Download PDF
ads:
1
FLÁVIA VASCONCELLOS AMARAL
A guirlanda de sua Guirlanda
Epigramas de Meleagro de Gadara: tradução e estudo
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Letras Clássicas
do Departamento de Letras Clássicas e
Vernáculas da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo para
obtenção do título de Mestre em Letras
Clássicas.
Área de concentração: Poesia lírica,
satírica e didática greco-latina
Orientador: Prof. Dr. Daniel Rossi Nunes Lopes
São Paulo
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
Aos meus pais, que me ensinaram o valor do esforço e da dedicação.
Ao meu marido, das dádivas de Deus a melhor que já recebi.
(Ele é a melhor seta da aljava de Eros que poderia ter sido em mim fixada.)
ads:
3
AGRADECIMENTOS
A Deus, em primeiro lugar, por todas as graças derramadas em minha vida, antes,
depois e sempre;
Aos meus pais, Abel e Lúcia e à minha irmã Elaine, por constituírem meus alicerces;
Aos meus familiares e especialmente aos meus tios Ednalvo e Noemi Mendonça,
exemplos de fé e temor a Deus;
Ao meu marido, Anderson, paciente em todos os momentos de aflição e fonte de
amor inigualável. Seu amor, seu companheirismo, sua dedicação, sua determinação
e sua amizade o a mola propulsora em direção aos meus sonhos. Que o nosso
amor seja renovado a cada dia, como todo alvorecer!
Aos meus orientadores, Prof. Dr. Daniel Rossi Nunes Lopes e Prof. Dr. Christian
Werner, pois este iniciou o caminho ao meu lado, não me deixando vacilar entre
letras gregas e todo o resto e aquele que, sempre otimista e encorajador, participou
da banca de qualificação e tornou-se meu orientador, finalizando o caminho comigo
e dando-me fôlego para acreditar que isso seria possível. Agradeço a ambos pelas
leituras, pelas correções, pelas instruções tão atenciosas e por me ouvirem nos
momentos de lamentações;
À Profª. Drª. Adriane da Silva Duarte, que esteve na banca de qualificação e na
banca examinadora e fez observações importantes sobre o meu trabalho;
Ao Prof. Dr. Alexander Sens de Georgetown University, que mesmo de longe me
auxiliou com seus comentários e indicações bibliográficas, sendo sempre solícito e
aberto aos meus chamados. Sou muito grata pela sua participação na banca
examinadora, pelo incentivo à continuação da minha pesquisa e sobretudo pela sua
amizade.
4
Ao Prof. Dr. João Angelo Oliva Neto, quem me apresentou ao mundo clássico e
quem me orientou durante a Iniciação Científica, despertando em mim o amor pelas
letras gregas e latinas;
À Erika Werner, quem me apresentou ao mundo epigramático por meio das
mimosas flores da guirlanda de Meleagro. Agradeço-a por um tanto de outras coisas
que ela fez por mim (inumeráveis aqui), incluindo a minha brevíssima (ou seria
epigramática?) estadia em Berlim. Que nossa amizade sempre seja!
À Lucia Sano, com quem compus a grandiosa turma de grego de apenas duas
alunas. Grata lhe sou por todas as horas de estudo, conversas, risadas, lamúrias e
tudo o mais (incluindo Ouro Preto). Que possamos dividir bons momentos e os
nossos sucessos, como têm sido!
À Tatiane Reverdito, la mia amica, que pacientemente me encorajou, mesmo de
longe, e me forneceu material precioso para a realização da pesquisa. Que a nossa
cara amizade supere todas as distâncias!
À Ariane Estelita Bacin, minha melhor amiga e madrinha, com quem tenho dividido
inúmeros momentos decisivos. Que possamos ter uma à outra ao longo de nossas
vidas!
Aos meus amigos classicistas Alexandre Agnolon, Alexandre Pinheiro Hasegawa,
Alisson A. Araújo, Elaine Sartorelli e Izabella Lombardi;
Por fim, aos meus amigos Adriana Buzzetti, Cristiane Castelani, Edson Souza Filho,
José Carlos Diogo, Luciana Veira, Paula Fonseca e Raquel Pedrão;
À CAPES, pelo auxílio concedido.
5
p£nta ≥scÚw œn tù œndunamoànt∂ me.
p£nta ≥scÚw œn tù œndunamoànt∂ me.p£nta ≥scÚw œn tù œndunamoànt∂ me.
p£nta ≥scÚw œn tù œndunamoànt∂ me.
(Filipenses 4.13)
6
RESUMO
O objetivo deste estudo é analisar como a caracterização das personagens Zenófila,
Heliodora e Misco, presentes nos epigramas de Meleagro de Gadara (séc. I a.C)
serviu de base em diversas instâncias para o restante dos poemas do autor,
atuando, portanto, no processo criativo e editorial do poeta. Parte deste estudo
também é a tradução integral dos epigramas de Meleagro em português.
Palavras- chave: epigrama; epigrama helenístico; caracterização; Antologia Palatina;
Meleagro de Gadara.
ABSTRACT
The aim of this study is to analyze how the characterization of Zenophila, Heliodora
and Myiscus, present in the epigrams of Meleager of Gadara (I b.C.), functioned as
the bases, in various ways, for the rest of the author’s poems, acting, therefore, in the
creation and editorial process followed by the poet. A complete translation of
Meleager’s epigrams in Portuguese is also provided.
Key-words: epigram, Hellenistic epigram; characterization; Anthologia Palatina,
Meleager of Gadara.
7
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AJPh American Journal of Philology
A.P. Antologia Palatina
ClAnt Classical Antiquity
CR The Classical Review
CQ The Classical Quaterly
JHS Journal of Hellenic Studies
RhM Rheinisches Museum für Philologie
USP Universidade de São Paulo
ZPE Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................10
1 O EPIGRAMA.........................................................................................................14
1.1 O EPIGRAMA E AS RECOLHAS DE EPIGRAMAS............................................18
1.2 MELEAGRO DE GADARA ..................................................................................21
1.3 A GUIRLANDA DE MELEAGRO..........................................................................25
1.4 A ANTOLOGIA PALATINA...................................................................................27
1.5 A GUIRLANDA DE SUA GUIRLANDA.................................................................30
2 ALGUNS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS...............................................................33
2.1 ARISTÓTELES E OUTRAS FONTES..................................................................33
2.2 CRÍTICA MODERNA............................................................................................41
2.3 CARACTERIZAÇÃO NO EPIGRAMA..................................................................42
2.4 PRESSUPOSTOS DESSA DISSERTAÇÃO........................................................43
3 OS CICLOS DE ZENÓFILA, HELIODORA E MISCO............................................45
3.1 RELAÇÕES INTRACICLO: ZENÓFILA................................................................45
3.1.1 Atributos musicais, persuasivos, de beleza e graça...................................46
3.1.2 Cenas do thalamos..........................................................................................60
3.1.3 Relação Eros-Zenófila.....................................................................................66
3.1.4 Considerações sobre o ciclo de Zenófila......................................................71
3.2 RELAÇÕES INTRACICLO: HELIODORA............................................................72
3.2.1 Atributos musicais e outros...........................................................................73
3.2.2 Sofrimentos amorosos...................................................................................84
3.2.3 Relação Eros-Heliodora..................................................................................97
3.2.4 Considerações sobre o ciclo de Heliodora.................................................103
3.3 RELAÇÕES INTRACICLO: MISCO...................................................................104
9
3.3.1 Atributos físicos............................................................................................105
3.3.2 Sofrimentos amorosos.................................................................................114
3.3.3 Relação Eros-Misco......................................................................................120
3.3.4 Considerações sobre o ciclo de Misco.......................................................129
3.4 RELAÇÕES INTER CICLOS..............................................................................130
3.5 RELAÇÕES EXTRACICLOS..............................................................................133
4 TRADUÇÃO INTEGRAL DOS EPIGRAMAS DE MELEAGRO...........................142
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................232
BIBLIOGRAFIA........................................................................................................235
10
INTRODUÇÃO
Reconhecido pela sua Guirlanda, uma recolha de epigramas de diversos
poetas que foi paradigma para antologias posteriores a ela, Meleagro de Gadara,
poeta do século I a.C, legou à posteridade um conjunto de 132 poemas presentes na
Antologia Palatina, que, por sua vez, compõe a maior coleção de epigramas gregos
que temos conhecimento: A Antologia Grega.
Não somente a sua coleção traçou o caminho para coleções posteriores, mas
também os seus epigramas eróticos e homoeróticos serviram de fonte de emulação
para os poetas latinos que compunham elegias, gênero que contemplou, entre
outros, os meandros amorosos presididos por Eros. Desse modo, é de grande
relevância o estudo deste autor, bem como a tradução integral de seus poemas em
português.
Os epigramas de Meleagro estão divididos nos livros I, V, VI, VII, IX, XII e APl
da Antologia Grega e o compostos em dísticos elegíacos, sendo que a extensão
de cada epigrama geralmente é de três dísticos. A grande maioria dos seus
epigramas se concentra nos livros V e XII, erótico e homoerótico, respectivamente.
Entretanto, originalmente, todos os epigramas do autor deveriam estar dispostos
aleatoriamente em conjunto com epigramas de outros poetas, como se tem notícia
pelo seu proêmio (A.P. 4. I). Como se verá, a divisão dos epigramas em livros
temáticos advém das transformações ocorridas nas coleções de epigramas de
acordo com o tempo e, muitas vezes, erros de interpretação/categorização
ocorreram.
11
A riqueza da Guirlanda de Meleagro pode ser vista pela diversidade do
conjuntos temáticos que a perpassa: antologias (como o longo poema I); epigramas
fúnebres (IV); bestiários (XXXIII e XXXIV); caracterização de Eros (VII); elenco de
amores (XXIII); invocação à estrela da manhã (XXVII); epigramas marítimos (LXIV);
confissões à lamparina (LXIX); alusões à esculturas (CX); vinho (CXIII); mini mimos
(CXXI); epigramas bucólicos (CXXVI); epigramas dedicados à Zenófila (XXIX);
epigramas dedicados à Heliodora (XLI) e epigramas dedicados a Misco (XCIX).
Cada conjunto temático possui as suas características próprias e contribui de
maneira singular para a composição maior que é a Guirlanda. Como o espaço da
presente dissertação é exíguo, decidiu-se restringir a análise a apenas três desses
conjuntos, como já postulado: epigramas dedicados à Zenófila, à Heliodora e a
Misco.
Embora se pressuponha que os epigramas de Meleagro estivessem dispersos
entre os poemas de outros autores, existia uma ligação entre esses epigramas, seja
ela em âmbito lexical ou temático. Portanto, os epigramas de Meleagro relacionam-
se tanto entre si (XII A.P. 7.195 e XIII A.P. 7.196, por exemplo) quanto com
epigramas de outros poetas (A.P.V.7 de Asclepíades e A.P.V.8 de Meleagro). Tais
relações eram fios condutores de grande importância para a Guirlanda e faziam com
que existisse uma contiguidade entre os poemas. Dado que não possuímos a
Guirlanda no seu estado original e (dada a extensão de um corpus de análise que
contemplasse os epigramas de Meleagro e as chamadas sequências de Meleagro
poemas que chegaram até nossos dias na provável disposição original), compôs o
corpus desta dissertação apenas os poemas deste autor.
A tradução e leitura do corpus despertaram diversas questões de relevância
para um estudo acadêmico de Meleagro, porém, a delimitação de um eixo analítico
12
fez-se necessária. Sendo assim, decidimos contemplar a caracterização de três
personagens recorrentes nos epigramas de Meleagro, uma vez que ela se mostrava
de fundamental importância para o processo criativo - editorial do poeta.
Entendemos como personagem todo ser nomeado pela persona que possui
características definidoras seja de caráter, qualidades artísticas ou corporais, as
quais configuram pouco a pouco esse ser à medida que os poemas são
apresentados ao leitor.
Muitas outras personagens são encontradas no corpus, mas apenas três,
Zenófila, Heliodora e Misco, são recorrentes em maior número de epigramas e
possuem características que se repetem e que se complementam com o desenrolar
dos epigramas, o que serviu de recorte analítico para esta dissertação. Portanto,
foram analisados 12 poemas dedicados a Zenófila, 17 a Heliodora e 13 a Misco, no
total de 42 poemas.
Comum na análise de outros gêneros discursivos, a caracterização o seria
esperada em poemas de tamanha exiguidade, como são os epigramas. Entretanto,
tentou-se mostrar que ela é pertinente mesmo neste gênero aparentemente
descontínuo, pois, como foi dito, muitos epigramas são construídos em diálogo com
outros. Dessa forma, muitos elementos de caracterização são reiterados e
ampliados nos epigramas dedicados às personagens supracitadas, o que nos
permitiu dizer que esses poemas compõem ciclos. Dado que existem alguns
elementos comuns entre os diferentes epigramas de cada ciclo e de outros que
fazem parte do corpus, direcionamos a análise para o fato de que possivelmente tais
semelhanças sejam propositais e pertinentes ao plano de composição do autor.
13
Esta dissertação é formada de três capítulos de análise, cujos focos foram,
respectivamente, o gênero epigramático e a Guirlanda; pressupostos teóricos e
análise dos ciclos de Zenófila, Heliodora e Misco; e da tradução integral em
português seguida do original em grego.
O primeiro capítulo trata do gênero epigramático em linhas gerais e das
primeiras coleções de epigramas até o surgimento da Guirlanda de Meleagro e das
coleções posteriores a ela. Destaque foi dado para a Antologia Palatina, que ela é
a maior fonte atual de epigramas helenísticos.
O segundo capítulo trata de pressupostos teóricos que suportam a
metodologia de análise adotada, isto é, pressupostos que mostram a possibilidade
de se afirmar que há caracterização nos epigramas.
O terceiro capítulo trabalha a análise dos ciclos separadamente e depois traça
algumas semelhanças existentes entre os poemas de cada ciclo, em primeiro lugar,
e entre poemas do mesmo ciclo e do corpus como um todo, em um segundo
momento.
A tradução apresentada objetivou-se acadêmica, tentando manter o conteúdo
semântico de cada verso do original em versos livres em português. Em alguns
momentos, tentou-se ousar na criação de vocábulos com o apoio na língua grega a
fim de manter a concisão e a imagética de alguns poemas.
14
1 O EPIGRAMA
O epigrama, como a sua etimologia indica (œp∂ + gr£mma) , é qualquer texto
inscrito sobre uma superfície. Com o advento do alfabeto grego, entre os sécs. VIII e
VII a.C, os epigramas eram insculpidos em monumentos fúnebres e em ex-votos, a
fim de revelarem informações sobre, respectivamente, os mortos e aqueles que
dedicavam oferendas a um deus em paga de algo. Podemos dizer, então que, no
início, o epigrama era sinônimo de palavra inscrita, que era um simples registro
com nome, patronímico, local de origem, deus e o favor concedido ou a ser
concedido
1
. Tais inscrições eram compostas em hexâmetros
2
e depois em dísticos
elegíacos, o metro preferencial, o que nos revela que o epigrama compartilhava da
linguagem comum encontrada na épica e na elegia. “[O dístico elegíaco] era usado
por Arquíloco, Tirteu e muitos outros poetas no período arcaico e no século V; da
metade sexto século ele tornou-se muito popular nas inscrições em verso
3
.”
Durante esse período as obras literárias de maior conceito obtiveram a
forma escrita apenas para fins mnemônicos, para serem preservadas para
a próxima performance oral. O epigrama, por outro lado, diferentemente de
qualquer outra forma poética arcaica ou clássica, era pensado não para
recitação pública, mas para a leitura privada sempre que um passante, cuja
curiosidade era aguçada por um monumento ou voto, parasse rapidamente
para ler a inscrição com atenção
4
.
1
No século V o termo epigrama designava uma composição de 1 ou 2 versos sem distinção de metro, como
podemos ver em Eurípides (As Troianas 1191), em Heródoto (5, 59; 7, 288) e em Tucídides (6, 54). Entretanto, o
termo œlege√on também será usado neste mesmo período para designar inscrições em dístico elegíaco. Para a
discussão sobre o epigrama e a elegia, cf. Gentili (1967, p. 39 - 90) e West (1974).
2
Por volta de 560 a.C. West (1974, p. 2).
3
West 1987, p. 24.
4
Gutzwiller (1998, p. 2 e 3).
15
Ainda nesse momento, a maior importância do epigrama era a sua função
prática de registro e não a sua qualidade poética, o que somente passou a ser
considerada quando houve a desvinculação do epigrama do monumento/objeto a
que ele se referia
5
. Tal processo se deu com a criatividade dos poetas helenísticos
que escreviam os seus epigramas como inscrições reais, mas que não eram
necessariamente inscritas em monumentos e/ou objetos votivos.
Para entendermos melhor o que foram essas transformações ocorridas com o
epigrama, devemos nos voltar para a poesia alexandrina. Muito embora o epigrama
tenha a sua origem anterior ao apogeu de Alexandria, é neste período que essa
forma poética é dinamizada e se constitui como um gênero poético, ou seja, “uma
forma menor elevada a um maior status, um tipo marginal trazido ao centro que,
unindo forma a conteúdo, podia representar indivíduos como eles agora eram: seres
marginais, perambulantes, fragmentados e fraturados
6
”.
Fraser, ao analisar os aspectos da literatura alexandrina
7
, em sua obra
monumental Ptolemaic Alexandria de 1972, afirma que pouco se sabe sobre a
produção poética do século IV em Alexandria. Neste período, Atenas ainda era o
centro da produção literária grega e o foco era a prosa, em particular a prosa ática
em oposição àquela escrita nos dialetos jônico e dórico. Quanto à poesia, a tragédia
ainda estava sob a glória dos grandes tragediógrafos do V século e a comédia, sob
as condições políticas e sociais modificadas, encontrou expressão na comédia
média e posteriormente na comédia nova.
Com as conquistas de Alexandre, o Grande, e com o subsequente
enfraquecimento político, Atenas sofreu o maior impacto dada a sua anterior
liderança e, abaladas as estruturas atenienses, abalou-se também a tradição
5
Cf. Bettenworth (2007, p. 67-93) para informações de como o epigrama literário e o inscrito se influenciaram.
6
Gutzwiller (1998, p. 13).
7
Fraser (1972, p. 553 – 617).
16
criativa, a qual se disseminou por outras cidades gregas. Entretanto, Atenas
permaneceu sendo o centro dos estudos filosóficos. Assim, essas outras cidades
que tinham tradição poética - em especial poesia lírica – antes do apogeu ateniense,
voltaram a atrair os eruditos e a serem centros de uma nova e importante atividade
poética ao final do século IV.
Dentre tais cidades, Alexandria atraía poetas que viviam fora do Egito,
principalmente nas cidades do império Ptolemaico, e com isso várias tradições
dessa poesia provincial se fundiram na poesia alexandrina. O centro de maior
importância era Cólofon com sua tradição lírica, elegíaca e iâmbica associadas a
vários nomes como Mimnermo (VII a.C) e Nicandro (II a.C.). Outras cidades de
grande importância foram s, Samos, Telos, Rodes e Pela, representadas
respectivamente pelos seguintes poetas: Filitas, Asclepíades, Erina, Símias e
Posídipo. Além desses centros, houve também a patronagem iniciada com os
Ptolomeus, que seguiu tão comprometida com o conhecimento ao longo dos séculos
III e II a.C. Todos os investimentos e esforços ptolemaicos e de posteriores na
construção e preservação, dentre outros, do Mousêion e de sua famosa Biblioteca
atraíram os melhores poetas, cientistas, filósofos, matemáticos, médicos,
professores e eruditos e, assim, fundando-se uma das maiores cidades/centros
culturais de todos os tempos
8
.
O sistema de patronagem forneceu, portanto, o alicerce para a ciência e
literatura alexandrinas. Enquanto a ciência se desenvolvia em inúmeros segmentos
astronomia, geometria e matemática a poesia alexandrina alcançava primor nas
mãos de alguns epigramatistas e na grande contribuição poética de Calímaco e de
outros poetas. O epigrama constituiu-se, então, no um campo muito fértil da poesia
8
Vrettos (2005).
17
alexandrina e, entre os reinados de Sóter e Filadelfo, surgiram três importantes
epigramatistas: Asclepíades ou Sicélide de Samos, Posídipo de Pela e Hédilo de
Samos
9
. Outros três grandes nomes do epigrama alexandrino foram Teócrito,
Calímaco e Dioscórides, sendo que os dois últimos o citados nominalmente no
poema inicial de Meleagro (A.P. 4. 1 ou I).
Em suma:
O epigrama alexandrino é, então, um fenômeno essencialmente do terceiro
século. Ele começa a sua história na virada do quarto para o terceiro
século com Asclepíades e continua, aparentemente, até perto do seu fim
com Dioscórides e outros poucos epigramas anônimos. Não indício que
epigramatistas de tal qualidade surgiram nos dois séculos subsequentes. O
fim parece ter sido abrupto e, com exceção de Herodes, não conhecemos
nenhum outro cultivador mesmo no início do século II e, virtualmente, o
traços da atividade neste campo no resto do período Ptolemaico. No
segundo século Alexandria cede terreno, como centro da poesia
epigramática, para Síria, onde Antípatro de Sídon no segundo século e
Meleagro de Gadara no primeiro deram sequência e renovaram a velha
prática e, quando reaparecem no primeiro século do Império Alexandrino
epigramatistas como Júlio Leônidas, eles não têm mais importância. Além
disso, o renascimento da literatura grega que ocorreu no Egito na época
bizantina produziu no campo do epigrama apenas o isolado, embora
incomparável, Paladas e, enquanto Nônus e outros nascidos nas
provincianas metrópoles do Egito cristão estavam dando vida à épica e
outros gêneros poéticos, o epigrama tinha se tornado o meio poético
representativo de Bizâncio nas mãos de cônsules e de outros nobres
oficiais do estado
10
.
9
Para maiores detalhes, cf. Fraser (1972, p. 559 – 576).
10
Id., p. 617.
18
1.1 O EPIGRAMA E AS RECOLHAS DE EPIGRAMAS
Dois são os pressupostos do gênero epigramático que devemos ter em mente
quando tratamos das recolhas de epigramas: 1) a dimensão exígua do epigrama -
vários deles são naturalmente armazenados em conjunto e 2) o seu destino à
leitura
11
. Ambos serão essenciais para a compreensão da grande quantidade de
papiros e manuscritos epigramáticos que chegaram aos nossos dias.
Argentieri nos previne quanto ao uso somente da palavra antologia para
designar quaisquer coleções de epigramas. Seguindo a sugestão do autor,
adotaremos os seus critérios de tipologia: as recolhas epigramáticas podem ser
divididas em três tipos: “a coleção, em que se compila sem criar; o livro, em que se
cria sem compilar; e a antologia, em que se compila para criar
12
.”
Segundo o mesmo autor
13
, todo esse processo se iniciou ao final do século IV
a.C. com a realização das atividades de recolha e catalogação de todo o legado
literário dos séculos anteriores. Tais atividades influenciaram as obras dos grandes
filólogos alexandrinos e, certamente, a atividade literária que muitos desses filólogos
praticavam começou a ser diversificar. Foi então que o epigrama adquiriu status de
gênero e tamanha popularidade nos meios literários existentes no período.
A primeira etapa desse processo, ao final do culo IV, como visto acima,
corresponde à coleção, a qual consiste na recolha de epigramas anônimos ou de
poetas predecessores feita por um redator que não intervém no material que
organiza. Nesse período surgem vários tipos de coleções, por exemplo: as
epigráficas (Filócoro de Atenas - ¢ttik¦ œpigramm£ta, entre outras) e as de autores
antigos. O escopo de tais compilações seria buscar uma filiação deste novo gênero
11
Sobre o ato de ler e escrever no epigrama helenístico, confira Meyer (2007, p. 187-210).
12
Argentieri (1998, p. 2).
13
Ibid., p. 2 e 3.
19
com, digamos assim, a linha cronológica da poesia antiga e clássica
14
. Outra
questão interessante é o fato de se atribuir a Simônides muitas inscrições
epigráficas anônimas e principalmente aquelas sobre as guerras persas, herança de
Heródoto. Desse modo, existem mais de 90 epigramas atribuídos a ele, o que não
implica ter havido um livro propriamente dito com tais composições:
[...]
em suma, a palavra ‘coleção’ (silloge) não indica um livro-objeto
independente (tanto os três epigramas de Erina quanto cerca de 80 de
Simônides circulavam como apêndice de outras obras), mas é um
conceito quantitativo: somente neste sentido existia uma coleção de
Simônides e não uma de Safo; na mente de um poeta do III séc. a.C. o
nome do primeiro era associado ao epigrama mas o da segunda não
15
.
Existem evidências, em pequenos excertos de poetas menores que chegaram
até os dias de hoje, que havia coleções de poetas contemporâneos, mas elas não
podiam ser tomadas como antologias. Um exemplo disso é a coleção chamada
SwrÒj, provavelmente compilada por Hédilo e que continha epigrama seus, de
Asclepíades e de Posídipo
16
.
A segunda etapa se refere aos livros, difundida no século III a.C. Nela os
poetas-filólogos alexandrinos recolhiam não apenas os seus epigramas, mas de
outros também, no intuito de melhor conservar esse acervo. Entretanto, não se
tratava de mera recolha, dado que esses poetas se valiam das suas perspicácias
literárias e filológicas no processo de “editoração”, aguçando ainda mais a criação
14
Existem inúmeros epigramas na Antologia Palatina atribuídos a autores como Arquíloco, Anacreonte e Safo
autores citados inclusive no epigrama programático de Meleagro (A.P. IV.1 ou nosso I). Certamente eram
fantasiosas tais atribuições, mas não nos cabe tentar identificar os reais autores e nem mesmo julgar os poetas
alexandrinos que aceitaram (ou formularam?) tais atribuições.
15
Argentieri (1998, p. 4).
16
Cameron (1993, p. 4).
20
literária. É por esse motivo que a disposição dos epigramas nos livros não seguia
critérios puramente mecânicos como a ordem alfabética, mas sim critérios
semânticos e lexicais, ou seja, os epigramas eram arranjados segundo temas ou
léxicos comuns. Como esses livros foram, por assim dizer, diluídos em antologias,
não nos restou nenhum exemplar
17
.
Por último, temos o termo antologia, que começa a ter sua forma
característica com a recolha de textos de diversos autores encontrados nos papiros
escolásticos os quais, por sua vez, se faziam necessários para exercício de leitura e
escrita e também para o ensinamento moral, gnomologia
18
. Desde o século IV a.C.,
essa prática consistia em dispor os materiais em seções temáticas e usar as
citações poéticas para fins didáticos.
No âmbito literário, a antologia se voltou com exclusividade ao epigrama, uma
vez que esse gênero era em sua natureza “antologiável”. Dado que uma antologia
que contivesse apenas epigramas do mesmo autor e do mesmo tema tornar-se-ia
monótona, recorre-se a poemas de diversos autores e o antologista, assim, se
espelha no redator das coleções, criando um novo material a partir de um velho.
Esse poeta-redator, ou vice-versa, não se limita a reunir todos os poemas à sua
disposição, mas se dispõe a arranjar os poemas para fins de leitura e não de estudo
– como na gnomologia.
Dentre os poetas-redatores destaca-se Meleagro não por ser o mais antigo,
mas por ser ele o mais conhecido devido à sua Guirlanda e ao impacto desta nas
antologias posteriores, a saber, a Guirlanda de Filipe e o Ciclo de Agatias, entre
17
Vale lembrar que o fato de Catulo e, posteriormente, Marcial usarem o termo libelli para designarem as suas
obras pode retificar essa prática de recolha.
18
Argentieri (1998, p. 10) adota o termo gnomologia de Barns, J. A New Gnomologium: with some Remarks on
Gnomic Anthologies. CQ XLIV (1950) p. 126-137, e NS I (1951) p. 1-19.
21
outras provavelmente. Testemunhos papiráceos
19
comprovam que Aminta, que
viveu provavelmente na segunda metade do século II a.C, foi o primeiro antologista
grego do qual temos notícia. Entretanto, foi a antologia de Meleagro que serviu de
modelo a ser emulado na posteridade, pois Felipe o cita como modelo
explicitamente em A.P. IV, 2 e o mesmo método poderia ter sido utilizado por
Agatias.
1.2 MELEAGRO DE GADARA
Partindo da divisão proposta por Argentieri
20
, pode-se dizer que a presente
dissertação trata de um poeta-redator que compila epigramas para criar ou mesmo
dialogar com os seus próprios poemas. Não possuímos a sua Guirlanda em seu
modo original, mas estudos buscam provar a existência das chamadas sequências
de Meleagro, sequências de epigramas da Guirlanda que provavelmente não
sofreram alterações até chegarem à Antologia Palatina
21
.
Parte do que sabemos de Meleagro de Gadara é a partir de seus próprios
epigramas (A.P. 7. 417 ou II; A.P. 7. 418 ou III; A.P. 7. 419 ou IV e A.P. 7. 421) e de
breves informações em outros autores posteriores como Ateneu, Diógenes Laércio,
Estrabão e Casaubon, como veremos a seguir.
Sabemos que Meleagro nasceu em Gadara, notável centro de cultura grega,
por volta do séc I d.C.. Tal datação baseia-se em nota marginal de seus poemas
acima mencionados onde encontramos: GadarhnÒj Ãn æj œn to√j ⁄mprosqen aÙtÕj
19
Cf. Argentieri (1998, p. 5).
20
Ibid., p. 15 e 16.
21
Cf. Gutzwiller (1998) e Cameron (1993). O fato de Meleagro e Filipe terem enumerado nos seus respectivos
prefácios (AP 4. 1 e 2) os poetas que enredaram e também o confronto dessa lista e de blocos de epigramas que
são desses mesmos autores, assegura-nos dizer que existiam sequências de Meleagro e de Filipe. Por mais que
Agatias não tenha enumerado os poetas recolhidos, outros indícios também podem comprovar as sequências de
Agatias na Antologia Palatina.
22
Œautoà œmnhmÒneusen: ½kmasen œp∂ SeleÚkou toà œsc£tou
22
. “Era Gadareno, como ele
próprio registrou a si mesmo anteriormente. Floresceu sob o reinado do último dos
Seleucos
23
.” Segundo Gow & Page
24
, este foi Seleuco VI Epifanes Nicator, que
reinou de 96 a 95 a.C.. Estrabão também registra a sua origem: œκ δe τîν Γαδάρων
Φιλόδηµός τε Ñ 'Eπικούρειος καπ Μελέαγρος καπ Μένιππος Ð σπουδογέλοιος καπ Θεόδωρος
Ð καθ' ºµ©ς ˛ήτωρ
25
. “E dos Gadarenos são Filodemo, Epicuro, Meleagro e Menipo, o
sério-jocoso, e Teodoro, nosso retor.”
“Ele dizia-se Sírio, mas o nome de seu pai Eucrates e a sua cultura o
identificavam como grego: como todos os intelectuais helenísticos, Meleagro amava
ostentar atitudes cosmopolitas
26
.” Quando jovem, mudou-se para Tiro e na velhice
foi para Cós (A.P. 7.417 ou II e A.P. 7. 418 ou III), onde adquiriu cidadania e
provavelmente morreu, como infere o lematista ao redigir as notas marginais dos
poemas “biográficos” do poeta.
Apenas os seus epigramas chegaram até os nossos dias, mas temos notícia
de alguns títulos que podem ter feito parte da obra de Meleagro nos seus anos de
juventude: Graças, O Simpósio e A Luta entre o purê de ervilha e o de lentilha.
Sobre o primeiro título temos notícia em dois epigramas (A.P. 7. 417 e 418 ou II e III)
e no seguinte trecho de Ateneu
27
:
À καθάπερ Ñ πρόγονος صîν Μελέαγρος Ð ΓαδαρεÝς œν τας Χάρισιν
œπιγραφοµέναις φη τÕν `/Oµηρον Σύρον Ôντα τÕ γένος κατ¦ τ¦ πάτρια χθύων
22
Gow & Page (2008, vol. I p. xiv).
23
Tradução nossa. Vale ressaltar que nenhuma passagem dos poemas citados corrobora a informação do “último
dos Seleucos”. Provavelmente o lematista se valeu de outra fonte que não nos é conhecida.
24
Gow & Page (2008, vol I. p. xv).
25
Tradução nossa. Estrabão. Geographica Livro 16, capítulo 2, seção 29, linha 8.
26
Guidorizzi (1992, p. 17).
27
Tradução nossa. Athenaeus Soph., Deipnosophistae.“Athenaei Naucratitae deipnosophistarum libri xv, 3
vols.”, Ed. Kaibel, G.Leipzig: Teubner, 1–2:1887; 3:1890, Repr. 1–2:1965; 3:1966. Livro 4, Kaibel parágrafo
45, linha 35.
23
¢πεχοµένους ποιÁσαι τοÝς 'AχαιοÝς δαψιλείας πολλÁς οÜσης κατ¦ τÕν
`Eλλήσποντον;
[...] ou segundo o vosso ancestral Meleagro, o gadareno, que ao escrever
“As Graças” disse que Homero era Sírio de origem, pois ele afastou-se dos
costumes dos pais sobre a pesca e fez com que os Aqueus fossem em
grande número no Helesponto.
Já sobre o segundo título, temos outra passagem de Ateneu
28
:
καπ Μελέαγρος δ' Ð κυνικÕς œν τù ΣυµποσίJ οØτωσπ γράφει·κ©ν τοσούτJ
πρόποσιν αÙτù βαρεαν διέδωκε, χυτρίδια βαθέα δώδεκα.
[...] e Meleagro, o cínico, escreveu assim n’O Simpósio: “quando bebeu em
seu favor deu pesar, depois de dar uma taça pequena e côncava”.
E sobre o terceiro, ainda outra passagem do mesmo autor
29
:
À καθάπερ Ð ΓαδαρεÝς Μελέαγρος φη τÕν `/Oµηρον Σύρον Ôντα κατ¦ τ¦ πάτρια
χθύων ¢πεχοµένους ποιÁσαι τοÝς ¢ρχαίους δαψιλείας πολλÁς οÜσης κατ¦ τÕν
`Eλλήσποντον, À µόνον ¢νέγνωτε σύγγραµµα αÙτοà τÕ περιέχον λεκίθου καπ φακÁς
σύγκρισιν;
[...] ou segundo o gadareno Meleagro, que disse que Homero era sírio, pois
afastou-se dos costumes dos pais sobre a pesca e fez com que os antigos
fossem muitos no Helesponto; ou reconhecia-se apenas como escrito dele
“A Luta entre o purê de ervilha e o de lentilha.”
28
Tradução nossa. Athenaeus op. cit., Livro 11, Kaibel parágrafo 107, linha 12.
29
Tradução nossa. Athenaeus Athenaei dipnosophistarum epitome, vols. 2.1–2.2”, Ed. Peppink,S.P.Leiden:
Brill, 2.1:1937; 2.2:1939.Volume 2,1, página50, linha 19.
24
Ao comentar sobre Menipo, Casaubon relê as fontes antigas:
[...] este é Menipo de Gadara, que expressou a impudência e a audácia
cínicas ao mesmo tempo pela vida e pelos escritos, acerca dos quais nem
todos os críticos tiveram o mesmo julgamento. De qualquer maneira,
Estrabão parece elogiá-lo quando, ao enumerar em seu livro XVI os
homens ilustres de Gadara, assim escreve: De Gadara eram Meleagro e
Menipo, o sério-jocoso. Diógenes Laércio condena completamente o
apenas Menipo, mas também todos os seus escritos. Além disso, para que
se julgue com razão que ele quis refutar Estrabão e os outros que o
chamavam de sério-jocoso com estas palavras, ele diz: Pois ele não tem
nada de sério. Os seus livros estão repletos de zombaria, e o mesmo
acontece com os de Meleagro, seu contemporâneo.
30
Comentários favoráveis e desfavoráveis já foram feitos sobre os epigramas de
Meleagro, como registram Gow & Page
31
. Os mesmos comentadores, por sua vez,
reconhecem a “fertilidade de invenção” e que a “ingenuidade na expressão não são
superáveis na Antologia.” Eles reconhecem que existe uma limitação na matéria e
na forma, a qual foi adquirida por conta da tradição, o questionada e sim seguida
pelo poeta. Restava a ele copiá-la, variá-la, adaptá-la, enfim, trabalhar com os
elementos que estavam à sua disposição. E foi isso que ele fez com maestria. “O
epigrama era um campo mais para o exercício do intelecto do que para a exposição
30
Scatolin (1997, p. 211). A referência deste último trecho é a seguinte: Diógenes Laércio, Vitae philosophorum
Livro 6, seção 99, linha 6 Φέρει µeν οâν σπουδαον οÙδέν· τ¦ δe βιβλία αÙτοà πολλοà καταγέλωτος γέµει
καί τισον τος Μελεάγρου τοà κατ' αÙτÕν γενοµένου.”
31
Gow & Page (2008, vol II, p. 591).
25
de emoções; e nenhuma outra qualidade foi mais elogiada do que imaginação
engenhosa e fraseado sagaz
32
.”
1.3 A GUIRLANDA DE MELEAGRO
Estima-se que a Guirlanda de Meleagro continha 6000 linhas incluindo os
lemata; portanto, deveria ser dividida em pelo menos 4 livros
33
. Sua datação é
estimada em 90 a.C. e parece ter eclipsado todas as outras antologias que deviam
ter coexistido antes dela por conta de sua qualidade organizacional para a época.
As notas marginais do primeiro poema de Meleagro (A.P. 4. I ou I) nos trazem
importantes informações sobre a compilação da Guirlanda
34
:
oátoj Ñ Mel◊agroj Fo√nix Ãn n ¢ Palaist∂nhj lewn. œpo∂hsen d◊ tÒn
qaum£sion toutonπ tîn œpigramm£twn st◊fanon: sun◊taxen de aÙt¦ kat£
stoice√on, ¢ll¦ Kwnstant√noj Ð œponomazÒmenoj Kefal©j sun◊ceen aÙt¦
¢for∂saj e√j kef£laia di£fora, ½goun œrwtik¦ ≥d∂wj kaπ ¢naqematik¦ kaπ
œpitÚmbia kaπ œpideiktik£, çj nàn Øpot◊taktai œn tù parÒnti ptukt∂ó.
[...] este era o fenício Meleagro, de origem das cidades palestinas. Fez
essa maravilhosa guirlanda de epigramas; ordenou-os alfabeticamente,
mas Constantino, chamado Cefalas, reuniu-os, depois de assim
determinar, por títulos, isto é, somente os eróticos, os anatemáticos, os
epitáfios e os descritivos, como agora estão dispostos nestes presentes
volumes.
Embora este registro tenha a sua importância, apenas parte dele é
comprovada como verdadeira; Meleagro não arranjou os epigramas em ordem
32
Id., p. 592.
33
Argentieri (1998, p. 18).
34
Tradução nossa. Gow & Page (2008, vol. I p. xiv).
26
alfabética. Podemos nos assegurar disso por vários argumentos
35
: 1) nem o poema I
(A.P. 4. I), proêmio da Guirlanda, nem o que supostamente seria o último CXXIX
(A.P. 12. 257) iniciam-se por a ou w; tal ordenamento deveria ter sido mantido ao
longo da Antologia Palatina, como ocorreu com os epigramas ordenados por Filipe
ele sim usou a ordem alfabética como critério de arranjo e 2) Meleagro agrupava
os epigramas por conta de semelhanças semânticas e/ou lexicais, como
observamos.
Segundo Gutzwiller, referindo-se à fortuna crítica do manuscrito da Antologia
Palatina, Meleagro usava epigramas de um ou dois poetas como base e a eles
agrupava outros do mesmo tema ou similar a este. Desse modo, o fio condutor entre
esses epigramas era temático ou lexical. “No seu design poético de enredamento,
Meleagro entrelaçou autor com autor como planta com planta de tal forma que ele
efetivamente apagou todos os traços dos princípios de ordem da estruturação das
coleções que foram suas fontes
36
.” E ainda mais: como não possuímos muitos
papiros e manuscritos que continham epigramas de diversos autores e que
poderiam ser possíveis fontes de Meleagro, restam-nos apenas cogitações a
respeito disso. O que parece seguro é que Meleagro não inventou a categoria
‘antologia’ de epigramas, mas englobou antes todas as técnicas de arranjo da época
em seu trabalho; e por ele ter usado de sofisticação ao trabalhar com o
conhecimento pré-existente, além do fato de ter sido explicitamente emulado por
Filipe, todo o mérito lhe é atribuído.
35
Argentieri op. cit., p. 17.
36
Gutzwiller (1998, p. 36). Segundo a mesma autora (p. 91), Weisshäupl, Rudolf. Die Grabgedichte der
griechischen Anthologie. Vienna, 1889. Reprinted in The Greek Anthology I. Edited by Sonya L. Táran. New
York, 1987 (p. 32-34) argumenta que tanto Meleagro quanto Filipe e Agatias não copiaram epigramas das
inscrições reais, mas de coleções. Entretanto, não se descarta a possibilidade que algum epigrama tenha sido de
fato uma inscrição.
27
Tais técnicas de arranjo a que nos referimos estão alinhadas ao fenômeno da
variatio
37
, o qual é um sinal da transformação da inscrição real para uma forma
literária estabelecida e ela está estreitamente ligada com o advento da antologia,
que preservou o material e o gênero para a posteridade. Assim, a recorrente
presença de variações do mesmo epigrama denota uma preocupação por parte dos
poetas em preservar tal produção: “a arte da variação no final do século II d.C.
estava ligada à ansiedade em relação ao status de extinção da cultura grega em
face da hegemonia romana
38
.”
Meleagro, por sua vez, emprega a variatio
39
para uma dupla função. Ao
compilar o material para a sua Guirlanda, ele buscou epigramas que dialogavam
entre si de alguma forma, o que é um critério, digamos, pré-variação ou variação
parcial. E tendo arranjado os poemas, compôs os seus emulando os de outros
poetas. Tal estratégia foi feliz, pois: 1) estabeleceu um paradigma de antologia sem
precedentes; 2) moldou a visão posterior do que é o epigrama
40
; 3) vinculou o seu
nome à tradição epigramática e 4) fez com que seus epigramas fossem preservados
para a posteridade
41
.
1.4 A ANTOLOGIA PALATINA
Longo foi o caminho dos epigramas de Meleagro antes de chegarem a fazer
parte da Antologia Palatina. Sabe-se que existiram papiros pré-Meleagro que
37
Fantuzzi & Hunter (2004, capítulo 7).
38
Gutzwiller (1998, p. 227).
39
Ibid., p. 231. Entretanto, Meleagro não inaugurou a variatio, mas Antípatro parece tê-lo feito.
40
Cameron (1993, p. 15) “De volta ao terceiro século, entretanto, o ‘epigrama’ parece ter coberto a poesia de
ocasião de vários tipos e em vários estilos, tamanhos e metros. Foi a seleção de Meleagro desse material que
moldou a nossa percepção do caráter e limitações do epigrama clássico. Foi a seleção de Meleagro que
influenciou a prática de epigramatistas posteriores; a Guirlanda de Meleagro que determinou o caráter de
antologias posteriores.”
41
Muito embora a variatio seja um tema farto ao falarmos da poesia de Meleagro, o presente estudo não a tem
como objetivo. Faremos considerações importantes a esse respeito quando o autor emular a si mesmo.
28
continham epigramas, mas não chegavam a constituir antologias ou mesmo livros
42
.
Alguns deles sobreviveram aos nossos dias e constituem fontes importantes para
o entendimento da transmissão textual dos epigramas.
Consideremos, então, a Guirlanda de Meleagro, que havia reunido epigramas
provenientes de várias fontes a que não temos acesso real, como a primeira e mais
importante colaboradora para a Antologia Palatina e, por sua vez, para a Antologia
Grega.
Emulador de Meleagro, Filipe da Tessalônia publicou a sua homônima
Guirlanda durante o reinado de Nero (aproximadamente 40 d.C.). Tal qual seu
paradigma, Filipe inseriu os seus epigramas e outros de poetas posteriores aos
compilados por Meleagro. Assim como a Guirlanda de Meleagro, o possuímos
papiro da de Filipe
43
.
Posterior à Guirlanda de Filipe, tem-se notícia da Antologia de Diogeniano,
cuja compilação data do reinado de Antonio Piu. Em contraposição aos seus
antecessores, cogita-se que Diogeniano não contribuiu para a sua coleção com
poemas de sua autoria e que não tenha deixado a sua sfragís nela. Nada restou
dessa antologia
44
.
Até que uma coleção expressiva de epigrama entrasse em cena, publicaram-
se algumas coleções importantes: a de Paladas de Alexandria e a de Gregório de
Nazianzo. A última antologia antiga foi o Ciclo de Agatias, datada do reinado de
Justiniano II (568 aproximadamente), e que também emulava a antologia de
Meleagro
45
.
42
Cf. Cameron (1993) para maiores detalhes sobre esses papiros.
43
Cameron (1993, p. 15).
44
Ibid., p. 16.
45
Ibid., p. 16.
29
Somente em 900 aparecerá a maior antologia de epigramas antigos, a
antologia do protopapa Constantino Cefalas, que também não sobreviveu em seu
formato original.
O nosso conhecimento a respeito da história do epigrama clássico advém de
dois importantíssimos manuscritos: a Antologia Palatina (AP), códice do décimo
século que se encontra dividido em dois lugares, Heidelberg e Paris; e a Antologia
Planudea (APl), datada de setembro de 1301, que está em Veneza. Dessa forma, a
Antologia Grega dos dias atuais nada mais é do que a junção dessas duas fontes,
sendo que quinze livros advêm da AP e um da APl: I- epigramas cristãos; II-
descrições de estátuas; III- inscrições em um templo em Cízico; IV- proêmios de
Meleagro, Filipe e Agatias; V- epigramas eróticos; VI- epigramas votivos; VII-
epigramas funerários; VIII- epigramas de São Gregório; IX- epigramas
declamatórios; X- epigramas exortadores e admoestadores; XI- epigramas conviviais
e satíricos; XII- Musa Puerilisde Stratão; XIII- epigramas em versos diversos; XIV-
problemas, enigmas e oráculos, XV- Miscellanea e XVI – epigramas de Planudes.
Como mencionado, o arranjo de Meleagro tomava como critério
semelhanças temáticas e lexicais. Cogita-se que tenha havido divisão dos
epigramas também por temas: eróticos, funerários, inscrições e anatemáticos. E
embora Filipe expressamente
46
se identifique como um emulador de Meleagro, a sua
técnica era o princípio alfabético. “Ele simplesmente dividiu os epigramas em 24
grupos de acordo com a letra inicial da primeira palavra de cada poema, (...) mas
dentro de cada grupo de letra nenhuma tentativa consistente de arranjar poemas
individuais em ordem alfabética foi feita
47
.” Agatias, por sua vez, dividiu o seu
material compilado em sete livros: anatemáticos, inscrições, funerários, exortadores,
46
AP 4. II.
47
Cameron (1993, p. 37).
30
conviviais, eróticos e satíricos. Tomando como base a divisão de Agatias, Cefalas,
também apenas um compilador, por fim, organizou todo o material ao seu dispor na
sua Antologia. Durante tal reorganização, Cefalas cometeu diversos erros de
interpretação, classificação incorreta e falsas atribuições, o que dificulta o trabalho
de reconstrução das suas fontes. Em suma, a configuração da AP advém
diretamente da Antologia de Cefalas, que carregava todos os palimpsestos da
história do epigrama clássico.
1.5 A GUIRLANDA DE SUA GUIRLANDA
A presente dissertação teve como objeto de estudo os epigramas de autoria
de Meleagro. Seguindo a edição de Gow & Page
48
, o nosso corpus é composto por
132 epigramas que se encontram nos livros IV, V, VI, VII, IX, XII e XVI da AP, sendo
que a grande maioria deles está dividida entre os livros V e XII. A concentração dos
epigramas de Meleagro nos livros que tratam do tema amoroso não esconde o fato
de que esse é o fio condutor de sua produção e, por sua vez, o desta dissertação.
Sendo assim, convém tratar, mesmo que em poucas palavras, do epigrama amoroso
e de como Meleagro desenvolveu tal tema.
Diferentemente do epigrama funerário e do votivo, cujas origens podemos
traçar
49
, a gênese do epigrama amoroso tem sido bastante debatida.
[...] Na cultura grega arcaica, temas amorosos estavam confinados ou na
poesia lírica e, portanto, cantados, ou na poesia elegíaca e então
geralmente recitados nos simpósios. Mas por volta de 300 a.C., entretanto,
48
Gow & Page (2008, vol. I).
49
Gutzwiller (1998, p. 314). Tais epigramas tiveram duas procedências: ou recolhidos dos locais onde estavam
inscritos a titulo de preservação para a posteridade ou foram compostos à moda de inscrição a fim de serem
inscrições reais para serem recitados ou para publicação. Apenas pichações kalÒj parecem ter feito parte das
inscrições de cunho erótico e, por sua vez, podem ter contribuído pouco para a origem do epigrama.
31
epigramas sobre tópicos amorosos estavam sendo compostos por
Asclepíades de Samos e talvez por Filitas de Cós e outros também. Alguns
comentadores têm sugerido que epigramas primeiramente entraram na
lista de tipos literários por meio de performances orais de simposiastas
como entretenimento do jantar. Os temas amorosos cabem perfeitamente
nesse ambiente de performance e muitos epigramas helenísticos eróticos
dramatizam o cenário simposial.
Sabe-se que o desejo amoroso era um tópico de importância na poesia
simposial clássica e arcaica, onde se mesclava com o vinho. Encontramos o desejo
representado em iambos e epodos de Arquíloco, trímetros de Semônides e iambos
coliâmbicos de Hipônax. Além disso, é importante ressaltar a arcaica mélica de Safo,
Íbico e Anacreonte, com maior recorrência, e a poesia de Alceu e Álcman
50
, que
também trataram desses temas. Nesse sentido, “o epigrama simposial-amoroso
formou o seu caráter ao adaptar a linguagem e os temas da elegia antiga ao ritmo e
às estruturas do verso inscrito
51
”, o que aconteceu por uma espécie de
“contaminação inevitável”, pois tanto epigramas antes sepulcrais e votivos
quanto elegias podem ter composto um único livro de epigramas
52
. A leitura desses
livros, portanto, deve ter influenciado os seus leitores-poetas que passaram a
mesclar esses gêneros distintos e formaram um novo subgênero do epigrama. Foi
também por conta disso que a diferença entre epigrama e elegia tornou-se
obscura
53
.
Outro fator que talvez tenha influenciado o tratamento do amor no epigrama é
a longa tradição filosófica e retórica do tratamento especulativo sobre eros; afinal,
50
Bowie (2007, p. 97-8). Cf. Giangrande (1967, p. 93-177).
51
Gutzwiller (1998, p. 117).
52
Ibid., p. 314.
53
Cf. Gentili (1967, p. 39-90).
32
todas as escolas filosóficas helenísticas se preocuparam com o tema, cada uma à
sua maneira
54
.
Uma vez adotado como tema, o amor foi, então, tratado de diversas formas
pelos epigramatistas. Podemos encontrar na leitura dos epigramas experiências
eróticas, reflexões sobre a paixão, alteração de emoções consecutivas, o excesso
de vinho para curar as dores do amor, descrição dos sintomas do amor,
caracterização do objeto amoroso, entre outros.
Imerso nesse universo tão heterogêneo, Meleagro comporá seus epigramas
tendo em mente os epigramas de Calímaco, Asclepíades, Posídipo e um
epigramatista anônimo cujo enfoque era a tópica pederástica. Segundo Gutzwiller
55
,
as contribuições de Calímaco e de Asclepíades para as composições de Meleagro
foram, respectivamente, a representação da reflexão sobre a experiência amorosa e
a representação da forte emoção erótica.
A grande parte de seus epigramas, que será o nosso objeto direto de estudo -
gira em torno de três personagens: Heliodora (16 epigramas), Zenófila (12) e Muisco
(11). Trabalharemos com a devoção desses números consideráveis de epigramas a
um amado no sentido de certificarmos que 1) a caracterização de uma personagem
é possível mesmo no gênero epigramático e 2) que essa é mais uma estratégia de
construção da Guirlanda de Meleagro que é intrínseca aos epigramas de sua
autoria.
54
Fantuzzi and Hunter (2004, p. 341).
55
Gutzwiller (1998, p. 326).
33
2 Alguns pressupostos teóricos
Para tratarmos dos epigramas selecionados de Meleagro, é preciso explicitar
alguns pressupostos teórico-metodológicos que norteiam os comentários
subsequentes. O vetor da discussão é a caracterização de personagem, conceito
central para os estudos, por exemplo, sobre os poemas homéricos ou sobre a
tragédia e a comédia ática. Para tal, recorreremos, em primeiro lugar, à reflexão de
autores antigos sobre a construção do êthos pelo discurso, e, posteriormente, à
crítica moderna sobre a caracterização de personagens no epigrama helenístico
56
.
Por mais que possa parecer paradoxal afirmar-se a existência de
caracterização de personagens no epigrama grego por causa da intrínseca
exiguidade desse gênero, ela mesma é, contudo, uma motivação criativa. O
pequeno espaço do qual dispõe o poeta para a sua composição o desafia a ser o
mais hábil possível para com a caracterização da(s) personagem(s) e assim, realizar
o seu poema. Desse modo, os traços das personagens devem ser claros e sucintos
para que o leitor tenha, ao final da leitura, seja ela feita individualmente ou em grupo,
real ideia do sentido do poema, que em grande parte é construído em vista da
caracterização da personagem, como tentarei mostrar na análise dos ciclos.
2.1 ARISTÓTELES E OUTRAS FONTES
No intuito de sabermos como era entendido pelos poetas helenísticos o que
chamamos hoje de caracterização, é mister que tratemos, mesmo que não de forma
exaustiva, de algumas fontes do final do período clássico e do período pós-
helenístico, que abarcaram, de uma forma ou de outra, o tema.
56
Cabe explicitar que nos valeremos das fontes levantadas por Zanker (2007, p. 233-249), uma vez que dentre a
bibliografia que tivemos acesso, esse foi o único artigo a tratar da caracterização no epigrama grego.
34
No capítulo IV da Poética, ao tratar da definição da tragédia, Aristóteles
aponta o caráter (Ãqoj) como um dos elementos essenciais da composição poética,
já que:
[...] é pois a tragédia imitação de uma ação de caráter elevado, completa e
de certa extensão, em linguagem ornamentada e com várias espécies de
ornamentos distribuídas pelas diversas partes [do drama], [imitação que se
efetua] não por narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando o “terror
e a piedade, tem por efeito a purificação dessas emoções
57
.”
Mais adiante, Aristóteles aprofunda a questão:
[...] e como a tragédia é a imitação de uma ação e se executa mediante
personagens que agem e que diversamente se apresentam, conforme o
próprio caráter e pensamento (porque é segundo estas diferenças de
caráter e pensamento que nós qualificamos as ações), daí vem por
consequência o serem duas as causas naturais que determinam as ações:
pensamento e caráter; e, nas ações [assim determinadas], tem origem a
boa ou má fortuna dos homens
58
.
Por fim, no trecho subsequente, Aristóteles define caráter como “o que nos
faz dizer das personagens que elas têm tal ou qual qualidade
59
.” No capítulo XV,
Aristóteles engrandece as ações, e consequentemente o caráter, das personagens
imitadas na poesia:
57
Aristóteles. Poética VI (1449b24). Tradução de Eudoro de Souza (1979).
58
Ibid., XV 1449b35 – 1450a.
59
Ibid., 1454b8.
35
[...] se a tragédia é imitação de homens melhores que nós, importa seguir o
exemplo dos bons retratistas, os quais, ao reproduzir a forma peculiar dos
modelos, respeitando embora a semelhança, os embelezam. Assim,
também, imitando homens violentos ou fracos, ou com tais outros defeitos
de caráter, devem os poetas sublimá-los, sem que deixem de ser o que
são; assim procederam Agatão e Homero para com Aquiles, paradigma da
rudeza
60
.
Para Aristóteles, então, a composição da tragédia pressupunha que o caráter
das personagens fosse delineado de modo que ele viesse a tornar a imitação da
ação o mais verossímil possível a fim de que os espectadores pudessem julgar as
suas ações.
Posteriormente, no período helenístico, a caracterização estabeleceu-se
como um conceito no seu estado embrionário, sendo representada pela palavra
ºqopoi∂a, proeminente no século I a.C.
61
. Dois registros desse termo são relevantes
para a nossa discussão: Estrabão Geografia XIV.1.41 e Filodemo em Da Poesia
(col. IX 10-24).
No primeiro excerto, Estrabão, ao tratar da tradição poética da Magnésia,
menciona Cleômaco, pugislista que imitou o dialeto e o modo de ser dos cinésios
nas suas composições. Nesse trecho, a palavra ºqopoi∂a poderia designar a
caracterização ou apenas o maneirismo dos cinésios:
[...] kaπ KleÒmacoj Ð pÚkthj, Öj e≥j ⁄rwta œmpesën kina∂dou tinÕj kaπ
paid∂skhj ØpÕ [] kina∂dJ trefom◊nhj ¢pemimˇsato t¾n ¢gwg¾n tîn par¦
to√j kina∂doij dial◊ktwn kaπ tÁj ºqopoi∂aj·
60
Aristóteles. Poética XV 1454b 8 – 13.Tradução de Eudoro de Souza (1979).
61
Zanker (2007, p. 234).
36
E Cleômaco, o pugilista, que se enamorou por uma certa cinédia, uma
serva, que era sustentada por um cinédio, imitou um tipo de dialeto e os
modos dos cinédios
62
.
Talvez mais adequado ao conceito de caracterização moderno seja o excerto
de Filodemo, o qual relata as habilidades do melhor poeta em tecer o seu poema: o
enredo, a caracterização - ta√j ¥llaij ºqopoi∂aij- e a dicção:
Col. IX, 10-24
tîn to[∂]nun par¦ tîi Fi-
lomˇl[wi] gegramm◊-
nwn o≤ men o≥Òmenoi
tÕn œn to√j mÚqoij kaπ
ta√j ¥llaij ºqopoi∂aij
k¢n tÁi l◊xei paraplh-
s∂wj [Ðm]al[∂zo]nta poh-
t¾n ¥riston einai l◊-
gou]si men ∏s[w]j ¢lhq◊j
ti, tÕn de poht¾n tÕn ¢-
gaqÕn oÙ dior∂zousi: kaπ
g¦r mimogr£fou kaπ ¢re-
talÒgou [À ¥ll]ou sungra-
f◊wj ¢ret¾n ¥n tij œk-
qe]√to taÚthn:
Certamente, dentre aqueles que escreveram com os Filomélos, existem aqueles que acreditam
ser o melhor poeta aquele que equilibra os enredos, a caracterização e a dicção da mesma
forma e dizem que existe, da mesma forma, outra verdade: não se distinguem do bom poeta os
mimógrafos, os escritores de ritos ou algum outro historiador que possa expor essa
excelência
63
.
62
Estrabão. Geografia. XIV.1.41. Tradução nossa.
63
JENSEN, Christian. Philodemos, Über die Gedichte. Fünftes Buch. Griechischer Text mit Übersetzungen ud
Erläuterungen. Dublin & Zürich: Weidmann, 1923 (1973). Tradução nossa.
37
Por mais que Filodemo corrobore tais conceitos, ele ressalta, no mesmo
trecho, que não só o poeta possui tais habilidades, mas também escritores de mimo,
historiógrafos e outros escritores de prosa
64
, ou seja, as três habilidades destacadas
permeiam muitos gêneros. Apesar dessa ressalva, esse registro evidencia a busca
de uma teorização a respeito da importância da caracterização na composição
escrita.
Entretanto, é à retórica que o termo ºqopoi∂a é comumente associado, pois é
imprescindível que o orador tenha habilidade de criar um êthos moralmente bom
para que os ouvintes estabeleçam uma relação de confiança com seu cliente no
caso de uma defesa, ou um êthos moralmente vil de seu adversário, no caso de uma
acusação. Aristóteles, em Retórica 1355b35 1356a8, ao tratar das provas (pisteis)
utilizadas na construção de um discurso, aponta o êthos do orador como uma das
três espécies de provas:
2. n d◊p∂stewn a≤ m◊n ¥tecno∂ e≥sin a≤ d' ⁄ntecnoi. ¥tecna d◊‹ l◊gw Ósa
di' ¹mîn pepÒristai ¢ll¦ proãpÁrcen, oƒon m£rturej b£sanoi suggraf kaπ
Ósa toiaàta, ⁄ntecna d◊ Ósa di¦ tÁj meqÒdou kaπ di'¹mîn kataskeuasqÁnai
dunatÒn, éste de√ toÚtwn to√j m◊n crˇsasqai, t¦ d◊‹ eØre√n.
3. tîn d◊ di¦ toà lÒgou porizom◊nwn p∂stewn tr∂a e∏dh ⁄stin· a≤ m◊n g£r e≥sin œn
½qei toà l◊gontoj, a≤ dœn tÕn ¢kroat¾n diaqe√na∂ pwj, a≤ d œn
lÒgJ di¦ toà deiknÚnai À fa∂nesqai deiknÚnai.
4.di¦ m◊n oân toà ½qouj, Ótan oÛtw lecqÍ Ð lÒgoj éste ¢xiÒpiston poiÁsai tÕn
l◊gonta· to√j g¦r œpieik◊si pisteÚomen m©llon kaπ tton, perπ p£ntwn m◊n
¡plîj, œn oƒj d◊ tÕ ¢krib◊j m¾ ⁄stin ¢ll¦ tÕ ¢mfidoxe√n, kaπ pantelîj.
64
Zanker (2007, p. 234).
38
2. Das pisteis, algumas são atécnicas (não-artísticas),algumas entécnicas
(incorporadas na arte, artísticas). Eu chamo de atécnicas aquelas que o
são fornecidas por “nós” [i.e. o orador potencial], mas são preexistentes:
por exemplo, testemunhas, testemunhos de tortura, contratos e outros do
tipo; e entécnicas qualquer que seja preparada pelo método e por “nós”;
assim, alguém pode usar a última e inventar a primeira.
3. Das pisteis providenciadas pelo discurso existem três espécies; algumas
estão no caráter [êthos] do orador, algumas em dispor o ouvinte de alguma
forma e algumas no próprio discurso [logos], ao mostrar ou parecer mostrar
algo.
4. Existe persuasão pelo caráter sempre que o discurso for feito de forma a
fazer que o orador seja passível de credulidade; pois nós acreditamos em
pessoas justas em grande parte e mais rapidamente [do que em outras],
em todos os assuntos no geral e completamente em casos onde o
exato conhecimento, mas margem para dúvidas
65
.
Em outra passagem, Retórica 1366a8-16, Aristóteles retoma que as provas
não advém apenas de demonstrações lógicas, mas também do discurso que possui
caráter e justifica a necessidade de se conhecer diversos tipos de caráter para que
se obtenha sucesso na persuasão de um discurso:
6. œpeπ d◊‹ oÙ mÒnon a≤ p∂steij g∂nontai di' ¢podeiktikoà lÒgou, ¢lkdi'
ºqikoà (g¦r poiÒn tina fa∂nesqai tÕn l◊gonta pisteÚomen, toàto d' œstπn ¨n
¢gaqÕj fa∂nhtai À eÜnouj À ¥mfw), d◊oi ¨n ½qh tîn politeiîn Œk£sthj ⁄cein
¹m©j· m◊n g¦r Œk£sthj Ãqoj piqanètaton ¢n£gkh prÕj Œk£sthn einai. taàta
d◊‹ lhfqˇsetai dn aÙtîn· m◊n g¦r ½qh faner¦ kat¦ n proa∂resin, ¹
d◊‹ proa∂resij ¢naf◊retai prÕj tÕ t◊loj.
65
Traduções nossas feitas a partir da tradução inglesa Kennedy (2007).
39
6. Agora, uma vez que as pisteis não advém das demonstrações
lógicas, mas também de discurso que revela caráter (pois nós acreditamos
no orador através de sua forma de ser um tipo de pessoa, e esse é o caso
se ele parece ser bom ou de boa disposição para nós ou ambos) nós
deveríamos estar acostumados aos tipos de caráter distintos de cada forma
de constituição, pois o caráter distintivo de cada um é mais persuasivo para
cada um. O que esses tipos de caráter são será entendido a partir do que
foi dito acima, pois os caracteres tornam-se claros pela escolha deliberada
e a escolha deliberada é direcionada a um fim
66
.
Após teorizar sobre êthos no livro 1, Aristóteles discute no livro 2 a adaptação
de discursos aos caracteres da plateia, que foi dividida em vários segmentos, dentre
eles por idade (jovens, adultos e velhos).
Teofrasto, discípulo de Aristóteles, elaborou um livro apenas com o retrato de
estereótipos, Os Caracteres, cuja inspiração parece ter advindo dos escritos de
Aristóteles
67
, dado que muitas de suas representações de caráter se baseiam nos
exemplos de virtude e vício elencados por este autor
68
. Diferentemente do modelo
aristotélico, provavelmente Teofrasto, ao invés de generalizar os tipos descritos,
exemplificava-os com cidadãos reais do século IV
69
. Tais representações são,
66
Traduções nossas a partir do inglês Kennedy (2007).
67
Em destaque a Retórica e Ética a Nicômaco. Entretanto, a natureza da obra é debatida levando-se em conta
três possibilidades: “1) os Caracteres seriam parte de um tratado de Retórica bastante influenciado pelo livro II
da Retórica de Aristóteles; 2) Teofrasto teria escrito um volume de ºqikoπ caraktÁrej inseridos em uma obra
literária, da qual restaram apenas os trinta capítulos reunidos posteriormente na forma atual; essa obra
apresentaria uma teoria moral, daí sua ligação com o livro IV da Ética a Nicômaco de Aristóteles; 3) os
Caracteres constituíram um suplemento de perπ poihtÁj, tratado de poética, logo sua intenção é doutrinária e de
ordem estética.” Malhadas; Sarian (1978, p. 19). A última hipótese, parece ser a mais convincente para Malhadas
e Sarian uma vez que não se pode dissociar os Caracteres dos seguintes tratados perdidos: perπ kwmJd∂aj Sobre
a Comédia e o perπ gelo∂ou Sobre o ridículo. “Não nos parece, entretanto, que esse opúsculo seja uma simples
compilação de textos de natureza cômica, tirados da Comédia [...], mas uma obra concebida como um repertório
de retratos cômicos, exagerados até a caricatura, frutos da observação do comportamento psicológico de um
contexto social determinado.” Malhadas; Sarian (1978, p. 21).
68
Diggle (2004, p. 7).
69
Id.
40
posteriormente, encontradas na comédia de Menandro
70
, Plauto e Terêncio
71
e se
tornam estereótipos comuns à comédia nova. “Assim, um novo tipo de trabalho teve
existência, devendo algo à teorização ética do Liceu e algo ao palco cômico
72
.”
“No período Imperial, os retores gregos definem ºqopoi∂a de forma bem
parecida da qual nós tratamos de caracterização. Hermógenes, por exemplo chama-
a de “representação do caráter de uma pessoa
73
”, usando o exemplo do que
Andrômaca teria dito sobre o corpo de Heitor
74
."
Sendo assim, as técnicas de caracterização eram utilizadas, sobretudo, na
comédia nova e na retórica. A comédia nova partia de estereótipos e avançava para
a individualização das personagens ao sobrepor detalhes individuais aos tipos. a
retórica usava a caracterização típica, como vemos na discussão dos caracteres no
livro II. 12-7 e III.7.6-7 da Retórica de Aristóteles
75
. Para Quintiliano
76
,
posteriormente, a junção da caracterização retórica e a da comédia ficou evidente:
51. Neque enim minus uitiosa est oratio, al ab homine, quam si a re, cui
accomodari debuit, dissedet. Ideoque Lysias optime uidetur in iis, quae
scribebat indoctis, seruasse ueritatis fidem.
Enimuero praecipeu declamatoribus considerandum est quid cuique
personae conueniat, qui paucissimas controuersias ita dicunt ut aduocati:
plerumque filii, patres, diuites, senes, asperi, lenes, auari, denique
superstitiosi, timidi, derisores fiunt, ut uix comoediarum actoribus plures
habitus in pronuntiando concipiendi sint, quam his in dicendo.
51. O discurso de fato não é menos imperfeito se diverge da
personagem, ao contrário do tema com o qual ele devesse concordar.
70
“[Teofrasto] teve muitos discípulos e diz-se que foi mestre do poeta cômico Menandro.” Malhadas; Sarian
(1978, p. 9 e p. 21).
71
Kennedy (2007, p. 148).
72
Diggle (2004, p. 8).
73
Progymnasmata 9.
74
Zanker (2007, p. 234-235).
75
Zanker op. cit., p. 235.
76
Quintiliano. Institutio Oratoria III. 8.51.
41
Por isso, julga-se que Lísias fez muito bem ao se manter fiel à realidade,
nos discursos que escreveu para clientes incultos.
Com efeito, devemos considerar o que se adapta à cada pessoa,
sobretudo os declamadores, pois raramente pronunciam as suas
contestações como advogados: geralmente se tornam filhos, pais, ricos,
velhos, ácidos, amenos, avaros, até mesmo supersticiosos, tímidos,
escarnecedores, de modo que dificilmente até os atores de comédia
devem assumir gestos ao recitar mais do que empregam esses na
declamação
77
.
2.2 CRÍTICA MODERNA
Existem muitos estudos sobre caracterização na literatura Greco-romana,
sobretudo em relação ao teatro Greco-latino e aos poemas homéricos. Dentre uma
gama de livros e artigos que tratam diretamente de caracterização, Irene J.F.de Jong
e outros pesquisadores se destacam por terem trabalhado com conceitos de
narratologia, embora ainda não tenham abordado a caracterização, um dos
próximos volumes a ser publicado
78
. Christopher B. R. Pelling
79
editou uma série de
artigos que tratam da caracterização e individualidade na literatura grega em
diversos gêneros, a saber, épica, tragédia, comédia, diálogos filosóficos, oratória e
retórica. Entretanto, como dito anteriormente, muito pouco se disse a respeito de
como a caracterização está presente no epigrama helenístico grego. Ao presente
momento temos conhecimento de apenas um artigo que seja sobre esse tema e que
serviu de base para esse comentário inicial: Zanker, Graham. Characterization in
Hellenistic Epigram. In: BING, M., BRUSS, J.S. Brill’s Companion to Hellenistic
Epigram. Leiden-Boston: Brill, 2007. A próprio autor do artigo reconhece que “o
77
Tradução nossa a partir da tradução italiana Corsi (1997, p. 583).
78
Cf. o primeiro volume: DE JONG, Irene J.F.; NÜNLIST, René; BOWIE, Angus. (eds.) Narrators, Narratees,
and Narratives in Ancient Greek Literature: Studies in Ancient Greek Narrative: 1. Leiden/Boston: Brill, 2004.
79
PELLING, Christopher B. R. (ed.) Characterization and Individuality in Greek Literature. Oxford: Oxford
University Press, 1990.
42
artigo tenta abrir um campo negligenciado
80
”, tentando traçar as possíveis raízes da
caracterização no período helenístico. A presente dissertação também objetiva,
portanto, contemplar esse campo ainda inexplorado.
2.3 CARACTERIZAÇÃO NO EPIGRAMA
Segundo Zanker, o epigrama sofre influências tanto da comédia nova, repleta
de tipos, quanto da retórica, com seus caracteres previamente delimitados. O
resultado dessa miscelânea será a força motriz para a invenção de variações nos
temas estabelecidos a partir do balanço entre tipos e indivíduos na apresentação da
personagem
81
.
Um exemplo de como o epigrama helenístico englobou a comédia nova se
pelo grande número de caracterizações, pelo interesse latente por hetaerae e pela
fascinação existente nesse período por mulheres, em particular as marginalizadas
82
.
Talvez convenha supormos que é por esse motivo que o epigrama erótico
represente o campo onde a caracterização seja mais explorada
83
.
[...] se caracterização envolve salientar o Ãqoj, di£noia, caráter,
personalidade ou os traços de caráter de uma pessoa, os poetas no
epigrama amoroso salientam os efeitos especiais que a emoção do amor
tem no humor ou comportamento. Esses devem incluir emoções familiares
como depressão, exaltação, escravização, ciúmes, amargura e gozo. Os
poetas do epigrama amoroso também dão expressão à forma como os
falantes nos poemas lidam com esses efeitos tipicamente: seja de forma
prática, com resignação, seja inevitavelmente fadado ao desafio ou algo do
gênero. E os meios pelos quais o caleidoscópio de emoções é concebido
80
Zanker (2007, p. 233).
81
Ibid., p. 236.
82
Ibid., p. 237.
83
Ibid., p. 245.
43
pode variar de puramente objetivos a subjetivos, com qualquer número de
gradação entre eles
84
.
Assim sendo, estarão delineados, no epigrama amoroso, o efeito que as
emoções/sentimentos tem nas personagens, o que será um elemento importante
para a construção das mesmas, que muitas vezes pelo menos no epigramas
selecionados de Meleagro possuímos poucos dados explícitos das personagens.
Nos poemas eróticos de Meleagro, especificamente, os dados das personagens são:
nomes próprios, adjetivações e/ou atributos, situações de encontro do amado e
amante, emoções/sentimentos do amado e algumas raras falas em discurso direto
do amante.
2.4 PRESSUPOSTOS DA DISSERTAÇÃO
Efetuamos a tradução de toda a obra epigramática de Meleagro de Gadara
diretamente do grego a partir do texto estabelecido por Gow & Page (2008).
Pretendeu-se fazer uma tradução que se pode chamar acadêmica, ou seja, sem
pretensões poéticas ou recriativas, mas que poderá ser útil ao leitor que desconhece
a língua grega. A tradução foi feita em versos livres buscando manter, na medida do
possível, a regularidade e variedades do texto, bem como certos recursos estilísticos
do poeta.
A tradução integral da obra de Meleagro tem como intuito preencher uma
ínfima parte da grande lacuna brasileira no campo da tradução de textos antigos.
Entretanto, o escopo da análise da dissertação teve de ser limitado, pois a análise
se delongaria. Por esse motivo, nos deteremos nos poemas dedicados à Zenófila,
Heliodora e Misco por conta da recorrência de seus nomes, e principalmente pelo fio
84
Zanker (2007, p. 245).
44
condutor que perpassa os poemas dedicados/a respeito de cada um. A partir desse
momento, denominaremos de ciclo o grupo de epigramas referente a cada
personagem. Cada ciclo, respectivamente, será subdividido tematicamente, a fim de
que se efetue uma análise em três instâncias: intra ciclo, extra ciclo e inter ciclos. Tal
análise pretendeu 1) verificar em que medida a caracterização está presente na
composição da Guirlanda de Meleagro e 2) defender a pertinência da caracterização
de personagens para o estudo sobre os epigramas de Meleagro.
45
3 Os ciclos de Zenófila, Heliodora e Misco
Como afirmado anteriormente, delimitamos o corpus de análise de 132
poemas para 42 nessa seção da dissertação, no sentido de defender a pertinência
da caracterização de personagens para o estudo dos epigramas de Meleagro e
verificar em que medida ela está presente na construção de sua Guirlanda. O corpus
reduzido foi, em um primeiro momento, secionado em três partes no intuito de
investigar o que cada ciclo de poemas possuía de idiossincrático quanto à
caracterização de seus personagens.
3.1 RELAÇÕES INTRACICLO: ZENÓFILA
Na edição adotada
85
, os epigramas dedicados/sobre Zenófila estão em
sequência (XXIX XL), mas se considerarmos a posição deles na Antologia
Palatina, todos são parte do livro V e a maioria está disposta sequencialmente (XXIX
139-XXX 140; XXXIII 151-XXXIV 152; XXXVII 177- XXXVIII 178; XXXIX 195- XL
196).
Para analisarmos a caracterização da personagem Zenófila, dividiremos os 12
poemas dedicados/sobre ela em 3 grupos temáticos que contêm os seus atributos,
cenário (thálamos) em que é apresentada e seu vínculo com Eros. Os grupos serão
nomeados da seguinte forma: 1) atributos musicais, persuasivos, de beleza e graça;
2) cenas do thalamos e 3) relação Eros-Zenófila.
O nome Zenófila (ZhnÒfila) é uma composição de uma variação dialetal de
ZeÚj, cujas formas são ZhnÒj (gen.), Zhn∂ (dat.), Zˇna (acc.), e f∂loj
86
. Tal
composição poderia ter o sentido de “cara ou querida” a Zeus, “amante de Zeus”, o
que é ratificado pelas suas características divinas apresentadas.
85
Gow & Page (2008).
86
De acordo com Liddell & Scott. Para maiores detalhes sobre a philía grega, cf. Konstan (2005).
46
A prostituição floresceu na Grécia no período arcaico
87
. As grandes cidades
possuíam um grande número de prostitutas, como Atenas, que tinha um bordel
estadual cujas prostitutas eram escravas
88
. Entretanto, não escravas eram
prostitutas e qualquer uma delas podia adquirir a sua liberdade dada pelos seus
donos ou podia comprá-la. As prostitutas livres eram catalogadas e pagavam um
imposto especial.
[...] aquelas no topo dessa escala social eram chamadas hetairai, ou
“acompanhantes de homens”. Muitas dessas, além da beleza física tinham
treinamento intelectual e possuiam talentos artísticos, atributos que faziam
delas companheiras mais interessantes aos homens de Atenas em festas
do que suas esposas legítimas
89
.
Não a etimologia de seu nome, mas também os seus atributos e cenário
onde é apresentada elucidam que a personagem em questão é uma Œta∂ra
(cortesã)
90
.
3.1.1 Atributos musicais, persuasivos, de beleza e graça
Os sete poemas que compõem essa subdivisão do ciclo de Zenófila (XXIX
A.P. 5.139; XXX A.P. 5. 140; XXXI A.P. 5.144; XXXII A.P. 5. 149; XXXV – A.P.
5.171; XXXIX A.P.5.195 e XL A.P. 5. 196) apresentam o talento musical da
nossa personagem em primeiro plano bem como outros atributos, a saber, a beleza,
87
Cf. Lurke ClAnt 16 (1997) 106 – 153.
88
Pomeroy (1976, p. 88-89).
89
Ibid., p. 89.
90
Dover (2007, p. 38) Hêtairêkos é o particípio perfeito (infinitivo hêtairêkenai) do verbo hetairein, da mesma
raiz que hetairos, a palavra que normalmente designa “companheiro”, “camarada”, “parceiro”. Hetaira, a forma
feminina de hetairos, frequentemente denotava uma mulher mantida por um homem num nível que lhe fosse
aceitável, com o propósito de relações sexuais sem o processo formal de casamento [...]. Assim, hetaira é às
vezes mais próximo de “amante” do que de “prostituta”.
47
a persuasão e a graça emanada da personagem. Comecemos pelos poemas
sequenciais (XXIX A.P. 5.139; XXX A.P. 5. 140) que formam o conjunto principal
de atributos.
XXIX (A.P. 5. 139)
Doce melodia, por Pã da Arcádia, com a harpa entoas,
Zenófila, por Pã, doce melodia teces.
Para onde fujo de ti? Por toda parte os Amores me cercam,
não me deixam respirar nem por pouco tempo.
Pois ou a beleza, ou o canto, ou a graça lançam em mim o desejo. 5
Que devo dizer? Tudo. Ardo-me em fogo.
XXIX
`AdÝ m◊loj, naπ P©na tÕn 'Ark£da, phkt∂di m◊lpeij,
Zhnof∂la, naπ P©n', ¡dÝ kr◊keij ti m◊loj.
po√ se fÚgw; p£ntV me periste∂cousin ”Erwtej,
oÙd' Óson ¢mpneàsai baiÕn œîsi crÒnon.
À g£r moi morf¦ b£llei pÒqon À p£li moàsa 5
À c£rij Àt∂ l◊gw; p£nta· purπ fl◊gomai.
O poema é dividido em três dísticos que configuram, de forma crescente, um
cenário de desespero por parte da persona. O primeiro dístico é ameno e nos insere
em um cenário de kômos com uma hetaira dotada de talentos musicais ilustrados
pelos termos `AdÝ m◊loj (doce melodia), phkt∂di m◊lpeij (com a harpa entoas), ¡
kr◊keij ti m◊loj
(doce melodia teces). A invocação a pode ter dupla significação:
48
se referir à música, uma vez que ele é muitas vezes figurado tocando uma siringe,
ou se referir à atração sexual, dado que ele é atraído pelas ninfas e mancebos.
A construção deste primeiro dístico é salutar para o desenvolvimento do
poema que ele é anelado
91
, ou seja, os elementos presentes no primeiro verso do
dístico- com exceção de Zenófila- se repetem de forma que se lêssemos os dois
versos como um só, a melodia seria um anel no qual Zenófila estaria envolta bem ao
centro, rodeada por Pã.
As repetições dos sintagmas que “envolvem” Zenófila fazem o mesmo com a
persona que descreve a cena; por esse motivo, a ruptura do segundo dístico quebra
o encanto dessa hipnose levando a persona a questionar-se se a fuga seria a
melhor decisão diante de tamanho desejo - po√ se fÚgw; (para onde fujo de ti?). A
explicação dessa dúvida/vontade de fugir complementa o dístico: p£ntV me
periste∂cousin ”Erwtej, (por toda parte os Amores me cercam) / oÙd' Óson ¢mpneàsai
baiÕn œîsi crÒnon (não me deixam respirar nem por pouco tempo). A persona está
envolta pelos ”Erwtej (Amores), que podemos entender aqui como os atributos de
Zenófila encarnados em deuses, e descreve os sintomas de seu desejo
92
.
O terceiro dístico vem a complementar o segundo ao explicitar os atributos
que a sufocam e que a fazem desejar Zenófila: À g£r moi morf¦ b£llei pÒqon À p£li
moàsa / À c£rij Àt∂ l◊gw; p£nta (pois ou a beleza, ou o canto, ou a graça lançam em
mim o desejo/ Que devo dizer? Tudo.). A ordem dos termos também descreve a
forma pela qual a persona foi arrebatada: visão, audição e o impacto do conjunto
dos atributos. A indecisão da persona ao elencar as causas de seu sufocamento,
dada pela conjunção alternativa À (ou), reproduz as tentativas da persona de
91
Como veremos em muitos trechos dessa análise, a referência ao tecer (m◊lpeij) e a construção em forma de
anel corrobora com a construção maior de Meleagro, ou seja, refere-se indiretamente à Guirlanda, cujo formato
também é circular.
92
Cf. Safo Fr. 31 V.
49
respirar. Temos nesse dístico final a retomada do atributo em destaque
canto/melodia - À p£li moàsa - e temos a notícia de outros dois: morf¦ (beleza) e
c£rij (graça), que serão características presentes na personagem Zenófila, como
veremos.
Diferentemente do início ameno e terno, o poema se encerra com a quase
destruição da persona: purπ fl◊gomai (ardo-me em fogo). Somos deixados também
em agonia ao final do poema, pois a persona nada pode fazer a não ser contemplar
Zenófila e sofrer os sintomas de seu desejo por ela. Evidencia-se nesse poema,
portanto, as características de Zenófila que levam a persona ao desespero.
O poema seguinte não aproxima os amantes, mas retoma os atributos divinos
de Zenófila presentes no XXIX e insere uma característica importante no discurso
amoroso, a persuasão:
XXX (A.P. 5. 140)
As Musas de canto doce com a harpa, o Discurso
sábio com persuasão e Eros belo sobre o carro,
Zenófila, todos te presentearam com o cetro dos Desejos,
pois as três Graças três graças te deram.
XXX
`Hdumele√j Moàsai sÝn phkt∂di kaπ LÒgoj ⁄mfrwn
sÝn peiqo√ kaπ ”Erwj kal\oj œf ¹niocwi
Zhnof∂la, soπ skÁptra PÒqwn ¢p◊neiman, œpe∂ soi
a≤ trissaπ C£ritej tre√j ⁄dosan c£ritaj.
50
Assim como o poema anterior, este se inicia de forma semelhante. Aquele se
iniciou por sintagma cujo núcleo era um substantivo, `AdÝ m◊loj (doce melodia), e
este, respectivamente, pelo verbo correspondente `Hdumele√j (de canto doce). Bem
como em XXIX, esse canto é acompanhado pela harpa. Entretanto, não é evidente
se Zenófila tece o seu canto apenas com o instrumento ou se ela canta também.
Mais uma vez Zenófila está na mesma posição de `Hdumele√j, início do verso, o que
reforça a importância do atributo na construção da personagem.
O poema é composto por dois dísticos que se complementam, na medida em
que não temos nenhuma ruptura que conduza o poema para outro caminho. O
primeiro condensa os atributos ganhos dos deuses, apresentando-os em uma
provável ordem de impacto na persona, como no poema anterior: a sica ligada à
audição, a persuasão amorosa e a beleza que impacta a visão. Já o segundo dístico
simplesmente elucida a fortuna de Zenófila ao ser presenteada pelos deuses.
O segundo verso introduz a persuasão que, neste contexto, refere-se à
persuasão amorosa que acontece por conta das características divinas de Zenófila e
que é fundamental no jogo de sedução entre ela e a persona. A conjectura do verso
2 dificulta o entendimento em certa medida, mas ”Erwj kal\oj œf ¹niocwi (Eros
belo sobre o carro) pode ser compreendido como uma metáfora para a própria
personagem, ou seja, ela seria o carro que Eros conduz. Dessa maneira, o canto
doce com a harpa e a persuasão, embora estejam coordenados com ”Erwj kal\oj
œf ¹niocwi , estariam na verdade subordinados a Eros.
O skÁptra PÒqwn (cetro dos Desejos) do terceiro verso simboliza o triunfo de
Zenófila ao obter todos os atributos divinos. Ao mesmo tempo, pode-se entender
que o cetro, ao condensar todas as características sedutoras de Zenófila, seria a
metonímia dela mesma.
51
O quarto e último verso do poema introduz as Graças, divindades que estarão
presentes em muitos poemas de Meleagro. Nesse momento, elas também
presenteiam Zenófila com três atributos que não estão explícitos como aqueles que
iniciam o poema. Pode-se depreender que os presentes das Graças são os seus
próprios atributos que Hesíodo, na Teogonia, nos revela, ou seja:
[...] Eurínome de amável beleza virgem de Oceano
terceira esposa gerou-lhe as Graças de belas faces:
esplendente, Agradábil e Festa amorosa,
de seus olhos brilhantes esparge-se o amor
solta-membros, belo brilha sob os cílios o olhar.
93
Se tal leitura for adotada, o poema apresenta então seis atributos de Zenófila,
sendo três deles explícitos no poema: phkt∂di (com a harpa), peiqo√ (com a
persuasão), Erwj kal\oj œf ¹niocwi e outros três inferidos pela referência às
Graças: tîn kaπ ¢pÕ blef£rwn ⁄roj e∏beto derkomen£wn /lusimelˇj· kalÕn d◊ q' Øp'
ÑfrÚsi derkiÒwntai (de seus olhos brilhantes esparge-se o amor solta-membros, belo
brilha sob os cílios o olhar). Faz-se necessário apontar que todos os atributos que
caracterizam Zenófila neste poema impelem a persona ao desejo pela personagem
ainda irrealizado.
Os epigramas XXXIX (A.P. 5. 195) e o XL (A.P. 5. 196), sequenciais portanto,
vem de encontro com o par de poemas anterior, uma vez que reelaboram a
caracterização de Zenófila. Entram em cena mais uma vez os presentes divinos e as
suas respectivas divindades, mas não se explicita o cenário em que a persona está
inserida.
93
Hesíodo, Teogonia v. 907 a 911. Tradução de Jaa Torrano (2001).
52
O primeiro epigrama faz um jogo com o mero três na esfera formal e
semântica do poema. A referência ao número três estava presente de maneira
sutil nos poemas XXIX (três atributos que sufocam a persona) e XXX (três presentes
divinos e as três Graças), porém, neste poema a significação deste elemento
perpassa o poema seja no âmbito formal seja no semântico.
XXXIX (A.P. 5. 195)
As três Graças tripla guirlanda entrelaçaram
para Zenófila, símbolo de sua tripla beleza.
Uma sobre a pele colocou desejo, a outra, sobre a beleza,
volúpia, e a outra, nos discursos, palavras doces.
Três vezes fortunada aquela cuja cama Cípris moldou, 5
e cujos discursos e doce beleza moldaram Persuasão e Eros.
XXXIX
A≤ trissaπ C£ritej trissÕn stef£nwma sÚneunai
Zhnof∂lv triss©j sÚmbola kallosÚnaj·
¡ m\en œpπ crwtÕj qem◊na pÒqon, ¡ d' œpπ morf©j
∑meron, ¡ d\e lÒgoij tÕ glukÚmuqon ⁄poj.
triss£kij eÙda∂mwn, ªj kaπ KÚprij éplisen eÙn¦n 5
kaπ Peiqë mÚqouj kaπ glukÝ k£lloj ”Erwj.
Na esfera formal, o poema é composto por três dísticos sem enjambement, ou
seja, a constituição do poema dá certa autonomia às suas partes constituintes, como
se elas fossem cada atributo de Zenófila que comporiam o seu todo. No âmbito
53
semântico, nos é fornecido dados tríplices: A≤ trissaπ C£ritej (as três Graças);
trissÕn stef£nwma (tripla guirlanda); triss©j kallosÚnaj (tripla beleza) ; triss£kij
eÙda∂mwn (três vezes fortunada) nos versos 1, 2, e 5. Os desdobramentos de cada
elemento tríplice se mostram, sobretudo, nos dois últimos dísticos.
A repetição do vocábulo trissÕn em diversos momentos do poema, além de
colaborar para a sonoridade dos versos, remete ao próprio movimento repetido do
entrelaçar da guirlanda, a qual também pode fazer parte 1) do sentido pontual do
poema a metafórica guirlanda tríplice da personagem e 2) da elaboração da
Guirlanda do autor. Em diversos momentos Meleagro fará referências às flores e
guirlandas no contexto amoroso, mas pode-se aventar que, ao se referir tão
incisivamente a esses elementos, a sua intenção pode ter sido a de alinhavar os
poemas numa construção maior, ou seja, a sua própria Guirlanda.
Enquanto no poema XXX os presentes das Graças não são evidentes, neste
poema eles o são e coroam a beleza tríplice da personagem com pÒqon (desejo),
∑meron (volúpia), glukÚmuqon ⁄poj (palavras doces), no segundo dístico. no
terceiro, para completar o séquito divino liderado pelas Graças, estão presentes
Cípris com seus encantos da cama, a Persuasão, moduladora dos discursos
amorosos e Eros, condutor da beleza. Dessa forma, além de três vezes afortunada
por causa das três esferas de atributos – cama, discurso amoroso e beleza -,
Zenófila recebe tais presentes duas vezes, como que para potencializá-los. Tanto os
presentes das Graças quanto os das outras divindades fazem parte da mesma
categoria: o desejo e a cama moldada por Cípris; palavras doces e discursos;
volúpia e doce forma.
54
De modo mais sintético e característico dos epigramas de apenas um dístico,
o poema complementar do epigrama anterior apenas reitera a caracterização quase
divinizada de Zenófila:
XL (A.P. 5. 196)
A Zenófila beleza deu Eros e feitiços companheiros de leito
deu Cípris e as Graças, graça.
XL
Zhnof∂lv k£lloj m\en ”Erwj, sÚgkoita d\e f∂ltra
KÚprij ⁄dwken ⁄cein, a≤ C£ritej d\e c£rin.
O contexto exíguo de um dístico demanda do poeta destreza para com a
utilização dos vocábulos no poema, de modo que o seu conteúdo seja transmitido
com agudeza de sentido sem haver desperdício de espaço com palavras
desnecessárias. XL é um bom exemplo de poucas palavras e uma carga maior de
sentido. Enquanto em XXIX, XXX e XXXIX os atributos foram distribuídos pelo
menos em dois dísticos, XL pode ser visto como uma flecha de Eros direcionada à
persona, dada a sua agudeza de características da personagem.
A disposição dos elementos Zenófila, Eros e Cípris difere daquela encontrada
no poema XXXIX, pois aqui Zenófila está em posição de destaque seguida por Eros
e somente depois por Cípris. É pertinente registrar que em XL Zenófila é colocada
em posição de destaque no verso 1 bem com Cípris o é no verso 2.
55
Na mesma esteira floral do poema XXXIX está o poema XXXI (A.P. 5.144). A
semelhança se por conta da presença de diversas flores dentre as quais a rosa,
metonímia de Zenófila, que ganha destaque entre olorosas guirlandas.
XXXI (A.P. 5.144)
Já o galanto flora, flora também o narciso
amante-da-chuva e floram os lírios sobre a montanha.
Já a amorosa, entre as flores flor madura,
Zenófila, doce rosa da Persuasão, floresceu.
Prados, por que rides em vão alegres sobre as folhas? 5
A menina é mais forte que as olorosas guirlandas.
XXXI
”Hdh leukÒion q£llei, q£llei d\e f∂lombroj
n£rkissoj, q£llei d' oÙres∂foita kr∂na·
½dh d' ¡ fil◊rastoj, œn ¥nqesin érimon ¥nqoj,
Zhnof∂la Peiqoàj ¹dÝ t◊qhle ˛Òdon.
leimînej, t∂ m£taia kÒmaij ⁄pi faidr¦ gel©te; 5
¡ g¦r pa√j kr◊sswn ¡dupnÒwn stef£nwn.
O epigrama é composto por três dísticos também independentes e que
denotam três momentos distintos do epigrama. O cenário bucólico dado pela
montanha (oÙres∂foita) e pela variedade da flora (leukÒion - galanto, f∂lombroj
n£rkissoj - narciso amante-da-chuva, kr∂na - lírios, ˛Òdon - rosa, leimînej - prados)
no primeiro dístico pode ser visto como uma grande metáfora para um kômos, no
56
qual estão presentes diversas hetairae e seus companheiros que se alegram com
tamanha variedade de “flores”. Assim, o primeiro dístico descreve o cenário e os
seus participantes. o segundo introduz Zenófila e seus atributos, ao passo que,
no terceiro dístico, a persona questiona a razão da alegria dos companheiros, os
prados, se eles não possuem Zenófila que se destaca das olorosas guirlandas, ou
seja, das outras mulheres presentes.
A repetição do verbo q£llei (flora) no primeiro dístico pode ter a função de
marcar a construção de uma guirlanda ou mesmo de ressaltar o desabrochar dessas
flores na montanha. Vale notar que neste dístico o verbo está no presente do
indicativo, e quando ele é utilizado no segundo dístico referente à Zenófila, ele está
no perfeito, corroborado pelo adjetivo érimon (madura).
No segundo dístico, temos um novo atributo da personagem, fil◊rastoj
(amorosa), e o atributo da persuasão, que já ocorreu em outros epigramas. O
diferencial aqui é a metonímia da personagem em rosa persuasiva, isto é, a sua
forma delicada é um convite persuasivo ao amor.
Como dito anteriormente, o terceiro dístico é uma fala direta da persona
que não compreende como outros podem se alegrar com tantas guirlandas olorosas
que não possuem a rosa madura, Zenófila.
O poema XXXV - A.P. 5. 171, cujo cenário é o kômos, constitui-se um dos
mais belos deste grupo no que tange ao tamanho do desejo da persona, pois ela
anseia de tal forma estar unida à amada que deseja que a sua alma seja por ela
bebida como o vinho. Sendo assim, pode-se determinar o cenário como o kômos
pelas seguintes referências: tÕ skÚfoj (a taça) e prop∂oi (bebesse).
XXXV (A.P. 5. 171)
57
A taça docemente está alegre e diz que da amorosa
Zenófila toca a falante boca.
Felizarda! Oxalá agora sobre meus lábios seus lábios colocasse
e sem respirar a minha alma bebesse.
XXXV
TÕ skÚfoj ¡dÝ g◊ghqe, l◊gei d' Óti t©j fil◊rwtoj
Zhnof∂laj yaÚei toà lalioà stÒmatoj·
Ôlbion· e∏q' Øp' œmo√j nàn ce∂lesi ce∂lea qe√sa
¢pneustπ yuc¦n t¦n œn œmoπ prop∂oi.
Em mais um momento a persona esdistante da amada e deseja ser a taça
que Zenófila maneja. Pelo fato de estar tão próxima a Zenófila, a taça é Ôlbion
(felizarda), termo que, em suspensão no verso terceiro e na mesma posição de
skÚfoj e de Zenófila, contrasta fortemente com a condição mísera da persona
dus◊rastoj (miserável).
O primeiro dístico descreve a cena e caracteriza a personagem como já vimos
no poema XXXI fil◊rwtoj - e insere nova adjetivação: lalioà stÒmatoj (falante
boca), a qual reaviva a característica persuasiva da personagem e fará parte do
poema XXXII. As referências a stÒmatoj (boca), ce∂lesi ce∂lea (sobre meus bios
seus bios), ¢pneustπ prop∂oi (sem respirar bebesse) aludem às sensações táteis
que este poema transmite ao seu leitor.
O desejo irrealizável da persona, que é estar “antropofagicamente” unida à
sua amada, é introduzido no segundo dístico por Ôlbion e pela conjunção e∏q' (oxalá).
Ao invés de utilizar a palavra beijo, o autor prefere descrevê-la plasticamente. Ao
58
colocar os vocábulos ce∂lesi ce∂lea equiparados e em repetição, o autor extrapola a
semântica e faz com que o beijo seja visualizado na grafia do verso. Tal recurso
corrobora o sentido táctil do poema, além de sofisticá-lo.
O próximo epigrama, XXXII - A.P. 5. 149, difere, em certa medida, do restante
do grupo por não possuir um cenário e se tratar de uma pintura que retrata a
personagem, dada como presente à persona. Desse modo, pode-se entender o
poema como écfrase. Os elementos descritivos dessa obra de arte são: par◊deixen
(mostrou), kecarism◊non ⁄rgon (agradável trabalho).
XXXII (A.P. 5. 149)
Quem mostrou-me Zenófila, a falante cortesã?
Quem uma das três Graças a mim trouxe?
Tal homem, de fato, agradável trabalho realizou,
presenteando-me a própria Graça para a minha graça.
XXXII
T∂j moi Zhnof∂lan lali¦n par◊deixen Œta∂ran;
t∂j m∂an œk trissîn ½gag◊ moi C£rita;
«r' œtÚmwj ¡n¾r kecarism◊non ¥nusen ⁄rgon
dîra didoÝj kaÙt¦n t¦n C£rin œn c£riti.
O poema se abre com um dístico de versos independentes constituídos de
perguntas retóricas, já que não se sabe quem realizou o trabalho. As duas perguntas
caracterizam Zenófila explicitamente como lali¦n Œta∂ran (falante cortesã) e como
m∂an œk trissîn C£rita (uma das três Graças), sendo este uma espécie de síntese
59
das características divinas de Zenófila e aquele a característica eloquente da
personagem.
O anonimato do autor deste provável retrato de Zenófila ressalta as
qualidades deste artista em detrimento do conhecimento de sua identidade.
Certamente, se houvesse a sua identidade, o poema teria dois destaques a obra e
o seu autor – e o impacto daquela sobre a persona perderia a sua função no poema.
A leitura marca a destreza do artista de duas formas: a persona reconhece a
personagem de imediato (v.1) e elogia seu trabalho kecarism◊non ¥nusen ⁄rgon
(agradável trabalho realizou). A finalização do poema também pode ser considerada
como um elogio à pintura, pois a persona se vale de um jogo de palavras com
kaÙt¦n t¦n C£rin œn c£riti (a própria Graça para a minha graça) para marcar o
quanto o presente recebido foi caro a ela. O recebimento de uma das três Graças
constituiu um presente repleto de prazer à persona.
Por fim, nesse primeiro grupo de poemas sobre Zenófila, construíram-se as
bases de sua caracterização e o cenário do kômos tão caro à poesia amorosa, seja
ela epigramática ou não. Entende-se que Zenófila é uma hetaira dotada de talentos
musicais, persuasivos e também de beleza arrebatadora. Ela emana graça e
persuade a persona com todos os seus encantos, os quais a sufocam e a fazem
arder de desejo. Estes poemas, por caracterizá-la de diversas formas, são o cartão
de visita de Zenófila e a equiparam a uma divindade – Graça.
Além dos atributos que se repetem nestes poemas, vale ressaltar que a
posição do nome da personagem nos poemas é importante elemento para a
compreensão dos mesmos. Nos epigramas XXIX, XXX, XXXI, XXXV, XXXIX e XL
Zenófila está em posição de destaque, no início do verso: 1 vez no primeiro verso
(XL), 3 vezes no segundo verso (XXIX, XXXV, XXXIX), 1 vez no terceiro verso (XXX)
60
e 1 vez no quarto verso (XXXI). O único poema deste bloco em que Zenófila não
está em posição inicial é XXXII. Podemos entender a predominância da posição de
destaque como uma marca para os poemas que tratam de caracterização, uma vez
que todos os que possuem o nome da personagem em destaque tratam
especificamente de seus atributos e estão ambientados no kômos, cenário comum
da relação amorosa. O poema que se contrapõe (XXXII) carrega elementos de
caracterização, mas enfatiza a écfrase, ou seja, não está diretamente ligado à
caracterização da personagem.
3.1.2 Cenas do thalamos
Os poemas deste grupo ambientam-se no thalamos que, como o kômos, é um
cenário típico da poesia amorosa. Este grupo é composto por XXXIII – A.P. 5.151,
XXXIV – A.P.5.152 (sequenciais, portanto) e XXXVI – A.P.5.174.
Os dois primeiros poemas são complementares por conta de seus conteúdos
e pelo enfoque em outra personagem, kènwy (pernilongo), deixando Zenófila, de
certa forma, em segundo plano.
O poema XXXIII se inicia com a caracterização de pernilongos que invadiram
o thalamos onde se encontram os amantes Zenófila e a persona. Sabe-se que estão
no thalamos à noite por conta da referência ao kènwy, nuktÕj (noite), ÛpnJ (durma).
A caracterização dos pernilongos ocupa o dístico inicial do poema e constitui
também uma grande invocação dos mesmos, dado que a persona, após listar todas
as características - 'OxubÒai kènwpej, ¢naid◊ej a∑matoj ¢ndrîn / s∂fwnej, nuktÕj
knèdala dipt◊ruga (Pernilongos de gritos agudos, desavergonhados, dos homens
sugadores / de sangue, criaturas aladas da noite) implora-lhes que não
incomodem o breve sono de Zenófila.
61
XXXIII (A.P. 5. 151)
Pernilongos de gritos agudos, desavergonhados, dos homens sugadores
de sangue, criaturas aladas da noite,
imploro, deixai que Zenófila, em paz um pouco,
durma. Vede, comei a carne dos meus membros.
Mas por que falo em vão? As feras implacáveis 5
se deleitam aquecidas pelo corpo delicado.
Mas agora vos advirto, feras terríveis, deixai a audácia
ou conhecereis a força que uma mão ciumenta tem.
XXXIII
'OxubÒai kènwpej, ¢naid◊ej a∑matoj ¢ndrîn
s∂fwnej, nuktÕj knèdala dipt◊ruga,
baiÕn Zhnof∂lan, l∂tomai, p£req' ¼sucon ÛpnJ
eÛdein, t¢m¦ d', ≥doÚ, sarkofage√te m◊lh.
ka∂toi prÕj t∂ m£thn aÙdî; kaπ qÁrej ¥tegktoi 5
t◊rpontai truferù crwtπ cliainÒmenoi.
¢ll' ⁄ti nàn prol◊gw, kak¦ qr◊mmata, lˇgete tÒlmhj,
À gnèsesqe cerîn zhlotÚpwn dÚnamin.
Apesar de Zenófila ser inserida no poema no segundo dístico, a única
característica da personagem presente neste poema está no terceiro - truferù crwtπ
(pelo corpo delicado), que além de ser um atrativo para a persona, também o é para
os pernilongos que t◊rpontai truferù crwtπ cliainÒmenoi (se deleitam aquecidas pelo
corpo delicado).
62
No terceiro dístico, ponto de virada do poema, a persona oferece seus
membros aos pernilongos, mas em seguida reconhece que a sua súplica não surtiu
efeito, pois os pernilongos “se deleitam aquecidos pelo corpo delicado”. O sexto
verso é construído belissimamente por demonstrar, na própria sintaxe do verso, a
imagem dos pernilongos ao redor da pele delicada de Zenófila, que os vocábulos
que dizem respeito aos insetos- t◊rpontai e cliainÒmenoi - estão posicionados nas
margens do verso, enquanto os únicos atributos de Zenófila estão na posição
central.
O quarto e último dístico é composto de uma ameaça direta aos pernilongos
que sofrerão com as consequências do ciúme da persona, por não terem ouvido a
súplica. A advertência prol◊gw (advirto) - contrasta com o imperativo presente no
verso 3 - l∂tomai e é uma resposta à audácia dos pernilongos que insistiram em
incomodar o breve sono de Zenófila. Caso a advertência não surta efeito, a persona
se valerá da força.
É interessante que, sutilmente, Meleagro atribui à persona o ciúme em um
contexto que não é de uma traição real. Tal elemento gera comicidade que é
corroborada por outros momentos do epigrama: 1) o destaque para o pernilongo no
poema e sua caracterização; 2) a súplica dirigida a um inseto e 3) o deleite destes
insetos. Todos estes elementos e a finalização do poema fazem com que estejamos
diante de uma cena cômica, que de certa maneira continua no próximo epigrama.
Em XXXIV o cenário é dúplice, pois temos uma cena entre a persona e um
pernilongo, que provavelmente se passa no thalamos da persona e a outra cena
desenvolvida em outro thalamos, onde estão Zenófila e outro companheiro não
nomeado.
63
XXXIV (A.P. 5. 152)
Voa para mim, pernilongo, mensageiro veloz,
e, após tocar as orelhas de Zenófila, isso sussurra :
“Acordado ele te espera e tu, ó esquecida dos amores,
dormes.” Eia voa, voa amante da música.
Fala baixo, sem acordar seu parceiro de leito 5
para que não mova contra mim as dores do ciúme.
Se me trouxeres a pequena, com pele de leão te cobrirei,
mosquito, e te darei um bastão para empunhares.
XXXIV
Pta∂hj moi kènwy tacÝj ¥ggeloj, oÜasi d' ¥kroij
Zhnof∂laj yaÚsaj prosyiqÚrize t£de·
¥grupnoj m∂mnei se· sÝ d', ð lˇqarge filoÚntwn
eÛdeij’. eia p◊teu, na∂ filÒmouse p◊teu·
¼suca d\e fq◊gxai, m¾ kaπ sÚgkoiton œge∂raj 5
kinˇsVj œp' œmoπ zhlotÚpouj ÑdÚnaj.
Àn d' ¢g£gVj t¾n pa√da, dor´ st◊yw se l◊ontoj,
kènwy, kaπ dèsw ceirπ f◊rein ˛Òpalon.
As personagens deste epigrama persona, pernilongo e Zenófila são
apresentados nesta ordem no dístico de início do epigrama. Neste momento, não
mais um séquito de pernilongos, mas apenas um que é caracterizado como
mensageiro veloz, que tem a incumbência de levar uma mensagem que deve ser
64
sussurrada nos ouvidos de Zenófila. O sussurro antecipa ao leitor que ela está
acompanhada no leito.
O conteúdo da mensagem é explícito no terceiro verso em conjunto com a
característica única de Zenófila: lˇqarge filoÚntwn (esquecida dos amores); a qual
denota que a personagem possui outros amores além da persona. O sono de
Zenófila no segundo dístico se contrapõe à insônia da persona que aguarda
ansiosamente a presença da amada. Também neste dístico, apresenta-se a
característica musical do pernilongo.
No terceiro dístico seguem os cuidados a serem tomados pelo mensageiro
veloz, os quais retomam os sussurros do segundo verso - ¼suca d\e fq◊gxai (fala
baixo). A consequência, se os cuidados não forem tomados, é semelhante àquela do
poema anterior, pois qualquer falha pode suscitar as dores do ciúme na persona.
O ponto de virada, que causa maior comicidade no poema, é o último dístico,
que traz as recompensas a serem ganhas pelo pernilongo se ele trouxer Zenófila
para junto da persona. Composta de dor´ l◊ontoj (com pele de leão) e ceirπ f◊rein
˛Òpalon (um bastão para empunhares), a recompensa remete aos artefatos de
Hércules e essa escolha por parte de Meleagro denota a sua astúcia ao atribuir
características hercúleas, portanto, a um pernilongo. Bem como no poema anterior,
a comicidade advém da designação de uma tarefa humana a um pernilongo e de
sua recompensa. Pode-se aventar que tal atributo foi escolhido por conta da tarefa
extremamente difícil, se não impossível, de se retirar a amante dos braços de outro.
O último epigrama deste grupo, XXXVI A.P. 5.174, também mostra a
persona afastada de Zenófila, a qual está adormecida no seu thalamos. A
caracterização da personagem está presente logo no primeiro verso - truferÕn q£loj
65
(lindo rebento) junto ao seu nome e remete ao poema XXXI pelo caráter floral
dessa atribuição.
XXXVI (A.P. 5. 174)
Dormes, Zenófila, lindo rebento. Oxalá sobre ti agora,
como Sono sem asas, eu pudesse penetrar nos teus cílios,
para que esse aí, o que encanta até os olhos de Zeus,
não perambule ao teu redor e que somente eu possa te possuir.
XXXVI
EÛdeij, Zhnof∂la, truferÕn q£loj· e∏q' œpπ soπ nàn
¥pteroj e≥sÇein Ûpnoj œpπ blef£roij,
æj œpπ soπ mhd' oátoj Ð kaπ DiÕj Ômmata q◊lgwn
foitˇsai, k£tecon d' aÙtÕj œgè se mÒnoj.
Após caracterizar a personagem, a persona explicita o seu desejo irrealizável
como em XXXV: penetrar como Sono sob os cílios da amada e fazer com que ela
durma um sono eterno. Como em XXXV, o seu desejo é iniciado pela conjunção e∏q'
e é justificada com um argumento de fundo mitológico. Em mais um momento
Meleagro equivale a disposição das palavras nos versos e o sentido das mesmas: o
artigo e o seu referente - soπ blef£roij (teus cílios) - estão separados dentro do
dístico e entre eles estão exatamente o sono sem asas que os penetraria se o
desejo fosse realizado - nàn ¥pteroj e≥sÇein Ûpnoj œpπ (agora como sono sem asas eu
pudesse penetrar sob).
66
O segundo dístico argumenta a favor do desejo, pois se ele for realizado a
persona conseguirá afastar Eros de Zenófila de modo que ela não se apaixone por
nenhum outro. Ao invés de nomeá-lo, a persona vale-se do atributo mais forte de
Eros: oátoj Ð kaπ DiÕj Ômmata q◊lgwn (o que encanta até os olhos de Zeus), ou seja,
se os encantos de Eros se apoderam até mesmo de Zeus, como não o faria com
uma simples mortal? O poema é finalizado com a segunda parte do argumento do
desejo, a qual é proporcionar à persona a exclusividade dos favores amorosos de
Zenófila.
Como tentamos mostrar na leitura deste grupo de poemas, o cenário do
thalamos, tão presente na poesia amorosa, propicia o único encontro entre a
persona e Zenófila, o qual é interrompido pelos pernilongos. Diferentemente do
grupo anterior, cujo fio condutor era justamente a caracterização da personagem,
este grupo compreendeu a relação entre a persona e Zenófila, permeada pelo ciúme
e pela presença de um terceiro elemento que separava ambos. Embora o foco não
tenha sido o delinear das características, elas não deixaram de estar presentes:
truferù crwtπ (pelo corpo delicado - XXXIII), lˇqarge filoÚntwn (esquecida dos
amores - XXXVI), truferÕn q£loj (lindo rebento - XXXVI).
3.1.3 Relação Eros-Zenófila
Os dois componentes deste grupo XXXVII A.P. 5.177 e XXXVIII A.P.
5.178) são epigramas de certo modo intrigantes pelo fato de focarem o deus Eros e
associarem-no à Zenófila de forma oblíqua. São os mais longos de todo o ciclo, pois
têm 5 dísticos cada um.
O poema XXXVII abre-se com uma cena típica de procura de escravos, onde
está o nome do escravo e quando ele fugiu. Os seguintes 3 dísticos serão
67
compostos da caracterização deste escravo. O último dístico, como característico
em Meleagro, é o ponto de virada do epigrama, quando a persona encontra o
fugitivo.
XXXVII (A.P. 5. 177)
Anuncio: procura-se Eros selvagem. Ainda agora
de manhã do leito voou para longe.
É um guri doce-amargo, sempre falante, rápido e destemido,
ri com o nariz para cima, alado, porta aljava.
O pai não tenho como nomeá-lo. Pois nem o éter 5
nem a terra dizem ter parido o atrevido, nem o mar.
Por toda parte e por todos é odiado. Mas atentai
para que agora ele não coloque outras almas em outras trapas.
E de fato ele, veja, está perto do covil. Não passaste despercebido a mim
arqueiro, quando te escondeste nos olhos de Zenófila. 10
XXXVII
KhrÚssw tÕn ”Erwta tÕn ¥grion· ¥rti g£r ¥rti
ÑrqrinÕj œk ko∂taj õcet' ¢popt£menoj.
⁄sti d' Ð pa√j glukÚdakruj, ¢e∂laloj, çkÚj, ¢qambˇj,
sim¦ gelîn pterÒeij nîta, faretrofÒroj.
patrÕj d' oÙk◊t' ⁄cw fr£zein t∂noj· oÜte g¦r a≥qˇr, 5
oÙ cqèn fhsi teke√n tÕn qrasÚn, oÙ p◊lagoj.
p£ntV g¦r kaπ p©sin ¢p◊cqetai. ¢ll' œsor©te
mˇ pou nàn yuca√j ¥lla t∂qhsi l∂na.
68
ka∂toi ke√noj, ≥doÚ, perπ fwleÒn. oÜ me l◊lhqaj,
toxÒta, Zhnof∂laj Ômmasi kruptÒmenoj. 10
A caracterização de Eros no segundo dístico abrange a sua personalidade - Ð
pa√j glukÚdakruj (guri doce-amargo), ¢e∂laloj (sempre falante), çkÚj (rápido),
¢qambˇj (destemido) - e a sua aparência física - sim¦ gelîn pterÒeij nîta,
faretrofÒroj (ri com o nariz para cima, alado, porta aljava). Este último atributo pode
se relacionar com o sofrimento dos amantes, isto é, Eros se deleita com a desgraça
alheia provocada por seus atos. O terceiro dístico corrobora, aparentemente, a
versão mítica de Hesíodo na Teogonia, pois Eros teria sido um deus primordial:
[...] sim bem primeiro nasceu Caos, depois também
Terra de amplo seio, de todos sede irresvalável sempre,
dos mortais que têm a cabeça do Olimpo nevado,
e Tártaro nevoento no fundo do chão de amplas vias,
e Eros: o mais belo entre Deuses imortais,
solta-membros, dos Deuses todos e dos homens todos
ele doma no peito o espírito e a prudente vontade
94
.
O ódio a Eros no quarto dístico advém das inúmeras decepções amorosas
que ele causa aos amantes. A persona, recém vítima da armadilha de Eros, adverte
tanto os que presenciam o seu anúncio quanto os leitores do poema, de ficarem
atentos às trapas do deus, mesmo que refrear os atos do deus seja impossível.
O ponto de virada do poema - o dístico final e o reencontro da persona com
Eros - elucida que a trapa de Eros é a amante Zenófila, assemelhada a um fwleÒn
(covil), ou seja, o deus atua por meio da amada e ela própria é a armadilha. Pode-se
94
Hesíodo. Teogonia 116 – 122. Tradução de Jaa Torrano (2001).
69
entender, então, que na verdade a fugitiva era Zenófila, que escapou do leito em que
estava em companhia da persona, assim que o dia amanheceu. Como a
personagem foi a causa do seu sofrimento de amor, ela poderia ser um
instrumento pelo qual o deus agiu. Assim, não é surpreendente o fato de que a
persona encontre Eros junto a Zenófila.
O segundo poema XXXVIII também se ambienta em um espaço público,
provavelmente em um local de transações comerciais. Não se sabe ao certo que
objeto a persona tenta vender, mas provavelmente é uma estátua de Eros por conta
da caracterização comum do deus disposta nos dísticos intermediários do poema.
XXXVIII (A.P. 5. 178)
Que seja vendido, mesmo no colo da mãe dormindo,
seja vendido. Que me importa esse arrogante criar?
Ele é esnobe e alado, e com unhas afiadas
arranha, e quando chora muitas vezes no meio ri.
Que mais? Desnutrido, sempre loquaz e de olhar agudo, 5
selvagem, e nem sequer pela mãe querida foi domesticado.
É todo fera. É então vendido. Se algum mercador
de partida deseja comprar este pequeno, aproxime-se.
Aliás está implorando, vê, chorando! Não mais te vendo.
Coragem! Fica aqui, companheiro de Zenófila. 10
XXXVIII
Pwle∂sqw, kaπ matrÕj ⁄t' œn kÒlpoisi kaqeÚdwn,
pwle∂sqw. t∂ d◊ moi tÕ qrasÝ toàto tr◊fein;
70
kaπ g¦r simÕn ⁄fu kaπ ØpÒpteron, ¥kra d' Ônuxin
kn∂zei, kaπ kla√on poll¦ metaxÝ gel´·
prÕj d' ⁄ti loipÕn ¥trepton ¢e∂lalon ÑxÝ dedorkÒj 5
¥grion, oÙd' aÙt´ matrπ f∂lv tiqasÒn.
p£nta t◊raj· toig¦r pepr£setai· e∏ tij ¢pÒplouj
⁄mporoj çne√sqai pa√da q◊lei, pros∂tw.
ka∂toi l∂sset', ≥doÚ, dedakrum◊noj· oÜ s' ⁄ti pwlî·
q£rsei· Zhnof∂lv sÚntrofoj ïde m◊ne. 10
Enquanto no poema anterior a filiação de Eros era indefinida, aqui ele é
retratado no colo de sua mãe, que podemos inferir como Afrodite, com a qual Eros é
comumente retratado na poesia de Meleagro.
Como no poema precedente, Eros é descrito no segundo, terceiro e quarto
dísticos e de forma semelhante: kaπ g¦r simÕn ⁄fu kaπ ØpÒpteron, ¥kra d' Ônuxin
/kn∂zei, kaπ kla√on poll¦ metaxÝ gel´· / loipÕn ¥trepton ¢e∂lalon ÑxÝ dedorkÒj / ¥grion,
oÙd' aÙt´ matrπ f∂lv tiqasÒn. / p£nta t◊raj (ele ri com o nariz para cima e é alado e
com unhas afiadas / arranha, e quando chora muitas vezes no meio ri. / desnutrido,
falante com o olhar agudo, / selvagem, e nem sequer pela mãe foi domesticado / É
todo fera). Embora a imagem do primeiro verso seja a de Eros com a mãe, no sexto
a persona afirma que Eros não foi domesticado pela mãe e talvez por esse motivo
ele tenha um temperamento tão díspare.
O quinto dístico parece ambientar o poema em um porto, dado que a persona
oferece a sua estátua a qualquer mercador que esteja de partida. É interessante
notar que a oferta a um mercador prestes a viajar é uma tentativa de afastar o
máximo possível a persona dessa estátua.
71
No último dístico a estátua ganha vida e Eros, acordado, implora - fingindo
choro? - para permanecer junto de seu dono, que cede ao apelo e desiste da venda,
deixando-o como companheiro de Zenófila. Este desfecho é intrigante, pois não se
sabe o motivo de se deixar a estátua com Zenófila. Tal companhia se torna tão
misteriosa quanto aquela do cantor a quem Agamêmnon confere a guarda de
Clitemnestra ao partir para Tróia
95
. Apesar desta incógnita, não podemos ignorar a
relação explícita entre Eros e Zenófila, também parte do poema anterior. Como
Zenófila é instrumento das armadilhas de Eros, o lugar da estátua do deus é com a
personagem.
Este grupo de epigramas, como visto, enfocou a caracterização de Eros e a
aproximou da amante Zenófila. Apesar de o terem sido inclusos atributos da
personagem, se entendermos que existe uma relação estreita entre ela e Eros, os
atributos dele são também os de Zenófila no âmbito da realidade mísera da persona
que sofre com as desilusões amorosas.
3.1.4 Considerações sobre o ciclo de Zenófila
Após a análise dos poemas dedicados a Zenófila, pode-se afirmar que eles
compõem um ciclo, uma vez que se subdividem tematicamente e mostram as
facetas da relação entre ela e a persona.
O primeiro e maior grupo de epigramas tratou das características da hetaira
no cenário do kômos e delinearam uma atitude de contemplação por parte da
persona, a qual aparece sempre distante do seu objeto de desejo. Ao caracterizá-la,
sabemos que Zenófila é equiparada a uma das Graças, possui beleza estonteante, é
talentosa no âmbito musical, é falante, persuasiva e cheia de graça. Em todos estes
95
Homero. Odisséia (iii.265-268). Tradução de Carlos Alberto Nunes (2002).
72
poemas Zenófila estava em posição de destaque logo nos primeiros dísticos, o que
não aconteceu no último grupo discutido.
O segundo grupo de epigramas aproxima a personagem da persona ao
thalamos, mas essa aproximação é atrapalhada por pernilongos audaciosos que
roubam a cena de amor do casal e dão ao poema um tom cômico. A partir destes
poemas, sabemos que Zenófila não é fiel à persona como ela tanto deseja, na
medida em que ela é companheira de muitos.
o último grupo de epigramas relaciona Eros com Zenófila de modo que
esta seja a própria armadilha daquele. A detalhada caracterização de Eros nestes
poemas vem a ser uma complementação dos atributos da personagem, que ela é
a armadilha de amor.
3.2 RELAÇÕES INTRACICLO: HELIODORA
Os poemas dedicados à Heliodora estão dispostos, na edição adotada
96
, após
os poemas de Zenófila e compreendem do XLI ao LVI (XLI - A.P. 5.24, XLII -
A.P.5.136, XLIII - A.P.5.137, XLIV A.P. 5.141, XLV A.P.5.143, XLVI A.P.5.147,
XLVII A.P.5.148, XLVIII A.P.5.155, XLIX- A.P.5.157, L A.P.5.163, LI
A.P.5.165, LII – A.P.5.166, LIII A.P.5.214, LIV A.P.5.215, LV A.P.12.147, LVI
A.P.7.476). A grande maioria deles se encontra no livro 5 da Antologia Palatina,
sendo que apenas os dois poemas finais (LV A.P.12.147, LVI A.P.7.476) estão
dispostos no livro XII e VII, respectivamente. Apenas um epigrama não se encontra
em conjunto com o grupo acima descrito: XXIV – A.P.5.198.
Tal como na seção de análise dos poemas de Zenófila, os epigramas
supracitados serão divididos em três grupos de análise cujos eixos temáticos são: 1)
96
Cf. nota 1.
73
atributos musicais e outros (XXIV, XLIII, XLIV, XLV, XLVI e XLVII); 2) sofrimentos
amorosos (XLI, XLII, LI, LII, LV e LVI) e 3) relação Eros-Heliodora (XLVIII, XLIX, L,
LIII e LIV).
O nome da personagem em questão, `Hliodèraj, é uma composição de ¼lioj
e dîron (presente de Hélio), o qual será elemento considerável na leitura dos
epigramas, uma vez que: 1) o fato de Meleagro nomeá-la como sendo um presente
de uma divindade, circunscreve-a no rol divino; 2) esse nome faz com que os efeitos
da paixão da persona por Heliodora sejam como os raios ardentes do sol e,
portanto, geralmente tácteis; 3) marca a ausência da amada como a luz do sol que
se apaga anoitecer; e 4) destaca o resplandecer da personagem, como tentaremos
expor a seguir.
Heliodora também é uma hetaira que possui atributos musicais e que não é
parceira exclusiva da persona, o que é a fonte de sofrimento e ciúme intensos nos
poemas do segundo e terceiro grupos analisados a seguir.
3.2.1 Atributos musicais e outros
Como foi dito acima, o grupo de epigramas que compõe esta subdivisão
(XXIV, XLIII, XLIV, XLV, XLVI e XLVII) expõe mais explicitamente os atributos desta
personagem, isto é, neste grupo são elencadas as suas características marcantes.
os outros grupos de poemas trazem novos elementos de caracterização, que são
inferidos, muitas vezes, a partir do cenário do poema.
O primeiro epigrama a ser analisado não diz respeito apenas à Heliodora,
pois apresenta uma série de personagens, às quais são atribuídas características
diferentes para cada uma. A persona se encontra cercada por várias hetairae e
74
assume que está apaixonado por todas, que Eros não possui mais nenhuma seta
em sua aljava.
XXIV (A.P. 5. 198)
Não, pela mecha de Timo, não, pela sandália de Heliodora,
não, pela porta regada de perfume de Demárion,
não, pelo delicado sorriso de Anticleia de olhos bovinos,
não, pela guirlanda de flores recém germinadas de Doroteia,
não mais a tua aljava setas aladas 5
esconde, Eros, pois para mim todas foram lançadas.
XXIV
OÙ plÒkamon Timoàj, oÙ s£ndalon `Hliodèraj,
oÙ tÕ murÒrranton Dhmar∂ou prÒquron,
oÙ truferÕn me∂dhma boèpidoj 'Antikle∂aj,
oÙ toÝj ¢rtiqale√j Dwroq◊aj stef£nouj,
oÙk◊ti soπ far◊trh < > pterÒentaj ÑistoÝj 5
krÚptei, ”Erwj· œn œmoπ p£nta g£r œsti b◊lh.
A maior parte do epigrama, os dois dísticos iniciais, é dedicada à lista de
personagens e seus atributos, sendo que a ordem dos sintagmas nos versos segue
o mesmo padrão: partícula negativa + atributo + nome da personagem. Nos versos
ímpares o nome da personagem está em última posição - plÒkamon Timoàj,
s£ndalon `Hliodèraj, / truferÕn me∂dhma boèpidoj 'Antikle∂aj, - e nos versos pares
75
o nome da personagem está entre os dois vocábulos que formam os seus atributos
- oÙ tÕ murÒrranton Dhmar∂ou prÒquron,/ oÙ toÝj ¢rtiqale√j Dwroq◊aj stef£nouj.
A repetição intermitente ao longo do poema de potencializa o sentimento
de paixão que será expresso pela metáfora que compõe o último verso, isto é, todas
as setas de Eros são os próprios atributos de cada personagem que despertam na
persona o desejo/amor. Tais atributos se subdividem em físicos – plÒkamon (mecha),
truferÕn me∂dhma boèpidoj (delicado sorriso e olhos bovinos) - e objetos materiais -
s£ndalon (sandália), murÒrranton prÒquron (porta regada de perfumes), toÝj
¢rtiqale√j stef£nouj (guirlanda de flores recém germinadas).
É interessante notar que o atributo de Heliodora, apesar de ser um objeto,
difere-se dos outros, uma vez que as sandálias se referem a objetos utilizados pelos
deuses, como Hermes e suas sandálias aladas, e Diana ou Atena com suas
sandálias de prata, calçadas, por exemplo, em visitas aos campos de batalha de
Tróia. No poema VII, apesar de ser usado um sinônimo, Eros deve calçar as suas
sandálias e visitar outros amantes, deixando a persona em paz:
VI (A.P. 5.176)
Terrível Eros, terrível! De que me serve de novo
e de novo dizer, cheio de lamúrias: terrível Eros?
Sim, disso o menino ri e se deleita quando insultado,
mas se o ultrajo, ele se infla ainda mais.
É-me assombroso, Cípris, como, nascida 5
da glauca vaga do mar, deste à luz o fogo!
VI
76
DeinÕj ”Erwj, deinÒj. t∂ d\e tÕ pl◊on Àn p£lin e∏pw
kaπ p£lin o≥mèzwn poll£ki· DeinÕj ”Erwj;
à g¦r Ð pa√j toÚtoisi gel´ kaπ pukn¦ kakisqeπj
¼detai, Àn d' e∏pw lo∂dora, kaπ tr◊fetai.
qaàma d◊ moi pîj «ra di¦ glauko√o fane√sa 5
kÚmatoj œx Øgroà, KÚpri, sÝ pàr t◊tokaj.
Se essa leitura for pertinente, a atribuição de um objeto geralmente referido
em contexto divino coloca Heliodora no mesmo patamar, o que será visto mais
evidentemente em alguns poemas a seguir.
O segundo epigrama, cujo cenário pode ser o kômos, trata de três
personagens, sendo que apenas duas são de conhecimento do leitor: a persona e
Heliodora. Pode-se aventar que a outra personagem seja um escanção a quem a
persona pede para verter o vinho.
XLIII (A.P. 5. 137)
Verte em nome de Heliodora, Persuasiva e Cípria
e de novo a ela, Graça de doce fala.
Pois somente a ela descrevo como deusa, cujo desejado
nome, após diluir no vinho, bebo.
XLIII
”Egcei t©j Peiqoàj kaπ KÚpridoj `Hliodèraj
kaπ p£li t©j aÙt©j ¡dulÒgou C£ritoj·
aÙt¦ g¦r m∂' œmoπ gr£fetai qeÒj, ªj tÕ poqeinÕn
onom' œn ¢krܡtJ sugker£saj p∂omai.
77
Neste epigrama a caracterização de Heliodora possui elementos semelhantes
à caracterização de Zenófila, pois ela é t©j Peiqoàj kaπ KÚpridoj `Hliodèraj
(Heliodora Persuasiva e Cípria) / t©j aÙt©j ¡dulÒgou ritoj (Graça de doce fala).
no segundo dístico, encontra-se um atributo exclusivo de Heliodora: poqeinÕn
onom' (desejado nome), o qual recorrerá em outros momentos.
No primeiro dístico, concentram-se os atributos divinos de Heliodora e dois
deles fazem referência ao falar (t©j Peiqoàj e t©j aÙt©j ¡dulÒgou ritoj),
características relacionadas à persuasão amorosa. A nomeação de Cípris pode
sugerir a beleza e os encantos amorosos da personagem que persuadem a persona
ao amor. A posição de Heliodora no primeiro verso está justaposta à Graça no
segundo verso, o que é consonante com o terceiro, quando a persona diz aÙt¦ g¦r
m∂' œmoπ gr£fetai qeÒj (pois a tenho como uma deusa): ou seja, tal deusa é uma das
Graças.
O ato de beber em favor da amada é um tema recorrente no epigrama
helenístico erótico e, curiosamente, em Meleagro esse tema espresente apenas
no ciclo de Heliodora. A bebedeira advém da ausência da amada e a persona tenta
compensar tal ausência simulando a diluição do nome da amada no vinho e
ingerindo esta mistura – originalmente de água e vinho. Segundo Fantuzzi e Hunter:
[...] Calímaco e Meleagro usam frequentemente o tema do costume
simposial de beber em nome da amada com vinho sem diluição (cf., por
exemplo, Teócrito II. 150-3, XIV. 18-19); esse motivo quase desencadeia
uma distorção na sequência normal e, ao invés de introduzir o brinde como
um efeito do amor, o brinde torna-se ponto de partida e é apresentado
como a causa de uma quase manifestação irracional de amor.
97
97
Fantuzzi and Hunter (2004, p. 345).
78
[...] O álibi da bebedeira não era apenas uma justificativa para o amor
irracional, mas poderia também conter complexas implicações
metapoéticas. Poetas apaixonados Posídipo, Calímaco ou Meleagro
podiam dessa forma aproximar o amor que eles descreviam como uma
experiência em primeira pessoa especialmente na ocasião de performance
poética em um simpósio, o que era de fato o contexto primário para o qual
o epigrama erótico (um tanto ficticiamente) tinha sido concebido.
98
No segundo dístico, está em destaque o verbo utilizado para associar a
personagem a uma das Graças (gr£fetai), o qual se refere à escrita e, por sua vez,
à composição do poema e, em uma instância maior, à composição da Guirlanda. A
presença deste verbo pode deslocar o cenário do poema do mos para outro local
indefinido, onde a persona compõe e bebe para aliviar o seu desejo irrealizado.
Ao final dos dois versos do segundo dístico temos poqeinÕn e p∂omai (bebo), os
quais estão alinhados com os termos finais do primeiro dístico `Hliodèraj e C£ritoj:
ou seja, o destaque destes elementos ao final do verso pode estar vinculado ao ato
de beber da persona:
`Hliodèraj
C£ritoj
poqeinÕn
p∂omai
Os três elementos primeiros poderiam ser entendidos como o ato de encher a
cratera da persona, que ao final ingere essa mistura de amor e vinho, havendo,
então, a união da persona e sua amada.
98
Ibid., p. 348.
79
O segundo poema deste grupo é um dístico apenas e, como mencionado
anteriormente, a carga semântica dos termos é acentuada por conta da exiguidade
do espaço criativo do autor.
XLIV (A.P. 5. 141)
Por Eros, prefiro a voz de Heliodora junto aos ouvidos
ouvir à cítara do filho de Leto.
XLIV
Naπ tÕn ”Erwta, q◊lw tÕ par' oÜasin `Hliodèraj
fq◊gma klÚein À t©j Latoidew kiq£raj.
Neste dístico, a persona equipara a voz de Heliodora à cítara de Apolo,
fazendo com que a personagem supere a divindade pela musicalidade de sua voz.
Assim como o arco e a flecha, Apolo possui a cítara desde o seu nascimento:
[...] mas depois, Febo, que consumiste o imortal alimento,
áureos adornos não mais te retinham, tanto te agitavas;
os nastros não mais te impediam: os laços romperam-se todos.
Súbito, o Puro Apolo aos imortais então profere:
“Que eu possua a cítara e o arco flexível;
da infalível vontade de Zeus, vate serei para os homens.
99
A invocação a Eros em posição de destaque no dístico situa o poema no
cenário amoroso e a referência ao canto da personagem pode dar a dimensão do
kômos. Essa caracterização de Heliodora pela sua voz relaciona-se a um dos
99
O Hino Homérico a Apolo (127-132). Tradução Luiz Alberto Machado Cabral (2004).
80
atributos do poema anterior t©j aÙt©j ¡dulÒgou C£ritoj, destacando-o como o seu
principal elemento de caracterização.
Mais uma vez a posição dos elementos no dístico corrobora o sentido do
epigrama, pois em posição final estão equiparados `Hliodèraj e kiq£raj (cítara), isto
é, a voz de Heliodora é mais bela que uma cítara com seus doces acordes.
O próximo poema (XLVII), por se tratar também do canto de Heliodora, pode
ser entendido como variante do tema do epigrama anterior.
XLVII (A.P. 5. 148)
Digo: um dia nos cantos, Heliodora de doce falar
vencerá as próprias Graças com suas graças.
XLVII
Fam∂ pot' œn mÚqoij t¦n eÜlalon `Hliodèran
nik£sein aÙt¦j t¦j C£ritaj c£risin.
Tal como em XLIV, em XLVII Heliodora pode vir a superar as divindades com
suas habilidades para cantar. O início do dístico mostra que os termos seguintes
são de opinião da persona (Fam∂), sendo essa a única afirmação explícita no ciclo de
Heliodora vinda da própria persona.
A superação de Heliodora pelo canto é justificada pelo atributo eÜlalon (de
doce falar) e pelo charme: c£risin. A persona destaca o seu charme ao final do
segundo verso, de modo que as graças que Heliodora emana ao cantar a inebriam
de forma que o conjunto graça+canto a faz divina.
81
O próximo poema deste grupo também é composto de um único dístico e
retoma o tema das flores e guirlandas.
XLV (A.P. 5. 143)
A guirlanda fenece cingida na cabeça de Heliodora,
e ela própria esplandece, guirlanda de sua guirlanda.
XLV
`O st◊fanoj perπ kratπ mara∂netai `Hliodèraj,
aÙt¾ d' œkl£mpei toà stef£nou st◊fanoj.
Na antiguidade, as guirlandas eram utilizadas em festividades como o kômos
e eram deixadas na porta dos amados em convite ao amor. Em Meleagro, a
guirlanda está presente nestes contextos, mas o seu sentido extrapola-os e, como
tentaremos mostrar, perpassa toda a construção poética do autor.
Se colocássemos os dois versos em contiguidade, Heliodora estaria ao centro
circundada pela guirlanda, ou seja, a forma corresponderia ao sentido do primeiro
verso do epigrama. O fato de o epigrama ser iniciado e finalizado pelo termo
st◊fanoj, mostra o âmbito do círculo no poema, isto é, é mais um elemento com o
formato cíclico: cabeça e guirlanda.
O epigrama trabalha o contraste existente entre a guirlanda composta de
flores e a beleza de Heliodora. Enquanto a guirlanda fenece ao redor da cabeça de
Heliodora, a personagem resplandece ainda mais, como se retirasse a beleza das
flores para si e como se fosse a guirlanda da sua própria guirlanda.
82
O epigrama XLVI reelabora o tema “composição de guirlanda” presente no
poema anterior, bem como em I, XXXI, LXXVIII. Todos esses poemas trazem em
sua composição flores associadas às pessoas, sendo que em I as flores e plantas
estão ligadas aos poetas que Meleagro inclui na sua Guirlanda, ao passo que nos
outros citados, esses elementos se referem às personagens em questão, Zenófila,
Heliodora e Misco, direta ou indiretamente.
XLVI (A. P. 5.147)
Enredarei violeta branca, enredarei com mirtos
delicado narciso, enredarei lírios risonhos,
enredarei doce açafrão, enlearei jacinto
purpúreo, enredarei também rosas amantes do amor,
para que nas têmporas de Heliodora de cabelo oloroso 5
a guirlanda inunde de flores seu lindo cabelo trançado.
XLVI
Pl◊xw leukÒion, pl◊xw d' ¡pal¾n ¤ma mÚrtoij
n£rkisson, pl◊xw kaπ t¦ gelînta kr∂na,
pl◊xw kaπ krÒkon ¹dÚn, œpipl◊xw d' Ø£kinqon
porfur◊hn, pl◊xw kaπ fil◊rasta ˛Òda,
æj ¨n œpπ krot£foij murobostrÚcou `Hliodèraj 5
eÙplÒkamon ca∂thn ¢nqobolÍ st◊fanoj.
Apesar de não ser possível identificar o que cada associação com
determinada flor/planta realmente queira dizer, o fato de muitas vezes Meleagro
atribuir uma característica à flor/planta pode significar uma transposição dessas
83
características para a personagem a quem a flor/planta é associada. Assim, ao
enredar uma guirlanda com ¡pal¾n rkisson (delicado narciso), gelînta kr∂na
(lírios risonhos), krÒkon ¹dÚn (doce açafrão) e fil◊rasta ˛Òda (rosas amantes do
amor), Heliodora recebe tais atributos, que todos eles estarão reunidos na
guirlanda que circundará o seu cabelo.
A confecção da guirlanda preenche dois dísticos do epigrama e faz com que o
ritmo do poema se assemelhe ao ir e vir do traçar da guirlanda, o qual é alinhavado
pela repetição constante do verbo pl◊xw (enredarei) e sua variante œpipl◊xw
(enredarei). O dístico final introduz o motivo pelo qual essa guirlanda está sendo
feita, e neste momento tem-se notícia de mais dois atributos da personagem
referentes ao seu cabelo: murobostrÚcou `Hliodèraj (Heliodora de cabelo oloroso) e
eÙplÒkamon ca∂thn (lindo cabelo trançado).
Por fim, o trançar da guirlanda está presente em três esferas do epigrama: 1)
na confecção de guirlanda que a persona planeja fazer para colocar em sua amada;
2) na repetição de pl◊xw e œpipl◊xw, pois o poeta enreda o próprio poema ao retomar
tais palavras em cada verso; 3) a forma do cabelo da personagem trança que
também condiz com a significação do poema. Assim, a rede de significados em
torno do enredar enriquece o sentido do poema e mostra a maestria de Meleagro ao
compô-lo.
A leitura desse grupo de epigramas referentes à Heliodora tentou destacar as
suas características principais no sentido de se entender o seu papel nos epigramas.
A maioria dos elementos de caracterização de Heliodora se difere daqueles
apresentados na leitura dos poemas sobre Zenófila, mas apenas três deles XLVII
84
“em nome de Heliodora, Persuasiva e Cípria/ e de novo a ela, Graça de doce fala
100
– foram atribuídos às duas personagens.
O fato de haver muitas referências à musica, à guirlanda, ao vinho e ao canto
nos poemas situa-os nos cenários de festividade e também pode indicar que a
personagem seja uma hetaira. Heliodora destaca-se por seu canto e voz e há
poucas referências à beleza da personagem, ao contrário da caracterização que
nos poemas sobre Zenófila.
A posição de Heliodora nos epigramas, com exceção apenas de XLVI, é no
primeiro verso em posição de destaque, por ser sempre a última palavra. Pode-se
aventar que, tendo o poema a função de apresentar as características da
personagem, adotou-se a estratégia de posicionar a personagem em destaque.
3.2.2 Sofrimentos amorosos
Os epigramas que compõem esta seção de análise são: XLI, XLII, LI, LII, LV e
LVI; e foram assim segmentados por se tratarem dos sofrimentos amorosos
causados por Heliodora.
O epigrama inaugural desta seção, como o XXIX, traz uma tentativa de fuga
da persona. Valendo-se do mesmo verbo feÚgein (fugir), a persona deseja fugir, pois
tem conhecimento dos sofrimentos com Heliodora, representados por d£krua kaπ
zˇlouj (das lágrimas e do ciúme). Diferentemente do XXIX, esse poema apresenta
persona inebriada pelas características de Zenófila.
XLI (A.P. 5. 24)
Minh’ alma avisa-me para fugir do desejo por Heliodora,
100
Grifo nosso.
85
ciente ela das lágrimas e do ciúme de outrora.
Ela fala, mas força para fugir não tenho. Despudorada
ela avisa e, ao avisar, ama.
XLI
Yucˇ moi prol◊gei feÚgein pÒqon `Hliodèraj
d£krua kaπ zˇlouj toÝj prπn œpistam◊nh.
fhsπ m◊n, ¢ll¦ fuge√n oÜ moi sq◊noj· ¹ g¦r ¢naid¾j
aÙt¾ kaπ prol◊gei kaπ prol◊gousa file√.
No primeiro dístico deste poema existe um interessante desdobramento da
persona em alma (Yucˇ) e ela mesma, o que separa ambas de Heliodora. Todavia,
a persona se encontra em uma posição passiva, explícita na própria construção
sintática do verso 1. Além deste elemento de construção do verso, a posição de
Yucˇ, moi e `Hliodèraj coloca a persona como intermediária entre a alma e a amada,
ou seja, tem-se a impressão que a persona é manipulada tanto pela sua alma
quanto por Heliodora.
Tal desdobramento da personagem nos remete a dois episódios da Odisséia
de Homero, onde Odisseu se encontra em situações de aflição e dialoga com a sua
alma e coração. Na primeira passagem, Odisseu está em meio a uma tempestade
violenta enquanto navega:
[...] tendo isso dito, congloba os bulções, deixa o mar agitado
com o tridente. Suscita, depois, tempestade violenta
dos ventos todos e em nuvens envolve cinzentas a terra
conjuntamente com o mar [...]
86
[...] o coração de Odisseu se abalou, fraquejaram-lhe os joelhos.
Vendo-se em tanta aflição, ao magnânimo espírito fala:
“Quão infeliz! Ai de mim! Que me falta passar de mais grave?”
[...]
101
Na segunda passagem, Odisseu está prestes a voltar ao lar e encontra-se
também em uma situação de grande expectativa:
[...] No peito lavrava-lhe em saltos contínuos
o coração, como faz uma cachorra que à roda dos filhos
salta furiosa, ladrando, ao sentir gente estranha que chega:
o coração, deste modo, bramia, ante aquela vileza.
Bate, indignado, no peito e a si próprio, desta arte, se exprime:
“Sê, coração, paciente, pois vida mais baixa e mesquinha
já suportaste, ao comer o Ciclope, de força invencível,
os companheiros queridos. Mas tudo aguentaste, até seres
por meus ardis libertado na furna, ao pensamento na Morte.
102
Pode-se, então, traçar um paralelo entre essas passagens homéricas e o
epigrama de Meleagro, pois tanto Odisseu quanto a persona se encontram em
situações de aflição e se desdobram em alma/coração e eles mesmos. É evidente
que em Meleagro um deslocamento das falas, pois é a alma quem inicia o
diálogo e não a personagem, como na Odisséia.
O segundo dístico releva que a opção de fuga é falha: ¢ll¦ fuge√n moi
sq◊noj (mas força para fugir o tenho). A incapacidade da persona de dominar a
situação e achar uma saída para ausentar-se do desejo por Heliodora condiz com a
101
Homero. Odisséia (v. 291 – 299). Tradução de Carlos Alberto Nunes (2002).
102
Ibid., xx. 13 – 21.
87
sua condição passiva no poema e é reiterada pelo fato de que a alma, ao avisar que
a persona deve fugir, faz com que o objeto de desejo volte à tona. Subentende-se
que a persona o mais sofria de desejos, mas a alma, ao avisar dos perigos, na
verdade fez com que a persona voltasse a amar Heliodora e sofrer por sua
ausência.
Por fim, vale ressaltar a caracterização da alma da persona, ¢naid¾j
(despudorada). Ao atribuir essa característica à sua própria alma, a persona tenta
ausentar-se do ato de amar, reiterando a sua passividade em relação ao desejo
sentido por Heliodora. Sabe-se, por conta deste poema, que a relação entre
Heliodora e a persona não é bem sucedida, pois é permeada por lágrima e ciúme:
ou seja, existe “infidelidade” por parte da hetaira, o que é retomado nos outros
poemas desta seção.
O epigrama XLII dialoga com XLIII, pois seu ponto central é o verter o vinho
em nome da amada, e dialoga também com XLV e XLVI, pois também possui em
sua composição a guirlanda.
XLII (A.P. 5. 136)
Verte e dize de novo, de novo, de novo “À Heliodora!”
dize; com vinho puro o seu doce nome misture.
E ainda úmida de perfumes da véspera,
lembrança dela, coloca em mim, a sua guirlanda.
Olha! Chora a rosa amorosa porque ela a vê 5
em outro lugar que não em meu peito.
XLII
88
”Egcei kaπ p£lin e≥p◊, p£lin p£lin, `Hliodèraj·
e≥p◊, sÝn ¢krˇtJ tÕ glukÝ m∂sg' Ônoma.
ka∂ moi tÕn brecq◊nta mÚroij, kaπ cqizÕn œÒnta,
mnamÒsunon ke∂naj ¢mfit∂qei st◊fanon.
dakrÚei fil◊raston, ≥doÚ, ˛Òdon, oÛneka ke∂nan 5
¥lloqi koÙ kÒlpoij ¡met◊roij œsor´.
O epigrama é dividido em três dísticos que tratam de três momentos
diferentes vividos pela persona e Heliodora. No primeiro dístico, o qual é semelhante
ao primeiro dístico de XLIII, o momento é o presente da persona, que quer brindar e
beber o nome da amada, atribuindo a ela tÕ glukÝ Ônoma (o doce nome).
o segundo dístico aponta para o passado, para a noite anterior, pois a
persona deseja que a guirlanda tÕn brecq◊nta mÚroij, kaπ cqizÕn œÒnta, (úmida de
perfumes da véspera) seja colocada em sua cabeça como que para reviver os
momentos de amor vividos com Heliodora, sendo a guirlanda mnamÒsunon ke∂naj
(lembrança dela).
O terceiro dístico volta para o presente novamente e explicita o motivo do
sofrimento amoroso: além de Heliodora estar ausente, ela está no peito de outro.
Embora a persona não presencie a cena entre Heliodora e outro amante, sabe-se de
tal informação por conta de uma imagem que parece auspiciosa. Ao colocar a
guirlanda para reviver os momentos de felicidade de véspera, a persona a rosa
amorosa, que provavelmente está na guirlanda, chorar, auspício revelador da traição
da personagem. Assim, esse epigrama inaugural do ciclo de Heliodora marca a
relação instável entre ambas e os sofrimentos causados por ela.
89
O epigrama seguinte, LI, retoma o tema da traição de Heliodora e é composto
por uma imprecação da persona que perpassa os três dísticos, e cujo teor é a
separação entre Heliodora e outro companheiro.
LI (A.P. 5.165)
Somente isto, mãe de todos os deuses, te peço, querida Noite
te peço, companheira de pândegas, rainha Noite.
Se alguém deitado sob o manto de Heliodora
arde com o calor da pele que engana o sono,
que a lamparina adormeça e que ele, no colo dela 5
prostrado, durma, um segundo Endímion.
LI
flEn tÒde, pammˇteira qeîn, l∂toma∂ se, f∂lh NÚx,
naπ l∂tomai kèmwn sÚmplane pÒtnia NÚx·
e∏ tij ØpÕ cla∂nV beblhm◊noj `Hliodèraj
q£lpetai, Øpnap£tV crwtπ cliainÒmenoj,
koim£sqw m\en lÚcnoj, Ð d' œn kÒlpoisin œke∂nhj 5
˛iptasqeπj ke∂sqw deÚteroj 'Endum∂wn.
O primeiro dístico traz aquela a quem a imprecação é dirigida f∂lh NÚx
(querida noite) e todos os seus epítetos pammˇteira qeîn (mãe de todos os deuses),
kèmwn sÚmplane (companheira de ndegas) e pÒtnia (rainha). Diferentemente da
maioria dos epigramas para Heliodora, o seu nome não está no primeiro verso na
posição de destaque, mas sim o nome da divindade.
90
Os dísticos subsequentes acolhem a imprecação, sendo que o segundo
descreve quem é alvo do pedido da persona: e∏ tij ØpÕ cla∂nV beblhm◊noj `Hliodèraj
/ q£lpetai, Øpnap£tV crwtπ cliainÒmenoj (Se alguém deitado sob o manto de
Heliodora / arde com o calor da pele que engana o sono). Este dístico complementa
o cenário do epigrama, pois sabe-se que é noitepor conta da imprecação à Noite -
e que Heliodora pode estar acompanhada de outro em seu thalamos.
O pedido é constituído de duas partes: koim£sqw m\en lÚcnoj (que a lâmpada
adormeça) e Ð d' œn kÒlpoisin œke∂nhj / ˛iptasqeπj ke∂sqw deÚteroj 'Endum∂w (e que ele
no colo dela / prostrado, durma, um segundo Endímion). O primeiro desejo
desencadeia o segundo, pois a ausência de luz provocaria o sono no companheiro
de Heliodora. Entretanto, para que haja separação definitiva dos amantes, a persona
recorre a uma comparação mitológica: o provável companheiro de Heliodora deve
dormir um sono tão profundo e eterno como Endímion. Segundo algumas versões
do mito, Selene havia se apaixonado por Endímion, belo jovem pastor. Por
intermédio de Selene junto a Zeus, Endímion realizou o seu desejo de dormir
eternamente e conservar-se jovem
103
.
O desejo da persona, de forma geral, é manter a sua exclusividade na relação
com Heliodora, uma vez que o estar separado da amada por haver outros parceiros
é motivo de sofrimento e ciúme.
O único atributo da personagem presente no poema, diferentemente dos
atributos do primeiro grupo de epigramas analisado, é sobre o seu corpo: Øpnap£tV
crwtπ (pele que engana o sono).
103
Grimal (2000, p. 134).
91
Complementar de LI, LII retrata a persona distante da amada, e sofrendo à
noite pela ausência dela. Neste poema, entretanto, Noite é apenas a interlocutora do
desabafo e das especulações desesperadas da persona.
LII (A.P. 5.166)
Ó Noite, ó meu desperto desejo por Heliodora
e feridas lacrimosas oriundas das injustas auroras,
permanecem ainda os restos da minha volúpia. Algum beijo meu
no leito frio aquece a lembrança?
As lágrimas são tuas companheiras 5
e me beijas e abraças no teu colo em sonho enganador de almas?
Ou há um novo amor, novo joguete? Nunca, lamparina,
vejas esse novo amor e sejas guarda do que te confiei.
LII
’W NÚx, ð fil£grupnoj œmoπ pÒqoj `Hliodèraj
kaπ skoliîn Ôrqrwn kn∂smata dakrucarÁ,
«ra m◊nei storgÁj œm¦ le∂yana, ka∂ ti f∂lhma
mnhmÒsunon yucr´ q£lpet' œn klis∂v;
«r£ g' ⁄cei sÚgkoita t¦ d£krua, k¢mÕn Ôneiron 5
yucap£thn st◊rnoij ¢mfibaloàsa file√;
À n◊oj ¥lloj ⁄rwj, n◊a pa∂gnia; mˇpote, lÚcne,
taàt' œs∂dVj, e∏hj d' Âj par◊dwka fÚlax.
92
O dístico introdutório do poema traz os interlocutores da persona: ’W NÚx, ð
fil£grupnoj œmoπ pÒqoj `Hliodèraj meu desejo desperto por Heliodora), kaπ
skoliîn Ôrqrwn kn∂smata dakrucarÁ (e feridas lacrimosas oriundas das injustas
auroras) e, por conta destas informações, sabe-se que o epigrama se desenvolverá
no cenário do thalamos e que a persona, acordada, sofre pelo afastamento de sua
amada provocado pelo amanhecer.
O segundo dístico é formado da interlocução propriamente dita, quando a
persona especula se 1) a amada ainda sente algum desejo por ela e se 2) a
lembrança dos beijos dados ainda aquecem o seu leito frio.
O terceiro dístico traz novas especulações que giram em torno da
possibilidade de Heliodora sofrer com a ausência da persona. Podem-se transferir
tais especulações para a própria persona, pois desde o início do epigrama tornou-se
explícito o sofrimento: ou seja, a persona deseja saber se Heliodora sofre da mesma
forma com a separação entre elas.
O quarto dístico quebra o ritmo do poema e, de certa forma, a ingenuidade da
persona, pois ela insere outra possibilidade muito mais plausível de como Heliodora
deveria estar no momento do poema: À n◊oj ¥lloj ⁄rwj, n◊a pa∂gnia; (Ou há um novo
amor, novo joguete?). Diante desta possibilidade, a persona invoca a lâmpada que
deve ter a resposta para as suas especulações e pede para que ela nunca veja esse
novo amor: ou seja, que ela não se ascenda, sendo cúmplice de um novo amor e
que ela seja guardiã da sua amada, como proposto em LI.
Além da temática, o encerramento de LII une-o ao poema anterior fazendo
com que ambos configurem o grande desejo da persona: parar de sofrer com a
existência de vários companheiros de Heliodora e ter a exclusividade de seus
favores amorosos.
93
O próximo poema é um claro exemplo de erros de divisão dos epigramas na
Antologia Palatina, pois embora o seu conteúdo não seja homoerótico, ele foi
alojado no livro XII.
LV (A.P. 12.147)
Foi roubada. Quem é tão rude para lutar?
Quem é tão poderoso para combater Eros?
Acende rápido as tochas. Mas um ruído! De Heliodora!
Volte a bater em meu peito, coração!
LV
“Arpastai. t∂j tÒsson œnaicm©ssai ¥grioj einai
t∂j tÒsoj ¢nt©rai kaπ prÕj ”Erwta m£chn;
¤pte t£coj peÚkaj· ka∂toi ktÚpoj· `Hliodèraj·
ba√ne p£lin st◊rnwn œntÕj œmîn, krad∂h.
Este é o único poema do ciclo de Heliodora que aproxima os amantes e os
insere no cenário do thalamos, mas mesmo assim a relação é temperada pelo
desespero da persona ao perceber que a sua amada não se encontra em seu leito.
Como é típico em Meleagro, o conflito é resolvido no dístico final do poema.
O poema se abre com a constatação do roubo de sua amada “Arpastai (Foi
roubada). A pausa logo em seguida deixa o leitor em suspensão e prepara as
cogitações de quem foi o autor de tal crime. O uso de tÒsson (tão poderoso) nas
duas perguntas retóricas que preenchem o primeiro dístico dão a dimensão da
tamanha ousadia do autor do provável roubo. Tal crime desafia o domínio de Eros e
94
é visto pela persona como um pretexto para uma guerra entre o deus e o autor do
crime.
O imperativo que abre o segundo dístico ¤pte (acende) aponta para a possível
presença de um escravo que auxiliará a persona na busca por Heliodora. Entretanto,
ouve-se um ruído, que não é identificado imediatamente, mas deixa o poema em
suspensão por conta da pontuação adotada. Sabe-se ao final do verso que o ruído é
de Heliodora e, diante disso, a persona sai do seu estado de desespero: ba√ne p£lin
st◊rnwn œntÕj œmîn, krad∂h (Volte a bater em meu peito, coração).
O epigrama, por fim, é exemplo da insegurança da persona em perder a sua
amada para outro companheiro, pois a relação entre ambas é perpassada pelas
lágrimas e ciúme.
O último epigrama
104
dessa seção descreve o derradeiro sofrimento da
persona na sua relação com Heliodora, pois é um lamento por sua morte. São
retomados elementos que compuseram o sofrimento da persona, agora identificada
com Meleagro, única ocorrência nos três ciclos. Além disso, este epigrama é o único
nos ciclos que relata a morte da personagem e por esse motivo o epigrama pertence
ao livro VII da Antologia Palatina, o qual contêm epitáfios e poemas funerários.
LVI (A.P. 7.476)
Lágrimas também abaixo da terra, Heliodora,
te dou, o que permanece do meu amor até o Hades,
lágrimas de angústia; sobre tão lamuriada tumba,
derramo lembranças do desejo, lembranças de afeições.
Miserável, miserável eu, Meleagro, te lamento amada 5
104
Gow & Page (2008, vol. II p. 638) assumem o poema como uma elegia pela morte de Heliodora.
95
entre os mortos, vã graça que ruma ao Aqueronte!
Ai ai! Onde está meu desejado broto? Roubou-o Hades
roubou-o, e a poeira suja a viçosa flor.
Mas, de joelhos suplico-te, Terra que todos nutre, que ela
mui pranteada, mãe, gentilmente em teu ventre seja abraçada. 10
LVI
D£kru£ soi kaπ n◊rqe di¦ cqonÒj, `Hliodèra,
dwroàmai, storg©j le∂yanon e≥j 'A∂dan,
d£krua dusd£kruta· poluklaÚtJ d' œpπ tÚmbJ
sp◊ndw mn©ma pÒqwn, mn©ma filofrosÚnaj.
o≥ktr¦ g£r o≥ktr¦ f∂lan se kaπ œn fqim◊noij Mel◊agroj 5
a≥£zw, kene¦n e≥j 'Ac◊ronta c£rin.
a≥a√ poà tÕ poqeinÕn œmoπ q£loj; ¤rpasen “Aidaj,
¤rpasen, ¢kma√on d' ¥nqoj ⁄fure kÒnij.
¢ll£ se gounoàmai, G© pantrÒfe, t¦n panÒdurton
ºr◊ma so√j kÒlpoij, m©ter, œnagk£lisai. 10
Composto por cinco dísticos, LVI pode ser subdividido em três partes: 1) dois
primeiros dísticos apresentam a situação de lamento da persona, 2) terceiro e quarto
dísticos apresentam o cenário de morte e identificam a persona e 3) imprecação
direcionada à Terra para que cuide gentilmente de sua amada.
A primeira parte do epigrama retoma as krua (lágrimas), elementos da
relação conturbada entre a amada e a persona. Nesse contexto, elas são o
remanescente do amor (
storg©j) da persona. Vale notar que essa é a única
96
ocorrência do termo, bem como file√ (ama) em XLI, o que pode ser considerado
como elemento de distinção entre os ciclos. As lágrimas são fatores centrais na
caracterização do lamento e, por se repetirem no poema, marcam a intensidade do
derradeiro sofrimento da persona.
Além de d£krua, existem outros vocábulos pertinentes em um contexto de
morte e lamentação fúnebre: 1) morte - di¦ cqonÒj (abaixo da terra), 'A∂Dan (Hades),
tÚmbJ (tumba), œn fqim◊noij (entre os mortos) e e≥j 'Ac◊ronta (ao Aqueronte); 2)
lamentação nebre - d£krua, poluklaÚtJ (tão lamuriada), o≥ktr¦ g£r o≥ktr¦
(miserável, miserável), a≥£zw (lamento), a≥a√ (ai ai) e panÒdurton (mui pranteada).
A segunda parte do epigrama identifica a persona com Meleagro e a
caracteriza como alguém miserável, por lamentar a morte de sua amada. Mesmo
morta, Heliodora é caracterizada como kene¦n e≥j 'Ac◊ronta c£rin (vã graça que ruma
ao Aqueronte), ou seja, uma graça desperdiçada em um ambiente onde ela não faz
mais sentido. O quarto dístico retoma o roubo do poema anterior, mas agora o
agente é Hades, personificado pela seguinte imagem: ¢kma√on d' ¥nqoj ⁄fure kÒnij (e
a poeira suja a viçosa flor).
A parte final do epigrama é uma súplica à mãe Terra, indicando como ela
deveria acolher Heliodora em seu ventre gentilmente. Neste momento, a persona
ajoelha-se em prostração para que o seu desejo seja atendido.
Essa seção, dedicada à análise dos epigramas sobre Heliodora que tratam do
sofrimento da persona, tentou mostrar a faceta do relacionamento entre ambas.
Diferentemente do que foi visto nos epigramas dedicados à Zenófila, a relação era
muito mais de distância do que de proximidade: em apenas um epigrama deste ciclo
pode-se aventar que ambas estejam juntos de fato.
97
Tenta-se aliviar o sofrimento por meio do vinho (XLII), fuga (XLI) e por
imprecações que separassem Heliodora de algum companheiro (LI e LII), mas o
sofrimento acaba por chegar ao seu ápice com a morte da personagem. Poder-se-ia
aventar que a recorrência das lamentações e sofrimentos ao longo dos epigramas
seria, de certa forma, uma preparação do leitor para o sofrimento final que encerra o
ciclo.
3.2.3 Relação Eros-Heliodora
O grupo final de epigramas de Heliodora tratará da relação entre Eros e a
personagem, no sentido de explicitar como Eros ataca a persona por intermédio de
Heliodora. Os poemas em questão são: XLVIII (A.P. 5. 155), XLIX (A.P. 5.157), L
(A.P. 5.163), LIII (A.P. 5.214) e LIV (A.P. 5.215).
XLVIII é estruturado semelhantemente a XLVII, que Heliodora é
caracterizada como eÜlalon. Também o jogo de palavras que Meleagro muitas
vezes emprega nas finalizações de seus poemas, pois em XLVII o epigrama se
encerra com j C£ritaj risin (Graça com suas graças) e no poema XLVIII o
último dístico comporta: yuc¾n tÁj yucÁj (alma da minh’alma).
XLVIII (A.P. 5.155)
Dentro do meu coração o próprio Eros moldou
Heliodora de doce falar, alma da minh’alma.
XLVIII
'EntÕj œmÁj krad∂hj t¾n eÜlalon `Hliodèran·
yuc¾n tÁj yucÁj ⁄plasen aÙtÕj ”Erwj.
98
A imagem de Heliodora moldada no coração da persona, na verdade, pode
significar que Heliodora se transformou no próprio coração e por isso ela é “alma da
minh’alma”. O desejo por Heliodora incitado pelo deus é tamanho que passa a ser o
órgão pulsante que vida à persona, ou seja, uma relação de dependência por
parte da persona para com Heliodora. Assim, Eros determina essa transformação,
subordinando Heliodora e a persona aos seus domínios.
Sendo contíguo ao poema XLVIII, XLIX pode lhe ser complementar pelo seu
conteúdo. Neste epigrama, Eros também domina a cena e está nítida a sua
influência em Heliodora para que esta faça a persona sofrer.
XLIX (A.P. 5. 157)
Unha afiada de Heliodora, Eros te fez crescer:
teus arranhões penetram até o fundo do coração.
XLIX
TrhcÝj Ônux Øp' ”Erwtoj ¢n◊trafej `Hliodèraj·
taÚthj g¦r dÚnei kn∂sma kaπ œj krad∂hn.
O interlocutor da persona é a metonímia do seu sofrimento TrhcÝj Ônux (unha
afiada). Não se sabe a razão para tal sofrimento, mas pode-se inferir que seja pelo
ciúme provocado pela troca de parceiro. Assim como Eros une, ele desune e faz
sofrer.
99
A escolha da unha como instrumento do sofrer torna plástica a imagem, pois
sai da superfície e invade o corpo da persona, o que causa maior pathos no leitor
que tenta visualizar a imagem.
O autor usará a dor física como marca de seu sofrimento no poema seguinte,
L, ao associar Heliodora a uma abelha, e, portanto, ao seu ferrão, que ataca o
coração da persona.
L (A.P. 5. 163)
Abelha de flores nutrida, por que a pele de Heliodora
me tocas depois de abandonar os cálices primaveris?
Por acaso tu revelas que ela doce e insuportável ferrão
de Eros possui, sempre amargo ao coração?
Sim, parece que o dizes. Vá, amorosa e marcha 5
de volta sobre teus passos: há muito sabemos deste teu anúncio.
L
'Anqod∂aite m◊lissa, t∂ moi croÕj `Hliodèraj
yaÚeij, œkprolipoàs' e≥arin¦j k£lukaj;
à sÚ ge mhnÚeij, Óti kaπ glukÝ kaπ dusÒiston
pikrÕn ¢eπ krad∂v k◊ntron ”Erwtoj ⁄cei;
naπ dok◊w toàt' eipaj. ≥è fil◊raste, pal∂mpouj 5
ste√ce· p£lai t¾n s¾n o∏damen ¢ggel∂hn.
No primeiro dístico deste epigrama, coloca-se uma questão sobre o
abandono dos
e≥arin¦j k£lukaj (cálices primaveris) por parte da 'Anqod∂aite m◊lissa
100
(abelha de flores nutrida). Por conta do epíteto da abelha e porque ela toca a pele
de Heliodora, entende-se que não houve um abandono propriamente dito, apenas
uma troca: ou seja, Heliodora é alvo da abelha por ser equiparada aqui a uma flor.
Entretanto, uma virada no segundo dístico, ao se aventar a possibilidade
de a abelha ter tocado a pele da personagem. Na verdade, ela é um auspício
revelador de que Heliodora, assim como ela, possui um ferrão, o qual é
caracterizado como glukÝ kaπ dusÒiston / pikrÕn ¢eπ krad∂v k◊ntron ”Erwtoj ⁄cei
(doce e insuportável ferrão / de Eros possui, sempre amargo ao coração).
O último dístico constata tal hipótese naπ dok◊w toàt' eipaj (sim, parece que o
dizes) e mostra que a persona estava ciente de tal atributo de Heliodora p£lai t¾n
s¾n o∏damen ¢ggel∂hn (há muito sabemos deste teu anúncio).
O epigrama, portanto, caracteriza Heliodora como uma abelha cujo ferrão foi
dado por Eros, possuindo assim as características ambíguas do deus: glukÝ e
pikrÕn, ou seja, Heliodora é mais uma vez o instrumento pelo qual Eros faz com que
a persona sofra de amores.
O próximo epigrama analisado marca a relação amorosa como um jogo, cujos
protagonistas são Heliodora, Eros e a persona. Neste jogo, Eros lança para
Heliodora o coração da persona como uma bola, o que se remete ao ato de se
lançar uma maçã à amada convidando-a ao ato amoroso.
LIII (A.P. 5. 214)
Nutro um Eros, que joga bola; para ti, Heliodora,
ele lança o coração que bate em mim.
Vamos, recebe o Desejo jogador. E se me
lançares para longe de ti, não suportarei tal jogo baixo.
101
LIII
Sfairist¦n tÕn ”Erwta tr◊fw· soπ d', `Hliodèra,
b£llei t¦n œn œmoπ pallom◊nan krad∂an.
¢ll' ¥ge sumpa∂ktan d◊xai PÒqon· e≥ d' ¢pÕ seà me
˛∂yaij, oÙk o∏sei t¦n ¢p£laistron Ûbrin.
Em mais um epigrama a persona se coloca passiva diante de uma divindade
e de sua amada, ao transformar o seu coração no objeto que, ao ser aceito, marca o
ato amoroso. No primeiro dístico, pode-se entender Sfairist¦n tÕn ”Erwta tr◊fw
(Nutro um Eros que joga bola) como a presença de um amor que cresce dia-a-dia
dentro da persona.
O segundo dístico incita a personagem a aceitar a “bola”, o que marca o seu
consentimento para fazer parte desse jogo de amor. Entretanto, caso ela se desfaça
da bola, a persona pode não suportar tal jogo baixo, pois seu sofrimento será
tamanho que ela não resistirá.
O último epigrama que trata de Eros e Heliodora é uma súplica ao deus para
que ele aponte suas setas aladas para outros, pois a persona é o único alvo
aparente do deus, tema já previamente tratado em XXIV.
LIV (A.P. 5. 215)
Suplico-te, Eros, adormece o meu desperto desejo por Heliodora
em respeito à minha musa suplicante.
Sim, juro pelos teus arcos, que não sabem atingir
outro e sempre apontam contra mim setas aladas,
102
ainda que me mates, deixarei as letras 5
falantes: “Veja, estranho, a crueldade de Eros.”
LIV
L∂ssom', ”Erwj, tÕn ¥grupnon œmoπ pÒqon `Hliodèraj
ko∂mison a≥desqeπj moàsan œm¦n ≤k◊tin.
naπ g¦r d¾ t¦ s¦ tÒxa, t¦ m¾ dedidagm◊na b£llein
¥llon, ¢eπ d' œp' œmoπ ptan¦ c◊onta b◊lh,
e≥ kaπ me kte∂naij, le∂yw fwneànt œpπ tÚmbJ 5
gr£mmat',‘ ”Erwtoj Óra, xe√ne, miaifon∂an’.
O poema abre-se com uma súplica da persona, que nada mais é do que um
adormecimento do desejo ardente que ela sente por Heliodora. A persona respalda
o seu pedido ao inserir nos poema a musa suplicante, o que pode ser entendido
como uma referência aos próprios poemas que ela escreve: ou seja, a sua súplica
deve ser atendida por Eros, pois a persona compõe um poema súplice.
O segundo e terceiro dísticos são uma espécie de ameaça ao deus, pois caso
ele não atenda às suas súplicas, a persona registrará por escrito, ainda que seja
morta, ”Erwtoj Óra, xe√ne, miaifon∂na. (Veja, estranho, a crueldade de Eros.). O
fechamento do poema secom a morte da persona, que na verdade será causada
por Eros, já que todas as suas setas aladas acertam apenas a ela.
Nesta seção da análise, tentou-se mostrar que o domínio de Eros se deu por
meio de Heliodora, uma vez que todas as referências da influência de Eros na
personagem (unha afiada e ferrão) condizem com o instrumento principal de Eros:
103
setas aladas. Em soma, a associação entre Eros e Heliodora indica como o deus
age: por meio de uma personagem que incorporará os desígnios amorosos.
3.2.4 Considerações sobre o ciclo de Heliodora
Após a leitura dos epigramas dedicados à Heliodora, pode-se afirmar que eles
formam um ciclo, uma vez que se subdividem em temas que abarcam dois eixos
principais de relação amorosa e a influência divina na mesma. Em outras palavras, a
presença de diferentes temas que se completam nos possibiliza definir a
composição dos poemas para Heliodora como um ciclo. Os dois eixos da relação
amorosa são o elenco dos atributos que se admira no amado e os sofrimentos
amorosos. a influência divina é encontrada no domínio de Eros sobre os
amantes, como foi visto na última seção de análise.
O primeiro grupo de epigramas, cujo cenário foi o kômos, delineou a
caracterização de Heliodora como uma hetaira versada nos cantos e na arte do bem
falar, que possuiu doce fala e é persuasiva. Por conta do seu nome e também
pelo fato de a persona ter registrado em XLIII, Heliodora é duplamente divinizada por
ser um presente de Hélio e por ser comparada a uma das Graças. A influência de
Hélio é marcada pelo seu resplandecer (XLV), que sobrepuja a beleza das flores.
O segundo grupo marca a conturbada relação entre a persona e Heliodora,
permeada pelas lágrimas e pelo ciúme. Com a leitura destes poemas, delineia-se o
desejo da persona de obter Heliodora somente para si, o que seria a solução para
tanto sofrimento. Entretanto, o relacionamento entre ambas foi marcado muito mais
pela ausência/separação do que pela presença/gozo, o que culminou na última
instância do sofrimento amoroso: a morte do amado.
104
Por fim, o terceiro grupo de epigramas tentou, de certa forma, justificar o
sofrimento da persona por conta dos prazeres de Eros: tal sofrimento foi concedido
pela divindade, que fez prevalecer os seus caprichos por intermédio de Heliodora.
3.3 RELAÇÕES INTRACICLO: MISCO
O último grupo de poemas a ser analisado nessa dissertação é dedicado a
um jovem rapaz, Misco. Os poemas, então, são homoeróticos e, portanto,
encontrados no livro XII da Antologia Palatina.
Por mais que não se encontre a entrada muiskoj, Ð dicionarizada
105
como um
vocábulo único, impedindo-nos de traçar com precisão a etimologia de seu nome,
pode-se aventar algumas tentativas de se entender o nome da personagem a partir
da entrada que contempla o vocábulo, muiskh, ¹, que pode significar o diminutivo de
màj, Ð – rato, ou ainda, mexilhão. Existem apenas duas ocorrências para muiskoj, Ð, e
dentre elas apenas a de Marcellus Sidetes em De Piscibus Fragmentum 38, se
aproxima possivelmente do nome da personagem em questão, pois se
considerarmos que referências a Tiro como a cidade de origem de Misco e que
essa é uma cidade costeira, faria mais sentido compreender muiskoj, Ð como
mexilhão; mas isso é apenas uma hipótese.
Os poemas contemplados nessa parte da análise são: LXXVI (A.P. 12.94),
LXVIII (A.P.12.256), XCIX (A.P.12.23), C (A.P.12.59), CI (A.P.12.65), CII (A.P.12.70),
CIII (A.P.12.101), CIV (A.P.12.106), CV (A.P.12.110), CVI (A.P.12.144), CVII
(A.P.12.154), CVIII (A.P.12.159) e CIX (A.P.12.167).
Tal qual nos ciclos analisados acima, os epigramas cuja personagem principal
é Misco, serão subdividos em três grupos temáticos: 1) atributos físicos; 2)
105
Liddell & Scott.
105
sofrimentos amorosos e 3) relação Eros-Misco. O primeiro grupo (LXXVIII, C, CIV,
CVII e CVIII) reúne os epigramas que caracterizam Misco. O segundo (LXXVI, CI e
CII) abarca os sofrimentos amorosos da persona e a sua relação desigual com
Misco. Por fim, o terceiro grupo (XCIX, CIII, CV, CVI e CIX) abrange os epigramas
que explicitam uma relação interdependente de influências entre Eros e Misco e em
certa medida, entre ele e a persona.
3.3.1 Atributos físicos
Como tem sido visto, Meleagro se vale da metáfora da guirlanda em diversos
epigramas. Em LXXVIII, o feitor de uma guirlanda rica em frutos juvenis é Eros, o
qual desempenha tal tarefa para presentear Cípris. Muitas personagens são
nomeadas e a elas são atribuídas flores/plantas e algumas características. Todavia,
Misco é a personagem em destaque por ocupar dois dísticos completos fechando a
lista:
LXXVIII (A.P. 12. 256)
Eros reuniu para ti com sua própria mão, Cípris,
frutuosa guirlanda que engana as almas, flor de jovens.
Entrelaçou o lírio branco e doce de Diodoro,
e Asclepíades, doce lírio,
e enredou Heráclito, tendo posto a rosa longe do espinho, 5
e Díon, que floresceu como um cacho de uva.
E uniu o loiro Téron, cabelo de açafrão,
e uniu também um raminho de tomilho, Ulíade.
E Misco de cabelo delicado, rebento sempre verde da oliva,
106
desejados ramos de virtude, ele recolheu. 10
A mais fortunada entre as ilhas é a sagrada Tiro, que tem um bosque
perfumado pelos garotos porta-flores de Cípris.
LXXVIII
P£gkarpÒn soi KÚpri kaqˇrmose ceirπ trugˇsaj
pa∂dwn ¥nqoj ”Erwj yucap£thn st◊fanon.
œn m\en g¦r kr∂non ¹dÝ kat◊plexen DiÒdwron,
œn d' 'Asklhpi£dhn, tÕ glukÝ leukÒion.
naπ m¾n `Hr£kleiton œp◊pleken æj ¢p' ¢k£nqhj 5
qeπj ˛Òdon, o≥n£nqh d' éj tij ⁄qalle D∂wn·
crusanqÁ d\e kÒmaisi krÒkon, Qˇrwna, sunÁyen,
œn d' ⁄bal' ŒrpÚllou klwn∂on OÙli£dhn.
¡brokÒmhn d\e‹Muiskon, ¢eiqal\ej ⁄rnoj œla∂hj,
≤mertoÝj ¢r◊tÁj klînaj, ¢pedr◊peto. 10
Ñlb∂sth nˇswn ≤er¦ TÚroj, ¿ tÕ murÒpnoun
¥lsoj ⁄cei pa∂dwn KÚpridoj ¢nqofÒrwn.
Por conta da semelhança entre o proêmio de Meleagro e este poema, dada
pela metáfora da guirlanda e pela presença de personagens associadas a
flores/plantas, muitos comentadores defenderam, embora não mais o façam, a
seguinte tese: se a hipótese de Meleagro ter dividido os seus epigramas, ou de ter
havido outras recolhas antes da Guirlanda em seções, fosse verdadeira, então o
epigrama acima seria provavelmente o proêmio da seção homoerótica
106
.
106
Guidorizzi (1992, p. 126 nota 18) “O epigrama de Meleagro era provavelmente o prólogo da recolha de
epigramas homossexuais de Meleagro que o autor havia publicado em Tiro, na sua juventude. Em seguida a ideia
107
O epigrama é composto de seis dísticos, podendo ser dividido em três partes:
1) primeiro dístico, que estabelece o fabricante e o destinatário da guirlanda; 2)
dísticos intermediários, que se referem a como essa guirlanda é entrelaçada; e 3)
caracterização de Tiro, de onde os jovens são.
O primeiro dístico se abre com o principal atributo desta guirlanda, P£gkarpÒn
(frutuosa), que antecipa a diversidade de “flores/plantas” a serem descritas no corpo
do poema. O referente deste termo no texto original, yucap£thn st◊fanon (guirlanda
que engana almas), está distanciado, colocado depois do destinatário (KÚpri) e do
fabricante (”Erwj) no final do segundo verso do dístico. Tal ordenação destaca o
presente e o destinatário, o que deixa o fabricante em segundo plano, típica
organização dos epigramas votivos. É interessante notar que existe uma referência
à personificação no ato de Eros ao reunir os jovens - ceirπ trugˇsaj (tendo reunido
com sua própria mão), o que pode se referir ao cuidado/ rigor da escolha: apenas os
mais belos jovens compõem a guirlanda.
Os dísticos intermediários mostram cada personagem associada a uma flor
ou planta. Entre as personagens elencadas, Misco é o único a receber dois
atributos: ¡brokÒmhn (de cabelo delicado) e ¢eiqal\ej ⁄rnoj œla∂hj (rebento sempre
verde da oliva).
O dístico final traz a ilha de origem dos jovens: Tiro, caracterizada como
sagrada e detentora de um bosque perfumado pelos jovens porta-flores de Cípris. A
referência a “portar flores” pode se relacionar com algum culto à deusa, ou seria
vem aproveitada pelo mesmo Meleagro para compor o prólogo da Guirlanda poética.” Gow & Page (2008, vol.
II, p. 650) “Existem duas óbvias possibilidades teóricas: (a) que era esse um prefácio para os poemas paidik£
reunidos por Meleagro na Guirlanda; essa teoria é agora descartada, uma vez que (além de outras objeções) é
geralmente aceito que não havia tal recolha; os epigramas paidik£ foram desmembrados entre outros epigramas
eróticos, como no Papiro de Berlin; (b) que ele era um prefácio de uma coleção própria de epigramas paidik£ de
Meleagro, colocados separadamente (mais tarde incluídos, junto a poemas eróticos de outros tipos e de outras
fontes, na Guirlanda. Sobre essa teoria, respondemos que nada se sabe sobre tal coleção, e que o presente poema
é simplesmente uma lista de jovens conhecidos por Meleagro em um lugar particular, Tiro [...].”
108
apenas uma estratégia de arremate do poema, na medida em que o ato de “portar
flores” materializaria a atribuição de cada uma delas a cada uma das personagens.
O epigrama seguinte traz a característica mais realçada no ciclo de epigramas
de Misco: o seu reluzir, o seu destaque.
C (A.P. 12. 59)
Por Eros, graciosos os que Tiro cria; mas Misco,
fulgurante, apaga as estrelas, um sol.
C
`AbroÚj, naπ tÕn ”Erwta, tr◊fei TÚroj· ¢ll¦ Muiskoj
⁄sbesen œkl£myaj ¢st◊raj º◊lioj.
Este dístico retoma alguns elementos do poema anterior e ratifica o destaque
merecido por Misco. Como elucidado no poema LXXVIII, Tiro possui os jovens mais
belos e dignos de serem escolhidos por Eros para comporem uma seleção dedicada
à Afrodite. Aqui eles são caracterizados como `AbroÚj (graciosos) e estão
generalizados, sem serem nominados. A persona faz, então, uma distinção entre
este grupo bem qualificado - ¢st◊raj (estrelas) - e Misco, que se destaca do grupo
por seu fulgor (⁄sbesen), comparando-o ao sol (º◊lioj).
A posição de Misco no dístico corrobora a sua comparação com o sol, pois
º◊lioj se encontra na mesma posição final do verso, destacando essa característica
da personagem. Vale dizer que todo o segundo verso, por conter vocábulos da
mesma ordem semântica (luz ou ausência da mesma), também corrobora a sua
109
caracterização. Nesse sentido, o epigrama se alinha aos de Heliodora, por serem
relacionados à luz.
Em certa medida, CIV segue na mesma linha de pensamento de LXXVIII e C,
porque trabalha o âmbito da visão. Dessa forma, a caracterização da personagem é
depreendida pela visão na maior parte dos epigramas a Misco dedicados.
CIV (A.P. 12. 106)
Uma única beleza conheço, uma somente conhece
meu olho curioso: olhar Misco. Para todas as outras sou cego.
Para onde quer que olho, ele é o que vejo. Acaso os olhos,
aduladores, fitam para agradar a alma?
CIV
flEn kalÕn oida tÕ p©n, Ÿn moi mÒnon oide tÕ l∂cnon
Ômma, Muiskon Ðr©n· t«lla d\e‹tuflÕj œgè.
p£nta d œke√noj œmoπ fant£zetai· «r' œsorîsin
Ñfqalmoπ yucÍ prÕj c£rin o≤ kÒlakej;
Os dois dísticos que compõem este epigrama tratam do efeito da beleza de
Misco na persona, que a sua beleza é o fulgurante que cega a persona para
todas as outras coisas que estão ao seu redor: a persona, portanto, consegue ver a
beleza de Misco, pois todo o resto foi ofuscado.
No primeiro dístico, Misco é mais uma vez comparado com o todo, nesse
momento generalizado por p©n (de tudo). Ele é a única coisa que os olhos
curiosos da persona conseguem depreender devido à beleza do jovem, que ao
110
mesmo tempo hipnotiza e cega, como a persona constata ao final do primeiro
dístico: t«lla d\e‹tuflÕj œgè (para todas as outras sou cego). A persona se
caracteriza como tendo um olho curioso ( l∂cnon Ômma). Esse é um dado
importante que condirá com o possível fato de que ela é mais velha do que Misco,
como veremos na análise dos poemas da segunda seção. Sendo assim, a
curiosidade pode ser associada à experiência trazida pela idade ou, então, ao
interesse da parte da persona por jovens na flor da idade.
O segundo dístico é uma pergunta retórica que a persona lança ao seu leitor,
na tentativa de explicar o motivo de ela estar cega para todo o resto, conseguindo
enxergar diante de si apenas Misco.
Como em XXIX e XLI, a persona não consegue fugir da dominação exercida
pelas personagens Zenófila e Heliodora, respectivamente, mas agora no âmbito da
visão. Em XXIX, XLI e CIV a dominação é física, mas se desdobra em diferentes
aspectos, pois 1) a persona está cercada pelos amores em XXIX; 2) em XLI, a
dominação depende da falta de força da persona para fugir; 3) em CIV, um órgão
domina as ações da persona.
Dessa maneira, o poema CIV marca a incapacidade da persona de dominar a
si mesma por conta dos seus olhos bajuladores, que apenas buscam a beleza de
Misco. Nos três ciclos temos buscado mostrar, por meio da caracterização das
personagens, que o amor faz com que a persona esteja em uma condição de
subordinação: ela não depende de si, mas de outros.
O epigrama CVII acentua a caracterização de Misco ao ressaltar a sua beleza
e a incapacidade da persona de controlar os seus olhos sem amá-lo.
CVII (A.P. 12. 154)
111
Doce é o jovem, para mim, até no nome Misco é adocicado
e agraciado: que motivo tenho para não amá-lo?
Pois belo é, por Cípris, todo belo: mesmo se me atormenta,
Eros sabe mesclar o amargo ao mel.
CVII
`HdÝj Ð pa√j, kaπ toÜnom' œmoπ glukÚj œsti Muiskoj
kaπ car∂eij· t∂n' ⁄cw m¾ oÙcπ file√n prÒfasin;
kalÕj g£r, naπ KÚprin, Óloj kalÒj· e≥ d' ¢nihrÒj,
oide tÕ pikrÕn ”Erwj sugker£sai m◊liti.
No primeiro dístico, a caracterização contempla o mesmo eixo, a doçura, com
termos sinônimos `HdÝj (doce), glukÚj (adocicado) e car∂eij (agraciado) culminando
em mais uma pergunta retórica da persona: t∂n' ⁄cw oÙcπ file√n prÒfasin; (que
motivo tenho para não amá-lo?).
A caracterização da personagem continua no primeiro verso do segundo
dístico com o adjetivo comumente usado tanto em vasos com representações
eróticas quanto em epigramas amorosos: kalÕj r, naπ KÚprin, Óloj kalÒj (pois
belo é, por Cípris, todo belo).
Os segundos versos dos dois dísticos se completam porque, de certa forma, o
último verso do poema responde a questão presente no segundo ao ratificar o duplo
domínio de Eros: oide tÕ pikrÕn ”Erwj sugker£sai m◊liti (Eros sabe mesclar o amargo
ao mel). Dessa forma, o referido doce de Eros é Misco, enquanto o amargo é o
sofrimento causado na persona.
112
Assim, a beleza contemplada pela persona ao mesmo tempo adula os seus
olhos, provocando o amor, e faz com que ele sofra, pois Misco está fora de seu
alcance.
O poema final desta seção de análise trata dos mesmos temas, pois traz a
caracterização da personagem e a dependência da persona para com Misco.
CVIII (A.P. 12. 159)
Em ti, Misco, as rédeas de minha vida estão atadas.
A ti pertence o fôlego que ainda sobeja na minh’alma.
Por teus olhos, rapaz, que falam até aos surdos,
e pela tua sobrancelha luminosa, juro,
se um dia lançares olhar nebuloso, terei visto o inverno, 5
mas, se olhares feliz, doce a primavera terá florescido.
CVIII
'En soπ t¢m£, Muiske, b∂ou prumnˇsi' ¢nÁptai,
œn soπ kaπ yucÁj pneàma tÕ leifq\en ⁄ti.
naπ g¦r d¾ t¦ s£, koàre, t¦ kaπ kwfo√si laleànta
Ômmata, naπ m¦ tÕ sÕn faidrÕn œpiskÚnion,
½n moi sunnef\ej Ômma b£lVj pot◊ ce√ma d◊dorka, 5
Àn d' ≤larÕn bl◊yVj, ºdÝ t◊qhlen ⁄ar.
O epigrama se divide em três momentos distintos, mostrando como a persona
depende de Misco por causa do amor. O primeiro dístico usa da metáfora equestre
para exemplificar o quanto as vidas da persona e da personagem estão ligadas.
113
Além disso, o fôlego que resta na persona pertence à Misco. Essas metáforas,
então, dimensionam a relação de ambos sob o ponto de vista da persona.
O segundo dístico caracteriza a personagem com o poder de sua visão: seus
olhos kwfo√si laleànta (que falam até aos surdos) e a sua faidrÕn œpiskÚnion
(sobrancelha luminosa). A primeira característica será retomada nos poemas a
serem analisados na subdivisão a seguir e será a grande causa dos sofrimentos
amorosos. a segunda corrobora o visto em C, ou seja, a característica fulgurante
da personagem.
O dístico final do poema exemplifica o poder dos olhos da personagem sobre
a persona. O olhar da personagem, que expressa o seu humor, é capaz de
manipular o que a persona vê.
Tendo esses elementos em vista, a leitura do poema esclarece, com o
primeiro e o terceiro dístico, que a persona vive em função do seu amor por Misco e
que este pode manipulá-lo tal qual a mudança das estações do ano.
Os epigramas que compuseram essa subdivisão da análise trataram das
características elementares da personagem Misco, cuja caracterização foi delineada
no âmbito da beleza da personagem (LXXVIII - cabelo delicado, C seu brilho, CIV
única beleza, CVII todo belo e graça) e do poder de seus olhos/olhar (CVIII
olhos que falam até aos surdos.) Assim, a caracterização da personagem é
fundamental para traçar a dependência amorosa da persona vista em alguns
poemas dessa parte, mas que estão em maior evidência na subdivisão seguinte.
3.3.2 Sofrimentos amorosos
114
São três os epigramas que compõem essa subdivisão: LXXVI, CI e CII. Todos
eles mostram quão conturbada é a relação entre a persona e Misco e como ela é
permeada pelo ciúme e pela dominação por parte do último.
O primeiro epigrama a ser analisado traz, como em LXXVIII, vários
personagens e o que cada um tem de melhor em seu físico. Misco, contudo, é o
único cuja característica não é anunciada, mas preservada por conta do ciúme que a
persona demonstra no último dístico.
LXXVI (A.P. 12. 94)
Pelo peito, Diodoro; pelos olhos, Heráclito,
pela doce voz, Dion, pelas nádegas, Ulíade.
Pois que tu, Filócles, possas tocar a pele macia de um,
olhar para o outro, com o outro falar e com outro fazer o resto.
Vê como o meu pensamento não é ciumento. Mas se curioso 5
olhares para Misco, que não mais vejas o belo.
LXXVI
St◊rnoij m\en DiÒdwroj, œn Ômmasi d' `Hr£kleitoj,
¹duep¾j d\e D∂wn, ÑsfÚi d' OÙli£dhj·
¢ll¦ sÝ m\en yaÚoij ¡palÒcrooj, ú d◊, FilÒkleij,
⁄mblepe, tù d\e l£lei, tÕn d\e tÕ leipÒmenon·
æj gnùj oƒoj œmÕj nÒoj ¥fqonoj· Àn d\e‹MuiskJ 5
l∂cnoj œpibl◊yVj, mhk◊t' ∏doij tÕ kalÒn.
115
O primeiro dístico estabelece o que cada personagem tem de destaque,
sendo que das quatro características apontadas, duas delas são tácteis (St◊rnoij
pelo peito; ÑsfÚi pelas nádegas), uma é visual (œn Ômmasi pelos olhos) e uma é
musical (¹duep¾j – pela doce voz).
Além das personagens caracterizadas pela persona, existe um interlocutor
para o qual as caracterizações são ditas, Filócles. Poder-se-ia aventar que todas
essas personagens estivessem em um kômos e que ao observar todos os jovens, a
persona mostrasse para o seu companheiro de festa o que ele poderia aproveitar de
cada um, como vemos no primeiro dístico.
O segundo dístico relata, na mesma ordem das personagems apresentadas,
o que a persona espera que Filócles faça com cada um: ¢ll¦ m\en yaÚoij
¡palÒcrooj, ú d◊, FilÒkleij, / ⁄mblepe, d\e lei, tÕn d\e leipÒmenon· (pois que tu,
Filócles, possas tocar a pele macia de um, / olhar para o outro, com o outro falar e
com o outro fazer o resto).
O dístico final carrega uma contradição, pois a persona, no primeiro verso, ao
elencar todos os jovens nos versos anteriores, mostra o quanto ele não é ciumento:
tanto a persona quanto Filócles podem aproveitar o que cada jovem tem de melhor.
Entretanto, é colocada uma adversativa que contradiz o enunciado: Àn d\e‹MuiskJ /
l∂cnoj œpibl◊yVj, mhk◊t' ∏doij kalÒn (mas se curioso / olhares para Misco, que não
mais veja o belo). Em outras palavras, Misco, que está junto do grupo de jovens, não
pode ser desejado por Filócles e a persona, desse modo, relata o seu ciúme.
Gow&Page, no comentário sobre esse epigrama, trazem duas possibilidades
de interpretação para o final do último verso - tÕ kalÒn (o belo):
[...] o sentido é geralmente é “se você colocar seus olhos ganansiosos em
Misco, que você não mais possa ver o belo”; isso não parece verdadeiro
116
aqui (ti kalÒn seria melhor), mas a alternativa “que você não mais enxerge
bem” ( kalÒn = kalîj, cf. Calímaco 1066, Gow sobre Teócr. 3.3,
Headlam sobre Hdas 1.54) é bem menos aceitável
107
.
Levando em consideração tais comentários, pode-se entender a finalização
do epigrama como uma sutil ameaça de 1) morte ou 2) do fim da amizade e
companheirismo entre a persona e Filócles. Se tomarmos a primeira opção como
mais verossímil, a persona, ao dizer que Filócles o mais verá o belo, quer dizer
que Filócles pode ser morto e assim não mais verá coisa alguma. Se a segunda
opção for seguida, nunca mais Filócles colocará seus olhos em Misco, pois a
persona não mais admitirá a companhia de Filócles nos festejos e sua visão se
prejudicada.
Com a leitura do poema, vê-se que mais uma vez a relação entre a persona e
a personagem é perpassada pela insegurança e pela possibilidade de traição a
qualquer momento, o que será evidente nos dois epigramas seguintes CI e CII.
Enquanto em LXXVI a persona aparentemente tem uma relação exclusiva
com Misco, em CI e CII, ela não pode controlar a possível ação de Zeus. Em ambos
os poemas existe referência ao mito de Ganimedes, jovem pastor considerado o
mais belo dos mortais. Aos pastorear os rebanhos de seu pai nas montanhas de
Tebas, Ganimedes foi raptado por Zeus por tê-lo inflamado de amores. No Olimpo, o
jovem substituiu Hebe, divindade da juventude, na função de escanção de néctar. O
mito exemplifica um dos principais medos da persona: perder Misco para Zeus, pois
Misco é o mais belo entre os jovens de Tiro.
CI (A.P. 12. 65)
107
Gow&Page (2008, vol. II p. 650).
117
Se Zeus é ainda aquele que raptou Ganimedes
esplendoroso para ter um escanção de néctar,
é vital que eu esconda o belo Misco sob as vísceras
para que aquele não circunvoe o jovem sem que eu o veja.
CI
E≥ ZeÝj ke√noj ⁄t' œstπn, Ð kaπ Ganumˇdeoj ¢km¾n
¡rp£xaj, ∑n' ⁄cV n◊ktaroj o≥nocÒon,
pÁ moπ tÕn kalÒn ⁄stin œnπ spl£gcnoisi Muiskon
krÚptein, mˇ me l£qV paidπ balën pt◊rugaj;
O epigrama se abre com uma sentença condicional que traz o mito como
exemplo do que pode acontecer com a persona. Ao se valer do mito, a persona
equipara Misco a Ganimedes, pois Misco, assim como a personagem mitológica, é
¢km¾n (esplendoroso). A condicional colocada na verdade não impõe uma condição
real, pois é dado que Zeus não muda, ou seja, ele ainda é o mesmo que raptou
Ganimedes. Sendo assim, a oração condicional é um modo de introduzir a
insegurança da persona no poema.
O primeiro dístico se refere a um ato vitorioso de Zeus, ao passo que o
segundo alude à derrota de Zeus para Prometeu, quando este engana aquele
preparando um boi dividido em duas partes:
[...] Quando se dicerniam Deuses e homens mortais
em Mecona, com ânimo atento dividindo ofertou
grande boi, a trapacear o espírito de Zeus:
aqui pôs carnes e gordas vísceras com a banha
118
sobre a pele e cobriu-as com o ventre do boi,
ali os alvos ossos do boi com dolosa arte
dispôs e cobriu-os com a brilhante banha.
[...] Zeus de imperecíveis desígnios
soube, não ignorou a astúcia; nas entranhas previu
males que aos homens mortais deviam cumprir-se.
Com as duas mãos ergueu a alva gordura,
raivou nas entranhas, o rancor veio ao seu ânimo,
quando viu alvos ossos do boi sob dolosa arte
108
.
No epigrama, o dolo da persona advirá do ato de esconder Misco sob as
próprias vísceras, o que poderia fazer com que a divindade fosse enganada e que a
exclusividade da persona fosse mantida.
O poema complementar, CII, retrabalha o tema do rapto de Ganimedes para
ilustrar o que poderia acontecer com Misco.
CII (A.P. 12. 70)
Opor-me-ei até a Zeus se ele, Misco,
quisesse te raptar para escanção de néctar.
Porém ele mesmo muitas vezes me disse: “Por que temes?
Não quero te enciumar. Padeci e sei apiedar-me.”
Assim falou. E eu, se uma mosca passar, 5
temo que Zeus tenha mentido para mim.
CII
108
Hesíodo. Teogonia v. 535-555. Tradução de Jaa Torrano (2001).
119
Stˇsom' œgë kaπ ZhnÕj œnant∂on, e≥ s◊, Muiske,
¡rp£zein œq◊loi n◊ktaroj o≥nocÒon.
ka∂toi poll£kij aÙtÕj œmoπ t£d' ⁄lexe· ‘t∂ tarbe√j;
oÜ se balî zˇloij· oida paqën œlee√n’.
cç m\en d¾ t£de fhs∂n· œgë d', Àn mu√a paraptÍ, 5
tarbî, m¾ yeÚsthj ZeÝj œp' œmoπ g◊gonen.
O epigrama se divide em três dísticos que elucidam três momentos diferentes:
1) a persona expressa a sua atitude caso Zeus decida raptar Misco; 2) Zeus fala
diretamente tentando persuadir a persona de que Misco não seraptado; e 3) a
persona desconfia da fala de Zeus.
O início do epigrama traz ao leitor a situação-problema a ser enfrentada pela
persona - o rapto de Misco para escanção de Zeus e a reação dela, caso isso
aconteça : Stˇsom' œgë kaπ ZhnÕj œnant∂on (opor-me-ei até a Zeus).
O segundo dístico começa com uma conjunção adversativa que introduz a
aparente recorrência de tal problema: ka∂toi poll£kij aÙtÕj œmoπ t£d' ⁄lexe· t
tarbe√j; / se balî zˇloij· oida paqën œlee√n(porém ele mesmo muitas vezes me
disse: “Por que temes? / Não quero te enciumar. Padeci e sei apiedar-me.) A
persona informa então que muitas vezes já houve essa insegurança e que Zeus não
raptou Misco. A segunda parte do quarto verso parece indicar que tal rapto não
ocorreu por um insucesso de Zeus. Em outras palavras, ao utilizar paqën (padeci),
Zeus, em sua resposta, insinua que ele padeceu e sabe apiedar-se daqueles que
sofrem o mesmo. Pode-se aventar que Misco não se deixou levar pelo deus e o fez
sofrer, como ele também o faz com a persona.
120
O dístico final apresenta a descrença da persona em Zeus e exemplifica tal
sentimento com uma possível mutação de que o deus pode se valer para raptar
Misco. A referência à mutação de Zeus em mosca alude às várias mutações do deus
presentes na mitologia, para consumar as suas uniões amorosas, especialmente
com mortais, como, por exemplo a sua mutação em Anfitrião para seduzir Alcmena e
o seu disfarce de sátiro para unir-se à Antíope.
Por mais que Zeus garanta, por meio do discurso, que não raptará Misco, a
persona ainda desconfia de tal colocação por saber que a possibilidade da
consumação do fato existe, pois se Eros assim decidir, não se poderá lutar contra.
Em síntese, esta subdivisão dos epigramas dedicados a Misco tentou mostrar
que a relação entre a persona e a personagem é mais uma vez foi permeada por
sofrimentos. Entrentanto, como no ciclo de Heliodora, o sofrimento é causado pela
não exclusividade da persona como parceira da personagem, ou seja, em todos os
poemas em questão existe uma insegurança causada pela possibilidade da perda
do amado, embora em nenhum poema tenha ficado explícito que Misco de fato
possuía outros amantes.
3.3.3 Relação Eros-Misco
Os epigramas desta seção final são XCIX, CIII, CV, CVI e CIX e traçam como
Eros, Misco e a persona se interligam na relação amorosa entre a personagem e a
persona, como visto também nos ciclos anteriores.
Os dois primeiros poemas a serem analisados mostram a submissão da
persona a Misco e como isso foi realizado através dos ardis de Eros. Nesse
momento, a relação Eros-Misco não é direta, pois a persona aqui é apresentada
121
como joguete do deus, mas isso somente é possível graças ao amor por Misco
instigado pelo próprio deus.
Em XCIX existe um contraste entre a persona e os jovens nos seus festins de
amor em dois momentos diferentes: antes, quando a persona zombava dos festins
dos quais não fazia parte, e agora, quando a persona está apaixonada por um
jovem.
XCIX (A.P. 12. 23)
Fui pego, eu que, antes, dos jovens
nos festins doentes de amor, muitas vezes ri.
E em teu umbral, Misco, Eros alado
colocou-me, tendo inscrito: “Butim ganho da Temperança.”
XCIX
'HgreÚqhn <Ð> prÒsqen œgè pote to√j dus◊rwsi
kèmoij ºiq◊wn poll£kij œggel£saj·
ka∂ m' œpπ so√j Ð ptanÕj ”Erwj proqÚroisi, Muiske,
stÁsen œpigr£yaj, ‘skàl' ¢pÕ SwfrosÚnhj’.
No primeiro dístico somos supreendidos com a captura da persona logo no
início do verso 'HgreÚqhn (fui pego) em meio a um mos, como podemos inferir,
que a persona antes zombava dos festins: <Ð> prÒsqen œgè pote to√j dus◊rwsi /
kèmoij ºiq◊wn poll£kij œggel£saj (eu que, antes, dos jovens / nos festins doentes de
amor, muitas vezes ri).
122
O segundo dístico apresenta o insucesso deste amor, pois a persona está no
umbral de Misco, que representa a separação de ambos e que carrega uma
inscrição de Eros skàl' ¢pÕ SwfrosÚnhj(Butim ganho da Temperança). O ato de
prostrar-se diante do umbral do (a) amado (a) era uma prática amorosa comum que
podia ser acompanhada por uma guirlanda, ou por uma inscrição feita na porta que
fale da relação de ambos. As duas inscrições presentes nos ciclos analisados (LIV e
XCIX) mostram o poder de Eros em subjugar a persona, escritas provavelmente na
lápide da persona (LIV) ou na porta do amado (XCIX).
A zombaria por parte da persona e a inscrição do final do epigrama que traz a
palavra SwfrosÚnhj (temperança) possivelmente são indícios de que existe diferença
de idade entre a persona e Misco, o grande impasse na relação de ambos. A
temperança, característica de idade mais madura, foi vencida pelo amor insuflado
por Eros. Tal amor tornou a persona submissa, a qual foi provavelmente rejeitada
pelo jovem, como se infere na leitura dos poemas do ciclo. Em CIII, adiante, elucida-
se a discrepância de idade entre as personagens e a postura de cada uma diante
deste fato.
A persona se apresenta como objeto de Eros e, portanto, de seus domínios,
também no poema CIX, quando ela, ao sair de um kômos, é guiada até o umbral de
Misco. O fato de a persona e Misco não estarem juntos no festim pode denotar que
ela não teria nada para celebrar, apenas goas para se lamentar bebendo.
Provavelmente, a persona se encontra bêbada, o que pode ser inferido por ela ter
saído de uma pândega e pela imagem marítima empregada no poema. Em outras
palavras, além da metáfora marítima ser um topos do epigrama erótico, ela pode
sugerir a embriaguez e tontura da persona.
123
CIX (A.P. 12. 167)
O vento é invernal, mas Eros doce-amargo me leva
a ti, Misco, arrebatado das pândegas.
Com vento violento o Desejo fustiga, mas
recebe-me no porto, eu, nauta no mar de Cípris.
CIX
Ceim◊rion m\en pneàma, f◊rei d' œpπ so∂ me, Muiske,
¡rpastÕn kèmoij Ð glukÚdakruj ”Erwj·
ceima∂nei d\e barÝj pneÚsaj PÒqoj· ¢ll£ m' œj Órmon
d◊xai tÕn naÚthn KÚpridoj œn pel£gei.
O vento invernal (Ceim◊rion m\en pneàma) que inicia o epigrama é retomado no
início do segundo dístico com vocábulos de mesma raiz (com vento violento fustiga -
ceima∂nei d\e barÝj pneÚsaj). Todos esses elementos situam temporalmente o
epigrama: no inverno quando o mar é agitado. A agitação do mar no inverno e o
arrebatar da persona das pândegas são elementos que caracterizam a ação de Eros
doce-amargo, ou seja, os altos e baixos da relação amorosa entre a persona e
Misco. A repetição dos termos também pode denotar a fustigação à qual o Desejo
submete a persona.
Além de subjugada a Eros, a persona também está sob o domínio do Desejo
e, por conseguinte, de Misco. Tomado pelo desejo, a persona vai até a porta de
Misco e clama para ser aceito por ele. O último verso, a súplica da persona, pode
ser entendido metaforicamente como o próprio ato sexual que ela deseja consumar
124
com Misco, pois este deve recebê-lo em seu porto: Misco seria assim o parceiro
passivo da persona.
CIII é o único epigrama dentre os ciclos analisados que possui a reprodução,
em falas diretas, de um diálogo entre a personagem e a persona no qual ambas
esclarecem o papel de cada uma nesta relação amorosa: Misco, o amado que se
sente vitorioso por dobrar, pelo amor, um homem mais velho (sábio) e a persona,
amante que sabe da sua condição submissa ao amor e a Misco.
CIII (A.P. 12. 101)
O meu peito invulnerável aos Desejos, Misco
com seus olhos flechou e essas palavras gritou:
“Eu capturei o atrevido. Vê como espezinho sobre aquela
sobrancelha insolente que carrega sabedoria régia”.
Mas, tomando fôlego suficiente, isso eu disse: “Caro rapaz, 5
por que te espantas? Mesmo a Zeus Eros fez descer do Olimpo!”
CIII
TÒn me PÒqoij ¥trwton ØpÕ st◊rnoisi Muiskoj
Ômmasi toxeÚsaj toàt' œbÒhsen ⁄poj·
tÕn qrasÝn eƒlon œgè· tÕ d' œp' ÑfrÚsi ke√no frÚagma
skhptrofÒrou sof∂aj ºn∂de possπ patî’.
tù d', Óson ¢mpneÚsaj tÒd' ⁄fhn· ‘f∂le koàre, t∂ qambe√j; 5
kaÙtÕn ¢p' OÙlÚmpou ZÁna kaqe√len ”Erwj’.
125
O dístico inicial caracteriza a persona como tÒn me PÒqoij ¥trwton
(invulnerável aos Desejos), mas desconstrói tal afirmação na sequência do
primeiro verso e no segundo, pois Misco aqui comparado claramente com Eros -
ØpÕ st◊rnoisi Muiskoj / Ômmasi toxeÚsaj (Misco o meu peito / com seus olhos
fechou) quebrou a invencibilidade da persona. Desse modo, a caracterização de
ambos será refletida nas falas distribuídas nos dísticos seguintes: Misco se vangloria
de ter submetido a persona, tal como Eros se regozija em ver o amante sofrer, como
bem ilustrado em VI, enquanto a persona admite o seu amor e justifica-o com um
mito.
O segundo dístico traz a fala direta de Misco contendo uma imagem nítida de
submissão: Misco pisa sobre a sobrancelha sábia, isto é, Misco submeteu um
homem mais velho (sábio), que talvez fosse insolente por não admitir rapidamente
os seus amores pelo jovem.
Tal fala arrebata o fôlego da persona que, desconcertada, tenta justificar o
ocorrido através do mito. Primeiramente, a persona replica o tom de deboche de
Misco como a pergunta t∂ qambe√j (por que te espantas?) e lança um argumento para
derrotar o deboche de Misco: kaÙtÕn ¢p' OÙlÚmpou ZÁna kaqe√len ”Erwj (mesmo a
Zeus Eros fez descer do Olimpo) na medida em que todos estão sujeitos aos
domínios de Eros: mesmo Zeus, pai de todos, muitas vezes desceu do Olimpo para
se unir com mortais conduzido pelos sentimentos estimulados por Eros.
A provável diferença de idade entre as personagens retrata aqui uma relação
tardia entre homens, o que será motivo de riso e fracasso amoroso em outros
gêneros. O amor entre diferentes idades, seja ele homoerótico ou não, era motivo de
riso na comédia nova e sinônimo de fracasso amoroso tanto nos epigramas, quanto
na lírica e elegia latinas.
126
Assim como no poema anterior Misco é personificado como Eros TÒn me
PÒqoij ¥trwton ØpÕ st◊rnoisi Muiskoj / Ômmasi toxeÚsaj toàt' œbÒhsen ⁄poj· (O meu
peito invulnerável aos Desejos, Misco / com seus olhos flechou e essas palavras
gritou), em CV o deus confere à personagem atributos de conquista, que corroboram
o poema CIV.
CV (A.P. 12. 110)
A doce beleza brilhou! Vê, lança chamas pelos olhos.
Eros criou um jovem armado de raios?
Salve, Misco, que traz aos mortais o raio dos Desejos:
que tu, brasa querida, resplandeças sobre a terra.
CV
”Hstraye glukÝ k£lloj· ≥doÝ flÒgaj Ômmasi b£llei·
«ra keraunom£can pa√d' ¢n◊deixen ”Erwj;
ca√re PÒqwn ¢kt√na f◊rwn qnato√si, Muiske,
kaπ l£mpoij œpπ g´ pursÕj œmoπ f∂lioj.
Todo o poema é permeado pelo vocabulário relacionado ao fogo, ao raio e à
luminosidade, como Misco foi caracterizado na primeira subdivisão da análise do
ciclo: ”Hstraye (brilhou), flÒgaj (chamas), keraunom£can (armado de raios), PÒqwn
¢kt√na (raio dos Desejos), l£mpoij (resplandeças) e pursÕj (brasa).
No primeiro dístico, uma pergunta retórica sobre o fato de que Eros teria
criado um jovem armado de raios. Mesmo sendo nomeado tardiamente no poema,
apenas no terceiro verso, o leitor tem conhecimento de que o poema trata de
127
Misco por conta de ≥doÝ flÒgaj Ômmasi b£llei (vê, lança chama pelos olhos),
característica de Misco.
O segundo dístico saúda a personagem e ratifica o seu caráter semi-divino,
pois ele PÒqwn ¢kt√na f◊rwn qnato√si (traz aos mortais o raio dos Desejos) e, como
colocado no primeiro dístico, ele foi criado por Eros. uma comparação entre
Misco e o fogo que resplandece na terra, como se ele fosse um sol, destacando-o
dos demais.
Este é também o único poema em que o termo f∂lioj (amigo/companheiro)
ocorre no ciclo, bem como Œta∂ra (cortesã) ocorre apenas no ciclo de Zenófila. A
existência do registro destes termos nos poemas reitera o tipo de relação entre a
persona e as personagens: Misco e a persona são partícipes de uma relação de
philía, que não se apresenta bem sucedida por conta da diferença de idade.
No poema CVI existe uma inversão entre o poder de Eros sobre os mortais e
o poder de Misco sobre aqueles para quem ele dirige os seus olhos de fogo. Neste
epigrama, Eros é vencido por Misco.
CVI (A.P. 12. 144)
Por que choras, ladrão de juízo? Por que o arco selvagem e flechas
atiraste depois de tombar as rêmiges de tuas duas asas?
Talvez também Misco, o invencível, te incendeia com os olhos?
Isto que aprendeste sofrendo é o que antes fazias.
CVI
T∂ kla∂eij, frenolVst£; t∂ d' ¥gria tÒxa kaπ ≥oÝj
⁄rriyaj difuÁ tarsÕn ¢neπj pterÚgwn;
à ˛£ ge kaπ s\e‹Muiskoj Ð dÚsmacoj Ômmasin a∏qei;
128
æj mÒlij, ' ⁄draj prÒsqe paqën ⁄maqej.
O epigrama coloca em cena, no primeiro dístico, uma figura que, mesmo não
nomeada, se sabe que é Eros pela caracterização feita: frenolVst£ (ladrão de juízo),
t∂ d' ¥gria tÒxa kaπ oÝj / ⁄rriyaj difuÁ tarsÕn ¢neπj pterÚgwn; (por que o arco
selvagem e flechas / atiraste depois de tombar as rêmiges de tuas asas). A cena é a
de Eros derrotado, caído e sem os seus instrumentos de domínio (arco e flecha).
No dístico final, uma pergunta retórica que elucida o ator de tal derrrota:
Muiskoj Ð dÚsmacoj (Misco, o invencível), que também incendeia o deus com seus
olhos de fogo. O último verso do poema tem tom de revanche por parte da persona,
pois tenta mostrar a Eros que o sofrimento por ele agora vivido é o que antes ele
causou a ela.
A submissão do deus do amor ao próprio amor é um recurso argumentativo
muito eficiente, pois de modo geral, a persona consegue por meio dele justificar a
sua submissão e a incapacidade de subjugar Misco.
A leitura dos epigramas desta subdivisão tentou explicitar que a relação Eros-
Misco mostrou-se um tanto mais complexa que aquela entre Zenófila e Heliodora
com o deus. Apesar dessa diferença, o eixo da relação entre o deus e a personagem
permaneceu o mesmo: por meio da personagem, Eros atinge a persona através do
amor e causa nela sofrimentos.
Através de Eros, a persona é presa pelo amor em um momento tardio de
sua vida, figurado como objeto votivo ou presente para Misco (XCIX e CIX). Além
disso, Misco é caracterizado 1) como o próprio Eros ao flechar o peito da persona
com seus olhos (CIII) e 2) como criação de Eros, sendo Misco um jovem armado de
raios (CV). O único poema cujo conteúdo é um tanto díspare dos demais no que
129
tanje a relação entre Eros e Misco é CVI, pois Misco subjuga o deus com os
atributos ganhos do próprio deus.
3.3.4 Considerações sobre o ciclo de Misco
Os epigramas do ciclo de Misco foram divididos em três eixos temáticos a fim
de se analisar, separadamente, 1) os atributos físicos da personagem, 2) os
sofrimentos amorosos causados na persona por Misco e 3) a relação de
dependência entre Eros e Misco.
No primeiro grupo de poemas, podemos constatar que a ênfase da
caracterização de Misco se deu apenas no âmbito dos atributos físicos,
diferentemente dos ciclos de Zenófila e Heliodora, que possuíam atributos musicais.
Muito provavelmente, a ausência de caracterização que escapasse dos âmbitos
visuais seria impróprio a um pa√j, se considerarmos que ele ainda está em meio ao
seu aprendizado. Convém às cortesãs terem atrativos artísticos, dado que elas são
companheiras que divertem os convivas artística e sexualmente. Assim, Misco foi
caracterizado como o mais belo entre os jovens com seu cabelo delicado, com sua
doçura e com seus olhares emoldurados por sobrancelhas luminosas.
O segundo grupo, por sua vez, reflete os sofrimentos da persona por amar um
jovem tão belo. Embora nenhum dos epigramas dedicados a Misco comprove que
de fato existia uma relação consumada entre personagem e persona, o sentimento
sofredor desta advém da possibilidade de perda de Misco para Zeus, como
aconteceu com Ganimedes no mito. Talvez o rapto eliminasse a possibilidade de a
relação ser consumada. A persona também se mostra ciumenta, pois ao seu conviva
Filócles é vetado colocar seus olhos em Misco, caso contrário ele nunca mais veria
tal beleza.
130
O terceiro grupo mostra mais uma vez como a personagem é instrumento de
Eros para causar sofrimentos na persona, a qual parece estar em idade avançada.
Misco é caracterizado como Eros e como a sua criação, o que corrobora a ideia de
que a relação entre ambos é proposital no epigrama amoroso. A persona perde a
sua invulnerabididade por conta dos domínios do deus, e se rende ao desejo pelo
jovem que se vangloria de subjugar alguém que antes zombava dos festins juvenis.
Dessa forma, a caracterização nos poemas do ciclo de Misco reitera os
sofrimentos amorosos sempre presentes no epigrama erótico advindos de uma
relação fragmentada. Além disso, inseriu no corpo da obra de Meleagro a relação
homoerótica, que se diferiu das relações eróticas dos ciclos anteriores basicamente
por não ter sido consumada, como se conjetura.
3.4 RELAÇÕES INTER CICLOS
Como apontado em alguns trechos da análise dos ciclos, existem diferenças e
semelhanças entre as caracterizações das personagens, seja no âmbito formal dos
poemas, seja no âmbito semântico.
Antes de tratarmos dos elementos pontuais de aproximação e afastamento
dos ciclos, vale ressaltar que a articulação dos poemas dedicados a cada
personagem permite-nos afirmar que eles compõem ciclos de epigramas, uma vez
que, embora existam semelhanças, cada ciclo mostra uma faceta amorosa diferente.
No ciclo de Zenófila a relação entre a persona e a personagem é de fato
consumada e, de certa forma, constante. no ciclo de Heliodora, a relação foi
consumada, mas a persona se encontra sempre em desejo. No ciclo de Misco, por
sua vez, não consumação do ato amoroso, provavelmente pela diferença de
idade que se infere dos poemas. Assim, cada ciclo trata das possibilidades
131
amorosas recorrentes na poesia: sucesso amoroso com uma hetaira (Zenófila),
relação conturbada com outra hetaira (Heliodora) e relação sem sucesso com um
jovem (Misco).
No que tange às semelhanças, elas são bem mais recorrentes entre os ciclos
dedicados às cortesãs. Entretanto, elementos que perpassam os três ciclos: 1) a
relação de Eros com a persona e as personagens; 2) o cenário comum em muitos
dos poemas e o mos; 3) a admiração da beleza das personagens por parte da
persona; 4) o ciúme como um sentimento permanente, 5) a tentativa frustrada de
fuga da persona dos amores que sente, e, 6) em pelo menos um poema está
presente a guirlanda de flores em que as personagens aparecem como figura em
destaque (XXXI, XLVI e LXXVIII).
Em relação às semelhanças entre os ciclos das cortesãs, pode-se dizer que
elas são equiparadas às divindades, em especial às Graças, e possuem duas
características em comum: a persuasão amorosa e a habilidade musical, muito
embora esta última seja mais acentuada no ciclo de Zenófila. Além disso, os
epigramas a elas dedicados são encontrados na Antologia Palatina V, o qual é
dedicado aos poemas eróticos, com exceção apenas de uma espécie de elegia para
Heliodora advinda do livro VII.
Entre os ciclos de Heliodora e Misco também são encontrados pontos de
contato na caracterização das personagens, uma vez que ambas têm atributos
relativos à luz e ao sol. Sendo assim, eles se aproximam de Hélio, divindade solar,
de modo que nos poemas é recorrente um vocabulário específico relacionado à
visão e à luminosidade.
132
Como dito anteriormente, alguns elementos serão específicos de cada ciclo, o
que nos permite chamá-lo como tal. Cada um deles representa uma possibilidade
diferente da relação amorosa explícita no epigrama helenístico erótico.
No tocante aos atributos, a música destaca Zenófila em relação às outras
personagens, pois ela é hábil com a harpa e com as palavras doces que persuadem
ao amor aqueles ao seu redor ao amor. Neste ciclo, muitas cenas se passam no
thalamos, argumento a favor da hipótese de que a persona e Zenófila possuíam uma
relação consumada.
Apenas no ciclo de Heliodora encontra-se a referência ao ato de beber em
nome da amada no intuito de afogar as goas, ao passo que, no ciclo de Misco, a
bebedeira é inferida pelo leitor, quando a persona sai das pândegas em direção ao
umbral do amado na tentativa de findar o seu desejo. Exclusivo ao ciclo de Heliodora
é uma “quase elegia” por conta de sua morte, na qual a persona se denomina
Meleagro, o que ocorre apenas em alguns poemas: I, II, V, XI e CXXIX, os quais são
epigramas votivos (I, XI, CXXIX) ou fúnebres (II,V).
O verbo amar é utilizado com vocábulos diferentes nos ciclos de Zenófila e
Heliodora. No segundo, usa-se comumente storg◊w ou st◊rgw, o qual, de acordo
com Liddell & Scott, está relacionado ao amor, à afeição relacionada aos pais e
filhos. Entretanto, registra-se no referido dicionário que, em Meleagro, a conotação é
amor sexual. no primeiro, o verbo utilizado é geralmente fil◊w, o mais recorrente
em poemas eróticos.
No que tange aos poemas dedicados a Misco, por sua vez, há uma diferença
de idade entre ele e a persona, como colocado, e em apenas um poema deste
ciclo (poema CIII) ocorre uma fala direta da personagem, no poema CIII.
133
3.5 RELAÇÕES EXTRACICLO
Como visto até então, várias foram as relações encontradas entre os
epigramas de Meleagro. No primeiro momento, procuramos mostrar que os
epigramas pertencentes a cada ciclo relacionam-se através de um viés temático, isto
é, eles assemelhavam-se por tratarem de um mesmo aspecto de cada personagem,
da relação amorosa e do domínio de Eros. No segundo momento, buscamos
estabelecer as semelhanças e diferenças entre estes ciclos sob vários aspectos.
Veremos, então, que existe também uma relação entre os ciclos e o restante
dos poemas de Meleagro, e que tal constatação vislumbra a hipótese de que os
ciclos são pilares de sustentação para a Guirlanda, pois as facetas do
relacionamento amoroso por eles ilustradas são retomadas em muitos poemas,
principalmente sobre os domínios de Eros.
Como foi dito acima, a grande maioria dos epigramas de Meleagro se
encontra nos livros V e XII da Antologia Palatina, o que restringe a temática do autor
às relações erótica e homoerótica. Dentro destes grandes eixos temáticos, são
recorrentes epigramas que tratam da caracterização de Eros e dos sofrimentos
causados por ele, como visto nos ciclos.
O poema CXXXI é um exemplo de epigrama que trata da caracterização de
Eros fora dos ciclos. Como frequentemente caracterizado, Eros possui asas, setas e
arco:
CXXXI (A.Pl. 213)
Se nas tuas costas abrem-se asas lestas
e tu arrojas setas afiadas de arcos citas,
Eros, fugirei de ti, mesmo para baixo da terra. O que mais posso fazer?
134
Nem o próprio Hades pandomador escapou da tua força.
CXXXI
E≥ ka∂ soi pt◊rugej tacinaπ perπ nîta t◊tantai
kaπ Skuqikîn tÒxwn ¢krobele√j ¢k∂daj,
feÚxom', ”Erwj, ØpÕ g©n se. t∂ d\e pl◊on; oÙd\e g¦r aÙtÕj
s¦n ⁄fugen ˛èman pandam£twr 'A∂daj.
o poema XXI exemplifica o sofrimento da persona causado pela trapa de
Eros à alma:
XXI (A.P. 12. 132)
Não gritava isto a ti, alma: “Por Cípris, serás conquistada,
ó mal-amada , tu que voas amiúde até a limeira”?
Não gritava? Pegou-te a trapa! Por que em vão nos laços
ofegas? O próprio Eros pelas asas prendeu-te,
colocou-te no fogo, passou perfumes em ti, quando sem vida, 5
e deu-te, quando sedenta, lágrimas quentes para beber.
XXI
OÜ soi taàt' œbÒwn, yucˇ, ‘naπ KÚprin, ¡lèsei,
ð dÚserwj, ≥xù pukn¦ prosiptam◊nh;
oÙk œbÒwn; eƒl◊n se p£gh· t∂ m£thn œnπ desmo√j
spa∂reij; aÙtÕj ”Erwj t¦ pter£ sou d◊deken,
ka∂ s
' œpπ pàr ⁄sthse, mÚroij d' ⁄rrane lipÒpnoun, 5
dîke d\e diyèsV d£krua qerm¦ pie√n.
135
Outro epigrama caracteriza Eros pelas suas setas flamejantes e relata a
submissão da persona ao deus e, por conseguinte, o seu sofrimento:
XVI (A.P. 12. 48)
Estou deitado. Coloca o pé no meu pescoço, selvagem divindade.
Bem sei que tu, pelos deuses, és fardo pesado.
Sei também das setas flamejantes. Mas incendiando o meu coração
não me queimarás, pois tudo já está em cinzas.
XVI
Ke√mai· l¦x œp∂baine kat' aÙc◊noj, ¥grie da√mon·
oid£ se, naπ m¦ qeoÚj, kaπ barÝn Ônta f◊rein·
oida kaπ ⁄mpura tÒxa· balën d' œp' œm¾n fr◊na pursoÚj
oÙ fl◊xeij· ½dh p©sa g£r œsti t◊frh.
Tal como foi visto nos ciclos, caracterização de outras personagens
menores dentro do corpus traduzido nesta dissertação, como na sequência de
poemas sobre Timárion, cujos beijos e olhos o capazes de queimar aquele que
dele se aproxima, até mesmo Eros (LIX, LXI e LII). Apesar desta caracterização tão
vívida de sedução, o epigrama LX equipara a personagem a uma velha nau, tópica
da idade avançada imprópria ao amor.
LIX (A.P. 5. 96)
Teus beijos são colantes, teus olhos, Timárion, são fogo.
136
Se olhas, queimas e se tocas, prendes.
LIX
'IxÕn ⁄ceij tÕ f∂lhma, t¦ d' Ômmata, Tim£rion, pàr·
Àn œs∂dVj ka∂eij, Àn d\e q∂gVj, d◊dekaj.
LX (A.P. 5. 204)
Não mais, Timárion, antes armação de elegante
corsário, reges a guarnição flutuante de Cípris.
As costas são recurvas como o mastro das velas,
os cabelos grisalhos, como cordame solto,
a flacidez dos seios está solta como velas pendentes, 5
tem o ventre retorcido e enrugado pelo vagar do mar,
embaixo a nau está cheia de água, o mar inunda
a cavidade e os joelhos trêmulos têm o vagar do mar.
Infeliz quem vivo pelo porto de Aqueronte
navega sobre este velho barco de 20 remos. 10
LX
OÙk◊ti Timar∂ou, tÕ prπn glafuro√o k◊lhtoj
pÁgma, f◊rei plwtÕn KÚpridoj e≥res∂h·
¢ll' œpπ m\en nètoisi met£frenon æj k◊raj ≤stù
kurtoàtai, poliÕj d' œkl◊lutai prÒtonoj,
≤st∂a d' a≥wrht¦ cal´ spadon∂smata mastîn, 5
œk d\e‹ s£lou strept¦j gastrÕj ⁄cei ˛ut∂daj,
137
n◊rqe d\e p£nq' Øp◊rantla neèj, ko∂lV d‹ q£lassa
plhmÚrei, gÒnasin d' ⁄ntromÒj œsti s£loj.
dÚstanÒj te zwÕj ⁄t' ín d' 'Acerous∂da l∂mnhn
pleÚset' ¥nwq' œpib¦j graÕj œp' e≥kosÒrou. 10
LXI (A.P. 12.109)
O suave Deodoro, lançando chama nos jovens,
foi pego pelos lascivos olhos de Timárion,
e possui o doce-amargo dardo de Eros em vão.
E este novo assombro vejo: chameja o fogo em fogo ardente.
LXI
`O truferÕj DiÒdwroj œj ºiq◊ouj flÒga b£llwn
½greutai lamuro√j Ômmasi Timar∂ou,
tÕ glukÚpikron ”Erwtoj ⁄cwn b◊loj. Ã tÒde kainÕn
q£mboj Ðrî· fl◊getai pàr purπ kaiÒmenon.
LXII (A.P. 12.113)
O próprio Eros alado foi feito prisioneiro do céu,
após ser capturado pelos teus olhos,Timárion.
LXII
KaÙtÕj ”Erwj Ð ptanÕj œn a≥q◊ri d◊smioj ¼lw
¢greuqeπj to√j so√j Ômmasi, Tim£rion.
138
Este último epigrama pode ser tomado como exemplo de semelhança entre
os poemas externos e internos aos ciclos. Neste epigrama, Eros, domador de
homens e deuses, é domado pelos olhos de Timárion, como acontece em CVI,
quando Eros é vencido pelos olhos de Misco. Este é apenas um exemplo de pontos
comuns entre o ciclo de Misco e poemas fora dele:
CVI (A.P. 12. 144)
Por que choras, ladrão de juízo? Por que o arco selvagem e flechas
atiraste depois de tombar as rêmiges de tuas duas asas?
Talvez também Misco, o invencível te incendeie com os olhos?
Isto que aprendeste sofrendo é o que antes fazias.
Apesar de não serem tão frequentes as semelhanças com os poemas
dedicados a Misco, paridades entre os poemas ditos “externos” e os ciclos das
cortesãs. Neste primeiro exemplo do ciclo de Heliodora, têm-se dois epigramas
complementares que trazem personagens e características diferentes, mas que se
relacionam com o mesmo tema: Eros atinge a persona com vários amores até a sua
quase sucumbência, seja pela falta de fôlego, seja pelo excesso de “ferimentos”
causados por Eros:
XXIII (A.P. 5. 197)
Sim, pelo cacho amoroso de belos fios de Timo,
sim, pela olente cútis que engana o sono de Demó,
sim e de novo, pelos jogos amorosos de Ilíada, e pela acordada
lamparina que a celebração das minhas pândegas sempre viu.
139
Pouco fôlego resta, Eros, nos meus lábios. 5
Se desejares isso também, diga e o cuspirei.
XXIII
Naπ m¦ tÕn eÙplok£mou Timoàj fil◊rwta k∂kinnon,
naπ murÒpnoun Dhmoàj crîta tÕn Øpnap£thn,
naπ p£lin 'Ili£doj f∂la pa∂gnia, naπ fil£grupnon
lÚcnon œmîn kèmwn pÒll' œpidÒnta t◊lh·
baiÕn ⁄cw tÒ ge leifq◊n, ”Erwj, œpπ ce∂lesi pneàma· 5
e≥ d' œq◊leij kaπ toàt', e≥p◊, kaπ œkptÚsomai.
XXIV (A.P. 5. 198)
Não, pela mecha de Timo, não, pela sandália de Heliodora,
não, pela porta regada de perfume de Demárion,
não, pelo delicado sorriso de Anticleia de olhos bovinos,
não, pela guirlanda de flores recém germinadas de Doroteia,
não mais a tua aljava setas aladas 5
esconde, Eros, pois para mim todas foram lançadas.
Os epigramas são simetricamente construídos, pois os três primeiros dísticos
caracterizam as personagens amadas pela persona com atributos físicos e objetos a
elas relacionados. Enquanto em XXIII os três primeiros versos se iniciam com “sim”,
vocábulo relacionado à concessão do último dístico, os quatro primeiros versos de
XXIV são encabeçados por “não”, que abre a súplica da persona.
140
no ciclo de Zenófila, os poemas LXXIV e XXXIX são paradigmáticos, pois
ambos se constroem em torno do significado do número três, que sugere o triplo
desejo sentido pela persona ou a tripla caracterização de Zenófila:
LXXIV (A.P. 9. 16)
Três Graças, três virgens doces, as Horas,
três Desejos- loucura por mulheres - me flecham.
De fato três arcos disputaram como se fossem
ferir não um único, mas três corações em mim.
LXXIV
Trissaπ m\en C£ritej, tre√j d\e glukup£rqenoi ‘Wrai,
tre√j d' œm\e qhlumane√j o≥stroboloàsi PÒqoi·
à g£r toi tr∂a tÒxa katˇrusen, æj ¥ra m◊llwn
oÙcπ m∂an trèsein, tre√j d' œn œmoπ krad∂aj.
XXXIX (A.P. 5. 195)
As três Graças tripla guirlanda entrelaçaram
para Zenófila, símbolo de sua tripla beleza.
Uma sobre a pele colocou desejo, a outra, sobre a beleza,
volúpia, e a outra, nos discursos, palavras doces.
Três vezes fortunada aquela cuja cama Cípris moldou, 5
e cujos discursos e doce forma moldaram Persuasão e Eros.
141
Apesar de não termos tratado exaustivamente de todos os aspectos,
tentamos explicitar as equivalências existentes entre os poemas dos ciclos e o
restante dos poemas constituintes da Guirlanda de Meleagro. Desse modo,
percebemos a existência de diversos elementos norteadores do discurso amoroso
que perpassam os poemas do autor, os quais se constituem como topoi da poesia
amorosa: a caracterização do amado, que é o meio pelo qual Eros infla o amor na
persona; o papel, portanto, do deus na relação amorosa; o sofrimento amoroso da
persona; os cenários propícios ao amor (thalamos e kômos) e a consumação do
desejo.
142
4 TRADUÇÃO DOS EPIGRAMAS DE MELEAGRO DE GADARA
I (A.P. 4.1)
1
Musa amiga, a quem ofereces este canto rico em frutos
2
,
ou quem é o forjador da guirlanda de poetas hínicos
3
?
Meleagro a perfez, e ao ilustre Díocles
4
elaborou esta graça como recordação
5
.
Muitos lírios de Anite trançou
6
e muitos de Mero, 5
de Safo poucas flores, porém rosas,
e um grupo de narcisos, prenhe de hinos de Melanípedes,
e o ramo novo da videira de Simônides.
Trançou ao acaso o perfumado, florido íris
de Nossis, para cujas tabuinhas Eros fundira cera. 10
Com ela também a manjerona do suave, olente Riano,
e de Erina o doce açafrão, cor das virgens,
e de Alceu o jacinto, tagarela entre quem compõe hinos,
e o ramo de escuras folhas do loureiro de Sâmio.
Ali, cachos exuberantes da hera de Leônidas, 15
e a cabeleira dos pinheiros pontudos de Mnasalcas trançou.
Ceifou o plátano e a gavinha retorcida da vinha de Pânfilo,
entrelaçado aos rebentos da aveleira de Pancrates,
e as belas, brancas pétalas de Timnes, a verde hortelã
de Nícias e, de Eufemo, o que dá na areia da praia.
20
Damageto, negra violeta, e o doce mirto
de Calímaco, sempre repleto de acre mel,
e a anêmona de Euforião e, entre as Musas, o cíclame,
143
ele tinha o nome dos filhos de Zeus.
Neles enredou Hegesipo, desvairado cacho, 25
tendo também colhido o junco oloroso de Perses
junto com a doce maçã dos galhos de Diotimo,
e as primeiras flores da romãzeira de Menecrates,
os ramos de mirra de Niceneto, de Feno
o terebinto, e a alta pereira de Símias. 30
Nela há também, do prado inocente, o aipo,
poucas flores arrancadas de Partênide,
e o restante que tem o fruto abundante das Musas melífluas,
as espigas amarelas da palha de Baquílides,
nela Anacreonte, aquela doce melodia 35
do néctar, florzinha incultivável entre versos elegíacos
7
,
nela há também, do pasto, a flor do acanto de folhas crespas
de Arquíloco, pequenas gotas do oceano,
junto delas, novos rebentos da oliva de Alexandre,
e a fava púrpura de Policlito. 40
E nela o orígano de Polístrato inseriu, flor dos aedos,
e a nova e rubra hena de Antípatro.
Claro, ainda pôs o nardo sírio, espigado,
o poeta hínico que decanta o presente de Hermes.
E nele há Posídipo e também Hédilo, de silvestre campo, 45
e as flores de Sicélide, nascidas com os ventos.
Claro, também há Platão, o sempre dourado
rebento do divino, o que por toda parte brilha pela virtude.
144
Incluiu também o perito em estrelas, Arato, da alta como o céu
palmeira tendo cortado os primeiros brotos retorcidos, 50
e o lótus de lindas folhas de Queremão, unindo-o à chama
de Fedimo, e de Antágoras há o flexível olho-de-boi,
e o amigo de vinho, de Teodorides há o recém florido
tomilho, e as flores das escovinhas de Fânias,
e os muitos brotos recém escritos de outros, e, com eles 55
de sua própria Musa os galantos ainda prematuros inseriu.
Enquanto aos meus amigos trago esta graça, aos iniciados
esta melíssona guirlanda das Musas é comum.
I
Moàsa f∂la, t∂ni t£nde f◊reij p£gkarpon ¢oid¦n,
À t∂j Ð kaπ teÚxaj Ømnoqet©n st◊fanon;
¥nuse m\en Mel◊agroj, ¢riz£lJ d\e Diokle√
mnamÒsunon taÚtan œxepÒnhse c£rin,
poll¦ m\en œmpl◊xaj 'AnÚthj kr∂na, poll¦ d\e Moiroàj 5
le∂ria, kaπ Sapfoàj bai¦ m\en, ¢ll¦ ˛Òda,
n£rkissÒn te torîn Melanipp∂dou ⁄gkuon Ûmnwn,
kaπ n◊on o≥n£nqhj klÁma Simwn∂dew,
sÝn d' ¢namπx pl◊xaj murÒpnoun eÙ£nqemon irin
Noss∂doj, Âj d◊ltoij khrÕn ⁄thxen ”Erwj· 10
tÍ d' ¤ma kaπ s£myucon ¢f' ¹dupnÒoio `Rianoà,
kaπ glukÝn 'Hr∂nnhj parqenÒcrwta krÒkon,
'Alka∂ou te l£lhqron œn ØmnopÒloij Ø£kinqon,
145
kaπ Sam∂ou d£fnhj klîna melamp◊talon·
œn d\e Lewn∂dew qaleroÝj kisso√o korÚmbouj, 15
Mnas£lkou te kÒmaj ÑxutÒrou p∂tuoj ,
blaisˇn te plat£niston ¢p◊qrise Pamf∂lou o∏nhj
sÚmplekton karÚhj ⁄rnesi Pagkr£teoj,
TÚmneè t' eÙp◊talon leÚkhn, cloerÒn te s∂sumbron
Nik∂ou, EÙfˇmou t' ¢mmÒtrofon p£ralon· 20
œn d' ¥ra Dam£ghton, ∏on m◊lan, ¹dÚ te mÚrton
Kallim£cou stufeloà mestÕn ¢eπ m◊litoj,
lucn∂da t' EÙfor∂wnoj ≥d' œn MoÚsVsin ¥meinon,
Öj DiÕj œk koÚrwn ⁄scen œpwnum∂hn.
tÍsi d' ¤m' `Hgˇsippon œn◊pleke, main£da bÒtrun, 25
P◊rsou t' eÙèdh sco√non ¢mhs£menoj,
sÝn d' ¤ma kaπ glukÚmhlon ¢p' ¢kremÒnwn Diot∂mou,
kaπ ˛oiÁj ¥nqh prîta Menekr£teoj,
murra∂ouj te kl£douj Nikain◊tou, ºd\e Fa◊nnou
t◊rminqon, blwqrˇn t' ¢cr£da Sim∂ew· 30
œn d\e kaπ œk leimînoj ¢mwmˇtoio s◊lina,
bai¦ diakn∂zwn ¥nqea, Parqen∂doj,
le∂yan£ t' eÙkarpeànta melist£ktwn ¢pÕ Mous◊wn
xanqoÝj œk kal£mhj Bakcul∂dew st£cuaj,
œn d' ¥r' 'Anakre∂onta, tÕ m\en glukÝ ke√no m◊lisma 35
n◊ktaroj, e≥j d' œl◊gouj ¥sporon ¢nq◊mion,
œn d\e‹kaπ œk forbÁj skoliÒtricoj ¥nqoj ¢k£nqhj
'ArcilÒcou, mikr¦j str£ggaj ¢p' çkeanoà,
146
to√j d' ¤m' 'Alex£ndroio n◊ouj Ôrphkaj œla∂hj,
ºd\e Polukle∂tou porfure/hn kÚamon. 40
œn d' ¥r' ¢m£rakon Âke, PolÚstraton ¥nqoj ¢oidîn,
Fo∂niss£n te n◊hn kÚpron ¢p' 'Antip£trou.
kaπ m¾n kaπ Sur∂an stacuÒtrica qˇkato n£rdon,
Ømnoq◊tan `Ermoà dîron ¢eidÒmenon,
œn d\e Pose∂dippÒn te kaπ `HdÚlon, ¥gri' ¢roÚrhj, 45
Sikel∂deè t' ¢n◊moij ¥nqea fuÒmena·
naπ m¾n kaπ crÚseion ¢eπ qe∂oio Pl£twnoj
klîna, tÕn œx ¢retÁj p£ntoqi lampÒmenon,
¥strwn t' ∏drin ”Araton Ðmoà b£len, oÙranom£keuj
fo∂nikoj ke∂raj prwtogÒnouj Ÿlikaj, 50
lwtÒn t' eÙca∂thn Cairˇmonoj, œn flogπ m∂xaj
Faid∂mou, 'AntagÒrou t' eÜstrofon Ômma boÒj,
t£n te fil£krhton Qeodwr∂dew neoqalÁ
Ÿrpullon, ku£nwn t' ¥nqea Fan∂ew,
¥llwn t' ⁄rnea poll¦ neÒgrafa, to√j d' ¤ma MoÚshj 55
kaπ sfet◊rhj ⁄ti pou prèima leukÒia.
¢ll¦ f∂loij m\en œmo√si f◊rw c£rin· ⁄sti d\e mÚstaij
koinÕj Ð tîn Mous◊wn ¹duep¾j st◊fanoj.
1
Este poema relaciona-se com o fr.6 V de Safo, o qual traz uma seleção de flores também.
2
p£nkarpon ¢oid£n: estes termos referem-se ao caráter variado da guirlanda e do próprio poema, o que ficará
evidente nos versos seguintes. p£nkarpon ¢oid£n está simetricamente oposto à Musa dentro do verso, o que
seria um verso em forma de guirlanda, ou seja, a ciclicidade está presente em diversos aspectos: no poema
inaugural da guirlanda, no verso inicial e na própria constituição da obra de Meleagro.
3
Ømnoqet£n st◊fanon: termos que explicitam o real intento metafórico e estético do poeta. Não podemos
entender o termo hino aqui referido como um gênero poético, mas sim como poesia no seu sentido geral.
4
Díocles: segundo Gow &Page (2008, vol. I p. xvi) ele teria sido um œrèmenojde Meleagro além de autor de
œpidrom¾ tîn filosÒfwn usado por Diógenes Laércio. O problema é que o nome é comum e não é possível
reiterar nenhuma destas hipóteses.
5
“A composição de um ou mais epigramas, especialmente epigramas inscritos como presente para um amigo,
era certamente uma prática difundida na antiguidade. Como se tornasse mais e mais comum o fato de epigramas
147
se dissociarem dos propósitos de uma inscrição, o presentear amigos com estas coleções de epigramas, como
Díocles, amigo de Melegro e o presentear patronos reais, como Fila de Arato, tornam-se uma extensão lógica
desta prática padrão.”Gutzwiller (1998, 20-21) .
6
Diversas variações para a idéia central da criação poética de Meleagro serão encontradas neste poema. O
primeiro termo já estava no segundo verso: teÚxaj- forjador, o qual está estrategicamente posicionado no verso
teÚxaj Ømnoqet£n st◊fanon. O arranjo entre as palavras desse sintagma sintetiza o processo de composição:
compilador = poetas = guirlanda. O termo de composição aqui é e)mple&cav = trançou, o qual está mais
explicitamente ligado ao imaginário da guirlanda e que serecorrente no poema seja por verbos do mesmo
campo semântico seja por adjetivos atribuídos aos poetas cujos epigramas foram compilados.
7
Para Gow & Page (2008, vol. II p. 603) este verso seria uma espécie de explicação prévia aos leitores de que
não estarão presentes na Guirlanda os poemas líricos de Anacreonte, Arquíloco e Baquílides.
II (A.P. 7.417)
A ilha de Tiro foi a minha nutriz, mas, como pátria, gerou-me
a Ática situada entre os sírios, Gadara;
de Eucrates
1
eu com as Musas brotei, Meleagro,
e primeiro concorri com as Graças de Menipo.
Se sou sírio, por que o espanto? Numa única pátria, no mundo 5
moramos; um único Caos gerou todos os mortais.
E já velho eis o que escrevi nas lápides do meu sepulcro:
“O velho se avizinha ao Hades.”
Mas, a mim, loquaz e ancião, saúda,
e que tu também alcances a loquaz velhice. 10
II
N©soj œm¦ qr◊pteira TÚroj, p£tra d◊ me tekno√
'Atqπj œn 'Assur∂oij naiom◊na Gad£ra,
EÙkr£tew d' ⁄blaston Ð sÝn MoÚsaij Mel◊agroj
prîta Menippe∂oij suntroc£saj C£risin.
e≥ d\e‹SÚroj, t∂ tÕ qaàma; m∂an, x◊ne, patr∂da kÒsmon 5
na∂omen, en qnatoÝj p£ntaj ⁄tikte C£oj.
148
pouluet¾j d' œc£raxa t£d' œn d◊ltoisi prÕ tÚmbou·
gˇrwj g¦r ge∂twn œggÚqen 'A∂dew.
¢ll£ me tÕn laliÕn kaπ presbÚthn pa/roj eipèn
ca∂rein e≥j gÁraj kaÙtÕj ∑koio l£lon. 10
1
Não se sabe informações extras sobre Eucrates, pai de Meleagro.
III (A.P. 7.418)
A minha primeira terra foi dos gadarenos, a ilustre cidade,
e a sagrada Tiro me fez homem após me acolher.
Quando caminhei para a velhice, Cós, que também nutriu Zeus
1
,
também a mim, cidadão dos Méropes
2
, adotado, cuidou na velhice.
E as Musas, entre poucos, a mim, Meleagro, filho 5
de Eucrates, adornaram com as graças de Menipo, quando jovem.
III
Prèta moi Gad£rwn klein¦ pÒlij ⁄pleto p£tra,
½ndrwsen d' ≤er¦ dexam◊na me TÚroj·
e≥j gÁraj d' Ót' ⁄bhn, <¡> kaπ D∂a qreyam◊na Kîj
k¢m\e qetÕn MerÒpwn ¢stÕn œghrotrÒfei.
Moàsai d' e≥n Ñl∂goij me, tÕn EÙkr£tew Mel◊agron 5
pa√da, Menippe∂oij ºgl£isan C£risin.
1
Segundo Dorsey (1967, p. 127) esta é uma referência a Ptolomeu Filadelfo (285-247) nascido e Cós.
2
Ibid., p.132 e 133. Dorsey explica minuciosamente esta referência. A ilha de Cós era chamada de º M◊roph e
os seus habitantes Ñi M◊ropej desde o Hino Homérico a Apolo v. 42 “e Mileto também, e Cós, a cidade dos
Méropes,” tradução de Cabral (2004, p. 129 e nota em 193). Dorsey afirma que já os antigos não conseguiam
fazer com clareza esta ligação entre s e os ropes por causa da existência de várias figuras lendárias com
este nome. Apesar disso, a referência mais próxima é certo Mérope que teria sido o primeiro rei de Cós.
IV (A.P. 7. 419)
149
Vai quieto, estrangeiro, pois entre os pios o velho,
o que dorme preso no sono que lhe cabe,
é Meleagro, filho de Eucrates, o qual uniu
o doce-lágrima Eros e as Musas com as graças alegres
1
.
Tiro, filha dos deuses, me fez homem e também o solo sagrado dos gadarenos. 5
E Cós, amada pelos Méropes, ancião, cuidou de mim na velhice.
Pois se tu és sírio, Salam! Se tu és fenício,
Naidios! E se és grego, Chaire! E digas o mesmo.
IV
'Atr◊maj, ð x◊ne, ba√ne· par' eÙseb◊sin g¦r Ð pr◊sbuj
eÛdei koimhqeπj Ûpnon ÑfeilÒmenon
EÙkr£tew Mel◊agroj, Ð tÕn glukÚdakrun ”Erwta
kaπ MoÚsaj ≤lara√j sustol∂saj c£risin·
Ön qeÒpaij ½ndrwse TÚroj Gad£rwn q' ≤er¦ cqèn, 5
Kîj d' œrat¾ MerÒpwn pr◊sbun œghrotrÒfei.
¢ll' e≥ m\en SÚroj œss∂, sal£m· e≥ d' oân sÚ ge Fo√nix,
na∂dioj· e≥ d' “Ellhn, ca√re· tÕ d' aÙtÕ fr£son.
1
Gow & Page (2008, vol. II p. 608) afirmam em nota a este verso: Alguns editores interpretam c£risin como
uma alusão ao livro menipéico” de Meleagro assim nomeado, mas a fraseologia não está facilmente conciliada
a isso. [...] O sentido natural é ‘combinou amor e inspiração poética com bom humor e elegância’, isto é,
escreveu bem-humorados, poéticos, elegantes epigramas eróticos.”
V (A.P. 7. 421)
Alado, por que te agrada a lança, por que a pele de porco
1
?
Quem és, de quem é a lápide da qual és símbolo?
Não digo que és Eros. Por que junto aos mortos está
150
Tesão? O corajoso não aprendeu a chorar;
nem mesmo pode ser Crono de pés tão velozes. Do contrário, 5
ele é três vezes mais velho, mas os seus membros vicejam.
Mas, sim, captei! Aquele que está aí debaixo da terra é um sábio,
e tu, o alado logos
2
, és a expressão disso
3
.
Tens a lança de duas pontas, atributo de Ártemis, que simboliza
o riso sério e jocoso e talvez o metro da escrita erótica. 10
Sim, claro, és Meleagro, homônimo do filho de Eneu
4
.
Estes símbolos da caça ao porco o sinalizam.
Salve, mesmo entre os mortos, já que a Musa e as Graças
à Eros reuniste no mesmo talento.
V
Ptan◊, t∂ soi sibÚnaj, t∂ d\e kaπ suÕj eÜade d◊rma,
kaπ t∂j œën st£laj sÚmbolon œssπ t∂noj;
oÙ g¦r ”Erwt' œn◊pw se· t∂ g¦r, nekÚessi p£roikoj
“Imeroj; a≥£zein Ð qrasÝj oÙk ⁄maqen·
oÙd\e m\en oÙd' aÙtÕn tacÚpoun CrÒnon· ⁄mpali g¦r d¾ 5
ke√noj m\en trig◊rwn, soπ d\e t◊qhle m◊lh.
¢ll' ¥ra, na∂, dok◊w g£r, Ð g©j Øp◊nerqe sofist¦j
œst∂, sÝ d' Ð pterÒeij toÜnoma toàde lÒgoj.
Latóaj d' ¥mfhkej ⁄ceij g◊raj ⁄j te g◊lwta
kaπ spoud¦n ka∂ pou m◊tron œrwtogr£fon. 10
naπ m\en d¾ Mel◊agron Ðmènumon O≥n◊oj u≤ù
sÚmbola shma∂nei taàta suoktas∂aj.
ca√re kaπ œn fqim◊noisin, œpeπ kaπ Moàsan ”Erwti
151
kaπ C£ritaj sof∂an e≥j m∂an ¹rmÒsao.
1
Novo epitáfio de Meleagro. Agora a imagem é do caçador por conta da lança e da pele de porco.
2
Preferimos deixar a palavra em seu original por desconhecermos a acepção do termo para Meleagro.
3
Gow & Page (2008, vol. II p. 610) tratam da passagem, mas reconhecem que o sentido do verso foi
comprometido em detrimento da concisão de que o poeta tantas vezes lança mão.
4
Dorsey (1967, p. 141) assinala que o nome do pai pode ter uma referência simposial devido à palavra vinho
ÑinÒj.
VI (A.P. 5.176)
Terrível Eros, terrível! De que me serve de novo
e de novo dizer, cheio de lamúrias: terrível Eros?
Sim, disso o menino
1
ri e se deleita quando insultado,
mas se o ultrajo, ele se infla ainda mais.
É-me assombroso, Cípris, como, nascida 5
da glauca vaga do mar, deste à luz o fogo!
VI
DeinÕj ”Erwj, deinÒj. t∂ d\e tÕ pl◊on Àn p£lin e∏pw
kaπ p£lin o≥mèzwn poll£ki· DeinÕj ”Erwj;
à g¦r Ð pa√j toÚtoisi gel´ kaπ pukn¦ kakisqeπj
¼detai, Àn d' e∏pw lo∂dora, kaπ tr◊fetai.
qaàma d◊ moi pîj «ra di¦ glauko√o fane√sa 5
kÚmatoj œx Øgroà, KÚpri, sÝ pàr t◊tokaj.
1
Dorsey (1967, p. 145) lê neste trecho que este menino pode ser tanto Eros, quanto o amado.
VII (A.P. 5. 179)
Por Cípris, atearei fogo, Eros, a tudo que é teu:
os arcos, a aljava cita de setas plena.
Sim, lhes atearei! Por que ris à toa e zombas
152
com este nariz para cima? Talvez logo rirás como Sardônio
1
.
Cortarei as tuas asas lestas, guias dos Desejos
2
, 5
e com grilhões de ferro prenderei teus pés.
Todavia, terei uma vitória de Cadmo
3
se a ti,
um lince em rebanho de cabras, jungir a minha alma.
Mas vai, implacável! Calça as reluzentes sandálias
e voa com as tuas asas lestas para outros. 10
VII
Naπ t¦n KÚprin, ”Erwj, fl◊xw t¦ s¦ p£nta purèsaj
tÒxa te kaπ Skuqik¾n ≥odÒkon far◊trhn.
fl◊xw na∂· t∂ m£taia gel´j kaπ sim¦ seshrëj
mucq∂zeij; t£ca pou Sard£nion gel£seij.
à g£r seu t¦ podhg¦ PÒqwn çkÚptera kÒyaj 5
calkÒdeton sf∂gxw so√j perπ possπ p◊dhn.
ka∂toi Kadme√on kr£toj o∏somen e∏ se p£roikon
yucÍ suzeÚxw, lÚgka par' a≥pol∂oij.
¢ll' ∏qi, dusn∂khte, labën d' ⁄pi koàfa p◊dila
œkp◊tason tacin¦j e≥j Œt◊rouj pt◊rugaj. 10
1
Gow & Page (2008, vol. II p. 612) afirmam que este riso de Sardônio implica em um riso forçado do sofredor e
não um riso vingativo de triunfo.
2
Optamos pelo mesmo recurso de tradução como no caso de Eros (cf. epigrama IX nota 1). Traduziremos PÒqoi
pelo seu correspondente em português, Desejos.
3
Idem. Os autores explicam que essa vitória seria a duras penas.
VIII (A.P. 5.180)
O que há de estranho se Eros, praga dos homens
1
, atira
setas inflamadas e ri cruelmente com olhos lascivos?
153
A sua mãe não amou Ares nem foi esposa
de Hefesto, compartilhando fogo e espada?
A mãe de sua mãe, Thalassa
2
, não grita austera
3
5
com o látego dos ventos? O pai não é ninguém nem filho de alguém?
Por isso tem o fogo de Hefesto, e a força da sua ira é como
as ondas e os dardos de Ares são cheios de sangue.
VIII
T∂ x◊non, e≥ brotoloigÕj ”Erwj t¦ pur∂pnoa tÒxa
b£llei kaπ lamuro√j Ômmasi pikr¦ gel´;
oÙ m£thr st◊rgei m\en ”Arh, gam◊tij d\e t◊tuktai
`Afa∂stou, koin¦ kaπ purπ kaπ x∂fesi;
matrÕj d' oÙ m£thr ¢n◊mwn m£stixi Q£lassa 5
tracÝ bo´; gen◊taj d' oÜte tij oÜte tinÒj;
toÜneken `Afa∂stou m\en ⁄cei flÒga, kÚmasi d' Ñrg¦n
st◊rxen ∏san, ”Arewj d' a≤matÒfurta b◊lh.
1
Para Dorsey (1967, p. 150) este trecho seria uma alusão ao epíteto homérico de Ares.
2
Preferimos manter Thalassa, pois a tradução para Mar causaria estranhamento por ser um substantivo
masculino.
3
Cf. Hesíodo, Teogonia (173-200). Tradução de Jaa Torrano. (2001).
IX (A.P. 5.208)
Meu coração não bate por meninos. Que prazer, Amores
1
,
em comer um homem
2
se ele quer receber e não dar nada?
Uma mão lava a outra. Bela esposa tenho.
Tudo o que um macho toma de outro macho.
154
IX
OÜ moi paidoman¾j krad∂a· t∂ d\e terpnÒn,”Erwtej,
¢ndrobate√n, e≥ m¾ doÚj ti labe√n œq◊loi;
¡ ceπr g¦r t¦n ce√ra·kala men ein par£koitij
ein p©j ¥rshn ¢rsenika√j lab∂sin.
1
Embora seja preferível manter a tradução semelhante dos termos de mesma raiz, no caso de ”Erwtej e ”Erwj
perderíamos a referência mítica de tradição grega se utilisássemos apenas os correspondentes em porguguês de
origem latina (Amores e Amor). Assim, preferimos manter a referência mítica grega na tradução de ”Erwj (Eros)
e a tradução de ”Erwtej será Amores. Resta-nos averiguar o porquê do uso desse plural em alguns poemas.
2
Segundo Liddell & Scott, esse é o único registro desse verbo e seu correspondente latino é paedico.
X (A.P. 5.212)
Sempre o som de Eros entra pelas minhas orelhas,
e meus olhos mudos derramam doce lágrima aos Desejos.
Nem a noite nem o dia me adormecem, mas sob feitiços
uma marca reconhecível ocupa o meu coração.
Ó alados, só sabeis voar até mim, 5
Amores, e não vos esforçais para voar mais longe.
X
A≥e∂ moi dÚnei m\en œn oÜasin Ãcoj ”Erwtoj,
Ômma d\e s√ga PÒqoij tÕ glukÝ d£kru f◊rei·
oÙd' ¹ nÚx, oÙ f◊ggoj œko∂misen, ¢ll' ØpÕ f∂ltrwn
½dh pou krad∂v gnwstÕj ⁄nesti tÚpoj.
ð ptano∂, m¾ ka∂ pot' œf∂ptasqai m◊n, ”Erwtej, 5
o∏dat', ¢poptÁnai d' oÙd' Óson ≥scÚete;
XI (A.P. 6.162)
155
Como uma flor, Meleagro dedicou para ti, Cípris querida,
sua lamparina companheira, iniciada em teus festivais notívagos.
XI
”Anqem£ soi Mel◊agroj ŒÕn sumpa∂stora lÚcnon,
KÚpri f∂lh, mÚsthn sîn q◊to pannuc∂dwn.
XII (A.P. 7. 195)
Gafanhoto, enganador dos meus desejos, alívio ao meu sono
1
,
gafanhoto, rústica Musa que chichia com as asas,
imitador natural da lira
2
, toca-me algo agradável
batendo as loquazes asas nas caras patas
para que eu me livre das dores do pensamento mui desperto, 5
gafanhoto, tecendo um som que me afaste o amor.
E como dádiva matutina a ti darei vicejante alho-poró
e gotas de orvalho para a tua boca de língua bifurcada.
XII
'Akr∂j, œmîn ¢p£thma pÒqwn, paramÚqion Ûpnou,
¢kr∂j, ¢roura∂h Moàsa ligupt◊ruge,
aÙtofu\ej m∂mhma lÚraj, kr◊ke mo∂ ti poqeinÕn
œgkroÚousa f∂loij possπ l£louj pt◊rugaj,
éj me pÒnwn ˛Úsaio panagrÚpnoio mer∂mnhj, 5
¢kr∂, mitwsam◊nh fqÒggon œrwtopl£non·
dîra d◊ soi gˇteion ¢eiqal\ej Ñrqrin¦ dèsw
156
kaπ droser¦j stÒmasi scizom◊naj yak£daj.
1
Gow & Page (1968, p. 615) e Dorsey (1967, p. 160) apontam o duplo sentido do sintagma: o chichiar do
gafanhoto seria o alívio e ao mesmo a motivação para o sono.
2
Id. Referência ao episódio em que a cigarra salvou a participação de Eunomo da Lócrida nos jogos píticos
quando a sua lira quebrou.
XIII (A.P. 7. 196)
1
Sonora cigarra
2
, inebriada pelas gotas de orvalho
3
,
cantas a Musa agreste em uma só voz
e sentada na ponta das folhas com as patas serriformes
na pele etíope soa melodia de lira.
Porém, minha cara, cantas para as Ninfas do bosque 5
um novo poeminha, tocando som responsivo ao de Pã
4
,
para que eu, escapando de Eros, capture o sono do meio-dia
aqui, sob o umbroso plátano, reclinado.
XIII
'Acˇeij t◊ttix, drosera√j stagÒnessi mequsqeπj
¢gronÒman m◊lpeij moàsan œrhmol£lon,
¥kra d' œfezÒmenoj pet£loij prionèdesi kèloij
a≥q∂opi kl£zeij crwtπ m◊lisma lÚraj·
¢ll£, f∂loj, fq◊ggou ti n◊on dendrèdesi NÚmfaij 5
pa∂gnion, ¢ntJdÕn Panπ kr◊kwn k◊ladon,
Ôfra fugën tÕn ”Erwta meshmbrinÕn Ûpnon ¢greÚsw
œnq£d' ØpÕ skier´ keklim◊noj plat£nJ.
1
Cf. Pagliaro CR 24 (1974) 176-177.
2
Cf. Hesíodo, Os Trabalho e Os Dias 582 ss.
3
O fato da cigarra viver de orvalho é comum. Mas estar inebriada por ele pode ser uma inovação de Meleagro.
157
4
Enquanto no poema anterior o gafanhoto é invocado a cantar, neste temos o inverso. Pã sempre dorme ao meio-
dia e por isso ele estaria calado neste momento. O canto responsivo a Pã seria o próprio silêncio.
XIV (A.P. 5.57)
Eros, se muitas vezes incendiares minha alma flutuante,
ela fugirá. Também ela, terrível, tem asas
1
.
XIV
T¾n perπnhcom◊nhn yuc¾n ¨n poll£ki ka∂Vj,
feÚxet', ”Erwj· kaÙtˇ, sc◊tli', ⁄cei pt◊rugaj.
1
Dorsey (1967, p. 175) “A alma é muitas vezes descrita como uma borboleta na arte antiga, mas quando com
Eros, a representação é de uma jovem com asas comuns ou de borboleta.” Guidorizzi (1992, p.120 nota 26)
também o atesta.
XV (A.P. 12. 47)
Ainda no colo da mãe, Eros infante de manhã brincando
com os dados, o meu espírito colocou em jogo
1
.
XV
MatrÕj ⁄t' œn kÒlpoisin Ð nˇpioj Ñrqrin¦ pa∂zwn
¢strag£loij toÙmÕn pneàm' œkÚbeusen ”Erwj.
1
Eros é representado jogando em alguns autores como Apolônio e Anacreonte (cf. epigrama LII nota 1).
XVI (A.P. 12. 48)
Estou deitado. Coloca o pé no meu pescoço, selvagem divindade.
Bem sei que tu, pelos deuses, és fardo pesado.
Sei também das setas flamejantes. Mas incendiando o meu coração
158
não me queimarás, pois tudo já está em cinzas.
XVI
Ke√mai· l¦x œp∂baine kat' aÙc◊noj, ¥grie da√mon·
oid£ se, naπ m¦ qeoÚj, kaπ barÝn Ônta f◊rein·
oida kaπ ⁄mpura tÒxa· balën d' œp' œm¾n fr◊na pursoÚj
oÙ fl◊xeij· ½dh p©sa g£r œsti t◊frh.
XVII (A.P. 12.80)
Alma tão lacrimosa, por que a ferida profunda de Eros
te inflama as vísceras mais uma vez?
Não, não, por Zeus! Não, por Zeus! Ó amante negligente!
Não movimentes o fogo que brilha sob a cinza.
Pois agora, esquecida dos males, se de novo Eros 5
te pegar fugindo,castigará o fugitivo que encontrar.
XVII
Yuc¾ dusd£krute, t∂ soi tÕ pepanq\en ”Erwtoj
traàma di¦ spl£gcnwn aâqij ¢nafl◊getai;
prÒj se DiÒj, prÕj DiÒj, ð fil£boule,
kinˇsVj t◊frV pàr ØpolampÒmenon.
aÙt∂ka g£r, lˇqarge kakîn, p£lin e∏ se fugoàsan 5
lˇyet' ”Erwj, eØrën drap◊tin a≥k∂setai.
XVIII (A.P. 12.86)
159
É Cípris, feminina, que lança fogo que nos deixa loucos por mulher.
Mas o próprio Eros toma as rédeas do desejo por homens
1
.
Para onde me inclinarei? Para o filho ou para a mãe? Penso que a própria
Cípris responderia: “Vence o insolente menininho!”.
XVIII
`A KÚprij qˇleia gunaikomanÁ flÒga b£llei,
¥rsena d' aÙtÕj ”Erwj ∑meron ¡nioce√.
po√ ˛◊yw; potπ pa√d' À mat◊ra; famπ d\e kaÙt¦n
KÚprin œre√n, ‘nik´ tÕ qrasÝ paid£rion.
1
Dover (2007, p. 93-94) afirma que “Afrodite e Eros são ambos, de formas um pouco diferentes, personificações
das forças que nos fazem desejar pessoas e nos apaixonar por elas. [...] a noção de que uma deusa feminina
inspira a paixão heterossexual, e a divindade masculina a paixão homossexual, aparece apenas como um
conceito helenístico, em Meleagro 18).
XIX (A.P. 12.117)
Que a sorte seja lançada! Põe fogo! Sairei
1
.
Olha! Que coragem, beberrão! O que tens em mente?
Comemorarei. Comemorarei.
Para onde, coração, te voltas?
Para que serve a razão perante Eros? Põe fogo rápido.
Onde está o apego pelos estudos de antes?
Joguemos fora o grande esforço do saber. A única coisa que sei 5
é que Eros derrubou até o desejo de Zeus!
XIX
Beblˇsqw kÚboj· ¤pte· poreÚsomai. –'Hn∂de tÒlman·
160
o≥nobar◊j, t∂n' ⁄ceij front∂da;Kwm£somai,
kwm£somai; Po√, qum◊, tr◊pV;T∂ d' ⁄rwti logismÒj;
¤pte t£coj. –Poà d' ¹ prÒsqe lÒgwn mel◊th;
'Err∂fqw sof∂aj Ð polÝj pÒnoj· Ÿn mÒnon oida 5
toàq', Óti kaπ ZhnÕj lÁma kaqe√len ”Erwj.
1
Influência do mimo. Para Gow & Page (2008, vol. II p. 618) este diálogo é entre um bêbado e a sua
alma/consciência sóbria. Mantivemos a numeração dos versos originais, mas separamos as falas do diálogo para
melhor compreensão.
XX (A.P. 12.119)
Tomarei, Baco, a tua coragem. Comanda a festa,
inicia, deus que segura as rédeas do coração mortal.
Nascido do fogo, tu amas a chama de Eros
e após me prenderes de novo, me conduzes como teu suplicante.
És traidor e desleal, ordenas que se esconda teus mistérios
1
, 5
mas os meus agora desejas revelar.
XX
O∏sw, naπ m¦ s◊, B£kce, tÕ sÕn qr£soj· ¡g◊o kèmwn,
¥rce, qeÕj qnat¦n ¡niÒcei krad∂na.
œn purπ gennaqeπj st◊rgeij flÒga t¦n œn ”Erwti
ka∂ me p£lin dˇsaj tÕn sÕn ¥geij ≤k◊tan.
à prodÒtaj k¥pistoj ⁄fuj, te¦ d' Ôrgia krÚptein 5
aÙdîn, œkfa∂nein t¢m¦ sÝ nàn œq◊leij.
1
Guidorizzi (1992, p. 121 nota 34) “Os mistérios de Dioniso eram reservados aos iniciados, por outro lado o
vinho solta a língua dos homens e os constrangem a revelarem os seus segredos: neste caso, obviamente, os
segredos de amor. O motivo é a aplicação erótica de um arcaico tema simposial: aquele que se excede no beber
“não mais é dono de sua língua e de sua mente.” Teógnis 480”.
161
XXI (A.P. 12. 132)
1
Não gritava isto a ti, alma: “Por Cípris, serás conquistada,
ó mal-amada , tu que voas amiúde até a limeira”?
Não gritava? Pegou-te a trapa! Por que em vão nos laços
ofegas? O próprio Eros pelas asas prendeu-te,
colocou-te no fogo, passou perfumes em ti, quando estavas sem vida, 5
e deu-te, quando sedenta, lágrimas quentes para beber.
XXI
OÜ soi taàt' œbÒwn, yucˇ, ‘naπ KÚprin, ¡lèsei,
ð dÚserwj, ≥xù pukn¦ prosiptam◊nh;
oÙk œbÒwn; eƒl◊n se p£gh· t∂ m£thn œnπ desmo√j
spa∂reij; aÙtÕj ”Erwj t¦ pter£ sou d◊deken,
ka∂ s' œpπ pàr ⁄sthse, mÚroij d' ⁄rrane lipÒpnoun, 5
dîke d\e diyèsV d£krua qerm¦ pie√n.
1
Algumas edições colocam 132 a.
XXII (A.P. 12. 132 a)
1
Ó alma agoniada, ora no fogo queimas,
e ora refrescas-te recuperando o fôlego.
Por que choras? Quando o implacável Eros no teu colo
criavas, não sabias que contra ti ele era criado?
Não sabias? Agora sabe que como paga da boa criação 5
fogo e fria neve recebeste
2
.
Tu mesma isso escolheste. Carrega teu fardo. Sofres o que mereces
162
ao seres queimada em fervente mel por aquilo que fizeste.
XXII
’A yuc¾ barÚmocqe, sÝ d' ¥rti m\en œk purÕj a∏qV,
¥rti d' ¢nayÚceij pneàm' ¢nalexam◊nh.
t∂ kla∂eij; tÕn ¥tegkton Ót' œn kÒlpoisin ”Erwta
⁄trefej, oÙk Édeij æj œpπ soπ tr◊feto;
oÙk Édeij; nàn gnîqi kalîn ¥llagma trofe∂wn 5
pàr ¤ma kaπ yucr¦n dexam◊nh ciÒna.
aÙt¾ taàq' e∑lou· f◊re tÕn pÒnon. ¥xia p£sceij
ïn ⁄draj Ñptù kaiom◊nh m◊liti.
1
Gow & Page (2008, vol. II p. 620) Como o conteúdo deste epigrama é bastante similar ao anterior, alguns
editores (Jacobs, Graefe, Dübner) não aceitaram a dissociação dos dois.
2
Alusão a Safo 48V.
XXIII (A.P. 5. 197)
Sim, pelo cacho amoroso de belos fios de Timo,
sim, pela olente cútis que engana o sono de Demó,
sim e de novo, pelos jogos amorosos de Ilíada, e pela acordada
lamparina que a celebração das minhas pândegas sempre viu.
Pouco fôlego resta, Eros, nos meus lábios. 5
Se desejares isso também, diga e o cuspirei.
XXIII
Naπ m¦ tÕn eÙplok£mou Timoàj fil◊rwta k∂kinnon,
naπ murÒpnoun Dhmoàj crîta tÕn Øpnap£thn,
naπ p£lin 'Ili£doj f∂la pa∂gnia, naπ fil£grupnon
163
lÚcnon œmîn kèmwn pÒll' œpidÒnta t◊lh·
baiÕn ⁄cw tÒ ge leifq◊n, ”Erwj, œpπ ce∂lesi pneàma· 5
e≥ d' œq◊leij kaπ toàt', e≥p◊, kaπ œkptÚsomai.
XXIV (A.P. 5. 198)
Não, pela mecha de Timo, não, pela sandália de Heliodora,
não, pela porta regada de perfume de Demárion,
não, pelo delicado sorriso de Anticleia de olhos bovinos,
não, pela guirlanda de flores recém germinadas de Doroteia,
não mais a tua aljava setas aladas 5
esconde, Eros, pois para mim todas foram lançadas.
XXIV
OÙ plÒkamon Timoàj, oÙ s£ndalon `Hliodèraj,
oÙ tÕ murÒrranton Dhmar∂ou prÒquron,
oÙ truferÕn me∂dhma boèpidoj 'Antikle∂aj,
oÙ toÝj ¢rtiqale√j Dwroq◊aj stef£nouj,
oÙk◊ti soπ far◊trh < > pterÒentaj ÑistoÝj 5
krÚptei, ”Erwj· œn œmoπ p£nta g£r œsti b◊lh.
XXV (A.P.5. 156)
A amorosa Asclépia com seus olhos cinza-azulados
de calmaria
1
convida a todos a navegar no amor.
XXV
164
`A f∂lerwj caropo√j 'Asklhpi¦j oƒa Galˇnhj
Ômmasi sumpe∂qei p£ntaj œrwtoploe√n.
1
Segundo Liddell & Scott, o termo galˇnh,¹ é a calmaria do mar.
XXVI (A.P. 5. 160)
Demó de pele alva, alguém, possuindo-te despida,
deleita-se, mas meu coração, agora, geme.
Se o desejo sabatista
1
te possui, não muito me admiro!
Também nos frios sabatistas está o quente Eros
2
.
XXVI
Dhmë leukop£reie, s\e m◊n tij ⁄cwn ØpÒcrwta
t◊rpetai, ¡ d' œn œmoπ nàn sten£cei krad∂a.
e≥ d◊ se sabbatikÕj kat◊cei pÒqoj, oÙ m◊ga qaàma·
Œstπ kaπ œn yucro√j s£bbasi qermÕj ”Erwj.
1
Isto é, desejo por judeus.
2
Gow & Page (2008, vol. II p. 622) afirmam que o fogo pode ter sentido metafórico (desejo sexual) e literal
porque ele não podia ser aceso no dia do sabá, dia de descanso semanal do judaísmo.
XXVII (A.P. 5. 172)
Estrela da manhã má aos amantes, por que rápido envolveste o leito
agora que me aquece a pele da querida Demó?
Oxalá, após tomar o rápido caminho de volta, virasses Héspero,
tu que doce luz derrama em mim amargamente.
Pois já no passado foste até Alcmena e ficaste frente a frente com Zeus 5
Assim, não desconheces o caminho de volta.
165
XXVII
”Orqre t∂ moi dus◊raste tacÝj perπ ko√ton œp◊sthj
¥rti f∂laj Dhmoàj crwtπ cliainom◊nJ;
e∏qe p£lin str◊yaj tacinÕn drÒmon “Esperoj e∏hj,
ð glukÝ fîj b£llwn e≥j œm‹ pikrÒtaton.
½dh g¦r kaπ prÒsqen œp' 'Alkmˇnhn DiÕj Ãlqej 5
¢nt∂oj· oÙk ¢daˇj œssi palindrom∂hj.
XXVIII (A.P. 5. 173)
Estrela da manhã má aos amantes, por que agora, devagar, giras pelo mundo
quando um outro se esquenta sob o manto de Demó?
Porém, quando tenho minha delicada no colo, rápido me envolves
jogando tua luz que se alegra com meu infortúnio.
XXVIII
”Orqre, t∂ nàn, dus◊raste, bradÝj perπ kÒsmon Œl∂ssV,
¥lloj œpeπ Dhmoàj q£lpeq' ØpÕ clan∂di;
¢ll' Óte t¦n ˛adin¦n kÒlpoij ⁄con, çkÝj œp◊sthj
æj b£llwn œp' œmoπ fîj œpicair◊kakon.
XXIX (A.P. 5. 139)
Doce melodia, por Pã da Arcádia, com a harpa entoas,
Zenófila, por Pã, doce melodia teces.
Para onde fujo de ti? Por toda parte os Amores me cercam,
não me deixam respirar nem por pouco tempo.
166
Pois ou a beleza ou o canto, ou a graça lançam em mim o desejo. 5
Que devo dizer? Tudo. Ardo-me em fogo.
XXIX
`AdÝ m◊loj, naπ P©na tÕn 'Ark£da, phkt∂di m◊lpeij,
Zhnof∂la, naπ P©n', ¡dÝ kr◊keij ti m◊loj.
po√ se fÚgw; p£ntV me periste∂cousin ”Erwtej,
oÙd' Óson ¢mpneàsai baiÕn œîsi crÒnon.
À g£r moi morf¦ b£llei pÒqon À p£li moàsa 5
À c£rij Àt∂ l◊gw; p£nta· purπ fl◊gomai.
XXX (A.P. 5. 140)
As Musas de canto doce com a harpa, o Discurso
sábio com persuasão e Eros belo sobre o carro,
Zenófila, todos te presentearam com o cetro dos Desejos,
pois as três Graças três graças te deram.
XXX
`Hdumele√j Moàsai sÝn phkt∂di kaπ LÒgoj ⁄mfrwn
sÝn peiqo√ kaπ ”Erwj kal\oj œf ¹niocwi
Zhnof∂la, soπ skÁptra PÒqwn ¢p◊neiman, œpe∂ soi
a≤ trissaπ C£ritej tre√j ⁄dosan c£ritaj.
XXXI (A.P. 5.144)
1
Já o galanto flora, flora também o narciso
167
amante-da-chuva e floram os lírios sobre a montanha.
Já a amorosa, entre as flores flor madura,
Zenófila, doce rosa da Persuasão
2
, floresceu.
Prados, por que rides em vão alegres sobre as folhas? 5
A menina é mais forte que as olorosas guirlandas.
XXXI
”Hdh leukÒion q£llei, q£llei d\e f∂lombroj
n£rkissoj, q£llei d' oÙres∂foita kr∂na·
½dh d' ¡ fil◊rastoj, œn ¥nqesin érimon ¥nqoj,
Zhnof∂la Peiqoàj ¹dÝ t◊qhle ˛Òdon.
leimînej, t∂ m£taia kÒmaij ⁄pi faidr¦ gel©te; 5
¡ g¦r pa√j kr◊sswn ¡dupnÒwn stef£nwn.
1
Cf. Bremer Mnemosyne 28 number 3 (1975) 268-280.
2
ºdÝ ˛Òdon é um sintagma comum. Entretanto, ele associado a Pe√qouj não o é. Optamos pela tradução da
personificação para realçar a característica persuasiva da personagem.
XXXII (A.P. 5. 149)
Quem mostrou-me Zenófila, a falante cortesã?
Quem uma das três Graças a mim trouxe?
Tal homem, de fato, agradável trabalho realizou,
presenteando-me a própria Graça para a minha graça.
XXXII
T∂j moi Zhnof∂lan lali¦n par◊deixen Œta∂ran;
t∂j m∂an œk trissîn ½gag◊ moi C£rita;
«r' œtÚmwj ¡n¾r kecarism◊non ¥nusen ⁄rgon
168
dîra didoÝj kaÙt¦n t¦n C£rin œn c£riti.
XXXIII (A.P. 5. 151)
Pernilongos de gritos agudos, desavergonhados, dos homens sugadores
de sangue, criaturas aladas da noite,
imploro, deixai que Zenófila, em paz um pouco,
durma. Vede, comei a carne dos meus membros.
Mas por que falo em vão? As feras implacáveis 5
se deleitam aquecidas pelo corpo delicado.
Mas agora vos advirto, feras terríveis, deixai a audácia
ou conhecereis a força que uma mão ciumenta tem.
XXXIII
'OxubÒai kènwpej, ¢naid◊ej a∑matoj ¢ndrîn
s∂fwnej, nuktÕj knèdala dipt◊ruga,
baiÕn Zhnof∂lan, l∂tomai, p£req' ¼sucon ÛpnJ
eÛdein, t¢m¦ d', ≥doÚ, sarkofage√te m◊lh.
ka∂toi prÕj t∂ m£thn aÙdî; kaπ qÁrej ¥tegktoi 5
t◊rpontai truferù crwtπ cliainÒmenoi.
¢ll' ⁄ti nàn prol◊gw, kak¦ qr◊mmata, lˇgete tÒlmhj,
À gnèsesqe cerîn zhlotÚpwn dÚnamin.
XXXIV (A.P. 5. 152)
Voa para mim, pernilongo, mensageiro veloz
1
,
e, após tocar as orelhas de Zenófila, isso sussurra :
169
“Acordado ele te espera e tu, ó esquecida dos amores,
dormes.” Eia voa, voa amante da música.
Fala baixo, sem acordar seu parceiro de leito 5
para que não mova contra mim as dores do ciúme.
Se me trouxeres a pequena, com pele de leão
2
te cobrirei,
mosquito, e te darei um bastão para empunhares.
XXXIV
Pta∂hj moi kènwy tacÝj ¥ggeloj, oÜasi d' ¥kroij
Zhnof∂laj yaÚsaj prosyiqÚrize t£de·
¥grupnoj m∂mnei se· sÝ d', ð lˇqarge filoÚntwn
eÛdeij’. eia p◊teu, na∂ filÒmouse p◊teu·
¼suca d\e fq◊gxai, m¾ kaπ sÚgkoiton œge∂raj 5
kinˇsVj œp' œmoπ zhlotÚpouj ÑdÚnaj.
Àn d' ¢g£gVj t¾n pa√da, dor´ st◊yw se l◊ontoj,
kènwy, kaπ dèsw ceirπ f◊rein ˛Òpalon.
1
Epíteto homérico.
2
dor´ l◊ontoj e ˛Òpalon são atributos de Héracles que coroam o poema com um fino toque cômico. De acordo
com Guidorizzi (1992, p. 121 nota 43) e Gow & Page (2008, vol. II p. 625), tal representação de Eros era comum
na iconografia helenística.
XXXV (A.P. 5. 171)
A taça docemente está alegre e diz que da amorosa
Zenófila toca a falante boca.
Felizarda! Oxalá agora sobre meus lábios seus lábios colocasse
e sem respirar a minha alma bebesse.
170
XXXV
TÕ skÚfoj ¡dÝ g◊ghqe, l◊gei d' Óti t©j fil◊rwtoj
Zhnof∂laj yaÚei toà lalioà stÒmatoj·
Ôlbion· e∏q' Øp' œmo√j nàn ce∂lesi ce∂lea qe√sa
¢pneustπ yuc¦n t¦n œn œmoπ prop∂oi.
XXXVI (A.P. 5. 174)
Dormes, Zenófila, lindo rebento. Oxalá sobre ti agora,
como Sono sem asas,
1
eu pudesse penetrar nos teus cílios,
para que esse aí, o que encanta até os olhos de Zeus
2
,
não perambule ao teu redor e que somente eu possa te possuir.
XXXVI
EÛdeij, Zhnof∂la, truferÕn q£loj· e∏q' œpπ soπ nàn
¥pteroj e≥sÇein Ûpnoj œpπ blef£roij,
æj œpπ soπ mhd' oátoj Ð kaπ DiÕj Ômmata q◊lgwn
foitˇsai, k£tecon d' aÙtÕj œgè se mÒnoj.
1
Dorsey (1967, p. 226) cita Beckby comentando passagem das Argonáuticas que diz que esta é a imagem do
sono profundo.
2
A referência pode ser a um episódio da Ilíada (XIV, 231-351), em que Hera envia Sono para que ela pudesse
interferir na guerra.
XXXVII (A.P. 5. 177)
Anuncio: procura-se Eros selvagem. Ainda agora
de manhã do leito voou para longe.
É um guri doce-amargo, sempre falante, rápido e destemido,
ri com o nariz para cima, alado, porta aljava.
171
O pai não tenho como nomeá-lo. Pois nem o éter 5
nem a terra dizem ter parido o atrevido, nem o mar.
Por toda parte e por todos é odiado. Mas atentai
para que agora ele não coloque outras almas em outras trapas.
E de fato ele, veja, está perto do covil. Não passaste despercebido a mim
arqueiro, quando te escondeste nos olhos de Zenófila. 10
XXXVII
KhrÚssw tÕn ”Erwta tÕn ¥grion· ¥rti g£r ¥rti
ÑrqrinÕj œk ko∂taj õcet' ¢popt£menoj.
⁄sti d' Ð pa√j glukÚdakruj, ¢e∂laloj, çkÚj, ¢qambˇj,
sim¦ gelîn pterÒeij nîta, faretrofÒroj.
patrÕj d' oÙk◊t' ⁄cw fr£zein t∂noj· oÜte g¦r a≥qˇr, 5
oÙ cqèn fhsi teke√n tÕn qrasÚn, oÙ p◊lagoj.
p£ntV g¦r kaπ p©sin ¢p◊cqetai. ¢ll' œsor©te
mˇ pou nàn yuca√j ¥lla t∂qhsi l∂na.
ka∂toi ke√noj, ≥doÚ, perπ fwleÒn. oÜ me l◊lhqaj,
toxÒta, Zhnof∂laj Ômmasi kruptÒmenoj. 10
XXXVIII (A.P. 5. 178)
Que seja vendido, mesmo no colo da mãe dormindo,
seja vendido. Que me importa criar esse arrogante?
Ele é esnobe e alado, e com unhas afiadas
arranha, e quando chora muitas vezes no meio ri.
Que mais? Desnutrido, sempre loquaz e de olhar agudo, 5
172
selvagem, e nem sequer pela mãe querida foi domesticado.
É todo fera. É então vendido. Se algum mercador
de partida deseja comprar este pequeno, aproxime-se.
Aliás está implorando, vê, chorando! Não mais te vendo.
Coragem! Fica aqui, companheiro de Zenófila. 10
XXXVIII
Pwle∂sqw, kaπ matrÕj ⁄t' œn kÒlpoisi kaqeÚdwn,
pwle∂sqw. t∂ d◊ moi tÕ qrasÝ toàto tr◊fein;
kaπ g¦r simÕn ⁄fu kaπ ØpÒpteron, ¥kra d' Ônuxin
kn∂zei, kaπ kla√on poll¦ metaxÝ gel´·
prÕj d' ⁄ti loipÕn ¥trepton ¢e∂lalon ÑxÝ dedorkÒj 5
¥grion, oÙd' aÙt´ matrπ f∂lv tiqasÒn.
p£nta t◊raj· toig¦r pepr£setai· e∏ tij ¢pÒplouj
⁄mporoj çne√sqai pa√da q◊lei, pros∂tw.
ka∂toi l∂sset', ≥doÚ, dedakrum◊noj· oÜ s' ⁄ti pwlî·
q£rsei· Zhnof∂lv sÚntrofoj ïde m◊ne. 10
XXXIX (A.P. 5. 195)
As três Graças tripla guirlanda entrelaçaram
para Zenófila, símbolo de sua tripla beleza.
Uma sobre a pele colocou desejo, a outra, sobre a beleza,
volúpia, e a outra, nos discursos, palavras doces.
Três vezes fortunada aquela cuja cama Cípris moldou, 5
e cujos discursos e doce beleza moldaram Persuasão e Eros.
173
XXXIX
A≤ trissaπ C£ritej trissÕn stef£nwma sÚneunai
Zhnof∂lv triss©j sÚmbola kallosÚnaj·
¡ m\en œpπ crwtÕj qem◊na pÒqon, ¡ d' œpπ morf©j
∑meron, ¡ d\e lÒgoij tÕ glukÚmuqon ⁄poj.
triss£kij eÙda∂mwn, ªj kaπ KÚprij éplisen eÙn¦n 5
kaπ Peiqë mÚqouj kaπ glukÝ k£lloj ”Erwj.
XL (A.P. 5. 196)
A Zenófila beleza deu Eros e feitiços companheiros de leito
deu Cípris e as Graças, graça.
XL
Zhnof∂lv k£lloj m\en ”Erwj, sÚgkoita d\e f∂ltra
KÚprij ⁄dwken ⁄cein, a≤ C£ritej d\e c£rin.
XLI (A.P. 5. 24)
Minh’ alma avisa-me para fugir do desejo por Heliodora,
ciente ela das lágrimas e do ciúme de outrora.
Ela fala, mas força para fugir não tenho. Despudorada
ela avisa e, ao avisar, ama.
XLI
Yucˇ moi prol◊gei feÚgein pÒqon `Hliodèraj
174
d£krua kaπ zˇlouj toÝj prπn œpistam◊nh.
fhsπ m◊n, ¢ll¦ fuge√n oÜ moi sq◊noj· ¹ g¦r ¢naid¾j
aÙt¾ kaπ prol◊gei kaπ prol◊gousa file√.
XLII (A.P. 5. 136)
Verte e dize de novo, de novo, de novo “À Heliodora!”
dize; com vinho puro o seu doce nome misture.
E ainda úmida de perfumes da véspera,
lembrança dela, coloca em mim, a sua guirlanda.
Olha! Chora a rosa amorosa porque ela a vê 5
em outro lugar que não em meu peito.
XLII
”Egcei kaπ p£lin e≥p◊, p£lin p£lin, `Hliodèraj·
e≥p◊, sÝn ¢krˇtJ tÕ glukÝ m∂sg' Ônoma.
ka∂ moi tÕn brecq◊nta mÚroij, kaπ cqizÕn œÒnta,
mnamÒsunon ke∂naj ¢mfit∂qei st◊fanon.
dakrÚei fil◊raston, ≥doÚ, ˛Òdon, oÛneka ke∂nan 5
¥lloqi koÙ kÒlpoij ¡met◊roij œsor´.
XLIII (A.P. 5. 137)
Verte em nome de Heliodora, Persuasiva e Cípria
e de novo a ela, Graça de doce fala.
Pois somente a ela descrevo como uma deusa, cujo desejado
nome, após diluir no vinho, bebo.
175
XLIII
”Egcei t©j Peiqoàj kaπ KÚpridoj `Hliodèraj
kaπ p£li t©j aÙt©j ¡dulÒgou C£ritoj·
aÙt¦ g¦r m∂' œmoπ gr£fetai qeÒj, ªj tÕ poqeinÕn
oÜnom' œn ¢krˇtJ sugker£saj p∂omai.
XLIV (A.P. 5. 141)
Por Eros, prefiro a voz de Heliodora junto aos ouvidos
ouvir à cítara do filho de Leto.
XLIV
Naπ tÕn ”Erwta, q◊lw tÕ par' oÜasin `Hliodèraj
fq◊gma klÚein À t©j Latoidew kiq£raj.
XLV (A.P. 5. 143)
A guirlanda fenece cingida na cabeça de Heliodora,
e ela própria esplandece, guirlanda de sua guirlanda.
XLV
`O st◊fanoj perπ kratπ mara∂netai `Hliodèraj,
aÙt¾ d' œkl£mpei toà stef£nou st◊fanoj.
XLVI (A. P. 5.147)
Enredarei violeta branca, enredarei com mirtos
176
delicado narciso, enredarei lírios risonhos,
enredarei doce açafrão, enlearei jacinto
purpúreo, enredarei também rosas amantes do amor,
para que nas têmporas de Heliodora de cabelo oloroso 5
a guirlanda inunde de flores seu lindo cabelo trançado.
XLVI
Pl◊xw leukÒion, pl◊xw d' ¡pal¾n ¤ma mÚrtoij
n£rkisson, pl◊xw kaπ t¦ gelînta kr∂na,
pl◊xw kaπ krÒkon ¹dÚn, œpipl◊xw d' Ø£kinqon
porfur◊hn, pl◊xw kaπ fil◊rasta ˛Òda,
æj ¨n œpπ krot£foij murobostrÚcou `Hliodèraj 5
eÙplÒkamon ca∂thn ¢nqobolÍ st◊fanoj.
XLVII (A.P. 5. 148)
Digo: um dia nos cantos, Heliodora de doce falar
vencerá as próprias Graças com suas graças.
XLVII
Fam∂ pot' œn mÚqoij t¦n eÜlalon `Hliodèran
nik£sein aÙt¦j t¦j C£ritaj c£risin.
XLVIII (A.P. 5.155)
Dentro do meu coração o próprio Eros moldou
Heliodora de doce falar, alma da minh’alma.
177
XLVIII
'EntÕj œmÁj krad∂hj t¾n eÜlalon `Hliodèran·
yuc¾n tÁj yucÁj ⁄plasen aÙtÕj ”Erwj.
XLIX (A.P. 5. 157)
Unha afiada de Heliodora, Eros te fez crescer:
teus arranhões penetram até o fundo do coração.
XLIX
TrhcÝj Ônux Øp' ”Erwtoj ¢n◊trafej `Hliodèraj·
taÚthj g¦r dÚnei kn∂sma kaπ œj krad∂hn.
L (A.P. 5. 163)
Abelha de flores nutrida, por que a pele de Heliodora
me tocas depois de abandonar os cálices primaveris?
Por acaso tu revelas que ela doce e insuportável ferrão
de Eros possui, sempre amargo ao coração?
Sim, parece que o dizes. Vá amorosa e marcha 5
de volta sobre teus passos: há muito sabemos deste teu anúncio.
L
'Anqod∂aite m◊lissa, t∂ moi croÕj `Hliodèraj
yaÚeij, œkprolipoàs' e≥arin¦j k£lukaj;
à sÚ ge mhnÚeij
, Óti kaπ glukÝ kaπ dusÒiston
178
pikrÕn ¢eπ krad∂v k◊ntron ”Erwtoj ⁄cei;
naπ dok◊w toàt' eipaj. ≥è fil◊raste, pal∂mpouj 5
ste√ce· p£lai t¾n s¾n o∏damen ¢ggel∂hn.
LI (A.P. 5.165)
1
Somente isto, mãe de todos os deuses, te peço, querida Noite
te peço, companheira de pândegas, rainha Noite.
Se alguém deitado sob o manto de Heliodora
arde com o calor da pele que engana o sono,
que a lamparina adormeça e que ele, no colo dela 5
prostrado, durma, um segundo Endímion.
LI
flEn tÒde, pammˇteira qeîn, l∂toma∂ se, f∂lh NÚx,
naπ l∂tomai kèmwn sÚmplane pÒtnia NÚx·
e∏ tij ØpÕ cla∂nV beblhm◊noj `Hliodèraj
q£lpetai, Øpnap£tV crwtπ cliainÒmenoj,
koim£sqw m\en lÚcnoj, Ð d' œn kÒlpoisin œke∂nhj 5
˛iptasqeπj ke∂sqw deÚteroj 'Endum∂wn.
1
Cf. Mckay Mnemosyne 36 number 1-2 (1983) 135-142.
LII (A.P. 5.166)
Ó Noite, ó meu desperto desejo por Heliodora
e feridas lacrimosas oriundas das injustas auroras,
permanecem ainda os restos da minha volúpia, algum beijo meu
no leito frio aquece a lembrança?
179
As lágrimas são tuas companheiras 5
e me beijas e abraças no teu colo em sonho enganador de almas?
Ou há um novo amor, novo joguete? Nunca, lamparina,
vejas esse novo amor e sejas guarda do que te confiei.
LII
’W NÚx, ð fil£grupnoj œmoπ pÒqoj `Hliodèraj
kaπ skoliîn Ôrqrwn kn∂smata dakrucarÁ,
«ra m◊nei storgÁj œm¦ le∂yana, ka∂ ti f∂lhma
mnhmÒsunon yucr´ q£lpet' œn klis∂v;
«r£ g' ⁄cei sÚgkoita t¦ d£krua, k¢mÕn Ôneiron 5
yucap£thn st◊rnoij ¢mfibaloàsa file√;
À n◊oj ¥lloj ⁄rwj, n◊a pa∂gnia; mˇpote, lÚcne,
taàt' œs∂dVj, e∏hj d' Âj par◊dwka fÚlax.
LIII (A.P. 5. 214)
Nutro um Eros, que joga bola; para ti, Heliodora,
ele lança o coração que bate em mim
1
.
Vamos, recebe o Desejo jogador. E se me
lançares para longe de ti, não suportarei tal jogo baixo.
LIII
Sfairist¦n tÕn ”Erwta tr◊fw· soπ d', `Hliodèra,
b£llei t¦n œn œmoπ pallom◊nan krad∂an.
¢ll' ¥ge sumpa∂ktan d◊xai PÒqon· e≥ d' ¢pÕ seà me
180
˛∂yaij, oÙk o∏sei t¦n ¢p£laistron Ûbrin.
1
Guidorizzi (1992, p. 124 nota 60). O poema incorpora Anacreonte fr. 14 (Berghl = Page 2, 13) e Apolônio
Ródio III, 132-141 e tem semelhança com o jogo da maçã para a conquista amorosa, Safo fr 105 V.
LIV (A.P. 5. 215)
Suplico-te, Eros, adormece o meu desperto desejo por Heliodora
em respeito à minha musa suplicante.
Sim, juro pelos teus arcos, que não sabem atingir
outro e sempre apontam contra mim setas aladas,
ainda que me mates, deixarei as letras 5
falantes: “Veja, estranho, a crueldade de Eros.”
LIV
L∂ssom', ”Erwj, tÕn ¥grupnon œmoπ pÒqon `Hliodèraj
ko∂mison a≥desqeπj moàsan œm¦n ≤k◊tin.
naπ g¦r d¾ t¦ s¦ tÒxa, t¦ m¾ dedidagm◊na b£llein
¥llon, ¢eπ d' œp' œmoπ ptan¦ c◊onta b◊lh,
e≥ kaπ me kte∂naij, le∂yw fwneànt œpπ tÚmbJ 5
gr£mmat',‘ ”Erwtoj Óra, xe√ne, miaifon∂an’.
LV (A.P. 12.147)
Foi roubada. Quem é tão rude para lutar?
Quem é tão poderoso para combater Eros?
Acende rápido as tochas. Mas um ruído! De Heliodora!
Volte a bater em meu peito, coração!
181
LV
“Arpastai. t∂j tÒsson œnaicm©ssai ¥grioj einai
t∂j tÒsoj ¢nt©rai kaπ prÕj ”Erwta m£chn;
¤pte t£coj peÚkaj· ka∂toi ktÚpoj· `Hliodèraj·
ba√ne p£lin st◊rnwn œntÕj œmîn, krad∂h.
LVI (A.P. 7.476)
1
Lágrimas também abaixo da terra, Heliodora,
te dou, o que permanece do meu amor até o Hades,
lágrimas de angústia; sobre tão lamuriada tumba,
derramo lembranças do desejo, lembranças de afeições.
Miserável, miserável eu, Meleagro, te lamento amada 5
entre os mortos, vã graça que ruma ao Aqueronte!
Ai ai! Onde está meu desejado broto? Roubou-o Hades
roubou-o, e a poeira suja a viçosa flor.
Mas, de joelhos suplico-te, Terra que todos nutre, que a mui pranteada,
ó mãe, gentilmente em teu ventre seja abraçada
2
. 10
LVI
D£kru£ soi kaπ n◊rqe di¦ cqonÒj, `Hliodèra,
dwroàmai, storg©j le∂yanon e≥j 'A∂dan,
d£krua dusd£kruta· poluklaÚtJ d' œpπ tÚmbJ
sp◊ndw mn©ma pÒqwn, mn©ma filofrosÚnaj.
o≥ktr¦ g£r o≥ktr¦ f∂lan se kaπ œn fqim◊noij Mel◊agroj 5
a≥£zw, kene¦n e≥j 'Ac◊ronta c£rin.
182
a≥a√ poà tÕ poqeinÕn œmoπ q£loj; ¤rpasen “Aidaj,
¤rpasen, ¢kma√on d' ¥nqoj ⁄fure kÒnij.
¢ll£ se gounoàmai, G© pantrÒfe, t¦n panÒdurton
ºr◊ma so√j kÒlpoij, m©ter, œnagk£lisai. 10
1
Cf. Small AJPh 72 (1951) 47-56.
2
Gow & Page (2008, vol. II p. 638) assumem o poema como uma elegia pela morte de Heliodora.
LVII (A.P. 5.192)
Se nua a Calístion vires, ó estrangeiro, dirás:
“Foi alterada a dupla letra
1
de Siracusa!”
LVII
Gumn¾n Àn œs∂dVj Kall∂stion, ð x◊ne, fˇseij,
½llaktai diploàn gr£mma Surhkos∂wn’.
1
A dupla letra é o c. Se o transeunte visse Kall∂stion nua, diria que o nome dela deveria ser Kall∂scion, de
belas coxas.
LVIII (A.P. 5.187)
Diga a Licenis, Dórcas: “Vê como tu, beijando de mentira,
foste descoberta: o tempo não esconde um amor forjado”.
LVIII
E≥p\e Lukain∂di, Dork£j· ‘ ∏d' æj œp∂thkta filoàsa
¼lwj· oÙ krÚptei plastÕn ⁄rwta crÒnoj’.
LIX (A.P. 5. 96)
Teus beijos são colantes, teus olhos, Timárion, são fogo.
183
Se olhas, queimas e se tocas, prendes.
LIX
'IxÕn ⁄ceij tÕ f∂lhma, t¦ d' Ômmata, Tim£rion, pàr·
Àn œs∂dVj ka∂eij, Àn d\e q∂gVj, d◊dekaj.
LX (A.P. 5. 204)
Não mais, Timárion, antes armação de elegante
corsário, reges a guarnição flutuante de Cípris
1
.
As costas são recurvas como o mastro das velas,
os cabelos grisalhos, como cordame solto,
a flacidez dos seios está solta como velas pendentes, 5
tem o ventre retorcido e enrugado pelo vagar do mar,
embaixo a nau está cheia de água, o mar inunda
a cavidade e os joelhos trêmulos têm o vagar do mar.
Infeliz quem vivo pelo porto de Aqueronte
navega sobre este velho barco de 20 remos. 10
LX
OÙk◊ti Timar∂ou, tÕ prπn glafuro√o k◊lhtoj
pÁgma, f◊rei plwtÕn KÚpridoj e≥res∂h·
¢ll' œpπ m\en nètoisi met£frenon æj k◊raj ≤stù
kurtoàtai, poliÕj d' œkl◊lutai prÒtonoj,
≤st∂a d' a≥wrht¦ cal´ spadon∂smata mastîn, 5
œk d\e‹ s£lou strept¦j gastrÕj ⁄cei ˛ut∂daj,
184
n◊rqe d\e p£nq' Øp◊rantla neèj, ko∂lV d‹ q£lassa
plhmÚrei, gÒnasin d' ⁄ntromÒj œsti s£loj.
dÚstanÒj te zwÕj ⁄t' ín d' 'Acerous∂da l∂mnhn
pleÚset' ¥nwq' œpib¦j graÕj œp' e≥kosÒrou. 10
1
Imagem de navegação em metáfora do amor. Gow & Page (2008, vol. II p. 640) reconhecem a dificuldade do
texto e os seus problemas de construção.
LXI (A.P. 12.109)
1
O belo Deodoro lança chama nos jovens,
mas foi pego pelos lascivos olhos de Timárion,
que possuem o doce-amargo dardo de Eros.
E este novo assombro vejo: chameja o fogo em fogo ardente.
LXI
`O truferÕj DiÒdwroj œj ºiq◊ouj flÒga b£llwn
½greutai lamuro√j Ômmasi Timar∂ou,
tÕ glukÚpikron ”Erwtoj ⁄cwn b◊loj. Ã tÒde kainÕn
q£mboj Ðrî· fl◊getai pàr purπ kaiÒmenon.
1
Dover (2007, p. 116) afirma que “a poesia helenística sugere que, a partir do século IV a.C., houve certa
mudança de gosto no sentido de se apreciarem características femininas nos eromenoi. [...] outras palavras,
por exemplo, habros (Polístratos 1) e trypheros (Meleagro LXI), que sugerem uma vida mole, delicadeza e
fastídio, e assim, indiretamente, sugerem um ser efeminado, sem indicar, especificamente, um corpo feminino.”
LXII (A.P. 12.113)
O próprio Eros alado foi feito prisioneiro do céu,
após ser capturado pelos teus olhos,Timárion.
LXII
185
KaÙtÕj ”Erwj Ð ptanÕj œn a≥q◊ri d◊smioj ¼lw
¢greuqeπj to√j so√j Ômmasi, Tim£rion.
LXIII (A.P. 5.154)
Por Cípris que nada entre as ondas acinzentadas,
também na forma Trifera é bela
1
.
LXIII
Naπ t¦n nhxam◊nan caropo√j œnπ kÚmasi KÚprin,
Œstπ kaπ œk morf©j ¡ Truf◊ra trufer£.
1
Meleagro brinca com o sentido do nome Trifera: bela, formosa.
LXIV (A.P. 5.190)
Ondas amargas de Eros, inquietos e ventosos
ciúmes e mar tempestuoso de pândegas.
Aonde sou levado? Para todo lugar as rédeas do juízo têm enviado-me.
De novo para a bela Cila
1
deveria dirigir meus olhos?
LXIV
Kàma tÕ pikrÕn ”Erwtoj ¢ko∂mhto∂ te pn◊ontej
zÁloi kaπ kèmwn ceim◊rion p◊lagoj,
po√ f◊romai; p£ntV d\e frenîn o∏akej ¢fe√ntai·
à p£li t¾n trufer¾n SkÚllan œpoyÒmeqa;
1
Guidorizzi (1992, p. 125 nota 69) “O monstro marinho da Odisséia (XII, 420 ss); brincadeiras com nome de
cortesãs de rapina são comuns na tradição antiga: uma Cila é citada pelo cômico Anaxilas, fr. 22 Kock, um
Caríbdis em Aristófanes, Os Cavaleiros 248, Horácio, Odes I, 27, 19. A brincadeira é a respeito da cortesã
Trifera, do epigrama anterior: rever Trifera-Cila equivale então a naufragar no mar de amor ou ser devorado.”
186
LXV (A.P. 7.207)
Ainda criança, lebre veloz e orelhuda, há pouco fui arrancada
para longe dos seios maternos
1
;
e no regaço me acolhendo, Fânio, de pele doce, nutriu-me,
e fui alimentada com flores primaveris por ela.
Não mais tinha saudade da minha mãe, morro por excesso 5
de comida, farto de muitos banquetes.
E ao lado do seu leito meu corpo ela enterrou para
nos sonhos sempre ver a tumba vizinha da sua cama.
LXV
TÕn tacÚpoun ⁄ti pa√da sunarpasq◊nta tekoÚshj
¥rti m' ¢pÕ st◊rnwn oÙatÒenta lagën
œn kÒlpoij st◊rgousa di◊trefen ¹ glukerÒcrwj
Fan∂on e≥arino√j ¥nqesi boskÒmenon.
oÙd◊ me mhtrÕj ⁄t' eice pÒqoj, qnÇskw d' ØpÕ qo∂nhj 5
¢plˇstou pollÍ daitπ pacunÒmenoj·
ka∂ mou prÕj klis∂v krÚyen n◊kun, æj œn Ñne∂roij
a≥\en Ðr©n ko∂thj geiton◊onta t£fon.
1
Anite pode ter sido emulada neste epitáfio por ter escrito epitáfios para animais. Entretanto, este poema possui
tom cômico devido à causa mortis, excesso de alimento.
LXVI (A.P. 12.53)
Naus marítimas carregadas, que pelo estreito da Grécia
navegais, recebendo em seus seios o belo Bóreas,
se acaso nas praias de Cós, pela ilha, virdes
187
Fânio mirando o mar azul-acinzentado,
levai estas palavras, belas naus; “que o desejo me leve 5
não como nauta, mas com os pés por terra”.
Se falardes assim, portando a mensagem, rapidamente
Zeus soprará bons ventos em vossas velas.
LXVI
EÜfortoi n©ej pelag∂tidej, a∫ pÒron “Ellhj
ple√te kalÕn kÒlpoij dex£menai Bor◊hn,
½n pou œp' ºiÒnwn Kóan kat¦ n©son ∏dhte
Fan∂on e≥j caropÕn derkom◊nan p◊lagoj,
toàt' ⁄poj ¢gge∂laite, kalaπ n◊ej, éj me kom∂zei 5
∑meroj oÙ naÚtan, possπ d\e pezopÒron·
e≥ g¦r toàt' e∏poit' eu<£g>geloi, aÙt∂ka kaπ ZeÝj
oÜrioj Ømet◊raj pneÚsetai e≥j ÑqÒnaj.
LXVII (A.P. 12. 82)
Ansiava fugir de Eros, mas ele acendeu uma pequena tocha
das cinzas e encontrou-me no esconderijo.
Formou um círculo não com o arco, mas com a ponta de dois dedos,
e tirando uma faísca deles, para mim lançou-a secretamente
e aquelas chamas correram por mim em todas as direções. 5
Ó pequena luz, Fânio alumia
1
em meu coração como grande fogo.
LXVII
188
”Espeudon tÕn ”Erwta fuge√n, Ð d\e baiÕn ¢n£yaj
fan∂on œk t◊frhj eár◊ me kruptÒmenon·
kuklèsaj d' oÙ tÒxa, cerÕj d' ¢krènuca diss£,
kn∂sma purÕj qraÚsaj e≥j me laqën ⁄balen,
œk d\e flÒgej p£ntV moi œp◊dramon· ð bracÝ f◊lloj 5
l£myan œmoπ m◊ga pàr, Fan∂on, œn krad∂v.
1
Contraste entre o nome de Fânio (pequeno fogo) e o seu efeito no seu amante.
LXVIII (A.P. 12. 83)
Eros não me feriu com arcos, não colocou tocha acesa
sob o coração, como antes acendia.
Ele levava uma olorosa tocha de Cípris, companheira dos desejos nos folguedos,
e a ponta do fogo lançou em meus olhos.
O brilho me consumiu, e a pequena chama foi vista 5
como fogo da alma, queimando no meu coração.
LXVIII
OÜ m' ⁄trwsen ”Erwj tÒxoij, oÙ lamp£d' ¢n£yaj
æj p£roj a≥qom◊nan qÁken ØpÕ krad∂v·
sÚgkwmon d\e PÒqoisi f◊rwn KÚpridoj murofegg◊j
fan∂on, ¥kron œmo√j Ômmasi pàr ⁄balen·
œk d◊ me f◊ggoj ⁄thxe, tÕ d‹ bracÝ fan∂on êfqh 5
pàr yucÁj tÍ 'mÍ kaiÒmenon krad∂v.
LXIX (A.P. 5.8)
1
Ó Noite sagrada e lamparina, a nenhuma outra testemunha
189
dos juramentos, mas a vós nós dois escolhemos.
Ele amar-me e eu nunca deixá-lo
juramos, e vós possuirdes a prova comum.
Agora ele diz que aqueles juramentos foram feitos n’água. 5
E tu, lamparina, o vês nos regaços de outros.
LXIX
NÝx ≤er¾ kaπ lÚcne, sun∂storaj oÜtinaj ¥llouj
Órkoij, ¢ll' Øm◊aj e≤lÒmeq' ¢mfÒteroi·
cç m\en œm\e st◊rxein, ke√non d' œgë oÜpote le∂yein
çmÒsamen· koin¾n d' e∏cete martur∂hn.
nàn d' Ð m\en Órki£ fhsin œn Ûdati ke√na f◊resqai, 5
lÚcne, sÝ d' œn kÒlpoij aÙtÕn Ðr´j Œt◊rwn.
1
Poema atribuído também a Filodemo.
LXX (A.P. 5.175)
Sei que tua jura é vã, já que te acusam de devassa
os cabelos recém impregnados de perfume,
os olhos pesados de sono,vê, te denunciam
e também o fio bem entrelaçado da guirlanda ao redor dos cabelos;
os cachos estão maltratados e bagunçados, 5
conservas vinho em todos os membros.
Vai, mulher de todos, a harpa amiga de folguedos te chama
e também a algazarra das batidas de castanholas.
190
LXX
Oida Óti moi kenÕj Órkoj, œpeπ s◊ ge t¾n fil£swton
mhnÚei murÒpnouj ¢rtibrec¾j plÒkamoj,
mhnÚei d' ¥grupnon, ≥doÚ, bebarhm◊non Ômma
kaπ sfigktÕj stef£nwn ¢mfπ kÒmaisi m∂toj·
⁄skultai d' ¢kÒlasta pefurm◊noj ¥rti k∂kinnoj, 5
p£nta d' Øp' ¢krˇtou gu√a saleut¦ fore√j.
⁄rre, gÚnai p£gkoine, kale√ se g¦r ¹ filÒkwmoj
phktπj kaπ krot£lwn ceirotup¾j p£tagoj.
LXXI (A.P. 5. 182)
Anuncia isto a ela, Dorcas. Olha, de novo, uma segunda vez a ela
anuncia isso, e uma terceira vez, Dorcas. Corre!
Não esperes! Voa! Espera um pouco, um pouquinho, Dorcas.
Dorcas, aonde vais antes de saber tudo?
Acrescenta ao que te disse antes, ou melhor – o que digo? 5
Não digas nada. Mas o quê? Dize tudo!
Não hesites; dize tudo. Mas por que te mando, Dorcas,
se eu mesmo, olha, te conduzo?
LXXI
”Aggeilon t£de, Dork£j· ≥doÚ, p£li deÚteron aÙtÍ
kaπ tr∂ton ¥ggeilon, Dork£j, ¤panta· tr◊ce·
mhk◊ti m◊lle· p◊tou· bracÚ moi bracÚ, Dork£j, œp∂scej·
Dork£j, po√ speÚdeij pr∂n se t¦ p£nta maqe√n;
191
prÒsqej d' oƒj e∏rhka p£lai - m©llon d◊ -t∂ lhrî; 5
mhd\en Ólwj e∏pVj· ¢ll' Óti - p£nta l◊ge·
m¾ fe∂dou t¦ p£nta l◊ge· ka∂toi t∂ se, Dork£j,
œkp◊mpw, sÝn soπ kaÙtÒj ≥doÚ pro£gwn;
LXXII (A.P. 5. 184)
Sei. Não me passaste despercebida. Por que os deuses invocar?
Não me passaras despercebida. Sei. Agora não jures; sei tudo.
Era isso, perjura, isso. Sozinha, sozinha desejas de novo domir?
Que audácia! E agora, ainda agora dizes que dormes “sozinha”.
E o muito admirado Cléon, não te...? Mas se não, por que ameaço? 5
Suma, reles besta do leito, vai embora depressa.
Mas dar-te-ei um presente agradável: sei que queres
vê-lo. Aqui mesmo continua prisioneira assim.
LXXII
”Egnwn· oÜ m' ⁄laqej. t∂ qeoÚj; oÙ g£r me l◊lhqaj·
⁄gnwn· mhk◊ti nàn Ômnue· p£nt' ⁄maqon.
taàt' Ãn, taàt', œp∂orke· mÒnh sÝ p£lin mÒnh Øpno√j;
í tÒlmhj· kaπ nàn nàn ⁄ti fhsπ, mÒnh’.
oÙc Ð per∂bleptÒj se Kl◊wn; k¨n m¾ - t∂ d' ¢peilî; 5
⁄rre, kakÕn ko∂thj qhr∂on, ⁄rre t£coj.
ka∂toi soi dèsw terpn¾n c£rin· oid' Óti boÚlei
ke√non Ðr©n· aÙtoà d◊smioj ïde m◊ne.
192
LXXIII (A.P. 5. 191)
Estrelas, Lua que bela reluz para os amantes,
Noite e instrumento
1
companheiro de minhas pândegas,
será que verei aquela devassa ainda acordada no leito
sem companheiro, a reclamar muito para a sua lamparina?
Ou ela já tem um? Na soleira, depois de debulhar-me em lágrimas, 5
pendurarei guirlandas suplicantes
com essa única inscrição: “Cípris, a ti, Meleagro, iniciado
em tuas pândegas, aqui pendura estes espólios de amor.”
LXXIII
”Astra kaπ ¹ fil◊rwsi kalÕn fa∂nousa Selˇnh
kaπ NÝx kaπ kèmwn sÚmplanon Ñrg£nion,
«r£ ge t¾n fil£swton ⁄t' œn ko∂taisin ¢qrˇsw
¥grupnon lÚcnJ pÒll' ¢podurom◊nhn·
½ tin' ⁄cei sÚgkoiton; œpπ proqÚroisi maranqe∂j 5
d£krusin œkdˇsw toÝj ≤k◊taj stef£nouj
Ÿn tÒd' œpigr£yaj, ‘KÚpri, soπ Mel◊agroj Ð mÚsthj
sîn kèmwn storg©j skàla t£d' œkr◊mase.
1
Guidorizzi (1992, p. 126 nota 75) afirma que este instrumento é a flauta.
LXXIV (A.P. 9. 16)
As três Graças, as três virgens doces, as Horas,
os três Desejos loucos por mulheres me flecham.
De fato três arcos disputaram como se fossem
ferir não um único, mas três corações em mim.
193
LXXIV
Trissaπ m\en C£ritej, tre√j d\e glukup£rqenoi ‘Wrai,
tre√j d' œm\e qhlumane√j o≥stroboloàsi PÒqoi·
à g£r toi tr∂a tÒxa katˇrusen, æj ¥ra m◊llwn
oÙcπ m∂an trèsein, tre√j d' œn œmoπ krad∂aj.
LXXV (A.P. 12. 114)
Salve mensageira da manhã, Estrela d’alva. Que rápido
tu desejes retornar como Héspero, trazendo de volta o que levas em segredo.
LXXV
'Hoàj ¥ggele ca√re FaesfÒre, kaπ tacÝj ⁄lqoij
“Esperoj, ¿n ¢p£geij, l£qrioj aâqij ¥gwn.
LXXVI (A.P. 12. 94)
Pelo peito, Diodoro; pelos olhos, Heráclito,
pela doce voz, Dion, pelas nádegas, Ulíade.
Pois que tu, Filócles, possas tocar a pele macia de um,
olhar para o outro, com o outro falar e com outro fazer o resto.
Vê como o meu pensamento não é ciumento. Mas se curioso 5
olhares para Misco, que não mais vejas o belo.
LXXVI
St◊rnoij m\en DiÒdwroj, œn Ômmasi d' `Hr£kleitoj,
194
¹duep¾j d\e D∂wn, ÑsfÚi d' OÙli£dhj·
¢ll¦ sÝ m\en yaÚoij ¡palÒcrooj, ú d◊, FilÒkleij,
⁄mblepe, tù d\e l£lei, tÕn d\e tÕ leipÒmenon·
æj gnùj oƒoj œmÕj nÒoj ¥fqonoj· Àn d\e‹MuiskJ 5
l∂cnoj œpibl◊yVj, mhk◊t' ∏doij tÕ kalÒn.
LXXVII (A.P. 12. 95)
Filocles, se te amam os Desejos, a olorosa
Persuasão e as Graças que recolhem as flores da beleza,
que tenhas Diodoro em teus braços, que o doce
Doroteo cante diante de ti e Calícrate deite nos teus joelhos,
e que Díon te aqueça, estendendo, na mão 5
esse teu mastro de boa pontaria, e que Ulíade o desembainhe,
e que um doce abraço te dê Filon; que Téron converse contigo,
e que apertes o mamilo de Eudemos sob o manto.
Se um deus a ti estes prazeres conceder, felizardo,
prato romano
1
de jovens prepararás! 10
LXXVII
E∏ se PÒqoi st◊rgousi, Filokl◊ej, ¼ te murÒpnouj
Peiqë kaπ k£lleuj ¢nqolÒgoi C£ritej,
¢gk¦j ⁄coij DiÒdwron, Ð d\e glukÝj ¢nt∂oj ¼dh
DwrÒqeoj, ke∂sqw d' e≥j gÒnu Kallikr£thj,
≥a∂noi d\e D∂wn tÒd' œÚstocon œn cerπ te∂nwn 5
sÕn k◊raj, OÙli£dhj d' aÙtÕ periskuq∂sai,
195
do∂h d' ¹dÝ f∂lhma F∂lwn, Qˇrwn d\e lalˇsai,
ql∂boij d' EÙdˇmou titqÕn ØpÕ clamÚdi·
e≥ g£r soi t£de terpn¦ pÒroi qeÒj, ð m£kar, o∑an
¢rtÚseij pa∂dwn `Rwmaik¾n lop£da. 10
1
Lanx satura de amantes. Gow & Page (2008, vol. II p. 650). O contexto do prato romano é o que os gramáticos
chamaram de lanx satura, um prato variado de frutos e alimentos para os deuses. Dorsey (1967, p. 324) diz que
este prato era oferecido pelos primitivos romanos aos deuses.
LXXVIII (A.P. 12. 256)
Eros reuniu para ti com sua própria mão, Cípris,
frutuosa guirlanda que engana as almas, flor de jovens.
Entrelaçou o lírio branco e doce de Diodoro
1
,
e Asclepíades, doce lírio,
e a Heráclito enredou, tendo posto a rosa longe do espinho, 5
e Díon, que floresceu como um cacho de uva.
E uniu o loiro Téron, cabelo de açafrão,
e uniu também um raminho de tomilho, Ulíade.
E Misco de cabelo delicado, rebento sempre verde da oliva,
desejados ramos de virtude, ele recolheu. 10
A mais fortunada entre as ilhas é a sagrada Tiro, que tem um bosque
perfumado pelos garotos porta-flores de Cípris.
LXXVIII
P£gkarpÒn soi KÚpri kaqˇrmose ceirπ trugˇsaj
pa∂dwn ¥nqoj ”Erwj yucap£thn st◊fanon.
œn m\en g¦r kr∂non ¹dÝ kat◊plexen DiÒdwron,
œn d' 'Asklhpi£dhn, tÕ glukÝ leukÒion.
196
naπ m¾n `Hr£kleiton œp◊pleken æj ¢p' ¢k£nqhj 5
qeπj ˛Òdon, o≥n£nqh d' éj tij ⁄qalle D∂wn·
crusanqÁ d\e kÒmaisi krÒkon, Qˇrwna, sunÁyen,
œn d' ⁄bal' ŒrpÚllou klwn∂on OÙli£dhn.
¡brokÒmhn d\e‹Muiskon, ¢eiqal\ej ⁄rnoj œla∂hj,
≤mertoÝj ¢r◊tÁj klînaj, ¢pedr◊peto. 10
Ñlb∂sth nˇswn ≤er¦ TÚroj, ¿ tÕ murÒpnoun
¥lsoj ⁄cei pa∂dwn KÚpridoj ¢nqofÒrwn.
1
Alguns comentadores como Guidorizzi e Gow & Page imaginam que este poema era o prefácio do livro
paidiká da Guirlanda de Meleagro ou do seu próprio livro. As duas possibilidades são refutadas porque não
havia divisão de livros na Guirlanda e não se tem notícia de tal divisão entre os poemas de Meleagro.
LXXIX (A.P. 12. 127)
Vi Aléxis ao meio dia caminhando na rua,
quando o verão recém cortava o cabelo do frutos.
Dois raios me incendiaram: os de Eros
vindos dos olhos dos jovens, e os do sol.
Mas a noite adormeceu esses raios, e aqueles, nos sonhos, 5
o fantasma da beleza inflamou ainda mais.
E o sono que outros revigora, doeu em mim,
depois de modelar na alma a beleza de um fogo vivo.
LXXIX
E≥nÒdion ste∂conta mesambrinÕn eidon ”Alexin,
¥rti kÒman karpîn keirom◊nou q◊reoj·
dipla√ d' ¢kt√n◊j me kat◊flegon, a≤ m\en ”Erwtoj
197
paidÕj ¢p' Ñfqalmîn, a≤ d\e par' ºel∂ou.
¢ll' §j m\en nÝx aâqij œko∂misen· §j d' œn Ñne∂roij 5
e∏dwlon morfÁj m©llon ¢neflÒgisen·
lus∂ponoj d' Œt◊roij œp' œmoπ pÒnon Ûpnoj ⁄teuxen
⁄mpnoun pàr yucÍ k£lloj ¢peikon∂saj.
LXXX (A.P. 12. 164)
1
Aprazível é misturar ao vinho a doce água das abelhas
e aprazível é amar um jovem quando ele é belo.
Assim Aléxis ama Cleóbulo de cabelo delicado:
o vinho com mel de Cípris é mortal.
LXXX
`HdÝ m\en ¢krˇtJ ker£sai glukÝ n©ma melissîn,
¹dÝ d\e paidofile√n kaÙtÕn œÒnta kalÒn·
oƒa tÕn ¡brokÒmhn st◊rgei KleÒboulon ”Alexij·
qnatÕn Ôntwj tÕ KÚpridoj o≥nÒmeli.
1
Dover (2007, p. 125) sugere que o poema de Meleagro seja um exemplo de “relações homossexuais entre
parceiros da mesma idade, talvez disfarçada pela convenção de que um dos parceiros adeitava a designação de
pais.”
LXXXI (A.P. 12.52)
Infelizes amantes, Noto que sopra a favor dos nautas,
raptou Andrágato, metade da minha alma.
Três vezes fortunadas as naus, três vezes exultantes, as ondas do mar,
quatro vezes venturoso o vento que leva o jovem.
198
Ah se eu fosse um delfim para que ele, levado nos meus ombros, 5
chegasse a Rodes de doce jovens.
LXXXI
OÜrioj œmpneÚsaj naÚtaij NÒtoj, ð dus◊rwtej,
¼misÚ meu yuc©j ¤rpasen 'Andr£gaqon.
trπj m£karej n©ej, trπj d' Ôlbia kÚmata pÒntou,
tetr£ki d' eÙda∂mwn paidoforîn ¥nemoj·
e∏q' e∏hn delf∂j, ∑n' œmo√j bastaktÕj œp' êmoij 5
porqmeuqeπj œs∂dV t¦n glukÒpaida `RÒdon.
LXXXII (A.P. 12. 54)
Cípris nega ter gerado Eros, depois de ver
Antíoco, um outro Tesão entre os moços.
E vós, jovens, amai o novo Desejo. Pois dizem que
esse Eros rapaz é mais forte que Eros.
LXXXII
'Arne√tai tÕn ”Erwta teke√n ¹ KÚprij, ≥doàsa
¥llon œn ºiq◊oij “Imeron 'Ant∂ocon.
¢ll£, n◊oi, st◊rgoite n◊on PÒqon· Ã g¦r Ð koàroj
e∏rhtai kre∂sswn oátoj ”Erwtoj ”Erwj.
LXXXIII (A.P. 12.78)
Se Eros uma clâmide
1
vestisse e nem asas
199
nem arco e flecha nas costas tivesse, mas levasse um pétaso
2
,
sim, juro em nome deste delicado efebo, que Antíoco
seria Eros e Eros, por sua vez, Antíoco.
LXXXIII
E≥ clamÚd' e≈cen ”Erwj kaπ m¾ pter¦ mhd' œpπ nètwn
tÒxa te kaπ far◊tran, ¢ll' œfÒrei p◊tason,
na∂ci tÕn ¡brÕn ⁄fhbon œpÒmnumai, 'Ant∂ocoj m\en
Ãn ¨n ”Erwj, Ð d' ”Erwj t¥mpalin 'Ant∂ocoj.
1
Vestes de efebo, jovens entre 17 e 20 anos.
2
Espécie de chapéu.
LXXXIV (A.P. 12.133)
No verão, sedento, beijei o jovem de pele macia
e disse, quando já tinha escapado da seca sede:
“Zeus pai, assim é o néctar do beijo de Ganimedes
que bebes? É este o vinho que ele verte em teus lábios?”
Eu também, beijando Antíoco, belo entre os moços, 5
bebi o doce mel de sua alma.
LXXXIV
Diyîn æj œf∂lhsa q◊reuj ¡palÒcroa pa√da
eipa tÒt' aÙcmhr¦n d∂yan ¢poprofugèn,
Zeà p£ter, «ra f∂lhma tÕ nekt£reon Ganumˇdeuj
p∂neij, kaπ tÒde soi ce∂lesin o≥nocoe√;
kaπ g¦r œgë tÕn kalÕn œn ºiq◊oisi filˇsaj
5
200
'Ant∂ocon yucÁj ¹dÝ p◊pwka m◊li’.
LXXXV (A.P. 12. 122)
Graças, depois que vistes o belo Aristágoras,
contra vossos braços suaves o abraçastes.
Por isso ele lança chamas de sua beleza, fala doces palavras
oportunas e calado fala agradavelmente com o olhar.
Que ele fique longe de mim! Mas o que adianta? Do Olimpo 5
como um novo Zeus, o jovem sabe lançar potentes raios.
LXXXV
’W C£ritej, tÕn kalÕn 'AristagÒrhn œsidoàsai
¢nt∂on e≥j trufer¦j ºgkal∂sasqe c◊raj·
oÛneka kaπ morf´ b£llei flÒga kaπ glukumuqe√
ka∂ria kaπ sigîn Ômmasi terpn¦ lale√.
thlÒqi moi pl£zoito. t∂ d\e‹pl◊on; æj g¦r 'OlÚmpou 5
ZeÝj n◊oj oiden Ð pa√j makr¦ keraunobole√n.
LXXXVI (A.P. 12. 81)
Infelizes amantes que enganam as almas, vós que conheceis
a chama do amor por jovens depois de provardes amargo mel,
água fria, fria, rápido, logo, da neve
derretida, vertei-a em torno do meu coração vertei.
Ousei olhar para Dioniso. Mas, companheiros de escravidão, 5
extingui o fogo antes de ele alcançar as minhas vísceras.
201
LXXXVI
Yucap£tai dus◊rwtej, Ósoi flÒga t¦n filÒpaida
o∏date toà pikroà geus£menoi m◊litoj,
yucrÕn Ûdwr n∂yai yucrÒn t£coj ¥rti take∂shj
œk ciÒnoj tÍ 'mÍ ce√te perπ krad∂V.
à g¦r ≥de√n ⁄tlhn DionÚsion· ¢ll', ÐmÒdouloi, 5
prπn yaàsai spl£gcnwn, pàr ¢p' œmeà sb◊sate.
LXXXVII (A.P. 12.126)
A dor começa a tocar o meu coração. Pois excitando-o
com a ponta da unha dilacerou-o o cálido Eros.
E disse rindo: “Carregarás a doce ferida,
infeliz amante, queimado pelo violento mel.”
E agora, desde que vi o novo broto Diofanto 5
entre os moços, não posso fugir e nem ficar.
LXXXVII
’Hrkta∂ meu krad∂aj yaÚein pÒnoj· Ã g¦r ¢lÚwn
¢kronuceπ taÚtan ⁄knis' Ð qermÕj ”Erwj,
eipe d\e‹meidˇsaj, ‘Ÿxeij p£li tÕ glukÝ traàma,
ð dÚserwj, l£brJ kaiÒmenoj m◊liti’.
œx oá d¾ n◊on ⁄rnoj œn ºiq◊oij DiÒfanton 5
leÚsswn oÜte fuge√n oÜte m◊nein dÚnamai.
LXXXVIII (A.P. 12. 128)
202
Siringes dos cabreiros, não mais clamai Dáfnis nos montes,
para dar graças à Pã montador de cabras.
Nem tu, lira profética de Febo, não mais cantes ao desejado
Jacinto com virgem louro.
Antes, quando Dafnis existia no monte, a ti 5
Jacinto era agradável. Mas agora que Dion carregue o cetro dos Desejos.
LXXXVIII
A≥polikaπ sÚriggej œn oÜresi mhk◊ti D£fnin
fwne√t' a≥gib£tV Panπ carizÒmenai,
mhd\e sÝ tÕn stecq◊nta, lÚrh Fo∂boio profÁti,
d£fnV parqen∂V m◊lf' `U£kinqon ⁄ti·
Ãn g£r Ót' Ãn D£fnij m\en œn oÜresi, soπ d' `U£kinqoj 5
terpnÒj· nàn d\e PÒqwn skÁptra D∂wn œc◊tw.
LXXXIX (A.P. 12. 76)
Se arco Eros não tivesse, nem asas, nem aljava
nem dardos lança-chamas de Desejo,
juro, pelo mesmo alado, que nunca saberias dizer
pela beleza quem é Zoilo e quem é Eros.
LXXXIX
E≥ m¾ tÒxon ”Erwj mhd\e pter¦ mhd\e far◊tran
mhd\e puriblˇtouj eice PÒqwn ¢k∂daj,
oÙk, aÙtÕn tÕn ptanÕn œpÒmnumai, oÜpot' ¨n ⁄gnwj
œk morf©j t∂j ⁄fu Zw∂loj À t∂j ”Erwj.
203
XC (A.P. 12. 33)
Heráclito já foi belo antes, mas agora, para lá da juventude
a pele declara guerra aos que montam
1
.
Por essa razão Polixênide, vendo isso, não zombes com desdém.
Nêmesis cresce também entre as nádegas
2
.
XC
’Hn kalÕj `Hr£kleitoj, Ót' Ãn pote· nàn d\e par' ¼bhn
khrÚssei pÒlemon d◊rrij Ñpisqob£taij.
¢ll£, Poluxen∂dh, t£d' Ðrîn m¾ gaàra fru£ssou·
⁄sti kaπ œn glouto√j fuom◊nh N◊mesij.
1
O termo Ñpisqob£thj é obscuro e essa é a sua única ocorrência segundo Liddell & Scott.
2
Guidorizzi (1992, p. 127 nota 89) “Repreensão a um efebo atípico: mesis, demônio da vingança, é invocado
para que se recorde que a idade e o crescimento dos pêlos do corpo de um menino o impede de ser atraente
depois de certa idade. Os amores homossexuais eram considerados lícitos enquanto faziam parte da complexa
iniciação paidêutica dos meninos, mas que se limitava à adolescência. O tema “crescimento dos pêlos” conota a
censura por conta da qual se abandona a homossexualidade passiva também na vida adulta, coisa considerada
viciosa: veja Stratão AP 12,4.” Assim, a Nêmesis não somente é a presença da barba no menino, mas também os
pêlos presentes no ânus.
XCI (A.P. 12. 63)
Heráclito calado está, mas com os olhos isso diz:
“Chamejarei até o fogo lança-raios de Zeus.”
Sim, e Diodoro em seu peito diz isso:
“Derreto até uma pedra ao aquecê-la em minha pele.”
Infeliz o que receber daquele jovem 5
a chama dos olhos e deste outro o doce fogo ardente dos desejos.
204
XCI
Sigîn `Hr£kleitoj œn Ômmasi toàt' ⁄poj aÙd´·
kaπ ZhnÕj fl◊xw pàr tÕ keraunobÒlon’.
naπ m¾n kaπ DiÒdwroj œnπ st◊rnoij tÒde fwne√·
kaπ p◊tron tˇkw crwtπ cliainÒmenon’.
dÚstanoj, pa∂dwn Öj œd◊xato toà m‹n ¢p' Ôsswn 5
lamp£da, toà d‹ pÒqoij tufÒmenon glukÝ pàr.
XCII (A.P. 12. 72)
Já chegou a doce aurora. Na soleira, acordado,
Dámis exala o pouco fôlego que lhe resta.
Mísero, por ter olhado para Heráclito, ficou sob os raios
dos olhos dele como cera lançada em brasas.
Mas levanta, pobre Dâmis, também tenho 5
a ferida de Eros e sobre tuas lágrimas as minhas derramo.
XCII
”Hdh m‹n glukÝj Ôrqroj· Ð d' œn proqÚroisin ¥upnoj
D©mij ¢poyÚcei pneàma tÕ leifq\en ⁄ti,
sc◊tlioj `Hr£kleiton ≥dèn· ⁄sth g¦r Øp' aÙg¦j
Ñfqalmîn blhqeπj khrÕj œj ¢nqrakiˇn.
¢ll£ moi ⁄greo, D©mi dus£mmore· kaÙtÕj ”Erwtoj 5
Ÿlkoj ⁄cwn œpπ so√j d£krusi dakruc◊w.
XCIII (A.P. 12. 158)
205
A deusa senhora dos Desejos a ti me ofertou, Téocles,
Eros de macia sandália me subjugou nu,
estranho em terra estranha, domado por rédeas invencíveis.
Anseio alcançar uma amizade sólida.
Mas tu rejeitas quem te ama, e não te enfeitiçam 5
nem o tempo, nem os símbolos de nossa comum temperança.
Piedade, senhor, piedade. Uma divindade te fez deus.
Em ti estão os limites da minha vida e morte.
XCIII
So∂ me PÒqwn d◊spoina qe¾ pÒre, so∂ me, QeÒkleij,
¡brop◊diloj ”Erwj gumnÕn ØpestÒresen
xe√non œpπ xe∂nhj, dam£saj ¢lÚtoisi calino√j·
≤me∂rw d\e tuce√n ¢klin◊oj fil∂aj·
¢ll¦ sÝ tÕn st◊rgont' ¢pana∂neai, oÙd◊ se q◊lgei 5
oÙ crÒnoj oÙ xunÁj sÚmbola swfrosÚnhj.
∑laq', ¥nax, ∑lhqi· s\e g¦r qeÕn érise da∂mwn·
œn so∂ moi zwÁj pe∂rata kaπ qan£tou.
XCIV (A.P. 12. 41)
Não mais escrevo “Belo Téron!” Apolódoto que antes
tinha o brilho do fogo, agora já é brasa.
Desejo um amor feminino: que aos pastores que montam cabras
interesse o contato com os buracos peludos dos lascivos.
206
XCIV
OÙk◊ti moi Qˇrwn gr£fetai kalÕj, oÙd' Ð puraug¾j
pr∂n pote, nàn d' ½dh dalÕj 'ApollÒdotoj.
st◊rgw qÁlun ⁄rwta· dasutrèglwn d\e p∂esma
lastaÚrwn mel◊tw poim◊sin a≥gob£taij.
XCV (A.P. 12. 60)
Se olho para Téron, vejo tudo; mas se vejo
tudo e a ele não, o contrário acontece: nada vejo.
XCV
—Hn œs∂dw Qˇrwna, t¦ p£nq' Ðrî· Àn d\e t¦ p£nta
bl◊yw, tÒnde d\e mˇ, t¥mpalin oÙd\en Ðrî.
XCVI (A.P. 12. 141)
Por Cípris, pronunciaste o que nem um deus
pronunciaria, ânimo aprendiz de grande audácia: Téron não te pareceu belo.
Téron não te pareceu belo? Mas tu mesmo isso afirmaste
sem nenhum temor sequer do fogo lança-raio de Zeus?
Portanto veja, a grave Nêmesis puniu o falador de outrora 5
como exemplo de insolência a ser observado.
XCVI
'Efq◊gxw, naπ KÚprin, § m¾ qeÒj, ð m◊ga tolm©n
Qum\e‹maqèn· Qˇrwn soπ kalÕj oÙk œf£nh·
207
soπ kalÕj oÙk œf£nh Qˇrwn; ¢ll' aÙtÕj Øp◊sthj
oÙd\e DiÕj ptˇxaj pàr tÕ keraunobÒlon;
toig£r, ≥doÚ, tÕn prÒsqe l£lon proÜqhken ≥d◊sqai 5
de√gma qrasustom∂hj ¹ barÚfrwn N◊mesij.
XCVII (A.P. 12. 74)
Se algo eu sofrer, Cleóbulo, pois jazo com a maior parte de mim jogada
no fogo dos jovens, inebria com vinho puro o que resta de mim nas cinzas,
suplico-te: antes de pôr sob a terra
a urna, tendo escrito: “Presente de Eros para Hades.”
XCVII
”Hn ti p£qw, KleÒboule, –tÕ g¦r pl◊on œn purπ pa∂dwn
ballÒmenoj ke√mai, - le∂yanon œn spodiÍ,
l∂ssomai, ¢krˇtJ m◊quson prπn ØpÕ cqÒna q◊sqai,
k£lpin œpigr£yaj, ‘Dîron ”Erwj 'A∂dV’.
XCVIII (A.P. 12. 165)
Cleóbulo é uma flor branca, ao contrário de Sópolis,
que tem a pele cor de mel; ambos portadores das flores de Cípris.
Disso vem meu desejo por jovens: os Amores dizem
que entrelaçarei o branco ao preto
1
.
XCVIII
Leukanq¾j KleÒbouloj, Ð d' ¢nt∂a toàde mel∂crouj
208
Sèpolij, o≤ dissoπ KÚpridoj ¢nqofÒroi.
toÜnek£ moi pa∂dwn Ÿpetai pÒqoj, o≤ g¦r ”Erwtej
pl◊xai k¢k leukoà fas∂ me kaπ m◊lanoj.
1
Dover, (2007, p. 116) ao comentar sobre o vocabulário feninino uilizado em contextos masculinos, afirma que
este poema de Meleagro “mostra que a pele clara, num jovem, nem sempre era repugnante para o gosto
helenístico.”
XCIX (A.P. 12. 23)
Fui pego, eu que, antes, dos jovens
nos festins doentes de amor, muitas vezes ri.
E em teu umbral, Misco, Eros alado
colocou-me, tendo inscrito: “Butim ganho da Temperança.”
XCIX
'HgreÚqhn <Ð> prÒsqen œgè pote to√j dus◊rwsi
kèmoij ºiq◊wn poll£kij œggel£saj·
ka∂ m' œpπ so√j Ð ptanÕj ”Erwj proqÚroisi, Muiske,
stÁsen œpigr£yaj, ‘skàl' ¢pÕ SwfrosÚnhj’.
C (A.P. 12. 59)
Por Eros, graciosos os que Tiro cria; mas Misco,
fulgurante, apaga as estrelas, um sol.
C
`AbroÚj, naπ tÕn ”Erwta, tr◊fei TÚroj· ¢ll¦ Muiskoj
⁄sbesen œkl£myaj ¢st◊raj º◊lioj.
209
CI (A.P. 12. 65)
Se Zeus é ainda aquele que raptou Ganimedes
eplendoroso, para ter um escanção de néctar,
é vital que eu esconda o belo Misco sob as vísceras
para que aquele não circunvoe o jovem sem que eu o veja.
CI
E≥ ZeÝj ke√noj ⁄t' œstπn, Ð kaπ Ganumˇdeoj ¢km¾n
¡rp£xaj, ∑n' ⁄cV n◊ktaroj o≥nocÒon,
pÁ moπ tÕn kalÒn ⁄stin œnπ spl£gcnoisi Muiskon
krÚptein, mˇ me l£qV paidπ balën pt◊rugaj;
CII (A.P. 12. 70)
Opor-me-ei até a Zeus se ele, Misco,
quisesse te raptar para escanção de néctar.
Porém ele mesmo muitas vezes me disse: “Por que temes?
Não quero te enciumar. Padeci e sei apiedar-me.”
Assim falou. E eu, se uma mosca passar, 5
temo que Zeus tenha mentido para mim.
CII
Stˇsom' œgë kaπ ZhnÕj œnant∂on, e≥ s◊, Muiske,
¡rp£zein œq◊loi n◊ktaroj o≥nocÒon.
ka∂toi poll£kij aÙtÕj œmoπ t£d' ⁄lexe· ‘t∂ tarbe√j;
oÜ se balî zˇloij· oida paqën œlee√n’.
210
cç m\en d¾ t£de fhs∂n· œgë d', Àn mu√a paraptÍ, 5
tarbî, m¾ yeÚsthj ZeÝj œp' œmoπ g◊gonen.
CIII (A.P. 12. 101)
O meu peito invulnerável aos Desejos, Misco
com seus olhos flechou; e essas palavras gritou:
“Eu capturei o atrevido. Vê como espezinho sobre
a sobrancelha insolente que carrega uma sabedoria régia
1
”.
Mas, tomando fôlego suficiente, isso eu disse: “Caro rapaz, 5
por que te espantas? Mesmo a Zeus Eros fez descer do Olimpo!”
CIII
TÒn me PÒqoij ¥trwton ØpÕ st◊rnoisi Muiskoj
Ômmasi toxeÚsaj toàt' œbÒhsen ⁄poj·
tÕn qrasÝn eƒlon œgè· tÕ d' œp' ÑfrÚsi ke√no frÚagma
skhptrofÒrou sof∂aj ºn∂de possπ patî’.
tù d', Óson ¢mpneÚsaj tÒd' ⁄fhn· ‘f∂le koàre, t∂ qambe√j; 5
kaÙtÕn ¢p' OÙlÚmpou ZÁna kaqe√len ”Erwj’.
1
Guidorizzi (1992, p. 128 nota 101) faz possível alusão à filosofia cínica, que via doença no amor e era contrária
à pederastia.
CIV (A.P. 12. 106)
Uma única beleza conheço, somente uma coisa conhece
meu olho intrigante: olhar Misco. Sou cego para o resto.
Para onde quer que olho, ele é o que vejo. Acaso os olhos,
aduladores, fitam para agradar a alma?
211
CIV
flEn kalÕn oida tÕ p©n, Ÿn moi mÒnon oide tÕ l∂cnon
Ômma, Muiskon Ðr©n· t«lla d\e‹tuflÕj œgè.
p£nta d œke√noj œmoπ fant£zetai· «r' œsorîsin
Ñfqalmoπ yucÍ prÕj c£rin o≤ kÒlakej;
CV (A.P. 12. 110)
A doce beleza brilhou! Vê, lança chamas pelos olhos.
Eros criou um jovem armado de raios?
Salve, Misco, que traz aos mortais o raio dos Desejos:
que tu, brasa querida, resplandeças sobre a terra.
CV
”Hstraye glukÝ k£lloj· ≥doÝ flÒgaj Ômmasi b£llei·
«ra keraunom£can pa√d' ¢n◊deixen ”Erwj;
ca√re PÒqwn ¢kt√na f◊rwn qnato√si, Muiske,
kaπ l£mpoij œpπ g´ pursÕj œmoπ f∂lioj.
CVI (A.P. 12. 144)
Por que choras, ladrão de juízo? Por que o arco selvagem e flechas
atiraste depois de tombar as rêmiges de tuas duas asas?
Talvez também Misco, o invencível, te incendeie com os olhos?
Isto que aprendeste sofrendo é o que antes fazias.
212
CVI
T∂ kla∂eij, frenolVst£; t∂ d' ¥gria tÒxa kaπ ≥oÝj
⁄rriyaj difuÁ tarsÕn ¢neπj pterÚgwn;
à ˛£ ge kaπ s\e‹Muiskoj Ð dÚsmacoj Ômmasin a∏qei;
æj mÒlij, ' ⁄draj prÒsqe paqën ⁄maqej.
CVII (A.P. 12. 154)
Doce é o jovem e, para mim, até no nome Misco é adocicado
e agraciado: que motivo tenho para não amá-lo?
Pois belo é, por Cípris, todo belo: mesmo se me atormenta,
Eros sabe mesclar o amargo ao mel.
CVII
`HdÝj Ð pa√j, kaπ toÜnom' œmoπ glukÚj œsti Muiskoj
kaπ car∂eij· t∂n' ⁄cw m¾ oÙcπ file√n prÒfasin;
kalÕj g£r, naπ KÚprin, Óloj kalÒj· e≥ d' ¢nihrÒj,
oide tÕ pikrÕn ”Erwj sugker£sai m◊liti.
CVIII (A.P. 12. 159)
Em ti, Misco, as rédeas de minha vida foram atadas.
A ti pertence o fôlego que ainda sobeja na minh’alma.
Por teus olhos, rapaz, que falam até aos surdos,
e pela tua sobrancelha luminosa, juro,
se um dia lançares olhar nebuloso, terei visto o inverno, 5
mas, se olhares feliz, doce a primavera terá florescido.
213
CVIII
'En soπ t¢m£, Muiske, b∂ou prumnˇsi' ¢nÁptai,
œn soπ kaπ yucÁj pneàma tÕ leifq\en ⁄ti.
naπ g¦r d¾ t¦ s£, koàre, t¦ kaπ kwfo√si laleànta
Ômmata, naπ m¦ tÕ sÕn faidrÕn œpiskÚnion,
½n moi sunnef\ej Ômma b£lVj pot◊ ce√ma d◊dorka, 5
Àn d' ≤larÕn bl◊yVj, ºdÝ t◊qhlen ⁄ar.
CIX (A.P. 12. 167)
O vento é invernal, Eros doce-amargo me leva
a ti, Misco, arrebatado das pândegas.
Com vento violento o Desejo fustiga, mas
recebe-me no porto, eu, nauta no mar de Cípris.
CIX
Ceim◊rion m\en pneàma, f◊rei d' œpπ so∂ me, Muiske,
¡rpastÕn kèmoij Ð glukÚdakruj ”Erwj·
ceima∂nei d\e barÝj pneÚsaj PÒqoj· ¢ll£ m' œj Órmon
d◊xai tÕn naÚthn KÚpridoj œn pel£gei.
CX (A.P. 12. 56)
Em mármore pário Praxíteles
1
, o escultor, fez uma imagem de Eros,
modelando o filho de Cípris.
Agora Eros, o mais belo dentre os deuses, representando-se
esculpiu Praxíteles, estátua vivente
214
para que um entre os mortais e o outro no céu, controle os encantos, 5
e que os ditosos Desejos rejam sobre a terra e os mortais.
Fortunada a sagrada cidade dos Méropes, que nutriu
um filho divino, novo Eros, condutor de jovens.
CX
E≥kÒna m\en Par∂hn zwoglÚfoj ¥nus' ”Erwtoj
Praxit◊lhj KÚpridoj pa√da tupws£menoj·
nàn d' Ð qeîn k£llistoj ”Erwj ⁄myucon ¥galma
aØtÕn ¢peikon∂saj ⁄plase Praxit◊lhn,
Ôfr' Ð m\en œn qnato√j, Ð d' œn a≥q◊ri f∂ltra brabeÚV, 5
gÁj q' ¤ma kaπ mak£rwn skhptroforîsi PÒqwn.
Ñlb∂sth MerÒpwn ≤er¦ pÒlij, § qeÒpaida
kainÕn ”Erwta n◊wn qr◊yen ØfagemÒna.
1
Guidorizzi (1992, p. 128 nota 103) os epigramas jogam com a homonímia do famoso escultor que teria
esculpido uma famosa estátua de Eros.
CXI (A.P. 12. 57)
Praxíteles, antigo escultor, moldou uma imagem delicada,
muda e sem vida ao dar forma à uma pedra.
O Praxíteles de agora, mágico da vida,
modelou Eros, três vezes terrível, no meu coração.
Talvez ele possua o mesmo nome, mas tem feitos soberbos,
pois transformou não uma pedra, mas um ser pensante. 5
Propício, ele poderia modelar o meu interior para que depois disso
a minha alma fosse como templo de Eros.
215
CXI
Praxit◊lhj Ð p£lai zwoglÚfoj ¡brÕn ¥galma
¥yucon morf©j kwfÕn ⁄teuxe tÚpon,
p◊tron œneidoforîn· Ð d\e nàn ⁄myuca mageÚwn
tÕn tripanoàrgon ”Erwt' ⁄plasen œn krad∂v.
à t£ca toÜnom' ⁄cei taÙtÕn mÒnon, ⁄rga d\e‹kr◊sswn, 5
oÙ l∂qon ¢ll¦ frenîn pneàma metarruqm∂saj.
∑laoj pl£ssoi tÕn œmÕn trÒpon, Ôfra tupèsaj
œntÕj œm¾n yuc¾n naÕn ”Erwtoj ⁄cV.
CXII (A.P. 12. 68)
Não quero Caridamo: este belo jovem fita Zeus
como se fosse um escanção de néctar do deus.
Não o quero. De que me vale rivalizar com
o rei dos céus pela vitória no amor?
Contento-me se o jovem ao sair do Olimpo, 5
levar minhas lágrimas da terra, memória do meu amor,
para lavar os seus pés. E que ele faça doce e derretido aceno
com os olhos e que um beijo dos seus lábios eu roube.
E que todo o resto Zeus tenha, como é justo, mas se ele assim quiser,
talvez eu também provarei desta ambrosia. 10
CXII
OÙk œq◊lw Car∂damon· Ð g¦r kalÕj e≥j D∂a leÚssei
æj ½dh tù qeù n◊ktar <œn>o≥nocoîn.
216
oÙk œq◊lw· t∂ d◊ moi tÕn œpouran∂wn basilÁa
¥ntaqlon n∂khj tÁj œn ⁄rwti labe√n;
¢rkoàmai d' Àn moànon Ð pa√j ¢niën œj ”Olumpon 5
œk gÁj n∂ptra podîn d£krua t¢m¦ l£bV,
mnamÒsunon storgÁj· glukÝ d' Ômmasi neàma d∂ugron
do∂h ka∂ ti f∂lhm' ¡rp£sai ¢kroqig◊j.
t«lla d\e p£nt' œc◊tw ZeÝj æj q◊mij· e≥ d' œqelˇsei,
à t£ca pou kºgë geÚsomai ¢mbros∂aj. 10
CXIII (A.P. 12. 49)
Bebe o vinho puro, amante infeliz, e Brômio, que dá esquecimento,
mitigará essa tua chama de amor por garotos.
Bebe o vinho puro e, servindo-te, enche a taça com vinho
e espanta a repugnante dor do teu coração.
CXIII
ZwropÒtei, dÚserwj, kaπ seà flÒga t¦n filÒpaida
koim£sei l£qaj dwrodÒtaj BrÒmioj.
zwropÒtei, kaπ plÁrej ¢fuss£menoj skÚfoj o∏naj
⁄kkrouson stuger¦n œk krad∂aj ÑdÚnan.
CXIV (A.P. 12. 84)
Homens, socorro! Recém desembarcado do mar
ainda a pouco em terra pisei, depois de navegar
e Eros violento arrastou-me aqui: como se iluminasse com uma chama
o garoto resplendeu para que eu visse sua adorável beleza.
217
Sigo-o passo a passo e tento tomar a doce forma desenhada 5
no ar, beijando-a docemente com meus lábios.
Será que escapei do mar acerbo para em terra firme cruzar com
uma onda de Cípris bem mais amarga?
CXIV
”Wnqrwpoi, bwqe√te· tÕn œk pel£geuj œpπ ga√an
¥rti me prwtatÒploun ∏cnoj œreidÒmenon
Ÿlkei tÍd' Ð b∂aioj ”Erwj· flÒga d' oƒa profa∂nwn
paidÕj ¢pastr£ptei k£lloj œrastÕn ≥de√n.
ba∂nw d' ∏cnoj œp' ∏cnoj, œn ¢◊ri d' ¹dÝ tupwq◊n 5
eidoj ¢farp£zwn ce∂lesin ¹dÝ filî.
«r£ ge t¾n pikr¦n profugën ¤la poulÚ ti ke∂nhj
pikrÒteron c◊rsJ kàma perî KÚpridoj;
CXV (A.P. 12. 85)
Beberrões, recebei um recém desembarcado e que do mar
e dos piratas escapou, mas morre em terra firme.
Mal pisei fora da nau
e Eros violento, ao pegar-me, arrastou-me aqui,
onde vi um jovem entrar e 5
a contragosto, por meus pés rapidamente sou levado.
Festejo, mas o meu coração está inflamado e não embriagado.
Estrangeiros, ajudai um pouco um amigo,
ajudai, anfitriões, em nome de Eros hospitaleiro,
recebei um suplicante que morre de amor. 10
218
CXV
O≥nopÒtai, d◊xasqe tÕn œk pel£geuj ¤ma pÒnton
kaπ klîpaj profugÒnt' œn cqonπ d' ÑllÚmenon.
¥rti g¦r œk nhÒj me mÒnon pÒda q◊nt' œpπ ga√an
¢greÚsaj Ÿlkei tÍd' Ð b∂aioj ”Erwj
œnq£d' Ópou tÕn pa√da diaste∂cont' œnÒhsa, 5
aÙtom£toij d' ¥kwn possπ tacÝj f◊romai.
kwm£zw d' oÙk oinon ØpÕ fr◊na pàr d\e gemisqe∂j.
¢ll¦ f∂lJ, xe√noi, baiÕn œpark◊sate,
¢rk◊sat', ð xe√noi, k¢m\e xen∂ou prÕj ”Erwtoj
d◊xasq' ÑllÚmenon tÕn fil∂aj ≤k◊thn. 10
CXVI (A.P. 12. 92)
Olhos, traidores da alma, cães caçadores de jovens,
com olhares sempre voltados para a trapa de Cípris,
jungistes um novo Eros, como a ovelha ao lobo, ou o urubu
ao escorpião, como a cinza ao fogo, queimando sob ele.
Fazei o que desejardes. Por que verteis lágrimas úmidas 5
e depressa desertais para o campo inimigo?
Assai-vos com a beleza, agora ardei, inflamando por baixo,
pois Eros é o perfeito cozinheiro d’alma.
CXVI
’W prodÒtai yucÁj, pa∂dwn kÚnej, a≥\en <œn> ≥xù
219
KÚpridoj Ñfqalmo∂ bl◊mmata criÒmenoi,
¹rp£sat' ¥llon ”Erwt', ¥rnej lÚkon, oƒa korènh
skorp∂on, æj t◊frh pàr ØpoqalpÒmenon.
dr©q', Ó ti kaπ boÚlesqe. t∂ moi nenotism◊na ce√te 5
d£krua, prÕj d' ≤k◊thn aÙtomole√te t£coj;
Ñpt©sq' œn k£llei, tÚfesq' ØpokaÒmenoi nàn,
¥kroj œpeπ yucÁj œstπ m£geiroj ”Erwj.
CXVII (A.P. 12. 125)
Esta noite, sob o manto, um doce sonho
Eros deu-me: um jovem de dezoito anos que ria
graciosamente ainda em sua clâmide. E pressionando
o meu peito contra seu tenro corpo colhi esperanças vazias.
E ainda agora a memória do desejo me aquece. Tenho sempre 5
nos olhos o sono que caça a alada visão.
Alma, amante infeliz, pára de excitar-te em vão
nos sonhos por meio de fantasmas de beleza.
CXVII
`HdÚ t∂ moi di¦ nuktÕj œnÚpnion ¡br¦ gelîntoj
Ñktwkaidek◊touj paidÕj ⁄t' œn clamÚdi
½gag' ”Erwj ØpÕ cla√nan· œgë d' ¡palù perπ crwtπ
st◊rna balën kene¦j œlp∂daj œdrepÒmhn.
ka∂ m' ⁄ti nàn q£lpei mnˇmhj pÒqoj, Ômmasi d' Ûpnon 5
¢greut¾n pthnoà f£smatoj a≥\en ⁄cw.
220
ð dÚserwj yucˇ, paàsa∂ pote kaπ di' Ñne∂rwn
e≥dèloij k£lleuj kwf¦ cliainom◊nh.
CXVIII (A.P. 12. 137)
Despertador matinal, agoureiro ao amante infeliz, agora
três vezes execrado, brames à noite batendo as asas triunfantes
sobre o meu leito, quando ainda há este curto espaço
de noite para amar o garoto e ris com prazer dos meus dissabores.
É assim que retribuis as benfeitorias de quem te alimenta? 5
Pela luz matinal, pela última vez gritas este canto amargo.
CXVIII
'OrqrobÒaj dus◊rwti kak£ggele, nàn, tris£laste,
œnnÚcioj kr£zeij pleurotupÁ k◊ladon
gaàroj Øp\er ko∂taj, Óte moi bracÝ toàt' ⁄ti nuktÕj
paidofile√n, œp' œma√j d' ¡dÝ gel´j ÑdÚnaij;
¤de f∂la qreptÁri c£rij; naπ tÕn baqÝn Ôrqron, 5
⁄scata ghrÚsei taàta t¦ pikr¦ m◊lh.
CXIX (A.P. 12. 157)
Cípris é a comandante da nau e Eros guarda o timão
manejando a ponta do remo da minha vida.
Fustiga o Desejo com ventos graves: por isso agora
nado em um mar multijuvenil
1
.
221
CXIX
KÚprij œmoπ naÚklhroj, ”Erwj d' o∏aka ful£ssei
¥kron ⁄cwn yucÁj œn cerπ phd£lion·
ceima∂nei d‹Ð barÝj pneÚsaj PÒqoj, oÛneka d¾ nàn
pamfÚlJ pa∂dwn nˇcomai œn pel£gei.
1
Em grego, é o mar da Panfília, o que se refere às diversas raças de jovens.
CXX (A.P. 6. 163)
“Quem dentre os mortais pendurou na parede
estes espólios, extremo desgosto para Eniálio?
Nem dardos dentados e nem um elmo sem cimeira
nem escudo maculado de sangue foram reunidos,
mas assim todos polidos e não marcados pelas espadas, 5
são armas de coro e não de batalha.
Adorna com eles um tálamo nupcial: armas libadas com sangue
de mortais o templo de Ares deve ter.
CXX
T∂j t£de moi qnhtîn <t¦> perπ qrigko√sin ¢nÁyen
skàla, panaisc∂sthn t◊ryin 'Enual∂ou;
oÜte g¦r a≥gan◊ai periag◊ej oÜte ti pˇlhx
¥llofoj oÜte fÒnJ cranq\en ¥rhre s£koj,
¢ll' aÜtwj ganÒwnta kaπ ¢stuf◊likta sid£rJ 5
oƒ£ per oÙk œnop©j, ¢ll¦ corîn ⁄nara.
oƒj q£lamon kosme√te gamˇlion· Ópla d\e lÚqrJ
leibÒmena brot◊J shkÕj ”Arhoj ⁄coi.
222
CXXI (A.P. 7. 79)
“Homem, sou Heráclito e afirmo que sozinho descobri a sabedoria,
mas o que é cívico é mais importante que a sabedoria.
Com o pé, estrangeiro, ataquei até meus genitores, aqueles insensatos.”
“Bela recompensa para aqueles que te criaram!”
“Longe de mim!” “Não sejas duro!”
“Mais duras são as notícias que receberás da pátria.” 5
“Adeus.” “Fica fora de Éfeso.”
CXXI
”Wnqrwf', `Hr£kleitoj œgë sof¦ moànoj ¢neure√n
fam∂, t¦ d' œj p£tran kr◊ssona kaπ sof∂aj·
l¦x g¦r kaπ tokeînaj, ≥ë x◊ne, dÚsfronaj ¥ndraj
Øl£kteun. –Lampr¦ qreyam◊noisi c£rij.
OÙk ¢p' œmeà; M¾ trhcÚj. –'Epeπ t£ca kaπ sÚ ti peÚsV 5
trhcÚteron p£traj. Ca√re. SÝ d' œx 'Ef◊sou.
CXXII (A.P. 7. 428)
Estela, por que sobre ti, como um emblema se ergue um galo gorgôneo
que carrega um cetro em sua asa azul,
em suas patas toma o ramo da vitória e, no extremo
reclinado, há um astgalo caído em direção à própria base?
Talvez escondas um rei em posse do cetro e vitorioso em batalha? 5
Mas por que o astrágalo é o seu jogo?
223
Além disso, a tumba é de pedra, cai bem a um homem pobre
que levanta com o cantar do pássaro da noite.
Mas não me parece o caso, pois o cetro diz o contrário.
Mas escondes um atleta vencedor na corrida? 10
Não acerto desse modo. Em que um homem veloz se parece
com um astrágalo? Agora consigo entender a verdade.
A palma não celebra a vitória, mas diz que a pátria é gloriosa,
Tiro de muitos jovens, mãe dos fenícios.
E o pássaro diz que o homem era sonoro na empresa de Cípris 15
e que foi cantor de versos variados para as Musas.
O cetro é o emblema do discurso e o astrágalo caído
diz que morreu bêbado ao cair.
Estes são os símbolos e o nome que a pedra canta é
Antípatro, filho de ancestrais muito poderosos. 20
CXXII
`A st£la, sÚnqhma t∂ soi gorgwpÕj ¢l◊ktwr
⁄sta kallainv skaptofÒroj pt◊rugi
possπn Øfarp£zwn n∂kaj kl£don, ¥kra d' œp' aÙt©j
baqm√doj propesën k◊klitai ¢str£galoj;
à ˛£ ge nik£enta m£cv skaptoàcon ¥nakta 5
krÚpteij; ¢ll¦ t∂ soi pa∂gnion ¢str£galoj;
prÕj d⁄ti litÕj Ð tÚmboj· œpipr◊pei ¢ndrπ penicrù
Ôrniqoj klagga√j nuktÕj ¢negrom◊nJ.
oÙ dok◊w, sk©ptron g¦r ¢na∂netai. ¢ll¦ sÝ keÚqeij
¢qlofÒron n∂kan possπn ¢eir£menon. 10
224
oÙ yaÚw kaπ t´de. t∂ g¦r tacÝj e∏keloj ¢n¾r
¢strag£lJ; nàn d¾ tçtrek\ej œfras£man·
fo√nix oà n∂kan œn◊pei, p£tran te megaucÁ
mat◊ra Foin∂kwn t¦n polÚpaida TÚron·
Ôrnij d' Ótti gegwnÕj ¢n¾r ka∂ pou perπ KÚprin 15
pr©toj kºn MoÚsaij poik∂loj Ømnoq◊taj·
sk©ptra d' ⁄cei sÚnqhma lÒgou, qn®skein d‹ pesÒnta
o≥nobrecÁ propet¾j œnn◊pei ¢str£galoj.
kaπ d¾ sÚmbola taàta· tÕ d' oÜnoma p◊troj ¢e∂dei,
'Ant∂patron, progÒnwn fÚnt' ¢p' œrisqen◊wn. 20
CXXIII (A.P. 7. 182)
Nas bodas Clearista não recebeu um marido,
mas Hades, ao afrouxar a cinta de donzela.
Ainda à noite as flautas tocavam à porta
da noiva, ressoavam as batidas às portas do tálamo.
De manhã um forte lamento gritaram e o himeneu 5
calou-se, convertido em canto de luto.
E as mesmas luzes que iluminavam ao redor do leito de núpcias
são as mesmas que alumiam o caminho da morta sob a terra.
CXXIII
OÙ g£mon, ¢ll' 'A∂dan œpinumf∂dion Klear∂sta
d◊xato parqen∂aj ¤mmata luom◊na.
¥rti g¦r Œsp◊rioi nÚmfaj œpπ dikl∂sin ¥ceun
lwto∂, kaπ qal£mwn œplatageànto qÚrai·
225
ºùoi d' ÑlolugmÕn ¢n◊kragon, œj d' `Um◊naioj 5
sigaqeπj goerÕn fq◊gma meqarmÒsato.
a≤ d' aÙtaπ kaπ f◊ggoj œdvdoÚcoun perπ pastù
peàkai kaπ fqim◊nv n◊rqen ⁄fainon ÐdÒn.
CXXIV (A.P. 7. 461)
Saúdo-te Terra, mãe de tudo. Antes Esigene não te pesou,
mas que agora tu o envolvas levemente.
CXXIV
PammÁtor GÁ, ca√re· sÝ tÕn p£roj oÙ barÝn e≥j s\e‹
A≥sig◊nhn kaÙt¾ nàn œp◊coij ¢barˇj.
CXXV (A.P. 7. 468)
Com dezoito anos, Carixeno, a tua mãe
te vestiu com a clâmide, presente deplorável ao Hades.
Até a pedra gemeu quando
os amigos, com pesar, teu corpo carregaram de casa.
Canto fúnebre e não o himeneu os pais iniciaram. 5
“Ai ai vã graça dos seios e dores vazias do parto.
Moira, virgem perversa e estéril,
cuspiste o amor de mãe aos ventos.”
Aos companheiros resta ter saudade dele, aos pais
lamentar e aos que não o conheciam, apiedar-se dele. 10
226
CXXV
O≥ktrÒtaton m£thr se, Car∂xene, dîron œj “Aidan
Ñktwkaidek◊tan œstÒlisœn clamÚdi·
à g¦r d¾ kaπ p◊troj ¢n◊stenen ¡n∂k' ¢p' o∏kwn
¤likej o≥mwg´ sÕn n◊kun ºcqofÒreun.
p◊nqoj d', oÙc Øm◊naion, ¢nwrÚonto gonÁej· 5
a≥a√ t¦j mastîn yeudom◊naj c£ritaj
kaπ kene¦j çd√naj· ≥ë kakop£rqene Mo√ra,
ste√ra gon©j storg¦n ⁄ptusaj e≥j ¢n◊mouj·
to√j m\en Ðmilˇsasi poqe√n p£ra, to√j d\e tokeàsi
penqe√n, oƒj d' ¢gnèj peuqom◊noij œlee√n. 10
CXXVI (A.P. 7. 535)
Não quero mais viver junto às cabras,
nem morar no cume das montanhas, eu, Pã, pé de cabra.
O que é doce, prazeroso no montes? Morreu Dáfnis,
Dáfnis que inflamou meu coração.
Morarei nesta cidade e que apascente as bestas no campo: 5
não mais o passado é caro a Pã.
CXXVI
OÙk◊q' Ðmoà cim£roisin ⁄cein b∂on, oÙk◊ti na∂ein
Ð tragÒpouj Ñr◊wn P¦n œq◊lw koruf£j.
t∂ glukÚ moi, t∂ poqeinÕn œn oÜresin; êleto D£fnij,
D£fnij Öj ¹met◊rV pàr ⁄tek krad∂V.
227
¥stu tÒd' o≥kˇsw, qhrîn d◊ tij ¥lloj œp' ¥grhn 5
stell◊sqw· t¦ p£roiq' oÙk◊ti Panπ f∂la.
CXXVII (A.P. 9. 331)
As Ninfas banharam Baco quando o rapaz foi retirado
do fogo sobre cujas cinzas ele ainda rolava.
Por isso Brômio é caro às Ninfas, mas se o
impedires de se juntar a elas, ganharás uma chama ainda vivo.
CXXVII
A≤ NÚmfai tÕn B£kcon, Ót' œk purÕj ¼laqÐ koàroj,
n∂yan Øp\er t◊frhj ¥rti kuliÒmenon·
toÜneka sÝn NÚmfaij BrÒmioj f∂loj· Àn d◊ nin e∏rgVj
m∂sgesqai, d◊xV pàr ⁄ti kaiÒmenon.
CXXVIII (A.Pl. 134)
Níobe, filha de Tântalo, ouve as minhas palavras; sou o mensageiro da cegueira:
recebe o mais piedoso relato das tuas dores.
Solta o laço do cabelo, tu que geraste uma raça
de filhos homens destinados aos dardos lutuosos de Febo.
Teus meninos não vivem mais. Mas o que é isso? 5
Que vejo? Ai ai, o sangue se espalha pelas meninas.
Uma abraça o joelho da mãe, a outra no colo
se encosta, outra no chão, outra no seio,
outra se espanta com o dardo vindo na sua direção, a outra
228
se agacha sob as flechas, as outras respiram
e os olhos ainda vêem a luz. 10
E a mãe que antes se comprazia de boca cheia
agora, em choque, é uma massa inerte como pedra.
CXXVIII
Tantalπ pa√ NiÒba klÚ' œm¦n f£tin, ¥ggelon ¥taj·
d◊xai sîn ¢c◊wn o≥ktrot£tan lali£n.
làe kÒmaj ¢n£desmon, ≥è barupenq◊si Fo∂bou
geinam◊na tÒxoij ¢rsenÒpaida gÒnon.
oÜ soi pa√dej ⁄t' e≥s∂n. ¢t¦r t∂ tÒd' ¥llo; t∂ leÚssw; 5
a≥a√ plhmÚrei parqenika√si fÒnoj.
¡ m\en g¦r matrÕj perπ goÚnasin, ¡ d' œnπ kÒlpoij
k◊klitai, ¡ d' œpπ g©j, ¡ d' œpimast∂dioj,
¥lla d' ¢ntwpÕn qambe√ b◊loj, ¡ d' Øp' Ñisto√j
ptèssei, t©j d' ⁄mpnoun Ômm' ⁄ti fîj Ðr£v. 10
¡ d\e l£lon st◊rxasa p£lai stÒma, nàn ØpÕ q£mbeuj
m£thr sarkopag¾j oƒa p◊phge l∂qoj.
CXXIX (A.P. 12. 257)
Eu, a coroa que anuncia a última página,
guardiã fiel das colunas escritas,
digo que quem terminou este trabalho
reunindo nest livro todos os poetas
em uma única obra foi Meleagro e ele entrelaçou perene guirlanda poética 5
229
de flores em memória de Díocles.
E eu, espiralada e curvada como o dorso de uma serpente,
sento no trono no fim desta obra douta.
CXXIX
`A pÚmaton kamptÁra katagg◊llousa korwn∂j,
Œrkoàroj grapta√j pistot£ta sel∂sin,
famπ tÕn œk p£ntwn ºqroism◊non e≥j Ÿna mÒcqon
Ømnoqet©n bÚblJ t´d' œnelix£menon
œktel◊sai Mel◊agron, ¢e∂mnhston d\e Diokle√ 5
¥nqesi sumpl◊xai mousopÒlon st◊fanon.
oâla d' œgë kamfqe√sa drakonte∂oij ∏sa nètoij,
sÚnqronoj ∑drumai t◊rmasin eÙmaq∂aj.
CXXX (A.P. 7. 470)
“Diga a quem pergunta: quem és e filho de quem és?”
“Filaulo, filho de Eucrates. E de onde falas?” < >
“Qual vida gostavas de levar?” “Não a do arado,
nem a de naus, mas a de acompanhante dos sábios.”
“Deixaste a vida por velhice ou doença?” 5
“Vim para o Hades pelas próprias mãos, ao tomar o cálice de Quío.”
“Eras velho?” “Sim, muito.” “Que seja leve esta terra
que te abraça, pois tiveste vida harmoniosa com o discurso prudente.”
CXXX
230
-Eipon ¢neirom◊nJ t∂j kaπ t∂noj œss∂. F. F∂lauloj
EÙkrat∂dew. –PodapÕj d' eÜceai < >
”Ezhsaj d\e t∂na st◊rgwn b∂on; F. OÙ tÕn ¢rÒtrou
oÙd\e tÕn œk nhîn, tÕn d\e sofo√j Ÿtaron.” –
Gˇrai d' À nhîn, b∂on ⁄llipej; F. ”Hluqon “Aidhn 5
aÙtoqele∂ Ke∂wn geus£menoj kul∂kwn.
’H pr◊sbuj; F. Kaπ k£rta. –L£boi nÚ se bîloj œlafr¾
sÚmfwnon pinutù scÒnta lÒgJ b∂oton.
CXXXI (A.Pl. 213)
Eros, se nas tuas costas abrem-se asas lestas
e tu lanças setas afiadas de arcos Citas,
fugirei de ti, mesmo sob a terra. O que mais posso fazer?
Nem o próprio Hades pandomador escapou da tua força.
CXXXI
E≥ ka∂ soi pt◊rugej tacinaπ perπ nîta t◊tantai
kaπ Skuqikîn tÒxwn ¢krobele√j ¢k∂daj,
feÚxom', ”Erwj, ØpÕ g©n se. t∂ d\e pl◊on; oÙd\e g¦r aÙtÕj
s¦n ⁄fugen ˛èman pandam£twr 'A∂daj.
CXXXII (A.P. 7. 352)
Juramos pela destra do deus Hades
e pelo leito negro de Perséfone inominável:
somos virgens legítimas até sob a terra. Mas o amargo Arquíloco
jorrou muitas desonras contra a nossa virgindade.
231
E se dedicou a belas palavras não para compor um belo trabalho, 5
mas para lançar as mulheres à guerra.
Piérides, por que vos dedicastes aos jambos insolentes dele
contra meninas, agraciando- vos com um homem ímpio?
CXXXII
Dexiter¾n 'A∂dao qeoà c◊ra kaπ t¦ kelain¦
Ômnumen ¢rrˇtou d◊mnia PersefÒnhj,
parq◊noi æj ⁄tumon kaπ ØpÕ cqon∂· poll¦ d' Ð pikrÕj
a≥scr¦ kaq' ¹met◊rhj ⁄bluse parqen∂hj
'Arc∂locoj· œp◊wn d\e kal¾n f£tin oÙk œpπ kal¦ 5
⁄rga, gunaike√on d' ⁄trapen œj pÒlemon.
Pier∂dej, t∂ kÒrVsin œf' ØbristÁraj ≥£mbouj
œtr£pet', oÙc Ðs∂J fwtπ carizÒmenai;
232
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A metáfora do entrelaçar uma guirlanda com poetas/flores/plantas, presente
de Díocles, que compõe o proêmio da Guirlanda de Meleagro de Gadara (A.P. 4. I),
é elemento fundamental para se entender a estruturação do processo composição
do autor e de sua obra.
A escolha da guirlanda indica metaforicamente a seleção das melhores flores
poemas que, embora diversas, constituem um único objeto. Em outras palavras,
apesar da idiossincrasia de cada flor, a unidade cíclica guirlanda é composta
pela neutralização das diferenças para se ressaltar uma beleza una, advinda das
belezas singulares. Assim, a Guirlanda de Meleagro é constituída das melhores
flores, inclusas as do próprio poeta. Por ser a guirlanda um símbolo do cenário
amoroso, podemos pensar na predominância do erótico nesta recolha de epigramas,
já que os poemas de Meleagro possuem tal temática.
Ao unir os seus próprios epigramas a esta recolha, Meleagro confere um grau
de excelência à sua obra, pois, se nela estão apenas as melhores flores, tão
excelente quanto essas são as suas próprias, eficiente estratégia de preservação de
sua obra para a posteridade.
Mesmo o havendo a Guirlanda original, estudos buscam comprovar a
existência das chamadas sequências de Meleagro, grupos de poemas que
certamente comporiam a recolha original. Elas nos permitem afirmar que
possivelmente muitos epigramas de Meleagro foram compostos por imitação dos
poemas recolhidos, o que nos sugere uma das faces do processo criativo-editorial
do poeta. Entretanto, não a emulação parece ter feito parte do processo criativo
do autor, mas também certa a independência dos poemas de Meleagro, que é
233
percebida pelo que chamamos de ciclos nessa dissertação. A recorrência das
personagens Zenófila, Heliodora e Misco, bem como a presença constante de Eros
nesses ciclos e nos poemas de uma forma geral, despertaram nosso interesse para
o fato de que Meleagro pudesse ter composto os seus próprios poemas não apenas
visando a emulação dos outros poetas, mas também uma unidade temática e
coerente que fosse a “liga”, na guirlanda, entre os poemas recolhidos.
Nesse sentido, como destacamos anteriormente, Meleagro se valeu das
personagens Zenófila, Heliodora e Misco para trabalhar diversos topoi da
epigramática amorosa, fazendo com que os epigramas dedicados a elas fossem a
estrutura-base da sua obra e, em segundo plano, fazendo com que os seus
epigramas fossem base para a Guirlanda.
Os argumentos que nos permitem dizer que os ciclos são as bases dos
poemas de Meleagro são os seguintes: a caracterização das personagens, as
facetas das relações amorosas e a relação de Eros com as personagens e a
persona.
Para trabalhar a temática amorosa, o autor se vale de topoi do discurso
amoroso, como os amantes em cenários de thalamos e de o kômos e os sofrimentos
amorosos. O elemento que desencadeia o uso dos topoi é a caracterização das
personagens, pois ela apresenta os atributos por meio dos quais Eros faz com que a
persona se apaixone por elas. Por sua vez, a paixão suscitada pelo deus muitas
vezes não é bem sucedida, o que culmina no sofrimento amoroso. Eros, portanto,
atinge a persona por meio das características das personagens, que acabam por ser
instrumentos do deus. Podemos concluir, portanto, que a caracterização das
personagens serve de fonte para as tópicas amorosas que são desenvolvidas ao
longo dos epigramas.
234
Tais elementos constituintes dos ciclos amorosos, como foi apontado acima,
também estão presentes em poemas fora dos ciclos, argumento que corrobora o
fato de que a caracterização das personagens, os sofrimentos amorosos e a relação
de Eros com as personagens são topoi do discurso amoroso. Nesse sentido, eles se
configuram como ferramentas de criação e combinação de epigramas nas mãos de
Meleagro. Assim, a estruturação básica desenvolvida pelos ciclos e pelos poemas
restantes de Meleagro a respeito de Eros, dos sofrimentos amorosos e da
caracterização dos amantes, mostram uma estratégia favorável tanto à combinação
harmoniosa quanto à emulação de epigramas do autor. Portanto, podemos dizer que
há uma guirlanda dentro da Guirlanda de Meleagro, cuja base são os ciclos.
235
BIBLIOGRAFIA
ANTOLOGIA PALATINA
An Hellenistic Anthology. Neil Hopkinson. Cambridge Greek and Latin Classics,
Cambridge: Cambridge University Press, 1990.
Antología Palatina I Epigramas Helenísticos. Traducción e introducciones de
Manuel Fernández-Galiano. Madrid: Biblioteca Clásica Gredos,1978.
Further Greek epigrams, epigrams before A. D. 50 from The Greek Anthology and
other sources, not included in Helenistic Epigrams or The Garland of Philip; edited D.
L. Page, revised and prepared for publication by R. D. Dawe and J. Diggle.
Cambridge: Cambridge University Press, 2008.
Select epigrams from the Greek Anthology; edited with revised text, translation,
introduction and notes by J. M. Mackail; 3
rd
ed. revised, London/ New York/ Bombain:
Longmans, Green, and Co., 1912.
The Garland of Philip and some contemporary epigrams; edited by A. S. F. Gow and
D. L Page; vol. I introduction, text and translation, indexes of sources and
epigrammatists; vol. II commentary and indexes, Cambridge: Cambridge University
Press, 2008.
The Greek Anthology, with an English translation by W. R. Paton, in five volumes;
vol. I, Cambridge: Harvard University Press/ London: William Heinemann, 1980; vol.
II, 1970; vol. III, 1983; vol. IV. Cambridge/ London: Harvard University Press, 1991;
vol. V, Cambridge: Harvard University Press/ London: William Heinemann,1979.
236
The Hellenistic epigrams, edited by A. S. F. Gow and D. L. Page; vol. I, introduction,
text and indexes of sources and epigrammatists; vol II, commentary and indexes,
Cambridge: Cambridge University Press, 2008.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
ARGENTIERI, L. “Epigramma e Libro. Morfologia delle raccolte epigrammatiche
premeleagree”. ZPE 121 (1998) 1-20.
ARISTÓTELES. Poética. In: ARISTÓTELES. Metafísica: livro I e II; Ética a
Nicômaco; Poética. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha; Traduções
de Vicenzo Rocco et al. Coleção “Os Pensadores”. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
ARISTOTLE. On Rethoric. A Theory of Civic Discourse. Translated with Introduction,
Notes, and Appendices by George A. Kennedy. Second Edition. New York/Oxford:
Oxford University Press, 2007.
ATHENAEUS. “Athenaei dipnosophistarum epitome, vols. 2.1–2.2”, Ed. Peppink,
S.P.Leiden: Brill, 2.1:1937; 2.2:1939.
___________. Athenaei Naucratitae deipnosophistarum libri xv, 3 vols., Ed. Kaibel,
G.Leipzig: Teubner, 1–2:1887; 3:1890, Repr. 1–2:1965; 3:1966.
BETTENWORTH, A. “The mutual influence of inscribed and literary epigram.” In:
BING, M., BRUSS, J.S. Brill’s Companion to Hellenistic Epigram. Leiden-Boston:
Brill, 2007.
237
BREMER, J.M. “The meadow of love and two passages in Euripides’ Hippolytus”.
Mnemosyne 28 number 3 (1975) 268-280.
BORTHWICK, E.K. “A grasshopper’s diet notes on an epigram of Meleager and a
fragment of Eubulus” CQ 16 (1966) 103-112.
_______________. “Limed reeds on Theocritus, Aristophanes, and Propertius” CQ
17 (1967) 110-112.
BOWIE, E. “From Archaic Elegy to Hellenistic Sympotic Epigram?” In: BING, M.,
BRUSS, J.S. Brill’s Companion to Hellenistic Epigram. Leiden-Boston: Brill, 2007.
CABRAL, Luiz Alberto Machado. O Hino Homérico a Apolo. Introdução, tradução,
comentário e notas Luiz Alberto Machado Cabral. Cotia, SP: Aleliê Editorial;
Campinas: Editora da Unicamp, 2004.
CALAME, C. The Poetics of Eros in Ancient Greece. New Jersey: Princeton
University Press, 1999.
CAMERON, A. The Greek Anthology from Meleager to Planudes. Oxford: Clarendon
Press, 2003.
DE JONG, Irene J.F.; NÜNLIST, René; BOWIE, Angus. (eds.) Narrators, Narratees,
and Narratives in Ancient Greek Literature: Studies in Ancient Greek Narrative: 1.
Leiden-Boston: Brill, 2004.
238
DENNISTON, J.D. The Greek Particles. 2
nd
edition. Cambridge: Hackett, 1991.
DORSEY, D.F.Jr. Meleagers Epigrammatic Technique. A dissertation presented to
the Faculty of Princeton University in candidacy for the degree of doctor of
philosophy. Michigan: Princeton University, Ph.D., 1967.
_______________. “The cicada’s song in Anthologia Palatina vii. 196”. CR 20 (1970)
137-139).
DOVER, K.J. A homossexualidade na Grécia antiga. Tradução Luís Sérgio Krausz.
São Paulo: Editora Nova Alexandria, 2007.
ECONOMOU, G. Acts of Love. Ancient Greek Poetry from Aphrodite’s Garden.
Selected and Translated by George Economou. Introduction by Wendy Doninger.
New York: Modern Library Edition, 2006.
EGAN, R.B. “LeiriÒeij ktl. In Homer and Elsewhere”. GLOTTA LXII (1985) 14-24.
_________. “Two complementary epigrams of Meleager”. JHS cviii (1988) 24-32.
_________. “Archias, Meleager, Tymnes: dead birds in context”. RhM 141 (1998) 24-
30.
FANTUZZI, M. and HUNTER, R. Tradition and Innovation in Hellenistic Poetry.
Cambridge: Cambridge University Press, 2004.
239
FARIA, J. R. Fragmentos de uma deusa: a representação de Afrodite na lírica de
Safo. Campinas: Editora da Unicamp, 2005.
GENTILI. B. “Epigramma ed elegia.” In: Albrecht Dihle (ed.). L’épigramme grecque.
Genève & Vandoeuvres: Fondation Hardt 1968 (Entretiens sur l’antiquité 14), 37-90.
GIANGRANDE, G. “Sympotic Literature and Epigram.” In: Albrecht Dihle (ed.).
L’épigramme grecque. Genève & Vandoeuvres: Fondation Hardt 1968 (Entretiens
sur l’antiquité 14), 93-177.
GRIMAL, P. Dicionário da mitologia grega e romana. Tradução de Victor Jabouille
4ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
GOW, A.S.F. “Mnasalces: notes and queries.” CR 6 (1956) 91-95.
GUIDORIZZI, G. Epigrammi. Meleagro. Milano: Arnoldo Mondatori Editore, 1992.
GUTZWILLER, K. :Poetic Garlands. Hellenistic Epigrams in Context. California:
University of California, 1998.
______________. “The Paradox of Amatory Epigram”. In: BING, M., BRUSS, J.S.
Brill’s Companion to Hellenistic Epigram. Leiden-Boston: Brill, 2007.
HESÍODO. Teogonia. A origem dos deuses. Edição revisada e acrescida do original
grego. Estudo e tradução Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 2001.
240
HOMERO. Odisséia. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro,
2002.
________. Ilíada. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.
HOUAISS, A. Dicionário de Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Objetiva, 2001.
JAY, P. The Poems of Meleager. Verse translations by Peter Whigham. Introduction
and literal translations by Peter Jay. California: University of California Press, 1975.
JENSEN, Christian. Philodemos, Über die Gedichte. Fünftes Buch. Griechischer Text
mit Übersetzungen ud Erläuterungen. Dublin & Zürich: Weidmann, 1923 (1973).
KONSTAN, David. A Amizade no Mundo Clássico. Tradução Márcia Epstein Fiker.
São Paulo: Odysseus Editora, 2005.
LIDDELL, H.G. & SCOTT, R. Greek-English Lexicon with a revised supplement. 9
th
Edition. Oxford: Oxford Univesity Press, 1996.
LUFT, C. P. Dicionário Prático de Regência Verbal. 8ª edição. São Paulo: Editora
Ática, 2007.
_________. Dicionário Prático de Regência Verbal. edição. São Paulo: Editora
Ática, 2008.
241
LURKE, L. “Inventing the Hetaira: sex, politics, and discursive conflict in Archaic
Greece”. ClAnt 26 (1997) 106-153.
McKAY, K.J. “Broken appointments in Asklepiades”. Mnemosyne 36 number 1-2
(1983) 135-142.
MEYER, D. “The Act of Reading and the Act of Writing in Hellenistic Epigram”. In:
BING, M., BRUSS, J.S. Brill’s Companion to Hellenistic Epigram. Leiden-Boston:
Brill, 2007.
PAGLIARO, A.D. “Theocritus 5.111”. CR 24 (1974) 176-177.
PELLING, Christopher B. R. (ed.) Characterization and Individuality in Greek
Literature. Oxford: Oxford University Press, 1990.
PLATÃO. Protágoras, Górgias, Fedão. Tradução de Carlos Alberto Nunes. 2ª edição.
Belém: EDUFPA, 2002.
POMEROY, Sarah B. Goddesses, whores, wives and slaves: Women in Classical
Antiquity. New York: Schocken Books, 1976.
QUINTILIANO, Marco Fabio. La formazione delloratore. Introduzione di Michael
Winterbottom, traduzione e note di Stefano Corsi.Volume primo (livri I-IV). Testo
latino a fronte. Biblioteca Universale Rizzoli, 1997.
SCATOLIN, A. Sátiros e Sátiras na poesia antiga: Estudo e tradução dos De Satyrica
Graecorum poesi et Romanorum Satira libri duo, de Isaac Casaubon. Dissertação de
242
mestrado apresentada ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
São Paulo, 1997.
SILVA, Luiz Carlos André Mangia. Epigrama erótico helenístico. Dissertação de
Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos Literários da
Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista, campus de
Araraquara (UNESP/Ar), 2003.
SMYTH, H. W. Greek Grammar. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
SMALL, S.G.P. “The Composition of Anth. Pal., VII, 476 (Meleager)”. AJPh 72 (1951)
47-56.
STRABO. Geography. Books XV – XVI. Vol. VII. Translated by Horace Leonard
Jones. Loeb Classical Library. Harvard: Harvard University Press, 1930.
TEOFRASTO. Teofrasto: Os Caracteres. Daisi Malhadas, Haiganuch Sarian. São
Paulo: F.P.U., 1978.
THEOPHRASTUS. Characters. Edited with Introduction, Translation and
Commentary by James Diggle. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.
WEST, M.L. Studes in Greek Elegy and Iambus. Berlin-New York: Walter de Gruyter,
1974.
243
_________. Introduction to Greek Metre. Oxford: Clarendon Press, 1987.
ZANKER, G. “Characterization in Hellenistic Epigram”. In: BING, M., BRUSS, J.S.
Brill’s Companion to Hellenistic Epigram. Leiden-Boston: Brill, 2007.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo