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Henrique Barbosa Resende
A
Medida da Intervenção Penal
no Estado Democrático de
Direito
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-
Graduação em Direito da PUC-Rio.
Orientador: João Ricardo W. Dornelles
Rio de Janeiro,
Setembro de 2008
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Henrique Barbosa Resende
A Medida da Intervenção Penal no
Estado Democrático de Direito
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Direito do Departamento de
Direito da PUC-Rio como parte dos requisitos
parciais para a obtenção do título de Mestre
em Direito.
Prof. João Ricardo Wanderley Dornelles
Orientador
Departamento de Direito – PUC-Rio
Prof. Florian Fabian Hoffmann
Departamento de Direito – PUC-Rio
Prof. Sérgio Francisco Carlos Graziano Sobrinho
Universidade do Extremo Sul Catarinense
Prof.º João Pontes Nogueira
Vice-Decano de Pós-Graduação do Centro
de Ciências Sociais – PUC-Rio
Rio de Janeiro, 26 de Setembro de 2008.
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução
total ou parcial do trabalho sem autorização da
universidade, do autor e do orientador.
Henrique Barbosa Resende
Graduou-se em Direito na Faculdade de Direito de
Varginha – MG em 2003. Advogado. Professor da Escola
Superior Dom Helder Câmara em Belo Horizonte - MG.
Ficha catalográfica
CDD: 340
Resende, Henrique Barbosa
A Medida da Intervenção Penal no Estado
Democrático de Direito/ Henrique Barbosa Resende;
orientador: João Ricardo Wanderley Dornelles. – Rio de
Janeiro: PUC, Departamento de Direito, 2008.
70fls. 29,7 cm
1. Dissertação (mestrado) – Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro,
Departamento de Direito.
Inclui referências bibliográficas.
1. Direito – Doutrina. 2. Criminologia
. 3. História
do Direito Penal; 4.
Princípios Constitucionais do
Direito Penal. 5. Estado Democrático de Direito. 6.
Sistemas de Direito Penal. I. Dornelles, João Ricardo
Wanderley. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro. Departamento de Direito. III. Título.
A minha Mãe Ana Maria Barbosa Ferreira, pela preciosa contribuição na
minha formação pessoal, profissional e acadêmica, sem a qual não seria
possível a redação dessas modestas linhas.
A minha esposa Hellen Ker Bretas Werner, companheira de sempre, em
todos os momentos, pelo amor, compreensão e estímulo contínuos e
renovados.
Resumo
Resende, Henrique Barbosa. A medida da intervenção penal no Estado
Democrático de Direito. Rio de Janeiro, 2008. 70p. Dissertação de
Mestrado – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro.
O presente trabalho visa abordar, apoiado na noção de Estado Democrático
de Direito, os rumos que tem tomado o sistema de controle social formal do
Estado contemporâneo pela via do direito penal hodierno e o choque existente
entre o direito penal moderno, entendido como aquele que protege bens jurídicos
coletivos, por meio de um desmantelamento, quando não da flexibilização dos
princípios e regras do sistema penal vigente, e o direito penal de bases clássicas,
informado e dirigido por princípios penais originados a partir do iluminismo e que
seguem determinando, não sem ressalvas, a “evolução” da dogmática penal. O
marco teórico do presente trabalho se assenta em bases garantistas e se
fundamenta nas concepções do Estado Democrático de Direito, conceituado como
o ambiente no qual se realizam as garantias individuais construídas a partir de
diplomas como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de agosto de
1789, inspiradora do modelo de Estado plasmado na normatização constitucional
desenhada na Constituição Federal do Brasil, de Outubro de 1988, a qual, em seu
artigo 5.º, traz um rol de direitos individuais que representa um anteparo do
elemento humano em face do poder repressivo estatal. Partindo-se do confronto
existente entre os dois tipos de direito penal: o clássico e o moderno, já em curso,
serão apresentadas as possibilidades de atuação dos mesmos, a adequação do
direito penal moderno ao regramento legal e aos princípios penais e processuais
penais vigentes, bem como a necessidade de que se estabeleçam critérios
definidos para a teoria e prática do controle social estatal do século XXI.
Palavras-Chave
Estado Democrático de Direito – Estado e Controle Social - Direito Penal
Clássico e Moderno – Princípios Penais - Intervenção Penal.
Abstract
Resende, Henrique Barbosa; The measure of assistance in criminal
democratic rule of law. Rio de Janeiro, 2008. 70p. Masters dissertation -
Department of Law, Catholic University of Rio de Janeiro.
This paper aims to address, supported the concept of democratic rule of law,
the path that has taken the formal system of social control through the
contemporary state of criminal law and modern clash between the modern
criminal law, seen as one that protects property Legal collectives, through a
decommissioning, if not, the relaxation of the principles and rules of the existing
criminal justice system, criminal law and the foundations of classical, informed
and directed by criminal principles originated from the Enlightenment and
determined that follow, not without reservations, the "evolution" of dogmatic
criminal. The theoretical framework of this work is based on a guaranteed and is
based on concepts of democratic rule of law, regarded as the environment in
which they hold the securities built from individual acts such as the Declaration of
Human Rights and the Citizen of August of 1789, inspiring the model created in
the normalization of state constitutional designed in the Federal Constitution of
Brazil, in October 1988, which, in his article. 5, brings a list of individual rights
that represents a shield of the human element in the face of the repressive state.
Based on the confrontation between the two types of criminal law: the classic and
modern is already underway, will be presented the possibilities of action from
them, the adequacy of criminal law to modern criminal rules and criminal
procedural principles in force, and the need to establish criteria for the theory and
practice of social control state of the twenty-first century.
Keywords
Democratic rule of law - State and Social Control - Criminal Law and
Modern Classic - Principles Criminal - Criminal Intervention.
Sumário
1. Introdução 9
2. O Estado e o Controle Social 14
2.1. O Direito Penal: breve reconstrução históricaErro! Indicador não defi
n
2.2. A Legitimação, as funções e os objetivos do Direito Penal 23
3. Direito Penal Clássico e Direito Penal Moderno. Erro! Indicador não
definido.7
3.1. O Direito Penal de bases clássicas: o princípios que regem e
limitam a intervenção penal 28
3.1.1. Princípios Penais do Estado Democrático de Direito. 29
3.1.1.1. Princípio da Legalidade 29
3.1.1.2. Princípio da Proporcionalidade 32
3.1.1.3. Princípio da Responsabilidade Penal Subjetiva 33
3.1.1.4. Princípio da Lesividade 34
3.1.1.5. Princípio da Intervenção Mínima 36
3.1.2. A tutela do bem jurídico individual como núcleo central do
Direito Penal Clássico 40
3.2. O Direito Penal Moderno e a Sociedade Mundial do RiscoErro! Indica
d
3.2.1. A nova configuração dada ao Direito Penal: O Direito Penal
Moderno 48
3.2.1.1. A proteção penal a bens jurídicos supra-individuais 49
3.2.1.2. A antecipação da tutela penal a esferas anteriores ao dano Erro!
Indicador não definido.
3.2.1.2.1. Tipos penais de perigo abstrato Erro! Indicador não definido.
3.2.1.2.2. Normas penais em branco 53
3.2.1.2.3. Responsabilidade penal das pessoas jurídicas
Erro! Indicador não definido.
4. Qual o Sistema Penal Adequado ao Estado Democrático de
Direito do Século XXI: o exapansionismo da tutela penal ou
minimalismo penal? 58
4.1. Novos Critérios da Racionalidade Penal para o combate a fatos
atentatórios aos bens jurídicos coletivos 59
4.1.1. O Direito Penal de duas velocidades 59
4.1.2. Direito de Intervenção Erro! Indicador não definido.
5. Conclusão 63
6. Referências Bibliográficas: 66
Epígrafe:
““Nessa história toda, o erro era só dele? Era igualmente grave o fato de
ele, trabalhador, não ter trabalho; ele, trabalhador, não ter pão. Depois de a
falta ter sido cometida e confessada, o castigo não foi por demais feroz e
excessivo? Onde haveria mais abuso: da parte da lei, na pena, ou da parte do
culpado, no crime? Não haveria excesso de peso em um dos pratos da balança,
justamente naquele em que está a expiação? Será que o exagero da pena não
apagava completamente o crime, quase que invertendo a situação, fazendo do
culpado vítima, do devedor credor, pondo definitivamente o direito justamente do
lado de quem cometeu o furto? Essa pena, aumentada e agravada pelas
sucessivas tentativas de fuga, não era, por acaso, uma espécie de atentado do
mais forte contra o mais fraco, um crime da sociedade contra o indivíduo, um
crime que todos os dias se renovava, um crime que se estendeu por dezenove
anos?”
Victor Hugo, Os Miseráveis
1
Introdução
A necessidade de qualquer Estado se valer de alguma forma de controle social
parece mesmo ser constante. A razão de tal se dar e a permanência indefinida da dita
necessidade respondem a interesses sociais primários e atendem, no mais das vezes, às
demandas da sociedade e do detentor do poder, as quais oscilam ao sabor da sensação
de insegurança infligida à sociedade em dado momento histórico.
De qualquer modo, o fato é que o Estado utiliza, de forma indiscriminada, o
controle social como meio para a obtenção de determinados fins; dentre os quais se
destacam: a manutenção da estabilidade social e a preservação da paz pública (discurso
oficial). No entanto, também é fato que o ente Estatal busca o atendimento de
mencionados desideratos através da violência institucionalizada. Sua vertente mais
conhecida, e muitas vezes acoimada, justamente, de ineficaz, é o Direito Penal.
Já se disse que: “a história do Direito Penal é a história da humanidade.”
1
Essa
assertiva retrata muito bem a estreita relação existente entre o Estado e o Direito Penal,
instrumento que integra o sistema de controle social formal do Estado e meio usual de
resolução de conflitos sociais que envolvam a ocorrência de atos tidos por delituosos.
O decurso do tempo, no entanto, demonstrou os acertos e desacertos dessa opção
feita pelos Estados, consistente na utilização do referido controle social formal, o qual
se reafirma sempre a reboque da política-criminal do momento e que é exercido, em
grande parte, por meio da violência inerente a qualquer tipo de Direito Penal (forma
onerosa e muitas vezes desumana e degradante de se alcançar o controle social).
Assim, foi indispensável para a manutenção de referido sistema de controle a sua
adequação às exigências da racionalidade penal emergente e não somente àquelas
impostas pelo poder político dominante. Nesse sentido, o iluminismo
2
inaugurou um
novo estado de coisas no seio do controle social pela via do Direito Penal.
1
Afirmação de autoria de Edgar de Magalhães Noronha, citada por Romeu Falconi em sua obra intitulada
Lineamentos de Direito Penal, Ed. Cone, 2. ed., pág. 23, 1997.
2
O Período Iluminista, também chamado de humanitário no âmbito das ciências penais, representou um
momento em que o sistema de controle social, e mais de perto o Direito Penal, foi humanizado, sobretudo
através da construção de um conjunto de garantias em favor dos cidadãos, oponível ao poder punitivo
estatal, o qual passa, no final do século XIX, a integrar o ordenamento jurídico dos países centrais e
10
A partir do final do século XIX, os ordenamentos jurídicos dos países centrais,
bem como de grande parte dos países periféricos, passaram a abarcar uma série de
princípios penais, inspirados e originados, principalmente, a partir da obra Dei delitti e
delle pene (Dos delitos e das penas), produzida na segunda metade do século XVIII, de
autoria do grande humanista Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria.
Essa inspiradora obra denunciou a barbárie em que se constituíam as várias
modalidades de pena corporal, a absoluta desproporcionalidade entre a sanção e o ato
desviante (criminoso), revelou a necessidade de vincular os juízes à lei e trouxe critérios
consentâneos com a racionalidade penal que, tacitamente, se constituía, através da qual
seria possível a criação de um sistema de princípios que passaria a determinar e
conduzir o sistema de controle social do Estado Liberal e, posteriormente, do Estado
Intervencionista.
Desse modo, a base principiológica composta pelos critérios de racionalidade
penal inscritos na obra de Beccaria, baluarte do iluminismo, e ali forjados, foi
incorporada aos ordenamentos jurídicos dos Estados e passou a representar da era
liberal em diante, um anteparo do cidadão em face do poder punitivo estatal.
Em momento posterior, através das chamadas escolas penais, sobretudo a escola
clássica e a escola positiva
3
, a maioria inspirada pelas idéias iluministas, inaugura-se a
fase do propalado cientificismo penal.
O estudo científico do direito penal, apesar de assentar-se em fundamentos
absolutamente técnicos e de valer-se de critérios quase aritméticos na definição do que
seja crime, das hipóteses de exclusão da antijuridicidade do fato, da culpabilidade do
agente, da imputabilidade de responsabilidade penal, enfim, no exame acurado do
direito penal positivado, viu-se atrelado, de forma indissociável, aos princípios
periféricos, tendo sido inspirado pela magnífica obra Dei delitti e delle pene (Dos delitos e das penas), de
Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria (1738-1794).
3
As escolas clássica e positiva merecem destaque em virtude da amplitude de seus estudos e da adesão de
grandes estudiosos em seus quadros. A escola clássica, que fundava, absolutamente, seus estudos nos
ideais iluministas e tinha à frente a contribuição de peso de Francesco Carrara, propugnava que o crime
era uma entidade abstrata e desvinculava o ato criminoso das características da pessoa humana que o
praticara ou dos motivos que a levaram a fazê-lo. Nas palavras de Nelson Hungria, “se um crime
apresenta-se materialmente igual a outro, os respectivos autores merecem a mesma pena. Para males
iguais, penas iguais. É a lei do talião estilizada. É a justiça rudimentar da balança que equilibra
quantidades e não qualidades. É a justiça que vê fatos humanos mas ignora as almas”. Diferentemente da
escola clássica, a escola positiva, também influenciada pelo iluminismo, mas que tinha por método de
análise do fenômeno do crime o indutivo, empírico ou experimental, oriundo do positivismo do filósofo
francês Augusto Comte, estuda o crime em bases antropológicas. O ato desviante, então, deixa de ser uma
entidade abstrata e passa a constituir-se em fenômeno natural; fato que leva os estudiosos, principalmente
o grande ícone do positivismo penal Cesare Lombroso, autor da famosa obra L’uomo delinqüente (O
homem delinqüente) a empreenderem estudos de caráter sociológico, psicológico e biológico.
11
iluministas e a outros tantos
4
que passaram a compor e determinar a dogmática penal do
século XX, a qual segue sendo objeto direto de exame da ciência penal.
Vivenciamos, no presente momento, após a era do direito penal clássico
5
, o
surgimento do direito penal moderno, que nasce sob o influxo da sociedade mundial do
risco
6
, na qual os atos desviantes assumem proporções catastróficas, sobretudo no que
respeita às suas conseqüências, principalmente para o meio ambiente, para a saúde e
para a economia. Esse acontecimento, sem precedentes, leva a sociedade e o Estado da
era pós-moderna a repensar o sistema de controle social e a reavaliar as bases teóricas
em que se assenta o instrumento mais utilizado desse controle: o Direito Penal.
As reflexões acerca da necessidade de se promover a segurança dos cidadãos e
dos Estados pela via da incriminação daqueles fatos atentatórios a algum bem jurídico
coletivo (meio ambiente, saúde e economia) passam, então, a ocupar lugar de destaque
nas discussões políticas, sociais e até econômicas dos nossos dias.
Ocorre que a expansão do direito penal, visando à proteção da sociedade e do
Estado em todos os níveis e o atendimento às inúmeras demandas sociais por segurança,
esbarra nos princípios penais clássicos, na dogmática penal inspirada por eles e fere de
morte a base principiológica inserta nas Constituições da maioria dos Estados da nossa
época e nos tratados e convenções internacionais que tratam das garantias individuais e
do respeito às liberdades públicas dos cidadãos em um Estado Democrático de Direito.
Ao se proteger, por exemplo, pela via do Direito Penal, o meio ambiente de atos
lesivos ou mesmo potencialmente lesivos a esse bem jurídico coletivo, acaba-se por
desmontar o referido sistema de garantias construído, como dito, a partir da criação dos
princípios penais iluministas, tais como: o princípio da responsabilidade penal subjetiva,
princípio da lesividade e princípio da taxatividade, vez que incrimina-se um fato sem
4
São exemplos: princípios da lesividade, da intervenção mínima, da subsidiariedade, da
fragmentariedade, da ultima ratio, da irretroatividade da lei penal, da responsabilidade subjetiva etc.
5
O termo clássico, para fins de direito penal, certamente quer se referir ao período do iluminismo (séc.
XVIII). No entanto, o modelo de direito penal clássico estendeu-se até meados do século XX; sendo certo
que os princípios cunhados nesse período ainda orientam, com muitas restrições, a dogmática penal
moderna.
6
Expressão cunhada por Ulrich Beck e que induz a concepção de Marta Rodriguez de Assis Machado,
em Sociedade do Risco e Direito Penal: uma avaliação de novas tendências político-criminais, Ed.
IBCCRIM, 1. ed. pág. 35/36, 2005, o seguinte: “A sociedade do risco refere-se à época em que o lado
negro do progresso domina o debate social. O que até agora ninguém havia cogitado – auto-arriscamento,
devastação da natureza e possibilidade de destruição em massa – tornou-se um dos temas centrais do
debate público. O princípio axial e, ao mesmo tempo, o desafio da sociedade mundial contemporânea
estão no fato de que os riscos que hoje a ameaçam foram produzidos pela própria civilização no processo
de desenvolvimento da primeira modernidade. A produção social de riqueza veio acompanhada,
sistematicamente, pela produção social dos riscos. Estes riscos emergiram na condição de efeitos
colaterais de produtos ou processos industriais, no desenrolar da modernização, que foi por muito tempo
cega e surda a seus próprios efeitos.”
12
que se aponte, de maneira precisa, a forma – dolosa ou culposa – do agir do pretenso
delinqüente, tutelando, muitas vezes, o bem jurídico em esferas anteriores ao dano,
através de tipos penais abertos e quase sempre se valendo de normas penais em branco,
remetendo o conteúdo da norma penal incriminadora a atos normativos distintos da lei
penal.
Constata-se, dessa forma, que a modificação das regras do direito penal clássico e
a flexibilização de princípios penais que possuem função garantidora dos direitos
humanos e das liberdades públicas se revelam impositivas na sociedade de hoje e se
mostram indispensáveis para a configuração atual do direito penal moderno, que teve
ensejo em virtude do aparecimento, no cenário mundial, da nova criminalidade
7
, a qual
nasceu e ora se desenvolve no ceio da já referida sociedade mundial do risco.
É nesse contexto que se insere o presente trabalho; ou seja, na revelação, a partir
da noção de Estado Democrático de Direito, dos rumos que tem tomado o sistema de
controle social formal do Estado contemporâneo
8
pela via do direito penal hodierno e do
choque existente entre o direito penal moderno, entendido como aquele que protege
bens jurídicos coletivos, por meio de um desmantelamento, quando não, da
flexibilização dos princípios e regras do sistema penal vigente, e o direito penal de bases
clássicas, informado e dirigido pelos citados princípios penais, originados a partir do
iluminismo e que seguem determinando, não sem ressalvas, a “evolução” da dogmática
penal.
De se ver, por imperioso, que o marco teórico do presente trabalho se assenta em
bases garantistas e se fundamenta nas concepções do Estado Democrático de Direito,
conceituado como o ambiente no qual se realizam as garantias individuais construídas a
partir de diplomas como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de agosto
de 1789, inspiradora do modelo de Estado plasmado na mormatização constitucional
desenhada na Constituição Federal do Brasil, de Outubro de 1988, a qual, em seu artigo
5.º, traz um rol de direitos individuais que representam um anteparo do elemento
humano em face do poder repressivo estatal.
7
Tem-se por nova criminalidade, de forma acanhada, porquanto o conceito será melhor desenvolvido
durante a evolução do trabalho que se empreende, aquele conjunto de fatos, antes descriminalizados, que
no presente momento afrontariam os bens jurídicos coletivos, tais como o meio ambiente, a saúde e a
economia.
8
O trabalho não abordará as questões atinentes ao direito penal e aquelas afetas aos princípios
constitucionais ou, ainda, aos direitos humanos, sob o prisma do Estado Brasileiro, porquanto os
conceitos e idéias objetos de discussão e que serão explorados durante o trabalho são comuns, em grande
medida, aos demais Estados do Ocidente, razão pela qual pretende-se submeter a reflexão, ou as
reflexões, a uma análise que não se afaste, nem tampouco desconsidere, o direito comparado.
13
No capítulo inaugural do presente trabalho dissertativo se buscará demonstrar a
relação entre o Estado e o controle social, sobretudo pela via do direito penal,
recorrendo-se a uma reconstrução histórica dessa mesma relação, com o propósito de
aclarar os estágios, as evoluções e mesmo as involuções do direito penal enquanto
instrumento de punição estatal, chegando-se à configuração garantidora emprestada ao
sistema de controle social por determinação e exigência dos princípios do direito penal
clássico, hoje inscritos nas Constituições dos Estados Democráticos de Direito, os quais
protegem as liberdades públicas dos cidadãos do século XXI.
Fincada a abordagem a partir da concepção de um Estado Democrático de Direito,
a tarefa seguinte, da qual se ocupará o segundo capítulo, será demonstrar a forma de
atuação dos sistemas penais: clássico e moderno, do ponto de vista teórico,
apresentando, por meio de uma visão crítica, os critérios e princípios norteadores dos
referidos sistemas; o que se fará com o precioso auxílio da dogmática penal vigente e do
direito pretoriano praticado nos nossos dias.
Partindo do confronto existente entre os dois tipos de direito penal: o clássico e o
moderno, já em curso, no terceiro capítulo serão apresentadas as possibilidades de
atuação dos mesmos, a adequação do direito penal moderno ao regramento legal e aos
princípios penais e processuais penais vigentes, bem como a necessidade de que se
estabeleçam critérios definidos para a teoria e prática do controle social estatal do
século XXI.
Desse modo, tendo sido expostas as linhas gerais do trabalho dissertativo que se
empreende, passemos à apresentação das reflexões contidas nesse texto.
2
O Estado e o Controle Social
O Estado jamais prescindiu do Controle Social; seja com o escopo de atender a
determinados interesses, sobretudo os políticos e econômico-financeiros dos detentores
do poder, seja para alcançar a pacificação e o equilíbrio social, estado de coisas
indispensável para a manutenção da sociedade e do próprio ente estatal. O meio mais
eficaz para cumprir referido propósito foi e é a prática de algum tipo de violência
(legítima ou não), exercida, indiscriminada e continuamente, contra o sujeito que se
coloca em uma situação de desvio em relação aos citados interesses estatais, sempre
preponderantes.
A importância e a necessidade de alguma forma de controle social é inconteste
1
,
na medida em que a sociedade e o Estado-Nação não podem existir e co-existir em
harmonia, bem como cumprir seus fins, em uma condição de desequilíbrio social. O que
efetivamente se mostra pertinente é discutir qual o alcance desse controle. Ou seja, qual
ou quais são seus objetos e objetivos?
A resposta a esta indagação parece estar contida no conceito de controle social.
Ocorre que se cuida de expressão polissêmica, que possui vários sentidos, portanto. Isso
se deve ao fato de o controle social ser objeto de estudo da sociologia, da filosofia
política, da ciência política, da ciência jurídica, da criminologia, da política criminal e
da economia, pelo menos. Esses diversos campos do conhecimento, obviamente,
emprestam variados significados à mencionada expressão; o que provoca certa
indeterminação em seu conceito, redundando, via de conseqüência, na indefinição de
seu(s) objeto(s) e de seu(s) objetivo(s).
1
Paulo César Busato e Sandro Montes Huapaya, no livro Introdução ao Direito Penal: fundamentos para
um sistema penal democrático, Ed. Lumen Juris, 1. ed., 2003, pág. 81/82, citam trecho significativo do
Professor Francisco Muñoz Conde, onde o mesmo reflete sobre a imprescindibilidade do controle social e
assevera que “o controle social é uma condição básica da vida social. Com ele se asseguram o
cumprimento das expectativas de conduta e os interesses contidos nas normas que regem a convivência,
confirmando-as e estabilizando-as contrafaticamente, no caso de sua frustração ou incumprimento, com a
respectiva sanção imposta em uma determinada forma ou procedimento. O controle social determina,
pois, os limites da liberdade humana na sociedade, constituindo, ao mesmo tempo, um instrumento de
socialização de seus membros. ‘Não há alternativas ao controle social’, é inimaginável uma sociedade
sem controle social”
15
Percebe-se, desse modo, que o controle social, dependendo da abordagem que se
faça, pode prestar-se a uma abusiva limitação na liberdade das pessoas a ele submetidas
ou dar ensejo a um perigoso controle da vida social, tudo a depender do enfoque que se
dê a ele ou mesmo da forma em que é utilizado pelo Estado.
García-Pablos ao conceituar controle social assevera que:
Com o vulgar e impreciso conceito de controle social – conceito sociológico neutro,
descritivo – se faz referência a certos processos sociais que atingem a conformidade do
indivíduo, submetendo-o às pautas, modelos e requerimento de grupo; coesão, disciplina,
integração são, pois, termos que descrevem o objetivo final que persegue o grupo, a
sociedade, para assegurar sua continuidade frente ao comportamento individual irregular
ou desviado.
2
(GARCIA-PABLOS, 1999, p. 77)
Traço marcante do controle social é o fato de ser guiado pelas políticas de
segurança pública dos Estados, as quais respondem, sempre, aos interesses estatais,
sejam eles quais forem.
Dornelles ensina que:
De qualquer forma, o modelo social que se implantou a partir dos anos oitenta do século
XX utiliza novos instrumentos e estratégias de controle social com mecanismos
defensivos da ordem, resultando em um modelo desintegrador que produz uma sensação
de insegurança e medo.
A ordem social, segundo este paradigma neoconservador, se naturaliza, de acordo com as
necessidades impostas pela nova forma de acumulação de capital, reproduzindo relações
sociais compatíveis e funcionais com o novo modelo. É justamente aqui que os novos
mecanismos de controle social são formulados e passam a ser aplicados.
Para Stanley Cohen, por controle social pode-se entender um conjunto de meios pelos
quais uma sociedade responde aos indivíduos ou grupos sociais que, de alguma maneira,
colocam em risco a ordem estabelecida. A partir da utilização desses meios, os indivíduos
ou grupos são classificados como rebeldes, desviados, transgressores, perigosos,
delinqüentes, suspeitos, inadaptados, problemáticos, ameaçadores, indesejáveis etc.,
buscado-se induzir à conformidade com a ordem social estabelecida.
Ainda segundo o autor Stanley Cohen, o controle social pode se expressar como uma
parte do aparato coercitivo do Estado ou como parte oculta da política social. Dessa
maneira, os mecanismos de controle social buscam a acomodação das ações para a
manutenção e reprodução de uma determinada ordem social.
3
(DORNELLES, 2003, p.
20)
2
Conceito construído pelo Prof. Antonio García-Pablos de Molina, contido em sua obra: Tratado de
Criminologia – 2 ed., Valencia: Tirant lo Blanch, 1999, p.77, citada por Paulo César Busato e Sandro
Montes Huapaya no livro Introdução ao Direito Penal: fundamentos para um sistema penal democrático,
Ed.Lumen Júris, 1 ed., 2003, pág. 77.
3
Trecho do Livro Conflitos e Segurança: entre Pombos e Falcões, de João Ricardo Wanderley Dornelles,
Ed. Lúmen Júris, 1. ed. p. 20, 2003.
16
Esse ensinamento revela a faceta política do controle social e talvez revele, ainda,
seu lado mais obscuro, ou seja, o fato de que é também mecanismo de obtenção e
manutenção de interesses econômicos estatais, contribuindo para a continuidade do
sistema capitalista, e não apenas instrumento que busca a paz pública e o equilíbrio
social. Por fim, demonstra que os instrumentos que integram o controle social se
adaptam ou se remodelam de acordo com a demanda social, muitas e muitíssimas vezes
induzida pelo detentor do poder político e do poder econômico, ou mesmo por ambos.
Essa característica político-econômica do controle social é bem sintetizada por
Dornelles:
O eficientismo penal intervém criminalizando os conflitos sociais em um cenário de crise
social resultante dos problemas surgidos com a globalização e o modelo neoliberal, além
de crise política os sistemas representativos. Isto significa que os conflitos não encontram
canais institucionais que os absorvem, e a sua potencialidade aumenta com o
agravamento dos problemas sociais decorrentes do modelo de desenvolvimento adotado.
Os conflitos, portanto, não encontram espaços de mediação em um sistema político em
crise e representação. E é justamente nesse contexto de crise que os princípios
constitucionais de garantia dos direitos fundamentais são substituídos pelo discurso da
“lei e ordem”, onde a falta de mediação política co-institucional dá lugar ao direito penal
de emergência no tratamento dos conflitos sociais. O sistema penal se alastra e ocupa os
espaços de controle social não penal.
4
(DORNELLES, 2003, p. 47-48)
E, citando Baratta (2003), conclui Dornelles: “[...] O direito penal não é mais a
‘extrema’ mas sim a prima ratio para uma nova solução dos problemas sociais, que é, ao
mesmo tempo, repressiva e simbólica.
5
[...]”
Resta certo, desse modo, que o controle social exercido pelo Estado é composto
por diversos instrumentos, dentre os quais se destaca o direito penal. Tem-se por
sistema de controle social, para fins da análise que se empreende, todos aqueles
subsistemas, de que se vale o Estado e a sociedade, os quais impõem regras de
convivência aos integrantes de determinada comunidade e exigem a adequação dos
comportamentos sociais a seus dispositivos e mandamentos. Integram esse controle
social: o sistema de direito penal e de segurança pública e os sistemas educativo,
religioso, familiar, além de grupos e organizações sociais.
Dessa forma, o direito penal, além de ser instrumento do sistema de controle
social que atua como dura resposta a condutas conflitantes com o regramento imposto,
sobretudo aquele contido na lei penal, representa apenas parte do referido sistema de
4
Idem, pág. 47/48.
5
Idem, pág. 48.
17
controle, o qual possui outros tantos meios, igualmente válidos e muito mais eficazes,
diga-se, para a promoção de seus objetivos.
6
Surge, portanto, a característica mais singular do direito penal: ser um instrumento
secundário do sistema de controle social; ou seja, ocupar ali a posição de soldado de
reserva. Tal característica recomenda que o Estado deva utilizar-se do direito penal de
forma parcimoniosa, ou seja, apenas quando os outros instrumentos que compõem o
sistema de controle se revelarem insuficientes e ineficazes para conter o desvio de
indivíduos em relação às regras sociais estabelecidas.
7
Nesse sentido é a lição de Paulo Queiroz:
A norma penal, pois, não é o começo da socialização, mas a sua culminação. Não é todo o
controle social, nem sequer e sua parte mais importante; é, mais propriamente, como diz
Muñoz Conde, a parte visível de um iceberg, em que o que não se vê (as outras instâncias
formais e informais de controle) é talvez o que realmente importa, mesmo porque a
norma penal não cria valores, nem constitui um sistema autônomo de motivação do
comportamento humano. Em conseqüência, o subsistema penal como um todo ocupa e há
de ocupar, dentro do sistema social, um papel menor, secundário, já que sua função é
subsidiar a vigência, em última razão, de outras instâncias de controle. Logo, o direito
penal – parte da artilharia pesada do Estado – só tem sentido se considerado como
continuação de um conjunto de instituições, públicas e privadas, cuja tarefa consiste,
igualmente, em socializar e educar para a convivência os indivíduos, por meio da
aprendizagem e da internalização de certas pautas de comportamento, motivo pelo qual
somente deve ser utilizado quando se revelarem insuficientes as demais instâncias de
controle social: utilizado, enfim, só in ultima ratio.
8
(QUEIROZ, 2005, p. 12)
Com essas considerações, pode-se situar o subsistema do direito penal – objeto
direto de nossas reflexões - no arcabouço do grande sistema de controle social,
evitando-se, assim, a usual confusão que não raro se faz entre o direito repressivo e esse
mesmo controle, na qual se conferi àquele uma amplitude irreal dentro do controle
social.
6
Os objetivos do sistema de controle social do Estado, abstraindo-se os propósitos des-legitimantes do
próprio sistema: o uso do controle social e do aparato repressivo como meio de manter o agente político
ligado às esferas de poder ou mesmo a manutenção da divisão de classes sociais ou, ainda, a exploração
da classe social menos favorecida, são a busca do equilíbrio social e da paz pública. Esse, como dito, o
discurso oficial.
7
Merece destaque a posição dos autores Paulo César Busato e Sandro Montes Huapaya no livro
Introdução ao Direito Penal: fundamentos para um sistema penal democrático, Ed Lumen Júris, 1 ed.,
2003, pág. 79, citando García-Pablos de Molina e Zugaldia Espinar: “O controle social penal é um
subsistema no sistema global do controle social; difere deste por seus fins (prevenção ou repressão do
delito) e pelos meios de que se serve (penas, medidas de segurança etc.). Mas o Direito penal não é o
meio de controle social mais importante. A escola, a religião o sistema laboral, as organizações sindicais,
os partidos políticos, a educação familiar, as mensagens emitidas pelos meios de comunicação o entorno
no qual se desenvolvem as relações sociais etc. são outros dos instrumentos informais de controle social,
que atuam antes e inclusive são mais efetivos e mais importantes que o próprio Direito Penal.”
8
Paulo Queiroz, citando Muñoz Conde (Derecho penal y control social), em Direito Penal: Parte Geral. 2
ed. revista e aumentada. Ed. Saraiva, pág. 12. 2005.
18
Embora seja o direito penal apenas e tão-somente um instrumento – que não é
sequer o mais importante, como dito – do controle social, o fato é que tem sido o mais
utilizado. Esta constatação da hipertrofia do direito penal leva a uma conclusão
inarredável: é imprescindível, para a compreensão dos rumos que tem tomado o direito
penal, a perquirição acerca do que seja direito penal, qual a sua razão de ser e como
convive com o Estado Democrático de Direito. Essas questões serão abordadas a seguir.
2.1
O Direito Penal: breve reconstrução histórica
9
De todos os ramos do direito, seguramente o direito penal é aquele que mais se
manteve fiel à sua função original: penalizar os autores de atos que atentem contra os
interesses do Estado e da sociedade. O imperativo do direito penal (pena) continua
sendo o mesmo.
Certamente a reação privada ou pública a algum fato que atente contra as regras e
costumes de uma comunidade em qualquer momento histórico sempre existiu. Mesmo
quando não havia, ainda, a figura do Estado tutelando os interesses (públicos e
privados), já era possível identificar e mesmo determinar a configuração de uma forma
rudimentar de direito penal; que, por óbvio, não recebia esse qualificativo de direito,
mas que, a despeito disso, tinha enorme semelhança com a finalidade ainda hoje
perseguida por esse ramo repressivo do direito, a saber, a punição.
Essa punição dava-se, no amanhecer da humanidade, por meio da vingança
privada. Forma de punição caracterizada pela reação do indivíduo agredido em face do
agressor.
Romeu Falconi delimita as características da vingança privada da seguinte forma:
a) Não havia proporcionalidade entre a conduta criminosa e a retorsão desencadeada.
Assim, uma bofetada poderia ter como revide um homicídio, ou a morte de um filho
representar a morte do chefe da família do agressor, que nada teve a ver com a conduta
criminosa anterior;
9
Será de grande valia para o trabalho essa superficial digressão histórica, já que através dela se poderá
desvelar a gênese e o desenvolvimento do direito penal enquanto forma usual e constante utilizada pelo
Estado para punir aquele que pratica atos tidos por desviantes. Heleno Fragoso assevera que: “A
comparação histórica é elemento valiosíssimo à correta interpretação, afirmando-se, mesmo, que toda
exegese traz consigo um momento da história (Forsthoff), e que não há ciência do Direito Penal válida
sem a história do Direito Penal (Wurterrnberger) (Fragoso, Heleno Cláudio, em Lições de Direito Penal,
Parte Geral, 15 ed. Rio de Janeiro. pág. 25. 1995).
19
b) A legitimidade se fazia na razão direta da própria reação. Quer dizer, qualquer pessoa
que se julgasse ofendida por outrem podia providenciar a “vendeta”, como meio próprio e
admissível daquela fase do Direito Penal. Não se conhecia, como já foi dito, a tutela do
Estado; o jus puniendi era particular;
c) A ação retorsiva ultrapassava a pessoa do criminoso. Assim, qualquer membro da
família do ofendido podia mover a justiça, bem como esta poderia recair sobre qualquer
membro da família do criminoso. (....)
10.
(FALCONI, 1997, p. 23-24)
A vingança, antes privada, passa, em momento posterior, a constituir-se em
divina, dado o aparecimento e fortalecimento das religiões. Exemplo sempre citado
dessa forma, ainda rudimentar, de direito penal é o Código de Manu (Mânara Dharma
Sutra), da Índia, no qual a pena possuía por fundamento a purificação da alma do
criminoso e os dispositivos desse documento se orientavam por dogmas sacrais.
Posteriormente, a vingança passa a ser pública. O objetivo principal dessa forma
de punição era garantir a autoridade de príncipes e de soberanos. O primeiro e mais
marcante documento dessa época foi a lei de Talião (olho por olho, dente por dente).
Também tinha fundamento religioso e possuía como conseqüência penas desumanas de
inigualável crueldade. São documentos dessa época: o Código de Hamurabi, do rei da
Babilônia, de 1959 a.C. e as Leis Mosaicas, de 1450 a.C., as quais encontram-se no
Pentateuco (os cinco primeiros Livros do Antigo Testamento: gênese, êxodo, números,
levítico e deuteronômio).
Encerrando o relato de formas rudimentares de uma espécie de direito penal
primitivo, temos a compositio (composição). Período que representou, para alguns
estudiosos da ciência penal, um avanço nos métodos de punição até então dominantes.
Nessa época, em que pese haver ainda penas cruéis, deu-se início à aplicação de
um tipo de penalização diferente das penas até então conhecidas. Na composição,
algumas das anteriores penas são substituídas por um valor pago em pecúnia, em razão
do delito, à pessoa do ofendido ou à sua família.
O direito penal em Roma apresenta-se sob diversos aspectos. Na fundação da
cidade (735 a.C.) o direito repressivo possui dispositivos orientados pela aplicação da
vingança privada, da lei do Talião (de viés sacral) e pela compositio. Em um segundo
momento, a partir, aproximadamente, de 553 a.C., a pena ganha contornos públicos e
passa a ser aplicada pelo poder político (nessa época a jurisdição criminal era exercida
pelo rei).
10
Trecho da obra de Romeu Falconi, Lineamentos de Direito Penal, Ed.Cone, 2 ed.,1997, págs.23/24.
20
Na república romana, em meados de 509 a.C., o documento que passa a
determinar o “processo”, julgamento e aplicação das penas em Roma é a Lei das XII
Tábuas. Nessa lei definiam-se o que eram crimes privados e o que eram crimes
públicos, indicando a conseqüência e o procedimento de cada qual.
Com a derrocada republicana e o nascimento do Império Romano modifica-se a
ritualística para a apuração dos fatos tidos por criminosos e para a aplicação das penas,
as quais, permanecem sendo cruéis.
Ariosvaldo de Campos Pires sintetiza a importância do direito penal romano:
Embora se diga, com Carrara, que os romanos forma gigantes no Direito Civil e pigmeus
no Direito Penal, indiscutível a sua contribuição na construção do Direito Penal,
afirmando a sua natureza pública e social, diferenciando os crimes culposos dos dolosos e
desenvolvendo as causas que excluem a criminalidade e a culpabilidade, de modo
especial legítima defesa e o erro.
11
(PIRES, 2005, p. 50)
O mesmo Autor, referindo-se ao direito penal germânico, que vigorou do século
VI ao XI d.C., assevera:
Segundo Grispigni, em épocas primitivas, o Direito germânico era constituído pelos
costumes, prevalecendo o caráter sacral da pena. Nesse período concebia-se o direito
como a ordem de paz. O quebramento, total ou parcial, dessa ordem significa a ruptura da
paz.
Assim, quem violasse perdia a paz, pública ou privada, segundo o crime praticado. A
perda da paz por crime público (Friedlosigkeit) implicava o direito concedido, a qualquer
pessoa, de matar o agente. A perda da paz por crime privado configurava a faida, uma
situação de inimizade contra o transgressor e sua família. A faida “era uma pena para
interesses privados, cuja execução é confiada à família do ofendido.
Mais tarde, o direito dos germanos (cujo predomínio estendeu-se no século VI até o
século XI d.C) apresentou-se marcado pelo objetivismo. Importava o resultado, já que
não havia praticamente preocupações de ordem subjetiva; também não se fazia distinção
entre o crime doloso, o culposo e o caso fortuito.
Provavelmente, esse entendimento, por paradoxal que pareça, originava-se da
predominância que esse povo oferecia à pessoa, como indivíduo. Como já visto, centrado
na paz a razão de ser da ordem jurídica, quem a violasse perdia a paz (Faidam portet), o
que importava em retirar do violador a proteção devida a todos, socialmente.
No campo da prova, presentes os juízos de Deus ou Ordálias (prova da água fervente, do
fogo etc) e a do duelo judiciário.
12
(PIRES, 2005, p. 50-51)
E conclui Ariosvaldo, valendo-se das palavras de Bandeira de Mello:
11
Assertiva de Ariosvaldo de Campos Pires, Compêndio de Direito Penal: Parte Geral, vol. I, Ed.
Forense, 1. ed. 2005, pág. 50.
12
Idem, pág. 50/51.
21
A lei dos germanos fundava-se na honra, na afirmação do poder pessoal: cada germano se
reputava um absoluto, um protegido de Deus, um núcleo em que o próprio Deus se estava
formado. Os germanos consideravam a luta entre os povos uma necessidade natural. E a
luta entre os indivíduos como a maneira mais simples e natural de resolver pendências.
Pensavam que a vitória num combate leal era a prova de que Deus pendera para o
vencedor e decidira que ele tinha razão.
Dessa auto-divinização inconsciente do indivíduo resultava logicamente a proibição do
talião. E resultava, também, que para os antigos germanos só havia dois crimes, redutíveis
a um: a traição a si mesmo (covardia) e a traição à pátria (a incompatibilização com o
divino). Tudo o mais eram acidentes naturais, que só podiam dar lugar a reparações
pecuniárias, inspiradoras da moderna pena de multa.
13
(PIRES, 2005, p. 52)
No século XIV, sobretudo, o direito penal sofreu relevantíssima influência do
direito canônico. O documento que trazia as regras canônicas aplicáveis ao direito penal
é o Corpus Juris Canonici, no qual há previsões de penas como a internação em
monastérios, a expulsão da Igreja, o asilo. A maioria da penas tem o objetivo de evitar a
expiação própria à prisão, propondo um abrandamento nas espécies de pena rigorosas e
cruéis vigorantes à época.
Ao citar a evolução humanística nas penas, trazida pelo direito canônico, afirma
Romeu Falconi:
Finalmente, posto que o Direito Canônico não admitia a pena capital, por barbárie,
inspirou o instituto da “penitenciária”, criando prisões parecidas com as que hoje
conhecemos. A prisão, para aquela época, era profundamente humana, visto somente
conhecerem as penas corporais, máxime a capital, e as de degredo, expulsando o
criminoso de seu habitat. Era também chamada desterro.
14
(FALCONI, 1997, p.
29)
Na Idade Média se conheceu o chamado direito comum, resultado da compilação
de diversos documentos e idéias oriundas do direito romano, germânico e canônico, o
qual passa a vigorar em grande parte do continente europeu.É a dos Glosadores
(estudiosos, sobretudo do direito romano, que promoviam a integração do mesmo ao
ordenamento jurídico da época).
Contudo, o direito penal da Idade Média é marcado pela aplicação de penas
cruéis, tais como: a fogueira, a roda, o arrancamento de vísceras, o esquartejamento, o
empalamento etc.
A história do Direito Penal no Brasil colônia e no Brasil Império traduz, de forma
bem clara, a realidade da época na Europa. As penas aplicáveis em terras brasileiras, tal
13
Idem, pág. 52.
14
Romeu Falconi, Lineamentos de Direito Penal, Ed. Cone, 2 ed.,1997, pág. 29.
22
como em grande parte dos países centrais, eram cruéis e degradantes. A repressão penal
era dirigida mais à proteção dos bens estatais do que aos direitos da população que vivia
no território ocupado por Portugal.
Falconi, ao cuidar do tema, traz um dispositivo contido no Livro V das
Ordenações Filipinas, documento que tratava dos crimes, das penas e do procedimento
para a aplicação do direito penal, o qual vigorou desde o período colonial até a
promulgação do código criminal do Império, que demonstra a preponderância dos
interesses da administração estatal em relação aos demais interesses que respeitavam à
população:
Título XII – Dos que fazem moeda falsa, ou a despendem, e dos que cerceiam a
verdadeira, ou a desfazem:
E todo o que cercear moeda de ouro, ou de prata, ou a diminuir, ou corromper por
qualquer maneira, se as cerceaduras, ou diminuição, que assim tirar, quer juntamente,
quer por parte valerem mil reis, morra por isso morte natural, e perca seus bens, a metade
para nossa Câmera, e a outra para quem o acusar.
15
(FALCONI, 1997, p. 43)
Ariosvaldo, ao tratar do documento mais importante que cuidava dos crimes e
castigos no Brasil Colônia e Império, declara que:
Sob o aspecto formal, interessa examinar as Ordenações Filipinas, que vigoraram desde o
período colonial até a promulgação do Código Criminal do Império, após a
independência. Foram publicadas em 11 de janeiro de 1603 e, após restaurada a
monarquia portuguesa, foram revalidadas em 1643 pelo Rei D. João IV.
O seu Livro V, que dispunha sobre matéria penal e processual penal, mostra o rigor, o
arbítrio e a crueldade que dominavam as práticas punitivas.
Nele confundiam-se direito, moral e religião; os crimes sexuais eram punidos com rigor
excessivo; a resposta punitiva dependia da classe a que pertencia o agente; eram previstas
penas infamantes e corporais; a pena de morte era prodigalizada com a maior fartura,
prevendo-se, dentre outras formas, e.g., a pena de “morte natural”, a “morte natural
cruelmente” (a ser executada de acordo com o arbítrio dos juízes e a criatividade do
executor), a “morte natural para sempre” etc.
O rigor das punições alcançou nível tal que se diz que Luiz XIV teria perguntado, de
modo irônico, ao embaixador português em Paris se alguém teria sobrevivido àquele
regime de terror.
16
(PIRES, 2005, p. 63-64)
O código penal republicano do Brasil, documento que se seguiu ao citado livro
das Ordenações Filipinas, foi demasiadamente criticado pelos estudiosos da época e, de
fato, teve vida curta, sofrendo muitas alterações em um espaço de tempo de menos de
15
Idem, pág. 43.
16
Ariosvaldo de Campos Pires, Compêndio de Direito Penal: Parte Geral, vol. I, Ed. Forense, 1. ed. 2005,
págs. 63/64.
23
quarenta anos, dando ensejo a uma posterior Consolidação das Leis Penais, a qual se
implementa em 1932 e que antecede o código penal de 1940.
Nada obstante as críticas, no diploma penal da república do Brasil há regras que
determinam o abrandamento das penas, abolindo a pena de morte, a prisão perpétua e as
penas degradantes, de forma que tal documento atendia, em alguma medida, os
pronunciamentos dos estudiosos da época, sobretudo daqueles inspirados pelo
iluminismo penal, que, a despeito de ter sido um movimento do século anterior, ainda
mantinha forte um de seus mais importantes lemas: a proporcionalidade entre a resposta
penal e a gravidade do delito.
O Código Penal atual do Brasil nasceu em 1940 e está em vigor, em parte
17
, até os
dias de hoje. Esse documento, como os outros, não escapa às críticas e revela-se
imperiosa a mudança de muitos de seus dispositivos, sobretudo aqueles atinentes à
definição dos crimes e a imposição de penas.
2.2
A legitimação, as funções e os objetivos do Direito Penal
Como todo e qualquer ramo da Ciência Jurídica, também o Direito Penal necessita
justificar-se e legitimar-se perante a ordem jurídica estabelecida e vigorante, além do
que deve ter funções e objetivos muito bem definidos, sem os quais passa a inexistir
como direito, sobretudo do ponto de vista funcional.
O Direito Penal, enquanto instrumento significativo do sistema de controle social
do Estado, o qual é destinado a promover a pacificação social e a segurança dos
cidadãos constitui-se em uma violência aplicada para aplacar outra violência. Há quem
diga que o Direito Penal só deve privar a liberdade de alguém quando objetivar o
resguardo dessa mesma liberdade:
(....) Quer isso significar, em respeito à liberdade, que todas as medidas de vigilância, de
policiamento, de restrição ou privação de direitos, numa palavra, de coerção ao indivíduo,
somente poderão ser toleradas em situações excepcionais, em nome desta mesma
liberdade, pois trata, afinal, de contemplar, em tais casos, não a regra, mas a exceção, a
não-liberdade, por meio de tais constrangimentos. Como toda exceção, limitações à
17
O Código Penal de 1940 sofreu grandes alterações. A mais significativa foi a que modificou quase que
completamente a sua parte geral. Tal se deu pelo advento da Lei 7.209/1984. Para fins de registro, de se
ver que houve outro Código Penal (1969) na época em que os Militares governavam o Brasil. No entanto,
referido diploma, posto em regime de vacatio legis, nunca entrou em vigor, tendo sido revogado em 1978.
24
liberdade, especialmente as que derivam da intervenção penal, somente se justificam
quando sirvam à afirmação da regra, isto é, quando sirvam à afirmação da liberdade
mesma.
18
(QUEIROZ, 2002, p. 23)
A legitimação e fundamentação do direito penal, numa palavra, situariam-se no
fato de que esse ramo é indispensável para o respeito e a manutenção da liberdade do
outro.
Por certo que a legitimidade e justificação do direito penal também são aferíveis
através de critérios meta-jurídicos; ou seja, pelo viés filosófico. Esse o ensinamento de
Ferrajoli:
Um sistema penal, um seu instituto singular, ou uma sua concreta aplicação serão
considerados legítimos do ponto de vista externo desde que tidos como “justos” com base
em critérios morais, ou políticos, ou racionais, ou naturais, ou sobrenaturais, ou similares;
(....) Legitimação externa ou justificação (do direito), particularmente, possuem um
significado mais extenso e menos comprometido do que aquele de “justiça”, abrangendo
não apenas valores ou razões ético-políticas, mas, também, qualquer “boa” razão
metalegal, ou até mesmo somente política, de oportunidade, de interesse ou de
funcionalidade prática.
19
(FERRAJOLI, 2006, p. 199)
No que concerne às funções e aos objetivos atribuídos ao Direito Penal, tem-se
que são os mais variados e apresentam-se ligados, de forma umbilical, aos do próprio
Estado. Desse modo, os dispositivos integrantes de um diploma penal representarão e
atenderão, ainda que de forma subliminar, a tal política-criminal definida pelo ente
estatal; definição essa que nascerá tanto da demanda social por proteção, a qual é
oriunda da parcela ativista da sociedade organizada, quanto dos interesses do detentor
do poder político, esteja ele influenciado e orientado por interesse outros, às vezes até
escusos, ou não.
Com Paulo Queiroz temos que:
Por mais de uma vez se disse que o direito penal, atuando subsidiariamente às instâncias
formais e informais de controle e prevenção de delitos, presta-se, essencialmente, a
proteger bens jurídicos por meio dos instrumentos que lhe são próprios: a cominação e a
execução de penas e medidas de segurança. Exerce, por conseguinte, uma função
instrumental-subsidiária de prevenção de comportamentos socialmente danosos. Sua
missão, portanto, é a de todo o direito: possibilitar a convivência social, assegurar níveis
minimamente toleráveis de violência; compor conflitos de interesse pacificamente,
18
Trecho da obra de Paulo de Souza Queiroz, Do Caráter Subsidiário do Direito Penal: Lineamentos
para um Direito Penal Mínimo, Ed. Del Rey, 2. ed. revista e atualizada, 2002, pág. 23
19
Luigi Ferrajoli em Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal, Ed. Revista dos Tribunais, 2. ed.
revista e atualizada, tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz
Flávio Gomes, 2006, pág. 199.
25
segundo regras e processo previamente conhecidos e instituídos. Esta é, em última
instância, a missão mesma do próprio Estado. Porque as funções do Direito e as funções
do Estado são, em última análise, uma só e mesma coisa.
20
(QUEIROZ, 2002, p. 101-
102)
Os objetivos e as funções do direito penal podem, também, ser considerados por
outro ângulo: aquele que vê o direito penal de forma funcional e que, além de o
considerar, de fato, a maneira por excelência de salvaguardar os direitos que merecem a
sua tutela (protetor de bens jurídicos), também identificam nele “missões” outras, de
fundo ético-sociais e de confirmação da norma. Nesse sentido, são as lições de Busato e
Huapaya, citando Welzel e Jakobs:
Welzel dá um passo a mais. Considera que a missão do Direito penal é proteger os
valores elementares da atitude interna de caráter ético-social e os bens jurídicos somente
na medida em que esta proteção está incluída naquela. Por sua parte, Jakobs considera
que a missão da pena Estatal é a confirmação do reconhecimento normativo. (....) ‘Mais
essencial que a proteção de determinados bens jurídicos concretos é a missão de assegurar
a real vigência (observância) dos valores da consciência jurídica; eles constituem o
fundamento mais sólido que sustenta o Estado e a sociedade.
21
(BUSATO & HUAPAYA,
2003, p. 40)
Esse objetivo do direito penal delineado e defendido por Welzel revela-se distante
da função (proteção exclusiva de bens jurídicos) hoje atribuída, a esse mesmo direito,
porquanto, a se considerar como principal função aquela pedagógica, a saber, de
introjetar nos destinatários da norma valores de cunho ético-social, se estaria atribuindo
uma missão ao direito penal própria a outras instâncias (informais) do sistema de
controle social, tais como: a igreja, a escola, a família etc.
Do mesmo modo, não se pode admitir, como funções do direito penal ou da pena
(conseqüência jurídico penal para o ato desviante), o determinismo moral ou a
imposição de algum conceito de justiça, tão-somente.
Paulo Queiroz, ao tratar das teorias absolutas, as quais legitimam a pena e a
consideram um fim em si mesma, preterindo sua finalidade exclusiva, ou seja, a
proteção a bens jurídicos relevante, centradas que são na idéia de retribuição do mal
pelo mal, afirma que:
20
Paulo de Souza Queiroz, em: Do Caráter Subsidiário do Direito Penal: Lineamentos para um Direito
Penal Mínimo, Ed. Del Rey, 2. ed. revista e atualizada, 2002, págs. 101/102.
21
Busato e Huapaya no livro Introdução ao Direito Penal: fundamentos para um sistema penal
democrático, Ed. Lumen Juris, 1. ed., 2003, pág. 40.
26
(....) Para Kant (retribuição moral), com efeito, a pena atende a uma necessidade absoluta
de justiça, que deriva de um “imperativo categórico”, isto é, de um imperativo moral
incondicional, independentemente de considerações finais ou utilitárias, bastando a pena
a si mesma, como realização da justiça, pois “as penas são, em um mundo regido por
princípios morais (Deus), categoricamente necessárias.
O direito penal realiza, portanto, a própria justiça, pouco importando sua utilidade, já que,
segundo Kant, “ainda que uma sociedade se dissolvesse por consenso de todos os seus
membros (assim, p. ex., se o povo que habitasse uma ilha decidisse separar-se e dispersar-
se pelo mundo), o último assassino deveria ser executado”.
(....) Já em Hegel (retribuição jurídica), a pena atende não a um mandamento absoluto de
justiça, como em Kant, e sim a uma exigência de razão, que se explica e se justifica a
partir de um processo dialético inerente à idéia e ao conceito mesmo de direito. Vale
dizer: o delito é uma violência contra o direito; a pena, uma violência que anula aquela
primeira violência (o delito); a pena é, portanto, a negação da negação do direito, ou seja,
é a sua afirmação (segundo a regra, a negação da negação é a sua afirmação).
22
(QUEIROZ, 2005, p. 70-71)
Chega-se à conclusão, portanto, de que as funções e os objetivos do direito penal,
a fim de que esse ramo do direito se afirme e se legitime em um Estado Democrático de
Direito, devem convergir para uma só e única razão: a proteção a bens jurídicos
individuais relevantes, desde que esses bens sejam afetados, ou estejam em risco de
afetação, de forma significativa, por condutas típicas, antijurídicas e culpáveis, e, ainda,
somente e quando as outras instâncias informais de controle social (escola, família,
igreja) e mesmo os outros ramos do direito (civil e administrativo) se mostrem
insuficientes para promoverem a referida proteção, sempre merecida.
Firmado o entendimento, embora precário no momento, de que deve haver um
critério de racionalidade penal determinado, o qual servirá de pressuposto,
absolutamente imprescindível, para imposição de pena e, conseqüentemente, para a
existência e legitimação do próprio direito penal, a saber, a proteção a bens jurídicos
individuais, a tarefa seguinte, a ser cumprida no segundo capítulo, será o exame acerca
dos dois macrossistemas de direito penal: direito penal de bases clássicas e o direito
penal moderno, promovendo-se o estudo crítico, na pretensão de contribuir para o
debate já instalado de há muito, dos princípios e regras que regem ambos os sistemas,
com o escopo de ensejar tal reflexão que se oriente pelos critérios objetivos e subjetivos
da mencionada racionalidade penal dos nossos tempos.
22
Paulo de Souza Queiroz no livro Direito Penal: Parte Geral, Ed. Saraiva, 2. ed. revista e atualizada,
2005, págs. 70/71
3
Direito Penal Clássico e Direito Penal Moderno
O direito penal clássico foi concebido durante o iluminismo e os postulados que
constituem seus fundamentos e mesmo a legitimação de tal direito penal assentam-se na
idéia de separação do direito e da moral. O afastamento de tais conceitos promove a
possibilidade de nascimento de princípios que passariam a limitar a intervenção penal
do Estado, a exemplo do princípio da legalidade, que juntamente com o fundamento do
Estado Democrático de Direito da dignidade da pessoa humana, representa um anteparo
do cidadão em face da intervenção penal estatal, à medida que proíbe a criminalização
de fatos que não sejam tipificados em normas penais editadas pelo poder competente
antes da prática dos mesmos, bem como impede que se aplique qualquer tipo de sanção
penal pela prática dos mesmos fatos se não prevista, essa sanção, em lei, anteriormente.
O citado princípio da legalidade foi recepcionado por grande parte dos
ordenamentos jurídicos dos países, ora com previsão nas constituições dos estados
soberanos, ora insertos no texto infraconstitucional.
No caso brasileiro, o princípio da legalidade vem expressamente previsto no
primeiro artigo do Código Penal (1940), bem como no inciso XXXIX, do artigo 5°, da
Constituição Federal:
Art. 1 Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação
legal.
1
(....) XXXIX – Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal.
2
Com Ferrajoli temos que:
A idéia de que não existe uma conexão necessária entre direito e moral, ou entre o direito
“como é” e “como deve ser” é comumente considerada um postulado do positivismo
jurídico. O direito, segundo essa tese, não reproduz nem mesmo possui a função de
reproduzir os ditames da moral ou de qualquer outro sistema metajurídico – divino,
natural ou racional -, ou ainda de valores éticos políticos, sendo, somente, o produto de
1
Artigo primeiro do Código Penal de 1940.
2
Inciso XXXIX, do art. 5°, da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, que faz parte do
sistema de garantias do elemento humano em face da intervenção penal do Estado, promovendo a
limitação desta.
28
convenções legais não predeterminadas ontologicamente nem mesmo axiologicamente.
Ainda no mesmo diapasão, tal doutrina, formulada em sentido inverso, exprime a
autonomia da moral em relação ao direito positivo, bem como de qualquer outro tipo de
prescrição heterônoma e de sua conseqüente concepção individualista e relativista. (....)
Ambas as teses supramencionadas constituem uma aquisição basilar da civilização
liberal, além de refletirem o processo por meio do qual, no início da Idade Moderna,
tornaram-se laicos tanto o direito como a moral, desvinculando-se, enquanto esferas
distintas e separadas, de qualquer liame com supostas ontologias de valores. (....)
Para os nossos propósitos é mais diretamente relevante a primeira doutrina, ou seja,
aquela da separação entre direito e moral, formulada pelo pensamento iluminista e
posteriormente recepcionada pelo positivismo jurídico enquanto fundamento do princípio
de legalidade no Estado de direito moderno.
3
(FERRAJOLI, 2006, p. 204)
O Direito Penal Moderno, por sua vez, concebido a partir da percepção do Estado,
em meados dos anos setenta, de que determinados comportamentos, antes
descriminalizados, estavam afetando bens jurídicos coletivos (saúde, economia e meio
ambiente), tem como características principais a responsabilidade penal objetiva, a
proteção a bens jurídicos supra-individuais, a antecipação da tutela penal a esferas
anteriores ao dano, criando inúmeros tipos de perigo abstrato e normas penais em
branco e a responsabilização penal, desmedida, das pessoas jurídicas.
As referidas características desse novo Direito Penal contrapõem-se aos princípios
penais do Direito Penal Clássico. Dessa forma, cuida, o trabalho que se empreende, de
apontá-las, defini-las, bem como de delinear os princípios do Direito Penal Clássico em
uma concepção garantista.
3.1
O Direito Penal de bases clássicas: os princípios que regem e limitam a
intervenção penal
A construção de um conjunto de princípios penais e processuais penais, que se
originou a partir da absoluta necessidade de se impor limites ao atuar repressivo estatal,
enquanto exigência de um Estado de direito, fez nascer um sistema de garantias do
cidadão em face desse mesmo Estado, que passa, então, a constituir-se em fundamento
do Estado Democrático de Direito e gera, definitivamente, um critério de racionalidade
penal que define como núcleo central e objeto exclusivo do direito penal a proteção a
bens jurídicos individuais que possam sofrer lesão ou ameaça de lesão, desde que
3
Luigi Ferrajoli em Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal, Ed. Revista dos Tribunais, 2. ed.
revista e atualizada, tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz
Flávio Gomes, 2006, pág. 204.
29
significativa e ainda quando os outros sub-sistemas de controle social (escola, família,
religião), ou mesmo outros ramos do direito (administrativo, civil etc), restem
insuficientes para aplacar o tal ato lesivo a tais bens jurídicos.
Esse sistema, enfim, é completamente integrado às constituições dos Estados
Liberais e pulverizado, em maior ou menor medida, no ordenamento infra-
constitucional dos mesmos Estados.
3.1.1
Princípios penais do Estado Democrático de Direito
3.1.1.1
Princípio da Legalidade
O princípio da legalidade, de fato, representa o primeiro e, talvez, o mais
importante instrumento de limitação ao poder punitivo do Estado. Seu objetivo maior, a
par de outros não menos importantes, é servir de garantia do elemento humano em face
do Estado, que exerce o ius puniendi (direito de punir) muitas vezes arbitrariamente.
A doutrina, ao delinear o aspecto histórico de tal princípio basilar do Estado de
Direito, ensina que:
O princípio da legalidade cumpre uma função decisiva na garantia de liberdade dos
cidadãos, frente ao poder punitivo Estatal, desde o século XVIII. Este pensamento
político é coroado pela Revolução Francesa, que em princípio supõe o desejo de substituir
o governo caprichoso dos homens pela vontade geral, pela vontade expressa através da
norma, da lei.
4
(BUSATO & HUAPAYA, 2003, p. 147-148)
E, citando Beccaria, continuam os autores:
As leis são as condições com que os homens independentes e isolados se uniram em
sociedade, cansados de viver em um contínuo estado de guerra e de gozar uma liberdade
convertida em inútil pela incerteza de conservá-la. Sacrificaram uma parte dela para gozar
a restante com segurança e tranqüilidade. O soberano só constitui o legítimo depositário,
um administrador da soberania de uma nação. Em conseqüência, só as leis podem
decretar as penas sobre os delitos; e esta autoridade não pode residir em ninguém mais
que no legislador, que representa a toda sociedade unida pelo contrato social. Nenhum
4
Paulo César Busato e Sandro Montes Huapaya no livro Introdução ao Direito Penal: fundamentos para
um sistema penal democrático, Ed.Lumen Júris, 1. ed., 2003, pág. 147/148.
30
magistrado (que é parte da sociedade) pode justamente infligir penas contra outro
membro da mesma sociedade.
5
E arrematam Busato e Huapaya:
A transformação do Estado natural ao Estado civil, em virtude do contrato social,
assegura a participação e controle da vida política do cidadão. Só desde então o princípio
da legalidade constitui uma exigência de “segurança jurídica” e “garantia política”. O
nullum crimen sine lege se converte no princípio reitor de toda liberdade cidadã.
6
(BUSATO; HUAPAYA, 2003, p. 149)
No ordenamento jurídico brasileiro, o princípio em tela encontra assento, como
dito, não só na lei ordinária, como também na Constituição Federal
7
. Esse princípio é
enunciado por meio da expressão latina: nullum crimen, nulla poena sine lege.
A doutrina desdobra o princípio da legalidade em outros quatro; a saber:
Princípio do nullum crimen, nulla poena sine lege praevia, enunciado latino que
veda a aplicação retroativa de leis futuras que venham a criminalizar fatos anteriormente
não criminalizados ou a asseverar-lhes a pena, é comumente chamado princípio da
irretroatividade da lei penal mais prejudicial ao destinatário da norma penal; o qual
encontra-se positivado na Constituição Federal do Brasil em seu Artigo 5°, XL, in
verbis:
A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
Princípio do nullum crimen, nulla poena sine lege scripta. Tal dogma proíbe a
criação de norma penal incriminadora ou de agravamento de delito já existente por meio
do direito consuetudinário ou costumeiro.
Desse modo, a única fonte legítima da norma penal que institui o crime ou majora
a pena é a lei. Contudo, como ensina Assis Toledo, o direito consuetudinário pode e
deve ser fonte do direito penal quando não funcionar como limitação a direitos do
cidadão, mas nas hipóteses em que contribui como elemento de exegese de tipos penais
indeterminados, desde que a interpretação extraída por meio de seu auxílio seja
favorável àquele que praticou um ato considerado criminoso e, ainda, quando incida
como causa que exclua a ilicitude de fato tido, em juízo indiciário, por delitivo e, por
fim, quando minore reprimenda penal:
5
Idem, p. 149.
6
Idem, p. 149.
7
Código Penal, Art. 1° Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia. cominação
legal. Constituição Federal. Artigo 5°, XXXIX – Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena
sem prévia cominação legal.
31
Da afirmação de que só a lei pode criar crimes e penas resulta, como corolário, a
proibição da invocação do direito consuetudinário para a fundamentação ou a agravação
da pena, como ocorreu no direito romano e medieval. Não se deve, entretanto, cometer o
equívoco de supor que o direito costumeiro esteja totalmente abolido do âmbito penal.
Tem ele grande importância para elucidação do conteúdo dos tipos. Além disso, quando
opera como causa de exclusão da ilicitude (causa supralegal), de atenuação da pena ou da
culpa, constitui verdadeira fonte do direito penal. Nessas hipóteses, como é óbvio, não se
fere o princípio da legalidade por não se estar piorando, antes melhorando, a situação do
agente do fato.
8
(TOLEDO, 2002, p. 25)
Princípio do nullum crimen, nulla poena sine lege stricta. Com esse princípio,
também decorrente do princípio da legalidade, veda-se o recurso à analogia para a
criação de lei penal que defina tipo de injusto (tipo penal) ou, ainda, que agrave a pena
(analogia in malam partem). Toledo, a tratar do tema, assevera que:
No direito penal, contudo, importa distinguir duas espécies de analogia: a analogia in
malam partem e a analogia in bonam partem. A primeira fundamenta a aplicação ou
agravação da pena em hipóteses não previstas em lei, semelhantes às que estão previstas.
A segunda fundamenta a não-aplicação ou a diminuição da pena nas mesmas hipóteses. A
primeira agrava a situação do acusado, a segunda traz-lhe benefícios.
A exigência da lei prévia e estrita impede a aplicação, no direito penal, da analogia in
malam partem, mas não obsta, obviamente, a aplicação da analogia in bonam partem, que
encontra justificativa em um princípio de equidade.
9
(TOLEDO, 2002, p. 27)
E conclui o autor, citando Bettiol:
(....) a proibição do procedimento analógico em matéria penal há que assinalar limites
precisos. Recai sobre todas as normas incriminatórias e todas as que (mesmo eximentes)
sejam verdadeiramente excepcionais ... Quaisquer outras normas do Código Penal são
suscetíveis de interpretação analógica.
10
Princípio do nullum crimen, nulla poena sine lege certa. Este último postulado do
princípio da legalidade, também conhecido no Brasil como princípio da taxatividade,
exige que o preceito primário da norma penal incriminadora (tipo penal), para que se
justifique em um Estado Democrático de Direito e atenda às exigências constitucionais
pertinentes, seja determinado, de forma tal que a conduta proibida venha descrita no
tipo de injusto de maneira absolutamente precisa e objetiva, sem ensejar interpretações
8
Citação de autoria de Francisco de Assis Toledo, em sua obra intitulada Princípios Básicos de Direito
Penal, Ed. Saraiva, 5. ed., 2002, pág. 25.
9
Idem, pág. 27.
10
Idem, pág. 27.
32
dúbias ou indeterminações semânticas; enfim, deve-se excluir as palavras policêmicas
dos tipos
11
.
3.1.1.2
Princípio da Proporcionalidade
Por princípio da proporcionalidade se deve entender, pelo viés de um Estado
Democrático de Direito, a absoluta necessidade de haver uma proporção entre o crime e
o castigo, quando não de haver um fomento nas instâncias de controle social informais,
tais como o fortalecimento do núcleo familiar, o investimento na educação etc. Certo é
que esse princípio, sobretudo do ponto de vista jurídico, apresenta-se como fundamento
e legitimidade do direito penal e quiçá do direito como um todo
12
; no entanto, é na
dogmática penal que ganha uma visibilidade e importância visceral, quanto mais pelo
fato do interesse jurídico em questão (liberdade).
Alijando-se da discussão a aparente ou real complexidade que envolve o princípio
da proporcionalidade, porquanto aplicável, em maior ou menor medida, a outros ramos
11
Paulo Queiroz, em trecho significativo de sua obra Direito Penal: Parte Geral, Ed. Saraiva, 2 ed. revista
e atualizada, pág. 27, 2005, assevera que: “O Estado, entretanto, poderia iludir semelhante garantia
constitucional por meio da edição de leis penais de conteúdo impreciso, vago, obscuro ou singularmente
amplo, como ocorreu, e.g., na Alemanha nazista, em que determinada lei previa a punição de “quem
atente contra a ordem jurídica ou atue contra interesse das Forças Aliadas”, bem assim diversas das
disposições da Lei dos Crimes Ambientais (n, 9.605/98), por exemplo. Materialmente, por isso, o
princípio da reserva legal implica a máxima determinação e taxatividade dos tipos penais, impondo-se ao
Poder Legislativo, na elaboração das leis, que redija tipos penais com a máxima precisão de seus
elementos, bem como ao Judiciário que as interprete restritivamente, de modo a preservar a efetividade do
princípio. Concluindo, a máxima taxatividade possível e de real vinculação do juiz à lei é, como diz Sílva
Sánchez, um objetivo irrenunciável para o direito penal de um Estado Democrático de Direito, que
implica a máxima precisão das mensagens do legislador e a máxima vinculação do juiz a tais mensagens
quando das suas decisões. Trata-se, portanto, de um princípio de legitimação democrática das
intervenções penais como garantia da liberdade dos cidadãos derivada do princípio da divisão dos
poderes.
12
Paulo Queiroz anota, na obra Direito Penal: Parte Geral, pág. 32/33, que: O princípio da
proporcionalidade, entendido como mandamento de otimização do respeito máximo a todo direito
fundamental (Alexy), compreende, numa acepção ampla, os princípios (ou subprincípios) da necessidade,
da adequação e da proporcionalidade em sentido estrito, já que a intervenção do poder público sobre a
liberdade dos cidadãos somente pode ser legítima na medida em que seja, contemporaneamente,
necessária, adequada e proporcional, afinal, como proclamaria Beccaria, na conclusão de seu famoso
opúsculo, “a pena, para não ser um ato de violência contra o cidadão, deve ser essencialmente pública,
pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e
determinada pela lei.” O princípio da proporcionalidade é hoje, seguramente, o mais importante princípio
de todo o direito e, em particular, do direito penal. Pode-se mesmo dizer que tudo em direito penal é uma
questão de proporcionalidade, dede a sua existência mesma, passando pelos conceitos de erro de tipo, de
legítima defesa, de coação irresistível, incluindo toda a controvérsia em derredor da responsabilidade
penal da pessoa jurídica, até chegar às causas de extinção de punibilidade (v.g., prescrição), pois o que se
discute é, em última análise, em todos esses casos, a necessidade, adequação, proporcionalidade, enfim,
da intervenção jurídico-penal.
33
do direito, como dito, fato que poderia promover o esvaziamento de seu conteúdo ou a
confusão na sua aplicação, o certo é que sua incidência no campo abstrato (previsão
legal de crime) ou no campo concreto (aplicação do direito – pena - pelo julgador)
atende a um critério absolutamente indispensável de racionalidade penal e mesmo a uma
exigência de lógica jurídica, de sorte que a sua aplicação, em todas as fases do processo
de criminalização (juízo de tipicidade, de ilicitude e de culpabilidade) e de imposição de
pena (causas extintivas da punibilidade, prescrição, individualização da pena) é medida
que se impõe.
Dessa forma, a manutenção do referido princípio como fundamento e legitimação
para a produção legislativa de norma penal incriminadora é imperiosa.
3.1.1.3
Princípio da Responsabilidade Penal Subjetiva
O princípio da responsabilidade penal subjetiva ou pessoal não tem outro escopo
senão evitar que seja infligida responsabilidade penal em alguém que não tenha agido
com dolo (vontade livre e consciente de praticar a conduta e produzir o resultado lesivo
ao bem jurídico tutelado ou a ameaça concreta ao mesmo bem) ou culpa (a imprevisão
do previsível nas palavras de Nelson Hungria ou a falta de cuidado objetivo derivada da
imprudência, negligência ou imperícia na dicção da dogmática penal). Em suma, é a
vedação expressa à responsabilidade objetiva, própria de outros ramos do direito
13
, mas
inadequada como resposta penal por representar intolerável afetação aos pressupostos
legitimadores de todo o sistema penal, tais como: a vontade ou a falta de cuidado
objetivo como antecedentes do fato criminoso.
No ordenamento jurídico brasileiro tal princípio vem consagrado na Constituição
da República (1988), com os seguintes dizeres: [...] Nenhuma pena passará da pessoa do
condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de
bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o
limite do patrimônio transferido.
14
[...]
13
A responsabilidade objetiva se reveste de legalidade e de constitucionalidade no âmbito do direito civil
quando aplicada em desfavor do Estado, desde que aferível, no campo concreto, a existência de dano a
que tenha dado causa por seu agente, independentemente da culpa deste.
14
Artigo 5, XLV, da Constituição Federal do Brasil de 1988.
34
De modo distinto do legislador constituinte, mas com o mesmo objetivo, já havia
consignado o legislador do Código Penal (1940) que:
Art. 18. Diz-se o crime:
I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;
II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência
ou imperícia.
15
O princípio da responsabilidade subjetiva evita a produção de injustiças como as
que se davam nos tempos antigos; a exemplo da possibilidade conferida à vítima de um
crime, e autorizada em lei, de punir, até mesmo com a pena capital, qualquer integrante
da família do autor do fato tido por delitivo.
3.1.1.4
Princípio da Lesividade
Esse princípio possui uma magnitude tal que chega mesmo a orientar todo o
sistema penal clássico. Também chamado de princípio da ofensividade, o princípio da
lesividade constitui-se em um critério para a intervenção penal no Estado Democrático
de Direito, na medida em que tal intervenção somente se dará de forma legítima, justa,
adequada, enfim, constitucional, se houver uma real afetação (lesão) ou ameaça (nos
casos de crimes praticados na modalidade tentada) de afetação graves a bens jurídicos
tutelados pela lei penal. Daí porque também ser chamado de princípio da exclusiva
proteção de bens jurídicos.
É no espaço ocupado pelo princípio da lesividade que ganha vida o princípio da
insignificância ou do delito de bagatela.
16
Trata-se de mais um enunciado geral de
racionalidade penal, que, embora não tenha previsão expressa no ordenamento jurídico
brasileiro, tem sido aceito pelo direito pretoriano como medida adequada nos casos de
lesões de menor monta. Paulo Queiroz cita, em uma de suas obras, um julgado
produzido pelo Superior Tribunal de Justiça, na 6 Turma, em Habeas Corpus de número
8.021/RJ, de relatoria do Ministro Fernando Gonçalves, publicado no Diário de Justiça
15
Artigo 18 e incisos do Código Penal de 1940.
16
Princípio construído e desenvolvido, inicialmente, pelo catedrático de direito penal, o alemão Claus
Roxin, segundo o qual, em determinadas situações, aferíveis sempre no caso concreto, a afetação ao bem
jurídico tutelado pela norma é tão ínfima, tão insignificante, que a intervenção penal se torna
desnecessária, impondo-se, portanto, a atipicidade do fato por falta de tipicidade material, ou seja, em
virtude da não ocorrência de resultado lesivo significativo.
35
da união em 13 de Junho de 1999, pág. 227, nesse sentido: [...] A apreensão de
quantidade ínfima de droga – 0,25 g de cocaína – sem qualquer prova de tráfico, não
tem repercussão penal, à vista da míngua de lesão ao bem jurídico tutelado,
enquadrando-se o tema no campo da insignificância.
17
[...].
O mesmo autor, inspirado em Vico Mañas, conceitua tal princípio como:
(....) um instrumento de interpretação restritiva, fundada na concepção material do tipo
penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem fazer periclitar a
segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político-criminal da
necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não
atingem de forma relevante os bens jurídicos protegidos pelo direito penal. E é realmente
preciso ir além do convencional automatismo judicial, que, alheio à realidade, à gravidade
do fato, à intensidade da lesão, se perde e se desacredita na persecução de condutas de
mínima ou nenhuma importância social.
18
(QUEIROZ, 2005, p. 39)
Apesar da evidente razoabilidade na aplicação do princípio da insignificância, o
fato é que a ciência penal, representada pelo cientificismo das escolas penais, sobretudo
pela teoria finalista, a qual orientou, completamente, a dogmática penal por muito
tempo, representou um óbice à aplicação de tal princípio, que, a rigor, torna atípico fato
que, formalmente, deve ser considerado criminoso.
Ora, sendo o crime, em um conceito analítico, um fato típico (conduta dolosa ou
culposa, resultado naturalístico, nexo causal e tipicidade), ilícito (inexistência de
excludentes de ilicitude: legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento de
dever legal e exercício regular de direito) e culpável (autor imputável, com potencial
consciência da ilicitude do fato e com possibilidade de não praticar a conduta proibida),
em ocorrendo a adequação do fato à norma, independentemente da dimensão da lesão
ao bem jurídico protegido, resta praticado o crime. Essa a visão do finalismo.
Numa perspectiva funcionalista, entretanto, na qual tem lugar o princípio da
insignificância, exige-se, além do resultado naturalístico (modificação do mundo
exterior produzida pela conduta proibida), o resultado normativo (a real afetação ou
ameaça de afetação ao bem jurídico tutelado), sem o qual não se dá a tipicidade
conglobante (formal – adequação do fato à norma penal – e a tipicidade material – a
produção efetiva de um resultado normativo).
Desse modo, deve ficar assentado que, em determinadas hipóteses em que o bem
jurídico não foi afetado, nem tampouco se veja na iminência de sê-lo, de forma
17
Paulo Queiroz, Direito Penal: Parte Geral, pág.39.
18
Idem, pág. 39.
36
significativa, deve ter lugar o princípio da insignificância, que é corolário do princípio
da lesividade e proporcionalidade, para afastar a tipicidade da conduta,
descriminalizando o fato.
3.1.1.5
Princípio da Intervenção Mínima
O tão só acolhimento do princípio da intervenção mínima, de forma geral, importa
no reconhecimento de que o direito penal não deve continuar no caminho que ora
percorre: da hipertrofia do sistema penal. Ou seja, esse princípio pugna pela restrição da
intervenção penal até o mínimo indispensável para a proteção do bem jurídico
individual.
A razão de ser do mencionado princípio pode ser sintetizada nas palavras de Paulo
Queiroz:
(....) o direito penal deve se ater àquelas condutas particularmente danosas, cuja repressão
não se possa confiar a instâncias mais adequadas, e socialmente menos onerosas (que
requeiram menores custos sociais) de controle social. Em síntese, o direito penal é um
mal, mas um mal necessário, inevitável, que se impõe racionalizar e minimizar. (.....)
Cumpriria, assim, o direito penal, cuja história é a história da luta contra a vingança,
função múltipla. (....) O direito penal, concebido como instrumento de tutela dos direitos
fundamentais, e orientado para tutela desses direitos contra a violência arbitrária do mais
forte, serviria, assim, à proteção dos mais débeis. Seria o código ou a lei do mais débil.
Seria um mal menor diante do mal do delito, um mal menor diante de reações públicas ou
privadas arbitrárias.
19
(QUEIROZ, 2002, p. 52-53)
Esse qualificativo do princípio da mínima intervenção penal, extraído da própria
noção de mal, representa um apelo à racionalidade penal, fomentando que está a gradual
descriminalização de condutas que não merecem a regulação do direito penal, e faz
nascer outros tantos princípios que, juntamente com ele, passam a nortear a dogmática
penal da segunda metade do século XX em diante, os quais encontram-se, no presente
momento, submersos em profundas crises: a política e jurídica, nascidas a partir de uma
demanda social por punição e acolhida pelos ordenamentos jurídicos atuais. São eles: o
princípio da subsidiariedade e o princípio da fragmentariedade.
19
Paulo de Souza Queiroz, Do Caráter Subsidiário do Direito Penal: Lineamentos para um Direito
Penal Mínimo, Ed. Del Rey, 2 ed. revista e atualizada, 2002, pág. 52/53.
37
O caráter subsidiariedade ou acessório do direito penal presta-se, também, à
limitação da intervenção penal, representando um corolário do princípio da mínima
intervenção penal, embora se apresente, nos campos teórico e prático, de forma distinta.
Para se compreender tal princípio é necessária uma incursão pelo direito positivo,
enquanto instrumento de proteção dos direitos e interesses do corpo social, a fim de que
se localize o direito penal e sua função dentro desse sistema (direito). É, portanto, a
função do direito penal que dará os contornos do princípio da subsidiariedade.
Ora, sendo o direito penal, pelo viés de uma intervenção minimalista, o ramo do
direito que protege os bens jurídicos de afetações implementadas ou potenciais, é de se
ver que não é ele (o direito penal) quem cria esses mesmos bens, ou seja, não tem
característica constitutiva, mas sim sancionatória
20
.
Dessa forma, se deduz que o direito penal tem a função de proteger, de forma
contundente (por meio da pena), os bens jurídicos concebidos pelos outros ramos do
direito, tais como o direito constitucional e o direito civil. Como exemplo, veja-se a
proteção, pela via penal, conferida à vida (bem jurídico positivado na Constituição
Federal do Brasil, artigo 5, caput.) através das regras previstas no artigo 121 e seguintes
do Código Penal do Brasil, ou ao patrimônio (bem jurídico criado pelo direito civil e
nesse ramo também protegido, a exemplo da proteção ao esbulho, à turbação etc, e
também protegido pela Constituição Federal, em seu art. 5, caput , bem como no inciso
XXII do mesmo artigo), por meio de diversos artigos constantes do código penal de
1940, tais como: artigo 171, 155, 157, 168 etc.
De se ver, portanto, que o direito penal deve ser o soldado de reserva
21
, não o
único instrumento de controle social. Não cria o bem jurídico, apenas confere dignidade
penal a fatos que atentem, gravemente, contra os mesmos, punindo seus autores.
20
Idem, pág. 55. “Sobre ser constitutivo ou meramente sancionador o direito penal, sob a ótica lógico-
sistêmica, lavram, de longa data, fundas divergências, embora predominando, sempre, ao parecer, o
entendimento segundo o qual não constitui, ele, ilícitos próprios, autônomos, limitando-se, assim, a
reforçar, por meio de sua drástica intervenção, a proteção de bens jurídicos fundamentais ou
pretendidamente fundamentais. Por isso se afirma ser sancionador, subsidiário, complementário,
acessório, secundário, derivado, residual etc., em relação aos demais ramos do direito, e especialmente
em relação ao direito constitucional (....)”
21
Expressão criada por Nélson Hungria, que ao explicar o concurso aparente de normas, o qual se resolve
pelos princípios da especialidade, consunção e subsidiariedade, dizia cumprir esse último princípio a
tarefa de soldado de reserva, à medida que reservava a punição ao ato criminoso que resultava em menor
gravidade ao bem jurídico, quando não se implementava o objetivo do sujeito ativo do crime, que seria a
realização dos elementos típicos de figura delitiva mais grave. Exemplo disso é a relação de
subsidiariedade entre os crimes de perigo e os crimes de dano, como no caso do artigo 132 do Código
Penal Brasileiro
38
Paulo Queiroz, citando Franz Von Liszt, Nélson Hungria, Filippo Grispigni,
Reinhart Maurach e Soler, assevera que:
Nesse sentido, e partindo da unidade lógica da ordem jurídica e da missão mesma do
direito penal, disso decorrendo a natureza subsidiária desse ramo do direito, von Liszt
entendia que se a missão do direito era a de tutela de interesses humanos, a missão
especial do direito penal era a de “reforçada proteção de interesses, que principalmente a
merecem e dela precisam, por meio da cominação e da execução da pena como um mal
infligido ao criminosos”; para concluir que “o direito penal, completando e garantindo,
acresce a todos os ramos do direito (caráter secundário, complementário, e sancionador
das disposições do direito penal).
Realmente, não cria o direito penal um sistema exclusivo, próprio, de ilicitudes, fora ou
além da ordem jurídica vigente, mesmo porque, como assinala Nélson Hungria, a
ilicitude jurídica é uma só, do mesmo modo que um só, na essência, é o dever jurídico.
Antes, limita-se a selecionar e sancionar mais gravemente, por sua transcendência, fatos
que já o são – já são proscritos, explícita ou implicitamente – pela ordem extrapenal,
pública ou privada (constitucional, administrativa, civil, processual etc). Com razão,
Grispingi fala de “caráter ulteriormente sancionador, e ulterioridade lógica, não
necessariamente cronológica.
E essa subsidiariedade decorre, primeiro, da unidade lógica do direito; segundo, de
imposição político-criminal, pois, sendo o direito penal a mais enérgica manifestação da
ordem jurídica estabelecida, segue-se que a sua intervenção somente deve ter lugar nas
hipóteses de singular afronta a bens jurídicos fundamentais e para cuja repressão não
bastem as sanções do ordenamento jurídico “ordinário-principal”, demandando, enfim,
um plus de gravidade proporcional à gravidade da lesão e à significação social dos danos
causados, o que se concretiza pela intervenção, “extraordinária-subsidiária”, do direito
criminal. A natureza secundária do direito penal é uma exigência político jurídica dirigida
ao legislador, disse Maurach.
A proibição penal é, enfim, conforme síntese de Soler, a culminação, e não o começo da
ilicitude. É um posterius, porque só deve ser aplicada como reforço e complemento às
sanções extrapenais. Representa só uma parte secundária do direito, que não teria sentido
algum sem a ordem jurídica restante; pois, sanção dos outros direitos, não os pode
garantir diante de seu estabelecimento: sanção deve necessariamente vir depois do
reconhecimento do direito a proteger. Conclusivamente, o direito penal é o braço armado
da Constituição Nacional e, portanto, o último guardião da juridicidade.
22
(QUEIROZ,
2002, p. 57-59)
A subsidiariedade também pode ser considerada, para fins do estudo que se
empreende, de forma mais ampla, ou seja, levando-se em consideração não apenas o
direito penal enquanto ramo do direito subsidiário e acessório em relação aos outros
(direito constitucional, civil etc), que definem, em primeira mão, o ilícito, o qual passa a
ilícito penal em virtude da insuficiência e ineficácia da proteção desses mesmos ramos
extrapenais, mas o próprio sistema de controle social do Estado; trata-se de discutir a
subsidiariedade pelo âmbito político-social.
22
Paulo de Souza Queiroz, Do Caráter Subsidiário do Direito Penal: Lineamentos para um Direito
Penal Mínimo, Ed. Del Rey, 2. ed. revista e atualizada, 2002, págs. 57/59.
39
O direito penal é subsidiário, enfim, não apenas em relação ao direito
constitucional, civil, administrativo etc, mas também em relação a todo o sistema de
controle, uma vez que representa-o sob o enfoque formal, impondo penas em razão de
fatos criminosos já praticados, sem prevenir a ocorrência dos mesmos, devendo
representar, por isso mesmo, uma parte ínfima desse mesmo controle social.
Nesse sentido é a orientação de Paulo Queiroz:
(....) o direito penal nada mais é que uma das muitas forças que convergem para o
controle social sobre os indivíduos, embora a mais radical e mais facilmente percebível
dessas forças. Integra o chamado controle social formal, institucionalizado, ou, com diz
Parsons, forma parte do “aparato de imposição”. Coroa-o. Não é, como lembra Muñoz
Conde, todo o controle social, nem sequer a sua parte mais importante, mas tão somente a
superfície visível de um iceberg em que o que não se vê é quiçá o que realmente importa.
(....) Pode-se, assim, falar em subsidiariedade lógico-sistêmica, considerando-o (o direito
penal) em face do próprio direito, e em subsidiariedade sociopolítica, tendo-se em vista a
ordem social, o sistema social global de controle. Como disse Durkheim, o
funcionamento da justiça repressiva sempre tende a permanecer mais ou menos difuso.
Em tipos sociais bastante diferentes, ela não se exerce pelo órgão de um magistrado
especial, mas a sociedade inteira participa numa medida mais ou menos vasta.
E nesse contexto, importa ter presente que, em face desse complexo sistema social, o
sistema jurídico-penal, um subsistema, ocupa um lugar realmente secundário (....).
Como observa Hassemer, a cominação penal e a execução da pena não são fenômenos
isolados, pois que atuam juntamente com diversos instrumentos e processos de que
dependem em sua eficácia. Não existem por si mesmos. Pode-se mesmo dizer,
parafraseando Soler, que a coerção que se exerce pelo direito penal é só a culminação do
sistema global de controle social, e não o seu começo, razão pela qual uma política social
de tutela de bens jurídicos somente tem justificação e fiabilidade se é subsidiária de uma
política extrapenal de proteção desses mesmos bens jurídicos.
23
(QUEIROZ, 2002, p. 63-
65)
E conclui o autor:
Em conclusão: a intervenção penal deve pressupor, necessariamente: a) a utilização e
efetivo funcionamento dos instrumentos primários de prevenção do comportamento
desviado e ter ainda presente todo o aparato de controle social já existente; b) que tais
instrumentos utilizados, racionalmente utilizados, não bastem (fracassem) para dita
prevenção e controle; c) possa o direito penal, subsidiando-os, concorrer, utilmente, para
redução, a níveis toleráveis, do fenômeno delitivo.
Exige-se, numa palavra, para ter lugar a extrema intervenção penal, necessidade e
adequação dessa intervenção (proporcionalidade).
24
(QUEIROZ, 2002, p. 70)
A fragmentariedade, tanto quanto a subsidiariedade, é corolário do princípio de
intervenção mínima ou mesmo de um sistema penal conceituado como minimalismo
penal.
23
Idem, págs. 63/65.
24
Idem, pág. 70.
40
O princípio da fragmentariedade, nesse contexto, exige que o direito penal seja
seletivo; no sentido de eleger determinados bens jurídicos, em um universo de bens
jurídicos muito amplo, para proteger.
Busato e Huapaya, citando Muñoz Conde, ensinam que:
Segundo Muñoz Conde, “este caráter fragmentário do direito penal aparece em uma
tripla forma” pelo que se entende que, ao mesmo tempo, o princípio atua “defendendo o
bem jurídico só contra ataques de especial gravidade”, depois “tipificando só uma parte
do que nos demais ramos do ordenamento jurídico se estima como antijurídico” e,
finalmente, “deixando sem castigo, em princípio, as ações meramente imorais”
25
.
(BUSATO & HUAPAYA, 2003, p. 186)
Certamente que os princípios penais do Estado Democrático de Direito
apresentados, em maior ou menor medida, inspirados pelo iluminismo penal e que
constituem, por assim dizer, o grande alicerce de um direito penal clássico, encontram-
se francamente ameaçados pela nova configuração dada ao Direito Penal dos nossos
tempos, o qual chamamos Direito Penal Moderno.
3.1.2
A tutela do bem jurídico individual como núcleo central do Direito Penal
Clássico
De fato, a noção de que a função exclusiva do direito penal - inclusive do direito
penal moderno – é a proteção ao bem jurídico tutelado pela norma já não encontra
resistência na ciência penal. Contudo, a indeterminação do que seja bem jurídico pode
dar ensejo a um perigoso controle penal da vida social; fato que exige a pronta definição
do que seja bem jurídico para o direito penal.
Bitencourt traça, brevemente, a trajetória conceitual do objeto de proteção do
direito penal até chegar-se ao termo bem jurídico da seguinte forma:
Admite-se atualmente que o bem jurídico constitui a base da estrutura e interpretação
dos tipos penais. O bem jurídico, no entanto, não pode identificar-se simplesmente com a
ratio legis, mas deve possuir um sentido social próprio, anterior à norma penal e em si
mesmo decidido, caso contrário, não seria capaz de servir a sua função sistemática de
25
Paulo César Busato e Sandro Montes Huapaya, no livro Introdução ao Direito Penal: fundamentos para
um sistema penal democrático, Ed.Lumen Júris, 1. ed., 2003, pág. 186.
41
parâmetro e limite do preceito penal e de contrapartida das causas de justificação na
hipótese de conflito de valorações. (....)
O conceito de bem jurídico somente aparece na história dogmática em princípios do
século XIX. Diante da concepção dos iluministas, que definiam o fato punível como lesão
de direitos subjetivos, Feuerbach sentiu a necessidade de demonstrar que em todo
preceito penal existe um direito subjetivo, do particular ou do Estado, como objeto de
proteção. Binding, por sua vez, apresentou a primeira depuração do conceito de bem
jurídico, concebendo-o como estado valorado pelo legislador. Von Liszt, concluindo o
trabalho iniciado por Binding, transportou o centro de gravidade do conceito de bem
jurídico do direito subjetivo para o “interesse juridicamente protegido”, com uma
diferença: enquanto Binding ocupou-se, superficialmente, do bem jurídico, Von Liszt viu
nele um conceito central da estrutura do delito. Como afirmou Mezger, “existem
numerosos delitos nos quais não é possível demonstrar a lesão a um direito subjetivo e,
no entanto, se lesiona ou se põe em perigo um bem jurídico.(....)
Finalmente, o bem jurídico pode ser definido “como todo valor da vida humana protegido
pelo Direito”
26
. (BITENCOURT, 2007, p. 12-14)
Também na procura da identificação, mais ou menos razoável, do que seja bem
jurídico, pronuncia Ariosvaldo de Campos Pires que:
Discutiu-se, à exaustão, se o bem jurídico seria um dado anterior à norma ou algo por ela
criado. Parece claro que a valoração de bens ou interesses precedem à elaboração
legislativa, mas a sua efetivação, por óbvio, dá-se com a lei criada e vigente. Brno,
citando Exner, diz que “não é a lei que determina o que seja um bem, mas apreciações
humanas, éticas, estéticas e sociais”.
Com efeito, seria desejável que o legislador só pudesse valorar como bem ou interesse os
que a consciência coletiva já agasalhara, forma e modo de se evitarem as anomalias que
ao longo do tempo levaram ao patíbulo da história os direitos fundamentais da pessoa
humana. Fosse isso feito e se teria sonegado à humanidade a vergonha de haver assistido
às lições dos adeptos da Escola de Kiel, a substituir os conceitos clássicos de fato punível
pelo da “violação do dever de fidelidade ao estado ético, personalizado no Führer”. Nelas
o “são sentimento do povo”, base de assentamento da construção e da interpretação penal,
passa a ser o fator determinante na fixação dos critérios de perigo e de dano nas ações
humanas.
Com o marxismo não ocorreu coisa diversa. O crime é visto como ato anti-social, que põe
em perigo os interesses do proletariado, em oposição à sociedade socialista. O objeto da
proteção penal são os interesses da classe socialista. Crime é sinônimo de infidelidade aos
interesses sociais. Passa-se do direito do fato para um direito do autor. O agente é visto
como um inimigo da classe socialista.
27
(PIRES, 2005, p. 35-36)
Uma concepção de bem jurídico tal qual delineada retira toda a carga de garantia
(finalidade conferida ao mesmo pelo direito penal de bases clássicas) do mesmo, já que
o conceito de um tal bem jurídico passa a abarcar concepções as mais variadas e presta-
se, em última análise, aos interesses do detentor do poder político, sem correspondência
26
Trecho da obra Erro de Tipo e Erro de Proibição: uma análise comparativa, Cezar Roberto Bitencourt,
Ed. Saraiva, 4.ed., 2007, págs. 12/14
27
Ariosvaldo de Campos Pires, Compêndio de Direito Penal: Parte Geral, vol. I, Ed. Forense, 1. ed.
2005, págs. 35/36.
42
com os valores sociais que devem representar sua razão e justificar a sua existência
mesma.
Nas palavras de Busato e Huapaya, citando Bustos Ramirez:
Nessa ordem de coisas, o indivíduo deve fidelidade ao povo, portanto o delito não
constitui uma lesão do bem jurídico, senão uma “lesão de um dever”. (....) o fato de a
lesão de um dever constituir o centro da construção de um injusto apaga todo o caráter
garantista, onde o único que interessa é o social, e não o indivíduo, onde o Estado
constitui o intérprete do espírito do povo, sendo o chefe de Estado quem dirige tal
interpretação, e como conseqüência de ambas não existem mais limites que a vontade do
ditador.
28
(BUSATO & HUAPAYA, 2003, p. 56)
Certamente, a noção de bem jurídico atende ao conjunto de valores de uma dada
sociedade em determinado momento histórico. Tal circunstância, por si só, já legitima a
criação e manutenção do bem jurídico como razão de ser de todo e qualquer tipo penal
de injusto. Contudo, o certo é que a finalidade do bem jurídico, desde a sua concepção,
é servir de objeto de tutela da lei penal; fato que torna, absolutamente, imprescindível a
conceituação de seu sentido e alcance, não podendo constituir-se em qualquer valor, de
fundo ético ou até moral, submetido a uma perigosa exegese quando da apreciação
acerca da ocorrência ou não de fato típico, indiciário da existência de crime e de pena.
Há forte tendência na ciência penal em se considerar como fonte única a construir
a idéia de bem jurídico os direitos, valores ou fundamentos constitucionais, acreditando
sejam estes elementos constitucionais sinônimos de bem jurídico, no sentido de que são
ontologicamente bens jurídicos, todos eles, e que, portanto, não se pode pensar em bens
jurídicos sem se ater aos princípios constitucionais, que dariam vida a eles e nos quais
os mesmos se encerrariam, decisivamente.
Parte da doutrina brasileira, com acerto, valendo-se do ensinamentos de Bustos
Ramirez, vai noutro sentido:
Na medida em que a norma, mesmo que constitucional, nem sempre pode ser identificada
com os interesses primordiais da sociedade, não pode tampouco estar conectada com a
identificação do bem jurídico. Ademais, não há identidade absoluta entre a previsão
normativa constitucional e os bens jurídicos essenciais ao desenvolvimento social do
indivíduo. (....). Sem embargo, estas posições tendem a confundir os Direitos
fundamentais constitucionais com os bens jurídicos: “Na Constituição e no Direito
Constitucional os Direitos fundamentais cumprem uma função específica, que é regular
as relações entre a sociedade política e a sociedade civil, e portanto constitui um limite à
intervenção do Estado junto aos cidadãos. Ao contrário, os bens jurídicos têm uma função
28
Paulo César Busato e Sandro Montes Huapaya, no livro Introdução ao Direito Penal: fundamentos para
um sistema penal democrático, Ed. Lumen Júris, 1 ed., 2003, pág. 56.
43
muito mais ampla e complexa, pois implicam relações sociais concretas dos indivíduos a
respeito de todos os possíveis sujeitos ou objetos que podem entrar nesta relação; nesse
sentido também o Estado, mas não só este”.
O que se pode, como muito, é admitir a Constituição como referencial negativo, para
exclusão de proteção jurídico-penal.
29
(BUSATO & HUAPAYA, 2003, p. 59-60)
Desse modo, tem-se que a conceituação do que seja bem jurídico, para fins de
tutela penal, a despeito de ser difícil, é necessária, haja vista que somente assim se pode
definir qual o seu sentido e alcance.
TOLEDO (2002) o conceitua como: [...] Bens jurídicos são valores ético sociais
que o direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua
proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas
30
[...].
Em que pese a riqueza conceitual trazida pelos autores em geral na construção da
idéia de bem jurídico protegido pelo direito penal, o substrato do mesmo ainda
permanece na penumbra, já que a expressão valores ético sociais é indeterminada e
muitas vezes dúbia, se prestando, ora a atender os interesses da justiça, ora aos do
Estado, muitas vezes desarrazoados.
A razão parece mesmo estar com a Professora Marta Rodriguez de Assis
Machado, que, pugnando pela noção de bem jurídico individual, na esteira do
entendimento de Silva Sánchez, preleciona:
Para afastar o perigo inerente à idéia de funcionalidade social, que poderia levar à
proteção penal de valores morais – a exemplo do que veio a acontecer na escola nacional-
socialista de Kiel, que direcionou o aparato punitivo à proteção do denominado são
sentimentos do povo alemão -, conferiu-se ao conceito de bem jurídico uma referência
central ao indivíduo.
Fundamentado na concepção trazida por Hans Welzel de que o valor é uma conexão do
objeto ao eu, o conceito de bem jurídico esteve, historicamente, lastreado na relação da
pessoa com o bem. Segundo tal premissa, o objeto da violação reside não no bem em si,
mas n a sua relação com o sujeito – o que constitui o substrato antropocêntrico da teoria
tradicional do bem jurídico, denominada monista pessoal. Assim, por exemplo, a vida, a
integridade física, a dignidade, a honra ou o patrimônio, enquanto bens jurídico-penais,
expressam-se sempre na relação do sujeito com o objeto de valoração, o que acaba por
determinar o valor do próprio bem. Desse modo, a mutabilidade operada nessa relação do
bem com os indivíduos é que estabeleceu, em cada momento e em cada época, a
cristalização de tipos legais de crimes bem diferenciados. Em suma, a idéia chave dessa
teoria é a de que só ascendem à condição de bens jurídicos objetos que tenham um
conteúdo de valor para o desenvolvimento do homem em sociedade. E, em contrapartida,
aquilo que não afeta as possibilidades de realização individual não é punível.
31
(MACHADO, 2005, p. 104-105)
29
Idem, págs. 59/60.
30
Toledo, Francisco de Assis, Princípios Básicos de Direito Penal, Ed. Saraiva, 5. ed., 2002, pág. 16
31
Machado, Marta Rodriguez de Assis, Sociedade do Risco e Direito Penal: Uma avaliação de novas
tendências político-criminais, Ed. IBCCrim, 1. ed., 2005, pág. 104/105.
44
A mesma autora traz em sua obra, já citada, trecho significativo do entendimento
de Silva Sánchez, no qual defende a necessidade de se estabelecer um conceito
individual de bem jurídico:
Situando la autorrealización del individuo como elemento central del concepto de bien
jurídico (que sigue manteniendo el ya aludido elemento de la dañosidad social) se
resuelve, según creo, el problema que plantea Octavio de Toledo, en su crítica a las
concepciones del funcionalismo: a saber, que el Estado, movido or los grupos
hegemônicos, quiera castigar todos los hechos disfuncinales respecto al sistema de
producción y distribuición, del que éstos son beneficiários, y no quiera castigar hechos
que, pese a ser lesivos, resultan funcionales al mismo. Em efecto, a partir de la referencia
individual del concepto de bien jurídico, hechos disfuncionales que no afecten a las
posibilidades de autorrealización del indivíduo no serán puniblies.
32
(MACHADO, 2005,
p. 104-105)
Parece mesmo que o conceito de bem jurídico como sendo todo direito ou
interesse individual, entendido como aquelas condições essenciais para a existência
mesma do ser humano, bem como para o exercício e fruição de direitos outros de
natureza fundamental, que dependam do direito penal para sua proteção e resguardo, é o
que melhor atende ao Estado Democrático de Direito.
Contudo, a característica garantidora inerente ao bem jurídico individual,
conforme exposta, não tem se mostrado forte ao ponto de impedir a tendência, já
instalada, de conferir proteção penal a bens jurídicos universais, cujos titulares são
indeterminados e as lesões não identificáveis pelos métodos de aferição de provas que
conhecemos. Dessa mudança promovida na estrutura do direito penal, cuidarão os
próximos tópicos.
3.2
O Direito Penal Moderno e a Sociedade Mundial do Risco
Todo e qualquer ramo do direito muda sob o influxo de determinada demanda
social latente, que, de resto, acaba por determinar os rumos do direito positivado,
32
Machado, Marta Rodriguez de Assis, Sociedade do Risco e Direito Penal: Uma avaliação de novas
tendências político-criminais, Ed. IBCCrim, 1. ed., 2005, pág. 104/105, citando trecho da obra de Silva
Sánchez: Aproximación al derecho penal contemporáneo. Barcelona: Bosch Editor, 1992. pág. 270
45
independentemente da relação jurídica a ser regulada; fato que muitas vezes afronta os
postulados da ciência jurídica e, não raro, dá ensejo a diplomas legais paradoxais, uma
vez que o afã pelo redimensionamento social através da lei, somente, é sempre
inadequado e nocivo à sociedade.
Com o direito penal não foi diferente. A mudança radical de enfoque e de
conteúdo desse ramo do direito, em todo o mundo, que passa a ostentar o qualificativo
de direito penal moderno, foi promovida pela conscientização e mobilização da camada
social formadora de opinião
33
, a qual passa a refletir, e, enfim, conclui que vivemos em
uma sociedade na qual os riscos aos bens jurídicos supra-individuais (coletivos) passam
a exigir a pronta intervenção do direito penal na repressão a ações ou omissões que
possam gerar ou mesmo contribuir para a ocorrência de danos a esses mesmos bens.
A partir do momento em que se decide, através da lei penal, que o Estado deve
proteger esses bens; e mais, que tal proteção deve se dar pela via do direito penal, os
problemas de ordem teórico-científicos e práticos surgem, já que o tal direito penal de
bases clássicas, ainda vigorante, não pode apresentar uma resposta (prevenção e/ou
punição) a contento a essas novas ações geradoras dos riscos, na medida em que seus
postulados e princípios não convivem com os imperativos de proteção aos citados bens
jurídicos coletivos, vez que submetidos, absolutamente, ao jugo da exclusiva proteção a
bens jurídicos individuais, núcleo, fundamento e legitimação, como já salientado, de
todo o direito penal liberal (clássico).
Obviamente, que a decisão pela ingerência do direito e, mais de perto, do direito
penal, na regulação dos atos danosos na sociedade do risco, deve-se, em grande parte,
ao engajamento político da sociedade organizada (associações de proteção ao meio
ambiente, iniciativas populares difusas visando a proteção do eco-sistema etc.), bem
como à necessidade de combate à corrupção e ao crimes contra a saúde pública,
principalmente.
33
A opinião pública possui uma força transformadora do direito, sobretudo nos tempos em que vivemos.
Nesse sentido, José Luis Díez Ripollés, em sua obra: A Racionalidade das Leis Penai: Teoria e Prática,
Trad. Luiz Regis Prado, Ed. RT, 1. ed. 2005, pág 36, assevera que: “No primeiro sentido, deve-se
destacar a freqüência cada vez maior com que uma opinião pública favorável é capaz de desencadear por
si só respostas legislativas penais. Desse modo, os grupos de pressão da mídia antecipam e substituem a
intervenção dos grupos de especialistas stricto sensu. É cediço que a opinião pública é fruto de uma tarefa
especializada, e que é realizada pelo que se poderia considerar um grupo de pressão, a mídia. No entanto,
o nível de sua análise foi por muito tempo considerado incapaz de alcançar a profundidade necessária
para satisfazer os requisitos de respeitabilidade social inerentes a todo programa de ação. A modificação
desse ponto de vista assinala um dos maiores êxitos no progressivo incremento da função social dos
meios de comunicação, que passam a ser considerados especializados para todos os efeitos e com uma
polivalência desconhecida nos grupos de pressão especializados propriamente ditos.”
46
Tal mudança de rumo ocorrida no seio do direito penal, e conseqüentemente em
todo o sistema de controle social formal, que deixa de ser o protetor dos bens jurídicos
individuais e passa a garantidor dos bens jurídicos coletivos, supra-individuais,
universais ou difusos, entendidos esses como direitos e interesses que não são
atribuíveis a sujeitos determinados, uma vez que o prejuízo sofrido por determinada
pessoa, nesses casos, é de dificílima mensuração, não sendo verificável, efetivamente, é
de fato contestável, porquanto ofende a maioria dos postulados do direito penal clássico.
São exemplos de mencionados bens jurídicos: o meio ambiente, a saúde pública, a
segurança pública etc.
Nada obstante isso, a proteção a tal categoria de bens jurídicos cresce e se impõe:
(....) el debate sigue siendo confuso, como pone de manifesto uma terminologia jurídica
que alude indistintamente a bienes suprainduales, universales, coletivos, institucionales,
macorosociales, de interés plural, generales, difusos, sociales, multipersonales, estatales,
plurisubjetivos etc., denominaciones que en todo caso presentan el rasgo común de hacer
referencia a interéses que no pueden referir-se com exclusividad a um sujeito individual
com facultad de disposición sobre ellos.
34
(MACHADO, 2005, p. 102)
Resta saber o seguinte: o que motivou o implemento de tão brutal mudança no
direito penal, consistente no abandono, em grande medida, dos princípios do Direito
Penal Clássico e no acolhimento de novos critérios de imputação, sempre ofensivos
àqueles princípios?
A razão de dita transformação não é outra, senão o aparecimento de novos e
perigosíssimos riscos na sociedade, por força de ações que atentam contra os apontados
bens jurídicos coletivos, sempre caros à chamada sociedade mundial do risco, que pode
ser conceituada como:
A teoria da sociedade mundial do risco parece nascer com a percepção social dos riscos
tecnológicos globais e de seu processo de surgimento até então despercebido. É uma
teoria política sobre as mudanças estruturais da sociedade industrial e, ao mesmo tempo,
sobre o conhecimento da modernidade, que faz com que a sociedade se torne crítica de
seu próprio desenvolvimento.
Em suma, a teoria da reflexividade engloba uma abordagem acerca do processo de
confrontação entre os efeitos da modernização e as bases da sociedade industrial e,
também, sobre como a sociedade industrial se vê como sociedade do risco e como ela se
critica e se reforma.
34
Afirmação de Norberto Mata Barranco, em seu livro: Protección penal del ambiente y accesoriedad
administrativa: Tratamiento enal de comportamientos perjudiciales para el ambiente amparados em uma
autorización administrativa ilícita. Barcelona: Cedes, 1996, p.42, contida na obra de Marta Rodriguez de
Assis Machado, em: Sociedade do Risco e Direito Penal: Uma avaliação de novas tendências político-
criminais, Ed. IBCCrim, 1.ed., 2005, pág. 102.
47
A partir do momento em que os riscos tecnológicos são reconhecidos como riscos
derivados de decisões humanas, os centros de tomada de decisões e as leis do progresso
tecnológico e científico tornam-se questões políticas. Também ingressam na agenda
política os temas ligados aos mecanismos de controle e distribuição dos riscos,
particularmente, a questão da ineficiência dos mecanismos atuais e da busca de novas
alternativas.
35
(MACHADO, 2005, p. 31-32)
Desse modo, a sociedade mundial do risco configura-se como a sociedade do
temor originado pelas possibilidades de ocorrências de danos que ela própria, por meio
do fomento da atividade tecnológica, criou e que agora a ameaçam; fato que faz com
que recorra ao ramo mais repressivo do direito (o direito penal) para aplacá-los.
A partir de mencionado estado de coisas, o Estado-Nação, estimulado, sobretudo,
pela opinião pública, voz e representante da sociedade aterrorizada pelos riscos da pós-
modernidade, e por iniciativas do poder executivo e legislativo, começa a delinear, a
partir de uma excessiva criação de tipos penais abstratos e de determinação duvidosa,
em todo o mundo, um novo direito penal: o direito penal moderno; o qual se prestaria a
combater e coibir a criminalidade moderna.
Com Bitencourt temos que:
Fala-se abundantemente em “criminalidade moderna”, que abrangeria a criminalidade
ambiental internacional, criminalidade industrial, tráfico internacional de drogas,
comércio internacional de detritos, onde se incluiria a delinqüência econômica ou
criminalidade de “colarinho branco”. Essa dita “criminalidade moderna” tem uma
dinâmica estrutural e uma capacidade de produção de efeitos incomensuráveis, que o
Direito Penal clássico não consegue atingir, diante da dificuldade de definir bens
jurídicos, de individualizar culpabilidade e pena, de apurar a responsabilidade individual
ou mesmo de admitir a presunção de inocência e o in dubio pro reo.
36
(BITENCOURT,
2007, p. 15)
35
Idem, pág.31/32. No mesmo sentido é a lição de Sánchez: “Desde a enorme difusão da obra de Ulrich
Beck, é lugar comum caracterizar o modo social pós-industrial em que vivemos como “sociedade do
risco” ou “sociedade de riscos” (Risikogesellschaft).Com efeito, a sociedade atual aparece caracterizada,
basicamente, por um âmbito econômico rapidamente variante e pelo aparecimento de avanços
tecnológicos sem paralelo em toda a história da humanidade. O extraordinário desenvolvimento da
técnica teve, e continua tendo, obviamente, repercussões diretas em um incremento o bem-estar
individual. Como também as têm a dinâmica dos fenômenos econômicos. Sem embargo, convém na
ignorar suas conseqüências negativas. Dentre elas, a que interessa aqui ressaltar é a configuração do risco
de procedência humana como fenômeno social estrutural. Isso, pelo fato de que boa parte das ameaças a
que os cidadãos estão expostos provém precisamente de decisões que outros concidadãos adotam no
manejo dos avanços técnicos: riscos mais ou menos diretos para os cidadãos (como consumidores,
usuários, beneficiários de serviços públicos etc.) que derivam das aplicações técnicas dos avanços na
indústria, na biologia, n a genética, na energia nuclear, na informática, nas comunicações etc. Mas,
também, porque a sociedade tecnológica, crescentemente competitiva, desloca para a marginalidade não
poucos indivíduos, que imediatamente são percebidos pelos demais como fonte de riscos pessoais e
patrimoniais. Jesús-Maria Silva Sánchez, em A Expansão do Direito Penal: Aspectos da política criminal
nas sociedades pós-industriais, Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. Ed. RT, 2 ed.2002, págs.28/29. ”
36
Bitencourt, César Roberto, Ed. Saraiva, 7. ed., 2007, págs. 15.
48
E, citando Hassemer, conclui o autor:
Como sentencia Hassemer: “Nessas áreas, espera-se a intervenção imediata do Direito
Penal, na apenas depois que se tenha verificado a inadequação de outros meios de
controle não-penais. O venerável princípio da subsidiariedade ou a ultima ratio do Direito
Penal é simplesmente cancelado, para dar lugar a um Direito Penal visto como sola ratio
ou prima ratio na solução social de conflitos: a resposta penal surge para as pessoas
responsáveis por estas áreas cada vez mais freqüentemente como a primeira, senão a
única saída para controlar os problemas”. Para combater a “criminalidade moderna” o
Direito Penal da culpabilidade seria absolutamente inoperante, e alguns dos seus
princípios fundamentais estariam completamente superados. Nessa criminalidade
moderna, é necessário orientar-se pelo perigo em vez do dano, pois quando o dano surgir
será tarde demais para qualquer medida estatal. A sociedade precisa dispor de meios
eficientes e rápidos que possam reagir ao simples perigo, ao risco, deve ser sensível a
qualquer mudança que possa desenvolver-se e transformar-se em problemas
transcendentais. Nesse campo, o direito tem de organizar-se preventivamente. É
fundamental que se aja no nascedouro, preventivamente, e não representativamente.
Nesse aspecto os bens coletivos são mais importantes que os bens individuais; é
fundamental a prevenção, por que a repressão vem tarde demais.
37
(BITENCOURT,
2007, p. 15)
O direito penal moderno representa, dessa forma, a opção política para o combate
aos atos e fatos atentatórios aos bens jurídicos supra-individuais, que, pela sua
magnitude, passam a merecer a intervenção estatal através da tutela penal.
3.2.1
A nova configuração dada ao Direito Penal: O Direito Penal
Moderno
É de se ver, que para a criação de um novo direito penal e de modernas funções
(combate aos riscos por meio da proteção antecipada de bens jurídicos coletivos ou
supra-individuais) a ele atribuídas exige, em um primeiro momento, o estabelecimento
de sua justificação.
No entanto, o aniquilamento de todo o direito penal clássico tem prescindido de
critérios eminentemente jurídicos de racionalidade penal, o que faz com que se objete,
muitas vezes, as razões de ser de um direito penal moderno, fulcrado na idéia da
punição antes do dano, na ampliação da responsabilidade penal, enfim, na flexibilização
das garantias penais do Estado liberal, ainda que essa destruição conceitual e teórica de
tais institutos e garantias tenha se dado em virtude da proteção ao meio ambiente, à
economia e à saúde pública.
37
Idem, pág. 15.
49
A seguir serão avaliadas as tendências jurídico-penais do direito penal moderno,
verificando-se a (in) adequação de todas aos critérios de racionalidade penal vigentes,
instituídos pelos princípios do direito penal de bases clássicas.
3.2.1.1
A proteção penal a bens jurídicos supra-individuais
Como dito, o núcleo central do direito penal de bases clássicas é a proteção ao
bem jurídico individual; circunstância determinante que informa o raio de ação da
intervenção penal do Estado, exercendo função de garantia junto aos cidadãos, já que só
haverá responsabilidade penal se e quando tais bens forem significativamente atingidos
ou se estiverem na iminência concreta de serem afetados.
O direito penal moderno, no entanto, desconhecendo tal exigência de
racionalidade penal e pugnando pela proteção indiscriminada e sem limites àqueles bens
jurídicos chamados coletivos, aniquila, por assim dizer, a função de garantia até então
exercida pelos bens jurídicos individuais e promove a ampliação da tutela penal.
Com razão preleciona Marta Rodriguez que:
Se hoje em dia parece insustentável negar proteção jurídica aos bens jurídicos supra-
individuais, é de se constatar que a tutela desses bens vem sendo significativamente
promovida pelo direito penal, como pudemos mostrar no Capítulo anterior. Entretanto,
isso traz reflexos ao próprio conceito de bem jurídico penal e à integridade dos princípios
que até agora nortearam a intervenção penal de ultima ratio, quais sejam, o da lesividade,
o da intervenção mínima, o da fragmentariedade e o da subsidiariedade. Melhor dizendo,
o processo de ampliação progressiva do objeto de tutela penal, que inspira a dinâmica da
produção legislativa mais recente, opõe-se diametralmente aos princípios da ofensividade
e, por conseguinte, ao da fragmentariedade e da subsidiariedade, colocando em questão a
função penal de garantia a bens jurídicos.
A primeira nota dissonante entre a proteção aos bens jurídicos supra-individuais e a teoria
clássica do bem jurídico refere-se à fraca concreção desses bens e ao seu afastamento da
órbita do indivíduo. De fato, vê-se a progressiva substituição da proteção rela a bens
jurídicos concretos referidos diretamente a pessoas pela proteção a categorias amplas e
multifárias, a instituições, a modelos de organização social ou de unidades funcionais às
quais se atribui um valor. Tais bens apresentam-se vagos e carentes de definição precisa,
de duvidosa corporização ou mesmo de impossível tangibilidade. Não há dúvida de que
esse panorama conflita com o arcabouço teórico das teses clássicas sobre o bem jurídico,
calcadas em pressupostos de precisão e pessoalidade. Afinal, a proteção, por exemplo, do
funcionamento do mercado, do bem-estar dos cidadãos, da saúde pública ou do equilíbrio
ambiental guarda certo distanciamento da proteção a bens jurídicos palpáveis e afetos à
50
esfera pessoal dos indivíduos, como a vida, a saúde e o patrimônio.
38
(RODRIGUES,
2005, p. 157-158)
Como visto, a intervenção penal somente se justifica e se legitima se for
necessária, útil, enfim, indispensável para a proteção de bens jurídicos.
Um tal direito penal moderno, ao proteger os bens jurídicos coletivos, afeta, de
uma só vez, inúmeros princípios do direito penal vigente no Estado Democrático de
Direito. Quando pugna pela punição sem se preocupar em definir vítima (s) determinada
(s) ofende o princípio da lesividade ou da ofensividade. Por fim, ao se incumbir da
proteção integral de bens jurídicos coletivos ou supra-individuais torna insignificante o
caráter subsidiário do direito penal, uma vez que deixa de ser a ultima ratio (intervenção
mínima) e passa a ser a prima ratio, colocando em cheque a função limitadora do direito
penal, exigida em virtude sobretudo do instrumental penal utilizado em sua resposta,
sempre agressivo (pena) e ofensivo a direitos constitucionais.
O pressuposto da lesão ou do perigo de lesão para a tipificação penal e posterior
aplicação de pena é absolutamente desconsiderado, do ponto de vista empírico, na
tipificação dos tipos próprios do direito penal moderno.
39
A moderna doutrina, ao cuidar do tema, consigna:
De fato, o princípio da lesividade social, decorrente do axioma nullum crimen sine iniura,
postula que o Estado, no exercício de suas tarefas de proteção, apenas pode intervir contra
determinadas formas de comportamentos se um interesse de um membro da sociedade é
ou pode ser afetado. Diverge desse princípio o fato de que, no campo da nova
criminalidade contra interesses difusos, os fatos delitivos muitas vezes não passam de
ruídos a padrões de segurança previamente normatizados, de modo que não se consegue
sequer identificar as conseqüências naturalísticas de muitas das ações incriminadas e,
muito menos, a lesão às condições individuais de vida.
De igual maneira, o modelo de imputação utilizado nesse campo, baseado em delitos de
mera transgressão e tipos de perigo abstrato, que prescindem de resultado, está
evidentemente distante do paradigma clássico da necessária danosidade a um bem
concretamente representado.
40
(MACHADO, 2005, p. 158-159)
38
Machado, Marta Rodriguez de Assis, em: Sociedade do Risco e Direito Penal: Uma avaliação de novas
tendências político-criminais, Ed. IBCCrim, 1. ed., 2005, pág. 157/158.
39
São exemplos de tipos penais dessa natureza aqueles previstos nos artigos 31, 34, 42, 51 e 52 da Lei
9.605/1998, os quais descrevem condutas nas quais não é possível delimitar, com a precisão exigida pela
teoria do tipo, a afetação, efetiva, aos bem jurídico ambiental.
40
Machado, Marta Rodriguez de Assis, em: Sociedade do Risco e Direito Penal: Uma avaliação de
novas tendências político-criminais, Ed. IBCCrim, 1. ed., 2005, págs. 158/159.
51
E conclui a Autora, referindo-se à conversão operada no conceito de bem jurídico,
que passa de critério de limitação do direito de punir do Estado para critério de criação
de norma penal incriminadora:
De um modo geral, aponta-se uma inversão nos critérios de utilização do conceito de bem
jurídico: se, desde a sua concepção, esse conceito teve a função crítica de operar como
limitador da intervenção punitiva do legislador e serviu de instrumental para os
movimentos de descriminalização, com a pressão das novas demandas de tutela, a noção
de bem jurídico vê-se transformada em critério para a exigência de intervenção penal. Ou
seja, assume o papel de propulsora a ampliação e não da limitação do ius puniendi. Por
isso se diz que, ao lado da progressiva expansão do significado do conceito de bem
jurídico, há um paulatino desvanecimento de sua função garantidora dos limites ou das
condições de justificação da proibição penal. Vislumbra-se aí uma importante mudança
de paradigma: de um modelo de contenção do processo de criminalização para um
modelo basicamente criminalizador, que parte de pressupostos preventivos contra os
novos riscos.
41
(MACHADO, 2005, p. 159-160)
3.2.1.2
A antecipação da tutela penal a esferas anteriores ao dano
A característica mais marcante desse critério ou tendência do direito penal
moderno é a de atuar de forma, absolutamente, preventiva, ou seja, antecipando a
resposta penal para antes da afetação a qualquer bem jurídico ou mesmo da colocação
dos mesmos em estado periclitante. Isso se dá pelo uso desenfreado que tem feito essa
nova dogmática penal, que encontra-se em franca evolução, dos institutos jurídico-
penais dos tipos penais de perigo abstrato, dos crimes de mera transgressão e da maioria
dos tipos penais omissivos.
A ofensa aos princípios comezinhos do direito penal clássico na situação narrada
parece evidente, uma vez que não se perquire, para a adequação do fato supostamente
lesivo à norma, se houve ou não perigo efetivo de lesão, quem são os sujeitos desse
interesse, como tal interesse se corporifica de modo a merecer a proteção do Estado por
meio da intervenção penal, sempre agressiva e muitas vezes degradante, circunstâncias
que exigem que tal ingerência seja, por questão de lógica e racionalidade, excepcional.
Ao cuidar do tema, discorre a doutrina:
Verifica-se, desde logo, que a combinação entre a tutela penal dos bens jurídicos supra-
individuais e o avanço da intervenção estatal a esferas anteriores ao dano agrava as
contradições ligadas à necessária ofensividade das condutas típicas. Isso porque a
nebulosidade do objeto de proteção e da titularidade de tais bens jurídicos conjuga-se à
41
Idem, págs. 159/160.
52
falta de concreção lesiva dos tipos penais, que prescindem de uma consideração posterior
do resultado.
A tensão desse modo de incriminação com os pressupostos de um conceito material de
delito vê-se evidenciada quando se submetem à pena criminal condutas que carecem de
referência lesiva clara e são definidas, basicamente, desvios de normas padrões de
segurança. Em outras palavras, segundo as regras interpretativas formais dos delitos de
mera conduta e dos tipos de perigo abstrato, seria lícita a imputação de responsabilidade
criminal em função de uma ação hipoteticamente negativa que, entretanto, na prática,
emergiu despida de qualquer danosidade ou periculosidade, ou mesmo em situações em
que o autor tenha tomado medidas para evitar o surgimento do risco ou do dano. É
evidente que tal sorte de procedimentos fulmina a referência material que, segundo os
padrões clássicos, deveria não só justificar a intervenção penal, mas presidir a
interpretação dos tipos, com vistas a determinar sua realização.
De outro lado, os antagonismos parecem agravar-se quando a questão é abordada pelo
prisma do princípio da mínima intervenção e dos pressupostos de subsidiariedade,
fragmentariedade e ultima ratio que norteiam a racionalidade penal moderna.
42
(MACHADO, 2005, p. 162-163)
Nos casos em que o Estado tutela, preventivamente, por meio do direito penal, o
suposto bem jurídico coletivo que teria sido afetado, ou que estaria em vias de sê-lo,
ocorre a preterição de um critério mínimo de racionalidade penal que têm informado
toda a produção legislativa dos países centrais e periférico, qual seja: a
proporcionalidade entre o ato desviante (crime) e o castigo (pena), vez que a punição já
não é pressuposto de uma conduta, efetivamente, lesiva ao bem jurídico, até porque, no
caso da proteção aos citados interesses coletivos, não há constatação de dano efetivo ou
perigo real aos mesmos. Tal cenário, em uma leitura que não desconheça a moderna
dogmática constitucional, é intolerável.
3.2.1.2.1
Tipos penais de perigo abstrato
Um dos meios que permite a configuração da antecipação da tutela penal antes do
dano é a produção de tipos penais que constituem delitos de perigo abstrato. O direito
penal moderno se vale, indiscriminadamente, desse tipo de expediente (responsabilidade
penal nos crimes ambientais, por exemplo, com base em crimes de perigo abstrato).
Nas palavras de Paulo Queiroz, os crimes de perigo abstrato são:
O perigo é abstrato ou presumido quando o legislador tipifica a conduta por julgá-la
perigosa em si, independentemente de qualquer risco efetivo, isto é, a lei o presume jure
et de jure.
42
Idem, págs. 162/163.
53
Uma objeção a fazer aos crimes de perigo abstrato é que, ao se presumir, prévia e
abstratamente, o perigo, resulta que, em última análise, perigo não existe, de modo que se
acaba por criminalizar a simples atividade, afrontando-se o princípio de lesividade, bem
assim o caráter de extrema ratio (subsidiário) do direito penal. Por isso há quem
considere, inclusive, não sem razão, inconstitucional toda sorte de presunção legal de
perigo.
43
(QUEIROZ, 2005, p. 157)
A contestação acerca da ofensa aos princípios clássicos recepcionados pela
maioria dos diplomas constitucionais do mundo não ocorre apenas no Brasil, mas segue
seu curso para além de nossas fronteiras. Nesse sentido é a afirmação de Blanca
Mendoza Buergo, cuja abalizada opinião é parte integrante da obra de Marta Rodrigues:
La presunción o genralización de la carga de peligro para el interes protegido entraña
evidentes problemas de legitimidad, que se pueden sintetizar em fricción com los
princípios de lesividad del hecho y de culpabilidad por falta de um injusto material, que
se produce al imponer una pena por hechos que individualmente no muestran una
peligrosidad suficiente de la que pode hacer responsable al autor, pero que también se
pueden referir al principio de proporcionalidad. (...)
Frente a ello, no se esgrime solo la posible infracción al principio de culpabilidad que,
según la crítica “tradicional”, podían suponer los delitos de peligro abstracto, sino que
más allá, se objeta que con tal modo de proceder se enturbia la fuerza fáctica del Derecho
penal para la protección de bienes jurídicos, em la medida em que se reduce el vínculo
entre el comportamiento prohibido y la lesión del bien jurídico, lo cual supone también
disminuir los presupuestos de punibilidad y, a través de ello, debilitar de manera radical
la posición del autor, restringiendo sus posibilidades de defensa. Las tensiones com las
condiciones de um conceto material de delito resultan evidentes cuando se someten a
pena criminal conductas que carecen de referencia lesiva clara, definidas básicamente
como la desviación de la regla o del estándar, que muchas veces no pasan de ser meras
perturbaciones o comportamientos indeseados o “molestos” para el modelo de
funcionamiento de um determinado subsistema.
44
(MACHADO, 2005, p. 167-168)
3.2.1.2.2
Normas penais em branco
Outro meio de atuação do direito penal moderno, o qual atende ao desiderato
anunciado, qual seja, a proteção aos bens jurídicos supra-individuais, é a tipificação
aberta ou indeterminada. Esse expediente tem sido utilizado pelos Estados
contemporâneos com profusão.
Por norma penal em branco, com TOLEDO (2002), temos que: [...] Denominam-
se normas penais em branco aquelas que estabelecem a cominação penal, ou seja, a
43
Queiroz, Paulo, Direito Penal: Parte Geral, pág.157.
44
Machado, Marta, Sociedade do Risco e Direito Penal, págs.167/168, citando Blanca Mendoza Buergo
em sua obra: El derecho penal em la sociedad del riesgo. Madrid: Civitas, 2001. págs.80/81.
54
sanção penal, mas remetem a complementação da descrição da conduta proibida para
outras normas legais, regulamentares ou administrativas
45
.[...]
Poder-se-ia, com arrimo em tal conceito, alegar-se, inclusive, a
inconstitucionalidade da lei penal em branco ou de conteúdo indeterminado, por
absoluto desprezo e desrespeito ao princípio constitucional da legalidade, uma vez que
quem define o que seja crime, tipificando o fato lesivo, muitas e muitíssimas vezes, é a
administração pública e não o Legislativo (reserva de lei), poder constitucionalmente
competente para tanto, ao qual incumbe definir o conteúdo proibido da norma penal
incriminadora. Tem-se como exemplo, o tipo penal previsto no artigo 56 da Lei
9.605/1998, que cuida das sanções penais e administrativas por atos lesivos ao meio
ambiente:
Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer,
transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica,
perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as
exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4
(quatro) anos, e multa.
Há quem diga que a impossibilidade de se prever todo o conteúdo das substâncias
tóxicas, perigosas ou nocivas à saúde justificaria a remissão feita pelo tipo penal às
normas regulamentares (administrativas); fato que afastaria a propalada
inconstitucionalidade.
Ora, de se ver que, ainda que tal fosse possível - o afastamento da
inconstitucionalidade da norma penal em branco em virtude da não afetação ao
princípio da legalidade -, o certo é que mencionado recurso – utilização de normas
penais em branco – tem sido utilizado, como dito, de forma desmedida, o que causa a
ofensa a outros princípios constitucionais, igualmente caros ao Estado Democrático de
Direito, tais como: princípio da intervenção mínima, princípio da subsidiariedade,
princípio da fragmentariedade etc.
A doutrina qualificada, ao tratar do tema, assenta o seguinte entendimento acerca
da matéria:
(...) Ou seja, o direito penal, em um dado momento e em determinados casos, prescinde
do eu paradigma de repressão a determinadas lesões a bem jurídico-penais e passa a
45
Francisco de Assis Toledo, Princípios Básicos de Direito Penal, págs.42/43.
55
adotar o encargo, anteriormente sediado no campo da administração, de promover
valores, bem como ordenar e planejar determinados setores da sociedade, a partir de uma
linha de atuação global e não focada em um ato criminoso específico. Segundo, por meio
da acessoriedade prestada pelo direito penal ao direito administrativo. O que significa
que, em geral, quando se pensa na proteção dos padrões de segurança dos bens supra-
individuais, temos uma regulamentação administrativa da matéria, cuja observância é
reforçada pela esfera penal.
Especialmente em virtude dessa última vertente da acessoriedade administrativa do
direito penal é que se começou a notar uma crescente inclinação do legislador na
utilização das normas penais em branco, que se caracterizam por serem normas que não
trazem consigo a descrição completa do modelo de conduta proibida, mas que requerem o
complemento de um dispositivo extrapenal, normalmente de natureza administrativa. Para
alcançar o modelo de conduta proibida,o intérprete deve completar o tipo a partir das
remissões nele contidas.
Segundo o panorama geral traçado, no campo da criminalidade dos novos riscos, a norma
penal passa a sancionar a inobservância a determinadas normas administrativas, bem
como a atos e procedimentos da administração, tais como autorizações e licenças.
46
(MACHADO, 2002, p. 170-171)
3.2.1.2.3
Responsabilidade penal das pessoas jurídicas
A responsabilidade penal do ente coletivo, que, somada a outros tantos critérios,
constitui o instrumental teórico que sustenta o direito penal moderno na sociedade do
risco, é igualmente criticada.
A razão de tal se dar parece acompanhar a sorte dos argumentos antes expendidos
e é extraída da idéia de que mencionada responsabilidade desconhece os elementos e
princípios jurídicos indispensáveis para a sua justificação e legitimação, tais como os
princípios de culpabilidade e da responsabilidade individual ou subjetiva.
Os estudiosos do direito têm entendido, de forma correta, que a responsabilidade
penal das pessoas jurídicas não encontra lugar no nosso ordenamento jurídico:
No sistema jurídico brasileiro, a responsabilidade penal é atribuída, exclusivamente, às
pessoas físicas. Os crimes ou delitos e as contravenções não podem ser praticados pelas
pessoas jurídicas, posto que a imputabilidade jurídico-penal é uma qualidade inerente aos
seres humanos. A conduta (ação ou omissão), pedra angular da Teoria Geral do Crime, é
produto essencialmente do homem. A doutrina, quase à unanimidade, repudia a hipótese
de a conduta ser atribuída à jurídica.
47
(BITENCOURT, 2007, p. 18)
É conclui Bitencourt, citando Muñoz Conde e García Arán:
46
Marta Machado, Sociedade do Risco e Direito Penal, págs.170/171.
47
César Roberto Bitencourt Tratado de Direito Penal, pág. 18, valendo-se de lição de René Ariel Dotti.
56
(...) a capacidade de ação, de culpabilidade e de pena exige a presença de uma vontade,
entendida com faculdade psíquica da pessoa individual, que não existe na pessoa
jurídica, mero ente fictício ao qual o Direito atribui capacidade para outros fins distintos
dos penais.
48
(BITENCOURT, 2007, p. 18)
O ordenamento jurídico do Brasil prevê, de forma atabalhoada, a responsabilidade
penal da pessoa jurídica, como se vê do preceito previsto no artigo 3º da Lei
9.605/1998, que cuida, dentre outras coisas, da repressão aos chamados crimes
ambientais:
Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente
conforme disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de
seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício
da sua entidade.
De se ver que o mencionado dispositivo não está em harmonia com o preceito
constitucional que admite a responsabilidade da pessoa jurídica. Tal assertiva pode ser
verificada pela análise do artigo 173, par. 5º, da Constituição Federal do Brasil:
A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica,
estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua
natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia
em particular.
Ora, a responsabilidade da pessoa jurídica, a qual se referiu o legislador, por
motivos óbvios, foi aquela que se aperfeiçoa no âmbito cível e administrativo,
sobretudo, não a derivada do direito penal.
É fato que a sanção advinda do direito penal é absolutamente inadequada para as
pessoas jurídicas, entendidas como entes morais que se diferenciam, portanto, das
pessoas físicas que a constituem. A pergunta que ganha relevo é: como aprisionar uma
pessoa jurídica?
Bitencourt, mais uma vez valendo-se da palavras de Muñoz Conde, ensina que:
(....) concordo que o atual Direito Penal disponha de um arsenal de meios específicos de
reação e controle jurídico-penal das pessoas jurídicas. Claro que estes meios devem ser
adequados à própria natureza destas entidades. Não se pode falar de penas privativas de
liberdade, mas de sanções pecuniárias; não se pode falar de inabilitações, mas sim de
suspensão de atividades ou de dissolução de atividades, ou de intervenção do Estado. Não
48
Idem, pág.18.
57
há, pois, por que se alarmar tanto, nem rasgar as próprias vestes quando se fale de
responsabilidade das pessoas jurídicas: basta simplesmente ter consciência de que
unicamente se deve escolher a via adequada para evitar os abusos que possam ser
realizados.
49
(BITENCOURT, 2007, p. 19)
De sorte que, contendo as mencionadas normas que reprimem os crimes
ambientais sanções penais privativas da liberdade (artigos 29 a 69 da Lei 9.605/1998),
aplicáveis, como visto, às pessoas jurídicas, não se pode negar a inadequação de tal
resposta estatal, porquanto haveria apenas e tão somente um direito penal ambiental
simbólico, sem qualquer efetividade, uma vez que não é possível aprisionar uma pessoa
jurídica, bem como, carente de eficácia e legitimação, já que ofensivo aos princípios da
culpabilidade e da responsabilidade penal subjetiva, este último com assento
constitucional expresso no artigo 5º, XLV, da Constituição Federal do Brasil.
Nesse sentido, conclui Bitencourt, citando Silvina Bacigalupo:
Pode-se concluir, no entanto, com a afirmação de Silvina Bacigalupo, que “a simples
introdução no ordenamento jurídico de uma norma prevendo a responsabilidade penal da
pessoa jurídica não será solução, enquanto não se determinar previamente os pressupostos
de dita responsabilidade.” O reconhecimento da pessoa jurídica como destinatária da
norma penal supõe, antes de tudo, a aceitação dos princípios de imputação penal, como
fez, por exemplo, o atual Código Penal francês de 1992, em seu art. 121, ao introduzir a
responsabilidade penal da pessoa jurídica. Com efeito, a recepção legal deve ser a
culminação de todo um processo, onde devem estar muito claros os pressupostos de
aceitação da pessoa jurídica como sujeito de Direito Penal e os respectivos pressupostos
desta imputação, para não se consagrar uma indesejável responsabilidade objetiva.
50
(BITENCOURT, 2007, p. 19-20)
49
Idem,19.
50
Idem, 19/20.
4
Qual o Sistema Penal Adequado ao Estado Democrático de
Direito do Século XXI: o expansionismo da tutela penal ou
minimalismo penal?
É chegada a hora, então, da pergunta: qual o sistema penal que atende aos
postulados de um Estado Democrático de Direito do nosso tempo? É necessário e
adequado alargar o raio de ação de um direito penal ou seria mais indicado – racional -
evitar a hipertrofia do mesmo e reservar sua ingerência àqueles casos que a requeiram?
De fato, a solução para tão tormentosa indagação passa por uma reflexão acerca
das conquistas do direito penal, que ensejaram a limitação do mesmo, bem como por
uma constatação de que vivemos em um mundo globalizado -sociedade do risco -, onde
as formas de violência e o impacto global da mesma têm se mostrado estrondosos, fatos
que induzem a que todos repensem o sistema penal, suas funções, seus objetivos e,
fundamentalmente, a adequação de suas respostas aos problemas sociais de ontem e de
hoje.
Decerto que a intervenção penal ainda segue sendo absolutamente necessária. A
questão é: necessária para quem? Necessária por quê? A resposta parece mesmo estar
condicionada aos princípios penais construídos ao longo dos séculos anteriores: o
Estado deve intervir, com o direito penal, sempre que houver uma afetação ou ameaça
de afetação, real, efetiva e significativa, aos bens jurídicos individuais protegidos, só e
quando os demais ramos do direito não puderem fazê-lo.
Contudo, ainda que se admita uma tal configuração do direito penal - clássico -,
como reprimir, eficazmente, os fatos atentatórios aos bens jurídicos coletivos, tais
como: a saúde pública, o meio ambiente equilibrado e o sistema financeiro e
econômico?
Como visto, a resposta a esta última indagação não pode ser encontrada em um
direito penal constitucional, ou seja, aquele informado pelos princípios da ultima ratio,
da subsidiariedade, da responsabilidade penal subjetiva ou pessoal, da legalidade etc.
Partindo-se desta constatação, a de que o direito penal, tal como configurado no
Estado Democrático de Direito, não pode se prestar à proteção de bens jurídicos
59
coletivos, já que, desse modo, haveria uma preterição odioso ao sistema de garantias
constitucionais em vigor, e, ainda, da necessidade de que tais bens, pela sua dignidade e
significação, merecem a tutela eficaz e eficiente do Estado, o problema parece
insolúvel.
A discussão acerca de como proteger, de forma efetiva, os bens jurídicos coletivos
e apaziguar a sociedade do risco ocupam lugar de destaque nos debates sociais,
políticos, jurídicos e filosóficos, por todo o mundo. De fato, é uma preocupação da
maioria dos países do planeta. Algumas soluções foram apresentadas. As posições
difundidas por Silva Sánchez e Winfried Hassemer parecem ser os mais razoáveis,
embora sejam, absolutamente distintas. O fundamento e objetivo das mesmas serão
discutidos nos próximos tópicos.
4.1
Novos Critérios da Racionalidade Penal para o combate a fatos
atentatórios aos bens jurídicos coletivos
4.1.1
O Direito Penal de duas velocidades
A partir da conscientização de que os bens jurídicos coletivos merecem uma
proteção, mas que essa tutela não pode desconsiderar os princípios e garantias do Estado
Democrático de Direito e, ainda, de outro lado, assumindo a inidoneidade de outros
ramos do direito na realização da referida tutela de forma efetiva, pugna Silva Sánchez
por um direito penal de duas velocidades: um direito penal da pena privativa de
liberdade, absolutamente submetido aos princípios do direito penal clássico, e um
direito penal que, não oferecendo como resposta a pena corporal - privativa de liberdade
-, se veria, relativamente, livre das amaras do garantismo penal e poderia reprimir,
penalmente, com a aplicação de outras modalidades de pena, os fatos atentatórios aos
bens jurídicos coletivos.
A posição de Sánchez leva em conta a pena privativa de liberdade como elemento
violento que é. Não havendo imposição de uma tal pena, o direito penal poderia afastar-
se, razoavelmente, de uma exigência severa de atendimento aos princípios da
responsabilidade subjetiva, da subsidiariedade etc.
60
A crítica que se faz a tal teoria é a de que, afastando-se o direito penal da pena
privativa de liberdade, haveria o intolerável afastamento de uma de suas mais
importantes funções: o caráter expressivo-comunicativo da pena de prisão; o qual
funciona, apesar das críticas consistentes em sentido contrário, como prevenção à
prática de crimes. Ou seja, em assim sendo – não se aplicando penas privativas da
liberdade -, os indivíduos não receariam praticar determinados crimes, uma vez que não
haveria a possibilidade de terem suas liberdades afetadas.
No entanto, ainda que não se tenha intacto o caráter expressivo-comunicativo da
pena, a questão que se coloca é que ele não é anulado.
1
Poder-se-ia sintetizar a posição do autor, ao pugnar por um direito penal de duas
velocidades, utilizando-se suas próprias palavras, da seguinte maneira:
O conflito entre um Direito Penal amplo e flexível (convertido em um indesejável soft
law) e um Direito Penal mínimo e rígido – certamente impossível – deve achar assim uma
solução no “ponto médio” da configuração dualista. Com efeito, não parece que a
sociedade atual esteja disposta a admitir um Direito Penal orientado ao paradigma do
“Direito Penal mínimo”. Mas isso não significa que a situação nos conduza a um modelo
de Direito Penal máximo. A função racionalizadora do Estado sobre a demanda social de
punição pode dar lugar a um produto que seja, por um lado, funcional e, por outro lado,
suficientemente garantista. Assim, trata-se de salvaguardar o modelo clássico de
imputação e de princípios para o núcleo intangível dos delitos, aos quais se assinada uma
pena de prisão. Em contrapartida, a propósito do Direito Penal econômico, por exemplo,
caberia uma flexibilização controlada das regras de imputação (a saber, responsabilidade
penal das pessoas jurídicas, ampliação dos critérios de autoria ou da comissão por
omissão, dos requisitos de vencibilidade do erro etc.), como também dos princípios
político-criminais (por exemplo, o princípio de legalidade, o mandato de determinação ou
o princípio de culpabilidade). Tais princípios, efetivamente, são suscetíveis de uma
acolhida gradual e, da mesma forma que se dá hoje entre o Direito Penal e o Direito
Administrativo sancionador, não teriam por que ser integrados em idêntica medida nos
dois níveis de Direito Penal, com ou sem penas de prisão.
2
(Sánchez, 2002, p. 145/146)
Com Marta Rodrigues temos que:
1
Certamente, tal força expressiva-comunicativa está relacionada com o velho Direito Penal nuclear
(vinculado a penas de morte, corporais ou de prisão) e a sua referência a um mínimo ético. Ambos
aspectos faltariam em múltiplas infrações do moderno Direito Penal socioeconômico. Sem embargo,
levando-se em conta a osmose existente entre ambos os grupos de infrações enquanto submetidas à
mesma jurisdição, poder-se-ia confiar na manutenção e em uma relevante capacidade comunicativa, ainda
no caso de que as penas que se impusessem fossem – nos delitos econômicos nos quais se flexibilizem as
regras de imputação ou os princípios de garantia – distintas da pena privativa de liberdade. Ainda que
certamente tal força comunicativa não fosse da mesma intensidade daquela que é própria da prisão.
Sánchez, Jesús-Maria Silva. A Expansão do Direito Penal, Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. Ed.RT,
2.ed.2002. pág. 145.
2
Idem, pág. 145/146.
61
Em outras palavras, o autor assume que a resposta à demanda punitiva, no campo da
chamada criminalidade moderna, deve resolver-se por intermédio de uma ampliação do
direito penal. Assim, não questiona substancialmente que, dada a natureza dos objetos de
proteção, a expansão resulte mesmo em flexibilização de regras de imputação e princípios
de garantias, desde que essa ampliação não baseie sua força comunicativa na imposição
de penas de prisão.
3
(MACHADO, 2002, p. 195-196)
O inconveniente da opção por um direito penal de duas velocidades é o
afastamento ou a flexibilização, nos casos em que se tutela os bens jurídicos supra-
individuais, das regras de imputação do direito penal e o aviltamento ao sistema de
garantias que integra as constituições da maioria dos países centrais e periféricos do
mundo, cuja origem remonta ao direito penal clássico ou liberal. De qualquer modo, é
uma solução, em alguma medida, aceitável, sobretudo à vista das atuais soluções
oferecidas no presente momento.
4.1.2
Direito de Intervenção
Outra solução, igualmente oferecida para aplacar a nova criminalidade, que
nasceu e ora se desenvolve pelo mundo ao ensejo da chamada sociedade do risco, é o
direito de intervenção. Seu idealizador é o estudioso alemão Winfried Hassemer.
Contrariamente à construção de Sánchez, a qual promove uma evidente
aproximação do direito penal nuclear ao direito administrativo, na medida em que
flexibiliza regras de imputação e afasta a aplicação da ultrajante pena de prisão do
âmbito de proteção aos mencionados bens jurídicos coletivos, difusos ou supra-
individuais, a teoria de Hassemer cria um novo ramo do direito.
O autor alemão não pretende que os referidos interesses coletivos (drogas ilícitas,
crimes econômicos e meio ambiente equilibrado) sejam protegidos pelo direito penal,
mas que a tutela se efetive em outro ambiente; que se situe entre os direitos
administrativo e civil e o direito penal.
Ao cuidar do tema, assevera a doutrina moderna:
Opondo-se a todas as tendências do direito penal do risco, Hassemer defende a redução
do direito penal a um direito penal nuclear, formado apenas por delitos de lesão a
clássicos bens jurídicos individuais ou a bens jurídicos supra-individuais estritamente
3
Machado, Marta, Sociedade do Risco e Direito Penal, págs.195/196.
62
vinculados à pessoa, delitos de perigo concreto graves e evidentes e por regras de
imputação rígidas e princípios de garantia clássicos. Dessa forma, a proteção aos bens
jurídicos supra-individuais em face dos novos riscos tecnológicos seria definitivamente
afastada do direito penal, evitando-se, assim, qualquer tentativa de expansão da tutela
penal – e, também, não ficaria, simplesmente, a cargo do direito administrativo.
4
(MACHADO, 2002, p. 197)
De se ver que a diferença das teorias de Hassemer e Silva Sánchez reside no fato
de que a proteção aos bens jurídicos coletivos pensada pelo autor alemão,
diferentemente do direito penal de duas velocidades cunhado por Sánchez, dar-se-ia por
meio de um direito de intervenção e não se situaria dentro do direito penal.
Hassemer ao definir, em breves linhas, seu intento, preconiza que:
É de grande significado que se afaste do direito penal os problemas que nos tempos atuais
foram nele introduzidos. Poder-se-ia aconselhar, quanto àqueles problemas da sociedade
moderna, que provocam a modernização do direito penal, de que fossem regulados em
um direito de intervenção especial, o qual está situado entre o direito penal e o direito da
contrariedade à ordem pública, entre o direito civil e o direito público, o qual dispõe, na
verdade, de garantias e de regramentos processuais menos exigentes do que o direito
penal, mas que, em contrapartida, está equipado com sanções menos intensas diante do
indivíduo. Um direito de natureza “moderna” não seria somente menos grave
normativamente, ele seria também, de fato, mais adequado para recepcionar os problemas
especiais da sociedade moderna.
5
(HASSEMER, 2007, p. 52)
A nota em comum das teorias (direito penal de duas velocidades e direito de
intervenção) discutidas é que em ambas há o afastamento da pena de prisão, sendo certo
que em Sánchez, como dito, o direito penal ainda continua tutelando os interesses supra-
individuais, no que se mantém a força comunicativa do discurso penal, quando, em
Hassemer, o direito penal é desobrigado do dever de prevenção e/ou punição a atos ou
fatos que atentem contra os citados interesses, criando-se um direito que se localiza
entre o direito civil ou o direito administrativo e o direito penal, cuja configuração ainda
se encontra em estágio embrionário.
4
Idem, pág.197.
5
Hassemer, Winfried. Direito Penal Libertário, Tra. Regina Grev, Ed. Del Rey. 1ed., 2007, pág.52.g.
2007.
5
Conclusão
O panorama do direito penal traçado denuncia graves problemas de dificílima
resolução. De um lado, o cidadão e o sistema de garantias penais inserto nos diplomas
constitucionais, que tem o objetivo de proteger o elemento humano de ingerências
estatais descabidas ou arbitrárias e que afetem os direitos e garantias individuais; de
outro lado apresenta-se a demanda social da sociedade do risco por segurança, cada dia
mais urgente, mais eufórica e politicamente forte.
As bases garantistas nas quais se assentam os Estados da pós-modernidade já não
oferecem resistência aos desmandos do Estado punitivo, refém da referida demanda
social.
O certo é que de fato surgiram variadas formas de afetação aos também variados
bens jurídicos coletivos ou supra-individuais (saúde pública, meio ambiente equilibrado,
economia etc), o que fez com que o Estado atual tomasse providências. No entanto, o
meio - opção política estatal - através do qual esse ente estatal tem respondido aos fatos
geradores de dano ou riscos de dano aos mencionados bens jurídicos coletivos é o
direito penal e seu arsenal repressivo e muitas vezes degradante.
Tal situação – a do uso excessivo do direito penal na tutela de bens jurídicos
supra-individuais – originou uma intensa discussão acerca dos fundamentos e da
legitimação do direito penal na nova ordem constitucional estabelecida, a qual resultou
na construção de teorias distintas.
Há pelos menos três correntes que discutem, atualmente, os problemas que
envolvem a nova perspectiva do direito penal em uma sociedade do risco. A primeira,
de cunho funcional, pugna pela aplicação do direito penal sempre que se mostrar a
afetação ou o perigo de afetação a todo e qualquer bem jurídico tutelado pelo Estado,
alijando da discussão os elementos que informam uma configuração constitucional do
direito penal do século XXI; ou seja, desconsidera como fatores preponderantes e
indispensáveis para a legitimação do direito penal as garantias penais clássicas:
princípios da legalidade, da proporcionalidade, da ultima ratio, da subsidiariedade etc. É
o direito penal da lei e ordem ou simbólico.
64
A segunda corrente, em sentido diametralmente oposto, constrói um entendimento
segundo o qual o direito penal e seus instrumentos não se afiguram como uma resposta
adequada à nova criminalidade, haja vista o fato de que esse ramo do direito deve
reprimir apenas aquelas condutas que representem uma grave e significativa afetação
aos bens jurídicos individuais do cidadão, desde que outro ramo do direito, menos
agressivo, não possa cumprir referida tarefa de forma eficiente e, ainda, quando se
mostrarem presentes as regras herméticas de imputação, vedando a responsabilidade
penal objetiva. O direito penal, por esse prisma, é inadequado para tutelar os bens
jurídicos coletivos ou supra-individuais. É o estudo empreendido pelo minimalismo
penal.
A última construção teórica sobre a aplicação do direito penal em um ambiente de
uma sociedade do risco, que pode ser chamada de corrente intermediária, apresenta duas
linhas de pensamento, ambas recepcionadas pela racionalidade penal, mas que, a
despeito disso, ainda não foram integradas aos ordenamentos jurídicos dos Estados
Democráticos de Direito. Tais construções são representadas pelos estudos de Silva
Sánchez e Hassemer, os quais trabalham o direito penal de duas velocidades e o direito
de intervenção, respectivamente, oferecendo soluções distintas, mas razoáveis.
A se levar em conta a necessidade de se submeter o direito penal a uma
determinada base principiológica, a qual impõe o respeito aos princípios constitucionais
cunhados na fase do direito penal clássico e desenvolvidos pelas contínuas experiências
jurídicas que se sucederam até o presente momento, bem como o imprescindível
atendimento às demandas sociais da sociedade do risco, fomentadas por setores
representativos da sociedade civil, tem-se que o acolhimento da corrente intermediária,
no viés de Winfried Hassemer, deve se impor.
É certo, no entanto, que uma tal concepção - direito de intervenção - não deve ser
acolhida de forma incauta; ou seja, referida opção deve se justificar só e quando for
possível delinear os instrumentos desse novo ramo do direito, chamado direito de
intervenção.
Enfim, o desafio que se coloca na sociedade pós-moderna é como se construir um
sistema – não necessariamente um direito penal - que atenda às demandas da sociedade
mundial do risco, sem descurar das garantias constitucionais conferidas aos cidadãos em
um Estado Democrático de Direito.
6
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