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CRISTIANO MARLON VITECK
REBELDIA EM CENA:
A juventude transviada no cinema hollywoodiano
nas décadas de 1950 e 1960
MARECHAL CÂNDIDO RONDON
2009
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CRISTIANO MARLON VITECK
REBELDIA EM CENA:
A juventude transviada no cinema hollywoodiano
nas décadas de 1950 e 1960
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História, Poder e
Práticas Sociais, da Universidade Estadual
do Oeste do Paraná – UNIOESTE, para
obtenção do título de mestre em História.
Orientadora: Dra. Geni Rosa Duarte
MARECHAL CÂNDIDO RONDON
2009
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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca da UNIOESTE Campus de Marechal Cândido Rondon – PR., Brasil)
Viteck, Cristiano Marlon
V838m Rebeldia em cena: a juventude transviada no cinema hollywoodiano nas cadas de
1950 e 1960 / Cristiano Marlon Viteck. – Marechal Cândido Rondon, 2009
153 p.
Orientadora: Profª. Drª. Geni Rosa Duarte
Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus
de Marechal Cândido Rondon, 2009.
1. Juventude - Cinema – Década 50. 2. Juventude - Cinema – Década de 60 3.
Contracultura. I. Universidade Estadual do Oeste do Paraná. II. Título.
CDD 21.ed. 306
305.235
CIP-NBR 12899
Ficha catalográfica elaborada por Marcia Elisa Sbaraini Leitzke CRB-9/539
4
Aos meus pais, irmãos e amigos.
5
AGRADECIMENTOS
À professora Dra. Geni Rosa Duarte, amiga sincera que acreditou e me orientou durante a
dissertação.
Ao professor Dr. Robson Laverdi, pela amizade, colaborações e exemplo de vida.
Aos professores Dr. Eduardo Morettin e Dr. Alexandre Fiúza, pelo interesse e disposição
em avaliar e contribuir com este trabalho.
Ao Programa de Pós-Graduação em História, Poder e Práticas Sociais, da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE, em especial à professora Dra. Méri
Frotscher.
Ao Ms. Gilson Backes, Ms. Jorge Pagliarini e Ms. Raphael Pagliarini, grandes amigos
durante toda esta jornada.
A Puky: “vale tudo pra te ver sorrir”.
A todos os gênios loucos do cinema, literatura e sica. Renunciei à poesia mil vezes e
voltei para ela mil e uma” – Carl Solomon.
6
“As descobertas e verdades brilhantes, enlouquecedoras e hilariantes da
juventude, aquelas que transformam os jovens em demônios visionários e os
fazem ao mesmo tempo infelizes e mais felizes que nunca – as verdades mais
tarde abandonadas com a condescendência da ‘maturidade’ -, essas verdades
voltam na verdadeira maturidade, a maturidade sendo nada menos que
sinceridade disciplinada – essas verdades vão voltar para todos os homens
verdadeiros, que farão delas não mais impetuosas ‘bandeiras da juventude’,
mas farão delas o que puderem (...)”.
Jack Kerouac em Diários, sexta-feira, 27 de junho de 1947.
7
RESUMO
O conceito de adolescente, que durante toda a primeira metade do século XX vinha
sendo discutido nos Estados Unidos, ganhou em importância a partir dos anos 1950,
quando se percebeu definitivamente que a adolesncia se constituía em um amplo
fenômeno cultural e social da sociedade estadunidense. Característica marcante daquela
geração era a contestação a determinados valores da sociedade. Esse fenômeno ampliou-se
ainda mais durante os anos 1960 com a contracultura, que teve a juventude rebelde como a
principal protagonista de suas manifestações. O cinema produzido por Hollywood também
acabou influenciado e ao mesmo tempo influenciou essas manifestações. Através de um
processo denominado de juvenilização do cinema, a indústria cinematográfica dos Estados
Unidos passou a produzir diversas obras que traziam as mais diversas representações das
questões ligadas ao tema da juventude durante a década de 1950, sendo que a rebeldia
característica de parte significativa daqueles jovens serviu de argumento para muitos
desses filmes, o mesmo acontecendo durante a década de 1960 durante a contracultura.
Através da análise dos filmes “O Selvagem” (1954), “Juventude Transviada (1955) e
Easy Rider Sem Destino(1969), pretende-se compreender o imaginário social e os
comportamentos de determinados grupos de jovens das décadas de 1950 e 1960, bem como
destacar elementos importantes da sociedade estadunidense da época que estavam sendo
contestados.
Palavras-chave: História, Cinema, Juventude, Contracultura.
8
ABSTRACT
The concept of teenager, which during the first half of the 20th century was being
discussed in the United States, received importance since 1950, when it was definitely
noticed that the adolescence constituted a huge cultural and social phenomenon on the
American society. A noticeable characteristic from that generation was the contest of some
determined social values. This phenomenon got much bigger during the 1960’s with the
counter culture, that took the rebel youth as the main character of its manifestations. The
cinema produced by Hollywood also influenced and at the same tame influenced these
manifestations. Trough a process called juvenilization of the cinema, the cinematography
industry of the United States started to produce a lot of work that were bringing a diversity
of representations of the issues related to the youth theme during the 1950’s, and the rebel
characteristic of a significant part of those young people was used as an argument for a lot
of these films, the same happened during the 1960’s during the XXX. Trough the analyses
of the movies The Wild One (1954), Rebel Without a Cause (1955) and Easy Rider (1969),
we intend to comprehend the social imaginary and the behavior of some determined youth
groups of the 1950’s and 1960’s, as well as highlight important elements of the American
society from the times they were being contested.
Key words: History, Cinema, Youth, Counter Culture.
9
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Pôster promocional norte-americano do filmeGo, Johnny Go!” ............... 49
Figura 2 Imagem filmada de cima sugere a autoridade do policial ........................... 87
Figura 3 Imagem denota a inferioridade dos motoqueiros diante da autoridade policial
de Carbonville .................................................................................................................. 88
Figura 4A imagem sugere a igualdade de forças entre Johnny e o xerife de Wrightsville
.......................................................................................................................................... 89
Figura 5 Pôster informa que o filme Juventude Transviada trata da delinquência juvenil
.......................................................................................................................................... 90
Figura 6 Membros do Black Rebels Motorcycle Club ................................................ 91
Figura 7 Os Ramones, na foto de capa do primeiro disco, de 1976 ............................ 92
Figura 8 Johnny se sente atraído pela inocente Kathie ............................................... 93
Figura 9 Johnny ignora Britches, a ousada personagem de “O Selvagem ................ 94
Figura 10 Cena da discussão na escada revela a inversão” da hierarquia no lar de Jim,
que não aceita que o pai seja submisso à mãe .................................................................. 95
Figura 11 – Cartaz de “O Selvagem” destaca apenas a personagem de Marlon Brando 96
Figura 12 – Cartaz de “O Selvagem” destaca somente as personagens masculinas ........ 97
Figura 13 Cartaz de O Selvagem” mostra a mulher como objeto de desejo
amoroso/sexual e explora a sua condição de submissa ao homem ................................... 98
Figura 14 – Cartaz destaca apenas a personagem masculina principal ............................ 99
Figura 15 James Dean em evidência. Personagem de Natalie Wood, Judy, aparece
protegida por Jim .............................................................................................................. 100
Figura 16 Jim estende a sua o a Judy, oferecendo proteção .................................... 101
Figura 17 – Wyatt observa o relógio, antes de jogá-lo fora no começo da viagem ........ 137
10
Figura 18 – Enquanto o fazendeiro prega a ferradura, Billy e Wyatt, os caubóis modernos,
consertam o pneu da moto ................................................................................................ 138
Figura 19 Wyatt cheira cocaína durante a transação da droga que tornou a viagem
possível ............................................................................................................................. 139
Figura 20 – George prova o cigarro de maconha oferecido por Wyatt ........................... 140
Figura 21 Cartaz de “Sem Destino vende uma imagem otimista de liberdade e de
aventuras que podem ser vividas nas estradas .................................................................. 141
Figura 22 – Cartaz explora o elemento trágico da jornada de Billy e Wyatt .................. 142
Figura 23 Cartaz que melhor define a trajetória dos dois hippies: uma jornada rumo à
felicidade, que nunca é encontrada ................................................................................... 143
11
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS .................................................................................. 11
a) Participação afetiva ................................................................................................... 13
b) Cinema: um agente histórico ..................................................................................... 18
CAPÍTULO 1: Ascensão, crises e a juvenilização do cinema norte-americano .... 27
1.1 – Hollywood na primeira metade doculo XX ...................................................... 27
1.2 – Juvenilização do cinema ...................................................................................... 34
1.3 – Década de 1950: anos dourados? ....................................................................... 40
CAPÍTULO 2: O Selvagem e Juventude Transviada: rebeldes em cena ............. 50
2.1 – O Selvagem ......................................................................................................... 51
2.2 – Juventude Transviada ......................................................................................... 61
2.3 – Gangues, moda, a mulher e sexualidade ............................................................ 71
CAPÍTULO 3: Sem Destino: oposições e contradições de uma sociedade em processo
de mudança ................................................................................................................. 102
3.1 – A contracultura ..................................................................................................... 103
3.2 – Sem Destino ........................................................................................................... 108
3.3 – Vagabundos, campo e cidade ................................................................................ 114
3.4 – Sociedades em confronto ....................................................................................... 128
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 144
FICHAS TÉCNICAS DOS FILMES ......................................................................... 146
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 149
BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 152
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A juventude desempenhou um papel de destaque nas manifestações socioculturais e
até mesmo políticas que marcaram os Estados Unidos nas décadas de 1950 e 1960.
Vivendo uma era dourada da economia, que teve um crescimento significativo após a
Guerra Mundial, os adolescentes e jovens contavam com uma realidade pouco vivida até
então por outras gerações de norte-americanos. Enquanto os adultos em geral da época
tinham, muitos deles, enfrentado a recessão e a profunda crise em consequência da quebra
da bolsa de 1929 e, posteriormente, durante a Grande Guerra também vivido as
dificuldades de uma situação de conflito (em que praticamente toda a produção da nação
era voltada para os esforços de guerra e que qualquer consumo ou uso desnecessário de
combustível, borracha, metal e até óleo de cozinha, entre outros, era considerado
desperdício e quase uma ofensa ao país), uma boa parte da juventude dos anos 1950 e 1960
pôde desfrutar dos benefícios de uma economia em ascensão e de uma situação de
emprego pleno. Tudo isso, claro, tornava possível consumir as novas “necessidades”
geradas pelo mercado, ávido por abastecer esta grande parcela jovem da população que
tinha dinheiro e estava disposta a gastar com umarie de produtos, que iam desde
cosméticos, passando por discos, roupas e até mesmo carros, só para citar alguns.
Porém, não foi apenas pela grande capacidade de se entregar ao mercado que ficou
marcada aquela geração de adolescentes e jovens dos Estados Unidos naquelas décadas.
Junto a isso, aquela geração também ganhou destaque pelas mudanças que promoveram ou
ajudaram a promover na sociedade, alterando costumes, tradições, substituindo antigos
valores por novos, os quais muitos deles estão em vigor aos dias de hoje. Várias dessas
transformações aconteceram na base da contestação, do questionamento e até mesmo
através de um comportamento rebelde, que para a maioria da geração adulta e até mesmo
outros jovens poderia parecer sem sentido.
O cinema, produto direto da era industrial e que desde o início funcionou dentro da
lógica do mercado (e diante de seu enorme apelo popular, outras tantas vezes também foi
utilizado com objetivos claramente políticos), evidentemente que não ficou alheio a essa
agitação que brotava da juventude norte-americana, ela própria uma parcela importante do
12
público que lotava as salas de cinema, em particular, e que era responsável pelo consumo
em larga escala de outros tantos produtos, de uma forma geral.
Com a intenção de obter lucros a partir daquele até então inédito fenômeno da
juventude, mas também com o objetivo de dialogar com parte dessa geração e, ao mesmo
tempo, tentar levar respostas aos adultos sobre as causas de tamanha agitação de uma parte
significativa dos jovens norte-americanos daquele período, a indústria cinematográfica
produziu incontáveis filmes abordando o conflito de gerações sob diferentes abordagens,
que iam desde o enaltecimento do rock n’ roll (o novo ritmo musical que se transformou na
trilha sonora dos jovens contestadores da época), passando pelas novas formas de
comportamento, moda, costumes, entre outros. Assim, em meio a muitos filmes que foram
produzidos “em série” visando extrair o máximo de ganhos daquela efervescência cultural
e social, alguns títulos se firmaram como referência sobre o período, seja pelo impacto que
causaram na época, pelo ineditismo dos assuntos presentes em suas histórias ou até mesmo
pelos pontos de vista inovadores a respeito de temas que já eram recorrentes em outros
filmes da época.
Entre os títulos que, ao longo das últimas décadas, não foram esquecidas pelo
público e, por outro lado, se transformaram em documentos riquíssimos para a pesquisa
histórica, destacamos três obras, que são os objetos de estudo deste trabalho: “O
Selvagem” (The Wild One, direção de Laslo Benedek, 1954), estrelado por Marlon Brando;
“Juventude Transviada” (Rebel Without a Cause, direção de Nicholas Ray, 1955), que teve
como ator principal James Dean; e “Sem Destino” (Easy Rider, direção de Dennis Hopper,
1969), estrelado por Peter Fonda e Dennis Hopper. Temos por objetivo neste trabalho
perceber as representações que estes filmes faziam das mudanças comportamentais e
culturais que estavam ocorrendo nos Estados Unidos; com que valores eles dialogavam e
que respostas ofereciam ou quais questionamentos faziam sobre as contestações daquelas
gerações de jovens.Em comum, estes três filmes levaram às telas de cinema representações
da sociedade norte-americana da época tendo como ponto de partida a juventude
contestadora. “O Selvagem”, “Juventude Transviada” e “Sem Destino” foram e são
apontados por gerações seguintes de jovens como referenciais, pois mesmo passados vários
anos após seus lançamentos, ainda assim são capazes de exercer fascínio e referenciar
comportamentos, de forma direta ou indireta. Isso é possível porque, conforme Umberto
Barbaro, “toda obra de arte adquire no contacto com o público um valor social; isto é,
promove e determina certas correntes afetivas e ideológicas, certos movimentos de opinião
13
que jamais permanecem estéreis, mas fermentam poderosamente a massa heterogênea de
fatores sociais, como antecipações ideais da História próxima
1
. E o cinema, talvez a
forma de arte de maior alcance popular do século XX, não escapa dessa gica. Mas, por
que o cinema é capaz de exercer tamanha fascinação sobre a maioria das pessoas? Que
sentimentos e emoções ele consegue provocar no público? Até aonde vai a sua capacidade
para influenciar o comportamento das pessoas? São perguntas que nos ajudam a perceber
como, por exemplo, o cinema pôde, entre outros elementos, tornar-se um catalisador do
fenômeno da juventude estadunidense na segunda metade do século passado.
a) Participação afetiva
Desde as primeiras exibições de filmes através dos cinematógrafos, no final do
culo XIX, as pessoas nunca ficaram indiferentes às imagens em movimento que eram
apresentadas. Não são poucos os relatos a respeito do espanto, desconfiança, terror, mas,
também, de entusiasmo e admiração dos espectadores que assistiam a essas projeções. Isso
se dava pela novidade da própria invenção. Se décadas antes a fotografia havia
possibilitado a apreensão da “realidade” através da criação de um duplo, agora essa
possibilidade havia se ampliado ainda mais com a reprodução de imagens em movimento
e, algumas décadas mais tarde, também com o som e, enfim, o cinema em cores.
O ato de ir ao cinema já é ele mesmo um catalisador de emoções. Se ainda hoje as
salas de cinema atraem as pessoas, que têm à disposição no conforto de suas casas a
televisão, aparelhos de DVD e computadores conectados à Internet, é de se supor como o
“ir ao cinema” era um grande atrativo para o público de décadas atrás, quando todo esse
aparato domésticoo existia.
A sala de cinema é um local de interação social. Apesar do silêncio que impera
durante a projão da película, o ato de assistir a um filme no cinema geralmente é feito na
companhia de amigos, namorados, familiares, o que é algo por si instigante como
uma opção de divertimento. Mas, a própria ida solitária ao cinema também é um gesto que
traz prazer às pessoas. Isso porque, conforme afirmou Graeme Turner, “o desejo de assistir
1
BARBARO, Umberto. Elementos da Estética Cinematográfica. Rio de Janeiro: Editora Civilização
Brasileira, 1965, p. 78.
14
a um filme popular está relacionado com toda uma gama de outros desejos moda,
novidade, posse de ícones ou signos altamente valorizados pelas outras pessoas do mesmo
grupo de interesses, de mesma condição social ou faixa etária”
2
. Enfim, assistir a
determinado filme é uma experiência bastante ampla que extrapola o próprio ato de ir ao
cinema.
Mas, uma vez assistindo a um filme, qual a função do espectador? Ele se torna
alguém passivo, alvo de mensagens ideológicas propostas pelos produtores da obra? Ele
desempenha um papel crítico?
As análises sobre o poder que os filmes exercem sobre as pessoas são bastante
diversas. Umberto Barbaro, por exemplo, afirmou que:
Tudo o que aparece na tela, absolutamente tudo, é de fato escolhido e
disposto de acordo com uma vontade inalterável, que determina não apenas
o que o espectador deve ver, mas, também e sobretudo, o modo como deve
vê-lo. (...) Vendo-a assim, em condições determinadas, é obrigado, pelo
menos durante a projeção do filme, a julgar os fatos e as personagens como
o pretenderam os autores. (...) As impressões com que o filme bombardeia
o subconsciente dos espectadores podem ser tão violentas a ponto de
eclodirem em ações súbitas irrefletidas. Assim, a grande massa dos
freqüentadores do cinema (muitas centenas de milhares diariamente) passa
a constituir como que um imenso campo arado, no qual os cineastas
lançam às mãos-cheias sementes cujos frutos, imediatos ou distantes, não
deixarão de se manifestar.
3
Conforme Luiz Carlos Merten, quando uma pessoa entra em uma sala de cinema
que é toda construída para que, uma vez dentro dela, o espectador rompa seus vínculos
com o mundo exterior e tenha a sensão de estar entrando em um outro universo ela se
integra e se entrega ao que acontece na grande tela
4
. Mas, uma vez dentro da sala escura, o
que faz com que cada espectador se sinta atraído pelo que está sendo projetado na tela?
Esta é uma questão a que muitos teóricos têm se dedicado a tentar responder.
Não desconsideramos neste trabalho o posicionamento crítico que os espectadores
podem adotar enquanto assistem a um filme. Porém, enfatizamos que essa capacidade de
atentar para detalhes ou mensagens que estão um pouco “abaixo da superfície” certamente
muda conforme o objetivo de cada pessoa. Um crítico ou um analista, por exemplo,
tenderá a ver o filme de uma forma muito mais racional do que emocional. o contrio
2
TURNER, Graeme. Cinema como prática social. Trad. Mauro Silva. São Paulo: Summus, 1997, p. 16.
3
BARBARO, Umberto. Op. cit., p. 79-81.
4
MERTEN, Luiz Carlos. Cinema: Um Zapping de Lumiere a Tarantino. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1995,
p. 08 e 09.
15
provavelmente acontece com quem se dispõe a assistir o mesmo filme por mero
entretenimento. E, com certeza, este é o objetivo fundamental da grande maioria das
pessoas que frequentam as salas de cinema: deixar-se envolver pela hisria, mergulhar na
narrativa e, uma vez absortas pelo filme, a tendência a envolverem-se com a trama e
aceitar como naturais uma série de mensagens ideológicas (explícitas ou o) é muito
maior. E o cinema, ao longo das décadas, foi aprimorando cada vez mais as técnicas para
seduzir o seu público.
Edgar Morin fala sobre a capacidade do cinema de instigar uma “participação
afetiva” do espectador com as histórias dos filmes, graças a um processo mental de
“projeções-identificações”. “Na medida em que identificamos as imagens da tela com a
vida real, pomos as nossas projeções-identificações referentes à vida real em movimento
5
,
escreveu o autor, lembrando que a própria técnica narrativa e o processo usual de obtenção
das imagens utilizado pelo cinema são no sentido de criar uma ilusão de realidade para o
filme. Mesmo sabendo de que se trata de uma obra de ficção, o espectador ainda assim se
deixa “absorver” pelo enredo. Também de acordo com Edgar Morin, as próprias
características da sala de cinema conduzem à entrega ao filme por parte do espectador. A
sala escura, o conforto relaxante das cadeiras e a própria total incapacidade de influenciar
no desenvolvimento da história acabam por deixar o público em uma atitude passiva.
Edgar Morin completa:
A ausência ou o atrofiamento da participação motriz, prática ou ativa (...)
está estreitamente ligada à participação psíquica ou afetiva. Não podendo
exprimir-se por atos, a participação do espectador interioriza-se. (...) A
ausência de participação prática determina portanto uma participação
afetiva intensa: operam-se verdadeiras transferências entre a alma do
espectador e o especulo da tela.
Correlativamente, a passividade, a impotência do espectador, colocam-no
em situação regressiva. O espetáculo serve de ilustração a uma lei
antropogica geral: todos nós nos tornamos sentimentais, sensíveis e
lacrimejantes logo que nos vemos privados dos nossos meios de ação.
6
Mas, a participação afetiva não se deve apenas ao ambiente da sala de cinema ou
unicamente à história contada através do filme. Cada espectador tende a identificar-se com
as personagens da obra, em especial com os heróis. Essa identificação é sempre mais
intensa quanto mais o espectador considerar os aspectos físicos e morais da personagem
5
MORIN, Edgar. A Alma do Cinema. In: XAVIER, Ismail (org.). A Experiência do Cinema. ed. Rio de
Janeiro: Edições Graal, Embrafilme, 1991, p. 151.
6
Idem, Ibid., p. 154.
16
semelhantes aos seus. Edgar Morin, ainda analisando os processos de projeção-
identificação, avalia que outro fator que atua neste sentido é a própria “relação que os
espectadores possuem com as estrelas de cinema. Acontecimentos da vida pública do ator
(trajetórias e estilos de vida, gostos, opiniões, etc.) também podem deflagrar uma maior
participação afetiva do espectador na hora de assistir a um filme.
Para Robert Sklar, na época dos primeiros filmes do século XX os astros de
cinema tocavam a psique humana e o público deixava-se absorver pelas histórias que eram
projetadas na grande tela e, então, admitidos à intimidade da vida do filme, os cinemeiros
queriam que suas fantasias se prolongassem, intactas, na vida real. A vida dos astros e
estrelas do cinema tornaram-se símbolos tão importantes para ser manipulados quantos
suas imagens cinematográficas”
7
. O autor lembra que nas décadas de 1910 e 1920,
diversos filmes de Hollywood foram alvos de críticas de setores conservadores da
sociedade, que se mostravam preocupados com os efeitos que cenas consideradas
impróprias poderiam causar sobre o público. Ele recorda ainda que as notícias veiculadas
na imprensa, na qual revelavam as grandes festas que eram promovidas pelas primeiras
grandes estrelas de cinema (muitas vezes regadas a sexo, bebidas e drogas) também
acabavam atraindo o interesse do público para a vida dos artistas. Tamanha era a crença
nesse poder de influência que muitos daqueles que criticavam o cinema como sendo imoral
acabaram por voltar seus ataques contra a vida particular dos astros e estrelas. Chegou-se
até a acreditar que “os freqüentadores de cinema respondiam menos a histórias e a cenas
do que transparecia nas imagens projetadas; os artistas, em outras palavras, eram mais reais
para o público do que os personagens que interpretavam”
8
. Conforme o autor, passado
algum período, os moralistas voltaram a criticar com mais intensidade as histórias contadas
nos filmes. Mesmo assim, o interesse pela vida privada dos atores, atrizes, diretores, enfim,
de todos aqueles que têm uma projão maior na indústria cinematográfica, em especial a
norte-americana, nunca deixam de atrair o interesse das pessoas. Não fosse assim, o star
system de Hollywood (que alimenta a mídia com informações a respeito da vida particular
das estrelas) o seria tão importante para a instria cinematográfica dos Estados Unidos
até mesmo nos tempos atuais.
Ainda buscando expressar o enorme potencial de projeção-identificação de que é
dotado o cinema, Edgar Morin ressalta que a identificação do público com os filmes
7
SKLAR, Robert. História Social do Cinema Americano. São Paulo: Editora Cultrix, 1978, p. 269.
8
Idem, Ibid, p. 99.
17
também pode se dar através daquilo que o espectador não tem de semelhante com a
personagem/ator. Se determinado ator é bonito e o espectador se julga feio, esse pode ser
um motivo para admiração. Se o herói do filme é corajoso e o espectador se julga não tão
valente, este último também pode admirar esta característica da personagem e assim por
diante.
Edgar Morin também afirma a imporncia que as próprias imagens têm dentro do
processo de sedução que os filmes se propõem a fazer. Belas paisagens, closes, sicas,
movimentação de câmeras que aceleram ou reprimem as emoções conforme exige a
narrativa são elementos que ajudam a conceber a participação afetiva, que o autor define
como sendo o “estado genético e fundamento estrutural do cinema”
9
. Ou seja, sem emoção,
sentimento e satisfação, o cinema perde a sua magia e sua razão de existir.
Retomando Graeme Turner, este incluiu outros elementos que despertam prazer nas
pessoas que assistem a um filme. Em primeiro lugar, o autor afirma que existe uma
satisfação naquilo que é familiar, daí o interesse do cinema hollywoodiano em produzir,
preferencialmente, histórias que poderiam acontecer a qualquer um ou que não rompam
muito com as conveões culturais da sociedade onde o filme é produzido ou até mesmo
para outras sociedades onde ele será visto. Conforme Graeme Turner:
Esses o alguns prazeres característicos da cultura popular, todos
(potencialmente) envolvidos na decisão do público de ver um filme e na
relação que as pessoas m com o filme quando o vêem. o prazeres
sociais, culturais, dos quais os indivíduos se apropriam para seu próprio
uso, mas que de modo algum têm origem em cada indivíduo. São prazeres
oferecidos tamm por outras práticas sociais dentro da cultura popular, e
portanto revelam como a prática social do cinema está embutida em outras
práticas, em outros sistemas de significado.
10
Tal afirmação também é corroborada por Leif Furhammar e Folke Isaksson, que ao
escreverem sobre o cinema de Hollywood, afirmam que ele geralmente tende a se basear
em valores conservadores e seguramente estabelecidos, a fim de satisfazer a maior
quantidade possível de espectadores. “Uma indústria de diversão, tão firmemente voltada
para a satisfação de todos, es eventualmente limitada a desenvolver um mundo
imaginário completo que tanto modela como é modelado pelos juízos de valores coletivos
do público. Isso o apresenta obrigatoriamente teses poticas, mas reflete e preserva as
9
MORIN, Edgar. Op. cit., p. 165.
10
TURNER, Graeme. Op. cit., p. 121.
18
metas imaginadas e os mitos favoritos da sociedade ao mostrá-los sob formas atraentes”
11
,
destacaram os autores.
Entendendo os laços que unem afetivamente as pessoas ao cinema, é necessário nos
direcionarmos para as relações entre o Cinema e a História para podermos atingir os
objetivos da nossa pesquisa. É importante entender de que forma o cinema pode contribuir
para gerar conhecimento histórico, bem como conhecer métodos que tornam possível o
trabalho do historiador com os filmes.
b) Cinema: um agente histórico
Os encontros entre o Cinema e a História têm se dado desde a invenção do
cinematógrafo, no final do século XIX. Conforme Antônio Costa, essa relação se dá de três
maneiras: a) A história do cinema, da qual se ocupam os pesquisadores que estudam a
transformação dessa prática ao longo dos anos; b) A história no cinema, na qual os filmes
o tidos como “fontes de documentação hisrica e meios de representação da história”; c)
O cinema na história, ou seja, o cinema como um agente histórico, exercendo influência na
sociedade
12
.
A maioria dos primeiros trabalhos voltados para o cinema na história, que é a
ênfase desta pesquisa, foi realizada no final da década de 1960 e se intensificou a partir dos
anos 1970, sendo que desde então os estudos que se propõem a fazer uma leitura histórica
e social da sociedade através dos filmes, sejam eles documentários ou de ficção, têm
crescido de maneira significativa, apesar de que, pelo menos no Brasil, o número de
publicações teóricas ou com resultados de pesquisas nesse sentido ainda seja bastante
pequeno, em comparação com outros países, como a França.
Aliás, foi o francês Marc Ferro um dos primeiros historiadores a teorizar a respeito
da possibilidade de se realizar a análise histórica e social de filmes. Isso porque, segundo
ele, os filmes permitem que alcancemos zonas invisíveis do passado, o que pode trazer à
tona as autocensuras e lapsos de uma sociedade. Marc Ferro reconhece, por exemplo, que
11
FURHAMMAR, Leif; ISAKSSON, Folke. Cinema e Política. Trad. Júlio Cezar Montenegro. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2001, p. 52 e 23.
12
COSTA, Antônio. Compreender o Cinema. Trad. Nilson Moulin Louzada. 3ª ed. o Paulo: Globo, 2003,
p. 29 e 30.
19
logo nos primeiros anos após a criação do cinematógrafo e com o início do
desenvolvimento de uma linguagem cinematográfica, muitos governos perceberam o poder
de influência que o cinema poderia exercer sobre os espectadores. Não foi à toa que o
governo russo, por exemplo, investiu consideravelmente na produção de filmes que
enaltecessem ou aludissem à revolução socialista de 1917, como é o caso do “Encouraçado
Potemkim” (“Bronenosets Potymkin, dirigido por Sergei Eisenstein, de 1925.); ou que
Leni Riefenstahl tenha recebido do governo nazista a incumbência de produzir, entre
outros trabalhos, um documentário sobre as Olimpíadas de Berlim de 1936, no qual fosse
destacada a superioridade ariana na competição. No caso dos Estados Unidos houve claro
incentivo para que os estúdios de Hollywood produzissem filmes com evidentes
mensagens anticomunistas a partir dos anos 1930 e, de maneira mais intensa, com o
início da Guerra Fria. Contudo, apesar desse controle ideológico, Marc Ferro afirma que
essa não é a essência do cinema, pois o filme tem essa capacidade de desestruturar aquilo
que diversas gerações de homens de Estado e pensadores conseguiram ordenar num belo
equilíbrio. Ele destrói a imagem do duplo que cada instituição, cada indivíduo conseguiu
construir diante da sociedade”
13
. Ou seja, o cinema faz uma contra-análise da sociedade.
Mas, para que seja possível promover essa contra-análise, Marc Ferro sistematiza
métodos para a análise histórica de filmes. Em primeiro lugar, ele defende que é necessário
“partir da imagem, das imagens. Não buscar nelas somente ilustração, confirmação ou o
desmentido do outro saber que é o da tradição escrita”
14
. Ou seja, cinema é um campo
singular da pesquisa histórica, dotado de especificidades que precisam ser respeitadas. Do
mesmo modo, ele explica que a película a ser analisada não deve ser vista como uma obra
de arte, mas como um produto que vai além dos significados cinematográficos. Também,
para o estudo histórico de um filme, o autor vai ressaltar que não é preciso debruçar-se
sobre o todo. É possível fragmentá-lo, compor séries ou conjuntos através da seleção de
temas ou de planos. E mais: além daquilo que é mostrado na tela do cinema, é preciso
ainda que o historiador busque encontrar outros elementos, como informações a respeito da
criação do roteiro, sobre a produção, sobre as pessoas envolvidas, o momento vivido pela
sociedade, a que público o filme se destinava, quem o financiou, entre outros, isso porque a
própria produção de uma obra cinematográfica também é história.
13
FERRO, Marc. Cinema e História. Trad. Flávia Nascimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 86.
14
Idem, Ibid, p. 86.
20
“Um filme, seja ele qual for, sempre vai além de seu pprio conteúdo”
15
, escreveu
o historiador frans. Isso significa que, mesmo não estando sobre o controle direto do
Estado, como é o caso dos três filmes objetos de estudo deste trabalho, cada produção
fílmica é portadora de elementos ideológicos muitas vezes, até mesmo contraditórios,
como poderemos perceber nas análises mais adiante. Do mesmo modo, o autor alerta aos
pesquisadores que se propõem a estudar o cinema que o significado de um filme pode ser
lido de maneira distinta em épocas diferentes e em sociedades diferentes. Mas, acima de
tudo, é importante reconhecer que os filmes são também agentes da história, pois
interferem nesta. No caso desta dissertação, temos claro que o cinema sobre e também feito
para os jovens norte-americanos acabou por ajudar a compor modelos de comportamento
para o novo conceito de juventude que estava sendo gerado durante os anos 1950 e 1960
naquela sociedade e também em outras partes do mundo.
Enfim, Marc Ferro esquematiza a sua proposta de análise em quatro momentos. O
primeiro é verificar o conteúdo aparente ou a imagem da realidade, ou seja, perceber quais
os elementos que são imediatamente absorvidos pelo espectador. Depois, numa etapa
seguinte, o autor propõe que sejam identificados os elementos ideológicos da obra
analisada. Em terceiro, e em razão do segundo item, é possível identificar o conteúdo
latente, portanto, aquilo que não está tão explícito no conteúdo fílmico. Por fim, é preciso
entrar na realidade não visível da obra, o que pode se interpretado como aquilo que não
está presente na tela, ou seja, o contexto de produção.
Mas, apesar da importância da obra de Marc Ferro, sua teoria de que o cinema
poderia realizar uma contra-análise da sociedade, da maneira como ele pressupõe,
recentemente tem sido questionada. Sem descartar todos os métodos propostos pelo
historiador francês e considerando-o uma leitura obrigatória, Eduardo Morettin pondera e
defende que, na prática, a suposição de que um filme faz a contra-análise da sociedade não
pode ser aceita integralmente ou sem ressalvas. De acordo com ele, de certa forma se
empobrece o campo de análise de um filme quando se parte de relações antagônicas como
latente e aparente, visível e não visível ou até mesmo hisria e contra-história. Embora
concorde em parte com Marc Ferro, ele amplia essa discussão ao afirmar que, na análise
histórica de um filme:
A idéia proposta pelo historiador de que o cinema não é uma expressão
direta dos projetos ideogicos que lhe dão suporte deve ser ressaltada: um
15
Idem, Ibid, p. 114 e 115.
21
filme apresenta, de fato, tensões próprias. Estas, porém, não devem ser
pensadas nos termos de sua inclusão no campo da ‘história’ ou de sua
‘contra-história’, tal como faces opostas de uma mesma moeda, parti-pris
que define um único sentido da obra. Por outro lado, afirmar a
possibilidade de recuperar o ‘não visível’ através do ‘visível’ é
contraditório, já que essa análise vê a obra cinematográfica como portadora
de dois níveis de significado independentes, perdendo de vista o caráter
polissêmico da imagem. (...) Pelo contrário, afirmamos que um filme pode
abrigar leituras opostas acerca de um determinado fato, fazendo dessa
tensão um dado intrínseco à sua própria estrutura interna. Perceber esse
movimento deriva do conhecimento específico do meio, o que nos permite
encontrar pontos de adesão ou rejeição existentes entre o projeto-
ideológico de um determinado grupo social e a sua formatação em
imagem.
16
Como se percebe, Morettin não fala em um sentido único para o filme. Ele vai mais
além ao afirmar que os filmes avançam, mas também retrocedem, tomam muitas vezes
caminhos tortos, diferentes da ideologia dos grupos que o produzem. Com relação à
contra-história através do cinema, ele reconhece que ela é mais facilmente produzida pelos
marginalizados, pelas pessoas que não estão no poder e que lutam contra ele. Porém, ele
acredita que, se os filmes em geral fazem uma contra-análise da sociedade estabelecida, o
mesmo tem que ser válido para a produção marginal. Ou seja, os filmes que têm por
objetivo “revelar” o inverso da sociedade também podem fornecer indícios para a sua
própria contra-análise, explicitando aquilo que os produtores marginais também não
gostariam de dizer ou pretendiam esconder.
Ironicamente, apesar de Marc Ferro ser um dos primeiros historiadores a formular
uma teoria e uma metodologia para o estudo histórico através do cinema, Morettin
percebeu que, ao longo da obra do autor, os filmes muitas vezes foram utilizados para
reafirmar conhecimentos já existentes a partir de documentos escritos. Neste caso, o
cinema quase é percebido apenas como uma complementaridade, como algo a mais para
provar ou desacreditar o saber que teve sua origem através de outros documentos e fontes.
Morettin, no entanto, entende que se o historiador quiser realmente explorar toda a
potencialidade de análise de um filme ele deve sempre partir em busca de respostas a partir
do filme e, mais do que isso, deixar que as questões que ele coloca na pesquisa tenham a
sua origem também na própria obra cinematográfica:
16
MORETTIN, Eduardo. O Cinema como fonte histórica na obra de Marc Ferro. In: CAPELATO, Maria
Helena... [et al.]. História e Cinema. São Paulo: Alameda, 2007, p. 42.
22
O filme possui um movimento que lhe é próprio, e cabe ao estudioso
identificar o seu fluxo e refluxo. É importante, portanto, para que possamos
apreender o sentido produzido pela obra, refazer o caminho trilhado pela
narrativa e reconhecer a área a ser percorrida a fim de compreender as
opções que foram feitas e as que foram deixadas de lado no decorrer de seu
trajeto.
(...) Para que possamos recuperar o significado de uma obra
cinematográfica, as questões que presidem o seu exame devem emergir de
sua própria alise. (...) Com esse movimento, evitamos o emprego da
história como pano de fundo, na medida em que o filme não está a iluminar
a bibliografia selecionada, ao mesmo tempo que não isolamos a obra de
seu contexto, pois partimos das perguntas postas pela obra para interrogá-
la.
17
Nesta perspectiva, abrem-se dois caminhos para a análise, os quais devem andar, a
princípio paralelamente, até que sejam enfim confrontados para se chegar aos resultados
finais da análise. Um deles é levar em conta a linguagem estritamente cinematogfica. Ou
seja, não se ater somente ao tema, mas também sobre as técnicas utilizadas, de que escola
ou escolas do cinema determinada obra se aproxima, que estilos adota, etc. A outra é
justamente a busca dos elementos ideológicos que estão presentes nos filmes selecionados
para a análise, procurando identificar os diálogos que eles mantêm com outros elementos
da sociedade, sobre a qual elaboram representações e ao mesmo tempo lhe causam
interferências.
Segundo se afirma na introdução do livro História e Cinema, “com o exame
detalhado dos filmes poderemos entender o cinema de uma época como uma expressão de
valores, não delimitados pela maneira de abordar o tema encenado, mas, de modo mais
decisivo, pela forma como foram concebidos os registros visuais e sua organização na
forma fílmica”.
18
Temos claro que o cinema é passível de ser alvo das mais diversas análises. Para
fazer especificamente a análise histórica de um filme, nem sempre o trabalho do
historiador precisa se ater à totalidade da obra. Conforme Ciro Flamarion Cardoso e Ana
Maria Mauad, seguindo o que Marc Ferro já havia proposto, o historiador tem a liberdade
de se utilizar tão somente de determinadas sequências ou imagens recortadas, compor
ries e elaborar conjuntos. Junto a isso, quem se propõe a fazer a análise histórica de um
trabalho cinematográfico também deve ter a preocupação de integrar o filme ao contexto
em que ele surge:
17
Idem, Ibid. p. 62 e 63.
18
CAPELATO, Maria Helena; MORETTIN, Eduardo; NAPOLITANO, Marcos; SALIBA, Elias Thomé.
Apresentação. In: História e Cinema. o Paulo: Alameda, 2007, p. 10.
23
Um filme é uma ‘mensagem de mensagens’ de considerável complexidade,
reunindo e combinando em diversas modalidades e graus de incidência
sinais de decodificação. (...) Sua decodificação terá a ver com a
historicidade das convenções, espécie de ‘contrato tácito’ – variável no
tempo entre quem produz o filme e quem o vê, sem o qual não se
cumpririam as significações segundo certos padrões.
19
Como frisaram os autores, é preciso atentar para o fato de que, por ser uma
linguagem que não repete a racionalidade da escrita, o cinema o segue a mesma lógica
que rege as linguagens do verbal e do oral. Dito isto, é possível perceber que, a partir de
um filme, são reveladas outras coisas e de maneiras diferentes daquelas que são possíveis
de perceber através dos documentos escritos ou das fontes orais, por exemplo.
Por sua vez, Graeme Turner vai incluir mais um ingrediente no desafio que é
percorrer os caminhos da análise histórica dos filmes. Conforme o autor que percebe o
cinema não apenas como entretenimento, narrativa e evento cultural, mas como uma
“prática social para aqueles que o fazem e para o público”, que “em suas narrativas e
significados podemos identificar evidências do modo como nossa cultura dá sentido a si
própria”
20
os filmes também devem ser estudados em relação a outros filmes. Conforme
Graeme Turner, existe uma “intertextualidade” entre as produções cinematográficas; e essa
intertextualidade vai influenciar o apenas na produção de cada obra, mas também como
o filme será compreendido pelo público. Essa intertextualidade é o que nos permite incluir
neste mesmo trabalho os filmes “O Selvagem” e “Juventude Transviada”, produzidos na
década de 1950 dentro de um novo gênero surgido na época (os filmes de adolescentes -
teenpics), e “Sem Destino”, produzido já em outro contexto. “Sem Destino” aborda o
tema da juventude dentro da contracultura e o da delinquência juvenil, como é o caso
dos dois primeiros, mas, seria um erro negar que existe um elo (difícil de dimensionar, é
verdade) unindo estes três filmes. Assim, desde que respeitadas as diferenças narrativas e
de gênero e colocadas lado a lado as similaridades, é possível tentar perceber como as
problemáticas que estavam presentes na sociedade que produziu e estava representada
em “O Selvagem e “Juventude Transviada” foram transformadas e ganharam novos
sentidos em “Sem Destino”.
19
CARDOSO, Ciro Flamarion Cardoso e MAUAD, Ana Maria. História e Imagem: Os Exemplos da
Fotografia e do Cinema. In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da
História: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997, p. 413.
20
TURNER, Graemer. Op. cit., p. 13.
24
Retomando a idéia de intertextualidade de Graeme Turner, ele afirma que
“entendemos os filmes em termos de outros filmes, seu universo em termos de outros
universos”, para depois ir além e ressaltar que “os filmes são, portanto, produzidos e vistos
dentro de um contexto social e cultural que inclui mais do que os textos de outros filmes. O
cinema desempenha uma função cultural, por meios de suas narrativas
21
, que vai além do
prazer da história”
22
. Como contexto social, o autor também inclui as construções a
respeito do filme feitas pela mídia e as estratégias de publicidade adotadas para atrair o
público até o cinema para assistir a obra cinematográfica.
A respeito das ideologias presentes nos filmes, Graeme Turner segue na mesma
linha dos autores antes citados: não existe uma maneira única de entender uma obra
cinematográfica, no sentido de que não existem contradições em cada obra, ou que os
significados ideológicos sejam apreendidos de modo igual entre todos os espectadores. O
autor explica que “a ideologia de um filme não assume a forma de declarações ou reflexões
diretas sobre a cultura. Ela se encontra na estrutura narrativa e nos discursos usados
imagens, mitos, convenções e estilo visuais”
23
. Para ele, o texto fílmico é um campo de
batalha de posões concorrentes, do qual, a princípio, vence sempre a posição dominante.
Porém, deste combate surgem “fraturas”, as quais expõem o esfoo que é feito pelos
produtores de um filme no sentido de se criar um consenso ideológico.
Um campo de batalha é um termo próximo ao modo como Francis Vanoye e Anne
Goliet-Lévão se referir ao confronto que é travado entre quem se propõe a fazer a análise
fílmica e a própria obra cinematográfica a ser estudada. Segundo estes autores, a análise
requer um grande esforço do analista, que deve rever o filme várias vezes e examiná-lo
tecnicamente. Ao mesmo tempo, é necessário “desmontar” o filme, separando os
elementos que o constituem. Isso, segundo Vanoye e Goliot-Lété, possibilita ao
pesquisador o distanciamento necessário para realizar um estudo com o rigor científico
exigido. Separados os elementos, então deve-se estabelecer os elos entre eles para
“compreender como eles se associam e se tornam mplices para fazer surgir um todo
significante: reconstruir o filme ou o fragmento. É evidente que essa reconstrução não
apresenta qualquer ponto em comum com a realizão concreta do filme. É uma criação
21
Para o autor, narrativa é “uma forma de ‘dar sentido’ao nosso mundo social e compartilhar esse ‘sentido’
com os outros”. Idem, Ibid, p. 73.
22
Idem, Ibid, p. 69.
23
Idem, Ibid, p. 146.
25
totalmente assumida pelo analista”
24
. Ou seja, o processo de desconstrução, na prática, se
realiza no ato de descrever o filme, enquanto a reconstrução se dá a partir da
interpretação que o pesquisador elabora sobre a obra cinematográfica.
Passando para a análise e interpretação sócio-hisrica de um filme, Vanoye e
Goliot-Lété asseguram que o pesquisador deve sempre ter em consideração o contexto de
produção do mesmo. Outra premissa apontada por eles é que todo filme sempre fala do
presente, o importando se ele é baseado em fatos históricos ou em devaneios futuristas,
ou obviamente, quando trata da sua própria época em que é produzido. Ou seja,
independentemente do tema do filme, ele sempre é o resultado imediato da sociedade no
qual está inserido no momento exato de sua criação. Outra observação importante é que:
Em um filme, qualquer que seja seu projeto (...), a sociedade não é
propriamente mostrada, é encenada. Em outras palavras, o filme opera
escolhas, organiza elementos entre si, decupa no real e no imaginário,
constrói um mundo possível que manm relações complexas com o mundo
real: pode ser em parte seu reflexo, mas tamm pode ser sua recusa
(ocultando aspectos importantes do mundo real, idealizando, amplificando
certos defeitos, propondo um ‘contramundo etc. Reflexo ou recusa, o
filme constitui um ponto de vista sobre este ou aquele aspecto do mundo
que lhe é contemporâneo.
25
Ou seja, o analista deve ter presente que um filme não pode ser pensado como
espelho da sociedade à qual ele se refere. Outra armadilha que muitas vezes se coloca à
frente do pesquisador é buscar reconhecer uma função específica para o filme. A mais
comum, conforme os autores, é acreditar, por exemplo, que existe uma oposição entre o
filme de ficção e o documentário, sendo que o primeiro estaria no âmbito da fantasia,
enquanto que o segundo estaria mais próximo da realidade, o que não é verdade. Tanto um
quanto outro podem ser construídos de modo a criar um “efeito de realidade” como,
também, dependendo dos objetivos de quem o produz, distanciar-se dos referenciais mais
realistas. Marc Ferro reconhece no próprio filme de fião certos elementos da realidade
que se tornam importantes para a compreensão da obra cinematográfica.
Acreditamos que todo esse debate nos dá base para empreender a análise fílmica
proposta neste trabalho. Porém, antes de seguir, é necessário revelar de que forma ele es
estruturado. No capítulo 1, denominado “Ascensão, crises e a juvenilização do cinema
24
GOLIOT-LÉTÉ, Anne e VANOYE, Francis. Ensaio Sobre a Análise Fílmica. Trad. De Marina
Appenzeller. Campinas: Papirus, 1994, p. 15.
25
Idem, Ibid, p. 56.
26
norte-americano”, iremos discorrer a respeito da indústria cinematográfica de Hollywood
até pouco depois da primeira metade do culo XX. Daremos ênfase, principalmente, ao
processo que tornou o cinema norte-americano o mais popular do mundo sem, no entanto,
esquecer das fases difíceis que acabaram por resultar em estratégias para garantir que as
pessoas continuassem frequentando as salas de cinema em momentos de crise de
Hollywood. Aliás, foi dentro de um contexto de crise da indústria de cinema dos Estados
Unidos que ocorreu aquilo que ficou conhecido como a juvenilização do cinema, que
também é uma questão abordada nesta parte do trabalho. Ganha destaque ainda no
primeiro capítulo a discussão sobre o fenômeno da juventude ocorrido na década de 1950
nos Estados Unidos.
No capítulo 2, intitulado “O Selvagem e Juventude Transviada: rebeldes em cena”,
pretendemos, através das análises dos filmes “O Selvagem” e “Juventude Transviada”,
promover a discussão sobre as representações que eles faziam da sociedade na época, bem
como, a partir deles, estabelecer relações com e sobre o universo dos adolescentes-
problema do período, abordando questões como o conflito de gerações, o confronto contra
a autoridade, a moda, o papel da mulher, sexualidade e as gangues. Cada filme se
discutido primeiramente em separado para, então, realizar uma análise conjunta das
problemáticas percebidas nas duas obras.
No terceiro capítulo, denominado “Sem Destino: oposões e contradições de uma
sociedade em processo de mudança”, a dissertação traz a discussão sobre o filme “Sem
Destino”. Para tanto, apresentamos algumas questões relativas à contracultura dos anos
1960, abordando alguns de seus principais elementos. A partir de então, será realizada a
discussão específica sobre o filme, com ênfase sobre as questões relativas ao nomadismo, à
oposição entre campo e cidade, aos comportamentos considerados como desviantes, em
especial, o consumo de drogas, que está bastante presente em “Sem Destino”.
CAPÍTULO 1:
Ascensão, crises e a juvenilização do cinema norte-americano
“Elemento de riqueza conteudística, o tema
de jovens sem e sem causa iria, por ser
novo, prenhe, necessitando de alívio,
provocar novas experiências de linguagem
conematográfica”.
Glauber Rocha
26
Os filmes “O Selvagem” e “Juventude Transviada” foram rodados não apenas no
momento em que o fenômeno da adolescência/juventude ganhava forma nos Estados
Unidos, mas também em um período de grande crise dos estúdios de Hollywood.
Considerados precursores de um novo gênero do cinema norte-americano – os filmes sobre
e para adolescentes (teenpics) -, estas obras, entre muitas outras coisas, eram também parte
de um esforço da indústria cinematográfica dos Estados Unidos para recuperar o prestígio
vivido até meados da década de 1940, quando os filmes hollywoodianos atingiram uma
popularidade semelhante àquela alcançada logo após o fim da Primeira Guerra Mundial.
Embora o estivesse ameaçada pelas indústrias de filmes de outros países, Hollywood
teve que encontrar meios para garantir a frequência do público norte-americano nas salas
de cinema em razão da concorrência, principalmente, da televisão, a grande novidade do
começo dos anos 1950.
1.1 Hollywood na primeira metade do século XX
Os filmes norte-americanos tiveram grande repercussãono início do século XX,
quando Hollywood ainda estava dando seus primeiros passos para se tornar o grande pólo
mundial do cinema. É possível afirmar que isso se deu basicamente por causa de dois
aspectos: um deles é o modelo narrativo desenvolvido pelos estúdios de cinema dos
26
ROCHA, Glauber. O Século do Cinema. Rio de Janeiro: Alhambra, 1985, p. 44.
28
Estados Unidos e o outro o acontecimentos que extrapolaram o universo do cinema, mas
que acabaram beneficiando Hollywood de forma significativa.
Vejamos. Desde seus primeiros anos, os estúdios de Hollywood desenvolveram um
modelo de produzir filmes que, não é exagero afirmar, se tornou o mais bem sucedido do
cinema e hoje é chamado de clássico
27
. Entre as suas principais características estão a
clareza, a homogeneidade, a linearidade do tempo e dos fatos, a coerência narrativa e o
grande impacto dramático. A hisria se desenvolve sempre a partir de um protagonista
sendo que cada personagem desempenha um papel específico (o bom, o mau, o bonito, o
feio, o herói, o vilão, etc.). No cinema clássico norte-americano, conforme Goliot-Lée
Vanoye, “tudo parece se desenvolver sem choques, em que os planos e as seqüências se
encadeiam aparentemente com toda a lógica, em que a história parece se contar por conta
própria”
28
.
Outra característica do cinema clássico de Hollywood é a elaboração de um método
de interpretação dos atores bem distante dos gestos mais exagerados, por exemplo, da
representação teatral; a preferência pela realização de filmagens em estúdio; e por fim a
escolha de histórias de fácil identificação junto ao público e de popularidade garantida.
“Tudo neste cinema caminha em direção ao controle total da realidade criada pelas
imagens tudo composto, cronometrado e previsto. Ao mesmo tempo, tudo aponta para a
invisibilidade dos meios de produção desta realidade. Em todos os níveis, a palavra de
ordem é ‘parecer verdadeiro’; montar um sistema de representação que procura anular a
sua presença como trabalho de representação
29
, afirma Ismail Xavier.
Da mesma forma, Edgar Morin apontou como características do cinema clássico o
domínio do ritmo da ação, a aceleração do tempo, a câmera lenta, os diferentes planos (em
especial o close-up), o uso de luzes e sombras e a própria sica que, assim como todos
27
Grande parte dos créditos a esse modo clássico de se fazer filmes é dada a D. W. Griffith, em especial ao
seu filme “O Nascimento de uma Nação” (“The Birth of a Nation”), de 1915, o qual reunia em uma única
obra praticamente todas as inovações apresentadas por ele, e também por outros diretores, ao longo de quase
uma cada dirigindo centenas de filmes. Nessa, que é considerada a sua obra-prima, estavam presentes os
close-ups, tomadas diversas para uma mesma cena, o desenrolar de histórias paralelas dentro um mesmo
filme, o uso de câmeras em movimento, exuberante composição e atenção aos detalhes do cenário, maior
controle no uso da iluminação, entre outros. Para Robert Sklar, D.W. Griffith, “à diferea dos predecessores,
compreendeu que cada nova cnica não era apenas um truque para chamar a atenção, mas um sinal, um
modo especial de comunicação, um elo na cadeia do discurso cinematográfico. Foi o primeiro a forjá-las num
estilo completo e original de movimentação de imagens”. SKLAR, Robert. Op. cit., p. 70.
28
GOLIOT-LÉTÉ, Anne e VANOYE, Francis. Op. cit., p. 28.
29
XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. 3ª ed. São Paulo: Paz e Terra,
2005, p. 41.
29
esses outros elementos, têm como objetivo prender a atenção do espectador e fazer com
que ele tenha uma participação afetiva com o filme. Afirmou Edgar Morin que:
De fato, a câmera, quer pelos seus movimentos próprios, quer pelos
movimentos dos sucessivos planos, pode permitir-se o nunca perder de
vista, enquadrar sempre e pôr em destaque o elemento emocionante. Pode
sempre focar em função da mais alta intensidade. As suas circunvulações,
as suas múltiplas preensões (diferentes ângulos de visões) em volta do
sujeito, realizam, por outro lado, uma autêntica envolvência afetiva.
30
Essencial ainda dentro da proposta naturalista do cinema clássico de Hollywood são
as regras de continuidade, ou seja, os cuidados que devem ser tomados para evitar que a
evolução da trama fique comprometida por erros de montagem ou que se rompa uma certa
linearidade narrativa, o que pode trazer empecilhos para a assimilação da obra pelo
público. Esse maior refinamento na narrativa fílmica, hoje considerada clássica de
Hollywood, colaborou significativamente para que o cinema norte-americano se tornasse,
após a Primeira Guerra Mundial, o mais visto em todo o mundo. Até então, a França era a
maior produtora de filmes, sendo que foi nesse país onde se começou a explorar
comercialmente o cinema. Porém, com o conflito armado que se desenrolou sobre a
Europa, os recursos e, também, a produção de filmes diminuíram drasticamente em países
como a Itália, a Alemanha, a Grã-Bretanha e a própria França, todos grandes produtores de
cinema. Com isso, o cinema dos Estados Unidos pôde não somente saborear a maior fatia
do mercado europeu, como avançar também sobre outros países, como os da América
Latina
31
.
Essa nova realidade propiciou ganhos financeiros gigantescos às produtoras de
cinema, que não apenas conseguiam cobrir os custos e obter lucros com a exibição de
filmes nos Estados Unidos, como multiplicavam os rendimentos com as bilheterias no
exterior. Isso ainda garantiu outra mudança na forma de se produzir cinema: que não
havia mais outras indústrias nacionais significativas concorrendo dentro dos Estados
Unidos ou em outros países, a motivação dos produtores era no sentido de se produzirem
filmes que agradassem em cheio o público norte-americano.
30
MORIN, Op. cit., p.158.
31
Essa expansão pode ser medida pelo total de metros de filmes exportados pelos estúdios dos Estados
Unidos. Se em 1915 o total era de 10,5 milhões de metros, no ano seguinte essa soma atingiu a gigantesca
marca de 47,7 milhões de metros. Com esse avanço extraordinário, até o final da Primeira Guerra Mundial,
praticamente 85% dos filmes assistidos em todo o mundo eram produções norte-americanas. TURNER,
Graeme. Op. cit., p. 24.
30
Esse período de forte crescimento da instria cinematográfica perdurou até os
primeiros anos da década de 1920. Isso porque as indústrias cinematográficas de outros
países (que começavam a se reerguer dos estragos da Primeira Guerra Mundial) passaram a
produzir novamente filmes em quantidades razoáveis, além de que o cinema enquanto
opção de lazer passou também a sofrer concorrência com o rádio e os automóveis, por
exemplo, novidades que passaram a disputar com os filmes o interesse das pessoas para
passarem as horas disponíveis para o entretenimento. Mesmo assim, naquele período os
Estados Unidos mantiveram a supremacia na produção de filmes. Uma das novidades para
garantir a frequência do público foi um refinamento maior do star system e da divisão dos
filmes em gêneros (como o western, filmes de gansters, musicais, comédias, etc.). O star
system e o gênero, inclusive, são o resultado direto de um modelo de produção industrial
de cinema ferreamente organizado adotado por Hollywood a partir da década de 1920.
Esse fenômeno ficou conhecido como studio system, no qual as companhias
cinematográficas assumiam o controle de todo o processo que envolvia o cinema até ele
chegar ao público, ou seja: a produção, distribuição e exibição dos filmes. Um dos efeitos
dessa integração de todos os setores foi a expansão do capital dessas companhias
cinematográficas, que atraíram investimentos de bancos e companhias de comunicação,
entre outros.
Outra grande inovação para manter o interesse do público estadunidense pelo
cinema foi introduzida pela Warner. Em 1927, ela lançou o primeiro longametragem
sonorizado, com as falas e músicas saindo diretamente da película, ao invés de uso das
legendas e de músicas tocadas por orquestras nas próprias salas de projeção, como era
comum até então no cinema mudo. Ao usar esta inovação no filme “O Cantor de Jazz
(“The Jazz Singer”, direção de Alan Croslan), a Warner conseguiu não apenas aumentar
sua participação no mercado apresentando um novo produto que tornava o cinema ainda
mais “real”, como também acabou contribuindo significativamente para consolidar o
longa-metragem como a principal atração cinematográfica. Porém, se essa novidade foi
recebida com euforia pela indústria de Hollywood, logo ela trouxe consigo um efeito
colateral: a perda do mercado em países onde não se falava a língua inglesa, que havia a
necessidade da dublagem ou de legendas, o que desagradava parte desse público.
Some-se a esse efeito colateral para a indústria de cinema dos Estados Unidos a
crise de Wall Street, em 1929, e a depressão econômica que se seguiu. Segundo Graeme
Turner, o público do cinema diminuiu até 30% no país em 1932 e muitos estúdios sofreram
31
intervenção em razão das dívidas
32
. Essa situação de dificuldades se estendeu até o início
dos anos 1940, não só porque foi quando os norte-americanos haviam se recuperado
economicamente, mas em grande parte porque a Europa novamente estava em conflito:
acontecia a Segunda Guerra Mundial e, com isso, os países europeus, que tinham outra vez
uma instria de filmes considerável, viram cair o número de suas produções
cinematográficas.
33
A retomada do crescimento de Hollywood atingiu o auge em 1946, período em que
os cinemas registraram o maior comparecimento de público em todos os tempos
34
.
Contudo, esse período de ascensão do cinema hollywoodiano entraria em decadência com
uma série de eventos que se seguiu em um curto espaço de tempo. O primeiro duro golpe
contra os grandes estúdios aconteceu em 1948, quando a Corte Suprema dos Estados
Unidos decidiu pelo fim da integração da atividade cinematogfica. Ou seja, os esdios
não poderiam mais manter o controle sobre o tripé produção-distribuição-exibição”.
Como alternativa, os grandes esdios optaram por manter o controle sobre as duas
primeiras etapas do processo, reconhecendo o papel fundamental que é para o sucesso de
um filme o acesso ao maior número possível de salas de cinema, o que é praticamente
garantido com o processo de distribuição.
Porém, o maior ataque desferido contra Hollywood certamente foi a popularização
da televisão, que se transformou em verdadeira febre de consumo nos Estados Unidos no
final dos anos 1940 e início de 1950 e, consequentemente, afastou uma grande parte do
habitual público das salas de cinema. Em 1953, por exemplo, o total de espectadores que
frequentou as salas de cinema nos Estados Unidos foi cerca da metade daquele de 1946.
Por outro lado, em 1953, 46,2% dos lares norte-americanos já contavam com aparelhos de
32
TURNER, Graeme. Op. cit., p. 26.
33
Ruy Castro oferece uma visão perfeita e bem-humorada de como Hollywood estava se fortalecendonos
primeiros anos da Segunda Guerra Mundial: “Entre 1939 e 1942, por exemplo, o cinema americano ia tão
bem de sde que, se fosse melhor, seria pecado. Naquele período, havia mais cinemas nos Estados Unidos
do que bancos. Hollywood, com seus 400 filmes por ano, movimentava sozinha mais dinheiro do que todas
as cadeias de supermercados juntas. Ia-se tanto ao cinema que, para muita gente, a dieta sica consistia das
pipocas que comia durante os filmes. Cinqüenta milhões de americanos viam pelo menos um filme por
semana, todas as semanas, deixando quase 700 milhões de dólares por ano nas bilheterias. Com este dinheiro,
a indústria do cinema punha uma galinha em cada panela das mais de 30 mil pessoas empregadas diretamente
nos cinco ou seis grandes estúdios. Felizmente, ainda sobrava algum para pagar o salário anual do magnata
da MGM, Louis B. Mayer: 1 milhão de dólares.” - CASTRO, Ruy. Hollywood. In: LABAKI, Amir (Org.).
Folha Conta 100 Anos de Cinema. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995, p. 81 e 82.
34
Conforme Robert Sklar, estatísticas da época revelam que 75% do público potencial (ou seja, todas as
pessoas que tivessem condições de comprar uma entrada de cinema) frequentavam ao menos uma vez por
semana alguma sala de cinema. In: SKLAR, Robert. Op. cit., p. 313.
32
televisão.
35
Além da perda de público, o sucesso da televisão também tinha outro efeito
negativo para os estúdios de cinema, já que um enorme volume de recursos financeiros,
que antes eram investidos na produção de filmes, passou a ser direcionado para as
emissoras de televisão. De acordo com Thomas Doherty, em 1947 as emissoras de
televisão e afiliadas tiveram um rendimento de US$ 1,9 milhão nos Estados Unidos. Uma
década depois, este montante havia atingido a gigantesca marca de US$ 943,2 milhões.
36
O desafio para a indústria do cinema era descobrir como convencer as pessoas a
pagarem pelo bilhete de cinema, já que em casa elas poderiam assistir a muitas atrações da
televisão praticamente de graça. Como alternativa para concorrer com a TV, Hollywood
percorreu alguns caminhos. Um deles foi produzir filmes diretamente para as próprias
emissoras de televisão, o que desde então se mostrou uma opção bastante lucrativa para os
esdios de cinema. Um outro foi apostar em inovações técnicas, que iam desde a
ampliação do tamanho da tela onde o filme era projetado (sendo que entre as várias
inovações, apenas o Cinemascope se mostrou viável e conquistou a simpatia do público),
passando por filmes em 3-D (que exigiam o uso de óculos especiais, idéia logo
abandonada) e o uso mais frequente do cinema em cores, técnica já praticamente dominada
durante os anos de 1930 e 1940 (mas, naquela época, praticamente utilizado para passar
ao espectador a representação de sonhos ou de momentos mágicos em determinadas cenas
de um filme). Contudo, ao contrário do que se imaginava, o filme em cores não causou o
mesmo efeito positivo para a instria cinematográfica do que aquele provocado pela
inclusão do som no final dos anos 1920. O cinema em cores somente se consolidou como o
padrão para a produção de longas-metragens quando as próprias imagens coloridas foram
padronizadas pela televisão.
Mas, o foi apenas tecnicamente que a indústria cinematográfica norte-americana
reagiu à televisão. Os próprios filmes mudaram na tentativa de proporcionar uma diversão
muito mais espetacular, em diversos sentidos. Conforme Thomas Doherty, the nature of
television its physical shape, episodic format, and family-oriented largely determined
the nature of American motion pictures in the 1950s
37
. Com um orçamento mais enxuto,
já que as receitas com a bilheteria não paravam de cair, os grandes estúdios resolveram
investir mais dinheiro em um número menor de filmes. Passou-se a privilegiar para a
35
Idem, Ibid, p. 316.
36
DOHERTY, Thomas. Teenagers and Teenpics: The Juvenilization of American Movies in the 1950s.
Philadelphia: Temple University Press, 2002, p. 19.
37
Idem, Ibid, p. 20. “A natureza da televisão sua forma física, formatação em episódios, e orientão
familiar – determinaram profundamente a natureza dos filmes americanos nos anos 1950”. (Tradução livre)
33
filmagem roteiros que tradicionalmente tivessem maior apelo popular, ou seja, os filmes
até hoje conhecidos como blockbusters. Se os recursos aplicados eram gigantes, os temas
dessas produções também eram grandiosos, com ênfase em famosos acontecimentos
históricos ou episódios bíblicos, sendo exemplos dessas produções títulos como “Os Dez
Mandamentos” (“The Ten Commandments, direção de Cecil. B. DeMille, 1956) e “Ben-
Hur” (“Ben-Hur, direção de William Wyler, 1959). Nesses filmes épicos, tampouco se
economizava nos efeitos especiais.
Outra oportunidade encontrada por Hollywood foi ousar mais em diversos filmes e,
é claro, a sensualidade e a sexualidade passaram a aparecer de forma um pouco mais
explícita para os padrões daquela década. Desde 1934, os estúdios dos Estados Unidos
controlavam suas obras a partir do que era estabelecido pelo Código de Produção. Este
documento, criado pela entidade Motion Pictures Producers and Distributors of América,
estabelecia quais assuntos eram tabu e de que forma eles deveriam ser tratados, se é que
poderiam aparecer nos filmes. Também orientava os diretores e atores sobre o que podia e
o que não podia ser mostrado ou dito. Assim, uma característica dos filmes produzidos até
então era o puritanismo ou o recato ao abordar certos temas. A primeira obra que desafiou
o Código de Produção foi “Ingênua Até Certo Ponto(“The Moon Is Blue”, direção de
Otto Preminger, 1953). O diretor recusou-se a retirar a palavra “virgem” do filme, que foi
lançado pela United Artists sem a autorização dos censores. Diante da polêmica, várias
outras produções seguiram explorando esta nova possibilidade. Sem ter mais como evitar
os temas tabus e as cenas mais picantes, os responsáveis pelo Código de Produção
acabaram revisando o documento, até mesmo porque muitos filmes europeus que foram
exibidos nos Estados Unidos na época, como E Deus Fez a Mulher” (“Et Dieu... Crea La
Femme”, direção de Roger Vadim, 1956), eram bem mais avançados nesse sentido e se
tornaram uma concorrência forte para as produções norte-americanas.
Mas, a história das mudanças promovidas por Hollywood não estaria completa sem
um outro componente fundamental. Além das mudanças citadas, uma outra alternativa
incentivada pela indústria de filmes estadunidense para garantir um número significativo
de espectadores nas salas de cinema foi intensificar a segmentação do público através da
produção de filmes para determinadas faixas etárias. Essa transformação foi fundamental
para a indústria cinematográfica norte-americana e acompanhou uma tendência
comportamental.
34
Desde o início do cinema nos Estados Unidos até pouco depois da Segunda Guerra
Mundial, os filmes eram feitos para toda a família, ou seja, deveriam agradar pais, filhos e
avós da mesma forma. Porém, com a chegada da TV, ocorreu que grande parte das pessoas
adultas passou a utilizar este aparelho como um dos principais meios de entretenimento,
enquanto que para o público adolescente e jovem, o ato de ir ao cinema continuava a ser
uma atividade de lazer e interação social bastante valorizada. Dessa maneira, é óbvio que
as produtoras de cinema focaram muito de sua atenção nos jovens, criando inúmeros filmes
em que aventuras, doces romances, ficção científica, o terror, o rock and roll e a rebeldia
geralmente eram os fios condutores das histórias. Tal gênero ficou marcado como filmes
de adolescentes (teenpictures, ou sua abreviatura em inglês, teenpics) e o seu surgimento
está também ligado a um fenômeno conhecido como a juvenilização do cinema.
1.2 Juvenilização do cinema
As produções que surgiram mais intensamente para o público jovem a partir dos
anos 1950 tinham como característica comum, com raras exceções, o baixo oamento.
Uma das principais razões é que os estúdios haviam percebido que, para retirar os
adultos da frente da televisão e incentivá-los a ir até o cinema precisavam realizar
superproduções. Contudo, ao mesmo tempo haviam notado que o público adolescente e
jovem continuava frequentando as salas de exibição como um excelente programa de
entretenimento. Para tanto, bastava apresentar filmes atrativos para esse público, que
falassem sobre o seu universo ou que apostassem em temas de forte apelo, muitas vezes
sensacionalistas. Assim, nascia um novo gênero: o filme para adolescentes.
Os neros, de uma forma geral, têm um papel importante tanto para o público
como para os produtores de filmes. Antônio Costa entende que “a classificação dos filmes
em função do gênero a que pertencem é um aspecto fundamental da instituição
cinematográfica”, pois, “orienta claramente o espectador quanto à ambientação, estilo e,
dentro de certos limites, ideologia
38
. Como bem observou Edward Buscombe, “um filme
de gênero depende de uma combinação de novidade e familiaridade. As convenções de
gênero são conhecidas e reconhecidas pelo público, e tal reconhecimento é, por si só, um
38
COSTA, Antônio. Op. cit., p. 93 e 94.
35
prazer estético”
39
. Ou seja, para o público, a classificação de um filme como um western,
por exemplo, lhe dá pistas sobre que tipo de história ele veno cinema ao comprar o
bilhete de entrada. Isso porque, por exemplo, um filme sobre o Velho Oeste deve, a
princípio, contar com conflitos entre os brancos e índios, ou o desafio do homem diante da
natureza, o duelo entre o mocinho e o bandido, e daí por diante, isso sem mencionar os
cenários quase padrões dos westerns (montanhas, desertos, o saloon, o trem, entre outros).
aos diretores, roteiristas, cinegrafistas, enfim, aos produtores, essa série de convenções,
quando adotada, é quase uma garantia de que o filme irá despertar o interesse das pessoas
que gostam desse gênero, estando a partir daí o sucesso ou o fracasso da obra dependendo
de como o todo ou parte desses elementos serão costurados na narrativa fílmica, além, é
claro, de outros pontos que formam todo o processo cinematográfico, como distribuição,
publicidade e atores envolvidos.
Graeme Turner, por sua vez, contribui também com essa discussão, afirmando que
os estúdios de cinema precisam encontrar o equilíbrio exato entre as convenções de cada
gênero e a originalidade/criatividade para garantir o sucesso de um filme:
É cil fazer com que o gênero soe como uma ameaça determinista à
criatividade. É verdade que todos os meios de comunicação de massa,
não apenas o cinema, têm de lidar com o familiar e convencional mais do
que, digamos, a pintura e a poesia. Nas artes populares, a percepção
individual não tem o lugar privilegiado de que desfruta nas formas mais
elitistas, como a literatura. Em vez disso, o prazer vem do familiar, do
reconhecimento de convenções, da repetição e reafirmação. Há, no
entanto, inovação e originalidade nos filmes de gênero, e os melhores
exemplos podem atingir um equilíbrio muito complexo e delicado entre o
familiar e o original, a repetição e a inovação, a previsibilidade e a
imprevisibilidade. Os produtores de filmes populares sabem que cada
filme de gênero tem de apresentar duas coisas aparentemente conflitantes:
confirmar as expectativas existentes do gênero e alterá-las um pouco. É a
variação da expectativa, a inovação em como um roteiro familiar é
representado, que oferece ao público o prazer do reconhecimento do
familiar, bem como a emoção do novo.
Os gêneros, portanto, são dinâmicos. Eles mudam.
40
Isso, de fato, é perceptível nos filmes de adolescentes. Entre as incontáveis obras
que foram rodadas na época, são poucas as que até hoje são lembradas (como é o caso de
“O Selvagem” e Juventude Transviada”). E, se assim o são, é porque foram inovadoras na
39
BUSCOMBE, Edward. A idéia de nero no cinema americano. In: RAMOS, Fernão Pessoa (Org.).
Teoria Contemporânea do Cinema: documentário e narratividade ficcional. Volume II. São Paulo: Editora
Senac, 2005, p. 315.
40
TURNER, Graeme. Op. cit. p. 89.
36
formatação daquele gênero, ao mesmo tempo em que conseguiram ser criativas em meio a
rie de convenções relativas ao nero que estava nascendo. Contudo, fica difícil
classificar todos os elementos que compõem os filmes para adolescentes, que não
uma homogeneidade de temas ou de estilo, mas, sim diversas divisões. Assim, pode-se
dizer que os teenpics são o resultado da dinâmica de outros gêneros, pois utilizam
elementos do cinema clássico e de gêneros como de ficção científica, terror, melodrama,
ação, entre outros, fazendo uma releitura destes de tal forma que pudessem cativar e
atender as expectativas do público jovem. Isso fica evidente nos seus subgêneros, sendo os
principais deles os filmes de rock nroll, de terror, sobre delinquência juvenil e também o
inverso deste último, os filmes que podemos chamar de politicamente corretos ou que o
fossem polêmicos ao abordar temas ligados ao universo jovem (os clean teenpics, como
o chamados nos Estados Unidos).
De acordo com Thomas Doherty
41
, os filmes que mais obtiveram sucesso junto ao
público adolescente e mais jovem na década de 1950 nos Estados Unidos foram os de
terror ou de ficção científica, ou até mesmo os dois gêneros no mesmo filme. Segundo o
autor, filmes de terror sempre atraíram um bom público aos cinemas. Porém, este tipo de
filme havia praticamente sumido das telas após a Segunda Guerra Mundial, sendo que a
causa disso ele especula que talvez tenha sido os pprios horrores do conflito bélico, que
seriam muito mais chocantes do que qualquer história de monstro ou fantasma poderia ser.
No entanto, passados poucos anos após a guerra, filmes de sucesso como “Destino
à Lua” (“Destination Moon”, direção de Irving Pichel, 1950), “O Fim do Mundo” (“When
Worlds Collide”, direção de Rudolph Maté, 1951) e “A Guerra dos Mundos(“War of the
Worlds”, dirão de Byron Haskin, 1953) – obras que misturam horror e a curiosidade pelo
espaço sideral despertaram novamente o interesse por este tipo de produção. Estudiosos
do cinema apontam dois motivos principais (que estão interligados) para o sucesso dessas
histórias. A primeira era a própria corrida espacial iniciada pelos Estados Unidos e pela
União Soviética. A outra era o medo de uma invasão comunista no país norte-americano e
de um grande conflito bélico entre essas duas superpotências nos primeiros anos da Guerra
Fria. Nesse sentido, filmes como “O Planeta Vermelho” (“Red Planet Mars”, direção de
Harry Horner, 1952), “Invasores de Marte” (Invaders from Mars”, direção de William
Cameron Menzies, 1953) e “O Mundo em Perigo” (“Them!, direção de Gordon M.
Douglas, 1954) tinham seus enredos inspirados na tensão surgida a partir da animosidade
41
DOHERTY, Thomas. Op. cit., p. 116.
37
entre União Soviética e Estados Unidos e serviam como representação daquele momento
de tensão política, social e militar. Ao mesmo tempo, filmes assim eram apoiados pelo
próprio governo norte-americano que os percebia como uma boa propaganda
anticomunista.
Conforme Alexandre Busko Valim:
Para o público, o aspecto mais assustador destes filmes não eram os
monstros, canhões lasers, ou naves alienígenas, mas sim a proximidade e
invisibilidade com que inimigos ‘alienígenas’ poderiam atingir alvos
estadunidenses. (...) Nos filmes de ficção científica da década de 1950, os
cenários eram dominados por forças hostis que ansiavam por escravizar os
estadunidenses. O imaginário e a linguagem presentes nestes filmes
representaram não somente os medos e anseios relacionados à atmosfera da
Guerra Fria, mas também reforçaram a convicção de que os EUA
precisavam se defender de uma possível invasão. Assim, as ansiedades
estimuladas pela possibilidade de um conflito entre o mundo capitalista e o
comunista foram fartamente expressadas por filmes de ficção científica
como The Man from the Planet X (1951), The War of the Worlds (1953) e
Invaders From Mars (1953), onde o planeta Terra era repetidamente
ameaçado por invasores alienígenas que cruelmente procuravam por novos
lugares para colonizar e destruir.
42
Apesar do sucesso desses filmes de ficção científica entre o público mais jovem,
tais obras praticamente ainda não apresentavam os jovens e o seu universo da época como
fios condutores das tramas. Filmes nesse sentido foram produzidos de modo mais intenso e
em grande escala a partir da segunda metade dos anos 1950. Esse fenômeno esteve
intimamente ligado ao aparecimento do rock nroll, nero musical que surgiu naquele
período e rapidamente transformou-se em um grande sucesso e passou a ser um símbolo
identitário para boa parte da juventude estadunidense da época.
O primeiro filme que tratava diretamente sobre o rock and roll foi “Ao Balanço das
Horas” (“Rock Around The Clock”, direção de Fred F. Sears, 1956). Ele contava a
trajetória fictícia de Bill Halley & The Comets, autores e intérpretes da canção que dava
nome ao longametragem. Filmado com baixo orçamento (US$ 300 mil), ele faturou US$ 4
milhões nas bilheterias norte-americanas. O impacto do filme foi tão positivo para a
indústria cinematográfica que, a partir de então, os grandes estúdios de Hollywood também
passaram a investir em filmes sobre rock and roll
43
. Conforme Thomas Doherty
44
, antes de
42
VALIM, Alexandre Busko. Imagens Vigiadas: Uma História Social do Cinema no Alvorecer da Guerra
Fria, 1945-1954. Tese (Doutorado em História) Universidade Federal Fluminense. Niterói: 2006, p. 60.
43
O impacto provocado pelo filme Rock Around The Clock não apenas atingiu positivamente as finanças de
Hollywood, como também gerou polêmica nos Estados Unidos e até mesmo fora do país, como demonstra
essa matéria publicada pelo jornal brasileiro Folha da Tarde, em 02 de outubro de 1956: (...) O filme que
38
“Rock Around The Clock os estúdios de cinema não estavam totalmente cientes de que
dirigir grande parte de suas produções diretamente para o público adolescente era um bom
negócio. Mas, depois dele, os produtores e diretores tiveram certeza do enorme potencial
que esse gênero de filme possuía, desde que seguisse algumas regras básicas de produção
e de divulgação para atrair o interesse dos espectadores.
A primeira grande produção foi Sabes Que Te Quero” (“The Girl Can’t Help It!”,
direção de Frank Taschlin, 1956). No elenco, o filme apresentava alguns dos principais
nomes do rock n’ roll da época, como Little Richard, Gene Vincent e Eddie Cochran. Elvis
Presley também foi parar nas telas de cinema. Mas, ao invés de rodar um filme sobre rock,
a sua estréia foi o faroeste “Ama-me Com Ternura” (“Love Me Tender”, dirão de Robert
D. Webb, 1956). Depois deste, Elvis Presley ainda filmou muitos outros, quase que em
rie, entre eles “A Mulher Que Amo(“Loving You”, direção de Hal Kanter, 1957) e “O
Prisioneiro do Rock” (Jailhouse Rock”, direção de Richard Thorpe, 1957).
Filmes sobre rock n’roll tinham como uma de suas características principais um
roteiro bastante simples e muitas vezes repetitivo. Ainda assim, as histórias de namoros em
lanchonetes, brigas entre gangues rivais e pegas disputados com carros velozes tinham
tantas complicações está causando - e até feridos graves, provocou - chama-se realmente "Rock Around
the Clock", o mesmo titulo da canção que serve de tema musical de "Sementes da Violencia", nascendo daí a
confusão. Trata-se de modesta produção da Columbia Pictures, dessas que entram no regime de produção de
rotina. Ninguém, nem a companhia nem os produtores do filme puderam imaginar que a pelicula tivesse uma
carreira o rapida e se transformasse num recorde de bilheterias, tanto nos Estados Unidos como em outros
paises, inclusive na Inglaterra. Embora não tenha custado nem sequer a quinta parte de, por exemplo, "A Um
Passo da Eternidade", tambem na Columbia, rendeu tanto como aquele filme, apesar de continuar inedito
na maioria dos mercados no mundo. (...) Um jornalista inglês, que assistiu à projeção da película num cinema
londrino, durante a qual ocorreram graves acontecimentos, provocados por jovens, assegurou que jamais vira
espetaculo semelhante. "A musica desse filme - disse ele - produz um contagio nos jovens "modernizados"
igual ao que o "tam-tam" africano produz nos selvagens". Daí provocar em moças e rapazes um sentimento
de completa irresponsabilidade e uma atmosfera de explosão que pode, inclusive, determinar delitos mais
graves, como ocorreu numa cidade australiana, onde um homem foi navalhado, quando tentava impedir que
um grupo de jovens, na porta do cinema, provocasse maiores tumultos. O filme, entretanto, nada tem de
espetacular. Um entrecho fraco que serviu para apresentar a mais moderna versão de uma nova musica o
"rock and roll", recentemente lançada nos Estados Unidos pelo jovem cantor Elvis Presley, ex-motorista de
caminhão. São varias as canções apresentadas, mas a que se destaca é a mesma de "Sementes da Violencia",
interpretada, entretanto, num ritmo mais agressivo e mais louco. O filme narra a vida de um jovem que não
tem sucesso na musica de jazz mas consegue lançar uma nova modalidade, o que lhe permite adquirir
popularidade e, em seguida, sucesso artístico e financeiro. Nada mais. Mas é essa musica que, dançada pelos
interpretes do filme, causa conflitos no seio de jovens mal formados pela educação modernizada, dando
assunto aos estudiosos de problemas psicologicos. E são tais as preocupações que esse novo genero de
musica está provocando que um juiz de Londres aventou a necessidade de se proibir a divulgação da mesma.
"Se - disse ele - essa musica provoca nos jovens os mesmos efeitos do alcool, não vejo porque não se proiba
a sua divulgão, da mesma forma que é proibido o consumo de alcool pelos menores." Conflitos e
loucuras entre os jovens nas exibições do filme “Rock Around The Clock”. Disponível em publicão
eletrônica na Internet, via http://almanaque.folha.uol.com.br/ilustrada_02out1956.htm. Capturado em
10/03/2009.
44
DOHERTY, Thomas. Op. cit., p. 55.
39
grande apelo junto aoblico alvo. Am de atores jovens e bonitos no elenco, esses filmes
contavam com o maior número possível de roqueiros tocando seus sucessos. Por exemplo,
o cartaz promocional do filme “Go, Johnny Go! (“Go, Johnny Go!, direção de Paul
Landres, 1959) anunciava: “VEJA! 10 grandes estrelas do rock nroll! OUÇA! 17 novos
sucessos do rock nroll(ver figura 1, p. 49). Além de atrair o interesse do público, que
assistia no cinema apresentações de seus principais ídolos, a tática também ajudava a
aumentar a fama dos músicos, que eram recompensados com o crescimento das vendas na
bilheteria para seus shows.
Outro elemento bastante presente nessas obras era o conflito de gerações mostrado
de maneira caricatural. Quase sempre as tramas apresentavam os pais ou pessoas mais
velhas como conservadoras que tentavam banir o rock n’ roll. Porém, com o decorrer da
história, eles percebiam que o estilo não era tão ruim assim e, muitas vezes, acabavam
literalmente caindo na dança.
Na avaliação de Primati:
Talvez, sem o poder disseminador do cinema, o rock fosse hoje tão obscuro
quanto o skiffle
45
, o shuffle
46
e outras danças ‘estranhas’... Mas, como que
por mágica, produtores, atores e músicos se uniram para levar o ritmo à
tela grande, associando-o para sempre à rebeldia, juventude, diversão e,
claro: o bom e velho e vendável conflito de gerações. (...) Se é que o
cinema cometeu algum pecado em relação ao rock foi o de subestimar sua
força. Com raríssimas exceções, os filmes sobre o tema feitos nos anos 50
e 60 não passavam de bobagens que almejavam apenas faturar um dinheiro
fácil à custa da novidade.
47
Mas, muito além dos benefícios financeiros desses filmes, Thomas Doherty afirma
que o que acontecia na tela era o importante quanto o que acontecia em frente a ela. Ou
seja, para os adolescentes da época, assistir a um filme como os de rock n’ roll, neste caso,
era compartilhar um sentimento de pertencimento a um grupo, com valores e gostos em
comum. Essa experiência ia muito além de um simples entretenimento. Era uma legítima
prática social, muitas vezes vista como problemática para os padrões da época
48
.
45
Música tocada com instrumentos fabricados pelos próprios músicos.
46
Música que era acompanhada por uma dança em que a plateia costumava arrastar os pés no chão.
47
PRIMATI, Carlos. Luzes. Câmera. Rock n’ Roll. In: Bizz A História do Rock. São Paulo, v.1, p.37 e 43,
maio/2005.
48
DOHERTY, Thomas. Op. cit., p. 77 e 78.
40
A explosão do rock n roll enquanto um fenômeno de massa e a própria
juvenilização do cinema, contudo, não se deram simplesmente por uma decisão ou vontade
das indústrias fonográfica e cinematográfica. Eles são fruto de amplas mudanças que
estavam acontecendo na sociedade norte-americana e que tinham como protagonistas
novos sujeitos sociais: os adolescentes (teenagers). Essas transformações foram tão
profundas que, em certos casos, passaram a ser consideradas um grande problema social e,
como tal, além de gerar preocupação e questionamentos aos pais, educadores e
especialistas diversos, acabaram sendo amplamente exploradas por Hollywood, que acabou
criando um novo subgênero dentro dos filmes juvenis: os filmes sobre a juventude
perigosa, nos quais se enquadram “O Selvageme “Juventude Transviada”, como veremos
a seguir.
1.3 Década de 1950: anos dourados?
Enquanto a indústria de cinema de Hollywood passava por um momento de grandes
dificuldades no início da década de 1950, como vimos anteriormente, por outro lado, a
sociedade norte-americana, de uma forma geral, vivia um processo de grande
desenvolvimento econômico. A viria na Segunda Guerra Mundial e os novos mercados
conquistados com o fim do conflito no continente europeu favoreceram o surgimento de
uma economia de pleno emprego nos Estados Unidos, em que diversos setores viveram
momentos de enorme expansão. Pela primeira vez desde a crise de 1929, o cidadão comum
norte-americano tinha possibilidades de manter um elevado padrão de consumo, que
andava lado a lado com as mais diversas novidades que as instrias apresentavam aos
consumidores de praticamente todas as idades.
Boa parte dos jovens estadunidenses, na época, também vivia uma situação
privilegiada. A maioria deles não precisava trabalhar para ajudar no sustento das famílias,
já que pais bem remunerados tinham condições de bancar as despesas do lar e, ainda,
garantir mesadas generosas aos filhos. Estes, por sua vez, caso quisessem trabalhar,
também não tinham muitas dificuldades para conseguir empregos que lhes fornecessem
uma renda razoável para adquirir os mais variados produtos. No entanto, essa situação de
desenvolvimento econômico satisfatório, contraditoriamente, aconteceu em um momento
41
em que jovens da época passaram a questionar com mais ênfase determinados valores e
regras da sociedade norte-americana, a mesma sociedade que naquele período passava a
perceber a existência de um novo sujeito social: o adolescente.
Thomas Doherty
49
e Luisa Passerini
50
apontam que o psicólogo G. Stanley Hall, no
seu livro Adolescence, de 1904, foi quem pela primeira vez se referiu ao adolescente dos
Estados Unidos. O psicólogo defendia que, o que uma vez era conhecido como infância,
juventude ou juventude adulta, deveria ser distinguido e denominado como adolescência.
Ele havia identificado características próprias de comportamento, além das evidentes
mudanças biológicas, para as pessoas que vivenciavam aquela faixa etária que, na opinião
de Hall, se iniciava por volta dos 12 anos e poderia se estender até a casa dos 20 e poucos
anos. Outros estudos que se seguiram ao longo das primeiras décadas do século XX
abordando o assunto defendiam que os adolescentes, principalmente aqueles que
habitavam o espaço urbano, viviam numa espécie de universo paralelo ao do mundo
adulto, sendo que o colégio e a universidade (aí incluindo as fraternidades, festas,
lanchonetes e toda a teia de relacionamentos que ganham vida em torno dessas
instituições) formavam um cosmos social fechado em si pprio, com normas de
comportamento e valores diferentes do que era considerado normal até então. Nesse caso, a
interação entre os adolescentes e jovens poderia ser bem mais relevante na sua formação
intelectual e moral do que o tradicional relacionamento com a família e os próprios
professores.
Apesar de alguns estudos já estarem apontando essas mudanças no modo de ser de
jovens e adolescentes urbanos desde o início do século XX, de um modo geral, até o fim da
Segunda Guerra Mundial aqueles que seriam os próprios adolescentes se consideravam
apenas como não adultos ou, então, jovens adultos. Porém, após a guerra, essa visão foi
sendo alterada e a adolescência passou a ser considerada uma fase única e privilegiada,
embora também marcada por crises, que era vivida na transição da inncia para a vida
adulta. Para Luisa Passerini, é justamente após a Segunda Guerra Mundial que “foi
revelado o contraste entre a aparente auncia de adolescentes no período bélico, quando a
tônica era colocada nos jovens combatentes e nos adultos ou então nas crianças”
51
.
49
DOHERTY, Thomas. Op. cit., p. 32-34.
50
PASSERINI, Luisa. A juventude, metáfora da mudança social. Dois debates sobre os jovens: a Itália
fascista e os Estados Unidos da década de 1950. In: LEVI, Giovanni e SCHMITT, Jean-Claude (Orgs.).
História dos Jovens: a época contemporânea. Trad. Paulo Neves, Nilson Moulin, Maria Lúcia Machado. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 352.
51
Idem, Ibid, p. 352.
42
Conforme Eric Hobsbawn, a cultura juvenil da segunda metade do culo XX se
diferenciava das anteriores em três fatores. Primeiro: a juventude” passou a ser vista
como o estágio final do desenvolvimento humano e não mais como a última etapa de
maturação para o mundo adulto. Segundo: os avanços tecnológicos, principalmente os
computadores, colocaram os jovens à frente dos adultos, que o haviam crescido tendo
um contato com estas máquinas. “O que os filhos podiam aprender com os pais tornou-se
menos óbvio do que o que os pais não sabiam e os filhos sim. Inverteram-se os papéis das
gerações”
52
, atesta o historiador. Terceiro: o internacionalismo dessa juventude moderna,
que espalhou seus modelos e gostos para diversas partes do mundo, o que foi facilitado
pela forte instria cultural norte-americana, principalmente através de filmes, discos,
livros e moda.
Essas mudanças, Hobsbawm reforça, tiveram seus eventos principais a partir dos
anos 1950 principalmente nos Estados Unidos, mas também na Inglaterra quando a
juventude passou a perceber a si mesma como uma camada com consciência própria que, a
partir daquele momento, se tornava um agente social independente, ou seja, com uma até
então inédita autonomia, com novos símbolos identitários e com manifestações culturais e
políticas bastante singulares. De acordo com o autor, alguns fatores contribuíram
significativamente para que essas mudanças ocorressem. Um deles é justamente a crise da
família, ou seja, o modelo patriarcal (formado pelo núcleo “pai, mãe e filhos”) começou a
se desarticular. A maior liberdade sexual (e o consequente nascimento de mais filhos
ilegítimos), as lutas das mulheres pela igualdade de direitos em relação aos homens e,
claro, o preconceito menor em relação às pessoas divorciadas, bem como novas leis que
agilizavam esse processo, acabaram por abalar as típicas estruturas familiares. Some-se a
isso o próprio mercado, que percebeu na juventude um alto poder aquisitivo, graças ao
momento de espantoso crescimento da economia norte-americana após a Segunda Guerra
Mundial. Depois de detectar que a maioria dos jovens tinha condições de gastar e estava
disposta a comprar diversos produtos não considerados de primeira necessidade, o próprio
mercado tratou de cortejar aquela camada da população, alimentando e enaltecendo a
sensação de que, de fato, a juventude tratava-se de um grupo especial, com interesses,
gostos e vontades diferentes das crianças e, principalmente, dos adultos. Hobsbawn
exemplifica o poder de compra daquela juventude através das vendas de discos nos
52
HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. Trad. Marcos Santarrita. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 320.
43
Estados Unidos, que subiram de 277 milhões de lares em 1955, ano em que o rock n
roll apareceu, para 600 milhões quatro anos depois
53
.
O rock n’ roll, como mostrado anteriormente neste capítulo, foi um catalisador que
expandiu a contestação e a rebeldia juvenil durante a década de 1950, mas não foi o único.
Na literatura
54
, foram os beatniks (também chamados de beat) e hipsters os primeiros que
expressaram o seu desconforto com a sociedade e o american way of life predominante nos
anos 1950. Ken Goffman e Dan Joy os definiram como “uma linhagem jovem e soturna
que tinha começado a formar uma subcultura nos anos 1940”. Influenciados pelo jazz
bebop e “se desenvolvendo mais ou menos em paralelo com a evolução do existencialismo
francês e sua visão da vida humana como um espaço vazio cercado de um abismo sem
sentido, os hipsters eram personagens furtivos os rebeldes perfeitos para uma época
paranóica”
55
. Por sua vez, Paulo Sérgio do Carmo entende que a rebeldia dos beatniks era
provocada pela “tirania das massas”, pela tendência da sociedade norte-americana de
formar cidadãos medíocres. “Inconformados, os escritores da chamada beat generation
buscavam refletir sobre a multidão solitária absorvida pela ânsia de segurança, pela
submissão generalizada, pelo conformismo e pela necessidade de identificação com a
imagem que a sociedade exige de cada um”
56
, escreveu o autor.
Muitos daquela geração de jovens, que chegaram à adolescência imediatamente
após a Segunda Guerra Mundial, davam evidentes sinais de alienação, descrença no futuro
e de total falta de referências ou bases para adentrar na vida adulta. O poeta Carl Solomon,
um dos expoentes da geração beatnik, escreveu durante os anos 1960 a respeito daquela
que ele chamava de Turma de 48, da qual ele próprio fazia parte:
Era um grupo bizarro. Decadente em muitos aspectos, eu achava. Eles
pareciam sentir que a guerra tinha acabado e que nunca mais se
53
Idem, Ibid, p. 321.
54
Outro romance que teve grande repercussão nos Estados Unidos na época, embora não esteja ligado à
cultura beatnik, foi O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger. Lançado em 1951, o livro, que se
tornou um best-seller imediato e hoje é um clássico da literatura norte-americana, narra alguns dias na vida
da personagem adolescente Holden Caulfield, que é expulso da escola dias antes do Natal. Segundo o escritor
Luis Fernando Veríssimo, O Apanhador no Campo de Centeio trata “sobre o que todos nós fomos na
adolescência, revoltados, incompreendidos, nos achando melhores do que os adultos porque ainda não
éramos ridículos como eles, e sobre a maior banalidade de todas, a protobanalidade que embala boa parte da
arte humana: a perda da inocência da infância, a sua corrupção pela vida”. In: VERÍSSIMO, Luis Fernando.
Banquete com os deuses: cinema, literatura, música e outras artes. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003, p. 122.
55
GOFFMAN, Ken e JOY, Dan. Contracultura Através dos Tempos: do mito de Prometeu à Cultura Digital.
Trad. Alexandre Martins. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007, p. 256.
56
CARMO, Paulo Sérgio do. Culturas da Rebeldia: a juventude em questão. São Paulo: Editora Senac o
Paulo, 2001, p. 29.
44
defrontariam com qualquer desafio maior. (...) Foram chamados de
‘Geração Silenciosa’ e mais tarde de Beat Generation’. Foram os
precursores dos jovens rock nroll, mas seja como for, nem muito normais
nem muito loucos, jovens demais para terem estado na guerra e velhos
demais para serem produtos da Guerra Fria, uma geração entre-guerras.
57
Essa análise em retrospectiva feita por Carl Solomon sobre aquela geração,
contudo, não demonstra, totalmente, a insatisfação e a revolta presente em muitos jovens
norte-americanos na metade dos anos 1950. Muito mais ácidos eram os poemas do poeta
beatnik Allen Ginsberg, escritos na efervescência daquele período. Em “Uivo”, seu poema
mais famoso e dedicado a Carl Solomon, Ginsberg escreveu:
Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura, morrendo de
fome, histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma
dose violenta de qualquer coisa
hipsters com cabeça de anjo ansiando pelo antigo contato celestial com o
dínamo estrelado da maquinaria da noite (...)
58
Já no poema “América”, a revolta de Allen Ginsberg é ainda mais explícita:
América eu te dei tudo e agora não sou nada.
América dois dólares e vinte e sete centavos 17 de janeiro de 1956.
América não agüento mais minha própria mente.
América quando acabaremos com a guerra humana?
se foder com sua bomba atômica.
Não estou legal e não me encha o saco.
Não escreverei meu poema enquanto não me sentir legal. (...)
59
Após praticamente cinco décadas desde que o adolescente fora identificado pelo
psicólogo G. Stanley Hall, em 1950, segundo Luisa Passerini, “o processo estava completo
e a adolescência adquirira um estatuto legal e social, a ser disciplinado, regulamentado,
protegido
60
. Porém, a aceitação do teenager não se deu de forma tranquila. Junto deste
processo de reconhecimento do adolescente como um agente social diferente, também
aconteceu uma associação negativa em relação à adolescência: a identificação dos
adolescentes e dos jovens como indivíduos perigosos. Assim é que a expressão
57
SOLOMON, Carl. De Repente, Acidentes. Trad. José Thomaz Brum. Porto Alegre: L&PM Editores, 1985,
p. 26.
58
GINSBERG, Allen. Uivo e outros poemas. Trad. Cláudio Willer. Porto Alegre: L&PM Editores, 1999, p.
27.
59
Idem, Ibid, p. 58.
60
PASSERINI, Luisa. Op. cit., p. 353.
45
“delinquência juvenil”, ao longo daquela década, ganhou espaço nos debates nos meios de
comunicação, entre políticos, psilogos, professores e educadores. Isso porque cada vez
mais o comportamento transgressor e violento, até então sempre associado aos
adolescentes das camadas sociais mais baixas, estava começando a fazer parte do dia-a-dia
das famílias de classe média norte-americanas. De fato, a delinquência juvenil tornou-se
um problema tão grande que autoridades e especialistas diversos começaram a dar cada
vez mais atenção a ela, o que é confirmado por uma série de instituições correcionais e
programas que foram criados nos Estados Unidos, a partir de 1950, para disciplinar os
adolescentes-problema. É o caso da Youth Correction Division, fundada em 1951, que
servia para reabilitar infratores com menos de 22 anos. Em 1953, o Senado criou o
Subcomitê Sobre a Delinquência Juvenil, sendo que no ano seguinte foi criada a seção para
a delinquência juvenil do Children’s Bureau do governo federal. em 1961, o presidente
Kennedy formou o Committee on Youth Employment, com a função de estudar e discutir os
problemas dos jovens. Os delinquentes juvenis teriam se tornando um problema social o
grande
61
que, citando os trabalhos do psicólogo Edgar Friedenberg sobre a juventude,
Luisa Passerini afirmou que:
61
O fenômeno da rebeldia juvenil, primeiro identificado nos Estados Unidos, acabou se estendo a outros
países, onde gerou a mesma preocupação. Tanto é que, em 1962, a Unesco reuniu-se para discutir o problema
do adolescente rebelde, conforme revela matéria do jornal Folha de S. Paulo, de 10 de julho daquele ano.
Curiosamente, ao contrário do que aconteceu na década de 1950, no início dos anos 1960, o cinema e a
música não eram considerados tão culpados pelos desvios de conduta entre os adolescentes: “O problema
da juventude transviada não é muito novo, pois se encontraram, em sânscrito, textos deplorando que as
crianças da nova geração o obedeciam aos pais. Desde essa época, jovens transviados fizeram algum
progresso, e é sua proliferação no mundo inteiro que acaba de motivar a reunião, na UNESCO, de peritos
vindos de 12 paises. O primeiro cuidado dessa reunião efetuada em Paris foi definir o adolescente normal, de
maneira a poder compreender aquele que não o é. Ora, que é um adolescente normal? Que é, mesmo um
adolescente? (...) A adolescência é uma idade da vida mal reconhecida, aceita com indiferença ou até a
contragosto pela sociedade; e essa lacuna é tanto mais grave quanto a adolescência, hoje, dura muito mais do
que 50 anos. Em 1962, uma menina francesa deixa de ser criança desde a idade de 12 anos, enquanto sua
avó atingia o mesmo resultado somente aos 14 anos. Como a entrada para o mundo dos adultos também é
tardia, o período de formação estende-se pelo menos por 8 anos. Em nossos dias, a adolescência não acaba
mais. Nessa multidão de rapazes e de moças, muitos estão zangados. Por quê? Porque a sociedade não
compreende suas necessidades; porque o mundo está cheio de desequilíbrio; porque os pais, tanto quanto as
escolas, não estão preparados para ajudá-los. Apenas um delegado emitiu um juízo rigoroso contra os "blusas
pretas": o representante soviético, que aliás se felicitou por não possuir o seu país adolescentes perdidos. A
isso o delegado egípcio respondeu que isso não era forçosamente um sinal de saúde. A presença de uma
adolescência infeliz é o tributo pago à evolução da sociedade; é o sinal de uma evolução do progresso.
Afinal, as sociedades imóveis, as da idade de pedra, ignoravam o problema das crianças revoltadas.A verdade
é que é preciso remediar essas perturbações. Até agora, nenhum estudo sistemático foi realizado a esse
respeito, pelo menos em escala internacional. O congresso da UNESCO fixou um primeiro objetivo: levantar
o inventário da adolescência mundial. (...) Ao mesmo tempo, os peritos elaboram um vasto programa para
que sejam concedidos aos adolescentes os cuidados que eles reclamam. Não se trata de denunciar mais uma
vez os venenos da época moderna, os malefícios do cinema ou de certa literatura, pois o cinema continuará a
produzir filmes e os escritores a publicar seus livros. Aliás, a maioria dos delegados não acha que o cinema
exerça a influencia perniciosa que lhe atribuem freqüentemente.Como quer que seja, aceitam as coisas como
46
(...) o teenager parecia ter substituído o comunista como objeto de
controvérsia pública e de previsão sobre o futuro da sociedade. Muitos
notaram que foi adotada para os adolescentes uma terminologia que
acentuava a estranheza deles em relação à sociedade existente: casta’,
‘tribo’, ‘subcultura’, expressões derivadas dos estudos etnográficos sobre
povos ‘diferentes’ do sujeito considerado central nas sociedades
ocidentais. (...) A posição do jovem como o outro’ por excelência,
portanto particularmente significativa quanto aos conflitos sociais,
tornava-o apto a transformar-se tanto no mbolo dos subprivilegiados
quantos dos excessivamente privilegiados: desse processo de
simbolização encontram-se exemplos relevantes no cinema.
62
De fato, nesse momento em que uma parte da juventude norte-americana dava
sinais de descontentamento e os expressava através da arte (no caso, o rock n’ roll e a
literatura) ou, em determinados casos, até através da violência, Hollywoodo ficou alheia
ao que estava acontecendo. Além do objetivo de garantir um alto rendimento para as
companhias de cinema, a indústria cinematográfica dos Estados Unidos produziu
inconveis filmes sobre a delinquência juvenil da década de 1950, com abordagens das
mais diversas. Conforme Thomas Doherty, o jovem delinquente da época “was a terrifying
crime problem because he resisted a reassuring socioeconomic analysis, especially if (as
was increasingly the case) he came from a fairly well-off background
63
. Nesse contexto,
muitos produtores de filmes alardeavam que determinadas obras tinham intenção
educativa, de dialogar com parte dessa geração e, ao mesmo tempo, levar respostas aos
adultos sobre as causas de tamanha agitação de uma parcela importante da juventude
estadunidense naquele período.
Muitos desses filmes foram classificados sob o gênero de “juventude perigosa”, os
quais Thomas Doherty subdivide em soft (que mostram a causa de um jovem ter se tornado
rebelde sendo que geralmente a família é mostrada como culpada e apresentam uma
solução) e em hard (aqueles em que a violência juvenil é gratuita). Os longametragens
desse gênero seguiam uma espécie de pado, que orientava o roteiro e o modo de
são. Os adolescentes são submetidos pela vida moderna a desafios numerosos e violentos. Não se trata de
suprimi-los, pois são inevitáveis e não são necessariamente malsãos. É necessário que nos limitemos a armar
as crianças para que elas possam suportá-los, responder-lhes e tirar proveito deles. É nesse sentido que deve
ser entendida a tarefa empreendida pela UNESCO”. – Conclusões da Unesco sobre os “Play Boys”.
Disponível na Internet em http://almanaque.folha.uol.com.br/mundo_10jul1962.htm. Capturado em
17/08/2007.
62
PASSERINI, Luisa. Op. cit., 355.
63
DOHERTY, Thomas. Op. cit., p. 100. “... Era um terrível problema criminal porque resistia a todas as
interpretações de análises socioeconômicas, especialmente se (como era na maioria das vezes) vinha de uma
situação econômica privilegiada”. (Tradução livre)
47
divulgação. Os filmes sobre jovens rebeldes não foram os únicos, mas estiveram entre os
que mais podem ser enquadrados no conceito de exploitation films, aqueles de forte apelo,
muitas vezes baseados em fatos reais e cujas histórias e campanhas de divulgação
abusavam do sensacionalismo. O termo exploitation (exploração) esteve presente na
indústria cinematogfica desde os anos 1920, época em que Hollywood se convenceu que
não bastavam apenas boas histórias e bons atores para garantir o sucesso de um filme, mas
que também era preciso investir pesado em publicidade. Naquela época, então, exploitation
era o termo usado para se referir às campanhas de marketing e propaganda que eram
criadas para divulgar os filmes. Logo depois, o termo passou a ser usado também para
conceituar os filmes que refletiam os valores e expectativas do grande público, como o
bem sempre vence no final, o mocinho sempre é o ator mais bonito, o vilão é o feio, o bom
caráter deve ser recompensado, etc. Enfim, eram os filmes que seguiam as normas do
Código de Produção, criado nos anos 1930 por Hollywood para orientar produtores,
diretores e roteiristas sobre o que poderia e o que o deveria aparecer nos filmes. na
década de 1940, exploitation films seriam aqueles que levavam para as telas de cinema
histórias que recentemente haviam acontecido na vida real. Um exemplo é “Hotel Berlim”
(“Hotel Berlin”, direção de Peter Godfrey, 1945), que tratava justamente da invasão de
Berlim pela Rússia e o fim da Segunda Guerra Mundial.
Mas, até então, um exploitation film não carregava consigo um sentido pejorativo, o
que passou a acontecer durante os anos de 1950 e, segundo Thomas Doherty, se mantém
até hoje. Conforme o autor, naquela década, os exploitation films passaram não apenas a se
valer da quase simultaneidade com os fatos de grande repercussão da vida real, mas esses
episódios também precisavam ser levados à tela de forma sensacionalista. É o que
aconteceu com muitos filmes sobre rock n’ roll, lançados na efervescência do sucesso
deste estilo musical, e também com os filmes sobre viagens intergalácticas, como vimos no
final do capítulo anterior, e com a maioria dos filmes sobre a “juventude perigosa”.
Simplificando, Thomas Doherty elenca três elementos básicos dos exploitation films dos
anos 1950
64
: eles contavam com histórias controversas ou bizarras; tinham um baixo
orçamento; e eram voltados, principalmente, para o público adolescente.
Nessa gica, os filmes sobre a “juventude perigosa” obviamente exploravam a
violência e o novo estilo de vida de muitos jovens da época, enfatizando também a
contestação à autoridade dos pais, da escola ou da própria polícia, bem como o gosto pela
64
DOHERTY, Thomas. Op. cit., p. 07.
48
velocidade dos carros e motos, além de apresentar uma maior permissividade nos
relacionamentos amorosos, entre outros temas. Há também uma aceleração do ritmo desses
filmes, com as cenas de ação se dando de forma muito mais intensa e frequente. Glauber
Rocha percebeu uma oposição marcante entre os filmes do gênero juventude perigosa e o
western, por exemplo. Enquanto este seria marcado pelo ritmo lento, pela nostalgia e pelo
destaque da paisagem selvagem do Oeste dos Estados Unidos, sendo que o cowboy estava
diretamente associado ao cavalo, nos filmes sobre jovens rebeldes, que passam então a ser
muito associados aos carros e às motos, o ritmo “é agitado em função do temperamento
desesperado da mocidade rebelde e violenta”
65
.
Após discorrer neste capítulo sobre a indústria cinematográfica, sobre a
juvenilização do cinema e de mostrar a forma polêmica com que se estabeleceu o
fenômeno da juventude nos Estados Unidos na década de 1950, no capítulo a seguir
apresentaremos as análises dos filmes “O Selvagem” e “Juventude Transviada”.
65
ROCHA, Glauber. Op. cit., p. 46.
49
Figura 1: Pôster promocional norte-americano do filme “Go, Johnny Go!”.
66
66
Dispovel na Internet em http://www.posterpalace.com/images/ak/gojohnnygo_LB2os.jpg,. Capturado em
09/03/2009.
CAPÍTULO 2:
O Selvagem e Juventude Transviada: rebeldes em cena
“O que houve foi constância temática que
determinou situações semelhantes: o jovem
inadaptado, a violência e a representação
plásticas nas figuras de Marlon Brando e
James Dean, que surgia como
característica do gênero brotando em
busca de definição. Assim como o vaqueiro
no filme de cow-boy obedece à disciplina
na sua representação plástica: o colete de
couro, o lenço no pescoço, o chapéu
grande, o revólver na cintura, etc., o jovem
transviado aparece com seus detalhes que o
diferem dos jovens comuns, cabelo revolto,
costeleta, caa blue-jean, blusão de couro,
etc”.
Glauber Rocha
67
Enquanto o tema da juventude rebelde estava sendo discutido por especialistas e
era assunto recorrente na literatura norte-americana na primeira metade do século XX, foi
somente nos anos de 1950 que Hollywood passou a perceber o forte apelo que a questão
tinha para o público que frequentava as salas de cinema, especialmente os jovens. Neste
sentido, “O Selvagem” e “Juventude Transviada” ficaram marcados como umas das
principais obras do período. Com abordagens diferentes sobre a juventude rebelde, ambos
os filmes levantam questões relevantes para a compreensão do fenômeno da juventude na
metade do século XX, bem como para o entendimento das transformações vividas pela
sociedade estadunidense na época.
2.1 O Selvagem
O Selvagem” foi rodado em preto e branco, em 1953, e lançado em escala comercial em 1954.
Dirigido por Laslo Benedek, estrelado por Marlon Brando, produzido por Stanley Kramer e
67
ROCHA, Glauber. Op. cit, p. 46.
51
com roteiro de John Paxton, o filme foi inspirado em fatos reais ocorridos na pequena
cidade de Hollister, na Califórnia, em 04 de julho de 1947 (data em que se comemorava os
170 anos da independência dos Estados Unidos). Naquela ocasião, um grupo de cerca de
4.000 motoqueiros amedrontou a pequena comunidade, que até então nunca tinha visto o
diferentes cenas de vandalismo em um lugar e em um intervalo de tempo tão curto. “O
Selvagem”, por sua natureza controversa, foi banido da Inglaterra, onde só estreou 14 anos
depois, em 1968. Nos Estados Unidos, a obra foi até classificada por alguns como
comunista, pois para muitos ela dava margem para uma possível convulsão na sociedade
norte-americana por estimular um comportamento agressivo entre os jovens.
A escolha de Marlon Brando para o papel do líder da gangue por si já é motivo
de atenção. Na época da filmagem de “O Selvagem”, o ator já era um astro. Nascido em 03
de abril de 1924, na cidade de Omaha, em Nebraska, a carreira de Marlon Brando ganhou
projeção nos palcos de teatro em Nova York, durante os anos 1940. Com o sucesso
alcançado, o ator foi convidado a estrear o seu primeiro filme, “Espíritos Indômitos” (“The
Men”, direção de Fred Zinnemann, de 1950). Porém, Marlon Brando até então considerava
o cinema uma arte inferior ao teatro e teria dito que só aceitou trabalhar em Hollywood por
não ter coragem moral para recusar o dinheiro.
Em um longo perfil sobre o ator escrito em 1956, o jornalista Truman Capote
chamava a atenção para a beleza física de Marlon Brando. Lembrando da primeira vez que
esteve com o astro, em 1947, escreveu: “era como se a caba de outro tivesse sido
acoplada ao corpo musculoso, como naquelas montagens fotográficas. Pois o rosto nada
tinha de rude, impondo seu refinamento quase angelical e gentileza à boa aparência rija:
pele firme, testa larga e alta, olhos bem separados, nariz aquilino, lábios grossos, sensuais e
relaxados”
68
. Apesar do talento e da beleza, a chegada de Marlon Brando a Hollywood não
foi muito amistosa. Truman Capote relata que o ator:
Foi acusado na época de conduta anti-social, criticado pelo estilo de se
vestir, com jaqueta de couro preto, preferência por motocicleta em vez de
Jaguar e por secretárias obscuras em vez de candidatas a estrela; ademais,
os colunistas de Hollywood rechearam seus textos com comentários hostis,
por causa da atitude dele em relação à indústria cinematográfica.
69
68
CAPOTE, Truman. Os Cães Ladram: pessoas públicas e lugares privados. Trad. Antônio Celso Nogueira.
Porto Alegre: L&PM, 2006, p. 283.
69
Idem, Ibid, p. 285 e 286.
52
Um outsider dentro da instria cinematográfica de Hollywood. Com estas
credenciais, além do sucesso obtido em outros filmes, Marlon Brando, como um dos
cartazes promocionais do filme enfatizava, era o único ator que poderia interpretar o
personagem principal de “O Selvagem”, Johnny, o líder da gangue de aproximadamente 40
motoqueiros chamada Black Rebels Motorcycle Club (BRMC Clube das Motos Negras
Rebeldes). Todos os integrantes do grupo, impreterivelmente, trajavam calças jeans e
jaquetas de couro pretas, que traziam nas costas o símbolo da gangue: uma caveira
semelhante a das bandeiras de piratas ou aos avisos de perigo estampados em produtos
tóxicos.
O filme começa com a imagem de uma rodovia, registrada por uma câmera fixa no
meio da estrada. Surgem caracteres na tela que avisam: “Esta é uma história chocante.
Poderia acontecer em qualquer cidade americana, mas aconteceu nesta. É um desafio
público não deixar que isso aconteça novamente”. Na sequência, a imagem da estrada
vazia segue sendo projetada, quando entra a voz de Johnny que, tal qual um narrador,
introduz suas opiniões sobre os acontecimentos que serão contados no filme. Johnny diz
que toda a confusão que será mostrada começou por acaso e que ele acabou se deixando
levar pelos acontecimentos, os quais ele acredita que, em outras circunstâncias, jamais se
repetiriam. Também diz que em meio a tudo isso ele conheceu uma garota, que o
transformou de alguma maneira que ele não sabe explicar. Enquanto a voz do anti-herói é
ouvida, distantes na estrada surgem os BRMC em suas motocicletas que, rapidamente, vão
se aproximando cada vez mais. Quando Johnny termina a sua breve narração, os membros
da gangue estão passando em alta velocidade pela câmera, que antes filmava a estrada
vazia. A trilha sonora, misturada ao ronco dos motores das motos, aumenta a tensão.
Seguem-se imagens dos motoqueiros rodando pelas estradas, sempre com Johnny à frente,
usando um quepe, óculos escuros e com uma expressão hostil, séria e ameaçadora.
O grupo chega à pequena cidade de Carbonville, onde tumultua uma corrida de
motos. Eles promovem uma algazarra e têm breves discussões com moradores e
organizadores da corrida. Então, o xerife da cidade interfere e ordena que eles saiam de
Carbonville. Enquanto se dirigem para suas motos, um dos membros da gangue entrega a
Johnny o troféu de “2º lugar” que seria oferecido como um dos prêmios da corrida, mas
que foi roubada pelos BRMC. durante a confusão. Johnny amarra o troféu no guidão de
sua motocicleta e, então, o grupo segue para a cidade de Wrightsville, onde se
desenvolverá a maior parte da trama de “O Selvagem”.
53
A chegada dos BRMC interrompe o dia-a-dia pacato da pequena cidade. Antes da
chegada dos motoqueiros, uma imagem mostrava as ruas de Wrightsville vazias. Mas, a
aparição inesperada e barulhenta do bando atrai a atenção das pessoas, que saem de suas
casas ou do trabalho e correm para as calçadas para ver quem são os responsáveis por toda
aquela agitação. Alguns habitantes mostram-se assustados, outros curiosos. Já o dono do
bar e café Bleeker’s fica entusiasmado com a possibilidade de lucrar com a venda de
cerveja para aqueles forasteiros.
Mas, não demora para os infortúnios começarem. Alguns membros do BRMC
apostam uma corrida ao bar. O último a chegar terá que pagar a cerveja. Na disputa, um
dos motoqueiros envolve-se em um acidente. Ao cruzar a rua em alta velocidade, assustam
Art, um idoso que estava dirigindo um carro antigo. Ele perde o controle, avança sobre a
calçada e também atinge um motoqueiro. Inicia-se uma discussão entre os motoqueiros,
Art e habitantes de Wrightsville para decidir quem é culpado pelo acidente. Harry, o xerife
da cidade, aparece e tenta contornar a situação, não culpando ninguém pelo ocorrido. Art
exige que o xerife tome providências, mas este pede ao motorista que esqueça tudo o que
aconteceu. Fica evidente que o xerife de Wrightsville não tem o hábito de impor, de forma
ríspida e enérgica, a sua autoridade. Diferente do xerife de Carbonville, que rapidamente
expulsou os motoqueiros da cidade.
Johnny, então, se afasta do local do acidente, pega o seu troféu e vai até o Bleeker’s
Cafe, onde conhece Kathie, que trabalha no local. O líder dos BRMC mostra-se interessado
pela garota e inicia um flerte” com ela. Oferece o troféu a Kathie, mas ela recusa, dizendo
que se for dar o pmio, tem que ser para uma garota que ele goste de verdade. Nesse
momento, amigos de Johnny vão ao seu encontro no bar e avisam que o motoqueiro que se
acidentou vai para o hospital. Perguntam ao líder do BRMC se eles o embora ou devem
esperar que o colega seja tratado. Interessado em Kathie, Johnny diz que vão ficar na
cidade. A partir de então, as ruas de Wrightsville são tomadas pelos BRMC, que dirigem
em alta velocidade e exibem suas habilidades com motos. No Bleeker’s Cafe, outros
bebem cerveja, dançam e, claro, despertam a curiosidade de algumas jovens da cidade que
se arriscam a se divertir com eles. Johnny continua o seu “flerte” com Kathie, até o
momento que o xerife Harry vem conversar com ele e pede para que tente controlar a sua
turma. Johnny é ríspido e diz que não faz trato e nem gosta de policiais. Durante o breve
diálogo, Johnny fica sabendo que Kathie é filha do xerife. Contrariado, ele avisa aos
BRMC que irão deixar imediatamente a cidade. Johnny sai do bar com o seu troféu e
54
prende-o novamente na moto para então partir. Mas, nesse mesmo momento, um dos
BRMC volta do hospital com o motoqueiro acidentado. Montados em um moto, eles
invadem o Bleeker’s, onde ainda estão os membros da gangue. Todos continuam bebendo
e Johnny retorna ao bar.
Na sequência, uma gangue rival de motoqueiros chega a Wrightsville. São os
Beetles, grupo do qual Johnny e os seus amigos saíram para formar o BRMC. Chino, o
líder dos Beetles, rouba o troféu de Johnny e o coloca em sua moto. Johnny sai do bar e
pede a Chino que o devolva. Este responde a Johnny que, como o troféu é roubado, não
tem o direito de exigir que ele devolva. Chino entrega o troféu a Kathie, que está na
calçada assistindo a discussão. Chino diz que eles irão brigar e quem vencer ficará com o
troféu. Johnny e Chino trocam socos e chutes. Novamente, os moradores pedem ao xerife
Harry que prenda os motoqueiros. Harry fica indeciso. Então, Charlie, um dos habitantes
de Wrightsville, contrariado com a falta de atitude do policial, diz que vai para casa ver se
estudo bem com a família. Quando está indo embora com seu carro, Charlie derruba
algumas motos. Os BRMC e o Beetles voltam-se contra ele. Moradores da cidade insistem
para que Harry prenda os motoqueiros. Este, convencido, anuncia a prisão de Chino.
Johnny questiona o porquê de também não prender Charlie. O xerife responde que, se ele e
todos os motoqueiros forem embora, Chino será liberado. Porém, Johnny novamente
recusa-se a fazer um acordo com o policial. Sem ter o que fazer, Harry leva Chino para a
cadeia.
Johnny volta ao Bleeker’s para pegar o troféu que está com Kathie. Bruscamente,
ele pergunta por que o pai dela não prendeu Charlie também. Ela responde que seu pai teve
medo de cometer um erro. Também diz que ninguém na cidade leva Harry a sério e que,
assim como Johnny, que havia roubado o troféu, o pai dela também é uma farsa. Johnny e
Kathie discutem e ela o manda embora da cidade. Irritado, o der do BRMC retruca que
ninguém manda nele, muito menos ela, uma garçonete. E alerta que se Kathie continuar
enchendo ele irá destruir todo o bar.
Chega a noite e o clima em Wrightsville é tenso. Com exceção do Bleeker’s, onde
alguns motoqueiros estão bebendo, o resto da cidade é tomado pelo silêncio. Os Beetles e
os BRMC decidem soltar Chino. Pressentindo o perigo, Harry tenta ligar pedindo refoo
policial, mas não consegue fazer a chamada, pois as gangues tomaram conta do posto
telefônico. Outros motoqueiros vão até a casa de Charlie, que é raptado e levado para a
delegacia, onde é colocado na mesma cela de Chino, que pede aos seus companheiros que
55
o deixem dormindo. Depois disso, Wrightsville vive momentos de caos. O dono do
Bleeker’s, que a princípio estava feliz vendendo cerveja aos visitantes, agora pede a
Johnny que faça todos se acalmarem, no que não é correspondido. Temendo pelo que
poderia acontecer, Kathie é mandada para casa. No caminho é perseguida por alguns dos
Beetles. Quando está cercada por eles, Johnny aparece e a salva. Os dois saem para um
passeio de moto. Surge um clima de romance, logo quebrado por uma discussão. Kathie
foge de Johnny.
Enquanto isso acontecia, moradores da cidade foram até a cadeia e soltaram
Charlie. Eles reúnem-se e pensam no que fazer: poucos argumentam que é preciso deixar
que as autoridades tomem conta do caso. Mas, a maioria decide resolver a situação por
conta ppria, nem que seja preciso fazer uso de armas. Decididos, saem às ruas, onde
encontram Johnny, que é perseguido, capturado e espancado. Kathie, que viu Johnny sendo
capturado, corre até o pai, pedindo para que ele o ajude. Eles vão até o local onde Johnny
está, mas alguns se recusam a entregar Johnny. Na discussão, o motoqueiro foge e corre até
a sua moto. Ele é novamente perseguido. De repente, um dos moradores atira uma
ferramenta contra Johnny, que cai. A moto, descontrolada, avança sobre um homem e o
mata. Neste momento, chega um grande número de policiais vindos de outra cidade, que
prendem os BRMC e os Beetles.
Amanhece. Johnny está sendo interrogado e acusado de homicídio. Neste momento,
Harry e Kathie chegam à delegacia. Ela conta ao policial que agora cuida do caso que
Johnny não tinha intenção de matar ninguém, que ele estava indo embora quando começou
a ser perseguido. Diante da situação, dois moradores contam que, de fato, alguém atirou a
ferramenta contra Johnny, o que acabou provocando a queda e, por fim, a morte de um
habitante de Wrighstville. Diante da revelação, o policial decide libertar Johnny e os
demais motoqueiros, mas o avisa que será marcada uma audiência e que ele terá que
responder pelos fatos ocorridos. Johnny deixa a delegacia sem agradecer a Kathie por tê-lo
ajudado. Os motoqueiros vão embora da cidade.
Wrightsville volta à normalidade. Kathie e seu pai estão no Bleeker’s quando, de
repente, Johnny, sozinho, entra no bar. Uma viatura policial para em frente ao local. Harry
sai e vai até os policiais, aparentemente para dizer que está tudo bem. Johnny e Kathie se
olham. Sem trocar palavras, Johnny deixa o troféu sobre o balcão, para ela. Johnny e a
garota trocam sorrisos. Então o líder do BRMC deixa o Bleeker’s, liga a sua moto e sai da
cidade. Fim de “O Selvagem”.
56
A narrativa do filme pode ser dividida em algumas etapas, as quais facilitam a
compreensão e dão ritmo à hisria. A primeira se dá justamente quando as imagens e os
eventos vão se sucedendo de forma a pontuar as muitas diferenças e as poucas semelhanças
entre a gangue BRMC e os moradores de Wrightsville. Nos momentos iniciais do filme é
feita a construção das diferenças do espaço onde vivem os motoqueiros e os habitantes da
pequena cidade. O enquadramento da imagem do alto quando da chegada da gangue a
Wrightsville, com suas ruas vazias e com um cachorro deitado no meio da rua, demonstra
o quanto aquela cidade é pacata e tranquila. A monotonia, porém, é quebrada com a
chegada dos motoqueiros. Os moradores da cidade, pela primeira vez, se apresentam ao
espectador, justamente quando saem de suas casas ou de seus estabelecimentos comerciais
para ver quem são os responsáveis por aquela inesperada agitação. Enquanto os moradores
se dividem entre o receio e a curiosidade diante dos forasteiros, um dos motoqueiros
comenta com um companheiro: a que guerra este fim de mundo sobreviveu?
70
. Sem
deixar explícito, o comentário sugere ao espectador que os membros do BRMC vêm de
uma cidade maior, fato que será reforçado em outros momentos do filme. Assim, instaura-
se a primeira diferença de uma série que acabará por tensionar o relacionamento entre
visitantes e os habitantes de Wrightsville.
Outra distinção é justamente com relação à idade dos personagens. Os membros da
gangue são jovens, aparentemente na faixa dos 20 aos 30 anos de idade. os moradores
da pequena cidade mostrados no filme são, em sua grande maioria, adultos bem mais
próximos da velhice do que da juventude. Enfim, é o conflito de gerações presente em
praticamente todos os filmes produzidos na década de 1950 que tinham como tema a
juventude rebelde. Porém, em “O Selvagem”, este conflito é um pouco mais complexo
justamente por misturá-lo com outra diferença, que é a própria oposição entre os modos de
vida da cidade grande e da cidade pequena.
A soma de todas essas oposições e o que resulta dela, na trama de “O Selvagem”, é
evidenciada na cena em que Jimmy, um idoso que trabalha no Bleeker’s Cafe, está
servindo os membros da gangue. Jimmy de um lado do balcão, rosto sulcado pela idade,
cabelos brancos, usando óculos e avental e de movimentos lentos e gestos calmos. Do
outro lado, os motoqueiros, todos jovens, sorridentes, agitados. Um deles pergunta a
Jimmy:
70
O Selvagem (The Wild One). Diretor: Laslo Benedeck. Produtor: Stanley Kramer. Roteirista: John Paxton.
Brasil: Sony Pictures, 2000, 9min56s.
57
- Como vocês se divertem? Acontece alguma coisa por aqui?
- Ah, sim. (responde Jimmy)
- Por exemplo?
- As rosas crescem.
- As rosas crescem! (Repetem os BRMC, de modo irônico)
- As pessoas se casam.
- Se casam!
- Uma cidade louca como outra qualquer. De vez em quando as pragas
causam problemas se não borrifar direito.
- Você não tem praga?
- Cuido da minha vida.
- Isso aí, Jim!
- Ouço rádio, só música. O noticiário não presta. Ele agita as pessoas.
- E a TV, gosta?
- O quê?
- A novidade, a televisão.
- Imagens?
- É.
- Não gosto
71
.
- Por que?
- Hoje em dia, tudo tem imagens. Imagens e muito barulho. Ninguém sabe
conversar, resmungam
72
.
Os valores, gostos e fatos que Jimmy enaltece como importantes para ele são
motivos de risos para os visitantes. O diálogo entre os motoqueiros e Jimmy prossegue. Se
antes o atendente era quem falava a respeito de sua vida, agora a trama muda o foco para o
comportamento dos BRMC. Um deles improvisa um jazz bebop em sua harmônica sendo
aplaudido pelos demais da gangue, que se cumprimentam batendo as palmas das mãos.
Jimmy observa tudo com estranhamento. Aquela música, as gírias e a forma como se
cumprimentam são novidades para ele. Ele é careta. Não sacou?
73
, diz um dos
motoqueiros sobre Jimmy, decretando mais uma oposição entre os BRMC e os moradores
de Wrightsville.
Mas, “O Selvagem” vai além, pois, não apenas mostra o conflito de gerações, como
leva a pensar que as diferenças não são originadas apenas pela disparidade dos anos de
vida entre jovens e adultos. O filme deixa claro também que o modo de criação e o local
onde as pessoas vivem exercem influência fundamental sobre a maneira como elas se
comportam e sobre suas personalidades. Isso se percebe na análise dos dois personagens
71
Interessante notar que, no filme, são os jovens motoqueiros que se mostram mais atraídos pela televisão,
enquanto que Jimmy, o idoso, diz não gostar da novidade da época. Curiosamente, foi justamente o público
adulto, conforme vimos no capítulo anterior, aquele que mais se sentiu atraído pela televisão como nova
opção de entretenimento.
72
Idem, Ibid, 19min18s.
73
Idem, Ibid, 22min20s.
58
principais da hisria: Johnny e Kathie. Os dois têm praticamente a mesma faixa etária,
mas o modo como agem e suas idéias sobre o mundo são quase sempre divergentes e
opostos. Recortemos um diálogo entre Johnny e Kathie no Bleeker’s Café, quando ele
tenta convencê-la a saírem juntos assim que ela encerrar o expediente:
KATHIE: Aonde vai depois daqui? Não sabe?
JOHNNY: Vamos sair por aí.
KATHIE: Perguntei por perguntar.
JOHNNY: Nos finais de semana temos festas.
KATHIE (entusiasmada): O que vocês fazem? ficam andando ou vão
para algum piquenique?
JOHNNY (surpreso e contrariado): Um piquenique? Você é muito careta.
Preciso soltá-la. Você não vai a algum lugar específico. Apenas anda por
aí. Uma turma se reúne para se divertir. Se você quer ficar bacana,
precisa relaxar. Tem de agitar um pouco, não sabe do que falo?
KATHIE (ainda entusiasmada): Sei o que quer dizer.
JOHNNY: É o que eu digo.
KATHIE: Meu pai ia me levar para pescar no Canadá.
JOHNNY (desinteressado): É?
KATHIE: Mas não fomos.
JOHNNY (desapontado): Que loucura...
74
Enquanto Johnny vive cruzando as estradas, causando confusão por onde passa e
experimentando a liberdade proporcionada pelo seu estilo de vida, Kathie é a estereotipada
jovem da cidade pequena, que ajuda a família, coloca o trabalho à frente de tudo e que, nos
momentos de lazer, diverte-se com atividades inocentes para os padrões selvagens dos
motoqueiros que invadiram Wrightsville. Ao mesmo tempo, sonha que um dia alguém
“entraria no bar do tio Frank e pediria um café. Iria se apaixonar por mim de cara e me
levaria com ele”, como a personagem revela em certo momento do filme a Johnny.
Durante a cena que se segue ao diálogo apresentado acima, Johnny se junta aos
membros do Black Rebels Motorcycle Club que estão bebendo e dançando com duas
garotas da cidade, quando uma delas pergunta: “Johnny, contra o que você se rebela?”.
Contra o que você quer?
75
, responde ele. É simples assim. Para Johnny e sua turma, o
o necessários motivos para serem rebeldes, uma vez que o prazer que lhes proporciona
esse estilo de vida é mais do que suficiente para justificar as ações deles. É claro, por outro
lado, que podem existir razões mais profundas para explicar a rebeldia de Johnny e sua
turma, embora ela não seja dita pelas personagens no filme. A idéia de viver dentro das
normas da sociedade, que impõe regras de comportamento na família, e principalmente no
74
Idem, Ibid. 20min42s.
75
Idem, Ibid, 23min53s.
59
trabalho, é rejeitada pelo Black Rebels Motorcycle Club. Até mesmo ao percorrer as
estradas com suas motos sem um destino ou objetivo certos, a gangue estaria
promovendo um ato transgressor.
Nesse círculo de rebeldia, a violência também ocupa um papel de destaque. Seja
contra os moradores de Wrightsville, seja quando Johnny encontra Chino, o líder da
gangue rival Beetles, o limite entre o controle e a explosão de fúria é muito tênue. E esse
fator é ainda mais surpreendente justamente porque a violência física é parte importante do
estilo de vida dos jovens motoqueiros de “O Selvagem”. Quando Chino desafia Johnny a
pegar de volta o seu troféu, ele incentiva o adversário em nome dos velhos tempos, para
relembrar um passado recente, quando ambos participavam da mesma gangue. Enquanto
assistem aos dois motoqueiros brigarem, um dos moradores da cidade pergunta porque eles
estão brigando, ao que Jimmy responde: o sei. Nem eles devem saber
76
. Em outros
momentos do filme, para Johnny a violência parece ser sempre o modo mais fácil, óbvio e
prático para resolver os problemas. Quando discute na lanchonete com Kathie ao descobrir
que o pai dela é o delegado da cidade, Johnny ameaça a garota:Ninguém manda em mim.
Se continuar me enchendo, destruo o bar e você nem vai saber o que houve
77
. Em outra
cena do filme, após salvar Kathie que era perseguida nas ruas pelos Beetles, Johnny a beija
de forma rude e ela não reage. Kathie simplesmente diz que não pode reagir de nenhuma
maneira, mas que:
- Seria melhor, não? Você poderia me bater.
- Se acha boa demais pra mim. Ninguém é. Se alguém pensa assim, acabo
com a cara dele. Posso bater em você e amanhã já vou estar em outro
lugar.
Seja por diversão ou como forma de superar qualquer impasse, a violência está
presente na vida de Johnny e dos demais motoqueiros. A violência como forma de
solucionar os problemas, contudo, também se mostra presente do lado de moradores de
Wrightsville que, inconformados com a falta de ação do xerife, resolvem eles mesmos agir
contra os BRMC e os Beetles para expulsá-los da cidade. A decisão de agir com as
próprias mãos, no entanto, não é unânime. Um grupo, liderado por Charlie, é a favor de
usar armas contra os forasteiros. Por sua vez, Bill defende que os moradores esperem que a
Justiça se encarregue do problema. É um dilema moral. Na tentativa de convencer os
76
Idem, Ibid., 30min40s.
77
Idem, Ibid., 36min43s.
60
habitantes, Bill afirma: Violência gera violência
78
. Em maioria, o grupo liderado por
Charlie sai à caça de Johnny. Quando este é encontrado, os moradores se vingam,
espancando-o até o momento que Harry interfere e Johnny foge. A violência contra o líder
do BRMC tem uma função catártica para os moradores de Wrightsville, que através da
surra dada em Johnny dão vazão à sua própria revolta contra tudo o que sofreram e ao
desejo de justiça. Mas, a morte de Jimmy, atingido pela moto desgovernada de Johnny
após a sua fuga e a nova perseguição, destrói essa sensação. Afinal, ele somente foi morto
porque os moradores da cidade resolveram usar também da violência para r fim ao
vandalismo e às agressões de que Wrightsville estava sendo vítima. Na trama, de fato,
como Bill afirmara, violência acabou gerando mais violência.
Por fim, a autoridade policial mostra-se superior à vontade dos moradores de
fazerem justiça com as próprias mãos. Afinal, são os policiais, embasados na lei e com o
direito de usar a força, se for necesrio, que conseguem acabar com os tumultos. Acuado
pela autoridade policial, Johnny resigna-se a deixar a cidade, convicto de que haverá de ser
responsabilizado de alguma forma pelos acontecimentos em Wrightsville. Vale ressaltar a
questão da autoridade presente no filme. Uma das principais explicações para a origem da
delinquência juvenil da década de 1950 era justamente a de que o relaxamento da
autoridade dos pais e das escolas em relação aos adolescentes e aos jovens teria
contribuído de forma significativa para que se desenvolvesse aquele comportamento
considerado atípico.
“O Selvagem” parece corroborar com esta visão. Se lembrarmos do início do filme,
quando a gangue tumultuou a corrida de motos da cidade de Carbonville, o xerife agiu de
forma enérgica contra eles, exigindo que deixassem a cidade o mais rápido possível, o que
os motoqueiros fizeram quase que imediatamente. em Wrightsville, onde o xerife Harry
tentou controlar a situação através do diálogo, o resultado foi desastroso e o caos tomou as
ruas, sendo que a situação foi controlada quando novos policiais chegaram à cidade e,
agindo de forma mais dura, conseguiram acabar com todo o tumulto. Assim, o filme pode
levar a entender que, de fato, maior rigidez no trato com os adolescentes e jovens poderia
ser um método eficaz no controle da delinquência. Importante notar como essas relões de
força entre os BRMC e as autoridades policiais das duas cidades é mostrada no filme.
Quando o xerife de Carbonville manda os motoqueiros para fora da cidade, um nítido
jogo de imagens: enquanto o policial conversa com a gangue, a câmera se posiciona do alto
78
Idem, Ibid. 45min47s.
61
para baixo (a partir do ponto de vista do policial), efeito que tende a potencializar a
estatura e, logicamente, a força de sua autoridade (ver figura 2. p. 87). Já quando são os
motoqueiros que falam, a imagem filmada é no sentido de baixo para cima (ponto de vista
dos BRMC), o que reforça a sua condição de coagidos pelo xerife (ver figura 3, p. 88). Já
em Wrightsville, onde os motoqueiros falam de igual para igual com o xerife Harry, que
não é enérgico como o outro, o policial e a gangue são sempre mostrados no mesmo plano,
ou seja, a imagem não sugere nenhuma hierarquia de forças (ver figura 4, p. 89).
Quanto ao final do filme, que se dá quando Johnny retorna sozinho à cidade para
entregar o troféu a Kathie, ele é uma escie de final feliz. Embora o par romântico não
fique junto, simbolicamente, há uma reconciliação entre dois mundos, o rebelde e o careta:
se não podem viver juntos, pelo menos podem coexistir.
Sobre “O Selvagem ainda existem outros fatores a serem analisados ou
aprofundados, como o significado do convívio em gangues, o papel da mulher e a moda,
sobre os quais iremos nos ater mais adiante, a partir de um comparativo com o filme
“Juventude Transviada”, sobre o qual trataremos a partir de agora.
2.2 Juventude Transviada
A rebeldia aparentemente sem motivos entre determinados grupos de jovens da
década de 1950 é também o tema central do filme “Juventude Transviada”, que foi lançado
nos Estados Unidos em 1955. Dirigida por Nicholas Ray, produzida por David Weisbart e
com roteiro de Stewart Stern, a obra tem James Dean no papel principal, interpretando o
personagem Jim Stark. Inicialmente, o filme começou a ser rodado em preto e branco e
estava mais para um filme B do que para uma grande produção. Porém, dois fatores foram
fundamentais para que a história fosse filmada em cores. Primeiro: o contrato que
autorizava o uso do Cinemascope exigia que a Warner rodasse o filme em colorido.
Segundo: James Dean estava despontando como uma grande estrela de Hollywood, o que
encorajou os produtores a investirem mais na realização do filme.
Dean Não Foi Uma Estrela Comum. É o símbolo de uma geração sem moral a
obedecer e recolhida nos refúgios das rmulas”
79
, escreveu Glauber Rocha sobre o astro
79
ROCHA, Glauber. Op. cit., p. 37.
62
de “Juventude Transviada”. Com apenas três papéis relevantes no cinema, todos filmados
em um intervalo de pouco mais de um ano, James Dean estava se tornando um grande
astro, mas, morreu tragicamente em um acidente, quando guiava seu carro em alta
velocidade por uma rodovia do estado da Califórnia, em 30 de setembro de 1955. Bonito e
jovem, ele chamava a atenção também fora das telas de cinema pelo seu comportamento
rebelde. Gostava de velocidade e disputava até corridas de carro. Marlon Brando era um de
seus ídolos. Muito se especula também a respeito de uma suposta bissexualidade do ator,
que teria tido casos esporádicos com homens.
Antes de interpretar o seu primeiro papel relevante no cinema, James Dean havia
participado de algumas peças teatrais, alguns comerciais para a televisão e feito pontas em
alguns outros filmes, mas nada muito significativo. Mas, quando “Vidas Amargas” (“East
of Eden”, de 1955, dirigido por Elia Kazan e baseado no livro honimo de John
Steinbeck) chegou às telas de cinema, o ator passou a ser tratado como um astro por sua
interpretação do personagem Cal Trask. Enquanto “Vidas Amargas” estava sendo exibido
nos cinemas, James Dean estava trabalhando na filmagem de “Juventude Transviada”. O
seu sucesso como ator encorajou os produtores do filme a mudarem a idéia inicial de rodá-
lo em preto e branco, optando por filmá-lo em cores e em Cinemascope. Era uma maneira
de chamar ainda mais atenção para o astro, que o logo encerrou as gravações de
“Juventude Transviada”, entrou em estúdio para atuar no papel de Jett Rink em “Assim
Caminha a Humanidade” (“Giant”, de 1956, dirigido por George Stevens), no qual
contracenou com Elizabeth Taylor e Rock Hudson, além de Sal Mineo. Esses dois últimos
filmes estrearam postumamente.
“Juventude Transviada”, caso não bastasse o tema controverso da história, chegou
às salas de cinema dos Estados Unidos no dia 29 de outubro de 1955
80
, menos de um mês
depois do acidente fatal de James Dean. Não é difícil perceber uma relação entre a morte
do ator e o sucesso do filme seguidos da transformação de James Dean em um ícone da
rebeldia juvenil. Conforme Paulo Sérgio do Carmo, com a morte trágica do ator “criou-se o
mito James Dean, em que os contornos de seus personagens mesclavam-se à sua vida
pessoal. Surgia assim uma maneira diferente e chocante de encarar a vida: viver o mais
intensamente, arriscar sempre’”
81
.
80
No Brasil, o longa-metragem foi censurado para menores de idade. Já em países como Inglaterra e Espanha
ele foi proibido.
81
CARMO, Paulo Sérgio do. Op. cit., p. 31.
63
O filme foi inspirado no livro Rebel Without a Cause: The Story of a Criminal
Psychopath, escrito por Robert Lindner e publicado em 1944. A obra, um estudo de caso,
relata o comportamento errático de um jovem delinquente. Porém, percebendo o aumento
do índice de crimes e atitudes violentas entre os jovens de classe média na década de 1950
nos Estados Unidos, o diretor Nicholas Ray estendeu a análise do livro Rebel Without a
Cause para uma conjuntura maior, na qual não era apenas uma pessoa (no caso, o
paciente do Dr. Robert Lindner) que estava doente, mas sim, toda a sociedade norte-
americana. Como anunciava um dos cartazes promocionais do filme, “Juventude
Transviada” era O drama comovente da atual vioncia juvenil (ver figura 5, p. 90).
Sobre o filme, o roteirista Stewart Stern afirmou:
Nick (o diretor Nicholas Ray) ficou muito entusiasmado com a descoberta
que ele foi um dos primeiros a fazer. E ela foi a delinquência que
estávamos vendo entre os jovens. Ela não se restringia ao que chamavam
de gueto. Havia muita inquietação entre os jovens de classe média que
agiam de forma totalmente inesperada. E ele percebeu que isso era em
função da família, não em função da situação econômica. Era o ódio deles
por serem criados por gente cujos valores eles consideravam antiquados e
os sentimentos que os jovens tinham no início da Segunda Guerra.
Explicações precisavam ser encontradas e isso certamente era alimento
para Hollywood.
82
”Juventude Transviada” começa com Jim Stark vagando bêbado pelas ruas, de
madrugada. Andando pela calçada, encontra um boneco jogado no chão. Jim deita ao seu
lado, cobre o brinquedo com um jornal e acaba adormecendo. Na cena seguinte, Jim está
sendo levado por policiais para uma Delegacia de Menores. Mesmo sendo o fim de semana
da Páscoa, a delegacia está cheia de menores apreendidos. Entre eles está Judy (Natalie
Wood), uma garota que também foi levada para a delegacia depois de ser encontrada
vagando sozinha. Em conversa com o delegado, ela conta que saiu de casa após discutir
com o pai. O delegado diz que irá telefonar para que ele venha buscá-la. Mas, quando fica
sabendo que quem vem buscá-la é a mãe, Judy fica irritada e questiona o porquê de não ser
o pai quem irá levá-la para casa.
Outro adolescente que está na delegacia, desta vez acompanhado pelo que parece
ser uma governanta, é John Crowford (Sal Mineo), que tem o apelido de Platão. Ele foi
detido porque estava matando filhotes de animais disparando tiros com uma arma de fogo.
82
Juventude Transviada: Inocentes Provocadores. Produtor: Sergio Palermo. Documentário presente no
DVD do filme Juventude Transviada. Brasil: Warner Bros. 2000, 1min05s.
64
É aniversário de Platão. Na conversa com outro delegado, a governanta conta que os pais
do garoto são separados. Ela diz que a mãe está viajando em visita à irmã e que, quanto ao
pai, eles não têm notícias dele há muito tempo.
Enquanto Platão e a governanta estão falando com um delegado, os pais e a avó de
Jim chegam à delegacia. O pai explica ao delegado que eles estavam em uma festa e que o
seu filho bebeu um pouco além da conta. Como forma de amenizar a situação de Jim, diz
que eles acabaram de se mudar para a cidade e que, por isso, o filho tem poucos amigos.
Então, o delegado chama Jim para uma conversa particular, que começa spida. Quando
esmais calmo, os dois conversam amigavelmente. Jim fala sobre seus problemas: as
constantes mudanças que a família faz como forma de protegê-lo, o pai que é submisso à
mãe e sobre o difícil dia-a-dia na sua casa. O rapaz diz que gosta do pai e que este tenta ser
seu amigo, mas que suas atitudes dentro de casa tornam o relacionamento difícil. Jim
afirma que nunca vai querer ser como seu pai: um covarde. Como que entendendo a
situação vivida pelo adolescente, o delegado pede a Jim que o procure sempre que estiver
com problemas, nem que seja para desabafar, que o relacionamento complicado com os
pais torna ruim o diálogo na família.
Começa outro dia e Jim vai para a nova escola pela primeira vez. Quando es
saindo de casa, descobre que é vizinho de Judy. Ele vai até ela, entrega a carteira que Judy
havia esquecido na delegacia e oferece-lhe uma carona. Judy, nada amistosa, diz que vai
com os amigos dela e com seu namorado, Buzz. Antes de embarcar no carro do namorado,
Judy diz para Jim: “Sabe, aposto que você é um grande babaca
83
. No carro, Buzz
pergunta à namorada quem era o rapaz com quem ela conversava. Judy responde: é uma
nova doença
84
.
Jim, Platão, Judy e sua turma estudam no Colégio Dawson. À tarde, eles têm
atividades no planetário. Durante a aula, a gangue de Buzz faz gracinhas e brincadeiras.
Jim também faz uma graça, mas é hostilizado pelo grupo. Platão, que está próximo, avisa a
Jim para tomar cuidados com eles, principalmente com Buzz e Judy, que são
encrenqueiros. Na saída do planetário, a gangue decide pegar Jim e dar-lhe uma lição.
Platão tenta ajudar Jim, dizendo que eles podem fugir até uma mansão abandona, próxima
ao planetário. Porém, eles são descobertos e o carro de Jim é encontrado. Para provocar o
novato da escola, Buzz fura um dos pneus do carro. Jim vai até o carro para trocar o pneu,
83
Juventude Transviada (Rebel Without a Cause). Diretor: Nicholas Ray. Produtor: David Weisbart.
Roteirista: Stewart Stern. Brasil: Warner Bros. 2000, 21min01s.
84
Idem, Ibid, 21min23s.
65
mas, quando se aproxima do veículo, o grupo começa a imitar uma galinha (chicken, em
inglês, que também é uma gíria para covarde). Jim avisa a eles que não deveriam chamá-lo
assim. Jim e Buzz começam a discutir. Este desafia Jim a uma briga de facas que, na visão
dele, não é uma luta, mas uma brincadeira maluca, em que valem apenas algumas
espetadas. Jim, a princípio, resiste. Mas, ao ser chamado novamente de covarde, avança
sobre o oponente. A luta termina com a chegada do guarda e do professor do planetário.
Porém, a hostilidade não cessou. Buzz desafia Jim a comparecer à noite no penhasco
Millertown para uma corrida da morte e ordena que seus amigos roubem dois carros para
o duelo.
Anoitece. Jim está em casa, na cozinha, quando ouve um barulho no andar de cima.
Vai alá e vê que o pai, vestindo um avental, derrubou a bandeja com o jantar que estava
levando para a esposa. Jim ri da situação e o pai se apressa para limpar, antes que a mulher
veja. Jim pede que o pai deixe tudo como está, mas ele começa a limpar. Irritado, Jim vai
para quarto.
A cena seguinte se passa na casa de Judy, onde a falia se prepara para o jantar
servido à mesa com todos reunidos. Judy dá um beijo no rosto do pai e este, irritado, diz
que ela o tem mais idade para essas coisas. Eles discutem e, então, amorosamente Judy
dá um novo beijo e, em troca, recebe um tapa no rosto. Judy sai de casa.
Então, a história volta-se novamente para a casa de Jim, que está deitado na cama
quando o pai vem conversar com ele. Jim pede um conselho sobre como agir diante de
uma situação perigosa, na qual é desafiado, sem, contudo, contar qual é o seu problema.
Jim quer uma resposta direta, mas, o pai foge da pergunta. Contrariado, Jim sai de casa e
segue até o penhasco Millertown. Quando chega, lá estão o casal Judy e Buzz e sua gangue
e também Platão. Buzz e Jim conversam amistosamente. O desafiado pergunta por que eles
precisam arriscar-se daquela maneira. Buzz responde que, simplesmente, eles precisam
fazer alguma coisa. A corrida da morte consiste em dirigir os carros rumo ao desfiladeiro.
O primeiro a pular do carro é o covarde. A disputa começa. O penhasco se aproxima e Jim
é o primeiro a saltar. Buzz ficou com a manga de sua jaqueta enroscada na porta do carro e
não consegue pular. O carro despenca e Buzz morre.
Jim conta aos pais o que aconteceu. Ele insiste em se entregar, mas os pais tentam
convencê-lo a não assumir a culpa. Como Jim está irredutível, a e avisa que a família
novamente irá se mudar. O jovem fica irritado com a idéia e pede que o pai o apóie na
decisão de ir até a polícia, mas este permanece em silêncio. Descontrolado com a falta de
66
atitude do pai e a sua submissão à esposa, Jim avança sobre ele, tentando estrangulá-lo. A
mãe separa os dois e Jim vai até a delegacia. Chegando lá, encontra três amigos de Buzz. O
trio combina se vingar de Jim. Na delegacia, ele pede para falar com o delegado Ray, que
não está. Então, Jim volta para casa e, ao chegar lá, Judy o espera. Eles conversam sobre o
que havia acontecido no penhasco Millertown. Judy alerta que os amigos de Buzz,
provavelmente, tentarão fazer algo contra ele. A garota também pede desculpas por ter sido
hostil com Jim, que lhe um beijo no rosto. Juntos, decidem se esconder na mansão
abandonada, próxima ao planetário.
Enquanto seguem para a mansão, Platão chega em casa e é atacado pelos três
amigos de Buzz. Eles roubam a caderneta de endereços de Platão e descobrem onde Jim
mora e seguem para lá. Platão arma-se com um revólver e sai à procura de Jim para avisá-
lo de que essendo perseguido. Os três membros da gangue de Buzz batem à porta da
casa de Jim e o pai dele atende. Mas, ao abrir a porta se assusta ao ver um frango
dependurado nela. Os membros da gangue calmamente perguntam onde Jim ese o pai,
assustado, volta para dentro de casa. Nessa sucessão de fatos, os pais de Jim e de Judy e a
responsável por Platão ligam para a polícia, alertando que os adolescentes correm perigo.
Platão encontra Jim e Judy na mansão abandonada. Juntos divertem-se andando
pela casa, fazendo brincadeiras. No quintal, os novos amigos conversam e Platão coma a
falar sobre seus problemas familiares. Diz que desde criança costuma fugir de casa e ir a
a mansão abandonada, onde se encontram. Também fala que desde a infância lembra-se de
seus pais brigando. Jim e Judy consolam Platão, que adormece. Então, o casal volta para
dentro da casa, deixando Platão dormindo no quintal.
Crunch, Goon e Moose, membros da gangue de Buzz, chegam à mansão. Lá dentro,
Jim e Judy estão juntos, revelam um para o outro que estão apaixonados e se beijam. Ao
mesmo tempo em que se desenrola o romance, Platão é perseguido pelo trio. Platão
consegue escapar e fica escondido dentro da mano, empunhando seu revólver. Crunch,
Goon e Moose o seguem e dentro da casa dividem-se para procurá-lo. Um deles encontra
Platão, mas é atingido por um tiro disparado por ele. Em seguida, Jim encontra Platão, que
discute com Jim por tê-lo deixado sozinho e depois foge. Quando está saindo da mansão,
defronta-se com a polícia e inicia-se uma nova perseguição por um bosque até o planetário.
Platão esconde-se dentro do planetário e a polícia cerca o local. Acompanhados de
Ray Frameck, do Juizado de Menores, os pais de Jim também chegam ao planetário, assim
como a responsável por Platão. Ray quer que Platão se entregue. Em seguida, Jim e Judy
67
o vistos entrando no local. Ray pede aos policiais que não atirem. Jim encontra Platão e o
convence a entregar-lhe a arma. Jim a descarrega e devolve-a para Platão. Jim negocia a
saída de Platão, pedindo apenas que os policias desliguem as luzes dos carros e das
lanternas. Quando começa a sair, Platão fica receoso ao reconhecer um dos policiais contra
quem atirou durante a fuga da mansão. Um dos policiais vê a arma na mão de Platão e
acende uma das lanternas. Platão se assusta e tenta fugir, mas um policial atira nele e o
garoto cai morto na escadaria em frente ao planetário. Jim desespera-se e mostra aos
policias que ele estava com as balas da arma de Platão. Jim chora a morte do amigo, abraça
o pai e pede ajuda. O pai abraça o filho e diz que pode confiar nele, pois tentará ser tão
forte quanto Jim espera que ele seja. Jim abraça Judy, a apresenta aos pais e os dois vão
embora juntos. A mãe de Jim tenta falar alguma coisa ao marido, como se fosse cobrar
alguma ação enérgica dele. Porém, cala-se e os dois trocam um sorriso conciliador. Jim e
Judy entram na viatura de Ray e deixam o planetário quando o dia está amanhecendo.
Caracteres surgem na tela e anunciam o fim do filme.
O título da obra em inglês, Rebel Without a Cause” (Rebelde sem Causa), perde o
sentido em relação à história que é contada na tela. As causas da rebeldia, o apenas de
Jim, mas também de Judy e de Platão, são evidentes: relacionamentos turbulentos dentro
da própria família. A frustração por não encontrar amor, carinho e compreensão dentro do
próprio seio familiar é o que levar as três personagens a cometerem atos de revolta. A crise
da família, segundo o filme, seria a verdadeira causa da rebeldia dos jovens da década de
1950. Vale ressaltar que em O Selvagem”, um provável problema de relacionamento entre
pais tem apenas uma pequena alusão. Quando Johnny es sendo espancado pelos
moradores de Whrighstville, ele debocha dos socos dizendo meu velho me batia mais
forte
85
. Muito diferente disso é o que é mostrado em “Juventude Transviada”. Como
definiu Thomas Doherty, in Rebel Without a Cause, the parents are weak, awful, uptight
or absent”
86
.
Jim é frustrado porque o pai manm uma posição passiva e submissa diante da
esposa, situação muito bem explorada pelo filme quando mostra o pai vestindo um avental,
ajoelhado no chão limpando a sujeira de comida no chão após derrubar o jantar que
serviria à esposa. Jim não encontra no pai o modelo de comportamento que gostaria de
seguir. Para Jim, o pai é um covarde que aceita todas as imposições que partem de sua
85
O Selvagem. Op. cit, 1h00min27s.
86
DOHERTY, Thomas. Op. cit, p. 101. – “Em Juventude Transviada, os pais são fracos, horríveis,
explosivos ou ausentes”. (Tradução livre).
68
mãe, daí a sua ferocidade contra todos aqueles que o tratam ou o provocam chamando-o de
covarde. Jamais quero ser como ele
87
, afirma Jim ao oficial que o atendeu no Juizado de
Menores, após ser apreendido por estar alcoolizado.
Judy tem problemas de relacionamento com o pai também, que parece não aceitar
que a filha não é mais uma criança e começa a se comportar como mulher. Conforme ela
contou ao oficial, também no Juizado de Menores, o pai quase arrancou os lábios dela para
tirar o batom que havia usado para ir ao cinema com a família e, depois disso, ainda a
chamou de vagabunda. Em outra cena, o pai lhe uma tapa no rosto porque ela o beijou
na face. Para ele, esse não seria um comportamento adequado para a filha, que é quase
adulta. Triste e contrariada, Judy sai de casa, deixando que os pais e o irmão mais novo
jantem sozinhos. Inconformado, o pai dela diz: Não sei o que fazer. De repente, ela ficou
problemática. A mãe de Judy responde, então, minimizando a situação: Isso vai passar.
É só a idade. E uma idade em que nada está bom
88
.
o comportamento de Platão seria, então, fruto da família destruída pela
separação. O pai, ele não há muito tempo e o contato mais próximo que tem com ele são
os cheques da pensão que lhe são enviados. Por sua vez, a mãe, que tem a sua guarda, é
ausente e nem mesmo comemora o aniversário do filho ao seu lado. Platão é praticamente
criado pela governanta. Talvez, justamente por não ter o contato próximo dos pais, o
personagem de Platão é o mais instável, inseguro e violento do filme, tanto é que possui
uma arma de fogo a qual não teve receio de disparar quando se sentiu ameaçado na mansão
onde ele, Jim e Judy tentaram se esconder dos amigos de Buzz.
Se os filhos não se sentem queridos pelos pais ou se o recebem deles a atenção
que acreditam que deveriam ter, por outro lado o filme Juventude Transviada” insiste que
os pais tentam contornar essa falha oferecendo a eles presentes ou bens materiais. No caso
de Platão, isso fica evidente na cena em que ele encontra um envelope do pai no seu
quarto. Ele acredita ser uma carta, mas se irrita ao ver que é apenas o cheque da pensão que
o pai deve lhe enviar periodicamente. Já no caso de Jim, a existência de uma situação
semelhante é tornada clara aos espectadores ainda nas primeiras cenas do filme, no Juizado
de Menores. Incomodado com os atos de Jim, o pai tenta entender o porqde seu filho
sempre estar envolvido em problemas. Ele pergunta: Não lhe dou tudo que quer? Quer
uma bicicleta? Um carro?”. Você me dá muitas coisas”, responde Jim, ironicamente.
87
Juventude Transviada, Op. cit. 15min59s.
88
Idem, Ibid, 41min29s.
69
Não é apenas isso”, retruca o pai. Nós também lhe damos afeto, não? Então o que é?
89
,
pergunta, sem muita certeza de que, de fato, o filho esteja recebendo toda a atenção
necessária.
Sem encontrar o companheirismo, a compreeno, o carinho e o afeto nos seus
próprios lares, os jovens rebeldes de “Juventude Transviada” encontram nos grupos ou
gangues o apoio e a amizade que tanto buscam. A morte de Buzz na corrida da morte, no
penhasco Millertown, aproxima Jim, Judy e Platão. Metaforicamente, os três juntos
formam a sua própria família e o lugar ideal onde essa nova família poderia viver é
justamente longe do mundo adulto no caso do filme, na mansão abandonada próxima ao
planetário. Segundo o roteirista Stewart Stern, “Peter Pan ressuscita em Juventude
Transviada. Quando decidimos que eles fugiriam para um lugar que fosse ideal eles
chegariam à Terra do Nunca, onde haveria mistério e retiro e milhões de portas”
90
. Enfim,
a mansão seria o lugar onde Jim, Judy e Platão estariam protegidos das obrigações,
cobranças e hostilidades do mundo adulto. Durante o curto tempo em que passam na
imaginada Terra do Nunca, o trio debocha daquele mesmo mundo adulto que tanto os
desagrada. Durante uma cena que se passa naquele local, Platão faz de conta que é um
agente imobiliário tentando alugar a mano e Judy e Jim são o casal interessado.
Enquanto vão para o lado de fora da casa, Judy pergunta, ainda em tom de brincadeira, se
existem modos para crianças. O diálogo que se segue é mordaz ao aludir à forma como,
em muitos casos, se dava o relacionamento entre pais e filhos naquele período, ao menos
sob o ponto de vista de muitos adolescentes e jovens:
PLATÃO: (As crianças) São barulhentas e problemáticas, o
concordam?
JUDY: E são muito irritantes quando choram! Não sei o que fazer quando
choram. Você sabe, querido?
JIM: É só afogá-las.
PLATÃO (mostrando a piscina vazia): Como vêem, o quarto do bebê fica
separado do resto da casa. E, se tiverem filhos, verão que é uma excelente
opção. Eles vão crescer sem que nem notem.
JIM: Um quarto de bebê submerso!
PLATÃO: Na verdade, se os trancar aqui, nunca mais terão que vê-los.
JIM: Muito menos conversar com eles.
JUDY: Conversar com eles? Nunca.
JIM: Ninguém conversa com os filhos.
JUDY: Não, só mandam.
91
89
Idem, Ibid, 11min01s.
90
Juventude Transviada: Inocentes Provocadores. Op. cit., 9min29s
91
Juventude Transviada. Op. cit., 80min02s.
70
O trecho acima evidencia a forma com que os três jovens percebem os
relacionamentos com os próprios pais. É algo distante, em que o existe amor, não
diálogo. É como se os filhos fossem algo indesejado, um fardo a ser carregado. Sendo
assim, o caminho quase que natural seria justamente a revolta contra os pais, se não os
atingindo diretamente, ao menos demonstrando a sua insatisfação através de um
comportamento questionável na própria sociedade, no qual a violência também ganha
destaque.
A antipatia da gangue de Buzz contra Jim não tem causas mais profundas. Ela se dá
simplesmente pelo fato de ele ser um novato na escola e, talvez, por ciúmes de Buzz, que
viu seu oponente conversando com Judy, sendo que ela própria, a princípio, se referiu a
Jim como um “babaca e como “uma nova doença”
92
. Assim, a animosidade não demora
a se transformar em confronto. O primeiro deles se dá logo após a aula no planetário,
quando Jim é desafiado a uma briga com facas, simplesmente porque fez alguns gracejos
para chamar a atenção da própria gangue, provavelmente para inserir-se no grupo. Porém,
a ousadia não foi bem vista por Buzz e seus amigos. Perseguido e provocado ao ser
chamado de covarde, Jim envolve-se no que, a princípio, parece ser uma briga, mas que na
verdade para Buzz tem um significado diferente:
JIM: Achei que só marginais brigassem com facas.
BUZZ: Quem está brigando? Está na hora da aprovação, cara. É um jogo
louco. (...) Entendeu qual é o jogo? Não vale enfiar (a faca). umas
espetadas.
93
A luta com facas ou o jogo louco (como definiu Buzz), assim como a própria
corrida da morte no penhasco de Millertown, são, de fato, rituais pelos quais Jim deve
passar para ser aceito como parte da gangue. Nesses desafios, ele precisa provar a sua
coragem, a qual é medida através do uso da violência e, no caso da corrida da morte,
colocando a própria vida em risco, simplesmente porque eles têm que fazer alguma coisa,
como Buzz justifica a Jim, momentos antes de dirigirem rumo ao precipício.
Como um filme sobre delinquência juvenil que se enquadra como soft, na
classificação de Thomas Doherty, Juventude Transviada”, além de colocar a
desestruturação familiar como a causa principal da rebeldia dos adolescentes e jovens da
92
Idem, Ibid, 21min02s.
93
Idem, Ibid, 34min08s.
71
década de 1950 nos Estados Unidos, ao mesmo tempo também apresenta uma alternativa
pela qual pode voltar a haver harmonia nas famílias. A solução, no caso de Jim, é que os
papéis a serem desempenhados pelo pai e pela mãe sejam redefinidos. Ou seja, é o homem
quem deve ser a palavra forte e a autoridade no lar e, como consequência, estender essa
condição também para a sociedade como um todo. O final do filme sugere exatamente isso.
Quando retomamos o final de “Juventude Transviada”, encontramos Jim desesperado,
chorando ajoelhado ao lado do corpo inerte de Platão. Como um último gesto em busca de
socorro para pôr fim ao seu drama, Jim suplica ao pai:
- Me ajude!
- Jim, você pode contar comigo. Confie em mim. O que quer que aconteça,
nós enfrentaremos juntos. Eu juro. Agora, Jim, levante-se. Vou me levantar
com você. Tentarei ser tão forte quanto você espera que eu seja.
94
Evidentemente, “nós enfrentaremos juntos, neste caso refere-se apenas a Jim e seu
pai. Neste momento em que ambos levantam-se abraçados (sendo que o ato de levantar-se,
neste caso, simboliza também um recomeço), a mãe de Jim apenas observa os dois, com ar
autoritário. Aliás, esse semblante será desfeito momentos depois, quando ela e o marido se
olham e, então, a mãe de Jim abre um sorriso ao marido, como que aceitando a nova
condição na qual os papéis invertem-se: de uma situação incomum, na visão do filme, para
o tradicional modelo patriarcal da família norte-americana.
2.3 Gangues, moda, a mulher e sexualidade
Até agora, neste capítulo, apresentamos algumas das questões que julgamos
centrais na história. Porém, outros temas saltam aos olhos quando assistimos aos filmes “O
Selvagem” e “Juventude Transviada”, tanto que muitos se repetem nas duas obras. Apesar
de não serem elementos centrais dos enredos, eles ajudam a contar a história daqueles
jovens rebeldes e, ao mesmo tempo, nos levam a pensar outras questões que se colocavam
na época e contribuem significativamente para a compreensão do fenômeno da juventude
94
Idem, Ibid, 107min38s.
72
errática na década de 1950, nos Estados Unidos. São eles: as gangues, a moda, a mulher a
sexualidade.
Seja no filme estrelado por Marlon Brando, seja naquele que tem James Dean como
protagonista, as gangues são a forma de agrupamento, “a comunidade dos jovens
rebeldes. Os BRMC são forasteiros que, com suas motos, levam a violência para a pequena
cidade de Wrighstville. Já a gangue de Buzz, de “Juventude Transviada”, é formada por
delinquentes juvenis que m como o seu espaço principal de ação a escola.
descrevemos anteriormente que um fenômeno típico da época era os jovens formarem
dentro dos seus ambientes de convivência algo como um mundo à parte e isolado dos
adultos e das crianças. A união entre seus pares, desfrutando dos mesmos gostos e
costumes, é o principal elemento de coesão.
Esses grupos desempenham, na adolescência e na juventude, um papel tão ou até
mais importante que o da família. Isso acontece porque, como defende Marialice M.
Foracchi, na participação de grupos de jovens:
(...) uma forte enfatização da experiência comum, dos valores comuns,
da identificação mútua que vincula estreitamente os jovens à vida grupal. É
quase uma revivescência da vida comunitária, constituída por aqueles que
se ama e respeita, na qual persistem as sólidas amizades, na qual a
participação seja, para todos, respeitável e digna. Há na juventude moderna
não só o apelo para a vida comunitária, mas em certos setores, uma
verdadeira identificação com tal modo idealizado de vida, um vínculo que
chega a ser emocional e pretende impor-se como a resposta jovem à
indagação adulta sobre o tipo de vida que desejariam ter.
A orientação para uma associação em moldes comunitários é uma
característica dos grupos jovens. E tamm é passível de definições muito
simples, na medida que consiste no predomínio das relações primárias que
envolvem tensão e solidariedade, oposições e identificações, mas que
compõem, sobretudo, um mundo compartilhado.
95
No entanto, esse convívio não era pacífico e esses grupos juvenis, aparentemente
homogêneos, quando vistos mais de perto se mostravam bastante fragmentados. E, desses
fragmentos, poderiam surgir as gangues, muitas rivais entre si (se formos recorrer a “O
Selvagem”, teremos, por exemplo, os B.R.M.C. e os Beetles).
A força de uma gangue está justamente na união entre seus integrantes, que
compartilham do modo de vestir, das gírias, dos mesmos gostos por diversão, enfim,
possuem modos de ser, agir e pensar em comum. Dentro do universo do grupo, quando
95
FORACCHI, Marialice M. A Juventude na Sociedade Moderna. São Paulo: Pioneira (Editora da
Universidade de São Paulo), 1972, p. 27.
73
agindo em bandos, parece haver pouco espaço para a individualidade, uma vez que, a cada
momento, é preciso desempenhar um papel, assumir a sua identidade enquanto membro de
determinada gangue. Esse elemento, curiosamente, proporciona uma espécie de anonimato
dentro do próprio grupo. Levando isso para o contexto da época, não seria errado supor
que esse anonimato promovido pelo grupo contribuísse significativamente para o
comportamento agressivo de gangues, pois o “desaparecer no grupo” e a dificuldade de ser
reconhecido, certamente era um fator encorajador para que certas atitudes consideradas
imorais, violentas ou criminosas fossem praticadas.
No entendimento de Paulo Sérgio do Carmo, “fazer parte de uma gangue fortalece a
pessoa que necessita ser reconhecida ou valorizada, o que muitas vezes não acontece no
lar, na rua ou na escola
96
. Por sua vez, Luisa Passerini amplia esse raciocínio sobre as
gangues da década de 1950 que, segundo ela, possuíam laços de solidariedade semelhantes
ao praticados por outros grupos de jovens mais bem comportados, como os escoteiros. No
entanto, essa força promovida pela solidariedade, conforme a autora, era usada justamente
para praticar atos que atentassem contra a sociedade:
A definição de gangue era excessivamente elástica e associava verdadeiros
bandos de vândalos que se dedicavam à violência e furtos com grupos mais
parecidos a clubes e associações.
A existência de gangues, delinqüentes ou não, contrapunha-se à das
organizações para adolescentes administradas por adultos, como a dos
escoteiros, mas os protagonistas do debate prestaram pouca atenção às
semelhanças que existiam entre os dois fenômenos, como o uso da gíria
interna, a afirmação de valores como a lealdade, a audácia física, a
afirmação precoce da maturidade. Albert Cohen, em Delinquent Boys: the
culture of the gang, tinha mostrado quanto a cultura da delinqüência era
um modo de vida que se tornara tradicional entre certos grupos da
sociedade americana, oriundos das classes ‘inferiores’, mas em fase de
expansão à classe dia por causa de erros na educação dos filhos. Cohen
evidenciava que uma gangue delinqüente era de fato uma pequena
sociedade fechada, em que os valores eram conferidos segundo critérios
opostos àqueles vigentes na classe média, portanto uma espécie de
‘contramundo vindicativo, caráter que confirmava sua dependência da
sociedade convencional.
97
Ressaltamos, mais uma vez, que a força de coesão do grupo pode suprimir a
individualidade ou o livre arbítrio dentro desse espaço de convívio, uma vez que agir fora
do padrão pode ser motivo de censuras, deboches e perda de prestígio. o é aceitável
96
CARMO, Paulorgio do. Op. cit., p. 221.
97
PASSERINI, Luisa. Op. cit., p. 361.
74
fazer algo que o todo desaprova. Em “O Selvagem”, Johnny se mostra durão na maior
parte do filme. Não tem medo de desafiar a autoridade e nem de ameaçar os habitantes da
pequena cidade onde estão, isso quando ele está junto de seu grupo. Mas, depois de ser
capturado pelos moradores de Wrightsville e espancado, ele consegue fugir até o local em
que está a sua motocicleta. Sozinho, protegido pela escuridão da noite e dos arbustos,
Johnny chora. Uma atitude que nenhum dos seus colegas da gangue viu e que, certamente,
não aprovariam. Porém, apenas quando está sozinho ele consegue expressar através das
lágrimas a sua frustração, a sua infelicidade, mesmo que por um tempo bastante curto. Mas
a sua lamentação dura pouco e logo ele está novamente montado em sua moto, tentando
escapar dos moradores da cidade que insistem em persegui-lo. Preso, ele volta a ser o
valente Johnny, de poucas palavras, rosto fechado e hostil enquanto é interrogado pelos
policiais.
em “Juventude Transviada”, quem dá a deixa para pensarmos a respeito dessa
ditadura do comportamento dentro do grupo é a própria Judy. Quando ela conhece Jim,
enquanto está esperando que os seus amigos cheguem para levá-la à escola, a garota é rude
com o personagem de James Dean. E esse comportamento se repete durante o filme, até o
momento em que Buzz, então namorado de Judy, morre no desafio de carro no penhasco.
Com a aproximação de Jim e Judy, a garota acaba revelando um outro lado, também em
momento íntimo dos dois, longe da gangue da qual ela faz parte. “Você não deve acreditar
no que digo quando estou com eles. Ninguém age com sinceridade”
98
, afirma Judy.
O mesmo pode ser dito de Buzz que, liderando a sua gangue, a todo momento
desafia Jim. Porém, momentos antes de embarcar no carro para o pega que o mataria, Buzz
conversa cordialmente com Jim, até demonstrando uma grande simpatia por ele. Isso, é
claro, quando os dois estão conversando a sós.
O diretor de “Juventude Transviada”, Nicholas Ray, deu uma atenção toda especial
à forma como a gangue de Buzz seria mostrada no filme. Para tanto, teve a ajuda
fundamental do ator Frank Mazolla, que interpreta o personagem Crunch. Mazolla era
integrante de uma gangue de verdade na época da produção do filme e, já nos primeiros
dias, se mostrou insatisfeito com a forma como a turma de Buzz se comportava. Nicholas
Ray aceitou as críticas e deixou que o ator sugerisse mudanças em diversos elementos dos
filmes, desde os carros que a gangue deveria dirigir, o modo de falar, como agiam nas
brigas, como se divertiam e, principalmente, o modo como se vestiam.
98
Juventude Transviada. Op. cit., 1h10min49s.
75
As roupas são um elemento de forte identificação dentro das gangues e está
bastante presente em “O Selvagem” e em “Juventude Transviada”. Em ambos os filmes o
“uniforme” dos jovens rebeldes, no caso dos rapazes, eram o jeans, a camiseta e a jaqueta
de couro, de preferência preta
99
. De acordo com Paulo Sérgio do Carmo, com a
necessidade pica que o jovem tem de auto-afirmação, “a preocupação com a própria
imagem assume importância toda especial nesse momento da vida, sobretudo porque
permite exibir sinais seguros de pertencer a um determinado grupo, de definir sua
identidade
100
.
As origens da moda estão associadas ao período de ascensão da burguesia. Com o
aumento do poder aquisitivo dessa camada social, ela pôde levar um estilo de vida
semelhante à nobreza, o que, obviamente, incluía também o vestuário. Para se diferenciar,
a nobreza passou cada vez mais a inovar em suas roupas, as quais eram imitadas logo em
seguida pelos burgueses. Assim, sucessivamente, as coleções de roupa foram ganhando
cada vez mais espaço, como uma forma de distinguir uma classe da outra, numa espécie de
disputa por prestígio e marcação das diferenças sociais. Desse modo, a alta-costura passou
a ser cada vez mais prestigiada por aqueles que tinham grande poder aquisitivo. Do lado
inverso dessa pirâmide social, estavam justamente as camadas mais populares, que não
vestiam uma moda, mas simplesmente usavam roupa, muitas produzidas em escala
industrial, em série.
Paulo Sérgio do Carmo comenta que uma mudança significativa aconteceu na
mercado da moda, em 1947, quando a partir de Paris, na França, o pret-à-porter, ou as
roupas prontas para vestir, passou a ser uma tendência de consumo, uma vez que buscava
acompanhar as modas da alta-costura, produzindo peças a preços mais acessíveis que
poderiam ser compradas por uma parcela maior da população. O autor destaca que, “na
tentativa bem sucedida de fundir indústria e moda, valorizaram-se novidade, estilo, bem
como a estética da rua como fonte de inspiração. Voltada para a novidade e a ousadia, a
moda industrial destinou-se inicialmente aos jovens, seu principal alvo”
101
. Se levarmos
essa afirmação para o contexto dos Estados Unidos da década de 1950, vamos perceber
que ela se encaixa perfeitamente no perfil da juventude da época que, como vimos
99
Esse elemento, curiosamente, proporcionava uma espécie de anonimato dentro do próprio grupo. Um fato
curioso e porque não cômico disso, por exemplo, é que os motoqueiros de “O Selvagem” traziam seus nomes
gravados nas jaquetas, na altura do peito, para identificar quem era quem na gangue, tamanha a semelhança
entre eles quando trajados com seus uniformes.
100
CARMO, Paulo Sérgio do. Op. cit., p. 192.
101
Idem, Ibid, p. 200.
76
anteriormente, tinha um bom poder aquisitivo para adquirir uma série de bens de consumo,
entre eles, roupas. Com condições de gastar em vestuário e buscando diferenciar-se e
firmar-se como uma camada diferenciada dos adultos e das crianças, muitos jovens
inovavam nas pprias roupas, sendo que os grupos vanguardistas, que usavam da
criatividade para criar novas combinações no seu modo de vestir, tinham suas idéias
apropriadas pelo mercado da moda, que lançava essas novas tendências para o consumo
das massas. Assim, por exemplo, podemos entender como o modo de vestir das gangues,
com ênfase no jeans, na camiseta e nas blusas de couro, tornaram-se objetos de grande
apelo popular, muitas vezes pouco importando se quem as usasse fosse de fato rebelde ou
não. Como se pressupõe no mundo da moda, uma estreita relação, proporcionada pela
roupa, entre o ser e o parecer ser. Afinal, a roupa passou tanto a ser um modo de marcar
determinado padrão de vida e, ao mesmo tempo, a servir como simulação de status social.
Porém, antes de se tornarem objetos de consumo de massa dissociados de um
símbolo de rebeldia (o que teve uma contribuição significativa dos filmes “O Selvagem” e
“Juventude Transviada” na sua popularização), a combinação de jeans, camisetas e
jaquetas de couro estava nas ruas norte-americanas, trajando muitos jovens considerados
transviados. O seu apelo como elemento identitário da juventude rebelde da época e o seu
impacto foram tão fortes, que acabaram influenciando futuras gerações de transgressores,
como os punks na década de 1970. A referência ao uniforme das gangues de “O Selvagem”
(ver figura 6, p. 91), por exemplo, são explícitas, como podemos observar na capa do
primeiro disco, de 1976, daquela que é considerada a primeira banda punk norte-
americana, os Ramones (ver figura 7, p. 92).
As jaquetas de couro já eram usadas tradicionalmente pelos motociclistas, que viam
nessa vestimenta robusta um meio de se proteger do frio, da chuva e, evidentemente, evitar
ou diminuir os ferimentos provocados, por exemplo, por uma queda. Porém, o seu uso a
partir da década de 1950 ampliou a funcionalidade dos casacos de couro, conferindo a ele
também uma identificação como símbolo da rebeldia. Glauber Rocha faz uma analogia
importante com as jaquetas de couro afirmando que elas teriam, para os filmes sobre
juventude delinquente, a mesma importância que o revólver para os filmes de western.
Ainda segundo ele, as jaquetas de couro destroem “a monotonia dos paletós, vestindo o
rebelde qual anjo inesperado. E a cor do blusão, negro ou vermelho, é a afirmação e
77
protesto porque escandaliza os puletós (sic) ou camisas cinzas, cor discreta do homem
americano (...), cor discreta do homem comum do escritório cotidiano
102
.
No filme “Juventude Transviadapercebemos claramente outra representação para
as jaquetas. Elas seriam uma espécie de escudo rígido que protege os jovens contra um
mundo adulto que eles detestam. No início do filme, quando James Dean está andando
bêbado pela rua e encontra um boneco de pelúcia, ele o cobre com uma folha de jornal,
como que para protegê-lo do frio da noite. A princípio, para o espectador esse seria
somente um devaneio de um jovem alcoolizado, caso esse gesto não se repetisse em
momentos importantes do filme. Quando Jim é conduzido até a delegacia, ele encontra
Platão, a quem oferece o seu paletó para aquecê-lo, gesto que é recusado. Já nos momentos
finais de Juventude Transviada”, quando Jim está dentro do observatório convencendo
Platão a se entregar à polícia, o personagem de James Dean oferece a sua jaqueta para o
amigo, que em troca entrega-lhe o revólver (nessa cena alegórica, entendemos que o
casaco tem um poder simbólico de proteção maior que o da arma). No clímax do filme,
quando Platão é atingido por um tiro da polícia e morre, Jim vai até o corpo do garoto e
fecha o zíper do blusão que havia acabado de lhe dar. Ele está sempre com frio
103
, diz.
Mais uma vez, a jaqueta aparece em evidência. Conforme Glauber Rocha, “o blusão
alcança um plano místico, surge como símbolo vital da tragédia
104
.
as camisetas deixaram de ser uma peça que era utilizada por baixo das camisas,
usada tanto em dias de frio (para ajudar a manter a temperatura do corpo) ou em dias mais
quentes, para controlar a transpiração. Quando apareciam normalmente à vista, geralmente
as camisetas eram a vestimenta de trabalhadores braçais, ou seja, um tipo de roupa
associada às pessoas mais pobres ou sem classe. O mesmo acontecia com a calça jeans,
criada em 1848 pelo vendedor de lona norte-americano Levi Strauss. Quando a calça jeans
surgiu, ela era para ser uma roupa resistente, que poderia ser usada por garimpeiros ou
vaqueiros, por exemplo, pessoas que enfrentavam condições de trabalho bastante difíceis
junto à natureza e que, para tanto, necessitavam de uma vestimenta adequada ao meio.
Porém, a juventude rebelde da década de 1950 subverteu esse modo de usar a
camiseta, o jeans e as jaquetas de couro: essas roupas tornaram-se símbolo de uma
contestação ao modo tradicional de se vestir. Ou seja, elas marcavam uma diferença
importante entre os jovens e os adultos, ou até mesmo entre os jovens mais descolados e os
102
ROCHA, Glauber. Op. cit., p. 48 e 49.
103
Juventude Transviada. Op. cit., 1h49min12s.
104
ROCHA, Glauber. Op. cit., p. 47.
78
caretas. Ao ampliarmos o raciocínio, vamos perceber que ameados do século XX, os
modos de vestir de um jovem ou de um adulto não se diferenciavam muito. Antes, era uma
questão importante para os jovens vestirem-se como os mais velhos, aparentarem mais
idade, até mesmo para insinuarem uma maior virilidade e poderem desfrutar de prazeres
que eram, então, permitidos geralmente somente aos adultos, como o cigarro, a bebida e
até o sexo. Era muito mais interessante para um rapaz de 25 anos tentar se parecer com um
homem de 50 do que com um garoto de 15. Mas, com a subversão de alguns costumes na
sociedade norte-americana a partir dos anos 1950 e a valorização da juventude, afirmar-se
como ou parecer mais jovem passou a ser algo muito valorizado. Pode-se perceber o
reflexo disso até mesmo nos dias atuais, quando a mídia bombardeia o público com
mensagens em que se valoriza o cuidado com o corpo. É quase uma ofensa para os padrões
atuais estar com uns quilos a mais, ter rugas ou até mesmo cabelos grisalhos. E, na ânsia de
parecer mais jovem, a moda tem um papel importante. Afinal, se não se é mais jovem, a
roupa ajuda a aparentar ser.
Como tentamos destacar até aqui, “O Selvagem” e “Juventude Transviada se
mostram bastante polêmicos ao mostrar elementos de transgressão juvenil, em que ganham
destaque os personagens de Marlon Brando e James Dean, que se apresentam como
rebeldes, viris, arrojados, espontâneos e valentes (características que muitos poderiam
perceber como qualidades para um novo modelo de jovem que estava surgindo). Contudo,
a forma como a mulher é representada nas duas obras cinematográficas em questão é
bastante conservadora. Os valores apresentados como o comportamento ideal para o sexo
feminino são o de submiso ao homem, devendo ela estar ao seu lado, claro, mas com
pouco poder de decisão e escolha. Simplificando, “O Selvagem” e “Juventude Transviada
perpetuam a cultura patriarcal. Para justificar esta afirmação, vamos nos ater em quatro
personagens femininas: Kathie e Britches, do filme com Marlon Brando; e Judy e a mãe de
Jim, no filme estrelado por James Dean.
Em “O Selvagem”, Kathie é a garota por quem Johnny se apaixona. Como o
protagonista revela na narração que introduz a história, ela é uma garota triste. A história
nos leva a entender que Kathie, garçonete do Bleeker’s Cafe, dedica a maior parte de sua
vida ao trabalho e suas opções de diversão são bem conservadoras, como piqueniques ou
pescarias. Ao mesmo tempo, ela parece ser solitária, esperando que a vida lhe apresente
um rapaz descente para se casar com ela e, assim, constituir uma família e desempenhar o
papel de esposa e mãe dentro dos padrões que eram tidos como normais para a época.
79
Kathie é praticamente o oposto de Johnny, um rapaz “selvagem”, como explicita o tulo
do filme. E talvez seja essa diferença que tenha despertado o interesse do líder dos BRMC.
Por sua vez, Britches é totalmente o contrário de Kathie. Mulher ousada que acompanha a
gangue dos Beetles, ela bebe cerveja direto do gargalo da garrafa junto com os
motoqueiros, participa das viagens com eles, toma a iniciativa de se aproximar do homem
que lhe desperta desejos. Enfim, tem um comportamento “lascivo”. O próprio modo de
vestir de Kathie e Britches difere. Enquanto a garçonete traja uma saia discreta que se
estende até o tornozelo, com um decote mínimo que, somado aos gestos delicados, lhe
confere um aspecto virginal, puro (ver figura 8, p. 93); Britches, muito mais intempestiva
em sua gesticulação, se veste de forma masculinizada, trajando calças (uma peça do
vestuário que até então não era habitual para as mulheres) e uma blusa que reforça a
silhueta dos seios generosos e sensuais (ver figura 9, p. 94).
O filme sugere ao espectador que Britches teve uma pequena aventura amorosa
(podemos até arriscar dizer sexual) com Johnny em um passado recente. Porém, quando
eles se encontram em Wrightsville, Johnny mal a reconhece, e quando se lembra dela,
praticamente a ignora. Para ele, o caso não teve a menor importância. Johnny está
interessado em Kathie, a garota casta. A sugestão do filme para um pado de
comportamento feminino tido como correto é evidente. Mulheres ousadas podem ser
interessantes para os homens, que podem se divertir com elas. Pom, a mulher ideal,
aquela que um homem busca para ter como companheira, para o casamento, é aquela que
tem os valores que Kathie possui. A regra vale até mesmo para um sujeito errante e
rebelde, como Johnny.
Kathie e Johnny vivem uma fábula moderna da donzela e do príncipe encantado.
Quando ela é perseguida pelos motoqueiros, é Johnny quem surge para sal-la do perigo,
não com um cavalo branco, mas com uma moto. Embarcada na moto e abraçada a Johnny,
eles seguem para um passeio até um lugar onde podem ficar sozinhos. Na conversa que se
segue, na qual se intercalam momentos românticos e ríspidos, Kathie revela a Johnny que
sonhava em encontrar um homem que a amasse, que cuidasse dela e lhe proporcionasse
uma nova vida em outro lugar: “queria que ele me levasse para onde ele estivesse indo
105
.
O destino da mulher depende dos rumos e decisões que o homem tomar, cabendo a ela
apenas segui-lo.
105
O Selvagem, Op. cit., 55min35s.
80
Em “Juventude Transviada”, Judy, a personagem que forma o par romântico com
Jim, a princípio se mostra uma garota mais liberal, sexy e que tem um círculo de amizades
que sempre está envolvido em problemas. O seu comportamento, por exemplo, numa
comparação com as personagens de “O Selvagem, se aproxima muito mais daquele de
Britches, embora não de forma tão promíscua. Mas, essa imagem de garota independente
se desmancha tão logo se a aproximação de Judy com Jim. Em certo momento, Jim
questiona a ela: por que anda com esse bando?
106
, desaprovando o comportamento da
garota. Em outra cena de intimidade entre Jim e Judy ela pergunta: Que tipo de pessoa
você acha que uma garota quer?”. “Um homem”, responde ele, no que Judy concorda,
acrescentando: Mas um homem que seja gentil e dócil como você é. Uma pessoa que não
fuja quando precisar dela
107
. Assim, toda a rebeldia e aparente independência de Judy
esconde uma mulher que tem os mesmos sonhos de Kathie, a garota por quem Johnny se
apaixona em “O Selvagem”.
Mas, em nenhum dos dois filmes analisados, nada é mais sintomático a respeito do
papel que as mulheres deveriam ter na década de 1950 do que o núcleo familiar de Jim.
Apesar do título original em inglês do filme afirmar que ele é um rebelde sem causa, é
evidente que toda a angústia e raiva da personagem de James Dean deriva da submiso do
pai aos mandos e desmandos da mãe. Por se comportar dessa forma, Jim acredita que seu
pai é um fraco, um covarde. Na concepção de Jim, a sua família é uma anomalia, que
não é o pai quem é a voz que comanda a casa. “Juventude Transviada” vai tão a fundo na
questão, que sugere que a própria mãe necessitaria de que o marido invertesse essa
situação: “Se ele tivesse coragem de enfrentar minha mãe uma vez, talvez ela ficasse feliz e
parasse de provocá-lo
108
, diz Jim ao inspetor na delegacia.
Uma cena bastante emblemática de “Juventude Transviada”, por ser bastante
representativa da hierarquia inversa vivida na família de Jim, é a da discussão entre o filho
e os pais na escadaria da sala da falia Stark. Após a morte de Buzz na corrida da morte,
Jim decide ir até a delegacia se entregar, no que é reprovado pelos pais. Inicia-se a
discussão e a personagem de James Dean exige que o seu pai o apóie, no que não é
atendido. Nessa cena, a mãe de Jim esimponente no alto da escada, o pai está resignado
embaixo e, entre eles, Jim (ver figura 10, p. 95). É a representão ideal daquilo que, na
idéia de Jim, seria a causa de todos os seus problemas. Os atos seguem e o jovem,
106
Juventude Transviada, Op. cit. 33min46s.
107
Idem, Ibid, 1h25min49s.
108
Idem, Ibid, 15min41s.
81
inconformado com a ausência de atitude que ele espera do pai, começa a estrangulá-lo,
sendo interrompido pela mãe. Furioso, Jim sai de casa, mas, antes de ir, chuta um quadro
com a imagem da mãe que estava posicionado no chão, ao lado da porta. Felizmente para
Jim, o seu drama chega ao final quando, nas últimas cenas do filme, o pai lhe promete que
será tão forte quanto ele espera que seja e a mãe parece concordar com a situação,
permitindo que o marido seja quem passe a comandar a família.
Não é difícil perceber como “O Selvagem” e “Juventude Transviada” são
conservadores no que diz respeito às mulheres. A rebeldia, nesse caso, serve para os
rapazes, que até ganham um charme extra por esse comportamento errático. para as
mulheres, a transgressão deve ser desaprovada e reprimida.
E. Ann Kaplan, que faz uma abordagem feminista dos filmes produzidos em
Hollywood, afirma que o olhar do cinema norte-americano é quase sempre masculino, seja
tanto na forma como aborda a mulher (na grande maioria das vezes, submissa ao homem,
quando não é apenas objeto de desejo desse) como na escolha dos protagonistas, cujas
personagens principais, os heróis, geralmente são homens. Conforme a autora, na maioria
das situações:
Os heróis masculinos idealizados da tela devolvem ao espectador
masculino seu ego mais perfeito espelhado, junto com uma sensação de
domínio e controle. Para a mulher, ao contrário, são dadas apenas figuras
vitimizadas e impotentes que, longe de serem perfeitas, ainda reforçam
um sentimento básico preexistente de inutilidade.
109
Esse privilégio que é dado às personagens masculinas fica evidente não somente
nos próprios filmes, como também nas peças publicitárias de “O Selvagem” e “Juventude
Transviada”. Em um pôster de “O Selvagem” (ver figura 11, p. 96), aparecem em destaque
apenas Marlon Brando e a sua moto. Em outro, mais uma vez ele está em evidência, mas
dividindo um pequeno espaço em outra imagem com Chino, o líder da gangue rival (ver
figura 12, p. 97). Kathie, o seu par rontico, surge em outro cartaz encontrado durante a
pesquisa. Esse último chama bastante a atenção, pois une em um único ster tanto a
condição da mulher enquanto objeto de desejo amoroso/sexual e como a de submissa ao
homem. A arte do cartaz (ver figura 13, p. 98) mostra o rosto da personagem Johnny,
sendo que na linha de seu olhar aparece um par de pernas femininas e, logo abaixo, lê-se:
109
KAPLAN, E. Ann. A mulher e o cinema: os dois lados da câmera. Trad. Helen Márcia Potter Pessoa. Rio
de Janeiro: Rocco, 1995, p. 50.
82
That ‘streetcar’ man has a new desires
110
. Numa outra imagem, sobreposta ao rosto de
Marlon Brando, aparece outra figura, agora de corpo inteiro, com Kathie jogada aos pés de
Johnny de um modo suplicante, enquanto este aparenta um ar de superioridade. Ao lado da
imagem, a frase: “C’mon, baby, let’s have fun!
111
.
nos cartazes de “Juventude Transviada”, entre os vários produzidos, quase todos
enfatizam a imagem do personagem de James Dean (ver figura 14, p. 99). Quando Judy, a
personagem de Natalie Wood, aparece, ela está em tamanho reduzido em cena romântica
ou sendo protegida por Jim (ver figura 15, p. 100). Entre aqueles cartazes que encontramos
em nossa pesquisa, destacamos um em especial, que mostra Jim estendendo a mão a Judy,
em um gesto que transmite segurança à garota: a imagem é representativa do elemento de
superioridade masculina presente no filme (ver figura 16, p. 101).
A respeito dos filmes hollywoodianos produzidos nos anos de 1950, E. Ann Kaplan
percebeu uma grande mudança na forma como muitos deles abordavam a sexualidade,
principalmente a feminina. Ela entende que essa mudaa se deu, entre outros fatores, em
razão do cinema norte-americano tentar acompanhar uma tendência que o cinema europeu
já vinha desenvolvendo, na qual o sexo era mostrado de uma maneira um pouco mais
ousada. Estrelas de cinema de Hollywood tiveram mais espaço para desenvolver a sua
sensualidade. A autora cita como exemplos de atrizes que se enquadraram nesse contexto
Marilyn Monroe e a própria Natalie Wood, que interpreta Judy, em “Juventude
Transviada”. Outro fator que contribuiu para que o cinema norte-americano explorasse
mais a sensualidade feminina era justamente as pprias mudanças (ainda que de forma
tímida) no campo da sexualidade, que estavam ocorrendo nos Estados Unidos na época.
No entendimento de E. Ann Kaplan:
Os anos 50 representam nitidamente o fim de alguma coisa: os filmeso
interessantes porque mostram antigos códigos se desmoronando, prontos
para ruir, mas ainda se agüentando. A sexualidade respingava por todo o
lado sem ser entretanto reconhecida: os mecanismos que décadas
anteriores funcionavam para controlar a sexualidade feminina (...)
reconheciam implicitamente a força e o perigo da sexualidade feminina:
nos anos 50 o medo da sexualidade parecia reprimido – e por isso
transborda por toda a parte. (...) Mas que o medo fora reprimido, os
filmes faziam de conta que, de certo modo, a sexualidade feminina não
chegava a ser sentida em todo o seu real teor explosivo.
112
110
Esse homem das ruas tem um novo desejo” (tradução livre).
111
“Venha, querida, vamos nos divertir!” (tradução livre).
112
KAPLAN, E. Ann. Op. cit, p. 19 e 20.
83
No que se refere à moda feminina, a década de 1950 foi marcada pela volta da
feminilidade. Após o período de carência vivido na sequência da crise de 1929 e, de forma
ainda acentuada, durante a Segunda Guerra Mundial, quando a produção e consumo de
produtos não considerados essenciais era algo que deveria ser evitado em favor dos
esforços de guerra, a retomada do crescimento econômico dos Estados Unidos nos anos de
1950 resultou também na revitalização e expansão dos mercados de moda e cosméticos.
Conforme Claudia Garcia:
Com o fim dos anos de guerra e do racionamento de tecidos, a mulher dos
anos 50 se tornou mais feminina e glamourosa (...). Metros e metros de
tecido eram gastos para confeccionar um vestido, bem amplo e na altura
dos tornozelos. A cintura era bem marcada e os sapatos eram de saltos
altos, além das luvas e outros acessórios luxuosos, como peles e jóias.
Essa silhueta extremamente feminina e jovial atravessou toda a década de
50 e se manteve como base para a maioria das criações desse período. (...)
Com o fim da escassez dos cosméticos do pós-guerra, a beleza se tornaria
um tema de grande importância. O clima era de sofisticação e era tempo
de cuidar da aparência. A maquiagem estava na moda e valorizava o
olhar, o que levou a uma infinidade de lançamentos de produtos para os
olhos, um verdadeiro arsenal composto por sombras, rímel, lápis para os
olhos e sobrancelhas, além do indispensável delineador. A maquiagem
realçava a intensidade dos lábios e a palidez da pele, que devia ser
perfeita
113
.
Muitas adolescentes e jovens da época, evidentemente, acompanhavam essas
mudanças. Porém, ao mesmo tempo, isso também era motivo de polêmica. Em “Juventude
Transviada”, no início do filme Judy está na Delegacia de Menores. Ela foi detida, após ser
encontrada andando sozinha à noite. Para o delegado que a recebeu, só isso era motivo
para desconfiar das intenções da garota: o estava procurando companhia?
114
, ele
pergunta. Ela diz que saiu de casa após discutir com o pai quando a família se preparava
para ir a um jantar. Segundo Judy, o pai quase havia arrancado os lábios dela para tirar o
batom que usava. Em outra cena em que Judy e o pai discutem, ele lhe dá um tapa na face,
após a filha bei-lo no rosto. Conforme o pai, esse não é um gesto adequado para uma
garota na idade dela, uma adolescente. Essas duas cenas denotam uma inadequação do pai
ou uma falta de como saber lidar com a filha que está despertando para a sexualidade. A
situação parece contraditória: Judy é jovem demais para usar batom, mas é crescida o
113
GARCIA, Cláudia. Anos 50: a época da feminilidade. Dispovel em
http://almanaque.folha.uol.com.br/anos50.htm . Capturado em 20/03/2009.
114
Juventude Transviada. Op. cit., 4min27s.
84
suficiente para não dar um beijo no rosto do pai. A sexualidade dos filhos se apresenta
como mais um problema com o qual os pais da época precisavam lidar.
Ainda com relação à sexualidade, uma questão mais polêmica que tem se
apresentado recentemente diz respeito a uma suposta homossexualidade da personagem
Platão. Embora esse elemento não esteja explícito no filme, existem alguns autores que
ponderam a respeito disso, levando em consideração a ppria sexualidade dos atores
James Dean e Sal Mineo, bem como do diretor Nicholas Ray, na vida real. Luiz Carlos
Merten aborda a questão da homossexualidade, ou bissexualidade, presente no filme
“Juventude Transviada” e assegura que dar indícios de uma paixão de Platão por Jim foi
uma intenção clara dos produtores do filme:
Juventude Transviada” virou um marco na história de Hollywood por ter
aberto (parcialmente, pelo menos) um armário que o cinemão insistia em
manter fechado. No filme, Jim Stark tem aquela relação intensa com
Natalie Wood, mas ambos formam uma família afetiva (ou substituta)
com Plato
115
, o personagem de Sal Mineo, que foi o primeiro adolescente
gay de Hollywood, abrindo uma porteira por onde não cessou de passar
gente depois. Plato tem fixação por Jim. uma cena em que
literalmente o namora (devora?) pelo espelho (como expressão do
narcisismo da juventude). Embora a cena não constasse no roteiro de
Stewart Stern, os autores deLive Fast, Die Young” descobriram um
memorando nos arquivos da Warner em que a grande questão é se Jim
beijaria, ou o, Plato? Essa bissexualidade de Jim o era uma coisa
fortuita porque existe documentação de que Dean e Ray, embora famosos
por suas ligações com mulheres, tiveram também relações com homens (e
o diretor, fiquei sabendo agora, viveu com o crítico Gavin Lambert sob o
mesmo teto. O próprio Sal Mineo saía com mulheres, mas uma noite, na
ausência da namorada (...), levou um cara para casa e, a partir daí,
assumiu que era gay, morrendo, anos mais tarde, esfaqueado por um
michê.
116
Como vimos anteriormente, Platão havia sido praticamente criado pela governanta.
Sempre vivendo com a ausência dos pais, Platão encontra em seu novo amigo Jim uma
pessoa que pode vir a preencher esse vazio. O rapaz fica tão convencido disso até o
momento em que se frustra com Jim e grita que ele não é o seu pai. É possível tecer alguns
breves comentários sobre essa relação. Primeiro, a questão do nome da personagem de Sal
Mineo: Platão é o nome de um filósofo grego que viveu nos séculos V e IV a.C.. De seus
textos surgiu o conceito de amor platônico, ou seja, aquele que não está embasado no
115
Autor manteve a grafia do personagem no original, em inglês.
116
MERTEN, Luiz Carlos. Juventude Transviada. Dispovel em
http://blog.estadao.com.br/blog/merten/?title=juventude_transviada_3&more=1&c=1&tb=1&pb=1.
Capturado em 06/07/2009.
85
elemento sexual/erótico, mas na admiração das virtudes de caráter, da inteligência, das
ações, entre outros aspectos do outro. De fato, no filme, esse parece ser o tipo de
sentimento que Jim despertou em Platão. Mas é possível especular ainda que essa relação
de amizade que se estabelece entre os dois apresenta um caráter homoerótico,
principalmente através das atitudes de Platão, que em certas passagens do filme demonstra
reações como de ciúmes do relacionamento entre Jim e Judy.
O biógrafo de James Dean, David Dalton, também chama a atenção para o
relacionamento supostamente mais do que fraterno entre Jim e Platão: Com a emergência
do anti-herói – em geral um adolescente andrógino -, os anos 50 exploraram o tópico da
bissexualidade. Ao permitir que Plato interprete um contraponto homossexual em
Juventude Transviada, a questão básica do filme Como se tornar um homem? torna-se
mais complexa
117
.
Entendemos queo se pode afirmar com certeza que “Juventude Transviada” teve
realmente a intenção de apresentar uma inclinação homossexual de Platão, porém,
acreditamos ser importante ponderar e colocar que esta é uma questão que tem sido
discutida a respeito do filme. Supondo que isso seja de fato verdade, ”Juventude
Transviada” estaria trazendo para o cinema um elemento que, aos poucos, vinha se
tornando algo mais presente também na sociedade norte-americana. Muitos escritores
beatniks da década de 1940 e 1950, por exemplo, tratavam abertamente da questão,
como Carl Solomon, em seu poema “O Homossexual Mink:
O homossexual mink transava com outros
Até ser “tratado” e começar a transar com espectros
O homossexual mink se chamava Farrar
E transava com cães até que lhe disseram
Para transar com leitões.
Começou a sentar em matas e a usar estranhas gravatas
Até que lhe disseram que seria melhor transar com rãs
Ele nunca fez nada e um seu camarada
Lhe mostrou sua cambada.
Farrar dizia a verdade, foi um perfeito
Homossexual mink em tenra idade
Até telefonar de sua cidade.
Então seu rabo gastou
E ele nunca mais deitou
E foi assim que sozinho ficou.
118
117
DALTON, David. Anos Rebeldes. In: Rolling Stone. São Paulo, nº 27, p. 118, dezembro/2008.
118
SOLOMON, Carl. Op. cit., p. 83.
86
Mas, se a homossexualidade era um tema aberto na literatura marginal, de um
modo geral a sociedade norte-americana ainda era bastante conservadora ao tratar do
assunto. Essa situação só viria a se alterar mais profundamente 14 anos depois de
“Juventude Transviada”, em razão de um evento ocorrido no dia 28 de junho de 1969, em
Nova York, o qual ficou conhecido como a Batalha de Stonewall. Naquela data, como era
de praxe, a polícia realizou uma batida no bar de homossexuais Stonewall, alegando falta
de licença para a venda de bebidas alcoólicas. Alguns travestis acabaram sendo presos,
porém, as pessoas que estavam no bar investiram contra a polícia. O fato deu origem a um
grande conflito que se espalhou por toda a região próxima ao Stonewall e durou por dois
dias. O evento teve grande repercussão, tanto que a data de 28 de junho se tornou o Dia
Internacional do Orgulho Gay e Lésbico.
De fato, a cada de 1960 foi um período de intensas agitações políticas, sociais e
culturais nos Estados Unidos e muitas delas tiveram a juventude como protagonista. Temas
como o homossexualismo, a igualdade de direitos para os negros, o feminismo, o uso de
drogas e a contestação do sistema de uma forma geral estavam em evidência naquele
momento e, assim como aconteceu com o fenômeno da juventude rebelde na década de
1950, a instria do cinema também levou para as telas histórias que representavam esse
momento de efervescência. Um dos filmes que se tornaram clássicos na época por retratar
algumas dessas questões foi “Easy Rider Sem Destino”, o qual será discutido no capítulo
a seguir.
87
Figura 2 Imagem filmada de cima sugere a autoridade do policial.
119
119
Reprodução.
88
Figura 3 – Imagem denota a inferioridade dos motoqueiros diante da autoridade policial de
Carbonville.
120
120
Reprodução.
89
Figura 4 - A imagem sugere a igualdade de forças entre Johnny e o xerife de Wrightsville.
121
121
Reprodução.
90
Figura 5 – Pôster informa que o filme Juventude Transviada trata da delinquência juvenil.
122
122
Dispovel em http://www.filmsite.org/posters/rebel2.gif. Capturado em 16/07/2009.
91
Figura 6 - Membros do Black Rebel Motorcycle Club...
123
123
Foto promocional disponível em http://www.tcmla.com/pt/multimedia/tools/files/the_wild_one_2.jpg.
Capturado em 30/05/2009.
92
Figura 7 - ... e os Ramones, na foto de capa do primeiro disco, de 1976.
124
124
Reprodução.
93
Figura 8 - Johnny se sente atraído pela inocente Kathie...
125
125
Reprodução.
94
Figura 9 ... e ignora Britches, a ousada personagem de “O Selvagem”.
126
126
Reprodução.
95
Figura 10 – Cena da discussão na escada revela a “inversão” da hierarquia no lar de Jim, que
não aceita que o pai seja submisso à mãe.
127
127
Reprodução.
96
Figura 11Cartaz de “O Selvagem” destaca apenas a personagem de Marlon Brando.
97
Figura 12 – Cartaz de “O Selvagem” destaca somente as personagens masculinas.
128
128
Dispovel em http://www.moviegoods.com/Assets/product_images/1020/143841.1020.A.jpg . Capturado
em 16/06/2009.
98
Figura 13Cartaz mostra a mulher como objeto de desejo amoroso/sexual
e explora a sua condição de submissa ao homem.
129
129
Disponível em http://www.silverscreenfilmclips.com/uploaded_images/TheWildOne(1953)-749315.jpg .
Capturado em 16/06/2009.
99
Figura 14 – Cartaz destaca apenas a personagem masculina principal.
130
130
Dispovel em http://www.uniquecarsandparts.com.au/images/farewell/james_dean_4.jpg . Capturado em
16/06/2009.
100
Figura 15 – James Dean em evidência. Personagem de Natalie Wood, Judy, aparece protegida por
Jim.
131
131
Dispovel em http://www.cinemasterpieces.com/rebelmar08.jpg . Capturado em 16/06/2009.
101
Figura 16 - Jim estende a sua mão a Judy, oferecendo proteção.
132
132
Dispovel em http://www.idave.com/gt40.jpg . Capturado em 16/06/2009.
CAPÍTULO 3:
Sem Destino: oposões e contradições de uma sociedade em mudança
“(...) mas Easy Rider é mais liberado, os
personagens correm drogados para o
futuro e morrem! o rtires del nuevo
hombre como Che, Janis Joplin ou Jimmi
Hendrix, Deuses dos anos 60”.
Glauber Rocha
133
As transformações vividas e promovidas pela juventude, as quais haviam sido
percebidas na primeira metade do século XX e se intensificado durante os anos de 1950
nos Estados Unidos, tiveram continuidade e ganharam ainda mais força na década de 1960,
sob a forma do movimento de contracultura hippie. Hollywood, que havia levado a
questão da juventude rebelde às telas de cinema, no processo que ficou conhecido como a
juvenilização do cinema, nos quais se enquadram “O Selvagem” e “Juventude
Transviada”, manteve o interesse pelas histórias de jovens outsiders dentro da nova
efervescência cultural e social promovida pelos hippies. Neste sentido, o filme “Easy Rider
- Sem Destino” é um dos maiores expoentes no que diz respeito à representação da
sociedade norte-americana e da contracultura sessentista. Não somente por ter se tornado
um dos filmes de maior sucesso em 1969, mas, principalmente, por apresentar de um modo
ousado as oposões e contradições entre as sociedades tradicional e a nova, proposta pelos
hippies, e de cujo confronto surgiram mudanças profundas em aspectos da cultura e da
política dos Estados Unidos.
É correto afirmar que as manifestações da juventude rebelde sessentista, apesar das
diferenças, estão intensamente ligadas àquelas da década de 1950. Mas, se estas, a
princípio, eram tratadas como uma anomalia social, em que os transviados deveriam ser
“curados” e reinseridos para um convívio “saudável” na sociedade, a juventude que deu
forma à contracultura nos anos 1960 tentou mostrar através da ação política, das artes, da
moda e, em algumas situações, até com o uso de drogas, que era a própria sociedade quem
133
ROCHA, Glauber. Op. cit., p.105.
103
necessitava de mudanças, pois era ela quem estava “doente”. “Sem Destino” apresenta essa
inversão de uma maneira bastante clara. Conectado tematicamente com “O Selvagem” e
“Juventude Transviada”, os três filmes em conjunto nos permitem uma compreensão ampla
do fenômeno da contestação juvenil neste período de duas décadas, passando pelas
maneiras como ele foi interpretado, combatido e, apesar disso, ainda foi capaz de
transformar muitos aspectos da sociedade norte-americana, cujos reflexos são percebidos
ainda nos dias atuais.
3.1 A contracultura
Os anos de 1960 foram um período de intensas agitações políticas e culturais nos
Estados Unidos, que por extensão tiveram reflexos em outras partes do mundo, tamanha a
abrangência destes acontecimentos. Já no início daquela década, o país viveu o acirramento
da Guerra Fria contra a União Soviética, que teve um dos seus momentos mais tensos com
a crise dos mísseis em Cuba, em 1962, quando por muito pouco as duas superpotências não
iniciaram uma guerra nuclear. Em 1964, sob o comando do presidente Lyndon Johnson, os
Estados Unidos entraram oficialmente na Guerra do Vietnã. Cerca de um ano antes, mais
precisamente em 22 de novembro de 1963, o presidente John Fitzgerald Kennedy foi
assassinado quando desfilava em carro aberto pelas ruas de Dallas. Cinco anos depois, o
irmão dele, o senador Robert Kennedy, também seria vítima de assassinato.
Além desses fatos, outras turbuncias, talvez ainda mais marcantes, ocorriam
dentro do território norte-americano naquele momento. Começou a haver uma maior
visibilidade da luta das mulheres pelos seus direitos, buscando a inserção plena no mercado
de trabalho e, também, uma maior liberdade sexual. Essa busca ganhou impulso com a
invenção da pílula anticoncepcional, criada nos anos 1950 e que teve ampla disseminação
na década seguinte. Da mesma forma, as lutas pelos direitos civis dos negros ganharam
grande vulto, principalmente pelas ações dos Panteras Negras
134
e do pastor Martin Luther
134
Conforme a Fundação Cultural Palmares, “o ‘Partido Pantera Negra para Auto-Defesa’, foi um partido
negro revolucionário estadunidense, fundado em 1966 em Oakland, na Califórnia, por Huey Newton e Bobby
Seale, com o objetivo de patrulhar guetos negros para proteger os residentes dos atos de brutalidade da
polícia. *Os Panteras tornaram-se eventualmente um grupo revolucionário marxista que defendia o
104
King, que acabou assassinado em 1968. No ano seguinte, o movimento dos homossexuais
pelo fim do preconceito também se fortaleceu, principalmente após a Batalha de Stonewall.
Já nas universidades, pesquisas e experiências com LSD (que nos primeiros anos da
década de 1960 não era ainda considerado droga) ampliaram os horizontes sensoriais de
muitos jovens. Mesmo proibido a partir de 1966, o LSD havia ganhado as ruas e era
consumido em grande escala o apenas por estudantes, mas também por artistas,
intelectuais, profissionais liberais, entre outros, ou por simples viciados em drogas. Ainda
nas universidades, estudantes entraram em contato com livros de autores contemporâneos
como Herbert Marcuse e Norman Brown, que fizeram uma releitura da obra de Karl Marx
sob as luzes da psicanálise de Freud e, a partir dela, embora com conclusões em certos
momentos divergentes, defendiam que era a psique que estruturava o modo de produção da
vida material, e o o contrário, como acreditava o autor de O Capital. Sendo assim, mais
do que uma explicação econômica do capitalismo, conforme Theodore Roszak, Marcuse e
Brown realizaram “uma crítica geral do comportamento do homem dentro da civilização
como um todo” e acentuaram aprimazia da consciência na mudança social
135
.
Em paralelo ao pensamento filosófico, nos anos 1960 também aconteceu uma
segunda “explosão” da música rock, que após quase ter desaparecido no final da década de
1950, ressurgiu como um fenômeno cultural e social ainda maior e seus principais novos
expoentes apresentaram idéias, letras e sons muitos mais radicais. Perto de nomes como
Bob Dylan, Jefferson Airplane, The Doors, Velvet Underground, Jimi Hendrix e Janis
Joplin, só para ficar nos exemplos de alguns artistas e grupos norte-americanos, o rebolado
armamento de todos os negros, a isenção dos negros no pagamento de impostos e de todas as sanções da
chamada América branca’, a libertação de todos os negros da cadeia, e o pagamento de compensação aos
negros por séculos de exploração branca. Os mais radicais eram a favor da luta armada. No auge do
movimento, em meados da cada de 1960, os membros dos Panteras Negras passou dos 2.000 integrantes
passando a contar com sedes nas principais cidades.
Os Panteras Negras se envolveram em vários conflitos com a polícia nas décadas de 60 e 70, onde
aconteciam tiroteios na Califórnia, em Nova Iorque e em Chicago, um desses resultando na prisão de
Newton pelo assassinato de um policial. *Na medida que alguns membros do partido eram culpados de atos
criminais, o grupo foi sujeitado a uma grande hostilização da polícia que algumas vezes se deu na forma de
ataques violentos, despertando investigações no Congresso sobre as atividades da polícia com relação aos
Panteras. Na cada de 70, os métodos do partido sofreram uma grande mudança, a utilizão da violência
deu lugar ao fortalecimento de serviços sociais nas comunidades negras nos EUA e concentração de uma
forte política convencional. Isto se deu devido ao partido ter perdido muitos membros e perdido muitos de
seus líderes. O fim dos Panteras Negras veio a se confirmar na cada de 80”. Disponível no endereço
eletrônico http://www.palmares.gov.br/003/00301009.jsp?ttCD_CHAVE=539, capturado em 05/07/2009.
135
ROSZAK, Theodore. A Contracultura. Trad. Donaldson M. Garschagen. Petrópolis: Editora Vozes, 1972,
p. 106.
105
de Elvis Presley, que tanto chocou os Estados Unidos na metade da década de 1950, já era
algo extremamente conservador para os agitados anos 1960.
Para Marialice M. Foracchi, a juventude rebelde daquele período representava:
(...) a categoria social sobre a qual inflete, de modo particular, a crise do
sistema. No comportamento que a singulariza estão contidas as omissões,
as contradições e os benefícios de uma configuração social de vida que,
sendo histórica, é transitória e que, ao esgotar-se, dilapida o seu potencial
humano, nele investindo as suas perspectivas de sobrevivência. (...) O seu
descomprometimento relativo com as tarefas produtivas, sua abertura aos
processos de criação, sua disponibilidade psicológica e social o
encaminham para o exercício da liberdade, da busca e da improvisação.
(...) A visão da sociedade, desenvolvida pelo jovem, retém e elabora esse
processo de teno que o atinge, na medida em que permeia o sistema
como um todo. Ultrapassada a etapa do conflito de gerações, que marca a
primeira crise da adolescência e encaminha a busca da identidade, o jovem
define, em termos também críticos, a crise da sociedade. O seu
questionamento não é firmado pela contestação da ordem normativa, tal
como se reflete na esfera familiar, mas se desloca para o núcleo dessa
ordem normativa, ou seja, para o sistema.
136
De modo geral, como defende a autora, existe uma diferença fundamental entre a
juventude rebelde da década de 1950 e a dos anos 1960. Enquanto, em grande parte, a
rebeldia da primeira era voltada principalmente contra a família, ou pelo menos assim ela
era entendida, a seguinte ampliava esse foco e buscava uma mudança total na forma como
se organizava a sociedade estadunidense. Do mesmo modo, foram diferentes as maneiras
com que se interpretou o comportamento dos jovens questionadores desses dois períodos.
Enquanto que nos anos 1950 os problemas sociais provocados pela juventude eram
percebidos, em sua maioria, como casos de delinquência que deveriam ser tratados de
forma isolada e quase sempre como assunto de polícia, na década de 1960 muitos
especialistas ampliaram seus pontos de vistas e passaram a perceber que a própria forma
como se organizava a sociedade dava margens para as contestações e descontentamentos
de uma parte significativa da juventude.
Um elemento importante que não pode ser deixado de lado ao se analisar a
juventude rebelde dos anos 1960 é o fenômeno conhecido como baby-boom (a explosão de
bebês), termo usado para se referir aos altos índices de natalidade alcançados nos Estados
Unidos logo após o final da Segunda Guerra Mundial. Filhos da era de otimismo e
136
FORACCHI, Marialice M. A Juventude na Sociedade Moderna. São Paulo: Pioneira (Editora da
Universidade de São Paulo), 1972, p. 11 e 12.
106
prosperidade que o país viveu nos 20 anos posteriores ao conflito, os boomers eram um
fenômeno demográfico sem comparação na história norte-americana (50% e 15% mais
numerosos do que as gerações anterior e seguinte, respectivamente
137
). Eles também foram
a primeira geração criada com a ajuda de um manual - o best seller Meu Filho Meu
Tesouro (1946), do pediatra Benjamin Spock, que defendia a educação da liberdade com
responsabilidade, o que muitos pais entenderam como garantir total permissividade aos
filhos e jamais contrariá-los.
138
Aos jovens entusiastas dessa intensa agitação dos anos 1960, que era voltada em
grande parte contra o sistema e que aconteceu de forma maior inicialmente em São
Francisco, na Califórnia, e depois se espalhou por praticamente todos os Estados Unidos e
outras partes do mundo, deu-se o nome de hippies, que se transformaram realmente em um
enorme fenômeno em 1967, naquele que ficou conhecido como o “Verão do Amor”.
Conforme Ken Goffman e Dan Joy:
As noções hippie se espalharam como fogo no mato. “Paz e Amor” eram
rabiscados em milhões de cadernos de secundaristas (...). Adolescentes e
jovens devoraram livros de conscientização escritos por Leary, Alan Watts,
Aldous Huxley e um grande número de suamis e gurus. A resistência ao
alistamento aumentou em nome do pacifismo ao estilo hippie. (...) A
revolução na consciência e uma cultura alternativa pareciam estar
florescendo ao mesmo tempo.
139
Em sua essência, o estilo de vida alternativo dos hippies tinha como objetivo
confrontar ou, quando o simplesmente, se desligar dos valores primordiais do
Iluminismo, como a razão e o progresso. Essa sociedade moderna, extremamente planejada
137
Segundo artigo postado no site Portal do Voluntário, “os boomers revolucionaram a até então bem
comportada cultura popular aderindo ao ritmo alucinante do rock and roll. Ao chegar à universidade,
desafiaram novamente os padrões de comportamento. Sob os ventos de mudança e liberdade trazidos pelo
movimento em favor dos direitos civis dos negros e pelo fim da segregação racial patrocinada pelo Estado,
foram às ruas protestar contra a Guerra do Vietnã. Marcharam também em favor da emancipação das
mulheres, que ingressaram em meros sem precedentes na universidade e no mercado de trabalho. A opção
pela carreira levou milhões, mais tarde, a dar corda no relógio biológico, postergando para depois dos 30 e
mesmo dos 40 anos a chegada dos filhos. Embalados por Beatles, Jimi Hendrix, Janis Joplin e outros, os
boomers confirmaram também a vocação para quebrar tabus manifestando-se pelo sagrado direito de não se
manifestar, de usar drogas e viver em 'paz e amor' em comunas de hippies, que expressaram seu
inconformismo e rejeição em relação à sociedade massificada da qual eram os principais protagonistas”.
Geração que revolucionou a América chega aos 60 anos. Dispovel em publicação eletrônica na Internet,
via www. URL: http://www.portaldovoluntario.org.br/site/pagina.php?idclipping=13814&idmenu=45.
Capturado em 08/06/2006.
138
Idem. Capturado em 08/06/2006.
139
GOFFMAN, Ken e JOY, Dan. Op. cit., p. 296.
107
e concebida nos escritórios dos burocratas, segundo a juventude rebelde norte-americana,
havia chegado ao ápice após a Segunda Guerra Mundial, quando a tecnocracia (que para
Theodore Roszak é aquela “forma social na qual uma sociedade industrial atinge o ápice de
sua integração organizacional”, colocando em primeiro lugar as formas mais eficientes de
“modernização, atualização, racionalização e planejamento”
140
) parecia ter tomado conta
de todos os setores da sociedade estadunidense, desde a família, passando pelo trabalho e
chegando até mesmo às universidades.
Na contramão desse modo de vida marcado pela busca máxima da eficiência, a
geração hippie ofereceu uma nova forma de viver. Conforme Paulo Sérgio do Carmo,
“três grandes movimentos marcavam a rebelião: a retirada da cidade para o campo, da
família para a vida em comunidade e do racionalismo científico para os mistérios e
descobertas do misticismo oriental e do psicodelismo das drogas
141
. Ou seja, para aquela
parcela da juventude que não se enquadrava dentro dos padrões de vida considerados
“normais”, a opção era justamente fugir dessa teia em busca de uma outra realidade
possível. Fuga de diversas formas: através das drogas, da literatura, da moda, do rock, fuga
das grandes cidades para comunidades isoladas e, claro, fuga no sentido mais denotativo da
palavra. Ou seja, definitivamente, pegar a estrada!
A estrada, aliás, parece ser o destino de muito outsiders, rebeldes e desajustados em
geral. Basta lembrar do escritor Jack London, que no final do século XIX fez fama
escrevendo sobre vagabundos viajando clandestinamente em vagões de trens; de Jack
Kerouac e seu livro On The Road: Pé Na Estrada, publicado em 1957 e que se tornou uma
espécie de bíblia para os hippies (“Em algum lugar ao longo da estrada eu sabia que
haveria garotas, visões e tudo mais; na estrada, em algum lugar, a pérola me seria
ofertada”
142
); ou ainda de Bob Dylan, que em 1965 lançou o seu maior sucesso, Like a
Rolling Stone”, uma ode à vida de andarilho (How does it feel / To be on your own / With
no direction home / Like a complete unknown / Like a rolling stone?”
143
).
É claro que a indústria cultural, assim como nos anos 1950, não ficou alheia ao
enorme potencial que o movimento hippie propiciava para, curiosamente, a partir da sua
140
ROSZAK, Theodore. Op. cit., p. 19.
141
CARMO, Paulo Sérgio do. Op. cit., p. 54.
142
KEROUAC, Jack. On The Road: na Estrada. Trad. Eduardo Bueno. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997, p.
25.
143
Como se sente/ estando por conta própria/ sem nenhuma direção para casa/ como um completo
desconhecido/ Como uma pedra que rola?”. (Tradução livre)
108
rebeldia, gerar muitos lucros advindos da venda dos mais diversos produtos, desde roupas
e discos de bandas de rock até carros e motocicletas, entre inúmeros outros. Como notou
Beatriz Sarlo, desde a década de 1950, o mercado ganha relevo e corteja a juventude,
depois de instituí-la como protagonista da maioria dos seus mitos”
144
.
A indústria do cinema também não ficou de fora. As próprias mudanças que
estavam ocorrendo na sociedade estadunidense também influenciaram Hollywood que,
como vimos no capítulo anterior, na década de 1950 tentava levar para as telas de
cinema as aspirações, sonhos e conflitos da juventude, além, também, de se mostrar mais
ousada, seguindo algumas tendências que se apresentavam como marcantes no cinema
europeu. A essa nova proposta de cinema deu-se o nome de moderno. Conforme
Antonio Costa, a ideologia dominante no ‘cinema moderno’ é uma ideologia progressista:
à expressão de uma nova subjetividade individual ou coletiva, à definição de uma nova
linguagem e de novas tipologias expressivas, é atribuída a tarefa de captar as mudanças e
produzir ou acelerar processos de transformação moral, social e política”
145
.
O cinema moderno teve o seu apogeu entre o final dos anos 1950 e metade dos anos
1970. A princípio, ele rompia com o cinema clássico, uma vez que a definição e a
produção de filmes dentro dos gêneros tradicionais eram muitas vezes deixadas de lado, o
efeito naturalista nem sempre era mantido, as personagens também não eram definidos a
partir de qualidades únicas e não havia uma moral explícita, além dos próprios meios de
produção e distribuição divergirem, em alguns casos, do studio system.
3.2 Sem Destino
Dentro desse contexto insere-se o filme “Sem Destino”, protagonizado pelos atores
Peter Fonda e Dennis Hopper, que se tornou um dos mais importantes entre aqueles
filmados durante a efervescência contracultural dos anos 1960 nos Estados Unidos e que
retratavam os hippies e a animosidade existente entre a juventude rebelde e a sociedade
dita careta. Lançado em 1969, com o modesto custo de aproximadamente 350 mil dólares
144
SARLO, Beatriz. Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte e videocultura na Argentina. Trad. Sérgio
Alcides. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004, p. 40.
145
COSTA, Antonio. Op. cit., p. 115.
109
o que é pouco se comparado com outras mega-produções da época que custaram até 26
milhões de dólares, como é o caso de “Alô, Dolly(“Hello, Dolly!, direção de Gene
Kelly, 1969) –, “Sem Destino” arrecadou 19 milhões de dólares, a quarta maior bilheteria
daquele ano nos Estados Unidos.
O filme “Sem Destino” é fruto de uma idéia do ator Peter Fonda. Segundo Lee Hill:
No dia 27 de setembro de 1967 Peter Fonda estava descansando num hotel
em Toronto, depois de ter se apresentado no Showrama, uma convenção de
distribuidores canadenses e norte-americanos de cinema. Ele estava lá para
promover o filme Viagem ao mundo da alucinação, realizado no ano
anterior por Roger Corman para a American International Pictures.
Cercado de material publicitário, Fonda acendeu um baseado e ficou
contemplando uma fotografia de outro filme de Corman, The Wild Angels
(1966), que mostrava ele mesmo e Bruce Dern em frente de duas
motocicletas. Fosse em consequência da marijuana ou um simples
devaneio inspirado pela exaustão, o fato é que Fonda teve uma revelação.
Ele e Dern eram caubóis modernos! No lugar de John Wayne ou Gary
Cooper, visualizou dois hippies viajando através dos Estados Unidos em
motocicletas e vivenciando plenamente a liberdade da estrada. À medida
que a imagem se tornava perfeitamente nítida em sua mente, ele viu a
versão hollywoodiana do graal: a idéia de um filme de sucesso.
146
Peter Fonda era filho do consagrado ator estadunidense Henry Fonda e irmão da
também atriz Jane Fonda. Ao contrário de Peter, que até antes de “Sem Destino” era um
ator de pouca projeção em Hollywood, Jane Fonda estava atingindo o estrelado e era
considerada um sex symbol do cinema norte-americano. Peter Fonda nasceu em Nova
York, em 23 de fevereiro de 1940. Controverso desde a infância, chegou a ser expulso da
escola, sendo então mandado para Omaha, cidade natal de seu pai, no Estado de Nebraska,
onde morou com os tios. Estudou teatro na universidade de Omaha e seu primeiro papel
relevante foi na peça Blood, Sweat and Tanley Poole”, encenada na Broadway, em 1961,
sendo ele bastante elogiado. Um dos primeiros papéis de Peter Fonda como ator de cinema
foi no filme “Artimanhas de Amor” (“Tammy and The Doctor”, dirigido por Harry Keller,
de 1963). Na sequência, fez parte do elenco de “Os Vitoriosos” (“The Victors”, direção de
Carl Foreman, de 1964) e de “Lilith” (“Lilith, direção de Robert Rossen, de 1964).
Contudo, nenhum dos três filmes teve grande sucesso e a carreira de Peter Fonda só teve
maior projeção quando começou a trabalhar com o diretor Roger Corman, conhecido
146
HILL, Lee. Sem Destino: Easy Rider. Trad. Pedro Karp Vasquez. Rio de Janeiro: Rocco, 2000, p. 14 e 15.
110
diretor de filmes B da década de 1960 como “A Pequena Loja dos Horrores” (The Little
Shop of Horrors”, 1960). Com ele, Peter Fonda participou de “Anjos Selvagens” (“The
Wild Angels, de 1966) e “Viagem ao Mundo da Alucinação” (“The Trip”, de 1967.).
Ambos os filmes chamaram a ateão apenas dos apreciadores daquele gênero de cinema,
porém, forem importantes para que Peter Fonda começasse a desenvolver a história que
acabaria se transformando em “Sem Destino. The Wild Angelsé um filme sobre uma
gangue de motoqueiros e foi um tanto quanto inspirada nos Hell’s Angels, grupo arruaceiro
e violento da Califórnia. “Viagem ao Mundo da Alucinação era um filme influenciado
pelas ondas da psicodelia e da contracultura que começavam a ganhar maior vulto entre os
jovens consumidores de LSD nos Estados Unidos. Juntando elementos das duas obras,
Peter Fonda passou a desenvolver cada vez mais suas idéias para “Sem Destino.
Por sua vez, Dennis Hopper já era um pouco mais conhecido do que Peter Fonda na
época em que rodaram o filme. Ator intempestivo e rebelde, Dennis Hopper nasceu em
Dodge City, no Estado de Kansas, em 17 de maio de 1936. Após o pai ter voltado da
Segunda Guerra Mundial, sua família mudou-se para a cidade de San Diego, onde
começou a se dedicar à carreira de ator, inicialmente em pas de teatro. Quando estava
com 18 anos, assinou o primeiro contrato com um estúdio de Hollywood, a Columbia. No
entanto, logo se desentendeu com alguns produtores e acabou contratado pela Warner
Bros.. Na nova companhia, foi escalado para o elenco de dois filmes que traziam como
estrela principal um outro jovem ator em ascensão, James Dean. Desse modo, Dennis
Hopper participou de “Juventude Transviada” e “Assim Caminha a Humanidade”.
Vivendo uma carreira em ascensão, o ator acabou colocado numa lista negra dos estúdios
de Hollywood, após se desentender com o diretor Henry Hathaway durante as filmagens de
“Caçada Humana” (“From Hell to Texas”, de 1958). Como resultado, Dennis Hopper
passou um longo tempo recebendo convites apenas para encenar personagens em filmes
modestos para a televisão. Durante os anos 1960, o ator foi um forte simpatizante da
contracultura, relacionando-se com personagens inicos do movimento, como o poeta
Allen Ginsberg e o artista plástico Andy Warhol, além de ter se envolvido em algumas
manifestações em favor dos negros lideradas por Martin Luther King e se dedicado
também à carreira de fotógrafo, com trabalhos publicados em revistas famosas como
Harper’s Bazaar e Vogue.
111
Mas, mesmo Peter Fonda sendo filho de um ator famoso e de Dennis Hopper ter
participado de sucessos absolutos do cinema como os filmes estrelados por James Dean, a
verdade é que até antes de “Sem Destino” as carreiras de ambos não apresentavam
perspectivas muito boas para o futuro. Porém, o que poderia ser visto como um fator
negativo, na opinião de Lee Hill acabou se tornando fundamental na aproximação dos dois
atores e na produção de Sem Destino:
Hopper e Fonda formavam um par ideal. Ambos haviam crescido dentro
do sistema de produção dos estúdios de Hollywood, mas compartilhavam
da miríade de interesses e preocupações característicos da contracultura
dos anos sessenta. Sentiam que suas carreiras estavam comprometidas e
inibidas pelas expectativas que os estúdios ainda tinham sobre jovens
atores com boa aparência de americanos de classe dia. Isto pode
parecer piada hoje, mas pelo simples fato de terem deixado crescer o
cabelo haviam comprometido seriamente suas carreiras aos olhos dos
produtores e dos agentes selecionadores de elenco.
147
Ainda de acordo com Lee Hill, “tanto Hopper quanto Fonda estavam frustrados
com os filmes que haviam feito até então e, à medida que trabalhavam na história deles,
ora denominada The Loners (Os Solitários), ora Mardi Gras (Carnaval), iam ficando cada
vez mais esperançosos de que ela pudesse contribuir para romper o marasmo de suas
carreiras”
148
.
“Sem Destino” conta a história de dois hippies que cruzam os Estados Unidos rumo
ao Mardi Gras, espécie de Carnaval que acontece em Nova Orleans. A história começa
com Wyatt (Peter Fonda) e Billy (Dennis Hopper) chegando com duas motos velhas a um
lugar isolado. Nesse local, provam e adquirem cocaína de traficantes mexicanos para
revendê-la a outro grande traficante de Los Angeles. Com o dinheiro da venda, Wyatt e
Billy compram duas belas e novas motos e acreditam que, com o que restou, poderão viver
por um longo tempo sem precisar trabalhar, apenas curtindo a vida sem qualquer tipo de
preocupação além daquela de decidir para qual destino seguir em busca de aventuras.
Traçado o primeiro destino, que é chegar até Nova Orleans para participar do Mardi
Gras, a dupla de hippies deixa Los Angeles e percorre os estados mais ao Sul do país (com
um passado conhecidamente mais conservador do que as regiões mais ao Norte dos
147
HILL, Lee. Op.cit., p. 15 e 16.
148
Idem, Ibid, p.19 e 20.
112
Estados Unidos). No filme, o momento da partida é mostrado com uma atenção especial.
As imagens detalham as motos e Billy e Wyatt escondendo o dinheiro dentro dos tanques
dos veículos. Chama a atenção o capacete e a moto de Billy, com o tanque pintado com as
listras e as estrelas da bandeira dos Estados Unidos, a qual também está estampada em sua
jaqueta. Então, o que se segue são os dois amigos percorrendo passagens exuberantes,
típicas dos filmes de faroeste, sempre sorridentes, como se estivessem extraindo o prazer
máximo da aventura que estavam se propondo a fazer.
Porém, na primeira noite da viagem, procuram um hotel para dormir, mas o
proprietário do local o aceita hospedá-los, talvez se sentindo ameaçado pelo aspecto dos
dois. Assim, eles acabam dormindo em campo aberto, fato que se repetirá outras vezes.
Amanhece o dia e eles prosseguem rumo a Nova Orleans. Porém, em dado momento, uma
das motos tem o pneu furado e eles acabam parando em um pequeno rancho, onde
encontram as ferramentas necessárias para consertar o furo. Gentil, o dono da propriedade
convida-os para almoçar junto com a família dele. Desfrutando da hospitalidade daquele
homem e sua família, Wyatt se mostra animado com aquele estilo de vida, em que as
pessoas trabalham na sua própria terra e produzem os próprios alimentos.
Então, eles continuam a viagem e na sequência, encontram um hippie na estrada, a
quem dão carona até a comunidade alternativa onde ele vive, a qual está localizada
praticamente no meio de nada. A viagem é longa e Billy desconfia do caroneiro em alguns
momentos, principalmente porque ele o explica ao certo onde ele esos levando e nem
de onde veio. Após quase dois dias na estrada, o trio chega ao destino do hippie. Billy e
Wyatt passam algumas horas e entram em contato com o estilo de vida daqueles jovens,
hippies como eles, embora sem milhares de dólares para gastar. Ao poucos, o
percebendo a organização social daquela comunidade formada por algumas dezenas de
pessoas que, assim como o fazendeiro de antes, também precisam produzir o próprio
alimento, mas com resultados pouco eficientes e que colocam em risco a própria
subsistência do grupo. Wyatt se sente bastante à vontade na comunidade, diferente de
Billy, que parece não conseguir se relacionar cordialmente com as pessoas. Mesmo assim,
os dois, acompanhados de duas garotas, vão até um lago, onde nadam nus. De volta à
comunidade, prestes a deixar o local, Wyatt de despede do hippie a quem haviam dado
corona. Este, em forma de retribuição, entrega a eles uma pequena quantia de LSD,
afirmando que devem experimentá-lo em uma ocasião especial.
113
Depois de deixar para trás aquela comunidade, Billy e Wyatt seguem a jornada e
chegam a uma pequena cidade, onde se misturam com suas motos em meio a um desfile
cívico. Acabam presos. Na cadeia, conhecem George Hanson (Jack Nicholson), um
advogado alcoólatra, filho de uma família rica, mas que tem uma certa inclinação a favor
de questões como a luta pelos direitos civis. Preso por bebedeira, George logo é solto e, ao
mesmo tempo, consegue libertar também Billy e Wyatt. Estes contam que estão indo para
o Mardi Gras. George diz que tem um convite que lhe foi entregue pelo governador para
conhecer um dos melhores bordéis de toda a região de Nova Orleans. Então ele é
convidado para viajar com eles até lá.
Diferente do que aconteceu com o hippie a quem deram carona, o relacionamento
do novo trio é bastante amigável. Acampados à noite, conversam tranquilamente e fumam
maconha, a exemplo do que havia acontecido em outros momentos do filme. Wyatt
oferece a droga para George, que a princípio recusa, afirmando que tem problemas
suficientes com a bebida. Encorajado por Wyatt, que garante que a droga não lhe famal,
acaba experimentando.
Amanhece e eles seguem viagem até parar em uma pequena lanchonete em outra
cidadezinha. No local, encontram-se o xerife e outros moradores, que hostilizam o grupo,
zombando de seus cabelos longos e de suas roupas. Ao mesmo tempo, jovens garotas se
mostram impressionadas e interessadas em Billy, Wyatt e George. Mesmo assim, eles
resolvem deixar o local. À noite, acampam em uma área próxima daquela mesma
cidadezinha e conversam sobre o que havia acontecido a eles durante o dia. George explica
que as pessoas, em geral, se sentem ameaçadas por quem costuma viver livremente e
conforme suas próprias convicções. Ao mesmo tempo, alerta que quem vive dessa maneira
sempre corre perigo. Após a conversa, eles adormecem. Porém, durante a noite, são
atacados por alguns daqueles homens que os haviam hostilizado na lanchonete. Depois de
os golpearem várias vezes com tacos de beisebol, os agressores fogem, deixando Billy e
Wyatt bastante feridos. Mas, quem leva a pior é George, que morre. Em forma de respeito
ao amigo morto, os dois aventureiros decidem seguir viagem até Nova Orleans e conhecer
o bordel tão elogiado por George. Chegando naquela cidade, eles vão a um bom
restaurante e depois seguem até o bordel. Enquanto Billy está entusiasmado com a sua
companhia, Wyatt apenas conversa com sua a garota, sem nenhum sinal de que queira ter
um contato íntimo com ela. Então, ele sugere que os quatro saiam para participar do Mardi
114
Gras. Durante a euforia pelas ruas de Nova Orleans, Billy, Wyatt e as prostitutas acabam
parando no cemitério da cidade. , tomam o LSD que havia sido entregue a Wyatt na
comunidade hippie. Porém, se o efeito esperado era de euforia, o resultado é contrário e
todos têm uma viagem ruim com a droga, o que os leva, em meio à loucura, a encarar seus
próprios traumas e fraquezas num verdadeiro tormento psicológico, expresso na forma de
gritos, gestos impulsivos e lágrimas.
Então nasce um novo dia e Billy e Wyatt estão novamente na estrada. Seguem-se
algumas cenas da dupla viajando, até que chega a noite e eles estão mais um vez
acampados. Billy está sorridente, feliz por tudo aquilo que eles fizeram e pelo que ele
acredita que ainda virá a acontecer. Wyatt, por sua vez, está pensativo, triste e diz para o
amigo que, na verdade, eles estragaram tudo. Amanhece novamente e eles estão na estrada,
agora rumo à Flórida. Quando estão pilotando suas motos por uma estrada em meio a uma
paisagem rural, dois velhos caipiras em uma caminhonete cruzam por eles. Sem qualquer
outro motivo maior além de acreditar que os motoqueiros deveriam aprender uma lição,
um deles dispara com uma espingarda, ferindo Billy gravemente. Wyatt volta para ajudar o
amigo, mas também se torna uma vítima. Um tiro acerta a sua moto, que explode,
causando a sua morte. Fim do longametragem.
3.3 Vagabundos, campo e cidade
“Sem Destino” é um filme com uma riqueza de temas que podem ser discutidos sob os
mais diferentes pontos de vista. Porém, a partir daqui vamos nos ater, principalmente, a
dois aspectos: qual o sentido dessa fuga, desse rodar “sem destino” ou vagabundear
simplesmente , bem como a oposão que se faz presente no filme, entre o campo e a
cidade.
Antes, é preciso frisar que os termos vagabundo e vagabundagem o tomam nenhum
sentido pejorativo neste texto, o que pode parecer controverso para os padrões da nossa
sociedade, que geralmente percebe o homem em movimento como um agente perigoso
porque foge do olhar atento dos meios de controle do cidadão. Ao mesmo tempo, como
115
notou Michel Maffesoli
149
, o nômade representa perigo, pois sempre traz junto de si algo
de novo que pode significar riscos para o equilíbrio de determinada comunidade ou até
mesmo uma ameaça para o indivíduo que não vive ouo tem prazer na errância, mas sim,
na ptica do sedentarismo.
Ainda conforme Maffesoli, foi característica das sociedades modernas aprisionar as
pessoas, fixá-las em um determinado local, seja através de uma moradia, seja no local de
trabalho, sujeitando-se à ditadura do relógio, seja ainda através das relações familiares e
dos círculos de amizade. A própria racionalização da sociedade industrial levou o homem a
ter que se adequar a este modo de vida, em que tudo deve estar no seu devido lugar.
Walter Benjamin, em seus textos sobre Baudelaire e as transformações provocadas
pela vida moderna em Paris, já na primeira metade do século XX denunciava que desde a
Revolução Francesa, uma extensa rede de controles, com rigor crescente, fora
estrangulando em suas malhas a vida civil. A numeração de imóveis na cidade grande
fornece um ponto de referência adequado para avaliar o progresso da normatização. Desde
1805, a administração napoleônica a tornara obrigaria para Paris”
150
. Essa normatização
ganhou ainda mais fôlego na Cidade das Luzes quando Napoleão III, em 1853, determinou
ao barão Haussmann que nela realizasse uma ampla transformação. No processo que ficou
conhecido como haussmanização, conforme reiterou Richard Sennett, levou-se a cabo “o
maior esquema de redesenvolvimento urbano dos tempos modernos”, os quais tiveram por
objetivo desarticular o movimento das massas, isolar as camadas populares mais pobres e
criar amplas vias a fim de proporcionar maior facilidade de locomoção às carruagens dos
nobres e, também, às carroças militares, que assim “teriam condições de reprimir qualquer
revolta”
151
.
A haussmanização de Paris acabou por servir de exemplo a muitos projetos
desenvolvidos em outras grandes cidades do mundo com os mesmos objetivos, com
resultados mais ou menos satisfarios. Independentemente disso, é fato que com o rigor da
organização e do planejamento dos espaços urbanos, as próprias grandes cidades tornaram-
se, ou no mínimo almejaram ser, um exemplo ou expressão bastante representativa do
149
MAFFESOLI, Michel. Sobre o nomadismo: vagabundagens pós-modernas. Trad. De Marcos de Castro.
Rio de Janeiro: Record, 2001.
150
BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo. Trad. Jo Martins Barbosa,
Hemerson Alves Baptista. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 44.
151
SENNETT, Richard. Carne e Pedra. Trad. Marcos Aarão Reis. ed. Rio de Janeiro: Record, 2006, p.
269.
116
progresso da era moderna. Contudo, como sugere Sennett, essas e outras transformações
talvez tenham provocado “a privação sensorial a que aparentemente estamos condenados
pelos projetos arquitetônicos mais modernos” e a “passividade, a monotonia e o
cerceamento táctil que aflige o ambiente urbano”
152
.
É salutar como o abandono da cidade grande é marcante no filme “Sem Destino”.
Após conseguir o dinheiro da venda da cocaína, Billy e Wyatt estão convencidos que
podem libertar-se das amarras da vida moderna. A jornada desses dois anti-heróis inicia
justamente quando eles deixam a cidade de Los Angeles. Aqui, uma cena é bastante
simbólica: antes de iniciar a viagem, montado em sua moto, Wyatt olha atentamente o
seu relógio para, logo depois, tirá-lo do pulso e jogá-lo fora (ver figura 17, p. 137). Ao
atirar o relógio para longe, é como se estivesse descartando o modo de vida moderno e
optando pela suposta liberdade que pretendia encontrar na estrada ou a “pérola”, como
sonhava a personagem Sal Paradise, de Jack Kerouac, em On The Road. No gesto de
Wyatt, enfim, nos reencontramos com Michel Maffesoli, que acredita que viver o
nomadismo é justamente uma maneira de negar ou de firmar-se contra essa forma de
organização social moderna.
De acordo com o autor, o desejo de vagabundear como meio de fugir dessa sociedade
racionalizada tem se mostrado cada vez mais forte e evidente na contemporaneidade, ou se
concordarmos somente em parte com o autor, pelo menos o era com certeza entre os jovens
hippies. Até porque a errância “também exprime a revolta, violenta ou discreta, contra a
ordem estabelecida, e fornece uma boa chave para compreender o estado de rebelião
latente nas gerações jovens das quais apenas se começa a entrever o alcance, e cujos efeitos
não terminamos de avaliar”
153
.
Além desta, podemos fazer outra analogia, não tão explícita na trama, mas que acaba
por se mostrar bastante clara, e ao mesmo tempo muito interessante, quando nos
aprofundamos um pouco mais na análise do filme. É bem difundido o mito da “marcha
para o Oeste” na história do desenvolvimento dos Estados Unidos, ou seja, o homem
branco colonizador, que iniciou sua ocupação pela costa do Oceano Atlântico e foi aos
poucos adentrando no território hoje estadunidense, até chegar na costa do Oceano
Pacífico. Essa jornada ganhou um impulso fundamental no século XIX com a chegada do
152
Idem, Ibid. p. 15.
153
MAFFESOLI, Michel. Op. cit., p. 16.
117
trem a vapor (o “cavalo de ferro”, como ele também era conhecido, até por ser um dos
símbolos máximos da era moderna e da sociedade industrial naquele tempo). Com os
trilhos de trem avançando cada vez mais, o desenvolvimento foi chegando a novos lugares,
dando origem a outras cidades, expandindo a ocupação do espaço norte-americano rumo
ao Oeste e fortalecendo o comércio do país.
Em 1968 portanto um ano antes do lançamento de “Sem Destino” um filme de
faroeste de grande sucesso trabalhou com o tema da marcha para o Oeste, enaltecendo o
papel fundamental do trem a vapor e todo o seu simbolismo como um marco das grandes
inovações tecnológicas da sociedade industrial e da conquista do homem branco sobre
outros povos, neste caso, os índios. O filme chama-se Era Uma Vez no Oeste” (“Once
Upon a Time In The West, direção de Sergio Leone) que, coincidentemente, traz o pai de
Peter Fonda, Henry Fonda, no papel de Frank, o principal vilão. Tirando os duelos entre
mocinhos e bandidos, o filme praticamente apresenta o trem como protagonista do enredo
e a estrada de ferro como a linha divisória que separa os mais “bem intencionados
desbravadores dos bandidos e da corrupção que vieram de carona com o desenvolvimento
da mítica “marcha para o Oeste”.
Apesar de ressaltar essa divisão, “Era Uma Vez no Oeste” deixa claro que, apesar da
violência gerada pela chegada do progresso representado pelo avanço das linhas férreas,
esse foi um mal necessário para a integração, a ocupação e o crescimento econômico dos
Estados Unidos. Enfim, os confrontos armados entre pioneiros e bandidos, as mortes nas
disputas pela posse das terras ao longo da linha do trem e a quase aniquilação das
populações indígenas, tudo isso se justificaria em nome do progresso.
Na contramão desse pensamento, o que o filme “Sem Destinofaz é justamente o
inverso. Se o caminho do progresso moderno no século XIX era rumo ao Oeste, na jornada
contracultural em busca de um novo modo de vida de Billy e Wyatt (os cowboys
modernos, no delírio de Peter Fonda que deu origem à “Sem Destino”) o sentido é rumo ao
Leste. Eles partem da moderna cidade de Los Angeles para entrar em contato com pessoas
simples, outros hippies que vivem em comunidades que sofrem com a falta de
infraestrutura básica, além de terem alguns encontros nada amistosos com moradores de
pequenas cidades que não estão dispostos a aceitar os novos valores que a juventude
rebelde dos anos 1960 tentava impor. Interessante perceber o tom negativo que marca a
aventura dos anti-heróis de “Sem Destino”. Como bem frisou Lee Hill:
118
As estradas que Billy e Wyatt percorrem a toda velocidade os colocam em
contato com uma espetacular diversidade de personagens que simbolizam
as contradições do ardentemente procurado, mas altamente ilusório, Sonho
Americano. A natureza desses encontros é quase sempre transitória, pois a
promessa do sonho não cessa de se deslocar para mais adiante na estrada.
Como protipo de muitos filmes de estrada ulteriores, Sem Destino
estabelece uma tradição narrativa que se definida com freqüência por
personagens à deriva numa desconcertante paisagem de nostalgia,
promessas rompidas e desapontamentos, abandono e interrupção, e
destinos elípticos demais para serem reconhecidos ou terríveis demais para
serem suportados.
154
Certamente, em “Sem Destino” o momento mais explícito de questionamento dos
valores e da racionalidade que marcavam (e ainda marcam) a sociedade estadunidense se
justamente na última conversa de Billy e Wyatt com o advogado George Hanson,
aquele que os havia tirado da cadeia e viajava com eles de carona até Nova Orleans. Na
noite que se segue após ser hostilizado pelo xerife e por moradores de uma pequena cidade,
o trio esacampado em um bosque e conversa sobre o que havia acontecido naquele dia.
Enquanto Billy acredita que o preconceito e a animosidade dirigida contra eles seria
simplesmente por causa dos cabelos longos e das roupas ao estilo hippie que usavam,
George Hanson apresenta uma resposta muito mais profunda:
GEORGE: Sabem... Este país foi muito bom. Não entendo o que está
acontecendo com ele.
BILLY: Todos viraram covardes, é isso. Nós nem pudemos ficar num
hotel de segunda, aliás, um motel! O cara achou que a gente fosse matá-lo.
Eles têm medo.
GEORGE: Não têm medo de vocês, mas do que vocês representam.
BILLY: Cara, para eles, só representamos alguém que devia cortar o
cabelo!
GEORGE: Não. Para eles, vocês representam a liberdade.
BILLY: E qual o problema? Liberdade é legal!
GEORGE: É verdade, é legal mesmo, mas falar dela e vivê-la o duas
coisas diferentes. É difícil ser livre quando se é comprado e vendido no
mercado. Mas nunca diga a alguém que ele não é livre porque ele vai
tratar de matar e aleijar para provar que é. Eles falam sem parar de
liberdade individual, mas, quando vêem um indivíduo livre, ficam com
medo.
BILLY: Eu não boto ninguém pra correr de medo.
154
HILL, Lee. Op. cit., p. 56.
119
GEORGE: Não. Você é que corre perigo.
155
A fala de George revela uma personagem muito mais consciente a respeito do
sentimento e da experiência da alienação produzidos pela modernidade do que Billy e
Wyatt, que não participa do diálogo, mas o ouve atentamente. George Hanson, aliás, tem
um papel fundamental em “Sem Destino”. Ele é o meio termo entre o cidadão
politicamente liberal dos anos 1960, mas que ao mesmo tempo está bastante arraigado às
tradições e valores conservadores da pequena cidade onde vive. Não é exagero afirmar que
a personagem de Jack Nicholson é uma metáfora do cidadão comum dos Estados Unidos
naquela turbulenta década. Vejamos: ele é advogado, filho de pais ricos e se veste com
trajes convencionais. No entanto, é um beberrão cujas farras de tempos em tempos
obrigam a polícia a colocá-lo na cadeia até que ele se recupere; trabalhou para a União
Americana de Liberdades Civis e, contudo, não se mostra reacionário quanto ao consumo
de drogas –como foi salientado, embora tenha resistido um pouco na hora de fumar o
cigarro de maconha que Wyatt ofereceu a ele.
O mesmo trecho do diálogo acima entre George Hanson e Billy também nos
conduz a um outro tipo de reflexão. Quando o advogado diz: Sabem... Este país já foi
muito bom. Não entendo o que está acontecendo com ele”, imediatamente nos lembramos
de uma tendência comum das pessoas de olhar para o passado de uma forma idealizada.
Ou, como escreveu Raymond Williams, trata-se apenas do antigo costume de se usar “os
bons tempos de antigamente” para criticar o presente
156
. Raymond Williams, em seu livro
O Campo e a Cidade na História e na Literatura parte justamente desse passado
idealizado, onde cristalizam-se e generalizam-se atitudes emocionais poderosas”
157
, para
discutir de que forma, ao longo dos séculos, as pessoas vivenciaram de maneiras diferentes
as experiências da cidade e do campo. Nesse estudo, que teve como principais fontes
diversos romances e poesias (muitos escritos séculos), ele percebeu que, simplesmente,
esse campo e cidade míticos, com o primeiro sendo o lugar da serenidade e da fartura e o
segundo o lugar da agitação e da corrupção, por exemplo, jamais existiram.
155
Sem Destino: Easy Rider. Diretor: Dennis Hopper. Produção: Peter Fonda. Brasil: Columbia Pictures,
2004, 69min44s.
156
WILLIAMS, Raymond. O Campo e a Cidade na História e na Literatura. São Paulo: Companhia das
Letras, 1988, p. 25.
157
Idem, Ibid, p. 11.
120
Em suas fugas da cidade grande em busca de uma vida a ser vivida numa
imaginada real liberdade, Billy e Wyatt também acabaram percebendo a fragilidade desse
sonhado lugar ideal longe das grandes cidades. Nos minutos iniciais do filme, tão logo foi
realizada a transação de drogas, os dois protagonistas aparecem em longas sequências
dando início à viagem ao Mardi Gras. O cinza da cidade de Los Angeles já ficou para trás.
À frente deles, somente belas paisagens que os dois hippies vão desfrutando com o vento
batendo em seus rostos enquanto cortam as estradas de estados como da Califórnia,
Arizona e Texas em suas motos reluzentes. Pom, logo na primeira noite da viagem, Billy
e Wyatt tentam encontrar um local para dormir. No único hotelzinho de beira de estrada
que encontram, o dono recusou-lhes o pouso sem ao menos trocar uma única palavra com
eles, receoso ao ver aqueles dois hippies procurando abrigo em seu estabelecimento.
Assim, Billy e Wyatt acabam improvisando um acampamento, fato que se repete várias
vezes no filme.
Em outro momento do filme, quando eles vão até uma fazenda procurar auxílio
para consertar o pneu furado, uma cena ilustra perfeitamente a imaginada analogia de Peter
Fonda de que os protagonistas do filme eram caubóis modernos, ao mesmo tempo em que
coloca em oposição uma parte dos Estados Unidos antigo, bastante ligado ao campo, e o
moderno: enquanto a película mostra Wyatt e Billy remendando o pneu da moto dentro de
um celeiro, no mesmo enquadramento aparece o rancheiro pregando as ferraduras em seu
cavalo (ver figura 18, p. 138). Na próxima cena, os dois hippies são convidados a
juntarem-se à família do fazendeiro para almoçar. Billy senta-se à mesa e começa logo a
comer, mas é interrompido pelo dono do rancho, embora de forma educada, que lhe pede
que tire o seu chapéu para a refeição, que ainda é antecedida por uma oração. Como o
rancheiro explica aos visitantes, quando fala da quantidade de filhos que possui, eles são
católicos. Tais fatos remetem diretamente à forma como tradições, metaforizadas no
costume de tirar o chapéu durante as refeições e a oração, ainda se mantêm presentes no
meio rural. Logo depois, o fazendeiro e Wyatt iniciam um tranquilo diálogo em que o
visitante, observando o rancho e a família que o recebe, comenta com o seu anfitrião: “Sua
fazenda é legal. Nem todos podem viver da terra. Você trabalha no que é seu, quando
quer. Deveria se orgulhar
158
.
158
Sem Destino: Easy Rider. Op. cit., 24min45s.
121
O encantamento da personagem de Peter Fonda é claro. Ao dizer que o rancheiro
trabalha em sua própria terra e quando quer, ele faz um contraponto com a vida na cidade,
onde as pessoas são obrigadas a se submeter a um emprego em que podem se sentir
exploradas pelos patrões, geralmente não recebendo as devidas remunerações pelo
trabalho. Além disso, também precisam se submeter à ditadura do relógio, crítica que o
filme tinha expressado muito bem quando o próprio Wyatt joga o seu relógio fora.
Assim, deixando-se levar pela paisagem, pelo clima de harmonia da família que os recebe
e pela hospitalidade com que foram acolhidos, o hippie acredita ter encontrado um pouco
da vida livre, longe da cidade, que ele e seu parceiro Billy tanto perseguiam.
Mas, conforme a jornada se segue, as convicções dos dois parceiros começam a
desmoronar. Após deixar o rancho, Billy e Wyatt encontram o hippie a quem dão carona
até a comunidade alternativa que ele habita, um local bastante distante de qualquer cidade,
de difícil acesso. Na comunidade, vivem algumas dezenas de outros hippies, que tudo
indica têm pouco contato com pessoas de outros lugares. Vivem isolados, exatamente
como muitos jovens rebeldes da época viviam, na esperança de morar em uma comunidade
auto-sustentável, onde eles próprios produziriam tudo o que necessitassem, isso quando
não precisassem apenas coletar na natureza. Contudo, antes de chegar à comunidade, Billy,
Wyatt e o caroneiro passam outra noite acampados, agora em meio a algumas rochas.
Billy, que sempre se mostra mais desconfiado em relação às pessoas que encontram pelo
caminho, inicia uma conversa com o novo companheiro de viagem, tentando obter algumas
informações a respeito dele:
BILLY: De onde você é, cara?
HIPPIE: É difícil dizer.
BILLY: Difícil? De onde você é?
HIPPIE: É difícil dizer, é uma palavra muito grande.
BILLY (tenso): Só quero saber de onde você é.
HIPPIE: De uma cidade.
BILLY: Uma cidade?
HIPPIE: Não importa qual, são todas iguais. Por isso estou aqui.
BILLY: Por isso está aqui? Por quê?
HIPPIE: Porque estou longe daquela cidade, e é onde quero estar.
159
A fala do caroneiro é carregada de negativismo com relação à cidade. Não se sabe o
porquê, se é por algum desentendimento familiar, por causa de alguma relação amorosa
159
Idem, Ibid. 24min38s.
122
com final trágico, ou definitivamente porque o hippie e aquelas pessoas da comunidade
viam as cidades como um lugar ruim, ou, simplificando, o lugar onde os tentáculos da
tecnocracia (tão criticada pelos hippies) se estendiam por praticamente todos os cantos.
Daí, talvez, a decisão de se montar uma comunidade tão isolada.
Mas, conforme Billy e Wyatt conhecem a comunidade, o precisam de muito
tempo para perceber que adotar um estilo de vida tão radical, ao invés de libertar as
pessoas, também pode aprisioná-las. É claro que na comunidade onde estavam havia
alguns prazeres, como o sexo despreocupado e as drogas, que eram consumidas
livremente, mesmo na presença de crianças. Porém, se no rancho onde pouco tempo antes
os aventureiros estavam a mesa era farta, neste novo local a situação era bem diferente. O
grande número de pessoas na comunidade acabou por tumultuar a organização da mesma.
Durante um passeio pelo local, o novo anfitrião relata a situação da comunidade aos
visitantes, enquanto o mostradas cenas dos habitantes semeando de forma rudimentar o
chão árido, sendo que a expressão dessas pessoas é mais de resignação do que esperança de
obter uma boa colheita:
HIPPIE (falando sobre as pessoas que estão plantando): Aquelas pessoas
chegaram no fim do verão, tarde demais para plantar. Mas o tempo estava
bom, a vida era fácil, e chegou o inverno. Eram uns 40 ou 50 morando
num quarto só, sem nada para comer, morrendo de fome, procurando
cavalos mortos, qualquer coisa para comer. Sobraram uns 18 ou 20 e é
gente da cidade, vejam! ... Mas eles vão plantar e ficar aqui até colher.
WYATT:
Chove muito aqui?
HIPPIE (irônico): Acho que vamos ter que dançar.
160
Logo após pronunciar essa frase, o hippie deixa Billy e Wyatt sozinhos e estes
continuam a observar as pessoas plantarem. Billy, então, diz quase em tom de zombaria,
só tem areia aqui. Eles não vão conseguir plantar nada”, sendo assim respondido por
Wyatt, que lança um olhar otimista para aquelas pessoas, “vão conseguir, saca? Vão
conseguir
161
.
Na cena seguinte, os visitantes reúnem-se para o almoço com os demais membros
da comunidade. Eles estão numa espécie de galpão bastante rústico. Nesta hora, a câmera
focaliza o rosto de Jack, que é uma espécie de líder espiritual do grupo. Ninguém
160
Idem, Ibid. 31min40s.
161
Idem, Ibid, 32min50s.
123
pronuncia uma única palavra, apenas ouve-se o choro de crianças. Então, a câmera move-
se para a esquerda dando início a uma panorâmica lenta de 360 graus, que revela a face de
cada um dos habitantes daquela comunidade. Ao todo, 36 pessoas, ou 38, se contarmos
Billy e Wyatt. Os olhos dos moradores demonstram um ar cansado, de pessoas sofridas.
Jack, além do seu papel religioso, também tem o seu caráter espiritual enfatizado na tela
em razão da semelhança com a própria imagem de Jesus Cristo. Os cabelos o longos,
tem a barba crescida e suas roupas também o semelhantes a que nos acostumamos a ver
nas imagens que representam Cristo. A cena remete imediatamente à Santa Ceia, mas sem
uma mensagem de otimismo e esperança.
Terminado o movimento de câmera, a imagem se fixa novamente em Jack, que
inicia uma oração:
JACK: Plantamos nossas sementes. Pedimos que nossos esforços valham
a pena e produzam comida simples para nosso paladar simples. Pedimos
que nossos esfoos sejam recompensados. Agradecemos a comida alheia
que comemos e esperamos poder repartir e ser amais generosos com a
nossa. Obrigado por termos um lugar pelo qual lutar.
162
As palavras da oração são como as últimas esperanças daquelas pessoas. É evidente
a carência de todos naquela comunidade. Ao agradecer pela comida alheia, fica claro que
elas vivem da caridade de terceiros. No entanto, Jack e a comunidade reafirmam a escolha
pelo seu modo de vida ao se referir à satisfação com que enfrentam todas essas
dificuldades, uma vez que são lutas pela sobrevivência em um lugar que a eles pertence,
novamente renegando, assim, a disposição de trabalhar como empregado, cumprindo
horios e gerando lucros para o patrão, como seriam obrigados a fazer na cidade.
Comparando a permanência de Billy e Wyatt na fazenda do rancheiro onde
consertaram a moto e a estadia na comunidade hippie, os aventureiros vivenciaram duas
experiências bastante diferentes em relação ao campo. Retomando Raymond Williams, no
primeiro caso podeamos dizer que os viajantes perceberam a vida rural como ela é
tradicionalmente considerada pelo ser urbano, ou seja, “uma alternativa inocente à
ambição, ao tumulto e à guerra”
163
, onde o homem une-se à natureza para retirar o seu
sustento de uma forma ética, uma vez que a terra tudo tem a oferecer para quem nela se
162
Idem, Ibid, 34min34s.
163
WILLIAMS, Raymond. Op.cit., p. 41.
124
dispõe a trabalhar. Já na comunidade alternativa, Wyatt e Billy deparam-se com uma
realidade bem mais dura. Absolutamente, não é “o campo fresco no qual o poeta se
refugia
164
, aludindo novamente a Raymond Williams. Pelo contrário, é o campo pobre
que castiga o homem fugido de uma sociedade industrializada, mas, no entanto, sem
referências para a lida com a terra.
Não seria inconveniente afirmar que “Sem Destino”, nesta situação específica,
assume um caráter moralista que nada tem a ver com os ideais da contracultura ao mostrar
dois momentos tão díspares vividos por Billy e Wyatt no campo. No primeiro, a família
conservadora é mostrada como possuidora de um rancho pequeno, é verdade –, mas que
garante o sustento daquelas pessoas, que podem morar em uma casa aconchegante, cultivar
sua lavoura e criar seus cavalos. No segundo, os hippies procuram cavalos mortos para se
alimentar, têm uma safra incerta pela frente (que provavelmente o resultará em nada) e
dividem as construções que habitam com os animais. É como se o filme dissesse que você
até pode ir contra o sistema, mas suas dificuldades serão grandes. Talvez, seja de fato
melhor levar uma vida acomodada e deixar que o próprio sistema lhe garanta tudo o que
você precisa para sobreviver, desde que, evidentemente, renuncie “à sua responsabilidade
de tomar decisões de valor, de gerar ideais, de controlar a autoridade pública, de
salvaguardar a sociedade contra os rapinantes
165
atitudes estas que Theodore Roszak (e
os jovens rebeldes também) diagnosticou como características da grande maioria da
geração adulta norte-americana dos anos 1960.
A jornada de Wyatt e Billy em “Sem Destino, no final das contas, se mostra
impregnada de pessimismo. Do icio cheio de promessas de aventuras ao final trágico, os
anti-heróis do filme vão descobrindo aos poucos que a sociedade em processo de
mudanças imaginada por eles e por tantos ativistas daquele momento contracultural dos
Estados Unidos, na verdade estava bem longe de se tornar verdadeira. Nem mesmo as
drogas, que eram sinônimos de expansão da consciência para uma outra realidade mais
feliz, parecem funcionar com eles. A viagem com LSD em um cemitério de Nova Orleans,
ao invés de euforia, provocaram nos personagens uma experiência de bastante sofrimento,
em que reviveram sentimentos de rejeição e culpa.
164
Idem, Ibid, p. 70.
165
ROSZAK, Theodore. Op. cit., p.34.
125
que se considerar ainda que o rompimento de Billy e Wyatt com a sociedade
tecnocrática também não é tão radical. Basta recordar que a possibilidade de eles estarem
vivendo o sonho de ser pessoas livres cruzando por belas paisagens em suas possantes
motos só é possível graças aos dólares recebidos na transão de cocaína. Ainda que obtido
por meios ilegais, a tal liberdade de Billy e Wyatt é proporcionada pelo dinheiro, e nisso
não existe nada de transgressor ao sistema. Pelo contrário, é a lógica exata do capitalismo,
ou seja, a pessoa com dinheiro é livre para ir e vir e curtir todos os prazeres que a vida
pode oferecer. Se esse dinheiro é conquistado de forma lícita ou não, isso é apenas um
detalhe.
Lembramos também que as próprias motos na qual eles fazem a viagem é um
produto resultante da sociedade industrial, que a contracultura dos anos 60 acreditava
contestar. Essa contradição, inclusive, era própria do peodo. De acordo com Ken
Goffmann e Dan Joy:
Os garotos, ou pelo menos a maioria deles, queriam as ‘máquinas de
infinita bondade’. Eles queriam a guitarra elétrica e o amplificador, o rádio
pop, o show de luzes, os carros pidos e os produtos divinos da química
avançada. Eles queriam desfrutar dos excessos da produção em massa, mas
desconfiavam da civilização tecnológica. Uma reação razoável a essa
contradição seria idealizar ‘tecnologias apropriadas’ e instituições
democráticas não-autoritárias que não reproduzissem o funcionamento de
suas máquinas, mas essa tensão entre tecnologia como libertadora da
necessidade material e do trabalho tedioso e tecnologia como uma máquina
terrível a serviço do poder implacável continua basicamente sem
solução.
166
Essas questões, somadas à morte de George Hanson, a frustração com o Mardi Gras
e as decepções com a comunidade hippie que conheceram, acabam por gerar inquietações
em Wyatt. Durante o acampamento da noite que antecede a morte dos dois personagens
principais, ele está olhando para a fogueira, pensativo. Billy tenta animar o amigo, falando
de forma descontraída sobre o grande futuro que eles, supostamente, teriam pela frente:
BILLY: Agora nós conseguimos! Estamos ricos, Wyatt. É, cara.
Conseguimos, cara! Conseguimos. Estamos ricos, cara! Vamos nos
aposentar na Flórida.
WYATT: Sabe de uma coisa, Billy. Nós estragamos tudo.
166
GOFFMAN, Ken e JOY, Dan. Op. cit., p. 305.
126
BILLY: O quê? Como assim? Esse é o canal. Você fatura uma grana alta
e aí você é livre, sacou?
WYATT: Nós estragamos tudo. Boa noite, cara.
167
Wyatt, que durante o filme sempre se mostrou uma pessoa com um lado emocional
e espiritual maior do que o de Billy, que se revela um materialista convicto, nesse
momento parece ter percebido o vazio (ou a “total falta de propósito da aventura”
168
, como
escreveu Lee Hill) de suas vidas, o qual nem mesmo uma existência supostamente vivida
longe das amarras da sociedade tecnocrática pode evitar. O clima presente na cena é de
total descrença no presente e no futuro. Este sentimento de desesperança e a própria
tragédia que cai sobre Billy e Wyatt foram explorados também em alguns cartazes
promocionais. Um dos pôsters (ver figura 19, p. 139) mostra (à direita) Wyatt e o hippie a
quem deram carona em uma situão casual, tranquila e, ao lado, deles, outra imagem dos
dois personagens principais pilotando as suas motos. Este cartaz vende a imagem de um
filme de aventuras, de uma liberdade total que pode ser proporcionada por uma viagem
como a que Billy e Wyatt se propõem a fazer. Outro pôster (ver figura 20, p. 140) já
evidencia o elemento trágico do filme. Em destaque, ele traz uma imagem do rosto de Billy
e, ao lado, a cena em que ele acaba de levar o tiro e Wyatt está tentando socorrê-lo. Porém,
o cartaz que mais chama a atenção é outro em que aparece Wyatt sozinho (ver figura 21, p.
141). Na imagem, ele está de costas, revelando parte da bandeira dos Estados Unidos que
estampa a sua jaqueta (a bandeira do país que eles sonhavam tanto conhecer e que,
ironicamente, se revelou bastante cruel). Acima, a frase: “A man went looking for America.
And couldn’t find it”
169
. O cartaz deixa claro o vazio daquela aventura, em que a satisfação
plena nunca é possível de ser encontrada, sendo sempre adiada. E Wyatt percebe isso
muito bem quando diz que ele e Billy estragaram tudo.
Coincidentemente ou o, o mesmo sentimento de fracasso de Wyatt passaria a se
apoderar de toda a geração contracultural no final dos anos 1960. Em agosto de 1969, ano
de lançamento de “Sem Destino”, aconteceu o festival de Woodstock, evento de maior
referência da geração hippie, em que o público passou três dias enfrentando uma infra-
estrutura deficiente para atender as 500 mil pessoas que compareceram, mas que não se
importavam em ficar expostas ao sol, à chuva e ter que andar em meio à lama para viver
167
Sem Destino: Easy Rider. Op. cit., 88min57s.
168
HILL, Lee. Op. cit., p. 64.
169
“Um homem saiu à procura da América. E não pôde encontrá-la...”
127
seus ideais de “paz e amor”. Cinicamente, enquanto isso, nos bastidores, os organizadores
do festival eram pressionados pelos empresários de bandas como o The Who, que se
recusavam a permitir que elas se apresentassem sem antes receber os milhares de dólares
prometidos como cachê. Ainda em dezembro daquele ano, um show dos Rolling Stones
com entradas gratuitas, realizado no autódromo de Altamont, em São Francisco (EUA),
acabou com um jovem morto a facadas pelo grupo de motoqueiros Hell’s Angels, que fazia
a segurança do evento. Também em 1969, tragédia maior ainda foi provocada pela família
Manson, uma comunidade de hippies liderada por Charles Manson, um artista fracassado
que acreditava estar recebendo uma missão divina, a qual lhe era repassada através das
músicas dos Beatles e de textos bíblicos. Com o objetivo de iniciar uma demente guerra
racial entre brancos e negros, sob o comando de Charles Manson alguns jovens realizaram
assassinatos em rie. O mais conhecido foi o ocorrido na residência do diretor de cinema
Roman Polanski, onde sua esposa (grávida de oito meses) e mais alguns amigos do casal
foram cruelmente assassinados. O caso teve grande repercussão negativa sobre o
movimento hippie. Essa desesperança na geração que tentou impor um novo modelo de
vida em sociedade aumentaria mais ainda com a chegada dos anos 1970 e as mortes de
ícones do rock como Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrisson (do grupo The Doors).
Antes deles, ainda em julho de 1969, havia morrido Brian Jones, guitarrista dos Rolling
Stones. Todas as mortes ligadas ao uso de drogas. A repercussão desses episódios serviu, é
claro, para justificar uma retomada do conservadorismo entre os norte-americanos nos anos
1970. Some-se a isso, ainda, a própria animosidade que passou a existir entre os hippies
vindos de famílias pobres e os de famílias ricas. Como percebeu o poeta Ed Sanders:
O problema com os hippies foi que se desenvolveu uma hostilidade dentro
da contracultura entre aqueles que tinham o equivalente a um fundo de
crédito uma espécie de poupança familiar - e aqueles que tinham que se
virar sozinhos. É verdade, por exemplo, que os negros já estavam um
pouco ressentidos com os hippies pelo Verão do Amor, em 1967,
porque, pela ótica deles, aqueles garotos estavam desenhando figuras
espirais nos seus blocos, queimando incenso e tomando ácido, mas
poderiam cair fora a hora que quisessem. Eles podiam voltar para casa.
Podiam ligar para a mamãe e dizer: ‘me tira daqui’. Ao passo que alguém
criado num conjunto habitacional da Rua Columbia e que estava se
arrastando em volta de Tompkins Square Park não podia escapar.
170
170
SANDERS, Ed, citado por McNeil, Legs e McCain, Gillian. Mate-Me Por Favor: Uma História Sem
Censura do Punk. Trad. Lúcia Brito. Porto Alegre: L&PM, 1997, p. 38.
128
Outra avaliação sobre o período, talvez ainda mais profunda, foi feita pelo jornalista
estadunidense Hunter S. Thompson. Em 1972 ele publicou o livro-reportagem Medo e
Delírio em Las Vegas
171
. O que a princípio era para ser uma simples matéria sobre uma
corrida de motos, acabou se transformando numa espécie de registro da ressaca que se
abateu sobre a cultura hippie quando ela dava seus últimos suspiros:
Lembranças estranhas nesta noite nervosa em Las Vegas. Cinco anos
depois? Seis? Parece uma vida inteira, ou no mundo uma Grande Era o
tipo de auge que nunca mais volta. San Francisco na metade dos anos 60
era um lugar muito especial para estar, em um tempo muito especial para
viver. Talvez tenha significado algo. Talvez não, no fim das contas... mas
nenhuma explicação, nenhuma combinação de palavras, músicas ou
lembranças é comparável à sensação de saber que você esteve lá, que viveu
naquela parte do mundo durante aquele momento. Seja o que isso tenha
significado...
História é um assunto nebuloso, por todas as merdas que acabam incluídas
mais tarde. Mas, mesmo sem podermos ter certeza nenhuma sobre a
‘história’, parece bastante sensato imaginar que, vez ou outra, a energia de
uma geração inteira atinge seu ápice num instante magnífico e duradouro,
por motivos que na época ningm compreende por inteiro e que, em
retrospecto, nunca explicam o que realmente aconteceu.
(...) Havia loucura rolando por todos os lados, a qualquer hora. (...) Todos
compartilhavam uma sensação fantástica de que estávamos fazendo algo
correto, mesmo sem saber o que era... sentíamos que estávamos
vencendo...
E acho que essa foi a armadilha – essa sensação de vitória inevitável sobre
as forças do Antigo e do Maligno. Não num sentido cruel ou militar; não
precisávamos disso. Nossa energia simplesmente prevaleceria. Lutar não
fazia sentido – tanto do nosso lado como no deles. Aquela era a nossa hora;
estávamos na crista de uma onda imensa e linda...
E agora, menos de cinco anos mais tarde, basta subir um morro íngreme
em Las Vegas e olhar para o Oeste com a predisposição adequada para
quase enxergar a marca da maré – o lugar onde aquela onda enfim quebrou
e se retraiu.
172
Se a contracultura da década de 1960 caiu numa armadilha, conforme escreveu
Hunter S. Thompson, para Theodore Roszak isso aconteceu porque a tecnocracia “é como
uma esponja capaz de absorver prodigiosas quantidades de insatisfação e agitação,
171
O livro deu origem a um filme de mesmo nome, lançado em 1998, com direção de Terry Gillian, tendo
como atores principais Johnny Depp e Benicio del Toro.
172
THOMPSON, Hunter S. Medo e Delírio em Las Vegas: Uma Jornada Selvagem ao Coração do Sonho
Americano. Trad. Daniel Pelizzari. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2007, p. 73 e 74.
129
geralmente muito antes que pareçam outra coisa senão excentricidades divertidas ou
aberrações inconvenientes
173
.
3.4 Sociedades em confronto
Apesar do pequeno intervalo de tempo que separa os jovens rebeldes da década de
1950 daqueles dos anos de 1960, os conflitos vividos são apresentados de forma bastante
diferente, assim como a maneira de se compreender os questionamentos da juventude
também foram diferentes em cada época.
Enquanto que nos anos de 1950 o foco da rebeldia dos jovens, em boa parte, era
voltado contra a própria família e o comportamento transgressor muitas vezes era tratado
como caso de polícia, na década seguinte a contestação se ampliou para praticamente toda
a forma como estava organizada a sociedade norte-americana, e as motivações para a
rebeldia juvenil passaram a ser entendidas de uma maneira muito mais ampla. Ao analisar
comparativamente os filmes “O Selvagem”, “Juventude Transviada” e “Sem Destino”,
podemos perceber claramente essas mudanças.
Em “O Selvagem” e “Juventude Transviada” está evidente que existe uma oposição
entre a sociedade e a juventude, sendo que os jovens rebeldes são vistos como desajustados
e é preciso fazer algo para tornar possível a reintegração deles na sociedade. Se em “O
Selvagem” isso, talvez, fosse possível atras da intervenção rígida da autoridade policial,
em “Juventude Transviada” a idéia que se sobressai é que os problemas têm origem na
própria família e a solução, neste caso, seria uma aproximação maior entre pais e filhos.
Em “Sem Destino”, por sua vez, a única opção encontrada pelas personagens principais
frente às mazelas da sociedade é o abandono desta, o que explica a saída das grandes
cidades.
“Sem Destino” também é preciso, assim como os filmes estrelados por Marlon
Brando e James Dean, ao marcar a moda dos jovens transviados de cada época, representar
os comportamentos rebeldes e enaltecer elementos da própria cultura da sociedade que
estavam sendo questionados na tentativa de impor novos valores. Porém, uma diferença
significativa está no elemento moral das três obras. Enquanto “O Selvagem” e “Juventude
173
ROSZAK, Theodore. Op. cit., p. 09.
130
Transviada” aparentam tentar demonstrar maneiras de controlar ou corrigir o
comportamento desviante dos jovens, “Sem Destino” vai questionar a moralidade vigente
na sociedade norte-americana na década de 1960 sem, contudo, afirmar como sendo o mais
adequado ou correto o modelo de vida proposto pela contracultura hippie.
Retomando o filme “O Selvagem”, vamos lembrar que é a gangue dos BRMC
quem chega a Wrightsville e passa a agredir aquela comunidade. Ou seja, o grupo rebelde,
aquele que destoa do padrão comum do cidadão norte-americano da época é o que ameaça
o convívio tranquilo da pequena cidade. Em “Juventude Transviada”, os conflitos têm
origem dentro dos próprios lares neste sentido, não haveria uma ameaça externa. Porém,
em “Sem Destinoa situação é totalmente diferente das outras duas. É a sociedade dita
“normal” quem hostiliza, persegue e mata o diferente, pois este é visto como uma ameaça
ao equilíbrio social e moral da sociedade e é justamente nessa inversão que pretendemos
nos ater nesta parte final do trabalho.
Em 1963, o sociólogo norte-americano Howard S. Becker publicou o livro
Outsiders: estudos da sociologia do desvio, no qual apresenta os resultados de uma
pesquisa realizada junto aos consumidores de maconha. Na obra, ele aborda os hábitos, a
forma como a droga é consumida, o prazer que ela proporciona aos usuários, além de
resgatar o processo que culminou com a criminalização da produção, venda e consumo
desta droga nos Estados Unidos, o que ocorreu no final da década de 1930. Neste mesmo
trabalho, de uma forma mais geral e não especificamente sobre a questão da maconha, o
autor discute também como algo passa a ser considerado um desvio de comportamento
social, quem impõe as regras (seja através da lei ou da moral), de que forma essa
imposição se dá, quais as sanções para quem quebra as normais sociais e, principalmente, o
que leva determinadas pessoas ou grupos (os outsiders) a não respeitarem aquilo que é
considerado correto ou normal para a grande maioria das pessoas. Segundo Howard S.
Becker:
Todos os grupos sociais fazem regras e tentam em certos momentos e em
algumas circunstâncias impô-las. Regras sociais definem situações e tipos
de comportamento a eles apropriados, especificando algumas ações como
“certas” e proibindo outras como “erradas”. Quando uma regra é imposta,
a pessoa que presumivelmente a infringiu pode ser vista como um tipo
especial, alguém de quem não se espera viver de acordo com as regras
estipuladas pelo grupo. Essa pessoa é encarada como um outsider.
Mas a pessoa assim rotulada pode ter uma opinião diferente sobre a
questão. Pode não aceitar a regra pela qual está sendo julgada e pode não
encarar aqueles que a julgam competentes ou legitimamente autorizados a
131
fazê-lo. Por conseguinte, emerge um segundo significado do termo:
aquele que infringe a regra pode pensar que seus juízes são outsiders.
174
Quando surgiu nos Estados Unidos na década de 1960, a contracultura hippie se
colocava contra uma rie de regras, moralidades e leis que existiam na sociedade. Por
serem uma minoria que se desviava dos padrões de comportamento de grande parte da
população, a tentativa de subverter o american way of life foi considerado, de uma forma
geral, um desvio que deveria ser e foi combatido. Pom, para os hippies que não
aceitavam as regras da sociedade, era essa mesma estrutura social que classificava a
contracultura como anormal quem deveria ser transformada. Disso resultava o conflito
social que se manifestava tanto no campo das idéias, nos gabinetes de políticos, nos
escritórios de burocratas, nas salas de aula como, por fim, também fisicamente, por
exemplo, nos enfrentamentos ocorridos entre policiais e hippies em diversas manifestações
contra a Guerra do Vietnã.
“Sem Destinoexplora esse embate entre a contracultura e a sociedade. Partindo
das personagens Wyatt e Billy, o filme mostra como o preconceito e a discriminação são
uma forma de estigmatizar, de controlar e oprimir os diferentes ou aqueles que se desviam
da norma comum. nos referimos neste capítulo ao dlogo que George teve com Billy,
afirmando que eles estavam em perigo por buscarem viver a vida em liberdade e que isso
assustava as pessoas de uma maneira geral, uma vez que o estilo de vida hippie destoava e
questionava o que era entendido como normal. Desse modo, tal qual um “câncer” em um
corpo sadio, os hippies deviam ser “extirpados” para que não comprometessem o
funcionamento de todo o sistema.
Na maior parte da viagem, Billy e Wyatt sofrem censuras e preconceitos, aserem
violentados e, por fim, mortos por viverem de uma maneira considerada como um desvio
das normas sociais tidas como adequadas. Já no início da jornada não conseguem um lugar
para dormir porque o dono do hotel de beira de estrada se sentiu ameaçado por eles. Assim,
não restou alternativa a eles a não ser dormirem todas as noites da viagem em campo
aberto ou em meio à floresta, como animais. Aliás, esta é uma analogia que vai marcar a
viagem de Billy e Wyatt. Quando estavam presos após misturarem-se ao desfilevico em
uma das pequenas cidades por onde passam, Billy pede um cigarro ao policial, que
174
BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de Borges. ed.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008, p. 15.
132
responde rispidamente dizendo que animais não podem brincar com fogo
175
. Novas
comparações com animais surgem quando os dois hippies e George Hanson chegam a uma
lanchonete de outra pequena cidade. Logo ao entrar no estabelecimento, o xerife que es
sentado à mesa com um morador da cidade comenta com este:
XERIFE: Que diabos são eles, encrenqueiros?
MORADOR 1: Se quiser, jogo pedras neles, xerife. (...) Olha aquele de
cabelo comprido.
XERIFE: Já olhei. Parece que vamos ter de lhes ensinar uma lição.
MORADOR 1: A moça é bonitinha.
XERIFE: É mesmo. Vou pô-la na cela feminina.
MORADOR 1: Ponha numa jaula e cobre entrada de quem quiser
ver.
176
Na mesa ao lado, outros moradores também hostilizam os viajantes:
MORADOR 2: Vendo essa cambada , achei que suas mães tinham
sido assustadas por gorilas. Mas agora acho que foram capturadas por
eles. Aquele de colar parece o Brucutu. Nem parecem humanos. Parecem
o resultado de um caso de amor entre gorilas.
MORADOR 3: Nem gorilas os amariam.
MORADOR 2: Nem as mães deles.
MORADOR 4: Aposto que vieram pegar uma negronas aqui.
MORADOR 5: Não sei, não.
MORADOR 4: Isso se as negronas toparem. Eles são verdes, homem!
MORADOR 5: Não são verdes, são brancos.
MORADOR 4: Brancos? Acho que você é cego. Uma vez, vi dois desses
tipos. Eles estavam se beijando. Dois machos, imagine!
Nestes momentos, “Sem Destino” se mostra bastante provocador ao explicitar uma
rie de preconceitos daqueles cidadãos “normais (contra os negros, homossexuais e
hippies, apontando uma série de contradições existentes na sociedade estadunidense, que
se coloca sempre como respeitadora e defensora da igualdade de direitos e da garantia de
liberdade de cada indivíduo), que ficam surpresos ao verem que pessoas, norte-americanas
como eles, possam ser tão diferentes e, através de comentários jocosos, tentam inferiorizar
Billy, Wyatt e George, que acabam deixando o local.
Billy e Wyatt têm uma série de elementos que podem ser considerados como
desvios. Além do próprio nomadismo, sobre o qual nos referimos anteriormente, os
cabelos compridos e as roupas também podem ser enquadradas dessa forma. Porém,
175
Sem Destino. Op. cit., 48min22s.
176
Idem, Ibid, 1h04min52s.
133
provavelmente o elemento mais polêmico mostrado no filme era o consumo de drogas. O
filme inicia com uma transação de cocaína, na qual Billy e Wyatt aparecem
experimentando a droga (ver figura 22, p. 142), gesto que se repeticom o comprador da
droga por eles revendida. No decorrer da história, eles aparecem fumando maconha em
seis cenas. Em uma delas, inclusive, Wyatt ensina George Hanson a como fumar a droga
(ver figura 23, p. 143): você precisa segurar mais tempo a fumaça
177
. quando estão
em Nova Orleans, Billy e Wyatt, acompanhados das prostitutas, tomam LSD.
As drogas, de fato, eram parte importante da contracultura hippie. Hunter S.
Thompson, em 1967, escreveu uma reportagem sobre o modo de vida dos hippies no bairro
Haight-Ashbury, na cidade de o Francisco, que na época era o “centro” da contracultura
nos Estados Unidos. Ele percebeu que o consumo de drogas, em especial a maconha, era
tão grande entre os habitantes do bairro que no título da matéria fez um trocadilho com o
nome do local: “O ‘Hashburyé a capital dos hippies” (sendo que “hash”, em inglês, é uma
gíria para maconha). Escreveu Thompson:
A maconha está em toda a parte. As pessoas fumam na calçada, nas
docerias, sentadas dentro dos carros ou relaxando na grama do parque
Golden Gate. Nas ruas, quase todo mundo entre 20 e 30 anos de idade é
louco”: um usuário, seja de maconha, seja de LSD, ou ambos. Recusar
um “baseado” passado por alguém é correr o risco de ser rotulado de nark
agente dos narcóticos –, uma ameaça e um perigo para quase todo
mundo.
178
As drogas, para muitos hippies, eram uma das principais portas para a desejada
liberdade ou desligamento da sociedade tradicional. Em “Sem Destino” é somente devido à
venda de cocaína que Billy e Wyatt conseguem r em prática o desejo de rodarem livres
pelas estradas. Mas, um pequeno detalhe nos chama a atenção no filme. Apesar de Billy e
Wyatt cheirarem a cocaína para provar a sua pureza quando estão adquirindo a droga para
depois revendê-la, em nenhuma outra cena do filme eles fazem uso deste tipo de tóxico. É
como se essa droga não devesse ser usada frequentemente, talvez porque fosse mais
perigosa, mais viciante, que a maconha. Essa questão surgiu durante a pesquisa quando
prestamos atenção à música The Pusher(“O Traficante”), do grupo Steppenwolf, que
177
Sem Destino. Op. Cit., 57min04s.
178
THOMPSON, Hunter S.. A Grande Caçada aos Tubarões: histórias estranhas de um tempo estranho.
Trad. Camilo Rocha. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2004, p.165.
134
surge no filme logo após a cena em que Billy e Wyatt revendem a cocaína e aparecem
preparando as suas novas motos e iniciando a viagem. Diz a letra:
You know I've smoked a lot of grass
O' Lord, I've popped a lot of pills
But I never touched nothin'
That my spirit could kill
You know, I've seen a lot of people walkin' 'round
With tombstones in their eyes
But the pusher don't care
Ah, if you live or if you die
God damn, The Pusher
God damn, I say The Pusher
I said God damn, God damn The Pusher man
You know the dealer, the dealer is a man
With the love grass in his hand
Oh but the pusher is a monster
Good God, he's not a natural man
The dealer for a nickel
Lord, will sell you lots of sweet dreams
Ah, but the pusher ruin your body
Lord, he'll leave your, he'll leave your mind to scream
Well, now if I were the president of this land
You know, I'd declare total war on The Pusher man
I'd cut him if he stands, and I'd shoot him if he'd run
Yes I'd kill him with my Bible and my razor and my gun
179
Na música, o grupo Steppenwolf, um dos ícones da geração hippie, canta que eles
fumaram muita maconha e tomaram muitas pílulas, drogas que, teoricamente, não
causariam males maiores ao usuário. Já a cocaína não aparece como uma das drogas
aceitáveis. A canção também critica fortemente os traficantes que vendem drogas que
podem “arruinar o corpo. Inserida nesta parte do filme, a canção soa irônica e ao mesmo
tempo pode levar o espectador mais atento a questionar o elemento moral de Billy e Wyatt
179
Você sabe que eu fumei muita erva / Oh Deus, eu tomei muitas pílulas / Mas eu nunca toquei em nada /
Que meu espírito pudesse matar / Você sabe, eu vi muita gente andando por aí / Com lápides em seus olhos /
Mas o traficante não liga / Ah, se você vive ou se você morre / Por Deus, O Traficante / Por Deus, eu digo, O
Traficante / Eu disse por Deus; por Deus, O Homem-traficante!/ Você sabe, o usuário, o usuário é um
homem / Com a erva do amor em suas mãos / Ah, mas o traficante é um monstro / Bom Deus, ele não é um
homem natural / O traficante por uns trocados / Deus, vai te vender vários bons sonhos / Ah, mas o traficante
arruína seu corpo / Deus, ele vai levar a sua, ele vai levar a sua mente a gritar / Por Deus, O Traficante / Por
Deus, por Deus o Traficante / Eu disse por Deus, Deus, por Deus o Homem-traficante / Bem, agora se eu
fosse o presidente desta terra / Você sabe, eu iria declarar guerra total ao Homem-traficante / Eu iria cortá-lo
se ele permanecesse em pé e atiraria nele se ele corresse / Sim eu iria matá-lo com a minha Bíblia e minha
navalha e minha arma – (Tradução livre)
135
e, por que não, da contracultura hippie. Afinal, se os jovens rebeldes daquela geração
pregavam a liberdade, soa estranho que Billy e Wyatt buscassem se beneficiar, “ganhar uns
trocados”, participando de um esquema de compra e venda drogas que podem “escravizar”
as pessoas. Mas, de fato, agindo como traficantes, eles parecem não ligar “se você vive ou se
você morre”.
Assim, entendemos que o filme “Sem Destino”, ao criticar a sociedade “normal
dos Estados Unidos, ao mesmo tempo também questiona o modo de vida proposto pela
contracultura hippie. No texto, destacamos que a jornada de Billy e Wyatt foi possível
após uma negociação de drogas que lhes garante um bom dinheiro. na comunidade
hippie onde passam parte da história, também há certa hostilidade contra eles,
representando que também existem divergências entre os semelhantes, além das
dificuldades para o auto-sustento daquele grupo. que se ressaltar ainda que, apesar da
maior liberdade sexual, que é representada em “Sem Destino em cenas como a que Billy e
Wyatt nadam nus com duas garotas da comunidade hippie ou com as prostitutas no bordel
de Nova Orleans, as mulheres ainda vivem uma situação de inferioridade perante os
homens. Elas são uma forma de se conseguir sexo fácil, como no prostíbulo, assim como,
mesmo na comunidade hippie, cabe às mulheres desempenhar funções como cozinhar e
limpar, tal qual na sociedade considerada ”normal”.
A partir de elementos como esses, acreditamos ser possível considerar que “Sem
Destino” não busca firmar nem um e nem outro modelo de sociedade como o ideal ou o
melhor. Uma cena ainda bastante interessante do filme e que acreditamos que fortalece este
nosso raciocínio se dá quando Wyatt está em um quarto do bordel de Nova Orleans
esperando pelas prostitutas. Observando uma série de imagens que misturam elementos
religiosos e eróticos, Wyatt se depara com um texto pintado na parede em que se lê: A
morte apenas encerra a reputação de um homem e determina se ela é boa ou ruim
180
,
sendo que imediatamente ele tem uma visão de sua moto pegando fogo, uma espécie de
premonição do fim trágico que o esperava. Seria esta uma analogia ou uma provocação dos
diretores do filme para que os espectadores, diante daquilo que vêem projetado na parede
(ou melhor, na tela) durante Sem Destino”, também julgassem se o modelo de sociedade
proposto pelos hippies era adequado ou não?
Sucesso imediato quando chegou às telas de cinema, “Sem Destino” geralmente é
lembrado como um filme que fala sobre liberdade, o qual criou em torno de si uma
180
Sem Destino. Op. cit., 1h20min11s.
136
imagem mítica de uma juventude idealizada e ao mesmo tempo incompreendida, e por isso
mesmo ainda hoje tão atraente. Porém, para além da rebeldia, “Sem Destino”, no final das
contas, se mostra um filme extremamente pessimista quanto ao futuro daquela geração e
quanto às mudanças por ela sonhadas. Como escreveu Lee Hill, “a mesma narrativa é
suficientemente forte para antecipar que uma parcela substancial destas idéias e destes
movimentos não teria fôlego suficiente para vicejar nos anos setenta, sendo de fato
consumida por seus opostos polares nas décadas de 1980 e 1990”
181
. A jornada na
contramão da “marcha para o Oeste” de “Sem Destino (com seus personagens
conservadores, com suas comunidades alternativas marcadas pela aridez do campo e a
violência de quem vê o diferente como uma ameaça), profetiza na morte de Billy e Wyatt a
própria morte daquela efervescência contracultural. De fato, a contracultura hippie ruiu o
logo suas contradições e o preço cobrado por ela foram demais para aqueles que sonhavam
com outro mundo possível, sem, no entanto, ter uma estrutura política, filosófica,
econômica e cultural que sustentasse aquela almejada nova sociedade.
Ao fazer a análise dos filmes “O Selvagem”, “Juventude Transviada” e “Sem
Destino”, quisemos elaborar um estudo para contribuir para compreensão do fenômeno da
juventude rebelde nas décadas de 1950 e 1960. Temos claro que os dois primeiros foram
filmados em um momento específico da indústria de cinema estadunidense, a qual buscava
saídas para superar a crise que se abateu sobre ela, principalmente em razão da
disseminação da televisão nos lares dos Estados Unidos. Coincidentemente (ou talvez até
mesmo com a colaboração do cinema), isso aconteceu no mesmo peodo em que os
adolescentes eram aceitos como uma nova categoria social, diferente das crianças e dos
adultos e que, pelo menos uma parte significativa deles, apresentava um comportamento
atípico, o qual muitas vezes ganhava forma através da violência.
Por sua vez, partindo do mesmo tema, ou seja, a juventude rebelde, “Sem Destino”
foi capaz de levar para as salas de cinema uma parte das questões que eram postas pelos
jovens da década de 1960, as quais eram colocadas em prática de maneiras bastante
diversas, uma vez que os próprios grupos que se enquadravam dentro da contracultura nem
sempre compartilhavam das mesmas idéias. Basta citar que alguns agiam através da
organização e ão política, outros, de forma individualizada. Havia quem também se
propusesse a impor seus pontos de vista através da violência, enquanto também existiam
aqueles que acreditavam que o caminho para transformar a sociedade era através da via
181
HILL, Lee. Op. cit. p. 71.
137
pacífica. “Sem Destino (que foi filmado em outro momento de transformação do cinema
hollywoodiano, que começava, em partes, a se desligar do tradicional studio system),
através da jornada de Billy e Wyatt mostra dois jovens que optaram pela ação individual
para se libertar das amarras da sociedade tradicional, assim como adotaram a bandeira do
pacifismo, tendo em vista que não são agressivos e em momento algum reagiram às
provocações fazendo uso da violência, ao contrário das gangues de O Selvagem”, que
faziam da violência gratuita um estilo de vida.
138
Figura 17- Wyatt observa o relógio, antes de jogá-lo fora no começo da viagem
182
.
182
Reprodução.
139
Figura 18 – Enquanto o fazendeiro prega a ferradura, Billy e Wyatt, os caubóis modernos,
consertam o pneu da moto.
183
183
Reprodução.
140
Figura 19 Cartaz vende uma imagem otimista de liberdade e de aventuras que podem ser vividas
nas estradas.
184
184
Disponível em http://digilander.libero.it/gipp1/easy-rider/poster-movie-1024.jpg. Capturado em
22/07/2009.
141
Figura 20 – Este cartaz explora o elemento trágico da jornada de Billy e Wyatt.
185
185
Dispovel em http://www.www.posteritati.com/jpg/E2/EASY%20RIDER%20FB%201.JPG. Capturado
em 22/07/2009.
142
Figura 21 – Cartaz que melhor define a trajetória dos dois hippies: uma jornada rumo à felicidade
que nunca é encontrada.
186
186
Dispovel em http://www.impawards.com/1969/posters/easy_rider_xlg.jpg. Capturado em 22/07/2009.
143
Figura 22Wyatt cheira cocaína durante a transação da droga que tornou a viagem possível.
187
187
Reprodução.
144
Figura 23 – George prova o cigarro de maconha oferecido por Wyatt.
188
188
Reprodução.
145
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Três filmes com três modos diferentes de representar a contestação e a rebeldia
adolescentes nas décadas de 1950 e 1960. Todos, à sua maneira, influenciaram e foram
influenciados pelo fenômeno da juventude, que transformou a sociedade dos Estados
Unidos. Existe uma série de outros filmes que poderiam ser e queforam analisados para
ajudar a compreender todo esse processo relacionado aos jovens, sendo que cada título
apresenta questões diferentes, as quais ampliam ainda mais esse entendimento. Os próprios
filmes “O Selvagem”, “Juventude Transviada” e “Sem Destino” já foram amplamente
estudados, tendo como objetivo outras indagações além daquelas formuladas neste trabalho
e, certamente, a riqueza de temas presentes nas três obras ainda será objeto de novas
pesquisas. Isso nos permite perceber toda a complexidade do fenômeno da juventude
rebelde da sociedade estadunidense na época e atesta o cinema como uma fonte de
pesquisa privilegiada para os historiadores.
Durante este trabalho, procuramos produzir as análises de cada filme em separado
e, depois, relacionando-os. Desse conjunto foi possível identificar o apenas algumas das
angústias, revoltas, sonhos e pesadelos da juventude daquele período, como também
perceber de que forma a sociedade norte-americana buscava compreender, corrigir e até
punir os comportamentos tidos como atípicos. Temos claro que este trabalho está longe de
traçar um painel completo da relação entre o cinema, a juventude e a sociedade norte-
americana. Sentimos ainda que um elemento que poderia ser bastante aprofundado diz
respeito à recepção que esses filmes tiveram no momento em que foram lançados. A partir
da pesquisa de artigos e resenhas de jornais da época, por exemplo, poderiam ser somadas
novas informações, discussões e pareceres sobre o fenômeno da juventude. Outra pesquisa
possível também seria a da recepção desses filmes no Brasil. Infelizmente, durante o nosso
trabalho, não foi possível nos dedicarmos à busca dessas fontes, que julgamos serem
bastante interessantes. Pom, isso não significa que um trabalho nesse sentido não possa
ser futuramente realizado.
Na produção desta dissertação, entendemos também como extremamente relevantes
a busca por outras fontes que nos ajudaram a pensar sobre as questões que foram surgindo
conforme se dava o andamento da pesquisa. Entre estas fontes, destacamos outros filmes e
146
a literatura produzida por jovens escritores muitos deles legítimos outsiders ,
principalmente no período entre as décadas de 1940 e 1970. Algumas dessas obras
acabaram incluídas na dissertação, enquanto outras, embora não citadas, serviram de
inspiração e contribuíram significativamente para a problematização e aprofundamento das
discussões do tema proposto. Isso, claro, sempre tendo em mente que o objeto de nossa
pesquisa e as reflexões maiores deveriam surgir dos filmes “O Selvagem”, “Juventude
Transviada” e “Sem Destino”.
De fato, a questão da juventude rebelde e suas relações com o cinema parecem não
ter se esgotado. Basta perceber como o tema ainda inspira incontáveis produções
cinematográficas, não apenas nos Estados Unidos, mas também em outras partes do
mundo. Inclusive, quando este trabalho comou a ser pensado, a idéia inicial era cobrir
um período de praticamente cinco décadas representadas pela seleção de alguns filmes
significativos produzidos durante a segunda metade do século XX, principalmente nos
Estados Unidos e na Inglaterra. Porém, após perceber que o recorte temporal era bastante
amplo, também julgamos as dificuldades de se relacionar comportamentos rebeldes da
juventude em contextos tão diferentes. Por outro lado, isso também nos abriu os olhos para
as dinâmicas de transformação do modo de pensar e agir dos jovens, as quais se dão de
maneiras bastante heterogêneas e em ritmos diferenciados.
Estamos conscientes de que dar uma explicação definitiva sobre a questão é algo
improvável, diante da complexidade que o tema abarca. No entanto, ao chegar ao fim deste
trabalho, acreditamos ter sido possível deixar uma pequena contribuição para a
compreensão do amplo fenômeno da formação e consolidação do conceito de adolescente e
da juventude nos Estados Unidos, em especial àquela parcela rebelde, que com suas
atitudes de contestação ao sistema, que se dá através das mais diferentes formas, levou e
ainda leva as pessoas em várias partes do mundo a questionarem-se sobre a maneira como
se conduz e se comporta a grande sociedade.
147
FICHAS TÉCNICAS
O SELVAGEM
(The Wild One, 1954, EUA)
Gênero: Drama
Duração: 79 min
Produtora: Columbia Pictures
Diretor: szló Benedek
Roteiristas: John Paxton e Frank Rooney
Elenco: Marlon Brando, Mary Murphy, Robert Keith, Lee Marvin, Jay C. Flippen, Hugh
Sanders, Ray Teal, John Brown, Robert Osterloh
Produtor: Stanley Kramer
JUVENTUDE TRANSVIADA
(Rebel Without a Cause, EUA, 1955)
Gênero: Drama
Duração: 111 min
Produtora: Warner Bros. Pictures
Diretor: Nicholas Ray
Roteiristas: Nicholas Ray, Irving Shulman e Stewart Stern
Elenco: James Dean, Natalie Wood, Sal Mineo, Jim Backus, Ann Doran, Corey Allen,
William Hopper, Rochelle Hudson, Dennis Hopper, Edward Platt, Steffi Sidney, Marietta
Canty, Virginia Brissac, Beverly Long, Ian Wolfe, Frank Mazzola, Robert Foulk, Jack
Simmons, Tom Bernard, Nick Adams, Jack Grinnage, Clifford Morris, Dorothy Abbott,
Jimmy Baird, Paul Birch, Paul Bryar, Chuck Hicks, Louise Lane, Nelson Leigh, David
McMahon, Peter Miller, Bruce Noonan, House Peters Jr., Stephanie Pond-Smith, Nicholas
Ray, Gus Schilling, Almira Sessions, Dick Wessel e Robert Williams
Fotografia: Ernest Haller
Produtor: David Weisbart
148
Compositor: Leonard Rosenman
Montagem: William Ziegler
Desenhista de Produção: Malcolm C. Bert
Direção de Arte: Malcolm Bert
Decorador: William Wallace
Figurinista: Moss Mabry
Maquiagem: Gordon Bau
Diretores Assistentes: Robert Farfan e Gary Nelson
Departamento de Som: Stanley Jones
Dublês: Rodney Amateau, Ron Burke, Mushy Callahan, Bill Hickman e Carey Loftin
SEM DESTINO
(Easy Rider, EUA, 1969)
Gênero: Aventura
Duração: 94 min
Distribuidora: Columbia Pictures
Produtoras: Columbia Pictures Corporation, Pando Company Inc., Raybert Productions
Diretor: Dennis Hopper
Roteiristas: Peter Fonda, Dennis Hopper e Terry Southern
Elenco: Peter Fonda, Dennis Hopper, Antonio Mendoza, Phil Spector, Mac Mashourian,
Warren Finnerty, Tita Colorado, Luke Askew, Luana Anders, Sabrina Scharf, Robert
Walker, Sandy Wyeth, Robert Ball, Carmen Phillips, Ellie Walker, Michael Pataki, Jack
Nicholson, George Fowler Jr., Keith Green, Hayward Robilard, Arnold Hess Jr., Buddy
Causey Jr., Duffy Lafont, Blase M. Dawson, Paul Guedry Jr., Suzie Ramagos, Elida Ann
Hebert, Rose LeBlanc, Mary Kaye Hebert, Cynthia Grezaffi, Colette Purpera, Toni Basil,
Karen Black, Lea Marmer, Cathé Cozzi, Thea Salerno, Anne McClain, Beatriz Monteil,
Marcia Bowman, David C. Billodeau, Johnny David, Susan Brewer, Bridget Fonda, Justin
Fonda, Dan Haggerty, Randee Lynne Jensen e Carrie Snodgress
Fotografia: László Kovács
Produtores: Peter Fonda, William L. Hayward e Bert Schneider
149
Montagem: Donn Cambern
Direção de Arte: Jerry Kay
Maquiagem: Virgil Frye
Supervisor de Produção: Paul Lewis
Diretor Assistente: Len Marsal
Departamento de Arte: Robert O'Neil
Departamento de Som: James Contrares e Le Roy Robbins
Departamento de Efeitos Especiais: Steve Karkus
Dublês: Tex Hall e Gary Littlejohn
150
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