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Tudo neste instante solene parece dizer: “Eis onde o culto das
virtudes pode conduzir o homem”. Não vos direi que Anton
Antonovitch, velho amigo da casa e padrinho de Klara, um
velhinho de cabeça prateada, por sua vez, propôs também um
brinde, cacarejou como um galo e recitou versos muito
engraçados. Durante um momento, esqueceram-se as
conveniências! Todos os presentes riram a mais não poder. A
própria Klara, por sugestão dos pais, veio beijá-lo, felicitando-o
pela sua boa disposição e talento.
Os convidados, que depois de um tal jantar se sentiam todos
como se fossem parentes e irmãos, acabaram por levantar-se da
mesa. [...] Passaram depois a outra sala e, sem perderem um
tempo que era precioso, dividiram-se em grupos (conservando a
noção de sua dignidade), e foram sentar-se diante das mesas de
jogos. As senhoras instalaram-se na sala e tornaram-se
muitíssimo amáveis. Conversam umas com as outras sobre as
coisas mais variadas e, por fim, o próprio dono da casa, que tinha
perdido em serviço o uso das pernas e obtido as compensações
que já dissemos, vem passear por entre os seus convidados,
apoiado nas muletas [...]. Tocado pela amabilidade dos que o
rodeiam, decide-se a improvisar um pequeno baile, não obstante
as despesas que isso lhe acarretará. [...]
A minha pena não basta para pintar como devia o baile que a
extraordinária gentileza do velho dono da casa improvisou. Como
poderia eu, aliás modesto narrador das aventuras do senhor
Goliádkin – curiosas no seu gênero, lá isso é certo! – como
poderia eu exprimir esta amálgama surpreendente de beleza, de
brilho, de elegância, de alegria, de amabilidade e de júbilo; e os
risos e passatempos de todas essas esposas de funcionários...
Parecem mais fadas do que mulheres, com os ombros rosados, as
figuras angélicas e os pezinhos encantadores a aparecerem-lhes
debaixo dos vestidos. Como descrever-vos, por fim, estes
funcionários transformados agora em brilhantes homens de
salão, estes jovens alegres e bem constituídos, contentes e
sonhadores, que, numa salinha retirada, onde as paredes são
todas pintadas de verde, fumam cachimbo entre duas danças... e
os cavalheiros que ocupam altos cargos e usam nomes muito
sonoros, cavalheiros profundamente compenetrados de seus
deveres de elegância e que, na maior parte, falam francês com
as senhoras. Se falam russo é só para proferirem cumprimentos
e frases profundas em tom distinto.
Unicamente na sala de fumar se permitem alguns deslizes de
linguagem, frases familiares, no gênero desta “Olá, Piétienhka,
dançaste esta polca como um artista.” Mas – oh leitor! – tive já
ocasião de dizer que a minha pena não é capaz de um tal esforço,