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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS
CAMPUS DE AQUIDAUANA
MARILEIZE DA SILVA BRASIL
CIDADES E POVOS: CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS
MIGRAÇÕES EUROPÉIAS ATRAVÉS DA BACIA DO PRATA:
O CASO DOS ITALIANOS EM CORUMBÁ, MS (1870–1950)
AQUIDAUANA (MS),
MARÇO, 2009
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MARILEIZE DA SILVA BRASIL
CIDADES E POVOS: CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS
MIGRAÇÕES EUROPÉIAS ATRAVÉS DA BACIA DO PRATA:
O CASO DOS ITALIANOS EM CORUMBÁ, MS (1870 – 1950)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
Graduação stricto sensu em Geografia, em nível de
mestrado, da Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul – Campus de Aquidauana, como requisito para
a obtenção do título de Mestre em Geografia, sob
orientação do Profº Dr. Tito Carlos Machado de
Oliveira.
AQUIDAUANA (MS),
MARÇO, 2009
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TERMO DE APROVAÇÃO
MARILEZE DA SILVA BRASIL
CIDADES E POVOS: CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS MIGRAÇÕES
EUROPÉIAS ATRAVÉS DA BACIA DO PRATA: O CASO DOS ITALIANOS EM
CORUMBÁ, MS (1870 – 1950)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação stricto sensu em
geografia como requisito parcial à obtenção do grau de MESTRE em geografia,
pela Universidade de Mato Grosso do Sul do Campus de Aquidauana, a
seguinte banca examinadora:
_________________________________________________
Orientador: Prof. Dr Tito Carlos Machado de Oliveira
_________________________________________________
Profª Drª Jacira Helena do Valle Pereira
_________________________________________________
Profº Dr. Carlos Martins Junior
Aquidauana (MS),______ de ______________ de 2009
DADOS CURRICULARES
MARILEIZE DA SILVA BRASIL
NASCIMENTO: 02/12/1970 – Corumbá/MS
Filiação: Luiz Angelino Brazil
Enésia Rodrigues da Silva Brasil
1998/2001
Curso de Graduação em Geografia
Campus Universitário de Corumbá Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul –MS
2002/2003
Curso de graduação em Bacharelado em Geografia
Campus Universitário de Corumbá Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul - UFMS
2004/2005
Curso de Pós Graduação em História, latu sensu vel de especialização
Campus Universitário de Corumbá Universidade Federal de Mato Grosso do Sul -
UFMS.
Ao meu pai (in memorian), minha mãe e meu filho Daniel
AGRADECIMENTOS
Realizar os agradecimentos deste trabalho é algo que fiz com o ximo
cuidado, pois muitos indivíduos estavam envolvidos, desde a elaboração do projeto
inicial até a sua execução. Considero importantes algumas pessoas e fatores que
me auxiliaram com discussões, conflitos, pareceres, retomadas, mudanças de
caminhos e reflexões.
Portanto, meu sentimento de gratidão mais sincera vai para:
Deus pelas bênçãos recebidas nessa trajetória.
Minha mãe, Enésia por o medir esforços para enfrentar as dificuldades ao
meu lado em todos os momentos e principalmente pelo auxilio em cuidar do meu
filho durante minha ausência.
O Programa de Mestrado em Geografia da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul - Campus de Aquidauana pela confiança que depositaram neste
trabalho.
Maria do Carmo Brazil pela incansável ajuda, apoio, compreensão e pelo
incentivo constante para eu nunca desistir dos meus objetivos e principalmente me
ensinar o caminho do esforço e da disciplina.
Tito Carlos Machado de Oliveira pela orientação.
Marivaine da Silva Brasil pelos constantes incentivos para eu concluir a minha
pesquisa.
Omar Daniel, pela ajuda na confecção dos mapas
Edgar Aparecido da Costa pela ajuda em me ceder referências, artigos e
ótimos livros sobre o tema da pesquisa.
Aline de Lima Rodrigues pela cooperação e atenção sempre.
Meus irmãos pelo estímulo.
Aos colegas do mestrado.
Edson Pereira de Souza, pelo auxílio na busca de materiais.
Aos professores do curso de Mestrado em Geografia/CPAQ/UFMS.
PROPP pelos recursos oferecidos para o desenvolvimento da pesquisa.
Todos os descendentes de italianos, sem os quais este trabalho não seria
possível.
RESUMO
A presente pesquisa tem como base o processo das migrações européias,
especificamente os italianos através da bacia do Prata. A presença de inúmeros
povos na região, como espanhóis, portugueses e italianos intensificou não somente
as atividades comerciais desenvolvidas em Mato Grosso como também colaboraram
fortemente para a produção de muitas construções que hoje fazem parte do
patrimônio histórico, visto que, toda espacialidade é o fruto da prática sociocultural
que se dá no espaço. Procuramos refletir sobre o nível de apropriação do espaço em
questão, especificamente envolvendo o fenômeno migratório dos italianos em
Corumbá, as relações e adaptações estruturais e morfológicas equivalentes aos
seus esquemas culturais de produção bem como a circulação contida na memória
coletiva. As fontes para a elaboração desta obra partiram de pesquisa bibliográfica,
análise historiográfica nacional e internacional, busca de documentos, relatórios,
fotografias e jornais além da realização de entrevistas com os descendentes dos
italianos, que evidentemente, contribuíram de forma valiosa para esta pesquisa. Os
imigrantes italianos quando chegaram em Corumbá, organizaram-se em colônia,
situada no Largo Cadeia A beneficência italiana era o local onde aconteciam
grandiosos eventos e reuniões importantes. Os matrimônios eram realizados com
freqüência, uma vez que grande parte dos italianos era composta de homens
solteiros. Ao estabelecer relações sociais com a comunidade, foi possível
desempenhar muitas atividades comerciais e variadas profissões, ocasionando o
fenômeno de reterritorialização no espaço corumbaense.
Palavras-Chave: Imigração, italianos, Corumbá.
ABSTRACT
This research is based on the process of European migration; particularly the Italians
through the Bacia do Prata. The presence of numerous people in the region, such as
Spanish, Portuguese and Italian intensified not only commercial activities developed
in Mato Grosso also collaborated heavily for the production of many buildings that are
now part of national heritage, since all spatiality is the fruit cultural practice that
occurs in space. We seek to reflect on the level of ownership of the space in
question, specifically involving the immigration of Italians in Corumbá, relationships,
structural and morphological changes equivalent to their own cultural models of
production and the movement contained in the collective memory. The sources for
the preparation of this work were obtained through a literature review, analysis
historiographical national and international search for documents, reports,
photographs and newspapers in addition to interviews with the descendants of the
Italians, of course, contributed to this valuable research. When Italian immigrants
arrived in Corumbá, organized themselves into the colony, located in Largo Cadeia.
Beneficence Italian was the place where important events took place and important
meetings. The marriages were performed routinely, because most of the Italians
were composed of single men. By establishing social relationships with the
community, could play many commercial activities and all kinds of jobs, causing the
phenomenon of repossession space in Corumbá.
Words-Keys: Immigration, Italian, Corumbá.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 11
1 MIGRAÇÃO, TERRITÓRIO E IDENTIDADE 16
1.1 O debate do fenômeno migratório 16
1.2 A Imigração italiana pelo olhar da geohistória 21
1.3 Migrações e a ocupação territorial 23
1.4 Identidade e espaço 24
1.5 Identidade e território: uma análise 25
2 O BRASIL E AS MIGRAÇÕES TRANSOCEÂNICAS 27
2.1 Políticas de imigração 31
3 ITALIANOS EM ESPAÇO CORUMBAENSE E SUA CONTRIBUIÇÃO
MATERIAL E IMATERIAL 38
3.1 Corumbá e o processo migratório 38
3.2 Os primeiros italianos e a organização material do espaço 41
3.3 Italianos em Corumbá: reterritorializando o espaço 43
3.4 Italianos em Corumbá: Quantos eram? 48
3.5 Resgatando lembranças 52
3.6 Italianos em Corumbá: Quem eram? 54
3.7 Italianos em Corumbá: a emigração e as suas causas 56
3.8 Italianos em Corumbá: A contribuição econômica e social 60
3.9 Italianos em espaço mato-grossense 64
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 72
FONTES 74
Fontes impressas 74
Fontes Orais 74
Materiais publicados em anais de eventos, jornais e revistas 75
Materiais iconográficos 76
Material cartográfico 76
REFERÊNCIAS 77
APÊNDICE 1 82
ANEXO 1 83
LISTA DE TABELAS
Tabela 01: Emigração italiana para o Brasil 30
Tabela 02: População geral do Brasil, estado de Mato Grosso e município de
Corumbá e nacionalidade italiana 32
Tabela 03: Estabelecimentos comerciais e profissões dos italianos na cidade de
Corumbá – MS 44-45
Tabela 04: Da “entrada” e “saída” de estrangeiros da província de Mato Grosso 49
Tabela 05: População estrangeira de Mato Grosso e de Cuiabá, segundo as
nacionalidades até 1920 51
Tabela 06: Recenseamento de 1872 (População de Santa Cruz de Corumbá) 52
Tabela 07: Relação de matrimônio, profissão e naturalização dos italianos em
Corumbá – MS (1896-1931) 55
Tabela 08: Demonstrativo dos estrangeiros de ENTRADAS na província de Mato
Grosso durante o ano de 1875 65
Tabela 09: Demonstrativo dos estrangeiros SAIDAS na província de Mato Grosso
durante o ano de 1875 66
LISTA DE FIGURAS
Figura 01: Trajeto dos imigrantes italianos desde Itália aMato Grosso via Bacia do
Prata 40
Figura 02: Edificação da Rua 13 de junho esquina com 15 de novembro. Em 1914
serviu de hotel, denominado “Hotel Royal” 42
Figura 03: Edificação de 1896, construída pelo arquiteto Martino Santa Lucci.
Abrigou a Alfândega de Corumbá e está localizado no porto 42
Figura 04: Casa Vasquez & Filhos. Construção concluída em 1898. Obra do
arquiteto Martino Santa Lucci Ladeira José Bonifácio 171. Edificação inspirada no
art-noveau 42
Figura 05: Largo da Cadeia: territorialização dos italianos em Corumbá 47
Figura 06: Abastecimento de água envolvendo imigrantes italianos utilizando
transporte de tração animal 60
Figura 07: Sede da Sociedade Italiana Di Instruzione-Beneficienza-Fratellanza.
Prédio próprio da instituição, construído na Praça da República pelos sócios
fundadores, ao que tudo indica projetado por Martino Santa Lucci e fundado em
1892 62
Figura 08: Propagandas de estabelecimentos comerciais dos italianos em Corumbá
(1902-1909) 62-63
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa trata da imigração italiana para Corumbá, especificamente no
período de 1870 a 1950. Desta forma é imprescindível fazer a diferenciação entre
dois conceitos; por um lado a emigração que é a saída de povos de seu próprio país
em direção a outro, a imigração é a entrada de estrangeiros num determinado
país. No caso do Brasil, que os recebeu a partir do século 19, foi de significativa
importância para o processo de organização do espaço sul americano.
O tema apresentado se impõe pela sua relevância social, por se comprometer
em explicar as relações materiais dos homens e pela relevância científica no sentido
de contribuir para o avanço dos estudos históricos e demográficos, bem como para a
redefinição dos conceitos, das prioridades, singularidades e possibilidades.
Neste trabalho foi discutida a problemática das condições sociais e
econômicas que levaram multidões fazerem a travessia atlântica, percorrerem rios
platinos e alcançarem espaços que redundaram na organização territorial de Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul. A partir do diálogo com as fontes ou da discussão
histórica abordamos o tema na perspectiva da totalidade com objetivo de explicar as
particularidades do objeto.
Assim buscou-se alcançar os seguintes objetivos:
a) Identificar as materialidades construídas pelos italianos no
espaço urbano de Corumbá.
b) demonstrar a trajetória dos imigrantes italianos, fixados em
Corumbá desde a emigração no período compreendido entre
1870 a 1950 e
c) buscar estudos regionais, relatos, memórias e documentos
que auxiliem na compreensão do papel dos imigrantes italianos
nas transformações do espaço.
Sublinhou-se, portanto um “quase-emudecimento” geohistoriográfico em torno
das particularidades desse espaço urbano, do ponto de vista econômico,
demográfico, sobretudo a importância na composição da identidade da nação
brasileira. Apesar da importância desse aspecto na história do Brasil poucos
estudiosos, como Lenine Póvoas (1989), Renato Baéz (1965), Cristiane Cezórzimo
do Amaral (2005), entre outros se debruçaram sobre a questão migratória, cujo foco
12
reflete a cidade de Corumbá, despontada no período colonial, mas que assumiu uma
forma distinta de organização da vida material e social.
Textos sobre Mato Grosso, como a obra História de Mato Grosso e de
Generoso Ponce, um chefe ao abordar a cidade colonial, limitou-se ao período de
sua fundação, em 1778, por conta da política geostratégica de ocupação lusitana, e
ao período de sua fase áurea de comércio entre 1850-1920.
Como espaço histórico onde se movimentaram homens e mulheres que
viveram as tensões e as lutas cotidianas durante o processo de ocupação
povoamento, Corumbá merece figurar entre as cidades que atraiu um número ainda
incalculável de povos que ajudaram a construir o espaço e a história de Mato
Grosso. Partindo dessas considerações foi proposto estudar a problemática que
envolve cidades e povos” com objetivo de traçar as considerações acerca das
migrações européias através da Bacia do Prata - o caso dos italianos em Corumbá,
MS. (1870-1950).
Cada vez que caminha-se pelo centro urbano de Corumbá, é possível
perceber que muitos estabelecimentos foram construídos ou moldados pela
influência portuguesa, italiana e outras trazidas por outros imigrantes chegados
depois da Guerra do Paraguai. Daí a necessidade de se discutir este espaço que
acolheu plenamente a marca identitária contida na memória material e imaterial,
como arquitetura, heranças sócio-culturais, etc.- dos segmentos populacionais
vindos da Europa.
Para dar conta dos objetivos buscou-se explicações para os silêncios de
abordagens em torno desse tema à luz das reflexões do pensador Pollak (1992) que
discute a difícil questão da subjetividade e da objetividade, sobretudo no sentido
ponderativo e seletivo no uso da memória.
A investigação se justifica pela urgente necessidade de quebrar o silêncio a
presença italiana na cidade de Corumbá, segmento social, cujo passado, despojado
de merecida cientificidade, restringiu-se apenas em depoimentos isolados, dados
escassos e esparsos ou detalhes insignificantes e narrativas ainda desprovidas de
críticas.
Procuramos fazer uma discussão sobre o processo de organização do espaço
brasileiro e, para então tratarmos da organização do território sul mato-grossense.
Nessa perspectiva foi abordada a questão da formação dos territórios, das grandes
13
transformações ocorridas a partir de 1870 e das características da estruturas dos
estados e empresas assumidas nas três primeiras décadas do século 20.
Do ponto de vista metodológico as revisões bibliográficas deram um suporte
amplo para que eu desempenhasse as discussões teóricas no trabalho. A obra
Paulo Possamai (2005) Dall’ Itália Siamo Partiti” A questão da identidade entre os
imigrantes italianos e seus descendentes auxiliou na compreensão da
conceitualização dos diferentes tipos de construção de identidade: a nacional, a
étnica e a religiosa.
“A Imigraçãode Sayad (1998) foi de suma importância para o entendimento
do fenômeno migratório, mostrando a diferenciação dualística dos termos
emigração/ imigração, além de ressaltar o comportamento desses povos que
deixaram seu país de origem.
O livro “Por uma Geografia do Poder” de Raffestin (1993) possibilitou ampliar
as diferenciações dos conceitos de territorialidade, desterritorialidade, (re)
territorialidade, multiterritorialidade e múltiplas territorialidades de modo a ampliar o
entendimento do processo de territorialização que se deu com a imigração italiana
em Corumbá.
Para entender o processo de desterriotrialização e reterritorialização do
imigrante reportou-se a Haesbaert (1994), autor que explica a transformação da
desterritorialização em mito na medida em que a figura do migrante é vista de forma
extremamente diversa, a partir de múltiplas culturas e classes sociais. Neste caso a
própria migração é movida por diversos fatores.
Povoas (2005) ajudou na discutição sobre a aproximação da Geografia com
outras ciências para se entender os movimentos populacionais no espaço e sua
atuação na dinâmica social.
De acordo com Santos (1988) na obra germinal intitulada “Metamorfoses do
espaço habitado”, ofereceu conceitos chaves da Geografia: espaço, território, lugar,
paisagem e região, acompanhados das características distintas entre os termos.
Foi consultado materiais sobre migrações disponibilizadas no acervo do
IBGE, constando dados significativos sobre a entrada e saída de migrantes italianos
para o Brasil no período de 1876 a 1920, período que compreende ao recorte
temporal da pesquisa.
Com o efeito de localizar proprietários de casas urbanas, registros de
nascimentos e casamentos dos italianos no período de enfoque da pesquisa
14
compulsamos documentos existentes em cartórios locais, como inventários Do
Núcleo de Documentação Histórica, localizado no Campus de Corumbá da
UFMS,lançou-se mãos de informações contidas em jornais, livros caixas,
cadernetas, entre outros dados que constam no acervo da Alfândega, reunidos no
Arquivo Público, bem como documentos existentes no Núcleo de História e
Documentação Regional NHDIR , em Cuiabá.
A constituição do espaço urbano corumbaense foi empreendida por uma
dinâmica participação de atores sociais, como agentes colonizadores, colonos,
comerciantes, autoridades, profissionais, liberais entre outros. Com o franqueamento
da navegação pelo rio Paraguai, a partir de 1856, esse núcleo urbano, sofreu
significativas modificações
Depois do Conflito Platino ocorrido entre 1864-1870 o Império brasileiro
decidiu pela transferência do Arsenal de Marinha de Mato Grosso, sediado em
Cuiabá, para Corumbá ou Ladário, sendo escolhido o segundo. As obras civis para a
instalação do novo arsenal trouxeram para Corumbá e ao povoado de Ladário
centenas de trabalhadores, possibilitando o arruamento e a construção de moradias.
O espaço sofreu outras alterações ao ser ocupado por agentes que migraram para a
região, a partir de um processo de expansão capitalista mundial materializado, entre
outros fenômenos, nos movimentos de imigrantes estrangeiros em busca de
melhores condições de vida.
Em nível nacional na segunda metade do século XIX, a implantação da
cultura do café promoveu uma imigração européia de grande magnitude. Segundo o
IBGE na primeira onda de imigração estrangeira (de 1880 a 1903) entraram 1,9
milhões de europeus, principalmente italianos, seguidos de portugueses, espanhóis
e alemães. Com a região platina não foi diferente. O período entre 1870-1950 foi
marcado pelas tendências dessa migração, consolidando o sítio portuário de
Corumbá como rota dos deslocamentos populacionais internacionais no que se
refere à entrada de estrangeiros.
Com base nos pressupostos levantados, elegeu-se como objeto de estudo o
fluxo migratório originário da Itália rumo ao Brasil, via Bacia do Prata, instalados
especificamente no antigo Mato Grosso entre os anos de 1870 a 1950. Optou-se por
esse recorte temporal apenas por uma questão de delimitação do tema e para
facilitar a abordagem. Espera-se que os resultados da pesquisa inspirassem outros
estudos capazes de trazer à luz novos elementos que permitam o avanço dos
15
estudos brasileiros, em geral e os estudos geográficos sobre Mato Grosso do Sul,
em particular.
Na composição da análise deste trabalho, procurou-se apreender os traços
como culturais, econômicos, políticos e sociais trazidos por esses imigrantes na
territorialidade corumbaense. Entendeu-se que a presença dos imigrantes italianos e
ajudou no povoamento e abastecimento da cidade.
Para atender aos objetivos do trabalho procurou-se organizar nossa
abordagem em três capítulos.
O primeiro capítulo destinou à discussão de três elementos essenciais que
serviram de base conceitual para o desenvolvimento da pesquisa: Migração,
Território e Identidade. Analisamos o fenômeno migratório, seus principais fatores e
o processo de incorporação da territorialidade dos imigrantes.Com esse propósito
pensou-se ter recuperado parte da etnicidade e das características identitárias
desses povos.
O segundo capítulo aborda-se a imigração italiana para o Brasil.
Primeiramente foi feita uma breve abordagem sobre a atração para a América,
mostrando como foi essa trajetória via bacia do prata. Os países que se instalaram e
o recomeço de uma vida na região.
No terceiro capítulo trata da Imigração Italiana em Corumbá.Discute-se a
reterritorialidade desses povos no espaço corumbaense e as contribuições materiais
e imateriais deixadas por eles, analisadas através das entrevistas colhidas com os
seus descendentes.
Na realização deste trabalho evidenciou-se que as práticas dos imigrantes ao
longo de sua existência em Corumbá auxiliaram na construção do espaço e
deixaram marcas identitárias que perpetuam até os dias atuais, como algumas
edificações, fabricação de ladrilhos e mármore, gastronomia e valores culturais.
1 MIGRAÇÃO, TERRITÓRIO E IDENTIDADE
1.1 O debate do fenômeno migratório
O processo emigração / imigração abrange diferentes campos do saber,
sejam eles, demográficos, históricos, sociais, políticos e culturais.
Para Sayad (1999) o fenômeno migratório possui sempre duas faces
indissociáveis, a emigração e a imigração:
Imigrar é imigrar com sua história (a emigração fazendo ela mesmo parte
desta história), com suas tradições, maneiras de viver, de sentir, de agir e
de pensar, com sua língua, com sua religião, bem como todas as outras
estruturas, sociais, políticas, mentais de uma sociedade da qual ela faz
parte,as primeiras o sendo mais do que a incorporação das segundas
(SAYAD,1999, p.18).
Conforme ainda as reflexões de Sayad (1998) o imigrante antes de nascer
para a imigração, é primeiro um emigrante. É imprescindível entender a relação
dialética estabelecida entre as duas dimensões do mesmo fenômeno, a emigração e
a imigração, ou seja, como uma mesma classe social, pode produzir um modo
particular de emigração, guardando um diferencial particular da sua relação com o
seu país de origem, sendo que em outro momento esses emigrantes foram
resultantes de uma classe de imigrantes que se revelou, com a sociedade de
imigração e sua própria condição de imigrantes.
As considerações de Sayad (1998) permitem inferir que é possível analisar
que o processo de reconfiguração da identidade se torna essencial para entender
grupos de imigrantes italianos que chegaram no Brasil.
A decisão de emigrar é um fator extremamente difícil, uns resolveram sair do
país por livre escolha, outros buscando novas formas de sobrevivência e melhores
condições de vida. Carregados de emoções e a sensação de medo do desconhecido
o imigrante se vê em contato prolongado com a sociedade ambiente que mostra
claramente que a presença do imigrante é algo passageiro. Conforme ainda Sayad
(1998 p.18-19):
Na medida em que a presença do imigrante é uma presença estrangeira ou
que é percebida como tal, as “ilusões” que a ela estão associadas e que até
mesmo a constituem podem ser enunciadas como segue: são, para
começar, a ilusão de uma presença necessariamente provisória, mesmo
quando essa presença provisória de direito, verifica-se, nos fatos e sempre
a posteriori e apenas a posteriori -, como uma presença durável, quando
não definitiva; ilusão, sendo que esta é governada por aquela, de que essa
presença é totalmente justificável pela razão ou pelo álibi que se encontra
17
em seu princípio e que é o trabalho ao qual ela esta ou deveria estar,
logicamente, totalmente subordinada; e por fim, ilusão da neutralidade
política, o a neutralidade que se exige do imigrante mas tal como ela
se impõe ao próprio fenômeno da imigração e da (emigração), cuja natureza
intrinsecamente política é mascarada, quando o é negada, em proveito
de sua única função econômica.
É necessário refletir sobre as formas de sobrevivência destes migrantes no
espaço de adoção, para compreender, no limite, o processo de inclusão/ exclusão
desta população na sociedade.
Destacamos que ao nos referir à categoria “migrante”, neste universo
empírico como em tantos outros, não podemos incorrer no erro de considerá-la
absolutamente idêntica, uniforme e que, portanto remeta a uma relação social e
territorial homogênea. Pois há, de um lado diferentes formas de migrar, diferentes
tipologias de migração, e de outro, que cada migrante carrega consigo caracteres da
territorialidade de seu lugar de origem e de outros lugares em que viveu caracteres
esse que compõem um universo de experiências próprio, que é acionado e re-
significado no momento da re-territorialização, quando o migrante participa, então,
da construção de uma nova territorialidade.
A geógrafa Melo (2005) aponta três diferentes tipos de migrantes: o migrante
temporário, aquele que passa parte do ano em sua terra natal e outra parte na
cidade onde o adotou; o migrante estabelecido, que migrou e fixou residência na
cidade onde o adotou e o migrante circulante, aquele que apenas perpassa a cidade
num determinado espaço de tempo e circulam por outras regiões.
Portanto a duração de contato e a adaptação com as cidades são diferentes
entre os migrantes.
Convém ressaltar que as diferentes trajetórias contidas no fenômeno
migracional buscam compreender estes indivíduos como (re) criadores de uma nova
territorialidade no espaço em que permeiam.
É essencial a discussão e utilização do conceito de território e territorialidade,
e sua diferenciação com relação ao conceito de espaço, como instrumentos para a
análise de diferentes territórios contidos no interior das cidades. Segundo Raffestin
(1993) Espaço e território não são termos equivalentes. O espaço constitui em
sentido figurado a “matéria prima” para a produção do território. Ainda conforme
Raffestin (1993, p.143-144):
[...] É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O
território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida
18
por um ator sintagmático em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço,
concreta ou abstratamente, o ator “territorializa”o espaço.[...] O território, é
um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que,
por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder. O espaço é a
“prisão original”, o território é a prisão que os homens constroem para si. [...]
o território se apóia no espaço, mas não é o espaço. [...] Qualquer projeto
no espaço que é expresso por uma representação revela a imagem
desejada de um território, de um local de relações.
Para Haesbaert (2005) o território, assim, em qualquer acepção, tem a ver
com poder, mas o apenas ao tradicional “poder político”. O território diz respeito
tanto ao poder no sentido mais concreto, de dominação, quanto ao poder no sentido
mais simbólico, de apropriação. Lefebvre (1991) distingue apropriação de dominação
(“possessão”, “propriedade”), o primeiro sendo um processo muito mais simbólico,
carregado das marcas do “vivido”, do valor de uso, o segundo mais concreto,
funcional e vinculado ao valor de troca.
Segundo Lefebvre apud Melo (2005), dominação e apropriação deveria
caminhar juntas, ou melhor, esta última deveria prevalecer sobre a primeira, mas a
dinâmica de acumulação capitalista fez com que a primeira sobrepujasse quase
completamente a segunda, sufocando as possibilidades de uma efetiva
reapropriação “[...] dos espaços, dominados pelo aparato estatal-empresarial e/ou
completamente transformados em mercadoria”. (MELO, 2005, p.9)
Do conceito de território como apropriação do espaço resulta também a
discussão sobre territorialidade, empreendida tanto para Raffestin (1993) como para
Lefebvre (1991). Para estes a territorialidade reúne caracteres particulares de um
território, seu conteúdo estrutural, sua materialidade própria, e seu conteúdo
imaterial, simbólico.
Para apreender a territorialidade mostramos a análise horizontal e vertical
anunciada por Lefebvre (1991). Na análise horizontal é ressaltada a coexistência da
diversidade das relações sociais visíveis, a diversidade da contemporaneidade. A
análise vertical alcança as diferentes temporalidades contidas num mesmo espaço,
as marcas do passado constituindo o espaço presente.
Thompson (1981) enfatiza que os conceitos de território e experiência
coincidem, portanto, em admitir a complexidade do fato social e em conceder aos
indivíduos que participam do espaço a posição de sujeitos na construção do mundo
social. O primeiro conceito materializa seu conteúdo filosófico na análise do espaço;
o segundo materializa nas relações sociais, partindo do ser individual até alcançar a
19
dimensão de classe social. É importante ressaltar que o fenômeno migratório
sempre existiu, entretanto, tem sido cada vez mais evidente no mundo globalizado
1
Milhares de pessoas migram dos países pobres para os países ricos em
busca de trabalho e melhores condições de vida, fugas de perseguições políticas,
religiosas, fome, entre outros, demonstrando que na atualidade o fenômeno
migratório é uma realidade partilhada por praticamente toda sociedade.
O fenômeno migratório apresenta-se contraditório e complexo, pois ao
mesmo tempo em que os imigrantes são indesejados por retirarem os empregos
nacionais, tem outros costumes, culturas e tradições. A esse respeito Sayad (1998)
tece duras á sociedade ao criticar o imigrante recém chegado na sociedade que o
recebe: “Não vale a pena cantar de galo no exterior quando não somos capazes de
catar o lixo em nosso próprio país" (SAYAD 1998, p. 52). Neste sentido pode-se
afirmar que existe de certa forma descontentamento e insatisfação dos povos que os
recebem. Castillo (2003) considera complexa a análise das conseqüências das
migrações no âmbito econômico, político, sociocultural e demográfico.
Desta forma a natureza social das migrações reflete em muitas dimensões,
desde como o funcionamento dos deslocamentos a o comportamento na
sociedade.
Domenach e Picout (1995 apud MARQUES, 2007, p.6) afirmam que para a
compreensão do fenômeno das migrações implica em definir os conceitos
epistemológicos e teóricos utilizados para sua análise por meios e ensaios e outras
produções. As conseqüências demográficas dos processos migratórios trazem
implicações econômicas que recaem sobre os mercados de trabalho e estes
provocam mutações sociais.
Além disso, os estudos detidos sobre esse domínio permitem comparar
fatores explicativos sobre o impacto das medidas políticas institucionais e os limites
ambientais da ação humana. Diante dessas considerações, entendemos que a
migração é um fenômeno que se desenvolve no tempo e no espaço, cuja natureza
particular está ligada à distinção que cada ator social tem de seu movimento no
espaço.
1
Maillat (2002) afirma que o processo de globalização caracteriza-se pelo desenvolvimento de redes
mundiais de grandes empresas que se distinguem pela importância dos investimentos diretos e
transações que elas efetuam em escala mundial, assim pela prática crescente de acordos de
cooperação, notadamente no domínio da pesquisa e do desenvolvimento.
20
Os imigrantes que passam a conviver no novo ambiente provocam
inquietação por parte da sociedade, entretanto são extremamente necessários para
a realização de determinados trabalhos que muitas vezes a própria população
nacional, principalmente nos países centrais, não tem aptidão.
Massey et al, (1998) afirmam que foram vários os fatores que impulsionaram
o deslocamento da população, mas sem dúvidas o processo de globalização foi um
motor principal da imigração internacional, ao acelerar o avanço econômico nos
países que assistiam alta renda em determinado momento histórico. Este fenômeno
estimulou pessoas a abandonar trabalhos tradicionais e a buscar novos lugares. A
globalização constitui-se de engrenagens que forçam confrontos com novos
costumes e novas maneiras de pensar. (MILANOVICK, 1999, p.10-11).
Os movimentos migratórios respondem à necessidade de demanda dos
países industrializados por mão-de- obra barata não qualificada para a agricultura,
alimentação, construção, indústria têxtil, entre outros. Estes fatores impedem o
respeito aos legítimos e humanos direitos. Daí a necessidade de se repensar o
mundo em transformação para que possa explicá-lo não sob a ótica de
competitividade, mas também da solidariedade; não da concentração, mas da
repartição; não do fechamento das fronteiras, mas da cidadania universal baseado
numa sociedade sustentável que não se traduza no lema no consumo desenfreado,
mas sim com projeto de lugar e vida digna para todos, independentemente da sua
origem nacional.
O processo de globalização desencadeia transformações que não acontecem
de forma homogênea. Com efeito, a representação de uma economia mundial
beneficia a disposição do funcionamento de processos em que as fronteiras e a
soberania se desfazem e “[...] a economia passa a operar através de atores
transnacionais, oportunidades de mercado, orientações identidades e redes”
(ULRICH BECK, apud ANDRIOLI, 2003 p.5)
Muitos críticos mostram conseqüências trágicas de um processo de
globalização que se enraíza de cima para baixo, enquanto efeito de uma política
neoliberal. Hardt e Negri (2000) entendem a globalização como um processo que
também se forma de baixo para cima, ou seja, de um território surgem às forças pela
liberdade, igualdade e se alojando num espaço em comum. Desta forma a
globalização acaba por
beneficiar a formação de uma “cultura da mobilidade e da
21
mudança”, de processos de intercâmbio de saberes e de cultura, de novas formas
de territorialidade. (CAPRON et,al, 2004).
Após o término da segunda Guerra Mundial a Europa assistiu a um processo
de emigração em massa no continente. Inúmeros europeus partiram em direção às
Américas para efetuar o processo de colonização, fugir da intensa fome, crises
financeiras, de guerras e amesmo do totalitarismo europeu e das incomodações
às etnias.
1.2 A Imigração italiana pelo olhar da geohistória
Procuro demonstrar nesse item a ligação entre a história e a geografia como
ciências que irão explicar alguns aspectos do fenômeno migratório, como por
exemplo, o processo da emigração, os motivos e a representação quantitativa
desses povos que deixaram sua pátria.
A orientação metodológica da geohistória, inaugurada pelo falecido historiador
francês Fernand Braudel, em 1949, opta por uma análise a partir da longa duração
ou conjuntura para explicar comportamentos distintos dos aspectos sociais como a
economia, demografia, costumes, etc. Segundo Braudel (1984) a geohistória nasceu
para explicar geograficamente a história e pensar historicamente a geografia. A obra
O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Felipe II inaugura a história
geográfica de Fernand Braudel, na qual esperou oferecer contribuições através de
uma nova concepção de tempo, e de uma “dialética da duração” (BRAUDEL, 1984,
p. 10).
A geografia como estrutura onde se assentam as sociedades em diferentes
momentos históricos influi nas sociedades, mas não as determina, pois estas são
capazes, segundo sua tecnologia e cultura de abrir um leque de possibilidades para
modificar o espaço em que habitam. Segundo Braudel (1984) os laços entre a
história e o espaço são capazes de revelar o homem em suas relações com o
mundo que o circunda.
Braudel (1984) ao dedicar longas reflexões sobre a geografia física do
Mediterrâneo - as penínsulas, os mares, os litorais e o clima - articulada à unidade
humana: rotas e cidades-cidades e rotas, indicou caminhos para estudar outros
espaços e comunidades distintas e enfatizou o importante papel das vias terrestres e
22
marítimas, da arte náutica, dos problemas urbanos, das doenças, dos povoamentos
e dos movimentos sociais para a compreensão das relações humanas.
O desencadeamento do processo migratório da região da Europa para as
Américas foi também objeto de reflexões do historiador francês. Braudel (1984)
analisou o crescimento demográfico das velhas sociedades rurais européias, as
quais não resistiram à demanda de alimentar, por constituírem-se de uma população
muito densa e em terra bastante empobrecida.
Diante desse quadro, a Europa passou a oferecer espaço restrito à população
carente de empregos e alimentos. Milhares de europeus foram condenados a
expropriar-se a partir dos anos 1860, intensificando-se na década de 1880,
migrando-se para novos países de população branca: Estados Unidos, Canadá,
América Latina e Austrália.
No caso específico da Itália, depois de um longo período de mais de 20 anos
de lutas para a unificação do país, sua população, particularmente a rural e mais
pobre, tinha dificuldade de sobreviver seja nas pequenas propriedades que possuía
ou onde simplesmente trabalhava, seja nas cidades, para onde se deslocava em
busca de trabalho. Nessas condições, portanto, a emigração era não estimulada
pelo governo, como era, também, uma solução de sobrevivência para as famílias.
Assim, é possível entender a saída de cerca de 7 milhões de italianos no período
compreendido entre 1860 e 1920. A dinâmica industrialização do norte da Itália não
foi suficiente para absorver a enorme massa de migrantes.
Conforme as reflexões de Braudel (1988) sobre as Migrações na Itália, no
início os homens partiam sozinhos, enviavam dinheiro para casa para alimentar a
família e comprar uma terra ou uma loja, como uma nítida intenção de voltar. Num
outro momento, não havendo mais esperança de retorno de seus familiares, as
mulheres também partiam numa ruptura definitiva: “[...] após ter vivido ou sobrevivido
por um período da emigração, graças aos envios de dinheiro de seus filhos, a aldeia
acaba por morrer [...] a aldeia não passa de uma lembrança, condenada ao
desaparecimento ou a ser reinventada pelos turistas nórdicos”. (BRAUDEL, 1986, p.
85).
Segundo Braudel (1986), a Itália foi o país que mais se transformou com a
intensa mobilidade de homens. Entre 1860 à 1970, a região sofreu 25 milhões de
partidas, embora nem todas tenham sido definitivos oriundos do Piemonte, da
Toscana ou da Emília, centenas de italianos alcançaram, por volta de 1860-1880, o
23
resto da Europa, principalmente a França. Após 1880 cresceu o número de
migrantes italianos provenientes das zonas rurais mais pobres, da Venetia e,
sobretudo do Sul, da Sicília e da Calábria, da Apúlia e dos Abruzos.
Essa corrente migratória atravessou o Atlântico, alcançou os Estados Unidos,
a Argentina, o sul do Brasil, onde fundou cidades com toponímias evocadoras como
Nova Venetia, Nova Trento, Nova Vicenza e Nova Milano. Braudel lembra que esses
imigrantes muito empobrecidos estabeleceram-se nas cidades, reconstituindo
bairros e redes de relações pessoais:
[...] um pouco de religião... um pouco de superstição... um pouco de
patriotismo... um pouco de gastronomia... mito ou realidade... Por toda a
parte impõe-se a imagem do italiano resistente à assimilação, preso à sua
língua... a seus costumes e a seu estilo de vida, alternadamente ‘furadores
de greve’ e ‘subversivos.(BRAUDEL, 1986, p.82-83).
Assim, observa-se que aos poucos esses imigrantes italianos foram
estreitando laços de relações com o ambiente em que estava se inserindo.
1.3 Migrações e a ocupação territorial
Para Haesbaert (2005) hoje se houve falar muito sobre o processo de
desterritorialização, cujo fenômeno encontra-se substituído pelos crescentes fluxos
imateriais e pelas redes de relações. Assim o migrante passa a ser considerado
como individuo desterritorializado no espaço em que ocupa, ou seja, coloca em
dúvida os fatores de desterritorialização em espaço de migração, especificamente no
que diz respeito à sua identidade, ensejando a formação de espaços característicos.
Haesbaert (2005) aponta quatro perspectivas propostas na atualidade para o
migrante: na primeira perspectiva refere-se à dimensão físico-econômica, o migrante
utiliza o território como abrigo ou como fonte de recursos. Na segunda perspectiva
assinala o território como uma porção da superfície, onde uma sociedade reinvidica
por direitos de acesso nele de controle e de uso com respeito à totalidade e ou
parcial. Assim é desconsiderado o migrante como destituído do território, pois a sua
figura é variada, abarcando inúmeras culturas e classes sociais.
A terceira perspectiva aponta o território como espaço da cidadania e dos
direitos sócio-políticos, o migrante que se encontra indocumentado ou ilegal num
país é considerado um cidadão desterritorializado no sentido político das garantias
mínimas asseguradas no interior do território do Estado-Nação.
24
A quarta perspectiva enxerga a desterritorialização como o desaparecimento
do território em seu sentido simbólico, quando grupos sociais se identificam em
espaço de referência. A partir de um contexto cultural o migrante
“desterrritorializado”, se privado de seu lugar e de suas origens, também se
privado de seus valores e símbolos, os quais o auxiliavam na sua identificação.
Enfim, tanto o território como a desterritorialização abrange todas essa
dimensões: físico-natural, econômica, política e cultural, pois o espaço geográfico
sintetiza toda essa multiplicidade de elementos, permitindo a reprodução social dos
grupos humanos.
Haesbaert (2005) afirma que é de suma importância analisar a distinção entre
a desterritorialização das classes dominantes e a desterritorialização das classes
inferiores. Para os ricos a mesma pode ser confundida com multiterritorialidade
segura, mergulhada na flexibilidade e em experiências múltiplas de uma mobilidade
opcional, enquanto que para os pobres a mobilidade é entendida como
deslocamento compulsório.
Dessa forma é possível acrescentar que a mobilidade espacial não é
simplesmente um indicador de desterritorialização, pois muitos grupos podem estar
destrritorializado sem que haja o deslocamento físico.
1.4 Identidade e espaço
Partindo da idéia de que o mundo moderno se depara com muitos desafios no
que diz respeito à construção de um conhecimento sobre o universo social no
sentido de participação e atuação nas diversas pesquisas desenvolvidas,
ressaltamos a importância da interação cada vez maior de outras ciências, como a
sociologia, a geografia, a entre outras no envolvimento sobre os estudos migratórios,
que é um campo de investigação que aborda o deslocamento de populações no
espaço num determinado período de tempo.
Para tanto, não caberia a uma única disciplina o seu total comprometimento
devido ao vasto campo de estudos e questões sobre o fenômeno migratório.
Entretanto, de um modo geral, podemos conceber licença para abarcar as tentativas
de compreensão de como os movimentos atuam e atuaram diante do dinamismo
social em todas as escalas.
25
Embora as migrações e as mudanças na localização espacial sejam de interia
relevância, elas são categorias que constroem as “redefinições e se travam os
conflitos constituintes da dinâmica social” (NETO, FERREIRA, 2005, p.10)
1.5 Identidade e território: uma análise
A construção da identidade de um povo depende única e exclusivamente das
experiências adquiridas por atributos culturais estabelecidos pela sociedade.
Castells (1999) admite que uma distribuição em três formas e origem de
construção de identidades: a) Identidade legitimadora, a qual é encabeçada pelos
dominantes com objetivos de ampliar e racionaliza sua dominação em relação aos
atores sociais. b) Identidade de resistência, a qual é originada por atores opostos a
sociedade. c) Identidade de projeto, quando os atores criam uma nova identidade
para restabelecer sua situação na sociedade, utilizando a comunicação.
Castells (1999) aponta que desse modo, podemos observar que cada uma
delas apresenta conseqüências distintas, por exemplo: a identidade legitimadora
origina uma sociedade civil, com constituições e fundações, o de resistência compõe
comunidades e resistência coletiva a alguma força e a identidade de projeto
produzem indivíduos, atingindo seu significado pela sua prática.
Dessa forma, as identidades, devem ser observadas procedentes de um
contexto social. Barth (1969, p. 117) critica o conceito de grupo étnico como
“unidade portadora de cultura” e propõe outra definição que determina uma
população: perpetuação por meios biológicos; participação de valores culturais
fundamentais; composição de um campo de comunicação e interação; ter um grupo
de membros que se identifica e é identificado por outros como constituintes de uma
categoria diferenciada.
Desta forma, o partilhar uma cultura é considerada de suma importância. O
aspecto cultural dos portadores tem sido colocado para destacar a classificação dos
indivíduos ou grupos, através de traços particulares da cultura. Desse modo, as
dissimilitudes passam a ser entre as culturas, não havendo assim organizações
étnicas.
Neste contexto a identidade social dos imigrantes está vinculada à identidade
territorial, se levarmos em conta o espaço simbólico como elemento principal de
análise.
26
A importância nos estudos das identidades sociais esta intimamente ligada ao
processo de divisão dos espaços-territórios dos grupos étnicos, passando o campo
cultural por uma valorização.
Outra particularidade da identidade territorial é a sua dimensão histórica,
procedente do conjunto de símbolos e atributos de um povo, concentrando no
espaço-território a memória do grupo. Segundo Penna (1992) a identidade é dada
objetivamente pela naturalidade (local de nascimento), outra que se relaciona com a
vivência (a experiência de vida dentro do espaço-território), outra ainda através da
cultura (as práticas culturais desenvolvidas pelo grupo social) e finalmente a
hipótese da auto atribuição (o indivíduo imigrante se reconhece como tal).
O conceito de território atualmente não pode ser visto somente em relação ao
poder, mas, sobretudo, como apoderação, proveniente do imaginário e/ ou
identidade social ou cultural. O fenômeno migratório se insere neste contexto por
apresentar a movimentação e deslocamento que a população faz no território,
fazendo-o o lócus de existência e experiência, em relação a outros sujeitos,
possuindo a identidade como fator de ligação, de movimentação coletiva. Tal ligação
identidade território se forma a partir de um método em movimento, que se forma
ao longo do tempo, tendo como elemento principal, o sentido de pertencimento ou
grupo com seu espaço de vivência.
Para Haesbaert (1997) os elementos culturais são: língua, religião, etnia,
folclore e culinária, formando assim a identidade regional, que apesar de
desigualdades sociais se assemelharem como pertencentes de um próprio território
ainda que longínquo geograficamente, mas que de certa forma identifica-se
culturalmente com os valores regionais que estão presentes na memória dos povos.
Um sujeito que se localiza num determinado tempo e espaço acaba
participando de teias de relações, possibilitando a construção de referenciais. Dessa
forma, é possível concluir que a identidade é um processo que se realiza através dos
meios de comunicação entre os atores que ocupam um espaço.
2 O BRASIL E AS MIGRAÇÕES TRANSOCEÂNICAS
O século XIX caracterizou-se pela grande expulsão demográfica na Europa. A
volumosa população e acelerado processo de industrialização,diminuíram as
oportunidades de empregos. Entre meados de 1870 e 1950 cerca de 28 milhões de
italianos emigraram para países da Europa, América do Norte e América do Sul. O
Brasil, em particular, passava por um período de fermentação de movimentos sociais
contra o escravismo.
O Império brasileiro (1822-1889) contou com a força pendular de dois
partidos, o Conservador e o Liberal. Com poucas divergências ideológicas, os dois
partidos orientavam-se pela filosofia liberal, nascida no século XIX. Entres as
principais realizações do Partido Conservador destacaram-se o restabelecimento do
Conselho de Estado, a reforma do Código de Processo, e a Abolição da escravatura.
A Abolição foi, portanto, urdida pelo Partido Liberal, mas foi promulgada por um
gabinete Conservador. As variadas postulações liberais eram realizadas por
ministérios conservadores, o que acabava convergindo os anseios das duas
posições partidárias.
A Lei emancipadora, conhecida como Lei Eusébio Queiróz, marcou a gênese
do processo de Abolição, proibindo definitivamente o tráfico negreiro em 1850.
Principal nutriente do escravismo, o tráfico foi o responsável pela importação forçada
de milhares de africanos para as Américas. Sua extinção determinou a carência de
mão - de- obra nas zonas cafeeiras. Nesse mesmo ano foi também redefinida a
questão da política de terras no Brasil. A aquisição de terra só podia ser feita através
da compra, dificultando a compra por parte dos trabalhadores livres.
Fazendeiros do oeste paulista, um dos segmentos da burguesia nacional,
defendiam a utilização da mão-de-obra livre nas plantações de café contrapondo-se
aos interesses dos escravocratas do Vale do Paraíba. A Lei do Ventre Livre e dos
Sexagenários foi criada no Parlamento Imperial como forma de proteger os
interesses dos proprietários, e assim de alongar ao máximo o sistema escravista no
Brasil.
O fenômeno econômico e demográfico denominado de Grandes Migrações,
em que milhares de pessoas atravessavam o Atlântico em direção às Américas
também foi considerado marco na passagem do século XIX para o XX
28
Klein (2000) enfatiza que as migrações para a América além das questões da
terra foram intensificadas graças ao desenvolvimento tecnológico nos meios de
transportes e comunicação. No campo do transporte sua importância traduziu-se na
substituição total da vela pela energia a vapor “[...] instalação do primeiro telegráfico
transatlântico, em 1866, e a conclusão de um primeiro conjunto de ligações
ferroviárias, por volta de 1870, em todos os principais países europeus e americanos
criaram um meio de transporte e de comunicação infinitamente mais rápido e mais
barato” (KLEIN, 2000, p.23)
As considerações de Klein (2000) permitem inferir que a intenção de migrar
ficou ainda mais favorável a partir do crescente avanço tecnológico.
Como outros países submetidos ao capital, em sua fase mercantil, o Brasil
dependia economicamente do mercado externo, embora dotado de uma produção
voltada para o plantio de café. A política de redifinição da terra no Brasil, em 1850,
era mantida por uma elite extremamente conservadora e escravocrata.
A maioria dos imigrantes vinha para o Brasil e outros países da América
desprovida de dinheiro para comprar terras. Esse aspecto permitiu por muito tempo
sua submissão aos proprietários.
Entre os anos de 1937 e 1945 o programa de assimilação inaugurou no Brasil
a Campanha de Nacionalização assistida com a finalidade de impedir qualquer
demonstração de etnicidade, como, por exemplo, o não funcionamento de escolas
particulares, em que as aulas eram ministradas em línguas estrangeiras ou
possuíam professores não naturalizados, o impedimento da regularização de
associações culturais que continha alguma aspecto étnico, a utilização publica de
línguas estrangeiras e principalmente a imposição ao serviço militar, com objetivos
específicos de implantar “[...] normas de civismo e patriotismo num contexto
missionário de abrasileiramento” (SEYFERTH, 2005, p.17).
Seyferth (2005) enfatiza que na visão dos nacionalistas, a diversidade cultural
e o sentimento de pertence realizados pela imigração não coincidiam com o princípio
do nacionalismo fundado sob a perspectiva do caldeamento ( de raças e culturas).
Esse princípio era utilizado por pensadores sociais que não se encontravam
totalmente nas políticas públicas de assimilação.
Além dessas atitudes interferiram diretamente nas vidas de muitas pessoas,
pois os sentimentos e pertencimentos étnicos não eram condizentes com aqueles
29
ditos de uma sociedade autenticamente brasileira. Assim, a campanha de
nacionalização ordenou o fim da tolerância pluralista, exigindo unificação nacional.
A constituição comunitária étnica, procedente do povoamento e da
colonização de várias regiões, ensejou o confronto frente à política intervencionista e
ganhou força e no período pós-independência, sobretudo a partir do ano de 1824,
com a fundação da colônia de São Leopoldo (RS). A promulgação da Lei de Terras
(1850) e a regulamentação do fator colonizador associado à política imigratória
intensificaram os assentamentos de estrangeiros. Esse procedimento foi
imprescindível na construção da etnicidade do imigrante italiano no Brasil.
Certamente no que diz respeito à assimilação do imigrante ao modelo
brasileiro, as heranças foram perceptíveis, pois, as mudanças sociais e culturais,
carregam elementos simbólicos de origem comum
O termo etnicidade deve ser compreendido de maneira ampla por envolver
questões sociais, mas é ligado intimamente ao conceito de diversidade cultural. A
qual envolve diferenças entre atores sociais, como língua, vestuário, tradições,
religiões e outras formas de organização institucional. A diversidade refere-se à
multiplicidade de pensamentos e à convivência com os mesmos. Envolve sobretudo
práticas sociais, o mesmo padrão num determinado espaço e ou tempo.Portanto,
enquanto fenômeno social a etnicidade pode ser produzida e reproduzida numa
dada sociedade.
Barth (1984) idealiza o termo como um conceito de organização social, que
nos concede a descrição das divisões e das relações sociais
Os conceitos de etnicidade e identidade alcançam a complexidade dos
fenômenos étnicos. Pode-se verificar que apesar da multiplicidade cultural brasileira,
o chamado nacionalismo não concedeu legitimidade a essas identidades. Em 1930,
por exemplo aumentou a dicotomia entre a etnicidade e a brasilidade.Ou seja,
estabeleceu-se a afirmação simbólica do Estado-Nação que obrigou muitas
condições à imigração.
De acordo com os dados do IBGE (Tabela 01:) o auge da imigração italiana
para o Brasil ocorreu no período de 1880 a 1930. Gomes (2002) destaca que
através desses dados, a Embaixada Italiana no Brasil apurou que os primeiros
imigrantes que partiram da Itália, na época da “Grande Imigração” foram os vênetos,
com cerca de 30/% do total seguidos dos habitantes de Campânia, Calábria e
Lombardia.
30
Esse primeiro grupo foi sucedido por emigrantes da região sul. Os vênetos
provavelmente eram aos mais loiros do que a maioria dos italianos e possuíam
pequenas propriedades ou arrendatários de terras, o que seria um estímulo para o
empreendimento da arriscada viagem. Os imigrantes do sul eram morenos, pobres e
rústicos e não dispunham de nenhuma economia, denominados de braccianti.
Os ítalo-brasileiros espalharam-se principalmente pelos Estados do Sul e
Sudeste do Brasil. Nesse caso os ítalos brasileiros são considerados a maior
população de oriundi (descendentes de italianos fora da Itália. A concentração de
quase a metade se encontra em São Paulo.
Tabela 01: Emigração italiana para o Brasil.
Emigração italiana para o Brasil, segundo as regiões de
procedência - período 1876/1920
Regiões de procedência
Emigrantes
Vêneto 365.710
Campânia 166.080
Calábria 113.155
Lombardia 105.973
Abruzzi/Molizi 93.020
Toscana 81.056
Emília Romana 59.877
Brasilicata 52.888
Sicília 44.390
Piemonte 40.336
Puglia 34.833
Marche 25.074
Lazio 15.982
Úmbria 11.818
Ligúria 9.328
Sardenha 6.113
Total 1.243.633
Fonte: Brasil 500 anos de povoamento. IBGE. Rio de Janeiro, 2000.
Os dados do IBGE dão conta de que na década de 1870, os italianos
começaram a migrar em número significativo para o Brasil, impulsionado pelas
transformações sócio-econômicas no norte da Península itálica, envolvendo,
sobretudo as propriedades rurais. Mas a
imigração em massa italiana começou a
31
ocorrer pouco depois da unificação da Itália, ocorridas em 1871. Num cenário
marcado por guerras de unificação, a Itália viveu momentos de debilitada economia
traduzida na alta taxa demográfica de desempregos.
No final do século, estudos médicos e ensaios de cunho racial propagavam a
incorporação de imigrantes europeus no Brasil com a finalidade do branqueamento
da população e “suposta melhoria de raça”, pois acreditavam que esses povos eram
superiores em muitos aspectos.
Os primeiros imigrantes italianos chegaram ao Brasil em 1875 e se instalaram
no sul, região pioneira nos movimentos demográficos, graças à facilidade de acesso.
Os italianos ocuparam as terras mais inférteis do sul brasileiro, pois, as melhores
se encontravam ocupadas por imigrantes alemães.
Nessa região os italianos se agruparam em colônias agrícolas, como forma de
amenizar o doloroso deslocamento de sua terra de origem. Conforme Sayad (1998)
a imigração define-se como um deslocamento de pessoas no espaço não apenas
um espaço físico, mas também no sentido social, político, econômico e cultural.
2.1 Políticas de imigração
O texto Imigrantes Italianos entre a italianità e a brasilidade da historiadora
brasileira Angela de Castro Gomes (2000), parte do livro Brasil 500 anos de
povoamento, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE, em
2002, reúne reflexões o fenômeno da “Grande Imigração” verificada no período entre
1870-1920.
De acordo com informações contidas no material “Estatísticas do Século
XXfornecidas pelo IBGE é possivel observar o aumento populacional que houve no
Brasil, região e municipio depois da vinda de estrangeiros, conforme mostra a Tabela
02
Tabela 02: População Geral do Brasil,Estado de Mato Grosso e Município de Corumbá e nacionalidade italiana ( 1907- 1945).
Fonte: Estatísticas do Século XX.IBGE,Rio de Janeiro, 2003 ISBN 85-240-3080-1
Estado População Superfície Densidade Crescimento
Mato Grosso 191.145 1.378.783,50 0, 139 0, 0272
Brasil 24.618.429 8.485.777,0930 2, 901 0, 0237
População do Brasil por Município e Estado (1907
-
1912)
Município/Estado 1907 1908 1909 1910 1911 1912
Corumbá 13 906 14 115 14 327 14 542 14 760 14 981
Mato grosso 178 519 180 903 183 358 185 882 188 476 191 145
Movimento imigratório no Brasil (1908
-
19
12)
Nacionalidade 1908 1909 1910 1911 1912 TOTAL
Italianos 13 873 13 668
14 163 22 914 31 785 96 403
Movimento geral de entrada de estrangeiros, segundo a condição e as nacionalidades
1938/1939
Nacionalidade
Passageiros entrados no país
1 938
1 939
Diferença
Em
1939
Permanentes Temporários
Total Permanentes
Temporários Total
Absoluto
% Absoluto
%
Italianos 1 882 650 2 532 8,72
1 004 1 002 2 006 5,22 526
Entradas e saídas de italianos
1936/45
Nacionalidades Especificação
Movimento anual
1936
1937
1938
1939
1940
1941
1942
1943
1944
1945
Italianos
Entradas 3002 3376 2 532 2 006 1 029 387 44 05 39 509
Saídas 2368 3445 1 664 1 481 636 341 467 25 115
Saldo 634 - 69 868 525 393 46 -423 05 14 394
33
Nos anos de 1907 a 1912 no item população do Brasil por municipio e estado,
percebe-se o crescememto populacional no estado de 1,07% e Corumbá com um
aumento de aproximadamnte 0,7%. Isso mostra que a entrada de estrangeiros
contribuiu para esse acrescimo.Observa-se também no movimento migratório no Brasil
que a nacionalidade italiana nos anos de 1908 a 1912 teve um numero muito
significativo, chegando a imigrarem cerca de 17912 italianos em quatro anos.No item
que apresenta o movimento geral de entrada de estrangeiros,segundo a condição e a
nacionalidade entre os anos de 1938 e 1939 é possível perceber que houve uma
queda,contabilizando uma diferença de 3,5% de imigrantes permanentes e
temporários. Todavia o movimento anual de italianos até o ano de 1945 mostra que
houve uma diminuição no processo migratório.O numero de sdas é sempre inferior
das entradas, embora nos anos de 1937 e 1942 o número de saída ultrapassa o
mero de entradas de italianos.
Gomes (2002) faz uma breve analise sobre a política migratória do propalada
pelo governo Imperial, desde os primeiras décadas do século XIX, quando
ocorreram os primeiros experimentos de colonização envolvendo assentamentos
alemães no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Essa iniciativa teve uma fase de
estagnação que durou até 1850, quando o advento da extinção do tráfico ensejou a
redifinição da política de terras:
“[..] Desde então (1850) e até a década de 1930, tal política orientou-se por
uma diretriz de franca atração de imigrantes, voltada para dois objetivos
fundamentais: a ocupação de ‘áreas vazias’ do território, geralmente
situadas em regiões de fronteiras ao sul do País, e o fornecimento de mão
de obra abundante e barata para a substituição do braço escravo nas
lavouras café.promoveram.a vinda de imigrantes que se interpusesse
‘estrategicamente’ entre senhores e escravos.” (GOMES, 2000, p. 162).
Esse tipo de imigração ficou conhecido como subvencionada ou subsidiada.
Após 1930, a imigração para o Brasil o teria mais determinação e volume até
então vigentes. O governo limitou a entrada de estrangeiros que vinham de livre e
espontânea vontade,além de questionar as razões da imigração e a nacionalidade
dos imigrantes variavam-se muito após o fim da Segunda Grande Guerra, sendo que
seu destino preferencial passou a ser as cidades e não mais o campo.
Para Gomes (2000) é possível refletir em duas etapas da imigração para o
Brasil. Uma primeira, estendendo-se de 1870 a 1903, em que ocorreu uma entrada
maciça de imigrantes, dentre os quais predominavam inquestionavelmente os
italianos; e uma outra, que se segue até 1930, quando houve maior diversificação de
34
nacionalidades, mas onde os italianos continuaram com peso significativo. Neste
ínterim, é bom assinalar uma razoável contração do fluxo imigratório devido à
Primeira Guerra Mundial e ao término, na década de 1920, da prática da imigração
subvencionada.
Outro motivo gerador da politíca imigratória brasileira centrou-se na na
intenção de promover a teoria e a prática do branqueamento, baseado na idéia de
que através da miscigenação podia ocorrer a purificação da raça negra a partir da
mistura com o “sangue branco”. Dentro dessa lógica, negros e mestiços tenderiam a
desaparecer por completo.
Desta forma foi criada a idéia de democracia racial, idéia propagada para o
mundo como sendo o Brasil o “paraíso das raças miscigenadas”. A esse respeito a
pesquisadora, Deus (2000, p. 1-2) explica que a tese do branqueamento baseava-
se na suposta superioridade branca, deixando aberta a questão de a raça negra ser
de inferioridade inata. A idéia era miscigenar para embranquecer, jamais para
empretecer.
A política de branqueamento era não acreditada pela população como
possível de ser implementada, como igualmente desejável e auspiciosa para que
nos tornássemos mais civilizados diante de nossos próprios olhos e aos olhos do
mundo. Por ser mais branco e instruído era considerado apropriado e confiável para
desenvolver as atividades que o Brasil estabelecia como política. Provavelmente
esse contingente migratório teve muita importância, principalmente
quantitativamente que entre 1870 e 1920, momento áureo do largo período
denominado como da Grande Imigração, os italianos correspondiam a 42% do total
dos imigrantes entrados no Brasil, ou seja, em 3,3 milhões de pessoas. Desse total,
1,4 milhão eram os italianos.
Outra questão foi o fato de que os italianos correspondiam a um tipo ideal,
devido às orientações que dirigiram as políticas de atração de imigrantes. Ou seja, o
italiano representava o perfil de imigrante ideal, valorizado tanto por autoridades
públicas e por intelectuais, quanto pêlos empresários privados diretamente
envolvidos na arregimentação de imigrantes (GOMES, 2000, p. 161).
De acordo com Gomes (2000) o fato dos italianos serem povos de origem
latina, teria sido avaliado como vantagem capaz de promover aproximações de
várias naturezas, com língua, religião e costumes, os quais seriam mais facilmente
assimiláveis por nossa sociedade do que os alemães ou japoneses“ não oferecendo
35
os riscos de formação de núcleos étnicos que, no limite, pudessem ameaçar a
integridade de nosso território e a segurança de nossa nacionalidade.”(GOMES,
2000, p.161)
A principal política de imigração subvencionada para a sucessão do processo
abolicionista é, portanto, muito clara, uma vez que o imigrante era entregue ao
fazendeiro sem necessidade de qualquer tipo de indenização. Sem esta seria
praticamente impossível libertar o imigrante do jugo do fazendeiro, o qual financiava
viagem (passagem e alojamento) e trabalho inicial na lavoura.
Isto significa que toda essa despesa devia ser paga, bem como as compras
empreendidas nas vendas das fazendas. Com esta condição o imigrante ficava nas
mãos do fazendeiro, desencadeando seu processo de endividamento, aliado a uma
mentalidade escravista, aspecto gerador de conflitos e tensões em graus muito
variados entre colonos e proprietários, ainda não habituados ao trato com homens
livres e convencidos de que o imigrante deveria trabalhar alguns anos antes de
poder comprar sua terra ou abandonar a fazenda.
Alguns italianos, tornaram, por excelência, os colonos das fazendas de café,
fator estimulante para outros imigrantes se deslocassem para o Brasil. Por meio do
colonato, cada família cuidava de um número de pés de café, recebendo por cada
mil pés uma certa quantia em dinheiro.
Segundo Gomes (2000) no período da safra, a família ficava responsável, via
sorteio, por uma parte do cafezal, recebendo pagamento proporcional ao café
colhido. Além disso, tinha direito à casa e quintal, onde podia criar animais e fazer
horta. Podia igualmente plantar milho e feijão entre as fileiras do cafezal que
estivessem a seu cuidado, garantindo sua subsistência e também a da própria
fazenda, embora raramente pudessem dispor de excedente para comercializar.
Em linhas gerais, era muito conveniente ao fazendeiro a construção de teias
de relações, as quais geravam poderosos meios de dependência dos colonos para
com a fazenda, limitando sua mobilidade geográfica e até pessoal.
Entretanto a grande massa de italianos que se tornava colono ou empregado
de uma fazenda de café trabalhava em condições muito difíceis, tendo pequenas
oportunidades de acumular dinheiro. Era minoria os imigrantes que realizavam o
sonho da compra de uma pequena propriedade .
Um dos destinos dos imigrantes,sobretudo os italianos, foram as cidades de
São Paulo, Rio de Janeiro e arredores, por ser a capital do País e por ser também
36
um dos portos mais importantes de chegada de imigrantes. Os italianos se
constituiriam na grande massa do operariado da indústria paulista nascente e
desempenhariam inúmeras tarefas urbanas ligadas ao setor de serviços
De qualquer forma, como operário industrial, o imigrante recebia baixíssimos
salários, cumpria longas jornadas de trabalho e não possuía qualquer tipo segurança
no trabalho. Para o imigrante, o sonho da casa própria era quase comparável ao do
pedaço de terra, significando material e emocionalmente uma grande conquista.
Todos os seus esforços deviam ser mobilizados para sua consecução, que se
sobrepunha a qualquer outro símbolo de sucesso ou desejo de consumo.
Conforme Gomes (2000) alguns imigrantes italianos se comprometiam com
movimentos grevistas e participavam de associações, ligas e sindicatos. Muitas
vezes, transformavam-se em posições de lideranças, mas é um engano achar que
eram os estrangeiros que traziam tais idéias exóticas para o Brasil, apontando-as
entre os trabalhadores nacionais, apregoados como pacíficos e despolitizados pelas
autoridades políticas e policiais da Primeira República.
Gomes (2000) salienta que este é um dos mitos que se consolidou por
interesses nada inocentes capazes de sustentar imagem do imigrante como homem
instruído e politizado, em oposição ao brasileiro.
Nessa versão o trabalhador nacional era “valorizado” por ser considerado um
segmento de pouco conhecimento e de muita alienação e por consequência de fácil
manipulação.Na condição de operários, era muito difícil ao imigrante ter qualquer
tipo de ascensão socio-econômica.
Não é casual que italianos e estrangeiros em geral desejassem trabalhar por
conta própria. Algumas das atividades caracterizavam quase uma especialização
étnica, na medida em que grupos procedentes de um país e de uma de suas
regiões formavam redes de ajuda mútua, envolvendo tanto a família quanto o
trabalho.
Gomes (2000) destaca que a vantagem de não trabalhar para o patrão
crescia bastante, pois permitia a acumulação de capital cujos os ganhos eram
divididos.
Esta é, aliás, uma das características mobilizadas para a constituição de uma
identidade étnica em distinção aos brasileiros, considerados, por definição, menos
instruídos, mais preguiçosos e malandros, além de menos brancos. Com essa
construção pautada no referencial étnico os imigrantes italianos reiteravam o
37
discurso que os arregimentou em seu país de origem, e que lhes atribuía uma
capacidade de trabalho e de aprendizagem superior aos nacionais.
O culto ao trabalho e devoção à família, bem como as histórias
compartilhadas sobre italianos que ascenderam na vida, são elementos importantes
para se compreender a construção de uma identidade étnica, de italianitá, que
precisava, antes de mais nada, ultrapassar as referências regionais predominantes
em fins do século XIX, manifestando-se significativamente pelo uso de dialetos
vistos como signos culturais.
Enfim, os novos imigrantes, desde os anos de 1950 e 1960, seriam sobretudo
trabalhadores industriais e crescentemente técnicos e executivos de empresas
italianas, as quais, vieram abrir filiais no Brasil. A Itália tornou-se um dos países
mais modernos e ricos da Europa, sendo a terra de canções e de massas
saborosas, mas sendo também a terra da arte clássica e da ciência e tecnologia de
ponta. Quando, nos anos de 1970, foram comemorados os 100 anos de imigração
italiana, esta Itália multifacetada foi festejada no Brasil, país onde um número cada
vez maior de jovens descendentes deseja sua dupla cidadania.
Trata-se, segundo Gomes (2000), de uma Itália que só existe no Brasil,
traduzida na forma de manter os vínculos com a terra natal, hábitos alimentares e
muitos outros costumes que se perpetuaram, via guardiões da tradição familiar e de
aldeia
3 ITALIANOS EM ESPAÇO CORUMBAENSE E SUA CONTRIBUIÇÃO
MATERIAL E IMATERIAL
3.1 Corumbá e o processo migratório
Segundo Póvoas (1982), em suas reflexões sobre as Influências do rio da
Prata havia italianos em Corumbá antes mesmo da ocupação paraguaia em 1865.
O intercâmbio com o exterior estimulou a atividade comercial das localidades
ribeirinhas, como Corumbá, Cuia e Cáceres. Corumbá prosperava
vertiginosamente atraindo ainda mais “forasteiros” para a região.
O historiador mato-grossense Virgilio rrea Filho (1969) salienta na obra
História de Mato Grosso que na segunda metade do século XIX, a abertura à
navegação do Paraguai permitiu o transito de forasteiros que de outra maneira
dificilmente alcançaria a Província. “São italianos, franceses, em menor número,
uruguaios e argentinos, que em geral, de Buenos Aires se decidem a navegar água
acima, até Corumbá, Cáceres ou Cuiabá, onde se fixam” (CÔRREA FILHO, 1969,
p.113).
Entretanto, o mesmo autor em seu artigo O Porto de Corumbá (1936) faz
interessante observação sobre o trancamento do rio Paraguai nos idos de 1864: do
mesmo rio que lhe causara o florescimento admirável, surgiria a causa de repentino
colapso em que soçobrou a sua atividade pacífica”. Violada as normas diplomáticas
de direito internacional, a navegação ficou impedida, a partir do decreto nº. 3.360, de
12 de dezembro de 1864. A Guerra do Paraguai deflagrada em 1864 manteve
interrompida, por cinco anos, a navegação comercial em águas paraguaias e
brasileiras (BRAZIL, 1999, p. 217).
À época do Conflito, Vicente Solari e o português, filho de italianos, Manoel
Cavassa, juntamente com muitos brasileiros tornaram-se prisioneiros e foram
levados para Assunção, de onde retornaram depois do fim da Guerra do
Paraguai, em 1870. Mas o maior fluxo migratório para Corumbá e o restante da
Província ocorreram entre no período de 1890 e 1930, quando a economia mato-
grossense, ligadas ao comércio internacional, foi reativada com o fim do Conflito e,
conseqüente abertura para o Prata, (Argentina, Paraguai e Uruguai). As novas
39
aproximações ocorreram e permitiram a penetração de estrangeiros na região
através da navegação fluvial. (Figura 01)
O espaço passou a experimentar significativas modificações a partir de
diferentes experiências históricas e de deslocamentos de grupos populacionais
oriundos da Europa, que alcançava os países do Prata e daí reemigravam para Mato
Grosso através do Rio Paraguai, conforme explicou através de entrevista concedida
por Mário Rizzo (2008), descendente de imigrantes italianos radicalizados em
Corumbá: “Assim vieram os Italianos. E por perseguição dos outros, subiram o Rio
Paraguai, muitos permaneceram no Paraguai. Os aventureiros e marinheiros eram
sempre solteiros, e casaram por aqui e muitos vieram já casados do Uruguai”. .
Gomes (2005, p.16), em seu livro “Viveres, fazeres e experiências dos
italianos na cidade de Cuiabá -1890/1930 lembra que o deslocamento dos italianos
para Mato Grosso passava primeiramente “por fases de fixação nos países do
Prata”.Povoas (1982),também observa que as notícias dos acontecimentos ocorridos
no litoral platino e brasileiro chegavam ao sertão através do rio Paraguai A influência
platina era tão forte que, segundo o autor algumas famílias mandavam seus filhos
para serem educados em Montevidéu ou Buenos Aires.
A partir dos portos platinos inúmeros migrantes alcançavam as terras mato-
grossenses em busca de melhores condições de vida, conforme considerações de
Póvoas (1982, p.17) “[...] contavam-se muitos europeus, especialmente italianos e
espanhóis que haviam feito estágios nas repúblicas do Prata, inclusive
absorvendo os hábitos de seus povos”
40
Figura 01: Trajeto dos imigrantes italianos desde Itália até Mato Grosso via Bacia do Prata. (Edição:
Omar Daniel – FCA/UFGD).
41
3.2 Os primeiros italianos e a organização material do espaço
Segundo Póvoas (1982), logo depois da Guerra do Paraguai, o imigrante
italiano Francisco Barbato teria aportado em Corumbá. Alguns dados levantados por
Lenine Póvoas indicam que Solari, Cavassa e Barbato teriam sido os primeiros
estrangeiros, sobretudo, italianos ou ítalo-brasileiros, a chegarem à antiga cidade de
Corumbá.
Ponce Filho (1952) conta de que entre os anos de 1873-1882 ocorreu a
chegada desses dois construtores italianos José Fragelli e Martino Santa Lucci na
localidade corumbaense. O segundo teria sido responsável por edificações dotadas
de sotéias planas distintas, portanto, das construções portuguesas, que preferiam os
telhados coloniais conforme evidenciam as Figuras (2, 3 e 4). Antes de migrar para
Corumbá, Martino Santa Lucci residiu por algum tempo na República Argentina,
especificamente na Província de Rosário de Santa Fé.
Ponce Filho (1952) destacou a semelhança dos edifícios locais construídos
pelos italianos e as edificações de Nápoles, nas cercanias do Vesúvio. Lembrou que
o citado construtor Fragelli, quando chegou a Corumtrabalhou em rudes tarefas e
depois de alguns anos, dispondo de situação econômica relativamente estável
passou a desenvolver atividades ligadas à construção.
Cancian (2006) ao estudar a relação entre escravidão e arquitetura em
Corumbá lembra que o se sabe se Fragelli dominava as técnicas de construir,
ou se depois ele se dedicou à arte, ou se teria desenvolvido a prática no Brasil ou no
Uruguai. Neste último país Fragelli havia desenvolvido atividades ligadas ao
pastoreio de carneiros, antes de imigrar para Corumbá.
O conjunto arquitetônico de Corumbá, construídos com a ajuda dos
construtores italianos foi baseado no neoclássico, estilo existente no interior de
Assunção, capital paraguaia, nos antigos subúrbios da cidade portenha de Buenos
Aires, nas cidades do interior do Uruguai e na grande parte das cidades gaúchas da
Campanha. Por isso a cidade de Corumbá tem sido caracterizada como a cidade
platina brasileira.
Para Certeau (1996, p. 201-202) o conceito de lugar tem a conotação de
definição geográfica. O espaço, por sua vez é “um lugar praticado”, que emerge da
ação material e cultural dos homens, quer pela criação, quer pela invenção.
42
Os conceitos, cunhados por de Certeau (1996), dão suporte para explicar que
a organização do novo espaço pelos italianos migrados para o Mato Grosso,
especificamente para a cidade de Corumbá, entre 1870 a 1930, refletiu o passado
de experiências singulares, de movimentos sociais, deslocamentos, adequações às
particularidades geo-ecológicas e fixação e de organização da vida material.
Inúmeros estrangeiros chegavam instalaram-se em lugares abertos às apropriações
e promoveram múltiplas transformações matérias e culturais.
0
Figura 04: Casa Vasquez & Filhos. Construção concluída em 1898. Obra do
arquiteto Martino Santa Lucci Ladeira José Bonifácio nº171. Edificação
inspirada no art- noveau. (Foto: BRASIL, M. S., 2007)
Figura 02: Edificação da Rua 13 de junho
esquina com 15 de novembro. Em 1914 serviu
de hotel, denominado “Hotel Royal”. AYALA,
S.Cardoso; (Foto: BRASIL, M. S., 2007).
Figura 03: Edificação de 1896, construída pelo
arquiteto Martino Santa Lucci. Abrigou a
Alfândega de Corum e está localizado no
porto. (Foto: BRASIL, M. S., 2007).
43
A trajetória de vida daqueles que participaram desse processo imigratório
rumo ao território mato-grossense, em seus diversos itinerários coletivos e/ou
individuais, expressa as particularidades e o caráter desse movimento.
O texto escrito por Gomes (2005) ajuda refletir sobre o fenômeno migratório
italiano, verificado no território mato-grossense, em suas diversas formas e
especificidades. Suas reflexões ajudam a compreender que existe um tempo
construído pelo sujeito, que é o tempo subjetivo, em que se expressa a
singularidade dos seus protagonistas. O tamanho dessa expressão pode ser
assimilado na própria abundância da existência humana, levada por necessidades,
costumes e particularidades, envolvendo sonhos, desejos e expectativas. Nessa
acepção a materialização de um sonho exige um tempo, ou seja, um tempo
particular de cada sujeito histórico.
3.3 Italianos em Corumbá: reterritorializando o espaço
Para explicar a reterritorialização dos italianos no espaço corumbaense
procuramos considerar as relações, conexões e complexidade dos mesmos frente à
nova realidade. Para tanto foi necessário pesquisar em que lugar da cidade os
imigrantes se instalaram, quando da sua chegada na cidade de Corume como
deu a adaptação, a receptividade, o modo de vida, hábitos e costumes desses
imigrantes.
De forma geral os italianos fixados em Corumbá estiveram espalhados em
diversos pontos da cidade. Entretanto, depoimentos orais e registros de patrimônios
reunidos nos cartórios locais, dão conta de que, os italianos apresentaram uma
reterritorialização no espaço corumbaense, pois, de acordo com Haesbaert
(1994.p.214) mais do que a desterritorialização desenraizadora,manifesta-se um
processo de reterritorialização espacialmente descontínuo e extremamente
complexo.
Evidentemente, a reterritorialização dos italianos não se apresentou na
mesma dimensão do tradicional bairro da Moca em São Paulo, onde a concentração
dos italianos foi estigmatizada como territórios diferenciados. Ainda que pequena, a
reflexão sobre a aglutinação dos estrangeiros num determinado lugar da cidade
permite a apreensão das vivências e experiências da comunidade. Constituída de
44
famílias distintas, a comunidade incorpora à reterritorialidade, não somente a forma
de trabalho, mas aspectos sociais e culturais.
Segundo Rolnik (1999) a territorialidadade é a ação subjetiva dos sujeitos no
espaço, pois uma rua, por exemplo, é carregada de história e está carregada de
memória, que também está carregada, de experiências que o sujeito teve, que seu
grupo teve e que a história de seu grupo naquele espaço teve” (ROLNIK, 1999,
p.28). No caso de Corumbá, a comunidade de imigrantes italianos, constituídas de
famílias distintas, incorporou à reterritorialidade, não somente a forma de trabalho,
mas aspectos sociais e culturais. Haesbaert (2004) destaca que as razões do
controle social pelo espaço variam conforme a sociedade ou cultura, o grupo e,
muitas vezes, com o próprio indivíduo. Desta forma, o poder de controle no território
desencadeia grande influência nas pessoas, fenômenos e relacionamentos.
A pretensão dessa pesquisa também foi localizar imigrantes italianos em
diferentes situações e experiências no espaço urbano de Corumbá, buscando
perceber a dimensão social desse movimento imigratório, assim como os territórios e
as relações constituídas por estes estrangeiros nesse espaço.
Ao explorar anúncios e propagandas em jornais de Corumbá, editados no
final do século XIX e primeiras décadas o século XX especificamente o Brazil, foi
possível enumerar alguns estabelecimentos comerciais e profissões, distribuídos por
ruas, de propriedade de imigrantes italianos ou mesmo em sociedade com pessoas
de outras nacionalidades, entre os anos de 1902 e 1909, conforme a Tabela abaixo:
Tabela 03: Estabelecimentos Comerciais e Profissões dos Italianos na cidade de
Corumbá – MS (1903)
Italianos
Nome/ Rua
Industria e profissão
Jornal
Data
André Mônaco Delamare Açougue O Brazil 12/04/1903
Ângelo Calcagni Delamare Oficina de ferreiro O Brazil 12/04/1903
Ângelo Pécora Ladário
Três carros de condução de
cargas, um carro de condução de
águas, um carro de condução
O Brazil 12/04/1903
Antônio Albaneze Delamare Sapateiro O Brazil 12/04/1903
Antônio Mantero Rua do Porto Oficina de carpinteiro O Brazil 12/04/1903
Câneppa Fratelli Rua do Porto Armazém de 2ª classe O Brazil 12/04/1903
Celestino Vernoch Frei Mariano Taverna de 2ª classe O Brazil 12/04/1903
Felippe Salomoni Delamare Taverna 2ª classe O Brazil 12/04/1903
Ferrari & Irmãos Delamare Fotografia O Brazil 12/04/1903
45
Francisco Albaneze 13 de junho
Um forno de cal, três carros de
condução de material, um carro
de condução de água
O Brazil 12/04/1903
Francisco Calábria Tiradentes
Três carros de condução de
material, um carro de condução
de água, empregado de obras
O Brazil 12/04/1903
Gio Carlos Lombardi Delamare Taverna de 2ª classe O Brazil 12/04/1903
Ignácio Fontanillas Delamare Armazém de 2ª classe O Brazil 12/04/1903
José Fragelli Tiradentes
Três carros de condução de
material, um carro de condução
de água, um forno de cal
O Brazil 12/04/1903
Laroca Mônaco &
Companhia
Delamare
Taverna de 2ª classe, Padaria
O Brazil 12/04/1903
Laroca Mônaco &
Companhia
Rua do Porto
Armazém 2ª classe
O Brazil 12/04/1903
Martino Santa Lucci 13 de junho
Empreiteiro de obras, empreiteiro
de hidráulica
O Brazil 12/04/1903
Miguel Mamoré
Antônio
Maria
Carpinteiro
O Brazil 12/04/1903
Miguel Pécora 15 de agosto Taverna de 1ª classe O Brazil
Mozzili & Silva Delamare Alfaiataria, Loja de 2ª classe O Brazil 12/04/1903
Natlhálio Giordano 13 de junho
Dois carros de condução de
materiais, um carro de condução
de água, um forno de cal
O Brazil
12/04/1903
Martinez & Otonelli
Rua
Liberdade
Padaria
O Brazil 12/04/1903
Paschoal Santa Lucci
Rua
Liberdade
Botequim
O Brazil 12/04/1903
Rebuá & Orlando Rua do Porto Vapor “ Hex O Brazil 12/04/1903
Roque Muzzio Delamare Ourives O Brazil 12/04/1903
Santiago Solari Delamare
Um carro de condução de
material
O Brazil 12/04/1903
Santiago Solari Delamare Taverna de 2 classe O Brazil 12/04/1903
Savério & Mandetta Delamare
Armaria Mandetta, oficcina de
espingardeiro,Taverna de
classe,.
O Brazil 12/04/1903
Fonte: Jornal o Brazil 1903 Arquivo Público de Cuiabá p. 3/4 (novembro de 2008)
Entre diversas maneiras de criar, fazer e trocar experiências, os imigrantes
italianos transformaram principalmente as ruas do Porto e Delamare e imediações
46
em lugares de moradia e trabalho, formando uma cartografia de relações sociais no
espaço urbano.
Nessas ruas encontravam-se uma multiplicidade de pequenas e grandes lojas
comerciais,vendendo e consertando, atendendo ao público de acordo com suas
necessidades. Certamente a presença de comerciantes italianos no espaço urbano
corumbaense, com seus produtos diversificados e sofisticados, influenciou no
comportamento da sociedade corumbaense.
Do ponto de vista histórico os diversos estabelecimentos comerciais
construídos ao longo desse processo revelam, ao mesmo tempo a dinâmica, relação
social entre nacionais e estrangeiros, como também agregação entre os mesmos no
ramo de negócios. Havia porém distinções de estilos e estéticas nas configurações
de estabelecimentos. Dirigidos por imigrantes de origem diversa
A particularidade temporal e a ação subjetiva desses estrangeiros no
processo de construção de uma nova vida em terra desconhecida exprimem, de
maneira geral, modos de ações e experiências singulares, que deixaram marcas
profundas desse movimento na sociedade corumbaense.
Os dados coletados sobre a reterritorilização dos italianos em Corum
indicam que eles, primeiramente, se organizaram em colônia situada na Rua
Tiradentes, onde antigamente era a parte central da cidade, conhecida como Largo
da Cadeia (Figura 05)
Figura 05: Largo da Cadeia: territorilização dos italianos em Corumbá. Fonte: Pedraça, Davi; PEREIRA Joelson Gonçalves. Planta baseada em
fotointerpretação, complementada com levantamento de campo. Prefeitura municipal de Corumbá / Laboratório de geoprocessamento, 1994.
48
O Largo da Cadeia foi uma praça, cuja denominação era utilizada, por se
localizar nas proximidades do presídio público, construído no final do século XIX e
tendo funcionado por longos sessenta e cinco anos. Atualmente funciona como a
casa do artesão, onde a exposição de couros,madeira cerâmica, trabalhos em
pintura e trabalhos em crochê, além de artesanato indígena
Esse acampado era o local onde eram realizadas as reuniões, festas,
casamentos, aniversário entre outros. Colocavam uma enorme mesa, com as mais
variadas massas italianas, bebidas e músicas típicas e comemoravam
praticamente o dia todo.
Nesse espaço organizado os imigrantes passavam a fazer parte do
cotidiano da cidade. Como “praticantes do espaço”, no dizer de Certeau (1996),
estreitavam relações com os segmentos nativos e demais moradores e
desempenhavam atividades comerciais ou ofícios manuais.
Aspectos da reterritorialidade dos italianos em Corumbá foram recuperados
recorrendo à história para realizar a “investigação-testemunho” e a memória, como
suporte para encontrar os sujeitos coletivos e definição dos laços de identidade:
3.4 Italianos em Corumbá: Quantos eram?
De acordo com os dados levantados em 1890, pelo censo demográfico de
Mato Grosso, o número de brasileiros naturalizados era de 11.072 e o número de
nacionalidades não declaradas era de 1.038. Em 1920 Mato Grosso contava
com 25.264 estrangeiros radicados em terras mato-grossenses.
Segundo a pesquisadora Peraro (1997), esse número de migrantes via
Bacia Platina ainda era pouco expressivo, ao que tudo indica, havia a
possibilidade desses estrangeiros terem ficado fora da contagem de estrangeiros
nos municípios de Mato Grosso: “Não seria possível que tais estrangeiros
tivessem escapado da contabilização por falta dos recenseadores e/ ou por atitude
de sonegação de informação por parte dos próprios imigrantes?” (PERARO, 1997.
p. 89 apud GOMES, 2005, p.72).
49
A Tabela abaixo aponta o número de entrada e saída de estrangeiros na
Província de Mato Grosso, entre os anos de 1884 e 1886, demonstra dados
relacionados ao fluxo migratório para Mato Grosso.
Tabela 04: Da “entrada” e “saída” de estrangeiros da província de Mato Grosso
Fonte: Relatório do Chefe de Polícia Interino da Província de Mato Grosso -1884-1886.
Secretaria de Mato Grosso. Cuiabá: Arquivo Público de Mato Grosso, Livros 70 b e 71.
Consta nesse mapa que, no período de 1884 a 1885 entraram em Mato
Grosso 242 estrangeiros, 186 do sexo masculino e 56 do sexo feminino, 5 com
População
1884/1885
1885/1886
Entraram
Saíram
Entraram
Saíram
Sexo
Homens 186 102 285 135
Mulheres 56 45 117 91
Total 242 148 402 226
Nacionalidades
Italianos 56 36 25 16
Franceses 10 6 4 2
Ingleses 6 4 2 -
Paraguaios 69 42 276 174
Orientais 9 5 8 -
Argentinos 38 24 16 3
Espanhóis 21 13 39 17
Bolivianos 13 8 14 8
Austríacos 2 2 - -
Portugueses 10 3 11 3
Nortes-Americanos 6 5 4 -
Gregos 2 - - -
Alemães - - 3 3
Família
Com 5 4 20 4
Sem 237 144 382 222
Destino
Transitório 86 - *Não há
descrição
-
Para residir 11 - -
50
família e 237 sem família, 86 com destino transitório e 11 para residir. No
período entre 1885 e 1886 entraram 402 estrangeiros, 285 homens e 117
mulheres, 382 sem família e 20 com família.
A tabela demonstra que o numero de entrada de estrangeiros em Mato
Grosso foi maior que a saída, apesar de apontar um índice de mobilidade dos
estrangeiros na Província, do que de se fixaram. No caso dos italianos, observa-se
que neste período de 1884 a 1886, entraram em Mato Grosso 81 e saíram 52,
permanecendo 29. O Relatório da Secretaria de Província de Mato Grosso,
sediado em Cuiabá, apresenta dados populacionais coletados envolvendo as
demais cidades da Província.
Como grande parte dos imigrantes que entraram em Mato Grosso dirigiu-se
para as principais cidades portuárias da Província (Corumbá, Cuiabá e Cáceres,
respectivamente) é possível inferir que o Porto de Corumbá, por sua localização
às margens do rio Paraguai e por estabelecer intensa relação econômica, social e
cultural com os países do Prata, teve o maior fluxo migratório que as demais
cidades no período de 1884-1886.
O censo de 1920 ofereceu diversas informações referentes à população
estrangeira em Mato Grosso e municípios. Segundo Gomes (2005, p. 74-75) este
censo apresenta maior confiabilidade em relação aos outros recenseamentos
realizados entre 1870-1920, arco temporal da presente investigação
Nesse levantamento populacional, foram contabilizados 25.321 estrangeiros
em todo o estado de Mato Grosso, divididos em: três grupos étnicos e cerca de 30
nacionalidades européias, predominando a presença de portugueses, italianos,
espanhóis, gregos, ingleses, alemães, franceses e outros; latino-americanos, com
destaque para paraguaios, argentinos, bolivianos, peruanos, uruguaios e outros;
asiáticos, com turcos-asiaticos, japoneses e outras nacionalidades não
identificadas na capital mato-grossense foram arrolados 441 estrangeiros,
predominando a presença de italianos, portugueses, alemães, franceses,
espanhóis e outros.
É importante ressaltar que em todo o estado de Mato Grosso foram
contabilizados 810 italianos e 112 na cidade de Cuiabá. Em relação às demais
51
nacionalidades européias, o número de italianos na capital mato-grossense
supera em cerca de 46% sobre os portugueses, 81% sobre os alemães e
franceses, 90% sobre os espanhóis e outros., como mostra a Tabela
Tabela 05: População estrangeira de Mato Grosso e de Cuiabá, segundo as
nacionalidades até 1920
Nacionalidade Mato Grosso Cuiabá
Alemanha 19 117
Áustria 3 34
Bélgica 1 10
Dinamarca - 4
França 19 109
Grécia 4 150
Espanha 12 570
Holanda - 3
Hungria - 6
Inglaterra 1 118
Itália
112
810
Polônia 5 54
Portugal 60 1310
Rússia 1 24
Suécia - 5
Suíça 2 10
Outros paises - 20
Argentina 8 2232
Bolívia 13 2090
Canadá - 3
Chile 1 12
Cuba - 5
Estados Unidos 8 31
México - 4
Paraguai 63 13118
Peru - 1038
Uruguai 13 488
Venezuela - 5
Outos países - 560
Japão - 514
Turquia Asiática 91 1232
Paises diversos ou indeterminados
5 34
Fonte: BRASIL. Diretoria Geral de Estatística. Recenceamento do Brasil em 1 de
setembro de 1920. Rio de Janeiro: Typografia da Estatística, 1922-1930, v. 4, parte 1.
52
È claro as relações quantitativas de imigrantes italianos capital do Mato
Grosso, porém de pouca importância, se comparamos ao fluxo imigratório ocorrido
na região centro sul, todavia, a pesquisa em questão não se limita pela
quantificação e sim pela contribuição e participação no processo de constituição
social e cultural da cidade de Corumbá.
Convém lembrar que no ano de 1873, logo após a restauração do município
de Corumbá, quando os limites foram demarcados, foi criada a comarca de Santa
Cruz. Nesta ocasião houve a necessidade de se fazer o recenseamento, pois, foi
iniciada as obras do arsenal da Marinha em Ladário, atraindo numero significativo
de indivíduos que se empregaram na construção, aumentando, desta forma o
número da população. A Tabela 06 abaixo mostra o recenseamento de 1872, por
sexo, estado civil, instrução fornecido pela província de Mato Grosso.
Tabela 06: Recenseamento de 1872 (População de Santa Cruz de Corumbá)
Fonte: Recenseamento feito no ano de 1872 - Províncias de Matto Grosso, Cx. 1872. ArMT
De acordo com a tabela verifica-se que havia cerca de 1680 homens,
dentre os quais, 371 casados, 1191 solteiros e 117 viúvos. Desse número,apenas
536 sabiam ler e 1143 eram considerados analfabetos.As mulheres totalizavam
1407, sendo 390 casadas, 934 solteiras e 83 viúvas. Somente 64 sabiam ler e
1343 eram alfabetizadas.
3.5 Resgatando lembranças
As reflexões aqui apresentadas resultaram da compreensão de memória
utilizada por Pollack (1992), em especial seus entendimentos sobre memória
individual e coletiva.
Sexo Estado civil Instrução de casas
Fogos
Dos homens Das mulheres Dos homens Das mulheres
Homens
Mulheres
Total
Casados
Solteiros
Viúvos
Casadas
Solteiras
Viúvas
Sabem ler
Analfabetos
Sabem ler
Analfabetas
Habitadas
Desabitadas
1679 1407 3086 371 1191 117 390 934 83 536 1143 64 1343 116 - 130
53
As informações esboçadas nesta parte da abordagem foram fornecidas
por atores sociais a partir da permanência da memória coletiva de seus
predecessores. Estes produziram reminiscências individuais de acontecimentos
vivenciados coletivamente e em geral, reforçam o sentimento de pertencimento ao
grupo aqui fixado a partir do século XIX. Com base na classificação de Pollack
(1992), adotamos a idéia de memória coletiva para analisar o segmento italiano de
Corumbá, considerando que da mesma memória emerge o sentimento de
pertencimento à comunidade ou de idéia de identidade local.
Vale destacar que a matriz norteadora de Pollack (1989) está na definição
de memória coletiva formulada por Maurice Halbwachs (1990), sociólogo francês
da escola durkheimiana, o qual foi detido pela Gestapo após a ocupação nazista
de Paris e deportado para Buchenwald, onde foi executado em 1945.
Halbwachs (1990) escreveu uma tese sobre o nível de vida dos operários, e
sua obra mais célebre foi o estudo do conceito de memória coletiva, que ora
recorremos para a presente análise. Neste esforço de pensar o conceito de
memória, para construir o discurso sobre o segmento ítalo que se instalou na
cidade de Corumbá, tornou-se fundamental o retorno às idéias de Halbwachs
(1990) que, em 1925, elaborou uma espécie de “sociologia da memória coletiva”.
Trabalhos importantes como Les Lieux de Mémoire do historiador Pierre Nora de
1984 e Memória, Esquecimento, Silêncio e Memória e Identidade Social do
historiador Pollak (publicados respectivamente em 1989 e 1992) encontram-se em
constante diálogo com a obra de Halbwachs.
Pollack (1992) destaca que tanto um fenômeno individual como coletivo, as
características são absolutamente imutáveis, invariantes,quando afirma que ao
realizamos entrevistas,é perceptível que o entrevistado volta muitas vezes num
mesmo acontecimento, num determinado período de vida, provavelmente o que
mais o marcou. É como se houvesse uma solidificação, que talvez impossibilitasse
a ocorrência de mudanças de transformações. Em certo momento alguma
lembrança passa a tomar conta do imaginário, tornando realidade por um
determinado espaço de tempo.
54
Pollack (1992, p.2) faz uma diferenciação entre os elementos
constitutivos da memória individual e coletiva. Primeiramente são os
acontecimentos vividos pelo indivíduo e o outro são os acontecimentos vividos por
tabela, ou seja, acontecimentos vividos pelo grupo ou pelo grupo à qual a pessoa
se sente pertencente.
Sob o aspecto de memória percebeu-se durante as entrevistas que os
descendentes carregam lembranças vivas de seus antepassados, como se as
histórias ou fatos relatados por eles, os fizessem fazer parte, se pertencesse
àquele momento.
De fato, foi possível perceber ao longo das entrevistas que os
descendentes ao falar do passado registraram orgulho, entusiasmo e
principalmente da contribuição que os mesmos deixaram em Corumbá.
3.6 Italianos em Corumbá: Quem eram?
Em consulta documental ao Cartório do Segundo Oficio Acylino X. do Valle,
foi possível perceber através dos registros de casamentos dos italianos, que
muitos se casaram com pessoas da mesma nacionalidade, mas também era
freqüente o número de casamentos com nacionalidades diferentes, desde
europeus, corumbaenses até os oriundos dos países do Prata, como mostra a
Tabela 07.
55
Tabela 07: Relação de matrimonio, profissão e naturalização dos italianos em Corumbá – MS ( 1896-1931)
Marido/Esposa Data de Nascimento Naturalidade Esposo/Esposa Profissão Idade Esposo/Esposa
Antonio Albanez / Ângela Grossa 05/09/1896 Reino da Ilia Não identificada 44/22 anos
Santiago Solare / Apolonia Calcagne 18/11/1899 Negociante 35/17 anos
Antonio Mandetta / Joanita Monaco 21/12/1895 Reino da Ilia Alfaiate
Gilvane Carlos Lombardi / Joannita Cavassa 02/11/1889 Marido- reino da Ilia/ Esposa- Paraguai Artista Marido-32 anos
Nicola Jordano /Carmelha Marmora 04/04/1896 Marido-Reino da Ilia/ Esposa- Republica do Uruguai - 24/22 anos
Natalio Giordani/Maximiana Amelia de morais 11/04/1896 - - 21/17 anos
Cyriaco Carretoni/ Maria Rita Martins 7/7/1901 - - 21/23 anos
Domingos Albanez / Maria Helena Calabria 28/111903 Reino da ilia - 27/26 anos
Natalio Giordano/Leodugeria Tavares da Silva 15/11/1902 Industrial 27/23 anos
Pedro Carretoni/Egnacia Goalves Martins 18/8/1906 29/18 anos
Severio Mandetta/ Rosa Rea 20/9/1902 Reino da Ilia Artista 28/17 anos
Agostinho Monaco / Ameris Carlota Lombardi 25/5/1907 24/19 anos
José da Silva Jumena/Maria Magdalena Santa Lucci 29/4/1909 26/19 anos
André Avelino da Penha/ Jacintha Dolores Candia 12/9/1909 25/18 anos
Raphael Mônaco/ Anna Luiza Rondon 29/7/1909 27/18 anos
Francisco Olerio Delvisio/ Maria Antonia Monaco 23/12/1909 28/18 anos
Viciente Calábria /Thereza Salomone 9/7/1910 Comerciante 29/18 anos
Modesto Candia / Roberta da Silva 17/12/1910 24/17 anos
Pasquale Russo / Magdalena Galucci 10/12/1910 Reino da Ilia 33/22 anos
Agustinho Thomaz Mônaco/Mathilde Elisa Carstens 16/9/1911 Negociante 27/18 anos
Agostinho Vasques / Augusta Henriqueta Carstens 12/12/1912 Comerciante
Francisco Giordano/Therezinha Marciano 19/7/1913 24/19 anos
Nicolau Fragelli / Maria Cruz Fontanelllos 18/2/1914 Médico 18/2/1914
Viciente Calábria /Thereza Salomone 9/7/1910 Comerciante 29/18 anos
Modesto Candia / Roberta da Silva 17/12/1910 24/17 anos
Pasquale Russo / Magdalena Galucci 10/12/1910 Reino da Ilia 33/22 anos
Agustinho Thomaz Mônaco/Mathilde Elisa Carstens 16/9/1911 Negociante 27/18 anos
Agostinho Vasques / Augusta Henriqueta Carstens 12/12/1912 Comerciante
Francisco Giordano/Therezinha Marciano 19/7/1913 24/19 anos
Nicolau Fragelli / Maria Cruz Fontanelllos 18/2/1914 Médico 18/2/1914
José Provenzano/ Victoria Marmora 25/4/1914 Machinista 28/17 anos
Alexandre Aurélio de Castro / Joanna Santa Lucci 18/7/1914 24/19 anos
José Vicente Jeronymo Provenzano/ Dalila Jorge da Cunha 5/9/1914 Matimo 24/17 anos
Antonio Allegno / Rosa Vairo 16/1/1915 Reino da Itália
Pedro Antonio Rorio Pécora/ Philomena Ferreira Cardeal 19/4/1915 Reino da Ilia 28/17 anos
Francisco Raphael Mônaco/ Dorvina Perez 12/6/1915 Marítimo 24/19 anos
Vicente Fragelli/ Constaa barros do Valle 18/9/1919 Pharmaceutico; Serviços domésticos 26/19 anos
Heráclito da Silva Braga/ Mercedes Rosa Lombardi 29/11/1919
Matheus Candia/ Astrogilda Andreza Rodrigues da Silva 27/12/1919 Reino da Ilia Negociante; Trabalhos Domésticos 26/20 anos
Pedro Provenzano/ Athanazia Campos 5/12/1925 Carpinteiro; Serviços Domesticos 24/18 anos
Mario Mattos de Barros / Margarida Cavassa Carcano 11/3/1926 Industrial; Serviços domesticos 25/17 anos
Manoel Vicente Vieira / Rosa Giordano 17/4/1926 28/18 anos
Felicio Carmelio Calabria / Ignez Barros da Silva 30/6/1928 Empregado no comércio
Rassis Giordano / Ruth Wulfs 25/9/1929 Tabelião de notas; Serviços domésticos 28/18 anos
Vicente de Paula Novaes / Julieta Calabria Albaneze 10/12/1931 Funcionário blico; Serviços domésticos 25/20 anos
Fonte - Acylino Xavier do Vale 2
o
Oficio da Comarca de Corum
56
Na tabela acima indicada verifica-se que de certa forma a imigração
contribuiu para a miscigenação de diferentes etnias na região, possibilitando a
diversificação nos aspectos culturais. Uma situação interessante foi que segundo
a tabeliã Rosangela do Valle, as datas de nascimento não eram informadas, pelos
contraentes, por isso não consta na tabela 7. Ao dizer sobre a sua naturalidade, o
indivíduo sempre se referia ser do Reino da Itália, sem especificar exatamente a
cidade.
Entre diferentes modos de conquistar espaços nesse novo lugar e
estabelecer contato e conhecimento com o povo corumbaense, os italianos, foram
aos poucos criando raízes nessa terra distante e desconhecida do interior
brasileiro Logo o sentimento de pertencimento à terra mato-grossense se fazia
valer, seja por motivo de matrimônio, e conseqüentemente o nascimento de seus
filhos ou porque os seus negócios deram resultados.
3.7 Italianos em Corumbá: a emigração e as suas causas
As transmissões da experiência, as formas de relatar com detalhes os
acontecimentos e os anseios, auxiliaram satisfatoriamente o desenrolar da
pesquisa A intenção de conservar as narrativas dos entrevistados permitiu maior
aproximação dos fatos registrados, possibilitando o esclarecimento de sua análise.
Segundo Geraldo Albaneze (2008) tanto seus avós paternos como
maternos eram originários de pequenas cidades da Itália, exceto sua Lauria,
Viccini Provenzano, que era descendente, porém, nasceu em Assunção.Vicente
Jerônimo Provenzano, seu avô maternos,ao vir pela rota do Prata aportou-se no
Uruguai, onde comandava um navio que fazia a rota Uruguai-Corumbá. Ao chegar
em Corumbá tornou-se representante de um banco europeu que intermediava
investimentos internacionais com países da Europa. O avô paterno, Domingos
Albaneze, chegou em 1895, desenvolvendo a profissão de artista, ou seja,
realizava trabalhos manuais, e após sete anos casou-se com a avó Maria Helena
Fragelli Calábria, mudando-se depois para Miranda, onde ficou a falecer em
1918.
57
Geraldo enfatiza que após o do falecimento do marido, dona Maria
Helena, retornou a Corumbá, exercendo a função de parteira e costureira. Veio de
lancha e trouxe consigo tudo que possuía como jóias e dinheiro, obtido com a
venda da casa. O entrevistado ressalta que infelizmente sua foi roubada e
chegou com uma “mão na frente e outra adiante”, com 6 filhos para criar. Instalou
na Rua Dom Aquino esquina com a Rua Tiradentes conhecida como Largo da
Cadeia, permanecendo até o fim de seus dias.
Do legado italiano ficou: Angelito que foi um grande pecuarista e sócio de
charqueadas; Carlito quando pequeno trabalhou como lavador de garrafas,
posteriormente acabou dono da distribuidora das bebidas Brahma, Romeu se
formou em medicina, Estela que casou-se com descendente de italiano (Miguel
Cestari) e era do lar; Felício, comerciante, ex-dono da casa Elfer, casa comercial.
Reside no Rio de Janeiro mas possui fazenda na região.
De acordo com Geraldo na família Fragelli havia construtores, embora não
haja mais ninguém residente em Corumbá. Desta família José Fontanília Fragelli,
destacou-se no cargo político, tendo sido governador do Estado do Mato Grosso,
senador e presidente interino da República.na época da morte de Tancredo
Neves. Segundo o entrevistado essa intervenção política de Fragelli teve boa
repercussão política na administração que lhe foi concedida.
Em entrevista Maria Lúcia Calábria Rocha (2008), também descendente de
italianos demonstrou discernimento histórico das razões que levaram italianos e
outros povos a emigrarem para Corumbá e para o resto do mundo. Ciosa de suas
origens históricas a entrevistada da conta de que a Itália tinha no século XIX, a
mais alta taxa de natalidade da Europa, especialmente no sul do país.
Segundo a depoente: “outro ponto era a escassez de terras cultiváveis,
sistema feudal predatório, camponeses e pastores muito pobres. Um fator
destacado por Calábria Rocha foi o fato de os Estados Unidos, Argentina e Brasil,
após a libertação de seus escravos, necessitarem de trabalhadores e passaram a
incentivar a imigração, através dos consulados dos respectivos países.
Anúncios de jornais, panfletos distribuídos nos mais longínquos vilarejos
ofereciam auxílio de transportes e outras vantagens, exigindo apenas boa saúde e
58
banho, 48 horas antes do embarque. Além disso, lembra a senhora Maria Lúcia
Calábria, os Estados Unidos preferiam imigrantes de língua inglesa, anglo-
saxônicos e protestantes, ainda assim muitos italianos imigraram para lá. A
Argentina, além da língua latina e do catolicismo era, na ocasião potência
econômica considerável, daí o motivo de grande corrente imigratória seguirem até
lá. Assim, aquele país, por volta de 1870 havia recebido mais imigrantes de que
podia absorver. A solução era subir o rio acima em busca de novos horizontes:
Paraguai e a Província de Mato Grosso.
Maria Lucia Calábria Rocha enfatiza que os irmãos Francisco, Vicente e
Nicola Calábria que residiam na cidade de Piaggine, próxima à cidade de Salerno
resolveram vir para Corumbá. Partiram de Nápoles de navio rumo a Corumbá,
numa viagem que durou 3 longos meses. Tomavam o banho somente quando
saiam de Nápoles. Ela conta às vezes que muitas pessoas morriam pessoas
durante a viagem por falta de condições e que eram jogadas no mar. No porto de
Nápoles arrumavam toda a papelada passaram pela alfândega, entravam,
tomavam banho e somente depois embarcavam.
Maria Lúcia Calábria Rocha lembra que todos vieram da Argentina, subiram
o rio Paraguai em suas próprias embarcações, que serviam de moradia e negócio
(lanchas-mascates). Compravam e vendiam mercadoria para as aldeias e
povoações ribeirinhas. A criação de gado prosperava em muitas fazendas nos
arredores de Corumbá. Havia muitos consumidores e bons negócios à vista, por
isso, ficaram eles aportados em frente à pequena vila, morando e comerciando em
seus barcos.
Pouco tempo depois, segundo as informações de Maria Lúcia Calábria
Rocha, começaram a construir casas e abrir pequenos armazéns. Foi Manoel
Cavassa, o primeiro a construir a primeira casa de alvenaria em Corumbá. Esse
progresso durou até 1865, quando Corumbá foi invadida pelos paraguaios. Todos
os estrangeiros foram deportados para Assunção e a vila foi incendiada e
saqueada. Em Assunção eles foram socorridos pelas colônias estrangeiras de
seus países até o final da Guerra em 1869.
59
O bisavô de Maria cia Calábria Rocha foi recebido pela família
Selasco, de origem italiana, cuja filha se casou com ele em 1866. Quando
terminou a Guerra, a economia paraguaia estava destruída, foi quando resolveram
voltar para Corumbá.
A entrevistada argumenta que os irmãos Calábria deixaram a Itália porque a
região era muito pobre. Quando chegaram já a começaram a trabalhar. Ganharam
dinheiro e depois mandaram buscar a mãe, Anunciata Calábria, e a irmã Maria
Helena. Maria Lúcia da conta de que já existia alguém aqui na região e por carta
chamaram os irmãos Francisco, Vicente e Nicola para vir em Corumbá.com
objetivos de melhorar as condições de vida, que Corumbá encontrava-se no
auge da economia mato-grossense.
Os irmãos Francisco, Vicente e Nicola ao chegar em Corumbá adquiriram
carro de boi e passaram a vender melancia nas ruas dispondo do trabalho
escravizados Economicamente eles progrediram bastante, pois começaram
investir no ramo imobiliário, compraram muitos imóveis. Ressaltou que um dos
maiores construtores daquela época foi Pascoal de Siervi e a maioria dos italianos
chegados em Corumbá. Tinham função de comerciantes primeiramente.
Segundo Dirceu Calábria, outro descendente entrevistado os avós não
vieram para buscar uma independência, mas por melhores condições de vida
que vieram de uma Itália desfacelada em conseqüência da Guerra.
Outra família de imigrantes que se destacou de acordo com o entrevistado
Mário Rizzo, Nicolino Buonocore, veio contratado pelos Irmãos Rebuá, do
município de Miranda, que também eram italianos. Os irmãos o contrataram para
exercer a profissão de mecânico de motor Diesel, dos navios que os Rebuá
tinham em Miranda, depois ele veio para Corumbá, com o objetivo de trabalhar no
Estaleiro Puccini. Era originário da Ilha de Elba e casou com D. Maria , que era de
Nioac, e afilhada dos Rebuá.
60
3.8 Italianos em Corumbá: A contribuição econômica e social
Além de muitas obras construídas por italianos, a parte gastronômica
ganhou importância. Dois pratos estrangeiros ganharam espaço na cultura
corumbaense e em toda a região do antigo Mato Grosso é encontrado aqui: A
cabritada, de origem italiana e sarrabulho, de origem portuguesa.
Segundo o Geraldo Albaneze a família Fragelli também contribuiu
economicamente para o desenvolvimento de Corumbá, e defende que quem
“derrama o suor” está contribuindo de alguma forma. O bisavô tinha várias
carroças que transportavam água para as localidades, enquanto a bisavó
acordava às duas horas da manhã para cozinhar para aqueles que trabalhavam
para seu marido. (Figura 06)
O entrevistado afirma que todos os descendentes se deram bem na vida,
tiveram uma boa educação, casaram muito bem e compraram muitos imóveis.
Figura 06: Abastecimento de água envolvendo imigrantes italianos utilizando
transporte de tração animal. Foto: Álbum Gráfico de Mato Grosso. 1919, p. 335.
A narrativa de Geraldo Albaneze e de outros descendentes de imigrantes
italianos reitera o conceito de identidade que passamos a ter a partir do
entendimento das categorias teóricas de Halbwachs (1990, p. 80).
61
Segundo o sociólogo a identidade associa-se também aos espaços, onde
está fixada a lembrança de lugares e objetos presentes nas memórias, como
organizadores de referenciais identitários. Este aspecto reitera a noção de que a
busca de identidade, elemento essencial à memória, é uma das necessidades
fundamentais da sociedade humana ainda hoje.
Atualmente, muitos italianos não residem mais em Corumbá, alguns
migraram ou foram transferidos para outra cidade por conta de funções
administrativas em instituições públicas. De acordo com Maria Lúcia Calábria
houve uma família de sobrenome Cânepa, que teve muita participação junto à
Igreja católica. Foram eles que enviavam as imagens de santos da Itália para
Corumbá.
O entrevistado Mario Ângelo Rizzo enfatiza que o pai era construtor, e era
também pedreiro quando os serviços diminuíam: “Trabalhava nas fazendas
construindo casas.” Meu tio Pascoal de Siervi, era construtor, fazia ladrilhos, coisa
que os italianos e portugueses dominavam na época. Depois é que vieram os
ladrilhos de São Paulo. Os ladrilhos hoje são fabricados sem pré-lavagem da areia
etc, coisa que eu vi e aprendi com meu pai na fábrica do Sr. Antonio Monea,
acima do Supermercado Panoff, do lado do cemitério”.
Rizzo salienta que seu Monea veio de São Paulo em 1941 para fazer a
fachada de granito do antigo Cine Santa Cruz que inaugurou em 1942. “Seu
Monea acabou ficando em Corumbá e tornou-se sócio de um primo de minha
mãe, Sr. Danilo Calábria, primo do pai do Dirceu Calábria, também descendente
dos imigrantes chegados por ocasião da grande imigração”.
O ladrilho hidráulico fabricado pelo senhor Antônio Monea caracterizava-se
por uma peça plana de pequena espessura utilizada em revestimentos de pisos.
De origem européia, a técnica de fabricação foi trazida ao Brasil pelos italianos no
início do século XIX. A técnica alcançou Corumbá no início do século XX e
ornamentou o interior de inúmeras residências e casas comerciais.
Numa entrevista com o senhor Dirceu Calábria, que foi agente consular da
Itália em Corumbá por aproximadamente um ano, se mostrou insatisfeito com o
descaso de alguns descendentes em “cruzar os braços” em relação ao prédio que
62
antigamente era a colônia dos italianos ter sido tomado pela União e depois
passado à Polícia Federal (Figura 07). Assim como o avô de Geraldo Albaneze, o
avô do Dirceu também trazia água do Urucum para ser comercializada na
localidade.
Figura 07: Sede da Sociedade Italiana di Instruzione-Beneficienza-
Fratellanza. Prédio próprio da Instituição, construído na Praça da
República pelos sócios fundadores, ao que tudo indica projetado por
Martino Santa Lucci e fundado em 1892. (Corumbá/MS) (Foto:
BRASIL, M. S., 2008)
Entre os anos de 1902 a 1909 o jornal o Brazil, em forma diversificada,
trazia propagandas de casas comerciais e outros empreendimentos em Corumbá,
como: casa de aramaria alfaiataria, armazéns, relojoaria e cinema, conforme as
figuras abaixo :
63
Figura 08: Propagandas de estabelecimentos comerciais dos italianos em Corum(1902-1909)
Fonte: Jornal O Brazil (1902-1912) p. 3
Além de muitos estabelecimentos instalados por italianos no espaço
corumbaense, as propriedades comerciais dos nacionais e estrangeiros
possibilitaram uma complexidade sociocultural, podendo perceber a inexistência
de delimitação de espaços étnicos e específicos. Tais espaços foram aos poucos,
divididos ou compartilhados entre nacionais e estrangeiros de várias
nacionalidades, resultando numa diversificação de culturas.
Com base em Halbswachs (2004) entendemos que memória da imigração
italiana pelos caminhos do Prata, ligou-se à lembrança das vivências, traduzidas
nos laços afetivos geradores de sensações de identidade ou de pertencimento ao
grupo, mantendo-o no presente, conforme revela a fala de Mário Rizzo (2008):
“Papai era técnico em estuque- serviço com gêsso. Mas também
entendia de cimento armado, e de colar ladrilhos. O prédio da onde
instalava-se Sociedade Italiana di Instruzione-Beneficienza-Fratellanza,
na Praça da República, disse, foi construído com desenhos e projetos
de Italianos. Em evidência está o nome de Martino Santa Lucci, o
64
presidente da Sociedade, mas foi meu avô Diego Macellaro que foi o
pedreiro. Meu avô saiu de Corumbá em 1923, quando minha Tia Carmela
aqui chegou, casada com o citado Pascoal de Siervi. Interessante, a
minha tia Faustina aprendeu a cantar as duas músicas de São João ...
‘Se São João soubesse,,,e Salve João Batista”. A emoção foi grande.
na Itália eu sempre mais ouvi do que falei” (RIZZO, 2008).
O depoimento de Rizzo reitera que a memória individual não está isolada,
liga-se às suas referências externas. Halbwachs (2004) ensina que o suporte em
que se apóia a memória individual encontra-se relacionado às percepções
produzidas pela memória coletiva e pela memória histórica (HALBWACHS, 2004,
p. 57-9).
A vivência do médico e sua busca identitária na história do grupo desde a
infância estariam na base da formação de uma memória autobiográfica, pessoal.
Conforme Pollack (1989), isto significa dizer que não é o físico ou o territorial que
permite a existência do grupo, e, sim, a dimensão do pertencimento social, criado
por laços efetivos que mantêm a vida e o vivido no campo das lembranças
comuns, geradora de uma memória social.
3.9 Italianos em espaço mato-grossense
Ao coletar dados no arquivo público de Cuiabá, foi possível encontrar o
mapa geral de demonstrativo da entrada e saída dos estrangeiros na Província de
Mato Grosso no ano de 1875 que possibilitava ao presidente o controle das várias
nacionalidades, segundo sexo e as profissões que abarcavam no porto naquele
período conforme mostra a Tabelas (08 e 09)
65
Tabela 08: Demonstrativo dos estrangeiros de ENTRADAS na província de Mato Grosso durante o ano de 1875
Fonte: arquivo público de Cuiabá (MT) – 11/2008- Portaria da policia da província do Mato Grosso em Cuiabá, 29 de abril de 1876
Meses
Nacionalidade Total Sexo Estado Profissão Tota
l
Argentinos
Italianos
Franceses
Espanhóis
Paraguaios
Orientais
Bolivianos
Chineses
Portuguese
s
Alemães
Austríacos
Russos
Dinamarqu
eses
Ingleses
Outros
Homens
Mulheres
Casado
Viúvo
Solteiro
Comércio
Industrial
Artes
Agricultura
Outros
Janeiro
- - - - - - - - - - - - - - - 0 - - - - - - - - - - 0
Fevereiro
- 3 4 1 - - - - - - - - 3 - - 11 11 - 2 - 9 1 8 - 2 11
Março
2 25 1 2 - - - 1 4 - - - - - - 35 31 4 4 - 31 1 2 1 - 31 35
Abril
3 1 2 15 - - 2 - - - - - - 1 24 14 10 6 1 17 8 1 15 - - 24
Maio
1 25 1 3 5 - - 1 2 1 5 - - 1 45 33 10 15 - 28 4 1 17 - 21 45
Junho
11 1 6 19 - - - - - 3 1 - - - 41 26 15 10 - 31 2 5 14 - 20 41
Julho
5 20 9 1 60 1 - 6 5 2 - - - - 1 104 68 36 23 - 81 3 6 22 2 71 104
Agosto
6 1 2 5 13 - 2 1 1 1 - - - - - 30 19 11 3 1 26 5 1 3 2 20 30
Setembro
- - - - - - - - - - - - - - - 0 - - - - - - - - - - 0
Outubro
2 8 5 5 41 - 3 1 8 - 2 2 - 2 - 79 57 22 8 - - 71 12 2 11 53 79
Novembro
- 13 - 5 31 - - - 3 1 2 - 1 1 3 60 40 20 15 - 14 6 5 13 2 16 60
Dezembro
- 9 1 1 40 - 2 - - 4 1 - - - 1 58 31 27 4 - 54 3 2 4 - 49 58
População
19 116 24 31 224 1 7 12 23 9 13 3 4 3 9 485 300 185 75 2 348 39 19 95 5 267 485
População
Geral
485 485 485 485 485
66
Tabela 09: Demonstrativo dos estrangeiros SAÍDOS na província de Mato Grosso durante o ano de 1875
Fonte: arquivo público de Cuiabá (MT) – 11/2008- Portaria da policia da província do Mato Grosso em Cuiabá, 29 de abril de 1876
Meses
Nacionalidade Total
Sexo Estado Profissão Total
Argentinos
Italianos
Franceses
Espanhóis
Paraguaios
Oriental
Bolívia
Portuguese
s
Alemães
Austríacos
Ingleses
Homens
Mulheres
Casado
Viúvo
Solteiro
Comércio
Industrial
Artes
Agricultura
Outros
Janeiro - - - 2 - - - - - - - 2 2 2 1 1 - - - - - 2
Fevereiro - - - - - - - - - - - 0 - - - - - - - - - - 0
Março - - - - - - - - - - - 0 - - - - - - - - - - 0
Abril 3 1 - 1 2 - - 1 - - - 8 7 1 1 - 7 6 - - - 2 8
Maio 1 - - - 1 - - 1 - - - 3 3 - - - 3 2 - - - 1 3
Junho - 1 1 3 3 - - - - - - 8 6 2 1 - 7 4 - - - 3 8
Julho 1 - - 1 22 - 3 1 - 2 - 30 8 22 2 - 28 6 - 1 - 23 30
Agosto - 2 1 2 11 - 2 1 - 1 - 20 10 10 2 - 18 7 - - 1 13 20
Setembro - - - - - - - - - - - 0 - - - - - - - - - - 0
Outubro - 2 - 2 4 - 2 1 1 - - 12 8 4 2 - 10 5 1 1 - 5 12
Novembro 2 4 5 13 12 2 - 2 - - 2 42 33 9 1 - 41 2 1 1 - 38 42
Dezembro - 2 - 1 8 - - 3 - - - 14 6 8 2 1 11 4 2 - - 8 14
População
7 12 7 25 63 2 7 10 1 3 2 139 83 56 12 1 126 36 4 3 1 95 130
67
As tabelas acima fornecidas pelo Arquivo Público de Cuiabá, de acordo
com a portaria da polícia, demonstram a entrada e saída de estrangeiros na
Província de Mato Grosso durante o ano de 1875. O número de italianos que
entraram foi relativamente grande em comparação às outras nacionalidades,
perdendo somente para os paraguaios. Depois da Guerra do Paraguai (1864-
1870), observou-se o aumento do fluxo de imigrantes na região do Prata. Os
meses de março, maio e julho foi o período que mais entrou italianos pela rota do
prata, o que confirma a atração desses povos europeus para a região.
A tabela 09 evidencia a saída de apenas 12 italianos de Mato Grosso
naquele ano. Isto indica o estabelecimento daqueles que decidiram ficar na
Província por ter encontrado nas suas respectivas profissões e conseqüentemente
melhores condições de vida.
Entretanto, Oliveira (2006) ao apresentar a tabela do movimento do porto
de Corumbá (1901-1909) destaca em sua tese a classificação registrada nos
mapas do Ministério da Marinha ou nos dados fornecidos capitanias estaduais os
números referentes ás nacionalidades das tripulações eram muito instáveis. Ou
seja, o número de tripulantes estrangeiros que entravam pouco se diferia dos que
saíam.
Daí a dificuldade de explicar o fluxo de entrada e saída de embarcações e
de tripulantes na região. Nessa análise o autor acredita que são vários os fatores a
serem considerados na análise da variação do fluxo migratório, sobretudo no que
se refere aos migrantes na arte ou fama de navegar como, por exemplo: período
das cheias e vazantes dos rios; influências de conflitos bélicos ou políticos locais,
regionais ou mundiais; epidemias problemas administrativos ou financeiros dos
armadores; momentos de retração e de retomada de mercadorias; greves entre
outros.
Segundo Oliveira (2006) os mapas do Ministério da Marinha, que o auxiliou
de referência para a confecção da tabela, não esclarece quais foram as bases
utilizadas para a classificação das características da tripulação ou embarcação
nacionais e estrangeiras como, país de nascimento, país de residência, país de
68
origem da embarcação e o país de registro de embarcação junto à capitania de
origem do tripulante.
De acordo com Póvoas (1982) a convivência com os oriundos dos países
do Prata introduziu nos povos mato-grossense, muitos de seus hábitos e
costumes, como por exemplo famílias sentadas à porta das casas, homens
fumando charutos, hábitos trazidos pelos argentinos. Esse foi um hábito muito
praticado, em Cuiabá até a pouco tempo. A siesta depois do almoço também foi
um habito introduzido pelos paraguaios, especialmente nas áreas mais quente. O
truco espanhol, um jogo de cartas trazidas pelos espanhóis, ainda é praticado em
determinados bairros de Cuiabá e, principalmente, de Várzea Grande e de Santo
Antonio de Leverger.
O uso do chimarrão nasceu no extremo-sul do antigo Estado de Mato
Grosso, hoje Mato Grosso do Sul. Ali a erva-mate (ilex paraguariensis) é nativa.
Dessa região o hábito do chimarrão difundiu-se para as cidades ribeirinhas dos
rios da bacia platina pelos paraguaios. A leitura da magnífica obra do escritor Hélio
Serejo revela que o consumo do chimarrão foi um hábito herdado dos paraguaios,
(PÓVOAS, 1982, p. 23)
Os italianos que se radicaram em Mato Grosso, em fins do culo 19 e
início do século 20 penetraram na Província pela rota do Prata. Mas ainda não há
uma informação precisa a respeito da data de penetração dos primeiros italianos
no espaço mato-grossense. Segundo o historiador cuiabano Lenine Póvoas, tanto
nos antigos documentos de Cuiabá como nos Anais de Vila Bela não constam a
presença dos italianos durante o período colonial. Os antigos registros coloniais
não mencionaram povoadores de origem italiana.
Viajantes e cronistas coloniais, ao descreverem a cidade de Cuiabá no
início do século XIX (1818) não fizeram menção sobre a presença italiana em
Mato Grosso. O viajante Hércules Florence (1977), que aportou em Cuiabá a 30
de janeiro de 1827, registrou a figura de Angelini, um negociante vindo da Itália.
Segundo Póvoas (1982) tudo indica que este foi o primeiro registro de imigrante
italiano na região. O viajante argentino Bartolomé Bossi por sua vez, ao chegar na
69
cidade de Cuiabá em 1862 mencionou em seu diário de viagem a presença de
dois italianos
[...] Não hotéis, mas é verdade que não transeuntes; mas existem
duas pensões onde se serve comida, por falta de instalações para dar
hospedagem. Freqüentam essas pensões unicamente operários e
estrangeiros. Uma delas pertence a um milanês, sapateiro de ofício,
excelente pessoas; ajuda-o sua esposa, também milanesa, verdadeiro
tipo italiano por sua afabilidade e simpáticos dotes... O outro verdadeiro e
detestável ´bodegón,é de um piemontês chamado Carlos Novelli que não
goza de uma boa reputação no país pelo seu caráter. Pelas suas
péssimas condições, é menos freqüentado. (PÓVOAS, 1982, p. 26)
Póvoas (1982) lembra ainda que Bartolomé registrou a existência de duas
pensões em Cuiabá, no ano de 1862, de propriedade de italianos: um casal
originário de Milão e outro do norte da Itália, região do Piemonte sem, no entanto,
especificar o nome da cidade.
Em 1884 o cientista alemão Karl von den Steinen (1942) visitou Cuiabá e
apresentou em seus registros outra referência a outro italiano:
“[...] Cousa que se pareça com hotel o havia em Mato Grosso. Um
italiano, rico e avarento, Pascoal, que apesar de sua demência senil
ainda sabia contar bem,recebeu-nos, cedendo dois agradáveis quartos
espaçosos”. (PÓVOAS, 1982, p. 27)
Conforme Povoas (1982) os relatos de Steinen (1942) revelam que Pascoal
havia chegado no Mato Grosso portando um velho realejo, cuja música e cantoria,
levava muita gente a executar animado bailado. O viajante alemão registrou que
Pascoal foi o primeiro a dar pão todos os dias aos cuiabanos: [...]Suas fornadas
souberam conquistar lugar ao lado da farinha de trigo, a nova invenção tornou-se
rendosa”.(PÓVOAS, 1982, p. 27) O naturalista norte-americano Herbert
Huntington Smith, que visitou Mato Grosso em 1886, também registrou a presença
do italiano Pascoal em Cuiabá, cujo hábito era no mínimo intrigante - o de vigiar
constantemente alguns espaços de sua casa:
“[...] O velho permanecia todo o santo dia no mesmo lugar, de onde
dominava com o olhar de general a varanda, a cozinha, e uma janela que
dava para a rua, expedindo dali mesmo as suas ordens. [...] sempre de
casaco, colete e meias, cochilava muito contente da sua vida ou incubava
desgosto profundo; de quando em vez monologava em voz alta, e
quando não passava o mau humor sovava uma crioulinha, cuja educação
tinha tomado a si”. (PÓVOAS, 1982, p. 28)
70
A imigração européia para Mato Grosso, especificamente a italiana, só se
intensificou após o término da Guerra contra o Paraguai, em março de 1870,
quando foi restabelecida a navegação regular pelos rios Paraná, Paraguai e
Cuiabá, desde as capitais do Prata (Montevidéu e Buenos Aires) aAssunção,
Corumbá e Cuiabá. Tornou-se, assim, mais fácil o acesso a Mato Grosso.
Corumbá assumiu assim, por sua posição geográfica, a condição de
“chave” da navegação fluvial da Província. Ponto nevrálgico das rotas de
transportes em Mato Grosso por suas vias fluviais Corumbá apresentava-se
espaço cobiçado entre os imigrantes. Segundo os dados contidos no Álbum
Gráfico do Estado de Mato Grosso atracavam no ano de 1912 em Corumbá
embarcações procedentes dos portos do Prata, sendo cerca de 142 vapores,
sendo 84 procedentes de Assunção, 56 de Montevidéu e 2 de Buenos Aires.
O movimento geral do porto também contava com navios oriundos portos
internos do Estado. No porto de Corumbá atracavam na segunda década do
século 20 cerca de 264 embarcações: sendo 97 de Cuiabá, 34 de Cáceres, 42 de
Aquidauana, 41 de Miranda, 15 de Coxim e as demais localidades. A antiga
cidade servia de ponto de convergência das atividades econômicas e comerciais
do estado, dispondo de mercado de trabalho para todos que demandavam ao
extremo oeste do país.
A maioria dos barcos que faziam a navegação dos portos do Prata até
Corumbá eram de propriedade de grandes firmas paraguaias e argentinas,
tripulados, obviamente, por marinheiros dessas nacionalidades. Em 1884, o Loide
Brasileiro sustentava linha regular de passageiros entre Corumbá e Montevidéu e
transporte de cargas. Firmas como a Empresa Fluvial Brasil-Uruguay,
representada pela firma M. Cavassa Filhos & Cia., também mantinham na rota
Corumbá-Montevidéu os vapores Campos e Corumbá, dispondo de vapores como
o Fernandes Vieira e o São José para o transporte de passageiros entre os portos
do rio Paraguai. (PÓVOAS, 1982, p. 18)
A firma paraguaia Vierci & Hermanos, fundada em Assunção em 1890,
possuía frota contendo 9 vapores e 16 chatas que operavam em todos os rios da
71
região. As saídas eram semanais, nos dois sentidos, com dias certos e em
combinação com os luxuosos navios da linha Assunção-Buenos Aires.
Enfim, como podemos constatar foram muitos os hábitos adquiridos pelos
países do Prata que perpetuam até os dias atuais. O aspecto econômico permitiu
também a formação de numerosas colônias estrangeiras na cidade de Corumbá
ensejando a instalação dos Consulados da Bolívia, Paraguai, Argentina, Uruguai,
Portugal, Itália, França e Bélgica.
Outro indicativo de sua relevância como núcleo urbano foi o surgimento das
“Sociedades Beneficentes”. A primeira foi a “Sociedade Italiana de Beneficência”,
fundada em 1892; e na seqüência a “Sociedade Portuguesa de Beneficência”
fundada no mesmo ano (dois meses depois) e a Sociedade de Beneficência
Otomana” fundada em 1909, por otomanos residentes na cidade.
Segundo o Álbum Gráfico, a Sociedade Italiana di Instruzione-Beneficienza-
Fratellanza (foi fundada em 23 de outubro de 1892 por um grupo de italianos
residentes em Corumbá e teve como sócios fundadores Maximiliano Carcano,
presidente; Martino Santa Lucci, vice-presidente; Ângelo Maria Mônaco,
tesoureiro; Andréa Scartabellati, secretário; Ângelo Mandeta, vice-secretário;
Ângelo Calcagni; Giacomo Solari. Guiseppe Conferti, Nicola Giordani, Antonio
Salomone, Guiseppe Fragelli, Guiseppe Carcano, Luca Napoleone de Luchi,
Genaro Marciano, Felippo Salomone, Antonio Rebua, Ferdinando Fiori, Pietro
Montano e Giasone Rebua . Além dos fundadores pertenceram a Diretoria da
Instituição os seguintes membros: Ferdinando Sanclemente, Antonio Mandetta,
Pascoale Larocca, Giovanni Pickeler, Nicola Calábria, Agostinho Mônaco,
Alexandro D’élia, Giovanni Pricco, Biaco Laçava, Pietro cora, Alexandro Mozilli,
Concetto Tosi, Nicola Calábria e Gio Carlo Lombardi (Album gráfico).
Os dados empíricos entrelaçados com referenciais da memória coletiva
ajudam na compreensão da forma singular com que os italianos organizaram sua
vida material e cultural na região. Entendemos a partir das orientações de
Halbwachs (2004), que a memória de um indivíduo ou de um país fornece suporte
para formulação de uma identidade.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com uma carga de emoções e sensações muitas vezes confusas, o
individuo decide emigrar, ou seja, sair de seu país por livre escolha ou buscando
melhores condições de vida. Neste sentido, os imigrantes passam a conviver no
novo ambiente e entram em contato com a população local provocando, muitas
vezes, desconforto nessas relações, principalmente no aspecto cultural, pois o
choque cultural é mais evidente num primeiro contato.
Neste contexto de imigração dois processos que se entrelaçam: o
primeiro foi o processo da desterritorialização, que se refere a saída dos
imigrantes de sua terra e o fato de carregarem consigo a sua cultura e o segundo
foi o da reterritorialização, que foi a sua adaptação a um novo ambiente com o
qual se juntou a cultura anterior com uma nova, originando novos padrões sociais.
Esses imigrantes saem de uma nação para se juntar à outra, em momento algum
deixando de lado a sua marca identitária, mas fazendo a junção das duas.
Assim, o imigrante ao construir e (re) construir sua identidade no novo
ambiente adquire a identidade territorial, tendo em conta o espaço simbólico como
elemento principal de análise, principalmente para o processo de divisão dos
territórios por grupos étnicos.
Desta forma, o movimento migratório mundial foi decisivo na configuração
da geopolítica mundial e foi impulsionado pelo fenômeno das Grandes Migrações.
Esse fenômeno marcou a travessia de milhares de pessoas pelo Atlântico em
direção às Américas, oriundos principalmente do continente europeu.
A emigração européia foi uma característica marcante no século XIX, em
conseqüência da grande expulsão demográfica, resultante do desenfreado
processo de industrialização que tornou as chances de empregos escassas face
ao denso crescimento populacional vivenciado pelo continente europeu.
Os imigrantes italianos foram sem dúvida os povos que mais saíram de
seus lugares de origem em busca de melhores condições de vida. Alguns
rumaram para países da Europa, outros para a América do Norte e muitos para a
América do Sul.
73
Os italianos fixados em Corumbá vieram via Bacia do Prata, percorrendo
os rios platinos contribuindo com a organização dos territórios de Mato Grosso e
Mato Grosso do Sul, pois os imigrantes passam a utilizar o território, fazendo-o
lugar de suas experiências culturais e territorialidades.
Assim a identidade territorial dos imigrantes italianos em Corumbá, foi
estabelecida e reforçada através das relações sociais e materializadas nos
elementos que perpetuam atualmente na configuração do espaço corumbaense,
evidenciados principalmente em algumas edificações construídas por esses
povos.
No empenho em buscar vestígios da presença de italianos na urbanização
da cidade de Corumbá no período de 1870 a 1950, numa perspectiva de
apropriação e reapropiação dos espaços constituídos e reconstituídos por
relações sociais e culturais, foi imprescindível colher investigações de diversas
percepções sobre os modos de vida da população corumbaense, identificando
ações de italianos nesse espaço.
A territorialidade italiana, nesse período mostrou o papel ativo desses
imigrantes no convívio social em Corumbá, mantendo um vínculo íntimo e
particular na cidade. Nessa pesquisa foi constatado que ao se instalarem no Largo
da Cadeia, os italianos aos poucos foram estreitando relações e desenvolvendo
atividades em diversas profissões, como: padeiros, sapateiros, relojoeiros,
construtores, fabricantes de ladrilhos hidráulicos e mármores, transportadores de
cargas e água para abastecer a localidade, gastronomia, entre outros. Assim,
além de reforçar ainda mais a sua identidade, contribuíram para a formação de
Corumbá, misturando cultura e experiência, obtendo também uma ascensão social
no espaço corumbaense.
O prédio onde funcionava a Beneficência Italiana foi palco de reuniões, as
quais tomavam importantes decisões e realizavam eventos grandiosos, tais como,
orquestra originária da Europa e datas comemorativas.
Outra forma de integração dos italianos foi o matrimônio, pois essa
imigração era composta, em sua maioria, por homens solteiros, o que resultou no
casamento com mulheres corumbaenses. Sob o aspecto de memória observou-se
74
que descendentes trazem lembranças de seus antepassados, nutrindo um
sentimento de pertencimento ao grupo étnico àquele momento histórico.
Esses aspectos acima mencionados foram percebidos ao longo das
entrevistas realizadas, nas quais os descendentes demonstram orgulho das
contribuições deixadas em Corumbá pelos seus antepassados.
Pode-se dizer que os italianos trouxeram consigo toda uma história e
continuaram praticando ações que aprenderam no passado, ou seja, suas
identidades pré-migratórias, além de serem responsáveis por boa parte de
transformações ocorridas na cidade de Corumbá, revelando um universo urbano,
marcado por experiências e vivências imigrantistas.
Nesta pesquisa foram encontradas algumas deficiências, como por
exemplo: insuficiência de dados e bibliografias sobre italianos em Corumbá,
especificamente. Foi necessário coletar dados no Arquivo Público de Cuiabá uma
vez que Mato Grosso era um estado uno na época do meu recorte temporal, o que
significa que muitos dados, registros, relatórios e documentos não se encontram
mais nas bibliotecas, acervos e instituições de Mato Grosso do Sul. Convém
ressaltar, que mesmo deslocando a Cuiabá, o arquivo público também não
disponibilizou de todo material necessário, o qual, certamente obteria maiores
resultados no trabalho.
A necessidade em ampliar os estudos sobre o tema é de suma importância.
As interpretações feitas a respeito poderão servir como orientação para próximos
trabalhos
FONTES
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APÊNDICE 1
Questionário Social
1) Quais os motivos que levaram a sua família a deixara península
Itálica? Dentre eles qual você considera o mais importante?
2) Por que escolheram o Brasil para se estabelecerem e por que o Mato
Grosso?
3) Quais as atividades comerciais/profissionais desenvolvidas pelos
familiares. Eles perpetuaram a família até os dias de hoje? (tradição, mudança de
ramo na atuação profissional, enfim quais os motivos que levaram a isso).
4) Vocês consideram que contribuíram para o desenvolvimento de
Corumbá? De que forma?
5) Vocês consideram que este legado perpetua até os dias atuais. Caso
negativa a resposta, sabe dizer porque a memória/legado se perdeu?
6) Sabe-se que o imigrante lida constantemente com a insegurança
quanto à sua condição. Em algum momento sentiram vontade de voltar à pátria de
origem? Por quais motivos?
7) Procede a firmação de que o prédio da Polícia Federal pertencia à
beneficência italiana? Porque hoje pertence ao governo brasileiro?
8) A seu ver de que forma a comunidade italiana local contribuiu para a
construção da fronteira Corumbá- Bolívia?
9) Possuem documentações, fotos, jornais que registraram alguns
acontecimentos marcantes desses imigrantes italianos em nossa cidade?
Podemos ter acesso a esse material?
ANEXO 1
86
87
88
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
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Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
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Baixar livros de Educação
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Baixar livros de Educação Física
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Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo