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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara - SP
Luciane Cristina de Oliveira
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Tese de Doutorado, apresentada ao Programa de Pós
Graduação em Sociologia da Faculdade de Ciências e
Letras Unesp/Araraquara, como requisito para
obtenção do título Doutor em Sociologia.
Linha de pesquisa: gênero, identidade e etnia
Orientador: Profa Dra. Lucila Scavone
Bolsa: CNPq
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Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Pós Graduação em Sociologia da Faculdade
de Ciências e Letras UNESP/Araraquara, como
requisito para obtenção do tulo de Doutor em
Sociologia.
Linha de pesquisa: gênero, identidade e etnia
Orientador: Profa Dra. Lucila Scavone
Bolsa: CNPq
Data da defesa: 15/04/2009
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EMBROS COMPONENTES DA
B
ANCA
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XAMINADORA
:
Presidente e Orientador: Profa. Dra. Lucila Scavone – Livre Docente em Sociologia
Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara. Universidade Estadual Paulista
Membro Titular: Profa. Dra. Maria José Fontelas Rosado-Nunes – doutora em Ciências Sociais
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –PUC/SP
Membro Titular: Prof. Dr. Marcos Cesar Alvarez – doutor em Sociologia
Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas -Universidade de São Paulo –USP
Membro Titular: Profa. Dra. Maria Aparecida de Moraes Silva – Livre Docente em Sociologia
Universidade Estadual Julio de Mesquita Filho, UNESP – Presidente Prudente
Membro Titular: Profa. Dra. Renata Medeiros Paoliello – doutora em Ciência Social
Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara. Universidade Estadual Paulista
Local: Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Ciências e Letras
UNESP – Campus de Araraquara
Oliveira, Luciane Cristina de
Corpos à procura do mundo sagrado: sujeição às normas da
Renovação Carismática Católica / Luciane Cristina de Oliveira –
2009
151 f. ; 30 cm
Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Estadual
Paulista, Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Araraquara
Orientador: Lucila Scavone
l. Renovação carismática católica
.
2. Identidade.
3. Relações de gênero. 4. Família. 5. Sexo. I. Título.
iv
A todas as pessoas que participaram, de alguma maneira,
da construção da minha identidade.
v
AGRADECIMENTOS
Com medo de me perder e esquecer alguém que participou dessa minha fase acadêmica, comecei
a escrever essa parte em dezembro, assim, até no dia da entrega da tese, pude revisar à vontade e
não me esquecer de ninguém, ou ao menos tentar... agradecer a todos que compartilharam deste
meu momento de doutoranda.
Prof. Dr. Paul Freston, meu orientador do mestrado, sempre presente nas minhas dúvidas, em
especial quanto às questões referentes à pesquisa de campo.
Profa. Maria Aparecida de Moraes Silva, a culpada pelo meu interesse na teoria de gênero.
Profa. Maria José Rosado, ou apenas Zeca, a grande amiga, que me fez pensar muito sobre o
projeto inicial, sempre de forma carinhosa, atenta e cuidadosa.
Prof. Dr. Marco César Alvarez, um grande amigo, que direto da França tirou muitas dúvidas
sobre metodologia e procedimentos da pesquisa.
Profa Dra. Renata Medeiros Paoliello, pelas grandes intervenções, indicações e sugestões
propostas na minha qualificação.
Profa Dra. Brenda Carranza, pela disposição que mostrou quando a procurei para tirar as dúvidas
sobre meu objeto de pesquisa.
Profa. Maria da Glória Boneli, por acreditar no meu projeto e no meu potencial.
Prof. Dr. Richard Miskolci, agradeço pelas conversas, no início do pré-projeto, sobre as
mudanças que deveriam ser feitas.
Prof. Dr. Edmundo Antônio Peggion, pela rica contribuição que deu à pesquisa quando participou
da minha banca de qualificação.
Claudirene Bandini, sempre amiga e presente, obrigada pela ajuda na reconstrução da minha
trajetória acadêmica.
Nossa!!! Meu Vandeco, ou Wanderlei Clarindo, um presente que a vida me deu durante os
exames de doutorado da UNESP, e que hoje posso considerá-lo um grande amigo.
Edmar Prandini, quantas conversas sobre religião, todas frutíferas, como um ex-seminarista,
crítico, um intelectual da melhor qualidade, sempre que precisei de seus palpites, dava-os na
medida justa.
vi
Susete Carvalho, obrigada pelas conversas, pelas horas que lamentávamos os problemas e as
dificuldades de pesquisa, esses são momentos que marcam a vida.
Viviane Cândido e Jacirema Thimóteo, o que falar dessas duas amigas geniais, que conheci
perdidas na rede e combinamos de nos aventurar por Buenos Aires num evento acadêmico? Essa
é a prova que amizade se faz em todos os espaços e meios possíveis, que grandes amigos a vida
nos dá de presente, cabe a nós agradecermos essas bênçãos.
André Ricardo de Souza que acompanha minha trajetória acadêmica, de forma indireta, desde
meu mestrado, e agora durante essa minha fase de doutoranda, pude trazê-lo a minha intimidade e
chamá-lo de grande amigo.
Ao grupo de pesquisa de História da religião, da UFMA, pelo carinho que me acolheu no breve
tempo que estive por lá, pela troca de conhecimento que as reuniões, sob o comando do Prof. Dr.
Lyndon de Araujo Santos, proporcionavam aos membros do grupo.
Cristina Castro, Tininha, minha amiga, ambas torcemos demais uma pela outra, adoro nossos
papos e todo o incentivo que sempre me dá.
Katrini, Lara, Letícia, Carol, as Luciletes, fabulosas amigas, que logo estarão na mesma
encruzilhada que eu: sair do mundo acadêmico para a vida real.
Não poderia deixar de falar das amizades virtuais, mas reais nessa vida, Will, meu pernambucano
lindo, Cassandra, Silvana, apesar dos dois primeiros usarem nicknames, todos deram o coração
para me fortalecer e nunca desistir dos meus objetivos.
E como esquecer da minha grande amiga, com um coração maior que o mundo, Rose Trindade,
minha ‘anjinha’!...
Cristiane e Renata, agradeço pelo auxílio nas dúvidas e explicações burocráticas, na secretaria da
pós-graduação, além da amizade.
Ana Cristina e Sílvia, da Biblioteca da FCLAr, são tantas pessoas para se agradecer de lá, por
isso as elegi representando a todas, pois sem uma biblioteca extremamente organizada, não
pesquisa que prossiga.
Mônica e Aluísio, que participaram dessa minha passagem por esta faculdade.
Dra. Elizabeth Negrete, minha médica homeopata, que me acompanhou desde o vestibular até o
doutorado e que foi condenada pelo destino a me acompanhar nas etapas que hão de vir.
vii
À minha mãe que, com seu jeito meio sem jeito de me estimular, quis que eu chegasse aqui.
tenho a agradecer, pois, na tentativa de me resolver enquanto mulher, quis contestá-la estudando
religião e gênero, e eis o fruto...
À Profa Lucila Scavone que conseguiu que eu fosse ao ‘inferno’, mas tudo para eu ressurgir
como uma Fênix... ela me guiou, e soube me acordar num momento de completa entrega a
problemas pessoais, me fez ver que os desafios propostos não poderiam ser deixados de lado, foi
minha consultora na pesquisa e minha fiel assessora no término. Agradeço pela amizade, pelo
compartilhamento teórico, e por me fazer acreditar que eu poderia chegar aqui.
Ao CNPq, que me proporcionou o financiamento para que eu pudesse me dedicar à pesquisa,
além de possibilitar minhas idas a eventos, nos quais fiz trocas acadêmicas fundamentais para a
pesquisa, além da compra de material para o desenvolvimento da mesma.
E deixo meus agradecimentos à Faculdade de Ciências e Letras, de Araraquara, que mais uma
vez proporcionou condições para meu crescimento intelectual. Agradeço pela organização e pela
excelente estrutura que dá condições aos alunos para estudarem e pesquisarem. Enfim meu
reconhecimento a todo corpo administrativo e corpo docente, pois sem vocês jamais completaria
essa pesquisa.
viii
O papel do intelectual é mudar alguma coisa no pensamento das pessoas.
Michel Foucault (2006, p.295)
A moralidade estabelece seus padrões à medida que avança. Não sabe de
culpa ou inocência – é pura no único sentido verdadeiro da pureza: o da
ingenuidade.
Zygmund Bauman (2008A, p.220)
ix
RESUMO
A proposta desta tese é compreender o discurso carismático e como ele promove modificações na
vida dos fiéis, além de desenhar a construção da identidade religiosa e de gênero que modificam
o cotidiano dos carismáticos. Pressupõe-se que a construção dessa identidade carismática é
determinada pela identidade de gênero, considerando que é construída por meio de um processo
da internalização, o qual se transforma em habitus, definindo-se como uma ‘disposição
incorporada’, uma nova postura voluntária das normas do movimento, que vai ao encontro de
inúmeros aspectos pré-existentes da identidade de gênero. Para se verificar este pressuposto,
foram investigados os diversos meios de divulgação do movimento, desde livros até material
audiovisual a partir da Comunidade Canção Nova, além da realização de um trabalho de campo
por dez meses, na Comunidade Hesed, na cidade de São Carlos, com o objetivo de compreender a
procura das pessoas pelo mundo sagrado. Esta fase contou com a observação participante de
diversos eventos da Comunidade Hesed, uma célula da Canção Nova, além de entrevistas com
participantes e uma breve visita à própria sede da Comunidade Canção Nova. Ao realizar a
pesquisa, pode-se constatar que a identidade carismática é pautada pelas relações de gênero, uma
vez que, apesar de ambos os sexos, sofrerem restrições quanto às diversas questões sociais e
morais, o gênero mais atingido é o feminino. A Renovação transmite a crença que as mulheres
para alcançarem a salvação, necessitam se livrar da mácula de Eva, a que não se curvou aos
desígnios de Deus. Assim, a identidade carismática, com base nestas imagens dicotômicas
virgem/mãe e sensual/mulher, estabelece as diretrizes a serem seguidas pelos fiéis. Deste modo,
foi possível concluir que os carismáticos buscam supostamente identidades fixas, que lhe deem
segurança na sociedade individualizada e estabeleçam uma identidade de grupo, porém ao se
confrontarem com doutrinas ultraconservadoras, assimilam, muitas vezes, apenas os aspectos
mais evidentes do ensinamento, ou seja, eles administram essas questões doutrinárias de acordo
com o capital cultural, econômico e social que possuem. Eles são corpos à procura do mundo
sagrado, mas esse mundo é construído a partir das experiências pessoais.
Palavras- Chave: Renovação Carismática Católica. Identidade Carismática. Relações de Gênero.
Família. Sexualidade.
x
ABSTRACT
The objective of this study is to understand the charismatic discourse and its influence on the
followers’ lives, together with the construction of both religious and gender identities. It is
believed that the construction of the charismatic identity is determined by gender identity
considering it is created through an internalization process, which changes into habitus, an
“incorporated disposition”, a new voluntary attitude of the norms of the movement that meets
various pre-existing aspects of gender identity. Thus a thorough investigation about the means of
dissemination of the movement involving books and audio visual materials from Canção Nova
Community was conducted, in addition to a ten-month field study at Hesed Community in São
Carlos aiming at understanding people’s search for the Holy world. This stage of the study
comprised observation of followers during several events at Hesed Community, a cell of Canção
Nova Community, interviews with the participants, and a brief visit to Canção Nova Community
headquarters. Throughout this research, it could be observed that the charismatic identity is based
on gender relations and, despite the restrictions on various social and moral issues imposed on
both men and women, the latter are the most affected. The Charismatic Renewal makes women
believe that to reach salvation, they need to free themselves from the sin of Eve, the one who did
not behave according to the rules given by God. Thus based on these dichotomic concepts,
virgin/mother and sensual/woman, the charismatic identity sets the norms to be followed by the
members. It could be concluded that the charismatic supposedly search for fixed identities, which
make them feel safe in the individualized society and establish group identity. However, in the
presence of ultraconservative doctrines they, in most occasions, manage such doctrinary issues
according to their social, economic and cultural capital. They are bodies in search of the Holy
world, but this world is constructed from personal experiences.
Key-Words: Catholic Charismatic Renewal. Charismatic Identity. Gender Relations. Family.
Sexuality.
xi
SUMÁRIO
PREÂMBULO ........................................................................................
01
1 ACERTANDO O PASSO .......................................................................
03
1.1 Apresentação ..............................................................................................
03
1.2 Percursos Metodológicos .......................................................................... 07
1.2.1 Grupo de Oração Hesed- lócus da pesquisa ...............................................
09
1.2.2 Observação Participante e Análise dos Documentos .................................
12
1.2.2.1 Os recursos para garantir a homogeneidade do discurso ........................... 15
1.2.2.2 Pesquisa de Campo .................................................................................... 17
1.2.3 Entrevistas ..................................................................................................
20
1.2.4 Perfil dos membros do Hesed entrevistados .............................................. 23
2 O SENTIDO DA RELIGIÃO NA VIDA DOS FIÉIS ..........................
27
2.1 Retorno à tradição ..................................................................................... 29
2.2 A Igreja com ares renovados ..................................................................... 31
2.3 A nova melodia da Renovação – Canção Nova ........
...
........................
.....
34
2.3.1 O processo de arrebanhamento de ovelhas ................................................ 38
2.3.2 As dádivas carismáticas ............................................................................. 40
2.3.3 As exigências carismáticas ........................................................................ 42
3 RENOVAÇÃO DAS TRADIÇÕES .......................................................
49
3.1 A voz silenciada e as novas formas de sociabilidade .............................. 51
3.2 Família – reprodutora de conceitos ........................................................... 53
3.2.1 O papel da mulher ...................................................................................... 55
3.3 Restrição do prazer .................................................................................... 67
4 MULHERES – PECADO E SALVAÇÃO ............................................
73
4.1 Eva - O pecado .......................................................................................... 76
4.1.1 Três mitos transgressores ...........................................................................
77
4.2 Maria – A salvação .................................................................................... 79
4.2.1 Objetivo carismático: Servir como Maria ................................................. 81
4.2.2 Maria, a Igreja Renovada ........................................................................... 86
4.3 As premissas franciscanas – ou relações de gênero sob o poder mariano 88
xii
4.3.1 As mulheres e o voto de pobreza ............................................................... 89
4.3.2 As mulheres e o voto de obediência .......................................................... 91
4.3.3 As mulheres e o voto de castidade ............................................................. 92
5 FORMAÇÃO DA IDENTIDADE CARISMÁTICA –
O TIPO IDEAL ........................................................................................
96
5.1 Como se dá a construção da Identidade Carismática .................................
99
5.2 A fala carismática ...................................................................................... 101
5.2.1 Sobre o envolvimento com a Renovação .................................................. 101
5.2.2 Sobre a vida familiar ................................................................................. 106
5.2.3 Sobre a vida íntima .................................................................................... 116
CONCLUSÃO ..........................................................................................
127
BIBLIOGRAFIA .....................................................................................
131
APÊNDICES.............................................................................................
142
APÊNDICE A – Carta de Cessão para autorização da pesquisa .............. 143
APÊNDICE B – Histórico ......................................................................... 144
APÊNDICE C – Questionário ................................................................... 145
APÊNDICE D – Carta de Cessão .............................................................. 146
APÊNDICE E – Perguntas à líder ............................................................. 147
ANEXOS....................................................................................................
148
ANEXO A – Os filmes indicados pelo Vaticano ...................................... 149
ANEXO B – Camisetas da Canção Nova .................................................. 151
ANEXO C – Tau ....................................................................................... 152
P
REÂMBULO
Fechar um ciclo sem citar a fonte de inspiração seria traição. Não citar meu guia por essa
travessia acadêmica, é não dar crédito ao manobreiro do meu destino acadêmico. No último
ano de graduação, em Letras, ao ser apresentada ao poeta italiano, Dante Alighieri e su’A
Divina Comédia, não imaginei que meu percurso inicial pudesse se alterar, caminhar ao seu
lado pelos círculos escatológicos, Inferno, Purgatório e Paraíso, foi meu divisor de águas.
Deixei-me seduzir pela vontade de compreender o Inferno, um destino que todos temem, algo
tão próximo dos mortais, em especial dos que creem em um ser superior e, por isso, insistem
em gastar suas vidas com a preocupação de seguirem normas e procedimentos que garantam
as graças divinas para alcançarem o Paraíso.
Despertado o interesse de compreender esse universo religioso, a manobra acadêmica
se consumou: passei de aspirante ao mundo das Letras, para iniciante do mundo das Ciências
Sociais, na busca de entender o que motiva as pessoas a embarcarem na procura de esperanças
no mundo do sagrado. Nessa alteração de percurso, dissertei sobre as Visões do Inferno, a
temática escatólica na Igreja Católica Contemporânea no Brasil. O objetivo foi compreender
a presença da escatologia no movimento religioso pentecostal católico, a Renovação
Carismática Católica. Foi um difícil trajeto, senti as labaredas infernais dentro do meu
cérebro, era outro mundo, outra literatura. A cada passo, uma nova descoberta, uma nova
glória ou uma nova queda. Mas, como Dante encontrou em Virgílio seu guia, em meu desvio
de percurso, fui orientada pelo Prof. Paul Freston que, aos poucos, me inseriu nesse novo
mundo das Ciências Sociais.
A princípio, foi complicado compreender a literatura sociológica, outra visão, novas
preocupações. Ponderar o que leva as pessoas a se submeterem às regras, a sentirem-se em
constante vigilância, e ainda assim satisfeitas com a escolha. Analisar essas atitudes, sem me
deixar levar pelas opiniões pessoais, foi um desafio. Porém, como todos os pesquisadores
devem saber, no término da dissertação, a conclusão nunca é definitivamente concluída.
Portanto, essa não-conclusão me incitou a prosseguir nesse mundo religioso, todavia, se antes
tentei desvendar o porquê da crença no Inferno levar fiéis a um movimento religioso, agora o
foco de análise são as relações de gênero intermediadas pelas normas de conduta eclesiástica.
Como havia um contexto de estudo das regras morais estabelecidas pela Renovação
Carismática, nada mais justo que prosseguir pelo mesmo caminho, porém com nova visão.
2
E aqui estou em mais uma fase, será que chegarei ao Paraíso? Não sei ainda, agora
digamos que estou entre o Inferno e o Purgatório, mas com passos seguros, com uma nova
guia, será que posso compará-la a Beatriz, que acompanhou Dante nos últimos círculos até a
rosa paradisíaca, para então contemplar a essência divina?
Então, convido a todos a percorrerem esse percurso que descrevo e analiso com o
auxílio da minha nova guia, Profa. Lucila Scavone. Embora compreender como homens e
mulheres se relacionam em nossa sociedade, creio que não se possa dizer que é a entrada no
Paraíso.
3
1 A
CERTANDO O PASSO
1.1 Apresentação
Esta tese tem como objetivo a compreensão do discurso e das práticas carismáticas e como
são promovidas as modificações na vida dos fiéis, além de desenhar a construção da
identidade religiosa e de gênero que modificam o cotidiano dos carismáticos
1
. Entender como
se a repercussão da necessidade do sofrimento na cruz para se atingir a Salvação pregada
pela Renovação Carismática Católica (RCC) nesta identidade é a chave da questão.
Schiebinger(2001) diz que gênero’ denota relações de poder entre os sexos, portanto na
construção da identidade carismática serão desnudadas as relações de poder entre os sexos,
no domínio privado e público.
O martírio em vida é visto pelos fiéis como um sinal da escolha, uma forma de
aproximá-los do sofrimento de Jesus, que mesmo tendo a possibilidade de se libertar do
sofrimento, entregou-se à crucificação para salvar a humanidade da mácula do pecado original
deixada por Eva. Por essa premissa, já se pode imaginar como é estabelecida a relação com o
feminino, pois toda necessidade do sofrimento da humanidade e do filho de Deus é causada
pelo ‘erro’ de uma mulher. Essa marca foi inculcada nas mulheres, sem restrições, elas são as
mais aptas a cometerem os desvios e levar a humanidade ao pecado.
Para emergir as respostas do porquê das mulheres aceitarem as regras da Renovação
Carismática Católica, e assim compreender qual é a influência dessa perspectiva carismática
nas relações que elas estabelecem em seus círculos familiares, uma hipótese a ser
verificada: a construção dessa identidade carismática é determinada pela identidade de
gênero, considerando que é construída por meio de um processo da internalização, essa nova
postura voluntária das normas do movimento vai ao encontro de inúmeros aspectos pré-
existentes da identidade de gênero. Deste modo, investigar os discursos carismáticos, e como
eles estão carregados de orientações que envolvem conceitos relativos às questões da
1
Durante o desenvolvimento desta tese, para facilitar a leitura, optou-se pela utilização do gênero masculino às
referências tanto ao masculino quanto ao feminino nas questões relativas as discussões sobre o movimento da
Renovação Carismática Católica, porém, há a ciência da necessidade da referência às/aos carismáticas/os de
forma diferenciada.
4
dominação masculina e da submissão feminina é uma forma de ampliar a visão do poder
religioso e como é estabelecido o controle dos corpos, em especial o feminino.
É interessante ressaltar que nesse movimento o ícone é Maria, uma mulher que marca
um período absolutamente novo: a escatologia
2
(antes e depois da Anunciação
3
). Entre as
pessoas ligadas à Renovação, também o antes de conhecer o movimento e o depois de se
tornar um carismático. É imposta uma mudança de identidade, uma série de restrições de
conduta de vida deve ser aceita. Ou conforme Hall comenta sobre esse processo de formação
de identidade, ‘em vez de falar de identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de
identificação, e vê-la como um processo em andamento’ (HALL, 2005, p.39). E o corpo
carismático está num processo constante de construção para, segundo eles, alcançarem a
salvação, portanto, o termo identidade carismática será utilizado, neste trabalho, apenas como
uma forma de referência às pessoas que, por questões pessoais, se identificaram ao
movimento da RCC.
Tendo em vista que dentro do movimento uma visão da dominação masculina,
poder-se-ia considerar que pelo processo contínuo de identificação ao movimento, as
mulheres teriam a chance de se libertarem das amarras da dominação masculina, pois, entre a
população carismática, elas são a maioria. Parafraseando Schiebinger (2001), elas poderiam
criar uma oportunidade de remodelar as relações de gênero presentes nas normas
carismáticas, no entanto, este é um direito negado a elas devido à premissa mariana, que se
baseia na submissão como dever.
Para ser verificada a hipótese proposta, algumas questões devem ser levadas em conta:
como se o processo de “reconversão” ou neoconversão
4
e como são os impostos
reguladores morais pela Renovação Carismática aos fiéis que aderem ao movimento, assim,
ponderar se os corpos carismáticos se fundem às regras, além das formas como doutrina é
utilizada para que os fiéis mantenham-se distantes do que o movimento considera ‘pecado’.
Esse questionamento se faz necessário devido à asserção de Butler (2002, p.18), em Corpos
que importam, no qual a pesquisadora comenta que os corpos nunca acatam inteiramente as
normas impostas, pois sempre tentativas de revisões pessoais das normas, sinal de que a
materialização nunca é completa. Deste modo, tornou-se imprescindível também elencar
2
Fim último do homem após sua morte.
3
Antes do nascimento de Jesus não havia a promessa do Paraíso, pois, segundo os preceitos cristãos, Ele morreu
na cruz para tirar a mácula do pecado original dos fiéis. Com isso, antes da Anunciação, só havia o Inferno, e
depois foi inserido no simbolismo cristão o Purgatório, local no qual as pessoas se purificam para atingirem o
Paraíso.
4
Alguns artigos acadêmicos se referem a reconvertidos, mas como Pe Jonas usa a expressão neoconvertidos, e
pelo fato do discurso analisado nessa pesquisa ser o da Canção Nova, optou-se pela padronização dessa
expressão no texto.
5
quais são as artimanhas de poder que a Renovação Carismática se pauta para exercer a adesão
de seus fiéis, e perceber quais são as questões das relações de gênero, de sexualidade, tratadas
dentro desse pensamento em todas as formas de elaboração das normas carismáticas.
Além disso, compreender os reflexos do discurso desse movimento carismático sobre
a relação do casal e todas as consequências dessa normatização, como também, o motivo que
leva as mulheres serem o alvo principal de restrição da RCC. Essas são questões necessárias
para se atingir o objetivo desta pesquisa, pois de posse da resposta destas questões, torna-se
possível responder como se a renovação das condutas sociais e a formação da identidade
de gênero e carismática. Interessa-nos verificar como as relações sociais são construídas a
partir desta identificação, pois tanto homens quanto mulheres sofrem essas mudanças, mesmo
que em graus diferenciados.
Para uma melhor compreensão da estratégia que compõe essa pesquisa, torna-se
imprescindível explicitar como se deu a gênese, formação e o desenvolvimento deste texto.
Seguindo a ordem cronológica, o primeiro ano do curso foi dedicado ao cumprimento das
disciplinas exigidas do programa. Aliado a isso, também houve o estudo paralelo dos
clássicos da literatura da religião e da discussão da questão de gênero, como também a
investigação da literatura que envolve temas como identidade, sexualidade e correlatos. Esta
investigação teórica se estendeu por toda a pesquisa. Durante o segundo ano, a pesquisa se
centrou no estudo específico da teoria para, no terceiro ano, adentrar no objeto de pesquisa em
si.
com a consolidação teórica, a próxima fase foi da observação participante e das
entrevistas. O contato com o grupo aconteceu no período compreendido entre março e
dezembro de 2007, dez meses portanto. Porém, esse período foi dividido em dois momentos:
o primeiro de aproximação com o grupo, apenas observando-o; e um segundo momento, no
qual me apresentei como pesquisadora e pedi autorização para as entrevistas. Nesta segunda
etapa, permitiu-me participar das reuniões do Grupo de Oração, além de outras atividades da
Comunidade Hesed, fato que aumentou consideravelmente o contato com o movimento, fato
que se refletiu na desenvoltura na qual a maior parte dos entrevistados mostraram durante o
período das entrevistas, nas questões relacionadas a vida íntima.
Na análise dos materiais do movimento, nas falas da líder e dos membros do grupo em
estudo, os termos, palavras, comportamentos e posturas repetidas tomavam corpo tanto na
pesquisa de campo, assim, tornava-se mais evidente presença das normas incorporada no
cotidiano dos fiéis. O discurso repetido traz um ar de verdade, que faz com que os fiéis
incorpore-os na vida cotidiana.
6
Na pesquisa de campo, houve o cuidado de aguardar de março a junho para dar início
às entrevistas. A partir de julho, após a permissão da líder para as entrevistas com os fiéis da
Comunidade Hesed, pesquisa envolveu o contato direto com os carismáticos, abriram suas
casas para me receberem. Durante essa fase, os entrevistados mostraram-se amigos, e havia o
cuidado de me deixarem mais próxima ao movimento com o intuito da prática do
proselitismo, com a evidência dos ‘milagres’ em suas vidas após a adesão ao movimento.
Para uma melhor compreensão do pensamento carismático, foi realizada a pesquisa em
livros, materiais áudio-visual, além do site do movimento, uma vez que todas as expressões
são documentos e, muitas vezes, dizem o que as palavras do cotidiano calam. Assim, o acesso
à literatura do movimento possibilitou trazer o que é silenciado aos participantes comuns das
reuniões. Essa gradação quanto ao acesso às normas do movimento carismático, como disse a
líder do grupo, numa entrevista concedida durante a elaboração da minha dissertação de
mestrado, em 2002
5
, apesar da Renovação ser um movimento que acredita na punição quanto
aos pecados, há uma cautela para pronunciar este discurso, pois quem ainda não está ciente do
caminho da salvação, pode se assustar frente às dificuldades que o espera.
O último ano do curso de doutoramento foi dedicado à elaboração do texto, à
sistematização das entrevistas, à análise das mesmas e à conclusão.
Deste modo, foi necessário desenvolver o conceito sobre ‘O sentido da religião na
vida dos fiéis’. Nesta seção, foi exposta qual a representação da religião na vida das pessoas.
A partir desse ponto, foi trabalhado o aparato teórico do movimento religioso da Renovação
Carismática Católica, que é o foco de análise nesta pesquisa. Tendo em vista que a grande
difusora dessa nova sintonia católica é a Comunidade Canção Nova, houve o cuidado de
demonstrar como as pessoas são convencidas a contarem dentro do tom carismático suas
histórias de vida e quais os cuidados exigidos para comporem esse coral.
A forma como esse novo movimento religioso realiza a ‘Renovação das tradições’
também mostrou-se essencial no desenvolvimento da pesquisa, como um meio de percepção
de como o discurso da Renovação marca conceitos tradicionais de preconceito quanto a
socialização e o papel feminino dentro do espaço doméstico. Assim, trabalha-se com o
silêncio das mulheres carismáticas e a forma de reprodução da tradição por meio da família,
além da impressão dos conceitos morais por meio da negação do prazer, como uma fulga das
situações de pecado.
55
Dissertação de mestrado, intitulada Visões do Inferno – A temática escatológica na Igreja Católica
Contemporânea no Brasil, no qual o objetivo era verificar como a Renovação Carismática Católica pregava a
questão da escatologia entre os carismáticos. A amostragem para essa verificação deu-se com a mesma
Comunidade Hesed.
7
Expostos os assuntos essenciais para a pesquisa, passa-se à compreensão dos modelos
de mulheres interpostos na sociedade e como circundam, de forma persistente, o imaginário
carismático, na seção ‘Mulheres Pecado e Salvação’. Nesse ponto da pesquisa, buscou-se
compreender os modelos dicotômicos femininos, Eva e Maria, a puta e a santa, e como elas
ditam as posturas a serem seguidas pelas mulheres carismáticas, além de reforçar a
necessidade de servir como Maria. Outro ponto abordado é o coincidente diálogo entre as
premissas franciscanas e o ideal das mulheres carismáticas.
O ápice da pesquisa foi a realização das entrevistas que intermediou grande parte das
seções, analisadas detalhadamente, na parte que busca compreender Formação da Identidade
Carismática – o tipo ideal’. Este foi um recurso usado para perceber, dentro das falas
carismáticas, as regras que sedimenta a formação da identidade carismática, tendo como
exemplo a líder do movimento, que consciente de sua visibilidade no grupo, preocupa-se em
transmitir um tipo ideal, para desse modo servir como exemplo às pessoas já carismáticas e às
pretensas carismáticas. Os carismáticos, durante as entrevistas foram: questionados sobre as
diversas formas de controle de seus corpos, sobre o que os levou a se sujeitarem ao
movimento, sobre como as regras se expressam na formação familiar e se essas restrições
ficam impressas dentro do quarto dos casais carismáticos. Com base nessas três questões
propostas nas entrevistas, pode-se compreender o porquê das pessoas almejarem a
metamorfose ao mundo sagrado, através da opção pela nova identidade carismática.
1.2 Percursos Metodológicos
O objeto da sociologia é o estudo/compreensão da vida humana em sociedade, como o
homem se comporta frente às diversas situações que são impostas no cotidiano, seja de forma
individual ou coletiva. As formas de análise são variadas, desde como as pessoas se
comportam em encontros ocasionais, em lugares públicos, seja com conhecidos ou
desconhecidos, até as influências sofridas pela sociedade globalizada.
Para se empreender uma pesquisa de cunho social é necessário que o pesquisador
tenha o que Mills denomina de Imaginação Sociológica, pois o desenvolvimento do trabalho
dependerá de como seutilizada sua experiência pessoal no seu trabalho, sua capacidade de
observação e de intuição, para encontrar um objeto a ser pesquisado de forma original. Assim,
como observa Minayo (.....),uma pesquisa depende da criatividade do pesquisador, da sua
8
sensibilidade, unida a escolha da melhor forma de tornar viável a execução da pesquisa em si,
ou seja, o método a ser empregado.
Assim, de posse do objeto a ser pesquisado, o próximo passo é analisar qual a teoria
que melhor se desenvolva no empreendimento da tarefa da análise da pesquisa. Quivy &
Campenhoud, em seu Manual de Pesquisa Social, pondera que ao pesquisador cabe a tarefa
de elucidar as formas de percepção dos fatos sociais através da escolha dos métodos a serem
apreendidos durante sua pesquisa.
Com olhar intuitivo, qualidade necessária a todo pesquisador, tem-se idéia e interesse
em pesquisar algo, mas quase nunca a forma como se dará a pesquisa, dessa forma é
necessário ter como guia alguns teóricos. Aqui, é válido lembrar um conselho de Mills
(ibidem), os pesquisadores mais admirados dentro do mundo intelectual não separaram suas
vidas de seus trabalhos, ou seja, um bom pesquisador deve se primar pela intelectualidade e
levar uma vida que estimule hábitos do bom trabalho. Feita introdução a da justificava das
escolhas dos métodos desenvolvidos nesta pesquisa, passa-se ao empreendimento em si e dos
percalços enfrentados por esta pesquisadora.
Quando resolvi trabalhar com a Renovação Carismática, em 2004, a primeira ideia foi
frequentar o grupo de oração e sentir o que seria uma neoconvertida. Sabia que havia
diferença entre o antes e o depois tão pregado pelos carismáticos, pois havia pesquisado
sobre eles no mestrado, mas logo desisti da aventura para estabelecer uma distância entre a
futura pesquisadora e o objeto de pesquisa. O termo neoconversãoao catolicismo, utilizado
pelo movimento, é uma forma de diferenciar católicos que apenas são batizados, dos católicos
batizados pelo Espírito Santo, ou carismáticos, pois estes passam a vivenciar os sacramentos e
não apenas atender a uma exigência social.
Um dos principais problemas da pesquisa de campo é estabelecer as diferenças entre a
vida pessoal e o universo da pesquisa, ou seja, ‘é vivenciando esta fase que me dou conta (e
não sem susto) que estou entre dois fogos: a minha cultura e uma outra, o meu mundo e um
outro’ (DA MATTA, 1978, p.25). Durante meu trânsito por esses mundos dicotômicos houve
um processo peculiar: enquanto investia na pesquisa do grupo, o objeto da pesquisa investia
na minha conversão, mesmo com as diversas explicações dos porquês que estava naquele
momento no grupo, ao menos aos entrevistados e à líder do grupo.
Havia um cuidado excessivo em demonstrar as transformações que aconteciam na vida
das pessoas que entrevistei, após a opção pelo caminho da Renovação, como uma forma de
evidenciar que minha vida teria mais sentido. As pessoas, ao saberem que estava separada,
citavam seus exemplos e de outras pessoas dentro do próprio grupo que encontraram os
9
companheiros para a vida participando da Renovação. João [entrevista nº4] chegou a afirmar
que sabia que dali três anos [da época da entrevista], ele sabia que eu me converteria, que
Deus tinha paciência com seus filhos. A der, numa conversa informal, chegou a questionar
sobre a minha idade e dizer que eu precisava decidir minha vida, pois a idade estava se
avançando e, deste modo, não mais cumprir a dádiva que Deus deu as mulheres, gerar filhos.
Por mais que fosse dito os motivos que me levavam participar do grupo, eles
preferiram mostrarem-se surdos e persistirem no investimento da minha conversão. Até o dia
em fui vi obrigada a desistir da pesquisa de campo e concentrar-me na produção do texto, pois
estava se tornando inviável o contato e a pressão que sentia pela minha conversão, com isso, o
material de pesquisa em campo foram dez meses de participação na Comunidade Hesed.
Apesar da insistência e das questões pessoais que passaram a se envolverem na
pesquisa de campo, esta etapa é essencial e se justifica pois, de acordo com Gilberto Velho
(1978, p.42), é o conhecimento de situações ou indivíduos ser construído a partir de um
sistema de interações culturais e historicamente definido.
1.2.1 Grupo de Oração Hesed- lócus da pesquisa
A justificativa da escolha da Comunidade Hesed é simples. A líder, Edna, viu o nascer da
Comunidade Canção Nova. Assim, entre tantas pequenas células do movimento da RCC, a
Comunidade Hesed é uma expressão carismática orientada pela Comunidade Canção Nova.
Em 1972, a líder participou de um retiro em Areia/SP, promovido pelo Mons. Jonas, que
também acabara de conhecer a Renovação. Depois, em 1981, ela se mudou para Lorena,
cidade vizinha a Cachoeira Paulista, onde fica a sede da Comunidade Canção Nova. Ainda
hoje, em conversas informais, ela comenta que tem constante orientação espiritual do Mons.
Jonas para os problemas mais difíceis de serem solucionados dentro da comunidade.
Em 1984, sua família mudou-se para São Carlos, pois o ‘chefe da família’, o marido
de Edna, Edson ou Seu Edinho como é conhecido, um militar, havia sido transferido. Nesse
momento, o movimento da Renovação Carismática era quase ignorado na cidade, pois
ninguém ainda sentia a missão e a necessidade de divulgar as ‘boas novas’ do Espírito Santo.
Segundo explicação de Edna, ela sentiu que essa missão lhe foi confiada por Deus. Então,
começou a participar de festinhas, desde as infantis, e nelas sua família cantava músicas
10
carismáticas, como uma forma de despertar o interesse das pessoas pela Renovação; este foi o
primeiro germe do movimento na cidade. Era um trabalho pequeno, quase de ‘formiguinha’,
conforme a própria Edna nomeia, feito de casa em casa. Todos os momentos eram
aproveitados.
Em 1986, é fundado o primeiro grupo de oração da diocese, aberto ao público em
geral, na Igreja São Sebastião.O registro na diocese, inicialmente, foi Sagrado Coração de
Jesus, depois, segundo a der, ela foi inspirada a rebatizá-lo como Hesed, que significa amor
misericordioso. Naquele momento, eram poucas pessoas que se reuniam, era um movimento
católico novo e muito diferente dos tradicionais.
Em 1995, com o movimento consolidado, as reuniões do grupo carismático
faziam parte da rotina dos fiéis, surge o empecilho do Padre, responsável pela Igreja de São
Sebastião, ao solicitar a mudança de local das reuniões, tendo como justificativa não haver
espaço para a Renovação dentro da sua estrutura paroquial. Segundo a der, esse pároco da
Igreja São Sebastião, falecido, não era simpatizante ao movimento, pelo fato de ter origem
entre pessoas católicas e protestantes, e também por ser um movimento de protesto às
decisões do Concílio Vaticano II
6
.
Esse mesmo sentimento de incômodo e estranheza é comum a diversos católicos, pela
proximidade do ritual a outros movimentos religiosos não-católicos. Mesmo com a
comunidade acostumada com esse ranço pela origem que grande parte dos católicos tem para
com ele, ainda assim, conforme o discurso recorrente da líder, uma justificava do motivo
desse empecilho, ao lembrar que sempre há um porquê das coisas acontecerem.
Apesar da saída forçada da Comunidade Hesed da Igreja Sebastião, esta foi convidada
pelo Monsenhor Luiz Cechinato, na época responsável pela Catedral de São Carlos, a se
reunir naquele espaço eclesiástico, a maior e mais tradicional Igreja da cidade. Apesar do
abalo inicial, esta mudança foi bastante positiva, que estaria numa região central, fato que
facilitou o acesso de fiéis, e, consequentemente, aumentou o número de participantes do
grupo.
No entanto, as provações se repetiriam em 2007, após a Comunidade se reunir por 12
anos na Catedral de São Carlos, o local passou a ser um Curato
7
, ou seja, não podia mais
abrigar movimentos religiosos. Muitas pessoas passaram a questionar se o grupo, mais uma
6
XXI Concílio Ecumênico da Igreja Católica, aberto sob o papado de João XXIII no dia 11 de outubro de 1962 e
finalizado pelo Papa Paulo VI em 8 de dezembro de 1965. Nestes três anos, discutiu-se e regulamentou-se vários
temas da Igreja católica.
7
O direito canônico não possui a categoria curato. Essa resolução provém de bispos conservadores, fato que
justifica a proibição da presença da Renovação Carismática Católica.
11
vez, havia sido expulso de uma Igreja, mas ela disse que não se importava, pois sabia que
aquilo era uma missão.
No dia 2 de agosto daquele ano, durante o sermão da liturgia que antecedia a reunião
do grupo, o pároco responsável pela celebração da missa fez questão de reafirmar que a
decisão deles não participarem mais da estrutura da Catedral era devido às ordens do Bispo da
cidade. No momento seguinte, no início do ritual, ainda sob as ordens do bispo, a celebração
que sempre era realizada com guitarra, bateria, baixo, teclado e violão, teve apenas o som de
um violão, com uma expressão bem diferente da cotidiana.
A líder não havia preparado nada para aquele momento. Fez a reunião de improviso e
explicou às pessoas o porquê daquilo, por diversas vezes foi avisada que não havia reunião
naquele dia, e aproveitou esse tempo, sem o discurso preparado, para explicar o que acontecia
com a Comunidade naquele momento. Foi uma ocasião triste para o grupo e para todos que
participavam. Foi comentado os porquês da saída e sobre os vários convites recebidos, mas
que ainda não havia decisão sobre o destino da Comunidade, pois era necessário a revelação
feita pelo Espírito Santo sobre o melhor destino a todos. Desta forma, a líder pediu para que
fosse feita uma corrente de oração, para que lhes fosse revelado o caminho a seguir.
Na semana seguinte, quando a Comunidade se reuniria pela última vez na Catedral de
São Carlos, como um ato simbólico de despedida, houve uma nova surpresa, todos se
sentiram perdidos no local sagrado, a missa o foi celebrada como de costume, pois não
havia sacerdote. Na porta, havia apenas um comunicado que agradecia aos grupos que se
reuniram no local, mas que a partir daquela data não poderiam mais utilizar aquele espaço.
Indignadas, as pessoas permaneceram na frente da Igreja, e a líder anunciou qual seria o novo
espaço que ocupariam. A história foi relatada com grande carga emotiva e simbólica.
Ela comentou que, por três vezes, havia comparecido à Igreja São Judas Tadeu para
conversar com o pároco, Pe. Márcio, sacerdote recém chegado na cidade, e com perfil
carismático. Mas, em todas as vezes, houve desencontro entre ambos. Em um desses dias de
decisão de qual seria o rumo do grupo, a líder recebeu uma ligação da Igreja São Sebastião
convidando-a para conversar com o novo pároco da Igreja, Pe. Rocha. Segundo suas palavras,
ela pediu ao Espírito Santo que iluminasse os rumos da comunidade, e que aceitaria voltar
se o padre não colocasse nenhuma forma de impedimento.
Pe. Rocha aceitou todos os pontos que foram solicitados para a reunião da
comunidade. Fez apenas uma ressalva quanto ao horário: o grupo deveria participar da missa
às quintas-feiras. O horário da reunião do grupo de oração era às 20:00 h, após o término da
missa da Catedral, e a celebração na Igreja São Sebastião era às 18:30 h. Então, foi
12
realizado um arranjo para manter o horário, depois da missa, eles passariam a rezar um terço
para solicitar as bênçãos de Maria. Esse entremeio tem uma carga simbólica, pois o rosário é
um dos diferenciais entre os pentecostais católicos e protestantes.
O retorno à Igreja São Sebastião foi carregado de significado, pois, no dia 2 de agosto
de 2007, durante o sermão, a líder frisou que se fosse da vontade de Deus, o grupo retornaria à
Catedral, pois nada acontece sem Ele desejar. Com isso, é feita uma revelação à líder, pois
o retorno ao mesmo local de onde eles haviam sido ‘expulsos’, é como se tivesse acontecido
uma manifestação divina, pois sem querer, Edna estava prognosticando o retorno às origens.
Até o final da pesquisa de campo foi o distanciamento de parte dos fiéis ativos que já
estavam acostumados na Catedral, talvez por ainda não terem incorporado a identidade do
movimento. Com isso, muitos justificaram que a mudança dificultaria a ida deles ao grupo de
oração. Porém, um novo público passava a se integrar ao movimento, pessoas que eram
frequentadoras da Igreja de São Sebastião, em especial as que freqüentavam as missas às
quintas-feiras, além das pessoas que moravam próximas ao local da reunião.
Porém, após maio de 2009, como uma nova forma de revelação, o grupo Hesed
retornou aos bancos da Catedral, às quintas-feiras, permanecendo também na Igreja São
Sebastião, porém, às quartas-feiras. Segundo uma conversa informal com a líder do grupo em
questão, ambos os dias da reunião eram transmitidos ao vivo através da rádio Hesed, que teve
seu início em março de 2009, uma rádio, apenas transmitida pela internet
8
. Deste modo,
percebe-se que o movimento carismático na cidade permanece em constante avanço. Na
programação vários horários com a reza de terços, também são transmitidas as reuniões
dos grupos de oração e nos outros horários, a divulgação da música carismática,
proveniente de grupos da Canção Nova e outros de outras comunidades, entre eles o grupo do
Ministério Hesed, formados por integrantes da comunidade Hesed.
1.2.2 Observação Participante e Análise dos Documentos
Inicialmente, o procedimento da pesquisa foi a observação participante, na qual acompanhei
as reuniões semanais da Renovação Carismática, para compreender a dinâmica e para adquirir
8
O site da Comunidade é www.comunidadehesed.com.br, dentro da página principal há um link para a rádio
Hesed.
13
a confiança das pessoas e, aos poucos, fazer com que elas percebessem as minhas intenções
com relação ao grupo. Às quintas-feiras, estava no ritual da semana o Grupo de Oração.
Quando surgia a possibilidade de participar de algo a mais, algum encontro regional, por
exemplo, eu sempre aproveitava a oportunidade, foram duas viagens durante a pesquisa de
campo, uma para Ibitinga e outra para Araraquara. Depois na fase final da elaboração do
texto, fui conhecer a Comunidade Canção Nova, em Cachoeira Paulista, no estado de São
Paulo, junto com os jovens da Comunidade Hesed.
Pelo meu pretenso envolvimento no grupo em questão, durante o encontro em Ibitinga,
fui convidada a participar de um curso bíblico que acontecia na casa da própria líder. Este
convite tornou-se um marco na pesquisa, pois a partir daí que as pessoas deixaram de me ver
como uma pesquisadora e passei a ser tratada como uma futura carismática. A opção da
observação participante foi um recurso que proporcionou uma maior proximidade com o
grupo em análise, fato que permitiu uma pesquisa mais global e não apenas sob a visão dos
entrevistados. Para realizar esta forma de pesquisa é essencial que o pesquisador seja aceito para
integrar o grupo o qual observa.
Essa proximidade, conforme alise de Minayo (....), longe de ser um inconveniente, é uma
virtude e uma necessidade, pois atras desse convio inicial foi possível reunir perguntas
pertinentes ao objetivo almejado, no roteiro a ser seguido na próxima fase da pesquisa, que foram
as entrevistas. Além de me integrar às normas e desvendar as possíveis contradições e brechas que
poderiam vir a surgir durante a pesquisa. No entanto, nessa técnica de pesquisa corre-se o risco do
pesquisador incorrer na armadilha de se tornar um inobservante e interiorizar os interesses e iias
do grupo, ou ao menos sofrer com o proselitismo do grupo em análise. E foi deste modo que me
senti envolvida e cobrada pelo grupo.
Entre os caristicos como que uma avaliação particular do tempo que gastao para a
convero ou neoconversão de cada fiel. Tendo conscncia dessa falta de liberdade, passei a tomar
cuidado com a escolha das minhas roupas, tanto nas reunes, quanto na minha vida social, pois
sabia que estava sendo ‘vigiada’. Esse cuidado com a vestimenta feminina é justificado pelo
possível efeito de beleza que o none feminino exige, e um processo de desvirtuão da relação
de dominão, é o ato de provocar a libido nos homens (CHARTIER, 1995, p.41); ou seja, na
vio dos carismáticos, as roupas das mulheres devem ser fechadas e recatadas para evitar o
estímulo do desejo dos homens.
Esta preocupação mostra a conscncia que se tem da fragilidade das normas, pois se o
houvesse possibilidade de burlar as regras, o haveria o porque de mais essa preocupão. No
entanto, como eles mesmo se expressavam durante a pesquisa, os homens tem a carne fraca’,
14
assim, é melhor o dar oportunidade ao pecado. Essas oportunidades são o que nomeei durante a
pesquisa de brechas.
A fase da pesquisa de campo dividiu-se em dois momentos, parafraseando a
premissa da Renovação houve o antes e o depois. O antes, quando era apenas uma
observadora do grupo e o depois, quando investi nas entrevistas e fui autorizada a frequentar a
casa dos carismáticos. Essas fases foram essenciais para perceber como é construída a
identidade carismática, pois, mesmo não tendo a menor intenção de conversão, tinha cuidado
quanto à forma de me comportar, qual filme eu poderia assistir no cinema
9
. O movimento em
si estabelece um controle consciente das pessoas não assistirem a nada que possa despertar a
libido delas, porém os fiéis seguem ‘inconscientes’ essa proibição.
Durante a pesquisa, aos poucos fui me tornando uma pessoa sempre presente nos
encontro do grupo, fato que facilitou a pesquisa por um lado e por outro trouxe para a minha
vida pessoal o controle comumente realizado entre os carismáticos. Na fase do antes, estava
autorizada informalmente a pesquisar o grupo e a transitar por entre o grupo, porém, na fase
do depois, tive a necessidade de solicitar oficialmente a autorização da líder para a pesquisa
da Comunidade Hesed, pedi para a der assinar uma carta de cessão
10
para a autorização
formal.
9
lista de filmes (Anexo A) composta por clássicos, com filmes indicados
pelo Vaticano, que é recomendada
aos cristãos para assistirem. É interessante ressaltar que apesar ressaltar que apesar da qualidade dos filmes, as
pessoas do movimento carismático, assistem-nos já predispostas a encontrar neles certa visão de mundo
condizente com a ideologia católica tradicional. Assim, se a pessoa tiver a intenção de encontrar conceitos
cristãos, encontrará exemplos morais que dialogam com os dogmas religiosos. Tive o cuidado de assistir a
alguns filmes da lista para encontrar um motivo dessa indicação, e em todos foram perceptíveis os conceitos
morais, mas é bom salientar que durante discussões sobre os filmes, em conversas informais com pessoas não
ligadas à Igreja, houve a contestação da existência de exemplos moralistas. Portanto, o significado dependerá da
visão de mundo de quem se propõe a vê-los.
Como O gico de Oz, no qual Dorothy é uma menina, que aprende devido as suas desventuras a importância da
família; ou eno Sacricio, que é relatado um caso fictício de uma comunidade de mulheres que apenas usam o
esperma dos homens para se tornarem es, com direito a rituais macabros. Em Carruagens de Fogo há o reforço da
idéia da importância que Deus deve ter na vida das pessoas pelo respeito às tradições. Em Cidadão Kane, o grande foco
é a moral, é mostrado como o dinheiro pode comprar tudo e todos, mas o traz felicidade. Na remixagem da Grande
Ilusão, a personagem principal faz referência à história de Peter Pan, pois ele passa a tirar dos ricos para dar aos pobres.
Em O Evangelho segundo o Mateus, apesar de o senso é que Pasolini tenha sido um anticristão, o foco do filme é
mensagem de Jesus Cristo, pois ele é o único que fala em todo filme, além dessa filmagem ter sido dedicada à memória
do Papa João XXIII
Outros dois filmes que merecem um destaque, ao menos do ponto de vista desta autora, o Ben Hur e Gandhi.
Creio que ao assisti-los foi posvel estabelecer um paralelo maior entre os filmes e os conceitos da Igreja Calica. O
primeiro filme trata de um cristão, que vive numa época paralela a vinda de Jesus à terra. Essa personagem é traída por
seu melhor amigo, passa por tentões para fugir do destino que a vida teimava em impor-lhe, um destino de morte, mas
mesmo assim ele permanece fiel à fé de Deus, aceitou seu destino como Cristo, e teve sua grande recompensa ao final
da jornada. Gandhi, uma pessoa real que teve como meta na vida a pacificão do mundo, não importando a religo.
Este filme indicado pelo Vaticano, apesar dos atos nobres da personagem, é contraditório, pois os membros da Igreja
Católica insistem em proclamar que ela é a única e verdadeira, enquanto Gandhi pregava a união acima de qualquer
crença religiosa.
10
Apêndice A.
15
1. 2.2.1 Os recursos para garantir a homogeneidade do discurso
A Comunidade, para garantir a pretensa homogeneidade do discurso de seus
interlocutores, produz um arsenal de livros, CDs, DVDs e agora, como uma forma de se
enquadrar no universo tecnológico, também produz pen drives com coletâneas de palestras
dos membros pertencentes ao núcleo da Canção Nova.
Entre os livros, pode-se citar Cheia de Graça, do Pe. Léo, no qual ele ressalta a
importância do ícone mariano ao movimento, de tal modo que salienta o marco distintivo
entre os pentecostais católicos e os pentecostais protestantes, e deixa clara essa cisão entre os
movimentos ‘Nossa Senhora foi a mulher escolhida por Deus. Por isso, eu dou risada quando
vejo certas religiões por aí que recusam Nossa Senhora’ (LEO, 2007, p.21). Outro carismático
com um forte discurso entre os fiéis é o Prof. Felipe Aquino, sua produção é de mais de
sessenta livros, entre os diversos temas, a maioria sobre questões que envolvem a moral, um
importante para a análise dos relacionamentos e dos comportamentos entre os jovens
carismáticos é Namoro. Neste livro é evidenciado que entre os carismáticos o namoro é o
primeiro passo para o futuro matrimônio, pois ‘A idade em que você deve começar a namorar
é aquela na qual você pensa no casamento, com seriedade, mesmo que ele esteja ainda
longe’ (AQUINO, 2005, p. 47). Se na sociedade o namoro é apenas uma forma de apenas
ficar com o outro, sem compromisso, entre os carismáticos, a fase do namoro é o primeiro
passo para o futuro casamento.
E como o alvo de conversão entre os carismáticos são os jovens, pois se tem a
crença de que ainda não foram tão contaminados com o discurso impuro da sociedade, seria
ilógico não ter entre os produtores do discurso pessoas jovens. Entre os nomes de expressão
neste público, encontra-se Dunga, que se tornou um astro carismático, segundo conversas
informais com pessoas que acompanham o astro carismático, há seguranças particulares nas
saídas de seus shows, da mesma forma que num show de música com astros do rock qualquer
outro tipo de música; também Diego Fernandes, um jovem com uma boa formação
acadêmica, que ‘comanda’ os finais de tarde na TV Canção Nova, e tem sempre como meta
dar exemplos de sua vida seja no programa, como em seus livros, os quais os títulos e a
edição são extremamente joviais, como Fala sério! É proibido ser diferente?. Neste livro, a
máxima carismática do cuidado do corpo, permeia todo o discuso, ‘Somos templos do
Espírito Santo e cuidar deste templo que é o nosso corpo é um dever!’ (FERNANDES, 2005,
p.90).
16
Entre os CDs foi dada uma atenção maior às palestras gravadas do Pe. Leo, talvez pela
coincidência dos títulos ou pelo sacerdote ser uma pessoa carismática e muito citada durante a
pesquisa de campo. Essas referências devem-se pelo seu jeito extrovertido de intermediar as
normas e citações bíblicas, com piadas e histórias engraçadas, um recurso para conquistar
uma atenção maior de público. Entre os áudios, pode-se citar as palestras Servir do Jeito de
Maria, que posteriormente foi transcrita no livro Cheia de Graça, Não Pecar contra a
castidade, que faz parte da coleção sobre Afetividade e Sexualidade, além da Coletânea de
Palestras, com 7 CDs, que foi produzida após o falecimento do pároco, das quais as mais
mencionadas no corpo deste texto são as palestras Família Restaurada e Católicos Light.
Dentre os DVDs, três merecem ser citados. Um é uma homilia realizada pelo Mons.
Túlio Chirivello, sob o tulo Maria, a primeira carismática. Este discurso traz a Anunciação
mariana como o prenúncio das obras que o Espírito Santo faria na terra. Na palestra sobre
Afetividade e Sexualidade, proferida por Dunga, Sexualidade Definitiva/Palavra de Deus.
Dunga neste DVD, exemplos de sua transformação de vida, comenta sobre a vida sexual
desregulada que tinha antes do encontro com o Espírito Santo e sobre as graças obtidas
através dos sacrifícios depois da sua entrega à vida carismática; além disso, ele também
evidencia a necessidade das pessoas colaborarem com quem tem uma vida sexual anormal ou
doente, como os homossexuais. Na mesma palestra, chega a pedir aos homossexuais que o
procurassem ao término do evento, porque ele deseja ser amigo deles e orientá-los para a
salvação.
Entre os DVDs não poderia faltar a voz do Mons. Jonas Abib, o fundador da
Comunidade Canção Nova, que na palestra Submissão e Segredo orienta as famílias
carismáticas como devem agir para que o casamento seja de Deus, sendo que as mulheres são
as que mais sofrem com as normas, uma vez que são orientadas, caso sejam traídas, a orarem
a Deus para que seus maridos, mesmo se não voltarem ao lar, se redimam do pecado e, na
hora do juízo final, sejam salvos na glória de Deus.
em sintonia com o mundo tecnológico, na visita à sede da Comunidade Canção
Nova, foi adquirido um pen drive, de 2Gb, sobre o tema Família, com 20 palestras de
diversos porta-vozes do discurso carismático, das quais a algumas foram dadas maior atenção,
como ‘Casais que se perdoam’ e ‘Sexo, qual é o seu lugar’, do Pe. José Augusto; ‘Como
educar os filhos’, do prof. Felipe Aquino; ‘Família projeto original’ e ‘O matrimônio e o
regime do pecado’, Pe. Leo. Esta é uma forma de compactar um maior número de discursos
para os fiéis, sem ocupar grandes espaços, e assim terem um grande número de palestras para
ouvirem durante o ritmo acelerado da vida cotidiana, é uma adaptação do movimento à falta
17
de tempo comum da modernidade. Este produto se encontra em 2 versões, de 1Gb e 2Gb, a
primeira, com 10 palestras e a segunda, com 20 palestras. Até o final de 2008, era vendido
na própria comunidade e apenas sobre dois temas ‘Cura e Libertação’ e ‘Família’.
1. 2.2.2 Pesquisa de campo
As observações de campo eram anotadas conforme o tipo de evento o qual participava,
enquanto pesquisadora. Houve a preocupação de que as pessoas não me vissem como uma
pessoa diferente delas, que apenas analisava-as, houve o cuidado delas me sentirem como
integrante do grupo de oração. Assim, durante as reuniões do grupo apenas as observava
atentamente, para depois, distante, em casa, realizar as observações, como visões que a
líder, às vezes, expressava no término dos rituais, às quintas-feiras. na escola bíblica, que
acontecia quinzenalmente na casa da líder, como se tratava de uma ‘escola’, as anotações
eram realizadas durante as palestras do Monsenhor Luiz, que coordenava o curso, lendo e
explicando as lições que ele editou sob o formato de um livro.
De posse do material da Comunidade Canção Nova elencados e com um rico material
proveniente das anotações da pesquisa de campo, tornou-se mais fácil o acesso às normas
carismáticas e assim compreensão de como elas são transmitida ao público carismático. Deste
modo, muitas formas de expressão no discurso dos fiéis, tornar-se-iam compreensíveis.
Comecei, então, a marcar as entrevistas. Esse momento da pesquisa se mostrou essencial, pois
‘o que é falado numa típica entrevista na história oral, usualmente, nunca foi contado dessa
forma antes’ (PORTELLI, 2001, p.11). Nessa etapa, as pessoas mostraram-se muito
generosas, fui recebida de forma calorosa e com a preocupação de que me sentisse ‘em casa’.
Porém, da mesma forma que buscava alguma informação da vida íntima deles para encontrar
brechas nas histórias de vida, também cedia um pouco da minha vivência.
Ao me perguntarem como poderia me dedicar tanto à pesquisa, cedia um pouco da
minha intimidade, dizia que naquele momento estava separada, mas que havia sido casada
apenas no civil, e com discurso repetitivo, diziam: ‘você não é casada na Igreja, fique
tranquila, é solteira, Deus tem alguém especial para sua vida’. Nesta fala um desprezo para
a laicidade, seria como se as leis civis não tivessem valor, enquanto, na verdade, é a lei civil
que rege a normatização da sociedade. Enfim, havia um ar de proselitismo nas conversas,
18
mesmo, como pesquisadora, tendo o cuidado em estabelecer o interesse específico na vida
deles.
Um traço que merece ser ressaltado são os problemas quanto à conversão a fé
católica, ou melhor, carismática. A cada instante, intensificava a pressão para que minha
conversão, talvez pelas entrevistas serem realizadas de forma individualizada, no máximo
com casais, as pessoas sentiam-se com mais liberdade para exporem os ‘milagres’ que a
opção pela vida carismática realizava no cotidiano deles e assim quererem me converter, para
que eu tivesse o mesmo sabor de milagre na vida. Enfim, sentia a pressão das normas, dos
discursos da líder, enfim, estava, aos poucos, me submetendo a um processo de conversão
inconsciente, vivenciando um processo ao qual me propus estudar, a conversão à
carismática. Durante esse processo, mesclei algo de pesquisadora, a que procurava com
objetividade as brechas dos discursos para construir meu trabalho científico; e humana, a que
precisava da esperança presente naquelas mensagens carismáticas. Essa confusão foi gerada
pela grande interação com o objeto de pesquisa, a qual as pessoas pesquisadas, sentiam-se no
direito de cobrarem minha conversão, alertarem-me sobre visões sobre as mensagens de
Espírito Santo os incumbia de me transmitir. Num momento de subjetividade, percebi que não
me comportava mais como uma pesquisadora, mas como uma pessoa que via no movimento
um meio de ressocialização, da mesma forma que outras pessoas entrevistadas.
Essa impressão foi constatada durante a apresentação do meu seminário de tese, na
faculdade: realmente estava com um discurso de fiel. Este fato foi detectado por todos que
assistiam ao seminário, o meu envolvimento com a pesquisa tornava-se algo pessoal e foi-me
sugerido o afastamento do grupo. Na mesma semana, ainda fui à reunião do grupo. Tive um
acesso de choro durante a adoração ao Santíssimo
11
.
Houve um processo de fragilização, pois na fase de doutoramento uma série de
cobranças pessoais e aliada a estas existiam problemas pessoais que persistiam em se interpor
na pesquisa. Os pesquisados davam-me exemplos de outras pessoas que tiveram grandes
dificuldades para se estabelecerem na vida, após dedicarem intensamente aos estudos,
também eram dados exemplos de pessoas que após o término de noivados ou de namoros
longos, reencontraram-se no caminho da fé, através da Renovação Carismática. Havia a
persistência de me convencerem do quanto seria bom à minha vida a conversão à
carismática. À parte com meus problemas particulares, nessa época percebi que uma confusão
11
Hóstia consagrada.
19
entre a crença e a ciência se instalava em mim: eu estava mesclando o comportamento de fiel
e pesquisadora.
Portanto, resolvi me distanciar do grupo, porém, por uma questão ética, da mesma
forma que solicitei à líder a permissão para a pesquisa, informei-a sobre os motivos que me
levavam ao afastamento. Ela ponderou que poderia ser o ‘encardido
12
que desvirtuava meu
caminho, pois eu descobria o amor de Deus para comigo, mas entendeu os motivos e se pôs a
minha disposição novamente, caso viesse a enfrentar qualquer tipo de problema.
Essa minha atitude foi a única forma de salvar a tese, pois não poderia ter um
envolvimento de fé com o grupo pesquisado,
Uma das mais tradicionais premissas das ciências sociais é a necessidade de
uma distância mínima que garanta ao investigador condições de objetividade
ao seu trabalho. Afirma-se ser preciso que o pesquisador veja com olhos
imparciais a realidade, evitando envolvimentos que possam obscurecer ou
deformar seus julgamentos e conclusões (VELHO, 1978, p.36).
Porém, nesse mesmo texto, alguns parágrafos à frente, o mesmo antropólogo ressalta que
mesmo que haja esse envolvimento, ainda assim não significa defeito ou imperfeição do
trabalho. Portanto, pus um fim na pesquisa de campo, e passei para a discussão teórica
intermediada pela experiência enriquecedora a que tive acesso.
A partir desse dia, procurei reassumir o papel de pesquisadora e me confrontei com
um problema fundamental: a proximidade e a distância do objeto, algumas vezes, confesso
que falhei, em outras tive sucesso no distanciamento. Esforcei-me para maximizar as
vantagens e minimizar as desvantagens de cada posição, e ponderei que a opção do fim da
pesquisa de campo era a mais razoável e racional em prol dos resultados. As recorrências do
discurso e a compreensão do motivo das pessoas se envolverem com o movimento
carismático ficou nítida, a partir de minha própria experiência. Passada essa etapa, busquei
cumprir de forma satisfatória o papel de investigadora. De posse de um vasto material, que
pude recolher na pesquisa de campo, foi possível a compreensão da Comunidade Canção
Nova, através da Comunidade Hesed.
12
Expressão carismática para se referir ao demônio, às forças do mal.
20
1.2.3 Entrevistas
A história oral é uma das técnicas da metodologia qualitativa, e o objetivo, nesta pesquisa, foi
conhecer a intensidade da presença das normas carismáticas na vida pessoal dos fiéis ligados
ao movimento. Queiroz (1987, p.283) pondera que ‘a técnica qualitativa, seja a da
amostragem ou outra, serve principalmente para se conhecer a intensidade de um fenômeno, o
quanto se espraia por um grupo ou camada, como atinge grupos e camadas diferentes’.
Passada a fase de reconhecimento das regras e métodos de convencimento para a
pessoa se tornar um carismático, teve início a pesquisa de campo. Nesta fase, depois de certa
resistência em assinar o termo, no qual a líder me autorizava pesquisar da Comunidade Hesed,
ela se pôs a minha inteira disposição com qualquer coisa que viesse precisar. Nessa ocasião,
também deixei cópias do questionário
13
que me servia de guia para a realização das
entrevistas, da ficha a qual preencheria com dados pessoais dos entrevistados
14
, além da carta
de cessão
15
que utilizaria com cada pessoa, individualmente. Na pesquisa de campo, houve o
cuidado constante, durante as entrevistas, de solicitar autorizações, tanto à líder quanto aos
fiéis para a gravação e utilização das informações. Essa cautela se deve ter para evitar falhas,
ou quaisquer problemas relativos a publicação ou a não aceitação do dito, pois ‘A mais séria
falta em história oral é o sim não-autorizado de qualquer gravação’ (MEIHY, 2002, p.19).
Nas entrevistas, também houve a necessidade de se firmar contratos de colaboração
entre entrevistador e entrevistado, e assim se estabeleceu uma relação de compromisso entre
ambas as partes. A definição desses papéis é comandada pelo entrevistador, que deve também
ter a cautela de não se sobressair pela questão do capital cultural que possui, mas estabelecer
uma relação de reciprocidade com o colaborador de sua pesquisa (ZALUAR,1997). Esse foi
um cuidado constante durante as entrevistas, momento em que se pôde instituir um contato
mais direto com cada membro do grupo de oração.
Os entrevistados tinham muito carinho e cuidado para falarem comigo, a maioria das
entrevistas se realizou à noite, após o trabalho das pessoas. Era gratificante ver como elas se
doavam um pouco para mim, de forma tranquila, apenas pelo prazer de ajudar alguém ou
talvez pela satisfação de alguém para escutá-las. Mas o intuito de conversão estava desde o
começo, implícito.
13
Apêndice C.
14
Apêndice B.
15
Apêndice D.
21
Para a seleção das pessoas a serem entrevistadas, optou-se pelo perfil dos participantes
mais ativos nas reuniões da Comunidade. De certa forma, foi um pedido feito pela líder,
conversar também com pessoas que estavam mais tempo na caminhada do grupo. Este foi
um recurso utilizado para a melhor aceitação e confiança por parte da líder, tendo em vista
que ela era seria uma pessoa a ser entrevista de muita importância para o desenvolvimento da
pesquisa, além dessa estratégia facilitar meu trânsito dentro do grupo de oração. Dentro desses
parâmetros, entrevistei dezoito pessoas. Entre os diversos cuidados, foram respeitados os
espaços da líder, fiz a escolha de optar por conversar com meus informantes em ambiente
familiar para, dessa forma, penetrar na intimidade, fugir das paredes eclesiásticas e, assim,
romper o receio dos silêncios.
Como expus de forma breve, foi utilizado um questionário, no entanto, este foi
apenas um recurso de padronização das entrevistas, era apenas um roteiro de perguntas, um
cuidado essencial para parâmetros de comparação, as perguntas serviram apenas de guia. No
apêndice um exemplo de questionário, que aparentemente é fechado, mas a aplicação
efetiva foi de forma aberta e numa tentativa de explorar o máximo os assuntos propostos. As
entrevistas se dividiram em três pontos diretivos: o histórico das pessoas no movimento, como
conheceram a Renovação, como é visto esse novo comportamento social; outro ponto foi
sobre questões relacionadas à família, como é vivenciado o relacionamento familiar, se
diálogo, e o ponto de vista da questão da vida das mulheres fora do espaço doméstico; e a
última parte foi sobre a vida íntima, o que seria para eles serem bons companheiros, se
aceitavam as normas do sexo direcionadas apenas o objetivo de procriação, e como é vista a
abordagem da sexualidade pela mídia. Nesta última parte, por se tratar de um assunto mais
privado, foi solicitada permissão para prosseguir a ‘conversa’, foi ressaltado que se houvesse
algum tipo de constrangimento, poderia ser cessada a qualquer instante a gravação.
O objetivo das perguntas foi possibilitar uma melhor compreensão do motivo das
pessoas se envolverem com o movimento religioso, e assim compreender e esclarecer o que as
leva a se submeterem, ao menos aparentemente, às regras propostas e se havia brechas nessa
prática. Essa liberdade das pessoas darem as respostas, a utilização do questionário apenas
como um guia é pela preocupação de um entrevistado ser a de transmitir a experiência vivida,
falar sobre os episódios da vida que consideram mais importantes para serem conservados;
assim, com a possibilidade de respostas subjetivas, muitos espaços ficaram abertos para
possíveis contradições e passíveis de um desnudamento da couraça carismática e, deste modo,
se comprovar ou refutar a hipótese inicial, da construção de uma possível identidade
carismática.
22
Passada essa fase, houve a transcrição do material. Esse momento a quem entrevista é
de grandes surpresas, pois durante a ‘conversa’ a atenção foca-se apenas em encontrar
argumentos que possam estender ainda mais o bate-papo, para encontrar um maior número de
contradições; porém ao transcrever pode-se ‘saborear’ melhor o modo como as palavras
foram proferidas, o cuidado que alguns tinham em se calar ou então em se pronunciarem de
forma mais culta, mesmo que essa não fosse a fala cotidiana. Algumas das entrevistas
emocionavam pela sinceridade das pessoas em relatarem questões muito pessoais, que nesse
trabalho não tinham importância num primeiro momento, mas elas viam necessidade de
demonstrarem através dos testemunhos o porquê estavam naquele movimento religioso.
Porém o momento que possibilitou maior surpresa por facilitar a comparação entre os
pensamentos e experiências foi a sistematização das entrevistas. Tornou-se evidente como as
pessoas tinham pensamentos ora muito distantes ora tão próximos. Este fato evidencia que
apesar do movimento homogêneo, com um arsenal de recursos para moldar o pensamento do
carismático, ainda assim deve ser levada em conta a individualidade de cada fiel, que apesar
de proclamarem a mesma fé, cada um tem escrito no corpo socializações distintas.
Há-se a ilusão de controle completo, mas se esquece que cada pessoa vem de famílias
distintas, com socializações diversas, e que hoje vivem cada um em sua casa, com níveis
sociais diversos. Toda essa diversidade justifica a fortaleza que a Comunidade Canção Nova
tem em sua sede, pois precisam produzir o máximo de material, livros, CDs, DVDs e
palestras, com o fim de promoverem novos propagadores da carismática. Esse cuidado é
para dissiparem de forma mais eficiente aos seguidores da Renovação as normas, e assim
estes angariarem novos fiéis neoconvertidos à fé católica esquecida pela sociedade.
Após a realização da sistematização das entrevistas e do debate entre os discursos dos
carismáticos e o dos teóricos, foi a vez da entrevista com a líder, com o objetivo de sanar as
dúvidas que surgiram durante a elaboração do texto final. Como ela sempre se propôs em
ajudar durante a pesquisa, aceitou o confronto. Esta entrevista foi realizada de forma aberta,
apenas foram sugeridos os temas, os mesmos do questionário aplicado entre os carismáticos,
no entanto, algumas perguntas
16
soltas foram lançadas e depois, quando surgia alguma dúvida,
realizados os questionamentos sobre elas.
16
Apêndice E.
23
1.2.3 Perfil dos membros do Hesed entrevistados
Foram entrevistadas quatro pessoas solteiras, uma viúva, três casadas e cinco casais. A idade
dos entrevistados variou de 27 a 66 anos, sendo que das dezoito, apenas duas não pertenciam
ao núcleo da Comunidade Hesed, que conta com aproximadamente cinquenta integrantes. As
pessoas mostraram-se bem solicitas a colaborarem com a pesquisa. Para elas, era uma forma
de noticiarem os benefícios na vida, após se entregarem ao movimento, além de ser um modo,
ao demonstrar as ‘bênçãos’ promovidas, de tentarem trazer mais uma pessoa para o grupo, no
caso a pesquisadora. Dentre as vinte e uma pessoas que procurei para conversar apenas três se
mostraram desconfortáveis com a possibilidade de falarem sobre o grupo e sugeriram que o
encontro se desse na própria Igreja, nos dias do Grupo de Oração. Nesses casos, optei por
descartar esses informantes, pois dificilmente teria acesso à intimidade, ou se chegasse a ter
algum tipo de acesso, o mesmo seria cerceado de forma subjetiva pelo lugar em que a
entrevista se daria.
O material produzido para esta pesquisa consta, além das entrevistas, também de
inúmeras conversas formais e informais com a líder da Comunidade Hesed, além de uma
breve visita à Comunidade Canção Nova, em Cachoeira Paulista, na qual houve a
oportunidade de conversar informalmente com um integrante da Comunidade de Vida
17
. As
falas informais estão diluídas no texto, pois não podem ser citadas na íntegra, que não
houve autorização formal, porém a líder deu autorização de ampla exploração do campo que
se restringia ao grupo ao qual ela era orientadora. Essa vivência com as diversas formas de
expressão mostrou-se necessária para compreensão das normas.
Foi entrevistado um público misto, porém o número de mulheres foi maior, e, durante
as conversas, nenhuma resistiu em acolher a função delas na sociedade carismática. Elas se
julgam catequistas, mais ligadas à família, sensíveis, dedicadas a Deus. Enfim, aceitam sem
questionar o exemplo mariano proposto. Algumas dizem que foram ensinadas desde pequenas
17
Dentro da Comunidade há três formas de colaboração com a estrutura, conforme explicação do carismático,
durante a conversa informal, na visita à Comunidade Canção Nova:
1. Comunidade de Vida - na qual as pessoas sentem o ‘chamado’ para se entregarem a Deus e assim
passam a viver integralmente naquele ambiente, deixando a família e optam por viverem em oração.
2. Comunidade de Aliança - para pessoas que têm acima de 35 anos, elas não vivem dentro da
comunidade, mas nas redondezas e trabalham para a estrutura da Canção Nova.
3. Voluntariados - pessoas que colaboram, sem vínculos com a Comunidade em dias de grandes eventos.
24
a serem católicas; em outras, porém, foi perceptível que a opção de vida e as novas posturas
foram assumidas após adentrarem no grupo carismático.
A escolaridade dos entrevistados se ateve aos níveis superior, por volta de 40%, e
secundário, quase 44 %, restando apenas 16% ou apenas 3 pessoas com o primário. Deste
modo vê-se um diálogo com a origem do movimento, que se iniciou entre um público
universitário.
Entre as cinco mulheres casadas que trabalhavam fora, duas eram autônomas, e três
funcionárias públicas, sendo que duas delas tinham empregos com boa remuneração, mesmo
assim, apenas uma delas tinha alguém que a auxiliava nas tarefas domésticas. Esse fato
apenas ratifica o conceito do movimento carismático de que a mulher é a grande responsável
pelo cuidado da família, não deve terceirizar suas tarefas. Assim, apesar de trabalharem fora,
também eram as responsáveis pela manutenção do lar, enquanto seus esposos tinham apenas
uma jornada de trabalho, elas enfrentavam duas, ou melhor, três, pois poderiam sacrificar seus
horários livres para cuidar de seus filhos, levarem-nos ao médico ou irem às reuniões
escolares.
A função da mulher dentro da família é promover o conforto ao retorno ao lar dos
membros da família, a mãe é sempre a acolhedora, por conta disse, as carismáticas costumam
cuidar dos afazeres domésticos. A única mulheres entrevistada, que apesar de ser casada tinha
uma pessoa que a ajudava nas tarefas domésticas, fez questão de ressaltar seus afazeres dentro
do cotidiano familiar, ela sempre encaixava dentro de seus horários as atividades extras dos
filhos, que eram desde reunião escolar a levar algum filho ao médico.
Conforme exposto, inicialmente foi preenchido um histórico com dados objetivos dos
entrevistados, como nome, escolaridade, profissão, número de filhos, qual estado civil. Uma
das entrevistadas ao ser questionada sobre este último ponto deixou evidente a preocupação
em dizer que era viúva, que era separada anos e como não sabia do paradeiro do marido
considerava-se viúva. Este dado demonstra a preocupação dos fiéis, perante a sociedade,
mostrarem a incorporação das regras, uma vez que o sacramento do matrimônio é
indissolúvel, desta forma, torna-se mais confortável afirmar que não convive ao lado do
marido, devido a uma vontade divina, a morte.
Um dado que se mostrou impreciso foi quanto à renda familiar, pois as pessoas, por
algum motivo, temiam expressar o valor ou era perceptível que o valor fornecido não era o
real. A avaliação feita apenas pela observação de campo, é que a maioria dos entrevistados
tinha um padrão digno de vida, com suas casas bem mobiliadas, com aparelhos domésticos e
25
audiovisuais variados, carro na garagem, etc. Enfim, das pessoas entrevistadas apenas duas
solteiras e um casal se mostraram com dificuldades financeiras.
As entrevistas foram gravadas, apenas uma por falha técnica não pode ser gravada,
mas foi transcrita quase imediatamente ao fim da mesma. Outro ponto que merece ser
ressaltado é que apenas duas entrevistadas optaram por usar codinomes, a Maria e Bel, os
outros disseram que não havia problemas quanto ao nome, porém em todos foi utilizado um
codinome.
26
27
2 O SENTIDO DA RELIGIÃO NA VIDA DO FIEL
A religião surge junto com a sociedade e se estrutura, ao longo do tempo, busca
explicações lógicas para conceitos não possíveis de serem compreendidos de forma racional.
De posse dessa consciência, passou-se a analisar a questão religiosa, pois se percebeu que ela
tinha a capacidade de formar grupos específicos em torno de discursos proclamados por seus
líderes. Com isso, pode-se ponderar que a religião molda e sentido à vida das pessoas. A
religião é um fato social, pois é externa ao indivíduo e, se na sociedade industrializada a
predominância da solidariedade orgânica, na qual as pessoas são interdependentes devido as
funções específicas que exercem, nos grupos interligados por laços religiosos, ainda o
predomínio da solidariedade mecânica, na qual as pessoas se veem ligadas por uma crença em
comum.
Esses grupos religiosos são guiados por especialistas, responsáveis pela manutenção
das normas de ética e da visão de mundo dos leigos. Eles administram os fiéis através dos
discursos repletos de alegorias que têm a função de promover nas pessoas um pensamento
uniforme. uma variação da forma, mas não do conteúdo do discurso, pois depende do
público que será atendido. Este fato justifica a necessidade de treinamento para exercer a
função e a forma de expressão que devem ser de acordo com a comunidade que será atendida.
As religiões, como Durkheim (1989) analisou em seu estudo sobre as religiões
primitivas, tem uma semelhança básica entre elas, o funcionamento é como de um organismo,
de forma homogênea. Deste modo, sua base teórica foi orientada por questões de consciência
coletiva promovida pela religião, uma vez que todos têm os mesmo objetivos e propósitos
dentro de um mesmo espaço religioso. Esta construção simbólica, para a explicação da
religião, é necessária para explicar o processo social no qual os fiéis estão coligados, para,
desse modo, eles terem a esperança e sentirem que as desigualdades sociais são eliminadas
dentro do espaço religioso, uma vez que o universo religioso transcende o mundo social.
A Renovação Carismática é um movimento religioso que organiza as pessoas ao redor
de novas relações sociais, novas formas de tratamento e implementam a todos uma
regulamentação no comportamento de acordo com os novos princípios estabelecidos, que,
mesmo trazendo rígidas regras morais, pelas dificuldades em segui-las, faz com que seus
seguidores sintam-se os escolhidos, mais próximos da salvação, pois se entregaram ao
sofrimento, como Cristo fez na cruz.
28
Weber (1982) pontua sobre a questão do monopólio da salvação. Ele analisa essa
questão através da necessidade do trabalho religioso ter agentes e porta-vozes especializados,
que pelas falas, tendem a formular discursos religiosos que manipulam e, de certa forma,
reflitam a opinião pública, assim guiam os fiéis de acordo com o que acham melhor para a
instituição que representam. Com toda essa racionalização da Igreja, as pregações se
burocratizaram, e a administração do monopólio da salvação se torna a tarefa da empresa da
salvação da religião, que se ajusta às necessidades religiosas.
A função social da religião não é fazer com que o ser se livre de suas angústias, mas
lhe propor ao mundo uma esperança de que as provações sejam anunciadoras da eleição
religiosa. Dentro dessa função de explicar as agruras da vida, a religião justifica o porquê de
uns terem tanto e outros nada. ‘Numerosas formas de punição e de abstinência em relação à
dieta e ao sono, bem como de relações sexuais, despertam, ou pelo menos facilitam o carisma
estático, visionário, histórico, em suma, de todos os estados extraordinários considerados
como ‘sagrados’ (WEBER, 1982, p.314). Deste modo, com a imposição de atitudes e regras,
os fiéis tendem a sentirem-se os escolhidos, é estabelecido um sistema ‘racional’ de troca.
Entre os carismáticos, a vocação dos fiéis que optam pela salvação consiste em
cumprir o seu dever para com Deus numa vida cotidiana regida pela moral, não importando as
restrições, controles ou a forma como serão vistos pelos outros, o importante para eles é
alcançarem a salvação. Dialogando com Weber, a religiosidade em prol de um salvador, no
caso dos cristãos, de Cristo, que veio a terra para acabar com os pecados e dar a todos a
certeza da salvação, proporciona aos fiéis da Renovação Carismática uma visão racional do
mundo. O movimento carismático adapta aos fiéis situações de troca que lhes interessam, pois
a restrição, ou a quase ausência de situações que proporcionem prazer ao corpo, via de acesso
ao pecado, faz com que estes fiéis aceitem as normas sem questioná-las, pois a certeza da
salvação os satisfaz. ‘E novamente o sofrimento tornou o tópico mais importante’
(WEBER, 1982, p.315).
O fascínio sobre a religião e o mundo sobrenatural que a envolve, desperta interesse
em diferentes épocas e acompanha o dinamismo e a complexidade da sociedade. Passam-se
períodos, conceitos se modificam, porém, a humanidade não consegue sobreviver sem os ares
esperançosos distribuídos pela em algo superior, por esse fato se justifica o interesse
da pesquisa sobre a religião. Porém, esta investigação tende a ser mais ampla, e busca
verificar como os fiéis do movimento carismático constroem identidades baseadas em uma
moral salvadora, em especial, analisar a naturalização das relações de gêneros expostas pelas
normas a serem seguidas.
29
2.1 Retorno à tradição
Em meados do século passado, a Igreja Católica percebendo a perda de fiéis para outras
religiões convocou o Concílio Vaticano II, com a intenção de modernizar a instituição e
responder de forma mais satisfatória às aflições de cada um. A crença motivadora dessa
remodelação dos dogmas católicos era que os conceitos tradicionais afastavam as pessoas dos
bancos eclesiásticos, que novas religiões, com propostas inovadoras conquistavam os fiéis,
além da tentativa de adequar os interesses do mundo sagrado ao mundo profano.
Essa reunião da cúpula católica teve a pretensão de enquadrar na modernidade a
instituição e suavizar algumas exigências morais, pois se acreditava que esse era um processo
sem retorno à sociedade. Com isso, em 1962, o Papa João XXIII deu início ao Concílio
Vaticano II, na busca de soluções para a aflição dos fiéis. Essa reunião eclesiástica terminou
três anos mais tarde, sob o comando de Paulo VI. Algumas decisões foram tomadas, como a
diminuição de traços tradicionais que, na opinião da Igreja, eram os grandes vilões da perda
de fiéis. Uma das mudanças foi amenizar a presença da assustadora figura demoníaca, que
tinha como meta aterrorizar quem ousasse infringir alguma regra moral imposta pela
Instituição; outra foi ofuscar a presença de milagres, pois eles não condiziam com os avanços
da ciência.
Com essas decisões, muitos fiéis se viram num estado de anomia, pois ao apagar a
crença no fogo do inferno, balizadora da moral católica, o medo da condenação ao inferno,
também foi ‘apagada’ a única esperança que as pessoas tinham na vida, o milagre, dádiva
concedida a quem seguia os preceitos morais. Assim, a instituição estabeleceu que tudo seria
pensado de forma lógica, e foi ajustado o mundo sagrado com o mundo racional.
Tudo isso veio compor uma religião muito diferente, especialmente
desencantada, nem sempre palatável ao gosto dos católicos, sobretudo os
mais velhos, tanto que algumas inovações duraram pouco (PRANDI, 1998).
Com essa nova postura, o braço disciplinador da Igreja foi deixado de lado, assim
como os pecados e os vícios, a preocupação passou a ser com o dia de hoje, o mundo depois
da morte foi esquecido. Para Carranza ‘preocupadas [as instituições religiosas tradicionais]
com resistir às colocações trazidas pela ciência e pela procura de meios eruditos de
legitimação, deslocaram das suas preocupações teológicas a questão do
demônio’(CARRANZA, 2000, p.182); com isso, deixou de existir a regulação moral em
30
especial sobre as questões relacionadas à sexualidade dos fiéis que, pela ameaça da
condenação ao inferno, tinham o cuidado em balizar sua vida, suas ações, conforme os
conceitos católicos.
A partir desse aggiornamento
18
da Igreja, na visão de muitos, os milagres deixam de
acontecer ou se tornam menos aparentes. Os religiosos acreditaram que esta era uma resposta
divina pelo enfraquecimento das normas de conduta pessoal, antes ponderadas pelo medo do
demônio e suas punições. O resultado dessa transformação foi o iminente sentimento de
anomia entre os fiéis.
Após o Vaticano II, alguns movimentos reativos surgiram como uma forma de
combater a falta de Deus na sociedade. A proposta deles era a mudança de vida dos fiéis, mas
não de religião, ou seja, a sugestão era uma reorientação de vida, de acordo com o
fundamento do grupo de fiéis que se uniam, e os pontos que diferiam eram a experiência
subjetiva da adesão e a prática religiosa. Muitos deles, para terem mais status, conferiam a
paternidade da reação ao Concílio. Entre os movimentos que despontaram, pode-se citar a
Teologia da Libertação e a Renovação Carismática Católica, sendo este último o interesse
dessa pesquisa. Outros grupos também surgiram, mas estes dois mostram-se peculiares pelo
extremo das propostas, uma vez que, enquanto um busca o racional e a preocupação com o
social, o outro tem uma visão mais subjetiva, voltada a questões relacionadas a milagres,
moralidade e com o julgamento final da humanidade.
A Teologia da Libertação, cuja principal fonte de expressão são as CEBs
(Comunidades Eclesiais de Base), tem com pauta, conforme um dos principais nomes do
movimento, Leonardo Boff (1992, p.100), ‘[...]a realidade dos povos latino-americanos que
vem perpassada de imensas esperanças que emergem num mar de opressões: culturas
oprimidas, raças humilhadas, classes exploradas; um verdadeiro rasgão que atinge todo o
tecido social[...]’. A preocupação desse movimento é com as questões sociais, e tomaram do
Vaticano II o lema da opção pelos pobres e passaram a politizar o movimento.
Em 1999, Pe. Leonildo Guasqui, pertencente à Teologia da Libertação, participou de
uma pesquisa durante a elaboração de um trabalho acadêmico que realizei em análise do
discurso
19
, com o objetivo de comparar como era a leitura escatológica na época medieval,
sob a ótica dantesca, e nos dias de hoje. E a postura dele quanto à condenação ao Inferno tinha
um forte cunho social:
18
Atualização dos dogmas religiosos após o Concílio Vaticano II.
19
A autora cursou uma disciplina, como aluna especial, com ênfase em análise do discurso.
31
A Teologia da Libertação, antes de ter sido sistematizada, foi vivenciada
numa realidade histórica e sociológica, numa dependência dos países pobres
- um povo massacrado e oprimido - em relação aos países ricos, e que dentro
dessa realidade de pobreza faz a realidade de Deus, faz brotar o reino de
Deus. É o povo da resistência, o povo da luta. O pobre é aquele que mesmo
na miséria, tem uma perspectiva de vida, de luta, porque ele coloca sentido
na vida. E o que é esse sentido? É a fé, através de uma religião. (OLIVEIRA,
2003, p.29)
Com isso, esse movimento teve a intenção de criticar as desigualdades sociais, evidenciar a
necessidade de igualdade, e tendo como lema as frases ‘Novo modo de ser Igreja’, ‘Novo
modo de toda a Igreja ser’. A Teologia da Libertação se intitulou como ‘a voz dos sem vez e
sem voz’.
O outro movimento reativo que surgiu foi a Renovação Carismática Católica que,
como já foi dito, é a diretriz desta pesquisa. Por isso, será detalhado com mais cuidado sobre a
origem, a motivação, enfim, todo o processo que a envolve.
2.2 A Igreja com ares renovados
Preocupados com a falta de milagres que acontecia no mundo, docentes e discentes da
Universidade de Duquesne, em Pittsburg, nos Estados Unidos, num primeiro momento,
passaram a orar de forma individual em busca do reencontro com o Espírito Santo. Apesar de
‘Deus estar morto’, conforme Nietzche
20
anunciou, havia a esperança de que ,através da
oração, a renasceria no coração dos fiéis, e, deste modo, o Espírito Santo voltaria a praticar
milagres entre eles (RANAGHAN, 1972). Durante um ano, realizaram orações individuais.
Em fevereiro de 1967, num final de semana, esse mesmo grupo resolveu se unir e
rezar de forma comunitária para descobrir os desígnios de Deus a eles. ‘Através do uso de um
gesto simbólico conhecido como ‘imposição das mãos’, eles oram pedindo os dons do
Espírito Santo descritos por São Paulo’ (RANAGHAN, 1972, p.201). Entre esses dons
estavam o dom da cura, das línguas, do amor, da sabedoria, da fé, carismas que acreditavam
edificar neles o corpo de Cristo.
20
Para o filósofo, a morte de Deus representava a descrença da humanidade em quaisquer valores que não
fossem racionais.
32
As pessoas que passaram a seguir esse movimento pentecostal católica sentiram
afinidades com as normas morais impostas a quem desejasse seguir essa nova opção de vida.
Esse novos fiéis carismáticos, que antes acreditam que a modernidade era algo invencível,
com essa nova proposta, mostraram-se os ‘manobreiros de desvio da linha do trem de ferro’
(PIERUCCI, 2005, p.41). Buscaram na religião a mudança de suas vidas e escolheram itens
da modernidade e da tradição que melhor se encaixavam em seus anseios de alcançarem um
novo pentecostes.
Da modernidade abstraíram ‘a hora dos leigos’, ou seja, à frente de seus cultos, leigos
emanados pelo carisma do Espírito Santo, com o dom da palavra passaram a comandar os
rituais, e da tradição resgataram a figura abrandada pelo Vaticano II do mal, do diabo, do
Inferno, enfim, da punição. Desta forma, os fiéis voltam a ver o sentido em se distanciarem
dos prazeres mundanos, além do retorno da crença em milagres.
É nessa revivência pós-concilar que surge o movimento de Renovação
Carismática Católica (RCC), como uma inflexão do catolicismo que reage
diante da pós-modernidade, oferecendo uma nova subjetividade religiosa
pautada nos moldes neopentecostais e como uma agência moderna de aflição
(CARRANZA, 2000, p.16).
Com isso, surge um movimento pentecostal dentro da Igreja Católica, que logo teve
seu nome alterado para não trazer maiores confusões, apesar de, ainda hoje, esses conflitos
identitários existirem. Muitas pessoas veem com olhares não tão bons a Renovação, por
saberem que na sua origem estavam envolvidos também protestantes, já que o livro inspirador
do retiro foi A Cruz e o Punhal, do pastor protestante David Wilkerson (CARRANZA, 2000).
Mas qual é o significado de um movimento pentecostal? A origem está nos Atos dos
Apóstolos. As pessoas que se uniram nesse retiro, acreditaram reviver o Pentecostes e
sentiram-se iluminadas pela chama do Espírito Santo sobre suas cabeças, tal como estavam os
apóstolos.
De acordo com o relato bíblico, no quinquagésimo dia da ressurreição de
Jesus, o Espírito Santo manifestou-se aos apóstolos, que estavam reunidos
nos Cenáculo, através de línguas de fogo. Esse episódio é relembrado com o
nome de Pentecostes, que significa quinquagésimo em grego (PRANDI,
1997, p.33).
A origem do movimento pentescostal é protestante e se baseia na crença dos dons do
Espírito Santo,
[...]rezar com os braços elevados para o alto [...], a emotividade, a
afetividade e espontaneidade atuando nos meio de comunidação com Deus; a
referência constante de sensações de experiências místicas e a certeza da
33
presença de Deus; a necessidade de milagres, como prova de existência
divina; o batismo no Espírito Santo (CARRANZA, 2000, p.24).
A emotividade e espontaneidade no culto são característica da Renovação que assustam
católicos tradicionais. Por esse motivo, conforme foi relatado pela líder carismática durante a
pesquisa de campo, muitos padres ainda não aceitam a presença dos carismáticos nas Igrejas,
por romperem o silêncio da oração comum às missas católicas.
Para evitar problemas, o movimento pentecostal católico, resolveu utilizar outra
designação, pois,
[...]essa expressão poderia dar azo a interpretações errôneas, pois designar
os grupos católicos de oração com o nome de pentecostalismo representava
um incômodo, já que pentecostal ou seita era uma designação pejorativa dos
evangélicos que não pertenciam a igrejas históricas (CARRANZA, 2000,
p.35, itálico do texto).
Renovação Carismática Católica, mesmo sendo um movimento combativo às novas diretrizes
tomadas pela Igreja Católica, após o Vaticano II, não teve o mesmo destino que o da Teologia
da Libertação, apesar de terem a mesma origem, conforme Prandi expõe,
[...] a Igreja Católica acabou concebendo dois irmãos antagônicos, que não
poderiam conviver facilmente num mesmo espaço as Comunidades
Eclesiais de Base da Teologia da Libertação e o movimento carismático
cada um reivindicando a paternidade do Concílio Vaticano II para si [...]
(PRANDI, 1997, p. 30).
Embora contrário aos planos do Vaticano II e sofrendo alguma repressão inicial, em
1978, com o Papa João Paulo II, um devoto mariano e com uma visão mais política da
situação eclesiástica, provocou mudança nos rumos do movimento. Ele se deu conta que a
Renovação tinha fôlego para combater dois grandes inimigos da Igreja.
Um deles seriam os adeptos aos movimentos pentecostais protestantes, que tiravam
aos poucos os católicos dos bancos eclesiásticos em troca de promessas de cura, ou seja, o
movimento tinha uma reação de proteção para fora do catolicismo. Além de também ser
combativo à Teologia da Libertação, que tinha uma preocupação política e econômica,
esquecendo-se dos problemas mais subjetivos de seus membros; dessa forma, a reação de
proteção ao catolicismo também funcionava dentro da própria Igreja.
Tendo em vista essas prerrogativas, o movimento não foi sufocado e sim, anexado de
forma legítima à hierarquia religiosa. Deve-se lembrar que esta foi uma forma de evitar a
34
perda de devotos, e, assim, estimular a Renovação a ser uma ecclesiola in ecclesia
21
(WACH,
1990 ).
Apesar de ter surgido em 1967, os ares de Renovação católica aportam no Brasil com
atraso de dois anos, em 1969. Os responsáveis pela entrada no território brasileiro do
movimento foram os padres jesuítas norte-americanos: Eduardo Dougherty e Haroldo Hahn.
Porém, como Benedetti (1988) ressalta, em sua tese de doutoramento, ambos são pessoas bem
distintas em seus planos de vida. O primeiro tem uma visão mais empresarial e tecnológica da
Renovação, hoje é coordenador da Associação do Senhor Jesus; e o outro fundou as Fazendas
do Senhor Jesus, e o Amor Exigente ambos destinados ao tratamento de dependentes
químicos e alcoólatras, com uma função assistencialista.
Um ponto favorável ao crescimento do movimento no Brasil foi a publicação do livro
Sereis Batizados no Espírito, aprovado pela CNBB e prefaciado pelo bispo de Campinas da
época. Pe. Hahn considera que esse fato significou a legitimação do movimento no Brasil para
seu crescimento (CARRANZA, 2000). A partir desse ponto, começa-se o processo de difusão
espontânea do movimento, e, posteriormente, essa forma de proselitismo foi substituída pelo
marketing através do complexo midiático que o envolvia.
Nessa pesquisa, o foco para o estudo da Renovação Carismática é a Comunidade
Hesed, conforme explicado na introdução, que tem sua orientação centrada na Comunidade
Canção Nova, com todo o arsenal que envolve a difusão do seu discurso. Busquemos entender
como funciona esse disseminador do que chamaremos de normas as quais constroem as
identidades carismáticas
2.3 A nova melodia da Renovação – Canção Nova
Em 1971, Pe. Haroldo Hahn promove mais um retiro carismático, antes de sua saída do
movimento, na década de 80. E é nesse momento, que o jovem padre Jonas Abib
22
, que se
encontrava muito desiludido com os rumos que Igreja Católica tomava, foi ‘tocado’, segundo
suas próprias palavras, pelo Espírito Santo. Após esse primeiro contato que o Pe. Jonas teve
com a Renovação Carismática, começa a se fortalecer o movimento no Brasil.
21
Uma Igrejinha dentro da Igreja.
22
Um dos mais importantes líderes carismáticos brasileiros, um nome de expressão para o movimento
carismático (PRANDI, 1997, p.112). Em 17 de outubro de 2007, padre Jonas recebeu o título de monsenhor
concedido pelo Papa Bento XVI a pedido do bispo da diocese de Lorena, Dom Benedito Beni Santos.
35
Numa visão bem pessoal, Valle (2004), teólogo e psicólogo, pondera que essa entrada
da Renovação no Brasil é uma decorrência da norte-americanização da cultura brasileira.
‘Sem querer tornar absoluta essa intuição pessoal, constato que o way of life dos americanos
atingiu praticamente todos os aspectos e estilos de nosso modo de viver, comer, trabalhar e
usar o tempo livre’. Mas essa afirmação do pesquisador é sempre ponderada pela lembrança
de que, apesar da aculturação, há toques brasileiros nessa incorporação da Renovação.
Pe. Jonas, na época em que quando conheceu essa nova forma de evangelização
católica, estava em Lorena, dava aulas na Faculdade de Ciências e Letras de Lorena, lugar
onde havia cursado teologia. E é a partir dessa cidade que se inicia o germe do maior sistema
de evangelização católica no Mundo. Em 1978, o padre inaugura a Comunidade Canção
Nova, em Cachoeira Paulista/SP, cidade vizinha a Lorena, com a missão de evangelizar.
em 1980, a Comunidade passa a ter sua mensagem transmitida pelas ondas da
Rádio Canção Nova; a partir daí torna-se uma grande expressão midiática da Renovação. No
final da década de 80, é inaugurada a TV Canção Nova, depois veio o site Cancaonova.com
(www.cancaonova.com). Em 2004, a Comunidade deu outro passo importante: inaugurou o
Centro de Evangelização Dom João Hipólito de Moraes, um local para mais de 80 mil
pessoas. Neste local são realizados os eventos de maior porte da Renovação. Possui uma
completa infra-estrutura, vários banheiros com duchas para atender os fiéis; locais para
acampamentos, além de chalés; praça de alimentação e padaria, com alimentos produzidos na
própria comunidade.
O contato do Pe. Jonas com o Vaticano, na opinião de muitos, é uma forma de
referendar sua missão frente à Comunidade. Em 2002, ao comemorar os 25 anos da Canção
Nova, encontrou-se com o Papa João Paulo II. Em 2007, Pe. Jonas recebeu o título de
Monsenhor, dado pelo Papa Bento XVI. Este título é concedido aos padres que se destacam
por relevantes serviços prestados à Igreja e ao povo de Deus em suas dioceses. Em novembro
de 2008, ocorreu o reconhecimento pontifício da Comunidade Canção Nova, é uma forma de
garantia de que uma agregação de fiéis tem seus estatutos revisados pelas autoridades
competentes da Santa . Fato que se mostra bem distinto no início do movimento, quando
ainda havia resistência pela cúpula papal.
É inegável que a presença desse complexo midiático foi o grande responsável pela
tentativa de homogeneização do discurso, além de divulgador da Renovação. Por exemplo, a
TV Canção Nova conta com uma programação de 24 horas ininterruptas de evangelização,
que varia de acordo com o público que está mais propenso a acompanhar, assim busca
‘arrebanhar’ um maior número de fiéis para a caminhada.
36
Pela manhã, os programas são voltados às donas-de-casa, pois se as mulheres casadas
têm a função de cuidarem do lar, da educação dos filhos, os mesmos são sobre a manutenção
da casa; no final da tarde, gincanas com o objetivo de conquistar a audiência do público
jovem; e, à noite, quando os homens retornam das tarefas públicas, a programação é voltada
para a família, com o objetivo de promover a união, a maior aliança no lar. Ou seja, a
programação é feita de acordo com os anseios da comunidade carismática.
O horário noturno é interessante, pois nele os conceitos e normas do movimento
carismático são postos em prática. Às terças e às quintas, o Prof. Felipe Aquino, um
importante nome dentro do movimento carismático, ou nas palavras de Bel O Prof. Felipe
Aquino é uma bênção (entrevista nº18), responsabiliza-se em deixar os fiéis informados
sobre os acontecimentos do mundo e colocá-los cientes da opinião da Igreja sobre o que é
exposto. Além desses programas para difundir suas idéias, ele também tem uma vasta
produção literária, são mais de 60 livros publicados pela sua própria Editora, a Cleofás, pela
Loyola, Canção Nova e Raboni, nos quais as regras do movimento são transmitidas aos
leitores de forma rígida. São livros sobre namoro, casamento, sexualidade, pecado, purgatório,
sacramentos. Aquino, além de livros e programas televisivos transmitidos pela TV Canção
Nova, mantém um blog, com textos e também respostas às perguntas polêmicas, além de um
espaço no link ‘Canal de Formação’, na página da Comunidade Canção Nova.
Por esses meios de comunicação é que o Prof. Felipe expõe as regras morais a serem
seguidas por quem deseja a salvação. Ele critica o feminismo, a masturbação, o prazer, o
aborto, conceitos caros em especial às mulheres e evidencia a beleza que elas têm ao se
portarem como Maria, a virgem submissa, uma vez que a submissão não significa escravidão
e, geralmente, a mulher descobre que se sente melhor quando cil do que quando
dominadora (AQUINO, 2003).
No site da comunidade, também existe uma ampla divulgação de normas e restrições,
são inúmeras vozes que se unem ao objetivo de restringir a todos e levarem-nos à Salvação.
Nesse espaço cibernético a publicação dos eventos carismáticos, seja na própria
comunidade ou com a participação de seus obreiros em outros espaços. Também links que
levam os internautas a salas de bate-papos, com os mais variados assuntos: amigos, PHN
(Por Hoje Não vou pecar), ou para a participação ao vivo nos programas de rádio e TV da
Canção Nova, além de entrevistas com os membros da cúpula da Comunidade.
Com este recurso a busca de uma interatividade com público jovem, o alvo da
Renovação Carismática Católica. a esperança que, por eles não terem passado de forma
37
intensa pela contaminação da vida profana, possam ser convertidos e terem tatuadas, na mente
e corpo, as normas de conduta moral do movimento.
Com esses recursos, divulgam a necessária para se chegar ao reino dos céus, uma
vez que a apropriação de uma posição de dominante no discurso religioso e, assim, a
impressão de serem os portadores das verdades celestes, uma vez que a crença na
legitimidade das palavras e a fé em quem as pronuncia, é da competência de quem as
pronuncia e não da veracidade das próprias palavras (BOURDIEU,1998).
O movimento da Renovação, apesar de não se ter uma avaliação em termos numéricos
reais, sabe-se que representa a força mais organizada e motivada da Igreja Católica no país.
Um artigo divulgado pela rede BBC comenta sobre um estudo chamado Spirit and Power
(Espírito e Poder), que traz diversos dados a respeito do que designam de movimentos
''renovacionistas'', esta pesquisa foi realizada em dez países, entre eles o Brasil.
No entanto, nesta pesquisa, não há diferenciação entre católicos e protestantes, a
avaliação foi apenas sobre a aceitação dos movimentos pentecostais. Eles chegaram à
conclusão que um em cada dois brasileiros nos centros urbanos são ou pentecostais
protestantes ou carismáticos, e assim concluíram que o Brasil é o país com mais pentecostais,
dentre os que participaram da pesquisa.
Segundo Lugo (apud GARCEZ, 2006), responsável pela pesquisa, ‘os protestantes
pentecostais e católicos carismáticos têm um senso muito forte da intervenção sobrenatural
em eventos do dia a dia.
Muitos acreditam em experiências como cura divina e até mesmo no
fim do mundo e em exorcismo’, e conclui que o Brasil é um país predominantemente
católico, no entanto, esse catolicismo, a cada dia, sofre mais influência pela magia do Espírito
Santo. [A] ‘Igreja talvez nem sempre veja com bons olhos essa influência, mas se ela
demonstrar uma reação contrária muito forte pode acabar fazendo com que estes fiéis
abandonem o catolicismo para se tornar protestantes pentecostais’ (Ibid). Dessa forma, a
Igreja se esquiva de ter uma possível cisão dentro do catolicismo e talvez perder ainda mais
fiéis, ou seja, ela se vê ‘obrigada’ a aceitar o movimento carismático católico.
38
2.3.1 Processo de arrebanhamento de ovelhas
Para considerar-se católico não é exigido nada da pessoa, apenas ser batizado, aliás, isso
demonstra um apelo à tradição, pois existe uma crença popular que quem morre sem ser
batizado é condenado ao limbo. Este espaço foi ‘inventado’ pela própria Igreja, no culo IV
e depois revisto por São Tomás de Aquino, no século XIII; dessa forma, ao invés de condenar
os que nasceram antes de Jesus Cristo e as crianças que não foram batizadas ao inferno, estes
ficariam na ante-sala, no limbo. Essa condenação era por permanecerem com a mácula do
pecado original deixada por Adão e Eva.
No entanto, após um estudo que durou aproximadamente dois anos, Bento XVI se
pronunciou sobre o destino das crianças que morriam antes de serem batizadas. No
documento ‘La speranza della salvessa per i bambini che muoiono senza battesimo’,
divulgado por meio da Comissão Teológica Internacional, a conclusão de que as crianças
que nasceram sem se livrarem do pecado original, não mereciam ficar sem as glórias de Deus,
após a morte. Porém, é bom ressaltar que o documento não menciona a idade que a criança
deve ser batizada.
Se para ser considerado um católico já satisfaz apenas ter sido batizado e, dessa forma,
estar sem o pecado original, como Pe. Leo
23
comenta em seus discursos, basta ser um católico
light, não ter o compromisso com a vida cristã, ou ainda, conforme Pierucci (2007),‘O barato
de ser católico é fazer parte de uma religião que não precisa ser seguida à risca pela maioria
dos fiéis’. Em contra mão, surgem os carismáticos, com exigências mais consistentes, pois
devem assumir um compromisso maior com a vida cristã, que uma possibilidade maior
de salvação, desde que passem a ter consciência de seus atos e sigam as normas da Igreja,
esse é o grande diferencial. Entre eles a exigência de que os fiéis cumpram sacramentos
oficiais da Instituição, que são exigidos de forma contundente às pessoas renovadas pelo
Espírito Santo; coisas que a maioria dos padres não fazem por temer que os católicos lights
afastem-se ainda mais dos bancos eclesiásticos.
Outro ponto distintivo é quanto à forma de articulação da identidade do movimento
religioso, uma vez que é mesclado o tradicionalismo com a modernidade, o que origem a
um movimento conservador. Ou seja, a conversão à Renovação é caracterizada por um forte
23
Pe. Leo possui inúmeros livros, CDs e DVDs com suas palestras, porém a maior parte de sua produção
acontece após sua morte. Ele representa uma figura de extremo carisma à Comunidade Canção Nova, por isso,
tiveram o cuidado de reunir seus discursos em todas as formas de divulgação.
39
compromisso do fiel à ética e aos valores religiosos e ainda por uma intensa participação na
comunidade a qual pertence. ‘A identidade então, costura [...] o sujeito à estrutura. Estabiliza
tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos
reciprocamente mais unificados e predizíveis’ (HALL, 2005, p.12). Os renovados veem
sentido em acreditarem na salvação, em assumirem a identidade carismática.
O maior recurso para o proselitismo carismático são os grupos de oração, que
compreende reuniões semanais de carismáticos e pretensos carismáticos, nas Igrejas, salões e
casas, lugares nos quais leem trechos bíblicos, oram, aguardam e sentem experiências
místicas. Nos encontros, dois tipos de grupos: os dos que frequentam as reuniões, este
apresenta certa rotatividade, pois, aos poucos, é cobrada a neoconversão das pessoas, com
isso, uma adesão ao movimento, e nem todos se mostram preparados para essa mudança de
vida; e o grupo menor, com a identidade carismática, que sistematiza as atividades dos
rituais da comunidade. Este grupo reune-se mais vezes, em dias separados do maior. Para
integrar esta equipe uma série de exigências, desde o domínio de algum dom carismático
até frequência aos sacramentos.
Nesses encontros carismáticos, estabelece-se à chave do conhecimento, neles é
realizado um ritual, o novo pentecostes, o ponto epifânico da Renovação, é a manifestação
divina do Espírito Santo. Nos grupos de oração, pouco importa o número de pessoas, pois,
segundo as palavras da Bíblia, ‘[...]porque onde dois ou três estão reunidos em meu nome,
estou eu no meio deles’ (Mt 18,20). E assim, é seguido um ritual, em todas as semanas, o
grupo de oração louva a Deus, pede proteção aos anjos, professa salmos, proclama o
Evangelho e pede as bênçãos ao Espírito Santo.
Esse é o momento em que os fiéis nas reuniões do movimento sentem-se mais
seguros, distantes das incertezas do cotidiano, uma vez que se reconhecem no ambiente
eclesiástico e buscam o mesmo ideal, alcançar alívio através do mundo sagrado para seus
problemas no mundo profano. Com isso, ‘[...]o desenvolvimento de uma liturgia ‘menos
racional’, onde a emoção e o sobrenatural ocupam maior destaque’ (CAMPOS, 1995, p.100).
Nos encontros, pessoas que choram de emoção, por se reencontrarem com a esperança
antes perdida.
Nessa busca pelo outro numa comunidade, conforme Bauman (2003, p.9) analisa ‘é
nos dias de hoje outro nome do paraíso perdido – mas que esperamos ansiosamente retornar, é
assim que buscamos febrilmente os caminhos que podem levar-nos até lá’, os carismáticos se
unem. Por essa procura, as pessoas não contabilizam os sacrifícios que serão feitos para
atingir esse paraíso, a elas o importante é atingi-lo. Nesse caso, o pertencimento a um grupo
40
representa essa realização, ao menos uma vez por semana, durante pouco mais de uma
hora, a solidão se desfaz e a pessoa sente-se integrada ao grupo.
O termo ‘comunidade’, como Bauman (2003, p.9) pondera, ‘soa como uma música aos
nossos ouvidos. O que essa palavra evoca é tudo aquilo de que sentimos falta e de que
precisamos para viver seguros e confiantes’. Ou seja, um ganho às pessoas que participam
da Renovação, pois ela é constituída de comunidades, núcleos de pessoas com o mesmo ideal,
fato que proporciona confiança a todos.
São nessas pequenas células, ou no linguajar carismático, nas meninas dos olhos da
Renovação, que os fiéis sentem-se seguros, uma vez que nelas conseguem se expressar sem a
tensão cotidiana. ‘A mensagem religiosa sacraliza um cotidiano banal. Transforma em
interpretação divina as experiências miúdas de dor e de alegria’ (BENEDETTI, 1988, p.194).
O gesto simbólico da imposição das mãos é o princípio para a força do Espírito Santo estar
presente naquele instante, pois é nas mãos que está o contato direto com o sagrado, é através
delas que o milagre acontece.
2.3.2 As dádivas carismáticas
Durante esses encontros semanais, os frequentadores, mesmo os que ainda não incorporaram
a identidade carismática, também conseguem se exprimir sem a tensão cotidiana, apesar de
que a verdadeira mudança de suas vidas acontece pela internalização das palavras (PRANDI,
1997, p.131). E conforme Benedetti comenta em seu artigo sobre a Renovação, a utilização
das palavras representa como Deus realiza seu próprio marketing, pois os carismáticos são
orientados a buscarem na Bíblia a palavra para suas aflições, e é a partir daí que ela se
internaliza, pois ‘a percepção que se tem de Deus é imediata, palpável, sensível’
(BENEDETTI, 2001, 59).
Ir aos grupos de oração é uma forma deles reporem suas baterias para enfrentarem o
cotidiano, entre as palavras transmitidas no ritual estão as de ânimo, além da proximidade
entre as pessoas e o sentimento de ser alguém importante para Deus, ao menos naquele
momento. Os fiéis são incitados a dizerem uns aos outros o quanto Deus os ama, o quanto
eles são importantes, sentem essa presença divina e que esta atende, se não a todas, a quase
todas as necessidades dos fiéis.
41
Durante as reuniões carismáticas, não desconhecidos, todos participam do ritual
que é ditado por um membro do mistério da música
24
. Juntos se tocam, se abraçam, dizem uns
aos outros a importância que têm a Deus, rezam numa corrente de fé, ou como a líder
pronuncia, todos estão para rezar pelo problema não deles, mas pelos dos outros, e assim é
estabelecida uma corrente de oração. Os frequentadores e os carismáticos, num processo que
envolve algo a mais que apenas o alimento espiritual através das palavras bíblicas, trabalham
com o corpo, sentem-se soltos, livres, uns talvez tímidos, outros desinibidos, mas felizes por
esse toque, por essa proximidade quase impossível no cotidiano.
A emoção é reintroduzida no catolicismo através dos rituais. Eles se realizam por
poderem contemplar olhos nos olhos os ‘irmãos’, sem o medo tão comum do cotidiano,
‘[...]os compromissos com rostos que põem atores leigos em relações de confiança, envolvem
comumente exibições de confiabilidade e integridade manifestas, associadas a uma atitude de
aja-como-de-hábito, ou de auto-confiança’ (GIDDENS, 1991, p. 89).
Depois desse processo de reconhecimento, outro aspecto simbólico importante é a
imposição das mãos, essa era a forma com que Jesus curava e abençoava as pessoas, os
doentes procuravam tocá-lo, ‘porque dele saía uma força que a todos curava’ (Lc 6,19), e é
este mesmo gesto que representa a força do Espírito Santo naquele instante do Grupo de
Oração. Os carismáticos, através da imposição das mãos, recebem e distribuem bênçãos,
realizam orações e o mais importante, é pelas mãos, pelo toque no irmão, que se realiza a
mágica proximidade entre eles. É um toque sem medo de ofensa, é o reconhecimento do
outro, é a segurança de que necessitam para o cotidiano.
24
Durante um dos encontros entre coordenadores regionais, em Ibitinga, em 2007, no momento de avaliação do
trabalho desenvolvido pelos ministérios, o responsável pela música dos eventos da Comunidade Hesed, ressaltou
a necessidade deles serem os responsáveis pela animação dos grupos, uma vez que eles recepcionam os que
buscam acolhimento no Espírito Santo.
Essa divisão hierárquica é parte da organização vertical que existe na Renovação Carismática que funciona
somente como forma de orientação e formação. Existe um Conselho Nacional, depois, um Conselho Estadual e
um Conselho Diocesano, cada um com seu presidente (coordenador).
A hierarquia decorre de que os membros superiores fixam as diretrizes gerais do sistema e subordinam os
adeptos ao movimento a seguirem-nas, desta forma, buscou-se assegurar plena coerência interna ao sistema com
essa divisão de função.
Ainda dentro do Grupo de Oração, há outras subdivisões, que facilitam a organização das atividades e que se
dividem em ministérios, entre eles está o da música, da acolhida, da cura e intercessão, dos jovens, das crianças.
Assim são distribuídas as tarefas para a manutenção da comunidade.
42
2.3.3 As exigências carismáticas
A identidade assumida pelos carismáticos é marcada pelo antes, enquanto pecadores infiéis, e
pelo depois, já com suas almas renovadas pelo Espírito Santo. Essa linguagem é recorrente
nos discursos de todos que já passaram pela transformação de suas vidas:
O sofrimento de ser escrito pela lei do grupo vem estranhamente
acompanhado por um prazer, o de ser reconhecido, de se tornar uma palavra
identificável e legível numa ngua social, de ser mudado em fragmento de
um texto anônimo, de ser escrito numa simbólica sem dono e sem autor.
Cada impresso repete essa ambivalente experiência do corpo escrito pela lei
do outro. (CERTEAU, 1996, p.232).
Durante minha observação participante, era comum a líder dizer às pessoas em seus
discursos para manterem-se na e não darem importância às maledicências que são
proferidas contra eles, pedia para que os carismáticos persistissem diante dos obstáculos.
Desse modo, conforme Goffman analisa, o aprendizado do estigma é sonoro (GOFFMAN,
1982), e para a Renovação Carismática os que agridem seus membros são, na verdade, os
anormais, pois não vivem para a glória de Deus por intercessão do Espírito Santo
.
um
prazer em se sentir excluído da sociedade pela fé e ser reconhecido como um carismático.
O processo do antes e do depois, segundo o movimento carismático, é uma referência
à figura de Maria, pois ‘[...]com Maria abre-se um período absolutamente novo, a escatologia’
(BUCKER, 1995, p.270). A figura de Maria é importantíssima dentro do cristianismo, uma
vez que Deus não interferiu no destino de Jesus e preferiu que seu filho tivesse uma morte
infame, na cruz, para salvar a humanidade, porém o manteve distante da mácula do
nascimento pelo pecado do ato sexual. Ela é a Virgem perpétua: antes do parto, durante o
parto e depois do parto de Jesus Cristo.
Se Eva trouxe a perdição à humanidade através de seu ímpeto de desafiar o
desconhecido, Maria trouxe a redenção ao povo ao se colocar na posição de serva do Senhor.
Ou seja, existe um mundo antes de Maria, um período imerso no pecado, que pode ser
denominado o período de Eva, e o após Maria - o vetor de salvação da humanidade, no
momento em que aceitou, sem titubear, a missão que lhe foi imposta, e não se preocupou com
as provações pela qual passaria por trazer no ventre o filho de Deus.
Os carismáticos devem seguir o exemplo mariano, abraçar a cruz, optar pelo
sofrimento e, acima de tudo, seguir o exemplo da castidade, pois para eles, conforme o texto
43
das pessoas ligadas a Canção Nova, ‘[...]castidade não é castração, mas é cuidar do tesouro
que Deus nos deu’ (SÁ, 2003, p.68); ‘O sexo tem um sentido muito profundo; é o instrumento
da expressão do amor conjugal e da procriação. Toda vez que o sexo é usado antes ou fora do
casamento, de qualquer forma que seja, peca-se contra a castidade. A castidade é uma
virtude moral’ (DUNGA, 2009, negrito e sublinhado do texto);
também incutem nos jovens
uma visão nova sobre o amor, distante da sexualidade, com o objetivo de promover a
castidade,
Um casal de namorados que opta por viver a castidade nos pensamentos, no
olhar, nos gestos de carinho, nos toques, beijos e abraços, ao contrário do
que muitos querem nos fazer pensar, adquire cada vez mais equilíbrio, amor,
felicidade e respeito um pelo outro (FERNANDES, 2005, p.146).
Através desses discursos que condenam o exercício da sexualidade fora do sacramento
ou com o objetivo de atingir o prazer, os carismáticos incitam a discussão sobre o sexo, como
algo imoral, promovem o poder de conter os pensamentos e os posicionam no caminho da
santidade pregada pelo movimento.
Do ponto de vista foucaultiano, na História da Sexualidade 2 o uso dos prazeres, a
‘sexualidade’ é constituída por três eixos ‘a formação dos saberes que a ela se referem, os
sistemas de poder que regulam sua prática e as formas pelas quais os indivíduos podem e
devem se reconhecer como sujeitos dessa sexualidade’(FOUCAULT, 1984, p.10). Sob uma
interpretação foucaultiana, observa-se que os carismáticos produzem um saber negativo sobre
a sexualidade. Ricardo, em sua entrevista, evidenciou a forma negativa como o sexo é visto
pela sociedade quando a gente fala de sexo, de fazer amor, a pessoa fala no sentido de
corresponder o próprio ego, ninguém quer ver as consequências’ (entrevista nº6). Assim, as
normas devem ser seguidas pelos fiéis, sujeitos da sexualidade, para se manterem puros.
Desta forma, o poder do discurso interage no movimento, pois como Mons. Jonas comenta
‘ser casado não significa ter relações sexuais’ (ABIB, 2002, p.57); e Bel, em seu discurso,
demonstra a incorporação desse pensamento O fato de ficarmos juntos não é pra ter sexo,
é para nos unir mesmo, nem só de sexo vive um casamento’ (entrevista nº18).
Os discursos propagados pelos líderes das comunidades da Renovação são vozes
identificadas como carismáticas e determinam um conjunto quase homogêneo de
pensamentos e atitudes, com uma preleção moralizante, cerceadora da liberdade, do prazer e
da sexualidade dos corpos. Se antes, os fiéis eram ‘páginas’ em branco prontas para escrever
sensualmente a vida profana, agora, essas ‘páginas’ são tingidas pelo conjunto de valores
religiosos pregado pelos carismáticos, a tal ponto de castrá-los, exigindo a intenção da
44
reprodução para a prática do sexo, mas sob uma restrição: a exigência do matrimônio.
Qualquer desvio desse sacramento é um pecado.
O sexo para o cristianismo é associado ao mal, à queda, à morte. Assim, a
atribuição de um ‘[...]alto valor moral e espiritual que o cristianismo [...]teria atribuído à
abstinência rigorosa, à castidade permanente e à virgindade’(FOUCAULT, 1984, p.17). E a
Renovação, pela retomada do discurso tradicional, considera a castidade como suprema, o
sexo só é aceito se for com o objetivo da reprodução.
Castidade para mim é respeito. Tem homens que acham que a mulher é
pro prazer, e isso não é viver na castidade, não é respeitar a mulher. No
casamento tem que haver o respeito, o diálogo (Valéria, entrevista nº5).
O Pe. Fábio esexplicando que a Igreja é educadora e mãe, quando ela
proíbe o sexo, esapenas nos livrando do mal. Quando ele fala para não
fazer, não está proibindo o prazer, mas o sexo livre (Janaina, entrevista
nº13)
Ou como Prof. Felipe comenta,
Aos catorze anos, um padre salesiano me deu um livro chamado O brilho da
castidade. O Autor abordava o tema com muito entusiasmo, mostrava o
valor da castidade com muita competência e dizia que se tivesse de dar uma
medalha de ouro para um jovem que venceu com a castidade ou para outro
que ganhou uma grande batalha, ele preferia dar para o que vencera na
castidade (AQUINO, 2003, p.41)
E embasa a veracidade de seu pensamento em citações bíblicas,
Assim como Deus deu ao casal humano a missão de gerar os filhos ‘crescei
e multiplicai’ (Gen 1,28), tamm providenciou o sexo como instrumento de
procriação. E mais: para fortalecer a união e o amor do casal fez do sexo
também o meio mais profundo da manifestação do amor conjugal’
(AQUINO, 2008B).
E esse pensamento do sexo como um instrumento de procriação do prazer e
manifestação do amor está presente dentro do discurso carismático e proclamado pelos que
aderem à nova identidade,
Ele deu muito prazer, porque quando se faz sexo é muito prazeroso. Então,
você precisa ter responsabilidade. Você não pode estar fazendo com
anticoncepcional e não pode fazer antes do casamento, porque não é
permitido pela Igreja (Roberto, entrevista nº11).
E no nosso caso, a gente sempre pensou na hora de fazer filhos e até o
casamento da gente foi pensado. Por exemplo, o jovem hoje pensa que o
período de namoro é pra fazer sexo, de noivado é pior ainda. Então, a gente
vem de uma geração, que não era para essas coisas, era para conhecer com
quem a gente iria casar, com quem iríamos morar para o resto da vida
mesmo. Entre nós foram dados todos os passos direitinhos. Foi tudo num
período certo, numa época certa. (Renato, entrevista nº17).
45
Ou seja, dentro do movimento carismático o desejo de que cada indivíduo seja persuadido
a aceitar as regras do movimento, e assim manipulam através da tentação, da intimidação, da
sedução ou da provocação, com o claro intuito de seduzi-lo às graças promovidas por Deus.
Os carismáticos mantêm a posição da Igreja que vincula sexualidade e
procriação. Rejeitam as técnicas de controle da natalidade que não
impliquem em abstinência da sexualidade e combatem as campanhas de
prevenção de AIDS que estimulem o uso de preservativo (PRANDI, 1997,
p.136).
Este vínculo entre sexualidade e procriação esteve presente em diversas entrevistas, como no
discurso de Sérgio: Eu aceito que os filhos é Deus que conduz e não deve ser usado nenhum
método anticoncepcional. Deus a quantidade de filhos que cada um pode ter. Eu acredito
que Deus o necessário para sobreviver, indiferente do número de filhos’ (Entrevista nº8).
Sobre a questão dos preservativos não impedirem a DST(Doenças Sexualmente
Transmissíveis), os carismáticos têm um discurso baseado no saber médico,
muitos estudos publicados que fazem surgir dúvidas fundamentadas em
respeito à segurança» do uso do preservativo. Jacques Suaudeau, doutor
em Medicina, que seguiu de perto o debate e problema da AIDS na África,
tem um importante artigo em nosso «Lexicon» cheio de anotações
bibliográficas acerca do tema. Nós recebemos também notícias de um
relatório de grupos que representam 10.000 médicos que acusam o «Centre
for Disease Control» (CDC) nos Estados Unidos de ocultar a pesquisa do
próprio governo, a qual mostrava a «ineficácia dos preservativos para
prevenir a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis» (AQUINO,
2009, negrito do texto)
Assim, a preocupação de se pronunciar o discurso sobre o sexo, mas de uma forma
imoral, algo não digno de ultrapassar os limites do casamento e do objetivo da procriação,
como comenta Prof. Felipe,
‘tem dois sentidos: união do casal e procriação. tem sentido no
casamento. Fora dele traz problemas: gravidez precoce, filhos não
desejados, abortos, doenças venéreas, etc... A hora da vivência sexual não é
no namoro, é no casamento. Para tudo tem hora certa’ (AQUINO, 2009A).
Nesse momento, torna-se imprescindível retomar um conceito foucaultiano sobre essas
regras impressas através de aparelhos prescritivos.
Mas acontece também delas serem transmitidas de maneira difusa e, longe
de formarem um conjunto sistemático, constituírem um jogo complexo de
elementos que se compensam, se corrigem, se anulam em certos pontos,
46
permitindo, assim, compromissos ou escapatórias (
FOUCAULT
, 1984,
p.26).
E o movimento carismático é consciente dessas possíveis brechas de seus discursos nas quais
os fiéis podem escapar, pois conforme Jardim, ou mais conhecido como Eto, um dos co-
fundadores da Comunidade Canção Nova, comenta ‘É preciso evitar as ocasiões de pecado.
Não podemos amar o perigo’ (JARDIM, 2008)
.
Porém, esse processo de transformação das almas, acarreta a alteração das opções
pessoais. É estabelecido um portal simbólico, no qual as pessoas que passam pela primeira
vez têm contato com o Espírito Santo, espera-se que, aos poucos, se desliguem do cotidiano
pecaminoso, para alcançarem a meta final que é o caminho da santidade. Esse processo de
mudança é exemplificado por Dunga
25
, o criador do grupo Por Hoje Não vou pecar (PHN),
seja em palestras, seja na literatura carismática.
vinte e dois anos eu não conhecia Jesus, frequentava zona de
prostituição, fumava maconha, cheirava cocaína, saía com uma e com outra.
Vim do submundo, não querendo ser macho, mas homem. Fiz um propósito
com Deus; dois anos sem namorar, sem beijar na boca e sem ter relação
sexual, dos dezoito aos vinte anos. Com vida de oração, cumpri meu
propósito. Muitos pensam ser loucura, mas loucura é o que vivo hoje: sou
bem casado e tenho três filhos. Mas para alcançar o casamento que tenho, foi
necessário jejum, missas diárias... ia a para o trabalho ou de bicicleta,
orando em línguas (DUNGA, 2003, p.61).
Da mesma forma é cobrado a todos que almejam adentrar a Renovação, que estejam
livres da vida profana. Em todas as formas de discurso é ressaltada a necessidade de entrega a
Deus. Todos são aceitos, mesmo os que não guardam a virgindade, ou que eram dedicados a
outras seitas. Não importa o que se possa ter sido um dia para o movimento, a salvação do
fiel depende das atitudes a partir do momento do encontro com o Espírito Santo,
Você pode ser conduzido pelo Espírito Santo, guiado por Ele, orientado
passo a passo por Ele e experimentar o poder de Deus agindo por seu
intermédio. Seu corpo vai ser como um instrumento, no qual o Espírito
Santo toca. Você é o instrumento no qual o Espírito Santo toca. Você é o
instrumento, mas quem toca é a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, e a
melodia o mundo todo vai ouvir (ABIB, 2009).
A presença do Espírito Santo é sentida nas pessoas, como disse Maria, ‘quando vou ao
Grupo, fico pensando em várias pessoas que não vão e eu gostaria que elas estivessem
sentindo a mesma coisa boa que eu sinto, essa coisa maravilhosa de estar lá, participando’
25
Dunga é um nome da Comunidade Canção Nova ligado à juventude, ele é cantor e promove shows pelo Brasil
que levam a mensagem carismática.
47
(entrevista 2). Conforme análise de Benedetti ( 2001, p.59), ‘o verbo mais utilizado nas
entrevistas, depoimentos, palestras e cnicas de oração [...] [é] verbo fundante da expressão
religiosa. Sentir Deus via emoção equivale a certeza’. Essa certeza pode-se chamar de em
serem ouvidos em suas preces.
Esse pertencimento à comunidade carismática pode resultar no fim da liberdade.
Enfim, os carismáticos perdem a liberdade, mas acreditam que podem ganhar algo que
procuram incessantemente - o pertencer a uma comunidade. ‘Não ter comunidade significa
não ter proteção, alcançar a comunidade, se isto ocorrer, poderá em breve significar perder a
liberdade’ (BAUMAN, 2003, p.10). O fim da liberdade, ao menos frente à Comunidade, é
uma necessidade para adquirir a identidade carismática e assim se tornar um membro do
grupo; o controle dos carismáticos vai de vestimentas a controle social, já que os eventos
ocupam de forma integral os que absorveram a identidade carismática. Essa afirmação é
posssível devido ao controle exercido durante a pesquisa de campo, com a tentativa da minha
conversão; também foi observado que é realizada uma ‘avaliação’ do tempo a ser gasto com
as pessoas, com isso, a ponderação se elas poderiam ou não pertencer à comunidade
carismática.
Mesmo com inúmeras regras, normas, restrições, os carismáticos não se sentem
prejudicados quanto ao novo ônus da vida carismática. Pelo contrário, sentem–se enaltecidos
pela escolha e em suas dificuldades. A frase: ‘Deus proverá’, é repetida cotidianamente, pois
acreditam que estão no caminho da Salvação, e qualquer cobrança hoje será justificada pelas
glórias que obterão no dia do juízo final.
Às pessoas ligadas a esse movimento religioso, não basta apenas trazerem gravado de
forma interna a escolha, no cotidiano sempre têm atitudes que a reforçam, seja na intensa vida
religiosa, seja no cumprimento dos sacramentos. Feita a escolha, com novos comportamentos
assumidos, os fiéis carismáticos também ostentam símbolos que os diferenciam dos demais
como o terço, o Tau
26
- um símbolo franciscano, o crucifixo e as camisetas
27
.
Todos esses símbolos são comuns aos carismáticos, seja no dia do ritual, seja no dia-a-
dia; assim é marcada a corporificação ao se exteriorizar o pertencimento à Renovação,
resultado da junção da identidade social e pessoal, essa maquinária transforma os corpos
individuais em corpos sociais (CERTEAU, 1996, p.233). Essa é a forma das pessoas se
26
Apêndice C.
27
Por exemplo: ‘Sede Santo’, ‘E Deus viu que isso era bom’, ‘Nada é coincidência. Tudo é providência’,
Castidade Deus quer, você consegue’ ou do próprio grupo em pesquisa ‘Hesed – amor misericordioso’ entre
outros, além de imagens de Santos. É interessante ressaltar que as camisetas têm um designer bem jovem, fato
que estimula o uso da mesma, pois mesmo trazendo uma frase religiosa, também tem um estilo atual, como
demonstra as fotos do anexo B.
48
tornarem iguais frente a todos e frente à crença que possuem. Partilhar a mesma é apenas
algo interior, mas entre os carismáticos há a necessidade de exteriorizarem a escolha pela vida
com restrições e assim se considerarem parte de um único corpo social, a Renovação
Carismática Católica.
O simbolismo franciscano é interessante de ser explicado, pois São Francisco teve as
chagas de Cristo marcadas em seu corpo físico. Nos carismáticos, o processo das marcas
de Renovação em seus corpos e elas quase sempre são subjetivas. Em diversos sermões da
líder do grupo em estudo, foi pronunciada a necessidade da escolha pelo sofrimento na cruz.
Dessa forma, se entre eles não há as marcas no corpo físico, no corpo emocional, uma vez
que devem se privar de situações que possam lhe trazer prazer e se entregam às dores dessa
repressão consciente.
Outro ponto que os diferencia dos católicos considerados lights, é o estímulo à leitura
da Bíblia nos Grupos de Oração, pois a líder ressalta que, se as pessoas vão à busca da palavra
de Deus, devem estar sempre preparadas, com o livro Dele em suas mãos para, desse modo,
reconhecer o chamado divino. Porém, durante a reunião é proclamada uma passagem bíblica e
é interpretada pela líder, ou seja, não uma voz pura do evangelho, mas uma voz
reinterpretada.
49
3 RENOVAÇÃO – RETORNO À TRADIÇÃO
Como analisa Steil (2003), é importante para uma análise de gênero as referências explicitas
do comportamento moral do fiel, especialmente das mulheres, espelho do caos no mundo.
Porém, apesar desse controle moral não nascer especificamente junto com a moral cristã, foi
ela que estabeleceu os mecanismos de poder, capazes de controlar o desejo humano pelos
prazeres carnais. Esse poder foi denominado por Foucault como poder pastoral, uma categoria
de indivíduos totalmente específicos e singulares, que não se diferiam por seus status ou nível
de intelectualidade, mas pelo seu desempenho ‘do papel de condutores, de pastores em
relação aos outros indivíduos que são como suas ovelhas ou o seu rebanho’ (FOUCAULT,
2006A, p.65).
Dessa forma, a Igreja impôs à sociedade as normas morais a serem seguidas, através
da imposição do poder. Porém, hoje, o meio social segue-as com certa resistência, pois o fiel,
muitas vezes, não se submete ao controle moral da instituição, pois a fuga desse destino
através das brechas. Sendo que essa forma de poder, conforme análise weberiana, é a
probabilidade de impor a própria vontade numa relação social (WEBER, 1999, p.33), e está
sempre ligado a relação entre dominante e dominado.
Assim, a Igreja organiza a sociedade e cimenta sua base moral com seus discursos e
homilias moralizantes, a Instituição mostra-se como uma estrutura estruturante e estruturada.
As pessoas ligadas a ela se sentem como dignas de possuírem a palavra da verdade, ou
tomando emprestado um dos pensamentos de Bourdieu sobre a forma de usar as palavras,
[...]o mais importante talvez seja que o êxito destas operações de magia
social que são os atos de autoridade ou, o que vem a ser a mesma coisa, os
atos autorizados, está subordinado à conjunção de um conjunto sistemático
de condições interdependentes que compõem os rituais sociais
(BOURDIEU, 1998, p.107, itálico do texto).
Assim, a Igreja se estabelece como lugar possível das pessoas determinarem a autoridade
sobre os corpos dos fiéis e ‘se definem para satisfazer não à necessidade de vigiar, de
romper as comunicações perigosas, mas também de criar um espaço útil’(FOUCAULT, 1998,
p.123), o da negação do prazer.
A Renovação Carismática é um espaço no qual os carismáticos falam com autoridade
para cercear as pessoas, e também um lugar propício para estabelecer o desligamento, através
da culpa, das possíveis ligações com o prazer de origem sexual, considerado algo pecaminoso
50
na visão dos carismáticos, ou como Bourdieu (2002) analisa, o ato sexual em si, é concebido
pelos homens como uma forma de dominação, de apropriação, de posse do outro.
Tenho ouvido esposas que se queixam dos maridos que as obrigam a fazer o
que elas não querem e não aceitam no ato sexual. É uma violência obrigá-las
a isto. [...]É legítimo que o esposo prepare a esposa para que haja harmonia
sexual; isto é, ambos atingirem juntos o orgasmo. No entanto, não tem
sentido para o cristão, querer fazer estrepolias sexuais, como se tudo fosse
válido’, porque somos casados.
A moral católica ensina que aquilo que não está de acordo com a lei natural,
não está de acordo com a lei de Deus; isto é, é imoral. Será que é natural, por
exemplo, o sexo anal ou oral? É claro que não. [...]O casal não precisa disto;
mesmo porque jamais um filho poderá ser gerado desta forma; e sabemos
que a vivência sexual não pode se fechar à geração da vida, sob pena de
desvirtuá-lo (AQUINO, 2005A, p.57-58)
No entanto, a mudança de postura apenas acontece através de uma disciplina dos corpos, de
tal modo que pertençam a uma fila de produção, com o mesmo discurso e pensamento.
Esse processo de socialização ao qual as pessoas que se propõe a passarem ao optarem
pela renovação de suas vidas, através da inserção ao mundo carismático, determina
ironicamente, a reprodução de um sistema moral, que foi estabelecido através de uma relação
de poder ao qual os fiéis se submeteram, em prol das promessas de salvação.
A ‘disciplina’ não pode se identificar com uma instituição nem com um aparelho; ela é
um tipo de poder, uma modalidade para exercê-lo, no qual comporta todo um conjunto de
instrumentos, de técnicas de procedimentos, de níveis de aplicação, de alvos; ela é uma
‘física’ ou uma ‘anatomia’ do poder, uma tecnologia (FOUCAULT, 1998, p.177).
Porém, nessa administração dos pensamentos dos fiéis, é colocado em prática o cruel
exercício do poder, uma vez que os priva do direito da escolha pessoal da vida privada. Os
carismáticos restringem-se às normas como: permanecerem castos, evitarem situações
profanas de todas as espécies
28
, praticarem o sexo sem o uso de métodos contraceptivos, pois,
apenas pela possibilidade de gerarem mais filhos é que Deus deu o prazer dentro das relações
sexuais.
Torna-se interessante ressaltar que entre os fiéis da Renovação uma diferenciação
de gênero na forma de verificarem as normas, assim, uma distinção entre a forma como
cada um é cerceado, uma diferenciação de gênero quanto às regras.
28
As situações profanas mais comuns no meio social, as quais os fiéis do movimento são orientados a não
frequentarem, vão desde a liberdade da escolha de programas televisivos, a escolha de filmes, ou mesmo locais
nos quais há qualquer tipo de situação que o movimento perceba como ‘fruto do encardido’. Esses lugares
podem ser elencados como barzinhos, boates, locais nos quais as músicas podem trazer um palavreado que difira
do desejo cristão, ou então sirva bebidas alcoólicas.
51
3. 1 A voz silenciada e as novas formas de sociabilidade
O modo como homens e mulheres são tratados no movimento, na verdade, corresponde aos
anseios da tradição. No entanto, as mulheres sentem necessidade de maior visibilidade nos
meios sociais, já que conquistam espaços que antes privilegiavam apenas a presença
masculina. Com isso, elas passam a questionar também seus espaços dentro das estruturas
eclesiásticas, uma vez que representam a maioria dos frequentadores do ambiente religioso,
porém, como a estrutura foi feita por homens e é dirigida por eles, esse espaço é renegado a
elas e, por isso trazem à baila a discussão interligada sobre religião e relações de gênero.
A princípio, serão tecidas algumas análises sucintas, breves resumos, quase todos de
pesquisadoras, que se dedicaram ao debate, pois, conforme Franke (2001, tradução livre), é
necessário investigar o efeito simbólico da forma religiosa e a atribuição dos papéis de gênero
nos estudos da mulher na comunidade religiosa e seu ambiente cotidiano.
Na história da religião, houve uma hierarquização dos sexos, uma ocultação das
mulheres e a apropriação masculina do sagrado. Woodhead (2002) comenta que, apesar de
haver um senso comum da religião aplicável a todos, sem distinção, ‘[...]ela falha em
reconhecer que as mulheres não necessariamente ocupam o mesmo espaço social e tampouco
participam das mesmas instituições sociais como os homens, e que mesmo que o façam, elas
freqüentemente fazem de maneira diferente’ (WOODHEAD, 2002, p.1). A pesquisadora
pondera que as relações sociais nas religiões em geral, apesar de obscurecer a figura feminina,
oferecem outras manifestações com possibilidades delas articularem seus medos e desejos,
espaços antes restritos exclusivamente aos homens.
Assim, vê-se que elas são vistas no âmbito secundário na sociedade, e, ainda mais na
religião, com uma hierarquia machista, além de uma história patriarcalista. Porém, este estado
estático poderia ser alterado, pois o mundo contemporâneo é uma sociedade de risco em
franco processo de transformação, no qual as pessoas tendem a se adaptar às situações para
serem aceitas. E a religião oferece aos fiéis a segurança extinta na sociedade, e se esta não
acontece agora, é prometida para o depois da morte, junto a Deus. Desta forma, há, ao menos,
a esperança no amanhã e por essas promessas as pessoas se sujeitam a situações de controle
na vida.
52
Numa sociedade consumista, na qual as exigências para pertencer a um grupo vão
desde aceitar as normas até o poder financeiro dentro da relação, seja para o próprio sustento
ou para o compartilhamento das despesas, as mulheres começam a se inserir no mercado de
trabalho. Elas buscaram, primeiramente, trabalhos considerados adequados ao público
feminino, mas aos poucos, conquistaram o espaço no mercado de trabalho, fato que gerou
uma crise no papel masculino.
Aos homens, o poder econômico no meio familiar é considerado uma questão de
honra. Porém, as mulheres adentraram o mercado de trabalho e, com isso, houve um
excedente da mão de obra, consequentemente, a disputa pelas possibilidades de emprego. Fica
evidente essa questão na pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas, que apresenta os
seguintes dados, ‘[...]se em 1970 apenas 18% das mulheres brasileiras trabalhavam, chega-se
a 2002 com metade delas em atividade’ (FCC, 2008). Esta mudança de padrões ocasionou
uma queda no valor da mão de obra, ainda assim, manteve-se a diferenciação dos salários
correspondentes a diferenciação de gêneros, ou seja, as mulheres ainda têm uma remuneração
menor.
As mulheres ganham menos que os homens independentemente do setor de
atividade econômica em que trabalhem. No ramo da educação, saúde e
serviços pessoais, espaço de trabalho tradicionalmente feminizado, por
exemplo, encontraremos uma maior proporção de homens ( 30% versus 15%
de mulheres) com rendimentos superiores a 5 SM (FCC, 2008A).
A sociedade encontra-se em condições nas quais seus membros mudam num tempo
mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de
agir (BAUMAN, 2007). A instituição eclesiástica também sofreu alterações, seu corpo
eclesiástico adaptou o discurso católico ao processo modernizador, transformaram algumas de
suas verdades imutáveis; com isso, a Igreja Católica, frente aos novos desafios políticos e
ideológicos, além das mudanças substanciais na composição do corpo de fiéis, após o
Vaticano II passa a valorizar a presença das mulheres na sociedade religiosa, tendo em vista o
número expressivo de devotas e leigas.
No entanto, apesar das mulheres representarem a maioria nos bancos eclesiásticos, não
podem contestar ou conclamar a hierarquia masculina, ao menos de forma assumida. Ou seja,
mudas, elas prosseguem na perpetuação do espaço concedido a elas na sociedade, são
mulheres/mães, e muitas vezes restringem-se ao espaço privado para cuidar dos afazeres
53
domésticos e privam-se, em prol da salvação, dos prazeres carnais. Qualquer outra opção de
vida, do ponto de vista católico, é considerado um desvio.
Dessa forma, é possível analisar que se elas conquistam visibilidade na sociedade, por
outro lado, permanecem marcadas pelo estigma do instinto materno, que é ligado à vida
privada, ao ato de gerar e cuidar da prole; enquanto os homens guardam o estigma de serem
os portadores do instinto masculino, que justifica toda busca da satisfação sexual, a caça ao
prazer, o cuidar da satisfação profissional. A sociedade investe na naturalização deste
processo, e afirma que é natural a mulher ocupar o espaço doméstico, deixando livre para o
homem o espaço público (SAFFIOTI, 1987, p.11). Ou seja, ‘quando o indivíduo se apresenta
diante dos outros, seu desempenho tenderá a incorporar e exemplificar os valores oficialmente
reconhecidos pela sociedade e até realmente mais do que o comportamento do indivíduo
como um todo’ (GOFFMAN, 1985, p.41).
Nesse padrão de conduta são estabelecidas as relações de gênero, uma vez que homens
e mulheres possuem imagens e simbolismos diferenciados para corresponder aos papéis que a
sociedade atribui a eles, uma vez que devem manter uma determinada postura diante da
platéia, para não a decepcionar (GOFFMAN, 1985); conforme a pesquisadora Scott, ‘o gênero
é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre
os sexos, é um modo de dar significado às relações de poder’ (SCOTT, 1982, p.14).
A distinção entre sexo e gênero consiste ao primeiro referir-se como um fato biológico
da espécie mamífera, que se reproduz mediante a diferenciação sexual, enquanto o segundo
guarda a relação com os significados que cada sociedade atribui a este fato. E assim, o meio
social estabelece os padrões a serem seguidos pelos indivíduos. Os espaços são demarcados
com o consentimento quase inconsciente dos envolvidos, são conhecimentos adquiridos, que
indicam uma posição incorporada, quase postural. Dentro desse espaço se define o que é
normal e o que é anormal, uma intenção objetiva escondida debaixo da intenção declarada,
o querer dizer que é denunciado no que é declarado (BOURDIEU, 1998, p.73).
3.2 Família – reprodutora de conceitos
Dentro de um quadro conceitual feminista, a denúncia do carácter artificial
proposto pela sociedade da categoria mulher, que não é algo pronto e carregado de
naturalização, mas uma construção que se estabelece através da aprendizagem e repetição de
gestos, posturas e expressões que lhe são transmitidas ao longo da vida. Esses foram os
54
primeiros passos para a discussão, com a conscientização das diferenças entre os gêneros e a
elaboração do sentido da palavra: ‘gênero tanto é substituto para mulheres como é igualmente
utilizado para sugerir que a informação sobre o assunto ‘mulheres’ é necessariamente
informação sobre os homens, que um aplica o estudo do outro’ (SCOTT, 1990, p.7).
Uma pessoa apresenta simultaneamente uma identidade de gênero, que se constrói
conforme a socialização que recebe e a que se submete; uma identidade de classe, que tem
relação direta com situação financeira a que está submetida; e uma identidade étnico-social,
que dependerá das origens da pessoa. Essas três formas de identidade fazem parte de uma
‘categoria histórica’. Portanto, um sujeito apresenta várias subjetividades, diversas
variáveis que definirão a forma dele agir dentro do contexto social, sendo assim, um sério
risco do relativismo ser impregnado nas diversas teorias. Segundo Saffioti(1992), as
diferenças de conduta entre homens e mulheres são apreendidas no seio de uma cultura
androcêntrica, pois não há duas culturas, uma feminina e uma masculina.
[...] as diferenças visíveis entre os órgãos sexuais masculinos e femininos
são uma construção social que encontra seu princípio nos princípios de
divisão da razão androcêntrica, ela própria é fundamentada na divisão dos
estatutos sociais atribuídos ao homem e à mulher (BOURDIEU, 2002, p.24).
Gênero não pode ser tratado de forma isolada, é uma construção relacional entre
homens e mulheres, sem a interação não esse estudo. Assim, o conceito representa não um
indivíduo e sim uma relação, uma relação social de poder e dominação (LAURETIS, 1994).
Investigar os discursos carismáticos, e como eles estão carregados de orientações que
envolvem conceitos relativos às questões da dominação masculina e da submissão feminina é
uma forma de ampliar a visão do poder religioso e como é estabelecido o controle dos
corpos, em especial o feminino.
As representações de inferioridade feminina e superioridade masculina são inscritas
nos corpos cotidianamente, ‘o homem é considerado sagrado e constituído de autoridade,
assim como Deus na relação com os sujeitos religiosos’ (LEMOS, 2005, p.115), enquanto as
mulheres antes de serem sujeitos femininos, trazem consigo o quesito de ser mãe dentro do
imaginário da sociedade, ‘ser mãe é uma característica mais sagrada que ser mulher’
(LEMOS, 2005, p.117).
[...] o corpo tem existência própria e por isso independente das relações
mantidas com outros corpos, é um revestimento de pele que corresponde a
um princípio de individuação, enquanto a alma atua como um princípio de
subjetivação, conferindo faculdades que são ao mesmo tempo psicológicas,
55
sociológicas e intelectuais como: consciência de si e de outrem, linguagem,
pensamento, sociabilidade
(LIMA, 2002, p.13).
Entrecruzar gênero e religião, como enfatiza a pesquisadora Souza, é discutir
transformações sociais, relações de poder, de classe, de gênero, de raça/etnia, é adentrar num
complexo sistema de trocas simbólicas, de jogos de interesse, na dinâmica da oferta e da
procura, é deparar-se com um sistema sócio-cultural permanentemente redesenhado que, de
forma contínua, redesenha as sociedades (SOUZA, 2004, p.122-3).
3.2.1 O papel da mulher
Questões que envolvem as relações de gênero na Igreja, durante culos, permanecem
apagadas ou obscurecidas. Segundo uma pesquisa realizada no estado de Santa Catarina, de
setembro de 2007 a junho de 2008
29
, sobre o ensino religioso nas graduações de Ciências da
Religião, foi constatado que não há dentro da grade curricular qualquer disciplina que envolva
o conteúdo de gênero e sexualidade. Pautando-se nessa pesquisa, que se restringe a um estado
considerado uma referência do ensino religioso no Brasil, torna-se possível afirmar que a
religião prefere não discutir essas questões, pois podem fazer com que os fiéis repensem nos
seus dogmas e contestem a visão patriarcal.
Apesar de não trabalhar essas relações de gênero, algumas questões se mostram
evidentes quando a Igreja ratifica a submissão feminina, a necessidade de ser mãe e a
restrição da sexualidade das mulheres. Isso demonstra que o significado de ‘construir um
silêncio sobre a sexualidade, negá-la sob um corpo, que se aparenta assexuado, não é senão
afirmá-la em sua plena operacionalidade, em seu pleno exercício de poder e controle sobre os
sujeitos’ (MUNIZ, 2002). Desse modo, a Igreja se cala, mas evidencia o perigo desse viés,
que o corpo, segundo os carismáticos, é a forma que o ‘encardido’ pode chegar à alma, assim,
esse silêncio esconde e ao mesmo tempo evidência o perigo do pecado eminente.
As mulheres, desde o Gênesis, são vistas como fonte de pecado. Devido a isso, a
instituição religiosa reservou a elas um espaço, no qual possam ser controladas socialmente, a
esfera do privado. E a Igreja também faz parte desse mundo restrito, elas têm espaço
garantido nesse meio, afinal, são as responsáveis pela função de cuidar da espiritualidade da
família, além do meio eclesiástico ser um local de sociabilidade feminina; ‘a religião tornou-
29
Comunicação apresentada no Simpósio Internacional Fazendo Gênero 8 – Corpo Violência e Poder, no
Simpósio Temático ‘Religião, Gênero e Diversidade Sexual’, texto apresentado por Tânia Welter, sob o título
‘Ensino Religioso, Gênero e Sexualidade, em Santa Catarina, Brasil’.
56
se uma questão privada e não um problema público tornou-se, portanto, a esfera da mulher
por excelência’ (WOODHEAD, 2002, p.2). Graças a isso, as mulheres, em especial, as
brasileiras, vivem presas na ambigüidade do discurso progressista e dos modelos tradicionais
(CHACHAM; MAIA, 2004, p.85). Algumas delas até tentam romper com o único espaço
fornecido pela sociedade, a esfera privada:
O aumento da inserção da mulher no mercado de trabalho nas circunstâncias
econômicas em que ocorreu numa economia estagnada que limitou a geração
de empregos, colocou enormes dificuldades para elas na obtenção de
ocupações de qualidade. [...] Assim, a contribuição do trabalho da mulher
tem-se manifestado, mormente, na extensão do número de famílias que
passou a depender do seu trabalho para preservar a renda familiar (LEONE,
2000, p.89-0).
Porém, muitas ainda se sentem mais seguras frente a essa tradição e acomodam-se na função
de donas-de-casa, cuidando da prole.
A sociedade prega uma cultura que busca restringir as mulheres aos espaços
domésticos, exige delas um cuidado maior com os filhos, exemplo disso é o aumento dos dias
correspondentes à licença maternidade, que é justificada pela necessidade da mãe estar mais
próxima de suas crias; porém é esquecida a defasagem que terão nesses seis meses distantes
do trabalho e da dificuldade das empresas aceitarem-nas para preencher os quadros
funcionais. Assim elas se sucumbem a uma rigorosa divisão sexual do trabalho, e
desenvolvem uma economia totalmente voltada para os outros (BORDO, 1997).
Nas sociedades eclesiásticas, além dessa visibilidade restrita, ainda guardam a imagem
de poluidoras do sagrado, fato perceptível pela exclusão delas em algumas tarefas do poder
religioso, como a transubstanciação (ROSADO-NUNES, 1996). ‘A liturgia é reveladora: a
mulher atua apenas como assistente do padre ou permanece passiva, exceto quando falta o
padre ela pode então assumir algumas funções de pregar ou administrar o batismo’ (ANJOS,
1999, p.25). Elas, dentro do espaço religioso, são consideradas como meras usuárias das
dádivas divinas e se submetem ao intermediador masculino. A demarcação de espaços existe
na vida social em geral, porém nos meios eclesiásticos está em constante evidência, pois a
hierarquia é masculina. Conforme Perrot analisa, a função permitida às mulheres é a da
caridade, desde muito tempo, elas têm esse espaço como delas, visitar doentes,
prisioneiros. Desta forma, na sociedade são traçados itinerários do cuidado com os outros
(PERROT, 2005, p.280).
Scott (1990) analisa que os símbolos religiosos que envolvem as mulheres são
carregados de idéias escatológicas dicotômicas, mas que se complementam no imaginário
57
religioso: o Céu
30
tem Maria como representante feminina, a mulher que disse não ao pecado,
ela é a imagem da primeira mãe que se ajoelha diante do filho, desta forma, reconhece a
própria inferioridade, ‘é a suprema vitória masculina que se consuma no culto de Maria: é a
reabilitação da mulher pela realização de sua derrota’ (Beauvoir, 1980?, p. 215); e o Inferno
31
,
no qual Eva é o grande símbolo do pecado, a mulher profanadora do sagrado, a responsável
pelo ingresso da dor e do sofrimento no mundo, segundo o Gênesis. A pesquisadora Rosado-
Nunes (1992, p.12) analisa que ‘a Bíblia não é um livro neutro, mas uma arma política e
ideológica contra a luta de libertação das mulheres [...] traz a marca dos homens que a
escreveram e que jamais viram a Deus ou falaram com ele’.
As mulheres, ao seguirem o exemplo santo de Maria, são redimidas da imagem de
Eva, pois carregam um peso nos ombros por essa ‘mancha’ atribuída a elas, e também trazem
consigo o consolo e o auxílio, através da disciplina, do dever caridoso, oferecidos através da
redenção mariana. E veem com bons olhos este espaço privado concedido, ou, muitas vezes,
através dele têm a esperança de se tornarem grandes beneficiárias do processo pelo qual os
homens passam ao se converterem ou reconverterem’ às religiões. Por esse trabalho em
espiral das mulheres, com avanços e recuos, nos quais são ponderadas as melhores formas
delas alcançarem seus objetivos, os homens se tornam mais responsáveis pela família e
aprendem as virtudes cristãs do amor; mas apesar dessa dedicação ao lar, ainda assim eles
exercem o papel de dominadores, tanto no campo financeiro, quanto nas decisões das escolhas
dos rumos a tomarem; enquanto as mulheres naturalizam os instintos atribuídos a elas pela
sociedade, exercem as funções de e, dona-de-casa e esposa, ‘[...]enquanto a mulher for
definida universalmente em termos de um papel maternal e doméstico, esta será a origem de
sua subordinação universal’ (CIOMMO, 1999, p.43).
Dentro dos movimentos religiosos tradicionais, a compreensão delimitada dos espaços
femininos determinados pela sociedade patriarcal é aceita, pois, ‘a moral feminina se impõe,
sobretudo, através de uma disciplina incessante, relativa a todas as partes do corpo, e que se
faz lembrar e se exerce continuamente através da coação dos trajes, e ou penteados’
(BOURDIEU, 2002, p.39), e se o corpo pode expressar sensualidade, desejo e prazer, a
necessidade delas se submeterem ao controle social. Os corpos femininos que vestem o
habitus, imposto pela religião, carregam em si todas as premissas morais exigidas a uma
mulher, mostram que o corpo nunca está separado das mediações que lhe impõe um
significado cultural.
30
Grifo nosso.
31
Grifo nosso.
58
A Renovação Carismática Católica é um movimento religioso que tem o objetivo de
reforçar a identidade católica, uma vez que esta ficou fluída depois que a Igreja Católica
buscou entrar em sintonia com a modernidade. Defensora da moral e dos bons costumes, o
movimento carismático impõe de forma direta, sem eufemismos, as normas de conduta
pregadas pelo espaço sagrado, mesmo que esta instituição, com receio de afastar seus fiéis,
não tenha a mesma postura.
Maria, a referência de pureza, de ingenuidade, além de ser o ícone do movimento, é
intermediadora entre a humanidade e Deus. Para atender um pedido da mãe, Jesus fez seu
primeiro milagre, esse fato acontece na passagem Bíblica das Bodas de Caná (Jo 2, 1-10),
quando a mãe faz um pedido e Jesus responde: ‘Mulher, isso compete a nós? Minha hora
ainda não chegou’, mesmo assim ele atende ao pedido da mãe. Por isso, o movimento
proclama que primeiro os fiéis devem pedir a mãe, pois um pedido da mãe o filho não nega. É
um exemplo a ser seguido por todas as mulheres carismáticas, que devem se sentir orgulhosas
por exercerem a função materna e deixarem o emprego, em prol do bem estar da família.
Essa restrição, inicialmente, está ligada à amamentação da prole, pois esta relação
entre mãe e filho, os constantes cuidados e supervisão das crianças fazem com que as mães
sejam as pessoas mais indicadas para as tarefas relacionadas com seus bebês, de maneira
geral, como extensão das atividades de alimentação. Porém, esse ciclo acaba confinando-as ao
ambiente doméstico, pois, após o desmame da prole, a sociedade impõe a elas o dever de se
dedicarem com maior afinco à educação das crianças. Por essa visão, ainda é comum se ouvir
que os filhos têm uma melhor formação educacional com a mãe presente no lar.
Se aos homens competem deveres próprios do seu caráter masculino, do seu vigor e
tipo de trabalho, às mulheres são propostos labores domésticos compatíveis com a sua
estrutura feminina, dócil, maternal, sem qualquer sobrecarga para a sua economia emocional
por participarem do mercado de trabalho. Por isso, o culto a Maria é versátil, adaptável às
necessidades de cada sociedade, pois o sagrado feminino sempre exerceu fascínio e atraiu as
massas, que se comportam como filhos vulneráveis, muitas vezes errantes, que procuram
colo, compreensão, proteção, amor maternal.
Outro aspecto simbólico importante que a figura de Maria traz consigo é ser o
diferencial entre os movimentos protestantes e o católico ou ainda conforme Steil, um dos
fenômenos religiosos mais recorrentes desde a década de 80, no catolicismo é a aparição de
Nossa Senhora.
‘Videntes e mensageiros de Maria têm ocupado um lugar importante nas
franjas do catolicismo popular, nas mais das vezes associados ao Movimento Carismático
Católico, alcançando visibilidade na sociedade e uma presença constante na mídia’ (STEIL,
59
2003, p.19, sublinhado nosso). Entre essas aparições, há sempre o alerta das punições divinas,
o chamado à conversão dos pecados. Essas visões acontecem pelo aumento dos centros de
peregrinação, e estes sempre dirigidos por leigos. Maria é vista como a advogada da
humanidade junto a Deus e anunciadora das palavras divinas de salvação.
Ver em Maria um símbolo carismático estabelece um poder simbólico, ou seja, um
poder invisível que é exercido de forma mecânica, sem que a pessoa tenha consciência da
submissão às regras, pode ser definido como o poder de construção da realidade, que se
estabelece dentro do movimento através do poder mariano; ela é o exemplo de mulher a ser
seguido pelas carismáticas, que, por sua submissão, inibe as outras de meterem cunhas na
supremacia hierárquica masculina da Igreja e, assim, de gerar espaços de maior visibilidade.
‘A autoridade feminina vincula-se à valorização da mãe, num universo simbólico em
que a maternidade faz da mulher mulher, tornando-a reconhecida como tal, senão ela será
uma potencialidade, algo que não se completou’ (SARTI, 2005, p.64). Ou seja, às mulheres é
atribuído o instinto materno, e a figura mariana concentra dois grandes poderes simbólicos, é
a virgem/mãe perfeita; com isso, as mulheres carismáticas, se não podem ser virgens, devem
se manter castas, terem no sexo apenas um meio de procriação.
Como analisa Rosado-Nunes, no campo católico, por exemplo, o uso genérico de
categorias como clero, sem explicitar o fato de que se referem a um grupo exclusivamente
masculino, impede a análise das relações de poder que presidem a organização dessa
instituição religiosa (ROSADO-NUNES, 2001, p.91).
uma estreita relação entre religião e família, pois é no interior dessa que ocorre a
socialização moral no indivíduo. ‘Por isso, as religiões costumam assumir a moral familiar
com olhares da ordem social mais ampla e adotam a família como mbolo de estabilidade
moral e social’(MACHADO, 1996, p.35). Porém, o meio familiar com o advento da
modernidade abrandou a função socializadora dos integrantes, tudo isso, pelo fato do
enfraquecimento da autoridade paterna e engajamento das mães no mercado de trabalho. Sob
o pretexto do enfraquecimento do modelo familiar, a Igreja buscou fortalecer ainda mais os
lugares das mulheres na família, ao reproduzir seus discursos e práticas, a divisão sexual do
trabalho e os papéis de guardiãs e transmissoras de costumes e normas na educação de sua
prole.
uma persistência na conservação destes papéis na sociedade e a Igreja é uma das
instituições sociais que se encarrega de transmitir este modelo, a exemplo do discurso
60
carismático. Pode-se verificar a persistência desse papel feminino, na história de Maria
Adamo (2009, negrito e itálico do texto, sublinhado nosso), em um blog da Canção Nova:
No início do ano de 1986 eu tinha um bom emprego— treze anos de serviço
em um banco — havia sido transferida de departamento, mas não estava bem
interiormente; sentia-me insatisfeita com meu trabalho. Na quinta-feira Santa
fui me confessar e a orientação do padre para mim foi decisiva: eu deveria
descobrir qual era a vontade de Deus para a minha vida.
[...]
A partir daquela Páscoa fui sentindo algo mudar em mim. A idéia de parar
de trabalhar no banco parecia loucura aos olhos do mundo e aos meus
próprios olhos também. Começava uma batalha interior. De um lado, meus
planos de não ser uma secretária, mas uma gerente do banco, uma mulher
executiva (queria poder ter uma casa na praia, talvez um sítio, queria ter
sempre mais… ter). E do outro lado estavam os planos de Deus para que eu
parasse de trabalhar tanto e assumisse minha vocação como esposa e mãe,
submissa ao meu marido, formadora, educadora e administradora do meu lar.
Era mudar da corrida do “ter” para a do “ser”. Era abandonar uma
mentalidade do mundo que estava me levando a ser uma mulher
independente e moderna, para ser uma mulher submissa à vontade de Deus.
Então, pedi a Deus que Ele fosse direto e claro para me convencer de Sua
vontade; e em oração, Ele me revelou as três Palavras seguintes: “Tens
filhos? Educa-os (Ecl 7,25).Meu filho Felipe, então com quase dois anos,
ficava no berçário o dia todo. Eu o levava logo cedinho, antes de sair para o
banco, e retornava para buscá-lo por volta das 19 horas já de banho tomado e
devidamente alimentado. O berçário era dirigido por profissionais muito
competentes, enfermeira, nutricionistas e tudo o mais. Todas as noites, ao
buscá-lo, eu recebia um relatório escrito das atividades desenvolvidas
naquele dia e ficava sabendo de tudo que o Felipe havia feito, como tinha
sido alimentado ou o que tinha aprendido. “Eis o que diz o Senhor: Põe em
ordem a tua casa” (2Rs 20,1).
[...]
“Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas
coisas vos serão dadas em acréscimo. Não vos preocupeis, pois, com o dia
de amanhã: o dia de amanhã terá as suas preocupações próprias. A cada
dia basta o seu cuidado” (Mt 6,33-34).
Esta Palavra foi a resposta de Deus para o meu questionamento de como
seria a nossa vida sem o meu salário, pois eu ganhava muito bem no banco
(quase a mesma quantia do meu marido), jantávamos ou almoçávamos
freqüentemente em restaurantes. Viajávamos todo ano nas férias, nos
hospedando em bons hotéis. Fazíamos longos e caros passeios nos feriados
prolongados. Eu comprava roupas da moda em boutiques a cada nova
estação. Chegava em casa com sacolas e mais sacolas de roupa e separava
algumas que já estavam no guarda-roupa para dar.
[...]
As pessoas costumam dizer: “Eu era feliz e não sabia”. Mas eu digo: “Eu era
infeliz e o sabia”, pois é feliz quem faz a vontade de Deus! Mas Jesus,
meu amigo de sempre, me deu coragem, determinação e forças para romper
com tudo isso e dar uma “virada de 180 graus”, começando por deixar meu
trabalho no banco. Quando apresentei meu pedido de demissão, causei
impacto na empresa; uma amiga me disse que não entendia como eu, uma
mulher tão dinâmica, agora iria ser dona-de-casa. Então, fui chamada ao
61
Departamento de Recursos Humanos, onde recebi uma proposta de
transferência como secretária para outra área, com mais benefícios. Eu disse
que iria pensar, mas na verdade, queria mesmo era consultar o Senhor. Ainda
naquele dia, na minha oração da noite, pedi a Jesus que me desse a resposta.
Abri a Bíblia e li esta Palavra: “Cumpri vossa tarefa antes que o tempo
passe e, no devido tempo, Ele vos dará a recompensa” (Eclo 51,38). A
tarefa que o Senhor havia me dado era sair do meu emprego. Então, no dia
seguinte, disse à pessoa que me havia feito a proposta que não queria mesmo
a transferência, e sim a demissão. O banco acertou minhas contas, liberou o
meu fundo de garantia e ainda me concedeu uma gratificação especial de
quatro meses de salário integral. E pelo poder da Palavra de Deus trabalhei
até o dia 30 de junho de 1986.
[...]
Maria Adamo pode ser considerada como um exemplo a ser seguido pelas mulheres
carismáticas, ao menos em seus discurso ela assume um tipo ideal, pois ela abdica da vida
profissional, em prol de sua família. Dentro da visão tradicional, o se preocupar com a
‘carreira’ é uma questão destinada aos homens, que se trata de uma visão pouco feminina,
uma vez que carreira e o cuidado com o lar, com a prole, não alcançam consonância dentro
dos olhares da sociedade. Dedicar ao trabalho, muitas vezes pode significar o fim de um
casamento, a convivência com outras pessoas, a possibilidade de surgir outras formas de
visões de mundo.
Essa situação é um dos fatores que as restringem aos papéis secundários no mercado
de trabalho; uma vez que a maternidade é, sem dúvida, o que mais interfere no ganha-pão
feminino quando os filhos são pequenos (BRUSCHINI, 2000, p.19), pois elas param sua vida
profissional e a possibilidade de ascensão no trabalho em prol de cuidar da descendência.
‘O trabalho das mulheres é muitas vezes banalizado, ignorado e subvalorizado, tanto
em termos econômicos como políticos. Não se diz trabalham quando ‘apenas’ tomam conta
da casa e dos filhos’ (HUBBARD, 1993, 21). Deste modo, as mulheres sofrem preconceitos
se elas deixam sua família para cuidarem da vida profissional e o mesmo acontece se fazem o
inverso. Quem trabalha é considerada imprudente com a família e o seu salário é visto como
um auxílio na renda doméstica, e as que ficam em casa e cuidam das tarefas domésticas, não
fazem nada além da obrigação, não é levada em conta a mais valia da economia pela não
terceirização dos serviços.
Com o compasso da modernidade e o número significativo de mulheres que se
tornaram as responsáveis pelo sustento da família, por serem abandonadas pelos pais dos
filhos, transformaram-se, mesmo contra os princípios eclesiásticos, as chefes do lar. Estas se
responsabilizaram pela manutenção do sustento da família, além da educação dos filhos, com
isso, dispensaram a necessidade de um homem para o comando do lar.
62
Segundo os carismáticos, esses mesmos filhos sem pais são como condenados pela
vida, pois além de não terem o carinho paterno, segundo Prof. Felipe, por serem carentes, se
entregaram ao crime,
[...]Muitos e muitos rapazes têm gerado seus filhos, sem o menor amor,
compromisso e responsabilidade, buscando apenas o prazer sexual de suas
relações com uma moça; que depois é abandonada, vergonhosamente,
deixando que ela “se vire” para criar o seu filho como puder. [...]
Mas a criança é criada sem o pai; a metade de sua educação podemos dizer
que está comprometida; pois ela nunca experimentará o colo e os braços de
um verdadeiro pai que a embale. Isso tem sérias consequências na vida dos
jovens e adultos. Muitos deles, os mais carentes, acabam nas ruas e na
marginalidade do crime, assaltos, roubos, drogas… cadeia. (AQUINO,
2009B).
Na visão carismática, as crianças necessitam da família, mãe e pai, pois a falta do pai trará
uma vida predestinada ao fracasso, seria como se não houvesse escapatória.
‘A acelerada transformação da situação da mulher na sociedade brasileira decorre, em
grande parte, de sua crescente contribuição monetária na manutenção do núcleo familiar, em
especial nas famílias mais pobres’ (MONTAGNER, 2000, p.166). No entanto, o trabalho
feminino, mesmo, muitas vezes, sendo imprescindível ao sustento da família, infelizmente, é
visto como menor, pois as mulheres que trabalham tendem, às vezes, elas próprias a
nomearem sua mais valia, como uma mera ajuda nas despesas, e não como uma forma de
partilha das contas domésticas.
Outro ponto que reproduz a diferenciação entre os gêneros é a questão das
responsabilidades quanto ao cuidado da prole. Se os homens abandonarem as mulheres,
mesmo estando grávidas, é algo normal, porém a elas não opção, que a sociedade
condena a interrupção da gravidez, mesmo quando risco de vida à mãe e/ou à prole. Ou
seja, o olhar que a sociedade lança a elas é diferente, pois se eles podem tudo, elas são
obrigadas a aceitarem tudo. As famílias ainda trazem consigo a ideia de que enquanto suas
filhas devem permanecer em casa e castas, seus filhos devem estar à solta provando dos
prazeres, assim quando se casarem, não terão mais curiosidade de saber como é a vida
mundana.
As mulheres movidas pela necessidade de complementar a renda familiar ou às vezes
impulsionadas pela escolaridade, tendem a ter um menor número de filhos, provocando,
assim, mudanças na identidade feminina e nas relações familiares (BRUSCHINI, 2000, p.17).
O perfil feminino tradicional é o de ‘auxiliar’ nas despesas e ser sacrificada por não se dedicar
de forma exclusiva ao lar, e este é um padrão transmitido através das mães. Na sociedade,
um investimento na naturalização deste processo, pois ‘a maioria das mulheres é constituída
63
por machistas, que acreditam na sua inferioridade e na superioridade masculina’ (SAFFIOTI,
1987, p.68).
Ainda assim, muitas responsáveis diretas pela educação dos filhos, mesmo com a
posição contrária da sociedade, terceirizam o dever de cuidar e educar a prole, ou, em muitos
casos, atribui aos filhos mais velhos a função de cuidar dos irmãos mais novos. Esta postura
representa muitas vezes a entrega ao pecado, pois a redenção, segundo a Igreja, é partilhar
com Deus o projeto de procriar e cuidar da família, pois ‘a mãe é a personagem mais
importante da família atual [...] exerce uma autoridade vinculada à ideia de ‘reserva moral’ da
família’ (PORTO, 2004, p.141).
Sarti, em seu trabalho sobre a compreensão da moral das pessoas de baixa renda,
analisa que ‘[a] capacidade do trabalho torna-se o meio através do qual a mulher pode reparar
seu erro, mostrando que é digna do respeito conferido ao homem neste código moral. O
trabalho para sustentar o filho redime a mulher, que se torna e/provedora’ (SARTI, 2005,
p.76, itálico do texto). E as mulheres têm deixado a visão moral eclesiástica, por necessidade,
como demonstra a pesquisa do IBGE; no censo de 2000 havia mais de 21 milhões de
mulheres provedoras do lar, sendo que metade dessas mulheres vivia sem seus cônjuges. São
números expressivos, e se for pautada a visão carismática expressa pelo Prof. Felipe, uma
tendência em aumentar a criminalidade no país. A líder da comunidade concorda com essa
afirmação, e ainda complementa que o destino dela tenderá a ser de sofrimento, se não se
entregar às drogas ou ao crime, entregar-se-á ao sofrimento e pagará por uma culpa da mãe,
Agora quando a criança pode ter e não tem um pai, a coisa piora. Pode
notar filho de mãe solteira, todo mundo tem dó, as pessoas dão as coisas e a
criança começa a ficar cheia de gostos, mas chegará uma hora que sentirá
um vazio. Por isso, precisa de muito joelho no chão a mãe que entendeu o
mal que fez, muito joelho, muita oração pra essa pessoa não desembocar
numa prostituição, numa droga, numa bagunça, e ser infeliz. Vamos supor a
pessoa não cai em prostituição nem drogas, mas vai e casa com uma moça
que não era plano de Deus. Aquela moça não correspondente aos desígnios,
daí o rapaz não larga e vive sofrendo a vida inteira, não existe um
casamento, mas o sofrimento por causa de um pecado que ficou atrás.
Não adianta o dia no qual os homens poderem fazer tudo sozinhos, Deus
não precisa mais existir. Não adianta, todo o pecado tem uma consequência,
tem o perdão, mas tem a consequência.
A Renovação Carismática tem como meta seguir regras eclesiásticas à risca, e
promove entre os fiéis o modelo ideal de família, nascido no século XIX, tal como Lauretis
(1994, p.216) criticou: ‘um casamento estável, uma mãe voltada ao lar, ocupada com a
64
educação das crianças e despreocupada das questões econômicas, delegadas à autoridade
paterna’. Esse controle exercido pela família torna ‘a sexualidade [...] cuidadosamente
encerrada. Muda-se para dentro da casa. A família conjugal a confisca. E absorve-a,
inteiramente, na seriedade da função de reproduzir. Em torno do sexo se cala. O casal,
legítimo e procriador, dita a lei’ (FOUCAULT, 1988, p. 10).
A família é vista pelo movimento como a geradora de novos carismáticos, qualquer
desvio gerará o fim dessa possibilidade. Mães que trabalham ou pais que abandonam seus
filhos tornam-se expressões negativas. Desse modo, percebe-se que o movimento, apesar de
seu franco crescimento entre a população desesperançosa, que busca um auxílio divino, ou ao
menos uma justificativa para os sofrimentos, traz conceitos que tendem a se enquadrar dentro
de uma minoria da população brasileira. Todavia, se utilizada a ferramenta que veracidade
aos discursos religiosos, as citações bíblicas, nota-se que está escrito, ‘Disse, então, aos seus
discípulos: A messe é grande, mas os operários são poucos’ (Mt 9, 37)
.
Ao impor aos indivíduos regras de como exercerem a sexualidade, a Renovação
cumpre o controle e o poder sobre os fiéis, e por falar em nome de uma entidade mística,
Deus, as regras são inquestionáveis a quem deseja seguir uma vida dentro dos padrões
religiosos e angariar a salvação da alma. Esse exercício do poder, através do discurso dos
carismáticos, se pela crença na legitimidade das palavras e na em quem as pronuncia,
que a competência é de quem as pronuncia e não da veracidade das próprias palavras
(BOURDIEU, 1998).
O casamento é o acesso da humanidade ao projeto de família e o passaporte das
mulheres para a situação de mais evidência numa relação, além de ‘o casamento legítimo e a
vontade de procriação são defesas contra os malefícios do erotismo’ (BEAUVOIR, 1980?,
p.212). Casadas, elas conservam-se distantes dos prejuízos que o corpo pode trazer à alma,
pois esse é o meio pelo qual o diabo atinge os fiéis. Dentro do sacramento do matrimônio, as
mulheres se veem sujeitas à obrigação de procriar e dar continuidade às gerações de ‘seus’
maridos, além da sociedade verem-nas como a alma da família, a responsável pelo equilíbrio
da relação.
Porém, torna-se profícuo ponderar uma questão analisada por Castells (2006,p.39), a
de que a prole de uma família nasce do ‘pecado’, fato que torna essencial à família educá-la
temente a Deus e obediente à autoridade do pai e da mãe.Ou seja, o exercício da sexualidade é
visto sempre com o vulto de pecado e só pode assumir um valor cristão se voltado ao objetivo
da procriação. Com esse discurso, segundo análise foucaultiana, esse poder religioso produz
65
significados, valores, conhecimentos e coíbem as pessoas de exercerem a sexualidade de
forma livre de preconceitos (FOUCAULT, 1988), pois estabelece uma disciplina.
Os fiéis sentem-se vigiados e coibidos, pois a idéia de um Deus onipotente e
onipresente os faz se sentirem em constante vigilância, um efeito próximo do Panóptico, que
induz o detento, neste caso o fiel, a um estado consciente e permanente de visibilidade que
assegura o funcionamento automático do poder (FOUCAULT, 1998, p.166). Ou, conforme a
releitura desse conceito foucaultiano realizada por Bauman, o princípio essencial do
Panóptico é a crença dos internos [fiéis] de que estão sob observação contínua e de que
nenhum afastamento da rotina, por minúsculo e trivial que seja, não passará desapercebido
(BAUMAN, 2003, p.35).
Beauvoir pondera que é impossível obrigar uma mulher ser mãe, tudo o que se pode
fazer é encerrá-la dentro de situações em que a maternidade é a única saída (BEAUVOIR,
1980?, p.79). Assim, a Renovação Carismática as encerra na obrigação de se casarem e
seguirem o modelo mariano de boas mães: ‘[...]a obrigatoriedade simbólica da reprodução é a
face mais perversa da opressão das mulheres’ (LEMOS, 2005, p.67). Esse desejo é cultivado
nas mulheres desde a infância, quando são educadas e estimuladas a brincarem de casinha, a
cuidarem de suas bonecas como se fossem suas filhas, ou seja, a sociedade estabelece que este
seja o destino e estimula esse desejo nas meninas. Essa educação é a responsável pela
formação dos bons hábitos e produz boas esposas, mães e donas de casa (PERROT, 2003,
p.22).
A sociedade consolida a dependência feminina, que corresponde à leitura da escritura
bíblica: ‘O Senhor Deus disse: ‘Não é bom que o homem esteja só; vou dar-lhe uma ajuda que
lhe seja adequada [...] mas não achava para ele uma ajuda que lhe fosse adequada’’ (Gn, 2 18-
20). Segundo Schmitt-Pantel (2003, p.150), ‘[...]esse termo geralmente é interpretado como
um sinal de inferioridade da mulher, como se esse “auxiliar” fosse registro de dependência ou
da escravidão’. E dentro da família, essas relações de dependência ficam mais alicerçadas, já
que as mães transmitem às gerações esses mesmos valores, como filhas serem sensíveis às
necessidades dos outros, responsáveis pelo cuidado com a família, com os relacionamentos,
enquanto os filhos se privilegiam pela lógica, a racionalidade dos acontecimentos
(GILLIGAN, 1982).
A criação dada às meninas pelas mães reflete a violência simbólica presente no
discurso da Renovação Carismática, uma vez que são orientadas desde pequenas sobre o
modo de se comportar e aceitam de forma inconsciente essa ‘obrigação’ social. Elas não têm a
chance de uma possível escolha, são educadas a se submeterem a regras. Essas restrições
66
apenas refletem os valores da sociedade a qual elas estão submetidas. Dessa forma, pode-se
ver que ‘a ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica que tende a ratificar a
dominação masculina sobre a qual se alicerça’. (BOURDIEU, 2002, p.18).
Esse discurso apenas reafirma as relações de poder presentes no conceito de gênero, e
se mostra reforçado nos manuais carismáticos que orientam sobre a sexualidade dos jovens
32
,
no qual é ensinada a forma de educação que homens e mulheres devem ter para a formação de
uma família. E para tanto, as mulheres devem se manter puras, distantes dos problemas e das
tentações do mundo exterior – o mundo do trabalho – que deve ser encargo apenas deles, pois
mesmo quando exercem o famoso emprego de ‘meio período’, ainda assim, elas encontram
dificuldades para se dedicar o suficiente à família.
Bel, uma mulher com os dois filhos adultos, formada em Letras, mas que nunca
exerceu sua profissão, restringiu-se a ser uma dona de casa, avaliou que a principal questão
entre o casal é o equilíbrio e pondera que,
Se eu voltasse hoje atrás, talvez trabalhasse meio período. Mas ainda assim,
não me arrependo, a criação dos meus filhos foi ótima, foi uma renúncia
maravilhosa. Quando eu converso com minhas amigas mais novas, digo que
elas nunca devem deixar de trabalhar, devem optar por um serviço de ao
menos meio período (Entrevista nº18).
De certa forma, essa mudança quanto às orientações demonstra certo arrependimento, mas
também ainda permanece o reforço do ideal feminino, ser a responsável pela boa educação da
prole.
O ideal seria as mulheres se restringirem à vida privada silenciosa, assim não se
conscientizariam da opressão em que vivem, fato que abalaria a legitimidade da dominação
masculina, porém ao exercerem a inteligência e o poder de sociabilidade, comum aos homens,
elas também acabam tendo maior poder de barganha no relacionamento. Com isso, passa a ser
recusado às mulheres o direito da vida pública, pois ‘[...]sobre elas pesa uma dupla proibição,
cidadã e religiosa. Pitágoras e São Paulo dizem quase a mesma coisa: Que as mulheres se
calem nas assembléias’ (Epístola aos Coríntios)’ (PERROT, 1998, p. 464).
No entanto, há mulheres que não sucumbiram a esse papel. Apesar de todo esse
processo de submissão à dominação masculina, muitas escapam desse procedimento de
incorporação do símbolo social de mulher/mãe perfeita. Elas se debatem em busca de seus
32
Entre tantos, podemos citar alguns livros, como Namoro, Prof. Felipe Aquino; Jovens – formação afetiva e
sexual, Pe. Alírio José Pedrino; A luta pessoal para resolver problemas da vida íntima, Mons. Jonas Abib; Fala
sério! É proibido ser diferente?, Diego Fernandes; Homens e mulheres restaurados, Pe. Leo; O desafio de ser
jovem, Ziadi Joseph Esper.
67
espaços na sociedade, o mulheres que trabalham fora, seja com prestadoras de serviço, seja
como executivas, a marca do feminino nos espaços públicos, apesar de toda a
discriminação. Elas já não acatam de forma tão plácida o exemplo mariano de mãe dedicada e
muitas delas deixam sua prole nas mãos de terceiros para poderem ascender profissionalmente
ou para possibilitarem à família uma vida melhor ou até mesmo para evitarem uma vida pior.
A Renovação, preocupada com essas brechas que a sociedade fornece às mulheres e
pelo risco delas reescreverem suas funções dentro da família, estabelece que o
comprometimento familiar entre os fiéis carismáticos não se restringe às tarefas distribuídas
dentro da relação, há também a obrigatoriedade do casamento oficial, em especial o religioso,
como uma forma de restringir publicamente a sexualidade do casal; conforme Rosado-Nunes
(1996, p.77), ‘as famílias monogâmicas estáveis apresentam-se como o eixo de difusão da
católica e da moral cristã’.
A líder da comunidade em estudo, em sua entrevista citou o caso de uma mulher que
por causa da liberdade que independência financeira proporcionava, acabou destruindo a
família,
Eu conheci uma moça que estava no quarto casamento, e ela veio
confessar para mim, que tropeçou feio na vida. Fazia 14 anos que ela era
casada e a vida dela estava chata, só isso, não tinha nada, ela dizia que não
tinha mais prazer com o marido, todo dia era aquela mesma vidinha,
trabalhavam, voltavam pra casa, o sexo ficou uma coisa boba e ainda
tinham dois filhos para criar. E ela contou que começou a se desencantar
com aquilo e um dia chegou para o marido e disse que queria se separar;
ele quase caíram das pernas, e disse que o acreditava naquilo e ela
afirmou que queria isso mesmo, que queria se separar e queria viver a vida.
Quando ela me contou essa história ele deveria estar com 40 anos, 42 anos.
Daí ela se encantou com um colega de serviço, por que ela também
trabalhava, tinha sua renda, se ela fosse mais dependente do marido, ela
não faria isso, você vendo como a independência também gera o pecado.
Daí ela se encantou com um funcionário da prefeitura, da época do
Rubinho, ele era cabide de emprego, um moço até muito bonito, moreno de
olhos verdes, daí ela largou o marido e os filhos adolescentes e foi viver com
o rapaz.
Depois a reencontrei-a no grupo, mas sabe porquê ela foi? Por que ela
estava infeliz com o rapaz e com saudade da família, por isso foi fazer o
encontro de casais com o amante, ninguém sabia que era amante, pois
quando ela buscou se apoiar no sentido de família; ele sentiu a importância
da família e vontade de voltar pra casa dela, mas o marido tinha
arrumado outra.
3.3 A restrição ao prazer
68
A sexualidade tem sido associada à dimensão comportamental que os trabalhos de cunho
histórico e feminista tentam desconstruir. Conforme Scott (1990, p.8), ‘a sexualidade está
para o feminino assim como o trabalho está para o marxismo; é aquilo que mais nos pertence
e o que todavia nos é roubado’, pois através dela são apenas reproduzidas as regulamentações
comportamentais ditadas por autoridades temporais e atemporais, pelas quais são prescritas as
condutas desejáveis. Estes tabus foram estabelecidos ora pela Igreja, ora pela psiquiatria ou
ainda pela medicina.
Assim se estabelece como sexo bom e saudável, maduro, santo e legal, o praticado no
matrimônio com vistas à procriação (OROZCO, 2000). Através do que é anormal, estabelece-
se o que é normal, o sexo patológico ou as diversas formas de sexualidade, diferentes da
heterossexualidade, são condenáveis e exercidas pelo ‘encardido’, segundo a visão cristã.
Deste modo, se promove um padrão de sexualidade condizente às regras da Igreja, em
especial às da Renovação, que prega que o corpo é santo e não deve se entregar ao pecado,
sendo o ato íntimo apresentado aos fiéis como algo pecaminoso e sujo.
Dentro da Igreja Católica os fiéis são bipartidos, sendo formados pelo corpo e pela
alma. A leitura feita é a de que o ‘encardido’ utiliza-se do corpo para atingir a alma e o
condenar ao pecado, como foi relatado nas Escrituras, em Gênesis. Numa tentativa de
controle dos impulsos sexuais, dentro do contexto da Contra-Reforma, foi estabelecida a
necessidade constante dos fiéis nos confessionários, como uma forma de controle de sua vida
sexual (FOUCAULT, 1988), pois este sacramento é um ritual de discurso pelo qual o que os
fiéis falam deve coincidir com sujeito enunciado.
A generalização da confissão foi uma iniciativa do Concílio de Latrão IV, em 1215.
No entanto, em 1566, com o retorno do conceito dogmático do Catecismo Romano, a
obrigatoriedade da confissão era exigida a quem cometesse um pecado grave. No entanto,
não bastava apenas falar a superfície do pecado, a confissão tinha que ser completa ‘posição
respectiva dos parceiros, atitudes tomadas, gestos, toques, momento exato do prazer todo
um exame minucioso do ato sexual em sua própria execução’ (FOUCAULT, 1988, p.22), este
foi um meio de estabelecer o controle da sexualidade dos fiéis.
Pela tradição, a Igreja Católica estabelece um constante conflito com questões
referentes à sexualidade, prevendo a necessidade constante da confissão, como uma forma de
melhor regular a sexualidade de seus fiéis. ‘O cristianismo considera o sexo como algo
perigoso e destrutivo, as leis sobre os comportamentos sexuais incorporam a concepção
religiosa de que o sexo é um pecado que merece castigo’ (OROZCO, 2000, p.99).
69
O Concílio Pontifício para a Família estipulou orientações educativas quanto a
‘Sexualidade Humana’. No documento é relatada a forma como as famílias católicas sofrem
com as informações que são repassadas aos seus filhos, de forma individualista, sem levar em
conta os valores fundamentais da vida. uma crítica explícita às orientações sexuais dadas
nas escolas,
Então a escola, que se tornou disponível a desenvolver programas de
educação sexual, fê-lo muitas vezes substituindo-se à família e o mais das
vezes com intenções puramente informativas. Às vezes, chega-se a uma
verdadeira deformação das consciências. Os próprios pais, por causa da
dificuldade e da falta de preparação, renunciaram em muitos casos à sua
tarefa neste campo ou resolveram delegá-la noutra pessoa. (Sexualidade
Humana: Verdade e Significado, ¶ 1).
Nesse mesmo manual, é frisada a importância do cuidado com as roupas, com a forma de
falar e agir para criar um clima apropriado para a castidade. No 57 é pedido aos pais que
sejam o modelo aos filhos, pois se eles crescerem com o exemplo de respeito de intimidade
terão a mesma atitude frente aos outros.
A Igreja preocupa-se tanto com o controle dos atos íntimos dos fiéis, que mesmo que
ninguém se preocupe com a masturbação, que é um ato individual e privado, ainda assim a
Igreja o como um pecado grave (HUNT, 2004, p.80), como um modo de desequilíbrio
físico. A líder da Comunidade Hesed afirma que a masturbação é pecado, porque, o sexo tem
um objetivo, unir um casal e procriar, ele não é pra prazer. E a masturbação é um ato
egoísta, é você se masturbando para você sentir prazer’.
Entre os carismáticos, apenas a heterossexualidade é aceita, pois a homossexualidade é
um desvio, ‘no qual os jovens devem ser ajudados a distinguir os conceitos de normalidade e
de anomalia’ (Sexualidade Humana: Verdade e Significado, ¶ 104). Desta forma a Renovação
Carismática exerce as duas maneiras de poder sobre os homens, uma é a comunidade pura, e a
outra, a sociedade disciplinar, que se subentende como a obediência às normas. Deste modo,
quanto à questão da homossexualidade,
“Os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados. São
contrários à lei natural. Fecham o ato sexual ao dom da vida. Não procedem
de uma complementaridade afetiva e sexual verdadeira. Em caso algum
podem ser aprovados” (CEC, n. 2357). “Alguns concluem que a sua
tendência é de tal maneira natural que deve ser considerada como
justificante, para eles, das relações homossexuais numa sincera comunhão de
vida e de amor análoga ao matrimônio... Os atos de homossexualidade são
extrinsecamente desordenados e ... não podem, em hipótese nenhuma,
receber qualquer aprovação” (Congregação para a Doutrina da Fé, A
70
Pessoa humana. Declaração sobre alguns pontos de ética sexual, [29 de
dezembro de 1975], n. 8)
33
(sublinhado nosso).
Bento XVI, sobre o assunto, pondera que a relação homossexual está em contraste com a lei
moral natural, que por seu caráter amoral é nociva a um reto progresso da sociedade (Ibid).
No CD ‘Família Restaurada’, Pe. Leo comenta o absurdo, na opinião dele, de transitarem na
Câmara dos Deputados projetos que incentivem a união homossexual.
Ainda podem ser encontradas palavras mais duras da Renovação Carismática no
discurso do Prof. Felipe, sobre como ‘nada de homossexualismo, nada de masturbação isso
também é sexo fora do plano de Deus, que o Catecismo da Igreja é claro a respeito da
masturbação’ (AQUINO, 2003, p.42), ou ainda sobre o cuidado com os corpos,
Evitar as ocasiões que o fazem ficar excitado, jogando fora todas as revistas
e filmes pornográficos, cancelando a internet na sua casa se você não
consegue se conectar à internet sem deixar de navegar por sites
pornográficos. A única fuga heróica deste mundo é a fuga do pecado
(AQUINO, 2003, p.43).
Como se pode ver por essa citação, na Renovação o princípio de livre-arbítrio é um
diferencial, pois, na concepção do movimento, cada um adere ou não ao pecado, conforme
sua vontade. E os fiéis sentem que essa é uma forma de se entregarem a Deus, com escolhas
próprias, e não por ‘imposição’, ou seja, são eles que optam por se privarem dos prazeres
profanos. ‘O movimento carismático adota, defende e programa uma moralidade tradicional
centrada na família, na sexualidade e nos costumes estreitos da vida cotidiana’ (PRANDI,
1997, p.135).
Raquel, uma das entrevistadas na pesquisa, que se tornou carismática pouco mais
de 10 anos, afirma que antes de conhecer a Renovação usava métodos contraceptivos, ‘porque
não tinha o conhecimento’, depois que passou a ter conhecimento da palavra de Deus, não
tomou mais remédios por outros motivos. Porém, hoje, mesmo tendo a consciência do que
seja privar-se do sexo, antes do casamento, pois nem ela se privou em sua juventude, analisa
que,
[...] as pessoas devem estar muito ligadas na fé, porque está muito difícil
hoje ter 6, 7 filhos. Elas têm que ter muita fé pra renunciar o sexo por amor
a Deus. Acho que a pessoa tem que ter muito da fé, muito iluminado. Entre
os jovens acho que é muito difícil, pois está tudo muito liberado (Entrevista
nº9).
33
http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/family/documents/rc_pc_family_doc_20051007_trujill
o-synod_po.html
71
Essa ‘escolha’ pela salvação, durante as entrevistas foi citada por alguns fiéis, que
disseram que não faziam uso de contraceptivos. No entanto, um discurso pairou pela grande
maioria das falas, sobre o número de filhos que as filhas da líder tinham. Ambas as filhas têm,
cada uma 5 filhos. As opiniões foram diversas, desde ‘como foram abençoadas essas
meninas’, até a citação que uma delas tinha condições financeiras para seguir esse desígnio de
Deus. Em uma conversa informal, soube que uma delas havia realizado ligadura de trompas
devido a problemas de saúde, mas com autorização eclesiástica e a outra havia engravidado
do último filho utilizando o método Billings.
Sobre a questão desse método contraceptivo e a opinião sobre as filhas da líder, Nádia,
uma carismática, ainda solteira, afirmou
Por exemplo, elas [as filhas da líder], devem seguir a tabelinha, por isso têm
tantos filhos, é necessário fazer acordo com os maridos, mas isso só é
possível com marido companheiros, em casamento certinho. O método
Billings é ensinado. Inclusive tem uma senhora aqui em São Carlos que dá o
curso sobre o método. Um amigo meu faz e disse que é lindo, através do
curso aprendeu a observar as modificações hormonais da mulher, a pele, o
cabelo (Entrevista nº7).
No discurso eclesiástico, o ato sexual dentro do casamento tem a função unitiva e
procriativa, ou seja, se Deus instituiu o prazer durante o sexo foi com o objetivo de unir o
casal, e de incentivá-lo a povoar a terra. O sexo deve ser um meio para sentir o prazer, mas
este não deve ser o fim, pois a satisfação sexual é vista como uma compensação que o casal
tem para depois se dedicarem ao trabalho, considerado como sagrado, de cuidar de seus
filhos
34
. De posse dessas informações, percebe-se que a líder tem o cuidado de ter sua família
como um exemplo das normas. Essa é uma forma de pregar um discurso da verdade com mais
altivez, assim, estabelece um discurso modelar, apoiando-se em sua vida.
Em um dos sermões do Grupo de Oração, a líder disse que antes de conhecer a Deus,
preocupava-se em estar sempre com as mãos pintadas e cabelo arrumado, além de, nos finais
de semana, a caipirinha das festas ser preparada por ela, mas que depois que conheceu o
Espírito Santo, desvinculou-se dessas necessidades do mundo. Com essa fala, ela ressaltou
que as mulheres pecam ao usarem recursos os quais possam despertar os olhares masculinos e
assim a libido. Mais uma vez, as mulheres são consideradas ‘Evas’ por conseguirem levar os
‘Adãos’ ao pecado, assim apenas sendo ‘Marias’ elas podem alcançar a salvação.
34
As explicações sobre o ato sexual foi dada pelo Pe. Luis Cechinato, durante o curso bíblico que ministra aos
membros do Grupo de Oração Hesed, na casa da líder.
72
Dentro da Renovação, também é pregada à necessidade do sexo ser praticado apenas
no quarto do casal, que é considerado sagrado, por ter sido abençoado por Deus. Baseado
nessa premissa, Dunga, um evangelizador da Comunidade Canção Nova, com uma
personalidade moderna e irreverente, estabelece o diálogo com os jovens e os orienta,
conforme as normas carismáticas:
Muitas meninas são escravas de seus namorados; mesmo que recusem, eles
as levam ao motel, no quarto íntimo de Satanás. Isso é sexualidade
desequilibrada, chamo o quarto do motel de quintal do diabo, onde o inimigo
gosta de brincar, de matar almas.
Infelizmente, existem maridos que levam suas esposas, a mãe de seus filhos,
a rainha de seu lar, a mulher que amam, a motéis, onde já se deitaram
homem com homem, mulher com mulher, onde acontecem adultérios, ferem
o que é natural e alimentam uma sexualidade desequilibrada com fantasias,
violências, transformando em luxúria aquilo que Deus quer usar para gerar
filhos (DUNGA, 2003, p.61-2)
.
Um dos casais entrevistados na pesquisa relatou que frequentava motel. Mateus
(Entrevista nº15), o marido disse que por terem uma filha pequena, que dorme no mesmo
quarto, procuravam, às vezes, o motel para terem uma maior intimidade e mesmo para
conversarem sobre as questões domésticas, pois na casa moravam com a sogra, dessa forma
tinham uma intimidade restrita. Se a gente seguir as regras da Igreja, não se pode ir ao
motel. A gente vai, mas no íntimo eu sei que a Igreja não permite’. Esta fala demonstra que as
regras nem sempre são seguidas à risca, na intimidade ainda há possibilidades de brechas.
73
4 MULHERES – PECADO E SALVAÇÃO
Relações de gênero, como visto, denotam relações de poder entre os sexos e para Weber
(1999, p.33) ‘poder significa toda a probabilidade de impor a própria vontade numa relação
social’, de posse do poder a pessoa encontra a obediência do outro num determinado assunto e
a disciplina é a probabilidade de encontrar a obediência, sem resistência.
A Renovação Carismática se prima pela transformação da opção de vida de seus
seguidores; esse novo modo de ser é fruto da nova identidade que eles adquirem. Essa
identidade carismática foi citada por Bento XVI em seu discurso aos representantes da
comunidade
da Renovação Carismática Católica
35
, e é essa peculiaridade que se deseja apreender como se
a formação dessa identidade, que a princípio é permeada pelas relações de gênero, e o
porquê das pessoas aderirem às regras carismáticas. Por isso, a necessidade de compreensão
das diferenças entre os modelos sagrado e profano, para desse modo compreender o que
busca os adeptos carismáticos e quais são as provações a que estão submetidos.
Se as meninas são ensinadas a cuidarem de casas e almejarem realizar o sonho
encantado de casarem-se de véu e grinalda, como princesas, e assim deixarem de cuidar de
suas bonecas e passarem a cuidar de seus filhos, a sociedade vê esse destino como um instinto
nato das mulheres, o materno; os meninos são ensinados que ‘homem não chora’ e que
serão homens no dia que começar a pôr em prática o instinto sexual e que através do
casamento deverá dar continuidade à descendência.
Se unirmos os padrões sociais, chegaremos ao primeiro ato oficial para duas pessoas
darem início a uma família - o matrimônio, que carrega uma série de procedimentos
desejáveis e esperados pela sociedade; um deles é a heterossexualidade, pois como o objetivo
central do sacramento do matrimônio é a procriação, qualquer outro destino será um desvio,
desse modo, é estabelecida uma administração da opção da sexualidade sobre os corpos.
A credibilidade neste discurso eclesiástico ‘sacramenta’ a união e faz a produção de
novos praticantes, pois como analisa Certeau (1996, p.241), ‘Uma credibilidade do discurso é
em primeiro lugar aquilo que faz os crentes se moverem. Ela produz praticantes. Fazer crer é
fazer fazer’. Assim, todas as pessoas que se casam, guardam consigo a ideia do casamento ser
algo para a vida toda, na saúde, na doença, na tristeza, e mesmo que o matrimônio seja feito
35
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2008/october/documents/hf_ben-
xvi_spe_20081031_carismatici_po.html
74
apenas com o desejo de resposta à sociedade, o ritual, guarda em si, um ato simbólico que
incorpora no casal a ideia de eternidade.
Dentro da Igreja, a castidade ainda é superior ao matrimônio, por isso a obrigação da
permissão divina para o ato sexual. Entre os carismáticos, um consenso de que por haver
esse consentimento de Deus, eles não têm o direito de praticarem o ato sexual de forma
desordenada, ou como orienta Pe. Sílvio:
Às vezes, somos tentados a termos o seguinte pensamento: “já que estou
casado, posso fazer de tudo com a minha esposa, com o meu marido”. Ou
ainda, “dentro de quatro paredes, tudo é permitido ao casal”. À luz da fé,
da Palavra de Deus e da Doutrina Católica, precisamos corrigir este
pensamento. Pois, o sexo não é simplesmente uma opção de lazer; não é para
que o casal se “divirta” à custa da relação sexual. O sexo é tão sagrado
como o próprio casamento! A relação sexual, embora seja marcada pelo
prazer, não é só prazer. É também e, sobretudo encontro, doação e meio de
santificação (ANDREI, 2008, itálico e negrito do texto).
Conforme Pe. Alírio (PEDRINI, 2003), sacerdote da Renovação Carismática e autor de
diversos livros que visam orientar os carismáticos, Deus estabeleceu um projeto divino, Ele
foi o Criador e dividiu com a humanidade a tarefa da procriação. Assim, o pároco justifica o
porquê do ato sexual dar prazer a quem pratica, é um presente de Deus às pessoas, para que
elas partilhem do projeto divino e procriem.
E o projeto divino continua a se expressar, quando o padre proclama a função da
genitalidade dentro do casamento: ‘Formando um casal... usem a genitalidade... a fim de
procriar... a fim de multiplicar a espécie humana. Percebam, mais uma vez, a sabedoria do
projeto divino!...’ (PEDRINI, 2003, p.46). Torna-se interessante entender que as elucidações
dadas pelo padre aos jovens são diferentes desde a forma como os órgãos genitais são citados,
pois os homens deveriam apreciá-los bem mais que as mulheres, o deles é exposto, enquanto
o delas deve se manter em segredo, fechado, devem sentir vergonha ao expô-lo. Esse discurso
do pároco é quase como um diálogo com o pensamento aristoteliano ‘Aristóteles não
precisava dos fatos da diferença sexual para fundamentar sua afirmação de que as mulheres
eram inferiores aos homens’ (LAQUEUR, 2001, p.190), ou seja, a mulher, em ambas as
citações, é um ser incompleto.
Entre os homens e as mulheres, o ato sexual que traz a ideia do prazer ser uma ‘isca’
divina para a procriação, ‘Deus Pai criou esse prazer como um ‘atrativo... e uma recompensa’
para o homem e a mulher que querem colaborar na obra da criação’ (PEDRINI, 2003, p.36).
Porém, o homem para fecundar uma mulher, ejacula e goza, enquanto as mulheres perderam
75
esse direito. Além delas serem subordinadas aos homens, segundo a visão católica, como uma
forma de pagar o erro de Eva, não têm o direito ao prazer, pois a maioria das mulheres tem
gozo clitoriano e a masturbação é um pecado de luxúria. ‘Na linha de uma tradição constante,
tanto o magistério da Igreja como o senso moral dos fiéis afirmam sem hesitação que a
masturbação é um ato intrínseco e gravemente desordenado’ (AQUINO, 2003, p.42).
Assim, as mulheres dividem-se entre as que são para se casar, com sonhos de construir
uma família, guardam a castidade para seu único homem, e se submetem à dominação
masculina; e aquelas que buscam emancipação, que lutam para terem prazer nos
relacionamentos e não apenas estabilidade no casamento. As primeiras são as que seguem o
exemplo mariano e trazem a salvação aos seus homens, dando a eles um lar, filhos e se
submetem em prol da família; as outras são as que pecam questionando a posição que a
sociedade as pré-destinou.
Enfim, casarem-se, serem fiéis aos esposos, cuidarem da casa e serem mães, é a
brincadeira de casinha da infância tornando-se realidade. As relações de gênero construídas
dentro do movimento se edificam, e estabelecem que as mulheres são as guardiãs da família,
têm instinto materno e nada é perdoado, os homens através do instinto masculino podem tudo,
como é explicito na fala de Bel:
Eu oriento meus filhos que a escolha é fundamental. [...] E o inimigo vai
passar uma imagem floreada, para convencer a pessoa. E os jovens estão
‘carecas’ de saber disso. Então as bases de meus filhos estão feitas. Eu
sei que a Carla tem uma conduta firme de convicção e pureza, mas o Junior
eu não sei, ele se afastou um pouco da gente, então esse namoro não posso
julgar, mas a base ele sabe. Todos os casais que se guardaram, Deus deu
um retorno. Mas Deus também faz milagres em nossas vidas
(entrevista
nº18).
No contexto das relações de gênero e da diferenciação entre as mulheres destinadas ao
pecado e as que têm como meta a salvação dos homens, a relação dicotômica entre as
personagens bíblicas Eva e Maria permeiam o imaginário carismático e estabelece regras às
mulheres de como se comportar na sociedade.
76
4.1 Eva - O pecado
Eva é um nome citado em apenas três livros bíblicos, Gênesis, Tobias e Timóteo, no entanto,
ela é a responsável por inúmeras condenações sofridas pelas mulheres ainda hoje. Em Gênesis
o mito de Eva começa a ser desenhado, fruto da costela de Adão, é a maior pecadora, a que
não se submeteu às ordens divinas e sucumbiu às tentações satânicas. Por essa história, a
Igreja e a Bíblia se apoderaram desse mito como um meio de submeter a mulher. Essa
condenação está expressa na epístola de São Paulo aos Coríntios ‘Porque o homem não foi
feito da mulher; e, sim, a mulher do homem. Porque também o homem não foi criado por
causa da mulher; e, sim, a mulher por causa do homem’(Cor 11:3-16). Por essa citação, a
submissão feminina é legitimada, ‘na Igreja, nós, mulheres, continuamos sendo costela; uma
costela que serve para negar nossa capacidade vital originária, manter o medo que têm de nós
e o medo que nos fazem, ameaçando-nos com punições e humilhações’ (GEBARA, 2006,
p.143).
No livro de Timóteo, é relembrada a origem pecaminosa de Eva, como se isso
justificasse e desse a redenção a Adão, já que foi a mulher que o enganou, e tornou-se culpada
de sua transgressão. Eva, dentro do imaginário religioso, é o símbolo do que uma mulher não
pode ser e fazer. Porém, um traço foi esquecido dela, o da mulher que busca a inteligência, o
conhecimento, como é citado na Bíblia: ‘A mulher, vendo que o fruto da árvore era bom para
comer, de agradável aspecto e mui apropriado para abrir a inteligência, tomou dele, comeu, e
o apresentou também ao seu marido, que comeu igualmente’ (Gn 3, 6, sublinhado nosso).
E dentro dessa história do perfil de mulher transgressora, a Igreja Católica orienta que
as mulheres devem se manter caladas e submissas à família, pois pela escritura bíblica, foram
condenadas ao silêncio, como São Paulo se pronuncia, em sua carta aos Coríntíos ‘Como em
todas as igrejas dos santos, as mulheres estejam caladas nas assembléias: não lhes é permitido
falar, mas devem estar submissas, como também ordena a lei’ (I Cor, 14-34). ‘O cristianismo
as admite na fé e na prece, mas no silêncio do arrependimento’ (PERROT, 2005, p.318).
Eles [os cristãos] usaram a história de Adão e Eva para apoiar o casamento
tradicional e provar que as mulheres, sendo por natureza facilmente
enganadas, não se prestam a qualquer outro papel a não ser o de criar filhos e
cuidar da casa (ver, por exemplo, I Timóteo 2:11-15); assim, a história do
Éden serviu para reforçar a estrutura patriarcal da vida comunitária
(
PAGELS,
1992, p.22).
77
Segundo Foucault, os conceitos normais são gerados através do que é considerado
como anormal. E através desses desvios sociais, também se estabelece a disciplina a ser
seguida. Portanto, a Igreja ao produzir a figura de uma mulher pecadora, que não se submete
aos homens, que anseia pela cultura, pela inteligência, determina a elas um destino condenado
à vida privada. As mulheres para terem a salvação não podem ser sagazes, ter interesse pelo
poder e/ou pelo conhecimento proporcionado pela inteligência, não podem desbravar o
mundo, devem seguir o conceito imposto a elas pelo clero, serem submissas, restringirem-se à
vida privada, serem mães, donas-de-casa, tornarem-se pessoas com esta identidade feminina
demarcada pela sociedade. ‘O plano de Deus é reabilitar a dignidade da sexualidade humana:
a beleza de ser mãe, conceber, gerar, dar à luz, educar os filhos para este mundo e para Deus!’
(AQUINO 2002, p.25).
4.1.1 Três mitos transgressores
Em A Dominação Masculina, Bourdieu relata uma fabula da tradição Cabila, referida por
Yacine-Titouh, no seu livro,
Foi na fonte (tula) que o primeiro homem encontrou a primeira mulher. Ela
estava apanhando água quando o homem, arrogante, aproximou-se dela e
pediu de beber. Mas ela havia chegado primeiro e ela também estava com
sede. Descontente, o homem a empurrou. Ela deu um passo em falso e caiu
por terra. Então o homem viu as coxas da mulher, que eram diferentes das
suas. E ficou paralisado de espanto. A mulher, mais astuciosa, ensinou-lhe
muitas coisas: ‘Deita-te, disse ela, e eu te direi para que servem teus órgãos’.
Ele se estendeu por terra. Ela acariciou seu pênis, que se tornou duas vezes
maior, e deitou-se sobre ele. O homem experimentou um prazer enorme. Ele
passou a seguir a mulher por toda a parte, para voltar a fazer o mesmo, pois
ela sabia fazer mais coisas que ele, como acender o fogo, etc. Um dia, o
homem disse à mulher: ‘Eu quero te mostrar que eu também sei fazer coisas.
Estende-te, e eu me deitarei sobre ti’. A mulher se deitou por terra, e o
homem se pôs sobre ela. E sentiu o mesmo prazer. E disse então à mulher:
‘Na fonte, és tu (quem dominas); na casa, sou eu’. No espírito do homem são
sempre estes últimos propósitos que contam, e desde então os homens
gostam sempre de montar sobre as mulheres. Foi assim que eles se tornaram
os primeiro e são eles que devem governar (BOURDIEU, 2002, p.28).
Ainda podemos nos atentar à tradição judaica, que conta que a primeira mulher de
Adão não foi Eva, mas Lilith, a que não se submete à dominação masculina. Ela iniciou a
igualdade com a recusa da forma sexual com o homem por cima.
78
Segundo uma velha tradição, Lilith seria uma figura sedutora, de longos
cabelos, que voa à noite, como uma coruja, para atacar os homens que
dormem sozinhos. As poluções noturnas masculinas podem significar um ato
de conúbio com a demônia, capaz de gerar filhos demônios para a mesma.
As crianças recém-nascidas são as suas principais vítimas. A crença em
Lilith, durante muito tempo, serviu para justificar as mortes inexplicáveis
dos recém-nascidos. Uma forma de proteger as crianças contra a fúria da
bela demônia é escrever na porta do quarto os nomes dos três anjos enviados
pelo Senhor. Outra maneira é a de afixar no berço do recém-nascido, três
fitas, cada uma delas com um nome dos três anjos. (LARAIA, 1997, p.152).
Após a expulsão de Lilith, Eva faz a mesma rebelião que sua antecessora. E dentre as várias
interpretações desse mito, uma delas é que na urgência de se vingar de Adão, a demônia se
transforma em serpente.
Em um artigo de um livro da canção Nova, escrito por Dunga, que também é cantor,
ele explica que pede aos músicos de sua banda para rezarem todas as noites pedindo que a
polução noturna seja apenas um meio natural de escoamento do esperma, não como uma
forma de ejaculação por sonhos eróticos.
[...]por causa das revistas e filmes pornográficos, a polução noturna
desse rapaz provavelmente será acompanhada de sonhos
‘pornográficos’.
[...]
Tenho colegas e amigos que estão buscando equilíbrio na sua
sexualidade, que antes de dormir clamam ao Senhor: Senhor, estou
há anos sem ter uma relação sexual, sinto que meu corpo fabricou
muitos espermas. Concede-me, durante esta noite, a polução noturna.
Não permita, Senhor, que seja acompanhada de sonhos eróticos. Nem
dormindo desejo pecar contra minha castidade’ (DUNGA, 2003,
p.56-7, itálico do texto, e negrito nosso).
Dessa forma, a Comunidade cuida, de forma indireta, para que Lilith não ataque seus homens,
e busca controlar os pensamento e sonhos deles.
Nas três versões femininas, na tradição Cabila, na judaica e na cristã, é possível se
estabelecer um paralelo. Todas as expressões femininas são personagens inicialmente fortes,
desbravadoras, que não aceitam condições subjugadas; no entanto, apenas Lilith permaneceu
sem freios, ainda com a capacidade de despertar a sexualidade nos homens. A mulher da
lenda Cabila, perde suas forças quando está longe de seu território. Eva desafiou a Deus, e
pela transgressão foi a responsável pela cula do pecado original à humanidade, e também
ao ser expulsa do Jardim do Éden, condenou as mulheres a sofrerem as maldições divinas por
culpa de sua subversão: ‘Disse [Deus] também à mulher: Multiplicarei os sofrimentos de teu
79
parto; darás à luz com dores, teus desejos te impelirão para o teu marido e tu estarás sob o seu
domínio’ (Gen 3,16).
4.2 Maria – a salvação
A premissa da Renovação Carismática Católica é servir como Maria, ela é o ícone do
movimento. ‘Maria é uma fronteira intransponível entre dois territórios que, de outro modo,
poderiam ser um só’ (PRANDI, 1997, p. 141). O símbolo mariano é o ícone carismático, foi
ela que sofreu por 33 anos ao lado de Cristo, e depois deste, foi ela que sofreu as piores dores
e fez os maiores sacrifícios na história do catolicismo. Essa devoção provém do império
português,
[...]no catolicismo ‘oficial’ a figura de Maria também recebe destaque e
veneração, a tal ponto de, em 1646, o rei de Portugal, Dom João IV,
proclamar Nossa Senhora da Conceição, como padroeira de todo império
português. Na América espanhola a aparição de Nossa Senhora de
Guadalupe, padroeira da América Latina, no México, no século XVI,
fortalece a devoção mariana em todo o continente (MARCELO, 2006, p.33).
Dentro do catolicismo, essa devoção a Maria justifica-se no Tratado da verdadeira
devoção à Santíssima Virgem, escrito por Montfort, no século XVII, este autor viria a ser
canonizado em 1996, pelo Papa João Paulo II. Nesse tratado, entre os livros 40 e 42, pondera-
se que
[...]a devoção à Santíssima Virgem é necessária à salvação e também um
sinal infalível de condenação - opinião do próprio Ecolampádio
36
e outros
hereges, - o ter estima e amor à Santíssima Virgem. O contrário é indício
certo de predestinação ser-lhe inteira e verdadeiramente devotado
(SANAGIOTTO, 2008).
Desta forma, Maria representa a energia sagrada e a identidade carismática, ou seja,
ponto que diferencia a Renovação de outros movimentos pentecostais. Para facilitar a análise
da importância do ícone mariano para o movimento carismático, torna-se producente realizar
uma breve digressão na história bíblica com fins de compreender os porquês da identidade
carismática ser mediada pela figura mariana.
36
Foi um reformador, participou da reforma protestante.
80
Maria, noiva de José, recebeu a visita do anjo Gabriel para anunciar a missão que
Deus a destinou, ser a mãe de Seu Filho. Ela concebeu por meio do Espírito Santo. ‘O
Espírito descerá sobre ti e a força do Altíssimo te envolverá com sua sombra. Por isso, o ente
santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus’ (Lc 1,35). Esse momento pode ser
considerado o proto-Pentecostes, é a primeira manifestação do Espírito Santo.
O princípio mariano de estar sempre ao auxílio de alguém, aparece em toda história
bíblica, mas em especial no episódio das Bodas de Caná, pois foi o primeiro milagre do filho
do Senhor. A partir desse relato bíblico é que surge a premissa dos carismáticos ‘peça tudo
primeiro a Maria, pois um pedido da e o Filho nunca nega’. O movimento carismático
escolhe Maria para ser o exemplo, a virgem e a mãe, a representante feminina, a mulher que
disse não ao pecado. Como Pe. Leo diz ‘[...] ela não cura ninguém: ela pede. Ela intercede
junto a Jesus. Maria é a presença atuante sempre. É a grande intercessora’ (LEO, 2001, p.29).
Os homens carismáticos são orientados a procurarem essas ‘Marias’ em lugares
santos, e esse é o desafio do Senhor, a paciência para buscá-las no lugar certo, uma vez que
elas não se encontram em boates ou em ambientes promíscuos. Conforme Aquino (2005,
p.57),
Normalmente, é no próprio ciclo de amizades e ambientes de convívio que o
namoro acontece.
Sabemos que o ambiente molda de certa forma a pessoa; logo, você deverá
procurar alguém naquele ambiente que vive os valores que preza.
Se você é cristão, então procure entre famílias cristãs. Ambientes cristãos,
grupos de jovens, etc., a pessoa que você procura.
Da mesma forma, as mulheres carismáticas acreditam que no meio religioso encontraram o
par ideal, como comentou Janaina durante a entrevista,
Vou até pedir pra líder montar um grupo da segunda idade, porque você
encontrar pessoas da forma como a Igreja pede, é difícil, quase nenhum
homem respeita essa questão. Pra eu arrumar um namorado, eu quero que
combine com aquilo que eu acredito então onde você vai arrumar, na Igreja
(entrevista nº13).
Como as relações de gênero são a marca do poder entre os sexos, pode-se ver que a
naturalização dos conceitos é uma forma de exprimir as relações de subordinação. Como o
tratamento que os grupos religiosos dão a função da sexualidade feminina ser essencialmente
resultado do poder (MCGUIRE, 1997). Neste caso específico da Renovação, as publicações
do movimento não poupam palavras para estabelecer as diferenças entre os gêneros e
determinar as funções de cada um dentro das relações cotidianas, como Dom Amaury,
81
Homem e mulher são diferentes no mais profundo de seus seres: em seus
sentimentos e preferências, em seu modo de pensar e amar, agir e reagir.
Essas diferenças que poderíamos chamar também de anímicas, condicionam
o relacionamento entre ambos, com os outros e com o próprio Deus.
[...]
No caso da mulher e do homem, a busca da paternidade e da maternidade, as
alegrias de um ou mais filhos são ideais de suas vidas. Contudo, é evidente
que a ternura, o devotamento da mulher à criação e à educação dos filhos,
predominam sobre as preocupações que o homem tem por eles
(CASTANHO, 2005, p.26).
A Igreja, em especial a Renovação Carismática, impõe dois destinos às mulheres que
buscam a salvação, serem religiosas e optarem pelo caminho da santidade, ou constituírem
uma família para, desse modo, exercer o instinto da maternidade e colaborar com Deus na
procriação. Porém, em ambas as situações, elas devem se primar pela castidade, na primeira
situação permanecerem virgens e na segunda praticarem o sexo apenas com o objetivo da
procriação, fora isso, serem castas No entanto, em ambas, a necessidade do sagrado é vista
como algo natural e lógico, ‘[...]a mulher é profundamente religiosa. Não consegue viver sem
Deus a não ser em alguns casos em que se desvia dos caminhos a fé, dos valores éticos e
morais’(CASTANHO, 2005, p.27).
4.2.1
Objetivo carismático: Servir como Maria
Na religião católica, tornou-se comum os pais terem o cuidado de batizarem seus filhos para
que eles não caiam no limbo, caso morram. Esta preocupação é mais para atender uma
exigência religiosa e social, do que para com o destino da criança. Porém, entre os
carismáticos, a visão é outra, pois eles têm a obrigação de seguirem os sacramentos e de
orientarem seus filhos quanto ao caminho da salvação, ou seja, batizar não é apenas um
evento religioso e social, mas uma obrigação de todo cristão.
Ser carismático é muito mais que ser católico, pois eles devem viver os sacramentos
da Igreja em sua plenitude, batismo, confissão, eucaristia, crisma, matrimônio ou ordem, e
unção dos enfermos, enfim não é apenas um nome que eles adotam, eles adquirem uma nova
identidade. Se na sociedade, as pessoas desaprenderam a viver em comunidade e se
enclausuram atrás de muros, grades de segurança, mantém as portas, mentes e corações
fechados, não existe mais o ‘olhos nos olhos’, o que os transforma como seres invisíveis e
82
incompreendidos; dentro da comunidade carismática um elo entre eles, a crença é o link
entre os fiéis, eles compartilham dos olhares, das angústias.
O anseio por identidade vem do desejo de segurança, ele próprio é um sentimento
ambíguo, pois esse desejo de segurança, dentro da Renovação Carismática, significa uma
entrega ao sofrimento, mas também um meio de se alcançar a salvação, pois como comenta
Zabisky (2009), da comunidade Beatitudes, ‘o sofrimento está grudado ao ser humano. [...]
Ele é uma presença misteriosa e santificante de Deus e também desenvolvimento da
maturidade humana’. Ou seja, a identidade carismática exige de quem se entrega às normas
obediência e privação de prazeres mundanos, que vão desde a negação do sexo como prazer
até deixar o controle das roupas e restrições da vida social.
A identidade carismática é forjada pelas normas do movimento religioso, pois através
dos discursos de seus líderes, o fiel se entrega às restrições, pois conforme Bourdieu (2002,
p.123)
[...]pelo fato do campo religioso ter-se dissolvido em um campo de
manipulação simbólica mais amplo, todo esse campo está colorido de
moralismo e os próprios não-religiosos cedem com frequência à tentação de
transformar saberes positivos em discursos normativos capazes de exercer
uma forma de terrorismo legitimado pela ciência.
Haja vista a utilização constante dos saberes médicos para defender conceitos morais, como
textos que afirmam que os preservativos não previnem a contaminação das DSTs ou Joana
(entrevista nº1), que ao ser questionada sobre a influência da mídia no comportamento sexual
das pessoas, pautou-se da opinião de uma médica sobre a televisão, para dar mais veracidade
ao seu discurso.
Esse é o diferencial, se entre os considerados católicos lights, cuja obrigação é, no
máximo, irem às missas uma vez por semana, apenas para cumprirem um dever social; entre
os carismáticos é necessária uma transformação no cotidiano para incorporarem a nova opção
de vida religiosa. À Renovação, não basta cumprir os sacramentos, deve-se ir além, no
movimento persevera a necessidade das pessoas fazerem uma opção, a opção pela cruz de
Jesus, pelo sofrimento, pois dessa forma alcançarão a salvação, ou conforme (2004, 28-
29) comenta:
[...]estou aprendendo que somos salvos pela cruz! Ela é a fonte de toda paz e
não existe palavras que possam eficazmente explicá-la, pois é uma
experiência de amor absoluto. Como o critério da vida cristã, a cruz é perene
fonte de paz.
83
Isso significa que quem escolhe, livremente ser cristão,dar a vez ao próximo,
morrer para si mesmo, perder no momento oportuno, aceitar indiferenças e
julgamento e sofrer, encontra a paz que é a própria de Cristo.
Ou, ainda, Mons. Jonas:
A cruz das mulheres é pesada, porque a cruz delas somos nós, homens! Mas
pela cruz a humanidade foi salva!
Mulher, sua salvação está em carregar essa cruz até o fim e apresentá-la ao
Pai! É pela cruz que nos vem a salvação. Não Cristo sem cruz. Mas
também não há cruz sem Cristo! (ABIB, 2002, p.48).
Nos grupos de oração, a líder repete a necessidade do cristão se entregar ao sofrimento
da cruz, pois sem esforço não se alcança a redenção, essa persistência no discurso é uma
forma de estabelecer um ritual. Ana (entrevista nº16) comentou os problemas que enfrenta
por essa nova opção de vida,
[...]os católicos assumem a religião, ajudam a montar a missa, porém a
disciplina dentro da Renovação é mais difícil. Embora eu já tenha
participado de grupo de jovens, legião de Maria, a Renovação trouxe algo a
mais, uma forte de estar trabalhando e enfrentando tudo. Porque se você
está no trabalho e quer fazer um jejum [esta é uma forma de sacrifício
comum entre os carismáticos] as pessoas não compreendem.
Os carismáticos sofrem discriminações, em especial pelas restrições na rotina,
Geralmente, dizem que a gente reza demais, que vai à Igreja demais, então
eu nem ligo. Quando as pessoas perguntam aonde eu vou, apenas respondo:
trabalho, faculdade e Igreja. Tem gente que acha que a gente é evangélica.
Eu nem me preocupo com o que falam, o que me importa é andar
corretamente nos caminhos de Cristo, mas o povo fala e critica minha
opção, mas nem me importo (Janaina, entrevista nº13).
Na Renovação Carismática, para se alcançar essa perspectiva de ser o escolhido no dia
do juízo final, a orientação é ter o mesmo comportamento de Maria, dispor-se a dizer: - Eis a
serva do Senhor!, e, dessa forma, viver na plenitude os sacramentos. ‘Ela é a virgem que disse
não ao pecado, uma ponte entre Deus e a humanidade, entre o espírito e a carne’ (RODHEN,
1996, p.98). Como Maria, deve-se fazer a opção pela cruz, não basta apenas querer ser fiel, há
a necessidade de pôr em prática os ensinamentos, as orientações de conduta, que são as
mesmas da Igreja Católica, mas na Renovação elas são cobradas em demasia,
[...]ensinamento de Jesus é forte demais e o ensinamento da Canção Nova é
forte. Pregamos um compromisso com a Igreja, o amor ao Papa, a
obediência, a devoção e o amor a Nossa Senhora, um não constante ao
pecado. Muitos não aceitam porque querem uma vida light, são cristãos com
baixo teor de espiritualidade (DUNGA, 2005, p.63).
84
todo um trabalho na elaboração dos livros, com exemplos pautados em histórias
bíblicas, que dão um ar de verdade incontestável, são o suporte às pessoas detentoras do
poder da palavra nos grupos de oração. Na produção da voz carismática, não existe ‘voz
pura’, porque ela se inicia a partir de vozes oficiais da Comunidade Canção Nova, que é
codificada através de uma recepção, ou seja, a fala original, que é interpretada pelos porta-
vozes dos Grupos de Oração, e que é reinterpretada pelos fiéis. A voz dominante é a que tem
no texto sagrado com o objetivo de ensinar, que transmite a palavra de Deus e espera que seja
esta a mensagem que o receptor deseja ouvir.
A história do Éden, da criação e da deserção de Eva dos projetos divinos é contada
apenas uma vez na Bíblia para a repetição não se tornar um rito; apenas a repetição das
marcas que a desgraça do pecado causa à humanidade, assim exerce a função de determinar o
caminho da retidão e impõe o que não se deve fazer. Esta repetição do que a Bíblia proclama
como erro é um meio de alertar às pessoas para não desobedecerem a Deus, por exercerem
um livre-arbítrio sem a condução divina; ‘os ortodoxos insistiam em que Adão e Eva haviam
herdado um mundo perfeito e trouxeram para ele, através do mau uso que fizeram do livre-
arbítrio, todos os males conhecidos pela humanidade’ (PAGELS, 1992, p.111).
A escolha por Eva ou Maria faz parte do livre-arbítrio das mulheres, segundo os
carismáticos. Apesar de ambas terem origens distintas, ‘no que tange à mulher, seria
interessante lembrar que as imagens de ‘santa’ e ‘puta’ são contraditórias, mas não
mutuamente excludentes’(SAFFIOTI, 1992, p.193). Eva foi criada por Deus, a partir de um
osso secundário do esqueleto humano, ou seja, ela foi idealizada para não deixar Adão
sozinho no Éden. Enquanto, o objetivo de escolher uma mulher para ser a mãe de Seu filho,
‘era fazer com que a mulher retomasse sua dignidade perdida, porque Eva não se comportou
como mulher, sendo coisificada pelo encardido’ (LEO, 2007, p.50)
Por esses cuidados, os homens carismáticos devem estar determinados em tomar essas
duas mulheres como modelos, para dessa forma evitar que o pecado permaneça na
humanidade. A pregação da renúncia dentro da Renovação é valorizada com orações que
clamam a ajuda de Jesus e de Nossa Senhora, ‘a Virgem Maria, a Imaculada, que esmagou a
cabeça da serpente[…]’, dessa forma há a abdicação da sexualidade e o jejum, como sacrifício
a Deus. No site da Comunidade Canção Nova, há orações de renúncia, como:
[… ]eu renuncio todo relacionamento sexual que tive antes do casamento, a
todo sim que dei à esses parceiros(as), ou a qualquer pessoa que tenha tido
autoridade sobre mim, tais como: pais, padrinhos, tios, professores, alunos,
empregados, filhos, patrões, amigos e namorados, que exerceram domínio
85
sobre mim e que trouxeram consequências negativas à minha vida
[...](NÉRI, 2008).
Dessa forma, os carismáticos são orientados a seguirem normas e padrões pré-
determinados para alcançarem a salvação, tendo regras e modelos a serem seguidos. Se a
pessoa passar pelas portas carismáticas como pecadora, o produto da transformação sede
uma pessoa renovada, livre das tentações mundanas. Através dessa opção é estabelecida uma
nova relação de interação social, o sujeito de antes, passa a se costurar na estrutura
carismática, uma modificação de atitudes, uma nova postura frente ao mundo, uma nova
identidade, conforme um dos depoimentos coletados,
Dentro da Igreja, o movimento que mais mexe com você é a Renovação,
porque ele mexe em todas as áreas espirituais que você tem, mexe com
sentimento, passado e presente, com novas perspectivas. participei de
diversos movimentos dentro da Igreja, mas o que mais toca e provoca
mudanças é a Renovação (Janaina, entrevista nº 13).
O discurso da Renovação é interpretado ou, muitas vezes, reinterpretado e quando se
fixa, é de forma transversal, unindo os fiéis, agora identificados como carismáticos, num
conjunto quase homogêneo de pensamentos e atitudes, que vão desde pequenos pecados, que
conforme Prof. Felipe comenta ‘[...]o acúmulo de pequenos vícios traz consigo a
desesperança da conversão’ (AQUINO, 2005, p.23) até os pecados mortais.
Neste mesmo livro são comentados os pecados capitais, que são a projeção dos vários
tipos de pecados: a soberba, que tem como frutos o orgulho, a vaidade, a vanglória, a
arrogância, o amor-próprio, o egocentrismo, etc, e que pode ser combatida com a humildade;
a avareza, que traz o egoísmo, o apego aos bens do mundo material, já que ‘a grande crise dos
nossos tempos é o conflito do ‘ter’ e do ‘ser’ (Ibid, p.46), o fiel se solta desse pecado
através do desprendimento; a impureza, que se concentra em todas as referências sobre o
sexo, ‘a exploração comercial do sexo atingiu níveis assustadores, e que põe o ser humano,
especialmente a mulher, no mais baixo nível de dignidade’ (Ibid, p.55), a castidade é a
solução deste pecado, o pensamento de Gandhi é colocado como um exemplo, pois ele alterou
sua vida conjugal para se purificar, ‘a vida sem castidade parece-me vazia e animalesca’ (Ibid,
p.68); a gula, que é o exagero na alimentação, é impossível ver a Deus face a face se a carne
não estiver crucificada com Cristo’ (Ibid, p.72), e como foi citado, o jejum é uma forma de
entrega ao sofrimento para o carismático; a ira, que deve ser combatida com o perdão, a
tolerância, ‘Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra’ (Mt 5, 39); a inveja,
que levou o demônio investir contra a humanidade no Jardim do Éden; e a preguiça, que
86
segundo uma citação do fundador da Opus Dei, ‘enquanto houver homens sobre a terra; por
muito que se alterem as técnicas de produção, haverá sempre um trabalho humano que os
homens poderão oferecer a Deus, que poderão santificar’ (Ibid, p.101).
E com o cuidado de atingir a salvação, os carismáticos se privam de atitudes, antes
cotidianas, como beber socialmente, manter vícios simples como cigarro. Pode-se tomar como
exemplo a conversão de Ricardo à Renovação:
Depois que eu perdi minha mãe, me afastei das minhas irmãs, passei por
muitos problemas. Era drogado, fui internado. Minha mãe era legionária, e
uma vez por semana as mulheres vinham em casa rezarem, mesmo depois do
falecimento da minha mãe, e a gente nunca dizia não a elas. Depois uma das
mulheres do terço me convidou para participar da evangelização. Eu
sempre dizia iria, não podia falar não, mas nunca fui. Convidaram-me para
um Seminário de Vida. No dia que iria começar, não fui. Até que na outra
semana fui, e a partir desse dia, fui transformado, em 15 dias minha vida
mudou, depois da segunda semana, nunca mais pus nada errado na boca.
Foi todos os dias me foram transformando (Ricardo, entrevista nº 6).
Essa adesão à Renovação Carismática, que aos fiéis uma nova identidade, estabelece
novas relações sociais entre eles, pois é exigida uma mudança drástica em suas vidas. Como
diz a líder, o alimento para a alma é dado aos poucos para que todos se sintam envolvidos e se
entorpeçam do amor de Deus e, depois, quando realizada essa opção, percebam-se fortes,
de forma natural, para aceitarem os sacrifícios e fazerem a opção pela entrega ao jejum, à
oração e à castidade. A base da fé carismática são as atitudes e escolhas após terem conhecido
a plenitude do Senhor.
4.2.2 Maria, a Igreja Renovada
Maria também pode ser vista como a própria Igreja, pois se em seu corpo foi gerado o
Salvador do mundo, o que deu a redenção à humanidade, da mesma forma é através da Igreja
que as pessoas podem alcançar as graças do Paraíso. A Igreja aparece como Esposa, unida
com Cristo na cruz. ‘A analogia de Eva que surge da costela de Adão, é aplicada por muitos
padres à igreja que nasce da costela (lado) de Cristo na cruz’ (BUCKER, 1995, p.119). O
paralelo entre Eva/Adão e Igreja/Cristo é por ambas terem nascido dos respectivos homens.
87
Os esposos, aspirantes à vida eclesial, deixam suas casas para unirem-se à esposa, a Igreja.
Essa relação é tão simbólica como a Igreja, instituição, é ligada à Maria.
A teóloga Bucker, com sua formação na área de Mariologia e espiritualidade, em seu
livro, traz dez semelhanças dessa relação Igreja/Maria: a) a Igreja e Maria se manifestam
cheias dos dons do Espírito Santo em Pentecostes; b) a Igreja e Maria concebem do Espírito
Santo; c) como Maria, a Igreja é mãe permanecendo virgem; d) como Maria gera Cristo, a
Igreja gera os membros de Cristo; e) assim como Maria nutre a Cristo, assim a Igreja a Cristo
místico; f) como Maria é fecundada invisivelmente e está submetida a um esposo visível (S.
José), assim a Igreja se submete invisivelmente a Cristo na obediência visível ao Pontífice; g)
Maria ao da cruz representa a Igreja que recebe todos os homens; h) Maria e a Igreja o
estão submetidas à corrupção; i) Maria e a Igreja vencem a heresia; j) Maria e a Igreja, como
Eva mística, vencem a cabeça da serpente (BUCKER, 1995, p.122). partes da Bíblica,
segundo a teóloga, como em Cântico dos Cânticos que traz o desenho da Eva apocalíptica que
é o mesmo de Maria e da Igreja na tradição eclesiástica.
É por meio dessa relação entre Igreja/Maria que se justifica a disciplina moral que a
mãe de Cristo representa na sociedade, pois ambas são opostas a Eva e representam o
exemplo a ser seguido para se alcançar a salvação. Seria uma forma de Deus se ‘redimir’ por
criar Eva, ou como disse São Tomás ‘Ora, Deus previa que a mulher havia de ser ocasião de
pecado para o homem. Portanto não devera tê-la criado’(VIDAL, 2005, p.38). Aqui uma
contradição ao projeto divino de Criação, sem Eva, não haveria procriação, dessa forma, não
haveria humanidade.
Esse simbolismo mariano foi aderido pela Renovação Carismática, por ela sentir a
primeira manifestação do Espírito Santo, que se no momento da Anunciação. Além de ser
meio de diferenciação entre os pentecostais protestantes e os pentecostais católicos, o culto à
Maria. Por isso, Maria representa a Igreja renovada. Ao comparar as mulheres à Igreja, ambas
são postas na mesma posição de subordinação, ou como São Paulo proclama ‘Ora, assim
como a Igreja é submissa a Cristo, assim também o sejam em tudo as mulheres a seus
maridos’ (Ef 5,24).
Maria, a mãe e a Igreja zelam por todos que fazem a escolha por viverem o sofrimento
de Jesus na cruz. Pois, conforme a der do grupo em análise, essa é uma opção individual de
quem deseja alcançar a salvação. A opção pela devoção mariana da Renovação Carismática
Católica justifica-se porque, além de ser a primeira inundada com as bênçãos do Espírito
Santo, também em certa medida reforça a identidade religiosa entre os carismáticos
88
(MACHADO, 1996, p.48). Os carismáticos acham inviável a contestação do poder mariano,
uma vez que ela foi a escolhida por Deus, o vetor para trazer a boa nova à humanidade.
Maria representa o modelo de mulher celebrado pelo patriarcalismo, pois significa o
comportamento da ética moral religiosa. Mons. Jonas Abib, na homilia ‘Submissão e o
Segredo’, fala da situação das mulheres na sociedade, que ao invés delas dizerem
‘independência ou morte’, dizem ‘independência e morte’, uma vez que tantas mulheres
foram às faculdades e sentiram-se poderosas sem depender dos maridos; aliado a isso, ainda
têm as feministas que lutam pela independência e insubmissão das esposas, e se esquecem da
família (ABIB, 2006). Dessa forma, as carismáticas seguem o exemplo mariano, dedicam-se
ao lar, à família mesmo quando trabalham. Como Sandra, que apesar de trabalhar fora, a
prioridade é suas filhas.
Casei quando ainda estava na sétima série. Tive minha primeira filha. Voltei
a estudar e concluí o ensino médio 6 anos. De pra cá, fiz diversos
cursos, aproveitando os períodos que elas estavam na escola, assim quando
elas estivessem grandes, eu poderia voltar a trabalhar. Depois que uma filha
fez 12 anos e outra 6 anos, voltei a trabalhar, mas ainda assim meu trabalho
é por conta, então dou prioridade a elas. Sempre fui uma mãe muito
presente (entrevista nº3).
4.3 As premissas franciscanas – ou relações de gênero sob o poder mariano
Os carismáticos vestem o novo modelo de vida e expõem aos outros essa nova opção de
conduta, entre elas o uso da Tau, um símbolo franciscano, que
na Bíblia foi utilizado pelo
profeta Ezequiel:
E a glória de Deus de Israel se levantou do querubim sobre o qual estava, e
passou para a entrada da casa e clamou ao homem vestido de linho branco,
que trazia o tinteiro de escrivão à sua cintura. E disse-lhe o Senhor: passa
pelo centro de Jerusalém e marca com um T as testas dos homens que
suspiram e que gemem por causa de todas as abominações que se cometem
na cidade (Ez 9-3,4).
Assim, eles são demarcados como os que escolheram o caminho da salvação.
É interessante perceber que este símbolo, última letra do alfabeto hebraico e a 19ª do
grego, derivado dos Fenícios e corresponde ao "T" em Português, é preso num cordão com
três nós, que representam votos perante a Deus: Pobreza, Obediência e Castidade. E da
mesma forma que os Concílios da Igreja foram convocados para reformar a Igreja, cabeça e
89
membros, assim deve ser a reforma dos carismáticos: pessoal, interior, conversão constante e
mudança de vida. E, em especial, as mulheres têm suas vidas pessoais marcadas pelos votos
necessários à conversão.
4.3.1 As mulheres e o voto de pobreza
Para seguirem o exemplo mariano há uma divisão sexual do trabalho bem definida: os
homens devem se ocupar da vida pública, da parte racional do casal, pois a eles cabe a
procura da eficiência fria, enquanto as mulheres são as responsáveis pela vida privada, as que
dão afeto, graça e significado à vida racional do marido. Dentro desse contexto, é explicado o
porquê da maior parte do público da vida religiosa ser o feminino, pois a religião é um
assunto pertencente à vida privada, e as mulheres são as responsáveis pelo cuidado da vida
espiritual da família.
Pe. Pedrini, em seu livro, sobre a formação afetiva e sexual dos jovens, comenta a
forma do marido expressar seu amor à família ‘[...] um pai manifesta seu amor efetivo quando
trabalha para a manutenção da esposa, dos filhos, da família; quando se dedica ao trabalho
para pagar os estudos, o tratamento dentário, o médico; enfim, quando o pai age de uma forma
concreta para o bem da família’ (PEDRINI, 2003, p.19). Ou seja, ele demonstra como as
relações de gênero atribuem aos homens a parte racional e às mulheres a parte emotiva; é algo
incorporado através dos primeiros princípios de socialização.
Deus fez a mulher inteiramente amor. Você, mulher, foi feita toda amor.
Deus a fez sensível, como a pétala de uma rosa: qualquer coisa a fere e
machuca. As mulheres são as mais feridas, machucadas, e por isso as mais
prejudicadas.
Mulher, você foi escolhida, por Deus, para ser mãe, gerar filhos no seu
próprio ventre.
Deus a fez mulher para ser mãe, para ser educadora. Formar, fazer
crescer, dar filhos e filhas para Deus.
Justamente por causa da beleza da sua escolha, o inimigo tem feito de tudo
para desviar você de sua vocação de mulher, esposa, irmã, companheira e
educadora. (ABIB, 2009A, negrito do texto e sublinhado nosso)
Conforme Gilligan(1982), essas diferenças vão além da anatomia, as mulheres
universalmente são as responsáveis pelo cuidado inicial com os filhos, ou seja, quem começa
90
a atribuir os padrões de gênero já cristalizados na sociedade são as próprias mulheres, o que as
mostra machistas. Assim,
[...]com os jogos que os meninos praticam, eles aprendem tanto a
independência como as qualificações organizacionais necessárias para
coordenar as atividades de grupos maiores e diversos de pessoas. [...] Por
outro lado, o brinquedo das meninas tende a ocorrer em grupos menores,
mais íntimos, muitas vezes a díade melhor-amiga, e em lugares privados
(GILLIGAN, 1982, p.21).
Com isso, percebe-se o desnível perigoso que se for considerada a estagnação
intelectual das mulheres nesse contexto, ou como diz Saffioti (1987, p.14, grifo nosso)
ficando em casa todo ou quase todo o tempo, as mulheres têm menor número de
possibilidades de serem estimuladas a desenvolver suas potencialidades. E dentre estas se
encontra a inteligência’. Elas tornam-se apenas reprodutoras da educação transmitida pelas
suas mães, pois não têm o contato intenso com um público que seja externo ao da vida
privada.
Entre os fiéis que foram entrevistados, o maior desnível é o de Bel (entrevista nº18),
que conheceu seu marido na época de faculdade; depois de formada, casou-se e abandonou
seus projetos acadêmicos em prol da família e dos filhos. Anos mais tarde, quando seus filhos
eram grandes, retomou os antigos sonhos e deu início a uma pós-graduação na área de
Literatura, entretanto, mais uma vez em prol da família abandonou o curso para cuidar da mãe
adoentada. Porém, enquanto ela se dedicou à família, seu marido se dedicou à vida
acadêmica, fez mestrado, doutorado, e mora em Campinas devido ao trabalho, ou como ela
comenta, ele se casou com o trabalho [...] espero que Deus o ilumine depois da
aposentadoria para que a gente volte a namorar, fazer coisas juntos
Conforme Mons. Jonas Abib(2006) explica, ser submissa não é ser escrava, mas ser o
suporte, já que a autoridade é dos maridos e a mulher não deve se sobrepor.
Assim, com
esses conceitos, nota-se que as mulheres são educadas para cuidarem dos outros e não criarem
a própria independência. Como um dos membros do núcleo da Comunidade Hesed expôs em
uma de suas falas à comunidade, num retiro de Carnaval, em 2004: a esposa dele era a
responsável por combinar as cores, dar harmonia ao lar, enquanto ele era o que cuidava da
parte financeira da casa. Desta forma, as mulheres abdicam do trabalho pela família, assim
fazem de forma inconsciente um voto de pobreza, pois não são donas do controle financeiro
do lar.
91
4.3.2 As mulheres e o voto de obediência
No contexto carismático uma redefinição no papel do casal dentro da família. Seria como
se os homens tivessem uma certa ‘maternização’ de seus papéis paternos, conforme a
Exortação Apostólica Familiaris Consortio, ‘revelando e revivendo na terra a mesma
paternidade de Deus, o homem é chamado a garantir o desenvolvimento unitário de todos os
membros da família’ (PAPA, 2008). E Aquino, complementa dando as diretrizes carismáticas
para as famílias, ‘A mulher foi moldada por Deus para ser, sobretudo, mãe e esposa: delicada,
meiga, compassiva, generosa e paciente’ (AQUINO, 2007). Assim, percebe-se a preservação
da diferença de gêneros dentro do movimento da Igreja e da Renovação. Rose, durante a
entrevista, explica a forma como lidou com a questão do trabalho e educação de sua filha:
Eu não podia deixar ela com ninguém, não confiava que ninguém desse um
pão para ela, tinha que ver o que ela ia comer. Eu acho errado deixar o
filho pra trabalhar. A mulher que tem o desejo de ter um filho, tem que
cuidar do filho. A mãe de hoje não tem mais tempo com a criança (entrevista
nº10).
E depois foi complementada pelo seu marido, Roberto:
As mães devem ter um plano, trabalhar no máximo meio período. Hoje, as
mães trabalham, deixam a criança cedinho na creche, vão buscar só à noite.
A criança já vai dormindo, jantada pra casa. Então onde é a casa dessa
criança? Eu acho complicadíssimo (entrevista nº11).
Essas diferenças de comportamentos são demarcadas pelos discursos dos líderes, que
evidenciam a necessidade do casamento e reforçam a obrigação da geração de uma criança. A
literatura do movimento expõe a heterossexualidade como a única opção aceita por Deus, ‘O
Pai quis que o sexo existisse: dois sexos. Não três, quatro, seis ou um’ (AQUINO, 2003,
p.29). Exige dos carismáticos o padrão de casamento tradicional, os papéis são construídos de
forma irrefutável, como dádivas de Deus e que não devem ser descumpridas. Mons. Jonas, em
suas homilias reforça que as mulheres precisam ser comandadas pelo cabeça - o homem, foi
Deus que instituiu assim, conforme é proclamado na Bíblia ‘Sujeitai-vos uns aos outros no
temor de Cristo’ (Ef, 5-21).
As fronteiras entre o marido e esposa são demarcadas com pensamentos simples, de tal
forma que todos compreendam, pois segundo a Renovação, não como uma instituição
funcionar com duas cabeças, deve ser aceito que o homem é o cabeça, que a mulher é o
exemplo de sensibilidade, de intuição. Ou conforme Mons. Jonas(2002, p.90):
92
Submissão não é subserviência. ‘Submissa’ vem de sub+missa= estar
debaixo da missão. O marido tem a missão de ser cabeça do lar, e a mulher,
de ser coração e estar sob a missão do seu marido. Estar debaixo não é ser
menor. Estando sob a missão dele, a esposa conseguirá que seu lar e seu
casamento sejam o que Deus quer.
É estabelecido como que um jogo, as mulheres se submetem para conseguirem que seus
maridos sejam mais pacientes e companheiros.
Dentro do matrimônio, as mulheres devem exercer a função divina de serem mães. Ou
seja, através da maternidade elas se realizam, mesmo sendo essa realização uma construção
social que delimita o espaço da mulher na família e na sociedade, além de ser a principal
causa da dominação do sexo masculino sobre o feminino.
4.3.3 As mulheres e o voto de castidade
A Renovação prega que Deus deu o prazer como uma forma de estímulo à humanidade para
procriar; no entanto, esse é um prazer que se restringe ao sexo masculino, pois os homens têm
o instinto que justifica a busca pelo prazer; já as mulheres devem seguir o exemplo mariano, a
virgem que concebeu sem o ato sexual, ela é a mãe de Jesus, a virgem imaculada que não
necessitou do ato sexual para cumprir sua parte na obra do criador, pois a união do sexo
acompanha-se do pecado de concupiscência, que transmite o pecado original ao filho
(VIDAL, 2005). E Maria representa a mulher ideal, a virgem/mãe sem culpas.
O instinto masculino é evidenciado pela ‘importância do imaginário social com relação
à masculinidade, que ‘está sempre a ser provada por um desempenho sexual tanto potente
quanto freqüente’’(GOLDERBERG,1991, p.20), as mulheres que têm uma necessidade de
sexo são consideradas pela sociedade como um desvio, até mesmo o sexo individual, como a
masturbação que são proibidas de fazer, assim como os homens, porém estes sempre têm um
perdão, enquanto elas devem ter o prazer calado. De acordo com a fala de Rago(2007),
‘minha hipótese é a de que o clitóris é silenciado física e discursivamente nos momentos de
maior controle sobre a mulher, sobretudo naqueles em que é associada à figura da mãe e,
portanto, totalmente dessexualizada’. A líder ao ser questionada sobre a masturbação feminina
não teve vida em afirmar que, mesmo quando acontecia no contexto do coito, dentro do
93
casamento, pois o ato sexual só é válido para gerar filhos, qualquer outra forma de prazer fora
a penetração, é pecado.
As restrições quanto à vida privada chegam à modificação de costumes cotidianos,
muitas vezes nem percebidos pelo fiel, como a liberdade de escolher um canal de televisão
para assistir ou mesmo um CD para escutar. Tanto a líder da Comunidade Hesed, como em
palestras da Canção Nova, é evidenciado o perigo que as pessoas correm com os exemplos
dados pela televisão, pois a mídia mundana traz imagens de relacionamentos livres, sem
compromisso com o dia seguinte, transmitem a idéia da busca da satisfação imediata, com
programas e músicas que falam de promiscuidade. No caso das sicas internacionais, as
pessoas, muitas vezes, não sabem o significado, e nas letras pode haver uma exaltação do
pecado, ou como Dunga afirma há a necessidade de dar uma chance a Deus e não se render às
tentações demoníacas:
Não resista mais a Deus, resista ao pecado, às propagandas da televisão,
troque de canal, não ouça mais aquele CD. Resista ao autor do pecado que se
chama satanás e aproxime-se de Deus, mude o enfoque de seu esforço. Não
resista ao bem, e sim ao mal (DUNGA, 2005, p.23)
Os fiéis ligados ao movimento, ao menos os que já incorporaram em suas vidas a
identidade carismática, não veem como uma restrição as normas de conduta, mas como ação
do Espírito Santo em suas vidas, que se manifesta pela orientação do rumo a ser seguido pelos
que anseiam o destino da santidade.
Dentro do movimento carismático, é estabelecido um diálogo em sintonia com as
palavras de Bento XVI, pois antes de ser nomeado Papa, o Cardeal Ratzinger estava entre os
Consultores Teológicos para o primeiro documento de Malines, elaborado pelo Cardeal
Suenens, o qual traçava diretrizes para o movimento carismático. De posse de um poder real
dentro da Igreja Católica, Bento XVI enalteceu a necessidade de uma vida gida, cheia de
moralismos a quem deseja seguir os passos para a Salvação. Por isso, a cúpula eclesial passou
a cobrar os sacramentos e as obrigações indiretas relacionadas ao catolicismo de forma rígida,
como a fidelidade no matrimônio, a submissão feminina para a consolidação familiar, entre
outras atitudes morais, como um modo de reforçar a identidade católica. Postura que se
reafirma com os pronunciamentos realizados durante a estada Papal no Brasil, entre os dias 10
e 12 de maio de 2007, nos quais foi solicitado aos bispos que defendessem valores morais
caros à igreja, como a castidade e o casamento.
94
A castidade é um conceito que vai além do corpo, entre os carismáticos é pregada a
necessidade dessa privação dos prazeres mundanos até do pensamento, pois Deus é onisciente
e onipresente, portanto a imaginação deve ser pura e casta, conforme o artigo do Prof. Felipe,
Precisamos mostrar aos jovens que para haver a castidade de atos, é
necessário haver antes a castidade de pensamentos, palavras e desejos. É
preciso, corajosamente, desafiá-los a dizer não a toda prostituição,
pornografia, filmes eróticos, moda excitante, etc. É preciso mostrar-lhes que
cada corpo humano é templo do Deus vivo que ali habita pelo seu Santo
Espírito (AQUINO, 2008A, negrito do texto).
Conforme um depoimento do canal de formação do site cancaoonova. com , a
sexualidade é um dom de Deus, pois ela persiste em amar o outro, ou como Melo comenta ao
falar sobre sua sexualidade ‘De minha parte, como missionária e consagrada, posso dizer que
me sinto plena, sinto-me mulher e amada’(MELO, 2008). Essa mesma pergunta foi feita às
pessoas durante as entrevistas da pesquisa de campo, e todas consideram de extrema
importância esse traço, mas assumem que não é fácil percorrer este caminho, como a opinião
de Valéria,
A sociedade não é educada para a castidade, a sociedade é educada para a
camisinha. Isso não pode existir na vida de solteiro, também tem que
existir na vida de casado. Muitos não são educados, não têm uma religião,
ninguém ensinou a eles viverem numa castidade. Castidade pra mim é
respeito. Tem homens que acham que a mulher é pro prazer, e isso não é
viver na castidade, não é respeitar a mulher (entrevista 5, sublinhado
nosso).
Quase todos os entrevistados declaram a dificuldade de se manterem castos, distantes das
tentações, outros afirmaram que há a necessidade de se manterem virgens antes do casamento,
A castidade é você respeitar a sua parceira, namorada, noiva, até no
casamento. É o respeito. Eu aceito que as pessoas devem praticar o sexo
como ato procriativo, isso é de Deus, e todos deveriam aceitar, pois se estão
seguindo, se abrem a Deus. Acredito que deveria ser assim (Sergio,
entrevista nº 8).
Os casamentos realizados dentro da própria Comunidade Hesed são vistos como um
exemplo pelos outros participantes da comunidade, como modelos a serem seguidos de
relacionamentos castos. Nádia cque as pessoas da comunidade seguem a castidade de fato,
Eu acredito que eles seguem de fato. Por exemplo, Vitor e Denise, acredito que eles se
casaram certinho, sem pressa ao contrário dos protestantes, que se casam rápido. O bonito é
o namoro com reserva, diálogo, com um compreendendo o outro(entrevista 7). Entre os
95
carismáticos, os namoros duram anos, como um meio de acertarem na escolha. Prof. Felipe
Aquino, em uma mensagem que consta no site da Comunidade Canção Nova, afirma que um
tempo médio de namoro de 2 a 4 anos é o ideal, porque o namoro é o tempo de conhecer a
outra pessoa.
96
5 Formação da Identidade Carismática – O tipo ideal
A identidade do indivíduo é o processo de construção de um projeto de vida (CASTELLS,
2006), refere-se a apenas pessoa, pois a experiências de vida são individuais. Conforme
Hall(2005, p.11), ‘a identidade é formada pela ‘interação’ entre o eu e a sociedade’. Para
alguns indivíduos, a necessidade de pertencerem a um meio social, mesmo que para isso
tenham que se enquadrar a algumas regras, assim se sentirão mais seguros apoiados em
uma estrutura, enquanto outros preferirão acompanhar o compasso da sociedade, integrar-se a
grupos, sintonizar-se a moda, a estilos ditados pelo mundo.
Se pensarmos que a identidade representa o indivíduo além das suas experiências
únicas, e que ele está a mercê do caminho que segue, seja de modo tradicional ou via século
XXI, pode-se avaliar que a palavra correta deixa de ser identidade e passa a ser uma
identificação; pois se vive num processo contínuo de preenchimento das lacunas do eu, a
partir do exterior, com a preocupação em atender as exigências impostas pelos outros, este é o
preço para pertencer a um grupo.
As pessoas, deste modo, se veem reféns das atitudes e modos de vida expostos pela
mídia à sociedade. São formas de agir, de se divertir, roupas, penteados, maquiagens,
tatuagens, piercing, tudo para corresponder a um estilo de vida e ser aceito por um
determinado grupo social. Deixa-se o individual em prol das expectativas da sociedade. A
escolha do percurso diferencial se dá pela história de cada um, das escolhas feitas durante o
percurso social que foi percorrido até aquele momento, desta forma o indivíduo traça seus
caminhos e toma novas direções ou prossegue no caminho conhecido. Nessa mudança de
olhares, as pessoas deixaram suas pilastras de sustentação, seus apoios estáveis, para se verem
a mercê das exigências sociais balizadas pela modernidade, que dá liberdade, mas não suporte
ao indivíduo.
Essa necessidade de pertencimento a um grupo social fez com que as propostas
surgissem, e junto com elas as formas de crendice, pois
Hoje, não basta mais manipular, transportar e refinar a crença. É preciso
analisar-lhe a composição, pois a pretensão de fabricá-la artificialmente.
Ainda parcialmente o marketing comercial ou político está pensando nisso.
Existem agora demasiados objetos para crer e é muita escassa essa
credibilidade (CERTEAU, 1996, p.279-0).
97
Atenta a necessidade das pessoas em se apegarem a algo para sentirem-se pertencentes a um
grupo, a Comunidade Canção Nova abre-se ao mercado, e estabelece, além da difusão da
carismática, outros modos de angariar fiéis no mercado da salvação.
Tendo em vista que a origem da Renovação Carismática Católica está na classe média,
mais escolarizada, a Canção Nova investiu em livros que trazem suas normas. Nas diversas
publicações, as pessoas leem e são informadas sobre as regras para se chegar a salvação, pois
como a líder comentou num dos rituais do grupo de oração, Deus pode perdoar quem não tem
conhecimento, mas é implacável com quem conhece e não cumpre.
Porém, a Renovação, com o objetivo de expansão de seu público, passou a investir
também na produção de CDs e DVDs com as palestras proferidas pelos porta-vozes do
discurso carismático. Pois, nem todos têm o hábito de ler, ou escolaridade para conseguir
absorver a leitura, e o discurso torna-se mais explicativo e com um linguajar mais corrente.
Portanto, este foi um recurso usado para atender uma população maior, além dos que não
tinham acesso a sistemas de televisão por assinatura, por uma questão financeira. Assim, a
Canção Nova aumenta ainda mais seu foco de fiéis, e emplaca numa disputa direta com os
pentecostais protestantes que abarcam um público de baixa renda.
Além da diversificação na forma de disseminar o discurso carismático e,
consequentemente, as regras do movimento, eles também investem em objetos de adorno que
demarcam a de seus fiéis. Este é um recurso em duas vias, uma que é a divulgação de seu
movimento, demonstrar a olhos vistos que o movimento está se difundido, pois como foi
expresso por Nádia, que quis conhecer o grupo pela curiosidade despertada pela forma dos
carismáticos se vestirem,
Todo mundo falava do Grupo de Oração. Quando eu comecei a dar aula,
acho que Deus tinha um plano pra mim. Foi em 1993. Daí eu encontrava
um pessoal dentro da Biblioteca. Sempre com camisetas com frases de
Santos. Tinha dias que eu ia dar aulas à noite, então eu saía da Faber e
dava tempo pra dar um tempo no centro, ir à biblioteca, preparar as minhas
aulas. Daí eu sempre via aquele monte de jovens, e eu pensava nossa, esse
lugar deve ser apenas pra jovem. Daí não ia, nunca fui. Combinava com
uma moça da Faber e nunca dava certo. Daí eu conhecia pessoa que saiam
de longe pra irem ao Grupo de Oração da Santa Madre Cabrine e eu
morando lá do lado, no Monte Carlo e não ia. Daí, comecei a ir de domingo.
Eu gostava, mas ainda faltava alguma coisa. Daí comecei a ir à Catedral, e
vi que não era só pra jovens, as pessoas oravam em línguas, repousavam no
espírito, era diferente desse que tem hoje, é mais calmo, o bispo corta tudo,
pode até ser uma visão errada. Eu devo ter começado há uns 10 anos
(entrevista nº7, sublinhado nosso).
98
e outra é a forma de resguardar o corpo de seus seguidores, uma vez que as roupas vendidas
pela Comunidade são camisetas e blusas com a marca Canção Nova, mensagens de castidade
e fé, porém sempre com o cuidado de preservar os fiéis, sem expor os corpos.
A sede da comunidade, e o seu shopping virtual, no site cancaonova.com, também são
postos a venda chaveiros, canetas, imagens, terços, taús, oratórios. Esse complexo de
‘produtos religiosos’ oferece uma ‘alternativa’ ao mercado de consumo sagrado; além de
também ser uma forma de identificação de quem já se sente um carismático, nos espaços das
orações das comunidades da Renovação Carismática.
Essa afirmação foi possível de ser ‘sentida’ durante a visita à sede da Comunidade
Canção Nova, em Cachoeira Paulista. Nessa ocasião, aproveitei do material que havia
comprado na época do meu seminário de tese, para demonstrar os métodos de demarcar os
carismáticos dos outros, e vesti camisetas fabricadas na Comunidade Canção Nova. Foi nítida
a facilidade que me foi proporcionada na conversa com o membro da Comunidade de Vida.
Ele passou a relatar experiências pessoais, como uma forma de me convencer a enfrentar a
mesma empreitada que ele e, por mais que fosse explicado o meu interesse em conhecer a
rotina das pessoas que viviam na sede da comunidade, fui tratada como uma possível
carismática.
Além do investimento em roupas, adornos, livros, material audiovisual, a Comunidade
Canção Nova, com o objetivo de se aproximar dos mais jovens, traz um vasto arsenal de
possibilidade em seu site. Como já foi comentado anteriormente, há diversas formas de
interação com o público virtual, mas, além do site cancaonova.com, eles também têm Wiki
CN Enciclopédia Canção Nova, http://wiki.cancaonova.com, uma versão carismática do
Wikipédia – A Enciclopédia livre, sendo que a primeira postagem se deu em 29 de Novembro
de 2007.
A Comunidade Canção Nova, a exemplo de ordens católicas e de outras religiões,
além da arrecadação do dinheiro com a promoção de seus produtos, como uma forma de
demarcar a afiliação social, e, deste modo, promover na sociedade a imagem de crescimento
do movimento religioso, a Comundiade Canção Nova conta com um processo mensal de
doações espontâneas. Estas são tanto em forma de boletos mensais, como doações online no
site da comunidade, além de campanhas específicas, como as realizadas durante a contrução
do Centro de Evangelização ‘Dom João Hipólito de Moraes’ . Mensalmente, há um valor a ser
angariado para a manutenção dos diversos gastos, seja com publição, produção ou mesmo
manutenção da Comunidade, e no site, online é visto um diagrama do percentual dos valores
arrecadados no Clube de Evangelização. Os valores extras, como para a construção do centro
99
de evangelização foram arrecadados com campanhas como a do incentivo aos fiéis a doarem
suas jóias para ajudarem no término da obra.
Entre as histórias que pude assistir na TV Canção Nova, nessa campanha para
construção do centro de evangelização, uma deixou-me comovida, apesar que se torna difícil
saber qual é a veracidade da mesma. O apresentador informou que havia recebido de uma
senhora uma doação de duas alianças e uma carta com a história delas. Na carta, a senhora
dizia que se tratava da última recordação que tinha do marido falecido, mas que sabia que
aquela doação era um bem para a própria alma dele, pois ajudava num projeto divino. Desta
forma, o apresentador pedia que as pessoas tomassem como exemplo a história daquela fiel, e
ajudassem no sonho da construção do centro de evangelização.
Assim, com o desapego das pessoas às questões sociais como: dinheiro, prazer,
diversão, a construção da identidade carismática vai se solificando na vida dos fiéis.
5.1 Como se dá a construção da Identidade Carismática
A apresentação de uma identidade carismática pressupõe uma idealização, daí se pode supor
que ela corresponderia a um tipo ideal weberiano, que tenta estabelecer uma forma de
singularidade de configuração, e como o próprio nome indica algo perfeito; é bom ser
ressaltado que a perfeição é algo inatingível, por isso o tipo ideal weberiano é uma
configuração ilusória e exagerada. Este conceito tipo ideal, forjado por Weber, é um recurso
metodogico para tentar a orientão do cientista social no interior da inesgovel variedade de
fenômenos observeis na vida social. Consiste em enfatizar tros da realidade até concebê-lo em
sua realização mais pura e consequentemente jamais se apresenta assim nas situações observeis.
(WEBER, 1992).
Os carismáticos são inconscientemente levados a agirem e terem opções de vida
condizentes com a Renovação e assim se assumirem uma forma de identificação, que atendam
as expectativas da comunidade, para transmitirem aos outros os benefícios obtidos nesta vida.
Eles assumem frente a sociedade uma vestimenta dos tipos carismáticos ideais, para que
sejam identificados como pessoas que estão no caminho da salvação no outro mundo. Deste
modo, um controle dos corpos, um comando moral, que vão desde os códigos de
comportamento, até as subjetivações envolvidas. Essa disciplina corporal é estabelecida
100
através de regras e normas, com a intenção de construir corpos dóceis. Assim, por meio de
limites e exigências se forma a identidade carismática, que abarca inteiramente os fiéis através
da palavra de ordem que seus líderes pronunciam,
A palavra falada é um meio, um traço, cuja efervescência no tempo e no
espaço é compatível com a preservação do significado através de distâncias
no tempo e no espaço por causa do domínio humano das características
estruturais da linguagem
GIDDENS (2002, p.29)
.
Pelas palavras da líder da Comunidade Hesed,
Na verdade não é a Renovação que pede modificação, é a maturidade que
chega, porque enquanto a gente caminha cego, na cegueira, a gente
caminha na paixão desse mundo, então o nosso corpo não é visto como um
templo do Espírito Santo, um templo que guarda Deus, um corpo que vai nos
levar para o céu.
Durante toda a pesquisa, a imagem da Edna foi muito citada como um exemplo a todos.
Mesma a própria Edna, durante as entrevistas, ou mesmo em conversas informais,
demonstrava ter consciência que ela se tratava de um exemplo à comunidade:
eu [Edna] sinto que eles olham pra mim como modelo mesmo, que o que eu
fizer eles fazem atrás, por exemplo, eles ficam tomando conta da minha
maneira de ser, do meu jeito de falar, do meu jeito de me vestir, do meu jeito
de proceder dentro de uma Igreja. Seria como se eu vivesse como Moisés.
Moisés entrava na tenda o povo tava de olho; Moisés saia da tenda, o povo
tava de olho em Moisés. Tudo porque Moisés falava com Deus face a face,
então o povo via Moisés como modelo. Eu sinto que no grupo de oração, o
povo me olha assim, para o povo me entenderem, para eu passar quem é esse
Jesus e quem foi esse Jesus que me ressuscitou, que me deu vida, que me leva
em frente. Para eu demonstrar a forma correta de viver, eu tenho que viver
assim.
A líder fez queso, em todos os momentos, de transparecer essa conscncia da forma como ela é
observada, da necessidade dela ser um exemplo. Do desprendimento que teve para deixar sua
profiso de professora, para se dedicar ao ‘projeto’, que segundo ela, Deus havia a havia
destinado.
O que se pôde analisar é que há uma tentativa de forjar um tipo ideal próximo dos
integrantes da comunidade a ser seguido. Se a Renovação Carismática tem como um tipo ideal
feminino Maria, entre a Comunidade Caão Nova, o tipo ideal é Edna. Para assumir esse tipo
ideal, Edna incorporou em seu cotidiano um desprendimento com a imagem de uma mulher
vaidosa, passou a usar roupas que a identifiquem como caristica e uma vida destinada a dar
sermões e exemplo aos seus seguidores.
101
Assim, todas as normas estão presentes em várias formas de difusão das ideias da
Renovação, os carismáticos sentem-se envolvidos com um sentimento de motivação para
seguirem tais regras. Essas razões representam ações contínuas, que se incorporam no
cotidiano, passam a fazer parte da rotina e se tornam uma reprodução do comportamento.
o consenso do estilo de vida do carismático e a partir daí se estabelece um novo modo de vida
entre os católicos neoconvertidos.
5.2 A fala carismática
5.2.1 Sobre o envolvimento com a Renovação
Os motivos que levam as pessoas a buscarem o auxílio divino na Renovação Carismática são
vários, desde o fim de relacionamentos até doenças na família, este fato que pode ser
explicado desde a origem do movimento carismático, pois em 1967 as pessoas se reuniram,
pela primeira vez, em busca de milagres. Entre os porquês das pessoas aderirem a esse
movimento castrador e tradicionalista está o milagre de conviver com maior proximidade
social, deixar de lado o medo, a insegurança de não ser aceito, pois na comunidade
carismática há a aceitação de todos, ao menos num primeiro momento.
Nos encontros, as pessoas veem as ‘meninas dos olhos’ das pessoas que participam,
sem a necessidade de se esconder, de temer o outro, proclamam uns aos outros a importância
que têm no mundo. Além desse ponto essencial, também há a crença na esperança de cura, na
justificativa da teodicéia necessária para que os dias no mundo gerem uma esperança de
recompensa após a morte.
Entre os vários depoimentos da pesquisa, percebe-se que os problemas dessa
conversão à Renovação são relacionados a questões familiares, afetivas, de saúde, como,
sobretudo ao apelo à esperança numa salvação, seria como se o fiel necessitasse de uma
‘certeza’ na salvação, para aceitar os problemas enfrentados perante a sociedade.
O sofrimento, uma depressão profunda que o João teve, fez com que nós
fôssemos em busca de Deus. Morávamos perto da Comunidade Canção
Nova e algumas pessoas indicaram o caminho e fomos num acampamento
de cura e libertação. Isso foi em 1998 (Sandra, entrevista nº3).
´[...]E os médicos diagnosticaram que meu pulmão iria se desintegrar. Eu
estava muito magoada com a minha sogra, ela era muito autoritária, muito
102
ciumenta, cheia de feridas e ela se enveredou pelo espiritismo. E meu
casamento quase foi pra ‘cucuia’, eu estava em pele e osso [...] (Bel,
entrevista nº18)
Porém, a maior parte aderiu à Renovação devido a forma de expressão do movimento,
Na missa você fala que participa, mas, na verdade, ouve, e na
Renovação, além de você poder dar idéias, conversar, falar, você está
presente com a Bíblia na mão a todo encontro (Roberto, entrevista nº11).
Eu conheci a Renovação por curiosidade, estava passando em frente à
Igreja com a minha mãe, na minha cidade, e a gente viu uma coisa diferente
e entramos, mas foi bem no comecinho da Renovação, eu tinha uns 20 anos.
Achei um lugar diferente, a gente também encontra Jesus de uma forma
diferente, com isso minha vida foi mudando, foi ficando diferente, parece
que a gente encontra Jesus de uma forma diferente. A Igreja era algo
fechado e Renovação, não, a gente vai percebendo o amor de Deus a
misericórdia.
37
Eu vi que não era da forma como eu tinha aprendido na
Igreja Católica, é uma forma diferente. Eu gosto das músicas (Valéria,
entrevista nº 5, negrito nosso).
De certa forma, todos os testemunhos coadunam para uma mesma questão, a
proximidade que os rituais proporcionam entre as pessoas. Nos grupos de oração é pedido
para que cada fiel reze, não por si, mas pelo outro, assim se estabelece uma corrente de oração
e todos, ao menos naquele instante, são velhos conhecidos. A líder, nos cultos, pede às
pessoas que olhem uns nos olhos dos outros e digam a importância que o outro tem para
Deus. Nesse instante as pessoas se abraçam, e é restabelecido o sentimento de segurança
perdido na sociedade, esse olhar para outro, sem medo da proximidade, sem medo do toque,
provoca um sentimento esquecido no cotidiano da vida, o reconhecimento do outro
(GIDDENS, 1991, p.85).
As pessoas que vai aos grupos de oração, e que participam de encontros da Renovação
Carismática, têm o objetivo de encontrarem seus pares em sofrimentos e assim poderem
caminhar com um apoio na vida, sejam se sentindo melhor por verem nos outros seus
semelhantes em angústia, seja por encontrarem pessoas para compartilharem a vida.
Essa forma diferente de ver a vida é ainda vista de uma forma pejorativa pela
sociedade, pois muitos ainda persistem em classificá-los como beatos, igrejeiros. E como a
líder da Comunidade Hesed,comenta, então não é beatismo, um fechamento. [...] Não como
outros irmãos protestantes que fecham o entendimento’. um novo projeto de vida. Em
uma das reuniões do Grupo de Oração, a líder em seu discurso afirmou que a mulheres não
deveriam se intimidar se fossem chamadas de beatas por frequentarem a comunidade. Essa
37
Destaque nosso.
103
mesma ideia Pe. Leo expõe na palestra Católico Light, as pessoas precisam dizer não às
facilidades da sociedade, e relembra que Cristo afirmou que quem quisesse ser discípulo Dele,
deveria tomar a própria cruz e segui-Lo. Dessa forma, se a pessoa é criticada por ser
carismática, está se entregando à cruz, como Cristo, o que a faz se sentir mais próxima da
salvação. Ou, ‘o estigmatizado pode, também, ver as privações que sofreu como uma bênção
secreta, especialmente devido à crença de que o sofrimento muito pode ensinar a uma pessoa
sobre a vida e sobre as outras pessoas’ (GOFFMAN, 1982, p.20).
Essa mudança de vida, com a opção de ver o mundo através do filtro do movimento
carismático, altera o comportamento das pessoas. Um exemplo desse fato é a mudança de
comportamento de Rose, que expõe as intervenções que seu corpo passou a sentir,
Eu andava sempre com roupinhas escandalosas, eu gostava; mas depois
que comecei a ir pra Igreja, tudo mudou. Uma vez fui pra praia, pus o
biquíni e comecei a chorar e pensei que eu estava pelada no meio de todo
mundo. Então são coisas que Deus vai mudando (entrevista, nº10).
Uma curiosidade desse relato é a comparação social com o corpo masculino, pois este
caminha pela sociedade de forma natural, quase nu, e nunca é visto como um atentado à
moral, pois o corpo masculino não traz consigo a marca do pecado ou nem é visto como a
fonte do desejo; enquanto as mulheres são interditadas de vestirem roupas que possam deixar
o corpo a mostra, pois
[...]o problema é que a mulher sempre foi na história marginalizada objeto
de prazer nessa história machista. Agora, de tanto explorar as mulheres,
agora estão explorando os homens, mas você pode notar que em todas as
revistas de mulheres nuas, sensuais. Porque como o Pe. Leo fala a mulher é
bonita, tem um corpo bonito, ela foi feita por Deus, a mulher é muito mais
sensual (líder, sublinhado nosso).
Nessa questão, torna-se interessante avaliar que o discurso da líder é contraditório, pois dentro
do movimento carismático, os discursos têm um viés machista, pois os diversos cuidados com
postura, com a forma de se vestir, sempre recaem sobre as mulheres, como elas sendo as
provocadoras das paixões carnais: ‘A gente o corpo para as paixões, pra sensualidade,
então a gente quer ser sempre provocante, provocando o irmão, na nossa maneira de vestir,
de se arrumar não existe pureza no coração’ (líder).
Porém Luzia Santiago, a co-fundadora da Comunidade Canção Nova, em um artigo
comenta que as pessoas pedem que ela oriente as meninas no modo de se vestir ‘Lu, oriente as
meninas que vêm orar conosco, para não se exporem tanto no vestir, pois além de causar
104
constrangimento em nós homens, isso não é bom para elas como cristãs (SANTIAGO, 2003,
p.70).
Outra mudança de vida foi relatada por Ricardo, após entrar na caminhada carismática,
Algumas pessoas veem que minha vida mudou muito. Meus irmãos, meus
cunhados sempre dizem como eu mudei, então veem a diferença. Eles
sempre gostaram de mim, mesmo na época que eu fazia coisas erradas, mas
se distanciaram. Agora eles têm mais confiança em mim (entrevista nº6).
Os entrevistados frisaram que os outros teimam em confundi-los com os evangélicos,
e como já foi comentado, os carismáticos tem uma grande preocupação em firmar uma
identidade para não serem confundidos com outros pentecostais,
Muitas pessoas perguntam pra gente: você é evangélica? Como se eles
conhecessem o evangelho. Não que eu saio pregando, mas quando a gente
fala do comportamento, da nossa vida na Igreja, fala de forma simples sobre
a em Deus, que se crê em Deus, é como se o católico falasse diferente
(Sandra, entrevista nº3).
Ana, por exemplo, disse que apesar das críticas pela opção da mudança de
comportamento, ainda assim as mesmas pessoas que a criticam, por saberem de seu
envolvimento com a Igreja, nos momentos de aflição pedem socorro e que ela reze pelos
problemas delas, ou como ela mesma comentou, Elas percebem que nós temos alguma coisa
de diferente’(entrevista nº16). Os carismáticos sentem-se diferentes, mas como afirmou Pe.
José Augusto
38
em uma palestra, eles não se acomodaram nessa situação de salvos, eles têm
que se privar de coisas da vida, para assim, no dia que Cristo voltar, poderem estar aptos para
viverem ao lado Dele.
Conforme Prandi (1997, p.16), ‘dentre as diferentes modalidades religiosas no Brasil
de hoje, o movimento carismático é o mais fortemente feminino: nele as mulheres perfazem
nada menos que 70% dos adeptos’. Portanto, foi interessante tentar compreender como um
movimento com tantas regras que castram as mulheres é tão atrativo a elas, além de
identificar como era visto ter uma mulher sob o comando de um grupo de oração e ainda
viverem subjugadas à hierarquia masculina.
Foram diversas respostas, por elas serem mães, por ser uma bênção, porque a mulher é
mais esforçada, porque os homens não se entregam, porém houve três respostas que
prevaleceram. Uma é que as mulheres são emotivas, têm sentimentos, nesse ponto percebe-se
o diálogo com a literatura do movimento, que as mulheres são mais sensíveis. Outras, ainda,
38
É mais um colaborador da Comunidade Canção Nova. Esta palestra faz parte do pen drive sobre Família.
105
acreditam que são elas as responsáveis por levarem a família, filhos e maridos, para a Igreja,
daí percebe-se o conceito cristalizado na sociedade de que a mulher é a responsável pela
harmonia espiritual do lar, Até porque ela é catequista em casa, a mãe é catequista’ (Sandra,
entrevista 3). Entre outros motivos, um homem e uma mulher, ambos solteiros,
responderam que elas estão sempre na cozinha, têm que cuidar da casa, da limpeza, das
crianças e ainda assim estão à frente dos grupos de oração, ou seja, na opinião deles é uma
demonstração de como as mulheres são fortes.
É interessante perceber o porquê é natural ter uma mulher à frente do grupo de oração.
Edna, a líder do grupo em pesquisa, segundo os entrevistados, é uma mulher forte, corajosa, e
predestinada a essa missão, porém a fala de Janaina expressou de forma mais clara e objetiva
esse olhar sobre a líder,
Acredito que Deus não escolhe os capacitados, Ele capacita os escolhidos,
Deus sempre fez assim, Ele escolhe os escolhidos. Maria, pelo sim de
Maria, ela mudou o mundo inteiro. Todas as mulheres são felizes quando
acreditam que Deus as escolheu e eu acredito que a Edna foi a escolhida e é
uma mulher de coragem, é uma mulher batalhadora (entrevista nº 13).
A líder vê sua ‘missão’ da mesma forma, ela se sentiu chamada por Cristo, foi escolhida como
Maria,
Na vida Deus chama e ele chama a todos. Ele chamou como Madre Teresa
de Calcutá, o papa João PauloII, BentoXVI para uma missão, assim como
Ele também me chamou. Agora ele chama, mas você responde se vo
quiser, porque todos são chamados, mas existe o livre artrio, você
responde se quiser. Eu senti que fui chamada e respondi, porque foi difícil
pra mim, deixar o magistério, deixar minhas crianças que eu adorava,
porque se eu tivesse continuado, eu também cumpria uma missão, pois eu
evangelizava, eu instruía, eu ensinava, eu fazia aquelas crianças que saíram
do nada a ser alguém. Eu dava alfabetização a adultos. Porque se eu não
tivesse largado tudo para aceitar a missão, eu também ajudava as pessoas,
mas ele talvez tivesse um chamado especial para mim, e é nessa hora que eu
consegui entender, pela força Dele, eu deixei Ele atuar por mim, porque eu
sozinha, não entendia nada, mas como eu abri o meu coração, Ele me deu a
força de renunciar aquilo que eu gostava, renunciar a vida social que eu
tinha, renunciar a escola, renunciar a tudo, pra eu voltar a ser uma simples
doméstica e poder evangelizar, pra eu poder evangelizar. (líder, sublinhado
nosso)
Na fala da líder, a visão das mulheres serem as pessoas mais aptas a cuidarem dos
outros se evidencia, pois mesmo antes de assumir a liderança de uma comunidade
carismática, ela exercia a função do cuidar do outro. O movimento espelha o lado
conservador e tradicional da sociedade, mantendo a mulher como a responsável pela vida
106
espiritual da família, além de administradora do lar, isto é, seu lugar restringe-se à vida
privada.
As pessoas entrevistadas tiveram a preocupação, durante a pesquisa de campo, de
evidenciar a figura da líder, além de declararem admirá-la como uma grande mulher. A figura
materna também não foi esquecida, afinal, ser mãe é mais importante que ser mulher, pois
desse modo elas se libertam da imagem de pecado deixada por Eva. Roberto essencializou a
necessidade das mulheres serem mães: ‘[admiro]Toda mulher que se predispõe a ser mãe.
Acho isso maravilhoso, bárbaro. A força da mulher nasce daí’ (entrevista nº11).
Quando foram instigadas a citarem um exemplo de mulher, havia a premissa que a
resposta seria Maria, o tipo ideal construído pela Bíblia. Dentro da estrutura carismática esta é
a mulher vista como um marco diferencial entre os pentecostais católicos e pentecostais
protestantes, além de ser constantemente citada em homilias e palestras, conforme Pe. Leo, no
livro Maria cheia de graça, que ressalta a importância de Maria, o jeito de serva dela ‘o jeito
de Maria
[...]
sempre está ligado à servidão’ (LEO, 2007, p.18).
No entanto, se for considerado que a mulher mais citada foi Edna, como a pessoa que
sempre está disposta a auxiliar a todos, com as palavras certas, no momento exato para os
fiéis, além de ser a mulher que aceitou a missão que Deus determinou a ela, a de trazer a
mensagem da Renovação para a cidade de São Carlos; por essas características ela também é
identificada como Maria, porém mais próxima e real a todos.
Assim como a personagem de Maria é o exemplo a ser seguido por todas as mulheres,
pois ela concebeu sem pecado, e se fez serva a todos, como quando soube que sua prima
Izabel estava grávida, não teve dúvida em acudi-la. Da mesma forma deve ser as carismáticas,
estarem sempre predispostas a auxiliarem os outros.
5.2.2 Sobre a vida familiar
É natural as pessoas casarem-se com outras pessoas que pertencem ao mesmo grupo social,
pois esse pertencimento evidencia a sintonia de gostos e as opções, além de facilitar com que
ambos aceitem as normas do grupo de pertencimento. Dentre as pessoas entrevistadas, 7
pessoas vieram a pertencer ao movimento apenas após o casamento, porém grande parte,
pode-se dizer, que se conheceu através da Igreja. Joana (entrevista 1) foi um exemplo do
movimento proporcionar a ressocialização dos seus seguidores, pois após um relacionamento
107
de anos, com uma casa em construção, depois do fim do noivado, ela, mesmo a princípio com
certa relutância, tornou-se uma frequentadora assídua da Comunidade Hesed; nesta mesma
comunidade, também encontrou a pessoa que seria seu marido , ou seja, ela encontrou apoio
no movimento e foi também através dele que conseguiu realizar o sonho de ter uma família e
ser mãe.
Outro caso peculiar surgiu na fala de João que relatou a sua experiência de pedir a
Maria uma pessoa ideal em sua vida, para ser sua esposa e mãe de seus filhos,
Eu morava em Pindamonhangaba, na época. Tenho o maior orgulho em
contar, porque eu estava em oração sozinho e pedia a Maria: ‘a Senhora
que é mãe, coloque no meu caminho uma esposa, não quero uma mulher,
mas uma esposa, por que mulheres têm muitas, mas esposas são poucas
(entrevista nº4).
Entre o casal Valéria e Ricardo (entrevistas
s
5 e 6, respectivamente) o encontro se deu
dentro de um retiro da comunidade Hesed, e no relato de ambos, a figura mariana esteve em
evidência, era como se ela os tivesse unido,
No sábado nem nos vimos. Eu o vi somente no domingo, eu estava com uma
camiseta com a imagem de Nossa Senhora. Daí a gente se conheceu, e os
dois queriam encontrar alguém para casar. Demos um tempo e depois
começamos a namorar poucos dias depois (Valéria, entrevista nº5,
sublinhado nosso).
Foi por um acaso que nós nos conhecemos, foi num retiro de cura e
libertação, de dois dias. Eu cheguei ao sábado à tarde, fique o dia todo lá,
no outro dia pela manhã, umas 10 horas, eu o vi e percebi que ela falava
sobre Maria, como ela viu que eu estava olhando ela veio me explicar o que
ela sentia por Nossa Senhora (Ricardo, entrevista nº 6, sublinhado nosso).
Entre as solteiras e que não namoravam, uma delas, que namorou por 4 anos, explicou
que o namorado respeitava a opção dela permanecer virgem; outra se lamentava por ter
perdido a virgindade em um momento em que estava mais voltada aos prazeres mundanos,
hoje, ela, além de se arrepender dessa fase da vida, afirma que não tem e nunca teve sonhos de
ter família, filhos; pode-se concluir que hoje essa opção pela castidade é uma forma de se
redimir pela sua vida antes de pertencer à comunidade.
Se na sociedade, o sacramento do matrimônio foi desvalorizado devido à fragilidade das
uniões, sempre ameaçadas por questões sociais ou pessoais, ou até mesmo financeiras, ou
seja, está sempre
À deriva, a frágil balsa do relacionamento oscila entre as duas rochas nas
quais muitas parceiras esbarram: a submissão e o poder absolutos, a
108
aceitação da humildade e a conquista arrogante, destruindo a própria
autonomia e sufocando a do parceiro (BAUMAN, 2004, p.31).
Dentro do discurso da Renovação Carismática, as mulheres são vistas como o esteio
para a salvação de seus maridos, pois segundo a líder,
[...] se você tem o entendimento, não fica reclamando, murmurando, indo
atrás do padre, reclamando que casou com porcaria, não! Você entende que
se você esperou em Deus [...], se você casou pedindo pra Deus pedindo um
companheiro para a vida, você entende que Deus a escolheu para ajudar a
levar aquela alma pro céu.
O Prof. Aquino em seu livro Namoro, comenta que de uma amizade pode surgir um
grande amor e que as pessoas podem ser indicadas com quem se relacionar, além dele, neste
mesmo livro, estabelecer a necessidade dos pares serem equivalentes, desde a mesma faixa
etária até o mesmo nível econômico,
Uma diferença de idade muito grande entre ambos pode ser uma dificuldade
séria, especialmente se a mais idosa for a mulher.
[...]
A diferença de vel social e financeiro também pode ser uma dificuldade a
mais, mesmo que possa ser vencido por um amor autêntico.
[...]
Também uma diferença de religião deve ser evitada, pois será também um
entrave para o crescimento espiritual do casal; especialmente na hora de
educar os filhos. (AQUINO, 2005, p. 68-69).
A líder carismática analisa que o que falta nos namoros de hoje é a presença de Deus, pois
quando o jovem se depara com Jesus, ele deixa de olhar o outro egoisticamente, pros seus
prazeres.
Essa questão do namoro, dentro da Comunidade Canção Nova, mostra-se peculiar,
pois durante uma visita à sede, em Cachoeira Paulista, em outubro de 2008, com o objetivo de
conhecer a estrutura da comunidade, houve a oportunidade de conversar informalmente com
uma pessoa da Comunidade de Vida. Este é um rapaz de 25 anos, na época, formado na área
de propaganda e marketing e trabalhava na Secretária Davi, responsável pela divulgação dos
livros, CDs e DVDs da Comunidade Canção Nova. Ele explicou que namoros dentro da
comunidade, porém, quando interesse entre as pessoas, elas passam por 6 meses num
curso, para saberem as responsabilidades do namoro; depois elas assinam um termo de
compromisso para namorarem; depois um termo de noivado; e finalmente casam-se.
109
O casal Sandra e João (entrevistas nº
s
3 e 4 respectivamente), relata que assumiram um
compromisso quase que a distância, como Sandra relata, eles se viram apenas 13 vezes antes
do casamento,
Temos uma história interessante, mas as pessoas duvidam. O nosso último
contato antes do casamento foi quase 40 dias antes do casamento. Fomos
nos encontrar no dia do casamento, eu no altar, já vestida de noiva e ele
entrando na Igreja. Porque, fui embora pra Minas, na casa dos meus pais, e
ele trabalhava à noite, e eu de manhã, então se eu fosse à cidade, não
conseguia falar com ele pelo telefone. Estava programado de ele chegar
dois dias antes, mas devido a muita chuva, ele não foi dois dias antes. Então
eu preparei tudo sozinha, e se alguém tivesse mudado de ideia, só saberia no
dia do casamento. Meu irmão perguntava meio discreto, se meu noivo viria
mesmo. E a gente não era mais adolescente, eu tinha 26 anos e ele 30 anos.
Eu tinha certeza que ele estaria lá (Sandra, entrevista nº3).
Ou seja, entre eles houve um compromisso moral, além do encontro ser considerado por João
como uma resposta de Maria a um pedido dele. A líder analisa que o namoro é o primeiro
passo para o compromisso do casamento, que é um compromisso na frente de Deus, é uma
vocação, é um caminho e sempre um caminho é difícil, duas pessoas que se unem totalmente
diferentes, elas vão se arrastando, apoiada uma na outra pra tirar as arestas
(líder)
.
Por este percurso, pode-se avaliar que os carismáticos podem se sentir mais tranqüilos
quanto à segurança no casamento, pois um compromisso assumido frente à comunidade
carismática, contradizendo os efeitos da sociedade moderna, uma vez que ‘”estar num
relacionamento” significa muita dor de cabeça, mas, sobretudo uma incerteza permanente.
Você nunca poderá estar plena e verdadeiramente seguro daquilo que faz ou de ter feito a
coisa certa ou no momento preciso’(BAUMAN, 2004, p.29).
Os entrevistados foram também questionados se tinham uma boa convivência familiar
e todos os casados afirmaram que eram felizes. Mas, essa pergunta torna-se complexa, pois
apenas três pessoas casadas foram entrevistadas sozinhas e não foi conversado com os
respectivos maridos, os outros casais estavam sempre juntos, o que pode ter direcionado a
resposta. Mas uma curiosidade, ao traçar o perfil das pessoas entrevistadas, notou-se que
uma das cartas de cessão para o uso das entrevistas individuais havia sido perdida. Ricardo foi
procurado, e se prontificou a ajudar. Na casa dele, no horário marcado, houve a surpresa, a
esposa dele havia se mudado para a casa dos pais, em Mato Grosso, levando a filha e imposto
a ele a condição de ir atrás dela. Na entrevista, realizada há menos de 1 ano, eles disseram que
viviam felizes, no entanto, foi o único casal que discutiu durante a entrevista.
110
Eu considero que foi uma providência divina, porque na época que nos
casamos eu não estava trabalhando, estava desempregada. Mas Deus foi
providenciando tudo, porque todo mundo que casa fica com dívidas, e a
gente não. Porque eu estava esperando uma pessoa em Deus, então acho
que tudo aconteceu por vontade de Deus. Apesar de que eu vejo pessoas que
com 8, 9 meses de comunidade, se casam e tudo corre bem (Valéria,
entrevista nº5).
Claro. Nós nos damos muito bem. Tudo foi uma coisa de Deus, tudo tão
rápido e tudo tão certo (Ricardo, entrevista nº6).
[...]
Tem pouco diálogo entre nós, mas o pouco que tem é bom. O Jonas é uma
pessoa calma tranquila, mas se provoca (Valéria, entrevista nº5).
Ela é um pouco estourada, se ela soubesse me ouvir mais, ela seria um
pouco menos estourada. O que falta nela é saber ouvir um pouco mais, se
ela soubesse ouvir um pouco mais a gente, seria bom (Ricardo, entrevista
nº6).
Bel, uma das casadas que foi entrevistada sozinha, expressou de forma mais realista
sua opinião sobre o casamento, que não é uma tranquilidade, adversidades, a
necessidade de ambos estarem dispostos a superar as dificuldades, e que o mais importante
não é o amor, mas a cumplicidade e o comprometimento no relacionamento,
Acho que o amar dói. Eu nunca me arrependi, nunca vou me arrepender.
Dizer que não tenho problemas? Tenho sim. O problema é que às vezes a
gente não quer enxergar. No casamento a gente não precisa ter amor, a
gente precisa ter afinidades. Então, por amor, a gente precisa passar por
cima. O Amor dói. (entrevista nº18).
Essa opinião de Bel é quase a mesma que a opinião do Mons. Jonas sobre o verdadeiro amor,
‘Só existe um tipo de amor: aquele que nasce da dor. O resto é sucata que o mundo nos
oferece. Novelas atraentes, pintadas com cores fortes, não passam de sucata. Vivemos do
metal puro, passado pelo fogo; metal que tem têmpera, e não de sucata’ (ABIB, 2002, p.17,
sublinhado nosso).
A líder da comunidade tem a mesma opinião sobre o amor, e considera que o casamento é um
trabalho com o outro,
Então se só a gente enxerga e ele não enxerga, como no meu caso que sou a
esposa ou vice e versa, a gente tem toda a experiência do espírito sabendo
que Deus está trabalhando naquela alma e uma hora ela vai enxergar, mas
daí a gente tem que estar disposta, porque amar é sofrer, então quando a
gente ama, sofre as demoras de Deus, então no casamento você sofre as
demoras de Deus, esperando a conversão do marido ou a conversão da
mulher (líder).
111
No discurso da Comunidade Canção Nova, é pregada a exigência de perseverança nos
relacionamentos, a necessidade de ser paciente, de perdoar o outro e permanecer em silêncio;
‘trata-se de um silêncio de longa duração, inscrito na construção do pensamento simbólico da
diferença entre os sexos, mas reforçado ao longo do tempo pelo discurso político ou médico’
(PERROT, 2003, p.20). Podemos ainda acrescentar que no discurso religioso o deixar de
ouvir o discurso feminino, assim, ficar calada e conformar-se que o instinto masculino são
passos que as mulheres devem aceitar como uma cruz para salvação.
O contraditório é que, nos discursos carismáticos é sempre evidenciada a necessidade
do diálogo na relação para que se haja felicidade no matrimônio, essa seria uma forma de
aproximar os casais, pois são duas pessoas que provêm de lares diferentes, com experiências
distintas de vida, de socialização, como João em sua fala,
[...]quando nós começamos o relacionamento, nós tivemos dificuldade na
adaptação um com o outro na vida a dois. que a criação dela,
estabeleceu um maior diálogo entre nós. Se um está nervoso, o outro fica
quieto, um tempo e espera. A gente espera um, até dois dias para
tocarmos naquele assunto, e procura falar de outras coisas, e não falar
naquele assunto que fere, e leva a pessoa a ficar nervosa. Então a gente
procura se entender dessa forma, pra gente não ter nenhum tipo de
discussão (entrevista nº4).
A esposa de João, falou da mesma forma das diferenças entre o casal, no entanto
evidencia a diferença de percepção entre homens e mulheres, conforme mencionou um padre
no curso pré-nupcial, que ela frequentou,
[...]eu guardei muito bem uma frase do meu curso de casamento, pré-
nupcial, que se muitos casais ouvissem essa frase, veriam o casamento de
forma diferente: ‘A mulher se recebe um verso num papel de pão, ela se
alegra, guarda com todo carinho, é a maior alegria, é o maior presente do
mundo, ela é mais sensível; e o homem, por mais emotivo que seja, por mais
apaixonado, a mulher pode escrever num papel de seda, com beijos e flores,
ele se alegra e larga num cantinho e vai.’ Então isso eu guardei como uma
lição do dia-a-dia, a mulher é mais sensível com detalhes, os homens são
mais secos nessa parte. Eu acho que eu tenho que estar bem comigo, se ele
percebeu ótimo, se não, tudo bem. Tento compreender os esquecimentos.
Porque se a gente for levar de outra forma, é complicado. As mulheres
muitas vezes cobram muito dos homens coisas que não estão na natureza
deles.[...] (Sandra, entrevista nº5, destaque nosso).
Talvez essa mesma questão, mas exposta de outra forma por Bel, é sobre os problemas que
podem enfrentar um casal vindo de culturas distintas e que não estejam preparados para
conviver com a diversidade, acho que tudo vai de acordo com a criação, da família. É
importante ter uma criação parecida (entrevista nº18).
112
Entre as premissas carismáticas está inclusa a necessidade das mulheres se mostrarem
submissas aos deveres do lar, para o casal viver feliz, como é pregado nos discursos da
Canção Nova, ou seja, é a divisão sexual do trabalho.
A divisão entre os sexos parece estar ‘na ordem das coisas’, como se diz por
vezes para falar do que é normal, natural, a ponto de ser inevitável: ela está
presente, ao mesmo tempo, em estado objetivado nas coisas (na casa, por
exemplo, cujas partes são todas ‘sexuadas’), em todo o mundo social e, em
estado incorporado, nos corpos e nos habitus dos agentes, funcionando como
sistemas de esquemas de percepção, de pensamento e de ação
(BOURDIEU,
2002, p.17, itálico do texto).
Numa palestra sobre Família, ‘Casais que se perdoam’, Pe. José Augusto alerta sobre a
necessidade de perdão em caso de traição. Durante a exposição, ele pede que as mulheres
perdoem os homens, e que estes percebam que a necessidade é além de dar a comida, também
o carinho é necessário; as esposas devem lutar contra a traição dos maridos, pois eles devem
chegar ao céu, assim, a orientação é que elas permaneçam rezando e clamando a Deus para
que o caminho do marido adúltero seja iluminado, para que ele se salve. Essa é uma forma de
submissão, uma justificativa à traição, pois ‘a compulsão sexual masculina tende a ser
diferente’(GIDDENS, 1993, p.92), segundo a sociedade.
As mulheres carismáticas são orientadas a não trabalharem, assim não terão acesso ao
diálogo com muitas mais pessoas além das restritas ao grupos, desse modo elas não terão
consciência da subserviência a que se submetem em seus lares. Essa submissão mostra-se
mais evidente quando o trabalho doméstico é inferiorizado, com a classificação de ‘obrigação
feminina’, ou seja, o serviço dela passa a não ter valor. Durante a pesquisa de campo, essa
desvalorização do trabalho feminino é quase uma norma entre as mulheres, pois das mulheres
que trabalham fora, apenas uma tem uma auxiliar nas tarefas de casa, elas dividiam-se entre a
vida profissional e o cuidado do lar. Porém, todas elas tinham um tempo reservado ao cuidado
da prole, elas que trabalhassem com seus horários para terem tempo para levarem os filhos ao
médico, para frequentarem reuniões escolares.
Essa visão do papel das mulheres mostra-se diverso quando o público é de solteiras,
pois elas acreditam que deve existir um modo de conciliar a vida pública e a privada. Mas é
necessário observar que elas ainda não vivem um matrimônio, portanto é fácil dizer sobre esse
compartilhamento entre a vida privada e a pública, uma vez que ainda não se tornaram
submissas na relação. Um exemplo de como a regra fica incorporada nos corpos, é o de
Valéria, que não trabalha e ainda se mostrou contrária a quem tinha essa prática, mas
113
curiosamente, fazia parte da casa com condição social menos favorecida, na época da
pesquisa.
Nas entrevistas, vê-se a perseverança do pensamento tradicionalista, tanto na resposta
dos homens quanto na maioria das mulheres da Renovação, pois ambos veem o papel dos
maridos como os responsáveis pelo sustento da casa e elas as responsáveis pela educação dos
filhos, é a divisão sexual do trabalho no lar.
E todos dizem e repetem: eis o lugar da mulher. Acreditamos que o lugar
atual da mulher não é no ateliê ou na fábrica, mas no lar, no interior da
família, porque a mulher que trabalha no ateliê deve deixar seu lar sem
direção e não pode manter seu interior’, diz o modelado Irénée Dauthier
(PERROT, 2005, p.179).
Assim, a sociedade carismática propõe às mulheres que se enclausurem no papel fornecido
pela sociedade, a de serem as responsáveis pela manutenção do bem estar familiar, enquanto
aos homens é dada a tarefa de cuidarem do bem estar financeiro do lar. Como na visão da
líder,
A mulher não foi feita pra carreira profissional, pois segundo os planos de
Deus, a mulher deveria estar dentro da sua casa, sendo a educadora e a
formadora da família. Nós, por causa do pecado social, do homem que não
ganha bem, a mulher é obrigada a sair de casa e começou a competição
com a mulher. Quem é o melhor, quem ganha mais, por isso que os filhos
não estão encontrando Deus, tem um monte de suicídio, por isso que a
juventude está do jeito que está, porque todas as crianças são criadas em
creches ou na frente da televisão (líder).
As mulheres carismáticas, como os homens, até disseram que, às vezes, por necessidade
financeira, a mulher se obrigada a trabalhar, porém eles ainda privilegiam a necessidade
que os filhos têm de uma mãe presente em casa.
Tem muita mãe que trabalha e se orgulha em dizer que vai dar o melhor pro
filho. No entanto, essa pessoa esquece que o melhor pro filho é o amor, é o
abraço, e, às vezes, fica em busca do melhor tênis, do melhor computador, e
trabalhando, e enquanto o principal que é o amor, a reunião escolar,
perguntar como foi dia dele. Então é um assunto polêmico, porque a
maioria das mulheres trabalha, mas eu penso que se não educarmos nossos
filhos, o mundo educa do jeito dele (Sandra, entrevista nº3).
A necessidade da pessoa, com a crise, o desemprego, a gente nunca sabe,
mas se é um casal que tem um marido e uma esposa, acha que a mulher
deveria se dedicar mais à família, ela deveria ter uma atividade, mas nunca
deveria esquecer-se do amor que ela tem que dar aos filhos. O amor vem
dos dois, mas a mãe é o alicerce da família. Então, se a mãe deixar os filhos
e for pro trabalho, fica difícil, fica difícil pra se ter uma criança educada,
bem estruturada (João, entrevista nº4).
114
Porém esse pensamento se modifica quando foi ouvida a opinião dos carismáticos solteiros,
Eu acho que para conciliar, o trabalho com o cuidar da casa. A questão
não é tanto a quantidade da presença da mãe, é mais uma questão de
qualidade, dela estar acompanhando (Maria, entrevista nº 2).
O ideal é o filho ser criado pela mãe, mas a necessidade faz com que ela
trabalhar. Mas creio que possibilidade de conciliar o trabalho com a
educação do filho (Sérgio, entrevista nº8).
No entanto, é bom ressaltar que ambos ainda não estão imersos no papel de esposa/mãe, nem
de marido/pai.
Por essa postura, da exigência da mulher estar presente no lar para a criação dos
filhos, pode-se justificar com o pensamento anti-feminista presente no movimento religioso,
como se expressa Aquino em seu blog:
A tal ideologia de “gênero” (gender) hoje exige a eliminação de qualquer
tipo de diferenças sexuais. Esta perigosa ideologia difunde que a moral cristã
é discriminatória a respeito da mulher, e que é um obstáculo para seu
crescimento e desenvolvimento; logo, precisa ser destruída. Assim, muitas
organizações feministas promovem o aborto, o divórcio, o lesbianismo, a
contracepção, o ataque à família, ao casamento, e, sobretudo à Igreja
Católica; pois são realidades “opressoras” da mulher (AQUINO, 2008).
Essa ação anti-feminista dos movimentos fundamentalistas de impedirem que as
mulheres se conscientizem do potencial que têm e possam vir a romper com os valores
tradicionais cristalizados na sociedade, é um meio de impedi-las de fazer parte do mercado de
trabalho. Essa disputa tenderia a gerar a diminuição de emprego aos homens e, em
consequência, inúmeros fatos que vêm atrelados ao desemprego, à impotência, à depressão, à
insegurança; enquanto nas mulheres, a conquista desse espaço geraria segurança, elas
passariam a ter um cuidado maior com a aparência, pois a vida seria além do espaço
doméstico, e esse fator tenderia a estimulá-las a usarem contraceptivos, pois assim sentir-se-
iam menos culpadas por deixarem seus filhos a sós em casa. Ou seja, a vida fora do espaço
doméstico das mulheres acarreta uma rie de perturbações nas relações de gênero, desde
problemas psicológicos aos homens até o estímulo ao uso de contraceptivos. Desta forma, é
possível compreender o porquê das palavras de ojeriza ao feminismo pronunciado durante as
homilias ou palestras dos seguidores da Renovação Carismática.
Se na sociedade, há uma diferenciação na forma como homens e mulheres percebem o
casamento, entre os carismáticos, essa diferença é a regra. Nas entrevistas e documentos, as
justificativas para essa diferenciação giram em torno do instinto materno ou do cultural. Na
sociedade, neste caso mais específico na carismática, as palavras pronunciadas pelo padre no
115
matrimônio até que a morte os separe
39
, ainda é uma verdade. E essas diferenças constituem a
formação da identidade carismática.
As mulheres carismáticas veem de forma comum as diferenciações entre os gêneros, e
aceitam placidamente a vida que lhes é oferecida. Essa aceitação fica evidente no caso de Bel:
que o marido que é professor universitário em outra cidade, vive como ela uma vida de
solteiro, ou seja, conforme palavras dela, casou-se com a vida profissional, enquanto ela,
mesmo tendo um nível universitário, contenta-se em cuidar da vida privada apenas,
Tudo é permeado com muita confiança. Mas lá, ele é casado com o
trabalho, é um workholic, minha esperança é que quando ele se aposentar
ele descubra algo de novo na vida. Eu apesar de não trabalhar, não tenho
uma vida monótona, ela é carregada. Eu espero que Deus o ilumine depois
da aposentadoria para que a gente volte a namorar, a fazer coisas juntos.
Daí a gente vai ter que aguar essa plantinha de amor com muito mais
carinho, é uma nova fase (entrevista nº18).
Assim, as mulheres carismáticas são orientadas a cuidar de suas casas, não
trabalharem em prol dos filhos, serem pacientes com os maridos. Como o exemplo que a líder
deu de uma pessoa da própria família, que por o seguir a função divina dada às mulheres,
teve um castigo,
Por isso é um pecado essa gente que casa e promete no altar que vai ter
todos os filhos e depois não cumpre. Tenho uma sobrinha que se casou e a
gente costuma perguntar - e fulana não vai ter filhos? - Ah! Não, não suporta
essa ideia, ela quer viver primeiro a vida! - essa era a resposta que eu tinha.
E o que aconteceu?- nesse meio tempo, foi descoberto um tumor no útero
dela e teve que tirar tudo. Agora ela está desesperada para pegar uma
criança para criar. Conclusão, casou, podia ter o filho dela e não teve seu
filho, porque ela quis governar a própria vida, não quis perguntar pro
Criador> E qual foi o castigo? Agora vai ter que criar filhos dos outros, se
quiser, pra dar trabalho mais tarde, talvez (líder).
Além de evidenciar a importância do papel da mãe na educação das crianças nesse processo
da primeira socialização da prole.
A mãe deveria ser a primeira a colocar a paz no coração da pessoa, a
ensinar a criança a rezar, ensinar que Deus é Pai. Tanto é que todos os
antigos, os padres antigos, eles vieram de uma mãe que os ensinou a rezar o
terço, de uma mãe que rezava; e hoje você não isso, por quê? Porque a
mulher teve que sair de casa por causa de uma questão social (líder).
Dessa forma, as falas da líder carismática se mostram contraditórias, uma vez que ela diz [...]
vai ter que criar filhos dos outros, se quiser, pra dar trabalho mais tarde, talvez. Mas também
39
Destaque nosso.
116
diz que a criação da criança dependerá da forma como ela for criada. Se a criança for adotada
ou tiver uma mãe que por necessidade financeira ou por desejo de ascensão profissional for
em busca de uma vaga no mercado de trabalho, o destino será, em ambos os casos, os piores
possíveis.
5.2.3 Sobre a vida íntima
Perguntar sobre a vida íntima de pessoas cerceadas por regras religiosas, não se mostrou uma
tarefa fácil, porém ela se fez necessária, que esse é um dos pontos ápices da construção da
identidade carismática. Entretanto, essas perguntas foram feitas com cautela na pesquisa de
campo, desde o pedido de permissão para prosseguir a entrevista até a oportunidade das
pessoas se negarem, caso se sentissem invadidas na vida privada. Foi interessante perceber
que as respostas foram homogêneas, quanto ao questionamento se eram boas parceiras na vida
íntima. No entanto, a intenção era atingir algo mais preciso com um possível desenho do
companheiro ideal, e o respostas diretas e vazias, com a vaga denominação de serem boas
companhias, entretanto nas outras perguntas, foi possível perceber brechas nos discursos.
Segundo as diversas formas de expressão da Comunidade Canção Nova, a
persistência no discurso da restrição quanto a forma de se ter prazer. Eles consideram a vida
íntima como uma imoralidade, mesmo nas pessoas casadas, pois elas sofrem o controle
deonde irem, onde praticarem o sexo, e limitações quanto às formas de intimidade, e, como se
todo esse controle não bastasse, fica evidente que a castidade é uma penitência mais válida a
Deus.
Essa vida regulada é o normal aos carismáticos, uma vez que eles não se veem
cerceados por terem limites quanto ao relacionamento íntimo. Apesar de algumas pessoas
atribuírem problemas quanto à relação devido a questões de saúde, seja na própria casa ou
entre os familiares, a maioria afirmou ter uma vida normal. E como já foi citado no capítulo 3,
um dos casais afirmou até frequentar o motel. Esta é uma amostra que os carismáticos, assim
como os católicos considerados light, também escapam pelas brechas dos discursos e fazem a
religião a seu bel prazer.
Os pais têm um cuidado ao educar seus filhos, e qual exemplo será transmitido a eles.
Como um marido que respondeu, sem muito cuidado com as palavras, o quanto a relação
havia melhorado depois que a filha se casou, pois eles passaram a ter mais liberdade dentro de
117
casa. Roberto mostrou-se mais tranquilo ao expor sua vida íntima, ao contrário de sua esposa
Rose, que preferiu permanecer calada enquanto o marido comentava,
A nossa vida sexual é bem ativa porque, depois que minha filha se casou,
temos mais liberdade. A gente tem mais liberdade de se beijar, se tocar.
Porque antes a gente não queria que algo saísse fora do normal do ponto de
vista dela. Eu queria que ela visse uma coisa bonita entre a gente. Também
não queria dar muito espaço... incentivando..., porque a juventude
muita coisa ruim por aí (Roberto, entrevista nº 11).
Nessa fala, duas informações a ser evidenciadas, primeiro, o desembaraço ao falar
da necessidade do toque, do prazer no relacionamento; depois, da privação que o casal tinha
para transmitir um exemplo positivo à filha, afinal os pais são vistos como referência aos
filhos. Já o silêncio de sua esposa sobre questões relacionadas à vida íntima envolve o silêncio
feminino, resquício da tradição patriarcalista, pois as mulheres que expressam seus desejos na
vida privada, ainda são consideradas anormais. ‘Segundo as palavras de um especialista
médico, ‘o que é condição habitual do homem [excitação sexual] é a exceção nas mulheres’’
(GIDDENS, 1993, p.33). Assim, calar-se frente à desenvoltura do marido é o melhor caminho
para se preservar frente ao outro.
Outro ponto que se mostrou interessante ser analisado sobre a vida íntima dos
carismáticos foi a questão da obrigação do casal ter filhos, ou seja, ser negado qualquer forma
de evitar a concepção que não seja natural. Essa norma é devido a principal função do ato
sexual ser a procriação, assim, ele deve ser um meio de se atingir o prazer, mas não um fim.
Por esse motivo, esse questionamento se mostrou o ponto ápice da entrevista, e deu uma visão
de como as normas são vistas e de como o poder sobre a vida privada é exercido dentro do
movimento religioso, impondo restrições aos corpos dos fiéis.
Entre os diversos livros publicados pela Comunidade Canção Nova, o livro A Cura da
nossa afetividade e sexualidade traz uma organização de textos de diversos membros da
Comunidade Canção Nova, que evidencia bem as regras ditadas pelo movimento; assim como
na coletânea de palestras contidas num pen drive, um novo produto do ‘shopping’ da
comunidade, que contem 20 palestras e homilias sobre a Família proferidas em retiros, na
própria comunidade. Nesses produtos da Canção Nova, as normas quanto ao uso de
contraceptivos e as questões que envolvem o ato sexual na formação da família estiveram
mais em foco.
No primeiro artigo do livro citado, Mons. Jonas cita a necessidade da
heterossexualidade como um mandamento divino ‘Explico esta realidade importante: Deus
118
criou o homem homem e criou a mulher mulher (ABIB, 2003, p.13). Nas entrevistas, uma
das pessoas comentou um dos péssimos exemplos da televisão era a presença de muito sexo,
homem com homem, mulher com mulher. A Luciana Gimenez também, com essa história da
filha da Gretchen (Rose, entrevista nº10)
.
Pe Jonas Abib, nesse mesmo artigo, termina essa
pregação evidenciando a necessidade de procriação no matrimônio. A líder do grupo em
pesquisa evidencia em sua entrevista, ‘ quando a pessoa chega ao casamento para se unir sua
vida para gerar filhos, então Deus proporciona esse prazer na relação sexual, como um
prêmio para a hora sagrada de gerar um filho’
(líder)
.
Porém, essa necessidade da procriação dentro casamento não é absorvida por todos e,
mais uma vez, há a fuga pelas brechas possíveis dentro dos discursos,
O sexo é complementar para o casamento, porque se não fosse prazeroso,
ninguém faria filhos. Mas o sexo é consagrado no matrimônio. Mas esse é
um assunto muito complexo, porque aí, vem o planejamento familiar, porque
eu vejo o sexo abençoado por Deus dentro do casamento, porém entra o
lado do planejamento familiar; porque ter filhos e cuidar de uma criança é a
coisa mais maravilhosa do mundo, mas numa sociedade, que por mais que
se fale em união, eu não posso contar com o outro que fique com o meu
filho, enquanto, por exemplo, estou com meu outro filho no hospital
passando mal. Porque desde que eu casei não pude contar com mãe ou
sogra, porque ambas moram longe. Então a gente, desde que nós casamos,
não contamos com ninguém, por isso sempre fiz um planejamento familiar
rígido, se vier outro filho, será bem vindo, nunca usei método
anticoncepcional, mas eu sou contra muito filho, porque se a gente fizer
nossa parte, Deus faz a parte dele (Sandra, entrevista nº3).
Na Renovação Carismática, é frisada também a necessidade do ato sexual para a
procriação, pois o movimento é contrário a fertilização in vitro, como Aquino comenta: ‘O
Senhor quer que cada criança seja gerada no calor do amor de seu pai e da sua mãe num
gesto, num ato de amor, que é o ato sexual’ (AQUINO, 2003, p.31). E assim é seguido entre
os carismáticos, como foi relatado durante uma entrevista por um casal que, após mais de 10
anos de casamento, a esposa não conseguia prosseguir com a gravidez, e após alguns abortos,
[...] o médico me aconselhou a ir pra Ribeirão Preto e fazer uma fertilização
in vitro. E eu já sabia que isso não era bom e decidimos esperar, daí
engravidei de novo, perdi de novo. [houve duas gestações que não vingaram]
Até que Deus me ajudou, fui pra Rio Claro, no dia 8 de dezembro e um
colega de disse que precisava me encontrar, porque tinha outro casal de
amigos com os mesmos problemas pra terem filhos e depois de um
tratamento tiveram um filho. E ele queria me falar isso, e disse no dia de
Nossa Senhora e dentro de uma Igreja. Esse médico é o único no país, ele
faz uma vacina para criar um ambiente propício para não perder a criança
[Ana, entrevista nº16, sublinhado nosso].
119
A combinação é de sangue dos dois. Os linfócitos meus e os dela, embora o
sangue fosse diferente, são iguais (Renato, entrevista nº 17).
Renato fez questão de relatar esse ‘milagre’ durante a entrevista, as dificuldades para
terem filhos e a perseverança na fé. Segundo ele, foi um milagre divino, foi como se Maria
intercedesse junto a Deus no pedido do casal, assim como aconteceu em Caná. Também foi
exposta a questão da fertilização via laboratório, que não é vista com bons olhos por Deus,
pois há uma manipulação da vida.
Sobre o processo de concepção, Renato comentou sobre as dificuldades que Ana
passou para a realização do sonho de se tornar mãe, os vários abortos que sofreu, e o apego
constante do casal nas palavras da Bíblia,
A primeira palavra que nós pegamos na Bíblia quando isso aconteceu [o
aborto] foi ‘feliz o aborto que não viu a luz do sol’, porque veja só, perdeu,
ela ficou chorando, cheia de tristeza, nós pegamos a Bíblia para consolar.
Depois em outra situação, num novo capítulo da Bíblia, surgiu a mesma
palavra ‘feliz o aborto que não viu a luz do sol’(Renato, entrevista nº17).
Os médicos afirmavam que a única opção era a fertilização in vitro. Eles, contudo, persistiram
até o ‘milagre’ narrado acontecer. O relato dos sacrifícios financeiros para o tratamento foi
feito sempre com a frase, ‘Deus nos ajudou’. No entanto, o maior sacrifício foi ao que Ana se
submeteu: todos os dias, tomava vacinas para evitar a neutralização do zigoto, pois o sistema
imunológico percebia-o como um corpo estranho.
Essa constatação evidencia que as relações de gênero, na vivência da
sexualidade e da reprodução, estão marcadas pela prática desigual das
tecnologias reprodutivas: as mulheres continuam assumindo as questões
reprodutivas, vivendo antigos conflitos na decisão da maternidade, apesar
das numerosas técnicas oferecidas no mercado (SCAVONE, 2004, p.88).
Da mesma forma que a fecundação artificial realizada através da manipulação humana
é proibida entre os carismáticos, também não é aceito qualquer método contraceptivo
artificial, pois seriam formas de estabelecer a liberdade feminina,
Portanto o sujeito mulher conquistou um direito à relação erótica sem
procriação, decide e age mudando a relação com seu corpo fértil, sua
sexualidade e decisão sobre a maternidade como destino, mas vai-se
tornando objeto passivo de tecnologias médicas contraceptivas pesadas
(CARNEIRO, 1996, p.119).
120
Os carismáticos têm uma posição totalmente contrária ao uso de pílulas, DIU, até o uso do
preservativo, como Pe. Leo relata na palestra ‘Viver o matrimônio na pureza’, o sexo com o
uso de preservativo não é um ato sexual humanizado, pois algo que impede a conjunção
carnal entre as pessoas. Se ponderarmos que todas as carismáticas seguem à risca estes
discursos as proles seriam tão grandes como a de nossas avós. Porém, é interessante ressaltar,
que a líder preocupada em ser o exemplo para os fiéis, tem em sua família o modelo a ser
seguido, suas duas filhas são mães, cada uma de 5 filhos.
Da mesma forma que existem diversos textos, espalhados pelo site da Comunidade
Canção Nova, que abominam a presença de máquina de preservativos nas escolas, pois esta
seria uma forma de incentivo à promiscuidade. Conforme Prof. Felipe comenta, o ideal seria
estimular os jovens para viverem a castidade, e cita uma matéria do jornal Folha de S. Paulo,
com o título ‘Governo da Inglaterra decide embasar a campanha de educação sexual na
abstinência sexual’ (AQUINO, 2003, p.35). E nesse mesmo artigo, ele prossegue sobre o
valor da castidade do jovem, e se expõe como um exemplo: ‘Estou casado trinta anos, e se
nesses trinta anos eu fui e sou fiel à minha esposa, graças a Deus, é porque durante a minha
juventude fiz o exercício da castidade’ (Ibid, p.41).
Mas, além das regras, eles também passam a solução para as pessoas prosseguirem nos
caminhos da salvação, como, por exemplo, participarem de uma comunidade, conforme Pe.
Edmilson comenta, ‘a comunidade nos ajuda a buscar a santidade, ela nos impulsiona a
sermos santos. Se você busca esses propósitos, ressurge no coração o desejo de corresponder,
buscando uma vida equilibrada’ (LOPES, 2003, p.49). Em uma comunidade é mais fácil
seguir as regras, pois elas são impostas a todos, para que eles sejam aceitos, pois como analisa
Bauman (2003, p.8),
E ainda: numa comunidade podemos contar com a boa vontade dos outros.
Se tropeçarmos e cairmos, os outros nos ajudarão a ficar de outra vez.
Ninguém vai rir de nós, nem ridicularizar nossa falta de jeito e alegrar-se da
nossa desgraça. Se dermos um mau passo, ainda podemos nos confessar, dar
explicações e pedir desculpas, arrepender-nos se necessário; as pessoas
ouvirão com simpatia e nos perdoarão, de modo que ninguém fique
ressentido para sempre. E sempre haverá alguém para nos dar a mão.
Assim, torna-se mais cil aceitar as normas e aderir à identidade carismática, pois ela
promoverá um sentimento de solidariedade entre os carismáticos, promovendo entre eles a
divisão das responsabilidades, das culpas e faltas, pois ao invés de julgá-los, tenderão a
compreender.
121
Quando as pessoas foram questionadas sobre o uso de contraceptivos, tornou-se claro
que muitos utilizam do movimento
,
apenas os aspectos mais evidentes do ensinamento.
Alguns afirmaram aceitar os planos divinos e terem quantos filhos Deus lhes planejou, pois,
conforme Roberto (entrevista nº10), Deus não uma cruz maior que você pode carregar.
Se você se voltar pra ele, ele não mais filhos do que possa criar, se você se entregar a
Deus, você não precisa tomar nada’. Raquel (entrevista nº9) ainda afirmou que a melhor
alternativa seria a abstinência sexual, ser casta e renunciar ao sexo. Mas esta mesma mulher se
casou muito jovem e grávida, e teve um único filho, pois trabalhava, e fazia o uso de
contraceptivos. Ela justifica essas opções porque era mais jovem e por falta de conhecimento
da palavra de Deus.
Outras três mulheres disseram usar o método Billings, inclusive que ganharam de suas
mães um livro para aprender como deveriam usar o método contraceptivo aceito pela igreja,
Eu ganhei da mamãe, quando ainda estava noiva, o método Billins. [...] Mas
não podemos criticar as pessoas pelo uso de métodos contraceptivos. Acho
que tudo isso tem que ser falado com o sacerdote e se acertar. [...]o casal
também não se relaciona só pra ter filhos, mas não é isso. O fato de
ficarmos juntos não é pra ter sexo, é para nos unir mesmo, nem de
sexo vive um casamento (Bel, entrevista nº18).
Esta foi uma das poucas pessoas que ponderou a necessidade de ser avaliar junto com a
cúpula da Igreja sobre a questão de proibição de métodos contraceptivos.
Algumas pessoas disseram ser a favor de métodos artificiais para evitarem filhos,
ponderaram a questão financeira, pois um filho gera muitos gastos ou como João comenta,
Então eu peço perdão, se estiver falando algo que não é da vontade Dele.
Ele diz ‘crescei-vos e multiplicai-vos’, assim como diz educar os filhos que
Deus der, educando e amando, então hoje é difícil educar e criar, então tudo
se torna mais difícil, temos que controlar pra não termos mais filhos
(entrevista nº. 4).
Porém, um casal que o tinha uma boa situação financeira, quando foi questionado se ter
filhos representava gastos, a resposta foi direta, ‘ter filho é ter gastos. Mas se formos pensar
assim Deus não permitiria os pobres terem filhos, apenas os ricos. A vida é diferente pra
todos’ (Ricardo, entrevista nº6). Esse é o mesmo pensamento da líder, pois segundo sua fala,
quem cria os filhos é Deus, quem for contra esse pensamento não tem fé,
Então que ninguém diga: ‘eu não posso ter 2, 3 filhos, por que eu não tenho
capacidade de criar, de não sei o quê’, esse é o maior pecado de soberba que
existe num homem, é ele olhando pra vida dele, é ele falando: ‘quem
governa minha vida sou eu, quem arranja dinheiro sou eu, quem trabalha sou
122
eu’, no entanto, ele esquece que se entrar uma gotinha de sangue no cérebro
dele, ele não mexe um dedinho (líder).
Entre as pessoas que estavam solteiras, uma delas afirmou que o corpo deve ser
educado e seguir uma tabelinha, outras duas foram mais assertivas e afirmaram que o método
Billings era o melhor. Outra, ainda, mostrou-se favorável a concepção, pois é uma tarefa
divina. Ou seja, não há um consenso sobre a melhor decisão, se ter filhos representa gastos, se
o uso de contraceptivo não é correto, enfim, foram perceptíveis diversas visões sobre essa
questão, não havia um consenso nas falas; por mais que os discursos busquem cercear os
fiéis, impondo-lhes a verdade carismática, o ato sexual para a maioria é visto como uma
forma de prazer e de aproximação do casal, ou seja, o sexo não é visto apenas como um fim
de se ter filhos. Assim, um discurso dissonante da Renovação Carismática entre os fiéis, o
que demonstra que nem sempre o discurso é completamente eficaz.
Sobre o pensamento mundano do sexo ser um fim de prazer, a comunidade carismática
culpa a mídia que traz cenas, situações e músicas que exaltam e estimulam a sexualidade
desenfreada e perverte a sociedade ao estimular relacionamentos livres e efêmeros. Durante a
pesquisa, quase por unanimidade, a resposta foi que a mídia estimula sim a sexualidade das
pessoas,
Podemos citar a televisão brasileira como grande responsável pela formação
de opiniões: seus programas, alguns equilibrados... e muitos desequilibrados,
transmitem valores totalmente deturpados que trabalham como ‘maus
professores’, ensinando diariamente como não realizar a vontade de Deus
(DUNGA, 2003, p.56).
Um bom exemplo, balizado na opinião médica, que tinha o objetivo de dar mais
veracidade a questão, é o de Joana, que comentou o caso de uma sobrinha que, apesar de ter
apenas 7 anos, já estava enorme, chegava a calçar 36. A mãe levou-a a médica, que a
aconselhou evitar que a menina assistisse televisão, pois a sexualidade ficaria muito forte e a
criança acabaria menstruando cedo.
As pessoas disseram copiosamente que assistiam aos canais da Renovação
Carismática, que essa era uma das formas de permanecerem no caminho da salvação e não se
perderem pelas tentações do mundo,
Acho que a televisão está sendo um mau exemplo para os jovens, para as
pessoas. Eles verem nas novelas, e acham que na vida real é a mesma coisa.
A questão é que na novela, tudo certo, os filhos crescem sem problemas,
arruma emprego rápido, mas quando eles vão ver a coisa não é muito bem
assim, não é tão fácil. Então eles ficam, depois ficam grávidas, perde a
123
juventude, casa, depois larga, pega outro, a juventude está muito doente
com tudo isso aí. Acho que tudo está muito liberal e acho que isso não está
bem. Talvez se tivesse um pouco mais de limite seria bem melhor para os
jovens (Raquel, entrevista nº 9).
Tudo é muito apelativo. Todo o chamativo disso é o sexo. Por exemplo, a
criança sem roupa não chama a atenção, mas ela com uma roupa minúscula
chama. O corte de cabelo é provocativo, pintam os olhos, usam saltinho
pra arrebitarem o bumbum (Roberto, entrevista nº 11).
Todas novelas são assim, os maridos saem em busca de outras mulheres,
então isso acaba se tornando algo tão comum que fica tudo comum. Por
exemplo, na questão do espiritismo, na Globo tem muito, então são coisas
que você não para de pensar e você vai engolindo e acha comum. É como o
Laerte falou [pregador da Canção Nova], depois que você tem o
conhecimento, não quer mais parar de conquistá-lo, e da mesma forma essa
garotada, depois que eles se acostumam eles não querem mais parar.
(Janaina, entrevista nº 13).
A líder do grupo deu um exemplo de como a televisão influencia o comportamento das
famílias
A Televisão é um meio de comunicação maravilhoso, mas ela é considerada,
não sei qual padre que falava que ela era a prostituta que ficava dentro da
nossa casa, que a gente fazia um altarzinho para ela, ela tem o melhor lugar
na sala. Por ela temos programas excelentes, temos cultura se você soubesse
arguir, agora somos da natureza de Deus, mas temos natureza fraca,
inclinadinha pro pecado. Com isso, podemos ser tentados a seguir os maus
exemplo, a começar pelas novelas, picantes, pra fazer sua cabeça
compactuar com aquilo (líder, sublinhado nosso).
‘A televisão tem uma espécie de monopólio sobre a formação das cabeças de uma
parcela muito importante da população’ (BOURDIEU, 1997, p.23). Desta forma, é a mídia
que estabelece a seleção dos comportamentos aceitos pela sociedade. Ela fornece os óculos
pelos quais as pessoas verão o mundo e praticarão certos princípios esperados pelos outros.
Porém, uma das respostas foi bem peculiar, pois ela tratou da questão de ritual, comparou a
rotina de assistir aos programas televisivos a um ritual, ‘[...]a repetição causa do rito. Se você
assistir todos os dias a televisão, um dia você repete’ (Janaina).
Renato ponderou que apesar de acreditar na influência da televisão, ainda assim,
dentro de uma família estruturada, essa questão não teria tanta importância,
Influencia e muito, e, infelizmente, é a maioria que se contamina com ela,
com uma mídia tão abrangente. Por exemplo, adolescente gosta de usar
piercing, daí a gente pergunta, mas porque você gosta de usar isso, daí ele
responde que tal grupo de rock usa. Então você que é pura televisão,
propaganda e rock. Daí você crianças bonitas com piercing na boca, na
sobrancelha, no nariz. Você que a televisão influencia. E os jovens que
não se influenciam, eles têm uma família estruturada e têm uma religião,
124
porque ele vê as coisas do mundo, se envolve nas coisas do mundo, mas não
se contamina. Quando aparece no fantástico que uma criança de 10, 11
anos grávida, pode ver que a família tem problemas, a televisão trata isso
como normal, mas não é normal (Renato, sublinhado nosso).
Nessa resposta, são diversas questões envolvidas, desde a importância da família estruturada
para a educação dos filhos, a firmeza nas escolhas do mundo, até a gravidez na adolescência,
isso sem contar a questão da necessidade de alterar o corpo para se tornar atrativo, coisa que o
movimento rejeita, pois o corpo é algo sagrado e não deve ser modificado, conforme Diego
Fernandes, apresentador de um programa matutino direcionado a jovens,
Quantas vezes, querendo ser belos, buscando a consideração das pessoas,
acabamos nos envolvendo e pecando, destruindo tudo de belo em nós e nos
tornando iguais ao Feio por excelência: O diabo. [...] Somos templos do
Espírito Santo e cuidar deste templo que é o nosso corpo é um dever!
(FERNANDES, 2005, p.90)
Sobre o uso do piercing, Prof. Felipe Aquino, no canal de formação do site
cancaonova.com, comenta sobre uma campanha pela troca do piercing por rosários,
Um grupo de jovens católicos iniciou, em Roma, um trabalho de
evangelização que consiste em oferecer aos jovens rosários em troca de
piercings. É a Associação Papaboys, que fica num bairro próximo ao
Vaticano; eles já acumulam mais de mil piercings de formatos, cores e
tamanhos diferentes.
‘Vamos derreter tudo e criar um coração em homenagem a Maria, mãe de
Jesus’, disse à BBC Brasil Daniele Venturi, presidente da associação.
‘Queremos que esses jovens encontrem o caminho da verdade’ (AQUINO,
2009C).
Entre os carismáticos quase um consenso, com algumas ressalvas, que quem está na
caminhada, não tem risco de se perder, ‘Se eu vejo algo na televisão, eu não vou fazer, porque
eu não sou burra, estou numa caminhada. Mas a maioria das pessoas não quer saber de
Deus. As pessoas querem saber das coisas mais fáceis, ainda mais com a televisão que
estimula’ (Valéria, entrevista 5). Outra afirmou que assiste a novelas e outros programas e
que a influência só acontecerá se a pessoa deixar.
A televisão é educadora das crianças, dos adolescentes. Acho que não tem
tanta questão do sexo que aparece na televisão, é mais a maldade. Mesmo a
moda, as mulheres ficam com corpos a mostra, por causa da televisão, elas
seguem esse mau exemplo. Mas não acho certo criticar a televisão, porque
tem botão e você é livre para escolher o que assistir e o que seu filho vai
assistir (Nadia, entrevista nº7).
125
‘[O] princípio de seleção é a busca do sensacional, do espetacular. A televisão convida
à dramatização, no duplo sentido: põe em cena, em imagens, um acontecimento e exagera-lhe
a importância, a gravidade, e o caráter dramático, trágico’ (BOURDIEU, 1997, p.25,
destaque no texto). Ou seja, a televisão, uma das principais expressões da mídia,
apesar de muitas vezes ter uma programação apelativa com o único objetivo de aumentar a
audiência, ainda assim depende dos telespectadores, de suas escolhas, pois ela apenas faz o
convite.
Para manipular as pessoas que assistem e alcançarem audiência, os canais televisivos
fazem uma programação apelativa, mostram os desejos da sociedade, vende ao público a
ilusão de facilidades na vida, casa bonita, encontros inesperados na vida, empregos fabulosos,
luxo, dinheiro fácil, quase sempre os mocinhos têm finais felizes. Este sonho faz com que
muitas pessoas sigam o exemplo proposto pela mídia, mas se esquecem que a vida é real, e
por isso, nem sempre tudo dá certo, pois não há como modificar o roteiro.
Com discursos moralizantes, a Renovação evidencia a castidade como uma opção
necessária a quem deseja alcançar a salvação, no entanto, nem as pessoas do próprio
movimento confiam que esta norma é seguida. Esta questão pôde ser confirmada durante a
visita a um acampamento na Comunidade Canção Nova, pois havia um esquema de segurança
que separava a ala feminina da masculina.
Durante a fase de análise das entrevistas, tornou-se interessante comparar as respostas
e perceber que as es de filhas mulheres apostam que as mesmas casaram-se e seguiram as
regras da castidade, como Rose (entrevista nº10) que afirma ‘O namoro da minha filha foi um
namoro santo, nunca vi nada, pra mim era santo’. Bel pondera que seguir as normas não é
fácil, depende de muitos sacrifícios e penitências dos fiéis,
A gente espera que a grande maioria que vem depois de certo tempo de
caminhada, segue as orientações. Mas até que ponto a gente vai saber se a
pessoa aprendeu, aderiu? Os que a gente convive, os que estão próximos a
nós, a gente conhece, mas eles sofrem na sociedade com isso. Dizer que é
virgem na sociedade é complicado, é melhor nem falar. Se não são
fisicamente, ao menos espiritualmente são. Mas é uma coisa difícil. Aderir
ao catolicismo não é fácil. é possível a castidade através da oração
(entrevista nº18).
Em outra questão ela cita que sua filha se casaria virgem, porém quanto ao seu filho, ela
apenas pode dizer que ensinou o caminho correto.
Algumas pessoas mostram-se conscientes de que nem todos seguem as normas do
movimento, conforme comenta Valéria, Eu acredito que uns vivem e outros não. Eu vejo
126
quando tem retiro do carnaval, pessoas que estão dentro, porque uns vivem e outros não.
Eu percebo isso pelo comportamento, pelo jeito’(entrevista nº5). E essa mesma questão do
carnaval ser um período propício ao pecado é citado por Flor,
Não sei, honestamente, eu não sei, tem alguns que acredito que são, mas não
são todos. Porque tem menina noiva que está grávida em nosso meio. No
carnaval ela prometeu no retiro que não pecaria mais, e agora ficou
grávida? E foi pedido para eles ficarem na castidade, para terem um
casamento santo. Então, não são todos, mas mesmo eles não cumprindo eles
seguem o caminho da Renovação (entrevista nº 12).
127
CONCLUSÃO
O mote da pesquisa inicial foi entender como homens e mulheres modificavam seus
comportamentos sociais pautados no movimento religioso da Renovação Carismática
Católica. Porém, entender apenas como eram esses comportamentos, correria-se o risco de
cair num tema banal, discorrendo sobre a dominação masculina e da submissão feminina, um
assunto repetitivo e com poucas novidades.
Porém, algo se mostrou evidente, as pessoas que desejam entrar no movimento
carismático passam por um portal imaginário, o antes¸ enquanto impuras, perdidas no mundo
profano, entregues às tentações da carne, ao prazer, e o depois, transformadas, com a alma
protegida das tentações, e assim com o corpo fechado aos deleites da carne, o prazer que lhes
resta é a certeza da salvação. Nesse depois, os fiéis se veem com uma nova identidade, a
identidade carismática.
Essa transformação a qual as pessoas se sujeitam ao participarem do movimento da
Renovação Carismática Católica pode ser comparada a mudança no destino dos cristãos, feita
pelo ‘sim’ de Maria, que se fez o vetor de Deus para a salvação da humanidade. E por uma
mulher ser o exemplo aos carismáticos, às mulheres as restrições são maiores, pois o
movimento traz como ícone, Maria, e as premissas do tipo feminino ideal, assim, as roupas
eram censuradas, a maquiagem vetada, qualquer forma de embelezamento que pudesse
despertar a libido dos homens era um pecado.
Nas fases iniciais da pesquisa, foram perceptíveis as normas a que os carismáticos e
pretensos carismáticos se submetiam. A vida passava a ser repleta de negativas e olhares que
vigiavam o cumprimento das normas. Não se pode assistir a TV, os programas têm uma
censura inconsciente, as músicas restritas as do movimento, os vícios são proibidos, a
sexualidade controlada, ou melhor, o fiel está submetido à castidade. Daí surge a pergunta,
mas porque eles se submetiam, homens e mulheres, a tantas normas, tantos prazeres
mundanos considerados fruto do pecado e alguns até mortais. Havia um porquê dessa
transformação; eles buscavam algo que a vida com liberdade não era capaz de lhes dar. Mas o
quê?
Durante as entrevistas, as pessoas que estavam sozinhas, disseram que a sua vida
social se restringia a Comunidade, ou a Igreja e essa constatação se mostrava como uma
pista do motivo das pessoas aceitarem tantas restrições. Ou seja, em meio às restrições, se
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socializavam, eles adquiriam aos poucos uma identidade grupal. A possibilidade de tocar no
outro, de abraçar, de olhar sem receio, proporcionava aos fiéis uma segurança. Como diria
Bauman, a comunidade soa como uma música aos das pessoas, eles encontram o paraíso
perdido na comunidade, neste caso nas reuniões dos grupos de oração. Se for intermediada
uma frase do sociólogo citado e o nome da comunidade de origem, pode-se dizer que a nova
melodia, proporcionada pelo sentimento de comunidade, soa como uma Canção Nova na vida
dos carismáticos.
Se antes essas pessoas eram consideradas outsiders, por almejarem novas esperanças,
seja por doença, por término de relacionamentos, ou mesmo por solidão, elas passam a se
encontrar, porém, como tudo na vida tem um preço, essa satisfação pela confiança num dia
melhor era paga pelo controle da vida das pessoas.
Depois de aprendido os passos, ou seja, as regras, os carismáticos se entregam ao baile
imposto pela nova melodia do pentecostalismo católico, numa coreografia harmônica, ao
menos frente ao público. Durante a dança, o compasso é fraterno, promove a confiança e
todos que se mostravam perdidos na sociedade, reencontram os motivos de crerem num
mundo melhor, que se não for alcançado nessa vida, será durante o encontro com o criador.
Esse sentimento de unidade é que aproxima as pessoas do movimento, para eles é uma troca
válida, a liberdade pelo sentimento de união, é a grande recompensa pela submissão às
normas.
Apesar dos entrevistados na pesquisa, de alguma forma, mostrarem um discurso
homogêneo, afinal, são tantas as formas que a pessoa tem para acesso ao mundo carismático,
que é quase promovida uma lavagem cerebral e ter elas, assim, o discurso, obviamente, tende
a ser quase o mesmo. No entanto, esse quase. O que evidencia que contradições a
serem exploradas na identidade carismática.
Se no discurso carismático, prega-se que o uso de contraceptivos é proibido, afinal
Deus foi o criador e fez com que a humanidade fosse a co-criadora, qualquer relação sexual
fora desse contexto é a entrega do fiel ao pecado da luxúria, nem todos os entrevistados
concordam com esse pensamento do movimento carismático. Dois casais ponderam que criar
um filho gerava gastos, e não achavam justo se privarem do prazer e não se permitirem o uso
de métodos contraceptivos, mesmo indo contra as normas do movimento.
Essa afirmação contradiz a tese carismática da co-criação do mundo com Deus. A líder
da comunidade comenta que, se algo for feito diferente desse destino é a desvirtuação do sexo
pelo demônio, pois este ‘colocou tudo o que não presta pra tirar o plano mais lindo que Deus
129
pôs na criação,[...] quer dizer, Ele podia fazer sozinho, mas ele permitiu que o homem
criasse com ele’.
Outro casal teve a preocupação visível em demonstrar interação entre eles, como as
normas e o movimento eram fundamentais na relação deles, porém houve uma discussão
quanto à missão divina de procriar. O marido era a favor de terem quantos filhos Deus
mandasse, a esposa era contra, mas não por causa dos gastos, mas pela falta de atenção que
daria aos filhos. Essa seria uma decisão fácil de ser compreendida se esta família tivesse boas
condições de vida, mas, ao contrário, era a mais pobre.
Por esses dois exemplos, percebe-se que seguir as regras e dançar conforme o
compasso da Canção Nova não é uma tarefa fácil, por outro lado é uma troca racional, pois se
torna mais palpável a salvação. Se eu me privo dos prazeres é em prol de um prazer maior no
dia da salvação. E sobre essa égide, os carismáticos tentam explicar o porquê dessa aceitação.
Essa dificuldade nos passos carismáticos foi perceptível quando reencontrei uma das
entrevistadas. Passado um ano ou mais, a mesma pessoa que derramou lágrimas ao expressar
sua alegria pelo encontro com o Espírito Santo, disse que não participava mais do Grupo de
Oração, pois havia retornado a Igreja Presbiteriana. A justificativa sobre essa mudança foi a
por acreditar que se tornar uma carismática a deixaria mais próxima da sua família, mas que
naquele momento ela se sentia melhor pela opção de retornar às origens religiosas, pois sabia
que a ligação dela com sua família, não se restringia apenas à religião.
Outro ponto contraditório do discurso da líder e, consequentemente, do discurso da
Renovação Carismática, foi ela, durante a entrevista, considerar que a mulher é marginalizada
pela história machista. Mas será que a história escrita pelo movimento carismático também
não é machista? As mulheres, segundo o movimento, têm a função de serem mães, de se
dedicarem à prole, não têm necessidade de sexo, apenas de uma companhia que pode ser até
um cachorro, e muito menos direito de se valorizarem enquanto profissionais, pois isto pode
gerar a disputa entre homens e mulheres.
Por esses exemplos, das dificuldades de se seguir as regras e não escapar pelas
brechas, e pelas reuniões na comunidade serem uma forma de convívio social, percebe-se que
as pessoas vão à comunidade carismática a procura de uma identidade, além de uma forma de
interação social. O sexo pelo prazer, a satisfação profissional das mulheres, porém, ao
contrário da doutrinária carismática, ainda faz parte da rotina dos fiéis, o que demonstra que
nem sempre a regra é completamente incorporada.
Pelos jovens ainda não conhecerem a vida com os desejos e delícias mundanas, é que
se tornaram o público alvo da Renovação, pois a interação entre eles, em seus grupos, o
130
que se torna mais fácil o contato extra Comunidade. Nesse contato todos saem juntos,
participam de grupos de jovens, de excursões à Comunidade Canção Nova, eles têm a rotina
carismática impressa em no cotidiano, ou seja, são pessoas inseridas no mundo com as
mesmas regras, e, o principal, a alma ainda está alva, pronta pra ganhar uma cor nova, que
dependerá do caminho que desejarem seguir, o sagrado ou o profano.
Os carismáticos buscam supostamente identidades fixas, que lhe dêem segurança na
sociedade individualizada e estabeleçam uma identidade de grupo, porém ao se confrontarem
com doutrinas ultraconservadoras, assimilam, muitas vezes, apenas os aspectos mais
evidentes do ensinamento, ou seja, eles administram essas questões doutrinárias de acordo
com o capital cultural, econômico e social que possuem. Assim estabelecem trocas racionais,
conforme sua socialização, privam-se dos prazeres da carne, neste mundo, deste modo, eles se
sentem mais dignos de alcançarem as graças do paraíso.
Ter a identidade carismática é nunca estar só, são as pessoas, ao menos uma vez por
semana, chamarem-se de irmãos, mostrarem o quanto são importantes a Deus e todos rezarem
pelo outro. Assim, eles sentem-se aceitos no coral da Renovação, e não se dão conta dos
desprendimentos que deverão fazer na vida, no entanto, quando percebem estes sacrifícios,
muitas pessoas tendem a se despirem da identidade e, com isso, estabelecerem um dança das
cadeiras na Comunidade: os que se encontraram na vida social, cedem lugar a quem busca
novos amigos.
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Pesquisas
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CASAMENTO E USO DE CAMISINHA Datafolha, pesquisa realizada dia 5 de maio de
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MULHERES, TRABALHO E FAMÍLIA, - Fundação Carlos Chagas. In.:
http://www.fcc.org.br/mulher/series_historicas/mtf.html, acesso em 08 de agosto de 2008.
GANHOS DE HOMENS, GANHOS DE MULHERES - Fundação Carlos Chagas. In.:
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MULHERES RESPONSÁVEIS PELOS DOMICÍLIOS, POR SITUAÇÃO DO DOMICÍLIO,
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Documentos Eclesiásticos
Sexualidade Humana: Verdade e Significado – Conselho Pontifício para a Família – dia 8 de
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Orientações Teológicas e Pastorais sobre a Renovação Carismática Católica’ – 34ª Reunião
Ordinária do Conselho Permanente /1994. Brasília, DF, de 22 a 25 de novembro de 1994.
http://www.cnbb.org.br/documento_geral/LIVRO%2053-.pdf , acesso em 29 de dezembro de
2008.
Material áudio-visual da Canção Nova
DVDs
Palestras Juventude, Pe. Léo. PHS – Por Hoje Sim
Palestras Afetividade e Sexualidade, Dunga. Sexualidade Definitiva/Palavra de Deus
Palestras Igreja, Mons. Túlio Chirivello. Hom. Maria, a primeira carismática
141
Palestras Família, Mons. Jonas Abib, Submissão e Segredo.
CDs
Palestras Igreja, Pe. Leo. Servir do Jeito de Maria.
Palestra Afetividade e Sexualidade, Pe. Leo. Não Pecar contra a castidade.
Coletânea de Palestras do Pe. Leo. 7 CDs – Família Restaurada, Católicos Light
Pen Drive
2Gb – Família - 20 palestras diversas sob o tema Família.
142
APÊNDICES
143
APÊNDICE A – Carta de Cessão para autorização da pesquisa
São Carlos, 3 de julho de 2007.
Eu ___________________________________________________, _____________(estado
civil), CIC _________________, declaro para devidos fins que autorizo a pesquisa de campo
com as pessoas pertencentes e frequentadores do Grupo de Oração Hesed, da cidade de São
Carlos, o qual sou a líder/coordenadora carismática, seja de forma gravada, em conversas
informais ou observações realizadas durante os encontros do grupo, para que a pesquisadora
Luciane Cristina de Oliveira, doutoranda da FCLAr/UNESP, desenvolva sua tese, que tem
como objetivo a análise das relações de gênero promovidas dentro do movimento da
Renovação Carismática Católica, e assim possa usar os dados coletados integralmente ou em
partes, sem restrições de prazos e limites de citações, desde a presente data. Abdicando de
direitos meus e de meus descendentes, subscrevo a presente.
_________________________________________
144
Apêndice B – Histórico
Nome:
Codinome: apenas duas
pessoas quiseram escolher
um codinome
Idade: Estado Civil:
Escolaridade: Quase todos os entrevistados
tinham nível superior.
Profissão: Duas mulheres casadas o
trabalham
40
.
Forma de tratamento entre o casal: O objetivo era apreender se era comum o casal ter o
tratamento de pai e mãe, tendo em vista que a dessexualização feminina, a partir do
momento em que a mulher torna-se mãe. Porém, nenhuma das pessoas casadas utilizava
esse termo de tratamento.
Católico ou é convertido? Entre as pessoas carismáticas, como foi exposto, a
necessidade de uma adesão maior do fiel, e por esse motivo, são tratados como
neoconvertidos. Entre os entrevistados, apenas uma delas era de outra origem religiosa, era
presbiteriana, as outras pessoas todos eram católicos.
Nome do marido: (Nome da esposa)
Idade: Estado Civil:
Escolaridade: Profissão:
Número de filhos: Homens: Mulheres:
Estudam?
Trabalham?
Renda familar: Apenas para ter um parâmetro da classe social do grupo, sendo que
apenas um dos casais mostrou ser de uma classe baixa.
40
É interessante ressaltar que se as mulheres trabalham fora do espaço doméstico, o serviço é autônomo, por
isso, ressaltaram que a prole tinha prioridade ao trabalho e duas mães que trabalhavam como funcionárias
públicas, uma tinha a mãe para realizar a maternagem e a outra tinha um emprego o qual o horário era mais
maleável, conforme ela própria relatou durante a entrevista.
145
APÊNDICE C – Questionário
Sobre o envolvimento com a Renovação
O que a(o) levou à Renovação Carismática Católica?
Como você sente que é vista(o) na sociedade por essa opção?
Como as mulheres são vistas pelo movimento? E como é visto ter uma mulher a frente
do Grupo de Oração?
Qual mulher você admira e por quê?
Sobre a vida à família
Como você conheceu seu marido/noivo/namorado(sua esposa/noiva/namorada)?
o Você acredita que de uma amizade possa surgir um amor sólido, conforme
propõe o livro Namoro, do Prof. Felipe Aquino? Você se sujeitaria a isso, caso
fosse escolhida a pessoa com quem devesse namorar?
Você é feliz em seu casamento/relacionamento?
Há diálogo no relacionamento? Como você classifica o seu temperamento e o dele(a)?
Há diferenças no sentido do matrimônio entre os homens e as mulheres? Por quê?
Você trabalha? - específica às mulheres
o Se sim, como você lida com as questões familiares, o cuidado da casa, dos
filhos? Sente satisfação pela vida profissional ou sente-se culpada pela
distância da família?
o Se não, você sente falta da vida profissional? Por quê?
Há diferença no cotidiano do relacionamento entre o casal? Vocês identificam essa
diferença? Se sim, como vocês lidam com as questões da vida pública e a vida
privada?
Sobre a vida íntima
A Renovação Carismática traz uma série de normas a serem seguidas, nesse caso me
pautarei sobre questões envolvendo a sexualidade. Podemos prosseguir a entrevista?
Para você o que seria um bom parceiro/uma boa parceira?
Como você analisa sua vida íntima?
Você concorda com o ato sexual ser apenas com o objetivo de procriação? Ou seja, se
praticá-lo, não usar meios contraceptivos.
Você acredita que a mídia tem estimulado as pessoas pensarem que a vida sexual deva
ser liberal e, dessa forma, estimulando relacionamentos livres?
A castidade é um traço importante para os carismáticos. Porém, ela existe entre os
fiéis ou na vida íntima essa norma não é posta em prática?
146
APÊNDICE D – Carta de cessão
São Carlos, de de 2007.
Eu ___________________________________________________, _____________(estado
civil), CIC _______________________, declaro para devidos fins que cedo os direitos de
minha entrevista, gravada nesta data, para que Luciane Cristina de Oliveira, doutoranda da
FCLAr/UNESP, possa usá-la integralmente ou em partes, sem restrições de prazos e limites
de citações, desde a presente data, para o desenvolvimento de sua tese, que tem como objetivo
a análise das relações de gênero promovidas dentro do movimento da Renovação Carismática
Católica. Abdicando de direitos meus e de meus descendentes, subscrevo a presente.
_________________________________________
147
APÊNDICE E – Perguntas à líder
Sobre o envolvimento com à Renovação -
Como você definiria a Renovação na sua vida, quais as modificações promovidas?
Como você se vê a frente de um grupo de oração?
Sobre a vida à família -
A família começa de um namoro, o que acha que falta nos relacionamentos?
Qual é a grande questão que envolve o casal? Como é ter filhos? E se a mulher trabalhar?
Sobre a vida íntima
O que você define como sexualidade? Como a Renovação vê o ato sexual?
Qual a importância da castidade? Como é vista a televisão, ela influencia os relacionamentos
livres?
148
ANEXOS
149
ANEXO A -
Os filmes indicado pelo Vaticano
RELIGIÃO
A Paixão (La Passion) - Ferdinand Zecca (França, 1903).
A Paixão de Joana d\'Arc (The Passion of Joan of Darc) - Carl Dreyer (França, 1928).
O Senhor Vicente (Monsieur Vicent) - Maurice Cloche (França, 1947).
As Flores de São Francisco (Flowers of St. Francis) - Roberto Rossellini (Itália, 1950).
Ordet/O Mundo (Ordet/The World) - Carl Dreyer (Dinamarca, 1955).
Ben-Hur (Ben-Hur) - William Wyler (Estados Unidos, 1959).
O Nazareno (Nazarin) - Luis Bunuel (México, 1959).
O Evangelho segundo São Mateus (The Gospel According to St. Mathew) - Pier Paolo
Pasolini (Itália, 1964).
Um Homem para todos os Tempos (A Man for All Seasons) - Fred Zinnemann
(Inglaterra, 1966).
Andrei Rublev (Andrei Rublev) - Andrei Tarkovsky (União Soviética, 1966).
O Sacrifício (The Sacrifice) - Andrei Tarkovsky (Suécia/França, 1986).
A Missão - Roland Joffe (Inglaterra, 1986).
A Festa de Babete (Babette\'s Feast) - Gabriel Axel (Dinamarca, 1987).
Francisco (Francesco) - Liliana Cavani (Itália, 1988).
ARTE
Nosferatu (Nosferatu) - F. W. Murnau (Alemanha, 1922).
Metrópolis (Metropolis) - Fritz Lang (Alemanha, 1927).
Napoleão (Napoleon) - Abel Gance (França, 1927).
A Pequena Garota (Little Women) - George Cukor (Estados Unidos, 1933).
Tempos Modernos (Modern Times) - Charles Chaplain (Estados Unidos, 1936).
A Grande Ilusão (Grand Illusion) - Jean Renoir (França, 1937).
A Diligência (Stagecoach) - John Ford (Estados Unidos, 1939).
O Mágico de Oz (The Wizard of Oz) - Victor Fleming (Estados Unidos, 1939).
Fantasia (Fantasia) - Walt Disney (Estados Unidos, 1940).
Cidadão Kane (Citizen Kane) - Orson Welles (Estados Unidos, 1941).
The Lavendar Hill Mob (The Lavendar Hill Mob) - Charles Chrichton (Inglaterra, 1951).
A Estrada (La Strada) - Federico Fellini (Itália, 1954).
8 1/2 (8 1/2) - Federico Fellini (Itália, 1963).
150
O Leopardo (The Leopard) - Luchino Visconti (Itália, 1963).
2001: Uma Odisséia no Espaço (2001: A Space Oddessy) - Stanley Kubrick (Inglaterra,
1968).
VALORES
Intolerância (Intolerance) - D. W. Giffith (Estados Unidos, 1916).
Cidade Aberta (Open City) - Roberto Rossellini (Itália, 1945).
É uma Vida Maravilhosa (It\'s a Wonderful Life) - Frank Capra (Estados Unidos, 1947).
O Ladrão de Bicicletas (The Bicycle Thief) - Vittorio Di Sica (Itália, 1948).
Na Área da Praia (On the Waterfront) - Elia Kazan (Estados Unidos, 1954).
A Harpa da Birmânia (The Burmese Harp) - Kon Ichikawa (Japão, 1956).
Morangos Selvagens (Wild Strawberries) - Ingmar Bergman (Suécia, 1957).
O Sétimo Selo (The Seventh Seal) - Ingmar Bergman (Suécia, 1957).
Dersu Uzala (Dersu Uzala) - Akira Kurosawa (União Soviética/Japão, 1975).
A Árvore de Wooden Clogs (The Tree of Wooden Clogs) - Ermanno Olmi (Itália, 1978).
Carruagens de Fogo (Chariots of Fire) - Hugh Hudson (Inglaterra, 1981).
Gandhi (Gandhi) - Richard Attenborough (Inglaterra, 1982).
O Revoar das Crianças (Au Revoir les Enfants) - Louis Malle (França, 1987).
O Decálogo (Dekalog) - Krzystof Kieslowski (Polônia, 1988).
A Lista de Schindler (Schindler\'s List) - Steven Spielberg (Estados Unidos, 1993).
Nazareth Resource Library
Fonte: Conselho Pontifício para as Comunicações Sociais
In.: http://noticias.cancaonova.com/noticia.php?id=227062
151
ANEXO B –
Fotos de camisetas da Canção Nova
152
ANEXO C – Tau
153
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo