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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Letras
Análise de estratégias argumentativas na publicidade
comercial e na propaganda governamental para
adolescentes
Jaqueline Lemos Prados
Belo Horizonte
2009
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Jaqueline Lemos Prados
Análise de estratégias argumentativas na publicidade
comercial e na propaganda governamental para
adolescentes
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais,
como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Linguística e ngua
Portuguesa.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Henrique
Aguiar Mendes
Belo Horizonte
2009
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FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Prados, Jaqueline Lemos
P896a Análise de estratégias argumentativas na publicidade comercial e na
propaganda governamental para adolescentes / Jaqueline Lemos Prados. Belo
Horizonte, 2009.
194f.
Orientador: Paulo Henrique Aguiar Mendes
Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Programa de Pós-Graduação em Letras.
1. Publicidade. 2. Propaganda. 3. Adolescentes. 4. Semiótica. 5. Ducrot,
Oswald. 6. Charaudeau, Patrick. I. Mendes, Paulo Henrique Aguiar. II. Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Letras.
III. Título.
CDU: 659.1
Jaqueline Lemos Prados
Análise de estratégias argumentativas na publicidade comercial e na propaganda
governamental para adolescentes
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Letras da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais.
____________________________________________________________
Profª. Drª. Dylia Lysardo-Dias
Universidade Federal de São João Del-Rei
____________________________________________________________
Prof. Dr. Hugo Mari
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Henrique Aguiar Mendes (Orientador)
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Belo Horizonte, 22 de junho de 2009.
A minha querida mãe, cuja
ausência não me traz tanta dor;
as lembranças renovam em mim a
força para seguir meu caminho.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por iluminar e guiar a minha vida.
Ao Prof. Dr. Paulo Henrique Aguiar Mendes, pela orientação a esta pesquisa. Agradeço
especialmente por ter direcionado o estudo para o discurso publicitário, sem, no entanto,
deixar que eu abandonasse o olhar sobre o adolescente.
Ao Prof. Dr. Hugo Mari, pelo apoio nas horas mais difíceis, e por estar sempre pronto a
escutar e aconselhar.
Aos professores e funcionários do Curso de Pós-graduação em Linguística e Língua
Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Aos professores doutores Dylia Lysardo-Dias e Hugo Mari, pela gentileza em participar desta
banca de avaliação.
À CAPES, por proporcionar o suporte financeiro para o desenvolvimento desta pesquisa.
Ao Grupo de Oficinas de Leitura e Produção de Textos, pela calorosa acolhida quando do
momento do estágio. Especialmente às queridas professoras Maria Ângela Paulino e Virgínia
Ribeiro, pelo carinho e atenção.
Aos alunos da série (ano de 2008) da E.E. Professora Maria Cecília de Melo, por aceitarem
responder o teste sobre suas preferências de consumo.
Aos queridos colegas Adilson, Regina, Elizabeth, Shirlene, Helena, Luciana, Priscilla, Carlos
e tantos outros, pela companhia e discussões enriquecedoras durante este percurso acadêmico.
À Helena Gramiscelli Magalhães, pela leitura cuidadosa deste trabalho.
À querida Fernanda Cunha, pela amizade e parceria determinantes para que eu não
desanimasse nos momentos mais difíceis.
À Maria Alzira Leite, que de colega passou a amiga e companheira. Obrigada pelas palavras
doces de incentivo e pelo jeito todo especial de ser.
À Eliane, Jucilene, Rosilene e “agregados”, pela torcida e pelos encontros cada vez mais
divertidos e revigorantes.
Ao meu marido Luiz Flávio, pela compreensão, paciência e ajuda em todos os momentos,
como sempre o fez desde que nossas vidas se uniram.
Aos meus irmãos Celina e César, por sempre acreditarem e incentivarem os meus sonhos. Aos
sobrinhos, pelos momentos de descontração e alegria. À cunhada Juliana, pela paciência
devido à ausência.
À D. Antonia e Sr. Wilson, pelo carinho. Aos cunhados, cunhadas e sobrinhos, pelo apoio.
Obrigada por compreenderem que nem sempre foi possível estar presente em todos os
momentos em família.
Ao querido tio José, pelo incentivo à leitura e à busca de conhecimento.
Impossible is nothing.
Adidas, 2004
Na realidade, todo signo ideológico vivo tem, como
Jano, duas faces. Toda crítica viva pode tornar-se
elogio, toda verdade viva não pode deixar de parecer
para alguns a maior das mentiras.
Bakhtin/Volochínov
RESUMO
Esta dissertação tem como proposta a investigação da argumentação na publicidade comercial
e na propaganda governamental direcionada para o público alvo adolescente. O objetivo geral
compreende a análise de peças publicitárias comerciais (retiradas de edições da revista
Capricho no ano de 2007-2008) e peças publicitárias governamentais (retiradas de duas
campanhas de prevenção à AIDS/2007-2008) com vistas a identificar e analisar as estratégias
argumentativas utilizadas nas mesmas, segundo as escolhas lexicais e imagéticas. Para esta
análise, o princípio teórico fundamenta-se em três vertentes. A primeira, proposta por Oswald
Ducrot e colaboradores (1995, 1998 etc.) estrutura o estudo da argumentação com base nos
topoï, cujo fundamento começa com a teoria do autor sobre a Argumentação na Língua e vem
até a Teoria dos Topoï.. Na segunda vertente destaca-se a Teoria Semiolinguística proposta
por Patrick Charaudeau (1983), cujas noções de contrato de comunicação, de circuitos externo
e interno e de sujeitos reais e de linguagem sustentam o viés argumentativo apontado no
corpus. A terceira vertente apóia-se sobre alguns aspectos da Teoria Semiótica idealizada por
Charles Sanders Peirce (2000) através da qual serão analisados os aspectos verbais e
imagéticos relacionados à construção de estratégias argumentativas.
Palavras-chave: Publicidade. Propaganda. Adolescente. Topoï. Semiolinguística. Semiótica.
RÉSUMÉ
Cette dissertation a comme proposée la recherce de l'argumentation dans la publicité
commerciale et dans la propagande gouvernementale dirigées pour le publique adolescent. Le
but général comprend l'analyse de pièces publicitaires commerciales (recherchées d'éditions
du magazine CAPRICHO des années 2007-2008) et pièces publicitaires gouvernementales
(recherchées de deux campagnes pour la prévention contre le SIDA/2007-2008), visant à
identifier et à analyser les stratégies argumentatives y comprises, selon les choix lexicaux et
visuels. Pour cette analyse, le principe théorique se repose sur trois sources. La première,
proposée par Oswald Ducrot et colaborateurs (1995, 1998 etc.) structure l'étude de
l'argumentation basée sur les topoï, dont le fondement commence par la théorie de l'auteur sur
l'Argumentation dans la Langue et va jusqu'à la Théorie des Topoï. Dans la deuxième source,
la Théorie Sémiolinguistique proposée par Patrick Charadeau (1983) se détache, dont les
notions de contrat de communication, de circuits interne et externe et de sujets réels et de
langage soutiennent l'aspect argumentatif mentionné dans le corpus. La troisième source
s'appuie sur quelques aspects de la Théorie Semiotique idéalisée par Charles Sanders Peirce
(2000), pour laquelle seront analysées des aspects verbales et visuels liés à la construction de
stratégies argumentatives.
Mots-clés: Publicité. Propagande. Adolescent. Topoï. Sémiolinguistique. Sémiotique.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES I
Figura 1 Fisk – homem adulto .......................................................................................
56
Figura 2 Campanha Ecológica Capricho .......................................................................
59
Figura 3 Cartazete_carnaval_2008_feminino.................................................................
77
Figuras 4a e 4b Dakota ..................................................................................................
91
Figura 5 Marca do governo federal ................................................................................ 98
Figura 6 Intimus Teen ...................................................................................................
104
Figuras 7a e 7b Axe .......................................................................................................
105
Figura 8 Planet Girls .....................................................................................................
106
Figuras 9a e 9b O Boticário ..........................................................................................
106
Figuras 10a e 10b L’oréal .............................................................................................
108
Figura 11 Clean & Clear ................................................................................................
110
Figura 12 Kolosh ...........................................................................................................
113
Figura 13 Microboard ....................................................................................................
113
Figuras 14a e 14b Axe (repetição) ................................................................................
114
Figuras 15a e 15b Seda teens .......................................................................................
115
Figura 16 Feira Guia do Estudante ...............................................................................
118
Figura 17 Fisk – adolescente masculino ........................................................................
119
Figura 18 Fisk – casal adolescente ...............................................................................
119
Figura 19 Fisk – homem adulto (repetição) ...................................................................
120
Figura 20 Nintendo DS ..................................................................................................
122
Figuras 21a e 21b Mercenaries 2....................................................................................
124
Figura 22 Campanha Ecológica Capricho (repetição) ...................................................
126
Figura 23 Foroni ...........................................................................................................
126
Figuras 24a, 24b, 24c e 24d Boomerang ......................................................................
127
Figura 25 Campanha: Cartaz_44x64_Final ...................................................................
129
Figura 26 Campanha: Cartazete_carnaval_2008_masculino ........................................
129
Figura 27 Campanha: Cartazete_carnaval_2008_feminino ..........................................
130
Figuras 28a e 28b Campanha: Folder_15x12_Final ...................................................... 130
Figura 29 Campanha: Cartaz_64x44_MeninaHetero ....................................................
131
Figura 30a Campanha: Folder_carnaval_2008 ..............................................................
131
Figura 30b Campanha: Folder_carnaval_2008 .............................................................. 132
Figura 31a e 31b Campanha: FOLDER-AIDS-MINIGUIA-FINAL ............................
132
Figura 32 Campanha: Cartaz_64x44_Vivendo com AIDS ...........................................
133
Figura 33 Campanha: Cartaz_64x44_HSH ..................................................................
133
Figura 34 Campanha: Cartaz_64x44_Vivendo com AIDS ..........................................
138
Figura 35 Campanha: Cartaz_64x44_HSH ...................................................................
139
Figura 36 Campanha: Cartaz_64x44_HSH ..................................................................
140
Figura 37a e 37b Campanha: FOLDER-AIDS-MINIGUIA-FINAL ...........................
141
Figura 38 Campanha: detalhe .......................................................................................
142
LISTA DE ILUSTRAÇÕES II
Quadro 1 Respostas ao teste: questão 2 (1ª parte) .........................................................
40
Quadro 2 Respostas ao teste: questão 3 (1ª parte) .........................................................
41
Quadro 3 Conceitos da Teoria Semiolinguística ...........................................................
49
Quadro 4 Representação do ato de linguagem ..............................................................
64
Quadro 5 Representação do ato de linguagem: publicidade comercial .........................
103
Quadro 6 Representação do ato de linguagem: propaganda governamental .................
135
LISTA DE SIGLAS
TT: Teoria dos Topoï
FT: Formas Tópicas
TS: Teoria Semiolinguística
TBS: Teoria dos Blocos Semânticos
TST: Teoria Semiótica
TAL: Teoria da Argumentação na Língua
EUc: Sujeito comunicante
EUe: Sujeito enunciador
TUi: Sujeito interpretante
TUd: Sujeito destinatário
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...........................................................................................................
15
2 ARGUMEN
TAÇÃO, PUBLICIDADE, PROPAGANDA E ADOLESCÊNCIA..
19
2.1 A argumentação: um legado da retórica...............................................................
19
2.1.1 A retórica: origem e configuração da arte da persuasão.....................................
20
2.1.2 A argumentação nos dias atuais............................................................................
23
2.2 Publicidade e propaganda: conceitos fundamentais.............................................
26
2.3 A construção do pensamento na adolescência.......................................................
32
2.3.1 O perfil psicológico do consumidor adolescente..................................................
35
2.3.2 Avaliação das preferências de consumo dos adolescentes...................................
38
3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS.................................................................................
46
3.1 A Teoria Semiolinguística.......................................................................................
49
3.1.1. Os sujeitos do ato de linguagem: definições e relações......................................
54
3.1.1.1 O TU-interpretante e o TU-destinatário..........................................................
55
3.1.1.2 O EU-enunciador e o EU-comunicante ...........................................................
58
3.1.2 O contrato de comunicação...................................................................................
60
3.1.2.1 O circuito interno e o circuito externo.............................................................
63
3.2 A Teoria dos Topoï...................................................................................................
65
3.2.1 Ducrot e a argumentação: da fase inicial à Teoria dos Topoï.............................
65
3.2.1.2 Topoï intrínsecos e topoï extrínsecos.................................................................
74
3.3 A Teoria Semiótica...................................................................................................
79
3.3.1 A Semiologia e o signo: a proposta de Ferdinand de Saussure...........................
80
3.3.2 Semiótica: a proposta de Charles Sanders Peirce................................................
82
3.3.2.1 Breve definição do termo Semiótica.................................................................
83
3.3.2.2 As categorias: Primeiridade, Secundidade e Terceiridade ...........................
85
3.3.2.3 A primeira tricotomia .......................................................................................
86
3.3.2.4 A segunda tricotomia ........................................................................................
87
3.3.2.5 A terceira tricotomia ........................................................................................
88
3.3.2.6 As dez classes de signos
....................................................................................
89
4 ANÁLISE DO CORPUS.............................................................................................
93
4.1 Sobre o corpus..........................................................................................................
93
4.1.1 A publicidade comercial........................................................................................
94
4.1.2 A propaganda governamental...............................................................................
96
4.2 Os estereótipos na construção de estratégias argumentativas.............................
98
4.3 A construção de universos na publicidade comercial...........................................
100
4.3.1 A publicidade comercial e o universo da beleza...................................................
101
4.3.1.1 Os elementos semiolinguísticos do universo da beleza...................................
102
4.3.1.2 Os topoï do universo da beleza .........................................................................
108
4.3.1.3 Os elementos semióticos do universo da beleza ..............................................
111
4.3.2 A publicidade comercial e o universo da transformação.....................................
116
4.3.2.1 Os elementos semiolinguísticos do universo da transformação.....................
117
4.3.2.2 Os topoï do universo da transformação...........................................................
121
4.3.2.3 Os elementos semióticos do universo da transformação................................
125
4.4 A construção de universos na propaganda governamental.................................
128
4.4.1 A propaganda governamental e o universo da segurança nas relações sexuais.
134
4.4.1.1 Os elementos semiolinguísticos do universo da
segurança nas relações
sexuais.............................................................................................................................
135
4.4.1.2 Os topoï do universo da segurança nas relações sexuais................................
137
4.4.1.3 Os elementos semióticos do universo da segurança nas relações sexuais ....
139
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................
143
REFERÊNCIAS.............................................................................................................
147
APÊNDICE.....................................................................................................................
153
ANEXOS.........................................................................................................................
156
15
1 INTRODUÇÃO
A linguagem é o mecanismo fundamental para a inserção do indivíduo na sociedade e
no mundo. Através da linguagem seja ela verbal, seja não verbal o individuo empreende
atitudes diversas, quase infinitas. Essas maneiras de agir e de se expressar diante de si e do
mundo poderiam ser exaustivamente enumeradas aqui, o que seria uma tarefa inviável e
infindável, que ao utilizar a linguagem o indivíduo pode exercer a ação de pedir, oferecer,
desejar, conceder, agredir, agradar, exigir, argumentar, entre muitas outras. Isto é, em cada ato
de linguagem, ele constrói uma rede de significação, que depende de suas motivações. Se quer
agradar, a linguagem é mais amena; se quer agredir, a linguagem se torna agressiva. Assim,
ele molda seus atos linguísticos de acordo com suas intenções. Essa observação leva-nos,
então, à relação fundamental para o trabalho que ora apresentamos: língua e argumentação.
Pretendemos nesta pesquisa analisar a argumentação em um discurso social, cujo
desenvolvimento tem revelado sua expressividade na sociedade moderna, tanto em termos de
uso como de estudo científico: o publicitário. Tal feito está atrelado à eficiência e ao alcance
do discurso publicitário junto às diversas camadas sociais. Verifica-se, neste cenário, um
investimento em fatores como o aprimoramento das técnicas publicitárias e a introdução e
utilização de valores e ideais políticos, religiosos, éticos e, sobretudo, ideológicos
(SANDMAN, 2007). A respeito dessa representatividade do discurso publicitário na
sociedade, concordamos com o fato de que
[...] o papel da publicidade, vista aqui em termos gerais como sinônimo de
propaganda, é tão importante na sociedade atual, ocidentalizada e industrializada,
que ela pode ser considerada a mola mestra das mudanças verificadas nas diversas
esferas do comportamento e da mentalidade dos usuários/receptores. (CARVALHO,
2003, p.10).
Tal domínio se em vista do caráter persuasivo do discurso publicitário, cujo
objetivo está em convencer o consumidor a adquirir determinado produto
1
. Este aspecto vem
merecendo a atenção e suscitado estudos de teóricos da Análise do Discurso e da
Argumentação, que sempre contemplam o discurso publicitário, quando abordam questões
como enunciação, sujeito, argumentação e persuasão (AMOSSY, 2005; CHARAUDEAU,
1983, 2008; KOCH, 2008; SOULAGES, 1996).
1
Consideramos a palavra produto como aparece no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária
(BRASIL, 2008a, Introdução, Artigo 18). Segundo este, ela designa bens, serviços, facilidades, instituições,
conceitos ou idéias que sejam promovidos pela publicidade.
16
Uma vez que o discurso publicitário apresenta uma gama variada de suportes (revista,
jornal, outdoor, panfletos, banners, internet, etc.), nosso corpus constitui-se de anúncios
publicitários comerciais coletados em revistas direcionadas aos adolescentes e propagandas
sócio-educativas de governo referentes à campanha de prevenção à AIDS dos anos 2007 e
2008
2
. No que se refere aos termos utilizados neste estudo, mais à frente, delimitaremos
terminologia específica tanto da publicidade quanto da propaganda.
Analisando diversas publicações direcionadas aos adolescentes, optamos pela revista
Capricho, da Editora Abril, que se destacou em alguns pontos, quais sejam, venda mais
expressiva e maior aceitação entre os jovens, notadamente, o público adolescente feminino.
Para isso, coletamos anúncios publicitários comerciais de algumas edições do ano de 2007, e
das edições de janeiro a julho de 2008. Também outro fator pesou na escolha: as demais
revistas direcionadas aos adolescentes não ofereciam muitas peças publicitárias, o que
dificultaria a seleção do corpus. Esse detalhe da profusão de anúncios publicitários na revista
em questão apontou-nos sua preferência pelo público adolescente. A descrição mais detalhada
da estrutura da revista será feita no Capítulo 4, quando descrevermos formalmente o corpus.
Com relação às propagandas sociais de governo, nossa intenção inicial era que fossem
coletadas na mesma publicação dos anúncios comerciais. No entanto, essa tarefa tornou-se
improdutiva, pois nas edições descritas acima constatamos a ocorrência de uma (01) uma peça
publicitária governamental
3
. Sendo assim, optamos por buscar junto aos sites do governo
propagandas sociais e/ou educativas que, em nosso entendimento, estariam direcionadas ao
público adolescente. Isso posto, destacamos que a propaganda governamental aparece no
corpus, em menor número que publicidade comercial.
Como dito anteriormente, e comprovado em Carvalho (2003), a publicidade e a
propaganda têm influenciado a estrutura social e industrial dos povos ocidentais, sobretudo,
ditando moda regras e costumes. Nossa vivência e experiência em sala de aula tem
comprovado que os adolescentes constituem um público alvo bastante explorado no e pelo
discurso publicitário. Sob essa perspectiva, destacamos que a opção pela análise de peças
comerciais e peças governamentais direcionadas ao público alvo adolescente baseia-se em
duas questões verificadas empiricamente:
2
No site oficial consta que a campanha de 2008 é uma continuação da de 2007. O material encontrado é
praticamente o mesmo: para a campanha de 2008 (com número maior de peças) foi utilizado o mesmo material
com exceção de um cartaz, que foi veiculado em 2007, mas não em 2008.
3
No Capítulo 2, seção 2.2, destacamos alguns preceitos teóricos sobre propaganda e publicidade. Por ora,
salientamos que a propaganda abrange a publicidade. Com isso, utilizaremos o termo peça publicitária tanto
para uma quanto para a outra, com a seguinte distinção: peça publicitária comercial e peça publicitária
governamental.
17
- Os adolescentes possuem atualmente um grande poder de compra, e são eles, na
maioria dos casos, que decidem que produtos serão adquiridos pela família, fato observado
tanto na sociedade ocidental, quanto na oriental;
- O número de publicações editoriais direcionadas aos adolescentes aumentou
significativamente na última década, sobretudo para o público feminino.
Além desses aspectos, salientamos que, hoje, o discurso publicitário tem sido foco de
estudo de diversas áreas. Entre elas, destacamos a Psicologia, as Ciências Sociais, a
Comunicação, a Linguística etc. Para o estudo que pretendemos desenvolver aqui,
focalizaremos o domínio da Análise do Discurso, alicerçada pela Teoria Semiolinguística, o
domínio das teorias da argumentação, pela Teoria dos Topoï, e o domínio da Semiótica,
lembrando que no processamento de análise do corpus, outras noções serão também
utilizadas, de acordo com a necessidade.
No que tange à Teoria Semiolinguística proposta por Patrick Charaudeau (1983),
analisaremos o corpus à luz dos conceitos de ato de linguagem e enunciação, com ênfase nas
noções de circuitos externo e interno do ato de comunicação e nos sujeitos interlocutores
que deles fazem parte -, tendo em vista a caracterização do contrato de comunicação
(identidade, finalidade, propósito temático e suporte material) e das estratégias
argumentativas de credibilidade e de captação.
A Teoria dos Topoï, proposta por Oswald Ducrot e Jean-Claude Anscombre (1995b),
servirá ao propósito de analisar a construção dos argumentos através dos topoï presentes na
publicidade e na propaganda. Pretendemos, com isso, avaliar a força argumentativa do
enunciado (topos intrínseco) e a força argumentativa da enunciação (topos extrínseco).
E, como último domínio teórico deste estudo, destacaremos a Teoria Semiótica de
Charles Sanders Peirce (2000), que fornecerá não todos, mas alguns referenciais teóricos para
a análise dos signos imagéticos e verbais presentes no corpus, tomando por base as três
tricotomias por ele propostas – e as classes de signos delas provenientes:
1) Primeira tricotomia: qualissigno, sinsigno e legissigno.
2) Segunda tricotomia: ícone, índice e símbolo.
3) Terceira tricotomia: rema, discente e argumento.
Através do imbricamento conceitual dos três domínios teóricos acima destacados,
pretendemos nos debruçar sobre o corpus, com o objetivo maior de analisar a publicidade e a
propaganda direcionadas ao adolescente, identificando e analisando as estratégias
18
argumentativas nelas utilizadas, levando em conta as escolhas lexicais e imagéticas como
elementos cruciais da argumentação construída nesse discurso.
No intuito de cumprir com esse objetivo principal, formulamos algumas questões, com
base nos objetivos específicos, às quais pretendemos responder no decorrer da análise do
corpus e nas considerações finais desta pesquisa:
1) Quais são as características sociais e comportamentais do adolescente na atualidade
enquanto consumidor em potencial?
2) Quais são as principais estratégias argumentativas acionadas na produção das peças
comerciais e nas peças governamentais? Existiriam diferenças – lexicais e imagéticas
significativas em ambas?
3) Quais seriam as direções argumentativas na relação publicidade/propaganda-adolescente?
Salientamos que nosso trabalho enfatiza uma análise da produção das peças
publicitárias comerciais e governamentais, o que não nos impede de, em determinados
momentos, abordar também alguns aspectos relacionados à recepção das peças pelo público
alvo adolescente.
O trabalho que aqui se apresenta está organizado conforme o descrevemos a seguir. O
Capítulo 2 corresponde à parte destinada ao entendimento dos objetos desta pesquisa –
argumentação, publicidade, propaganda e adolescência. Nele trazemos à luz uma reflexão a
respeito dos aspectos: teóricos da argumentação, da terminologia da publicidade e da
propaganda, e os comportamentais, estes, naturalmente, se referindo ao adolescente. No
Capítulo 3, nosso foco são as teorias que compõem o quadro teórico-metodológico desta
pesquisa. Assim, as principais noções, conceitos e pressupostos teóricos e sua relação com o
corpus são abordados e discutidos nessa seção. No Capítulo 4, procedemos à análise do
corpus da pesquisa. E, finalmente, no Capítulo 5, apresentamos as conclusões verificadas no
decorrer do estudo aqui proposto.
19
2 ARGUMENTAÇÃO, PUBLICIDADE, PROPAGANDA E ADOLESCÊNCIA
2.1 A argumentação: um legado da retórica
Considerada como um fenômeno de linguagem estreitamente ligado às atividades do
pensamento, do discurso e do raciocínio, a argumentação, pelo conhecimento que se tem dela
atualmente, possui diferentes concepções, sendo que as mesmas variam segundo os
fundamentos da teoria que a aborde (MENEZES, 2001). Com isso, é notório o seu caráter
teórico-metodológico multifacetado, o que a torna um objeto de estudo permeado por
divergências conceituais no que se refere aos autores da área da Linguística, sobretudo os da
Análise do Discurso, cujo enfoque na análise de discursos diversos – político, jurídico,
publicitário, entre outros - tem contribuído significativamente para o estudo da argumentação.
Contudo, convém ressaltar que a concepção atual de argumentação, na maioria dos
estudos, está alicerçada nas concepções oriundas da retórica clássica. Chaïm Perelman (1996),
em sua proposta de uma nova retórica salienta que o ato de argumentar consiste em fornecer
argumentos, ou melhor, razões a favor ou contra uma determinada tese.
De acordo com Plantin (1996), a teoria da argumentação pertence, por tradição, ao
sistema retórico, sendo deste uma parte fundamental, sem, no entanto, deixar de lado o nível
científico ou gico no qual também está inserida. A argumentação “é uma operação que leva
a pressionar um enunciado assegurado (aceito), o argumento, para atingir um enunciado
menos assegurado (menos aceitável), a conclusão”
4
(PLANTIN, 1996, p.24). Argumentar, sob
esse ponto de vista, consiste no direcionamento de um argumento a um interlocutor para fazê-
lo admitir uma conclusão e incitá-lo a adotar os comportamentos adequados ou pretendidos.
Chamamos a atenção para o ponto de menor aceitabilidade de que fala Plantin (1996), que
reforça a ideia de uma força argumentativa incidente sobre o argumento para levar à
conclusão pretendida. Dito de outra forma, a conclusão tem mais possibilidade de não ser
aceita e, por isso, o argumento deve ser eficiente a ponto de assegurá-la.
Analisando o percurso e consequente evolução da argumentação, percebemos que ela
experimenta, desde o seu surgimento paralelo ao da retórica, contestações, inovações,
aprimoramentos, e reformulações por parte de diversos teóricos, notadamente aqueles que
trabalham com a linguagem (AMOSSY, 2005; CHARAUDEAU, 1983; ANSCOMBRE;
4
Do original francês: “...une opération qui prend appui sur un énoncé assuré (accepté), l’argument, pour
atteindre un énoncé moins assuré (moins acceptable), la conclusion.”
20
DUCROT, 1988; PERELMAN, 1996 etc.). No entanto, não se chegou a uma noção única
capaz de dar conta de todos os aspectos que envolvem o fenômeno da argumentação. Vem daí
a confirmação do que foi dito inicialmente sobre a existência e pertinência das diversas
abordagens voltadas para o estudo e compreensão da mesma. O percurso que se fará nesta
seção não pretende abranger todas as teorias da argumentação, tendo em vista o grande
número de estudos sobre o assunto, mas sim, destacar como ela se apresenta atualmente e qual
a abordagem utilizaremos neste trabalho.
Abordaremos apenas as teorias que mais têm se destacado nas pesquisas atuais,
sobretudo em Análise do Discurso. Tais teorias constituirão, a nosso ver, suporte para o
desenvolvimento do presente estudo, já que o mesmo se coloca no âmbito dos discursos
sociais, e, por consequência, da Análise do Discurso. Antes, falemos, em linhas gerais, da
retórica, arte da oratória, que foi a base fundadora da argumentação.
2.1.1 A retórica: origem e configuração da arte da persuasão
Direcionar o olhar para a argumentação implica fazê-lo também para a retórica, posto
que, compactuamos a noção de que a primeira repousa no núcleo da concepção antiga da
segunda (PLANTIN, 2008b). Na verdade, a argumentação, juntamente com a oratória, são
duas partes componentes da retórica (REBOUL, 1998). O que se afirma sobre a argumentação
é que sua origem pode ser descrita a partir da constituição do sistema retórico (MENEZES,
2001). Com isso, fica evidente a relação de contiguidade entre elas. Sob esta perspectiva,
consideramos pertinente, nesta seção fazer um recorte explicativo sobre a retórica e seus
fundamentos, que a argumentação surgiu simultaneamente a ela, estando, pois, ligadas, em
alguns aspectos pelo vínculo do persuadir e do convencer.
Sob o viés da Análise do Discurso, a retórica é denominada como sendo o ato de
persuadir através da troca comunicativa. Plantin a define como
a ciência teórica e aplicada do exercício público da fala, proferida diante de um
auditório dubitativo, na presença de um contraditor. Por meio de seu discurso, o
orador se esforça para impor suas representações, suas formulações e para orientar
uma ação. (PLANTIN, 2008b, p. 433).
A concepção antiga a que nos referimos anteriormente é a concepção oriunda dos
gregos, considerados os criadores dos primeiros princípios da retórica. Esse crédito está no
21
fato de que coube aos sofistas gregos a criação da “técnica retórica” e da teoria da retórica”.
Segundo Reboul (1998), a técnica retórica objetivava a defesa de qualquer causa e qualquer
tese, enquanto a teoria da retórica não se debruçava sobre a habilidade de defesa, mas sim
sobre uma reflexão direcionada à compreensão.
Como foi afirmado que retórica e argumentação aproximam-se relativamente,
adotaremos, nesta seção, o termo argumentação, mesmo que em alguns momentos estejamos
falando de retórica. Apoiamos nossa iniciativa na observação de que alguns autores adotam
expediente similar (MENEZES, 2001), enquanto outros utilizam o termo retórica
(EMEDIATO, 2001).
O conhecimento inicial que se tem da retórica remete a dois sofistas da Sicília o
mestre Córax e seu discípulo Tísias -, que foram os primeiros a se debruçarem sobre a
questão. Sob sua perspectiva teórica, a retórica consistia no alicerce para a solução de
conflitos de interesses que surgiram à época, devido a questões políticas e bélicas. Eles
consideravam a eficácia dos argumentos como a arma ideal para se conseguir sucesso em uma
determinada situação. Podemos afirmar, então, que havia o processo de identificação da
argumentação como fundamento da linguagem e, consequentemente, das relações sociais.
Convém ressaltarmos que os sofistas atribuíam à argumentação a característica de
buscar a persuasão de um auditório. Essa visão era muito pertinente, que a argumentação
havia se radicado em um dos âmbitos mais importantes da sociedade da época: o judiciário,
que, vale dizer, foi o único gênero levado em conta pelos sofistas gregos. A afirmação de que
os sofistas gregos delegavam grandes virtudes à argumentação no funcionamento da
linguagem baseia-se na ideia de que, para eles “tudo podia se resolver pela discussão no
interior da polis.” (MENEZES, 2001, p.182).
Como precursores dos estudos argumentativos, é mérito dos sofistas gregos a
publicação de uma “arte oratória” coletânea de exemplos cuja função era ajudar as pessoas
no trato com a justiça e a definição primeira da retórica, feita por rax, como a arte
“criadora de persuasão”. A respeito da retórica pregada pelos sofistas, Reboul (1998, p.9)
afirma que eles “criaram a retórica como arte do discurso persuasivo, [...] e a finalidade dessa
retórica não é encontrar o verdadeiro, mas dominar através da palavra; ela já não está
devotada ao saber, mas sim ao poder”. Na história da retórica destacada a imprescindível
contribuição da sofística para o surgimento da arte -, outros teóricos também se destacaram
(REBOUL, 1998). Dentre eles, estão Górgias, Protágoras, Isócrates e Platão, cuja crítica aos
preceitos da retórica resultou na obra intitulada Górgias.
22
Contudo, fator de inigualável contribuição no campo da retórica foi a influência de
Aristóteles. Na visão desse filósofo, a tarefa dessa arte não repousava exclusivamente na
persuasão, mas sim no discernimento dos meios de persuadir, segundo cada caso específico.
Em outras palavras, a retórica aristotélica previa a singularidade de cada questão a ser
resolvida, e, como tal, necessitava de meios próprios específicos e adequados ao objetivo de
persuadir. Além de propor novas dimensões para a retórica, Aristóteles criticou os sofistas e
foram suas críticas que resultaram em modificações significativas no estudo da retórica. Em
uma crítica direta à visão sofista e uma exaltação ao empreendimento aristotélico, Reboul
(1998, p. 23) ressalta que
O discurso do sofista é digno quando muito de uma praça pública; sua argumentação
pelo exemplo guinadas. O de Aristóteles, ao contrário, é muito coeso; procede
por silogismos implícitos, ou entimemas. Em suma, passa-se de uma arenga
propagandística, do tipo “vocês vão ver o que vocês vão ver”, para uma
argumentação rigorosa.
De fato, Aristóteles (1959) trata minuciosamente da questão retórica, inclusive
criticando os que, até então, haviam trabalhado com tal tema. Sua crítica concentra-se em
pontos que devem ser destacados, a saber, a questão dos entimemas
5
e dos gêneros. Diante da
aproximação entre a Retórica e a Dialética
6
, os entimemas são considerados semelhantes aos
silogismos oratórios. A concepção que se tem do silogismo oratório e dialético refere-se a
uma forma de raciocínio demonstrativa que postula o surgimento de uma nova proposição, à
medida que novas proposições (premissas) são dadas.
O segundo fator indicativo de avanço da abordagem aristotélica compreende a
ampliação da questão dos gêneros. A despeito da abordagem da sofística, que privilegiava o
gênero judiciário, Aristóteles preconiza mais dois gêneros de discursos oratórios, além deste
último: o gênero deliberativo e o demonstrativo (ou epidíctico). Ao primeiro, ele como
característica os aconselhamentos diante de questões relativas ao interesse particular ou ao
interesse público. o gênero demonstrativo (ou epidíctico) refere-se ao elogio ou à censura.
No estudo da concepção aristotélica da Retórica, Menezes (2001) salienta que as premissas
constituintes dos raciocínios destes gêneros são criadas pelo orador e pela comunidade. Sendo
assim, as premissas fazem parte dos tópoi ou lugares-comuns
7
.
5
Os entimemas são as provas retóricas suasórias que fornecem uma certeza definitiva na argumentação.
6
Segundo Aristóteles (1959, L. I, CAP. I, p. 19) essa proximidade está na indicação de que “a Retórica não
deixa de apresentar analogias com a Dialética, pois ambas tratam de questões que de algum modo são da
competência comum de todos os homens, sem pertencerem ao domínio de um ciência determinada.”
7
Os lugares-comuns relacionam-se aos valores partilhados em um meio social, em um determinado tempo.
(MENEZES, 2001, p. 184).
23
Na retórica proposta por Aristóteles (1959) verificamos o surgimento da noção das
provas. Algumas o filósofo grego considera independentes da arte, pois existiam
anteriormente, sem a necessidade da intervenção do produtor do discurso oratório. Os tipos de
prova dependentes da arte são fornecidos pelo todo ou pelo produtor do discurso oratório.
Aristóteles (1959) aponta a importância das provas fornecidas pelo discurso, separando-as em
três espécies e mostrando como se caracteriza cada uma delas. Segundo ele, a persuasão se
torna possível (i) quando se apela positivamente para o caráter moral do orador (ethos), (ii)
quando o discurso consegue despertar a paixão e a emoção do ouvinte (pathos), e (iii) quando
o discurso, nele mesmo, apresenta a demonstração do que é ou parece ser verdadeiro (logos).
Sob esse prisma, Emediato (2001) destaca que a relação entre o orador (locutor) e o auditório
(receptor) é ponto essencial para o projeto argumentativo de persuasão.
O ethos, segundo Amossy (2008, p.220) é a “imagem de si que o orador produz em
seu discurso, e não de sua pessoa real”. O discurso publicitário concebe um ethos bem
característico. Ele é criado na enunciação e pode indicar inúmeras imagens, fidedignas ou
não, do orador. Em especial, porque esse discurso remete a mais de um orador, já que além da
empresa proprietária do produto oferecido, também a agência de publicidade e o publicitário
envolvem-se no processo. Além disso, a intenção maior é projetar diversos ethé, em
conformidade com a imagem que se pretende refletir junto ao público alvo.
Após essa retomada sucinta dos estudos sofistas e aristotélicos a respeito da retórica, e,
portanto, da argumentação, trataremos, a seguir, algumas abordagens atuais.
2.1.2 A argumentação nos dias atuais
Dentre as abordagens atuais de grande relevância para a Linguística, destacaremos
nesta pesquisa a de Oswald Ducrot e a de Patrick Charaudeau. Também os trabalhos de Ruth
Amossy (2005; 2006) sobre doxa e estereótipo abordados no Capítulo 4 terão relevância
para o estudo ora proposto. Tal seleção segue a algumas percepções durante o processo de
pesquisa, dentre as quais o fato de que (i) são teorias que têm contribuído significativamente
para o estudo da argumentação em pesquisas de Linguística e Análise do Discurso, e (ii)
apresentam diferentes visões da argumentação, apontando para um caráter extralinguístico e
intralinguístico da mesma, o que vai ao encontro do que pretendemos fazer neste estudo.
24
Talvez a mais controversa, a proposta atual de uma teoria da argumentação de Oswald
Ducrot (1995) e Jean-Claude Anscombre (1995a) passou por diversas etapas. Juntamente a
um grupo de teóricos colaboradores
8
, Ducrot formulou inicialmente a teoria a que denominou
Teoria da Argumentação na Língua (TAL). Os preceitos teóricos iniciais resultaram no que
atualmente é a Teoria dos Topoï (TT) que não é uma espécie de produto final, visto que,
esses teóricos propõem também a Teoria dos Blocos Semânticos (TBS) - que será mais
adiante comentada. Esses estudiosos se detiveram, a princípio, na noção de uma
argumentação essencialmente intralinguística. Esse aspecto diferenciava a noção da retórica
antiga, que se apoiava na ideia da argumentação como um jogo a partir da linguagem
(MENEZES, 2001). A argumentação, sob a ótica de Ducrot (1989, p.18), “pode estar
diretamente determinada pela frase, e não simplesmente pelo fato que o enunciado da frase
veicula”.
Dois pontos norteavam a base da primeira versão da teoria ducrotiana (MENEZES,
2001, p.187):
1º) O estudo dos conectivos, que, explícita ou implicitamente, tinham por função ligar
proposições, “mas também enunciados a proposições, servindo ainda para encadear
enunciados a elementos da situação extralinguística ou a reações não ditas que o locutor
atribui a si mesmo ou ao destinatário.”
2º) A ênfase na frase, o que contrariava a tradição retórica, cujo princípio era o estudo
concentrado em um determinado texto, tendo em vista a enunciação na qual ele se inseria.
Na verdade, a discussão da Teoria da Argumentação na Língua gira em torno da
construção de uma teoria do sentido, que pretende abordar questões como “o valor de verdade
dos enunciados, o caráter referencial da linguagem e o tipo de inferência que se faz em língua
natural, tudo isso conduzindo à indagação da natureza do sentido lexical” (MOURA, 1998, p.
170).
Na outra ponta, temos a proposta de Patrick Charaudeau (1996). A argumentação, para
Charaudeau (2008) não é um fenômeno discursivo isolado e independente, conforme o
delineavam os sofistas e Aristóteles, e como o delineia a nova retórica (PERELMAN, 1996).
Dito de outra forma, a argumentação, na visão charaudiana, insere-se no que o autor
denomina Modos de Organização do Discurso. Conforme Charaudeau (2008), toda ação
comunicativa ocorre a partir da organização desses Modos.
8
Esse grupo é formado por Jean-Claude Anscombre, Marion Carel e Pierre-Yves Raccah.
25
Charaudeau (2008) define-os como princípios de organização da matéria linguística,
dependentes do sujeito comunicante e de sua intenção comunicativa, nomeando-os como
Modo de Organização Enunciativo, Descritivo, Narrativo e Argumentativo. É importante
ressaltar que, segundo esse autor, não existe entre os Modos, com exceção do Enunciativo,
nenhuma posição hierárquica, ou seja, eles se encontram num mesmo patamar de importância
no processo argumentativo, pois o que faz com que cada Modo seja utilizado em um
determinado ato são as intenções ou as necessidades do sujeito comunicante.
Charaudeau (2008) coloca o Modo de Organização Enunciativo em uma posição à
parte, devido à sua função particular na organização do discurso:
Por um lado, sua vocação essencial é a de dar conta da posição do locutor com
relação ao interlocutor, a si mesmo e aos outros o que resulta na construção de um
aparelho enunciativo; por outro lado, e em nome dessa mesma vocação, esse Modo
intervém na encenação de cada um dos três outros Modos de organização. É por isso
que se pode dizer que este Modo comanda os demais. (CHARAUDEAU, 2008, p.
74).
Para delimitar de forma mais concreta sua noção de Modos de Organização do
Discurso, ele explica que os gêneros textuais e suas especificidades de uso e de estrutura
sinalizam para a conexão entre os Modos. Para ele, não existe gênero textual em que ocorra
somente um dos Modos; dependendo do gênero podem incidir um ou mais Modos, sendo
que alguns podem dominar um determinado gênero, enquanto outros podem ocorrer ou não
(CHARAUDEAU, 2008, p.79). Em vista disso, ele assevera, dentro de sua teoria, a relação
dos quatro Modos de Organização do Discurso como fundadores de toda ação
comunicativa.
O que pretendíamos aqui era fazer uma delimitação conceitual da argumentação,
sinalizando a compreensão que a mesma apresenta para este trabalho: atividade inerente ao
ato de enunciar, manifestando-se pela(o) e na(o) linguagem e discurso. Além disso,
destacamos também os autores que, para nós, se mostraram mais expressivos nos estudos
da argumentação. No entanto, convém sinalizar para os inúmeros autores que sobre ela se
debruçam, adotando ora a retórica antiga como ponto de partida, ora propondo novas visões
e direcionamentos.
Tendo delimitado a nossa visão da argumentação nos estudos linguísticos,
abordaremos a seguir alguns conceitos importantes sobre publicidade e propaganda com
vistas a indicar a noção que temos de cada uma delas para o presente estudo.
26
2.2 Publicidade e propaganda: conceitos fundamentais
A comunicação é fator primordial para o sucesso das relações humanas. Sem a
comunicação o homem não vive em sociedade. Segundo Koch (2008, p.15), “o homem usa a
língua porque vive em comunidades nas quais tem necessidade de comunicar-se com os seus
semelhantes”. E a sociedade, em contrapartida, também é base para a comunicação, pois ela
dita ou propõe normas e convenções a serem seguidas pelos indivíduos que a constituem.
Esse conjunto de ditames sociais, por sua vez, interfere na própria linguagem, modificando-a
e transformando-a, conforme os falantes e o seu meio social. Percebe-se então que, se
ocorrem mudanças sociais, também ocorrem mudanças linguísticas e, principalmente,
discursivas. As relações discursivas moldam-se nas mais diversas interações, ou seja, a
vivência do indivíduo é preenchida pelo conteúdo dos discursos dos quais ele participa ou tem
conhecimento.
Sob esse viés, concordamos com a noção de que os discursos, sobretudo os sociais, se
ancoram na estreita relação entre linguagem, indivíduo e sociedade. Em vista disso,
retomamos aqui a importância de analisar um dos discursos, que, no contexto desta pesquisa,
tem-se caracterizado como um dos mais operantes na sociedade moderna em que pese todo
o avanço tecnológico e científico da era moderna e, por isso mesmo, o que mais tem
influenciado os padrões sócio-culturais: o discurso publicitário.
Charaudeau (2006) ressalta que a informação, a comunicação e as mídias são as
palavras de ordem do discurso da modernidade, e relacionadas a elas, apontamos também a
publicidade e a propaganda, que na esteira da mídia, têm-se firmado como meios não de
formação, como também de manipulação de opinião. Nossa intenção, nesta parte do nosso
percurso, não é avaliar, positiva ou negativamente, o papel da publicidade e da propaganda
em nossa sociedade ou em outra qualquer. Pensamos que ambas influenciam os indivíduos,
ditando modas e costumes, e, assim, mudando comportamentos e normas sociais. Por isso,
pretendemos trazer definições que possibilitem orientar a visão que adotamos nesta pesquisa
sobre o discurso publicitário e alguns de seus componentes. Primeiramente, estabeleçamos o
que é publicidade e propaganda, analisando se são sinônimas ou díspares.
A publicidade e a propaganda, salienta Sant’Anna (2002), ora são definidas como
objetos distintos, ora como semelhantes. Existe, no campo da Comunicação, um consenso
relativo à dificuldade de definir uma e outra, bem como delimitar o(s) seu(s) domínio(s).
27
Surge entre ambas uma relação ambígua de tangenciamento e de paralelismo teórico, pois é
prática comum adotar os termos como semelhantes, ou indicá-los como diferentes.
Compartilhando da opinião dos estudiosos da área, concordamos que chegar a uma noção
definitiva que as delimite e/ou diferencie é tarefa difícil, senão impossível. Essa conclusão
ancora-se na noção de que
a propaganda confunde-se com a publicidade nisto: procura criar, transformar ou
confirmar certas opiniões, empregando, em parte, meios que lhe pede emprestados:
distingue-se dela, contudo, por não visar objetivos comerciais e sim políticos: a
publicidade suscita necessidades ou preferências visando a determinado produto
particular, enquanto a propaganda sugere ou impõe crenças e reflexos que amiúde
modificam o comportamento, o psiquismo e mesmo as convicções religiosas ou
filosóficas. Por conseguinte, a propaganda influencia a atitude fundamental do ser
humano. (SANT’ANNA, 2002, p. 47).
Não é, como dito anteriormente, objetivo desta pesquisa propor novas definições para
cada um dos termos, mas sim, mostrar aspectos importantes sobre os objetos publicidade e
propaganda, cuja influência nos estudos linguístico-discursivos tem sido marcante. Estamos
nos referindo, especificamente, ao material verbal/não verbal e à argumentação, utilizados
com notável singularidade no discurso publicitário como meios eficientes de persuasão.
O termo publicidade em sua primeira acepção remetia ao “ato de divulgar, de tornar
público” (PINHO, 1990, p.16). Na cultura francesa, publicité relacionava-se ao campo
jurídico, indicando a publicação (afixação) ou leitura de leis, éditos, ordenações e
julgamentos. No século XIX, o termo recebeu nova acepção, marcada por um cunho
comercial, designando, então, alguma forma de divulgação de produtos ou serviços, por meio
de anúncios geralmente pagos e veiculados sob a responsabilidade de um anunciante
identificado, com alvo de interesse comercial (PINHO, 1990). Outra noção está calcada na
ideia de que o termo publicidade procede de ‘público’ (do latim publicus) e designa a
qualidade do que é público. Acepção interessante é a que o considera como ação de
vulgarizar, de tornar público um fato ou uma ideia. Nesse ponto, voltamos novamente à noção
de que publicidade e propaganda são termos bastante próximos conceitualmente.
Tais noções podem indiciar um lado obscuro da publicidade: o de somente manipular
para vender. Talvez seja mesmo essa a sua verdadeira face, e entrar nesse mérito pode se
tornar uma escolha perigosa, principalmente se pensarmos na liberdade de expressão e na
questão das ideologias. Criticar a publicidade naquilo que é a sua função principal seria querer
incutir outra ideologia – contrária a ela e favorável a um outro ponto de vista - e, por
consequência, manipular opiniões, agindo da mesma forma que a publicidade. Por isso,
28
trazemos à tona, também, as potencialidades da publicidade. E uma das que consideramos
mais interessantes está no ponto de vista de Sant’Anna (2002) para quem
a publicidade é uma fonte de economia para os produtores e de benefícios para os
consumidores. Mas os benefícios da publicidade não são econômicos. A
liberdade de imprensa, por exemplo, é resultante da publicidade e da sua ação
democrática. Sem a receita dos anúncios, nem os jornais, nem as rádios ou televisões
poderiam informar e recrear os leitores e ouvintes, como o fazem. (SANT’ANNA,
2002, p.77)
Em obras relacionadas diretamente ao estudo da publicidade e da propaganda
(PINHO, 1990; VESTERGAARD; SCHRØDER, 1994) verificamos a criação de termos
específicos para designar diversos tipos de publicidade, sendo que a classificação tem em
vista o tipo de anunciante, de consumidor e de produto a ser comercializado. De acordo com
Pinho (1990), a publicidade compreende os seguintes tipos:
1) Publicidade de produto: responsável pela divulgação de um produto, com o objetivo
de levar o consumidor a conhecer e comprar o produto. É utilizada pelo fabricante do
produto.
2) Publicidade de serviços: divulgação de serviços prestados por bancos, financiadoras e
empresas seguradoras.
3) Publicidade de varejo: divulgação de produtos comercializados por varejistas. Esse
tipo também é denominado publicidade comercial.
4) Publicidade comparativa: divulgação de um produto e comparação entre o produto da
empresa anunciante e o de outros concorrentes.
5) Publicidade cooperativa: divulgação feita pelo fabricante juntamente com lojistas que
vendem um determinado produto; designa a divulgação feita através da união de
muitos fabricantes a uma grande loja.
6) Publicidade industrial: divulgação direcionada ao intermediário do produto. Tem por
característica a tarefa, não de vender o produto, mas de influenciar os custos do
processo de venda.
7) Publicidade de promoção: é descrita como apoio às ações de promoção de vendas por
mídias de grande alcance, como rádio, televisão, cinema, jornal, revista e outdoor.
Desta forma, consideramos como publicidade a arte de anunciar um determinado
produto com o intuito de apresentá-lo ao consumidor criando estratégias para convencê-lo a se
tornar um consumidor efetivo. Assim, associamos a ideia de publicidade unicamente ao
processo empresas – produto – consumidor em potencial.
29
Vestergaard e Schrøder (1994), cujo estudo pontua somente a questão da propaganda,
postulam dois tipos fundamentais de propaganda, quais sejam, a não-comercial e a comercial.
O primeiro refere-se aos comunicados que órgãos governamentais emitem para os cidadãos, e
também aos apelos de sociedades e associações para fins de caridade ou políticos. Já o
segundo tipo engloba a publicidade de prestígio ou institucional e a propaganda industrial ou
de varejo. A publicidade de prestígio ou institucional refere-se ao anúncio de um nome ou
imagem de empresa e, não a mercadorias e serviços. Seu objetivo principal é criar no público
alvo um sentimento duradouro de receptividade à imagem da empresa. A propaganda
industrial, ou de varejo, destina-se a anunciar os produtos ou serviços de uma empresa a
outras empresas, e indica uma relação de comunicação entre iguais, na qual tanto o anunciante
quanto o receptor possuem conhecimentos e interesses comuns em relação ao que é
anunciado. Por essa razão, não se preocupa em utilizar elementos persuasivos, mas
informativos.
É importante destacar que, para Vestergaard e Schrøder (1994), a noção de
propaganda aproxima-se da de publicidade. Ela que possuía, inicialmente, uma função
propagadora, através da qual apenas se informava o indivíduo a respeito de um produto ou
serviço, adquire uma função persuasiva a partir do final do século XIX, momento em que a
superprodução e a sub-demanda exigiam que a propaganda não somente informasse a
existência de um produto, mas que igualmente persuadisse a adquiri-lo.
Desse modo, a propaganda passou a utilizar-se de outro elemento para se levar em
conta as necessidades do indivíduo que, segundo Vestergaard e Schrøder (1994), são
materiais e sociais. As necessidades materiais são aquelas que proporcionam o básico do bem-
estar ao indivíduo: a necessidade de comer e beber para manter as funções vitais, de vestir-se,
e de abrigar-se para se proteger dos fenômenos naturais. As necessidades sociais, por seu
turno, evocam as interações sociais e culturais, que o indivíduo necessita da proximidade e
das relações estabelecidas com os seus semelhantes. Além disso, ele precisa ter a sensação de
pertencimento a determinados grupos, o que lhe consciência de sua individualidade, e, ao
mesmo tempo, de sua coletividade como ser social. Com isso, as necessidades sociais abrem
caminho para que a propaganda projete no receptor algo além do valor material de uso da
mercadoria. Ela mostra ao público receptor que a aquisição de um produto se fará acompanhar
de benefícios maiores e da realização de muitos desejos: juventude, amor, aceitação,
tranquilidade, beleza, entre outros. Percebemos, então, que publicidade e propaganda
relacionam-se significativamente no que tange a questão da persuasão. no tocante ao fator
de diferenciação principal entre ambas, apontamos a forma como se faz publicidade e
30
propaganda. A primeira projeta-se de forma mais agressiva junto ao receptor, enquanto que a
segunda utiliza meios sutis. O fim das duas é, a despeito dos meios utilizados para isso, levar
o receptor a aceitar e adquirir um produto, que pode ser uma mercadoria, serviço ou ideia. E,
mais ainda, vimos também que o termo propaganda pode ser tomado como abrangendo a
noção de publicidade.
O termo propaganda, conforme Sant’Anna (2002), foi destacado arbitrariamente das
fórmulas do latim pontificial empregado pela igreja católica quando da Contra-Reforma (de
propaganda fide). Sua utilização ateve-se às questões da igreja até o século XX, quando
passou, então, ao domínio público. No século XX, mais precisamente em 1957, o termo foi
introduzido pelo Papa Clemente VII, por intermédio da fundação da Congregação da
Propaganda, com o objetivo claro de propagar a fé católica pelo mundo (SANT’ANNA,
2002). A etimologia do termo afiança que ele vem do latim propagare, por sua vez, derivado
de pangere, cujas definições são ‘enterrar, mergulhar, plantar’. Sob esse prisma, a propaganda
seria elevada a termo de propagação de doutrinas religiosas ou princípios políticos de algum
partido.
Entretanto, as definições atuais distanciam-se do sentido missionário inicialmente
atribuído ao termo. Para Sant’Anna (2002) “a propaganda é uma tentativa de influenciar a
opinião e a conduta da sociedade, de tal modo que as personagens adotem uma opinião e uma
conduta determinada” (p.46). Ou ainda, segundo o mesmo autor, “o escopo do propagandista
é o de influir na atitude das massas no tocante a pontos submetidos ao impacto da propaganda,
objetos da opinião” (SANT’ANNA, 2002, p.47).
Vemos, pois, que a propaganda compreende a técnica de incutir ideias ou crenças nas
pessoas, com vistas a cimentar as mesmas como imprescindíveis para uma existência plena.
Portanto, a definição para propaganda adotada neste trabalho, em conformidade com os
manuais da área, é a de que ela funciona como instrumento social propagador e influenciador
de opiniões e comportamentos. De modo similar à publicidade, também a propaganda se
divide em tipos específicos, a saber (VESTERGAARD; SCHRØDER, 1994):
1) Propaganda ideológica: modalidade em que o processo de persuasão é desenvolvido de
forma mais global e ampla do que os outros tipos. Sua função básica esna difusão
de uma determinada ideologia.
2) Propaganda política: divulgação permanente de ideologias políticas, programas e
filosofias partidárias.
3) Propaganda eleitoral: modalidade com utilização ocasional que tem por objetivo a
conquista de votos para candidato a cargo eletivo.
31
4) Propaganda governamental: divulgação cuja função é trabalhar a imagem de um
determinado governo junto à opinião pública.
5) Propaganda institucional (ou de relações públicas): sua função é a de vender a imagem
de uma empresa, e não um produto ou serviço específico que essa empresa ofereça.
6) Propaganda corporativa: designa a propaganda institucional cujo foco está na
divulgação das políticas, funções e normas de uma companhia ao público.
7) Propaganda legal: consiste na publicação obrigatória conforme a Lei 6.404, de
1976 dos balanços, atas de convocação e editais de empresas de sociedade anônima,
de capital aberto ou não. A publicação desse tipo deve ser feita no Diário Oficial e em
outro jornal de circulação expressiva.
8) Propaganda religiosa: divulgação da fé religiosa e as ações praticadas nas igrejas
(campanhas, movimentos etc).
9) Propaganda social: engloba as campanhas cujo foco remete a causas sociais, como o
desemprego, as drogas, a educação, as doenças sexualmente transmissíveis (DST’s),
entre outras.
Foco desta pesquisa, a propaganda governamental passa, ainda, por outra subdivisão
dentro da qual se encontra aquela que interessa a esta pesquisa: a ‘propaganda governamental
de serviços sociais’. Esse tipo de propaganda é definido da seguinte forma:
[...] São as de mérito social, por contribuírem com benefícios sociais, como a
redistribuição da riqueza ou a saúde, a educação, etc. No primeiro caso se incluem o
Ensino de forma ampla, a Defesa Civil, o Corpo de Bombeiros. São casos em que a
propaganda é utilizada mais para reprimir a utilização dos serviços do que para
provocar a sua demanda. o de efeito preventivo. São as campanhas como a de
serviço contra enchentes, a de menores abandonados, a da velhice desamparada, a de
conservação de bens públicos, etc. [...] (SANT’ANNA, 2002, p. 69)
Em vista disso, tomamos por iniciativa adotar, nesta pesquisa, termos diferenciados
em referência ao corpus. Para o material que aparece nas revistas direcionadas ao público
leitor adolescente chamaremos publicidade comercial em substituição a publicidade de
produto (PINHO, 1990) -, e, para o material que compõe a campanha de governo chamaremos
de propaganda governamental.
32
2.3 A construção do pensamento na adolescência
Antes de analisarmos publicidade/propaganda e sua influência sobre determinado
público alvo, torna-se imprescindível que tomemos da psicologia alguns conceitos e
posicionamentos para compreendermos determinadas características básicas do
comportamento do adolescente. Como não será feita, nesta pesquisa, uma análise detalhada da
recepção do corpus, apontaremos como se caracteriza o indivíduo adolescente em relação ao
modo de pensar e de agir, aos seus desejos e valores, entre outros aspectos. Para isso,
baseamo-nos em estudos desenvolvidos por um estudioso que se destacou na análise da
psicologia e do comportamento da criança e do adolescente, Jean Piaget, biólogo suíço e
pioneiro no campo da inteligência infantil, cujos estudos revolucionaram a educação,
contribuindo de forma expressiva para a Pedagogia, na segunda metade do século XX.
Uma delimitação do período da adolescência indica que esta, segundo Piaget,
corresponde, cronologicamente, ao período de 12 até 16 anos, havendo divergências
teóricas que consideram também adolescente o indivíduo com idade até 18 anos. Isso é apenas
uma questão metodológica para que determinemos a qual indivíduo estamos nos referindo
nesta pesquisa. Ou seja, estamos considerando aqui apenas o período cronológico, conforme
Piaget, não levando em conta o fato de que alguns adolescentes, devido a fatores internos e
diversos, amadurecem antes que os demais, ou mesmo, nunca amadurecem, originando
adultos eternos adolescentes.
Vale destacar a esse respeito, uma constatação bastante pertinente, da qual
compartilhamos, mas que não influenciará a terminologia usada aqui, pelo fato de não
estarmos lidando especificamente com um ou outro grupo de adolescentes, mas de modo
geral:
É preciso começar por eliminar um equívoco possível. Consideramos como
característica fundamental da adolescência a integração do indivíduo na sociedade
dos adultos. O critério da adolescência não deve ser dado, portanto, pela puberdade.
A puberdade aparece mais ou menos na mesma idade em todas as raças e em todas
as sociedades. (...) A integração na sociedade dos adultos, ao contrário, varia
consideravelmente nas várias sociedades, e até em diferentes ambientes sociais.
(INHELDER, 1976, p. 250)
Sem nos aprofundarmos na complexidade que envolve os estudos psicológicos sobre
as vicissitudes da adolescência (FERRARI, 1996), falaremos de modo superficial do
fenômeno psicológico - com extensão para o cognitivo, o social e o fisiológico - de mudança
do adolescente. Para Ferrari (1996), a adolescência pode ser entendida como a fase de maior
33
turbulência que o homem pode vivenciar. Isso ocorre, porque o indivíduo adolescente tem
pouco ou quase nada de conhecimento daquilo de que é capaz. Em vista disso, ele procura ao
seu redor modelos de comportamento e de atitudes para nortear suas ações. Tais modelos,
conforme afirma Ferrari (1996), baseiam-se em “mundos ideais”. Convém tentar compreender
porque o adolescente procura outras referências e, de certa forma, não constrói as suas
próprias.
Segundo Faria (1989), para Piaget a adolescência é denominada período operacional
formal. Nessa fase, o cérebro inicia a manipulação de ideias, através de palavras, de símbolos
matemáticos e de outras formas de linguagem. Conforme Faria,
através das operações formais, o indivíduo desliga-se do conteúdo material e começa
a pensar sobre as proposições ou declarações feitas a respeito desse conteúdo; passa
a raciocinar com base nas formas, isto é, nos símbolos matemáticos ou esquemas
verbais. (FARIA, 1989, p.78)
Esse aspecto é de fundamental importância para o cognitivo do adolescente, que
novos sistemas mentais são desenvolvidos, tendo em vista que uma consolidação das
operações formais em sistemas que serão utilizados por toda a vida do indivíduo.
Contudo, da mesma forma que o domínio das operações formais liberta o pensamento
dos objetos, ele também ao adolescente uma sensação de poder que, por sua vez, vai gerar
o que Faria (1989) e outros estudiosos chamam de egocentrismo. Esse sentimento é gerado
porque o adolescente acredita que suas ações e sentimentos têm uma grande importância para
o mundo, que o egocentrismo está relacionado, principalmente, ao aspecto psicológico da
audiência imaginária. De acordo com Elkind, citado por Faria (1989, p.85) “é uma audiência
porque o adolescente crê que será foco de atenção e é imaginária porque, em situações sociais
reais, não é isso que realmente ocorre [...]”. Com base nessa característica de sua
personalidade, podemos dizer que o adolescente cria e vive, em muitos casos, em mundos
imaginários nos quais prevalece, certamente, a sua visão egocêntrica dos acontecimentos.
Inhelder (1976) aborda a questão das operações formais desenvolvidas nessa etapa.
Segundo ele, o adolescente desenvolve, gradativamente, um mecanismo formal que lhe
permitirá reunir, na estrutura do pensamento, o raciocínio hipotético-dedutivo e os esquemas
operatórios que ele utilizará continuamente em seu pensamento experimental e lógico-
matemático. Esse desenvolvimento, levando em conta que a adolescência implica a inserção
no mundo adulto, depende mais de fatores sociais do que neurológicos.
34
O aspecto que mais nos chama a atenção, e que pode ser a base para entendermos, em
parte, por que o adolescente parece ser tão seduzido por um mundo imaginário, reside no
processo de desejar ser adulto e fazer planos para isso. Isso pode explicar também o desejo do
adolescente por determinados produtos. Talvez a aquisição desses produtos traga
compensação social, fazendo com que ele se sinta inserido na sociedade.
De acordo com
Inhelder (1976), como o adolescente deseja estar integrado na fase adulta, ele começa a
pensar sobre seu futuro e seu lugar na sociedade adulta. E, com o intento de introduzir seu
trabalho na sociedade adulta, ele projeta um desejo de reformar essa sociedade. Para isso, ele
estabelece planos para executar seus desejos. Tudo isso acontece porque ele começa a
construir determinadas teorias e o faz ao refletir sobre seu próprio pensamento.
As teorias que ele formula sobre tudo que é relativo a si mesmo abarcam todos os
níveis de sua vida, seja na orientação profissional, seja na vida sentimental etc. Além disso,
elas inserem-no no mundo adulto. Esse fato, segundo Inhelder (1976), acontece nos mais
variados contextos sociais. Por exemplo, em um grupo de adolescentes colegiais, no momento
de fazer um exame de grande importância para o seu futuro, surgirão teorias que apontam os
diversos caminhos que cada um pretende seguir. Alguns criam teorias políticas, outros,
sociais, e alguns, literárias. Tudo isso em conformidade com o seu projeto de inserir-se no
mundo adulto. Em contrapartida, um adolescente aprendiz operário ou camponês, construirá
teorias, mas, essas poderão ser frutos da adesão às ideias transmitidas por colegas ou por
leituras. E, ainda assim, serão teorias construídas para um projeto de vida adulta.
Podemos perceber, então, que o jovem, nesse processo de maturação do pensamento,
pode ter seu plano de vida influenciado pelo que é exterior a ele, ou pelo que advém do
mundo adulto. É essa característica que o discurso publicitário explora, manipulando-a com o
intuito de mostrar as vantagens do que a publicidade e a propaganda oferecem. Mostrar ao
adolescente o que o mundo adulto tem de mais atrativo e de melhor significa persuadi-lo a
querer possuir algo que o insira nesse mundo. Valer-se do egocentrismo típico da
adolescência pode também servir aos propósitos persuasivos do discurso publicitário.
Todos os aspectos apontados acima nos levam a crer que o trabalho de criação da
propaganda e da publicidade é significativamente orientado para a ênfase sobre fatores que
não envolvem a imposição de um produto simplesmente, mas sim a amostragem ou sugestão
da vantagem em adquirir tal produto, o que o fará sentir-se feliz e realizado.
35
2.3.1 O perfil psicológico do consumidor adolescente
O adolescente constitui, na atualidade, um público para o qual a publicidade e a
propaganda têm se esmerado na produção de campanhas publicitárias e, que, junto com a
criança, forma o chamado “mercado jovem” (GADE, 1980, p.111)
9
. Isso se deve à observação
de que este adquiriu, nos últimos tempos, grande poder de compra, o que tem despertado o
interesse de empresas fornecedoras de produtos diversos.
Sob essa perspectiva, nesta seção, discutiremos a psicologia do consumidor em geral,
no sentido de, de certa forma, entender o olhar do criador publicitário, e de sua equipe, ao
produzir o material de divulgação para atrair o adolescente consumidor em potencial.
No que se refere à publicidade, e, por extensão à propaganda, três objetivos norteiam
as campanhas publicitárias, a saber: inculcar uma ideia na massa, suscitar desejo pela coisa
anunciada e, por fim, fazer comprar, ou induzir ao ato da compra. Esses pontos norteadores
servem ao propósito de persuadir, convencer e levar à ação, influenciando, portanto, o
comportamento do consumidor. Para isso, é preciso que se conheça bem esse consumidor, e
isso deve priorizar diretrizes determinadas, como: “a) [a] natureza humana: as necessidades
básicas, desejos e paixões que fazem agir o ente humano; b) seus hábitos e motivos de
compra”. (SANT’ANNA, 2002, p.88).
Para a publicidade e a propaganda é extremamente relevante o conhecimento da
natureza humana, já que essas não têm controle total sobre as reações ao que vai ser
anunciado. Isso se deve ao caráter monologal dessas práticas discursivas. Por monologal ou
monolocutiva entende-se a interação na qual os interlocutores não estão presentes fisicamente,
contrariamente à dialogal. De acordo com Soulages (1996, p.148) um dos questionamentos da
publicidade está em “a quem falar e como?”. Para esse autor, tais questionamentos constituem
uma dificuldade máxima de todas as práticas discursivas monolocutivas. Segundo ele, ainda,
uma saída viável seria a construção da imagem de um parceiro convencional um ou mais
destinatários que podem ser colocados em cena no momento de manifestação do ato de
linguagem. Assim, um conhecimento aprimorado sobre “o valor das palavras, sobre as
necessidades, desejos, e impulsos humanos e as emoções que desencadeiam” (SANT’ANNA,
2002, p. 88), torna mais eficaz a técnica de persuasão e seu modo de operação. Isso nos leva a
9
A autora dedica uma seção para analisar a criança e o jovem frente ao consumo (GADE, 1980, p. 111-119).
Como ela não delimita qual a idade desse jovem, e, muitas vezes, utiliza o termo adolescente, consideramos que
as características designadas por ela, ao jovem, aplicam-se também ao adolescente.
36
verificar que são as necessidades do indivíduo que motivam seus desejos. O papel da
publicidade e da propaganda é, então, provocar a reação do indivíduo, apelando para o
contexto de suas necessidades, despertando-o para algo novo, ou reacendendo nele um desejo
já existente.
Utilizamos de Sant’Anna (2002) uma lista das necessidades humanas mais marcantes.
Podemos, a partir dela, atestar que a propaganda e a publicidade se fazem valer dessas
necessidades para despertar o desejo de consumo, de posse. Na análise do corpus,
retornaremos a elas sempre que se fizer necessário enfatizar a técnica persuasiva de fazer
comprar. Segundo o autor, são elas:
Ambição (Desejo de progredir, de ser alguém)
Amor à família (Afeto aos pais, filhos, irmãos, etc.)
Aparência pessoal (Asseio e bem vestir)
Apetite (Paladar, amor à boa mesa)
Aprovação social (Desejo de ser apreciado –de ser igual – socialmente)
Atividade (Esporte, jogos e semelhantes)
Atração sexual (Conquista amorosa, casamento, namoro)
Beleza (Sentimento estético, desejo pelo que é belo)
Conformismo (Hábitos, tendência as imitação, a seguir líderes)
Conforto (Desejo de repouso, bem-estar, tendência à euforia)
Cultura (Sede de saber, desejo de instruir-se)
Curiosidade (Necessidade de saber o que se passa, bisbilhotice)
Economia (De dinheiro, tempo, esforços, desejo de lucrar)
Evasão psicológica (Desejo de esquecer a realidade)
Impulso de afirmação (Desejo de se impor, de se afirmar)
Segurança (Proteção contra sinistro, previdência)
Saúde (Higiene, defesa contra doenças).
(SANT’ANNA, 2002, p. 90)
Ao analisar o fator consumo na adolescência, Gade (1980) destaca que os setores da
economia mais influenciados pelo poder de compra desse público são o da alimentação e o do
vestuário. Atestamos que outros setores agregaram-se a esses, tais como, o de
eletroeletrônicos e de perfumaria, como verificamos a partir das respostas ao
questionário/teste.
No tocante à alimentação, o avanço tecnológico fez com que o adolescente preterisse
as refeições mais substanciosas e nutritivas pelos lanches rápidos, os chamados fast food.
Alguns alimentos são simplesmente ignorados por razões de cunho social, e não porque
possam ter gosto ruim, ou o adolescente simplesmente não gosta deles. Gade (1980)
exemplifica esse fato bastante comum entre os adolescentes com dados de uma pesquisa sobre
o consumo de leite. Na pesquisa, verificou-se que os adolescentes sabem das propriedades
benéficas do leite, e, no entanto, não o consomem, pois, (i) existem outras opções de bebidas
mais atraentes (refrigerantes e café); (ii) não é bom para a imagem do adolescente beber leite
37
diante de amigos “a audiência imaginária” -; (iii) o leite remete a bebês e crianças, e isso
cria o medo de comparações e brincadeiras sobre sua maturidade; (iiii) para o adolescente,
sobretudo o grupo feminino, o leite pode provocar aumento de peso.
A explicação para as escolhas do adolescente enquanto consumidor no setor do
vestuário está na questão da sua identidade com o grupo e com a sociedade da qual faz parte.
De acordo com Gade (1980), os parâmetros de moda são ditados por indivíduos vistos como
líderes, dentro de seu grupo ou fora na dia, no esporte, na música, nas artes, entre outros.
É interessante destacar alguns dados propostos pela autora sobre o modo de vestir. Segundo
ela, “a motivação para a compra de vestuário do jovem é o grupo-referência, e todas as
respostas e questionários apontam que as roupas [sic] que ele menos gosta são as escolhidas
pelos pais”. (GADE, 1980, p.115).
Além disso, o consumo do adolescente também é influenciado por fatores como a
classe social e a lealdade a um produto.
Com relação ao primeiro fator, verifica-se que aquele
pertencente a uma classe menos privilegiada sócio-economicamente consome aquilo que
simboliza certo status, com a esperança de que isso possa inseri-lo em uma classe acima da
sua. Já a classe média, sobretudo a estudantil, tem o consumo direcionado para produtos que
são considerados de “boa reputação”.
A lealdade a um produto, por sua vez, é significativa para se entender os hábitos de
consumo na adolescência. Na verdade, Gade (1980) sinaliza para o fato de que as indústrias
estimulam o fazer comprar dos adolescentes, no sentido de oferecer e apresentar bem o
produto e fazer com que sejam criados laços de fidelidade ao mesmo. Muitas vezes, o
adolescente compra sem necessidade, apenas para satisfazer seu ego, para minimizar
frustrações ou, como já foi apontado, para adquirir status dentro ou fora de seu grupo.
Podemos perceber, então, que o perfil do adolescente consumidor reflete as
características psicológicas que afetam sua vida. Para inserir-se no mundo adulto vale seguir
tendências, e muitas vezes, transformar-se em cópias (quase ou tão) perfeitas de seus ídolos.
Vale, também, satisfazer seu egocentrismo adquirindo produtos com grande chance de se
tornarem descartáveis no dia seguinte.
Por fim, o perfil do adolesceste consumidor indicia que
a necessidade de independência emocional dos pais e dos adultos, a independência
econômica, a escolha de uma ocupação e a formação de uma própria escala de
valores são fatores que fazem o jovem consumir qualquer coisa que lhe acena com
promessas desta independência tão necessária ao seu desenvolvimento, seja o disco
do cantor contestatório engajado, seja o curto caminho para o sucesso, seja a religião
38
redentora ou mesmo um simples sanduíche, diferente da dieta caseira. (GADE,
1980, p. 117)
2.3.2 Avaliação das preferências de consumo dos adolescentes
No momento em que, relativamente à produção das peças comerciais e
governamentais, determinamos um estudo de estratégias, imaginamos, imediatamente, que
deveriam existir artifícios, velados, para se conseguir a adesão de alguém a um propósito,
através de argumentação. Nessa etapa, percebemos a necessidade de coletar dados concretos
sobre qual tipo de anúncio ou peça publicitária incitaria a curiosidade e vontade de comprar,
qual produto seria considerado imprescindível, enfim, saber a opinião do público alvo
adolescente sobre o consumo. Em vista disso, optamos por aplicar dois questionários/testes
em um grupo de adolescentes – 31 alunos da 8ª série (9º ano) de uma escola pública
10
.
O primeiro questionário/teste (Apêndice A) compreende questões de ordem sócio-
econômicas. Através dele, pretendíamos verificar alguns aspectos fundamentais para se
entender o adolescente consumidor. Outro propósito estava em utilizar os dados coletados no
questionário para selecionar o corpus. Em relação ao material da propaganda governamental,
o questionário não serviu como critério para a coleta, tendo em vista que não havia uma
quantidade expressiva que fosse passível de escolha, mesmo porque tal material compreendia
duas campanhas, nas quais se cria um número de peças que abordam um mesmo assunto ou
tema. O mesmo não aconteceu com o material coletado na revista Capricho. Nas edições a
que tivemos acesso, encontramos um número significativo de peças publicitárias. Para
exemplificar, a edição 1010, de janeiro de 2007, contém 11 páginas de material
publicitário, num total de 84 páginas da revista; a edição 1039, de março de 2008, contém
26 páginas em um total de 98 páginas da revista; a edição 1047, de junho de 2008, por sua
vez, contém 25 páginas em um total de 108 páginas. Podemos, dessa forma, atestar a presença
maciça da publicidade nessa revista. Com isso adotamos o critério de descartar as peças
construídas apenas com a imagem e o logotipo da empresa, optando por aquelas nas quais
aparecia a imagem juntamente com o enunciado. Feita essa delimitação, ativemo-nos às
respostas dos adolescentes para selecionar as peças publicitárias que seriam analisadas em
10
Embora não seja foco deste trabalho analisar a recepção da publicidade e da propaganda pelo adolescente,
consideramos que tal sondagem apontaria para a influência das mesmas junto a esse público alvo.
39
nossa pesquisa. Forneceremos mais detalhes a respeito da descrição formal do corpus, quando
de sua análise, no Capítulo 4.
O segundo questionário/teste (Apêndice B) envolve a análise de dois exemplares do
corpus, um pertencente à publicidade comercial e o outro à propaganda governamental.
Pretendíamos, embora não exaustivamente, buscar apontamentos para algumas questões que
nos interessavam nas respostas dos adolescentes, atestando o caráter exploratório de nossa
pesquisa:
(i) o que mais atrai o adolescente: o material verbal ou o não-verbal?,
(ii) existe(m) diferença(s) marcante(s), em termos de estratégias argumentativas, entre a
publicidade comercial e a propaganda governamental?
Os exemplares mostrados aos adolescentes foram reduzidos neste escrito para melhor
amostragem, mas para os jovens foi entregue o material em tamanho normal, xerocado,
colorido. Inicialmente, os adolescentes responderam o questionário/teste. então,
receberam o 2º questionário/teste e os exemplares das peças comercial e governamental
11
para
analisarem e responderem ao que lhes fora solicitado:
Destacamos de início que, em resposta à segunda pergunta do questionário/teste, a
maioria dos adolescentes apontou os itens roupas, sapatos, higiene pessoal e perfumaria como
os produtos adquiridos com mais frequência (mensalmente). Os itens eletroeletrônicos e
11
As duas Ilustrações não foram enumeradas nesta seção do trabalho porque compõem o corpus que será
analisado mais adiante.
40
bolsas/mochilas são adquiridos com menos frequência (trimestralmente, bimestralmente e
anualmente). Com relação a esses dados constatamos um aspecto convergente, que vai ao
encontro das respostas dos adolescentes ao questionário/teste: as peças veiculadas na revista
Capricho são, em grande número, referentes a roupas, sapatos/sandálias e cosméticos. A
princípio, pudemos levantar uma hipótese: se esses itens são mais consumidos pelos
adolescentes, certamente as estratégias argumentativas para a venda do produto não carecem
de grande poder persuasivo, tendo em vista que não é preciso convencê-los dos benefícios de
tais itens. Formulamos abaixo um quadro com as respostas dos alunos à referida questão.
Antes de passarmos a estas, destacamos que a primeira pergunta consistia somente em
determinar a idade de cada adolescente (Apêndice A) e, por isso não foi destacada aqui.
2) Com que frequência (dia, mês e ano) você adquire esses produtos?
Frequência/
Produto
Dia
Mês
Ano
Meses (bi, tri,
sem)
Não
respondeu ou
não compra
Roupas
1 ad. (15 dias)
15 ads.
1 ad.
2 ads. (bi)
8 ads. (tri)
1 ad. (cinco
meses)
X
Sapatos
X
13 ads.
3 ads.
1 ad. (bi)
3 ads. (tri)
4 ads. (sem)
2 ads. (cinco
meses)
X
Perfumaria
X
17 ads.
3 ads.
2 ads (tri)
6 ads. (sem)
2 ads (cinco
meses)
1 ad. (não
compra)
Higiene pessoal
8 ads. (dia)
1 ad. (15 dias)
21 ads. X X 1 ad. (não
respondeu)
Bijuterias/joias
6 ads. (15 dias)
8 ads.
4 ads.
2 ads. (bi)
1 ad. (tri)
1 ad. (não
respondeu)
9 ads. (não
compra)
Bolsas/
mochilas
X 1 ad. 27 ads. 1 ad. (bi)
2 ads. (sem)
X
Maquiagem
X
5 ads.
2 ads.
1 ad. (tri)
1 ad. (sem)
1 ad. (4 meses)
X
Eletroeletrônicos
X
3 ads.
25 ads.
1 ad (2
anos)
1 ad. (sem)
X
Outros
1 ad. (jornais)
2 ads.(bonés)
1 ad (peças de
bicicleta)
1 ad. (arts.
esportivos)
X
1 ad. (arts.
esportivos)
X
X
Quadro 1: Quadro de respostas dos adolescentes
Fonte: elaborado pela autora
Legenda: ad.: adolescente/ ads.: adolescentes/ bi: bimestre/ tri: trimestre/ sem: semestre
41
No quadro acima observamos um contraste em relação à frequência de aquisição de
determinados produtos. Vejamos o exemplo que nos pareceu mais significativo. O item
“sapatos” corresponde a um produto adquirido com bastante frequência pelos adolescentes:
dos 31 adolescentes, 13 afirmaram adquirir mensalmente esse item. Em contrapartida, bolsas
e mochilas são produtos adquiridos pela maioria (27 adolescentes) com frequência anual.
Ainda em comparação ao item “sapatos”, aparece o item “roupas” cuja quantidade de
adolescentes (15) que apontaram adquiri-las mensalmente não nos parece tão significativo
quanto o colocado sobre o item “sapatos”.
O item “eletroeletrônicos” também nos parece relevante para ser mencionado aqui,
tendo em vista o perfil atual do adolescente como consumidor voraz da tecnologia. Nesse
item, um número significativo de adolescentes (25) adquirem-no anualmente. O que nos
chama atenção é que a maioria dos adolescentes (25) responderam que dependem
financeiramente dos pais para adquirir algum produto. Consideramos existir nessa questão a
influência direta dos adolescentes no aumento de vendas de determinados produtos
eletroeletrônicos (celulares, MP’s, computadores etc.) na atualidade.
Tal constatação nos leva a refletir também sobre o fato de que nenhum adolescente
apontou revista ou jornal como produtos de consumo; apenas um adolescente apontou o livro.
Seria um indício de que os adolescentes não leem ou de que ler restringe-se ao computador,
que 17 adolescentes apontaram-no como produto de consumo.
A questão de número 3) Quem paga a maior parte dos produtos que vocompra? do
questionário/teste tinha o propósito de avaliar com quais recursos financeiros os
adolescentes adquirem os produtos que desejam. As respostas apontaram para uma hipótese
nossa de que a maioria dos entrevistados dependia dos pais para adquirir determinados
produtos. A partir dos resultados do questionário/teste (quadro 2), atestamos que muitos
adolescentes utilizam seu próprio dinheiro. O que nos permite inferenciar que, atualmente,
muitos adolescentes não dependem única e exclusivamente da família para ter poder de
compras. Parece-nos que esses adolescentes já exercem algum tipo de atividade remunerada.
Você
mesmo
Seus pais Tios Avós Irmãos Outros
13 ads.
25 ads.
1 ad.
2 ads.
1 ad.
1 ad. (primo)
Quadro 2: Quadro de respostas dos adolescentes
Fonte: elaborado pelo autora
Legenda: ad.: adolescente/ ads.: adolescentes
42
Cabe ressaltar que, quanto às respostas a esta questão, alguns adolescentes assinalaram
duas ou mais opções. Verificamos, então, que 08 deles afirmam serem eles mesmos e seus
pais quem pagam; 01 depende dos tios, avós e irmãos para pagar aquilo que compra; 01
depende de seus pais e outros; e, finalmente, 01 optou por marcar seus pais e avós.
Em relação à questão 4) Como você faz para convencer seus pais, avós, tios etc. a
fornecer dinheiro para você adquirir um produto? Quais as estratégias que você utiliza?,
obtivemos respostas variadas, algumas envolvendo o uso de argumentos sobre o benefício do
produto, mas a maioria utilizando estratégias de troca de favores com os pais ou responsáveis.
Registramos abaixo as respostas dos adolescentes, destacando, também, o número de
adolescentes que optou pela mesma resposta. Quando não essa referência, é porque apenas
01adolescente optou pela resposta.
Os pais fornecem o dinheiro sem o adolescente pedir.
O adolescente pede sem prometer nada em troca: 06 adolescentes.
O adolescente pede naturalmente o dinheiro aos pais ou “chantageia-os” (expressão do
adolescente).
O adolescente pede e explica a finalidade do dinheiro: se a estratégia o funciona, ele
aguarda um período de tempo e pede novamente.
O adolescente promete mudar de comportamento: 04 adolescentes.
O adolescente pede de formas diferenciadas:
a) à mãe com bajulação.
b) ao pai de forma direta, ressaltando a importância do dinheiro.
O adolescente trabalha e não pede dinheiro aos pais.
O adolescente utiliza o bom comportamento e rendimento na escola: 03 adolescentes.
O adolescente argumenta que o produto é bom e necessário: 02 adolescentes.
O adolescente negocia bons resultados na escola.
O adolescente não obtém dinheiro de outras pessoas, pois para adquirir algo ele
consegue dinheiro vendendo doces.
O adolescente compra sem avisar aos pais e os comunica da dívida no momento de
pagar.
Sobre os dados acima, percebemos que, a despeito da independência dos adolescentes
em relação à posse do dinheiro para o consumo, na maioria dos casos, ainda é a família que
financia o que eles querem comprar.
43
Para a questão 5) Escreva 04 (quatro) produtos essenciais em sua vida, encontramos
os seguintes dados:
Produtos de higiene: 04 adolescentes.
Alimentos: 05 adolescentes.
Eletrodomésticos: 04 adolescentes.
Roupas: 14 adolescentes / Roupas e sapatos: 01 adolescente / Tênis: 2 adolescentes.
Computador: 17 adolescentes.
Perfume: 01 adolescente.
Telefone: 02 adolescentes.
Dinheiro: 05 adolescentes.
Vídeo game: 05 adolescentes.
Boné: 06 adolescentes.
Bola: 01 adolescente.
Celular: 11 adolescentes.
Televisão: 06 adolescentes.
Skate: 01 adolescente.
Aparelho de som: 03 adolescentes.
Aparelho de DVD: 02 adolescentes.
Aparelho de CD: 01 adolescente.
Aparelho de MP4: 02 adolescentes.
Aparelho de MP5: 01 adolescente.
Creme de cabelo: 02 adolescentes.
Batom: 01 adolescente.
Maquiagem: 01 adolescente.
Material para artesanato: 01 adolescente.
Bijuterias: 01 adolescente
Gel para cabelo: 04 adolescentes.
Bicicleta: 01 adolescente.
Livros: 01 adolescente.
Acessórios (não especificados): 01 adolescente.
Por esses dados podemos observar que os produtos que os adolescentes consideram
importantes para sua vida são os artigos de vestuário, os eletroeletrônicos e os de perfumaria e
higiene. Isso pode ser comprovado também pela análise de suas respostas à questão 2 (quadro
1).
44
Na segunda parte do questionário/teste, pretendíamos constatar a relação entre o léxico
e a imagem presentes nos exemplares analisados e sua importância ou influência no
processamento discursivo e argumentativo. Nossa proposta de uma avaliação comparativa das
peças comercial e governamental pelos adolescentes serviu para verificar uma de nossas
hipóteses: quais seriam as principais estratégias argumentativas acionadas na produção de
peças comerciais e de peças governamentais visando à recepção das mesmas, e quais
diferenças lexicais e imagéticas se apresentariam mais atrativas e/ou significativas para os
adolescentes?
Primeiramente, destacamos que grande parte dos adolescentes optou por descrever
detalhadamente diante da pergunta Descreva detalhadamente um dos anúncios publicitários
(tipo de letras, cores, imagens, símbolos, etc.) a peça correspondente à propaganda
governamental (28 adolescentes). a peça correspondente à publicidade comercial foi
escolhida por 02 adolescentes. Dos 31 adolescentes que responderam ao questionário, 01
deles não respondeu à 2ª parte. Essa escolha majoritária pode indiciar dois fatores:
(i) a peça da campanha governamental é realmente atrativa e cativante, levando em
conta não somente a imagem como também o léxico e o assunto/tema,
(ii) a peça cativa pelo léxico e pela imagem, sem sofrer imposição do assunto/tema.
A esse respeito, constatamos que na análise das respostas para a segunda questão: - 2)
Indique qual anúncio você considera mais atrativo e justifique sua resposta -, o fator (i) foi o
que prevaleceu, que 18 adolescentes afirmam que o aspecto mais atraente na peça
governamental é o assunto/tema. No entanto, os adolescentes que destacaram o assunto/tema
como primordial na peça em questão, apontaram as cores e as imagens como muito
interessantes e “próximas deles”. Embora os adolescentes não tenham mencionado
explicitamente o léxico, parece-nos claro que o assunto/tema que havia atraído sua atenção foi
retirado, sobretudo, da leitura dos enunciados destacados componentes da peça:
Você tem o direito de se vestir como quiser e de ter a camisinha na bolsa.
Qual é a sua atitude na luta contra a AIDS?
No primeiro enunciado, o indivíduo é interpelado em relação a um bem maior e
universal, os seus direitos. No segundo, a interpelação muda de rumo e evoca os deveres do
indivíduo.
Para a última questão da parte do questionário 3) O que mais atraiu sua atenção
nos anúncios: as imagens ou as palavras (ou as duas juntas)? Quais? Justifique sua resposta.
obtivemos os seguintes dados: 12 adolescentes apontaram as imagens como mais atrativas
(11: peça governamental; 01: peça comercial), 04 adolescentes apontaram o léxico como mais
45
atrativo (02: peça governamental; 02: peça comercial), 02 apontaram as cores como mais
atrativas, e, 12 adolescentes apontaram as imagens e as palavras como o aspecto que mais as
atraiu nas peças (11: peça governamental; 01: peça comercial).
Na peça governamental, verificamos que as imagens mais expressivas são as duas
jovens (06 adolescentes), o fato de serem duas pessoas famosas
12
(01 adolescente), a
expressão facial das duas jovens (01 adolescente), a beleza das duas jovens (01 adolescente) e
as cores atraentes (01 adolescente). Na peça comercial, 01 adolescente afirmou que o casal de
adolescentes serve para chamar a atenção do público.
No que tange às palavras, a peça governamental foi apontada como contendo um
léxico mais explicativo, sendo que as palavras destacam e detalham a mensagem do anúncio
(02 adolescentes). No caso da peça comercial, o léxico foi indicado como explicativo, e
também como contribuinte para detalhar a mensagem (01 adolescente).
Através dos dados listados acima, concluímos que conforme o perfil do adolescente
consumidor e sua preferência por certos itens, determinadas peças comerciais não
necessitarão de argumentos elaborados para se compor. Os responsáveis pela campanha
publicitária confiam tanto nisso que muitas vezes não utilizam palavras para compor suas
peças, ou seja, porque acreditam que apenas a imagem é capaz de persuadir o adolescente. Por
outro lado, os produtos que menos interessam aos adolescentes carecem de campanhas melhor
elaboradas, em que pesem os argumentos de persuasão e convencimento acerca de seus
benefícios.
Em relação à peça governamental, destacamos o apelo à imagem e às palavras como
um jogo argumentativo em favor da prevenção à AIDS. Argumenta-se sobre o benefício da
prevenção, mostrando como argumentos jovens belas, alegres e, principalmente, saudáveis.
Argumenta-se, também, incitando o adolescente a participar da sociedade, fazendo a sua
parte, ou seja, contribuindo para que uma doença extremamente agressiva não seja
disseminada.
12
Ficamos em dúvida sobre essa resposta do adolescente, porque na peça governamental apenas uma das jovens
é reconhecidamente famosa: a cantora de rap Negra Li, localizada à esquerda.
46
3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Domínio perpassado por estudos de diversas ciências, notadamente as humanas e as
sociais, a publicidade e a propaganda constituem-se, na atualidade, processos geradores de
formas culturais, firmando-se, no âmbito social, como apoios visíveis das representações de
identidades. Nesse processo levantado por Soulages (1996), a publicidade atua na instauração
de identidades, priorizando, nos materiais semióticos, os traços importantes e, distinguindo no
social as figuras e espaços significantes, sempre dentro de um processo de realização do
discurso. Com base nessa determinação acerca da existência do apelo ao social, buscamos na
Análise do Discurso os fundamentos para a nossa análise dos segmentos do discurso
publicitário destacados aqui: a publicidade comercial e a propaganda governamental.
Nesta pesquisa optamos pela análise de algumas estratégias argumentativas das
publicidades comercial e governamental adotando, primordialmente, concepções
enunciativas, linguísticas e semióticas, e, secundariamente, concepções retóricas.
Enunciativas porque pretendemos entender o(s) contrato(s) de comunicação estabelecido(s)
nos segmentos em questão, e, para isso, precisamos ter em mente a relação e a importância de
cada sujeito, interlocutores e intralocutores, presentes nos processos enunciativos que dão
origem ao ato de linguagem propagandístico-publicitário. Linguísticas porque, inseridos em
um estudo da linguagem, não podemos nos furtar a uma análise do material linguístico
reunido nas mensagens publicitárias. Desse material, extrairemos também certos saberes
partilhados, ou topoï, que auxiliam o discurso publicitário em seu projeto de fazer comprar. E,
finalmente, semióticas porque inerentes e análogos ao material enunciativo e linguístico, os
signos verbais e não verbais constituem-se num dos aspectos de extrema importância no
projeto final da publicidade e da propaganda.
No entanto, não podemos nos esquecer de que esses aspectos convergem para um
objetivo maior que é apontar as estratégias argumentativas presentes na publicidade e na
propaganda direcionadas para o adolescente. Nosso ponto de partida ancora-se na opinião de
que, no âmbito da publicidade e da propaganda a argumentação encontra um valioso objeto de
manifestação. Persuadir o consumidor a acreditar no produto e, consequentemente, comprá-lo
requer argumentos eficazes. De acordo com Carvalho (2003, p.13) “toda a estrutura
publicitária sustenta uma argumentação icônico-linguística que leva o consumidor a
convencer-se consciente ou inconscientemente”.
47
Destarte, acreditamos que a argumentação retoma, na publicidade e na propaganda,
uma concepção oriunda da retórica antiga, centrada no ‘persuadir para fazer crer’, assumindo,
dessa forma, o que aqui denominamos de persuadir para induzir a fazer comprar’.
Acreditamos, inclusive, que o adolescente, indivíduo-consumidor em cujas ações e reações se
baseia esta pesquisa, somente será um consumidor em potencial, se os argumentos utilizados
explorarem uma gama de aspectos na qual se fundem o social, o psicológico, o cultural e o
histórico, para então, atrair sua atenção e levá-lo a consumir. Isso tem se constituído em um
dos maiores desafios do mercado publicitário atualmente. Para Soulages (2001), no discurso
publicitário, o consumidor deve ser produzido ao mesmo tempo, ou mesmo antes, do produto
propriamente dito. Com isso, exige-se dos sujeitos produtores desse discurso uma
mobilização de estratégias específicas para cada segmento do mercado.
A esse respeito, Sandmann (2007) alerta que o grande desafio para a linguagem da
propaganda está em prender a atenção do destinatário. Como consequência disso, o processo
de criação precisa muito mais do que simplesmente elaborar um anúncio para um determinado
produto; precisa envolver a competência criativa, mobilizar o aparelho semiótico inerente às
interações humanas, e retirar da linguagem o material necessário para construir suas
mensagens. Mais que isso, precisa destacar da sociedade elementos psicossocioculturais que,
juntamente com os elementos realçados acima vão constituir o todo do discurso publicitário.
Sabemos que a competência criativa é inata ou adquirida, mas a ela alia-se, num
primeiro plano, o interesse comercial das empresas anunciantes e, num segundo, as estratégias
das agências publicitárias. Assim, o projeto de uma campanha publicitária envolve várias
etapas que vão desde o briefing
13
até a amostragem do produto a grupos específicos de
consumidores em potencial (CARVALHO; MARTINS, 1996). Qual seria, então, a estratégia
a ser adotada, levando-se em conta a concorrência? Como levar ao consumidor em potencial
uma ideia de valoração do produto? Como sugerir a compra desse produto sem deixar
transparecer o verdadeiro motivo da mensagem: anunciar para vender? A resposta a essas e
outras questões parece-nos estar relacionada ao uso argumentativo de palavras e imagens
componentes primordiais da publicidade e propaganda impressas, nosso foco de análise. Tais
argumentos - e aqui estamos nos colocando do outro lado, o do produtor da mensagem -
devem converter-se em elementos persuasivos suficientes para atestar a verdade, ou a
13
Chama-se briefing às informações preliminares contendo todas as instruções que o cliente fornece à agência
para orientar os seus trabalhos. É baseado nele e completado com as informações de pesquisa que se esboça o
planejamento publicitário.” (SANT’ANNA, 2002, p. 106).
48
verossimilhança da mensagem, atestando, desse modo, o ato de adquirir um produto como um
benefício para o consumidor efetivo.
Expostos nossos argumentos para analisar a publicidade e a propaganda direcionadas
para os adolescentes e dentro de diretrizes enunciativas, linguísticas e semióticas, neste
capítulo, discorreremos sobre as teorias componentes do quadro teórico aqui proposto para
nossa análise.
A Teoria Semiolinguística insere-se na Análise do Discurso Francesa (AD), e
fundamenta-se na proposta de Patrick Charaudeau (1983). Dentre as profícuas noções que
compõem o conjunto dessa teoria estão as noções sobre o caráter marcadamente psicossocial
do ato de linguagem, a imanência dos contratos de comunicação nas relações humanas, o
ambiente interno e externo do ato de linguagem e seus respectivos sujeitos. Nos dizeres de
Lysardo-Dias e Gomes (2005), a perspectiva Semiolinguística inova, na medida em que,
conforme Charaudeau, procura entender os comportamentos linguageiros na sua relação com
as condições próprias de uma situação específica de interação verbal. A partir desse
arcabouço, pretendemos analisar os contratos de comunicação delimitados na publicidade e na
propaganda para adolescente, com destaque para os sujeitos instaurados nesses contratos,
além das noções de credibilidade, legitimidade e captação.
Utilizamos a Teoria dos Topoï, formulada por Oswald Ducrot e colaboradores, que
tem o propósito de sedimentar o estudo da argumentação através das noções de
encadeamentos discursivos, de argumento/conclusão, de saberes partilhados e de lugar
comum. Sabemos que a noção de topos se origina dos Tópicos de Aristóteles, e que a Teoria
dos Topoï está em consonância, também, com outras diretrizes teóricas de mesma visão, a
saber, a de Perelman sobre a argumentação jurídica, e a de Toulmin sobre pensamento não
formal e construções lógicas, conforme citados por Anscombre (1995b). Com base nos
estudos de Ducrot sobre os topoï, avaliamos no corpus de nosso trabalho os aspectos
linguísticos (topoï intrínsecos) e os histórico-sociais (topoï extrínsecos).
Abordaremos também algumas noções peirceanas no quadro teórico que fundamenta a
Teoria Semiótica. Dada a complexidade e completude dos estudos de Charles Sanders Peirce
(2000) sobre os signos e sua inserção numa visão semiótica de mundo, de realidade e de
acontecimentos, objetivamos reunir aqui apenas os elementos semióticos que nos auxiliem no
estudo da imagem e de alguns elementos linguísticos presentes no corpus.
Neste capítulo, pretendemos, então, levantar os preceitos básicos das teorias acima a
fim de construir uma fundamentação teórica para este trabalho, que nos capacite para analisar
as estratégias argumentativas dos discursos da publicidade e da propaganda para adolescentes,
49
apontando por seu intermédio diferenças e semelhanças entre uma e outra e escolhas lexicais
e imagéticas, tal como proposto nos objetivos desta pesquisa.
3.1 A Teoria Semiolinguística
Patrick Charaudeau (1983) coloca como fundamento de sua Teoria Semiolinguística
(TS) uma análise do discurso voltada, antes de tudo, para os papéis sociais e linguageiros dos
indivíduos participantes e construtores da interação verbal. Machado (2001) sintetiza
primorosamente o quadro em que se configura a Semiolinguística, quando de seu estudo,
dando primazia à Análise do Discurso e à suas várias correntes correlacionadas e, num âmbito
secundário, discutindo sobre a diferenciação teórica entre a ADF (Análise do Discurso
Francesa), de Michel Pêcheux, e a Semiolinguística, de Patrick Charaudeau. Apropriamo-nos
de determinados aspectos do quadro que Machado (2001) propõe e, que, em nosso
entendimento, salientam os principais pontos relativos à teoria:
A Semiolinguística
A AD serviria, grosso modo, para analisar os diferentes discursos sociais e
suas variantes, de uma cultura para outra. Seria uma AD da linguagem,
enquanto veículo social de comunicação.
Fortes características psicossociológicas: os contratos, os saberes
partilhados, o lado sócio-cultural dos sujeitos comunicantes são bastante
valorizados.
O Homem é um ser social (sentido amplo da palavra), criado/condicionado
pela sociedade/cultura do lugar onde vive. Logo, enquanto sujeito-falante,
ele “repete” a voz do social, mas o lado psicossocial-situacional lhe garante
também uma individualidade, nem completamente individual, nem
completamente coletivo: um amálgama dos dois.
Presença de um forte instrumental teórico. Abordagens que levam em conta
o lado psicossocial e o lado linguageiro dos sujeitos-comunicantes nos
diversos Atos de Linguagem.
Quadro 3: Conceitos da Teoria Semiolinguística
Fonte: MACHADO, 2001, p. 46
50
É nessa perspectiva, pois, que inserimos o estudo da publicidade e da propaganda
direcionado para a influência do público alvo adolescente. Sobre tal aparato teórico devemos
destacar primeiramente a noção de ato de linguagem que
indica uma intencionalidade, a dos sujeitos falantes, parceiros de um intercâmbio.
Depende da identidade deles, resulta de um objetivo de influência, é portador de um
propósito sobre o mundo. Além disso, se realiza num tempo e num espaço dados,
determinando o que é comumente denominado situação. (CHARAUDEAU, 1996,
p.34).
Se nos firmarmos nesse ponto, podemos visualizar todos os aspectos pontuais do
discurso publicitário enquanto um macro ato de linguagem: a intencionalidade consiste no
objetivo econômico da empresa e da agência publicitária ao oferecer o produto. A identidade
de cada uma delas sepreservada ou não sem nos esquecermos dos sujeitos enunciadores
(EUe) criados nesse discurso conforme o objetivo de influência. O propósito sobre o mundo
que permeia esse macro ato de linguagem é o de oferecer para induzir à compra; além disso,
temos nesse discurso a demarcação de tempo e espaço, conduzindo à situação.
Mais importante sobre essa proposta de ato de linguagem é que cada ato admite dois
espaços. Ao primeiro, denomina-se espaço de limitações, já que existem dados mínimos que
precisam ser satisfeitos para validar o ato. Ao segundo, espaço de estratégias, que os
sujeitos devem proceder a determinadas escolhas na encenação referente ao ato de linguagem.
Da mesma forma que admite esses dois espaços, o ato de linguagem se realiza em um duplo
espaço de significância, um externo e outro interno. As concepções de exterior ao e no
interior do ato de linguagem fomentam o aspecto psicossocial da interação verbal, pois a
externalidade indicia a atuação dos seres reais e a internalidade indicia a dos seres de fala,
cuja configuração estabeleceremos, ainda, nessa mesma seção.
Levando em conta a noção do ato de linguagem, Charaudeau (1996) propõe um
modelo de estruturação composto de três níveis: o do situacional, o do comunicacional e o do
discursivo. O nível do situacional concentra os dados do espaço externo do ato, estendendo-se
também ao espaço de limitações do mesmo. Nesse nível determinam-se os seguintes
parâmetros: (i) a finalidade do ato (para que dizer ou fazer?), (ii) a identidade dos parceiros
(quem fala a quem?), (iii) o domínio do saber (a propósito de quê?) e, (iiii) o dispositivo (em
que quadro sico de espaço e tempo?). O nível do comunicacional pode ser apontado como o
nível em que se determinam (i) as maneiras de falar ou escrever conforme a situação (como
dizer?), e (ii) uma posição do sujeito comunicante ou interpretante- sobre os papéis
linguageiros que ele deve adotar que “justifiquem seu direito à palavra (finalidade), mostrem
51
sua identidade e lhe permitam tratar de um tema (propósito) em certas circunstâncias
(dispositivo)” (CHARAUDEAU, 1996, p.35-36). Último dessa trilogia, o nível do discursivo
aporta na condição do sujeito falante como sujeito enunciador e nas estratégias que ele deve
utilizar relativas à legitimidade, à credibilidade e à captação.
Charaudeau (1996) determina que a análise do discurso proposta pela TS abranja o
levantamento das características dos comportamentos linguageiros o como dizer- tendo em
vista as condições psicológicas que as limitam conforme os tipos de situações intercambiais
emergentes o chamado contrato. Machado (2001) destaca a noção de contrato como uma
das fortes características psicossociais da TS. De acordo com Lima (2006), o contrato de
comunicação constitui-se como a base da TS. Mendes (2001, p.317) advoga que
o conceito de contrato de comunicação ocupa um lugar central em tal modelo, na
medida em que postula/define, como condição de existência de qualquer prática de
linguagem, o reconhecimento recíproco dos interlocutores enquanto parceiros da
comunicação que têm, portanto, o direito à palavra, e mais, um projeto de fala ao
qual é possível atribuir uma pertinência intencional.
Esse contrato baseia-se na hipótese de que as intenções vinculadas ao ato de
linguagem serão cumpridas, no todo ou em parte. Espera-se que o ato de linguagem do sujeito
comunicante seja aceito pelo interlocutor, pois, este último pode negar ao primeiro o direito à
palavra. Nesse caso, o sujeito comunicante precisa da adesão do outro, que, segundo
Charaudeau (1996), é impossível construir um sujeito falante sem o outro, ou melhor, sem o
TU não há o EU. Portanto, para a efetivação deste contrato de comunicação, tal como
proposto por Charaudeau, é necessário que o alocutário queira – ou pelo menos tente – aceitar
a mensagem do locutor. O contrato de comunicação somente se efetiva, quando os dois
parceiros da troca se reconhecem um ao outro, de acordo com o papel interlocutivo de cada
um (CHARAUDEAU, 2006). nesse caso, uma aposta, pois o interlocutor pode ou não
interpretar a mensagem a ele transmitida.
Outrossim, existe no ato de linguagem um postulado de intencionalidade que funda o
direito à palavra. O direito à palavra relaciona-se ao reconhecimento do sujeito comunicante
ou interpretante como sujeito falante. Tal postulado apregoa, de acordo com Charaudeau
(1996, p. 25), que o sujeito comunicante ou interpretante não pode ser reconhecido como tal
sem o outro “nada de locutor sem interlocutor, nada de EU sem TU”. Existe a necessidade
de que cada parceiro reconheça o outro como digno de ser escutado, como tendo direito à
palavra.
52
Adquirir esse direito é tarefa não muito fácil, que a mesma depende de fatores que
validem o merecimento do sujeito comunicante da atenção do outro, o parceiro do ato de
linguagem. Esses fatores compreendem as três condições essenciais do direito à fala: a
condição relativa ao saber (reconhecimento do Saber), a relativa à posição de poder
(reconhecimento do Poder), e a relativa à competência (reconhecimento do Saber fazer).
Na condição denominada reconhecimento do Saber está implicado o que Charaudeau
(1996, p.26-27) denomina de discursos de verdades e de crenças”. Esses discursos
relacionam-se em termos de discurso sobre o mundo e podem ser entendidos como “contratos
de produção/reconhecimento construídos por consensos, que permitem a cada um dos
interlocutores tomar posição, isto é, proceder a uma operação de validação”. Em sua vivência
em um mundo naturalmente influenciado pela linguagem e sua ascendência nas relações
psicossocioculturais, os sujeitos de uma comunidade social, constroem, progressivamente,
significados consensuais sobre o mundo físico (percepção do tangível), sobre o mundo dos
afetos e das ações (experiência do vivido) e sobre o mundo do intelecto (prova do raciocínio).
Tais consensos tomam o lugar de verdade válida, o que nos leva a percebê-los como advindos
de uma opinião maior. A esse reconhecimento específico está relacionada a legitimidade do
sujeito falante que depende também do reconhecimento do Poder.
O reconhecimento do Poder está associado à legitimidade socioinstitucional em que
pesam fatores, como os diferentes papéis que o sujeito pode desempenhar socialmente,
levando em conta o quadro enunciativo construído por ele. É somente no momento do
intercâmbio linguageiro - na enunciação -, que o sujeito social pode ser levado em conta.
Concomitante à carga social que traz em si, ele é, ao mesmo tempo, um sujeito em
comunicação. Para Charaudeau (1996), esse processo postula sujeitos envolvidos por uma
identidade psicossociológica e por um papel linguageiro também chamado de
comunicacional. É sobre essa perspectiva relacional entre o psicossocial e o linguageiro que
pode ser avaliado o fundamento da palavra e a legitimidade do indivíduo que a utiliza. O
estatuto do sujeito não faz com que ele construa sua legitimidade, como também não é
indispensável, pois é uma parte deste que, em relação com um papel linguageiro produz um
grau de autoridade ou não.
O reconhecimento do Saber fazer, por sua vez, capacita um julgamento da
competência do sujeito em sua ação de sujeito comunicante, tornado enunciador. Tendo em
vista o circuito externo e o circuito interno da cena comunicativa, considera-se que é no
manejo eficiente desses dois circuitos e no de seus componentes que o sujeito atesta sua
competência seu Saber fazer como sujeito com um projeto de fala. A noção de
53
competência remete ao fator da credibilidade. Mesmo tendo a legitimidade advinda do
Saber e do Poder, o sujeito não terá o direito à palavra se não possuir a credibilidade. Esse
reconhecimento é de fundamental importância na tríade fundante do direito à palavra tal como
proposto pela TS. Isso porque os reconhecimentos do Saber e do Poder não operacionalizam,
sozinhos, o direito à palavra. Eles precisam desse terceiro que julga a competência do sujeito
em sua ação de sujeito comunicante. Sua contribuição é explicitada da seguinte maneira:
[...] Em outras palavras, o projeto de fala é o resultado de um “ato conjunto” que se
faz num movimento de vai-e-vem constante entre o espaço externo e interno da cena
comunicativa. É na aptidão em saber ligar esse dois espaços e seus componentes
que pode ser julgado o Saber fazer do sujeito e que pode ser reconhecida sua
competência enquanto sujeito tendo um projeto de fala. É o que lhe dará
credibilidade, sem a qual, o obstante toda legitimidade que possua pelo Saber ou
pelo Poder, ele não será entendido, e não lhe será reconhecido, de fato, o direito à
palavra. (CHARAUDEAU, 1996, p.29-30)
Sob a perspectiva semiolinguística, podemos abstrair que as interações verbais, e todos
os aspectos nela imbricados – os psicossociais, os históricos, os culturais etc.-, fundam-se na e
pela linguagem. Desse modo, a TS a linguagem como um aparelho linguageiro, que ela
considera não somente o linguístico, como também o psicossocial. Dito de outra forma, essa
teoria se debruça na relação de sujeitos envolvidos em um processo de comunicação no qual
pesam o dizer e o fazer. O primeiro representa o material linguístico que permeia o ato de
linguagem e o segundo indica o contexto no qual os sujeitos estão inseridos. Sujeitos
assumirão papéis específicos no processo enunciativo de forma a construir os contratos de
comunicação determinados, segundo cada propósito, cada intenção como veremos adiante. O
discurso apresenta-se na TS como constituído por uma dimensão situacional e uma dimensão
linguística, o que vai balizar a noção de existência dos espaços externo e interno de
construção do sentido. (CHARAUDEAU, 1996).
Como destacado, a base da TS assenta-se na noção de contrato de comunicação,
mas não como compreender tal contrato, sem antes delimitar quais são e como
(inter)agem os sujeitos nele imbricados. Sendo assim, faremos na seção seguinte um
levantamento dessas noções, à luz de Charaudeau (1983).
54
3.1.1. Os sujeitos do ato de linguagem: definições e relações
Inicialmente, cabe destacarmos a noção de sujeito que, sob o viés da TS, é
considerado como um lugar de produção da significação linguageira para o qual esta
significação retorna, com o intuito de constituí-lo. De acordo com Charaudeau (2001), o
papel dos sujeitos da linguagem no centro das teorias linguísticas é fato recente.
De fato, o sujeito adquiriu um grau de importância para tais teorias com o advento da Teoria
da Enunciação. Desde as teorias estruturalistas até a Pragmática, a noção de sujeito foi
constantemente reformulada, passando do binômio emissor-receptor à subjetividade proposta
por Benveniste, que configurou a primeira mudança significativa a respeito da função deste
na linguagem.
Na visão de Charaudeau (1983), os sujeitos assumem papéis enunciativos específicos
e pré-determinados no processo de interação verbal. Esses papéis, como dito
anteriormente, são primordiais para a efetivação do contrato de fala. Dessa forma, dois
sujeitos da linguagem surgem em um primeiro plano: o EU, que é o sujeito produtor do ato
de linguagem e o TU, que é o sujeito interlocutor do ato (CHARAUDEAU, 2008). Essa
relação, que a princípio mostra-se clara, é, na verdade, complexa, na medida em que se
destacam pontos controversos que mostram a assimetria existente nessa relação dos sujeitos.
Como um dos pontos controversos aventados acima, apontamos que o TU não pode
ser considerado um mero receptor, visto que ele é um sujeito construtor de uma interpretação
fundada em um ponto de vista sobre as circunstâncias do discurso, e, por consequência,
sobre o EU. Esse TU, que nesse caso passa a ser um TU-interpretante (TUi), é diferente do
TU para o qual o EU direciona a sua mensagem, um TU-destinatário (TUd). Em função
disso, muitas vezes, as imagens produzidas do EU EU-enunciador (EUe) - não
correspondem às que o EU-comunicante (EUc) pretendia que fossem produzidas. Por isso,
Charaudeau (2008) indica que todo ato de linguagem deve ser tomado em seu caráter
dialético, cujo fundamento está em dois processos: o de produção instituído por um EU e
direcionado a um TU-destinatário (TUd) e o de interpretação instituído por um TU-
interpretante (TUi) co-construtor da imagem do EU-enunciador (EUe), daquele que emite a
mensagem.
Outro ponto a ser destacado é o desdobramento dos sujeitos do ato de linguagem.
Partindo desse ponto, verifica-se que não existem apenas dois sujeitos o emissor (EU) e o
receptor (TU), mas que o EU e o TU desdobram-se com a função de construir o ato de
55
linguagem. A relação do desdobramento dos sujeitos e da construção do ato de linguagem
assenta-se na definição que este assume na abordagem interacionista, conforme Catherine
Kerbrat-Orecchioni:
Na comunicação ordinária, que coloca em presença vários interlocutores, os
enunciados, e os atos de linguagem que eles realizam são produzidos em um circuito
de troca. Considerar os enunciados como atos, é, então, admitir que eles são
realizados para agir sobre os outros, mas também para levá-los a reagir: o dizer não
é somente fazer, mas também fazer fazer. (KERBRAT-ORECCHIONI, 2008, p. 73)
Retomando as noções de sujeitos de linguagem idealizadas por Charaudeau, deter-nos-
emos no levantamento de suas principais características e especificidades no circuito
comunicativo. Tal levantamento será de grande importância a este estudo, já que mais adiante,
pretendemos identificar os sujeitos e seus desdobramentos na publicidade comercial e na
propaganda governamental orientadas para adolescentes. Como destacado na citação acima, a
intenção é verificar quais estratégias argumentativas pretendem levar os adolescentes a reagir,
ou, melhor dizendo, a fazer fazer ou fazer comprar um produto - no caso específico da
publicidade, um bem, ou, no caso da propaganda, uma ideia.
3.1.1.1 O TU-interpretante e o TU-destinatário
Charaudeau (1983) destaca, inicialmente, o papel do TU. Esse sujeito, conforme a
regra de não conformidade com a simetria emissor-receptor, pertencente à Teoria da
Comunicação, desdobra-se em dois outros sujeitos: o TU-interpretante (TUi) e o TU-
destinatário (TUd)
14
. O TUd compreende o interlocutor idealizado pelo EU como o seu
destinatário ideal e adequado ao seu ato enunciativo. Ele é o desejo de todo sujeito
enunciador, pois no momento em que esse sujeito ideal se instala no processo de
interpretação, ocorre o sucesso pleno do ato de linguagem.
O papel do TUd é de suma importância no ato de linguagem, haja vista que em todo
ato sempre haverá um TUd, seja ele explícito ou não. Outro fator importante a respeito deste
sujeito é que podem existir diversos TUd’s para um mesmo ato de linguagem. Em
determinada circunstância, podemos ter um sujeito comunicante dirigindo-se a diversos
14
Charaudeau (1983) utiliza as abreviaturas TU e TU’ para referir-se, respectivamente, ao TU-destinatário e ao
TU-interpretante. No entanto, adotaremos neste estudo as abreviaturas TUd e TUi para esses sujeitos tendo em
vista que as mesmas passam a ser utilizadas pelo autor em Charaudeau (2008).
56
TUd’s, conforme seu projeto de fala queira atingir mais de um destinatário. O exemplo
(Figura 1) abaixo pode auxiliar na compreensão desse aspecto. Existe aí o TUd¹ que é o
adolescente/jovem, a quem é direcionada diretamente essa publicidade comercial cuja
intenção é a de promover no público alvo o desejo de fazer (o fazer fazer) um curso de
inglês, com destaque para os benefícios que este trará para a vida profissional e pessoal do
mesmo, já que o crescimento evidenciado no enunciado “Ser jovem não é ter pouca idade. É
nunca parar de crescer.” pode referir-se aos diversos âmbitos de crescimento e progresso na
vida do adolescente/jovem. O TUd² refere-se ao responsável por esse adolescente/jovem,
normalmente seus pais que são, na maioria dos casos, os mais interessados em que os filhos
ampliem seus conhecimentos e para isso, investem em cursos diversos. O fato de aparecer a
imagem de um indivíduo do sexo masculino com idade avançada (provavelmente um
sexagenário) o proprietário-idealizador da escola de idiomas Fisk em uma peça
publicitária pressupõe um TUd² que tenha noção da importância da experiência na vida das
pessoas. Ou seja, a intenção é mostrar a esse TUd² que a experiência é garantia de sucesso do
adolescente/jovem, através do que escola de idiomas pode oferecer.
Figura 1: Fisk – homem adulto
Fonte: CAPRICHO, jun. 2008
O TUi é, por seu turno, o sujeito responsável pelo processo de interpretação cujo
domínio o sujeito comunicante não detém. Ele está, conforme Charaudeau (1983), em
57
relação de opacidade à intencionalidade desse sujeito comunicante, pois não é um sujeito
idealizado por ele. Por isso, o TUi depende de si próprio, tendo em vista que ele se institui
como tal no momento em que põe em prática o processo de interpretação.
Embora sempre presente no ato de linguagem - no que se refere à interpretação -, a
presença do TUi não é constante no processo de produção. Muitas vezes, a enunciação
envolve uma intenção do sujeito comunicante voltada para a instituição de um TUd que deve
corresponder ao que é colocado no ato de linguagem, como, por exemplo, acatar a e
obedecer a um pedido ou uma ordem. Ou seja, o sujeito comunicante está instituindo um
sujeito destinatário ideal; esse comunicante não espera ou não conta com outro receptor que
não esse que ele institui na enunciação. Charaudeau (1983) exemplifica com um sujeito
comunicante, ordenando a um sujeito destinatário que “Saia!”. Com isso, o sujeito
comunicante espera que o interpretante execute a ordem expressa no ato de linguagem. Se o
interpretante a executar, fica atestada, então, a presença do TUd, que o ato de linguagem
previa, do ponto de vista do produtor ou do sujeito comunicante a execução da ordem. O
contrário também pode ocorrer, já que o interpretante pode transgredir a ordem e não
executá-la.
O TUi tem por tarefa, segundo a intencionalidade assinalada no ato de linguagem,
assumir a imagem do TUd que o comunicante estipula no ato de linguagem e, com isso,
aceitar (identificação) ou recusar (não-identificação) o estatuto de TUd fabricado pelo sujeito
comunicante. Por isso, ele é um ser social dotado de independência dentro do processo
enunciativo. Charaudeau (1983) realça que, devido ao grau de opacidade existente na relação
entre o TUi e o sujeito comunicante, o primeiro pode mostrar uma imagem de TUd não
correspondente às intenções do segundo. Segundo ele, a oposição entre TUd/TUi indica que
o TUd pode ser o resultado do ato de produção do sujeito comunicante ou o resultado do ato
de interpretação do TUi, podendo ser descrita da seguinte maneira :
- O TUd (sujeito destinatário) é um sujeito de fala dependente do sujeito
comunicante, posto que é instituído por esse. Em vista disso, o TUd pertence ao ato de
produção do sujeito comunicante.
- O TUi (sujeito interpretante) é um sujeito real (inserido em um contexto
sóciohistóricocultural específico) independente do sujeito comunicante, instituído ele mesmo
como responsável pelo seu ato de interpretação.
58
3.1.1.2 O EU-enunciador e o EU-comunicante
Os sujeitos EUe e EUc constituem o desdobramento do EU (sujeito produtor do ato
de linguagem). O EU-enunciador (EUe) é um ser de fala cuja presença é constante no ato de
linguagem. Essa presença, a exemplo do TUd, pode também ser explícita ou não.
Charaudeau (1983) destaca que, sob a ótica do processo de produção, o EUe é uma imagem
de enunciador erigida pelo sujeito que produz a fala (EUc). Mais do que isso, ele tem a
função de operador das estratégias discursivas elaboradas pelo EUc (MACHADO, 2001).
Isso indica o EUe como a marca do traço intencional do EUc no processo de produção do ato
de linguagem.
Por isso, podemos afirmar que o EUe é criado e manipulado segundo um projeto de
intenções do sujeito comunicante. Dessa forma, surgirão diversos EUe no processo de
comunicação, sempre em conformidade com o projeto de fala do sujeito comunicante. Já sob
a ótica do processo de interpretação, o EUe é uma imagem de enunciador arquitetada pelo
TUi como uma imagem hipotética, na qual está a intencionalidade do EUc. A imagem do
EUe para o TUi é uma projeção construída no ato enunciativo.
A despeito do lado em que se observa o EUe produção ou interpretação-, ele e o
TUd são seres que existem apenas no e pelo ato conjunto de produção-interpretação. E este
ato fornece a eles um estatuto exclusivamente linguageiro e independente. Devido a esse
caráter, eles são nomeados na TS como os protagonistas, ou “seres de fala da encenação do
dizer, produzida pelo EUc e interpretada pelo TUi” (CHARAUDEAU, 2001, p.32). Na peça
publicitária comercial (Figura 2) abaixo apontamos uma noção de como esse processo
acontece.
O EUe é, nesse exemplo, instituído como um sujeito preocupado com dois aspectos
principais: a consciência ecológica e a vida sentimental da leitora da revista. Os elementos
que permitem essa leitura são verbais e não verbais. Entre eles, destacamos: (i) os signos que
remetem à ideia de sustentabilidade, diretamente ligada à preservação da natureza flores,
água, planeta Terra, etc -, (ii) a imagem de um casal jovem de mãos dadas, em atitude de
envolvimento emocional, e (iii) o enunciado Mesmo que o seu gatinho te leve pro mundo da
Lua, não deixe de cuidar bem deste aqui!
O EUe, nesse caso, não reflete explicitamente a intenção do EUc que as empresas
apontadas na parte inferior da peça Editora Abril, Banco Real, CPFL Energia e Bünge -
não têm como metas específicas a solução de problemas ambientais. Assim, percebemos a
59
construção de um EUe, ser de fala, cuja função é mostrar que essas empresas preocupam-se
com o meio ambiente e que, por isso, vale a pena adquirir os produtos que elas oferecem.
Figura 2: Campanha Ecológica Capricho
Fonte: CAPRICHO, jul. 2008
Voltando ao foco na conceituação dos sujeitos do contrato, Charaudeau (1983) refere-
se ao EUc como o sujeito comunicante, ou, em outros termos, como o produtor e articulador
da fala. Esse sujeito possui algumas limitações impulsionadas pela presença de outro sujeito,
o TUi. Para entender em que consistem, basicamente, essas limitações convém destacar que
mesmo que o EUc arranje seu ato de produção de forma a instituir um determinado EUe
(aquele que ordena, por exemplo), ele não atingirá seu objetivo se o TUi não aceitar essa
imagem construída e pretendida. A limitação se posta então, no vel do processo de
interpretação. Charaudeau (1983) percebe o EUe e o EUc como sujeitos envolvidos em uma
relação de englobado e englobante do primeiro em relação ao segundo, sendo que o EUe é
uma máscara de fala ponderada sobre o EUc. Isso permite que o EUc, consciente de seu
poder, e com objetivos estratégicos, faça ora o jogo da transparência entre o EUe e o EUc, ora
o jogo de ocultação do EUc pelo EUe.
Para finalizar, destacamos que a explicitação desses seres reais ou parceiros (EUc e
TUi) e de fala ou protagonistas (EUe e TUd) será de grande valia neste estudo. O que
consideramos é que a construção de determinados seres de fala dentro da publicidade
60
comercial e da propaganda governamental constituem-se meios eficientes de argumentar
sobre as vantagens de determinado produto. Como afirmamos anteriormente, o ato de
linguagem é inerentemente intencional, conforme o postulado de intencionalidade de
Charaudeau (1996). Analisar os sujeitos que emergem e se desdobram nos atos de linguagem
da publicidade e da propaganda possibilitará o a identificação e a análise acerca da
construção de diferentes parceiros e protagonistas, mas também a avaliação das estratégias
argumentativas.
3.1.2 O contrato de comunicação
As interações linguageiras, em sua maioria, têm início com a intenção de um sujeito
de se comunicar com outro sujeito de alguma maneira por via de textos verbais e não
verbais. Quando assim procede, esse sujeito pretende, ou pelo menos, espera, quase sempre,
uma resposta do sujeito com o qual deseja se comunicar. Se assim não for, parece-nos o
haver sentido algum nas relações cuja base é a linguagem, ou seja, a comunicação tem
sempre um início visando a um fim; comunica-se sempre com alguma intenção.
Para explicar como se estabelecem e funcionam determinadas interações linguageiras,
Charaudeau (1983) propõe noções teóricas que vão nortear os estudos relativos aos discursos
sociais, incrementando, assim, a base da Análise do Discurso. Para esse autor, o ato de
linguagem compreende um ponto de vista da produção e da interpretação e, em cada um, vão
se relacionar sujeitos próprios de linguagem e reais.
As relações entre esses sujeitos não são aleatórias ou despropositais. Ao contrário,
elas se baseiam na intencionalidade primeira do sujeito em construir um projeto de fala
direcionada a um outro, com vistas a se comunicar. Dessa forma, esse sujeito pretende se
constituir como sujeito dentro de uma esfera social, histórica, psicológica, antropológica
na qual a linguagem é fundamento da existência e da racionalidade, do pensar e do agir
humanos. (CHARAUDEAU, 2008).
A prática de linguagem é, segundo a TS, fundamentada na noção do contrato de
comunicação, o qual determina que os indivíduos inseridos em práticas sociais comuns
concordam sobre as representações linguageiras presentes em tais práticas
(CHARAUDEAU, 2008). Esse contrato preside a toda produção linguageira, e, conforme
destaca Mendes (1999, p.140), define “o reconhecimento recíproco dos interlocutores
61
enquanto parceiros da comunicação, que têm, portanto, o direito à palavra, e mais, um
projeto de fala ao qual é possível atribuir uma pertinência intencional”.
No jogo comunicativo, o ato de linguagem de um sujeito instalado no processo de
produção assemelha-se a uma expedição, uma aventura. Destacamos, então, o que seria essa
viagem perigosa e excitante que o sujeito faz ao produzir o ato de linguagem. O termo
expedição tem nos manuais, entre outros, o sentido de “explorar e pesquisar”; esse sentido é
o que mais se aproxima do que Charaudeau idealizou para o ato de linguagem. Segundo ele,
os sujeitos produtores do ato de linguagem estão, na verdade, explorando um lado
desconhecido para eles, pois ao tomarem a iniciativa de se integrarem em um ato de
linguagem, não como prever exatamente como será a recepção do mesmo. Ou melhor,
como se comportará o interlocutor deste ato. Deduzimos, então, que a expedição ancora-se
no aspecto intencional do EUc, posto que ele lida com suas competências, conformadas
segundo “a margem de liberdade e de restrições de ordem relacional de que dispõe,
entendendo-se por ordem relacional o fato de que o sujeito está no centro de um grupo de
relações psicossociohumanas” (CHARAUDEAU, 2008, p.56). Ainda conforme Charaudeau
(1983), a noção de expedição depende de uma pretensão, intencional, do EUc em fazer com
que o TUi se identifique completamente ao TUd. Para o sucesso dessa expedição, o EUc
precisa utilizar algumas estratégias, bem como estabelecer contratos.
As estratégias, para Charaudeau (2008), têm como finalidade a produção dos efeitos
de sedução ou persuasão do EUc sobre o TUi, para que este se identifique com o TUd,
sujeito destinatário idealizado pelo EUc. Lima (2006, p.42-43) salienta que a
intencionalidade é muito importante na questão das estratégias, pois “é ela a responsável pela
movimentação do sujeito, no sentido em [sic] que é a partir de uma intenção que a ação se
organizará”. A intenção não está atrelada ao sujeito, mas ao ato de linguagem em si. Já a
noção de contrato, foco desta seção, pressupõe que
[...] os indivíduos pertencentes a um mesmo corpo de práticas sociais estejam
suscetíveis de chegar a um acordo sobre as representações linguageiras dessas
práticas sociais. Em decorrência disso, o sujeito comunicante sempre pode supor que
o outro possui uma competência linguageira de reconhecimento análoga à sua. Nesta
perspectiva, o ato de linguagem torna-se uma proposição que o EU faz ao TU e da
qual ele espera uma contrapartida de conivência. (CHARAUDEAU, 2008, p.56)
Com isso, o falar ou comunicar pode congregar uma dupla aposta ou mesmo partir de
uma expectativa do sujeito que assume o ato, visto que o sujeito falante conta com o sucesso
62
dos contratos propostos junto ao sujeito interpretante, e também das estratégias por ele
utilizadas para conseguir o objetivo pretendido.
A aventura, à qual se agrega a ideia da imprevisibilidade, reside no processo
interpretativo do TUi e no poder a ele conferido dentro do ato de linguagem. A interpretação
deste é de extrema importância no processo comunicativo, pois existe o risco de uma
interpretação não-prevista ou desejada, e, como consequência, o fracasso do ato de
linguagem. As limitações do EUc concentram-se em dois pontos: (i) o EUc não tem domínio
do TUi, ou seja, ele não comanda completamente esse sujeito interpretante, porque ele é
sempre uma previsão sua, ou seja, ele pode coordenar um TUd, mas jamais um TUi; (ii) o
TUi não possui domínio do contexto sócio-histórico fundador do ato de linguagem,
ocasionando, muitas vezes, a alteração da interpretação.
A relação contratual para Charaudeau (2001) depende de componentes que são
validados pelo jogo de expectativas relativas ao ato de linguagem. São eles o componente
comunicacional, o psicossocial e o intencional, assim definidos:
- Componente comunicacional: avaliador do quadro físico da situação de interação,
pretende responder ou apontar questões relativas à manifestação real do ato de linguagem.
Entre elas, Charaudeau (2001, p.31) destaca: “os parceiros estão presentes? Eles se veem?
São únicos ou múltiplos? Que canal – oral ou gráfico - é por eles utilizado?”.
- Componente psicossocial: relacionado aos estatutos que os parceiros identificam no
ato de linguagem, a saber, idade, sexo, profissão, posição hierárquica, dentre outros.
- Componente intencional: integrado aos saberes partilhados pelos sujeitos do ato de
linguagem, remete a duas questões básicas: Qual a intenção do que está sendo colocado em
questão? E de que forma isso está sendo feito, ou, nos dizeres de Charaudeau, “qual sea
intenção estratégica de manipulação?”.
Visualizamos, então, que o contrato de comunicação proposto pela TS sustenta-se (e
de certa forma depende) diretamente nos sujeitos nele envolvidos e em suas intenções
comunicacionais. E esse envolvimento se em dois circuitos, cada qual com suas
especificidades e importância para o empreendimento arriscado que é falar para o outro: o
circuito externo e o circuito interno. A seção seguinte trata, retomando Charaudeau (1983),
das particularidades desses circuitos.
Norteando nossa análise na noção semiolinguística de que o discurso publicitário
prescinde de um contrato firmado entre os sujeitos comunicantes, destacamos a estrutura do
contrato publicitário, segundo os postulados da TS (CHARAUDEAU, 1983). O contrato de
fala publicitário constitui-se de um projeto que articula com uma dupla estratégia: a de
63
ocultação e a de sedução/persuasão. À primeira, Charaudeau (1983) atribui a construção de
uma mise en scène ocupada em ocultar determinados aspectos. Essa ocultação opera no
circuito externo no qual (inter)agem os parceiros, seres reais e psicossocialmente
determinados. Nesse espaço importam os interesses econômicos dos parceiros componentes
da cadeia de instância produtora da mensagem publicitária – a empresa anunciante e a
empresa publicitária. Sobre a preponderância desse fator, entendemos que muitas peças
publicitárias ocultam suas reais intenções de venda, no momento em que buscam, na criação
de imagens (EUe) vinculadas a qualquer outra ideia, que não a de oferecer determinado
produto para adquirir lucro de alguma espécie. Nos enunciados abaixo (Figura 16)
percebemos um exemplo dessa ocultação, que, segundo Charaudeau (1983), pretende criar
para a marca do produto uma imagem idônea e honesta, tornando, assim, mais crível o
contrato firmado com o TUd:
Tudo o que você precisa saber antes da faculdade.
Só não ensinamos o caminho do bar.
Temos um contrato de confiança no produto oferecido: uma feira para ajudar os
estudantes interessados em ingressar em uma faculdade ou universidade. Notemos que o EUe
coloca no segundo enunciado um compromisso de se ater às responsabilidades, deixando
claro que o indivíduo vai encontrar na referida feira somente orientações relativas à visão
comumente considerada “correta” do momento universitário que é dedicar-se aos estudos e à
formação.
3.1.2.1 O circuito interno e o circuito externo
Se o contrato de comunicação é imprescindível para que o ato de linguagem se realize
com sucesso, igualmente importantes são os espaços ou circuitos que o compõem, ou seja, os
circuitos externo e interno, termos que estão relacionados à realidade extralinguística e
intralinguística, respectivamente.
Podemos, então, delinear os circuitos externo e interno da seguinte maneira:
O contrato consiste no eixo da articulação entre um espaço interno e um espaço
externo, os quais determinam encenações do ato de linguagem por sujeitos distintos.
No espaço interno encontram-se os seres de palavra, os enunciadores – sujeito
enunciador e sujeito destinatário e no espaço externo estão os seres de ação, os
64
actantes sujeito comunicante e sujeito interpretante. Essa visão dos sujeitos da
linguagem ancora-se na idéia de sujeitos cindidos, polifônicos. (LIMA, 2006, p.42)
O circuito externo recebe essa denominação, porque está associado ao que
Charaudeau denomina componente situacional, que “opera com um material psicossocial,
relativo a um conjunto de práticas e comportamentos humanos que orientam a definição dos
sujeitos enquanto seres sociais e enquanto seres comunicantes” (MENDES, 2001, p.315).
Esse circuito compreende a interação dos sujeitos em um mundo dito real
15
, e é também
denominado local do Fazer-psicossocial. Os sujeitos se projetam como influenciados pelo
seu contexto histórico, social e psicológico. Com isso, esse circuito prevê que as condições
reais influenciam e constroem o ato de linguagem. Aqui o EU e o TU projetam,
respectivamente, o EUc e o TUi, constituindo-se como parceiros.
Adaptamos de Charaudeau (1983) uma representação dos dois circuitos imbricados
no ato de linguagem. Nessa representação, incluem-se os parceiros (seres reais) do circuito
externo o EUc e o TUi e os protagonistas (seres de fala) do circuito interno o EUe e o
TUd:
ATO DE LINGUAGEM
EUc
EUe TUd
circuito interno
TUi
circuito externo
Quadro 4: Representação do ato de linguagem
Fonte: Charaudeau (1983, p.46)
É importante ressaltar que, para Charaudeau (2001, p.30), a relação contratual não se
ancora na importância dos estatutos sociais dos parceiros, se estes estiverem fora da situação
15
O real ao qual nos referimos está atrelado ao que conhecemos como mundo. Não pretendemos discorrer sobre
o sentido filosófico do termo, uma vez que tal estudo não é pertinente aqui.
65
linguageira. Isso equivale a dizer que os parceiros existem na medida em que se
reconhecem/constroem mutuamente mediante estatutos por eles idealizados.
O circuito interno, por sua vez, relaciona-se ao componente linguístico que, segundo
Charaudeau (1996, p. 6), “opera com material verbal (a língua)”. Ele é denominado local do
Dizer, no qual são colocados em cena os seres protagonistas. São referidos, exclusivamente,
como seres de fala, do discurso.
Nesse circuito, a projeção não é de parceiros somente, mas dos protagonistas: EUe
e TUd. Como o circuito interno é considerado o local do Dizer, esses seres fazem parte da
encenação (mise en scène) do dizer, sendo que esta é produzida pelo EUc e interpretada pelo
TUi, sujeitos/parceiros constituídos no e pelo circuito externo.
3.2 A Teoria dos Topoï
Embora seja uma ciência de existência remota, como descrevemos no capítulo 2, no
século XX a argumentação teve uma retomada e valorização dentro dos estudos sobre a
linguagem. Dentre os que sobre ela se debruçaram, Oswald Ducrot vem trazer contribuições
de grande valor para o estudo da argumentação. Vale dizer que suas teorias receberam
contribuições de outros teóricos e foram reformuladas, segundo um parâmetro de coerência do
autor frente às necessidades de se entender o processo argumentativo na língua. Dessa forma,
vimos que a obra geral de Ducrot teve como início os preceitos da Teoria da Argumentação
na Língua (TAL), em um segundo momento, os da Teoria dos Topoï (TT) e, mais atualmente,
os da Teoria dos Blocos Semânticos (TBS). Nesta seção, discorreremos sobre o percurso
teórico dos estudos de Ducrot com ênfase no que interessa a este estudo, a Teoria dos Topoï.
3.2.1 Ducrot e a argumentação: da fase inicial à Teoria dos Topoï
Quando o interesse em analisar um determinado corpus verte para o campo da
argumentação, deparamo-nos com diferenciadas teorias, cada qual com sua especificidade
(DUCROT, 1987 e 1998; AMOSSY, 2005; CHARAUDEAU, 1983 etc.). Entre elas, muitas
apresentam ideias bastante semelhantes sobre o objeto argumentação, enquanto que outras
66
possuem olhares diferenciados. No entanto, tais teorias sempre se voltam para a argumentação
como uma disciplina que trata dos fenômenos – intra e/ou extralinguísticos – propiciadores de
uma estratégia construída de modo a utilizar a linguagem em favor de alguém que fala para
persuadir um outro, que faz parte da interação verbal.
A argumentação assume, nesse caso, aspecto tão fundamental para a linguagem, que
teóricos expressivos nesse campo de estudo que a consideram como “o traço fundamental
da linguagem.” (DUCROT apud MENEZES, 2001, p. 189).
Se não um consenso, há, entretanto, um ponto de partida em comum para o estudo
da argumentação. E esse ponto inicia-se no fundamento estrutural da argumentação. O que
denominamos fundamento estrutural da argumentação é a formulação mais comumente
utilizada para referir-se à sua configuração: uma atividade linguístico-comunicativa investida
de uma força tal que um argumento A leva a uma conclusão C, segundo Plantin. (2008a).
Dita de outra forma, essa formulação indica que
a ligação argumento-conclusão é garantida por um tópos, frequentemente implícito;
a coerência da cadeia “O vento sopra, vai chover” é fundamentada no tópos “Em
geral, quando o vento sopra, chove”. Diz-se, às vezes, que mais no argumento do
que na conclusão, na medida em que o argumento é mais garantido do que a
conclusão (que é somente uma projeção hipotética do argumento). Pode-se também
dizer que menos, na medida em que a conclusão somente desenvolve
analiticamente o argumento, ela é o produto desse argumento, enriquecido por sua
combinação com um princípio geral ou tópos. (PLANTIN, 2008a, p.54).
Ducrot (2004) sinaliza para o fato de que a argumentação desdobra-se em
argumentação retórica e argumentação linguística, originando, portanto, as diferentes teorias
mencionadas anteriormente nesta mesma seção. A argumentação retórica, segundo esse autor,
é a atividade verbal que visa a fazer crer qualquer coisa a qualquer um. Seus fundamentos são
oriundos dos preceitos retóricos.
Não obstante a contribuição de autores pertencentes a diversas correntes de
pensamento, a concepção aristotélica, se não foi a primeira, foi a que mais influenciou e
influencia, até os dias atuais, os estudos sobre a arte de persuadir. Na visão aristotélica, tal
arte não repousa exclusivamente na intenção do ato de persuadir, mas também no
discernimento em escolher os meios mais adequados ao projeto persuasivo. Além desse fator,
vale ressaltar que
67
Aristóteles, portanto, reabilitou a retórica ao integrá-la numa visão sistemática do
mundo, onde ela ocupa seu lugar, sem ocupar, como entre os sofistas, o lugar todo.
Mais ainda, Aristóteles transformou a própria retórica num sistema, que seus
sucessores completarão, mas sem modificar. (REBOUL, 1998, p.43).
Concluímos, então, que a argumentação retórica sedimenta-se na noção de que (i) ela
não está centralizada no ato de levar a fazer fazer, mas no de fazer crer, ou seja, sobressai o
caráter persuasivo, e (ii) ela considera somente a atividade verbal de quem escreve ou fala
com vistas a fazer crer, ignorando, portanto, outras situações linguístico-comunicativas.
Como podemos perceber, muito do pensamento atual sobre a argumentação está fundado na
retórica antiga, o que de certa forma justifica a busca em nosso trabalho, por tais bases. Para
isso, procederemos agora a uma breve retomada da concepção de argumentação linguística
norteada pelos estudos propostos por Ducrot (2004).
Ducrot e Anscombre abandonam as noções de uma argumentação vista como a arte da
conciliação e as inserem em uma concepção de argumentação em que prevalece o estudo das
orientações semânticas e dos encadeamentos argumentativos presentes nos enunciados
(AMOSSY, 2006). Nessa perspectiva teórica, a argumentação linguística é determinada por
segmentos de discurso constituídos pelo encadeamento (enchaînement) de duas proposições A
e C, unidas, de forma explícita ou não, por um conector do tipo “donc, alors, par
consequent...”
16
(DUCROT, 2004, p.18-19), em que A seria o argumento, e C a conclusão.
Esta noção pertence a uma concepção inicial dos trabalhos deste autor - voltada para o papel,
no enunciado, dos conectores ou operadores argumentativos-, na qual ele pensava o topos
como o elemento garantidor da passagem de um argumento a uma conclusão (A C). A
passagem anterior é uma convenção denominada Lei de passagem na qual está o “elo que
permite ligar A a C de maneira que tal relação pareça natural e não problemática, quando, na
verdade, ela o é.” (EMEDIATO, 2001, p.159).
Inicialmente, é importante frisar que os estudos mais recentes de Ducrot (2004) e seus
colaboradores contestam, em parte, a concepção argumentativa representada por “A então C”.
O que percebemos é que, para eles, tal concepção cria uma espécie de simplificação forjada,
pois esse encadeamento concentra-se na noção relativamente comum de A justificando C. O
cerne de sua teoria concentra-se no seguinte aspecto:
16
Mantivemos as expressões originais do autor para evitar erros de interpretação, que donc é colocado, em
alguns dicionários, como sinônimo de par consequent, significando ambos os conectores “por isso”.(DUCROT,
2004). Já o conector “alors” possui o significado de “então”.
68
Em um encadeamento argumentativo << A então C >>, o sentido do argumento A
contém, nele mesmo, a indicação de que será completado pela conclusão. Assim, o
sentido de A não pode definir-se independentemente do fato de que A é visto como
conduzindo a C. Não há, então, propriamente, a passagem de A a C; não a
justificativa de C por um enunciado A, que será compreensível em si mesmo,
independentemente de sua continuação << então C >>. Por consequência, não
transporte de verdade, transporte de aceitabilidade desde A até C, já que o
encadeamento apresenta o << então C >> como já incluso no primeiro termo A.
(DUCROT, 2004 , p. 22)
17
Cabe destacarmos que ao caráter indireto da argumentação retórica, sobrepõe-se o
caráter direto da argumentação linguística. O sentido de caráter direto está contido na
interpretação simplista revelada no encadeamento argumentativo “A então C”, tal como
criticado por Ducrot. As vertentes teóricas que utilizam essa interpretação concebem que um
meio óbvio de fazer admitir uma proposição C é justificando-a. Para isso, apresenta-se uma
proposição A que seja aceita por um determinado receptor e que tenha com a proposição C
um elo conclusivo, baseado no conector “donc”. A crença do receptor em A pode, então, se
completar como uma crença em C, ou, dito de outro modo, a validade de A transfere-se para
C. (DUCROT, 2004)
Além da obviedade dessa interpretação, Ducrot (2004, p.20) aponta também para sua
insuficiência, ou nos seus próprios dizeres, para sua ilusão. Sua tese atual é de que os
encadeamentos conclusivos do discurso não constituem meios diretos, ou mesmo parciais, de
persuasão. Em uma crítica direta a essa noção tradicionalista da argumentação linguística, da
qual ele também já foi coadjuvante, Ducrot (2004) propõe que se debruce em uma concepção,
a que ele mesmo denomina, mais radical.
Tentemos, então, apontar estudos atuais do linguista francês de forma a verificar o
radicalismo pretendido por ele. Ducrot (2004) lembra que a crítica clássica do papel da
argumentação linguística baseia-se na noção de que as argumentações jamais são decisivas. E
esse aspecto se deve a alguns fatores. Primeiramente, ao se pronunciar “A então C”, ignoram-
se as proposições intermediárias que funcionam como operadores necessários para a
passagem de A a C. Em segundo lugar, está o fato de que tão logo se completem (finalizem),
os encadeamentos argumentativos passam a repousar sobre princípios gerais que admitem
determinadas exceções.
17
Do original em francês: “...dans un enchaînement argumentatif << A donc C >>, le sens de l’argument A
contient en lui-même l’indication qu’il doit être complete par la conclusion. Ainsi le sens de A ne peut pas se
définir indépendamment du fait que A est vu comme conduisant à C. Il n’y a donc pas à proprement parler
passage de A à C, il n’y a pas justification de C par un énoncé A qui serait compréhensible en lui-même,
indépendamment de sa suite << donc C >>. Par conséquent, il n’y a pas transport de vérité, transport
d’acceptabilité, depuis A jusqu’à C, puisque l’enchaînement présente le << donc C >> comme déjà inclus dans le
premier terme A.”
69
Na visão ducrotiana, as duas concepções acima destacadas se caracterizam por sua
imprecisão e definição mal elaborada. Admitamos um enunciado, proposto por Ducrot (2004),
da seguinte espécie: É ciumento (conclusão C) porque é amoroso (argumento A). Notamos
que os conceitos de amor e ciúme nele implementados não são definidos claramente, e, então,
basta que se objete que a pessoa da qual se fala não é realmente amorosa, para que a
argumentação se desestruture. O ciúme, na cultura ocidental, é um sentimento que pode
indicar, de acordo com o seu grau, amor ou posse, – definição que mais sobressai nos verbetes
dicionarizados (FERREIRA, 1999). Com isso, a conclusão C é passível de contestação.
Com efeito, a persuasão precisa se amparar em motivos diferentes dos apenas
racionais, logicistas. Novamente, em conformidade com preceitos retóricos, esses motivos
distanciados da pura racionalidade, sustentam-se nas figuras retóricas do ethos, pathos e
logos. Ducrot (2004, p.21) afirma que a persuasão abarca não somente o logos - “dado de
razões”-, como também o pathos -“o despertar no auditório do desejo de crença verdadeira”- e
o ethos –“a imagem do orador construída no discurso”. Há no logos um fator de insuficiência,
pois, isoladamente, ele não consegue satisfazer a persuasão pretendida. Ducrot chega mesmo
a colocar em dúvida a noção de um logos discursivo que se manifestaria por meio de
encadeamentos argumentativos. A despeito de suas contestações à visão clássica da
argumentação, Ducrot admite que a mesma, salvo o aspecto colocado anteriormente, pode
servir ao objetivo de persuadir alguém.
Tendo delimitado o questionamento de Ducrot à visão clássica da argumentação, e
mostrado alguns pontos de sua visão atual sobre o assunto, façamos agora a análise do que
vem a ser o centro de sua proposta para a argumentação.
A diferença fundamental está no que Ducrot propõe como aquilo que está exterior ao
enunciado, momento no qual ele aponta para um grau de ineficiência dos conectores como
único fator de avaliação da argumentação. Se, a princípio, ele delegava aos conectores a
propriedade argumentativa de ligar os enunciados, justificando-lhe o encadeamento, agora ele
passa a ver aquilo que remete a um exterior à linguagem, mas que está ao mesmo tempo
ligado a ela. Nos preceitos da TAL, Ducrot (1998) insistia também na existência de uma
diferenciação entre a argumentação e a inferência/raciocínio. Para ele, a inferência indicaria
um movimento de fatos ou proposições (premissas) em direção a outro fato ou proposição
(conclusão). A conclusão, nesse caso, seria incontestável conforme a aceitação das premissas.
Para comprovar isso, Ducrot (1998) afirmou que alguns enunciados, com mesmo conteúdo
factual, não conduziriam às mesmas conclusões. Para isso, ele desenvolveu uma análise em
enunciados constituídos com pouco (peau) e um pouco (un peau):
70
1) Pedro comeu pouco esta manhã.
(Pierre a peu mangé ce matin.)
e
2) Pedro comeu um pouco esta manhã.
(Pierre a un peau mangé ce matin.)
Embora se referindo aos mesmos fatos – o fato de Pedro ter se alimentado e de ter sido
esta manhã as premissas podem originar diferentes conclusões, apenas devido às palavras
pouco e um pouco. Segundo Ducrot (1998), para o primeiro enunciado (1), conclui-se que
Pedro deve ter fome agora, enquanto que para o segundo (2), Pedro não precisa comer
imediatamente, pois naquele momento ele está alimentado. Ao diferenciar argumentação de
inferência, o autor não fala da anulação desta última, apenas chama a atenção para que ela não
é o cerne da argumentação. Ou seja, ela existe na argumentação, mas é limitada sem ser
anulada.
Percebemos mesmo que Ducrot (2004, p. 22) nega a descrição de alguns semanticistas
– os quais ele não cita – quando da análise de enunciados da seguinte espécie:
1) Você dirige depressa demais, você se arrisca a sofrer um acidente.
(Tu conduis trop vite, tu risques d’avoir un accident.)
A partir desse exemplo, o autor analisa a visão semântica clássica e chega a algumas
conclusões. Em primeiro lugar, ele questiona o tratamento dado pelos semanticistas à palavra
demais. Esses admitem que a premissa Você dirige depressa demais leva à conclusão Você se
arrisca a sofrer um acidente. Para Ducrot (2004), não um raciocínio nesse caso específico.
A inserção da palavra demais como complemento da palavra depressa indica a
possibilidade de vir a ocorrer um acidente, remetendo, pois, à noção de uma velocidade
perigosa (une vitesse dangereuse). Dito de outra forma, o conteúdo específico do vocabulário
do enunciado, contido no argumento A remete naturalmente à conclusão C.
Entretanto, fora desse encadeamento, o advérbio demais nada significa, ou seja, não
remete à questão da velocidade perigosa. Nesse contexto, o autor considera que existe uma
interdependência do signo a qual ele denomina “radical”. Investindo na mesma crítica,
Anscombre (1995b) salienta que a TAL originou-se da imprecisão da análise clássica em
constatar que determinados encadeamentos apresentam comportamentos previsíveis.
Para comprovar essas formulações, Ducrot (2004) mostra que depressa demais (trop
vite) pode remeter a outras significações, como no exemplo abaixo, proposto por ele próprio:
2) Você dirige depressa demais, você se arrisca a sofrer uma multa.
(Tu conduis trop vite, tu risques d’avoir une contravention)
71
Atente para o que podemos depreender, segundo Ducrot (2004), da proposição acima.
A velocidade aqui adquire outra dimensão, a de proibição, enquanto que no exemplo
anteriormente destacado, a velocidade leva à dimensão de periculosidade. Sob análise, esses
encadeamentos em 1) e 2) permitem concluir que não existe uma inferência que conduza uma
informação à outra. Se assim o fosse, não teríamos duas possibilidades conclusivas para o
mesmo argumento.
Sob a perspectiva de Ducrot, não é somente o conector então (donc) que leva a
representar o tipo de velocidade e de multa nesse enunciado. Se se chega a duas conclusões
possíveis, é preciso então apontar o fator que determina isso, ou melhor, avançar a análise de
modo a verificar porque um mesmo argumento pode determinar duas conclusões. Nesse
ponto, temos o que se pode denominar outro momento teórico de Ducrot, cujo foco volta-se
para a questão dos topoï. Estes determinarão diferentes conclusões segundo o domínio de
saber que envolve determinada situação.
Com essa análise, Ducrot (2004) mostra que a noção clássica de argumentação “A
então C” apresenta aspectos de fragilidade teórica, tendo em vista os detalhes supra
levantados. Para ele, o encadeamento argumentativo não serve ao propósito de justificar uma
afirmação a partir de outra, mas sim, para qualificar uma coisa ou situação. O conector donc,
portanto, “é um meio de descrever e não de provar, justificar e tornar verossímil”.
18
Tudo
indica que nessa reformulação da concepção de Ducrot (2004) é a relação entre os enunciados
que constrói a argumentação, independentemente do conector que esteja ligando, explícita ou
implicitamente, tais enunciados.
Iniciaremos, pois, um estudo dos preceitos básicos da Teoria dos Topoï, trazendo à
tona seu conceito, e mostrando sua aplicabilidade dentro do estudo da enunciação e dos
enunciados presentes em publicidade comercial e propaganda governamental para
adolescentes.
Proposta por Ducrot e colaboradores em 1984 (DUCROT, 2004; ANSCOMBRE;
DUCROT, 1988), a Teoria dos Topoï (TT) está concentrada no estudo dos topoï como fatores
fundamentais para a construção da argumentação. A Teoria dos Topoï vivenciou uma fase
inicial, standard, e recebeu nova roupagem quando Ducrot e colaboradores perceberam que o
que se pensava de início esbarrava em alguns problemas teórico-metodológicos.
Na teoria standard dos topoï, estes aparecem como garantias dos encadeamentos
discursivos. Se a partir de um enunciado pode-se concluir um enunciado E², é através de
18
Do original francês: “...est un moyen de décrire et non pas de prouver, de justifier, de rendre vraisemblable.”
(DUCROT, 2004, p. 24).
72
um terceiro termo, o topos, que se pode ligar E¹ e E² (ANSCOMBRE, 1995b). Ducrot admitia
que os topoï viriam do exterior, o que lhes conferia um caráter extralinguístico emergente
da sociedade e todos os seus esquemas socioculturais, estereotipias e ideologias. Não eram,
ainda, considerados como inseridos na significação linguística. Com relação a essa
característica inicial, Emediato (2001, p.173) destaca que tal posicionamento teórico
comprometia a seriedade da proposta, já que ela pretendia “estudar a argumentação na língua,
ou seja, de forma não referencialista”. Em vista da necessidade de mudanças em seus
postulados, Ducrot “buscará reformular os postulados iniciais de forma a evacuar a referência
da teoria e mostrar que a descrição de um segmento S são os enchaînements evocados por S,
ou seja, que pertencem ao semantismo intrínseco de S.” (EMEDIATO, 2001, p. 173).
A primeira versão da TT destacava os topoï como correspondentes a formas tópicas
(FT). Em Anscombre (1995b), vimos que as formas tópicas (FT) são elaboradas da seguinte
forma:
Topos direto = FT: (+ P, + Q) e (- P, - Q)
Topos converso = FT: (+ P, - Q) e (- P, + Q)
Em uma leitura equivalente das FT, Emediato (2001) aponta para a configuração das
mesmas:
Topos concordante: (+ P, + Q) possui também o concordante converso (- P, - Q)
A cada um desses encadeamentos (enchaînements), a TT denomina concordante
porque fornecem uma imagem normativa do topos. Os topoï normativos têm a função de
originar encadeamentos conclusivos ligados à relação “A, portanto C”. Vejamos como isso
acontece, substituindo as incógnitas P e Q:
Topos concordante (+ P, + Q): “Estou com sede, (portanto) bebo água.”
Topos concordante converso (- P, - Q): “Não estou com sede, não bebo água.”
Por outro lado, outros encadeamentos são possíveis para este exemplo. Podemos
afirmar, dadas as circunstâncias, que:
“Estou com sede, entretanto não bebo água.”
“Não estou com sede, entretanto bebo água.”
73
Esses encadeamentos referem-se a topoï discordantes. De acordo com Emediato
(2001) é o conector entretanto que transgride a noção de que quem tem sede certamente
beberá água e não o contrário. Esses encadeamentos são denominados transgressivos ou
exceptivos. Assim, temos as FT para os enunciados acima mencionados:
Topos discordante (+ P, - Q): “Estou com sede, entretanto não bebo água.”
Topos discordante (- P, + Q): “Não estou com sede, entretanto bebo água.”
Dessa perspectiva teórica standard é que surge a TT atual, alicerçada no estudo da
argumentação com base na importância e na análise dos topoï, mas pontuando aspectos novos,
como por exemplo, a relatividade e a gradualidade relacionadas a eles. O diferencial nesta
fase é que uma nova concepção dos mesmos prevê uma duplicação dos topoï, na qual eles se
ligam ao que está dentro e fora da língua. De acordo com Lima (2001), na TT “os topoï
relacionam-se aos saberes partilhados por uma dada comunidade e são instrumentos
linguísticos que, conectando certas palavras, organizam os discursos possíveis e definem os
discursos aceitáveis e coerentes”. (LIMA, 2001, p.36)
Nessa segunda fase da TT, Ducrot (1998) e Anscombre (1995b) introduziram a noção
de topos no estudo da argumentação, pois pretendiam mostrar o caráter gradual e relativo
desta. Para eles, um topos pode ser mostrado em enunciados como Está calor, vamos à praia,
no qual temos a relação entre calor/praia, ou melhor, o topos: o calor torna o banho de mar
agradável. Para esses autores, a gradualidade está em todos os encadeamentos
argumentativos, posto que um mesmo topos pode ser convocado segundo enunciados de graus
diferentes, mas relacionados ao mesmo fato: Faz calor relativamente, faz calor, faz muito
calor etc. A relatividade está em se considerar que todo encadeamento argumentativo
conclusivo, ou seja, que contém um conector como então, é a aplicação de um princípio geral,
admitido como suposto pela coletividade (Ducrot, 1998).
Com isso, podemos apreender que o topos, para Ducrot (1989, p.24), é um princípio
argumentativo” com três propriedades. A primeira propriedade estabelece a universalidade do
topos. Ele é universal pelo fato de que somente se aceita para uma premissa calcada em fazer
calor uma conclusão a praia é agradável se se tem indivíduos inseridos em uma mesma
comunidade compartilhando esse topos. A segunda propriedade é a generalidade que,
decorrente da universalidade, prevê que o princípio deve ser considerado válido em uma
situação dita inicial ou primeira e também em outras a ela análogas. Para Ducrot (1989),
mesmo que se argumente em uma esfera particular, é necessário que se estenda a uma
74
categoria para que se ateste a validade da argumentação. A terceira propriedade é denominada
de gradualidade, que consiste na noção de que “todo topos considera dois predicados P e Q
que os objetos podem satisfazer segundo o mais e o menos, ou seja, há um sentido em dizer ‘a
é mais P que b’, ou ‘c é mais Q que d” (DUCROT, 1989, p.26).
3.2.1.2 Topoï intrínsecos e topoï extrínsecos
Anscombre (1995b) mostra que os argumentos articulam-se tanto no âmbito do
enunciado quanto no da enunciação, e, devido a essa característica da argumentação, os topoï,
na TT, segmentam-se em topoï (ou FT) intrínsecos e topoï (ou FT) extrínsecos.
Como várias noções relativas à argumentação, reiteramos, os topoï têm sua origem na
retórica antiga, mais exatamente na concepção aristotélica de topos. Remontando a essa
concepção, Emediato (2001) afirma que um argumento leva a uma conclusão mais ou
menos pertinente quando alguns parâmetros são observados, como um consenso entre orador
e auditório, uma representação de crenças em comum e um saber partilhado sobre um objeto.
O saber partilhado, segundo a concepção aristotélica é similar à noção de topos que designa o
lugar comum de encontro e conciliação do orador e do auditório.
Com ressalvas, a teoria ducrotiana dos topoï sustenta-se na ideia clássica de que um
argumento é orientado para uma conclusão. O que a difere desta é o seu ponto de partida: a
passagem do argumento à conclusão é feita por um caminho. No ato da enunciação, segundo a
teoria, o locutor fornece algumas pistas a respeito do caminho por ele escolhido. Cabe ao
interpretante, então, reconstruir esse caminho, e assim, chegar à finalidade argumentativa do
ato de comunicação. Os topoï, partes nucleares da teoria, são condutores da argumentação por
se organizarem em um sistema de crenças e valores que possibilitam a passagem do
argumento à conclusão. Essas crenças e valores estão vinculados ao mundo do produtor e do
receptor do ato comunicativo. Com isso, um resgate das vivências e das representações
sociais dos sujeitos interactantes. Dito isto, analisemos os topoï intrínsecos e os extrínsecos.
Os topoï intrínsecos fundam-se na significação de uma unidade lexical e estão, pois,
introduzidos na significação linguística. Em um encadeamento argumentativo uma relação
conclusão-premissa é estabelecida da seguinte forma: a premissa ou argumento traz no seu
léxico elementos cujo conteúdo indica a conclusão, ou como afirma Anscombre (1995b), o
segundo membro do enunciado serve à função de “colocar em palavras” aquilo que está
75
contido no primeiro. Palavras como rico e bela, por exemplo, vão indicar intrinsecamente um
sentido inerente a elas. Para exemplificar esse fato, Anscombre (1995b) postula exemplos.
Neles o segundo membro apenas corrobora o que já está contido no primeiro:
Pedro é muito rico: pode oferecer não importa o quê.
(Pierre est très riche: il peut s’offrir n’importe quoi.)
Maria é bela: ela seduz todos os homens.
(Marie est belle: elle séduit tous lê hommes.)
Em contraposição, os topoï extrínsecos definem-se como um conjunto de crenças e de
valores que dependem e se sustentam no consenso e nas representações sociais e culturais de
uma comunidade. Sendo assim, eles não são regulares, pois dependerão do que é consenso
dentro de uma comunidade específica. No exemplo de Anscombre (1995), temos uma
possibilidade de topos extrínseco, entre as muitas outras que podem surgir:
Pedro é rico, mas é avaro.
(Pierre est riche, mais il est avare.)
Nesse caso específico não nos é dado, na premissa Pedro é rico, nenhum topos que
leve à conclusão apresentada. Para Anscombre (1995b), o locutor desse enunciado coloca em
cena um enunciador cuja intenção é encadear sobre o topos intrínseco de rico (+ rico +
poder de compra) um topos extrínseco (+ rico + avaro).
No que se refere às distinções entre o topos extrínseco e o topos intrínseco,
observamos que algumas palavras podem ajudar nesse processo. Segundo Anscombre (1995b,
p.128), são “testes” que apontam para a presença de um topos extrínseco ou um topos
intrínseco. A inserção da palavra mas, por exemplo, configura um desses testes. Insere-se a
palavra em diversos enunciados, divididos em duas séries, a saber
19
:
(1a) Pedro tem procurado uma solução, mas não tem encontrado.
Pierre a cherché une solution, mais Il n’a pas trouvé.
(2a) Maria tem exigido explicações, mas ele não a tem respondido.
Marie a demandé des explications, mais on ne lui a pas ouvert.
(3a) Max tem batido à porta, mas ele não a tem aberto
Max a frappé à la porte, mais on ne lui a pas ouvert.
(4a) Há uma solução, mas é difícil colocá-la em prática.
19
Optamos aqui por uma tradução livre dos exemplos propostos por Anscombre (1995 b, p.128), mas seguindo a
ordem por ele determinada. Interessa-nos aqui destacar os “testes” para diferenciar topos extrínseco e topos
intrínseco. Os exemplos (6a) e (6b) pertencem, segundo Anscombre, a Ducrot.
76
Il y a bien une solution, mais elle est difficile à mettre en œuvre.
(5a) Há um problema, mas é fácil resolvê-lo.
Il y a un problème, mais Il est facile à résoudre.
(6a) Naquela noite, havia mulheres, mas feias.
Dans cette soirée, il y a avait des femmes, mais laides.
(1b) Pedro tem procurado uma solução, mas ele tem encontrado.
Pierre a cherché une solution, mais il a trouvé.
(2b) Maria tem exigido explicações, mas ele a tem respondido.
Marie a demande des explications, mais on lui a répondu.
(3b) Max tem batido à porta, mas ele a tem aberto.
Max a frappé à la porte, mais on lui a ouvert.
(4b) Há uma solução, mas é fácil colocá-la em prática.
Il y a bien une solution, mais elle est facile à mettre en œuvre.
(5b) Há um problema, mas é difícil resolvê-lo.
Il y a un problème, mais il est difficile à résoudre.
(6b) Naquela noite, havia mulheres, mas belas.
Dans cette soirée, il y a avait des femmes, mais belles.
Segundo Anscombre (1995b), verifica-se uma maior aceitabilidade da série que vai de
(1a) até (6a). A série compreendida por (1b) até (6b) tem menor aceitabilidade, o que não quer
dizer que os exemplos nela contidos não possam ser aceitos em determinados contextos. Para
Anscombre (1995b), p.128), isso se explica devido à presença na primeira série - de topoï
exclusivamente intrínsecos, pois que “se m e n são duas palavras designando os topos,
respectivamente, inicial e final de um topos intrínseco, uma estrutura do tipo m, mas não-n é
possível, enquanto que a estrutura m, mas n é pouco natural”.
20
Podemos, por fim, afirmar que existe no enunciado uma força argumentativa, que aqui
relacionamos diretamente aos topoï intrínsecos, enquanto que a força argumentativa da
enunciação está associada aos topoï extrínsecos. E, para explicitar o que são os topoï,
20
Do original francês: “...si m et n sont deux ‘mots’ désignant les sommets respectivement initial et final d’un
topos intrínséque , une structure de type m, mais non-n est possible, alors que la structure m, mais n est peu
naturelle.”
77
passemos a uma peça componente do corpus
21
deste trabalho, relativa à propaganda
governamental.
A peça publicitária governamental abaixo (Figura 3) faz parte do material criado para
a campanha de prevenção à AIDS, de 2008, do Ministério da Saúde.
Figura 3: Cartazete_carnaval_2008_masculino
Fonte: BRASIL, 2008b
Na visão clássica da argumentação, poder-se-ia apontar uma conclusão C dado o
argumento A, mesmo que o conector portanto encontre-se, nesse caso, implícito. Com isso,
teríamos que o enunciado destacado Bom de cama é quem usa camisinha, na ordem direta
resultaria em Quem usa camisinha é (portanto) bom de cama. À luz da análise clássica,
teríamos o conector portanto direcionando o argumento A (Quem usa camisinha) a uma
conclusão C (é bom de cama). Isso, como destacado, tornaria a análise imprecisa e
insuficiente, pois tal enunciado se abre a outras possibilidades de conclusão, como é
consciente, gosta da vida, respeita seus semelhantes, teme doenças sexualmente
transmissíveis etc.
A TT nos subsídios para mostrar a emergência de outras conclusões possíveis, a
partir do enfoque no topos. Destaquemos que determinados topoï emergem dessa propaganda.
Primeiramente, vemos a ausência de topoï intrínsecos no enunciado em destaque pelo fato de
que a informação nela contida remete a um consenso cultural enraizado na nossa sociedade,
21
Relembramos que o corpus foi redimensionado para melhor se adequar às dimensões deste trabalho. As peças
comerciais e governamentais se encontram em Anexos no formato original.
78
de que “bom de cama” é o indivíduo, independente do sexo, capaz de proporcionar prazer
sexual ao parceiro:
Bom de cama é quem usa camisinha.
Como podemos perceber, a conclusão pretendida não se revela a partir do argumento.
Em vista disso, a conclusão só poderá ser admitida, como afirma Ducrot, a partir de um
enfoque nos topoï extrínsecos. Assim, temos:
Topos extrínseco: + uso da camisinha + garantia de satisfação sexual
Topos extrínseco: + bom de cama + consciente da importância da prevenção
O que acontece nesses encadeamentos é que os topoi extrínsecos apontam para a
noção geral de que atualmente quem não se previne está contra a população, pois pode
transmitir uma doença incurável, mas, no entanto, evitável. Para arregimentar pessoas a aderir
à sua causa, o governo opta por interpelar o cidadão a respeito do seu dever cívico de proteger
a si mesmo e a outrem. E essa interpelação aparece mais claramente no enunciado em
segundo plano Qual é a sua atitude na luta contra a AIDS?. No capítulo dedicado à análise
nos deteremos na análise desse enunciado, visto que ele aparece em todas as propagandas
governamentais de prevenção à AIDS, como um slogan da campanha.
Tendo-nos atido à TT, pois é a mesma que dará suporte teórico para as análises desta
pesquisa, passaremos brevemente pela Teoria dos Blocos Semânticos (TBS). A TBS resulta
de uma proposta encabeçada por Ducrot (1998) e Marion Carel e apresenta, entre outras
bases, a noção de que os encadeamentos discursivos não representam de forma alguma a
expressão de inferências e de raciocínios. Para eles, o que se arvora agora é a
“interdependência radical” entre os diferentes segmentos de um encadeamento argumentativo,
como, por exemplo, o segmento que antecede e que sucede o conector. Em vista disso,
voltemos a exemplos já destacados anteriormente:
1) Você dirige depressa demais, você se arrisca a sofrer um acidente.
(Tu conduis trop vite, tu risques d’avoir un accident.)
2) Você dirige depressa demais, você se arrisca a sofrer uma multa.
(Tu conduis trop vite, tu risques d’avoir une contravention)
Para Ducrot (1998), esses exemplos mostram que, a despeito da distinção entre as
expressões depressa demais e contravenção, existe a formação de um “bloco semântico”
único que expressa a noção de velocidade perigosa ou proibida.
79
A fim de avançarmos no quadro teórico, consideramos que o que foi exposto aqui
sobre a TT determina a análise que pretendemos desenvolver relativamente ao corpus desta
dissertação. A partir de topoï intrínsecos e extrínsecos, avaliaremos a importância do léxico e
da cultura no projeto criador da publicidade e da propaganda. Partindo da hipótese de que o
discurso publicitário e o propagandístico associam-se às representações de uma sociedade,
percebemos a necessidade de estudar não somente a linguagem utilizada no corpus, como
também as imagens que o compõem. Dessa forma, vimo-nos levados a contemplar alguns
aspectos da teoria Semiótica, que detalharemos a seguir.
3.3 A Teoria Semiótica
No momento em que nos vimos frente ao desafio de analisar a argumentação na
publicidade e na propaganda, visualizamos também que não poderíamos nos ater somente às
teorias relacionadas ao tema. Deveríamos buscar uma teoria que pudesse ajudar a entender a
riqueza do material verbal e não verbal que compunha o discurso publicitário. Dessa forma,
optamos por enfatizar uma análise gnica que buscasse apontar a importância do uso de
determinados signos. Por isso, decidimos trabalhar apenas com alguns conceitos da Teoria
Semiótica (TST) de Charles Sanders Peirce (2000). Falamos em trabalhar com apenas alguns
conceitos por estarmos conscientes do caráter complexo da obra peirceana para um estudo
mais geral do tema, como é o caso desta dissertação. Aprofundar na obra de Peirce
demandaria um trabalho mais minucioso, abrangente e consequentemente extenso e para isso
não tempo disponível. Nosso intuito é ancorar tão somente no apontamento de signos que,
a nosso ver, também servem ao propósito da argumentação, ou seja, acreditamos que no
discurso da publicidade e da propaganda imagem e léxico convergem para um propósito
específico: tornar o material mais atraente para o público alvo. Sendo assim, selecionamos
como aspecto principal da TST, segundo Peirce (2000), a noção das três principais tricotomias
e das dez classes de signos resultantes da relação entre elas.
O início do estudo semiótico dos signos chamou-nos a atenção para uma outra ciência,
a Semiologia. Dessa forma, optamos por delinear brevemente o que é esta disciplina e que
visão de signo ela sustenta. Tal procedimento acaba por mostrar em qual visão de signo
apoiamos nosso trabalho de análise semiótica.
80
3.3.1 A Semiologia e o signo: a proposta de Ferdinand de Saussure
Tendo em vista que nesta seção pretendemos discorrer o conceito de Semiótica, além
de delimitar algumas ideias de seu principal teórico, Charles Sanders Peirce (2000), cujas
noções servirão de base para a análise a ser desenvolvida, destacaremos, de antemão, o papel
da Semiologia no cenário dos estudos sistematizados dos signos.
As duas ciências - Semiologia e Semiótica –, tal como as conhecemos hoje, têm em
Ferdinand de Saussure e Charles Sanders Peirce, respectivamente, seus idealizadores. E,
embora estejam ligadas diretamente ao estudo do signo, possuem uma zona divergente que as
torna distantes uma da outra. Em vista disso, apontaremos, sem descer a muitos detalhes,
alguns aspectos em que diferem.
O primeiro ponto de divergência está na questão terminológica. Greimas e Courtés
(2008, p.444) destacam que, por muito tempo, ambos os termos foram utilizados
indistintamente, sendo que Semiótica teve maior destaque, sendo inclusive institucionalizado
quando da fundação da Association Internacionale de Sémiotique. Este fato, no entanto, não
impôs à Semiologia nenhum ostracismo. As noções de Saussure continuaram influenciando
campos de estudos diversos, principalmente os linguísticos. Devido à sua sólida implantação
na França e nos países latinos, o termo Semiologia continuou também em uso.
No início da década de 70, a diferenciação do conteúdo metodológico possibilitou que
a designação dos termos definisse o campo de estudo específico tanto da Semiótica quanto da
Semiologia, o que não significa que ambas estejam em lados opostos, pois, devido ao foco
nos signos e na sua representatividade, elas se articulam teórica e metodologicamente em
alguns pontos.
A Semiologia foi articulada dentro do quadro restrito determinado por Ferdinand de
Saussure
22
, e apresentava, inicialmente, uma formulação cuja contribuição não era
significativa para o estudo dos signos. Para Greimas e Courtés (2008), a importância da
Semiologia, sob a ótica saussuriana, somente se sobrepõe aos conceitos inoperantes
22
Aqui Greimas e Courtés (2008, p.444) criticam o quadro restrito da definição saussuriana. Segundo eles, “o
projeto semiológico, na medida em que se procurou desenvolvê-lo no quadro restrito da definição saussuriana (e
fora de qualquer contato com a epistemologia das ciências humanas da época) (...) reduziu-se logo a muito pouca
coisa: à análise de alguns códigos artificiais suplementares (...), o que fez a semiologia aparecer como sendo uma
disciplina anexa à lingüística”. No entanto, isso não pretende diminuir o mérito de Saussure, apenas mostrar o
desenvolvimento desta ciência. Na verdade, Saussure é considerado o precursor dos estudos da moderna teoria
da linguagem. (NETTO, 2003).
81
relacionados a ela, quando de sua análise à luz da teoria da linguagem. Sob esse viés, pode-se
“buscar as razões do impacto decisivo de F. de Saussure sobre o desenvolvimento dos estudos
semiológicos” (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 444-445).
Assim, a Semiologia tem em Saussure seu mais significativo precursor. Ele a
imaginou como uma disciplina cujo foco seria o estudo dos signos no meio de vida social, o
que validava a interseção desta com outros campos e a denominou “ciência geral de todos os
sistemas de signos através dos quais estabelece-se [sic] a comunicação entre os homens.”
(NETTO, 2003, p. 17).
As contribuições mais significativas de Saussure para o campo da linguística
relacionam-se ao estudo de algumas dicotomias importantes para o seu fundamento. É neste
aspecto que reside outro ponto divergente entre a Semiologia de Saussure e a Semiótica de
Peirce, qual seja a questão relativa à binariedade e a triadicidade dos signos. Para a primeira,
os signos estão em uma relação binária, enquanto que a segunda vê essa relação como
resultado de uma triadicidade dos signos. Na Semiologia, as binariedades mais expressivas
são a da língua/fala, a do significado/significante, a do sintagma/paradigma e a da
diacronia/sincronia (COUTO, 1983). Interessa-nos, neste estudo, apenas a dicotomia
relacionada ao signo (significado/significante), que não pretendemos nos debruçar sobre os
estudos semiológicos de Saussure. Almejamos apenas avaliar o que é o signo e como ele se
configura no quadro semiológico, para então, analisá-lo por via da abordagem semiótica.
Considera-se que o signo é tudo aquilo que representa algo. Essa definição aponta para
sua função primordial na comunicação, pois sem ele a comunicação seria quase que inviável.
A inviabilidade, nesse caso, remete ao fato de que a ausência do signo daria margem à
manipulação constante dos próprios objetos sobre os quais incidiria o discurso (NETTO,
2003). Dito de outra forma, o significado de um objeto, tal como o conhecemos, poderia ser
modificado a todo instante pelo sujeito comunicante.
A importância do estudo do signo através da Semiologia está no ponto em que
Saussure instaurou a problemática do signo linguístico, a saber, a noção de signo como
resultado da junção de dois elementos: o significado e o significante. A concepção
saussuriana percebe o signo como resultante de uma ideia (imagem) mental da coisa. A
associação da imagem mental com a imagem acústica (igualmente abstrata) resulta no signo.
A relação significado/significante estabelece-se na medida em que “tanto o significado
(imagem mental da coisa, conceito) quanto o significante (imagem acústica, som mentalizado)
são abstratos”. (COUTO, 1983, p.28).
82
Essa definição em Greimas e Courtés (2008) é vista apenas como uma primeira que
seria reformulada. Tal reformulação indica que Saussure depurou essas noções, passando a
considerá-las (significado e significante) como objeto de apoio da constituição da forma
linguística. A partir disso, a forma linguística é contemplada da seguinte maneira na visão de
Saussure:
A ngua é uma forma resultante da reunião de duas substâncias. Não sendo nem a
substância física nem a substância psíquica, mas o lugar de convergência delas, a
forma é uma estrutura significante (...): a independência ontológica da forma
semiótica assim afirmada confere ao mesmo tempo um estatuto de autonomia à
linguística (que terá por objeto a descrição coerente e exaustiva dessa forma).
(GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 218)
Estabelecido o conceito de signo no domínio semiológico passamos, na seção que se
segue, à teoria Semiótica, terceiro arcabouço teórico desta pesquisa.
3.3.2 Semiótica: a proposta de Charles Sanders Peirce
Nesta seção, abordaremos termos relacionados à Semiótica, enfatizando os
pressupostos deixados por Charles Sanders Peirce. O destaque às noções do signo e sua
significação, às categorias da experiência, às tricotomias divisoras do signo e a outros
aspectos teóricos tem por objetivo levar ao entendimento sobre algumas classes de signos que
serão apontadas no corpus constituinte desta pesquisa. A abordagem desses aspectos, no
entanto, não tem a pretensão de esgotar a obra de Peirce, pelas razões expostas na seção
anterior. Tal procedimento se justifica diante do conhecimento que se tem acerca da vasta
obra desse autor e da sua valiosa constituição. O que se sabe sobre a grandiosidade do
trabalho de Peirce é que
chega-se a perder a própria noção de medida: seus manuscritos cobrem cerca de
70.000 páginas além dos que se perderam e destas pelo menos umas 10.000
páginas são consideradas de relevante importância filosófica e fundamentais na obra
do autor. (NETTO, 2003, p.52)
Destacamos que as classes de signos propostos por Peirce (2000) orientarão,
primordialmente, a análise imagética. No entanto, sempre que julgarmos necessário,
orientaremos tais conceitos também para o nível do verbal. Estabelecidos tais
83
direcionamentos teórico-metodológicos, abordaremos nas seções seguintes algumas noções
peirceanas sobre Semiótica, sempre com o auxílio de outros estudiosos do assunto.
3.3.2.1 Breve definição do termo Semiótica
Inserida numa vertente filosófica outro fator de diferenciação desta com a
Semiologia - a Semiótica peirceana se avulta como uma ciência de difícil compreensão. A
explicação para essa constatação está, como foi dito, na sua inserção no campo da filosofia.
Tanto é, que Netto (2003, p.52) lembra o fato de que
[...] estudar e aplicar seu modelo semiótico (de Peirce) sem conhecer as bases
filosóficas que o enformam é um empreendimento que corre o risco de passar à
margem da verdadeira dimensão do objeto abordado e de transformar-se, de
tentativa de compreensão da questão do sentido, em exercício de desentendimento.
(NETTO, 2003, p.52)
A fim de destacar o caráter filosófico, e por consequência, a difícil abordagem de sua
obra, Peirce aponta para o seu objeto de estudo: analisar o que aparece no mundo,
simplesmente. Não há nessa tese uma preocupação com questionamentos existenciais, porque,
para ele o homem não lida como a metafísica, apenas com a lógica. Resumindo, “não
perguntamos o que realmente existe, apenas o que aparece a cada um de nós em todos os
momentos de nossas vidas” (PEIRCE, 2000, p.22).
Definição comumente aceita da Semiótica é a que a considera a ciência geral do
estudo dos signos (COUTO, 1983). Alguns autores tratam a Semiótica o como uma, mas
como duas ciências, a saber, semiótica geral e semiótica especial. De acordo com Netto
(2003), a semiótica geral abrange uma parte da filosofia referente aos campos envolvidos
pelas designações de Lógica, de Filosofia da Lógica, de Filosofia da Ciência, de
Epistemologia ou de Teoria do Significado. Diante disso, percebemos que a intenção em
agrupar a semiótica geral de tal maneira é mostrar a “concepção do pensamento como um
processo de interpretação do signo com base numa relação triádica entre signo, objeto e
interpretante” (NETTO, 2003, p.53). Esse caráter da semiótica geral serve ao propósito de
fundação de outra ciência correlata à Semiótica, à qual Peirce chamou inicialmente de
“psíquica” ou “ciência psíquica”, cuja nomenclatura mais recentemente foi substituída por
semiótica especial.
84
Se, como já foi destacado anteriormente, Peirce relacionou a Semiótica à Lógica,
tratando-as como análogas e chegando a dizer que ambas são sinônimas, convém destacarmos
aqui que este autor propôs a divisão triádica também da referida ciência. Segundo ele,
a lógica (...) tem três departamentos. Lógica obsistente, lógica em sentido estrito, ou
Lógica Crítica, (...) é a teoria das condições de verdade. Lógica Originaliana, ou
Gramática Especulativa, é a doutrina das condições gerais dos símbolos e outros
signos que têm o caráter significante. (...). Lógica Transuasional, que denomino de
Retórica Especulativa, é substancialmente, aquilo que é conhecido pelo nome de
metodologia ou, melhor, metodêutica. (PEIRCE, 2000, p.29)
Não contemplaremos aqui um estudo desse levantamento relativo à tripartição da
Semiótica. O enfoque dado à teoria Semiótica peirceana se concentrará no levantamento das
características das três tricotomias basilares de sua teoria, não sem antes destacarmos o
conceito de signo.
O termo signo para Peirce (2000) é usado para significar um objeto que se pode
perceber ou somente imaginar. A prerrogativa para que algo possa se instituir como signo é
que esse algo represente outra coisa. Assim,
[...] um signo, ou representâmen, é aquilo que, sob certo aspecto ou modo,
representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria, na mente dessa pessoa,
um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao signo assim criado
denomino interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma coisa, seu
objeto. Representa esse objeto não em todos os seus aspectos, mas com referência a
um tipo de ideia, que eu, por vezes, denominei fundamento do representâmen.
(PEIRCE, 2000, p.48)
Através desta noção de Peirce podemos depreender que o signo ou representâmen
apresenta-se intrinsecamente ligado ao fundamento, ao objeto e ao interpretante. Tal conexão
explica a divisão da Semiótica em três ramos, a saber, a gramática pura, a lógica, e a retórica
pura. Parece-nos haver uma relação direta entre fundamento e gramática pura, entre objeto e
lógica, e, por fim, o interpretante e a retórica pura.
Os preceitos semióticos peirceanos declaram que os signos são divisíveis em três
tricotomias básicas
23
, sendo que estas se destacam pelo fato de terem sido extensa e
exaustivamente tratadas por Peirce, o que acarretou uma sedimentação teórica muito
significativa das mesmas (PINTO, 1995, p.59).
Ressaltamos que cada uma dessas tricotomias é definida de acordo com os elementos
da relação de representação. Portanto, a primeira tricotomia baseia-se, de acordo com Pinto
23
No livro Semiótica consta que, por volta de 1906, e no desenvolvimento de seus estudos, Peirce verificou a
existência de dez tricotomias, totalizando, então, sessenta e seis classes de signos. (PEIRCE, 2000, p.51)
85
(1995, p.59), “na noção de signo enquanto signo, isto é, no signo considerado apenas em sua
identidade de signo, sem qualquer referência a seu objeto ou seu interpretante”. Na segunda
tricotomia, em termos de secundidade, os signos fazem referência a um objeto, enquanto
que na terceira tricotomia, além da relação do signo com o objeto, verifica-se também a
relação com o interpretante.
Antes de discorrer sobre os signos propriamente ditos, cabe mostrar como Peirce
(2000) apresenta as categorias da experiência do indivíduo: a Primeiridade, a Secundidade e a
Terceiridade, que estão diretamente atreladas aos signos componentes das três principais
tricotomias. Percebemos a relação entre os signos, independentemente da tricotomia à qual
pertencem, e essas categorias. Assim, a Primeiridade corresponderá ao primeiro signo de cada
tricotomia, e, portanto, ao ícone, ao qualissigno e ao rema, assim como as outras duas
categorias e tricotomias. Discorreremos essa característica mais adiante, ao contemplarmos as
definições correlatas a cada tricotomia. Achamos pertinente mostrar a seguir como é
construído o arcabouço teórico das categorias acima destacadas.
3.3.2.2 As categorias da Primeiridade, da Secundidade e da Terceiridade
Quando se aborda os estudos semióticos peirceanos é imprescindível falar das
categorias experienciais do indivíduo. De acordo com Pinto (1995, p.17), a triadicidade é
inerente à base do arcabouço teórico que sustenta a Semiótica de Peirce que, na verdade, é
toda fundamentada nessa noção. Haja vista que ele estabelece diversas observações da
onipresença triádica no mundo e nos fenômenos a ele correspondentes (PEIRCE, 2000). Sob
esta perspectiva, o triádico parte do ponto de que a experiência do fenômeno
24
corresponde a
categorias, designadas nesse ponto de vista teórico que engloba a Primeiridade, a Secundidade
e a Terceiridade
25
.
A Primeiridade, Oriência ou Originalidade é a categoria que designa, nos dizeres de
Peirce (2000, p.24-25), como “algo que é aquilo que é sem referência a qualquer outra coisa
24
Fenômeno, na visão semiótica, pode ser entendido como “qualquer coisa que se torne manifesta ou disponível
para um observador. Pode ser um objeto no mundo ‘real’, ou uma percepção, um sentimento, uma sensação, uma
abstração, enfim, qualquer coisa passível, ainda que minimamente, de conhecimento ou descrição.” (PINTO,
1995, p. 17)
25
Tomamos a liberdade de fugir à forma gráfica utilizada por Peirce (2000) em sua obra. Os termos mais
significativos são grafados por ele com letra inicial maiúscula (Objeto, Interpretante, etc.). Aqui não será
utilizada a mesma forma sendo que somente os termos Primeiridade, Secundidade, Terceiridade e outros a elas
correlacionados receberão grafia com letra inicial maiúscula.
86
dentro dele, ou fora dele, independentemente de toda força e de toda razão”. Essa categoria
explica porque determinadas coisas acontecem, sem que tenhamos a explicação para isso, ou
seja, “são fatos que são o que são, simplesmente porque acontece que são assim”. Como
exemplo, podemos nos perguntar por que estamos, aqui, neste momento a pensar e escrever
esta dissertação e não em outro lugar, como a Sibéria, por exemplo? Não uma explicação
para isso, porque está a primeiridade das coisas que, simplesmente, não requerem
explicação para seus motivos. De acordo com Netto (2003, p. 61) a primeiridade abrange o
nível do sensível e do qualitativo. A qualidade referida anteriormente remete à noção de algo
que é tal como é. Os signos correspondentes à Primeiridade, reiteramos, são o ícone, o
qualissigno e o rema.
A Secundidade, por seu turno, projeta o vel da experiência, da coisa ou do evento: é
o caso do índice, do sinsigno e do dicissigno (NETTO, 2003, p.61). Definindo-a de forma
mais clara, Pinto (1995) afirma que esta é a categoria da ocorrência, da manifestação, da
existência. Isso leva a crer que o signo somente está em sua secundidade, a partir do momento
em que deixa de ser simplesmente o que é, e passa a existir, ou melhor, a manifestar-se no
mundo.
Por fim, a Terceiridade, que apresenta um nível maior de complexidade naquilo que
abrange. Isso porque ela recobre um campo mais vasto, devido à sua associação direta à
mente, ao pensamento, ou seja, à razão. Em vista disso, diz respeito aos signos símbolo,
legissigno e argumento. Pinto (1995, p.57) afirma que essa categoria trabalha com a
“capacidade que algo tem de representar (3º), se esse algo existe (2º) e é (1º)”. Daí
concluirmos que ela abarca todos os estágios de significação do signo.
Com essa breve explicação das categorias da experiência do indivíduo, acreditamos
ser possível avançar nosso levantamento teórico já no sentido das três tricotomias mais
conhecidas da teoria de Peirce e dos signos que as compõem.
3.3.2.3 A primeira tricotomia
Na primeira divisão tricotômica, o signo é contemplado em referência a si mesmo. Seu
ponto de partida é a noção de signo enquanto signo, isto é, o signo considerado apenas em sua
identidade de signo, sem qualquer referência ao seu objeto ou seu interpretante (PINTO,
1995).
87
Conforme o signo em si mesmo seja uma mera qualidade, um existente concreto ou
uma lei geral, ele está inserido nesta primeira tricotomia. Portanto, um signo pode receber a
designação de qualissigno, sinsigno ou legissigno.
O qualissigno pode ser entendido como indicativo de qualidade, ou seja, ele designa
uma determinada qualidade como um signo. Exemplos disso: uma cor, uma forma geométrica
etc. O sinsigno refere-se a algo (coisa ou evento) de existência real que é tomado como signo;
um cata-vento e um diagrama de alguma coisa em particular (NETTO, 2003) são exemplos
desse signo. De acordo com Peirce (2000), o prefixo sin- significa “uma única vez”, à
semelhança da palavra singular. Esse signo envolve vários qualissignos pela sua característica
de somente se concretizar por meio de qualidades. O legissigno é uma lei estabelecida pelo
homem que se caracteriza como signo. Conforme Peirce (2000, p.52), “todo signo
convencional é um legissigno (porém a recíproca não é verdadeira)”. A ele relaciona-se a
Réplica. O fato de a palavra de, um legissigno (preposição, na gramática normativa), aparecer
diversas vezes nesta página indica que cada uma é uma Réplica, pois a palavra/legissigno vai
ser sempre a/o mesma/o.
3.3.2.4 A segunda tricotomia
A segunda tricotomia diz respeito às relações entre o signo e seu objeto. O ícone, o
índice e o símbolo são os seus signos componentes. De acordo com os fundamentos
peirceanos, os signos somente aqui se inserem se “a relação do signo para com seu objeto
consistir no fato de o signo ter algum caráter em si mesmo, ou manter alguma relação
existencial com esse objeto ou em sua relação com um interpretante.” (PEIRCE, 2000, p.51-
52)
O ícone é o signo baseado na semelhança com o objeto representado. De acordo com
Peirce (2000, p.52), qualquer coisa, seja uma qualidade, um existente individual, seja uma lei,
é ícone de qualquer coisa, na medida em que for semelhante a essa coisa e utilizado como seu
signo.
O índice é o signo que faz referência ao objeto denotado pelo fato de ser afetado pelo
mesmo objeto. Por este fator ser afetado pelo objeto o índice tem uma qualidade em
comum com o objeto; isto lhe caracteriza como uma espécie de ícone especial. Porém, não é a
mera semelhança que o qualifica como signo, mas o fato mesmo de ser efetivamente
88
modificado pelo objeto. A título de exemplos, citamos a fumaça como signo indicial de fogo,
o campo molhado como índice de chuva (NETTO, 2003).
O símbolo é um signo que se refere ao objeto que denota, em virtude de uma lei ou
convenção. Essa lei compreende, conforme Peirce (2000), uma associação de ideias gerais
que opera no sentido de fazer com que o símbolo seja interpretado como se referindo àquele
objeto. Por isso é, na sua configuração, uma lei, ou um legissigno. Assim também é uma
Réplica. Tem-se, como exemplo, cores que simbolizam sentimentos, como o vermelho que
simboliza a paixão.
3.3.2.5 A terceira tricotomia
Nela se inserem os signos rema, dicente e argumento. A relação do signo nessa
tricotomia é com o interpretante. O rema é um signo “que para seu interpretante funciona
como signo de uma possibilidade que pode ou não se verificar”. A palavra isolada - qualquer
que seja ela constitui um signo rema. (NETTO, 2003, p. 61). De acordo com Pinto (1995),
pode ser apresentado por incógnitas, de onde se origina, como exemplo: X compra Y (não se
sabe a quem essa proposição se refere).
O dicente ou dicissigno é um signo que, na visão do interpretante, possui existência
real. De acordo com Netto (2003), corresponde a um enunciado, com o envolvimento de
remas na descrição do fato. Um sintagma é exemplo desse signo. O autor acima referido
destaca que o dicente ou dicissigno é contrário ao rema, pois preenche as incógnitas. Assim,
tem-se que: Rema = X compra Y. Dicissigno = Pedro compra comida.
O argumento é um signo de lei, de razão para o seu interpretante, correspondendo,
pois, a um juízo. Representa, de acordo com Peirce (2000), seu objeto em seu caráter de
signo. Informação importante sobre esse signo é a de que ele aponta para aspectos de
persuasão, o que o torna bastante complexo. Em vista disso, recebe também a denominação
suadissigno (em que a partícula “sua” vem dos verbos persuadir e dissuadir).
Em relação a esses três signos, Pinto (1995) postula:
Rema = X compra Y.
Dicissigno = Pedro compra comida.
Argumento = Pedro compra comida porque está com fome.
89
3.3.2.6 As dez classes de signos
Ao propor as três tricotomias comentadas acima, Peirce (2000) postula também uma
combinação das mesmas. Desse processo combinatório é possível apreender, então, dez
classes de signos, e verificar que não existe um signo, digamos, puro ou isolado. Isso porque
as classes propostas por Peirce mostram que um mesmo signo pode ter características icônicas
e simbólicas, somente para colocarmos um exemplo. Tal fato é de suma importância pela
simples constatação de que a forma mista dos signos é como eles se apresentam mais
comumente. Dessa forma, listamos agora as dez classes de signos semióticos peirceanos
(PEIRCE, 2000, p.55-57), tomando também a nomenclatura aventada por Netto (2003, p.62-
63):
classe) Qualissigno: qualidade tomada como signo que tem uma similaridade com um
objeto, e por isso, é também um ícone. Sendo uma qualidade vista como uma mera
possibilidade lógica, esse signo é também um rema. Portanto, esta é a classe do
qualissigno icônico remático, cujo exemplo é a sensação de uma cor.
classe) Sinsigno icônico: coisa ou evento da experiência que significa um objeto em
virtude de suas qualidades. Como exemplo, Peirce (2000) destaca um diagrama
individual. Tendo semelhança como o objeto, é um ícone (envolve, pois, um qualissigno)
e, como no primeiro caso, é interpretado através de um rema: sinsigno icônico remático.
classe) Sinsigno indicial remático: coisa ou evento da experiência que atrai a atenção
para um objeto pelo qual sua presença é determinada. Também interpretado através de um
rema, envolve um sinsigno icônico. Um grito espontâneo pertence a esta classe.
classe) Sinsigno dicente: objeto ou evento da experiência que é um signo informativo a
respeito do seu objeto. Essa característica ele possui por ser realmente afetado pelo
objeto, sendo, portanto, um índice. Com isso, esse signo fornece informações somente
acerca de fatos concretos e materiais. Um signo desta classe deve abarcar um Sinsigno
Icônico relativo à materialização da informação, e um Sinsigno Indicial Remático relativo
à indicação do objeto. O exemplo de Peirce para esta classe é o de um cata-vento.
classe) Legissigno Icônico: lei ou convenção que permite a remissão à ideia de um
determinado objeto semelhante. Como é um ícone, é também rema. Netto (2003) coloca
como exemplo um diagrama genericamente considerado, sem estar ligado a alguma coisa
em particular, e designa esta classe como a do legissigno icônico remático.
90
classe) Legissigno indicial remático: “lei a requerer que cada um de seus casos seja
afetado pelo objeto correspondente, de modo a atrair a atenção para este” (NETTO, 2003,
p.63). Um pronome demonstrativo exemplifica esta classe.
7ª classe) Legissigno indicial dicente: lei cujos casos são afetados por seu objeto, de modo
a dar uma informação sobre esse objeto. O exemplo de Netto (2003, p.63) é uma placa de
trânsito com um E inscrito num círculo vermelho significando que ali onde ela se encontra
afixada “é permitido estacionar”. Ainda, segundo este autor, trata-se de uma convenção
indicativa de algo concreto e localizado, e cujo significado não é apenas uma palavra, mas
um enunciado.
8ª classe) Legissigno simbólico remático (símbolo remático ou rema simbólico): signo que
representa seu objeto, devido a noções evocadas segundo o conteúdo de uma determinada
mente, com o propósito de produzir um conceito geral. Como este símbolo é de tipo geral,
é um legissigno e remático por fazer parte de um enunciado maior (NETTO, 2003).
Qualquer palavra do dicionário pode exemplificar esta classe.
classe) mbolo dicente: “signo que representa seu objeto através de uma convenção e
que é interpretado sob a forma de um enunciado. Qualquer proposição do tipo “A é B” é
exemplo de mbolo dicente. É um legissigno: legissigno simbólico dicente” (NETTO,
2003, p.63)
10ª classe) Argumento: “signo que representa seu objeto através, em última análise, das
leis de um silogismo ou das leis segundo as quais a passagem de certas premissas para
certas conclusões tende a ser verdadeira. Ex.: toda argumentação do tipo “A é B, B é C,
portanto A é C”. Utiliza-se de mbolos e, sendo lei, é legissigno: legissigno simbólico
argumental.” (NETTO, 2003, p.63).
A partir dessa base teórica, pretendemos verificar como a publicidade comercial e a
propaganda governamental utilizam o signo a seu favor, de modo a criar no adolescente
determinadas representações sociais sobre o mundo no qual ele vive, e, mais ainda, o mundo
que ele pode construir para si. Na publicidade comercial que se segue (Figuras 4a e 4b),
inserida nas primeiras páginas de um exemplar da revista Capricho, podemos evidenciar
como os signos estabelecem com o consumidor em potencial uma relação de conquista e de
poder.
Observemos primeiramente o material imagético. A imagem mostra uma jovem atriz e
modelo brasileira (Paola Oliveira) que trabalha em projetos da emissora de televisão “Globo”,
uma das mais significativas da mídia brasileira, senão a mais importante no quesito
influência/manipulação de opinião. A atriz está vestida com roupas e acessórios joviais
91
coloridos e leves -, e sua posição, ou enquadramento, é típico da publicidade comercial:
centralizada na página, ocupando quase todo o espaço vertical do material gráfico. Também
as cores seguem uma linha jovial e alegre, com o predomínio de tons suaves (várias nuances
de cor-de-rosa, luminosidade ao fundo rodeando a modelo -, e o dourado dos cabelos da
atriz em destaque como também sua pele clara). Os contornos ao fundo indiciam um ambiente
urbano. Sobressaindo nesse cenário de luz e brilho, aparecem as botas sobre as quais se
pretende recaia o foco da atenção do leitor. Observamos que nessa página aparece apenas a
construção imagética.
Figura 4a: Dakota
Fonte: CAPRICHO, mar. 2008
Figura 4b: Dakota
Fonte: CAPRICHO, mar. 2008
92
A segunda gina (Figura 4b) dessa publicidade comercial oferece ao leitor o produto
de forma mais destacada, pois, em primeiro plano, três modelos de sapatilhas estão dispostos
tridimensionalmente. Utiliza as mesmas cores da primeira página, indicando a continuação do
ambiente no qual está a modelo. A marca da empresa aparece em destaque, logo acima do
enunciado Vivendo dias mais lindos.
Passando à análise semiótica das imagens temos, primeiramente, a simbologia do
logotipo da marca “Dakota” (Figura 4b). Assemelha-se a uma ave de grande porte, talvez uma
águia. As aves, pelo fato de voarem, à exceção dos outros seres, são consideradas símbolos da
liberdade. Com base nessa orientação analítica, podemos concluir que o objetivo do produtor
da propaganda é passar a imagem de que a aquisição do produto Dakota proporcionará
liberdade a quem o usa. Além disso, o fato de o logotipo estar em destaque é índice que
aponta para o profissionalismo da empresa e para a confiança que pode ser depositada no
produto. Consequentemente, a presença do logotipo valida a qualidade do produto.
Na primeira página (Figura 4a), a jovem atriz e modelo é símbolo de sucesso, de
beleza, e por que não dizer, no nosso entender, de bom gosto. Se ela utiliza o calçado Dakota,
isso indicia possibilidades de ter sucesso, de ser bela e ter seu bom gosto reconhecido a pessoa
que adquire tal produto. Da mesma forma, ela é um ícone da beleza moderna, por estar dentro
dos padrões de beleza da sociedade atual: magra, loira, cabelos e pele bem tratados e
saudáveis.
Resumindo, podemos perceber que essa publicidade comercial, no todo, é um índice
que remete ao uso de um determinado calçado como garantia de bem-estar e status. Os signos
funcionam argumentativamente, pois utilizados da forma como estão, servem ao propósito de
trazer argumentos que estimulem a compra do produto.
93
4 ANÁLISE DO CORPUS
4.1 Sobre o corpus
No capítulo anterior, comentamos sobre três vertentes teóricas cujas bases,
acreditamos, sustentam a análise que empreenderemos a seguir. Cada uma, à sua maneira,
trata da linguagem. Sendo a argumentação um fator preponderante na linguagem,
encontramos um veio e uma extensão para nosso estudo. Dentro de três visões teóricas
diferenciadas, pretendemos atestar nossa hipótese de que o discurso
publicitário/propagandista no qual se insere a publicidade comercial e a propaganda
governamental persuade os adolescentes através de argumentos focados em representações
sócio-cognitivas desses sujeitos, relativas a um ideal de bem-estar e felicidade.
Pretendemos mostrar e também comprovar uma das hipóteses fundadoras deste
trabalho: que a argumentação é cnica discursiva utilizada comumente na propaganda e na
publicidade. Embora a persuasão seja importante técnica discursiva e mola propulsora do
discurso publicitário, não lhe atribuiremos atenção especial. Podemos adiantar que o próprio
caráter monologal da publicidade e da propaganda atesta e depende do uso de técnicas
argumentativas. O fato de, na maioria das vezes, ser o produto apresentado sem a presença do
interlocutor presume a necessidade de se usarem estratégias fortemente ancoradas na
credibilidade do produto e na captação desse interlocutor, segundo a TS. Para isso, é
importante fundamentar as estratégias argumentativas da propaganda e da publicidade nos
contratos de comunicação e nas representações psicossocioculturais a eles vinculadas.
A configuração marcada pela junção de imagem e palavra faz do material encontrado
na publicidade e na propaganda o suporte ideal para a análise do signo, seja ele verbal ou
imagético. Essa junção, no caso específico deste estudo, cabe-nos ressaltar, não prima pelo
superficialismo das cores ou das letras utilizadas no material impresso, mas sim pelo valor
sígnico de cada item e de sua importância para o entendimento do mundo e da realidade. Para
Bakhtin (2006), um signo tem sua existência em duas realidades: a realidade da qual ele faz
parte e a que ele reflete e refrata. É marcada a onipotência do signo, pois ele pode distorcer tal
realidade, mudar determinados padrões de pensamentos e ideias. Concordamos com Bakhtin,
e acreditamos que tal noção possa direcionar-se ao discurso publicitário. No caso do corpus
desta pesquisa, verificamos a ascensão de duas realidades, a saber, a realidade ligada ao
94
palpável, ao que para s é a existência “real” propriamente dita e a realidade construída pela
refração e/ou reflexão do signo, que seria algo como desejável, estreitamente ligado ao
onírico.
Tal postulado orienta nossa análise pelo fato de que verificamos algumas realidades no
material a ser estudado. Ao analisarmos o conjunto do corpus, e tendo levado em conta a
opinião dos adolescentes, tal como no questionário/teste apresentado no Capítulo 2,
verificamos que algumas realidades se avultavam. Sem entrar na complexidade metafísica do
que é “real”, ou seja, do que denominamos de realidade “existência”, constatamos que
realidades diferentes são construídas no discurso publicitário. São mundos quase sempre
idealizados de modo a criar desejos e expectativas. Criam-se universos calcados em alguns
ideais do ser humano, tais como, de beleza, mudança, satisfação e realização, somente para
citar alguns. Em vista disso, consideramos pertinente agrupar o corpus segundo o
pertencimento de cada peça, comercial ou governamental, a esses universos. Com isso,
pretendemos tornar mais clara a aplicação do material teórico basilar desta pesquisa. Contudo,
sabemos que tal delimitação é passível de interposições de uma ou mais realidades na mesma
peça.
4.1.1 A publicidade comercial
Após uma breve explicação sobre o corpus, faremos nesta subseção um detalhamento
do material constituinte da publicidade comercial. Quando da delimitação do objeto de estudo
desta pesquisa, surgiu a dúvida sobre de qual publicação deveríamos retirar o corpus. Essa se
dissipou no momento em que buscamos a opinião do leitor – para nós, público alvo -, ou seja,
dos adolescentes. No lado masculino, encontramos certa resistência e mesmo desinteresse
pela leitura de publicações, sendo apontadas revistas especializadas em carros e em jogos
eletrônicos. No lado feminino, houve uma profusão de indicações, desde as mais baratas até
as mais “transadas”, segundo as adolescentes. Após ouvir a opinião dos alunos adolescentes
da oitava série do ensino fundamental, optamos por escolher a revista Capricho, publicada
pela Editora Abril, que a mesma foi apontada como a mais desejada; porém, não como a
mais adquirida, que ficou visível que não tinham acesso à revista sistematicamente. Ou
seja, elas não liam sempre a revista, mas foi a publicação mais apontada por elas como a
melhor e mais interessante, ou seja, a revista em si aparentava ser um objeto de consumo das
95
adolescentes, um índice de status para elas. Em relação às publicações para o público
adolescente masculino, comprovamos que as revistas sobre carros não eram direcionadas
somente para este público, mas, sobretudo, para o adulto. As revistas sobre jogos eletrônicos,
por outro lado, têm seu perfil vinculado ao público formado por adolescentes e jovens,
embora o número de publicações esteja aquém do daquelas dedicadas ao público feminino.
Coletamos e selecionamos o corpus de Janeiro de 2007 a Julho de 2008, em edições
adquiridas em bancas e lojas especializadas na venda de revistas novas e usadas. Vale
ressaltar que, por não encontrarmos à venda todos os exemplares referentes ao período
mencionado, não nos foi possível, como objetiváramos inicialmente, avaliar todas as edições
desse período para a coleta do corpus. Na esperança de ter em mãos todos os anúncios
publicitários veiculados na revista Capricho do período demarcado, contatamos a editora para
obter as edições faltosas. No entanto, a editora informou não haver a possibilidade de envio de
tais edições, por motivos administrativos. Consideramos, contudo, que tal fator não implica
prejuízo para esta pesquisa pelo fato de que várias peças comerciais se repetiram em algumas
edições. Ou seja, possivelmente a análise das edições faltosas nos levasse à coleta das mesmas
peças comerciais das quais já tínhamos posse. Faremos a seguir a descrição das características
formais da revista Capricho, segundo dados retirados de um site específico sobre publicações
brasileiras. Com isso, pretendemos atestar sua configuração de revista direcionada ao público
adolescente feminino. O mesmo será feito com a revista Playstation, direcionada ao público
aficcionado por jogos eletrônicos, sobretudo o adolescente masculino.
A revista Capricho, da editora Abril, é uma publicação quinzenal de circulação
nacional com enfoque no público adolescente feminino. É direcionada para a discussão dos
problemas sociais e, principalmente, afetivos desse público. O histórico da revista aponta que
ela tinha o formato inicial de fotonovela, quando da circulação de sua primeira edição, em 18
de junho de 1952. Foi a primeira revista feminina da editora e do Brasil, e, após cinco meses
de circulação, foi ampliada e passou a conter, além das fotonovelas, tópicos relacionados a
moda, beleza, comportamento, variedades, e contos. Esse formato perdurou até 1982, quando
as fotonovelas foram retiradas de sua configuração. De acordo com a fonte, outras
transformações significativas ocorreram, como a mudança de logotipo que a intitulava a
“revista da gatinha”. Em 2006, a revista tornou-se a Nova Capricho, mais moderna, com uma
visão direcionada para a participação direta de adolescentes e jovens como co-construtores da
revista.
O fato de que ela é feita em colaboração com adolescentes e jovens indicia a imagem
que pretende transmitir: a mais autêntica revista no trato com as questões relacionadas à
96
realidade adolescente e juvenil. E isso visa à confirmação da credibilidade da revista com
vistas à captação do público. Essa publicação é, portanto, o suporte ideal para a publicidade
comercial. Seu cenário padronizado como o mundo do adolescente institui tudo que a ela está
vinculado como pertencente ao mesmo mundo, à mesma realidade falseada ou não –, e,
portanto, imprescindível para aquele indivíduo.
A revista Playstation, da Editora Europa, de periodicidade mensal, pertence a um
segmento de publicações específicas. É direcionada ao público que aprecia jogos de
computador e games, por conter dicas e informações sobre diversos jogos. Este público alvo
tem idade de 8 a 38 anos, segundo informações dos responsáveis. O site da editora não
fornece outras especificidades sobre a publicação: o ano de criação, se os leitores colaboram
ou não, entre outras.
4.1.2 A propaganda governamental
Em relação às características da propaganda governamental, queremos deixar claro
que não entramos no rito do discurso político em si, sua validade ou suas tendências para
este ou aquele partido ou lado, uma vez que este não é o foco de nosso trabalho. No entanto,
reconhecemos que um governo precisa fazer alarde do que faz e como está trabalhando em
prol da população dos eleitores –, e, para nós, as campanhas são um meio publicitário
divulgador dos feitos desse governo. Assim, vemos e tratamos as propagandas
governamentais tão somente como (um tipo de) publicidade.
A julgar pela quantidade de propagandas veiculadas com a chancela do governo
federal atual, podemos concluir que uma das marcas características do mesmo é a propagação
de seus feitos em benefício do país. Em pesquisa a sites oficiais (Ministério da Saúde,
Ministério da Educação e Ministério do Desenvolvimento Social), atestamos que existem
equipes especializadas no trabalho com a divulgação de programas e ões sociais
governamentais. Para se ter uma noção do montante investido em campanhas publicitárias
(nomenclatura adotada nos sites), vale destacar a informação de que, de acordo com dados
obtidos no site da Secretaria de Comunicação Social (Secom) “o total de investimentos em
publicidade do Governo Federal atingiu R$ 908 milhões em 2007, com uma queda de 18,5%
sobre o realizado em 2006” (BRASIL, 2008c). Ou seja, tem-se designado quantias vultosas
para mostrar as ações do governo. Esse dado permite-nos comprovar que a pretensão de tais
97
campanhas é atingir o maior número possível de pessoas, ou, melhor dizendo, de eleitores.
Propagar suas ações e seus feitos parece ser de extrema importância para o governo federal
brasileiro, já que conta com um órgão especializado somente para tal fim. A Secom é
responsável pela comunicação do Governo Federal, coordenando um sistema que interliga as
assessorias dos Ministérios, das empresas públicas e das demais entidades do Poder Executivo
Federal. Com essa iniciativa, fica garantida a disseminação de informações de interesse
público, como direitos e serviços, e, também, projetos e políticas de governo. Assim sendo, a
Secom pode convocar, em caráter obrigatório, as redes de rádio e televisão para que
publiquem as matérias de acordo com as necessidades da campanha que esteja em evidência
num dado momento. É também função da Secom, segundo o site oficial, a atuação para que as
ações de comunicação obedeçam a critérios de sobriedade e transparência, eficiência e
racionalidade na aplicação dos recursos, além de supervisionar a adequação das mensagens
aos públicos. A ela também cabe observar o respeito à diversidade étnica nacional e à
regionalização no material de divulgação, avaliando os resultados. Para Sant’Anna (2002,
p.70), na propaganda de governo, “a comunicação se estabelece com três públicos: o cidadão,
o contribuinte e o usuário de serviços públicos, todos eles consubstanciados na figura do
indivíduo, cuja satisfação e felicidade são objeto da ação do Estado”. Também o Código de
Autorregulamentação Publicitária, publicado pelo Conar, regulamenta que
a publicidade governamental, bem como a de empresas subsidiárias, autarquias,
empresas públicas, departamentos, entidade paraestatais, sociedades de economia
mista e agentes oficiais da União, dos Estados, dos Territórios, dos Municípios e do
Distrito Federal, salvo proibição legal, deve se conformar a este Código da mesma
forma que a publicidade realizada pela iniciativa privada. (BRASIL, 2008a,
Introdução, Artigo 13).
Ou seja, deve-se primar pela ética e pelo bom senso no trato com as informações
transmitidas à população. Além de cuidar para que esses preceitos sejam cumpridos, a Secom
também é responsável pela elaboração do Plano de Comunicação do Governo, estabelecendo
suas políticas e diretrizes, e consolidando a agenda das ações prioritárias para levar
informação à sociedade. É responsável, ainda, pela coordenação, normatização, supervisão e
controle da publicidade e de patrocínios dos órgãos sob controle da União. A Medida
Provisória (MP) que garante essas prerrogativas à Secom é a de nº 360, de 28.3.2007.
A pesquisa empreendida permitiu-nos observar que o Governo criou uma marca
oficial, que traz o nome "Brasil" multicolorido e deve estar presente em todas as ações de
comunicação do Governo Federal. De acordo com as informações do site, seu conceito
98
incorpora a busca pelo resgate da multiplicidade de influências, realidades, estéticas,
costumes e valores, raças e etnias que representam o Brasil. Este conceito é reforçado no
enunciado Um País de todos, que também reflete a intenção de aproximar o Governo dos
cidadãos brasileiros. A marca do Governo Federal foi instituída pela Instrução Normativa
31, publicada no Diário Oficial da União de 10 de setembro de 2003. Reproduzimos abaixo a
marca:
Figura 5: Logotipo da marca Brasil
Fonte: BRASIL, 2008c
Estabelecidas as diretrizes governamentais na questão da publicidade/propaganda,
procederemos à delimitação do corpus desta pesquisa que abrange o que denominamos aqui
propaganda governamental. Primeiramente, devemos destacar que o corpus é composto de
material retirado da Campanha de Prevenção à AIDS, nos anos 2007 e 2008. No site oficial,
não existem muitas referências ao veículo de divulgação do material (televisão, rádio,
cinema, revistas etc.). referências à dimensão (cartaz, cartazete e folder) do material, o
que nos indica que o mesmo teria sido veiculado em revistas, placas de pontos de ônibus e
outdoors. Na revista Capricho, foi encontrado um exemplar do material da Campanha
governamental: o Cartaz_64_44_MeninaHetero.pdf. (Edição 1033, 9 dez 2007). Por isso,
destacamos que o material referente à propaganda governamental foi coletado do site oficial,
o que de forma nenhuma exclue o seu caráter monologal, de propagação de ideias, e
direcionado para um público específico.
4.2 Os estereótipos na construção de estratégias argumentativas
A cultura é fator fundamental para as relações entre um povo e a realidade na qual ele
vive e constrói suas experiências. É como ser cultural que o indivíduo pode pertencer a uma
rede social de forma a compartilhar suas ideias com outros, ensinando e aprendendo sobre
seu mundo. Acreditamos que, na base dessas relações, encontra-se a linguagem, através da
qual o indivíduo pode interagir com tudo que o cerca para criar uma espécie de “bagagem”,
que seria o seu aprendizado. Assim, esse indivíduo busca no meio cultural em que vive novas
99
informações para acrescer à sua bagagem, e, a cada elemento novo que a ela agrega ele, por
sua vez, também contribui de alguma forma com essa sociedade. Por isso, indivíduos
pertencentes a uma mesma sociedade podem possuir pontos de vista ou opiniões comuns
sobre diversos temas.
Um conceito relacionado ao indivíduo e à construção de opiniões na argumentação é
o de doxa, termo que, segundo Amossy (2006), vem da retórica clássica e se refere ao
conjunto de saberes e crenças partilhadas coletivamente por um grupo, e que constituem as
bases da argumentação e contribuem efetivamente para a adesão de um público a uma ideia
apresentada. A autora afirma que, atualmente, a doxa está associada às noções de clichê,
estereótipo e forma ideológica. Para Amossy, a noção de doxa articula-se com a de
interdiscurso. Sua intenção com isso é mostrar que, ao invés de falar de doxa, seria mais
prudente falar de elementos dóxicos e de interdiscurso, posto que “as noções de elemento
dóxico e de interdiscurso permitem assim marcar a que ponto a troca argumentativa é
tributária de um saber partilhado e de um espaço discursivo”(AMOSSY, 2006, p.110)
26
.
Segundo Amossy (2005), para serem aceitas, determinadas ideias precisam estar
indexadas a representações partilhadas, ou melhor dizendo, “é preciso que sejam relacionadas
a modelos culturais pregnantes, mesmo se se tratar de modelos contestatórios” (p.125). Ainda
segundo a autora, o estereótipo possibilita indicar um grupo e sua maneira de pensar, além
dos “conteúdos globais do setor da doxa na qual ele [o grupo] se situa” (p.125).
Em uma análise sobre o sentido, Putnam (1975) apregoa que existem na língua
determinadas convenções constituídas no que denomina estereótipos. Segundo ele, existe
para cada ser um estereótipo que o particulariza perante os demais. Para melhor explicar esse
aspecto do sentido, o autor exemplifica com a palavra “tigre”. Segundo ele, uma pessoa que
sabe o que a palavra “tigre” significa, é requisitada a saber que os tigres estereotípicos são
listrados. Ou seja, os estereótipos, nessa visão, são indicadores próprios de um grupo e que o
individualiza.
Com isso, pretendemos apontar que a publicidade e a propaganda lidam com diversas
estereotipias. Essas estereotipias estão intrinsecamente relacionadas ao que se pretende
construir no discurso publicitário e propagandístico. Dessa forma, percebemos que um
esforço para constituir estereótipos que contribuam para o propósito desses dois discursos,
que é convencer os indivíduos a comprarem um produto, seja ele um bem material, seja ele
uma ideia ou ideologia. Acreditamos que essa construção de estereótipos abrange de tal
26
Do original francês: “Les notions d’élément doxique et d’interdiscours permettent ainsi de marquer à quel
point l’échange argumentatif est tributaire d’un savoir partagé et d’un espace discursif...”
100
forma a publicidade comercial e, de certa forma, a propaganda governamental, que a criação
de universos paralelos à realidade já estão sendo absorvidos pela sociedade como um fator
dentro da normalidade. Ou seja, está se tornando natural, comum a aceitação de estereótipos
para direcionar o comportamento das pessoas, negligenciando-se, portanto, a individualidade.
Atentamos também, com base em Amossy (2006), para a instalação maciça dos
elementos dóxicos e do interdiscurso no material constituinte da publicidade comercial e da
propaganda governamental. Podemos mesmo afirmar que sua argumentação ancora-se
estritamente na criação dos estereótipos e dos clichês. Criam-se novas realidades através
daquilo que já existe, apenas lhes incorporando uma nova roupagem.
4.3 A construção de universos na publicidade comercial
A publicidade comercial, como apontamos, é riquíssima em elementos
persuasivos, que esse é o seu cerne. O processo de criação publicitária envolve
primordialmente o fazer desejar que objetiva o fazer comprar, estratégia através da qual o
público deve ser persuadido a consumir o que lhe é ofertado. De acordo com Sant’Anna,
todo anúncio é uma sedução. Pode ser um êxito ou um fracasso, pode ser de bom
ou mau gosto, mas não é possível criá-lo com nenhuma técnica que tenha as
matemáticas como base. (...) Normalmente o anúncio o contém nenhuma
informação falsa. Ele apenas informa uma parte da verdade que favorece ao
anunciante. (SANT’ANNA, 2002, p.189).
Partindo desse princípio, visualizamos na publicidade comercial, sobretudo aquela
direcionada aos adolescentes, que dois universos se apresentavam ao público alvo: o da
beleza e o da transformação, fato comprovado por serem ambos bastante explorados no
material dirigido ao público adolescente. Em outras palavras, percebemos que temas
recorrentes a esses universos são utilizados amiúde para argumentar a favor de um produto.
Voltamos aqui à questão do adolescente enquanto indivíduo em formação. Devido à
sua ainda tênue percepção de suas próprias capacidades, o adolescente procura nortear suas
ações por determinados padrões ou modelos de comportamento. Relembrando Ferrari (1996),
destacamos que esses modelos estão sustentados em “mundos ideais”. Assim, parece-nos
claro o porquê de certos materiais publicitários explorarem sempre os mesmos objetos:
adolescentes bonitos e saudáveis, adultos realizados pessoal e profissionalmente, ambientes
101
agradáveis, enfim, ideais de felicidade e realização. Dessa forma, parece-nos que o universo
central do adolescente, segundo o que se percebe na publicidade atual, é dominado por um
querer ser bonito, realizado, enfim, por um querer ter felicidade.
4.3.1 A publicidade comercial e o universo da beleza
O mundo moderno tem imposto às pessoas determinados padrões que norteiam e,
muitas vezes, modificam comportamentos, hábitos e atitudes. Esses padrões relacionam-se a
diversas áreas, notadamente, a do comportamento, da beleza, da política, da religião etc. O
mundo moderno é conhecido também como o da revolução tecnológica e científica,
fenômenos nos quais figuram aspectos relativos ao bem-estar e à longevidade do indivíduo.
Desse modo, todo o avanço atual reflete e refrata um ideal do homem moderno: prolongar sua
existência de modo que ela seja a mais agradável e satisfatória possível.
A isso relacionamos, então, a questão da beleza. Nesse caso, ao ideal de bem-estar
soma-se, ou mesmo, se sobrepõe o da beleza. Atualmente, é comum as pessoas pensarem que
não basta viver bem para compensar o interior a saúde física e mental. A preocupação
maior está voltada para o “estar belo” para a sociedade, ou seja, dá-se grande valor ao
invólucro, às aparências. Falamos nesses termos, porque mesmo quem não possui o padrão de
beleza idealizado pode adquiri-la através de processos inúmeros. Ora, mas esta não seria uma
preocupação apenas do indivíduo adulto, de meia-idade ou talvez adentrando a velhice?
Engana-se quem pensa assim, que é notório o interesse precoce de jovens, adolescentes e
crianças pelo “estarem belos”. E esse fato tem suscitado o surgimento de uma indústria da
beleza e da estética, especializadas em suprir as carências físicas, e por que não as
psicológicas, desse público. De acordo com Gade (1980), o indivíduo tem necessidades
primárias ou básicas que estão relacionadas principalmente à satisfação da fome, da sede, do
sexo, do sono e da proteção às intempéries. Pelo fato de viver em sociedade, em contato com
seus pares, o indivíduo passa a ter outras necessidades, que chamamos aqui de desejos,
configurados, então, em necessidades secundárias. Elas têm origem no material psicossocial
desse indivíduo. Por isso, a autora afirma que sentir fome é uma necessidade primária, mas
fazer uma dieta para reduzir peso ou uma greve de fome por motivos políticos é uma
necessidade secundária.
102
Assim, tem-se uma diversidade de segmentos especializados em perfumaria,
cosméticos, calçados, aparelhos eletrônicos, entre outros, que visam a atender essa
necessidade crescente do indivíduo mais jovem de querer prolongar e otimizar sua vida. No
caso dos aparelhos eletrônicos, é nosso ponto de vista que não é difícil constatar que este se
tornou uma extensão do corpo: está na moda ou vale mais quem tem o mais moderno. Isso
nos leva a postular que a oferta de determinado produto não depende de estratégias
elaboradas para a criação publicitária, conforme sua inclusão no rol das necessidades
primárias ou secundárias. Com isso, a publicidade e a propaganda precisam de estratégias
gradativas de persuasão para destacarem mais ou menos o produto oferecido. Por outro lado,
se alguns produtos precisam de maior ou menor grau de estratégias, que se levar em conta
a grande oferta de produtos pertencentes às necessidades secundárias e a um mesmo
segmento. Esse fator indica que a diversidade de marcas referentes a um produto
determina que se trabalhe não somente com elementos persuasivos, mas também com os
argumentativos. Notadamente, em relação ao público adolescente que mantém certa
fidelidade aos produtos da moda. Esses elementos – ou estratégias - argumentativos se
tornam necessários, na medida em que é preciso exaltar as qualidades do produto, mas sem
mostrar “desespero” para vender, isto é, a ideia deve ser baseada em um princípio como: “não
estamos oferecendo a você apenas porque precisamos vender; oferecemos porque temos o
melhor produto que você pode adquirir para lhe proporcionar bem-estar e satisfação”.
Portanto, acreditamos que a argumentação é uma ferramenta importante e muito
utilizada no processo de criação publicitária no universo da beleza e em outros por nós
apontados no estudo do corpus. A seguir, destacamos no corpus relativo a esse universo o
suporte teórico desta pesquisa com o qual pretendemos comprovar nossa hipótese de que o
discurso publicitário englobando a publicidade comercial e a propaganda governamental -,
já não utiliza somente a persuasão, mas também a argumentação.
4.3.1.1 Os elementos semiolinguísticos do universo da beleza
Soulages (1996) afirma que o discurso publicitário é por natureza um ritual
sociolinguageiro, em que pesam as relações entre os parceiros e os protagonistas, sinalizando
para um contrato de comunicação cujo objetivo é “transformar, por meio de um [sic] certo ato
de persuasão, um consumidor de publicidade em um consumidor efetivo de mercadorias”
103
(SOULAGES, 1996, p.145). O contrato de comunicação no universo da beleza construído
para adolescentes pode ser pensado da mesma forma e sintetizado seguindo o quadro
esquemático proposto por Charaudeau (1983) para definir as circunstâncias reais e
linguageiras do ato de fala. Propomos, então, que as relações entre os protagonistas EUe e
TUd e os parceiros EUc e TUi dentro da publicidade comercial manifestam-se da
seguinte forma:
Circuito externo
EUc (empresa/agência)
Circuito interno
EUe
(benfeitor)
TUd
(adolescente-público alvo)
TUi (leitor)
Quadro 5: Representação do ato de linguagem: publicidade comercial
Fonte: Adaptado pela autora de Charaudeau (1983)
Percebemos nesse universo a construção de modelos ou estereótipos sobre a beleza.
Como admitimos aqui que a beleza pode ser construída, admitimos também que a publicidade
comercial utiliza essa noção para vender o produto. Podemos apontar, neste aspecto, a
ocorrência de outros mundos, outros universos em virtude da circulação de determinados
estereótipos. Estes se articulam para legitimar a mensagem direcionada ao público alvo. Em
alguns casos (Figuras 9a e 9b) a oferta do produto fica em segundo plano, recaindo o foco na
oferta da beleza que o produto pode proporcionar, fortalecendo-se para esse fim nos
estereótipos de beleza da sociedade ocidental. Algumas estratégias são bastante elaboradas, e,
não raro, exploradas na revista Capricho. No caso do absorvente Intimus Teen” (Figura 6),
percebemos a ênfase do material publicitário em um questionário direcionado à adolescente.
O propósito do mesmo é que a adolescente possa fazer um teste de sua popularidade, algo
ligado às necessidades secundárias. Cria-se, com isso, um liame entre a necessidade primária
(higiene ao usar o absorvente) e a secundária (tornar-se popular entre seus pares). Ser popular
é um estereótipo relacionado à aceitação que preconiza que um adolescente deve ser popular
104
entre seus colegas e amigos, e, para ser popular, ele deve ser o melhor em tudo que faz e usa.
A publicidade, consciente dessa estereotipia, utiliza-a constantemente como estratégia
argumentativa.
Figura 6: Intimus Teen
Fonte: CAPRICHO, dez. 2007
Voltando à noção de contrato, temos que a construção intencional de uma
aproximação entre o EUc (empresa) e o TUi (leitor) através da projeção de um TUd
(adolescente-público alvo) indicia uma argumentação que enfatiza não somente o produto,
mas, principalmente sua importância para a vida de quem o consumir. Notemos que algumas
marcas lexicais corroboram essa afirmação. Nessa mesma peça publicitária comercial (Figura
6), direciona-se o nome do produto ao interlocutor, aproximando-os, a ponto de sugerir que
ambos não podem ficar separados: no alto da página, à esquerda, aparece o nome do produto
e o pronome pessoal “você” que compõem a proposição: Intimus e você.
Também, na peça abaixo (Figuras 7a e 7b), percebemos essa mesma pretendida
aproximação em enunciados como: Em Billions The Game vosente o que esse novo efeito
pode fazer com vo. Este material ocupa duas páginas inteiras, oferece o desodorante Axe, e
traz trechos do jogo “Billions the game” .
105
Figura 7a: Axe Figura 7b
Fonte: PLAYSTATION, set. 2008
As estratégias estabelecidas aqui mostram ao adolescente que o uso do produto (três
linhas do desodorante Axe) aumentará seu poder de sedução. Verificamos a inserção do
universo dos jogos eletrônicos no universo da beleza. O contrato aqui prevê uma relação
entre fantasia e realidade, de modo que se acredite que o que acontece nos jogos pode
acontecer no mundo real.
Observamos que em alguns casos desse universo da beleza, os pronomes possessivos
sua estrela, sua nécessaire - têm papel significativo e atestam, a nosso ver, um contrato de
comunicação calcado na intimidade, no aconselhamento, criando um ambiente quase de
confidência (Figuras 8, 9a e 9b). A ideia central a ser veiculada consiste em argumentar:
“Compre. Este produto trará benefícios a você, porque foi feito especialmente para você”.
Com isso, não é apenas a empresa que argumenta, mas uma força maior baseada no
estereótipo de beleza ao alcance de todos.
106
Figura 8: Planet Girls
Fonte: CAPRICHO, jun. 2008
Figura 9a: O Boticário Figura 9b
Fonte: CAPRICHO, jan. 2007
Observamos também que, em alguns casos, o EUc multiplica os TUd’s, como na
Figura 8 na qual visualizamos em destaque o enunciado: Dia dos Namorados. Sua estrela
merece esse jeans. Aqui obtemos primeiramente um TUd¹ - adolescente ou jovem leitora e
um TUd² - o namorado. Ou seja, as estratégias convergem para um duplo, pois se direcionam
107
ao público feminino e também ao masculino, explorando a data comemorativa do dia dos
namorados. Os vocábulos que assinalam esse direcionamento são: o pronome possessivo
“sua” e o substantivo “estrela”. Mais abaixo, vemos um direcionamento já para o TUd¹: Neste
12 de junho, peça à ele o Jeans das Estrelas, incitando-a à aquisição indireta.
No universo da beleza, é possível apontar os caminhos que a publicidade comercial
percorre para ter o direito à palavra. Primeiramente, vemos que há uma articulação do
reconhecimento do Saber de que fala Charaudeau (1996), na medida em que o corpus
coletado nesta pesquisa aponta para uma busca das representações partilhadas entre os
adolescentes. Essas representações referem-se a consensos tomados com o valor de verdade
válida, oriundos de uma opinião maior. Através desse reconhecimento específico, instala-se a
legitimidade do sujeito falante. Ou seja, quando se fala que uma determinada roupa ou
cosmético vai tornar o indivíduo mais belo e, portanto, aceito no grupo ao qual ele quer
pertencer, é porque está legitimado por essa verdade válida.
Contudo, a legitimidade não depende apenas desse reconhecimento; depende também
do reconhecimento do Poder. Ligado ao papel socioinstitucional do sujeito falante em relação
ao seu papel linguageiro, esse reconhecimento permite que, no universo da beleza, a
publicidade articule com o destaque dado ao nome que representa o produto. Se o produto é
propriedade de uma marca francesa de cosméticos, a publicidade explora esse lado
socioinstitucional, estabelecendo um contrato de comunicação pautado na marca e no que ela
apresenta e garante sobre o produto. A respeito da garantia, relacionamos o reconhecimento
do Saber fazer. Firma-se neste caso, um compromisso contratual do EUe e do EUc com o
TUd sobre a eficiência do produto, firmando uma credibilidade já constituída. Na peça
publicitária comercial do creme anti-acne “Pure Zone” (Figuras 10a e 10b), verificamos a
constituição dessa legitimidade que garante o direito à palavra. A começar pelo nome do
fabricante “L’ORÉAL”, escrito em caixa alta, no alto da página e que ocupa o espaço das
duas páginas que compõem o material publicitário. A credibilidade é dada pela imagem da
atriz e modelo que assume o uso do produto, aconselhando que outras pessoas também o
usem.
108
Figura 10a: L’ORÉAL Figura 10b
Fonte: CAPRICHO, dez. 2007.
4.3.1.2 Os topoï do universo da beleza
Os topoï representam, na linha argumentativa proposta por Ducrot (1995), garantias
da passagem de um argumento para uma conclusão. Percebemos que essa noção é muito
utilizada na publicidade comercial, devido ao cuidado que se adota para trabalhar com os
elementos linguísticos, de forma a conquistar a adesão do receptor ao produto. Como a
publicidade e a propaganda são tipos de interação em que não o contato face a face, o
emissor da mensagem precisa estar atento a todos os detalhes que chegam ao receptor.
Sandmann (2007) enumera diversas características ligadas à linguagem da propaganda, entre
elas, a morfologia, a fonologia, a linguagem figurada, o lugar-comum, que são utilizados
como material verbal na publicidade e na propaganda.
Assinalamos novamente que, no universo da beleza, já não basta mostrar as utilidades
de um determinado produto. É preciso mostrar ou argumentar que ele é superior a tantos
outros que são oferecidos – o que nos parece decorrente da questão da concorrência. Em vista
disso, verificamos que os topoï relacionados ao universo da beleza buscam, na publicidade
comercial, o fundamento argumentativo embasado em: é preciso se cuidar (argumento) para
109
ser feliz (conclusão). A peça acima (Figuras 10a e 10b) mostra este aspecto quando
analisamos o enunciado A batalha contra a acne se ganha no centro dos poros. Podemos
perceber uma linguagem figurada indicando uma batalha metáfora de guerra na qual o
protagonista (ou o herói) é o produto “Pure Zone” e a antagonista (a vilã) é a acne, doença
cutânea inflamatória que acomete geralmente os adolescentes. Assim, temos os topoï -
extrínsecos:
topos: + adolescente
27
+ problemas cutâneos (acne)
topos: + acne + batalha a ser vencida
topos: + ataque no centro dos poros + batalha vencida
topos: + Pure Zone + batalha vencida contra a acne
Argumenta-se não somente sobre o produto, mas também sobre a sua eficácia para
ajudar a conquistar a beleza, eliminando um sério e comum problema cutâneo da
adolescência. Nesse caso, verificamos que o discurso científico é um argumento de grande
importância, tendo em vista que essa publicidade destaca a tecnologia que embasamento à
qualidade do produto: Primeira linha com tecnologia Pore Target, que age no centro dos
poros e elimina as impurezas, deixando a pele sem acne e sem oleosidade.
Os topoï relativos a esse trecho indiciam que a tecnologia é um argumento para a
conclusão da conquista da beleza:
topos: + tecnologia Pore Target + controle da acne
topos: + tecnologia Pore Target + garantia de eficácia e beleza
Os topoï acima apontados indicam a intersecção de outro universo ao da beleza: o da
saúde. Observemos que a empresa fabricante (EUc) pretende mostrar sua preocupação
também com esse aspecto, criando assim, um sujeito de fala, o EUe, ciente dos benefícios
que o produto pode trazer. No da página da peça (Figura 10b), temos os enunciados que
argumentam em favor da sua seriedade:
Dermo-Expertise.
Da ciência à beleza.
Porque você vale muito.
27
O fato de apontarmos o adolescente aqui consiste em uma inferência da peça publicitária em questão.
110
Verificamos sobre a peça acima que, embora inserida em uma revista cujo público
alvo são as adolescentes, foi publicada também em outras revistas de circulação nacional
direcionadas para um público variado. Isso explica o fato de que a linguagem utilizada nela é
abrangente, isto é, não está direcionada pontualmente ao público adolescente.
Em vista disso, decidimos compará-la com outra peça publicitária comercial (Figura
11) que segue a mesma linha do produto oferecido no material descrito acima – o controle da
oleosidade. Nesta observamos que os elementos verbais e não verbais estão direcionados ao
adolescente. Tanto na imagem de duas garotas que utilizam o produto e mostram o que ele
retirou de impureza da pele de uma delas ou das duas, quanto na escolha lexical que
privilegia a aproximação com o linguajar do público leitor da revista, no uso de expressões e
palavras como “que demais” e “folhinhas”, em que o grau diminutivo do substantivo folha
indica afetividade, ou busca promover uma aproximação com a adolescente.
Figura 11: Clean & Clear
Fonte: CAPRICHO, jun. 2008
Destacamos nessa peça o que ela própria evidencia: o enunciado inserido no texto que
a compõe grifado com letra cor-de-rosa:
E olha que demais: sem estragar a sua maquiagem. Experimente, faça um teste. As folhinhas
Anti-Brilho Clean & Clear não vão mais sair da sua bolsa.
O argumento aqui é construído de forma a mostrar que a adolescente precisa estar
atenta aos cuidados com a pele, mas sem se descuidar de manter-se sempre bela; as folhinhas
111
Clean & Clear não estragam a maquiagem, vantagem do produto colocada na peça em
destaque, ou seja, é importante cuidar da pele, mas mais importante ainda, é não estragar a
maquiagem. Por isso, na peça não há referência ao discurso científico/tecnológico de modo a
explicar o que garante a eficiência do produto. O importante é saber que a beleza construída
através da maquiagem continuará intacta. Desses fatores, depreendemos os topoï:
topos: + Clean & Clear + controle da oleosidade
topos: + controle da oleosidade + manutenção da beleza
topos: + Clen & Clear + manutenção da beleza
Considerando os topoï “como possibilidades discursivas, como possibilidades de
encadeamentos discursivos”, Ducrot lembra que “uma palavra é um feixe de topoï (‘paquet
de topoï’)”, pelo fato de ela abrir “um leque de encadeamentos possíveis, e não vários tipos
de inferências ou deduções” (DUCROT apud MOURA, 1998, p.177). Com isso, verificamos
que a publicidade comercial apóia-se neste aspecto pelo modo como, através dos argumentos,
leva a conclusões diversas em relação a um produto.
4.3.1.3 Os elementos semióticos do universo da beleza
A publicidade é uma forma de comunicação caracterizada pela solicitação aleatória, o
que denota que ela se dirige a um destinatário que não está à sua espera e que, não está de
forma alguma obrigado a recebê-la (ADAM; BONHOMME, 2005). Através dessa colocação,
podemos ver que na publicidade comercial os criadores têm a tarefa de aprimorar as técnicas
verbais e não verbais relacionadas ao material publicitário. E, nesse sentido, o aspecto que
mais se destaca é o dos signos não verbais, sendo que, muitas vezes, tem-se optado pelo uso
da imagem e pela isenção de palavras no material impresso, e pela imagem e pelo silêncio, no
caso do material veiculado na mídia televisiva, por exemplo. Desta forma, parece-nos que a
imagem pode trazer em si, no caso da publicidade e da propaganda, todo um arsenal capaz de
112
criar e levar ao público alvo argumentos forjados
28
, para mostrar e realçar a importância de
um produto.
O universo da beleza traz um aparato semiótico particularmente rico no que tange à
publicidade comercial. Na revista Capricho, encontramos, de forma maciça, uma publicidade
estreitamente direcionada para a utilização do ideal de beleza ocidental feminino
(adolescente/jovem): garotas adolescentes e jovens - atrizes ou modelos fotográficos -, loiras
ou morenas, magras e de corpo e rostos irretocáveis. Da mesma forma, aparecem garotos
bonitos e másculos.
De acordo com Garboggini (2003), a publicidade recorre a recursos plurissígnicos,
oriundos de sistemas linguísticos e não linguísticos. Partindo desse ponto, buscamos apontar
os signos semióticos de Peirce (2000) que, a nosso ver, apontam como determinados
argumentos podem ser criados e utilizados favoravelmente na publicidade e na propaganda
em nome da beleza como ideal de vida adolescente. Por signos não linguísticos denominamos
as imagens (fotos, desenhos, marcas, logotipos, cores, letras etc.) e por linguísticos, o
material lexical que compõe o corpus. Na publicidade comercial, percebemos que, tal como
proposto por Peirce (2000), os signos constroem um sentido peculiar representando, em cada
contexto, alguma coisa para alguém. De acordo com Siqueira (1999), “em um sistema
semiótico complexo, como na Publicidade, composto por operação concomitante de dois ou
mais sistemas semióticos ‘simples’, como o linguístico, o fotográfico, as cores etc. teremos
uma resultante semiótica complexa (SIQUEIRA, 1999, p.33).
Desta forma, temos uma profusão de formas possíveis para se lidar com o signo no
discurso publicitário. Vejamos algumas delas.
No corpus que compõe o universo da beleza nesta pesquisa destacamos ícones da
beleza construídos principalmente na sociedade à qual pertence o adolescente, no caso da
revista Capricho, a brasileira. São jovens atrizes que têm construído um status relativo à
beleza e à realização profissional na opinião do público adolescente, ou seja, inserem-se no
aspecto do ideal adulto que o adolescente deseja ou planeja, como no caso das peças
publicitárias comerciais L’ÓREAL (Figuras 10a/10b), Planet Girls (Figura 9) e Dakota
(Figuras 4a/4b) em que emprestam a sua imagem ao produto as atrizes brasileiras Aline
Moraes, Flávia Alessandra e Paola Oliveira, respectivamente. Visualizamos, nesse caso, a
ocorrência de um sinsigno icônico/dicente, pois essas jovens atrizes são reais e têm sua
imagem tomada como ícones da beleza.
28
O termo forjado refere-se, nesse caso, a forjar, tecer, construir (FERREIRA, 1999). Com isso, não pretendemos
fazer julgamentos de modo a afirmar que a publicidade cria argumentos falsificados ou falseados.
113
Observemos que no corpus são utilizados como aparato de significação os sinsignos
icônicos conformados em desenhos de adolescentes e jovens. Tomamos as duas peças abaixo
(Figuras 12 e 13) como exemplos em que aparecem desenhos de adolescentes do sexo
feminino, característica que se repete nas peças Intimus teen (Figura 6) e O Boticário
(Figuras 9a/9b).
Figura 12: Kolosh
Fonte: CAPRICHO, mar. 2008
Figura 13: Microboard
Fonte: CAPRICHO, jun. 2008
114
na peça publicitária comercial Axe (Figura 14a/14b- repetição), apontamos o uso
de desenhos de pessoas de ambos os sexos, demonstrando uma construção publicitária
construída na semiótica das figuras criadas para indicar modelos de seres humanos perfeitos.
Figura 14a: Axe Figura 14b
Fonte: PLAYSTATION, set. 2008
A respeito da iconicidade e sua importância dentro da publicidade, destacamos o que
afirmam Adam e Bonhomme (2005). Esses autores afirmam que, na publicidade, o campo do
ícone se fixa principalmente sobre a imagem (ou o visual). Segundo eles, existem duas
propriedades paradoxais na publicidade: de um lado, ela é intransitiva, pois tem um grande
poder de encadear a memorização tendo em vista a sua capacidade e presença invasora; de
outro lado, ela é transitiva, posto que nela o visual não imita passivamente o mundo, mas sim
constrói no seu nível uma analogia da realidade erigida no enunciado. Com isso, atestamos
que os elementos apontados no corpus acima se relacionam às características apontadas por
esses autores.
Os símbolos são signos que também auxiliam na construção da proposta publicitária.
Devemos destacar que, conforme afirma Sandmann (2007, p.18), encontramos
frequentemente na propaganda
29
a combinação de símbolo e índice. Isso ocorre em virtude de
que no cotidiano “fazemos muitas leituras com base na experiência, que nos ensinou a
associar fatos, não por sua semelhança, mas por sua contiguidade no tempo e no espaço”.
Muitas vezes, em virtude do espaço disponível, deve-se dizer muito em pouco espaço. Assim,
29
Este autor utiliza o termo propaganda como referente tanto à propagação de ideias quanto ao sentido de
publicidade. Para ele, é o termo mais abrangente e pode ser usado em todos os sentidos.
115
detectamos mbolos diversos indiciando, convencional e arbitrariamente, as facetas que se
pretende agregar ao produto. Segundo Netto (2003), um signo somente se configura como
símbolo diante da aceitação da pessoa em assim interpretá-lo. O que percebemos no corpus
relacionado ao universo da beleza é que existe uma relação simbólica maior de
pertencimento, de propriedade.
Em outras palavras, percebemos que os produtos relacionados a tal universo
caracterizam-se por certa exclusão do adulto, pois parece que pertencem somente ao
adolescentes. E isso ao produto uma característica particular de item imprescindível na
vida do indivíduo. A esse respeito, podemos ver na peça adiante (Figuras 15a e 15b) que,
quando observada na junção das duas páginas, apresenta o símbolo da proibição. Nessa
perspectiva, ele sugere uma proibição aos maiores de 18 anos de usar o produto oferecido
enfatizando o pertencimento do qual falamos acima. Além disso, o formato circular desse
símbolo sugere o formato da Terra. Seria como se o mundo adolescente fosse outro, no qual
somente podem transitar aqueles ou aquelas cujo perfil se encaixe no imaginário adolescente.
Figura 15a: Seda teens Figura 15b
Fonte: CAPRICHO, jun. 2008
116
4.3.2 A publicidade comercial e o universo da transformação
O universo da transformação ou da mudança é aquele em que se está sempre
esperando que algo aconteça, ou seja, é uma fase transitória. Transformar é “dar nova forma,
feição ou caráter a; tornar diferente do que era” e, do mesmo modo, transformar-se sustenta a
noção de converter, mudar, transfigurar (FERREIRA, 1999). Nossa intenção ao levantar
essas acepções para o estado de transformação é, novamente, destacar que a publicidade se
esmera em construir mundos paralelos e quase sempre ilusórios para conquistar
consumidores efetivos. Esse público, muitas vezes ciente desse processo e de sua inserção
nele, ignora o objetivo por detrás de determinado material publicitário, e absorve o conteúdo
do que lhe é oferecido, pois anseia cada vez mais por novidades que lhe proporcionem tais
mudanças. Ressaltamos aqui que o tema transformação não aparece de forma clara na
publicidade e na propaganda como acontece com o tema beleza, que é plenamente satisfeito
nas peças que se orientam para isso, pois essas fazem parte de uma indústria da beleza que
interpela os jovens.
O universo da transformação tem sido bastante explorado na oferta de produtos aos
adolescentes. Devido ao aspecto marcante dessa fase necessidade de inserir-se no mundo
adulto -, a publicidade evoca e explora os estereótipos mais acentuados da sociedade
moderna, conforme o pico que ela pretende destacar. No caso da transformação, ela evoca
estereótipos focados em personificações de sucesso pessoal e profissional. Em muitos casos,
o universo da transformação da publicidade comercial não foca a própria mudança do
adolescente, mas leva-o a se espelhar em modelos pré-construídos, idealizando para si uma
mesma realidade. Com isso, não é tarefa difícil oferecer produtos com base nesse universo
que traz em si o objeto do desejo de quase todo ser humano: evoluir cada vez mais. No
entanto, deve-se pensar em até que ponto a publicidade comercial pode articular
criteriosamente o que oferece de real ou imaginário ao adolescente.
No corpus desta pesquisa, identificamos que a publicidade comercial procura se
colocar em posição de parceria com o público alvo. Os produtos oferecidos não aparecem
fixados às necessidades secundárias, mesmo pertencendo a elas; eles adquirem um caráter
primário, de item de primeira necessidade. Com isso, a publicidade muda o foco de posse do
adolescente, estimulando-o a desejar produtos secundários, que são prescindíveis, como se
fossem primários, imprescindíveis.
117
A revista Capricho apresenta um número significativo de material publicitário
vinculado a essa noção da transformação. Verificamos que as peças que compõem este
material não são de roupas, calçados, cosméticos e perfumaria, itens de grande aceitação
junto ao público adolescente, mas sim de outros produtos, a saber: cadernos, cursos de
idiomas e eletroeletrônicos. Tal fato indica, como destacamos no Capítulo 2, que quanto
menos o produto faz parte do rol de desejos do adolescente, mais é preciso argumentar
favoravelmente sobre ele.
4.3.2.1 Os elementos semiolinguísticos do universo da transformação
O universo da transformação criado e explorado na publicidade comercial configura-
se em um macro ato de linguagem no qual interagem os sujeitos parceiros (seres reais) e os
protagonistas (seres de fala), à semelhança do universo da beleza: o EUc (empresa/agência) e
TUi (adolescente/leitor da revista), no circuito externo, e o EUe (benfeitor), no circuito
interno. O que diverge o universo da beleza do da transformação é que o TUd
(adolescente/público alvo) remete a um indivíduo interessado em seu crescimento como
pessoa, como profissional, enfim, o seu desenvolvimento e sua afirmação dentro da sociedade
adulta. Na peça abaixo (Figura 16), percebemos que o produto oferecido Feira Guia do
Estudante é um EUc que cria um EUe estruturado para proporcionar esse crescimento ao
adolescente. Ao interpelar esse adolescente, o EUe mostra que a transformação pode ser
positiva – Tudo o que você precisa saber antes da faculdade. ou negativa – Só não
ensinamos o caminho do bar.
118
Figura 16: Feira Guia do Estudante
Fonte: CAPRICHO, jan. 2007
A credibilidade e a captação são construídas no universo da transformação em vista de
uma pretendida seriedade em relação ao que é proposto ao adolescente. O ato de linguagem,
nesse universo, é fundamentado no reconhecimento do Saber. Ao afirmar que um curso de
idiomas vai proporcionar a transformação e o crescimento futuro do adolescente deve-se estar
fundamentado em bases consistentes. Nesse caso, insere-se também o reconhecimento do
Poder, pois o sujeito comunicante que promete deve ser capacitado para proporcionar tal
transformação. Com isso, ele se legitima e ao produto que oferece. A partir daí, ele constrói
também uma imagem de competência o reconhecimento do Saber fazer. Podemos
visualizar esses aspectos no material publicitário feito para a escola de idiomas Fisk,
composto de três páginas independentes (Figuras 17,18 e 19), ou seja, elas fazem parte da
mesma campanha, mas não foram veiculadas próximas uma da outra. A campanha é
comemorativa dos 50 anos da escola supracitada e ancora sua mensagem publicitária no fator
de credibilidade e de legitimidade, com vistas a captar um futuro aluno. A construção do
reconhecimento do Saber fazer pode ser visualizada na peça abaixo (Figura 17) na qual a
proposta de troca “Troque alimento por conhecimento” fundamenta-se no fato de que a
escola de idiomas Fisk (EUe) está capacitada a proporcionar isso ao adolescente/futuro aluno
(TUd). A argumentação acerca dessa capacidade aparece também em Conhecimento existe
para ser compartilhado e a FISK vai lhe ensinar o que isso significa.
119
Figura 17: Fisk – adolescente masculino
Fonte: CAPRICHO, jul. 2008
Nas duas peças que se seguem (Figuras 18 e 19), apontamos o direito à palavra como
um fator fundamentado no reconhecimento do Saber e do Poder. A referência ao universo da
transformação, nesses dois casos, parece-nos clara. Na primeira peça publicitária comercial
(Figura 18), a relação contratual pauta-se no que a escola de idiomas pode proporcionar à
vida do adolescente, já que ela, devido ao meio século de existência, tem experiência
comprovada e pode transmiti-la ao adolescente.
Figura 18: Fisk – adolescente casal
Fonte: CAPRICHO, jun. 2008
120
Figura 19: Fisk – adulto masculino
Fonte: CAPRICHO, jun. 2008
a segunda peça (Figura 19) evoca, verbal e não verbalmente, os estereótipos da
transformação bem-sucedida. Em primeiro lugar, tem-se a presença destacada do
presidente da Fundação Richard Hugh Fisk, fundador da referida escola de idiomas.
Remontamos, nesse caso, à credibilidade do sujeito comunicante, tornado enunciador, que se
refere a alguém que, pelo que se supõe, seja um homem realizado na vida. Ou seja, o
estereótipo de velhice, nesse caso, é o de uma pessoa visionária que nunca deixa de querer
evoluir, transformar; é um idoso cuja idade está somente no corpo, mas não nas atitudes
Este é o retrato de um homem que nunca perdeu sua juventude. Cria-se, portanto, uma
credibilidade em torno do produto que a escola oferece como forma de garantir o sucesso das
perspectivas que o adolescente cria para si.
De acordo com Charaudeau (1996), um ato comunicativo pode ser contemplado em
virtude de três níveis, quais sejam, o nível do situacional, o do comunicacional, e o do
discursivo. O universo da transformação criado pela publicidade comercial no ato
comunicativo de oferta de um produto apresenta um nível situacional cuja finalidade é
mostrar a existência de produtos que podem ajudar o adolescente nessa fase de mudanças
significativas e difíceis. Da mesma forma, o nível do comunicacional, referente ao modo de
dizer, revela-nos a construção de um propósito baseado em oferecer um produto utilizando
121
um dispositivo reconhecidamente eficiente a revista Capricho. Com isso, a comunicação
pode levar ao seguinte postulado: “O nosso produto pode realmente mudar sua vida. Veja, a
revista na qual você confia também confia em nós, pois nos ajuda a mostrá-lo a você”. Já o
nível discursivo, em nosso entendimento, tem bastante influência no discurso publicitário
posto que ele congrega a noção de que o sujeito histórico (EUc), enquanto ser de fala (EUe),
deve satisfazer as condições de legitimidade, através da construção de estratégias de
credibilidade e de captação (CHARAUDEAU, 1996). Em outras palavras, o nível discursivo
constrói a publicidade comercial de forma a orientá-la para o sucesso do empreendimento que
consiste na oferta de um produto e na adesão do público alvo.
Para finalizar, podemos afirmar que articulando com a legitimidade no universo da
transformação, a publicidade comercial ancora-se no reconhecimento do Saber e no
reconhecimento do Poder para mostrar ao adolescente a importância de determinado produto
para o seu crescimento individual. Da mesma forma, o faz a credibilidade relativa ao
reconhecimento do Saber fazer. Ela ajuda a projetar nesse mundo tão desejado uma imagem
especular do adolescente, como se ele visse refletida na publicidade comercial a imagem (ou
personalidade) que ele deseja para si.
Em outras palavras, os elementos semiolinguísticos os contratos, os sujeitos
parceiros e protagonistas, e as condições que fundamentam o direito à fala - levam a atestar a
idoneidade do produto e a capacidade de quem o oferece/produz. Assim, torna-se possível a
captação do leitor, processo difícil devido à constatação de um numeroso material
publicitário, oferecendo produtos variados em publicações diversas. Dessa forma, vimos que
um dos construtos da argumentação na publicidade comercial está na linguagem e na
exploração estratégica dos sistemas de crença e valores que compõem o universo
psicossocial, que ambos constituem o ato de linguagem maior que caracteriza o discurso
publicitário.
4.3.2.2 Os topoï do universo da transformação
De acordo com Ducrot (2004), os discursos com fim persuasivo, como o publicitário e
o propagandístico, exploram estrategicamente as possibilidades de encadeamentos
argumentativos. O poder da palavra de evocar argumentações, revela-nos o autor, indica ser
impossível falar sem argumentar. Dessa forma, vemos que ao incentivar no adolescente o
122
desejo de mudar, de se transformar, a publicidade comercial evoca encadeamentos
argumentativos fundamentados nos itens lexicais selecionados, concepção que é uma das
bases da TT (ANSCOMBRE, 1995a; DUCROT, 1995).
Ao analisarmos o corpus relativo ao movimento de transformação explorado pela
publicidade comercial, observamos que o arcabouço teórico proposto por esses autores sobre
a argumentação nos permitiria entender e situar melhor a argumentação no discurso
publicitário. Nessa linha de pensamento, avaliemos o material publicitário encontrado na
revista de jogos eletrônicos Playstation. Na peça publicitária do produto “Nintendo DS”
(Figura 20), destacamos de início a riqueza textual, que a página é quase inteiramente
ocupada por um texto bastante significativo com relação ao seu conteúdo, e à economia
visual. Ou seja, usa-se, nesse caso, o poder das palavras para oferecer um produto que não é
acessível devido ao seu alto custo.
Figura 20: Nintendo DS
Fonte: PLAYSTATION, set. 2008
Esse texto constitui-se numa espécie de manifesto contra uma suposta prisão de um
indivíduo à sociedade e/ou às pessoas. O texto interpela o adolescente, incitando-o a
transgredir regras para ter o controle da situação. Transcrevemos abaixo os trechos que nos
parecem mais relacionados a este aspecto:
Não adiantava reclamar, você não podia tocar. Mas eles estavam errados. Todos eles. Por
que não tocar no que você quer?
123
Fala sério, tocar o jogo é controlar o jogo. E quando falamos em controlar, falamos de
controle com precisão.
Então esqueça tudo o que já te ensinaram e repita conosco. Tocar é legal.
Temos então uma argumentação construída nos seguintes topoï:
topos: + quebra de regras + controle da situação
topos: + controle da situação + independência
topos: + Nintendo DS + controle e independência
O processo argumentativo orientado pelos topoï acima apontados decorre das duas
premissas fundamentais do texto: [tocar não é legal] = proibição e [tocar é legal] = liberdade.
Essa argumentação de passagem estrutura-se a partir das virtudes do Nintendo DS.
Na peça publicitária do jogo Mercenaries 2 (Figuras 21a e 21b), o público alvo é
incitado a quebrar regras, e mesmo, a agir de forma violenta:
Você tem o poder de destruir tudo e ir para qualquer lugar. Do jeito que quiser. Porque você
é um mercenário. E é assim que você faz.
De onde retiramos os topoï:
topos: + poder + capacidade de destruição
topos: + poder + mercenário
topos: + jogos Mercenaries 2 + poder de destruir e de mudar o mundo a seu favor
Com base na análise argumentativa em função dos topoï apontados no corpus, podemos
visualizar que a argumentação, neste caso, é feita através da promessa, que traz uma carga de
ilusão pela projeção da sensação de poder através de um jogo eletrônico. Trata-se de buscar
satisfação em um “fora” da realidade. A revista Playstation possui como característica
marcante um material publicitário que incita o leitor a buscar satisfação e poder através do
mundo dos jogos, já que o seu público alvo é o adepto desses jogos.
124
Figura 21a: Mercenaries 2 Figura 21b
Fonte: PLAYSTATION, set. 2008
Semelhantemente à revista Playstation, também nas edições pesquisadas da revista
Capricho encontramos material publicitário significativo na construção de ideias e ideais de
mudança e transformação, para persuadir o adolescente a comprar um produto, como no caso
da escola de idiomas Fisk que nos chamou atenção pela forma como utiliza argumentos para
falar dos benefícios que pode proporcionar ao adolescente explorando, para isso, o fato de
que o adolescente deseja mudar, se transformar.
Na peça publicitária comercial Fisk (Figura 17), observamos um argumento quase
infalível. Atualmente, fala-se muito em solidariedade na sociedade brasileira, tendo em vista
as crescentes disparidades sócio-econômicas nela enraizadas. A escola de idiomas Fisk (EUc)
cria um EUe que promete ajudar ou mesmo “ensinar” ao TUd não somente um idioma, mas,
também, a ser solidário. Apreendemos então o topos:
topos: + Fisk + solidariedade
A solidariedade colocada em questão alia-se a outra noção contida nas outras duas
peças da campanha (Figuras 18 e 19). O adolescente solidário é aquele que mostra o seu
potencial de poder transformar não somente a si, mas também o mundo. Sua intenção
verdadeira é mostrar sua utilidade para a sociedade. E esse é um indício de transformação, de
mudança. Na Figura 18, o enunciado em destaque aponta para esse fator:
125
Fisk
50 anos
Evoluir sempre faz a diferença.
Essa mensagem é um duplo, pois pode estar em referência direta à escola, que estaria
completando 50 anos à época da veiculação do material publicitário, ou ao adolescente na
referência concreta e direta à sua evolução. Também nessa peça (Figura 18), um trecho do
texto maior revela o chamado ao adolescente:
Pensar lá na frente faz parte da sua vida. [...] Pense no amanhã, mas faça sua escolha hoje.
Observamos que no segundo enunciado a presença de frases imperativas sugere os
atos de conselho (“Pense”) e de sugestão (“Faça”), ou seja, é preciso que o adolescente
acredite na voz de uma instituição de 50 anos de idade que possui toda a credibilidade para
isso. Na Figura 19, a argumentação também está fundamentada na noção de evolução:
O futuro é sempre o melhor incentivo pra gente nunca parar de crescer.
Dessas duas peças (Figuras 18 e 19) destacamos os seguintes topoï:
topos: + adolescente/jovem + pensamento no futuro
topos: + Fisk + auxílio para o amadurecimento do adolescente/jovem
topos: + Fisk + adolescente/jovem realizado
4.3.2.3 Os elementos semióticos do universo da transformação
Em nossa análise do material publicitário que nos remete ao desejo de transformação
do adolescente em jovem e adulto, destacamos a riqueza de seus elementos semióticos. O
fator de maior destaque é o uso constante de desenhos em detrimento das fotografias ou
imagens reais. Cria-se, com isso, um meio-termo na abordagem que a publicidade comercial
dedica a esse universo: deve-se oferecer um produto argumentando sobre seus benefícios,
mas não necessariamente sem esquecer ou abandonar o lado da fantasia ou do onírico da
adolescência. Esta característica aparece nitidamente nas peças que se seguem (Figuras 22, 23
e 24a-d).
126
Figura 22: Campanha Ecológica Capricho
Fonte: CAPRICHO, jan. 2007
Figura 23: Foroni
Fonte: CAPRICHO, jan. 2008
127
Figura 24a: Boomerang Figura 24b Figura 24c
Fonte: CAPRICHO, jan. 2007
Figura 24d
128
Nesta última, percebemos uma construção publicitária esmerada pelo fato de que o
produto oferecido um canal de TV não se constitui um objeto de desejo pertencente às
necessidades primárias, especialmente as dos adolescentes. Primeiramente, destacamos que a
disposição do material dentro do suporte mostra-nos um índice relativo ao esquema
televisivo. O material divide-se em quatro peças isoladas, sendo que três ocupam 1/3 da
página e uma ocupa a gina inteira. As peças aparecem em páginas diferentes, intercaladas,
iniciando pelas menores e finalizando com a página inteira. Tal disposição indicia a estrutura
televisiva: primeiro as “chamadas” material 1/3 da página e, em seguida, o programa
principal – a página inteira.
No mesmo material, destacamos a criação e utilização de legissignos indiciais
dicentes no que se refere às regras que devem ser feitas pelos adolescentes para suas próprias
vidas, para mostrar seu domínio sobre a situação. Com isso, pretende-se mostrar que eles
podem ter autonomia em suas vidas. os enunciados abaixo se constituem em símbolos
dicentes – signo representativo do objeto por meio de uma convenção, interpretado em forma
de enunciado, numa proposição “A é B” que argumentam a favor da liberdade que o
adolescente deve ter para fazer suas escolhas:
Sua escova de cabelo é o melhor microfone.
Torpedos são uma língua oficial.
4.4 A construção dos universos na propaganda governamental
A campanha governamental de prevenção à AIDS de 2007 e 2008 tem por objetivo
um canal de comunicação direto com o adolescente e o jovem. Para isso, o material
publicitário que a compõe é fundamentado na criação de um universo que podemos
denominar universo da segurança nas relações sexuais. Percebemos no corpus relativo à
propaganda governamental o desdobramento em dois outros universos: o heterossexual e o
homossexual. Isso porque uma divisão do material propagandístico com direcionamento
para um e para outro segmento. O material para o segmento heterossexual são as Figuras
25, 26, 28 a-b, 29, 31 a-b e 32, e para o homossexual, a Figura 33; as Figuras 27 e 30
parecem ter um direcionamento para ambos os segmentos.
30
30
As peças que compõem a campanha de 2007 (Figuras 33, 35 e 38) foram utilizadas também na campanha de
2008.
129
Figura 25: Cartaz_44x64_Final
Fonte: BRASIL, 2008b
Figura 26: Cartazete_carnaval_2008_masculino
Fonte: BRASIL, 2008b
130
Figura 27: Cartazete_carnaval_2008_feminino
Fonte: BRASIL, 2008b
Figura 28a: Folder_15x12_Final
Fonte: BRASIL, 2008b
Figura 28b
131
Figura 29: Cartaz_64x44_MeninaHetero
Fonte: BRASIL, 2008b
Figura 30a: Folder_carnaval_2008
Fonte: BRASIL, 2008b
132
Figura 30b: Folder_carnaval_2008
Fonte: BRASIL, 2008b
Figura 31a: FOLDER-AIDS-MINIGUIA-FINAL
Fonte: BRASIL, 2008b
Figura 31b
133
Figura 32: Cartaz_64x44_Vivendo com AIDS
Fonte: BRASIL, 2008b
Figura 33: Cartaz_64x44_HSH
Fonte: BRASIL, 2008b
134
No universo da segurança nas relações sexuais imbricam-se dois universos, já
apontados aqui e que aparecem de forma notável na publicidade comercial: (i) o universo
da beleza, apresentando modelos masculinos e femininos lindos e bem-cuidados, e (ii) o
universo da mudança, que interpela o jovem projetando seu papel de futuro adulto. O
questionamento sobre isso aparece no enunciado Qual é a sua atitude na luta contra a
AIDS? que aparece como um slogan na quase totalidade do material publicitário. Isso nos
leva a pensar em outros questionamentos e incitações subjacentes, tais como, “Jovem,
futuro do país, o que você está fazendo para combater uma doença já tão comum entre nós,
entre vocês?” ou “Você, adolescente ou jovem, precisa mostrar que, como cidadão em
formação, pode dar o exemplo”, ou, ainda, “Mostre que você está pronto para adentrar o
mundo adulto: previna-se!”.
Vale destacarmos que estas campanhas têm como data oficial de lançamento o mês
de janeiro de 2007 e de 2008. E este fato destaca seu caráter preventivo, tendo em vista que
o mês subsequente é fevereiro, época em que acontece o Carnaval, festa pagã durante a qual
quase tudo é permitido, e, devido ao consumo excessivo de álcool e drogas, algumas
pessoas envolvem-se em relacionamentos sexuais ocasionais, na ausência total de
responsabilidade e sem segurança. Por isso, é nesta época que se intensificam as ações de
prevenção à AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis. Devido às consequências
maléficas relacionadas ao Carnaval, o material componente da campanha articula a
argumentação com diversos estereótipos associados à festa carnavalesca e à sexualidade.
4.4.1 A propaganda governamental e o universo da segurança nas relações sexuais
A campanha governamental que consta do corpus desta pesquisa apresenta
elementos muito pertinentes no que se refere à mensagem que ela pretende veicular. Para
falar de um assunto tão delicado, opta-se por mostrar pessoas saudáveis e bonitas, ou seja,
mostrar exemplos ou estereótipos construídos de pessoas com bom comportamento. Sendo
assim, optou-se por estabelecer com o público alvo uma cumplicidade semelhante à
amizade que os adolescentes cultivam nessa época de suas vidas. Por meio desses artifícios
fica até mesmo mais fácil abordar temas delicados como homossexualismo e
heterossexualismo. E mais, defende-se uma posição de defesa da opção homossexual como
legítima quando ela é tabu em muitas famílias brasileiras.
135
Por isso, acreditamos que os contratos de comunicação, os topoi e os signos
encontrados nesse material específico têm como estratégia argumentativa a tentativa de
estabelecer um elo entre o governo, como conselheiro/benfeitor, e o adolescente, como
cidadão. O cerne desse processo pode estar associado a questões eleitoreiras, o que nos leva
a concluir que uma das intenções da campanha articula-se em torno da arregimentação de
novos eleitores. E esse não deixa de ser um dos propósitos da propaganda governamental,
que, segundo Vestergaard e Schrøder (1994), concentra suas forças em trabalhar a imagem
de um determinado governo junto à opinião pública.
Assim, as campanhas governamentais valem como estratégia de sedução para
atingir os adolescentes, e, por consequência, seus pais e familiares, criando assim, uma rede
envolvida pela iniciativa da campanha.
4.4.1.1 Os elementos semiolinguísticos do universo da segurança nas relações sexuais
Como resultado de duas atividades dialéticas de produção e de interpretação
dependentes dos saberes relacionados à dupla dimensão interno/externo das práticas
discursivas em geral (MENDES, 1999), o macro ato de linguagem que caracteriza o
universo da segurança nas relações sexuais na propaganda governamental pode ser descrito
conforme mostramos no quadro abaixo:
Circuito externo
EUc (governo/Ministério da Saúde)
Circuito interno
EUe
(governo conselheiro)
TUd
(adolescentes-foliões/cidadãos)
(leitores/cidadãos) TUi
Quadro 6: Representação do ato de linguagem da propaganda governamental
Fonte: Adaptado pela autora de Charaudeau (1983)
136
Com base nesse cenário enunciativo, podemos apontar um desdobramento do
sujeito produtor do ato. O EUc (Ministério da Saúde/governo) apresenta-se como aquele
que está cumprindo uma determinação que lhe cabe: alertar aconselhando uma parcela
específica e numerosa da população brasileira, projetada sob a forma de um TUd, sobre a
AIDS, doença incurável, transmitida pelo contato com o sangue contaminado,
principalmente através de relações sexuais sem a proteção de preservativos ou pelo uso de
seringas infectadas. O EUe projetado nesse contrato remete-nos a um governo preocupado
com a evolução da doença nessa parcela da população.
Como se trata de um material propagandístico para campanha governamental, não
podemos nos furtar a dizer que residem nesse macro ato de linguagem intenções de mostrar
as ações do governo. Com isso, temos um EUe¹ cuja intenção é veicular a imagem de um
governo competente, capaz de perceber e buscar soluções para problemas como o da saúde
pública. Por outro lado, detectamos um EUe², mais difuso, focado na prevenção para a
contenção de gastos. Isso, porque é fato divulgado e conhecido que, no Brasil, os gastos
com tratamentos médicos são extremamente onerosos para o Estado. Por outro lado, surge
um EUe³ que busca captar novos eleitores no segmento adolescente e jovem da população.
De acordo com Charaudeau (1996), a legitimidade é pré-determinada e não
negociável, tendo em vista que ela é dada ao sujeito pela posição que ele ocupa nas redes de
práticas sociais. A credibilidade, por seu turno, não é pré-determinada, podendo, pois, ser
adquirida e rediscutida a todo momento. A legitimidade refere-se, então, ao espaço externo,
e a credibilidade, ao espaço interno. E, segundo Mendes (2001), o discurso político,
sobretudo o eleitoral, representa de modo especial a relação dialética entre a legitimidade e
a credibilidade. Nesse discurso, o sujeito falante busca a legitimação através da construção
de sua credibilidade.
Sob essa perspectiva, percebemos que para captar o adolescente, a propaganda
governamental utiliza as três condições básicas para o direito à palavra, propostas nas bases
da TS. O reconhecimento do Saber está atado ao lugar instalado pelas campanhas, onde
circulam os discursos de verdades e crenças. Em relação à AIDS, é um discurso de verdade
segundo o qual ela atinge homens e mulheres indistintamente, mas é crença de que ela
atinge mais os homossexuais, visto que é amplamente divulgada sua incidência entre os
heterossexuais. Assim, ao criar um material voltado para pessoas de ambas as opções
sexuais, a propaganda governamental destaca a ciência que o governo tem do problema.
Disso resulta o surgimento do reconhecimento do Poder. Ao tomar conhecimento do
problema e colocar-se como capaz de resolvê-lo, o governo (EUc) legitima-se para tal
137
empreitada. Em vista disso, ele formula sua credibilidade, fundamentando-se num EUe
preocupado com a saúde do adolescente e do jovem.
Percebemos que as campanhas de 2007 e 2008, embora direcionadas para o público
homossexual e o heterossexual, direcionam-se também para outro público, aquele que
prefere não abordar assuntos sobre a sexualidade, ou aquele que adota posições radicais
sobre a mesma. Assim, constrói-se um contrato de comunicação em que o governo busca
agradar a todos de forma indistinta. Ou seja, o que se assoma como uma campanha
governamental de saúde pública voltada para os adolescentes e jovens, transforma-se em
meio eficaz de propaganda política.
4.4.1.2 Os topoï do universo da segurança nas relações sexuais
Os topoï presentes no material destas duas campanhas governamentais parecem-nos
atestar a construção de uma dicotomia no universo da segurança nas relações sexuais que
indiciam dois outros subuniversos: o da homossexualidade e o da heterossexualidade. Esses
dois subuniversos diferenciam o material da campanha, o que pode ser perigoso numa
época em que a discriminação é crime previsto em lei. Além disso, pode evocar
estereótipos equivocados dentro da sociedade.
O que verificamos de pronto no universo da opção sexual é a referência ao domínio
da igualdade de direitos, bastante explorado pelo fato de expor na campanha um jovem
infectado com o vírus da AIDS (Figura 34), o que nos parece remeter ao estereótipo do
soropositivo que tem uma vida aparentemente normal, consciente da necessidade do uso de
preservativos em função dos direitos dos outros.
138
Figura 34: Cartaz_64x44_Vivendo com AIDS
Fonte: BRASIL, 2008b
Em vista disso, podemos apontar a emergência dos seguintes topoï:
topos: + cidadão/jovem infectado + direitos resguardados
topos: + direitos resguardados + sociedade justa
topos: + ação do governo + sociedade justa
O todo da campanha e enunciados como Com camisinha, a alegria continua
durante e depois da festa evoca alguns topoï para construir a argumentação a respeito do
benefício das ações governamentais para o povo:
topos : + uso da camisinha + prevenção
topos: + prevenção + certeza da não contaminação
topos : + uso da camisinha + alegria durante e depois
topos : + ação do governo + alegria da população adolescente e jovem
O material da campanha também nos permite apontar um campo fértil para o
direcionamento do governo aos cidadãos pertencentes às diversas camadas da sociedade,
em uma demonstração do pensamento igualitário na construção de uma imagem imparcial.
O enunciado abaixo indica claramente uma fala construída e direcionada ao portador do
vírus da AIDS, na qual se instaura uma interpelação a este para que seja consciente de seus
139
atos. Ao mesmo tempo garante a este que ele pode ter uma vida normal a despeito do vírus
que ele carrega em si:
Vivendo com aids ou não, use camisinha e fique tranqüilo.
Os topoï relacionados a toda a campanha podem ser descritos da seguinte maneira:
topos : + Aids - camisinha
topos : - Aids + camisinha
topos : +Aids + sexo sem camisinha
topos : - Aids + sexo seguro com camisinha
4.4.1.3 Os elementos semióticos do universo da segurança nas relações sexuais
Os elementos semióticos na campanha em questão separam de forma nítida os
universos homossexual e heterossexual. No material voltado para o público homossexual, a
imagem em destaque é a de um jovem (Figura 35) que é índice do destinatário da
mensagem, ou seja, ele é uma representação icônica à qual os adolescentes devem
relacionar uma imagem indicial de indivíduo homossexual. Com isso, pretende-se a
identificação imediata do público alvo com a propaganda.
Figura 35: Cartaz_64x44_HSH
Fonte: BRASIL, 2008b
140
De forma semelhante, o heterossexualismo é indiciado na peça abaixo (Figura 36),
tendo em vista inclusive a denominação dada pelo governo ao material, no site oficial
(BRASIL, 2008b): Cartaz_64x44_MeninaHetero.pdf.
Figura 36: Cartaz_64x44_Menina Hetero
Fonte: BRASIL, 2008b
No entanto, a despeito dessa designação direta ao público alvo heterossexual
destacamos que o elemento que aponta o direcionamento para os dois segmentos destacados
nesta seção aparece significativamente na peça seguinte (Figura 37 a-b), na qual temos como
imagem principal o ícone de um casal heterossexual se beijando.
141
Figura 37a: FOLDER-AIDS-MINIGUIA-FINAL
Fonte: BRASIL, 2008b
Figura 37b
Fonte: BRASIL, 2008b
Observamos que não somente nesta parte, mas no todo que compõe as campanhas,
não verificamos elemento icônico algum como signo de um casal homossexual, o que
revela uma ideologia, talvez a do preconceito, da não aceitação desse tipo de cidadão. Os
guias que são signos icônicos representativos dos meios com os quais se contrai ou não a
AIDS apresentam casais heterossexuais para representar que “beijo na boca” não transmite
a doença, como no detalhe abaixo da figura 37b:
142
Figura 38: Detalhe de Folder
Fonte: BRASIL, 2008b
143
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise empreendida nesta dissertação sobre a publicidade comercial e a propaganda
governamental direcionadas ao público alvo adolescente e de sua influência junto ao mesmo
através do uso de estratégias argumentativas possibilitou-nos chegar a algumas conclusões.
De início, verificamos que a publicidade comercial tem se esmerado no trato com o
público alvo, qualquer que seja ele. Observamos que a sua função inicial de oferecer um
produto para a posterior aquisição do mesmo é pensada para persuadir através de uma
argumentação voltada não só para os benefícios do produto, mas também para a construção de
uma identificação do público a um sistema de valores. Com isso, ela cria um cenário no qual
pretende passar uma imagem de produto que não é apenas mais um bem adquirido. Dessa
forma, o produto torna-se um meio para adquirir algo em torno do qual gira todo o ideal da
existência humana: a felicidade e a realização pessoal e profissional. Por isso, percebemos que
é comum entre os estudiosos da área da Comunicação incluir a publicidade também no campo
da propaganda, pois que, paralelamente à oferta de um produto, aparecem a veiculação e a
utilização de ideologias, estereótipos, crenças e valores. Também, a análise do corpus relativo
à propaganda governamental permitiu-nos avaliar como esta se destaca pela veiculação de
ideologias, estereótipos, crenças, valores e, neste caso, mensagens políticas através de
campanhas no caso desta pesquisa, a de prevenção à AIDS através do uso da camisinha.
Tais campanhas, quando analisadas a fundo, evidenciam a preocupação do governo em
mostrar suas ações em prol da sociedade. Detectamos na propaganda governamental
direcionada para adolescentes e jovens um direcionamento para captar aqueles que são ou
serão eleitores.
Nossa análise do comportamento adolescente e aqui nos aproximamos da questão
relativa à recepção das peças leva-nos a concluir que este tem sido envolvido
conscientemente, o que nos leva a crer que ele sabe e aceita se sujeitar a esta situação pela
relação que a publicidade e a propaganda têm estabelecido com ele: adquirir algo pode mudar
sua vida, torná-lo melhor para que a sociedade o aceite. Assim, teórica (GADE, 1980) e
empiricamente deduzimos que o adolescente é um público alvo bastante influenciado pelo
produto e pelo status que o mesmo pode lhe proporcionar. No entanto, observamos também
que em decorrência desse querer ter para poder ser do adolescente, as agências de
publicidade e propaganda deparam-se com grandes desafios durante o processo de criação do
material a ser dirigido para esse público.
144
Em vista disso, observamos que, no âmbito da produção, a persuasão é buscada
através de estratégias argumentativas cada vez mais calculadas e elaboradas. A distinção da
publicidade neste campo pode ser atestada pelo fato de que ela é considerada “uma das provas
mais deslumbrantes da perpetuação da retórica” (ADAM; BONHOMME, 2005, p.218).
31
Nessa perspectiva, observamos que as estratégias argumentativas mais utilizadas são
aquelas que indicam que o adolescente pode mostrar o seu valor para a sociedade, que isso
depende dele. Tanto a publicidade quanto a propaganda empregam argumentos articulados
com o desejo que o adolescente tem de se incluir na fase adulta sem deixar de lado sua
individualidade, sua maneira de agir. Assim, os argumentos presentes na publicidade e na
propaganda o levam a se sentir no comando de uma situação, o que é o começo da sua
inserção no mundo adulto, que é o ato de comprar, ou melhor, de ter liberdade para adquirir
aquilo que lhe é mais conveniente ou prazeroso.
Como destacamos no decorrer desta dissertação, a publicidade comercial e a
propaganda governamental estabelecem relações extremamente significativas entre o material
verbal e não verbal no que se refere à construção de estratégias argumentativas. Para isso, elas
recorrem frequentemente aos estereótipos construídos dentro da sociedade da qual o
adolescente faz parte, sempre em concordância com o universo criado o da beleza, o da
transformação, o da sexualidade, os contemplados nesta pesquisa.
Os estereótipos que mais se destacaram na publicidade comercial são aqueles voltados
para a noção de que os adolescentes do sexo feminino se identificam mais com festas,
aparência física e namoro. Até mesmo, nas peças publicitárias voltadas para a preservação
ambiental, por exemplo, observamos o vínculo a tais estereótipos. Já os estereótipos
relacionados aos adolescentes do sexo masculino caracterizaram-se por mostrar uma visão
masculinizada dos produtos oferecidos. Em outras palavras, vimos que, nesse caso, as peças
publicitárias primam pela noção de que tudo que o indivíduo adolescente do sexo masculino
adquire não pode se desvincular do caráter de virilidade, de masculinidade. A estereotipia na
propaganda governamental revelou-nos um certo temor em se posicionar ao abordar um tema
delicado como a opção sexual para promover o uso de preservativo no combate à AIDS.
Destacamos que o direcionamento pretendido - e apontado pelo governo - de atingir tanto os
heterossexuais como os homossexuais através da campanha esbarra no aspecto principal da
dificuldade da sociedade brasileira para aceitar as várias opções sexuais existentes, a despeito
31
Do original francês: “...une des preuves les plus éclatantes de la perpétuation de la rethórique.”
145
do trabalho de conscientização dos grupos e entidades relacionados aos indivíduos
incluídos.
Entre o material não verbal ou imagético, balizamos como o ponto mais contundente a
utilização de modelos (imagens) de pessoas belas ou bem sucedidas pessoal e
profissionalmente. Não verificamos a ocorrência de peças publicitárias e propagandísticas
desvinculadas do poder da imagem. E, para isso, ajudou-nos o auxílio das noções da
Semiótica acerca dos signos e sua escolha estratégica dentro do discurso publicitário e
propagandístico.
Com relação ao material verbal ou linguístico, verificamos a ocorrência de um
trabalho cuidadoso voltado para a escolha lexical. Observamos que existe um foco na
aproximação entre o produto e o público, tendo em vista que muitos exploram a forma “O
produto X e você”. Outro aspecto lexical importante é o uso de pronomes possessivos em que
se fornece a ideia de posse, de pertencimento, ou, em outras palavras, se cria um jogo de
enredamento do adolescente capaz de levá-lo a aceitar que o produto é realmente para ele,
indivíduo, e não para todo um grupo - mesma faixa etária - do qual ele faz parte. Com relação
à seleção lexical, observamos também que a gíria não tem sido utilizada, o que a princípio
parecia ser um aspecto recorrente no material publicitário orientado para o blico alvo em
questão.
Em linhas gerais, essas são as conclusões a que chegamos através da análise das
estratégias argumentativas na publicidade comercial e na propaganda governamental
direcionadas para atrair os adolescentes, com base em material coletado em revistas
especializadas e em sites governamentais. Destacamos aqui a dificuldade de encontrar peças
publicitárias de governo voltadas para os adolescentes, o que de certa forma tolheu nossa
pesquisa e interferiu na coleta de dados do corpus. Salientamos que, da mesma forma, nosso
enfoque recaiu significativamente sobre o público feminino, pelo fato de que também as
publicações para o público masculino ainda estão em fase de expansão no mercado editorial
brasileiro. Salientamos também que a nossa análise não pretendia esgotar a diversidade de
estudos em todos os campos científicos que podem ser empreendidos no discurso
publicitário e também no discurso da propaganda. Nossa intenção verdadeira - que surgiu de
uma curiosidade acerca do grande interesse dos adolescentes em adquirir os produtos
oferecidos por determinadas revistas - levou-nos a perceber que qualquer estudo empreendido
sobre esses dois discursos estará sempre aquém, tendo em vista que, à medida que a sociedade
moderna se modifica, também estes se modificarão, moldando-se de acordo com os desejos e
146
carências dos indivíduos, e criando novos parâmetros de comportamento e influenciando
diretamente no desejo de ter e possuir do indivíduo adolescente.
147
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153
APÊNDICE
154
APÊNDICE A – Questionário aos adolescentes (1ª parte)
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Pós-graduação em Letras
Aluna: Jaqueline
Questionário (1ª Parte)
1) Qual a sua idade? __________
2) Com que freqüência (dia, mês e ano) você adquire:
a) roupas _____________ e sapatos _____________
b) perfumaria _____________ e higiene pessoal_____________
c) bijuterias/jóias ______________
d) bolsas/mochilas______________
e) maquiagem_______________
f) eletroeletrônicos(celulares, MPs, câmeras fotográficas, etc.)_______________
g) outros _______________ qual(is)?___________________________________
3) Quem paga a maior parte dos produtos que você compra?
a) Você mesmo ( )
b) Seus pais ( )
c) Tios ( )
d) Avós ( )
e) Irmãos ( )
f) Outros ( ) ____________________
4) Como você faz para convencer seus pais, avós, tios, etc. a fornecer dinheiro para você
adquirir um produto? Quais as estratégias que você utiliza?
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5) Escreva 04 (quatro) produtos essenciais em sua vida:
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155
APÊNDICE B – Questionário aos adolescentes (2ª parte)
Questionário: 2ª Parte
Observando o(s) anúncio(s) faça o que se pede:
1) Descreva detalhadamente um dos anúncios publicitários (tipo de letras, cores, imagens,
símbolos, etc.).
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2) Indique qual anúncio você considera mais atrativo e justifique sua resposta.
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3) O que mais atraiu sua atenção nos anúncios: as imagens ou as palavras (ou as duas juntas)?
Quais? Justifique sua resposta.
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156
ANEXOS
157
ANEXO 1: Campanha Ecológica Capricho
158
ANEXO 2a: Dakota
159
ANEXO 2b: Dakota
160
ANEXO 3: Intimus Teen
161
ANEXO 4a: Axe
162
ANEXO 4b: Axé
163
ANEXO 5: Planet Girls
164
ANEXO 6a: O Boticário
165
ANEXO 6b: O Boticário
166
ANEXO 7a: L’ORÉAL
167
ANEXO 7b: L’ORÉAL
168
ANEXO 8: Clean & Clear
169
ANEXO 9: Kolosh
170
ANEXO 10: Microboard
171
ANEXO 11a: Seda Teens
172
ANEXO 11b: Seda Teens
173
ANEXO 12: Feira Guia do Estudante
174
ANEXO 13: Fisk – adolescente masculino
175
ANEXO 14: Fisk – adolescente casal
176
ANEXO 15: Fisk – adulto masculino
177
ANEXO 16: Nintendo DS
178
ANEXO 17a: Mercenaries 2
179
ANEXO 17b: Mercenaries 2
180
ANEXO 18: Foroni
181
ANEXO 19a/b/c: Boomerang
182
ANEXO 19d: Boomerang
183
ANEXO 20 (Cartaz_44x64_Final)
184
ANEXO 21 (Cartazete_carnaval_2008_masculino)
185
ANEXO 22 (Cartazete_carnaval_2008_feminino)
186
ANEXO 23 (Folder_15x12_Final)
187
ANEXO 24 (Folder_carnaval_2008)
188
ANEXO 25 (Cartaz_64x44_MeninaHetero)
189
ANEXO 26 (FOLDER-AIDS-MINIGUIA-FINAL)
190
ANEXO 27 (Cartaz_64x44_HSH)
191
ANEXO 28 (Cartaz_64x44_Vivendo com AIDS)
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