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Para esclarecer, vale colacionar a opinião doutrinária:
Conforme mencionado no parágrafo supracitado, a noção de textura
aberta da linguagem mostra como as palavras que proferimos às
vezes descrevem com exatidão ou alcançam de forma exata aquilo
que está no mundo, enquanto que outras vezes existe imprecisão e
dúvida sobre aquilo que as nossas palavras pretendem descrever.
Hart adotou esse conceito, utilizado para tratar da linguagem
natural como um todo, para mostrar como, no direito, as regras
legais podem ser aplicadas sem maiores dificuldades em certos
casos particulares e, em outros casos, a aplicação pode se mostrar
extremamente problemática, demandando a utilização de critérios
argumentativos que vão além da mera referência às regras legais.
Pretendemos abordar aqui, especificamente, a dificuldade de aplicação
da norma decorrente da indeterminação de seus termos
258
, o que nos leva ao
que a doutrina denomina como lacuna de reconhecimento.
Tais lacunas surgem da indeterminação semântica das normas e, como
já mencionado, são inevitáveis e, até desejáveis, em um sistema normativo,
porém, é importante salientar que a existência das ditas lacunas de
reconhecimento, não nos leva à incompletude
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do sistema, pois a resposta
desejada existe, ainda que não consigamos identificá-la facilmente. Nesta
linha de raciocínio:
Nos casos em que não sabemos a solução de um caso particular
porque não sabemos em qual predicado factual ele deve ser
incluído, fala-se em lacunas de reconhecimento (gaps of
recognition).
260
(...) as lacunas de reconhecimento, que são geradas em razão da
indeterminação semântica dos termos gerais que constituem as
regras, não podem ser superadas. No máximo, os problemas
provenientes das lacunas de reconhecimento podem ser mitigados
por meio do emprego de termos técnicos, mais bem definidos, ou
pelo menos mais precisos. Mas, como já foi analisado antes, em
existência de uma região de significado onde não conseguimos determinar com segurança se a
palavra se aplica ou não.” STRUCHINER, N. op. cit. p. 6.
258
“Aqui temos em primeira linha a pluralidade de significações de uma palavra ou de uma seqüência
de palavras em que a norma se exprime: o sentido verbal da norma não é unívoco, o órgão que tem
de aplicar a norma encontra-se perante várias significações possíveis.” KELSEN, H. Teoria pura do
Direito. 7ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.p. 389.
259
“Entretanto, a existência de imprecisões no momento da aplicação das regras não leva à
incompletude do sistema jurídico. (...) As dúvidas não são provenientes de defeitos no sistema, mas
são concernentes à classificação dos casos particulares dentro dos casos genéricos previstos pelo
Código. A dificuldade encontrada é decorrente da natureza da linguagem, que é sempre
potencialmente vaga.” STRUCHINER, N. ibid. p. 108-109.
“Assim, a lacuna de reconhecimento é um tipo especial de lacuna que não tem nada a ver com a
incompletude normativa do sistema jurídico.” Ibid. p. 110.
260
Ibid. p. 104.