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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS LINGÜÍSTICOS E
LITERÁRIOS EM INGLÊS
Célia Luiza Andrade Prado
PÓS-COLONIALISMO E O CONTEXTO BRASILEIRO:
HAROLDO DE CAMPOS, UM TRADUTOR PÓS-COLONIAL?
São Paulo
2009
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS LINGUÍSTICOS E
LITERÁRIOS EM INGLÊS
Célia Luiza Andrade Prado
PÓS-COLONIALISMO E O CONTEXTO BRASILEIRO:
HAROLDO DE CAMPOS, UM TRADUTOR PÓS-COLONIAL?
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Estudos Linguisticos e
Literários em Inglês, do Departamento de
Letras Modernas da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade
de São Paulo, para a obtenção do título de
Mestre em Letras.
Orientadora: Profª Drª Lenita Maria Rimoli Esteves
São Paulo
2009
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Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
PRADO, Célia Luiza Andrade
Pós-colonialismo e o contexto brasileiro : Haroldo de Campos, um tradutor pós-
colonial? / Célia Luiza Andrade Prado ; orientadora Lenita Maria Rimoli Esteves. --
São Paulo, 2009.
131 f.
Dissertação (Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Estudos Estilísticos
e Literários em Inglês) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo.
1. Colonização. 2. Colonialismo – Teoria e história. 3. Tradução. 4. Tradutores
– Brasil. 5. Campos, Haroldo de, 1929-2003. I. Título. II. Esteves, Lenita Maria
Rimoli.
AGRADEÇO
À minha orientadora Profª Drª Lenita Maria Rimoli Esteves pelo incentivo à proposta do
trabalho e pela leitura precisa e preciosa.
Ao Prof. Dr. Almiro Pisetta pelas sugestões no Exame de Qualificação.
À minha amiga, colega e professora Profª Drª Alzira Allegro a maior responsável pelo rumo
que minha carreira tomou.
Às minhas colegas do GTG pela generosa acolhida no grupo.
À Carmen de Arruda Campos, Ivan Campos, Marcelo Tápia e Thelma Médici Nóbrega pelo
privilégio de me convidarem a participar de suas reuniões sobre Haroldo de Campos.
Aos meus pais por me proporcionarem acesso às culturas e às línguas.
PRADO, Célia L. A. Pós-colonialismo e o contexto brasileiro: Haroldo de Campos um um
tradutor pós-colonial? 2009, 131 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Lingüísticos e
Literários em Inglês) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade
de São Paulo.
Resumo: A dissertação tem como objetivo principal investigar a relação do pós-colonialismo
com o contexto brasileiro, instanciada pelas referências à teoria de tradução de Haroldo de
Campos por parte de teóricos dos Estudos da Tradução. Se, por um lado, o reconhecimento
internacional da teoria de tradução de Campos é mais que merecido, por outro, considerá-lo
pós-colonial reduz a dimensão e complexidade de seu pensamento, que permeia toda a sua
produção intelectual e criativa como poeta, crítico e tradutor. A pesquisa apresenta duas linhas
de investigação: a teoria pós-colonial, nos seus aspectos históricos e teóricos e o trabalho e
pensamento do tradutor Haroldo de Campos. Apesar de aparentemente paralelas elas
convergem para a comprovação, ou não, da seguinte hipótese: a prática tradutória de Haroldo
de Campos apresenta uma preocupação mais de cunho artístico que político.
Palavras-chaves: Colonização, pós-colonialismo, tradução, transcriação, Haroldo de
Campos.
PRADO, Célia L. A. Postcolonialism and the Braziliam context: Haroldo de Campos, a
poscolonial translator? 2009, 131 p. Dissertation (Mestrado em Estudos Lingüísticos e
Literários em Inglês) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade
de São Paulo.
Abstract: The main purpose of this dissertation is to investigate the relation of
Postcolonialism with the Brazilian context, motivated by the references to Haroldo de
Campos’s translation theory by Translation Studies theoreticians. On the one hand, if the
international recognition of Campos's translation theory is deserved, on the other, to consider
him "postcolonial" narrows the dimension of Campos's reflections, which pervade all his
production as poet, critic, translator and theoretician, and cannot be considered separately.
The research will follow two parallel lines of investigation: post-colonial translation theory,
its historical and theoretical aspects, and Haroldo de Campos’s translation theory, that will
converge towards the hypothesis:
Campos’s translation theory advocated new aesthetic
information, rather than a political message.
Key words: Colonization, postcolonialism, translation, transcreation, Haroldo de Campos.
SUMÁRIO
Introdução................................................................................................................................. 9
1. Teoria viajante......................................................................................................................9
1.1. A teoria fora do lugar ......................................................................................................9
1.2. Pós-colonialismo ...........................................................................................................11
1.2.1. Aspectos históricos.................................................................................................12
1.2.2. Aspectos teóricos....................................................................................................14
1.3. Colonização e descolonização na América Latina........................................................17
1.3.1. Aspectos históricos.................................................................................................17
1.3.2. Aspectos teóricos....................................................................................................20
1.4. Desconhecimento de causa............................................................................................30
1.5. Considerações Finais.....................................................................................................33
2. Tadução e pós-colonialismo...............................................................................................38
2.1. A tradução no contexto pós-colonial.............................................................................38
2.2. Ásia................................................................................................................................40
2.3. África.............................................................................................................................44
2.4. As "colônias brancas"....................................................................................................47
2.5. Hispano-América...........................................................................................................53
2.6. A tradução no Brasil......................................................................................................56
2.7. Considerações Finais.....................................................................................................62
3. Antropofagia: os múltiplos caminhos da metáfora.........................................................65
3.1. “Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.”..........65
3.2. Antropofagia ou canibalismo?.......................................................................................69
3.3. Da metáfora ao clichê....................................................................................................72
3.4. Antropofagia e a tradução .............................................................................................76
3.5. Considerações finais......................................................................................................84
4. Muito além da antropofagia..............................................................................................87
4.1. A fortuna crítica do tradutor Haroldo de Campos.........................................................87
4.2. “Esse homem é um imenso poeta-pensador que sabe tudo” .........................................94
4.3. Uma poética da tradução.............................................................................................100
4.4. Considerações finais....................................................................................................110
Conclusão...............................................................................................................................118
Bibliografia............................................................................................................................124
INTRODUÇÃO
A pergunta presente no título deste trabalho reflete a estranheza instanciada pelas
referências a Haroldo de Campos por renomados teóricos dos estudos da tradução,
principalmente britânicos e americanos, inserindo-o na teoria pós-colonial. Se, por um lado, o
reconhecimento internacional da teoria de tradução de Haroldo de Campos é mais que
merecido, por outro, considerá-lo "pós-colonial" causa bastante estranheza. Primeiramente,
porque se questiona até que ponto a teoria pós-colonial pode ser aplicada ao contexto
brasileiro. Além disso, conhecendo-se a dimensão do pensamento de Haroldo de Campos, que
permeia todas as suas áreas de atuação – poesia, crítica, tradução – parece que sua
preocupação é mais de natureza estética e artística que política.
O grande responsável pela divulgação da teoria de tradução de Haroldo de Campos em
nível internacional foi um artigo publicado em língua inglesa de autoria de Else Vieira: "A
postmodern translational aesthetics in Brazil", de 1994. Essa publicação é parte de sua tese de
doutoramento, Por uma teoria pós-moderna da tradução, de 1992. Nela, Vieira faz uma
reflexão sobre os aspectos inovadores da teoria de tradução dos irmãos Campos, em especial
Haroldo, que contribuíram para a mudança de paradigma da tradução literária no Brasil. Essa
nova maneira de entender o processo tradutório rompe com o pensamento tradicional, que
considera o texto traduzido qualitativamente inferior ao original.
Para descrever o ato tradutório, em vez de conceitos como fidelidade, literalidade,
adequação e equivalência, Haroldo de Campos (1981, p. 180) fala em “transcriação,
vampirização, transluciferação” de um texto que "se recusa a servir submissamente a um
conteúdo, que se recusa à tirania de um Logos pré-ordenado". Essa posição vai ao encontro do
questionamento da Teoria Pós-Colonial, que repensa a tradução não mais partindo das
definições e paradigmas europeus e contesta a ideia do original como sendo superior ao texto
traduzido, até então relegado à condição de cópia.
Sem dúvida a reflexão sobre tradução de Haroldo de Campos é inovadora. Vieira (1992, p.
44) confirma a dimensão política da ruptura com "com o paradigma de pureza absoluto" ao
demonstrar que esse processo de desierarquização "limita a universalidade do original ao
inscrever a diferença" colocando superiores e subordinados em pé de igualdade. Contudo,
rotular Haroldo de Campos de tradutor pós-colonial é uma atitude reducionista que parece
desconhecer a dimensão do seu trabalho criador de poeta, tradutor e crítico literário.
Uma das razões dessa inserção pode estar ligada ao fato de que há algum tempo a atenção
por parte dos intelectuais tem se voltado para as chamadas "periferias", sejam elas
econômicas, sociais, ou culturais, resultado da diáspora de povos outrora colonizados pelos
países do primeiro mundo, provocada por guerras, pela fome, enfim pela ausência de
perspectiva em seus países de origem. Esses povos contribuíram para a formação de
sociedades multiculturais. Nesse contexto, a sociedade rejeita uns elementos culturais e
valoriza outros, que se não forem aceitos por todos os seus membros geram conflitos entre
diferentes crenças e tradições. Dessa forma, uma teoria que no início tinha por objeto a
exceção pode, com o tempo, se tornar mainstream.
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a preocupação com os aspectos históricos e
teóricos das manifestações culturais produzidas nesse contexto multicultural, até então
desconsideradas pelo pensamento crítico hegemônico, tem sido a tônica da teoria pós-
colonial. Diferentes questões decorrentes da confluência de culturas têm sido investigadas por
muitos intelectuais de diversas áreas e nacionalidades.
O pós-colonialismo mudou o foco de classe e nação para etnicidade, conceito que
transcende o de etnia ao relacionar-se com os padrões culturais de um grupo, representando
uma passagem da política para a cultura. A questão da identidade cultural subjaz ao
pensamento intelectual e artístico dos povos colonizados, que ao questionar o universalismo
europeu suscita reivindicações relativas à aceitação da alteridade e pluralidade.
Dessa forma, o pós-colonialismo pode ser entendido pelos seus aspectos históricos e
teóricos. O aspecto histórico tem como base o período depois da Segunda Guerra Mundial,
marcado pelo declínio do imperialismo europeu, notadamente o britânico e o francês. Foi um
"período de reabilitação política, cultural e psicológica dos povos colonizados: africanos,
árabes e asiáticos" (CABAÇO & CHAVES, 2004, p. 69). Os aspectos teóricos têm como
objeto os novos movimentos sociais e culturais, investigando os conceitos de identidade, raça
e etnicidade, e, ainda, a relação de linguagem e poder sob as condições assimétricas do
imperialismo.
Na concordância com essa nova maneira de entender a cultura, a tradução passa de canal
indispensável da conquista, ocupação e manutenção da colônia, para uma forma de resistência
e oposição à cultura do colonizador, propiciando a superação de barreiras inter- e
intraculturais. Vinculados a esse pensamento, acham-se outros movimentos como os estudos
culturais (Cultural Studies) e os estudos subalternos (Subaltern Studies), que também
contestam a Europa e os Estados Unidos como sendo o centro irradiador do conhecimento e
da cultura.
A colonização foi decisiva na formação da identidade tanto nacional quanto cultural dos
povos dominados, entretanto, há um debate sobre a quais países, ou culturas, podem-se aplicar
os conceitos da Teoria Pós-Colonial, principalmente levando-se em conta que três quartos do
mundo foi em algum momento colônia. As diferenças temporais, espaciais e de
descolonização evidenciam a impossibilidade de o colonialismo europeu ter sido uma
empreitada monolítica. Mesmo assim, muitos intelectuais contemporâneos mantêm posições
generalizadoras quando partem de uma colonização específica em certo tempo e espaço para
analisar outros contextos. Outros consideram o termo inadequado para definir realidades
contemporâneas de muitos países que um dia foram colônias.
Como a nova tendência dos estudos da tradução num contexto pós-colonial é de analisar o
ato tradutório em sua relação com o império, questionando o universalismo europeu e a
correspondência assimétrica entre original e texto traduzido, e de associar a tradução ao
fenômeno da formação da identidade cultural, decorrente das dominações, dos deslocamentos
e do multiculturalismo, aplica-se um "modelo" teórico importado ao nosso contexto. Mesmo
tomando a teoria pós-colonial de uma perspectiva mais ampla, relacioná-lo ao contexto
nacional é uma atitude bastante controversa e, por vezes, tida como simplista.
O olhar distanciado das culturas hegemônicas tende a ter uma visão estereotipada e
homogênea da América Latina ao considerar somente alguns aspectos das nossas questões
culturais, como no caso da inserção da teoria de tradução de Haroldo de Campos nos pós-
colonialismo, por meio de sua associação à metáfora da antropofagia como prática tradutória.
Isso leva-nos a refletir sobre as seguintes questões: primeiramente, pode-se aplicar os
conceitos do pós-colonialismo ao contexto latino-americano? Em segundo lugar, seria a teoria
de tradução de Haroldo de Campos tributária de uma teoria pós-colonial ou ele buscava
primordialmente o efeito estético?
O objetivo geral do trabalho é desenvolver um pensamento crítico em relação à aceitação
de teorias elaboradas a partir de um contexto alheio e aplicadas à nossa própria realidade, sem
nenhum questionamento. Os objetivos específicos são apontar na trajetória da colonização e
descolonização do Brasil as diferenças com relação a outros contextos, inclusive dos outros
países latino-americanos, resultando em controvérsia sobre o escopo do pós-colonialismo, e
ressaltar a complexidade da teoria de tradução de Haroldo de Campos, que não se limita à
metáfora da antropofagia como querem alguns estudiosos.
Consequentemente, a pesquisa apresenta duas linhas de investigação: a teoria pós-
colonial, nos seus aspectos históricos e teóricos e o trabalho e pensamento do tradutor
Haroldo de Campos. Apesar de aparentemente paralelas elas convergem para a comprovação,
ou não, da seguinte hipótese: a prática tradutória de Haroldo de Campos apresenta uma
preocupação mais de cunho artístico que político.
O trabalho se inscreve num âmbito interdisciplinar. Assim, a história, os estudos culturais,
a crítica literária, a teoria pós-colonial e os estudos da tradução fornecerão os pressupostos
teóricos. No que se refere à teoria de tradução de Haroldo de Campos, foram consultados
além de seus próprios textos sobre tradução, as teses de doutoramento de Else Vieira, “Por
uma teoria pós-moderna da tradução”, de Thelma Médici Nóbrega, “Sob o signo dos signos:
uma biografia de Haroldo de Campos”, e de Silene Moreno, “Ecos e reflexos: a construção do
cânone de Augusto e Haroldo de Campos a partir de suas concepções de tradução”.
No plano metodológico dividimos este trabalho em quatro partes, nas quais as teorias
pertinentes são problematizadas, buscando-se responder às perguntas de pesquisa. O primeiro
capítulo apresentará uma reflexão sobre a circulação de ideias e teorias no tempo e no espaço,
que passam de pessoa para pessoa, de uma situação para outra, questionando até que ponto
sua aplicação é adequada ao nosso contexto. Essa discussão estará centrada na teoria pós-
colonial e discutirá sua relevância para o contexto latino-americano por meio da análise de
aspectos da colonização e descolonização e da reflexão sobre a identidade cultural no
continente latino-americano. A importância da investigação da teoria pós-colonial neste
trabalho reside na necessidade de amealhar argumentos para sustentar a hipótese. Nesse
capítulo buscaremos entender por que teóricos estrangeiros fazem afirmações acerca de nossa
realidade que nos causam estranheza.
O segundo capítulo tratará da tradução e sua relação com o pós-colonialismo, analisando
diferentes contextos onde a tradução apresentou uma motivação política, e foi usada como
força opositora e de resistência ao colonizador, e comparando-os com o contexto brasileiro.
Não se pretende aqui elaborar uma análise profunda e abrangente da questão da tradução pós-
colonial, mas elencar alguns estudos de caso famosos a título ilustrativo.
No terceiro capítulo serão discutidas, ainda, as diferentes interpretações da antropofagia e
sua apropriação como metáfora de tradução, uma vez que é pela associação dessa metáfora
com a teoria de tradução que Haroldo de Campos será considerado um tradutor pós-colonial.
O quarto capítulo buscará na teoria de tradução de Haroldo de Campos argumentos que
corroborem a hipótese de que ele buscava primordialmente o efeito estético não sendo
tributária da teoria pós-colonial e verificará de que maneira sua atividade de poeta, tradutor e
crítico literário se acham ligadas. A partir dos seus escritos apontaremos os teóricos que
contribuíram para a elaboração de seus conceitos. Por fim, a conclusão faz um fechamento do
estudo, seguida pela bibliografia.
1. TEORIA VIAJANTE
Theoretical closure, like social
convention or cultural dogma, is
anathema to critical consciousness, which
loses its profession when it loses its active
sense of an open world in which its
faculties must be exercised.
1
Edward Said
1.1. A teoria fora do lugar
Ideias, conceitos, teorias circulam no tempo no tempo e no espaço, passando de pessoa
para pessoa, de uma situação para outra, algumas exercendo maior influência no meio
receptor que outras. Segundo Edward Said (1983, p. 227), uma "teoria viajante" (traveling
theory) segue uma trajetória de alguns estágios: o ponto de origem e as circunstâncias da
gênese; a distância espacial e temporal percorrida, movendo-se sob pressão dos vários
contextos, ganhando novos contornos e notoriedade; as condições para a recepção ou
resistência que possibilitam a sua aceitação ou tolerância. Por fim, a incorporação total ou
parcial da ideia, transformada pelos novos usos e pelo novo contexto. No entanto, não se trata
de um processo homogêneo, isto é, nem todas as teorias cumprem a mesma trajetória.
Faz-se necessário especificar que tipos de movimentos são possíveis, a fim
de questionar se ao passar de um lugar para outro e de uma época para outra,
uma ideia ou teoria ganha ou perde força, e se uma teoria em determinado
período histórico e cultural nacional torna-se totalmente diferente em outro
período e situação
2
3
(SAID, 1983, p. 226).
As teorias podem ser tanto importadas quanto exportadas. Roberto Schwarz descreve em
“As ideias fora do lugar” como e com que resultados o Brasil adotou, no século XIX, a
1
A clausura teórica, assim como as convenções sociais ou dogmas culturais, é um anátema do pensamento
crítico, perdendo o arrazoado que perde a profissão de um mundo aberto onde a reflexão deve ser cultivada.
2
One should go on to specify the kinds of movement that are possible, in order to ask whether by virtue of
having moved from one place and time to another an idea or a theory gains or loses in strength, and whether a
theory in one historical period and national culture becomes altogether different for another period or situation.
3
As traduções que não constarem da bibliografia são de nossa autoria..
"universalidade de princípios" da Europa, levando a um confronto o liberalismo e a
escravatura: "As ideias liberais não se podiam praticar, sendo ao mesmo tempo
indescartáveis" (2000, p. 26). O problema da adoção de teorias alheias à nossa realidade é que
elas "não descrevem sequer falsamente a realidade" (Ibid, p. 18), pois, ao serem
transplantadas para um outro contexto, as teorias – políticas, econômicas, sociais ou culturais
– "envolvem processos de representação e institucionalização diferentes daqueles do ponto de
origem" (SAID, 1983, p. 226)
4
.
Esse processo de circulação de teorias em todo o mundo pode ser considerado tanto de
maneira positiva quanto negativa. Para Said (1983, p. 226) a circulação de ideias alimenta e
sustenta a vida intelectual e cultural de maneira consciente ou inconsciente, seja por meio de
"empréstimo criativo ou apropriação total"
5
. Esse movimento de ideias e teorias é um "fato
da vida" que favorece a atividade intelectual.
A questão torna-se problemática quando a teoria é aplicada de forma indiscriminada e
generalizada, pois a realidade é fundamentalmente descontínua e heterogênea. A esse respeito
Carlo Ginzburg, em entrevista de 2007
6
, ressalta que "nenhuma conclusão alcançada a
propósito de um determinado âmbito pode ser automaticamente transferida para um âmbito
mais geral", corroborando a postura crítica que muitos intelectuais adotam com relação a
teorias estrangeiras importadas.
Partindo do pressuposto de que a Teoria Pós-Colonial é resultado de circunstâncias
históricas específicas, o que acontece à teoria quando em circunstâncias diferentes e por novas
razões é adotada? A Teoria Pós-Colonial pode ser aplicada ao contexto latino-americano?
Para podermos avaliar tal questão, seguiremos a trajetória do Pós-colonialismo enquanto
"teoria viajante". O termo pós-colonialismo virou "moeda corrente" no meio acadêmico desde
que foi cunhado. Rajagopalan (2007, p. 170) argumenta que o simples fato de não se ter mais
4
It involves processes of representation and institutionalization different from those at the point of origin.
5
creative borrowing or wholesale appropriation.
6
“Ficção x realidade”. O Estado de São Paulo, 28/08/07.
a necessidade de colocar hífen no termo em inglês (postcolonialism) é uma evidência clara de
que foi totalmente incorporado ao jargão crítico. Para esse autor, o Pós-colonialismo não é
mais um movimento marginal, pois já faz parte do establishment, mesmo que até hoje a
intenção seja de trazer à atenção do público questões de interesse marginal.
Para Milton (2009, p. 11), ideias que viram “moeda corrente” percorrem caminhos
tortuosos e raramente seguem um plano, ou programa, definido. Parece ter sido esse o caso da
metáfora da antropofagia, que virou lugar-comum quando se refere à tradução no Brasil,
principalmente relacionada a Augusto e Haroldo de Campos: “No entanto, esse termo
[canibalismo], que virou moeda corrente nos círculos dos Estudos da Tradução difere muito
do que se acha nos trabalhos deles publicados no Brasil”.
7
Ainda segundo Milton, a
disseminação do termo é decorrente do interesse de alguns teóricos em promover
internacionalmente a tradução do Brasil, que ocorreu não pela publicação da teoria de
Haroldo de Campos em inglês, mas por meio de “uma corrente de contatos pessoais”.
8
Primeiramente, com relação ao ponto de origem, apresentaremos um breve painel da
Teoria Pós-Colonial, seus aspectos históricos e teóricos. A seguir, apontaremos alguns
aspectos da colonização e descolonização da América Latina e a sua importância na reflexão
sobre a identidade cultural e nacional. E por fim, criticaremos algumas posições reducionistas
e generalizadoras, pois se a teoria é certamente necessária, "o reconhecimento crítico de que
não há teoria capaz de abranger, delimitar e prever todas as situações às quais ela pode ser
útil" (SAID, 1983, p. 241) é ainda mais imprescindível.
1.2. Pós-colonialismo
7
However this particular term, which has gained a certain currency in Translation Studies circles is very
different from what can be found in their work in Brazil.
8
was done through a chain of personal contacts.
O pós-colonialismo é um termo usado para indicar um período marcado por mudanças
políticas com a independência de colônias européias, sobretudo na África e Ásia, acarretando
a formação de novas identidades nacionais e culturais. Portanto, o termo engloba aspectos
históricos e teóricos.
O aspecto histórico tem como base o declínio do imperialismo europeu, notadamente
britânico e francês. Os aspectos teóricos têm como objeto os novos movimentos sociais e
culturais, investigando os conceitos de identidade, raça e etnicidade, e, ainda a relação de
linguagem e poder.
A questão da identidade cultural subjaz ao pensamento intelectual e artístico dos povos
colonizados, que, ao questionarem o universalismo europeu suscitam reivindicações relativas
à aceitação da alteridade e pluralidade.
1.2.1. Aspectos históricos
Após a Segunda Grande Guerra, uma série acontecimentos de ordem política, social e
econômica marcou o declínio do império europeu redesenhando o mapa-múndi. Apesar do
grande prestígio alcançado pela Grã-Bretanha após o conflito mundial, a nação estava
econômica e politicamente debilitada e buscava uma solução para a Índia que clamava por
independência. A França, Holanda e Bélgica, que também possuíam colônias, sofriam
consequencias da invasão germânica. A Alemanha, por sua vez, perdia a guerra e as colônias
da África. De todos os continentes a África foi o que mais se modificou no século passado. Na
década de sessenta, trinta e dois países se tornaram independentes. No início do século XX, o
único país independente era o Império da Etiópia
9
.
No período pós-guerra, os movimentos de independência da Índia e da Argélia levaram ao
questionamento de conceitos como nacionalidade, identidade e raça. A preocupação com tais
9
A respeito da presença européia na África ver: Thomas PAKENHAM. The scramble for Africa: white man's
conquest of the dark continent from 1876 -1912.
questões pode ser notada na exigência por parte da liderança indiana de separar o Paquistão,
de maioria muçulmana. Seguiram-se sérios confrontos entre hindus e muçulmanos vitimando
sete mil pessoas e culminando com o assassinato de Gandhi no dia 30 de janeiro de 1948. O
Visconde de Mountbatten, que havia assumido o posto de vice-rei na colônia em março de
1947, após várias reuniões com líderes políticos locais, decidiu pela separação da colônia em
dois estados, que provocou massacres migração em massa de ambos os lados. Em agosto de
1948 foi declarada a independência da Índia e do Paquistão
10
.
Por sua vez, a guerra de independência da Argélia foi longa, de 1954 a 1962. Nesse
período confrontaram-se de um lado o exército francês, apoiado por guerrilhas formadas pelos
pied-noirs (colonos de origem francesa) e, do outro lado, a Frente de Libertação Nacional. A
luta se acirrou com a entrada de uma terceira força separatista, mas não aliada à FLN, o
Movimento Nacional Argelino. Nesse quadro de violência, destaca-se a figura de Frantz
Fanon (1923-1960),
personagem fundamental na independência da Argélia e referência
incontestável do debate e da ação que acompanharam o fim dos impérios
coloniais [...] ele foi uma voz responsável e reconhecida do "terceiro-
mundismo" radical, que associou ao trabalho científico a prática militante, e
sobre essa experiência de vida construiu o seu pensamento político
(CABAÇO E CHAVES, 2004, p. 69).
Para Fanon não havia um caminho pacífico e, ao mesmo tempo que denunciava a
violência colonial, ele pregava a violência como ação libertária, pois acreditava que a não-
violência era uma forma de "cumplicidade passiva".
A independência das colônias se deu em diferentes datas, porém todas apresentam um
traço comum: guerras fratricidas e ditaduras corruptas. O velho colonialismo deu lugar ao
neocolonialismo e o poder político foi substituído pelo econômico, mas foi a partir da
independência da Índia e da Argélia que surgiram as primeiras reflexões sobre a condição do
indivíduo pós-colonial.
10
Fonte: Encyclopaedia Britannica.
1.2.2. Aspectos teóricos
Fanon foi um dos primeiros a se ocupar da questão do sujeito colonial que experimentava
a inferioridade econômica, política e social de tal forma que seu próprio senso de identidade
era afetado. Ou seja, a inferioridade material criava um senso de inferioridade racial e
cultural. Nesse processo de subjugação, a imposição da língua imperial desempenhou papel
importante colocando as línguas nativas em situação de inferioridade, quando não eram
simplesmente eliminadas.
Na seqüência do pensamento de Fanon, alguns intelectuais discutiram o impacto europeu
na formação das identidades "terceiro-mundistas" em populações cada vez mais
multiculturais. Edward Said, morto em 2003, é considerado um dos precursores dos estudos
pós-coloniais. Palestino de cidadania norte-americana, julgava-se, assim como Salman
Rushdie, uma identidade "fora do lugar". Depois da publicação de Orientalismo, em 1978,
onde estabelece a conexão entre a empreitada e o discurso do colonizador, que cria
representações e estereótipos como parte de dominação de terras distantes, Said começa a
refletir sobre a relação do imperialismo com a cultura. Em quase todo o mundo não-europeu,
a vinda do homem branco gerou uma cultura vigorosa de resistência e oposição:
Juntamente com a resistência armada em lugares tão diversos como a
Argélia, Irlanda e Indonésia do século XIX, houve, também, um esforço
considerável de resistência cultural em quase toda parte, a afirmação de
identidades nacionais, e, na esfera política, a criação de associações e
partidos cujo objetivo comum era de autodeterminação e independência
nacional. (1994, xii).
11
Trabalhando a questão da identidade a partir de um corpus literário, Said chama a atenção
para a aspiração à soberania e dominação de todas as culturas "nacionalmente definidas", por
outro lado acrescenta que,
11
Along with armed resistance in places as diverse as nineteenth-century Algeria, Ireland, and Indonesia, there
also went considerable effort in cultural resistance almost everywhere, the assertions of nationalism identities,
and, in the political realm, the creation of associations and parties whose common goal was self-determination
and national independence.
paradoxalmente nunca estivemos tão cientes como agora de quão
estranhamente híbridas são as experiências culturais e históricas, e de como
compartilham de muitas experiências e campos frequentemente
contraditórios, cruzam fronteiras nacionais, desafiam a ação policialesca do
dogma simplista e do patriotismo gritante (Idem, p. 15).
12
Homi Bhabha também lança mão do conceito de hibridismo em oposição à ideia de uma
cultura monolítica, autônoma, excludente e pura. Bhabha, partindo do pressuposto de que a
cultura que o colonizador representava não escondia suas afiliações e interesses, investiga o
discurso colonial na produção literária de Conrad, Kipling, Rushdie, entre outros, e
documentos oficiais britânicos sobre a Índia e a questão da nacionalidade em uma relação de
desigualdade e subordinação. Essa relação cria um espaço intersticial, o entre-lugar, que é o
"cadinho para o hibridismo" onde "coexistem de maneira pouco pacífica mais de um conjunto
de valores, de cultura, de signos, de línguas" (MENEZES DE SOUZA, 2004, p.129).
