Douglas Robinson
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defende que, para um eficaz engajamento político, um texto deve ter
um interesse amplo e generalizado, ou seja, possuir uma habilidade de atingir as massas. Não
parece ser o caso de Haroldo de Campos, cujas traduções não podem ser consideradas
"populares" ou "comerciais", pois não atingem as "massas", mas a elite cultural. Assim, como
Walter Benjamim (2003, p. 15) que afirma que "nenhum poema dirige-se ao leitor, nenhum
quadro, ao espectador, nenhuma sinfonia, aos ouvintes"
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e questiona se a tradução deve ser
para aqueles que não compreendem o original, Haroldo de Campos, também, não estava
interessado em ser aceito por um grande público e só se propunha a traduzir aquilo que para
ele representava uma “militância cultural", obras esteticamente revolucionárias. Apesar de a
afirmação ter uma ressonância política, a escolha das obras traduzidas por Campos reflete um
engajamento prioritariamente estético. O entrelaçamento da criação poética, da prática
tradutória e da crítica está presente no pensamento de Campos, conforme ele mesmo atesta em
Tradução como instituição cultural, de 1997 (no prelo):
Desde os anos 60, iniciei minha reflexão teórica sobre tradução de obra de
arte verbal (poesia ou prosa de igual complexidade no plano de expressão; o
que em alemão se diz Dichtung)
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. Essa reflexão fundava-se numa prática
radical da tradução poética, que vinha sendo levada a efeito por Augusto de
Campos, Décio Pignatari e por mim, cujo marco inicial foi a transposição
criativa, em equipe, de uma seleção de Cantos de Ezra Pound. Tratava-se,
pois, de uma teoria derivada duma prática, que cada vez mais se foi
ampliando ao longo do tempo.
Por “militância cultural” entende-se aqueles escritores que, segundo Milton (1993, p.
163), “mudaram, afetaram, ou revolucionaram o estilo poético: primeiro Pound, cummings,
Joyce e Mallarmé; e depois Maiakovsky, Khlebnikov, Valéry, Poe, os trovadores provençais,
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In: Maria TYMOCZKO, 2000, p. 26 e 40.
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No poem is intended for the reader, no picture for the beholder, no symphony for the listener (Trad. Núcleo
de Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina).
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“Da tradução como criação e como crítica”, 1962; em Metalinguagem e outras metas. Perspectiva, São Paulo,
1992, 4 ed.; “De la traduction comme creation et comme critique”, Change 14 (Trasnformer / Traduire),
Seghers/Laffont, Paris, fevrier 1973.