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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE BELAS ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS
Linha de Pesquisa: História da Arte Brasileira
VIRGÍNIA DE FÁTIMA DE OLIVEIRA E SILVA
A GRAVURA DE HENRIQUE OSWALD:
DO ENSINO À PRODUÇÃO DE ARTE
Salvador
2009
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VIRGÍNIA DE FÁTIMA DE OLIVEIRA E SILVA
A GRAVURA DE HENRIQUE OSWALD:
DO ENSINO À PRODUÇÃO DE ARTE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Artes Visuais, Escola de Belas
Artes, Universidade Federal da Bahia, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Artes Visuais.
Área de concentração: História da Arte
Orientador: Profa. Dra. Rosa Gabriella de
Castro Gonçalves.
Salvador
2009
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Universidade Federal da Bahia. Escola de Belas Artes
S 586 Silva, Virgínia detima de Oliveira e.
A gravura de Henrique Oswald: do ensino à produção de arte / Virgínia de
Fátima de Oliveira e Silva - 2009.
200 f.: il.
Orientador: Profa. Dra. Rosa Gabriella de Castro Gonçalves.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Escola de
Belas Artes. 2009.
1. Gravura – Henrique Oswald. 2. Arte baiana. I. Gonçalves, Rosa Gabriella de
Castro. II. Universidade Federal da Bahia. Escola de Belas Artes. III. Título.
CDU – 929
CDD – 760
VIRGÍNIA DE FÁTIMA DE OLIVEIRA E SILVA
A GRAVURA DE HENRIQUE OSWALD:
DO ENSINO À PRODUÇÃO DE ARTE
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Artes Visuais, Escola de
Belas Artes, Universidade Federal da Bahia,
como requisito parcial para obtenção do grau
de Mestre em Artes Visuais.
Salvador,
Rosa Gabriella de Castro Gonçalves
Doutora em Filosofia pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da USP.
Brasil.
Luiz Alberto Ribeiro Freire
Doutor em História da Arte pela Universidade do Porto.
Portugal.
Maria Luisa Luz Tavora
Pós-Doutora pelo École des Hautes Études en Sciences Sociales.
França.
AGRADECIMENTOS
Diversas pessoas devem ser lembradas através deste espaço. Portando, gostaria de
começar com minha família, grande incentivadora deste projeto. Menciono com
orgulho o nome de minha mãe, Geralda, que sempre me apoiou incondicionalmente,
acreditando nas possibilidades de ampliação humana através do conhecimento, e de
minhas irmãs Selma, Átila, Márcia, Jania e, em especial, Isabela, que me auxiliou na
efetivação de várias atividades inerentes às pesquisas. Agradeço ainda a Jorge, meu
pai (in memorian).
Agradeço também o incentivo e as incontáveis colaborações de José Augusto
Estrela, Jacyra Oswald, sar Borges, Patrícia Leite, Júlio Chaves, Ana Zalcbergas,
Eliezer Bezerra, Marco Antonio, Edna Gomes, Roberto Machado, Adriano Cirino,
Omar Musto, Conceição Viana, Lúcia Santos, Alexandro de Jesus, Jorge Laranjeira,
Marina Santos, Aída, Verônica Silva, Marcelo Reis, João Santos, Punky Lu (in
memorian) e Eliane Nunes (in memorian).
No tratamento das imagens fotográficas empregadas para ilustrar os debates que
pontilham as páginas deste estudo, pude contar com o auxílio de Marina Cardôso, a
quem agradeço a gentileza e o carinho com que tem me tratado desde o dia em que
nos conhecemos. Quero manifestar meu agradecimento também a Mario Bentes pelo
apoio e compreensão, bem como pela companhia nas idas às bibliotecas, nos
eventos, nas viagens, entre outras situações. Enfim, pela amizade que conseguimos
construir para além dos espaços acadêmicos.
Agradeço ainda à minha orientadora Profa. Dra. Rosa Gabriella de Castro Gonçalves,
pelo incentivo constante e pelas considerações feitas às primeiras versões deste
trabalho, considerações que, a propósito, foram de singular importância para que os
resultados aqui apresentados fossem marcados pelo comprometimento acadêmico.
Ao mesmo tempo, meu agradecimento vai à Profa. Dra. Mariela Hernandez Brazon
que, com desmedida alegria, me ajudou na reflexão a respeito dos temas que
desejava abordar, examinou cuidadosamente o desenvolvimento de minhas idéias,
sugeriu úteis modificações no texto, etc. Suas intervenções também foram
imprescindíveis para a realização desta dissertação.
Menciono com gratidão o nome da Profa. Dra. Graça Ramos, por ter acreditado na
força deste trabalho desde o momento em que ingressei no Mestrado da Escola de
Belas Artes – UFBA. Devo lembrar também o Profº. Drº. Alberto Olivieri, pelas
palavras de incentivo e pelas discussões que propiciaram o amadurecimento dos
meus conhecimentos e conceitos.
A qualidade deste trabalho se deve também ao depoimento de determinadas pessoas
que, gentilmente, dispuseram de tempo e paciência para a realização das entrevistas.
Devo, portanto, uma gratidão profunda a Mario Cravo Júnior, Juarez Paraíso, Justino
Marinho, George Kornis, Vera Lima, Sônia Castro e Yêdamaria.
Foi importante o acesso e a gentileza com que foi atendida, para consulta a seus
arquivos pessoais, por Juarez Paraíso, Mario Cravo Júnior, Mônica e George Kornis,
Vera Lima e Sônia Castro, Yêdamaria, além dos centros de documentação e arquivos
mencionados a seguir: Arquivo Público, Centro de Documentação da Biblioteca
Central dos Barris, Museu Nacional de Belas Artes, Galeria de Arte Roberto Alban,
Paulo Darzé, Biblioteca da Fundação Norberto Odebrecht.
Pelo envio de catálogos e outros materiais e trocas de idéias sobre o tema, gostaria
de agradecer a Nanci Novaes, Elisabeth Actis, Laura Abreu, Cristina Damasceno, a
museóloga Luzia Ventura, Ulla Von Czekus e José Eleotério. E a todos aqueles que,
interessados pela pesquisa, indicaram ou facilitaram o contato com publicações que
me foram úteis.
Cabe aqui citar os nomes de algumas pessoas da Escola de Belas Artes que me
auxiliaram no cumprimento das atividades relacionadas à pesquisa ou me ofereceram
outro tipo de apoio. Professores doutores do Programa de Pós-Graduação em Artes
Visuais: Maria Hermínia Hernández, Viga Gordilho, Cid Ávila, Luís Freire, Graça
Ramos, Alberto Olivieri, Ricardo Biriba, Elyane Lins, Juarez Paraíso, Eugênio Lins.
Também à secretária do Mestrado, Maria Taciana Almeida, ao advogado, Bruno
Moura, às funcionárias da biblioteca da Escola de Belas Artes, Madalena dos Santos,
Josenice Pereira, Janete Viana, à bibliotecária, Leda Ramos, Geraldo Bonelli, e ao
professor da disciplina Desenho de Observação, Wilson Oliveira Jr. E a todos quantos
me animaram para o prosseguimento e término deste trabalho.
Não posso esquecer de agradecer ao Prof. Dr. Luiz Alberto Ribeiro Freire e à Profa.
Dra. Maria Luisa Luz Tavora, por terem aceitado o convite para participar da banca
examinadora desta Dissertação.
Por último, agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), por ter concedido a bolsa de estudo no segundo ano da pesquisa.
DEDICATÓRIA
O presente trabalho não poderia ser dedicado à outra pessoa, senão a Henrique
Carlos Bicalho Oswald (in memoriam), o Lilico, como era carinhosamente chamado
por seus amigos e colegas de trabalho, cuja trajetória artística constituiu o fator
principal da existência da pesquisa e, portanto, motivadora de todos os nossos
esforços.
“Nascida da primeira contingência vital de comunicação
visual fixa que o homem teve, sempre mais escrava do
conteúdo do que da forma, foi geralmente substituída
quando a forma se impunha. Onde quer, porém que haja
uma mensagem importante, um conteúdo vital, um caráter
social, a gravura adapta-se às circunstâncias do momento
como velha arma, velho e familiar processo de
transmissão de sentimentos e idéias que nasceu em
primeiro lugar para ajudar a humanidade em sua luta”.
Oswald (1962, p. 96)
RESUMO
Esta dissertação, concentrada na Linha de Pesquisa História da Arte, trata dos
diálogos travados entre Henrique Oswald e a prática da gravura. Se valendo da
produção de arte e, sobretudo, das práticas de pesquisa e de ensino, o referido artista
atuou lado a lado com outros gravadores na incorporação da gravura no meio
artístico local. Suas atividades começaram a ser desenvolvidas a partir do final da
década de 1950, data que marca sua vinda definitiva para Salvador. Como objetivo
geral, a pesquisa buscou investigar as experiências vivenciadas pelo artista Henrique
Oswald na Bahia, junto à linguagem da gravura, ressaltando sua postura participante
na expansão dos domínios desta modalidade de expressão na região. Constam como
objetivos específicos: a definição do panorama artístico baiano no período precedente
à chegada de Henrique Oswald; o exame dos condicionantes que o levaram a atuar
na cidade de Salvador; o registro da experiência do artista com a Escola de Belas
Artes, onde atuou como docente, e sua contribuição para a formação de novos
gravadores; a análise estilística de uma parcela de sua produção gráfica. Recorre à
Etnografia como metodologia de pesquisa, justamente por permitir o aproveitamento
de fontes primárias. Como resultados de reflexões, o estudo destaca Henrique
Oswald como grande estimulador da prática da gravura na Escola de Belas Artes
(UFBA) e assinala sua participação inestimável para o surgimento da Escola Baiana
de Gravura; Pontua sua contribuição para a ampliação das discussões sobre gravura
no plano acadêmico através da Tese “A origem da gravura”. Apresenta o
Expressionismo alemão como principal corrente artística a influenciar a produção do
gravador. Conclusivamente, a dissertação aponta a vinda de Henrique Oswald para
Salvador como um fato de alta importância para a formação de novos gravadores e a
revitalização do ambiente artístico baiano.
Palavras-chave: Gravura. Henrique Oswald. Escola de Belas Artes. Artes Visuais.
Arte Baiana.
ABSTRACT
This composition which is in the area of Research Art History deals with the dialogues
between Henrique Oswald the Printmaking process. Counting on art production and
above everything, on the researching and teaching processes, this artist acted
together with other printers in the incorporation of the impression in the local artistic
community. His activities started to be developed from the end of 1950 decade, in this
period he came to live definitively to Salvador. As general objective, this essay tries to
investigate the experiences lived by the artist Henrique Oswald at Bahia with the
Printmaking language, pointing out his participation in the expansion of this king of
visual art in this place. As specific objectives: the definition of the artistic scenario in
Bahia before Oswald’s arrival; the analysis of the facts that led him to act in Salvador
city; the registry of the artist’s experience with the Escola de Belas Artes (School of
Art/Bahia), where he worked as a teacher and his contribution to grow new printers
and the stylistic analysis of a part of his graphic production. It is used the Ethnography
as method of research, because it offers primary sources. The result of the discussion
points out Henrique Oswald as a great leader in the Printmaking art in the Escola de
Belas Artes (UFBA) e considers his participation very valuable for the rising of the
Escola Baiana de Gravura (Bahia Printmaking School). It also affirms his contribution
to the enlargement of the discussions in the academy field through the thesis “The
origin of impression”. It presents the German expressionism as main artistic
movement to influence the printer’s production. In its conclusion, shows the arrival of
Henrique Oswald in Salvador as a fact of high importance in the new printer’s
formation and the revitalization of Bahia artistic community.
Key-words: Impression (print). Henrique Oswald. Escola de Belas Artes (school of
Art). Visual Art.
LISTA DE FIGURAS
1 - Pinturas rupestres. 26
2 -
Incisões rupestres do Vale do Côa.
26
3 -
Cilindro-selo sumério.
28
4 -
Sutra Diamante. Gravura, dimensões não informadas, s/ data.
30
5 -
Utamaro. Mulher no espelho. Xilografia, dimensões não informadas,
1789.
31
6 -
Autor não identificado. Monte Fuji. Xilografia, dimensões não
informadas, 1789.
31
7 -
Hokusai. Levantamento de Mosquiteiro. Xilografia, dimensões não
informadas, s/data.
33
8 -
Dürer. Os cavaleiros do apocalipse. Xilografia a fibra, dimensões não
informadas, 1499.
40
9 -
Rembrandt. As Três Cruzes. Gravura em metal, dimensões não
informadas, 1653.
41
10 -
Goya. As Três Cruzes.
Gravura em metal, dimensões não informadas,
1653.
42
11 -
Edvard Munch. Os Solitários. Xilografia, dimensões não informadas,
1899.
43
12 -
Andy Warhol. Marilyn. Serigrafia s/ tela, 101.6 x 101.6 cm, 1964
46
13 -
Carlos Oswald. A grande bananeira. Água-forte e água tinta, 39,5 x
59 cm – 1913
48
14 -
Oswaldo Goeldi. Noturno. Xilogravura 17,5 x 18,7 cm, 1950.
51
15 -
Lasar Segall. Dor. Litografia, dimensões não informadas, 1909.
52
16 -
Lívio Abramo. Pelo sertão. Xilogravura, dimensões não informadas,
1948.
53
17 -
Fotografia 1. Acervo particular de Maria Isabel Oswald, Rio de
Janeiro, s/ data.
62
18 -
Fotografia 2. Acervo particular de Maria Isabel Oswald, Rio de
Janeiro, s/ data.
63
19 -
Fotografia 3. Acervo particular de Maria Isabel Oswald, Rio de
Janeiro, sem data. Henrique Oswald - Músico
65
20 -
Henrique Oswald. Meninos. Desenho, dimensões não informadas,
1954.
73
21 -
Henrique Oswald. Igreja. Óleo s/ Duratex. 50 x 55 cm, s/ data.
75
22 -
Henrique Oswald. Casas. Óleo s/ Duratex. 55 x 65 cm, s/ data.
76
23 -
Henrique Oswald. Barcos. Técnica Mista, 100 x 90 cm, s/ data
.
77
24 -
Fotografia 4. Mural da História do Cinema (Detalhe). Colagem Óleo
s/ Duratex, s/ data.
78
25 -
Henrique Oswald. Mural da Capela do Seminário da Santíssima
Trindade. Botucatu – São Paulo, 1953.
79
26 -
Henrique Oswald. Matriz de Lavradores.Botucatu – São Paulo, 1953.
80
27 -
Fotografia 5. Da esq. para a dir.: Thomaz, Henrique e Francisco
Oswald, s/ data.
85
28 -
Fotografia 6. Henrique Oswald no Ateliê de Gravura, s/ data. 89
29 -
Fotografia 7. Capa da Tese de Henrique Oswald, 1962. 90
30 -
Henrique Oswald. Crucificação. Água-forte água-tinta, dimensões
não especificadas, s/ data.
119
31 -
Henrique Oswald. O Datilógrafo. Água forte, água tinta 15 X 40 cm,
s/ data
124
32 -
Henrique Oswald. Retirantes. Água forte, água tinta, dimensões não
especificadas no catálogo, 1952.
128
33 -
Henrique Oswald. Abstrata. Água-tinta e relevo, 21 X 28 cm.
1941/1950.
131
34 -
Henrique Oswald. Crucificação. Água-forte água-tinta, dimensões
não especificadas, s/ data.
133
35 -
Henrique Oswald. Feira de Água de Meninos. Água-forte, água tinta
30 x 55 cm, s/ data.
135
36 -
Henrique Oswald. A inflação. Água forte, água-tinta e ponta seca.
29 X 36,5 cm. 1944/1950.
137
37 -
Henrique Oswald. Retirantes. Água forte, água tinta, dimensões não
informadas, 1952.
139
38 -
Henrique Oswald. Retirantes. Água-forte, 19/100 17,5 X 23,5 cm, s/
data.
141
39 -
Henrique Oswald. S/ Título. Água forte, água tinta, 1954.
143
40 -
Henrique Oswald. Noturno. Água forte, água tinta, 60 X 50 cm,
s/data.
145
41 -
Henrique Oswald. Jeremias. Água-forte, água tinta 36 x 49 cm, s/
data.
147
42 -
Henrique Oswald. Figuras. Água forte, água tinta e verniz mole, 50 X
59 cm, s/ data.
159
43 -
Henrique Oswald. Abstrata. Água-tinta e relevo, 21 X 28 cm.
1941/1950.
151
44 -
Henrique Oswald. . S/ Título (1). Concurso. Água-forte, água tinta 2/2
153
17,5 X 23,5 cm, 1962.
45 -
Henrique Oswald. S/ Título (2). Xilogravura 40 x 60 cm, s/ data.
155
46 -
Henrique Oswald. S/ Título (3). Água-forte e água-tinta, 30 X 40 cm,
s/ data.
157
47 -
Henrique Oswald S/ Título (4). Água-tinta e água-forte, 30 x 40 cm, s/
data.
159
48 -
Henrique Oswald. S/ Título (5). Água forte, água tinta, dimensões
não informadas, s/ data.
161
49 -
Henrique Oswald. S/ Título (6). Detalhe. Água forte, água tinta,
dimensões não especificadas na fonte e s/data.
163
50 -
Henrique Oswald. O Datilógrafo. Água forte, água tinta 15 X 40 cm. 166
15
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
01 CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
02 EBA – Escola de Belas Artes
03 IAPETC –
Instituo de Aposentadoria e Pensões dos Empregados de Transporte
Coletivos
04 IBEU – Instituo Brasil Estados Unidos – Rio de janeiro
05 MAC – Museu de Arte Contemporânea
06 MAM-BA – Museu de Arte Moderna da Bahia
07 MAM-RJ – Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
08 MAM-SP – Museu de Arte Moderna de São Paulo
09 MNBA – Museu Nacional de Belas Artes
10 PESP – Pinacoteca do Estado de São Paulo
11 UBA – Universidade da Bahia
12 UFBA – Universidade Federal da Bahia
12 USP – Universidade de São Paulo
16
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
18
1 QUANDO A GRAVURA SE FAZ PRESENTE
1.1
ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA HISTÓRIA DA GRAVURA
24
1.1.1
A relação dialética entre a gravura e a imprensa
33
1.2
A TRANSCENDÊNCIA DA GRAVURA ENQUANTO LINGUAGEM ARTÍSTICA
37
1.3
O DESENVOLVIMENTO DA GRAVURA NO BRASIL
46
1.3.1
O desenvolvimento da gravura na Bahia
56
2 OS CAMINHOS DE HENRIQUE OSWALD
2.1
ASPECTOS BIOGRÁFICOS DE HENRIQUE OSWALD
61
2.2
HENRIQUE OSWALD E
O CAMPO DAS ARTES
64
2.2.1 A dedicação de Henrique Oswald à feitura de desenhos, pinturas
e crônicas
68
2.3
A CHEGADA DE HENRIQUE OSWALD
À CIDADE DE SALVADOR E A
SITUAÇÃO DA ARTE LOCAL
81
2.4
A MULTIPLICAÇÃO DA PRÁTICA EM GRAVURA NO CONTEXTO DA
ESCOLA DE BELAS ARTES (UFBA)
86
2.4.1 Henrique Oswald e a Escola Baiana de Gravura
101
2.4.2
Inferências de Henrique Oswald na proposta de reforma
Institucional
111
3 O UNIVERSO ARTÍSTICO DE HENRIQUE OSWALD
3.1
A ARTE, A GRAVURA E O PROCESSO CRIATIVO NA CONCEPÇÃO DE
HENRIQUE OSWALD.
115
3.1.1 Um olhar sobre a poética de Henrique Oswald
122
3.2
CRUCIFICAÇÃO
133
3.2.2
FEIRA DE ÁGUA DE MENINOS
135
3.2.3
A INFLAÇÃO
137
3.2.4
RETIRANTES
139
3.2.5
RETIRANTES
141
3.2.6
LADEIRA DO PELOURINHO
143
3.2.7
NOTURNO
145
3.2.8
JEREMIAS
147
3.2.9
FIGURAS
149
17
3.2.10
ABSTRATA
151
3.2.11
S/ TÍTULO (1)
153
3.2.12
S/ TÍTULO (2)
155
3.2.13
S/ TÍTULO (3)
157
3.2.14
S/ TÍTULO (4)
159
3.2.15
S/ TÍTULO (5)
161
3.2.16
S/ TÍTULO (6)
163
3.2.1717
O DATILÓGRAFO
165
REFERÊNCIAS
173
ANDICE ACronologia
186
ANEXO A – Gravuras
189
18
INTRODUÇÃO
O surgimento e a propagação da gravura artística no âmbito baiano se devem à
atuação de inúmeros artistas que, cada qual a seu modo e ao seu tempo, se
empenharam em torná-la tão difundida, praticada e aceita quanto as demais formas
de expressão. Mario Cravo Junior, Raimundo Aguiar, Newton Silva, Juarez Paraíso,
Jaime Hora e Calasans Neto, por exemplo, todos gravadores locais, foram alguns dos
que se empenharam na conquista de novos espaços para a gravura. E mais:
fortaleceram as características que ainda hoje lhe são inerentes, como o coletivismo e
a troca de experiências. Gravadores vindos de outras localidades brasileiras, como
Poty Lazzarotto, Oswaldo Goeldi, Marina Caran e Marcelo Grassman, e do exterior,
como Hansen Bahia, também lutaram para que a gravura assumisse uma posição
mais privilegiada no meio artístico local. Não podemos esquecer de Pancetti, Carybé
e Rescala, artistas que, embora não sendo essencialmente gravadores, se instalaram
em Salvador desenvolvendo trabalhos significativos em gravura. Como se vê, a lista
de nomes é extensa e, justamente por isso, ocuparíamos várias linhas deste texto,
caso desejássemos expô-la.
Existe, no entanto, um gravador que, apesar de sua colaboração imensurável para
que a gravura artística se instalasse com força e em definitivo na Bahia, raramente é
mencionado nos estudos que se prestam a abordar o referido tema. Estamos nos
referindo a Henrique Carlos Bicalho Oswald, ou Henrique Oswald, como ficou
conhecido. Além de recorrer à pesquisa, à realização de exposições e à criação de
arte como meios de divulgar a expressividade da gravura, o artista desempenhou
importante papel na formação de toda uma geração de artistas baianos no final da
década de 1950, durante sua atuação como professor da Escola de Belas Artes
(UFBA). Considerando a existência desta verdadeira lacuna na história da arte local,
o presente trabalho tenciona investigar as experiências vivenciadas pelo artista
Henrique Oswald em Salvador, junto à linguagem da gravura, ressaltando sua
postura participante na difusão e aceitação desta modalidade de expressão no
cenário artístico baiano. Este enfoque teórico articula-se em torno dos seguintes
19
questionamentos: Qual a contribuição de Henrique Oswald para a difusão da gravura
artística em Salvador? Que efeitos sua atuação como professor de gravura da Escola
de Belas Artes (UFBA) desencadeou no meio artístico local? Pode sua produção
gráfica ter estimulado outros gravadores baianos?
As motivações que nos levaram a abraçar o referido tema foram a pouco anunciadas.
Enquanto nas bibliotecas e livrarias cresce o número de publicações sobre artistas,
como Juarez Paraíso, Mario Cravo Junior, Hansen Bahia, Calazans Neto e suas
relações com a gravura, o nome de Henrique Oswald permanece obscurecido ou
envolto por afirmações gratuitas. Nesse sentido, o presente estudo surge como uma
tentativa de corrigir essa relativa omissão na história da gravura local, atribuindo, ao
citado gravador, o reconhecimento que lhe é devido. Tal colocação acaba trazendo à
tona a relevância deste estudo. Esperamos que os nossos esforços sejam capazes
de motivar pesquisadores, críticos e historiadores a ir em busca de novos meios de
abordagem que contemplem o processo de expansão da gravura baiana, do qual
Henrique Oswald foi participante ativo. Caso isso ocorra, poderemos admitir
futuramente a existência de uma teoria completa da arte gráfica local, que envolva e
valorize cada um de seus personagens.
A investigação que realizamos foi baseada na Etnografia, formulada por Clifford
Geertz (1989). E a razão de nossa escolha é simples: no plano acadêmico, poucas
são as publicações relacionadas a Henrique Oswald e sua interação com a gravura.
Fora dele, também é difícil encontrar fontes impressas que contenham informações
completas e aprofundadas sobre o assunto. As possibilidades de alcançar os
objetivos articulados para esta pesquisa, nesse sentido, estariam justamente nas
mãos daquelas pessoas que tiveram envolvimento com o objeto de estudo. A
Etnografia colaborou justamente no aproveitamento desse tipo de fonte, uma vez que
a realização de entrevistas está entre os seus principais métodos de investigação. A
partir da abertura oferecida pela citada metodologia, recorremos também à análise
bibliográfica (catálogos, folders, livros de referência, textos em periódicos, entre
outros); análise documental (documentos vinculados a acervos públicos e
particulares, fotografias, entre outros); diário de campo (que nos permitiu deixar
20
registrados dados adquiridos através de conversas informais estabelecidas com as
pessoas envolvidas com o meio artístico e, sobretudo, ligadas ao objeto de estudo);
registros fotográficos e filmográficos.
Os materiais que conseguimos coletar no curso de nossa investigação passaram por
uma análise preliminar, sendo, logo em seguida, distribuídos em pequenos grupos de
fontes, constituídos a partir de temas específicos, por exemplo, “Dados biográficos do
artista”, “Atuação de Henrique Oswald junto à Escola de Belas Artes”, “Produção
Literária”, “Produção Pictórica”, “Produção Gráfica”, “Escola Baiana de Gravura”,
entre outros. Feita essa organização e classificação, os dados foram analisados
cuidadosamente, interpretados e traduzidos em significações, tal como sugerem os
pressupostos de uma análise dentro de uma perspectiva etnográfica. O resultado
desse processo, com etapas estabelecidas, foi a constituição do quadro de subsídios
que edificou a elaboração da Dissertação aqui apresentada.
Para o desenvolvimento de nossas discussões, foram convocados determinados
teóricos que, através de seus estudos, nos permitiram compreender o objeto aqui
enfatizado e as relações que este estabelece com outros temas. Devemos esclarecer
que, contrariamente ao que a enumeração a seguir possa sugerir, não lançamos mão
de conceitos isolados, a exemplo de “Gravura” e “Poética”, mas buscamos discutir a
questão das conexões entre Henrique Oswald e o universo da gravura com o auxílio
de um corpo teórico de conceitos organicamente inter-relacionados. Desse modo, o
estudo da historiografia da gravura artística foi embasado por Aracy Amaral (1984),
Mario de Camargo (2003) e Leon Kossovitch (2000). Em relação ao contexto artístico
de Salvador na década de 1950, período da vinda definitiva de Henrique Oswald para
a cidade, os estudos de Juarez Paraíso (2002) e Manoel Quirino (s.d.) foram
significativos. Maria Isabel Monteiro (2000) se constituiu como fonte de particular
importância para que pudéssemos pesquisar os dados biográficos de Henrique
Oswald. Ao examinarmos as relações do gravador com a Escola Baiana de Gravura,
recorremos às investigações de Malie Matsuda (1995) e Riolan Coutinho (1977). As
obras de Alice Brill (2003) e Amy Dempsey (2003) foram úteis para que
examinássemos a produção gráfica de Henrique Oswald e seu processo criativo. É
21
importante pontuar que outros pensadores foram chamados e entrelaçados ao texto
de acordo com o desenvolvimento das reflexões.
O processo de elaboração textual resultou em um plano de capítulos, onde cada uma
de suas partes apresenta objetivos e assuntos definidos. Um dado a acrescentar é
que os três capítulos gerados encontram-se interligados, no sentido de exprimir a
coerência de nossa linha de pensamento.
No primeiro capítulo, “Quando a gravura se faz presente”, realizamos uma incursão
da história da gravura, no sentido de mostrar como, ao longo das décadas, ela foi se
tornando cada vez mais presente na vida humana até se constituir como uma técnica
fundamental para o desenvolvimento de diversas atividades. Devemos esclarecer que
não tomamos como ponto de partida para essa abordagem a transcendência da
gravura como forma de expressão artística, ocorrida com o surgimento da fotografia,
que tirou das os dos gravadores a tarefa de reproduzir imagens. Pelo contrário, o
debate se inicia a partir das primeiras incisões feitas pelo homem paleolítico nas
paredes das cavernas, consideradas por muitos como os antecedentes da gravura
que conhecemos na atualidade. Ao partirmos de um período o longínquo, tentamos
seguir as reflexões teóricas de Henrique Oswald, as quais, como explicaremos,
estavam essencialmente voltadas para as origens da gravura.
O que nos interessa com esta incursão não é tornar menos nebulosa a gênese e a
trajetória da gravura ou repor em discussão aspectos desse ponto específico, e sim
mostrar como se deu a propagação da técnica ao redor do mundo até chegar ao
Brasil, onde contou com a colaboração de artistas, como Carlos Oswald, Oswaldo
Goeldi, e Lívio Abramo. Essa abordagem foi relevante no seguinte sentido: favoreceu
o entendimento da realidade da arte gráfica no Brasil e, seguidamente, na Bahia.
Aliás, as experiências realizadas em gravura no cenário baiano constituem o último
tema do presente capítulo.
22
No segundo capítulo, intitulado Os caminhos de Henrique Oswald”, o foco do debate
é a figura do próprio artista. Primeiramente, levantamos alguns aspectos biográficos,
a fim de que pudéssemos situar aqueles que pouco ou nada sabem a seu respeito.
Na oportunidade, abrimos espaço para falar dos laços que uniam a família do
gravador às artes em geral, dando especial atenção ao seu avô, Henrique Oswald,
músico mundialmente reconhecido, e seu pai, Carlos Oswald, visto como o introdutor
da gravura artística no Brasil. Nossa intenção, porém, não foi apenas deixar
registrado o lugar da arte no meio familiar de Henrique, mas situá-la como fator
determinante para sua formação como artista. que tocamos no assunto, devemos
pontuar que as informações inseridas tiveram o objetivo de tornar evidente o
ecletismo do artista. Isto é, além de enfocarmos sua interação com a gravura,
colocamos em relevo suas investidas nos campos do desenho, da literatura e
também da pintura.
Neste mesmo capítulo, também está incluída a abordagem sobre a chegada de
Henrique Oswald a Salvador e a situação do campo artístico nesse momento
específico de sua trajetória. Tratamos ainda de sua atuação como professor de
gravura da Escola de Belas Artes (UFBA), atuação que, como será visto, se iniciou no
ano de 1958. Antes disso, porém, comentamos brevemente a respeito de suas
experiências como docente no Rio de Janeiro, em particular aquela adquirida no
Liceu de Artes e Ofícios, na década de 1940. A questão mais importante deste
capítulo se refere ao papel desempenhado pelo gravador no surgimento do que por
muitos foi chamado de Escola Baiana de Gravura, um movimento desenvolvido no
interior do atelier de gravura da Escola de Belas Artes e à luz de condições
específicas, estas, em parte, responsáveis pela definição desse verdadeiro marco na
história da arte gráfica local. Por último, tecemos algumas considerações sobre outras
atividades ligadas à Escola de Belas Artes e que, naturalmente, contaram com a
participação de Henrique Oswald. Um exemplo: a proposta de reformulação
curricular.
23
Ao elaboramos o Capítulo, denominado “Henrique Oswald e a arte da gravura”,
nossa atenção esteve voltada para as relações estabelecidas entre o artista e a
citada modalidade de expressão. A princípio, abordamos o processo criativo de
Henrique Oswald, tomando como referência as suas próprias colocações, as quais, a
propósito, entendiam a arte como brinquedo e o fazer artístico como jogo.
O enfoque principal do presente capítulo é o estudo sobre a poética do gravador.
Através desse movimento, conseguimos identificar as tendências artísticas que
influenciaram sua produção gráfica e que o colocaram numa posição muito próxima
dos artistas internacionais. Finalmente, realizamos uma análise pormenorizada de
uma parcela das gravuras de Henrique. Tanto a escolha quanto a disposição no texto
foram aleatórias, justamente porque algumas de suas obras não se encontram
datadas. Muitas delas, inclusive, estão desprovidas de denominações.
As conclusões que formulamos a partir da realização desta investigação se
encontram inseridas no momento final do presente trabalho, intitulado “Considerações
finais”. Advertimos que as colocações que finalizam esta proposta o se limitam a
um mero condensamento dos debates que realizamos em cada um dos capítulos que
o integram, mas propõem uma reflexão crítica daqueles assuntos que consideramos
de maior relevância. Com essa postura, esperamos não somente colocar o leitor
frente às conclusões a que chegamos, mas também estimulá-lo a tirar suas próprias
impressões do que foi discutido.
24
1 QUANDO A GRAVURA SE FAZ PRESENTE
A gravura, especialmente na contemporaneidade, se constitui como uma linguagem
artística que ocupa um papel de destaque no plano das artes visuais, tão difundida,
praticada e aceita, que premiações em sua categoria, mostras e encontros dedicados
exclusivamente a essa modalidade tornaram-se constantes. Tal posicionamento foi
conquistado, na medida em que suas técnicas foram sendo adaptadas aos anseios
de cada contexto social, em momentos históricos específicos, o que não ocorreu sem
que sua aplicação sofresse ressignificações.
No presente capítulo, examinaremos a evolução histórica da gravura, no intuito de
expressar as variantes que marcam este percurso. Ao realizar tal abordagem, não
esquecemos de pontuar a relação estabelecida entre a gravura e a imprensa, bem
como sua emancipação enquanto linguagem artística, objetivada pelo surgimento da
fotografia. Por fim, introduziremos a discussão no âmbito brasileiro e, em seguida, na
Bahia, onde, particularmente, serão esboçadas as primeiras experiências artísticas
em gravura, as quais antecederam a chegada de Henrique Oswald na região.
1.1 ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA HISTÓRIA DA GRAVURA
Desvelar a origem das técnicas da gravura e, com ela, aspectos que se encontram
ausentes de sua história, parece ter sido uma constante na vida de Henrique Oswald.
Prova disso é a Tese que o gravador produziu na ocasião do concurso para a Cadeira
de Talho-Doce da Escola de Belas Artes, cujo título, “A Origem da Gravura”, exprimia
o estado de suas inquietações. Uma explicação mais completa sobre o teor da
publicação e sua contribuição para o meio acadêmico surgirá mais adiante neste
estudo, quando examinarmos a relação de Henrique Oswald com a Escola de Belas
Artes, mais especificamente seu ingresso na referida instituição. Agora, é suficiente
25
saber que, através da Tese, o gravador buscou descrever o surgimento da gravura,
não aquela de reprodução mais a que funciona por si mesma. Por tais razões, tomou
como indícios de sua presença os sulcos, as fendas e as depressões lineares
causadas por pontas sobre a superfície das cavernas pré-históricas, em particular
aquelas localizadas na Espanha e na França. Tendo em vista o tratamento dado por
Henrique Oswald ao referido tema, parece-nos apropriado iniciar o presente estudo
com uma incursão no percurso histórico da gravura, partindo de sua origem mais
remota até alcançarmos sua situação na atualidade. Gostaríamos de deixar claro que
nossa intenção não é fazer aqui uma enumeração exaustiva dos diferentes momentos
em que a gravura se fez presente e sim uma síntese do que nos parece mais valioso,
dando, assim, novas tonalidades às investigações do gravador.
A história da gravura possui, em certo sentido, uma relação com a própria história da
Humanidade, pois a idéia de incisão, de ranhura, de produzir riscos das mais diversas
formas sobre diferentes materiais encontra-se presente nas culturas humanas desde
a pré-história. Desse modo, tomamos como provável centro de origem e ensaio da
técnica o Período Paleolítico (40.000 a.C.), quando o homem realizou diversas
intervenções em seus abrigos, geralmente cavernas, buscando exteriorizar através de
representações pictóricas sua visão de mundo (Figuras 1 e 2). Desse período, os
vestígios mais convincentes se encontram em Altamira, na Espanha, e em Lascaux,
situada na França. René Huyghe (1986) assinala que comumente os homens da Pré-
história gravavam na parede rochosa das grutas a silhueta dos animais de que
viviam. “Como dispunham de superfícies de pedra mais ou menos planas, que se
prestavam a desenhá-los, como tinham aprendido a distinguir os alvos pelas suas
silhuetas, recorriam ao artifício de um perfil, delimitado por uma linha escavada ou
traçada” (HUYGHE, 1986, p.33). Ainda que o autor enfatize as primeiras tentativas
humanas de fixar através de grafismos o real exterior, quase que exclusivamente
animais, buscando traduzir este real pelo realismo, as técnicas citadas remetem
imediatamente a especificidades da produção em gravura, como o escave da
26
superfície. Nesse mesmo estágio, o homem também costumava gravar com sílex
1
os
ossos de prêsas, transformados em matéria-prima de seus instrumentos,
realizando, através de traços fortuitos, certas indicações gráficas, uma prática
também constatada em artefatos associados à era Neolítica, na qual o homem deixou
impressões de seus dedos nas conchas de moluscos e também em alguns de seus
artefatos domésticos feitos em cerâmica, o que demonstra uma significativa variação
do suporte da impressão. As formas identificadas nos períodos citados podem ser
consideradas antecedentes da gravura que conhecemos na atualidade, não no
sentido de reprodução da imagem, mas da utilização da linha arranhada como meio
plástico.
Figura 1 – Pinturas rupestres Figura 2 - Incisões rupestres do Vale do Côa
Fonte: Fajardo (1999, p. 17) Fonte: Fajardo (1999, p. 18)
Importa-nos destacar que até o período Neolítico, onde grande parte das
intervenções do homem se restringia às paredes de seus abrigos, as técnicas
“primitivas” de gravura não eram aplicadas para fins decorativos ou ornamentais. No
1
“Pedra extremamente dura, usada como buril ou formão para furar e cavar a rocha (também como
pontas de flechas e de lanças)” (FAYGA, 2004, p. 302).
27
contexto da presente discussão, Arnold Hauser (1954) acredita que considerar a arte
paleolítica como forma expressiva ou decorativa é insustentável.
Todos os vestígios nos induzem a discordar de semelhante interpretação.
Não é legítimo deixar de tomar em consideração, acima de tudo, o fato de as
pinturas se encontrarem, na maioria dos casos, escondidas em cantos de
cavernas inacessíveis e totalmente às escuras, onde o seu valor de
‘decoração’ seria fatalmente nulo. (HAUSER, 1954, p. 18)
Somente no período seguinte ao Paleolítico é que a arte, de certa forma, passou a
encontrar-se lado a lado com a utilidade dos objetos, permitindo uma integração entre
o propósito prático e o estético. “Mesmo em alguns dos antigos instrumentos ou
armas”, assinala Lewis Munford (1952), quando o propósito material se prestava
para os propósitos da expressão simbólica, podemos observar entalhes, rabiscos ou
gravuras cujo caráter nada acrescenta ao trabalho empreendido”. E acrescenta:
“Aqui, o trabalhador tinha algo a dizer, para além de ter algo a fazer” (MUNFORD,
1952, p. 58). Dentro dessa perspectiva, os desenhos gravados nos objetos e armas,
embora não inferindo em sua utilidade doméstica ou sua eficácia protetora,
confirmam a utilização das técnicas de gravura para fins artísticos, especialmente
decorativos. As gravações nos objetos não eram meras elaborações estéticas, feitas
pelo cuidado de deixar-lhes uma marca, por assim dizer, humana. Era como se, aos
olhos do produtor, os objetos estivessem imperfeitos ou mesmo inacabados,
requerendo uma marca especial que, além de enriquecê-los, determinasse sua
diferenciação em relação a outros objetos utilitários. A propósito, Henrique Oswald
(1962, p. 25) que é um absurdo negar ao homem paleolítico o sentimento estético,
pois “é justamente esse sentimento estético, essa preferência por uma forma em
detrimento de outras, essa escolha livre que podia resultar em libertação de
personalidade, que transforma, em alguns casos, o que seria apenas uma atividade
necessária e utilitária, em arte”.
Verificam-se na Idade do Bronze e do Ferro as mesmas práticas das épocas
anteriores. Certos fatores decorrentes da descoberta dos metais, como o
28
aparecimento de diversos objetos de uso pessoal, levaram a arte a continuar a
tendência decorativa do neolítico, o que forçosamente difundiu impressões feitas em
baixo-relevo. De maneira geral, as civilizações que se desenvolveram do Oriente
Próximo ao Mediterrâneo tiveram grande participação para o desenvolvimento das
primeiras técnicas de gravura, sendo responsáveis pela invenção dos chamados
cilindros-selos, pedras cilíndricas de pequenas dimensões, aproximadamente 10 cm
de altura, que serviam para a impressão de imagens em argila, uma técnica que,
como veremos posteriormente, influenciou sobremaneira a invenção da imprensa de
tipos móveis. Nos cilindros-selos, as imagens, gravadas em negativo, quando
pressionadas sobre a superfície argilosa, eram reproduzidas em positivo (Figura 3).
Esse processo se aprimorou significativamente ao longo do tempo, mas sempre
mantendo conservadas suas principais características. Temos nesse período,
portanto, quase todos os elementos definidores da gravura moderna, à exceção do
papel como suporte que, devido ao fato de ainda não ter sido criado, era efetivamente
substituído pela argila.
Figura 3 - Cilindro-selo sumério
Fonte: Oliva (2003, p.14)
Sem dúvida, foi na China e no Japão que as técnicas de gravura conheceram um
desenvolvimento rápido e maciçamente orientado. As técnicas de impressão
encontradas no Mediterrâneo ganharam novo ânimo ao entrarem em contato com o
29
papel autêntico, a escrita e a tinta, elementos estes próprios da cultura chinesa. Aliás,
a origem da escrita substituiu o valor das imagens gravadas pelo valor de
significação, inaugurando um novo momento para a comunicação humana, no qual
não somente as imagens, mas também as letras viabilizariam efetivamente a relação
entre os homens.
Oswald (1959) lembra que foi precisamente nos domínios chineses que surgiu a
gravura de reprodução, ou melhor, a descoberta de que uma placa gravada podia ser
reproduzida em superfícies. “Para chegar à gravura de reprodução o homem teve que
passar pela gravura simples. A matriz de uma gravura de reprodução é uma gravura
simples e [...] a origem da gravura simples é a verdadeira origem da de reprodução”
(OSWALD, 1959, p. 02). Primeiramente, a gravura de reprodução foi aplicada na
difusão dos textos budistas, sendo usada mais tarde para divulgar os clássicos
chineses. Há, na realidade, certa divergência entre determinados autores que
propõem assinalar os primeiros exemplares desta nova ramificação da gravura.
Antonio Costella (2006, p. 35), por exemplo, dirá que o registro de xilografias mais
antigas que se tem conhecimento está relacionado à ilustração da oração budista
Sutra Diamante (Figura 4), enquanto para Serra (2003, p.14), “as primeiras xilografias
conhecidas são as repetidas impressões de imagens de Buda, Rolos de Mil Budas”.
De qualquer maneira, as possibilidades oferecidas pelas técnicas da gravura, como a
produção seriarizada, promoveu um momento de grande florescimento cultural e
liberdade religiosa na China. Anico Herskovits (1986, p. 91) afirmou precisamente
que, “a escrita, até então reservada aos ricos e à classe instruída dos funcionários
públicos, experimentou grande impulso, graças ao incentivo budista à repetição e
multiplicação dos textos sagrados”. Nota-se que os meios de reprodução que tanto
influenciaram os rumos da arte, tão úteis até hoje para as gravuras, não foram criadas
especificamente para fins artísticos, mas visando a multiplicação da informação, algo
bastante próximo dos objetivos da indústria gfica.
30
Embora os chineses tenham certamente utilizado técnicas de impressão para a
popularização de imagens e mensagens escritas antes de qualquer outra civilização,
a primeira impressão em massa ocorreu, segundo Herskovits (1986), nos territórios
do Japão, precisamente no ano de 770. “Motivada pela budista levada ao Japão
por influência chinesa”, destaca o mesmo autor, “a imperatriz nipônica Shotoku
mandou imprimir, para distribuição popular, um milhão de exemplares de um talismã
búdico, colocado em pequenos pagodes, dos quais felizmente sobreviveram, alguns
exemplares” (HERSKOVITS, 1986, p. 91).
No Japão, podemos dizer que ocorreu uma repetição das tendências
contemporâneas da China, que, além da utilização dos mesmos materiais, como
papel e tinta, os interventores japoneses habitualmente a aplicavam com a finalidade
de reprodução. Registramos, no entanto, um ponto de diferenciação entre esses dois
contextos. Os gravadores japoneses tornaram-se notáveis na feitura de gravuras
artísticas, onde desenvolveram um estilo próprio de perceber e assimilar a realidade
que os cercavam. Elias Fajardo (et al, 1999, p. 25) escreve que “essa arte lidava com
o cotidiano, procurava expressar a sutileza de uma folha de bambu que cai de uma
Figura 4
Sutra Diamante
Gravura, dimensões não informadas, s/ data.
Fonte: Fajardo (2003, p.14)
31
árvore, mostrava os caminhos e os caminhantes, as pontes, os rios, a chuva que cai
sobre o campo, o espírito altivo e belo presente nas montanhas” (Figuras 5 e 6).
Figura 5 Utamaro. Mulher no espelho Figura 6 Autor não identificado. Monte Fuji
Xilografia, dimensões não informadas, 1789 Xilografia, dimensões não informadas, 1789
Fonte: Serra (2003, p. 46) Fonte: Serra (2003, p. 46)
Além da observação da natureza, os artistas japoneses também se ocuparam de
temáticas relacionadas à sociedade, como a cerimônia do chá, os costumes, as
gueixas, trabalhando-as a partir de uma visão idealizada pelos nobres que, na época,
aqueciam o comércio das obras. Tais temas também foram recorrentes na gravura
artística japonesa. Nesse contexto de valorização do cotidiano através da arte, um
dos movimentos mais expressivos foi a Escola Ukyio-e, localizada em Edo,
atualmente Tóquio.
A gravura ukyio-e produzida em folhas avulsas, com tiragens enormes,
propiciadas pelo trabalho de equipes de entalhadores e impressores
reunidos em oficinas coletivas, atendeu com seu abundante colorido e com o
realismo das paisagens e do dia-a-dia, ao gosto dos comerciantes,
contrapondo-se à arte aristocrática que no Japão da época imitava os
padrões chineses, mais idealizados e menos ligados ao real. (COSTELA,
2006, p. 38)
32
Importa-nos assinalar que nos domínios chineses, em um período bastante distante
do qual acabamos de pôr em evidência, o propósito de utilização da gravura sofreu
alterações significativas, mantendo-se alinhado às mudanças na sociedade, como o
advento da Ditadura, em 1930. De acordo com Leskoschek (1950), citado por Amaral
(1984, p. 177), “nenhuma forma de arte esteve, nesses últimos anos, tão
estreitamente ligada ao curso e aos objetivos da luta popular como a moderna arte da
gravura em madeira desenvolvida pelos artistas da Nova China”. Essa ressignificação
da gravura, especificamente da xilogravura, que acabou por torná-la uma arma de
combate, se processou na cidade de Shangai, durante o período de vigência da
Ditadura. Na época, os escritores haviam sido proibidos de realizar novas
publicações, sob o ímpeto de estarem transmitindo mensagens de cunho esquerdista
e incitando a população a se opor ao regime. Era necessário então que os escritores
encontrassem um novo canal de comunicação com os trabalhadores, grande parte
analfabetos e residentes na cidade que se encontrava bloqueada pela polícia, sem
que esta percebesse sua atuação. É com esse propósito que a técnica de xilogravura
passou a ser utilizada incisivamente pelos literatos. As imagens, que agora
substituiriam as palavras, poderiam conduzir os ideais revolucionários, sendo melhor
assimiladas pela massa trabalhadora a qual estas efetivamente se destinavam. Ela
também seria recorrida por ser “pouco dispendiosa, com facilidade de reprodução e
de remessa pelo correio”. (LESKOSCHEK, 1950, apud AMARAL, 1984, p. 178).
Não desconsiderando as contribuições das demais civilizações, podemos afirmar que
é no Oriente, especificamente na Europa, que a gravura se ramificou de maneira
múltipla, tendo como referência a arte nipônica. Segundo Fajardo (et al, 1999, p. 26) a
xilogravura chegou à Europa através da importação das cerâmicas japonesas. Para
protegê-las durante a viagem, os produtores embrulhavam-nas em papéis,
comumente provas xilográficas que, por terem atingido um refinamento técnico,
resultando no acréscimo das cores, provocaram o interesse estético dos europeus
pela arte japonesa (Figura 7).
33
Figura 7 – Hokusai. Levantamento de Mosquiteiro
Xilografia, dimensões não informadas, s/ data.
Fonte: Serra (2003, p.14)
Um estudo que se propõe a abordar o desenvolvimento da gravura, perpassando
fases específicas de sua trajetória, não se encontrará completo se não tornar
evidente seus desdobramentos no âmbito ocidental, onde especificamente adquiriu
prestígio enquanto linguagem artística. Porém, antes de examinarmos a
transcendência da gravura como expressão, situaremos sua relação com a imprensa,
relação esta que se mostrou bastante frutífera para ambas as partes.
1.1.1 A RELAÇÃO DIALÉTICA ENTRE A GRAVURA E A IMPRENSA
A invenção da imprensa, que favoreceu sobremaneira a massificação da informação,
foi precedida por uma longa tradição de gravura, especificamente de xilogravura,
considerada a técnica mais antiga de se reproduzir uma imagem. Aliás, a principal
característica da gravura é a reprodução, característica esta que confunde
historicamente sua origem com a própria origem da impressão. Os sumerianos, por
exemplo, costumavam lavrar em discos ou cilindros o negativo do texto que
desejavam imprimir, geralmente a rubrica do dono do objeto, no sentido de outorgar
34
certeza de autenticidade às tabletas que a levavam. Já na Idade Média, as imprensas
eram simples tabelas gordas e pesadas ou blocos de pedra que se apoiavam sobre a
matriz de impressão entintada para transferir sua imagem ao pergaminho ou papel.
“Surgindo sempre para solucionar problemas de sobrevivência, nunca aparecendo no
primeiro plano como agente por si mesmo estético, adapta-se mais uma vez às
necessidades do homem durante a revolução industrial” (OSWALD, 1959, p. 23).
As gravuras são originais de múltiplos, pois a partir de uma imagem única – a matriz –
é possível tirar uma ou mais impressões. Esse caráter multiexemplar da gravura, ou
seja, a possibilidade que a matriz possui de gerar pias, não passou despercebido
por Vincent Van Gogh que chegou a comparar o trabalho do gravador à labuta do
homem do campo. Nas palavras do artista: “Planta-se um grão, colhem-se várias
espigas” (FAJARDO et al., 1999, p. 10). Não obstante, a gravura, de certa forma,
sempre foi detentora de uma espessa camada de transmissão, ou seja, efetivamente
capaz de traduzir e difundir informações a respeito de uma determinada sociedade
em uma época particular, informações estas intrínsecas aos diversos campos de
alcance da vida humana. Podemos perceber esta característica da gravura nos
registros paleolíticos e neolíticos, na produção chinesa e japonesa, enfim, na prática
de diferentes grupos sociais e culturais que dela se ocuparam, como se estes
pretendessem dar testemunho de seu tempo. Desse modo, não é descartada a idéia
de que a linguagem da gravura seja um instrumento de comunicação e, ao mesmo
tempo, de mediação entre indivíduos e a mesmo civilizações inteiras, pois sua
presença possibilita à sociedade contemporânea o conhecimento e a compreensão
das peculiaridades que caracterizavam a vida de seus precedentes. Este específico
da gravura, que ao longo de sua história lhe permitiu disseminar acontecimentos e
conhecimentos, se manifestou de maneira expressiva nos domínios da imprensa.
Até a transformação nos processos de elaboração de trabalhos impressos, os livros
eram escritos à mão por monges, alunos e escribas, exigindo meses para serem
preparados. Não obstante, os conventos e mosteiros, que segundo Herskovits (1986),
exerciam a função de preservar e difundir os conhecimentos da época, especialmente
35
as mensagens das Sagradas Escrituras, armazenavam em suas bibliotecas as
principais obras produzidas, uma prática que, aliada ao processo laborioso que
envolvia sua feitura, implicava o pouco acesso à informação. Não obstante, os
poucos livros que não se mantinham enclausurados dentro dessas instituições, onde
tinham sua circulação limitada, tornavam-se produtos inacessíveis para a maioria das
pessoas devido ao elevado preço. Desse modo, os homens mais cultos da época
eram padres, monges e outras pessoas que se dedicavam à vida religiosa. Nessa
perspectiva, as experiências de Gutenberg, ao permitirem o aceleramento do
processo de cópia dos livros e, consequentemente, seu barateamento, favoreceram
sobremaneira para o rompimento com o caráter fragmentário da comunicação.
Sendo a produção de livros uma constante, ainda que a massificação da informação
não se instituísse aparentemente como o principal propósito de sua realização, as
experiências de Gutenberg se dariam a partir das condições sociais da época. Se por
um lado, a maneira lenta como a qual os livros eram feitos reclamava pelo surgimento
de procedimentos mais rápidos, por outro, o crescimento do grupo de cidadãos
letrados fora dos domínios dos núcleos religiosos incentivava a democratização do
conhecimento. Porém, para que a gravura e a imprensa se difundissem na Europa foi
necessário não somente que o momento histórico e social fosse propício, mas que
houvesse uma conjunção de fatores materiais que permitisse tal empreendimento.
A prensa de rosca era usada para esmagar uvas, imprimir tecidos e para
retirar o excesso de umidade de papéis em sua fabricação. [...] Por essa
época também estava sendo usada a tinta a óleo para pintura, que, para ser
utilizada na gravura, precisaria sofrer algumas adaptações. [...] O papel
como suporte, condição principal para a existência da gravura, era
fabricado na Europa. (HERSKOVITS, 1986, p. 94)
Sem dúvida, o feito de Gutenberg não foi necessariamente a invenção da imprensa,
mas a associação de instrumentos e recursos já existentes, buscando com sua
adaptação otimizar a feitura de publicações. Entretanto, o caráter revolucionário de tal
empreendimento não repousa necessariamente sobre a exploração desses
elementos, mas sobre a invenção da prensa de tipos móveis, invenção esta que
36
posteriormente se mostrou de grande valia tanto para os profissionais da área como
para os artistas que dela se apropriaram, usando-a para produção de gravura
artística.
A prensa que recorria às letras separadas, ao contrapor a figura do caligrafista que,
mesmo trabalhando esmeradamente na elaboração dos livros, não conseguia
quantificar e qualificar sua produção, permitiu maior versatilidade ao processo. No
espaço de um século depois da invenção da imprensa, enfatiza Munford (1986, p.
64), o caligrafista, o copista manual, foi excluído do domínio da produção de livros,
sobre o qual presidira durante tanto tempo. Salientou o mesmo autor que “longe de
ter sido um prejuízo grave, este fator foi, na fase inicial, uma grande vantagem, já que
tudo o que era bom no trabalho manual foi preservado, e uma parte do que era mau,
como o tédio e a monotonia inevitáveis, foi eliminada” (MUNFORD, 1986, p. 64). A
invenção originada na Europa, assinala Herskovits (1986, p. 104), foi rapidamente
absorvida em outros países, passando as técnicas de xilogravura a serem utilizadas
na feitura de rótulos de produtos e de anúncios, confirmando a impressão em massa
como um fato sólido e incontornável. Além disso, a facilidade de reprodução dos
conhecimentos em escala significou a expansão da informação para novas camadas
sociais, ou seja, um número cada vez maior de pessoas passou a usufruir do direito à
aquisição de livros e outros materiais impressos.
Por estar vinculada fisicamente ao livro, a xilogravura permitiu a multiplicação não
somente da escrita como de ilustrações, já que a prensa desenvolvida permitia a
impressão simultânea do texto com a imagem. A partir desse momento específico, a
xilogravura, na visão de Herskovits (1986, p. 106), tomou dois rumos diversos: de um
lado ela serviu como ilustração de livros, um múltiplo da comunicação informativa, e
de outro, trilhou seu caminho popular como imagem solta ou na forma de livretos,
cartazes, panfletos e calendários. Contudo, sendo a gravura uma técnica que, apesar
de seu escopo prioritariamente utilitário, sempre se inclinou para os domínios
artísticos, era natural que os europeus pretendessem explorá-la, tentando empregar
37
em suas produções as tendências artísticas vigentes na Europa. Esse novo momento
da história da gravura tem como marco a criação da fotografia.
1.2 A TRANSCENDÊNCIA DA GRAVURA COMO LINGUAGEM ARTÍSTICA
As primeiras gravuras artísticas européias surgiram sob o signo de ilustração de
materiais técnico-científicos, principalmente manuais, guias e catálogos. Com a
proliferação de informações e de idéias, objetivada pela imprensa, os materiais
impressos reclamavam a utilização de figuras explicativas, o que colocou a gravura a
serviço da comunicação pela imagem. Isabel Castro (2002), enumerando alguns dos
primeiros exemplares que tinham nas imagens impressas um meio efetivo de
propagação de seus conteúdos, registra um manual de máquinas, de autoria de
Valtirius (1472), um livro de viagens escrito por Breydenbach (1486) e ilustrado por
Rewich, um texto de geografia assinado por Weltkronik (1493), contendo ilustrações
de Miguel Wolgenut e catálogos de coleções de arte ilustrando os objetos preciosos
de algumas catedrais alemães (1493).
No que se refere às imagens destinadas a catálogos, W. M. Ivins Jr. (1975) supõe
certo condicionamento do olhar ocidental estabelecido pela produção destas imagens
que pretendiam reproduzir outras obras de arte. Segundo o autor, durante muito
tempo, imperou nas gráficas a “gravura de tradução”, um ofício executado por
excelentes técnicos, os quais, manipulando habilmente ferramentas precisas,
produziam imagens com texturas cada vez mais próximas do real. Não obstante,
ocorreu “la adopcion de una sintaxis del trazado de líneas para propósitos de nível
medio. (IVINS JR, 1975, p. 103). O processo iniciava através da intervenção do
pintor que realizava a imagem, comumente paisagem ou retrato, em seguida o
desenhista do gravador copiava em preto e branco o resultado alcançado pelo pintor.
Por último, o gravador inferia no processo traduzindo a imagem para a matriz, o que
nos supõe que as gravuras não eram somente cópias de cópias, mas traduções de
traduções. Esse específico da gravura foi notabilizado por Orlando da Costa Ferreira
38
(1977) que a denominou precisamente como “gravura de reprodução”, a qual não se
ocupava somente da cópia de pinturas, mas também de desenhos e, inclusive, outras
gravuras. Foi esta modalidade de gravura que permitiu, por exemplo, que a obra de
pintores italianos, como Vasari, alcançasse os domínios de outros países, ao mesmo
tempo em que possibilitou que a Itália tivesse conhecimento da arte estrangeira. Essa
capacidade da gravura de “democratizara vivência e o consumo de outras obras de
arte foi a razão para que muitos a considerassem como “uma arte que serve para
reproduzir outra arte” (DELACROIX,1857, apud FERREIRA,1977, p. 16).
Não demorou muito para que a xilogravura, que até a metade do século XI se
inscrevia como única técnica conhecida e utilizada na gravura de tradução”,
passasse a dividir terreno com outras técnicas desenvolvidas em função da busca
incessante pela qualificação e também quantificação dessas imagens, como a
gravura em metal que, por permitir edições maiores e uma melhor qualidade do traço,
rapidamente foi absorvida dos domínios da ourivesaria, onde provavelmente se
originou, sendo aprimorada pelos gravadores. De acordo com Fajardo (et al, 1999, p.
15), ainda com o propósito de documentar as grandes obras de pintores e
desenhistas, surgiu a técnica da água-forte, bastante utilizada por gravadores como
Marco Antonio Raimondi e Parmigianino. Deve-se lembrar que, por se instituir como
reprodução de imagens existentes e não criadas pelo gravador, a “gravura de
tradução” oferecia pouco espaço para a liberdade de criação do produtor.
Esse processo de traduzir obras de arte, especificamente pinturas, através da
gravura, que para sua efetivação exigia a interação de três profissionais, o
desenhista, o gravador e o impressor, sofreu modificações com o advento da
fotografia, em 1839, pois o registro não mais reclamava a mão do gravador de
tradução, o qual rapidamente foi desaparecendo. “O fenômeno que se estabeleceu foi
o que, ao entrar em contato com a reprodução, tomava-se esta como a própria obra.
Raríssimas eram as pessoas que conheciam as obras em primeira mão” (CASTRO,
2002, p. 176). A cópia da fotografia era, em muitos aspectos, superior a da gravura.
As técnicas de gravura poderiam continuar sendo empregadas para o registro de
39
imagens, mas, no fundo, se o gravador não tivesse algo a dizer que não pudesse ser
captado pelo novo recurso mecânico, ele e o seu laborioso processo manual
encontravam-se prontos a serem afastados da cena, já nada restava ao gravador
para fazer. Porque, contra uma pessoa que sabia utilizar perfeitamente as técnicas,
extraindo de pedaços de madeira ou outro matéria imagens que em muito se
aproximavam da realidade, havia outras que sabiam tirar fotografias bastante boas
desses mesmos objetos. Assim, com a fotografia se encarregando do registro das
obras, as técnicas de gravura foram isoladas definitivamente do caráter de “tradução”
ou reprodução”. E, ao passar a aspirar algum grau de autonomia enquanto
linguagem artística, a gravura tornou-se terreno fértil para a criação de poéticas
visuais. Poética, aqui entendida, como:
Tudo o que tem relação com a criação [...] de obras das quais a linguagem é
ao mesmo tempo a substância e o meio, compreendendo [...] de um lado, o
estudo da invenção e da composição, o papel do acaso, aquele da reflexão,
aquele da imitação. Aquele da cultura e do meio; de outro lado, o exame e
análise das técnicas, procedimentos, instrumentos, materiais, meios e
apoios de ação. (VALÉRY, apud POMMIER, 1946, p.7-8)
Liberada da subserviência que lhe impunha as encomendas dos veículos de
comunicação, a gravura passou a ser usada com liberdade criativa por artistas que,
até então, dedicavam-se prioritariamente à pintura. Empolgados com a força da
“nova” linguagem plástica, esses artistas abandonaram parcialmente os pincéis e os
cavaletes para experimentar a força de buris, entalhes e outros materiais, realizando
trabalhos singulares. É claro que alguns deles, muito antes do surgimento da
fotografia, se dedicavam a utilização da gravura para fins artísticos. Porém, é
somente com esse acontecimento que a gravura artística realmente se consolida
como forma de expressão autônoma. A título de ilustração, podemos citar Albert
Dürer que, orientado pela estética renascentista, fez uso de técnicas diversificadas,
como o entalhe a buril, tanto em madeira, técnica aprendida durante seu trabalho com
a imprensa, como em cobre, gosto herdado das origens familiares de ourives
(SERRA, 2003, p. 15). A soma desses fatores, aliado aos seus conhecimentos
40
filosóficos, teóricos, científicos permitiu que o gravador se destacasse no cenário
artístico europeu através de trabalhos, como a série Apocalipse (1499) (Figura 8), “na
qual conduziu seus traços em busca das potencialidades específicas da madeira,
dando-lhe uma linguagem plástica peculiar e notável” (COSTELLA, 2006, p. 36). Seus
trabalhos, que oscilavam entre as temáticas religiosas e nus femininos e masculinos,
podem ser considerados o marco das experimentações artísticas em gravura, pois
influenciaram sobremaneira a ilustração alemã.
Outro caso destacável é o de Rembrandt que tornou o universo da gravura um
espaço favorável para a manifestação de sua personalidade, realizando obras quase
autobiográficas, uma oportunidade que a pintura pouco lhe oferecia, já que grande
parte de seus trabalhos, de forte cunho retratista, eram resultantes de encomendas.
Enquanto os outros artistas da época se preocupavam com o mundo visível,
Rembrandt mergulhava na sombra, no contraste entre o claro e o escuro e no
universo do mistério e do inatingível (Figura 9). Mas, embora suas obras gravadas
apresentassem um acentuado efeito de claro-escuro, característico de Caravaggio, o
tratamento da luz já revelava uma busca própria e original que, posteriormente, se fez
Figura 8
Dürer
.
Os cavaleiros do apocalipse
Xilografia a fibra, dimensões não informadas, 1499.
Fonte: Costella (2006, p. 36)
41
notar através de traços bastante particulares a partir de contornos nos quais a luz se
mostrava diluída por meio de filtros de sutil esplendor, um efeito que, como percebe
Serra (2003, p. 16), “gerava uma atmosfera fantástica, com reflexos que realçavam os
personagens”.
Figura 9 – Rembrandt. As Três Cruzes
Gravura em metal, dimensões não informadas, 1653.
Fonte: Costella (2006, p. 36)
Para muitos pintores, a gravura abriu um campo para a sátira política e social,
principalmente àqueles que se encontravam nos domínios da Espanha, onde havia
uma maior liberdade de expressão. É o caso de Francisco de Goya que, explorando
os recursos da água-forte e da água-tinta, realizou séries de gravuras que se
destacavam tanto pela qualidade estética, técnica e conceitual quanto pelos números
de obras que as compunham. Numa Espanha marcada pelas agruras da Inquisição,
movimento religioso que processava, perseguia e até matava os que não aceitavam a
católica, Goya foi o mais mordaz de todos os críticos, satirizando autoridades
eclesiásticas e civis e lutando contra as convenções e dogmas. A série Os Caprichos
(1977) é, nesse sentido, ilustrativa. Composta por setenta e duas imagens, o conjunto
se caracteriza pela crítica cáustica dos costumes da sociedade espanhola da época,
42
uma abordagem que pode ser igualmente percebida na série Provérbios. Em
Desastres de Guerra, série de oitenta e duas gravuras provavelmente feita entre 1809
e 1820, o artista imprimiu com terrível intensidade os horrores da guerra, referindo-se
aos conflitos gerados pela ocupação de Espanha por Napoleão (Figura 10). A
dramaticidade e o exagero eram as suas marcas registradas. A paixão o inflamava, a
indignação diante da injustiça tomava conta dele. Mas, em meio a tudo isso, ainda
havia espaço para o lirismo e a poesia, expressos na série.
Figura 10 – Goya. As Três Cruzes
Gravura em metal, dimensões não informadas, 1653.
Fonte: Costella (2006, p. 36)
A mesma proposta de utilização da gravura como instrumento de crítica social pode
ser percebida na produção de Henri Toulouse-Lautrec que, representando toda uma
classe e seus ideais, procurou atacar feroz e frontalmente o estilo de vida burguês
parisiense, seus valores, seus costumes, sua rotina. Os festivos cenários que
geralmente caracterizavam os cartazes em litografia de Lautrec, referenciados nos
espetáculos dos Cafés-Concerto, sintetizavam tudo o que a boemia exaltava contra a
burguesia: uma sexualidade intensa que supostamente permanecia distante dos lares
burgueses, uma vida dominada por vícios e excessos e amores não-convencionais,
43
estabelecidos, em sua maioria, com as dançarinas e cortesãs dos cabarés
parisienses. Enfim, com a ampla reprodução de suas gravuras, o artista criticou
principalmente as convenções amorosas da burguesia, os casamentos arranjados
que, por serem assumidos à força, geravam rotinas medíocres, mostrando que o
palácio dos cafés-concerto era o refúgio onde ainda era possível viver de uma forma
menos monótona.
A maior parte da obra de Edvard Munch foi realizada em gravura, tendo como base
três técnicas fundamentais: a litogravura, a xilogravura (Figura 11) e a gravura em
metal. Sua produção, de caráter simbolista e com grande força expressiva, teve
influência fundamental no surgimento do movimento expressionista. A principal
característica de suas gravuras é o clima de sonho, ou pesadelo, em que as emoções
humanas são manifestadas com extrema intensidade.
Figura 11 – Edvard Munch. Os Solitários
Xilografia, dimensões não informadas, 1899.
Fonte: Serra (2003, p. 43)
no fim do século XIX, surge, de acordo com Fajardo (et al, 1999, p. 24), um novo
movimento que reuniu, sob a liderança de Bracquemond e Henri Guérard, artistas
profissionais e amadores que perceberam que a técnica nada significa se isolada das
propostas e do pensamento dos artistas. Esse movimento assumiu a denominação de
44
Sociedade dos Pintores Gravadores, mas, embora envolvesse inúmeros artistas já
reconhecidos, não conseguiu o apoio e a mobilização do grande público. De qualquer
forma, uma nova atmosfera artística havia sido instalada, estimulando cada vez mais
pintores, como Manet, Sisley, Degas, Van Gogh, Pisarro, Renoir, Cézanne, a
abandonarem parcialmente seus pincéis, telas, tintas e cavaletes para iniciarem-se na
gravura. Muitos desses artistas, especificamente Manet e Degas, grande nomes do
impressionismo, foram fortemente influenciados pela xilogravura e pela pintura
japonesas. Esses artistas buscavam resgatar o frescor e a simplicidade da gravura
japonesa. “Simplicidade que, na realidade, era o resultado de enorme elaboração e
revelava uma profunda interação do artista com o mundo em que vive e com o
material com que trabalha” (FAJARDO et al, 1999, p. 26).
Não podemos esquecer a relação que a gravura estabeleceu com o Expressionismo
Alemão durante seu desenvolvimento como forma de expressão artística, relação
esta que pode ser claramente percebida na produção de artistas, como Toulousse-
Lautrec, que rejeitou a civilização européia, celebrando uma existência alternativa em
forma e cor emocionais, Munch, que emprestou forma pública às angústias pessoais,
e Van Gogh, que tratou de forma apaixonada, porém controlada, a deformação da
natureza e a intensificação da cor natural, a fim de criar uma arte violentamente
comunicativa. Esses artistas podem ser considerados os expoentes do
Expressionismo Alemão, aqueles que levaram adiante através da linguagem da
gravura as tendências da arte expressionista, as quais se baseavam prioritariamente
no encontro do sujeito com a realidade, exigindo-lhes dedicação total às questões
que lhe são inerentes, estimulando-os a transpor cada vez mais as ansiedades e
angústias de seu tempo para as suas obras.
É interessante perceber que as qualidades expressionistas da produção em gravura
dos artistas supracitados também se pronunciam efetivamente na arte feita por
artistas anteriores a esse estágio da história da arte, como Dürer e Rembrandt,
anteriormente citados, cujas gravuras são marcadas pela iluminação espetacular,
pela linha e pelo contraste, pelo caráter subjetivo de seus temas, elementos que
sustentam o expressionismo. Estes pintores-gravadores teriam se comportado como
45
precursores da arte dita expressionista que coincidentemente reuniria todos os
específicos apresentados em suas produções em gravura. A difusão da gravura
artística pela Europa foi tão rápida que “houve várias escolas de gravura européias,
dentre elas, a escola holandesa, escola alemã, escola italiana, escola inglesa e a
escola portuguesa de gravura” (AZEVEDO 2003, p.90).
Afastando-se substancialmente do período analisado, Rubem Grillo (2000) enfatiza
que a tradição erudita do Expressionismo Abstrato, na defesa da universalidade e
autonomia da arte, foi contraposta à tendência pop ligada aos ícones da cultura de
massa, de conteúdo imediatista. “Embora originária da Inglaterra, a pop-arte se
acoplou com molde da sociedade de consumo americana. Apesar da pertinência
internacional, operalizada por sua irradiação vertiginosa, tratou-se antes de mais
nada de uma arte de matriz nacionalista” (GRILLO, 2000, p. 34). Nesse novo
contexto, em que se propagavam os costumes modernos através da arte,
determinados artistas se entregaram a prática da gravura, experimentando novas
técnicas e suportes. Entre os nomes significativos, encontraremos o serígrafo e
gravador Andy Warhol. Considerado o maior expoente da pop art, Andy Warhol deu
sua contribuição para o desenvolvimento das técnicas de gravura e difusão de sua
autonomia artística ao substituir a técnica artística tradicional, de que ele tinha se
servido até então, pela serigrafia, uma técnica que corresponderia efetivamente aos
seus novos motivos, as fotografias de imprensa e os rótulos de produtos
industrializados (Figura 12). “Mais do que as outras técnicas de gravura, a serigrafia
permitiu o uso da transferência fotográfica e de outros meios tecnológicos, abrindo
um campo de assimilação de meios e facilitando a reprodução de imagens” (GRILLO,
2000, p. 35). No caso específico de Andy Warhol, a serigrafia, de acordo com Honnef
(1988, p. 54), lhe oferecia diversas vantagens, como apagar dos quadros as
características com cunho pessoal, eliminar todos os momentos subjetivos e, assim,
libertar-se definitivamente das garras do Expressionismo Abstrato. A serigrafia, até
então inédita na esfera da Arte, tornou supérfluos os complicados e dispendiosos
desenhos de preparação das pinturas.
46
Figura 12 – Andy Warhol. Marilyn
Serigrafia s/ tela, 101.6 x 101.6 cm, 1964.
Fonte: Honenef (2000, p. 15)
A gravura, após ter experimentado na Europa e em outros países próximos um
desenvolvimento contínuo, que lhe permitiu transcender a finalidade prática e se
instituir como linguagem artística autônoma de personalidade estética, também
passou a ser aplicada em território brasileiro, onde, mantendo seu caráter de
multiexemplaridade, se difundiu alinhada às demais formas de expressão.
1. 3 O DESENVOLVIMENTO DA GRAVURA NO BRASIL
Assim como aconteceu em outros países, a gravura iniciou seu desenvolvimento no
Brasil como um múltiplo de comunicação informativa, ou seja, aos gravadores não era
dada outra oportunidade de um exercício profissional senão em ligação com a
indústria do livro ou o jornalismo, o que dificultava com que ela se instituísse como
forma de expressão artística. Mas a gravura, em meados da década de 1920, ainda
não era produzida como criação autônoma, com compromissos predominantemente
estéticos. Na realidade, não havia gravadores brasileiros suficientes que se
ocupassem de sua produção, embora a impressão de revistas e livros ilustrados, já
realizada no Brasil, tendesse a estimular a formação desse grupo. “A camada de
47
eleitores”, como bem esclareceu Neistein (1981), “era reduzida, o panfleto político
tinha preferência, e a forma de arte socialmente desejável, entre as elites, era a
pintura”. Os poucos artistas atuantes eram estrangeiros que vinham ao Brasil para
produzir gravuras referenciadas em motivos da fauna, da flora e dos usos e costumes
do país, as quais eram destinadas efetivamente ao público europeu.
A gravura passou a ser praticada como modalidade artística somente com a grande
ampliação do público receptivo às artes, após o término da Segunda Guerra Mundial
e devido ao papel expressivo desempenhado pela própria gravura na arte moderna. A
soma desses dois fatores estimulou os melhores artistas brasileiros a praticarem a
gravura quer como modalidade alternativa quer como gênero exclusivo de suas
expressões, um empreendimento que acabou por transformá-la, segundo Neistein
(1981, p. 74), “na modalidade de criação artística mais rica, variada, consistente e
representativa da arte moderna no Brasil”. O autor continua afirmando que as
primeiras manifestações artísticas em gravura no Brasil datam da década de 1908,
tardiamente influenciadas pelo expressionismo alemão, através da atuação de Carlos
Oswald, que também foi desenhista, pintor e professor.
Filho do maestro e compositor brasileiro Henrique Oswald, o citado artista estudou
gravura com o norte-americano Carl Strauss, na Itália, viajou para Paris e Munique,
onde freqüentou as aulas do escultor Adolf Von Hildebrandt, e, na Alemanha,
aprendeu ainda a técnica da água-forte, com a qual se destacou no panorama da arte
brasileira (Figura 13). Maria Isabel Monteiro (2000, p. 85) fala que o fator
predominante que fez com que Carlos Oswald vislumbrasse as imensas
possibilidades de realizações no Brasil, inclusive de difusão da gravura artística, foi
um convite oficial, feito por Adalberto de Matos, então presidente da Sociedade
Propagadora de Belas Artes, para que dirigisse a Oficina de Gravura em Metal que
acabava de ser criada no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro.
48
Figura 13 – Carlos Oswald. A grande bananeira
Água-forte e água tinta, 39,5 x 59 cm – 1913
Fonte: Kornis (2008, p. 23)
A Oficina ministrada por Carlos Oswald, na concepção de Ferreira (1976), não
representa exatamente o primeiro curso de gravura em metal do Brasil, mas o
primeiro curso moderno, uma vez que Quintino José de Faria havia se ocupado,
em 1850, do ensino da referida técnica. A motivação para abertura de um atelier para
o ensino de gravura no Liceu do Rio de Janeiro, era, como observa Tavora (2007), a
integração dos ofícios com as artes, um investimento na arte como profissão, a fim de
qualificar pessoal para o imediato aproveitamento na indústria. Porém, Carlos
Oswald, seu primeiro orientador, buscava divulgar a gravura como forma expressiva.
Essa dupla destinação do ateliê provocou-lhe uma vida conturbada, desde
sua abertura. Orientadores e instituição se enfrentavam visto
posicionamentos diferentes na abordagem da gravura. Por um lado, o Liceu
apostava na gravura como métier, por outro, os artistas - orientadores a
concebiam como um meio de expressão. Em um clima de tensão constante
deu-se nese do processo de formação de artistas gravadores no Rio de
Janeiro. (TAVORA, 2007, p. 02)
Das atividades desenvolvidas por Carlos Oswald saíram muitos artistas que,
posteriormente, fizeram história nesse nero gráfico, como Fayga Ostrower, Hans
49
Steiner, Henrique Oswald, Danúbio Gonçalves, Poty e Marcelo Grassmam. Esses
artistas, em diferentes pontos do país, difundiram o conhecimento plástico junto com
os questionamentos vigentes, resultando numa concepção artística peculiar. Deve ser
assinalado que o período inicial da Oficina de Gravura em Metal, instituída no Liceu,
coincidiu com a eclosão da Primeira Guerra Mundial que, de certa forma, ocasionou,
de acordo com Monteiro (2000), a interrupção da importação de materiais
indispensáveis à prática da gravura. “Todo o material necessário para o pleno
funcionamento do curso, vernizes, raspadores, buris, lentes, brunidores e até chapas
de cobre foram trazidos de Paris” (TAVORA, 2007, p. 02). Esta situação levou Carlos
Oswald e seus alunos a substituir os instrumentos importados por outros fabricados
por eles próprios.
Pontas improvisadas e até pregos eram usados e amarrados fortemente a
pequenos cabos, como por exemplo, canetas em desuso. Os vernizes e as
ceras, derretidos e misturados conforme fórmulas antigas eram moldados
em pequenas bolas, por suas próprias mãos. O breu, moído e peneirado até
tornar-se finíssimo pó, será usado na gradação das tintas. O cobre, o latão e
o zinco serão recortados por eles em tamanhos não mais uniformes, e
também exaustivamente polidos e desengordurados. (MONTEIRO, 2000, p.
88)
Ao que tudo indica, a prática de produzir os próprios instrumentos de trabalho, no
intuito de tornar os alunos cada vez mais independentes dos recursos provenientes
do exterior, era algo valorizado por Carlos Oswald, pois não permitia que as
atividades da Oficina de Gravura sofressem interrupções, o que, supostamente,
poderia ocasionar o abandono por parte de alguns alunos. Mas o improviso não se
restringia somente à produção de instrumentos, como goivas e pontas secas,
abarcando também os químicos usados no processo de feitura da matriz. Não
obstante, o cuidado apresentado por Carlos Oswald nos domínios do Liceu despertou
uma nova consciência em seus alunos, relacionada a sua autonomia dentro dos
processos técnicos da gravura. Tendo uma participação ativa na produção dos
instrumentos, os jovens gravadores não teriam sua prática condicionada a eventuais
ausências destes. Logo, “o trabalho artesanal passou a fazer parte do currículo do
estudante brasileiro, que até hoje, em qualquer oficina de gravura, aprende a criar o
50
material que irá usar, com ele adquirindo uma intimidade desconhecida na Europa,
pois existem inúmeras casas especializadas prontas a oferecer tudo ao artista”.
(MONTEIRO, 2000, p. 88).
Sublinho aqui um aspecto que interessa para nossa discussão no que toca a atuação
de Carlos Oswald na gravura artística brasileira: seu tríplice envolvimento. Monteiro
(2000) divide o papel do artista em três etapas básicas: criativa, didática e
divulgadora, as quais, demonstrando-se quase que indissociáveis, não permitem
visualizar onde começa uma e termina a outra.
A fase de criação é iniciada em Florença, em 1906, e estender-se-á por toda
a sua vida, com intervalos pequenos, decorrentes de esporádicas
desmotivações, mas a que se seguirão sempre novos surtos de intenso
entusiasmo. A fase didática começa em 1914, no Liceu de Artes e Ofícios,
ao qual retornará sempre, mesmo após interrupções. conseguiu manter
aceso o interesse pela arte de sua predileção, mesmo quando ausente da
direção da Oficina. Foi incansável divulgador: idéia fixa, apostolado,
insistente, apaixonado; instigador. Presente sempre em qualquer
manifestação ligada à arte da gravura em metal, que por seu requinte tão
em comunhão estava com sua personalidade, e divulgou-a de todos os
modos possíveis. (MONTEIRO, 2000, p. 86)
A partir da cada de 1920, surgiram outros gravadores brasileiros que, igualmente
influenciados pelas correntes artísticas internacionais, difundiram as técnicas de
xilogravura. Desse novo grupo de expoentes, “Oswaldo Goeldi, Lasar Segall e Lívio
Abramo seriam seus paradigmas e representantes maiores” (NEISTEIN, 1981, p.74).
Os três artistas foram fortemente influenciados pelo expressionismo alemão, dada à
possibilidade que tiveram de residir no exterior, estando mais próximos dos
acontecimentos que envolviam o movimento, e, embora aqui no Brasil tenham
durante algum tempo trabalhado juntos, desenvolveram técnicas e temáticas
diferenciadas. O brasileiro Oswald Goeldi (1859-1961), por exemplo, que entre 1901
e 1919 viveu na Suíça, desenvolveu insistentemente as técnicas de xilogravura, tendo
como temática principal o submundo da miséria, o qual era tratado com humanidade
e ao mesmo tempo com exagero (Figura 14). Retratando cenários como o mercado
de peixe onde os animais marinhos agonizavam entre trabalhadores, cachorros,
51
balanças, fregueses, ou ainda a monotonia suburbana, com postes de luz que brilham
solitários no meio da noite, urubus que projetam sua sombra lúgubre no chão
aparentemente frio, homens e mendigos que tentam se proteger da chuva, o artista
ajudou a difundir tanto a gravura como forma artística, a partir de técnicas de forte
alcance estético, quanto os preceitos expressionistas no âmbito brasileiro.
Figura 14 – Oswaldo Goeldi. Noturno
Xilogravura 17,5 x 18,7 cm, 1950.
Fonte: Naves (1999, p. 61)
Lasar Segall (1891-1957), por sua vez, sendo igualmente influenciado pelo
movimento expressionista, desenvolvia sua linguagem em gravura na Europa desde
1908, quando veio para o Brasil morar definitivamente. Seus temas principais eram o
sofrimento dos judeus na guerra, os desprotegidos da sorte, o cotidiano das
prostitutas do Mangue carioca (Figura 15).
52
Lívio Abramo realizou xilogravuras impregnadas de humanismo e de sensibilidade
para as questões sociais. Do homem, emprestou seus problemas, suas aspirações,
suas angustias, sua miséria e sua glória, para a construção de uma arte rigorosa na
forma e vital nos conteúdos. O artista buscou durante toda a sua vida soluções para
a perplexidade das indagações, e mais que elas, procurou formular suas próprias
indagações, por que nela entrevia o germe da resposta. Sua trajetória artística é
também a trajetória de suas indagações” (NEISTEIN, 1982, p. 75). Contudo, ressalta
Neistein (1981, p. 81), os problemas sociais não encerram a produção do artista,
tendo espaço para a natureza: “a violência das tempestades, a delicadeza da flor, a
fogosidade dos cavalos, a beleza e a sensualidade da mulher”, o que supõe que a
trajetória da obra do artista vai desde a temática popular e musculosa dos humilhados
e ofendidos ao lirismo dos coqueiros, palmeiras e outras nuances do meio natural
(Figura 16).
Figura 15
Lasar Segall.
Dor
Litografia, dimensões não informadas, 1909.
Fonte: Costella (2006, p.112)
53
Figura 16 – Lívio Abramo. Pelo sertão
Xilogravura, dimensões não informadas, 1948.
Fonte: Fajardo (1999, p. 34)
A década de 1940 marcou a abertura dos domínios da gravura artística, sendo
caracterizada por iniciativas como a Sociedade dos Amigos da Gravura, organizada
no Rio de Janeiro, precisamente em 1947, pelo intelectual Castro Maya que, segundo
Spinelli e Saldanha (2003, p. 06), pretendia incentivar a produção e circulação da arte
brasileira através da edição exclusiva de gravuras inéditas para os sócios.
Mas,
certamente, um dos fenômenos mais significativos para a divulgação da gravura
artística no âmbito brasileiro foi a fundação de vários Clubes de Gravura em
diferentes regiões do país, os quais marcaram o panorama nacional do pós-guerra,
dando ênfase ao realismo e a temática social. Esses Clubes tiveram como
precedente o grupo “Novos de Bajé”, ou “Grupo de Bajé” como registrou a imprensa
na ocasião de sua primeira exposição, surgido em 1948 na pequena cidade de Bajé,
situada na fronteira do Rio Grande do Sul, a 60 km do Uruguai, unindo efetivamente
Porto Alegre e Montevideo, de onde, acredita Scarinci (1982, p. 75), dificilmente se
poderia esperar alguma manifestação artística importante.
O desenvolvimento do grupo encontrava base no caráter integrador, bem como no
compartilhamento de espaço, tempo e ideais. Danúbio, citado por Pietá (1998, p.36),
considerou o grupo como “uma espécie de apelido de uma iniciativa, união de
54
esforços que tem mais de tempo que de espaço, catalisador de disposições comuns”.
Esta consciência da responsabilidade social do artista e da arte a serviços de um
ideário influenciou o resto do país, “tomando o Rio Grande do Sul um pólo irradiador
da gravura como técnica de reprodução de imagens e revolucionária enquanto
transmissão de mensagens” (SPINELLI et. al., 2003, p. 12). O grupo de bajé
consolidou-se, em 1951, como Clube de Gravura de Bajé, reproduzindo os mesmo
ideais políticos e socialistas. Porém, antes disso, outros centros urbanos dentro do
Estado do Rio Grande do Sul haviam sido influenciados pelo grupo, como a cidade
de Porto Alegre.
O Clube de Gravura de Porto Alegre, também conhecido como Clube dos Amigos da
Gravura, foi criado em 1950 por alguns ex-integrantes do grupo de Bajé, como Carlos
Scliar, seguindo a mesma proposta ideológica do grupo anterior: engajamento ao
realismo social e a busca de uma arte nacional. O Clube pretendeu repetir a original
experiência mexicana do “Taller de Gráfica Popular” que, se configurando como um
centro de trabalho coletivo para a produção funcional e o estudo dos diferentes ramos
da gravura e da pintura, se objetivava a dar continuidade aos trabalhos desenvolvidos
por artistas isolados e instituições que surgiram durante a intensa agitação social
produzida pela Revolução Mexicana, em 1910, cujos principais resultados nas artes
plásticas fora o movimento dos muralistas Orozco, Rivera e Siqueiros (SCARINCI,
1982, p. 85-86). Assim como o Taller de Gráfica Popular, fundado no México que
pretendia o resgate de uma herança cultural na arrecadação da vontade coletiva e
de uma tradição que deveriam remontar às bases dessa cultura, evidenciando-a a um
olhar mais amplo para o povo” (PIETÁ, 1998, p.36), o Clube de Gravura de Porto
Alegre atuou partindo de peculiaridades locais, adotando o realismo regionalista como
característica. As obras eram produzidas através de observações insistentes do
detalhe original do desenho e gravura, real do real, “como instrumento de aprimorada
captação técnica e estética na formulação da diferença como qualidade:
documentação da paisagem, de tipos, usos e costumes, cenas da vida, próximos ao
cotidiano, à natureza e à origem” (PIETÁ, 1998, p.38). Mas, o propósito do Clube não
era somente o desenvolvimento das técnicas e de uma estética marcada por motivos
55
sociais, tradições regionais e cenas da vida do povo. Seus integrantes também se
preocupavam com a divulgação do gosto pela gravura entre camadas cada vez mais
vastas do povo, por isso a escolha da gravura como técnica preponderante, de todas
as artes plásticas, como objetivou Pessoa (1954), citado por Scarinci (1982, p. 88), é
a que está economicamente mais ao alcance do público.
Após as experiências realizadas em Bajé e em Porto Alegre, precisamente a partir de
1952, os Clubes de Gravura passaram a proliferar gradativamente em diversas outras
localidades brasileiras, como Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro e Recife, os quais,
embora com existência mais curta do que a configurada no sul do Brasil, contribuíram
com a intensificação da troca de idéias entre os artistas, de norte a sul do país. Não
obstante, os novos adeptos dos Clubes passaram a se inquietar com as suas
peculiaridades nacionais, reivindicando uma expressão artística autônoma. Pode-se
dizer que os Clubes constituíram o projeto de uma arte nacional ou de um novo
sistema de arte alinhado à realidade brasileira. Mas os gravadores que participaram
dos Clubes, embora fortemente ligados ao aspecto social e político de sua atividade,
não foram mais políticos do que artistas, isto é, não esgotaram suas forças no
atendimento das demandas circunstanciais da vida política, freando a criação artística
e a procura de novas formas de expressão, tornando a gravura um mero instrumento
de propaganda.
A contribuição desses clubes para a gravura é irrecusável, pois além de despertarem
uma nova consciência da responsabilidade social e profissional do artista, de
reforçarem os vínculos da arte com a realidade, criaram novas formas para o
relacionamento arte e público. Era a arte participante que acreditava que os artistas
deveriam contribuir para modificar a realidade social de seu país. Conforme
argumentou Oswald (1959 p. 79), onde quer que exista “uma mensagem importante,
um conteúdo vital, um caráter social, a gravura adapta-se às circunstâncias do
momento como velha arma, como velho e familiar processo de transmissão de
sentimento e idéias que nasceu em primeiro lugar para ajudar a humanidade em sua
luta”.
56
Seja por conseqüências históricas, seja por amadurecimento por parte da sociedade
em relação às artes visuais, a gravura conquistou um espaço notório no cenário
artístico brasileiro. Não obstante, essa conquista se deu através de artistas
brasileiros, alguns citados anteriormente, que, incentivados pelas possibilidades
expressivas da gravura, começaram a praticá-la quer como modalidade alternativa,
quer como nero exclusivo de suas expressões, transformando-a em uma
modalidade de criação artística rica, variada, consistente e representativa. Como
acredita Neistein (1981, p.79), “país rico e variado em gravadores, o Brasil encontrou
neles seu veículo mais popular de criação plástica, seu instrumento mais direto de
divulgação e circulação de propostas plásticas”.
1.3 .1 ANTECEDENTES DA GRAVURA ARTÍSTICA NA BAHIA
Na Bahia, a gravura apresenta certas divergências quanto aos primeiros
responsáveis por disseminar suas técnicas. Ao contrário do que aconteceu em
regiões como Bajé, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Curitiba, nas quais foram fundados
Clubes de Gravura que operavam como uma espécie de cooperativa de artistas, a
gravura artística se desenvolveu no Estado graças ao empenho, muitas vezes
solitário, de seus interventores. Porém, antes de abordarmos a questão da gravura
artística baiana é fundamental uma incursão nas primeiras experiências em gravura,
as quais não eram necessariamente aplicadas com fins artísticos.
Para Manoel Quirino (1895), a gravura artística na Bahia surge num primeiro
momento como uma atividade extra-oficial, no século XIX, através dos esforços do
operoso pintor e dourador baiano Bento José Rufino da Silva, que com a
Independência do Brasil passou a assinar Bento José Rufino Capinam, adepto
incontestável da litografia. Dadas às especificidades da técnica, o uso dos químicos e
a própria prensa, foram necessários cinco anos para que suas experiências
obtivessem êxito. A persistência do artista o levou a progredir continuadamente até
57
alcançar um nível de desenvolvimento técnico sem precedentes na região, nível este
que lhe permitiu montar, em 1845, uma oficina de litografia. A Bahia, conforme
Quirino (apud FERREIRA, 1976, p. 240), foi a segunda província brasileira a receber
a litografia, perdendo apenas para Pernambuco essa primazia. A partir da criação da
oficina, muitas pessoas rapidamente ficaram sabendo das atividades realizadas por
Capinam, desejando aprender com ele técnicas em gravura. No contexto da presente
discussão, Quirino (1895) demonstra a amplitude da prática da gravura alcançada
com o empreendimento de Capinam que não somente permitiu a multiplicação dos
gravadores atuantes na região, como também a diversificação das aplicações das
técnicas aprendidas. Em suas palavras, “a afluência de aprendizes não se faz
esperar, e os curiosos se entregaram à feitura de figurinhas e emblemas moldados
em casca de cajazeiras, destinadas ao frontispício de pequenos jornais” (QUIRINO,
1895, p.36). Mesmo sendo utilizada como adorno, revivendo, de certa forma, sua
função de ilustradora de livros, a gravura se difundia, ainda que enquanto elemento
gráfico e conquistava novos adeptos, chamando atenção para si.
Temos em Rufino Capinam um indivíduo que não mediu esforços para introduzir as
técnicas da litografia na Bahia, ainda que sem os recursos mínimos recomendáveis a
realização da prática. Atuando sob o signo do amadorismo, o artista tornou-se de
extrema representatividade para a gravura local. Entretanto, apesar de seu
pioneirismo e competência, não obteve, infelizmente, o merecido reconhecimento,
enquanto que a gravura ficou destituída de uma parte importante de sua história. O
período em que a oficina dirigida por Rufino Capinam se manteve em atividade ainda
é um fato obscuro na história oficial da gravura baiana. O que se sabe, no entanto, é
que durante sua vigência outras oficinas foram sendo criadas, algumas delas
ambientando situações no mínimo curiosas.
Em 1848, o desenhista e retratista a óleo José Maria ndido Ribeiro ajudou a
fomentar a prática da gravura, abrindo uma oficina de talho-doce. Antes disso, porém,
ele já havia estabelecido secretamente na cidade uma outra oficina que, ao ser
destinada a práticas ilícitas, não somente lhe rendeu um processo judicial como lhe
58
afastou temporariamente dos demais gravadores. Nesta primeira oficina, se
processou em larga escala a falsificação de papel-moeda. Os conhecimentos
técnicos de Cândido Ribeiro lhe possibilitaram copiar cédulas da moeda corrente que,
de acordo com Quirino (1895), devido à qualidade do trabalho, tornava difícil a
distinção entre uma nota falsa da verdadeira. A vinculação, na época, das técnicas de
gravura à falsificação de dinheiro fez com que a obtenção de prensas fosse
consentida, pelo menos durante algum tempo, somente através de permissões
oficiais. Exercer, portanto, a prática da gravura havia se tornado uma atividade
marginal. É claro que, mesmo considerando a gravidade do fato, não devemos
desconsiderar o papel de Cândido Ribeiro para a disseminação da prática de gravura
no contexto baiano. O mesmo autor adverte que, “em se tratando de um fato histórico
tal qual o da introdução da gravura na Bahia, não me fora licito calar o nome do
artista, e dos seus trabalhos, de modo que a alusão que faço à fabricação de notas
do governo, de sorte alguma encerra a intenção de deprimir-lhe a memória”
(QUIRINO, 1895, p.38).
Em 1850, a cidade ganhou uma nova oficina, criada por Manoel Emílio Pereira Baião,
discípulo de Cândido Ribeiro, destinada ao desenvolvimento de litografia e gravura.
Cinco anos depois, Gaspar Wirze, natural da Suíça, e Manoel Jacques Jourdam,
montaram a terceira oficina litográfica da região, ajudando a incentivar o surgimento
da arte de gravador. Esta profissão, segundo Quirino (1895), ganhou estímulos com o
estabelecimento da Sociedade de Bellas-Artes que, em 1856, realizou exposições
anuais, premiando com duzentos mil réis o melhor trabalho exibido de pintura,
escultura, desenho ou gravura. Posteriormente, Tito Nicolau Capinam, filho do artista
Bento José Rufino Capinam, em sociedade com Camillo Léllis Masson, fundou uma
oficina sob a direção de Leopoldo Armanini, gravador italiano, onde, artistas como
Heráclio Odilon e Job de Carvalho, iniciaram sua aprendizagem.
Embora as iniciativas, anteriormente citadas, apontem para uma rápida difusão da
gravura artística nos domínios baianos, marcada por um ritmo seqüenciado, notamos
que entre os períodos de 1895 e 1949 existe um verdadeiro hiato que não nos
59
permite visualizar qualquer outro empreendimento significativo voltado para este fim,
o que não significa, é claro, que tivesse ocorrido qualquer interrupção ou abandono
da prática. É precisamente nesse segundo momento, 1949, que ocorreu uma nova
investida no sentido de viabilizar a prática da gravura, tornando cada vez mais
expressiva a quantidade de novos praticantes. Como bem demonstrou Mário Cravo
Junior (2003):
O então crítico e diretor do Museu do Estado, o Dr. Jo do Prado
Valadares, contribuiu, dentre outras maneiras, para o movimento das artes
contemporâneas da nossa cidade, adquirindo, no Rio de Janeiro, uma
prensa para água-forte. [...] essa prensa foi posta sob meus cuidados ainda
quando no meu atelier na Barra e, depois, no Rio Vermelho, serviu para que
os gravadores Poty, Grassman e Caram imprimissem seus trabalhos.
(CRAVO, 2003, p. 50)
Importa-nos esclarecer que a prensa adquirida por José do Prado Valadares havia
pertencido a Carlos Oswald. Ocorre que, no intuito de novos instrumentos de
trabalho, José do Prado, em companhia de Mario Cravo se deslocaram para o Rio de
Janeiro, onde souberam da existência da referida prensa de origem alemã, a qual,
como rememora Cravo, encontrava-se quebrada no galinheiro da residência até o
momento de sua comercialização. O artista conclui: “Eu penso que uma
coincidência, mas são fatos. Então comprou-se a prensa que é esta, que eu levei
para defender Tese de Gravura na Escola de Belas Artes, que tá lá até hoje”.
(CRAVO, 2007)
Não podemos desconsiderar a importância da implantação, em 1950, do primeiro
curso de Gravura na Bahia. Esse curso, como mencionou Paraíso (2001), ministrado
por Poty Lazzarotto, também foi uma iniciativa de José Valladares, na época diretor
do Museu do Estado, local onde se desenvolveram as atividades, através da
Secretaria de Educação. Sem dúvida, a instituição do referido curso serviu para
afirmar a figura do gravador nos domínios das artes plásticas baianas, uma vez que
permitiu efetivamente a eclosão da criatividade artística de seus integrantes, porém,
não devemos perder de vista que o campo de atuação dos jovens artistas ainda não
60
se encontrava definitivamente consolidado. Com relação ao consumo, assinalou
Paraíso (2001), ainda existia infelizmente um forte preconceito contra o múltiplo e a
obra de arte feita sobre papel, preconceito este certamente influenciado pela visão
reducionista que também permeou durante muito tempo outras expressões artísticas,
como o desenho, consideradas artes menores. O mercado de arte em Salvador,
assim como em outras cidades brasileiras, havia feito sua opção preferencial pela
pintura, enquanto a gravura ocupava um papel periférico. Para os consumidores de
arte a obra deveria usufruir de referências, de consolidação de valor e de interesse,
aspectos estes que se encontravam mais relacionados à pintura do que à gravura,
uma vez que esta segunda era um fenômeno sem tradição na arte brasileira,
relativamente recente.
No decorrer das décadas, a difusão da gravura artística baiana experimentou grande
impulso graças à dedicação de artistas, como Raimundo Aguiar, Nilton Silva, Jaime
Hora, Karl-Heinz Hansen, ou Hansen Bahia como ficou popularmente conhecido,
Mário Cravo Júnior, Juarez Paraíso, que, cada qual a seu modo e a seu tempo, foram
“os criadores da moderna gravura baiana, que hoje tanto sucesso experimenta em
todo o país” (LEITE,1966). Nesse conjunto de novos artistas gravadores, inscreve-se
Henrique Bicalho Oswald, uma personalidade de extrema importância para a
consolidação da gravura nos domínios baianos.
61
2 OS CAMINHOS DE HENRIQUE OSWALD
No processo de desenvolvimento da gravura artística na Bahia, registra-se a
participação de vários artistas gravadores que, cada qual à sua maneira, contribuíram
de forma crucial para a formação de uma nova consciência a respeito dessa
linguagem e do próprio sistema da arte. Trata-se de um movimento que ganhou
forças com a participação efetiva do gravador Henrique Oswald, o qual, atuando
intensamente na Bahia, produzindo obras e, especialmente, formando novos
gravadores, tornou-se um componente essencial para o entendimento da trajetória da
gravura artística local.
Neste capítulo, nos ocuparemos das informações essenciais da vida do gravador
Henrique Oswald, partindo dos condicionantes que o levaram a aproximar-se do
campo das artes visuais, em particular da prática da gravura. Daremos, aqui, especial
atenção à sua contribuição para o fenômeno da gravura baiana, bem como à sua
atuação indispensável na Escola de Belas Artes.
2.1 ASPECTOS BIOGRÁFICOS DE HENRIQUE OSWALD
Embora o artista plástico Henrique Oswald tenha atuado incisivamente na cidade de
Salvador, entre as décadas de 1950 e 1960, sua trajetória começou no Rio de
Janeiro, em um contexto de significativas mudanças políticas e sócio-culturais. De
acordo com Grillo (2000, p.25), no começo do século, a cidade experimentava seu
processo de urbanização, o setor cafeeiro predominava na economia, a indústria
incipiente, aproveitando a queda de certos importados durante a 1ª Guerra, expandia
seus negócios, principalmente no setor têxtil e de alimentos e as tensões políticas e
militares, greves e outras manifestações intranqüilizavam o período.
62
Filho de Carlos Oswald e Maria Gertudres Carneiro Leão Bicalho (Figura 17),
Henrique Carlos Bicalho Oswald nasceu em 18 de junho de 1918, primogênito de
uma família composta por seis irmãos: Francisco de Paula, Maria Isabel, José Lucas,
Maria Beatriz, Maria Carlota e Maria Tereza. O que pouco se divulga é que Henrique
Oswald e Francisco de Paula eram gêmeos (Figura 18), dando continuidade às
incidências ocorridas na família, especialmente no núcleo materno, onde, de acordo
com Monteiro (2000), havia dois pares de gêmeos: as tias Francisca (Chiquita) e
Julieta e Maria Carlota (Lolota) e Maria Gertrudes (Lilita), sua mãe. Mesmo sendo o
nascimento de gêmeos um caso recorrente na família, a chegada de Henrique
Oswald e Francisco de Paula foi cercada de questionamentos por parte dos familiares
do pai, Carlos Oswald. Como narra ele próprio em sua autobiografia: “Quando
nasceram foi um “corre-corre” entre os parentes. “Como será possível a Carlos criar
dois gêmeos” sussurravam em surdina: “Um artista, um pintor”...“ (OSWALD apud
MONTEIRO, 2000, p. 114).
Figura 17 - Fotografia 1
Acervo particular de Maria Isabel Oswald, Rio de Janeiro, s/ data.
Da esq. para a dir.: Carlos Oswald e Maria Gertrudes
Fonte: Monteiro (2000, p. 65)
63
Figura 18 - Fotografia 2
Acervo particular de Maria Isabel Oswald, Rio de Janeiro, s/ data.
Da esq. para a dir.: Henrique Oswald, Lilita com Maria Tereza no colo, Maria Carlota, Maria Beatriz,
Maria Isabel e Francisco de Paula. Em pé: José Lucas e Carlos Oswald.
Fonte: Monteiro (2000, p. 213)
Apesar da apreensão em relação às condições financeiras, o período em que os
gêmeos nasceram foi bastante frutífero para Carlos Oswald. Tanto é verdade que, em
Janeiro de 1818, o artista organizou, em São Paulo, sua primeira exposição com fins
lucrativos, contrapondo as anteriores que possuíam essencialmente a finalidade de
mostrar sua arte. Monteiro (2000, p. 109) sublinha que o sucesso financeiro foi
completo e, para a surpresa do artista, foram vendidos com facilidade aqueles
trabalhos que, seja pelo assunto, seja pela técnica, julgava serem mais difíceis de
comercializar. Iniciativas como estas promoveram a autonomia financeira de Carlos
Oswald, permitindo-lhes sustentar e formar seus filhos e, ao mesmo tempo, adquirir
bens próprios, como a residência, construída na Rua Piratiny, atualmente Carmela
Dutra, no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro. Ali, a família Oswald permaneceu até 1926,
quando se mudou em definitivo para a cidade serrana de Petrópolis, onde
permaneceram por mais de dez anos. Fala-se definitivamente porque a família, antes
da referida data, costumava passar o verão na região serrana, com a intenção de
evitar o forte calor do Rio de Janeiro. Como observa Monteiro (2000):
64
O motivo original dessa permanência teria sido a epidemia de febre amarela
que atingira várias casas da rua em que moravam, no bairro da Tijuca, e a
idéia inicial fora prolongar a estada na cidade serrana até que o período
tivesse passado. Com a adaptação das crianças ao clima e aos colégios de
Petrópolis, Carlos resolveu dividir-se entre as duas cidades. Descendo ao
Rio de Janeiro três vezes pro semana para dar continuidade às aulas de
desenho no Liceu de Artes e Ofícios, retornava á Petrópolis no dia seguinte.
(MONTEIRO, 2000, p. 125)
Após os estudos secundários, Henrique Oswald assumiu a função de inspetor do
IAPETC (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Empregados de Transportes
Coletivos), através da qual pôde percorrer os Estados de São Paulo e Paraná. A
partir deste ponto específico, o levantamento dos dados biográficos do artista torna-
se um processo árido, isso porque as poucas publicações que o contemplaram como
tema não tiveram outro objetivo, senão tratar de seu envolvimento com o universo da
arte, deixando, assim, ausentes informações relacionadas às demais atividades
profissionais que este desempenhou fora dele. Diante disso, somos levados a seguir
o mesmo caminho trilhado por outros estudiosos do assunto, ou seja, deslocaremos
nossas reflexões para a vertente artística de Henrique Oswald.
2. 2 HENRIQUE OSWALD E O CAMPO DAS ARTES
Os principais estímulos para que Henrique Oswald se demonstrasse interesse pelas
artes de modo geral decorreram de seu próprio núcleo familiar, o qual se constituía
como um ambiente em que a atividade artística e intelectual era intensa. Seu avô, por
exemplo, Henrique Oswald (o mesmo nome que lhe foi dado), era músico de grande
prestígio nacional e também internacional (Figura 19). Entre suas conquistas no ramo
artístico, se destaca a premiação no Concurso do jornal Le Figaro de Paris,
recebendo do júri a nota máxima. Neste concurso, aponta Monteiro (2000), “foi
premiada a peça Il Neige!, para piano, em 06 de novembro de 1902, com grande
repercussão no Brasil”. E continua: “Com a vitória do concurso Le Figaro, seu nome
torna-se conhecido na França, decorrendo deste fato inúmeros convites para
concertos e apresentação de suas músicas. Na Itália, a Academia Real de Florença
65
nomeia-o seu membro efetivo”; “é também professor e examinador do Instituto
Musical de Florença, e membro da Sociedade de Intelectuais Leonardo Da Vinci”
(MONTEIRO, 2000, p. 43).
O Brasil também se mostrou um campo propício para o desenvolvimento da carreira
do músico Henrique Oswald, onde, em maio de 1903, à convite do Barão do Rio
Branco, ocupou o comando da vida musical brasileira na posição mais importante
que, na época, se poderia oferecer a um músico ilustre: diretor do Instituto de Música
do Rio de Janeiro, atualmente Escola Nacional de Música. A tendência para a música
também era identificável na vida de outras pessoas ligadas ao pianista, como sua
esposa Laudômia Bombernard Gasperini, que, dotada de uma bela voz de contralto,
costumava lecionar canto em sua residência, seu filho Alfredo Oswald, que se
projetou na carreira de concertista, firmando-se como um dos mais promissores
pianistas em Florença. Devemos citar ainda sua nora, Maria Gertudres Bicalho, que,
acompanhada de sua irmã, Maria Carlota Bicalho, realizavam apresentações em
saraus familiares, na condição de meio soprano e soprano respectivamente. Como se
percebe, a música ocupava um espaço importante na vida da família Oswald,
Figura 19
Fotografia
3
Acervo particular de Maria Isabel Oswald, Rio de
Janeiro, s/ data.
Henrique Oswald - Músico
Fonte: Monteiro (2008, p.78)
66
inscrevendo-se quase como uma tradição. E de fato o era. Prova disso, são os
freqüentes festejos que a família promovia em sua residência, festejos estes que
serviam para o encontro de seus membros e, ao mesmo tempo, para a manifestação
de suas aptidões artísticas. A confirmação da relevância desses encontros para a
família é a composição que o músico Henrique Oswald fez para homenageá-la.
Monteiro (2000) registra o ocorrido da seguinte maneira:
Em outubro de 1911 [...], Carlos completa vinte e nove anos de idade e seu
pai o surpreende com a composição Hino da família Oswald, que ele
improvisará sentando-se ao piano e aproveitando uma das raras vezes em
que se encontravam todos reunidos. Ao acabar de tocar a primeira parte, em
maior, Alfredo o faz levantar-se e, tomando o tom da dominante,
maior, executa a segunda parte. Novamente Henrique o faz levantar-se e
retoma o primeiro tempo, em dó maior. (MONTEIRO, 2000, p. 43)
Embora a música se mantivesse presente de forma incisiva no contexto familiar do
artista Henrique Oswald, mostrando-se como o provável caminho que este seguiria,
foram, sem dúvida, as múltiplas manifestações no campo das artes visuais,
desenvolvidas especialmente pelo pai, Carlos Oswald, que exerceram maior
influência em suas escolhas profissionais. na infância, Henrique Oswald,
juntamente com os irmãos, era comumente levado pelo pai ao ateliê, que ficava no
andar superior da casa da Tijuca, para que ali permanecesse enquanto sua e
realizava as tarefas domésticas, situação esta que é traduzida de maneira nítida pelo
relato de Carlos Oswald. Em suas palavras:
O salão é grande, dez metros por sete, um painel de cinco metros de largura
esticado na parede. Eu trepado numa escada com longos pincéis estou
absorvido na pintura. Em baixo, quatro ou cinco crianças estão caladas
também desenhando com velhos pincéis no chão que o era encerado,
executando, uns melhor que os outros, suas concepções infantis, de cima,
reparo que aqueles rabiscos, destinados a desaparecer logo que sequem
indicam promessas de futuros artistas. (OSWALD apud MONTEIRO, 2000,
p. 115)
67
A permanência de Henrique Oswald e de seus irmãos no ateliê também foi proveitosa
para o desenvolvimento dos trabalhos de pintura do pai, o qual comumente os
integrava à sua arte, adotando-os como modelos. Como recorda Monteiro (2000):
No seu quadro Deixai vir a mim as criancinhas, que se tornará conhecido em
todo o mundo através das estampas reproduzidas pela Casa Editora Atehli
Frères, de Zurique, Suíça, reúne os sete filhos e uma sobrinha, Luli, filha de
sua irmã Mimma. Francisco, um dos gêmeos, é quem segura a mão de
Jesus. Como fizera com o pai, mãe, irmãs e esposa, são os filhos que daí
por diante posariam para as Madonas, os Cristos, os Anjos, os quadros de
gêneros, os desenhos. [...] Entre 1925 e 1927, com maior freqüência, toma
os filhos como modelo: Maria Isabel é retratada em Na toilette, Travessuras,
Retrato em pé, Na poltrona lendo, Carnaval de crianças e Serpentinas.
Henrique em O mês de Maria e Depois do chá dos Grandes; Francisco
Henrique como Pierrôs; Lucas em O anjo que protege; Francisco e Maria
Isabel em O anjo que conduz. Com Maria Beatriz pinta Posando e sorrindo;
Com Maria Thereza, Criança dormindo e criança acordando. Com Maria
Carlota O guarda-chuva vermelho. Essas são obras que ele denominava “de
gênero”, distinguindo-as dos retratos em diversas técnicas óleo,
sanguínea, pis de cor, nos quais desde 1919 representou os filhos
pequeninos. (OSWALD apud MONTEIRO, 2000, p. 114-127)
Bem jovem ainda, Henrique Oswald, uma vez interessado pela linguagem da gravura,
passou a freqüentar a Oficina de Gravura em Metal, ministrada pelo pai no Liceu de
Artes e Ofícios, através da qual teve a possibilidade de desenvolver a generosa dose
de criatividade com a qual a natureza lhe contemplou. Nos domínios domésticos, a
prática da gravura também se tornou uma constante no cotidiano de Henrique,
ajudando na formação de sua consciência como gravador, principalmente, a partir de
1943, quando seu pai, segundo Monteiro (2000), solicitou a transferência de uma
prensa de água-forte, que pertencera a Henrique Bernaderlli e dez anos
conservava na casa de Petrópolis, para a casa da Rua Piratini 78, Tijuca. A mesma
autora acrescenta que, com tal iniciativa, Carlos Oswald resolveu
montar uma completa oficina de gravura, abrindo-a livremente para os
alunos que desejassem imprimir, e sua residência passa a ser um novo
núcleo de gravura do Rio de Janeiro. [...] Em sua casa trabalha ativamente
ajudado pelos ex-alunos Poty, Carlos Geyer e seu filho Henrique, que, por
sua vez, usam a prensa para imprimir suas próprias chapas. (MONTEIRO,
2000, p. 95)
68
Através dessas experiências, a arte da gravura tornou-se um meio sem segredos
para o jovem artista que, através das linhas, efeitos de claro-escuro e compreensão
de valores, pôde experimentar intensamente as técnicas de água-forte que se
tornaram seus preferidos meios de expressão. Podemos afirmar, dessa maneira, que
a paixão de Henrique Oswald pela gravura manifesta-se como algo herdado do pai,
uma inclinação forte e irrecusável para aquela linguagem que, naquele momento
específico, dava seus primeiros sinais de proliferação. Carlos Oswald, citado por
Monteiro (2000), comenta sobre a troca de experiências entre ele e seu filho,
Henrique:
[...] Os críticos se enganam quando afirmam que deve ter sido intensa a luta
de idéias entre pai e filho, e que este último sempre ainda se recente das
influências das quais consegue se livrar. Nada disso. Sempre fomos bons
amigos e se temos de vez em quando discussões, são meros exercícios de
lógica, de metafísica, de técnicas utilíssimas para nos compreendermos
mutuamente. (MONTEIRO, 2000, p. 212)
Ao contrário do que habitualmente é divulgado, Henrique Oswald não foi um artista
essencialmente gravador, ou seja, ainda que uma parte significativa de sua vida
tenha sido dedicada à pratica da gravura, outras linguagens também foram
experimentadas, as quais ajudaram tanto a evidenciar sua versatilidade quanto seu
dinamismo. Desse modo, cabe aqui examinar, ainda que ligeiramente, a atuação de
Henrique nos ramos da pintura, do desenho e da produção literária.
2.1.1 A DEDICAÇÃO DE HENRIQUE OSWALD À FEITURA DE DESENHOS,
PINTURAS E CRÔNICAS
Como referimos em outra passagem do presente estudo, o ambiente doméstico no
qual Henrique Oswald cresceu era fortemente marcado pela profusão de estímulos
artísticos, especialmente no que toca às artes visuais e à sica. Trata-se de
69
estímulos que foram crucialmente importantes para sua formação enquanto artista e
intelectual, este segundo aspecto favorecido pela intensa vida social, em que eram
recorrentes concertos, reuniões e exposições. Como fruto desse contexto, surgiu um
dos principais nomes da gravura artística brasileira e renovador da arte baiana. Mas,
embora a gravura tenha assumido uma posição privilegiada na vida de Henrique
Oswald, permanecendo como o eixo principal de sua produção e de suas reflexões
teóricas, sua carreira também apresenta uma riqueza de atividades, projetos e
realizações nos campos da literatura, do desenho e da pintura, campos estes em que,
curiosamente, seu pai, Carlos Oswald, também havia enveredado.
No plano literário, Henrique Oswald escreveu algumas crônicas sobre artes visuais,
as quais eram publicadas semanalmente, na seção Jornal das Artes Plásticas, do
extinto Jornal da Bahia. Os textos começaram a ser divulgados no dia 07 de agosto
de 1963, sempre às quartas-feiras. Como explica o próprio artista, em sua primeira
comunicação:
Começo hoje a escrever nesta coluna de artes plásticas, atendendo a um
convite de Milton Cayres de Brito. Minha carta é branca e eu me proponho a
uma coisa impossível. Tudo para todos e, claro, arte para todos. Uma
pequena história da arte, semanal e popular. Abstracionismo lírico na rua
Chile, Lucas Cranach na Fonte Nova. A Vênus de Willendorf por cima dos
Intocáveis e da Cidade Nua. (OSWALD, 1963, p. 07)
O conteúdo destes textos, longe de esboçar um pensamento conivente com a
realidade das artes na época, onde a reflexão havia cedido espaço para o entusiasmo
com a produção de obras e a criação de ambientes específicos para difundi-las,
apresenta teor profundamente crítico, mostrando que o artista embora fizesse parte
desse contexto, não se encontrava totalmente integrado a ele. Logo, pode-se sugerir
que a abertura dada pelo jornal a um artista experiente para que manifestasse suas
inquietações, fruto de suas experiências pessoais, seria uma forma de demonstrar
que em meio à euforia própria desse período era possível perceber focos vivos de
70
reflexão. A concepção crítica de Henrique Oswald pode ser claramente constatada
através de um trecho de um dos seus textos, intitulado “Olho treinado”:
Muita gente pergunta por que tais e tais artistas não estão na História da
Arte ou porque são ignorados pela critica. A reposta é simples: o registro dos
nomes de certos artistas que copiam descaradamente protótipos
estabelecidos seria tão absurdo quanto o próprio registro nos livros de
sociologia, de todas as girafas que nascessem. (OSWALD, 1963, s.p.)
O que é evidente neste fragmento é a preocupação do autor com a busca
desesperada de muitos artistas por reconhecimento e prestígio, busca essa que
habitualmente os levava a importar idéias elaboradas em outros países, em particular
na Europa, as quais fossem capazes de justificar as formas que criavam,
demonstrando, assim, que não se encontravam alheios aos padrões estéticos
estrangeiros. Essa prática ganhava forças através dos críticos de arte que, ao
contrário de avaliar a competência dos artistas, tornando explícita sua consciência
acerca do que estava acontecendo, acabavam, muitas vezes, por validar obras de
arte, cujos critérios de seleção mostravam-se duvidosos. Essa formulação é reiterada
por outro trecho, também extraído do referido texto, onde Henrique Oswald põe em
relevo o papel do crítico:
Agindo exatamente como um zoólogo que o pode tirar o barbeiro da
zoologia só porque é um bicho comprovadamente daninho, ou como um
historiador que não exclui Jango da História do Brasil por sua incompetência
patente, o crítico de arte também o pode omitir os artistas que julga maus
a botar na história somente os que acha bons. Na verdade, ao contrário do
que sucede com os meus colegas que botam com fatos de conseqüência
facilmente avaliáveis, ele nem sequer pode provar se uma obra de arte é
boa ou má. (OSWALD, 1963, s.p.)
Neste novo fragmento, o autor levanta questionamentos a respeito do papel
proeminente do crítico de arte dentro do campo das artes visuais que se configurava
na época. Em tese, a função do crítico seria a de conhecer e confrontar dados
referentes a artistas e obras, buscando, através de análises, discernir o que deveria
71
ou não ser destacado. Mas o que Henrique torna evidente é que os críticos de sua
época pareciam ignorar o real significado do lugar que ocupavam no campo artístico,
pois eles não somente transformavam artistas inexpressivos em pessoas renomadas,
como omitiam aqueles que, de alguma forma, poderiam contribuir para o
desenvolvimento das artes. Não se deve desconsiderar a atemporalidade do
pensamento de Henrique Oswald. A partir do momento em que a mercantilização da
arte tornou-se um fato sólido e incontornável, a figura do crítico, acompanhando esse
movimento, passou a ser supervalorizada, exercendo uma influência o decisiva
nesse cenário a ponto de subjugar o valor do próprio artista e de sua expressão.
Não restam dúvidas quanto ao empenho de Henrique Oswald em conferir criticidade
aos seus textos, especialmente porque estes eram publicados em um jornal de ampla
circulação. É claro que a acidez que caracterizava muitas de suas obras às vezes
repercutia de tal forma que provocava reações diversas, as quais o levavam a uma
auto-reflexão, cujos resultados podiam ser constatados em suas publicações
seguintes. O texto desenvolvido posteriormente ao que trata da questão do crítico
pode ser ilustrativo a esse respeito, pois nele o autor parece tentar atenuar a situação
instaurada, enfatizando a complexidade do trabalho desempenhado pelo crítico de
arte: Ao mesmo tempo em que o crítico de arte deixa de anotar os nomes dos
artistas que constituem repetições de protótipos catalogados, encontram
dificuldades insolúveis para registrar o artista duro, o artista impuro, o artista que
não apresenta uma constante em sua produção” (OSWALD, 1963, s.p.). Como se
percebe, o autor tanto era capaz de formular críticas e defendê-las de forma
contundente como reavaliar seu posicionamento, quando questionado, no sentido de
buscar seu próprio amadurecimento como escritor.
De acordo com os registros encontrados, os últimos textos de Henrique Oswald foram
publicados no começo da década de 1964. Não há, no entanto, uma razão clara para
que o artista tenha deixado de apresentar suas impressões sobre a arte no Jornal da
Bahia. De qualquer modo, é possível relacionar tal interrupção em sua carreira
literária com o agravamento da Ditadura, já que, segundo Matsuda (1995), os
72
obstáculos de ordem política causados pela censura nesse processo foram de maior
dimensão, de efeitos mais profundos para as artes plásticas. A partir de 1964,
esclarece a autora, tornou-se comum o “fechamento das exposições, perseguições
aos intelectuais e artistas, agentes disfarçados nos meios estudantis, galerias
visitadas pela polícia à paisana” (MATSUDA, 1995, p. 70), atitudes que geraram um
ambiente de insegurança e de terror no meio artístico. Isso explica, em parte, porque
os textos de Henrique Oswald deixaram de constar nas páginas do Jornal da Bahia,
um veículo que, pelo poder de persuadir as massas, poderia ser visto, pelos
dirigentes do movimento, como uma forma de propagar idéias de cunho oposicionista.
No que tange a área do desenho, os poucos registros existentes que se ocupam da
produção gráfica do artista, sugerem que a referida linguagem não era percebida
como mera etapa para o desenvolvimento de outras formas de arte mais complexas
desenvolvidas por ele, como a pintura e a própria gravura, mas se posicionava como
forma de expressão válida e autônoma. Como esclarece Jacyra Oswald:
Henrique tinha muita familiaridade com o desenho. Desenhava o tempo
todo, passava para qualquer pedaço de papel à o de idéias que tinha.
Esta facilidade em fazer já diretamente as linhas definitivas do desenho
vinha desta prática enorme. No dia em que Defendeu a Tese para uma vaga
de professor de gravura na Bahia, foi colocado diante dos candidatos um
modelo vivo em que eles deveriam desenhar e depois gravar. Henrique
desenhou diretamente com o buril sobre a placa o corpo do modelo que
pousava. Isto impressionou a banca que observava. (OSWALD, apud
PIZZA, 1997, p. 157)
Araújo (1990) propõe que os desenhos de Henrique eram usualmente feitos em
momentos de solidão, os quais eram bastante prezados pelo artista. Em tais obras é
possível perceber um sarcasmo que o artista “via do lado de fora, preconizando um
homem absurdo, símbolo de um tempo absurdo, que escravizava o ideal e o
transforma em monstros de olhos perplexos para onde vai o mundo” (ARAÚJO, 1990,
p. 83). Na realidade, são obras que, assim como muitas de suas gravuras,
apresentam um diálogo claro com a estética expressionista a qual postulava uma
visão dramatizada do mundo, em que figurava a falência dos valores e a aspiração de
73
uma humanidade regenerada. É a partir da apropriação dos ideais expressionistas,
responsável por manter o artista em conexão com as correntes artísticas européias,
que seu moralismo na produção de desenhos tornou-se evidente, especialmente
quando suas obras tinham o propósito de criticar, tal como destaca Schenberg (1966,
s/p), “a decrepitude e a podridão moral do burguês”. Disso, podemos dizer que
Henrique Oswald se utilizava dos desenhos como forma de protesto contra tudo que
perturbava o homem de seu tempo, desde a opressão à tristeza. Era uma arte em
que explodia o drama da vida humana (Figura 20).
Schenberg (1966, s/p), ressalta que a qualidade plástica e a dramaticidade quase
cósmica dos últimos desenhos de Oswald foram capazes de lhe conferir um nível
internacional de primeira ordem, além de torná-lo uma das grandes expressões do
desenho brasileiro. “A sua fusão do moralismo com a crítica social”, prossegue o
mesmo autor, e o senso cósmico de decadência lhes uma poderosa e
Figura 20
Henrique Oswald.
Meninos
Desenho, dimensões não informadas, 1954.
Fonte: Acervo particular de Jacyra Oswald.
74
inconfundível marca pessoal que o distingue dos demais desenhos congêneres
brasileiros, de fôlego bem mais limitado” (SCHENBERG, 1966, s/p). De fato, a
qualidade expressiva de tais obras, alcançada, em particular, pelos efeitos do claro-
escuro, revela não somente uma grande sensibilidade do artista aos efeitos de luz e
de sombra, mas também a maestria com que manejava esta técnica, não deixando
dúvidas quanto ao seu talento de desenhista.
A pintura também se instituiu como uma das formas de arte preferidas do artista.
Provavelmente, o interesse pelo universo pictórico, assim como aconteceu com a
gravura e o desenho, foi se desenvolvendo através da convivência diária com seu pai,
dentro do atelier que, como já aludimos, funcionava na própria residência. Leite
(1966), relatando a realidade de trabalho em que Henrique e seu pai encontravam-se
imersos, assinala:
Henrique era um mido que amava a vida. Cresceu vendo seu pai, Carlos
Oswald, trabalhar dia e noite; durante o dia pintando paisagens, retratos,
flores e cenas religiosas, das quais muitas vezes foi modelo, e à noite,
ensinando gravura no Liceu de Artes e Ofícios do Rio [...], onde Henrique o
acompanhava. Vivia do que vendia. Pintava em série “medalhões”, “reservas
morais”, executados simultaneamente. Mas, ainda assim, divertia-se a seu
modo. Assobiando suas próprias músicas e pintando: vinte pares de olhos,
depois vinte narizes. (LEITE, 1966, s.p.)
O que se pode observar nitidamente no relato do autor é que a busca de Carlos
Oswald por lucro financeiro através da arte, se utilizando especificamente da pintura,
fez com que seu filho se aproximasse dos pincéis, dos óleos, das telas, empenhando-
se efetivamente na execução de quadros sob encomenda, uma prática se manteve
viva no decorrer de sua carreira. É claro que essa relação poderia ter se realizado de
maneira natural, sem que Carlos Oswald houvesse influenciado, uma vez que
Henrique, como citado no curso deste estudo, tinha desde criança uma presença
constante no atelier, onde, especialmente nessa fase, recorria aos materiais de
trabalho do pai para realizar alguns despretensiosos esboços de desenhos e pinturas
ou, juntamente com os irmãos, posava na condição de modelo, sendo totalmente
integrado à arte. Um dado curioso na informação disposta por Leite (1966) é que
75
Henrique, mesmo realizando atividades em série, supostamente fatigantes, executava
cada obra com bom humor. Ao que parece, os assobios e as canções, assinalados
pelo autor, tinham a função de tornar o processo menos laborioso, além de
demonstrar que mesmo as artes surgidas como fruto de encomendas eram realizadas
pelo artista com prazer.
Rocha (s.d.) acredita que a produção pictórica de Henrique Oswald é uma das
poucas existentes que conseguem congregar disciplina e erudição, deslocar o acento
valorativo do efeito, da aparência, da facilidade para a personalidade do artista,
instituindo-a como sua principal qualidade. “Sua obra afirma a convicção
reconfortante de que a dignidade da pintura não está na maneira formal, nem no
modo do estilo, nem nesta ou naquela ideologia estética, mais, isso sim, na
personalidade do artista que logra através de sua expressão, mostrar o mundo de
uma maneira única e inimitável” (ROCHA, s.d., s/p). Se por um lado, na produção em
desenho e também gravura, o drama da vida social era evidente, nos óleos, tal como,
destaca Amado (1966, s/p.), “triunfava a Bahia, o mistério dos casarões”. Tal
concepção se basearia no fato de as principais pinturas de Henrique terem sido
efetivadas já em sua vivência em Salvador, onde se viu diante de inúmeros casarios e
fachadas de igrejas que parecem resguardar os mistérios da cidade (Figura 21 e 22).
Figura
21
Henrique Oswald
.
Igreja
Óleo s/ Duratex.
50 x 55 cm, s/ data.
Acervo particular de Jorge Amado.
Fonte: Catálogo (1966, não paginado)
76
Figura 22 – Henrique Oswald. Casas
Óleo s/ Duratex.
55 x 65 cm, s/ data.
Acervo particular de Antonio Celestino
Fonte: Catálogo (1966, não paginado)
Ora, Araújo (1990) já havia destacado as temáticas que eram recorrentes na
produção do artista. Em suas palavras: “Visitava seu atelier para admirar sua
produção de imensos quadros de pinceladas largas, enriquecidas por sucessivas
camadas de tinta como se fossem aguadas. Oswald tinha uma composição arrojada,
de estrutura abstrata, fosse seu ponto de vista os barcos, o casario barroco da Bahia,
ou a série de madonas. Seu repertório tinha sempre uma expressão pessoal”.
(ARAÚJO, 1990, p.83) Nota-se, que as impressões do barroco deixadas na
arquitetura baiana tornam-se o centro de interesse do artista no exercício da pintura,
levando-o a penetrar em um mundo que aparentemente agonizava em meio à rápida
modernização que assolou a cidade de Salvador em sua época para criar a partir dele
imagens de significativo valor para as artes visuais. Para Leite (1999), os óleos de
Henrique compõem um espaço de dimensionalidade indefinida impregnada de uma
temporalidade de coisas em dissolução.
77
Um tempo que é e não é mais. Um espaço que tem uma dimensionalidade
indefinida num presente que é, sobretudo, um passado. Oswald conseguiu
realizar autenticamente na sua pintura um tempo que vai morrendo: um
passado sem futuro, num presente sem pungência do aqui - agora. [...] As
vastas arquiteturas desertas de Oswald, no seu quase monocromatismo,
criam a atmosfera de um ambiente material desprovido de verdadeira
presença humana, símbolo poderoso do velho mundo que deixou de viver,
continuando a existir de modo fantasmal. A visão de Oswald tem uma
vitalidade mundial, descrevendo o fim do humanismo burguês ocidental.
(LEITE, 1966, s.p.)
Em determinado estágio de sua produção pictórica, Henrique passou a fazer
experimentações na busca de novos efeitos expressionais. Na verdade, tais
investidas representaram seu amadurecimento não somente no campo da pintura,
mas também das demais linguagens que se encontravam dentro de seu domínio. As
experiências geralmente eram feitas através de colagens, em que introduzia materiais
inusitados, como gaze, em composições já definidas (Figura 23).
Figura 23
Henrique Oswald.
Barcos
Técnica Mista, 100 x 90 cm, sem data.
Acervo da Escola de Belas Artes - UFBA.
Fonte: Catálogo (1966, não paginado)
78
Tais experimentações, longe de terem sua função reduzida a complementar os
efeitos da pintura, logo se desvincularam, passando a servir como meio de
elaboração de obras com expressão própria. É o caso do Mural do Cine Condor
(Figura 24), localizado no Largo do Machado, no Rio de Janeiro, cuja temática, a
História do Cinema, deveria ser desenvolvida em um espaço de 9 metros de
comprimento por 2,60 de largura. Em sua feitura o houve pinceladas, mas
repetitivos atos de colar fotografias que remetiam a fatos e personalidades
importantes do cinema mundial. O artista, em carta escrita a Jayme Maurício,
comenta sobre a técnica e os critérios utilizados na produção da referida obra:
Colagens de fotografias é uma técnica que venho fazendo há um ano e
poucos o os quadros da minha última fase que não tem uma fotografia
colada e não nada mais meu do que esse mural do Cinema Condor com
as fotos das fitas e dos artistas colados. Ainda mais que tudo tem aquela cor
castanha e aquela claridade marfim que tanto me agradam. [...] A velhice
dessas fotografias eu achei boa, porque para uma pessoa da geração de
hoje um filme antigo parece, com efeito, tão velho quanto um palimpsesto do
museu. (OSWALD, 1965, s.p.)
Figura 24 – Fotografia 4
Mural da História do Cinema (Detalhe)
Colagem Óleo s/ Duratex, sem data.
Fonte: Catálogo (1966, não paginado).
79
Ainda dentro do universo das obras sob encomenda, o artista recebeu inúmeras
propostas para a realização de pinturas de cunho religioso, as quais eram
habitualmente endereçadas aos interiores de igrejas (Figuras 25 e 26). Como
demonstra Araújo (1966, s.p.): “[Henrique Oswald] fez pintura religiosa, murais e vias-
sacras em São Paulo e Rio: a grande concha central da Capela da Santíssima
Trindade do Seminário de Botucatu (SP), murais das “7 Dores de Nossa Senhora”, no
Educandário em Jacarepaguá (Rio), Igreja N. S. Consolata (Rio) e outras”. A
presença incisiva de Henrique Oswald também no ramo da arte decorativa serve
efetivamente para confirmar sua versatilidade, pois este, seja para atender às suas
motivações pessoais ou as reivindicações que lhe eram impostas, alternava seu
tempo de trabalho desenvolvendo quadros de cavalete, painéis religiosos e murais.
Figura 25 – Henrique Oswald. Mural da Capela do Seminário da Santíssima Trindade
Botucatu – São Paulo, 1953.
Fonte: Piza (1997, p. 67)
80
Figura 26 – Henrique Oswald. Matriz de Lavradores.
Botucatu – São Paulo, 1953.
Fonte: Piza (1997, p. 67)
Leite (1966), analisando a obra pictórica de Henrique Oswald, a divide precisamente
em três fases distintas, as quais, de certa forma, se correlacionam: “a realista, sob
influência paterna, a de predominância não-representativa, com recursos de textura,
collage e grafismos, e a final, que talvez se pudesse chamar de abstrata, visto que
nela o que se observa é a abstração plástica das formas naturais”. É interessante
constatar que as fases estabelecidas pelo autor sugerem um duplo movimento: de um
lado, o desapego da forma figurativa, comum nos medalhões e nos retratos, de outro,
a aproximação do abstracionismo, recorrido sempre na feitura de trabalhos não
destinados à comercialização. Isso nos leva a crer que a arte abstrata exercia maior
fascínio no artista quando comparada com a realista e a não-representativa, pois
esta, longe de ser empregada em obras realizadas com fins comerciais, correspondia
prioritariamente aos seus interesses pessoais.
As crônicas e os trabalhos de desenho e pintura renderam certo reconhecimento ao
artista. Foi na condição de pintor, por exemplo, “que, em 1955, recebeu o Prêmio de
Viagem ao Estrangeiro, no Salão Nacional de Belas Artes” (LEITE, 1966). Mas foi
81
com a gravura, particularmente, que o artista, ainda no Rio de Janeiro, conheceu
verdadeiro prestígio. A qualidade expressiva de seus trabalhos lhe rendeu, além de
grande êxito nas exposições realizadas, inúmeros prêmios importantes, os quais
eram bastante cobiçados pelos artistas da época, como a Medalha de Prata e de
Ouro no Salão Nacional de Belas Artes, conquistado, em 1947, com a gravura
‘Jeremias’. Esse prêmio, em especial, foi bastante comemorado pelo pai, que
registrou de forma humorada o ocorrido: “Saiu um artigo no Diário da Noite do
Campofiorito. Parece que achou tudo ruim a não ser minhas águas-fortes, do Lilico
[seu filho Henrique], do Ahmás [seu genro], do Leskoschek e da Ostrower! Salvou a
família!” (OSWALD, apud MONTEIRO, 2000, p. 97).
O Prêmio Viagem ao País Salão Nacional de Belas Artes, em 1952, conquistado com
a gravura em água-forte ‘Retirantes’ (s/d), é de suma importância na trajetória de
Henrique Oswald, pois foi através dele que Henrique Oswald conheceu o Estado da
Bahia, especificamente a cidade de Salvador, terra onde escreveu um novo capítulo
de sua história.
2.3 A CHEGADA DE HENRIQUE OSWALD À CIDADE DE SALVADOR E A
SITUAÇÃO DA ARTE LOCAL
O prêmio que trouxe Henrique Oswald à capital baiana, que mais tarde também
levaria outros gravadores, como Roberto Magalhães e Iberê Camargo, a breves
incursões pelo país, fluiu diretamente tanto em sua produção artística, como veremos
posteriormente, quanto em sua vida pessoal, uma vez que alguns anos depois,
precisamente em 1959, resolveu voltar definitivamente para Salvador e fixar
residência. Supõe-se, no entanto, que no período existente entre o Prêmio Viagem ao
País e sua vinda definitiva para Salvador, o artista tenha realizado outras viagens à
região, permanecendo em constante trânsito, uma hipótese ratificada pelas
premiações obtidas com gravuras retratando temáticas especificamente do cotidiano
82
baiano, como “Ladeira do Pelourinho” (s/d), que, em 1954, lhe assegurou o Prêmio
Viagem ao Estrangeiro.
Quando Henrique Oswald deslocou-se em definitivo para a Bahia, a cidade de
Salvador encontrava-se imersa em uma série de mudanças significativas, as quais
também eram experimentadas por outros centros urbanos brasileiros. Segundo
Aragão, nesse período, (1999, p.46), “expande-se a economia, transforma-se o corpo
da cidade, sua arquitetura, e sua alma. Um rápido olhar sobre a paisagem urbana
desnuda as transformações da antiga cidade”. Houve uma reformulação não somente
física da cidade, que resultou em sua transformação em metrópole, como também em
seus aspectos sociais. Registra-se, nesse sentido, o expressivo crescimento
populacional que praticamente duplicou o número de habitantes. Como explica
Sampaio (1992, p. 31), “a cidade pacata dos antigos casarões passaria por mudanças
acentuadas, principalmente nos anos 50, quando a população de 290 mil habitantes
no final dos anos 40 passa a abrigar mais de 400 mil pessoas”. Trata-se, sem dúvida,
de um crescimento que forçou a busca por novas formas de produção, as quais
pudessem atender as necessidades emergentes. Logo, o trabalho artesanal que
circunscrevia tanto o centro urbano quanto agrícola tornou-se industrial. Risério
(1999) apresenta uma outra perspectiva em relação a esse momento particular da
história de Salvador:
Num país que experimentava novas direções democráticas, acelerando seu
processo de atualização urbano-industrial em meio aos ventos do
nacionalismo e desenvolvimentismo, a Bahia
2
pôde se levantar, com toda a
sua densidade e singularidade culturais, para se abrir a um considerável
fluxo internacional de informação estético-intelectuais e ainda se preparar
para intervir, nacionalmente, sob o signo da modernidade e radicalidade.
(RISÉRIO, 1999, p.13)
2
Ressalta-se que determinados autores em seus estudos utilizam a palavra Bahia para denominar a
cidade de Salvador. Uma provável explicação para isso é que durante um longo período o Estado ficou
“reduzido” à cidade de Salvador, não somente por ser a capital, mas por se instituir como o centro em
torno do qual giravam as principais atividades econômicas. As pessoas que moravam nas cidades do
interior, inclusive, compartilhavam a mesma concepção. Quando precisavam se deslocar para a
capital, comumente diziam que iam para a Bahia.
83
A cidade, por possuir uma matriz cultural polissêmica, ultrapassou os limites
pretendidos ou mesmo imaginados, se projetando para além dos interesses
financeiros e políticos. Houve, especialmente no campo das artes visuais, uma
convergência de produção que juntas proporcionaram uma fase rara na cultura local.
Em relação à gravura, surgia, como assinalamos, o primeiro curso de gravura,
ministrado por Poty Lazzarotto, se instituindo como um novo núcleo de ensino e
difusão da referida linguagem artística. Alguns gravadores locais, Calazans Neto,
Mario Cravo Junior, Juarez Paraíso, Raimundo Aguiar, Newton Silva, Jaime Hora e o
próprio Poty, se empenhavam no fortalecimento da gravura como meio expressivo,
desenvolvendo exposições e mostras em salões, colaborando não somente para
alargar os domínios desta arte, como também para fortalecer as características que
ainda hoje lhe são inerentes, como o coletivismo e a troca de experiências. Nesse
mesmo momento artístico, gravadores de outras localidades brasileiras, como
Oswaldo Goeldi, Marina Caran e Marcelo Grassman, e também do exterior, como
Hansen Bahia, chegaram à cidade, onde, permanecendo por um breve período ou
fixando residência, contribuíam para a efervescência da prática da gravura. Não
podemos esquecer os artistas que, embora não sendo essencialmente gravadores,
também se instalaram em Salvador desenvolvendo trabalhos significativos em
gravura. A título de ilustração, podemos citar Pancetti, Carybé e Rescala.
A profusão de experiências artísticas em gravura que caracterizava a cidade de
Salvador no final da década de 1950 ganhou novo ânimo com a chegada de Henrique
Oswald. Seu conhecimento e domínio das técnicas de gravura vieram acrescentar ao
trabalho que alguns dos artistas estavam realizando. É, nesse sentido, que Paraíso
(1998, p. 10) escreve que o período mais dinâmico e produtivo da gravura baiana
deu-se, até os dias atuais, na década de 1960, sendo especialmente motivado pelo
desejo dos artistas de praticar novos meios de expressão, “pela existência dos cursos
livres e do curso oficial de gravura, pela presença de mestres como Mário Cravo
Junior, Hansen e Henrique Oswald e, naturalmente, pela concentração de tantos
artistas emergentes, talentosos e predispostos às técnicas de gravura”.
84
Ao comentar a respeito dos vínculos estabelecidos entre Henrique Oswald e a Bahia,
não se pode esquecer que seu relacionamento com a também artista plástica Jacyra
Carvalho ajudou a estreitá-los. Foi uma aproximação verdadeiramente comemorada
pelas pessoas que conviveram com o casal, especialmente pelo fato de serem
artistas renomados e atuantes: ela, “pintora laureada e inúmeras vezes premiada na
Escola de Belas Artes, presidente do diretório estudantil da mesma escola”, e ele,
vencedor de prêmios importantes: todas as medalhas em sucessivos. Salões de
Belas Artes, desde a de bronze até a de ouro. Prêmios de Viagem ao País e ao
Estrangeiro, como também Prêmio de Viagem à América do Norte, em concurso
promovido pelo IBEU” (MONTEIRO, 2000, p. 184-211). Lena Coelho Santos e Mario
Cravo Junior se referem ao casal da seguinte maneira:
Lembro-me de estar, como sempre se fazia nos intervalos das aulas, com
alguns colegas na cantina da Escola de Belas Artes da Universidade da
Bahia, quando apareceram duas figuras novas, que não conhecemos e que
logo chamaram a nossa atenção por serem, ambos, muito bonitos. Eles
estavam sendo levados para conhecer as dependências da Escola. Eram
Jacyra e Henrique Oswald, chegados do Rio de Janeiro para prestar
concurso: ela candidata à cadeira de “Croquis” e ele para a de “Gravura”. [...]
A presença de Jacyra e Henrique trouxe novos sopros à atmosfera super-
acadêmica da Escola. Tornei-me aluna, depois admiradora e amiga, primeiro
de Jacyra e, por conseqüência, do Henrique também. Passei a freqüentar o
atelier de gravura nos finais de tarde e comecei gravura em metal. (SANTOS
apud PIZZA, 1997, p. 158)
Henrique Oswald, que é um homem mais ou menos da minha geração,
casou-se com Jacyra Oswald, uma ex-aluna e professora da Escola de
Belas Artes. Ela havia saído daqui da Bahia e foi para o Rio de Janeiro. Os
artistas se juntam, se movimentam, vão procurar um ninho, um nicho, aonde
eles se sintam num lugar mais aprazível. [...] O artista está à cata dum útero
aonde ele possa se sentir bem, e enfrentar as dificuldades da vida. Ele é
testado. Se não for testado, não vai produzir, tange, na minha maneira de
ver. É uma observação um pouco simplista, mas é. Jacyra queria retornar,
conheceu, casou-se e quis trazer para o seu ninho da Escola de Belas Artes.
[...] E trouxe-o [no caso, Henrique Oswald] para cá. (CRAVO JUNIOR, 2007)
Ambas as citações o interessantes. Mas é curioso ver como Mario Cravo Junior
busca evidenciar a influência de Jacyra sobre os rumos de vida de Henrique,
motivando-o diretamente na escolha da cidade de Salvador como seu território de
85
moradia e trabalho. De fato, o artista era uma pessoa que realizava muitas viagens,
as quais lhe permitiram apreciar algumas importantes cidades do Brasil, como São
Paulo e Minas Gerais, bem como outros países, a exemplo de Espanha, França e
América do Norte. Todo esse trânsito foi crucialmente importante, na medida em que
não somente ampliou sua visão de mundo, em virtude do contato com outras culturas,
mas lhe mostrou possibilidades de lugares nos quais a sua carreira como artista
poderia ser significativamente frutífera. Logo, o casamento com Jacyra, somado a
outros fatores igualmente relevantes, representa uma forma bem sucedida de fixá-lo
em uma determinada região, propícia tanto para a continuidade de sua profissão
como para a construção de sua própria família, esta que se tornou realmente
completa com o nascimento dos filhos, Thomaz Henrique, em 22 de setembro de
1953, e Francisco Henrique Oswald, em 04 de outubro de 1957 (Figura 27).
Figura 27 – Fotografia 5
Da esq. para a dir.: Thomaz, Henrique e Francisco Oswald, s/ data.
Fonte: Acervo particular de Maria Isabel Monteiro
Mas o que é interessante na colocação de Mario Cravo Junior é que ela apresenta a
Escola de Belas Artes como um lugar de particular importância na vida do casal. Na
realidade, a instituição se impõe como um elo entre eles, pois ambos prestaram
86
concurso no mesmo período: enquanto Jacyra, como citado, ingressou para a
Cadeira de Desenho, Henrique, por sua vez, como será mostrado posteriormente,
tornou-se professor de gravura. Disso pode-se dizer que a convivência nos domínios
da Escola ajudou a fortalecer a relação do casal, sendo que através dela Jacyra e
Henrique poderiam discutir questões profissionais, bem como elaborar projetos de
maneira conjunta. Araújo (1990, p. 83) sublinha que Henrique Oswald, “com sua
mulher Jacyra, formavam naquela época o casal mais cosmopolita da Escola de
Belas Artes da Universidade Federal da Bahia”. Essa concepção, que provavelmente
também compartilhada por outras pessoas, estava enraizada no fato de ambos
demonstrarem certo grau de intelectualidade e consciência artística, fruto das
constantes idas ao exterior, especificamente à Europa, considerada centro
propagador de idéias e correntes artísticas.
Indiretamente, a abordagem a respeito do encontro entre Jacyra e Henrique
esclareceu os nculos que o artista estabeleceu com a Escola de Belas Artes, o que
sugere um maior aprofundamento do tema. Agora, portanto, será examinada a
atuação de Henrique Oswald como professor da referida instituição, relação esta que
serviu para o fortalecimento da gravura artística baiana, uma vez que este se dedicou
simultaneamente à produção de obras e à formação de novos gravadores.
2.4 A MULTIPLICAÇÃO DA PRÁTICA EM GRAVURA NO CONTEXTO DA ESCOLA
DE BELAS ARTES (UFBA)
Na história que Henrique Oswald construiu na cidade de Salvador delineia-se um
ponto fundamental: sua atuação como docente da Escola de Belas Artes. Na
realidade, sua carreira como professor, que se processou paralelamente à de artista,
iniciou-se ainda na cidade do Rio de Janeiro, quando, devido ao grau de
desenvolvimento técnico alcançado, substituiu seu pai, Carlos Oswald, no Liceu de
Artes e Ofícios. Entretanto, é importante esclarecer que um ano antes de assumir o
posto de professor na referida Oficina, Henrique Oswald já havia tido uma experiência
87
próxima, esta novamente propiciada pelo pai. Monteiro (2000) menciona que em
janeiro de 1946, Carlos Oswald foi convidado por Tomás Santa Rosa para ministrar
um curso de gravura na Fundação Getúlio Vargas, com o ordenado de Cr$ 2.400, 00
mensais, três aulas semanais de duas horas cada.
Aceita a proposta sem hesitar e começa a organizar a oficina, desenhando
as mesas, cadeiras e fornos: chega mesmo a oferecer sua prensa para que
fosse possível acelerar o início dos trabalhos. Entretanto, Carlos Geyer fica
encarregado de fabricar uma e Poty de comprar o material. O filho Henrique
seria seu auxiliar. (MONTEIRO, 2000, p. 95)
A presença de Henrique no âmbito da Fundação Getúlio Vargas, ainda na condição
de auxiliar, pode ser percebida como sendo de particular importância para que
conquistasse experiência no ramo do ensino. É imperativo considerar também as
relações que se estreitaram durante esse estágio, ou seja, a aproximação de
Henrique com outros gravadores, sejam iniciantes, sejam renomados. Nas palavras
do próprio artista: “Em 1946, eu trabalhava como assistente de meu pai, Carlos
Oswald, na sala de gravura da Fundação Getúlio Vargas, em Botafogo, no Rio.
Começaram a fazer gravuras ali, então, Fayga Ostrower, Tereza Nicolau, Anísio
Medeiros, e uma vez, vi na sala, Carlos Bastos. Me lembro muito bem” (OSWALD,
1963, p. 07). Disso pode-se afirmar que a experiência vivenciada na Fundação
Getúlio Vargas não o tornou mais íntimo da prática da gravura, tendo a
possibilidade de perceber as diferentes maneiras com que trabalhavam os demais
artistas, como lhe preparou para a vida acadêmica, que se iniciou rapidamente. De
acordo com Henrique Oswald,
Em 1947, substitui meu pai que se aposentava, na Oficina de Gravura do
Liceu de Artes e Ofícios e encontrei Poty, um grande gravador, Steiner e
Orlando. [...] E entraram para o Liceu, virgens, Darel, Renina Katz, Cláudio
Corrêa e Castro, Ester Joffilly, Misabel Pedrosa e Maria Laura Radspiller. [...]
E freqüentou aquela sala, durante um ano, Marcelo Grassman. (OSWALD,
1963, p. 07)
88
Como Livre Docente da Escola de Belas da Universidade Federal da Bahia, Henrique
assumiu a Cadeira de Gravura de Talho Doce, Água Forte e Xilografia e Catedrático
Interino da mesma Cadeira de 1959/65. Paraíso (1981) afirmou precisamente que os
cursos de gravura na Escola de Belas Artes a partir de 1953 constituem a mais
importante referência para o estudo da implantação e desenvolvimento da produção
de gravura da Bahia. “A Escola de Belas Artes”, acrescenta o mesmo autor, “motivou
a concentração dos mais importantes artistas emergentes da Bahia e a técnica da
xilogravura foi a preferida, e de mais destaque” (PARAÍSO, 1981, s.p.). Eis, um
aspecto interessante a ser considerado: a xilogravura era, e continua sendo, uma
ramificação da gravura que estabeleceu fortes vínculos com o popular, especialmente
com a literatura de cordel, sendo amplamente explorada pelos cordelistas na
ilustração de suas narrativas. Isso levanta questionamentos quanto aos prováveis
motivos que levaram a Escola de Belas Artes, uma Instituição alicerçada nas
linguagens artísticas consagradas pela cultura ocidental (pintura, escultura, entre
outras), a adotar uma técnica de cunho popular. Tal questionamento também se
orienta o fato de que, especificamente nesse período, o popular e erudito
encontravam-se claramente dissociados. Paraíso (1981) tece algumas justificativas:
A preferência pela xilogravura se deu a várias razões: antes de tudo ao fato
da xilogravura ter surgido na Bahia como uma técnica inexplorada, como
uma linguagem apropriada à necessidade de expressão dos novos artistas
modernos, uma vez que as cnicas tradicionais estavam muito
comprometidas com seu espírito acadêmico reinante; depois a simplicidade
da técnica e o seu envolvimento artesanal. (PARAÍSO, 1981, s.p.)
À luz disso, pode-se deduzir que a inserção da xilogravura no currículo da Escola de
Belas Artes se instituiu como uma forma de reaver a vitalidade e o vigor inicial que
esta, em virtude de seu quadro fixo de disciplinas, aparentemente havia perdido.
Deve-se considerar ainda que, tendo surgido sob o signo da novidade, a xilogravura
se colocou em uma situação de oposição ao tradicionalismo acadêmico. Sobre este
ponto, Paraíso declara:
89
A gravura é outra coisa. É outro capítulo. Porque a gravura é uma das
técnicas que mais trouxe prestígio para a Escola de Belas Artes porque
existia muitos pintores, mas poucos gravadores. A gravura foi assumida
tecnicamente como sendo uma antítese aos hábitos técnicos acadêmicos,
ao carvão francês principalmente, à pintura a óleo, ao pastel, a encáustica.
Era uma coisa nova para todos nós. E depois, as tintas eram muito caras. As
tintas nacionais sempre foram terríveis. Agora talvez até tenham melhorado,
mas na minha época era terrível. [...] Enfim, quando surgiu, a gravura era um
pedaço de madeira que custava uma besteira. [...] E o processo de você
trabalhar a gravura é um processo diferente daqueles assumidos pela
Academia, nas posturas de desenho à mão livre, isso e aquilo. Então, a
derrota da perspectiva ou de alguns códigos acadêmicos estava ali como
privilégio da própria técnica. (PARAÍSO, 2007)
Quanto ao curso de gravura, é necessário esclarecer que Henrique Oswald não
representa o primeiro gravador a ocupar a referida cadeira. Na realidade, ele foi
antecedido por Mário Cravo nior. “Com Mario Cravo”, considera Paraíso (1998, p.
12), “teve início o movimento de gravura na Bahia, com seu trabalho que se
processou na Escola de Belas Artes da rua 28 de setembro. Mario Cravo domina as
técnicas da gravura e o seu vanguardismo teve fortes aliados com a vinda para a
Bahia de Henrique Oswald” (Figura 28).
Figura 28
Fotografia
6
Henrique Oswald no Ateliê de Gravura, s/ data.
Fonte: Rocha (2000, p. 76)
90
Na época em que Henrique Oswald participou do concurso da Escola de Belas Artes,
o candidato precisava elaborar duas Teses, que deveriam permitir à banca
examinadora a avaliação de seus conhecimentos teóricos a respeito da linguagem
que pretendia ensinar. Na verdade, as Teses representavam uma reflexão, um
amadurecimento por parte do candidato, uma vez que nelas ele deveria manifestar
um posicionamento específico sobre o tema e defendê-lo através de argumentações
convincentes. Em seguida, o candidato era submetido a uma prova prática onde
deveria mostrar a uma banca examinadora suas habilidades técnicas e didáticas. O
valor desse processo, especificamente no caso de Henrique Oswald, se revelou com
o tempo, já que enquanto sua Tese, intitulada “A Origem da gravura” (Figura 29), a
única que ainda permanece disponível aos pesquisadores, tornou-se documento
histórico, contribuindo sobremaneira para o aumento do aparato teórico a respeito da
gravura artística nos domínios baianos, o caráter prático pôde ser constatado em toda
sua plenitude em cada momento de sua atuação na Escola de Belas Artes. Importa-
nos analisar ligeiramente o conteúdo da referida Tese.
A publicação “A Origem da gravura”, como já referenciamos, é um tentativa do autor
em demonstrar que a gravura, dentro da história da Humanidade, foi a primeira
Figura 29
Fotografia 7
Capa da Tese de Henrique Oswald, 1962.
Fonte: Acervo da família Oswald.
Fotografia: Virgínia Silva.
91
expressão usada pelo homem, precedendo outras formas, como o desenho, a pintura
e a escultura. Com tal argumentação, o autor também buscaria esclarecer a origem
da arte figurativa, a qual, consequentemente, estaria na própria origem da gravura. O
autor expressa as razões que o levaram a formular tal Tese:
A fascinante experiência de conhecer as cavernas pré-históricas, na
Espanha e na França, das mais remotas do norte até os abrigos
provavelmente neolíticos da costa ibérica mediterrânea, despertou em nós,
desde 1955, uma profunda curiosidade a respeito das origens da arte
rupestre. [...] Alguns fatos de conhecimento geral e outros verificados
pessoalmente davam-nos a certeza de que na base de toda manifestação
plástica figurativa do homem estavam as gravura. [...] Ao fazer,
posteriormente, pequenos estudos isolados sobre o nascimento da
representação da natureza chegávamos sempre à gravura como ponto de
partida. (OSWALD, 1962, p. 01)
O estudo desenvolvido torna-se de particular importância por várias razões: primeiro,
porque o autor, sendo encorajado pelas conclusões a que comumente chegam
muitos autores e investigadores em seus trabalhos sobre a arte pré-histórica,
examina as motivações que conduziram o reconhecimento e prestígio das demais
expressões artísticas em detrimento da gravura. Segundo, porque assume,
decididamente, a falibilidade dos critérios de classificação cronológica dos desenhos,
pinturas e gravuras das cavernas, no intuito de provar que a gravura foi a primeira
forma de expressão. E, por último, porque avalia o duvidoso critério da fauna
representada nas imagens pré-históricas, levantando questionamentos contundentes
acerca das interpretações que ainda hoje são difundidas. Um exemplo: “Como
explicar os leões da caverna, os rinocerontes e ainda os elefantes antigos (elephas
antiquus), amantes do clima cálido, servindo de modelo a homens dum clima glacial?”
(OSWALD, 1962, p. 10). Como se pode perceber, o artista em sua Tese desenvolve
um debate caloroso que envolve questões que não dizem respeito ao campo da
arte como também da ciência. É, sem dúvida, um trabalho que exprime sua
preocupação em conciliar a produção material e as razões teóricas, ou seja, a prática
da gravura parecia incompleta sem um estudo aprofundado de suas especificidades,
no caso de sua origem e de seu papel na história das artes visuais.
92
Uma das características mais marcantes do professor Henrique Oswald, enfatizada
especialmente por aqueles que foram seus alunos, era a combinação de talento
artístico e sensibilidade humana. Embora sendo um artista reconhecido e de
prestígio, ele exprimia grande preocupação em transmitir o que sabia àqueles que se
interessavam pela técnica. Nesse sentido, ele era uma pessoa que não se fechava
em si, mantendo o seu conhecimento fora do alcance de outros. Ele assumia com
verdade sua condição de professor, cuja prática se realiza na formação efetiva de
novos profissionais. Tal aspecto é pontuado por Juarez Paraíso da seguinte maneira:
Henrique também soma esse talento extraordinário de artista à sua
capacidade humana de comunicação, que é privilégio de alguns. sim,
essa comunicação dele milagrosa até era pela sua própria humildade. Aliás,
eu nunca conheci um grande artista mesmo um verdadeiro artista que não
fosse humilde e modesto. Quando ele é um pouquinho menos do que a
gente espera, nesse ponto de vista de humildade, ele não é tão grande
assim, pelo menos não como homem e nem como indivíduo. Então,
Henrique tinha essa soma de talento extraordinário e um homem
excepcional simples. (PARAÍSO, 2007)
Um dado particularmente relevante contido no depoimento refere-se à simplicidade
de Henrique Oswald, um traço que favorecia sobremaneira sua prática de ensino. Ao
desconsiderar seu status de artista para se valer somente de seu papel de professor,
ele se colocava à disposição de seus alunos, marcando sua atuação através da
acessibilidade, ou seja, não havia barreiras artificiais que o separasse daqueles que
desejavam trocar informações, tirar dúvidas ou simplesmente conversar. Tavora
(2007, p. 06) menciona que Henrique “orientava o curso num clima bem informal.
Pequenos ensinamentos técnicos acompanhavam o diálogo amistoso que mantinha
com os alunos-gravadores”. De fato, nos debates que permeavam suas aulas, citados
por Paraíso, os alunos tinham total abertura para fazer seus questionamentos. Aliás,
eles eram estimulados pelo próprio professor a desenvolver um pensamento crítico
acerca dos temas em pauta, os quais, não raro, se desvinculavam dos conteúdos da
disciplina. Sônia Castro declarou em entrevista:
93
Era um ateliê onde a gente trabalhava e discutia com ele [Henrique Oswald].
Conversávamos sobre o trabalho, falávamos sobre tudo. Ele não trabalhava
no ateliê. Ele tocava violão e conversava muito com a gente. Mas nós
vivíamos nesse mundo da gravura. [...] Ele era um homem muito culto, mas
era, sobretudo, uma figura fantástica. (CASTRO, 2008)
Trata-se, sem dúvida, de uma postura pouco recorrente nas instituições de ensino da
época, inclusive na Escola de Belas Artes, onde o rígido sistema de ensino levava os
professores a serem extremamente formais, evitando um contato mais próximo com
os alunos. As conversas, em geral, deveriam se restringir às salas de aula e girar em
torno de assuntos definidos, mas dificilmente o aluno poderia se posicionar diante das
colocações do professor. Aliás, Henrique Oswald aparentemente tinha certa
resistência quanto à aplicação do termo “professor” dentro do atelier de gravura,
talvez pelo fato dela promover a cisão entre quem ensina e quem aprende. Em sua
opinião:
Quando digo meus ‘alunos’ quero indicar aquelas pessoas que fizeram
gravuras nas salas e nas oficinas em que eu era chamado de professor, em
que eu era às vezes conselheiro, possivelmente instrutor, e das quais, e isto
sem dúvidas, era eu o tomador de conta. Embora alguns me chamassem de
professor, realmente nunca o fui; não acredito em professor de arte’; nunca
lhes ensinei grande coisa. Ao contrário, aprendi mais com eles do que eles
comigo. (OSWALD, 1963, p. 07)
A disponibilidade de Henrique Oswald sobre a qual se comentou anteriormente
também podia ser constatada em sua relação com pessoas que freqüentavam o
atelier, mas não pertenciam ao quadro regular de alunos da instituição. A respeito
desse aspecto Emanoel Araújo (1997) escreve:
Minha insolência continuou porque, na realidade, não fiz o curso, não segui
o currículo normal da Escola. O meu negócio era fazer gravura. Eu ia para a
sala de gravura e me trancava dentro com Henrique. Não era um curso
livre, mas eu usava a sala de gravura. Ele queria que eu fizesse o curso
oficialmente. (ARAÚJO et al., 1997, p. 34)
94
À luz de tal colocação, pode-se supor que Henrique Oswald tinha plena consciência
de seu papel dentro da Escola de Belas Artes, onde, através das possibilidades que
seu cargo lhe oferecia, poderia sensibilizar um número significativo de pessoas,
despertando-lhes o interesse de trabalhar com gravura. É possível afirmar, inclusive,
que esta foi uma forma encontrada para difundir a linguagem, endereçada tanto aos
alunos regulares como aqueles que freqüentavam suas aulas de forma o-oficial. A
propagação da gravura, nesse caso, seria o eixo principal de sua atividade docente. A
declaração acima também propõe que, para o educador, bastava que o aluno
manifestasse interesse pelas atividades do atelier para que tentasse integrá-lo ao
máximo ao contexto.
Quanto aos métodos de ensino, Araújo (1990, s.p.) considera que Henrique Oswald
“possuía uma extrema paciência quando transmitia os meandros da gravura, o
manuseio do buril, o uso do rolo na madeira, ou o entintar de uma chapa de metal”. A
partir dessa perspectiva, é possível construir a imagem de um professor dedicado,
que se empenhava fortemente em tornar seus alunos aptos a exercer a prática da
gravura. Cada etapa, algumas extremamente complexas, era cuidadosamente
orientada. Era a democratização do saber, mas tendo em vista a qualidade com que
este era assimilado pelos alunos. Em outro depoimento, o mesmo autor comenta
sobre as instruções de Henrique quanto aos cuidados no momento da feitura:
Fico apavorado quando vejo um impressor pegar no rolo de qualquer
maneira. Eu aprendi suando, sozinho, tendo só o Henrique Oswald me
instruindo. Ele dizia: “O rolo tem uma intensidade quando começa e outra
quando acaba”. Então você não pode voltar com a mesma intensidade de
tinta aqui, tem que o rolo gire no ar para que a intensidade da cor fique por
igual, e por aí vai. (ARAÚJO et al., 1997, p. 63)
Um ponto sobre qual é útil insistir é que Henrique Oswald tinha grande preocupação
com a manutenção dos modos, por assim dizer, tradicionais de feitura da gravura, em
especial aqueles relacionados à impressão. Tal colocação é reiterada por Araújo
(1997, p. 62) quando diz com toda clareza: “Lembro-me de que Henrique Oswald me
ensinava a fazer gravura em metal, e mostrava como é preciso um gesto ali, para
95
soltar a coisa. No fundo, a gente cria na impressão”. Como tudo indica, o professor
acreditava que o processo de criação não se encerrava na formulação de uma
proposta original, no desenvolvimento de uma idéia, ou ainda na própria produção da
matriz, como se esta fosse a obra. A criação, longe de restringir-se a estas etapas,
também abarcava a impressão das imagens gravadas, onde seria possível ao artista
descobrir novos efeitos plásticos, como nuances, texturas, luzes e sombras, entre
outros. Isso sugere que o professor alertava, ainda que discretamente, quanto à
essencialidade do envolvimento efetivo do artista nos processos de artesania da
gravura, evitando, assim, a terceirização do trabalho, uma prática que se tornou
bastante comum na atualidade.
Mas ao lado desse aspecto de conservação dos modelos tradicionais de gravação,
existia um outro que também era constantemente referenciado por Henrique Oswald
em suas aulas dentro da instituição: a disciplina do gravador. Ostrower (et al., 1995),
que foi aluna de Henrique Oswald no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro,
coloca a disciplina como condição indispensável para a prática da gravura, a qual,
envolvendo um processo artesanal, torna impossível a eliminação, abreviação ou
substituição de suas várias etapas. A autora prossegue argumentando:
Desde a preparação das matrizes com a incisão da madeira ou no desenho
e na corrosão do metal e da pedra litográfica até a preparação dos papéis e
das tintas, para chegar às provas de estado, e, finalmente, a impressão da
gravura em preto e branco ou em cores, esse processo é sempre lento. Ele
abarca também duas inversões da imagem, que tão pouco podem ser
eliminadas. É um trabalho complexo. Para ser um gravador é indispensável
dominar esse processo técnico, pois ele representa o instrumento com o
qual se trabalha. Em outras palavras, não pode haver um gravador
aficcionado, gravador de ‘domingos’, que ocasionalmente realize umas
gravuras em suas horas livres. Pelas próprias imposições da técnica, o
gravador está obrigado a profissionalizar-se ou, pelo menos, a dedicar-se ao
trabalho durante período largos e contínuos. (OSTROWER et al., 1995,
p.09-10)
Não há dúvidas de que a disciplina se constitui como um elemento fundamental na
dinâmica de qualquer forma de expressão, pois é através dela que o indivíduo
adquire desenvolvimento técnico, podendo com isso, em alguns casos, tornar-se um
96
grande artista. Com a gravura não é diferente. Para alcançar bons resultados
plásticos, o gravador precisa empenhar-se naquilo que faz; ter domínio de cada
passagem deste complexo processo, definido pelo autor, como ritual. É uma
disciplina necessária, na medida em que o gravador, em particular no estágio inicial
de seu aprendizado, precisa lidar com as forças que envolvem esta arte, forças estas
que, acredita-se, podem ser de dois modos: reais, como no caso da xilogravura, em
que é preciso firmeza e precisão no manuseio do buril para talhar a madeira,
extraindo dela as imagens que darão origem à obra, ou artificiais, a exemplo da água-
forte, em que a feitura da obra ocorre essencialmente mediante a ação de certos
químicos, tais como ácidos ou sais, ou seja, são as forças destes componentes e não
necessariamente do gravador que imperam no desenvolvimento deste processo.
Henrique Oswald, na condição de artista extremamente envolvido com sua prática,
não somente tinha consciência da importância deste fato para o aprimoramento
técnico como também considerava fundamental transmiti-lo aos seus alunos, já que,
mais do que formar pessoas detentoras de conhecimentos técnicos, seu interesse
repousava sobre a profissionalização de futuros artistas. Araújo (et al., 1997),
refletindo sobre as exigências que a prática da gravura faz ao artista, declara:
Quando o artista começa, ele está envolvido com a linguagem mínima que o
circunda. À medida que evolui, as coisas começam a surgir. É por essa
razão que a disciplina, em gravura, é importante. Eu, por exemplo, sempre
tive disciplina, coisa que aprendi com Henrique Oswald. É preciso pegar a
chapa, lixá-la, passar gasolina para amolecê-la e depois, com a chapa
preparada, começar o trabalho. sim, concluído esse ritual, tento subverter
todos os procedimentos. É preciso ter a disciplina para poder ir adiante.
(ARAÚJO et al., 1997, p.74)
O que o depoimento acima deixa evidente é que a disciplina se constituía como o
centro de interesse de Henrique em seus momentos de ensino e que a freqüência
com que colocava em revelo a questão acabou influenciando positivamente a prática
de seus alunos. Trata-se de um traço da atuação docente de Henrique que também
foi notabilizado por Tavora (2007, p. 06), que diz que ele “era exigente com relação
97
ao desenvolvimento de uma consciência da técnica. "Tirar preto do preto" cobrava
dos aprendizes”. Tendo em vista o grau de reconhecimento e prestígio ao qual
chegaram muitos dos gravadores que foram alunos de Henrique Oswald, pode-se
considerar que a atenção incisiva dada à disciplina como quesito substancial na
prática da gravura não foi uma iniciativa sem conseqüências. Ela, na verdade,
permitiu que muitos de seus alunos perseguissem o domínio técnico, se dedicassem
plenamente à pesquisa e à experimentação.
Mas outro aspecto significativo da atuação docente de Henrique Oswald que não
deve ser subvalorizado: a liberdade temática. Contrariamente à prática reinante na
época, os alunos do atelier de gravura não trabalhavam a partir de temas
previamente definidos, mas tinham, de certa forma, liberdade para escolher o material
temático que melhor expressasse sua poética. Extremante elucidativa para a
compreensão desse aspecto é a declaração de nia Castro que, sendo formada
pela Escola de Belas Artes, atribui seu conhecimento em gravura às aulas de
Henrique Oswald:
Não existia essa preocupação com o tema no ateliê de gravura. Não tinha
absolutamente nada a ver com os outros. O tema era o mero meio para se
chegar ao resultado plástico. Preocupação mesmo! O que interessava
mesmo era fazer gravura. Era pegar no equipamento e no material. Dominar
a técnica e a temática era livre. Tanto que tinha um aluno da turma, Hélio
Oliveira, que fazia um trabalho baseado no candomblé porque ele era Oba,
uma figura importante nos terreiros de candomblé. Ele representou os
instrumentos do candomblé. Era uma escolha dele. (CASTRO, 2008)
As palavras de Sônia Castro ratificam de maneira convincente a abertura que
Henrique oferecia aos alunos no diz respeito à seleção dos motivos empregados em
suas obras. Mais do que isso. Ela evidencia o vanguardismo de seus métodos de
ensino, os quais não somente conferiam certa autonomia aos alunos como os
estimulavam a ir em busca de referenciais próprios. Para que se perceba a verdade
de tal formulação basta retomarmos o depoimento exposto, no qual consta o fato de
um aluno, Hélio Oliveira, ter utilizado uma figura emblemática do culto do candomblé
98
como tema artístico. Ocorre que o culto do candomblé, particularmente no período
analisado, era considerado uma prática marginalizada, totalmente divergente dos
valores sobre os quais se assentava a sociedade. Logo, fazer alusões a este tipo de
manifestação religiosa, mesmo nos domínios das artes visuais, não era apreciado,
tornando-se quase inadmissível no plano acadêmico. Além disso, pelo fato de a
Escola de Belas Artes, declaradamente, ter sido uma reprodução da École de Beaux-
Arts de Paris, os alunos eram orientados a buscar referência nos padrões europeus.
“Nada de rigidez, modelos estéticos, censura à liberdade”, como afirma Tavora (2007,
p. 06). Daí o caráter de vanguardismo da iniciativa de Henrique Oswald dentro da
instituição. Ele rompe parcialmente com a prática de condicionar os alunos a dar
continuidade aos modelos importados para que passassem aos poucos a buscar
seus próprios caminhos de expressão. A fala de Sônia Castro é, neste ponto,
interessante:
Olha, o ateliê de gravura era um caso a parte da Escola de Belas Artes
porque a Escola de Belas Artes era muito acadêmica. Tinha um ateliê de
modelo vivo, de desenho de Alberto Valença, o ateliê de pintura de Emídio
Magalhães. Como o curso [da Escola de Belas Artes], naquela época, era
junto com o de Arquitetura, então tinha as disciplinas: História da arte,
Perspectiva, Anatomia. Tinha uma série de disciplinas. Mas era uma Escola
muito acadêmica, pois foi montada nos moldes da Ècole de Beux Arts de
Paris. Havia toda uma formalidade e não tinha absolutamente nada de
moderno, nada de contemporâneo. Ninguém falava e ninguém fazia. Era um
tabu se pensar em alguma coisa moderna naquela época. Era a
reprodução acadêmica da realidade. Então, o ateliê era um caso a parte. Era
uma coisa que parecia nem sequer fazer parte da Escola de Belas Artes. O
conteúdo, os temas, tudo era completamente diferente. (CASTRO, 2008)
Mas, embora Henrique Oswald não definisse limites precisos às escolhas de seus
alunos, tinha certa preocupação em despertar seus olhares para o campo no qual
agiam, ou seja, não valorizassem elementos externos em detrimento da própria
peculiaridade da região. Pelo fato de ter sido uma pessoa proveniente de outro
Estado, Henrique conseguia perceber com maior clareza a riqueza cultural da região,
riqueza esta que possivelmente passaria despercebida aos olhos de seus alunos que,
por terem nascido no Estado ou morarem nele há determinado tempo, haviam se
99
acostumado com suas características, passando a se interessar pelas coisas que
estavam além de sua realidade. Talvez se possa perceber uma luz mais penetrante
neste aspecto quando se consulta o depoimento de Araújo (1997):
A única coisa que ele dizia era que o importante era tirar do preto, preto. O
que é tirar do preto, preto? Tirar do positivo, positivo, porque você faz uma
linha branca, você está apenas cortando a madeira, não está gravando.
Assim, Henrique transmitia esses pequenos ensinamentos, absolutamente
importantes, sempre num clima informal. Além disso, ele chamava sempre a
atenção para as coisas da Bahia e também sobre as técnicas, como o
trabalho com o compensado, a ponta compensada, a ponta-seca e todas as
outras técnicas. (ARAÚJO, 1997, p. 35)
Essa intervenção feita por Henrique Oswald, no que diz respeito ao tema a ser
trabalhado, era mais freqüente quando o aluno não conseguia expressar-se
convincentemente através de suas obras. De acordo com suas palavras: “Deixava
que trabalhassem livremente, que errassem livremente, que se corrigissem
livremente, muitas vezes, estimulava-os e, isto sim, raramente, quando não achavam
mesmo mais saída, indicava-se um possível caminho” (OSWALD, 1963, p. 07). Tal
colocação torna absolutamente compreensível o relato de Juarez Paraíso: “Henrique
Oswald veio de lá do Rio pra e era um homem notável, com eu já disse fantástico,
contaminou todo mundo. E a gente realmente começou a trabalhar dentro da aula
de Henrique, cada um procurando o seu caminho, mas sempre tendo ele como Guru”
(PARAÍSO, 2007). O que pode ser dito a respeito desse comportamento de Henrique
Oswald é que ele põe relevo sua compreensão quanto ao processo de aprendizagem,
no qual o acerto e o erro se imbricam mutuamente na construção do conhecimento.
Além disso, a fluidez com a qual se realizava o processo tornava o aluno mais apto a
perceber os erros como estágios indispensáveis para o seu aprimoramento. É um
comportamento cuja importância continua sendo reconhecida por aqueles que
conviveram com o artista na condição de alunos, a exemplo do próprio Juarez
Paraíso, que o percebe como “guru”, ou seja, aquele que teria a missão de orientar os
“discípulos” para que livremente encontrassem seu caminho. Talvez, essa assistência
dispensada por Henrique, que o levava a oscilar entre a liberdade e a condução,
fosse uma espécie de herança de seu aprendizado com o pai, o qual muito
100
provavelmente lhe oferecia espaço para que se expressasse de forma autônoma,
mas sem deixar de lhe mostrava as melhores maneiras de realizar o trabalho.
Não seria ilusório pensar que, para determinados alunos, Henrique Oswald tenha se
instituído como principal referência artística, ou seja, a forma com que trabalhava, os
temas recorrentes em suas obras, o seu domínio técnico, representariam aspectos
cuidadosamente observados pelos jovens gravadores e incorporados à sua prática.
Afinal de contas, tal como sugere Geiger (1997), é comum que o estudante de artes
se apóie na experiência do professor, principalmente se for um professor artista, ou
seja, um artista exercendo o ensino de arte, em seu pleno momento de trabalho
individual. “O aluno”, continua a autora, “pode se afastar mais tarde desta influência,
pode mesmo renegá-la. Isto é comum. É como o filho que renega as idéias dos pais”
(GEIGER et al., 1997, p. 81). Nesse sentido, as reflexões de Juarez Paraíso sobre as
trocas estabelecidas entre José Maria e o professor Henrique Oswald é exemplar:
Ele [José Maria] aprendeu com Henrique Oswald essa coisa de humildade
porque José Maria também era muito humilde. Essa sabedoria do
Henrique em o complicar as coisas e também o talento do Henrique, ao
fazer um trabalho assim fantástico de gravura, de pintura, também se pode
ver em José Maria. Isso sim que valoriza o contato positivo de uma pessoa
com a outra. Essa energia, mas não o aprendizado subserviente: aprende
isso, aprende aquilo. (PARAÍSO, 2007)
Ainda que se trate de um caso particular, é possível perceber a influência positiva de
Henrique Oswald sobre seus alunos. Esta influência, no entanto, não estava
confinada às temáticas e aos procedimentos técnicos, como se estes fossem os
únicos aspectos observados pelos alunos na figura do professor. O que ficou claro a
partir da colocação de Paraíso é que certas atitudes e valores de Henrique, ligados à
sua personalidade, também despertavam a atenção daqueles que compartilhavam
com ele a vivência no atelier de gravura. Não se quer dizer com isso que os alunos
tornaram-se meras cópias de Henrique Oswald, mas pontuar que este foi
fundamental tanto para a formação artística quanto humana dos novos gravadores.
101
Sem dúvida, muitos outros aspectos poderiam ser abordados a respeito da prática
docente de Henrique Oswald, aspectos estes que não somente ofereceriam um
panorama geral das atividades desenvolvidas dentro do atelier de gravura, como
também ratificariam sua singularidade frente aos demais professores da instituição.
Porém, os pontos levantados, embora não sendo discutidos de maneira aprofundada,
são efetivamente capazes de elucidar uma parte dessa fase da vida do artista. Cabe
agora demonstrar de que maneira o atelier de gravura, sob a orientação de Henrique
Oswald, se constituiu como cenário para um dos pontos cruciais da história da
gravura baiana.
2.4 HENRIQUE OSWALD E A ESCOLA BAIANA DE GRAVURA
O período em que Henrique Oswald atuou como professor da Escola de Belas Artes
da Universidade da Bahia pode ser entendido como um dos mais frutíferos para a
prática institucionalizada da gravura em Salvador, pois, determinados gravadores que
conseguiram se consolidar no cenário artístico nacional e também internacional ou
foram seus alunos ou com ele trocaram experiências valiosas no âmbito do atelier
onde eram realizadas as aulas. Paraíso (1992, p. 12) comenta que os primeiros
discípulos de Henrique na Escola “datam de fins dos anos 50 e começo de 60: José
Maria, Hélio Oliveira, Sônia Castro, Leonardo Alencar e Juarez Paraíso, surgindo em
seguida Emanuel Araújo, Edison da Luz, Gley Melo e Edízio Coelho. É quando ganha
impulso definitivo a prática da gravura na Bahia”. O que deve ser pontuado, no que
toca a formação destes gravadores, é que as condições particulares de produção de
gravura na Escola de Belas Artes (UFBA) tiveram grande peso para o seu
amadurecimento artístico, uma vez que, como será visto, os forçou a uma revisão de
seus procedimentos técnicos, no sentido de assegurar a continuidade da prática.
Todo esse empenho deu origem ao que por muitos foi denominado como Escola
Baiana de Gravura.
102
Vários foram os obstáculos à volta do ensino da gravura, mas, sem dúvida, nenhum
deles foi tão representativo como a ausência de materiais para o trabalho. No
momento em que Henrique Oswald tornou-se professor, os efeitos da Segunda
Guerra Mundial ainda podiam ser sentidos, principalmente nos preços dos produtos
importados. Ao contrário do que se poderia supor, o fim da guerra não significou uma
queda imediata dos preços de determinados artigos, o que os mantinham quase que
inacessíveis para grande parte da população. Essa crise no comércio gerou sérias
implicações para o desenvolvimento das atividades no atelier de gravura da Escola
de Belas Artes, pois o metal e o cobre, elementos essenciais para a feitura de gravura
em metal, não poderiam ser adquiridos com tanta facilidade. Henrique Oswald diz
com toda clareza:
Quando comecei a dar aulas, em abril, substituindo o professor Mário Cravo,
notei, como ele já notava, três coisas, cuja conjugação resultou num fato que
julgo, agora, importante. O metal estava caríssimo, e isso induzia os
gravadores a se aplicar mais à xilogravura. A madeira compensada era de
mais fácil aquisição e de mais fácil manejo. Havia uma ótima prensa para
gravuras em metal. [...] Parece que quem começou a sentir a força dessas
circunstâncias e começou a resolvê-las foi Calazans Neto, durante
orientação de Mario Cravo o ano passado. (OSWALD, 1958, p. 02-07)
Nota-se que as limitações registradas no período de atuação de Henrique também
marcaram a prática do professor precedente, no caso Mario Cravo, que, com o auxílio
de seus alunos, buscava alternativas que pudessem manter o atelier em
funcionamento. Além disso, com o alto preço do metal, os gravadores não tiveram
outra solução senão recorrer a uma técnica menos dispendiosa, cujos materiais
fossem de mais fácil aquisição. Por tais razões, a técnica escolhida foi a xilogravura,
que tem se efetua basicamente através da utilização de madeira e goivas. Além da
acessibilidade, outros aspectos favoreceram a escolha, como possibilidade de
substituição dos elementos. As goivas, por exemplo, instrumentos pontiagudos que
servem para fazer as incisões na madeira, quando necessário, podem ser
substituídas por facas domésticas.
103
A substituição de técnicas não somente levou Henrique e seus alunos a buscarem
materiais de outra natureza como os fez pensar em como imprimiriam seus trabalhos,
que a prensa existente no atelier era efetivamente endereçada à feitura de gravura
em metal. Logo, houve uma ressignificação da utilidade da prensa para que se
tornasse adequada para a produção de xilogravura. Tal formulação é ratificada
através das palavras de Henrique Oswald: “O fato é que, este ano, na sala de gravura
da Escola de Belas Artes da Universidade da Bahia, José Maria e outros faziam uma
nova gravura em madeira, que eu tinha visto, apenas, em casos acidentais”
(OSWALD, 1958, p. 07). Quando o gravador utiliza o termo “acidental”, ele está
provavelmente se referindo ao fato dos alunos terem conseguido produzir xilogravura
em uma prensa que não era teoricamente apropriada, um procedimento que somente
é realizado diante de necessidades concretas. Mas esta solução, ao que parece, não
foi desenvolvida por Henrique ou qualquer um de seus alunos, e sim por Calasans
Neto, freqüentador do atelier de gravura na época em que Mário Cravo Junior era o
orientador. O depoimento de Sônia Castro confirma esta colocação:
A técnica da xilogravura, que surgiu nessa época, inclusive de usar o
compensado como matriz em vez de se usar a madeira de topo, se usava a
madeira prensada, o Calasans usou muito, e nós todos usamos muito. [...]
Você não podia imprimir gravura de topo em uma prensa de metal. Então a
plaquinha de madeira podia ser impressa. Então, nós usamos muitas placas.
[...] Essa adaptação não surgiu exatamente no atelier de gravura de
Henrique Oswald, mas no atelier de Mario Cravo. (CASTRO, 2008)
Ora, Henrique Oswald (1958, p. 07) já havia afirmado que não é segredo para
nenhum gravador, evidentemente, que se pode tirar cópias de gravuras em madeira
com a prensa de gravura em metal, rotativa, mas o que se desconhece é esse
conjunto fatal de circunstâncias que obriga a todos os gravadores a fazer e continuar
fazendo isso”. Se a substituição ou a readequação dos instrumentos de trabalhos são
práticas comuns no universo da gravura, isso implica dizer que tal uso, longe de
diminuir a qualidade das obras, lhe confere novos atributos plásticos. No contexto da
presente discussão, Carlos Oswald (apud BUTI, 2002, p. 27) sustenta que “sem
prensa não gravura possível”. De fato, o gravador até pode variar seu suporte,
104
utilizando madeira, pedra ou metal, mas a prensa permanece sendo imprescindível
para a finalização do processo. Aliás, ela é fundamental para a própria existência da
prática de gravura, qualificando seus resultados como obras gráficas. É por isso,
certamente, que Buti (2002, p. 12) sugere que “a gravura não é uma linguagem
estagnada: novas possibilidades foram e continuam sendo incorporadas. [...] É
testemunho não de um desenvolvimento técnico, mas também sociocultural”. A
partir disso, pode-se dizer que a gravura não se comporta como um conjunto fechado
de regras e procedimentos com caráter aparentemente fixo a serem aprendidos e
seguidos, desprezando a realidade vivida pelo artista. Pelo contrário, a prática
constante ou ainda as dificuldades concretas de trabalho são capazes de induzir o
gravador à experimentação, promovendo, com isso, uma renovação da linguagem.
Paraíso (1998, p.11) reconhece que os artistas baianos da década de 60, estes em
sua maioria alunos de Henrique Oswald, deram uma feição especial à gravura por
duas razões: o emprego do compensado e o uso inadequado da prensa de água
forte. O autor prossegue:
O uso do compensado como suporte tem sido bastante significativo, devido
à sua plasticidade, à fácil manipulação, de suas diversas camadas e à
extraordinária composição de suas texturas. [...] Com o compensado o
artista passou a realizar xilos com os mais diversos tamanhos, favorecendo
a espontaneidade de execução e a liberdade de concepção. [...] O outro
fator importante foi , sem dúvida, o emprego de gravura em metal. [...] O uso
de uma prensa inadequada caracterizou de modo especial o tipo de
xilogravura realizada pelos gravadores da década de 60, na oficina de
gravura da Escola de Belas Artes, da rua 28 de setembro, rua do Tijolo, para
onde convergiam todos artista gravadores por falta de outra prensa existente
em Salvador. (PARAÍSO, 1998, p. 11)
Mesmo reconhecendo a qualidade das obras dos alunos de Henrique Oswald,
alcançada, como informou o autor, através do uso inadequado da prensa de metal,
não se deve perder de vista que esta era uma prática motivada pela necessidade, a
qual os levava à experimentação, a lidar com as tendências que se cruzam com o
acidental, causando possíveis modificações de rumo. Deve-se considerar que
também houve situações que, ao objetivarem a intensificação desse tipo de prática,
105
levaram estes gravadores a um nível de aprimoramento técnico ainda maior. É o caso
da Exposição do Belvedere da Sé, realizada em junho de 1959. Segundo Henrique
Oswald (1958), a Exposição de Belvedere da Sé, que fazia parte da programação da
semana de artes plásticas, foi uma iniciativa do diretório acadêmico, dirigido por
Expedito Nogueira Bastos, tendo como objetivo mostrar o que os alunos, trabalhando
livremente a partir dos conhecimentos adquiridos de seus professores,
estavam
produzindo na instituição. O autor continua:
O diretório acadêmico convidou os professores que podiam trabalhar
durante as férias de julho, para que orientassem os trabalhos de suas
cadeiras. Aceitamos o convite, o Prof. Emídio Magalhães, na pintura; o Prof.
Mario Cravo, na escultura em madeira e metal, a Profª. Jacyra Oswald, no
desenho e composição, o Prof. Adam Firnekaes, na colagem e a aquarela, o
Prof. João José Rescala, em todas as outras técnicas e eu, na gravura. [...]
Trabalhou-se arduamente durante todo o mês de julho, com material
adquirido por verba concedida pelo Magnífico Reitor houve uma seleção
final dos trabalhos e, no dia 13 de agosto, a Exposição foi inaugurada.
(OSWALD, 1958, p. 07)
O interesse em afastar qualquer interrupção ou abandono da prática de gravura no
atelier da Escola de Belas Artes (UFBA) se constituiu como um fato que não pode
deixar de arrastar com ele conseqüências bastante peculiares, especialmente para os
alunos, que aprenderam a lidar com os desafios que envolvem o trabalho, buscando
obstinadamente soluções práticas, bem como desenvolveram de forma coletiva o
desejo renovador, ou seja, acreditaram na potencialidade da gravura, reconhecendo-
a como uma forma de expressão inesgotável. Henrique Oswald (1958) apresenta
uma visão mais aprofundada desse momento artístico:
Essa perseverança gerou, como era de esperar, experiências e descobertas.
Talvez se pudesse dar o nome de “escola baiana de gravura” no conjunto
exposto no Belvedere. Tenho ouvido opiniões importantes a este respeito.
Nenhuma deixa de reconhecer o ineditismo da “escola”. (OSWALD, 1958,
p.07)
Eis, aqui, ao ponto crucial desta abordagem: o surgimento da Escola Baiana de
Gravura. A partir das colocações de Henrique Oswald, é possível entender a Escola
106
como um fenômeno indissoluvelmente ligado às limitações materiais que marcaram a
prática da gravura no atelier da Escola de Belas Artes (UFBA) no final da década de
1950, as quais praticamente obrigaram os jovens gravadores a persistirem com suas
atividades, apresentando diferentes formas de encarar as dificuldades que se
impunham para a realização de sua arte. O sentido da Escola, portanto, está na
conjunção dos esforços dos alunos de Henrique para um objetivo comum, no caso a
manutenção da produção de gravura. Em outras palavras, foi a construção de uma
nova consciência artística, apegada ao coletivismo, que tendia a perceber as
dificuldades registradas no plano técnico não como obstáculos intransponíveis para o
trabalho, mas sim como uma espécie de provocação que instigava os artistas a
sentirem seus efeitos e a reagirem sobre eles. Disso pode-se dizer que a técnica
representou a mola propulsora de todo esse movimento porque, ao mesmo tempo em
que impôs questionamentos aos gravadores, lhes ofereceu as respostas. Riolan
Coutinho (1977) tece as seguintes considerações sobre o movimento:
A origem do desenvolvimento da Gravura entre nós está ligada
estreitamente a razões históricas; as técnicas tradicionais de desenho,
pintura, e escultura estavam, a nosso ver, como que comprometidas com o
espírito acadêmico da arte que elas expressavam, isto é, o espírito daqueles
que delas se serviam. Uma nova linguagem, uma técnica ainda inexplorada,
configurar-se-ia assim como um veículo ideal de libertação do novo espírito
nascente e da mensagem revolucionário que as gerações futuras tinham a
transmitir. (COUTINHO, apud LUDWIG, 1977, p. 11)
Paraíso (2002) acredita que os primeiros passos para o surgimento da chamada
Escola Baiana de Gravura são um exemplo do boom de produção e talento que
marcaria o circuito artístico local na década de 1960, percebido por ele como tempos
áureos. O estopim, considera o autor, foi Mário Cravo Júnior um artista já de renome
na cidade pelo poder de aglutinação de jovens talentos na experimentação de novos
caminhos para a arte. “Ele fez o concurso para livre docente e arrebatou a vaga para
ensinar gravura, tarefa confiada a Henrique Oswald e Hansen Bahia com sua
transferência para o ensino de escultura e para o trabalho no departamento de cultura
da universidade” (PARAÍSO, 2002, p. 07).
107
Evidentemente, Mário Cravo Junior é de particular importância para o surgimento da
Escola Baiana de Gravura, uma vez que, como dito, foi nos domínios de suas aulas
no atelier que Calazans Neto propôs a adaptação da prensa de gravura em metal.
Contudo, não se deve negar o fato de que foi sob orientação de Henrique Oswald que
o movimento realmente ganhou forças. Ele não somente estimulou a continuidade do
aproveitamento da prensa de gravura em metal para a feitura de xilogravura, como
tornou público os resultados dessa investida, ainda que muitos de seus alunos
fossem iniciantes nesta arte. Henrique Oswald (1958, 07) diz com toda clareza: “o
valor de todos os trabalhos não pode, efetivamente, ser muito alto. São alunos,
alguns do primeiro ano. Em todo caso, já há muita gente boa”. Nessa linha de
pensamento, é possível considerar as atuações de Mario Cravo Junior e Henrique
Oswald como complementares para a formação da Escola Baiana de Gravura:
enquanto o primeiro abriu espaço para a realização das experimentações técnicas, o
segundo, redimensionando tais tendências, mobilizou seus alunos a romper
definitivamente com a concepção da gravura enquanto linguagem inalterável para
entendê-la e propagá-la como uma forma de arte passível de reinvenções.
Matsuda (1995), ao tratar das mudanças ocorridas no âmbito da Escola de Belas
Artes, chama atenção para o fato de que estas foram significativamente importantes
para o surgimento e o desenvolvimento da Escola Baiana de Gravura. “Os efeitos da
inovação do corpo docente na década de 50”, enfatiza a autora, são imediatamente
vistos no Ensino do Desenho, da Teoria da Conservação e Restauração da Pintura, e
nos cursos lecionados nos Seminários de Música”.
Destaca-se a criação do curso de Gravura em 1953, importante para a
formação de um grupo de artistas denominado "Escola Baiana de Gravura".
Devido à vitalidade da renovação, possibilitou a formação de estudantes
responsáveis pelo surgimento da geração de artistas modernos na Bahia.
(MATSUDA, 1995, s.p.)
A autora não está longe da verdade quando afirma que os gravadores que compõem
a Escola Baiana de Gravura representam a segunda geração de artistas modernos
108
baianos, pois foi precisamente nesse período que o modernismo se consolidou no
campo da arte nacional, trazendo consigo “um olhar para o futuro, um desejo de
ruptura, inovação e experimentação” (GONÇALVES, 2007, p. 23). Decididamente,
esse grupo de gravadores dialogava com os ideais modernistas porque, além de
utilizarem uma forma de expressão que rompia com o uso de técnicas tradicionais,
tais como a pintura e a escultura, atualizando, desse modo, a produção artística
brasileira, buscavam a própria renovação de seus valores estéticos, ainda que esta
busca não fosse orientada por necessidades artísticas, mas por determinações
externas.
A tensão entre esses artistas e o movimento modernista também pode ser constada
através do plano temático. Gonçalves (2007) observa no modernismo uma nostalgia
do passado, um olhar para as raízes culturais que marcaram o processo de formação
histórica da nação. “Parece ser um processo utópico, isto é, a procura do resgate do
sentido histórico da sociedade local, com a atualização da linguagem” (GONÇALVES,
2007, p. 25). Tal característica de cunho modernista marcou profundamente a
produção artística dos gravadores da década de 1960, sendo claramente percebida
nas obras de Calasans Neto, Hélio Oliveira, Sônia Castro, Leonardo Alencar,
Hilda
Oliveira, Duda, entre outros. Nesse sentido, as considerações de Paraíso (1998) a
respeito do trabalho deste grupo de artistas são exemplares:
Calasans Neto utiliza uma trama abstrata de texturas que desperta a
imaginação do perceptor para intrigantes paisagens figurativas. As cabras,
as velas e as baleias são a fases figurativas mais importantes do artista. [...]
Hélio Oliveira tem como tema os presentes dos orixás, “os Pejis”. Hélio era
um asso do candomblé Axé do Ogunjá. Em suas naturezas mortas
transparece o seu caráter stico e simbólico. [...] Dentro de uma temática
social, Sônia Castro aborda o drama da solidão, do abandono e da tristeza
dos seres humanos. [...] As atividades de Leonardo Alencar como gravador
datam de 1960. Seu trabalho abrange temas diversos, tendo se dedicado,
durante muitos anos à realização de gravuras focalizando o homem e o mar.
[...] Hilda Oliveira compõe com temas sociais extraídos de sua própria
vivência na sua terra natal, envolvendo sempre os trabalhadores do campo,
das casas de farinha, os pescadores e, destacadamente, as rendeiras. [...]
Com predominância de temas regionais e com um toque ingênuo, Duda
compõe no conjunto de sua obra um interminável mosaico. (PARAÍSO,
1998, p. 12-15)
109
Embora tenha sido fruto de necessidades concretas de trabalho, o movimento que se
processou dentro da Escola de Belas Artes, que culminou na Escola Baiana de
Gravura e, consequentemente, na renovação do panorama artístico local, se
aproxima em muitos aspectos dos movimentos que proliferaram em várias
localidades do país, a partir do final da década de 1940, os quais se encontravam
fortemente influenciados pelo emergente interesse em difundir a prática da gravura
artística no Brasil. Na verdade, tal aproximação foi sugerida por Sônia Castro, que fez
parte da Escola Baiana de Gravura:
Eu acho que na década de 1960 é que aconteceu em São Paulo e no Rio de
Janeiro movimentos mais fortes ligados a gravura. Rubem Gerchman,
Vergara e outros artistas famosíssimos e importantes, que eu não estou me
lembrando agora, começaram a supervalorizar o trabalho de gravura. E
aconteceu aqui também. Eu me lembro que eu ainda era estudante quando
fui para um Congresso em Recife dos estudantes de artes de todas as
universidades do Brasil. Parece brincadeira, mas existiu isso. Tinham alguns
gravadores, desenhistas nesse grupo que vieram de fora. Começou no Rio
Grande do Sul, São Paulo, os clubes de gravura começaram a explodir no
Brasil todo e na Bahia também. Aqui, a gente pode dizer que ninguém
marcou a data certa: “Hoje vou começar a fazer um Clube de Gravura”. Mas
alguma coisa, historicamente, estava no ar e aqui também se sentindo. Por
sorte, tinha chegado Henrique Oswald, que veio fazer concurso, foi a figura
que deu o sentido novo ao trabalho de arte, especialmente a gravura.
(CASTRO, 2008)
Como se percebe, os Clubes de Gravura constituem, na visão da gravadora, uma
espécie de modelo que, apesar de não ter sido reproduzido no Estado da Bahia,
serviu indiretamente de referência para o trabalho realizado no âmbito da Escola de
Belas Artes. Se retomarmos alguns aspectos que envolviam a existência dos Clubes,
veremos que o entendimento da Escola Baiana de Gravura como uma de suas
ramificações o é incoerente. Os Clubes, como já dissemos, eram definidos pelo
seu caráter integrador, ou seja, seus participantes não somente compartilhavam
espaços e instrumentos de trabalho, como tempo e ideais. Na Escola Baiana de
Gravura, esse mesmo comportamento também podia ser identificado na vivência dos
gravadores. Como se não bastasse o fato destas pessoas constituírem uma turma de
alunos, estando, desse modo, sujeitas a dividir ambiente e instrumentos de trabalho,
110
as carências materiais, que pontuamos anteriormente, contribuíram sobremaneira
para a infiltração da idéia de coletivismo no interior do atelier de gravura. O
depoimento de Juarez Paraíso, nesse caso, é pontual: “A gente somava centavo por
centavo, comprava uma folha [de papel] grande e repartia, dividia. A tinta e a prensa
tinham na Escola. E fazíamos nossa gravura. Então, isso fascinou muita gente”
(PARAÍSO, 2007).
A existência de uma única prensa para a produção de gravura em metal também
deve ser vista como um ponto que colaborou para que o atelier se transformasse em
um verdadeiro centro de trabalho coletivo para a produção e o estudo da gravura,
bem como para a intensificação da troca de idéias. Mas a ligação dos gravadores que
participaram da Escola Baiana de Gravura com o atelier da Escola de Belas Artes não
foi, a nosso modo de ver, interrompida com a conclusão do curso. Cremos que a
inexistência de outras prensas nos domínios da cidade de Salvador tenha motivado
estes artistas a continuar freqüentando a sala de gravura para imprimir seus
trabalhos.
Até agora se focalizou a prática docente de Henrique Oswald e o papel de grande
destaque que desempenhou na criação e no desenvolvimento da Escola Baiana de
Gravura, cuja importância o deve, em hipótese alguma, ser desconsiderada nos
estudos sobre a gravura artística local. Mas esses aspectos, longe de resumirem a
vida docente do artista, constituem apenas uma parcela de tudo o que fez e
representou dentro da Escola de Belas Artes. Em virtude disso, torna-se vital
demonstrar de que modo Henrique colaborou para a elaboração da proposta
intitulada Reforma Universitária, que, fundamentalmente, visava uma mudança radical
nos métodos tradicionais de ensino da instituição.
111
2.4.2 INFERÊNCIAS DE HENRIQUE OSWALD NA PROPOSTA DE REFORMA
INSTITUCIONAL
A atuação de Henrique Oswald no atelier de gravura da Escola de Belas Artes se fez
coincidentemente em um período de significativas transformações no ensino superior
brasileiro, transformações estas que surgiram como conseqüência direta de um
grande movimento, objetivado por estudantes de várias localidades do país, apoiados
por professores e outros profissionais da área, que tinha como principal objetivo a
renovação curricular das unidades de ensino médio e universitário. A artista Sônia
Castro, ex-aluna da Escola de Belas Artes e participante ativa do movimento, explica
as motivações da proposta no âmbito da instituição:
Por volta de 1962, coube a alguns estudantes da Escola de Belas Artes,
preocupados com vazio que a separação sica e administrativa do curso de
Arquitetura (que conseguiu autonomia administrativa e nova sede) dos
outros cursos de arte, pintura, gravura e escultura, poderia acarretar, a
reformulação do programa daquela escola no que diz respeito às relações
do currículo com a realidade profissional e cultural e a perda do vigor dos
debates sobre a arte contemporânea. (CASTRO, 2004, p. 86)
Como se pode perceber uma das preocupações dos alunos era a influência do
rompimento entre o curso de Arquitetura e a Escola de Belas Artes sobre sua
formação profissional, o qual, seguramente, reduziu suas possibilidades de interação
no mercado de trabalho. Mas, ao lado desse aspecto, existe outro que merece ser
considerado: o enfraquecimento dos debates acerca da arte contemporânea. Muito
provavelmente, as discussões ocorridas dentro das disciplinas que compunham o
curso de Arquitetura ofereceriam maior abertura para temas da atualidade, o que não
ocorreria da mesma forma nos demais cursos, cujos debates girariam em torno da
história e das técnicas das linguagens de que se ocupam. Sem o curso de
Arquitetura, o curso de Belas Artes passou a ser dirigido “à formação de artistas
plásticos nos moldes tradicionais de uma escola acadêmica sobre a influência das
escolas francesas do início do século XX” (CASTRO, 2004, p. 87). Diante dessa
112
realidade, a integração dos alunos tinha a finalidade de ampliar o quadro de
disciplinas do curso de Belas Artes, composto fundamentalmente por pintura de
modelos vivos e desenho, através da ramificação desta segunda linguagem, que
passaria abranger desenho de móveis, decoração e desenho de propaganda. Mais do
que desvincular as artes aplicadas e decorativas daquelas consideradas
academicistas, portanto, a proposta tendia tornar novamente os alunos aptos para
ingressar no mercado de trabalho. Castro (2004) nos oferece a seguinte informação:
Para realizar o projeto do novo curso, aqueles estudantes, apoiados por Lina
Bardi, no Museu de Arte Moderna, por Hans Joachim Koellreutter,
compositor, musicólogo, professor, diretor dos Seminários Livres de Música
da UFBA; e por Henrique Oswald, professor, pintor e gravador carioca,
recém chegado à Bahia para ensinar gravura na escola, planejam a
estrutura de uma moderna escola de design. (CASTRO, 2004, p. 87)
Chegamos ao ponto central deste debate: o suporte dado por Henrique Oswald à
proposta de reforma curricular. Temos destacado a singularidade da postura do
professor dentro da instituição, que buscava estimular o diálogo e a livre iniciativa de
seus alunos. Talvez, essa característica, que se tornava um aspecto de diferenciação
em relação aos demais docentes da época, tenha sido o fator preponderante para
que os alunos integrados ao movimento solicitassem sua colaboração. A inferência
de Henrique Oswald se fez principalmente no desenvolvimento do projeto que seria
apresentado na assembléia, organizada para definir os rumos da mudança. O
depoimento de Sônia Castro é, nesse sentido, esclarecedor:
O primeiro projeto que nós fizemos o tinha muita condição de fazer eram
muito jovens, foi elaborado por Koellreutter que era o diretor do Seminário
de Música, que veio pra Bahia um grande maestro que nos ajudou a fazer
esse projeto, quem também ajudou a fazer esse projeto foi Lina [Bo] Bardi
que era diretora do Museu de Arte Moderna, nós estávamos cercados das
pessoas mais importantes e Henrique Oswald que foi efetivamente quem
nos deu a maior força e o maior apoio para fazer esse projeto. (CASTRO,
2008)
113
A necessidade de propagar as idéias de mudança fez com que os estudantes
buscassem mecanismos que as colocassem ao alcance de todos. Isso os levou a
confeccionar um panfleto que, resumindo as intenções do movimento, “foi distribuído
nas escolas de Arte e nas escadarias da Reitoria em noite de concerto” (CASTRO,
2004, p. 87). Seu conteúdo dizia o seguinte:
Colegas – A nossa Universidade está em vias de uma transformação radical.
O ensino tradicional na base da alienação artística não mais corresponde ás
necessidades culturais do nosso país. E nós, estudantes de Belas Artes, não
podemos permanecer indiferentes ao movimento de reforma empreendido
por nossos colegas de várias universidades brasileiras. Precisamos
corresponder às exigências da nossa realidade. Precisamos estudar os
nossos problemas e necessidades, e juntos procurar solucioná-los. Essa é a
nossa oportunidade, não a desperdicemos. (CASTRO, 2004, p. 88)
É aqui que se registra a participação de outro gravador. Estamos nos referindo a
Calazans Neto. Por trabalhar na empresa de publicidade “Artes Gráficas”, ele foi
acionado por Lina Bo Bardi para realizar a impressão do material de apoio. Apesar do
clima de entusiasmo, do empenho dos estudantes e do apoio de vários professores, a
proposta de renovação curricular foi “drasticamente repelida pela política reacionária
vigente e rechaçado pelo poder, dentro da Universidade Federal” (CASTRO, 2004, p.
88). Mas, contrariamente ao que se possa imaginar, as idéias sobre as quais se
assentavam o movimento reformador não foi abandonado em definitivo. Em 1991, o
curso de desenho industrial foi implantado na Escola de Belas Artes durante a gestão
da professora Márcia Magno. Como informa Paraíso (1996, p. 20), graças ao
empenho e vontade política de Márcia Magno, “foram projetados e implantados os
cursos de Desenho industrial Programação Visual e o Superior de Decoração,
cursos desejados décadas, renovando e atualizando a Escola de Belas Artes, em
termos de Nordeste e Brasil”.
Não obstante à sua atuação nos domínios da Escola de Belas Artes, Henrique
Oswald apresentava uma produção notável, efetivamente capaz de entusiasmar seus
alunos na feitura de seus trabalhos, que lhes mostrava novas possibilidades
114
técnicas e também temáticas. Essa produção, por se alimentar de temáticas
diversificadas, manifestava simultaneamente a versatilidade do artista e a intensidade
de seu envolvimento com a realidade que o cercava, de onde extraía conteúdos que,
ainda na contemporaneidade, são vitais. Nessa perspectiva, consideramos
fundamental uma abordagem sobre o universo conceitual da obra de Henrique
Oswald, no sentido de esclarecer os temas que o fascinavam e, ao mesmo tempo, o
preocupavam, temas estes também recorrentes na produção de seus
contemporâneos. Nesse caso, cabe também, aqui, uma aproximação da produção de
Henrique Oswald com outros artistas, através da qual possam ser evidenciadas
similitudes e divergências.
115
3 O UNIVERSO ARTÍSTICO DE HENRIQUE OSWALD
Temos destacado o papel desempenhado pela arte na vida de Henrique Oswald e as
diferentes linguagens que lhe serviram como meio de expressão, a exemplo da
literatura, do desenho e da pintura. Enfatizamos também que nenhuma dessas
linguagens foi tão significativa para o artista como a gravura, a qual, impregnando sua
prática desde a permanência no Rio de Janeiro, o acompanhou nas situações que se
desenvolveram na Bahia. Esse profundo envolvimento foi o que levou Henrique a um
amadurecimento artístico ininterrupto, cujas etapas podem ser facilmente
identificáveis quando analisamos sua produção.
Neste capítulo, buscamos descortinar o universo artístico de Henrique Oswald,
ocupando-nos inicialmente de suas reflexões sobre o processo criativo. Dando
continuidade ao nosso debate, tecemos algumas considerações a respeito de seu
amadurecimento artístico e das prováveis relações de sua obra com o expressionista
e outras tendências. Encerramos esta seção com uma análise pormenorizada de
cada uma das obras às quais tivemos acesso.
3.1 A ARTE, A GRAVURA E O PROCESSO CRIATIVO NA CONCEPÇÃO DE
HENRIQUE OSWALD
O processo criativo pode ser considerado, assim como o estilo, o específico que
diferencia e qualifica o artista. Cada indivíduo possui sua forma própria de conceber
sua arte, de materializar suas percepções, sua personalidade e as coisas que lhe
provocam inquietações. Os processos não somente definem o objeto artístico, uma
vez que este se torna seu resultado final, como também a relação do artista com a
própria arte. No caso de Henrique Oswald, a criação, se afastando um pouco das
abordagens mais simplistas, que confinam a idéia de criação à mera inspiração,
116
assumia um caráter lúdico, muito próximo da dinâmica que se estabelece entre a
criança e seus objetos de diversão. Henrique Oswald explica o seu processo criativo
nos seguintes termos:
Sem a menor dúvida, a Arte começa sendo um brinquedo. [...] O brinquedo
torna-se Arte quando carrega a marca, o mundo interior, a expressão de
quem brinca. A ciência pura também começa sendo um brinquedo. Newton
brincava de pensar. Pensar era o passatempo de Einstein. Pintar era o
passatempo de Van Gogh, que morreu de tanto brincar, de pintar em lugar
de trabalhar para sobreviver. (OSWALD, 1964, s.p.)
Ao aproximar a arte do jogo, da brincadeira, Henrique Oswald nos mostra que o
espírito lúdico pode ser efetivamente responsável pela criação artística, marcando
profundamente as obras que dela se originam. Esse pensamento, que, segundo
Harold Osborne (1968, p. 274), vem sendo cultivado desde Platão, nos permite
argumentar que as produções realizadas pelo artista, tanto no campo da gravura
como no das demais linguagens de que se utilizava, podem, eventualmente, servir
como exemplos significativos do nascimento da arte através da ludicidade.
Para Alice Brill (1988), o senso lúdico surge no próprio processo criativo: “de um lado,
na intenção de realizar uma obra, em sua primeira idéia e, do outro, no jogo de forças
e de equilíbrio que constitui este processo e que solicita um esforço supremo por
parte do artista, envolvendo toda a sua personalidade” (BRILL, 1988, p.181). De fato,
é possível constatar substratos dicos em cada etapa do processo de criação de
uma obra artística. No caso da gravura, por exemplo, eles começam a ser revelados
no momento da idealização da obra, quando o gravador, recorrendo à sua
capacidade imaginativa, pré-visualiza os possíveis resultados de seu trabalho. Esse
seria, absolutamente, o impulso para o jogo. Nesse estágio, são definidos os recursos
necessários para a efetivação da idéia, como as ferramentas, as técnicas e os
materiais, estes últimos sendo os que recebem maior influência do fator lúdico.
Explica-se: quando o artista se propõe a fazer uma xilogravura, ele primeiramente
avalia as condições da madeira na qual a matriz será efetuada, buscando conhecer
sua textura, seus veios, suas tramas. Essa avaliação não é gratuita. Pelo contrário, é
117
determinada pelo conhecimento que o gravador possui sobre a estreita relação entre
as características da matéria e o resultado final, ou seja, ele sabe que qualquer
desvio na superfície da madeira tem forças suficientes para transformar e reconfigurar
a proposta inicial. Podemos perceber o lúdico, portanto, em dois momentos
fundamentais do processo artístico: no ato de avaliação do material e na feitura da
matriz. Vale ressaltar que a atividade do fator lúdico é mais intensa nesse segundo
momento. Retomando o exemplo da xilogravura, verificamos que o artista precisa
manipular a goiva com força e precisão, dando golpes e contra golpes na madeira,
para criar os sulcos que para dar vida às formas que supostamente havia imaginado
antes de iniciar tal processo. Por vezes, no entanto, o excesso de força faz com que o
resultado seja outro, diferente daquele desejado. É precisamente esse desencontro
entre a imaginação e a ação que convoca, por assim dizer, o fator lúdico. Caberá ao
gravador “brincar”, “jogar” com as forças que envolvem essa passagem, buscando,
através delas, alcançar uma solução conveniente.
Tudo isso nos mostra que Henrique Oswald não estava equivocado ao identificar seu
processo criativo com o jogo, com a brincadeira, atribuindo ao trabalho criativo
aspectos lúdicos. Afinal, a feitura de uma gravura não depende apenas dos desejos e
intenções do gravador ou de seu domínio técnico, mas envolve as possibilidades
reais existentes nos materiais que utiliza no trabalho, materiais estes, que como
temos dito, influenciam diretamente o resultado. Em cada uma dessas etapas é
possível constatar a interferência da ludicidade, pois, não raro, induz o artista a trilhar
caminhos que, muitas vezes, não fazem parte do percurso imaginado. Foi o que
aconteceu com a Escola Baiana de Gravura. Diante das limitações materiais,
especificamente a ausência de uma prensa para xilogravura, os jovens gravadores
foram forçados a buscar outras formas de dar continuidade às atividades que vinham
desenvolvendo no atelier da Escola de Belas Artes (UFBA). A solução encontrada
para o problema que se impunha, como dissemos, foi a utilização de uma prensa de
gravura em metal para a produção de xilogravura, uma iniciativa que ofereceu ao
grupo novas e inimagináveis possibilidades de expressão. Eis porque Bosi (1989)
assinala:
118
Como o jogo, a obra de arte conhece, um momento de invenção que libera
as potencialidades da memória, da percepção, da fantasia: é a alegria pura
da descoberta, que pode suceder a buscas intensas ou sobrevir num
repente de inspiração: heureca! E como o jogo, a invenção de novos
conjuntos requer uma atenção rigorosa às leis particulares da sintaxe que
correspondem ao novo imaginário a ser realizado. (BOSI, 1989, p. 16)
Como se pode perceber, a invenção também pertence aos domínios da ludicidade,
constituindo o fator que pode inaugurar uma nova situação para o fazer artístico. E
não estamos falando somente da invenção que se realiza no plano material, como
aconteceu com os gravadores da Escola Baiana de Gravura, que alteraram a
funcionalidade da prensa, mas também no plano visual, alcançada através dos
elementos que condicionam e delimitam os efeitos expressionais. Em outras palavras,
o gravador “inventa” novas formas, “novos conjuntos” a partir da combinação
cuidadosa dos componentes que constituem a linguagem, ainda que estes sejam
aparentemente inconciliáveis. A obra de Henrique Oswald, nesse caso, é exemplar. O
artista tinha forte inclinação para brincar com formas, com o efeito das sombras,
como o acaso da fonte da luz, enfim, para reinventar e recriar as “regras” do jogo.
Se detivermos nossa atenção na gravura “Crucificação” (s/data) (Figura 30), por
exemplo, - que será analisada com maior profundidade na seção seguinte -,
perceberemos que a luz não é utilizada para destacar os elementos que se
encontram no primeiro plano, os quais teoricamente possuem maior importância na
composição. Na verdade, ela é lançada em direção ao cenário que se encontra ao
fundo e seus personagens, como se o artista pretendesse deslocar o olhar do
observador para as situações paralelas que envolviam a cena principal. Assim,
atribuindo ao momento da crucificação efeitos de contraluz, Henrique acabou
“inventando” uma nova forma de apresentar o tema, o qual deixa de ser o centro de
interesse da obra para que os pormenores à sua volta se expressem em toda sua
plenitude. É claro que outros aspectos poderiam ser levados em conta nesta breve
análise, mas aquilo que enfatizamos nos parece suficiente para mostrar a capacidade
inventiva de Henrique Oswald em relação aos elementos que servem para dar vida à
composição.
119
Figura 30 - Henrique Oswald. Crucificação
Água-forte água-tinta, dimensões não especificadas, sem data.
Fonte: Catálogo (1966, não paginado)
Huizinga (apud BRILL, 1988) escreveu algo sobre o tema focalizado que devemos
levar em consideração. Para o autor, o que define o jogo é o seu caráter
profundamente estético: “toda criatividade nasce do senso lúdico e vive no domínio
da imaginação. É através da transformação da realidade em imagens que a criança
cria o seu mundo de faz-de-conta e que o homem cria os mitos, a religião, a
linguagem e a arte” (HUIZINGA, apud BRILL, 1988, p.179). O que o autor nos propõe
é que, assim como o jogo e a brincadeira, a atividade artística encontra-se
intimamente ligada ao imaginário, este componente que permite tanto à criança
quanto ao artista o desenvolvimento de sua criatividade que, por sua vez, conduz à
transformação, à invenção e à descoberta. Dentro dessa perspectiva, a criança, ao
manipular seus objetos, encontraria continuamente novas formas de percebê-los,
desenvolvendo, assim, novos modos de brincadeira. O mesmo aconteceria com o
artista, aqui representado pela figura do gravador, que, ao entrar em contato
progressivo com sua linguagem, acabaria também visualizando novas maneiras de
realizar suas obras. Considerando que “o espírito lúdico está em toda parte e pode
ser evocado pelo artista, em qualquer momento, independente das circunstâncias”
(BRILL, 1988, p.179), argumentamos que o artista exerce certo domínio sobre a
120
inferência da ludicidade no processo artístico, estando apto a determinar os
momentos nos quais ela deverá se exprimir. Isso, inevitavelmente, nos traz de volta a
questão da criança e do brinquedo. Tendo total comando sobre o desenvolvimento da
brincadeira, a criança, até determinada idade, acaba delimitando a presença do fator
lúdico de acordo com seu interesse. Ele pode surgir a partir da combinação dos
brinquedos, da mudança de suas respectivas funções, da atribuição de novos
valores. Enfim, é a criança e não necessariamente o brinquedo que estabelece com
que nível e freqüência a ludicidade ocorre durante a brincadeira.
Na visão de Henrique Oswald (1964), a arte não é um brinquedo dispensável, ou
mesmo substituível, e sim vital, da mesma maneira que o amor e o alimento. “O
brinquedo é uma litação necessária para o equilíbrio da vida, de uma energia
supérflua que, de modo nenhum, o homem pode deixar de gastar” (OSWALD, 1964,
s/p.). O que o autor nos sugere é que a arte é fundamental na existência humana,
assim como o brinquedo o é para a criança. Do nosso ponto de vista, a brincadeira é
um componente essencial da dinâmica da infância, responsável pelo
desenvolvimento dos campos da sensibilidade e da criatividade do indivíduo. Logo, a
condição de criança é assumida através do contato com os brinquedos, da prática da
brincadeira. Seguindo essa linha de pensamento, a arte também ratificaria a condição
humana, pois ofereceria ao homem a possibilidade de adquirir maior conhecimento
de si mesmo, do mundo que o cerca e, obviamente, dos outros homens. Queremos
destacar com isso a essencialidade da arte que, mais do que estar incluída no
conjunto das atividades humanas, precisa ser praticada com devida constância, a fim
de que o indivíduo possa alcançar “o equilíbrio da vida”. Falamos em equilíbrio
porque, como sublinhou Henrique Oswald (1963), é somente através da arte que o
homem vazão às coisas acumuladas em sua cabeça, como imagens, idéias e
sonhos.
121
Quando chega a ter tantas coisas na cabeça a ponto delas constituírem uma
carga insuportável tem, necessariamente, que libertá-las, ao mesmo modo
como tem que libertar sua energia supérflua. [...] Entretanto, o homem
sempre pode descarregar livremente o que tem na cabeça no jogo. E a
descarga livre, que pode ocorrer no jogo, daquilo que superlota a cabeça
do homem, chama-se Arte. Vencida a batalha e estabelecida a paz, o
general, ainda cheio de energia e sem mais o que fazer, pode então libertar-
se de suas imagens visual no jogo a que fatal e biologicamente terá que se
entregar para manter o equilíbrio de seu organismo. Estará fazendo Arte.
(OSWALD, 1963, p. 07)
O que podemos verificar nas colocações do autor é que, entre todas as atividades
desempenhadas pelo homem, a arte é uma das que lhe oferece possibilidades reais
de libertar-se, de abrandar as inquietações que lhe povoam a mente. Dentro dessa
perspectiva, a prática artística acaba se tornando uma espécie de válvula de escape
que, quando acionada, proporciona estabilidade e bem estar. Henrique Oswald (1964,
s.p.) pondera que “depois de despender a energia que lhe garante a sobrevivência, o
homem conserva ainda uma parte que não foi utilizada, tem necessariamente, que
libertá-la. Isso é o que se chama brinquedo, jogo, passatempo”. A nosso modo de ver,
o autor propõe que, além da energia necessária para o desenvolvimento das
atividades comuns, o homem ainda resguarda uma parcela que deve ser direciona a
arte, cuja finalidade não é exatamente assegurar sua sobrevivência, auxiliando-o na
luta por alguma coisa, mas atribuir significação à sua existência. Eis, a razão para
que Henrique Oswald tenha feito a seguinte consideração:
Quando o pintor pinta, um escultor esculpi, um músico compõe, um poeta
escreve e um arquiteto projeta num momento de jogo, poderão sempre estar
fazendo arte e muito provavelmente a estarão fazendo. Quando entram em
atividade durante os momentos de luta pela vida, dificilmente se poderão
expressar livremente, dificilmente farão arte. (OSWALD, 1963, p. 07)
Devemos acrescentar, no entanto, que o entendimento da necessidade da arte não é
algo compartilhado por todos, que muitas pessoas não têm a possibilidade de
usufruí-la e, muito menos, praticá-la. Eis porque Henrique Oswald (1964) acredita que
isso é um problema terrível nas comunidades subdesenvolvidas”. Em tais contextos,
a arte é despojada de sua essencialidade, de seu caráter igualitário, para ser
122
percebida como um bem destinado a poucos, especificamente às classes mais
favorecidas, as quais possuem tempo e disposição para cultivá-la.
A discussão que acabamos de pôr em evidência, surgida como fruto das reflexões de
Henrique Oswald, serve para mostrar que ele era um artista cuja preocupação não
estava somente voltada para a feitura das obras, no caso gravuras, mas buscava
compreender a complexidade que é própria do trabalho artístico. Sua visão da arte
como jogo é uma prova disso. O gravador se dedicou profundamente a desvelar cada
instância do processo artístico e suas relações com outras atividades humanas, como
se pretendesse validar suas palavras e, ao mesmo tempo, dar sua contribuição
àqueles que tencionam debruçar-se sobre a arte e seus desenvolvimentos. Agora,
deteremos nossa atenção na questão do amadurecimento artístico de Henrique
Oswald, buscando ressaltar as aproximações que sua arte conseguiu estabelecer
com a arte de seus contemporâneos, especialmente aqueles situados no plano
internacional.
3.2 UM OLHAR SOBRE A POÉTICA DE HENRIQUE OSWALD
No curso do aprimoramento artístico do gravador Henrique Oswald, registra-se um
fator fundamental: suas constantes viagens ao exterior, não raro, resultantes de
premiações. Através delas, estagiou no atelier de gravura de Johnny Friedlaender,
em Paris, que lhe proporcionou uma abertura no trato das técnicas; realizou um curso
com o pintor André Lhote, também em Paris; conheceu as pinturas rupestres das
cavernas da Espanha e França, as quais tanto influenciaram suas reflexões teóricas,
entre outras experiências. E o mais importante: conseguiu perceber as idéias e
correntes artísticas que impregnavam as obras dos artistas dos locais que visitava.
Algumas dessas tendências, a propósito, tiveram pouca repercussão no ambiente
artístico brasileiro. Quanto a este ponto, Monteiro (apud PIZZA, 1997) ressalta:
123
[...] Lilico quando jovem permaneceu independente na sua visão da arte.
Manteve esta linha e criatividade baseada em sua observação do mundo
real até que começou a ir para a Europa. Então, voltou de lá muito diferente,
entusiasmado com as novas idéias e dando rumo diferente à sua arte. Antes
de ir, expôs seus trabalhos. Na volta, mostrou-se muito impressionado pelos
desenhos das cavernas (de Altamira) na Espanha, comovido pelas primeiras
expressões de arte que se conhece. Gostou muito de El Grecco, deixou-se
penetrar do estilo daquele mestre. (MONTEIRO apud, PIZZA, 1997, p.156).
Como se pode notar, o contato de Henrique Oswald com a realidade da arte no
exterior o sensibilizou de tal modo que acabou por deixar marcas indeléveis em sua
produção. A fim de possamos explicitar essa influência, faremos breves correlações
entre a arte gráfica do gravador com as tendências que se encontravam em voga
durante suas viagens ao exterior. Tal iniciativa, por sua vez, exige que façamos
algumas breves considerações a respeito das propostas estéticas dessas tendências.
Comecemos, portanto, pelo Expressionismo.
Amy Dempsey (2003) comunica que o Expressionismo foi um termo usado como
alternativa ao pós-impressionismo, para se referir às novas tendências anti-
impressionista presentes nas artes visuais que estavam se desenvolvendo em
diferentes países, desde aproximadamente 1905. “Essas novas formas de arte”,
acrescenta a autora, “que faziam um uso simbólico e emotivo da cor e da linha, eram,
em certo sentido, uma inversão do impressionismo; em lugar de registrar uma
impressão do mundo que o cercava o artista imprimia seu próprio temperamento
sobre sua visão de mundo” (DEMPSEY, 2003, p. 70). Como se percebe, o
expressionismo foi marcado por uma profunda ênfase às emoções subjetivas, ou
seja, as obras consideradas expressionistas serviriam de meios de elevação do
evento individual à condição de superindividual para, logo em seguida, reconduzi-lo
ao âmbito da experiência coletiva. Dentre os grupos que deram impulso a essa
corrente, Dempsey (2003) destaca a participação imensurável de dois: o Grupo de
Artistas da Ponte, ou A Ponte (Die Brücke), responsável pela elaboração de uma
ideologia de largo alcance, que englobava não apenas a arte, mais também a vida
inteira, e o Cavaleiro Azul, cuja ideologia era a crença apaixonada e sólida na
irreprimível liberdade criativa do artista para expressar sua visão pessoal, por meio de
124
qualquer forma que o julgasse apropriada. Apesar das notáveis divergências de
pensamento, os grupos perseguiam o mesmo objetivo, no caso, a mudança de óptica
nas relações entre o “eu” e o mundo, mudança esta que tenderia a transformar o
sujeito e seu universo interior no ponto de partida do qual irradiariam sensações e
impressões que inquietariam a representação, provocando, assim, o próprio poder
expressivo da obra. “Esse novo modo de olhar e expressar as coisas”, segundo Dias
(1999, p. 23), intencionado e intensificando a percepção, elegeu como “categorias
essenciais à arte a ironia, o tratamento sarcástico do humano, caricaturizado em seus
estigmas, a visão trágica, o grotesco”.
Se considerarmos que a estética expressionista defende vigorosamente a
deformação dos corpos, a fragmentação, o patetismo das imagens” (DIAS, 1999),
poderemos argumentar que a produção em gravura de Henrique Oswald encontra-se
impregnada pelos ideais deste movimento, principalmente aquelas obras em que a
realidade não é representada tal como se coloca diante do artista e sim recriada a
partir de um realismo alucinatório e deformador. A obra “O Datilógrafo” (s/data) é um
exemplo interessante (Figura 31).
Figura
31
Henrique Oswald.
O Datilógrafo
Água forte, água tinta 15 X 40 cm, sem data.
Fonte: Catálogo (1966, não paginado)
125
Nela, o artista projeta o perfil de um homem, cujas características não são
necessariamente humanas, mas próximas às de qualquer outro animal, mais
precisamente de um macaco. É uma figura com aspectos que fogem aos limites das
ocorrências normais, ou ainda naturais, aproximando-se, fatalmente, da idéia de
caricatura. Argan (1992, p. 240), a propósito, adverte que “a deformação
expressionista não é uma caricatura da realidade: é a beleza que, passando da
dimensão do ideal para a dimensão do real, inverte seu próprio significado, torna-se
fealdade, mas sempre conservando seu cunho de eleição”. Isso significa que a
distorção figurativa e composicional, identificada na obra acima, é totalmente
intencional, ou seja, Henrique Oswald optou por recriar a figura humana, conferindo-
lhe uma estética grotesca e, ao mesmo tempo, dramática, em vez de apenas captá-la
ou moldá-la segundo as leis da arte tradicional. A beleza, nesse caso, seria
alcançada através de caminhos tortuosos, que a personagem encarna a imagem
mesma do feio e do disforme. Sobre a questão, Argan (1999) fez o seguinte
comentário:
A poética expressionista, que, no entanto, permanece sempre
fundamentalmente idealista, é a primeira poética do feio: o feio, porém, não
é senão o belo decaído e degradado. Conserva o seu caráter ideal, assim
como os anjos rebeldes conservam, mas sobre o signo negativo do
demoníaco, seu caráter sobrenatural a condição humana, para os
expressionistas alemães, é precisamente a do anjo decaído. (ARGAN, 1992,
p. 240)
Mas, ao lado da atração pela deformação, da busca pela beleza através de figuras
ostensivamente feias, outros aspectos da obra em foco podem servir como pontes de
aproximação entre a arte de Henrique Oswald e os princípios estéticos do
expressionismo. A temática é um deles. Do nosso ponto de vista, a referida gravura é
uma reação desmedida do artista contra o mundo tecnológico, o avanço das
indústrias e a todas as formas de dominação que afetam a existência humana, uma
argumentação que se sustenta no próprio título, “O Datilógrafo”, o qual parece
126
condensar poeticamente um conflito: a condição do indivíduo, enquanto livre
trabalhador, frente ao mecanismo do trabalho industrial.
Como sabemos, o advento das novas tecnologias promoveu a descaracterização e a
destruição do sentido do trabalho humano, despojando-o da autonomia que até então
o delineava. Para adaptar-se a essa nova realidade, o homem permitiu ser
condicionado, dominado, adestrado”, mergulhando em um processo, digamos,
desumanizante. O centro de interesse de Henrique Oswald, portanto, seria
justamente essa metamorfose experimentada pelo indivíduo, fruto de sua
incorporação ao sistema maquinal. A tensão dramática e a deformação serviriam,
potencialmente, para expressar os conflitos e angústias do homem em tempos de
modernização. A propósito, Dias (1999, p. 20) esclarece que uma das principais
temáticas do movimento é a relação homem x máquina, em que é vista como signo
dos males da sociedade, daí decorrendo tópicos como a racionalidade em oposição
ao humano, a perda da alma, a máquina e fenômeno das massas”. Se as noções de
progresso tecnológico e de sociedade industrial não coincidiam com a visão da arte
expressionista, a qual buscava firmar-se como revolucionária, era natural que aqueles
que se encontravam motivados pelo movimento, a exemplo do próprio Henrique
Oswald, tentassem exprimir através de suas obras a amargura, o desespero e a
angústia decorrentes dessa nova situação social. Neste ponto, é instrutivo comentar a
respeito da obra “O Grito” (1893), do artista norueguês Edvard Munch, considerada “a
imagem-chave do Expressionismo” (DIAS, 1999, p. 11).
Sem pretender uma análise aprofundada da obra em questão, pontuamos que o
homem sobre a ponte parece gritar desesperadamente diante de algo que se
desenvolve diante de seus olhos. Esse algo, segundo nos parece, é o próprio
processo de transformação do mundo do trabalho, que “não somente separou a
concepção e a execução, como destruiu a sociedade, dilacerando-a em classes
exploradoras e exploradas” (ARGAN, 1999, p. 241). Alegoricamente, a ponte
representaria essa transição do trabalho considerado livre e criativo para o trabalho
industrial, entendido como atividade alienante. Dentro dessa perspectiva, o grito
127
emitido incorporaria o próprio estado da consciência humana em relação à crise que
se instalava à sua volta, estando carregado também de ansiedade, desilusão e de
todos aqueles sentimentos depreciativos que foram intensificados com sua
ocorrência. A obra, portanto, apresenta uma visão intensa e angustiante do mundo
contemporâneo.
Não podemos deixar de comentar a respeito da ação deformadora que invade e se
explana na obra em questão. Assim como em “O Datilógrafo”, a figura principal,
apesar de apresentar características reconhecidamente humanas, também plasma
certa anormalidade, que, como é nítido, se extende aos demais elementos do
cenário. É uma composição temática que, pelo menos à primeira vista, não é bela aos
sentidos, muito menos agradável ao entendimento. De todo modo, essa associação
de imagens e formas, aparentemente, desagradáveis, que esboça um relativo
descaso com os conceitos então vigentes de belo e do feio, não deixa de despertar o
deleite, pois faz surgir uma obra altamente expressiva e vigorosa, que vazão aos
sentimentos humanos negativos mais profundos.
Mesmo não querendo desconsiderar em definitivo as obras de Henrique Oswald que,
surgindo de seu impulso para a expressividade tortuosa das formas, apresentam a
deformação como característica vital, gostaríamos de concentrar nossa atenção
naquelas que se desdobram para um horizonte, digamos, social, estabelecendo uma
estreita afinidade com as propostas defendidas pelo Die Brücke, as quais falavam da
reintegração da arte na vida e da ação do artista dentro da sociedade, este
considerado “um gênio capaz de promover uma verdadeira conversão da
humanidade através de sua arte” (GUINSBURG, 2002, p. 42). A gravura “Retirantes”
(1952) (Figura 32) é uma obra que nos uma amostra do nível de envolvimento da
polêmica social com a poética de Henrique Oswald, advogando, assim, a favor a
conexão entre a arte e a sociedade.
128
Figura 32 – Henrique Oswald. Retirantes
Água forte, água tinta, dimensões não especificadas no catálogo, 1952.
Acervo: Museu Nacional de Belas Artes
Fonte: Catálogo (1966, não paginado)
Nesta gravura, o motivo temático é a situação social e política do nordeste brasileiro,
na década de 1950, quando uma grande massa de pessoas de pouco poder
aquisitivo se deslocou de suas cidades para os grandes centros urbanos, à procura
de emprego e melhores condições de vida. Através dela, Henrique Oswald se
dedicou, assim como muitos da linhagem expressionista, a uma campanha de
questionamento social, buscando, com isso, a renovação da sensibilidade coletiva.
Como o problema tratado não está necessariamente relacionado ao artista e sim ao
contexto no qual este se encontra inserido, podemos dizer que a referida obra se
distancia do plano individual para se desenvolver no coletivo, manifestando um
sentimento de empatia profunda pelo ser humano e suas problemáticas. Ora, Dias
(1999) já havia dito que, na estética expressionista, “o individual cede em favor de
uma concepção de Homem como entidade universal”, o que justifica o fato de
Henrique Oswald ter se utilizado de sua arte para exprimir seu posicionamento diante
da realidade, denunciando os problemas que a envolviam.
129
Não podemos deixar de comentar a respeito do apego de Henrique Oswald às
composições abstratas, outro aspecto que reafirma seu espírito expressionista.
Lynton (2000), tomando como referência a arte pictórica, sustenta que a única
inovação verdadeira que o expressionismo moderno apresentou foi a descoberta de
que composições abstratas podem ser tão efetivas, pelo menos, quanto aos quadros
temáticos. “Descobriu-se que o tema, tendo servido como veículo para gestos
expressivos, [...] podia ser inteiramente abandonado. O poder expressivo de cores e
formas, de pinceladas e textura, de tamanho e escalada, eram demonstravelmente
suficientes” (LYNTON, 2000, p. 27). Mas o abstracionismo não ficou confinado a arte
pictórica expressionista, como se a busca pela independência em relação aos meios
e à expressão por mediação da cor, da forma, da linha e da própria
bidimensionalidade fosse um ideal seguido apenas por seus praticantes. Pelo
contrário, os gravadores também deixaram parcialmente as formas figurativas para
caminhar rumo à abstração, crentes de que poderiam eliminar o espectro concreto
para corporificar o conteúdo da obra em formas, digamos, imateriais. Seguindo esta
tendência, Henrique Oswald também dedicou uma parcela de sua produção em
gravura para tratar do fator abstrato, trabalhando para reduzir ao mínimo a vida das
formas concretas. Tanto empenho em romper com os limites da representação
figurativa serviu para colocar o gravador de encontro com as propostas de artistas,
como Munch, Kirchner e Schiele, os quais, parafraseando Nolde (1999, p. 158),
também lutavam pela libertação das formas antigas, “pela criação de formas novas,
infinitamente, variadas”.
É possível identificar, nas obras de Henrique Oswald, a influência de outras
tendências artísticas que, embora surgidas em um momento posterior ao
expressionismo, se desenvolveram à luz das mesmas inquietações. Vejamos, por
exemplo, o caso da Arte Bruta. Dempsey (2003) nos ensina que Arte Bruta foi o termo
criado, em 1945, pelo artista e escritor francês Jean Dubuffet para descrever a
coleção que montou de pinturas, desenhos e esculturas feitos por pessoas sem
treinamento em arte - crianças, visionários, médiuns, gente sem instrução, prisionais,
doentes mentais -, as quais, acreditava, estariam a salvo dos efeitos mortais da
130
formação acadêmica e das convenções sociais e, portanto, livres para criar obras de
verdadeira expressividade. A mesma autora prossegue:
O termo arte bruta também costuma ser empregado para descrever a arte
de próprio Dubuffet. Este foi influenciado pela descoberta das pinturas na
caverna de Lascaux em 1940 e pelos grafitos anônimos nos muros de Paris,
registrado em fotos de Brassaï (1899-1984), ambos os quais contribuíram
para sua crença no impulso primordial do homem de observar e criar, bem
como para seu vocabulário visual e pessoal. Ele objetivava uma arte em
estado bruto, livre de amarras, ao mesmo tempo farsesca, satírica, crua e
absurda. (DEMPSEY, 2003, p. 174-175)
Na produção gráfica de Henrique Oswald, é relativamente fácil ver a influência da
Arte Bruta, tanto em termos de forma como em termos de temática. Prova disso é a
obra “Abstrata” (Figura 33). Os traços fortes e fragmentados, que percorrem o
espaço, hoje, amarelado do papel, em nada lembram o trabalho de um experiente
gravador que, através de sucessivas mordeduras provocadas pela corrosão do ácido,
busca explorar ao máximo as possibilidades expressivas que os meios técnicos da
gravura oferecem. Lembra, sim, o resultado de uma experimentação feita por alguém
com pouca afinidade com a linguagem, que desconhece seus recursos e suas
possibilidades de combinação. Essa oposição formal entre a referida gravura e a arte,
por assim dizer, convencional é o que coloca a produção de Henrique em diálogo
com a Arte Bruta. Não é um diálogo forçado, pois é visível a preocupação do
gravador em subverter conceitos preconcebidos sobre a arte, tornando a pura
invenção um elemento de alta importância no processo criativo. Um dado curioso é
que Henrique, tal como o artista Jean Dubuffet, também teve contato com as imagens
pré-históricas registradas nas cavernas de Lascaux, na França, adentrando, assim,
num mundo que, para muitos, representa um dos últimos refúgios da arte em seu
estado bruto. Essa experiência, a nosso ver, não deve ser descartada como
determinante para que o gravador se identificasse com os ideais e, sobretudo, a
estética da Arte Bruta.
131
Figura 33 – Henrique Oswald. Abstrata
Água-tinta e relevo, 21 X 28 cm. 1941/1950.
Fonte: Catálogo Mostra Rio de Gravura. (1999, p 102).
Aspectos relacionados à Arte Existencial também se pronunciam em determinadas
gravuras de Henrique Oswald. De acordo com Dempsey (2003), o existencialismo,
filosofia mais popular do pós-guerra na Europa continental, tinha uma visão focada no
isolamento do homem no mundo, sem sistemas morais ou religiosos preexistentes
que lhe dessem apoio e o guiassem. Por um lado, vê-se forçado a tomar uma
consciência de sua solidão e do vazio e absurdo da existência; por outro, tem a
liberdade de definir a si mesmo, de reinventar-se por meio de cada ação que pratica.
E continua:
A linguagem do existencialismo autenticidade, angústia, alienação,
absurdo, náusea, transformação, metamorfose, ansiedade, liberdade -
tornou-se a linguagem da crítica de arte, à medida que os escritores
transpunham para as palavras a experiência de confrontar suas criações.
[...] O que deu a estes artistas [chamados existencialistas] um sabor especial
existencial não foi o estilo, mas o estado de espírito quanto às obras de arte.
(DEMPSEY, 2003, p. 176)
132
Nota-se, que a linha de pensamento seguida pelos artistas denominados
existencialistas tem uma ligação muito estreita com aquela que orientou o trabalho
dos expressionistas, ou seja, ambas caminhariam em direção ao ser humano,
desbravando seus conflitos internos e suas experiências dilacerantes. Isso vem, de
certo modo, reforçar a idéia de que o existencialismo se faz presente na produção
gráfica de Henrique Oswald, este que, pelo fato de ser notadamente expressionista,
tinha uma empatia natural pelas aflições da existência humana. Vejamos o caso da
gravura “Retirantes” (s/data), já citada. Nela, o homem é visto a partir de uma
perspectiva dramática, que enfoca justamente o caráter frágil e instável de sua
condição dentro da sociedade e sua passividade diante dos problemas que nela
emergem. A solidão, como propunham os existencialistas, é um sentimento que brota
dessas obras, mesmo naquela em que o sofrimento é sentido e enfrentado
coletivamente. também a constante luta do homem, não somente para garantir
sua sobrevivência, mas para encontrar o próprio sentido de sua existência. Como se
vê, as idéias existencialistas conseguem se solidarizar com os princípios
expressionistas para que, juntas, possam enriquecer os conteúdos semântico e
formal das obras.
As correntes e as filosofias aqui enunciadas respondem, cada qual por seu turno e
sob certa faceta, pela expressividade das gravuras de Henrique Oswald e pela
aproximação destas com a arte produzida no campo artístico internacional. É
possível, agora, passar à etapa da análise formal da produção gráfica do artista.
Evidentemente, não contemplaremos todas as suas obras. Até porque grande parte
delas se encontra confinada em acervos particulares, estando, portanto, privada do
contato com o público. Sendo assim, concentraremos nossa atenção nas obras com
as quais tivemos contato, o que significa que iremos reintroduzir aquelas que
utilizamos para ilustrar os debates desenvolvidos nas seções precedentes.
133
3.2 CRUCIFICAÇÃO
Figura 33 - Henrique Oswald. Crucificação
Água-forte água-tinta, dimensões não especificadas, s/ data.
Fonte: Catálogo (1966, não paginado)
A gravura intitulada “Crucificação” (Figura 33), como o próprio nome indica, trata de
uma temática religiosa, mais precisamente do calvário de Cristo. De sua composição
de caráter narrativo faz parte uma grande massa de pessoas que testemunham o
desfecho da condenação em um ambiente montanhoso. É um cenário tenso, estático
e paralisante, conquistado através da conjugação de duas técnicas fundamentais e
solidária entre si: a água-forte, recorrida comumente para a definição dos traços, e a
água-tinta, aplicada na variação de escala tonal. Vários são os planos. No primeiro
deles, temos um grupo de pessoas, todas anônimas, talvez, familiares, que
demonstram um envolvimento mais profundo com o acontecimento. No seguinte, com
certo esforço, identificamos um grupo mais numeroso de observadores que, em
função dos efeitos da contraluz, acabam se misturando com o chão e a cruz.
Devemos considerar ainda o fato deste grupo se encontrar mais próximo dos homens
crucificados, que nos sugere um maior interesse e até mesmo curiosidade pelo
desenvolvimento da situação. São as pessoas crucificadas que ocupam o terceiro
plano. Embora a ausência da luz não nos permita reconhecer de imediato a direção
134
para a qual estas figuras se encontram efetivamente voltadas, um olhar mais atento
acaba constatando que seu posicionamento favorece a visão daqueles personagens
situados no primeiro plano, isso significa que o fruidor da obra teria total acesso aos
detalhes do corpo e até mesmo da expressão do rosto dos crucificados, caso estas
zonas fossem privilegiadas pela luminosidade. Nos demais planos, que completam a
idéia de uma paisagem evocativa de vales e montanhas, temos várias outras pessoas
em dispersão, aparentemente desinteressadas pelo fato. É uma composição que, em
virtude da precisão do ângulo a partir do qual o artista construiu a perspectiva, sugere
um enquadramento fotográfico, que confere à obra a condição de um corte de cena,
ou melhor, de um instantâneo.
A grande incidência da luz, responsável por provocar sombras altamente definidas,
parece ser a luz do meio dia, aquela que, de tão intensa, acaba colocando limites à
nossa visão. As linhas inquietantes atuam lado a lado com a luz, fazendo com que
algumas formas se dissolvam em zonas de cinza, determinado, assim, o
desaparecimento da ordenação tradicional. Mas o que é interessante é que essa luz,
longe de ser empregada para destacar os elementos que se encontram no primeiro e,
sobretudo, no segundo plano, os quais teoricamente possuiriam maior importância na
composição, é recorrida para pôr em relevo as personagens que se encontram ao
fundo, atuando como coadjuvantes da fatídica cena, uma atitude que deixa
obscurecidos os momentos finais da crucificação. É como se o artista pretendesse
deslocar o olhar do observador para as situações paralelas que envolviam aquela que
poderíamos chamar de cena principal. Embora haja esse jogo entre figuras em
contraluz e figuras contornadas, que realça em cada um a diversidade do outro, as
figuras se completam.
135
3.3 FEIRA DE ÁGUA DE MENINOS
Figura 34 - Henrique Oswald. Feira de Água de Meninos
Água-forte, água tinta 30 x 55 cm, s/ data.
Fonte: Catálogo (1966, não paginado).
Do nosso ponto de vista, a gravura “Feira de Água de Meninos” (Figura 34) pode ser
considerada um dos trabalhos mais expressivos de Henrique Oswald, particularmente
porque ele nos oferece uma visão panorâmica da Feira (que dá nome à obra),
construindo na superfície da lâmina de cobre, uma espécie de planta baixa, onde é
destacado um manto flutuante de barracas, em forma de quadrados e enfileirados
horizontalmente, que parece abraçar a enseada. E o que é interessante, a integração,
ou melhor, a interdependência física entre essas unidades é tão forte que fica difícil
não comparar o conjunto a uma colcha de retalhos, cujas partes também o
unificadas por laços de solidariedade. Sobre as tranqüilas águas do mar da Baía de
Todos os Santos, encontram-se alguns saveiros, realizando, ao que parece, o
transporte dos produtos comercializados na Feira. Cumpre assinalar que as curvas e
contracurvas utilizadas para configurar o mar promovem um movimento em fluxos e
refluxos, ritmos e tensões, que colabora para ressaltar a identidade da Feira, um
ambiente em que se realizavam vários cruzamentos. Aliás, a introdução desse
detalhe, que carrega de energia a paisagem, não é fortuita, uma vez que a vitalidade
do referido local dependia fundamentalmente do transporte marinho, na época,
136
considerado o menos dispendioso. É, com efeito, uma obra que ressalta o fragmento
e o dinamismo impessoal do espaço urbano.
Os efeitos expressionais podem ser atribuídos a vários elementos, desde às linhas
firmes que rasgam o cobre para realizar com minúcias os pormenores da feira,
exprimindo a destreza do artista e, ao mesmo tempo, o aspecto incorpóreo do lugar, à
gradação das cores da qual participa basicamente o branco, o preto e, em maior
escala, o cinza. O jogo de claro-escuro, recorrente em várias obras do artista, se faz
presente em campos definidos e escassos, o que o impede de se constituir como
uma das características mais significativas desta gravura. A luz da cena encontra-se
diluída na água, gerando uma claridade que, de imediato, atrai os olhos do
observador para o plano mais profundo da composição. A propósito, o encontro dos
planos superior e inferior é suavizado pelo quebra-mar, também responsável por
interromper a linha do horizonte.
137
3.4 A INFLAÇÃO
Figura 35 - Henrique Oswald.
A inflação.
Água forte, água-tinta e ponta seca.
29 X 36,5 cm. 1944/1950.
Fonte: Laudana e Kosovitch (2000, p. 81)
Na gravura “A inflação” (Figura 35) o conteúdo formal e o iconográfico possuem um
vínculo estreito e acessível à compreensão. Nela, o artista exprime sua visão sobre a
realidade social que o cercava, mais precisamente sobre a questão econômica e suas
variações, uma tendência que caracteriza a arte desse período, motivando artistas
como Oswaldo Goeldi, Lívio abramo, Grassmam, entre outros, que, aliás, também se
apropriaram das técnicas, por assim dizer, corrosivas da água-forte e da água-tinta
para explorar seus temas. O olhar aqui lançado, no entanto, não pretende
simplesmente reproduzir a problemática, mas mostrar todo seu impacto sobre o
cidadão comum. De sua ão gráfica, surge a representação de um homem com
chapéu, dominado pela emotividade a um ponto lastimável, cujo rosto encontra-se
escondido entre os braços que, por estarem entrelaçados, nos permitem entrever
apenas uma das mãos. O punho está fechado. Ainda assim, notamos um dos dedos
138
apontando involuntariamente para o jornal, o qual, a propósito, parece amparar o
homem em estado de declínio. A notícia veiculada diz respeito à inflação, tema que
dá título à matéria do jornal e também à gravura. Ao que parece, o homem retratado é
uma personificação do impacto da inflação sobre a sociedade, transmitindo-nos,
embora sem mostrar o rosto, a sensação de desespero e, ao mesmo tempo, de
passividade. A composição se completa com a presença de uma pilastra que, à
primeira vista, serve de apoio ao homem, talvez, o único que este possui diante da
notícia citada pelo jornal. É uma obra que, identificada por uma aparente simplicidade
de configuração, incorpora todo um drama socioeconômico que dá sustentação a um
universo angustiado, de experiências dilacerantes. Poderíamos dizer que a desilusão
é expressa com os poucos recursos: a placa de cobre, o breu, a ponta seca e o ácido.
O espaço é construído dentro de uma superfície de planos, que tendem à
horizontalidade. No primeiro deles, encontramos a própria figura humana declinada
sobre o jornal e com parte do corpo mergulhado na imensa escuridão que invade o
campo superior da obra. Devemos mencionar que a luminosidade está limitada ao
primeiro plano e que o foco principal de sua atividade é a publicação, muito embora a
cabeça coberta pelo chapéu e o punho fechado também sejam contemplados.
Provavelmente, o artista desejou exprimir as relações que existem entre esses três
elementos: a notícia que perturba a mente, e o impacto que esta ocasiona ao
mercado de trabalho, este simbolizado pela mão. o segundo plano, é identificado
pela pilastra que ensaia uma divisão vertical da composição. Tanto o homem quanto
a pilastra apresentam pesos compatíveis e, o que é mais importante, aparecem ao
centro da cena, cujo plano central é o infinito. Diferente do que pudemos observar nas
obras anteriormente examinadas, a presente gravura exibe uma maior variação tonal,
permitindo que matizes pastéis, como marrom, amarelo, laranja e ocre, assumam um
papel de destaque.
139
3.5 RETIRANTES
Figura 36 – Henrique Oswald. Retirantes
Água forte, água tinta, dimensões não informadas, 1952.
Acervo: Museu Nacional de Belas Artes
Fonte: Catálogo (1966, não paginado).
Temos aqui uma obra que, se revestindo da condição de documento visual descritivo
e realista, também se apropria de uma densidade expressiva e narrativa para ilustrar
problemas sociais. Pleiteando desta vez a questão do êxodo rural, o artista compôs
uma cena dominada por retirantes, organizados a ou inseridos em transportes
improvisados e precários, tomando um caminho tortuoso, cujo destino nos é vedado
conhecer. De modo geral, as figuras são colocadas anonimamente, sem traços
distintivos individuais. Por isso, estas são personagens e não pessoas, não são
concretamente ninguém. Abstratamente, são toda gente, o ser humano, em busca de
uma vida digna.
140
Chama atenção o fato de um dos personagens, localizado no primeiro plano da
composição, não se encontrar integrado à grande romaria. E o que é mais intrigante,
seu comportamento contrapõe profundamente com a dinâmica da situação. Enquanto
a grande massa de retirantes se mostra tomada pela ansiedade, num clima de
profunda inquietação, a referida figura está acomodada no chão, de onde observa a
movimentação com certo distanciamento. É como se ela estivesse completamente
ausente do que está acontecendo e imune aos interesses que determinam esta longa
marcha. Não se sabe ao certo se esta figura é uma representação de um retirante
vencido pelo cansaço decorrente da caminhada ou a própria personificação do
abandono, situação experimentada tanto pelas pessoas que se lançam em busca de
melhores condições de vida quanto pelas coisas que vão ficando pelo caminho, a
exemplo de família, casa, lembranças de infância, entre outras. O fato é que ela
mantém sua individualidade, seu ar de mistério, exercendo, justamente por isso, forte
fascínio sobre quem a observa.
É interessante perceber as articulações tmicas. Por meio de traços rápidos e
nervosos, o artista consegue atribuir à cena todo o aspecto conturbado que é
intrínseco ao movimento do êxodo, transmitindo-nos a idéia de completo caos. Mas
mesmo neste ambiente, por assim dizer, tumultuado, existe uma organização dos
elementos compositivos, os quais, longe de estarem distribuídos ao acaso, se
apresentam entrelaçados e com seu lugar logicamente definido. A propósito, se
olharmos atentamente o conjunto como um todo, verificaremos que os retirantes,
juntamente com as caminhonetes, estão compondo uma espécie de elipse
unificadora, cuja origem nos escapa. Essa elipse atravessa todos os demais planos
da superfície. As linhas do entorno da obra, em sua maioria onduladas são mínimas
diante das massas cinzas, característica da gravura, das sombras, que surgem como
uma vibração, dando a impressão de movimento que tudo abarca. Vale acrescentar
que a luminosidade utilizada para emoldurar os personagens não é agressiva,
buscando manter o sentido de originalidade. O brilho suave que percorre
praticamente toda a superfície, além de nos oferecer um todo conveniente de luz e
sombra, nos coloca diante de uma realidade angustiante.
141
3.6 RETIRANTES
Figura 37 – Henrique Oswald. Retirantes.
Água-forte, 19/100 17,5 X 23,5 cm, s/ data.
Acervo: Coleção: Mônica e George Kornis
Fonte: Catálogo (2008 p. 43).
A presente gravura também se relaciona com o mundo dos retirantes. Contudo, o que
é novo, neste caso, quando comparado com o anterior, é a clareza com que a
problemática é exposta. É um tema que, pelo menos aparentemente, exercia forte
fascínio sobre o artista, levando-o a desejar esgotar todas as possibilidades que este
oferecia. Transformados novamente em protagonistas, os retirantes são combinados
numa cena dramática, realizando um suave e silencioso deslocamento, que
demonstra que os sentimentos em relação à situação degradante na qual estes vivem
não o menos profundos do que na gravura que analisamos a pouco. Através de
linhas nervosas e imprecisas, o artista mantém o anonimato na configuração das
personagens, reafirmando sua condição de esquecidos, de completamente
abandonados, deixando, inclusive, que caminhem de costas para o observador. Essa
142
forma de perceber e tratar o trabalhador do campo também é característico das obras
de Millet e Courbet, cujas obras, além de manifestarem interesses sociais bem claros,
são tomadas por figuras incógnitas. Voltando à obra de Henrique, constatamos a
presença de alguns instrumentos de trabalho e outros pertences, pormenores da vida
cotidiana captados em sua essencialidade, que nos dão uma idéia da realidade das
figuras retratadas, principalmente daquelas que se encontram nos planos iniciais.
Esses instrumentos também servem para individualizá-las dentro da multidão. o
podemos deixar de mencionar as proporções exageradas com que os pés descalços
e as mãos se apresentam, pois elas indicam a relação das pessoas com a terra e, por
conseguinte, com o trabalho agrícola, uma impressão que se reforça através de
outros elementos presentes na composição, como a enxada que é conduzida no
ombro por aquele que seria último dos retirantes.
Aqui a luz também é utilizada com destreza. Aliás, a obra como um todo é tomada por
uma forte radiosidade, que parece jogar com as personagens. Enquanto algumas são
evidenciadas em todos os seus detalhes, outras nos oferecem uma visão apenas
parcial. ainda aquelas que se encontram totalmente obscurecidas, envoltas por
um negrume que se presta a dificultar seu reconhecimento. Nota-se, que a luz,
enquanto elemento da linguagem visual, se confunde com a própria representação do
fenômeno natural luz, ora sendo visível e discreta, quase fantasmagórica, ora sendo
potente e constante.
143
3.7 LADEIRA DO PELOURINHO
Figura 38 – Henrique Oswald. S/ Título.
Água forte, água tinta,
1954.
Fonte: Acervo do Museu Nacional de Belas Artes
Estamos diante de uma obra dotada de uma audácia e de uma vida desafiadoras.
Sua temática é a cidade em todo o seu dinamismo, tomando como ponto de
referência o antigo centro comercial de Salvador, atualmente conhecido como Centro
Histórico (Pelourinho). Nessa linha de redescoberta do cotidiano, do comunal, vemos
recriados e legitimados, lado a lado, sobrados remanescentes do período colonial,
igrejas, caminhões, postes de iluminação, algumas pessoas em trânsito, a ou
montadas em animais, e outras em situação de descanso. A idéia de que a rotina do
ambiente retratado se fundava nas atividades comerciais se deixa perceber em vários
144
recônditos da composição, como nas cargas transportadas pelos animais, na
concentração de veículos de grande porte e no próprio comércio informal, introduzido
através da figura de uma baiana de acarajé, disposta, juntamente com seu tabuleiro e
alguns clientes, ao lado da igreja perfilada. Essa atividade constante e inquieta de
formas, constatada de uma extremidade a outra da composição, está efetivamente
alinhada com o espírito da vida urbana, que parece preferir a agitação à instabilidade.
Ao mesmo tempo, gera todo um caminho a ser percorrido visualmente.
A ênfase principal recai sobre a linha que envolve todas as formas. As linhas são
sempre vigorosas, até mesmo agressivas, cortando a gravura de uma ponta a outra.
A linha confere contornos uniformes e contínuos, ao mesmo tempo em cria texturas
através de sua multiplicação. A perspectiva é outro traço marcante desta gravura,
deixando evidente a intenção do artista em chegar à perfeição na representação do
mundo real e do homem, no plano bidimensional. Aqui, a perspectiva se mostra
aérea, baseada em gradientes de claridade, saturação, nitidez, textura e de cor. Tudo
isso colaborando para que a gravura assuma uma dimensão fotográfica, o
enquadramento de um instantâneo. Ao tocar na questão da luz, devemos deixar
registrado que ela, apesar de invadir e se expandir no interior da cena, é pontual,
tendo a capacidade de selecionar aqueles pormenores da vida cotidiana que deseja
transformar em protagonistas. É, neste ponto, que percebemos a solidariedade entre
a perspectiva e a luz. Enquanto o primeiro recurso trabalha para que o observador
tenha acesso a uma visão ampla da cena, colocando-o frente a inúmeros elementos
constitutivos, o segundo, opera a favor da identificação desses elementos,
convidando-o a penetrar em seu cotidiano e descobrir seus segredos.
145
3.8 NOTURNO
Figura 39 – Henrique Oswald. Noturno
Água forte, água tinta, 60 X 50 cm, sem data.
Fonte: Catálogo (1966, não paginado).
Através da gravura “Noturno” (Figura 39), Henrique Oswald penetra no universo da
música, de onde faz emergir a figura de um violinista em plena atividade. O interesse
do artista pelo referido tema parece-nos justificável. Dissemos, em outra parte deste
estudo, que a música era uma das linguagens mais apreciadas pela família de
Henrique Oswald. Prova disso eram os constantes encontros que promoviam, nos
quais aqueles que possuíam determinada habilidade musical podiam mostrá-la aos
demais parentes e também amigos convidados. Pessoas, como Laudômia
Bombernard Gasperini (avó), Alfredo Oswald (tio), Henrique Oswald (avô), Maria
Gertudres Bicalho (mãe), Maria Carlota Bicalho (tia), eram alguns do que estavam
sempre a frente dos saraus. O próprio gravador tinha um envolvimento efetivo com a
música, sendo um habilidoso tocador de violão e admirador de bossa-nova. Isso
146
explica, em parte, porque ele fez da música a matéria-prima da presente obra. Sua
intenção, talvez, tenha sido a de homenageá-la, através do fragmento do real
representado, relembrando o quanto esta foi importante para sua formação artística.
Voltando ao conteúdo formal, notamos que o personagem central está frontalmente
posicionado, como se estivesse flutuando, e na forma como manuseia o instrumento
existe certa delicadeza e tranqüilidade, além de resquícios de indeterminação. Paira
sobre ele uma aura transfiguradora, influenciada pela desconstrução espacial. À
primeira vista, temos a impressão de que ele se encontra só, ensaiando ou mesmo
realizando uma apresentação particular. Porém, quando dispensamos um pouco mais
de atenção para observá-la, descobrimos que a referida figura é apenas um recorte
de uma cena maior, um concerto, muito provavelmente. Os fragmentos que se
pronunciam ao seu redor, na parte inferior da obra, sugerem a presença de outros
instrumentos que, por sua vez, denunciam a interação de outros músicos na cena. Ao
fundo da figura central, e precisamente no campo superior da composição,
reconhecemos indícios de possíveis pilastras. Tudo está tomado por uma negrura
que é profunda e, ao mesmo tempo, aveludada.
A figura que se apresenta como violinista, localizada no segundo plano, é moldada
pelas ações do claro-escuro e as ranhuras de luz marcam seu rosto, tornando-o tão
sereno quanto seu gesto e sua expressão. Esses mesmos efeitos também afetam o
instrumento que ostenta, mergulhando toda a cena numa atmosfera sombria e, por
assim dizer, enigmática. Outro grande contribuinte para a ocorrência do caráter
misterioso desta gravura é a precisão com que as linhas são empregadas na
configuração dos elementos constitutivos e dos pormenores. Estas linhas surgem
com mais força entre as massas de grande densidade de preto e cinza, onde são
abertos alguns lastros de luz. A propósito, a luminosidade que consegue invadir o
campo visual é totalmente comedida, possui seus pontos específicos de ação. Isso,
porém, não a torna menos importante do que os demais aspectos plásticos. Pelo
contrário, é dela que emana toda a dramaticidade e expressividade da obra.
147
3.9 JEREMIAS
Figura 40 – Henrique Oswald. Jeremias
Água-forte, água tinta 36 x 49 cm, s/ data.
Fonte: Catálogo (1965, não paginado).
“Jeremias” (Figura 40) é uma obra misteriosa. Desenvolvida a partir de uma superfície
retangular, ela nos mostra a figura perfilada de um homem agachado em uma cena
impregnada pela escuridão. O rosto envelhecido, localizado no segundo plano, e o pé
esquerdo aparentemente sujo, visualizado no primeiro, são os únicos traços que se
encontram à vista, que o restante nos é vedado conhecer. As vestes, ou pelo
menos parte delas, também são evidentes, complementando essa ambiência de
abandono. O que é interessante nesta gravura é que a figura de Jeremias não
representa somente o centro da composição. Na realidade, a proposta foi formulada
para ele, uma vez que não existem outros elementos interferindo no contexto visual.
Não sabemos ao certo as razões que levaram Henrique Oswald a atribuir o nome
Jeremias a esta gravura, mas é irresistível aproximá-la do Profeta Jeremias,
148
personagem também retratado por gravadores, a exemplo de Rembrandt. Segundo a
Torá dos judeus e o Antigo Testamento dos cristãos católicos, Jeremias era
extremamente envolvido com questões sociais e que acreditava que os apelos de
Deus vinham através dos fenômenos da natureza. Por isso, se tornou conhecido
como “profeta da chuva”. “Jeremias” personificava a figura do servo sofredor: era um
homem humilde e solitário, talvez, por isso o povo pobre e lutador se sentisse tão à
vontade ao seu lado. Se estabelecermos uma aproximação entre as considerações
feitas sobre o Profeta Jeremias e a imagem contida na gravura de Henrique Oswald,
veremos que a suposição de que o artista se inspirou no referido tema é totalmente
aceitável. O homem que vemos é visivelmente sofrido. As marcas de seu rosto
denotam uma vida cercada de sacrifícios e lutas, enquanto seu olhar vago tenta
buscar no horizonte algo inatingível. Além disso, as roupas que cobrem seu corpo
estão um tanto gastas, o que lhe coloca numa situação de desamparo ou mesmo de
renúncia. Todas essas características parecem recriar a figura descrita nas páginas
dos documentos religiosos, fazendo emergir, mais uma vez, na produção do artista os
temas sacros, os mesmos que influenciaram a gravura “Crucificação”.
Transferindo nossa atenção para o conteúdo visual, notamos que a figura de
“Jeremias” se encontra inscrita dentro de um triângulo. Dois dos vértices são
facilmente perceptíveis, sendo representados pela cabeça e pela ponta do tecido.
o terceiro, é integralmente absorvido pelo negrume, mas isso não nos impede de
apreender sua presença. O sistema de horizontais e verticais não é propriamente
abolido, mas o artista torna-o insignificante. Não há interesse em evidenciar as
relações geométricas com todo o seu potencial, e sim atenuá-las. A luz se faz
presente, e de modo especial. Ao contrário de se instituir como mero elemento da
forma visual, ela se comporta como condição dela, sendo responsável por simular o
volume dos objetos e alegar a existência de um espaço que os distancia. Essa
mesma luz também é geradora de efeitos de sombra variados, a exemplo da
esfumadura, que percorre todo o campo visual, revestindo, como uma espécie de
véu, seus componentes.
149
3.10 FIGURAS
Figura 41 – Henrique Oswald. Figuras
Água forte, água tinta e verniz mole, 50 X 59 cm, s/ data.
Fonte: Catálogo (1966, não paginado).
Demonstrando efeitos expressivos muito próximos daqueles que visualizamos na
obra anterior, inclusive, com a imersão de suas figuras num intenso negrume, a
presente gravura é uma prova de que Henrique Oswald apreciava o mistério e que,
justamente por isso, o trazia para dentro de sua produção gráfica. As duas
personagens que protagonizam a cena se mostram de perfil e concentradas.
Enquanto a figura que se encontra na parte direita da composição possui o rosto
levemente inclinado para baixo, como se estivesse tentando ler o material que
ostenta nas mãos, a que está situada no campo oposto parece olhar frontalmente
para algo que, em virtude da escuridão que toma conta do ambiente, não é possível
ser identificado. Entre essas duas figuras, e de modo muito tímido, surge o que seria
uma terceira personagem, posicionada exatamente ao lado daquela que sustenta o
livro. É claro que precisamos fazer certo esforço para identificá-la. De todo modo, ela
150
consegue se impor aos olhos. Dada à forma como estes elementos estão
organizados, podemos dizer que a cena se passa em um ambiente fechado e que
exige um comportamento disciplinado das pessoas, como uma igreja ou mesmo um
teatro.
A luz modela e valoriza basicamente todas as partes que conseguimos identificar na
obra, recusando, em determinados momentos, a utilização das linhas como definidora
dos contornos. É justamente essa interferência que obstaculiza a percepção dos
limites que separam o claro e o escuro e, por conseguinte, o entendimento de suas
concessões. A luminosidade também contribui para a constituição de uma atmosfera
sóbria e discreta, algo próximo daquela que descobrimos nos contextos a pouco
citados. Tendo em mente todo esse investimento nos efeitos relacionados à luz, não
poderíamos chegar a outra conclusão senão a de considerá-la como a chave de toda
a expressividade da referida gravura.
151
3.11 ABSTRATA
Figura 43 – Henrique Oswald. Abstrata
Água-tinta e relevo, 21 X 28 cm. 1941/1950.
Fonte: Catálogo Mostra Rio de Gravura. (1999, p 102)
A obra intitulada “Abstrata” (Figura 43) apresenta uma composição essencialmente
linear, ou seja, a linha, mais do que se instituir como o principal recurso para a
resolução dos problemas plásticos que a envolvem, determina todo um sistema de
auto-suficiência e expressividade, que revela a energia e o vigor do traço do artista. A
linha, portanto, é o elemento formal mais importante, compelindo os olhos a contornar
toda a sua extensão. O formato do desenho é horizontal e o peso maior da figura se
encontra deslocado para o centro do lado direito, o que nos sugere que o olhar do
observador é atraído primeiramente para as formas que se acumulam nesse campo
específico da composição para então percorrer aqueles com os quais este se
relaciona. Devemos assinalar que a convivência entre a figura e o fundo é bastante
integrada, justamente porque o primeiro e o segundo plano se encontram claramente
definidos. Essa definição pode ser atribuída tanto às diferenciações entre as
152
características das linhas empregadas em cada um dos planos quanto ao registro da
matéria cromática ao fundo da figura principal, a qual é identificada por cores
quentes, como amarelo e ocre. Não podemos deixar de considerar que, embora as
referidas cores tenham seus méritos na obtenção dos efeitos expressionais, sua
presença não impede que as linhas conservem sua individualidade e, o que é mais
importante, constituam o elemento primordial para a qualificação estética da obra em
questão.
É possível dizer que a gravura “Abstrata” se aproxima da Arte Bruta, especialmente
porque abandona a utilização de qualquer forma previamente conhecida para se
estabelecer através de imagens novas e aparentemente inventadas. O interesse dos
artistas considerados informais repousava precisamente sobre a criação de obras que
se desvinculassem dos conteúdos ditos realistas, que superassem as formas
encontradas na natureza. Essa intenção parece-nos bastante evidente na obra aqui
analisada, já que os aspectos característicos da “figura” principal obstaculizam a
identificação do elemento ou da cena que provavelmente lhe deu origem.
153
3.12 S/ TÍTULO (1)
Figura 42 – Henrique Oswald. Concurso
Água-forte, água tinta 2/2 17,5 X 23,5 cm, 1962.
Fonte: Acervo da Escola de Belas Artes.
Foto: Virgínia Silva
Realizada durante o Concurso para Livre Docente da Escola de Belas Artes/UFBA, o
presente trabalho é uma prova da inesgotabilidade e da atualidade das técnicas de
gravura em metal, quando manipuladas pelo talento. Por se tratar de uma
composição figurativa, onde os elementos encontram-se claramente definidos e
ocupando o seu lugar no espaço global, não necessidade de muitas explicações
para se apreciar sua força expressiva. A figura humana sentada na cadeira de
madeira, notadamente um homem negro, é o foco para o qual convergem todas as
outras figuras do cenário. Pelo fato do corpo encontra-se parcialmente despido,
podemos perceber o quanto sua musculatura é definida, uma conseqüência, talvez,
da execução contínua de laboriosas tarefas. Suas mãos repousam sobre uma
154
escultura feita em gesso, cujas características remetem-nos a um detalhe da imagem
de Vênus de Milo. Aliás, a presença desta escultura nos auxilia quanto à identificação
do ambiente retratado. Na Escola de Belas Artes, local de realização do Concurso,
existe uma das poucas reproduções autorizadas da Vênus de Milo, o que nos leva a
crer que o artista pretendeu estabelecer certa aproximação entre o conteúdo da
gravura e o contexto para o qual estava endereçada. Ainda sobre os elementos
compositivos, notamos que o espaldar da cadeira encontra-se coberto por um tecido,
que, numa rápida observação, parece tocar o chão. Não podemos desconsiderar a
presença do pequeno e solitário quadro localizado na parede ao fundo, o qual
também absorve boa parte de nossa atenção.
Mais uma vez percebemos a destreza com que o artista manipula sua restrita paleta,
na qual predominam o branco, o preto e o cinza. Tal como verificamos nos demais
casos, o bom equilíbrio na distribuição das cores é uma característica indelével.
Enquanto na extremidade esquerda da composição, o preto e o cinza se solidarizam
na definição do campo não contemplado pela luz, introduzindo, assim, a idéia de
infinitude na obra. No lado oposto, o cinza predomina, assumindo novas gradações, à
medida que invade o campo inferior do contexto visual. O preto, juntamente com o
branco, constitui a cor básica da configuração dos elementos centrais, estes que, a
propósito, parecem ter recebido do artista a mesma atenção e importância visual,
muito embora suas proporções sejam diferentes. É claro que o cinza também se faz
presente, sendo a cor através da qual o volume das formas se faz notar. Como se vê,
as cores, sem exceção, se apresentam harmoniosamente entrelaçadas e com seu
lugar definido, num jogo de contrastes que oferece aos olhos um agradável efeito.
155
3.13 S/ TÍTULO (2)
Figura 44 - Henrique Oswald. S/ Título.
Xilogravura 40 x 60 cm, s/ data.
Fonte: Catálogo (1966, não paginado)
Temos aqui uma composição de cunho abstrato, composta por linhas que formam
texturas verticais e horizontais. Linhas que, na verdade, se entrecruzam, criando
tramas que em muito se assemelham a de tecidos, podendo também ser comparadas
a um conjunto de incisões feitas em superfícies aparentemente duras. Essa
disposição peculiar das linhas, responsável pela sobreposição de planos de textura
(elemento visual que prevalece nessa obra), cria formas intrigantes, como se fossem
portais, que levam o observador a buscar por algo que está supostamente oculto nos
focos de escuridão, os quais nos remetem à idéia de infinitude. Aliás, a própria forma
retangular da obra nos leva a pensá-la como uma passagem para o infinito. É
interessante constatar que, embora os rasgos de luz, presentes em toda a superfície,
desempenhem um papel importante na composição, os pontos em que são
empregadas as manchas escuras constituem as áreas que realmente prendem a
156
atenção do fruidor. E a razão disso é óbvia. São nesses pontos que o olhar se
acomoda, especialmente naquele que se encontra no canto inferior direito.
A presente gravura também se vale de várias formas bidimensionais, tais como
retângulos, triângulos, losangos, ovais, muitas delas apenas sugeridas, outras
reveladas em toda sua plenitude. Existem ainda aquelas formas consideradas não-
geométricas de caráter irregular e fortemente sinuosas. Frente a tantas superfícies
diferentes, nossa vista busca compará-las entre si, agrupá-las, diferenciá-las e nessa
ação inteiramente espontânea acabamos reconhecendo determinados padrões,
concordâncias e repetições, marcadas pelas ações enérgicas de golpes e contra
golpes das goivas, sobre a superfície da madeira. Ao invés de se dedicar à
elaboração de uma obra tomada por um colorido voluptuoso, o artista prezou por uma
composição fundada basicamente no preto, no branco e no cinza. São cores que
transmitem um sentimento de exatidão e, sobretudo, complementaridade, nos
convencendo de que uma obra pode ser esteticamente primorosa, ainda que suas
formas sejam revestidas de uma configuração acromática. Nesse caso específico, a
cor tornara-se dispensável ao objetivo expressivo a que se propunha o artista.
157
2.14 S/ TÍTULO (3)
Figura 45 – Henrique Oswald. S/ Título
Água-forte e água-tinta, 30 X 40 cm, s/ data.
Fonte: Rocha (2001, p. 227).
A gravura em questão também tende ao abstracionismo, muito embora suas formas,
livres das aparências cromáticas, sejam mais reconhecíveis. Na realidade, a
composição é palco de uma síntese entre abstração e textura, dois elementos que
estabelecem laços de solidariedade específicos que asseguram sua expressividade.
O gravador complementa seu processo unido a mais um recurso, onde os traços
foram elaborados sobre o relevo, formando uma trama entre o desenho e as texturas
que formam o segundo plano da obra. No que tange às linhas, percebemos que
estas delineiam uma trama mais espaçada e aparente do que aquela que
identificamos na gravura examinada pouco, introduzindo intervalos e contrastes
que tendem a aumentar seu peso visual. Os rasgos, recorrentes em grande parte da
produção gráfica de Henrique Oswald, aparecem aqui como um elemento de
158
possibilidade, não somente no sentido de composição, mas como parte do mistério,
ao qual o artista acreditava. Além disso, o uso do preto e branco parece-nos ser muito
mais racional, principalmente se levarmos em conta o modo como os planos estão
definidos, desenvolvendo relações espaciais de proximidade e, ao mesmo tempo,
distância.
O peso dos volumes se encontra bastante equilibrado, apesar de termos a leve
impressão de que o lado direito da obra recebe a maior carga. Outro aspecto
interessante a respeito da representação dos volumes é sua distribuição que, longe
de causar um desconforto visual, cria uma configuração totalmente harmônica. Aqui
também estão presentes algumas formas geométricas, como círculos, retângulos e,
sobretudo, quadrados, estes últimos permeando sequencialmente os diversos
campos da composição, confluindo para o vértice inferior direito da gravura.
159
3.15 S/ TÍTULO (4)
Figura 46 – Henrique Oswald S/ Título.
Água-tinta e água-forte, 30 x 40 cm, s/ data.
Fonte: Catálogo (1966, não paginado).
Eis aqui uma obra que pode ser considerada uma das mais enigmáticas já produzidas
por Henrique Oswald, não necessariamente pelas figuras pouco compreensíveis das
quais se utiliza, mas, sobretudo, pelo suposto diálogo que se estabelece entre elas.
Em relação ao primeiro aspecto, podemos dizer que o artista buscou construir uma
composição em que se organizam elementos que, pelo menos à primeira vista, não
permitem um entendimento completo de seu significado, servindo efetivamente como
estímulos visuais. Se examinarmos as figuras que se encontram do lado direito da
obra, por exemplo, constataremos que suas características, longe de nos remeter a
um ser específico, nos fazem lembrar, ora de pessoas, ora de animais, confundindo
nossa percepção. Na verdade, são figuras impregnadas pelo hibridismo, o qual, às
vezes, é tão acentuado que o reconhecimento da forma torna-se praticamente
inviável. Obviamente, essa dificuldade de reconhecimento diminui, na medida em que
160
deslocamos nosso olhar para a figura presente na parte esquerda da gravura, a qual
se expande verticalmente. Com certo esforço, conseguimos relacionar os traços
apresentados com os traços de um homem de perfil que, apesar de não nos deixar
perceber seus olhos, muito menos a direção para a qual estes estão voltados, se
presta a observar as figuras reunidas na outra extremidade da composição, como se
estivesse analisando-as. É interessante constatar que entre as formas que residem
do lado esquerdo e direito da composição existe um espaço que é marcado pela
ausência de luz. Não é uma ausência completa, pois alguns elementos se permitem
evidenciar em meio ao breu. De todo modo, esses poucos campos interceptados pela
luz tornam-se pouco expressivos, quando comparados com a extensão da mancha
escura, a qual, a propósito, invade toda a superfície da obra, criando uma cena que
coloca em evidência cada um de seus personagens e as relações que existem entre
eles.
A figura humana não observa, como também parece ser observada pelos seus
objetos de interesse, dada a forma como estes estão posicionados. Essa idéia de
mútua observação, no entanto, que acaba criando uma situação da qual, pelo menos
aparentemente, o fruidor é excluído, não se deve unicamente a este aspecto, mas,
sobretudo, ao fato das figuras, sem exceção, estarem usando óculos, este utensílio
que serve essencialmente para promover uma melhor percepção daquilo que se
observa. Daí a suposição de que esta observação, mais do que superficial, é
analítica, pois as figuras parecem buscar umas nas outras a razão para que estejam
sendo notadas. Há, nesse sentido, uma atração entre as partes, determinada pela
curiosidade e pelo questionamento.
161
3.16 S/ TÍTULO (5)
Figura 47 – Henrique Oswald. S/ Título.
Água forte, água tinta, dimensões não informadas, s/ data.
Fonte: Acervo particular de Jacyra Oswald
Curiosamente, notamos nessa obra de Henrique Oswald formas bastante
semelhantes àquelas identificadas na gravura a pouco examinada, se valendo,
inclusive, da mesma disposição espacial. Evidentemente, existem alguns pontos de
diferenciação. O suposto homem de perfil, por exemplo, sofre um processo de
descaracterização que acaba lhe conferindo traços que não são necessariamente
humanos, como orelhas pontiagudas, que nos lembram orelhas de algum felino. Já os
óculos são substituídos por algo que, à primeira vista, parece indecifrável. Somente à
primeira vista, pois uma análise mais detalhada traz à luz as semelhanças que este
possui com uma objetiva fotográfica.
Quando deslocamos nosso olhar para as figuras que contrapõem à forma, por assim
dizer, humana, verificamos que as mudanças são muito mais acentuadas. Ao
162
contrário do que observamos na obra precedente, em que havia um grupo de figuras,
algumas agachadas, outras debruçadas sobre o chão, ocupando praticamente toda a
superfície direita da composição, a gravura em questão nos coloca diante de duas
figuras que se encontram em pé, acompanhadas de outras que parecem se esconder
em meio à mancha de sombra. Poderíamos dizer, inclusive, que uma
sobreposição de imagens, que as linhas que delineiam cada um dos elementos
compositivos se atravessam, se misturam, gerando novas formas. O par de figuras é
mais intrigante. Seus corpos exibem traços humanos, notadamente femininos,
enquanto as características de suas cabeças nos remetem a traços de animais,
talvez, de um macaco. Como se vê, o hibridismo também reside nesta obra,
denotando o que poderíamos chamar de uma passagem do humano para o animal. A
expressão facial das figuras se constitui como outro fator de perturbação. Os olhos
sobressaltados, os lábios contraídos ou ainda os dentes que parecem ranger nos
transmitem a sensação de medo, o qual se confirma através do aparente abraço que
as figuras ensaiam. É como se quisessem se proteger de algo. Se levarmos em conta
a direção para a qual seus olhos estão direcionados, poderemos supor que a origem
de seu medo está na figura humana perfilada, localizada na outra extremidade, que
se presta a observá-las, ou melhor, analisá-las. É, portanto, um temor de estar sendo
examinado por um olhar que, além de estranho, é inquisidor. Um olhar que impacta e,
ao mesmo tempo, paralisa.
Devemos acrescentar que a luz também colabora na construção dessa tensa
atmosfera entre as personagens da cena, não tanto porque as torna mais evidente do
que qualquer outro elemento compositivo, separando-as em planos distintos, mas
porque deixa transparecer seus sentimentos mais profundos. Ao falar da questão da
luz, é interessante pontuar que sua presença estabelece certa aproximação entre as
figuras, permitindo que estas tenham uma visão mais detalhada uma das outras, o
que não ocorria na obra anterior, onde o distanciamento e a dificuldade de percepção
eram superados pelas figuras através dos óculos.
163
3.17 S/ TÍTULO (6)
Figura 48 – Henrique Oswald. Detalhe.
Água forte, água tinta, dimensões não especificadas, s/data
Fonte: Catálogo (1966, não paginado).
Outra vez o fantasmagórico encontra moradia na produção de Henrique Oswald,
envolvendo personagens que parecem fugir de qualquer definição. Mas, diferente do
que vimos até agora, as figuras reveladas não se encontram inseridas em
extremidades diferentes e, portanto, opostas. Pelo contrário, elas estão
indissoluvelmente unidas, posicionadas no centro da composição, dando-nos a
possibilidade de apreciá-las como um conjunto e não como partes isoladas. Essa
unificação também torna mais explícitas as características que as distinguem.
Podemos ver, por exemplo, que a figura debruçada sobre o chão na parte inferior da
gravura se vale basicamente de traços animalescos, os quais se exprimem mais
vigorosamente nas patas, nas orelhas e no próprio pêlo que recobre seu corpo. O
rosto é relativamente difícil de determinar, já que alguns de seus pormenores,
164
principalmente os olhos, nos afastam da idéia isolada de um animal para nos colocar
diante de feições humanas. Quando passamos a observar a figura, localizada no
segundo plano, a qual se extende verticalmente, examinamos que é nela que reside o
inexplicável. Formular uma definição é tarefa bastante laboriosa, sobretudo porque
grande parte do que seria seu corpo encontra-se contaminado por um negrume que
não é visto em nenhum outro campo da obra. Constatamos aqui a participação do
elemento luz.
O que nos permite constatar presença da luz é o fato da composição ter sido
consistentemente elaborada em contrastes de claro escuro. Iniciando-se na parte alta
do lado esquerdo, com seqüências claras e contrastes menores, o movimento passa
por todo o fundo da obra, envolvendo as duas figuras centrais. A elaboração dos
valores contrastantes é mais consistente na figura, cuja forma tende à verticalidade.
Nela, o claro e o escuro parecem caminhar em direções opostas, trabalhando para
obscurecer e, ao mesmo tempo, evidenciar os traços que a identificam. Diante da sutil
penumbra em que os elementos são mergulhados, parece quase impossível
determinar onde começam os claros e onde terminam os escuros, tão infinitas e
quase sempre imperceptíveis são as gradações e de tal modo se interpenetram os
valores para se integrarem em transparências de caráter luminoso. A elaboração dos
valores contrastantes é mais consistente na figura, cuja forma tende à verticalidade.
Nela, o claro e o escuro parecem caminhar em direções opostas, trabalhando para
obscurecer e, ao mesmo tempo, evidenciar os traços que a identificam.
Também é notável, na referida obra, a vitalidade das linhas. A energia que guiou a
mão do artista na manipulação do buril parece ter sido transferida para a matriz da
gravura, no caso, o cobre, tomando ali corpo. A transparência, a fragilidade e,
sobretudo, a inconclusão são as principais características das linhas, razão pela qual
vemos formas tão próximas da indefinição, sendo arrebatadas por uma força
dramática.
165
3.18 DATILÓGRAFO
Figura 49 – Henrique Oswald. O Datilógrafo.
Água forte, água tinta 15 X 40 cm.
Fonte: Catálogo (1966, não paginado)
De caráter retangular e marcada pelos grafismos ágeis e extensas zonas de branco
alternadas com áreas ativadas de preto, “O Datilógrafo” é uma obra em que o
conteúdo formal e o iconográfico se encontram estreitamente vinculados. O mundo do
trabalho é seu alimento temático. Por isso, a figura perfilada que preenche
praticamente todo o espaço disponível da composição faz alusão ao datilógrafo. Seus
traços distorcidos e fora das convenções tornam-na um elemento complexo e
intrigante. Tais distorções, no entanto, não são capazes de esconder ou mesmo
dificultar a identificação daqueles elementos que lhe deram origem. Sem muito
166
esforço, podemos perceber uma conciliação de traços humanos e animais,
reproduzindo a mesma tendência que identificamos nas obras anteriores. É
significativo o detalhe da mão, pois parece remontar a condição do indivíduo no
processo de industrialização da sociedade, conceito que é introduzido pelo próprio
título da obra. Contrariamente ao que acontece com as habilidades intelectuais, a
mão é empregada no desenvolvimento de praticamente todas as atividades humanas,
desde aquelas essencialmente manuais às que se valem de algum tipo de
ferramenta. Aqui, ela está associada ao segundo grupo, referendando a prática da
datilografia, na qual a euforia, a repetição, o ritmo acelerado assinalam a realização
dos gestos. Ao lado da mão, notamos um elemento que também possui uma carga
simbólica muito forte. Trata-se de uma cruz invertida. A razão de sua presença nesta
obra que dialoga formalmente com o labor humano não é difícil de ser compreendida.
Para muitos, o sentido da cruz está associada a sacrifício, carga, esforço, sofrimento,
termos evocados com certa freqüência para conceituar o trabalho. Logo, a junção do
referido elemento com aquele que se presta a representar o datilógrafo parece ser
uma forma encontrada pelo artista de ressaltar todo o impacto da racionalidade
tecnológica sobre o indivíduo.
O elemento visual que predomina na composição desta imagem é a luz: é o contraste
formal entre o claro e o escuro. Estes efeitos são eloqüentemente articulados na
gravura como um todo, com os focos de luminosidade concentrados na figura, mas
sem deixá-la totalmente exposta. Ao seu redor, desenvolve-se um escuro que, de tão
profundo, acaba afastando a suposição de que outros elementos interagem no
espaço. A influência dos ácidos, recursos próprios da técnica da água-tinta, confunde
os limites reservados ao claro e ao escuro, contemplando a composição com pontuais
graduações de tons cinzentos. São estes tons, aliás, que garantem o intenso teor
dramático da composição.
167
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que buscamos caracterizar neste estudo, de natureza exploratória, foi o quadro de
experiências vivenciadas pelo artista Henrique Oswald em Salvador, junto à
linguagem da gravura, ressaltando sua postura participante na expansão dos
domínios desta modalidade de expressão na região. Quando decidimos colocar em
relevo somente as questões que envolveram a vida artística deste gravador, não
tivemos a intenção de subvalorizar o papel desempenhado pelos demais participantes
desse processo, como se desejássemos compensar a ausência de registros relativos
à sua trajetória na história das artes locais. Pelo contrário, buscamos dar nossa
contribuição para o reconhecimento das várias ações realizadas por Henrique Oswald
em favor da multiplicação das experiências em gravura na cidade de Salvador, sem
esquecer que essas ações dependeram também da iniciativa e do empenho de
outras pessoas.
Cremos que a proposta de iniciar este trabalho com uma incursão no percurso
histórico da gravura, embora aparentemente distante do objetivo que motivou sua
realização, se mostrou relevante por várias razões: primeiro, porque esclareceu
dados importantes sobre a origem da gravura e sua ação, muitas vezes
transformadora, dentro dos contextos nos quais se fez presente. Segundo, porque
favoreceu a ampliação do quadro de estudos teóricos referentes à transcendência da
gravura enquanto forma de expressão artística autônoma. E, finalmente, permitiu o
reconhecimento do panorama artístico baiano antes da vinda definitiva de Henrique
Oswald à Salvador. Gostaríamos de deter nossa atenção neste último aspecto. Se
tomássemos como ponto de partida de nossa discussão o final da década de 1950,
momento em que o artista deslocou-se do Rio de Janeiro para a capital baiana,
estaríamos mascarando fatos e pessoas que influenciaram profundamente o estado
da arte por ele encontrado. Manteríamos obscurecida, por exemplo, a participação de
Bento José Rufino da Silva, José Maria Cândido Ribeiro, Tito Nicolau Capinam,
Camilo Lélis Masson, Leopoldo Armanini, Heráclito Odilon e Job Carvalho, pessoas
que, ao contrário de Mario Cravo, Hansen Bahia, Jaime Hora, se encontram
168
relativamente ausentes da história da arte baiana, tendo sua contribuição resumida a
notas e referências apressadas em livros ou textos voltadas para o tema da gravura.
Nesse sentido, a idéia de utilizar o primeiro capítulo para tratar do desenvolvimento
da gravura, desenhando em sua última seção um retrato das ocorrências artísticas na
Bahia, nos permitiu atribuir o devido reconhecimento àqueles que, de um modo ou de
outro, prepararam terreno para Henrique Oswald.
que tocamos no nome de gravadores, como Mário Cravo e Hansen Bahia,
devemos comentar a respeito das implicações sobre o plano das artes local,
decorrentes da relação entre o artista Henrique Oswald e seus contemporâneos.
Além de realizar exposições de cunho individual (Museu de Belas Artes do Rio de
Janeiro, em 1949; II Balcone, em Roma, no ano de 1956; Galeria Quirino, em o
Paulo, 1964, entre outras), Henrique também se integrou a outros gravadores,
inclusive, alunos, com o propósito de adentrar as galerias e tornar público os
resultados alcançados no âmbito do ateliê da Escola de Belas Artes (UFBA), que,
aliás, era o único em atividade na época. Nesse sentido, podemos citar o 1º Salão
Baiano de Belas Artes, no Hotel da Bahia, em 1949; Salão Baiano de Belas Artes,
na Galeria Belvedere da Sé, em 1951; o Salão Baiano de Belas Artes, no Hotel da
Bahia, em 1954; Exposição inaugural da Galeria Convivium, em 1965, entre outras. O
que deve ser dito a respeito dessas atividades é que elas foram de alta importância
para que a produção gráfica local conquistasse visibilidade no cenário nacional,
tornando-se tão comentada, vista e comercializada quanto a arte realizada no Centro-
Sul, a qual se instituía como o foco para o qual convergiam todas as atenções. É
necessário dizer também que tais eventos foram fundamentais para que os
gravadores participantes, tanto aqueles tidos como consagrados quanto os que
estavam iniciando sua trajetória, vislumbrassem outras possibilidade de
reconhecimento de seu trabalho artístico. Não estamos colocando Henrique Oswald
como a pessoa que estimulou essa geração de artistas a ir além dos limites da região
para penetrar em campos inacessíveis e sim colocando em relevo o papel que
exerceu nesse movimento de abertura da arte local para o olhar e para a crítica
externos.
169
Devemos considerar também, nesta seção de cunho conclusivo, a importância dada
por Henrique Oswald à gravura no plano literário. Dissemos que, ao lado da produção
de gravura, pintura e desenho, as crônicas ocupavam um espaço relevante na vida
do artista. E esta não era uma atividade desenvolvida ocasionalmente, pois, como
vimos, seus textos eram publicados semanalmente no extinto Jornal da Bahia. Não
pretendemos, aqui, retomar esse assunto como forma de relembrar a interação de
Henrique em outros campos da arte. O que queremos é sublinhar o quanto essa
investida contribuiu para acalorar as discussões teóricas sobre a gravura artística e o
campo das artes como um todo. Em meio às várias crônicas divulgadas (que tratam
do papel dos críticos de arte, do estilo do artista, da evolução do desenho, entre
outros temas), encontramos aquelas que se prestam a discutir questões específicas
do universo da gravura, como a escola de gravura em madeira espanhola e sua
relação com a escola baiana de gravura, o crescimento artístico de Emanoel Araújo, o
cotidiano do atelier da Escola de Belas Artes (UFBA), a produção gráfica nordestina.
Não é tanto a introdução desses assuntos na produção literária de Henrique que nos
interessa destacar, mas a forma como este os abordava.
Embora envolvido diretamente com o meio do qual extraía seus pontos de reflexão, o
artista buscava sempre examiná-los à luz de uma perspectiva crítica. É fato que, às
vezes, seu nome se fazia perceber no texto, especialmente quando se propunha a
abordar o tema da escola baiana de gravura, o que não significava que sua criticidade
estaria ausente. Tanta seriedade na escolha e no tratamento das questões acabou
tornando Henrique Oswald uma referência para aqueles que tencionavam (e
tencionam) desenvolver discussões acerca da arte baiana, um formador de opinião,
colocando-os na direção de um pensamento divergente das concepções idealizadas
do fenômeno artístico. Mas não eram somente as pessoas ligadas à arte que podiam
usufruir desses materiais e extrair deles informações atualizadas e fiéis a uma linha
de argumentação crítica. Muito pelo contrário, como os textos eram publicados num
jornal de ampla circulação, todos aqueles que o consumiam acabavam tendo acesso
às idéias, por assim dizer, polêmicas do autor. Havia, portanto, uma democratização
170
do conhecimento, que abarcava pessoas pertencentes às mais variadas classes
sociais. E isso, como o próprio Henrique Oswald (1963, p. 07) afirmou em seu
primeiro artigo, “Arte para todos”, era o propósito maior de sua aproximação com o
universo da literatura: “Começo hoje a escrever nesta coluna de artes plásticas [...].
Minha carta é branca e eu me proponho a uma coisa impossível. Tudo para todos e,
claro, arte para todos. Uma pequena história da arte, semanal e popular. [...] Isso
parece exagerado, mas talvez o seja. Dorival Caymmi é tão popular quanto Pelé”.
Não precisamos analisar minuciosamente as palavras do autor, como se
buscássemos por mensagens subentendidas, para sentir sua preocupação em
compartilhar suas impressões com o blico leitor. As intenções eram claras, assim
como a visão que tinha sobre o mundo da arte.
Quanto à atuação de Henrique Oswald junto à Escola de Belas Artes (UFBA),
devemos assinalar a consistência do trabalho desenvolvido e os bons frutos dele
gerados. Embora breve, a passagem do artista pela instituição deixou marcas
profundas em sua história, as quais não foram esquecidas, mesmo com a introdução
de grandes nomes da gravura para orientar as atividades no atelier, a exemplo de
Hansen Bahia, Edison da Luz, Denise Pitágoras, Terezinha Dumet, Márcia Magno,
Renato Viana, Julian Wrobel, Michael Walker, entre outros. O modo com que
Henrique conduzia o ensino da técnica e, o mais importante, a acessibilidade de que
se valia para se relacionar com os alunos constituem aspectos sempre pontuados por
aquelas pessoas que com ele compartilharam a rotina da Escola de Belas Artes
(UFBA), seja na condição de alunos, seja na condição de funcionários. Mas o que
merece ser destacado é o papel ativo que este desempenhou na formação artística e
intelectual de toda uma geração de novos gravadores, oferecendo, assim, sua
parcela de contribuição para a dinamização do meio artístico local. Emanoel Araújo,
Sônia Castro, Yedamaria, José Maria de Souza, Gley Melo, Edízio Coelho, Leonardo
Alencar, Hélio Oliveira, Gilberto Oliveira, Juarez Paraíso, constituem uma pequena,
porém, expressiva parcela de artistas que tiveram Henrique como educador. Trata-se
de gravadores que, cada qual a seu modo, ajudaram a edificar e difundir uma arte
gráfica genuinamente baiana.
171
Não podemos esquecer que grande parte dos nomes acima citados está relacionada
ao movimento que, devido à originalidade e força expressiva, chamou a atenção da
imprensa e dos críticos de arte, a ponto de se tornar objeto de estudo de pesquisas
científicas. Estamos nos referindo à Escola Baiana de Gravura. Associando as
técnicas de impressão de gravura em metal com a madeira compensada, os jovens
que fomentaram o referido movimento deram aspectos inconfundíveis às suas
produções, como a nitidez e o acentuado contraste. De fato, essa inusitada
combinação não era nova, mas o que diferenciou o trabalho realizado pelos
integrantes da Escola Baiana de Gravura do trabalho de qualquer outro artista (ou
grupo de artistas) que recorreu a ela em épocas anteriores foi justamente o seu
caráter experimental. Foram as privações materiais e não exatamente a necessidade
de renovação da técnica, ou ainda, a busca por uma nova linguagem artística, que
determinou o emprego da prensa de gravura em metal para a produção de
xilogravura. É, neste ponto, que percebemos quão inestimável foi a colaboração de
Henrique Oswald. Ele pode não ter sido o iniciador desse processo, por assim dizer,
renovador, visto que Calasans Neto tinha feito esse tipo de experiência no âmbito
do atelier da EBA, mas, com certeza, soube promover situações tendentes à ampliá-
lo. E não estamos nos referindo somente àquelas restritas ao atelier, mas também às
que se desenvolviam em seu externo, como a exposição realizada Belvedere da Sé,
entendida pelo próprio gravador como o ato inaugural da Escola Baiana de Gravura, e
a exposição na Galeria da Sociedade, em Belo Horizonte, composta por grande parte
dos membros do movimento. É preciso dizer que Henrique também colaborava com
os jovens gravadores enviando seus trabalhos para Salões e Bienais, muitas vezes,
sem que estes tivessem conhecimento. Tanto é verdade que Sônia Castro foi
premiada no Salão Universitário de Belo Horizonte, após ter tido uma de suas
gravuras enviadas por Henrique, na época, seu professor.
Um último comentário conclusivo que fazemos diz respeito à produção gráfica de
Henrique Oswald. Percorrendo os diversos caminhos expressivos oferecidos pelo
Expressionismo, pela Arte Bruta e pela Arte Existencial, o artista conseguiu deixar um
172
conjunto de obras que não deve nada à arte produzida em outros países.
Plasticamente, a riqueza e a variedade dos resultados que obteve ao longo da
carreira é patente de gravura a gravura, indo da simplicidade da estruturação linear,
no caso das obras de cunho abstrato, à complexidade dos grandes conjuntos, onde,
por vezes, não falta o refinamento no trato da luz e da sombra. Tudo isso, tal como
em Goya, Rembrandt e Goeldi, provas da inesgotabilidade e da atualidade das
técnicas da gravura quando manipuladas pelo talento.
Complexa, corajosa, livre e profundamente autêntica, a arte gráfica de Henrique teve
que esperar aproximadamente quatro décadas depois de sua morte para ser
estudada pelos historiadores de arte. Apesar disso, sua obra é ainda inacessível, por
não estar devidamente divulgada e estudada em todas as suas dimensões, em todas
as suas implicações. Era natural que a descoberta começasse pela sua produção
pictórica: ela é mais atraente, sua expressividade é mais evidente, impõe-se, muitas
vezes, ao primeiro contato. Prova disso é a Dissertação de Mestrado, “Henrique
Carlos Bicalho Oswald: o mural da Santíssima Trindade em Botucatu”, da mestra
Maria Amélia Piza, que aborda justamente a pintura mural do artista. Depois vieram
os desenhos, focalizados por Mario Schenberg, tão simbólicos e dramáticos que
competem com suas melhores gravuras. Agora, é chegada a vez da gravura que, do
nosso ponto de vista, constitui o campo mais difícil, fascinante e profundo de sua
criação.
As informações que expomos ao longo deste estudo pretenderam trazer à luz
aspectos importantes da vida e, sobretudo, da obra gráfica de Henrique Oswald,
abrindo novos caminhos para o entendimento de sua representatividade para a
história das artes local. Temos certeza que muito ainda falta a ser investigado a
respeito do artista, questões, talvez, que complementariam os assuntos aqui tratados.
De todo modo, cremos que a abordagem investigativa que realizamos conseguiu
alcançar os objetivos propostos, oferecendo àqueles que pouco ou nada sabem sobre
a produção de Henrique Oswald informações valiosas que irão ajudá-los na formação
de suas próprias idéias em relação a ela.
173
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LIVRO de Inscrição para Docentes da Escola de Belas Artes da Bahia Universidade
Federal da Bahia.1953. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes, Envelope 40 100
fls. Caixa 327. Manuscrito
LIVRO de Atas da Congregação da Escola de Belas Artes da Bahia Universidade
Federal da Bahia. 1948 a 1965. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes, Envelope
40 – 100 fls. Caixa 327. Manuscrito.
178
LIVRO de Atas da Congregação da Escola de Belas Artes Universidade Federal da
Bahia. 1959 a 1965. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes, Envelope 260 – 50 fls.
Caixa 327. Manuscrito.
LIVRO de Atas da Congregação da Escola de Belas Artes Universidade Federal da
Bahia. 1948 a 1965. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes, Envelope 128 – 40 fls.
Caixa 327. Manuscrito.
LIVRO de Atas da Congregação da Escola de Belas Artes Universidade Federal da
Bahia. 1948 a 1965. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes, Envelope 287– 30 fls.
Caixa 327. Manuscrito.
LIVRO de Atas da Congregação da Escola de Belas Artes Universidade Federal da
Bahia. 1948 a 1965. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes, Envelope 280 – 50 fls.
Caixa 327. Manuscrito.
LIVRO de Atas da Congregação da Escola de Belas Artes Universidade Federal da
Bahia. 1948 a 1965. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes, Envelope 33 20 fls.
Caixa 327. Manuscrito.
LIVRO de Atas da Congregação da Escola de Belas Artes Universidade Federal da
Bahia. 1948 a 1965. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes, Envelope 132 100
fls. Caixa 327. Manuscrito.
LIVRO de Atas da Congregação da Escola de Belas Artes Universidade Federal da
Bahia. 1948 a 1965. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes, Envelope 54 – 200 fls.
Caixa 327. Manuscrito.
LIVRO de Atas da Congregação da Escola de Belas Artes Universidade Federal da
Bahia. 1948 a 1965. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes, Envelope 64 60 fls.
Caixa 327. Manuscrito.
LIVRO de Atas da Congregação da Escola de Belas Artes Universidade Federal da
Bahia. 1948 a 1965. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes, Envelope 65 –70 fls.
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timbrado. Envelope 95 Manuscrito.
OFÍCIO, 19 jan. 1952. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. 1 fl. Caixa 95.
Datilografado.
OFÍCIO 121, 14 mar. 1955. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. 1 fl. Caixa 95.
Datilografado.
OFÍCIO 191, 13 jun. 1955. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. 1 fl. Caixa 95.
Datilografado.
OFÍCIO 2265, 29 abr. 1957. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. 1 fl. Caixa 95.
Datilografado.
OFÍCIO 2664, 23 maio. 1959. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. 1 fl. Caixa
95. Datilografado.
OFÍCIO 739, 11 dez. 1961a. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. 1 fl. Caixa
222. Datilografado
OFÍCIO 8356, 11 dez. 1961b. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. 1 fl. Caixa
222. Datilografado.
OFÍCIO 629, 13 dez. 1962 a. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. 1 fl. Envelope
40. Datilografado.
OFÍCIO 257, 09 maio. 1962 a. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. 1 fl.
Envelope 40. Datilografado.
OFÍCIO 42, 21 jan. 1965 a. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. 1 fl. Envelope
40. Datilografado.
181
OFÍCIO 04, 7 maio. 1965 a. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. 1 fl. Envelope
40. Datilografado.
OFÍCIO 244, 05 maio. 1965 a. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. 1 fl.
Envelope 40. Datilografado.
OFÍCIO 104, 14 dez. 1965 a. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. 1 fl. Envelope
40. Datilografado.
OFÍCIO 11, 13 dez. 1965 a. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. 1 fl. Envelope
40. Datilografado.
OFÍCIO 1803, 30 nov. 1965 a. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. 1 fl.
Envelope 40. Datilografado.
OFÍCIO expedido pela Escola de Belas Artes da Bahia, 16 dez. 1965. 1 fl. Arquivo
Histórico da Escola de Belas Artes. 1f. Envelope 40. Datilografado.
OFÍCIO expedido pela Escola de Belas Artes da Bahia, dez. 1965. 1 fl. Arquivo
Histórico da Escola de Belas Artes. 1f. Envelope 40. Datilografado
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Zielinsky. São Paulo: Cosac & Naify, 2006.
186
APÊNDICE A
Cronologia
1918 -
Nasce no Rio de Janeiro.
1941 - Trabalha como inspetor do IAPETC
1942 - Inicia a carreira artística
1944 - Dedicação integral as artes
1947 - Medalha de Prata no Salão Nacional de Belas Artes
1947 - Medalha de Ouro no Salão Nacional de Belas Artes
1947 - Professor de Gravura no Liceu de Artes e Ofícios no Rio de Janeiro
1949 - 1º Salão Baiano de Belas Artes - Hotel da Bahia
1951 - 3º Salão Baiano de Belas Artes - Galeria Belvedere da Sé
1952 - Casa-se com Jacira Carvalho Oswald
1952 - Prêmio Viagem ao País - Salão Nacional de Belas Artes
1953 - Realiza Mural da Santíssima Trindade em Botucatu – São Paulo
1954 - Medalha de Prata no IV Salão Nacional de Belas Artes
1954 - Prêmio Viagem ao Estrangeiro - Salão Nacional de Belas Artes
1954 - Salão Bahiano de Arte - Salvador
1954 - Medalha de Ouro no Salão Baiano de Belas Artes
1954 - 4º Salão Baiano de Belas Artes - Hotel da Bahia
1955 - Estudou Gravura em Metal em Paris no atelier de Johnny Friedlaender
1958 - Retorna ao Brasil ingressa no Magistério Superior
1959 - Docente Livre da Cadeira de Gravura de Talho Doce, Água Forte e
Xilografia: Catedrático Interno da mesma Cadeira. Escola de Belas Artes
Universidade Federal da Bahia
1961 - Prêmio de Isenção de Júri no Salão de Arte Moderna Rio de Janeiro
1960 - Prêmio Viagem ao E.E.U.U.- IBEU - Rio de Janeiro
1963 - Dedica-se a escrever crônicas sobre artes visuais coluna Jornal das Artes
Plásticas, do extinto Jornal da Bahia
1965 - Falece em dezembro, na Guanabara – Rio de Janeiro
187
Exposições
1947 - Rio de Janeiro RJ – Exposição Individual - MNBA
1947 Rio de Janeiro RJ - 53º Salão Nacional de Belas Artes - MNBA – Medalha
de Prata – Categoria - Desenho
1948 - Rio de Janeiro RJ - 54º Salão Nacional de Belas Artes, no MNBA -
Medalha
de Ouro – Categoria - Gravura
1950 - Rio de Janeiro RJ - Um Século da Pintura Brasileira: 1850 -1950, no MNBA
1951 - Salvador BA - 3º Salão Baiano de Belas Artes - Galeria Belvedere da Sé.
1951 - São Paulo SP - 1ª Bienal Internacional de São Paulo - no Pavilhão do
Trianon
1951 - São Paulo SP - 16º Salão Paulista de Belas Artes, na Galeria Prestes Maia
1952 - Rio de Janeiro RJ - Salão Nacional de Belas Artes – MAM-RJ
1952 - São Paulo SP - 2º Salão Paulista de Arte Moderna - Galeria Prestes Maia -
Prêmio Aquisição
1953 - São Paulo SP - 18º Salão Paulista de Belas Artes - Galeria Prestes Maia
1954 -
Rio de Janeiro RJ - 4º Salão Municipal de Belas Artes - Medalha de Prata.
1954 - Rio de Janeiro RJ - Salão Preto e Branco, no Palácio da Cultura - Prêmio
Viagem ao Exterior.
1954 - Salvador BA - 4º Salão Baiano de Belas Artes, no Hotel Bahia -
Medalha de
Ouro
São Paulo SP - Arte Contemporânea: Exposição do Acervo do Museu de
Arte Moderna de São Paulo – MAM - SP
1956 - Roma – Itália - Exposição Individual - II Balcone
1958 - Rio de Janeiro RJ – Exposição - Galeria do IBEU
1959 - Rio de Janeiro RJ - 8º Salão Nacional de Arte Moderna MAM - RJ
1959 - São Paulo SP - 5ª Bienal Internacional de São Paulo - Pavilhão Ciccilo
Matarazzo Sobrinho
1960 - Rio de Janeiro RJ - 1º Salão de Artes Plásticas do ICBEU - Galeria IBEU
Copacabana - Prêmio de Viagem ao Estados Unidos
1961 - São Paulo SP - 6ª Bienal Internacional de São Paulo - Pavilhão Ciccilo
Matarazzo Sobrinho
1961 - São Paulo SP - Salão Nacional de Arte Moderna - Isenção de Júri
1963 - São Paulo SP - 7ª Bienal Internacional de São Paulo - Fundação Bienal
1964 - Rio de Janeiro RJ - 13º Salão Nacional de Arte Moderna. MAM – BA
188
1964 - Roma - Itália –Exposição Individual
1964 - Salvador BA. – Exposição Individual
1964 - Rio de Janeiro RJ - Exposição Individual - Galeria Babinsck
1964 - São Paulo SP - Exposição Individual - Galeria Quirino
1965 - São Paulo SP – Exposição - Galeria Astréia
Exposições Póstumas
1966 - Rio de Janeiro RJ - Henrique Oswald e os Gravadores do Nosso Tempo –
MNBA
1966 - Salvador BA - 1ª Bienal Nacional de Artes Plásticas - Bienal da Bahia -
Sala
Especial
1967 - Salvador BA - Exposição Coletiva de Natal - Panorama Galeria de Arte
1982 - Salvador BA - A Arte Brasileira da Coleção Odorico Tavares -
Museu Carlos
Costa Pinto
1984 - Ribeirão Preto SP - Gravadores Brasileiros Anos 50/60 - Galeria Campus –
USP - Banespa
1984 - Rio de Janeiro RJ - Doações Recentes 82-84 - MNBA
1986 = São Paulo SP – Dezenove vinte: uma virada no século - Pinacoteca do
Estado.
1990 - São Paulo SP - 21º Panorama de Arte Atual Brasileira – MAM-SP
1991 - São Paulo SP - A Mata – MAC-USP
1991 - São Paulo SP - Homem e Natureza, no MAC-USP
1994 - São Paulo SP - Bienal Brasil Século XX - Fundação Bienal
1994 - São Paulo SP - Gravuras: sutilezas e mistérios, técnicas de impressão, na
PESP
1997- São Paulo SP - A Cidade dos Artistas - MAC-USP
1999 - Rio de Janeiro RJ - Mostra Rio Gravura. Gravura Moderna Brasileira:
Acervo Museu Nacional de Belas Artes - MNBA
2000 - São Paulo SP - Investigações. A Gravura Brasileira - Itaú Cultural
2001 - Brasília DF - Investigações. A Gravura Brasileira - Itaú Cultural
2001 - Penápolis SP - Investigações. A Gravura Brasileira - Itaú Cultural
2003 - São Paulo SP - Arte e Sociedade: uma relação polêmica - Itaú Cultural
189
ANEXO A
1 2
3 4
1. Caderno de Gravura. 2, 3 e 4. Obras S/ Título e s/ data.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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