Tributários desse pensamento acham-se outros movimentos como os Estudos Culturais e
os Estudos Subalternos que contestam a Europa como sendo centro irradiador do
conhecimento e da cultura e as posições essencialistas, homogeneizadoras e totalitárias em
relação à cultura. Para Terry Eagleton (2005, p.26-27), a grande conquista da teoria cultural
foi elevar á condição de legítimos objetos de estudo o gênero, a sexualidade e as
manifestações da cultura popular e considerá-los "como questões de persistente importância
política". A Teoria Pós-Colonial mudou o foco de classe e nação para etnicidade, conceito que
transcende o de etnia ao relacionar-se com os padrões culturais do grupo, e essa mudança de
foco representou uma passagem da política para a cultura. Para Eagleton, a mudança foi
excessiva, descaracterizando o movimento:
[...] os problemas específicos da cultura pós-colonial foram, com frequencia,
falsamente incorporados à questão muito distinta de "política de identidade"
do Ocidente. Dado que a etnicidade é, em grande parte, uma questão
12
paradoxically, we have never been as aware as we now are of how oddly hybrid historical and cultural
experiences are, of how they partake of many often contradictory experiences and domains, cross national
boundaries, defy the police action of simple dogma and loud patriotism.
cultural, essa mudança de foco representou também uma passagem da
política para a cultura. De alguma forma, isso refletiu mudanças reais no
mundo. Mas também ajudou a despolitizar a questão do pós-colonialismo e a
inflar o papel da cultura dentro dele (2005, p. 26).
Uma das evidências de que o pós-colonialismo vai além de um movimento que buscava
trazer para o "centro" as "margens da cultura" é ilustrada por Douglas Robinson (1997, p. 13)
em sua análise das diferentes maneiras em que se circunscreve o objeto de estudo:
(1) O estudo das antigas colônias da Europa desde a independência; como as
colônias suplantaram, responderam, acomodaram-se ou resistiram ao legado
cultural do colonialismo durante a independência. 'Pós-colonial', nesse caso,
refere-se a culturas depois do fim do colonialismo. O período histórico
cobre, grosso modo, a segunda metade do século XX.
13
(2) O estudo das antigas colônias da Europa desde a colonização; como as
colônias suplantaram, responderam, acomodaram-se ou resistiram ao legado
cultural do colonialismo desde sua implantação. 'Pós-colonial', nesse caso,
refere-se ao início da colonização. O período histórico cobre, grosso modo, a
era moderna, começando no século XVI.
14
(3) O estudo de todas as culturas/sociedades/países/nações em sua relação de
poder com outras culturas/etc; como as culturas conquistadoras submeteram
as conquistadas à sua vontade; como as culturas conquistadas suplantaram,
responderam, acomodaram-se ou resistiram a tal coerção. 'Pós-colonial',
nesse caso, refere-se à nossa perspectiva de final do século XX sobre as
relações de poder cultural. O período histórico coberto é toda a história da
humanidade.
15
A questão seria definir de qual dessas perspectivas partem os teóricos que relacionam a
teoria de tradução de Haroldo de Campos ao pós-colonialismo. A primeira corresponde ao
período das independências da Ásia e África, que originou as primeiras reflexões sobre a
13
(1) The study of Europe's former colonies since independence; how they have responded to, accommodated,
resisted or overcome the cultural legacy of colonialism during independence. 'Post-colonial' here refers to
cultures after the end of colonialism. The historical period covered is roughly the second half of the twentieth
century.
14
(2) The study of Europe's former colonies since they were colonized; how they have responded to,
accommodated, resisted or overcome the cultural legacy of colonialism since its inception. 'Pot-colonial' here
refers to cultures after the beginning of colonialism. The historical period covered is roughly the modern era,
beginning in the sixteenth century.
15
(3) The study of all cultures/societies/countries/nations in terms of their power relations with other
cultures/etc; how conqueror cultures have bent conquered cultures to their will; how conquered cultures have
responded to, accommodated, resisted or overcome that coercion. 'Post-colonial' here refers to our late-twentieth-
century perspectives on cultural power relations. The historical period covered is all human society.
condição pós-colonial, conforme descrito no início deste capítulo. A segunda tem relação com
a colonização da América, no entanto, não se aplica a um tradutor contemporâneo. A última,
com a ampliação do escopo do estudo, tanto no aspecto temporal quanto espacial, seria
aplicável ao contexto brasileiro, mas também seria ao resto do mundo, pois "existiu qualquer
cultura que não tivesse sido controlada por outra, em algum momento da história?"
(ROBINSON, 1997, p. 14). Essa terceira definição é questionável, parecendo excessivamente
generalizadora, pois parte de uma teoria desenvolvida a partir de um processo de colonização
específico para analisar outros contextos.
Uma das muitas críticas dessa generalização parte de Leyla Perrone-Moisés, que ao
discutir o esvaziamento conceitual de termos como cultura, alteridade, identidade,
nacionalismo, nos discursos acadêmicos atuais, argumenta que,
O colonialismo, liquidado historicamente como prática geopolítica, tem sido
com frequência transformado nos estudos “pós-coloniais" num rótulo
extensivo a práticas interculturais de diferentes tipos e épocas, referentes a
um indistinto "colonizador" e a um "ex-colonizado" igualmente genérico
(2007, p. 10).
A teoria pós-colonial está ligada, não obstante a ampliação do campo de investigação, a
determinadas condições históricas. Para muitos teóricos, imperialismo define colonialismo, e,
consequentemente, pós-colonialismo. Assim sendo, analisaremos, a seguir, alguns aspectos
históricos e culturais da América Latina, para verificar se os seus conceitos aplicam-se ao
contexto latino-americano e especialmente brasileiro.
1.3. Colonização e descolonização na América Latina
1.3.1. Aspectos históricos
Parece existir uma tendência de generalizar o processo de colonização na América Latina
que carece de uma reflexão mais cuidadosa. Ao olharmos o passado histórico das colônias
hispânicas e da portuguesa na América, observamos diferenças que nos levam a questionar a
aplicação indiscriminada da Teoria Pós-Colonial nesse contexto geopolítico.
A interação política e cultural entre Brasil e a América Hispânica só se deu na Península
Ibérica durante o domínio espanhol. "Em nossa identidade não se inclui ser um país 'latino-
americano'. [...] nossas referências identitárias apontam para a Europa – Portugal e França – e
para nossas origens na mestiçagem – índios e negros" (SADER, 2006, p.177), talvez devido a
"históricas rivalidades metropolitanas, ao estereótipo, que dificultou, na região hispano-
americana, a compreensão de uma cultura cuja riqueza e complexidade aparecem como de
impossível acesso com a desculpa do idioma" (PIZARRO, 2004, p. 30). Os próprios países de
colonização hispânica apresentam uma heterogeneidade que escapa ao olhar estrangeiro.
No século XVI, sob a égide da Igreja e interesses mercantilistas, Portugal empreende a
"aventura do descobrimento". A península ibérica, com a expulsão dos árabes, passa de
periferia do mundo muçulmano para pólo construtor de outra periferia. Como em outros
processos de colonização caracterizados pelo monopólio da metrópole na posse,
administração e fiscalização dos territórios conquistados, o domínio ibérico no Novo Mundo
possibilita o surgimento de nações da atual América Latina à custa do "encobrimento do
outro", da espoliação das riquezas e da exploração do trabalho nativo.
Logo de início, a expansão lusa diferenciou-se da espanhola. Determinada pelas
características peculiares da realidade da colônia portuguesa, privilegiou-se a agricultura,
enquanto nas colônias espanholas a principal atividade era a mineradora. Embora algumas
pepitas tivessem sido encontradas em São Paulo, no final do século XVI, é a partir do final do
XVII que se inicia a corrida do ouro. Em consequência da introdução da cana de açúcar, em
1523, institui-se o tráfico negreiro e a escravidão, pois diferentemente das colônias espanholas
não foi possível a utilização em larga escala da mão-de-obra indígena. Pelo menos não a
longo prazo, visto que na colônia (a essa altura já denominada Brasil), a população nativa era
relativamente pouco numerosa e foi rapidamente exterminada na faixa litorânea.
16
Em 1808, o desequilíbrio político na Europa, provocado por Napoleão, forçou a
transferência da família real portuguesa para o Brasil, elevando a colônia à condição de
metrópole. Transformado em capital do império, o Rio de Janeiro passa por uma revolução
urbana, cultural e social. Os Bragança contribuíram para a união do país, num momento em
que as colônias espanholas passavam por um período de desagregação. Com a volta da corte a
Portugal e a proclamação da independência, apesar de rompidas as amarras do pacto colonial,
os interesses da aristocracia local são mantidos, inclusive a escravidão, base da então
economia brasileira.
A dinâmica de descolonização no Brasil difere daquela da América Espanhola. Enquanto
os movimentos de independência, que varrem o continente americano quase
concomitantemente, instauram a república, no Brasil o nosso "libertador" é um príncipe que
instaura um império, conforme esclarece Adauto de Oliveira (2006, p. 25-26):
Somos (Brasil) o único país de fala portuguesa; nosso desenvolvimento
político deu-se pós-independência, sob uma forma monárquica de governo,
enquanto toda a América optou pela república. Pela própria história colonial
e por diferenças no processo de independência, nossos pais fundadores não
nos são comuns: enquanto boa parte da América do Sul cultua Bolívar, San
Martin, Sucre, O'Higgins e Miranda, nosso herói da independência foi o
próprio herdeiro da Coroa portuguesa.
Esses aspectos históricos que diferenciam a brasileira de outras lutas de independência
podem contribuir para que o "sentimento de colonizado" não esteja latente no Brasil. Quando
Roberto Schwarz afirma que
Sem prejuízo de os brasileiros termos traços índios, ou negros (ou italianos
ou judeus), já não somos os índios e africanos da primeira época, de modo
que há também ingenuidade e mitificação em considerar o colonizador como
outro, com quem nós, povos colonizados não temos parte (1993, p. 14),
16
Fonte: Claudio VICENTINO; Gianpaolo DORIGO. História Geral e do Brasil.
está criticando posições essencialistas e dicotômicas que parecem subjazer à Teoria Pós-
Colonial, que coloca em oposição colonizador e colonizados. A contribuição de vários povos
na formação da população brasileira anula esse confronto e ressalta a peculiaridade do
contexto brasileiro. Para Lia Wyler (2003, p.57), "o fenômeno de estrangeiramento das elites
brasileiras não se enquadrou no modelo milenar de dominação em que a cultura do
colonizador se sobrepõe à do colonizado".
Como pudemos ver, a investigação dos aspectos históricos aponta para diferenças
importantes no processo de colonização e descolonização, o que nos leva a crer que a Teoria
Pós-Colonial, como foi concebida originariamente, não se aplica ao nosso contexto.
1.3.2. Aspectos teóricos
No centro do debate sobre o impacto da empreitada colonial na cultura e identidade latino-
americana acha-se a investigação sobre as desigualdades culturais, sociais e econômicas do
passado e do presente. Muitos são os estudiosos que trataram da questão. Segundo Perrone-
Moisés (2007, p. 44), "se as primeiras considerações dos latino-americanos sobre sua
identidade se apresentavam em termos de comparação com a Europa, no decorrer de nosso
século, numerosos intelectuais a pensaram em termos de miscigenação cultural".
A identidade latino-americana tem sido objeto de pesquisa interdisciplinar, que inclui a
antropologia, história, sociologia e a crítica literária, levando a conceitos como negritude,
crioulidade, heterogeneidade, transculturação e hibridismo. Esses conceitos resultam de uma
reflexão de âmbito continental na busca dos "fundamentos e mecanismos com que esta
sociedade construiu simbolicamente a vida"
17
(PIZARRO, s.d., p. 103).
Dentre os muitos estudos, há posições bastante controversas, umas por buscarem “uma
essência ou matriz cultural sepultada e esquecida”
18
, não levando em conta o resultado do
17
los fundamentos y mecanismos con que esta sociedad ha ido contruyendo simbólicamente su vida.
18
un esencia o matriz cultural, sepultada y olvidada, que hay que recuperar
encontro das culturas, ibérica, indígenas e negra, como no caso do indianismo e do
hispanismo, e outras porque mesmo aceitando uma matriz cultural híbrida, "fixam-se
historicamente num certo período e se negam a considerar o impacto de novos aportes"
19
(LARRAIN, 1996, p. 127).
A crítica a essas posições é instanciada pela percepção da identidade como sendo um
processo contínuo e não uma construção fixa e imutável. Além disso, a contribuição para o
processo identitário latino-americano deve-se não somente ao encontro
colonizador/colonizado per se, mas também à escravatura, à imigração de outros povos da
Europa e Ásia e ao modelo cultural francês, e, mais recentemente, aos Estados Unidos, cuja
cultura, ao lado do poder econômico (sem considerar o bélico) constituem elementos de um
neocolonialismo. Para Sader (2006, p. 177), "nossa identidade contemporânea está permeada
pela globalização".
Anterior à atual liderança norte-americana, a França, do século XIX até começo do XX,
exerce forte influência na vida pública e cultural da América Latina. Segundo Denis Rolland
(2005, p. 19), as elites olharão "para os regimes políticos, para a legislação, para a maneira de
viver a religião ou o laicismo, a arte, a moda, as maneiras" e ainda "as sociabilidades, a
maçonaria, até mesmo modalidades de organização operária". No Brasil, a cultura francesa foi
tão importante que "na Constituinte de 1823, o francês competiu com o português e o tupi
pelo privilégio de ser escolhido língua nacional" (WYLER, 2003, p. 57-58).
Às concepções elitistas do início do século XX, com sua visão eurocêntrica, contrapõe-se
o pensamento do dominicano Pedro Henriquez Ureña, um dos primeiros a criticar o
positivismo na América Latina. Ureña defendia a ideia de integração do continente como
solução para os problemas genuinamente americanos, pois advogava que as necessidades
19
se fijan históricamente en un cierto período y se niegan a considerar el impacto de neuvos aportes.
sociais não podiam ser resolvidas com padrões importados. Nuestra América, como
denominava Ureña, era tema central de sua obra.
Nomear a América não significa somente nomear um continente, mas também um
conceito. Professor de literatura e crítico literário, Ureña via a América como sendo um texto
que devia ser explicado. Considerava a linguagem um dos instrumentos principais na
transformação social. A necessidade de integração social é discutida em Ensayos críticos,
onde aconselha a buscar soluções consoantes com nossa própria história.
Juntou-se a Juan Enrique Rodó, de quem foi discípulo, na crítica ao que Rodó chamou de
"nordomania", em referência à influência norte-americana, e à valorização do estrangeiro em
detrimento dos valores locais. Segundo Larrain,
Rodó reivindica o sentimento e as virtudes da raça latina, e sustenta que a
América Latina possui uma maior sensibilidade cultural e um maior sentido
idealista da vida que os Estados Unidos, excessivamente materialistas e
utilitaristas (1996, p. 151).
A crítica literária na América Latina tem como ponto de partida a reflexão de intelectuais,
como Rodó e Ureña, que se ocuparam da questão da identidade nacional e cultural. Nos anos
60, "desenvolve-se um discurso que aponta para a necessidade de descolonização" (NITRINI,
2000, p. 64), ou seja, deixar de analisar e interpretar a literatura latino-americana – soma de
tendências clássicas, vinculadas às européias, e locais – passando-se a levar em conta as
especificidades.
A necessidade de elaborar uma teoria literária que, com seus princípios e
métodos fosse capaz de dar conta da especificidade da literatura produzida
na América Latina se constituiu, naquela época, em um dos temas centrais
na agenda de um grupo de intelectuais latino-americanos, entre os quais se
achavam Ángel Rama, Roberto Fernandez Retamar, Antonio Candido e
Antonio Cornejo Polar. Tal atitude estava determinada pela necessidade de
tomar distância crítica dos pressupostos teóricos elaborados na Europa e
dominantes nos âmbitos acadêmicos e intelectuais latino-americanos
(ORTIZ, 2005, p.143).
Para explicar "um processo pelo qual duas culturas em situação de encontro ou confronto
resultam modificadas, dando origem a algo novo, original e independente" (AGUIAR e
VASCONCELOS, 2004, p. 87), o cubano Fernando Ortiz, investigando a questão da
mestiçagem no livro Contrapunteo Cubano del Azúcar y del Tabaco, cria o termo
"transculturação". O termo, que define um processo sempre em movimento, opõe-se ao
conceito de aculturação e assimilação, superando a ideia de uma relação unilinear entre as
culturas de contato.
Ángel Rama transpõe o conceito para a obra de ficção e passa a usar "transculturação
narrativa" para definir o processo pelo qual uma produção literária integra as novas estruturas
e formas de vanguarda sem abandonar as próprias tradições. Tal pensamento foi instanciado
pelos conceitos de sistema literário e de formação propostos por Antonio Candido em
Formação da Literatura Brasileira, e que levaram o crítico uruguaio a pensar a produção
literária como um todo, como sendo um processo de transculturação, e não apenas as obras ou
autores de forma individual.
Estabelece-se uma estreita relação entre o pensamento de Rama e de Candido. A reflexão
de Candido, embasada na sociologia, parte da situação de subdesenvolvimento da América
Latina e sua relação de dependência cultural da Europa, apontando a repercussão que isso
acarreta na consciência do escritor. Ao ressaltar a importância do regionalismo para a
literatura latino-americana, Candido vai ao encontro daquilo que Rama define como processo
de transculturação narrativa.
Contudo, a essa corrente sociológica de pensamento crítico opõe-se Haroldo de Campos,
que publica “O Seqüestro do Barroco na Formação da Literatura Brasileira – O Caso Gregório
de Matos”, onde refuta a tese de Candido de que a nossa história literária inicia-se no
Romantismo e de que nossa literatura e de que seria "galho secundário da portuguesa, por sua
vez arbusto de segunda ordem no jardim das musas" (CANDIDO, 1981, p. 9).
Se há um problema instante e insistente na historiografia literária brasileira,
este problema é a "questão da origem". [...] Estamos diante de um verdadeiro
paradoxo borgiano, já que á "questão da origem" se soma a da identidade ou
pseudoidentidade de um autor "patronímico". Um dos maiores poetas
anteriores à Modernidade, aquele cuja existência é justamente mais
fundamental para que possamos coexistir com ela e nos sentirmos legatários
de uma tradição viva, parece não ter existido "em perspectiva histórica"
(CAMPOS, 1989a, p. 7-8).
Essa discórdia expõe o pensamento crítico de duas correntes: "uma formada por
sociólogos da literatura, mais interessados nos processos históricos e sociais que a explicam, a
outra formada por poetas mais interessados na arquitetura interna das obras e em questões de
linguagem" (MOTTA, 2007). Isso evidencia a preocupação de cunho estético, em detrimento
do político, de Haroldo de Campos em sua prática tradutória.
A literatura sempre foi indispensável na reflexão sobre a identidade cultural. Na América
Latina, apesar da contribuição dos estudos antropológicos, os mais renomados teóricos
debruçaram-se sobre a obra literária para desenvolver seus conceitos.
Se as teorias desenhadas por Rama e Candido se afinam e se complementam
de forma tão exemplar, pode-se, também, afirmar que a complexidade
cultural latino-americana nunca deixou de referir-se à transculturação
narrativa como ferramenta de análise. Em muitos aspectos a categoria
heterogeneidade, proposta por Antonio Cornejo Polar, dialoga com as teses
levantadas por Rama (REIS, 2005, p. 481).
Ainda procurando dar conta da especificidade da produção literária na América Latina, a
reflexão do peruano Antonio Cornejo Polar tem como ponto de partida o mundo andino, que
apesar da aparente homegeneidade, é espaço de manifestação da heterogeneidade, e se
contrapõe ao que na época era considerada "literatura nacional": produção em língua
espanhola seguindo o cânone das elites, que tinham por modelo os padrões europeus. Polar
põe em relevo a visão homogeneizadora das culturas hegemônicas com relação à América
Latina.
Em janeiro de 1992, no Congresso Estado Actual de los Estudios Literarios
Latinomericanistas, na Universidade de Granada, Cornejo Polar (1999, p. 13) reivindica "a
condição múltipla, plural, híbrida, heterogênea ou transcultural dos diferentes discursos e dos
vários sistemas literários que se produzem em nossa América"
20
. Polar demonstra a
preocupação de muitos intelectuais com a imagem monolítica da literatura latino-americana e
chama a atenção para a maneira como essa imagem se fixou pelos seguintes conceitos
restritivos que condicionavam sua existência: devia ser "(1) escrita, (2) em espanhol, e (3) sob
códigos estéticos derivados da alta literatura européia"
21
. E conclui:
Como disse outras vezes, assim se lograva construir um corpus unitário,
coerente, mas à custa de se marginalizar, por razões estéticas ou sociais, ou
ambas, uma imensa quantidade de discursos. O que fazer, por exemplo, com
a literatura oral em quechua ou aymara que se produz nesses países? Não é
literatura? Não é socialmente representativa da nação?
22
Também em oposição ao pensamento homogeneizador com relação à América Latina, o
argentino Néstor Garcia Canclini vai aprofundar, a partir de estudos interdisciplinares, a
análise de "culturas híbridas" para "resgatar a vitalidade das contradições e da multiplicidade”
(COSER, 2005, p. 184) e coloca assim sua proposta:
Vou ocupar-me de como os estudos sobre hibridação modificaram o modo
de falar sobre identidade, cultura, diferença, desigualdade, multiculturalismo
e sobre pares organizadores dos conflitos nas ciências sociais: tradição-
modernidade, norte-sul, local-global (CANCLINI, 2006, xx).
Todavia, enquanto Polar investiga o hibridismo debruçando-se sobre a análise da
produção literária, Canclini amplia seu campo de reflexão para "as fusões entre culturas de
bairro e midiáticas, entre estilos de consumo de gerações diferentes, entre músicas locais e
transnacionais, que ocorrem nas fronteiras e nas grandes cidades" (Ibid, xxix). Para Canclini o
termo "hibridação", em vez de hibridismo, parece mais adequado para nomear esse fenômeno
que acontece em campos tão diferentes como religião, tecnologia e processos sociais, pois
perde a sua ressonância biológica.
20
la condición múltiple, plural, híbrida, heterogénea o transcultural de los distintos discursos y de los varios
sistemas literários que se producen en nuestra América.
21
(1) escrita, (2) en español, y (3) bajo códigos estéticos derivados de la alta literatura europea.
22
Como otras veces he dicho, de este modo se lograba construir un corpus unitário, coherente, pero a costa de
marginalisar por razones estéticas o sociales, o por ambas, a una inmensa massa de discursos. ¿Qué hacer, por
ejemplo, con la literatura oral en quechua o aymara que se produce en estos países? ¿No son literatura? ¿No son
socialmente representativas de la nación?
"Mestiçagem" ao lado de "hibridismo" são termos chaves nos estudos pós-coloniais.
Partindo do pressuposto de que a cultura que o colonizador representava não escondia suas
afiliações e interesses, Homi Bhabha, ele próprio sujeito da "ironia colonial", investiga na
produção literária britânica sobre a Índia a questão da nacionalidade em uma relação de
desigualdade e subordinação. Essa relação cria um espaço intersticial, o entre-lugar
(inbetween), que é o "cadinho para o hibiridismo", onde "coexistem, de maneira pouco
pacífica, mais de um conjunto de valores, de culturas, de signos, de línguas" (MENEZES de
SOUZA, 2004, p. 129). Bhabha contesta as posições essencialistas, homogeneizadoras e
totalitárias em relação à cultura, ressaltando que "um aspecto importante do discurso colonial
é sua dependência do conceito de fixidez na construção ideológica da alteridade" (Ibid,
p.105).
O conceito de hibridismo no pensamento de Bhabha surge no âmbito de pensar a relação
entre culturas que não se fundem e não se mesclam. Seria uma ausência de pureza em todas as
culturas, até das hegemônicas, mesmo que estas não reconheçam. Em contrapartida, "para os
latino-americanos o conceito de híbrido remete à longa história de mestiçagem e sincretismo
que caracteriza tanto os ideais nacionais quanto suas mais profundas divisões e
desigualdades" (COSER, 2005, p. 164).
O termo "mestiçagem" surge inicialmente de um discurso colonial que privilegia a ideia
de pureza racial e significa, semanticamente, mistura de raças e/ou culturas, mas sempre de
maneira assimétrica na relação de poder. Segundo a obra Post-colonial studies: the key
concepts (2006, p. 136), esse termo se refere somente à colonização espanhola e portuguesa
nas possessões sul e meso-americanas. Devido ao fato de as colônias terem chegado à
independência muito antes daqueles estudos que levaram à teoria pós-colonial, o discurso
latino-americano da ideia de "mestiço" torna-se um sinal cultural nacional com conotação
positiva, pois reflete a percepção de que a miscigenação produziu uma forma sinergética
poderosa. Esse parece ser o fio condutor de todo o questionamento sobre identidade do
continente latino-americano.
A ideia de que a mestiçagem se deu isenta de conflitos ao longo de toda nossa história vai
ao encontro da propaganda salazarista em Portugal, conforme atesta em entrevista o dirigente
português em 1962: "Estes contatos jamais envolveram a menor ideia de superioridade racial
ou discriminação [...] é a primazia que sempre demos e continuaremos a dar à intensificação
do valor e da dignidade do homem, sem distinção de cor ou credo."
23
No Brasil, a partir dos anos 30, celebra-se positivamente a contribuição de negros e índios
na formação da cultura. Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala aponta para a tolerância
racial na colonização do Brasil, cunhando a expressão de caráter conciliador "democracia
racial". Para o autor, na sociedade brasileira a miscigenação entre senhores e escravas,
europeus e índias, devido à escassez de mulheres brancas teria sido harmoniosa:
Da escassez das mulheres brancas resulta a possibilidade de
'confraternização entre vencedores e vencidos', gerando-se filhos do senhor
com escrava, operando a miscigenação como corretor da distância social
entre a casa grande e a mata tropical; entre a casa grande e a senzala
(BASTOS, 1999, p. 219).
Sérgio Buarque de Holanda (2006, p. 52-66), por sua vez, atribui o êxito da miscigenação
à índole do colonizador português, desprovido "de qualquer orgulho de raça". A total
adaptação dos portugueses à terra colonizada teria resultado na mestiçagem, que não
"fenômeno esporádico", mas sim "processo normal".
Entre nós, o domínio europeu foi, em geral, brando e mole, menos obediente
a regras e dispositivos do que à lei da natureza. A vida parece ter sido aqui
incomparavelmente mais suave, mais acolhedora, das dissonâncias sociais,
raciais, e morais.
Entretanto, para que a miscigenação ocorresse de forma natural e harmônica devia ser
aceita por ambas as partes e "a suavidade dengosa e açucarada" viria a contribuir para essa
"extraordinária plasticidade social". Apesar de ser uma obra que gerou controvérsia, Raízes do
23
Cf Charles R. BOXER, Relações raciais no império colonial português, p. 35.
Brasil atesta a importância do legado colonial para nossa maneira de ser: "o fruto de nosso
trabalho ou de nossa preguiça parece participar de um sistema de evolução próprio de outro
clima e de outra paisagem" (2006, p. 31).
Contudo, a mestiçagem nem sempre foi considerada de maneira tão positiva. Alfredo Bosi
(2006, p. 21) descreve a colonização como tendo sido "uma empreitada brutal que submetia
gentios, negros e mestiços, e fazia retroceder a formas cruentas o cotidiano vivido pelos
dominados". Também Charles Boxer (1967, p. 153) enfatiza que o preconceito e a tensão
racial eram muito mais fortes do que modernamente alguns fazem crer. Ainda esclarece que a
"legislação colonial era mais discriminatória com pessoas que tinham uma parcela de sangue
negro, mais que mamelucos e outros cruzamentos entre brancos e índios", numa distinção
ilógica e injustificada.
No século XIX, a mestiçagem, influenciada pelas teorias raciais surgidas na Europa, foi
hierarquizada em cores e ratificada pelos censos. A humanidade foi dividida em raças. Sob
um pretenso cientificismo perpetrava-se a ideologia colonial de raça pura, que "além de sua
definição biológica acabou recebendo uma interpretação sobretudo social" (SCHWARZ,
1993, p.17). No Brasil, à exaltação da mistura seguiu-se uma ideologia de exclusão, que
determina o "puro" e o "impuro", a que reage Adauto Novaes:
Um capítulo especial poderia ser aberto à migração dos negros da África,
transformados em escravos. Mas, tendo chegado ainda no século XVI, eles
de fato são co-fundadores do Brasil, tanta é a presença do negro em nossa
formação, que ficaria artificial considerá-los uma "nacionalidade" à parte
que colocasse problemas para sua integração. Sabe-se que custou aos negros
o opróbrio do duro regime escravista, mas esse opróbrio foi parte da
formação dos "brasileiros". O que não alivia a questão, mas por sua
singularidade destaca-a de qualquer consideração no meio de outros
processos de intercâmbio (2006, p. 23).
Mesmo admitindo-se que a questão racial no Brasil não tenha sido aquela da "democracia
racial" preconizada por Freire, ela não foi determinante no movimento anticolonial como
ocorreu em lugares tão distantes como a Índia, Indochina, Argélia. O nacionalismo nascente
das colônias da Ásia e África, que se tornaram independentes no século passado, era
frequentemente visto em termos de conflito racial.
A percepção da condição mestiça dos povos e das culturas é comum aos países latino-
americanos. Apesar de os conceitos de transculturação, hibridez e heterogeneidade suporem
um exercício teórico da reflexão e da circulação das ideias e da troca de experiência entre
intelectuais latino-americanos dotados de uma consciência continental, não se pode pensar a
crítica latino-americana como um "raciocínio em bloco" ou em termos globalizantes, nem
mesmo quando se refere somente aos países de língua espanhola.
Por muitas razões – dimensão territorial, rivalidades econômicas, diferença linguistica e
diferente trajetória histórica – a relação da América Hispânica com o Brasil "foi
historicamente um grande parêntese e, ainda que em menor medida, essa relação também se
deu ao inverso" (PIZARRO, 2004, p. 30).
Se as diferenças entre os países da América Latina devem ser consideradas, mais ainda
elas importam em relação aos outros países colonizados. Isso nos leva a crer que uma teoria
elaborada a partir de um contexto específico torna-se inadequada para aplicação outros. Para
Said (1983, p.241), "uma vez que uma teoria entra em voga porque é claramente efetiva e
poderosa, pode, provavelmente, durante a peregrinação ser reduzida, codificada e
institucionalizada".
O olhar distanciado das culturas hegemônicas tende a ter uma visão estereotipada e
homogênea da América Latina ao considerar somente alguns aspectos das nossas questões
culturais, como no caso da inserção da teoria de tradução de Haroldo de Campos nos Estudos
Pós-Coloniais. A Teoria Pós-Colonial rapidamente alcançou o "status de autoridade" (SAID,
2003, p. 247), mas sua aplicação em diferentes contextos tem sido bastante questionada como
sendo uma forma de imperialismo cultural.
Para Perrone-Moisés,
Nação e identidade nacional são "grandes narrativas", e é paradoxal que
estudiosos que se dizem pós-modernos usem esses conceitos como positivos,
quando aplicados a nações, identidades, e culturas "subalternas", sem ver
que eles são ilusórios e complexos para qualquer tipo de cultura, hegemônica
ou dependente. (2007, p.14).
A revisão da Teoria Pós-Colonial em relação ao continente latino-americano poderia
buscar subsídios na micro-história, responsável não somente por "uma revisão das questões
relacionadas às fontes e aos arquivos, mas também pela redefinição da relação com o passado
enquanto diálogo fragmentado" (ADAMO, 2006, p. 82).
24
A proposição metodológica da
micro-história baseia-se no recorte temático em um assunto bastante específico levando ao
abandono da certeza na "verdade histórica" e ao questionamento da periodização tradicional
de temas, no caso a colonização.
1.4. Desconhecimento de causa
Frequentemente vemos intelectuais serem contestados porque suas afirmações parecem
inadequadas, de segunda mão ou manipuladas de forma a convirem a uma teoria. O
historiador mexicano Claudio Lomnitz, por exemplo, questiona os aspectos conceituais e
históricos da tese de Benedict Anderson, na celebrada obra Imagined communities, de que o
centro irradiador do nacionalismo foi o mundo colonial latino-americano. Depois de uma
análise detalhada da obra de Anderson, Lomnitz conclui que o problema está na
generalização, pois há várias formas de nacionalismo:
No início do período moderno, devemos distinguir entre o nacionalismo de
um povo específico, como o da Espanha, e o nacionalismo defensivo dos
britânicos e holandeses, que criaram ideias nacionalistas a fim de afirmar o
direito de manter e santificar suas tradições. Ambas as formas contrastam
24
a rethinking of issues regarding sources and archives, but also a redefinition of the relationship with the past as
a fragmentary dialogue.
com as formulações excessivamente instáveis da América hispânica no
início do período pós-colonial (1999, p. 353)
25
.
O nacionalismo estaria ligado a condições de tempo de espaço e, também, a motivações
políticas. Para Lomnitz, muito da ideologia nacionalista moderna é produto da independência
e não sua pré-condição.
Por que um historiador de prestígio como Benedict Anderson é contestado? Uma razão
poderia ser a inexistência de "uma verdade histórica" e a necessidade de constante revisão de
conceitos, outra seria a carência de uma pesquisa mais cuidadosa e aprofundada.
Segundo George Bastin, em artigo intitulado "Subjectivity and Rigour in Translation
History: the Case of Latin America", a falta de acuidade estaria,
nas pesquisas históricas que tendem a adotar estruturas universalistas da
história européia e agrupam os séculos em períodos clássico (as primeiras
migrações humanas), medieval (civilizações indígenas) renascença (adoção
do capital intelectual e cultural europeu) e moderno (timidamente admitido)
(op. cit. p. 115).
26
Paradoxalmente, no mesmo texto Bastin afirma que "antes de 1980, os estudos culturais
da América Latina – sejam históricos, literais, sociológicos ou políticos – refletem
essencialmente uma visão eurocêntrica do subcontinente e de seus povos" (2006, p. 114).
27
Como vimos anteriormente neste estudo, as primeiras reflexões sobre a questão cultural
latino-americana datam do início do século passado, o que nos leva a crer que nesse
comentário Bastin está se referindo a teóricos estrangeiros que investigam questões latino-
americanas. De fato, mais adiante ao citar o "atual estado dos estudos culturais" Bastin critica
alguns autores (Buzelin, Laplantine, Nouss, Chaunu) pela "visão tipicamente reducionista"
25
In the early modern period, we must distinguish between the nationalism of a chosen people, such as that of
Spain, and the defensive nationalism of the British and Dutch, who created nationalist ideals in order to affirm
their right to maintain and to sanctify their own traditions. Both of these forms contrast with the highly unstable
nationalist formulations of early postcolonial Spanish America.
26
Historical survey have tended to adopt the universalistic structures of European history and have grouped the
centuries into classical (the firs human migrations), medieval (indigenous civilization), Renaissance (adoption of
European cultural and intellectual capital), and modern (timidly conceded) periods.
27
Prior to the 1980s, cultural studies of Latin America – whether historical, literary, sociological, or political –
reflected an essentially Eurocentric vision of the subcontinent and its people.
que não dá conta da complexidade das culturas e insistem em considerá-las primitivas.
Todavia, ele está mesmo se referindo aos intelectuais latino-americanos:
Foi somente a partir de 1980 que uma geração de pesquisadores apareceram
– críticos literários em sua maioria (Angel Rama, Antonio Cornejo Polar,
Nestor Garcia Canclini, Beatriz González Stephan, entre outros) – para
melhor refletir sobre as complexidades da realidade da América Latina que
escapou do modelo canônico ou oficial europeu binário e homogenizador
(op. cit. p. 117).
Grave engano, pois Ángel Rama ministrou um curso na USP na década de 60, Cornejo
Polar tornou-se professor da Universidade de San Marcos, em Lima, em 1966 e Canclini
lançou seu primeiro livro Arte popular y sociedad en América Latina, em 1977. Vale a pena
lembrar que Fernando Ortiz publica a obra Contrapunteo cubano del tabaco y el azúcar em
1940 e Pedro Henriquez Ureña escreve os Ensayos críticos, em Cuba, entre 1904 e 1906.
Outro "deslize" que nos faz desconfiar de que muitas das referências carecem de
investigação é o fato de Susan Bassnett grafar de maneira errada o nome de Haroldo de
Campos:
[...] says the great Brazilian translator Haraldo de Campos [...] (1999, p. 5).
Haraldo and Augusto de Campos have been the principal practitioners and
theoreticians [...] (1998, p.154).
Haraldo and Augusto de Campos use translation as a way of [...]" (Idem,
p.157).
28
Às vezes, o que pode parecer ausência de pesquisa ou de embasamento pode ser simples
reprodução de um erro na fonte consultada. Esse seria o caso de Gentzler que se refere a
Sousândrade como “pai da tradução criativa no Brasil, que inseria formas poéticas de
Camões, Francisco Manoel de Melo, Antonio Ferreira, e outros, em suas traduções” [..]
29
(2008, p.91). Pergunta-se onde Gentzler foi buscar tal informação, pois não se tem notícia de
que Sousândrade fosse tradutor ou teórico da tradução. O autor reproduz o que Vieira afirma
28
Grifo nosso.
29
Sousândrade (1833-1902) father of creative translation in Brazil, who would insert verse formas of Camões,
Francisco Manoel de Melo, antonio Ferreira, and others in his translations.
em sua tese de doutoramento, referindo-se a Haroldo de Campos: “Tradutor transformador, a
exemplo também do que fazia Sousândrade, o patriarca da tradução criativa” (1992, p. 43).
Tal afirmação é decorrente de uma leitura descuidada do texto de Campos:
O nosso Odorico Mendes, ‘pai rococó’ (Sousândrade) e patriarca da tradução
criativa, interpolava, quando lhe parecia bem, em suas traduções homéricas,
versos de Camões, Francisco Manoel de Melo, Antonio Ferreira, Filinto
Elísio (1986, p.191).
Odorico Mendes tornou-se famoso pela sua tradução da Odisséia, que muitos críticos
consideraram “monstruosidade” devido à singularidade de suas criações lexicais e sintáticas,
mas que para Haroldo de Campos seria a demonstração “que o português era capaz de tanta
ou mais concisão do que o grego e o latim” (2004, p. 38). Para Campos, esse poeta/tradutor
teria sido o primeiro teórico da tradução. Sousândrade sofre influência de seu conterrâneo
maranhense Odorico Mendes, a quem chama de “pai do rococó”, na sua poesia da segunda
geração romântica, perseguindo uma sonoridade grega (Ibid, p. 42).
1.5. Considerações Finais
Se por um lado o interesse da crítica estrangeira pelas nossas questões é um sinal de
reconhecimento da nossa importância, por outro devemos adotar uma postura crítica para não
corrermos o "risco do retorno a uma dependência cultural: perceber o próprio com lentes
alheias" (GULDBERG, 1999, p. 45).
Os estudos pós-coloniais, quando partiram de questões locais, como Índia e Argélia, e
evoluíram para questões globais acabaram institucionalizados nas academias do ocidente.
Segundo Ania Loomba (2005, p. 2), "o termo 'pós-colonialismo' tornou-se tão heterogêneo e
difuso que é impossível descrever satisfatoriamente o que envolveria seu estudo"
30
. Essa
30
The term 'postcolonialism' has become so heterogeneous and diffuse that it is impossible to describe
satisfactory what its study might entail.
dificuldade talvez esteja no fato do pós-colonialismo apresentar um aspecto interdisciplinar,
envolvendo estudos sociais, antropológicos, lingüísticos e literários.
O pensamento pós-colonial permitiu novas leituras de seus conceitos revelando "a
cultura como operação ampla de tradução que opera em âmbito transnacional, translingüístico
e trans-histórico" (PAGANO, 2000, p. 158). No entanto, muitos argumentam que não se
podem aplicar totalmente os conceitos da Teoria Pós-Colonial a qualquer realidade
multicultural. Com o apagamento de seus limites definidos, a teoria pós-colonial perde a força
contestatória e o seu caráter alternativo, tornando-se mainstream.
Essas posições são bastante questionadas, pois podem ser excessivamente generalizadoras
quando partem de uma colonização específica em certo tempo e espaço para analisar outros
contextos. Adriana Pagano (2000, p. 158) adverte que
A condição pós-colonial da América Latina é objeto de controvérsia,
especialmente quando se aplica ao seu estudo uma matriz utilizada para
analisar realidades tão diversas, como, por exemplo, a da Índia, da África do
Sul ou da Argélia.
Silvia Molloy (2005, p.370) esclarece que o "desconforto" que muitos intelectuais latino-
americanos sentem ao serem rotulados de "pós-coloniais" deve-se ao fato de ser
[...] um pós-colonialismo que formulado "lá" (com isso quero dizer a
academia norte-americana) significa uma coisa, enquanto "aqui" (na
América Latina, ela própria lugar de múltiplas enunciações) significa algo
bastante diferente, ou melhor dizendo, significa muitas coisas diferentes .
31
Se "colonização" significa o domínio de um povo, nação, país sobre outro povo, sua
cultura, sua organização política e sua economia, então observamos que três quartos do
mundo foram em algum tempo colônia. O colonialismo está longe de ser um processo igual
nas diferentes partes do mundo, mas em todo lugar aprisionou os habitantes numa teia de
relações complexas e traumáticas (LOOMBA, 2005, P. 8).
31
[...] it is a postcolonialism that formulated "over here" (and by this I mean the U.S. academy), signifies one
thing while "over there" (in Latin-America, itself a site of multiple enunciations), signifies something quite
different; or, better said, signifies many different things.
As diferenças temporais, espaciais e de descolonização seriam, então, o motivo pelo qual
se torna questionável a aplicação dos conceitos da teoria pós-colonial a diferentes contextos e
épocas. Os aspectos teóricos do pós-colonialismo, se aplicados dessa maneira abrangente,
descaracterizam-se e perdem força argumentativa. O pós-colonialismo passou a investigar um
conjunto de objetos heterogêneos que há muito não têm ligação com uma história colonial e
corre o risco de se tornar uma ação neocolonial da academia dos países hegemônicos.
Para Perrone-Moyses (2007, p. 22)
As recentes teorias pós-coloniais praticadas nos países anglófonos só nos
convêm em parte. Para compreender em que as culturas latino-americanas se
distinguem de outras culturas pós-coloniais, certos fatores devem ser
considerados. [...] Nos países em que se mantiveram traços das culturas
autóctones, aos quais se acrescentaram mais tarde as marcas das culturas
africanas e dos países imigrantes, são as misturas efetuadas que constituem
nossa originalidade com relação aos países colonizadores.
O prestígio dos países que elaboram as teorias tem, em grande parte, importância na
aceitação de "teorias viajantes", que muitas vezes se distanciam da realidade de quem as
adota. Para Roberto Schwarz (1987, p. 30), trata-se de um "esforço de atualização e
desprovincianização" por parte das nações “periféricas”. Ainda segundo esse autor, o
processo de mudança de uma teoria, ou escola, para outra não é fruto do "esgotamento de um
projeto", antes se deve "ao prestígio americano ou europeu da doutrina seguinte", resultando
em uma "impressão – decepcionante – da mudança sem necessidade interna, e por isso
mesmo sem proveito".
O pós-colonialismo, sendo ao mesmo tempo uma teoria de reação e reabilitação, pois
contesta o eurocentrismo e reabilita as culturas "subalternas", propicia um exercício de mea
culpa aos intelectuais hegemônicos; no entanto, se imposto indiscriminadamente, e aceito
acríticamente, pode levar a um "imperialismo intelectual".
Ainda persistem no discurso pós-colonial conceitos dicotômicos como centro/margem,
ocidente/oriente, primeiro mundo/terceiro mundo. Maria Tymoczko (2007 p. 15)
problematiza a questão da terminologia:
Existe uma dificuldade óbvia com os termos ocidente e oriente, ambos
implicam uma perspectiva e uma posição. Ocidente e oriente em relação a
que? Na tradição chinesa onde a China é o "reino do meio", Índia é o
ocidente, mas para os britânicos, Índia fazia parte do "oriente".
32
Com esse binarismo terminológico, ocorre uma generalização daquilo que estaria fora das
"esferas eurocêntricas" apagando as diferenças entre um grande número de culturas. Para o
chinês Eoyang (2003, p. 67), a classificação de países como primeiro, segundo e terceiro
mundo são atualmente instáveis e considera a divisão das colônias decorrente do pensamento
cartesiano: “não pode haver nada mais arbitrário, menos situacional, mais impessoal, menos
histórico que dividir os povos conforme os cálculos de linha reta de um topógrafo”
33
(Idem,
p. 75). No modelo da dialética ocidental com relação ao resto do mundo, as "linhas divisórias
definidas são meras manifestações cartográficas dessa maneira de mapear territórios a partir
de uma visão maniqueísta do mundo" (Ibid)
34
, perpetuando, de certa forma, os padrões
coloniais.
O pós-colonialismo tem sua reflexão fundamentada no paradigma hegemônico, não
assumindo, consequentemente, uma postura neutra, mas a de "hegemonistas anti-hegemônicos
do pensamento contemporâneo"
35
(EOYANG, p. 67). Eoyang critica a análise que Jameson
faz da literatura chinesa pela sua atitude tendenciosa e generalizadora:
O que me surpreende nessas passagens é a arrogância da atitude de Jameson
em relação ao Terceiro Mundo, a condescendência para com povos
atrasados, a incontestada suposição da superioridade ocidental e a utilização
32
There is an obvious difficulty with the terms East and West, both of which imply perspective and position.
East or west of what? In Chinese tradition where China is the "Middle Kingdom", India is "the West", but for the
British India was part of "the East".
33
There can be nothing more arbitrary, less situational, more impersonal, less historical than to divide people
according to the straight line calculations of a surveyor.
34
Straight-line divisions are merely the cartographic manifestation of this way of "mapping" territories according
to a Manichean vision of the world.
35
the anti-hegemonic hegemonists of contemporary thought.
de critérios ocidentais para julgar textos não ocidentais (EOYANG 2003,
p.72).
36
A crítica de Eoyang leva Esteves (2008) à seguinte reflexão:
Será que existe em nós uma tendência a não aceitar uma classificação feita
por alguém “de fora”, do grupo “deles”? Parece ser o caso de Eoyang, e fica
fácil observar essa reação quando ela parte de um “deles”. E o que acontece
quando a classificação é atribuída a nós?
Portanto, não se pode simplesmente desprezar a investigação dos teóricos hegemônicos do
pós-colonialismo com relação ao Brasil, mas tampouco se deve aceitar acriticamente seus
postulados.
36
What strikes me in these passages is the arrogance of this attitude towards the Third World, the condescension
toward backward peoples, the unchallenged assumption of Western superiority and the use of Western criteria in
judging non-Western material.
2. TRADUÇÃO E PÓS-COLONIALISMO
Parece-me gente de tal inocência que, se
nós entendêssemos a sua fala e eles a
nossa, seriam logo cristãos, visto que não
têm nem entendem crença alguma,
segundo as aparências. E portanto se os
degredados que aqui hão de ficar
aprenderem bem a sua fala e os
entenderem, não duvido que eles, segundo
a santa tenção de Vossa Alteza, se farão
cristãos e hão de crer na nossa santa fé.
Carta de Pero Vaz de Caminha
2.1. A tradução no contexto pós-colonial
A língua, e consequentemente a tradução, desempenha papel fundamental na colonização
e descolonização. Como esses processos variaram de país para país, a tradução nesse contexto
apresenta características e objetos de estudos diferentes. Subjacente à reflexão sobre o ato
tradutório nesse contexto acham-se os mesmos questionamentos relacionados com a
identidade cultural e nacional.
O colonialismo envolve, além da dominação territorial, e, consequentemente, da
dominação econômica, a dominação cultural: no modelo colonial, uma cultura é dominante e
a outra subserviente. Nesse contexto, a tradução pode reforçar tal poder hierárquico, pois o
texto traduzido provavelmente terá um caráter inferior e ancilar e essa situação assimétrica é
canal indispensável na conquista e ocupação. Segundo Vieira (1992, p. 15),
Ela [a tradução] pode reforçar o movimento histórico unidirecional dos
países hegemônicos para as nações periféricas, ou ela pode acentuar a carga
atávica de séculos de solidão engendrada pelos diversos tipos de monopólio
impostos à América Latina colonial, ou ela pode silenciar ainda mais a voz
abafada da cultura local.
Se a tradução no contexto colonial é um instrumento de dominação, no contexto pós-
colonial é uma ação afirmativa da liberdade, independência e identidade cultural. De uma
perspectiva "pós-colonial" a tradução passa de instrumento da conquista e ocupação para
forma de resistência e oposição à cultura colonizadora, propiciando a superação das barreiras
interculturais e intraculturais na relação assimétrica de poder.
Para Robinson (1997, p. 31), a tradução se insere nos estudos pós-coloniais de três
maneiras:
- como canal de colonização, coexistente com e ligado à educação e ao
controle, velado ou declarado, de mercados e instituições.
- como pára-raios para desigualdades culturais que persistem após o colapso
do colonialismo
- e como canal de descolonização.
37
Com as mudanças históricas, o estabelecimento dos Estudos da Tradução como disciplina
levou ao desenvolvimento de teorias "anti-hegemônicas"
38
(ROBINSON, 1997, p. 13)
ocasionando o afastamento das teorias de tradução dos modelos normativos e prescritivos, que
envolvem conceitos como equivalência, fidelidade, adequação e a hierarquização entre
original e tradução.
É interessante notar que, mesmo quando a reflexão sobre a tradução deixa as academias
européia e norte-americana, desenvolvendo-se em países fora do circuito "Elisabeth Arden",
as teorias são escritas em "línguas hegemônicas", pois não terão o mesmo impacto e alcance
se forem publicadas em "línguas subalternas", o que seria "talvez a maior ironia pós-colonial"
39
(EOYANG, 2003, p. 68). Assim, o uso da língua do colonizador pode passar a ser
instrumento de superação da dominação por meio da tradução. Para Rajagopalan (2007, p.
37
- as channel of colonization, parallel to and connected with education and overt or covert control of markets
and institutions
- as a lightening-rod for cultural inequalities continuing after the collapse of colonialism; and
- as a channel of decolonization.
38
counter-hegemonic.
39
perhaps the greatest irony in post-colonial writing
171), o uso da língua do senhor imperial além de revelar "a marca indelével da experiência
colonial" lembra o mundo de que "a metrópole imperial não está mais no controle".
Rajagopalan (2007, p. 107) propõe uma diferenciação entre “pós-colonialismo” e “pós-
colonialidade”, argumentando que "pós-colonialidade é simplesmente um outro nome para a
política da tradução da maneira como é praticada no nosso período pós-colonial
contemporâneo".
40
A diferenciação, segundo esse autor, está no fato de o pós-colonialismo
ter um caráter histórico e a pós-colonialidade ser um conjunto de tentativas de teorizar esse
“fenômeno”, no qual a tradução desempenha um papel fundamental, uma vez que a língua
sempre foi peça-chave no processo de colonização e na maneira como o sujeito pós-colonial
se vê.
A reflexão sobre tradução e pós-colonialismo parte da observação e análise de um corpus
literário, pois "as obras literárias esclarecem, tanto ou mais do que os discursos políticos,
como são construídos os conceitos de nação e de identidade nacional" (PERRONE-MOISÉS,
2007, p. 18). Essa abordagem dos estudos da tradução, que busca suporte nos estudos
literários, baseia-se nos estudos etnográficos e antropológicos com uma mudança de foco
conforme o contexto geopolítico e a época investigada, da mesma maneira que a Teoria Pós-
Colonial, conforme discutido no capítulo anterior.
2.2. Ásia
A Índia, com sua multiplicidade de línguas e longo domínio britânico, tem uma história
antiga de tradução tanto intralingual como interlingual. Hindi, urdu e punjabi são as línguas
intermediárias mais importantes na tradução não só dos textos sânscritos, mas também de
40
Postcoloniality is simply another name for the politics of translation as it plays out in our contemporary
potscolonial times.
literatura canônica européia: Keats, Shakespeare e Cervantes, Tolstoi, Ibsen, estes via
traduções inglesas.
Gayatri Chakravorty Spivak considera que o sujeito pós-colonial vive na tradução, isto é,
que sua identidade está inserida na história do outro pela língua e pelas instituições do poder
colonial, que distorcem a história, a política, a arte e a literatura do colonizado. Spivak aponta
a língua como responsável pelo autoconhecimento: "a língua pode ser um dos muitos
elementos que nos permitem tirar sentido das coisas, e de nós mesmos"
41
e acrescenta que
esse autoconhecimento é que "produz a identidade" (2003, p. 397). Dessa maneira, a tradução
vai além da transferência de significados, revelando o outro no eu. A tradução, para Spivak,
torna-se uma ferramenta para muitos debates teóricos em outras áreas como o feminismo,
etnografia e estudos culturais.
Outra teórica indiana, Tejaswini Niranjana, argumenta que a tradução é uma metáfora
abrangente da assimétrica relação de poder que define a condição do colonizado. Para
Niranjana é na tradução que as relações desiguais entre diferentes culturas e línguas são
perpetuadas, principalmente se considerarmos a diversidade linguistica e étnica da Índia.
Niranjana adota o termo “interpelação”
42
, de Althusser, para mostrar como os indianos
passaram a se ver exatamente como os colonizadores os viam: infantis, místicos, irracionais,
devido em grande parte à tradução.
As traduções inglesas dos textos indianos direcionados a um público indiano culto traziam
a imagem que os europeus construíram para eles. Niranjana defende a “retradução” desses
textos como processo de descolonização, erradicando, ou, pelo menos, transformando, os
traços culturais da presença do colonizador. Niranjana ainda sugere que por meio da tradução
41
Language may be one of many elements that allow us to make sense of things, of ourselves.
42
Termo cunhado por Althusser que denota o processo pelo qual “o aparato ideológico do estado” ou uma
instituição hegemônica molda a subjectividade de seus membros discursiva ou ideologicamente (ROBINSON,
1997, P.119).
se valorize o hibridismo em oposição à posição essencialista do nativismo que preconiza um
passado pré-colonial glorioso.
Pós-colonialismo não significa um retorno ao passado nativo, antes celebra o hibridismo.
O prefixo "pós" não pressupõe um "pré" puro e isento de influências. Nesse sentido, Vicente
Rafael, tendo por objeto de estudo as Filipinas do período colonial, conclui que a tradução "é
um poderoso canal de sobrevivência cultural por meio tanto da acomodação quanto da
resistência" (ROBINSON, 1997, p.89). Rafael investiga como a tradução, um meio de
conversão religiosa, consolidou e ao mesmo tempo frustrou o projeto imperial.
A tentativa dos tagalogs, ancestrais do filipino Rafael, de compreender a presença do
estrangeiro e a empreitada de conversão ao cristianismo levou a uma série de divertidos mal-
entendidos na tradução de palavras espanholas, expressões e práticas culturais. Os tagalogs
assimilaram sem resistência a língua do colonizador introduzida com a catequese, pois sua
sobrevivência, tanto individual quanto da comunidade, dependia da comunicação com os
espanhóis, mas não sem antes subvertê-la a favor da comunidade nativa. Para Rafael, a
tradução amplifica o caráter estrangeiro do discurso estrangeiro.
Ainda como resultado do encontro das culturas espanhola e tagalog, Raniela Barbaza
estuda como o korido – uma forma literária híbrida – seria uma reescritura em resposta à
dominação colonial. Escrito em diferentes línguas filipinas, o romance korido retirou muito
do seu material da literatura espanhola, por meio da tradução. Centrais à reflexão de Barbaza
acham-se as seguintes questões: O que uma forma literária nascida do contato entre as
literaturas e culturas do colonizador e do colonizado pode expressar? Em que sentido essa
forma literária seria uma resposta do colonizado ao colonizador e como demonstra isso?
(BARBAZA, 2005, p. 247).
Tomando como exemplo um dos mais populares koridos – Historia Famosa ni Bernardo
Carpio sa Reinong España na Anac ni Don Sancho at ni Doña Jimena – Barbaza demonstra
como o herói representa o povo como um todo "subjugado, e por isso, fisicamente menos
poderoso que o colonizador"
43
. O herói Bernardo Carpio mostra como lutar contra os
opressores: "É necessário que se apegue à identidade e, apesar da aparente fraqueza face ao
inimigo, lutar corajosamente contra eles"
44
(Ibid, p.260).
Ainda sobre a influência da cultura do colonizador na produção literária local, acha-se a
pesquisa de Doris Jedamski, que investiga de que maneira a atividade tradutória, durante os
séculos XIX e XX, afetou a literatura malaia. Elementos extrínsecos à tradição malaia que
foram introduzidos e incorporados à cultura nativa dependeram das traduções. O arquipélago
malaio foi durante séculos ponto de passagem e encontro de diversas culturas, e
consequentemente línguas, levando a traduções do árabe, persa, urdu, chinês, japonês e de
muitas línguas européias como holandês, inglês, alemão, francês e russo. Também, devido à
própria constituição étnica do arquipélago, houve um intercâmbio intra-regional, via tradução,
não somente entre línguas com longa tradição de escrita como javanês, balinês e sudanês, mas
também entre línguas regionais da produção oral para a escrita.
A complexa situação linguistica do arquipélago malaio restringe o estudo de Jedamski à
tradução literária no período colonial holandês. Partindo desse contexto a autora busca
responder a duas questões – "Quais são os conceitos de tradução no contexto colonial e quais
são as intenções e estratégias dos tradutores?" (JEDAMSKI, 2005, p. 213) – e chega à
conclusão de que a tradução serviu a diferentes objetivos e que a estratégia adotada pelo
tradutor dependia da etnia, das convicções políticas e da origem social dos tradutores e
editores: "A escolha do texto, o uso da língua, o público alvo e a apropriação do texto estavam
sujeitos ao que se entende especificamente por tradução"
45
(Ibid, p. 243).
43
subjugated and therefore physically less powerful than the colonizer.
44
One must hold one's identity firmly and, despite one's apparent weakness in the face of the enemies, fight them
fearlessly.
45
Text choice, language use, target audience and text appropriation were all subject to their specific
understanding of translation.
Algumas das questões sobre tradução nas culturas asiáticas acham-se no próprio conceito
do termo tradução, e somente foram suscitadas com a crescente expansão dos Estudos da
Tradução, levando teóricos a uma reflexão crítica sobre os conceitos: "O fato de a tradução
não ser chamada de tradução em todas as línguas e culturas do mundo parece ser uma
descoberta recente do ocidente"
46
(TRIVEDI, 2006, p, 103).
Harish Trivedi, em artigo sugestivamente intitulado "In our own time, on our own terms",
demonstra como, anteriormente à colonização no século XIX, a tradução tal como é
concebida no ocidente não existia na história literária da Índia. O texto descreve os diferentes
conceitos de tradução na Índia, sua importância na atividade literária ao longo de 3500 anos e
o seu emprego em algumas das línguas mais importantes do território indiano. Trivedi
argumenta que a etimologia de muitos desses termos aponta para a atividade tradutória, mas
também pode trazer acepções que diferem da tradução como conhecida no ocidente. Os
termos elencados estão inter-relacionados com a história da literatura indiana, com o modo de
transmissão oral, com o conceito de originalidade, e até mesmo com a filosófica visão de
mundo, e não podem ser considerados sinônimos para o termo tradução, como é entendido no
ocidente.
Não obstante, existe uma dominação por parte dos teóricos hegemônicos nos estudos pós-
coloniais. Eoyang (2003, p. 70) ao criticar isso, que ele chama de “imperialismo da mente”,
acusa esses “porta-vozes dos interesses pós-coloniais” ou de expropriarem e distorcerem o
que não lhes pertence ou de fazerem apologia dos pecados do Ocidente no passado.
2.3. África
Assim como na Ásia, a situação de heteroglossia do continente africano, devido ao grande
número de línguas nativas e à colonização européia, é responsável por uma atividade
46
That translation is not called translation in all languages and cultures of the world would seem to be a recent
Western discovery.
tradutória que desempenha papel importante na sobrevivência política, econômica e cultural
dos povos. Essa atividade precedeu a chegada dos primeiros europeus e acontecia entre os
árabes, da África do Norte, e os habitantes da África subsaariana.
A partir do século XIX, o continente africano foi repartido entre várias nações européias,
sem se levar em consideração as fronteiras étnicas, impondo-se novas línguas aos povos
dominados para fins de catequese e de governança. Paralelamente à tradução religiosa, que
teve início com a colonização e perdura até os dias de hoje no contínuo processo de
evangelização, acha-se a tradução pública para fins administrativos.
O colonialismo criou uma série de condições culturais que são investigadas em diferentes
países africanos, onde o bilingüismo, a ambigüidade cultural e o hibridismo afloram na
literatura, como forma de tradução entre o texto oral e o escrito, entre a língua nativa e a do
colonizador. Jane Tutikian, por exemplo, ao analisar a produção literária de Angola,
Moçambique e Cabo Verde, aponta como esses aspectos se acham presentes nas obras de
Pepetela, Mia Couto, Germano de Almeida:
Derrubam-se e resgatam-se mitos, constroem-se e destroem-se e
reconstroem-se utopias, buscam-se saídas para a incerteza contemporânea
nas ex-colônias lusófonas, descortina-se, enfim, um outro papel para essas
literaturas que prepararam a independência: a tradução de seus novos signos
(TUTIKIAN, 2006, p. 31).
Após a independência, surgem escritores africanos com domínio do idioma do
colonizador e da língua nativa das narrativas orais. A literatura é um texto híbrido de língua
européia e nativa, de oralidade e escrita, de cultura africana e européia, e de "várias
expressões de transculturação e transnacionalismo" (BANDIA, 2008, p. 159).
A egípcia Samia Mehrez investiga as maneiras como a produção literária recente da
África do Norte, híbrida de francês e árabe, anula a hierarquia representada pelo poder
colonial, pois sua decodificação só se dá com um leitor bilíngüe, que traduz à medida que lê
(Cf. GENTZLER, 2001, p.195). Mehrez parte da premissa de que os limites da história e da
literatura são difíceis de estabelecer e que as duas disciplinas se relacionam, representando um
tipo de discurso narrativo. A natureza subversiva dessas narrativas, onde o árabe, o francês e o
espanhol interagem, aponta para um caminho que transcende os limites da tradução:
É por meio da exploração dos modos de hibridização que se pode chegar à
noção de maneiras melhores de empreender (ou talvez organizar)
institucionalmente uma pesquisa sobre questões importantes das
humanidades e das assim chamadas ciências humanas
47
(MEHREZ, 1994,
p.1).
A atividade tradutória, que no período colonial se dava entre línguas européias e nativas,
torna-se mais complexa nesse contexto de hibridismo da produção literária africana. Na Costa
do Marfim, a tradução se dá, por exemplo, do francês falado localmente para o francês falado
na França, e ainda entre duas línguas coloniais. Paul Bandia ressalta que a tradução da "África
eurófona" não é de simples transferência de conteúdo de uma língua européia para outra
língua européia.
A tradução de literatura africana se refere a expressar a realidade cultural e o
pensamento africanos, recolhidos da tradição oral em muitas situações, em
uma língua européia estrangeira, e reconciliar a visão de mundo africana
com os modos de expressão europeus (BANDIA, 2008, p. 161).
48
Consequentemente, o tradutor mais qualificado para traduzir literatura africana deveria
estar familiarizado com a tradição oral e cultura africana e, também, dominar a língua
européia como se fosse sua primeira língua. A tradução ocorreria em diferentes níveis: do oral
para o escrito, da língua nativa da oralidade para a língua híbrida, de língua nativa e européia,
e finalmente para língua européia.
Os provérbios são exemplos da oralidade nas culturas africanas. Kwame Apiah compila
em manuscrito provérbios em twi, uma das línguas majoritárias de Gana, faz uma tradução
literal para o inglês e, num terceiro momento, aplica uma estratégia que ele denomina thick
47
It is through the exploration of modes of hybridization that one may arrive at some notion of better ways to
undertake (and perhaps organize) institutionally research into significant problems in both the humanities and the
so-called human sciences.
48
The translation of African literature is about expressing African thought and sociocultural reality, as gleaned
from the oral tradition in many instances, in an alien European language, and reconciling the African world view
and European modes of expression.
translation para chegar ao produto final. Apiah define thick translation como a "tradução que
busca alocar o texto, por meio de anotações e glosas, num contexto lingüístico e cultural rico"
49
(2003, p. 427). A necessidade de tais recursos decorre da complexidade de sentido do
provérbio, que se acha imbricado no contexto do momento da enunciação, tendo como ponto
de partida um "original imaginário, sem um documento físico como fonte"
50
(BANDIA,
2008, p. 167).
A oralidade desempenha papel tão importante no continente africano que escritores
moçambicanos demonstram preocupação com a manutenção dessa tradição num país em que
o colonialismo deixou mais de 90% de analfabetos; Honwana, Craveirinha e Nogar propõem
que "as histórias continuem a serem contadas, lá onde antigamente se contavam e ainda se
contam, e sejam narradas também nas aldeias comunais, nas fábricas, nas escolas" (Apud
TUTIKIAN, 2006, p.23).
A narrativa oral é uma prática sociocultural, ou seja, de coesão do grupo e de manutenção
da tradição, central em muitas outras comunidades nativas de países colonizados.
2.4. As "colônias brancas"
Partindo do pressuposto de que toda narrativa nativa é uma forma de resistência cultural
ao colonizador, as white settler colonies (ROBINSON, 1997, p. 16) – Canadá, Austrália,
Nova Zelândia, Estados Unidos, Irlanda – poderiam ser consideradas pós-coloniais pela
presença de povos nativos cuja identidade cultural se realiza em parte na tradição oral. No
entanto, conforme observa Robinson (Idem, p.17), para muitos teóricos, inseri-las no pós-
colonialismo pode parecer “obsceno”. Tal indignação decorre da posição de “primeiro-
mundista” desses países e parte principalmente daqueles que investigam a questão pós-
49
Translation that seeks with its annotations and accompanying glosses to locate the text in a rich cultural and
linguistic context.
50
Translation based on an "imaginary" original with no physical source document.
colonial nos países em desenvolvimento. Não obstante, para outros teóricos, os povos nativos
dessas nações “desenvolvidas” são, por vários motivos, cause célèbre do pós-colonialismo.
Nenhum outro grupo parece merecer mais a posição de colonizados e demonstrar os processos
imperialistas (ASCHROFT et al, 2007, p. 163).
Como se podem inserir os Estados Unidos no pós-colonialismo, se apesar de
compartilharem com todo o continente americano de um passado colonial, os Estados Unidos
são os atuais representantes do neocolonialismo? Vale lembrar que as colônias britânicas no
continente norte-americano se limitavam à costa leste e que a colonização em direção ao oeste
se deu pelos próprios americanos. No entanto, sua população hispânica, a literatura indígena e
a cultura afro-americana são questões que podem ser consideradas pós-coloniais.
Numa sociedade que prega oportunidade para todos e ideologicamente aspira à integração
de todos os grupos, a realidade parece ser outra. Conforme ilustra Gentzler (2008, p. 9), “os
ameríndios são relegados às reservas, imigrantes chineses centralizados em Chinatowns, os
negros empobrecidos em guetos urbanos e os latinos degredados em barrios”.
51
Assim,
continua Gentzler, para a própria sobrevivência, esses cidadãos não só necessitam da tradução
do inglês, mas também precisam “se traduzir” para o inglês.
Arnold Krupat teoriza sobre a apropriação da produção cultural indígena por meio da
tradução, que passa do oral para o escrito. Essa textualização apresenta-se como um “dilema
de tradução” ao envolver trans-latio da língua nativa de um sistema semiótico para outro, que
transcende a simples troca lexical (KRUPAT, 1995, p. 164) e dessa língua fonte para língua
alvo. Em princípio parece não diferir muito da preocupação no contexto africano.
Conforme já mencionado, a oralidade desempenha papéis importantes nas comunidades
nativas: a transmissão de conhecimento, a manutenção da tradição e identidade, a coesão do
grupo, a representação da visão de mundo. Para que a “literatura” oral se torne objeto de
51
Amerindians relegated to reservations, Chinese immigrants centralized in Chinatown, blacks impoverished in
urban ghettos, Latinos relegated to the barrios.
análise ela precisa ser textualizada. A passagem da forma oral para escrita envolve a
utilização de alfabeto para passar para a escrita a língua nativa e, posteriormente, traduzir para
outra língua. Na Austrália, as narrativas são importantes para a compreensão do universo.
As histórias tradicionais da cultura australiana aborígine – na forma de
dramatizações rituais, canções narrativas, danças, pinturas e, naturalmente,
na forma de narrativas orais tradicionais que passam de geração a geração –
são centrais e culturalmente importantíssimas
52
(KLAPPROTH, 2004, p.
66).
A interpretação e tradução dessas narrativas pela população de origem européia, contudo,
além de não dar conta das especificidades culturais, apresenta um caráter avaliativo baseado
nos valores da cultura ocidental que tende a denegrir a cultura aborígine. O choque cultural
provocado pela chegada do europeu no continente perdura até os dias de hoje, pondo em risco
a tradição nativa e ameaçando a instituição social e, consequentemente, familiar e individual.
O resgate de histórias tradicionais foi uma forma de ação afirmativa da cultura aborígine.
Klapproth (Idem, p. 73) aponta como exemplo a publicação, em inglês, em um jornal
local, de uma história tjukurpa sobre a manutenção dos valores familiares. Essa versão inglesa
é produto coletivo de três nativos, com uma advertência no prefácio “Por favor, mantenha
nossa cultura forte”
53
. O uso do inglês e da imprensa para maior divulgação dessa história
entre os diferentes grupos aborígines mostra como as histórias tradicionais são levadas a sério
pela cultura aborígine australiana. Apesar de a história ter sido escrita em inglês, “a forma e o
conteúdo são extremamente típicos das narrativas pitjantjatjara e yankunythathara tjukurpa
54
(Ibid, p. 75) o que impede a total compreensão por parte do leitor não familiarizado com
esse gênero. As dificuldades de publicação das narrativas orais australianas para um público
leitor não aborígine são muitas e de natureza complexa, sempre correndo o risco de se criarem
estereótipos.
52
The traditional stories that are told within Australian Aboriginal culture – in the form of ritual dramatizations,
narrative songs, dances, paintings, and of course, in the form of the traditional oral narratives that are passed on
from generation to generation – are of central and culturally outstanding importance.
53
Please keep our culture strong.
54
It is in its form and content highly typical of traditional Pitjantjatjara and Yankunytjatjara Tjukurpa narratives.
Outra colônia britânica, a Irlanda, também recorre às narrativas orais como forma de
resistência ao colonizador e afirmação da identidade. Tymoczko (1999, p. 14) investiga a
tradução da produção literária irlandesa mais antiga como prática discursiva que ajudou na
formação da resistência, da identidade nacional e posteriormente na libertação, embora
politicamente parcial, da Irlanda de hoje. Sua análise das descrições do herói mítico celta, Cú
Chulainn, nas diferentes traduções de Táin Bó Cúailnge, evidencia os "tipos de representações
codificadas na tradução, bem como os contrastes nas diferentes representações do mesmo
fenômeno cultural"
55
(Ibid, p.22).
Cú Chulainn de Lady Gregory tinha como objetivo primordial estimular a imaginação do
leitor e divulgar a literatura irlandesa para o público inglês. Para tal, a tradutora não hesita em
manipular o texto:
Foi o que tentei fazer, pegar o melhor das histórias [...] e dessa maneira
produzir uma narrativa justa da vida e morte de Cuchulain. Deixei boa parte
de lado que julguei não importar, por uma razão ou outra, mas não
acrescentei nada meu, apenas uma frase ou outra para ligar as partes (Apud
TYMOCZKO, 1999, p. 41)
56
.
Tymoczko considera o texto de Gregory, assim como o de O’Grady, adaptações ou
imitações que oferecem uma evidência da tradução como forma de representação na interface
de culturas. Na realidade, tais traduções são bastante ilustrativas do processo de construção e
representação da cultura irlandesa (Idem p. 36).
No auge do período vitoriano, o herói mítico Cú Chulainn é sanitizado e apresentado
como um cavaleiro tennysoniano por O'Grady, para não corroborar o estereótipo britânico dos
irlandeses como sendo um povo afeito às brigas e às paixões violentas. Esse estereótipo
justificava a dominação inglesa, pois seriam essas características que tornavam os irlandeses
incapazes de se auto-governarem. Meio século depois da independência e criação do estado
55
The types of representations encoded in translation, as well as the contrasts in the varied representations of the
same cultural phenomenon.
56
It is what I have tried do, take the best of the stories [...], and in that way to give a fair account of Cuchulain’s
life and death. I left out a good deal I thought you would not care about for one reason or another, but I put in
nothing of my own that could be helped, only a sentence or so now and again to link the different parts together.
irlandês, a tradução de Thomas Kinsella descreve Cú Chulainn como um guerreiro que se
transforma em um ser monstruoso no calor da batalha.
A omissão de O'Grady sobre a transformação de Cú Chullain é perfeitamente
compreensível na medida em que iria corroborar a imagem negativa que os britânicos tinham
dos irlandeses, justificando o imperialismo. Por outro lado, a tradução de Kinsella é a
afirmação da diferença e resistência às tradições e aos valores culturais britânicos impostos.
Entretanto, ambas as traduções tinham por objetivo fortalecer a resistência ao colonizador,
fomentar o nacionalismo cultural, e celebrar as tradições irlandesas.
Tymoczko não fala em hibridismo, mas em divisão: "Como a maioria das culturas que
foram colonizadas, a cultura irlandesa (no seu sentido nacional) foi e é uma cultura dividida –
dividida pela língua, pelo sectarismo, pela política".
57
Nesse contexto histórico-cultural de
dominação e opressão e, consequentemente, de produção literária "dividida", a tradução está
no "centro da interação das práticas discursivas do colonialismo: opressão, escravidão,
rebelião e revolução" (Ibid, p. 15).
No Canadá, país cujo bilingüismo data do século XVIII quando a França cedeu o
território à coroa inglesa, a tradução mostrou-se uma atividade necessária para a
administração, comércio, tecnologia e educação. Na maioria das províncias fala-se inglês e a
cultura norte-americana exerce forte influência.
Apesar de historicamente a província de Quebec ter se tornado independente juntamente
com o resto do Canadá, no século XIX, em termos culturais, ela ainda é considerada
colonizada pelo poder cultural do inglês. Além do inglês, o francês falado em Quebec foi
marcado por outros contatos lingüísticos, como as línguas nativas dos primórdios da
colonização e as das diferentes imigrações subseqüentes, o que levou ao patrulhamento por
parte dos defensores do francês padrão. Segundo Sherry Simon (1999, p 60),
57
Like most that have been colonized, Irish (in the national sense) culture is a divided culture – divided by
language, sectarian concerns, politics.
Esse contato tem sido historicamente considerado ameaçador à
sobrevivência da língua francesa: a luta contra a intromissão inoportuna de
expressões e formas inglesas é diária e leis fazem do francês a língua
obrigatória no local de trabalho e nas transações comerciais.
58
Quando o francês de Quebec falado pela população entra na literatura e no teatro, essa
"virada cultural" é considerada "anticolonialista", uma vez que passa de uma variante quase
dialetal para uma "figura de autoafirmação da emergência nacional"
59
(Ibid, p. 60). Algumas
produções literárias quebequences jogam com essas interferências culturais e contatos
lingüísticos. Simon (Ibid, p. 60) discute como essas obras, subvertendo a imagem oficial de
diálogo simétrico nas relações entre línguas, formam a base de uma nova estética de
pluralismo cultural e indo ao encontro de uma poética de tradução:
Desprovida da força local e da coerência linguistica que frequentemente
associamos às obras literárias de sucesso, o texto tem muitas características
de uma tradução 'ruim'. O que passa por tradução ruim, na realidade, é um
texto que lembra os leitores que ele está suspenso entre línguas, sugerindo a
incapacidade do tradutor de fugir à influência da língua fonte e de abarcar a
plenitude da língua alvo
60
(Ibid, p. 71).
A ideia de tradução entre duas línguas, e duas culturas, de contornos definidos e
autônomos é desafiada quando o texto fonte apresenta uma pluralidade linguistica e cultural.
Dessa maneira, "tradução e plurilingüismo assumem novas dimensões e sentidos na produção
cultural contemporânea" (Ibid, p. 72), pois a escrita e a tradução passam pelo mesmo processo
de criação, desafiando conceitos de univocidade e estabilidade textual.
A busca de uma língua literária própria motiva uma intensa atividade tradutória,
principalmente no teatro. Rejeita-se a tradução francesa (da França) por considerá-la distante
da realidade de Quebec. Todavia, como lembra Annie Brisset (2003, p. 369), os tradutores de
Quebec usam uma língua (québécois) nas traduções e outra (francês internacional) nos
58
This contact has historically been considered threatening to the survival of the French language: daily battle is
waged against the nagging encroachment of English forms and expressions, and language laws make French
obligatory in the workplace and in commercial transactions.
59
a self-affirming figure of national emergence.
60
Devoid of the local strength and linguistic coherence we often associate with successful works of literature, the
text has many of the characteristics of ‘bad’ translation. What generally passes for a bad translation, in fact, is a
text which reminds its readers that it is suspended between languages, suggesting the translators incapacity to
escape the influence of the source language and embrace the fullness of the target language.
prefácios, na direção de atores, nas discussões teóricas. Dessa maneira, a tradução
desempenha um papel não de mediação, mas ideológico:
A diglossia entre diálogo e comentário ou direção de palco nessas traduções
demonstra em que medida a platéia está sendo manipulada. O discurso sobre
língua usado pelos tradutores, que frequentemente atuam como dramaturgos,
lhes possibilita introduzir uma ideologia de quebecidade ao público, um
público do qual eles se excluem
61
(Ibid, p. 370).
A elevação da língua de Quebec à condição de língua literária e da dramaturgia é “parte
de uma construção ideológica de uma presumida diferença entre quebequense (québécois) e
francês”
62
(Ibid, 2003, p. 346), que a legitima como língua nacional. Ao deixar o status de
dialeto, a língua vai ao encontro das demandas políticas separatistas, que pretendem a criação
de um estado independente do resto do Canadá.
A experiência pós-colonial, em todos os contextos, reside na intersecção da língua, lugar e
indivíduo e na sua resultante desestabilização (ROBINSON, 1997, p. 24). Dessa maneira, o
campo de investigação torna-se muito mais abrangente e pode envolver muitas nações a serem
consideradas, de certa forma, colonizadoras.
2.5. Hispano-América
O título desta seção tem o propósito de se referir especificamente aos países de fala
espanhola, uma vez que América Latina pode englobar Brasil, que neste capítulo será tratado
numa seção à parte. Vale lembrar que a designação de literatura latino-americana é
comumente entendida como sendo a de língua espanhola.
Como vimos no capítulo anterior, considerar América Latina “pós-colonial” é motivo de
debate, mas para muitos teóricos a literatura latino-americana possui muitas características da
61
The diglossia between the dialogue and the commentary or stage directions in these translations demonstrates
to what extent the audience is being manipulated. The discourse on language used by translators, who often
double as playwrights, enables them to introduce an ideology of québécité to the public, a public from which
they exclude themselves.
62
Forms part of the ideological construction of the presumed difference between “Québécois” and French.
escrita pós-colonial investigadas na Índia e África devido à imbricação das línguas, e a
história da tradução na América Latina tem suas raízes no período colonial. Com certeza, o
papel central da tradução é mais facilmente identificável durante o domínio espanhol, quando
o mestiço Garcilaso de La Vega, de mãe asteca e pai espanhol, e o indígena Guaman Poma de
Ayala atuavam como “mediadores culturais” e, também, quando a população nativa falava
guarani, quechua e nahuatl, dentre outras línguas.
No período pós-independência havia a necessidade de se livrar da figura da Europa
colonizadora e, ao mesmo tempo, tê-la como modelo de cultura e civilização. Nessa
identificação conflitante, a tradução é agente importante. Segundo Balderston e Schwartz
(2002, p.3),
A diversidade linguistica na região [...] fez da tradução uma característica
central das identidades do novo mundo. O papel das classes letradas,
portanto, independentemente de raça, incorporou a tradução como prática e
como método de análise.
63
Muitos intelectuais, poetas e escritores trabalharam ativamente como tradutores. Dos
países de língua espanhola, os mais conhecidos internacionalmente são o argentino Jorge Luís
Borges e o mexicano Octavio Paz. Porém, tanto os escritos sobre tradução, quanto literários,
de ambos não têm o apelo exótico que se espera de um autor latino-americano.
Sylvia Molloy, fala das ideias pré-concebidas da França sobre o que a literatura latino-
americana “deveria ser”. Segundo ela, da mesma maneira que houve uma construção do
‘oriente’, uma América Latina livre das associações com o ocidente era necessária para que a
fantasia dos hegemônicos corresse solta. A título de ilustração, Molloy cita um crítico francês
a respeito de Borges: “Não procuremos nele um ‘escritor argentino’ – se bem que ele ame e
evoque sempre seu país – Borges não é um representante da literatura argentina, ele é um
63
The linguistic diversity throughout the region […] has made translation a central characteristic of New World
identities. The role of lettered classes, therefore, regardless of race, incorporated translation as a practice and as a
method of analysis.
monstro e um gênio” (MOLLOY, 2005, p. 371). Borges era muito universal e por isso um
monstro sem nacionalidade.
Borges, com seu conto “Pierre de Menard, autor del Quijote”, demonstra como não é
possível reproduzir totalmente, em outra língua, um texto em todos os seus aspectos, pois seu
significado não é estável e nem unívoco. Ao afirmar que “o conceito de ‘texto definitivo’ vale
somente para religião ou exaustão” (BORGES, 2002, p. 15), dessacraliza a noção de
fidelidade e de originalidade. O escritor argentino vai ao encontro da reflexão de Octavio Paz,
que diz:
Todo texto é único e é, ao mesmo tempo, a tradução de outro texto. Nenhum
texto é completamente original porque a própria língua, em sua essência, já é
uma tradução [...] Todos textos são originais porque cada tradução é
diferente. Toda tradução é, até certo ponto, uma criação e, como tal, constitui
um texto único (PAZ, 1992, p.154).
Ao anular a hierarquia entre original e tradução Borges e Paz evocam o pensamento de
Jacques Derrida, para quem o texto original é o primeiro devedor e o primeiro requerente,
pois, carece de, e suplica por tradução.
64
Enquanto muitos críticos consideram Borges e Paz
cosmopolitas, alienados da nacionalidade e regionalidade, outros apontam a resistência à
dicotomia de texto fonte e texto alvo como sendo uma atitude pós-colonial. Como lembra
Gentzler (2001, p. 176), “em nenhum outro lugar a desconstrução teve maior impacto nos
tradutores do que na área de tradução pós-colonial”.
65
Ainda segundo o autor, nesse contexto
a tradução é usada como estratégia de resistência ao sistema conceitual baseado na filosofia e
religião do ocidente.
Cabe perguntar até que ponto a América Latina não é “ocidente”? O antropólogo
mexicano Jorge Klor de Alva, citado por Molloy (2005) e por Balderstone (2003), considera
que a sociedade européia foi transplantada para um novo local, o Novo Mundo e por isso não
64
Cf Des Tours de Babel
65
But nowhere has deconstruction had a larger impact upon practising translators than in the area of postcolonial
translation.
se pode falar de um passado verdadeiramente colonial e, consequentemente, de um momento
pós-colonial.
É fato que há textos com fortes marcas indígenas como os bilíngües em quechua-espanhol
do peruano José María Arguedas e os em guarani-espanhol de Augusto Roa Bastos; todavia,
não se pode incorrer no risco de homogeneização, considerando que Peru, Argentina,
Uruguai, Colômbia, etc., compartilham da mesma identidade cultural. “Os estudos pós-
coloniais devem oferecer uma maneira de ressaltar as diferenças em vez de apagá-las, de
separar noções pré-concebidas em vez de juntá-las num mesmo pacote de commodities
culturais. Infelizmente, quase nunca o fazem”
66
(MOLLOY, 2005, p. 375). Atitude essa que
também se aplica ao Brasil.
2.6. A tradução no Brasil
Assim como em todo o Novo Mundo, a tradução, como instrumento de catequese e
conversão de populações indígenas, foi amplamente utilizada no período colonial brasileiro. A
tradução escrita surge por volta de 1549 com a vinda dos membros da Companhia de Jesus e
para que a missão dos jesuítas pudesse ser levada a cabo, os religiosos estruturaram em
gramática, principalmente, a língua geral da costa, conforme lembra Lia Wyler:
Durante os séculos XVI e XVII a tradução escrita foi a atividade-meio dos
missionários que se ocuparam da evangelização dos índios e do ensino dos
brancos nos colégios jesuítas. O registro do léxico e da sintaxe das línguas
indígenas mais faladas permitiu-lhes num primeiro momento organizar
dicionários e gramáticas e, num segundo, utilizá-los para se comunicar e
traduzir compêndios de religião e moral, orações, sermões, hinos e peças
teatrais. (2003, p. 62)
Dentre esses missionários, podemos destacar José de Anchieta, que em suas poesias e seus
autos dirigidos aos nativos, adotava quase sempre o idioma tupi: tanto com relação ao léxico
quanto à sintaxe. Como “o projeto de transpor para a fala do índio a mensagem católica
66
Postcolonial studies should afford a way of teasing apart differences instead of erasing them, of unpacking
preconceived notions instead of prepacking cultural commodities. Unfortunately, they seldom do.
demandava um esforço de penetrar no imaginário do outro” (BOSI, 2006, p.65), Anchieta
buscava equivalentes entre as entidades, conceitos e valores judaico-cristãos e indígenas
criando “uma terceira esfera simbólica, uma espécie de mitologia paralela que só a situação
colonial tornara possível” (Ibid). Essa situação difere daquela investigada por Vicente Rafael
nas Filipinas onde os tagalogs aceitam a tradução espanhola, mas a subvertem criando uma
série de mal-entendidos, como forma de resistência à dominação.
No Brasil, a língua franca indígena ensinada pelos jesuítas por toda colônia, normatizada e
batizada de nheengatu por Anchieta, se tornaria língua corrente, tanto dos indígenas
aculturados quanto dos colonos, ao lado do português, mesmo após sua proibição e expulsão
dos jesuítas pelo Marquês de Pombal, em 1759. A chegada da corte portuguesa fomentou o
uso da língua da metrópole, a qual se estabelece efetivamente em 1823, com a primeira
assembléia Constituinte Brasileira, fazendo desaparecer gradualmente o nheengatu.
Atendo-se a esse fato histórico vale questionar de que maneira o Brasil pode ser inserido
no pós-colonialismo uma vez que “a língua desempenha um papel significativo não só pela
resistência por parte do colonizado sob regime de opressão, mas também na maneira como o
sujeito pós-colonial se percebe”
67
(RAJAGOPALAN, 2007, p. 179); além disso, “a língua é
um locus fundamental de luta para um discurso pós-colonial porque o processo colonial
começa pela língua”
68
(ASCHCROFT et al, 2007, p. 261). A produção “literária” indígena
brasileira se restringe às lendas e mitos, que para nós, brasileiros dos centros urbanos,
parecem exótico e distante, objeto de estudo de antropólogos e etnógrafos.
Dessa maneira não é por meio das línguas indígenas que o Brasil será inserido no discurso
pós-colonial, mas pela metáfora da antropofagia como definição do processo tradutório.
Alguns teóricos dos Estudos da Tradução relacionam a antropofagia à teoria de Haroldo de
67
Language plays a significant role not only in the resistance offered by colonised under the oppressive regime,
but also in the way postcolonial self fashions itself.
68
Language is a fundamental site of struggle for post-colonial discourse because the colonial process itself
begins in language.
Campos, motivados pelo trabalho de Vieira publicado no exterior. Vieira publica “A
postmodern translational aesthetics in Brazil” (1994), resultado de um trabalho apresentado
no congresso dos Estudos da Tradução, em Viena. Trata-se de uma parte da sua tese de
doutoramento Por uma teoria pós-moderna da tradução.
Parece ser da seção 1.3 Antropofagia e tradução (1992, p. 34), da tese, que a autora extrai
o texto de seu artigo de 1994, o qual discute brevemente a prática tradutória dos irmãos
Campos, e de Silviano Santiago, afirmando que: “Os tradutores brasileiros revolucionaram a
práxis tradutória usando o canibalismo tanto como uma metáfora como uma filosofia de
tradução [...]”
69
(VIEIRA, 1994, p. 67).
Parece ser essa referência que leva à associação dos conceitos de tradução de Haroldo de
Campos a um movimento pós-colonial brasileiro, associação que se faz de segunda mão como
podemos notar pelas sucessivas menções à tese de Vieira:
Teóricos da tradução brasileiros se apropriaram dessa prática Tupi para
formular uma teoria de tradução como forma de "antropofagia" ou
"canibalização" (vide Vieira, 1999). Os poetas e tradutores brasileiros
Haroldo e Augusto de Campos, tradutores dos Cantos de Pound, de
Finnegans Wake de Joyce, assim como obras de e.e. cummings, Stéphane
Mallarmé e Vladimir Mayakóvski, usam Derrida para desenvolver uma
abordagem não-eurocêntrica e pós-moderna da tradução (GENTZLER,
2001, p. 196)
70
.
[...] e se a tradução é uma forma de ação politizada na cultura receptora, o
texto fonte pode até tornar-se sujeito de um ethos de canibalização, como no
caso do Brasil (Vieira 1994) [...]. Decorre dessas considerações que num
ambiente pós-colonial, a fluência não é necessariamente valorizada em
tradução e não é necessariamente a norma dominante da tradução
(TYMOCZKO, 1999, p. 297)
71
.
69
Brazilian translators revolutionized translational praxis by using cannibalism both as a metaphor and a
philosophy of translation.
70
Brazilian translation scholars have also seized upon this Tupi practice to formulate a theory of translation as a
form of "anthropophagy" or "cannibalization" (see Vieira, 1999). Brazilian poets and translators Haroldo and
Augusto de Campos, translators of Pound's Cantos, Joyce's Finnegans Wake, as well as work by e.e.cummings,
Stéphane Mallarmé, and Vladimir Mayakóvski, use Derrida to develop a post-modern, non-Eurocentric approach
to translation.
71
[...] and if translation functions as a form of politicized action in the receiving culture, the source text can
even become subject to an ethos of "cannibalization", as in the case in Brazil (Vieira 1994). [...] It follows from
these various considerations that in a postcolonial environment, fluency is not necessarily valorized in translation
and is not necessarily dominant norm of translation (TYMOCZKO, 1999, p. 297).
Maria Tymoczko (2000, p. 25) insere Haroldo de Campos no pós-colonialismo,
comparando-o a alguns de seus representantes mais significativos e aponta para o
engajamento político da teoria de tradução de Haroldo de Campos:
A apropriação da tradução com propósitos ideológicos e políticos não é
original desses críticos e teóricos da tradução [Niranjana, Cheyfitz, Spivak,
Bhabha, Clifford]. Vemos esse impulso mais cedo entre nossos próprios
contemporâneos no trabalho de tradutores de facto, incluindo tradutores
brasileiros com suas teorias de canibalismo e extensão (vide Vieira, 1994)
72
.
Na obra de 2007, Enlarging translation, empowering translators, Tymoczko (2007, p.
120), relaciona o conceito de transculturação, “como modo de interface cultural” e “mola
propulsora da visão antropofágica”, com o trabalho de Haroldo de Campos, sempre apud
Vieira, em um contexto pós-colonial. O fato de que a autora não conhece o pensamento
haroldiano sobre tradução é comprovado nessa mesma obra.
Mesmo admitindo que na tradução pós-colonial houve uma generalização dos paradigmas
para outros contextos e a teoria pós-colonial tornou-se mais abrangente, Tymoczko (Idem, p.
201) observa que é válido investigar quanto se pode expandir a reflexão sobre ética, ideologia
e ativismo político em tradução e quais as limitações da teoria pós-colonial.
Apesar de concordar que o contexto pós-colonial difere em suas características, a autora
relaciona circunstâncias geopolíticas que considera serem determinantes para definir o pós-
colonialismo e que envolvem parâmetros como conquista e destituição; a sujeição da cultura
local; a dominação por centros de poder político, econômico, lingüístico e cultural.
Ela também ressalta outros aspectos que poderíamos considerar alinhados à prática
tradutória de Campos: visibilidade do tradutor, manipulação radical do texto fonte,
questionamento de dicotomias em tradução como livre / literal e do conceito de originalidade.
72
The harnassing of translation for political and ideological purposes is not original to these critics and
theoreticians of translation (Niranjana, Cheyfitz, Spivak, Bhabha, Clifford). We see the impulse earlier among
our own contemporaries in the work of actual translators, including Brazilian translatiors, with their theories of
cannibalism in the service of autonomous cultural development and extension (see Vieira 1994).
Todavia, a teoria de tradução haroldiana, que será apresentada no último capítulo deste
trabalho, não está “engajada na criação e asserção da resistência cultural à opressão”,
tampouco apresenta “dimensão pública, abertamente política no seu projeto de tradução” e o
tradutor não foi “um agente de mudança social” vivenciando uma “polarização política e
assimetrias de poder” (Idem, passim).
Parece conveniente para os Estudos da Tradução que se tenham outros representantes, que
tenham desempenhado um papel na construção de representações culturais, contribuindo para
a superação de barreiras causadas por mudanças e políticas linguísticas. “Essas considerações
têm alimentado o entusiasmo dos últimos anos sobre tradução como sendo veículo de
engajamento político”
73
(Idem, 2000, p. 24).
A reflexão sobre tradução de Haroldo de Campos é, com certeza, inovadora e a ruptura
com "com o paradigma de pureza, do absoluto" (VIEIRA, 1992, p.44), acarretando o
apagamento dos limites e hierarquias entre original e texto traduzido, pode levar a uma
interpretação política. Para Bassnett,
A tradução para eles é, de fato, uma atividade política e da maior
importância. Haraldo (sic) e Augusto de Campos utilizam a tradução como
uma forma de afirmar o direito de brasileiros a reler e repossuir a literatura
canônica da Europa.
74
(BASSNETT, 1998, p.157).
Entretanto, esses autores parecem desconhecer a complexidade da teoria de tradução de
Haroldo de Campos. Na realidade, a teoria de Campos não apresenta o caráter contestatório,
nem de oposição, presentes na tradução pós-colonial, mas se ocupa tanto da questão do
nacional quanto universal na cultura brasileira de maneira conciliatória, valorizando ambas.
Para Esteves,
73
Considerations such as the foregoing have fed the excitement of recent years about translation as a possible
vehicle of political engagement.
74
Translation seen in their terms is indeed a political activity, and one of the utmost importance. Haraldo and
Augusto de Campos use translation as a way of affirming their right as Brazilian to reread and repossess
canonical European literature.
A estranheza que essa associação pode causar tem uma causa simples:
historicamente, os irmãos Campos não têm sido associados a lutas políticas,
sejam elas de classe ou pela quebra do jugo de um país em relação a seu
dominador. Eles lideraram um movimento de vanguarda, mas não parecem
ter lutado contra nenhum poder hegemônico (ESTEVES, 2007).
As mesmas ideias têm sido repetidamente publicadas, sempre apud Vieira, sem nenhum
interesse em se buscar nos próprios textos de Haroldo de Campos a sua reflexão sobre
tradução. Mas esse é um problema resultante do fato de a Academia brasileira publicar muito
pouco em outras línguas que não o português e por isso não se pode culpar totalmente o
desconhecimento desses teóricos. Eoyang (2003, p. 68) aponta como uma das maiores ironias
pós-coloniais a crítica ao imperialismo ser escrita em línguas hegemônicas e que se fosse
escrita em línguas subalternas escaparia à atenção dos leitores hegemônicos. Assim, a
colonização se estende também ao âmbito teórico.
O desconhecimento do pensamento de Haroldo de Campos sobre tradução leva à
insistente afirmação da existência de um trabalho quase coletivo e programático dos
tradutores brasileiros, o que nunca houve no Brasil. Tymoczko (2007, p. 131) fala de “um
movimento de tradução brasileiro do século XX associado a Haroldo de Campos”
75
e
Bassnett (1998, p. 157) menciona “grupos de teóricos da tradução brasileiros”. Um
movimento, segundo o dicionário Houaiss (p. 1970), pressupõe um grupo de pessoas
mobilizadas pelo mesmo fim. Nesse sentido, o movimento que pode ser associado a Haroldo
de Campos seria o da poesia concreta, que apesar de buscar na tradução subsídios para o fazer
poético, tinha como objetivo a busca por uma nova estética.
Da mesma maneira como a aplicação da teoria pós-colonial ao contexto brasileiro é
contestada, muitos teóricos acham improcedente considerar Augusto e Haroldo de Campos
tradutores inseridos no pós-colonialismo. No entanto, Célia Maria Magalhães não pensa da
mesma forma:
75
As a mainspring of an anthropophagic view of translation, transculturation figures implicitly in the work of
Else Vieira (1994, 1999) on the twentieth-century Brazilian movement associated with Haroldo de Campos.
Uma hipótese provável é que a teorização brasileira constitui uma inovação
na área de tradução que, ao mesmo tempo contribui para a construção da
identidade cultural, representa uma nova axiomática na relação entre culturas
dominantes e periféricas, inserindo-se nos movimentos críticos pós-coloniais
(MAGALHÃES, 1996, p. 43).
Devido a tanta controvérsia, não se trata de simplesmente refutar a relação da tradução
com um pós-colonialismo brasileiro e tampouco de invalidar o trabalho dos autores aqui
mencionados, pois cada um parte de pressupostos distintos. Entretanto, consideramos essa
posição bastante reducionista, principalmente quando o assunto é Haroldo de Campos. Além
disso, a antropofagia tornou-se uma metáfora desgastada pelo uso, perdendo sua força
expressiva, conforme discutiremos no capítulo seguinte.
2.7. Considerações Finais
Ao finalizar este breve panorama da tradução em sua relação com o pós-colonialismo
podemos afirmar que a tradução em contexto pós-colonial não pode ser definida e nem
considerada de maneira generalizadora, pois envolve singularidades de cada nação e cultura,
de diferentes processos de colonização e descolonização. Tymoczko (2000, p. 27) sugere que
o “localismo – o estudo de movimentos individuais de tradução localizados num contexto de
nações específicas com contextos políticos e histórias específicas – oferece meios de ir além
de generalizações”
76
e assim contribuir para um estudo da tradução em contexto pós-colonial
mais objetivo. Contudo, os seguintes conceitos são centrais a muitas teorias de tradução pós-
colonial:
- redefinição da terminologia fidelidade e equivalência
- importância de ressaltar a visibilidade do tradutor
- ênfase na ideia de tradução como reescritura criativa.
76
I have suggested that localism – the study of particular translation movements located in the context of specific
nations with their specific political contexts and specific histories – offers a means of moving beyond
generalizations.
A tradução passa a desempenhar papel de oposição e resistência ao domínio cultural
colonial, de formação de identidade, de subversão da hierarquia cultural e linguistica,
evidenciando o hibridismo cultural.
Com a virada cultural, nos anos 70, da tradicional preocupação das teorias de tradução
com as diferenças entre línguas na transmissão da mensagem, passou-se a considerar o
aspecto cultural, político e social, levando a uma ampliação da metodologia. A reflexão que
parte dos estudos etnográficos e antropológicos passa à observação e análise de um corpus
literário, pois "as obras literárias esclarecem, tanto ou mais do que os discursos políticos,
como são construídos os conceitos de nação e de identidade nacional" (PERRONE-MOISÉS,
2007, p. 18).
A seguir, os teóricos pós-coloniais ressaltaram a importância da língua como mediadora
entre culturas e o papel desempenhado pela tradução no processo de afirmação cultural (Cf
ROBINSON, 1997, p. 1-3). “A tradução era um meio tanto de manter as realizações artísticas
dos escritores em outras línguas como de afirmar a supremacia da dominante cultura
européia” (TRIVEDI, 199, p.6)
77
. Em algumas nações, como a Índia, as línguas das
populações nativas são mais evidentes e a língua colonial é aprendida após a aquisição da
língua materna. São comunidades que já eram definidas étnica, cultural, linguistica e
territorialmente antes da colonização e com ela concorreram e, também, se hibridizaram.
Para Bandia (2008, p. 227), a mudança de foco da visão eurocêntrica da tradução para
uma visão mais inclusiva, onde a cultura desempenha importante papel na tradução, é central
ao pós-colonialismo. A imposição de uma língua durante o colonialismo resultou em
77
Translation was means both of containing the artistic achievements of writers in other languages
and of asserting the supremacy of the dominant European culture.
“fenômenos lingüísticos que hoje fornecem terreno fértil para pesquisa na área de relação de
poder, ideologia e identidade”
78
.
Se a língua, e consequentemente a tradução, desempenha um papel fundamental na
colonização e no movimento de reação – o pós-colonialismo – como se colocaria o Brasil
nesse quadro conceitual uma vez que temos o português como nossa língua literária e língua
mãe, ficando as línguas indígenas restrita aos estudos antropológicos?
Descartada a questão linguistica em relação ao Brasil, restam os argumentos sobre a
implicação política da teoria de tradução de Haroldo de Campos e a frequente menção ao
canibalismo quando se faz referência à tradução no Brasil, aproximando-a inevitavelmente da
Teoria Pós-Colonial. Como a fluência não é valorizada e nem é uma norma dominante da
tradução em um contexto pós-colonial (TYMOCZKO, 1999, p. 297), a relação de Haroldo de
Campos com a antropofagia e o pós-colonialismo parece justificável. Entretanto, a teoria de
tradução desenvolvida ao longo de décadas por Haroldo de Campos não se ocupa da questão
central da tradução em contextos pós-coloniais: o da reparação político-ideológica.
O uso ad nauseam da antropofagia e a preferência pelo termo canibalismo, por muitos
teóricos, levarão fatalmente a uma análise dos caminhos percorridos pela metáfora, no
próximo capítulo.
78
resulting in some linguistic phenomena that today provide fertile ground for research in the area of power
relations, ideology and identity.
3. ANTROPOFAGIA: OS MÚLTIPLOS CAMINHOS DA METÁFORA
O canibalismo, enfim, é mais que uma
mediação através da alteridade, visando
a restituição da identidade: ele é uma
inescapável passagem para a alteridade:
devir-Morto, devir-Animal, devir-Inimigo.
Eu sou o Inimigo. É isto que dizem os
Araweté, por seus deuses.
Eduardo Viveiros de Castro
3.1. “Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.”
Assim se inicia o “Manifesto Antropófago”, no primeiro número da Revista de
Antropofagia, em 1º de maio de 1928, que, rechaçando os modelos estéticos vigentes,
ocasionou uma subversão do paradigma cultural brasileiro. Esse movimento revolucionário,
com repercussão até os dias de hoje, tem sido analisado por diversos teóricos com diferentes
visadas. A julgar pelos textos de teóricos dos estudos da tradução quando falam de tradução
no Brasil, parece que ainda é a antropofagia que nos une, uma vez que os estudos da tradução
no Brasil somente são lembrados por essa metáfora.
Bosi (1994, p. 491) apesar de reconhecer o aspecto inovador do movimento modernista,
que como “uma lufada de ar entrando vigorosamente num quarto há muito fechado, arejou
tudo”, salienta “a inconsistência ideológica” dos integrantes desse grupo que com seu “foco
puramente literário em que se postavam, não tinham condições de entender por dentro os
processos de base que então agitavam o mundo ocidental e, particularmente, o Brasil” (Idem,
p.343). Bosi ainda adverte que não se poderia esperar uma coerência ideológica de um grupo
cujo objetivo seria estritamente artístico.
Schwarz (1987, p. 37), por sua vez, aponta para o engajamento social dos manifestos
considerando-os como uma “interpretação triunfalista de nosso atraso”, uma revelação da
“dissonância entre padrões burgueses e realidades derivadas do patriarcado rural”. Mesmo
com irreverência, provocação, ingenuidade e ufanismo, o Manifesto Antropófago apresenta
“propostas extraordinárias”, decorrentes do “sentimento de contradição entre a realidade
nacional e o prestígio ideológico dos países que nos servem de modelo” (Ibid, p.30). Parece
paradoxal a postura de Oswald de Andrade, que se declara “contra a realidade social, vestida e
opressora, cadastrada por Freud” e “contra todos os importadores de consciência enlatada”
79
,
sendo ele próprio um “burguês culto”, no dizer de Bosi (1994, p. 342). Schwarz (Idem, p. 39)
constata que desde o século XIX, pessoas pertencentes à elite experimentam “o sentimento de
viverem entre instituições e ideias que são copiadas do estrangeiro e não refletem a realidade
local”. O grande mérito de Oswald seria a proposta de “uma postura cultural irreverente e sem
sentimento de inferioridade, metaforizado na deglutição do alheio: cópia sim, mas
regeneradora”.
Perrone-Moisés (2008, p. 24) ressalta a capacidade crítica do movimento modernista cuja
qualidade reside na “capacidade de assimilar sem se perder”. A metáfora do modernista
brasileiro “defendia um tipo de receptividade crítica e criadora” e propunha “uma solução
para o problema das influências estrangeiras, que consistiria não na sua recusa, mas na sua
incorporação deliberada”. A apropriação deliberada da influência estrangeira transformaria o
“Tabu em Totem” (nas palavras de Oswald), ou seja, uma criatividade própria, resultado da
tensão entre alteridade e identidade. Assim como Bosi, Perrone-Moisés (Idem, p. 45) não vê
em Oswald “um pensador consistente”, mas admite que as especulações artísticas do
manifesto “ainda hoje não se esgotaram”.
Haroldo de Campos, que desde o movimento da poesia concreta especulava sobre a
“possibilidade de uma literatura experimental, de vanguarda num país subdesenvolvido”
(2004, p. 232), escreve o artigo “Da razão antropofágica: diálogo e diferença na cultura
79
In: Gilberto Mendonça TELES. Vanguarda européia e modernismo brasileiro. 1997. p. 353.
brasileira”, em 1980. Conforme o próprio título esclarece, o texto discorre sobre a necessidade
de se pensar a relação dialógica e dialética da literatura nacional com a universal, já presente
na antropofagia oswaldiana:
Ela [antropofagia] não envolve uma submissão (uma catequese), mas uma
transculturação; melhor ainda, uma “transvaloração”: uma visão crítica da
história como função negativa (no sentido de Nietzsche), capaz tanto de
apropriação como de expropriação, desierarquização, desconstrução (Ibid, p.
235).
Sua visão, contudo, difere da de muitos críticos, como daquela historicista de Antonio
Candido, trazendo para a discussão Benjamin, Derrida, Paz para pensar “o des-caráter, ao
invés do caráter; a ruptura, em lugar do caráter linear; a historiografia como gráfico sísmico
da fragmentação eversiva, antes do que como homologação tautológica do homogêneo” (Ibid,
p. 240). Tal divergência culminaria com a polêmica entre Campos e Candido sobre o barroco
brasileiro.
Haroldo de Campos anota que a radicalização das propostas modernistas não apresenta
um caráter “essencialmente demolidor", mas um movimento “pendular
destruição/construção” (2007, p. 27). Existe nos manifestos de Oswald a “tensão dialética do
regional com o universal, na inflexão do ser regional com o ser contemporâneo” (Ibid, p. 37).
Essa dialética pode ser ilustrada pelo trocadilho oswaldiano “Tupy or not tupy
80
, that is the
question”, que devora Shakespeare com humor e irreverência, regurgitando-o na referência
indígena e, assim, evidenciando uma vanguarda ao mesmo tempo nacionalista e cosmopolita.
Na década de 60, há um resgate da metáfora como crítica à “dependência neocolonial, ao
pensamento conservador e ao autoritarismo da sociedade brasileira contemporânea”
81
(JOHNSON, 1987, p. 42). Entre 60 e 70, a antropofagia é revisitada em muitas manifestações
culturais: no filme Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, na reapresentação de O Rei da
80
Conforme a grafia do Manifesto Antropófago. In: Gilberto Mendonça TELES. Vanguarda européia e
modernismo brasileiro. p. 353.
81
neo-colonial dependency, conservative thought, and the authoritarianism of contemporary Brazilian society.
Vela, de Oswald de Andrade, nas artes plásticas com Ruben Valetim e Hélio Oiticica e na
música com o Tropicalismo,
Uma das marcas do tropicalismo é o deslocamento da temática social para
processos construtivos [...] Procuravam articular uma nova linguagem da
canção combinando a tradição da música popular brasileira com técnicas e
processos modernos (NÓBREGA, 2005, p. 180).
O experimentalismo aproximou esse movimento musical com o da poesia concreta de
Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos, que como os músicos eram “artistas que não
se conformavam em produzir uma arte tecnicamente atrasada, apesar de viverem em países
subdesenvolvidos” (Ibid).
O legado de “devoração crítico-estética” de Oswald leva a antropofagia a tornar-se uma
metáfora de transgressão para as mais diferentes áreas e desperta um interesse especial nos
discursos pós-coloniais por enfatizar dicotomias como colonizador/colonizado,
civilizado/incivilizado, superior/inferior. Pelo seu aspecto exótico no ideário das culturas
hegemônicas, torna-se moeda corrente na descrição de produções artísticas das “culturas
marginais
82
. A antropofagia, vista como primitivismo exótico pelos europeus, seria para a
tradição brasileira a atestação de uma realidade cultural em congenialidade com a cultura
européia.
Conforme observado em muitos textos, principalmente estrangeiros, os termos
canibalismo e antropofagia são utilizados de maneira intercambiável. No entanto, Oswald de
Andrade adota o termo antropofagia, e canibalismo não aparece em seu manifesto nem uma
vez. Por duas vezes menciona caraíba, que poderia ser tomado pelo nome da tribo, cariban,
que Colombo menciona em seu diário como sendo comedores de homens, uma vez que ambos
os termos correspondem a carib, na tradução inglesa.
O termo antropofagia é frequentemente traduzido por cannibalism, mas também por
anthropophagy (GENTZLER, 2008, p. 83), o que nos leva a especular qual sobre a razão,
82
Em oposição ao eurocentrismo.
uma vez que existem em inglês os termos anthropophagy. Seriam os termos canibal e
antropófago intercambiáveis?
3.2. Antropofagia ou canibalismo?
Parece haver preferência pelo uso do termo canibalismo em vez de antropofagia, em
publicações estrangeiras. Gentzler, em seu recente livro, Translation and Identities in the
Americas, intitula um dos capítulos “Cannibalism in Brazil” (Canibalismo no Brasil). Entre
muitos trabalhos citados, Gentzler se baseia no artigo de Randal Johnson, “Tupy or not
Tupy”, e na tradução (aparentemente a primeira) para o inglês, de Leslie Bary, do Manifesto
Antropófago, intitulado Oswald de Andrade’s ‘Cannibalist Manifesto’. Johnson utiliza tanto a
tradução cannibalism e cannibalistic como o vocábulo português “antropofagia” e
“antropófago”, em itálico. Conforme citado no capítulo 2, Tymoczko e Bassnett adotam o
termo canibalismo.
Vieira intitula os capítulos de sua tese com palavras do campo semântico indígena: “Um
mundo repleto de tradutores e canibais” (capítulo 2), “E o livro chega a uma tribo” (capítulo
3), “Com a palavra, caciques, pagés (sic) e tradutores” (capítulo 4), “um ritual antropofágico
pós-moderno” (capítulo 5) e termos como antropofagia, deglutição e transfusão fazem parte
dos subtítulos, mas a autora prefere o termo antropofagia a canibalismo para descrever a
metáfora e relacioná-la com tradução. Nos seus dois textos em inglês, “A postmodern
translational aesthetics in Brazil” (1994a) e “Liberating calibans: readings of Antropofagia
and Haroldo de Campos’ poetics of transcreation” (1999), aparecem tanto antropofagia,
antropofágico e antropófago em português (ora entre aspas, ora em itálico) como suas
traduções anthropophagy, anthropophagic e anthropophagous e, também cannibalism,
cannibalistic.
Apesar de esses termos constarem nos dicionários como sinônimos, sabe-se que não há
sinônimos perfeitos, pois palavras de significação semelhante não são permutáveis em todos
os contextos, uma vez que apresentam “sutilezas evocativas”. Antropofagia etimologicamente
vem do grego ánthrōpos (homem) e phagos (comer) e, talvez por sua origem, parece ter uma
ressonância mais intelectual que a palavra canibalismo, que evoca o horror e fascínio dos
europeus perante os povos do Novo Mundo. O selvagem recriado no personagem de
Shakespeare é o reflexo de como os nativos recém “descobertos” eram vistos pelos europeus.
A denominação de canibal como homem que devora homem não tem sua origem em nenhuma
língua nativa.
Se a antropofagia já era prática conhecida dos europeus antes do descobrimento do Novo
Mundo (consta em histórias clássicas da mitologia mediterrânea, como a dos ciclopes), o
canibalismo, por sua vez, remete à história da colonização do séc. XVI. O termo tem seu
primeiro registro no diário de Cristóvão Colombo, em 23 de novembro de 1492, onde
menciona que os índios Arawaks falavam da existência de um povo, Caribans, que lhes
causava grande temor. A origem da palavra Canibal ainda é controversa, mas parece ser “uma
deformação européia da palavra carib
83
(CHEYFITZ, 1997, p. 41), que depois de Colombo,
passou a ser a denominação do povo das Antilhas. Curiosamente, caraíba para os tupinambás
(ou karaiba) significa pessoa sagrada, feiticeiro, que posteriormente passaram a usar para
designar os jesuítas
84
, ou seja, pessoa a quem os índios respeitavam.
A partir do diário de Colombo, o termo canibal, antes corruptela da designação dos
indígenas, tornou-se sinônimo de povo antropófago, e da sua extensão como prática cunhou-
se o termo canibalismo. Essa associação fez parte de um “arsenal retórico usado para o que se
concebia como civilizado e selvagem” e também para distinguir os nativos “bons” dos “maus”
(Ibid, p. 42) e não como simples sinonímia na descrição da prática de comer carne humana; o
83
Canibal may be an European deformation of the word Carib.
84
A esse respeito ver Eduardo VIVEIROS DE CASTRO, A inconstância da alma selvagem. São Paulo, 2002.
canibalismo representa o “processo de constituição de um discurso ideológico”
85
(HULME,
1986, p. 55). Canibal tornou-se a representação do primitivo e selvagem e a justificativa moral
para a expansão e domínio colonial.
Segundo Cheyfitz (1997, p. 43), “o nome Caliban em A tempestade aparece, então, como a
tradução da tradução da tradução: Caliban traduz canibal, que traduz um termo desconhecido dos
nativos americanos através do termo europeu antropofagia”
86
. A tradução de canibal neste anagrama,
ou quase anagrama, de Shakespeare, reflete um ato de tradução colonizadora, assim como o termo
canibal, que perde seu sentido de origem, ou seja, o nome daquela tribo.
O canibalismo não é simplesmente um fato antropológico, mas também “uma ficção
política que o ocidente emprega para justificar a exploração dos nativos americanos”
87
(CHEYFITZ, 1997, p. 142). O termo cunhado por Colombo, com a “aura de precisão
etnográfica” (Ibid, p. 43) que adquiriu através dos tempos, foi gradualmente substituindo o
termo antropofagia nas línguas ocidentais.
O canibalismo toca numa série de tabus do mundo ocidental, exercendo
concomitantemente repulsa e fascinação. Muitos europeus no passado escreveram sobre essa
prática na costa brasileira: em 1557 surge o relato sobre “os nus e implacáveis selvagens”
88
com quem Hans Staden passou um ano; o francês Jean de Lery publica um diário de viagem
89
em 1578 onde relata a prática dos tupinambás; no entanto, o texto mais importante dessa
tradição parece ser inquestionavelmente o de Montaigne, “Dos canibais”. Montaigne, que
nunca esteve no Novo Mundo, parte de relatos de viajantes e da observação de um nativo
levado para França. Dessa forma, seu texto é a interpretação de interpretações do canibalismo,
85
Process of constitution of an ideological discourse.
86
The name Caliban in the Tempest, then, appears as the translation of a translation of a translation: Caliban
translates canibal, which translates an unknown Native American term through the European term
anthopophagy.
87
A political fiction that the West employed to justify its exploitation of Native Americans.
88
Die wahrhaftige Historie der wilden nackten, grimmigen Menschenfresser.
89
Histoire d’un voyage fait en la terre du Brésil, autrement dite Amérique (1556-1558).
mas é tido como um “documento-chave naquela história ocidental que fabricou o ‘bom
selvagem’, ou homem natural”
90
(Ibid, p. 144).
Para o mundo judaico-cristão o canibal inspira horror e fascinação; é a própria definição
de selvagem, do animalesco, pois o animal pode ser canibal, mas não pode ser definido como
antropófago (ánthrōpos = homem). Por sua ligação com o colonialismo o termo canibalismo,
principalmente em inglês, evoca barbárie, ao passo que o termo antropofagia, até mesmo por
razões etimológicas, tem uma ressonância mais intelectual e civilizada.
As narrativas européias dos descobrimentos faziam parte da violência da dominação
imperial, uma vez que reforçaram uma hegemonia criando representações de superioridade
com relação aos povos recém descobertos. Dessa maneira, a antropofagia usada como
metáfora cultural, e traduzida por cannibalism, carrega em si todo o radicalismo “incivilizado
e selvagem” da prática antropofágica, servindo, perfeitamente, à teoria pós-colonial, que a vê
como forma de oposição e resistência aos modelos eurocêntricos de cultura.
3.3. Da metáfora ao clichê
A metáfora de devoração crítica, cultural e estética é anterior à de Oswald de Andrade.
Laranjeira (1993, p.35) anota uma “teoria da inutrição” (termo cunhado por Joachim Du
Bellay, séc. XVI) que na Antiguidade, na Idade Média e na Renascença preconizava “re-
trabalhar e re-vivificar os textos em outras línguas-culturas”. A metáfora também aparece na
literatura de vanguarda francesa no início do século passado. Em 1920, o francês Francis
Picabia publica o Mannifeste Cannibale e posteriormente edita uma revista intitulada
Cannibale que serviria ao movimento Dadaísta. “Para o Dada, canibalismo era um elemento
90
a key document in that Western history that fabricates the “noble savage”, or natural man.
agressivo, antiburguês usado para chocar e insultar. Para Marinetti, o canibalismo, através da
absorção dos valores primitivos, tinha um sentido apenas ritual”
91
(JOHNSON, 1987, p.50).
Johnson (Idem, p. 58) considera Plínio Salgado, do grupo Anta, como sendo o
primeiro a propor a antropofagia cultural num sentido programático, no Brasil. Segundo esse
autor, na “Carta Antropófaga” a Menotti del Picchia, em 18 de fevereiro de 1927, Salgado
propõe “fazer um churrasco das figuras ridículas do boulevard, assando-as em um espeto
sobre o fogo [...]”
92
. De qualquer maneira, nas manifestações artísticas e culturais, tanto na
França, quanto no Brasil, nas primeiras décadas do século XX, havia a ideia de se contrapor
ao paradigma parnasiano ainda vigente.
Conforme mencionado anteriormente, a antropofagia, revitalizada nos anos 60,
assume um aspecto político, “do Brasil devorando o povo e finalmente a si próprio através da
violência de um modelo econômico imposto pela relação de dependência com as potências
industriais e reforçado pelo regime militar”
93
(JOHNSON, 1987, p. 41).
A metáfora da antropofagia amealhou, através dos tempos, uma série de acepções e
acabou desgastada pelo uso. Quase diariamente vemo-las aplicadas a qualquer ramo de
atividade: “Wagner pelo filtro da antropofagia” é o título de uma resenha de João Luiz
Sampaio sobre a montagem de uma ópera
94
. O título seria uma interpretação da explicação da
montagem pelo diretor alemão Cristoph Schlingensief: “Wagner bebeu em diversas fontes de
sua época e as devorou para criar sua obra”.
Emanuel Araújo
95
, diretor da Pinacoteca de São Paulo, explica a escolha das obras de
Brennand para a exposição “Francisco Brennand – flores, frutos, bichos e pássaros” dizendo
que são de uma “fase mais antropofágica” e explica que essas pinturas, anteriores a 1970 e
91
For Dada, cannibalism was an aggressive, anti-bourgeois element used to shock and insult. In Marinetti,
cannibalism, through the absorption of primitive values, has purely ritual sense.
92
Apud Johnson (1987, p. 58, nota 20): He proposes to “make a barbecue of the ridiculous figures of the
“boulevard”, roasting them on a spit over the fire...
93
Of Brazil devouring its people and ultimately itself through the violence of an economic model imposed by a
representative military regime.
94
O Estado de São Paulo. Caderno 2 D5, 22/11/2007.
95
O Estado de São Paulo. Caderno 2 D8, 16/10/2007.
pouco conhecidas, “são carregadas de simbologia (entre o real e o imaginário)”. Dificilmente
pode-se relacionar esse aspecto com a antropofagia oswaldiana.
Canibalismo e suas derivações também passam a fazer parte do discurso jornalístico.
Com a manchete: “Oposicionistas ‘canibalizam’ prestígio de Lula”, canibalizar seria um ato
de apropriação para obter vantagem:
Na reta final das campanhas municipais, vários candidatos têm deixado de
lado suas convicções e avançado sobre programas e apoios de seus
adversários. Numa espécie de canibalização política, tentam obter deles o
prestígio, a força e virtudes eleitorais que admiram ou o eleitorado aprova.
Uma outra notícia, esta no caderno de economia, explica por que as marcas de roupas de
luxo vão colocar suas mercadorias de ponta de estoque em um centro comercial (outlet, como
é chamado na matéria), distante da capital, dando a entender que seria para evitar que as
marcas competissem com elas próprias:
Com o avanço das grifes no mercado nacional, surgiu a necessidade de
escoar itens da coleção passada fora dos grandes centros, onde estão
localizadas as butiques das marcas. Com isso, evita-se a canibalização da
grife
96
.
Voltando ao meio de expressão artística, o dramaturgo Paulo Pélico ao falar do teatro
brasileiro alega que a discussão sobre os incentivos fiscais às produções teatrais é “um debate
que só se canibaliza”
97
. O texto não deixa muito claro o que seria essa canibalização, mas a
ideia parece ser a seguinte: enquanto se discutem os incentivos não se produz e, não havendo
produção nacional, a produção estrangeira, principalmente norte-americana, vai ganhando
espaço.
Parece ser do gosto de dramaturgos lançarem mão da metáfora da antopofagia. Durante a
solenidade de lançamento do vale-cultura, em São Paulo, José Celso Martinez disse que Lula,
“como é de Caetés, veio da mesma tribo que comeu o bispo Sardinha”. A relação dessa
96
O Estado de São Paulo. Negócios B16. 07/04/2009.
97
O Estado de São Paulo. Caderno 2 D7. 12/04/08.
comparação com a cultura não é explicitada no texto, mas inspira a seguinte manchete: “Entre
artistas, presidente vira ‘antropófago’”
98
.
Eder Chiodetto, crítico de fotografia, em artigo intitulado “O Brasil, a Europa e um olho
canibal” escreve:
Em boa parte da produção nacional, as referências vindas do Velho
Continente são devidamente deglutidas e misturadas numa espécie de
caldeirão antropofágico e de cujo cadinho a fotografia brasileira surge com
uma linguagem inovadora
99
.
Chiodetto retoma a antropofagia oswaldiana no sentido da “necessidade de pensar o
nacional em relacionamento dialógico com o universal” e do “pensamento da devoração
crítica do legado cultural universal” (CAMPOS, 2004, p. 234).
Antropofagia e canibalismo no jornalismo acontecem em todos os setores: econômico,
artístico e político. A referência mais inusitada acha-se no seguinte trecho de um horóscopo
de Oscar Quiroga
100
: “A mistura de carência emocional e força dos desejos transforma o dia
em manifestação de antropofagia sexual”. Além de bizarra, é totalmente desprovida de
sentido.
A metáfora da antropofagia baseia-se na ideia simplista de que o antropófago, ou canibal,
devora seu inimigo para absorver suas qualidades. De fato, essa prática não está ligada à
nutrição física, mas a aspectos culturais; todavia, o sentido é bem mais complexo, conforme
esclarece o antropólogo Viveiros de Castro:
Devorar um "semelhante" – por suposto é um semelhante, mesmo que
inimigo, ou não se trataria de um canibalismo ritual, humano, pleno de
precauções e ritos míticos – é exatamente impedir que ele possa devolver
uma imagem, constituir uma identidade. É, de certa forma, destruir a
representação, quebrando o espelho da função imaginária. Devorar o inimigo
não é, tampouco, "identificar-se" a ele – é projetar-se na alteridade, passar
para o outro lado, tornar-se, não o inimigo, mas Inimigo (1986, p.646).
98
O Estado de São Paulo.Nacional A 15. 24/07/09.
99
O Estado de São Paulo. SP Arte. num. esp. 22 de abril de 2008. p. 14.
100
Horóscopo da Cidade. Guia n. 340, p. 3. O Estado de São Paulo. 11/04/2008.
Para a antropologia, no canibalismo há o anseio de tornar-se o outro, ao posto que na
metáfora oswaldiana “todo o passado que nos é ‘outro’ merece ser negado. Vale dizer: merece
ser comido, devorado” para renovar “suas próprias forças naturais” (CAMPOS, 2004, p. 235).
Enquanto a antropofagia assume um caráter científico quando discutida pelos
antropólogos, na qualidade de metáfora a antropologia se caracteriza pela investigação
científica, a metáfora “resulta de uma busca da qual participam a sensibilidade e a
imaginação” e tem “o poder de apresentar ideias concreta e sinteticamente, podendo não só
intensificar como dissimular os fatos” (MARTINS, 2003, p. 96). A metáfora parte de um
pressuposto que no caso da antropofagia é o da devoração do inimigo como forma de
vingança e de assimilação das qualidades do guerreiro.
O ato antropofágico com o objetivo simbólico de assimilação das forças e virtudes do
inimigo, e a sua interpretação cultural de que “o escritor brasileiro como, um canibal, não
deveria aceitar as influências estrangeiras de forma pacífica”
101
(MILTON, 2006, 493),
apresenta um aspecto metonímico uma vez que a interpretação cultural não leva em conta “o
costume [dos Tupinamabás] de devorarem mulheres, crianças, quem se pudesse” (CASTRO,
1986, p. 668).
Na metáfora Oswald de Andrade propunha sem complexo de inferioridade, uma postura
com relação à cultura que rejeitava a simples cópia: “cópia sim, mas regeneradora”
(SCHWARZ, 1987, 38). Dessa maneira, o processo tradutório que é “capaz tanto de
apropriação como de expropriação, desierarquização, desconstrução” (CAMPOS, 2004,
p.235) parte de uma concepção de tradução que não é servil, nem inferior, nem mimética,
relacionando-se com a antropofagia.
3.4. Antropofagia e a tradução
101
The Brazilian writer, like the cannibal, should not take in the foreign influence in a passive way.
No Brasil, um dos primeiros trabalhos a relacionar tradução com a metáfora brasileira da
antropofagia foi o de Eneida Maria de Souza (VIEIRA, 1994a, p. 67). Em artigo de 1986, “A
crítica literária e a tradução”, Souza afirma que a retomada do “projeto artístico oswaldiano
[...] continua a render frutos e a fornecer lições, principalmente para os estudos específicos de
Literatura Comparada e de tradução crítica”. Com relação à prática tradutória, ainda segundo
a autora, “o enlace da tradução com a antropofagia se dá especificamente no nível da
linguagem, quando o texto traduzido irá contaminar não apenas a escrita do outro, mas servirá
de substrato para a metalinguagem do tradutor” (op. cit., p. 18).
Segundo Castelões (2002, p. 5)
A canibalização que Haroldo de Campos faz dos próprios textos que traduz
para fins de construção de seu discurso teórico, o que o insere na tradição
antropofágica de Oswald de Andrade, foi anteriormente percebida por
Eneida Maria de Souza (1986), ao abordar o pensamento tradutório de
Haroldo de Campos erigido após a tradução que fez de parte do Fausto, de
Goethe.
Haroldo de Campos em Deus e o Diabo no Fausto de Goethe além de traduzir as duas
cenas finais da segunda parte da obra de Goethe, também retira do texto as metáforas para
expor o processo tradutório desse trabalho. Campos cunha termos do mesmo campo
semântico do texto, como “transluciferação mefistofáustica” ou define a tradução como
“transfusão de sangue”. Esse jogo lingüístico vai ser usado, pelos teóricos dos Estudos de
Tradução, como justificativa para considerá-lo pós-colonial, associando-os ao canibalismo,
como por exemplo, Gentzler:
Aqui (na metáfora da transluciferação) subjaz a noção canibalística
expandida por Campos: a tradução vista de maneira similar a algumas
traduções de Ezra Pound, como transfusão de sangue do original para a
tradução (2008 p. 90)
102
.
e Bassnett:
102
Herein lies the cannibalistic notion extended by De Campos: translation is viewed in a similar fashion to some
or Ezra Pound’s translations, as transfusion of blood from the original to the translation.
Para ele (Campos) a tradução é um processo físico, é uma devoração do
texto fonte, um processo de transmutação, um ato de vampirização. As
imagens de tradução como canibalismo, vampirismo [...] podem ser todas
vistas como uma metáfora radical que emana das teorias de tradução pós-
modernas, pós-coloniais (1993, p. 155)
103
.
Vieira (1992, p. 16), em sua tese de doutoramento, aponta uma ligação do discurso
tradicional sobre tradução, que atesta “uma certa incompletude, uma distorção e uma
infidelidade associadas à tarefa do tradutor” com o colonialismo, porque ambos apresentam os
aspectos marginal e derivativo e “são avaliados pelo que eles deixam de ser (grifo da autora)
com relação ao texto ou cultura originários, e não pelo que eles são”. Na descolonização,
quando “a questão do passado emerge vigorosamente, não como uma recusa, mas como
releitura e reavaliação” (Ibid, p. 37), “a diluição das fronteiras e hierarquias entre o original e
os textos derivados” aproxima a tradução à antropofagia.
Repetidamente, vê-se a utilização da metáfora da antropofagia na descrição da tradução
que não é “literal / fiel”. Chesterman, ao discutir como o tradutor pode agir como “censor”
determinando os aspectos que quer omitir ou ressaltar para servir ao seu propósito, assim
define a antropofagia como prática tradutória,
Uma metáfora recente que atrai alguns teóricos pós-modernos é a do tradutor
como um canibal, consumindo a carne de escritores (presumivelmente
mortos) para tirar proveito de sua força. Como canibais, os tradutores pegam
e comem o que lhes agrada, e fazem o que querem com o texto fonte com o
exclusivo propósito de beneficiar a cultura alvo (2002, p.17)
104
.
Essa explicação, além de simplista, lembra muito pouco a proposta de Souza e de Vieira,
além de simplista. O exemplo que Chesterman dá seria traduzir do Novo Testamento de tal
103
Translation is for him (Campos) a physical process, it is a devouring of the source text, a transmutation
process, an act of vampirization. The images of translation as cannibalism, as vampirism [...] can be all seen as a
radical metaphors that spring from post-modernist post-colonial translation theory.
104
One recent metaphor that appeals to some postmodernist scholars is that of the translator as a cannibal,
consuming the flesh of (presumably dead) writers in order to benefit from their strength. As cannibals,
translators take and eat what they please, and do with their source text what they want, with the sole purpose of
benefiting the target culture.
maneira que se torne um panfleto do movimento de liberação negra, “com Cristo falando
como um ativista radical”; uma manipulação com objetivos políticos e não estéticos.
A utilização do texto fonte teria, dessa forma, objetivos políticos e ideológicos, não
contemplando o aspecto estético. Essa visão da metáfora da antropofagia está muito distante
do conceito de transcriação de Haroldo de Campos, muito bem pensado, discutido e
fundamentado em teorias da linguistica (Jakobson), da semiótica (Pierce) e da poética (Pound)
e ainda nos pensamentos filosóficos de Benjamin e Derrida.
Marie-Hélène Catherine Torres, em sua tese de doutoramento, Variations sur l’étranger
dand les Lettres: cent ans de traductions françaises des Lettres brésiliennes, também cede ao
fascínio da metáfora da antropofagia, conferindo um quê de exotismo a uma tese defendida na
Bélgica. No seu trabalho a metáfora ganha status de teoria: “a teoria da antropofagia não é
uma teoria erudita, mas seus argumentos culturais são compatíveis com a teoria descritiva da
tradução”
105
(TORRES, 2001, p. 27).
Apesar da estranheza de se considerar a antropofagia como uma teoria, a descrição da
antropofagia na tradução como a possibilidade de o tradutor se “nutrir” de outros textos se
aproxima da reflexão de Haroldo de Campos, que considera a metáfora na literatura como
“um diálogo não apenas com a voz do original, mas com outras vozes textuais”; a tradução
“se deixa derivar no movimento plagiotrópico geral da literatura” (CAMPOS, 2005, p. 191).
A seguir, Torres discorre sobre “nos ancêtres, les cannibales” (nossos ancestrais, os canibais).
Esses nossos ancestrais, segundo a autora, acham-se nas obras de Jean Léry, Histoire d’un
voyage fait en la terre du Brésil, e de Montaigne, o já citado Des cannibales. Os nossos
ancestrais seriam, então, representações formuladas na Europa.
105
la théorie de l’anthropophagie n’est pas une théorie savante mais ses arguments culturels sont compatibles
avec la théorie descriptive de la traduction.
Entretanto, não é só no exterior que a metáfora da antropofagia continua a ser lembrada
em textos sobre tradução. Adriana Vieira compara a antropofagia de Haroldo e Augusto de
Campos à tradução de Peter Pan, por Monteiro Lobato:
Depois de ler o texto em inglês, Dona Benta o traduz oralmente em
português simplificado, que seria mais compreensível para as personagens
do Sítio [...]. Lobato também lida criativamente com o texto de Barrie,
resultando na criação de outra história, a história de Peter Pan contada por
Dona Benta. Essa forma de recriação (de Lobato) pode ser comparada com
aquela das traduções de Augusto e Haroldo de Campos (A. VIEIRA, 2001,
p. 152-3)
106
.
Milton, também, associa a prática de tradução de Lobato à antropofagia ao apontar a
maneira como as histórias estrangeiras eram recontadas por Dona Benta:
Em 1928, Oswald de Andrade publicou o Manifesto Antropofágico (sic), no
qual apresenta a imagem do canibal brasileiro, que devoraria o inimigo a fim
de possuir sua alma. Assim, o escritor brasileiro, como o canibal, não
aceitaria a influência estrangeira de maneira passiva, mas a transformaria em
algo novo. O original seria ativamente deglutido e reproduzido numa forma
diferente
107
(MILTON, 2006, p. 492).
Relacionar Lobato à antropofagia é problemático, primeiramente, em termos de objetivo e
objeto da tradução. Como bem afirma Milton (Idem), Lobato adapta literatura popular com
intuito comercial, de promover a leitura e a venda de livros, e os irmãos Campos traduzem
“uma literatura muito mais erudita”, visando o efeito estético. Em segundo lugar, em termos
conceituais, pois nos deparamos com um terreno escorregadio onde termos como adaptação,
apropriação, recriação, carecem de definição específica, sendo usados de maneira quase
intercambiável.
O vocábulo adaptação, no Dicionário Houaiss (p. 78), é definido, no significado geral,
como "ajuste, modificação", "transposição de uma obra literária para outro gênero" e
106
After reading the text in English, Dona Benta translated it into simplified oral Portuguese, which is more
easily understood by the characters in the Sitio [...]. Lobato also handles Barrie’s text creatively, resulting in the
creation of another story, the story of Peter Pan told by Dona Benta. This form of recreation can be compared to
that of the translations of Augusto and Haroldo de Campos.
107
In 1928 Oswald de Andrade published the Manifesto Antropofágico, in which he presented the image of the
Brazilian cannibal, who would “devour” the enemy, so he could take over his soul. Thus the Brazilian writer,
like the cannibal, would not take in the foreign influence in a passive way, but rather by transforming it into
something new. The original will be actively swallowed and reproduced in a different form.
"transformação menos elaborada que o arranjo, de uma peça musical para ajustá-la a uma
nova finalidade". Interessante notar que essa última acepção de atividade "facilitadora" vai ao
encontro do que comumente se entende por adaptação: "reescrituras de obras clássicas das
literaturas estrangeira e nacional, direcionadas a um público específico, como o infanto-
juvenil" (AMORIM, 2003 p. 16).
Amorim reflete sobre a impossibilidade de estabelecer limites claros entre tradução e
adaptação e a elaboração de definições "unívocas", argumentando que:
Os limites aqui são marcados pelos seus complexos redimensionamentos em
termos de discurso nos quais ambos os conceitos de tradução e adaptação, e
os respectivos corpora textual a que se ligam acham-se inscritos
108
(Idem, p.
195).
Frequentemente, para escapar do estigma de atividade marginalizada e inferior, lança-se
mão da metáfora da antropofagia e do canibalismo quando se trata de história recontada,
adaptação, interpretação, releitura nas diversas áreas da cultura.
Por fim, há a questão histórica de Lobato ter repudiado o movimento modernista, o que
faz a associação de sua prática tradutória à metáfora oswaldiana parecer paradoxal. No artigo
Paranóia ou Mistificação, Lobato ataca as “escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos
de cultura excessiva” e viaja por ocasião da Semana de 22, mas não se furta de avaliar as
manifestações artísticas: “não vi e não gostei”
109
.
Em artigo posterior, “Adaptation studies and translation studies” (no prelo), Milton revê a
relação da antropofagia com Campos: “Na realidade, Haroldo de Campos nunca descreveu
108
The boundaries here are marked by their complex "re-dimensioning" in terms of
discourses in which both concepts of translation and adaptation, and the respective textual
corpora they cling to are inscribed.
109
Fonte: www.pitoresco.com.br/brasil/anita/lobato.htlm
seu trabalho como canibalismo, sempre usando termos como recriação e transcriação, mas
Else Vieira (1994) popularizou esse termo ao descrever o trabalho dele”
110
.
Por duas vezes, Campos relaciona tradução com a antropofagia; em “Tradução, ideologia
e história”, ao analisar as “transcriações” do Rubáiyát por Fitzgerald e Augusto de Campos
discute a transcriação como sendo “até certo ponto um ato usurpatório” (1983, p. 59) da
historicidade do texto-fonte:
Refazer esta alquimia, incluindo no seu “quimismo” ingredientes novos, para
reativá-la em nossa língua, compensando assim aqueles que ficaram
“recessivos” no câmbio forçoso de horizontes, é um privilégio do
“transcriador” de poesia. Sobretudo quando esteja empenhado na reinvenção
da tradição, para propósitos produtivos (não meramente conservativos), na
perspectiva, agora, de um “transumanismo” latino-americano,
necessariamente “antropofágico” (Ibid, p. 64).
Posteriormente, em “A tradução como instituição cultural”, Haroldo Campos descreve a
atitude desconstrutora dos valores dos países dominantes como “antropofágico-devorativa”,
pois obedece à lógica “ex-propriadora” e “re-apropriadora”. Nesse sentido, a tradução
criativa, ao problematizar a revisão do passado literário, possibilitou o resgate e a
revalorização de autores brasileiros como Gregório de Matos, Odorico Mendes, Sousândrade
e Kilkerry. A partir dessa ótica, Campos sugere que se consulte Gentzler, Bassnett, McGuirk,
Berman, com relação à teoria de tradução ‘antropofágica’ brasileira. Contudo, em nenhum
momento, Haroldo de Campos atribuiu à sua própria teoria de tradução a metáfora da
antropofagia.
Mas, Vieira finalmente se opõe ao excesso e à visão reducionista que foi se disseminando
nos estudos da tradução com relação ao Brasil. Em 1999, sete anos após o seu primeiro artigo
que estabelece essa relação, publica “Liberating Calibans: readings of Antropofagia and
Haroldo de Campos’ poetics of transcreation”, onde adverte:
110
Haroldo de Campos never actually described his work as cannibalism, always using such terms as recreation
and transcreation, but Else Vieira (1994) popularized this term when describing his work.
Como em todo caso de oferta abundante, a saciedade pode ser acompanhada
de indigestão e excesso. Esse pode ser o caso da digestão mundial da
metáfora da antropofagia oriunda do Brasil [...] A antropofagia tornou-se um
corpo de pensamento engoldo depressa demais, uma palavra literalmente
devorada e não digerida como sendo uma metáfora complexa e sujeita a
metamorfoses em contextos e perspectivas críticas diferentes (VIEIRA,
1999, p. 95)
111
.
O texto, que conta com a colaboração do próprio Haroldo de Campos, ressalta a limitação
da associação da teoria de tradução de Haroldo de Campos com a antropofagia ao apontar
Pound, Benjamin, Paz, Bakhtin presentes na reflexão de Campos, além de discutir o
Movimento Antropófago e sua importância para a cultura brasileira, incluindo o Cinema
Novo e o Tropicalismo. Em nota, Vieira explica que por falta de espaço não pode fazer justiça
ao trabalho de Haroldo de Campos, “uma vida dedicada à literatura, crítica e tradução como
arte, num total de quarenta livros”
112
(Idem, p. 112). Ironicamente, toda essa retificação é
publicada na obra editada por Bassnett e Trivedi Postcolonial translation theory,
corroborando a inserção da teoria haroldiana no pós-colonialismo.
Haroldo de Campos resgatou a discussão sobre a antropofagia em artigo de 1980, “Da
razão antropofágica: diálogo e diferença na cultura brasileira”, onde aborda também “o
problema da situação do poeta brasileiro perante o universal” e a “necessidade de pensar o
nacional em relacionamento dialógico e dialético com o universal” (2004, p. 234). Segundo
Moreno (2001, p. 182), ao discutir detidamente a questão da antropofagia nesse texto, ele
associa seu nome à proposta de Andrade, “no entanto, é com Augusto de Campos que essas
teorizações de Haroldo de Campos tornam-se mais explicitamente relacionadas à questão
tradutória”.
Augusto de Campos utilizou explicitamente em Verso reverso controverso a antropofagia
para descrever seu processo tradutório: “A minha maneira de amá-los é traduzi-los, segundo a
111
As with any rich offering, satisfaction can be accompanied by surfeit or excess. Such may be the case for the
world’s digestion of the Brazilian-derived metaphor of anthropophagy [...] Antropofagia has become a too
quickly swallowed body of thought, a word devoured literally and not digested as a complex metaphor
undergoing metamorphoses in different contexts and critical perspectives.
112
space constraints do not allow me to do justice to his work – a lifetime dedicated to literature, criticism,
translation as an art, in a total of forty books.
Lei Antropofágica de Oswald de Andrade”; e continua com a própria citação verbatim de
Oswald: “só me interessa o que não é meu” (A. CAMPOS, 1988, p. 7), evidenciando a relação
tradução/antropofagia. No mesmo trecho completa o pensamento recorrendo a Fernando
Pessoa, poeta português:
Tradução para mim é persona. Quase heterônimo. Entrar dentro da pele do
fingidor para refingir tudo de novo, dor por dor, som por som, cor por cor.
Por isso nunca me propus traduzir tudo. Só aquilo que sinto. Só aquilo que
minto. Ou que minto que sinto, como diria, ainda uma vez, Pessoa em sua
própria persona (Ibid, p. 8).
No entanto, a metáfora da antropofagia parece servir melhor à teoria pós-colonial que a do
“poeta fingidor”, de autoria de um representante do povo colonizador; melhor ainda serve o
termo canibalismo – cannibalism – (e seu derivado cannibalistic) – na tradução de muitos
teóricos. Moreno (2001, p. 183) ressalta que, “no limite, toda tradução é antropófaga, sejam
elas propostas explicitamente como tal ou não” e “a própria noção de seletividade dos autores
traduzidos parte também de um princípio antropofágico”.
Apesar das diversas considerações a respeito da antropofagia e sua relação com Haroldo
de Campos, a metáfora tem um apelo muito forte para os estudos pós-coloniais e parece que
para os teóricos estrangeiros ainda “só a antropofagia nos une”.
3.5. Considerações finais
Inovação, transgressão, radicalização, autodestruição, releitura, recriação, tudo isso é tido
como canibalismo e antropofagia. Todavia, como qualquer metáfora utilizada em demasia, a
antropofagia desgastou-se, tornou-se clichê, pois as metáforas para serem expressivas devem
“ter algo de surpreendente e inesperado” e “ter certo frescor e novidade, ainda que a imagem
não seja necessariamente original” (MARTINS, 2000, p.95).
Os exemplos aqui apresentados são algumas das inúmeras referências à metáfora da
antropofagia, tanto em artigos jornalísticos como teóricos, mas que servem para ilustrar como
o sentido vai se perdendo pelo uso, enfraquecendo a força metafórica. Assim sendo, não se
trata de contestar a associação desse tipo de tradução com a metáfora da antropofagia, mas de
verificar como o seu uso excessivo perde o efeito e como a sua associação com Haroldo de
Campos reduz a dimensão e complexidade de sua teoria.
Neste capítulo vimos, também, que antropofagia, ou canibalismo, enquanto metáfora
cultural, frequentemente, envolve um caráter político. No pós-colonialismo o termo representa
uma prática de resistência e reação, e ainda apresenta marcas do incivilizado e selvagem
impressas pelas culturas hegemônicas. Todos esses aspectos é que fazem com que a
associação de Haroldo de Campos a uma teoria de tradução pós-colonial soe estranha e
estrangeira.
Randal Johnson, cujo artigo “Tupy or not Tupy” é citado por Gentzler (2008), Vieira
(1992; 1994; 1999) e Bassnett (1993) como argumento do engajamento político dos
“tradutores brasileiros com suas teoria de canibalismo” (TYMOCZKO, 2000, p.25), não
hesita em esclarecer que “apesar de os poetas concretistas de São Paulo terem contribuído
muito para a revitalização de Oswald de Andrade, a sua preocupação era muito mais estética
do que cultural. Por isso, decidi não incluí-los neste artigo”
113
(JOHNSON, 1987, p. 59).
Não há como discordar de que elementos da antropofagia oswaldiana “oferecem os
subsídios teóricos utilizados na apropriação [de autores e textos] levada a termo pelos irmãos
Campos” (MORENO, 2001, p. 182). Augusto vincula abertamente a antropofagia à sua
prática tradutória ao citar Oswald de Andrade, mas Haroldo, mesmo que a tenha discutido
somente em nível de produção literária, a operacionaliza em suas traduções, que envolvem
113
Although São Paulo’s Concretist poets have contributed much to the revitalizaton of Oswald de Andrade,
their concern is more aesthetic than cultural. I have thus chosen not to include them in this essay.
uma “deglutição crítica do legado universal” (CAMPOS, 2004, p. 261), pois para Haroldo de
Campos, citando Fabri, “toda tradução é crítica” (Ibid, p. 31).
Oswald de Andrade ao se proclamar “contra as ideias cadaverizadas”, “contra todos os
importadores de consciência enlatada” sugere “roteiros, roteiros, roteiros” que levem a uma
mudança de paradigma cultural. A proposta de Haroldo de Campos seria, também, de uma
“busca de identidade estética local” (MORENO, 2001, P. 184), mas que pretende a mudança
do paradigma da tradução, envolvendo a seleção, incorporação e transformação. Assim, seria
a antropofagia, segundo Moreno (Idem, p. 191), quem “autoriza a apropriação, definindo os
roteiros que percorrem sua trajetória”.
A antropofagia como prática tradutória é, todavia, fruto de uma análise e interpretação,
por vozes muito bem argumentadas, de outros teóricos e não do próprio Campos e não dá
conta da amplitude de seu pensamento. Centrais à sua teoria de tradução, à sua práxis, acham-
se outros conceitos e teorias que serão discutidos no próximo capítulo.
4. MUITO ALÉM DA ANTROPOFAGIA
Haroldo de Campos é essa coisa
extraordinária: um poeta e tradutor que
veio para a literatura armado de um
invejável conhecimento do fenômeno
literário.
João Cabral de Melo Neto
4.1. A fortuna crítica do tradutor Haroldo de Campos
Conforme mencionado anteriormente, o nome de Haroldo de Campos tornou-se conhecido
pelos teóricos dos estudos da tradução principalmente pelo artigo de Else Vieira “A
postmodern translational aesthetics in Brazil” (1994). Tal artigo é parte de sua tese, Por uma
teoria pós-moderna da tradução, que busca uma "formulação de uma semiótica da tradução
literária" como abordagem mais adequada à pós-modernidade e que tem um capítulo dedicado
à "práxis tradutória revolucionária" dos irmãos Campos, prática considerada pela autora como
"uma tradutória pós-moderna" (1992, p. 3).
A teoria haroldiana, descrita como: revolucionária (VIEIRA, 1992, p. 22), inovadora
(MORENO, 2001, p. 9) e transgressora (SIMON, 1996, p. 16), aponta para um caminho
alternativo para a tradução, no dizer de Bassnett (1993, p. 158), e confere aos irmãos Campos
um destaque internacional sem precedentes na história da tradução no Brasil. Contudo, a
dimensão da reflexão de Haroldo de Campos é reduzida ao clichê da Antropofagia e rotulada
de pós-colonial, enfatizando um suposto engajamento político da sua teoria.
Douglas Robinson
114
defende que, para um eficaz engajamento político, um texto deve ter
um interesse amplo e generalizado, ou seja, possuir uma habilidade de atingir as massas. Não
parece ser o caso de Haroldo de Campos, cujas traduções não podem ser consideradas
"populares" ou "comerciais", pois não atingem as "massas", mas a elite cultural. Assim, como
Walter Benjamim (2003, p. 15) que afirma que "nenhum poema dirige-se ao leitor, nenhum
quadro, ao espectador, nenhuma sinfonia, aos ouvintes"
115
e questiona se a tradução deve ser
para aqueles que não compreendem o original, Haroldo de Campos, também, não estava
interessado em ser aceito por um grande público e só se propunha a traduzir aquilo que para
ele representava uma “militância cultural", obras esteticamente revolucionárias. Apesar de a
afirmação ter uma ressonância política, a escolha das obras traduzidas por Campos reflete um
engajamento prioritariamente estético. O entrelaçamento da criação poética, da prática
tradutória e da crítica está presente no pensamento de Campos, conforme ele mesmo atesta em
Tradução como instituição cultural, de 1997 (no prelo):
Desde os anos 60, iniciei minha reflexão teórica sobre tradução de obra de
arte verbal (poesia ou prosa de igual complexidade no plano de expressão; o
que em alemão se diz Dichtung)
116
. Essa reflexão fundava-se numa prática
radical da tradução poética, que vinha sendo levada a efeito por Augusto de
Campos, Décio Pignatari e por mim, cujo marco inicial foi a transposição
criativa, em equipe, de uma seleção de Cantos de Ezra Pound. Tratava-se,
pois, de uma teoria derivada duma prática, que cada vez mais se foi
ampliando ao longo do tempo.
Por “militância cultural” entende-se aqueles escritores que, segundo Milton (1993, p.
163), “mudaram, afetaram, ou revolucionaram o estilo poético: primeiro Pound, cummings,
Joyce e Mallarmé; e depois Maiakovsky, Khlebnikov, Valéry, Poe, os trovadores provençais,
114
In: Maria TYMOCZKO, 2000, p. 26 e 40.
115
No poem is intended for the reader, no picture for the beholder, no symphony for the listener (Trad. Núcleo
de Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina).
116
“Da tradução como criação e como crítica”, 1962; em Metalinguagem e outras metas. Perspectiva, São Paulo,
1992, 4 ed.; “De la traduction comme creation et comme critique”, Change 14 (Trasnformer / Traduire),
Seghers/Laffont, Paris, fevrier 1973.
Goethe, Octavio Paz, Lewis Caroll, Keats, Edward Lear, John Donne e John Cage”. A
tradução desses poetas e prosadores por Augusto e Haroldo de Campos foi peça chave na
divulgação de autores até então desconhecidos no Brasil, contribuindo para a renovação do
cânone nacional, a partir de uma visão sincrônica, e da estética do fazer poético: “uma
metamorfose vetoriada, de transformação qualitativa, de culturmorfologia: make it new
(CAMPOS et all, 2006, p. 43).
Enquanto os teóricos estrangeiros se limitam a reproduzir um recorte – via Vieira – da
teoria de Haroldo de Campos para adequá-lo à teoria pós-colonial, no Brasil, ele é objeto de
estudos abrangentes e, também, é citado em muitas outras publicações, teses e artigos sob
diferentes perspectivas. Tantas referências evidenciam a importância de sua teoria de tradução
que, segundo Paes (1990, p. 30), merece destaque:
[...] tanto por suas formulações acerca da teoria da tradução poética quanto
pelo seu trabalho de recriação de textos da mais alta complexidade formal,
como as Rime pietrose de Dante, a poesia provençal, o Lance de dados de
Mallarmé, Os Cantos de Pound, o Finnegan’s (sic) Wake de Joyce, a
moderna poesia russa (em colaboração com Bóris Schnaiderman), a poesia
bíblica etc. O alto nível dessas traduções, regularmente divulgadas em
jornais e revistas e mais tarde recolhidas em livro, teve efeito estimulante,
incitando outros poetas a se dedicarem também às versões poéticas e abrindo
um espaço para elas na imprensa literária.
John Milton (1993, p. 168) também concorda que a "seriedade e o plano coerente" da
teoria de tradução dos irmãos Campos contribuíram para a que a tradução literária fosse
considerada uma atividade artística e autoral. Mário Laranjeira (1993, p. 30), mesmo quando
discorda dos irmãos Campos em alguns pontos, como, por exemplo, o do trabalho de tradução
em equipe, os considera “indiscutivelmente alinhados entre os mais destacados tradutores de
poesia deste país” e “merecedores de todo respeito”.
Bosi, que parece considerar a tradução uma atividade literária menor dado o pequeno
espaço a ela conferido na História concisa da literatura brasileira e a afirmação de que “das
traduções poéticas sempre se tende a fazer juízo severo, tal é a soma de soluções infiéis ou
canhestras que a história literária tem registrado”, reconhece que as traduções de Dante por
Haroldo de Campos, e também de Maiakóvski (com Boris Schneiderman e Augusto de
Campos) e da seleção de cantos de Pound (com Augusto, Pignatari, Grünewald e Faustino),
são “boas versões que de certo influíram na formação de um gosto literário moderno” (BOSI,
2002, p. 489).
A questão da renovação do cânone literário acha-se também presente na tese de
doutoramento, de Silene Moreno, Ecos e reflexos: a construção do cânone de Augusto e
Haroldo de Campos a partir de suas concepções de tradução, de 2001, onde a autora analisa
as concepções de tradução de Augusto e Haroldo de Campos, com enfoque na questão de
fidelidade proposta no conceito de recriação. No trabalho, Moreno “propõe-se examinar, à luz
de uma perspectiva pós-estruturalista dos estudos de tradução, a construção e a disseminação
do cânone dos referidos poetas e tradutores” (MORENO, 2001 p. 7) e argumenta que,
A noção de tradução, e mais especificamente de fidelidade, vinculada à
teorização sobre tradução de ambos, está intimamente ligada à construção e
à propagação do movimento da poesia concreta no Brasil, que prossegue até
hoje, através do cânone proposto via tradução (Ibid, p. 238).
Tradução e criação poética estavam, para Haroldo de Campos, intimamente ligadas. As
traduções serviram de “instrumento de modernização da literatura, como resgate do que há de
melhor na tradição para nutrimento da poesia do presente” (NÓBREGA, 2005, p. 95). Das
primeiras traduções do inglês, de Pound, Eliot, Joyce, a dos textos bíblicos, a teoria haroldiana
de tradução foi se desenvolvendo coerentemente ao longo dos anos.
Em 1960, Haroldo, com um pouco mais de três meses de estudo do russo, sentiu-se
atraído pela linguagem concentrada ao máximo de Maiakóvski. Mas, ele não considerava a
“tarefa absurda” traduzi-lo e comenta que Pound, o “exemplo máximo de tradutor-recriador”
(CAMPOS, 2004, p. 35), traduziu do japonês antes de estudar o ideograma. (CAMPOS, 1976,
p. 43). Segundo Schneiderman, “o que o poeta não diz, porém, é que embora ele tivesse
estudado até então pouco mais de três meses num curso de iniciação à língua russa, pude dar
apenas pouquíssimas sugestões, tal era a qualidade de seu trabalho” e completa: “depois que
ele me trouxe a sua tradução do poema sobre o suicídio de Iessiênin, percebi que havia nele
extremos de virtuosismo, com a recriação de recursos sonoros do original”
(SCHNAIDERMAN, 2003, p. 61- 62).
Haroldo de Campos dedicou-se também ao estudo do japonês, motivado pelo interesse no
“método ideogrâmico de compor”, desenvolvido por Pound, que seria “um dos pontos
fundamentais” do programa da poesia concreta (CAMPOS, 1995, p. 10). Campos publica as
primeiras traduções de haicai em 1954, em suplementos literários de jornais. Em 1993, “um
velho sonho” é concretizado: “A trans-criação para o português da peça Nô Hagoromo (O
Manto de Plumas), atribuída a Zeami” (Idem, 1995, p. 17), publicada com o apoio da
Fundação Japão e que recebe o prêmio Jabuti de tradução em 1994. A respeito desse trabalho,
Claudio Daniel afirma:
A tradução criativa dos textos do teatro nô, tal como realizada por Haroldo
de Campos, é uma aventura fascinante, pela grande beleza plástico-sonora
dessas composições, que podem ser lidas, hoje, como poemas altamente
elaborados (...). No campo puramente verbal, uma peça como Hagoromo
traz inquietantes desafios de linguagem, pertinentes à discussão sobre as
possibilidades do poema longo moderno (...). Não se trata de resgatar uma
exótica curiosidade ancestral, mas de recuperar para o debate (e o fazer)
poético atual as “essências e medulas” de uma arte sutil e complexa como
um brocado de seda (DANIEL, 2003).
Ainda atraído pela escrita ideográfica, Haroldo de Campos se aventura pela poesia
chinesa, reunindo em Escritos sobre Jade (1996), peças clássicas chinesas e cantos de autores
anônimos, que haviam sido compilados por Confúcio. Para tal, Campos estuda as versões de
Pound, em Cathay e outras versões ocidentais. Daniel, todavia, aponta uma diferença
fundamental entre as traduções:
Longe de se contentar com um exotismo decorativo e impressionista,
recorrente na maioria das versões, Haroldo de Campos adotou outra
estratégia de leitura, enfatizando a estrutura composicional, as imagens
verbais e a rica sonoridade dessa poética densa e delicada (Ibid).
Isso porque, segundo o próprio Haroldo de Campos, ele não se restringiu à “tradução
servil”, e procura dar uma nova interpretação “capaz de captar determinados efeitos da
linguagem original através de recursos da poética moderna” (CAMPOS, 1995, p. 13).
Atraído pelo aspecto poético do texto bíblico, Haroldo de Campos começa a estudar
hebraico na década de 80. Maria Clara Castellões de Oliveira, em seu artigo “Haroldo de
Campos: o tradutor midrashista”
117
(rabinos antigos, que eram comentaristas e intérpretes das
Escrituras),
discute o diálogo de Haroldo de Campos com a tradição judaica, por meio da
análise das “metáforas judaicas presentes em seu pensamento tradutório” e da interlocução
com Rosenzweig e com a crítica literária realizada por Harold Bloom e demonstra como “a
prática e a teorização tradutórias de Haroldo de Campos são conhecidas como um espaço
aberto a diálogos entre as mais diversas tradições a que a ele e a seu contexto cultural são
relevantes” (2002, p. 2).
Haroldo de Campos traduziu o Eclesiastes, trechos do Gênese e o capítulo 38 do Livro de
porque “deixou-se fascinar pelo idioma hebraico e pela poesia bíblica” (CAMPOS, 2004,
p. 11). Schüller (1998)
118
assim descreve o processo de tradução criativa desse texto:
Procuremos entender o poeta-tradutor. Em jogo está a inquietação moderna.
Praticando uma espécie de arqueologia textual, Haroldo vai às raízes,
estejam elas onde estiveram. Fiel à tradição inaugurada por Eliot e Pound,
Haroldo traduz e justapõe pedaços. Resultado: montagens que recolhem e
superam o sentido dos estilhaços justapostos, metáforas. A obra que o autor
está produzindo comporta-se como um mosaico em que as criações originais
não se distinguem dos textos citados e traduzidos. A poesia se instala na
ressonância dos significantes que repercute nos comentários. A ênfase dada
aos significantes reduz a pó os significados como se vê na tradução de
trechos do Eclesiastes.
Para Schüller, o tom épico de alguns trechos da Bíblia e a estranheza da língua despertam
o interesse do tradutor: “O estranho proporciona-lhe o ensejo de traduções ‘fortes’, origem de
novos recursos para os cultores da língua portuguesa”. A
língua semítica parece oferecer
117
Com base em sua tese de doutoramento O Pensamento Tradutório Judaico: Franz Rosenzweig em Diálogo
com Benjamin, Derrida e Haroldo de Campos, defendida em setembro de 2000, na UFMG
118
http://www.schulers.com/donaldo/wfv.htm mailto:[email protected]
dificuldades bem maiores ao tradutor do que o grego que pertence ao grupo das línguas índo-
européias, como a nossa, mas ainda segundo Schüller, “a atitude não muda quando traduz o
primeiro canto da Ilíada”. Coerente com sua prática tradutória, Campos “desterritorializa” o
texto pela intertextualidade, “a atenção se desloca do sentido para os sentidos, da unidade para
a disseminação, do autor para as leituras”.
Lançando mão de técnicas da poesia moderna, da sintaxe e do ritmo, Haroldo de Campos
hebraiza e heleniza o português nessas transcriações, enfatizando os aspectos sonoros das
línguas e imprimindo as marcas da poesia. Schüller lamenta que Haroldo não tenha traduzido
a Ilíada inteira, “se o fizesse nos proporcionaria horas de prazer e nos obrigaria a pensar, e
muito”.
Ainda no âmbito do cânone literário greco-romano, Haroldo de Campos faz uma incursão
na tradução de poesia latina. Sua primeira tradução publicada a partir do latim, o poema 5 de
Catulo, se encontra na publicação brasileira do ABC da Literatura, de Pound, na seção
intitulada “Mini-antologia do paideuma poundiano”, cuja edição princeps é de 1970. No ano
de 1974, publica o artigo “Três tópicos para a reinvenção do Latim” (na Revista de Letras de
Assis/ SP) em que transcria Catulo, Horácio e Pérsio. Em 1994, é publicada, em um
suplemento literário, a tradução de um excerto de Ovídio, denominado “A morte de Narciso”
e a Ode III, 30 de Horácio (BrunnoVIEIRA, 2006, p. 87).
Para o professor de latim Brunno Vieira, apesar de a tradução de Campos ser considerada
“pela envergadura da empreitada e pelo esforço erudito despendido, a sua Ilíada”, as suas
traduções latinas, mesmo que poucas, são significativas também por contribuírem em muito
para um programa tradutório latino-português:
Acredito que esse programa tradutório é um fecundo exemplo a ser seguido
por toda uma geração de tradutores que está ainda por vir. Se, através da
abordagem da linguistica e da teoria literária, é possível pleitear uma
formalização dos operadores significativos do texto de poesia, capaz de
tornar solúveis as aparentes aporias de sua tradução, a questão da dicção
literária do poema de chegada é um tema que não pode ser obliterado. A
adequação à modalidade da escrita poética e, nesse caso específico, do
gênero épico, deriva de um sistema que já está presente no repertório dos
textos de poesia latina em tradução e que convém referendar e recriar.
(B.VIEIRA, 2006, p. 87).
Esses poucos depoimentos permitem ter uma ideia da magnitude da atividade tradutória
de Haroldo de Campos e demonstram que a estranheza provocada pela limitação de seu
trabalho à metáfora da antropofagia é justificável. A fortuna crítica de Haroldo de Campos,
somente no que se refere à tradução, mereceria um trabalho à parte, mas a limitação imposta
pela extensão desta dissertação fez que com fossem selecionados aqui somente alguns
exemplos ilustrativos.
4.2. “Esse homem é um imenso poeta-pensador que sabe tudo”
As palavras de Jacques Derrida
119
podem parecer um exagero para alguns, mas, sem
dúvida, apontam para a abrangência do pensamento de Haroldo de Campos. Nelson Ascher,
em uma conferência na Universidade de Oxford
120
, afirma que ele não é um poeta que por
acaso traduz, um tradutor que de vez em quando passa pela crítica, ou um acadêmico que
também escreve poesia, pois o mesmo material lingüístico é usado nos poemas, traduções e
ensaios, de maneira habilmente modulada, como forma de deixar explícito o processo de
criação.
É exatamente por ser um "intelectual poliédrico", como o definiu Bosi
121
, que nossa
crítica recai sobre o aspecto limitador e o julgamento simplista dos teóricos estrangeiros que o
lembram somente pela antropofagia – via Vieira – associando-o ao pós-colonialismo,
demonstrando desconhecimento de sua obra e de seu pensamento. No entanto, no Brasil,
apesar dos anos de academia, da presença constante na mídia e das inúmeras publicações,
119
In: Homenagem a Haroldo de Campos, 1996. Trad. Leda Tenório da Mota.
120
http://www.modern-languages.qmul.acuk. Acesso em 22/05/2006.
121
In O Estado de São Paulo. Caderno A18. 17/08/2003.
Haroldo de Campos, por vezes, também, é lembrado somente por um aspecto, como por
exemplo, fundador do concretismo, conforme observa Ascher:
Detratores e admiradores de Haroldo de Campos costumam reduzir sua obra
à poesia concreta. [...] Leitores ocasionais e, pior, não poucos profissionais
reduzem-no apenas isso: o criador de meia dúzia de epigramas visuais
atribuídos não raro ao irmão (ou vice-versa) (ASCHER, 2009, p. 115).
O movimento concretista foi sem dúvida marcante no cenário da literatura nacional, mas
Haroldo de Campos soube desenvolver, ao longo dos anos, uma inter-relação da sua atividade
artística e literária: “a amplitude e a variedade de sua crítica literária se combinaram com a
quantidade e a qualidade de suas traduções para lhe eclipsar a produção original” (Ibid).
Grande contribuição para levar ao conhecimento do público em geral a trajetória
intelectual de Haroldo de Campos, poderia ser a publicação em livro da tese de doutoramento
de Thelma Médici Nóbrega, Sob o signo dos signos: uma biografia de Haroldo de Campos:
A tese tem como objetivo realizar um perfil intelectual de Haroldo de
Campos, construindo paralelos entre sua personalidade e sua obra. Em
primeiro lugar, pretende-se mostrar a convergência entre a produção poética,
teórica e tradutora do biografado, argumentando que essa pluralidade se dá
sobre uma coerência em termos de sua visão da linguagem e da literatura.
(NÓBREGA, 2005, p. 1).
A tese obedece a um esquema cronológico, onde se alternam anedotas, histórias,
depoimentos e entrevistas, mas sempre apontando a relação com sua atividade de poeta,
tradutor e literato. Como “suas amizades invariavelmente se baseavam num entendimento
literário, num contexto que não raro gerava literatura” a autora classifica seu trabalho de
“biografia literária” (Ibid, p. 7).
Haroldo de Campos mantinha amizade e intenso diálogo com a intelectualidade
internacional, por correspondência ou pessoalmente. Na década de 50, visitou Pound e
conheceu Max Bense, de quem se tornou amigo. Antes dessa viagem, Campos já se
interessava pelas ideias de Bense e havia publicado no Suplemento Literário de O Estado de
São Paulo o artigo “A nova estética de Max Bense”
122
, onde fala da “posição fecunda perante
a criação artística” e “a séria contribuição teórica à problemática de uma evolução crítica de
formas que se põe, indeclinavelmente, perante todo artista contemporâneo consciente do seu
fazer” (CAMPOS, 2004, p. 28). A estética baseada na semiótica, de Bense, “se entrosava à
perfeição como o que os noigandres procuravam fazer em poesia” (NÓBREGA, 2005, p.
116).
Campos, que inicia o referido artigo sobre Bense evocando as ideias sobre crítica de
Pound, vai se encontrar com o poeta americano, na casa deste na Itália, antes de ir a
Alemanha conhecer Bense. Pound e Campos já vinham mantendo correspondência desde as
primeiras traduções do grupo Noigandres, que recorria ao conceito de renovar, make it new de
Pound: "dar nova vida ao passado literário válido via tradução" (Ibid, p.36). Também
menciona, nesse artigo, “A nova estética de Max Bense”, o lingüista Roman Jakobson, que
conheceu em 66 e com quem se encontraria várias vezes e manteria correspondência e que
viria a ser, segundo Haroldo de Campos “a física” das suas traduções (CAMPOS, 1983, p.58).
A erudição e o repertório de Haroldo de Campos impressionam seus interlocutores, que ao
conhecê-lo notam que compartilham com ele muitas ideias. Em 1964, conheceu Umberto Eco,
que, conforme relata Haroldo de Campos (apud NÓBREGA, Idem, p. 157), “ficou espantado
porque ao ler A obra de arte aberta teve a impressão de que eu tinha feito uma resenha do
livro dele [Obra aberta] seis anos antes de ser escrito, livro esse que ele escreveu sem
conhecer os meus artigos. [...] E aí ficamos amigos”. Eco o considerou “o maior tradutor
moderno de Dante”,.em "La scomparsa di un poeta", publicado no jornal L'Espresso,
(4/9/2003).
Admiração e a afinidade intelectual mútuas, também se dão com Derrida, que comenta sua
reação ao primeiro encontro com Haroldo, quando são apresentados por Todorov, no Collège
122
Posteriormente incluído na obra Metalinguagem e outras metas.
de France, em 70: “foi para mim uma revelação (esse homem é um imenso poeta-pensador
que sabe tudo, pensei logo, qual o segredo que ele detém?)”
123
.
Desde seu primeiro ensaio sobre tradução, em 62, Haroldo contestava o aspecto unívoco
do significado original, negando a estabilidade e transparência da linguagem e a simultânea
impossibilidade e necessidade de tradução de poesia, uma das aporias derridianas. Dessa
maneira, rompe com o pensamento tradicional, que considera o texto traduzido
qualitativamente inferior ao original e "com o paradigma da pureza do absoluto" (VIEIRA,
1992, p.44) e, assim, coloca superiores e subordinados em pé de igualdade.
Nesse sentido aproxima-se da reflexão derridiana de tradução, que viria a conhecer
posteriormente. Conforme relata Nóbrega (2005, p. 158), para Haroldo de Campos essas
coincidências não eram de “fantasmagorias”, mas ideias que estariam no Zeitgeist
124
; para
Derrida, eram parte de um repertório erudito:
No horizonte da literatura, e antes de tudo na intimidade da língua das
línguas, cada vez tantas línguas em cada língua, sei que Haroldo a tudo isso
terá tido acesso como eu antes de mim, melhor que eu
125
.
Poliglota e leitor ávido, Haroldo de Campos era interlocutor à altura de intelectuais de
todas as partes do mundo, e não foi diferente com relação a seus pares na América Latina:
Rodriguez Monegal, Octavio Paz, Julio Cortázar, Cabrera Infante, Juan Gelman, figuravam
entre seus “grands-amis-admirables”, como diria Derrida.
Em 1966, após convite do PEN American Center, para participar do XXXIV International
PEN Congress, em Nova York, representando o Brasil na mesa-redonda “A Situação do
Escritor na América Latina”, com Victoria Ocampo, Pablo Neruda, Mario Vargas Llosa e
Emir Rodriguez Monegal
126
, Campos aprofundou o interesse pela literatura hispânica,
travando contato maior com vários escritores. Cortázar faria de Haroldo um de seus
123
In: Homenagem a Haroldo de Campos, 1996. Trad. Leda Tenório da Mota.
124
Espírito da época.
125
In: Homenagem a Haroldo de Campos, 1996. Trad. Leda Tenório da Mota.
126
Cf Thelma Médici NÓBREGA, op cit. p. 166.
personagens em Un tal Lucas, escrito em 1979.
127
O escritor argentino, mais conhecido por
sua prosa, comenta a respeito da tradução por Haroldo de Campos de seu “Zip sonnet”:
É perfeito. É muito mais belo em português do que em espanhol (je ne suis
par en train de te flatter, gordo telúrico!) A prova: ‘iludido a eludir seu
reflexo’. A aliteração é maravilhosa e cada vez que leio o poema em voz
alta, me deslumbro de novo
128
.
Em 1969, Campos conheceu Octavio Paz, com quem já vinha mantendo correspondência,
em Paris. A respeito de Haroldo de Campos diz o poeta mexicano:
Pouquíssimas vezes vi unidas, como no seu caso, a sensibilidade auditiva e a
semântica. Ao lê-lo, voltei a comprovar que a poesia é palavra dita e ouvida;
uma atividade espiritual profundamente física na qual intervêm os lábios e a
sonoridade. Atividade sensual, muscular e espiritual
129
.
Em 1968, Paz envia a Campos seis poemas concretos, intitulados “Topoemas”, como uma
homenagem “a antigos e novos mestres de poesia – e entre estes últimos, em primeiro lugar,
aos poetas brasileiros de Noigandres e Invenção” (PAZ, 1986, p. 102). Em 1981, Campos
conclui a tradução do poema Blanco, de Paz, intitulando-a Transblanco. O livro traz uma
introdução com a correspondência trocada entre poeta e tradutor e, no prefácio, o seguinte
testemunho de Rodriguez Monegal:
Uma afinidade secreta unia previamente estes dois poetas, que só começam a
dialogar efetivamente em 24 de fevereiro de 1968. Muito antes, em suas
leituras paralelas da modernidade, e em particular dos textos de Mallarmé, e
mais especificamente de Un coup de dès, eles tinham iniciado, sem o saber
esta futura colaboração (PAZ, 1986).
Nóbrega (2005, p. 314) destaca uma diferença importante entre o poeta mexicano e o
brasileiro: a forte influência do surrealismo francês em Paz. Mas ambos beberam na fonte de
Pound e sua incursão pela escrita ideográfica. A sugestão da poesia japonesa apontada por
Campos no poema Blanco, “desdobrável como um livro japonês, visual, de leitura múltipla”
(Idem, p.164), aproxima esses dois poetas de sensibilidades diferentes.
127
Fonte: http://www2.uol.com.br/haroldodecampos/tela_bibliografias/biobibliografias.htm
128
Paratexo em Éden, um tríptico bíblico. Perspectiva, 2004.
129
Paratexo em Éden, um tríptico bíblico. Perspectiva, 2004.
No final da década de 60, o interesse de Haroldo de Campos pelo barroco, especialmente
na literatura latino-americana, caracteriza-se por um percurso sincrônico que “é uma pérgula
debuxada ao longo da história e que a recolhe numa figura circular, espiralada, não como
sucessão linear de eventos, mas como tropismo de formas que se entreespelham” (CAMPOS,
1976, p. 139), vai levá-lo ao cubano Lezama Lima, de quem traduz um poema. Campos
considera Paradiso, de Lima, “um dos momentos mais altos da prosa latino-americana atual,
cuja linha de frente de invenção está ainda por ser descoberta” (Idem, 144).
Durante um encontro de poetas, em Paris, conhece o argentino Juan Gelman e se tornam
amigos, aproximados, pela comunhão de ideias, como já acontecera com outros intelectuais.
Campos comparando-se a Gelman, “um poeta inventor”, diz: “eu, por exemplo, não faço hoje
poesia concreta, faço uma poesia de concretude, o que Juan Gelman faz também em sua
língua. Nada como a tradução de sua poesia para surpreender o mecanismo de seu trabalho”
130
. Para Seligmann-Silva (2005, p.195), o conceito de concretude “constrói-se sobre o
paradoxo de tender ao mesmo tempo à maior proximidade possível com as coisas e, por outro
lado, constituir um mundo fechado em si” e observa:
Há atuando no subterrâneo dos textos de Haroldo de Campos, um trabalho
incansável de, por um lado, uma busca de uma linguagem icônica,
transparente aos objetos, imediata, concreta, e, por outro lado, de crítica da
possibilidade de se instituir esta linguagem.
Mesmo depois de décadas, parece que a poesia concreta ainda mostra sua força. Gelman
atesta que a influência de Haroldo nas novas gerações de poetas é cada vez mais reconhecida,
tanto na poesia brasileira como na de língua espanhola: “há poetas com influências do
concretismo em todos os países da América Latina”
131
. A lista de homenagens e prêmios na
carreira de poeta e tradutor Haroldo de Campos é enorme. Foi o ganhador do
Premio Octavio
Paz de Poesía y Ensayo
, no México, em 1999. Em 1991, recebeu uma homenagem em Salto
130
Entrevista a Samuel Leon. Cult 55. Revista de literatura. ano V. p.14-19.
131
Ibid.
Oriental, Uruguai, organizada pelo Centro Cultural de Salto e a Academia Nacional de Letras.
No mesmo ano, foi homenageado na ocasião do 35º aniversário da Fundação da Aliança
Cultural Brasil-Japão. Foi vencedor do prêmio Jabuti em 1991, 1992, 1993, 1994, 1999,
2002, 2003 e 2004. Sua biografia foi incluída na Enciclopédia Britânica em 1997. Também
em 2000, recebeu o prêmio
Hors Concours Fernando Pessoa por Pedra e Luz na Poesia de
Dante
, categoria tradução, outorgado pela União Brasileira de Escritores
132
. Tantas honrarias
atestam o reconhecimento da importância de Haroldo de Campos no cenário mundial da
literatura.
4.3. Uma poética da tradução
Um dos aspectos mais evidentes da prática de tradução de Haroldo de Campos é de
colocar a criação poética e a tradução em pé de igualdade. Não por acaso, quando discute
tradução na obra A arte no horizonte do provável, nomeia o capítulo de “A poética da
tradução”. Em entrevista de 1988, se declara primordialmente poeta:
Tudo o que fiz e faço [em tradução] decorre basicamente de minha condição
de poeta. O ensaio, a reflexão teórica, mesmo as atividades docentes que
venho desempenhando, desde 1971, no Brasil (PUC-SP) e ocasionalmente
no exterior, são extensões da minha condição de poeta-crítico (NÓBREGA;
GIANI, 1988, p. 57).
O seu trabalho de tradutor, por ser tributário da atividade primeira, não é secundário, pois
é também criativo. Há uma interdependência produtiva entre o fazer poético e o traduzir,
conforme esclarece Campos: “A tradução criativa é, para mim, a primeira e a mais importante
dessas derivações, mesmo porque, sendo irmã-gêmea da poesia, é a que mais me permite
entrar nos mecanismos de engendramento da obra de arte verbal” (Idem, p. 58).
132
Fonte: http://www2.uol.com.br/haroldodecampos/home.htm
A tradução criativa (ou transcriação, como prefere Campos) tem por objetivo a
“reconfiguração no idioma de chegada da forma significante do poema de origem” (Idem, p.
56) e não a reconstituição da mensagem. Seria uma tradução voltada à “concretude” do
poema, como Campos descreveu, ao comparar seu trabalho com o de Gelman, ou seja, aos
aspectos sonoros e visuais da palavra em que está incorporado o sentido, “da informação
estética, não da informação meramente semântica” (CAMPOS, 1977, p. 100). Dessa maneira,
o poeta seria melhor tradutor de poesia, pois “o repertório de linguagem do poeta de ofício
(seu estoque de formas, seu domínio das possibilidades de agenciamento estético da língua
para a qual o texto é traduzido) é infinitamente superior ao do scholar que faz as vezes de
poeta” (CAMPOS, 1977, p. 109).
Dada a necessidade de diferenciar essa proposta de tradução daquelas tradicionais que
corroboram o aspecto de fidelidade servil, Haroldo de Campos adota o termo isomorfismo,
emprestado da cristalografia: em que original e tradução “serão diferentes enquanto
linguagem, mas, como corpos isomorfos, cristalizar-se-ão dentro de um mesmo sistema”
(CAMPOS, 1983, p. 60), posteriormente, substituindo-o por paramorfismo.
Essa tradução isomórfica (para-mórfica) se voltaria para a reconfiguração da
iconicidade do signo estético (Charles Morris; Max Bense), situando-se no
avesso da chamada “tradução literal” (posteriormente, preferi falar em para-
morfia, pensando na mímese como produção da diferença, “transformação
ao lado de”, “paralela” assim como, num ensaio de 1967, vali-me da acepção
de paródia no sentido etimológico de “canto paralelo”) (CAMPOS, 1997, no
prelo).
O paramorfismo é evidente na tradução da poesia espacializada de e.e. cummings, que
lança mão do reordenamento da estrutura do poema, de recursos gráficos como a
desagregação vocabular, das onomatopéias, da utilização de letras minúsculas e maiúsculas, e
da pontuação, de maneira não convencional. A poesia de e.e. cummings, assim como a poesia
concreta, busca a fusão conceitual da imagem com a palavra.
Ao colocarmos lado a lado o poema de Cummings, “Grasshopper”, e a tradução de
Haroldo de Campos, nota-se de imediato que a distribuição gráfica dos dois poemas se
assemelha muito: a quebra da linearidade do verso, a decomposição e recomposição das
palavras e dos fonemas, a pontuação desordenada e as maiúsculas intercaladas com
minúsculas, tudo é recriado.
Enquanto o leitor busca desembaralhar as sílabas e letras, sua mente vai gradualmente
construindo as conexões até decifrar a mensagem: Grasshopper, who, as we look now,
upgathering leaps, arriving to become, rearrangingly, grasshopper e na tradução: Gafanhoto,
que, se eu olho para o alto, reunindo-se num salto, ele salta, chegando a recompor-se,
tornando-se gafanhoto. Entretanto, o significado sozinho é irrelevante e a mensagem só se
realiza enquanto "informação estética" em sua relação com a desagregação vocabular e a
espacialização. A disposição das palavras recobre toda página e forma um sentido geral da
imagem do gafanhoto saltando, se desintegrando e se recompondo. Esse efeito é produzido
em parte pelo fato de as sílabas de "gafanhoto" serem rearranjadas quatro vezes terminando
com a grafia normal:
No poema, a leitura principia na esquerda, seguindo obliquamente para a direita, depois
horizontalmente para a esquerda e assim sucessivamente numa dinâmica às vezes
interrompida por uma pontuação, uma letra maiúscula, um parêntese. Essa espacialização
revela a mensagem de maneira "ideogramática", sugerindo mais o "quadro" do que a
descrição da ação.
A distribuição dos parênteses permite diferentes leituras com a inclusão ou exclusão de
palavras, assim como a pontuação, aparentemente aleatória, cria ambigüidade. Poderíamos
considerar um poema sem título ou que o título fosse "r-p-o-p-h-e-s-s-a-g-r", na primeira
linha. Mas também seria possível que o título "The Grasshopper" tenha se desagregado
ficando o artigo definido The na linha 7 e grasshopper "saltado" para a última. Difícil de
distinguir, a palavra "gafanhoto", nos dois primeiros arranjos (linha 1 e 5) remete à
camuflagem do inseto na grama. O inseto imóvel dá um salto enérgico ainda não revelando
sua identidade (linha 12) que só será percebida no descanso (linha 15).
Haroldo de Campos, todavia, parece não interpretar dessa maneira e no lugar de The
coloca o pronome Ele. Na escolha, além da equivalência em número de letras que o pronome
pessoal tem com o artigo definido em inglês, criando uma semelhança visual que não existiria
se a decisão fosse pelo equivalente gramatical com o artigo definido masculino em português,
há uma intenção de dar ênfase à ação. Com o pronome ele como sujeito de reunindo-se num
salto, o tradutor procura compensar por meio da redundância reunindo-se num salto ele salta
a ausência da sensação de agilidade que a sonoridade da palavra gafanhoto sugere, mas que
está presente no som e na própria significação da palavra grasshopper.
No vocábulo gafanhoto, a vogal posterior [ô] "sugere ideias de fechamento, redondeza e
escuridão" e associada à ressonância nasal evoca "distância, lentidão, moleza" (MARTINS,
2033:33). Por sua vez, grasshopper (gafanhoto, em português) é uma palavra composta por
grass (grama) com a vogal [a] que amplifica o som sibilante do duplo [s] e hopper (saltador),
cuja oclusiva bilabial sugere um movimento brusco, como uma explosão. A sonoridade de
grasshopper possui um valor onomatopaico que fica mais evidente no embaralhamento e
inversão de suas letras, evidenciando as consoantes [r], [s] e [gr], durante todo o poema,
imitando o ziziar do gafanhoto. De certa maneira, Haroldo de Campos recupera o som
produzido pelo gafanhoto nas aliterações do [r] e [s] em reunido-se, recompondo-se,
tornando-se, salto, salta.
Contudo, vale ressaltar que a intenção primeira da poesia espacializada é de natureza mais
visual que sonora e o poema trabalha com as palavras no seu aspecto mórfico, resultando
numa criação artística singular de aproximar a poesia das artes plásticas e distanciá-la do seu
parentesco com a música (MENEZES, 1991:12). A reconfiguração dos elementos formais no
idioma de chegada implica não só um exercício criativo e inventivo, mas também uma leitura
crítica dos aspectos que caracterizam e conferem expressividade ao texto fonte.
Um exemplo de tradução como leitura crítica seriam também os excertos de Finnegans
Wake, de Joyce, que Augusto e Haroldo de Campos traduzem com o título de Panaroma de
Finnegans Wake. Apesar de ser um romance em prosa, Haroldo de Campos considera a sua
linguagem altamente poética e oferece a mesma problemática:
A tradução de poesia (ou prosa que a ela equivalha em problematicidade) é
antes de tudo uma vivência interior do mundo e da técnica do traduzido.
Como que se desmonta e se remonta a máquina da criação, aquela fragilíma
beleza aparentemente intangível que nos oferece o produto acabado numa
língua estranha (CAMPOS, 2004, p. 43).
Cada linha do romance apresenta uma plurissignificação instanciada pela manipulação
lexical, por recursos sonoros e pela intertextualidade. De leitura considerada bastante difícil,
inclusive pela fusão de outras línguas é, também, um desafio à tradução. Para traduzir obras
como essa, o tradutor precisa ter a mesma habilidade do autor para recriar o texto na língua
alvo. Segundo Haroldo de Campos,
Ninguém, como Joyce, levou a tal extremo a minúcia artesanal da
linguagem. Seu macrocosmo – seu romance-rio – traz, em quase cada uma
das unidades verbais que o tecem, implícito um microcosmo (CAMPOS,
1971, p. 21).
A começar pelo título em português, Finnicius Revém, que mesmo não se relacionando
com as figuras míticas irlandesas, como no original, apresenta o aspecto "circular" do
romance: começa pelo fim (Finn) e termina pelo início (innicius), e Revém abarca o sentido
de retorno, da volta à vida que aconteceria no velório (wake). Também, poderia conter um
rêve (sonho em francês), pois wake também significa despertar. Assim, a recriação do título
representa o fim e o retorno, trazendo em si a circularidade da obra que inicia in media res,
continuando a última linha do livro, e mantém-se dentro do mesmo campo semântico de
"devaneio".
Muitas são as referências a fatos míticos e históricos que "não são de fato narrados, mas
sim aludidos de uma forma bastante tortuosa e enigmática". Assim, a grande "personagem"
desse romance é a palavra: "palavras-valise, palavras-montagem, palavra-metáfora, palavra-
ideograma" (Ibid, p. 130), que exige do tradutor um trabalho de recriação.
A criatividade lexical, que chega a ser uma "marca registrada" de James Joyce, pode
representar um obstáculo para muitos tradutores; mas para Haroldo de Campos, quanto mais
intraduzível parece um texto mais recriável será, porque "numa tradução dessa natureza não
se traduz apenas o significado, traduz-se o próprio signo, ou seja, sua fisicalidade, sua
materialidade mesma", o que seria "o avesso da tradução literal" (CAMPOS, 2004, p. 35).
A dificuldade de tradução desses neologismos reside, primeiramente, no problema de
compreensão porque a não decodificação pode fazer com que o texto possibilite diferentes
leituras, comprometendo a sua recriação em outra língua. Ou seja, a cada leitura o tradutor
poderia atribuir ao novo termo um conteúdo semântico diferente.
A dificuldade de tradução desses neologismos reside, primeiramente, no problema de
compreensão porque a não decodificação pode fazer com que o texto possibilite diferentes
leituras, comprometendo a sua recriação em outra língua. Ou seja, a cada leitura o tradutor
poderia atribuir ao novo termo um conteúdo semântico diferente. Por isso, Haroldo de
Campos (1971, p. 21) adverte que Joyce obriga o tradutor "a um retorno periódico ao texto e
seus labirintos", pois sua escrita "nunca assume o aparato estático do definitivo". A tradução
de Finnegans Wake, ainda segundo Campos, é "uma espécie de jogo livre e rigoroso [...]
frente ao diverso feixe de possibilidades do material verbal manipulado".
A análise a seguir demonstra como alguns processos de criação lexical (aqui em negrito)
se realizam na tradução de Haroldo de Campos, mas não se pretenderá aqui discutir os
diversos níveis de significação e nem investigar as várias interpretações possíveis de tais
criações.
Os dois excertos descrevem a cena do banho de Ana Lívia, esposa de Finnegan:
Joyce H. Campos
Then, mothernaked, she sampood herself
with galawater
Então, madrenua, ela ensampunou-se com
galágua (p. 59)
Nesse fragmento, a sonoridade é bastante evocativa. Mothernaked, além de ser a mãe nua,
madrenua, evoca, pelo som, a mãe natureza, mother nature, que circunda o local do banho,
aspecto que se perde na tradução.
Ensampunou-se traz em sua formação ensaboar e ensampar, que tem o sentido figurado de
enfeitiçar, mantendo a sonoridade de sampood (do dicionarizado shampooed). Para ensaboar-
se é preciso água. A justaposição do determinante gala e do determinado água evidencia o
aspecto ritualístico desse banho, uma vez que em ambas as línguas gala significa ocasião
solene.
Joyce H. Campos
The cock striking mine, [...] there's
Zambosy waiting for Me!
O riológio tocantina a hora falídica, [...] tem
um zambezando à minha espera. (p. 59)
A primeira palavra do romance é riverrun (riocorrente). Segundo Haroldo de Campos
(1971, p. 89), "numerosos nomes de rios – cerca de 500 – estão camuflados semanticamente
no texto, o que obrigou os tradutores, num jogo de perde-ganha, a compensarem, com as
variantes cabíveis, os trocadilhos fluviais".
No trecho acima parece que o tradutor buscou essa compensação, pois há duas
associações ao rio no TA – zambezsando e riológio – em contraste com uma no TF –
Zambosy, numa alusão ao Rio Zambeze. No TA, o rio é personificado em , um dos mais
comuns apelidos brasileiros, remetendo o texto às referências brasileiras. O presente do
particípio zambezando, aliado aos sons sibilitantes produzidos pela aliteração da letra z,
reforça a imagem do rio que corre (riverrrun).
Joyce faz um trocadilho com the clock striking nine (o relógio soa nove horas) que resulta
em the cock striking mine. Cock tem muitos significados, mas ressaltaremos dois que parecem
ter mais relação com o texto: galo, que canta o raiar do dia e o órgão genital masculino, cujo
sentido sexual é reforçado por striking mine (golpeando o meu). A tradução joga com o
erótico em hora falídica, cruzamento de falo com fatídica, compensando a perda da
ambigüidade de cock.
Nas ocorrências analisadas, pudemos observar que nem sempre os processos de criação
lexical no texto fonte são os mesmos recriados no texto alvo, frequentemente, impostos pela
particularidade de cada língua. No entanto, é procedimento usual no processo tradutório que
quando ocorre uma perda estilística ou de sentido em algum ponto da tradução compensa-se
em outro.
A respeito de Finnegans Wake, quando Haroldo de Campos (1971, p. 21) atesta que esse
trabalho "exige do tradutor um esforço paralelo de reinvenção", pois cada palavra transcende
o seu significado denotativo criando "uma espécie de espelho-instante da obra toda", está
equiparando a tradução ao próprio processo de criação do autor.
Mesmo em poemas mais “convencionais”, como o “O Corvo”, de Poe, “o significado, o
parâmetro semântico, será sempre apenas e tão-somente a baliza demarcatória do lugar da
empresa recriadora” (Ibid, p. 35). Partindo dessa concepção critica, Haroldo de Campos
considera a tradução de Machado de Assis “demasiadamente explicativa e contaminada por
vezos parnasianos” (CAMPOS, 1976, p.32) e propõe uma recriação para a última estrofe com
base na análise de Jakobson:
Tendo lido e meditado a análise de Jakobson, procurei fazer, por meu turno,
uma versão da estrofe em destaque. Trata-se de uma tentativa de,
conscientemente, reproduzir, quanto possível, no âmbito de nossa língua, os
principais efeitos fônicos e mesmo a escrita regressiva do autor de The
Raven (CAMPOS, 1976 p. 36).
Em sua leitura, busca os aspectos estilísticos, sonoros e visuais que considera importante
para a "reconfiguração no idioma de chegada da forma significante do poema" (Ibid),
demonstrando preocupação especial com a "materialidade" do texto fonte.
E o corvo, sem revôo, pára e pousa, pára e pousa
No pálido busto de Palas, justo sobre meus umbrais;
E seus olhos têm o fogo de um demônio que repousa,
E o lampião no soalho faz, torvo, a sombra onde ele jaz,
E minha alma dos refolhos dessa sombra onde ele jaz
Ergue o vôo – nunca mais!
À primeira vista, a disposição gráfica dessa estrofe apresenta regularidade, no entanto,
após a escansão verifica-se uma pequena variação na métrica (14-16-15-14-15), que, no
entanto, não se distancia do original. O poema de Poe apresenta ritmo definido pela
acentuação que segue o padrão trocaico de uma sílaba longa seguida por uma breve, com um
total de dezesseis sílabas e pela insistência em sons de valor expressivo. A tradução apesar de
não ser um poema de forma fixa da tradição literária, possui um ritmo marcado, que além da
cadência, é resultado de outros recursos como, por exemplo, o esquema rímico.
As rimas são alternadas nos versos 1 – 3 (a) e versos 2 – 6 (b). Os versos 4 e 5 apresentam
rima toante com [b]. A anáfora da palavra jaz, do campo semântico da morte, no final desses
dois versos enfatiza a presença sombria do corvo e sua relação com a morte.
Outros efeitos sonoros relacionam-se com a ideia do corvo como agente fúnebre. O
primeiro verso, com a aliteração da oclusiva bilabial [p] e a anáfora pára e pousa, com a
alternância das vogais a e ou, reproduz o movimento do bater das asas do corvo que
subitamente se imobiliza sobre o busto, tornando-se ele próprio uma estátua. Ainda no
primeiro verso, a vogal a traduz sons fortes e nítidos em contraste com o som fechado das
vogais [o] e [u] remetendo ao abrir e fechar das asas.
Por toda a tradução, o efeito de contraste entre a vogal aberta [a] e as fechadas [o] e [u] se
repete e é reforçado pela associação às consoantes bilabiais [p] (pouso, pálido, Palas,
repousa, lampião) e [b] (busto, sobre, umbrais, sombra), por sua intensidade e força, evoca a
tensão entre o corvo e o eu lírico. A assonância das vogais [o] (39 vezes) e [u] (9 vezes), sons
profundos, cria a atmosfera lúgubre do poema. Ainda, com relação à sonoridade, Campos e
Poe recorrem à aliteração das oclusivas, sonoras, o primeiro, e surdas, o segundo, que pelo
seu traço explosivo conferem um ritmo seco e abrupto.
O campo semântico é todo relacionado com a morte – pálido, fogo (do inferno),
demônio, sombra, jaz, repousa, alma – e o temor que ela inspira, expresso nas duas metáforas
nos versos 3 e 5. Seus olhos têm o fogo do demônio que repousa e remete à própria morte
aguardando o momento de ceifar a vida do eu lírico. A ordem inversa no refrão, em um
primeiro momento cria uma expectativa que se desfaz em seguida pela negação, intensificada
pelo ponto de exclamação.
Na transcriação de Campos, o número de versos é o mesmo do original, a distribuição
gráfica bastante semelhante e o esquema rímico igual, considerando-se a rima toante nos
versos 4-5. A repetição nos dois primeiros versos de Poe, still is sitting, still is sitting, é
recriada por Campos, pára e pousa, pára e pousa. O mesmo acontece nos versos 4 e 5: on the
floor / on the floor , no original para onde ele jaz / onde ele jaz, na tradução.
A reconfiguração dos elementos formais no idioma de chegada implica não só um
exercício criativo e inventivo, mas também uma leitura crítica dos aspectos que caracterizam
e que conferem expressividade ao texto fonte.
Essas traduções discutidas acima destacam alguns aspectos da concepção de tradução de
Haroldo de Campos, que para ele será sempre uma recriação, ou melhor dizendo, transcriação,
pois “numa tradução dessa natureza, não se traduz apenas o significado, traduz-se o próprio
signo, ou seja, sua fisicalidade, sua materialidade mesma” (CAMPOS, 2004, p.35).
Mesmo que Haroldo de Campos se considere um poeta antes de tudo, pode-se notar pelas
análises acima, ainda que superficiais, que o entralaçamento e a coerência teórica perpassam
toda a reflexão do poeta, crítico e tradutor Haroldo de Campos.
4.4. Considerações finais
Pode-se estabelecer, evidentemente, um paralelo entre a metáfora oswaldiana e a prática
tradutória de Haroldo de Campos. Oswald de Andrade não queria copiar os modelos culturais
importados, nem rechaçá-los, mas utilizar os seus aspectos positivos; Campos, por sua vez,
“deglute” autores e textos que lhe interessam para o seu projeto tradutório, que apresenta um
sentido diverso do “tradicional”. Contudo, não pode se restringir à antropofagia toda a teoria
de tradução de Haroldo de Campos.
Neste capítulo não pretendemos abordar o pensamento de Haroldo de Campos em toda
sua complexidade. Há trabalhos bem abrangentes sobre ele como o de Thelma Médici
Nóbrega, Sob o signo dos signos: uma biografia de Haroldo de Campos (2005) e de Silene
Moreno, Ecos e reflexões: a construção do cânone de Augusto e Haroldo de Campos a partir
de suas concepções de tradução (2001) e impressiona em quantidade e qualidade a produção
intelectual do próprio Campos, que desde seu primeiro ensaio teórico sobre o assunto, de
1962, pôs “em relevo alguns princípios norteadores da práxis tradutória”, abaixo resumidos:
1) da alegada impossibilidade de traduzir uma obra de arte verbal, decorre
necessariamente a possibilidade, em princípio, de recriar textos assim caracterizados; 2) essa
recriação deveria reger-se pelo critério da isomorfia, posteriormente, para-morfia; 3) essa
tradução isomórfica (para-mórfica) se voltaria para a reconfiguração da iconicidade do signo
estético (Charles Morris; Max Bense), situando-se no avesso da chamada “tradução literal”; 4)
a tradução deveria ser “crítica” (criticism via translation, Ezra Pound); 5) o problema da
tradução seria uma “forma privilegiada de leitura crítica” (CAMPOS, 1997).
O objetivo do capítulo foi revelar a falta de conhecimento dessa produção por parte dos
teóricos que o rotulam de “antropofágico”. Para tal, recorremos, primeiramente, ainda que de
maneira incipiente, à fortuna crítica, no Brasil, de algumas traduções de Haroldo de Campos
de obras em diferentes línguas e de diferentes épocas, que observam vários aspectos da sua
práxis tradutória.
A seguir, mostramos como Haroldo de Campos é reconhecido nacional e
internacionalmente, por meio de relatos e depoimentos de intelectuais, além de fornecemos
uma relação de alguns prêmios e honrarias a ele concedidos. Dada a limitação imposta pela
extensão do trabalho, não mencionamos a sua carreira como professor e conferencista, sempre
relacionada ao seu fazer poético/tradutório, tanto na PUC de São Paulo, quanto no exterior.
Por fim, ao analisar as traduções de dois excertos de Finnegans Wake, de Joyce, do poema
“Grasshopper”, de e.e. cummings, e “The Raven”, de Poe, procuramos estabelecer o
entralaçamento do pensamento de Campos com relação à poesia, à crítica e à tradução, que se
materializa na transcriação, evidenciando o aspecto superficial da sua associação à metáfora
da antropofagia.
CONCLUSÃO
Minima Moralia
já fiz de tudo com as palavras
agora eu quero fazer de nada.
Haroldo de Campos
A estranheza suscitada pela inserção de Haroldo de Campos na teoria pós-colonial, por
parte de teóricos dos estudos da tradução, levou-nos a investigar os motivos e a consistência
da classificação. Se por um lado, o reconhecimento internacional da teoria de tradução de
Campos é mais que merecido, por outro, considerá-lo pós-colonial parece reduzir a
complexidade de uma teoria de tradução desenvolvida durante os anos de seu trabalho como
poeta.
Ao longo desta dissertação, percorremos duas linhas de investigação: a teoria pós-colonial
e a reflexão sobre tradução de Haroldo de Campos. Esses temas, apesar de aparentemente
paralelos, convergem na resposta à questão presente no título da dissertação: Haroldo de
Campos, um tradutor pós-colonial?
Partindo do pressuposto, primeiramente, de que a teoria pós-colonial seria muito mais
pertinente aos contextos asiático e africano e, em segundo lugar, de que a prática tradutória
haroldiana apresenta uma preocupação mais de cunho artístico que político, discutimos,
dentro dos limites impostos pelo âmbito deste tipo de trabalho, a teoria pós-colonial nos seus
aspectos históricos e teóricos e sua relação com a tradução em diferentes contextos, assim
como, a teoria de tradução de Haroldo de Campos. Também fizemos uma breve análise da
prática e do conceito de antropofagia, pois foi por meio da associação da metáfora cultural da
antropofagia com a tradução que Haroldo de Campos passa a ser considerado um tradutor
pós-colonial.
Retomando as considerações apresentadas em cada capítulo, observamos que com relação
à aplicação da teoria pós-colonial ao contexto latino-americano, e brasileiro, as opiniões são
conflitantes. O questionamento seria motivado pelas diferenças temporais, espaciais e de
descolonização. Se por um lado, ao olharmos o passado histórico das colônias hispânica e
portuguesa confrontado com o da Índia, da Argélia e dos países africanos, observamos
diferenças que nos levam a questionar a inserção daquele contexto geo-político na teoria pós-
colonial, por outro, ao tomarmos essa teoria num sentido mais abrangente como sendo “o
estudo das antigas colônias da Europa desde a colonização e como as colônias suplantaram,
responderam, acomodaram-se ou resistiram ao legado cultural do colonialismo desde sua
implantação” (ROBINSON, 1997, p. 13), podemos considerar válida a sua adoção para a
América Latina.
Os teóricos do pós-colonialismo passaram a investigar um conjunto de objetos
heterogêneos que há muito não têm ligação com a história colonial; entretanto, os aspectos
teóricos do pós-colonialismo, se considerados dessa maneira mais ampla, descaracterizam-se
e perdem a força argumentativa. Também, os círculos acadêmicos dos países hegemônicos, ao
opinar sobre temas e ao apropriar-se de questões que lhes são alheias e, ou, que pouco
conhecem correm o risco de um neocolonialismo intelectual.
É importante ressaltar que a cultura latino-americana não pode ser vista de maneira
monolítica, como aparece em alguns trabalhos estrangeiros. Se os países de língua espanhola
apresentam diferenças identitárias, nacionais e culturais, mais ainda o Brasil, pela origem do
povo colonizador, pelo tipo de colonização, pela língua e pela dinâmica de descolonização.
Nesse cenário heterogêneo de “busca de expressão própria”, no dizer de Ureña
133
, o Brasil
apresenta uma notável vitalidade nos movimentos de vanguarda da Semana de 22 e da poesia
concreta.
As opiniões são controversas, também, no que diz respeito à tradução em sua relação com
o pós-colonialismo, não podendo ser definida e nem considerada de maneira generalizadora,
pois envolve singularidades de cada nação e cultura, de diferentes processos de colonização e
descolonização. Se a língua, e consequentemente a tradução, desempenha um papel
fundamental na colonização e no movimento de reação, o pós-colonialismo, como se
colocaria o Brasil nesse quadro conceitual uma vez que temos o português como nossa língua
literária e língua mãe, ficando as línguas indígenas restrita aos estudos antropológicos?
De acordo com as citações de teóricos dos estudos da tradução, a associação da
antropofagia, enquanto metáfora cultural, com o pós-colonialismo, envolve um caráter
político e representa uma prática de resistência e reação. Relacionar Haroldo de Campos com
a antropofagia parece justificável, na medida em que ele nega a supremacia do texto original,
apropria-se, de maneira “usurpatória” como ele próprio define, de autores e textos. No
entanto, a sua teoria de tradução não se ocupa da questão central da tradução em contextos
pós-coloniais: o da reparação político-ideológica. O pensamento de Haroldo de Campos sobre
tradução decorre de sua condição de poeta e ele se dedicou à tradução dos poetas que lhe
interessavam. Assim, ocupou-se basicamente da tradução criativa (ou, como ele mesmo
denomina, “transcriação”) que busca a reconfiguração da informação estética. Todavia, é
somente por sua atitude ex-propriadora e re-apropriadora, “sob a espécie da diferença, do
legado cultural universal” (CAMPOS, 1997), que Campos se torna conhecido na academia
estrangeira. Sua associação à antropofagia não é sem fundamento e há algumas
133
Cf Laura FERBES. Pedro Henriquez Ureña. Universidad Metropolitana de Caracas.
argumentações bem interessantes; contudo, trata-se de uma visão bastante reducionista que
não dá conta da amplitude de seu pensamento. Além disso, a metáfora, conforme discutimos,
acha-se desgastada pelo uso indiscriminado e tornou-se um clichê.
Também demonstramos, neste trabalho, que a descrição da antropofagia como prática
tradutória é fruto de análises e interpretações, por vozes muito bem argumentadas, de outros
teóricos, mas não do próprio Haroldo de Campos. Confundem-se os irmãos, que apesar de
“siamesmos”, no dizer de Haroldo (NÓBREGA, 2005, p.15), divergiam em muitas questões
de poética e para Augusto de Campos é que tradução é antropofagia à maneira de Oswald.
Mesmo assim, para muitos teóricos e público leigo, tornam-se uma dupla indissociável: “os
irmãos Campos”.
Conforme vimos no capítulo quatro, Haroldo de Campos, além de poeta introdutor de
novas tendências, antecipou ideias de correntes de pensamento crítico europeu e desenvolveu
uma teoria de tradução complexa e coerente com sua atividade de crítico e tradutor. Mas,
infelizmente, muitos são os casos de nomes ilustres serem conhecidos apenas por uma ideia,
um conceito, um aspecto, como, por exemplo, o “homem cordial” de Sérgio Buarque de
Holanda, a teoria do polissistema de Even-Zohar, a teoria da relatividade de Einstein e, da
mesma maneira, a teoria antropofágica de tradução de Haroldo de Campos. Isso porque “a
distorção parece ser uma fatalidade da vida das ideias: as sucessivas leituras tendem a afastar
um conceito gradativamente do sentido original” (TEIXEIRA, 2009, p. 131). Como esclarece
Said (1983, p. 239), as ideias se disseminam porque são fortes e efetivas, mas muito
provavelmente, durante a “peregrinação”, serão reduzidas, codificadas e institucionalizadas.
Os teóricos da tradução seqüestraram a metáfora da antropofagia de Oswald de Andrade para
usá-la como definição de uma prática tradutória pós-colonial desempenhada por Haroldo de
Campos.
Para finalizar, voltando à questão do título, dependendo do pressuposto adotado, pode-se
chegar a duas conclusões: 1) Haroldo de Campos, pela sua teoria “antropofágico-devorativa”
(conceito que usa para definir a produção literária brasileira), pode ser considerado um
tradutor pós-colonial; ou 2) o rótulo de “tradutor pós-colonial” reduz a dimensão do seu
trabalho e do seu pensamento. A primeira parte da hipótese que a teoria pós-colonial, tomada
num sentido mais amplo envolvendo todas as antigas colônias da Europa, é aplicável ao
contexto brasileiro. Além disso, leva-se em conta que a tradução num contexto pós-colonial
nega a superioridade do original, rejeita conceitos dicotômicos, como literal/livre, fiel/infiel,
exatamente como faz Haroldo de Campos ao romper com o pensamento tradicional e abolir a
hierarquia entre texto original e texto traduzido, colocando superiores e subordinados em pé
de igualdade.
Por outro lado, uma vez que a abrangência da teoria pós-colonial não é consenso pelas
diferenças de colonização e descolonização do Brasil em confronto com as da Índia, da
Argélia, dos países africanos e, até mesmo, com as de outros países latino-americanos,
invalida-se a inserção de Haroldo de Campos no movimento pós-colonial.
Qualquer que seja a conclusão, julgar a teoria de tradução de Haroldo de Campos somente
como antropofágica, confundi-lo com Augusto de Campos e fundi-los em “Campos brothers”
é uma atitude simplista que reduz a dimensão e a complexidade de seu pensamento ao
dissociar o crítico e teórico do poeta e tradutor, que não deveria ser visto de maneira estanque.
Conforme observa Motta (2007, p.2):
Afinal, de saída, isso [o conjunto expressivo de obras críticas de H C]
significa que, Haroldo de Campos está longe de ser só tradutor ou
concretista que se etiqueta e se tolera – passando-se, aliás, por cima do fato
de que o poeta concreto morreu versejando em rimas dantescas (A máquina
do mundo repensada, 2000) e reescrevendo Homero (Ilíada, 2001-2002),
numa situação completamente pós-utópica – sendo, além disso, um
caudaloso comentador literário.
Por isso, deve-se ter cuidado com as associações generalizadoras e informações de
segunda mão, como as referências a Campos via Vieira, pois elas podem mascarar outras
questões talvez mais pertinentes e importantes.
Este trabalho pretendeu chamar a atenção para a necessidade de mais publicações em
língua estrangeira de trabalhos que divulguem nossa produção literária e crítica e também
para a necessidade de se adotar uma postura crítica com relação a ideias estabelecidas e a
pensamentos paradigmáticos. Assim procedendo, provavelmente conseguiremos divulgar
estudos mais ricos e aprofundados e menos estereotipados.
Haroldo de Campos foi importante porque propôs outras formas de analisar nossa
literatura e nossa tradição crítica. Além disso, ele deu um especial destaque a prática de
tradução, o que em geral os críticos literários não fazem. Haroldo de Campos é uma voz que
se destaca nas letras nacionais por suas opiniões inovadoras e radicais, que por alguns são
consideradas discutíveis. No entanto, disso não decorre que o autor não mereça um estudo
sério e aprofundado e uma divulgação mais ampla de sua obra no exterior, em virtude do
volume de sua produção e da coerência interna de suas propostas.
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