Download PDF
ads:
ANNA FLÁVIA FELDMANN
Análise das campanhas de comunicação sobre
Câncer de Mama – um estudo comparativo entre as
iniciativas do INCA e do IBCC
São Paulo
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ANNA FLÁVIA FELDMANN
Análise das campanhas de comunicação sobre
Câncer de Mama – um estudo comparativo entre as
iniciativas do INCA e do IBCC
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Comunicação, Área
de Concentração Interfaces Sociais da
Comunicação, Linha de Pesquisa em Políticas e
Estratégias da Comunicação, da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção do
Título de Mestre em Ciências da Comunicação,
sob a orientação da Profª. Drª. Clotilde Perez.
São Paulo
2008
ads:
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL
DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU
ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDOS E PESQUISA, DESDE QUE
CITADA A FONTE.
Ficha Catalográfica
Feldmann, Anna Flávia.
Análise das campanhas de comunicação sobre Câncer de Mama – um estudo comparativo entre as
iniciativas do INCA e do IBCC / Anna Flávia Feldmann. – São Paulo : A.F. Feldmann, 2008.
Xxx f.
Dissertação (Mestrado) – Escola de Comunicações e Artes/USP, 2008.
Orientadora: Profª. Drª. Clotilde Perez.
Bibliografia
1. Comunicação 2. Estudos de gênero 3. Câncer de Mama 4. Semiótica 5. Saúde pública
feminina. I. Feldmann, Anna Flávia II. Título.
CDD 21.ed. 302
FOLHA DE APROVAÇÃO
ANNA FLÁVIA FELDMANN
Análise das campanhas de comunicação sobre
Câncer de Mama – um estudo comparativo
entre as iniciativas do INCA e do IBCC
Dissertação apresentada à Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do Título de Mestre.
BANCA EXAMINADORA
Este trabalho é dedicado a todos os profissionais
empenhados em construir um cotidiano mais simétrico
entre a comunicação social e a realidade humana.
Agradecimentos
Aos meus pais e minha família,
pelo exemplo e amor.
À Clotilde Perez,
pela constante elucidação e apoio.
Ao Waldo Lao,
pelo entendimento e companheirismo.
Ao CNPq e à ECA-USP,
pela bolsa de estudos em incentivo
aos meus estudos e a minha dissertação.
À Fátima Meireles, do Inca,
pelas informações e por
permitir acesso ao material da pesquisa.
Às minhas amigas mestrandas,
Joseane Terto, Joseleide Terto e Carla Rabelo,
grandes presentes que a universidade me proporcionou.
É preciso atrair violentamente a atenção para o
presente do modo como ele é se quer transformá-lo.
Pessimismo da inteligência, otimismo da vontade.
Antonio Gramsci
Resumo
A informação é uma grande aliada na vida da mulher com câncer de mama, não
apenas para comentar sobre feminilidade, auto-estima e qualquer outra questão de
ordem social e psicológica inerente à realidade da doença, mas também para promover a
educação sobre o assunto e divulgar o acesso aos direitos relativos à saúde pública
feminina.
As peças de publicidade sobre câncer de mama ganharam amplo espaço na
mídia em geral, o que constitui uma responsabilidade significativa assumida pelos
veículos de comunicação e por profissionais da área. Todavia, importa analisar de que
maneira as propagandas desenvolvidas incorporam elementos potenciais de
transgressões comportamentais, informações que em máximo grau de entendimento
poderiam prevenir, curar e diminuir a mortalidade por câncer de mama.
A pesquisa analisa as iniciativas publicitárias de controle da doença câncer de
mama no Brasil, verificando as suas ocorrências nas diferentes mídias existentes, bem
como os discursos adotados no cenário da comunicação de massa, articulando tais
assuntos às questões de gênero.
Por meio da junção da linha de pesquisa semiótica e de teóricos críticos da
comunicação de massa espera-se averiguar o processo de emissão publicitária. Sendo
assim, serão contrapostos os conceitos sociológicos da difusão das mensagens com a
análise das peças destinadas à mulher para o embasamento da argumentação teórica.
Optou-se também pela adoção de autores ligados às áreas sociológicas do câncer de
mama e das questões de gênero.
Foram consideradas ações publicitárias sobre a doença idealizadas pelo
Ministério da Saúde por meio do Inca - Instituto Nacional de Câncer e pelas iniciativas
do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer - IBCC. Pretende-se verificar com a
pesquisa qual é a contribuição das ações comunicativas às perspectivas de melhoria da
condição social da mulher, destacando se as peças desenvolvidas mobilizam a sociedade
para o assunto, quais os benefícios alcançados decorrentes desse acesso à informação e
se os efeitos da campanha atingem a sociedade como um todo, influenciando na
erradicação e prevenção da doença.
Palavras-chave: Comunicação; estudos de gênero; câncer de mama; semiótica;
saúde pública feminina.
Abstract
Information is a great ally to a woman who has got breast cancer, not only to tell
her about femininity, self-esteem or some social or psychological questions regarding
the reality of the disease, but also to provide education about that matter and help her
have access to the women’s rights related to public health.
The publicity pieces about breast cancer have got large space in the overall
media, which means great responsibility taken by communication means and
professionals. However, it is important to analyze to what extent the pieces contain
potential elements for behavior changes and information that could prevent, cure and
decrease breast cancer mortality if they were fully understood.
The present research analyzes the advertising initiatives concerning the control
of breast cancer in Brazil, by checking their occurrences in the different media as well
as the speeches adopted for mass communication and the articulation of those matters to
gender issues.
By joining the semiotic research line and mass communication critical
theoreticians, the present work aims at investigating the advertising process. So, the
messages sociological concepts will be opposed to the analysis of the pieces towards the
women to have the basis for theoretical argumentation. Some authors who deal with
social aspects of breast cancer and gender issues will also be referred.
The present research focused publicity initiatives about the disease taken by
Ministério da Saúde through Inca – Instituto Nacional de Câncer and IBCC – Instituto
Brasileiro de Controle do Câncer. The research aims at checking if communication
actions contribute to the perspective of improving the woman’s social condition, if they
help the society become aware of that matter, if the information they provide generate
benefits and if the campaigns reach the whole society and influence the erradication and
prevention of the disease.
Keywords: Communication; Gender Studies; Breast Cancer; Semiotic;
Feminine Public Health.
Lista de ilustrações
Figura 1 - Eva Prima Pandora...................................................................................... 29
Figuras 2 e 3 - Obras representativas de antigas manifestações artísticas de feminilidade
e maternidade................................................................................................................. 64
Figura 4 - Primeiros tratamentos de raio-X para o cancer de mama............................. 65
Figura 5 - The hand…………………………………………………………………... 66
Figura 6 - Desfile homossexual em São Francisco, EUA..............................................70
Figura 7 - Propaganda divulgada no jornal O Globo em 24/11/1982............................ 78
Figura 8 - Elementos da tríade semiótica....................................................................... 86
Figura 9 - Identidade visual da marca O câncer de mama no alvo da moda................. 93
Figura 10 - Exemplo de produto licenciado da marca O Câncer de Mama no Alvo da
Moda.............................................................................................................................. 94
Figura 11 - Corrida e Caminhada Contra o Câncer de Mama..................................... 94
Figura 12 - Foto de revista com a modelo Gisele Bündchen......................................... 96
Figura 13 - Exemplo de propaganda no site do IBCC................................................... 97
Figura 14 – Exemplo de propaganda em outdoor da campanha do IBCC..................... 97
Fígura 15 – Atriz Adriana Lessa na página do site IBCC na qual constam todos os
atores e personalidades famosas participantes da campanha.......................................... 97
Figuras 16, 17 e 18 - Modelos da campanha e as diferentes adaptações do símbolo da
marca da campanha........................................................................................................ 98
Figura 19 - Quadro sobre a proposta de valor da campanha O Câncer de Mama no Alvo
da Moda......................................................................................................................... 99
Figura 20 - Quadro das cores mais e menos apreciadas............................................... 101
Figura 21 - Possíveis associações do processo criativo do símbolo da campanha O
câncer de mama no alvo da moda................................................................................102
Figura 22 – Tríade semiótica da marca da campanha O câncer de mama no alvo da
moda............................................................................................................................. 103
Figura 23 - Folheto 1 – frente....................................................................................... 115
Figura 24 - Folheto 1 – verso........................................................................................ 116
Figura 25 - Folheto 2 – frente...................................................................................... 117
Figura 26 - Folheto 2 – verso....................................................................................... 118
Figura 27 - Folheto 3 – frente...................................................................................... 119
Figura 28 - Folheto 3 – verso.................................................................................... 120
Figura 29 - Folder 1 – Capa ...................................................................................... 122
Figura 30 - Folder 2 – Capa....................................................................................... 122
Figura 31 - Folder 3 – Capa ...................................................................................... 122
Figura 32 – Exemplos de páginas interiores dos folders 1, 2 e 3.............................. 123
Figura 33 – Fita cor-de-rosa da campanha do Programa Viva Mulher..................... 124
Figura 34 – Cena do comercial veiculado sobre a campanha do Programa Viva
Mulher.......................................................................................................................... 125
Figura 35 – Cartaz da campanha do Programa Viva Mulher...................................... 133
Figura 36 – Folhetos da campanha do Programa Viva Mulher................................... 134
Figura 37 – Folders para profissionais de saúde da campanha do Programa Viva
Mulher.......................................................................................................................... 135
Figura 38 – Outdoors da campanha do Programa Viva Mulher.................................. 136
Figura 39 – Intervenções urbanas da campanha do Programa Viva Mulher............... 137
Figura 40 - Ponto de distribuição de fitas cor-de-rosa da campanha do Programa Viva
Mulher.......................................................................................................................... 138
Figuras 41, 42, 43 e 44 – Frente, verso, contracapa e 3ª capa de folheto da campanha do
Programa Viva Mulher já com a inclusão do Câncer de Mama .................................. 144
Figura 45 – Interior de folheto da campanha do Programa Viva Mulher já com a
inclusão do Câncer de Mama ....................................................................................... 145
Figuras 46 e 47 – Capa dos materiais técnicos desenvolvidos pelo Programa Viva
Mulher distribuídos a profissionais dos postos de saúde ............................................. 146
Figuras 48 e 49 – Frente e verso do último folheto produzido pela campanha do
Programa Viva Mulher no qual o câncer de mama já é retratado especificamente...... 148
Figura 50 – Interior do último folheto produzido pela campanha do Programa Viva
Mulher no qual o câncer de mama já é retratado especificamente............................... 149
Figura 51 – Frente do Consenso para o Câncer de Mama, principal material que
explicita a proposta do programa nacional de controle da doença............................... 150
Figura 52 – Frente do Consenso para o Câncer de Mama, principal material que
explicita a proposta do programa nacional de controle da doença............................... 151
Figura 53 – Interior do Consenso para o Câncer de Mama, principal material que
explicita a proposta do programa nacional de controle da doença............................... 152
Figura 54 – Verso do Consenso para o Câncer de Mama, principal material que explicita
a proposta do programa nacional de controle da doença.............................................. 153
Lista de Gráficos
Gráfico 1 – Serviços Especializados de atendimento à mulher em situação de violência
que receberam apoio da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres................... 34
Gráfico 2 – Divisão de Ministérios e Secretarias dentro do Plano Nacional de Políticas
para as Mulheres............................................................................................................. 36
Gráfico 3 – Ações de Ministérios e Secretarias Especiais para o eixo “Autonomia,
igualdade no mundo do trabalho e cidadania” do Plano Nacional de Políticas para as
Mulheres......................................................................................................................... 40
Gráfico 4 - Empoderamento feminino – Saúde e Bem-Estar......................................... 41
Gráfico 5 - Ações de Ministérios e Secretarias Especiais para o eixo “Saúde das
mulheres e direitos sexuais e reprodutivos” do Plano Nacional de Políticas para as
Mulheres........................................................................................................................ 41
Gráfico 6 - Estimativas de câncer no Brasil no ano de 2008......................................... 55
Gráfico 7 – Proporção de mulheres com mais de 25 anos que nunca fizeram exames de
mamas e de colo de útero............................................................................................... 82
Gráfico 8 - Cobertura de plano de saúde por nível de renda.......................................... 82
Gráficos 9 e 10 – Recall da campanha O Câncer de Mama no Alvo da Moda.............140
Gráfico 11 – Veículos mais lembrados da campanha O Câncer de Mama no Alvo da
Moda..............................................................................................................................140
Gráfico 12 – Avaliação geral das entrevistadas sobre a campanha O Câncer de Mama
no Alvo da Moda............................................................................................................141
Gráfico 13 – Produção ambulatorial de exames de colo de útero no SUS de julho/1994 a
março/2001................................................................................................................... 155
Lista de tabelas
Tabela 1 - Empoderamento feminino: avaliação das disparidades globais de
gênero............................................................................................................................. 39
Tabela 2 – Estimativas, para o ano de 2008, de número de casos novos por câncer em
homens e mulheres segundo localização primária......................................................... 54
Tabela 3 – Estimativas, para o ano de 2008, de número de casos novos por câncer em
homens e mulheres segundo os Estados da República................................................... 56
Tabela 4 - Uma Avaliação da Integralidade na Atenção à Saúde das Mulheres no Brasil,
2005................................................................................................................................ 79
Tabela 5 – Capacidade instalada e produção de mamógrafos no SUS, por UF, no Brasil,
2005................................................................................................................................ 80
Tabela 6 – Potencial de Produção de mamografias, número de mamógrafos e população
feminina, por região, no Brasil, 2006 ............................................................................ 81
Tabela 7 – Divisão dos signos na semiótica peirceana....................................................91
Lista de siglas
ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária
CACON - Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia
CONAR - Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária
COMPREV/INCA - Coordenação de Prevenção Vigilância do INCA
DATASUS – Banco de Dados do Sistema Único de Saúde
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INCA - Instituto Nacional de Câncer
IBCC - Instituto Brasileiro de Controle do Câncer
MS - Ministério da Saúde do Brasil
OMS - Organização Mundial de Saúde
ONU – Organização das Nações Unidas
PAISM - Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher
PNAC - Política Nacional de Atenção Oncológica
SAS - Secretaria de Atenção à Saúde
SPM - Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
SUS - Sistema único de Saúde
WEF - World Economic Forum
RENAME - Relação Nacional de Medicamentos Essenciais
CACOM - Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia
SUMÁRIO
_____________________________________________________
Introdução....................................................................................................................... 16
Capítulo 1. Gênero no universo midiático
1.1. Mulheres e comunicação de massa......................................................................... 22
1.2. Meios de comunicação e eqüidade de gênero no Brasil......................................... 32
1.3. Indústria cultural, mulheres e saúde....................................................................... 42
Capítulo 2. Câncer de mama no Brasil
2.1. Contextualização do câncer de mama..................................................................... 52
2.2. Mastectomia e linguagem do câncer...................................................................... 58
2.3. Feminilidade, simbologia e a perda do seio............................................................ 61
2.4. Políticas e direitos para o câncer de mama............................................................. 67
Capítulo 3. Semiótica e a campanha do IBCC
3.1. Referencial teórico para análise semiótica............................................................. 85
3.2. Semiótica da linguagem do câncer de mama......................................................... 91
3.3. Campanha - O câncer de Mama no Alvo da Moda................................................ 93
3.3.1. Slogan.................................................................................................... 100
3.3.2. Semiótica da Cor.................................................................................... 101
3.3.3. Forma e design....................................................................................... 102
3.3.4. Tríade semiótica da marca..................................................................... 103
3.3.5. Considerações sobre a campanha.......................................................... 104
Capítulo 4. Comunicação pública de saúde e o Inca
4.1. Iniciativas governamentais sobre cânceres femininos........................................... 108
4.2. Primeiros folhetos de comunicação do Inca...........................................................113
4.3. Viva Mulher – Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo de Útero e de
Mama............................................................................................................................ 120
4.3.1. Televisão................................................................................................. 124
4.3.2. Rádio....................................................................................................... 127
4.3.3. Cartazes e folhetos.................................................................................. 132
4.3.4. Outdoors e intervenções urbanas............................................................ 135
4.3.5. Propagandas de apoio............................................................................. 136
4.3.6. Resultados da Campanha....................................................................... 137
4.4. Incorporação do Câncer de Mama no Programa Viva Mulher...............................142
Considerações Finais.................................................................................................... 155
Referências bibliográficas............................................................................................ 159
Anexos
1 - IBCC....................................................................................................................... 166
2 - Inca.......................................................................................................................... 171
16
Introdução
A presente pesquisa destina-se a analisar as iniciativas de comunicação de controle da
doença câncer de mama, verificando as suas ocorrências nas diferentes mídias existentes, bem
como os discursos adotados no cenário da sociedade de massa, articulando tais assuntos às
questões de gênero e saúde pública feminina.
Pretende-se verificar com a investigação qual é a contribuição das ações
comunicativas às perspectivas de melhoria da condição social da mulher, destacando se as
peças desenvolvidas mobilizam a sociedade para o assunto e quais os benefícios alcançados
decorrentes desse acesso à informação.
A metodologia da pesquisa visa avaliar o conteúdo das divulgações de publicidade
sobre a doença câncer de mama no cotidiano da mulher brasileira. Em primeiro lugar, serão
realizadas análises das iniciativas governamentais do Instituto Nacional de Controle do
Câncer – INCA, e em segundo, investigações referentes às práticas comunicacionais da
campanha do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer - IBCC.
Os objetivos pretendidos são descobrir se as ações publicitárias brasileiras do Inca e
do IBCC contribuem com as políticas públicas de saúde feminina e se os efeitos das
campanhas atingem a sociedade como um todo e influenciam na erradicação e prevenção da
doença.
Por meio da junção da linha de pesquisa semiótica e de teóricos críticos da
comunicação de massa espera-se averiguar o processo de emissão publicitária. Sendo assim,
serão contrapostos os conceitos sociológicos da difusão das mensagens com a análise das
peças destinadas à mulher, e para o embasamento da argumentação teórica, optou-se também
pela adoção de autores ligados às áreas sociológicas do câncer de mama e às questões de
gênero.
Para tal estudo, pretende-se realizar estudos bibliográficos em livros, revistas e artigos
em geral, no Brasil e no exterior, sobre comunicação e saúde feminina. Fontes secundárias de
informação em sites de interesse, tais como Ministério da Saúde do Brasil, DATASUS, IBCC,
Inca, também contemplarão parte da busca para a pesquisa. Foram ainda realizadas entrevistas
com profissionais de saúde dos institutos acima citados.
A linha de pesquisa adotada será a semiótica aplicada à comunicação com vistas à
interpretação do processo de emissão das divulgações. Contudo, pretende-se referenciar
17
também alguns teóricos da comunicação de massa, objetivando contrapor a funcionalidade
dos veículos de comunicação com as mensagens que de fato atingem as mulheres.
No capítulo I, comenta-se sobre assuntos significativos das conquistas femininas, seus
tabus e preconceitos enraizados na história da civilização humana e cujas premissas foram
originárias do papel da mulher na sociedade. A partir da conceituação estética, a pesquisa visa
ponderar sobre a saúde feminina, a imagem da mulher na mídia e a estratégia de consumo
direcionada a esse público-alvo. Importa analisar como esse comércio de informações
estabelece vínculos nos artefatos da sociedade de massa.
Nesta parte da bibliografia, foram escolhidas, entre outras, as obras de BEAUVOIR
(1970 e 1975), pela reflexão histórica da situação feminina na sociedade e pela análise da
condição da mulher no âmbito sexual, psicológico, social e político.
Durante a descrição da história feminina, o texto citará pesquisadores cujas obras
retratam a relação de poder estabelecida entre os sexos. LIPOVETSKY (2000) será outro
autor referente ao texto argumentativo sobre gênero e analogia de comando imposta à mulher,
primeiramente, devido à conduta moral oriunda da valorização da família, e em seguida,
ponderando sobre a contemporaneidade e a autoridade sofrida pela mulher,
predominantemente relacionada à estética.
O autor assume que o desenvolvimento do individualismo feminino e a intensificação
das pressões sociais das normas do corpo pertencem ao mesmo patamar ditatorial. De um
lado, o corpo feminino se emancipou amplamente de suas antigas sujeições, fossem sexuais,
procriadoras ou indumentárias. De outro, hoje, encontra-se reprimido a coibições estéticas
mais imperativas, normativas e precursoras de ansiedade do que antigamente.
A partir da conceituação estética, a pesquisa visa ponderar sobre a saúde feminina e a
imagem da mulher na mídia. Embora apareçam comumente nos veículos de comunicação, as
divulgações sobre saúde são matérias que, em grande parte, direcionam-se ao consumo de
cosméticos, tratamentos diversificados e terapias milagrosas. A abordagem sobre saúde da
mulher, quando não é superficial, é mínima se comparada a outras tantas relacionadas a
vendas.
Pode-se considerar que sobre o aparecimento do câncer de mama na mídia, as
campanhas se caracterizam como pioneiras, cujos resultados tendem a desmistificar e
desconstruir a imagem estigmatizada que antigamente conceituava a mulher como simples
reprodutora, lembrando que há poucos anos atrás, as necessidades de consultas médicas
femininas aconteciam somente em casos ligados à gestação e procriação.
18
A finalidade da mídia e suas concepções histórico-sociológicas também serão
incorporadas à pesquisa, como por exemplo, na utilização dos conceitos de ADORNO (1989)
a respeito da teorização e elaboração do termo indústria cultural, escrito por ele e
pesquisadores da Escola de Frankfurt, em 1947. Nessa etapa do projeto, implica estudar o
quanto as imagens e narrativas oferecidas pelos veículos de comunicação fortalecem a
proposta de operar sobre as cenas imaginárias do universo feminino.
Outra característica a ser ressaltada da “indústria cultural” na pesquisa é a
estratificação dos públicos, cujas delimitações abrangem as diferentes faixas etárias e gênero
dos indivíduos, como por exemplo, as categorias infantil, infanto-juvenil, juvenil, feminina,
estudantil, entre outras. Esta linha de raciocínio será seguida com a finalidade de interpretar as
mensagens publicitárias proporcionadas diariamente pela mídia, e até que ponto a
popularização do assunto saúde é acessível às mulheres, considerando qual é papel do câncer
de mama no contexto mercadológico da comunicação.
No final do capítulo I, o texto abordará a relação entre as peculiaridades da mensagem
midiática para mulheres e como é idealizada a estratégia de consumo direcionada a esse
público-alvo. Importa analisar como esse comércio de informações chega às pessoas, que tipo
de produtos são oferecidos e como as diferentes classes econômicas femininas vivenciam essa
realidade proposta nos artefatos da sociedade de massa.
No capítulo II, pretende-se abordar de maneira exploratória o contexto do câncer de
mama no Brasil por meio da utilização de dados de incidência, mortalidade e erradicação da
doença. Essa etapa da pesquisa enfatizará tabelas, gráficos, legislações, políticas e
informações de órgãos públicos nacionais e internacionais, como O Programa de Cirurgia
Plástica Reconstrutiva da Mama, a Política Nacional de Atenção Oncológica, a Relação
Nacional de Medicamentos Essenciais, entre outros. Serão utilizados dados da OMS -
Organização Mundial de Saúde, Ministério da Saúde do Brasil, INCA - Instituto Nacional de
Câncer, IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, entre outros.
O texto também trará questões relativas à mastectomia – técnica cirúrgica que
compreende a retirada integral da mama e do músculo peitoral –, incorporando os
enfrentamentos psicológicos da feminilidade. Para descrever esse lado mais subjetivo do
gênero e das conseqüências físicas e sociais da doença serão analisadas as considerações de
ZECCHIN (2004). A pesquisadora utiliza-se da simbologia do seio para descrever a
mastectomia como uma mutilação dos sentimentos e das experiências individuais do universo
feminino.
19
Por fim, serão acrescentadas ao capítulo as idéias de SONTAG (2002), romancista,
ensaísta, feminista, que descreveu o caráter lingüístico das doenças, especificamente do
câncer. Talvez pela própria vivência da escritora como portadora da doença, a obra destaca-se
pela análise da retórica e da imagem do câncer em importantes fatos históricos da
contemporaneidade.
O capítulo III trará a interpretação da campanha O câncer de mama no Alvo da Moda
do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer – IBCC. Para tais análises a linha de pesquisa
adotada é a semiótica Peirceana, que tem sua base nos estudos de Charles Sanders Peirce
(1839-1914), com referências ao seu conceito da tríade dos signos
1
. Os fundamentos e
representações interpretativas serão estudados a fim de entender as noções de produção de
significados, ou seja, da semiose publicitária.
Um dos pontos-chave dessa ciência dos signos é a capacidade de categorização dos
seus diferentes enunciados e significados, pois sendo considerados signos as palavras, os
sons, os símbolos, os índices, etc., com cadeias de representações infinitas, a semiótica se
torna uma teoria básica para a compreensão da heterogeneidade nos processos de transmissão
dos códigos humanos. Sendo assim, é possível compreender os códigos da comunicação
como um todo e decifrar as ações de propaganda com um embasamento crítico referente à
autoria das mensagens.
Nesta linha de pesquisa, serão adotadas as obras de SANTAELLA (2004 e 1998) e
PEREZ (2004), por seus estudos críticos dos signos e por demonstrar de quais maneiras a
semiótica Peirceana pode ser aplicada na publicidade e na comunicação como um todo.
A partir do estudo dos signos, surgem as três divisões básicas da semiótica em que as
características das peças publicitárias ficam evidenciadas com mais clareza, e de certa
maneira podem decifrar os objetivos finais da marca construída de uma campanha de controle
do câncer de mama. Essa identidade marcária analisada semioticamente interfere na rotina
social das mulheres, gerando interpretantes de educação e precaução e, em último caso,
também pode gerar a criação de hábitos, como por exemplo, do auto-exame e exame clínico
das mamas.
O signo câncer de mama detém alto poder simbólico há décadas; porém, devido ao
crescimento da doença no século XXI, hoje, seus referenciais e interpretantes atingem maior
grau de impacto comportamental. No contexto de caracterização das representações
1
Segundo Peirce, diante de qualquer acontecimento, isto é, para conhecer e compreender qualquer coisa, a
consciência produz um signo, ou seja, um pensamento como mediação irrecusável entre nós e os fenômenos.
20
simbólicas e figurativas da linguagem contemporânea, as palavras relativas à doença são
carregadas de fortes interpretações, como por exemplo, maligno ou benigno, células
invasoras, entre outras.
A palavra câncer está carregada de significados da proliferação de qualquer malefício,
sendo usada em diferentes contextos da linguagem da comunicação humana. Os objetos de
estudo encontram-se nos jornais, em discursos políticos e na mídia em geral. Na área da
publicidade, a tendência é notável, pois apesar de descrever de uma maneira bem mais sutil,
prioriza o discurso do “combate” à doença.
Por fim, espera-se que se avaliem todas as peças de publicidade do câncer de mama
referidas na pesquisa por meio da junção da análise semiótica com as teorias de comunicação
de massa. A idealização consiste em discursar sobre a funcionalidade dos meios, neste caso
voltados ao público feminino, e avaliar se o processo de emissão assume o caráter informativo
e educativo sobre a doença.
No capítulo IV, serão analisadas as peças de atuação do Inca e as relações da saúde
pública com o viés da comunicação, comentando sobre a premissa do caráter informativo e
educativo da doença.
Pretende-se, nos dois últimos capítulos da pesquisa, decompor os elementos de
identidade marcária das peças comunicativas sobre câncer de mama que, adotados no
processo de emissão publicitária, tornam-se passíveis de interpretações analíticas.
Para esse trecho serão utilizadas as obras de IASBECK (2002) e FIORIN (1998) sobre
a construção dos slogans, pois se acredita que o material lingüístico desses textos decifre e
gere significados das relações de cultura, sintetizando pontualmente o objetivo da
comunicação imediata. Já os signos cromáticos, as cores estabelecidas para as peças
publicitárias, serão analisadas pelas obras de FARINA, PEREZ e BASTOS (2006) e
HELLER (2005).
As hipóteses elaboradas apontam para um paradoxo entre divulgação massiva do
assunto e o entendimento efetivo da doença, supondo-se que a condição social da mulher
evoluiu em relação aos benefícios alcançados decorrentes do acesso à informação, embora tal
comunicação não alcance patamares significativamente influentes na erradicação e prevenção
da doença.
21
Capítulo I
Gênero no universo midiático
22
1.1 – Mulheres e comunicação de massa
A relação ontológica do feminino e do masculino iniciou sua disparidade na
pragmática degradação que o homem corroborou para si mesmo em toda a História ao apontar
sempre manifestações decisivas e desveladas no modo de conceber o poder. Nestes séculos de
civilização, ocorreu em certa medida o desenvolvimento social, a decisão, finalização e o
recomeço de conflitos militares e as circulações de informações que fortaleceram a escalada
das grandes descobertas. Porém, a eqüidade entre os gêneros está ainda em processo
constitutivo.
É pelo exercício do trabalho que a mulher vem diminuindo a distância que a separava
da igualdade com o homem. A independência concreta do universo feminino esteve
ininterruptamente ligada às grandes lutas por igualdade de direitos e, principalmente, às
conquistas do século XX, que foram a grande força de propulsão para o reconhecimento da
mulher no campo profissional, familiar e na sociedade de um modo geral. Assim sendo, para
entender as representações femininas faz-se necessário priorizar a exposição crítica de alguns
fatos ligados à sua trajetória histórica.
A partir de uma leitura social do contexto das questões de gênero, pode-se concluir a
incorporação de uma atribuição mercadológica, instituída e afirmada constantemente com
relação ao produto corpo feminino na “indústria cultural”, termo empregado pela primeira vez
no livro Dialektik der Aufklãrung (Dialética do Iluminismo), escrito por Adorno e
Horkheimer, pesquisadores da Escola de Frankfurt, em 1947.
Durante a Revolução Industrial no século XVIII, delineava-se previamente o conceito
de Sociedade de Massa, uma migração
2
da força de trabalho rural européia em direção às
cidades que se encontravam sob dominante processo de industrialização. O desenvolvimento
das técnicas no contexto histórico-sociológico corroborou a segmentação da escala de
produção industrial, iniciando assim o processo de conversão da cultura em mercadoria.
2
Tais migrantes passaram a criar uma arte própria chamada popular, e ao mesmo tempo passaram a consumir em grande
escala os produtos industriais considerados inferiores às criações da cultura e da arte de elite. Este processo foi denominado
como cultura e arte de massa e, para se referir aos meios tecnológicos capazes de transmitir a mesma informação para um
vasto público, cunhou-se a expressão “comunicação de massa”.
23
O entretenimento e os elementos da indústria cultural já existiam muito tempo antes
dela. (...) A indústria cultural pode se ufanar de ter levado a cabo com energia e de ter
erigido em princípio a transferência muitas vezes desajeitada da arte para a esfera do
consumo, de ter despido a diversão de suas ingenuidades inoportunas e de ter
aperfeiçoado o feitio das mercadorias. (ADORNO e HORKHEIMER. Dialética do
esclarecimento, p. 126)
Conforme colocado neste ensaio, o consumidor migra da categoria de “sujeito” para a
de “objeto” e, além da segmentação do trabalho, a “indústria cultural” partilha com setores
empresariais a tendência à maximização do consumo, ou seja, oferece o maior número de
atrativos, mas com uma linguagem acessível a uma grande gama de consumidores em um
processo de constante sincretismo e homogeneização.
Outra característica ressaltada na indústria cultural é a estratificação dos públicos,
cujas novas delimitações abrangem as diferentes faixas etárias e gênero dos indivíduos, como
por exemplo, as categorias infantil, infanto-juvenil, juvenil, feminina, estudantil, entre outros.
No final do século XIX e início do XX, a América Latina passou por movimentos de
modernização, tais como a imigração, expansão do capitalismo, difusão em massa da escola,
transportes, imprensa, telecomunicações, industrialização, cujas conseqüências não foram
democráticas a todas as sociedades estabelecidas. Nesse ínterim, a implantação da indústria
cultural no continente também corroborou a prática do sistema dos meios.
No Brasil, a consolidação da sociedade de massa aconteceu durante o período urbano-
industrial, particularmente após a Segunda Guerra Mundial, em diferentes setores,
acompanhada pelos fenômenos da urbanização e da transformação do sistema de
estratificação social com a expansão das classes operárias e das classes médias, entre outros
fatores. Dentro desse contexto foram redefinidos antigos meios, como o cinema, a imprensa, o
rádio, e direcionados às tendências, como a televisão e o marketing.
Pensando na exposição midiática do público feminino, pode-se afirmar que os “meios”
encontraram um mercado de investimento significativo e de capital altamente rentável,
compondo assim basicamente dois grandes apelos vinculados à problemática do corpo
feminino. Primeiro, a caracterização fetichista e mercadológica na qual a mulher se torna
apenas uma imagem cuja finalidade é a apreensão e apreciação do público masculino;
segundo, um círculo vicioso do consumo de produtos e serviços na incansável e interminável
busca do corpo ideal ditado pelos padrões de beleza contemporâneos, no qual as formas são
estereotipadas e a juventude é glorificada.
24
A cultura de massa “acultura” as novas gerações à sociedade moderna.
Reciprocamente, a juventude experimenta de modo mais intenso o apelo da
modernidade e orienta a cultura de massa nesse sentido. (...) Assim a cultura de
massa desagrega os valores gerontocráticos, acentua a desvalorização da velhice, da
forma à promoção dos valores juvenis, assimila uma parte das experiências
adolescentes. (...) Sociologicamente, ela contribui para o rejuvenescimento da
sociedade. (MORIN, 2007, p.157)
Estudar as imagens e narrativas oferecidas pela indústria cultural fortalece a proposta
de operar sobre as cenas imaginárias do feminino, considerando a mídia mais como uma fonte
ativa de reprodução e renovação dos valores. Sendo assim, a narrativa da representação social
da mulher nos meios de comunicação permanece intrinsecamente ligada ao seu contexto
histórico-sociológico.
A mulher enfrenta tabus, preconceitos e ocupa um papel de desvalorização na
sociedade há muito tempo. BEAUVOIR, em seu livro célebre, O Segundo Sexo, composto em
dois volumes – Fatos e Mitos e A Experiência Vivida, analisa, entre outros pensadores,
Friedrich Engels
3
e sua obra A origem da família, da propriedade privada e do Estado.
A autora pondera sobre a afirmação de que a história feminina depende essencialmente
da história das técnicas. Considera que na Idade da Pedra, quando a terra era comum a todos,
as possibilidades agrícolas eram universalmente limitadas. As forças femininas estavam
focadas no trabalho doméstico, visto essencialmente como produtivo, com a fabricação de
vasilhames, tecelagem, jardinagem, desempenhando um papel importante na vida econômica
e ocasionando duas classes distintas, porém com igualdade entre elas.
Com a descoberta do cobre, do estanho, do bronze e do ferro, com o aparecimento da charrua,
a agricultura estende seus domínios. Um trabalho intensivo é usado para desbravar florestas,
tornar os campos produtivos. O homem recorre, então, ao serviço de outros homens que reduz
à escravidão. A propriedade privada aparece: senhor dos escravos e da terra, o homem torna-se
também proprietário da mulher. Nisso consiste “a grande derrota histórica do sexo feminino”.
(BEAUVOIR, 1970, p. 74)
3
Friedrich Engels (1820-1895) foi um filósofo alemão que escreveu, entre outras obras, A Origem da Família, da
Propriedade Privada e do Estado, na qual, por influência do marxismo, analisa o foco materialista do desenvolvimento da
civilização, classificando os diferentes tipos de família como: família consanguínea; família punaluana; família pairing; e
família monogâmica. O livro também prioriza explicar a passagem do matriarcalismo ao patriarcalismo, correlacionando-a ao
começo da propriedade privada e, conseqüentemente, ao início do Estado.
25
BEAUVOIR concorda com os argumentos de Engels, embora afirme que para
conhecer a situação da mulher “é preciso ir além da teoria do materialismo histórico que só vê
no homem e na mulher entidades econômicas”. Já ambos autores concordam com os aspectos
da corrente que afirma a humanidade não como uma espécie animal, mas como uma realidade
histórica na qual a sociedade humana não sofre passivamente a presença da Natureza; ela a
refaz constantemente, tomando posse sobre ela. Essa retomada de posse não é uma operação
interior e subjetiva, mas se efetiva objetivamente na práxis.
O racionalismo científico, além de não libertar a mulher da dominação masculina
concebida por meio das técnicas e do desenvolvimento da agricultura, sedimentou os
preconceitos. Os primeiros cientistas, como Platão (428 a.C – 347 a.C), consideravam a
mulher sexualmente demoníaca, ou como Aristóteles (384 a.C – 322 a.C), julgavam-nas
psicologicamente irresponsáveis, e até o médico grego Galeno (131 d.C – 200 d.C) afirmava
que o sexo feminino era fisicamente imperfeito.
Assim, a mulher não poderia ser considerada apenas um organismo sexuado: entre os dados
biológicos só têm importância os que assumem na ação, um valor concreto; a consciência que a
mulher adquire de si mesma não é definida unicamente pela sexualidade. Ela reflete uma
situação que depende da estrutura econômica da sociedade, estrutura que traduz o grau de
evolução técnica a que chegou a humanidade. (BEAUVOIR, 1970, p.73)
Já sobre o psicanalista Sigmund Freud (1856-1939), médico neurologista e fundador
da psicanálise, a crítica de Beauvoir faz-se ainda mais expressiva. A autora rejeita suas
contribuições nas quais enxerga apenas valores misogenistas. “É porque é do ponto de vista
dos homens – e é o que adotam os psicanalistas de ambos os sexos – consideram-se femininas
as condutas de alienação, e viris aquelas em que o sujeito afirma sua transcendência.”
Corrobora-se, assim, a alusão da mulher passiva.
O mito é uma dessas armadilhas da falsa objetividade. Trata-se mais uma vez, de substituir a
existência vivida e os livres julgamentos que ela reclama por um ídolo imoto. A uma relação
autêntica com um existente autônomo, o mito da mulher substitui a contemplação imóvel de
uma miragem.
26
BEAUVOIR questiona a estrutura hierárquica e a naturalização das relações sociais
que durante séculos sustentaram as desigualdades entre os sexos. Por ser existencialista
4
, a
autora entende a liberdade como escolha incondicional que o indivíduo faz do seu ser e do seu
mundo. Quando a mulher julga estar subordinada a forças externas mais poderosas do que a
sua vontade, esse julgamento é uma decisão livre. Em outras palavras, o conformismo ou a
resignação são decisões livres.
A autora não enxerga a mulher como um sexo frágil ou uma vítima do homem e de
sua dominação, mas como uma vítima de si mesma, de sua passividade.
Contemporaneamente, a realidade já se faz distinta; porém, em 1949, época na qual a autora
escreveu tal obra, a ideologia pregada em seus textos era no mínimo revolucionária.
Olhos de reconstrução e transformação. A mulher necessita repensar sua colocação no
mundo, bem como suas premissas de ser mãe, dona de si e de seus desejos, pois para a
filósofa francesa, a categoria de segundo sexo é uma imposição. “A sociedade sempre foi
masculina; o poder político sempre esteve nas mãos dos homens. ‘A autoridade pública ou
simplesmente social pertence sempre aos homens’, afirma Lévi-Strauss sobre seu estudo
sobre as sociedades primitivas”.
Segundo sexo é uma denominação baseada na irreversível oposição humana em
relação ao diferente. O homem apenas se enxerga ao pensar e avaliar o outro, ou seja, aprende
o mundo sob o signo da dualidade.
Esclarece-se, ao contrário, se, segundo Hegel descobre-se na própria consciência uma
hostilidade fundamental em relação a qualquer outra consciência; o sujeito só se põe em se
opondo: ele pretende afirmar-se como essencial e fazer do outro o inessencial, o objeto. (1970:
12)
BEAUVOIR afirma: “São os homens que compõem os códigos”, e pode-se considerar
que são eles que escreveram grande parte da História ocidental também. Portanto, foi a partir
de tais ordens de sistema que a mulher se encontrou restrita a alguns estereótipos. A mãe e a
prostituta foram os mais comuns. Todavia, o feminismo reagiu contra essa negação da
autonomia da existência do gênero, rejeitando a idéia do eterno e passivo “bom feminino”,
conseguindo assim novos traços de desenvolvimento. Hoje em dia, graças a tais conquistas,
existe uma grande diversidade de representações de mulheres.
4
O existencialismo considera cada indivíduo como um ser único que é autor dos seus atos e do seu destino.
27
Nas palavras de LIPOVETSKY (2000), também filósofo e francês, embora
contemporâneo, em A terceira mulher – permanência e revolução do feminino, a revolução do
feminino surge com a liberdade sexual conquistada pela mulher e por intermédio do trabalho,
ou seja, a partir da época em que surgiram outras profissões e a sombra da prostituição deixou
de ser crucial. O autor defende que o liberalismo cultural sustentado pela eficácia do consumo
e da comunicação de massa autonomiza o sexo em relação à moral, generaliza o princípio de
livre posse de si e desvaloriza, em partes, o esquema da subordinação entre os sexos.
A revolução das necessidades, revolução sexual: a época do consumo de massa não se
caracteriza apenas pela proliferação dos produtos, mas também pela profusão dos signos e
referenciais do sexo. Os anos 50 são testemunhas de uma escalada erótica da publicidade;
Eros
5
se exibe um pouco em toda a parte nos filmes e nas revistas, antes mesmo que a pílula e a
irrupção das correntes contestadoras iniciem a revolução dos costumes dos anos 60-70. (...) À
medida que a liberdade sexual deixou de ser um sinal de moralidade, a atividade profissional
feminina se beneficiou de julgamentos muito mais amenos. (LIPOVETSKY
, 2000, p. 229)
A primeira mulher é o estereótipo do indivíduo subordinado ao homem, confinada às
“atividades sem brilho”. A segunda é esclarecida, batalhadora, enaltecida e idolatrada pelas
feministas; todavia, o autor não acredita mais na permanência dessas duas generalizações
categóricas. Agora, a terceira mulher está inserida na lógica liberadora do individualismo
contemporâneo e se encontra ainda presa aos valores sociais modernos, embora estes tenham
reinventado e reorganizado suas velhas ideologias de sujeição feminina.
LIPOVESTSKY não faz jus à categorização numérica e comportamental de Beauvoir,
na qual a mulher se encontra como o segundo sexo, subordinada ao sexo masculino. Porém,
realiza uma avaliação dos papéis femininos na atualidade, expondo a não afirmação da mulher
no papel de vítima dominada pelo macho, nem no desempenho de indivíduo combativo
anunciado pelo feminismo histórico.
Para o desenvolvimento do progresso feminino, as instituições organizadas de
mulheres tiveram um papel fundamental nos últimos séculos, sempre combativo, mas
infelizmente pouco difundido. Nas palavras do autor, ocorreu uma significativa alternância
de exigências. Nas décadas de 60 e 70, o feminismo se empenhava em emancipar a
sexualidade das normas morais, em fazer regredir a influência do social sobre a vida privada.
Hoje, ao contrário, a reivindicação é cada vez mais de controle público sobre a vida privada,
5
Na mitologia grega, Eros, filho de Afrodite, é o deus do amor.
28
com leis sobre o assédio sexual, códigos de comportamento e linguagem corretos, proibições
da pornografia, entre outros.
A conversão dessas cobranças deve-se ao poder de comercialização e fetichismo
sucumbido ao corpo feminino e, conseqüentemente, aos seus estigmas atuais. Atualmente, o
mercado está mais do que nunca voltado para a eterna busca da beleza, ocasionando assim
uma incansável busca pela perfeição, na qual o ápice do consumo se torna inatingível,
provocando constantes sentimentos depressivos estético-narcisistas, ou, como comenta
LIPOVETSKY, a incansável reafirmação do belo sexo, ou a continuação da dominação
masculina e da negação da mulher por novos meios.
Paradoxalmente, o desenvolvimento do individualismo feminino e a intensificação das
pressões sociais das normas do corpo andam juntos. De um lado, o corpo feminino se
emancipou amplamente de suas antigas servidões, sejam sexuais, sejam procriadoras ou
indumentárias: do outro, ei-lo, submetido a coerções estéticas mais regulares, mais imperativas,
mais geradoras de ansiedade do que antigamente. (2000, p. 135)
Implica ressaltar que durante a maior parte da História da humanidade, a mulher não
representou de modo algum a encarnação suprema da beleza. Ao se descrever a Pré-história e
as sociedades selvagens, pode-se concluir que a perfeição estética é um fenômeno social. Com
base no autor, no período Paleolítico, as representações de mulheres eram mais signos
femininos, como triângulos pubianos e estatuetas de mulheres nuas de seios flácidos e
hipertrofiados e bacias grandes, símbolos de fertilidade. No Neolítico, já se notam traços mais
humanos. As deusas-mães apresentam expressões de poder acima dos homens.
Porém, com o aparecimento do Estado e das classes sociais, o reconhecimento social
da beleza feminina entrou em uma nova fase histórica, como no caso da Grécia Clássica
(houve também nessa época os primeiros sinais da consagração e do culto à beleza masculina,
manifestações mais direcionadas aos âmbitos do poder, dos esportes e da guerra). São
exemplos as deusas do Panteão: Hera, Ártemis, Atena e Afrodite, e também as representações
de Pandora, constantemente ligada a uma parte maléfica das mulheres, e Helena, cuja beleza
serviu de pretexto à guerra de Tróia.
29
Figura 1 - Eva Prima Pandora, de Jean Cousin. França, século XVI
Fonte: Yalom, História do Seio, 1997
Apesar de beleza não ser um conceito recente, enxerga-se hoje um acréscimo no seu
ambiente de manifestação cultural e social. O mito do corpo transpôs novos valores para a
sociedade mais democrática, tecnológica e globalizada, renunciando assim a sua subordinação
ao destino. Há algum tempo, a beleza estética composta por padrões harmoniosos era
considerada uma dádiva. Alguns nasciam belos; aos demais restava a resignação. Agora, o
universo delineou-se variavelmente. A virtude do homem é a falta de acomodação, ou seja, é
possível sempre recuperar os juros biológicos e realizar uma dieta rigorosa, uma cirurgia
plástica e, assim, ficar mais bonito. Basta lutar e/ou pagar.
O belo continua a ser uma característica mais feminina do que masculina, oriunda da
Renascença, quando a perfeição era sagrada; e para resguardá-la, a mulher se encontrava
condenada a um papel limitado e doméstico. O movimento feminista e a sociedade de
consumo alteraram esse contexto, mas a mulher não deixou de ter uma identificação
fortemente ligada à estética.
Para LIPOVETSKY, as mulheres, por imposições culturais, desvalorizam a imagem
que fazem de si, desviando-a do combate social e da vida política. Contentam-se com
empregos subalternos, aceitam salários inferiores aos dos homens, são pouco sindicalizadas,
respeitam mais os homens do que a si mesmas, embora na modernidade, apesar de existirem
algumas poucas permutabilidades dos papéis do sexo, haja a constituição de distâncias
diferenciais mais tênues, menos anuladoras, não diretivas e com princípios de livre disposição
de si.
30
A mídia seguiu uma tendência pouco contestadora no que tange aos assuntos
femininos e, segundo BOSI (2000), tal situação se deve ao fato de os veículos de
comunicação assumirem posições avessas às polêmicas sociológicas. “A despolitização tem
origem no desejo de agradar o maior número possível de leitores. Como a religião, a política é
algo que divide.” Porém, por outro lado, a autora defende o conceito de “democratização da
informação” advindo do poder midiático. Até meados do século XIX, o significado de
“cultura”, algo acessível apenas à nobreza e à alta burguesia, não tinha mais vigência na
medida em que os meios informativos passaram por um processo de generalização.
Há cada vez mais largas faixas de comunicação não acadêmica, comuns a várias classes
sociais: a ação do rádio, da TV, do cinema, dos jornais, das revistas, dos livros de bolso é de tal
sorte que, em termos quantitativos, se pode aproximar (e, não raro, identificar) os meios de
comunicação e os meios de cultura, sobretudo nas nações mais desenvolvidas. (BOSI, 2000, p.
32)
Outro foco relevante sobre mídia e gênero aparece em MATTELART; sua tese
decorre sobre o fato da mulher ser um dos alvos prediletos da cultura de massa e, mediante
uma nova ordem simbólica, o feminino é obrigado a cumprir dois papéis: primeiro, o de
pacificadora e sujeito ao qual cabe resolver certas contradições do sistema, como a família e a
educação; segundo, o papel de pilar da “economia de apoio”, colaborando com a força de
trabalho desvalorizada e não remunerada, assegurando uma alta taxa de mais-valia
6
ao salário
do marido e, indiretamente, da mulher também. Ao decorrer de sua argumentação, a autora
comenta sobre o papel materno nesse contexto com suas novas manifestações de prazer e
labor.
Este tipo de familia, que su vez está em crisis, cuya identidad ha estallado en una suma de
conciencias individuales, aisladas, dirigidas hacia si mismas, narcisistas, ofrece a la industria
de los ócios um objetivo múltiple. Las nuevas formas de control social unidas a la aparición de
la “cultura del narcisismo” se incriben em um contexto sócio-psicológico caracterizado por la
sensación de la degradacion del trabajo y la búsqueda de la satisfacion em terreno de la vida
privada, espacio del ócio. Así se situa la gran propaganda publicitaria cuyo objetivo es
proyectar unas imagenes de satisfaciones totales e inmediatas que vayan asociadas al consumo
de los bienes, de los servicios y de las experiencias. (MATTELART, 1982, p.113)
6
Mais-valia é o termo criado por Karl Marx para a diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o salário pago ao
trabalhador, que justificaria a fundamentação da exploração no sistema capitalista.
31
A mídia detém grande poder de influência sobre a criação, manutenção e difusão de
modelos comportamentais, uma ferramenta importante na disseminação de questões
relevantes à sociedade. Deve-se levar em consideração que a televisão possui papel
preponderante nesse modelo de sociedade marcada pelos investimentos econômicos. Por ser o
veículo de comunicação mais persuasivo e com alto poder sinestésico e metafórico em todas
as classes sociais, a TV é um meio de comunicação que está presente no cotidiano social; tem
um caráter apelativo marcante seduzindo e interferindo diretamente nos valores culturais.
Já a cultura representa um meio particular de integrar sociedades e povos dentro de
aspectos universais distintos, podendo ser entendida como a totalidade daquilo que foi
elaborado e repassado pela atividade humana na construção de um mundo coletivo e na
identificação de um determinado grupo. Nesse aspecto, a sociedade de informação traduz as
manifestações culturais em constantes estratégias mercadológicas; assim sendo, a informação
provoca no contexto social mudanças de interesses de consumo.
A novidade se torna imperativo na modernidade, e neste panorama, a mulher tornou-se
um alvo para o mercado, ansiando por inovação para resolver características naturais do seu
corpo por meio de instrumentos que promovam o desejo da beleza, como a moda, os
cosméticos, os serviços de estética, a alimentação, entre outros. Esse ciclo apoiado na
publicidade adentra a sociedade e resulta na renovação das necessidades.
Grande parte do público feminino tem acesso ao mercado de produtos e bens de
consumo, incentivando assim as corporações que alimentam a continuidade da indústria
cultural a investirem em novos produtos de acordo com os estratos sociais, ao mesmo tempo
em que produzem similares com qualidades distintas. Pode-se verificar uma democratização
do acesso ao consumo por intermédio da massificação dos produtos oferecidos na lógica
mercadológica. A sociedade de consumo legitimou o ideal de viver melhor, e a propaganda
baseada no desejo de melhorar de vida é praticamente universal. Neste momento, implica
diagnosticar as diferenças entre as melhorias necessárias no contexto do empoderamento
feminino e as iniciativas estabelecidas da área de comunicação.
32
1.2 – Meios de comunicação e eqüidade de gênero no Brasil
No Brasil, o órgão formado e mantido pelas agências de publicidade, empresas
anunciantes e veículos de comunicação, o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação
Publicitária – CONAR, não aborda diretamente o assunto relacionado aos estigmas femininos
e suas especificidades. A organização, apesar de não ser reconhecida como instituição social,
é a única fiscalizadora da ética na propaganda comercial veiculada no país, norteada pelas
disposições contidas no Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, documento
este que se apóia em legislações e diretrizes datadas das décadas de 1950 a 1970
7
. Cabe
ressaltar que no Brasil, ainda há legislação específica sobre a publicidade e a propaganda; o
CONAR é apenas uma auto-regulamentação fundamentada em normas.
Tal ausência de leis específicas contra a deturpação da imagem feminina decorre de
um processo nacional negligente com os assuntos de igualdade de gênero desde o tempo
Brasil-colônia e que perpetua até hoje. Pouco se comenta das iniqüidades ocorridas nos
campos históricos, profissionais e políticos com as mulheres brasileiras. Talvez a isto se deva
a frase divulgada por Beauvoir no final da década de 40: “Toda a história das mulheres foi
escrita pelos homens”. E, portanto, acrescentou Teles
8
(1993), “está sob suspeição”.
Para tal questão obscurantista da história feminina Beauvoir completa:
Cumpre observar que em Paris, sobre cerca de mil estátuas (exceptuando-se as rainhas que por
razões de ordem puramente arquitetural cercam o Luxemburgo) somente dez foram erguidas a
mulheres. Três são consagradas a Joana d’Arc. As demais são de Mme de Segur, George Sand,
Sarah Bernhardt, Mme Boucicault e a Baronesa de Hirsh, Maria Deraismes, Rosa Bonheur.
(1970: p.170)
A autora ainda ressalta: “A proporção de Rainhas que realizaram grandes governos é
infinitivamente superior a dos grandes reis. Isabel, a católica, Isabel da Inglaterra, Catarina da
Rússia. O mesmo acontece com as santas”.
7
Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária. Disponível em: www.conar.org.br. Acesso em: 24 jul.
2007.
8
Maria Amélia de Almeida Teles é ativista dos movimentos feministas e de direitos humanos desde os anos
1970. Foi vítima de tortura quando esteve presa por motivos políticos em São Paulo (1972/1973), à época,
grávida de sete meses, cujo filho nasceu na prisão. Pertenceu à equipe do Jornal Brasil Mulher e à coordenação
dos três Congressos Paulistas de Mulheres. Fez parte do Comitê Brasileiro pela Anistia. Trabalhou no Conselho
Estadual da Condição Feminina. Fez parte da Assessoria da Comissão de Direitos Humanos da Câmara
Municipal de São Paulo. Atualmente, faz parte da Comissão Especial da Lei 10.726/2001, que visa a indenizar
os ex-presos políticos torturados.
33
Porém, voltando ao entendimento da questão sexista nacional, TELES destacou
inúmeras mulheres que morreram defendendo suas terras, famílias e direitos, ou mesmo as
que lutaram à época da ditadura militar brasileira, e complementa: “Mesmo as mulheres que
foram protagonistas de movimentos sociais, como as de lutas pela reforma agrária, direito à
moradia, incorporação das trabalhadoras rurais e domésticas à legislação trabalhista, não têm
tido condições para escrever sua própria história”.
Todavia, em sua obra, é possível conhecer grande parte das brasileiras memoráveis
historicamente, desde as negras fugitivas e formadoras de núcleos de resistência no Período
Colonial, as representantes dos embates na Primeira e na Segunda República até as ativistas
na periferia dos centros urbanos nacionais, como por exemplo, as mulheres das organizações
de luta por creche, além de sindicalistas, jornalistas, escritoras, artistas, entre outras.
Hoje, apesar dos avanços nas políticas públicas de gênero no país, ainda persistem
dados vergonhosos sobre a violência contra mulheres. Dados da Fundação Perseu Abramo,
realizados pelo Núcleo de Opinião Pública, embora respectivos ao ano 2001, demonstram o
quanto o assunto violência necessita de transformações. Por meio de um estudo sobre o
universo feminino, o Núcleo indicou que pelo menos 6,8 milhões, dentre as brasileiras vivas,
já foram espancadas ao menos uma vez na vida. Considerando-se que 31% declararam ter
passado pela última ocorrência no período dos 12 meses anteriores à pesquisa, o que são cerca
de 2,1 milhões de agressões nesse ano no país, 175 mil/mês, 5.800/dia, 243/hora ou quatro por
minuto, ou seja, já no início do século XXI, uma mulher era agredida a cada 15 segundos no
Brasil.
9
Segundo a Organização das Nações Unidas, a violência contra a mulher na família
representa a principal causa de lesões em mulheres entre 15 e 44 anos no mundo, e implica
14, 6% do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina, cerca de 170 milhões. No Brasil, a
violência doméstica custa ao país 10,5% do seu PIB.
Atualmente, nota-se um maior número de iniciativas governamentais para tal
problemática, como o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher – PAISM e a
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, que estabelecem ações para a melhoria de
vida das brasileiras. Porém, as atuações não são homogêneas e ainda há significativa
discordância entre as regiões do país.
10
9
Portal da Fundação Perseu Abramo - http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=700
10
http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sepm/publicacoes/
34
Gráfico 1 – Serviços Especializados de atendimento à mulher em situação de violência que receberam apoio da Secretaria
Especial de Políticas para as Mulheres - Fonte: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2006
Outra medida em voga sobre a coibição da violência doméstica e familiar contra a
mulher é a Lei Maria da Penha
11
, vigente desde setembro de 2006, nos termos da Constituição
Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra
a Mulher. Segundo a lei
12
, são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre
outras:
11
A biofarmacêutica Maria da Penha Maia lutou durante 20 anos para condenar seu agressor e virou símbolo contra a
violência doméstica. Em 1983, seu marido, o professor universitário Marco Antonio Herredia, tentou matá-la duas vezes. Na
primeira vez, deu um tiro, deixando-a paraplégica. Na segunda, tentou eletrocutá-la. Na ocasião, ela tinha 38 anos e três
filhas, entre 6 e 2 anos de idade. A investigação começou em junho do mesmo ano, mas a denúncia só foi apresentada ao
Ministério Público Estadual em setembro de 1984. Oito anos depois, Herredia foi condenado a oito anos de prisão, mas usou
de recursos jurídicos para protelar o cumprimento da pena. O caso chegou à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos
da Organização dos Estados Americanos (OEA), que acatou, pela primeira vez, a denúncia de um crime de violência
doméstica.
12
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm
35
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde
corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e
diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que
vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição
contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou
qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a
manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação
ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua
sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao
matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou
manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção,
subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos
pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer
suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou
injúria.
Porém, não é apenas a violência um fator impeditivo à igualdade de gênero no Brasil.
Conforme dados divulgados pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
13
, entre os
anos de 2003 e 2006, houve uma união de todos os ministérios e órgãos governamentais com
a finalidade de atender às reivindicações de incorporação das especificidades das mulheres
nas gestões públicas e no estabelecimento das condições necessárias para a sua plena
cidadania.
No Gráfico 2, as legendas correspondem aos organismos do Plano Nacional de
Políticas para as Mulheres, sendo MCid – Ministério das Cidades, Minc – Ministério da
Cultura, MPOG – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, SEDH – Secretaria
Especial dos Direitos Humanos, MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário, MJ –
Ministério da Justiça, MS – Ministério da Saúde, SEPIR – Secretaria Especial para Políticas
de Promoção da Igualdade Racial, MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate
à fome, MMA – Ministério do Meio Ambiente, MTE – Ministério do Trabalho e Emprego,
SPM – Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, MEC – Ministério da Educação, MME
– Ministério de Minas e Energia e SEAP – Secretaria Especial Aqüicultura e Pesca.
13
A Secretaria foi criada através da Medida Provisória 103, no primeiro dia do governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, para desenvolver ações conjuntas com todos os Ministérios e Secretarias Especiais.
Fonte: http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sepm/
36
Gráfico 2 – Divisão de Ministérios e Secretarias dentro do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
Fonte: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2006
Os avanços conquistados pelo Brasil em relação às questões de gênero são derivados
de marcos históricos influenciados pelos contextos sociais de determinadas épocas junto ao
esforço de inúmeras mulheres, como por exemplo, acesso aos esportes (1924), o direito de
estudar (1827), o ingresso nas universidades (1875) e o voto feminino no Brasil
14
(1932).
Entre as mulheres mais influentes na História nacional destacam-se algumas
personalidades, como a bióloga Bertha Lutz (1894 - 1976), que ao se aproximar dos
movimentos feministas da Europa e dos Estados Unidos da América, criou as bases do
feminismo no Brasil. Foi fundadora da Federação Brasileira para o Progresso Feminino em
1922, e eleita suplente para deputado federal em 1934. Suas principais bandeiras de lutam
14
Antes, o voto feminino era permitido somente às mulheres casadas e às viúvas e solteiras que tivessem renda própria. Em
1934, tais restrições foram eliminadas do Código Eleitoral, embora a obrigatoriedade do voto fosse um dever masculino. Já
em 1946, a obrigatoriedade do voto foi estendida às mulheres.
37
eram mudanças na legislação trabalhista com relação ao trabalho feminino (igualdade salarial)
e infantil. Outro importante nome foi o de Carlota Pereira de Queiroz (1892 - 1982): médica,
pedagoga e política, fundou a Academia Brasileira de Mulheres Médicas em 1950, e tornou-se
a primeira deputada federal da História do Brasil eleita pelo Estado de São Paulo em 1934.
Além de Patrícia Rehder Galvão, conhecida pelo pseudônimo de Pagu (1910 - 1962),
escritora, jornalista, militante comunista, presa e torturada diversas vezes no decorrer de sua
vida. Em 1950, concorreu a deputada estadual em São Paulo pelo Partido Socialista
Brasileiro, mas não foi eleita.
Hoje, graças a essas e outras inúmeras mulheres existem leis, programas, conselhos,
institutos e diversos organismos voltados para a promoção da igualdade de gênero. Além das
organizações globais, como as Conferências Mundiais sobre Mulheres, nas quais instituições
reivindicam e verificam as medidas de combate às disparidades sociais entre homens e
mulheres - como foi o caso da influência internacional no Brasil a respeito do caso de Maria
da Penha.
Faz-se importante elencar algumas datas mundialmente reconhecidas sobre as lutas
femininas:
8 de março – Dia Internacional da Mulher: a data foi eleita como uma
homenagem a 129 mulheres queimadas vivas em uma fábrica de tecelagem em
Nova Iorque, EUA, em 1857, por reivindicarem um salário justo e a redução da
jornada de trabalho. À época as operárias confeccionavam um tecido lilás,
posteriormente a cor tornou-se referência na luta feminina.
30 de abril – Dia Nacional da Mulher
15
.
18 de maio – Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de
Crianças e Adolescentes; a data escolhida é a da morte de Araceli, menina de
oito anos, violentada e morta de forma hedionda, no Estado do Espírito Santo.
Apesar de identificados, os culpados por sua morte nunca foram punidos.
28 de maio – Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher e Dia Nacional
de Redução da Morte Materna.
25 de julho – Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e
Caribenha.
15
No decorrer da ditadura militar no Brasil, 1964-1984, foi proibida a comemoração do Dia Internacional da Mulher, 8 de
março, e instituiu-se 30 de abril como o Dia Nacional da Mulher.
38
23 de setembro – Dia Internacional contra a Exploração Sexual e o Tráfico de
Mulheres e Crianças.
28 de setembro – Dia pela Discriminação do Aborto na América e Caribe.
10 de outubro – Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher.
25 de outubro – Dia Internacional contra a Exploração da Mulher.
25 de novembro – Dia Internacional da Não-violência contra as Mulheres.
Apesar das conquistas, o Brasil ainda possui uma baixa classificação geral no que diz
respeito às questões femininas segundo estudo realizado pelo World Economic Forum –
WEF, em 2005. O país ocupa o posto de 51º na tabela de empoderamento das mulheres:
avaliação das disparidades globais de gênero, na qual a relação dos níveis de desenvolvimento
da igualdade entre os sexos está representada pelo número um, sendo este o nível mais baixo,
e sete, como máxima eqüidade de gênero (vide Tabela 1). Porém, em comparação com os
índices divulgados pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres entre os anos de
2003 e 2006 (vide Gráfico 3), é notável a desconexão entre os dados de investimentos e
incentivos públicos e os apontamentos realizados nos dois quadros apresentados.
39
Tabela 1 - Empoderamento feminino: avaliação das disparidades globais de gênero
Fonte: World Economic Forum, 2005
40
Gráfico 3 – Ações de Ministérios e Secretarias Especiais para o eixo “Autonomia, igualdade no
mundo do trabalho e cidadania”, do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres –
Fonte: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2005 – 2006.
O mesmo acontece com a questão da saúde feminina na América Latina, classificada
como a pior do mundo, segundo o estudo do WEF (Gráfico 4), atrás do continente africano e
asiático. Mesmo assim, no Brasil, os números apontam crescimentos e união dos organismos
públicos com o assunto (vide Gráfico 5).
41
Gráfico 4 - Empoderamento feminino – Saúde e Bem-Estar
Fonte: World Economic Forum, 2005.
0
5
10
15
20
25
30
35
MS SEPPIR SPM TOTAL
Gráfico 5 - Ações de Ministérios e Secretarias Especiais para o eixo “Saúde das mulheres e direitos sexuais e reprodutivos”,
do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres –
Fonte: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2005 – 2006
As bases estruturais econômicas, históricas e da comunicação na formação da
misogenia e das distintas formulações ideológicas que lhe deram sustentação no decorrer dos
séculos são bases teóricas das políticas reformistas defendidas pela maioria dos movimentos
feministas contemporâneos.
42
De todos os aspectos das questões de gênero nenhum pode ser observado e analisado
separadamente, pois são partes constitutivas de uma narrativa milenar da luta feminina pela
afirmação dos direitos humanos, seja daqueles direitos idênticos aos dos homens, seja
daqueles peculiares às mulheres. Não é possível desvincular a ação pela saúde das
reivindicações econômicas, trabalhistas e políticas. A emancipação feminina transcende o
setor de saúde e se define como a união de direitos em todos os aspectos sociais.
1.3 - Indústria cultural, mulheres e saúde
Desde sua criação, os veículos de comunicação têm reproduzido cultural e
sociologicamente o período histórico vivenciado pelo universo feminino, com representações
padronizadas dos costumes das épocas retratadas, divulgando as imposições culturais e
religiosas que têm comumente auxiliado na pregação dos valores e dos papéis da moral
feminina.
“O primeiro dever de uma mulher é ser atraente”, declara um reclame de um perfume dos anos
20. À desqualificação tradicional dos artifícios femininos sucedem as injunções do consumo:
“Como 999 entre mil mulheres, você deve usar pó ruge”. Martelando a idéia de que beleza
pode ser comprada, o mundo do reclame educou as mulheres para uma visão consumista da
beleza. (LIPOVETSKY, 2000, p.160)
Por meio da análise peculiar dos estudos relacionados à indústria cultural é possível
generalizar as características do fenômeno em virtude das semelhanças que apresentam em
suas linhas, com manifestações e trajetória de atuação relativamente idênticas.
A televisão e o rádio, desde sua origem, veiculavam produtos direcionados à família;
os temas desenvolvidos priorizavam as questões ligadas à busca do casamento; mulheres
traídas e/ou abandonadas; mães solteiras e rejeitadas pela família e pela sociedade; adultério;
preservação da pureza feminina e pecados carnais e luxuriosos. Para uma melhor
compreensão da posição da família no contexto histórico, pode-se dividir o eixo entre três
influentes vias sociais: a família do provedor masculino; o “familismo”; a família no Estado
de Bem-Estar Social de orientação social-democrata.
A família do provedor masculino era o benefício do seguro social público com
fundamento na família do trabalhador, ou seja, concedido diretamente a ele enquanto
43
mantenedor do grupo familiar. A responsabilidade familiar era o que assegurava os riscos do
curso do cotidiano, como acidentes de trabalho, doença, velhice, invalidez e desemprego. Os
jovens cuidavam dos adultos que lhes transferiam o patrimônio. Nessa situação, a mulher
assumia uma posição passiva e reprodutora do núcleo organizativo já estabelecido.
Por outro lado, a terminação “familismo”
16
deve ser entendida como uma alternativa
em que a política pública “exigia” que as unidades familiares assumissem a responsabilidade
principal pelo bem-estar social. Por fim, a família na via social-democrata do Estado de Bem-
Estar Social
17
era a situação em que o governo buscava socializar antecipadamente os custos
enfrentados pelo grupo familiar. Isso acontecia com as transferências específicas ao indivíduo
através de serviços para o cuidado de crianças, idosos e deficientes. Essa proposta
correspondia ao objetivo macroeconômico de pleno emprego, expandindo novos postos de
trabalho, inclusive desenvolvendo a mão-de-obra feminina.
No Brasil, como na maioria dos países ocidentais, a definição social da família
acarreta características da formação política da sociedade. Assume-se uma preposição de
regras para fatores fundamentais, como a maternidade, educação, criação dos filhos, o
trabalho feminino e principalmente a contribuição geral à ordem moral e social. O maior
exemplo desse princípio de regras e funções familiares é o Estatuto da Família de 1939
18
.
Porém, ao longo da História do país, foram surgindo mudanças cruciais, principalmente de
ordem financeira; a população tornou-se mais numerosa, porém mais pobre, e o custo de vida
das principais cidades brasileiras é alto demais para o orçamento familiar.
Hoje se discute uma nova definição de família enquanto detentora e transmissora dos
recursos financeiros. A inclusão ou a ausência de determinados membros no conjunto da
família altera a média salarial per capita. Assim, os programas de transmissão de renda
funcionam de forma imprópria, não suprindo a necessidade familiar. Inverte-se o papel da
família, ou seja, de instituição protetora, ela passa a ser o órgão ameaçado. Dadas as
incapacidades tanto da família como do Estado de governar e manter o bem-estar dos
indivíduos, surge a alternativa assistencialista da sociedade civil, que através de organizações
16
Termo extraído do livro: Estado e Políticas Sociais do Neoliberalismo. Asa Cristina Laurell (Org.)
Texto: Política de Assistência Social e a posição da família na política social brasileira.
17
A social-democracia é uma ideologia que surgiu em fins do século XIX e início do século XX por partidários do
marxismo que acreditavam que a transição para uma sociedade socialista poderia ocorrer sem revoluções, mas por meio de
uma evolução democrática. Já o Estado de Bem-estar Social ou o Welfare State é um tipo de organização política e
econômica que coloca o governo como agente da promoção social e organizador da economia.
18
“O Estatuto de Família", que seria assinado pelo presidente Vargas em 1939, mas que não chegou a ser promulgado.
Antes, ele sofreria as críticas de Francisco Campos e Oswaldo Aranha; outros pareceres seriam elaborados, e finalmente seria
constituída uma "Comissão Nacional de Proteção da Família" da qual uma série de projetos específicos se originaria
.
44
não governamentais assume responsabilidades de amparo e proteção à população de forma
apenas temporária.
Os avanços tecnológicos, as novas concepções do trabalho e das relações sociais de
produção configuram-se atualmente apontando para uma nova ordenação mundial e
ressaltando novas concepções do saber articuladas à questão do poder. Este panorama
contemporâneo tem alterado de forma significativa o contexto das situações de trabalho e de
vida das mulheres. Na sociedade do conhecimento, comunicar significa entender o uso das
palavras dentro de um sistema em que os poderes estão recalcados nos fluxos de informação e
são tão importantes na formação de valores como no embasamento de opiniões.
Mas, mesmo passando por todas essas adaptações, a família não perdeu seu poder de
institucionalização e preservação da organização social no século XXI, principalmente devido
ao grande apoio que obteve da televisão e do rádio na difusão dos valores morais brasileiros, e
conseqüentemente da imprensa escrita.
O surgimento do interesse mercadológico pelo público feminino, e principalmente
pelo seu poder de compra, concretizou-se nos veículos de comunicação, especificamente nos
anúncios e textos da imprensa feminina. Nascidos no século XVII
19
e estritamente dirigidos às
mulheres, tais veículos abordavam no início exclusivamente assuntos amorosos,
preponderantemente sob o contexto da literatura, logo depois acompanhado pelo da moda. Os
direitos femininos entraram em cena nos séculos XVIII e XIX. Paralelamente, os signos da
utilidade foram introduzidos e ganharam espaço: trabalhos manuais, conselhos de saúde e de
economia doméstica.
Implica nesta análise classificar a imprensa feminina como uma especificidade do
gênero comunicacional, uma questão polêmica ao se entender que o adjetivo “feminina”
objetiva refletir o universo das mulheres, representando suas aspirações informativas e
literárias. Todavia, normalmente, o conteúdo do segmento não representa a mulher, omitindo
seus interesses por política, economia e assuntos sociais. BUITONI afirma: a imprensa
feminina é aquela dirigida e pensada para mulheres. “A feminista, embora se dirija ao mesmo
público se distingue pelo fato de defender suas causas”.
A ineficiente distribuição de seus exemplares acontecia devido às distâncias entre as
comunidades e o fato de os meios de transporte e o sistema de correio ainda não serem
suficientemente desenvolvidos, o que ocasionava a ausência de impressos factuais devido à
19
BUITONI explica que a imprensa feminina surgiu no mundo ocidental no final do século XVII, com o jornal
Lady´s Mercury
45
falta de tempo hábil para a informação chegar às leitoras. Porém, não apenas por uma questão
de tecnologia, a comunicação deteve-se inicialmente em assuntos basicamente de ordem
secundária como questões sentimentais, culinária, ficção, entre outros. O entretenimento
pacífico, despolitizado e pouco reivindicativo era o que se esperava da mulher que, ao tomar
contato com tais veículos, construiria no imaginário feminino heróis, princesas e modelos de
felicidade.
MATTELART explica que as condições de acaso embutidas no ideal de satisfação
feminina contextualizam o destino individual em um plano mais preponderante do que as
conquistas sociais.
La mayor represión que ejerce lo que en otra ocasión denominábamos ‘el orden del corazón,
orden que preside la organización del discurso melodramático, consiste en desistir cualquier
forma de lucha contra las desiguladades sociales (que por otra parte son reconocidas) por
medio de una explicación difundidísima: solo el amor pode ayudar a franquear las barrerras de
clase. La solucion no sólo es individual (nunca coletiva), sino que, además, depende del
milagro del amor. El amor, por otra parte, se convierte en el eje de explicación universal, a
partir del cual se resuelven, negándolas, las contardiciones sociales, pues el orden social injusto
tiene dos ayudantes: la naturaleza y la fatalidaded. (1982: p; 37)
Nessa questão, BOSI (2000) complementa que a caracterização da comunicação de
massa sobre o uso da imagem de pessoas famosas pelas mídias nada mais representa do que
uma tentativa de “desrealização” da vida opressiva e árdua da mulher, uma alienação de seus
problemas reais.
A interpretação freudiana procura abranger sobre o mesmo conceito todas as atividades de
“desrealização” de que é capaz o espírito humano: arte, mito, contos folclóricos e,
acrescentaríamos, as infinitas imagens de vítimas e heróis que povoam a imprensa feminina de
nossos dias (...) A imprensa feminina se ocupa largamente com a vida de artistas, princesas,
campeões, playboys, que constituem o “Olimpo” da cultura de massas e que, por isso, são
denominadas “personagens olimpianas” (...). (2000, pp. 135 e 142)
Um dos primeiros periódicos feministas foi o L’Athénée des Dames, escrito na França,
em parte como conseqüência da Revolução Francesa, na Itália e Alemanha. “Apesar do
correio sentimental, suas profissionais buscavam a luta, no que não eram acompanhadas pelas
46
leitoras, que lhes escreviam dizendo ser a resignação a solução para os problemas femininos.
Foi fechado em 1809, por ordem do imperador”, comenta BUITONI.
Por questões ligadas ao desenvolvimento nacional, o nascimento das revistas
femininas no Brasil foi posterior ao histórico da mídia impressa na Europa. As imposições
culturais designavam às brasileiras pouca liberdade de ação e estas apenas saíam de casa em
momentos raros, acompanhadas de seus maridos. As meninas começaram a freqüentar a
escola na metade do século XIX e a alfabetização tardia do gênero contribuiu para sua
submissão e, conseqüentemente, para a não reivindicação do acesso à informação.
BUITONI menciona O Espelho Diamantino, lançado em 1827, como o primeiro
periódico feminino brasileiro. Os assuntos publicados eram: política, literatura, belas-artes e
moda. Logo após, foram surgindo outros nomes: O Espelho das Brazileiras (1831), A mulher
do Simplício e a Fluminense Exaltada (ambos editados de 1832 a 1846), Jornal de
Variedades (1835), Relator de Novellas (1838) e Espelho das Bellas (1841). Todos seguiam
uma mesma linha editorial, tradicionalmente unilateral na pregação dos valores da época.
No século XIX, o perfil noticioso e publicitário era pouco desenvolvido no Brasil; os
impressos para o público feminino eram especificamente voltados para o caráter opinativo, e
apenas os relatos de viagem e anúncios de teatro eram o que havia de informativo. Nessa
época, os periódicos serviam para combater o inimigo político.
Moda e literatura se uniam para criar uma espécie de necessidade temporal, uma de
acompanhamento da narrativa, outra de “atualização” com o que se usava na Europa. Ambas
ligavam-se ao tempo, dando um certo caráter jornalístico às publicações – além do noticiário
cultural, este sim, bastante jornalístico. (...) A imprensa ainda da classe dominante, era a única
que tinha voz no processo político.(BUITONI, 1990, p. 41)
Já no século XX, com o advento da industrialização, o crescimento das cidades e a
chegada dos imigrantes, nota-se o primeiro grande avanço da instrução pública. As eleições e
a formação da classe operária também interferiram no papel da imprensa e, por volta de 1914,
surgiu a primeira grande revista brasileira fundada por uma mulher, Virgilina de Souza Salles,
com o nome de Revista Feminina. Logo após, vieram inúmeras revistas, como Marie Claire,
uma das mais antigas publicações femininas, lançada em 1937 na França, que parou de
circular durante a Segunda Guerra Mundial e voltou a ser editada em 1954. No Brasil, a
47
editora Globo é a detentora da sua marca e comercialização. E a revista Claudia, lançada em
1961, um dos segmentos mais influentes, publicada pela Editora Abril.
20
Um dos artifícios em que a mídia impressa feminina se apóia para persuadir a leitora é
a linguagem. Os textos das matérias e das propagandas são elaborados cuidadosamente,
buscando uma cumplicidade na relação revista/leitora, fator que faz com que o veículo
informativo chegue a se posicionar como “uma amiga e fiel conselheira”.
As revistas apresentam também dicas de beleza e de amor, na tentativa quase
subconsciente de transformar a leitora na “mulher-modelo”. Já as frases são caracterizadas
pelo discurso imperativo, como: “Perca dez quilos em dois meses”, “Trabalhe, cuide da casa e
ainda encontre tempo para ser feliz”, entre outras. As estratégias interacionais se baseiam na
vinculação publicitária e jornalística para criar o estigma da mulher moderna na comunicação
estabelecida. Por meio da linguagem confunde-se quem é leitora e quem é revista, numa
tentativa de aproximação que inverte papéis e molda comportamentos, sendo o objetivo
principal o lucro dos anúncios dos produtos ali divulgados.
O discurso traz em seu conteúdo uma mensagem persuasiva dirigida às ações que
devem ser tomadas pelas mulheres. O fato é que ao selecionar uma mídia que tenha uma linha
editorial compatível com seus interesses pessoais, a mulher acredita que o veículo seja um
reflexo de seus pensamentos e suas atitudes. Todavia, o que ocorre é uma via dualista; sua
manifestação é o reflexo da mídia, cujo perfil é delimitado por meio de pesquisas de mercado
e segundo as tendências comerciais e comportamentais em vigência.
Outra característica da linguagem utilizada pela mídia para a persuasão das mulheres
se refere à didática dos textos produzidos. As revistas tendem a não complicar a vida da
leitora, com termos ou conceitos de difícil compreensão. Essa prática é explicada por Adorno
(in COHN, 1989) na conceituação da indústria cultural isto é, os meios de comunicação
servem-se dos momentos de lazer para a alienação do indivíduo, momentos que devem existir
apenas para diversão e não para a formação social e cidadã. A cultura, assim, torna-se algo
fácil e deve ser vendida como mercadoria às massas no contexto de popularização dos
assuntos, escondendo-se a verdadeira prática cultural que é a acessibilidade aos produtos por
ela produzidos.
20
Grupos Abril e Globo são os maiores conglomerados de comunicação do Brasil; dominam praticamente todos os
segmentos de público por diferentes mídias. Mesmo com administração familiar, as duas empresas controlam sozinhas
praticamente toda a rede de comunicação nacional. Só a Globo possui 5 estações de TV, 108 afiliadas de TV aberta, 15
emissoras de AM e FM, além de sistemas por assinatura, uma editora, entre outros. Fonte: Enciclopédia Contemporânea da
América Latina e do Caribe.
48
Nessa lógica, a comunicação impressa se torna um método mercadológico
intimamente ligado à prática da didática dos textos produzidos que, por intermédio de
informes publicitários, jornalismo de serviços e matérias vendidas extremamente claras e
precisas, resultam na venda dos produtos de clientes, patrocinadores e apoiadores da mídia.
As fotos, a posição do texto e a escolha da formatação também são características
trabalhadas pela comunicação persuasiva. O visual colorido e agradável oferece um
dinamismo de apreensão rápida e descontraída na qual se busca o lazer e a fácil compreensão
dos temas. O fato de a diagramação ser trabalhada com o perfil do entretenimento muito
papel para pouco texto: muitas cores, fotos, box e desenhos , favorece, por meio de
renovações tipográficas, o exercício da interpretação.
Um exemplo é a confecção das revistas femininas com materiais de boa qualidade,
promovendo alta durabilidade e rotatividade, condição que aumenta o número de potenciais
leitoras por exemplar publicado. Ao contrário dos jornais, as revistas investiram no público-
alvo feminino e conseguiram se definir como uma mídia de referência ao gênero.
A fotografia e o desenvolvimento das técnicas de impressão fizeram da imprensa feminina uma
mídia cada vez mais visual. (...) Nas revistas e jornais do início do século, a foto conservava a
linguagem de suas origens – desenho e pintura –, documentando estaticamente pessoas, ou
determinadas cenas (inaugurações, formaturas, competições esportivas etc.). Somente mais
tarde, a foto de imprensa vai tornar-se mais “jornalística” ao incorporar o movimento, em parte
por influência do cinema e até dos quadrinhos, e também pelo progresso técnico, se bem que
existam até hoje essas fotos tipo “retrato”, mesmo onde não haveria necessidade.
Imagem/texto: essa, a dupla intimamente ligada dentro da revista, com mais atração ainda se
for feminina. A imagem vira texto, com séries de fotos construindo verdadeiras “frases
visuais”; e o texto vira imagem quando recorre a figuras de estilo que nos fazem visualizar a
pessoa ou a cena, ou sugerem emoções e sentimentos. O texto imagético, a imagem textual: um
casamento que deu muito certo nas revistas, principalmente femininas. (BUITONI, 1990, pp.
18 e 19)
Há uma carência de informação concisa relacionada à mulher na grande imprensa, e as
revistas femininas, por trabalharem com periodicidade mensal, não divulgam os
acontecimentos factuais, como lançamentos de filmes, peças, cobertura de fóruns, campanhas
preventivas, ou mesmo o acompanhamento das relações do governo para com a mulher
brasileira. A cobertura deve se adequar às certezas das manchetes; cabe então, neste aspecto, a
opção de entrevistar as personalidades da televisão, principalmente das telenovelas, pois não
existem dúvidas de que nos próximos meses, elas ainda serão motivo de atração e audiência.
De todas as características levantadas pela indústria cultural destinada à mulher,
conclui-se que os desejos femininos estão subjacentes e fortemente interpretados por um
49
grande anseio capitalista de aquisição de produtos e serviços, cujos artifícios tendem a
promover a tríplice integração do bem-estar físico, social e familiar. Frente a essa linha de
comunicação, o assunto saúde seguiu a tendência e igualmente atrelou sua divulgação aos
valores incorporados à mulher. BUITONI (1990), comentando sobre saúde no início da
comunicação impressa feminina, ressalta que o principal objetivo não era instruir a mulher
sobre as principais mazelas sofridas pela época, mas sim informar a mãe responsável e
dedicada sobre como cuidar de seus filhos e de sua família e preveni-los das doenças comuns.
Embora apareçam comumente na indústria cultural, as divulgações sobre saúde são
anúncios e matérias que, em grande parte, direcionam-se à venda de cosméticos, tratamentos
diversificados e terapias milagrosas. Ao sonegar informações importantes, de caráter
preventivo, em detrimento dos novos aparelhos cada vez mais sofisticados e das técnicas mais
modernas, a mídia deixa de cumprir seu papel de oferecer decisões com consciência.
Entretanto, existem motivos para concluir a omissão do assunto saúde nas divulgações
femininas. Primeiro, porque escrever e anunciar sobre doenças não é um assunto de fácil
análise, muito menos em governos com baixos índices de desenvolvimento e com
insuficientes políticas públicas de saúde, como no Brasil. Segundo, porque a opção por uma
linguagem de cumplicidade e amizade com as leitoras oferece soluções milagrosas e dicas
para “alcançar a felicidade”.
Portanto, ao optar por colocar na capa da revista, no rádio ou na televisão o sucesso e
fama das celebridades, os veículos vendem um outro contexto de realidade às mulheres,
tornando-se uma escapatória dos seus reais problemas e um convite ao mundo das ilusões.
Entretanto, tratando-se do campo das doenças, temos uma cumplicidade às avessas: a
linguagem das enfermidades não combina com o mundo idealizado pela indústria cultural.
Um exemplo interpretativo e didático comumenente empregado nas mídias é o uso de
desenhos, preferencialmente recorrido por ser menos agressivo e chocante. Por exemplo,
utiliza-se o recurso para a temática do auto-exame das mamas; porém, não se mencionam os
tipos de cirurgia existentes, quais e onde serão os cortes, em quais casos são necessários
retirar toda a mama ou como reconstruir os seios, planos de saúde, leis e direitos, etc.
Embora um dos papéis dos veículos de comunicação seja a descrição minuciosa e a
divulgação plena da veracidade dos fatos, não são constantes as abordagens adequadas nas
divulgações dos principais entraves contemporâneos vivenciados pela mulher. Este é o caso
da área de saúde na abordagem da sociedade de massa: escassa de respaldos em informações
concisas, cujos teores não relacionam os diferentes setores do Estado. Talvez, ao contrário, se
50
a ação midiática fosse contínua e adequadamente trabalhada, certamente contribuiria mais
com a diminuição nos gastos de prevenção das doenças.
Nas manifestações da indústria cultural voltadas às mulheres, espera-se dos meios
cumplicidade na melhoria da sua qualidade vida e cobranças das incorporações de conceitos
sobre as relações de gênero nas políticas públicas e nas críticas governamentais.
Por meio de ações determinantes na aceitação das diferenças e na garantia de
mudanças comportamentais, faz-se necessário que haja menos destaque à ditadura da beleza,
constantes compromissos com indivíduo, e mais representatividade no que tange à realidade
das diversidades de gênero. Dá-se nessa linha a luta contra a exclusão social, o favorecimento
de campanhas de comunicação sobre saúde, cujas características devem visar à prática da
defesa da garantia dos direitos humanos e de núcleos organizativos de empoderamento
feminino.
A indústria cultural, por meio da propagação suprema dos cuidados em relação ao
binômio saúde-beleza, divulga um caminho modulado de felicidade individual, ideais
implícitos à lógica mercadológica e competitiva. Nesse aspecto, a concepção de saúde se
confunde na sociedade de massa, especificamente nas comunicações dirigidas à mulher, com
a venda de cosméticos, tratamentos diversificados e terapias prodigiosas. O excessivo apelo
dos produtos de transformação corporal se embute no desligamento dos valores de
emancipação feminina. A verdadeira abordagem sobre saúde da mulher, quando não é
superficial, é mínima se comparada a outras tantas relacionadas ao consumo, o que justifica
nas palavras de Del Priori (2003) a condenação das mulheres a ser apenas um corpo, o seu
corpo.
51
Capítulo II
Câncer de mama no Brasil
52
2.1. Contextualização do câncer de mama
Atualmente, a representatividade simbólica do câncer alcança uma valorização
igual ou superior ao seu grau de mortalidade ou sofrimento. As características da
enfermidade se incorporam ao quadro de doenças da contemporaneidade e a aquisição da
doença se torna tão demasiadamente temerosa à população quanto as fatalidades e
conseqüências de sua contração. A fantasia constitutiva da enfermidade faz com que
fatores emocionais e psicológicos se tornem elementos influenciadores do quadro clínico
do indivíduo portador e, principalmente, das práticas de ação e reação à doença.
As linguagens utilizadas para a designação da doença e as campanhas de
comunicação com vistas à prevenção demonstram o quão significativo é atuar nos
processos das mensagens educativas sobre o assunto. A enunciação aliada aos demais
campos epistemológicos relacionados ao câncer oferecem elementos transgressores
comportamentais, informações que em máximo grau de entendimento podem prevenir,
curar e até erradicar a doença.
Na atualidade, a temática da doença está intimamente ligada à multidisciplinaridade de
áreas, como medicina, estética, enfermagem, psicologia, literatura, comunicação, entre outras.
Sendo assim, além da geração de empregos, da multiplicação de profissionais especializados
no assunto, existem ínumeros institutos de pesquisa espalhados pelo mundo, e a cada ano,
surgem novas pesquisas cujas finalidades são: detectar potenciais produtos cancerígenos;
apontar novas opções de tratamentos e prevenção; e traçar um panorama demográfico e
estatístico dos índices de desenvolvimento da doença.
O crescimento dos estudos voltados para a doença, mais a mobilização de recursos
para a criação de tratamentos e medicamentos, faz com que o câncer seja um fator de
influência até no mercado econômico mundial. Inclusive, por meio de organizações não-
governamentais, instuições assistenciais e campanhas de incentivo à doação financeira ou ao
trabalho voluntário
21
, a doença é também, hoje, um dos elementos-chave do crescimento da
filantropia.
21
No Brasil, a Lei nº 9.608/98 caracteriza como trabalho voluntário a atividade não remunerada prestada por
pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos que tenha
objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive de
mutualidade.
53
A OMS - Organização Mundial de Saúde, agência subordinada à ONU – Organização
das Nações Unidas, que tem a missão de desenvolver ao máximo possível o nível de saúde de
todos os povos, afirma:
Cancer is the world’s second biggest killer disease, but one of the most preventable
noncommunicable chronic diseases. Cancer killed 7.6 million people in 2005, three
quarters of whom were in low and middle income countries. By 2015, that number is
expected to rise 9 million and increase further to 11.5 in 2030.”
22
Na definição técnica do Instituto Nacional de Câncer – INCA, câncer é o nome dado a
um conjunto de mais de 100 doenças que têm em comum o crescimento desordenado -
maligno - de células que invadem os tecidos e órgãos, podendo se espalhar para outras regiões
do corpo, o que configura o fenômeno da metástase. Dividindo-se rapidamente, essas células
tendem a ser muito agressivas e incontroláveis, determinando a formação de tumores -
acúmulo de células - cancerosos ou neoplasias
23
malignas.
Dentre todos os tipos existentes de câncer, o da mama é citado como a neoplasia de
mais difícil controle. Apesar de existirem algumas associações ao surgimento do tumor, como
idade avançada, casos genéticos de parentes de primeiro grau que contraíram a doença, uso
prolongado de terapias hormonais, anticoncepcionais, de álcool e tabaco, obesidade, ou
mesmo exposição à radiação ionizante, o câncer de mama ainda possui uma origem
desconhecida. Qualquer mulher é passível de desenvolver a doença e, apesar de não muito
comum, homens também podem contraí-la.
Pela definição histórica, conforme SOMMER (1976, p.14) explica, a doença
acompanha a evolução da medicina.
Milênios antes de Cristo a medicina egípcia reconhecia tumores na mama, embora fosse
incapaz de diferenciar entre benignos e malignos. Os egípcios, normalmente, não se arriscavam
a operá-lo. Cerca de 500 ªC., época em que a medicina grega e romana realizou suas maiores
descobertas, se destacou o mau prognóstico de certos tumores da mama que apresentavam
raízes. Estes deram origem ao termo CÂNCER, pela semelhança que apresentavam com o
caranguejo marinho (...) O cirurgião francês Jean L. Petit foi quem primeiro recomendou sua
extirpação juntamente com as lesões mamárias que apresentassem raízes, pois as considerava
como extensões destas.
22
Publicado em WHO Communications: The World Health Organization's fight against cancer: strategies that
prevent, cure and care, World Health Organization 2007.
23
Neoplasia é o termo que designa alterações celulares que acarretam um crescimento exagerado dessas células,
ou seja, proliferação celular anormal, sem controle e autônoma, na qual reduzem ou perdem a capacidade de se
diferenciar, em consequência de mudanças nos genes que regulam o crescimento e a diferenciação celulares. A
neoplasia pode ser maligna ou benigna. (neo significa novo e plasia é relativo a tecido).
54
No Brasil, o INCA é o órgão que realiza estudos e mapeamentos da incidência dos
diferentes tipos de cânceres existentes, considerando todas as regiões do território nacional.
Uma das referências utilizadas para esta pesquisa é o relatório das estimativas do ano 2008,
válidas também para 2009, devido ao fato de a pesquisa ser realizada a cada dois anos.
Conforme a Tabela 2, o relatório frisa que neste ano, são esperados 231.860 mil casos
novos de câncer para o sexo masculino e 234.870 para sexo feminino, sendo o total de
466.730 mil. Estima-se que o câncer de pele não melanoma
24
(115.010 mil casos novos) será
o mais incidente na população brasileira, seguido pelos tumores de próstata (49.530 mil),
mama feminina (49.400 mil), pulmão (27.270 mil), cólon e reto (26.990 mil), estômago
(21.800 mil) e colo do útero (18.680 mil)
25
.
Tabela 2 – Estimativas, para o ano de 2008, de número de casos novos por câncer, em homens e mulheres, segundo
localização primária – Fonte: MS/INCA – estimativas de câncer no Brasil 2008
24
Existem basicamente dois tipos de câncer de pele: o não melanoma, que é mais comum, e o melanoma. O primeiro é mais
comum e raramente causa a morte do paciente, e o segundo é um tipo com maior malignidade e mortalidade. O melanoma na
maioria das vezes se parece a uma pinta, sarda ou mancha de nascença.
25
Para estimar o número de casos novos de câncer esperados para todas as unidades da federação (UF) e respectivas capitais
para o ano 2008, utilizou-se o método que permite obter a taxa de incidência de câncer para uma determinada região,
multiplicando-se a taxa observada de mortalidade da região pela razão entre os valores de incidência e mortalidade da
localidade onde exista RCBP - Registros de Câncer de Base Populacional.
55
Gráfico 6 - Estimativas de câncer no Brasil no ano de 2008 - Fonte: MS/INCA
Nota-se no estudo que existem peculiaridades típicas da falta de prevenção que ocorre
no país; entretanto, o crescimento da doença foi acompanhado similarmente a todas as outras
nações. Faltam nessas estimativas classificações por faixa econômica, porém é possível
presumir alguns dados devido à disparidade regional. Por exemplo, o câncer de colo de útero
devido à falta de acompanhamentos ginecológicos na região norte é mais incidente do que o
câncer de mama na região sul (vide Tabela 3).
O câncer de mama é o segundo tipo de câncer mais freqüente no mundo e o mais
comum entre as mulheres. A cada ano, cerca de 22% dos casos novos de câncer em mulheres
são de mama. Segundo o Inca, o risco estimado de câncer de mama para o Brasil é de 51
casos a cada 100 mil mulheres. Na região Sudeste, o câncer de mama é o mais incidente entre
as mulheres com um risco estimado de 68 casos novos por 100 mil. Sem considerar os
tumores de pele não melanoma, esse tipo de câncer também é o mais freqüente nas mulheres
das regiões Sul (67/100.000), Centro-Oeste (38/100.000) e Nordeste (28/100.000). Na região
Norte, é o segundo tumor mais incidente (16/100.000).
56
Tabela 3 – Estimativas, para o ano de 2008, de número de casos novos por câncer, em homens e mulheres, segundo os
Estados da República - Fonte: MS/INCA – estimativas de câncer no Brasil 2008
57
O grande problema dos índices de alta mortalidade de câncer de mama no Brasil é o
fato de a doença ser descoberta tardiamente. No SUS - Sistema Único de Saúde
26
, a prioridade
atual é a realização do exame clínico da mama em mulheres que procuram o sistema de saúde
por qualquer razão, especialmente aquelas na faixa etária de maior risco, e os mamógrafos
disponíveis devem ser prioritariamente utilizados no diagnóstico de mulher com alterações
prévias diagnosticadas no exame clínico.
Era comum divulgar-se que a faixa etária mais acometida pela doença variava dos 45
aos 55 anos. Porém, os dados estão mudando significativamente. No levantamento do Inca e
da Fundação Oncocentro de São Paulo, órgão de apoio da Secretaria da Saúde para assessorar
a política de Câncer no Estado, reuniram-se informações de 54 hospitais paulistas no ano de
2005, e o resultado mostrou que mulheres com menos de 40 anos já respondem por 15% dos
casos de câncer de mama.
Nesse contexto, ao se considerar o câncer de mama como a doença que mais atinge e
mata mulheres no Brasil, a constatação do aparecimento da doença é uma conjuntura bastante
delicada para todas as mulheres. Assim como as técnicas de prevenção e de tratamento
necessitam de avanços tecnológicos, os valores sociais intrínsecos que a doença gera às
mulheres também necessitam de estudos, análises críticas e desenvolvimento.
26
O SUS foi criado pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pelas Leis n.º 8080/90 (Lei Orgânica da Saúde)
e nº 8.142/90, com a finalidade de alterar a situação de desigualdade na assistência à Saúde da população, tornando
obrigatório o atendimento público a qualquer cidadão, sendo proibidas cobranças de dinheiro sob qualquer pretexto. O
SUS é destinado a todos os cidadãos e é financiado com recursos arrecadados através de impostos e contribuições sociais
pagos pela população e compõem os recursos do governo federal, estadual e municipal. Dados retirados do site: do
Ministério da Saúde do Brasil: www.saude.gov.br
58
2.2. Mastectomia e a linguagem do câncer
Quanto às formas de manifestação do câncer de mama, na maioria dos casos, o primeiro
sinal da doença é um pequeno nódulo
27
no seio. Porém, também existem outras evidências,
como: mudanças de cor e tamanho, secreção nos bicos, ou mesmo uma ou mais lesões nas
axilas. O diagnóstico de câncer de mama acena com diferentes possibilidades de tratamentos,
no caso de constatação do caráter cancerígeno do nódulo e de seu tamanho. Os mais
conhecidos são a cirurgia conservadora – a quadrantectomia – técnica que divide o seio em
quatro partes e extrai apenas a parte do seio onde está localizado o nódulo, e a mastectomia
técnica cirúrgica que corresponde à retirada integral da mama e do músculo peitoral
28
.
Tanto a cirurgia conservadora quanto a mastectomia são geralmente acompanhadas pela
retirada de nódulos linfáticos da axila. Esses nódulos são estudados para saber se foram
invadidos ou não pelo tumor e, só depois, orienta-se para o tratamento complementar por
meio de procedimentos, como radioterapia, quimioterapia ou hormonioterapia.
Esse contexto que caracteriza a situação de diagnóstico e tratamento provoca inúmeras
reações no portador de câncer de mama, dentre elas as representações simbólicas e
figurativas da detecção de uma doença. As palavras relativas à doença são carregadas de
fortes interpretações, como por exemplo, maligno ou begnino, células invasoras, entre outras.
Susan Sontag (2002, p.104), romancista, ensaísta e feminista é umas das autoras que
descreve o caráter lingüístico das doenças, especificamente do câncer. Em sua obra A doença
como metáfora, a autora explora o lado sentimental da doença; talvez pela sua própria
vivência como portadora de câncer, sua obra se destaca pela análise da retórica e pela
associação da imagem do câncer a importantes fatos históricos da contemporaneidade, como
se observa no texto a seguir:
Descrever um fenômeno como um câncer é um incitamento à violência. O uso do
câncer no discurso político estimula o fatalismo e justifica medidas “severas”, bem
como reforça poderosamente a noção generalizada de que a doença é necessariamente
fatal. Aqueles que desejam exprimir indignação parecem achar difícil resistir à
tendência a usar a metáfora do câncer. O conceito da doença nunca é inocente (...)
Tróstki chamou Stálin de câncer do marxismo (...) John Dean explicou Watergate a
Nixon: “Temos um câncer – Junto à presidência – que está crescendo.”
27
Na ciência das doenças, a patologia, o nódulo corresponde a uma lesão sólida, elevada, com mais de 1 cm de diâmetro.
28
Dados provenientes do site do INCA, www.inca.gov.br
59
A escritora traça um paralelo entre a tuberculose e o câncer, explicando a diferença da
terminologia e das associações feitas a cada uma das doenças. A tuberculose era poeticamente
associada ao sofrimento da alma, algo como uma representação corporal metafórica dos
sentimentos existentes frente à morte (SONTAG, 2002, p.27).
Thoreau, que tinha tuberculose, escreveu em 1852: “A morte e a doença muitas vezes
são bonitas, como o brilho héctico da consumação”. Ninguém concebe o câncer de
maneira como a tuberculose era concebida, como morte decorativa e, muitas vezes,
lírica. O câncer é um assunto raro e ainda escandoloso na poesia. E é inimaginável que
ele confira estética à doença.
Já o câncer, nas palavras da autora, é um fato totalmente brusco; não oferece margem
à poesia, pelo contrário, o signo câncer é algo de difícil resolução. Sua analogia relaciona
aspectos da doença à rotina militar ou a uma guerra. As representações da doença são, mesmo
que subconscientemente, pejorativas e desestimulantes a seus portadores (SONTAG, 2002,
p.53).
As metáforas relativas às idéias de controle e comando, na realidade, não são tiradas
da economia, mas da linguagem militar. Assim, as células do câncer não se
multiplicam simplesmente; elas são “invasoras”. (Os tumores malignos invadem até
mesmo quando crescem muito “lentamente”, lê-se em um manual). A partir do tumor
original, as células do câncer “colonizam” regiões distantes do corpo, estabelecendo
primeiro minúsculos postos avançados (“micrometástases”) cuja presença é admitida,
embora não possam ser detectados. Raramente as “defesas” do corpo são
suficientemente vigorosas para obliterar um tumor que estabeleceu sua fonte de
suprimento de sangue e consiste em bilhões de células destrutivas. Por mais “radical”
que seja a intervenção cirúrgica, por maior que seja o número de “explorações” feitas
na paisagem do corpo, as remissões, em sua maioria, são temporárias. As perspectivas
são de que “a invasão do tumor” prossiga ou de que as células defeituosas
eventualmente se reagrupem e preparem um novo assalto ao organismo.
Como toda doença, tratar de um câncer é um obstáculo corporal, psicológico e, muitas
vezes, também social. A discriminação pelo olhar do outro e as mudanças de vida após o
diagnóstico da doença são confrontos a serem vencidos. Embora hoje a constatação da doença
não seja mais significativamente assustadora e uma sentença de morte, adjunto a todas as
problemáticas, a palavra câncer carregou-se de um significado que era oposto à esperança,
como indicou Sontag (2002, p.26):
60
De todas as teorias formuladas a respeito do câncer, só uma, na minha opinião,
sobreviveu à passagem do tempo, a saber, a de que o câncer leva, através de estágios
definidos, à morte. Com isso, quero dizer que o que não é fatal não é câncer. Daí
podem concluir que eu não alimento nenhuma esperança de um novo método de cura
do câncer, só dos muitos casos de doenças chamadas de câncer mas que, na realidade,
são só assim chamadas.
Rose Kushner (1989) também foi escritora, portadora de câncer de mama e
mastectomizada. Na década de 70, por meio de uma pesquisa realizada com outras 130
mulheres que sofreram a cirurgia, idealizou um centro de aconselhamento gratuito sobre
câncer de seio - onde 7.000 mulheres buscaram apoio e registraram depoimentos - e publicou
o livro Por que eu? O que toda mulher deve saber sobre o câncer de seio. A obra utiliza-se da
compilação dos depoimentos das mulheres vitimadas pela doença, analisando estatísticas e
descrevendo a opinião de especialistas da área médica e psicológica.
A pesquisadora (KUSHNER, 1981, p.106) descreve diferentes aspectos da doença e, a
princípio, o lado lingüístico, a força das expressões verbais e textuais na rotina da mulher
mastectomizada se destacam como um forte elemento causador de uma preocupação
permanente na vida da mulher com câncer de mama.
A paciente deve ficar alerta, principalmente, para qualquer um dos sete sinais de
perigo ou de risco para câncer:
C onstipação, diarréia ou mudança nos hábitos intestinais
U lceração ou feridas de difícil cicatrização
I dentificar secreções e perdas sanguíneas
D eve-se manter sob observação o aparecimento de nódulos nos seios ou em outros lugares
A zia, indigestão e dificuldades na deglutição
D escoloração ou alterações em verrugas ou manchas
O bservar o aparecimento de tosse ou rouquidão persistentes.
A mistificação da doença talvez decorra de algo intrínseco ao comportamento humano
e culturalmente explicável. A comunicação e o uso das palavras estão sempre carregados de
emoções e sentimentos, pois sendo a cultura formadora de valores e opiniões, as concepções
de dor e prazer têm um caráter espacial e temporal. A atribuição do câncer a fatores externos
protege o paciente da culpa, da autocrítica e de sentimentos de impotência.
61
Contudo, nessa época talvez ninguém mais queira comparar algo de terrível com o
câncer. Uma vez que o interesse da metáfora deve-se precisamente a ela se referir a
uma doença tão carregada de mistificação e da fantasia de inescapável fatalidade; uma
vez que nossas opiniões sobre o câncer e as metáforas que lhe impusemos são um
veículo das grandes insuficiências desta cultura, da nossa atitude superficial diante da
morte, da nossa ansiedade com os sentimentos, das nossas reações temerárias e
levianas aos nossos verdadeiros “problemas de crescimento”, da nossa incapacidade
para construir uma sociedade industrial avançada que regule o consumo
adequadamente, e dos nossos justificados temores do curso cada vez mais violento da
história (..). (SONTAG, 2002, p. 107 e 108)
Hoje, considerando uma maior acessibilidade da sociedade aos meios de comunicação,
as doenças seguem uma tendência cíclica na qual a metáfora das palavras representa o
poder da discriminação em qualquer que seja a região estudada. Na visão pré-moderna da
doença, como cometa (SONTAG, 2002, p.53), o papel do caráter foi confinado ao
comportamento da pessoa. Mesmo que a doença não seja considerada um julgamento na
comunidade, ela se torna um julgamento retroativamente na medida em que põe em
movimento um inexorável colapso da moral e dos costumes.
2.3. Feminilidade, simbologia e a perda do seio
A partir do diagnóstico médico e da ciência dos procedimentos que deverão ser
adotados, a mulher enfrenta um período delicado de tomada de decisões que certamente trarão
implicações psicológicas. A constatação de um tumor, a decisão do tipo de cirurgia, os
tratamentos de erradicação - radioterapia, quimioterapia e hormonioterapia - são diferentes
etapas a serem vivenciadas pela mulher com câncer de mama.
A mastectomia consiste na mais dolorosa conseqüência para a paciente com câncer.
As representações do seio perpassam por toda a trajetória da vida da mulher, desde a
identificação com a mãe, quando a menina começa a conhecer sua feminilidade, até a
amamentação, época do nascimento e acolhimento dos filhos, não esquecendo a sua
importância nas relações sexuais e a representatividade simbólica e cultural no
reconhecimento da atratividade e beleza do corpo feminino. Ao longo da História, as
mulheres sempre tiveram orgulho de seus seios; por isso, através dos tempos, a vaidade
sempre foi a armadilha de morte para a razão da luta por um diagnóstico e tratamento precoce
do câncer de mama.
62
Rubia Zecchin (2004, p.41) desenvolveu um trabalho clínico com mulheres
mastectomizadas vinculadas ao Instituto de Ginecologia e Mastologia (IGM) do Hospital São
Joaquim – Beneficência Portuguesa. Sua análise identificou nos relatos das pacientes aspectos
que não tratavam apenas da dor física; pelo contrário, esta foi pouco comentada, mas sim,
sobre aspectos totalmente intrínsecos às dores psicológicas.
O mais evidente é a sensação de fragmentação no e do corpo, incluindo o si mesmo
cortado pelo acontecimento, é como um tempo de existência sem identidade, isto é,
aquela que fui, não sou mais, e não sei como ficarei, como estarei no mundo depois
desta experiência. No entanto, em se tratando de uma cirurgia mutiladora, é
indiscutível sua inserção tanto na ordem do corpo orgânico quanto na ordem do
corpo/sujeito.
A perda e o luto são temas significativamente trabalhados dentro da área da
psicanálise, e uma das razões para tal enfoque é o fato de a constituição do sujeito estar
intimamente ligada à posse de objetos e pessoas. É comum o indivíduo identificar-se
naquilo que possui ou com quem se relaciona. A ausência de algo tão próximo acarreta a
dor da identificação pessoal, ou seja, a pessoa perde referências e certezas que conquistou
durante o todo caminho da vida.
Em sua pesquisa, Freud
29
apud ZECCHIN (2004, p.119) traça um paralelo da
vivência cronológica do indivíduo com a relação de apego e a conquista de tudo que é
manipulável e tocável: “As crianças gostam de expressar uma relação de objeto por uma
identificação: ‘Eu sou o objeto’. ‘Ter’ é o mais tardio dos dois; após a perda do objeto, ele
recai para ‘ser’. Exemplo: o seio. ‘O seio é uma parte de mim, eu sou o seio’. Só mais tarde:
‘Eu tenho’ – isto é ‘eu não sou ele”.
Nas palavras da autora, ainda sob um raciocínio freudiano, a perda do objeto
descaracteriza o indivíduo (ZECCHIN, 2004, p.139):
Freud distingue, pois, dor psíquica de desprazer por seu caráter específico e de
angústia, pelo alto nível de investimentos ligados da primeira, mas também porque
esta é uma reação ante o perigo pela perda do objeto, enquanto aquela é uma reação
ante a perda real. Quanto ao luto, para Freud, passamos pelo teste de realidade e o luto
exige a separação, pois o objeto não existe mais. O luto é uma tarefa finita de
elaboração de uma perda. Já a dor se refere a uma experiência que pode nos exigir de
forma contínua, a princípio infinita, de trabalho psíquico. A perda do seio está
circunscrita entre a dor e o luto.
29
FREUD, S. “Achados, Idéias, Problemas” (1941), ESB, p.335
63
Já Ana Maria Barbosa (1989, p.48) descreveu, em sua dissertação Viagem ao vale da
morte: estudo psicológico sobre mulheres mastectomizadas por câncer de mama,
depoimentos factuais para explicar tal situação de morte e sobrevivência iniciada pela
perda do seio. Em seu trabalho, a cirurgia mastectomia é uma realidade brutal cuja
finalidade de situação peculiar intensifica a valorização da vida e de todo o conteúdo
humano que as doenças possam expelir para o cotidiano das pessoas. Contudo, as
primeiras reações são de adaptação à nova realidade provocada pela mudança da perda do
seio e de todas as outras transformações sofridas pelo corpo e pela mente.
Eu tinha de reconstruir uma pessoa que ficou sem alguns pedaços e não estou a falar
do meu peito. Havia sido submetida a um processo de muita violência, as drogas do
tratamento me jogavam em longos instantes de depressão (...)Quando terminou a
quimioterapia, foi como se eu tivesse renascido. (...) Os médicos diziam: ‘Você tem de
voltar às suas atividades normais’. Impossível, eu estava anormal: no corpo e na
cabeça. Tinha de dar-me um tempo para decantar a experiência, digeri-la.
Avaliando os enfrentamentos psico-sociais e o instinto de sobrevivência após a
detecção de um tumor, a decisão de se submeter à cirurgia é às vezes irreversível, pois é a
única saída para a vida, caso contrário, o câncer se alastra para outras partes do corpo e a
conseqüência final será a metástase. Porém, muitas mulheres preferem não realizar a
mastectomia por medo da rejeição e a dificuldade de aceitação no meio social perante as
outras mulheres, amigas e/ou o parceiro/marido. Isto devido ao fato de a afirmação da
feminilidade se concretizar no olhar do outro. Sentir-se bela e atraente é fruto da admiração e
aceitação do próximo, e as características que fogem ao padrão de normalidade pertencem ao
mundo dos diferentes.
A auto-imagem e a feminilidade estão intrinsecamente ligadas ao mundo do convívio e
das relações sociais, e por questões históricas, a mulher não reivindicou seus direitos de
igualdade, pois a luta pela sobrevivência acarretou diferentes ligações desta com o universo
masculino. Para desenvolver seu papel na sociedade, coube à mulher aceitar as características
de um ser atrativo e reprodutivo. Estes são os conceitos que BEAUVOIR (1970) utiliza para
explicar a categoria de “segundo sexo” designada às mulheres. “A necessidade biológica –
desejo sexual e desejo de posteridade –, que coloca o macho sob dependência da fêmea, não
libertou socialmente a mulher”.
Diante da imposição à mulher de ser atrativo e das características culturais do
feminino, o aspecto físico e as cicatrizes da mastectomia trazem a perda da condição social da
64
mulher, sendo esta esteticamente bonita quando seu corpo é atraente, e sua realização como
mãe é concretizada no ato de parir e amamentar um filho.
Apesar de existir a possibilidade da reconstrução mamária logo em seguida à cirurgia
mastectomia, a sensação de artificialidade e agressão ao corpo humano não desaparece; para o
uso do silicone, é necessário um constante acompanhamento médico, e depois de alguns anos
de utilização, a troca do implante é imprescindível. Outro fator estético importante para a
mulher é a perda dos pêlos e cabelos acarretada pela quimioterapia, pois são marcas
visivelmente mais aparentes do que as da cirurgia. A desconstrução da identidade pela lacuna
concreta da mama é uma resposta ao sentimento original de ausência e castração de um
referente identificatório como mulher.
Figuras 2 e 3 - Obras representativas de antigas manifestações artísticas de feminilidade e maternidade - “Venus”, de
Grimaldi. 23.000 a.C. eCaridade”, de Tino Camaino - século XIV - Fonte: Yalom, História do Seio, 1997
Durante todas as mudanças corporais enfrentadas pela mulher mastectomizada, o sexo
passa a ser uma atividade delicada, exigindo cuidados e compreensão do marido ou parceiro.
Normalmente, mulheres solteiras ou viúvas tendem a enfrentar mais tabus na hora de relatar a
situação aos homens. Todavia, o que de fato impede a liberação e satisfação sexual da
mastectomizada é o seu próprio preconceito e a não aceitação da situação de mutilação.
Se a perda do seio é um tabu para a mulher e considerando a condição de fragilidade
física, emocional e psicológica da mastectomizada, a identificação com o médico é uma luz
65
na trajetória da erradicação da doença e um passo a mais na decisão da cirurgia. Isso porque o
profissional da área já está acostumado com a situação da enfermidade e assim não ocorrerá o
olhar do sofrimento, da pena e da discriminação. Também porque grande parte da esperança
da recuperação e da eliminação do tumor está na experiência e competência que lhe é
atribuída. Zecchin (2004, p.110) descreve que a vulnerabilidade do momento pode ser
diminuída se houver confiança na relação médico-paciente.
Como conversar com esta dor? Dor curiosa, pois o câncer é uma doença auto-imune, o
que significa uma reação das células contra o próprio tecido. Algo dentro do corpo
que age contra os tecidos mas contra si mesmo também, uma representação possível.
Não deixa de ser uma máxima da fragilidade e da impotência. Ao mesmo tempo o
câncer em si só pode ser retirado pelo médico, ponto em direção à intensidade
transferencial a qual já me referi; tal qual a situação do bebê que depende de sua mãe
para sobreviver. A paciente está com sua vida, como nos primórdios, na mão de um
outro, o médico.
Figura 4 -. “Primeiros tratamentos de raio-X para o cancer de mama”, G. Chicot - 1908
Fonte: Yalom, História do Seio, 1997
A foto acima é analisada como um retrato antigo da situação das pacientes do século
passado. Primeiramente, o fato de a presença médica ser sempre masculina, e segundo, porque
as posições de verticalidade do homem e horizontalidade da mulher corroboravam o caráter
de submissão e nervosismo da ocasião.
66
Porém, atualmente, mesmo com um relacionamento apropriado, não é possível exigir
reações e todas as compreensões de ordem emocional dos profissionais da área médica. Até
mesmo por uma questão de compromisso com o trabalho e não interferência nos resultados
cirúrgicos, o médico deve se manter preparado para não assumir todas as responsabilidades
relacionadas ao diagnóstico biológico do corpo humano. Intensifica-se em dado momento a
necessidade da paciente de receber apoio de psicólogos, fisioterapeutas e, dependendo das
condições financeiras, acrescenta-se também o respaldo da assistência social.
Porém, ZECCHIN (2004) defende que o sucesso na recuperação da doença es
intimamente ligado à união e à não segmentação dos profissionais dos mais variados campos
de trabalho. Os estudos médicos, a prevenção e a erradicação do tumor não competem a um
único profissional. Permitir que a paciente tenha a possibilidade de escutar diferentes opiniões
sobre algo que vai acontecer em seu corpo é uma tarefa que atravessa a situação da doença em
si e oferece margem a uma discussão mais global sobre os entraves sociais da mulher.
As cicatrizes de ordem interna possuem um valor representativo significativamente
maior do que as marcas da mutilação. O acompanhamento do corpo feminino no caso de um
câncer de mama é de vital importância para o resgate da auto-estima e, infelizmente, esta
questão permance atrelada às condições socioeconômicas femininas. É neste momento que o
atendimento de profissionais multidisciplinares se torna fundamental no desenvolvimento das
políticas de saúde para a mulher, acrescentando-se também neste rol de assistência o perfil do
comunicador como um agente de divulgação responsável pelos fatos concretos da prevenção e
erradicação da doença.
Figura 5 - “The hand”, de Matuschka and Mark Lyon - 1992.
Fonte: Yalom, História do Seio, 1997.
67
2.4. Políticas e direitos para o câncer de mama
O câncer de mama é uma doença sem origens totalmente identificáveis, cujos estudos
não comprovam com exatidão o surgimento da detecção. Embora se constate que algumas
mulheres possuem maior probabilidade de contraí-lo, a preocupação com a sua prevenção é
universal, independente de raça, cor ou modo de vida.
Diante da complexidade da doença, torna-se imprescindível a intensificação e
democratização da informação, de modo que a sociedade usufrua e possa acompanhar o
progresso da medicina, que tem avançado principalmente na área de cirurgia plástica - um
fator positivo para a diminuição das marcas da mastectomia. Comparando a cirurgia realizada
hoje com a que era feita há algumas décadas atrás, é notável o aprimoramento desta prática.
Poucas mulheres são informadas, mas atualmente, as mastectomizadas possuem
direito de comprar um automóvel zero km com câmbio automático e direção hidráulica (estas
medidas são necessárias, pois no caso da cirurgia, perde-se parte da força no braço em razão
de esvaziamento das glândulas axilares) mais a isenção de impostos, como o IPI – Imposto
Sobre Produtos Industrializados, ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Prestação de Serviços, IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores. Outra
medida é a liberação para circulação em dias de rodízio municipal.
Conforme a lei n
o
9.797, de 6 de maio de 1999, o Estado dispõe sobre a
obrigatoriedade da cirurgia plástica reparadora da mama pela rede de unidades integrantes do
Sistema Único de Saúde – SUS, nos casos de mutilação, decorrentes de tratamento de câncer.
Art. 1
o
. As mulheres que sofrerem mutilação total ou parcial de mama,
decorrente de utilização de técnica de tratamento de câncer, têm direito a
cirurgia plástica reconstrutiva.
Art. 2
o
. Cabe ao Sistema Único de Saúde - SUS, por meio de sua rede de
unidades públicas ou conveniadas, prestar serviço de cirurgia plástica
reconstrutiva de mama prevista no art. 1
o
, utilizando-se de todos os meios e
técnicas necessárias.
68
Já no âmbito estadual, em São Paulo, segundo o Programa de Cirurgia Plástica
Reconstrutiva da Mama, a informação direcionada para as mulheres com câncer de mama
deve ser veementemente divulgada, seja no domínio público ou privado.
Art. 4º. O Programa de Cirurgia Plástica Reconstrutiva da Mama será objeto de
ampla divulgação no âmbito de todos os serviços de saúde, públicos ou
privados.
Parág. 3º - A Secretaria da Saúde deve envidar esforços para garantir que todos
os profissionais da rede pública ou particular, que realizam tratamentos que
podem ocasionar a mutilação parcial ou total da mama, recebam orientação
sobre a existência do Programa e os locais onde o mesmo se realiza.
30
Em contraponto a esses avanços e insistindo na necessidade de informação diante da
seriedade das implicações decorrentes da doença, é assustador constatar que na década de 70,
nos EUA, Segundo Kushner (1981, p.119), as mulheres portadoras de câncer de mama,
submetidas a uma mastectomia, chegavam ao hospital para realizar uma biópsia – retirada de
um fragmento de tecido do organismo vivo para o exame da natureza das alterações nele
existentes – e conforme o tamanho do tumor encontrado, a cirurgia era realizada na hora, sem
o conhecimento da paciente. Diversas mulheres acordavam da anestesia sem um de seus seios,
sem direito à escolha e muito menos à informação.
Ainda ponderando sobre os avanços nos tratamentos, a adoção da cirurgia
mastectomia parcial também é um ponto positivo. Hoje, não é mais necessária a mutilação
total do seio. Caso o tumor ainda esteja em fase inicial, é possível realizar cortes parciais no
seio, de modo que apenas uma parte tenha que ser reconstruída, ou seja, todo tecido da mama
e os nódulos linfáticos da axila são removidos; contudo, os músculos peitorais ficam intactos.
Mesmo as mulheres que sofreram cortes ou a retirada dos bicos do seio também podem
contar com a reconstrução por meio da retirada de cartilagem de outras partes do corpo.
Todavia, não se pode esquecer que a medicina é uma área em constante atualização.
Para salvar vidas ou chegar a um resultado menos doloso na rotina de pacientes, como é o
caso das portadoras de câncer de mama, muitas hipóteses foram testadas e aplicadas nessa
trajetória de pesquisas e práticas.
Fatos historicamente situados comprovam essa concepção da medicina em relação ao
câncer. Para Kushner (1981, p.129 e 130), a cirurgia era essencialmente voltada ao combate
30
Dados provenientes da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, site: www.al.sp.gov.br
69
do câncer; mesmo que as probabilidades de desenvolvimento fossem mínimas, a mutilação
era a única saída.
Durante décadas, os cirurgiões se recusaram a operar mulheres grávidas ou que
estivessem amamentando. Argumentava-se que o câncer de seio é tão bem nutrido por
hormônios durante a gravidez que a mulher grávida provavelmente morreria antes de
o bebê nascer. (...) Quer o leitor ou a leitora acredite ou não, era uma prática cirúrgica
comum (e não há muito tempo atrás), remover o segundo seio junto com o seio
canceroso como ”profilaxia”. Para um cirurgião, talvez faça sentido. Mais ou menos
um por cento das pacientes com câncer de seio tem também no outro seio um não
detectado. Algumas vezes são até “imagem no espelho”, tumores achados exatamente
no mesmo lugar em ambos os seios. Além disso, dez por cento das mulheres que
tiveram câncer num seio, subseqüentemente desenvolvem câncer no outro seio. Mas o
câncer não pode crescer onde não há seio: assim sendo, alguns cirurgiões usavam
defender a remoção rotineira do segundo órgão com mastectomia simples enquanto
amputavam radicalmente o câncer maligno.
As mulheres aprendem sobre auto-exame, biópsia, diferentes tipos de mastectomias,
como se estes representassem o fim dos problemas do câncer de mama. Na verdade, a
mastectomia simboliza o início de uma vigilância contínua que envolve a necessidade de
exames periódicos. Para um bom acompanhamento do quadro clínico da doença seria de
extrema relevância que a mastectomizada tivesse o apoio constante de postos de sáude.
Kushner (1981, p.151) apontou falhas e inadequações nas práticas trabalhistas e de
saúde em seu país, os Estados Unidos da América. As discordâncias da autora se reportam às
formas de contratação, quando expõe que:
Essa prática não faz sentido de jeito nenhum. Mas é um fato da vida. Contratar alguém
que tenha câncer aparentemente traz problemas. Primeiramente, um grande número de
firmas têm planos de seguro e de pensão que não cobrirão tais empregados. O
sindicato, se houver, requer que todos os empregados sejam cobertos por quaisquer
planos que estejam em vigor, e o resultado é que as firmas simplesmente proíbem a
contratação de pessoas que anteriormente tiveram câncer.
A discriminação no emprego também foi uma consequência referente à mastectomia
nas últimas décadas. A autora relata um caso divulgado no jornal estadunidense The New
York Times, em novembro de 1974, onde uma nota informava que Joyce Arkhust, nascida em
Nova York, havia sido recusada em um emprego na ONU - Organização das Nações Unidas
porque tinha realizado uma mastectomia em abril de 1973 (KUSHNER, 1981, p.150).
70
Seu câncer fora curado, de acordo com o médico dela, mas o departamento pessoal da
ONU, onde ela tinha pleiteado um emprego com duração prevista de dois anos, não a
contratou. Embora todos que tivessem entrevistado Joyce pensassem que ela estava
qualificada, ela não pôde obter a necessária liberação médica: foi informada de que a
ONU não contrata pacientes que tiveram câncer enquanto não tiverem passado cinco
anos desde seu último tratamento.
Apresentando semelhanças com a realidade norte-americana, acrescidas da lentidão
quanto aos seus processos decisórios, a saúde pública no Brasil é uma área que necessita de
desburocratização e investimento, sendo ainda necessário constante apoio dos governantes
para que os planos não sofram descontinuidade com as mudanças administrativas e
econômicas; enfim, o país demanda reorganizações e novas estratégias de políticas públicas.
31
Figura 6 - “Desfile homossexual em São Francisco, EUA”, de Reid S. Yalom - 1994
Fonte: Yalom, História do Seio, 1997
31
Nas eleições do Brasil de 2002, mais de 60 empresas que atuam na área de planos de saúde fizeram doações de R$ 7,2
milhões para campanhas de eleitos e não-eleitos pelo país. Financiaram parte das campanhas de 29 deputados federais e dois
senadores. O levantamento das 62 empresas do ramo que financiaram campanhas eleitorais foi divulgado pelos pesquisadores
do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde, ligados a entidades médicas. Site - http://www.cebes.org.br/
71
As políticas públicas de saúde destinadas exclusivamente ao universo feminino
favorecem o desenvolvimento de estudos analíticos sobre o corpo e as suas especificidades.
No caso do câncer de mama, as campanhas se caracterizam como pioneiras, cujos resultados
tendem a desmistificar e desconstruir a imagem estigmatizada que antigamente conceituava a
mulher como simples reprodutora, considerando que há poucos anos atrás, as necessidades de
consultas médicas aconteciam somente em casos ligados à gestação e procriação.
Segundo PINOTTI (1998, p. 15), “O sistema tradicional de saúde considera a mulher
importante apenas no exercício de sua função reprodutiva, isto é, quando ela está grávida.”
Apesar disso, a criação de órgãos voltados especificamente à saúde feminina, como o PAISM
– Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher, é um avanço na medida em que as
características físicas e psicológicas do gênero são reconhecidas como diferentes das
masculinas, e o país se aproxima da atual definição da ONU na qual saúde é um bem-estar
bio-psico-social.
Tradicionalmente, o sistema de saúde brasileiro tem se voltado para curar doenças nos
estágios intermediário e terminal e não para detê-las no início de seu desenvolvimento
ou para preveni-las. Não é por acaso que os centros de saúde estão muitas vezes
vazios, enquanto os hospitais estão sempre lotados. (...) Por isso, embora haja em
praticamente todas as regiões do País oportunidades de prevenção, de diagnóstico e de
tratamento eficiente do câncer, a doença está longe de poder ser considerada sob
controle. Ainda hoje, a maioria das mulheres desconhece essas oportunidades ou não
sabe como chegar a elas. (1998, pp. 109-110)
A saúde pública deveria rever suas concepções e definições de políticas diante da
gravidade do problema câncer de mama, uma vez que é muito mais promissor e econômico ao
governo investir na conscientização da prevenção de doenças. Nas palavras de PINOTTI (1998,
p.5),
a educação na área da saúde é uma ferramenta de empoderamento do cidadão, método
que além de reduzir futuros gastos, liberta-o da condição de leigo no assunto, fazendo com
que o conhecimento seja um aliado na rapidez e funcionalidade das relações estabelecidas nos
postos
.
72
Não existe nada mais importante para a saúde das mulheres do que usufruírem dos
mecanismos de detecção e prevenção das doenças e a garantia da preservação de seus
direitos, em relação ao sistema público de saúde. Isso não tem acontecido pelas mais
diferentes razões, mas, principalmente, pela desestruturação e caotização do sistema
público de saúde brasileiro, baseado em um conceito distorcido de uma visão menor
do processo de globalização da economia e do neoliberalismo, onde saúde está se
tornando cada vez mais uma mercadoria e cada vez menos um direito de sáude.
Desde a criação do SUS e do PAISM, a concepção de independência das práticas de
assistência foi colocada em pauta. Tornou-se fundamental ao Brasil assumir, por parte de suas
ações inclusivas, o investimento na área de saúde das mulheres e na garantia da preservação
de seus direitos. Em suas análises, Denise Garcia (2002, p.104) situa historicamente por que o
PAISM não conseguiu se libertar dessas concepções reprodutivistas, ressaltando o fraco
investimento financeiro que o impediu de substituir o pronto-atendimento pela qualidade das
consultas médicas do serviço público.
A evolução histórica recente do sistema de saúde não se deu no sentido de extensão de
uma rede básica regionalizada e hierarquizada, como propunha e necessitava o
PAISM, mas predominantemente na direção da extensão do pronto-atendimento
médico na rede de saúde pública, com escassa racionalidade epidemiológica e
sucateamento dos recursos. No que toca ao trabalho médico, esse movimento
correspondeu a uma progressiva especialização e fragmentação, priorizando o setor
privado e o consumo de equipamentos de diagnóstico e terapêuticos de alta
incorporação tecnológica. Nesse contexto, o PAISM acabou por reduzir-se, no
cotidiano do trabalho, a um certo aumento da oferta de assistência gineco-obstétrica,
centrando-se, assim, somente em ações dirigidas ao tratamento de patologias do
aparelho reprodutor feminino, o que reduziu em muito as suas pretensões iniciais.
A pesquisadora analisa sob a ótica geográfico-social uma campanha de prevenção de
câncer de colo de útero e de mama realizada na zona leste da cidade de São Paulo, entre os
anos de 1994 e 1997, cuja idealização nasceu de movimentos sociais e de grupos de mulheres
residentes no município. Sua análise reconhece as iniciativas da sociedade civil e o
protagonismo da população como mais eficientes do que as políticas públicas de saúde
brasileiras.
Além da defesa da garantia dos direitos da mulher, a campanha analisada por Garcia
também obteve um resultado organizativo no que diz respeito aos fatores socioeconômicos. A
incorporação de conceitos sobre as relações de gênero no cotidiano dos movimentos sociais
torna-se um grande apoio à saúde feminina, pois não desvincula tais questões das
73
reivindicações econômicas, trabalhistas e políticas, considerando a emancipação feminina
uma união de direitos em todos os aspectos sociais.
Analisando a forte incidência de câncer no Brasil, apenas as funções do SUS não
seriam suficientes para o controle necessário. Instituiu-se, conforme a Portaria nº 2.439/GM
de 8 de dezembro de 2005, a Política Nacional de Atenção Oncológica
32
, cujos objetivos
são: promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos com a
doença, sendo implantada em todos os Estados da Federação, respeitando as competências
das três esferas de gestão.
Conforme a criação da PNAC e considerando a Constituição Federal, em seus artigos
196 a 200 - Leis Orgânicas da Saúde nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e nº 8.142, de 28
de dezembro de 1990, é importante para esta pesquisa explicitar alguns artigos,
principalmente o primeiro e o segundo, que dizem respeito ao acesso e troca de informações
com a sociedade sobre o câncer de mama.
Art. 2° Estabelecer que a Política Nacional de Atenção Oncológica deve ser
organizada de forma articulada com o Ministério da Saúde e com as Secretarias
de Saúde dos Estados e Municípios, permitindo:
VII - contribuir para o desenvolvimento de processos e métodos de coleta,
análise e organização dos resultados das ações decorrentes da Política Nacional
de Atenção Oncológica, permitindo o aprimoramento da gestão e a
disseminação das informações;
VIII - promover intercâmbio com outros subsistemas de informações setoriais,
implementando e aperfeiçoando permanentemente a produção de dados e a
democratização das informações com a perspectiva de usá-las para alimentar
estratégias promocionais da saúde;
Art. 3° Definir que a Política Nacional de Atenção Oncológica seja constituída
a partir dos seguintes componentes fundamentais:
32
Tanto a oncologia como a carcilogia são estudos da medicina relativos a tumores celulares.
74
VII - Plano de Controle do Tabagismo e outros Fatores de Risco do Câncer do
Colo do Útero e da Mama: deve fazer parte integrante dos Planos Municipais e
Estaduais de Saúde.
X - sistema de informação que possa oferecer ao gestor subsídios para tomada
de decisão no processo de planejamento, regulação, avaliação e controle e
promover a disseminação da informação.
33
Por meio da rede oncológica brasileira e do PNAC, o câncer pode ser tratado em
hospitais capacitados pelo Ministério da Saúde. Existem as chamadas Unidades de
Assistência de Alta Complexidade em Oncologia – UNACOM, que oferecem tratamento dos
cânceres mais prevalentes e os Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia –
CACON, com tratamentos para todos os tipos de cânceres.
Porém, a procura desses centros não deve ser o primeiro passo para uma pessoa que
suspeita estar com câncer. Primeiramente, é necessário se apresentar nos serviços da rede
básica ou da rede hospitalar geral. Caso os exames complementares notifiquem algum
conjunto de sinais e sintomas, será imprescindível o apoio da rede oncológica. O câncer é uma
doença que possui inúmeros sintomas e acomete diversos órgãos podendo causar confusão
por parte dos pacientes. Entretanto, no caso do caso do câncer de mama, existe o auto-exame
das mamas que é feito pela própria mulher e pode auxiliar na detecção antecipada da doença.
Segundo a matéria O câncer à margem da política, da revista ABCâncer
34
, a longa
espera da detecção e do tratamento torna-se um elemento agravante para o desenvolvimento
da doença. “Atualmente um paciente pode aguardar de seis a oito meses na fila de espera para
um exame diagnóstico, em média. Já na fila de espera para estadiamento, onde pode-se
conhecer a extensão exata da doença, aguarda-se, em média de quatro a cinco meses.” E nas
palavras da oncologista entrevistada Nice Yamaguchi, “Era preciso que houvesse uma rota de
adiantamento, para ter condições de diagnosticar a doença mais cedo. O paciente espera por
no mínimo 10 meses, mas a doença não espera.”
33
Informações provenientes do site do Ministério da Saúde do Brasil – www.saude.gov.br
34
A revista ABCâncer é uma publicação bimestral da Associação Brasileira do Câncer distribuída gratuitamente em hospitais
e centros oncológicos do Brasil. A matéria citada refere-se à edição de outubro/novembro 2006
.
75
Ponderando sobre o tratamento complementar após o diagnóstico do câncer, segundo a
Sociedade Brasileira de Radioterapia, cerca de 100 mil pacientes deixam de receber
radioterapia por ano em razão das filas, presentes mesmo em grandes centros como o sudeste.
Já sobre o assunto formação do profissional de Medicina, todos os entrevistados parecem
concordar que a área necessita de uma revisão: “Entre as cerca de 120 faculdades de Medicina
do país, menos de 20% têm a disciplina Oncologia entre as obrigatórias”. Essa deficiência é
mais um significante fator a ser considerado na dificuldade dos médicos para diagnosticarem
rapidamente a doença.
Outro dado que muito dificulta a vida dos portadores de câncer é o alto custo da
medicação necessária para tratamento. Este é um dos fatores de atrito entre laboratórios,
governo e pacientes, criando uma situação delicada e paradoxal. Se por um lado existem as
falhas, filas e carências nacionais para o acesso a remédios, por outro existe a Constituição
Brasileira que prevê acesso universal à saúde como um direito de todos e dever do Estado,
assegurando, inclusive, o fornecimento de medicamentos mais caros.
Para tal problemática, entrou em vigor, no ano de 1998, a Política Nacional de
Medicamentos, cujo objetivo é garantir segurança, eficácia e qualidade dos remédios, a
promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais –
entendidos como indispensáveis para atender à maioria dos problemas de saúde da população.
Os produtos da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais - RENAME devem estar
continuamente disponíveis à sociedade e em constante processo de atualização. Enfatiza-se o
conjunto de medicamentos necessários às doenças mais comuns segundo critério
epidemiológico.
Quanto aos medicamentos de alto custo, como é o caso do câncer, o processo de
recebimento é diferente, fora do âmbito das farmácias do SUS. Todo o processo está ligado
aos cerca de 300 estabelecimentos de saúde prestadores de assistência oncológica espalhados
pelos 26 Estados, em 128 municípios. A maioria deles é hospital geral com distinguida
capacidade de prestar atendimento de alta complexidade e alguns são hospitais especializados
em câncer, os CACON e UNACOM.
76
Segundo o Inca, em resumo, são esses os passos necessários para um paciente obter
medicamento para câncer no SUS:
1- O paciente é atendido por médico em hospital ou clínica isolada de quimioterapia
cadastrada no SUS para atendimento de pacientes com câncer.
2- O médico avalia e prescreve o tratamento indicado, conforme as condutas adotadas
nesse hospital ou clínica.
3- O paciente é submetido ao tratamento indicado, inclusive recebe do hospital ou
clínica os quimioterápicos que irá tomar em casa, por via oral.
4- O médico preenche o laudo de solicitação de autorização para cobrança do
procedimento no SUS e o encaminha ao gestor local, que pode ser uma secretaria
municipal ou estadual de saúde.
5- O gestor autoriza a cobrança conforme as normas vigentes do Ministério da Saúde e
fornece ao hospital ou clínica um número de APAC.
35
6- O hospital ou clínica cobra do SUS no final do mês o valor mensal do respectivo
tratamento.
7- O SUS paga ao hospital ou clínica o valor tabelado relativo ao procedimento.
Por pressões de laboratórios e grupos de pacientes liderados por organizações da
sociedade civil, existe nesse processo de tratamentos e medicações uma demanda por
remédios excepcionais – de valores extremamente caros. Conforme a entrevista divulgada
36
com Celso Rotstein, oncologista clínico do Inca, os aspectos da eqüidade costumam ser
ignorados. “Se você incluir na lista de medicamentos excepcionais um remédio que custa R$
20 mil a caixa para câncer de cólon e se temos 30 mil casos por ano de câncer de cólon,
devem existir recursos para fornecer o medicamento aos 30 mil pacientes, ou seja, pelo menos
R$ 60 milhões a mais no orçamento.” Rotstein então finaliza: “Não é isso, porém o que
acontece. Na prática, remédios são incluídos sem que haja lastros para fornecê-los a todos e só
aqueles bem informados e capazes de recorrer à Justiça conseguem obtê-los”.
35
APAC corresponde ao documento de Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade/Custo do Ministério da Saúde
do Brasil.
36
Matéria Vale a pena?, Revista ABCâncer de março de 2007.
77
Há de se levar em conta dois obstáculos para o recebimento desses medicamentos.
Primeiro, o período de consentimento para a fabricação, “o tempo para a aprovação de um
remédio, que raramente era menor do que seis anos, hoje já chegou a menos de três anos”,
relatou Rotstein. Segundo, aprovado o medicamento, o laboratório responsável pela produção
encaminha um pedido de comercialização à Agência Nacional de Vigilância Sanitária –
ANVISA, com uma sugestão de preço. Ao final, começa então o debate polêmico sobre a
viabilidade econômica do remédio, podendo, oportunamente, em altíssimo grau, ser finalizado
igualmente ao caso ocorrido em maio de 2007, quando o governo brasileiro quebrou a patente
de um medicamento usado no combate ao vírus HIV.
37
Ponderando sobre todos os motivos relacionados às questões do câncer, desde os
políticos até o aumento das incidências, cada vez mais a expectativa pela diminuição dos
números de casos de portadores da doença está na autodetecção ou na alternância dos hábitos
de vida da pessoa. Para um câncer de pele condena-se a massiva exposição à luz solar; para o
de pulmão, o vício do tabagismo e para o câncer de mama, aposta-se no auto-exame das
mamas.
Essa condição do indivíduo de ser responsável pelas suas enfermidades é discutida por
alguns estudiosos que condenam o peso e a transferência da culpa pela aquisição do câncer. A
publicidade, quando não bem trabalhada, pode também ajudar a tornar uma advertência em
responsabilidade pessoal.
Nas palavras de José Gomes Temporão (1986, p.147), as emissões das mensagens
públicas de prevenção do câncer individualizam e restringem o processo da doença ao
cidadão.
São comuns principalmente veiculadas pelos jornais, matérias “preventivistas”. A
Sociedade Brasileira de Cancerologia é freqüentadora assídua dos jornais, com
matéria em que alerta o leitor para os perigos do câncer e como proceder para se
“proteger”. Ou seja, de início individualiza todo o processo de produção dessas
doenças e coloca como de responsabilidade do indivíduo assumir um risco maior ou
menor em adoecer.
37
No dia 04/05/2007, por meio de decreto com licença compulsória, foi assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a
quebra da patente do medicamento Efavirenz, produzido pelo laboratório norte-americano Merck Sharp & Dohme, usado no
combate ao vírus HIV. Anteriores negociações para a redução do preço do comprimido (US$ 1,59) eram feitas desde 2006.
No entanto, a proposta do laboratório, de uma redução de 30% do valor, foi considerada insatisfatória pelo governo, que pode
importar medicamento similar por US$ 0,45 produzido na Índia.
78
Figura 7 - Propaganda divulgada no jornal O Globo em 24/11/1982
Fonte: TEMPORÃO, A propaganda de medicamentos e o mito da saúde, 1986
As questões da responsabilidade do auto-exame e da culpabilidade da contração ou da
detecção tardia de um câncer de mama serão novamente comentadas no capítulo IV, cujo teor
se refere à análise da publicidade relacionada à doença. Contudo, há outra grande chance de
detecção precoce e erradicação do tumor por meio da utilização do exame de mamografia -
radiografia especial feita em aparelhos específicos com a finalidade de detectar qualquer
alteração nas mamas. Todavia, a mamografia no Brasil ainda permanece como um recurso
inacessível para as classes econômicas menos privilegiadas.
Segundo informou a assessoria de imprensa da ANVISA, “O SUS realizou 2,6
milhões de mamografias somente em 2006. Cerca de 50 mil desses exames indicaram novos
casos de câncer de mama, de acordo com dados do Inca. Segundo o instituto, a detecção
precoce da doença reduz em até 35% a possibilidade de morte (...) calcula que são necessárias
cerca de 4,5 milhões de mamografias por ano para cobertura de 75% das mulheres
consideradas como público-alvo do rastreamento populacional do câncer de mama. Fazem
parte desse grupo mulheres acima de 35 anos e com histórico de câncer na família.”
Contudo, por intermédio da assessoria de comunicação da Universidade de Brasília,
divulgou-se um texto resumido da pesquisa de doutorado da médica Ana Maria Costa,
79
intitulada Atenção Integral à Saúde das Mulheres: Quo Vadis? Uma Avaliação da
Integralidade na Atenção à Saúde das Mulheres no Brasil (2005). Sua crítica está estruturada
nos recursos insuficientemente distribuídos das regiões de atendimento do SUS.
38
A pesquisa consistiu em analisar dados estimados para 5.507 municípios brasileiros
por meio de uma amostra na qual se realizaram 627 entrevistas com os gestores das
secretarias municipais de saúde entre o último trimestre de 2003 e o primeiro de 2004. Costa
descobriu que quanto menor o município, menor é o acesso a serviços prestados, sendo que
em alguns casos, consta a inexistência total de atendimentos gerais, clínicos e especializados.
MAPA DA EXCLUSÃO NO SUS
Tamanho
do
Município
Integral
Plus
Semi-
Integral
Atenção
Básica
Materno-
Infantil
Municípios
Excluídos
Até 5 mil
hab
- - 14,6% 35,8% 49,6%
5.001mil a
10 mil
- 0,7% 14,1% 31,3% 53,9%
10.001mil a
20 mil
- 1,9% 24,3% 21,6% 52,2%
20.001 mil
a 50 mil
- 2,7% 17,3% 25,6% 54,3%
50.001 mil
e mais
1,7% 8,4% 23,7% 23,9% 42,4%
Total 0,2% 1,9% 18,2% 28,3% 51,4%
Tabela 4 - Uma Avaliação da Integralidade na Atenção à Saúde das Mulheres no Brasil, 2005
Fonte: Atenção Integral à Saúde das Mulheres: Quo Vadis?
Suas conclusões foram insatisfatórias para a rede oncológica nacional quanto à
diversidade de etnias e condição social das brasileiras. Quase 91% dos municípios não
incluem nos programas de saúde atenção às negras, 91% não possuem programas voltados
38
http://www.unb.br/acs/bcopauta/saudefeminina7.htm
80
para as indígenas, 56% não incluem programas para as habitantes da zona rural e 85% não
incluem as mulheres assentadas nos programas de saúde. Nessa linha de escassos acessos à
saúde feminina, os dados de mamografia confirmam a tendência: 81% das mulheres não
realizam o exame.
Dados oficiais do Datasus, departamento de informática responsável pelo banco de
dados do Sistema Único de Saúde, confirmam a centralização dos aparelhos de mamografias
no sul e sudeste do país e, conseqüentemente, a capacidade de produção de exames.
Tabela 5 – Capacidade instalada e produção de mamógrafos no SUS, por UF, no Brasil 2005
Fonte Datasus, 2006
81
Tabela 6 – Potencial de Produção de mamografias, número de mamógrafos e população feminina, por região, no Brasil, 2006
– Fonte Datasus - 2006
Outros dados também importantes na divulgação das mamografias foram produzidos
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, no relatório Acesso e Utilização de
Serviços de Saúde, segundo uma coleta de dados por amostras de domicílios realizada em
2003. O resultado anunciou primeiramente que aproximadamente 30% dos brasileiros são
portadores de doenças crônicas – nesta classificação pode-se incluir o câncer de mama. Em
segundo lugar, metade das mulheres do nosso país com mais de 50 anos jamais foi submetida
a uma mamografia. Por último, a proporção de mulheres com mais de 25 anos que nunca
examinaram a mama também é alta, 57,3%; já as que não fizeram o exame clínico das mamas,
36,4%.
Sobre tais dados, a matéria
39
1/3 das brasileiras nunca examinou a mama destaca a
frase de profissionais do Inca quando perguntados sobre a pesquisa do IBGE: “Ainda não
temos estrutura suficiente para chamar todas as mulheres, incluindo as que nunca
apresentaram sintomas, para fazerem exame e receberem o tratamento adequado, mas o
Ministério da Saúde está se estruturando para isso. A gente pretende que até 2007 o SUS
consiga oferecer para toda a população de mulheres a mamografia e encaminhar tratamento
adequado para as que necessitem”.
39
Jornal Folha de São Paulo, em 26 de maio de 2005.
82
Gráfico 7 – Proporção de mulheres com mais de 25 anos que nunca fizeram exames de mamas e de colo de útero
Gráfico 8 - cobertura de plano de saúde por nível de renda
Fonte: IBGE - Acesso e Utilização de Serviços de Saúde, 2005
Outro alerta está presente no site da Taps - Temas Atuais na Promoção da Saúde
40
,
debatido por Diana Hunt, formada em tecnologia radiológica pela Universidade da Califórnia,
UCLA. Suas palavras condenam a exibição pela televisão americana de uma propaganda para
jovens que planejam fazer uma mamografia, mas estão sempre muito ocupadas. O narrador do
filme comenta a necessidade de achar tempo para o exame “porque a mamografia detecta
tumores e salva vidas — até 91%”. Porém, tudo estaria correto se não fosse o final do vídeo,
cujas características se assemelham a um anúncio de saúde pública, mas o que aparece é o
logotipo da General Electric - empresa fabricante de aparelhos de mamografia.
A crítica de Hunt é sobre a inversão dos papéis sociais, principalmente a ausência do
profissional da área de saúde em troca da incitação ao consumo desnecessário de radiografias.
“O exame foi criado para confirmar ou descartar o diagnóstico médico. Entretanto, tornou-se
uma máquina de fabricar dinheiro, usado em mulheres saudáveis que não apresentam
qualquer sintoma de doença da mama.”
Se por um lado existe a carência de mamógrafos e a necessidade feminina de
prevenção do câncer de mama, por outro, há a alta dose de radiação a que a mulher se expõe
durante a realização do exame, cuja necessidade para mulheres jovens ainda não é oportuna.
Além do mais, a referida propaganda pode induzir a uma grande perda de tempo por meio de
40
www.taps.org.br
83
uma tentativa ineficaz de ultrapassar os primeiros sinais da doença diagnosticados no auto-
exame e no exame clínico das mamas, ou seja, a mamografia é aconselhada somente em casos
de recomendação médica.
Concomitantemente aos exemplos acima citados, existem muitas outras mensagens
comunicativas sobre câncer de mama, passíveis de análises críticas no estudo dos meios, com
uma diversidade de frases, palavras, slogans, imagem, entre outros elementos corroborantes
de estigmas sociais, desenvolvidos por linguagens metafóricas e influentes nas realidades
culturais estabelecidas.
Da realidade da doença surge o processo de criação das campanhas de prevenção que
visam despertar interesse no maior número possível de pessoas. No caso do câncer de mama,
a persuasão se caracteriza como pioneira na área da saúde feminina, pois assume as
especificidades do corpo da mulher, desconsiderando o antigo padrão exclusivo aos assuntos
reprodutivos. Todavia, considerar uma doença como um fator positivo para as mulheres terem
acesso às consultas médicas é uma emancipação às avessas dentro da contextualização das
conquistas de gênero.
O auto-exame, a mamografia e o exame clínico das mamas demonstram-se como
etapas inerentes ao processo de reconhecimento de direitos da saúde pública feminina, cujas
práticas deveriam ser realizadas por todas as mulheres, tendo ou não o diagnóstico da doença.
Os índices de incidência aumentam, as políticas tornam-se estratificadas e o diagnóstico da
doença é universal. Nesse cenário carente de informações, o câncer de mama torna-se objeto
das iniciativas da comunicação de massa realizadas por meio de campanhas preventivas,
podendo assumir proporções educativas, reivindicativas, colaborando com o processo de
empoderamento histórico feminino.
84
Capítulo III
Semiótica e a campanha do IBCC
85
3.1 - Referencial teórico para a análise semiótica
O homem é um ser que criou a si próprio ao criar uma linguagem.
Octavio Paz
O estudo epistemológico da semiótica abrange desde o interesse da Filosofia ao campo
da Comunicação, definindo-se, entre outras análises, como uma investigação da descrição dos
fenômenos transformados em linguagem na qual saberes distintos se apropriam da ciência
lógica do estudo dos signos para entender a realidade humana com todos os seus referenciais
simbólicos. Nesse campo cuja meta é decifrar, seus estudos têm por base aplicar conceitos da
fenomenologia, ponderando sobre os processos históricos e culturais.
Na análise adotada nesta pesquisa, utilizou-se a linha semiótica Peirceana, que tem sua
base nos estudos de Charles Sanders Peirce (1839-1914), com referências ao seu conceito da
tríade dos signos.
41
Os fundamentos e representações interpretativas são estudados a fim de
entender as noções de produção de significados e, conseqüentemente, da semiose
comunicativa e publicitária. Santaella (2006 p. 51) afirma que:
Diante de qualquer fenômeno, isto é para conhecer e compreender qualquer coisa, a
consciência produz um signo, ou seja, um pensamento como mediação irrecusável
entre nós e os fenômenos. E isto, já ao nível do que chamamos de percepção. Perceber
não é senão traduzir um objeto de percepção em um julgamento de percepção, ou
melhor, é interpor uma camada interpretativa entre a consciência e o que é percebido.
TEIXEIRA COELHO NETTO, ao explicar a semiótica Peirceana, define o conceito
de signo e de suas unidades formadoras de uma relação triádica da seguinte maneira:
Um signo (ou um representamen), para Peirce, é aquilo que sob algum aspecto
representa algo para alguém. Dirigindo-se a essa pessoa, esse primeiro signo criará na
mente (ou semiose) dessa pessoa um signo equivalente a si mesmo, ou eventualmente,
um signo mais desenvolvido. Este segundo signo criado na mente do receptor recebe
a designação de interpretante (que não é o intérprete), e a coisa representada é
conhecida pela designação de objeto. (1980: p. 56)
41
Além da semiótica Peirceana há outras correntes de estudos sobre a natureza dos signos. As mais recorrentes atualmente
são semiótica greimasiana, de Algidras Julien Greimas (1917-1992) e a semiótica da cultura, de tradição russa, com seus
precursores Mikhail Bakhtine (1895-1975) e Roman Jakobson (1896-1982)
86
Figura 8 – Elementos da tríade semiótica
Na investigação para um melhor entendimento do conceito de objeto, há que se levar
em consideração seus dois tipos existentes: o imediato e o dinâmico, cujas naturezas são
diferentes, dependendo de o signo ser um ícone, um índice ou símbolo. Em termos gerais, o
imediato é tal como está apresentado no signo e o dinâmico é o que está fora do signo.
Um dos pontos-chave dessa ciência dos signos é a capacidade de categorização dos
seus diferentes significados, pois, sendo considerados signos palavras, sons, símbolos,
índices, entre outros, com cadeias de representações infinitas, a semiótica torna-se uma teoria
básica para a compreensão da heterogeneidade nos processos de transmissão dos códigos
humanos e suas transformações.
O longo curso do tempo (the long run, diria Peirce) sempre demonstrará que aquilo
que foi tomado como completo não passava de apenas um dos aspectos parciais do
objeto, visto que este, na sua inteireza ou totalidade não pode ser capturado nas
malhas dos signos. Por mais que a cadeia sígnica cresça, o objeto é aquilo que nela
sempre volta a insistir porque resiste na sua diversidade. (Santaella, 2004:31)
SANTAELLA (2006: p. 25) há anos decifra e traduz a vasta obra de Peirce, em boa
parte ainda inédita. “O que Peirce na realidade postulava, como base do seu pensamento era a
teoria do crescimento contínuo no universo e na mente humana. ‘O universo está em
expansão’ dizia ele, ‘onde mais poderia ele crescer senão na cabeça dos homens?”
Qualquer coisa que decorra do universo humano produz um efeito na mente, que é o
signo. Este por sua vez se refere a um segundo elemento, o objeto, algo visto, palpável,
descritível ou sensitivo que só aparece num momento secundário. A precedência lógica é do
signo, mas a anteposição real é do objeto. Sendo assim, somos seres primeiramente
decifradores de signos, para moldarmos nossa percepção e, por última conseqüência, nossas
Interpretante
Signo
Objeto
87
atitudes. Para a autora, “é preciso levar em conta que o efeito que a mente produz não precisa
ser necessariamente racional. Pode ser da ordem de uma reação puramente física, ou então,
pode ser um mero sentimento com toda a evanescência que é própria de um sentimento.”
Para Peirce, existem três distintas categorias do pensamento e da natureza, afirmando
que a vida se desenvolve por meio da interação dialética entre a eventualidade e o desígnio;
sendo assim, o homem significa tudo o que o cerca numa concepção triádica: Primeiridade,
Secundidade e Terceiridade. De um modo mais simples e geral, é possível entendê-las
segundo a explicação de Santaella:
A 1ª. corresponde ao acaso, originalidade irresponsável e livre, variação espontânea; a
2ª. corresponde à ação e reação dos fatos concretos, existentes e reais, enquanto, a 3ª.
categoria diz respeito à mediação ou processo, crescimento contínuo e devir sempre
possível pela aquisição de novos hábitos. O 3º pressupões o 2º ; o 2º pressupõe o 1º ; o
1º é livre. Qualquer relação a três é uma complexidade de tríades. (2006, p.39)
A Primeiridade é a qualidade da consciência imediata; refere-se a tudo o que está
imediatamente presente na mente no momento presente de uma primeira análise. Algo
primeiramente original, espontâneo e livre, precedente de toda síntese e diferenciação. A
Secundidade se define nas reações em relação ao universo, a corporificação material da leitura
dos signos, a discriminação. Já a Terceiridade corresponde à camada de inteligibilidade por
meio da qual se interpreta o mundo; é a fase da generalização.
Na teoria Peirceana, existem também três tipos de signos. O ícone, uma representação
de proximidade sensorial ou emotiva entre o signo, uma reprodução do objeto, como por
exemplo: os bonecos e desenhos ou as fotografias e pinturas. O índice é a significação de um
todo obtido pela pré-experiência subjetiva ou pelo legado cultural que determina conclusões,
por exemplo: onde há fumaça, logo há fogo. É um sinal, e nesse sentido, estabelece uma
relação de causa e efeito. Já o símbolo estabelece uma relação convencionada; é estritamente
utilizado para representar algo entre o signo e o objeto, por exemplo: o termo cadeira.
88
Concluindo: se o ícone tende a romper a continuidade do processo abstrativo, porque
mantém o interpretante a nível de primeiridade, isto é, na ebulição das conjecturas e
na correlação das hipóteses (fonte de todas as descobertas); se o índice faz parar o
processo interpretativo no nível energético de uma ação como resposta ou de um
pensamento puramente constatativo; o símbolo por sua vez, faz deslanchar a remessa
de signo a signo, remessa esta que só não é infinita, porque nosso pensamento, de uma
forma ou de outra, em maior ou menor grau, está inexoravelmente preso aos limites da
abóboda ideológica, ou seja, das representações de mundo que nossa historicidade nos
impõe. (2006: p. 68 e 69)
A princípio, a interpretação da natureza humana e o processo mental que ocorre na
percepção do indivíduo, quando iniciada a recepção das mensagens comunicativas até a
formação de suas atitudes, é um estudo semiótico. Ao se analisar por meio da capacidade
contemplativa um determinado signo para se chegar às suas cadeias de representações, é
necessário desmembrar primeiro a cadeia sígnica. Feito esse exercício, surgem as noções de
segmentação e significação e as diferenças que convergem para o estado de observação
(secundidade) e generalização (terceiridade) dos signos.
A primeira consideração da semiótica adaptada ao campo da comunicação é a
capacidade do indivíduo de contemplação, distinção e generalização do signo estudado. Essas
são as atividades iniciais de desenvoltura para um olhar capacitado dos referenciais estudados,
sendo que, quando assumida a prática dessas três capacidades, é possível entender o signo de
maneira mais abrangente. Segundo PEREZ (2004, p.150): “Quando percebemos diferenças
saímos do estado contemplativo e entramos no estado de observação, direção guiada a um
fim. A generalização está ligada à aptidão de disseminar as observações feitas no signo e
estendê-las em categorias globalizantes.”
Diante de qualquer fenômeno, perante o conhecimento e compreensão de qualquer
ocorrência, a consciência produz um signo, ou seja, um pensamento como mediação entre o
indivíduo e os acontecimentos. Pode-se denominar essa prática de percepção a tradução de
uma camada interpretativa entre a consciência e o que é percebido.
Digamos então para os propósitos da lógica, qualquer coisa deve ser classificada sob a
espécie da percepção quando, num conteúdo qualitativo positivo, forçar-se sobre
nosso conhecimento sem qualquer razão. Haverá um campo mais vasto de coisas que
compartilham o olhar da percepção, se houver qualquer material cognitivo que exerça
uma força sobre nós, tendendo a nós fazer reconhecê-lo, sem qualquer razão
adequada. (Santaella: 1998, p. 57 e 61)
89
Na visão Peirceana de percepção, existe a criação de uma teoria triádica sob
dominância da secundidade, ou a segunda categoria fenomenológica que diz respeito à reação
e interação do indivíduo com seu signo. Por isso, para Peirce, a percepção está em constante
interação com a ação e memória.
Nessa linha de raciocínio, para Santaella (1998), Peirce conseguiu ir além da evidência
dualista de percepção. Primeiro, porque ele não concebia a separação entre percepção e
conhecimento, pois acreditava que toda cognição começava na percepção e terminava na ação
deliberada. Segundo, porque tanto a cognição como a percepção seriam inseparáveis das
linguagens através das quais o homem pensa, age e se comunica. Ou seja, a partir dessas
afirmações, entende-se que a teoria Peirceana da percepção possui total respaldo na sua teoria
geral dos signos e vice-versa, explicando logicamente os fundamentos das significações
humanas por uma inteligência científica. Em suas afirmações:
Penso que a teoria da percepção Peirceana tem um grande papel a desempenhar para
estabelecer a ponte necessária entre as pesquisas mais empíricas e os fundamentos
filosóficos. Isso só lhe foi possível porque ele foi o primeiro filósofo, também lógico e
cientista, a trabalhar diretamente sobre a ponte de ligação entre os fundamentos e a
empiria, ponte esta que só pode ser encontrada na linguagem ou universo dos signos.
De fato, é naquilo que diz respeito especificamente à percepção que a afirmação acima
soa ainda mais provavelmente verdadeira, visto que são os signos, é a linguagem a
única e grande forma de síntese de que dispomos para a ligação entre o exterior e o
interior, entre mundo lá fora e o que se passa dentro deste mundo interior, que
segundo Peirce, nós egoisticamente chamamos de nosso. (1998: p. 30)
A concepção que a autora define como dualista diz respeito à ênfase que a percepção
coloca no mundo exterior e no agente psicológico, dentro de uma perspectiva cartesiana. Por
meio da leitura e contrapondo os diversos autores que estudaram Peirce e sua teoria triádica
da percepção, ela explica os diferentes conceitos sobre o termo e a sua visão final dos fatos.
Grande parte de sua dedicação é também para esclarecer o básico das relações perceptivas,
como a concepção do percepto, que é o que está fora e extrínseco a nós e os julgamentos de
percepção – interpretação do percepto.
Alguns autores citados pela autora classificam Peirce como ambíguo nas suas
definições de percepto e, por essa razão, os próprios estudiosos trazem novas significações
sobre os elementos-chave da teoria da percepção, com variantes de nomenclaturas e
interpretações distintas, como no caso percipuum, algo definido por Peirce como o lado
mental do objeto.
90
Feitas as recorrências aos devidos intérpretes de Peirce, o foco com a semiótica nunca
é perdido; então, SANTAELLA volta a inferir sobre a categoria de secundidade, classificando
o objeto dinâmico como o percepto e o objeto imediato como o julgamento de percepção.
O que é preciso reter é que o percepto é sempre forasteiro, no sentido de que se força
sobre nós, é exterior a nós, sem qualquer passaporte de legalização, preenchendo os
requisitos daquilo que Peirce chamava de existente, que não precisa ser
necessariamente um objeto físico (...) Ora se o percepto é aquilo que se força sobre
nossa atenção, batendo à porta de nossa apreensão, e o percipuum corresponde ao
percepto tal como ele é imediatamente interpretado no julgamento de percepção,
então, a apreensão do percepto no percipuum, ou melhor, o modo como o percepto, o
que está fora, se traduz no percipuum, aquele que está dentro, deve evidente e
logicamente, se dar de acordo com três modalidades: primeiridade, secundidade e
terceiridade. (SANTAELLA, 1998, p. 57 e 61)
Dadas todas as explicações, a tríade semiótica se aplica nos fundamentos da percepção
quando o percepto - cuja origem é aquilo que está fora e se apresenta aos sentidos - está
funcionando como objeto dinâmico, algo que está fora do signo.
Portanto, nessa teoria, o indivíduo nunca está separado dos julgamentos que ele produz
no ato perceptivo. Essa análise é a primeira noção que elucida a tríade semiótica com a
captação do signo. O segundo elemento ou objeto dinâmico é o percepto, aquele que se força
sobre a atenção. Portanto, a última comparação que falta é a do interpretante, elemento básico
da composição da tríade, e este, na concepção de Peirce, é o percipuum, que corresponde ao
percepto tal como ele é imediatamente interpretado no julgamento de percepção.
Santaella (1998) conclui que a percepção é o processo mais privilegiado para colocar
na frente do pensamento os três elementos de que o humano é composto: o físico, o sensório e
o cognitivo: “se, de um lado, a inserção da percepção no diagrama lógico da semiose ajuda a
esclarecer a noção de objeto do signo, de outro, a leitura da percepção à luz da tríade
semiótica ajuda a esclarecer a percepção ela mesma” (2004, p. 48).
Do universo perceptivo dos estudos semióticos são extraídos fundamentos para uma
interpretação do amplo espectro dos sistemas de signos que as análises tornaram como
objetos, como por exemplo, nas análises sobre mídia, publicidade, arte, vídeos, literatura.
Como afirma a autora (2005, p.208): “A maioria das estratégias manipuladoras da informação
pictórica nos meios de comunicação não são falsificações diretas da realidade expressa de
maneira assertiva, mas manipulações através de uma pluralidade de modos indiretos de
transmitir significados.”
91
3.2 - Semiótica da linguagem do câncer de mama
Aplicando as categorias universais na sua própria concepção de signo, Peirce
designou uma rede de classificação de tipos de signos, sendo que o signo sozinho pode estar
na primeiridade (qualisigno), na secundidade (sinsigno) ou na terceiridade (legisigno).
Dependendo da sua relação com o objeto pode ser um ícone, índice ou símbolo. A relação
entre o signo e o interpretante determina os signos do tipo rema, dicente e argumento.
Divisão dos Signos
Categoria Signo em relação a si mesmo Signo em relação ao objeto Signo em relação ao interpretante
Primeiridade quali-signo Ícone Rema
Secundidade sin-signo Índice Dicissigno
Terceiridade legi-signo Símbolo Argumento
Tabela 7 – Divisão dos signos na semiótica peirceana – Fonte: Coelho Teixeira (1980, p. 62)
Segundo Perez (2004, p. 155), na primeiridade, os signos ainda estão em
possibilidades qualitativas; são observados nas suas propriedades internas, nos aspectos
sensórios chamados de quali-signos, tais como, linguagem visual, cores, linhas, formas,
texturas, brilho, movimentos. “Trata-se das primeiras impressões que um signo é capaz de
despertar sem entrarmos no nível da interpretação. Poderíamos classificar como a impressão
que um signo é dotado e é capaz de gerar – exemplo – vermelhidão, grandeza, brilho etc.”
Na secundidade, os signos são mais contundentes, analisados como existentes
concretos em seus modos particulares. Algo que existe aqui e agora em um específico
contexto. “Quando analisamos as mensagens na sua perspectiva convencional, no seu caráter
geral de algo que pertence a uma determinada classe de coisas, estamos analisando os legi-
signos.” Finalmente, na terceiridade, os signos passam do concreto à abstração. O símbolo é
uma associação arbitrária; não depende de semelhanças ou vinculações com seu objeto.
O signo câncer de mama, por si só, já é de alto poder simbólico há milênios; porém,
devido ao crescimento da doença no século XXI, hoje, seus referenciais e interpretantes
atingem maior grau de impacto comportamental.
Como já comentado, no contexto de caracterização das representações simbólicas e
figurativas da linguagem contemporânea, as palavras relativas à doença são carregadas de
fortes interpretações, como por exemplo, maligno ou benigno, células invasoras, entre outras.
92
O caráter lingüístico das doenças, e especificamente do câncer, assume um contexto
metafórico e automaticamente pesado conforme as associações estabelecidas entre vida e
morte, levando-se em consideração as perdas e ganhos das pacientes com a retirada do seio.
Ou seja, como são enfrentadas as questões como a “perda da feminilidade” e as dificuldades
das pacientes na relação com os amigos e parentes, seus problemas relacionados ao
emprego, entre outros.
Na visão semiótica, é possível entender que a palavra câncer associada à proliferação
de qualquer malefício, não necessariamente a enfermidades, é usada em diferentes contextos
da linguagem da comunicação humana. Os objetos de estudo encontram-se nos jornais, em
discursos políticos e na mídia em geral. Na área da publicidade, a tendência é notável, pois
apesar de descrever de uma maneira bem mais sutil, prioriza o discurso do “combate” à
doença, com ênfase menor na quebra dos estigmas de aceitação da adversidade da contração.
Dessa malha de signos gerada pelas palavras câncer de mama, é possível ligar as
partes mais conhecidas do que Peirce estabeleceu ao dividir a rede triádica de todo e
qualquer signo, relacionando-as com a hierarquização dos elementos formais. A ligação
entre a divisão e a categorização dos signos e a doença ficaria da seguinte maneira:
* Primeiridade - Quali-signo – a qualidade livre do signo: o tumor
* Secundidade - Sin-signo – qualidade de ação e reação dos fatos concretos
representações físico-emocionais da doença - contexto
* Terceiridade - Legi-Signo – qualidade de medição, processo de crescimento contínuo
do signo - morte ou vida
93
3.3 – Campanha - O câncer de Mama no Alvo da Moda
O Instituto Brasileiro de Controle do Câncer – IBCC foi fundado
42
em 1968 e já
atendeu mais de três milhões de mulheres. Segundo os dados divulgados pela instituição, seu
hospital é referência para a saúde feminina na área de tratamento dos cânceres de mama e
ginecológico, os quais representam 60% do total de sua demanda. A média de atendimentos
pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é de 85% dos casos. Cabe ressaltar que o instituto realiza
uma média de 13 mil mamografias e 21 mil ultra-sonografias por ano.
A divulgação do IBCC é realizada por uma forte campanha nacional O Câncer de
Mama no Alvo da Moda. A estratégia consiste na captação de recursos para venda de edições
limitadas de camisetas, cujos modelos apresentam um logotipo azul em forma de
circunferências, formando um alvo. O símbolo foi desenhado pelo estilista de roupas norte-
americano Ralph Lauren, e todos os anos, é atualizado e modificado.
Figura 9. Identidade visual da marca O câncer de mama no alvo da moda
42
Os fundadores do IBCC, os Profs. Drs. João Sampaio Góes Jr. e João Carlos Sampaio Góes, foram os
responsáveis pela instalação do primeiro mamógrafo que funcionou no Brasil – www.ibcc.org.br
94
Apesar de ter sido criada nos EUA, foi no Brasil que a campanha tomou proporções
significativas, desenvolvendo ações de marketing como a Corrida e Caminhada Contra o
Câncer de Mama
43
. Além desse evento, também há o investimento na venda de produtos
licenciados, com 250 artigos comercializados e o prêmio IBCC de jornalismo, cujo intuito é
estimular as pautas sobre o tema. Pode-se mencionar o São Paulo Fashion Week como a mais
importante das parcerias, quando em desfiles de moda anuais, o símbolo da campanha é
redesenhado e levemente modificado para exibir um caráter mais contemporâneo,
conquistando assim uma constante atualização no mercado.
Figura 10 - Exemplo de produto licenciado da marca
O Câncer de Mama no Alvo da Moda Figura 11 - Corrida e Caminhada Contra o Câncer de Mama
Os números divulgados sobre a arrecadação e crescimento da campanha desde a
idealização em 1995 até o momento são cerca de R$ 40 milhões arrecadados, com mais de 8
milhões de camisetas vendidas em 800 modelos diferentes confeccionados. O total custeou
parte dos tratamentos dos pacientes do IBCC e contribuiu com as obras de ampliação do
hospital em mais de 5 mil metros quadrados
44
.
43
A Corrida e Caminhada Contra o Câncer de Mama é uma ação integrante da campanha O Câncer de Mama no Alvo da
Moda; configura-se como um evento de arrecadações financeiras em prol do IBCC, reunindo empresas, hospitais e
comunidade. Em 2005, a iniciativa atingiu dez cidades do Brasil.
44
http://www.ibcc.org.br/indexSite.htm
95
Segundo o site do instituto, os dados sobre a Corrida e Caminhada também
alcançaram altos patamares e corroboram o sucesso da marca da campanha O Câncer de
Mama no Alvo da Moda:
Número de edições realizadas desde 1999 - 36
Número de edições em São Paulo desde 1999 - 9
Valor arrecadado em todas as cidades - Mais de 1 milhão de reais
Valor arrecadado em São Paulo - R$ 270.000 (computados desde 2003)
Número de participantes em todas as cidades - Mais de 80 mil
Número de participantes em São Paulo - 30.600 (aproximadamente)
Número de instituições beneficiadas até hoje - Mais de 10
Número de atores e atrizes em prol da causa - mais de 220
A utilização de pessoas famosas é a principal característica de persuasão da mensagem
desenvolvida nessas propagandas. Uma definição com vistas à identificação da receptora com
o produto/causa comunicado, o que, segundo PEREZ (2004, p.134), oferece uma qualidade de
fenômeno extensionista e de caráter exibitório da marca. Ou seja, ao se permutarem conceitos
de marca e produto, pode-se determinar mais visibilidade para as personagens do que para a
luta contra a doença.
A desmaterialização do consumo tornou a noção de produto intangível cada vez mais
vaga e profunda. As práticas de consumo são mais e mais impregnadas de instâncias
simbólicas e sócio-culturais. De valor ajoutée do produto, o objeto de troca é o
sentido. (2004, p.134)
Essa significação advém das novas tendências da cultura contemporânea, carente de
ideologias, quando marcas se tornam substitutas de crenças e valores humanos, como
comentou Bosi (2000, p.142) em suas pesquisas sobre o uso e a vanglória dos heróis como
uma tentativa de omissão dos problemas enfrentados pelo gênero feminino.
96
A interpretação freudiana procura abranger sobre o mesmo conceito todas as
atividades de “desrealização” de que é capaz o espírito humano: arte, mito, contos
folclóricos e acrescentaríamos as infinitas imagens de vítimas e heróis que povoam a
imprensa de nossos dias (...) que se ocupa largamente com a vida de artistas,
princesas, campeões, playboys, constituindo o “Olimpo” da cultura de massas e que,
por isso, são denominadas “personagens olimpianos”.
É comum encontrar personalidades do meio artístico trabalhando em prol da causa do
combate ao câncer, e uma das hipóteses para essa adoção é a cobertura excessiva da imprensa
sobre a vida de pessoas famosas. Kushner acredita que o tema mastectomia ultrapassou o
anonimato quando pessoas conhecidas sofreram a cirurgia; todavia, o tema continuou sendo
superficialmente comentado.
E não falta publicidade sobre a detecção precoce do primeiro câncer. Quando as então
primeira e segunda damas do país – as esposas do ex-presidente Gerald Ford, e a do
ex-vice-presidente Nelson Rockefeller – sofreram mastectomias, era difícil encontrar
um jornal, uma revista, um programa de rádio ou de televisão que não fornecessem
instruções para o auto-exame e que não falassem dos sete sinais de perigo para o
câncer. Isto foi realmente uma contribuição magnífica para a instrução geral das
mulheres. Mas, para as mulheres como eu, que já tiveram câncer, com alto risco de
reincidência, em nenhum lugar encontrei um artigo ou uma entrevista sobre como
detectar os sinais precoces de reincidência ou de uma metástase.
(KUSHNER,1981, p.
104)
Figura 12 - Foto de revista com a modelo Gisele Bündchen
97
Figura 13 – Exemplo de propaganda no site do IBCC
Figura 14 – Exemplo de propaganda em outdoor da campanha
do IBCC
Fígura 15 – A atriz Adriana Lessa na página do site, na qual
constam todos os atores e personalidades famosas participantes da campanha
Z
W
Y
X
V
U
T
S
R
Q
P
O
N
M
L
K
J
I
H
G
F
E
D
C
B
98
Figuras 16, 17 e 18 - Modelos da campanha e as diferentes adaptações
do símbolo da marca da campanha
Se por um lado existe a crítica na incorporação das celebridades, ou seja, dos porta-
vozes da audiência-alvo, e na simbologia dos valores de transferência, por outro, existem
também os benefícios que essa utilização gera ao preço final do produto anunciado e à marca
como um todo. Conforme mostra a Figura a seguir, adaptada de AAKER (1996), pode-se
entender a proposta de valor da marca da campanha como a soma dos dados positivos de
expressão e utilização humana.
Utilizando-se do exemplo da camiseta da campanha, o benefício primeiro seria a
necessidade de vestimenta. Logo após, os elementos secundários, como adesão à causa e a
característica de personalidade politicamente correta, estariam todos também agregados ao
valor final do produto.
99
Figura 19 -Quadro sobre a proposta de valor da campanha O Câncer de Mama no Alvo da Moda
Fonte: Aaker. (Criando e Administrando Marcas de Sucesso, 1996, p.116)
Faz-se necessário mencionar que o público-alvo da campanha é composto por jovens,
e os produtos desenvolvidos são normalmente vinculados a empresas de adesão de altos
níveis socioeconômicos. As camisetas em modelo regata, baby look e os pequenos tamanhos
oferecidos para o consumidor são comumente enquadrados ao vestuário jovem. Entretanto,
diferentemente dos consumidores da marca, o público portador da doença está entre 40 e 70
anos de idade.
Na análise da campanha, a linha semiótica Peirceana foi adotada por oferecer
subsídios para contemplação, observação e sistematização dos signos. Aplicada à publicidade,
essa teoria auxilia na conscientização do referencial proposto pelo material de divulgação e
pelos potenciais retornos sobre os entendimentos do público receptor. Sendo assim, é possível
decifrar os códigos da comunicação como um todo e desenvolver ações de propaganda com
um embasamento responsável e crítico no que se refere à autoria das mensagens e aos efeitos
que se pretende causar.
Os critérios para aplicação do método semiótico envolvem a capacidade do indivíduo
de contemplação, distinção e generalização do signo estudado. Estas são as atividades iniciais
de desenvoltura para um olhar capacitado dos referenciais estudados. Quando assumida a
prática dessas três capacidades, é possível entender de maneira mais abrangente o signo e,
conseqüentemente, todos os elementos publicitários e suas competências potenciais para
produzir/gerar interpretantes.
No caso da campanha O Câncer de Mama no Alvo da Moda do IBCC, pretende-se
discutir as ações de publicidade desenvolvidas, visando analisar os elementos sígnicos da
identidade marcária, como suas cores, textos e todas as nuances publicitárias, bem como
Benefícios funcionais
Utilização/vestimenta
Benefícios Emocionais
Adesão à causa
Benefícios de Auto-Expressão
Politicamente correta
Proposta de valor
Preço
Relativo
100
ponderar sobre os efeitos dessa linguagem comunicativa no processo de recepção e nas
atitudes da mulher receptora.
3.3.1. Slogan
O slogan como parte da linguagem publicitária intervém diretamente em toda a
realidade do produto e da marca, produzindo símbolos de expressão do anunciante e da
cultura dos valores desejados. Dos elementos da identidade marcária é o mais facilmente
modificado devido à sua sinteticidade usual, o que o torna constantemente reciclável, e ao fato
de induzir as marcas ao conceito de contemporaneidade. Seu processo criativo resulta sempre
de transgressões da linguagem comum da propaganda, seja ela escrita, sonora ou visual, e sua
originalidade se deve ao reconhecimento do contexto semiótico no qual cada slogan coleta
signos e produz novas semioses.
Segundo IASBECK (2002, p.123), “as técnicas de construção do sintagma verbal
geram significações, os parentescos e afinidades com fórmulas históricas, o material
lingüístico de que os slogans se apropriam para promover impacto, comunicação imediata e
despertar o interesse. Elementos decifradores e geradores de significados das relações de
cultura, reproduzidos em formas de frases proverbiais, máximas, lemas, ditos populares e
trazidos ao campo de atuação da publicidade na condensação de poucas palavras com o
intuito da comunicação imediata”.
Um dos recursos que o autor utiliza para explicar a criação dos slogans é a estrutura
poética através do aspecto fonético, quando a composição das palavras causa um paralelismo
métrico na equalização da emissão dos sons. No caso da campanha do IBCC, temos: O
câncer de mama no alvo da moda. As palavras mama e moda realçam e equilibram a
sonoridade da oração, facilitando a assimilação e a aprendizagem da mensagem.
Outro fator é o conceito de contemporaneidade com as palavras alvo e moda,
sugestivas de focos de interesses, cujos significados transmitem características de conduta
social e atual por meio da utilização das roupas. Mas, ao pensar que o que está no alvo da
moda é uma doença, a inversão pode se tornar omissa ou pejorativa, pois oculta o caráter da
seriedade da situação. Em primeira instância, causa estranheza ao interpretar que uma doença
possa estar no topo da atualidade, e não a sua prevenção.
101
3.3.2 - Semiótica da Cor
A cor predominante do símbolo da campanha é azul, representante das associações
afetivas de confiança e precaução. Uma escolha condizente com as expectativas previstas do
público-alvo.
O azul também é a cor preferida no ocidente, com mais apreciação e menos rejeição nas
escalas de preferência (vide Figura abaixo), segundo Heller (2005). Em outros estudos de
fatores de influência das cores, como o de Farina, Perez e Bastos (2006, p.89), o azul está
claramente presente entre as idades de 40 a 50 anos.
Ao analisarmos cientificamente as preferências, verificamos que o cristalino do olho vai se
tornando amarelo com o decorrer dos anos. Uma criança absorve 10% da luz azul,
enquanto que um ancião absorve cerca de 57% (...) Notaremos que o Azul vai na escala de
preferência subindo proporcionalmente à idade do indivíduo.
No símbolo da campanha, há também a cor branca e a preta: uma simbolizando vida e
luz, e outra, dor, temor, seriedade, austeridade e morte frente à doença.
Azul 45% Marrón 20%
Verde 15% Rosa 17%
Rojo 12% Gris 14%
Negro 10% Violeta 10%
Amarillo 6% Naranja 8%
Violeta 3% Amarillo 7%
Naranja 3% Negro 7%
Blanco 2% Verde 7%
Rosa 2% Rojo 4%
Marrón 1% Oro 3%
Oro 1% Plata 2%
Blanco 1%
Azul 1%
Figura 20 - Quadro das cores mais e menos apreciadas - Fonte: HELLER (2004, p.5)
102
3.3.3 - Forma e design
A forma do símbolo da campanha, como já mencionado anteriormente, representa um
alvo, objeto cujo atributo fundamental é a precisão para se obter êxito com a sua utilização. É
necessário um olhar “clínico” e mira perfeita para se atingir o centro do alvo. Uma mesma
comparação pode ser feita com o câncer de mama quando realizada a cirurgia de extração do
tumor maligno, a mastectomia.
Outra referência é a citação do dicionário ilustrado de símbolos de BIDERMANN
(1993, p.97), no qual a menção à forma circular descreve as ondas anulares do nascimento e
da existência humana. “Círculos concêntricos também surgem quando atiramos um objeto na
água, os grafismos desse tipo, freqüentes sobre as tumbas monolíticas pré-históricas, podem
ser interpretados como símbolos do aprofundar-se nas águas da morte, talvez também do
maravilhoso renascimento, no sentido de uma doutrina da morte e da vida”. Pensando no
objeto de estudo analisado, pode-se considerar uma referência à disseminação e aos ecos da
campanha.
Dentro dos diversos signos pertencentes ao formato de alvo da campanha, podem-se
considerar as identificações de objetos encurvados com o universo feminino, conforme
explica PEREZ (2004, p.59): “a semiótica das formas traz algumas considerações importantes
para a construção da expressividade e da sensorialidade marcária por meio da análise das
formas e do design (...). Curvas e ondulações expressam dinamicidade, sensualidade e
feminilidade”.
Por fim, existe a semelhança do desenho com um seio e suas camadas de tecidos e
músculos que podem ser representadas pelos círculos do objeto, sendo o branco central do
alvo o bico do peito, o leite materno da vida, a luz e a possível erradicação da doença.
Figura 21 - Possíveis associações do processo criativo do símbolo
da campanha “O câncer de mama no alvo da moda”
103
3.3.4 - Tríade semiótica da marca
A análise por meio da capacidade contemplativa de um determinado produto ou marca
no intuito de chegar às suas cadeias de representações é o primeiro passo no desmembrar de
uma cadeia sígnica. Feito esse exercício, surgem as noções de segmentação e significação e as
diferenças que convergem para o estado de observação e generalização dos signos.
A partir do estudo dos signos surgem as três divisões básicas da semiótica nas quais as
características mercadológicas ficam evidenciadas com mais clareza, decifrando os objetivos
finais da marca. Percebe-se que no exemplo da campanha, a identidade marcária tem a
possibilidade de interferir na rotina real e psicológica dos consumidores, gerando
interpretantes de sentimentos e sociabilização e, em último caso, e se devidamente eficaz,
também pode gerar a criação de hábitos (interpretante lógico), como por exemplo, o auto-
exame.
Ao projetar uma aproximação à área de gestão da marca, Perez (2004) entende que o
signo é o identity mix, os elementos de expressividade e visibilidade da marca, mencionados
nos itens anteriores, o símbolo, o logotipo (texto) e o slogan. Os interpretantes são os efeitos
que a marca é capaz de gerar a partir de seu fundamento, como atualidade e valores sociais. Já
o objeto diz respeito a tudo que faça referência ao processo mercadológico do produto, ou
seja, o marketing mix.
Figura 22 – tríade semiótica da marca da campanha O câncer de mama no alvo da moda
Objeto - Marketing Mix
Produto (Camiseta)
Preço
Comunicação
Pontos e empresas de distribuição
Posicionamento da Marca, etc
Signo - Identity Mix
Interpretante Funcional
Elegância / Adaptação à Moda
Interpretante Emocional
Status elevado, aceitação social, personalidade
politicamente correta e socialmente compromissada
Interpretante Lógico
A campanha possivelmente não atinge, ou seja, não
consegue formar hábito, como por exemplo: o auto-
exame
104
3.3.5 - Considerações sobre a Campanha
Conceitos-chave e técnicas de propaganda são revividos na criação de campanhas de
comunicação, e dessa maneira, diferentes etapas decorrentes do processo de emissão das
mensagens e recepção dos destinatários podem ser explicadas por meio de fatores semióticos.
A campanha O Câncer de Mama no Alvo da Moda é um exemplo do poder de
persuasão que uma marca exerce na sociedade, em que a ênfase nos artistas é sutilmente mais
trabalhada do que a doença em si. Por mais méritos que as imagens deles possam trazer em
conversões monetárias ao IBCC, e conseqüentemente às mulheres atendidas pelos hospitais,
cabe ressaltar características desse processo de criação publicitária, ausente de precauções e
explicações sobre diagnósticos, prevenções, tratamentos, entre outras.
Pode-se presumir que as peças analisadas da campanha não incitam ao auto-exame ou
a cuidados para detecção precoce. Relacionar câncer e moda implica ponderar se o público-
alvo final, colaborador e consumidor da campanha, obteve o mínimo de educação sobre o
assunto ou apenas aderiu à tendência do mercado das marcas de vestuário.
Atualmente, a expansão das marcas representa grande parte da linguagem nos
relacionamentos humanos; por meio de produtos novos constantemente desejados pelo
consumidor novos códigos de compra são constantemente criados. Como complementa
SEMPRINI (2006, p. 33): “Alguns temem que, uma vez aberto o recinto do consumo, as
marcas liberadas nos ambientes da discursividade social acabem por devorar tudo o que
estiver no caminho, estremecendo completamente o equilíbrio de todo ecossistema
sociosemiótico.”
Hoje em dia, a marca representa mais do que o produto, e há no mercado um
determinado processo de registro para diferenciá-la. A marca registrada não é nada mais do
que uma empresa ou uma instituição que recebeu a proteção legal de sua autoria com vistas à
utilização de toda sua identidade, o que pode incluir logotipo, slogan, embalagens, fonte
tipográfica, entre outros. No Brasil, o órgão do governo responsável pelo registro da marca é
o Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
45
45
O Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI é uma autarquia federal vinculada ao Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, responsável por registros de marcas, concessão de patentes, averbação de
contratos de transferência de tecnologia e de franquia empresarial, e por registros de programas de computador, desenho
industrial e indicações geográficas, de acordo com a Lei da Propriedade Industrial (Lei n.º 9.279/96). Fonte: www.inpi.gov.br
105
Por outro lado, a definição de marca se constitui no princípio da enunciação, ou seja,
tal processo é o que lhe possibilita atravessar de uma condição abstrata e virtual para o estado
concreto de manifestação. Em outras palavras, embora não esteja explícito o que é controlar o
diagnóstico de câncer de mama, a atitude de compra de um produto licenciado do IBCC, com
a logotipia da campanha pode trazer benefícios sociais, definidores e até ideológicos.
A especificidade marcária na análise comunicativa revela sua instância semiótica de
segmentação e atribuição de sentido aos códigos humanos, sejam estes de forma ordenada,
estruturada ou voluntária. “O poder semiótico da marca consiste em saber selecionar os
elementos no interior do fluxo de significados que atravessa o espaço social, organizá-los em
uma narração pertinente e atraente e a propô-los a seu público” (SEMPRINI, 2006, p.107).
A conversão de um número crescente de setores da produção de bens e de serviços em
marcas amplia-se com o fenômeno do consumo de massa, transgredindo a lógica do
custo/benefício de bens tangíveis e concretos para simbologias circunscritas às características
humanas. PEREZ comenta o início desse fenômeno, quando grande parte dos produtos
básicos, como os alimentícios, móveis e louças, eram feitos nas casas, por artesãos, ou
comprados nos armazéns a granel.
Nesse contexto de consumo, as marcas assumem destaque nas relações de compra e
venda, indo além da idéia de meras facilitadoras das transações comerciais para
transformar-se em poderosos e complexos signos de posicionamento social e de ser no
mundo. (...) Nunca tivemos um número tão grande de propagandas igualmente
conseqüentes em comunicação. A gerência de marcas ofereceu alguma esperança de
ordem em meio à confusão decorrente da prosperidade pós-guerra, que salientava a
necessidade da criação de uma identidade para as empresas. (Perez, 2004: p. 3 e 5)
Por intermédio de seu poder de mercado e influência no comportamento humano, a
marca comercial tornou-se um “veículo de adesão social”
46
, o que, por conseguinte, embute
um novo caráter de exibição e ostentação sobre sua utilização. Sua autoridade no espaço
público tem capacidade para apontar o simbólico e o imaginário de indivíduos e grupos e
atrair a atenção dos veículos de comunicação. Atualmente, a marca é mais do que um objeto
46
Perez define tal fenômeno como uma realidade à disposição dos indivíduos nas sociedades excessivamente
desideologizadas e sedentas por entidades que permitam coesão
.
106
de consumo; é um traço definidor de alcance em todo o entorno social, com signos semióticos
permeados de significação, de formalização e de valorização de sentido, atuando livremente
nos mecanismos de construção da identidade social.
Talvez a ascensão da campanha O Câncer de Mama no Alvo da Moda se deva à
necessidade de a população brasileira atuar na luta contra o câncer de mama, mas o fator do
sucesso de vendas das camisetas e do reconhecimento da marca entre o público nacional
consiste na utilização das personagens famosas. Os signos expostos nessas peças publicitárias
são considerados extremamente eficazes na medida em que o lucro econômico do IBCC
aumenta cada vez mais e se ampliam os serviços prestados pelo seu hospital. Porém, quanto
ao viés da área de comunicação, pode-se considerar que ainda existe uma ausência de
informações relativas à doença nas análises mencionadas, e talvez as mensagens publicitárias
criadas ofereçam mais destaque ao artista do que à causa da doença em si.
107
Capítulo IV
Comunicação pública de saúde e o INCA
108
4.1 - Iniciativas governamentais sobre cânceres femininos
Durante a realização da pesquisa foram feitas diversas solicitações de materiais de
comunicação do Ministério da Saúde sobre câncer de mama. A escolha da análise das ações
tanto do IBCC quanto do Inca se deve à disparidade comunicativa e alcance midiático de
ambas as iniciativas no panorama das práticas de saúde feminina no Brasil.
O Inca é o órgão do Ministério da Saúde do Brasil, vinculado à Secretaria de Atenção
à Saúde, responsável por desenvolver e coordenar ações integradas para a prevenção e
controle do câncer no país. O Instituto completou recentemente 70 anos de existência, com
cinco unidades desenvolvendo trabalhos nas áreas de prevenção, controle, pesquisa e ensino, e
se tornou a única instituição da América Latina convidada pela OMS - Organização Mundial
de Saúde a integrar seu Comitê Consultivo de Controle de Câncer.
Por meio da análise das peças de publicidade do governo realizadas pelo Inca
pretende-se averiguar qual é a comunicação estabelecida pelo governo para o câncer de mama
no Brasil a partir da década de 80. Diferentemente das ações em destaque no último
subcapítulo sobre a campanha O Câncer de Mama no Alvo da Moda do IBCC, as ações do
Inca não são contínuas, não chegam a constituir uma campanha, mas consistem em atuações
pontuais de promoção de saúde.
A história do governo sobre o combate aos cânceres femininos se iniciou na década de
90. Contudo, as primeiras ações de divulgação nacional foram voltadas única e
exclusivamente ao câncer de colo de útero. Nota-se que a difusão publicitária em larga escala
sobre o câncer de mama ocorreu um pouco mais tarde, entre 1999 e 2001; entretanto, não
aconteceu em forma de campanha comunicacional, tampouco atingiu os diferentes Estados do
país.
Todavia, atualmente, o câncer de colo de útero possui taxas de incidência menores que
o de mama, exceto na região Norte do país. Por razões como falta de condições básicas de
higiene e pelo alto número de casos de HPV, vírus do papiloma humano, uma doença
sexualmente transmissível, que atinge em média entre 25% e 50% da população feminina
mundial, a doença ainda possui alta incidência e mortalidade nesses Estados brasileiros.
A análise do câncer de colo de útero faz-se significativamente válida neste estudo, cuja
totalidade de materiais é escassa, e espera-se traçar, a partir da compreensão dessas primeiras
ações, um possível panorama do início da publicidade pública de saúde voltada para a mulher.
Segundo dados fornecidos pela Coordenação de Prevenção Vigilância do INCA -
COMPREV, em 1984 aconteceram as primeiras ações para controle do câncer de colo e
109
mama no Brasil no contexto do Programa de Assistência à Saúde da Mulher.
Em 1989, ocorreu a difusão dos primeiros Manuais para Controle do Câncer de Mama na rede
assistencial à doença.
Em 1991, foi lançada a campanha Um Toque de Vida e, em 1994, foi editado o
Manual e Normas técnicas para o Controle do Câncer Cérvico-uterino e de Mama, além do
Manual de Bolso com Orientações Técnicas sobre câncer de colo e Mama. Em 1995,
apareceu a Atualização das Recomendações para Detecção do Câncer de Mama. Em 1996, o
livreto Falando sobre Doenças da Mama. Em 1997, ocorreu a continuação da campanha Um
Toque de Vida (vide anexo Inca – I). Em 1998, Sem Tempo a Perder - manual para agentes
de saúde, Oficina de Trabalho para Preparação de um Programa de Detecção Precoce do
Câncer de Mama e a Oficina de Trabalho - Câncer de Mama - Perspectiva de Controle (Os
materiais publicitários disponíveis serão analisados nos próximos itens e os manuais e as
peças de teor técnico estarão disponíveis nos anexos da dissertação).
Das ações e atividades listadas acima, excetuando apenas a campanha Um toque pela
Vida cujo material não foi fornecido, presume-se que foram iniciativas voltadas para os
profissionais de saúde e pouco atingiram a mulher que ainda não precisara procurar um posto
médico e/ou hospital. A preocupação dessa primeira etapa foi apenas a de treinar e capacitar
os agentes diretamente envolvidos com a questão do câncer de mama.
Aconteceu também na década de 90 a consolidação do Inca na liderança das ações de
câncer no Brasil em todas as suas vertentes, pois durante algumas épocas e em trocas de
governo, os serviços prestados pelo instituto mudavam de coordenação, quando o Ministério
da Saúde assumia o controle das ações de comunicação.
No ano de 1995, realizou-se a VI Conferência Mundial sobre a mulher na China, e o
governo brasileiro se comprometeu na dedicação dos problemas de saúde feminina, quando
até então nada havia feito nesse aspecto. O Brasil assumiu o compromisso de desenvolver um
programa de âmbito nacional visando o controle do câncer de colo de útero, e ocorreu em
1997 a implantação do Projeto-piloto Viva Mulher – Programa Nacional de Controle do
Câncer de colo de útero em seis localidades: Curitiba, Brasília, Recife, Rio de Janeiro, Belém
e no Estado de Sergipe.
O Programa Viva Mulher nasceu prioritariamente como uma campanha exclusiva para
o controle do câncer de colo de útero no Brasil. A primeira fase, chamada de Projeto-piloto,
ocorreu de 1997 até o final do primeiro semestre de 1998, quando foram realizadas pesquisas
110
com mulheres e profissionais de saúde, considerando cinco Municípios e um Estado
brasileiro. O objetivo final era estimular o público-alvo feminino de 35 a 49 anos de idade a
fazer o seu primeiro exame citopatológico, o popularizado “papanicolau”.
Já nos anos de 1999 a 2001, depois de dois anos de projeto-piloto, houve a expansão
do Programa Viva Mulher em âmbito nacional. Nessa nova fase, ocorreu a implantação do
SISCOLO (Sistema de Informações de Controle do Câncer do Colo do Útero) e a inserção do
Programa de Controle de Câncer de Mama no Programa Viva Mulher por meio da
capacitação dos Estados e da distribuição de equipamentos às Secretarias Estaduais de Saúde.
As ações voltadas para a detecção precoce do câncer de mama foram
reforçadas a partir de 2000, com a habilitação dos profissionais de saúde, estabelecendo a
cooperação técnica e científica entre os participantes para o desenvolvimento das atividades
referentes ao Programa Viva Mulher, com o uso de 50 mamógrafos que foram distribuídos
nacionalmente segundo critérios próprios das Secretarias Estaduais de Saúde.
Em novembro de 2003, o Ministério da Saúde, a partir de um trabalho conjunto entre o
Inca, a Área Técnica da Saúde da Mulher - Secretaria de Atenção à Saúde - SAS e a
Sociedade Brasileira de Mastologia, publicou o Controle do Câncer de Mama - Documento
de Consenso. Esse material adverte para os procedimentos particulares voltados ao controle
do câncer de mama nas áreas referentes à prevenção, detecção precoce, diagnóstico,
tratamento e cuidados paliativos.
Segundo o Inca, em 2004, as ações do Programa Viva Mulher foram integradas às
desenvolvidas pelo Projeto Expande e pelo Projeto de Qualidade em Radioterapia. No ano de
2005, foi lançado o Plano de Ação para o Controle dos Cânceres do Colo do Útero e da
Mama. Diretrizes Estratégicas 2005-2007. As estratégias têm como objetivos reduzir a
ocorrência (incidência e mortalidade) e as repercussões físicas, psíquicas e sociais causadas
por esses tipos de câncer por meio de ações de prevenção, oferta de serviços para detecção em
estágios iniciais da doença e para tratamento e reabilitação das mulheres. Para alcançar esses
objetivos foi elaborado um Plano de Ação com definição de seis diretrizes estratégicas:
- Aumento da Cobertura da População-Alvo;
- Garantia da Qualidade;
- Fortalecimento do Sistema de Informação;
- Desenvolvimento de Capacitações;
111
- Desenvolvimento de Pesquisas;
- Mobilização Social composta por ações a serem desenvolvidas a
partir do ano de 2005 nos distintos níveis de atenção à saúde.
No mesmo ano de 2005, foi publicada a Portaria GM/MS nº 2.439 de 08/12/2005, que
instituiu a Política Nacional de Atenção Oncológica (Promoção, Prevenção, Diagnóstico,
Tratamento, Reabilitação e Cuidados Paliativos) a ser implantada em todas as unidades
federais. Essa Portaria prevê que o Plano de Controle dos Cânceres do Colo do Útero e da
Mama deve ser parte integrante dos Planos Municipais e Estaduais de Saúde.
A recente publicação da Portaria nº 399/GM de 22/02/2006 - Pacto pela Saúde, 2006,
trouxe uma agenda de compromissos para a área, estabelecendo entre o Ministério e as
Secretarias Estaduais e Municipais o fortalecimento do Sistema Único de Saúde. Este
constitui a definição de prioridades articuladas e integradas por meio de três convenções:
Pacto pela Vida, Pacto em Defesa do SUS e Pacto de Gestão. Cabe a esta pesquisa explicar o
Pacto pela Vida, que visa proporcionar reforços por resultados nítidos, com metas regionais e
nacionais, e entre suas prioridades, define a redução da mortalidade por câncer de colo de
útero e de mama.
Hoje, o Pacto pela Vida está em consonância com as diretrizes estratégicas do Plano
de Ação para o Controle dos Cânceres do Colo do Útero e de Mama - 2005-2007, e a união
deles é um dos componentes fundamentais da Política Nacional de Atenção Oncológica.
Percebe-se com essa trajetória que muitas são as denominações e acordos feitos para
as iniciativas públicas do câncer de mama, sendo que as ações nem sempre foram introduzidas
nos programas executados à época. A prioridade do estudo de comunicação cabe ao Programa
Viva Mulher, cuja extensão em meados de 1999 incorporou a preocupação com o câncer de
mama e desenvolveu uma única campanha nacional. Hoje, por meio da análise do histórico
estabelecido, pode-se dizer que a prática das ações regionalizadas fez com que o conceito de
uma grande campanha fosse trocado por constantes ações de promoção da saúde pública
feminina.
Há de se observar que, mesmo tardiamente divulgadas e acopladas a um programa
nacional de atenção à saúde, as iniciativas de comunicação para o controle do câncer de mama
podem oferecer grandes conquistas para a mulher brasileira. Serão analisadas as evoluções da
identidade desses materiais produzidos na fase anterior ao Programa Viva Mulher no
desenvolvimento do referido programa e nas últimas publicações divulgadas com a
112
incorporação das diretrizes do Pacto pela Viva. É de relevância para esta pesquisa analisar a
proximidade que esses materiais puderam estabelecer com seu público-alvo, considerando
características da área de publicidade e da linguagem constituída, cuja evolução demonstra as
tendências da comunicação.
Quadro cronológico das ações do INCA
1984 - Primeiras ações para controle do câncer de colo e mama no Brasil no contexto
do Programa de Assistência à Saúde da Mulher.
1989 - Difusão dos primeiros Manuais para Controle do Câncer de Mama na rede
assistencial à doença.
1991 - Campanha Um Toque de Vida com a imagem da atriz Cássia Kiss.
1994 - Manual e Normas técnicas para o Controle do Câncer Cérvico-uterino e de
Mama e Manual de Bolso com Orientações Técnicas sobre câncer de colo e Mama.
1995 - Atualização das Recomendações para Detecção do Câncer de Mama.
1996 - Livreto Falando sobre Doenças da Mama.
1997 - Continuação da campanha Um Toque de Vida e implantação do Projeto Piloto
Viva Mulher – Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero em seis
localidades: nas cidades de Curitiba, Brasília, Recife, Rio de Janeiro, Belém e no
Estado de Sergipe.
1998 - Sem Tempo a Perder - manual para agentes de saúde, Oficina de Trabalho para
Preparação de um Programa de Detecção Precoce do Câncer de Mama e a Oficina
de Trabalho - Câncer de Mama - Perspectiva de Controle.
1999 a 2001 - Expansão do Programa Viva Mulher em âmbito nacional, implantação
do SISCOLO (Sistema de Informações de Controle do Câncer do Colo do Útero) e a
inserção do Programa de Controle de Câncer de Mama no Programa Viva Mulher.
2003 - Controle do Câncer de Mama - Documento de Consenso.
2005-2007 - Plano de Ação para o Controle dos Cânceres do Colo do Útero e da
Mama. Diretrizes Estratégicas.
113
4.1.1. Primeiros folhetos de comunicação do Inca
Antes da criação e da publicação de algumas peças publicitárias, as agências e os
clientes responsáveis pelo produto/serviço realizam pesquisas focais com o intuito de
estabelecer uma ligação mais direta e concreta com o seu público-alvo. O grupo focal é uma
técnica de avaliação que oferece informações qualitativas, normalmente promovendo uma
discussão que tem por objetivo revelar percepções, experiências e preferências.
No caso dos primeiros folhetos divulgados sobre saúde feminina, o Inca adotou o
grupo focal como técnica para a identificação na concepção de sua propaganda, e desta coleta
de dados, percebeu-se que a escolha por desenhos de caricaturas jovens, ao invés de fotos de
mulheres reais, foi uma opção das participantes da atividade de pesquisa publicitária.
47
Para a produção do material educativo, inicialmente realizaram-se pesquisas
qualitativas, em especial grupos focais, onde a opinião das mulheres e dos
profissionais de saúde foi ouvida e onde foram avaliadas as características dos
materiais a serem elaborados e testada a programação visual, linguagem e a
mensagem proposta, garantindo-se seu entendimento, adequação e utilização. Esta
atividade contou com a participação de um grupo feminista pernambucano (SOS
Corpo), enquanto o desenvolvimento de material de comunicação contou com a
participação de setores universitários do Rio de Janeiro (Universidade Estadual do Rio
de Janeiro). (INCA, 2000, p.28)
A utilização dos bonecos pode representar uma iniciativa didática e informal de
abordagem sobre temas complicados como o câncer de mama. O desenho remete à alegria
infantil dos quadrinhos, uma maneira fácil de transmitir mensagens, um elemento de
caracterização com formas que lembram a realidade e o corpo humano. Muitas vezes, o
desenho pode se tornar uma mascote publicitária e estar presente em toda uma linha de
comunicação de determinada marca.
O primeiro folheto explica por meio de quadrinhos os primeiros passos de uma mulher
para a prevenção do câncer de colo de útero. A linguagem é simples, interage com a rotina de
uma mulher e a presença de um ginecologista. O texto esclarece sobre a rapidez, a ausência de
dor e o caráter gratuito do exame. O título na frente da página é bem visível e chamativo: “O
câncer de colo de útero pode ser evitado”, e no verso, divulga-se a conclusão: “... e só
depende de você. Basta fazer o exame preventivo periodicamente.” O papel possui formato
47
Informações retiradas em entrevistas realizadas com a equipe de comunicação e do CONPREV - Coordenação de
Prevenção Vigilância do INCA durante os meses de julho a novembro de 2007 e dos relatórios recebidos sobre o Programa
Viva Mulher dos anos de 2000 e 2002.
114
simples, dobrável, o que otimiza a utilização dos dois lados do folheto. O símbolo do Inca
possui linhas retas e se assemelha a um gráfico.
Figura 23 - Folheto 1 – frente
115
Figura 24 - Folheto 1 – verso
116
O folheto 2 tem características muito similares às do primeiro, embora já trate de
câncer de mama. O formato do papel e o recurso de desenhos esboçam uma tentativa de
similaridade na identidade visual do Inca, mas nota-se que o símbolo é totalmente diferente do
anterior, com um formato de emblema. O título na primeira página é “Auto-exame das mamas
– Um toque de carinho”; já no verso, a frase é “Câncer de Mama – Quanto mais cedo
descoberto, maiores as chances de cura.”
Figura 25 - Folheto 2 - frente
117
Figura 26 - Folheto 2 – verso
118
O terceiro e último folheto desta primeira parte já apresenta características mais
humanizadas por meio do emprego de uma mão feminina representando um seio. A cor é azul
escuro, o que transmite uma sensação de seriedade e respeito em comparação ao azul bebê
adotado no Folheto 1. A tipologia utilizada também aparenta modernidade e o texto utilizado
no slogan: “Um toque > > > Vida” faz referência à realização do auto-exame para a
sobrevivência da mulher em relação à doença. O símbolo adotado que se encontra abaixo do
timbre do Ministério da Saúde, apesar de ser levemente alterado em alguns materiais, é o que
permanece atualmente utilizado pelo Inca.
Figura 27 - Folheto 3 – frente
119
Figura 28 - Folheto 3 – verso
120
4.3 – Viva Mulher - Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo de Útero e de Mama
Campanhas são um conjunto de ações, de esforços, para se atingir um fim
determinado, em um certo período, seja isso um sucesso de vendas ou um ganho de
eleições. Mas, quando se fala em prevenção de doenças, em especial das crônicas,
como o câncer, os objetivos são de maior prazo. É preciso efetuar programas
continuados, de grande abrangência, acompanhados de campanhas pontuais,
integradas a uma lógica maior, que corrija e redirecione as suas ações. (Programa
Viva Mulher – Relatório Novembro de 2000 – Metas cumpridas e novas perspectivas,
INCA, p. 8)
A princípio, o foco não era o câncer de mama, época em que se adotou apenas o nome
Viva Mulher - Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo de Útero. Aliás, é possível
perceber no decorrer da campanha que as abordagens sobre as duas doenças são
significativamente discrepantes.
A história do Viva Mulher, como mencionado anteriormente, teve início em 1997,
com a idealização de um projeto-piloto em seis localidades brasileiras: Curitiba, Brasília,
Recife, Rio de Janeiro, Belém e Sergipe. Logo após, entre agosto e setembro de 1998, foi
realizada a expansão nacional, denominada “Fase de Intensificação”. Segundo o Inca, nesse
período, foram utilizadas estratégias para estruturação da rede assistencial, e foi estabelecido
um sistema de informações para o monitoramento das ações e dos mecanismos para
mobilização e captação de mulheres para a realização do exame.
A partir de 1999, foi iniciada a “Fase de Consolidação”, baseada na análise e
reestruturação das estratégias utilizadas nas duas fases anteriores, com a inclusão das ações de
controle do câncer de mama no Programa.
A estratégia de mobilização do Programa Viva Mulher visava garantir a realização de
pelo menos um exame citopatológico (papanicolau) em mulheres de 35 a 49 anos. Para tal
enfoque, cartazes e folhetos foram produzidos e distribuídos nas unidades assistenciais.
Na fase de intensificação do Programa Viva Mulher, apareceram novamente os
desenhos em diferentes cores; porém, os materiais possuíam formato de folders ou livretos,
com uma média de 15 a 20 páginas. Eram guias para agentes educativos ou manuais para
profissionais de saúde. Cabe ressaltar a ausência da identidade visual do Inca.
121
Figura 29 - Folder 1 – Capa Figura 30 - Folder 2 – Capa
Figura 31 - Folder 3 - Capa
122
Figura 32 – Exemplos de páginas interiores dos folders 1, 2 e 3
123
Na fase de intensificação da campanha (agosto e setembro de 1998), para que se
atingisse nacionalmente toda a população, adotou-se a estratégia da comunicação de massa,
agregando a mídia televisiva com ações de propaganda indireta, merchandising
48
em
programas de auditório e telenovelas, rádio, cartazes, folhetos, outdoors e intervenções
urbanas.
O enfoque propulsor dessa etapa foram fitas rosa, criadas para serem amarradas nos
punhos, uma associação ao ato de não esquecer compromissos ou datas importantes quando se
enlaçam fitinhas nos dedos das mãos. O texto interior era “Saúde da Mulher – Prevenção do
Câncer de Colo Uterino”. Segundo FARINA, PEREZ e BASTOS (2006, p. 105), “As
qualidades atribuídas à cor rosa são consideradas tipicamente femininas. Simboliza o encanto,
a amabilidade. Remete à inocência e frivolidade. Feminino.”
Segundo dados do Inca, a estratégia da campanha utilizou diversos meios de
comunicação, com base principalmente no rádio e na televisão, com duas finalidades:
mobilizar e debater. “A sustentação da campanha nas ruas foi composta por 11 milhões de
fitinhas de pulso, cartazes e folhetos (...) Outdoors duplos (375 pontos) nas capitais brasileiras
e intervenções urbanas com fitas cor-de-rosa gigantes enlaçando diversos monumentos e
prédios públicos (...).”
Figura 33 – fita cor-de-rosa da campanha do Programa Viva Mulher
48
Embora haja discussões sobre a definição de merchandising, sua definição mais popular é: conjunto de ações de
Marketing realizadas com produtos ou serviços que tem como objetivo final a venda de outro produto. Há também o
Merchandising editorial, com inserções de produtos/serviços em programas de TV, também conhecido como Tie-in.
124
4.3.1 - Televisão
A televisão se define como um veículo de massa de longo alcance por meio de um
culminante poder sinestésico na junção dos sentidos auditivos e visuais. A TV emociona,
oferecendo ao telespectador uma oportunidade de co-participar de suas imagens reais,
técnicas, composição de cenas e muito mais, criando intimidade e apreensão de valores com
relação à mensagem transmitida.
É por intermédio de suas imagens que a televisão estabelece vínculos com seu público.
No Brasil e em alguns outros países, existe uma carência de divulgação sobre a história de
seus heróis e de personalidades nacionais em destaque fora do âmbito televisivo; tal ausência
de divulgação acaba transferindo aos artistas da sociedade de massa um caráter de referência
para a cultura popular. No caso do câncer de mama, a produção não fugiu à regra com a
criação de dois tipos de comerciais, um de 60 segundos e outro de 30 segundos, ambos com a
participação da atriz Eva Wilma e de diversos artistas brasileiros (vide anexo Inca – II).
A escolha da utilização da atriz foi em decorrência de seu personagem interpretado no
seriado ficcional produzido e exibido no Brasil pela Rede Globo, Mulher, entre os anos de
1998 e 1999. Eva Wilma era a médica Martha Corrêa e trabalhava em uma clínica
especializada de saúde feminina, envolvendo-se nos dramas de variadas pacientes, tais como:
mulheres violentadas por abortos (clandestinos), adolescentes grávidas, etc.
Figura 34 – Cena do comercial veiculado sobre a campanha do Programa Viva Mulher
A roupa escolhida para a personagem é branca na tentativa de recorrer à imagem médica da atriz
125
- Descritivo do comercial de TV – 60 segundos:
Cena I - Eva Wilma fala para a câmera enquanto coloca a fitinha no pulso:
“Esta fitinha aqui é para lembrar você de uma coisa muito importante. Ela é o símbolo
da prevenção do câncer de colo de útero. Uma doença que mata uma mulher a cada 1 hora e
20 minutos no Brasil, mas que é tão fácil de curar quando descoberta a tempo. Por isso,
lembre sua mãe, sua irmã, sua filha, lembre alguém que você queira bem.”
Cena II- Corta para cenas de mulheres sendo atendidas nos postos de saúde.
Locução em off
49
:
O Ministério da Saúde, as Secretarias da Saúde lembram:
“Não deixe de fazer a prevenção do câncer de colo uterino se você nunca fez o exame
e tem de 35 a 49 anos”.
Cena III - A atriz volta à câmera em close e diz:
“Fazer o exame não custa nada. Não fazer pode custar uma vida.”
Locução em off:
“Até 19 de setembro, em todo o Brasil, vá a uma unidade de saúde.”
Vinheta - Assinatura: Saúde da Mulher/Ministério da Saúde
49
A locução em off é basicamente um texto do comercial interpretado por locutor/intérprete que não aparece em
cena.
126
- Descritivo do comercial de TV – 30 segundos:
Cena I - Personalidades mostram a fitinha amarrada no pulso, alertando para que não
se esqueçam do exame preventivo do câncer de colo uterino.
O áudio transmite o seguinte jingle:
Fale com alguém
Convença alguém
Lembre alguém
Que você queira bem
Sua mãe, sua irmã
Sua amiga ou mulher
Lembre todas elas
Lembre quem você puder
Locução em off:
O Ministério da Saúde, as Secretarias de Saúde lembram:
Não deixe de fazer a prevenção do câncer de colo uterino
se você nunca fez o exame e tem de 35 a 49 anos.
Fazer o exame não custa nada,
Não fazer pode custar uma vida.
Até 19 de setembro, em todo o Brasil,
vá a uma unidade de saúde.
Vinheta - Assinatura: Saúde da Mulher/Ministério da Saúde
127
4.3.2 - Rádio
Assim como na televisão, ocorreram duas formas de abordagem por meio de grandes
redes nacionais de rádio. Na primeira, um jingle cantando por Herbert Vianna, líder da banda
Paralamas do Sucesso
50
; o texto era idêntico ao do comercial de 30 segundos.
Nota-se na linguagem coloquial e rima fácil o intuito de assimilação dos ouvintes para
a campanha. A voz escolhida foi a de um cantor com forte inserção no gosto popular e poder
de lembrança entre o público.
As orações foram trabalhadas para que a mensagem fosse incorporada por todos. O
homem poderia ajudar lembrando alguma mulher próxima também. “Fale com alguém.
Convença alguém. Lembre alguém. Que você queira bem.” Na locução em off, o texto é
imperativo, representa poder e objetiva uma caracterização de dever da mulher perante o
exame: “Não deixe de fazer a prevenção do câncer de colo uterino. Se você nunca fez o
exame e tem de 35 a 49 anos, até 19 de setembro, em todo o Brasil, vá a uma unidade de
saúde.”, “Você tem que....”, “Salve...”, entre outros. Além da representação do ditado popular,
recorrendo à sabedoria e aos bons conselhos criados pela identidade nacional: “Melhor
prevenir do que remediar – Sua vida está em jogo”.
Na segunda abordagem, os próprios locutores e apresentadores radialísticos de AM
realizaram, em meio aos depoimentos diários de seus programas, a discussão do tema junto à
população em nove diferentes comerciais de rádio. Nota-se na transcrição dos comerciais um
apelo muito mais significativo nas últimas divulgações, com um caráter de responsabilidade
para todos: homens, mulheres, mães, filhas, filhos, amigos, entre outros.
Transcrição:
I – “Prevenção”
Todos conhecem o ditado “antes prevenir do que remediar”. Muitas doenças podem
ser evitadas com cuidados básicos. Outras podem ser curadas se forem descobertas cedo. Esse
é o caso do câncer de colo de útero. Com um simples exame chamado papanicolau é possível
descobrir se a doença existe e fazer o tratamento para a cura. É por isso que o Ministério da
Saúde e as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde estão realizando o Programa Nacional
50
Os Paralamas do Sucesso é uma das mais conhecidas bandas de rock brasileiro, idealizada na década de 70, na cidade do
Rio de Janeiro.
128
de Combate ao Câncer Uterino. Até 19 de setembro, todas as mulheres que têm entre 35 e 49
anos e que nunca fizeram o exame devem procurar uma unidade de saúde para fazê-lo de
graça. O exame não dói e não tem efeitos colaterais.
Lembre-se de fazer o exame e lembre também alguém que você queira bem. É até o
dia 19 de setembro em qualquer unidade de saúde. Fazer o exame não custa nada. Não fazer
pode custar uma vida.
II – “Estatística”
A cada ano, de seis a sete mil mulheres morrem no Brasil vítimas do câncer de colo de
útero. Diminuir esse número depende de todos nós. O câncer de colo de útero pode ser
completamente curado se for descoberto cedo. Para isso é necessário um exame preventivo
chamado papanicolau. Esse exame pode ser feito de graça até o dia 19 de setembro por todas
as mulheres entre 35 e 49 anos que nunca fizeram o exame antes.
Converse com pessoas que você conhece sobre o exame de prevenção ao câncer de
colo de útero. O Brasil inteiro está unido nessa campanha. Lembre-se de fazer o exame e
lembre também alguém que você queira bem. Basta ir até 19 de setembro a qualquer unidade
de saúde. Fazer o exame não custa nada. Não fazer pode custar uma vida.
III – “Como, quando, onde”
O Brasil inteiro está unido na campanha para a prevenção do câncer de colo de útero,
uma doença que pode ser fatal se não for descoberta e tratada cedo. Toda mulher entre 35 e 49
anos que nunca fez o exame preventivo deve procurar uma unidade de saúde para fazer esse
exame de graça até o dia 19 de setembro. Não dói, não traz nenhum efeito colateral e não é
demorado.
Para fazer o exame preventivo é importante não ter relações sexuais no dia anterior e
nem estar no período menstrual. Quem está grávida deve fazer o exame, já que não existe
nenhum risco para a mulher e nem para o bebê. Tão importante quanto fazer o exame é pegar
o resultado e, se necessário, seguir rigorosamente o tratamento.
129
Lembre-se de fazer o exame e lembre também as pessoas que você conhece. Fazer o
exame não custa nada. Não fazer pode custar uma vida.
IV – “Mobilização”
O que você faz quando não pode esquecer uma coisa de jeito nenhum? Amarra uma
fitinha no pulso? Pois é isso mesmo que você deve fazer para se lembrar do exame de
prevenção do colo de útero.
Até o dia 19 de setembro as unidades de saúde em todo o país estarão realizando o
exame de graça para todas as mulheres entre 35 e 49 anos e que nunca fizeram isto antes.
O câncer de colo de útero é uma doença que pode ser fatal, mas tem cura se for
descoberta no início. É por isso que você deve se lembrar e lembrar também as pessoas que
você gosta, na sua casa, no trabalho, na sua comunidade. Faça como milhares de mulheres
brasileiras que estão amarrando uma fitinha cor-de-rosa no pulso para não se esquecerem do
exame.
É até o dia 19 de setembro. Fazer o exame não custa nada. Não fazer pode custar uma
vida.
V – “Convocação”
O Brasil inteiro está mobilizado para prevenir e curar uma doença que pode ser fatal, o
câncer de colo de útero. Assim como a maioria das doenças, o câncer de colo uterino pode ser
prevenido e, se tratado no início, pode ser totalmente curado. A cada ano, de seis a sete mil
mulheres morrem no Brasil vítimas desse câncer. Diminuir esse número depende de todos
nós.
Até 19 de setembro, todas as mulheres que têm entre 35 e 49 anos que nunca fizeram o
exame devem fazê-lo em qualquer unidade de saúde. É de graça.
Lembre-se de fazer o exame e lembre também as pessoas que você conhece, na sua
família, sua rua, seu trabalho e sua comunidade. Fazer o exame não custa nada. Não fazer
pode custar uma vida.
VI – “Compromisso”
130
Atenção, você que é mulher, tem entre 35 e 49 anos e nunca fez um exame preventivo
de câncer de colo de útero, o papanicolau, fique ligada.
Fique ligada. Até o dia 19 de setembro todas as unidades de saúde estarão fazendo
esse exame preventivo de graça. Reserve um horário do seu dia para fazer o papanicolau. Não
dói, não é demorado e não tem nenhum efeito colateral. Mesmo quem está grávida deve fazer
o exame. Não há risco para a mãe e nem para o bebê.
Converse com as pessoas que você conhece sobre o exame de prevenção. Lembre-se
de fazer o exame e lembre também quem você quer bem. Fazer o exame não custa nada. Não
fazer pode custar uma vida.
VII – “Últimos dias”
Você ainda não fez o exame de prevenção ao câncer de colo uterino? O que você está
esperando? Até o final do mês de setembro você pode fazer esse exame em qualquer unidade
de saúde sem pagar nada.
Por favor, não brinque com sua saúde. O câncer de colo de útero é uma doença séria
que mata milhares de mulheres todo ano no Brasil, mas que tem cura se for descoberta logo
cedo. Para se prevenir você tem que fazer esse exame chamado papanicolau, que não dói e
não traz nenhum desconforto.
Sua saúde é o que mais importa. Fale com suas amigas, com todas as mulheres de sua
família sobre a importância da prevenção. Não deixe de lado esse compromisso. Vá até a
unidade de saúde mais próxima. O Brasil inteiro está unido nessa luta contra o câncer de colo
uterino. Fazer o exame não custa nada. Não fazer pode custar sua vida ou a de quem você
ama.
VIII – “Contagem regressiva”
Ainda dá tempo de fazer de graça o exame de prevenção ao câncer de colo uterino.
Essa é uma doença muito séria que mata de seis a sete mil mulheres no Brasil a cada ano.
Vamos acabar com essa tristeza. Até o fim do mês de setembro você pode fazer o exame de
prevenção sem pagar nada em qualquer unidade de saúde. Não deixe de lado esse
compromisso. É a sua vida que está em jogo. O câncer de colo de útero pode ser totalmente
131
curado se for descoberto logo no início. Por isso, é necessário fazer o exame o quanto antes. O
exame não dói e não tem nenhum desconforto.
Então, o que você está esperando?
Vamos lá! Vá hoje mesmo até a unidade de saúde mais próxima para se prevenir
contra o câncer de colo uterino.
Fazer o exame não custa nada. Não fazer pode custar sua vida ou a de quem você ama.
IX- “Responsabilidade da Família”
Amigo ouvinte. Você tem que proteger a vida de todas as mulheres que estão ao seu
lado. Oriente para que toda mulher faça o exame de prevenção ao câncer de colo uterino.
Essa é uma doença que mata milhares de mulheres no Brasil, mas que pode ser curada
se for descoberta cedo.
Por isso, o Ministério da Saúde está convocando todas as mulheres para fazer o exame
de graça, até o fim do mês de setembro, em qualquer unidade de saúde.
Alertar sua esposa, mãe, filha, amiga é sua obrigação. Salve a vida de quem você ama.
Não deixe de lado esse compromisso. O Brasil inteiro está unido nessa luta contra o câncer de
colo uterino e o mais importante é sua atitude. Fazer o exame não custa nada. Não fazer pode
custar sua vida ou a de quem você ama.
132
4.3.3 - Cartazes e folhetos
Os cartazes e folhetos possuem uma composição centralizada e um conjunto cromático
com a predominância de cores fortes: preto e vermelho, o que remete a uma característica de
sobriedade à situação, diferente da linha criativa adotada para os primeiros folhetos do Inca –
desenhos de garotas jovens.
Nota-se, apesar das características gráficas, que as personagens escolhidas, mulheres
de aproximadamente 40 anos, estão com uma feição otimista, fato que desmistifica a situação
problemática da doença, colabora com a aceitação social para o assunto e aproxima as
mulheres dentro do universo do público-alvo para a campanha.
A produção de cartazes para a campanha foi remetida às Secretarias Estaduais e
Municipais de Saúde que, por sua vez, repassaram-nos para as unidades de saúde de suas
regiões. Foram impressos 1,5 milhão de cartazes para distribuição em todo o Brasil.
Figura 35 – Cartaz da campanha do Programa Viva Mulher
133
Os folhetos foram produzidos em dois formatos distintos, com tiragem de 4,1 milhões
de exemplares, distribuídos nos mesmos pontos dos cartazes. O formato menor, volante, foi
divulgado posteriormente, com uma produção de cerca de 1 milhão de exemplares.
A tiragem dos cartazes foi mais adequada à repercussão de uma campanha dessa
magnitude devido ao potencial de mulheres que estes poderiam atingir com apenas um
exemplar, se bem localizado. Entretanto, o número de folders e volantes foi extremamente
irrisório diante do aumento considerável da população feminina no Brasil no final do século
XX. Conforme os dados do IBGE, em 1980, eram 98,7 homens para cada 100 mulheres,
proporção que caiu para 97% em 2000.
51
Figura 36 – Folhetos da campanha do Programa Viva Mulher
Para os profissionais de saúde também foram produzidos dois modelos de cartazes,
que foram definidos como motivacionais e de orientação técnica da coleta para o exame,
ambos com tiragem de 100 mil exemplares. A produção de folders também alcançou o mesmo
número de distribuição. Todo o material foi encaminhado às unidades de saúde do Brasil.
51
http://www.ibge.com.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=207&id_pagina=1
134
Figura 37 – Folders para profissionais de saúde da campanha do Programa Viva Mulher
135
4.3.4 – Outdoors e intervenções urbanas
Compostos por quatro títulos diferentes, os outdoors realizaram uma cobertura
nacional, com 375 pontos distribuídos por todas as capitais brasileiras. Nas cidades de São
Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador e Brasília, a estrutura de
sustentação do outdoor foi envolvida por uma fita cor-de-rosa, o que correspondeu a 55% da
produção total.
Figura 38 – Outdoors da campanha do Programa Viva Mulher
A campanha optou também por enlaçar a fita cor-de-rosa em monumentos e prédios
públicos em diversas cidades brasileiras, como por exemplo, no bondinho do Pão de Açúcar
no Rio de Janeiro, no elevador Lacerda em Salvador, no obelisco da Praça Sete em Belo
Horizonte, na ponte do rio Guaíba em Porto Alegre e no Viaduto do Chá em São Paulo.
Telejornais e veículos da mídia impressa realizaram matérias sobre tais intervenções, o que
amplificou a ação.
136
Figura 39 – Intervenções urbanas da campanha do Programa Viva Mulher
4.3.5 - Propagandas de apoio
Segundo informações do Inca, diversas entidades da sociedade civil organizada e da
iniciativa privada contribuíram com a campanha. As Lojas Americanas e a rede de
hipermercados Carrefour distribuíram as fitas de pulso e volantes ao seu público. O Teresina
Shopping, além desses materiais, produziu um back light
52
com a imagem do cartaz da
campanha.
O Serviço Social do Comércio - Sesc, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
- Senac e o Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos no Estado de São
Paulo - Sincofarma-SP produziram banners cujo intuito era afixá-los nas sedes das
instituições e nas farmácias do Estado de São Paulo. Associações de cosmetologia, como
Associação de Cosmetologia e Estética do Ceará, Associação Alagoana dos Profissionais da
Estética, Associação de Estética, Cosmetologia e Maquiladores do Rio Grande do Sul,
Associação dos Empresários de Estética do Rio Grande do Sul e Associação Paranaense de
Estética e Cosmetologia também enviaram materiais a seus membros participantes.
Faz-se importante mencionar que órgãos como a Confederação Nacional da Indústria -
CNI e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – Fiesp acordaram com suas
operárias um dia de término de serviço mais cedo do que o convencional da jornada de
trabalho para que estas pudessem se dirigir às unidades de saúde.
52
Propaganda de mídia exterior em que a luz é colocada atrás da mensagem.
137
Figura 40 - Ponto de distribuição de fitas cor-de-rosa da campanha do Programa Viva Mulher
4.3.6 - Resultados da Campanha
Nos materiais recebidos pelo Inca, existem inúmeros dados sobre tal campanha de
publicidade que corresponde à fase de intensificação do Programa Viva Mulher. O Ministério
da Saúde realizou uma pesquisa para avaliar o recall desta entre os dias 3 e 4 de setembro de
1998 junto à população. Nas definições da época, os traços de identidade estabelecidos para o
corpus foram: mulheres de 30 anos ou mais, das classes C/D/E, com acesso a telefones em
casa ou no trabalho. Cabe ressaltar que a divisão por classe no Brasil, hoje, mudou perante um
crescimento de 86,2 milhões de pessoas pertencentes à classe C, sendo esta a maioria da
população, com participação de 46% na sociedade. Para a categorização levou-se em
consideração a posse de bens, nível educacional e a renda média.
Foram realizadas 400 entrevistas no Estado de São Paulo e 200 no Estado de
Pernambuco, das quais concluiu-se que 95% das entrevistadas comentaram ter visto ou
escutado a campanha de prevenção do colo de útero. Os meios mais lembrados foram
televisão, 86%, e rádio, 25%, e os relatórios frisam ainda um índice de 98% das entrevistadas
que declararam ter gostado, ou adorado a campanha.
A meta da campanha de câncer de colo uterino era realizar 4 milhões de exames
durante os meses de agosto e setembro de 1998, e o número final divulgado pelo Ministério
138
da Saúde foi 3,1 milhões. Tal resultado, ao ser comparado com a antiga média de 550 mil
divulgados anteriormente ao início da campanha, demonstrou um crescimento de 263,6% de
exames de papanicolau.
Segundo o Relatório Novembro de 2000 – Metas Cumpridas e Perspectivas, “Isso
significa que, apesar da meta estipulada não ter sido atingida, o resultado da campanha é
bastante significativo. Em dois meses o Programa Nacional de Combate ao Câncer de Colo de
Uterino conseguiu elevar em mais que o dobro o número de exames de papanicolau; e, como
detectado na pesquisa, a comunicação teve papel fundamental.”
Porém, segundo o relatório elaborado pelo Inca, Metas Cumpridas e Novas
Perspectivas do Programa Viva Mulher, o objetivo não foi totalmente alcançado devido aos
erros de etapas processuais sobre o arquivo de dados, gerando perda de informações, com um
fluxo de envio de disquetes centralizado no Ministério da Saúde.
O treinamento para preenchimento dos formulários e digitação no aplicativo do
sistema de informática também não ocorreu, implicando em perda de qualidade dos
dados. Um sistema de crítica para a duplicidade ou multiplicidade de entradas no
banco de dados do SISCOLO, também não havia sido previsto, gerando algumas
vezes, dados múltiplos da mesma mulher. (2000, p. 72)
Todavia, quanto à eficácia das ações de publicidade, os dados de recall divulgados no
relatório do Inca e computados pela Marketing, Estratégia e Comunicação Institucional - MCI
sobre a memorização e opinião de mulheres entrevistadas em relação à campanha foram
positivos:
139
Gráficos 9 e 10 – Recall da campanha O Câncer de Mama no Alvo da Moda - Fonte: Inca/MCI
Índice de meios de comunicação com maior poder de assimilação sobre a campanha
avaliada:
Gráfico 11 – Veículos mais lembrados da campanha O Câncer de Mama no Alvo da Moda –
Fonte: Inca/MCI
140
Índice de avaliação geral das entrevistadas sobre a campanha:
Gráfico 12 – Avaliação geral das entrevistadas sobre a campanha O Câncer de Mama no Alvo da Moda - Fonte:
Inca/MCI
O resultado foi satisfatório e o apoio da comunicação, principalmente as propagandas
televisivas foram fundamentais para o reconhecimento da campanha por conta do público-
alvo. E apesar do alcance ter sido para todas as mulheres, segundo o Inca, “A principal fonte
de informações das mulheres ocorreu por meio do contato com o profissional de saúde
(70%).” Isso porque os panfletos eram basicamente destinados aos postos de saúde, ou seja, a
campanha atendeu basicamente às mulheres que já procuravam ou estavam em contato com
os profissionais da área médica.
Resultados de avaliação quantitativa da Fase de Intensificação do Programa Viva
Mulher:
· Período: 18 de agosto a 30 de setembro de 1998
· Localidades: todos os Estados do Brasil
· Faixa etária prioritária: 35 a 49 anos
· Número de exames citopatológicos: 3.177.740
· Número de exames citopatológicos cadastrados no Sistema de Informação do Câncer do
Colo do Útero - SISCOLO: 2.150.751
· Percentual de amostras insatisfatórias: 3,4%
141
· Percentual de mulheres que realizaram o exame pela primeira vez na vida: 28,6%
· Mulheres com exames sem alterações: 2.090.089
· Mulheres com algum tipo de alteração: 60.662
Outros pontos a serem ressaltados em uma campanha nacional e que devem servir de
base para próximas etapas foram: primeiro, a união de todos os profissionais do Brasil em
redes assistenciais de saúde feminina; segundo, a influência da troca de governos e gestores
de órgãos públicos na realização prática dos exames e na geração de dados sobre o câncer de
colo de útero.
Um ponto positivo para o estabelecimento de uma rede geopolítica no País foi a
realização de convênios entre o Ministério da Saúde e as Secretarias Estaduais de
Saúde, oferecendo recursos não assegurados no estado, para a consolidação do
programa. Este convênio, apesar de já ter possibilitado a capacitação de recursos
humanos em alguns estados, teve limitações em sua utilização, pela troca de gestores
estaduais, de coordenadores do programa, pelo período eleitoral e pela própria
burocracia, que impediu sua utilização. (INCA, p.94)
Mesmo com ganhos e avanços da campanha nacional sobre câncer de colo de útero,
não existia ainda nada similar de âmbito governamental sobre o câncer de mama. As ações
para tal doença se encontravam sob a ótica das manifestações pontuais de promoção de saúde
pública. Contudo, anos mais tarde, a doença foi incorporada às ações comunicativas do
Ministério da Saúde e do Inca quando divulgaram a adaptação do projeto para: Viva Mulher -
Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo de Útero e de Mama.
142
4.4 - Incorporação do Câncer de Mama no Programa Viva Mulher
Há apenas algumas décadas atrás, o câncer de colo de útero matava mais mulheres do
que o de mama. Atualmente, deve-se considerar um quadro nacional reverso, com taxas em
estabilidade para o primeiro e ascendentes para o segundo.
Na análise dos materiais realizados pelo Inca a partir do início do século XXI,
podem-se notar duas linhas de comunicação distintas publicadas somente como folhetos de
divulgação em postos de saúde.
As Figuras 30 a 35 fazem referência à primeira abordagem; apesar da inclusão do
assunto câncer de mama, o desenho escolhido para representar a feminilidade foi uma pêra,
em alusão ao órgão genital feminino. Na capa, a fruta se encontra em boa qualidade e com
aspecto saudável; já na contracapa, a mensagem torna-se mais impactante quando a mesma
aparece deteriorada e passada. Ou seja, as fases da pêra representam a aquisição do câncer de
colo de útero no corpo da mulher. Nessa linha criativa, não existem representações para o
câncer de mama ou para o seio feminino.
Apesar desses folhetos terem sido distribuídos apenas para os profissionais de saúde,
e os dizeres não informarem sobre prevenção, e sim, sobre o que é o Programa Viva Mulher,
a metáfora da fruta podre não aparenta ser a melhor escolha para retratar uma enfermidade
feminina. A pêra já estragada nunca mais voltará a estar em condições normais; pensando em
representar uma mulher com necessidade de tratamento, este não é o caminho mais otimista.
As cores adotadas são o amarelo, que possui uma forte capacidade para despertar a
atenção do leitor e obter impulsos de adesão, e o marrom, que, embora reflita uma sensação
cromática sombria, é caracteristicamente vinculado à fertilidade e à mestiçagem da
população brasileira. Segundo Farina, Perez e Bastos (2006, p.104): “Ao marrom se associa
a cor da pele morena, as cabrochas. Na antiguidade a cor morena era feminina, por ser a cor
da terra e, portanto a fecundidade.”
143
Figuras 41, 42, 43 e 44 – Frente, verso, contracapa e 3ª capa de folheto da campanha do Programa Viva Mulher já
com a inclusão do Câncer de Mama
144
Figura 45 – Interior de folheto da campanha do Programa Viva Mulher
já com a inclusão do Câncer de Mama
145
Figuras 46 e 47 – Capa dos materiais técnicos desenvolvidos pelo Programa Viva Mulher
distribuídos a profissionais dos postos de saúde
146
A partir do ano de 2003, os folhetos produzidos pelo Inca mudaram bastante suas
características visuais. Embora ainda pertencente ao Programa Viva Mulher, o câncer de
mama passou a ter sua comunicação exclusiva, deixando de estar sempre agregado às peças
de câncer de colo de útero, o que já era esperado, já que infelizmente seus dados de
mortalidade passaram a ser os mais altos nos últimos anos. Ao contrário, hoje, no Brasil, o
câncer de colo de útero já apresenta um dos mais altos potenciais de prevenção e cura,
chegando perto de 100% quando diagnosticado precocemente.
53
Mesmo sem uma campanha nacional intensa, a publicidade dos folhetos do Inca
tornou-se mais uniforme e informativa quando se iniciou a segunda abordagem da inclusão do
câncer de mama nos folhetos, com explicações mais detalhadas sobre a doença, como por
exemplo, quem são as mulheres de alto risco, como são realizados os exames, quais são os
tratamentos, como é feita a cirurgia e até o papel da sociedade civil organizada. Uma
característica importante nesse novo material é o fato de que o auto-exame das mamas é
citado, todavia destaca-se que a prática não substitui o exame físico realizado pelo
profissional de saúde.
O folheto e o Consenso para o Controle do Câncer de Mama, expostos nas Figuras 36
a 42, são os mais recentes e vigentes materiais realizados pelo Inca. Nota-se que em termos de
comunicação, ainda poderiam ser usadas diversas ferramentas, como foi feito em 1998 com a
fase de intensificação da campanha, como a utilização de rádio, TV, outdoors, entre outros.
Atualmente no Brasil, o principal documento que explicita a proposta do Programa
Nacional de Controle do Câncer de Mama, no qual o rastreamento é uma das principais
estratégias, é o Consenso de Controle do Câncer de Mama. Cabe ressaltar que esses mesmos
materiais melhor detalhados, nos quais há o acréscimo de informações técnicas e eventuais
dúvidas, encontram-se também no site da instituição.
O padrão estabelecido nesses materiais é composto por apenas um desenho sutil de um
corpo feminino jovem, muitas vezes utilizado em forma de marca d’água
54
, nas cores rosa
claro e vinho, e com muitos textos explicativos. O símbolo do Inca já não aparece mais;
apenas é citado o endereço eletrônico, o telefone do Disque Saúde e uma referência ao
Ministério da Saúde.
A mulher simulada já quase não aparece, não está mais representada em fotografia ou
em bonecos. Em comparação ao primeiro material publicado, Folheto número 2 (páginas 104
53
http://www.inca.gov.br/conteudo_view.asp?id=140
54
Ferramenta para desenhos computadorizados, nos quais os traços tornam-se tão suaves que é possível mesclá-los com
textos.
147
e 105), as mudanças textuais foram significativas, com o acréscimo de dados e explicações
sobre a doença. A escolha do título Consenso remete às palavras harmonia e bom-senso, o que
também transmite uma opção significativamente mais suave na criação das peças.
Figuras 48 e 49 – Frente e verso do último folheto produzido pela campanha do Programa Viva Mulher, no qual o
câncer de mama já é retratado especificamente
148
Figura 50 – Interior do último folheto produzido pela campanha do Programa Viva Mulher, no qual
o câncer de mama já é retratado especificamente
149
Figura 51 – Frente do Consenso para o Câncer de Mama, principal material que explicita a proposta do programa
nacional de controle da doença
150
Figura 52 – Frente do Consenso para o Câncer de Mama, principal material que explicita a proposta do programa
nacional de controle da doença
151
Figura 53 – Interior do Consenso para o Câncer de Mama, principal material que explicita a proposta do programa
nacional de controle da doença
152
Figura 54 – Verso do Consenso para o Câncer de Mama, principal material que explicita a proposta do programa
nacional de controle da doença
A totalidade dos materiais de divulgação recolhidos, expostos e comentados nesta
última etapa, já com a inclusão do câncer de mama no Programa Viva Mulher, é destinada aos
153
profissionais de saúde, os quais se responsabilizam pela circulação das informações sobre a
doença. Tais agentes locais, apesar de assumirem posições de propagandistas e educadores de
plantão, não conseguem expor o assunto a todas as mulheres; infelizmente, atingem apenas
aquelas que já procuraram algum posto médico.
A ausência do apoio de divulgação massiva, com a utilização de outras mídias e
veículos de comunicação, torna-se algo indagador na medida em que as chances de cura para
a doença são transferidas para as ações individuais da mulher, quando esta já se encontra na
procura de subsídios e conhecimento sobre o assunto na ocasião de algum sinal ou apenas por
curiosidade pelo tema câncer de mama. Assim sendo, a prevenção como meta para
erradicação do câncer de mama deixa de ser trabalhada.
As manifestações de publicidade informativa por parte de empresas e organizações da
sociedade civil encontram-se tão arraigadas às práticas nacionais que até no último folheto
público realizado, o Consenso para o Câncer de Mama, encontra-se algo a respeito e
explicações. Não está errada tal menção; porém, o viés da saúde pública feminina acabou por
ser transferido, e infelizmente não existem ainda grandes ações por parte do Estado com a
finalidade de orientar a atenção das mulheres sobre a doença.
As ações não precisariam ser necessariamente em forma de grandes campanhas
55
publicitárias, mas deveriam ser constantes e em diferentes meios de comunicação, com
grandes alcances para que a prevenção do câncer de mama não fosse lembrada
esporadicamente, e sim, realizada rotineiramente.
A única campanha massivamente divulgada abordava a mulher a partir de uma
perspectiva de memorização. Na fase de intensificação da campanha em 1998, os materiais
de divulgação adotaram o slogan “Lembre alguém”, com a utilização da fita cor-de-rosa, e se
apoiaram na figura de uma mulher como uma médica, segura, para assim presumir uma ação
efetiva da população. Porém, a lembrança é algo oposto ao conhecimento; em outras
palavras, o que é transposto ao saber humano e se torna uma prática, seja pedagógica ou
mecanicamente preventiva, não precisa ser recordado, pois já está pré-concebido na ação.
Toda e qualquer manifestação nos veículos de comunicação referente à saúde, e
conseqüentemente ao câncer de mama, poderia não ocorrer apenas na decorrência da
eventualidade, mas na perspectiva de transformar os elos de diálogo público em apoios
55
Apesar de constantes buscas em agências publicitárias, não houve retorno de nenhuma; isso devido
a uma falta de arquivo sobre a campanha e às constantes trocas de gerenciamento da conta do Ministério da
Saúde. Porém, devido ao material concedido pelo Inca, foi possível analisar alguns os veículos de comunicação
utilizados: rádio, cartazes, outdoor, folhetos, televisão, etc.
154
educativos os quais aproximam Estado e sociedade. Soluções temporárias apenas modificam
números, dados e gráficos; pouco depois, os índices de mortalidade voltam a subir. Um
exemplo é o final da campanha de intensificação do Programa Viva Mulher, quando as taxas
apresentadas de exames papanicolau no SUS voltaram a decrescer.
Produção ambulatorial do SUS
Quantidade apresentada de exames citopatológicos cérvico-vaginais e microflora
Código: 12.011.01 - Período: Julho/1994 a Junho/2001
Brasil
Gráfico 13 – Produção ambulatorial de exames de colo de útero no SUS de julho/1994 a março/2001
Fonte SIA/SUS
155
Considerações finais
O aumento da incidência do câncer de mama no Brasil é explicado, em primeiro lugar,
pela diminuição de óbitos por outras epidemias nacionais, e em segundo, pelo fato do
diagnóstico ser mais preciso; hoje, a contabilização consegue demonstrar exatamente o
número de casos.
Conforme aumenta a incidência, maiores são os trabalhos de pesquisa, prevenção,
tratamento e gastos públicos com a doença. As ações de comunicação, por conseqüência,
multiplicam-se igualmente em formato de peças publicitárias, matérias e anúncios que
aparecem em destaque na mídia em geral.
Todavia, constata-se que para obter verdadeira eficácia nas propagandas
desenvolvidas, a criação necessita no mínimo conter subsídios potenciais de apelo e
entendimento por parte das mulheres.
Na pesquisa, por meio da análise semiótica, foram interpretados alguns dos
significados possíveis das peças publicitárias dos dois institutos nacionais mais relevantes
sobre câncer de mama, o Inca e o IBCC. Apontou-se os prováveis signos interpretantes
gerados nas mulheres nas duas campanhas, mas certamente existem ainda muitas outras
ferramentas para comprovar a eficácia das mensagens criadas.
Para uma maior compreensão do público-alvo dessas ações publicitárias seria
necessária uma divulgação constante nos diversos meios de comunicação. No caso do Inca, a
premissa não acontece, já que as peças não possuem poder de inserção na grande mídia. A
única grande campanha nacional, realizada dentro do Programa Viva Mulher, abordou
somente o câncer de colo uterino e apenas em determinados meses de divulgação.
O problema das grandes campanhas de comunicação é o fato de a imediatez do
acontecimento não aprofundar o assunto, ou seja, elas não introduzem a prática do exame
como característica efetiva e rotineira na vida da mulher. Sem dúvida, como comentado no
capítulo IV, item Propagandas de Apoio, sobre o acordo da Confederação Nacional da
Indústria - CNI e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – Fiesp sobre a liberação
de suas operárias mais cedo em um dia de serviço para a realização dos exames é uma
conquista. Mas o fato é que essas iniciativas são pontuais; ainda existe a necessidade de
retorno da trabalhadora ao posto de saúde para a busca de resultados ou, no caso do exame
diagnosticar algum sintoma positivo, direcionar-se ao tratamento. Os acompanhamentos nas
fases da pós-campanha não estão dentro do contexto das campanhas esporádicas, não
156
excluindo assim o dever do Estado de criação e manutenção constante das políticas de saúde
pública femininas.
A campanha do IBCC, O Câncer de Mama no Alvo da Moda, em termos de utilização
e inserção midiática, é muito mais dinâmica e abrangente. Além de constar fixamente no
vestuário brasileiro, a marca da campanha, com seu símbolo em forma de um alvo azul,
aparece estampada em revistas, outdoors, rádio, TV, entre outros veículos. Todavia, a
mensagem original se perde entre a adesão da classe artística, invertendo parte de sua
linguagem em mais um adereço de figurino e, como a própria palavra moda designa, algo
frívolo.
Agregar o câncer de mama à fluidez efêmera de uma campanha de moda não é de todo
mau quando se pensa nas proporções culturais e psicológicas que um fenômeno marcário
pode surtir na natureza de nossa sociedade, sem contar as possibilidades financeiras que tal
publicidade gera ao IBCC e às suas pacientes atendidas. Apenas faz-se relevante pensar na
linguagem estabelecida, pois com uma comunicação mais estruturada, as peças analisadas
poderiam, além de acarretar lucro, motivar a prevenção e a absorção da informação sobre a
doença.
O slogan divulgado pela campanha do Inca “lembre alguém”, mais a adoção da fita
cor-de-rosa são estratégias que recorrem ao aspecto do esquecimento. Algo necessário, mas
momentâneo, que após certo tempo terá novamente que ser lembrado. Já o mote do IBCC é O
Câncer de Mama no Alvo da Moda. Não traz a mínima realidade com o panorama da doença
e se distancia da mulher em si.
A linha criativa de ambas instituições não trouxe o aspecto mais positivo que existe
em detectar um câncer de mama a tempo, isto é, a vida. Nenhuma das opções adotadas
realçou o fato de que se as mulheres prestarem atenção aos anúncios realizados e às técnicas
preventivas, o valor de troca não será a lembrança do Inca ou a moda do IBCC, mas sim, a
própria condição de existência diante do risco da doença mais freqüente nas mulheres
brasileiras, e a sua reintegração social, por conseqüência.
No caso do Inca, a falta de uma difusão alinhada e contínua de publicidade deve-se,
entre outros motivos, à intercessão da área política no campo da comunicação. Conforme
demonstrado no histórico das atividades do instituto, além da transferência temporária de suas
atividades do Ministério da Saúde para o Ministério da Educação, observou-se uma profunda
mudança na linha criativa dos materiais do Inca nos anos eleitorais.
Em 1998, com a fase de intensificação e implantação da campanha nacional Viva
Mulher, ocorreu a troca de mandato de Carlos Cesar de Albuquerque para José Serra como
157
Ministro da Saúde. Em 2003, com a troca do ministério de Barjas Negri para Humberto
Sérgio Costa Lima, houve a opção de trabalhar o câncer de mama isoladamente, sem vinculá-
lo mais à publicidade sobre colo de útero.
A aquisição do material para análise foi um dos pontos de maior dificuldade no
desenvolvimento da pesquisa. Não foi possível obter a totalidade por falta de arquivo, tanto
do Inca como das agências de publicidade responsáveis, pois estas, por sua vez, eram trocadas
constantemente e não deixaram histórico de seus trabalhos, e a única fonte contatada não
possuía em seu portfólio tais materiais.
Porém, graças ao apoio do setor de comunicação e da Coordenação de Ensino e
Divulgação Científica do Instituto, foi possível o acesso às peças então analisadas, a
montagem da cronologia de tais publicações e algumas visitas à sede do Inca, localizado na
cidade do Rio de Janeiro.
O material de análise do IBCC também não foi fornecido por agências ou empresas
vinculadas ao instituto, mas devido à abrangência da marca da campanha, o acesso aconteceu
com mais facilidade via Internet, revistas e a colaboração dos funcionários da ECA-USP em
solicitar à empresa Arquivo da Propaganda.
56
Felizmente, as dificuldades encontradas não foram fatores de mudança para o
conteúdo da pesquisa, pois a análise aconteceu por meio da relação do material recebido, que,
somado ao respaldo das correntes teóricas, viabilizou a concretização deste trabalho, sendo
possível alcançar um entendimento da comunicação realizada sobre câncer de mama nos dois
principais institutos nacionais relacionados à temática.
O desenvolvimento da pesquisa demonstrou o quanto seria significativo um próximo
estudo sobre gênero e comunicação abrangendo a análise para as políticas públicas femininas
dentro de um paradigma global, no qual pela investigação dos meios fosse possível
diagnosticar um retrato da imagem feminina nos programas sociais do Estado.
Será também interessante divulgar a pesquisa realizada em centros de apoios,
instituições médicas e empresas que trabalham ou se interessam pelo assunto câncer de mama.
O auxílio poderá acontecer com a finalidade de orientar o processo criativo para as
campanhas de comunicação já criadas ou para nortear futuras estratégias de difusão nos meios
que estes órgãos possam objetivar desenvolver.
As contribuições das ações comunicativas analisadas, tanto do Inca quanto do IBCC,
para a melhoria da condição social da mulher ocorrem certamente, porém de maneira parcial,
56
Serviço de monitoramento de propaganda e acervo publicitário - www.arquivo.com.br
158
cada uma com suas limitações. O Inca atinge superficialmente seu público-alvo devido à
baixa intensidade de ocorrência das suas ações; suas iniciativas na área de comunicação são
poucas e sutis. Por outro lado, o IBCC possui uma campanha de alto nível de abrangência e
extrema exposição midiática, mas a mensagem constituída descarta aspectos importantes
como a prevenção e importantes informações de apelo.
De maneira geral, a prolixidade do discurso midiático sobre as mulheres contrasta com
a ausência de informações precisas e circunstanciadas. Isso indica a necessidade da realização
de ações estruturantes, qualificadas e de informação sobre os agravos mais comuns à saúde da
mulher, assim como da disposição de orientações para sua promoção e prevenção de doenças.
Ao se deparar com a descoberta de carências informativas, percebe-se que estas
envolvem o indivíduo e se projetam a cada dia numa escala maior e de expansão contínua. É
somente no reconhecimento da realidade que o exercício da comunicação social, ou seja, da
divulgação pública do que é relevante à comunidade, poderá acontecer, por meio da
concepção elementar de simplesmente dizer o que tem que ser dito.
159
Referências Bibliográficas
AAKER, David A. Criando e Administrando Marcas de Sucesso. São Paulo: Futura,
1996.
ADORNO, Theodor W. A Indústria Cultural. In: COHN, Gabriel (org.). Comunicação e
Indústria Cultural. São Paulo: T.A. Queiroz, 1989.
ADORNO, Theodor W. HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: fragmentos
filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.
BARBOSA, Ana Maria de Souza. Viagem ao vale da morte: estudo psicológico sobre
mulheres mastectomizadas por câncer de mama. Dissertação de mestrado. IP/USP, 2001.
BARBOSA, Ivan Santo (org.). Sentidos da publicidade: os estudos interdisciplinares.
São Paulo: Pioneira Thomson, 2005.
BEAUVOUIR, Simone. O segundo sexo - A Experiência Vivida. São Paulo: Difel, 1975.
BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo - Fatos e Mitos. São Paulo: Difel, 1970.
BIEDERMANN, Hans. Dicionário Ilustrado de Símbolos. São Paulo: Melhoramentos,
1993.
BOSI, Ecléa. Cultura de massa e cultura popular: leituras de operárias. 10. ed.
Petrópolis: Vozes, 2000.
BRANDÃO, Izabel. Corpo em Revista - Olhares Interdisciplinares. Maceió: Edufal
Editora da Universidade Federal de Alagoas, 2005.
BRITO, Maria Fernanda Domingos de. A saúde da mulher na imprensa feminina.
Dissertação de Mestrado. ECA/USP, 2001.
BUITONI, Dulcília Schroeder. Mulher de papel: a representação da mulher pela
imprensa feminina brasileira. São Paulo: Loyola, 1981.
160
_________________________Imagem da mulher na imprensa brasileira: é possível sair
do padrão? Revista Brasileira da Biblioteca Mario de Andrade. São Paulo, v1, n.53,
p.135-44, 1995.
CITELLI, Adilson. Comunicação e educação. A linguagem em movimento. 3ª ed. São
Paulo: Senac, 2004.
COELHO NETO, J. Teixeira. Semiótica, Informação e Comunicação. São Paulo: Editora
Perspectiva, 2001.
FARINA, Modesto, PEREZ, Clotilde, BASTOS, Dorinho. Psicodinâmica das Cores em
Comunicação. 5ª ed. São Paulo: Ed. Edgard Blücher, 2006.
FIORIN, José Luiz. Linguagem e Ideologia. São Paulo: Editora Ática, 1988.
GARCIA, Denise Pedroso. O feminismo no bairro: a experiência da campanha pela
prevenção do câncer de mama e de colo de útero na zona leste do município de São Paulo
- 1994 a 1997. Dissertação de Mestrado. São Paulo, FFLCH/USP, 2002.
HELLER, EVA. Psicología del color. Como actúan los colores sobre los sentimentos y la
razón. Barcelona: Editora Gustavo Gili, 2004.
IASBECK, Luiz Carlos Assis. A arte dos slogans. As técnicas de construção das frases de
efeito do texto publicitário. São Paulo: Annablume, 2002.
KING, Samantha. Pink Ribbons, INC – Breast Cancer and the Politics of Philanthropy.
Minnesota: University of Minnesota Press, 2006.
KUSHNER, Rose. Por que eu? O que toda mulher deve saber sobre o câncer de seio. São
Paulo: Summus, 1981.
LIPOVETSKY, Gilles. A terceira mulher: permanência e revolução do feminino. São
Paulo: Companhia das letras, 2000.
161
MATTELART, Armand e Michele. História das teorias da comunicação. São Paulo: Ed.
Loyola, 1999.
MATTELART, Michele. Mujeres e Industrias culturales. Barcelona: Editorial Anagrama,
1982.
MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL. Secretaria de Atenção à Saúde. Instituto
Nacional de Câncer. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Estimativa 2006: Incidência
de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA, 2008.
MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX. Vol. 1: Neurose. 9.ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2007.
_______________________________________ Vol. 2: Necrose. 9.ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2007.
PEREZ, Clotilde. Signos da marca: expressividade e sensorialidade. São Paulo:
Thompson Learning, 2004.
___________. A comunicação da completude: a busca do objeto de desejo. Revista
Mackenzie Educação, Arte e História da Cultura, ano 3/4, n. 3/4, p. 109-116, 2003/2004.
PEREZ, Clotilde e BAIRON, Sérgio. Comunicação e Marketing. São Paulo: Editora
Futura, 2002.
PERROT, Michele. Minha história das mulheres. São Paulo: Editora Contexto, 2006.
PINOTTI, José Aristodemo. Saúde da mulher. São Paulo: Editora Contexto, 1994.
PRIORI, Mary Del. Mulheres no Brasil Colonial. São Paulo: Editora Contexto, 2000.
_____________.Corpo a Corpo com a mulher. São Paulo: Editora Contexto, 2000.
RELATÓRIO NOVEMBRO DE 2000. Viva Mulher. Programa Nacional de controle do
colo do útero. Ministério da Saúde. Rio de Janeiro, 2000.
162
RELATÓRIO VIVA MULHER. Câncer do Colo do Útero: Informações Técnico-
Gerenciais e Ações Desenvolvidas, Ministério da Saúde - Instituto Nacional de Câncer,
Rio de Janeiro, 2002.
SEBESTA, Lithe e SPIEGEL, Maura. The Breast Book: An Intimate and Curious History.
Workman Publishing Company, 2002.
SOMMER, Dr.Mateus. O Câncer de Mama. Rio de Janeiro: Editora Artenova, 1976.
SANT’ANNA, Armando. Propaganda: teoria, técnica e prática. São Paulo: Thompson,
2002.
SANTAELLA, Lucia. A percepção: uma teoria semiótica. São Paulo: Experimento. 2 ed.,
1998.
_________________ Semiótica Aplicada. São Paulo, Thompson Learning, 2004.
_________________ A Teoria Geral dos Signos: como as linguagens significam as
coisas. São Paulo, Pioneira Thomson Learning, 2004.
SANTAELLA, Lucia e Noth, Winfried. Imagem - cognição, semiótica, mídia. São Paulo:
Ed. Iluminuras, 1998.
SONTAG, Susan. A doença como metáfora. 3. ed. São Paulo: Edições Graal, 2002.
TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve História do Feminismo no Brasil. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1993.
TEMPORÃO, José Gomes. A propaganda de medicamentos e o mito da saúde. Rio de
Janeiro: Edições Graal, 1986.
ZECCHIN, Rubia Nascimento. A perda do seio: um trabalho psicanalítico institucional
com mulheres com câncer de mama. São Paulo: Educ, 2004.
WOLF, Naomi. O Mito da Beleza. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1991.
YALOM, Marilyn. História do Seio. Lisboa: Editorial Teorema, 1998.
163
Referências consultadas da internet:
Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo:
http://www.al.sp.gov.br/portal/site/alesp
Informações sobre Câncer de Mama:
http://www.cancerdemama.com.br
http://www.cancerdemama.org.br
Instituto Brasileiro de Controle do Câncer:
http://www.ibcc.org.br
Instituto Nacional do Câncer:
http://www. inca.gov.br
World Economic Forum
http:// www.weforum.org
Presidência da Republica Federativa do Brasil:
http://www.datasus.gov.br
http://www.presidencia.gov.br
http:// www.presidencia.gov.br/spmulheres
http://www.portalsaude.gov.br
164
Anexos
165
1- IBCC
166
I – ANÚNCIO DA CAMPANHA O CÂNCER DE MAMA NO ALVO DA MODA
167
II - BONECA SUSI COMERCIALIZADA COM A MARCA IBCC
III - KIT CAMISETA E CD DA CANTORA IVETE SANGALO COM A MARCA IBCC
168
IV - EXEMPLO DE FUNDO DE TELA PARA COMPUTADOR DA MARCA IBCC
V - EXEMPLO DE FUNDO DE TELA PARA COMPUTADOR DA MARCA IBCC
169
VI- FOTOS DA CORRIDA E CAMINHADA CONTRA O CÂNCER DE MAMA DO IBCC
SÃO PAULO, 2008
170
2 - Inca
171
I - CLIPBOARD DO VÍDEO UM TOQUE DE VIDA- MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1997
VEICULADO NO PROGRAMA DA REDE GLOBO DOMINGÃO DO FAUSTÃO
172
173
174
175
176
177
178
II - CENAS DO VÍDEO DA CAMPANHA VIVA MULHER - MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1998
VEICULADO NO PROGRAMA DA REDE GLOBO JORNAL NACIONAL
179
III – CD DE MATERIAL TÉCNICO DIVULGADO PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE
IV – CD DE MATERIAL TÉCNICO DIVULGADO PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE
180
V – APOSTILA DE MATERIAL TÉCNICO DIVULGADA PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE – CAPA
VI – APOSTILA DE MATERIAL TÉCNICO DIVULGADA PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE - VERSO
181
VII – APOSTILA DE MATERIAL TÉCNICO DIVULGADA PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE - CAPA
VIII – APOSTILA DE MATERIAL TÉCNICO DIVULGADA PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE - CAPA
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo