso, um conjunto de fontes extremamente diversificado, como autos criminais,
periódicos jornalísticos e inventários. Nesse corpus, entretanto, apesar de os
escravos aparecerem em alguns momentos como agentes históricos ativos, são
também abordados bem ao gosto da teoria “escravo-coisa”. Segundo a autora,
o escravo, coisificado e explorado como animal, só encontra na reação ao
trabalho e ao seu senhor perspectivas de recuperar-se como ser humano,
enquanto o senhor através da reificação do escravo e da coação extra-
econômica encontra meios de manter sua posição privilegiada de domínio e
espoliação.
88
As obras de Bittencourt e de Almada são importantes referenciais para a
historiografia capixaba, apesar de ajudarem de certa forma a manter estereótipos
em relação à nossa economia, como a sua constante decadência, e em relação à
própria escravidão. Seguindo a mesma ênfase nos estudos econômicos, citamos a
obra de Nara Saletto de 1996, Transição para o trabalho livre e pequena
propriedade no Espírito Santo
89
. A autora aborda o início da expansão cafeeira e
analisa a introdução dos imigrantes nas fazendas capixabas.
Outra importante escritora capixaba é Maria Stella de Novaes. Em A escravidão e a
abolição no Espírito Santo
90
, adentrou pela história capixaba primando por uma
abordagem social e cultural dessa sociedade escravista. Abordou temas como a
87
BITTENCOURT, A formação econômica do Espírito Santo, 1987.
88
ALMADA, 1984, p.130.
89
SALETTO, 1996.
90
NOVAES, Maria Stella. A escravidão e a abolição no Espírito Santo. Vitória: IHGES, 1963.
52
Insurreição de Queimado e o movimento abolicionista. Por seu estudo sobre a
escravidão e pelo conjunto de sua extensa obra a autora se destacou como uma das
maiores escritoras capixabas. Podemos citar como exemplo da mesma linha cultural
de Novaes, porém primando por uma pesquisa mais empírica, o historiador Cleber
Maciel com sua obra Negros no Espírito Santo
91
de 1993. Esses autores
privilegiaram uma análise cultural da escravidão capixaba dando ênfase à
preservação da memória escrava sobre vários aspectos, inclusive com a abordagem
de temas religiosos. Cumprem um papel de relevância na preservação da memória
cultural do estado, pois resgataram figuras históricas, inclusive escravos, que
ficariam esquecidos no tempo se não fossem esses prestimosos estudos.
Vale informar que como em 1972, (também no Departamento de História da UFES,
entretanto, com uma vertente preferencialmente social) nas últimas décadas, surgiu,
um movimento de renovação historiográfica influenciado pela história social francesa
e inglesa, e que produziu significativos trabalhos de pesquisa, encetados em
conjuntos de fontes primárias alocados nos arquivos públicos da região. Como
avaliou Manolo Florentino
92
, trata-se de uma “colonização” dos arquivos ou,
considerando o movimento de 1972, uma recolonização dos arquivos sob novos
referenciais teóricos e metodológicos.
A partir dessas pesquisas surgiram teses de doutorado como a de Geraldo Antônio
Soares intitulado Vida quotidiana e conflito social em Vitória no final do século XIX
93
,
percebemos a inovação dos estudos sobre as sociabilidades em Vitória
considerando a análise do cotidiano de escravos e livres e as solidariedades e
conflitos advindos dessas relações sociais.
Em outra tese de doutorado Nas Barras dos Tribunais: Direito e escravidão no
Espírito Santo do século XIX
94
, de 2003, de Adriana Pereira Campos, a autora
analisa a prática judiciária, por meio de processos criminais de escravos no Espírito
Santo, nos oitocentos. Ela observou que o trabalho da Polícia e da Justiça era
91
MACIEL, Cleber. Negros no Espírito Santo. Vitória: Departamento Estadual de Cultura, Secretaria
de Produção e Difusão Cultural/UFES, 1994.
92
FLORENTINO, Manolo. Introdução. In: Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH, v. 26,
nº 52, jul-dez/2006.
93
SOARES, Geraldo Antonio. Vida quotidiana e conflito social em Vitória no final do século XIX.
Paris: EHESS, nov/1997.
94
CAMPOS, Adriana Pereira. Nas barras dos bribunais: direito e escravidão no Espírito Santo do
século XIX. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2003.
53
diferenciado apesar de se integrarem em um mesmo processo de controle social.
Notou também a pouca ocorrência de prisões de escravos, sendo a maioria por
embriagues e desordens. Campos conclui que as sentenças judiciais contemplavam
o comportamento pretérito do cativo. Desse modo, a negociação e a obediência
tornaram-se uma estratégia de luta, extrapolando o mundo dos escravos.
Cabe destacar outro estudo, À Sombra da escravidão: negócios e família escrava
(Vitória/ES, 1800-1830)
95
, de 2003, no qual Patrícia Merlo analisa as escravarias
capixabas, a freqüência de laços familiares estáveis entre os cativos e suas
características. Ela tentou reconstituir as estratégias cotidianas dos escravos para
manter uma família, dentro das possibilidades da época. Para esse fim foram
tomados como fontes os inventários do período proposto.
Como conseqüência direta desse novo movimento historiográfico no Espírito Santo
alguns dos principais estereótipos mantidos pela historiografia capixaba, até então,
isto é, o recorrente isolamento e decadência de sua economia (quadro alterado
somente com o advento do café) começam a serem ultrapassados.
96
No caso da
região formada pela cidade de Vitória e adjacências, a expansão cafeeira teria
retirado dessa área a primazia econômica e populacional direcionada, após o surto
cafeeiro, para a região Sul da província capixaba.
Decerto que a expansão do café trouxe novos direcionamentos para a Província
capixaba, mas é justo lembrar que a lucratividade extraída com as exportações de
produtos agrícolas era considerada pela Coroa portuguesa no período Colonial, e
mesmo após a Independência do Brasil com a expansão do café, como o único
sinônimo de riqueza econômica. Essa visão deixou o Espírito Santo e suas
insignificantes receitas comparadas com as de outras províncias, como a do Rio de
Janeiro, relegado a um plano secundário. Visão, essa, mantida pelos políticos do
período analisado e por historiadores seguintes à economia colonial. Contudo,
recente estudo ao nível de Mestrado realizado por Enaile Carvalho, Política e
95
MERLO, Patrícia Maria da Silva. À Sombra da escravidão: negócios e família escrava: Vitória/ES:
1800-1830. 2003. 123f. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em
História, UFF, Niterói, 2003.
96
ALMADA, 1984.
54
economia mercantil nas terras do Espírito Santo
97
, questiona essa visão.
Observemos as considerações de Enaile Flauzina Carvalho:
Acredito que, da mesma forma que ocorre na historiografia, a questão da
decadência acaba por ser colocada devido à inoperância do sistema
colonial no Espírito Santo, sistema esse em que a produção total era
voltada para exportação e ao utilizarem o discurso de decadência, os
políticos demonstram compartilharem de uma visão portuguesa de
lucratividade da Coroa através de exportações de açúcar, não considerando
a produção para o abastecimento interno da colônia como preponderante
para a subsistência do mesmo sistema.
98
Sobre a dinâmica da economia capixaba demonstrada por sua trajetória de
pesquisa, ela afirma:
O vigor do setor econômico pode ser constatado com a presença de
escravos, de plantações variadas, de rebanhos de gado, além das lojas de
secos e molhados, botica e barcos transportando mercadorias para outras
capitanias ao mesmo tempo em que abasteciam o Espírito Santo com
produtos importados. Nos inventários também foram descritas
movimentações financeiras que expõem ainda mais a dinâmica dos
negócios capixabas no período.
99
Esse estudo, portanto, esclarece que a inserção da Província do Espírito Santo na
órbita colonial dava-se por meio de uma economia que produzia, principalmente,
produtos agrícolas para o abastecimento do mercado local e do mercado interno de
regiões mais próximas.
Além desses trabalhos focados, preferencialmente, em fontes primárias locais, outro
fator primordial para a afirmação da pesquisa histórica no Espírito Santo foi a
implantação, em 2003, do Programa de Pós Graduação em História Social das
Relações Políticas no Departamento de História da UFES. Essa instituição está
incentivando a produção de trabalhos renovadores sobre a história da escravidão
capixaba por serem embasados em fontes primárias pesquisadas com extremo rigor
e por se inserirem em análises, basicamente, sociais que buscam alcançar os
aspectos da escravidão através do entendimento do percurso social do próprio
97
CARVALHO, 2008.
98
CARVALHO, 2008, p.40.
99
CARVALHO, Enaile Flauzina. Comércio varejista em Vitória: 1790-1820. Relatório final de
pesquisa, Orientadora: Adriana Pereira Campos, Departamento de História, UFES, 2005. Mimeo,
p.16.
55
escravo. Buscamos, então, o incentivo para a ampliação de uma nova história
capixaba conectada com esses novos movimentos que produzem estudos históricos
embasados em vastas pesquisas empíricas e, desse modo, procuram promover um
avanço para a historiografia da escravidão espírito-santense, considerando sua
ampliação.
2.3. NOVAS PERSPECTIVAS INVESTIGATIVAS
A história da escravidão no Brasil, após estar atrelada a análises preferencialmente
econômicas e generalizadoras, voltou-se para o estudo do regional e do cotidiano.
100
Essas pesquisas alteraram vários pontos consolidados pela historiografia
econômica tradicional, na qual se inseria a escravidão, e levaram à busca de
alternativas interpretativas. O modelo econômico clássico se assentava sobre três
pilares bem definidos, ou seja, latifúndios, monoculturas voltadas para a exportação
e grande número de mão-de-obra cativa. Para Caio Prado Junior, um dos expoentes
da historiografia econômica tradicional
Completam-se assim os três elementos constitutivos da organização agrária
do Brasil colonial: a grande propriedade, a monocultura e o trabalho
escravo. Estes três elementos se conjugam num sistema típico, a ‘grande
exploração rural’, isto é, a reunião numa mesma unidade produtora de
grande número de indivíduos; é isto que constitui a célula fundamental da
economia agrária brasileira.
101
No entanto, resultados de estudos históricos desenvolvidos em regiões vistas
tradicionalmente como detentoras de grandes propriedades de terras e escravos
revelaram um novo perfil da economia brasileira no século XIX. Pequenos e médios
proprietários destacaram-se como fundamental para a economia de então. Renato
Leite Marcondes analisando a posse de cativos no Vale do Paraíba durante o século
XIX afirma que
Até mesmo no caso mais próximo da plantation notamos a presença
significativa em termos do total de escravistas e da escravaria dos
pequenos e médios proprietários de cativos. Embora mais envolvidos com a
produção para o mercado interno, estes indivíduos também produziam café
em quantidades significativas. Somente verificamos a presença de dezoito
escravistas com mais de cem pessoas em seus plantéis para as localidades
em questão, sendo dezesseis em Bananal. Destarte, o dinamismo
100
Análise abordada no subtópico 2.1 - A ESCRAVIDÃO DISPENSA ADJETIVOS.
101
PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo: Martins, 1942. p.19.
56
econômico e demográfico valeparaibano não se restringia apenas aos
membros da grande lavoura cafeeira.
102
Em pesquisa de vinte e sete localidades da Capitania de São Paulo, entre 1777 e
1829, Francisco Vidal Luna constatou que os pequenos proprietários com menos de
cinco cativos representavam 75% dos proprietários em 1829. E assim concluiu o
autor:
[...] Cerca de 20 a 25% dos fogos possuíam escravos; o padrão básico era
significativa parcela de pequenos proprietários, sendo em grande número os
plantéis unitários; raro os grandes proprietários; poucas dezenas de
senhores possuíam mais de cem escravos; nenhum mais de duzentos no
período em questão e nas localidades estudadas; [...]
103
Mesmo em Minas Gerais, onde a extração do ouro tornou-se, num primeiro
momento, a base econômica da Província, observa-se que,
de modo geral, os resultados apresentados quanto à estrutura de posse de
cativos demonstram uma sociedade na qual predominavam,
incontestavelmente, os pequenos proprietários; indivíduos possuidores de
um, dois ou, no máximo, cinco escravos [...] Assim, a nosso ver, em Minas,
as grandes lavras devem ter constituído a exceção e não a regra quanto à
organização da estrutura produtiva.
104
Sendo assim, ainda que permanecesse associada à agroexportação, a economia
também servia de base para produções ligadas ao abastecimento interno. As
pequenas e médias propriedades, em regiões mais dinâmicas, conviviam
economicamente com latifúndios. Em regiões afastadas dos centros mais dinâmicos
do Império as pequenas e médias propriedades eram a base econômica da região.
Coube, então, analisarmos aspectos econômicos e sociais de localidades
anteriormente negligenciadas pela historiografia tradicional, que foram sendo,
paulatinamente, expostos.
Outro aspecto sobre o século XIX é que ele tornou-se conhecido com os novos
caminhos percorridos pela historiografia brasileira da escravidão. Novas análises
começaram a privilegiar os espaços provinciais tocados pela urbanização, ou seja,
as cidades. Iniciaram-se estudos sobre o funcionamento econômico e social
102
MARCONDES, Renato Leite. A propriedade escrava no Vale do Paraíba paulista durante a
década de 1870. USP. Disponível em: www.anpec.org.br/encontro2001/artigos/200101028.pdf.
Acesso em 09/02/2009.
103
LUNA, Francisco Vidal. São Paulo: população, atividades e posse de escravos em vinte e cinco
localidades: 1777-1829. In: Estudos econômicos, Departamento de Economia da FEA-USP, o
Paulo, v. 28, nº 1, jan-mar/1998, p. 160.
104
LUNA, Francisco Vidal & COSTA, Iraci Del Nero da. Minas colonial: economia e sociedade. o
Paulo: Fundação Instituto de Pesquisas Econômica/Pioneira, 1982.
57
dependentes de outras formas de trabalho escravo, inseridas no ambiente citadino.
Impuseram-se, assim, a formulação de uma série de questões específicas no que se
refere aos estudos da consciência, organização, relações sociais e controle social
das massas escravizadas, aspectos diferentes quando comparados à situação
rural.
105
Duas obras pioneiras se destacaram nas pesquisas sobre a escravidão nas cidades:
Sobrados e Mocambos
106
, de Gilberto Freyre, que apesar de não ser uma pesquisa
específica sobre o tema revelou algumas características da escravidão nas cidades
brasileiras; e Slavery in the cities
107
, de Richard Wade, conforme informações de
Silva. Segundo Marilene Silva, no trabalho de Wade sobre a escravidão urbana em
Dixie, no sul dos Estados Unidos, o autor sugeriu uma incompatibilidade entre
cidade e escravidão. Para ele, houve uma redução na população escrava em Dixie,
no ano de 1860, devido aos altos custos da vigilância e do controle da população
escrava no meio urbano. A obra de Richard Wade é responsável pela abertura, na
década de 1960, de um novo debate sobre a escravidão na época moderna. Com
ela algumas questões polêmicas do escravismo retornaram ao debate como o
controle dos escravos urbanos e a mão-de-obra escrava nas indústrias.
Podemos destacar também os estudos de Mary Karasch
108
, nos quais ela analisa
especificamente a vida dos escravos na cidade do Rio de Janeiro, na primeira
metade do século XIX. A autora detectou a existência de pequenos senhores que
possuíam um ou dois escravos “ao ganho” ou alugados, de cuja exploração retirava
o principal rendimento, evidenciando que a propriedade escrava era acessível a uma
parcela da população livre mais ampla do que tradicionalmente se imaginava.
109
Segundo Karasch, o papel desempenhado pelos cativos era o de realizar todas as
atividades manuais e servir de bestas de carga da cidade. Todos tentavam investir
em pelo menos um escravo que forneceria suporte financeiro e mão-de-obra. Os
escravos cariocas desempenhavam diversas atividades e profissões. Labutavam na
agricultura, em atividades de subsistência, transporte, manufatura, pedreiras, obras
105
KARASCH, 2000. p. 259 a 291.
106
FREYRE, Gilberto. Sobrados e mocambos. São Paulo: José Olympio, 1968.
107
WADE, Richard, apud SILVA, Marilene Rosa Nogueira da. Negro na rua: a nova face da
escravidão. São Paulo: HUCITEC; Brasília: CNPq, 1988. p. 28.
108
KARASCH, 2000, p. 291.
109
KARASCH, 2000, p. 259.
58
públicas, vendas e serviços, e administração. Havia uma variedade de ocupações
braçais especializadas abertas aos escravos peculiares ao período. Uma minoria
ocupava posições de responsabilidade em artes e ofícios e outros exerciam cargos
de supervisores, capatazes e feitores. Contudo, Karash destaca que apesar de
haver a possibilidade de os africanos começarem como escravos recém-importados
e chegarem a ser donos de escravos, de outras propriedades e de si mesmos,
apenas uma minoria conseguia tais façanhas em comparação com o total da
população escrava. Mesmo comprando a alforria, os forros entravam para as fileiras
das “classes inferiores”, que ganhavam a vida com trabalho braçal. Por outro lado,
conseguiam ganhar a vida graças aos bons salários pagos aos trabalhadores
manuais.
Em outro trabalho sobre escravidão urbana, Maria José de Souza Andrade
110
,
estudou a mão-de-obra escrava em Salvador, no período de 1811 a 1860, e chegou
à mesma conclusão de Mary Karasch, diferenciando-se apenas a localidade.
Andrade concluiu que a posse de escravos não constituía um privilégio da camada
dominante baiana. Os proprietários estavam espalhados por todas as camadas da
sociedade. Conforme Souza Andrade, havia até escravos que possuíam outros
escravos. Poucos foram os libertos que, nos testamentos e inventários deixados,
não possuíssem esse “ítem” entre seus bens. Muitas pessoas livres, pobres,
possuidores de um ou dois escravos, sobreviviam da renda procedente do trabalho
deles. Na cidade de Salvador, os escravos eram largamente utilizados no
desempenho das mais diferentes ocupações, e Andrade relaciona, por meio de
inventários, 82 diferentes ofícios para o sexo masculino e 16 para o sexo feminino.
Eram alfaiates, caldeireiros, carpinteiros, empalhadores, ourives, sapateiros,
serradores, torneiros, tanoeiros, etc. Ainda, segundo a autora, os cativos
representavam um fator de capitalização para os seus proprietários, sendo uma
mercadoria cara e procurada em Salvador no século XIX.
A Província do Espírito Santo, na segunda metade do século XIX, possuía uma
região de desenvolvimento agrícola recente, impulsionado pelos cafezais. Tal área
localizava-se no sul da província, fruto da expansão do norte fluminense. Nessa
110
ANDRADE, Maria José de Souza. A mão-de-obra escrava em Salvador: 1811-1860. São Paulo:
Corrupio; Brasília: CNPq, 1988, p.33 a 35.
59
localidade surgiu um pequeno povoado, cuja denominação inicial foi Porto de São
João de Cachoeiro de Itapemirim. na antiga região aonde chegou o primeiro
donatário, em cujo epicentro se situava a cidade de Vitória, predominavam as
pequenas e médias propriedades de economia diversificada.
Nesta dissertação, a antiga região capitaneada por Vitória constitui-se no espaço
social e econômico eleito para a pesquisa, cuja geografia resultava da união de uma
pequena cidade rodeada por pequenos e médios proprietários de escravos. Patrícia
Merlo
111
, cuja dissertação discute família escrava em Vitória, no período de 1800 a
1830, apresenta uma configuração da posse de cativos em que poucos proprietários
possuíam um grande número de escravos. A maior parte dos cativos encontrava-se
nas mãos de proprietários com modestas escravarias formadas por um a nove
indivíduos. Sendo assim, têm-se na região em torno da cidade de Vitória, guardando
as devidas ressalvas, algumas características das escravarias das cidades do Rio
de Janeiro e de Salvador, isto é, o acesso à propriedade escrava por todas as
camadas sociais, inclusive o escravo, apesar de existir uma alta concentração de
cativos nas mãos de poucos senhores. A autora também observou a prática de
alguns senhores alugarem seus escravos e de possuírem escravos de ganho. A
manutenção dessas práticas, na segunda metade do século XIX, foi confirmada pela
análise de Rafael de Jesus
112
no mesmo grupo de fontes, em um período posterior.
Torna-se necessário, então, o empreendimento de pesquisas com o intuito de
aprofundar e caracterizar as especificidades da escravidão na região abrangida pela
cidade de Vitória, cuja circunscrição coincide em grande parte com as localidades da
Comarca de Vitória. Espera-se contribuir, então, para situar o escravo no mundo da
produção em localidades pequenas e afastadas dos grandes centros imperiais como
a cidade de Vitória, a nossa próxima abordagem.
111
MERLO, 2003.
112
JESUS, Rafael de. Fortunas capixabas: posse de terras e escravos em Vitória: 1850-1872. 2007.
36f. Monografia (Graduação em História) - Departamento de História, UFES, Vitória, 2007. Mimeo.
60
3 RIQUEZAS E ESCRAVIDÃO
3.1. INTRODUÇÃO
Em 23 de maio de 1535, ao aportar entre as imediações do monte Moreno e da
praia de Piratininga, na Vila do Espírito Santo
113
, Vasco Fernandes Coutinho deu
inicio à jornada de formação da futura Capitania capixaba, e, por conseguinte, de
vários outros inícios populacionais. Desde os seus primórdios, a região Central,
palco da colonização da Capitania capixaba, foi um espaço geográfico e social
fundamental, tanto para os colonizadores portugueses quanto para as populações
indígenas que se encontravam em seu território, além dos grupos populacionais
formados por indivíduos livres ou pelos escravos que ainda estavam por vir.
114
No
século XIX, essa região compreendia áreas de ocupação antigas, como a Vila do
Espírito Santo, primeira sede de governo da Capitania, e a Vila de Vitória, segunda e
definitiva sede governamental. Os arredores dessas vilas abarcavam fazendas
escravistas de antigos portugueses como as existentes em Cariacica, ao norte da
região. As localidades mais antigas abrangiam a Vila de Nova Almeida, a povoação
de Aldeia Velha e a Vila de Nossa Senhora da Conceição da Serra. A área de
ocupação mais recente era formada por Viana, primeira colônia a ser fundada na
Província capixaba, e as colônias de Santa Izabel, Santa Leopoldina e Rio Novo.
Essas colônias, atualmente municípios, localizam-se na parte serrana da região e
deram início ao processo de imigração na Província.
Com seus vales e serras, a região Central tornou-se uma área irradiadora de novos
núcleos populacionais, localizados dentro de seu próprio território e foi também
113
Nome dado à enseada existente na baía onde desembarcou Vasco Fernandes Coutinho e mais
sessenta pessoas em 1535. Acreditaram que a enseada se tratava de um rio ao qual deram o nome
de “Espírito Santo” em comemoração ao dia da chegada, 23 de maio de 1535, domingo do Espírito
Santo ou de Pentecostes. O nome foi dado futuramente à povoação fundada por Vasco Fernandes
Coutinho, atual Vila Velha, como para toda a Província capixaba. Ver: VASCONCELLOS, 1858.
114
Refiro-me principalmente às colônias de imigrantes europeus formadas no decorrer do século XIX
e aos escravos introduzidos na Cidade de Vitória e adjacências nesse período.
61
iniciadora do povoamento da região Norte da Província com a fundação de São
Mateus e Linhares, e da região Sul, com a fundação de Itapemirim
.
115
Foram eleitas para o início da presente apreciação apenas as vilas localizadas na
região Central da Província, que formavam os arredores da cidade de Vitória e
mantinham com a Capital estreitos laços econômicos e sociais, ou seja, Cariacica,
Vila do Espírito Santo, Viana, Carapina, Serra, Nova Almeida, Santa cruz e,
consequentemente, os povoados existentes nos arredores dessas localidades. Essa
região também abrangia a Comarca de Vitória, divisão jurídica da Província do
Espírito Santo.
Os caminhos coloniais da Província capixaba se iniciaram com a Vila do Espírito
Santo, primeira vila capixaba. Ela foi abandonada pelos colonos portugueses devido
aos constantes ataques indígenas, após o ano de 1551.
116
Eles refugiaram-se na
propriedade pertencente à Duarte de Lemos, depois chamada de Vila da Vitória. A
Vila do Espírito Santo se transformou de sede do governo em territórios inóspitos.
Segundo Derenzi
os campos de Piratininga, os areais de Aribiri, os baixios da costa, visitados
pelos Tapuias, tornaram-se inóspitos. ficaram as roças, os engenhos e
os barracos de Vila Velha. As lavouras se abrem pelo lado norte e
transpõem o continente pelo braço da “passagem”.
117
Na Vila do Espírito Santo foi construído um forte por Fernando de Sá, em 1558, de
onde se iniciou o comércio marítimo com várias partes do mundo, comércio que
seria abandonado em pouco tempo. A vila era chamada pelos indígenas de Mboab
que significava aldeia de gente calçada, ou calçados. A partir de 1835, o lugar
fundado por Vasco Fernandes Coutinho passou a fazer parte da jurisdição da
Comarca de Vitória. Contudo, essa não foi, certamente, toda a história da Vila do
115
Sobre a fundação de São Mateus, Linhares e Itapemirim. Ver: VASCONCELLOS, 1978.
VASCONCELLOS, 1858, p. 134, 140, 208. OLIVEIRA, 1850, p.250. SALETTO, 1996, p. 29.
116
Não se sabe com exatidão a data da mudança dos colonos da Vila do Espírito Santo para a futura
Vila da Victoria. Sabe-se apenas que em 1551 os colonos já se encontravam estabelecidos na
propriedade de Duarte de Lemos, futuramente chamada de Vila da Victória. Ver: DERENZI, Luiz
Serafim. Biografia de uma ilha. Rio de Janeiro: Pongetti, 1965, p. 33.
117
DERENZI, 1965, p.35.
62
Espírito Santo que após a mudança dos colonos para Vitória passou a ser chamada,
vulgarmente, de “Vila Velha”.
118
A chegada do Frei Pedro Palácios
119
e o início da construção do Convento da
Penha, tornou-se o fato histórico crucial de sua fundação. Escrita e reescrita, a
trajetória histórica do Convento transformou-se num manancial de lendas religiosas
que se popularizaram e transformaram o Convento da Penha, com o passar do
tempo, em constante destino de romeiros. Brás da Costa Rubim, em seu dicionário
publicado no ano de 1862, referiu-se à obra idealizada por Frei Pedro Palácios desta
forma: “O convento de Nossa Senhora da Penha, situado no cume de uma
montanha, é obra digna de ver-se”
120
. O Convento possuía o terreno da montanha,
senzalas e casas de romeiros advindos de várias distâncias para venerarem a
milagrosa imagem, e nos s dela depositarem suas oferendas, às vezes bem
importantes.
121
Ao descer os caminhos do Convento de Nossa Senhora da Penha, no início do
século XIX, podia-se avistar na Vila do Espírito santo, uma cadeia, logo à entrada,
adjacente ao mar. Discernia-se também, a matriz de Nossa Senhora do Rosário e as
casas dos moradores que se alinhavam de um e outro lado da Igreja. Em seus
arredores principiava uma grande campina, possível de atravessar a pé enxuto
devido à drenagem da água após a reabertura do canal de Camboapina, ocorrida
durante a administração de Francisco Alberto Rubim. Anteriormente, construído
pelos jesuítas, esse canal ligava o Rio Jucu à Baía do Espírito Santo.
118
Em 31 de janeiro de 1959 foi oficializada, por meio da Lei Estadual 479 a denominação de Vila
Velha para a antiga Vila do Espírito Santo, berço da colonização portuguesa em terras capixabas.
Ver: www.estacaocapixaba.com.br/indexmun.html. Acesso dia 19/08/2008.
119
Leigo religioso da Província de Arrábida em Portugal, natural de Medina do Rio Seco, perto de
Salamanca, chegou ao Espírito Santo em 1558. Trouxe consigo um quadro com a imagem de Nossa
Senhora, ergueu uma choupana no do morro da Penha onde iniciou o seu culto. Principiou a
catequese dos índios e utilizou-os na construção de uma ermida no ponto alto do rochedo onde foi
colocada a imagem da Virgem da Penha trazida de Lisboa. Pedro Palácios morreu em 1570.
Missionários sucessores continuaram suas obras e prosseguiram com a edificação da Ermida. Novas
construções foram realizadas como a de uma nova capela onde foi colocada a imagem da Virgem
Senhora da Penha. A Ermida foi transformada em capela-mor e anexou-se a ela uma casa
regularizada como corpo da Igreja, edificaram-se os dormitórios, a casa do refeitório e o convento.
Praticava-se, também, a devoção a São Francisco.
Ver: Relicário de um povo: o santuário de
Nossa Senhora da Penha: no Espírito Santo: Brasil. Vitória: Instituto Histórico e Geográfico do
Espírito Santo, 1958.
120
RUBIM, Brás da Costa. Dicionário Topográfico da Província do Espírito Santo. In: Revista do
Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, 1862, tomo XXV., p.597-648.
121
MARQUES, Cezar Augusto. Dicionário Histórico, Geographico e Estatístico da Província do
Espírito Santo, Rio de Janeiro, Typografhia Nacional, 1878.
63
Além dessa campina, havia as povoações de Guaranhum, onde se criava gado, do
Jucu e Ponta da Fruta Pequena, cujos moradores viviam da pesca. Existiam na Vila
seis engenhos de açúcar e quatro engenhocas.
122
No ano de 1828, a Vila do Espírito
Santo possuía três lojas de molhados e tavernas.
123
Têm-se notícia do cultivo de
café, algodão e mantimentos, sendo o algodão usado na fabricação de redes
exportadas para várias províncias brasileiras.
124
Foi, então, nesse pedaço da Capitania do Espírito Santo, junto ao seu litoral, que se
iniciaram os caminhos capixabas, vamos agora continuar a percorrê-los.
3.2. TODOS OS CAMINHOS LEVAM A VITÓRIA.
De Vitória irradiavam-se diversos caminhos até as freguesias vizinhas e nem todos
se constituíam de estradas como atualmente. Muitos compunham de veios
aquáticos, muitas vezes de pouca água, com capacidade, porém, para conduzir
pequenas embarcações mais rapidamente do que as patas dos quadrúpedes
sempre raros e caros para enfrentar os matos e os perigos das regiões desabitadas.
Nesta dissertação importa descrevê-los para o leitor conhecer as distâncias que
tornaram Vitória um ponto comum desses caminhos, uma espécie de epicentro dos
movimentos da economia capixaba. A capital da província convertera-se na ligação
desses povoados não apenas com a capital do Império, mas com o mundo,
recebendo em seus cais produtos de todas as partes.
125
Iniciemos a descrição desses caminhos por Viana. Existiam, no início do século XIX,
duas maneiras de se chegar à povoação de Viana: por terra ou pelos rios. A primeira
consistia no caminho pela estrada que ligava Vitória à Viana. Após alguns
quilômetros, além do Porto de Itacibá, chegava-se aos sertões de Santo Agostinho,
nos quais foi fundada a povoação. A segunda, pelos rios. Saindo pela Bahia do
Espírito Santo, seguia-se até o Rio Jucu e, finalmente, alcançava-se o Rio Santo
Agostinho.
122
RUBIM, Francisco Alberto. Memória Estatística da Província do Espírito Santo no ano de 1817,
Vitória, 30 de março de 1818. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, Rio de
Janeiro, Tomo XIX (terceira série), 1900.
123
VASCONCELLOS, 1978.
124
RUBIM, 1862.
125
CAMPOS, Adriana Pereira. Negreiros: o luxo que vem do Oriente. CAMPOS, Adriana Pereira et al.
Os impérios e suas matrizes políticas e culturais. Vitória: Flor&Cultura, 2008. p. 143-154.
64
Viana foi fundada no governo de Francisco Alberto Rubim, em 15 de fevereiro de
1813, como primeira colônia na Província capixaba. Os colonos vieram dos Açores
sob o comando do Intendente Geral de Polícia do Rio de Janeiro, Paulo Fernandes
Vianna, do qual a povoação herdou o nome.
126
Foi inicialmente defendida por quatro
quartéis com trinta e quatro soldados: “dois nas suas extremidades para lhe servir de
registo, e dois no sertão, em altos montes, a fim de vigiar e defender dos gentios”
127
.
Possuía também, um cirurgião-mor, um moinho de água no meio da povoação, que
servia a todos, e uma olaria onde se fabricava telha. Crescendo a população,
levantaram um templo dedicado à Nossa Senhora da Conceição. Foi elevada à
Curato com capelão efetivo em 1817 e em Paróquia em 1820. No início do século
seu distrito era formado pelas povoações de Barcellos, Bragança, Borba, Melgaço,
Monforte, Óleos, Pinhel, Serpa e Vila Viçosa. Havia em sua região seis engenhos,
quatro engenhocas e plantações de café.
Voltando pelos mesmos caminhos de terra ou água, um pouco mais à frente de
Itacibá encontrava-se a localidade de Cariacica, que foi elevada à freguesia do
município de Vitória em 16 de dezembro de 1837. Inicialmente, tratava-se de uma
povoação com pequeno porto, próximo de Viana. O nome tupi Cariacica ou
Carijacica, que significa chegada de branco, era o nome dado ao rio que desce de
uma serra e de um morro adjacente com variadas denominações da língua indígena
como Muchuar (veio de diamantes), ou Muchauara (pedra irmão), atualmente
chamado de Moxuara.
A povoação foi considerada como parte da Capital com o nome de São João Batista
de Cariacica. O presidente da Província no período, José Thomaz de Araújo,
ordenou a construção da igreja matriz em 1839. Contudo, a construção da igreja,
realizada com os esforços da população, sob a orientação do padre italiano vigário
Pivitela de Trento, foi iniciada somente em 1845 e entregue à população em 1851.
Cariacica recebeu os primeiros imigrantes em 1829 e 1833, sendo que em 1830
perfaziam um número de quatrocentos indivíduos. Foram trazidos por M. Henrici
para serem empregados na limpeza da estrada que deveria ligar Itacibá a Minas
126
DAEMON, 1879, p. 217.
127
RUBIM, 1900.
65
Gerais, devido ao contrato firmado com o governo em 12 de novembro de 1829.
128
Os imigrantes oficiais eram quase todos pomeranos e o povoamento só foi reforçado
no ano de 1865, com a recorrência de alemães vindos de Santa Leopoldina e Santa
Izabel que se instalaram na localidade de Biriricas. Antigos moradores portugueses
e seus escravos habitavam a região devido à concessão de sesmarias. Em suas
terras eram recorrentes as áreas ocupadas pelas fazendas de gado e pelas
plantações. Os engenhos de açúcar foram primeiramente de propriedade dos
jesuítas como os engenhos de Maricará, Roças Velhas, Ibiapaba e Cauíra. Havia,
também, plantações de algodão para o abastecimento interno de tecelagens
manuais que fabricavam para consumo próprio e utilizavam o trabalho escravo.
Existiram várias tecelagens como a de Itanhenga de propriedade de Joaquim Pinto,
e a da sede da vila, cujos tecelões eram os senhores João Gomes dos Remédios e
Assiny de André da Silva.
129
No lado norte da região Central, a principal localidade era a Vila de Nossa Senhora
da Conceição da Serra. Povoação fundada após os jesuítas empregar a catequese
para subjugar os índios, nos meados do século XVI. Ignácio Accioli de Vasconcellos
relata da forma seguinte a fundação das aldeias indígenas de Nova Almeida, Aldeia
Velha, Benevente e Guarapari:
Era muito natural apanharem-se alguns nos freqüentes ataques, e que entre
estes se achassem alguns dóceis, que ensinassem o idioma de que
usavam, por que para catequizá-los Vasco mandou navios, e recados aos
denominados Tupuminós que estavam em guerra com os Tamoios; e tal foi
a persuasão do Padre Braz Lourenço da Companhia de Jesus reconhecido
língua, que o cacique chamado Grande Gato aceitou o pedido de embarcar-
se com toda sua gente, e apresentar-se a Vasco, que com eles formou uma
boa aldeia, naturalmente regida, e dirigida pelos Padres; após este grupo se
abalou do sertão um cacique, chamado Pira-obig /peixe verde/ com outra
porção de que formou outra aldeia. A notícia do bom trato, e doutrinas dos
Padres fez apresentarem-se outros de Porto Seguro denominados
Tupinaquins, com os quais se formou duas aldeias: estas foram as origens
de Nova Almeida erigida em Vila pelo Alvará de de Janeiro de 1759, e da
Povoação de Aldeia Velha; e aquelas de Benevente erigida em Vila pelo
Alvará de 8 de maio de 1758, e de Guarapari por Carta do Donatário
Francisco Gil de Araújo em 1º de Janeiro de 1679.
130
128
Estrada do Rubim, primeira estrada a ser aberta com o intuito de ligar a Província capixaba às
Minas Gerais, denominada, após a Independência, de São Pedro de Alcântara.
129
Sobre a fundação de Cariacica, ver: BEZERRA, Omyr Leal. Cariacica: resumo histórico.
Vitória/ES: Renato Pacheco, 1951. BALESTRERO, Heribaldo Lopes. O povoamento do Espírito
Santo: marcha de penetração do território. Viana: [s.n.], 1976, p. 29, 33, 35.
130
VASCONCELLOS, 1978.
66
Fundada como aldeia indígena, como dito anteriormente, a Vila de Nova Almeida,
inicialmente chamada de Reis Magos, localizava-se na embocadura e margem
direita do rio dos Reis Magos, frente ao mar. A Vila foi instituída pelos jesuítas em
1580. Eles catequizaram, nesse período, grande número de indígenas com os quais
levantaram uma igreja dedicada aos Reis Magos. Ao lado da igreja edificaram uma
casa para noviços que vinham da Europa aprender a língua dos Tupis com o
objetivo de catequizarem em nome da religião Católica. A Igreja dos Reis Magos foi
elevada à categoria de Freguesia em 12 de novembro de 1757, o que foi executado
apenas em janeiro de 1760, após a saída dos jesuítas. A localidade foi instalada
como vila em dois de janeiro de 1759.
131
Por ordem Imperial, no ano de 1760, os
representantes indígenas, tirados da própria comunidade, ocuparam os cargos de
juiz, vereador, procurador, alcaide, escrivão das armas e porteiro. No ano de 1832,
uma porção do território foi anexado ao território da Serra e, no ano seguinte ficou
sujeita à mesma vila. Em 1848, perdeu territórios e rendimentos para a criação da
Vila de Santa Cruz. Os habitantes, a maioria indígena, viviam da pesca, da lavoura
de gêneros de primeira necessidade, do corte de madeira e da fabricação de louça
de barro e olaria. As mulheres plantavam e fiavam o algodão. Os produtos da vila
eram exportados em canoas pequenas para Santa Cruz e Vitória, preferindo, os
comerciantes, os caminhos dos rios no lugar das estradas incrustadas nos difíceis
percursos entre o mar e as pedras, que espantavam os muares.
132
Assim, após o período inicial de contato com os indígenas, os colonos portugueses
puderam se espalhar pela região localizada nos arredores da Vila de Vitória e
fundaram a Vila de Nossa Senhora da Conceição da Serra por baixo do monte
Mestre Álvaro, ao norte da Província. Edificaram no local uma igreja com a
invocação de Nossa Senhora da Conceição, elevada à Freguesia em 24 de maio de
1752, autorização acatada somente em 1769, depois de construída uma nova igreja.
O título de vila foi conferido à localidade em 2 de abril de 1833. Nessa época, os
habitantes cultivavam café e cereais.
133
Havia nessa região 26 engenhos produtores
de açúcar e 14 engenhocas. A povoação de Jacaraípe, que também se localiza nas
131
dúvidas sobre a data do Alvará que criou a Vila de Nova Almeida. Ver: OLIVEIRA (1950, p.
203) para as informações sobre isso e sobre a expulsão dos jesuítas do Espírito Santo.
132
RUBIM, 1862, p.597-648.
133
RUBIM, 1900, p. 8.
67
imediações, vivia da produção de cereais em pequena escala, corte de madeira e
pesca.
134
No início do século XIX, retornando pela Estrada Geral, passando pela ponte de
Jacaraípe e, logo depois, por outra, chamada nesse período de Maruípe, chegava-
se à Vitória.
135
Antes de Maruípe, entretanto, havia a povoação de Carapina, que foi
inicialmente uma grande fazenda, da qual o primeiro proprietário, governador Geral
Francisco de Aguiar Coutinho, não podendo desenvolvê-la doou-a para Miguel Pinto
Pimentel. Não tendo herdeiros, Pimentel deixou as terras para os jesuítas do Colégio
de Vitória, após sua morte, em 1644, quando na região existia a Igreja de São
João, inaugurada em 1586.
136
Esta igreja foi elevada à categoria de Freguesia no
ano de 1857. Na segunda metade do século XIX seus habitantes produziam café,
cana e cereais.
137
Além disso, havia engenhos e engenhocas na região.
138
Aos poucos, com o crescimento populacional e comercial, todas as localidades
passaram a ter acesso à Capital, permitindo o transporte de indivíduos e de cargas
para os portos do litoral da cidade de Vitória.
139
A partir da constante demanda por
vias de comunicação geradas pela imigração, frequentemente citada pelos
presidentes da Província capixaba, novas estradas foram abertas e em fins da
década de 1870, a comunicação com Minas Gerais fora tentada pelo norte, centro e
sul da Província. No entanto, o caminho da região Sul sempre foi citado pelos
presidentes como o mais próspero devido à expansão cafeeira que se deu em suas
margens, no decorrer do século XIX.
Além dos caminhos de terra, a região Central era toda cortada por inúmeros rios e
seus afluentes, “em geral piscozos em abundância, tendo as suas vertentes pelos
sertões de Minas, e desaguando ao mar, onde tomam os nomes seguintes
principiando da parte do sul”
140
. Vasconcellos cita como principais rios o de
134
VASCONCELLOS, 1858, p.179 a 190.
135
A ponte de Maruípe é atualmente conhecida, também, como Ponte da Passagem. Segundo
DAEMON (1879), a Estrada Geral era uma via localizada no litoral capixaba que ligava a Província do
Espírito Santo do Norte ao Sul.
136
BORGES, Clério José. História da Serra. Serra/ES: Grafitusa, 1998, p. 97 a 98.
137
MARQUES, 1878, p.22.
138
RUBIM, 1900, p.161-84.
139
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, Relatório do Presidente de Província do Espírito
Santo o Doutor Luiz Pedreira do Couto Ferraz, 1848, Ibid, p. 366.
140
RUBIM, 1900, p.161-84.
68
Itabapoana, Itapemirim, Piúma, Benevente, Guarapari, Perocão, Jucu, Espírito Santo
(braço de mar), Santa Maria, Rio da Passagem, Jacaraípe, Nova Almeida, Aldeia
Velha, Riacho, Rio Doce, Barra Seca e São Mateus. Os rios possuíam portos que os
tornavam essenciais para o transporte de cargas e indivíduos devido à localização
da maioria das propriedades rurais em suas margens. Canoas e lanchas eram
imprescindíveis para a locomoção. No caso de viagens terrestres, o transporte
individual e de cargas não dispensava o uso de cavalos e bestas, e também se
usavam os carros de boi.
141
Os principais rios que cortavam a região de Vitória eram, ao sul, o Perocão, o
Espírito Santo e o Rio Jucu com seus inúmeros afluentes; e ao norte, o Rio da
Passagem, Jacaraípe, Nova Almeida e o Santa Maria. As margens desses rios e de
seus afluentes eram tomadas por propriedades rurais possuidoras de inúmeros
engenhos de açúcar e engenhocas mantidos com o trabalho escravo. Como
exemplos podemos citar os 23 engenhos de açúcar e as 14 engenhocas localizadas
na região do Rio Jacaraípe até a margem norte do Rio Santa Maria, e os engenhos
localizados desde o Porto de Itacibá até o Rio Santo Agostinho.
142
Apesar da
consciência da importância dos transportes e das inúmeras tentativas de
comunicação terrestre e marítima com Minas Gerais e o emprego da navegação a
vapor, temas repetitivos nos relatórios de presidentes de província, no período de
1850 a 1871, os recursos governamentais aplicados na criação e manutenção de
vias de comunicação nunca foram suficientes para sustentar uma rede viária
satisfatória, tornando os caminhos centrais da Província capixaba um objeto gerador
de constantes lamentações.
No meio dos caminhos das roças, enfim, havia uma ilha. Após percorrer a parte
norte e sul da região Central da Província, cabe conhecer a Vila de Vitória.
Localizada em ponto estratégico, a Ilha possuía maior capacidade de dar segurança
aos colonos portugueses contra os constantes ataques indígenas em relação à Vila
do Espírito Santo, sede inicial da Capitania. Vitória foi ocupada pelos colonos em
1550. Sendo anteriormente de Duarte de Lemos, sua fundação oficial foi datada de
141
OLIVEIRA, 1950, p. 268.
142
RUBIM, 1900.
69
08 de setembro de 1551.
143
Desde então, Vitória se desenvolveu como sede de
governo, concentrando todos os serviços relativos à administração da Capitania e
futura Província do Espírito Santo.
Auguste Saint-Hilaire, famoso naturalista, em 10 de outubro de 1818 escreve o
seguinte sobre Vitória:
As ruas de Vitória são calçadas, porém mal, têm pouca largura, não
apresentando nenhuma regularidade. Aqui, entretanto, não se vêem casas
abandonadas, como na maioria das cidades de Minas Gerais. Dedicados à
agricultura, ou a um comércio regularmente estabelecido, os habitantes da
Vila de Vitória não estão sujeitos aos mesmos reveses dos cavadores de
ouro e não têm motivo para abandonar sua terra natal. Cuidam bem de
preparar e embelezar suas casas. Considerável número delas tem um ou
dois andares. Algumas têm janelas com vidraças e lindas varandas
trabalhadas na Europa. A Vila da Vitória não tem cais; ora as casas se
estendem até a baía, ora se vê, na praia, terreno sem construção, que tem
sido reservado para desembarque de mercadorias. A cidade também é
privada de outro tipo de ornato: não possui, por assim dizer, qualquer praça
pública, pois a existente em frente ao palácio é muito pequena, e com muita
condescendência é que se chama de praça a encruzilhada enlameada que
se prolonga da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia até a praia.
Há, na Vila da Vitória, algumas fontes públicas, que também não concorrem
para embelezar a cidade, mas, pelo menos, fornecem aos habitantes água
de excelente qualidade.
144
No entanto, em outro depoimento, no ano de 1817, Aires do Casal descreveu a Vila
de N. Senhora da Vitória assim:
[...] grande, abastada, bem provida d’agua, com bons edifícios e ruas
calçadas. Possuindo, neste período, uma igreja Matriz, Casa de
Misericórdia, um convento de Franciscanos, outro de Carmelitas calçados,
duas ordens Terceiras relativas àquelas Corporações; uma capela de
Santa Luzia, três de N. Senhora com as invocações de Boa Morte,
Conceição e Rosário. O colégio ex-jesuítico, sendo este magnífico e
servindo de Palácio dos Governadores.
145
Não obstante a diferença de visão presente nos dois depoimentos importa-nos
observar a cidade de Vitória e suas vizinhanças, no começo do século XIX.
Consoante a análise anterior da região que formava seus arredores, constatamos
que ela estava cercada por povoações que praticavam a pesca, possuindo, algumas
dessas localidades, lojas de secos e molhados, além de suas igrejas. Havia
fazendas escravistas dedicadas a diversos tipos de plantações, como a de milho,
143
Sobre as discussões da provável data de povoação e fundação da Vila de Vitória, ver: DERENZI,
1965, p. 33. OLIVEIRA, 1950, p. 62.
144
SAINT-HILAIRE, A. Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce. Belo Horizonte: Itatiaia/USP, 1974. p.
46.
145
DERENZI, 1965, p.131.
70
algodão, feijão, arroz e mandioca, incluindo a de café. A plantação de cana para a
produção de açúcar e aguardente nos engenhos e engenhocas era a atividade
majoritária da região no início do século XIX. Também estava presente na economia
a criação de gado, manufaturas de algodão e a extração de madeiras. Nesse
contexto, a mão-de-obra escrava era empregada na maioria das atividades
econômicas citadas.
Percebemos, então, que a cidade de Vitória se diferenciava de seu entorno, pois se
tratava do único espaço social da região Central capixaba, ao qual se podia chamar
de urbano, com um número considerável de moradias, ruas calçadas, edifícios
administrativos e religiosos, assim, seis meses após a proclamação da
Independência do Brasil, em 17 de maio de 1823 a Vila da Vitória foi elevada à
categoria de cidade. Ao analisar esse status da cidade de Vitória dentro da região
Central da Província do Espírito Santo, na segunda metade do século XIX,
reconhece-se Vitória, também, como capital política e administrativa da região. A
cidade concentrava os serviços institucionais cujos órgãos funcionavam, segundo
Brás da Costa Rubim
146
, em 1862, no palácio da presidência, antigo colégio dos
jesuítas, sendo a secretaria da presidência, liceu, tesouraria da fazenda,
administração do correio, armazém de artigos bélicos, biblioteca pública, uma escola
de primeiras letras e o quartel de pedestres. A cidade possuía uma casa de
misericórdia, com hospital separado para os enfermos pobres, dois conventos de
franciscanos, uma tipografia, um teatro, uma sala de baile, quatro chafarizes, uma
matriz, doze capelas filiais, quatro praças, trezentos e setenta sobrados e setecentos
e trinta e uma casas térreas.
147
Como foi ressaltado, a Capital de Vitória, após o ano de 1850, apresentava um
desenvolvimento considerável em relação às outras localidades da província. Havia
em Vitória edifícios administrativos e públicos, ruas de comércio, igrejas e conventos
frequentados diariamente pelos seus moradores, escravos ou livres, e visitantes.
Outro fator importante da cidade de Vitória era a presença de seus portos, de onde
era exportada a maioria dos produtos advindos de sua região circunvizinha, além de
importar uma grande variedade de mercadorias e transportar passageiros.
146
RUBIM, 1862, p.597-648.
147
RUBIM, 1862, p.597-648.
71
Em relação à população, Vitória apresentava um contingente populacional
diferenciado, formado pela interação de vários grupos sociais: mulatos, pardos,
crioulos, imigrantes, livres, escravos e/ou libertos. Assim, os cativos também
estavam presentes no cotidiano social e nos espaços físicos diferenciados da cidade
de Vitória que, como seu entorno, não dispensava sua mão-de-obra.
Eis que, além da diversidade geográfica e populacional da cidade de Vitória e de
seus arredores, percebeu-se a diferenciação e, ao mesmo tempo, a
complementação econômica e social entre suas “roças”, isto é, as localidades
existentes ao redor de Vitória e sua área central que se trata, precisamente, da
Capital da Proncia. Essa região foi, então, ao longo do século XIX, possuidora de
diferenças naturais e de uma grande diversidade populacional que compreendia
antigas aldeias indígenas, uma população de imigração antiga e seus escravos,
estabilizados na região, e uma população renovada por escravos e inúmeros
imigrantes que chegavam à terra capixaba. Nas próximas páginas demonstraremos
as características da economia e escravidão existentes nessa região.
3.3 UNS COM POUCOS E OUTROS COM TANTO...
No final do século XVIII, precisamente após 1780, a economia capixaba passava por
um período favorável. Essa boa fase foi advinda da exportação de produtos
tradicionais, como a madeira e o açúcar, para o Rio de Janeiro, Bahia e portos
menores, como exemplo. Sacas de algodão também começaram a ser exportadas
para Lisboa, embora a saída de algodão para fora da Capitania fosse, até então,
proibida.
148
Quanto ao açúcar, no início do século XIX, em 1818, havia na
Capitania do Espírito Santo um total de 76 engenhos e 68 engenhocas que
movimentavam a economia.
149
Em 1820, segundo Saint-Hilaire
150
a Capitania
capixaba possuía 60 engenhos de açúcar e 66 destilarias. Apreende-se, então, que
a cana-de-açúcar era o produto agrícola mais cultivado. Outra produção de destaque
no período era a de arroz. Mas a base alimentar da população era composta pela
farinha de mandioca, produzida quase totalmente na Vila de São Mateus.
148
LEAL, J. E. Franklin. Economia colonial capixaba. Vitória: Cuca Cultura Capixaba, Fev/1977.
149
RUBIM, 1900, p.161-84.
150
SAINT-HILAIRE, 1974, p. 12.
72
No ano de 1828, a agricultura, principalmente baseada na cultura da cana para a
produção do açúcar, ocupava a maior parte dos escravos. Outros produtos agrícolas
como a mandioca, o algodão, o milho, o feijão e o arroz também estavam presentes
na economia.
151
O café, introduzido na Província pelo governador da então
Capitania capixaba, Francisco Alberto Rubim
152
, era cultivado nas principais
localidades existentes no entorno da cidade de Vitória e começava a se destacar
como produto de exportação. No entanto, ainda era a farinha de mandioca,
produzida pela Vila de São Mateus, localizada na região Norte, o principal produto
exportado pela Província, seguido do açúcar, fio de algodão, arroz, aguardente,
feijão e milho. Nesse período, o café ainda aparece em último lugar entre os
produtos agrícolas exportados. As colchas e redes, manufaturadas com algodão,
também se destacavam nas exportações. Os produtos agrícolas eram transportados
por carros de boi e bestas até os portos situados às margens dos rios onde eram
novamente conduzidos por canoas até os depósitos ou para embarcações marítimas
que praticavam o comércio com a Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, por meio da
navegação de cabotagem. Os transportes internos eram realizados com trabalho
escravo e nas embarcações marítimas os cativos dividiam o convés com marinheiros
livres. A pecuária, a pesca e a extração de madeiras também estavam presentes na
economia do período, ocupando escravos e indígenas.
153
Sobre a mão-de-obra escrava, conforme Daemon
154
, em fins de 1621, teve início a
importação direta de africanos para a Capitania do Espírito Santo. Os cativos eram
trocados por açúcar e outros gêneros devido a um privilégio especial concedido à
Capitania capixaba pela Coroa portuguesa. Novaes
155
aponta para a existência de
escravidão africana nas terras capixabas desde o início de sua colonização. No ano
de 1580, segundo a autora, os cativos eram em número de duzentos indivíduos.
No ano de 1827, entre a grande diversidade de produtos importados pela Província
do Espírito Santo, constava um total de 100 escravos, representando o terceiro
151
VASCONCELLOS, 1978.
152
RUBIM, 1900.
153
VASCONCELLOS, 1978.
154
DAEMON, 1879, p.107.
155
NOVAES, 1963. p. 23 a 24.
73
maior valor das importações, precedido pelas pipas de vinho e pelas fazendas
secas, que eram os produtos mais importados na época.
156
Em relação aos levantamentos populacionais sobre esse grupo cativo, cabe
informar, primeiramente, que os dados censitários sobre a população capixaba no
período proposto para nossa análise (1850 a 1871) foram encontrados
principalmente nos relatórios de presidentes de província. Os relatórios presidenciais
eram documentos oficiais de responsabilidade de cada administração provincial,
com levantamentos estatísticos sobre temas relevantes, tanto para o governo
imperial, quanto para a sociedade local, frequentemente, os populacionais e
econômicos. Depois de confeccionados, os relatórios eram remetidos para
apreciação da Corte. As informações populacionais aparecem em poucos relatórios
e são encontradas, em sua maioria, em estatísticas de casamentos, nascimentos e
óbitos. Vale destacar que as queixas sobre as dificuldades de execução dos censos,
por parte da administração local, são constantes, bem como a falta de confiabilidade
nos seus resultados, assuntos explicitados nos próprios relatórios presidenciais. Por
conseguinte, os levantamentos populacionais provinciais encontrados, além de
insuficientes, devem ser vistos como informações parciais sobre a realidade
populacional capixaba do século XIX.
Devemos compreender, também, que sobre a procedência dessa população
escrava, pouco se conhece. carência de estudos sobre a origem étnica dos
escravos, dos portos de embarque e das rotas percorridas para a chegada dos
mesmos à região capixaba. Não obstante, arrolou-se em trabalho recente sobre os
Oitocentos uma maioria de cativos nascidos na região capixaba e a denominação
freqüente de angolas para a maioria nascida em terras africanas. Esse quadro,
perceptível na primeira metade do século XIX, aponta para um comércio de
cabotagem entre o Rio de Janeiro e a Capitania do Espírito santo.
157
Escravos de
várias origens eram comercializados nos portos ao longo da costa africana,
conhecida como angola, e os cariocas eram os principais intermediários nesse
comércio com o Brasil. Esses escravos eram denominados de angolanos devido à
região de procedência e não à sua etnia. Assim, esse caminho apontado, a vinda de
156
VASCONCELLOS, 1978.
157
MERLO, 2003.
74
escravos angolanos para a Província capixaba, por meio do comércio de cabotagem
com o Rio de Janeiro se revelou como uma das possibilidades para a importação de
escravos para o Espírito Santo, no início do século XIX. Informamos ainda, como
afirma Almada, que na segunda metade do século dezenove, devido à expansão
agrícola, havia uma rota para a entrada de cativos no Espírito Santo, pela região Sul,
acompanhando seus senhores, vindos em sua maioria do Rio de Janeiro e Minas
Gerais.
158
Na tabela 1 abaixo temos os dados populacionais que serão analisados a
seguir:
TABELA 1 - ESTIMATIVA POPULACIONAL DA PROVÍNCIA DO ESPÍRITO
SANTO NO ANO DE 1824, 1827, 1856 E 1872
Fontes populacionais dos anos de 1824 e 1827: VASCONCELLOS, 1828. Fonte do ano de 1856:
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, Relatório com que o Exm. Srn. Presidente
da Província do Espírito Santo o Doutor Jose Mauricio Fernandes Pereira de Barros passou a
administração da Província ao Exm. Srn. Commendador Jose Francisco de Andrade e Almeida
Monjardim Segundo Vice-Presidente no dia 13 de fevereiro de 1857, p.9 a 10. Fonte do ano de 1872:
RECENSEAMENTO GERAL DO IMPÉRIO de 1872. Diretoria Geral de Estatística, Rio de Janeiro,
Typ. Leuzinger/ Tip. Commercial, 1876, 12 volumes. Dados sobre o Espírito Santo. Disponível em
www.cebrap.org.br/recenseamentos/01/index.html. Acesso em 08/12/2007.
Sabemos, portanto, que no ano de 1824 havia na província capixaba um total de
22.165 habitantes livres e uma soma de 13.188 escravos. Observemos que em
1827, após três anos, a população livre da Província apresentou um pequeno
aumento e o número de escravos diminuiu.
159
Segundo Ignácio Accioli de
Vasconcellos
160
, primeiro presidente da Província capixaba, esse pequeno aumento
da população livre poderia ter sido mais significativo. Vasconcellos atribuiu esse
reduzido aumento populacional dos indivíduos livres à emigração dos índios e pretos
158
ALMADA, 1984.
159
VASCONCELLOS, 1978.
160
VASCONCELLOS, 1978.
Livres Escravos Ano
Número
% Número
%
População
total
1824
22.165 62,69
13.188 37,30
35.353
1827
22.931 63,91
12.948 36,08
35.879
1856
36.675 75,19
12.100 24,80
48.775
1872
59.478 72,41
22.659 27,58
82.137
75
forros. Em relação à emigração indígena o autor relata que era ocasionada pelo
recrutamento para a Força de terra, Arsenal e Marinha da Corte. Quanto aos pretos
forros, eles eram ocultados no momento da coleta dos dados para a confecção do
quantitativo populacional, além de ter ocorrido, naquele período, um recrutamento
para as Tropas de Artilharia da Província, em 1825. Sobre a diminuição da
população escrava Vasconcellos acrescenta que
se sabe que muitos deles tem sido remetidos para fora da província para
boleeiros, caxeiros etc, e que se o acabou a mania das Velhas, e Velhos
da Província de forrarem todos os escravos especialmente os mulatos
chegando depois a pedirem esmolas.
161
Voltando à riqueza local, na segunda metade do século XIX, ela continuava baseada
principalmente na agricultura, sustentáculo da economia e das exportações
capixabas. A farinha de mandioca, produzida na região Norte, ainda se destacava
como o produto mais exportado da Província. O açúcar estava sendo,
paulatinamente, substituído pela lavoura de café na cidade de Vitória e vizinhanças,
enquanto avançava em novas terras na região Sul.
162
O relatório do ano de 1852 de autoria do presidente da Província, Nascente de
Azambuja demonstra haver na Província capixaba um total de 252 estabelecimentos
produtores de café, 148 de açúcar, 123 de aguardente e 381 de farinha. Nesse
período, os estabelecimentos agrícolas, em sua maioria, diversificavam sua
produção. Possuía a lavoura de café, a de mandioca para produzir farinha e a
lavoura de cana para a produção de açúcar e aguardente. O feijão e o milho também
aparecem entre os produtos cultivados.
Em relação à mão-de-obra presente nessas lavouras, na segunda metade do século
XIX, apesar de ser, em sua maioria escrava, o relatório do Presidente Nascente de
Azambuja descreve a presença de trabalhadores livres. Especificando a região da
Capital provincial, podemos observar, em uma relação de parte das fazendas da
Freguesia de Cariacica no ano de 1852, algumas características dessa mão-de-obra
(conforme anexo 8). Em um total de dezesseis propriedades, três pertenciam a
mulheres, duas fazendas produziam somente açúcar e uma produzia apenas
161
A palavra “boleeiro” significa cocheiro ou aquele que dirige a boleia, montando a besta de sela.
Explicação contida no Glossário da obra de VASCONCELLOS, 1978.
162
Sobre a expansão cafeeira na região Sul da Província do Espírito Santo, ver: ALMADA, 1984.
SALLETO, 1996.
76
aguardente. Dessa forma, prevaleciam propriedades com produção variada de
açúcar, café, aguardente, feijão ou milho. O trabalho escravo não estava presente
nas terras de Francisco Farias, mas havia nessas propriedades uma média de sete
escravos, enquanto o trabalho livre não aparece especificado na fonte. Contudo, em
outra relação oficial da Câmara Municipal de Viana (conforme Tabela 2 abaixo), num
total de seis fazendas produtoras de açúcar, aparece o número de trabalhadores em
“força de braços” e “agregados”. Considerando a fonte demonstrada no Anexo 8, na
qual se pode observar a designação da mão-de-obra cativa como força de
escravos”, entendemos que, provavelmente, a mão-de-obra descrita na tabela 2
abaixo como “força de braços também era escrava, enquanto os trabalhadores
designados como “agregados” eram indivíduos livres, como indicou o relatório do
Presidente Nascente de Azambuja citado acima, corroborando com a afirmação de
Schwartz
163
que se refere aos agregados como dependentes livres que trabalhavam
em terras alheias. Não obstante, sobre os trabalhadores designados como
“agregados”, podemos tomar como referência os dados existentes em um mapa
populacional da Freguesia de Nossa Senhora da Penha de Aldeia Velha, atual
Aracruz, do ano de 1843, em que esses trabalhadores eram índios e pardos (de
acordo com o anexo 9).
164
Observemos, também, as informações a seguir, na
relação parcial de fábricas de açúcar de Viana do ano de 1852:
TABELA 2 - RELAÇÃO PARCIAL DE FÁBRICAS DE AÇÚCAR
DE VIANA DO ANO DE 1852
Fazendas Proprietários Força de
braços
Produção
Agregados
163
SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes/ Stuart B. Schwartz; trad.: Jussara Simões.
– Bauru, SP: EDUSC, 2001, p.134.
164
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, Mapa da população da Freguesia de Nossa Senhora
da Penha de Aldeia Velha; pertencente ao ano de 1843. Censos capixabas. Disponível em
www.ape.es.gov.br/index2.htm. Acesso em 21/01/2009.
77
Araçatiba e
Jacarandá
Coronel Sebastião Vieira Machado 180,6 115 12
Jucuna João de Almeida Mascarenhas 16 6 1
Jucuruaba Administrador Antonio Pinto Rangel 37 24 3
Jucu Capitão Jose Freire de Andrada 18 10 2
Calabouço Major Fernando Antonio Ferreira
Castello e sua irmã D. Rosa Maria
Ferreira
15 4 _
Fonte: Ofício enviado ao Governo da Província do Espírito Santo pela Câmara Municipal de Viana em
1852. Arquivo Geral do Município de Vitória.
Notemos que nas fazendas de Araçatiba e Jacarandá, de propriedade do Coronel
Sebastião Vieira Machado, havia um número expressivo de escravos em relação às
outras fazendas. Os agregados, mesmo em menor número, estão presentes em
quaro das cinco fazendas. Indivíduos livres pobres e libertos, possivelmente, além
dos índios e pardos, integravam esse contingente de mão-de-obra designada como
agregada.
Além das culturas tradicionais como a do açúcar e da mandioca, outra produção,
citada, que permaneceu presente e produtiva nos arredores da cidade de Vitória, na
primeira e segunda metade do século XIX, foi a de algodão e a fabricação de redes
na Vila do Espírito Santo ou Vila Velha, como descreve Wilberforce:
A meio-caminho rio abaixo fica uma vila, chamada vila velha, na qual os
principais artigos produzidos, isto é, redes de algodão, são vendidos a
preço mais barato que em qualquer outro lugar. A gentileza de um dos
meus companheiros me permite dar a seguinte descrição da fábrica, que a
indelicadeza do médico me impediu de visitar: Alguns de nós descemos à
vila velha, situada na margem direita do rio, a cerca de uma milha da foz;
abaixo do convento e no fundo de uma linda enseada. Há aí muitas fábricas
de redes de algodão, e nós entramos em várias casas à sua procura. Um
estoque era logo apresentado com preços variando de seis a oito mil réis.
Como o grupo estava ansioso por passear, não pude fazer muitas
observações a respeito da fabricação; mas, pelo visto, o processo parecia
muito simples. As armações tinham sete pés de comprimento por três de
largura; e o material era algodão sul-americano cru, muito resistente.
165
A julgar pela descrição sobre o comércio de redes, apesar de a fabricação ser
manual e ocorrer dentro das casas, era regular, por haver exportação para outras
165
WILBERFORCE, Edward. Ingleses na costa. Impressões de um aspirante da marinha sobre o
Espírito Santo em 1851. Tradução: Eliziane Andrade Paiva. Vitória: Instituto Histórico e Geográfico
do Espírito Santo. Academia Espírito-Santense de Letras, Cultural, ES, 1989.
78
províncias do Império. Havia estoques e, provavelmente, artigos diferenciados
devido à citação de variedades de preços feita pelo autor.
Ampliando também a análise populacional dessa mão-de-obra escrava, para a
segunda metade do século XIX, observamos que, apesar de um aumento
substancial da população livre, o número de escravos decresceu em relação ao ano
de 1827, de 12.948 para 12.100 cativos no ano de 1856, respectivamente 36,08% e
24,80% da população (conforme Tabela 1). Portanto, a diminuição da população
cativa, em 1827, vista como um problema por Vasconcellos continuou ocorrendo até
o ano de 1856.
Sobre esse período, em relação ao tráfico de cativos, destacamos que em 1827
firmou-se um acordo entre Brasil e Inglaterra que determinava o fim do tráfico
atlântico em três anos, ratificado em 07 de novembro de 1831. Após esse período
houve um considerável aumento na importação de escravos. Entre 1838 e 1839
desembarcaram, anualmente, no Brasil, mais de 40 mil africanos. Anteriormente,
entre 1831 e 1834, essa média era de no máximo 1200 cativos. Nos anos de 1846 a
1850 desembarcaram uma dia de quase 50 mil. O fim do tráfico atlântico, cabe
inferir, somente se deu pela Lei Eusébio de Queirós, em 1850.
166
O aumento do
tráfico atlântico, até o ano 1850, parece não ter dinamizado o comércio de cativos
pelos proprietários capixabas. Como vimos, até o ano de 1856, o quantitativo de
cativos apresentava certo declínio.
Apesar desse contexto de retração até 1856, no ano de 1872 a população escrava
absoluta passou a apresentar um quantitativo de 22.659 indivíduos, ou seja, 27,58%
da população total, número superior aos 24,80% existentes em 1856. Esses
resultados apontam para o crescimento da população cativa da Província capixaba.
Entendemos que essa recuperação quantitativa das escravarias, deveu-se,
primeiramente, à expansão cafeeira e ao aumento dos plantéis de escravos na
região Sul da Província, ainda que esses escravos tenham sido introduzidos nessa
região por emigrantes de províncias vizinhas como Rio de Janeiro e Minas Gerais.
167
166
FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o
Rio de Janeiro: séculos XVIII e XIX/Manolo Florentino. - São Paulo: Companhia das Leras, 1997, p.
43.
167
ALMADA, 1984.
79
Quanto ao café, sua expansão no Brasil foi estimulada pela crescente solicitação por
parte dos Estados Unidos da América e dos países europeus, após o fim do
Bloqueio Continental.
168
O café tornou-se o principal produto de exportação
brasileiro. Sua produção no quinquênio de 1821-1825 era de 487.594 sacas de cinco
arrobas, em 1836-1840 chegou a 4.623.345 sacas de 5 arrobas. No ano de 1860
representava 48,8% das exportações.
169
O Espírito Santo, por possuir grandes
extensões de terras virgens e devolutas, no início do século XIX, e se localizar na
periferia do Vale do Paraíba, não ficou isento do processo de expansão dessa
cultura.
170
O produto possuía melhor cotação no mercado internacional,
necessitando de menor capital para o beneficiamento e, principalmente, por tratar-se
de cultura extensiva e exigente de terra virgem, impôs-se à economia capixaba em
crescente substituição à cana-de-açúcar. As imensas áreas ao Sul da Província, até
então despovoadas, foram ocupadas pelos imigrantes estrangeiros, pelos
emigrantes vindos principalmente do Rio de Janeiro e Minas Gerais, e pelas
fazendas de café.
171
A partir de meados do século XIX toda a província foi atraída
pela produção do produto, com intensidade diferenciada em cada região. Vejamos a
publicação a pedido, no Jornal da Victória, em 28 de setembro de 1867 e a 22 de
janeiro de 1868:
Noticiário
Exportação - Durante o corrente mês, até hoje, tem esta capital exportado
para a corte perto de vinte cinco mil arrobas de café, e consta-nos que nos
armazéns de deposito dos diversos exportadores, o dobro desta
quantidade para ter o mesmo destino. Já é uma safra bem regular.
Quem pergunta quer saber
Ninguém que ignore o quanto foi abundante a colheita e exportação do
café d’esta província no ano passado, a ponto de virem aqui carregar navios
da praça do Rio de Janeiro; e que disto resultou uma grande renda, e a
elevação, portanto da receita provincial a 180 contos de reis mais ou
menos[...].
Assim, na segunda metade do século XIX, mesmo com a Lei Eusébio de Queirós
proibindo o tráfico de escravos, percebemos na proncia capixaba, o aumento
168
O bloqueio Continental consistiu, inicialmente, em fechar os portos dos países submetidos ao
domínio francês a navios da Grã-Bretanha e Irlanda, por meio do Decreto de Berlim de 21 de
novembro de 1806.
169
MONTEIRO, Hamilton de Mattos. Da independência à Vitória da ordem. In: LINHARES, Maria
Yedda (Org.). História Geral do Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1996, p. 139 a 140.
170
Sobre a expansão cafeeira no Sul do Espírito Santo, ver: ALMADA, 1984. SALLETO, 1996.
171
ALMADA, 1984, p.60.
80
populacional de livres e escravos, simultaneamente. Ambos acompanharam a
expansão cafeeira. No decênio de 1861 a 1871, as receitas provinciais cresceram de
118:568$011 réis para 183:050$747 réis devido, primeiramente, à exportação de
café e outros gêneros agrícolas, principalmente, para o Rio de Janeiro, Campos,
Caravelas e Bahia.
172
A agricultura continuava, assim, sustentando as exportações
capixabas e empregando a maioria da mão-de-
obra cativa.
Relacionando os dados coligidos sobre a posse escrava com a expansão do café,
especificamente na cidade de Vitória e adjacências, análise necessária para se
definir mudanças nessa região, observamos, inicialmente, a ocorrência de uma
reversão na posse dessas escravarias. Na primeira metade do século XIX, entre
1800 e 1830, a posse cativa atingia amplos setores da sociedade local. Os
inventariados apresentaram um percentual de posse cativa superior a 80%, não
importando o tamanho de sua riqueza. No entanto, entre 1850 e 1872, apenas
62,7% dos inventariados contavam com a mão-de-obra escrava.
173
Por outro lado,
elencando os dados oferecidos pelos censos populacionais do período, o
quantitativo populacional escravo, concentrado na cidade de Vitória e adjacências,
não diminuiu no período entre 1856 e 1872, passando de 5.323 para 7.197 cativos,
isto é, 21,60% para 24,00% da população livre (conforme tabela 3 e 4 abaixo).
Diante disso, entendemos como necessária a comparação dos dados populacionais
da região, de forma mais aprofundada. Vejamos a seguir os dados populacionais do
ano de 1856:
TABELA 3 - ESTIMATIVA POPULACIONAL DA CAPITAL DE VITÓRIA E
LOCALIDADES VIZINHAS, NO ANO DE 1856.
Livres Escravos Principais
localidades
Número
% Número
%
População total
das principais
localidades
%
Capital de
Vitória
4.139 83,00 863 17,00
5.002 20,30
Espírito Santo 1.031 79,00 280 21,00
1.311 5,32
172
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, Relatório de Francisco Ferreira Correia, lido na
Sessão Ordinária do ano de 1871, Victoria, p.55.
173
Respectivamente, MERLO, 2003; JESUS, 2007.
81
Cariacica 3.253 78,40 896 21,60
4.149 16,82
Viana 2.228 63,60 1.274 36,40
3.502 14,20
Carapina 1.125 84,60 205 15,40
1.330 5,40
Serra 2.004 79,40 520 20,60
2.524 10,23
Queimado 919 62,00 569 38,00
1.488 6,03
Nova Almeida 2.048 81,50 465 18,50
2.513 10,20
Santa Cruz 2.586 91,00 251 9,00 2.837 11,50
Total 19.333 78,40 5.323 21,60
24.656 100,00
Fonte: Arquivo Público Estadual, Censo populacional contido no relatório presidencial com que o
Exm. Srn. Presidente da Província do Espírito Santo o Doutor Jose Mauricio Fernandes Pereira de
Barros passou a administração da Província ao Exm. Srn. Commendador Jose Francisco de Andrade
e Almeida Monjardim Segundo Vice-Presidente no dia 13 de fevereiro de 1857, p.9 a 10.
A cidade de Vitória possuía o maior contingente populacional total em comparação
com as outras localidades arroladas. Concentrava 5.002 habitantes em 1856, ou
seja, 20,30 % da população total da região. A maior concentração local de indivíduos
livres em relação aos escravos, isto é, 83,00%, encontrava-se fixada nessa urbe. No
entanto, o maior número absoluto de cativos estava localizado em Viana, seguido
por Cariacica, ficando Vitória com o terceiro maior contingente de escravos. Assim,
provavelmente, as atividades agrícolas, principalmente as plantações de cana e de
café (não negligenciando as plantações de milho, feijão e algodão) ocupavam a
maior parte da mão-de-obra escrava, devido a pouca concentração de serviços
urbanos localizados fora da cidade de Vitória.
Analisando os dados censitários levantados no ano 1872 notamos mudanças
significativas em relação a essa população, conforme tabela abaixo:
TABELA 4 - ESTIMATIVA DA DISTRIBUIÇÃO POPULACIONAL DA CAPITAL DE
VITORIA E LOCALIDADES VIZINHAS NO ANO DE 1872.
Livres Escravos Principais
localidades
Número
% Número
%
População total das
principais localidades
%
Capital de Vitória
3.250 77,00
965 23,00
4.215 13,92
Espírito Santo 1.237 71,00
511 29,00
1.748 5,77
Cariacica 4.122 78,00
1.160 22,00
5.282 17,44
82
Viana 3.379 73,40
1.224 26,60
4.603 15,20
Carapina 898 78,00
251 22,00
1.149 3,80
Serra 2.815 66,00
1.464 34,00
4.279 14,13
Queimado 2.570 77,00
762 23,00
3.332 11,00
Nova Almeida 1.731 79,00
460 21,00
2.191 7,24
Santa Cruz 3.073 88,50
400 11,50
3.473 11,50
Total 23.075 76,00
7.197 24,00
30.272 100,00
Fonte do ano de 1872: RECENSEAMENTO GERAL DO IMPÉRIO de 1872. Diretoria Geral de
Estatística, Rio de Janeiro, Typ. Leuzinger/ Tip. Commercial, 1876, 12 volumes.
Perceba que a população total da cidade de Vitória diminuiu, sendo que o maior
contingente populacional, representando 17,44% do total, localizava-se, nesse
período, em Cariacica, seguida de Viana, com 15,20%, e Serra com 14,13%, ficando
Vitória em quarto lugar, com 13,92% do total da população. A maior concentração
escrava representava 34,00% do total e estava na Serra, seguida de Viana, com
26,60%, e Cariacica, com 22,00%. A cidade de Vitória concentrava, agora, o quarto
lugar em número de escravos com 13,92% do total.
Percebemos, então, que Vitória concentrava a maioria da população dessa região
em 1856, no entanto, em 1872, seu contingente populacional ocupava o quarto lugar
no número total de habitantes. Em relação ao número de escravos, caiu do terceiro
para o quarto lugar em comparação com as outras localidades. Devemos considerar
que no mesmo período em que seus números populacionais diminuíram tanto de
escravos quanto de livres, o quantitativo populacional de sua região circunvizinha,
ou seja, de Cariacica, Viana e Serra, aumentou.
Argumentamos, diante disso, que a cidade de Vitória e suas adjacências também
foram afetadas pela expansão agrícola, baseada nos cafezais que, possivelmente,
provocou o acréscimo da necessidade de mão-de-obra em sua vizinhança. Parece
que um maior número da população livre e pobre pôde optar pela emigração para a
região Sul ou, como indicado, preferencialmente, para áreas circunvizinhas à cidade
de Vitória. No caso dos senhores e seus cativos pode-se inferir que se deslocaram
do setor mais central para suas roças, sem olvidar que era costume da elite
senhorial manter a posse de propriedades, tanto na área da Capital quanto em sua
região circunvizinha, fator que teria facilitado o movimento dos cativos para serem
83
empregados na área rural, além de tornar possível o seu retorno, quando
necessário. Contudo, a reversão na amplitude social da posse escrava no período
entre 1850 e 1872 aponta para a possibilidade desse movimento populacional
escravo ter sido motivado especialmente pela venda de cativos, por parte dos
pequenos proprietários, realizando o comércio de uma mão-de-obra anteriormente
concentrada em ocupações urbanas preteridas com a expansão cafeeira do período.
Nesse caso podemos inferir uma maior centralização escrava em ocupações rurais e
nas mãos de médios e grandes proprietários existentes na própria região. É possível
que mesmo pequenos proprietários lavradores e sitiantes tenham desprezado as
ocupações na cidade de Vitória para seus escravos, estabelecendo-os alugados nas
lavouras ou junto à sua própria família. Esses aspectos elencados sugerem não uma
decadência econômica, mas uma reorganização da mão-de-obra localizada nessa
região.
Podemos, agora, comparar outros aspectos dessa posse escrava existente na
região. De 1800 a 1830 destacamos que 61,8% dos proprietários possuíam
plantéis
174
formados por um a nove cativos, total correspondente a 34% dos 1.376
escravos arrolados; 15,3% detinham plantéis formados por 10 a 19 indivíduos,
perfazendo um total de 27% dos cativos; e apenas 7% desses senhores possuíam
escravarias superiores a 20 cativos, mas concentravam 39% dos escravos
inventariados.
175
Em outra análise sobre a posse escrava realizada por Carvalho
176
presente na
cidade de Vitória, entre 1790 e 1821, de um total de 269 senhores, 197 possuíam de
1 a 10 escravos, uma soma de 42 proprietários detinha plantéis de 10 a 19 cativos,
enquanto 16 senhores possuíam escravarias formadas por 20 a 39 indivíduos.
Apenas cinco proprietários detinham plantéis superiores a 40 cativos.
Comparando a posse escrava do meio rural do Rio de Janeiro, no período de 1790 a
1835, com os dados arrolados sobre a região de Vitória e sua vizinhança, entre 1800
e 1830, percebemos que o Rio de Janeiro apresentava uma ampla disseminação
174
Utilizamos o termo plantel como indicado por Stuart b. Schwartz: conjunto de escravos
pertencentes ao mesmo proprietário. STUART B. Schwartz. Segredos internos: engenhos e
escravos na sociedade colonial, 150-1835./ Stuat b. Schwartz; tradução Laura Teixeira Motta. São
Paulo: Companhia das Letras, 1988, p.357.
175
MERLO, 2003.
176
CARVALHO, 2008.
84
escrava pela sociedade de então, dados detectados também nessa região capixaba,
pois, segundo Patrícia Merlo
177
, havia uma “[...] alta concentração de cativos nas
mãos de um grupo restrito de proprietários”, mas “[...] a propriedade escrava em
Vitória estava distribuída em amplos setores da sociedade local, não importando a
extensão das posses. Afinal 84,1% do total dos inventariados tinham ao menos um
escravo”
178
. Guardando as devidas ressalvas entre as diferenças entre o quantitativo
total de senhores e cativos das duas regiões, percebemos que a posse escrava no
Rio de Janeiro era marcada por uma maioria de pequenos e médios plantéis
formados por 1 a 9 e 10 a 19 cativos, respectivamente. Formações também
encontradas na região de Vitória onde a maioria dos proprietários rurais possuíam
de 1 a 9 cativos e os possuidores de 10 a 19 cativos representavam o segundo
maior grupo de proprietários. Mas contrariamente ao Rio de Janeiro que assistiu
entre 1790 e 1830 a um aumento vertiginoso de suas plantations
179
, devido ao
aumento das exportações de açúcar, na região Central capixaba, formada pela
cidade de Vitória e adjacências, constataram-se apenas cinco senhores com mais
de 40 cativos entre 1790 e 1821, enquanto entre 1800 e 1830, apenas sete
proprietários detinham mais de 20 cativos. Detectamos também que nesse período,
até o ano de 1856, ao quantitativo de cativos diminuiu nessa região capixaba.
Ressaltemos, então, os dados arrolados do ano de 1876, sobre um total de 2.908
escravos existentes no município de Vitória. Esse número de escravos estava
concentrado nas mãos de 498 proprietários. Esses senhores possuíam escravarias
formadas, em média, por cinco cativos. Um mero de 147 proprietários possuía
plantéis unitários, ou seja, 29,51% do total de senhores. Os senhores de apenas um
escravo respondiam pela posse de 5,05% do total de escravos. Uma quantidade de
415 proprietários, ou seja, 83,33% do total possuía escravarias com até nove
escravos, somando um total de 1.202, isto é, o equivalente a 41,32% do total de
escravos. Porém, a maioria da mão-de-obra escrava concentrava-se em escravarias
com mais de dez escravos, em número de 1.706 cativos, isto é, 58,63% do total.
Essas escravarias reuniam-se nas mãos de 83 senhores (6,66% do total de 498
177
MERLO, 2003.
178
MERLO, 2003.
179
Propriedades rurais baseadas na monucultura para exportação que empregavam mais de 49
cativos. FLORENTINO. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio
de Janeiro: séculos XVIII e XIX/ Manolo Florentino. – São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p.30.
85
proprietários). Dentre esses 83 senhores, o grupo que possuía plantéis formados por
20 a 39 cativos arregimentava a maior concentração desses, o que equivale a
29,00% do total. Apenas quatro desses senhores detinham mais de 40 cativos,
possuindo ao todo 8,8% do plantel integral. Os dados levantados em 1876 estão
expostos na tabela abaixo:
TABELA 5 - ESTRUTURA DE POSSE DE CATIVOS SEGUNDO FAIXAS DE
TAMANHOS DOS PLANTÉIS – MUNICÍPIO DE VITÓRIA - 1876.
Faixas de tamanho dos plantéis
Proprietários
% Escravos
%
1 147 29,51 147 5,05
2 a 4 179 35,94 490 16,85
5 a 9 89 17,87 565 19,42
10 a 19 47 9,43 606 20,83
20 a 39 32 6,42 843 29,00
40 ou mais 4 0,80 257 8,8
Total 498 100,00
2.908 100,00
Fonte: Livro de classificação de escravos para serem libertados pelo fundo de emancipação.
Município da Cidade de Victoria, 1876. Arquivo Geral do Município de Vitória.
Cumpre, da mesma forma, confrontarmos a posse escrava dessa região em 1876
com áreas onde a expansão do café estimulou o desenvolvimento da economia a
partir da primeira para a segunda metade do século XIX, como o ocorrido na
Província do Espírito Santo e, como visto, na região de Vitória. A região de Taubaté,
inscrita no Vale do Paraíba, constituía um importante centro cafeicultor e conheceu,
nesse período, seu momento áureo. Contudo, as características de sua posse
escrava não distavam daquelas encontradas na região Central da Província
capixaba. Os pequenos e médios escravistas, possuidores de menos de 20 cativos,
86
representavam um total de 92,9% do total de proprietários. Apenas 18 proprietários
possuíam mais de 40 escravos.
180
Continuando a comparação da posse cativa dessa região capixaba com outras
regiões brasileiras, que observamos acima, podemos coligir que os pequenos e
médios proprietários também representavam a maioria em locais onde havia um
maior número de plantations e a economia se apresentava em franca expansão,
tanto no período da expansão do açúcar, na primeira metade do culo XIX, como
com a expansão do café, na segunda metade do século indicado. No caso dessa
região capixaba ela sempre apresentou um pequeno número de propriedades com
mais de 40 cativos e deve-se considerar que essas propriedades sempre possuíram
economia diversificada, fugindo do padrão monocultor das propriedades
encontradas nessas outras regiões destacadas. Parece mais provável que a cultura
do café tenha continuado a conviver com outros produtos para exportação.
Comparamos a região Central capixaba com apenas duas áreas brasileiras, Rio de
Janeiro e Vale do Paraíba. No entanto, uma extensa historiografia, da qual se
abordou somente dois autores, comprovou a importância dos pequenos e médios
proprietários de cativos no contexto da economia colonial e imperial do Brasil
(conforme subitem 2.3).
Assim sendo, em relação à mão-de-obra escrava presente nessa região, durante a
década de 70 do século XIX, podemos supor que predominou a concentração
escrava nas mãos de poucos senhores, e que a maioria dos proprietários possuía
pequenos plantéis de escravos formados por até nove cativos. É possível inferir
também, num primeiro momento, uma mudança significativa em relação aos padrões
das escravarias existentes nessa região, ocorrida durante o período de 1850 a 1872,
ou seja, um retraimento na posse escrava, evidenciado de forma mais clara ao
analisarmos o esvaziamento populacional de livres e escravos ocorrido na cidade de
Vitória após o ano de 1850. Provavelmente o aumento da constante concentração
escrava nas mãos de poucos senhores, detectada entre os anos de 1850 e 1872, foi
decorrente da expansão cafeeira que parece ter redefinido os contornos do emprego
da mão-de-obra cativa na região, alocando-a preferencialmente no campo, e da
180
MARCONDES, Renato Leite. A Pequena e a média propriedade na grande lavoura cafeeira do
vale do Paraíba. Locus: Revista de História, Juiz de Fora (MG), v. 4, n. 2, p. 35-54, 1998.
87
elevação do preço do cativo, após 1850, com a proibição do tráfico atlântico.
Consideramos também que o deslocamento da população pôde ter sido motivado
por outros eventos, como as epidemias ocorridas na cidade de Vitória, na segunda
metade do século XIX. Entretanto acreditamos que o surto epidêmico, apesar de ter
levado algumas famílias a deixar a cidade, não traria modificações nas
características da economia dessa região, como as provocadas pelo advento da
produção de café, reconhecendo que as epidemias o eventos passageiros e
sempre estiveram presentes nesse cotidiano.
181
Voltando à análise da posse escrava, agora referente ao ano de 1876, se baseada
no crescimento do número de senhores (um total de 498) e de escravos (uma soma
de 2.908) - números significativos comparados aos analisados pelos inventários -,
demonstra um novo fortalecimento dessa faceta econômica, ou seja, da utilização da
mão-de-obra escrava. Assim, podemos aferir que na segunda metade do século,
apesar da manutenção de uma economia de produção agrícola diversificada, voltada
para a exportação para o mercado interno, sobreveio o incentivo da exportação do
café. Provavelmente, também no mesmo período, aumentou a dependência pela
mão-de-obra cativa e percebemos, analisando os dados existentes entre os anos de
1856 e 1876, uma recuperação dessas escravarias. Constatamos, então, ao
observarmos o crescimento significativo das médias escravarias em conformidade
com o aumento dos cafezais na região, que, provavelmente, nesse período,
abordou-se com maior freqüência o mercado de cativos, nesse momento, somente
interno, ponderando sobre o pequeno período entre os anos de 1872 e 1876 para
contar apenas com uma possível reprodução natural. No entanto, as mesmas
características repetitivamente encontradas nessas escravarias, isto é, concentração
escrava e maioria de pequenos proprietários, ainda se encontravam presentes no
ano de 1876.
3.4 ALÉM DAS PLANTAÇÕES
Ponderando-se sobre a análise da economia em Vitória, entre outras constatações,
observamos que na primeira metade do Dezenove, e com o advento do café, a
agricultura capixaba manteve a produção de variados produtos em quantidade
181
BASTOS, 2009, p.28.
88
suficiente para a manutenção de sua população e exportação para outras províncias
do Império. A constante exportação de mercadorias para outras regiões motivou a
importação de uma infinidade de produtos, como roupas prontas, sedas e sapatos,
vendidos nas lojas de secos e molhados, concentrados nos lugarejos que formavam
as adjacências da cidade de Vitória e, em maior número, no seu espaço central,
concordando com conclusão obtida por Enaile Carvalho.
182
Esse e outros estudos
tornaram-se imprescindíveis para a descoberta de outras facetas da riqueza
capixaba existente, especificamente na praça mercantil de Vitória. Uma das
constatações é o reconhecimento da posse de escravos e terras como um indicativo
de riqueza na sociedade da época. Em levantamentos efetuados por Patrícia
Merlo
183
em inventários post-mortem e testamentos do ano de 1800 a 1830,
detectou-se que o primeiro fator determinante na constituição das fortunas tratava-se
da posse de escravos, pois eles correspondiam a 49,8% do montante bruto da
riqueza desses 32 inventários. Dos 1.367 escravos arrolados, 567 (41,5%) estavam
concentrados nas mãos da camada intermediária, enquanto os bens rurais
correspondiam a 18% do total de riqueza e os prédios urbanos a 19,7%.
Assim, as fortunas em Vitória eram formadas principalmente por escravos, seguidos
dos imóveis urbanos e posteriormente dos bens rurais. Quanto a esses bens rurais,
na província capixaba, o processo de regularização de terras iniciado pelo governo
Imperial se deu concomitantemente à expansão cafeeira. A Lei de Terras, de 1850,
e seus regulamentos, de 1854, serviram de matriz para as leis de terras que
surgiram em diferentes estados da República. A partir de 1850, a compra de terras
seria o único meio legal de aquisição territorial. No entanto, a lei não foi cumprida de
forma desejada e até o fim do Império a quantidade de terras devolutas existente era
ignorada pelo governo, e a legitimação das mesmas havia avançado lentamente. A
compra era, então, inferior à incorporação territorial ilegal. A posse ilegal, portanto,
continuava e se intensificava como prática comum.
184
A despeito da ilegalidade, a
legitimação ocorria em um momento de valorização das terras como produto de
compra e venda frente à mão-de-obra escrava e à colheita. Assim, a posse de terras
182
CARVALHO, 2008, p.63-72.
183
MERLO, 2003.
184
MOREIRA, Vânia Maria Lousada. A ilusão das terras devolutas: colonização particular, exploração
madeireira e grilagem: 1889-1930. In: Dimensões - Revista de História da UFES, Vitória:
UFES/CCHN, nº 17, 2005, p. 223.
89
passou a representar um fator de riqueza. No Espírito Santo, as primeiras vendas
legais de terras devolutas, no período de 1859 a 1863, foram feitas nas imediações
da Capital.
185
Verifica-se, dessa forma, que a Província capixaba e sua região
Central não ficaram alheias à questão fundiária e aos seus desdobramentos.
Observemos, por exemplo, um fragmento da parte oficial do Jornal da Victoria de 20
de julho de 1867:
Terras Públicas
Possui a província grande extensão de terras devolutas. Infelizmente;
porém, ainda não tem sido possível extremar o domínio publico do
particular, segundo as regras estabelecidas pela Lei nº. 601 de 18 de
setembro de 1850 [...] Mal principiados os processos e ultimados com
irregularidades insanáveis, não se guardando as fórmulas nem se
respeitando alguma vez o direito dos herdeiros, as desavenças aparecem e,
por consequência, a Presidência vê-se embaraçada nos seus
julgamentos.[...].
Além da posse de escravos e terras, Merlo aponta, assim como Carvalho
186
, para a
presença de negócios diversificados na região, como empréstimos e prática de
juros, aluguel de imóveis e de escravos, e comércio de secos e molhados. Assim,
para Merlo
essas constatações parecem apontar para um perfil híbrido da camada
média capixaba, caracterizado pelo não-predomínio de um determinado tipo
de bem. A presença de atividades urbanas importantes na constituição das
fortunas parece indicar a possibilidade dessas atividades consistirem em
fonte de investimento para obtenção de recursos a serem direcionados para
o meio agrário, ou uma fonte complementar de renda àquela produzida nas
lavouras.
187
Devemos nos atentar também para a existência de uma economia diversificada na
cidade de Vitória e suas adjacências. Apesar da inegável riqueza baseada na
agricultura e, consequentemente, na posse de terras e escravos, a economia ia além
das plantações tradicionais para a exportação. Sobre esse aspecto econômico, em
vários inventários Merlo encontrou proprietários que possuíam significativo número
de cativos que viviam na área central da cidade. Esses senhores não eram
possuidores de bens rurais ou esses bens eram insuficientes para ocupar o número
de escravos arrolados nos inventários. A autora sugere, assim, a prática do aluguel
de escravos e do uso do trabalho do escravo ganhador pelos senhores. Vale atentar
185
ALMADA, 1984, p.80.
186
CARVALHO, 2005, p.16.
187
MERLO, 2003.
90
também para a prática de empréstimos mantida por esses senhores locadores de
mão-de-obra escrava, provavelmente com os lucros obtidos com o aluguel e ganho
de seus cativos. O aluguel poderia servir como uma alternativa para aqueles que
não possuíssem escravos devido às características das ocupações que
dispensavam o uso de cativos, podendo alugá-los quando necessário. Essas
fortunas fundadas, em sua maior parte, na posse de escravos, “sugerem um
emprego bastante ampliado dessa o-de-obra, seja no trabalho da lavoura, seja
em atividades tipicamente urbanas, como o aluguel e a venda de produtos sob o
controle do senhor: escravos de ganho”
188
.
Segundo Almada, no ano de 1872, apesar de a maioria dos escravos trabalharem na
agricultura, serem “escravos de roça”, eles exerciam fora do mundo rural as
atividades domésticas, principalmente, enquanto nas atividades secundárias eram,
em sua maioria, costureiros e operários. Havia, do mesmo modo, jornaleiros e
criados, marítimos, pescadores e artistas, contando apenas 290 profissionais.
189
Pesquisas recentes, como a de Rafael de Jesus
190
, reafirmam que a economia
capixaba no período de 1850 a 1872 incluía a prática de empréstimos e vendas a
prazo, do comércio de cabotagem com outras regiões brasileiras e de um comércio
ativo de vendas de secos e molhados na região Central de Vitória. Apontou, ainda,
para o uso fundamental de escravos empregados nas mais diversas ocupações
como escravos alugados ou ao ganho.
Todas essas observações elencadas, no entanto, não deslocam a mão-de-obra de
sua principal destinação: a agricultura. Por outro lado, um dos aspectos que mais
nos interessa, nesse momento, é a forma encontrada pelos proprietários de
escravos para diversificar a economia e aumentar sua renda. Como o braço escravo
era o maior gerador de riquezas nas lavouras da região, era também nele,
provavelmente, que se baseava a diversificação do emprego da mão-de-obra local.
Eis que se fazem necessárias algumas considerações quanto a essa diversificação,
utilizando-se uma fonte da qual se pode extrair o emprego do trabalho escravo em
Vitória e regiões vizinhas, no ano de 1876.
188
MERLO, 2003.
189
ALMADA, 1984, p.121.
190
Ver: JESUS, 2007. CARVALHO, 2008.
91
Cabe esclarecer que na análise da fonte eleita para a confecção do presente
capítulo utilizamos uma divisão das profissões dos escravos entre trabalho
especializado, de lavoura, trabalho doméstico e de jornaleiros. Essa divisão foi
adotada para simplificar a análise dos dados. Adotamos a designação de trabalho
especializado para todas as profissões escravas realizadas fora das lavouras,
mesmo quando dentro da região rural, e quando se diferenciavam do trabalho
doméstico. Podemos citar como exemplo, o ofício de marceneiro e carpinteiro. No
trabalho de lavoura foram alocados os escravos que labutavam nessa ocupação,
enquanto na designação de trabalho doméstico foram unidas todas as tarefas
referentes aos serviços caseiros, como no caso das cozinheiras e lavadeiras,
mesmo tratando-se de cativos alugados por seus senhores, dados não explicitados
pela fonte mencionada. Já os jornaleiros, ocupação designada pela fonte, eram
escravos que atuavam em trabalhos na cidade e em sua vizinhança, dependendo da
necessidade de mão-de-obra, e recebiam seu “jornal”, ou pagamento, ao serem
alugados por seus senhores, e geralmente atuavam em ocupações braçais e nas
lavouras.
Assim, foi possível observar que no período analisado um total de 71,21 % dos
cativos trabalhava na lavoura e 5,84 % ocupava-se de tarefas domésticas. As
demais atividades se distribuíam por profissões especializadas, registradas para 128
escravos, apenas 4,40 % do total. Um somatório de 25 cativos, o que equivale a
0,85 %, desempenhava tarefa tanto nas propriedades rurais como na cidade, eram
os chamados jornaleiros. As crianças menores de 12 anos não receberam dados
referentes à profissão, e, portanto, não foram registradas em nenhum tipo de
ocupação, representando um percentual significativo do total dos escravos, em torno
de 17,60 %, conforme dados demonstrados abaixo:
TABELA 6 - TIPO DE TRABALHO
Tipo de trabalho Freqüência
Percentual
válido
Especializado 128 4,40 %
Lavoura 2.071 71,21 %
Doméstico 170 5,84 %
Jornaleiros 25 0,85 %
92
Nada-Consta 2 0,06 %
Menores abaixo de 12
anos - Nada consta
512 17,60 %
Total 2.908 100,0 %
Fonte: Livro de classificação de escravos para serem libertados pelo fundo de emancipação.
Município da Cidade de Victoria, 1876. Arquivo Geral do Município de Vitória.
Eis que, portanto, a economia e riqueza capixaba, apesar de baseada,
principalmente, na agricultura e nos produtos tradicionais de exportação, e, na posse
de terras e escravos, possuíam dinâmicas e facetas que iam além das plantações,
tendo os cativos como peça fundamental. Assim, a necessária diversificação na
economia e na produção agrícola também estava presente nas ocupações exercidas
pelos cativos.
Relacionando os tipos de trabalho com a posse de cativos por meio dos tamanhos
dos plantéis analisados percebemos que a utilização da diversidade de mão-de-obra
escrava era praticada, preferencialmente, pelos pequenos e médios proprietários.
Na tabela 7 podemos observar que os plantéis formados por até 19 cativos
possuíam um número maior de escravos domésticos e especializados, enquanto as
escravarias com 20 a 39 cativos, que concentravam a maioria da mão-de-obra
escrava, possuíam poucos representantes desses tipos de trabalhos:
TABELA 7- TIPO DE TRABALHO POR TAMANHOS DE PLANTÉIS
Tamanho de plantéis Tipo de trabalho
1 2 a 4 5 a 9 10 a 19 20 a 39 40 ou +
Especializado 12 23 30 31 15 17
Lavoura 99 338 390 423 646 175
Doméstico 25 61 23 43 12 6
Jornaleiros 4 6 9 6 - -
Menores abaixo de 12
anos - Nada consta
5 62 113 103 170 59
Nada-Consta 2 - - - - -
Total 147 490 565 606 843 257
93
Fonte: Livro de classificação de escravos para serem libertados pelo fundo de emancipação.
Município da Cidade de Victoria, 1876. Arquivo Geral do Município de Vitória.
A tabela 8 congrega os 10 maiores proprietários de cativos dessa região em 1876,
vejamos:
TABELA 8 - PROPRIETÁRIOS COM MAIORES ESCRAVARIAS - MUNICÍPIO DE
VITÓRIA - 1876
Nº.
Proprietário Escravos
Nº.
Proprietário
Escravos
1 Manuel Nunes do Amaral
Pereira
82 6 Anna Adelaide
Azevedo
38
2 Maria da Penha Pereira S.
P. Meirelles
69 7 Jose Cláudio de
Freitas
37
3 José Francisco A. A.
Monjardim
64 8 Carolina Julia Pinto
Accioli Souto e Silva
37
4 Bernardino da Costa
Sarmento
42 9 Francisco R. de Freitas
Sarmento
35
5 Faustino Antonio de
Alvarenga
39 10 Anna Maria da
Conceição
32
Fonte: Livro de classificação de escravos para serem libertados pelo fundo de emancipação.
Município da Cidade de Victoria, 1876. Arquivo Geral do Município de Vitória.
Observemos adiante o gráfico 1 que demonstra o emprego da mão-de-obra escrava
referente às escravarias dos quatro maiores senhores da região:
94
Ocupação do Escravo
Me
n
o
r
es
aba
ixo
de 12
Alfaiate
Teceloa/ão
Ferrei
r
o
Padeiro
C
ostureira
Engom
adei
r
a
Carpinteiro
Cozinheir
a
Lavoura
Count
60
50
40
30
20
10
0
Código do Senhor
José Francisco A. A.
Monjardim
Bernardino da Costa
Sarmento
Manuel Nunes do Amar
al Pereira
Maria da Penha Perei
ra S. P. Meirerlles
GRÁFICO 1 - QUATRO MAIORES PLANTÉIS DA REGIÃO
Fonte: Livro de classificação de escravos para serem libertados pelo fundo de emancipação.
Município da Cidade de Victoria, 1876. Arquivo Geral do Município de Vitória.
Podemos notar que o número de escravos presente nas maiores escravarias,
empregados em ocupações fora das lavouras, não é muito significativo.
Provavelmente esses cativos que desempenhavam funções como cozinheira,
engomadeira, tecelão e ferreiro trabalhavam na propriedade de seus senhores,
enquanto os ofícios mais especializados como o de padeiro, alfaiate e carpinteiro,
referem-se aos cativos que, além de exercerem suas ocupações na propriedade de
seu senhor, podiam ser, eventualmente, alugados para prestarem serviços.
Diferentemente disso observemos o gráfico abaixo, referente ao senhor João
Batalha Ribeiro, possuidor de seis cativos do sexo masculino dos quais três
labutavam na agricultura, um atuava como pedreiro, outro como cozinheiro e havia
também um jornaleiro:
95
Ocupão dos escravos
Pedreiro
Jornaleiro/a
Cozinheira/o
Lavoura
Count
3,5
3,0
2,5
2,0
1,5
1,0
,5
GRÁFICO 2 - SENHOR DE ESCRAVOS: JOÃO BATALHA RIBEIRO
Fonte: Livro de classificação de escravos para serem libertados pelo fundo de emancipação.
Município da Cidade de Victoria, 1876. Arquivo Geral do Município de Vitória.
Pode-se inferir que os escravos atuantes na lavoura trabalhavam na propriedade de
João Batalha Ribeiro, assim como o cativo cozinheiro. Por outro lado, percebe-se
que o proprietário dessa pequena escravaria procurou diversificar sua mão-de-obra
especializando um de seus cativos para atuar como pedreiro e disponibilizando outro
para o trabalho de jornaleiro, ou seja, para ser alugado para diferentes serviços,
dependendo da necessidade. Assim sendo, cabe observar que os escravos
desenvolviam, geralmente, mais de um ofício. Como exemplos verifiquem os
anúncios de vendas de escravos no Correio da Victória do dia 2 e 30 de julho de
1859:
Vende-se um bom escravo crioulo tendo em idade quarenta e tantos anos,
bom lavrador, entendendo também de carpintaria, quem o pretender [...] o
escravo é muito fiel e o motivo da venda se dirá ao comprador [...]
Vendem-se dois escravos de nação, e uma preta crioula, sendo um escravo
perfeito cozinheiro e outro serrador, falqueador e oleiro, bonitas figuras, a
escrava sabe lavar e cozinhar [...]
Apesar da diversificação agrícola e econômica ter sido um recurso utilizado por
grande parte dos proprietários de bens da região, independente de suas posses,
desde o início do século, a utilização da mão-de-obra escrava nessa diversificação
parece sempre ter sido um recurso mais utilizado pelos pequenos e médios
96
proprietários de escravos. O aluguel do escravo e seu emprego “ao ganho” eram
práticas recorrentes dos pequenos e médios senhores. Por outro lado, o aluguel de
imóveis, empréstimos e a diversidade dos produtos agrícolas para exportação
consolidou-se como prática econômica dos grandes proprietários de terras, os quais
necessitavam de seus cativos, preferencialmente, em suas lavouras.
191
Esses dados
apontam para a atuação dos pequenos e médios senhores capixabas no sentido de
tornar seus escravos competentes para a realização de tarefas necessárias para a
vida na cidade, a fim de diversificar seus negócios e aumentar suas rendas.
3.5 TRABALHO E FAMÍLIAS ESCRAVAS
Passamos a especificar, agora, mais alguns dados demográficos dessa população
escrava que revelaram características fundamentais das escravarias existentes
nessa região. Um dos elementos arrolados foi a proporção entre homens e
mulheres, a qual pode ser apreciada na Tabela 9:
TABELA 9 - SEXO DOS ESCRAVOS
Sexo Freqüência Percentual Válido
Feminino 1.410 48,5 %
Masculino 1.498 51,5 %
Total 2.908 100,0 %
Fonte: Livro de classificação de escravos para serem libertados pelo fundo de emancipação.
Município da Cidade de Victoria, 1876. Arquivo Geral do Município de Vitória.
Essa distribuição sexual escrava do ano de 1876 confirma os estudos a respeito da
cidade de Vitória para o início do século XIX. No período de 1800 a 1830 detectou-
se que a principal característica em relação ao quantitativo masculino e feminino das
escravarias pautava-se na paridade numérica dos dois sexos. Nesse estudo, num
total de 1.367 cativos, foi possível identificar a flutuação da concentração masculina
variando entre 41% a 59%. De 1850 a 1872, num total de 636 cativos, a paridade
numérica entre homens e mulheres permanecia em evidência, 355 e 279,
respectivamente, acompanhando os dados anteriores.
192
191
CARVALHO, 2008. MERLO, 2003.
192
MERLO, 2003. JESUS, 2007.
97
Diferentemente dos dados apresentados acima, a disparidade sexual cativa
tendendo para o sexo masculino e a forte presença de africanos ocorria de forma
mais contundente em regiões do Império brasileiro onde havia um maior contato
com o comércio escravo do Atlântico. Com a incorporação de elevados índices de
cativos, a alta porcentagem masculina e a presença de africanos acabavam
tornando-se preponderantes nesses plantéis, por serem elas as principais
características do contingente humano movimentado pelo tráfico Atlântico no
período.
193
Mas parece não ser esse o caso da região composta pela cidade de
Vitória e adjacências. Estudos recentes
194
demonstram que sua propriedade escrava
caracterizava-se, principalmente, pelo número elevado de pequenos e médios
plantéis, com grande equilíbrio sexual e presença de famílias cativas, e onde o
quantitativo de escravos africanos sempre se apresentou reduzido, tendendo ao
arrefecimento com o avançar da segunda metade do século XIX, sendo que um
número elevado de escravos nascidos na região da própria Província sempre esteve
presente.
195
Esses dados, corroborados pela fonte aqui analisada, do ano de 1876,
contribuem para inferirmos que os senhores de cativos da região de Vitória
mantiveram-se afastados, ainda que parcialmente, das grandes rotas comerciais de
tráfico atlântico africano e mesmo interprovincial, considerando que o acesso aos
cativos tornou-se cada vez mais difícil após a interrupção do tráfico atlântico, em
1850. Contudo, parcial não quer dizer inexistente, considerando, que esse contato
com o mercado de cativos, provavelmente, aumentou na década de 70, devido ao
aumento do quantitativo de cativos decorrente da expansão cafeeira (conforme
subitem 3.3).
Outra questão fundamental torna-se evidente, então: a ocorrência de uma intensa
reprodução natural escrava. Dados constatados, também, em outras províncias
brasileiras. Na Freguesia de São José dos Pinhais, no Paraná, na passagem do
século XVIII para o XIX, identificamos a ocorrência de uma concentração de
escravos em torno de 10,2% do total de 3.400 habitantes da Freguesia, em 1830. Na
193
CACILDA, Machado & FLORENTINO, Manolo. Famílias e mercado: tipologias parentais de acordo
ao grau de afastamento do mercado de cativos: século XIX. In: Afro-Ásia, nº 24, 2000, p.51-70.
194
MERLO, 2003. JESUS, 2007.
195
CAMPOS, Adriana Pereira. Escravidão e creolização: a capitania do Espírito Santo: 1790-1815. In:
FRAGOSO, João et al. (Org.). Nas Rotas do Império: eixos mercantis, tráfico e relações sociais no
mundo português. Vitória: EDUFES, 2006. MERLO , 2003. JESUS, 2007, p. 578.
98
freguesia paranaense a posse de escravos estava concentrada nas mãos de poucos
senhores, sendo formada por pequenos plantéis de cativos. Composição bastante
parecida com as escravarias capixabas, onde a posse escrava também era
concentrada e formada por uma maioria de pequenos plantéis. O recorrente
equilíbrio entre os sexos e a presença de grande número de crianças, também
existentes na região capixaba, indica que na freguesia de São José dos Pinhais
pouco se compravam escravos no mercado externo à freguesia. Para a
reposição ou incremento de suas escravarias, portanto, os pequenos
senhores dependiam basicamente da reprodução endógena da comunidade
de cativos.
196
Com isso entendemos que o equilíbrio sexual e a presença de uma maioria de
cativos nascidos na região da cidade de Vitória e adjacências foram consequência
de uma política senhorial que incentivava a formação e a estabilidade de famílias
escravas. Essa política se apresentava para os senhores como opção econômica
para a manutenção e crescimento de suas escravarias e auxiliava no controle dos
cativos por meio de concessões de benefícios, como pequenas roças para o cultivo
de alimentos e moradias.
197
Outro elemento constante nos trabalhos atuais sobre a escravidão em Vitória que
abona o exposto acima é a presença de elevado número de crianças nas
escravarias. Os estudos citados baseavam-se frequentemente em inventários post
mortem, cujos dados confirmaram-se na fonte investigada neste capítulo.
Observemos, na tabela abaixo, a distribuição por faixa etária dos cativos registrados
no Livro 1º de Classificação:
TABELA 10 - FAIXA ETÁRIA DOS ESCRAVOS.
Faixa etária Freqüência
Percentual
válido
0 - 14 979 33,7 %
196
MACHADO, Cacilda. Casamentos de escravos e negros livres e a reprodução da hierarquia social
em uma área distante do tráfico Atlântico: São José dos Pinhais/PR: Passagem do XVIII para o XIX.
In: FRAGOSO, João et al. (Org.). Nas rotas do Império: eixos mercantis, tráfico e relações sociais no
mundo português. Vitória: EDUFES; Lisboa: IICT, 2006, p.493.
197
Cabe lembrar que as concessões senhoriais também resultavam das reivindicações dos cativos e
de constantes negociações inseridas no cotidiano das relações entre escravos e senhores. Ver em
MATTOS, 1998.
99
15 - 40 1.470 50,6 %
41-100 455 15,6 %
Nada-consta 4 0,1 %
Total 2.908 100,0 %
Fonte: Livro de classificação de escravos para serem libertados pelo fundo de emancipação.
Município da Cidade de Victoria, 1876. Arquivo Geral do Município de Vitória.
De acordo com a tabela, nota-se que as crianças com a14 anos constituíam um
contingente de pouco mais de um terço das escravarias.
198
Embora essa faixa etária
se apresentasse mais numerosa no início do século, as famílias escravas e sua
reprodução afiguravam-se de forma relevante ainda na década de 1870, na
sociedade de Vitória. Ao analisarmos os dados elencados, constatamos a existência
de 547 arranjos familiares que congregavam 59,00%, ou seja, uma quantidade de
1.716 cativos da totalidade dos 2.908 escravos arrolados pela presente pesquisa.
Essas famílias escravas foram descritas na fonte analisada, formando conjuntos
ordenados de pai, mãe e filhos, no caso de famílias nucleares; e de mães e filhos,
tratando-se de arranjos matrifocais. No entanto, devemos considerar que no grupo
de cativos descritos individualmente, na quantidade de 1.192 (40,99%) do total de
2.908 escravos, concentrava-se uma parcela da parentela existente nessas
escravarias, como os irmãos e os companheiros das escravas solteiras o
especificados na referida fonte. A maioria dos cativos designados como participantes
de grupos familiares estavam inseridos em conjuntos formados por 2 a 5 indivíduos,
isto é, 45,7% do total.
199
Vejamos a tabela a seguir:
198
Não serão feitas análises relacionadas especificamente às características dos grupos familiares
arrolados, pois esse não é o objetivo da presente dissertação. Realizar-se-ão considerações sobre as
relações entre esses arranjos familiares com o trabalho escravo desenvolvido na região. Portanto,
apenas a título de informação, verificou-se que um total de 213 escravos/as era casado,
correspondendo a 7,14% do total de 2.908 escravos. Entre os arranjos nucleares, com ou sem filhos,
dos 213 cônjuges, um conjunto de 21(9,85%) era casado com libertos e possuía filhos escravos; uma
quantidade de 26(12,20%) era casada com livres e não possuía filhos; um total de 102(47,88%)
estava casado com outros escravos e constituíam grupos com filhos escravos e livres devido à Lei do
Ventre Livre de 1871; uma soma de 22(10,32%) era de casamento com outros escravos e não
possuía filhos; enquanto 40(18,77%) eram casados com libertos e também não possuíam filhos. A
maioria dos escravos, 122, ou 57,27% do quantitativo de 213 escravos casados, vivia maritalmente
com outros escravos. Entretanto, o quantitativo de grupos familiares matrifocais formados por
escravas solteiras era preponderante, perfazendo um total de 395 arranjos familiares. As escravas
mães solteiras com filhos escravos era o mais expressivo, num total de 351, somavam 12,07% do
total de 2.908 cativos.
199
Devemos considerar relevantes resultados das análises de Patrícia Merlo, 2003. A autora
demonstrou que das 161 famílias escravas arroladas em suas fontes 42% eram de arranjos do tipo
100
TABELA 11 - FREQUÊNCIA DE PESSOAS NA FAMÍLIA
Número de pessoas
na família
Frequência
Percentual
válido
1 0,0 0,0 %
2 399 13,7 %
3 299 10,3 %
4 287 9,9 %
5 342 11,8 %
6 152 5,2 %
7 150 5,25 %
8 40 1,4 %
9 18 0,6 %
19 15 0,5 %
Escravos descritos
individualmente.
1.192 40,99 %
Total 2.908 100,0 %
Fonte: Livro 1º de classificação de escravos para serem libertados pelo fundo de emancipação.
Município da Cidade de Victoria, 1876. Arquivo Geral do Município de Vitória.
Assim, duas características revelaram-se imprescindíveis na configuração dessas
escravarias, a reprodução endógena e os arranjos familiares. Essa configuração de
uma maioria de famílias formadas por até 5 indivíduos parece ser decorrência de
nuclear. Entre os grupos majoritários de escravos, ou seja, crioulos e angolas, existia uma clara
opção por uniões dentro do próprio grupo. A estabilidade dos laços familiares era mais provável onde
havia o reconhecimento legal dos cônjuges e filhos, fator determinante para a sobrevivência do
arranjo familiar após a morte do senhor no momento da partilha. A maioria das famílias nucleares,
formadas por pai, mãe e filhos, foi localizada, num total de 75%, dentro das maiores escravarias.
Esse dado aponta para maior possibilidade de escolhas de parceiros e condições mais favoráveis de
sobrevivência dos arranjos familiares, pois 54% das famílias desses plantéis estavam unidas há mais
de 10 anos. A maioria das famílias escravas matrifocais, um total de 66,7%, foi encontrada dentro das
pequenas e médias escravarias, isto é, arranjos familiares formados por mães e filhos. Consoante a
autora, a necessidade de venda dos escravos masculinos em separado pelos proprietários menos
abastados foi, provavelmente, a causa dessa ocorrência.
101
uma maioria de arranjos familiares formados por escravas solteiras com filhos
escravos, por ser esse o perfil numérico em maioria nesse grupo.
200
Indo além da constatação de famílias cativas, em referência à relação entre os
arranjos familiares, o tamanho dos plantéis e o trabalho cativo nessa região, que
configuram objetivo nosso, observamos que não havia um padrão em relação à
distribuição desses arranjos familiares dentro das escravarias. Todos os tamanhos
de plantéis possuíam formações nucleares oficializadas, mesmo em menor número,
e grupos familiares matrifocais em quantidades maiores. O principal aspecto que
observamos é justamente o de existirem arranjos familiares disseminados por todos
os tamanhos de plantéis, conforme tabela abaixo:
TABELA 12 – ESTADO CIVIL DOS CATIVOS POR TAMANHOS DE PLANTÉIS
Tamanhos de plantel por quantidade de
escravos.
ESTADO CIVIL DOS ESCRAVOS
1 2 a 4 5 a 9 10 a 19 20 a 39
40
ou
+
Escravos/as casados com libertos e
com filhos escravos/as
1 3 4 1 11 1
Escravos/as casados com libertos e
sem filhos
7 8 8 4 12 1
Escravas casadas com libertos e com
filhos livres
- - 1 1 - -
Escravos/as casados com livres e
sem filhos
5 9 3 2 6 1
Escravos/as casados com escravos
com filhos escr./livres
(Devido à Lei de 1871)
- 4 14 15 33 36
Escravos/as casados com
escravos/as e sem filhos
- 2 2 2 14 2
Escravos/as viúvos 1 - 2 2 8 3
Escravas solteiras com filhos
escravos
2 70 73 79 103 24
Escravas solteiras com filhos livres
( Devido à Lei de 1871)
1 7 5 9 8 3
Escravas solteiras com filhos
escravos e livres
(Devido à Lei de 1871)
- 3 2 3 2 1
Escravos/as solteiros acima de 12
anos pertencentes a arranjos
4 37 83 118 171 52
200
Acreditamos que a maioria das famílias formadas pelas escravas solteiras e com filhos possuíam,
em seu meio, a figura de um companheiro das escravas designadas como solteiras, formando nesse
caso, grupos familiares consensuais. Porém essa afirmação e a necessária quantificação não nos
são permitidas por não constar na referida fonte analisada.
102
familiares.
Escravos/as menores abaixo de 12
anos pertencentes a arranjos
familiares.
- 80 144 132 200 71
Escravos/as solteiros acima de 12
anos – descritos individualmente.
120 256 204 231 261 60
Escravos/as menores abaixo de 12
anos – descritos individualmente.
6 11 20 7 14 2
TOTAL 147 490 565 606 843 257
Fonte: Livro 1º de classificação de escravos para serem libertados pelo fundo de emancipação.
Município da Cidade de Victoria, 1876. Arquivo Geral do Município de Vitória.
Ao relacionarmos os dados sobre grupos familiares e trabalho exposto até aqui,
verificamos que a maioria dos 152 arranjos familiares, cujas uniões eram
oficializadas, um total de 139 possuía seus membros integralmente empregados na
lavoura. As outras 13 possuíam, no mínimo, um componente desempenhando
tarefas domésticas ou especializadas. No caso das cativas solteiras com filhos
escravos, apesar de estarem majoritariamente concentradas nas lavouras, exerciam
um número expressivo de atividades fora das plantações, tanto em ocupações
domésticas (um total de 59) quanto em especializadas (um quantitativo de 6
escravas e uma jornaleira). Nesses tipos de atividades também se destacavam os
escravos solteiros, acima de 12 anos, discriminados pela fonte individualmente, ou,
pertencentes aos arranjos familiares citados, como no caso dos filhos de escravas
mães solteiras, provavelmente, incentivados por elas a exercerem outras profissões
podendo, assim, vislumbrar uma maior renda e a possibilidade de comprar alforrias.
A ampla concentração dos arranjos familiares oficializados nos trabalhos de lavoura,
considerando que a maioria das famílias matrifocais também estava empregada
nesse tipo de atividade, induz à conclusão de que a economia, voltada
principalmente para as atividades agrícolas, determinava essa condição. Por outro
lado, cabe destacar que o exercício das atividades domésticas e especializadas por
um número significativo de escravas solteiras com filhos escravos e de cativos
designados individualmente leva a supor que os arranjos familiares matrifocais, ao
contrário dos casamentos legais, ofereciam aos proprietários maior possibilidade de
diversificar as ocupações dos cativos. Em primeiro lugar, supomos que essa
diversificação dava-se por meio do papel feminino desempenhado dentro dos
arranjos familiares, nos casos em que a escrava e seus filhos prescindiam da
autoridade de uma figura masculina. Assim, decidir pelo desempenho de ocupações
que careciam de deslocamentos diários, semanais ou de maior duração tornava-se
103
uma tarefa senhorial mais simples no mando diário desse tipo de grupo familiar. Em
segundo lugar, em qualquer tipo de arranjo familiar, a flexibilidade feminina permitia
que as mulheres fossem empregadas em quase todas as ocupações
desempenhadas pelos cativos masculinos e ainda que realizassem, em maior
número, as atividades domésticas. Por outro lado, os dados demonstram que apesar
da menor diversificação do trabalho escravo dentro das maiores escravarias, esses
proprietários não prescindiam dos arranjos familiares oficializados e dos arranjos
matrifocais em seus plantéis, ocupando-os, em sua maioria, na lavoura.
Têm-se assim uma importância fundamental do arranjo familiar e do papel feminino
dentro do total dessas escravarias. Todos os proprietários de cativos, independente
do tamanho de seus plantéis (excetuando os proprietários de apenas um cativo),
não prescindiam em utilizar os arranjos familiares. Pode-se corroborar, então, com a
relevância da reprodução natural e a consequente formação de arranjos familiares
para a manutenção e a reposição da mão-de-obra escrava da região, sendo a
diversificação considerada pelos senhores de cativos, somente quando necessária
ao aumento de renda, como no caso dos proprietários com até 19 cativos (conforme
Tabela 7).
Consideramos também que a inserção de um cativo em um grupo familiar dependia
de sua idade e origem, da história do plantel ao qual pertencia, da relação desses
plantéis com o mercado de cativos e, finalmente, dos meios culturais que poderiam
possibilitar ou não ao cativo a formação desse arranjo familiar.
201
Concluímos, então,
por certa homogeneidade nas práticas dos senhores dessa região em relação à
reprodução endógena; à manutenção de famílias escravas; no seu trato com o
mercado de cativos, caracterizado por um relativo afastamento do mesmo; que
permitiu a existência e permanência de arranjos familiares dentro desses plantéis
até a década de 70 do século XIX. Homogeneidade que permeou, do mesmo modo,
o tipo de economia praticada na região, ou seja, uma opção pela diversidade de
produção e de mão-de-obra cativa, guardada a limitação apresentada por uma
pequena economia local. Cabe, ainda, enfatizar a importância fundamental do
arranjo familiar na formação e ampliação das escravarias localizadas no município
de Vitória e vizinhanças durante o século XIX. Além dessas características,
201
CACILDA & FLORENTINO, 2000, 51-70.
104
podemos constatar que, independente dos tamanhos de suas escravarias, os
senhores capixabas possuíam plantéis onde as cativas desempenhavam um papel
imprescindível por sua flexibilidade de emprego e por sua reprodução natural, além
de os senhores utilizarem costumeiramente o trabalho de crianças advindas de suas
escravas, dados que aprofundamos a seguir.
3.6 O TRABALHO DE INFANTES E CATIVAS
De acordo com os dados arrolados em nossa pesquisa, do total de 979 crianças
concentradas na primeira faixa etária (conforme Tabela 10 acima), detectamos uma
quantidade de 637, com idade abaixo de 12 anos, inseridas em 547 arranjos
familiares.
202
Evidentemente, uma configuração dessa natureza traz implicações
para uma análise que se propõe avaliar o envolvimento de escravos no mundo do
trabalho. Em princípio, parece plausível que as atividades dos escravos não se
transformassem em impedimentos aos arranjos familiares. Depois, pode-se deduzir
que a tolerância às famílias escravas podia repercutir no mundo do trabalho, com o
aproveitamento de crianças na produção e no aumento de certos cuidados na
preservação da vida das gestantes e dos lactentes. Esses cuidados, se mantidos por
décadas, provavelmente, influenciariam na diminuição da mortalidade infantil e numa
expectativa de vida mais longa para os cativos, haja vista que o percentual de
escravos incluído na terceira faixa etária corresponde quase à metade do
contingente infantil. Enfim, deve-se cogitar sobre o incentivo e a estabilidade dos
laços familiares e sobre o papel dessas famílias escravas em relação ao trabalho
desempenhado na região. No gráfico abaixo apresentamos a relação entre o sexo e
a faixa etária dos escravos:
202
Cabe esclarecer que desse total de 979 crianças uma soma de 11 crianças entre 2 e 5 anos
designadas como livres em virtude da Lei do Ventre Livre de 1871 e pertencentes a arranjos
familiares oficializados com pais e mães escravos. Para uma melhor homogeneidade dos dados
preferimos quantificar essas crianças inseridas dentro dos grupos familiares indicados pela fonte. Não
indicação de crianças livres pela Lei do Ventre Livre de 1871 nos grupos familiares formados por
escravas solteiras e seus filhos escravos, apesar de existirem nesses grupos um total de 1 criança de
2 anos, 8 crianças de 3 anos, 6 crianças de 4 anos e 58 crianças de 5 anos.
105
Sexo do Escravo
MasculinoFeminino
Count
800
600
400
200
0
Faixa Etária
0 - 14
15 - 40
41 - 100
Nada-Consta
GRÁFICO 3 - FAIXA ETÁRIA DOS ESCRAVOS
Fonte: Livro 1º de classificação de escravos para serem libertados pelo fundo de emancipação.
Município da Cidade de Victoria, 1876. Arquivo Geral do Município de Vitória.
Vale confirmar que as três faixas etárias apresentavam equilíbrio entre os sexos,
havendo, também, aproximação quantitativa entre a primeira e segunda faixa etária,
mais uma vez mostrando a preponderância das famílias na constituição das
escravarias, em detrimento do tráfico, marcadamente dominado por escravos do
sexo masculino basicamente em idade reprodutiva.
Nas informações sobre a aptidão desse contingente escravo para o trabalho, apesar
de um número grande de crianças (33,7% conforme Tabela 10 acima), um
quantitativo de 979 infantes, a segunda faixa etária, com idade produtiva, é a mais
significativa, pois conta com 50,5% do total dos escravos. Os dados, contudo,
revelam que a maioria apta alcançava a cifra de 74,6%, ultrapassando o contingente
de cativos com idade de 15 a 40 anos. O restante desses indivíduos originava-se de
outra faixa etária, que não podia ser apenas os cativos com mais de 40 anos, pois
integralizavam 15,6% (conforme Tabela 10 acima). Para o restante do percentual,
cerca de 8,5% dos cativos aptos, a fonte esclarece que originava-se da faixa etária
de crianças de 12 a 14 anos. Crianças de 9 a 11 anos, geralmente, dividiam com os
escravos mais idosos o termo “leve” em relação à aptidão para o trabalho, mesmo
106
desempenhando ao lado dos adultos e dos idosos as mesmas profissões
relacionadas pela fonte, o que podemos ver na Tabela 13:
TABELA 13 - APTIDÃO PARA O TRABALHO
Aptidão Freqüência
Percentual
válido
Apto 2.169 74,6 %
Leve 224 7,7 %
Inválido 3 0,1 %
Criança-Nada Consta 512 17,6 %
Total 2.908 100,0 %
Fonte: Livro 1º de classificação de escravos para serem libertados pelo fundo de emancipação.
Município da Cidade de Victoria, 1876. Arquivo Geral do Município de Vitória.
Mais uma vez observamos que a família revelava-se com muita utilidade para os
senhores, pois não apenas lhes fornecia a renovação da dispendiosa mão-de-obra,
se adquirida nos mercados abastecidos pelo tráfico, como também lhe aumentava
rapidamente o contingente de trabalhadores à sua disposição, uma vez que algumas
crianças ingressavam oficialmente no mundo do trabalho com apenas 9 anos,
exercendo as mesmas profissões designadas para os adultos, constando um total
de 186, ou seja, 18,9% do total de 969 crianças arroladas com até 14 anos.
203
Um
total de 285 crianças acima de 12 anos também labutavam ao lado dos cativos
adultos. E cabe considerar que as 509 crianças abaixo de 12 anos discriminadas
como “sem profissão”, provavelmente também trabalhavam ao lado de seus pais nas
lavouras e em outras ocupações exercidas pelos cativos que comportavam a
presença de infantes.
203
No Livro de classificação de escravos não constam dados sobre a profissão e aptidão para o
trabalho da maioria das crianças menores de 12 anos de idade. As crianças abaixo de 12 anos que
não foram designados com profissões e aptidões para o trabalho estão relacionadas nos dados
“Menores de 12 anos Nada consta”. Todas as crianças que receberam esses dados, de 9 a 12
anos, como as de 12 a 14 anos, sendo que essas últimas estão comumente relacionadas com sua
profissão e consideradas aptas para o trabalho, foram inseridas nas profissões especificadas pela
fonte e relacionadas na primeira faixa etária (0-14 anos). Havia crianças abaixo de 12 anos, num total
de 186, como visto acima, que possuíam profissão, mas foram designadas com o termo “leve” em
relação à sua aptidão para o trabalho, juntamente com 38 escravos acima de 40 anos, somando o
total de 224 cativos.
107
As constatações apresentadas até aqui revelam um viés para as considerações a
respeito desse mundo do trabalho, considerando a relevância do trabalho feminino e
infantil na produção escrava capixaba. Cumpre observar que, apesar do emprego
das mulheres nos mais diversos meios econômicos e de sua possibilidade de
reprodução natural, sabe-se que os homens sempre foram mais caros do que as
africanas, em torno de 9% a 25% a mais, e representavam a maioria traficada no
mercado atlântico de cativos. Em áreas com alto grau de integração ao mercado, “as
empresas escravistas se beneficiavam do baixo preço dos cativos e centravam sua
estratégia de reprodução econômica no encurtamento do intervalo entre o dispêndio
da compra do escravo e sua amortização”
204
. Contudo, em uma região com a
conformação escrava como a existente na cidade de Vitória e adjacências, parece
possível inferir que essa lógica demográfica empresarial não se tornou a tônica
dessa sociedade escravista, tendo a reprodução endógena e os arranjos familiares
um papel fundamental na economia escrava local, aumentando, assim, a
importância da mulher e das crianças dentro das escravarias. Observemos os dados
analisados na tabela abaixo:
TABELA 14 - OCUPAÇÃO, SEXO E FAIXA ETÁRIA DO ESCRAVO (cont. na pág.
seguinte)
Faixa Etária Sexo do Escravo Total
Fem. Masc.
0 - 14 Ocupação do
Escravo
Lavoura
187 245 432
Cozinheira/o
3 3 6
Jornaleiro/a
2 2 4
Carpinteiro
0 3 3
Costureira 7 0 7
Seleiro
0 1 1
Sapateiro 0 1 1
Pedreiro 0 3 3
Doméstica/o 4 4 8
Alfaiate
0 1 1
Copeiro/a
0 2 2
Menores abaixo
de 12 anos -
Nada Consta
243 269 513
Total
446 533 979
15 - 40
Ocupação do
Lavoura 619 624 1243
204
FLORENTINO. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de
Janeiro: séculos XVIII e XIX/ Manolo Florentino. – São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p.60.
108
Escravo
Cozinheira/o
73 9 82
Jornaleiro/a 1 18 19
Carpinteiro 0 18 18
Engomadeira
8 0 8
Costureira
29 0 29
Lavadeira 19 0 19
Padeiro
0 2 2
Ferreiro
0 1 1
Pedreiro
0 20 20
Doméstica/o
5 1 6
Teceloa/ão
1 0 1
Alfaiate
0 6 6
Marítimo
0 7 7
Copeiro/a
3 6 9
Total
758 712 1470
41 - 100 Ocupação do
Escravo
Lavoura
164 230 394
Cozinheira/o 26 2 28
Jornaleiro/a 0 2 2
Carpinteiro
0 5 5
Engomadeira
4 0 4
Costureira
1 1 2
Lavadeira
2 0 2
Pedreiro
0 4 4
Doméstica/o 4 0 4
Teceloa/ão
2 2 4
Alfaiate 0 2 2
Pescador 0 1 1
Copeiro/a
0 2 2
Total
203 252 455
Nada-Consta Ocupação do
Escravo
Lavoura
1 0 1
Costureira
1 0 1
Nada-Consta
1 1 2
Total
3 1 4
Fonte: Livro 1º de classificação de escravos para serem libertados pelo fundo de emancipação.
Município da Cidade de Victoria, 1876. Arquivo Geral do Município de Vitória.
Quanto ao serviço das cativas, essas dividiam com os homens o serviço das
lavouras. Por outro lado, eram maioria em ocupações como costureiras, cozinheiras
e lavadeiras, como a escrava Melinda, costureira de 31 anos, pertencente a José
Francisco de Almeida Monjardim. Ela possuía dois filhos, Lia, de 9 anos, e Napoleão
de 8 anos. Outra escrava chamada Fhilomena, com a mesma idade de Melinda,
também era costureira e pertencia ao mesmo senhor. Sua família era formada por 3
filhos: Glicéria, de 14 anos, que exercia a profissão de costureira como sua mãe;
109
Felisberto, de 11, e Graciliano, de 6 anos. Sobre seus outros 2 filhos não constava
dados relativos à profissão.
Em relação ao contingente infantil observamos que o se tornaram um fardo para
os senhores, pelo contrário, foram aproveitadas desde tenra idade, como mão-de-
obra para a lavoura, principal motor dessa economia, podemos citar como exemplo
a família da escrava Paula, de 33 anos, pertencente a Manoel Francisco Freire.
Essa escrava se ocupava da lavoura em companhia de seus 4 filhos, Fermino de 17
anos, Fhilomeno de 14 anos, José de 12 anos, e Adelaide de 7 anos. A única
criança que não foi considerada apta para o trabalho foi Adelaide. Os infantes
também serviam aos preceitos de diversificação do trabalho cativo existente nessa
região, percebemos na Tabela 14 acima que as crianças atuavam nas mesmas
ocupações que os adultos. Entre elas estava o escravo José, de 13 anos, que
desenvolvia a profissão de carpinteiro, filho da escrava Celestina, lavadeira. A
família ainda possuía outra criança chamada Balbina, de 11 anos, sobre a qual não
constam informações profissionais. Observamos, assim, que a criança se inseria no
trabalho por volta dos 9 anos de idade. Mas Pinheiro
205
alerta que em Salvador, na
segunda metade do século XIX, foram detectadas crianças de até quatro anos
trabalhando no serviço doméstico. Entendemos, então, que mesmo as crianças
abaixo de 9 anos, não especificadas na fonte analisada nesta pesquisa, como aptas
para exercerem profissões, poderiam estar inseridas no universo de trabalho cativo.
Após a apresentação dos dados podemos concluir que mulheres e crianças
escravas assumiam tarefas no mundo do trabalho comuns aos homens,
principalmente nas lavouras. Deve-se ponderar, então, que as atividades agrícolas
desenvolvidas nessa região, ocupações em que os escravos eram mais utilizados,
absorviam de forma bastante igualitária a mão-de-obra masculina, feminina e infantil,
sem muitos prejuízos. Em pequenas, médias ou grandes propriedades a mão-de-
obra escrava tornou-se imprescindível. Por outro lado, nas tarefas desenvolvidas no
ambiente da cidade de Vitória, as mulheres, com sua versatilidade, também eram
bem-vindas, principalmente nos pequenos e dios plantéis inseridos nesse
ambiente ou próximo a ele, que eram os que mais diversificavam o emprego da
205
PINHEIRO, Maria Cristina Luz. O trabalho de crianças escravas na cidade de Salvador: 1850-
1888. In: Afro-Ásia, 32, 2005, 159-183.
110
mão-de-obra escrava. Nesse ínterim podemos citar um fator de importância
fundamental para tal configuração, ou seja, o aluguel de mão-de-obra praticado
pelos senhores existentes na cidade de Vitória e suas adjacências. Esse negócio
movimentava uma maioria de mão-de-obra feminina empregada nos serviços
domésticos, além de não prescindir da mão-de-obra de crianças como pajens e
mucamas. É importante enfatizar, também, que os anúncios de compra e venda de
cativos no mesmo período explicitados nos periódicos privilegiavam as negociações
de mulheres cativas inseridas nos serviços domésticos e rurais. Assim, nessa região
composta por Vitória e adjacências, pode-se coligir que a escravidão baseava-se,
principalmente, no trabalho de escravos inseridos em arranjos familiares, no qual as
mulheres e crianças assumiram uma participação fundamental. Cabe, agora,
analisar as nuances desse trabalho cativo desenvolvido nas ruas e vielas da cidade
de Vitória e nas suas vizinhanças.
4. TRABALHO E COTIDIANO ESCRAVO
4.1 O ESCRAVO, A CIDADE E O TRABALHO.
Em análises de Antônio Geraldo Soares
206
, acerca dos escravos e libertos em
Vitória, destaca-se um processo de queixa movido contra Ângelo Marcellino acusado
de “seduzir” um cativo chamado Ignácio, propriedade de Antonio Gonçalves Laranja.
Nesse auto criminal se faz presente a questão da igualdade entre escravos e libertos
no cotidiano da cidade de Vitória, proporcionada pela cor. O escravo chamado
206
SOARES, Geraldo Antônio. Esperanças e desventuras de escravos e libertos em Vitória e seus
arredores ao final do século XIX. In: Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH, v. 26,52,
jul-dez/2006, p.128.
111
Ignácio havia sido visto transitando livremente na cidade em companhia do réu,
porém uma testemunha inquirida alegou ter visto o réu em companhia de uma
pessoa de cor preta, mas que não a reconheceu. Em outras análises sobre fugas de
escravos na Província capixaba, na segunda metade do século XIX, Soares também
demonstra a facilidade que o cativo fugido possuía de se passar por uma pessoa
livre numa sociedade onde a cor negra, apesar de remeter a uma ascendência
escrava, podia não ser sinônimo de escravidão. O autor concluiu que era difícil
reconhecer uma pessoa, naquele período, simplesmente pela sua cor ou
ocupação.
207
Portanto, não é difícil atentar para a complexidade das relações sociais
nesse contexto escravista do Império brasileiro. Esses casos explicitam algumas
nuances dessa questão. Escravos e livres distinguiam-se pelo status social, mas
outros fatores os tornavam indistintos, como a cor.
208
Os dados populacionais da região Central da Província capixaba do ano de 1872
confirmam a existência de uma população, em grande parte, miscigenada. Veja os
dados a seguir:
TABELA 15 - DISTRIBUIÇÃO POPULACIONAL DA CAPITAL DE VITÓRIA E
DAS LOCALIDADES VIZINHAS DO ANO DE 1872
Região central
Branco
s
Pardos
Pretos
Caboclos
Escravos
Capital de Vitória 1.503 1.781 880 48 965
Espírito Santo 419 801 460 68 511
Cariacica 1.157 2.692 1.235 198 1.160
Viana 837 2.362 1.358 46 1.224
Carapina 159 716 250 24 251
Serra 1.366 1.682 1.062 169 1.464
207
SOARES, Geraldo Antônio. Quando os escravos fugiam: província do Espírito Santo: últimas
décadas da escravidão. In: Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre: PUC-RS, v. 29, nº 1, jun/2003,
p.53-72.
208
Hebe Maria Mattos (1998) também demonstra em suas pesquisas a ocorrência de conflitos
causados pelas menções à cor do indivíduo, no século XIX.
112
Queimado 834 1.664 717 117 762
Nova Almeida 377 621 446 747 460
Santa Cruz 697 982 301 1.490 400
Total 7.349 13.301
6.709 2.907 7.197
Total 7.349 22.917 7.197
Total 30.266 7.197
Total de Livres
Miscigenados
15.720
Fonte: Recenseamento Geral do Império de 1872. Diretoria Geral de Estatística. Rio de Janeiro. Typ.
Leuzinger/Typ.Commercial, 1876, 12 volumes, Espírito Santo. Disponível em
www.cebrap.org.br/recenseamentos/01/index.html. Acesso em 08 de dezembro de 2007.
Observemos que de um total de 30.266 habitantes somente 7.349 foram designados
como brancos, enquanto o número de pardos, pretos e caboclos era de 22.917
indivíduos. Diminuindo o número de pardos, pretos e caboclos da quantidade de
escravos do período, sobra um total de 15.720 indivíduos livres e miscigenados, ou
seja, 68,59% do total populacional da região. Essa característica não fazia parte
apenas da população da cidade de Vitória e suas vizinhanças. Nas freguesias do
Rio de Janeiro, em 1.779, as pessoas miscigenadas representavam 31% do total da
população, e em Campos dos Goitacazes a população parda e preta livre
representava mais de um terço da população total; enquanto em Minas Gerais, no
ano de 1830, os mestiços representavam dois terços dos homens livres.
209
Entretanto, consideram-se, aqui, as expressões de cor (negro, preto, pardo, mulato,
etc.) como designação não só da aparência, mas também, da condição social,
variando de acordo com cada época e lugar. Como assevera Roberto Guedes,
embora os significados dessas expressões, em cada época e lugar, variem,
um afastamento gradativo do passado escravo expresso na cor, o que
implica dizer que se vão modificando com o tempo os espaços de (re)
inserção social [...]. Obviamente, isso não elimina a distinção entre livres,
libertos e escravos, mas ressalta a necessidade de distinguir forros e
descendentes, em termos de distanciamento da escravidão. Em suma, a
mobilidade social é geracional e, por conseguinte, de âmbito familiar.
210
Era, então, nesse espaço social formado pela cidade de Vitória e suas vizinhanças,
onde os indivíduos não podiam ser distinguidos apenas pela cor, que transitavam
209
MACHADO, 2006, p. 520.
210
GUEDES, 2006, p. 454.
113
diariamente escravos e livres em prol de seus afazeres, suas distrações, seus
compromissos religiosos e amorosos. Tanto senhores, quanto livres pobres e
escravos dividiam os espaços da cidade de Vitória em busca de seus interesses e
podiam estar sujeitos, em algum momento, a crimes e conflitos trazendo à tona as
diferenças sociais submersas nessa região.
Nas primeiras décadas do século XIX, a ainda intitulada Vila da Vitória, encontrava-
se cercada por fazendas de cana, algodão, milho, arroz, mandioca e até flores.
Possuía uma população pequena e diferenciada: proprietários, senhores,
missionários, soldados, brancos, negros, mulatos, pardos, crioulos, livres, escravos
ou libertos.
211
Percebeu-se, assim, que desde o começo do século, Vitória se
destacava, pois se tratava do único espaço físico da província capixaba, nesse
período, que concentrava um número populacional razoável (como descrito nas
Tabelas 3 e 4) e os serviços institucionais e religiosos do período. Em 17 de março
de 1823, seis meses após a proclamação da Independência do Brasil, a Vila da
Vitória foi elevada à categoria de cidade, transformou-se, também, paulatinamente,
na capital política e administrativa da Província capixaba.
No ano de 1850, o espaço da Capital apresentava um desenvolvimento
considerável em relação às outras localidades. Havia em Vitória ruas de comércio,
igrejas, conventos e portos que movimentavam mercadorias e passageiros. O
desenvolvimento da região, com a necessidade do constante alargamento das vilas
e povoados e a construção de ruas e praças, também não poupava as cercanias da
cidade de Vitória, tornando-se assunto de pauta das instituições municipais, como
observamos no fragmento do ofício remetido ao presidente da Câmara municipal de
Vitória pelo fiscal de Cariacica Joaquim Pereira Leite de Aguiar, no ano de 1857:
Cumprindo o determinado em oficio vê V. S.ª que cobriu copia de Portaria nº
24 de 25 de Agosto último, ordenando em nome da Câmara Municipal que
informe com urgência, que quantidade de terrenos podem ainda carecer as
povoações d’esta Freguesia, para ruas, praças e arraiais, tenho a honra de
declara que existindo na referida Paróquia quatro povoações a saber,
Cachoeiras, Destacamento Duas Bocas, Roda D’água e [...] se faz
necessárias designar a sede d’elas, e munir-lhes uma quantidade de
terrenos suficiente para suas ruas, e praças no futuro, quando esses
lugares chegarem a ser erigidos em distritos, ou novas Freguesias,
211
MERLO, 2003, p. 23 a 40.
114
tornando-se necessário que seja arruada, e demarcada uma extensão, que
pareça suficiente no lugar aonde se acha situada a Matriz [...]
212
Assim, por meio da análise perpetrada nessa dissertação, observamos que apesar
de uma proximidade entre os espaços físicos do campo e da cidade, característica
do século XIX, a população dessa região, no período analisado, diferenciava o
espaço da cidade, daquele localizado fora de suas cercanias, chamado de “sertões”.
No anúncio inserto no periódico Correio da Victoria, do dia 13 de junho de 1857, no
qual se desmente a chegada de um suposto cometa que destruiria o mundo no ano
de 1860, temos:
Atenção
Previne-se ao respeitável publico desta cidade, e província que por ordem
superior foi adiado o cometa, que tinha que acabar com este mundo em que
vivemos, para o ano de 1860; por tanto fiquem todos descansados, e em
paz de espírito; podendo aqueles que fizeram seus testamentos e quaisquer
outras disposições de última vontade revogá-las e torná-las de nenhum
efeito, pois o cometa não aparece hoje, como estupidamente disse o tal
cônego da Bélgica, que em cálculos astronômicos está atrasadíssimo.
Fazemos este aviso porque nos consta que muita gente se foi refugiar no
sertão, onde sem duvida não devia chegar o cometa, e o fim do mundo! Dos
pobres de espírito está o mundo cheio.
A população amedrontada com a divulgação no jornal sobre a chegada de um
cometa, que destruiria a terra, procurou se refugiar nos sertões, isto é, fora da
cidade de Vitória. Distinguiam também os escravos que se ocupavam das lavouras,
denominando-os de “escravos de roça”, daqueles que trabalhavam no setor urbano
da Cidade, ou seja, os “escravos de cidade”. Essa diferenciação foi apreendida nos
anúncios de jornais onde havia essa referida distinção. Observe os anúncios de
venda e aluguel de cativos respectivamente, insertos no Correio da Victoria em 16
de novembro e 4 de dezembro de 1850:
Escravos a venda por módico preço com dinheiro a vista, boas firmas ou
fianças certas, e pequenos prazos; Joanna angola com uma cria; Prudente,
angola de 25 anos ambos de roça; Delfino pedreiro, crioulo; Feliciano,
mulato, de roça e cidade [...]
Alugam-se dois escravos para dentro da cidade quem os pretender dirija-se
a esta typ. Que se dirá quem os tem.
Os escravos de roça (como demonstrado no capítulo 3) representavam a maioria
dos cativos dessa região de economia baseada, preferencialmente, nas pequenas e
212
Arquivo Geral do Município de Vitória. Ofício remetido à Câmara Municipal de Cariacica em 12 de
dezembro de 1857, por Joaquim Pereira Leite de Aguiar, Fiscal de Cariacica.
115
médias propriedades de produção agrícola diversificada e voltada para o comércio
local e interno. Os plantéis de cativos eram formados, em seu conjunto, por um
número equilibrado em relação ao sexo. Homens, mulheres e crianças cativas
atuavam nas lavouras de café, açúcar, mandioca, feijão, milho e algodão.
Quanto às cidades brasileiras e aos seus escravos, é bom relatar, primeiramente,
que tanto na Colônia quanto no Império, os centros urbanos serviam de entrepostos
comerciais ocupando também o papel de sede dos poderes administrativos. O
crescimento das concentrações populacionais, impulsionado pela vinda da Corte
portuguesa para o Rio de Janeiro, no começo do século XIX, exigiu a adaptação da
escravidão às necessidades e características próprias desse espaço físico e social.
A escravidão nas cidades, assim, diferiu em aspectos importantes daquela
encontrada na zona rural. Tornou-se necessário que as relações de trabalho entre
senhores e escravos se adaptassem ao espaço físico limitado, em alguns casos, da
propriedade urbana e às necessidades diferentes que impunham um menor número
de trabalhadores. Cidades como o Rio de Janeiro e Salvador possuíam um grande
número escravos dedicando-se às tarefas domésticas e realizando, também, uma
grande gama de serviços ligados ao cotidiano das cidades.
213
Quanto à cidade de Vitória, em relação ao serviço doméstico, era diferenciado como
serviço interno, de casa, ou de “portas à dentro”, e em serviço externo de uma casa
ou “serviço de rua”. Podemos constatar isso nos anúncios dos dias 02 e 12 de
fevereiro de 1857 do Correio da Victória, respectivamente:
Anúncios
O abaixo assinado precisa alugar uma escrava para o serviço de uma casa
de portas a dentro , serviço de pouca família, a pessoa que a tiver e queira,
dirija-se com o mesmo anunciante [...]
Precisa-se alugar uma escrava para o serviço interno e externo de uma
casa, quem a tiver e quiser alugar [...]
As escravas domésticas, além de saberem executar as tarefas básicas de uma casa
de família, em alguns casos, desenvolviam outras aptidões como a feitura de doces
213
Ver sobre o Rio de Janeiro, entre outros autores, KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no
Rio de Janeiro (1808-1850)/ Mary c. Karasch; Tradução: Pedro Maia Soares, São Paulo; Cia das
Letras, 2000. e ALGRANTI, Leila Mezan. O feitor ausente. Estudo sobre a escravidão urbana no Rio
de Janeiro. 1808-1822. Editora Vozes Ltda. 1988. Sobre Salvador ver, entre outros autores,
ANDRADE, Maria José de Souza. A mão-de-obra escrava em Salvador, 1811-1860. São Paulo;
Corrupio; Brasília: CNPq, 1988.
116
e rendas. Dentro das residências de seus senhores elas atuavam como cozinheiras,
rendeiras, lavadeiras, engomadeiras, mucamas e costureiras, entre outras
ocupações ligadas ao ambiente de uma casa. Homens também atuavam nesse tipo
de trabalho. Os cativos domésticos, homens ou mulheres, eram responsáveis pela
manutenção do abastecimento de água da residência de seu senhor e pela limpeza
dos dejetos domésticos. Buscavam água nas fontes da cidade e levavam os dejetos
domésticos para serem despejados no aterro do Cais do Santíssimo
214
, o qual
aparece como depósito do esgoto doméstico da cidade de Vitória, no ano de
1857.
215
Ou, transgredindo as Posturas municipais, os cativos despejavam os
dejetos em outras localidades próximas às praias. Vejamos o anúncio abaixo,
inserido no Correio da Victoria em 21 de abril de 1858:
Misericórdia!... Misericórdia!...
Precisa-se de providências da parte de quem toca, respeito o abuso de
andarem Negros e Negras de dia com imundícies na cabeça para
distribuírem-se nas praças da barca, e cais próximos as praias; bem como,
fazerem a limpeza dos nojentos tigres antes das nove horas da noite como
se acha nas posturas da Mm. Chamamos a atenção do respectivo Sr. fiscal
para tal abusos.
À maré cheia.
Os dejetos domésticos eram transportados nos “tigres”- barris de madeira com
tampas. Esse transporte, segundo as Posturas municipais, poderia ocorrer após
as nove horas da noite. Provavelmente ocorria a socialização dos cativos nesses
horários em que saíam de suas residências para transportarem água e lavarem
roupa nas fontes da cidade como a Fonte Grande e a da Capichaba. Os
ajuntamentos de cativos eram frequentes e levavam as autoridades a tomarem
medidas coercitivas, como percebemos no seguinte fragmento de ofício:
A bem da moralidade pública apresso-me em solicitar de V. S.ª
providências, para que tenha na fonte grande e na da capixaba um guarda
policial, a fim de evitar certos abusos que se dão nas ditas fontes, velando
também sobre a limpeza, e não consentindo que os escravos façam
ajuntamento como costumam..
216
214
O cais do Santíssimo localizava-se onde foi construído, no governo de Moniz Freire(1892-1896) o
Jardim Municipal. Em 1905 o local transformou-se no Éden-Parque. Hoje se encontra nesse local o
Teatro Glória e a Rua Marcelino Duarte. ELTON, Elmo. Logradouros antigos de Vitória.Vitória: IJSN,
1986.
215
Arquivo Geral do Município de Vitória. Ofício remetido à Camara Municipal de Victoria em 24 de
março de 1857, pelo Barão de Itapemirim.
216
Arquivo Geral do Município de Vitória. Ofício remetido à Câmara Municipal de Victoria em 28 de
novembro de 1867, pelo Fiscal da Câmara Manoel Pinto Aleixo.
117
A fonte citada não permitiu saber mais sobre os abusos reclamados pelo fiscal da
câmara, no entanto, o fiscal se refere aos ajuntamentos desses cativos ao redor das
fontes da cidade, como costumeiro. Pode-se conceber que essas medidas
coercitivas para vigiar o comportamento dos cativos não estavam tendo o efeito
esperado.
Cumpre relatar que qualidades como: sadio, sem vícios, bem comportado, jeitoso e
fiel, aparecem constantemente como exigências de quem desejava alugar um
escravo ou escrava para os serviços domésticos. As amas de leite, parte desse
universo, podiam ser escravas ou livres, e geralmente exigia-se também que fossem
moças, sadias e sem vícios. Portanto, o cativo doméstico, por estar bem próximo de
seus senhores, precisava seguir regras de comportamento mais rígidas. Homens
também se ocupavam, no espaço doméstico dessa região, como criados e
cozinheiros. As crianças também trabalhavam, geralmente, como pajens ou
mucamas, muitas dessas, do sexo masculino. Ocupavam-se, do mesmo modo,
como cozinheiras e domésticas para todos os serviços de uma casa.
Além das portas das casas, os cativos transitavam no espaço mais urbanizado da
cidade de Vitória e vizinhanças, cotidianamente. Inúmeros escravos executavam os
mais variados serviços especializados, semi-especializados ou de vendas. Os
primeiros trabalhavam como marceneiros, sapateiros, carpinteiros, pedreiros,
pintores, padeiros, costureiras e serradores, entre outros ofícios. Os cativos que
desenvolviam serviços mais especializados, como os de sapateiro, geralmente,
trabalhavam em apenas uma profissão e na companhia de mestres, aos quais
haviam sido entregues por seus senhores como aprendizes para aprenderem e,
posteriormente, exercerem o ofício. As crianças também não prescindiam desses
tipos de ocupações, as do sexo masculino atuavam, entre outras, como carpinteiros,
seleiros e pedreiros, e como costureiras no caso de crianças do sexo feminino. O
ofício de alfaiate, de sapateiro, de padeiro, de ferreiro e outras ocupações eram
desenvolvidos em tendas ou lojas localizadas nas ruas da cidade de Vitória, como
se pode ver no anúncio inserto no Correio da Victoria em 17 de junho de 1871:
O abaixo assinado tem para vender uma tenda de oficina de ferreiro pela
quantia de 80$000 reis: quem a pretender dirija-se a rua do Queimado desta
cidade, para ver e tratar.
Victoria 2 de junho de 1871.
João Fernandes Castello.
118
Escravos carpinteiros desenvolviam suas atividades na casa de seus senhores e
diretamente nas casas de seus clientes, como é o caso do escravo Eleutério,
carpinteiro que morava no sítio de sua senhora, em Cariacica, e trabalhava de
carpinteiro algumas vezes no próprio sítio ou na casa de terceiros, onde prestava
seus serviços.
217
Os escravos que exerciam profissões menos especializadas
desenvolviam inúmeras tarefas e eram, principalmente, os escravos alugados por
seus senhores para trabalharem como domésticos em casas de particulares ou
cativos de ganho que labutavam nas ruas e vielas vitorienses. Entre eles estava o
escravo de Antonio ferreira da Rocha, Bernardo, que andava ao ganho na cidade e
em suas imediações.
218
Cativos vendedores de pão, de bolos, de peixe salgado e de
outros produtos faziam parte dos escravos mascateadores, isto é, vendedores, que
podiam também trabalhar ao ganho, dependendo da determinação de seu senhor.
Uma das posturas municipais da cidade de Vitória determinava que para o escravo
trabalhar ao ganho seria necessário obter uma licença da Câmara Municipal de seu
município. Observemos o artigo 52 do Código de posturas municipais do Município
de Vitória: “Para vender quitanda, ter casas de negocio de qualquer espécie, ou
mascatear, devera sempre proceder a licença da Câmara. Ao infrator, multa de
10$000 reis”.
219
Na falta da licença necessária, o proprietário do escravo poderia ser multado como
infrator. Vejamos o depoimento da escrava Maria, informante no auto criminal de
infração de posturas do ano de 1866:
[...] nesta freguesia de Cariacica [...] no lugar citado Limão desta mesma
Freguesia, aonde se achava o fiscal da mesma [...] e sendo ai apareceu
Maria escrava de Francisco Xavier Coutinho, mascateando peixe salgado
pelas estradas e casas da mesma Freguesia, e passando o respectivo
fiscal, a informar-se da dita escrava, o que fazia com o peixe que trazia,
respondeu-lhe que andava vendendo porque era cativa, e havia de fazer o
que seu senhor mandava, e sendo isto em presença das testemunhas
acima mencionadas, o que tudo foi examinado, e não lhe apresentando a
licença que devia ter para mascateação por escravos, foi pelo mesmo fiscal
217
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, Auto-criminal de Assassinato, 1856. Acusado:
Eleutério, escravo de Joana Maria de Jesus, vítima: Francisco dos Santos Fraga, p.18.
218
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, Auto criminal de Furto. Acusado: Bernardo: escravo
de Antonio Ferreira da Rocha, vítima: Manoel Pinto Aleixo e Martins, 1854, s/n.
219
CAMPOS, Adriana Pereira. Nas Barras dos Tribunais: Direito e escravidão no Espírito Santo do
século XIX. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2003, Anexos, p.251.
119
multado [...] na quantia de 100$000 mil reis, como infrator do Artigo 104 do
Código de Posturas Municipais [...].
220
Como descrito acima, a vigilância pública não ficava totalmente alheia ao cotidiano
dos cativos em Vitória, buscava várias formas de vigiar, regulamentar e punir, no
que se referisse ao seu trabalho, por meio das já citadas posturas municipais. Numa
cidade, onde a distinção entre os indivíduos parecia não ser tão fácil à primeira vista,
levava-se à suspeição de todos. Para tentar manter as cidades sob o controle da
Justiça eram criadas várias Leis municipais, que em conjunto eram denominadas
Código de posturas. Tratava-se de um conjunto de disposições que visavam
regulamentar as ações dos indivíduos nas cidades e observar como esses deveriam
se comportar. As disposições eram específicas para cada município e as câmaras
municipais deveriam criá-las para serem aprovadas pela Assembléia Legislativa
Provincial. Esses dispositivos abrangiam os domínios públicos e privados.
221
Note no
processo criminal de agressão física do ano de 1865, onde o escravo Marcolino,
sapateiro, de propriedade de Bernardino Pinto Ribeiro foi agredido por dois praças
de polícia chamados Francisco Pereira da Cruz e Honório Barboza da Silva, por ser
encontrado na em uma casa de negócio à noite. No auto de perguntas do escravo
Marcolino, temos:
[...] Perguntado como se deu o fato constante do corpo de delito?
Respondeu que no dia 26 de outubro, achando-se ele respondente às nove
horas da noite em casa de negocio de Manoel da penha Braga, onde tinha
ido fazer algumas compras nessa ocasião chegarão duas praças de policia
de nome Francisco Pereira da Cruz e Honório Barboza da Silva os quais se
colocando nas portas da casa de negócio do mesmo Braga e perguntaram
lhe o que ele respondente ali fazia àquelas horas, ao que respondeu ter ido
fazer as compras por ordem de seu senhor[...]
222
Da mesma forma, entre os artigos do código de postura da cidade de Vitória,
citados anteriormente, fazia parte o artigo 124, e a sua constante publicação nos
jornais demonstram a preocupação das autoridades em manter os escravos sob
vigilância. Vejamos a publicação do artigo no dia 07 de março de 1857:
De ordem do Illm. Dr. Chefe de polícia [...]
220
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de infração de posturas, 1866.
Acusado: Francisco Xavier Coutinho, pág. 2.
221
ARAUJO, Patrícia Vargas Lopes de. Folganças populares: festejos de entrudo e carnaval em
Minas Gerais no século XIX, MG, Annablume, 2008, p. 74.
222
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de agressão física, 1865. Acusado:
Francisco Pereira da Cruz e Honório Barboza da Silva. Vítima: Marcolino, escravo de Bernardino
Pinto Ribeiro, pág. 12.
120
Artigo 124 - Todo o escravo que for encontrado depois do toque de recolher
até o de alvorada sem escrito de seu Sr. Em que declare o fim a que vai,
será recolhido a cadeia, ou se dará parte ao Sr para que pague por ele a
multa de 2$000 rs. Ou mande o castigar com 25 açoites ou 2 dúzias de
palmatoadas. Excetuam-se os escravos que forem ou vierem das fazendas
por mandado de seus Srs. ou feitores, com cargas e outros objetos que
mostrem que eles vão ou vem de viagem. Secretaria da policia na cidade de
Vitória, 05 de março de 1857.
O amanuense, Theodoro Euterpe Alfavaca.
Portanto, na cidade de Vitória e em suas imediações, isto é, nas suas cercanias, a
vigilância e o controle da população escrava também adquiriram novos contornos
diante dos diferentes tipos de trabalhos realizados pelos cativos. Apesar dos
dispositivos legais que procuravam regulamentar a vida e o trabalho dos escravos,
eles não eram cerceados no seu ir e vir pelos ambientes multifacetados da cidade
de Vitória.
Continuando nossa análise sobre o cotidiano escravo da cidade de Vitória observe
pelo recorte do artigo acima que as mulheres cativas não prescindiam do comércio
efetivado nas ruas e estradas da região, como a escrava Maria, pertencente a
Francisco Xavier Coutinho, que mascateava peixe salgado pelas estradas e casas
da freguesia de Cariacica, também negociavam em quitandas instaladas no espaço
citadino, como fazia a escrava de Francisca Maria da Conceição. Essa senhora
possuía uma quitanda no Porto dos Padres, onde a escrava atuava como
vendedora.
223
No período destacado as ruas da Mangueira, do Comércio e da Alfândega
concentravam a principal área de comércio da cidade e era onde a população de
Vitória e de suas cercanias, inclusive a escrava, transitava, ativamente, para efetuar
suas vendas, oferecer e procurar serviços ou produtos para consumo. A
movimentada Rua da Mangueira começava na escadaria do palácio e terminava na
Rua General Osório, e recebeu a denominação de Primeiro de março devido ao fim
da Guerra do Paraguai, em de março de 1870. No início da década de 1940, o
prefeito Américo Poli Monjardim ordenou a demolição dos prédios da rua e mandou
que se aplainasse a área ocupada por ela, área, desde então, desaparecida. A Rua
do Comércio, principal área comercial do período, data do século XVII, com início na
Rua General Osório indo até o cais Schmidt, aterrado. Em 1969, a artéria recebeu
223
Arquivo Geral do Município de Vitória. Licença requerida à Câmara Municipal de Victoria em 26 de
janeiro de 1847 por Victoria Francisca da Conceição.
121
o nome do ex-presidente do Estado, Florentino Avidos. Ficava de frente para o Porto
dos Padres, também aterrado para a construção do atual cais do porto, onde foram
construídos os primeiros quiosques à beira-mar e se concentrava o antigo comércio
atacadista. A principal via de Vitória na atualidade, a Avenida Jerônimo Monteiro, era
conhecida como Rua da Alfândega. Em 1872 ela recebeu o nome de Conde D’Eu,
todavia, a partir de 1920, passou a ser denominada com o nome atual, indo da
Escadaria do Palácio aa Praça Costa Pereira.
224
Vejamos nos anúncios abaixo os
comércios existentes na antiga Rua da Alfândega. O primeiro, incluso no Correio da
Victoria de 30 de janeiro de 1850, e o segundo, inserto no Jornal da Victoria em dia
23 de março de 1867:
No armazém de molhados de Domingos Rodrigues Souto e filhos na Rua da
Alfândega, vende-se carne seca própria para escravos a mil reis a arroba.
Na rua da Alfândega nº 18, aluga-se cavalos para passeios ou viagens.
(3-2)
Quarta 27 de março de 1867.
Mas o comércio na cidade de Vitória se estendia por ruas e vielas menos
concorridas pela população, como exemplos podemos citar a Rua do Rosário, da
Banca Velha, do Pelourinho, São Diogo, Porto dos Padres e Rua da Praia.
Comportavam, no decorrer desse período, ourivesarias, marcenarias, alfaiatarias,
barbearias, caldeirarias, lojas de secos e molhados e padaria. É recorrente nos
jornais os anúncios de padarias solicitando os serviços de cativos alugados, como o
anúncio abaixo da padaria existente na Rua São Diogo, inserido no Jornal da
Victoria em 16 de outubro de 1867:
Atenção
O abaixo assinado estabelecido com padaria á rua S. Diogo 6 tem para
vender, na mesma os seguintes gêneros:
Pão de todas as qualidades, roscas, bolachas americanas, sequilhos, doces
califórnios, biscoitos brasileiros, pão-de-ló e pudins, assim como
aprontamos qualquer encomenda tendente a sua profissão com todo asseio
possível. Vitória, 11 de outubro de 1867.
Manuel Ferreira da Silva.
Além dos serviços prestados nas ruas e nos comércios da cidade de Vitória, os
cativos podiam ser encontrados ocupados com a manutenção da iluminação pública
e limpeza da cidade. No anúncio abaixo inserido no Correio da Victoria em 13 de
outubro de 1855, temos:
224
ELTON, Elmo. Logradouros antigos de Vitória. Vitória: IJSN, 1986.
122
Precisa-se de doze ou dezesseis escravos para se empregarem no serviço
municipal, ou limpeza de toda a cidade a bem da salubridade publica,
vencendo o jornal de 1$000 rs. diários, quem os tiver e quiser empregar
neste ramo de serviço, dirija-se a Manoel Gonçalves Victoria.
Os cativos eram alugados pela municipalidade para manterem a iluminação pública
em funcionamento ou ajudarem a compor as galés de presidiários encarregados da
limpeza das ruas. O fragmento do ofício enviado à Câmara Municipal de Vitória, em
1868, é exemplo disso:
Requisito de V. S.ª as necessárias providencias a fim de me ser presente
duas parelhas de galés para se ocuparem na limpeza das praças públicas
desta cidade, que estão completamente sujas; pois, por várias vezes o Snr.
Drº Chefe de Policia, tem mandado ordem aos respectivos carcereiros para
por a minha disposição duas parelhas de galés porém esse tem deixado de
cumprir, informando-me, que as vezes faltam as galés e outras as praças
para os acompanhar.[...]
Também na região que circundava a cidade números significativos de trabalhadores
realizavam tarefas específicas, por um período de tempo determinado. Nos períodos
de colheitas de café e algodão esse tipo de prática era mais utilizada. Por exemplo,
vejamos os anúncios de 6 de abril de 1850 e de 29 de abril de 1854 veiculados no
Correio da Victória:
Anúncios
Engajam-se 40 ou 60 pessoas de qualquer sexo livres ou cativos, para
serem empregados na colha de café em uma fazenda em Itapemirim, não
excedendo suas idades menos de 14, e nem mais de 40 anos; quem tiver
ou estiver nestas circunstancias. [...].
Trabalhadores
Para uma fazenda nesta província precisa-se de vinte ou mais
trabalhadores (forros ou escravos) para o serviço de machado e rio a quem
além do sustento lhe dará mensalmente doze mil réis a cada um
trabalhador, a quem convier. [...].
O governo da província e as câmaras municipais utilizavam o aluguel de mão-de-
obra na cidade e na construção de obras públicas fora do meio urbano. A construção
de estradas necessitava de um grande número de trabalhadores livres e cativos, e
no anúncio abaixo se oferecia, como incentivo, adiantamento de dinheiro ao senhor
que disponibilizasse seus escravos para o trabalho de abertura da estrada que
ligaria Minas Gerais ao Espírito Santo. Prometia-se, também, que os cativos seriam
sustentados e tratados caso contraíssem alguma enfermidade. O anúncio é de 10 de
outubro de 1855, e foi publicado no Correio da Victoria:
Anúncios
O abaixo assinado estando autorizado pelo Exmo. governo da província
para fazer abrir a nova estrada que vai dar comunicação desta província
123
com a do Espírito Santo [...] convida a todas as pessoas que queiram
ganhar um bom jornal diário na construção desta estrada; queiram quanto
antes procurá-lo na cidade da Itabira [...] Previna-se mais aos senhores de
escravos que queiram alugá-los para esse trabalho da estrada, sendo os
escravos fortes e bons de serviço, paga-se o seu jornal diário, a razão de
200$000 por ano; e serão sustentados e tratados nas enfermidades ali; e
também não se duvida adiantar alguma quantia de dinheiro a àqueles Srs.
que para aquela estrada mandarem seus escravos trabalhar [...]
Na construção de casas particulares e igrejas, da mesma forma, utilizava-se a mão-
de-obra escrava.
E, por outro lado, observamos uma característica fundamental de alguns escravos
desse espaço social: muitos deles desempenhavam variadas ocupações. Como
exemplo citamos o escravo Damião, pertencente a Anna e Maria, irmãs do finado
Manuel Francisco Guimarães. O escravo foi acusado de assassinar um liberto
chamado Gregório no ano de 1862. No ato de qualificação o réu é perguntado sobre
seu nome, idade, estado, naturalidade, profissão e residência. O réu disse “chamar-
se Damião, de vinte e dois anos de idade, solteiro, natural d’esta cidade, trabalha de
lavoura, e na falta disto é ganhador e residente no sítio Campinho”
225
. Uma das
tarefas de Damião, após terminar seus afazeres no sítio onde morava, era vender
bolos feitos por suas senhoras pelas ruas da cidade. Outra comprovação da
versatilidade dos cativos eram as negociações de compra, venda e aluguel, nas
quais prevalecia uma maioria de cativos com variadas profissões (o que
abordaremos mais profundamente nos subtópicos 4.2 e 4.3).
Cabe, então, para finalizar, inferir que os cativos estavam presentes nas casas, ruas,
e vielas vitorienses, desempenhando variadas profissões, e presentes em diversos
espaços sociais da Cidade, movimento que fazia parte da realização de suas tarefas
e de sua vivência cotidiana.
4.2 ORELHA POR ORELHA
Até as últimas décadas do século XIX, numa sociedade escravocrata como a
brasileira, não era incomum, nem causava espanto, as diversas formas de
negociação às quais os cativos eram submetidos. Eles podiam ser comprados,
vendidos, trocados, doados, alugados, hipotecados, leiloados, segurados e fazer
225
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de homicídio, 1862. Acusado:
escravo Damião. Vítima: Liberto Gregório, pág. 12.
124
parte de qualquer outra forma de negociação, sob a vontade e determinação de seu
senhor.
226
O cotidiano das cidades tornava mais visível essa face da escravidão
brasileira. Em Vitória, nesse período, o único indício sobre a existência de um
depósito público foi encontrado no anúncio inserto no Correio da Victoria do dia 27
de julho do ano de 1849. Vejamos abaixo:
Vende-se uma escrava de nome Anna, cabra, com 21 a 22 anos de idade,
perfeita costureira, rendeira, e engomadeira; a quem convier, para vê-la, no
deposito publico, e para tratar sobre a compra com Manuel Pinto de Jesus,
com loja de sapateiro ao canto de Santa Luzia.
No anúncio observamos que não endereço do referido depósito público. Não
obstante, a presente pesquisa revelou que Vitória não prescindia de um cotidiano
movimentado por esses tipos de eventos. Uma das formas de adquirir um escravo
na cidade era por meio da arrematação, em leilões, de bens pertencentes a
inventários que eram apregoados na porta da casa do juiz de órfãos. As chamadas
para os leilões eram publicadas diariamente nos periódicos jornalísticos. Por
exemplo, apresentamos esta publicação de 15 de julho de 1857 do Correio da
Victoria:
Pelo juízo de órfãos se hão de arrematar nas praças dos dias 15,18, e 22 do
corrente, à porta da casa do respectivo juiz, à rua Grande, os bens
seguintes: Uma morada de casas térreas sita à rua da praça desta cidade,
diversos moveis que deixarão de serem vendidos, nas praças passadas,
pertencentes ao inventario de Rosa Maria dos Remédios, o escravo de
nome Agostinho mulato de 6 anos de idade, o escravo de nome João,
crioulo de 21 anos de idade, pertencentes ao inventario de Francisca Maria
de Jesus; a escrava Maria, parda de 26 anos de idade, pertencente ao
inventario de Antonio das Neves Marins, cujos valores existem no cartório
onde podem ser vistos.- Cidade da Victoria 14 de julho de 1857.
O escrivão de Órfãos.
A. A. Palhares dos Santos.
O comércio de cativos também acontecia através de anúncios publicados nos
periódicos jornalísticos que circulavam cotidianamente na cidade de Vitória e
arredores. Foi possível observar a existência de um comércio regular de escravos
com a publicação constante de anúncios de compra, venda e aluguel de cativos. A
maioria dos anúncios de compra e venda possuía como referência, para as
226
MALHEIROS, Agostinho Marques Perdigão. Fonte digital. Digitalização e edição em papel de
1866, Rio de Janeiro- Typografia Nacional- Rua da Guarda Velha, 2008.
http://www.scribd.com/doc/3824085/A-Escravidao-no-Brasil-Vol-I-Agostinho-Marques-Perdigao-
Malheiros?autodown=pdf
125
negociações, as tipografias dos jornais e poucos indicavam a residência ou o
comércio do interessado. Tomando como enfoque a compra e venda de escravos no
cotidiano capixaba, cabe demonstrar, por meio de levantamentos e quantificação
dos dados dos anúncios jornalísticos, que se comprava e vendia escravos, em sua
maioria, do sexo feminino, tanto para a execução de ocupações domésticas quanto
para as rurais. Vejamos os dados nos gráficos abaixo:
NEGÓCIO
VendaCompra
Count
12
10
8
6
4
2
0
SEXO
Feminino
Masculino
GRÁFICO 4 - TRABALHO DOMÉSTICO
Fonte: Arquivo blico do Estado do Espírito Santo Anúncios de compra e venda de cativos -
Periódicos jornalísticos: Correio da Victoria, Jornal da Victoria e o Espírito Santense.
126
NEGÓCIO
Venda
Count
30
20
10
0
SEXO
Feminino
Masculino
GRÁFICO 5 - TRABALHO RURAL
Fonte: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo Anúncios de venda de cativos - Periódicos
jornalísticos: Correio da Victoria, Jornal da Victoria e o Espírito Santense.
O quantitativo de homens negociados supera o de mulheres no caso dos cativos
multifuncionais, ou seja, aqueles que sabiam executar variados tipos de trabalhos
como cozinheiro e lavrador, cozinheiro e oficial de carpinteiro, ou cativas que
cozinhavam, lavavam, costuravam e faziam doces. Provavelmente, os homens
possuíam mais oportunidades de se especializarem, pela boa vontade de seus
senhores. Observemos o gráfico abaixo:
127
NEGÓCIO
Venda
Count
18
16
14
12
10
8
6
4
SEXO
Feminino
Masculino
GRÁFICO 6 – TRABALHO: VÁRIOS
Fonte: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo Anúncios de venda de cativos - Periódicos
jornalísticos: Correio da Victoria, Jornal da Victoria e o Espírito Santense.
As mulheres cativas, voltadas para o trabalho doméstico, prescindiam de maiores
gastos com sua especialização. No entanto, em algumas ocupações como a de
costureiras, seu número era significante (conforme tabela 14).
Por outro lado, os anúncios de compras, vendas e aluguéis de cativos publicados
pelos periódicos jornalísticos não permitem entrever, em alguns casos, as facetas
conturbadas dessas negociações, as quais não estavam isentas de conflitos. Por
meio da análise dos autos criminais foi possível constatar a ocorrência de negócios
de compra, venda e troca de cativos mal sucedidos, que envolviam tentativas de
estelionatos, dos quais participavam senhores e escravos. Esses negócios podiam
trazer prejuízos financeiros e morais para os senhores e acarretar mudanças de vida
radicais para os cativos.
Um desses conflitos ocorreu no ano de 1857 originando uma acusação de
estelionato contra Manoel Ferreira das Neves que teria tentado finalizar, em seu
benefício, uma escritura de doação de um escravo chamado Victorino, cuja posse
era de Alexandra Maria Francisca. O segundo tabelião do Judiciário da Cidade,
Antonio Augusto Nogueira da Gama, em seu esclarecimento prestado à Justiça,
declarou que o réu procurou-o e perguntou se era necessária a presença do
128
vendedor ou do comprador no caso da feitura de um contrato. O tabelião respondeu
que não era possível a realização de um contrato sem a presença das duas partes
envolvidas, contudo, a confirmação da documentação e o fechamento da
negociação ficavam por conta do tabelião. Assim, consoante Antonio Augusto
Ferreira da Gama
Com esta resposta retirou-se Pereira das Neves, e voltou no dia quinze
seguinte, ao cartório, entregando-me a distribuição supra transcrita; ainda
falou –me sobre o lavramento da escritura, como que querendo que eu a
lavrasse no cartório, independente da outorga da doadora, pois dizia-me
ele:- a doadora não sabe ler, nem escrever, quem assina por ela é o seu
procurador João dos Santos Lisboa, pessoa honrada, e de muita probidade,
por isso não pode duvidar=: disse-lhe que eu era o primeiro a reconhecer as
qualidades de Santos Lisboa, mas que reconhecendo tão bem, que a lei me
impunha, rigorosamente, o dever de tomar outorga, não podia deixar de ir a
casa da doadora Alexandra; a vista disto nada mais me tornou Ferreira das
Neves, e retirou-se [...].
227
Nesse mesmo dia o tabelião visitou a casa da pretensa doadora e “lendo-lhe a
distribuição ficou surpreendida, pôs as mãos na cabeça, gritando que era falsa
semelhante doação, que ela nunca pretendeu fazer, que lhe queriam roubar seus
bens”
228
. Manoel Ferreira das Neves não se encontrava presente no momento da
aferição da negociação e, segundo o testemunho do tabelião, nunca procurou saber
o resultado da visita. Contudo após o andamento do processo e do depoimento de
várias testemunhas constatou-se que a viúva Alexandra Maria Francisca havia
assinado um bilhete de doação do escravo em nome do réu por esse sempre ter-lhe
prestado bons serviços. Ao ser chamado novamente para apresentar declarações, o
tabelião admitiu que
e não declarou naquela ocasião tudo o que sabia.[...] foi por esperar que lhe
fosse perguntado ou pelo Juiz ou pela Promotoria, e tanto que ele mesmo
testemunha o tem declarado a todo mundo, isso por ter sido ele o mesmo
que passou na qualidade de procurador da doadora o bilhete de doação.
Disse mais que explica a contradição existente entre o bilhete de doação e
a oposição da doadora à escritura da mesma doação à da doadora
[...].
229
O caso foi julgado improcedente com a justificativa de ter havido por parte de
Alexandra Maria Francisca, que ela havia feito, em nome do réu, um bilhete de
227
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Estelionato, 1857. Acusado:
Manoel Ferreira Neves. Vítima: Alexandra Maria Francisca, pág. 4.
228
Arquivo Público do Estado Espírito Santo. Auto criminal de Estelionato, 1857. Acusado: Manoel
Ferreira Neves. Vítima: Alexandra Maria Francisca, pág. 4.
229
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Estelionato, 1857. Acusado:
Manoel Ferreira Neves. Vítima: Alexandra Maria Francisca, pág. 28.
129
doação, e depois negou concluí-la por meio de uma escritura. Quanto ao escravo
Victorino, antes do término do processo havia sido retirado do poder de sua senhora
e encontrava-se preso na cadeia da Cidade de Vitória. Não se sabe a mando de
quem. Suspeitou-se que foi a mando de Manoel Ferreira das Neves.
Outra negociação mal sucedida ocorreu numa troca de escravas entre Juliana Maria
da Encarnação, autora do processo, e Manuel Ferreira Dias, considerado réu.
Juliana Maria da Encarnação, por meio de seu procurador e filho Candido Maria da
Silveira, repassou um valor de 250.000 réis a Manuel Ferreira Neves por ser sua
escrava considerada de valor inferior à do acusado. Tentando-se evitar o pagamento
da meia sisa
230
, a troca foi documentada como sendo “orelha por orelha”, ou seja,
uma pela outra. No entanto, após a negociação, Juliana Maria da Encarnação
percebeu que a escrava de Manuel Ferreira Dias era “doida”
231
e a troca foi desfeita,
mas o acusado não devolveu a diferença em dinheiro sendo incriminado
judicialmente por Juliana Maria da Encarnação. A testemunha Bernardino de Senna,
caixeiro da loja onde foram negociadas as escravas, fez o seguinte relato:
[...] Pela testemunha foi declarado que na ocasião em que se iam passar os
papéis Candido Maria da Silveira disse ao u que se devia pagar a sisa da
diferença da troca das duas escravas; mas pelo réu foi dito que não valia
pena pagar aquela bagatela pelo que então se passarão os papeis
declarando que a troca era feita de orelha por orelha.[...].
232
A finalização do auto criminal foi dado pelo não comparecimento da autora e nem de
seu procurador no prazo discriminado pela Justiça para oficializar o desenrolar da
acusação. Cabe observar que Juliana Maria da Encarnação e Manuel Ferreira Dias,
ao se negarem a pagar o imposto determinado pelo Império, concorreram em outro
crime passível de punição. Poderia ser anulada a troca das escravas, e tanto um
230
Pagar-se-á também em todo este Estado do Brasil para a minha Real Fazenda meia siza, ou cinco
por cento do preço dos escravos ladinos, que se entenderão todos aqueles que não o havidos por
compra feita aos negociantes de negros novos, e que entram pela primeira vez no pais, transportados
da Costa de África. Cartas de Lei, Alvarás, Decretos e Cartas Régias, 1809, (1808/1889), pág.70.
Coleção das Leis do Império do Brasil. Coleção Publicada pela imprensa Nacional. Disponível em
www.camara.gov.br. Acesso dia 26 de maio de 2009. Ver estudo sobre a instauração desse imposto
em FERNANDES, Guilherme Vilela. Tributação e escravidão: o comércio da meia siza sobre o
comércio de escravos na província de São Paulo: 1809-1850. Pesquisa (Iniciação Científica) -
Instituto de Economia, UNICAMP/FAPESP. In: Almanack braziliense, 2, São Paulo: [s.n.],
nov/2005. p.102-113.
231
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Estelionato, 1857. Acusado:
Manoel Ferreira Neves. Vítima: Alexandra Maria Francisca, pág. s/n.
232
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Estelionato, 1857. Acusado:
Manoel Ferreira Neves. Vítima: Alexandra Maria Francisca, p. s/n.
130
como outro poderiam ser multados em igual parte do valor sonegado. Essas multas
poderiam ser aplicadas tanto no caso de sonegação total do imposto de uma compra
ou venda de cativos, na declaração de um preço menor do que o realmente
estipulado em uma negociação ou, como o referido auto criminal demonstra, uma
troca com restituição de valores não declarados. Provavelmente, os dois envolvidos
na negociação estavam cientes das represálias que poderiam sofrer e optaram pelo
abandono do processo.
No ano de 1868, em outra negociação conflituosa envolvendo cativos, Heliodoro
Gomes de Azambuja Meirelles trocou seu escravo João, de dezesseis anos,
padeiro, por dois relógios, com o joalheiro Alexandre Lehman. O escravo foi
repassado ao joalheiro por meio de uma procuração dando-lhe plenos direitos sobre
o escravo. Alexandre Lehman teria que vendê-lo, descontar o valor dos dois relógios
(um total de 900.000 réis), e devolver o valor restante a Heliodoro Gomes de
Azambuja Mairelles. O escravo foi vendido por Lehman pelo valor de 1:400$000 réis
(um conto e quatrocentos mil réis), que, assim, teria que devolver ao ex-senhor do
escravo uma quantia de 500.000 réis (quinhentos mil réis). Não conseguindo
finalizar a negociação com o recebimento do montante que restava, Heliodoro abriu
queixa contra o joalheiro Alexandre Lehman. No entanto, menos de um mês se
passou e Heliodoro retirou a queixa. Na desistência do auto criminal, Heliodoro
alegou que “desistia da queixa, que dera contra Alexandre Lehman, por haver esse
chegado a um acordo, indenizando ao queixoso o que lhe estava a dever, e consta
de sua dita queixa”
233
.
Nesses autos analisados observamos, primeiramente, que os cativos ficavam à
mercê dos resultados dos conflitos e das possíveis mudanças resultantes. Porém,
nem sempre o escravo apenas observava, esperava ou sofria as conseqüências do
desenrolar dessas desastrosas transações comerciais. O uso de outras formas de
estelionatos, nas quais os cativos deixavam de serem simples objetos negociados
para participarem de forma ativa, também faziam parte do cotidiano dos cativos. No
ano de 1859, um escravo chamado Luiz, pertencente a Manoel Pinto Ribeiro, foi
considerado réu em um auto criminal de estelionato. O cativo solicitou a um caixeiro
233
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Estelionato, 1868. Acusado:
Alexandre Lehman. Vítima: Heliodoro Gomes de Azambuja Meirelles, pág. 9.
131
para escrever uma carta em nome de outra pessoa pedindo dinheiro emprestado a
Manuel Nunes Pereira, conhecido negociante da região. O caixeiro redator da dita
carta trabalhava na venda de Domingos Rodrigues, e se chamava Francisco
Fernandes Cypreste. Ele afirmou em seu depoimento que
Foi ele respondente quem escreveu essa carta a pedido do pardo Luis,
escravo de Manuel Pinto Ribeiro, o qual escravo chegando a taberna onde
ele respondente é caixeiro, pediu-lhe para escrever uma carta, e
perguntando-lhe ele respondente para que era essa carta, disse-lhe o
mesmo pardo que era para o senhor Manuel Nunes pedindo nove mil reis
emprestado em nome de um homem que esta na cadeia.[...].
234
No depoimento prestado ao delegado por Adrião Nunes Pereira, filho de Manuel
Nunes Pereira, Adrião afirmou que estava junto de seu pai trabalhando no negócio
da família quando chegou o pardo Luis e lhe entregou uma carta. Após ler a carta a
entregou para seu pai, o qual logo desconfiou da veracidade da letra. Manuel Nunes
Pereira perguntou ao escravo quem havia mandado aquela carta e o mesmo
respondeu ser o Senhor Fraga de Carapina, que estava preso e pediu a ele para
entregar a carta e levar de volta a resposta. Continuando o depoimento, Adrião
Nunes Pereira afirmou então que seu pai
[...] Manda que ele respondente leve nove mil reis que na carta se pedia, e
até a cadeia afim de ver se o dito estava com efeito ali na cadeia, e
cumprindo respondente a ordem de seu pai, saiu com o pardo, e quando
chegaram em frente do Palácio da Presidência o dito pardo quis deixar a ele
respondente, dizendo ter pressa a fazer umas compras, mas insistindo ele
respondente pediu que o mesmo pardo o seguisse até a cadeia, ali
chegaram e por que ele respondente não achasse o dito Fraga e visse que
tendo sido mentira do dito pardo disse ao comandante da guarda que ali
detivesse o mesmo pardo e que ele respondente vinha de tudo dar parte ao
Doutor Chefe de Polícia. [...]
235
Durante todo o processo tentou-se confirmar a participação do caixeiro no golpe,
mas Francisco Fernandes Cypreste negou veementemente e nenhuma testemunha
o acusou. O escravo Luis, ao apelar ao Tribunal da Relação, foi condenado a
duzentos açoites e ao uso de ferros no pescoço durante quinze dias. Francisco
Fernandes Cypreste foi condenado, em primeira instância, a dois meses de prisão.
Pelos autos criminais até aqui demonstrados, percebemos que essas negociações
conflituosas davam-se no cotidiano da região de Vitória e adjacências entre pessoas
234
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Estelionato, 1859. Acusado: Luiz,
escravo de Manoel Pinto Ribeiro. Vítima: Manoel Nunes Pereira, p. 6.
235
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Estelionato, 1859. Acusado: Luiz,
escravo de Manoel Pinto Ribeiro. Vítima: Manoel Nunes Pereira, p. 10.
132
conhecidas e, provavelmente, esses conflitos colocavam em “xeque” a reputação
dos indivíduos envolvidos. O receio dos danos econômicos levava à utilização da
Justiça como um último recurso para a solução dos conflitos, mas havia o descarte
desse procedimento quando aparecia outra solução menos onerosa moralmente. Foi
o que ocorreu no segundo e no terceiro auto criminal, em que ambas as partes
envolvidas poderiam ser penalizadas pela Justiça.
Outro aspecto clarificado pela análise demonstrou, por meio do percurso trilhado
pelo pardo Luis, que o cativo nem sempre era apenas um expectador dos
acontecimentos ou uma propriedade que era comprada ou vendida. Pelo contrário,
também sabia utilizar, e utilizava, em muitos casos, os caminhos da ilegalidade,
mesmo sabendo das terríveis consequências que poderia advir de seus atos.
4.3 ALUGA-SE UM ESCRAVO?
O aluguel de escravos constituía-se numa prática comercial comumente utilizada
pelos senhores de escravos nas grandes e pequenas cidades coloniais brasileiras.
Os senhores que possuíssem cativos, além do necessário, alugava-os a terceiros
conseguindo um bom rendimento para si e para a manutenção de seus escravos. No
cotidiano citadino era possível alugar um ou mais escravos por um dia, uma
semana, um mês, um ano ou por mais tempo. Para prazos curtos, o contrato com o
senhor do escravo era verbal e, para períodos mais longos, contratavam-se por meio
de documento lavrado em cartório, onde se previa a duração do aluguel, os serviços
a serem prestados e o preço. Em alguns casos, o senhor, que necessitasse da mão-
de-obra de um ou mais escravos, ao alugá-los, ficava responsável pelo alojamento,
alimentação, roupas e cuidados médicos necessários. Se o escravo adoecesse, no
contrato era acrescido os dias perdidos.
236
Os proprietários dos escravos de aluguel
ofereciam seus serviços e estabeleciam o tipo de trabalho e a forma de pagamento
e, ensinando ao escravo alguma arte ou ofício. O proprietário poderia valorizar sua
mão-de-obra e aumentar o montante recebido pelos serviços prestados pelo mesmo.
Algranti
237
denominou os negócios de aluguel de mão-de-obra escrava como
“sistema de aluguel” que, segundo a autora, não era específico da cidade. Ela
236
MATTOSO, 1984.
237
ALGRANTI, 1988, p. 49.
133
informa que desde os primórdios da colônia era comum o emprego dessa alternativa
para amenizar a escassez de mão-de-obra no período das colheitas.
Nos anúncios dos periódicos jornalísticos da cidade de Vitória constatou-se a
existência de uma prática constante de aluguel de mão-de-obra escrava. Neles
convivia oferta e procura de trabalhadores de aluguel, sendo que a procura pela
mão-de-obra é o tipo de anúncio mais recorrente no período analisado. Os anúncios
aparecem de forma regular (diariamente), demonstrando a constância dessa prática.
Alguns anúncios de oferta de aluguel de mão-de-obra escrava eram mesclados com
a venda de cativos, como acontece no anúncio de 30 de agosto de 1871, inserido
no Espírito-Santense:
Anúncios
Na casa nº. 9 da Praça Municipal duas escravas, que se alugam por
14$rs mensais, para serviço de casa e rua. também duas mulatinhas,
bonitas peças! Que se vendem por preço cômodo. O dono do prédio está
autorizado a alugar aquelas, e vender estas.
Nota-se, com freqüência, que a mão-de-obra solicitada para o aluguel poderia ser
livre ou escrava. Em alguns casos percebe-se a preferência pelo trabalhador
escravo ou constata-se a predileção pelo trabalhador livre. Como verificamos nos
exemplos abaixo - anúncios do dia 13 de abril de 1871 do periódico O Espírito-
Santense; do dia 03 de março de 1858, do Correio da Victória; e do dia 03 de junho
de 1857, também do Correio da Victória:
Anúncios
Na padaria à ladeira do Sacramento n8 admitem-se trabalhadores livres ou
escravos.
Precisa-se de dois pedreiros hábeis para a obra da matriz de Vianna; dá-se
a preferência a escravos, e trata-se com o respectivo vigário.
Aluga-se uma escrava que saiba cozinhar e fazer compras para uma casa
de pequena família: prefere-se livre. Para tratar nesta typ.
A maior parte dos anúncios referia-se ao trabalho doméstico, porém ocorrência
de outros tipos de ocupações necessitadas de mão-de-obra alugada, como o
trabalho rural e o urbano. Cabe esclarecer que nessas outras formas de serviços
também se acentua os pedidos por trabalhadores escravos e/ou livres. Como a
limpeza da cidade de Vitória que ficava por conta de escravos alugados, geralmente,
dos que se encontravam presos na cadeia, sendo que o serviço de iluminação
134
pública utilizava os serviços de cativos, contudo dava-se preferência aos homens
livres. Observe o anúncio do dia 04 de abril de 1857, no Correio da Victória:
Os encarregados da inspeção da iluminação publica convidam as pessoas,
á quem convier para o serviço da mesma iluminação, com o vencimento
diário de 800 reis., preferindo aos escravos pessoas livres, - Victoria 03 de
abril de 1857.
Quanto mais ocupações o escravo fosse capaz de desenvolver mais lucrativo ele
seria para seu senhor que poderia empregá-lo tanto nos serviços domésticos, como
nos urbanos e rurais, dependendo da necessidade de mão-de-obra do mercado.
A economia provincial, no período destacado, permaneceu baseada, principalmente,
na agricultura. Porém, nota-se que a dinâmica econômica da Província e,
especificamente, da região central, tendo a cidade de Vitória e suas adjacências
como palco, era baseada principalmente em duas riquezas, ou seja, na posse de
terras e de escravos. Entretanto pesquisas recentes revelaram que a economia da
cidade de Vitória ia além das plantações tradicionais e envolvia outras atividades
econômicas como os empréstimos, o comércio de secos e molhados e o aluguel de
imóveis e escravos. Nessa dinâmica econômica o escravo representava um papel
fundamental tanto nas propriedades rurais localizadas em torno da cidade de Vitória,
como em sua área central. Assim, é possível entender que o próprio negócio de
aluguel de mão-de-obra tornou-se uma opção econômica para os senhores dessa
região.
Havia negociações de aluguel de escravos, tanto no caso de oferta como de
procura, motivadas pela falta de mão-de-obra escrava ou por necessidades
específicas de cada proprietário, que era levado a procurar por essa alternativa
comercial, quando necessário. No período estudado, a procura por mão-de-obra,
tanto masculina como feminina, apresenta-se em maior número. Precisa-se, em sua
maior parte, de escravos domésticos do sexo feminino e urbanos do sexo masculino.
Vejamos os dados nos gráficos abaixo:
135
Oferta ou Procura
Procura
Count
10
8
6
4
2
0
Tipo de Trabalho
Urbano
Rural
Doméstico
Nada consta
GRÁFICO 7 – SEXO DO ESCRAVO - MASCULINO
Fonte: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo Anúncios de aluguéis de cativos - Periódicos
jornalísticos: Correio da Victoria dos anos de 1849, 1850, 1854, 1855, 1856, 1857, 1858, 1859, 1864,
1869, 1870 e 1871. Os exemplares referentes ao Jornal da Victoria dos anos de 1864, 1867, 1868 e
1869 e os exemplares referentes ao Espírito Santense dos anos de 1870 e 1871.
Oferta ou Procura
ProcuraOferta
Count
40
30
20
10
0
Tipo de Trabalho
Urbano
Rural
Doméstico
Nada consta
GRÁFICO 8 – SEXO DO ESCRAVO - FEMININO
Fonte: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo Anúncios de aluguéis de cativos - Periódicos
jornalísticos: Correio da Victoria dos anos de 1849, 1850, 1854, 1855, 1856, 1857, 1858, 1859, 1864,
1869, 1870 e 1871. Os exemplares referentes ao Jornal da Victoria dos anos de 1864, 1867, 1868 e
1869 e os exemplares referentes ao Espírito Santense dos anos de 1870 e 1871.
136
Incluem-se aos escravos domésticos as crianças, de sexo masculino, que aparecem
como pajens e as amas-de-leite. Existia para o trabalho doméstico a exigência de
escravos de boa saúde, higiênicos, fiéis e de bom comportamento. Percebe-se,
assim, a exigência do enquadramento dos escravos alugados a certo padrão de
higiene e de comportamento moral, dentro do modelo social do período. Era exigida
aos escravos, pelos seus contratadores temporários, dentre outras qualidades
morais, principalmente, a fidelidade.
Notemos que aos escravos domésticos eram exigidas várias aptidões como a
agilidade para a feitura de rendas e doces e os cativos que desenvolviam atividades
mais especializadas, geralmente, exerciam mais de uma profissão e também
trabalhavam na agricultura. Aparece a utilização do aluguel de mão-de-obra escrava
pelo governo da Província em construções de porte como na abertura de estradas e
pelo poder municipal em serviços mais comuns como na iluminação das ruas e na
limpeza pública da cidade. Na obras particulares como as construções de
residências também se utilizavam a mão-de-obra escrava alugada.
Cabe, finalmente, atentar para uma questão fundamental. Naqueles anúncios em
que se necessitava alugar um escravo para os vários serviços demonstrados acima
(urbanos, domésticos e rurais), isto é, nos anúncios de “Precisa-se alugar...”,
observamos a preferência, em vários casos, por pessoas livres. Verifiquemos os
gráficos abaixo:
137
Sexo do Escravo
MasculinoFeminino
Count
20
18
16
14
12
10
Oferta ou Procura
Oferta
Procura
GRÁFICO 9 – MÃO-DE-OBRA: ESCRAVO
Fonte: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo Anúncios de aluguéis de cativos - Periódicos
jornalísticos: Correio da Victoria dos anos de 1849, 1850, 1854, 1855, 1856, 1857, 1858, 1859, 1864,
1869, 1870 e 1871. Os exemplares referentes ao Jornal da Victoria dos anos de 1864, 1867, 1868 e
1869 e os exemplares referentes ao Espírito Santense dos anos de 1870 e 1871.
Sexo do Escravo
MasculinoFeminino
Count
14
12
10
8
6
4
2
0
Oferta ou Procura
Oferta
Procura
GRÁFICO 10 – MÃO-DE-OBRA: LIVRE OU ESCRAVO
Fonte: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo Anúncios de aluguéis de cativos - Periódicos
jornalísticos: Correio da Victoria dos anos de 1849, 1850, 1854, 1855, 1856, 1857, 1858, 1859, 1864,
138
1869, 1870 e 1871. Os exemplares referentes ao Jornal da Victoria dos anos de 1864, 1867, 1868 e
1869 e os exemplares referentes ao Espírito Santense dos anos de 1870 e 1871.
Pode-se, dessa forma, atentar para a existência de uma camada populacional livre e
pobre que desempenhava os mesmos ofícios exercidos também pelos cativos no
mercado de aluguel de mão-de-obra. Essa característica não fazia parte apenas da
cidade de Vitória e suas adjacências. Em Curitiba, no Paraná, segundo Graf
238
, os
“alugados” podiam ser livres ou escravos, também predominava a demanda pelo
sexo feminino para ocupações domésticas.
A explicação para a configuração de um mercado de aluguel de mão-de-obra não
exclusivamente escravo, na cidade de Vitória e seus arredores, pode estar calcada
no fato de que, no período de 1800 a 1830, Vitória contou com uma população
cativa que permaneceu entre os marcos de 32% e 70% da população total da
região.
239
A população composta por negros libertos, pardos, mulatos e mestiços,
sempre representou a maior parte dos indivíduos. No ano de 1872 de um total de
30.266 habitantes somente 7.349 foram designados como brancos enquanto 15.720
indivíduos eram livres e miscigenados, ou seja, 68,59% do total populacional da
região (ver tabela 15 acima).
Cabe destacar, por outro lado, a participação dos imigrantes na formação dessa
população da Província do Espírito Santo e, consequentemente, dessa população
pobre que precisava trabalhar. É a partir da instalação da colônia da Santa Izabel
em 1847, com a vinda de 140 suíços e 222 alemães, que a imigração no Espírito
Santo toma maior impulso. A população imigrada, de diversas formas, se relacionou
com a população livre e com os escravos na cidade de Vitória. Esse fato é
corroborado por um estudo sobre sociabilidades no cotidiano da população
capixaba, de Geraldo Antônio Soares
240
, que na segunda metade do século
dezenove, observou a existência de imigrantes de várias nacionalidades como
espanhóis e italianos, trabalhando na área mais urbanizada da cidade, nas
profissões de negociantes, carroceiros, marinheiros e em outras ocupações
diversas. Eis, então, que, possivelmente, essa população imigrada, que necessitava
238
GRAF, Márcia Elisa de Campos. História social do trópico brasileiro: o escravo no cotidiano:
através dos anúncios de jornais paranaenses. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE TROPICOLOGIA,
1., 1986, Recife. Anais... Recife: FUNDAJ/Massangana, 1987, p. 117-122.
239
MERLO, 2003, p. 23 a 40.
240
SOARES, Geraldo Antonio. Cotidiano, sociabilidade e conflito em Vitória no final do século XIX. In:
Dimensões - Revista de História da UFES, Vitória: UFES/CCHN, n°16, 2004.
139
trabalhar, desempenhava os mesmos ofícios exercidos pela população mestiça livre
pobre e pelos escravos.
Por fim, dentre esses grupos sociais menos favorecidos economicamente, nos quais
havia também brancos, provavelmente, formou-se um contingente de mão-de-obra
heterogênea e pobre, porém livre, que necessitava de trabalho. Essa parcela da
população, vivendo em condições materiais bastante parecidas com a dos escravos,
exercia as mesmas ocupações oferecidas à escravaria e era também “alugada” para
os fins citados.
4.4 TRANSGRESSÃO E PROTEÇÃO
Justino, escravo de Dona Maria, viúva de João Alves de Oliveira, escravo ganhador,
morador da Cidade de Vitória. Com idade de 30 anos, pouco mais ou menos, era
solteiro e filho legítimo de Manoel e Martinha, escravos de José Pires. No ano de
1868, Justino foi tima de uma tentativa de assassinato por parte do oficial de
justiça Benedito de Souza Cardeal, também morador da Cidade de Vitória. Em seu
auto de perguntas Justino relata que naquela tarde havia se dirigido à casa de
Leonides José de Almeida com o propósito de apanhar uma carta para seu irmão,
morador da Pedra da Mulata. Encontrou Leonides jantando em companhia de outras
pessoas, inclusive do réu Benedito. O dono da casa lhe ofereceu um copo de vinho
e o jantar. Justino aceitou o convite e com o copo de vinho e o prato de comida
sentou-se na mesa para comer. Ao beber o vinho Justino alegou em seu depoimento
que “o reo presente lhe dirigio insultos promettendo fazer-lhe conhecer o seu lugar
de escravo facto este que foi observado pelo dono da casa Leonides(...)”
241
.
Leonides José de Almeida era um tipógrafo de 25 anos de idade, solteiro e morador
de Vitória. Em seu depoimento descreveu um diálogo entre Justino e o réu Benedito
inexistente nas declarações de Justino “e tendo bebido encostou-se a uma das
portas da casa onde cospiu, a isso o reo presente pedio uma vassoura para limpar o
cuspe desse negro”, respondendo Justino que “se era escravo era de sua senhora
que quanto a cor erão iguais(...)”
242
. Outra testemunha, Maria Fernanda das Dores,
241
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, Auto criminal de Tentativa de homicídio, 1868,
acusado: Justino, escravo de João Alves de Oliveira, vítima: Benedito Souza Cardeal, p.7.
242
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, Auto criminal de Tentativa de homicídio, 1868,
acusado: Justino, escravo de João Alves de Oliveira, vítima: Benedito Souza Cardeal, p. 9.
140
de 25 anos, solteira e costureira, descreveu o mesmo diálogo do seguinte modo
“encostando-se a uma das portas da casa teve de cuspir no chão: a isto o reo
presente dissera seo negro não cuspa no chão” e Justino respondera “que se era
negro era de sua senhora e que negro por negro também o reo era negro(...)”
243
.
Após esses acontecimentos, depois de ter se retirado da casa de Leonides, Justino
sofreu a tentativa de assassinato por parte de Benedito. Observa-se neste auto
criminal que os indivíduos envolvidos, um escravo e o outro livre, freqüentavam os
mesmos espaços sociais, mantinham relações pessoais em comum e eram negros.
Ser designado e comparado a um negro por um escravo, numa sociedade em que a
designação de “negro remetia à condição de cativo, pareceu ser o estopim da
discórdia por parte de Benedito que além de livre era um oficial de justiça. Por outro
lado, Justino pareceu estar bem ciente tanto das diferenças impostas pela sociedade
em que vivia, quanto da igualdade proporcionada pela cor entre ele e Benedito.
O caso do escravo Justino alerta para essas e outras nuances dessa complexidade
social, ou seja, o reconhecimento da condição de escravo pelo próprio cativo e o
vínculo que esse alega ter apenas com sua proprietária, pois “se era escravo era de
sua senhora [...]”
244
. Justino reconhece sua condição escrava, porém, apenas sua
senhora poderia agir para com ele com autoridade de proprietária. Esse elo,
existente entre Justino e sua senhora torna compreensível os pactos de proteção
entre senhores e cativos e as possíveis dissensões observadas entre os mesmos.
Assim, para uma melhor elucidação dessas nuances apresentamos mais três autos
criminais ocorridos no espaço mais urbanizado da cidade de Vitória, dois de furto e
um de furto e receptação.
O primeiro auto criminal de furto tem como réu o escravo Bernardo de propriedade
de Antonio Ferreira da Rocha. O crime ocorreu em Vitória, o escravo foi acusado de
furtar café de um paiol localizado no armazém de gêneros pertencente a Manoel
Pinto Aleixo e Martins, no ano de 1854. Assim foram qualificados o processo e o
auto de perguntas, respectivamente:
243
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, Auto criminal de Tentativa de homicídio, 1868,
acusado: Justino, escravo de João Alves de Oliveira, vítima: Benedito Souza Cardeal, p. 12.
244
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Tentativa de homicídio, 1868.
Acusado: Justino, escravo de João Alves de Oliveira. Vítima: Benedito Souza Cardeal, p. 9.
141
[...]o subdelegado fez as perguntas seguintes como se chama, de onde é
natural, onde reside e escravo de quem é. Respondeu chamar se Bernardo
natural desta cidade e nela res... digo residir[...] respondeu que poucos dias
antes da festa de Santa Catarina tendo saído de casa de seu senhor de
manha para ir para o ganho[...]
245
[...] Em que te ocupas? Respondeu que anda ao ganho. Aqui na cidade, ou
fora dela? Respondeu que umas vezes na cidade, e outras fora dela [...].
246
Percebemos que o escravo Bernardo não possui um ofício determinado, tendo
respondido em seu auto de perguntas que “anda ao ganho”, tanto na região da
cidade, como fora da mesma. Trata-se de um típico escravo ganhador, sem
ocupação específica, saindo da casa de seu senhor, diariamente, sem rumo, em
busca de alguma remuneração.
O furto foi realizado por um buraco feito no fundo do paiol de café. Segundo o Corpo
de delito efetuado no local do furto, o mesmo ocorria há algum tempo, e haviam sido
furtadas vinte e quatro arrobas de café, somando um prejuízo total de 96 mil reis.
Um marinheiro, judeu, chamado Domingos Jose Sevino, amigo de Bernardo, foi
acusado de ser cúmplice no crime. O escravo vendeu o café a duas pessoas da
cidade que foram chamadas para prestar depoimentos. Ao vender o produto furtado
o escravo afirmava que o café havia sido mandado da roça pelo seu pai para ser
vendido ou, em outras ocasiões, que o café pertencia a Domingos Jose Sevino. O
escravo possuía pai, e e irmão, também escravos. Cabe destacar as relações
estreitas que o escravo mantinha com indivíduos pertencentes a outros grupos
sociais, tanto na efetivação do furto, quanto na venda do café, sendo Domingos e os
compradores do produto furtado, homens livres.
Outro ponto importante nesse auto criminal foi a desistência da ação por parte de
Manoel Pinto Aleixo, proprietário do paiol de café. Veja o depoimento de Bernardo:
[...] Sabes por que razão Manoel Pinto Aleixo desistiu da ação criminal contra ti?
Respondeu que não sabe. Não sabes que ele fizesse algum conchavo com seu
senhor? Respondeu que não.
247
245
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Furto, 1854. Acusado: Bernardo:
escravo de Antonio Ferreira da Rocha. Vítima: Manoel Pinto Aleixo e Martins, p. s/n.
246
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Furto, 1854. Acusado: Bernardo:
escravo de Antonio Ferreira da Rocha. Vítima: Manoel Pinto Aleixo e Martins, p. 6.
247
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Furto, 1854. Acusado: Bernardo:
escravo de Antonio Ferreira da Rocha. Vítima: Manoel Pinto Aleixo e Martins, p. 30.
142
Então, o proprietário de Bernardo era suspeito de fazer acordos com a vítima do
roubo, o dono do paiol de café, para libertar Bernardo sem grandes conseqüências.
Cabe inferir, primeiramente, que a remuneração recebida pelo escravo ganhador,
em alguns casos, representava a única fonte de cuja exploração seu senhor retirava
seus rendimentos. Assim sendo, a prisão do escravo não era interessante para seu
senhor que procurava alternativas, como negociações com as vítimas dos crimes,
para livrar seu escravo e, assim, disponibilizá-lo para o trabalho.
No segundo auto criminal de furto, ocorrido no ano de 1854, na cidade de Vitória, um
escravo chamado Marcollino, sapateiro, é acusado de arrombar e furtar
aproximadamente 500 mil reis em uma venda de propriedade de Antonio Luiz do
Nascimento. Um forro chamado Simeão, marceneiro, também foi acusado do delito.
Vejamos o depoimento do forro Simeão:
Respondeu chamar-se Simião de Amorim de idade de vinte e dois anos filho
de uma escrava de Ignacia Correia de Amorim Pinta, estado solteiro e
natural desta mesma cidade ocupar-se no oficio de marceneiro, sabe ler e
escrever.
248
Simeão possuía uma tenda na cidade, onde trabalhava. Apesar de ser forro, Simeão
mantinha uma ligação estreita com sua ex-senhora. Mantinha, da mesma forma,
relações com o caixeiro da venda furtada, advindo desse fato a desconfiança da
participação de Simeão no crime. Observemos o depoimento de José Dias de
Sousa:
Foi perguntado se era costume Simeão achar-se sempre na venda de
Antonio Luis e se o caixeiro tinha liberdade com ele, disse que sabe por ver
que algumas vezes dirigindo-se ele a casa, digo a venda de Antonio Luís
achava Simeão e pelos modos que o caixeiro a ele se dirigia parecia
haver muita liberdade[...]nunca o viu do balcão para dentro[...]
249
Logo após o furto, o ex-escravo foi visto pagando dívidas e comprando objetos como
roupas de luxo, chapéu e uma flauta.
Marcollino, como Simeão, trabalhava em uma tenda na cidade, e freqüentava a
venda de Antonio Luis. Vejamos o depoimento de Marcollino:
[...] foi-lhe perguntado se era de costume ele freqüentar a venda de Antonio
Luis, respondeu que ia por ocasiões de comprar alguma coisa e que
248
Arquivo blico do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Furto, 1854. Acusado: Marcollino,
escravo de Vitória Pereira de Jesus e Simeão de Amorim. Vítima: Antonio Luiz do Nascimento, p. s/n.
249
Arquivo blico do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Furto, 1854. Acusado: Marcollino,
escravo de Vitória Pereira de Jesus e Simeão de Amorim. Vítima: Antonio Luiz do Nascimento, p. 14.
143
algumas vezes parava quando achava na dita venda com quem conversar
[...] mais que esta conversa demorava meia hora pouco mais ou menos [...]
foi lhe mais perguntado a que horas do dia e o lugar que foi preso,
respondeu que seria duas horas do dia de uma quinta feira em que foi feita
sua prisão tendo esta lugar na tenda onde trabalhava [...]
250
A despeito de ser escravo, o ofício de sapateiro desenvolvido no meio urbano por
Marcollino, possibilitava ao escravo manter relações com vários moradores da
cidade e freqüentar lugares públicos em horários noturnos.
Como indicou o primeiro auto criminal apresentado, também nesse caso houve
intervenção de terceiros para a absolvição dos réus. A ex-senhora de Simeão entrou
em negociações com a vítima do furto para que esse fosse absolvido da culpa,
demonstrando a manutenção de fortes vínculos entre Simeão e sua ex-senhora.
Observemos o depoimento de Ignácio Pereira de Jesus:
[...] foi-lhe perguntado se sabia se a senhora de Simeão havia digo, a
senhora que foi do Simeão tinha feito algum trato particular com a Antonio
Luis para indenizá-lo do prejuízo para ele Antonio Luis não proceder contra
Simeão respondeu que sabe por ouvir dizer que tudo isto se deu e que
também sabe por ouvir dizer que Antonio Luis se achava embolsado da
importância do roubo [...]
251
Cabe destacar que o forro Simeão era um ex-escravo crioulo, de vinte e dois anos,
que sabia ler e escrever.
Acompanhe o terceiro processo de furto e receptação, neste caso, de diversas
mercadorias, no valor de 429 mil e 166 reis, ocorrido em Vitória, no armazém de
propriedade de Manuel Pinto Netto, no ano de 1855. Vejamos os autos de perguntas
do réu escravo Claudino, pertencente ao Coronel Gonsalo Pereira Sampaio e de
Domingos, escravo do Major Francisco de Paula Xavier:
[...] Como se chama. Respondeu que chama-se Claudino - Que oficio tem?
Respondeu que o de sapateiro. Com quem trabalha? Respondeu que com o
mestre José da costa, a quem o entregou seu senhor, Gonçalo Pereira
Sampaio [...]
252
250
Arquivo blico do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Furto, 1854. Acusado: Marcollino,
escravo de Vitória Pereira de Jesus e Simeão de Amorim. Vítima: Antonio Luiz do Nascimento, p. 11.
251
Arquivo blico do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Furto, 1854. Acusado: Marcollino,
escravo de Vitória Pereira de Jesus e Simeão de Amorim. Vítima: Antonio Luiz do Nascimento, p. 19.
252
Arquivo blico do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Furto e Receptação, 1855.
Acusado: Claudino: escravo do Coronel Gonçallo Pereira Sampaio e Domingos escravo do Major
Francisco de Paula Xavier. Vítima: Manoel Pinto Netto, p. 5.
144
[...] Respondeu que chama-se Domingos, escravo do Major Paula, e
ocupar-se do oficio de sapateiro, na tenda de José Joaquim da Costa[...]
253
Os dois escravos envolvidos no crime eram sapateiros e trabalhavam na companhia
do mesmo mestre, José Joaquim da costa. Observemos o depoimento do escravo
Claudino:
[...] trabalha a jornal? Respondeu que sim - De quem é esse jornal?
Respondeu que de seu senhor. Você tem dias de trabalho para si?
Respondeu, que tem sábado e domingo, e alem disto seu senhor lhe
roupa, assim como comida [...]
254
Apesar de Claudino ser um escravo especializado e trabalhar na companhia de um
mestre de ofício, seu ganho era a jornal. Recebia folga nos dias de sábado e
domingo para conseguir remuneração para si, e, assim, satisfazer algumas de suas
necessidades materiais, além de receber comida e roupas de seu senhor. Vejamos
o depoimento do escravo Domingos:
[...] Estás a jornal? Respondeu que o que faz entrega a seu senhor. Tem
algum dia da semana para si: Respondeu que tem sábado e domingo. Em
que loja trabalhas? Respondeu que na do Jose Joaquim da Costa. Compras
couro e o que é preciso para as obras? Respondeu que o mestre é quem
dá. Então de que o mestre dá, é que tiras para seu senhor? Respondeu que
sim.
[...] tu alimentas-te, e veste-te a tua custas? Respondeu que alimenta-se a
custa de seu senhor; e veste-se a custa dele interrogado e também de seu
senhor [...]
255
Do mesmo modo, o escravo Domingos trabalhava a jornal. O escravo recebia a
remuneração de seu mestre e a repassava integralmente para seu senhor. Obtinha
os dias de sábado e domingo para si e o fornecimento de comida e roupa.
As informações do auto criminal não deixam claro se os escravos Claudino e
Domingos recebiam de seus senhores alguma gratificação retirada do ganho diário
de seus ofícios. Contudo, o escravo Claudino mantinha dívidas com um alfaiate que
giravam em torno de 12 mil reis. Observemos o depoimento de Claudino:
253
Arquivo blico do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Furto e Receptação, 1855.
Acusado: Claudino: escravo do Coronel Gonçallo Pereira Sampaio e Domingos escravo do Major
Francisco de Paula Xavier. Vítima: Manoel Pinto Netto,, p. 9.
254
Arquivo blico do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Furto e Receptação, 1855.
Acusado: Claudino: escravo do Coronel Gonçallo Pereira Sampaio e Domingos escravo do Major
Francisco de Paula Xavier. Vítima: Manoel Pinto Netto,, p. 5-8.
255
Arquivo blico do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Furto e Receptação, 1855.
Acusado: Claudino: escravo do Coronel Gonçallo Pereira Sampaio e Domingos escravo do Major
Francisco de Paula Xavier. Vítima: Manoel Pinto Netto,, p. 54.
145
Com tão pequeno trabalho, como seja o do sábado e domingo pode se
andar tão limpo como anda? Respondeu que seu senhor quer que ele ande
limpo; e que em casa do dito Bernardino tem uma conta de roupa, que
tem comprado, o que ainda deve; e a qual de importar tais a dose mil
reis[...]
256
As mercadorias roubadas foram vendidas a dois receptadores, homens livres,
chamados José Dias de Souza e Manoel Joaquim Gomes.
Neste auto criminal como nos outros dois relatados acima, constata-se a
interferência dos senhores dos escravos no resultado do processo. O escravo
Domingos foi absolvido e retirou-se a queixa contra o escravo Claudino. Houve baixa
na culpa dos dois receptadores. Observemos a apelação aos jurados em nome do
proprietário do escravo Domingos:
Senhores jurados
[...] com a prisão deste seu escravo, cujo jornal ajudava a satisfazer a
pequena despesa diária para manutenção de sua família; é, sim, Senhores,
desta forma que se quer empurrar para o tumulo um velho, cujo viver tem
sido sempre respeitado por todos destas e de outras Províncias, que com
ele tiveram relações.
257
Portanto, utilizou-se como justificativa para a absolvição do cativo a sua importância
fundamental para a manutenção da família de seu senhor.
Analisando as características do trabalho escravo nos espaços mais urbanizados da
Cidade de vitória e comparando os três autos criminais demonstrados, constata-se
que o primeiro faz referência a um típico escravo “ao ganho”, sem profissão
específica, sendo ele próprio responsável em conseguir seus clientes e suas tarefas.
Os dois autos criminais posteriores revelam o trabalho especializado de escravos no
qual, provavelmente, houve a interferência do senhor na especialização dos
escravos e na obtenção de um local para eles exercerem o seu ofício. Esses
escravos especializados recebiam ganhos diários, repassando o valor integral para
seus senhores, sem receberem gratificação. Não se pode afirmar, com clareza,
como se estabelecia a relação de trabalho e nem de remuneração entre esses
senhores e seus escravos. Parece que não havia gratificação para os cativos, sendo
256
Arquivo blico do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Furto e Receptação, 1855.
Acusado: Claudino: escravo do Coronel Gonçallo Pereira Sampaio e Domingos escravo do Major
Francisco de Paula Xavier. Vítima: Manoel Pinto Netto,, p. 5.
257
Arquivo blico do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Furto e Receptação, 1855.
Acusado: Claudino: escravo do Coronel Gonçallo Pereira Sampaio e Domingos escravo do Major
Francisco de Paula Xavier. Vítima: Manoel Pinto Netto,, p. 62.
146
que esses recebiam comida e roupa, revertendo seus ganhos para seu senhor, e
dispunham do sábado e domingo para angariar seu próprio sustento. Esses
escravos eram trabalhadores mais especializados, mas que recebiam pagamento
diário, como o escravo ao “ganho” e contavam com a intervenção de seus senhores
na relação com seus clientes, isto é, os donos do negócio em que o escravo atuava.
Não foi possível determinar a relação comercial entre os senhores desses escravos
e os proprietários dos negócios. Não foi possível também determinar se o escravo
havia sido alugado para o dono do negócio em que exercia a ocupação ou se existia
uma relação de amizade entre esses indivíduos que possibilitava a atuação dos
cativos nos estabelecimentos. Assim, torna-se difícil determinar se esses escravos
eram alugados ou se eram “ao ganho”, apesar de uma maior especialização e de um
local específico de trabalho, considerando que um escravo alugado pressupõe um
contrato de aluguel, mesmo oral, entre seu senhor e um cliente interessado no ofício
do cativo.
Outra face da atuação do senhor em relação ao trabalho e à vida cotidiana de seu
cativo, contudo, ficou claramente exposta nesses autos criminais, isto é, sua
interferência para mantê-los longe das punições decorrentes do julgamento da
justiça do período, diante dos crimes cometidos por eles. Pode-se analisar, assim, o
caso do forro Simeão. O pagamento de dívidas, com o dinheiro do furto, fato citado
em um dos autos criminais relatados acima, revela que havia, por parte desses
escravos, preferencialmente, a busca da simples manutenção de suas necessidades
básicas com o produto dos crimes. Tratava-se da satisfação de desejos mais
imediatos. Mesmo sob o ponto de vista econômico, a compra da liberdade poderia
parecer longínqua, pois, como discutido, os cativos revertiam os ganhos
angariados cotidianamente para seus senhores, ficando apenas com o que
conseguiam arrecadar aos sábados e domingos. Todavia, apesar de quase
impossível, a liberdade foi conquistada pelo forro Simeão, possivelmente, por ser um
escravo especializado e trabalhar na área urbana da Cidade, podendo, assim,
arrecadar o suficiente para comprar sua liberdade, ou por possuir algum outro tipo
de ligação com sua ex-senhora (apesar de não ser possível detectar, por meio da
fonte analisada, como se dava essa relação). De qualquer forma, é incontestável a
dependência existente entre os dois, visto que sua ex-senhora concedeu-lhe a
147
liberdade e depois fez conchavos para livrá-lo da prisão. E mesmo após alforriar
Simeão, provavelmente, ainda vivia da arrecadação do ofício dele.
Essa atitude, dos proprietários, de tentar impedir a prisão dos cativos, ficou bem
definida nos três autos criminais apresentados. Esse fato leva a crer que apesar de
não se saber qual o valor específico arrecadado pelos escravos em seus ganhos
diários, essa quantia era extremamente importante para seus senhores. Cabe ainda
atentar para a dependência configurada nessa relação de trabalho, tanto entre o
senhor, que dependia economicamente do escravo, quanto do escravo, que
necessita do apoio de seu senhor em ocasiões de dissensões e conflitos com a
justiça, como as demonstradas nesses autos criminais dos cativos trabalhadores do
meio urbano de Vitória e seu envolvimento com a prática de furtos.
A análise do trabalho escravo no cotidiano da cidade de Vitória revelou a
configuração de redes de relações que envolviam os cativos com outros grupos
sociais desse centro urbano e expôs também a existência de estreitos laços entre
senhores e cativos. Além da liberdade de ir e vir usufruída pelos cativos no seu
cotidiano de trabalho, eles se relacionavam com livres, forros e com outros escravos,
tendo acesso aos mesmos espaços de convivência social frequentados pela
população em geral. As vendas, os comércios e as ruas também pertenciam aos
escravos. A relação entre senhor e escravo, nesse mundo urbano, dependia da
existência de uma proximidade e de um entendimento fundamental, no que
concerne ao cotidiano, às relações sociais e às condições de trabalho entre os
senhores, os grupos sociais menos favorecidos e os escravos. Pode-se deduzir,
além disso, que apesar de haver liberdade de locomoção e de relações sociais para
o cativo, essa rotina de trabalho apresentava nuances diversas e não prescindia de
fortes vínculos econômicos ou afetivos, certamente. Parece que, independente do
tipo de ambiente e do trabalho desenvolvido, o cotidiano expunha o cativo e seu
senhor a situações limites em que o elo ou a desunião entre eles, muito mais que o
tipo de trabalho e de ambiente, tornava-se fundamental para a resolução de conflitos
e dissensões particulares ou com a justiça instituída.
4.5 O DIAMANTE DE MAXIMIANO
Morse, ao comparar os princípios organizadores constitutivos do corpo político da
América Ibérica e Inglesa, destacou a América do Norte como uma nação herdeira
148
do individualismo, do pacto social e do Protestantismo, características legadas pela
Inglaterra. Contrariamente, a colônia brasileira, tributária das tradições Ibéricas,
possuía um estado vinculado à religião católica e uma sociedade orgânica e
hierarquizada.
258
Na Anglo-América, de acordo com Weber & Pierucci
259
, o trabalho
foi incorporado como algo positivo e necessário para a salvação da alma humana. O
autor aborda a influência das religiões protestantes no incentivo ao desenvolvimento
das habilidades humanas e ao acúmulo de riqueza, fatos vistos como uma dádiva
divina. Esses preceitos religiosos, entre outros fatores, teriam possibilitado o
desenvolvimento do Capitalismo na Europa e nos Estados Unidos. Na América
Ibérica, o trabalho estava desvinculado da acumulação de riquezas pelas premissas
da Igreja Católica, e permaneceu ligado aos grupos sociais instalados na base da
hierarquia social. No caso do Brasil o trabalho foi intimamente associado à
escravidão negra, sendo visto de forma negativa. Porém, Mattos
260
aponta para uma
possível mudança nessa visão trabalhista, ocorrida no final do século XIX, que
atingiu livres e escravos.
na segunda metade do século XIX, consoante Hebe Maria Mattos
261
, foi possível
perceber alterações nas condições sociais mantenedoras do exercício do padrão
cultural, citado por Guedes. Conforme a autora, os não-brancos, geralmente
remetidos à condição de escravos, deixaram de ser percebidos como exceções
controladas devido ao aumento da ocorrência de compras de alforrias. Por outro
lado, a grande abrangência que prevalecia no padrão de posse dos cativos foi
revertida e houve aumento no número de brancos empobrecidos. Fatores
decorrentes da proibição do tráfico atlântico e do conseqüente aumento do preço
dos cativos.
A autora concluiu que a valorização da autonomia passou a ser um elemento básico
para se definir o sentido de liberdade “um sentido de liberdade alternativo à
aspiração senhorial e de uma ética do trabalho dissociada do estigma do cativeiro”
258
MORSE, Richard Mcgee. 1922. O espelho de Próspero: cultura e idéias nas Américas / Richard
M. Morse; tradução Paulo Neves. – São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
259
WEBER, Max & PIERUCCI, Antônio Flávio. A ética protestante e o "espírito" do capitalismo.
São Paulo: Cia. das Letras, 2004.
260
MATTOS, 1998.
261
MATTOS, 1998, Ibid. p.93 a 104.
149
262
. Contudo, não se deve esquecer que para a vida dos cativos o significado do
trabalho e dos prováveis espaços de liberdade conquistados por eles poderiam estar
muito longe dos ideais de produção econômica mantidos pelo Império e de
ascensão social dos cidadãos livres e proprietários da época. Sidney Chalhoub
263
demonstra, em seu estudo sobre a escravidão no Rio de Janeiro, a construção
cotidiana de várias visões de liberdade comuns à percepção de escravos, libertos e
mesmo senhores. O autor cita o exemplo da escrava Cristina, que alforriada
condicionalmente, usufruía de uma liberdade associada pela cativa ao “viver sobre
si”, ou seja, vivia , de seu próprio sustento e em separado de sua senhora, sem
pagar jornais e sem dar conta de sua vida a ninguém, a não ser quando requisitada
pela senhora.
Cabe esclarecer que não se quer afirmar que os escravos reconheciam o trabalho
como um caminho para a obtenção de ascensão social como no sentido moderno,
no entanto o fato de poder “viver sobre si” criava visões e lutas reais por uma
liberdade designada como “a possibilidade de escolher a quem servir ou de escolher
não servir a ninguém
264
. Ao contrário da conquista de acumulação econômica e
ascensão social do mundo moderno, a motivação para o trabalho poderia advir do
fato de esse ser um caminho plausível para a manutenção desses “espaços de
liberdade” e, provavelmente, para a compra da alforria. A liberdade poderia parecer
mais próxima para um cativo que labutava em sua pequena lavoura vendendo o
excedente de sua produção e para aquele que trabalhava ao ganho ou alugado,
podendo amealhar economias deduzidas dos pagamentos aos seus senhores.
Têm-se, assim, o entrelaçamento de dois pontos fundamentais relacionados ao dia-
a-dia do cativo, ou seja, o trabalho e a liberdade. E como tantas outras questões
ligadas à escravidão africana essa também não deixa de ser contraditória. Havia a
possibilidade de o escravo conquistar a liberdade por meio do trabalho, que também
o escravizava.
Para observar mais de perto esse cotidiano de trabalho dos escravos e a busca da
liberdade, limitada ou não, cumpre acompanhar os “passos” de uma cativa chamada
262
MATTOS, 1998, Ibid. p.103.
263
CHALHOUB, 1990, p.114.
264
CHALHOUB, 1990, p. 80.
150
Claudina, pertencente a Anna Maria da Conceição. No ano de 1866 Claudina foi
acusada em um auto criminal de insultar a vítima, Liberato Francisco Pinto da
Victoria, denominando-o de ladrão. O depoimento de Liberato Francisco Pinto da
Victoria é este:
Diz Liberato Francisco Pinto da Victoria, morador em Taiobaia Distrito do
Queimado, que estando ele manso, e pacífico ora em sua casa, ora em seu
serviço, e assim tendo sido já muitas vezes agredido verbalmente por
Claudina escrava de d. Anna de tal moradora também em Taiobaia,
acontece que dentre as descomposturas proferiu ao supp. o nome de
ladrão. Ora, Illmo Srn”, como semelhante procedimento, é reprovado, e
consta as deposições do art.236, S 2º do Cod. Crim. Chamar qualquer
individuo de ladrão, muito mais uma escrava chamar a um homem livre.
[...].
265
Claudina Maria da Conceição, apesar de ser tida como escrava na abertura do
processo comprou sua alforria por quinhentos mil réis nove dias antes do início do
mesmo. A ré afirmava ser costureira, trabalhar com café e com fianças.
Por meio da análise do auto criminal foi possível perceber que Claudina possuía um
protetor livre, chamado Jose de Barcellos Machado. A motivação que levou à
abertura do processo extrapolava uma simples queixa de injúria, o real motivo do
conflito era uma disputa por posse de terras, existente entre o irmão de Claudina,
também protegido por Jose de Barcellos Machado e o próprio Jose de Barcellos
Machado contra Liberato, autor do processo, e Jovino, irmão de Liberato. Sendo que
a própria Claudina trabalhava nessas terras. Deve-se ressaltar que o autor Liberato
Francisco Pinto da Victoria tratava-se de um forro. Observemos a defesa
apresentada a favor da ex-escrava Claudina:
É público e notoriamente sabido que entre Jovino, Liberato e José de
Barcellos, e João Barbosa; tem corrido questões no juizo de Paz, deste
distrito havendo ate uma sentença no mesmo juizo, a qual julgou Liberato, e
seu irmão Jovino senhor de parte de um terreno, e cafés, sendo este
somente os que foram plantados por Francisco de tal conhecido por
Francisco França sendo o mesmo terreno e mais cafés pertencentes a José
de Barcellos Machado, e hoje esta parte de Jose de Barcellos Machado
pertence a João Barbosa, o primeiro carregão da Claudina, e o segundo
seu irmão. O irmão do autor querendo sem título algum chamar-se ao
domínio do terreno e cafés, de João Barbosa, foi ao dito cafezal e extorquiu
toda plantação do mesmo João Barbosa (...)
266
265
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Injúria, 1866. Acusada: Claudina
Maria da Conceição. Vítima: Liberato Francisco Pinto da Victoria, p. 2.
266
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Injúria, 1866. Acusada: Claudina
Maria da Conceição. Vítima: Liberato Francisco Pinto da Victoria, p. 5.
151
Pode-se, então, destacar pontos importantes clarificados por esse processo, como a
presença de relações familiares fortes entre os escravos, relações conflituosas entre
escravos e forros motivadas pelo fator econômico, relações de escravos com
homens livres, o acesso desses grupos sociais menos favorecidos à posse de bens
móveis e imóveis e a maneira como este acesso é possibilitado. Nesse caso,
vislumbra-se a relação amorosa de Claudina com o seu protetor Jose de Barcellos
Machado como um dos caminhos possíveis à ascensão das cativas, pelo menos
econômica, na sociedade capixaba oitocentista. Por outro lado, Claudina trabalhava
na plantação de café, atuava como costureira e ainda emprestava dinheiro a juros. O
trabalho diário fazia parte do cotidiano da escrava que, provavelmente, vislumbrava,
também por meio dele, a esperança de um futuro melhor. Outro ponto tornou-se
esclarecedor nesse processo, o fato de Claudina ter comprado sua liberdade nove
dias antes da abertura do processo. No depoimento prestado em seu auto criminal,
ao ser indagada sobre a compra de sua alforria a escrava declarou que a havia
comprado antes do início do dito processo porque não queria passar pela
humilhação de ser chicoteada. Pareceu que a liberdade oficial não fazia falta para
Claudina até o momento em que seria tratada efetivamente como uma escrava.
Da mesma forma, outro auto criminal do ano de 1856 demonstra o dia-a-dia de um
escravo chamado Eleutério, propriedade de Joanna Maria de Jesus, acusado de
assassinar Francisco dos Santos Fraga. Eleutério era um cativo solteiro, de trinta e
cinco anos. Em seu depoimento afirmou que morava no sítio de sua senhora, em
Cariacica, e trabalhava de carpinteiro, algumas vezes no próprio sítio ou na casa de
terceiros onde prestava seus serviços. A primeira testemunha ouvida foi Jose
Joaquim Pereira Lima, lavrador, casado e morador do mesmo local onde ocorreu o
assassinato. Joaquim Pereira Lima afirmou que Eleutério havia assassinado
Francisco dos Santos Fraga após uma discussão motivada pelo fato de Eleutério ter
passado em frente da casa da tima e não ter tirado o chapéu. Uma das partes do
diálogo ocorrido entre o réu e a vítima e relatado pela testemunha foi a seguinte:
=Seu filho da puta, você passa por branco e não tira o chapéu? Respondeu
Eleutério que filho da puta era ele Fraga, que ele não havia de tirar o
chapéu às portas: Tornou-lhe Fraga: espera filho da puta que te dou a
resposta; e lançando mão de um gramarim avançou sobre Eleutério, que
152
ia em distancia talvez de sessenta passos e começou a atirar-lhe
porretadas, (...)
267
No decorrer da discussão e do ataque de Fraga ao escravo o chapéu de Eleutério
caiu no chão, dizendo o escravo ao dito Fraga:
- meu senhor se a duvida de vossa mercê comigo é por causa do chapéu,
ele ali está no chão: á estas palavras respondeu Fraga então você já
conhece que negro tira chapéu aos brancos; Eleutério disse que
conhecia: perguntou finalmente se Eleutério sabia que ele Fraga o podia
comprar? Eleutério disse que sabia. Dada essa resposta Fraga mandou que
Eleutério pegasse o chapéu: respondeu Eleutério que visto isso o chapéu
ficava no chão, e ele retirava-se, e seguiu de fato, e fraga tornou para trás;
vendo Eleutério que Fraga tinha dado as costas, voltou para apanhar o
chapéu, mas como Fraga pudesse ver que Eleutério voltava, partiu sobre
ele, e deu-lhe uma porretada, e as segundas disparou-lhe Eleutério a
espingarda empregando-lhe a carga de chumbo sobre a última costela do
lado direito.
268
Eleutério foi reconhecido, ao final do auto criminal, como o autor do assassinato,
mas foi absolvido por ter sido “violentado por força ou por medo irresistível”
269
.
Pode-se observar no relato da testemunha que o escravo Eleutério possuía um alto
grau de autonomia, tanto social, espacial e de comportamento diante da sociedade
na qual estava inserido. Era oficial de carpinteiro, possuía total liberdade de
movimentação, usava uma indumentária que não o diferenciava de um indivíduo
branco e andava armado pelas ruas onde transitava, durante o dia e à noite, mesmo
estando longe de sua residência. Vivia como um livre em tantos aspectos que a
vítima, Francisco dos Santos Fraga, acreditou ser necessário lembrá-lo de sua
condição de escravo. Outra testemunha afirmou que a rixa entre Eleutério e Fraga
dava-se por causa de mulheres. Outro ponto esclarecedor desse cotidiano de
Eleutério, ou seja, um escravo que disputava mulheres com um branco.
Provavelmente, para Eleutério e Claudina, o fato de “viverem sobre si” dava-lhes
uma sensação de liberdade cotidiana permitindo que vivessem como livres.
Entretanto, em ocasiões limite, onde conflitos e dissensões ocorriam, a primeira
forma de repreender os escravos era lembrando-lhes da escravidão à qual eram
submetidos. Possivelmente, foi por causa de apenas possuir uma liberdade limitada
267
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Assassinato, 1856. Acusado:
Eleutério, escravo de Joana Maria de Jesus. Vítima: Francisco dos Santos Fraga, p.18.
268
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Assassinato, 1856. Acusado:
Eleutério, escravo de Joana Maria de Jesus. Vítima: Francisco dos Santos Fraga, p. 18.
269
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Assassinato, 1856. Acusado:
Eleutério, escravo de Joana Maria de Jesus. Vítima: Francisco dos Santos Fraga, p. 59.
153
que o escravo Maximiano viu na descoberta de uma pedra de diamante a chance de
se tornar um homem realmente livre.
Maximiano era um escravo morador de Viana, pertencente a Maria do Carmo Braga.
Trabalhava como pedreiro e pintor na cidade de Vitória. No ano de 1861 o escravo
indagou vários moradores da cidade sobre a autenticidade de uma pedra de
diamante que havia ganhado de sua mãe, Severina, moradora da Pedra da Mulata.
Essa pedra teria sido achada muitos anos atrás em um rrego no lugar
denominado Jacaruaba Pequena e encontrava-se guardada e fora dada a ele como
um presente. O cativo supôs ser um diamante porque a pedra cortava vidro, como
ele alega ter tido oportunidade de experimentar diversas vezes. Contudo, apareceu
outra versão para a descoberta da pedra durante o decorrer do processo, Maximiano
teria feito uma escavação em um terreno e encontrado a pretensa pedra de
diamante, fato negado pelo escravo. Observemos o auto de pergunta feito ao cativo:
Perguntado o que sabe acerca de uma escavação feita nos terrenos
denominados- Detraz do Colégio, desta cidade? Respondeu que na semana
passada começou a cavar o chão naquele lugar para tirar pedras para
empregá-las em obras do seu oficio de pedreiro; e tendo encontrado uma
pedra grande não a pôde tirar, e por isso talvez alguém pensando que
aquela escavação era por causa de dinheiro foi continuá-la até abalar a
pedra e tirar á noite do lugar(...)
270
Ganhada como presente da mãe, ou achada em uma escavação, sendo a segunda
hipótese mais verossímil, o fato é que Maximiano, provavelmente, percebeu naquela
descoberta uma chance para mudar sua realidade. Provavelmente, o cativo ouviu
comentários sobre a Lei imperial cujo conteúdo determinava que “aquele que
manifesta diamante de 20 quilates e para cima, era liberto, indenizando-se ao
senhor com 400$”
271
. Maximiano percorreu vários locais da Cidade levando a
pretensa pedra de diamante consigo. Pretendia confirmar a autenticidade da
mesma. Observe parte do depoimento de José Manuel Barrozella “[...] dez ou
doze dias apareceu em sua casa aquele preto Maximiano com uma pedra do
tamanho de uma noz [...] disse-lhe depois que havia levado a casa de um Antonio
270
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto de Perguntas ao escravo Maximiano, 1861,
propriedade de Anna Maria do Carmo Braga, p. s/n.
271
Lei de 24 de dezembro de 1734. MALHEIROS, Agostinho Marques Perdigão. Fonte digital.
Digitalização e edição em papel de 1866, Rio de Janeiro- Typografia Nacional- Rua da Guarda Velha,
2008. http://www.scribd.com/doc/3824085/A-Escravidao-no-Brasil-Vol-I-Agostinho-Marques-Perdigao-
Malheiros?autodown=pdf. Acesso em: 26 de maio de 2009.
154
mineiro que a tomou para examinar [...]”
272
. Em outro depoimento o português
Manoel Joaquim Ramos, charuteiro, casado, conta sua versão do encontro com
Maximiano e seu diamante “[...] Respondeu que a um mês pouco mais ou menos
apareceu-lhe o crioulo Maximiano com uma pedra enrolada em um pano [...].
273
O
cativo indagou várias pessoas sobre a autenticidade da pedra, no entanto, foi com o
pedreiro Antonio José da Luz que o caso de Maximiano e seu diamante chegou ao
fim. Vejamos o depoimento de Antonio José da Luz:
[...] Respondeu que a quinze dias mais ou menos Maximiano chamava a ele
respondente a uma loja na rua do Egipto, onde tem sua ferramenta de
pedreiro, e ai demonstrando um pano mostrou-lhe uma pedra(...) ele
respondente levou consigo a pedra para a tenda do ferreiro que dizem ser
escravo do Convento da Penha, e que é morador junto a Banca, e que ele
pelo nome não conhece e pediu-lhe licença para servir de sua forja sem
porem lhe declarar para que fim [...].
274
Ao ser indagado sobre o ocorrido, o escravo Ignacio, ferreiro da referida ferraria
onde Antonio José da Luz levou a pedra de diamante, deu o seguinte depoimento:
Respondeu chamar-se Ignácio, natural de São Matheus, ter idade de vinte e
oito para vinte e nove anos, ser solteiro, com oficio de ferreiro e residir a rua
da Banca desta cidade, sendo escravo de Maria Pinto Gomes[...]lembra-se
de ter ido a sua casa o referido Antonio da Luz e pedir-lhe licença para
acender um charuto na forja [...] e continuou a estar como d’antes na porta,
olhando para rua, e que foi esta a única vez que Luz foi á sua tenda.
275
No final de suas declarações o escravo Maximiano afirmou ter entregado a pedra a
Antonio da Luz e recebeu, do mesmo, pedaços de borra de ferro:
Que depois lhe tendo José Manoel Barrozella dito que ele respondente
devia entregar a pedra a um mineiro, que a conhecesse para a examinar, o
respondente entregou-a a Antonio da Luz, que lhe disse ser necessário
levá-la ao fogo, e vindo com o respondente a tenda do ferreiro João Linhard,
alemão, estava fechada a porta, e então Antonio da Luz ficou-se com Ela
dizendo que ia queimá-la na tenda do ferreiro do Porto das Lanchas e no
dia seguinte as nove horas entregou a ele respondente uns pedaços de
borra de ferro [...]
276
272
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto de Perguntas ao escravo Maximiano, 1861,
propriedade de Anna Maria do Carmo Braga, p. s/n.
273
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto de Perguntas ao escravo Maximiano, 1861,
propriedade de Anna Maria do Carmo Braga, p. s/n.
274
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto de Perguntas ao escravo Maximiano, 1861,
propriedade de Anna Maria do Carmo Braga, p. s/n.
275
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto de Perguntas ao escravo Maximiano, 1861,
propriedade de Anna Maria do Carmo Braga, p. s/n.
276
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto de Perguntas ao escravo Maximiano, 1861,
propriedade de Anna Maria do Carmo Braga, p. s/n.
155
O auto de perguntas, sem finalização, não permitiu saber o desfecho desse caso.
Maximiano, por sua vez, alega que foi enganado por Antonio da Luz porque esse
teria ficado com seu diamante devolvendo-lhe as borras de ferro.
O auto de perguntas ao escravo Maximiano permite entrever aspectos do dia-a-dia
desse cativo que, primeiramente, conhecia e se relacionava com uma grande gama
de pessoas da Cidade, tanto livres como escravos. Percorria ruas e vielas, tanto de
dia como de noite. Trabalhava como pedreiro e pintor. Porém, possivelmente, o fato
de “viver sobre si” não era suficiente para Maximiano. O cativo vislumbrou uma nova
vida, por meio da pedra de diamante, e recebeu em troca algumas borras de ferro.
Eis, então o cotidiano de três cativos que viviam de seu trabalho e, provavelmente,
no caso de Eleutério e Maximiano, sustentavam suas senhoras. Entretanto, mesmo
vivendo como se livres fossem, não deixavam de buscar melhorar sua realidade e
de lutar pela liberdade tão sonhada, tanto por meio do trabalho como trilhando
outros caminhos que a vida lhes apontava. O fato de ser mulher ou escrava não
impossibilitou Claudina de trabalhar e buscar mudar sua realidade, mesmo dentro
das possibilidades oferecidas pelo contexto social do período. Decerto, tanto
Claudina como Eleutério, se tivessem encontrado uma pedra de diamante, falsa ou
não, teriam sonhado, como Maximiano, com a possibilidade de alcançar, mais
rapidamente, a carta de alforria. No caso de Maximiano o sonho de liberdade
transformou-se, por boa ou fé de Antonio da Luz, em borras de ferro, enquanto
para Claudina a liberdade lhe sorriu por quinhentos mil réis e a incumbência de
cuidar de sua senhora até o fim de seus dias.
156
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Abordamos, inicialmente, as mudanças ocorridas na historiografia brasileira acerca
da escravidão, que levaram a uma valorização dos estudos sobre as especificidades
das economias e das sociedades regionais. A história da escravidão no Brasil, após
ser basicamente atrelada a análises econômicas e generalizadoras, voltou-se para o
estudo do regional e do cotidiano. Esses estudos colocaram em “xeque” a visão
econômica tradicional e levaram à busca de alternativas, tanto no campo da
pesquisa econômica e política quanto no da historiografia brasileira sobre a
escravidão. Assim, o escravismo passou a ser observado levando-se em conta as
especificidades de cada região, com o respaldo de intensas pesquisas documentais,
trazendo à tona a necessidade de se rever limitações impostas à análise histórica. O
estudo do cotidiano escravista revelou uma intrincada rede de relações sociais em
que o escravo se inseria como mais um elemento que construía sua própria história
e que buscava, no dia-a-dia, melhorar sua condição social.
Numa retrospectiva de autores e obras demonstramos as mudanças ocorridas na
historiografia capixaba da escravidão. Como na historiografia brasileira, o
escravismo esteve atrelado, num certo momento, a análises econômicas
generalizadoras ou sofria com a falta de pesquisas empíricas. No entanto,
recentemente, com a valorização de regiões anteriormente tidas como irrelevantes
pela historiografia tradicional e a busca pelo levantamento e análises de corpus
documentais locais, ocorreram mudanças historiográficas significativas que estão
clarificando temas anteriormente desconhecidos sobre a escravidão capixaba, como
é o caso da formação de famílias escravas, a relação dos escravos com a justiça
instituída, o cotidiano e suas relações sociais. Têm-se, assim, delineado um novo
caminho. Cabe destacar que essas mudanças só foram possíveis após movimentos,
em prol da preservação e utilização de fontes primárias locais, surgidos na
Universidade Federal do Espírito Santo, como o ocorrido no ano de 1972 e
encabeçado por professores como Renato Pacheco. E, na atualidade, à criação do
programa de Pós Graduação em História Social das Relações Políticas da UFES,
que incentiva produções voltadas para a necessária ampliação da história capixaba.
157
Ao traçar, de maneira geral, alguns aspectos da Província do Espírito Santo,
especificamente da cidade de Vitória, como centro e capital da Província,
observamos a formação de um espaço urbano na região Central extremamente
diversificado em seus aspectos geográficos, físicos e humanos. Houve um constante
crescimento da população provincial, e não obstante a frequente alusão da
historiografia tradicional à decadência dessa região central nota-se um crescimento
por meio de mudanças econômicas e sociais.
Os resultados desta pesquisa também corroboraram com a constatação de
continuidade de práticas escravistas antigas na cidade de Vitória e adjacências,
detectadas desde antes do início do culo XIX. O alto índice de crianças presentes
nas escravarias, o constante equilíbrio numérico entre o sexo dos cativos e a comum
concentração escrava na segunda faixa etária (15-40 anos), idade mais reprodutiva,
denotam que as práticas cotidianas dos senhores de escravos tiveram duração até a
segunda metade do século XIX e possibilitaram a formação e a estabilização de
famílias escravas. Provavelmente a falta de recursos disponíveis apontada por
Campos
277
como uma das causas da busca pelos proprietários capixabas em
manter uma prática de reprodução via natalidade tenha se agravado nos anos
posteriores à proibição do tráfico de escravos, após 1850. Porém, outra hipótese
pode ser considerada. A opção pela formação de famílias, como foi visto, com raízes
bem antigas, possivelmente levou à criação de laços familiares e de relações sociais
locais que mantiveram e serviram como incentivo para a continuidade dessa
característica e acabou saindo do controle direto dos senhores a possibilidade de
interferir nessas práticas sem causar conflitos em meio aos escravos. Cabe lembrar
que em Vitória e adjacências ampliou-se uma sociedade na qual a maioria da
população era formada por indivíduos escravos e livres miscigenados, certamente
uma característica, em parte, decorrente dessas formações familiares escravas.
Em relação a esses arranjos familiares escravos, relacionando os resultados obtidos
pela divisão das escravarias por faixa de tamanhos dos plantéis e a formação
familiar encontrada, podemos deduzir que havia na cidade de Vitória e suas
adjacências três grupos diferenciados de escravos.
277
CAMPOS, 2006.
158
Havia um grupo de famílias escravas antigas, cuja formação era nuclear e na qual
os escravos estavam alocados preferencialmente na segunda e terceira faixa etária
e eram oficialmente casados. Essas famílias concentravam-se, principalmente, nos
serviços de lavoura.
Outro grupo bem delineado era o de famílias matrifocais formadas, principalmente,
por escravas mães solteiras com filhos escravos. Essas famílias indicam a existência
de uma maioria de uniões consensuais (no caso da possível presença de
companheiros nesse meio familiar). As escravas solteiras mães de família estavam
concentradas no serviço de lavoura, porém eram prioritárias nos serviços
domésticos e também atuavam nos serviços especializados. Como terceiro grupo
destacava-se também, nessas escravarias, o grupo de escravos maiores de 12 anos
que não possuíam famílias.
Além das aferições acima, observamos, ao longo da primeira metade do século XIX,
especificamente após o ano de 1827, uma pequena redução no quantitativo de
escravos da região, até o ano de 1856, provavelmente causado pelas Leis Imperiais,
visando ao fim do tráfico atlântico. No entanto, na década de setenta do século XIX,
constatamos uma recuperação na posse escrava dessa região, que apesar de mais
concentrada nas mãos de poucos senhores, não deixou de crescer em números
absolutos. Vislumbramos, então, uma região Central capixaba sempre dependente,
economicamente, da mão-de-obra escrava, e, por isso, concordamos com Almada
278
quando ela diz que não houve escoamento dos cativos para regiões agrícolas do
Sul. Por outro lado, discordamos da autora em relação à estagnação da região, pois
uma região estagnada não seria capaz de manter e aumentar seu contingente de
escravos. Embora o fim do tráfico atlântico tenha provocado o aumento da sempre
recorrente concentração escrava, durante o século XIX, nas os de poucos
grandes senhores, os dados arrolados em 1876 apontam para um significativo
aumento no número dos médios proprietários e sua primazia como detentores da
maioria dos cativos. Os dados apontaram da mesma forma, para um reordenamento
no emprego dos trabalhadores livres e escravos. A recorrente maioria cativa
comumente centrada em ocupações rurais pareceu aumentar no período de 1850 a
278
ALMADA, 1984.
159
1876, com a saída de importantes contingentes populacionais do espaço mais
urbanizado da região em direção às suas roças. Porém, a diversificação em relação
à ocupação dos cativos, que ficava principalmente por conta dos proprietários com
plantéis formados por menos de 19 indivíduos não deixou de ocorrer. Essa
diversidade está em consonância com a região estudada, pois demonstra a
complementação entre o espaço físico e social de uma pequena cidade e seus
arredores, onde, mesmo em número reduzido, comparando com outras cidades
brasileiras do período, o cativo era utilizado em incontáveis tarefas.
Essa diversificação do trabalho escravo está diretamente ligada ao alto mero de
mulheres e crianças encontradas nas escravarias, baseadas, principalmente, na
reprodução endógena e na consequente formação de famílias. As análises aqui
perpetradas indicaram uma grande utilização de mulheres e crianças nos serviços
de lavoura, concentrados no espaço mais ruralizado da região, e seu emprego
também nos serviços domésticos e pertencentes ao ambiente citadino. Assim,
inferimos que as características econômicas e sociais dessa região permitiam
absorver, em igualdade de condições, homens, mulheres e crianças. Esse tipo de
conformação escrava, entendemos, ia de encontro às características econômicas,
sociais e culturais da região. Concluindo que numa região em que o arranjo familiar
escravo é de importância fundamental na formação e ampliação das escravarias,
durante mais de um culo, cabe deduzirmos, também, sobre a possibilidade de ter
se formado nessa região, correntes de parentesco, apadrinhamento e,
consequentemente, ascensão social por meio de alforrias. Sendo esses temas
passíveis de aprofundamento em futuros trabalhos.
Estudos realizados em grandes cidades imperiais brasileiras, como o Rio de Janeiro
e Salvador, destacaram a enorme gama de ocupações onde os escravos labutavam.
Essas ocupações ofereciam aos cativos espaços de autonomia e a possibilidade de
comprarem a liberdade e, ainda que de forma restritiva, ascender socialmente. O
trabalho realizado nas regiões citadinas era vantajoso para os cativos, mas, não
menos para os senhores que, em alguns casos dependiam diretamente do ganho
diário desses escravos para sobreviverem. Ao analisarmos o cotidiano de trabalho
dos cativos na região, observamos que a cidade de Vitória e suas adjacências não
prescindiam de aspectos parecidos com as cidades imperiais citadas. Os escravos
160
desenvolviam as mais diversas atividades, tanto dentro de seu espaço mais
urbanizado, em suas ruas e vielas, quanto em suas roças.
Em relação ao trabalho escravo realizado nessas paragens, podemos atentar para a
existência de uma camada populacional livre e pobre que desempenhava os
mesmos ofícios exercidos também pelos cativos no mercado de aluguel de mão-de-
obra. A explicação para tal configuração na cidade de Vitória e seus arredores pode
estar calcada no fato de que Vitória sempre contou, em todo o século XIX, como
demonstrado, com uma maioria de população cativa e livre miscigenada. Entre 1800
e 1830 a população cativa permaneceu entre 32% e 70% da população total da
região.
279
A população composta por negros libertos, pardos, mulatos e mestiços,
sempre representou a maior parte dos indivíduos. No ano de 1872, da soma de
30.266 habitantes, somente 7.349 foram designados como brancos, enquanto
15.720 indivíduos eram livres e miscigenados, ou seja, 68,59% do total populacional
da região.
Destacamos também, a participação dos imigrantes na formação dessa população
da Província do Espírito Santo e, consequentemente, da população pobre livre que
precisava trabalhar. Além do trabalho, a proximidade cotidiana permitia a formação
de redes de relações que envolviam os cativos com outros grupos sociais da cidade.
Além da liberdade de ir e vir usufruída pelos cativos na rotina de trabalho, eles se
relacionavam com livres, forros e com outros escravos, tendo acesso aos mesmos
espaços de convivência social frequentados pela população. As vendas, os
comércios e as ruas também “pertenciam” aos escravos. A relação entre senhor e
cativo, nesse mundo urbano, dependia da existência de uma proximidade e de um
entendimento fundamental, no que concerne ao cotidiano, às relações sociais e às
condições de trabalho entre os senhores, os grupos sociais menos favorecidos e os
escravos.
Podemos, ainda, elencar que apesar de haver liberdade de locomoção e de relações
sociais para o cativo, esse cotidiano de trabalho apresentava nuances diversas e
não prescindia de fortes vínculos econômicos ou afetivos. Parece que, independente
do tipo de ambiente e do trabalho desenvolvido, a vida costumeira expunha o cativo
279
MERLO, 2003, p. 23-40.
161
e seu senhor a situações limites em que o elo ou a desunião entre escravo e senhor,
muito mais que o tipo de trabalho e de ambiente, tornava-se fundamental para a
resolução de conflitos e dissensões particulares ou com a justiça instituída. No
cotidiano da região base de análise, entre pessoas conhecidas, inclusive os
escravos, davam-se relações conflituosas que colocavam necessariamente em
“xeque” a reputação dos indivíduos livres envolvidos e traziam mudanças para a vida
dos cativos. O receio dos danos econômicos levava à utilização da Justiça como um
último recurso para a solução dos conflitos, mas ela era descartada quando aparecia
outra solução moralmente menos onerosa. Os cativos nem sempre eram apenas um
expectador dos acontecimentos ou uma propriedade comprada ou vendida. Pelo
contrário, também sabiam utilizar e utilizavam, em muitos casos, os caminhos da
ilegalidade em relação à Justiça estabelecida.
Frisamos para finalizarmos, que mesmo que o cotidiano e o trabalho desempenhado
pelos cativos possibilitassem aos escravos uma liberdade que os permitisse viver
como se livres fossem, a carta de alforria não deixava de ser desejada. Utilizavam-
se, então, de brechas oferecidas pelo trabalho, como a possibilidade de acumular
pecúlios, liberdade de movimentos para contatos com livres, formando uma teia de
relações dentro da qual tentavam transformar sua realidade, ou mesmo das vias
ilegais. Assim, o trabalho que escravizava também oferecia o caminho para a tão
sonhada liberdade.
162
6 REFERÊNCIAS
FONTES PRIMÁRIAS
Arquivo Geral do Município de Vitória. Livro de classificação de escravos para
serem libertados pelo fundo de emancipação. Município da Cidade de Victoria, 1876.
Arquivo Geral do Município de Vitória. Licença requerida à Câmara Municipal de
Victoria em 26 de janeiro de 1847 por Victoria Francisca da Conceição.
Arquivo Geral do Município de Vitória. Ofício remetido à Camara Municipal de
Cariacica em 12 de dezembro de 1857, por Joaquim Pereira Leite de Aguiar, Fiscal
e Cariacica.
Arquivo Geral do Município de Vitória. Ofício remetido à Camara Municipal de
Victoria em 07 de janeiro de 1868, por Pinto Aleixo, Fiscal de Victoria.
Arquivo Geral do Município de Vitória. Ofício remetido à Camara Municipal de
Victoria em 24 de março de 1857, pelo Barão de Itapemirim.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Mappa da populasam da Freguezia
de Nossa Senhora da Penha de Aldeã Velha; pertencente ao ano de 1843.
Censos capixabas. Disponível em www.ape.es.gov.br/index2.htm. Acesso em
21/01/2009.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de agressão física,
1865. Acusado: Francisco Pereira da Cruz e Honório Barboza da Silva. Vítima:
Marcolino, escravo de Bernardino Pinto Ribeiro.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Estelionato, 1857.
Acusado: Manoel Ferreira Neves. Vítima: Alexandra Maria Francisca.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Estelionato, 1868.
Acusado: Alexandre Lehman. Vítima: Heliodoro Gomes de Azambuja Meirelles.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Furto, 1854.
Acusado: Bernardo: escravo de Antonio Ferreira da Rocha. Vítima: Manoel Pinto
Aleixo e Martins.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Furto, 1854.
Acusado: Marcollino, escravo de Vitória Pereira de Jesus e Simeão de Amorim.
Vítima: Antonio Luiz do Nascimento.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de homicídio, 1862.
Acusado: escravo Damião. Vítima: Liberto Gregório.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de infração de
posturas, 1866. Acusado: Francisco Xavier Coutinho.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Tentativa de
homicídio, 1868. Acusado: Justino, escravo de João Alves de Oliveira. Vítima:
Benedito Souza Cardeal.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto de Perguntas ao escravo
Maximiano, 1861, propriedade de Anna Maria do Carmo Braga.
163
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Assassinato, 1856.
Acusado: Eleutério, escravo de Joana Maria de Jesus. Vítima: Francisco dos Santos
Fraga.
Arquivo blico do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Furto e
Receptação, 1855. Acusado: Claudino: escravo do Coronel Gonçallo Pereira
Sampaio e Domingos escravo do Major Francisco de Paula Xavier. Vítima: Manoel
Pinto Netto.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Auto criminal de Injúria, 1866.
Acusada: Claudina Maria da Conceição. Vítima: Liberato Francisco Pinto da Victoria.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Correio da
Victoria, 07 de março de 1857, p.4.
Arquivo blico do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Jornal da
Victoria, 22 de janeiro de 1868, p.4.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Correio da
Victoria, 13 de junho de 1857, p.4
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Correio da
Victoria, 16 de novembro de 1850, p.4.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Correio da
Victoria, 04 de dezembro de 1850, p.4.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Correio da
Victoria, 02 de fevereiro de 1857, p.4.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Correio da
Victoria, 12 de fevereiro de 1857, p.4.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Correio da
Victoria, 21 de abril de 1858, p.4.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Correio da
Victoria, 17 de junho de 1871, p.4.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Correio da
Victoria, 30 de janeiro de 1850, p.4.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Correio da
Victoria, 23 de março de 1867, p.4.
Arquivo blico do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Jornal da
Victoria, 16 de outubro de 1867, p.4.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Correio da
Victoria, 13 de outubro de 1855, p.4.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Correio da
Victoria, 06 de abril de 1850, p.4.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Correio da
Victoria, 29 de abril de 1854, p.4.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Correio da
Victoria, 10 de outubro de 1855, p.4.
164
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Correio da
Victoria, 27 de julho de 1849, p.4.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Correio da
Victoria, 15 de julho de 1857, p.4.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Espírito
Santense, 30 de agosto de 1871, p.4.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Espírito
Santense, 30 de agosto de 1871, p.4.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Espírito
Santense, 13 de abril de 1871, p.4.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Correio da
Victoria, 03 de março de 1858, p.4.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Periódico Jornalístico: Correio da
Victoria, 03 de junho de 1857, p.4.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Relatório apresentado a Assembléia
Legislativa Provincial do Espírito Santo no Dia da Abertura da Sessão Ordinária de
1861 pelo Presidente Jose Fernandes da Costa Pereira Junior.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Relatório com que o Exm. Sr. Barão de
Itapemirim primeiro vice-presidente da província do Espírito Santo entregou a
administração da mesma ao Exm. Snr. Dr. Jose Mauricio Fernandes Pereira de
Barros no dia 8 de março de 1856, Victoria, Typografia Capitaniense de P A d’
Azeredo, 1856.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Relatório com que o Exm. Srn.
Presidente da Província do Espírito Santo o Doutor Jose Mauricio Fernandes Pereira
de Barros passou a administração da Proncia ao Exm. Srn. Commendador Jose
Francisco de Andrade e Almeida Monjardim Segundo Vice-Presidente no dia 13 de
fevereiro de 1857.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Relatório de Francisco Ferreira
Correia, lido na Sessão Ordinária do ano de 1871, Victoria.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Relatório de Presidente de Província
apresentado à Assembléia Legislativa Provincial do Espírito Santo no dia da
abertura da Sessão Ordinária de 1861 pelo Presidente Jose Fernandes da Costa
Pereira Junior.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Relatório do Presidente de Província
Antônio Alves de Souza Carvalho de 1861.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Relatório do Presidente de Província
do Espírito Santo o Doutor Luiz Pedreira do Couto Ferraz na abertura da Assembléia
Legislativa Provincial do dia de março de 1848, Rio de Janeiro, Typ. do Diário, de
N. L. Vianna.
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Relatório que o Exm. Presidente da
Província do Espírito Santo o Bacharel José Bonifácio d’Azambuja dirigiu à
Assembléia Legislativa da mesma Província na Sessão Ordinária de 24 de maio de
1852.
165
Cartas de Lei, Alvarás, Decretos e Cartas Régias, 1809, (1808/1889), pág.70.
Coleção das Leis do Império do Brasil. Coleção Publicada pela imprensa Nacional.
Disponível em www.camara.gov.br. Acesso em: 26 de maio de 2009.
Lei de 24 de dezembro de 1734. MALHEIROS, Agostinho Marques Perdigão. Fonte
digital. Digitalização e edição em papel de 1866, Rio de Janeiro- Typografia
Nacional- Rua da Guarda Velha, 2008. http://www.scribd.com/doc/3824085/A-
Escravidao-no-Brasil-Vol-I-Agostinho-Marques-Perdigao- Malheiros?autodown=pdf.
Acesso em: 26 de maio de 2009.
Lei do Ventre Livre, de 28 de agosto 1871. Disponível em:
www.icmc.usp.br/ambiente/saocarlos/?historia/o-processo-de-abolição-e-a-vinda-
dos-imigrantes-europeus/lei-do-ventre-livre. Acesso em: 23 de agosto de 2008.
MARQUES, Cezar Augusto. Dicionário Histórico, Geographico e Estatístico da
Província do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Typografhia Nacional, 1878.
Recenseamento Geral do Império de 1872. Diretoria Geral de Estatística, Rio de
Janeiro, Typ. Leuzinger/ Tip. Commercial, 1876, 12 volumes. Dados sobre o
Espírito Santo. Disponível em www.cebrap.org.br/recenseamentos/01/index.html.
Acesso em 08/12/2007.
RUBIM, Francisco Alberto. Memória Estatística da Província do Espírito Santo no
ano de 1817, Vitória, 30 de março de 1818. In: Revista do Instituto Histórico e
Geográfico do Brasil, Rio de Janeiro, Tomo XIX (terceira série), 1900, p.161-84
RUBIM, Brás da Costa. Dicionário Topográfico da Província do Espírito Santo. In:
Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, 1862, tomo XXV.
VASCONCELLOS Ignácio Accioli de. Memória Statistica da Província do Espírito
Santo escrita no ano de 1828. Transcrição do manuscrito original realizada por
Fernando Achiamé, Arquivo Público Estadual, Vitória, 1978.
VASCONCELLOS, J. M. P de. Cathecismo Histórico e Político seguido de
Máximas e Pensamentos de Diversos Autores. Victoria, Typografia de Pedro
Antonio D`Azeredo, 1859.
_____. Ensaio sobre a História e Estatística da Província do Espírito Santo.
Victoria, Typografhia de P. A D’Azeredo, Rua da Praça Nova nº. 3, 1858.
WILBERFORCE, Edward. Ingleses na costa. Impressões de um aspirante da
marinha sobre o Espírito Santo em 1851. Tradução: Eliziane Andrade Paiva.
Vitória: Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Academia Espírito-
Santense de Letras, Cultural, ES, 1989.
LIVROS
AGUIAR, Maciel de. Os últimos zumbis: a saga dos negros do Vale do Cricaré
durante a escravidão. Maciel de Aguiar.- Porto Seguro (BA): Brasil - Cultura, 2001.
ALGRANTI, Leila Mezan. O feitor ausente: estudo sobre a escravidão urbana no
Rio de Janeiro. 1808- 1822. [S.I.]:Vozes Ltda. 1988.
ALMADA, Vilma Paraíso Ferreira de. Escravismo e transição: o Espírito Santo,
1850/1888. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.
166
ANDRADE, Maria José de Souza. A mão-de-obra escrava em Salvador: 1811-
1860. São Paulo: Corrupio; Brasília: CNPq, 1988.
ARAUJO, Ricardo B. Guerra e paz: Casa-grande e senzala e a obra de Gilberto
Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994.
BALESTRERO, Heribaldo Lopes. O povoamento do Espírito Santo: marcha de
penetração do território. Viana: [s.n.], 1976.
BASTOS, Fabíola Martins. Relações sociais, conflitos e espaços de
sociabilidade: formas de convívio no município de Vitória, 1850-1871. Dissertação
(Mestrado em História) Programa de Pós-Graduação em História Social das
Relações Políticas, UFES, Vitória, 2009.
BEZERRA, Omyr Leal. Cariacica: resumo histórico. Vitória/ES: Renato Pacheco,
1951.
BITTENCOURT, Gabriel. A formação econômica do Espírito Santo: o roteiro da
industrialização, do engenho às grandes indústrias (1535-1980). Rio de Janeiro/
Vitória: Cátedra/DEC, 1987.
_____. Esforço Industrial na República do Café: o caso do Espírito Santo –
1889/1930. Vitória, 1982. Obra original: _____. Esforços e industrializantes na
Primeira República: o Espírito Santo. 1979. 155f. Dissertação (Mestrado em
História) - Programa de Pós-Graduação em História, UFF, Rio de Janeiro, 1979.
BONICENHA, Walace. Devoção e Caridade: as irmandades religiosas na cidade de
Vitória. Vitória: Multiplicidade, 2004.
BORGES, Clério José. História da Serra. Serra/ES: Grafitusa, 1998.
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Tradução: Mariza
Corrêa. Campinas/SP: Papirus, 1996.
CAMPOS, Adriana Pereira. Nas barras dos tribunais: direito e escravidão no
Espírito Santo do século XIX. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2003.
CAPELATO, Maria Helena Rolim. A imprensa na história do Brasil. São Paulo:
Contexto/EDUSP, 1998.
CARDOSO, Ciro Flamarion (Org.). Escravidão e abolição no Brasil: novas
perspectivas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
CARVALHO, Enaile Flauzina. Comércio varejista em Vitória: 1790-1820. Relatório
final de pesquisa, Orientadora: Adriana Pereira Campos, Departamento de História,
UFES, 2005. Mimeo.
_____. Política e economia mercantil nas terras do Espírito Santo- 1790 a 1822.
2008. 159f. Dissertação (Mestrado em Historia) - Programa de Pós-graduação em
História Social das Relações Políticas, UFES, Vitória, 2008.
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da
escravidão na corte. São Paulo: Cia. das Letras, 1990.
CLÀUDIO, Afonso. Insurreição de Queimados: um episódio da história da província
do Espírito Santo. Vitória: Fundação Ceciliano Abel de Almeida, 1979.
DAEMON, Bazilio Carvalho. Província do Espírito Santo, sua descoberta,
historia chronologica, synopsis e estatística. Victoria: Typografia do Espírito
Santense, 1879 (cópia do Arquivo Público Estadual)
167
DERENZI, Luiz Serafim. Biografia de uma ilha. Rio de Janeiro: Pongetti, 1965.
ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar,1990.
_____. O processo civilizador: formação do estado e civilização. Rio de janeiro:
Jorge Zahar, 1993.
ELTON, Elmo. Logradouros antigos de Vitória. Vitória: IJSN, 1986.
FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos
entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia das Letras, 1997.
FLORENTINO, Manolo & GÓES, José R. A paz das senzalas: famílias escravas e
tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c.1790-c 1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1997.
FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. 4. ed.
São Paulo: UNESP,1997.
FRAGOSO, João Luis Ribeiro. Homens de grossa aventura: acumulação e
hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro: 1790-1830. 2. ed. rev. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o
regime da economia patriarcal. 25. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, [1933] 1987.
_____.Sobrados e mocambos. São Paulo: José Olympio, 1968.
GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. São Paulo: Ática, 1990.
GRAHAM, Sandra Lauderdale. Caetana diz não: histórias de mulheres da
sociedade escravista brasileira. São Paulo: Cia. das Letras, 2005.
JESUS, Rafael de. Fortunas capixabas: posse de terras e escravos em Vitória:
1850-1872. 2007. 36f. Monografia (Graduação em História) - Departamento de
História, UFES, Vitória, 2007. Mimeo.
LUNA, Francisco Vidal & COSTA, Iraci Del Nero da. Minas colonial: economia e
sociedade. São Paulo: Fundação Instituto de Pesquisas Econômica/Pioneira, 1982.
KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro: 1808-1850.
Tradução: Pedro Maia Soares. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.
LARA, Sílvia Hunold. Campos da violência: escravos e senhores na capitania do
Rio de Janeiro: 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
LEAL, J. E. Franklin. Economia colonial capixaba. Vitória: Cuca Cultura Capixaba,
fev/1977.
MACIEL, Cleber. Negros no Espírito Santo. Vitória: Departamento Estadual de
Cultura, Secretaria de Produção e Difusão Cultural/UFES, 1994.
MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no
sudeste escravista: Brasil, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1998.
_____. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico. 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2004.
MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense,
1982.
168
MERLO, Patrícia Maria da Silva. À Sombra da escravidão: negócios e família
escrava: Vitória/ES: 1800-1830. 2003. 123f. Dissertação (Mestrado em História) -
Programa de Pós-Graduação em História, UFF, Niterói, 2003.
MESQUITA, Letícia Nassar Matos. A produção literária feminina nos jornais
capixabas na segunda metade do século XIX: a revelação de Adelina Lírio.
Vitória: Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, 1999.
MORSE, Richard Mcgee. O espelho de Próspero: cultura e idéias nas Américas.
Tradução: Paulo Neves. São Paulo: Cia. das Letras, 1988.
NOVAES, Maria Stella. A escravidão e a abolição no Espírito Santo. Vitória:
IHGES, 1963.
_____. Relicário de um povo: o santuário de Nossa Senhora da Penha: no Espírito
Santo: Brasil. Vitória: Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, 1958.
OLIVEIRA, José Teixeira. História do Estado do Espírito Santo. 3. ed. Vitória:
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo/Secretaria de Estado da Cultura, 2008.
REIS, João José & SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negra no
Brasil escravista. São Paulo: Cia das letras, 1989.
SALETTO, Nara. Transição para o trabalho livre e pequena propriedade no
Espírito Santo: 1888-1930. Vitória: EDUFES, 1996.
SAINT-HILAIRE, A. Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce. Belo Horizonte:
Itatiaia/USP, 1974.
SCHUARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Tradução: Jussara Simões.
Bauru/SP: EDUSP, 2001.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão
racial no Brasil: 1870-1930. São Paulo: Cia. das Letras, 1993.
SILVA, Marilene Rosa Nogueira da. Negro na rua: a nova face da escravidão. São
Paulo: HUCITEC; Brasília: CNPq, 1988.
SLENES, Robert. Na senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da
família escrava. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
SOARES, Mariza de Carvalho. Devotos da cor: identidade étnica, religiosidade e
escravidão no Rio de Janeiro: século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2000.
WEBER, Max & PIERUCCI, Antônio Flávio. A ética protestante e o "espírito" do
capitalismo. São Paulo: Cia. das Letras, 2004.
CAPÍTULOS DE LIVROS
BURGUIÈRE, André. A antropologia histórica. In: LE GOFF, Jacques. A História
Nova. Tradução: Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
CERUTTI, Simona. A construção das categorias sociais. In: BOUTIER, Jean &
JULIA, Dominique (Org.). Passados recompostos: campos e canteiros da história.
Tradução: Marcella Mortara & Annamaria Skinner. Rio de Janeiro: FGV/UFRJ, 1995.
p. 233-242.
169
CAMPOS, Adriana Pereira. Escravidão e creolização: a capitania do Espírito Santo:
1790-1815. In: FRAGOSO, João et al. Nas Rotas do Império: eixos mercantis,
tráfico e relações sociais no mundo português. Vitória: EDUFES, 2006.
GINSBURG, Carlo. Sinais, raízes de um paradigma indiciário. In: REVEL, Jacques
(Org.) Jogos de escala: a experiência da micro-análise. Rio de Janeiro: FGV, 1998.
BOUTIER, Jean.; BOUTRY, Philippe.; JULIA, Dominique.. FUNDAÇÃO GETÚLIO
VARGAS. Passados recompostos: campos e canteiros da história. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ: Editora da Fundação Getulio Vargas, 1998.
GUEDES, Roberto. Sociedade escravista e mudança de cor: Porto Feliz: São Paulo:
Século XIX. In: FRAGOSO, João et al. (Org.). Nas rotas do Império: eixos
mercantis, tráfico e relações sociais no mundo português. Vitória: EDUFES; Lisboa:
IICT, 2006. p. 447-488.
MACHADO, Cacilda. Casamentos de escravos e negros livres e a reprodução da
hierarquia social em uma área distante do tráfico Atlântico: São José dos
Pinhais/PR: Passagem do XVIII para o XIX. In: FRAGOSO, João et al. (Org.). Nas
rotas do Império: eixos mercantis, tráfico e relações sociais no mundo português.
Vitória: EDUFES; Lisboa: IICT, 2006. p. 489-516.
MONTEIRO, Hamilton de Mattos. Da independência à Vitória da ordem. In:
LINHARES, Maria Yedda (Org.). História Geral do Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro:
Campus, 1996.
PALLARES-BURKE, Maria Lúcia. Gilberto Freyre: um nordestino vitoriano. In:
KOSMINSKY, Ethel V; LÉPINE, Claude & PEIXOTO, Fernanda A. (Org.). Gilberto
Freyre em quatro tempos. Bauru/SP: EDUSC, 2003. p. 83-114.
QUEIRÓZ, Suely Robles Reis de. Escravidão em debate. In: FREITAS, Marcos
Cezar (Org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998.
p. 103-118.
THOMPSON, Edward P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. In: Antônio
Luigi Negro & Sérgio Silva (Org.). As peculiaridades dos ingleses e outros
artigos. Campinas/SP: UNICAMP, 2001. p. 305-352.
ARTIGOS E REVISTAS
CACILDA, Machado & FLORENTINO, Manolo. Famílias e mercado: tipologias
parentais de acordo ao grau de afastamento do mercado de cativos: culo XIX. In:
Afro-Ásia, nº 24, 2000. p. 511-70.
CAMPOS, Adriana Pereira. Abolicionistas, negros e escravidão. Dimensões:
Revista de História da UFES. Vitória: UFES/CCHN, nº 10, 2002. p. 574-607.
FERNANDES, Guilherme Vilela. Tributação e escravidão: o comércio da meia siza
sobre o comércio de escravos na proncia de São Paulo: 1809-1850. Pesquisa
(Iniciação Científica) - Instituto de Economia, UNICAMP/FAPESP. In: Almanack
braziliense, nº 2, São Paulo: [s.n.], nov/2005. p.102-113.
FLORENTINO, Manolo. Introdução. In: Revista Brasileira de História. São Paulo:
ANPUH, v. 26, nº 52, jul-dez/2006.
170
GRAF, Márcia Elisa de Campos. História social do trópico brasileiro: o escravo no
cotidiano: através dos anúncios de jornais paranaenses. In: CONGRESSO
BRASILEIRO DE TROPICOLOGIA, 1., 1986, Recife. Anais... Recife:
FUNDAJ/Massangana, 1987. p. 117-122.
LUNA, Francisco Vidal. São Paulo: população, atividades e posse de escravos em
vinte e cinco localidades: 1777-1829. In: Estudos econômicos, Departamento de
Economia da FEA-USP, São Paulo, v. 28, nº 1, jan-mar/1998.
MARCONDES, Renato Leite. A propriedade escrava no Vale do Paraíba paulista
durante a década de 1870. USP. Disponível em:
www.anpec.org.br/encontro2001/artigos/200101028.pdf. Acesso em 09/02/2009.
MOREIRA, Vânia Maria Lousada. A ilusão das terras devolutas: colonização
particular, exploração madeireira e grilagem: 1889-1930. In: Dimensões - Revista de
História da UFES, Vitória: UFES/CCHN, nº 17, 2005.
PINHEIRO, Maria Cristina Luz. O trabalho de crianças escravas na Cidade de
Salvador-1850-1888. Revista Afro - Ásia, 32, 2005, 159-183.
RODRIGUES, Márcia B. F. Razão e sensibilidade: reflexões em torno do paradigma
indiciário. In: Dimensões - Revista de História da UFES, Vitória: UFES/CCHN,
17, 2005.
SOARES, Geraldo Antônio. Cotidiano, sociabilidade e conflito em Vitória no final do
século XIX. In: Dimensões - Revista de História da UFES, Vitória: UFES/CCHN,
16, 2004. p. 57-80.
_____. Esperanças e desventuras de escravos e libertos em Vitória e seus arredores
ao final do século XIX. In: Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH, v. 26,
nº 52, jul-dez/2006. p. 79-114.
_____. Gilberto Freyre: historiador da cultura. In: Afro-Ásia, UFBA, 27, 2002. p.
223-248.
_____. Quando os escravos fugiam: província do Espírito Santo: últimas décadas da
escravidão. In: Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre: PUC-RS, v. 29, 1,
jun/2003. p. 53-72.
VELLASCO, Ivan de Andrade. O controle da violência criminal em uma comarca de
Minas Gerais: século XIX. In: Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre: PUC-RS, v.
29, nº 2, 2003. p.79-102.
SUGESTÕES DE LEITURA
ELKINS, Stanley M. Slavery: a problem in American Institucional and intelectual life.
Chicago: The University of Chicago Press, 1959.
PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo:
Martins Fontes, 1942.
TANNENBAUM, Frank. El negro em las Américas. Esclavo e ciudadano. Buenos
Aires: Paidós, 1968.
WADE, Richard. Slavery in the cities the south: 1820-1860. Londres: Oxford
University Press, 1977.
171
ANEXOS
ANEXO 1
Fotografia 1- Fonte: Planta da parte da Província do Espírito Santo em que estão compreendidas
as colônias, organizada na Inspetoria Geral das Terras e Colonização Pelos Engenheiros C.
Cintra e C. Rivierre, Rio de Janeiro, 1878. Localizado na Biblioteca Central da UFES.
172
ANEXO 2
Fotografia 2- Fonte: Livro 1º de classificação de escravos para serem libertados pelo fundo de
emancipação. Município da Cidade de Victoria, 1876. Arquivo Geral do Município de Vitória.
ANEXO 3
173
Fotografia 3- Fonte: Livro de classificação de escravos para serem libertados pelo fundo
de emancipação. Município da Cidade de Victoria, 1876. Arquivo Geral do Município
174
ANEXO 4
Fotografia 4- Fonte: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo - Auto criminal do ano de 1867.
Autor: a Justiça. Réus: Bernardino de Senna Vidigal e Bernardino Francisco da Victoria.
ANEXO 5
175
Fotografia 5 - Fonte: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo- Periódico jornalístico: Correio da
Victoria de 02 de julho de 1859.
176
ANEXO 6
Fotografia 6 - Fonte: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo- Periódico jornalístico: Correio da
Victoria de 02 de julho de 1859.
177
ANEXO 7
Fotografia 7- Fonte: Arquivo Geral do Município de Vitória. Ofício remetido à Camara Municipal de
Victoria em 24 de março de 1857, pelo Barão de Itapemirim.
178
ANEXO 8
Fotografia 8 Fonte: Relação de parte dos proprietários de fábricas e seus respectivos
produtos e mão-de-obra da Freguesia de Cariacica 1852.
Fonte: Ofício remetido ao
governo da Província do Espírito Santo pela Câmara Municipal de Cariacica no ano de 1852.
Arquivo Geral do Município de Vitória.
179
ANEXO 9
Fotografia 9 - Fonte: Arquivo Público do Espírito Santo, Mapa da população da Freguesia de Nossa
Senhora da Penha de Aldeia Velha; pertencente ao ano de 1843.
Censos capixabas. Disponível em
WWW.ape.es.gov.br/index2.htm. Acesso em 21/01/2009.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo