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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO ± UFPE
CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO URBANO
CURSO DE MESTRADO
A MEDIAÇÃO DE DIREITOS NA UTILIZAÇÃO DO
CONTRATO DE CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO.
AR
EGULARIZÃO FUNDIÁRIA DAS ZEIS DO RECIFE
Tiago Gonçalves da Silva
Orientadora: Prof
a
. Dr
a
. Maria Angela de Almeida Souza
Recife, Abril de 2009.
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Tiago Gonçalves da Silva
A MEDIAÇÃO DE DIREITOS NA UTILIZAÇÃO DO
CONTRATO DE CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO.
AR
EGULARIZÃO FUNDIÁRIA DAS ZEIS DO RECIFE
Dissertação apresentada como requisito para a
obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento
Urbano ao Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal
de Pernambuco
Orientadora: Drª Maria Ângela de Almeida Souza
Recife, Abril de 2009
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Silva, Tiago Gonçalves da
A mediação de direitos na utilização do contrato
d
e concessão de direito real de uso: a regularização
f
undiária das ZEIS do Recife / Tiago Gonçalves da
S
ilva. ± Recife : O Autor, 2009.
142 Folhas : il., fig., quadro.
Dissertação (mestrado) ± Universidade Federal de
Pernambuco. CAC. Desenvolvimento urbano, 2009.
Inclui bibliografia.
1. Mediação. 2. Política urbana. 3. Direito
urbanístico. 4. Regularização Fundiária I. Título.
711.4 CDU (2.ed.) UFPE
711.4 CDD (21.ed.) CAC2009-100
À Sandra, Joe e Melinda.
AGRADECIMENTOS
Faço um agradecimento especial à professora Ângela Souza. Mais do que
minha orientadora, uma grande amiga que me ajudou a construir este trabalho,
sempre com muita dedicação, carinho e entusiasmo;
Agradeço aos colegas das turmas 25 e 28 pela colaboração contínua para
construção da pesquisa; a todos os professores do MDU pela troca constante de
conhecimentos; aos funcionários Rebeca, Catarina, José e Jonas, por todo apoio
proporcionado;
A todos que contribuíram para realização deste trabalho, em especial Sandra
Souto Maior, Melinda Gonçalves, Nona Maia, Cida Souza, Marta Pordeus, Fernanda
Costa, Rebeca Mello, Clemente Coelho, Catarina Tavares, Aurino Teixeira, Aldinéia
Oliveira, Betania Gonçalves, Márcio Markman e Luciana Veras;
Aos companheiros da Gênesis e da Prefeitura do Recife pela contribuição no
desenvolvimento desta pesquisa e pela compreensão nos momentos difíceis de
conciliação entre trabalho e estudo;
Por último, agradeço à minha família e a todos que me deram apoio
incondicional e incentivo constante. Na vida, o essencial é ter amigos.
Fui na rua pra brigar
Procurar o que fazer
Fui na rua cheirar cola
Arrumar o que comer
Fui na rua jogar bola
Ver o carro correr
Tomar banho de canal
Quando a maré encher
É pedra que apóia tábua
Madeira que apóia telha
Saco plástico, prego, papelão
Amarra corda
Cava buraco
Barraco
Moradia popular em propagação
Cachorro, gato, galinha, bicho de pé
E a população convive
Em harmonia normal
Faz parte do dia-a-dia
Banheiro, cama, cozinha no chão
Esperança, fé em Deus, ilusão.
Fábio Trummer, Rogério Homem
e Bernardo Vieira
(Banda Eddie - Olinda/PE)
6
RESUMO
O trabalho apresenta como foco central a análise da mediação de conflitos na
utilização do contrato de concessão de direito real de uso na regularização fundiária
das ZEIS do Recife/PE. Elege como foco de análise o equacionamento do direito à
moradia e do acesso à terra urbanizada nos assentamentos informais, situados nas
áreas públicas municipais, através do instrumento jurídico da concessão de direito real
de uso. Tem como hipótese central que o Estado, mediante sua instância do Direito,
atua na dispersão dos conflitos inerentes à luta pela posse da terra. Diante disto,
analisa a evolução dos conceitos do Estado e do Direito, o Estado como instância de
dominação política e o Direito como a principal instância de atuação do próprio Estado.
Discutem os problemas gerados pelas medidas adotadas na mediação dos conflitos e
na regularização fundiária dos espaços públicos ocupados do Recife, quais sejam: a
não interferência na questão base do conflito - a manutenção da propriedade estatal.
Elucida as bases teóricas das políticas de regularização fundiária, determinadas pela
equação resultante da relação entre o direito de propriedade e o direito à moradia.
Destaca por fim, até que ponto as ações de regularização contribuíram para o
arrefecimento dos movimentos sociais, dispersando os conflitos pela terra urbana.
PALAVRAS CHAVE: Mediação, Conflitos, Estado, Direito, Política Urbana, Direito à
Moradia e Regularização Fundiária.
7
ABSTRACT
The illegal occupation of urban areas in Recife (Brazil) and the right to housing
has been an issue for a long time. It has raised a lot of questioning about the role
of the State in solving this problem and in mediating the conflicts among the ones
who are involved, the owners (either private owner or the state) and the people
who have illegally occupied the land. This study analyses how the conflict
mediation is carried on in the use of the concession of the real right to use
contract in the process of agrarian regularization in the ZEIS (Social Zones of
Special Interests) in Recife/PE. How the right to housing and the access to the
urban land in the informal settlements are equalized through this legal instrument
called the concession of the real right to use contract. The role the State plays as
a legal agent which acts in the process of dispersing the conflicts in the fight for
the land ownership. Therefore it takes in account the evolution of the concepts
for State and Legal Rights. The States as a mean for political control and the
Legal Rights as the main working field for the State. It also brings to the
discussion the problems which are generated because of the measures taken in
the mediation of the conflicts and in the agrarian regularization of the occupied
public land in Recife. Which are: no interfering in the main cause of the conflict -
the maintenance of the state property. It elucidates the theoretical bases of the
policies for agrarian regularization, as the result of the equalization between the
right to property and the right to housing. Finally it brings information on how far
the regularization acts contributed to the cooling of the social movements,
exhausting the conflicts for the urban land.
KEY WORDS: Mediation, Conflicts, State, Right, Urban Politics, Right to Housing
and Agrarian Regularization.
8
ABREVIATURAS E SIGLAS
ZEIS ± Zona Especial de Interesse Social
PREZEIS ± Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social
CDRU ± Concessão de Direito Real de Uso
DRF - Departamento de Regularização Fundiária
URB Recife - Empresa de Urbanização do Recife
GRF - Gerência de Regularização Fundiária
STF- Supremo Tribunal Federal
CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
ONU ± Organização das Nações Unidas
RMR ± Região Metropolitana do Recife
COHAB PE ± Companhia Habitacional de Pernambuco
BNH ± Banco Nacional de Habitação
PROMORAR - Programa de Erradicação de Sub-moradia, 1979.
LUOS - Lei de Uso e Ocupação do Solo
IAB - Instituto dos Arquitetos do Brasil
OAB - Ordem dos Advogados do Brasil
LM ± Lei Municipal
DM ± Decreto Municipal
COMUL ± Comissão de urbanização e legalização
RPA ± Região Político Administrativa
SPU - Serviço do Patrimônio da União
FI - Fração ideal
AL - Área do lote
AT - Área total da gleba
ONG ± Organização Não Governamental
CUEM ± Concessão de Uso Especial Para Fins de Moradia
CPRH ± Agência Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos
AGÊNCIA CONDEPE/FIDEM - Agência Estadual de Planejamento e Pesquisas de
Pernambuco
9
SUMÁRIO
RESUMO.........................................................................................................................6
ABSTRACT.....................................................................................................................7
ABREVIATURAS E SIGLAS...........................................................................................8
SUMÁRIO.........................................................................................................................9
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES...........................................................................................11
LISTAS DE ANEXO.......................................................................................................12
INTRODUÇÃO...............................................................................................................13
1 A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS POR PARTE DO ESTADO: BASES
CONCEITUAIS...............................................................................................................21
1.1 O ESTADO E O DIREITO....................................................................................21
1.1.1 O Estado como Consolidação da Dominação......................................22
1.1.2 O direito como Instância Mediadora do Estado...................................29
1.2 A POLÍTICA URBANA COMO MEDIAÇÃO DE CONFLITOS.............................32
2 AS BASES DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA POLÍTICA URBANA
BRASILEIRA..................................................................................................................45
2.1 O CONCEITO DE PROPRIEDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO..................................................................................................................46
2.2 A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA COMO CONSOLIDAÇÃO DO DIREITO A
MORADIA.......................................................................................................................53
2.2.1 Bases Conceituais da Regularização Fundiária....................................53
2.2.2 Conceituações sobre a Regularização Fundiária..................................64
2.2.2.1 Regularização jurídica de lotes..........................................................65
2.2.2.2 Urbanização do assentamento...........................................................66
2.2.2.3 Regularização urbanística..................................................................66
2.2.3 Instrumentos da Regularização Fundiária..............................................67
2.2.3.1 Zonas Especiais de Interesse Social.................................................68
2.2.3.2 Concessão de Direito Real de Uso....................................................69
10
2.2.3.3 Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia...........................70
2.2.3.4 Usucapião Constitucional Urbano.....................................................71
3 A MEDIAÇÃO DOS CONFLITOS NA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NAS ZEIS
DO RECIFE....................................................................................................................73
3.1 O CONFLITO DE OCUPAÇÃO DE TERRAS NO RECIFE.................................73
3.1.1 Condições Históricas de Ocupação das Áreas Pobres do Recife.......75
3.1.2 A Ocupação de Terras Públicas no Recife.............................................78
3.2 AS ZEIS DO RECIFE: INSTITUCIONALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO ATUAL
........................................................................................................................................80
3.3 A MEDIAÇÃO DOS CONFLITOS NO PROCESSO DE REGULARIZAÇÃO
FUNDIÁRIA DAS ZEIS...................................................................................................93
3.3.1 O Processo de Regularização Fundiária nas ZEIS do Recife...............93
3.3.2 Estudos de Caso de Regularização Fundiária de ZEIS por CDRU.....109
3.3.3.1 ZEIS Torrões................................................................................111
3.3.3.2 ZEIS Coronel Fabricano...............................................................115
3.3.3.3 ZEIS Coelhos...............................................................................120
3.3.3.4 ZEIS Greve Geral.........................................................................124
3.3.3 Destaques da Mediação de Conflitos nos Estudos de Caso de
Regularização Fundiária de ZEIS por CDRU............................................................129
CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................131
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.................................................................................136
ANEXOS.......................................................................................................................142
11
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
Æ QUADROS
Quadro 1 - Relação das ZEIS (localização, denominação e área);
Quadro 2 - Relação de Instituição das ZEIS (ano e legislação);
Quadro 3 - Síntese das Informações das ZEIS (localização, instituição e legislação);
Quadro 4 - Relação das ZEIS Sob Ação de Regularização Fundiária ± 1983 a 2008;
Quadro 5 - Síntese das ZEIS Sob Processo de Regularização Fundiária ± 1983 a 2008.
Æ FOTOS
Foto 1 - Ato Público de assinatura da Lei do PREZEIS pelo Prefeito da cidade do
Recife, Jarbas Vasconcelos.
Foto 2 - Ato Público de promulgação da Constituição Brasileira de 1988 pelo Deputado
Federal Ulisses Guimarães.
Æ MAPA
Mapa 1 ± ZEIS do Recife com destaque daquelas com regularização fundiária com o
instrumento jurídico de Concessão de Direito Real de Uso ± CDRU.
Mapa 2 ± ZEIS TORRÕES
Mapa 3 ± ZEIS CORONEL FABRICIANO
Mapa 4 ± ZEIS COELHOS
Mapa 5 ± ZEIS GREVE GERAL
12
LISTA DE ANEXOS
Æ Documentos
1. Escritura Pública de Desapropriação Amigável;
2. Edital de loteamento;
3. Contrato de cessão de aforamento;
4. Certidão da Desafetação da Área I ± Parte da Rua Mariti, com área total de
579,00m², matriculado sob o nº 75.921;
5. Certidão da Desafetação da Área III ± Parte da Rua Monsenhor João Olímpio
dos Santos, com área total de 816,00m², matriculado sob o nº 75.923;
6. Certidão da Desafetação da Área IV ± Parte da Praça, com área total de
2.193,00m², matriculado sob o nº 75.924;
7. Certidão da Desafetação da Área V ± Parte da Rua Rio Brígida, com área total
de 686,20m², matriculado sob o nº 75.925;
8. Certidão da Desafetação da Área VI ± Parte da Praça, com área total de
3.875,00m², matriculado sob o nº 75.926;
9. Certidão da Desafetação da Área VII ± Parte da Rua SD nº 9364, com área total
de 360,00m², matriculado sob o nº 75.927.
13
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como objeto de estudo a mediação dos conflitos
executada pela ação do Estado, efetuada no desenvolvimento da política urbana,
através do Direito, na equalização das lutas sociais no âmbito dos assentamentos
irregulares do Recife. Entende-se por assentamentos irregulares as áreas de baixa
renda, construídas como solução habitacional da população pobre, que se expandem
nas grandes cidades brasileiras como resultado do urbanismo capitalista excludente,
bem como de uma política de desenvolvimento urbano também excludente, fortemente
influenciada pelo modo de produção capitalista. A mediação dos conflitos é, por sua
vez, concebida como o conjunto de medidas promovidas pelo estado para dispersão
dos conflitos sociais, inerentes ao processo de acumulação capitalista regido pelo
próprio estado.
Para identificação desta ação política do estado recorre-se, neste trabalho, a
uma metodologia trabalhada por Boaventura de Souza Santos (1984). Enuncia-se
como uma teorização sociológica do direito com capacidade de promover a análise da
mobilização política do direito nas lutas urbanas do Recife. Para realização da análise
da mediação dos conflitos, através da política urbana, pretende-se demonstrar a
caracterização do Estado e do Direito, bem como a relação existente entre os
conceitos, e como influenciam a resolução dos conflitos existentes na sociedade,
através da política, neste caso, precisamente, pelo que se denomina política urbana.
A política urbana é mostrada como uma ação do estado para desenvolvimento
das cidades, especificada nesta pesquisa como uma ação de regularização fundiária,
efetivada através dos instrumentos jurídicos das zonas especiais de interesse sociais e
da concessão de direito real de uso.
Os assentamentos irregulares de baixa renda são constituídos fora do ambiente
de formalidade jurídica, reconhecido no processo de formação regular das cidades.
Entendendo-se que o crescimento formal das cidades se dá mediante aprovação de
projetos de parcelamento, loteamento e construção edilícia, aprovados pelo município
que, devem ser registrados e averbados no Cartório de Imóveis competente.
14
Neste sentido, compreende-se que as ocupações e invasões urbanas são os
processos de formação e constituição dos assentamentos irregulares, caracterizadas
pelas favelas que, são concebidas como áreas de ocupação espontânea ou, também,
organizadas pelo movimento social, para fins de moradia da população pobre, onde
não se respeita as normas jurídicas que regule a relação entre os moradores e os
proprietários das áreas; gravadas pela sua natureza jurídica como pública ou particular.
Neste texto será aprofundando a temática em questão, tomando por base a
análise dos estudos de casos que contemplem os assentamentos irregulares,
caracterizados por favelas, institucionalizados como ZEIS.
A escolha deste tema mostra-se bastante pertinente no momento atual. O
debate sobre o direito à moradia realizado no âmbito internacional, através da
propositura de diversos tratados e convenções, demonstra a necessidade atual para
enfrentamento do abismo existente entre a realidade social e as normas preconizadas
no atual sistema normativo. Sendo o Brasil signatário da maioria dos tratados
internacionais que versam sobre o tema.
Paralelamente a discussão internacional com efetiva participação brasileira,
verifica-se, também, a importância do processo de abertura política no país,
consolidando a democracia, através do fomento das eleições e, fortalecendo os
movimentos sociais de luta pelo direito à moradia. Alguns temas dos movimentos são
incorporados institucionalmente pelo estado nacional com a inclusão do capítulo
específico sobre a política urbana na constituição federal e, mais tarde, com a
regulamentação dos seus artigos, com a promulgação da Lei Federal nº 10.257 de
2001, conhecida como Estatuto da Cidade.
Assim, o tema da mediação dos conflitos pelo estado tem reflexo na realidade
atual, seja devido à forte influência do modo de produção capitalista nas ações do
estado, seja devido ao fortalecimento da democracia e do reconhecimento de direitos,
tais como o direito à moradia.
A necessidade de discutir a questão dos assentamentos informais e as políticas
de regularização fundiária implementadas, também, se caracterizam como um tema
atual, conforme se verifica nos índices estimados pelo Ministério das Cidades que, 12
milhões de famílias vivem em assentamentos urbanos irregulares. São pessoas que,
15
sofrem com a precária implantação dos serviços básicos, como água, esgoto, coleta de
lixo, iluminação e segurança pública; não têm o registro de suas terras e nem endereço
oficial. No Recife, o número de famílias vivendo em áreas informais foi estimado, em
2002, em 740.921 habitantes. (Souza, 2008).
Por outro lado, se identifica que o Governo Federal instituiu, através do
Ministério das Cidades, uma Política Nacional de Regularização Fundiária em áreas
urbanas. Foi instituído o Programa Papel Passado, coordenado pela Secretaria
Nacional de Programas Urbanos, através dele, o Governo Federal apóia Estados,
Municípios e associações civis sem fins lucrativos na promoção da regularização
fundiária de assentamentos informais ocupados pela população de baixa renda.
No Recife, se verifica a importância do tema, pois, em 2005 foi modificada a
estrutura funcional para desenvolvimento das ações de regularização fundiária,
tornando-o programa prioritário da gestão, continuada pelo Prefeito João Paulo do
Partido dos Trabalhadores.
E por último, a pertinência deste tema se dá exatamente para analisar o
desenvolvimento das ações de regularização fundiária pelo município e, se são
executadas simplesmente para dispersão dos conflitos, apaziguando os movimentos
sociais com ações de neutralização.
Todavia, para melhor entendimento sobre o tema, é possível afirmar que o
conflito social é uma ação social de convívio, visando à conquista de um valor ou
recurso socialmente raro ou escasso. É possível afirmar que, através dos conflitos
sociais, o homem provoca mudanças na sociedade.
Medeiros Filho (2007), citando Willems, apresenta o conceito de conflito social:
³FRPSHWLomRFRQVFLHQWHHQWUHLQGLYtGXRVRXHQWUHJUXSRVTXHYLVDjVXMHLomR
ou a destruição do rival. O conflito pode revestir formas diversas, como a
rivalidade, a discussão, até o litígio, o duelo, a sabotagem, a revolução, a
guerra, compreendidas nele, portanto, todas as formas de lutas abertas ou
QmR´
O conflito social oferece a possibilidade de abordar as contradições sociais
existentes. Ele é a manifestação concreta das disputas entre grupos sociais distintos e,
16
através dele, é factível identificar a construção de sujeitos sociais, configurando-se as
identidades coletivas e as formas de organização e manifestação.
No início dos anos 80 foi realizada uma pesquisa organizada por Joaquim
Falcão, abordando o assunto sobre os conflitos de direito de propriedade, analisando o
caso das invasões urbanas sob diversos aspectos. A pesquisa contou com a
participação de diversos estudiosos, além do próprio organizador, tais como:
Boaventura de Souza Santos, Tércio Sampaio Ferraz Jr., Mozart Vitor Serra, Maria
Tereza Fernandes Serra, Álvaro Pessoa e Clóvis Cavalcanti.
A parte desenvolvida por Boaventura de Souza Santos serviu de inspiração,
constituindo-se o ponto inicial deste trabalho. Busca-se partir da conceituação da
mediação dos conflitos, apresentada pelo autor, de modo a analisar se as ações de
regularização fundiária desenvolvidas no Recife podem ser caracterizadas como
medidas de dispersão de conflitos.
Todavia, considerando que, o atual panorama internacional regula o direito à
moradia como direito humano; no sistema normativo nacional foi incluído o princípio da
função social da propriedade e, também, ampara-se o direito à moradia como um
direito humano, consolidados nos texto do capítulo constitucional sobre a política
urbana e na sua regulamentação pelo Estatuto da Cidade; e no âmbito municipal
verifica-se a institucionalização das ZEIS e do Programa de Regularização Fundiária
das ZEIS ± PREZEIS que institui mecanismos e procedimentos para operacionalização
da regularização fundiária; se coloca algumas questões para reflexão:
Em que medida o estado e o direito são produtos da luta de classes da
sociedade?
Será que a promoção da regularização fundiária se caracteriza somente
como uma mediação de conflitos pelo estado?
Será que o reconhecimento das ZEIS no Recife serviu para garantir o
acesso à moradia?
Por que o instrumento da concessão de direito real de uso se constituiu
no principal remédio jurídico para legalização das moradias irregulares
situados em área pública?
17
A presente dissertação se propõe a responder estas perguntas, explanando em
que bases a regularização fundiária é concebida no município do Recife,
principalmente, nas áreas públicas com a utilização do instrumento da concessão de
direito real de uso e, se o desenvolvimento desta política atende o reconhecimento do
direito à moradia como uma conquista da população.
O objetivo geral da pesquisa é analisar a mediação de conflitos pelo estado no
desenvolvimento da política urbana, focada nas ações de regularização fundiária das
ZEIS do Recife, mediante a instância do direito, através da utilização do contrato da
concessão de direito real de uso.
Constituem objetivos específicos desta pesquisa:
Analisar os conceitos de Estado e do Direito, relacionando-os através de
sua evolução histórica, entendendo-os como produto da luta de classes;
Identificar a base normativa da política urbana, verificando se pode ser
compreendida como uma ação de mediação de conflitos do estado;
Caracterizar a evolução do direito de propriedade e do direito à moradia,
como base da política de regularização fundiária;
Analisar a solução para regularização fundiária empreendida no Recife,
notadamente, com a instituição das ZEIS e com a utilização do contrato
de concessão de direito real de uso.
Alguns conceitos teóricos balizaram a realização desta pesquisa. A conceituação
da mediação de conflitos é aporte teórico principal deste trabalho. O tema é
desenvolvido por Boaventura de Souza Santos (1984), através da construção da teoria
da dialética negativa do estado capitalista, também, discutida na obra organizada
por Joaquim Falcão, intitulada Conflito de direito de propriedade: invasões
urbanas.
A obra de Boaventura de Souza Santos analisa os conceitos de Estado,
relacionando com o do Direito, fruto da dominação política da sociedade. Ele parte do
pressuposto que a ação política do estado na questão fundiária é realizada,
preferencialmente, através do direito, para dispersar as contradições do próprio estado
capitalista.
18
Os conflitos fundiários são resultado da política excludente que, teve vez no
desenvolvimento urbano brasileiro, influenciada pelo contínuo processo de acumulação
de capital, confrontados pela realidade social da luta pelo acesso à moradia. Os
conflitos acontecem pela constante correlação de forças entre os diversos segmentos
da sociedade, moldados pela vertente dominante que, aceita ingerências dos demais
grupos para manutenção dos conflitos em níveis harmônicos e compatíveis com a
estabilidade necessária ao sistema de acumulação capitalista.
Na sua abordagem metodológica, o presente trabalho pretende compreender a
realidade social da ação política do estado para regularização fundiária de
assentamentos irregulares, apontando os valores e motivações do processo de
mediação de conflitos, consubstanciado pela luta de classes. Ou seja, pretende-se
trabalhar o processo de mudanças da sociedade provocado pelos conflitos sociais pelo
solo urbano e, também, a análise de como as ações de regularização fundiária foi
incorporada na política urbana do município do Recife. Dito isso, fica evidenciado a
utilização do Método Dialético na pesquisa.
Como método de procedimento, pretende-se analisar o direito de propriedade e
o direito à moradia como base da regularização fundiária desenvolvida nas ZEIS do
Recife. É delimitada uma relação entre esses dois direitos no equacionamento da
informalidade nos assentamentos habitacionais de baixa renda, situados no município
do Recife.
No decorrer da pesquisa foi efetuada, primeiramente, uma revisão da bibliografia
sobre o tema da mediação de conflitos, sobre os conceitos de estado, direito e da
política urbana, bem como, sobre o direito de propriedade, direito à moradia,
movimentos sociais e sobre a regularização fundiária e suas concepções,
principalmente, a concepção implementada nas ZEIS do Recife, concluindo com o
instrumento da concessão de direito real de uso. Em seguida, foi efetuada uma análise
documental sobre o objeto da pesquisa nos órgãos públicos, notadamente, na
Gerência de Regularização Fundiária da Prefeitura do Recife. Constituindo-se um
passo importante para identificação da legislação pertinente ao tema da política
urbana, focada na regularização fundiária, bem como, nas informações sobre os
assentamentos irregulares, caracterizados como ZEIS, aqui, escolhidos para
montagem dos estudos de caso.
19
Os procedimentos metodológicos apontados são somados, como suporte para
conhecimento do tema desenvolvido nesta dissertação, a experiência profissional e
pessoal do autor como jurista, compondo a equipe do Departamento de Regularização
Fundiária ± DRF - da Empresa de Urbanização do Recife ± URB Recife - e, mais
recentemente, assumindo a coordenação da Gerência de Regularização Fundiária ±
GRF - da Prefeitura do Recife, órgão sucessor do DRF, passando a reger as ações de
regularização fundiária do Recife, bem como, na integralização dos quadros sociais da
Cooperativa de Assessores e Consultores à Gestão Sócio-Ambiental ± Gênesis que,
desenvolve projetos na área do desenvolvimento urbano. Essa experiência possibilitou
o aprofundamento do conhecimento do tema na execução de ações de regularização
fundiária, na elaboração de legislações urbanísticas e na participação da resolução de
conflitos pelo solo urbano, moldando uma visão crítica da problematização apresentada
e da relação entre os direitos de propriedade e de moradia, base das políticas de
regularização fundiária.
Esta pesquisa é apresentada com a estrutura dividida em três capítulos. O
primeiro apresenta a base conceitual da mediação dos conflitos efetivada pelo estado,
apresentada por Boaventura de Souza Santos, bem como, das conceituações de
Estado e sua evolução, culminando no estado capitalista, apresentando o processo de
formação do direito, fruto das relações políticas do estado. Na última parte do capítulo,
conceitua-se a política urbana como ação do estado, expressada através do conjunto
de legislação abordado, para dirimir as lutas sociais pela reforma urbana.
No segundo capítulo são apresentadas as bases teóricas sobre a regularização
fundiária na política urbana brasileira. No primeiro item, é abordado o conceito de
propriedade, elencado no ordenamento jurídico brasileiro. A segunda parte é
subdividida em três itens, servindo para trabalhar a ação de regularização fundiária
como consolidação do direito à moradia, apresentando as bases conceituais do direito
à moradia, as concepções práticas das ações de regularização fundiária e, os
seguintes instrumentos jurídicos: zonas especiais de interesse social, concessão de
direito real de uso, concessão de uso especial para fins de moradia e a usucapião
constitucional urbana.
No último capítulo, encontra-se trabalhada mediação de conflitos executada na
regularização fundiária nas ZEIS do Recife. É apresentado o histórico de conflitos de
terras no Recife, bem como, sobre a institucionalização das ZEIS na cidade.
20
Finalizando-se com a apresentação da mediação de conflitos nas ZEIS,
contextualizada, através da análise de quatro ações práticas de regularização fundiária,
constituídas como estudos de caso.
A idéia do trabalho é apresentar uma análise da política de regularização
fundiária, evidenciada como uma ação de mediação de conflitos, realizada pelo estado.
21
1 A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS POR PARTE DO ESTADO: BASES CONCEITUAIS
O entendimento sobre a mediação de conflitos por parte do estado se funda
no conceito trabalhado por Boaventura de Souza Santos (1984), baseado na teoria, por
ele formulada, denominada Teoria da Dialética Negativa do Estado, através da qual,
afirma que a mediação dos conflitos é um conjunto de ações realizado pelo Estado,
para dispersar as contradições do próprio Estado e, para manutenção dos conflitos
sociais numa escala suportável pelos limites estruturais necessários ao modo de
produção capitalista, ou seja, busca-se manter a vida socialmente pacificada para,
possibilitar o contínuo processo de acumulação do capital e das suas relações sociais
de produção.
Neste ensejo, pretende-se demonstrar, neste capítulo, que a Mediação de
Conflitos é a ação do Estado para apaziguar os conflitos, através do desenvolvimento
de suas políticas, e que, preferencialmente, são implementadas através do Direito.
Pretende-se, assim, caracterizar, inicialmente, a formação do Estado e do
Direito, ambos como produtos da relação de forças existentes na sociedade,
demonstrando a evolução dos conceitos até o momento atual. Em um segundo
momento, será abordada a análise da ação do Estado no desenvolvimento de sua
Política Urbana, aqui entendida, como ação do Estado para organização e
desenvolvimento das cidades, visando ordenar o crescimento urbano, atuando em
diversas frentes, tais como: habitação, saneamento, transportes e, por fim,
regularização fundiária ± objeto central desta dissertação.
1.1 O ESTADO E O DIREITO
A história indica que os agrupamentos humanos surgem e se sucedem cada vez
maiores e com maior integração social, sendo, portanto, o Estado o resultado desta
lenta e gradual transformação organizacional de poder. O Estado se consolida como
instância de dominação da sociedade e tem o Direito como sua instância de poder e de
mediação entre o econômico e o político. Este item procura aprofundar esses aspectos
conceituais do Estado e do Direito.
22
1.1.1 O Estado como Consolidação da Dominação
Este item analisa primeiramente as teorias e conceitos sobre o Estado,
construídos ao longo do tempo, iniciando o aprofundamento teórico sobre o tema pela
citação de alguns desses conceitos citados nos parágrafos abaixo:
³8PFRQMXQWRGHKRPHQVFRPSRQGRXPDSHVVRD orgânica e moral sobre um
território dado, na forma de governantes e de governados; ou, mais
abreviadamente: o Estado é a pessoa politicamente organizada da nação em
XPSDtVRUJDQL]DGR´%/8176&+/,LQ0(1(=(6
³$SHUVRQLILFDomRMXUtGLFDGHXPD nação: é o sujeito e o suporte da autoridade
S~EOLFD´(60(,1LQ0(1(=(6
³2(VWDGRpXPDFRPXQLGDGHGHKRPHQVIL[DGDVREUHXPWHUULWyULRSUySULRH
que possui uma organização da qual resulta para o grupo, considerado em
suas relações com seus membros, uma potestade superior de ação, de
PDQGRHGHFRHUomR´0$/%(5*LQ0(1(=(6
³2(VWDGRpXPDVRFLHGDGHSHUPDQHQWHGHKRPHPTXHKDELWDXPWHUULWyULR
IL[R H GHWHUPLQDGR H WHP XP JRYHUQR LQGHSHQGHQWH´ $=$0%8-$ LQ
MENEZES, 1984:47).
³O Estado é uma associação que, atuando através da lei promulgada por um
governo investido para este fim de poder coercitivo, mantém dentro de uma
comunidade delimitada territorialmente as condições externas universais da
RUGHPVRFLDO´0$&,9(5LQ0(1(=(6 1984:47).
³2(VWDGRFRPRXPDDVVRFLDomRSROtWLFDGHEDVHWHUULWRULDOFRPFDSDFLGDGH
jurídica interna e externa, cujo governo é dotado do poder originário de
sanção direta e incondicionada, bem como da atribuição de conferir a
pessoas e bens a condição de nacionalidade que os distingue na órbita
LQWHUQDFLRQDO´6$03$,2LQ0(1(=(6
³(VWDGRpXPDVRFLHGDGHGHKRPHQVIL[DGDHPWHUULWyULRSUySULRHVXEPHWLGD
DXPJRYHUQRTXHOKHpRULJLQiULR´0(1(=(6
³2(VWDGRpXPRUGHQDPHQWRMXUídico destinado a exercer o poder soberano
sobre um dado território, ao qual estão necessariamente subordinados os
VXMHLWRVDHOHVSHUWHQFHQWHV´0257$7,LQ%2%%,2
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Analisando os conceitos citados acima, verificam-se elementos apontados por
todos os autores, quais sejam: povo, território e governo. Governo dotado de poder
para organizar e comandar a sociedade.
Bobbio contribui para o debate, apontando que:
³'R SRQWR GH YLVWD GH XPD GHILQLomR IRUPDO H LQVWUXPHQWDO FRQGLomR
necessária e suficiente para que exista um Estado é que sobre um
determinado território se tenha formado um poder em condição de tomar
decisões e emanar os comandos correspondentes, vinculatórios para todos
aqueles que vivem naquele território e efetivamente cumpridos pela grande
maioria dos destinatários na maior parte dos casos em que obediência é
UHTXLVLWDGD´
Neste sentido, o Estado pode ser considerado uma forma de organização
jurídica, delimitada por um determinado território, com população definida e soberania,
configurando-se num poder supremo internamente e num poder independente no plano
internacional.
Outro ponto discutido é a posição sobre a existência de um poder coercitivo,
exercido pelos comandantes do Estado, e que a todos devem obediência para
manutenção da ordem socialmente aceita. Este poder, geralmente, é explicitado pelo
Estado, através do Direito.
Verifica-se que, o estudo da evolução do pensamento da formação do Estado
moderno, considera elementos do próprio Estado, verificando-se suas estruturas,
funções, elementos constitutivos, mecanismos, órgãos etc., englobados num sistema
complexo, bem como nas suas relações.
Diversos são os entendimentos sobre o Estado e sua formação.
Kelsen, resolve o Estado totalmente no ordenamento jurídico, ou seja, o Estado
QmRH[LVWLULDFRPRHQWLGDGHGLIHUHQWHGRGLUHLWR³8PGRVUHVXOWDGRVGLVWLQWRVGD7HRULD
Pura do Direito é o seu reconhecimento de que a ordem coercitiva que constitui a
FRPXQLGDGHSROtWLFDTXHFKDPDPRV³(VWDGR´pXPDRUGHPMXUtGLFD´7).
Novamente, cita-se Bobbio para análise do conceito de Kelsen, apontando que:
24
³1D ULJRURVD UHGXomR TXH .HOVHQ ID] GR (VWDGR D RUGHQDPHQWR MXUtGLFR R
poder soberano torna-se o poder de criar e aplicar direito (ou seja, normas
vinculatórias) num território e para um povo, poder que recebe sua validade
da norma fundamental e da capacidade de se fazer valer recorrendo
inclusive, em última instância, à força, e portanto do fato de ser não apenas
OHJtWLPRPDVWDPEpPHILFD]´
O pensamento de Kelsen apesar de superado pelos estudiosos permeia a
criação de várias normas jurídicas, e, principalmente, influencia a aplicação do direito
pelos juristas, notadamente ao que se refere ao direito de propriedade, elemento de
estudo primordial na presente pesquisa.
A consideração do Estado como ordem jurídica não dispensou o pensamento
que o Estado, através do Direito, era também uma organização social, não
independente da sociedade e das demais relações sociais existentes. Neste ensejo,
-HOOLQHN DILUPRX TXH ³D Goutrina social do Estado tem por conteúdo a existência
objetiva, histórica ou natural do Estado, enquanto a doutrina jurídica se ocupa das
QRUPDV MXUtGLFDVTXHQDTXHOD H[LVWrQFLD UHDOGHYHP VHPDQLIHVWD %2%%,2 
57)
A sociologia política ganhou força no estudo sobre o Estado, considerando-o
como uma complexa organização social, da qual o direito é um dos elementos
constitutivos.
Já a formação do Estado moderno, descrita por Weber, constituí-se mediante
dois elementos: a presença de um aparato administrativo com a função de prover à
prestação de serviços públicos e o monopólio legítimo da força (BOBBIO, 1987). No
conceito formulado por Weber verifica-se a existência de elementos que caracterizam o
formato do Estado capitalista.
A vertente da economia, também, é trazida para o debate sobre a formação do
Estado, principalmente, com a identificação da existência da divisão da sociedade em
diferentes classes sociais, umas mais fortes economicamente do que outras.
Neste sentido, Engels defendeu que o Estado tem suas origens na necessidade
de controlar os conflitos sociais entre os diferentes interesses econômicos e que esse
controle é realizado pela classe economicamente mais forte na sociedade. Existe a
25
mediação de conflitos e mantém-se a ordem, reproduzida pelo domínio econômico.
(CARNOY, 1988).
Marx considerava as condições materiais de uma sociedade como a base de
sua estrutura social e da consciência humana, afirmava que a forma do Estado emergia
das relações de produção, não do desenvolvimento geral da mente humana. A
Sociedade molda o Estado e se molda pelo modo dominante de produção. O Estado
seria a expressão política da estrutura de classe inerente à produção, não
representaria o bem comum. Afirmava que a sociedade capitalista era uma sociedade
de classes, dominada pela burguesia, e que o Estado seria o instrumento de
dominação, expressão política dessa dominação. (CARNOY, 1988).
Analisando os conceitos acima, verifica-se a existência de pensamentos
contraditórios sobre o papel do Estado, bem como, sobre o processo de acumulação
de bens. Esses pensamentos consubstanciam a luta de classes existentes e a
formação do pensamento hegemônico do Estado Capitalista, caracterizado pela
constante acumulação de capital. A propriedade privada dos meios de produção
(inclusive a propriedade da terra) constitui-se a base desse processo de acumulação.
Engels faz um paralelo sobre a transformação do regime da propriedade coletiva
para a propriedade individual, identificando com isso, a justificativa para o surgimento
da divisão do trabalho, da divisão da sociedade em classes e para o nascimento do
Estado, como poder político responsável pelo equilíbrio de forças entre as classes;
HQWHQGHQGRTXHGD³GLYLVmRGDVRFLHGDGHHPFODVVHQDVFHRSRGHr político, o Estado,
cuja função é essencialmente a de manter o domínio de uma classe sobre outra
recorrendo inclusive à força, e assim a de impedir que a sociedade dividida em classes
VHWUDQVIRUPHQXPHVWDGRGHSHUPDQHQWHDQDUTXLD´%2%%,2
Locke afirmava que a condição política do homem, por conta da liberdade
individual, teria prerrogativa sobre todos os direitos da Lei da Igualdade da Natureza,
justificado na possibilidade de agrupamento do homem em sociedade política, onde o
Estado controlaria as relações de poder existentes entre os homens. Afirmava,
também, que somente os proprietários de terras teriam direitos políticos para exercer
de forma a proteger suas propriedades e a si próprio. A formação de uma sociedade
civil, baseada na propriedade, seria para o homem proteger-se do estado da natureza,
trazendo segurança à propriedade e à vida. (CARNOY, 1988).
26
Diferentemente, Rosseau coloca que a origem do mal e da desigualdade está na
propriedade. Ele propôs que a propriedade deveria ser limitada para evitar extremos de
pobreza e riqueza e, também, como forma de alcançar a estabilidade. Aponta que o
poder do Estado deriva do povo, renunciado em favor de uma vontade geral, pela qual
o Estado trataria todos igualmente, através de administradores e legisladores que
receberiam recursos (salário) para impedir a existência de corrupção. (CARNOY,
1988).
Verifica-se que a propriedade é um elemento comum aos três pensamentos
elencados acima. Cada um a sua maneira contribuiu com a formação do conceito do
Estado moderno, influenciando as políticas de governos, as relações econômicas e
sociais, para manutenção da hegemonia dominante no processo de acumulação de
capital, bem como na resolução, ou melhor, na mediação dos conflitos inerentes ao
processo de desenvolvimento capitalista.
No Estado capitalista existe sempre uma vertente dominante constituída pelas
relações sociais de produção, caracterizando-se na lógica do capital e no processo de
acumulação regido por ela. A lógica do capital é a lógica da luta de classes. A
articulação social dominante confere ao Estado força para continuação do processo de
acumulação, revelando-se um contínuo processo de exploração das camadas
desprovidas dos meios de produção.
Todavia, é possível identificar a natureza conflitual da lógica do capital, pois, se
baseia nas relações de exploração, visando mais acumulação do capital, ao mesmo
tempo em que se constitui numa seara política de igualdades e liberdades individuais.
Essa contradição permeia a formação do Estado capitalista, pois, são asseguradas as
condições de reprodução das relações de exploração, ao mesmo tempo em que se
garantem a igualdade e a liberdade da população inserida no mercado de trabalho.
O Estado se constitui como parte do processo de acumulação capitalista, e ao
mesmo tempo, estabelece através do processo de acumulação e das relações sociais
produzidas por ele, os limites de atuação do próprio Estado capitalista.
A luta de classe é responsável pelo dinamismo econômico do capitalismo,
acelerando o processo de desenvolvimento das forças produtivas. Essa luta expandiu o
papel do Estado no sentido da regulação econômica e da provisão de serviços.
27
Verifica-se que as contradições do Estado são o resultado da ação direta dos grupos
subordinados e dominantes, agindo tanto no setor de produção como no Estado para
manter ou ampliar conquistas materiais e influência ideológica.
O Estado democrático liberal e a produção capitalista são estruturas distintas
cuja articulação é contraditória, pois o Estado concede direitos tanto aos cidadãos
quanto ao Capital. A respeito disso, Poulantzas traz um apontamento importante,
chamando atenção sobre o papel do Estado e a formação da ideologia dominante:
³2 (VWDGR WHP XP SDSHO HVVHQFLDO QDV UHODo}HV GH SURGXomR H QD
delimitação ± reprodução das classes sociais, porque não se limita ao
exercício da repressão física organizada. O Estado também tem um papel
específico na organização das relações ideológicas e da ideologia
GRPLQDQWH´328/$17=$6
No Estado capitalista a função política geral do Estado consiste em dispersar as
contradições do modo de produção capitalista e das lutas de classes, concordando
com o conceito de função do Estado apontado por Engels que seria a de manter o
domínio de uma classe sobre a outra. Neste sentido, cita-se Poulantzas novamente,
para verificar que:
³'HVVHPRGRDLGHRORJLDGRPLQDQWHLQYDGHRVDSDUHOKRVGH(VWDGRRVTXDLV
igualmente têm por função elaborar, apregoar e reproduzir esta ideologia, fato
que é importante na constituição e reprodução da divisão social do trabalho,
GDVFODVVHVVRFLDLVHGRGRPtQLRGHFODVVH´328/$17=$6
O Estado caracteriza-se como forma política das relações sociais, se
constituindo numa relação entre as instituições políticas e as forças econômicas, a
política expressando os interesses da sociedade e a economia os interesses
particulares. ³Esta relação entre o político e o econômico pressupõe uma mediação que
seja simultaneamente exterior e superior tanto ao político como ao econômico. Essa
PHGLDomRpRGLUHLWR´(SANTOS, 1984:09/10).
O papel de mediador exercido pelo Estado é explicado por Bobbio, relacionando
com a existência de uma sociedade dividida em classes organizadas:
³$ YLGD GHXP (VWDGRPRGHUQR QRTXDO DVRFLHGDGH FLYLO p FRQVWLWXtGD SRU
grupos organizados cada vez mais fortes, está atravessada por conflitos
28
grupais que se renovam continuamente, diante dos quais o Estado, como
conjunto de organismos de decisão (parlamento e governo) e de execução (o
aparato burocrático), desenvolve a função de mediador e de garante mais do
que a de detentor do poder de império segundo a representação clássica da
VREHUDQLD´%2%%,2
Neste sentido, Boaventura Santos (1984) traz uma importante teoria sobre os
mecanismos de dispersão de conflitos, constituindo-se na Teoria da Dialética
Negativa do Estado, através da qual, afirma que a mediação dos conflitos realizada
pelo Estado é o modo de dispersão das contradições do próprio Estado, bem como, da
manutenção das lutas sociais em níveis funcionais condizentes com os limites
estruturais necessários à manutenção do processo de acumulação e das relações
sociais de produção. A dispersão se caracteriza como um conjunto articulado e
diversificado de mecanismos distintos, tais quais: mecanismos de
socialização/integração, legalização da posse ou propriedade e urbanização de uma
área; mecanismos de trivialização/neutralização, tolerância com a existência das
favelas, mantendo o status quo jurídico e social; e mecanismos de repressão/exclusão,
a remoção violenta de favelas.
Segundo este mesmo autor, os mecanismos de dispersão podem ser utilizados
de forma separada, conjunta ou até em seqüência, dependendo das condições
históricas existentes, bem como, da forma da luta de classes e das estruturas estatais
vigentes, e ainda, da área de atuação do mecanismo em relação à tensão ou questão
social manifestada.
Boaventura Santos diz ainda que:
³2V PHFDQLVPRV GH GLVSHUVmR HVWmR SUHVHQWHV HP WRGDV DV SROtWLFDV
sectoriais do Estado e são acionadas, preferencialmente, através do direito
que, como ficou dito, é a instância de mediação, por excelência, entre o
SROtWLFRHRHFRQ{PLFRQDVIRUPDo}HVVRFLDLVFDSLWDOLVWDV´
A separação formal existente entre o Estado/Político e o Estado/Direito é uma
relação social, objeto de contradições e lutas sociais, ou seja, são passíveis de
pressões e, consequentemente, transformações nos momentos de acionamento dos
mecanismos de dispersão das contradições, modificando a intensidade da dominação
29
e legitimação do Estado, bem como, alterando os limites estruturais impostos sobre a
ação do próprio Estado no processo de acumulação e pelas relações sociais geradas.
O político e o econômico adquirem um novo conceito, através da seara jurídica,
e se transformam numa ordem universal, igualitária e livre, através da qual, é produzido
o espaço ideológico que o Estado atua, de forma descompromissada, nos instrumentos
de reprodução das relações sociais de produção. Dinamismo, flexibilidade e
complexidade da práxis jurídica nas formações sociais capitalista faz do direito a
instância privilegiada de mediação entre o político e o econômico.
1.1.2 O Direito como Instância Mediadora do Estado
O Direito é um sistema coercitivo, constituído de normas que visam regular o
EHPHVWDUGDVRFLHGDGH³eXPDWpFQLFDVRFLal que consiste em ocasionar a conduta
social desejada dos homens por meio da ameaça de coerção no caso de conduta
FRQWUiULD´ .(/6(1   e SURGXWR GDV WUDQVIRUPDo}HV VRFLDLV TXH VH
desenvolve ao longo dos tempos, acompanhando a evolução do pensamento vigente
na sociedade, visando dirimir os conflitos existentes.
A história do Direito está ligada ao desenvolvimento das civilizações. Em cerca
de 1760 a.c., o Rei Hamurábi determinou que o direito babilônico fosse codificado e
inscrito em pedra para que o povo pudesse vê-lo no mercado: o chamado Código de
Hamurábi foi uma das primeiras legislações escritas.
A formação do Estado moderno condicionou a concentração do poder de criar o
Direito, seja pela criação das leis, ou pelo reconhecimento e controle das demais fontes
do Direito, tais como o costume e a equidade. Consolida-se paulatinamente o
fortelecimento do Direito Positivo. Caracterizado como o conjunto de normas em vigor
ditadas e impostas pelo Estado em seu próprio território. O Direito Positivo é
necessariamente peculiar ào Estado que o criou, variando de acordo com as condições
sociais vigentes na época de sua criação.
A primeira postulação sobre a distinção entre o Direito Positivo, consolidado na
Lei elaborada pelos homens, e o Direito Natural foi elencada pelos filósofos gregos,
sendo, posteriormente, recepcionada pelo Direito Romano. O Direito Natural foi
30
definido como o direito posto pela razão natural, observado entre todos os povos e de
conteúdo imutável, o que corresponde à definição de direito natural.
A importância do Direito Natural para o Direito atual vêem do movimento
racionalista jurídico do século XVIII, que concebia a razão como base do direito e
propugnava a existência de um direito natural acima do direito positivo. Este direito
natural seria válido e obrigatório por si mesmo. O direito natural representou,
historicamente, uma forma de embate sobre à ordem jurídica imposta pelas
monarquias absolutistas, e com o advento das revoluções liberais, notadamente a
Revolução Francesa de 1789, teve início um processo de codificação das leis,
orientado pela razão e baseado nos princípios do direito natural.
A partir desta discussão, dois pensamentos se constituíram nas correntes
SULPRUGLDLVVREUHRHQWHQGLPHQWRGR'LUHLWR2V³MXVQDWXUDOLVWDV´HHPFRQWUDSRVLomR
RV ³MXVSRVLWLYLVWDV´ TXH Vy UHFRQKHFHP D H[LVWrQFLD GR GLUHLWR SRVLWLYR UHMHLWDQGR D
tese da existência de um direito eterno, imutável e geral para todos os povos,
afirmando que direito é apenas as normas elaboradas pelo poder do Estado.
A distinção entre o Direito Natural e o Direito Positivo perdeu parte da sua força,
tendo em vista, a incorporação dos direitos e liberdades fundamentais à codificação do
direito positivo, notadamente, nas Constituições modernas, bem como, na consolidação
do Estado moderno e o monopólio da produção jurídica.
O entendimento de justiça como um direito socialmente garantido a todos foi
DEVRUYLGRSHOR(VWDGRHSHORDSDUDWRGRJPiWLFRGR'LUHLWRe³DLQVWLWXLomRVRFLDOTXH
nas sociedades contemporâQHDV WHP D SUHWHQVmR GH FRQFUHWL]DU R MXVWR´ )$/&2
1984:80).
Falcão (1984:79) afirma que:
³SDUDRVHQVRFRPXPDSOLFDURGLUHLWRSRVLWLYRHVWDWDOHID]HUMXVWLoDOHJDOpR
caminho privilegiado e quiçá exclusivo de praticar justiça social. Esta
apropriação não é gratuita. Ao contrário, é historicamente explicável, e
situada. Resulta do aparecimento dos estados nacionais nos dois últimos
séculos. E toma forma com a associação do liberalismo como ideologia
social, ao capitalismo como teoria econômica, e ao positivismo dogmático
FRPRGRXWULQDMXUtGLFD´
31
O Direito é fenômeno influenciado pela luta política entre diferentes classes
sociais, ou seja, também, está sujeito ao desenvolvimento das relações de produção
existente em determinado momento histórico. É moldado pela correlação de forças de
uma sociedade. Toda legislação traz pensamentos e ideologias determinadas pela luta
de classes, ou seja, o Direito estatal é fruto das relações sociais de produção
capitalista, impostas pela correlação de forças existentes, incorporando os
pensamentos reivindicações dos grupos dominantes, tais como se verifica no conceito
de propriedade, disciplinado pela legislação civil brasileira de 1916 e a atual codificação
de 2002.
Oliveira aponta que alguns doutrinadores adotam:
³XPDSHUVSHFWLYDPDWHULDOLVWDHYrHPRGLUHLWRFRPRFULVWDOL]DQGRHP FDGD
etapa histórica, os interesses das classes dominantes, contra os quais as
classes dominadas, através de suas lutas, vão cristalizando valores e
princípios próprios, os quais, um dia, tenderão a tornar-se um novo direito.
Ora, dentro de uma tal perspectiva, o povo, as classes dominadas, os grupos
oprimidos têm a capacidade, através de suas lutas, de gerarem um novo
GLUHLWR´,Q$%5(81(72-24)
Boaventura Santos (1984) aponta para a crescente fragmentação da própria
práxis jurídica estatal, ou seja, diversos são os modos de juridicidade inerentes ao
Direito vigente, e quanto maior for essa diversidade, mais importantes serão as ações
sociais e políticas decorrentes da opção entre estratégias jurídicas alternativas por
parte das classes e grupos sociais em luta. É essa crescente fragmentação da práxis
jurídica estatal que propicia a ação de dispersão dos conflitos por parte Estado
capitalista.
Uma ação de dispersão dos conflitos aplicada pelo Estado capitalista, através do
Direito, pode ser exemplificada pelo Decreto-lei nº 271/67 que criou o instrumento
jurídico da concessão de direito real de uso. Primeiramente, utilizado para urbanização
e industrialização de grandes áreas públicas, esse instrumento passa, num momento
posterior, a ser recepcionado na legislação municipal do Recife e aplicada nas ações
de regularização fundiária dos assentamentos pobres instituídos como Zonas Especiais
de Interesse Social ± ZEIS. Ao viabilizar o direito à terra e à moradia por parte das
famílias residentes nesses assentamentos, o Estado atua na dispersão do conflito
fundiário, sem atuar nas bases desse conflito.
32
Como tema central desta dissertação, a aplicação desse instrumento jurídico da
concessão de direito real de uso nas ZEIS do Recife como mediação de direitos e
dispersão de conflitos será aprofundada no capítulo 3.
1.2 A POLÍTICA URBANA COMO MEDIAÇÃO DE CONFLITOS
A partir das palavras que compõem a expressão Política Urbana, é possível
extrair sua função principal que é a organização das cidades, feito através de metas
traçadas e executadas pelo Poder Público visando ordenar o crescimento urbano,
atuando em diversas frentes, tais como: habitação, saneamento, transportes e
regularização fundiária.
A atividade urbanística caracteriza-se na ação do poder público para
ordenamento dos espaços habitáveis. Trata-se de uma atividade para organização dos
espaços que vivem o Homem. Uma ação como essa, é, primordialmente, realizada
pelo poder público, mediante interferência na propriedade privada e nas organizações
econômicas e sociais existentes nos espaços urbanos. A política urbana, normalmente,
é realizada mediante autorização legislativa, pois, limita os direitos de propriedade,
visando o interesse da coletividade.
Como já foram citados acima, os mecanismos de dispersão de conflitos estão
presentes em todas as políticas setoriais praticadas pelo Estado, também, verificados
na execução da política urbana.
A pertinência do trato constitucional da política urbana reside em sua
significação de ordem pragmática. É notória a necessidade do planejamento urbano
sob dois aspectos: a vinculação dos cidadãos; bem como, a vinculação do próprio
Poder Público que, apesar de elaborar as ações da política urbana, deve também
respeitá-la. Esta dicotomia Sociedade x Estado deve ser superada, e a política urbana,
à medida que busca um equilíbrio, se constitui como um meio para isto, ou seja, se
caracteriza como um instrumento de mediação de conflitos.
Todavia, a ação do Estado é favorecida pela utilização das normas impostas
pelo direito, tendo em vista a diversificada estrutura da política urbana. As políticas de
33
desenvolvimento urbano utilizam instrumentos normativos em quase todas as suas
ações.
A questão fundiária urbana é geralmente identificada como um problema social
gerado a partir do crescimento acelerado e desorganizado das cidades nas sociedades
capitalistas. Tentam dissociar a política urbana do modo de produção de acumulação
capitalista, constituindo-se um grande equívoco, visivelmente percebido no mercado
imobiliário vigente, que privilegia uma determinada faixa da população que pode pagar
o valor imposto pelos imóveis, provocando a falta de moradia à população de baixa
renda.
Verifica-se que Boaventura Santos (1984) trata desta questão, identificando a
concepção que o Estado capitalista trata a política urbana:
³7UDWD-se de um problema ou conjunto de problemas sociais específicos criado
fora do mundo do trabalho e da produção e que, como tal, não é o capital mas
sim à sociedade no seu todo e, portanto, ao Estado que compete resolver. É
com base nesta concepção que o Estado capitalista assume a questão urbana
e a enfrenta com um conjunto de medidas e acções a que dá o nome global de
SROtWLFDXUEDQD´
O Estado capitalista tem sido incapaz de produzir transformações decisivas no
estatuto da terra, limitando-se a intervenções marginais destinadas a manter sob
FRQWUROHDVWHQV}HVVRFLDLVGHOHGHFRUUHQWHV³1RFDVRHVSHFtILFR do equacionamento e
solução da questão fundiária urbana e do problema da habitação popular, quer-se
resolver o problema da habitação sem resolver a crucial questão institucional da
SURSULHGDGHGDWHUUD´3(662$
Na verdade, o crescimento das cidades brasileiras tem acompanhado a um
grande processo de exclusão social, determinando as alternativas à população pobre
para suprir o problema de moradia, criando e formando assentamentos a margem da
ação do Estado, tais como as favelas, totalmente, carentes de infra-estrutura e serviços
públicos básicos.
A ação do Estado capitalista na estrutura urbana visa dirimir ou mediar os
conflitos existentes, suavizando a situação de exclusão, mantendo o processo de
acumulação e de produção social dominante, deixando o conflito para um momento
34
posterior, ou, até mesmo para uma área diferente da cidade. O objetivo não consiste
em resolver o problema, mas deixá-lo em níveis toleráveis com as exigências
necessárias ao modo de acumulação capitalista em determinado momento histórico.
Utilizando-se para este fim, os mecanismos de dispersão disponíveis, neste caso
através da política urbana.
No entanto, em que pese o tom pessimista do texto exposto, os mecanismos de
dispersão das contradições emergentes das relações sociais de produção capitalista
acionados no domínio fundiário urbano e habitacional são expressões da luta de
classes, ou melhor, dizendo, a política urbana implementada pelo Estado capitalista,
também, está sujeita às pressões dos movimentos sociais, ligados às camadas da
sociedade não vinculadas ao capital. Muitas vezes, os direitos perseguidos pelas
classes dominadas são reconhecidos e torna-se parte integrante do Estado, tais como
na ocasião da aprovação da legislação federal conhecida como Estatuto da Cidade e,
em nível municipal, da promulgação da Lei do Prezeis, ambas as legislações, fruto das
lutas dos movimentos sociais, ligados a questão urbana.
Nos últimos anos, a estratégia da legitimação política tem mudado no Brasil com
a retomada da democracia, repercutindo no direito público, estendendo-se, também ao
direito privado, que muitas vezes recepcionam normas disciplinadas fora do ambiente
do Estado, influenciadas pela luta dos movimentos sociais.
Consubstanciando essa argumentação, Joaquim Falcão (1984) aponta que:
³$ FULVH GH OHJLWLPLGDGH GR UHJLPH DXPHQWD D SUREDELOLGDGH GH XPD EDL[D
eficácia da legalidade estatal, o que por sua vez abre espaços para o
surgimento de manifestações normativas não-estatais. Sendo de notar que
estas manifestações não são necessariamente contra o regime... Muitas
vezes elas são buscadas pelo próprio governo enquanto válvulas de escape
FDSD]HVGHYLDELOL]DUDSRVLomRKHJHP{QLFDGRGLUHLWRHVWDWDO´
Falcão (1984), também, se posiciona sobre a pretensa posição do Direito estatal
sobre a ordem jurídica da sociedade:
³D SUHWHQVmR GR GLUHLWR HVWDWDO HP VH FRQVWLWXLU QD ~QLFD IRUPD MXUtGLFD GD
sociedade é apenas uma ambição totalitária de rara concretização. Na
maioria das vezes o direito estatal é apenas hegemônico ou dominanWH´
35
Neste sentido, é possível identificar o processo de invasões de terras, que se
intensificaram no Brasil no período de retomada da democratização, como uma
justificativa dos invasores de terra para prevalência do direito a moradia, sobre o direito
de usar e dispor a terra segundo a livre vontade do proprietário.
Os conflitos de propriedade traduzidos como as invasões urbanas são
manifestações políticas promovidas pela sociedade civil, mais precisamente, pela
população pobre, deixadas totalmente a margem do modo de produção capitalista.
Diferentes soluções são pensadas para resolução dos conflitos advindos das
invasões urbanas, mas, na analise realizada por Joaquim Falcão (1984), através de
nove casos de invasão de propriedade urbana por população de baixa renda, ocorridos
na Região Metropolitana do Recife entre 1963 e 1980, foi identificado que o
equacionamento dos conflitos se deu através de dois tipos de processo: a negociação
e a ação judicial. Constituindo-se a ação judicial como um único remédio jurídico
regular para resolução dos conflitos, considerado pela doutrina jurídica dominante no
Brasil; a negociação se caracteriza como um processo não regulado pelo direito estatal
pátrio.
Essa orientação jurídica vigente se dá pela predominância do direito de
propriedade, perante os aplicadores do ordenamento jurídico brasileiro, inclusive,
integrando a execução das ações da política urbana desenvolvida pelo Estado.
Recentemente, Fernandes (2001) afirmou que três paradigmas têm orientado a
análise jurídica dos processos de urbanização, integrantes da política urbana
desenvolvida, que expressa enfoques conflitantes no tocante aos direitos de
propriedade. São os determinados pelo Código Civil; os do Direito Administrativo, bem
como o enfoque mais amplo adotado pelos estudos sócio-jurídicos.
No entanto, o paradigma dominante ainda é o proposto pelo Código Civil. O
tratamento liberal e individualista dado pelo Código Civil à questão dos direitos de
propriedade tem orientado a maioria das decisões judiciais e coloca obstáculos para as
tentativas de ação do Estado no controle do uso, ocupação e desenvolvimento da terra
urbana.
Foi em grande medida por causa dessa visão dominante que o processo de
urbanização brasileiro foi basicamente conduzido por interesses privados e, na maioria
36
das vezes, solucionava apenas um aspecto do problema, utilizando o direito como
~QLFRFDPLQKRH[LVWHQWHGLVSHUVDQGRRFRQIOLWR³2(VWDGRDRDSOLFDUFULDURXPXGDUD
lei com o escopo de solucionar um conflito de solo urbano, está ao mesmo tempo
dispersando e criando novas contradições porque apenas administra o problema
WHPSRUDULDPHQWH´0285$
Todavia, já é possível verificar o desenvolvimento do tema da política urbana em
diversas legislações. É mais evidente na Constituição Federal de 1988 e na
regulamentação dos seus artigos 182 e 183, através da promulgação da Lei Federal
10.257/01, o chamado Estatuto das Cidades, bem como no Código Civil Pátrio.
A política urbana pela primeira vez foi tratada em âmbito constitucional pela
Constituição Federal de 1988. Isto decorreu do processo de urbanização acelerado por
qual passou o Brasil. Não restam dúvidas que foi tendo em vista os problemas
decorrentes da urbanização desordenada que o constituinte originário de 1988 trouxe
ao viés constitucional alguns meios de compatibilizar o conceito de propriedade do
Código Civil, que permite o usar, gozar e usufruir da propriedade quase ilimitadamente,
às novas necessidades pragmáticas.
A Constituição Federal de 1988 dispôs nos seus artigos 182 e 183 sobre
importantes instrumentos jurídicos e urbanísticos que podem ser aplicados para fins de
organização e ordenamento das cidades, tais como: o plano diretor, parcelamento ou
edificação compulsória, imposto sobre a propriedade territorial urbana, desapropriação
para fins de reforma urbana. Instituíram, também, a usucapião urbana e a concessão
especial para fins de moradia como instrumentos específicos de regularização
fundiária. Atribuiu ao Município à competência preponderante para dispor sobre a
política e a legislação urbana, condicionando o exercício do direito de propriedade
urbana ao cumprimento da sua função social.
A função social da propriedade deverá ser o princípio norteador para
estabelecimento da política urbana, e o Município, com base na legislação e, em
especial através do plano diretor, o principal responsável pela formulação,
implementação e avaliação permanentes da sua política urbana, visando garantir para
os cidadãos o direito à cidade e a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes
do processo de urbanização.
37
A Constituição Federal apresenta, também, os princípios da moralidade,
legalidade, impessoalidade que devem nortear a atuação e a decisão do administrador,
devendo ser considerados no momento da escolha dos instrumentos para política
urbana.
Visualiza-se através do princípio da legalidade como o direito relaciona-se ao
desenvolvimento da política urbana em geral, estando intrínseco a praticamente todo o
tipo de ação, pois, como afirma Bacelar Filho,
³R SULQFtSLR GD OHJDOLGDGH LPS}H j $GPLQLVWUDomR 3~EOLFD REHGLrQFLD j OHL
formal como norte de atuação e limite da garantia ao cidadão. No
cumprimento de suas funções, o agente público não tem liberdade ou vontade
pessoal. A imperatividade das leis não obriga somente ao particular, mas,
antes de tudo, a própria Administração ao constituir-lhes poderes-deveres,
LQGLVSRQtYHLVHLUUHQXQFLiYHLV´In LIMA, 2002:146).
A instituição do usucapião urbano e da concessão de uso para fins de moradia
conferiu uma oportunidade essencial para a promoção da regularização fundiária de
áreas urbanas ocupadas por população de baixa renda. A Constituição, no seu artigo
183, reconhece o direito ao domínio de quem possuir como sua área ou edificação
urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família,
desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
A regulamentação dos artigos 182 e 183 da Constituição Federal através da
promulgação do Estatuto das Cidades traz um novo impulso para compreensão do
potencial teórico e prático do capítulo referente à política urbana, instrumentalizando a
luta das classes menos favorecidas, e, também, tornando mais fácil a mediação dos
conflitos, promovida pelo Estado, dentro dos limites estruturais atuais necessários a
manutenção do processo de acumulação capitalista.
O Estatuto da Cidade define princípios e objetivos, diretrizes de ação e
instrumentos de gestão urbana a ser utilizado principalmente pelo Poder Público
municipal e determinou que a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana.
38
Dispõe ainda sobre os instrumentos jurídicos, urbanísticos e tributários que
podem garantir eficácia ao Plano Diretor e ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Enumera instrumentos da política
de desenvolvimento urbano, como o parcelamento, a edificação e a utilização
compulsórios, o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no
tempo, a desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública, o usucapião
especial coletivo, o direito de superfície, o direito de preempção, a outorga onerosa do
direito de construir, as operações urbanas consorciadas e a transferência do direito de
construir.
Essa nova legislação trouxe a possibilidade de modificar entendimentos
conservadores em relação ao direito de propriedade e imprimir mudanças no sentido
do cumprimento do preceito constitucional da função social da propriedade, pois, o
Município, ao dispor de poderosos instrumentos jurídicos, urbanísticos e tributários,
poderá certamente contribuir para minimizar os graves problemas urbanos das cidades
brasileiras, regularizando grande parte do seu solo e beneficiando milhares de famílias
com o acesso à moradia regularizada.
Foram institucionalizadas duas novas possibilidades na utilização do usucapião
urbano, e tornaram este instrumento muito mais poderoso, podendo existir uma
atuação com mais legitimidade, aumentando a agilidade e a eficácia e diminuindo os
custos da demanda judicial. A primeira é a forma coletiva, em áreas maiores de 250m²
que não for possível individualizar o lote ocupado. A segunda é a substituição
processual, sendo possível uma associação de moradores substituir os ocupantes nos
processos de usucapião.
Os novos instrumentos do Estatuto da Cidade vêm viabilizar o tratamento
especial das áreas ocupadas por população de baixa renda, reconhecendo o direito de
permanência dos moradores que ali estão, e reconhecendo através de diversas formas
a posse da terra. Esta reivindicação antiga dos ocupantes propicia melhorias nas
moradias, uma vez garantidas sua permanência, desonerando parte dos investimentos
pelo poder público. Também lhes confere o direito a um endereço e os insere como
credores aos sistemas de financiamento, parte da cidadania que todos devem ter.
Para o desenvolvimento desta pesquisa, não é possível desprezar a definição de
bem público, descrita no Código Civil Brasileiro de 2002. O art. 98 do Código Civil traz
39
a sua definição e o art. 99 do mesmo texto faz uma divisão tripartite, classificando os
bens públicos em três diferentes espécies. O critério dessa classificação é o da
destinação ou afetação dos bens. Todo bem público possui sua destinação de acordo
com o seu uso e utilização. Essas são as espécies:
I ± Bens de uso comum do povo
: mares, rios, estradas, ruas, praças;
II ± Bens de uso especial
: edifícios ou terrenos destinados a serviço ou
estabelecimento da administração federal, estadual ou municipal, tais como
hospitais e escolas;
III ± Bens dominiais
: patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como
objeto de direito pessoal ou real, sem finalidade específica, tais como os terrenos
de marinha.
A conceituação dos bens públicos e suas divisões são de suma importância à
execução da política urbana, notadamente, aquela referente à regularização fundiária
de comunidades pobres, localizadas em áreas públicas, pois, os bens públicos
caracterizados como de uso comum do povo e como especial são inalienáveis,
enquanto conservarem a sua qualificação, ou seja, não podem ser objeto de contrato
de concessão de direito real de uso. Diferentemente dos bens públicos dominiais que
podem ser alienados e normalmente firmados negócios jurídicos sobre eles. Mas,
mesmo essa possibilidade concreta, sofre as limitações impostas pela legislação, ao
determinar que a oneração ou alienação de bens públicos deve ser precedida de prévia
autorização legislativa.
Apenas as comunidades constituídas em terrenos públicos, afetados como bens
dominiais são passíveis de sofrer um processo de regularização fundiária através da
Concessão de Direito Real de Uso ou Concessão de Uso Especial, pois, são aqueles
que a Administração Pública pode negociar com o particular. Não quer dizer que os
bens públicos de uso comum do povo ou de uso especial não possam ser passíveis de
serem negociados ou utilizados pelo particular, mas para que isso ocorra deverá ser
utilizado o instituto da desafetação.
Desafetação é a autorização para a mudança da destinação do bem, passando
de uma categoria para outra. Uma comunidade constituída num leito de rua, bem
público com afetação de uso comum do povo, para que seja legalizada, deverá passar
40
por um processo de desafetação deste bem público, transformando-o em bem com
afetação dominial, sem destinação específica, que poderá ser objeto de contrato entre
o Poder público e a comunidade. Para desafetar uma área, o Poder Executivo
Municipal elabora um Projeto de Lei e o envia para a Câmara de Vereadores para
apreciação e aprovação ou não.
Verifica-se que o Estado regulou uma situação, criando uma definição para o
bem público, num caráter tripartite, tornando inalienáveis duas de suas categorias. No
entanto, em momento posterior, e uma vez que grande parte das invasões urbanas
está localizada em leito de rua ou praças, bens públicos de uso comum do povo,
novamente o Estado, utilizando-se de instrumentos jurídicos, transformam a destinação
do bem, modificando-o a sua característica de inalienabilidade, para que possa
promover a regularização fundiária da ocupação, ou seja, promove uma ação,
integrante da política urbana, utilizando um instrumento do direito, para mediar um
conflito existente pela terra urbana.
Em algumas iniciativas de desafetação de áreas públicas integrantes de
loteamentos aprovados antes da vigência da Lei nº 6.766/79, alguns oficiais de registro
de cartório argumentaram da impossibilidade da efetivação da mesma por não ter
ocorrido à transferência formal das áreas destinadas a vias, praças, equipamentos
públicos do patrimônio do particular para o patrimônio do poder público.
Novamente, a ação do Estado dirimiu conflitos existentes pela terra urbana,
enfrentados entre a sociedade e o capital, inclusive utilizando-se do braço do Poder
Judiciário, através do qual, transcrevemos jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
- STF que tem a seguinte ementa:
³/RWHDPHQWR $SURYDGR R DUUXDPHQWR SDUD XUEDQL]DomR GH terrenos
particulares, as áreas destinadas às vias e logradouros passam
automaticamente para o domínio público do Município, independentemente
de título aquisitivo e transcrição, visto que o efeito jurídico do arruamento é,
exatamente, o de transformar o domínio particular em domínio público, para
o uso comum do povo. Não tem o loteador infringente do Decreto Lei 38-
 PDLV GLUHLWRTXH R ORWHDGRU D HOH REHGLHQWH´ 67)  7 DF 8P 'H
28.09.76, RE 84.327 SP, Rel Min. Cordeiro Guerra).
41
Verifica-se que o Decreto Lei 271-67, em seu artigo 4º e o artigo 22 da Lei
Federal 6766-GLVS}HH[SUHVVDPHQWHTXH³GHVGHDGDWDGRUHJLVWURGRORWHDPHQWR
passam a integrar o domínio do município as vias e praças, os espaços livres e as
áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do
SURMHWRHGRPHPRULDOGHVFULWLYR´(VVHSULQFtSLRGDWUDQVIHUrQFLDDXWRPiWLFDpWDPEpP
aplicado com relação aos projetos de loteamento aprovados e registrados sob a égide
do Decreto Lei 38-37.
Ressalta-se, também, a importância da legislação brasileira sobre o
parcelamento do solo urbano para o desenvolvimento das políticas de urbanização e
regularização fundiária. A Lei n. º 6766/79 alterada parcialmente pela Lei nº 9785/99
normatiza as modalidades de parcelamento do solo: loteamento, desmembramento e
remembramento, postulando garantias técnicas e jurídicas aos adquirentes dos lotes. A
Lei original (6766/79) foi alterada pela Lei n. º 9785/99, introduzindo instrumentos
voltados à regularização fundiária.
Dispõe sobre a infra-estrutura básica para os parcelamentos nas zonas
habitacionais declaradas por lei como de interesse social, consistindo no mínimo em
vias de circulação, escoamento das águas pluviais, rede para abastecimento de água
potável e soluções para o esgotamento sanitário e para a energia elétrica domiciliar,
enquanto para a aprovação dos demais loteamentos, a infra-estrutura deverá ser
completa.
Determina a área mínima dos lotes de 125m², ressalvando a possibilidade da lei
estadual ou municipal determinar outras exigências ou quando o loteamento se
destinar à urbanização específica. Informa, também, a distância mínima reservada com
faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado, ao longo das águas correntes
e dormentes, rodovias, ferrovias e dutos. Vale registrar, no entanto, que em muitos
casos a posição do Ministério Público quanto à faixa "non aedificandi" é pela aplicação
do Código Florestal irrestritamente para áreas urbanas no qual tal faixa é de no mínimo
50,00m;
Foi regulamentada, também, a dispensa do título de propriedade quando se
tratar de parcelamento popular, destinados às classes mais pobres, em imóvel
declarado de utilidade pública com processo judicial de desapropriação em andamento,
e imissão provisória na posse.
42
Essa Lei determina que as áreas destinadas a sistema de circulação, a
implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso
público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista para a gleba, conforme
as alterações trazidas pela Lei nº 9785/99, o percentual para áreas verdes, de
circulação e equipamentos não poderá ser inferior a 35% da área total do
empreendimento.
De acordo com o citado acima, a Lei de Parcelamento regula uma das formas de
aquisição de terrenos utilizada pelo Município, estudada nesta pesquisa mais adiante,
que é a transferência compulsória pela aprovação de projeto de loteamento. Segundo a
referida Lei de Parcelamento, um projeto de loteamento deve ser aprovado pela
Prefeitura Municipal, cabendo aos Estados o exame e anuência prévia para a
aprovação pelos Municípios, de loteamento nas seguintes condições:
I - Quando localizados em áreas de interesse especial, tais como: as de
proteção aos mananciais ou ao patrimônio cultural, histórico, paisagístico e
arqueológico, áreas assim definidas por legislação estadual ou federal;
II - Quando o loteamento ou desmembramento localizar-se em área
limítrofe do município, ou que pertença a mais de um município, bem como
os parcelamentos realizados em municípios integrantes das regiões
metropolitanas ou em aglomerações urbanas, definidas em lei estadual ou
federal;
III - Quando o loteamento abranger área superior a 1.000.000 m² (um
milhão de metros quadrados).
Vários dos postulados e instrumentos da 6.766/79 e da Lei nº 9785/99 revelam
que uma lei municipal específica que lide com o parcelamento urbano pode ser mais
eficiente e mais conectada às especificidades da realidade local. Especificamente a
H[LJrQFLD GH ORWHV PtQLPRV H IDL[DV ³QRQ DHGLILFDQGL´ UHYHOD-se de cumprimento
extremamente problemático na cidade.
No âmbito da legislação municipal do Recife a política urbana foi expressa pela
Lei Orgânica, promulgada em 1990, e ainda em vigor, ao determinar que seja instituída
e implementada pelo Município de acordo com as diretrizes gerais fixadas nas
43
legislações federal e estadual, com o objetivo de organizar, ordenar e dinamizar as
funções sociais da Cidade e da propriedade urbana.
A lei orgânica recepcionou, onze anos antes, diversos instrumentos jurídicos
contidos no Estatuto da Cidade, descrevendo-os como instrumentos da política urbana
desenvolvida pelo Município, tais como: plano diretor, legislação de parcelamento,
ocupação e uso do solo, de edificações e de posturas, o plano de regularização das
zonas especiais de interesse social - PREZEIS, a concessão do direito real de uso, a
desapropriação por interesse social, necessidade ou utilidade pública e o usucapião
urbano.
A Lei Orgânica disciplinou que o plano diretor será instrumento de ordenamento
da ação do Município para promoção do desenvolvimento do sistema produtivo com a
devida integração das parcelas marginalizadas da população, objetivando uma justa
redistribuição de renda e dos recursos públicos; da participação e controle social nas
ações da municipalidade e o amplo acesso da população à informação, no que se
refere a planejamento, programas, projetos e orçamento municipal; da definição da
configuração urbanística da cidade, orientando a produção e uso do espaço urbano,
tendo em vista a função social da propriedade.
Verifica-se que essa legislação municipal busca garantir uma maior participação
da população nas decisões políticas, referentes ao ordenamento espacial da cidade.
No entanto, deixa essas ações políticas às vontades discricionária do executivo, ou
seja, o Estado, caracterizado como o Município do Recife, utilizando-se de instrumento
jurídico, a lei orgânica, media uma contradição do próprio Estado, dispersando os
conflitos inerentes a democratização das ações políticas do município. Neste caso,
utilizou-se um mecanismo de neutralização, garantiu a possibilidade, mas, não
determinou os meios para atingir os fins.
O plano diretor instituído pela Lei Municipal nº 15.547 de 1991
1
, estabelece as
diretrizes gerais e conceitua os objetivos da política urbana municipal. Determina,
também, que a cidade cumpre suas funções sociais na medida em que assegura o
direito de todos os citadinos ao acesso à moradia, dentre outros direitos.
1
Na fase final de elaboração desta dissertação foi aprovado o novo Plano Diretor do Recife ± LEI Nº
17.511/2008 ± não se constituindo, pois, objeto de análise deste capítulo.
44
A legislação municipal busca imprimir um caráter mais formal à luta pela moradia
ao elencar o princípio da função social da cidade, relacionando a garantia do acesso a
direitos, principalmente, os que relacionados à moradia. O plano diretor de 1991,
também, expressa sua conceituação sobre a função social da propriedade urbana, que
é cumprida quando nela se realizam atividades de interesse urbano. Destacando-se
como atividade de interesse urbano as ações de habitação.
Vários instrumentos foram elencados para a execução da política urbana. Dentre
os quais, tem ação destacada para os fins dessa pesquisa, que é um instrumento de
planejamento, caracterizado pelo Plano de Regularização Fundiária das ZEIS ±
Prezeis; bem como, o instrumento de regularização fundiária propriamente dita, ao
instituir a concessão de direito real de uso.
Outra legislação importante de analisar é a Lei n° 16.176 de 1996, pois,
estabelece as normas de uso e ocupação do solo do Recife, descrevendo o
zoneamento da cidade, e especifica que as Zonas Especiais de Interesse Social - ZEIS
- são áreas de assentamentos habitacionais de população de baixa renda, surgidos
espontaneamente, existentes, consolidados ou propostos pelo Poder Público, onde
haja possibilidade de urbanização e regularização fundiária.
Para finalizar o relato sobre a legislação municipal que disciplina a política
urbana do município, notadamente, vinculada as ações de regularização fundiária, não
é possível deixar de citar a legislação que instituiu o Plano de Regularização das Zonas
Especiais de Interesse Social - PREZEIS, regulamentado primeiramente pela Lei n
º
14.947 de 1987 e modificado pela Lei n º 16.113 de 1995. A instituição desta legislação
incorporou reivindicações dos movimentos sociais ligados à luta pela terra urbanizada e
pela moradia. Talvez, seja um caso clássico de criação de um mecanismo de
dispersão, através do Direito, para mediação dos conflitos pela moradia. No entanto,
esta análise será detalhada no capítulo 3.
45
2 AS BASES DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA POLÍTICA
URBANA BRASILEIRA
Este capítulo abordará as bases conceituais e operacionais da regularização
fundiária, entendida como ação do estado, integrante da política urbana brasileira.
Toma-se por base o conceito trabalhado por Betânia Alfonsin (1997) que, configura a
Regularização Fundiária como uma ação estatal com objetivo de garantir a moradia da
população de áreas ocupadas irregularmente, efetuando melhorias na infra-estrutura
do assentamento, bem como, garantindo o resgate da cidadania e um incremento na
qualidade de vida dos moradores beneficiados. Pretende-se verificar, neste capítulo,
em que bases as políticas de regularização fundiária foram construídas, balizadas pelo
paradigma do instituto da propriedade, contra balançado pelo entendimento do direito à
moradia.
Na primeira parte do capítulo, se busca contextualizar o conceito de
propriedade, inicialmente, mostrando sua alocação no sistema normativo brasileiro na
categoria dos direitos reais. Posteriormente, é traçado um paralelo evolutivo entre a
propriedade e o processo de formação das cidades, pois, são construções
intrinsecamente interligadas. Por último, é identificado o processo evolutivo deste
instituto perante as legislações brasileiras, principalmente, o disciplinado nas
Constituições Brasileiras e nos Códigos Civis, até a previsão do princípio da função
social da propriedade.
No item seguinte, aborda-se a consolidação do direito à moradia perante as
ações de regularização fundiária. No primeiro momento, a regularização fundiária é
traduzida como um direito social, caracterizado pelo direito à moradia, verificado pela
evolução do tema, perante os tratados internacionais que o Brasil é signatário e a
recepção deste direito na legislação pátria, que proferiu competência constitucional
para seu desenvolvimento por todos os entes federativos, principalmente, os
municípios. Posteriormente, são abordadas e as concepções de regularização fundiária
praticadas e verificadas em diversas experiências desenvolvidas, bem como são
analisados os instrumentos jurídicos de regularização fundiária, que se constituem
objeto de análise desta pesquisa.
46
2.1 O CONCEITO DE PROPRIEDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Para falar sobre o instituto da propriedade no ordenamento jurídico brasileiro,
primeiramente, se faz necessária a sua contextualização perante o próprio sistema
normativo que, se ramifica em diversas especificações.
O instituto da propriedade é disciplinado pela categoria dos direitos reais,
caracterizado como o ramo do direito civil que normatiza as relações jurídicas reais,
estabelecidas entre o titular de um bem e a sociedade em geral.
Nas relações jurídicas reais existe sempre uma pessoa e um bem, sendo a
pessoa titular desse bem. No entanto, para que uma pessoa possa ser considerada
titular de um bem, são necessárias outras pessoas que não detenham qualquer relação
de titularidade sobre o mesmo bem. As relações jurídicas reais são estabelecidas entre
o confronto ou mediação entre o titular do direito sobre um determinado bem e os não
titulares de direito sobre esse mesmo bem.
É possível levantar diversas características sobre os direitos reais. São
constituídos por dois elementos determinados, quais sejam: titular e objeto; detêm
poder de seqüela, seguem a coisa aonde quer que ela vá; são oponíveis erga omnes,
isto é, contra todos. Sempre que a Lei conferir esses elementos a certo direito sobre
um bem, estaremos diante de direito real.
Na categoria dos direitos reais existem os direitos reais sobre coisas próprias,
denominados de propriedade, e os direitos reais sobre coisas alheias, tais como o
direito de uso. Os direitos reais sobre coisas alheias têm como seu objeto um bem de
propriedade de outra pessoa. São três as classes de direitos reais sobre coisa alheia
previstas no Código Civil: os de uso e fruição, os de garantia e os de aquisição.
Nesta pesquisa, pretende-se contextualizar a existência dos direitos reais no
ordenamento jurídico brasileiro, notadamente, relacionado ao espaço das cidades.
³$VILJXUDVGHGLUHLWRVUHDLVQRHVSDoRXUEDQRQmRSRGHPVHUREMHWRGHOLYUH
criação pelos titulares da situação real de domínio, tendo em vista o princípio
GR ³QXPHUXV FODXVXV´, adotado pela União ao legislar sobre Direito Civil;
VHJXQGR HVVH SULQFtSLR Vy p GLUHLWR UHDO R LQVWLWXWR DVVLP GHILQLGR HP OHL´
(LAGÔA, 1981:133).
47
Verifica-se que, o instituto da propriedade integra o sistema normativo brasileiro,
pela sua efetivação, através da instituição de uma lei que definiu a propriedade,
elencando-a como um direito, incluído na categoria dos direitos reais.
Posteriormente, antes de analisar o instituto da propriedade no sistema jurídico
brasileiro, se faz necessário realizar uma contextualização sobre o mencionado
instituto, ao longo do tempo, desde sua origem com o aparecimento das primeiras
cidades, pois, entendendo a evolução do seu conceito, será percebido como foi
desenvolvido o seu conceito e sua aplicação perante o ordenamento jurídico brasileiro.
Neste sentido, José Afonso da Silva (2000), citando Sjoberg, afirma que são três
os estágios intermediários das cidades, desde sua origem até a época da urbanização,
relacionando-se sempre com os diferentes graus de organização humana,
diferenciados pelos padrões tecnológicos, econômicos, sociais e políticos.
O primeiro estágio é o pré-urbano, relacionado a sociedade gentílica, consistindo
de pequenos grupos dedicados a busca de sua subsistência. Grupos de base familiar,
cujo processo de evolução, resultou em agrupamentos mais complexos, que se
situando no mesmo espaço de forma permanente, geraram uma produção de alimentos
excessiva. Este fato condicionou a especialização do trabalho, o surgimento da
propriedade privada e de uma classe de dirigentes, dando origem à formação das
primeiras cidades. Neste momento, verifica-se o segundo estágio de formação das
cidades, caracterizado por uma sociedade pré-industrial, principalmente, por conta da
metalurgia, elemento capaz de multiplicar a produção e facilitar a sua distribuição. O
terceiro estágio já é relacionado ao da cidade industrial moderna, caracterizada por
uma organização humana complexa, disseminada por um processo de educação de
massa, integrante de um sistema de separação de classes sociais, e possuindo um
grande avanço tecnológico
O instituto da propriedade se modificou ao longo do tempo, de acordo com o
pensamento vigente de sociedade, bem como, de Estado, pelos quais passaram as
civilizações, estando sempre relacionado com a evolução das cidades.
Cesar Fiúza (2002) identifica quatro teorias principais que formam a base teórica
do instituto da propriedade. São as Teorias da Ocupação, da Lei, da Especificação e da
Natureza Humana. Abaixo essas teorias serão analisadas rapidamente.
48
Na Teoria da Ocupação, a propriedade se fundaria na própria ocupação das
coisas pelo homem, para satisfação de suas necessidades básicas.
A Teoria da Lei aponta que a propriedade é uma instituição do Direito Positivo,
ou seja, existe porque uma lei a criou e lhe garante permanência. Montesquieu e
Hobbes são expoentes defensores deste conceito.
A Teoria da Especificação, identificada com o pensamento socialista, a
propriedade é entendida como fruto do trabalho. Tenta legitimar a propriedade
exclusivamente como produto da recompensa pela atividade de produção.
Por último, a Teoria da Natureza Humana disciplina a propriedade com
fundamento na própria natureza humana. É natural do ser humano exercer domínio
sobre as coisas.
A evolução da propriedade tem início na forma coletiva, constituída para uso de
toda a comunidade, bem como, os instrumentos de produção, ou seja, a organização
do trabalho consistia numa forma de cooperação. Nesta época, nas sociedades
existentes, a idéia de propriedade recai apenas para pequenos objetos de trabalho.
Na antiguidade clássica, a partir da sociedade grega e romana, a propriedade
começou a introduzir uma visão individualista. Na Grécia antiga, a propriedade se
caracterizava como um fator relevante na estrutura das suas cidades, principalmente,
por se constituir um elemento de natureza religiosa; a propriedade era sagrada,
indivisível, individual e familiar.
A propriedade romana evoluiu em três estágios, passando de uma forma
coletiva, para a familiar, e em seguida, para a individual. Esta última fase da
propriedade romana influenciou fortemente a concepção do direito de propriedade no
sistema jurídico dominante no ocidente, pois, já conjugava atributos que se
perpetuaram no tempo, caracterizando a propriedade até os dias atuais.
Na Idade Média, a propriedade recebeu forte influência do cristianismo,
principalmente, através dos pensadores Santo Agostinho e São Tomás de Aquino.
Iniciou ± se a percepção que a propriedade, apesar de ter o caráter individual, deveria
atender aos interesses coletivos. Daí surgiu o antecedente histórico do princípio da
função social da propriedade.
49
No entanto, ainda na Idade Média, a propriedade passou por um período
singular no seu estágio de evolução, caracterizado pelo feudalismo. Nesta época, a
questão fundiária perpassava quase todas as relações da sociedade, incluindo as
relações políticas, econômicas, sociais, religiosas e jurídicas. A propriedade passou a
absorver dois direitos, identificados como o domínio útil, do feudatário, e o domínio
pleno, do Estado. Devido a esta divisão, a propriedade começa a suavizar seu caráter
individualista.
Com o advento da Revolução Francesa, o Estado feudalista é repudiado, e
desta forma, a propriedade sofre nova influência do regime vigente, e retoma num
primeiro momento a forma de propriedade individual pregada pelos romanos, mas, com
a instituição do Código Civil francês de 1804, o direito de propriedade passa a sofrer
restrições, sendo a maioria sobre normas de vizinhança.
Nas concepções dos Estados socialistas a propriedade era considerada um bem
de produção e, como tal, deveria pertencer a toda a sociedade. O pensamento marxista
condicionou uma coletivização da propriedade de enorme magnitude, havendo em
alguns países uma extinção da propriedade individual privada. Este pensamento foi
decisivo para que a concepção de propriedade de forma individual e absoluta fosse
gradativamente deixada de lado.
Boaventura Santos (1984) e Edésio Fernandes (2001), doutrinadores que
expressaram seu pensamento sobre a evolução do instituto da propriedade,
relacionando-o com o conceito do Estado capitalista e o modo de produção e de
acumulação do capital regido pelo Estado, vêm engrandecer o debate.
Boaventura Santos (1984) afirma que de relação de produção, a propriedade
fundiária foi gradualmente se transformando num vínculo jurídico, num direito de
propriedade que estabelece o monopólio legal do uso da terra, legitimando a obtenção
de um rendimento pela cessão do uso. Baseia-se em Marx que tece críticas sobre a
propriedade fundiária numa formação social dominada pelo modo de produção
FDSLWDOLVWD TXDQGR GL] TXH ³p XPD IRUPD GH SURSULHGDGH IHXGDO RX FDPSRQHVD
WUDQVIRUPDGDSHORFDSLWDOHSHORPRGRGHSURGXomRFDSLWDOLVWD´6$1726, 1984:27).
Fernandes (2001) verifica que a propriedade no modo de produção capitalista é
vista como uma mercadoria, cujo conteúdo econômico é determinado pelo interesse
50
individual do proprietário do bem. Este enfoque dado ao direito individual de
propriedade é típico do liberalismo jurídico clássico que, eterniza os valores
econômicos de troca, tratando a propriedade meramente como um produto do
mercado, com prejuízo da aplicação do princípio da função social da propriedade.
³(VVD FRQFHSomR EDVHLD-se com freqüência na noção ideológica dos direitos de
SURSULHGDGH SULYDGD FRPR VHQGR XP ³GLUHLWR QDWXUDO´ H QmR XPD FULDomR KLVWyULFD H
FXOWXUDO H VH HQFRQWUD LQWHUQDOL]DGD HP JUDQGH PHGLGD QR LPDJLQiULR SRSXODU´
(FERNANDES, 2001: 30).
Depois da análise acima sobre a evolução histórica do instituto da propriedade, é
possível iniciar a tecer comentários sobre o ordenamento jurídico brasileiro no que
concerne o direito de propriedade, indicando que a formação deste conceito remota do
pensamento jurídico europeu, notadamente, vinculados com os sistemas jurídicos
alemão e francês, baseados no direito romano, que prega a forma individual da
propriedade.
As duas primeiras Constituições brasileiras de 1824 e 1891 garantiam o direito
de propriedade em todos os seus precHLWRV ³QHQKXPD UHVWULomR j SURSULHGDGH HUD
prevista: o exercício pleno e ilimitado da propriedade prevalecia como reflexo do
SHQVDPHQWROLEHUDOGRSHUtRGR´0$7726
Posteriormente, foi elaborado o Código Civil Brasileiro em 1916, que disciplinou
o direito de propriedade, caracterizando-o como um instituto de natureza privatista, que
não faz referência a nenhuma restrição social à ação do proprietário. O Código Civil de
1916 no seu artigo 524 normatizava o instituto da propriedade da seguinte maneira:
³$OHLDVVHJXUDDRSURSULHWiULRRGLUHLWRGHXVDUJR]DUHGLVSRUGHVHXVEHQV
e de reavê-ORVGRSRGHUGHTXHPTXHUTXHLQMXVWDPHQWHRVSRVVXD´
Edésio Fernandes, citado por Liana Portilho Mattos (2001), coloca que, na época
da elaboração do Código Civil Brasileiro de 1916, a cidade era considerada um
conjunto de terrenos de propriedade privada, e a legislação apenas tratava das
relações entre os indivíduos.
Para reforçar o debate apresenta-se a opinião de Joaquim Falcão (1984) sobre a
concepção do direito de propriedade, baseada no Código Civil de 1916, através da
qual, dispôs que:
51
³$ RULJHP GHVWD FRQFHSomR GR GLUHLWR GH SURSULHGDGH p EHP FRQKHFLGD D
ideologia liberal capitalista, que privatiza e individualiza a propriedade,
privilegiando o uso e JR]RVHJXQGROLYUHYRQWDGHGRSURSULHWiULR´
Ressalta-se que o Código Civil de 1916 foi revogado pela promulgação em 2002
do novo Código Civil Brasileiro, que será analisado mais adiante no decorrer deste
capítulo da pesquisa.
Em 1934, uma nova Constituição Federal foi formulada, visualizando-se pela
primeira vez o princípio da função social da propriedade no sistema normativo
brasileiro. Esse princípio foi inserido em todos os textos constitucionais que sucederam
a Constituição de 1934. No entanto, até a promulgação da Constituição de 1988 não
houve uma consolidação do princípio da função social da propriedade, ou seja, o
instituto da propriedade foi aplicado pelo Estado, livremente, sem objeções sobre o seu
uso e gozo.
A Constituição Federal de1988 inovou no tratamento ofertado ao tema,
regulando efetivamente a função social da propriedade, no sentido de publicizar o
conceito de direito de propriedade, condicionando seu reconhecimento ao cumprimento
de uma função social.
O texto constitucional no seu Art. 182, parágrafo 2º, pela primeira vez, na história
do constitucionalismo brasileiro, concretizou o princípio da função social da
SURSULHGDGH H[SUHVVDQGR TXH ³D SURSULHGDGH XUEDQD FXPSUH VXD IXQomR VRFLDO
quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressa no plano
GLUHWRU´
Essas exigências fundamentais estão em consonância com as diretrizes
apontadas no Estatuto da Cidade que, obrigatoriamente deverão estar contidas no
plano diretor, segundo expressamente dispõe a mencionada legislação federal.
Toshio Mukai (2004: 20) coloca que, o significado mais objetivo do princípio da
função social da propriedade foi levantado pelo Supremo Tribunal Federal, em acórdão
de 1942, onde deixou a seguinte ementa:
³$DQWLJDQRomRGHSURSULHGDGHTXe não vedava ao proprietário senão o uso
contrário às leis e regulamentos, completou-se com o da sua utilização posta
ao serviço do interesse social; a propriedade não é legítima senão quando se
52
WUDGX] SRU XPD UHDOL]DomR YDQWDMRVD SDUD D VRFLHGDGH´ 67) ± Pleno,
17.06.42 ± Rel. Ministro Castro Nunes, SP, RT ± 147;785).
Verifica-se que em 1942 a Suprema Corte brasileira já se pronunciava sobre o
princípio da função social da propriedade.
Já sob a égide da Constituição Federal de 1988, foi aprovado o novo Código
Civil Brasileiro em 2002, que alterou o instituto da propriedade em relação à codificação
anterior, expressando-o da seguinte maneira no artigo 1228:
³O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-
la do poder GHTXHPTXHUTXHLQMXVWDPHQWHDSRVVXDRXGHWHQKD´
O atual Código Civil recepcionou em seu texto o princípio da função social da
propriedade, dispondo no §1º do artigo 1228 que:
³R GLUHLWR GH SURSULHGDGH GHYH VHU H[HUFLGR HP FRQVRQkQFLD FRP DV VXDV
finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de
conformidade como estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como
evitada a poluição do ar e das águaV´
Já observando o exposto pela nova legislação, Cezar Fiúza (2002) conceituou o
instituto da propriedade, caracterizando-a como:
³$VLWXDomRMXUtGLFDFRQVLVWHQWHHPXPDUHODomRGLQkPLFDHQWUHXPDSHVVRD
o dono, e a coletividade, em virtude da qual são assegurados àquele os
direitos exclusivos de usar, fruir, dispor e reivindicar um bem, respeitados os
GLUHLWRVGDFROHWLYLGDGH´
A legislação civil pátria ruma para um entendimento mais social da propriedade
no momento que atende os anseios da sociedade, incluindo no seu bojo a recepção
deste importante princípio da função social da propriedade. No entanto, a efetividade
deste princípio deve fazer parte de uma modificação no pensamento jurídico vigente,
dependendo, inclusive, de uma renovada mobilização social e política em torno da
questão urbana, sendo crucial a disseminação de informações sobre a construção
desse novo paradigma do direito à propriedade, principalmente, pela conscientização
GRV ³RSHUDGRUHV GR GLUHLWR´ MXt]HV SURPRWRUHV GHIHQVRUHV S~EOLFos, professores de
direito e juristas em geral.
53
No entanto, se faz necessária relacionar a interpretação do direito à propriedade
com o chamado direito à moradia. Instituto novo no ordenamento jurídico brasileiro que
será analisado mais adiante.
2.2 A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA COMO CONSOLIDAÇÃO DO DIREITO A
MORADIA
Pouco se avançou na regularização fundiária de assentamentos ocupados pela
população de baixa renda no Brasil. Poucos municípios conseguiram implemen-la e a
maioria dos programas desenvolvidos não contempla a constituição do registro dos
títulos em Cartórios de Imóveis, culminando com a não inscrição da transferência
realizada, deixando a matrícula do imóvel no formato original, sem demonstrar qualquer
ação de legalização.
Este item apresenta as bases conceituais da regularização fundiária como
consolidação do direito à moradia, para, em seguida, apresentar as diversas
conceituações e os instrumentos de regularização fundiária no arcabouço jurídico
brasileiro.
2.2.1 Bases Conceituais da Regularização Fundiária
Regularização fundiária, atualmente, deixa de ser uma vontade discricionária do
poder público, constituindo-se num direito subjetivo do morador ocupante.
A função social e ambiental da propriedade e da cidade deixa de ser um
princípio retórico e passa a ter consistência no atual momento jurídico brasileiro
posterior a promulgação da Constituição Federal de 1988 e, principalmente, com a
DSURYDomRGR(VWDWXWRGDV &LGDGHV³(VVH SULQFtSLRGD IXQomRVRFLDOHDPELHQWDOGD
propriedade e da cidade se traduz, na ordem constitucional brasileira, em quatro
direitos coletivos novos e inter-UHODFLRQDGRV´(FERNANDES, 2004:29).
Esse conjunto de direitos coletivos se constitui no novo ramo do direito brasileiro,
de maneira autônoma, que é o DireitR 8UEDQtVWLFR2 REMHWR GRGLUHLWRXUEDQtVWLFR³p
54
promover o controle jurídico dos processos de desenvolvimento urbano, processos uso
HRFXSDomRSDUFHODPHQWRHJHVWmRGRVROR´FERNANDES, 2004:29).
Direito ao planejamento das cidades;
Direito à participação democrática nas decisões de ordem urbanísticas;
Direito à regularização fundiária;
Direito à preservação ambiental.
Dos quatro novos direitos coletivos supracitados, foca-se nesta dissertação no
direito à regularização fundiária, que, com a aprovação da Emenda Constitucional nº 26
de 2000, ganha uma dimensão de um direito social muito mais amplo - o direito à
moradia.
Uma moradia é adequada quando garante segurança jurídica da posse,
disponibilidade de serviços e infra-estrutura básicos, gastos condizentes com a
realidade do morador, habitabilidade, acessibilidade, localização e adequação cultural,
e, para garantir o direito à moradia o Estado deve promover ações de implementação
desses itens.
No entanto, a moradia representa um dos custos mais caros para sua efetivação
nos países comprometidos como o modo de produção capitalista. Num país como o
Brasil, constituído de uma população na sua maioria pobre e com o comprometimento
da sua capacidade de investimentos públicos, a questão da habitação tem apresentado
soluções ruins, pois, não agrega os valores de habitabilidade mínima ou, ainda, não
garante qualquer segurança jurídica da posse.
Atualmente, verifica-se que a moradia digna figura como um direito básico do ser
humano. Para o indivíduo desenvolver suas atividades com plena capacidade, se
integrando socialmente, é imprescindível possuir um local adequado para morar.
O provimento dessa necessidade se configura pela ocupação de espaço físico
adequado, mas, outros elementos, tais como: fatores culturais, econômicos e
ambientais, determinam a questão habitacional, definindo o padrão mínimo desejável.
Admitidas essas variações, conclui-se que a habitação satisfatória consiste em
55
pressuposto para a dignidade da pessoa humana, consistindo num fundamento
defendido pelo Estado Brasileiro.
Historicamente, o processo de conquista de direitos da pessoa humana decorre,
inicialmente, das correntes de pensamento do Jusnaturalismo e do Iluminismo que,
inspiraram a positivação dos direitos naturais, como o direito à vida, a igualdade e
liberdade, através do processo de constitucionalização desses direitos. O poder estatal
passa a ser limitado pelos direitos individuais da pessoa humana, direitos civis e
políticos, considerados como direitos humanos de primeira geração. Busca-se garantir
a liberdade frente ao Estado.
Posteriormente, foram normatizados os direitos humanos de segunda geração,
caracterizados como direitos econômicos, sociais e culturais que, baseados nas lutas
sociais da classe trabalhadora e nas correntes de pensamento do socialismo, bem
como, na situação política e econômica pós-primeira guerra mundial e nas revoluções
mexicana e soviética, impulsionaram uma nova mudança no papel do Estado,
constituído como um instrumento de proteção e provimento das classes menos
favorecidas.
Nelson Saule Jr. (1999) citando Levandowsky aponta para a mudança no papel
do Estado,
³justamente para atender os anseios e necessidades de novo homem é que o
Estado foi obrigado a abandonar o seu posicionamento passivo e assumir um
papel mais ativo, notadamente após a Primeira Guerra Mundial. Surgiu, assim
o estado intervencionista, planejador, o Estado prestador de serviços,
entidade que alguns chamam, como foi visto, de Estado Social de Direito, em
oposição ao Estado Liberal de Direito, eminentemente abstencionista. Nas
sociedades industriais mais avançadas fala-se inclusive, no Welfare State, no
Estado ativamente voltado ao bem estar de seus cidadãos. O novo papel
desse Estado consiste, basicamente, em promover os direitos econômicos e
sociais, isto é, de colocar em prática uma vasta gama de prestações positivas
HPEHQHItFLRGDFROHWLYLGDGH´
Neste sentido, é possível afirmar que, os direitos humanos se consolidaram
como um tema global, tendo como marco inaugural a universalização dos direitos,
baseadas na Declaração Universa dos Direitos Humanos de 1948, estabelecida pelas
56
Nações Unidas. Os indivíduos se transformam em sujeitos de direitos, possuindo
capacidade postulatória para efetiva proteção e implementação de seus direitos,
perante outros indivíduos, o próprio estado e organismos internacionais de proteção de
direitos humanos.
Nelson Saule Jr. (1999: 65) traz que:
³O processo de universalização e multiplicação dos direitos configura um
rompimento com o sistema tradicional de relação do indivíduo, sujeito de
direitos somente no âmbito do Estado do qual é cidadão, de modo a
estabelecer um novo cidadão, o cidadão do mundo sujeito de direitos
XQLYHUVDLVUHFRQKHFLGRFRPRXPVXMHLWRGHGLUHLWRLQWHUQDFLRQDO´
Nesta nova visão da ação do Estado, verifica-se a inserção do direito à moradia
que, é reconhecido como um direito humano em diversas declarações e tratados
internacionais de direitos humanos do qual o Estado Brasileiro é parte, tais como:
1. Declaração Universal de Direitos Humanos ± 1948;
2. A Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial ± 1965;
3. Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ± 1966;
4. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos ± 1966;
5. Declaração Sobre Assentamentos Humanos de Vancouver ± 1976;
6. Convenção Internacional de Proteção dos Direitos de Todos os
Trabalhadores Migrantes e Membros de sua Família ± 1977;
7. Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Contra a Mulher ± 1979;
8. Convenção Sobre os Direitos da Criança ± 1989; e
9. Agenda 21 Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento ± 1992.
57
Destacam-se as assertivas sobre o direito à moradia integrantes dos textos da
Declaração Universal dos Direitos Humanos e do Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais.
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos o direito à moradia encontra-se
elencado no seu Art. XXV, ao dispor:
Toda pessoa tem o direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a
sua família saúde e bem-estar, alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais indispensáveis, direito a segurança em caso de
desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos
meios de subsistência em circunstância fora do seu controle
A moradia caracteriza-se juntamente a outros direitos sociais como um item
primordial para efetivação da vida humana com dignidade. Não basta suprir a
necessidade de habitação da sociedade, para garantia de um padrão de vida digna, se
faz necessário garantir o conjunto de itens com dependência e relação intrínsecas, ou
seja, o Estado deve compatibilizar suas ações na busca da efetivação desses direitos.
Já o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais no seu Art.
11, traz no seu bojo o argumento principal para reconhecimento do direito à moradia
como um direito humano e, através do qual, obrigam os Estados participantes a
promoção e proteção do direito à moradia. O Estado brasileiro é signatário do Pacto,
fundamentando sua responsabilidade e obrigação no provimento desse direito.
O mencionado Art. 11 tem a seguinte redação:
³2V(VWDGRV-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a
um nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à
alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria
contínua de suas condições de vida. Os Estados-partes tomarão medidas
apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo,
nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada
QROLYUHFRQVHQWLPHQWR´
O direito à moradia é integrante da categoria dos direitos humanos, reafirmado
como tal, na segunda Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos
± Habitat II. Sob aspectos políticos e sociais essa reafirmação deste direito e
58
obrigações dos Estados teve uma primordial importância para o desenvolvimento do
direito à moradia, pois, estabeleceu um conjunto de princípios, metas, compromissos e
um plano global de ação visado a orientar, nas duas primeiras décadas do próximo
século, os esforços nacionais e internacionais no campo da melhoria dos
assentamentos humanos.
A Agenda Habitat no seu Capítulo III, parágrafo 24, reconhece o direito à
moradia da seguinte maneira:
³1yVUHDILUPDPRVQRVVRFRPSURPLVVRSDUD a plena e progressiva realização
do direito à moradia, provido por instrumentos internacionais. Neste contexto,
nós reconhecemos a obrigação dos Governos de capacitar as pessoas para
obter habitação e proteger e melhorar as moradias e vizinhanças. Nós nos
comprometemos com a meta de melhorar as condições de vida e de trabalho
numa base sustentável e equitativa, pelo qual todos terão adequada
habitação sadia, segura, protegida, acessível, e disponível e que incluí
serviços básicos, e o gozo de liberdade frente a discriminações de moradia e
segurança jurídica de posse. Nós devemos implementar e promover este
objetivo de maneira plenamente consistente com as normas de direitos
KXPDQRV´
No mesmo texto, a Agenda Habitat disciplina a responsabilidade dos Estados na
promoção do direito à moradia, ao dispo:
³7RGRV RV *RYHUQRV VHP H[FHomR WHP D UHVSRQVDELOLGDGH QR VHWRU GH
habitação, como por exemplo, através da criação de ministérios de moradia
ou agências, através de alocação de fundos para o setor de moradia e por
VXDVSROtWLFDVSURJUDPDVHSURMHWRV´
O direito à moradia deve ser garantido pela ação do Estado, mediante a
promoção de políticas públicas que envolva a população no planejamento e
implementação das ações, através de fóruns e conselhos que, discuta desde a
destinação de recursos, até uma possível modificação da legislação vigente, no sentido
de garantir a efetivação e proteção deste direito.
O Comentário Geral nº 4 do Comitê das Nações Unidas de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais ratifica os elementos essenciais do direito à moradia e estabelece
as obrigações do Estado quanto à sua proteção e promoção, tornando-se um
59
instrumento internacional fundamental de interpretação deste direito. O mencionado
comentário é reproduzido abaixo:
³GHILQHRVHOHPHQtos do direito à moradia que devem ser objeto de proteção e
garantia: a) Segurança Jurídica da Posse: todas as pessoas devem possuir
um grau de segurança de posse que lhes garanta a proteção legal contra
despejos forçados, expropriação, deslocamentos, e outros tipos de ameaças;
b) Disponibilidade de Serviços e infra-estrutura: acesso ao fornecimento de
água potável, fornecimento de energia, serviço de saneamento e tratamento
de resíduos, transporte, iluminação pública; c) Custo da Moradia Acessível:
adoção de medidas para garantir a proporcionalidade entre os gastos com
habitação e a renda das pessoas, criação de subsídios e financiamentos para
os grupos sociais de baixa renda, proteção dos inquilinos contra aumentos
abusivos de aluguel; d) Habitabilidade: a moradia deve ser habitável, tendo
condições de saúde, física e de salubridade adequadas; e) Acessibilidade:
constituir políticas habitacionais contemplando os grupos vulneráveis, como
os portadores de deficiência, os grupos sócias empobrecidos, vítimas de
desastres naturais ou de violência urbana, conflitos armados; f) Localização:
moradia adequada significa estar localizada em lugares que permitam o
acesso às opções de emprego, transporte público eficiente, serviços de
saúde, escolas, cultura e lazer; g) Adequação Cultural: respeito à produção
social do habitat, à diversidade cultural, aos padrões habitacionais oriundos
GRVXVRVHFRVWXPHVGDVFRPXQLGDGHVHJUXSRVVRFLDLV´
É possível identificar o direito à moradia como integrante dos direitos humanos,
e como parte dos direitos fundamentais defendidos pelo Estado Brasileiro, bem como,
a sua incorporação no sistema normativo brasileiro, tendo em vista os tratados
internacionais supramencionados, e o disposto na Constituição Brasileira no Art. 5º,
parágrafo 2º:
³2V GLUHLWRV H JDUDQWLDV H[SUHVVRV QHVWH &RQVWLWXLomR QmR H[FOXHP RXWURV
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
LQWHUQDFLRQDLVHPTXHD5HS~EOLFD)HGHUDWLYDGR%UDVLOVHMDSDUWH´
Esse texto constitucional disciplinou com base nos princípios da própria
Constituição a incorporação dos direitos reconhecidos e protegidos pelos tratados e
convenções internacionais que o Estado brasileiro seja signatário. Dentre eles, se
insere o direito à moradia.
60
Posteriormente, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 26, o texto
constitucional brasileiro disciplinou o direito à moradia como um direito social. O Art. 6º
passou a ter a seguinte redação:
³6mRGLUHLWRVVRFLDLVD HGXFDomRDVD~GHRWUDEDOKRa moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
DVVLVWrQFLDDRVGHVDPSDUDGRVQDIRUPDGHVWD&RQVWLWXLomR´
Para contribuir com o debate, José Afonso da Silva (1998: 289) conceitua assim
os direitos sociais:
"Os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem,
são prestações positivas estatais, enunciadas em normas constitucionais, que
possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem
a realizar a igualização de situações sociais desiguais".
O ilustre constitucionalista explicita, também, que os direitos sociais têm
conexão direta com o direito da igualdade. Os direitos sociais representam para o
Estado, o compromisso no equilíbrio das diferenças sociais, assegurando-se, pelo
menos, um mínimo básico para todos, incluindo neste mínimo, o quesito da moradia
com todos os seus elementos, já explicados nesta dissertação.
Anteriormente à modificação do Art. 6º da Constituição Federal para incluir o
direito à moradia no rol dos direitos sociais, verifica-se que o direito à moradia já era
disciplinado no texto constitucional no seu Art. 7º, inciso IV, como direito do trabalhador
urbano e rural a um
"salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de
atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com
moradia
2
, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte
e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder
aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim".
A moradia foi prevista, também, no quesito da competência comum da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para ³SURPRYHU programas de
2
Grifo do autor
61
construção de moradias e melhorias das condições habitacionais e de
VDQHDPHQWREiVLFR´
3
, nos termos do Art. 23 da Constituição Federal.
Percebe-se, então, que o direito à moradia é um direto essencial, já há muito
tempo regulado pelo legislador constitucional que, encontra-se fortalecido com sua
previsão no texto do Art. 6º; proporcionando, pelo menos, uma maior possibilidade de
sua concretização.
No entanto, o tema do direito à moradia não se esgota nesse mandamento, as
ações dos entes federativos em prol da habitação, revelam-se de acordo com as suas
competências previstas no dispositivo constitucional.
Dito isso, é imprescindível comentar que a Federação Brasileira tem como
fundamento a definição das obrigações e deveres da União, Estados e Municípios,
divididos através das ações de competências privativa, comum ou concorrente.
A Constituição Federal no seu Art. 21, inciso XX disciplina a competência da
União para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação,
saneamento básico e transportes urbanos. Constituindo-se num importante instrumento
para a definição da política urbana que deve ser promovida pela União, Estados e
Municípios.
Cabe, também, privativamente à União a competência para legislar sobre as
normas de Direito Civil, ou seja, somente a União pode disciplinar as relações privadas
sobre o direito à moradia e o direito de propriedade, como isso determina
incisivamente, a instituição da política fundiária vigente no país.
Os artigos 23 e 24 do texto constitucional distribuem as competências comuns e
concorrentes entre os entes do Estado brasileiro, contendo vários incisos que fazem
menção ao tema do direito à moradia.
O artigo 24 da Constituição cuida da capacidade de editar normas jurídicas
sobre o ramo do Direito Urbanístico, tais como o Estatuto da Cidade que, instituiu as
diretrizes e objetivos da política urbana nacional ao regulamentar os artigos 182 e 183
da Constituição Federal.
3
Grifo do autor
62
Por sua vez, o artigo 23, inciso IX, estabelece a competência e o dever da
União, Estados e Municípios promoverem programas de construções de moradia e a
melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico, principalmente, para
atendimento dos grupos empobrecidos da população que, são excluídos do mercado
formal de habitação, mediante a realização de programas de habitação de interesse
social, como por exemplo, o de regularização fundiária de favelas.
Conseqüentemente, tem o surgimento do dever para cada ente federativo no
sentido de formular e adotar políticas e medidas públicas voltadas para os fins ali
dispostos. Ressalta-se que a atuação isolada de um ente, não desobriga o dever dos
demais, a competência, os deveres e as responsabilidades são comuns aos todos.
No entanto, segundo o entendimento ainda corrente, as normas programáticas,
tais como as dispostas nos artigos mencionados, essencialmente, sinalizam o dever do
Estado, mas, não contemplam a questão de modo a tornar prontamente exigível essa
ou aquela ação concreta. Salta aos olhos, mais um exemplo de mediação dos conflitos,
utilizando-se um mecanismo jurídico de dispersão, neste caso, de neutralização.
Para tornar as ações exigíveis, poderá ser necessária a edição de novas
legislações de organização das ações estatais, tais como no Recife foi instituída a
legislação do Prezeis. É fácil perceber que dificilmente terá respaldo judicial o pleito
pela entrega de casas para essa ou aquela família, obrigando o Estado. No máximo, é
possível haver uma cobrança via Poder Judiciário para que o Estado deixe sua
omissão, declarando-o obrigado a estabelecer os programas para cumprimento de
suas obrigações.
Marcos Pinto Correia Gomes (2005: 01) cita uma decisão do Supremo Tribunal
Federal, abaixo transcrita, que aponta sobre a possibilidade de ação judicial para
viabilização das ações que versam sobre as competências inseridas nos artigos 23 e
24 da Constituição Federal.
"Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de
opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam
investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela
absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de
atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de
modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar,
63
comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais,
afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de
um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível
consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas
necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do
indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedente já enfatizado ± e até
mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico ± a possibilidade
de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso
aos bens cuja frXLomROKHV VHMD LQMXVWDPHQWHUHFXVDGDSHOR (VWDGR´67)-
ADPF 45 ± DF).
O eminente autor continua a sua exposição sobre os direitos sociais e a sua não
efetividade, colocando-a não como uma crise do próprio sistema normativo, mas, sim
na não concretização pelo Estado. Nesse seu texto, cita Boaventura de Souza Santos
ao afirmar que
³a verdadeira crise não esteve em última análise no Direito: esteve e ainda
está, sim, na concretização do Estado de Providência, o qual daria
sustentação àquelas normas; ele não consegue aprofundar seu papel, e em
SDtVHVSHULIpULFRVFRPRR%UDVLOQRPi[LPRVmRHVERoDGRV´
Aponta que, ainda que os pensadores desse ideal de Estado possam ter sido
bem intencionados, historicamente, o Estado de Bem-Estar Social libertou o setor
privado da responsabilidade pela crise social existente, sem proporcionar soluções
definitivas para os problemas inerentes ao processo de modo de produção do Estado
capitalista.
Em que pese à discussão acima elencada, conclui-se que pelo texto
constitucional, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem preparar
e executar ações, programas e planos habitacionais e de regularização fundiária.
Todos os entes da Federação Brasileira são obrigados a elaborar programas nessa
temática sob o olhar da legislação vigente.
Neste ensejo, verifica-se que o Município por força do Art. 182 da Constituição
Federal é o principal ente federativo responsável pela execução da política urbana, ou
seja, deverá promover um amplo programa habitacional, recorrendo a diversas
medidas, individuais ou complementares para solucionar as diferentes causas e
contextos dos problemas habitacionais, por exemplo, constituindo órgãos específicos
64
de habitação e programas de habitação de interesse social; instituindo instrumentos
jurídicos e urbanísticos de uso e ocupação do solo; incentivo ao setor privado para
cooperação no direcionamento das ações à camada social excluída do mercado
imobiliário; alterando o zoneamento da cidade para inclusão de áreas como Zonas
Especiais de Interesse Social; e formulação de programas de regularização fundiária.
No Município do Recife, a execução de um programa de regularização fundiária,
denominado PREZEIS, instituído através de um instrumento jurídico, constitui no objeto
principal dessa pesquisa, a ser abordado no próximo capítulo. Nesse sentido, ressalta-
se a importância de explorar as diferentes conceituações e instrumentos de
regularização fundiária mais aplicados.
2.2.2 Conceituações sobre a regularização fundiária
Para entender melhor o que é a regularização fundiária, utiliza-se o conceito
adotado por Betânia Alfonsin (1997:24):
³5HJXODUL]DomR IXQGLiULD p R SURFHVVR GH LQWHUYHQomR S~EOLFD VRE RV
aspectos jurídico, físico e social, que objetiva legalizar a permanência de
populações moradoras de áreas urbanas ocupadas em desconformidade com
a lei para fins de habitação, implicando acessoriamente melhorias no
ambiente urbano do assentamento, no resgate da cidadania e da qualidade
GHYLGDGDSRSXODomREHQHILFLiULD´
Este conceito traz uma preocupação tripartite. São as dimensões da legalização
da posse, da urbanização do ambiente e da inclusão social da população.
A execução da regularização fundiária deve abranger ações de natureza jurídica,
urbanística, física e social. Esse processo deve ser construído numa conjuntura
interdisciplinar para que ocorra uma realização completa, de forma conjunta e
integrada, de todas as dimensões da regularização fundiária. Não se tratando de
etapas de trabalho, mas, sim de dimensões de uma política pública que, deverão ser
atendidas para uma completa efetivação das ações de regularização fundiária pelo
poder público.
65
As políticas de regularização fundiária aplicadas neste contexto têm o condão de
modificar o quadro de exclusão social e segregação territorial existente nas cidades
EUDVLOHLUDV ³2 UHVSHLWR DRV GLUHLWRV KXPDQRV H D EXVFD SHOD TXDOLGDGH GH YLGD GD
população de baixa renda atingida por esses projetos são aspectos indissociáveis da
regularização fundiária, e ninguém ousaria dizer que esses efeitos não causem impacto
QDGLPLQXLomRGDVHJUHJDomRXUEDQD´$/)216,1LQ)(51$1'(6
No entanto, o conceito citado acima, é resultado de uma evolução dos debates,
para designação de um processo de intervenção pública, que, anteriormente, poderia
ser atribuído a três visões principais sobre o tema.
A regularização fundiária era aplicada de acordo com o pensamento político
desenvolvido. Muitas vezes apenas como fator de benefícios políticos e eleitorais.
Adotando-se, simplesmente, a aspectos de legalização jurídica dos lotes; de
urbanização dos assentamentos, ou, ainda, apenas da regularização urbanística da
área.
Passaremos a discutir cada uma dessas visões políticas sobre a regularização
fundiária.
2.2.2.1 Regularização jurídica de lotes
Nessa concepção, a ação de regularização fundiária fica restrita unicamente à
legalização jurídica dos lotes em nome dos moradores.
Desta maneira, desconsidera-se o desenho físico da comunidade e, busca-se
garantir através de instrumentos jurídicos a permanência dos moradores no local de
origem. A preocupação estaria em transformar a posse precária das famílias, numa
situação de legalidade.
Verifica-se a importância dada a esta maneira de atuação da regularização
fundiária, tendo em vista, a preocupação das famílias sobre a manutenção das suas
casas, pois, após sua aplicação, desaparece o medo dos despejos e expulsões
forçadas, fato que se desenvolve na comunidade, uma série de iniciativas, sejam
individuais ou coletivas, para melhoria das condições de convivência na área de
moradia.
66
No entanto, esta visão sofre severas críticas, pois, termina não atendendo as
famílias moradoras da comunidade em todas as suas necessidades, tais como: água
potável, sistema de coleta de esgoto, sistema de acessos viários, educação e lazer.
2.2.2.2 Urbanização do assentamento
Nesta segunda percepção, o termo regularização fundiária é apontado apenas
no contexto da regularização física da comunidade, ou seja, o foco é na reorganização
do espaço existente, através do desenvolvimento de projeto urbanístico, que visa
garantir a melhoria das condições do assentamento, implementando a infra-estrutura
básica necessária para uma melhor qualidade de vida da população.
A regularização fundiária desenvolvida neste enfoque traz uma grande
transformação da comunidade beneficiada, tendo em vista a melhoria da qualidade de
vida das populações residentes.
A grande problemática de garantir a urbanização da área sem a legalização
jurídica dos lotes é o risco de expulsão das famílias, através de despejos e, também, o
desperdício de dinheiro público, pois, pode haver uma substituição das famílias
residentes e uma apropriação do espaço renovado pelos proprietários dos terrenos.
2.2.2.3 Regularização urbanística
Nesta vertente da regularização fundiária, o enfoque é trazer o assentamento
irregular à baila da legislação urbanística. Busca-se garantir a adequação da condição
da comunidade na legislação urbanística vigente.
Na aplicação desta visão, verifica-se uma flexibilização da legislação que deverá
constar como instrumento que torne realidade a interação entre a cidade real e a legal.
A aplicação deste pensamento pode ser efetuada de duas maneiras. No primeiro
formato, busca-se adaptar a comunidade à legislação vigente, e no segundo, adapta-se
a legislação à realidade da área trabalhada.
67
Este segundo enfoque tem sido mais efetivado nas experiências desenvolvidas,
pois, é reconhecido o padrão especial do assentamento e sua impossibilidade de
seguir o formato originalmente proposto para o local. Buscam-se novos padrões
urbanísticos em consonância com a ocupação existente.
O primeiro tratamento ofertado se constituiu em mais um obstáculo, pensado
pelo Estado, à manutenção das famílias nas áreas objeto da regularização fundiária,
pois, é quase impossível realizar uma readequação de uma favela, para obedecer aos
parâmetros urbanísticos vigentes, sem praticamente desfazê-la quase na íntegra.
2.2.3 Instrumentos da Regularização Fundiária
Para efetivação de uma política de regularização fundiária é necessária a
utilização de instrumentos jurídicos que, possibilitem a efetiva concretização da ação.
Instrumentos esses, previstos no sistema normativo brasileiro, que podem variar
dependendo da situação da natureza jurídica do terreno, ocupado pela população, a
ser regularizado.
O primeiro passo no processo de regularização fundiária é a realização do
diagnóstico fundiário, entendido, pelo resultado que identifica a situação jurídica da
área trabalhada, por exemplo, se a comunidade está situada sobre um terreno público
ou privado.
O resultado adquirido com o diagnóstico fundiário determinará os procedimentos
a serem adotados na ação de regularização, principalmente, no que se refere aos
instrumentos jurídicos.
Neste sub-item serão analisados quatro desses instrumentos: zonas especiais
de interesse social, concessão de direito real de uso, concessão de uso especial para
fins de moradia e usucapião constitucional urbano. Dentre esses, os dois primeiros são
os instrumentos mais utilizados pelo poder municipal na regularização fundiária das
ZEIS do Recife, objeto central desta dissertação, a ser analisado de forma mais
aprofundada no Capítulo 3.
68
2.2.3.1 Zonas Especiais de Interesse Social
O zoneamento do uso do solo configura-se como um importante instrumento
para desenvolvimento de ações de planejamento urbano municipal. Destina-se a
efetivação das diretrizes de uso do solo estabelecidas no Plano Diretor.
Neste sentido, o eminente constitucionalista José Afonso da Silva (2000: 232)
conceitua o instrumento, apontando que:
³R ]RQHDPHQWR SRGH VHU HQWHQGLGR FRPR XP SURFHGLPHQWR XUEDQtVWLFR
destinado a fixar os usos adequados para as diversas áreas do solo
municipal. Ou destinado a fixar as diversas áreas para o exercício das
IXQo}HVXUEDQDVHOHPHQWDUHV´
O mesmo autor (2000: 232, 233) observa que esse procedimento:
³WHP SRU REMHWLYR UHJXODU R XVR GD SURSULHGDGH GR VROR H GRV HGLItFLRV HP
áreas homogêneas, no interesse do bem-estar da população. Ele serve para
encontrar lugar para todos os usos essenciais do solo e dos edifícios na
comunidade e colocar cada coisa em seu lugar adequado, inclusive as
atividades incômodas. Não é modo de excluir uma atividade indesejável,
descarregando-a nos Municípios vizinhos. Não é meio de segregação racial
ou social. Não terá por objetivos satisfazer interesses particulares, nem de
determinados grupos. Não será um sistema de realizar discriminação de
qualquer tipo. Para ser legítimo, há de ter objetivos públicos, voltados para
UHDOL]DomRGDTXDOLGDGHGHYLGDGDVSRSXODo}HV´
Esse instrumento foi apropriado pelos movimentos sociais, capitaneados, pelo
movimento de reforma urbana, na luta pela consolidação do direito à moradia, criando
a figura da zona especial de interesse social, visando quebrar o processo de
segregação que o instrumento do zoneamento pode gerar, quando mal utilizado,
protegendo interesses do mercado imobiliário, por exemplo.
A criação das ZEIS possibilitou o reconhecimento legal dos assentamentos
pobres, constituídos pelas ocupações irregulares do solo urbano. Cria um conjunto de
normas específicas, baseadas nas características dos assentamentos de baixa renda.
Betânia Alfonsin expõe sobre a importância deste instrumento no contexto
brasileiro, afirmando que:
69
³$V=(,6VmRXPLQVWUXPHQWRLQRYDGRUQRFRQWH[WRGRSODnejamento urbano
brasileiro, na medida em que rompem com a dinâmica segregatória do
zoneamento de usos tradicional, que diante da favela demonstrava toda a sua
impotência. A instituição de uma área especial de interesse social pressupõe
ainda uma nova postura do planejador urbano, já que tem implícito um
reconhecimento do Poder Público de que a produção da baixa renda é,
WDPEpPSURGXWRUDHFRQVWUXWRUDGDFLGDGH´,Q)(51$1'(6
Reconhece-se o direito a diferença ao dotar os assentamentos de baixa renda
de um tratamento urbanístico diverso do restante do território da cidade. Neste
exercício, busca-se garantir um imperativo do direito humano, caracterizado pelo direito
à moradia.
Outro aspecto é observado na implementação das ZEIS, que é a prevenção, ou
melhor, inibição da apropriação das ações de regularização fundiária pelo poderoso
mercado imobiliário. Busca-se garantir que a área regularizada seja mantida à
população beneficiária.
A institucionalização das ZEIS busca compatibilizar os princípios da função
social da propriedade com o da função social da cidade, pois, automaticamente,
transformando uma área em ZEIS, quebra o livre usar, gozar e dispor, inerentes a
propriedade, o proprietário passa a obedecer às novas normas para utilização de seu
imóvel.
2.2.3.2 Concessão de Direito Real de Uso
O instrumento da Concessão de Direito Real de Uso foi instituído pelos artigos
7º e 8º do Decreto ± Lei nº 271 de 28 de fevereiro de 1967, com fins de utilização em
terrenos públicos ou particulares.
É direito real resolúvel, constitui-se por instrumento público, particular ou por
termo administrativo; pode ser remunerada ou gratuita, por tempo certo ou
indeterminado, com finalidade, expressa no artigo 7º, caput, do Decreto ± Lei:
urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, ou outra utilização de
interesse social.
70
É transferível por ato intervivos ou causa mortis, pode ser rescindido antes do
período contratual estipulado, se o concessionário der ao imóvel destinação diversa da
especificada no instrumento, ou descumprir qualquer cláusula contratual, perdendo as
benfeitorias que tinha posse.
A utilização do contrato de CDRU entre o Poder Público e o particular deverá ser
precedida de prévio processo licitatório, na modalidade de concorrência, para ser
escolhida a melhor oferta. A Lei Federal de Licitação indica alguns casos de dispensa
da licitação, dentre eles está a utilização do contrato de concessão de direito real de
uso de bens imóveis construídos e destináveis ou efetivamente utilizados em
programas habitacionais de interesse social.
A Administração Pública poderá, em sua política habitacional, realizar a
regularização fundiária dos assentamentos habitacionais de baixa renda já existentes,
sem que seja necessário um processo de licitação; justifica-se esta dispensa por ser
impossível o confronto de ofertas, nenhum morador teria condições de competir numa
licitação com grandes grupos imobiliários, tornando inviável a existência da licitação.
Posteriormente, a promulgação da Constituição Brasileira de 1988, este
instrumento passou a ser mais conhecido, tendo em vista sua inclusão no Artigo 183 do
texto constitucional.
No Recife, foi recepcionado, já em 1987, pela Lei nº 14.947 que instituiu o
Programa de Regularização das ZEIS ± PREZEIS, constituindo-se numa referência dos
processos de regularização fundiária em favelas do Brasil.
2.2.3.3 Concessão de Uso Espacial Para Fins de Moradia
Este instrumento foi instituído pela Medida Provisória nº 2220/01 que, ganhou
força de Lei pela aprovação da Emenda Constitucional nº 32.
Configura-se como um instrumento semelhante ao anteriormente exposto, mas,
apresenta uma grande diferença ao se constituir como um direito do morador ocupante.
É um direito garantido para regularizar áreas públicas. Na linguagem trivial, configura-
se como uma verdadeira ação de usucapião de terreno público.
71
Trata-se de direito real, podendo gerar ações contra qualquer pessoa que queira
violá-lo. A Concessão Especial é formalizada através de contrato entre o Poder Público
e o ocupante da área pública, ou por uma sentença judicial. Devendo, a Concessão,
ser levada para registro no Cartório de Imóveis para possuir eficácia.
Os moradores beneficiados devem atender aos seguintes requisitos: somar
cinco anos de posse mansa e pacífica sobre terreno público urbano de até 250m2, até
30 de junho de 2001; e utilizar o terreno para fins de moradia, sem serem proprietários
de outro imóvel urbano ou rural.
Com a Concessão Especial o morador não será dono do imóvel, a propriedade
continua em poder da administração pública, que concede ao ocupante o direito de
usar o bem.
Foi instituída, também, a possibilidade de se obter a Concessão de Uso Especial
Para Fins de Moradia de forma coletiva. Tem os mesmos requisitos da Concessão
individual, devendo ser utilizadas em terrenos maiores de 250m2 e não for possível
individualizar os terrenos ocupados por cada possuidor, ou seja, facilita os processos
de regularização fundiária. Podendo funcionar como um condomínio, concedendo
partes do todo na forma de frações ideais, que poderão ser idênticas ou diferenciadas.
2.2.3.4 Usucapião Constitucional Urbano
A Constituição Federal de 1988 instituiu uma nova modalidade de usucapião,
prevendo a utilização para regularização das ocupações localizadas em terrenos
particulares, observando apenas o prazo de cinco anos de posse, numa área de até
250m2, destinada à moradia própria ou da família.
Essa nova possibilidade da usucapião, também, se constituiu numa bandeira de
luta, incorporada pelo movimento pela reforma urbana. Configurando-se numa grande
conquista para implementação de programas de regularização fundiária. A diminuição
do prazo para cinco anos nos terrenos localizados na área urbana das cidades,
anteriormente fixados em 10 ou em 20 anos, pode ser considerada uma busca pelo
atendimento do princípio da função social da propriedade.
72
É um instrumento de regularização fundiária de áreas particulares ocupadas por
população de baixa renda para fins de moradia.
O Usucapião é uma das formas originária de aquisição da propriedade
imobiliária, sendo imprescindível que o ocupante trate da área objeto da Usucapião
como sendo sua, sem que haja oposição de terceiros e por um determinado lapso de
tempo.
Tal aquisição se efetivará por declaração judicial, que determinará a transmissão
do domínio pleno da área usucapida, ou seja, a propriedade com suas características
inerentes de uso, gozo e disponibilidade, sempre respeitando a função social da terra.
Além da Constituição Federal, este instituto é, também, previsto no Novo Código
Civil e no Estatuto da Cidade ± Lei Federal nº 10.250/2001.
73
3 A MEDIAÇÃO DOS CONFLITOS NA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
NAS ZEIS DO RECIFE
Neste capítulo é apresentada a mediação de conflitos efetivada pelo município
do Recife, no âmbito das lutas sociais pelo reconhecimento do direito à moradia,
através da política de regularização fundiária.
No primeiro momento, se apresenta os apontamentos sobre o crescimento das
cidades na América Latina e no Brasil, fortemente influenciado pelo modo de produção
capitalista, relacionando com o conflito de ocupação de terras no Recife. Analisam-se
as condições históricas deste processo e aborda a questão da ocupação das áreas
públicas.
Em seguida, é abordado o processo de institucionalização das ZEIS do Recife,
enfatizando o estágio atual das ZEIS, traçando um panorama sobre a atuação do
programa, relacionando as ZEIS instituídas (legislação, denominação, localização e
área), bem como, mostra-se rapidamente a atuação dos movimentos sociais na
formulação e aprovação do PREZEIS.
Na última parte, pretende-se detalhar o processo de regularização nas ZEIS,
apresentando um quadro geral do processo, aprofundado a análise sobre a CDRU e
apresenta o estudo de caso realizado.
3.1 O CONFLITO DE OCUPAÇÃO DE TERRAS NO RECIFE
Na América Latina, em geral, o crescimento urbano está relacionado, numa
primeira fase, com o desenvolvimento das funções urbanas associadas à economia
agrária, numa segunda fase, com o desenvolvimento capitalista industrial e urbano e,
na fase recente da pós-industrialização, com o desenvolvimento do capital financeiro e
o avanço do processo de globalização.
Vive-se cada vez mais em áreas urbanas, divididas e suscetíveis ao conflito.
O processo urbano, por sua vez, tem experimentado, também, uma
transformação de escala, inserindo-se na escala global. A cidade passa a ser
74
regida pelo capital imobiliário vinculado ao capital financeiro, ao capital
corporativo e ao um aparato de Estado cada vez mais imbuído por uma lógica
estritamente empresarial. (SOUZA, 2008).
Harvey, explica que o capital constrói, destrói e reconstrói o espaço urbano à
sua semelhança, para que sirva ao propósito maior defendido pelo sistema capitalista,
que é o processo de acumulação do capital (VALENÇA, 2008). O capitalismo constrói o
espaço de acordo sua imagem, com suas necessidades do momento. Constrói um
espaço dotado de infra-estrutura, transporte, tecnologia da comunicação e
organizações territoriais que servirão de instrumento à acumulação do capital,
mantendo o espaço daquela maneira, até o ponto que terão que modificar esse
espaço, ou seja, destruir e reconstruir o espaço para dá novo impulso para mais
acumulação.
3DUD+DUYH\pHVVHSURFHVVRGH³GHVWUXLomRFULDWLYD´TXHFDUDFWHUL]DRPRGR
de urbanização pós-moderna que tem despossuído as massas de todo direito
à cidade, quaisquer que sejam esses. O autor estima que metade das crises
financeiras dos últimos 30 anos teve origem na propriedade urbana e entende
que a crise surge como excedente de dinheiro sem destinação. Para o autor,
o direito à cidade está caindo cada vez mais em mãos de interesses privados
ou quase privados e os movimentos sociais não são suficientemente fortes
para convergir em torno do objetivo de obter maior controle sobre os usos do
excedente e muito menos sobre as condicionantes de sua produção.
(SOUZA, 2008)
O cerceamento ao direito à cidade cresce com o avanço do processo de
acumulação capitalista. As favelas surgem no Brasil no final do século XIX, em paralelo
com o avanço do capitalismo industrial. A população pobre do país, em geral residindo
em áreas precárias e sem infra-estrutura, foi paulatinamente sendo submetida a
processos de expulsão das áreas que moravam nas cidades, deslocando-se para
ORFDLV PDLV GLVWDQWHV H SHULIpULFRV ³$ SHULferização da camada pobre da população
aliou, o problema da moradia às dificuldades de transporte e à falta de infra-estrutura e
VHUYLoRVXUEDQRV´628=$
Com o crescimento das cidades através do advento da urbanização acelerada,
ocorrida no spFXOR;;DPDOKDXUEDQDXOWUDSDVVDDViUHDV³GHVWLQDGDV´jSRSXODomR
pobre. E parte da população das favelas em zonas centrais conseguiu resistir às
75
tentativas de expulsão e continua habitando nas zonas centrais das cidades. Em
decorrência, as favelas passam a integrar todo tecido urbano.
Estima-se que 44% da população da América Latina vive em favelas ou bairros
com infra-estrutura precária, segundo o estudo "Pobreza e Precariedade do Habitat nas
Cidades da América Latina e Caribe", divulgado pela Cepal - Comissão Econômica
para a América Latina e Caribe (ONU, 2005). No Brasil, a maioria da população
urbana, entre 40 e 70%, vive ilegalmente, sendo que em média 20% da população
vivem em favelas (FERNANDES, 2001). No Recife, estima-se que as favelas ocupem
15% da área territorial, concentrando mais de 50% da população (PREFEITURA DO
RECIFE, 1998).
Este item analisa as condições históricas de ocupação das áreas pobres do
Recife e aborda as condições de ocupação das terras de propriedade pública que mais
se relacionam com os estudos de caso aprofundados nesta pesquisa.
3.1.1 Condições Históricas de Ocupação das Áreas Pobres do Recife
A formação da Cidade e o seu desenvolvimento sempre estiveram ligados à
expansão e ao declínio de suas atividades comerciais, notadamente, vinculada à
monocultura da cana de açúcar. Situada entre o Oceano Atlântico, rios e alagados, o
Recife teve a origem de suas riquezas na atividade portuária e no comércio do açúcar.
Verifica-se que o processo de urbanização do Recife remete às heranças da época
colonial, fortemente marcada por relações patrimonialistas.
A ocupação do solo na Cidade se deu pela tomada de suas áreas pelas classes
mais ricas, gerando grande concentração de terra nas mãos de poucos, e uma
insuficiente oferta de moradia de baixo custo, o que provocou a principal forma de
acesso informal ao solo urbano, ou seja, a ocupação da terra. Essa ocupação foi
realizada de uma forma desordenada e inadequada às mínimas condições de
habitabilidade, pelos segmentos menos favorecidos da população, excluídos
socialmente, os quais utilizaram suas próprias forças para criar meios de suprir o déficit
de moradia, ocupando as precárias periferias das cidades ou áreas centrais que não
foram devidamente urbanizadas, correspondendo, também, a um processo de
VHJUHJDomR WHUULWRULDO $ ³H[FOXVmR VRFLDO H VHJUHJDomR WHUULWRULDO WrP GHWHUPLQDGR D
76
baixa qualidade de vida nas cidades, bem como contribuído diretamente para a
GHJUDGDomR DPELHQWDO H SDUD R DXPHQWR GD SREUH]D QD VRFLHGDGH XUEDQD´
(FERNANDES 2001:13).
A formação das favelas no Recife caracterizou-se por um processo gradativo e
de longa data. O início do processo das ocupações ocorreu no final do século XIX,
constituídas por palafitas e mocambos, construídas pela classe operária, biscateiros e
GHVHPSUHJDGRV³$HVFDVVH]GHWHUUDILUPHWRUQRXDLQGDPDLVDJXGRHFRQWUDGLWyULRR
SURFHVVRGHGHVHQYROYLPHQWRGDFLGDGH´)$/&2628=$
Em 1939, como uma prática de planejamento urbano e para valorização das
áreas centrais da cidade, o Governo Estadual promoveu uma grande expulsão de
moradores dos mocambos localizados em faixa de áreas alagadas (constituindo, em
JUDQGHSDUWHDV³WHUUDVGHPDULQKD´FRPDMXVWLILFDWLYDGDFRQVWUXomRGHXPDJUDQGH
obra de drenagem que integrou os setores norte e sul da cidade.
Inicia-se um processo de ocupação das áreas de morro do Recife, na maioria de
propriedade privada e desprovidas de infra-estruturas básicas, que passaram a se
constituir na maior concentração de população pobre da cidade, com mais de 200.000
SHVVRDV³&RPDWUDQVIHUrQFLDFRPSXOVyULDGHJUDQGHFRQWLQJHQWHGDSRSXODomRTXH
habitava os mangues, cerca de 20.000 pessoas emigraram do Recife. Grande parte
das que permaneceram na cidade dirigiu-VHSDUDRVPRUURVGD]RQDQRUWH´FALCÃO e
SOUZA, 1985:76).
Nas décadas de 1960-70, proliferam, também, os conjuntos habitacionais
populares, localizados nas periferias do Município, longe do centro e das ofertas de
serviços, contando com um precário sistema de transporte urbano. Essa prática de
planejamento seguia a tendência geral ocorrida no país com vistas a apoiar o
desenvolvimento industrial, e muitas vezes pautavam-se em posturas centralizadoras e
autoritárias na condução do processo de ordenação das cidades.
³3RURXWURODGRDSHUGDGRSRGer de compra da população, face à política de
arrocho adotada pelo governo, levou progressivamente à eliminação da
habitação enquanto elemento da cesta de consumo do trabalhador,
conduzindo-o a estratégias que viabilizam a moradia às margens do mercado
forPDO´628=$.
77
As ocupações urbanas iniciadas em meados dos anos 70 nas grandes cidades
brasileiras demonstram uma face importante dessa situação. Leal (2003: 35), por sua
vez, identifica a situação de fragilidade jurídica dos assentamentos existentes na
cidade, afirmando que:
³$PDLRULDGHVVHVDJORPHUDGRVFRQVROLGRX-se à margem do quadro jurídico,
mas com longa história de posse, o que induziu o poder público a um forte
papel enquanto mediador dos conflitos e até mesmo coersor, obrigando-o a
promover medidas visando atenuar os problemas e melhorar as condições
KDELWDFLRQDLVQHVVDViUHDV´
Souza (2004: 6) traz um levantamento que demonstra como as invasões e
ocupações pela moradia repercutem decisivamente no espaço da cidade, ao identificar
que:
³pesquisa realizada pela Fundação Joaquim Nabuco constata que, em cinco
anos, entre 1978 e 1983, ocorreram na RMR mais de 80 invasões,
envolvendo cerca de 150 mil pessoas (FALCÃO, 1984). A COHAB-PE
registra, entre 1987-89, mais de 200 invasões na RMR, envolvendo cerca de
80 mil pessoas, concentrando-se dois terços destas no município do Recife
628=$D´
As invasões de terra se constituíram num novo capítulo do processo de luta
social pela moradia, protagonizada pelos ocupantes e proprietários das terras, numa
primeira visualização, mas, com forte presença estatal, através dos governos estadual
e municipal e do poder judiciário, na tentativa de proporcionar uma resolução ou
dispersão dos conflitos.
Os conflitos pela moradia repercutiram decisivamente no território urbano da
cidade, pois, a população pobre conseguiu se fixar, provocando um aumento na área
ocupada pelas favelas, constituindo-se num dos mais fortes grupos sociais, que
influenciaram a classe política, estabelecendo uma negociação constante com o poder
público pelo acesso à moradia e, também, o poder judiciário, demonstrando o abismo
entre a legislação vigente e a própria realidade social, principalmente, no que se refere
às relações de propriedade.
Novamente cita-se a pesquisa de Souza (2004:7) para reforçar a análise dos
conflitos existentes entre a questão das ocupações ilegais e o sistema normativo
78
brasileiro. Não se pretende simplesmente contestar a Lei, antes disso, se questiona a
relação entre o instituto imaculado da propriedade e o estado como fomentador do
direito à moradia.
³2TXHVH FRQVWDWDpTXHD JLJDQWHVFDLOHJDOLGDGHTXHSURYRFDRVFRQIOLWRV
urbanos não resulta de ação deliberada de afrontamento da lei. Ela é fruto de
um processo de urbanização que segrega e que exclui. Assim, as invasões
acabam colocando em questão, não apenas as relações contratuais entre
proprietários e populações urbanas marginalizadas, mas as próprias relações
entre estas e o estado, enquanto garantidor do respeito à lei e principal
responsável pela viabilização do acesso à moradia por parte da população
H[FOXtGDGRPHUFDGR´
Dito isso, demonstra-se um pouco da densa história do Recife em termos de
conflitos jurídicos que envolvem a questão do acesso ao solo urbano para fins
KDELWDFLRQDLV³$WHQVmRFDXVDda pela ausência de terras disponíveis para habitação,
para uso da população pobre, e a contínua especulação pelo capital imobiliário vieram
DVHFRQVWLWXLUQDEDVHGRVFRQIOLWRVIXQGLiULRVXUEDQRVGHPDLRUH[SUHVVmRQDFLGDGH´
(LEAL, 2003: 35).
3.1.2 A Ocupação de Terras Públicas no Recife
Um aspecto importante a levantar na estrutura fundiária do Recife decorre da
formação geográfica da planície na qual a cidade se assenta que, foi formada por um
processo de sedimentação advindo do mar e dos rios que ali desembocavam.
Resultando numa cidade cortada por cursos d`águas, tendo sua ocupação ocorrida
pela conquista dos grandes alagados existentes na cidade.
(LPSRUWDQWHUHVVDOWDUTXHGHQRPLQDUDPFRPR³WHUUHQRGHPDULQKD´DWUDYpVGD
regulamentação do Império em 1831, todas as terras da costa brasileira inundadas pela
preamar média daquele ano, bem como as margens de rios e alagados, ou seja, mais
GD PHWDGH GD SODQtFLH TXH IRUPRX R 5HFLIH SDVVRX D VH FRQVWLWXLU ³7HUUHQRs de
0DULQKD´
A importância dos chamDGRV³7HUUHQRVGH0DULQKD´QRSURFHVVRGHXUEDQL]DomR
ocorrido na cidade do Recife é destacada por Souza (2002:128), quando afirma que as
79
³FRQGLo}HV GH RFXSDomR H GH IRUPDOL]DomR GHVVDV WHUUDV SDVVDUDP GHVGHHQWmR D
condicionar o processo conflituoso em TXH VH GHX D XUEDQL]DomR GD FLGDGH´ O
processo de alienação dessas terras se constituía através do instituto do aforamento
4
,
repassando o domínio útil dos terrenos, conservando a União o domínio pleno das
terras.
$ GHPDUFDomR GRV ³7HUUHQRV GH 0DULQKD´ IRL ocorrendo mediante a
apresentação dos pedidos de aforamento, surgindo, principalmente, daqueles que
tinham algum interesse na exploração econômica dessas terras, ao invés de partir
GDTXHOHVTXHMiRFXSDYDPDVWHUUDVGHIRUPDPDQVDHSDFtILFD³$SUHVVmRHconômica
dos grupos beneficiados pelos aforamentos avolumou-se e a disputa tornou-se mais
violenta com a emergência do interesse pelos alagados para empreendimentos
LPRELOLiULRVQDGpFDGDGH´628=$
1R5HFLIH³DJUDQGHUHOHYkQFLDGHVVHLQVWLtuto legal na estruturação da cidade
se evidencia a partir do início do século XIX, com a expansão do Recife por sobre os
VHXVLPHQVRVDODJDGRVHQWmRSRYRDGRVGHPRFDPERV´628=$
$ViUHDVFDUDFWHUL]DGDVFRPR³WHUUHQRGHPDULQKD´WrPQDWXUH]Dde bem público
dominial, ou seja, aqueles que não possuem destinação específica e que podem ser
objeto de exploração pelo Poder Público, para obtenção de renda.
Até o momento atual, a utilização dos terrenos de marinha pelo particular
somente é possível aWUDYpV GR UHJLPH GH DIRUDPHQWR RX HQILWHXVH ³SHOR TXDO ILFD D
União com o domínio direto e transfere ao enfiteuta o domínio útil, mediante pagamento
GHLPSRUWkQFLDDQXDOGHQRPLQDGDIRURRXSHQVmR´',3,(752
A regulamentação dos terrenos de marinha advém do Decreto-Lei nº 9760 de
1946 e suas alterações, estando, também, previsto na Constituição Federal de 1988,
expressamente, como bem público pertencente a União.
Diante do exposto, verifica-se a importância dessas áreas caracterizadas como
terreno de marinha no processo de legalização empreendido na cidade do Recife, pois
as cessões de aforamento para os particulares eram efetuadas mediante pagamento,
ou seja, aos moradores de baixa renda não restava alternativa diferente da ocupação.
4
Aforamento é a concessão do domínio útil do solo ao ocupante, mediante o pagamento à União, proprietária da
terra, de uma taxa anual, em regime de enfiteuse, que dissocia o domínio útil (cedido ao aforante) e o domínio pleno
(reservado à União).
80
Impondo ao poder público municipal a tarefa de regularizar o grande número de
assentamentos habitacionais de baixa renda localizados sobrepostos as faixas de
terreno de marinha.
Não pode ser, também, desprezada a informação sobre o Recife se constituir
numa cidade loteada em quase sua totalidade, ou seja, verifica-se que grande parte
das comunidades pobres está localizada em sobreposição a um loteamento que foi
formalmente aprovado pelo Município e possivelmente registrado em Cartório de
Imóveis; ocupações que foram efetuadas em desconformidade com os loteamentos,
trazendo em decorrência um número significativo de habitações em leito de ruas e
praças, ou seja, áreas públicas municipais.
Em decorrência disto, verifica-se a idéia que o capital possui sobre a questão
fundiária, já explicada acima, pois, neste caso, restaria ao município resolver a questão
das ocupações em leito de rua e praças. O estado regulou uma situação, impondo ao
loteador, normas para realização do projeto de parcelamento, visando determinar uma
maior integração do projeto com o restante do tecido urbano, garantindo os espaços de
transito e de lazer (ruas e praças), mas, por outro lado, como o domínio sobre essas
áreas passam ao município, as ocupações irregulares são de responsabilidade apenas
do município, o loteador e os proprietários dos lotes não teriam nenhum papel na
resolução dos conflitos.
3.2 AS ZEIS DO RECIFE: INSTITUCIONALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO ATUAL
No final do ano de 1970, ocorrem mudanças significativas na execução da
política habitacional do país, promovidas através do agente financeiro denominado
Banco Nacional de Habitação ± BNH. É reconhecida a necessidade de promover uma
política habitacional que contemple os assentamentos pobres das cidades, envolvendo
ações de urbanização e legalização, requerendo com isso uma maior participação dos
estados e municípios na execução dos programas, tendo em vista o melhor
conhecimento da situação existente na localidade trabalhada.
Os novos programas formulados caracterizam-se como uma resposta do estado
às pressões dos movimentos sociais pela moradia. O estado age na suavizando o
problema, atendendo uma faixa da população sempre desprezada no que se refere à
81
luta pela moradia que, se apropria deste discurso para cobrar ações eficazes no
reconhecimento deste direito.
O processo de redirecionamento da política urbana brasileira incorporou um
conjunto de discussões e fatores que aconteceram no país, tais como: o
reconhecimento da ineficácia e do caráter de segregação da política vigente; a
crescente pressão do movimento de luta pela moradia; a participação brasileira nos
tratados de direitos humanos envolvendo o direito à moradia; e a promulgação de
instrumentos jurídicos a luz da realidade social e econômica nacional.
Portanto, com a crise do Estado Nacional na década de 80, em decorrência da
grave crise fiscal e do endividamento crescente, há o esgotamento dos financiamentos
das políticas públicas de urbanização, agravando os problemas para atendimento das
demandas, sempre crescentes, das camadas menos abastadas da população.
Neste contexto, a tendência foi proporcionar a implementação dos conceitos de
descentralização e de participação no planejamento e execução da política urbana,
tornando um imperativo essencial para fomentar mudanças de âmbito político-
institucional capaz de promover uma gestão urbana mais eficaz e democrática,
caracterizando uma posição contrária ao modelo centralizador-autoritário do regime
militar. O Município do Recife passa a assumir esse papel, tentando resolver seus
problemas em contato direto com a população. Delineiam-se, então, mecanismos em
que a sociedade e a população interessada possam participar do processo de
ordenação urbana.
Nesta época, acontece o movimento pela redemocratização do país e no seu
bojo, urge o Movimento Nacional pela Reforma Urbana, centrando suas lutas pela
posse da terra, através de ações reivindicatórias e contestatórias, bem como,
construindo uma plataforma política universalista, distributiva e democrática que
reafirmaria o reconhecimento pelo direito à moradia. Fato que ocasionou um processo
de formulação de instrumentos, através do direito, que possibilitasse uma intervenção
HVWDWDO QR SURFHVVR GH SURGXomR GR HVSDoR XUEDQR ³2V PRYLPHQWRV VRFLDLV SHOD
posse da terra e da moradia, que eclodem nas grandes cidades brasileiras, a partir de
meados da década de 1970, antes de se constituírem expressão de luta pela
KDELWDomRUHSUHVHQWDPDOXWDSHODSUySULDSHUPDQrQFLDQDFLGDGH´628=$6'
82
À medida que as comunidades se organizavam, foram exercendo pressões e
reivindicações junto ao Poder Público pela instalação de infra-estrutura nos
DVVHQWDPHQWRV³2VPRYLPHQWRVGDOXWDSHODWHUUDSRVVLELOLWDUDPDVFRQGLo}HVSDUD
que o poder público municipal viesse a incluir na sua agenda intervenções nesses
DVVHQWDPHQWRV´/($/
Com o estabelecimento de novas práticas de planejamento que levam em conta
a formação de espaços públicos de discussão ampliados, com o reconhecimento do
conflito e da pluralidade dos atores, o Poder Público vai, paulatinamente, alterando sua
face centralizadora na medida em que são abertos espaços, através de canais
institucionais de participação social, onde os movimentos sociais (reivindicatórios e
contestatórios) passam a inserir-se no cenário da administração municipal, construindo-
se uma relação mais democrática entre a sociedade civil e o Estado.
Nos anos 1970-80, a luta pela moradia se constitui num grande elemento dos
movimentos sociais, principalmente, ao se incorporar na luta pela liberdade e pelos
direitos políticos vivenciados no país. O discurso pelo direito passa a fazer parte do
leque de reivindicação dos movimentos sociais, notadamente, influenciadas pelas
comunidades eclesiásticas, estimuladas pelo Arcebispo de Olinda e Recife, Dom
Hélder Câmara, ³D QRomRGR GLUHLWR SDVVDD VHU DPSODPHQWHXWLOL]DGDFRPR UHFXUVR
simbólico pelos participantes dos movimentos sociais urbanos, contrapondo o direito
QDWXUDOGHFDUiWHUVRFLDODRGLUHLWRSRVLWLYRHVWDWDO´628=$
Neste período, a atuação dos movimentos sociais do Recife de luta pela terra,
muda de uma ação de simples resistência, para constituir uma configuração
reinvidicatória perante outras vertentes dos movimentos sociais e, principalmente,
perante o poder político constituído na Prefeitura e no Governo Estadual.
Souza (2004: 8 e 9) novamente ilustra a situação histórica que precedeu a
instituição das ZEIS no Recife, quando comenta:
³2 SURFHVVR GH DEHUWXUD SROtWLFD H GH UHGHPRFUDWL]DomR GR SDtV WHP
repercussões na condução da política urbana, seja do Recife, seja de outras
cidades brasileiras. E a política de urbanização de favelas é o instrumento de
aproximação do governo local com as comunidades mais pobres. Os
programas de regularização fundiária, empreendidos inicialmente no âmbito
do PROMORAR, promovem soluções de mediação dos conflitos que se
83
encontravam na pauta dos movimentos sociais, num tácito reconhecimento
GRVGRLVGLUHLWRVRGLUHLWRGHSURSULHGDGHHRGLUHLWRjPRUDGLD´
Para contribuir com o debate, identificando um acontecimento na história do
Recife, De La Mora e Vilaça (2004: 3) apontam que
³HP  R JUXSR GH MRYHQVGR 0RYLPHQWRGH -RYHQVGR 0HLR 3RSXODUGR
bairro de Brasília Teimosa resolve mobilizar-se para conquistar a presidência
e diretoria da associação do bairro e assim opor-se e resistir à implantação de
um projeto encomendado pela Prefeitura do Recife e o Governo do Estado ao
famoso urbanista Jaime Lerner, para expulsar para a periferia as famílias do
bairro e destinar esse local para a implantação de grandes hotéis de alto
SDGUmRPDULQDVUHVWDXUDQWHVHiUHDVGHOD]HUGHOX[R´
(VVH PRYLPHQWR FRQKHFLGR FRPR ³0RYLPHQWR 7HLPRVLQKR´ WHYH R DSRLR GD
Comissão de Justiça e Paz, de oposição política ao governo vigente, de órgãos de
classe como o Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB e Ordem dos Advogados do
Brasil - OAB e, também, do programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Urbano
da Universidade Federal de Pernambuco, através de professores e alunos.
A mobilização existente neste movimento proporcionou o reconhecimento do
direito da população de continuar residindo na área, resultando num projeto de
urbanização e regularização fundiária, elaborado em conjunto com representantes dos
governos estadual e municipal, moradores da comunidade e representantes do
Movimento Teimosinho, bem como, as entidades que prestaram apoio. Constituíram,
assim, o Projeto Teimosinho, formulado observando a prevalência do princípio do
direito à moradia da população, incluindo diretrizes urbanísticas, através da rede viária
e tamanho dos lotes, que deveriam impedir a existência do processo de expulsão
branca.
A execução deste projeto em Brasília Teimosa se constitui uma quebra no
modelo técnico e centralizador da política urbana vigente no Recife. A partir de então,
visualiza-se a construção de um novo modelo que incorpora os princípios da
democracia participativa.
A modificação das políticas de desenvolvimento urbano e habitacional indicou
XPQRYRSDUDGLJPDSDUDDDomRHVWDWDOSURSRUFLRQDQGRSURMHWRVTXHFRQWHPSODP³D
regularização urbanística e fundiária das favelas, a oferta de lotes urbanizados, a
84
melhoria habitacional nos próprios assentamentos de baixa renda e o incentivo à
DXWRFRQVWUXomR´0,5$1'$H025$(6
Neste ensejo, reconhecendo a existência de favelas no Recife, o então Prefeito
Gustavo Krause, delimitou vinte e sete (27) comunidades da cidade como especiais.
Com o intuito de proporcionar um tratamento diferenciado em relação ao restante do
território municipal e, especificamente, o atendimento aos requisitos para implantação
do PROMORAR (Programa de Erradicação de Sub-habitação) no Recife.
Miranda e Moraes (2004: 2) identifica a execução de três intervenções, inseridas
no PROMORAR, desenvolvidas no município do Recife:
³7UrV SURMHWRV GH XUEDQL]DomR IRUDP HODERUDGRV SDUD DV IDYHODV &RTXH
Coelhos e Brasília Teimosa; áreas que, historicamente, sofreram intensas
pressões para a remoção de sua população e se tornaram marcos da
resistência popular. Esses projetos previam a criação de parâmetros
urbanísticos especiais, de Comissões de Legalização da Posse da Terra e do
*UXSRGH7UDEDOKR([HFXWLYRSDUD/HJDOL]DomRGDVÈUHDV(VSHFLDLV´
Em 1983, respondendo à pressão dos movimentos sociais, é votada e
sancionada a Lei nº 14.511/83 ± LUOS - Lei de Uso e Ocupação do Solo do Recife, ±
que institucionalizou os assentamentos habitacionais de baixa renda, classificando
vinte e sete (27) áreas da cidade como Zonas Especiais de Interesse Sociais ± ZEIS,
sobre as quais se deveriam promover a regularização fundiária, ações de urbanização
e sua integração à estrutura urbana. Foi o primeiro passo para o regular
reconhecimento do direito à moradia à população menos favorecida da cidade. No
entanto, não estabeleceu os parâmetros para orientação da intervenção pública no
processo de regularização do assentamento.
Todavia, mais uma vez, verifica-se que o poder público municipal, incorporando
o momento político vigente, identifica a questão e delimita o conflito, mas, por outro
lado, não estabelece os mecanismos de atuação e resolução do problema. Cria outra
situação, balizada pela instituição da nova Lei de Uso e Ocupação do Solo, que é a
instituição das ZEIS, e, com isso, dissipa o problema. Surgindo um novo tema para as
reivindicações dos movimentos sociais que, é a instituição dos mecanismos, programas
e projetos que promovam a urbanização e a regularização fundiária dos
assentamentos.
85
Inicia-se uma nova luta, capitaneada pela Comissão de Justiça e Paz,
promovendo encontros para discussão e definição dos princípios, diretrizes, estratégias
e mecanismos institucionais necessários. Surgia assim, o projeto que deu origem ao
Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social ± PREZEIS.
A estratégia para garantir a transformação desse projeto, resultado de uma
grande mobilização social, num instrumento jurídico que impulsionasse a execução da
política urbana de uma forma diferente, foi estabelecida a partir da primeira eleição dos
prefeitos das capitais depois do período da ditadura militar brasileira, ocorrida em 1985.
Foi organizado um seminário pelo movimento popular e ONGs que, contou com
a presença de todos os candidatos a prefeito, no qual, foram apresentadas todas as
propostas do projeto, no sentido de contribuir para uma gestão mais democrática da
política urbana. Cada candidato recebeu um projeto contendo a versão final do
PREZEIS. Quatro candidatos vinculados a oposição se comprometeram no
atendimento das propostas, bem como, na intensificação das discussões para chegar
num denominador comum sobre a melhor forma de implementação das propostas.
Posteriormente a posse do novo prefeito, foi realizada uma assembléia do
movimento popular para entrega solene e pública ao Prefeito da proposta do PREZEIS,
que em seguida foi analisada e melhorada pela Procuradoria Municipal e encaminhada
ao Poder Legislativo como Projeto de Lei Municipal, sendo finalmente aprovada e
sancionada pelo Prefeito em Março de 1987.
Novamente, cita-se o artigo de De La Mora e Vilaça (2004: 4) para identificar o
momento histórico existente na época da promulgação da Lei do PREZEIS:
³1HFHVViULR VH ID] OHPEUDU TXH D PRELOL]DomR ORFDO TXH FXOPLQD FRP D
institucionalização deste importante mecanismo de inclusão social e gestão
democrática ocorre simultaneamente ao processo de democratização e de
desmanche dos mecanismos de exceção e construção de uma nova
institucionalidade democrática: Fim da censura, anistia, e principalmente os
debates anteriores e durante as atividades da Assembléia Nacional
Constituinte que veio a consagrar os princípios da Gestão Democrática das
3ROtWLFDV3~EOLFDVGHPRGRJHUDOHGD3ROtWLFD8UEDQDHPSDUWLFXODU´
86
Ressalta-se então que foi sob sobre pressão dos movimentos sociais que, foi
aprovada e sancionada a proposta de Lei elaborada pela Comissão de Justiça e Paz e
Movimento Popular, surgindo, em 1987, a Lei do PREZEIS com a finalidade de regular
o uso e a ocupação dos assentamentos populares, sob uma orientação de co-gestão, a
partir de canais de participação social. A Foto 1 apresenta o Ato Público de assinatura
da Lei do PREZEIS
Foto 1: Ato Público de assinatura da Lei do PREZEIS pelo Prefeito da cidade do
Recife, Jarbas Vasconcelos.
Câmara de Vereadores do Recife, Março de 1987.
Fonte: Etapas
NaFLRQDOPHQWH³RPRYLPHQWRSRSXODUSURVVHJXLXQDRIHQVLYDDWpD&RQVWLWXLQWH
de 1988, a chamada cidadã, por Ulysses Guimarães. Toda a reivindicação anterior
JDQKRX IRURV GH GLUHLWR QD OHWUD GD &DUWD 0DLRU´ 2/,9(,5$  $ )RWR 
apresenta o Ato Público de promulgação da Constituição Brasileira de 1988 pelo
Deputado Federal Ulisses Guimarães, quando o referido deputado proferiu as
seguintes palavras:
"Declaro promulgado o documento da liberdade, da democracia e da justiça
social do Brasil"
87
Foi instituído no texto da Constituição Federal de 1988 um capítulo sobre a
política urbana, colocando o poder público municipal como protagonista principal do
GHVHQYROYLPHQWR GHVWHWHPD³'HVWDIRUPDDFLGDGHHVWiUHFXSHUDQGRJUDGXDOPHQWH
um espaço de decisão direWDVREUHD³SROLV´UHFXSHUDQGRDGLPHQVmRPDLVH[SUHVVLYD
GDSROtWLFDHGDGHPRFUDFLD´'2:%25
Foto 2: Ato Público de promulgação da Constituição Brasileira de 1988 pelo
Deputado Federal Ulisses Guimarães.
Congresso Nacional, Outubro de 1988
Fonte: http://www.agenciabrasil.gov.br/media/imagens/2008/10/01/1050AABr0048.jpg/view
A concepção do ideário que pautou o surgimento do PREZEIS foi caracterizada
por um grande ativismo democrático, onde as práticas democráticas de gestão tinham
por objetivo romper com padrões tradicionais de representação política que
predominavam a relação Estado/Sociedade.
88
Atualmente no Recife, sessenta e seis (66) comunidades pobres foram
transformadas em ZEIS, abrangendo 80% das 490 favelas que estão distribuídas em
15% da área total do município, e em 25% da sua área ocupada. Estima-se que a
população pobre que habita nas ZEIS é cerca de 40% (533.687 hab.) dos habitantes da
cidade do Recife. (Recife, Prefeitura, PPA, 2001, In: LEAL, 2003:39).
No Quadro nº 01, está identificado as 66 comunidades transformadas em ZEIS,
bem como, as áreas em hectares e sua localização, relacionadas as RPA´s e
Microrregiões.
Quadro 01 ± Relação das ZEIS (localização, denominação e área)
Item Localização Denominação Área (há) Área (%)
Microrregião RPA 1 ± Centro 1.571,78 100%
Total de área ZEIS 140,65 8,95%
1 1.1 João de Barros 1,80 2,38%
2 1.1 Santo Amaro 37,45 1,60%
3 1.3 Coelhos 25,10 4,85%
4 1.3 Coque 76,30 0,11%
RPA 2 ± Norte 1.489,49 100%
Total de área ZEIS 243,45 16,34%
5 2.1 Campo Grande 106,50 7,15%
6 2.1 Ilha do Joaneiro 13,24 0,89%
7 2.2 Fundão de Fora 26,97 1,81%
8 2.3 Dois Unidos 34,34 2,31%
9 2.3 Linha do Tiro 62,40 4,19%
RPA 3 ± Nordeste 7.736,77 100%
Total de área ZEIS 986,42 12,75%
10 3.1 Alto do Mandu ± Alto Santa Izabel 69,20 0,89%
11 3.1 Apipucos 6,00 0,08%
12 3.1 Campo do Vila 1,34 0,02%
13 3.1 Casa Amarela 895,00 11,57%
14 3.1 Poço da Panela 2,51 0,03%
15 3.1 Tamarineira 1,57 0,02%
16 3.1 Vila do Vintém 0,40 0,01%
17 3.1 Vila Esperança ± Cabocó 4,06 0,05%
18 3.1 Vila Inaldo Martins 0,46 0,01%
19 3.1 Vila Macionila ± Mussum 1,36 0,02%
20 3.3 Vila São João 4,52 0,06%
RPA 4 ± OESTE 4.194,20
Total de área ZEIS 250,62 5,98%
21 4.1 Carangueijo ± Tabaiares 7,36 0,18%
22 4.1 Mangueira da Torre 1,70 0,04%
23 4.1 Prado 10,13 0,24%
24 4.1 Sítio do Berardo 13,50 0,32%
25 4.1 Sítio do Cardoso 14,57 0,35%
26 4.1 Vila União 4,86 0,12%
27 4.2 Torrões 92,50 2,21%
28 4.2 Vietnã 7,70 0,18%
29 4.2 Vila Redenção 5,34 0,13%
30 4.3 Brasilit 13,46 0,32%
89
31 4.3 Campo do Banco 9,40 0,22%
32 4.3 Rosa Selvagem 49,49 1,18%
33 4.3 Sítio Wanderley 6,16 0,15%
34 4.3 Vila Arraes 8,05 0,19%
35 4.3 Vila Felicidade 6,40 0,15%
RPA 5 ± Sudoeste 3.008,66 100%
Total de área ZEIS 401,98 13,36%
36 5.1 Afogados 34,00 1,13%
37 5.1 Mangueira 67,50 2,24%
38 5.1 Mustardinha 51,44 1,71%
39 5.1 Novo Prado 5,90 0,20%
40 5.1 Vila do Sirí 1,75 0,06%
41 5.2 Beirinha 10,70 0,36%
42 5.2 Caçote 37,10 1,23%
43 5.2 Capuá 8,20 0,27%
44 5.2 Jardim Uchôa 8,80 0,29%
45 5.2 Rua do Rio ± Iraque 18,43 0,61%
46 5.3 Areias 28,00 0,93%
47 5.3 Barro 28,22 0,94%
48 5.3 Cavaleiro 56,50 1,88%
49 5.3 Jardim São Paulo I 2,01 0,07%
50 5.3 Jardim São Paulo II 2,20 0,07%
51 5.3 Planeta dos Macacos 27,63 0,92%
52 5.3 Tejipió 13,60 0,45%
RPA 6 ± Sul 3.874,29
Total de área ZEIS 523,31 13,51%
53 6.1 Aritana 1,00 0,03%
54 6.1 Borborema 4,60 0,12%
55 6.1 Brasília Teimosa 72,70 1,88%
56 6.1 Coqueiral 0,99 0,03%
57 6.1 Coronel Fabriciano 0,80 0,02%
58 6.1 Entra Apulso 8,33 0,22%
59 6.1 Ilha de Deus 15,30 0,39%
60 6.1 Ilha do Destino 7,40 0,19%
61 6.1 Pina ± Encanta Moça 42,31 1,09%
62 6.1 Sítio Grande 66,5 1,72%
63 6.2 Alto da Jaqueira 37,21 0,96%
64 6.2 Greve Geral 1,51 0,04%
65 6.2 Ibura ± Jordão 149 3,85%
66 6.3 UR5 ± Três Carneiros 115,66 2,99%
Fonte: URB Recife, 2006 e informações do autor
O Quadro nº 02 lista as 66 ZEIS, indicando a legislação que a área foi
transformada em ZEIS, dividido por ano, e informa o Decreto Municipal que instalou a
COMUL, quando for o caso.
Quadro 02 ± Relação de Instituição das ZEIS (ano e legislação)
Item Denominação Lei que instituiu a ZEIS
Decreto Municipal que
instalou a COMUL
Ano: 1983
1 Santo Amaro LUOS 14.511 - 83
2 Coelhos LUOS 14.511 - 83 DM 14.060 ± 87
3 Coque LUOS 14.511 - 83 DM 14.062 ± 87
4 Ilha do Joaneiro LUOS 14.511 - 83
90
5 Fundão de Fora LUOS 14.511 - 83
6 Dois Unidos LUOS 14.511 - 83
7 Linha do Tiro LUOS 14.511 - 83
8 Alto do Mandu ± Alto Santa Izabel LUOS 14.511 - 83
9 Casa Amarela LUOS 14.511 - 83
10 Prado LUOS 14.511 - 83 DM 16.739 ± 94
11 Sítio do Berardo LUOS 14.511 - 83 DM 14.473 ± 88
12 Torrões LUOS 14.511 ± 83 DM 14.059 ± 87
13 Vietnã LUOS 14.511 ± 83
14 Vila Redenção LUOS 14.511 ± 83
15 Afogados LUOS 14.511 ± 83 DM 14.713 ± 89
16 Mangueira LUOS 14.511 ± 83 DM 14.710 ± 89
17 Mustardinha LUOS 14.511 ± 83 DM 15.630 ± 91
18 Novo Prado LUOS 14.511 ± 83 DM 15.597 ± 97
19 Caçote LUOS 14.511 ± 83 DM 17.597 ± 97
20 Capuá LUOS 14.511 ± 83
21 Areias LUOS 14.511 ± 83
22 Barro LUOS 14.511 ± 83
23 Cavaleiro LUOS 14.511 ± 83
24 Tejipió LUOS 14.511 ± 83
25 Brasília Teimosa LUOS 14.511 ± 83 DM 14.061 ± 87
26 Pina ± Encanta Moça LUOS 14.511 ± 83 DM 14.497 ± 88
Ano: 1988
27 João de Barros LM 15.096 ± 88 DM 14.475 ± 88
28 Rua do Rio ± Iraque LM 15.122 ± 88 DM 14.856 ± 89
29 Sítio do Cardoso LM 15.140 ± 88 DM 14.712 ± 89
30 Borborema LM 15.141 ± 88
31 Beirinha LM 15.161 ± 88 DM 14.621 ± 89
32 Coronel Fabriciano LM 15.164 ± 88 DM 14.855 ± 89
33 Entra Apulso LM 15.164 ± 88 DM 14.523 ± 88
34 Ibura ± Jordão LM 15.168 ± 88 DM 14.711 ± 89
Ano: 1991
35 Jardim Uchôa LM 15.463 ± 91 DM 15.736 ± 92
Ano: 1993
36 Mangueira da Torre LM 15.766 ± 93 DM 14.947 ± 93
37 Sítio Grande LM 15.767 ± 93 DM 16.920 ± 95
Ano: 1994
38 Campo Grande LM 15.866 ± 94 DM 16.898 ± 95
39 Aritana LM 15.921 - 94 DM 17.123 ± 95
40 Campo do Banco LM 15.925 ± 94 DM 16.889 ± 95
41 Vila Esperança ± Cabocó LM 15.926 ± 94 DM 16.880 ± 95
42 Vila Felicidade LM 15.927 ± 94 DM 16.879 ± 95
43 Vila São João LM 15.947 ± 94 DM 16.878 ± 95
44 Poço da Panela LM 15.949 ± 94
45 Vila Inaldo Martins LM 15.951 ± 94
46 Planeta dos Macacos LM 15.952 ± 94 DM 16.906 ± 93
47 Vila do Vintém LM 15.979 ± 94
48 Ilha do Destino LM 15.997 ± 94
Ano: 1995
49 Tamarineira LM 16.090 ± 95
50 Rosa Selvagem LM 16.102 ± 95 DM 18.022 ± 98
51 Sítio Wanderley LM 16.102 ± 95
52 Ilha de Deus LM 16.103 ± 95
Ano: 1996
53 Carangueijo ± Tabaiares LUOS 16.176 ± 96 DM 17.597 ± 97
54 Vila União LUOS 16.176 ± 96
55 Brasilit LUOS 16.176 ± 96 DM 18.970 ± 01
56 Vila Arraes LUOS 16.176 ± 96
57 Vila do Sirí LUOS 16.176 ± 96
91
58 Alto da Jaqueira LUOS 16.176 ± 96 DM 18.373 ± 99
59 Greve Geral LUOS 16.176 ± 96 DM 17.597 ± 97
60 UR5 ± Três Carneiros LUOS 16.176 ± 96 DM 17.597 ± 97
61 Campo do Vila LUOS 16.176 - 96 DM 17.597 ± 97
62 Jardim São Paulo I LM 16.219 ± 96
63 Jardim São Paulo II LM 16.219 ± 96
64 Apipucos LM 16.220 ± 96
65 Vila Macionila ± Mussum LM 16.220 ± 96
Ano: 1998
66 Coqueiral LM 16.415 ± 98 DM 18.192 ± 99
Fonte: URB Recife, 2006.
O Quadro nº 03 contém a síntese numérica e percentual sobre a localização das
ZEIS em relação às RPA´s, bem como, sobre o ano de transformação e, relaciona o
percentual das ZEIS transformadas por Lei instituída.
Quadro 03 ± Síntese das Informações das ZEIS (localização, instituição e
legislação)
ITENS QUANTIDADE PERCENTUAL
1) Número de ZEIS instituídas 66 100,00%
Número de ZEIS localizadas na RPA 1 4 6,06%
Número de ZEIS localizados na RPA 2 5 7,58%
Número de ZEIS localizados na RPA 3 11 16,67%
Número de ZEIS localizados na RPA 4 15 22,73%
Número de ZEIS localizados na RPA 5 17 25,76%
Número de ZEIS localizados na RPA 6 14 21,21%
2) Número de ZEIS instituídas por ano
Número de ZEIS instituídas em 1983 26 39,39%
Número de ZEIS instituídas em 1988 8 12,12%
Número de ZEIS instituídas em 1991 1 1,52%
Número de ZEIS instituídas em 1993 2 3,03%
Número de ZEIS instituídas em 1994 11 16,67%
Número de ZEIS instituídas em 1995 4 6,06%
Número de ZEIS instituídas em 1996 13 19,70%
Número de ZEIS instituídas em 1998 1 1,52%
3) Número de ZEIS instituídas por legislação
Número de Leis que institui 1 ZEIS 21 75,00%
Número de Leis que institui 2 ZEIS 5 17,86%
Número de Leis que institui 9 ZEIS 1 3,57%
Número de Leis que institui 26 ZEIS 1 3,57%
Fonte: URB Recife, 2006 e informações do autor
92
Numa rápida análise do quadro nº3, verifica-se que as ZEIS estão espalhadas
por todo território municipal, tendo uma concentração maior nas RPAs 4, 5 e 6,
caracterizadas pelas zonas Oeste, Sudoeste e Sul da cidade, todas suplantando o
percentual de 20% das ZEIS.
Observando os itens 2 do mesmo quadro, é possível identificar que a maioria
das transformações de assentamentos pobres em ZEIS concentraram em apenas
quatro anos, 1983 com 39,39%; 1988 com 12,12%, 1994 com 16,67% e 1996 com
19,70%. Ressalta-se que em 1983 o Prefeito era Jorge Cavalcante, ainda nomeado
pelo regime militar e, nos anos de1988, 1994 e 1996, o chefe do executivo municipal
era Jarbas Vasconcelos, já constituído como Prefeito eleito, nos seus dois mandatos
como Prefeito, notável político, ligado na época ao campo político das esquerdas. Fato
que, salienta a importância no caráter da ideologia vigente, incorporando pensamentos
mais progressistas na propositura deste tipo de política.
Já no item 3, verifica-se que a transformação de assentamentos pobres em
ZEIS foi utilizada como um modelo de dispersão dos conflitos, pois, somente duas leis
transformaram mais de três favelas em ZEIS, ou seja, a instituição de uma nova ZEIS
se constituiu num remédio para suavizar os conflitos existentes pela moradia. Nos dois
casos, verifica-se que se trata da promulgação das Leis de Uso e Ocupação do Solo.
No restante dos casos, configurava-se o conflito, se estabelecia padrões de luta pelos
movimentos sociais e o município utilizando-se deste instituto, apaziguava o problema.
No quadro síntese, verifica-se que em 75,00% dos casos, apenas uma área foi
transformada em ZEIS por lei.
É importante destacar que das trinta e sete (37) áreas que tiveram a COMUL
instalada, apenas em três (3) os processos finalizaram ou estão na fase final, fato que
impulsionaram a desinstalação da COMUL, são as ZEIS João de Barros, Coronel
Fabriciano e Greve Geral. As duas últimas constituem parte do estudo de caso a ser
apresentado a seguir.
É neste modelo de dispersão de conflitos que, através da Lei do PREZEIS, foi
introduzido o tema da regularização fundiária nas políticas municipais executadas no
Município do Recife, caracterizando-se como um passo importante ao reconhecimento
do direito à moradia.
93
3.3 A MEDIAÇÃO DOS CONFLITOS NO PROCESSO DE REGULARIZAÇÃO
FUNDIÁRIA DAS ZEIS
O PREZEIS traz como característica, a promoção da regularização fundiária,
combinando as dimensões urbanística e jurídica, ou seja, busca-se, mediante o
PREZEIS, garantir às comunidades a implantação de infra-estruturas urbana e a
prestação de serviços públicos, bem como efetuar a legalização dos lotes ocupados,
garantindo a segurança jurídica da posse, através de um título registrado em Cartório
de Registro de Imóveis.
Esse entendimento garante ao mesmo tempo um trabalho com uma visão
multidisciplinar, integrando as três dimensões da regularização fundiária, mas, torna o
processo de legalização muito moroso, em virtude de que primeiro é pensado a
urbanização da área e somente depois se inicia a legalização.
Como as carências são enormes e os recursos escassos, vão se acumulando as
demandas urbanísticas, paralisando ou atrasando o trabalho de legalização. Já se
identifica um fenômeno que apenas as áreas que sofrem conflitos procuram e cobram
as ações de legalização, causando transtornos e inversões no processo linear do
planejamento do PREZEIS.
Este item procura detalhar o processo de regularização fundiária nas ZEIS,
fornecendo um quadro geral desse processo, apresentando o estudo de caso e a
síntese desse estudo com a devida análise.
3.3.1 O Processo de Regularização Fundiária nas ZEIS do Recife
A Lei do PREZEIS, instituída pelo poder municipal do Recife, no seu capítulo III
regulamenta e disciplina como deve ser efetuada a regularização urbanística das ZEIS,
colocando no seu bojo regras sobre: planos urbanísticos, tamanhos de lote, reserva de
solo virgem, sistema viário, desmembramento e remembramento de lotes e etc.
94
O Capítulo V disciplina o sistema de gestão do programa, instituindo as suas
instâncias, atribuições, papeis e competências, garantindo um espaço importante de
discussão e planejamento das ações do PREZEIS.
Já no Capítulo IV ficou expresso como deve ser realizada a regularização
fundiária. Para tanto, o art. 20, da Lei do PREZEIS, autoriza o Município a utilizar os
instrumentos jurídicos necessários, preferencialmente a CDRU ± Concessão de Direito
Real de Uso. No seu parágrafo 1º, proíbe o instituto da doação dos bens públicos
situados nas ZEIS e o parágrafo 2º expressa que o Município prestará assessoria em
ações de usucapião para fins de regularização fundiária.
Diante do citado artigo, visualiza-se o destaque dado aos instrumentos da
CDRU, e da Usucapião, utilizados na regularização fundiária.
No entanto, também, deve ser levado em consideração o importante processo
de aquisição de terras ocupadas pela população pobre, especialmente aquelas terras
em conflito com o proprietário, contando com uma atuação precisa da URB-Recife e da
COHAB-PE, nas ações de desapropriação e nas aquisições de terras através da
cessão de aforamento.
Verifica-se na pesquisa realizada em 1990
5
de que foram adquiridos pelo
governo local, ao longo da década de 80, cerca de 1210 hectares de áreas em conflito,
onde residiam comunidades pobres com elevado potencial organizativo e
reivindicatório: foram desapropriadas 818ha (755ha pela COHAB-PE e 63ha pela
Prefeitura do Recife); e foram adquiridas por cessão do Serviço do Patrimônio da União
± SPU, para ILQV GH LPSODQWDomR GH SURJUDPDV KDELWDFLRQDLV  KD GH ³WHUUDV GH
PDULQKD´ KD SDUD D &2+$%-PE e 145ha para a Prefeitura do Recife). A
expressividade deste processo se revela quando se constata que a área adquirida para
fins de regularização fundiária corresponde a 36% do total da área ocupada pelos
assentamentos populares do Recife. (SOUZA, 1991. In: SOUZA, 2003).
Através da condição de agente financeiro do SFH à COHAB-PE, através da Lei
nº 4.380/64 e n.º 5.049/66, exerceu a função cartorial de emitir escritura particular com
força de escritura pública. Em face disto, a COHAB-PE emitiu títulos de compra e
venda, transferindo a efetiva propriedade para as famílias situadas nas áreas
5
Pesquisa realizada pela Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano do Governo de Pernambuco, entre
1987-90 ± Assentamentos Populares do Recife: Cadastro e Mapeamento. (S
OUZA, 1990a).
95
desapropriadas, sem precisar dispor de recursos para a elaboração e registro dessas
escrituras em Cartório de Notas. Para os Terrenos de Marinha, bem como para terras
públicas cedidas à COHAB-PE para fins de regularização fundiária, foi utilizado por
aquela companhia o instrumento da Concessão do Direito Real de Uso - CDRU. A ação
da COHAB-PE resultou na distribuição de título de propriedade para cerca 30.000
famílias no Recife.
O Município atualmente ainda solicita a Cessão de Aforamento de grandes
áreas para seu nome, e, posteriormente, repassa aos moradores através do
instrumento da CDRU, mantendo a propriedade plena em nome da União, concedendo
apenas o direito de uso aos ocupantes beneficiários da legalização.
É possível citar algumas ZEIS que se localizam sobre terreno de marinha e que
foram repassadas ao Município ou ainda estão em processo de cessão de aforamento
em andamento, são as seguintes: Coelhos, Coque, Brasília Teimosa, Vila Vintém,
Jardim Uchoa, Beirinha, Afogados (divide-se em três sub-áres, das quais, duas estão
em processo de aforamento), Entra Apulso e Vila Esperança/Cabocó, podendo existir
outras áreas passíveis de serem cedidas através de aforamento.
Diante do discorrido no texto, verifica-se a possibilidade de utilização de alguns
instrumentos na execução da legalização das áreas públicas, tais como: a CDRU, a
compra e venda e a doação, esta última, proibida pela legislação do Recife, mas, como
uma peculiaridade do Município do Recife.
A Concessão de Direito Real de Uso ± CDRU - configura-se no principal
instrumento de regularização fundiária das áreas públicas do Recife ocupadas
desordenadamente. A utilização deste instrumento jurídico é uma mediação do poder
público, através do direito, para dirimir conflitos pelo direito à moradia.
A Concessão de Direito Real de Uso foi instituída pelos artigos 7º e 8º do
Decreto ± Lei nº 271 de 28 de fevereiro de 1967, pelo governo ditatorial, para garantir a
consolidação dos programas de desenvolvimento do país, impedindo o desvio de
finalidade dos investimentos públicos, evitando a ocorrência de uma futura alienação
do bem concedido em virtude de especulação imobiliária, pois não ocorre a
transferência do domínio da área.
96
Dentro do sistema capitalista, especulou-VHTXH³DWLWXODomRSRUWUDQVIHUrQFLDGH
GRPtQLR OHYDULD j HVSHFXODomR LPRELOLiULD H R TXH VH FKDPRXGH ³H[SXOVmR´ EUDQFD´
(WEIGAND, 2001:306), ou seja, utilizou-se este importante argumento para instituição
e regulamentação da CDRU.
Outro argumento utilizado pelo Estado para efetivação da regularização fundiária
com a CDRU é que o interesse público estaria na própria ação política da legalização
jurídica dos imóveis, mas, também, na correta administração dos bens públicos. Neste
sentido Carvalho Filho afirma que:
³$ FRQFHVVmR GH GLUHLWR UHDO GH XVR VDOYDJXDUGD R SDWULP{QLR GD
Administração e evita a alienação de bens públicos, autorizada às vezes sem
qualquer vantagem para ela. Além do mais, o concessionário não fica livre
para dar ao uso a destinação que lhe convier, mas, ao contrário, será
obrigado a destiná-lo ao fim estabelecido em lei, o que mantém resguardado
o interesse público que originou a concesRUHDOGHXVR´,n LIMA, 2002).
É direito real resolúvel, constitui-se por instrumento público, particular ou por
termo administrativo, constituindo numa exceção prevista em lei, pois, somente é
autorizado a transmissão da titularidade dos direitos reais com o devido registro de
instrumento público, contemplando todos os requisitos imposto pela legislação civil
pátria.
A CDRU está inserida e explicada nos artigos 20 a 26 da Lei do PREZEIS, que
trazem seus procedimentos e requisitos para sua utilização.
Anteriormente a Lei do PREZEIS, o instituto da Concessão foi incluído na Lei
Orgânica do Município do Recife em dois momentos.
Primeiramente no caput do artigo 78, condicionando o uso de bens públicos
municipais através dos instrumentos da Concessão, Permissão ou Autorização na
hipótese de interesse devidamente justificado. Nos parágrafos 1º, 2º e 3º a Concessão
teve sua utilização disciplinada. Nos bens de uso especial ou dominial dependerá de
autorização legislativa e licitação, dispensada esta quando o uso se destinar ao
concessionário de serviço público ou quando houver interesse público, devidamente
justificado. Já nos bens de uso comum do povo fica condicionada à desafetação
mediante prévia autorização legislativa. Dispõe ainda que a Prefeitura revisará as
97
Concessões, Permissões e Autorizações a cada dois anos, revogando aquelas que não
estiverem cumprindo suas funções contratuais.
No segundo momento foi expresso efetivamente como instrumento da política
urbana municipal o instituto da Concessão de Direito Real de uso, em seu inciso VIII,
do parágrafo único, do artigo 103 da mesma Lei.
Na execução da política de regularização fundiária do Recife, a CDRU é
elaborada através de contrato administrativo pelo qual a administração pública
municipal faculta a terceiros (particular) a utilização privativa de bem público dominial,
para que a exerça com a destinação de moradia.
Os contratos de CDRU são firmados pelo prazo de 50 (cinqüenta) anos, sendo
possível sua renovação por igual período, desde que haja acordo de vontade das
partes. Na primeira Lei do PREZEIS (n.º 14.947/87), o contrato de CDRU era apenas
firmado pelo prazo de 05 (cinco) anos, com a aprovação da Lei atual este prazo foi
estendido para 50 (cinqüenta) anos, modificação que contou com o apoio de grande
parte da população militante dos movimentos populares.
Pela Lei do PREZEIS, a Concessão de Direito Real de Uso de natureza gratuita
terá por objeto imóvel com área nunca superior 150m² (cento e cinqüenta metros
quadrados). Havendo ocupação constituída em área superior, poderão ocorrer duas
hipóteses:
1) Utilizar a forma de natureza onerosa do contrato de CDRU para firmar o
instrumento, sendo legalizada toda área com limite máximo de 250m² (duzentos e
cinqüenta metros quadrados), sendo o valor do contrato calculado
proporcionalmente à área excedente entre 150m² e 250m²;
2) O ocupante reintegrará o Município na posse da área excedente, devendo
utilizá-la na formação e ampliação de outros lotes, áreas verdes ou vias de
circulação.
Esta hipótese do contrato de CDRU de natureza onerosa nunca foi utilizada,
primeiramente, porque o Município não regulamentou a forma como seria calculado e
cobrado o valor determinado sobre a área excedente e, segundo, por tratar-se de
98
matéria que conta com o total desprezo das comunidades beneficiárias, pois,
compreensivelmente, não desejam pagar mais nenhum tributo, seja de que espécie for.
A Lei do PREZEIS indica que o Poder Público registrará em livro próprio as
concessões de direito real de uso, e ficará responsável pelas despesas relativas ao
registro dos imóveis nos Cartórios de Registros de Imóveis. No entanto, desde que se
iniciou esse trabalho, nunca foi feito o registro em livro próprio do Município, mas,
sempre foi garantido o registro no Cartório de Imóveis.
A legislação municipal regulou expressamente a destinação habitacional para os
imóveis concedidos através da CDRU, estando garantidos os fins de moradia como
pressuposto à regularização fundiária das áreas públicas do Recife. Há possibilidade
de existirem imóveis com a destinação mista, no caso do ocupante possuir um
pequeno negócio para sustento seu e de sua família, garantindo a existência de uma
fonte de trabalho e renda para o morador.
Foram previstos, também, os casos de resolução do contrato em que o
concessionário der motivo. Eles são necessários para tentar garantir que a concessão
não seja desvirtuada da sua função principal que é a moradia. Caso o concessionário
transforme a destinação do imóvel prevista no contrato, ou se locar total ou
parcialmente o imóvel, ou se transferir a terceiros sem a anuência prévia da
concedente, terá seu contrato de CDRU firmado com o Município, encerrado.
A previsão de transferência de imóvel, objeto de CDRU, também foi instituída.
Devendo o concessionário solicitar ao Município a autorização para fa-lo,
possibilitando que uma nova situação de ilegalidade ocorresse, pois, é conhecida a
grande mobilidade existente nas comunidades pobres.
A Concessão de Direito Real de Uso é um instrumento fácil de utilizar, nas suas
diversas formas: individual ou coletiva. Assim, demonstra-se como a CDRU é utilizada
atualmente no Recife.
As diferenças de utilização do instrumento da CDRU nas formas individual ou
coletiva implicam num conjunto de medidas necessárias à sua efetivação.
99
Para implementar o contrato de CDRU individual, o Município tem que efetuar o
parcelamento da área seguindo as orientações da Lei n.º 6766/79, fato que eleva
bastante os custos na execução de políticas de urbanização e legalização fundiária.
Com a utilização da CDRU no formato individual, configura-se a existência da
figura do lote individual destinado ao morador, permitindo uma exata identificação do
local do imóvel concedido e um maior controle sobre o uso e ocupação do solo e sobre
as áreas de uso comum.
Em virtude das áreas de assentamentos habitacionais de baixa renda, inclusive
as ZEIS, serem ocupações espontâneas, ou seja, não obedeceram nenhuma regra de
uso e ocupação do solo, surgiu uma grande dificuldade de adequar a Lei de
parcelamento do solo n.º 6766/79, as realidades existentes nessas comunidades.
Incidindo no questionamento da necessidade do parcelamento, da
individualização da unidade habitacional, resolveu-se utilizar a legislação que instituiu a
CDRU, utilizando-o na forma de condomínio, não o condomínio instituído na Lei n.º
4591 de 16 de dezembro 1964 própria de condomínios em edificações, mas, o
condomínio nos moldes estabelecidos pelo Código Civil.
Para utilização da CDRU na forma coletiva, não se faz necessário a repartição
da gleba em lotes individuais, ou seja, a aprovação do parcelamento da área é
dispensada. Neste caso temos a concessão de uma fração ideal da gleba para cada
concessiRQiULR³$IUDomRLGHDOUHSUHVHQWDXPWDQWXPGDPHWUDJHPWRWDOGDJOHEDVHP
que haja a definição formal de sua localização. Essa modalidade de destinação
permite, assim, a outorga da área aos moradores sem a realização de parcelamento do
solo, uma vez que LQH[LVWHDILJXUDGRORWH´PINHO, 1998: 95).
Esta modalidade do instrumento tem se mostrado um grande avanço na garantia
de uma fração de terreno regularizado ao ocupante de terra pública, principalmente,
possibilitando uma maior celeridade no processo de titulação.
Depois de escolhida a área a ser beneficiada com a regularização fundiária
através da CDRU, tem inicio o processo de legalização, devendo ser providenciado os
levantamentos fundiário, topográfico e cadastral.
100
O levantamento fundiário é a pesquisa realizada nos próprios arquivos da
Prefeitura e nos Cartórios de Registro de Imóveis, visando identificar o registro da área,
pois, é preciso ter a certeza de que a comunidade está inserida num bem público
municipal.
O levantamento topográfico é o desenho em planta de toda a comunidade, além
de apresentar a área toda com suas delimitações, apresenta, também, os imóveis que
são ocupados e os lotes de cada um dos seus posseiros.
Neste levantamento consta, ainda, as cotas lineares de cada um dos segmentos
do lote do posseiro e também sua área total, individualizando cada imóvel existente na
comunidade. Ademais, além do lote individual, o levantamento topográfico de uma área
ao se sobrepor aos loteamentos oficiais já registrados, é possível saber quem ocupou
área pública e área privada e o quanto o posseiro ocupou em áreas particulares, nos
lotes aprovados, e nas áreas públicas saberemos quem ocupou ruas ou praças.
Por último, o levantamento cadastral que é a identificação dos moradores dos
imóveis e de toda a documentação dos mesmos, dando um número ao imóvel que
servirá de base a todo processo de legalização.
Em seguida, este material coletado através dos levantamentos acima descritos é
analisado, atualmente pela Gerência de Regularização Fundiária da Prefeitura do
Recife, que identificará os imóveis que serão passíveis de serem regularizados em
virtude do tamanho do lote, bem como, verificará a documentação dos beneficiários e a
relação de moradia.
Posteriormente será efetuado o cálculo para determinar a fração ideal de terreno
que cada imóvel possuirá. Este cálculo era feito utilizando a seguinte equação:
contava-se o número total de imóveis da área beneficiada, em seguida dividia o valor
da metragem da gleba pelo número de imóveis, chegando a uma fração ideal igualitária
para todos, independente da metragem que cada imóvel possui de fato.
Registre-se que houve uma divergência na aceitação deste cálculo no momento
do registro de uma grande quantidade de contratos de CDRU no 1º Ofício do Cartório
de Imóveis, uma vez que, tendo sido incluído no contrato, para mera constatação, a
metragem que cada posseiro ocupa efetivamente, o Cartório não aceitou a explicação
de que apenas fora colocado a metragem real das moradias para melhor instruir um
101
possível litígio entre vizinhos concessionários não sendo necessário ter uma fração
ideal equivalente a metragem constante do imóvel. Apesar de já ter registrado
contratos semelhantes de outras comunidades.
Posteriormente a ocasião deste embate, foi preciso refazer os contratos de
CDRU colocando o novo cálculo da fração ideal que passou a ser equivalente a
metragem real de cada posseiro, ou seja, ao invés de uma fração ideal igualitária para
todos, ter-se-á uma fração diferenciada para os imóveis regularizados da comunidade.
A fórmula para calcular a fração ideal da gleba concedida passou a ser o seguinte: FI =
AL * 100%/AT (FI = Fração ideal, AL = Área do lote e AT = Área total da gleba).
Em seguida é realizado todo o trabalho de confecção e leitura dos contratos,
coleta das assinaturas e registro em Cartório de Imóveis, encerrando o trabalho com a
solenidade de entrega a população beneficiária.
Das 66 Zonas Especiais de Interesse Social ± ZEIS do Recife, as 9 ZEIS abaixo
mencionadas já foram ou ainda estão sendo beneficiadas com a implantação da
legalização de suas moradias através da utilização do contrato de Concessão de
Direito Real de Uso como um instrumento de regularização fundiária colocada em
prática pelo Poder Público Municipal. (Mapa 1)
102
MAPA 1 ± ZEIS do Recife com destaque daquelas com regularização fundiária com o
instrumento jurídico de Concessão de Direito Real de Uso ± CDRU.
Fonte: Gerência de Regularização Fundiária ± Prefeitura do Recife/Informações sobre
regularização fundiária do autor.
103
9 ZEIS Coronel Fabriciano: localizada no bairro da Imbiribeira, na RPA
(Região Político Administrativa) 06, possuindo 88 imóveis cadastrados, sendo
que 86 foram possíveis de serem regularizados através dos contratos de
CDRU registrados e entregues aos moradores. A regularização fundiária foi
concluída;
9 ZEIS Brasília Teimosa: localizada no bairro de mesmo nome, na RPA 06,
compreendendo área pública cedida através de aforamento ao município;
possuindo 1.791 imóveis regularizados com os instrumentos da Doação e da
CDRU. A legalização passou muito tempo paralisada e, foi retomada em
2005 com a revigoração do contrato de cessão de aforamento e a elaboração
de um novo diagnóstico físico e social da comunidade que, se encontra em
andamento.
9 ZEIS Entra Apulso: localizada no bairro de Boa Viagem, na RPA 06,
compreendendo área publica e particular, utilizando-se os instrumentos da
CDRU e da Usucapião no processo de regularização; possui 526 imóveis
cadastrados localizados nas áreas públicas; 99 foram regularizados através
dos contratos de CDRU registrados e entregues aos moradores; 427 imóveis
não são aptos para serem legalizados em virtude de pendências diversas,
tais como: Levantamento topográfico irregular, moradores sem
documentação, imóveis cedidos, alugados ou fechados, imóveis com disputa
na justiça, imóveis comerciais ou institucionais, imóveis maiores ou menores
que a metragem permitida pela Lei do PREZEIS e imóveis com moradores
que não desejam participar deste processo. Algumas pendências são
possíveis de serem superadas.
9 ZEIS Torrões: localizada no bairro de mesmo nome, na RPA 04, divide-se
em três sub-áreas. Somente a primeira delas, denominada ZEIS 10, é
passível de ser regularizada através deste instrumento pelo Município;
Possui 600 imóveis cadastrados; 116 foram regularizados através dos
contratos de CDRU, registrados e entregues aos moradores; 66 estão
registrados, aguardando o agendamento da solenidade de entrega aos
moradores; 27 estão em tramitação no Cartório de Imóveis para registro; 391
imóveis não são aptos para serem legalizados em virtude de pendências
diversas, tais como: moradores sem a documentação necessária; imóveis
104
cedidos, alugados ou fechados, imóveis com disputa na justiça, imóveis
comerciais ou institucionais, imóveis alterados pelos moradores, divergindo
da planta registrada, e imóveis com moradores que não desejam participar
deste processo. As pendências são possíveis de serem superadas, mas,
dependem de ações conjugadas e constantes a serem desenvolvidas entre
os moradores a serem beneficiados, os representantes dos moradores e a
equipe da Prefeitura do Recife.
9 ZEIS Coelhos: localizada no bairro da Boa Vista, na RPA 01, divide-se em
GXDV VXEiUHDV ³&RQVROLGDGD´ H ³3URPRUDU´ SRVVXL  LPyYHLV
cadastrados; 860 foram regularizados através dos contratos de CDRU
registrados e entregues aos moradores; 559 imóveis não são aptos para
serem legalizados em virtude de pendências diversas, tais como:
Levantamento topográfico irregular, moradores sem documentação, imóveis
cedidos, alugados ou fechados, imóveis com disputa na justiça, imóveis
comerciais ou institucionais, imóveis maiores ou menores que a metragem
permitida pela Lei do PREZEIS e imóveis com moradores que não desejam
participar deste processo. Algumas pendências são possíveis de serem
superadas.
9 ZEIS Vila União: localizada no bairro da Iputinga, na RPA 04; possui 355
imóveis cadastrados; 282 foram regularizados através dos contratos de
CDRU registrados e entregues aos moradores; 71 imóveis não são aptos
para serem legalizados em virtude de pendências diversas, tais como:
moradores sem documentação, imóveis cedidos, alugados ou fechados,
imóveis com disputa na justiça, imóveis comerciais ou institucionais, imóveis
maiores ou menores que a metragem permitida pela Lei do PREZEIS e
imóveis com moradores que não desejam participar deste processo. Algumas
pendências são possíveis de serem superadas.
9 ZEIS Jardim Uchôa: localizada no bairro de Areias, na RPA 05; possui 80
imóveis cadastrados na área municipal; 28 foram regularizados através dos
contratos de CDRU registrados e entregues aos moradores; 52 imóveis não
são aptos para serem legalizados em virtude de pendências diversas, tais
como: moradores sem documentação, imóveis cedidos, alugados ou
fechados, imóveis com disputa na justiça, imóveis comerciais ou
105
institucionais, imóveis maiores ou menores que a metragem permitida pela
Lei do PREZEIS e imóveis com moradores que não desejam participar deste
processo. Algumas pendências são possíveis de serem superadas.
9 ZEIS Greve Geral: localizada no bairro do Ibura, na RPA 06; possui 138
imóveis cadastrados; 99 foram regularizados através dos contratos de CDRU
registrados e entregues aos moradores; 9 estão em tramitação no Cartório de
Imóveis para registro ou no gabinete do Prefeito para assinatura; 30 imóveis
não são aptos para serem legalizados em virtude de pendências diversas,
tais como: moradores sem documentação, imóveis cedidos, alugados ou
fechados, imóveis com disputa na justiça, imóveis comerciais ou
institucionais, imóveis maiores ou menores que a metragem permitida pela
Lei do PREZEIS e imóveis com moradores que não desejam participar deste
processo. Algumas pendências são possíveis de serem superadas.
9 ZEIS Aritana: localizada no bairro da imbiribeira, RPA 06. Possui 246
imóveis cadastrados; 80 foram regularizados através dos contratos de CDRU
registrados e entregues aos moradores; 166 imóveis não são aptos para
serem legalizados em virtude de pendências diversas, tais como: moradores
sem documentação, imóveis cedidos, alugados ou fechados, imóveis com
disputa na justiça, imóveis comerciais ou institucionais, imóveis maiores ou
menores que a metragem permitida pela Lei do PREZEIS e imóveis com
moradores que não desejam participar deste processo. Algumas pendências
são possíveis de serem superadas.
9 ZEIS Vila Felicidade: localizada no bairro da Várzea, RPA 04. Possui 519
imóveis cadastrados, compreendendo área publica e particular, utilizando-se
os instrumentos da CDRU e da Usucapião no processo de regularização; 128
imóveis estão em processo de legalização com o instrumento da CDRU, se
encontram na fase de coleta de assinatura dos representantes municipais.
9 ZEIS Rosa Selvagem: localizada no bairro da Várzea, RPA 04. Possui 800
imóveis cadastrados, compreendendo área publica e particular, utilizando-se
os instrumentos da CDRU e da Usucapião no processo de regularização. Na
parte pública, existem dois decretos de desafetação que alterou a destinação
de 74 trechos de ruas e praças para regularização. Foram formalizados
106
apenas 50 contratos de CDRU que se encontram no Cartório de Imóveis para
registro.
9 ZEIS Afogados: localizada no bairro de Afogaodos, RPA 05. Dividida em três
sub-áreas: Vila São Miguel, Padre Miguel e Marrom Glacê. Apenas Vila São
Miguel tem processo de regularização fundiária em andamento através da
CDRU. Possui 1660 imóveis cadastrados; 300 imóveis estão em processo de
regularização em andamento com a assinatura dos títulos, pendente de
registro no Cartório de Imóveis.
Os números citados acima refletem a quantidade de títulos outorgados pela
Prefeitura do Recife, registrados nos Cartórios de Imóveis e entregues aos moradores
desde 1987 até os dias de hoje, e em andamento (Prefeitura do Recife. Gerência de
Regularização Fundiária, 2008).
Salienta-se que todas as áreas citadas acima, já passaram por um processo de
urbanização, com implantação de infra-estruturas e serviços públicos em sua totalidade
ou parcialmente, ou, ainda, pelo menos pela etapa de planejamento das ações de
urbanização, demonstrando que se utiliza o entendimento da Regularização Fundiária
em todas as suas dimensões, urbanística, social e jurídica.
Corrobora com os apontamentos de Santos (1984), já inseridos nesta pesquisa,
que essa política é o exercício de uma mediação de conflitos, imposta pelo Estado,
através do Direito, e que o Estado cria novas situações para administrar com a
aplicação deste instrumento na solução de um conflito de solo urbano.
³2VSURFHVVRVGHUHJXODUL]DomRIXQGLiULDHPSUHHQGLGRVVHMDSHOD&2+$%-
PE, seja pela URB-Recife, enfrentaram várias dificuldades, destacando-se a
rigidez da legislação dos registros de imóveis, a cultura conservadora do
poder judiciário, a estrutura dos cartórios, com precárias formas de registro e
armazenamento, a falta de continuidade dos programas em função da
mudança de prioridades dos governos, além de outros mais específicos,
referentes ao descompasso entre as ações de regularização jurídico-fundiária
HRSODQHMDPHQWRGDVLQWHUYHQo}HVXUEDQtVWLFDV´628=$
O Quadro nº 04 indica o número de assentamentos que estão sendo ou que
foram trabalhados no quesito da legalização, incluindo, também, as áreas que estão na
fase de diagnóstico que não iniciaram o processo de titulação propriamente dito no
107
período de 1983 a 2008. Relaciona, também, o ente público ou não que promove a
ação, o instrumento jurídico realizado e propriedade do terreno.
Quadro 04 ± Relação das ZEIS Sob Ação de Regularização Fundiária ± 1983 a
2008.
Item Denominação
Promotor da
Regularização
Fundiára
Titulação já
iniciada ou
concluída
Instrumento
Jurídico Utilizado
Propriedade
1 Coelhos Município Sim CDRU Pública
2 Coque Município Não Não utilizado Pública
3 Casa Amarela Estado Sim Compra e Venda Pública
4
Vila Esperança ±
Cabocó
Município Não Não utilizado Pública
5 Vila do Vintém Município Sim CUEM Pública
6 Campo do Vila Município Sim Usucapião Pública e Privada
7 Apipucos Município Não Não utilizado Pública e Privada
8 Sítio do Cardoso Município Não Não utilizado Pública
9
Mangueira da
Torre
Município Sim Usucapião Pública e Privada
10
Carangueijo ±
Tabaiares
União Sim CUEM Pública
11 Vila União Município Sim CDRU Pública
12 Torrões
Município, Estado
e ONG
Sim
CDRU e
Usucapião
Pública e Privada
13 Vila Felicidade Município e ONG Sim
CDRU e
Usucapião
Pública e Privada
14 Rosa Selvagem Município e ONG Sim
CDRU e
Usucapião
Pública e Privada
15 Brasilit Município e ONG Não Não utilizado Sem informação
16 Afogados Município e União Sim CDRU e CUEM Pública
17 Mangueira ONG Sim Usucapião Privada
18 Mustardinha ONG Sim Usucapião Privada
19 Beirinha Município e União Não Não utilizado Pública
20 Jardim Uchôa Município e União Sim CDRU Pública
21
Planeta dos
Macacos
Município Não Não utilizado Pública
22 Brasília Teimosa Município Sim Doação e CDRU Pública
23
Pina ± Encanta
Moça
Estado Sim CDRU Pública
24 Coronel Fabriciano Município Sim CDRU Pública
25 Entra Apulso
Município, União e
ONG
Sim
CDRU e
Usucapião
Pública e Privada
26 Sítio Grande Estado Sim CDRU Pública e Privada
27 Aritana Município Sim CDRU Pública
28 Coqueiral Município Não Não utilizado Pública e Privada
29 Greve Geral Município Sim CDRU Pública
30
UR5 ± Três
Carneiros
Município e ONG Sim Usucapião Privada
Fonte: Gerência de Regularização Fundiária, 2008 e informações do autor
No Quadro nº 05 é apresentado uma síntese numérica e percentual em relação
ao número de ZEIS sob processo de regularização fundiária ± 1983 a 2008 -, indicando
108
a localização por RPA, o promotor da ação, os instrumentos utilizados e a propriedade
dos terrenos.
Quadro 05 ± Síntese das ZEIS Sob Processo de Regularização Fundiária ± 1983 a
2008 (concluídos e em andamento).
ITENS QUANTIDADE PERCENTUAL
1) Número de ZEIS sob processo de regularização fundiária 30 100,00%
Localizados na RPA 1 1 3,33%
Localizados na RPA 2 0 0,00%
Localizados na RPA 3 5 16,67%
Localizados na RPA 4 8 26,67%
Localizados na RPA 5 6 20,00%
Localizados na RPA 6 9 30,00%
2) Número de ZEIS sob processo de intervenção promovido
pelo(a)
Município 15 50,00%
Estado 3 10,00%
União 1 3,33%
ONG 2 6,67%
Município e Estado 0 0,00%
Município e União
3
10,00%
Município e ONG
4
13,33%
Município, Estado e ONG
1
3,33%
Município, União e ONG
1
3,33%
3) Número de ZEIS sob processo de intervenção através do
instrumento jurídico
CDRU
8
26,67%
Usucapião
5
16,67%
CUEM
2
6,67%
CDRU e Usucapião
4
13,33%
CDRU e CUEM
1
3,33%
CDRU e Doação
1
3,33%
Compra e Venda
1
3,33%
Nenhum instrumento
8
26,67%
4) Relação de propriedade dos assentamentos
Propriedade pública
17
56,67%
Propriedade privada
3
10,00%
Propriedade pública e privada
9
30,00%
Sem informação
1
3,33%
Fonte: Gerência de Regularização Fundiária, 2008 e informações do autor.
109
3.3.2 Estudos de Caso de Regularização Fundiária de ZEIS por CDRU
Para realização de estudos de caso nesta pesquisa, analisaremos os processos
de regularização fundiária de quatro comunidades instituídas como ZEIS, verificando os
processos de aquisição de terras utilizados pelo Município do Recife, bem como, as
diferentes formas de efetivação da legalização através do contrato de Concessão de
Direito Real de Uso ± CDRU, com o objetivo de caracterizar o processo de mediação
de conflitos por parte do Estado mediante o processo de regularização fundiária.
Focalizaremos cada área escolhida, apontado o histórico de ocupação, a
localização da comunidade e a relação entre o conflito existente e a solução de
legalização encontrada para cada ZEIS.
As quatro experiências de regularização fundiária relatada na pesquisa retratam
diferentes formas de aquisição de terras utilizadas pelo Município do Recife. O estudo
de caso realizado aponta para três destas possibilidades de aquisição de terrenos pelo
Município, quais sejam: a desapropriação de lotes ou glebas particulares; a
transferência de terrenos de marinha sob domínio da União, através de contrato de
cessão de aforamento e a transferência compulsória de percentual da gleba em virtude
da aprovação de projeto de loteamento.
Esses processos de aquisição de terras utilizados pelo Município trazem
semelhanças e diferenças no momento da execução, bem como, na ocasião da
implementação da regularização fundiária. Constituindo-se num importante aspecto
para análise.
Os três processos de aquisição aqui trabalhados foram criados pelo Estado
através do Direito para regular a atuação do próprio Estado nas hipóteses de alienação
e utilização de bens imóveis. A cessão de aforamento e a transferência compulsória de
terreno pela aprovação de projeto de loteamento já foram explicadas anteriormente
neste arrazoado.
O instituto da desapropriação é um procedimento administrativo pelo qual o
Estado impõe ao proprietário a perda de um bem, mediante o pagamento de justa
indenização. A efetivação da desapropriação deve ser precedida de declaração de
necessidade pública, utilidade pública ou interesse social.
110
Os processos de desapropriação e cessão de aforamento verificado nas
experiências relatadas a seguir têm o momento da execução como ponto de
convergência, pois, foram implantados como forma de remediar uma situação de
irregularidade existente no tocante a ocupação informal da terra e a permanência da
posse dos moradores. Instrumentos jurídicos foram utilizados para dirimir ou dissipar o
conflito pelo direito a moradia.
Diferentemente, a transferência legal de percentual de gleba loteada é efetuada
como uma obrigação legislativa, concretizada automaticamente na aprovação do
projeto de loteamento. Nesta ocasião são transferidos até 35% da área ao município
SDUDFRQVWLWXLomRGDVUXDVHSUDoDVEHQVS~EOLFRVFDUDFWHUL]DGRVFRPR³EHPGHXVR
FRPXPGRSRYR´
Para tanto, se faz necessário que a gleba a ser loteada esteja vazia, sem
construção ou ocupação, para posterior implantação efetiva do loteamento. No caso
estudado, o conflito pelo direito a moradia e permanência da posse não existia no
momento da aquisição da área pelo município. A transferência aconteceu em momento
anterior ao início da ocupação e origem da comunidade.
Pela inoperância do município em implantar efetivamente o loteamento e em
fiscalizar áreas sob seu domínio, terrenos previstos para ruas e praças são ocupados
pela população de baixa renda, gerando uma situação de conflito entre o Estado, o
Capital e os Movimentos Sociais, intermediado por institutos criados pelo Direito.
As ZEIS Coronel Fabriciano e Torrões/ZEIS 10 passaram pelo processo da
desapropriação; a ZEIS Coelhos pelo contrato de cessão de aforamento e a ZEIS
Greve Geral pela transferência compulsória pela aprovação de loteamento.
Todas as quatro comunidades foram legalizadas ou ainda estão em processo de
legalização com a utilização do contrato de concessão de direito real de uso, se
diferenciando no modo de utilização e aplicação do instrumento.
Ao adotar o critério do início da ação da regularização fundiária de cada área
para realizarmos o debate sobre este estudo de caso, listamos as comunidades na
seguinte ordenação: Torrões, Coronel Fabriciano, Coelhos e Greve Geral, bem como,
efetivamos a devida localização das áreas no mapa do Recife (Mapa nº 01),
anteriormente mostrado.
111
3.3.2.1 ZEIS Torrões
A ZEIS Torrões se localiza na RPA 4 do Recife, microrregiões 4.1 e 4.2, Bairros
do Cordeiro e Torrões, zona oeste da cidade. Localiza-se numa área de planície de
várzea muito baixa, na margem direita do Rio Capibaribe, originalmente alagada.
A ocupação teve início na década de 20. Nessa região os portugueses
construíram o Forte do Cruzeiro, para defender os engenhos e a Estrada Velha da
Várzea, atual Rua Antônio Valdevino da Costa, dos holandeses. Ao longo dos séculos,
foi sendo aterrada paulatinamente, e suas águas drenadas em direção ao Rio Jiquiá,
inicialmente para possibilitar a prática de atividades agrícolas e posteriormente para
que a ocupação de famílias fosse se consolidando.
No período 1991-2000, a população da ZEIS teve uma taxa média de
crescimento anual de 1,46%, passando de 21.702 em 1991 para 24.733 em 2000.
Possui uma densidade demográfica na ordem de: 25.763,5 hab/km². Em 2000, a
população representava 1,74% da população do município de Recife. O responsável
pelo domicílio tem uma média de 5,1 anos de estudo e uma renda per capita média de
R$ 300,60 (Atlas Municipal de desenvolvimento humano no Recife, 2005).
É uma comunidade que foi beneficiada com a implantação de obras de infra-
estrutura básica, tais como: pavimentação, drenagem e saneamento básico.
A ZEIS Torrões foi institucionalizada como ZEIS em 1983, através da aprovação
da LUOS nº 14.511; se divide em várias sub-áreas e somente a sub-área denominada
³=(,6 ´ p SDVVtYHO GH VHU UHJXODUL]DGD DWUDYpV GR LQVWUXPHQWR GD &'58 SHOR
Município do Recife (Mapa nº 02).
112
$ ³=(,6 ´ caracteriza-se por uma gleba desapropriada pelo Município do
Recife, através da URB RECIFE, que, posteriormente, realizou o parcelamento da
área, individualizando os lotes dos posseiros.
MAPA 2 ± ZEIS TORRÕES ± Sub-área ZEIS 10
Fonte: Gerência de Regularização Fundiária ± Prefeitura do Recife/Informações sobre
re
g
ulariza
ç
ão fundiária do autor.
113
Em decorrência disto, o processo de legalização é efetuado através da CDRU
individual e não no formato coletivo como as outras áreas relatadas adiante, não
existindo a figura da fração ideal integrante dos contratos condominiais.
Foi necessário percorrer todo um trâmite, imposto pela legislação, para chegar a
ponto de iniciar as ações de legalização com a utilização da CDRU individual.
Nesta época, não havia tido ainda no Recife experiência de regularização
fundiária com utilização de instrumentos na modalidade coletiva. O paradigma ditado
pelo direito civil sobre o caráter individual da propriedade era o único adotado, bem
como, era, também, transmitido às soluções encontradas para mediação do conflito
pelo direito a moradia.
Dispondo de uma visão tradicional sobre as ações de regularização fundiária,
pois, ao invés de legalizar a terra com o instrumento da ação de usucapião que se
caracteriza como forma originária de aquisição da propriedade, a URB Recife declarou
de utilidade pública e interesse social para fins de desapropriação, terreno denominado
de Gleba B, remanescente do Sítio Torrões de Dentro, com área de 68.360,64m²,
através do Decreto Municipal nº 12.433 de 1982.
Em 20 de julho de 1984 a desapropriação é realizada amigavelmente com o
efetivo pagamento da indenização no valor de Cr$54.200.000,00 (cinqüenta e quatro
milhões e duzentos mil cruzeiros), equivalente a R$336.148,40
6
(trezentos e trinta e
seis mil e cento e quarenta e oito reais e quarenta centavos). Efetuando-se o registro
da Escritura da Desapropriação em 06 de dezembro de 1984 no 4º Cartório de Registro
de Imóveis, sob a matrícula nº 7.577, conforme Escritura Pública de Desapropriação
Amigável (Doc nº 01) em anexo.
6
A conversão foi realizada, utilizando-se a tabela de atualização do site Calculo Exato, na qual, se expressa a seguinte memória
de cálculo:
Variação do índice INCC entre 20/07/84 e 31/12/08
Em percentual: -99,3798 %
Em fator de multiplicação: 0,006202
INCC é um índice divulgado na forma de percentual mensal. A variação entre duas datas é calculada pelo acúmulo dos valores no
período.
As variações de moeda listadas abaixo também foram consideradas no cálculo da variação:
28/02/86, de cruzeiro para cruzado, dividindo o valor por 1.000.
16/01/89, de cruzado para cruzado novo, dividindo o valor por 1.000.
16/03/90, de cruzado novo para cruzeiro, sem alteração do valor.
01/08/93, de cruzeiro para cruzeiro real, dividindo o valor por 1.000.
01/07/94, de cruzeiro real para real, dividindo o valor por 2.750.
Atualização
Valor atualizado = valor * fator = 54.200.000,00 * 0,006202
Fonte: Site Cálculo Exato ± www.calculoexato.com.br
114
A efetivação da desapropriação dispersou a luta pela legalização da área,
diminuindo a pressão popular na luta pela segurança da posse, pois, a URB RECIFE já
era a dona do terreno, não existiria o perigo imediato de expulsão da comunidade do
local. Foi utilizado um mecanismo de trivialização/neutralização para dispersar a luta
pela permanência no local, passando a existir neste momento uma tolerância com a
existência da favela, mas, por outro lado, foi mantida a mesma situação de
irregularidade fundiária, ou seja, configura-se a manutenção do status quo jurídico e
social. O município deixa de lado a luta dos moradores que, passam a lutar pela
concretização do sonho do título de posse
Decorridos o lapso temporal de 08 (oito) anos, em 14 de setembro de 1992 a
URB RECIFE protocolou requerimento no 4º Cartório de Registro de Imóveis,
solicitando o registro do parcelamento da área desapropriada, denominando-a de Sítio
dos Mendonças, dividido em 27 (vinte e sete) quadras e 453 (quatrocentos e cinqüenta
e três) lotes.
O requerimento foi instruído com a planta e memoriais descritivos do
parcelamento, que foram aprovados pela Diretoria de Controle Urbano do Recife e
licenciado pela CPRH, atual Agência Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos,
contando, ainda, com a anuência prévia da FIDEM, atual Agência Estadual de
Planejamento e Pesquisas de Pernambuco - Agência CONDEPE/FIDEM.
No andamento do processo de registro do parcelamento, o Oficial de Registro do
4º Cartório de Registro de Imóveis do Recife publicou o edital de loteamento por três
dias consecutivos ± 20, 21 e 22 de outubro de 1994 (Doc nº 02), anunciando o depósito
da planta e memorial descritivo e abriu prazo de 15 (quinze) dias para impugnação
daqueles que se julgassem prejudicados. O registro do parcelamento foi efetuado em
21 de março de 1995, sob a matrícula nº 7577.
O município inicia um segundo processo de mediação, utilizando mecanismos
de socialização/integração para formalizar a permanência das famílias na comunidade,
desta feita, garantindo a legalização da posse da terra. No entanto, verifica-se a forte
influência do estado patrimonialista, pois, a regularização fundiária implementada
privilegiou a titulação individual, tomando por base a regulamentação da propriedade
normatizada no Código Civil de 1916.
115
Como o assentamento foi parcelado e a legalização acontece através da CDRU
individual, qualquer alteração nos lotes promovida pelos moradores, cria um
impedimento legal para que se proceda ao registro do título, pois, a informação sobre o
imóvel inserida no texto do contrato de CDRU, retrata um imóvel diferente daquele lote
registrado originalmente na ocasião do parcelamento.
3.3.2.2 ZEIS Coronel Fabriciano
A ZEIS Coronel Fabriciano se localiza na RPA 6 do Recife, na Microrregião 6.1,
Bairro da Imbiribeira, zona sul da cidade. Situada à Rua Coronel Fabriciano, no lote de
terreno próprio denominado 4-A, da quadra 3, componente do Loteamento localizado
na Avenida Marechal Mascarenhas de Morais, resultante do remembramento dos lotes
03 e 04, compreendendo uma área total de 7.891,25m² (Mapa nº 03).
116
MAPA 3 ± ZEIS CORONEL FABRICIANO
Fonte: Gerência de Regularização Fundiária ± Prefeitura do Recife/Informações sobre
regularização fundiária do autor.
117
No período 1991-2000, a população da ZEIS teve uma taxa média de
crescimento anual de 1,09%, passando de 1.161 em 1991 para 1.280 em 2000. Possui
uma densidade demográfica (2000) na ordem de: 128.000,0 hab/km². Em 2000, a
população representava 0,09% da população do município de Recife. O responsável
pelo domicílio tem uma média de 6,0 anos de estudo e uma renda per capita média de
R$ 478,9 (Atlas Municipal de desenvolvimento humano no Recife, 2005).
O surgimento das primeiras casas na ZEIS Coronel Fabriciano foi registrado no
fim da década de 70, graças aos aterros feitos na área que era alagada (braço de
maré). No início, a ocupação foi feita de modo gradual, porém, posteriormente, a área
aumentou a quantidade de moradores que ocuparam a área repentinamente, de modo
coletivo e organizado.
Os proprietários impetraram ação judicial para promoção imediata do despejo
das famílias. A ação foi julgada favorável, através de expedição de medida liminar que
autorizava o despejo, chegando a haver um embate entre a Polícia Militar, moradores e
parlamentares, ligados ao campo da esquerda, que apoiaram a luta dos moradores.
Nesta ocasião, o estado através do Poder Judiciário utiliza um mecanismo de
repressão/exclusão, visando promover a expulsão dos moradores da comunidade, se
utilizando da força.
Todavia, no ano de 1986, o recém eleito Prefeito Jarbas Vasconcelos, tendo
participado das discussões com o movimento popular sobre a criação do PREZEIS,
iniciou o processo expropriatório dos lotes citados onde se localizava a comunidade,
através do Decreto de Desapropriação por interesse social, em virtude da ocorrência
do grande conflito pela permanência dos moradores.
Os proprietários dos lotes não aceitaram a desapropriação amigável, obrigando
o Município a promover uma ação judicial de desapropriação, intentando a ação em 10
de fevereiro de 1987, oferecendo CZ$301.806,57 (trezentos e um mil e oitocentos e
seis cruzados e cinqüenta e sete centavos) como valor da causa, atribuído ao bem
desapropriado, equivalente a R$130.396,74
7
(cento e trinta mil e trezentos e noventa e
seis reais e setenta e quatro centavos).
7
A conversão foi realizada, utilizando-se a tabela de atualização do site Calculo Exato, na qual, se expressa a seguinte memória
de cálculo:
118
No decorrer desta ação, a comunidade foi transformada em ZEIS, através da Lei
Municipal nº 15.164 de 21 de dezembro de 1988. Instalando-se a COMUL em 11 de
outubro de 1990, através do Decreto Municipal nº 14.855. A instituição da área como
ZEIS configura-se um mecanismo de trivialização/neutralização dos conflitos.
Os réus contestaram a ação, considerando o preço ridículo, perderam na 1º
instância e recorreram ao Tribunal de Justiça de Pernambuco.
No andamento do processo, já em 20 de agosto de 1990, o Município e os Réus
transigiram sobre o valor a ser pago, alcançando o valor de Cr$50.000.000,00
(cinqüenta milhões de cruzeiros), equivalente R$3.006.500,00
8
(três milhões e seis mil
e quinhentos reais). Em decorrência do acordo entre as partes, o Tribunal de Justiça de
Pernambuco extinguiu o processo em 10 de abril de 1991.
A desapropriação foi registrada no 1º Cartório de Registro de Imóveis do Recife
sob a matrícula nº 61.565, e em 17 de dezembro de 1993 foi averbada à margem da
matrícula o remembramento dos lotes desapropriados nº 03 e 04, constituindo uma
única unidade, denominada lote 04-A.
Variação do índice INCC entre 10/02/87 e 31/12/08
Em percentual: -56,7946 %
Em fator de multiplicação: 0,432054
Observações sobre a atualização:
INCC é um índice divulgado na forma de percentual mensal. A variação entre duas datas é calculada pelo acúmulo dos valores no
período.
As variações de moeda listadas abaixo também foram consideradas no cálculo da variação:
16/01/89, de cruzado para cruzado novo, dividindo o valor por 1.000.
16/03/90, de cruzado novo para cruzeiro, sem alteração do valor.
01/08/93, de cruzeiro para cruzeiro real, dividindo o valor por 1.000.
01/07/94, de cruzeiro real para real, dividindo o valor por 2.750.
Atualização
Valor atualizado = valor * fator = 301.806,57 * 0,432054
Fonte: Site Cálculo Exato ± www.calculoexato.com.br
8
A conversão foi realizada, utilizando-se a tabela de atualização do site Calculo Exato, na qual, se expressa a seguinte memória
de cálculo:
Variação do índice INCC entre 20/08/90 e 31/12/08
Em percentual: -93,9870 %
Em fator de multiplicação: 0,060130
Observações sobre a atualização:
INCC é um índice divulgado na forma de percentual mensal. A variação entre duas datas é calculada pelo acúmulo dos valores no
período.
As variações de moeda listadas abaixo também foram consideradas no cálculo da variação:
01/08/93, de cruzeiro para cruzeiro real, dividindo o valor por 1.000.
01/07/94, de cruzeiro real para real, dividindo o valor por 2.750.
Atualização
Valor atualizado = valor * fator = 50.000.000,00 * 0,060130
Valor atualizado = 3.006.500,00
Fonte: Site Cálculo Exato ± www.calculoexato.com.br
119
Em seguida, o município passa a utilizar mecanismos de
socialização/integração, garantindo a urbanização e a legalização da comunidade,
utilizando a concepção completa da regularização fundiária, já vista anteriormente.
A urbanização se deu, primeiramente, com a remoção das famílias para
habitações provisórias localizadas no entorno do terreno. Posteriormente, o terreno foi
aterrado e na área foram construídas as casas em regime de mutirão, aproveitando a
força de trabalho dos moradores. O que era uma ocupação em terreno alagado foi
transformado numa comunidade organizada e pronta para moradia.
Nesta ZEIS a regularização fundiária foi concluída. A legalização foi feita através
da CDRU condominial, diferente da aplicada na ZEIS Torrões, constando frações ideais
iguais para todos os moradores, em virtude da construção de imóveis com metragens
iguais para todos.
Foram concedidos 86 (oitenta e seis) imóveis na comunidade. A legalização
atingiu a totalidade dos imóveis, através da concessão da fração ideal de 1/86 da
metragem total da área para cada um. A metragem individual de cada lote não foi
considerada para cálculo da fração ideal, em virtude da igualdade existente entre as
casas. Foi realizada apenas a divisão ideal da gleba pelos imóveis existentes.
Buscou-se uma alternativa para promoção coletiva da legalização, não incidindo
nas normas impostas pela Lei de Parcelamento do solo. A visão política mais
progressista, na época vigente, trouxe um aporte de soluções que visaram quebrar o
paradigma delimitado pela legislação civil à propriedade individual da terra.
Os contratos foram firmados inicialmente em 18 de novembro de 1994,
totalizando em 48 (quarenta e oito) títulos, devidamente registrados em 21 de março de
1995. A finalização deste trabalho ocorreu em 20 de janeiro de 1995 com a efetivação
de mais 38 (trinta e oito) contratos que foram registrados em 08 de maio de 1995.
Todos os contratos foram registrados no 1º Cartório de Registro de Imóveis.
Identificando o marco inicial da luta pelo Direito a Moradia da comunidade de
Coronel Fabriciano no Decreto de Desapropriação em 1986 e o ponto final nos últimos
contratos registrados em 1995, visualiza-se o lapso temporal de 09 (nove) anos
percorridos neste processo de urbanização e legalização da comunidade.
120
No entanto, verifica-se que a agilidade imposta às ações de legalização
propriamente dita, consubstanciada à vontade política do gestor, possibilitou a
finalização dos trabalhos e a regularização de todos os imóveis da comunidade.
3.3.2.3 ZEIS Coelhos
A ZEIS Coelhos se localiza na RPA 1 do Recife, microrregião 1.3, Bairro da Boa
Vista, região central da cidade, área disputada para implantação de empreendimentos
nas áreas jurídica e médica do Recife (Mapa nº 04).
121
MAPA 4 ± ZEIS COELHOS
Fonte: Gerência de Regularização Fundiária ± Prefeitura do Recife/Informações sobre
re
g
ulariza
ç
ão fundiária do autor.
122
No período 1991-2000, a população da ZEIS teve uma taxa média de crescimento
anual de 0,29%, passando de 5.345 em 1991 para 5.485 em 2000. Possui uma
densidade demográfica na ordem de: 26.119,0 hab/km².
Em 2000, a população
representava 0,39% da população do município de Recife. O responsável pelo
domicílio tem uma média de 4,6 anos de estudo e uma renda per capita média de R$
213,00 (Atlas Municipal de desenvolvimento humano no Recife, 2005).
A comunidade teve início com a ocupação dos estabelecimentos industriais e
institucionais abandonados, localizados no alinhamento da Rua dos Coelhos e Rua Dr.
José Mariano. Posteriormente, foram surgindo às primeiras habitações resultantes dos
aterros efetuados na margem do Rio Capibaribe.
A ocupação do Cais José Mariano iniciou-se nos primeiros anos da década de 20.
As primeiras habitações da comunidade foram construídas sobre sucessivos aterros à
margem do Rio Capibaribe. Ao longo dos anos, a ocupação expandiu-se, estreitando a
calha do rio com habitações precárias. Nos anos 60, o Prefeito Augusto Lucena quis
expulsar os moradores, tendo a população se mobilizado e conseguido impedir a
expulsão.
Verifica-se uma tentativa de expulsão dos moradores que visava deixar a
localidade para o desenvolvimento da área central da cidade. Ocorreu a tentativa de
mediação do conflito pela terra, através do mecanismo de repressão/exclusão,
configurado pela possibilidade de despejo dos moradores.
Nos anos 80, o Programa PROMORAR dá início à construção das casas,
utilizando um campo de futebol que existiu até 1983. A urbanização da área foi
executada, através da construção de conjunto habitacional, definição do sistema viário
e realização da pavimentação e drenagem das ruas. Atualmente, ainda existe
problemas com a irregularidade no abastecimento d`água, da falta do esgotamento
sanitário e inexistência de áreas verdes e de lazer.
Nesta época, a Companhia de Caridade da Igreja Católica, a Família Mesel e
Genésio Caruso aparecem para reclamar a propriedade da área. Tornando a luta pela
terra a prioridade da população, contribuindo assim para uma grande organização
popular.
123
O Município do Recife protocolou no Ministério do Planejamento solicitação de
cessão de aforamento, sob o nº 0480.00567/80. E em 09 de setembro de 1980 foi
firmado o contrato de cessão de aforamento do terreno de acrescido de marinha, com
área de 15,3 hectares, conhecido como Coelhos, com a finalidade de executar plano
habitacional no prazo de 05 (cinco) anos. Em 22 de dezembro de 1986 o contrato foi
devidamente registrado no 2º Cartório de Registro de Imóveis, sob a matrícula nº
29.379 (Doc. nº 03).
O assentamento foi transformado em ZEIS em 17 de janeiro de 1983, através da
Lei de Uso e Ocupação do Solo nº 14.511 e a instalação da COMUL ocorreu em 04 de
novembro de 1987, através do Decreto Municipal nº 14.060.
Na década de 80, verifica-se o acontecimento quase simultâneo da mediação de
conflitos, através de mecanismos trivialização/neutralização e de
socialização/integração. Diferente de outras áreas iniciou-se o processo de
urbanização, garantindo a integração da comunidade à cidade e, em seguida, verificou
- se o processo de solicitação da cessão da área à União e da instituição da área em
ZEIS. A luta dos moradores foi dispersa pela efetivação deste processo de mediação
que neutralizou os conflitos.
O processo de legalização da comunidade somente foi iniciado em 1999,
impulsionado pelas obras de construção da Ponte ± Viaduto Joaquim Cardoso, ocorrida
em 1998. Por causa dessa construção aconteceram várias desapropriações das
benfeitorias apenas, pois, os terrenos ainda não tinham sido legalizados em nome dos
moradores.
Em decorrência deste fato, os moradores se aperceberam que um possível
pagamento de indenização por desapropriação teria uma valoração maior se o terreno
já fosse legalizado nos seus nomes.
A Legalização da ZEIS Coelhos encontra-se em avançado processo nas suas
duas áreas: Consolidada e Promorar.
A legalização é feita através da CDRU condominial, constando frações idéias
diferenciadas para cada imóvel, em função de sua metragem. Vale salientar que a área
do Promorar, por ser um conjunto habitacional construído e possuir uma metragem
igual para as casas, tem uma fração coincidente para todos os imóveis.
124
Diferentemente de Coronel Fabriciano, a metragem das casas está inserida na
redação de todos os contratos, constando uma equivalência entre a fração ideal
concedida e a área do lote efetivamente ocupada.
A própria população passou a exigir a apresentação da metragem da área no
contrato e, que a fração ideal representasse uma equivalência da área efetivamente
ocupada pelo morador. Essa discussão foi levantada pelos moradores da chamada
iUHD ³&RQVROLGDGD´ SRLV SRVVXtDP LPyYHLV PDLRUHV TXH RV FRQVWUXtGRV QD iUHD
GHQRPLQDGD³3URPRUDU´9HULILFD-se como o pensamento vigente sobre a propriedade
encontra-se entranhado no imaginário das pessoas, inclusive, nos moradores de
assentamentos de baixa renda.
3.3.2.4 ZEIS Greve Geral
A ZEIS Greve Geral se localiza na RPA 6 do Recife, microrregião 6,2, zona sul
da cidade, situada na Vila do Sesi ± Bairro do Ibura de Baixo, compreendendo uma
área de 1,51 hectares (Mapa nº 05). Tem como principais vias de acesso a BR-101 e a
Avenida Recife.
125
MAPA 5 ± ZEIS GREVE GERAL
Fonte: Gerência de Regularização Fundiária ± Prefeitura do Recife/Informações sobre
re
g
ulariza
ç
ão fundiária do autor.
126
No período 1991-2000, a população da ZEIS teve uma taxa média de
crescimento anual de 5,32%. Possui uma densidade demográfica na ordem de:
28.700,0 hab/km².
Em 2000, a população representava 0,02% da população do
município de Recife. O responsável pelo domicílio tem uma média de 5,7 anos de
estudo e uma renda per capita média de R$ 229,30 (Atlas Municipal de
desenvolvimento humano no Recife, 2005).
É uma comunidade com terreno bastante acidentado que foi beneficiada com a
implantação de obras de infra-estrutura básica, tais como: pavimentação, drenagem,
escadarias e saneamento básico. A energia elétrica foi regularizada em 1994, já que no
início da ocupação da área os moradores utilizavam gambiarras. Já o abastecimento
d´água foi instalado em 1989, a princípio os moradores utilizavam água de fonte natural
existente no interior da localidade.
O nome da comunidade se deve ao fato de sua ocupação ter acontecido no
mesmo dia da greve geral nacional de 1989. O seu início aconteceu no dia 14 de
Março de 1989 com a ocupação de terreno de propriedade do poder público municipal.
Terreno este destinado a construção de uma praça, encontrava-se abandonado,
coberto de mato e lixo. Atraindo cerca de 40 (quarenta) famílias que se organizaram e
ali construíram suas precárias moradias.
Na ocasião da ocupação houve pressão por parte da Prefeitura para
desocupação da área, consubstanciada através de denúncia da Associação dos
Moradores da Vila do Sesi e Ibura de Baixo, culminando numa ação, sob forte aparato
policial, que barracos foram demolidos, comunitários espancados, e a líder da
ocupação Eunar dos Santos Dias, detida 03 (três) vezes.
Outrossim, vale salientar que uma ação judicial de reintegração de posse foi
movida pela administração municipal.
Identifica-se que o município tentou mediar o conflito pela área de domínio
municipal, através do mecanismo de repressão/exclusão, promovendo a remoção
violenta da favela. Nesta época, o município do Recife era chefiado pelo Prefeito
Joaquim Francisco, integrante do Partido da Frente Liberal, fortemente influenciado
pelo regime militar que governou o país.
127
Diante dessa pressão, os ocupantes se organizaram e conseguiram permanecer
no local. O movimento pela permanência no local contou com apoio da Comissão de
Justiça e Paz, Igreja Católica, Conselho dos Moradores do Ibura de Baixo e Imprensa.
A forte mobilização social foi decisiva para que o então Prefeito abortasse a tentativa
de expulsão dos moradores. Ressalta-se que o momento eleitoral colaborou para a luta
dos moradores, pois, o chefe do executivo municipal foi candidato a governador nas
eleições estaduais de 1990.
No entanto, a transformação da área em ZEIS se deu em 19/04/96, através da
aprovação da LUOS nº 16.176. O município repetia a experiência de uma visão mais
progressista à frente da Prefeitura, tendo Jarbas Vasconcelos novamente como
Prefeito.
Novamente, verifica-se o mecanismo de trivialização/neutralização na mediação
dos conflitos pela terra, realizado pelo estado, através do direito, configurado pela
institucionalização da ZEIS. Passa-se a tolerar a permanência dos moradores naquela
localidade.
A comunidade caracterizou-se pela ocupação de trechos de ruas e pras,
todos componentes do Loteamento Serviço Social da Indústria, situado no bairro do
Ibura, aprovado pelo município em 30 de julho de 1964 e averbado no 1º Cartório de
Registro de Imóveis de Recife a margem da matrícula nº 69.432 em 12 de abril de
1971.
Os trechos de ruas e praças ocupadas pela comunidade eram considerados
bens de uso comum do povo, conforme suas destinações apontadas na elaboração e
aprovação do loteamento.
Para que fosse possível a realização da regularização fundiária da comunidade,
os trechos do loteamento ocupados deveriam ser desafetados, precisavam mudar sua
destinação, deixando de ser bem de uso comum do povo para ser bem dominial, ou
seja, bem público passível de alienação.
Foram desafetados oito trechos de ruas e praças em 30 de julho de 1999,
através do Decreto Municipal nº 18.319. O Decreto foi encaminhado para registro no 1º
Cartório de Registro de Imóveis, o qual procedeu ao devido registro em 24 de fevereiro
128
de 2000, abrindo uma matrícula para cada trecho desafetado, ficando caracterizado
deste modo:
Área I ± Parte da Rua Mariti, com área total de 579,00m², matriculado sob
o nº 75.921 (Doc. nº 04).
Área II ± Parte da área destinada ao reservatório d´água, com área total
de 3.400,00m², matriculado sob o nº 75.922 (Doc. nº 05).
Área III ± Parte da Rua Monsenhor João Olímpio dos Santos, com área
total de 816,00m², matriculado sob o nº 75.923 (Doc. Extraviado).
Área IV ± Parte da Praça, com área total de 2.193,00m², matriculado sob
o nº 75.924 (Doc. nº 06).
Área V ± Parte da Rua Rio Brígida, com área total de 686,20m²,
matriculado sob o nº 75.925 (Doc. nº 07).
Área VI ± Parte da Praça, com área total de 3.875,00m², matriculado sob
o nº 75.926 (Doc. nº 08).
Área VII ± Parte da Rua SD nº 9364, com área total de 360,00m²,
matriculado sob o nº 75.927 (Doc. nº 09).
Área VIII ± Parte da Rua Monsenhor João Olímpio dos Santos, com área
total de 481,50m², matriculado sob o nº 75.928 (Doc. nº 10).
A legalização foi feita através da CDRU condominial, constando frações ideais
diferenciadas para todos os moradores, de acordo com a metragem de terreno
efetivamente ocupado.
Vale salientar que cada trecho desafetado foi transformado numa gleba, e que
cada uma possui seu cálculo para descobrir a fração ideal com valores diferenciados,
em virtude da metragem diferenciada de cada gleba.
A regularização fundiária da comunidade encontra-se em andamento perto da
conclusão. O processo de legalização da comunidade teve início no ano de 2000 com a
realização de apresentação e explanação jurídica para esclarecimento dos moradores
sobre o contrato de CDRU.
129
Nesta última parte, visualiza-se que a mediação dos conflitos realizada pelo
município, incorpora mecanismos de socialização/integração, passando a promoção da
integração da comunidade com o tecido regular da cidade.
3.3.3 Destaques da Mediação de Conflitos nos Estudos de Caso de Regularização
Fundiária de ZEIS por CDRU
Nas quatro áreas estudadas, verifica-se o processo de mediação de conflitos por
parte do estado na resolução dos problemas inerentes à propriedade fundiária urbana.
Identifica-se a utilizão dos diferentes mecanismos para efetivação das mediações
retratadas acima, tais como: mecanismos de repressão/exclusão, de
trivialização/neutralização e de socialização/integração, apontados por Boaventura de
Souza Santos (1984) e já explicados neste trabalho.
Demonstra-se que, na maioria dos casos, os mecanismos de dispersão dos
conflitos foram utilizados de forma separada e sequencialmente, conjugando os seus
diferentes tipos.
Na ZEIS Torrões não foi percebido a aplicação da mediação pelo mecanismo de
repressão/exclusão. Verifica-se que foram efetivados mecanismos de
trivialização/neutralização, com a desapropriação da área e a institucionalização da
comunidade como ZEIS, e, em seguida, mecanismos de socialização/integração, com
a aprovação do projeto de parcelamento e efetivação da regularização fundiária da
comunidade, através da CDRU.
Nas demais ZEIS estudadas, ocorreu a utilização dos três tipos de mecanismos
de dispersão que, foram implementados em diferentes momentos e de forma
seqüenciada. O processo de consolidação das comunidades enfrentou tentativas
expulsão dos moradores, passou pelo processo de instituição de ZEIS e, por último, foi
implementado ações de regularização fundiária.
Foram efetuadas ações de urbanização e legalização jurídica dos terrenos,
garantindo a permanência das famílias na área, reconhecendo o direito à moradia,
prevalecendo sobre a visão individualista do direito de propriedade.
130
No entanto, constata-se que a permanência da população nesses espaços é
fruto de muita perseverança e lutas contínuas, gerando o conflito pela terra e,
posteriormente, a intervenção estatal, que varia de acordo com a situação vigente,
atrelada aos diversos mecanismos de dispersão, já elencados.
131
CONSIDERAÇÕE FINAIS
Nesta pesquisa foi analisado a mediação de conflitos por parte do estado,
realizada através da ação política de regularização fundiária, implementada nas ZEIS
do Recife, mediante aplicação do instrumento jurídico da concessão de direito real de
uso.
A mediação dos conflitos é, por sua vez, concebida como parte da política
desenvolvida pelo estado para dispersão dos conflitos sociais, causados pelas
contradições do próprio estado capitalista, inerentes ao processo de acumulação do
capital.
A questão da mediação de conflitos por parte do estado foi abordada a partir do
conceito trabalhado por Boaventura de Souza Santos (1984). Permite evidenciar que a
política de regularização fundiária desenvolvida nas ZEIS do Recife configura-se como
uma ação de dispersão dos conflitos e lutas sociais pelo reconhecimento do direito à
moradia.
Para realização desta análise da mediação dos conflitos, através da política
urbana, partiu-se da caracterização do Estado e do Direito, relacionando seus
conceitos, traçando um quadro evolutivo, identificando como as escolhas do estado,
construídas através do direito, são fomentadas como resultado da luta de classes,
influenciados, não exclusivamente, pela vertente dominante.
O estado foi entendido como a instância política de dominação pelo capital e, o
direito foi caracterizado como a instância principal para mediação dos conflitos
realizada pelo estado. Ou seja, se o estado é resultado da luta de classes e, através
dele são construídas as normas que regulam nosso dia-a-dia, é possível afirmar que
tanto o estado, como o direito, são produtos formados pelo resultado das lutas
empreendidas entre as diferentes classes sociais. Destaca-se a formação da política
urbana, como uma ação implementada pelo estado e regulada pelo direito, criada para
mediar os conflitos pela terra urbana, mantendo o processo de acumulação do capital,
mas, ao mesmo tempo, cria limites à atuação do capital, oferecendo ações para
melhoria da vida da população menos privilegiadas.
132
Demonstra-se acima, que a política urbana, efetuada através da regularização
fundiária de assentamentos irregulares, é caracterizada como uma ação do estado
para minimizar as lutas existentes pela terra e pela moradia. Baseados no conceito de
mediação de conflitos por parte do estado
Foi construído um arrazoado sobre a política urbana, apresentando a base
normativa a qual está consolidada, notadamente, vinculada as normas da Constituição
Federal, Estatuto da Cidade e Código Civil. Ou seja, verifica-se a utilização do direito
pelo estado para criação dos mecanismos de dispersão, vinculados à questão fundiária
urbana.
Verifica-se que a política urbana é uma ação do estado para desenvolvimento
das cidades, especificada nesta pesquisa como uma ação de regularização fundiária,
efetivada através dos instrumentos jurídicos das zonas especiais de interesse sociais e
da concessão de direito real de uso. A política urbana foi entendida como um
instrumento de mediação de conflitos, criado pelo estado, a partir do processo de
formação do pensamento dominante.
Nas quatro áreas estudadas se verifica que a ação de regularização fundiária é
tratada como uma mediação de conflito, realizada pelo município, acionada pela
utilização de mecanismos de neutralização, num primeiro momento, identificados pela
institucionalização da área como ZEIS e, no segundo momento de mecanismos de
integração, o município passa a desenvolver ações para urbanização da comunidade e,
também, para legalização da posse dos imóveis.
Ressaltam-se as tentativas de expulsão dos moradores promovidas pelos
proprietários ou pelo próprio município, anteriormente, a implementação de ações de
regularização fundiária. A população de Coronel Fabriciano, Coelhos e Greve Geral
sofreram com ações judiciais desta natureza, continuando a luta pela permanência, até
a mudança do entendimento do município, passando a promover ações que garantiam
o reconhecimento do direito à moradia.
Retratam-se também na pesquisa, os apontamentos sobre o direito de
propriedade, elencando o caráter individualista que a propriedade adquiriu com o
surgimento do modo de produção capitalista e, que sob essa ótica, tem determinado a
política de desenvolvimento urbano aplicada no Brasil. O direito à moradia é
133
apresentado, considerando a conjuntura internacional que, regula esse direito como
direito humano, relacionando com o sistema normativo brasileiro ao dispor sobre o
princípio da função social da propriedade e que, também, ampara o direito à moradia
como um direito humano, consolidados nos texto do capítulo constitucional sobre a
política urbana e na sua regulamentação pelo Estatuto da Cidade.
Identifica-se o direito à moradia como base das ações de regularização fundiária
desenvolvida, relacionando as concepções como são implementadas no Brasil,
focando o conceito aplicado pelo PREZEIS, reconhecendo que a política de
regularização fundiária deve incorporar ações de urbanização, legalização e o resgate
da cidadania.
A presente dissertação explana em que bases a regularização fundiária é
concebida no município do Recife com a institucionalização das ZEIS e do Programa
de Regularização Fundiária das ZEIS ± PREZEIS que institui mecanismos e
procedimentos para operacionalização da regularização fundiária, focando,
principalmente, nas áreas públicas com a utilização do instrumento da concessão de
direito real de uso.
Foi mostrada a história dos conflitos de terra no Recife, apontando em que
condições se deu o processo de formação da cidade, atrelado a ocupação das áreas
pobres do Recife, focando, na ocupação das áreas públicas. Como base nesse relato
histórico, demonstrou-se o processo de institucionalização das ZEIS e do PREZEIS,
enfatizando o estágio atual das ZEIS, traçando um panorama sobre a atuação do
programa, relacionando as ZEIS instituídas (legislação, denominação, localização e
área), bem como, mostra-se rapidamente a atuação dos movimentos sociais na
formulação e aprovação do PREZEIS.
Analisando o processo de institucionalização de áreas como ZEIS, percebe-se
que envolvimento político do gestor, é determinante para impulsionar o programa de
forma significativa. Verifica-se a forma destacada de atuação da regularização fundiária
no governo do Prefeito Jarbas Vasconcelos nos seus dois mandatos (86-88 e 93-96),
quando foram institucionalizadas 38 (trinta e oito) das 66 (sessenta e seis) ZEIS do
Recife. Ressalta-se que as primeiras 27 (vinte e sete) áreas foram institucionalizadas
como ZEIS, através da aprovação da Lei de Uso e Ocupação do Solo de 1983, antes
da instituição do PREZEIS, durante o governo de Jorge Cavalcante.
134
A instituição das ZEIS é fruto do movimento social pelo reconhecimento do
direito à moradia, se caracteriza como uma conquista importante da população para
garantir a permanência nos locais originais de moradia. No entanto, além disso, a ação
de institucionalização das ZEIS, também, é identificada como uma ação de mediação
de conflitos por parte do estado.
Nos casos estudados, ocorreram lapsos temporais entre o momento da
institucionalização como ZEIS ou da aquisição do domínio da área por parte do
município e, o momento do início das ações de regularização propriamente dito.
Portanto, é correto afirmar que a política de regularização fundiária pode ser
entendida como uma ação de mediação de conflitos, realizada pelo estado, no caso em
análise, efetuada pelo município, pois, serve para dispersar as lutas, mas, também, se
caracteriza por um processo de luta pelo direito à moradia, formado com influência da
própria população beneficiária.
Nota-se nos estudos realizados, que a própria institucionalização da área como
ZEIS, força a garantia do reconhecimento do direito à moradia pelo próprio estado.
Quando o estado efetua a mediação do conflito pela terra urbana, através do
instrumento jurídico das ZEIS, impõe limites à atuação do próprio estado, que passa a
ser impulsionado pelas normas determinadas na Lei que regulamentou o PREZEIS.
Por outro lado, reconhece-se que o principal instrumento de regularização
fundiária das ocupações de área pública é a Concessão de Direito Real de Uso, pois,
se caracteriza por um instrumento de fácil aplicação, o que garante um rápido retorno
político para o gestor. Argumentam que a utilização deste instrumento evita ações de
apropriação imobiliária e, consolida a correta administração dos bens públicos pelo
Estado. É certo que, a utilização deste instrumento não elucida a questão principal do
conflito que se configura como a manutenção da propriedade sob domínio estatal.
O PREZEIS tem se caracterizado como instrumento fundamental, por um lado,
na contenção dos conflitos pela terra urbana enfrentados entre a população residente
nas áreas de ocupação e o mercado imobiliário e, por outro, tem garantido o
reconhecimento do direito à moradia, prevalecendo sob o instituto individual da
propriedade. A institucionalização das ZEIS e do PREZEIS, além de ser uma ação
135
política do estado para mediação de conflitos é resultado da constante luta pela
moradia, realizada pelos movimentos sociais.
Todavia, em que pese está normatizado por uma lei que, inclusive estabelece
prazos para efetivação das ações de regularização fundiária, a construção das ações
do PREZEIS está sujeita as influências impostas pelo capital, condicionando a atuação
dos gestores municipais, impulsionando o andamento das ações de forma passiva,
meramente, para cumprir as obrigações de existência do programa.
O acúmulo de ações de legalização desenvolvidas pela Prefeitura do Recife,
pulverizando esforços e recursos humanos em diversas áreas, acumulado com a falta
de fiscalização, torna o processo de legalização moroso e cada vez mais complicado,
tendo em vistas a mobilidade entre os moradores e sobre os imóveis.
Diante dessas circunstâncias, o PREZEIS somente atingirá sua capacidade total,
enquanto programa de reconhecimento do direito à moradia, se for construída uma
estratégia com vista à manutenção das atividades de luta dos movimentos sociais pela
moradia, permanecendo em um eterno estágio de cobrança e reivindicação, pois, a
atuação do estado é condicionada pelo pensamento resultante da luta de classes.
Concluí-se então, que a execução da política de regularização fundiária, através
do PREZEIS se caracteriza como uma ação de mediação de conflitos, realizada pelo
estado.
136
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LEI DO USO E OCUPAÇÃO DO SOLO - Lei Municipal n. º 14.511/1983
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15.547/1995.
142
ANEXOS
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166
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